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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia
Dentro da usina mas fora da ‘família’: trabalhadores e terceirização na Companhia
Siderúrgica Nacional (CSN)
Sabrina de Oliveira Moura Dias
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2010
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
Programa de Pós-graduação em Sociologia e Antropologia
Dentro da usina mas fora da ‘família’: trabalhadores e terceirização na Companhia
Siderúrgica Nacional (CSN)
Sabrina de Oliveira Moura Dias
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós
Graduação em Sociologia e Antropologia do Instituto de
Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), como parte dos requisitos
necessários à obtenção do título de Mestre em Sociologia
(com concentração em Antropologia).
Orientador: Prof. Dr. Marco Aurélio Santana
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2010
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Dentro da usina mas fora da “família”:
trabalhadores e terceirização na Companhia Siderúrgica Nacional
Sabrina de Oliveira Moura Dias
Orientador: Prof. Dr. Marco Aurélio Santana
Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e
Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de
Janeiro - UFRJ, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em
Sociologia.
Aprovada por:
Prof. ________________________________________________
Dr. Marco Aurélio Santana (Presidente) - PPGSA / IFCS / UFRJ
Prof. ________________________________________________
Dra. Elina Pessanha - PPGSA / IFCS / UFRJ
Prof. ________________________________________________
Dr. Paulo Fontes - CPDOC/FGV
Prof. ________________________________________________
Dr. José Ricardo Ramalho - PPGSA / IFCS / UFRJ (Suplente)
Prof._________________________________________________
Dra. Regina Lúcia Morel - PPGSA / IFCS / UFRJ (Suplente)
Rio de Janeiro
Fevereiro de 2010
iv
FICHA CATALOGRÁFICA
Dias, Sabrina de Oliveira Moura
Dentro da usina mas fora da “família”: trabalhadores e
terceirização na CSN/ Sabrina de Oliveira Moura Dias. - Rio de
Janeiro: UFRJ/IFCS, 2010.
xviii, 163 f.; il; 2,2 cm
Orientador: Marco Aurélio Santana
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ IFCS/ Programa de Pós-
graduação em Sociologia e Antropologia, 2010.
Referências bibliográficas: f. 147-150.
1. Sociologia do Trabalho. 2. Terceirização. 3.
Trabalhadores terceirizados. 4. Volta Redonda. 5. Companhia
Siderúrgica Nacional. I. Santana, Marco Aurélio II.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Filosofia e
Ciências Sociais. III. Dentro da usina mas fora da “família”:
trabalhadores e terceirização na CSN
v
“À todos os entrevistados, trabalhadores e ex-
trabalhadores da Usina Presidente Vargas,
homens de fibra, mas não de aço.”
vi
AGRADECIMENTOS
Em princípio, quero agradecer imensamente a todos os trabalhadores, sejam eles
sindicalistas, chefes ou operários comuns, que concordaram em ceder parte de seu precioso
tempo livre, abrindo, por vezes, os seus lares para que eu pudesse entrevistá-los. Sou grata a
Luiz de Oliveira Rodrigues, a Renato Soares, a Carlos Perrut, ao Dr. João Campanário, que
me fizeram compreender melhor os desafio e as dificuldades em dirigir uma instituição
sindical como o Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda (SMVR). Ao Carlos Pinho,
diretor de Comunicação, que mediou e facilitou minha “entrada” no SMVR e que sempre me
recebeu, de maneira incansável, com um largo sorriso no rosto. Às pessoas que gentilmente
me acolheram e me ajudaram no sindicato durante meu período de pesquisa, especialmente a
Dona Marta, o Juarez, a Beth, a Thaís, o Jorge da gráfica e o Jorge da Secretaria do SMVR.
Àqueles outros trabalhadores entrevistados para os quais não cabe agradecimentos
nominais, por terem transformado a pressão de uma pesquisa de mestrado em momentos
agradáveis e instigantes. Àqueles trabalhadores com quem conversei “extra-oficialmente” no
sindicato e fora dele, que trouxeram elementos novos para minha pesquisa. Agradeço por
compartilharem muitas vezes com uma completa desconhecida –, de maneira intensa, seus
anseios, suas expectativas, suas frustrações e suas angústias, e por tê-lo feito com disposição e
coragem.
Ao Dr. Luiz Felipe Monsores, gerente regional do trabalho e emprego, que desde
nosso primeiro contato teve uma postura de interesse e colaboração com a pesquisa, não
medindo esforços na concessão de dados e informações, bem como prestando esclarecimentos
técnico-jurídicos ao meu trabalho.
Ao meu orientador, um agradecimento especial pelo suporte e apoio prestados nos
momentos em que mais precisei. Um “muito obrigada” por ler e fazer, pacientemente,
sucessivas revisões e melhoramentos ao texto, e por encampar meu projetos de vida mais
acalentados.
Agradeço aos professores Regina Lúcia Morel, José Sérgio Leite Lopes e José Ricardo
Ramalho por terem feito comentários e sugestão para a minha pesquisa durante a qualificação.
Agradeço aos professores Elina Pessanha e Paulo Fontes
por aceitarem participar da
minha banca, e por terem feito importantes considerações ao meu trabalho durante a jornada
dos pós-graduandos do IFCS.
vii
Aos professores com quem tive contato na pós-graduação e que me abriram as
alamedas da pesquisa sociológica e antropológica: professoras Elina Pessanha, Paola Capelin,
Gláucia Villas Boas, Neide Esterci e professores Luiz Antonio Machado, Marco Antonio
Gonçalves, Gilberto Velho, Marco Aurélio Santana, José Ricardo Ramalho e Yves Cohen.
Agradeço à Claudinha e à Denise, que fizeram sorrindo tudo que pedi “chorando”, que
resolveram meus “abacaxis” pacientemente, sem hesitar. À Ângela, Claudinha e Denise pela
torcida constante ao longo de todo o mestrado.
Ao Otávio, companheiro de todas as horas, pelo empenho na revisão e realização do
trabalho em todas as suas etapas. Obrigada pelo carinho e amor durante todos esses anos, que
tornaram mais doce e suave todos os desafio aos quais me lancei.
À minha família, que me deu suporte emocional e material para que eu chegasse até
aqui. Aos meus tios, tias e primos que tentaram ou fizeram contatos com trabalhadores para
que eu pudesse entrevistá-los. Ao meu avô Moura (in memorian) que nunca deixou de
acreditar, e que fez de todas as minhas conquistas as suas próprias. À minha avó Hilda, minha
mãe Marise e meu irmão David, pelo suporte, pelo carinho e pela força. À Simone, querida
irmã, que elaborou gráficos, fez revisões e tentou constantemente me animar quando me senti
desencorajada. Ao meu pai, um agradecimento especial pela dedicação, pelo diálogo
constante, pela disposição em me ajudar arregimentando todos os seus amigos (mesmo
quando eu não pedi), pelo carinho e por, mesmo sem querer, se tornar objeto de inspiração.
Aos novos “amigos de infância” que fiz em minha aventura pelo Rio de Janeiro: à
Marcelinha, com quem dividi meus problemas e alegrias quase que cotidianamente e que me
ajudou em meu primeiro contato com o sindicato; ao Alexandre, por encontrar tempo para ler,
corrigir e fazer sugestões aos meus trabalhos; à Raquel, pelos contatos com trabalhadores
entrevistados; à Thaís, PC, Raquel, Ludmila, Luísa, Alexandre, Gisele e Frank pelas
agradáveis tardes na Manon e por “segurar as pontas” quando a responsabilidade pareceu
muito pesada. Á Paloma que também escutou pacientemente minhas estórias e colaborou,
sempre que preciso, com minha pesquisa, com muita boa vontade. Aos companheiros da
turma de mestrado do IFCS de 2008, com quem travei diálogos construtivos e que deram um
caráter amigável e estimulante ao curso.
Ainda em tempo, agradeço aos professores Marlos Bessa Mendes da Rocha e Silvana
Mota Barbosa da UFJF, que durante a graduação me deram incentivo para que eu participasse
de seus projetos de pesquisa, desenvolvendo em mim o estímulo pela pesquisa. A todos os
amigos, parentes, professores, trabalhadores entrevistados e suas famílias que não estão
viii
nominalmente na lista, mas que foram essenciais durante a minha trajetória acadêmica e que
colaboraram de alguma maneira, direta ou indiretamente, para a realização desta pesquisa.
À CAPES pelo apoio institucional e pela bolsa de mestrado, que me permitiu ter
tempo integral de dedicação à pesquisa.
Agradeço a Deus por ter abençoado meus caminhos até aqui.
ix
“Agora eu sou das três letrinha [CSN]. E eu tenho que parar, eu tenho que acostumar a
chamar o pessoal da CSN. Eu não posso falar mais CSN, por que agora eu sou da CSN.
Então eu não posso me referir a outro funcionário CSN e falar ‘o companheiro lá da CSN’. O
Pessoal fala, ‘o companheiro lá da LTQ, o companheiro lá da Aciaria’ [...]É porque eu era
da Sankyu, quando eu me referia a alguém da CSN eu falava, pô, ‘cara lá da CSN’. Agora eu
sou da CSN. Eu não posso falar mais. Eu sou da família lá. Como se tivesse agora essa
família CSN.”
Entrevistadora: Você é da família?
“Agora tudo lá é família agora. O cara de tal área. O cara da LTQ, o cara da Aciaria. Eu
não vou falar ‘o cara da CSN’. Entendeu? Lá tem uns troços assim.”
(Mecânico da CSN, ex-mecânico da Sankyu)
“Eu todo dia gritava para o meu cachorro: ‘fora’, para
ele lembrar que não era da família” [metáfora da relação atual
com a CSN]
(Chefe da Sankyu, ex-supervisor da CSN)
x
RESUMO
Esta pesquisa tem por objetivo analisar as representações dos trabalhadores sobre as
mudanças nas relações de trabalho e emprego na Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) a
partir da expansão da terceirização de suas atividades e funções. Através de entrevistas
realizadas com sindicalistas, trabalhadores e ex-trabalhadores, buscamos compreender a
maneira como os funcionários da CSN e das firmas terceirizadas entendem a sua condição e a
de seu grupo em relação à condição de outros trabalhadores e grupos dentro da indústria. A
maneira como os empregados da CSN e os empregados terceirizados concebem sua condição
e seu papel dentro da produção, em comparação com os papéis de outros empregados,
contribui para o forjamento de múltiplas identidades dentro da categoria. A visão segregada
dos perfis desses trabalhadores da usina colabora para a construção de identidades políticas
fragmentadas. Para além das diferenças entre terceirizados e trabalhadores da CSN, buscamos
também compreender as aproximações entre os estatutos desses dois tipos de empregados
apontadas pelos entrevistados, e as expectativas em torno da CSN e das firmas terceirizadas
enquanto contratantes. A definição de “atividade meio” em 1993 possibilitou a expansão da
prática da terceirização de efetivos permanentes pelo interior das indústrias e do processo de
produção. O trabalhador terceirizado permanente inaugura uma nova situação dentro da
fábrica: não é trabalhador do quadro direto, embora desempenhe suas atividades
cotidianamente no interior da contratante; e, por outro lado, não é o trabalhador terceirizado
temporário, pois seu contrato de trabalho é por prazo indeterminado, embora o contrato entre
as prestadoras de serviços e a CSN seja por prazo determinado. Portanto, o trabalhador
terceirizado permanente está sujeito a uma multiplicidade de referências. A terceirização de
atividades anteriormente consideradas “estratégicas” às empresas abriu um precedente para a
complexificação das relações entre os trabalhadores motivando aproximações e diferenciações
que implicaram em novas formas de organizar e conceber os grupos e coletivos dentro da
usina. Além das diferenças objetivas - de salários e direitos - a terceirização estabeleceu uma
cisão subjetiva na consideração de trabalhadores terceirizados e trabalhadores da CSN, a qual
tem implicações no forjamento de sua identidade tanto no mundo trabalho, como enquanto
cidadão de Volta Redonda.
xi
ABSTRACT
This research aims to analyze the representation of workers on changes in labor
relations and employment at Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), since the expansion of
outsourcing activities and functions. Through interviews with trade unionists, workers and
former workers, we try to understand how CSN’s workers and outsourced workers understand
their condition as individuals and as groups, in relation to the condition of other workers and
groups within the industry. The way CSN’s employees and outsourced employees perceive
their condition and their role in production, compared with the roles of other employees,
contributes to construct multiple identities within the category. The segregated profile
comprehension of factory’s workers contributes to construct fragmented political identities. In
addition to the differences between CSN’s workers and outsourced workers, we sought also to
understand the similarities between the statutes of these two types of employees reported by
the interviewees, and the expectations around CSN and outsourcers as employers. The
definition of "non-essencial activities" in 1993 allowed the expansion of permanent
employees outsourcing practice within the industries and production process. The permanent
outsourced worker establishes a new situation within the factory: he is not a CSN’s employee,
although performing his daily activities within its factory; and, moreover, he is not a
temporary outsourced worker, because he has an undetermined period of employment
contract, although the contract between the services providers and CSN has definite duration.
Therefore, the outsourced permanent worker is subjected to a multitude of references. The
outsourcing of activities previously considered "strategic" to companies set the precedent for
developing the complexity of relationships among workers, motivating approaches and
distinctions between them, which have led to new ways to organize and conceive groups and
collectives inside the factory. In addiction to objective differences in wages and rights
outsourcing production has established a subjective division at the view of outsourced
workers and CSN’s employees, which has implications in the constructing of their identity,
both in the labor ground, and as Volta Redonda’s citizen.
xii
LISTA DE ABREVIATURAS
ABRAMAN – Associação Brasileira de Manutenção
Caged – Cadastro Geral de empregados e desempregados
CBS – Caixa Beneficente dos Empregados da Companhia Siderúrgica Nacional
CCQ – Círculo de Controle de Qualidade
CLT – Consolidação das Leis do Trabalho
CNM – Confederação Nacional dos Metalúrgicos
COMAU – Consorzio Macchine Utensili
CUT – Central Única dos Trabalhadores
CSA – Companhia Siderúrgica do Atlântico
CSN – Companhia Siderúrgica Nacional
CST – Companhia Siderúrgica de Tubarão
CTE – Central Termoelétrica
DIEESE – Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Econômicos
DMM – Departamento de Manutenção Mecânica
DRT – Delegacia Regional do Trabalho
ETPC – Escola Técnica Pandiá Calógeras
FEM – Fábrica de Estruturas Metálicas
FGTS – Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
FGV – Fundação Getúlio Vargas
GMC – Gerência de Manutenção Central
ICMS – Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços
INPC – Índice Nacional de Preços ao Consumidor
LTQ – Laminação de Tiras a Quente
LTF – Laminação de Tiras a Frio
METALSUL – Sindicato das Indústrias Metalúrgicas do Sul Fluminense
PJ – Pessoa Jurídica
PLR – Participação nos Lucros e Resultados
PND – Plano Nacional de Desestatização
PSTU – Partido Socialista de Trabalhadores Unificados
RH – Recursos Humanos
SENGE-VR – Sindicato dos Engenheiros de Volta Redonda
xiii
SMVR – Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda
SOM – Superintendência de Oficinas de Manutenção
SRQP – Sindicato dos Trabalhadores do Ramo Químico e Petroquímico (BA)
TQC – Total Quality Control
TRT – Tribunal Regional do Trabalho
TST – Tribunal Superior do Trabalho
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UPV – Usina Presidente Vargas
Vais do Brasil – Voest Alpine do Brasil
VW - Volkswagen
xiv
LISTA DE GRÁFICOS
Gráficos
Gráfico 1 - Percentual de desligamentos sobre o total de funcionários das empresas CSN,
Comau e Sankyu (2008)
Gráfico 2 - Percentual de desligamentos sobre o total de funcionários das empresas CSN,
Comau e Sankyu (2009)
Gráfico 3 - Percentual de trabalhadores sindicalizados da Comau, Sankyu, CSN, Vais do
Brasil e K&K
xv
LISTA DE FIGURAS
Figuras
Figura 1 - Vista do interior do Sider Shopping para a CSN
Figura 2 - Vista do interior do Sider Shopping para a CSN
xvi
LISTA DE ANEXOS
Anexo I - Perfil dos entrevistados sindicalistas e ex-sindicalistas do SMVR
Anexo II - Perfil das principais empresas terceirizadas da Usina Presidente Vargas (UPV)
Anexo III - Principais áreas e atividades terceirizadas para outras empresas na UPV
Anexo IV - Boletim 9 de novembro de 12 de junho de 2006
Anexo V - Boletim 9 de novembro de 31 de maio de 2006
Anexo VI - Boletim da Campanha Salarial Unificada de 17 de abril de 2007
Anexo VII - Boletim da Campanha Salarial Unificada de 7 de maio de 2007
Anexo VIII - Boletim da Campanha Salarial Unificada de 10 de maio de 2007
Anexo IX - Boletim da Campanha Salarial Unificada de 16 de maio de 2007
Anexo X - Boletim da Campanha Salarial Unificada de 30 de maio de 2007
xvii
SUMÁRIO
Apresentação 1
Capítulo I.
Reestruturação produtiva e terceirização
1.1. Paradigmas da produção industrial 06
1.2. Licitude da terceirização no Brasil 10
1.3. Qual terceirização? 15
Capítulo II.
Retomando Volta Redonda e a CSN
2.1. A cidade como cenário 26
2.2. Terceirização na CSN 31
2.3. A terceirização na CSN enquanto processo 37
2.4. O lugar social do trabalhador terceirizado 41
2.5. O lugar do trabalhador terceirizado na empresa 52
Capítulo III.
A formação de grupos e a flexibilidade entre as fronteiras
3.1. Trabalhadores da CSN X Trabalhadores terceirizados 58
3.2. Das vantagens e desvantagens em integrar o quadro da CSN 65
3.3. Trabalhadores terceirizados: iguais, porém diferentes 79
3.4. Da CSN para as terceiras e vice-versa: trabalhadores em trânsito 95
Capítulo IV.
4.1. Notas sobre a terceirização e a representação sindical 116
4.2. Anos 2000: a retomada da greve 118
4.3. Os terceirizados e a retomada da greve 123
4.4. Greve na CSN e greve nas terceirizadas: uma re-união possível? 134
Capítulo V: Considerações Finais 141
xviii
Referências bibliográficas 146
Internet: sites pesquisados 150
Documentos pesquisados 151
Anexo I: Perfil dos entrevistados sindicalistas e ex-sindicalistas do SMVR 152
Anexo II: Perfil das principais empresas terceirizadas da UPV 153
Anexo III: Principais áreas e atividades terceirizadas para outras empresas na UPV 155
Anexo IV: Boletim 9 de novembro de 12 de junho de 2006 156
Anexo V: Boletim 9 de novembro de 31 de maio de 2006 157
Anexo VI: Boletim da Campanha Salarial Unificada de 17 de abril de 2007 158
Anexo VII: Boletim da Campanha Salarial Unificada de 7 de maio de 2007 159
Anexo VIII: Boletim da Campanha Salarial Unificada de 10 de maio de 2007 160
Anexo IX: Boletim da Campanha Salarial Unificada de 16 de maio de 2007 161
Anexo X: Boletim da Campanha Salarial Unificada de 30 de maio de 2007 162
1
APRESENTAÇÃO
Estudar a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) e a cidade de Volta Redonda não é
um projeto original, que existe uma série de importantes pesquisas devotadas à
compreensão de suas histórias. Devido às peculiaridades de construção da cidade a
princípio, com características de uma company-town
1
–, ao significado do projeto de
construção da CSN como parte de um projeto de nação moderna, e às proporções tomadas
pelos acontecimentos que envolveram a luta dos trabalhadores e dos movimentos sociais na
década de 1980, a escolha da localidade parece por si justificável. Os fatos marcantes da
história da cidade são sincrônicos a períodos e momentos importantes da história nacional.
Embora exista um significativo número de teses, dissertações e livros dedicados à cidade, à
empresa, e aos trabalhadores, a multiplicação recente de trabalhos sobre o assunto aponta para
a persistência da vitalidade e da atualidade de seus temas.
A escolha dos terceirizados da CSN como alvo da pesquisa foi, ao mesmo tempo,
resultado de questões e problemas formulados nas disciplinas de Sociologia do Trabalho
com as quais me deparei no decorrer da minha formação acadêmica –, como de minhas
reminiscências e experiências pessoais.
Os cursos que fiz durante o mestrado, especialmente aqueles ligados à Sociologia do
Trabalho, me ofereceram um arcabouço conceitual e teórico para entender aquilo que eu
conhecia difusamente através da experiência. O estudo dos métodos japoneses de produção e
da implantação do Total Quality Control (TQC - Controle de Qualidade Total) reavivaram
minha lembrança de uma época em que, na condição de expectadora e filha, assistia meu pai e
seus colegas de trabalho funcionários da CSN apresentarem projetos de “otimização da
produção” por eles desenvolvidos, com o intuito de participarem de concursos denominados
“CCQ’s” (Círculos de Controle de Qualidade). Naquela época, não imaginava que aquela
simples apresentação, que eu, de maneira leiga, considerava um despretensioso estímulo aos
trabalhadores da CSN, localmente idealizadas, era, na verdade, parte de uma grandiosa
estratégia, mundialmente consagrada, de organização do trabalho e da produção. O foco das
novas investidas empresariais estava voltado à transformação do trabalhador, transmudado, a
partir deste momento, em “parceiro”.
1
A company-town caracteriza cidades e regiões cujo controle é de responsabilidade de uma única empresa, por
vezes pertencente a uma única família (MOREL, 1989:54 e 234).
2
Desde o momento em que me interessei e aprofundei meus conhecimentos na área dos
estudos do trabalho, passei por um processo de revisão de minha própria experiência em
relação à cidade de Volta Redonda, aos seus trabalhadores e à CSN. Munida dos códigos e
teorias da Sociologia, confrontei-os com meus conhecimentos cultivados a partir da
experiência. Com o intuito de “observar o familiar” me lancei ao desafio do “estranhamento
antropológico” (VELHO:1981) e tentei entender o mundo que me rodeava há tanto tempo não
como um dado natural, mas como uma construção. Neste sentido, lembrei-me de uma frase
proferida regularmente, quase sempre em tom depreciativo, que ouvi repetidas vezes durante
minha vida: “ele não é trabalhador da CSN, é terceirizado”. Inicialmente considerava a
sentença um preconceito irrelevante e inofensivo, de caráter meramente localizado. A partir
do momento em que decidi me empenhar em entender o que estava por detrás da condição de
trabalhador terceirizado e, particularmente, de trabalhador terceirizado da CSN em Volta
Redonda, entendi que aquelas declarações eram parte de algo muito maior do que eu
imaginava.
Durante a pesquisa, já com os sentidos devotados à observação da cidade e aos
trabalhadores da CSN, ouvi outras declarações mesmo quando não as estimulei sobre
temas que tangenciavam meu objeto de pesquisa e instigavam minha sensibilidade. Em
conversa sobre relacionamentos amorosos com a diarista de minha casa, ela mencionou
criticamente o fato de uma amiga sua haver declarado em tom orgulhoso e, “tirando uma
onda”, estar “saindo” com um “cara da CSN”. Em outro momento, conversando com um
conhecido, pedi que ele me apresentasse trabalhadores que eu pudesse entrevistar. Ele
redargüiu dizendo
que tinha um amigo, mas perguntou se haveria serventia, que ele era
“peão mesmo”. O “peão mesmo” em questão era, na verdade, coincidentemente, um
trabalhador terceirizado que eu havia entrevistado. Embora esse trabalhador tivesse passado
por várias funções em diferentes empresas terceirizadas, naquela época, ele ocupava uma
função de nível hierárquico superior em uma terceirizada da CSN. A menção elogiosa ou
depreciativa de pessoas externas à indústria sobre seus trabalhadores denuncia a permanência
de uma cultura de referência da Usina Presidente Vargas (UPV) e de seus empregados que
são, historicamente, alvo dos olhares e das impressões públicas. Embora essas representações
sobre o papel da indústria e de seus empregados no imaginário e na cultura local façam parte
de uma esfera fugidia de análise, porque relacionadas a elementos não quantificáveis da
realidade, aceitei o desafio de tentar entendê-las, a partir dos relatos dos entrevistados, como
uma variável que tem implicações diretas na maneira como os trabalhadores apreciam sua
condição.
3
Todas as conversas e declarações que ouvi desinteressadamente na condição de
moradora da cidade, bem como aquelas que ouvi enquanto pesquisadora me remetiam a uma
questão primordial: o que significa atualmente ser trabalhador da CSN e ser trabalhador
terceirizado, em todos os sentidos que essa identidade sugere (tanto material quanto
subjetivamente)? Como a experiência desses dois tipos de trabalhadores – que trabalham
cotidianamente lado a lado dentro da UPV – os aproxima e/ou divide?
Com o intuito de tentar entender a construção da identidade desses grupos de
trabalhadores, recorri primordialmente ao trabalho de entrevistas com funcionários e ex-
funcionários da UPV. Na lista de entrevistados constam sindicalistas, trabalhadores jovens e
maduros, de diferentes empresas terceirizadas e da CSN, chefes e subordinados, trabalhadores
antigos e calouros. O roteiro de perguntas girava em torno dos seguintes pontos essenciais: as
diferenças entre trabalhadores da CSN e das empresas terceirizadas que atuam dentro da
usina; a avaliação do atual estatuto de trabalhador terceirizado; sobre alguns desdobramentos
históricos da terceirização e da condição de trabalhador terceirizado; sobre a relação entre
trabalhadores do quadro direto e indireto entre si; e, por fim, sobre suas expectativas de
emprego e trabalho. Neste sentido procurei compreender, através das entrevistas, o tipo de
representação que os trabalhadores diretos e indiretos da CSN fazem em relação à situação
uns dos outros, em relação a sua própria situação e ao trabalho que executam. Utilizei ao
longo de todo o texto de dissertação um número significativo de transcrições, com o intuito de
analisar não apenas o conteúdo da fala, mas também o sentido que ela carrega. “O que se diz”
tem tanta importância quanto o “como se diz”. Notoriamente, alguns relatos alocados em
determinada seção do trabalho, fazem sentido em outras partes do texto. Este fato é resultado
do esforço do pesquisador em ordenar todas as múltiplas ideias e impressões dos entrevistados
em capítulos de dissertação. Espero apesar disso, não ter perdido a “unidade espiritual” e a
vivacidade de suas experiências em suas falas.
Tive muitas dificuldades no decorrer da pesquisa no que tange ao acesso às fontes
documentais e à realização de entrevistas. Inicialmente, estabeleci e mantive contato com a
CSN através de seu setor de Recursos Humanos (RH), de seu órgão de Comunicação e de sua
Biblioteca. Em princípio, tanto o RH quanto o pessoal da Biblioteca da CSN se mostraram
inclinados a colaborar com a pesquisa (designando profissionais com determinado perfil para
serem entrevistados, ou permitindo o acesso a documentos e livros). Contudo, a partir de
determinado momento, esses funcionários interromperam o contato: o RH deixou de fazer
contato desde que lhes enviei o roteiro de entrevista com as questões acima descritas para
serem submetidas à apreciação de sua coordenação; o pessoal da Biblioteca deixou de
4
responder meus e-mails desde que pedi que o dia de visita que faria ao lugar fosse remarcado.
Nem os funcionários da Biblioteca, nem os do RH deram qualquer explicação sobre essa
mudança de postura.
De qualquer maneira, o silêncio do RH em relação a minha proposta fez com que eu
não enfrentasse os tradicionais problemas oriundos do conhecimento dos entrevistados por
intermédio de seus empregadores, o que permitiu que os trabalhadores falassem mais
livremente sobre suas opiniões e expectativas. Embora meu pai trabalhe na CSN anos,
apenas um dos entrevistados me foi apresentado por ele. Todos os outros, ou eram conhecidos
meus (número menor), ou eram conhecidos de amigos e parentes meus (maior parte dos
casos).
O departamento de Comunicação Social me concedeu algumas poucas revistas e
jornais de circulação interna e um CD-ROM com o relatório anual da empresa em 2008, que
já se encontrava integralmente disponível na home page oficial da CSN.
Estruturei a dissertação em 4 capítulos que procuram responder, de alguma forma, as
questões acima suscitadas. No primeiro deles, recuperei alguns momentos nodais da história
da terceirização, tanto como estratégia empresarial quanto como instrumento juridicamente
institucionalizado. A partir das múltiplas vertentes que caracterizam o processo de
terceirização, situei o meu objeto de pesquisa na análise, grosso modo, de terceirizados
permanentes que desempenham suas atividades dentro da UPV. No capítulo 2, fiz uma breve
revisão da bibliografia sobre Volta Redonda, com o intuito de enfatizar o papel histórico da
CSN na dinâmica local. Descrevi resumidamente o processo progressivo de segmentação e
terceirização de grande parte das atividades de manutenção dos quadros da CSN, e introduzi
algumas opiniões acerca do processo dentro da UPV. O sentimento de que a discriminação e a
separação estabelecidas no interior da fábrica estariam transcendendo seus muros sugere que
houve uma extrapolação das relações de desigualdade construídas no mundo do trabalho para
o território da cidade, com reflexos sobre a subjetividade dos trabalhadores terceirizados e da
CSN.
No capítulo 3, dei ênfase tanto às representações que erigem fronteiras na
caracterização de trabalhadores terceirizados e trabalhadores da CSN, e de diferentes tipos de
terceirizados na cadeia produtiva, como nas considerações que revelam pontos de contato e
aproximação entre esses estatutos (trabalhador direto e indireto de variadas firmas). Também
considerei a flexibilidade das fronteiras entre esses grupos, a partir da possibilidade de
trânsito permanente entre eles.
5
Por fim, no capítulo 4, esbocei algumas das consequencias da fragmentação dos
trabalhadores da UPV para a força e a unidade da representação sindical. Empenhei-me em
demonstrar que as representações sobre a atitude grevista recente dos trabalhadores
terceirizados em contraposição à atitude tida como “passiva” e “resignada” dos trabalhadores
da CSN alimentava a diferenciação de seus papéis e agregava, comparativamente, novas
definições à construção de suas identidades.
6
Capítulo I
1.1. Paradigmas da produção industrial
Parece consistir consenso generalizado entre pesquisadores e estudiosos das relações
de trabalho a profunda mudança e os impactos econômicos e sociais representados pela
alteração dos padrões de produção. Corroborando a tese de que o capitalismo possui um alto
potencial de revolucionar sua própria estrutura e, portanto, atualizar permanentemente suas
formas de dominação, a sucessão de sistemas e arranjos de produção das quais a passagem
do fordismo ao toyotismo consiste na versão mais atual – e a multiplicação de tipos de
trabalho têm envolvido as relações humanas em uma espiral infindável de novas
sociabilidades.
A reestruturação produtiva
2
global, sistematicamente difundida na década de 1970,
bem como a organização da produção fordista que a antecedeu, são considerados resultados
destas renovações periódicas dos métodos de produção capitalista em busca de maior
eficiência e lucro. Antes delas, a transformação da produção artesanal familiar em trabalho
fabril representou importante referencial de pesquisa e tema de discussão sobre a alteração das
relações de trabalho que levaram à modificação da própria dinâmica da vida em sociedade.
Da organização familiar da produção, passando pela reunião de operários no espaço
fabril, pela organização fordista do trabalho, até a reestruturação produtiva e o chamado
“modelo japonês”, temos um leque de sucessivas maneiras de organização da produção e das
relações de trabalho. Entre críticos da precarização das novas formas de produção e
entusiastas do progresso representado pelos novos métodos, subjaz uma questão: para além
das novas tecnologias materiais e organizacionais, os ciclos de inovação da produção
capitalista trouxeram consigo um importante impacto na subjetividade do trabalhador. A cada
nova filosofia e organização industrial correspondem novas habilidades, características físicas
e/ou psíquicas e intelectuais demandadas aos indivíduos e aos grupos de trabalhadores
(PINTO, 2007:46-47).
2
Ramalho e Santana (2003) alertam para a variedade de situações e processos reunidos sob o epíteto de
“reestruturação produtiva” que esvaziam o termo de seu potencial explicativo. Cabe, portanto, neste trabalho, a
retomada desta atenção que deve ser dada aos contornos específicos da aplicação deste e de outros conceitos às
realidades concretas. É com este cuidado de entender o conceito dentro do contexto que procuraremos analisar a
terceirização como uma das facetas daquele processo em Volta Redonda.
7
As mudanças no processo produtivo parecem assumir um ritmo particularmente veloz
no último século. O desenvolvimento de tecnologias e o investimento em pesquisas de gestão
e administração dos negócios têm resultado em uma aceleração das mudanças no mercado de
trabalho mundial. O padrão de emprego e as sociabilidades construídas, cada vez mais
efêmeras, fazem com que as sucessivas gerações de trabalhadores pareçam cada vez mais
distantes umas das outras.
A produção fabril inaugurou a moderna relação de trabalho. Expropriado dos meios de
produção, alienado do produto de sua lida e dispondo unicamente da força de trabalho como
mercadoria, o trabalhador dos séculos XVIII e XIX perdeu progressivamente a sua
autonomia. A mercantilização do trabalhador consistiu na venda da sua força de trabalho em
troca de um salário, que passou a ser o intermediário entre o trabalhador e a reprodução de
suas condições de vida (MARX, 2002).
O século XX testemunhou a ascensão do paradigma científico de organização fabril. A
indústria automobilística ofereceu a base para um novo padrão de otimização do
funcionamento da cadeia produtiva através do rigoroso controle do tempo, da concentração
das atividades em uma única linha de montagem, da automatização de algumas funções e da
divisão da fábrica em áreas de ultra-especialização de tarefas repetitivas (PINTO, 2007). Os
modelos de produção projetados por Taylor de ultra-divisão e especialização do trabalho – e
por Ford de especialização e organização da produção em massa em linhas de montagem
intensificaram a cisão entre o trabalhador e o produto do seu trabalho (OLIVEIRA, 2006).
Mas foi também à época de consagração do fordismo que se desenvolveu uma sólida estrutura
de direitos e instituições de defesa do trabalho, que forneceram a base da identidade do
trabalhador moderno. Através das políticas do Welfare State, o trabalho e suas instituições se
transformaram em elementos centrais de integração social e, portanto, foco privilegiado das
preocupações dos Estados nacionais (CASTEL, 1998). As proteções e as garantias sociais
foram marcas importantes da época fordista, pois propiciaram a institucionalização da
condição de trabalhador assalariado como paradigma das sociedades democráticas (CASTEL,
1998).
O fordismo não forjou apenas novas técnicas, mas também alterou as relações entre os
trabalhadores, a percepção de seu trabalho e sua dignidade, suas relações de emprego, e sua
conduta diante do renovado pacto de dominação. A dinâmica da implantação do fordismo foi
palco da consagração do assalariamento como corolário de uma identidade social
estreitamente vinculada à identidade profissional. O desempenho do papel de trabalhador era
essencial ao funcionamento concertado de todo o organismo social (CASTEL, 1998). Ser
8
trabalhador assalariado no período fordista era uma condição que significava um
reconhecimento social material e imaterial do indivíduo. O estatuto de trabalhador assalariado
era, sobretudo, um elemento estruturador de uma identidade social (CASTEL, 1998).
Portanto, a “ruptura” com o fordismo não seria possível se essas relações não fossem
novamente abaladas. Embora haja discordâncias sobre o grau de novidade e de cisão do
chamado toyotismo com relação ao fordismo, não é possível negar que o advento do novo
modelo introduziu alterações substanciais no cotidiano do trabalho e da vida do trabalhador.
A partir de meados do século XX, a indústria automobilística japonesa propôs um
novo tipo de racionalização da produção através da flexibilização do processo produtivo como
um todo. Em primeiro lugar, o produto final teve de se adaptar quantitativa e qualitativamente
à demanda (CORIAT, 1994). Para tanto, a própria infra-estrutura da empresa teve de ser
alterada: ao invés de uma grande unidade produtiva, o “modelo japonês” está calcado na
fragmentação das etapas em pequenas e médias empresas que possibilitam uma maior
versatilidade do produto e da produção. Ao invés de a grande empresa assumir parcial, ou
completamente os riscos do negócio, a produção reestruturada pelo modelo japonês prega o
compartilhamento das inseguranças entre as redes de empresas associadas (CORIAT, 1994).
O trabalhador passou a ser multifuncional, ou seja, conhecedor de diferentes fases da cadeia
produtiva. O ritmo e a intensidade do trabalho foram aprofundados devido às horas-extras
necessárias para atender prontamente a demanda. O controle e a vigilância deixaram de ser
individuais e passaram para o grupo, fato que propiciou uma horizontalização da hierarquia.
Incentivou-se a autonomia e a criatividade do trabalhador, e o controle gerencial externo
passou a ser internalizado pelos funcionários (CORIAT, 1994; OLIVEIRA, 2004; PINTO,
2007).
A necessidade de contar com uma capacidade ociosa de trabalhadores em períodos de
multiplicação das encomendas levou a uma flexibilização do emprego (PINTO, 2007). Uma
vez que a produção é controlada pela inconstância e as incertezas do mercado, os
trabalhadores ficaram ainda mais suscetíveis às flutuações econômicas. Portanto, a
reestruturação produtiva engendrada pelo modelo japonês de organização da produção
coincidiu com investidas cada vez mais intensas dos empregadores para flexibilizar a
legislação trabalhista (CARDOSO, 2003).
A implantação do “modelo japonês” de produção, originado na produção
automobilística da empresa Toyota, representou, portanto, um momento de profundas
transformações com relação às formas de trabalho que informavam um tipo específico de
experiência laboral. O fordismo havia sido uma escola, um consagrado modelo de produção
9
que teve efeitos duradouros sobre a organização do trabalho, mas também sobre a atitude e a
mente do trabalhador.
Um ponto de convergência que caracteriza todas as mudanças na organização da
produção capitalista é a característica de processo global. Guardadas as devidas
singularidades com relação ao tempo, à proporção da difusão das inovações e ao nível de
afetação, todas as inovações produtivas foram difundidas para locações muito além das
fronteiras de sua formulação original. A internacionalização das economias nacionais e a
globalização fizeram com que as técnicas consideradas eficientes do ponto de vista do lucro
se tornassem quase uma lei universal, devido ao encadeamento das redes de produção e
consumo mundiais. Esse processo de intensas alterações no mundo do trabalho tem mudado
profundamente a “forma de ser da classe trabalhadora” (SILVA e FRANCO apud
ANTUNES, 2007).
Em suma, pretendemos com este breve apontamento das fases que caracterizaram as
transformações históricas nos padrões de produção, particularmente as mais recentes,
enfatizar um resultado comum a todas essas inovações tecnológicas e organizacionais: a
profunda mudança das relações de trabalho. Cada nova fase, responsável pela consagração de
novas aptidões individuais e sociais, pela inauguração de novas instituições para a formação
dos trabalhadores, bem como por reformulações jurídico-institucionais com o intuito de
regulamentar essas relações, impõe mudanças significativas não apenas na forma do trabalho,
mas na própria visão e nas expectativas que se tem com relação a ele. É a partir deste ponto
que esta pesquisa situa seu cerne: as modificações nas relações de trabalho e de emprego
ocasionadas pela reformulação dos preceitos produtivos. De maneira geral, nosso foco está na
apreensão das mudanças sofridas pelas relações de trabalho e de emprego a partir da
introdução dos preceitos flexibilizadores na indústria siderúrgica, especificamente, a
intensificação do recurso à terceirização das atividades produtivas. Situamos nossas
preocupações nesta transição e, especialmente, na coexistência de trabalhadores formados
dentro da lógica de trabalho e emprego do fordismo e os trabalhadores “nascidos” sob o signo
da flexibilização.
10
1.2. A licitude da terceirização no Brasil
Por ser experiência histórica relativamente recente em países da periferia do sistema
capitalista mundial como o Brasil, a reestruturação produtiva ainda suscita intensos debates
que envolvem a sociedade, políticos, empresários e trabalhadores. Decorridos alguns anos do
início de sua implantação, é possível analisar com maior precisão seus resultados, bem como
discutir a conveniência da adaptação desses preceitos à realidade nacional. O final da década
de 1980 e, principalmente, o início da década de 1990, forneceu o contexto de surgimento e
implantação do toyotismo no Brasil. Mas a consolidação e a acomodação dos novos
procedimentos e técnicas, tanto à realidade micro da empresa, como ao mercado de trabalho e
às regulamentações institucionais no plano nacional, são fruto de processos mais lentos e
graduais.
A reestruturação produtiva tem como seu eixo central o recurso à flexibilização do
trabalho com o intuito de assegurar a competitividade no plano internacional. Dentro deste
panorama, a terceirização emerge como principal artifício da estratégia de flexibilização
(SILVA e FRANCO, 2007:140). A terceirização das atividades permite à empresa contratante
transformar os custos fixos com mão-de-obra em custos variáveis, ou seja, adaptar a produção
e as contratações às oscilações da demanda e do consumo (CONCEIÇÃO e LIMA, 2009:189;
DAU, 2009:169).
A terceirização das atividades produtivas ainda hoje representa um desafio para o
Direito do Trabalho (CARELLI, 2007:59). A atualidade da discussão sobre sua expansão ou
retração polariza importantes segmentos da sociedade como estudiosos, trabalhadores,
entidades políticas, sindicais e sociais, públicas e privadas. Na linguagem dos administradores
e empresários, a terceirização caracteriza-se como aumento da competitividade e expansão
dos empregos. Já na dos críticos, ela aparece como precarização das relações de trabalho e das
condições materiais (salários e direitos). Para as instituições sindicais, a terceirização
representa a fragmentação do coletivo de trabalhadores. Nos meios jurídicos e políticos a
terceirização é defendida por aqueles que se nutrem de argumentos liberais em prol da
intensificação da flexibilização das leis, e atacada por aqueles que a consideram um meio para
a precarização generalizada dos trabalhadores.
11
O debate recente sobre a criação de uma lei que regulamente a terceirização
3
reacende
as disputas em torno da expansão da terceirização de um lado, e do refreamento e amenização
de seus impactos através da equiparação dos direitos dos empregados terceirizados em relação
aos empregados diretos (CARELLI, 2007:66).
Embora a subcontratação seja um elemento presente nas relações de trabalho desde o
início do século XX
4
, o ponto de partida de nossos questionamentos está situado na
intensificação da terceirização recente, que caracterizou a mudança nos padrões de trabalho e
emprego que marcaram o período anterior. O foco está na “nova terceirização” (DRUCK,
1999:155) que representou a intensificação e expansão da prática em direção a funções e áreas
consideradas centrais à produção industrial, e de caráter permanente e contínuo. A
terceirização, anteriormente típica dos setores tradicionais da economia, passa a abarcar os
setores modernos e de ponta, aprofundando a precarização nas relações de trabalho (DRUCK,
1999:156). A terceirização que é fruto da flexibilização recente das leis trabalhistas suscita
problemas e questões peculiares à história da evolução das relações de trabalho e emprego e
ao atual arranjo dos elementos que a definem.
A terceirização no Brasil permitiu à empresa flexível transferir às empresas
contratadas a responsabilidade sobre a produção de materiais ou sobre a alocação de mão-de-
obra que não fossem parte das etapas essenciais (“atividade fim”) da empresa. Em
contraposição à grande fábrica fordista – que abrigava todas as etapas da produção –, a
empresa flexível e enxuta só se ocupa de funções focalizadas, estratégicas e essenciais ao
negócio (CASTELLS, 1999). Ao desmembrar algumas etapas do processo produtivo e
subdelegá-las a empresas prestadoras de serviços, seria possível à empresa contratante
potencializar a qualidade do serviço e do produto. O acirramento da concorrência entre as
empresas terceirizadas para oferecer o serviço ou produto mais especializado levaria ao
aumento da produtividade e da qualidade da produção (LEIRIA, 1992).
A terceirização consiste na contratação de empresas fornecedoras de produtos ou mão-
de-obra e serviços considerados desvinculados da “atividade fim” da tomadora de serviços,
3
Não uma legislação que regulamente a terceirização no Brasil (Robson Santana, 2007:185; Conceição e
Lima, 2009:196-197). Sua licitude esta assegurada por decretos, enunciados e súmulas que foram elaborados a
partir das decisões dos órgãos da Justiça do Trabalho, e consolidadas pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST)
(Carelli, 2007:59-60). A normatização da terceirização no Brasil é de autoria da jurisprudência do poder
judiciário, do TST, e não do poder legislativo. (Artur, 2007)
4
Carelli (2007:60) aponta para o fato de que a “locação de serviços” e a empreitada estavam previstas no
Código Civil de 1916. Druck (1999) por outro lado, mostra como a prática da terceirização, mesmo na ausência
de uma regulamentação legal, estava presente nas formas de contratação para trabalho doméstico ou domiciliar,
contratação de rede de fornecedores e de serviços periféricos antes mesmo da reestruturação produtiva mundial
recente.
12
isto é, alienáveis das etapas consideradas essenciais à elaboração do produto acabado. O
empregador contrata para a realização de sua “atividade meio” a “atividade fim” do
contratado (prestação de serviços ou fornecimento de produtos). Embora a ligação entre essas
duas empresas – contratante e contratada – seja de natureza civil-comercial, o vínculo que liga
o trabalhador que produz um produto, ou que trabalha para a empresa contratada a
prestadora de serviço é, assim como dos trabalhadores diretos da contratante, de natureza
trabalhista, regido pelas normas da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Ainda hoje, não uma lei específica sobre a terceirização (ARTUR, 2007:18;
CARELLI, 2007:59-60; ROBSON SANTANA, 2007:185; CONCEIÇÃO e LIMA, 2009:196-
197). A atual definição de terceirização lícita está respaldada no conceito de “atividade meio”.
A elaboração jurídica do conceito de “atividade meio” está ancorada no enunciado 331 do
TST, principal instrumento de regulamentação desse expediente no Brasil (CONCEIÇÃO e
LIMA, 2009:196-197). A expansão da possibilidade de terceirização das atividades
produtivas contida no enunciado 331 foi resultado da flexibilização do enunciado 256,
que regulamentava os casos extraordinários de contratação de mão-de-obra por empresa
interposta desde 1974
5
(DAU, 2009:174).
A subcontratação foi alvo de regulamentação específica nos anos de 1974 e 1983,
época em que sua validade se limitava, respectivamente, aos casos de contratação de
temporários e serviços de vigilância (ARTUR, 2007:101; CARELLI, 2009:61)
6
. O enunciado
256 do TST, que circunscreveu a legalidade da subcontratação aos casos
supramencionados, foi uma medida intervencionista com o intuito de frear a tendência à
terceirização (ARTUR, 2007:70). Naquela época, um dos princípios basilares da interpretação
jurisprudencial era o de “integração do trabalhador à empresa”, que primava pela realização
de contratos de trabalho por tempo indeterminado, e no qual a subordinação a um único
empregador estabelecia o vínculo direto entre as partes. Os serviços de manutenção e limpeza,
5
Segundo as diretrizes publicadas no Diário de Justiça da União em outubro e novembro de 1986, o enunciado
256 do TST postula que “salvo nos casos de trabalho temporário e serviço de vigilância previstos na lei
6019, de 3/01/74, e nº 7012, de 20/06/83, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta,
formando-se o vínculo diretamente com o tomador de serviços”. (Artur, 2007:132)
6
É importante ressaltar que Carelli (2009) aponta para o fato de que a lei que regulamentou a contratação de
serviço temporário em 1974 caracteriza o “fornecimento de mão-de-obra temporária em situações excepcionais”
e não a terceirização propriamente dita. A partir daí as empresas poderiam contratar outras empresas que fossem
especializadas em trabalho temporário para serem inseridas na unidade produtiva da contratante (Carelli,
2007:61). O Contrato temporário é utilizado em geral para a substituição e acréscimo extraordinário na demanda
de funcionários. Atualmente, ele tem duração de 3 meses e, em contraste com a terceirização, garante ao
trabalhar isonomia de salários em relação ao funcionário que substitui (GUIMARÃES, 2009:52). Ao contrário
da terceirização, os trabalhadores contratados através de agências de emprego temporário, ou “locadoras de mão-
de-obra” para trabalharem dentro da unidade da tomadora de serviços, ficam sujeito às ordens da contratante.
a empresa terceirizada e seus empregados seriam caracterizados pela sua autonomia (ausência de subordinação
em relação à contratante), especialização e know-how (Carelli, 2007:61).
13
devido à natureza contínua do trabalho e à sua execução na sede da empresa contratante, eram
considerados essenciais e, portanto, em teoria, atividades não terceirizáveis (ARTUR,
2007:101 e 108).
Pressionados pelo discurso economicista flexibilizador - que defendia a terceirização
como forma evitar o desemprego e, até mesmo, como propiciadora da criação de novos
empregos (DAU, 2009:171-172) –, pela administração pública e pelas fraudes cometidas por
terceirizações ilícitas, os juristas e ministros do TST decidiram expandir a medida,
incorporando outros serviços como os de limpeza e conservação (ARTUR, 2007:108). O
enunciado nº 331 introduziu uma flexibilização na legislação trabalhista a partir da elaboração
de novos conceitos e critérios que expandiram a abrangência da terceirização lícita
7
. A revisão
de alguns conceitos e a elaboração de outros findou por caracterizar como “atividade meio”
não apenas os serviços de apoio como segurança, jardinagem ou alimentação, como também
atividades produtivas estratégicas e diretamente ligadas à produção, como é o caso da
manutenção (FARIA, 1994).
Além do critério de “atividade meio”, outros elementos que caracterizam o contrato de
trabalho e a legalidade da terceirização são a ausência de subordinação direta e de
pessoalidade do terceirizado em relação à contratante (ARTUR, 2007:108; DAU, 2009:173).
A cobertura do trabalhador pelo Direito do Trabalho e as salvaguardas da CLT sempre
estiveram vinculadas ao requisito da subordinação. A “subordinação” foi definida
classicamente como a existência de uma relação de hierarquia, ordem, obediência e sujeição
dos empregados em relação a seus empregadores. O conceito de “subordinação” era o
principal instrumento jurídico de definição do vínculo empregatício. Porém, formas de
trabalho flexibilizadas como a contratação de trabalhadores com personalidade jurídica
8
, a
figura do autônomo que trabalha para um único patrão, o trabalho a domicílio e a
terceirização via falsas cooperativas de trabalho, representam a evolução para formas sutis de
subordinação (DRUCK, 1999; ARTUR, 2007:52-53). A partir da terceirização, o conceito de
subordinação foi flexibilizado e passou a designar também “trabalho não realizado em
atividade fim da empresa” (ARTUR, 2007:65).
7
Além das terceirizações permitidas pelo enunciado 256, o enunciado nº 331 do TST estatuiu que “Não forma
vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (lei nº 7013, de 20/06/83), de
conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade meio do tomador, desde que
inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.” (Artur, 2007:133)
8
A contratação de funcionário na forma de “pessoa jurídica” (em lugar “pessoa de física”) configura contrato de
natureza civil e, portanto, escapa ao requisito de pessoalidade do contratado. Esses casos estão fora da alçada da
Justiça do Trabalho, caso não seja constatada fraude.
14
A multiplicação das relações de trabalho e de emprego tem forçado os juízes e juristas
a revisarem a adequação dos conceitos tradicionais do Direito do Trabalho. A dificuldade da
“subordinação” em abranger as formas contratuais múltiplas derivadas das relações de
trabalho terceirizadas motiva a defesa de alguns destes agentes da expansão do conceito para
casos em que não possibilidade de constatação cabal das formas de mando e poder que
pautam a relação entre empregados e empregadores (ARTUR, 2007).
a pessoalidade, como caracterizadora da relação de emprego, refere-se ao contrato
estipulado entre o empregador e uma pessoa única. O contrato de trabalho está adaptado aos
serviços de uma pessoa, o trabalhador, que tem que ser necessariamente uma “pessoa física”
(CARELLI, 2007). Nos contratos firmados entre a empresa contratante e a empresa
contratada, não deve haver pessoalidade em relação ao trabalhador que presta o serviço.
Neste arranjo de forças advindo da terceirização, a responsabilidade do vínculo
empregatício em caso de judicialização trabalhista pertence ao prestador de serviços. O
contratante tem apenas uma responsabilidade subsidiária, isto é, arcará com os custos dos
direitos trabalhistas e previdenciários caso a empresa prestadora de serviço (contratante direta
do empregado) não tenha condições de fazê-lo por falência ou desaparecimento. (ARTUR,
2007:109-111; DAU, 2009:174)
9
. Cabe ao contratante a fiscalização da idoneidade da
empresa contratada e de sua capacidade de arcar com as despesas em caso de judicialização
trabalhista.
Atualmente, os empresários pressionam pela permissão da terceirização nas funções
vinculadas à “atividade fim” das empresas (DRUCK e FRANCO, 2007:104; CONCEIÇÃO e
LIMA, 2009:203-204)
10
. A regulamentação da demanda patronal de subcontratação dos
profissionais das áreas de operação industrial por exemplo uma “atividade fim” –,
implicaria no fim das barreiras à terceirização. Este tipo de situação poderia levar ao
nivelamento por baixo das condições de trabalho. É importante lembrar que o estágio atual de
debates sobre a expansão da terceirização em direção a “atividade fim” teve na terceirização
9
As Centrais Sindicais atualmente lutam pela caracterização da responsabilidade solidária da empresa
contratante (CONCEIÇÃO e LIMA, 2009:209). Isto significaria que, quando da necessidade de pagamento de
direitos previdenciários e trabalhistas sonegados, a justiça poderia executar tanto a tomadora como a prestadora
de serviços, ou as duas em conjunto (ROBSON SANTANA, 2007:180). Embora a responsabilidade solidária
faça parte do novo Código Civil, ela ainda não tem sido praticada pelos tribunais (CARELLI, 2007: 67).
10
Robson Santana (2007:182) menciona a luta que o Sindicato dos Trabalhadores do Ramo Químico e
Petroquímico do Estado da Bahia (SRQP) tem empreendido contra a instalação de cooperativas de operadores no
Pólo. A terceirização indiscriminada das atividades produtivas tramita no Congresso Nacional atualmente através
do Projeto de Lei 4330/2004 (Dau, 2009:179). Na prática, a flexibilização do enunciado 331 e a
terceirização de “atividade fim” já tem sido implementadas com a permissão do judiciário, desde que haja
“idoneidade e especialização das empresas contratadas” (CONCEIÇÃO e LIMA, 2009:198).
15
da “atividade meio” seu precedente primordial, ou seja, que a precarização dos terceirizados
implicou na expansão das investidas empresariais em direção aos trabalhadores do “centro”.
A nova fronteira que passou a delimitar o escopo de terceirização juridicamente
possível a partir do enunciado nº331 do TST desconsiderou a manutenção industrial como
atividade essencial, relativizou o conceito de subordinação e introduziu a ausência de
pessoalidade como critério. Assim, surgiu o precedente para que as empresas terceirizassem
suas funções - consideradas “atividade meio” - desde que ausentes a autoridade e a
responsabilidade do contratante com relação à contratação do trabalhador, com relação ao
pagamento do salário e à realização do serviço. Embora o trabalhador terceirizado seja, em
tese, empregado da prestadora de serviços e, portanto, a ela deva prestar contas sobre seu
trabalho, na prática, é recorrente o exercício de autoridade de mando e de hierarquia sobre o
desempenho do trabalhador contratado
11
. A própria natureza do tipo de contratação de
serviços - a serem realizados no espaço físico da contratante - sem uma contrapartida de
intensificação da fiscalização, parece colaborar para o desrespeito do princípio de
subordinação, na definição da relação de emprego. Estabelecida a demarcação que reúne a
possibilidade de terceirização lícita, a área que passa a integrar a nova ilicitude é representada
pela transgressão às premissas de atividade meio, de ausência de subordinação e pessoalidade.
1.3. Qual terceirização?
Embora o termo “terceirização” seja muitas vezes tratado como um bloco monolítico,
a abrangência de práticas que a designação reúne sugere uma variedade de condições e
realidades específicas oriundas do mesmo processo. Compactar todos esses casos específicos
sob a denominação “terceirização” compromete a real apreensão dos resultados de sua
implementação.
Sob o signo da “terceirização” estão reunidas práticas que, em caráter geral,
representam a flexibilização da produção através da possibilidade de transferir a outras
empresas atividades consideradas complementares e acessórias à consecução dos objetivos
principais da contratante (o core business empresarial). Porém, na prática, os variados tipos de
11
Em Artur, a transcrição de uma entrevista com o Ministro Ives Gandra no qual ele relata este tipo de burla
do princípio de ausência de subordinação direta entre empregado da prestadora e empregado da tomadora de
serviços em uma empresa petrolífera. (Artur, 1007:106-107)
16
terceirização utilizados pelas empresas apresentam diferenças significativas em sua forma e
resultados. As principais possibilidades de subcontratação de trabalho compreendem:
Contratação de autônomo para trabalho doméstico ou domiciliar;
Rede de contratações de empresas fornecedoras de produtos, equipamentos ou
peças;
Subcontratação de serviços de apoio, realizado por empresas especializadas em
uma determinada atividade;
Subcontratação de empresas prestadoras de serviço ou trabalhadores
autônomos para atuarem em áreas produtivas centrais;
A quarteirização, prática na qual a empresa terceirizada subcontrata outra
empresa para prestação de serviços a sua contratante (DRUCK, 1999:157).
A terceirização via coooperativas de produção (ALVES apud ARTUR,
2007:67)
Portanto, os problemas e desafios causados pela flexibilização terceirizante não são
homogêneos. Cada uma dessas formas reunidas e qualificadas sob o termo “terceirização”
deve ser alvo de análises específicas que levem em conta aspectos como a existência ou
inexistência de vínculo formal de trabalho, o tipo de relação contratual de prestação de serviço
(se o foco é um serviço ou um produto) e o lugar em que se realiza a atividade terceirizada.
Nos dois primeiros casos, as atividades produtivas são realizadas externamente à unidade de
produção da contratante. Enquanto na subcontratação de serviços em domicílio e na
subcontratação para fornecimento de produtos, a empresa contratante terceiriza através da
realização de etapas da produção fora de suas instalações, na subcontratação de serviços de
apoio e serviços especializados, as atividades são, quase sempre, realizadas no interior da
tomadora (DRUCK, 1999: 154-157). A subcontratação de serviços de apoio caracteriza a
contratação de profissionais que não participam diretamente da produção, como os
profissionais de alimentação, de limpeza ou vigilantes. A subcontratação de empresas para
áreas produtivas centrais caracteriza o desempenho de atividades permanentes e contínuas
como a manutenção de equipamentos.
A primeira forma de terceirização acarreta, em geral, informalidade e não
reconhecimento de vínculo empregatício com a contratante (DRUCK, 1999:157; ARTUR,
2007:66). Nas outras formas, caso haja terceirização lícita, a contratação dos serviços gera
vínculo empregatício do trabalhador junto à prestadora de serviços, exceto na contratação de
17
funcionário autônomo. A contratação de funcionário na forma de pessoa jurídica (PJ)
configura contrato de natureza civil e, portanto, escapa ao requisito de pessoalidade do
contrato de trabalho. Tanto na contratação de trabalhador autônomo individual as PJs
como na de trabalhadores autônomos cooperativados, o empregador muitas vezes prima pela
realização de um tipo de contrato que abole a relação empregatícia com o intuito de driblar o
pagamento dos direitos trabalhistas (DRUCK e FRANCO, 2007). Desta forma, este tipo de
trabalhador terceirizado encontra-se alheio à cobertura do contrato padrão de trabalho e,
portanto, fora da esfera de proteção do Direito do Trabalho, se não for constatada fraude.
Os diferentes contratos de “terceirização” comportam tanto a “relativa” estabilidade
representada pela assinatura de um contrato de trabalho por tempo indeterminado com a
prestadora de serviços (embora esta tenha um contrato por tempo determinado com a
contratante) bem como graus variados de vulnerabilidade representados tanto pelo contrato
temporário ou pelo serviço por empreitada
12
. Desta forma, entre os trabalhadores
terceirizados, existem aqueles que, apesar de não gozarem dos mesmos direitos e benefícios
dos trabalhadores diretos, desfrutam de coberturas e garantias sociais asseguradas pela
formalidade (os terceirizados fixos ou permanentes), e existem aqueles que possuem vínculos
mais precários, e que gozam de uma proteção ainda menor (caso dos terceirizados
temporários).
Quanto à organização sindical e ao forjamento da solidariedade, as formas de
terceirização apresentam problemas diferentes. No caso da exteriorização das atividades
produtivas, ocorre uma pulverização dos trabalhadores entre variadas empresas. Este tipo de
segmentação da produção gerou a dispersão das solidariedades e, conseqüentemente, o
enfraquecimento dos sindicatos. A dilapidação dos laços que uniam os trabalhadores foi
resultado da segmentação espacial da mão-de-obra.
Para o tipo de terceirização que nos interessa nesta pesquisa, seu mecanismo de
funcionamento, embora não consista na dispersão espacial dos trabalhadores por diferentes
empresas, parece ter sido tão eficiente quanto aquele na diluição das solidariedades. Embora
os trabalhadores terceirizados e diretos trabalhem cotidianamente em estreita
complementaridade, diferenças importantes nas condições materiais (de direitos e salários)
12
Na indústria metalúrgica as “empreitadas”, isto é, alocação para serviços com prazo determinado, é um recurso
típico para obras de construção civil dentro da empresa e também de manutenção intensiva nas ocasiões de
parada das máquinas. o Contrato Temporário que tem duração de 3 meses – podendo ser renovado por mais 3
meses – é um recurso mais comum em casos de substituição temporária de funcionários permanentes, ou quando
um incremento extraordinário dos serviços por períodos mais extensos. O Contrato Temporário garante ao
trabalhador isonomia de salário em relação aos trabalhadores que têm um Contrato de Trabalho por Tempo
Indeterminado.
18
que caracterizam o estatuto de cada um deles. A terceirização de atividades internamente à
empresa cria uma situação em que trabalhadores que trabalham lado a lado, em funções
visivelmente semelhantes, são distintamente considerados e recompensados (DRUCK, 1999).
Além das diferenças objetivas, algumas empresas recorrem a estratégias de segmentação
visual (uniformes) e espacial (de refeitórios, vestiários, salas e oficinas) dentro do espaço de
trabalho que conduzem a um aprofundamento da diferença entre funcionários da contratada e
da contratante (DRUCK, 1999). A terceirização de etapas outrora realizadas por trabalhadores
diretos dentro das grandes empresas contribuiu para a fragmentação da identidade política no
interior do espaço fabril.
Diferentemente do processo em que as atividades são transferidas para o exterior da
tomadora onde são criadas segmentações extra-fabris dos trabalhadores –, quando a
terceirização é interna à empresa, trabalhadores diretos e terceirizados cultivam uma relação
de proximidade física, sendo levados a compartilharem os mesmos espaços, embora tenham
consciência de que suas condições de emprego são significativamente distintas.
Para os sindicatos, essa fragmentação do coletivo de trabalhadores intra e extra-fabril
causa desafios diferenciados: enquanto a dispersão dos trabalhadores em unidades produtivas
diferentes cria uma fragmentação da base de representação sindical da categoria, a divisão dos
trabalhadores entre várias empresas dentro de uma mesma unidade fabril pode acarretar uma
fragmentação em função de diferentes enquadramentos da categoria e também intra-sindicato,
devido à proliferação de contratos e acordos coletivos para trabalhadores dentro de uma
mesma categoria e, principalmente, de uma mesma unidade produtiva.
A apreciação das peculiaridades que caracterizam o universo de trabalhadores
terceirizados é ainda mais necessária quando à caracterização generalizante em torno da
terceirização assoma-se uma conclusão homogênea e igualmente generalizante: a
precarização. A terceirização quando vinculada à precarização sugere uma homogeneização
do processo que esconde as nuances das diversas formas de terceirização e do significado que
lhes é atribuído pelos trabalhadores.
Portanto, a terceirização pode significar para o trabalhador uma revogação parcial ou
total de direitos, ou seja, uma formalização “flexibilizada”, ou na informalização decorrente
do desemprego ou de formas atípicas de emprego. Em função disso, a terceirização aparece
quase sempre vinculada à precarização do trabalho na obra de especialistas sobre o tema, bem
como na fala de deres sindicais e trabalhadores. Desde 1994 quando foi expandida –, a
terceirização foi alvo de pesquisas que intentavam medir seu poder devastador nas relações de
emprego e trabalho. Dentre os resultados da adoção generalizada do expediente flexibilizador
19
no Brasil estão, segundo pesquisa recente do Dieese: a desverticalização das atividades e as
privatizações; a redução de custos com mão-de-obra, a diminuição da estrutura hierárquica e a
redução dos custos econômicos diretos com o trabalho (admissão, treinamento e benefícios
sociais). Dentre os efeitos da vulnerabilidade causada na condição dos trabalhadores estavam:
as contratações ilegais, sem registro em carteira; a redução de benefícios sociais e dos salários
e a diminuição da parte fixa dos rendimentos e ampliação da parte variável. Os trabalhadores
estariam sujeitos à ambientes de trabalho precários em relação à sua saúde e segurança, a
jornadas mais extensas de trabalho à desqualificação profissional e à dificuldade de
organização social que leva à dificuldade de reivindicar melhoria dos direitos e dos salários
(DIEESE, 2008)
13
.
Todos esses elementos em conjunto caracterizam o processo de terceirização que
conduziu à degradação do estatuto de trabalhador. Porém, o processo se distingue da prática
da terceirização, que é múltipla e variada. O processo sem dúvida trouxe uma precarização
generalizada. Mas ela não foi igual para todos: suas consequências, embora inegavelmente
nefastas para os trabalhadores, apresentam níveis de precarização diferenciados.
Particularmente nesta pesquisa, que tem como foco de análise uma indústria siderúrgica, o
processo terceirizante, para aqueles trabalhadores que à época da expansão da terceirização
gozavam de empregos com cobertura social plena possivelmente resultou em: demissão sem
reintegração ao mercado de trabalho, ou à formalidade, ou na demissão e recuperação total
(como trabalhador direto de outras empresas) ou parcial dos direitos (na condição de
trabalhador terceirizado). É importante lembrar que muitas das diferenças em direitos e
benefícios entre trabalhadores do quadro e terceirizados permanentes está assegurada por
cláusulas introduzidas em acordos e convenções coletivas
14
(conquistas históricas) do que
pela lei, que em tese ambos estão cobertos pela CLT. Para trabalhadores que adentram o
mercado de trabalho em uma lógica flexível, a empresa terceirizada pode representar um
empreendimento natural e uma oportunidade de galgar a formalidade, bem como um contrato
de trabalho por tempo indeterminado, mesmo que na condição de “assalariado precarizado”
15
.
Esses expoentes da terceirização (empregado com cobertura parcial
comparativamente ao empregado direto –, trabalhador sem vínculo e atípico e desempregado),
13
Documento intitulado “Reflexos da terceirização no mercado de trabalho” disponível em:
www.dieese.org.br/cedoc/4066.ppt
14
Como PLR, plano de saúde, auxílio transporte e alimentação, piso salarial e plano de previdência da empresa.
À exceção do último benefício, os outros podem ou não ser oferecidos pelas empresas terceirizadas. As empresas
terceirizadas que oferecem esses benefícios o fazem, em geral, com uma qualidade inferior à contratante. Mas
também empresas terceirizadas que não oferecem nenhum desses benefícios.
15
A expressão é utilizada por Silva e Franco (2007:132).
20
embora precarizados, não devem ser confundidos. Utilizar qualquer uma dessas condições
para resumir a terceirização é demasiado simplificador. Portanto, o perigo inerente à
generalização é a perda da dimensão dos tipos de precarizações que resultam da terceirização.
Embora o processo terceirizante seja, no conjunto das relações, precarizante, seus resultados
para os trabalhadores apresentam gradações e níveis diferenciados. Para além do simples
binômio trabalhador terceirizado/trabalhador precarizado, é preciso estabelecer com que tipo
de terceirização se está lidando, e em que nível de precarização se está trabalhando. Atribuir
naturalmente o adjetivo “precário” aos trabalhadores terceirizados indistintamente é perigoso
na medida em que alguns deles sequer consideram sua situação enquanto tal, ou mesmo, se a
consideram precária, tem a consciência de que ela não é idêntica à de outros trabalhadores
subcontratados.
Não queremos afirmar com isso que a dimensão precarizante esteja ausente da
terceirização acreditamos que ela está presente em parte significativa dos casos –, mas que
existem graus distintos de situações em que os trabalhadores terceirizados podem ser
considerados menos ou mais precarizados. Neste sentido, embora o trabalhador terceirizado
permanente não compartilhe dos mesmos direitos e benefícios que o trabalhador direto e
permanente, ele está assegurado por um contrato de trabalho por tempo indeterminado,
benefícios como plano de saúde, PLR e cestas básicas (em alguns casos), contrariamente
àqueles terceirizados que não possuem vínculo formal, ou que desfrutam da formalidade
temporária. Mas a associação mecânica entre terceirização e precarização faz com que o
último termo seja utilizado para definir tanto aqueles que gozam de direitos dilapidados pela
terceirização, bem como para aqueles que não gozam de nenhum direito (em casos de
terceirização ilícita). É importante salientar que, embora concordemos que a precarização é
um termo que cabe, em geral, à análise dos dois tipos de terceirizados (com ou sem direitos),
acreditamos que a utilidade de tal qualificação obedece à consideração das formas distintas de
terceirização. A diferença entre trabalhadores terceirizados permanentes e temporários é
deveras importante para que seja reduzida à mesma precarização.
16
Não relevar esta diferença,
significa desqualificar a importância do contrato por tempo indeterminado, um dos principais
símbolos de reconhecimento social do trabalhador.
É importante salientar que a diferença nas condições e direitos do trabalhador formal
terceirizado em relação ao trabalhador direto terminou por “transformar o status de
16
A dificuldade em enquadrar a terceirização reside na própria variedade de seus regimes de contratação. Além
da contratação de funcionários por prazo indeterminado, existem ainda outras nove possibilidades de contratação
previstas em lei. Por isso, a terceirização constitui um fenômeno de difícil mensuração (TEIXEIRA e
PELATIERI, 2009:20)
21
trabalhador assalariado”. O status de trabalhador assalariado e formal ganha novos sentidos a
partir da diversificação das condições de trabalho abrangidas pela carteira assinada.
Assim como o trabalhador terceirizado formal não é igual ao trabalhador terceirizado
informal, ele também difere do trabalhador assalariado vinculado à empresa contratante. A
categoria terceirizado formal também comporta outros estatutos: o terceirizado com contrato
por prazo indeterminado e aquele por prazo determinado
17
. A multiplicação de casos de
formalidade precarizada é, em síntese, um dos resultados da proliferação indiscriminada de
suportes jurídicos flexibilizadores e da heterogeneização institucionalizada ou não dos
estatutos de trabalhador a partir do processo de flexibilização extensiva e intensiva da
categoria trabalho.
Por outro lado, a associação entre trabalhador direto/estável e trabalhador
terceirizado/instável também deve ser alvo de um escrutínio caso a caso. Afinal de contas, a
flexibilização não é um atributo exclusivo do trabalho terceirizado, mas de todos os
trabalhadores em conjunto. A diferenciação entre estáveis e instáveis é mais adequada à
países onde a produção flexível convive com quadros de trabalhadores com emprego vitalício.
No Brasil, nas empresas privadas, não existe a figura do emprego vitalício e a estabilidade no
emprego foi extinta desde 1966 com a criação do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS). Portanto, à exceção do emprego público, a instabilidade é um elemento característico
do mercado de trabalho brasileiro
18
.
Embora estas sejam constatações óbvias, elas são importantes na medida em que
alguns trabalhos que mencionam a terceirização acabam por tratar o tema de maneira
homogênea e simplificadora. De maneira similar, uma associação recorrente e socialmente
vulgarizada entre terceirização e informalidade ou terceirização e trabalho temporário. Além
17
As empresas de siderurgia trabalham constantemente com ampliação do quadro de trabalhadores de
manutenção durante as paradas das máquinas, que demandam serviços pidos e intensivos. Este tipo de
incremento de mão-de-obra é em geral realizado a partir da contratação de empresas terceirizadas externas, ou
através de aditamentos contratuais com prestadoras de serviço que já atuam na planta da contratante.
Diferentemente dos contratos por tempo indeterminado, firmados com trabalhadores terceirizados permanentes,
o contrato a termo (com hipótese legal prevista nos artigos 442 e 443 da CLT) caracteriza uma relação de
trabalho instável (que depende da duração da atividade) ou com prazo de término definido. As atividades das
paradas podem durar dias ou meses. Nestes tipos de contratos para atividades de “paradão” as empresas
terceirizadas costumam negociar com o SMVR a extensão da jornada de trabalho para 10 ou 12 horas diárias. No
entanto, entrevistados que afirmam ter chegado a trabalhar 18 horas nestas ocasiões. Para o trabalhador
permanente de manutenção (seja ele terceirizado ou direto) os paradões são oportunidades de incrementar o
salário com horas-extras.
18
Outra particularidade que deve ser levada em conta no estudo da terceirização são as peculiaridades do
processo em diferentes países e culturas. Segundo o Dieese (2008) as principais atividades terceirizadas na
Europa são: desenvolvimento de software, processamento de dados, vendas, serviços de atendimento ao cliente;
pesquisa, desenvolvimento e design; finanças; recursos humanos e gerenciamento; enquanto que no Brasil a
terceirização se
concentra nas áreas de: limpeza, vigilância, centrais de atendimento (call centers); suporte
administrativo, manutenção, transporte, alimentação e informática (ver www.dieese.org.br/cedoc/4066.ppt).
22
desses tipos de terceirização (muitas das quais ilícitas) a terceirização comporta a
possibilidade de um contrato formal padrão, por tempo indeterminado. O estágio de
desenvolvimento das relações entre a empresa terceirizada e seus trabalhadores (e as
conquistas por eles galgadas), bem como o grau da especialização do serviço contratado
também geram diferenças na extensão dos benefícios e, conseqüentemente, nas condições dos
terceirizados.
Em termos de processo, ou seja, da passagem de uma situação à outra, a terceirização,
em geral implica em precarização. Mas em seus resultados práticos as terceirizações
despontam, salvo exceções, em infindáveis precarizações.
casos em que a terceirização é desejada pelos próprios trabalhadores. Funcionários
qualificados, com alto nível de instrução, em grandes capitais como São Paulo, podem optar
conscientemente pela figura da terceirização do tipo “contratação de trabalhador com
personalidade jurídica”. Embora esta situação represente apenas uma minoria de trabalhadores
com alto nível de instrução e habitantes de grandes cidades –, ela é uma possibilidade de
apreciação da terceirização que diverge de suas análises tradicionais
19
. Então a questão é: para
trabalhadores que escolhem a condição de terceirizado, é adequado utilizar a categoria
“precarizado”? Para quais tipos de trabalhadores a terceirização consiste em precarização? O
trabalhador terceirizado é invariavelmente inferior ao direto em todos os aspectos segundo sua
concepção? vantagens mesmo que pequenas na contratação pela empresa terceirizada
em relação à contratante?
Outro elemento importante na condução desta pesquisa é a idéia de que a terceirização
não é estática e, portanto, o grau de precarização (ou de distanciamento das formas contratuais
clássicas) que ela acarreta varia ao longo do tempo. Análises sobre o processo de terceirização
do início da década de 1990 têm grandes chances de apresentarem elementos defasados em
relação ao atual estágio das relações de emprego e trabalho terceirizadas. Nos relatos aqui
reunidos, a condição de terceirizado permanente, embora caracterizada como inferior em
relação aos trabalhadores diretos, apresenta melhorias em relação a seu estágio inaugural
20
.
Da mesma forma, Robson Santana (2007), diretor do SRQP, analisando o processo de
terceirização em Camaçari, ressalva que, embora o trabalhador terceirizado continue
19
Embora não represente a maioria dos casos de terceirização, experiências de sucesso na implementação do
processo terceirizante. Nestas situações, a empresa prestadora de serviços detém especialização e know-how,
possui funcionários qualificados e com bons salários (SANTOS, 2009:9). Na CSN empresas terceirizadas
que, segundo os entrevistados, possuem essas características. A existência de “terceirizações justas” altera, em
certa medida, para os trabalhadores, a consideração negativa generalizante sobre a prática da terceirização.
20
Mais adiante discutiremos um pouco sobre a comparação entre o início da terceirização na CSN e sua atual
conjuntura, a partir da “fala” daqueles que acompanharam parcial ou integralmente a evolução do processo.
23
precarizado em relação ao trabalhador direto, as condições de trabalho dentro fábrica
melhoraram de tal maneira que alguns subcontratados particularmente os de manutenção
que tem maior nível de qualificação têm atualmente os mesmo “confortos” anteriormente
desfrutados exclusivamente pelos trabalhadores do quadro direto da empresa. Em
contraposição a um período em que os refeitórios e vestiários precários dos terceirizados
distinguiam-se diametralmente em termos de limpeza, asseio e conservação daqueles
destinados aos trabalhadores diretos, hoje em dia todos os trabalhadores dentro do complexo,
independentemente da empresa, compartilham as mesmas instalações ou muito parecidas
(ROBSON SANTANA, 2007:172-174).
O acesso a locais limpos, o direito ao cafezinho e a uma comida melhor, longe de
representarem banalidades, acrescentam dignidade à condição de trabalhador terceirizado.
Santana (2007) chega a afirmar que, diferentemente dos primórdios da terceirização, quando
havia discriminação e desconfiança do trabalhador direto em relação ao trabalhador
terceirizado efetivo, atualmente, a igualdade entre os dois grupos dentro da empresa é tão
significativa
21
que por vezes, “do ponto de vista do dia-a-dia da empresa, é como se o
trabalhador não fosse terceirizado” (ROBSON SANTANA, 2007:172). Contudo o autor deixa
bem claro que a diferença persiste com relação aos salários e aos direitos.
A mudança de tratamento em relação ao quadro de terceirizados deveu-se, segundo
Santana (2007), à pressão do SRQP contra as más condições de trabalho dos subcontratados e
também à vontade da empresa em reduzir os conflitos. Independentemente da razão, é
possível perceber que há continuidades e descontinuidades em relação à terceirização de
outrora. Acima de tudo, acreditamos que a terceirização deve ser tratada enquanto processo
histórico. Embora os progressos na melhoria da condição de trabalhador terceirizado sejam
pequenos, eles não devem ser desconsiderados apenas porque não contemplam todos os
problemas advindos de sua institucionalização. Este tipo de postura não tem nenhuma relação
com o elogio, muito menos com a defesa da terceirização, mas sim com a tentativa de
compreender a história do processo e as mudanças que ele acarreta na subjetividade e nas
expectativas de trabalhadores diretos e, principalmente, terceirizados. Druck e Franco (2007)
ao comentarem o relato de Santana concluíram que:
“No entanto, são inquestionáveis os avanços obtidos para os terceirizados, que
agora contam com condições mais decentes de trabalho no que diz respeito a
21
Santana (2007) menciona o compartilhamento de refeitórios, a participação em reuniões e atividades
recreativas conjuntas e uniformes com um padrão igual. Os trabalhadores diretos e indiretos são reconhecidos
dentro da fábrica através do crachá. (ROBSON SANTANA, 2007:172).
24
esses aspectos tão elementares, mas que fazem diferença para a dignidade
desses trabalhadores, assim como para aproximá-los diretamente dos
contratados.” (DRUCK e FRANCO, 2002:117)
Portanto, outra questão que estas melhorias suscitam é a possibilidade de aproximação
e consequente diminuição das diferenças que caracterizam trabalhadores terceirizados e
diretos. Novamente é importante lembrar que, assim como o grau de precarização é distinto
de acordo com situações específicas (forma da terceirização, função terceirizada), as
melhorias também devem ser objeto de um olhar verticalizado, que leve em conta casos
particulares. Na CSN, embora tenham sido relatadas melhorias nas condições de trabalho do
funcionário terceirizado, elas não parecem equivalentes àquelas verificadas por Robson
Santana (2007) no Pólo Petroquímico.
Embora tenhamos suscitado algumas questões que consideramos importantes para
que a análise sobre a terceirização seja compatível com a heterogeneidade de suas formas –,
não temos a pretensão de respondê-las todas neste trabalho. O importante a reter aqui é o fato
de que a terceirização é múltipla tanto nas formas em que se apresenta, bem como são
múltiplas as considerações dos trabalhadores sobre seu caráter: ela é heterogênea tanto na
forma como no conteúdo. Neste sentido, a pesquisa qualitativa que realizamos, embora não
permita uma avaliação extensiva e abrangente do tema, viabiliza apontar casos que
possibilitam uma maior complexificação da visão sobre a terceirização. Na análise das
entrevistas, é notório o fato de que o lugar de onde se origina a “fala” orienta a interpretação
do processo e da prática de terceirização: se a “fala” é de “dentro” ou de “fora” da condição
de terceirizado; se ela é emitida por terceirizados de tal ou qual empresa; e, por fim, se quem
fala é um trabalhador terceirizado que participa do quadro dirigente da empresa contratada ou
não. Uma questão importante que poderia ocupar pesquisas quantitativas ulteriores é o peso
da trajetória, da idade e da qualificação profissional na avaliação de trabalhadores
terceirizados sobre sua própria condição.
Para além da importância do acréscimo do debate sobre a terceirização, é essencial
definir qual o tipo de terceirização que está em pauta, uma vez que, dada a abrangência de
casos que o termo designa, não é possível generalizar conclusões a partir de situações
particulares. O tipo de terceirização em foco nesta pesquisa caracteriza-se: 1) Pela
terceirização de atividades anteriormente vinculadas ao quadro da contratante a CSN, em
nosso caso –, que tiveram na edição do enunciado 331 sua legalidade assegurada; 2) Pela
contratação de empresas prestadoras de serviço especializadas para atuarem na planta da
contratante, especialmente no desempenho de atividades de manutenção; 3) Pela análise de
25
funções terceirizadas que exigem, em geral, uma escolarização de nível técnico ou médio; 4)
Pelo vínculo de formalidade e pelo contrato de trabalho por tempo indeterminado
22
.
22
Embora muitas das prestadoras de serviços arroladas na pesquisa reúnam em seu quadro de mão-de-obra tanto
o trabalhador com Contrato de Trabalho por Tempo Indeterminado (ou permanente), como trabalhadores que
atuam em obras e empreendimentos curtos, regulamentados pelo Contrato de Trabalho por Tempo Determinado.
Alguns entrevistados terceirizados já passaram pela experiência de “trabalhadores temporários”, condição
comumente conhecida como “peão-de-trecho” (mais adiante voltaremos ao tema).
26
Capítulo II
2.1. A cidade como cenário
Volta Redonda é uma cidade que ficou consolidada no imaginário nacional como um
experimento de gestão social que marcou uma época. Durante a década de 1940, a cidade foi
erigida com o objetivo de sediar a maior indústria siderúrgica do país. O empreendimento era
parte de um grande projeto desenvolvimentista do Estado Novo, que tinha como objetivo
inserir o Brasil no mapa das nações modernas e industriais do mundo. Pragmaticamente, a
construção da CSN tinha por objetivo estimular a industrialização do país, bem como
direcioná-lo para sua independência econômica e política (MOREL, 1989:37; FERNANDES,
2001). Simbolicamente, a criação da cidade de Volta Redonda tinha a intenção de tornar
público e visível o modelo de relação de classes que deveria se tornar padrão em todo o
território nacional durante o governo de Getúlio Vargas. Indústria e cidade associadas era uma
experiência exemplar que inaugurava a modernização nacional representada pela
industrialização pesada e pela harmonia entre capital, trabalho e Estado. Embora outras
empresas estatais tivessem sido criadas neste período, a CSN foi a única que fez emergir em
torno de si uma cidade inteira (MOREL, 1989:58).
Desde sua origem, a cidade de Volta Redonda foi planejada para ser o berço da
Companhia Siderúrgica Nacional. A existência de sua malha urbana esteve, desde o início,
subordinada à função de sediar a indústria e seus trabalhadores (MOREL, 1989:63). A
escolha de uma área anteriormente rural para a criação da cidade e de seu complexo urbano
obedecia à necessidade de oferecer suporte e infra-estrutura para o funcionamento da
indústria. A organização de seus bairros de operários e de engenheiros, a definição das áreas
habitáveis, bem como a concentração dos aparatos urbanos estava completamente direcionada
a atender a indústria. A lógica cotidiana, o trabalho, o lazer, os equipamentos urbanos estavam
direta ou indiretamente ligados à CSN, uma vez que a estatal era proprietária e responsável
por grande parte dos recursos e serviços locais
23
. As esferas do trabalho e da vida extra-fabril
estavam indissociavelmente arraigadas no cotidiano da cidade, posto que a CSN atuava em
23
De acordo com MOREL (1989:128) os serviços urbanos prestados pela CSN em 1948 eram: “conservação de
estradas e ruas; manutenção e conservação de parques e jardins; horto florestal e reflorestamento; serviço de
limpeza urbana; manutenção das redes de água e esgoto da cidade; manutenção das redes e distribuição de
energia elétrica; transportes coletivos; serviço de polícia e bombeiros da cidade e banda de música.”
27
todas as esferas da vida do cidadão-trabalhador, ora como empregadora, ora como
responsável pelos serviços e pela moradia. Portanto, a construção de Volta Redonda
representou a criação de uma relação umbilical de interdependência entre a cidade e empresa.
Sobre a construção da cidade e a localização da CSN, Lopes (2003) comenta que:
“As indecisões sobre a localização da sede da Prefeitura, desde o plano Corrêa
Lima, e passando por todos os planos que o sucederam para a cidade, podem ser
vistas como uma metáfora das dificuldades da municipalidade se situar no
circuito de poder e decisão. Ao contrário, a recusa da proposta de Hélio
Modesto de situar a sede da CSN no espaço industrial da usina, e a sua
construção definitiva no lugar destinado no plano de Corrêa Lima à Prefeitura,
foi uma afirmação inequívoca do poder da empresa perante a cidade. O lugar no
espaço tende a ser o lugar no poder.” (LOPES, 2003:164)
A simbiose entre a cidade e a empresa era tal, que uma era considerada sinônimo da
outra (MOREL, 1989:234-235). A intromissão da CSN, para além da usina, na vida pública e
privada do cidadão-trabalhador fazia parte de um amplo esforço da empresa em criar laços de
lealdade junto aos empregados que legitimassem o discurso da “família siderúrgica”. A
“família siderúrgica”, expressão amplamente veiculada pela CSN entre os trabalhadores,
representava a prática assistencialista de concessão de benefícios sociais
24
, e o apelo à
cooperação entre todos os trabalhadores como forma de controle e diluição de possíveis
conflitos (MOREL, 1989:79). A “família siderúrgica” encarnava a ideologia corporativista do
Estado Novo, que visava a incorporação dos trabalhadores à lógica dos projetos nacionais de
colaboração entre empregados, empregadores e o Estado. Posteriormente, na década de 1950,
o apelo à “família” não foi suficiente para conter a insatisfação crescente com a CSN
(MOREL, 1989).
A acumulação desses atributos de cidade-empresa e trabalhador-cidadão fez com que
os acontecimentos que envolviam as relações de trabalho dentro da empresa se expandissem
naturalmente pelo espaço, e assumissem projeções de níveis cada vez maiores. Os desafios
que eram colocados à política nacional, os dilemas e embates que eram resultados da
implantação das modernas relações de trabalho, bem como o desenvolvimento das instituições
de defesa do trabalhador, são todos elementos que marcaram a história da cidade. A cidade-
24
A concessão de casas com aluguéis reduzidos para alguns trabalhadores, auxílio funeral (em caso de óbito do
funcionário), hospitalização de funcionários para tratamento de doenças, dispensas de 5 e 8 dias para os
trabalhadores que se casassem ou perdessem familiares, respectivamente, auxílio enfermidade e alimentação
gratuita (sopa, café, lanche) (MOREL, 1989:127). A empresa ainda subvencionava clubes e estabelecimentos de
ensino na cidade para os filhos de seus funcionários (MOREL, 1989:221). Com o intuito de reforçar o caráter de
benfeitoria e da dádiva”, a empresa enfatizava repetidas vezes que muitos desses benefícios não eram
contemplados pela CLT (MOREL, 1989:127).
28
empresa tornou-se repetidas vezes o palco da encenação da luta entre o capital e o trabalho,
materializada pelas disputas entre a CSN e seus trabalhadores.
A mistura das atribuições da CSN, como patrão, proprietária das casas e dos recursos
da cidade (inicialmente) findou por complexificar a luta dos trabalhadores. As reivindicações,
tanto em relação a elementos que envolviam a esfera do trabalho stricto senso, como em
relação a demandas derivadas do crescente conflito urbano, funcionaram, segundo Morel
(1989), como combustível e aprendizado importante para a construção de lutas que seriam
intensificadas mais tarde. Embora houvesse uma forte pressão do Estado, tanto em sua forma
conciliadora (exemplarmente caracterizada pela idéia da concessão de benesses sociais),
quanto na sua forma coercitiva de ação (principalmente nos anos da ditadura militar), havia
brechas que permitiam a autonomização e politização das demandas sociais (MOREL, 1989).
Nos anos de 1950 e início de 1960, o Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda
(SMVR) começou a despontar como legítimo representante das demandas dos trabalhadores.
Embora as greves estivessem ausentes da estratégia sindical, o SMVR empreendeu
importantes conquistas aos trabalhadores, principalmente no âmbito da defesa de seus
direitos. A imagem fundacional da CSN, estruturalmente erigida sob o signo da estabilidade,
da intervenção do Estado e da centralidade que a empresa representou desde a sua criação nas
expectativas dos cidadãos, fomentou uma sólida representação da empresa como patrimônio
da cidade (MOREL, 1989; FERNANDES, 2001). A “família siderúrgica” tal qual veiculada
pela CSN foi apropriada e ressignificada pelos trabalhadores que fizeram daquele “guarda-
chuva” ideológico-paternalista a bandeira de sua união e luta. Muitos dos benefícios, ou das
“dádivas” da CSN foram considerados direitos adquiridos pelos trabalhadores (MOREL,
1989:385).
Na década de 1960 o modelo paternalista deixa visível seu desgaste e a empresa se
retira da ingerência direta sobre a cidade:
“Na mesma orientação de contenção de despesas, em 1967 a CSN transferia
para a Prefeitura de Volta Redonda seu patrimônio público – ruas, praças,
transportes. Ficava claro que o tempo da “família siderúrgica”, com o que isso
implicava em termos de extensão da esfera de atuação da empresa sobre a
habitação e o consumo operário, se encerrava.” (MOREL, 1989:418)
Embora a CSN tenha se retirado progressivamente da esfera da vida pública, ela
parece “ter deixado a porta aberta ao sair”. O transbordamento de questões que envolviam o
mundo do trabalho, aliado à defesa da cidadania e dos direitos humanos, para o espaço da
cidade, sob a liderança dos trabalhadores da CSN nos anos de 1980, caracterizou uma
29
reencenação do papel da CSN e de seus expoentes na dinâmica e na vida política da cidade.
Durante toda a década de 1980, o SMVR organizou importantes greves e paralisações que
invadiram as ruas da cidade e as páginas dos noticiários nacionais. O caráter vanguardista e
inovador da cidade de Volta Redonda seriam novamente reafirmados, todavia, desta vez, com
um novo protagonismo
.
Importantes líderes políticos e sindicais tiveram na cidade de Volta Redonda um
palco privilegiado para encenar o drama da redemocratização e da luta operária no plano
nacional. A sobrevivência das características originais de cidade operária parece ter
contribuído para a exacerbação dos conflitos e para o estreitamento dos laços de solidariedade
que uniam os atores de diversas camadas sociais em prol de um bem comum: a defesa dos
direitos civis, políticos e sociais. O corolário da imbricação entre as esferas do trabalho e da
vida pública e cotidiana local foi a eleição, em 1989, do líder sindical Juarez Antunes para a
prefeitura de Volta Redonda
25
.
Embora a década de 1980 tenha gestado uma importante geração de ativistas, líderes
sindicais e integrantes de movimentos sociais, seus expoentes não foram capazes de impedir o
processo de privatização da CSN em 1993. Uma ampla campanha de convencimento, sob a
égide da “parceria entre capital e trabalho”, foi a estratégia do governo Collor para atrair a
adesão dos trabalhadores ao Plano Nacional de Desestatização (PND). O Estado buscava
cooptar os trabalhadores para um novo projeto nacional que, em oposição ao período de
construção da CSN, destituía-o de suas prerrogativas intervencionistas de participação ativa
na economia, no trabalho e no desenvolvimento (GRACIOLLI, 2007).
O período que antecedeu a privatização, bem como o que a sucedeu, foi de intenso
enxugamento dos quadros da CSN através de demissões e terceirizações
26
. Roberto Procópio
Lima Neto assumiu a presidência da CSN em abril de 1990, incumbido da tarefa de sanear a
empresa, reduzindo seu efetivo com vistas à privatização (PEREIRA, 2007; MONTEIRO,
1995:70; GRACIOLLI, 2007). Mesmo quando ainda era juridicamente uma empresa estatal,
25
Juarez Antunes foi presidente do SMVR no período de 1983 a 1989, época de maior efervescência do
movimento sindical em Volta Redonda. Foi deputado federal Constituinte em 1986 e prefeito de Volta Redonda
em 1988. Ocupou o cargo de prefeito por apenas 51 dias, devido a sua morte em um suposto acidente de carro.
Durante muito tempo, os sindicalistas do SMVR recorreram à memória do líder sindical para respaldar suas
decisões. Até hoje, existe um peso simbólico importante no resgate da memória de Juarez Antunes pelo
sindicato.
26
Ás vésperas da venda da CSN, o rum de Debates sobre a Privatização, encabeçado pelo Sindicato dos
Engenheiros (Senge) e o SMVR, que tinha por objetivo resistir ao PND, elaborou um documento que
argumentava que em 1989, aproximadamente 48% dos moradores de Volta Redonda dependiam diretamente dos
empregos na CSN. Além disso, o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) recolhido pela
Prefeitura era composto em 83% de arrecadação com a CSN. A dependência econômica da cidade para com a
CSN era grande (GRACIOLLI, 1999:224).
30
os dirigentes da CSN, na figura de diretores e presidentes, articulavam a sua completa
transformação: de impulsionadora do desenvolvimento nacional a competidora internacional,
de provedora de direitos sociais a empresa enxuta, ou ainda, segundo os neoliberais, de estatal
a empresa lucrativa. O artifício persuasivo em prol da adesão à campanha privatista era a
identificação da empresa estatal e do empreendimento lucrativo como pólos irreconciliáveis.
A campanha do elefante tinha por objetivo desqualificar a gestão pública dos negócios
(PEREIRA, 2007), embora grande parte do déficit da empresa fosse fruto de desvios e da
venda de produtos subsidiados a outras empresas (GRACIOLLI, 2007).
A eleição da Chapa Formigueiro em 1992, encabeçada por Luiz de Oliveira Rodrigues
e atrelada à Força Sindical, foi responsável por uma alteração importante na postura sindical.
Em lugar do confronto com a empresa em situações de impasse nas negociações entre
patrões e empregados –, a nova direção sindical primava pelo estabelecimento de uma relação
de parceria, colaboração e diálogo. O posicionamento do SMVR àquela época, favorável à
privatização, foi um dos fatores que contribuiu para a baixa adesão à postura de resistência
entre os trabalhadores da CSN (GRACIOLLI, 2007).
A privatização da CSN inaugurou um novo período de dispensas em massa. As
demissões que acompanharam o processo constituem marcos de um processo maior do qual
derivaram: o TQC, programa de controle de qualidade total baseado em estratégias
internacionais de aumento da competitividade das empresas, colocado em prática na CSN
desde 1990 (GRACIOLLI, 1999:136).
Para FERNANDES (2001) os trabalhadores da CSN da segunda geração se viram
cada vez mais destituídos da sólida e estável identidade forjada nos primeiros tempos entre o
cidadão, a empresa e o Estado-nação. A reestruturação da produção e os processos de
demissão em massa levaram a uma crescente instabilidade e ao desatrelamento da identidade
original. A entrada da CSN no rol de multinacionais brasileiras após a privatização acentuou a
sua separação simbólica e ativa do contexto local. O poder municipal buscou suprir essa
lacuna na identidade e na auto-estima dos cidadãos através da recuperação de estórias e mitos
(como a curva do rio), do reforço de identidades de negros e mulheres, do fortalecimento das
associações de bairro e dos índices de qualidade de vida. A mudança do foco tinha por
objetivo oferecer um contraponto à perda da identidade umbilical vinculada à indústria e ao
projeto nacionalista (FERNANDES, 2001).
Embora a privatização tenha aumentado o fosso que separa a empresa da cidade,
acreditamos que ainda permanecem vivas as bases de sua importância junto à população local.
A relevância simbólica e econômica da indústria pode ter sido reduzida, porém, ela não foi
31
extinta. A CSN ainda é a empresa que tem maior número de trabalhadores na cidade. Sua
importância na economia regional, bem como internacional, reafirma permanentemente seu
poder e sua grandeza.
Portanto, a partir desta breve retrospectiva da história da cidade e/ou da empresa é
possível recuperar o papel central que a CSN desempenhou na vida dos trabalhadores e
cidadãos. Embora a empresa tenha reduzido sistematicamente a sua esfera de influência e
atuação direta sobre a cidade ao longo dos anos, a permanência da centralidade de suas
edificações, de sua representatividade na perspectiva de emprego local, bem como na
dimensão de sua presença física dentro da cidade, ainda lembram aos habitantes de Volta
Redonda a raison d’etre da “cidade do aço”.
Depois de arroladas as principais características que marcaram a história da cidade,
espero poder relacioná-las com um movimento amplo e generalizado, responsável por alterar
de forma significativa o universo da produção industrial. Toda essa breve descrição da
história da cidade e do papel da empresa nos servirá de pano de fundo para compreender parte
da dinâmica do processo de terceirização da CSN em Volta Redonda.
2.2. Terceirização na CSN
A subcontratação de trabalhadores para atuarem dentro da UPV
27
fazia parte da
dinâmica da indústria desde sua construção. Os trabalhadores da CSN conviveram durante
toda a sua história com trabalhadores alocados em atividades de expansão e reforma da usina.
Contudo, os trabalhadores terceirizados nesta época, conformavam, grosso modo, um grupo
específico: “os empreiteiros”, ou trabalhadores da construção civil. A subcontratação para
obras de expansão e reforma dos empreendimentos estava prevista no código civil desde
1916 (CARELLI, 2007:60). Esses trabalhadores eram contratados por empresas
27
Anteriormente à década de 1990 a terceirização existia como um processo marginal, acessório e complementar
à estrutura industrial (SOUZA, 2007; DAU, 2009:169). Por volta desta época, a CSN subcontratava
primordialmente serviços de construção e limpeza. Em 1990, a CSN passou a firmar contratos com outras
empresas, deslocando parte de suas atividades para as então fornecedoras. O projeto de construção de um
cinturão de fornecedores (tipo de terceirização) em Volta Redonda não foi adiante e a maior parte dessas
empresas fornecedoras não atua mais na CSN. A terceirização e a prestação de serviços (permanentes e
temporários) tal qual a conhecemos hoje no Brasil, como uma prática econômica e gerencial, foi intensificada a
partir da reestruturação produtiva e da política neoliberal da década de 1990, embora alguns tipos de
terceirização, como subcontratação de trabalho doméstico, existissem desde o século XVIII, na época Revolução
Industrial na Inglaterra (DRUCK, 1999:153; DAU, 2009:169; CONCEIÇÃO e LIMA, 2009:188).
32
especializadas, em geral em regime de contrato por prazo determinado, para executarem
tarefas tidas como “periféricas” na planta de outras empresas. Por causa disso, os empreiteiros
sempre “foram considerados uma categoria precária” segundo Luizinho, ex-presidente
sindical
28
. Nesta pesquisa, o foco estará no rebaixamento de categorias de trabalhadores
metalúrgicos anteriormente vinculados à produção, que foram lançados à periferia na década
de 1990, com particular atenção sobre os trabalhadores de manutenção
29
.
Antes de mais nada, é preciso esclarecer que a licitude da terceirização através do
enunciado 331 do TST discutida no capítulo 1 – não inaugurou o processo de separação
das “atividades meio” do restante das atividades da CSN. Antes disso, durante a década de
1980, a CSN vinha deslocando grande parte de sua manutenção para a Fábrica de Estruturas
Metálicas (FEM).
A FEM foi inaugurada no início dos anos de 1960 para criar produtos específicos para
a construção civil (LOPES, 2003:109). Nesta época, a FEM era um departamento da CSN
especializado em fabricação e montagem metálica. Inicialmente, os trabalhadores da FEM e
da CSN “tinham os mesmos direitos” segundo o ex-presidente do SMVR, Carlos Perrut. Por
volta da década de 1980, a FEM passou a incorporar os serviços de manutenção da CSN. Foi
nessa época também que ela deixou de ser departamento e passou a ser subsidiária da CSN. A
FEM possuía, a partir de então, uma diretoria própria, que negociava em separado com seu
efetivo de acordo com sua receita
30
. Depois de um tempo, os trabalhadores da FEM e da CSN
passaram a utilizar uniformes diferentes, embora suas matrículas continuassem iguais
31
. É
importante ressaltar o fato de que durante a década de 1980, os funcionários da FEM,
principalmente os de manutenção do Departamento de Manutenção Mecânica (DMM) e da
fábrica
32
, ganharam fama como “a força das greves”, como os agitadores e desencadeadores
das manifestações dentro da UPV. Além da fama de combativos, os trabalhadores da FEM
gozavam de um prestígio nacional na qualidade de seus produtos e serviços.
28
Atualmente, apenas 20% dos trabalhadores da construção civil tem carteira de trabalho assinada (Resenha
Dieese, Estudos Setoriais nº12 em www.dieese.org.br/esp/civil.pdf)
29
É importante lembrar – como fora discutido no capítulo 1 – que até os anos de 1990 as atividades de
manutenção permanente eram consideradas atividades essenciais às empresas, e portanto não-terceirizáveis.
30
Embora nas décadas de 1980 e 1990, o SMVR continuasse a pressionar pela assinatura de um acordo coletivo
comum para os trabalhadores da “FEM/CSN”.
31
Em entrevista concedida à autora, alguns trabalhadores mencionaram que os funcionários da FEM recebiam
salários superiores aos da CSN, e outros mencionaram o contrário. É provável que durante o início da FEM e em
época de crescimento da construção civil no Brasil, a remuneração fosse maior na FEM, situação que parece ter
se invertido ao longo do tempo e, principalmente, nos anos de 1990, quando a FEM começou a acumular
prejuízos milionários (Resenha da Imprensa – 1995).
32
Foram estes trabalhadores que deram início à greve de 1989. (Boletim 9 de novembro de 19/09/1989)
33
Embora a FEM não fosse uma empresa terceirizada, neste processo, a semente da
ruptura com a noção de conjunto. Embora os trabalhadores ainda se considerassem parte de
um mesmo coletivo, estava em curso um silencioso processo de desmembramento.
No mesmo ano em que foi realizado o processo de privatização da CSN
33
, ocorreu a
publicação do enunciado 331 do TST
34
, que liberava a terceirização nas atividades
consideradas periféricas às empresas. No ano seguinte, a empresa Sankyu firmou um contrato
de prestação de serviços com a CSN para a preservação área da Coqueria. Após a
privatização, o contingente de trabalhadores de manutenção da CSN foi reduzido ao máximo,
de maneira que o quadro direto quase deixou de executar tarefas para atuar apenas na
fiscalização e supervisão dos serviços dos terceirizados
35
. Mas os grandes contratos de
prestação de serviços na área de manutenção dos equipamentos seriam firmados nos anos de
2000, não por acaso, época da extinção da FEM. Embora a FEM viesse sofrendo um processo
contínuo de enxugamento ao longo da década de 1990, o seu derradeiro suspiro foi dado no
ano de 2002
36
.
Antes que a FEM fosse extinta, ela foi responsável por grande parte dos contratos de
manutenção da CSN. Se inicialmente ela contava com mão-de-obra própria e permanente, a
partir da década de 1990 ela começou a subcontratar trabalhadores para trabalho temporário e
permanente de manutenção dentro da UPV. Segundo o ex-presidente do SMVR Carlos Perrut:
“Na época nossa tinha a FEM, aí tinha a ‘feinha’ que contratava aquela mão-
de-obra para fazer esse tipo de serviço [preventiva]. Por exemplo, reparo de um
conversor que ia demorar que ia durar 6 meses, uma obra [...] ‘feinha’. Eu
acabei com isso quando fui presidente do sindicato. Aí, dentro da ‘feinha’ ainda
tinha a ‘feiosa’ e a horrorosa’ que a gente chamava, porque o cara [...] A FEM
não era terceirizada, era da CSN. Mas dentro da FEM quarteirizou. E dentro da
FEM quinterizou. Você sabe o que que é isso? Era uma confusão danada [...] Aí
a gente começou a bater de pau aí acabou. ela [CSN] contratou uma
empreiteira chamada Sankyu pra fazer esse tipo de serviço da FEM [...] A
Sankyu e a Comau, essas duas empreiteiras, substituiu então a FEM. FEM
manutenção, porque a FEM estrutura metálica, a Inepar, na época FEM-Inepar,
o Grupo Petrália do Paraná comprou. Então pegou os equipamentos, tirou
33
Privatizada em 02 de abril de 1993.
34
Aprovado em 17 de dezembro de 1993.
35
Segundo Renato Soares, atual presidente do SMVR, os profissionais de manutenção como ele passaram a
exercer funções de chefia em relação aos terceirizados, embora continuassem a receber como profissionais. O
quadro de manutenção da CSN executava as tarefas de manutenção durante os turnos, ou em atividades de
emergência.
36
O processo de extinção da empresa estava previsto para se realizar entre os dias 29/04/2002 e 10/07/2002.
(C:\Users\Convidados\Downloads\FEM.mht). Na verdade, a “extinção” da FEM significou a venda da fábrica de
estruturas metálicas e seus equipamentos, e o fim da FEM-manutenção. Segundo os entrevistados, assim como
em outras terceirizações na CSN, os funcionários que atuavam na FEM apenas “trocaram de camisa”, no sentido
de que continuaram com as mesmas atividades e nas mesmas áreas que atuavam antes do deslocamento para as
prestadoras de serviços.
34
tudo daqui. Então a FEM propriamente dita acabou. Mas ela já estava acabando
[...] O problema foi que a FEM [...] que desvirtuou aquela atividade dela de
estrutura metálica, e passou a ser manutenção, que na verdade a manutenção da
CSN, que ela queria terceirizar mesmo, quem era responsável era a CSN, ela
que era a responsável [...]. Então o que ela fez? Ela acabou com esse serviço,
terceirizou propriamente dito pra FEM, que era uma empreiteira que tinha um
serviço só na Coqueria com 200 funcionários. E saiu de 200 para quase 2200 na
época. Então a Sankyu pegou grande parte da manutenção que a FEM fazia. E a
Comau também [...]” (Carlos Perrut, ex-presidente do SMVR)
Portanto, a FEM, quando ainda estava vinculada a CSN, iniciou o processo de
segmentação e terceirização do efetivo da UPV, a princípio, através da separação dos
trabalhadores de manutenção com contrato por tempo indeterminado entre as duas empresas
e, posteriormente, com a multiplicação de contratos e empresas subcontratadas pela FEM para
atuarem na UPV.
Segundo um ex-coordenador da CSN
37
, a terceirização era uma definição estratégica
com o objetivo de tornar a empresa competitiva. Neste sentido, uma das primeiras
terceirizações da CSN, da fábrica de oxigênios, havia sido um modelo exemplar do real tipo
de proposta terceirizante, ou seja, a contratação de empresas especializadas na realização de
um determinado tipo de atividade. Segundo ele, em uma terceirização legitima “você passa o
processo, e não a pessoa”
38
. Em contraposição à fábrica de oxigênios, a CSN, segundo o ex-
coordenador, recorreu a outros tipos de terceirização que não eram estratégicos, mas sim
oportunistas:
“[...] Então quando você transfere um processo de criogenia para uma unidade
de criogenia, ele tende a dar certo. Agora, todas as empresas de manutenção,
nunca existiram. Porque o existia empresa de manutenção. Na verdade você
pegou gente, você pegou uma boiada e bota aqui. Agora o que que os caras de
manutenção de uma empresa conheciam de alto-forno?” (Ex-coordenador da
CSN
39
)
40
37
Entrevista com um ex-coordenador de área da CSN. Começou a trabalhar na CSN na cada de 1970. Atuou
como coordenador de área da CSN e aposentou-se por volta dos anos de 2000 (Entrevista concedida à autora em
05/04/2009).
38
Segundo o entrevistado, quando transferência de know-how, a terceirização é boa para o trabalhador, e
quando não há, ela é um “castigo”.
39
A partir deste ponto do texto os entrevistados que não forem citados nominalmente aparecerão identificados
como: ex-coordenador da CSN; ex-superintendente da CSN; chefe da Sankyu; chefe da Comau; maquinista da
CSN, ex-manobreiro da Ormec; Operador 1 CSN; Operador 2 CSN; mecânico da CSN, ex-mecânico da Sankyu;
trabalhador da Magnesita; soldador da Sankyu; mecânico alinhador da Sankyu; ex-mecânico da Magnesita e da
Sankyu; ex-trabalhador da Cikel; ex-instrumentista da M&P e da Sankyu.
40
Neste relato, o ex-coordenador faz menção à inexistência de empresas especializadas em serviços para atender
os pré-requisitos da terceirização correta. Ele apontou para o fato de que, mesmo as grandes empresas que
prestam serviços em manutenção atualmente como a Siemens, a Sankyu ou a Comau, não eram empresas service
no início. Á exemplo disso, segundo um chefe da Sankyu, a empresa existia no Japão muitos anos como
especialista em prestação de serviços de logística, e não de manutenção. Outras empresas como a Magnesita e a
Comau existiam como empresas produtivas antes de atuarem também como service, ou seja, como prestação
35
Em termos administrativos, a razão para a terceirização estava no fato de que:
“Só os direitos trabalhistas normais: 72% em cima do seu salário. Então cada
trabalhador que você pagasse 100, você pagava 172% em termos de folha.
que as estatais e as grandes empresas tinham plano de saúde e tal, uma série de
coisas. E variava de 122% até 158% o custo de um trabalhador. E ainda hoje
na CSN o custo é acima de cento e vinte poucos por cento por causa do plano de
saúde e uma série de coisas. Então cada trabalhador de 100 vira 220. E numa
empreiteira, as empreiteiras não pagavam nada disso. Então teoricamente a
segunda fase da terceirização já deixou de estratégica e passou a ser uma
estratégia de redução de custos.” (Ex-coordenador da CSN)
A “terceirização à brasileira” concentrou-se na redução de custos e não na
especialização da prestação de serviços (FARIA, 1994; DAU, 2009:170; CONCEIÇÃO e
LIMA, 2009:193). Segundo o mesmo entrevistado, os trabalhadores terceirizados passaram a
ficar sujeitos aos desmandos tanto das empresas terceirizadas quanto da CSN. Os ex-
presidentes do SMVR Luizinho e Perrut também relataram os problemas da terceirização
durante, principalmente, a década de 1990: inexistência de empresas especializadas que
resultava na contratação de trabalhadores via agenciadores de mão-de-obra e estratégias de
burla dos direitos trabalhistas como no caso das empresa Sankyu e da subsidiária FEM
41
.
Com o fim da FEM, a CSN abriu licitação para contratos de manutenção das áreas da
UPV. Na época de sua extinção, a FEM era responsável por parte significativa da manutenção
da CSN e, especificamente, da “volante” da UPV. A “volante” é a manutenção que atende
variadas áreas da CSN, acionada nas atividades de preventivas e paradas dos equipamentos,
em contraposição à manutenção fixa, que é especializada em determinada área ou oficina.
O SMVR teria conseguido àquela época, a garantia da CSN de que todos os
funcionários com contrato por tempo indeterminado da FEM fossem reaproveitados pelas
empresas terceirizadas que ganharam os contratos: a Ormec, a ABB e a Sankyu
42
. Com a
de serviços (Para uma breve caracterização dessas empresas terceirizadas da CSN ver perfil das principais
empresas terceirizadas da UPV em anexo).
41
Segundo Perrut, o SMVR lutou contra a prática das empresas terceirizadas como a Sankyu e a Comau que
tinham um esquema no qual “contratava 100, 200 pessoas, pagava 1 salário mínimo. Quando tinha trabalho,
ganhava como profissional, quando não tinha, ganhava salário mínimo mesmo.” O chefe da Sankyu, ex-chefe na
CSN, afirmou que essa prática foi herdada das subcontratadas da FEM, as “feiosas” e “horrorosas”. Os
trabalhadores sujeitos a este tipo de situação eram apelidados pejorativamente de “catinguentos” ou “cinzentos”
e eram considerados uma “subraça” dentro da UPV. Segundo o entrevistado, esses trabalhadores “catinguentos”
eram da “volante”, pois faziam manutenção na usina inteira. Isso explicaria o seu fraco enraizamento na
empresa, o seu desinteresse, o desconhecimento do local de trabalho e a falta de dignidade do “volante” de
outrora.
42
Segundo a publicação virtual do Sindicato do Mercosul, “Dos 2003 operários da FEM, 358 tem contratos
temporários, 274 estão licenciados e 65 estão sendo transferidos para a CSN, totalizando 1.306 os trabalhadores
36
dissolução da FEM, os contratos de manutenção por ela mantidos foram divididos entre 3
empresas, tornando a função de manutenção e seus trabalhadores cada vez mais pulverizados.
A multinacional Sankyu arrematou em 2002 os contratos de manutenção elétrica e mecânica
da área de redução e aciaria, a manutenção elétrica e mecânica da Central Termoelétrica e
utilidades, e a manutenção de pontes rolantes. A Ormec era uma empresa local especializada
em transporte e manutenção do setor ferroviário que atuava na UPV pelo menos desde o
início da década de 1990. A multinacional ABB assumiu os contratos de manutenção da área
de Laminação da UPV. Em 2003 a ABB denunciou o contrato com a CSN e uma nova
empresa foi contratada em seu lugar: a multinacional italiana Comau
43
.
Neste processo de extinção da subsidiária, os trabalhadores da FEM foram novamente
desligados do efetivo da CSN, só que desta vez, de forma irreconciliável. Não eram apenas os
uniformes e os acordos coletivos que eram diferentes, mas também os patrões (sem nenhum
vínculo, senão comercial com a CSN), os benefícios e o tratamento. Diferentemente da
condição de trabalhador da FEM que, embora diferisse do trabalhador da CSN, era “cria da
casa”, e que compartilhava de uma tradição de lutas juntamente com os trabalhadores da
CSN, a terceirização da manutenção incorporou novos trabalhadores sem nenhum tipo de
ligação prévia com a usina, e deslocou antigos trabalhadores para as empresas terceirizadas. A
substituição da subsidiária FEM por firmas terceirizadas provocou um aprofundamento da
cisão na identidade desses trabalhadores. Os quadros das empresas terceirizadas passaram a
abrigar um expressivo número de demitidos da FEM em conjunto com trabalhadores
contratados “por fora” pela terceirizada.
Embora o movimento em direção à terceirização tivesse sido intensificado na década
de 1990 e, principalmente, no início dos anos 2000, o processo sofreu uma inflexão no ano de
2006-2007
44
. No dia 4 de junho de 2006, a CSN promoveu a desterceirização dos 128
a serem absorvidos pelas empreiteiras, que terão que contratar outros 227 operários, porque serão necessários
1.533 empregados para cumprir os contratos assinados com a CSN, que vão durar três anos.”
(C:\Users\Convidados\Downloads\FEM.mht)
43
A Sankyu e a Comau são as duas maiores prestadoras de serviço em atividade na UPV atualmente. Segundo
dados da Delegacia Regional do Trabalho de Volta Redonda (DRT), em novembro de 2009 as duas empresas
somavam cerca de 2.800 funcionários, entre trabalhadores permanentes e temporários.
44
A CSN não é a única empresa em que ocorreu a revisão de alguns tipos de terceirização. O ex-coordenador da
CSN mencionou a empresa Coca-Cola como exemplo de reversão de parte do processo de terceirização das
atividades. Segundo a imprensa virtual da Confederação Nacional dos Metalúrgicos, de 01/08/2007, a CSN tinha
a intenção de desterceirizar o setor de manutenção industrial, o transporte e manutenção de linhas férreas e o
setor de embalagens. De todos esses setores, apenas a embalagem não teve suas atividades desterceirizadas nem
total, nem parcialmente. O programa de primarização, segundo a notícia, estaria sendo implantado na CSN
porque os serviços terceirizados estariam saindo a custos mais elevados do que se realizados pela empresa, e
porque a CSN teria o interesse em aumentar o controle e fiscalização sobre os trabalhadores da UPV. As
principais vantagens seriam os benefícios (PLR, Plano de saúde, filiação à CBS) e, em alguns casos, o aumento
do salário. (http://www.cnmcut.org.br/verCont.asp?id=5605)
37
manobreiros que integravam os quadros da empresa Ormec. No início de 2007 foi a vez da
Guarda Patrimonial da empresa ser desterceirizada. A criação da Gerência de Manutenção
Central (GMC) na CSN naquele mesmo ano representou a recuperação de parte da atividade
da “volante”, que havia sido completamente terceirizada. Trabalhadores das empresas
terceirizadas, incluindo aqueles que eram ex-funcionários da FEM, aqueles que haviam
iniciado sua carreira na contratada e nela haviam acumulado experiência, e aqueles que
fizeram cursos técnicos, foram incorporados ao quadro da GMC/CSN. Algumas das
explicações dos entrevistados para a criação da GMC foram: crença na desterceirização
progressiva das atividades da UPV; arranjos políticos para privilegiar chefias da CSN e das
terceirizadas (ex-funcionários da FEM e da CSN); fixar a mão-de-obra na UPV; a situação da
CSN, cada vez mais “sujeita” aos contratos com as terceiras; as sucessivas greves realizadas
pelos terceirizados em 2005, 2006 e 2007; o aumento dos custos para manter as atividades
terceirizadas, que teria superado o custo de contratação direta em alguns casos. Conceição e
Lima (2009:194) demonstraram que a queda na qualidade dos serviços foi um dos resultados
da terceirização como meta de redução de custos em lugar da focalização das atividades. É
possível que cada uma dessas causas arroladas como explicação, tenha desempenhado um
papel no processo desterceirizante. Na CSN, a criação da GMC em 1997 e a desterceirização
das atividades de manobra e da Guarda Patrimonial parecem estar em sintonia com essa
diminuição da contratação de serviços.
Em 2008, durante a crise mundial, a GMC foi quase extinta. Alguns trabalhadores
afirmaram que este fato se deveu a uma rixa entre a empresa e o SMVR, outros mencionaram
a crise mundial, e um trabalhador que atualmente integra o quadro da GMC apontou a
inexperiência dos trabalhadores da leva da GMC, arregimentados, segundo ele, em sua
maioria, diretamente dos cursos técnicos da região para o interior da usina. No ano de 2009, a
gerência retomou a contratação de funcionários, principalmente das terceirizadas da UPV e de
parte daqueles que haviam sido demitidos, e rearticulou a GMC.
2.3. A terceirização na CSN enquanto processo
Quanto à terceirização, a maior parte dos entrevistados que acompanharam o processo
desde o início afirmou que, embora ela tenha causado uma dilapidação visível nos salários,
benefícios e tratamento, atualmente, a condição de trabalhador terceirizado apresenta
38
melhorias. As principais melhorias apontadas dizem respeito às condições de trabalho, que,
embora desiguais, são, ainda sim, menos discriminatórias do que anteriormente:
“Dentro da CSN aconteceu discriminação. Tem o pessoal da CSN e tem o
pessoal das terceiras. Que hoje diminuiu muito, mas tinha muita discriminação
do pessoal da CSN com as empreiteiras. As empreiteiras seria como se fosse ali
aquela coisa mais de lado, ah, o pessoal das empreiteiras’, entendeu, aquela
discriminação que tinha né. Diminuiu, mas existe. ‘Ah, eu sou da CSN, o cara é
da terceira, o cara é empreiteiro’. Mas hoje diminuiu muito essa diferença de
classe, né.” (Renato Soares, presidente do SMVR)
A segmentação dos trabalhadores entre empresas e “grupos” diferentes motivou o
preconceito entre os próprios trabalhadores. Parte da discriminação era resultado da ausência
de condições dignas de trabalho aos terceirizados. Havia práticas correntes no início da
terceirização da UPV que criavam, segundo Luizinho, uma “relação do coitado”:
“‘Guarda comida, dá pro cara’ [...] O trabalhador na época do sonrisal
45
: ‘ah não
to com fome não. pro fulano de tal [...] pro fulano, ele na empreiteira’.
‘Ah tem uma roupa aí: pros caras da empreiteira’. Sempre tido como, coisa
velha: dá pro pessoal das empreiteiras.” (Luizinho, ex-presidente do SMVR)
Por outro lado, a CSN procurava coibir este tipo de atitude invocando a
responsabilidade das terceirizadas no provimento dos trabalhadores:
“Nós chegamos a ter que punir, porque as empreiteiras não davam botinas pro
pessoal delas, que era obrigatório de segurança. Quando nós vimos, era o nosso
pessoal que dava botina para eles. Acabou sendo criada até regras dentro da
empresa que a gente tinha que devolver a botina para pegar outra com a CSN.
Porque as botinas velhas eram dadas pros empreiteiros.” (Ex-coordenador da
CSN)
A prática de relegar restos aos terceirizados parece ter contribuído para o
aprofundamento das diferenças entre trabalhadores do quadro e terceirizados. Mas esta
precarização das condições de trabalho não é exclusiva da CSN. Analisando o Pólo
Petroquímico de Camaçari, Robson Santana (2007) afirma que as péssimas condições de
trabalho dos terceirizados permanentes havia melhorado de tal maneira que a distinção entre
trabalhadores diretos e indiretos era detectada quando do recebimento do contracheque.
Dentro da CSN, muitos trabalhadores e dirigentes apontaram melhorias nas condições de
trabalho e diminuição do preconceito, sendo que alguns trabalhadores nem sequer se sentem
vítimas de discriminação. Além da melhoria no tratamento, nas refeições e no direito aos
45
O “sonrisal” era um marmitex servido aos trabalhadores da CSN na época em que não havia muitos refeitórios
setoriais dentro da usina.
39
uniformes e EPI’s, segundo o atual presidente do SMVR, houve melhoria na condição do
trabalhador porque:
“Tem algumas empresas que tem investimento entendeu. [...] Quando começou
a questão da terceirização, sim, você tinha uma discrepância muito grande.
Hoje já mais ou menos. Você a Sankyu, pra preparar profissionais pra
ela né. Agora você investe em profissional, você segura se você tiver uma
boa remuneração para ele, pra ele ficar. Porque a competitividade do mercado já
tá grande e ano que vem vai ser maior ainda [...]” (Renato Soares, presidente do
SMVR)
A necessidade de fixar bons profissionais tem estimulado algumas empresas
terceirizadas a investirem mais nos trabalhadores e, com isso, melhorar suas condições de
trabalho e qualidade de vida. Portanto, para a maioria dos trabalhadores, as condições de
trabalho não são tão boas quanto aquelas dos trabalhadores diretos, mas são melhores do que
aquelas da aurora da terceirização.
Embora algumas melhorias sejam básicas, ou seja, são artigos de uma condição
minimamente digna do trabalhador, elas devem ser contabilizadas na medida em que, a partir
delas, é possível comparar o início e o estágio atual do processo terceirização, de um vel
real e pragmático e não de uma suposição do que “deveria ser”. Essas melhorias denunciam
que, na construção do estatuto de trabalhador terceirizado, houve conquistas de benefícios e
condições ausentes nos seus primórdios. O processo de terceirização deve ser compreendido
em duas frentes: em princípio, em termos comparativos, em relação ao distanciamento
efetuado entre a condição do trabalhador direto e indireto, mas também em seus próprios
termos, em relação ao surgimento e desenvolvimento de uma nova categoria de trabalhadores.
Até mesmo porque quanto maior a diferença positiva (em direitos e benefícios) na segunda
relação (terceirizados de ontem/terceirizados de hoje), menor a diferença na primeira relação
(terceirizados/diretos). Neste sentido, o presidente do SMVR compara terceirizados e
trabalhadores da CSN e chega à seguinte conclusão:
“Um melhorou um pouquinho o outro caiu muito
46
. Então se você for colocar tá
quase que a mesma coisa no patamar. Não tem muita diferença não. Ainda mais
os trabalhadores novos né. Por exemplo, eu, o meu salário que eu tenho como
eletricista que pegou os meus benefícios tudinho e jogou no meu salário. Então
eu tenho um diferencial por causa do meu tempo. Agora quem fichou na CSN e
ficha numa empreiteira hoje, praticamente quase que igual. Hoje em dia,
questão de salário, a diferença é pouca. Os benefícios têm uma certa diferença,
mas não é muito gritante.” (Renato Soares, presidente do SMVR)
46
O anexo IX traz a contabilidade das perdas históricas no salário do trabalhador da CSN, que, segundo o
Boletim sindical, durante muitos anos e, principalmente, na década de 1990, negociou acordos coletivos sem
nenhum aumento, ou sequer o reajuste da inflação.
40
É importante perceber para nosso caso, que a condição de terceirizado permanente
obedece a uma evolução histórica, e que, embora as diferenças permaneçam, no decorrer do
processo, surgiram pontos de contato entre trabalhadores diretos e indiretos. Sem superestimar
nem as aproximações nem os distanciamentos entre esses dois tipos de trabalhadores,
pretendemos analisar o atual estágio das relações entre eles e perceber em quais aspectos a
linha divisória tornou-se intermitente, e em quais outros ela se mantém destacada.
Por fim, quanto ao papel da CSN e das terceirizadas nessa precarização da mão-de-
obra, as opiniões divergem. Por um lado, aqueles que consideram que as prestadoras de
serviços enriqueceram e se tornam grandes empresas em função do arrocho salarial e das
péssimas condições de trabalho infligidas aos trabalhadores. Por outro lado, alguns
trabalhadores acusam a CSN de abrir licitações em forma de leilão do “quem dá menos”. Uma
vez reduzido o valor do contrato, para auferir seus lucros, a prestadora de serviços estaria
deteriorando os salários e/ou os benefícios de seus empregados
47
.
A desterceirização de algumas atividades mencionada na seção anterior demonstra
que o processo não é irreversível. A flexibilidade permite ao empresário recorrer à
terceirização na medida em que o procedimento for considerado lucrativo. Duas explicações
aventadas para o processo de desterceirização de alguns trabalhadores dentro da CSN foram o
aumento dos custos da terceirização e a necessidade de melhor fiscalização das atividades.
Por detrás destes argumentos sem sujeito pode estar, em parte, o papel da resistência e da
pressão dos trabalhadores terceirizados, na forma de greves ou de desleixo e desinteresse em
relação às máquinas e equipamentos da contratante. Em entrevista com o ex-coordenador da
CSN sobre a desterceirização, a idéia de que a terceirização seria vantajosa para todos os
envolvidos é desmistificada:
“[...] O processo ‘ganha-ganha’ na verdade é um processo que, só existe isso no
Brasil. tem um jeito de eu e você, que estamos negociando, ganharmos: é se
tiver um terceiro na jogada e nós estamos ganhando do terceiro. Eu e você
ganharmos, sem ter um terceiro, não existe isso. Se você ganhou num negócio,
eu perdi. Não tem ‘ganha-ganha’ [...] só tem o processo ‘ganha-ganha’ se
houver um terceiro, mesmo que seja indireto, e esse for o prejudicado. No Brasil
é hipocrisia falar em ‘ganha-ganha’.” (Ex-coordenador da CSN)
Notadamente, a terceirização criou três pólos complementares: a contratante, a
contratada e os trabalhadores. O início do processo foi inegavelmente de perda para os
47
A assimetria na relação de poder entre contratante e contratada foi mencionada de maneira recorrente por
todos os entrevistados. Neste sentido, o anexo IX Boletim do SMVR denuncia a falta de autonomia do
sindicato patronal das empresas terceirizadas da CSN para negociarem sem a autorização da contratante.
41
trabalhadores, os “terceiros” da relação. Mas a desterceirização sugere que a relação de forças
entre as partes se alterou, e o “ganha-ganha” acabou reunindo ex-trabalhadores terceirizados e
a CSN em um mesmo lado, deixando as prestadoras de serviços de fora. Neste sentido,
Ramalho e Rodrigues definem a flexibilização como a principal premissa da conduta
empresarial:
“É importante ressaltar, ainda, que do ponto de vista da estratégia gerencial
tanto pode ocorrer um processo intenso quanto menos intenso de terceirização.
Isso depende das vicissitudes da economia, da correlação de forças entre capital
e trabalho em um dado momento, etc. No entanto, em qualquer dos casos, a
questão que fica é a flexibilização, seja das relações de trabalho, seja do
mercado de trabalho.” (RAMALHO e RODRIGUES, 2009:98)
Portanto, a flexibilização da produção permite que a empresa central terceirize ou
desterceirize suas atividades, na medida em que, por alguma razão, o “ganha-ganha” ameace
se deslocar para outros pólos.
2.4. O lugar social do trabalhador terceirizado
Como discutido no capítulo 1, a terceirização das “atividades meio” das empresas
propiciou o surgimento de tipos de trabalhadores que, embora compartilhassem o mesmo
local de trabalho, estivessem sujeitos às mesmas experiências e, por vezes, desempenhassem
as mesmas atividades, eram classificados e identificados como sujeitos a um outro
empregador e, portanto, dotados de um estatuto distinto daquele outorgado aos trabalhadores
diretamente contratados da empresa central (DRUCK, 1999). Isto significa que a unidade
representada pelo compartilhamento de um espaço e de uma cultura comuns passou a ser
secionado por outros recortes que acabaram com uma homogeneidade
48
, senão de fato, ao
menos de situação e de expectativa.
Por outro lado, no capítulo 2, retomamos a importância do papel da CSN no território
da cidade de Volta Redonda. A CSN, embora tenha se retirado da gestão da cidade, jamais se
ausentou de seu espaço físico e moral. A empresa apresenta-se permanentemente para os
48
Logicamente não estamos afirmando que os trabalhadores da CSN eram unidos e que a terceirização pôs termo
a essa coesão. Antes mesmo que a terceirização fosse colocada em prática, já havia diferenças hierárquicas,
geracionais, ou de gênero dentro da empresa. Todavia, estes tipos de cortes transversais dentro da categoria não
parecia secioná-la quando a pauta era a greve, por exemplo. Neste aspecto, havia demandas genéricas capazes de
reunir todas essas diferenças. A terceirização foi, sem dúvida, uma das principais responsáveis pela
desestruturação da possibilidade de reunião de interesses coletivos mais abrangentes (Druck, 1999:126).
42
cidadãos de duas formas: de maneira estática, através de suas instalações que acompanham
parte considerável do traçado da cidade; no trânsito de seus funcionários uniformizados,
veículos de sua marca, que desde o início da cidade operária compõe a paisagem do centro da
cidade.
Historicamente, a complementaridade na relação entre Volta Redonda e a CSN fazia
com que o mundo do trabalho intra-fabril se estendesse pelos hábitos e pela cultura local. A
organização das relações de trabalho era reproduzida na arquitetura da cidade:
“O planejamento da cidade, seguindo critérios simultaneamente
homogeneizadores e hierarquizadores, contribuiria para a internalização da
hierarquia da empresa por parte de seus habitantes, segregados segundo a
ocupação, sexo e estado civil.” (MOREL, 1989:69)
As relações de trabalho também eram refletidas na organização das interações sociais
na cidade. Segundo o Diretor de Comunicação do SMVR o orgulho em exibir um capacete de
chefe da CSN na cidade era tamanho, que mesmo fora do expediente de trabalho e da empresa
era comum a utilização do equipamento. Andar com o “capacete branco” – que representava o
desempenho de cargos de chefia na CSN no interior das Lojas Americanas, dos bares ou
pelo centro da cidade era uma prática comum e conhecida. Os capacetes brancos denotavam
uma situação de distinção pública:
“Pessoal era obrigado a entrar de capacete na CSN pra passar pelo guarda [...]
não colocava capacete na cerca [da CSN] quem era engenheiro, porque era
capacete branco, dava status. O cara colocava no carro, era o troféu dele,
colocava no carro. Porque os das empreiteiras metia o cabinho de aço, prendia
na cerca e depois ia pegar. Era assim que a gente fazia. Quem andava de
capacete era quem era técnico e quem era engenheiro. Quem era peão não
andava. Eles guardavam e escondiam assim que pudesse para poder andar.”
(Carlos Perrut, ex-presidente do SMVR)
Na época em que os uniformes dos trabalhadores da CSN eram iguais, o capacete era o
único recurso de diferenciação hierárquica. Embora sua utilidade estivesse estritamente
vinculada às atividades do interior da fábrica, a existência de uma cultura local de
reconhecimento da CSN e de seus trabalhadores fazia do capacete branco um símbolo com
alto grau de prestígio dentro e fora da fábrica. A hierarquia da empresa, desta forma,
extrapolava as dependências da indústria e era transplantada para o espaço urbano e para a
organização social da cidade.
43
Tendo em vista o papel do trabalhador da CSN para Volta Redonda e o processo de
terceirização, a questão é: o que acontece quando ocorre a multiplicação dos uniformes
industriais na cidade? Dentro deste tipo de cultura e organização social, qual o lugar do
trabalhador terceirizado? Eles compartilham ou não do valor e do prestígio conferidos ao
trabalhador da CSN?
Em princípio, pesa sobre o trabalhador terceirizado a ideia de que sua função é
marginal à cadeia produtiva. Enquanto o funcionário direto está revestido do atributo de
“trabalhador central”, devido à “centralidade” jurídica associada à sua atividade, o trabalhador
terceirizado representa a “periferia do sistema” por extensão da mesma lógica
49
.
No tipo de terceirização que aqui contemplamos, o trabalhador passou a ser contratado
por uma empresa que, em geral, não possui uma unidade produtiva e, nem mesmo, um centro
de treinamento independente
50
. Sua contratação é efetuada por um empregador, ou uma
empresa que muitas vezes se resume a uma sala e um telefone. Esta constitui uma diferença
que não é trivial para a compreensão das rupturas que o processo de terceirização engendra na
construção da subjetividade desse novo trabalhador terceirizado. No caso de Volta Redonda, o
emprego na emblemática CSN representava uma sólida inserção no mercado de trabalho, com
plenas garantias de direitos, numa empresa que gozava de prestígio internacional
51
. A
centralidade da empresa era sinônimo de sua tradicional imagem como forte reduto de
garantias trabalhistas e sociais na região (MOREL, 1989). A própria arquitetura e as
dimensões físicas destas empresas – terceirizada e central - sugere uma comparação da
simbologia de poder existente na relação entre elas.
Contrapondo-se à solidez e à imponência com que a CSN se impõe na paisagem de
Volta Redonda, a sede da empresa terceirizada Sankyu, embora responsável por considerável
contingente de trabalhadores de manutenção da CSN, é desprezível em tamanho e
importância
52
. Poucas pessoas sabem situar o lugar físico e social ocupado por esta empresa
49
Embora seja possível argumentar que a relação centro/periferia é arbitrária e constitui mera nomenclatura
formal para encampar os anseios dos empresários. Isto porque, em princípio, até a década de 1990, a
manutenção, assim como a operação, era considerada atividade central da CSN (MANGABEIRA, 1993); a
definição da manutenção como atividade periférica não implica em sua necessária terceirização, apenas na
concessão de salvo conduto às empresas, caso queiram assim proceder; por fim, porque os empresários
recentemente pressionam pela terceirização das atividades de operação, consideradas “atividade fim”. A
expansão da terceirização para a operação implicaria na obsoletização dos critérios de atividade meio”
(periféricas) e “atividade fim” (central) (CONCEIÇÃO e LIMA, 2009:203-204).
50
Os centros de treinamento das empresas terceirizadas, em geral, funcionam dentro da CSN, em espaço
concedido pela contratante às prestadoras de serviços.
51
Para importância conferida pelo estatuto de trabalhador da CSN na cidade e a centralidade da empresa na
memória local ver MOREL (1989) e FERNANDES (2001).
52
Dentro da UPV, o prédio concedido pela CSN para a instalação da administração da Sankyu é conhecido como
‘Carandiru’. Segundo o chefe da Sankyu, o apelido pejorativo existe desde que o prédio, que era da
44
na cidade e mesmo na produção
53
. A ocupação de modestos espaços, que não se distinguem
de residências particulares ordinárias senão por letreiros afixados à porta de entrada, em
lugares possivelmente alugados, parece ser representativo da própria instabilidade do
empreendimento. Por outro lado, gozando de uma posição de destaque na história, na
urbanística e nos empregos da cidade, a fortaleza erigida sob o epíteto de CSN, parece
denotar, assim como sua unidade produtiva, uma rigidez, uma vitalidade e um
reconhecimento irrevogáveis. A grandiloquência de sua fama, a solidez de suas estruturas e o
sucesso de sua produção inspiram uma estabilidade que é possível a uma grande indústria
como a CSN, em que os atributos de sua existência transcendem o tempo e o espaço.
As torres e guindastes de centenas de metros de altura, as labaredas e os altos fornos
de milhares de graus centígrados e a produção de milhões de toneladas parecem comprimir
ainda mais o homem trabalhador na pequenez de sua contribuição diante dessa fortaleza.
Enquanto a maioria das empresas terceirizadas é caracterizada por um baixo investimento em
material e bens de produção, a CSN é proprietária de todo um manancial de instrumentos,
máquinas e complexos de alta tecnologia que representam um investimento de ordem material
inextinguível subitamente. Embora não se possa dizer que a magnitude e a importância da
CSN asseguram a continuidade e a estabilidade de seus trabalhadores individualmente
considerados, é possível afirmar que enquanto houver CSN, haverá firmas terceirizadas em
Volta Redonda, donde o contrário não é possível dizê-lo. Depreende-se disso, que enquanto a
CSN é um empreendimento que se reproduz indefinidamente, a empresa terceirizada é uma
aposta incerta e dependente, incapaz de sobreviver ao improvável fim da CSN, ou às mais
prováveis não renovações dos contratos. Esta preocupação com a instabilidade da empresa
terceirizada era recorrente nas entrevistas realizadas.
Essas características da CSN e de algumas de suas contratadas são, mormente, aquelas
que dividem o velho empreendimento material e industrial fordista e o paradigma dos novos
empreendimentos flexíveis. A Sankyu e a Comau são multinacionais virtualmente talvez
maiores do que a CSN. Tanto uma quanto a outra dispõem de instalações em quase todos os
continentes do globo, ao mesmo tempo em que são parte de grupos gigantescos de
investidores, como a Fiat, no caso da Comau. Mas tanto a Sankyu como a Comau em Volta
administração da FEM, foi entregue completamente “quebrado” para a contratada. Mesmo após algumas
reformas, a designação pejorativa persiste.
53
Pereira (2006:129) transcreveu um relato de trabalhador terceirizado da Volkswagen-Resende que declara às
outras pessoas ser empregado da empresa contratante. O entrevistado arrola dois motivos para tal conduta: em
princípio porque se ele disser o nome da terceirizada, “ninguém conhece”; e, em segundo lugar, porque seu filho
tem orgulho de dizer que o pai trabalha na Volks. Esse é um caso exemplar de como a identidade de trabalhador
de determinada empresa tem relação direta com sua identidade social e com a auto-percepção de seu valor.
45
Redonda, são empresas cuja finalidade está concentrada na “prestação de serviços”. Em
contraposição à empresa fordista, as modernas empresas multinacionais não dispõe de um
território próprio. Esta condição gera uma alteração profunda na identidade do trabalhador
industrial, anteriormente vinculada ao local de trabalho e ao produto de sua empresa.
À centralidade espacial da CSN no cenário urbano, alia-se sua centralidade social e o
seu papel na identificação da “cidade do aço”. Estima-se que até privatização, em 1993, cerca
de mais da metade da População Ocupada Assalariada (POA) da cidade era direta ou
indiretamente dependente da indústria (GRACIOLLI, 2007). Independentemente da
importância atual concreta da CSN neste panorama, argumentamos que sua importância
simbólica está firmemente arraigada na mitologia primordial da cidade
54
. Embora a empresa
tenha dispensado grande contingente de trabalhadores e, desta forma, possa ter
incompatibilizado a relação entre a realidade de sua importância e a representação social que
lhe é atribuída na cidade, ela não deixou de ser o palco privilegiado dos dramas sobre os
dilemas do mundo do trabalho, pois não há na cidade nenhuma unidade empresarial ou
empregador sequer candidatos a substituir a CSN em sua grandeza, sua importância meta-
local e de sua existência como marco da cidade.
Com esta revisão da história da cidade e do papel central da CSN no forjamento da
identidade local, procuramos sugerir que a exibição do uniforme da empresa não é mero
recurso formal de exigência. Portá-lo tem a competência de simbolizar uma situação social
definida e reconhecida por outros cidadãos
55
. O valor é um atributo que faz parte inegável de
uma cultura e prática que, embora não seja escrita, não é absolutamente menos real que
códigos e normas. A valorização histórica do uniforme da CSN e, acima de tudo, das
implicações nele contidas, são artigos importantes da especificidade da cultura local.
uma importância simbólica do uniforme na definição a priori da condição e do
papel do indivíduo dentro deste contexto e, portanto, acreditamos que uma das mais
importantes marcas da terceirização foi o artifício à diferenciação visual de trabalhadores.
Trabalhadores da CSN e os trabalhadores das empresas terceirizadas são rapidamente
54
Embora no quesito empregos diretos a empresa tenha declinado em importância local, ela ainda é responsável
por grande parte dos impostos recolhidos pela prefeitura e, desta forma, pela sustentação das políticas públicas
sociais na cidade. Simbolicamente, é notória a construção oficial e monumental de uma identidade simbiótica
entre a cidade e empresa ao longo do território municipal (Ver FERNANDES, 2001). Portanto, argumentamos a
resistência da articulação em torno desta identidade que, mesmo enfraquecida, permanece na memória coletiva
local. Elias e Scotson (2000) afirmam que as crenças coletivas são de difícil erradicação porque seu conteúdo é
compartilhado com outras tantas pessoas.
55
MOREL (1989) destacou em seu trabalho a valorização social do estatuto de trabalhador da CSN como meio
de obter facilidades na cidade, desde crédito para o consumo de variados produtos e serviços até facilidades no
estabelecimento de relações amorosas.
46
identificáveis e classificados como portadores de determinado estatuto e, por conseguinte,
como interlocutores de determinado tipo dentro e fora da usina. Isto tem implicações diretas e
objetivas tanto nas interrelações do cotidiano da empresa, no cenário simbólico da cidade
como na subjetividade do trabalhador:
“Eu confesso, eu tenho vergonha daquele uniforme. Eu achava o uniforme feio
[...] E segundo que eu não me sentia assim. Bom não é que eu não queira que
ninguém saiba que eu trabalho lá dentro. Comentava com o pessoal se
perguntava: eu trabalho na Sankyu’. Mas não queria que ficasse exposto pra
toda a comunidade que eu trabalhava lá dentro. Então eu ia com roupa normal e
sapato, que eles pedem pra ir de sapato de couro. dentro que eu trocava
roupa e tudo.” (Ex-mecânico da Magnesita e da Sankyu)
56
Já em relação ao uniforme da CSN o mesmo entrevistado afirmou que:
“Já acho que eu iria com um da CSN [...] Acho menos feinho que aquele
azulzinho Smurf
57
. Até quando eu fazia estágio, eu ia com o uniforme da CSN.
Tinha vestiário, eu tinha oportunidade também como na Sankyu de trocar de
roupa, mas ia uniformizado, não trocava de roupa. Já ia com o uniforme.”
(Ex-mecânico da Magnesita e da Sankyu)
Na “fala” do trabalhador, fica claro que a utilização do uniforme no espaço da cidade,
não sendo obrigatória, depende do tipo de relação subjetiva que ele estabelece com o
significado que a sua apresentação carrega. Sobre a valorização galgada em seu meio social a
partir do trânsito para a CSN, um ex-trabalhador terceirizado comentou:
“Lá dentro não muda tanto, muda mais aqui fora. O pessoal que é de fora, te vê,
você com o uniforme da CSN, te trata melhor. O pessoal, você entra numa loja,
aí te trata bem. Aqui fora muda. A vizinhança já vêm: “CSN, bonito né!”
Uniforme bonitinho. Aqui fora muda mais do que lá dentro. dentro é
acostumado, um já acostumado com o outro lá dentro.” (Mecânico da CSN,
ex-mecânico da Sankyu)
58
Sobre a apresentação dos dois tipos de trabalhadores, o mesmo trabalhador afirma que:
“Porque além de tudo o uniforme da Sankyu, quando você sai aqui pra fora,
você sai sujo. E o da CSN você não pode sair sujo. Você troca [...]” (Mecânico
da CSN, ex-mecânico da Sankyu)
56
Fez estágio na CSN durante 10 meses e entrou na Sankyu aos 19 anos como mecânico auxiliar. Após alguns
meses, deixou a Sankyu pela Magnesita, onde trabalhou 2 meses como mecânico trainee. Foi demitido ao tentar
processo seletivo para a CSN. À época da entrevista era concursado público (Entrevista concedida à autora em
28/09/2009)
57
Personagem de desenho animado que tem a cor da pele azul tal qual a cor do uniforme da Sankyu.
58
Entrou na Sankyu como mecânico e lá trabalhou por cerca de 3 anos até ser chamado para integrar o quadro da
GMC/CSN no ano de 2009 (Entrevista concedida à autora em 03/10/2009).
47
Nos espaços públicos da cidade, principalmente próximos à CSN, o desfile de
uniformes e de trabalhadores, notoriamente oriundos do chão-de-fábrica, é parte de uma
tradição no cotidiano visual local. A urbanística de Volta Redonda, como fora mencionado,
representa um complexo organizacional que gravita em torno de um núcleo formado pela
UPV e seus edifícios
59
. Situada em uma área epicentral, a CSN tem como adjacências um
centro comercial populoso e movimentado, que reúne desde escritórios, lojas, consultórios de
profissionais liberais, até áreas de lazer como os cinemas, o teatro e a biblioteca da cidade.
Porém, o local de protagonismo da circulação de pessoas e de possibilidades de interação
entre os indivíduos, pertence, sem dúvida, aos dois shoppings da cidade, especialmente ao
Sider Shopping
60
, por seu tamanho e sua “antiguidade”. Não fosse a existência de duas pistas
que os separam, a CSN e o Sider Shopping seriam áreas contíguas e, mesmo que na prática
não o sejam, a vizinhança próxima entre estes dois mundos, o do trabalho e o do lazer,
permite uma transição rápida e permanente entre estes prédios/dimensões do cotidiano da
vida.
59
Para mais informações sobre a urbanística da cidade e a centralidade da CSN em seu espaço, ver Lopes (2003).
60
O nome, assim como outros na cidade, não é obra do acaso: faz alusão à siderurgia, “matéria-prima” da
construção de Volta Redonda.
48
Vista do interior do Sider Shopping para a CSN
Vista do interior do Sider Shopping para a CSN
49
A vista para a CSN foi construída alguns anos no Sider Shopping. Da praça de
alimentação do local, é possível vislumbrar a CSN e seus galpões, altos-fornos, tubulações,
cilindros, chaminés, fumaças, labaredas, enfim, grande parte da estrutura industrial.
A proximidade entre a CSN e o shopping também implica em certa continuidade e
extensão da paisagem humana do interior da empresa para o espaço público, principalmente
em horários de entrada e saída do trabalho, permitindo a visualização de um “arco-íris” de
uniformes que, embora nem sempre identificáveis em suas firmas específicas, sem dúvidas
reconhecíveis como de trabalhadores que atuam no interior da Usina. Embora terceirizados e
trabalhadores diretos trabalhem na mesma Usina, a diferenciação visual dos trabalhadores
uniformizados nos espaços de Volta Redonda alimenta uma forte discriminação social:
“Que que acontece: o pessoal tem em mente que o pessoal da CSN ganha
mais do que terceirizada. Então, o tratamento é melhor, tudo gira, tudo é em
relação a dinheiro. E nem sempre acontece isso, porque tem muita gente
terceirizada que ganha mais do que pessoal da CSN. Tem vários cargos lá que o
pessoal terceirizado ganha mais. Mas por ser da CSN o pessoal acha que
ganha mais e trata melhor.” (Mecânico da CSN, ex-mecânico da Sankyu)
A crença de que ao trabalhador da CSN está reservada uma atitude mais atenciosa e
respeitadora por parte dos comerciantes e seus funcionários gera muito ressentimento entre
alguns trabalhadores com relação à cultura arraigada no cotidiano local:
“[...] tenho 2 anos na Magnesita Refratários, que tem uma fábrica própria para
exportar seus produtos para mais de 50 países no mundo e detém 90% do
mercado nacional de aplicação de produtos refratários. O que dói é que quando
nos relacionamos como empreiteiras, e o tratamento do pessoal que fornece
serviço fora da usina, não sabe que a minha empresa tem esse porte, e acaba
discriminando-me pelo meu uniforme. Exemplo: semana passada no posto
AMPM da vila, ao sair do trabalho ainda vestindo o meu uniforme, parei meu
carro no posto para abastecer e o filho da puta do frentista fez vista grossa
porque meu carro é de idade avançada e meu uniforme é de terceira. Ele teve a
cara-de-pau de o vir me atender e ainda ficou sinalizando para os carros que
iam chegando para estacionarem nas bombas e, em seguida, atendia
rapidamente os clientes. Detalhe: os dois carros que chegaram após eu
estacionar estavam com funcionários da CSN e os carros eram mais novos que o
meu. Demorei quase 10 minutos para ser atendido e muito mal atendido.
de raiva eu que ia abastecer 30 reais, dei uma nota de 100 reais para o frentista e
mandei o babaca colocar 1 real de gasolina. Ali eu nunca mais abasteço,
perderam um ótimo freguês pelo preconceito e falta de educação. Mas
cidadezinha de interior é assim mesmo, tudo gira em torno dessa empresinha
safada que mal remunera os seus funcionários e ainda infelizmente, influencia
50
mal a nossa pobre população desinformada e interesseira.” (Trabalhador da
Magnesita)
61
Á menção do papel do uniforme no relacionamento com os conhecidos assoma-se, na
concepção dos trabalhadores terceirizados, a importância na identificação dos indivíduos
enquanto potenciais consumidores. Os preconceitos vinculados à utilização do uniforme de
trabalhador terceirizado sugerem um cerceamento de sua cidadania, muitas vezes injustificado
do ponto de vista do poder de compra dos indivíduos. O advento da terceirização capitalista
engendrou uma dupla discriminação: a do mundo do trabalho e a do mundo social. Sobre o
trabalhador terceirizado, comentaram um ex-presidente do SMVR e um ex-coordenador da
empresa:
“Ele é um cidadão de segunda na questão do processo; de primeira da CSN, e de
segunda é ele; ele gostaria de vestir o uniforme da CSN para ser promovido
como cidadão de primeira. Ele sabe que ele está no processo do início ao fim,
mas cabe a ele a cadeira da segunda, né; quando ele pega o uniforme da Sankyu
ele sabe que ‘eu não sou o primeiro’, ele sabe que o primeiro é da CSN.
Ele costuma até pegar a camisa da CSN emprestada para sair. Então o processo,
ele é de exclusão mesmo [...] existe trabalhador de empreiteira que pega camisa
emprestada da CSN para andar na cidade”. (Luizinho, ex-presidente do SMVR)
Já o ex-coordenador comentou que:
“A vontade é um negócio o latente e tão forte dentro da cultura, eu diria, de
Volta Redonda, que até hoje o cara fala: ‘eu fichei’. Quando ele diz ‘eu fichei’,
você sabe que ele passou para a CSN [...] quando ele diz ‘eu tô trabalhando’,
é uma coisa, ‘eu fichei’ é outra. [...] Quando o cara fala ‘eu fichei’ é na CSN”
(Ex-coordenador da CSN)
Embora depois haja certa relativização devido à ideia de processo histórico:
“Mas isso tá caindo um pouco também; ele sente a diferença entre CSN e
empreiteira, embora também não seja mais aquela CSN [...]” (Ex-coordenador
da CSN)
Na fala do ex-coordenador da CSN é notória a ênfase nos novos sentidos assumidos
pela carteira de trabalho. Faz parte da história da cidade, outrossim, o pioneirismo e a
exemplaridade representados pelo emprego formal como paradigma da construção da
cidadania no país. A CSN forneceu o fertilizante essencial para a divulgação da ideologia
Estado-novista de inclusão social a partir do trabalho (MOREL, 1989). Uma vez que as
mudanças históricas conferem novos usos às velhas representações, há aqui a sugestão de que
61
Trabalhou em várias empresas terceirizadas, dentre as quais Sankyu e Comau. Na época da entrevista
trabalhava na firma Magnesita Refratários prestando serviços em diversas fábricas do Brasil, inclusive na CSN
(Entrevista concedida à autora em 15/09//2009).
51
a terceirização implicou em um novo entendimento sobre a condição de trabalhador formal e
assalariado. “Ser fichado” perdeu a conexão com ter a carteira de trabalho assinada, e passou
a conotar, para além daquela primeira ideia, a participação no quadro oficial da empresa.
Existe, neste sentido, uma dinâmica histórica e um processo de ressignificação da condição de
trabalhador com garantias e proteções. Sugere ainda a construção de novos traçados que
dividem trabalhadores incluídos e protegidos e trabalhadores que, mesmo na condição de
trabalhadores formais, sentem-se situados fora dos limites que definem o “fichamento”.
Diferentemente da lógica fordista, a tônica da formalidade assume novos contornos que
transcendem o assalariamento e a mística da carteira de trabalho.
Em um primeiro momento, as diferenças que caracterizavam o estatuto de
trabalhadores terceirizados e diretos criavam uma linha divisória nítida e alimentavam
invariavelmente, na “fala” dos entrevistados, o desejo de passar para a CSN. Embora a CSN
ainda ofereça, em geral, uma condição melhor, como acima relatado pelos entrevistados, hoje
em dia, é possível receber remunerações mais elevadas em empresas terceirizadas
62
. A
diferença, segundo o ex-coordenador, persiste, mas ela foi reduzida devido a uma dilapidação
da condição de trabalhador do quadro direto.
É necessário esclarecer que o funcionário da CSN não é o único tipo de profissional
que transita pela cidade, e muito menos o mais bem sucedido dentre eles. Embora tenha
crescido às margens da usina e em função dela, a cidade de Volta Redonda se desenvolveu
para além dessa proposta original. Nos dias de hoje, a cidade conta com um complexo urbano
desenvolvido, com um sem número de empresas de pequeno, médio e grande porte, e com
uma população de trabalhadores distribuída em diversos setores da economia. Neste contexto
de multiplicação de empresários, profissionais liberais e da infra-estrutura urbana, os
‘capacetes brancos’ não fazem mais sentido. Embora as rupturas com a cultura da
company-town sejam visíveis, é importante ressaltar alguns elementos de continuidade: a
CSN permanece a maior empresa da cidade em número de profissionais, em tamanho do
empreendimento, em dimensão; a CSN ainda hoje é proprietária de grande parte dos terrenos
da cidade, fator que impede o crescimento do aparato público da cidade; a CSN ocupa um
lugar central no cotidiano da cidade. Em contraposição a outros tipos de profissionais, o
trabalhador uniformizado da CSN se apresenta enquanto grupo à população de Volta
Redonda.
62
Mais adiante retomaremos essa discussão.
52
O tipo de desenvolvimento das relações sociais dos trabalhadores terceirizados acima
descrito parece-nos tributário do entrecruzamento de dois fenômenos: a multiplicações de
trabalhadores terceirizados e a cultura peculiar de Volta Redonda historicamente vinculada à
CSN. Como fora dito anteriormente, o trabalhador terceirizado confrontou-se, desde os
primeiros dias, com uma aura que envolvia o tradicional estatuto de trabalhador da CSN e,
embora a empresa atualmente não seja mais um ponto de convergência de expectativas
promissoras, em relação à situação dos terceirizados, ela apresenta vantagens, por vezes de
ordem material, ou mesmo no quesito auto-estima e confiança. O que queremos enfatizar aqui
- embora os dados empíricos sejam mais fugidios - é que para a além da construção do
trabalhador terceirizado como personagem da empresa, existe uma construção social de sua
identidade. Este papel social e o lugar que lhes é atribuído são essenciais para entender a
formação da auto-imagem do novo trabalhador.
Embora não seja possível estimar com precisão quantos trabalhadores da CSN vão ao
shopping de uniforme e quantos das empreiteiras o fazem ou deixam de fazê-lo, pretendemos
demonstrar a existência de um orgulho de grupo dos trabalhadores da CSN, vinculado ao
papel nodal da empresa na história da cidade. A decisão entre circular em espaços públicos
exibindo determinado tipo de uniforme, e utilizá-lo apenas no interior da empresa como uma
exigência técnica, é uma escolha que tem como parâmetro o olhar dos “outros”. Ao levar o
uniforme para fora da empresa e, principalmente, para locais públicos de lazer, o funcionário
da CSN parece extrapolar a esfera de seu papel como trabalhador para seu papel de cidadão.
O reconhecimento de longa data de seu papel na cidade confere ao uniforme “industrial” da
CSN, senão orgulho, muito menos constrangimento.
2.5. O lugar do terceirizado no espaço da UPV
No interior da CSN, destaca-se a importância do uniforme como identificação sensível
automática da maneira como os trabalhadores estão situados na hierarquia do processo de
produção. A implicação deste fato para os trabalhadores terceirizados aqui pesquisados (e
seus uniformes) é a sua localização em uma posição na base no processo produtivo, ou seja,
um lugar para onde várias ordens convergem, sem dela irradiarem
63
.
63
Utilizei aqui o critério da circulação das ordens que, em tese, segundo critérios jurídicos, não deve haver
uma relação de hierarquia entre trabalhadores terceirizados e diretos. Na prática, a subordinação entre
53
É também o uniforme que define os limites da circulação dentro dos espaços da CSN.
certos critérios hierárquicos e/ou situacionais para o compartilhamento de determinadas
locações no interior da usina, responsáveis pela criação de ilhas de exclusividade e
segmentação. É possível definir os seguintes tipos de segmentação dos espaços de
sociabilidade dentro da empresa: aquele que seleciona os trabalhadores da CSN e os
terceirizados em instalações separadas e organizadas hierarquicamente – vestiários, cozinhas e
salas; aqueles de convivência comum, como refeitórios de trabalhadores da CSN e refeitórios
de trabalhadores de empresas terceirizadas - que reúne trabalhadores de cada um desses
grupos independentemente da hierarquia -; refeitórios conjuntos que reúnem,
indiscriminadamente, todos os trabalhadores
64
; e dentro das áreas de trabalho da empresa
espaços em que os grupos de trabalhadores se encontram, e outros onde a entrada é vedada a
trabalhadores que não fazem parte do quadro direto.
Além destas, as áreas verdadeiramente comuns que reúnem - sem nenhum tipo de
exclusivismo - trabalhadores terceirizados de várias empresas e trabalhadores da CSN se
resume aos locais de trânsito próximo às portarias e aos caminhos que conduzem até as áreas.
Embora estes sejam os locais mais democráticos da CSN - em função da liberdade
indiscriminada de trânsito -, é provável que sua condição de espaços de passagem, quase
sempre percorridos com certa rapidez, não privilegie o desenvolvimento de eventuais
aproximações entre estes trabalhadores.
A segmentação das locações internas vinculadas ao tempo do não-trabalho, isto é, de
lugares e tempos que propiciam contatos mais estreitos e formas de identificação e de
proximidade solidárias, foram limitadas na política de organização física da empresa. Os
momentos de descontração entre os trabalhadores estão, na maior parte do tempo, restritas às
áreas de sociabilidade definidas segundo critérios patronais. Isto reduz significativamente as
possibilidades de articulação interna, limita a rede de contatos e amizades e, por conseguinte,
empregados da tomadora e da prestadora de serviços é recorrente nestes casos, fato já apontado por Artur (2007)
e Druck (1999).
64
O compartilhamento dos refeitórios por trabalhadores diretos e terceirizados foi artigo de muitos relatos
desencontrados. Dentre os entrevistados terceirizados, a maioria afirmou que os refeitórios são separados. O
presidente do SMVR, Renato Soares, afirmou não ter conhecimento sobre este divisionismo dentro da CSN.
Segundo ele, todos os refeitórios permitiam a entrada de qualquer trabalhador da UPV, porém, os terceirizados,
vendo alguns refeitórios repletos de trabalhadores da CSN, se sentem intimidados e não entram. Segundo o
trabalhador da CSN, o que existe, na verdade, são restaurantes exclusivos de trabalhadores da CSN e outros
restaurantes, essencialmente utilizados por trabalhadores terceirizados, mas dentro do qual também tem livre
acesso como trabalhador do quadro oficial. Desta forma, há relatos que indicam a existência de refeitórios
exclusivos de trabalhadores da CSN e outros compartilhados. Portanto, a hipótese mais provável é a existência
de refeitórios “democráticos” e exclusivos em diferentes áreas, o que faz com que alguns trabalhadores que
permanecem fixos em determinadas áreas acreditem que o modelo de refeitório que frequenta funciona de
maneira similar (exclusiva ou “democrática”) em toda a UPV. Os entrevistados ressaltaram que mesmo em
refeitórios diferentes, a refeição servida é igual.
54
o forjamento de uma cultura partilhada, senão comum a todos os trabalhadores, ao menos,
mais homogênea.
É importante salientar o fato de que a distinção nas locações destinadas à
trabalhadores terceirizados e diretos implica quase sempre em precariedade das instalações
dos primeiros comparativamente às dos segundos. Vários entrevistados mencionaram a
diferença no conforto das salas, refeitórios dos trabalhadores do quadro equipadas com ar-
condicionado –, e dos vestiários extremamente limpos. Em contraposição ao ambiente
ocupado pelos trabalhadores da CSN, os vestiários das prestadoras de serviços foram, na
maior parte das vezes, considerados sujos e precários, e seus refeitórios e salas foram
qualificados como inferiores em qualidade. Alguns trabalhadores terceirizados afirmaram
sequer desfrutar de uma sala onde pudessem “tomar café”. Em certa medida, a própria
condição material que circunda os trabalhadores terceirizados, ou seja, a ausência de um
ambiente decente de trabalho, produz e reforça discriminações internamente a UPV.
A divisão das instalações delineia um quadro de possibilidades de interação entre esses
trabalhadores que vai desde micro-relações representadas por espaços altamente exclusivos
hierarquicamente e funcionalmente organizados por empresa, passando por vestiários e
galpões de cada uma das empresas que, embora sejam também ordenados hierarquicamente,
tem um potencial de abrangência maior do que as salas; até áreas de trabalho compartilhadas
por trabalhadores da CSN com trabalhadores das firmas terceirizadas, restaurantes que
reúnem trabalhadores terceirizados e trabalhadores da CSN discriminadamente, e aqueles que
os reúnem indiscriminadamente; e, finalmente, as áreas de trânsito e passagem no interior da
Usina.
Os trabalhadores terceirizados de empresas diferentes, em geral, travam contato mais
direto com os trabalhadores da CSN, que os funcionários do quadro são os responsáveis
pela fiscalização de seus serviços, mas também porque as empresas terceirizadas atuam em
áreas específicas
65
. Os trabalhadores de empresas que prestam serviços de limpeza, em geral,
atuam em todos os espaços e compartilham os ambientes de trabalho com trabalhadores de
outras firmas terceirizadas e da CSN. O refeitório é o local que permite o encontro entre a
maior parte dos trabalhadores de diferentes empresas.
É importante salientar que, mesmo existindo espaços que viabilizam contatos entre
membros de quadros de empresas diferentes, isto não significa que as interações aconteçam
65
À exemplo da empresa Comau que tem um contrato para prestação de serviços na área de Laminação e os
trabalhadores da Sankyu que atuam na Siderurgia (Ver principais áreas e atividades terceirizadas para outras
empresas na UPV em anexo).
55
na prática. A possibilidade de proximidade física entre trabalhadores de diferentes empresas
não significa proximidade real no sentido de contatos mais estreitos e amigáveis.
Ainda sim, recuperando o argumento acima indicado, o uniforme é um apriorístico que
delimita um campo de possibilidades definido dentro das interrelações travadas entre os
indivíduos no interior da empresa. Tanto para os trabalhadores da CSN como das
empreiteiras, ele tem a dupla função de indiferenciar visualmente para dentro do grupo e
diferenciar para fora. As relações de poder e mando interna aos grupos não é mecanicamente
depreendida pelo uniforme, mas a externa o é. Inerente a estas classificações está a própria
definição da conduta na interação com o outro (indivíduo ou grupo). A referência a um trecho
de uma entrevista com um ex-superintendente da CSN
66
é exemplar da importância da
identificação visual e da diferença como orientadora de um roteiro para as relações dentro do
ambiente de trabalho e, por vezes arbitrariamente, fora dele:
“eles ficam a margem; até por uma visão administrativa, gerencial, né, que
deve-se manter uma distância; há uma cultura que se criou aí que você não pode
estar, por exemplo, muito próximo, porque se você estiver muito próximo, isso
vai atrapalhar a cobrança que você vai ter que fazer, a isenção, até a lisura do
processo. Uma curiosidade para você ver como isso vira paranóia, né. Vamos
dizer assim, tem um caso de um rapaz que veio de carona até a porta da usina,
ele era da CSN e o irmão era de uma empreiteira. E o irmão não pode entrar de
carro, e então parou ali na porta. Ele desceu, e os dois conversaram um
pouquinho e tal, e o irmão entrou pra CSN e o outro foi embora de carro; e esse
da CSN foi questionado porque ele tava de carona com um funcionário da
contratada. Porque alguém passou, viu, e fez a identificação do cara. E
chegaram até a chefia dele para questionar porque ele tava de carona com [...]
Quer dizer, o pessoal imagina: ‘ah esse cara tá roubando a companhia, esse cara
fraudando o contrato, esse cara levando um por fora pra facilitar as coisas,
para fazer vista grossa, pra num denunciar, pra não cobrar, pra não ver’,
imagina! Eu não estou falando de hipótese não, eu tô falando de caso concreto,
e não é único. Então criou-se, de um tempo para cá, esta cultura. Então todo
mundo fica sob suspeita [...] é o contrário de todo é inocente até que se prove a
culpa, né? Aqui não: tem uma cultura aí que se criou que todo mundo é culpado
até que se prove a inocência. Então você vive sob suspeição. Daí você não
envolver os contratados nessas coisas, você mantém a distância, o negócio é
cobrá-lo pelos resultados. E isso é muito duro porque cria, como você disse,
uma outra classe dentro da classe. É como se fosse um dalit[...] É um dalit
67
”.
(Ex-superintendente da CSN)
Embora a transcrição seja extensa, ela traz informações importantes para entender o
lugar de cada um dos trabalhadores dentro de uma escala que define não apenas a hierarquia
66
Entrou na CSN em meados da década de 1970. Atuou como técnico de manutenção, supervisor, chegando a
superintendente e gerente de áreas. Foi demitido da CSN nos anos 2000, após quase 30 anos na empresa
(Entrevista concedida à autora em 18/05/2009).
67
Analogia com indivíduo que compõe a base da hierarquia da sociedade de castas indiana.
56
do local de trabalho, mas também as possibilidades de contato entre eles. Neste caso, o
uniforme parece ter sido a mácula responsável pela denúncia de relações impróprias ou
censuráveis entre os trabalhadores. Como fora dito, o uniforme é o primeiro e principal
artifício de diferenciação, porque visual e, portanto, automático. A rede de “fofocas”
funcionou como um poderoso elemento de controle externo das interrelações entre os
trabalhadores
68
.
O relato acima transcrito apresenta um caso limite de preconceito entre os
trabalhadores da UPV. Mais do que uma relação “naturalmente” construída pelos
trabalhadores, o preconceito aparece como uma prescrição metodológica para fins de gestão
eficiente da mão-de-obra. O preconceito pragmático apontado pelo entrevistado lança luz
sobre a utilidade da estratégia de construção e manutenção da diferença pela empresa
contratante. Para Butenbach (2009):
“A desigualdade de direitos contratuais e as políticas de gestão discriminatórias que
estabelecem num mesmo local de trabalho, condições diferenciadas para trabalhadores
diretos e terceirizados, são aspectos que têm repercutido de forma importante na
identidade da classe trabalhadora. Estes acabam não se reconhecendo como integrantes
de um coletivo, como parte de uma mesma classe. Isso enfraquece a formação de laços
de solidariedade e a própria capacidade de organização dos trabalhadores.”
(BUTENBACH, 2009:181)
Este tipo de estratégia de diferenciação colocado em prática pela CSN não é
consensual entre as empresas. A implantação da montadora de caminhões da Volkswagen na
cidade de Resende (RJ) em 1996 foi um experimento industrial inovador, pois representou o
deslocamento dos fornecedores de produtos e serviços para o interior da unidade fabril. Dos
1.500 trabalhadores da fábrica, 1.300 eram subcontratados (ABREU, BEYNON, RAMALHO,
2006). Temendo a disparidade e o conflito que as diferenças visuais pudessem vir a causar,
definiu-se que na fábrica da Volks todos os trabalhadores (inclusive os executivos) usassem
um uniforme comum, com a única distinção da logomarca, acima do bolso direito da camisa,
que identifica a firma (ABREU, BEYNON, RAMALHO, 2006). Além disso, todos os
trabalhadores “pertencem à mesma categoria sindical; têm padrões médios de remuneração e
jornada comuns; são representados pela mesma CIPA; há empréstimo de empregados entre as
empresas” (CONCEIÇÃO e LIMA, 2009:203). Com relação à esse tipo de terceirização,
Luizinho – ex-presidente do SMVR – afirmou que a Volks, diferentemente da CSN, imprimiu
68
Elias e Scotson (2000) fazem importantes considerações sobre o papel da coerção social externa sobre a
conduta individual que levam à internalização do controle.
57
no uniforme de todos os trabalhadores da fábrica a sua logomarca, cultivando neles uma
“cultura de âncora” identitária.
Uma diferença crucial na terceirização da CSN em relação à fábrica de Caminhões da
Volks reside no fato de que quando o processo foi implantado na primeira delas, havia um
grau elevado de solidariedade e identidade entre seus trabalhadores. Em Volta Redonda e,
especificamente na CSN, o movimento sindical havia galgado maturidade política e poder de
mobilização, forjados no clímax das lutas da década de 1980. Embora a perda da força do
movimento sindical na década de 1990 não seja mérito exclusivo da terceirização, a diferença
criada na consideração entre os trabalhadores não pode ser descartada como uma dentre as
causas do processo. Independentemente da existência ou não de preconceitos implícitos ou
explícitos (na concepção dos trabalhadores), a segregação tanto espacial quanto visual dos
trabalhadores intensifica e aprofunda a visão diferenciada de suas identidades. Embora a
diferença que cria preconceitos seja uma dimensão calamitosa da terceirização, a diferença
que cria indiferença em relação à condição do vizinho não é menos importante no que diz
respeito à organização sindical.
58
Capítulo III
3.1. Trabalhadores da CSN X trabalhadores terceirizados
Embora consideremos que os “trabalhadores terceirizados” não compõem um grupo
homogêneo como o epíteto faz crer, não ignoramos o fato de que as categorias de
trabalhadores terceirizados e trabalhadores da CSN conformam, grosso modo, uma ideia
embora simplificada da organização e da percepção do interior da usina. Não intentamos
com isso afirmar que todos os trabalhadores terceirizados se enxergam como iguais, ou que se
vêem enquanto grupo coeso, mas que compartilham intimamente, mesmo que nem sempre o
declarem, o sentimento de uma condição semelhante: a de não serem os “donos da casa”.
69
Ao
contrário do trabalhador da CSN, que trabalha diariamente nas instalações de sua contratante,
o trabalhador terceirizado que pesquisamos é contratado por uma empresa que o aloca em
unidades produtivas de outra(s) empresa(s).
Visto de longe, o interior da CSN é entendido segundo esta primeira grande
diferenciação. Logicamente, dentro destes estatutos englobantes muitas outras identidades se
constroem. Embora haja essa diferença primordial entre trabalhadores da empresa e
trabalhadores subcontratados, existem outros veis e escalas de identidades vinculadas tanto
às empresas contratantes particulares, quanto à área da fábrica em que se trabalha e às funções
desempenhadas na cadeia produtiva. Estas situações definem, dentro da fábrica, outras tantas
barreiras do “nós”. Nesta parte do trabalho, porém, nos concentraremos em tentar entender
como os trabalhadores terceirizados apreciam seu trabalho e sua situação vis-à-vis a referência
ao trabalhador da CSN e vice-versa. Mais adiante trabalharemos com a escala de outras
identidades vinculadas às empresas específicas e às funções na produção, que delineiam
outras fronteiras de afinidades entre os trabalhadores.
Embora sustentemos que trabalhadores terceirizados apresentam particularidades,
reuni e confrontei neste capítulo os relatos de trabalhadores da CSN e de empresas
subcontratadas em conjunto, com o intuito de melhor compreender uma polarização frequente
nas análises recentes sobre o mercado de trabalho: a discussão que divide trabalhadores do
quadro direto das empresas e trabalhadores terceirizados como trabalhadores “centrais” e
69
Designação literal ou expressão com sentido equivalente a determinados termos utilizados por alguns
trabalhadores terceirizados com relação aos trabalhadores da CSN.
59
trabalhadores “periféricos” ou trabalhadores do “núcleo permanente” em contraposição a
“trabalhadores terceirizados”. Esta tem sido uma polarização constante para fins de análise,
mas também é um tipo de leitura que se faz quando se reduz a precisão da lente – pois o grupo
terceirizado abrange estatutos distintos ou quando se estabelece diferenças mais marcantes e
salientes historicamente produzidas que caracterizam o interior da unidade fabril. As questões
que priorizei nesta seção e na seção seguinte do trabalho giram em torno dos seguintes temas:
a representação do trabalhador terceirizado sobre o ofício e o perfil do trabalhador da CSN e
vice-versa, os sentidos conferidos à condição de trabalhador do quadro direto, ou mesmo, até
que ponto trabalhar na empresa contratante é visto como um horizonte desejável e em que
sentido não o é.
Uma das primeiras características que, se não define categoricamente trabalhadores
terceirizados e trabalhadores da CSN dentro do processo produtivo, ao menos os identifica
majoritariamente, consiste no fato de que trabalhadores da CSN em geral estão alocados na
operação das máquinas e da produção, na gerência e na administração produtiva, enquanto
trabalhadores terceirizados permanentes que trabalham na linha produtiva dividem-se
atualmente em prestadores de serviços de manutenção (tanto preventiva quanto corretiva),
embalagens, limpeza e conservação. A CSN dispõe de um quadro próprio, embora pequeno,
de funcionários de manutenção. Mas a composição majoritária dos trabalhadores da CSN e
dos trabalhadores terceirizados compreende, respectivamente, as funções de operação e
manutenção. Simplificadamente era com base na classificação “trabalhadores da
CSN/trabalhadores de operação” que a maioria dos trabalhadores terceirizados enxergava os
trabalhadores do quadro direto quando faziam menções ao trabalho deles. Esta divisão de
papéis e funções na escala produtiva entre trabalhadores de manutenção e trabalhadores de
operação pareceu guardar um primeiro campo de disputas e diferenças latentes
70
.
A divisão de tarefas de operação e de manutenção cria uma primeira impressão da
carga e da qualidade do trabalho que se desempenha, de um lado operacional e de outro
manual. Desta forma, cabe aos trabalhadores terceirizados de manutenção a parte do processo
produtivo “mais penosa” e “suja”. Enquanto os trabalhadores de operação trabalham em salas
com ar condicionado, os trabalhadores terceirizados de manutenção fazem um trabalho
“muito braçal” e tem que transitar muito “nas áreas”, que são ambientes demasiadamente
70
É importante ressaltar o fato de que as questões feitas aos trabalhadores estavam centradas nas diferenças entre
o trabalhador da CSN e das terceirizadas. A associação implícita ou explícita de trabalhadores indiretos e diretos
à manutenção e à operação respectivamente, emergiu em muitas narrativas como um desdobramento daquelas
perguntas. Isto não significa que a visão diferenciada entre trabalhadores de manutenção e operação tenha sido
inaugurada pela terceirização, mas sim que ela foi apropriada e vinculada à esses novos estatutos e identidades
como um delimitador de fronteiras.
60
“quentes” e barulhentos
71
. Comparando com o efetivo da CSN um dos entrevistados disse: “a
gente trabalha mais”
72
, e o outro afirmou que mesmo quando a indústria tinha um efetivo de
trabalhadores de manutenção, eles não “pegavam os piores serviços”
73
. Eram os trabalhadores
das empresas terceirizadas os chamados a entrarem em “buracos sujos”
74
. Implícita nas
justaposições entre trabalhadores da CSN e trabalhadores terceirizados estava uma associação
recorrente entre os entrevistados entre trabalho pesado e trabalho/trabalhador terceirizado.
O trabalho mais intenso se assoma ao trabalho extensivo requerido aos trabalhadores
terceirizados na época dos “paradões” e das preventivas contra acidentes. Tanto os “paradões”
quanto as preventivas consistem na suspensão temporária da produção em determinadas áreas
para promover a manutenção e limpeza geral dos equipamentos. A diferença reside no fato de
que no primeiro caso, a limpeza e a manutenção exigem uma suspensão mais generalizada das
máquinas, mobilizando um número maior de trabalhadores de manutenção permanente,
juntamente com trabalhadores temporários de manutenção, em atividades com carga de
trabalho intensiva e extensivamente excessivas; enquanto no segundo caso, a manutenção é
mais localizada e as tarefas são realizadas apenas por trabalhadores de manutenção
permanentes (tanto da CSN quanto das prestadoras de serviços). As preventivas são mais
regulares
75
, enquanto que os “paradões” ocorrem com menor frequência
76
.
A associação generalizante na “fala” dos trabalhadores, entre operadores de
máquinas/trabalhadores da CSN propiciava uma nova leitura dos terceirizados sobre o
emprego na empresa contratante. Como fora mencionado, embora a manutenção não seja
atributo exclusivo das empresas terceirizadas, a operação é realizada unicamente por
trabalhadores do quadro direto e, portanto, em muitos momentos, apareceu como se fosse
definidora de todo o contingente da CSN. Desta forma, trabalhadores da CSN ou
trabalhadores de operação foram designados, repetidas vezes, “apertadores de botões”. Uma
das zonas de atrito latente entre trabalhadores da CSN e terceirizados seria, segundo um
entrevistado
77
, o conhecimento do processo produtivo. Segundo ele, o trabalhador da CSN
estaria ultra-especializado na sua função de “apertar botões”, enquanto que o trabalhador de
71
A menção ao trabalho dentro de salas com ar-condicionado foi feita tanto por trabalhadores da CSN quanto
por trabalhadores terceirizados. O ar-condicionado apareceu em várias “falas” e reaparece em outras transcrições
da dissertação. Mais do que um artigo de luxo, ou supérfluo, o ar-condicionado é um recurso providencial em um
ambiente exacerbadamente quente e insalubre. Quanto às outras menções, foram feitas pelo Operador 1 da CSN.
Entrevista concedida à autora em 12/04/2009.
72
Mecânico da Sankyu. Entrevista concedida à autora em 24/03/2009.
73
Soldador da Sankyu. Entrevista concedida à autora em 04/04/2009.
74
Idem
75
Ocorrendo, aproximadamente, de 15 em 15 dias na Laminação.
76
São anuais ou bianuais, dependendo da área.
77
Ex-instrumentista da Sankyu e da M&P. Entrevista concedida à autora em 19/10/2009.
61
manutenção deveria conhecer o funcionamento de todas as máquinas da área em que trabalha.
Neste contexto, os trabalhadores da CSN seriam arredios em aceitar explicações ou
ensinamentos por parte de trabalhadores de manutenção e isto seria, para este trabalhador,
uma das razões da hostilidade entre trabalhadores dos dois grandes grupos.
Esta associação do trabalhador da CSN como trabalhador de operação e sua
acomodação alienante à função de “apertador de botões” era recorrente e trazia em seu bojo
outros tipos de críticas, como a passividade, a obediência cega e a postura de resignação, em
contraposição aos trabalhadores das firmas contratadas. Esta diferenciação apareceu de
maneira categórica na definição de terceirizados como atores grevistas e lutadores, e
trabalhadores da CSN como acomodados e imobilistas (tema que retomaremos no próximo
capítulo). Um trabalhador afirmou que em comparação com os trabalhadores de prestadoras
de serviços, o trabalhador da CSN e especificamente o trabalhador da operação é menos
flexível pois:
“Já o cara da CSN não, por exemplo se o cara é operador. Se ele só sabe apertar
um determinado botão para uma máquina andar, ele faz aquilo o resto da vida
dele. Então ele mesmo se julga incapaz de conquistar algo melhor. Ele sabe que
se ele sair daquela função dele, ele não vai encontrar espaço no mercado de
trabalho em outra empresa, então eles se limitam a ficar naquilo mesmo, não
reivindica nada, fica nesse marasmo aí.” (Trabalhador da Magnesita)
Enquanto os trabalhadores terceirizados definiram os trabalhadores da CSN como
estagnados e “apertadores de botões”, o funcionário da contratante apontou para a deficiência
da qualidade do serviço de manutenção acarretado pela terceirização dos quadros dentro da
UPV:
“Pelo lado profissional, qualidade do serviço eu achei que caiu muito, caiu
muito, muito. Agora pelo lado estratégico da empresa, foi maravilhoso para a
empresa. Porque essa questão de impostos, qualquer acidente que acontecer ela
não tem responsabilidade nenhuma. Então estrategicamente a empresa ganhou,
mas em qualidade de serviço acho que não foi bom não. Muita gente boa foi
embora, o salário de quem está hoje não é nem metade do profissional de
antigamente. Acho que isso tudo é uma perda.” (Operador 1 da CSN)
78
Mas se entre os trabalhadores da CSN - em geral com mais tempo de serviço dentro da
usina -, os trabalhadores das empresas prestadoras de serviços são tidos como menos
qualificados, por outro lado, alguns trabalhadores de empresas terceirizadas acreditam que a
78
Trabalhava 20 anos na CSN. Entrou na empresa no final da década de 1980 como eletricista e à época da
entrevista era trabalhador de operação da empresa.
62
função de manutenção lhes confere um conhecimento privilegiado do funcionamento geral da
área e das máquinas. O comodismo e o engessamento
79
atribuídos ao trabalhador da CSN
parece ter relação direta com o desempenho da atividade de operação. Um trabalhador da
CSN que atua como operador caracterizou as atividades de manutenção e operação da
seguinte maneira:
“Na operação tem muito tempo ocioso. A partir do momento que você
monitorou tranquilo você fica o maior tempo ocioso [...] Eu trabalho hoje na
operação. E é totalmente diferente cara, o campo é diferente, manutenção,
operação. Apesar de eu gostar muito da manutenção continuei estudando no
sentido sempre da manutenção. Mas trabalho no campo da operação, que não é
ruim não, vou falar pra você que não é ruim não. Mas é um campo que você não
tem uma profissão. Quando você trabalha no setor da manutenção e você sai
hoje da CSN [...] você é eletricista. Hoje eu trabalho na operação, meu campo
hoje, sou inspetor de qualidade [...]. Mas não que é uma profissão certa né, não
existe uma profissão dessas.” (Operador 2 da CSN)
80
A “profissão” aqui assume o sentido de um maior grau de autonomia em relação à
CSN. Para este trabalhador da CSN, que estudou na ETPC (Escola Técnica Pandiá Calógeras)
com o intuito de se tornar trabalhador de manutenção, e que acabou alocado no quadro de
operação, a primeira atividade traz mais garantias de emprego em outros lugares. A operação
da produção constitui um campo mais específico, mais acomodante e, portanto, mais restrito
em relação ao mercado de trabalho. Portanto, para ele, a manutenção garante uma “profissão”
tanto dentro quanto fora da CSN, a operação não. Sobre a definição da operação como
profissão, o mesmo trabalhador assinala que:
“É mais vago cara [...] O que acontece, a operação vai muito da pessoa
mesmo né [...] Do que ela quer da vida dela. [...] Eu não me conformava de ficar
muito parado numa mesma função, eu não consigo[...] Eu estou sempre
buscando mais conhecimento. Nisso a operação acomoda as pessoas, porque é
muito tranquilo trabalhar na operação. Entre aspas né, vamos dizer assim, se
tudo correr bem, nos conformes, o cara fica ali monitorando. Aperta um
botão daqui, aperta um botão. Surgiu um problema, que acontece, chama a
manutenção, a manutenção resolve. Então o cara fica muito, vamos dizer, ele é
acomodado naquela função. Então se você não quiser, se você não buscar
melhoria pra você, você fica muito estático, você fica muito parado. E se
amanha, se por algum motivo você é mandado embora, você vai trabalhar com
o que? Não tem com o que você trabalhar. Se você não buscou conhecimentos,
79
A consideração do trabalhador da CSN como estático ou engessado apareceu quase sempre para o trabalhador
de operação, mas também para o de manutenção. Isto acontece porque, como relatado pelo presidente do SMVR,
Renato Soares, a partir da terceirização extensiva da manutenção, o quadro de manutenção da CSN, na maior
parte do tempo, deixou de executar as tarefas e passou a fiscalizar o serviço dos terceirizados.
80
Trabalhava há pouco mais de 10 anos na CSN. Foi estagiário da CSN por alguns anos antes de começar a atuar
como operador de máquinas e eventualmente como líder de sua equipe (Entrevista concedida à autora em
10/11/2009).
63
se você não aprofundou seus conhecimentos, você fica desempregado. Você vai
ter que procurar outro campo.” (Operador 2 da CSN)
A operação é, segundo o entrevistado:
“[...] diferente de manutenção [...] Se você trabalha com elétrica [...] daqui a
pouco você se enquadra tanto em outra empresa ou até mesmo aqui fora.
Sempre trabalha com elétrica. Mecânica então é muito mais fácil. Mecânica
você pode se especializar em automobilística. Você vai ser sempre mecânico.
Diferente da operação né. Operação não tem isso [...] O trabalhador de
manutenção o campo dele é bem maior, igual nessa crise agora que teve. Muitos
colegas meus foram mandados embora. Os caras não sabem o que faz. Os caras
tem quase 50 anos de idade entendeu, nunca trabalhou com outra coisa, não
buscaram melhoria para eles, não buscaram estudar, não buscaram ter mais
conhecimentos profissionais. Então hoje os caras ficam desesperados. você
vê colega meu trabalhando com coisas que é totalmente diferente.” (Operador 2
da CSN)
Independentemente da função ou da empresa em que se trabalha, a busca contínua e
incessante de aperfeiçoamento profissional é o lema eficientemente incutido entre os
trabalhadores. Neste sentido, os trabalhadores de manutenção e, por conseguinte,
principalmente os trabalhadores terceirizados, têm vantagens em desempenhar uma função
mais “suja”, porém versátil. A manutenção constitui um campo em que se tem uma
“profissão” enquanto que uma das características enrijecedoras da operação parece vinculada
à sua baixa versatilidade empregatícia. O trabalho de manutenção oferece maiores
possibilidades de aprendizagem e reciclagem profissional bem como o domínio de uma
técnica.
Em princípio, trabalhadores terceirizados foram apontados como profissionais que
executam atividades “mais pesadas” e “sujas”. Esta peculiaridade associada ao perfil dos
trabalhadores terceirizados, em geral, se deve à execução de atividades de manutenção, mas
também à qualidade de trabalhador subcontratado de manutenção, para onde são dirigidas,
pragmaticamente, as atividades mais insalubres e perigosas
81
. O trabalhador de manutenção
da CSN foi mencionado poucas vezes, que o quadro de manutenção da contratante é
considerado pequeno em relação ao das empresas terceirizadas, e pelo fato desses
trabalhadores atuarem mais na fiscalização dos terceirizados do que na execução dos serviços.
81
A designação de tarefas com maior periculosidade a trabalhadores terceirizados é uma estratégia da empresa
contratante para repassar para as empresas terceirizadas o ônus com os acidentes de trabalho (DRUCK, 1999;
ROBSON SANTANA, 2007; SILVA e FRANCO, 2007).
64
Essa visão geral sobre o perfil do trabalhador de manutenção da CSN deve ter sido amenizada
com a criação da GMC, mas não extinta
82
.
a operação foi considerada por quase todos os entrevistados como uma atividade
que cria um engessamento. Na visão dos trabalhadores terceirizados a atividade de operação
aparecia como sinônimo de trabalhador da CSN. Portanto, era principalmente nas entrevistas
desses trabalhadores que a divisão entre operação e manutenção guardava uma dualidade que
situava o grupo de trabalhadores da CSN como praticantes de atividades relativamente
“tranqüilas”, “acomodantes” e repetitivas (“apertar botões”), em contraposição ao grupo
terceirizado, que se definia, em geral, como empenhado em atividades mais árduas, porém
capazes de agregar continuamente novos conhecimentos.
Contrapondo-se à operação, os entrevistados apontaram para o fato de que a função de
manutenção oferece maiores oportunidades no mercado de trabalho tanto industrial como não-
industrial, a possibilidade de barganhar melhores salários fora da CSN e de superar o
desemprego com maior rapidez. Essa visão aparecerá em outras transcrições ao longo deste
texto. Pretendi nesta seção apenas antecipar uma classificação que é esclarecedora,
principalmente no relato dos terceirizados, sobre o papel e o perfil dos trabalhadores da CSN.
Antes de concluir essa seção do trabalho é necessário fazer uma ressalva: a
terceirização provavelmente não foi a responsável pela inauguração das diferenças
representadas entre as categorias de trabalhadores de manutenção e de operação, mas
provavelmente, pelo acirramento entre elas. O foco da análise deste trabalho está centrado na
apropriação destas característica de trabalhadores de operação e manutenção na representação
dos grupos de trabalhadores diretos e indiretos da CSN. Portanto, à pré-existência das
representações segregadas das atividades de manutenção e operação, inerentes a estas
funções, estamos acrescentando a distinção histórico-estatutária entre trabalhadores
terceirizados e trabalhadores da CSN com o intuito de entender como estas peculiaridades
reverberam no forjamento de novas identidades.
82
A GMC em 2009, época em que sofreu os impactos da crise, somava cerca de 140 profissionais de
manutenção. a Sankyu e a Comau somadas tinham, na mesma época, cerca de 2250 funcionários na UPV,
segundo dados da Delegacia Regional do Trabalho de Volta Redonda (DRT/VR).
65
3.2. Das vantagens e desvantagens em integrar o quadro da CSN
Algumas das características apontadas como precarizantes da condição de terceirizado
por outros autores apareceram em muitas narrativas. Questões como a do baixo nível de
treinamento, dos frequentes acidentes de trabalho, do excesso de serviços, da defasagem dos
benefícios como os planos de saúde, dos abonos, da Participação nos Lucros (PLR), os baixos
salários e a precariedade das instalações de trabalho estão fartamente representadas nas
“falas” de todos os trabalhadores entrevistados. notoriamente por parte de todos os
trabalhadores entrevistados uma postura de crítica à terceirização, embora algumas sejam
mais tênues e outras incisivas. Mas isto não implica necessariamente no elogio incondicional
da condição de trabalhador da CSN. No texto que segue, pedi que os trabalhadores
analisassem sua própria condição de trabalhador terceirizado à luz da condição de trabalhador
da CSN e vice-versa.
Quanto à questão relativa à vontade de passar ao grupo de trabalhadores da CSN, as
respostas variavam, mas é possível constatar um certo padrão. Quando questionados sobre as
diferenças entre ser trabalhador da CSN e ser trabalhador de empresas terceirizadas, a maior
parte dos entrevistados apontou a defasagem em direitos e salários como as principais
desvantagens da condição de subcontratado. Não obstante as críticas à situação de
terceirizados, a CSN, embora melhor considerada, não se afigura como um paradigma
inquestionável.
Inicialmente tinha a ideia de que trabalhar na CSN era invariavelmente melhor e mais
vantajoso na opinião de todos os trabalhadores de prestadoras de serviços. A precarização tem
sido um processo fortemente associado à terceirização dos serviços. Corroborando esta
afirmação, alguns trabalhadores confirmaram que o sonho da grande maioria dos
trabalhadores de empresas terceirizadas era de ser contratado pela CSN, isto é, de galgar mais
direitos, estabilidade e benefícios ao integrar o quadro de contratados diretos da empresa.
Contudo, curiosamente, alguns deles afirmaram que recusaram propostas da CSN. Em seus
discursos, não raro, aparecia, contrastando com a ideia do sonho, a certeza da “ilusão”.
Empenhei-me então em saber em que condições trabalhar na CSN era de fato um paradigma.
Embora o trabalho na CSN fosse visto quase sempre como melhor comparativamente
ao trabalho em firmas terceirizadas, a CSN não é unanimidade. Isto decorre do fato de que o
contato diário com trabalhadores da empresa e com seu ambiente antecipa aos terceirizados a
noção dos benefícios e dos espinhos relativos ao trabalho na empresa. Desta forma,
66
comparativamente à CSN, um funcionário relativizou da seguinte maneira as diferenças em
trabalhar na CSN ou nas terceirizadas:
“A PLR é maior. Tem umas vantagenzinhas sim. Mas é o mesmo serviço e é
desvalorizado também do mesmo jeito. [...] a CSN também não tem muita
diferença da Sankyu, praticamente a mesma coisa, eu conheço pessoas que
trabalha lá e reclama muito também.” (Mecânico alinhador da Sankyu)
83
“Na verdade eu tenho pra mim um conceito de que a CSN é uma ilusão. A
gente que trabalha dentro, a gente vive o dia-a-dia, a gente vê que os
trabalhadores da CSN não tem quase que vantagem nenhuma comparando com
certos empreiteiros, no caso que são as firmas terceirizadas que somos nós,
porque o salário da CSN depois que ela foi privatizada diminuiu muito,
entendeu. As regalias digamos, também diminuiu muito. Eu não tenho essa
intenção de passar para a CSN não.” (Soldador da Sankyu)
84
Embora ambos os trabalhadores tenham em certos momentos reconhecido algumas
vantagens em trabalhar na CSN, no decorrer da entrevistas, relativizavam estas vantagens. A
CSN é apreendida pelos trabalhadores das empresas terceirizadas de duas maneiras
complementares: como empregadora indireta, proprietária do ambiente e definidora das
regras, e também a partir da própria experiência dos trabalhadores da CSN, com quem
trabalham e têm contato tanto dentro, como fora da usina. Sobre a vontade em migrar para o
quadro da CSN, alguns trabalhadores comentaram:
“Mas hoje em dia com a qualificação que eu estou, que é soldador, eu não
trocaria a minha firma pela CSN não. Talvez futuramente, eu mais qualificado,
depois que eu estiver mais graduado, talvez sim. Mas hoje não.” (Soldador da
Sankyu)
“[...] no caso se aparecesse uma proposta. Se aparecesse uma proposta, eu acho
que aceitaria sim, apesar de já ter recusado uma há pouco tempo. Mas eu me dei
bem porque eles demitiram muita gente.” (Mecânico Alinhador da Sankyu)
A CSN é vista como uma melhoria na condição de trabalhador, mas não é encarada
como a “mãe” que fora em tempos de empresa estatal. Fazendo coro à rejeição a CSN, o
trabalhador da Magnesita afirmou sobre os salários pagos pela CSN:
“[Paga] Mais do que a Comau e a Sankyu mas menos do que a Magnesita. Se
nesta época eu estivesse trabalhando nestas empreiteiras como eletricista eu
teria fichado na CSN, mas ainda bem que eu não fichei. Inclusive eu participei
de uma dinâmica de grupo pela CSN na época, mas não fui aprovado porque eu
83
Trabalhava 2 anos na Sankyu onde começou como mecânico auxiliar. Na época da entrevista atuava como
mecânico alinhador “volante” na mesma empresa (Entrevista concedida à autora em 24/03/2009).
84
Trabalhou como temporário na Daltec - empreiteira contratada para a construção da fábrica de cimentos dentro
da CSN por cerca de 5 meses e, na época da entrevista, atuava como soldador “volante” alguns meses na
empresa Sankyu (Entrevista concedida à autora em 04/04/2009).
67
tinha cabelo grande, então como é que você vai se adequar a um perfil que a
empresa exige. [...] eu não fichei na época. Hoje em dia não tenho interesse.
se for com a mesma função que eu estou e ganhando o mesmo salário.
que o salário que a CSN oferece não é compatível.” (Trabalhador da Magnesita)
O que essas três últimas citações nos faz crer é que para o trabalhador terceirizado,
existe um momento, um tempo certo para passar para a CSN. No caso do entrevistado que é
trabalhador da Magnesita, as ofertas da CSN talvez sejam ainda mais inócuas atualmente,
porque se no caso do mecânico alinhador e do soldador da Sankyu a passagem para a CSN
significaria uma continuidade da função de profissional com provável aumento de salário,
para o primeiro, a oferta mais presumível de cargos de manutenção ou operação na CSN
incorreria em um rebaixamento de sua função. Portanto, para o trabalhador da Magnesita, as
propostas feitas pela CSN como profissional de manutenção ou de operação denotam um
declínio do salário e do prestígio ligados ao cargo que desempenha atualmente. Talvez esta
seja uma das razões que o fez recusar, segundo seu depoimento, 7 propostas feitas pela CSN.
Além disso, em comparação com sua atual função, o trabalhador da Magnesita define o
trabalho na CSN como “muito árduo” e de “remuneração muito baixa”. Este trabalhador
considera com muito orgulho sua trajetória de ascensão profissional. Seu relato é um caso
exemplar de trabalhador que trilhou um caminho de sucesso profissional às margens da CSN,
por entre empresas terceirizadas variadas, e que atualmente não enxerga na CSN um horizonte
necessário
85
. Embora seja mais vantajoso ser trabalhador de empresas terceirizadas em
determinados casos, esta não parece ser uma regra. Em geral, o trânsito entre cargos e
empresas parece ser mais comum no seguinte sentido: de profissional de manutenção
(elétrica, eletromecânica e mecânica) de empresas terceirizadas para a mesma função na CSN.
Neste sentido, o trânsito para os quadros da empresa contratante está quase sempre ligado à
ideia de ascensão. Diferentemente das terceirizadas que comportam funções de ajudantes e
auxiliares, a CSN trabalha com profissionais. Desta forma, trabalhar na CSN, garante a
certeza de ter um piso salarial mais alto, de profissional.
Não obstante os percalços em trabalhar nos quadros da CSN sejam reconhecidos pelos
trabalhadores terceirizados, alguns deles encontram no respaldo conferido pelo nome de uma
grande empresa a chave para galgar melhores empregos em outros lugares:
“Eu também acho que a CSN, apesar de ser bem sem vergonha também, mas ela
pelo menos assim, ela tem vamos dizer assim, fora, funcionário da CSN, [...]
vamos dizer assim, tem mais crédito. Eu acho que ficaria bem para mim se eu
85
O referido trabalhador começou dentro da CSN na empresa Cikel, passou por várias empresas terceirizadas e
atualmente trabalha na Magnesita.
68
trabalhasse um tempo na CSN, uns dois anos pra depois sair daqui e ir para
fora. Eu trabalhei na Sankyu, eu trabalhei na CSN, é bem diferente. É diferente
sim, eu acho que o pessoal fora com outros olhos. Porque a CSN sempre
bate recordes então você imagina que os funcionários daqui [...]” (Mecânico
alinhador da Sankyu)
Ter a carteira de trabalho assinada pela CSN e não por uma contratada também é um
elemento que carrega em seu bojo maiores oportunidades de emprego fora de Volta Redonda.
Em entrevista com um ex-trabalhador da Sankyu recém-contratado pela CSN, o valor que lhe
fora agregado à carteira de trabalho pelo fato de ter se tornado trabalhador da CSN significa,
para ele, a “abertura de portas” em outras usinas como a Companhia Siderúrgica de Tubarão
(CST) ou na Companhia Siderúrgica do Atlântico (CSA)
86
.
Trabalhar na CSN como operador de máquinas ou de produção implica na aceitação
do trabalho em regime de turno ininterrupto. O trabalhador de turno flexível é aquele que
trabalha com calendário rotativo das atividades durante a semana, com 6 horas diárias de
trabalho
87
. Trabalhar em turno significa abdicar do gozo dos finais de semana e feriados, ou
seja, dos tradicionais dias destinados ao repouso do trabalhador, por uma rotina variável de
horários e folgas. Alguns dos entrevistados expressaram a recusa em ter que se submeter à
inexistência de uma rotina, ou melhor, à experiência de uma rotina flexível, variável, de
semana a semana, indiferente a finais de semana ou feriados. Portanto, trabalhar na CSN
como operador, ou seja, em regime de turno, desagrada muitos trabalhadores terceirizados,
principalmente os mais jovens, pois suas folgas raramente coincidem com a de seus amigos,
parentes e cônjuges, ou qualquer outra pessoa que trabalhe fora da usina. Isso implica em uma
perda parcial do convívio social dos finais de semana. Sobre o trabalho de turno, um
trabalhador terceirizado comentou:
“Uma das questões que eu não entrei na CSN foi por causa disso, eu optei por
não fazer turno. E a minha função exige né. É 24 horas né, se acontecer alguma
coisa. [...] Prende. Perde muito a liberdade, você vê final de semana todo mundo
indo se divertir, festa, tal. [...] Geralmente o fim de semana que a gente descansa
e procura desocupar a cabeça dessas atividades diárias . Ter que trabalhar,
então eu não aceito isso, não gosto. Nossa horrível, o faço.” (Trabalhador da
Magnesita)
86
Se por um lado o emprego nas prestadoras de serviços oferece em geral um “trampolim” para o emprego na
CSN, por outro lado, o emprego na CSN também pode significar uma oportunidade de galgar empregos
melhores fora de Volta Redonda. Sobre a evasão de trabalhadores da CSN para outras empresas em busca de
melhores salários em 2007 e 2008, ver Boletim 9 de novembro de 5 de outubro de 2007 e 19 de setembro de
2008.
87
O trabalhador de turno trabalha 6 horas por dia, de acordo com um calendário rotativo de horários (00:00 às
6:00, 6:00 às 12:00, 12:00 às 18:00, 18:00 às 00:00) e folga por um ou dois dias alternadamente após 6 dias de
trabalho.
69
Outra queixa que aparece sobre a condição de trabalhador da CSN entre os
terceirizados é a maior responsabilidade que lhes é exigida. Este é o lado reverso da moeda da
condição de trabalhador do quadro direto, pois se por um lado ser o “dono da casa” significa
desfrutar de um ambiente em que o trabalhador está comodamente estabelecido, há uma carga
maior de responsabilidades e cobranças em cuidar da “casa” e de seu funcionamento. Pois sob
o trabalhador da CSN, em maior medida, pesa o slogan de que a prosperidade da empresa e da
produtividade seriam a sua própria. A relação do trabalhador da CSN com sua “casa”, e dos
trabalhadores terceirizados, “visitantes” da “casa” dos outros, parece sugerir a ideia de uma
identificação maior do trabalhador direto em relação ao espaço em que trabalha. Como fora
argumentado anteriormente, o trabalhador da CSN trabalha no interior de sua contratante
direta, uma empresa solidamente constituída e independente
. Os trabalhadores da CSN
aparecem como mais responsáveis não apenas em função de uma iniciativa espontânea em
cuidar da própria “casa”, como também de uma maior exigência e fiscalização que lhes recai.
O funcionário da CSN seria constantemente cobrado por estar diretamente subordinado à
empresa, por ser responsável direto por suas metas, e por estar sujeito a uma fiscalização mais
próxima.
Embora com algumas reticências, a estabilidade também foi arrolada como um
atributo vantajoso da condição de trabalhador da CSN. O trabalhador terceirizado goza de
uma posição que não é nem a de trabalhador temporário
88
, nem a de trabalhador da empresa.
Esta nova condição culmina em impressões ambíguas sobre sua situação. A respeito de seu
contrato de trabalho, um trabalhador da Sankyu comentou:
“É prazo indeterminado, quem tem prazo temporário é a Sankyu com a CSN,
entendeu.” (Mecânico Alinhador da Sankyu)
Para momentos depois dizer sobre a diferença entre trabalhar na CSN e na Sankyu:
“Na verdade eu acho que mudaria um pouco de você ser temporário né, porque
a Sankyu sendo temporária, eu sou temporário também.” (Mecânico Alinhador
da Sankyu)
Enquanto o mecânico da Sankyu, quando questionado sobre seu contrato de serviço,
remete à comparação com a CSN para situar sua condição, o soldador da mesma empresa
88
O trabalho temporário é regulamentado pela lei 6019/74 e firmado por meio de um contrato por tempo
determinado de 3 meses de vigência, renovável pelo mesmo período mediante autorização do Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE).
70
utiliza o trabalho temporário da empresa Daltec
89
como parâmetro de comparação de sua
situação:
“Numa área de produção igual é a Daltec, área de produção que construindo
a obra, tem muitas demissões [...] em massa. Porque são os chamados
“paradões”, porque a firma vem de longe, igual, no caso a Daltec é de Belo
Horizonte. Mas ela está na CSN um ano e uns meses. A firma vem de longe.
Ela veio aqui com o intuito de construir a fábrica de cimento. a Sankyu
não, a Sankyu tem um contrato que renova às vezes, algum dia pode acontecer
de não renovar. Agora, por exemplo, eu acho que renovou até o final de 2011,
que é responsável pela manutenção. Ou seja, a Daltec é uma obra passageira, eu
entrei como ajudante, me qualifiquei pra soldador numa dessas
demissões eu fui incluído
90
e fiquei um tempo desempregado até fazer um teste
na Sankyu. Estou lá até hoje.” (Soldador da Sankyu)
A diferença de referencial para situar seus contratos de trabalho entre estes dois
trabalhadores é facilmente explicada pelo fato de que o soldador da Sankyu já havia
experienciado a condição de temporário ipso facto com a Daltec. Contudo, a incerteza de
renovação de contratos da Sankyu com a CSN gera uma nova ideia de “temporário”
91
.
Portanto, a terceirização de atividades permanentes da empresa criou uma categoria ambígua
de trabalhadores, pois, ao mesmo tempo em que possuem um contrato por tempo
indeterminado com a empresa terceirizada, consideram sua situação como temporária ou
incerta em determinada medida. Embora a Sankyu seja uma multinacional gigantesca e esteja
alocada na prestação de serviços em mais 5 cidades do Brasil além de Volta Redonda, o
trabalhador guarda uma ideia de que sua empresa não possui autonomia, e que portanto,
embora signatário de um contrato por tempo indeterminado, sua situação depende da
renovação do contrato com a CSN.
Por outro lado, embora a CSN tenha abrigado em seu interior várias empresas
terceirizadas que perderam seus contratos e que deixaram de existir, algumas empresas como
a Sankyu vem renovando sucessivamente seus contratos há anos, o que cria uma certa
89
Firma de prestação de serviços que possui um contrato temporário, por empreitada com a CSN para a
construção da fábrica de cimentos. Faz contratos temporários com a CSN e com seu efetivo enquanto dura a
obra.
90
Embora o soldador da Sankyu tenha dito que foi “demitido” da Daltec, é possível que seu contrato de serviço
tenha expirado o prazo, situação que difere juridicamente da demissão e caracteriza mais claramente o trabalho
temporário.
91
Assim como nas usinas da cana-de-açúcar, em que os profissionistas enxergam sua condição como “ambígua”,
situada entre a instabilidade do servente e a estabilidade do artista (LEITE LOPES, 1976), os trabalhadores
terceirizados permanentes apreciam sua condição tendo como referência o terceirizado temporário e o
trabalhador da CSN. Aqui como em outros casos, a visão sobre a própria condição é sempre relacional,
construída a partir da experiência do espaço de trabalho.
71
estabilidade comparativamente à outras contratadas
92
. Para o trabalhador da Magnesita, a
Sankyu e a Comau são empresas que “já estão ali há muito tempo; dificilmente perde
contratos”. É interessante notar que a alusão ao serviço temporário ou estável comporta várias
escalas de comparações: a estabilidade do contrato por tempo indeterminado firmado com a
CSN em relação ao contrato por tempo indeterminado da Sankyu; a estabilidade do contrato
por tempo indeterminado da Sankyu em relação à outras empresas que prestam serviços de
manutenção e que atuaram na UPV de maneira mais efêmera; a estabilidade do contrato por
tempo indeterminado em firmas que prestam serviços de manutenção permanente em
comparação com aquelas que são contratadas para obras “passageiras” como a Daltec.
Mas a estabilidade deve ser compreendida de duas maneiras que sugerem diferenças
muito acentuadas na leitura da realidade. A instabilidade tem sido constantemente associada
ao tipo de precarização experimentado por trabalhadores terceirizados. Todavia, a
instabilidade, que aplicada ao mercado de trabalho sugere a ausência da garantias de
continuidade no emprego, guarda duas possibilidades que levam a conclusões, talvez até
mesmo divergentes sobre o estatuto de trabalhador terceirizado: aquilo que poderíamos
designar “instabilidade ativa” e de “instabilidade passiva”. No primeiro caso, o próprio
trabalhador colabora para que a impressão de rotatividade das empresas terceirizadas seja
mantida em patamares elevados.
A iniciativa de pedir demissão cria uma situação em que o próprio trabalhador é
agente causador da alta rotatividade dos quadros da empresa subcontratada. Em contraposição
à relegação involuntária ao desemprego, o pedido de demissão originado pelos trabalhadores
sugere um controle maior de sua condição e uma capacidade de agência e de barganha que
implica numa figura mais autônoma e independente.
“Nesse caso na crise, eles fazem uma pressãozinha também que vai demitir e
tal, mas o pessoal da Sankyu já quer ser demitido mesmo, então a gente não
esquenta muito a cabeça com isso.”(Mecânico alinhador da Sankyu)
Os salários deficientes e as condições de trabalho precárias eram elementos que, se por
um lado, apareciam para caracterizar uma condição de precariedade, por outro lado, foram
muito utilizados com o intuito de dizer que o trabalhador terceirizado em geral não teme a
demissão e, portanto, “esquenta menos a cabeça”.
Além disso, uma vez treinados e qualificados, o trabalhador terceirizado da Sankyu
tem a consciência de que sua situação pode ser negociada com outras empresas dentro da
92
Segundo Robson Santana (2007:177), os terceirizados fixos e permanentes atualmente não são tão rotativos.
72
usina, inclusive com a CSN. uma relativa estabilidade residente na ideia de que mesmo na
ausência da empresa contratada, seja por rescisão de contrato ou por demissão, a CSN e outras
empresas podem aproveitar o funcionário que já trabalhava como terceirizado dentro da
Usina:
“O que acontece é o seguinte, a gente faz manutenção na Sankyu. A CSN, ela
tem duas opções: ou ela contrata outra empresa e coloca no lugar da Sankyu, no
caso a empresa não vai mandar todos aqueles funcionários embora para
contratar novos, elas vão aproveitar aquele funcionário; ou no caso ela poderia
pegar a manutenção para ela, sob a gerência dela mesma, e dispensar. No caso
eu acho que seria melhor para a gente.” (Mecânico alinhador da Sankyu)
Quando confrontados com a questão da estabilidade do quadro direto, os trabalhadores
se dividiam entre aqueles que consideravam os trabalhadores da CSN, em termos mais gerais,
como mais estáveis, e aqueles que criavam e recorriam a outras categorias que relativizavam a
estabilidade/instabilidade mecanicamente associadas a trabalhador da CSN/trabalhador de
empresa terceirizada. Quando inquirido sobre a estabilidade como uma vantagem do
trabalhador da CSN o trabalhador terceirizado comentou:
“Estabilidade talvez sim, porque a CSN na verdade ela não manda um cara
embora, o cara para sair dali ele tem que pedir conta, ou praticamente uma justa
causa. Ou senão demissão em massa.” (Soldador da Sankyu)
Embora em um primeiro momento este trabalhador tenha afirmado a condição estável
do trabalhador da CSN, em um momento posterior de sua “fala”, ele reconhece que a recente
crise da economia mundial impactou de maneira mais significativa o quadro de manutenção
da CSN:
“[...] Porque eles demitiram muita gente da GMC
93
, eu não entendi: era mais
fácil eles terem demitido da Sankyu, pegar o pessoal e colocar sob a gerência
dela. Demitiu o pessoal da GMC, da própria empresa dela, para ficar pagando a
Sankyu e a Comau. Não dá para entender não.” (Soldador da Sankyu)
“O pessoal da CSN que sofreu mais com demissões. A Sankyu aagora não
teve muitas demissões não. A CSN em um dia acho que ela demitiu uns
1200. Teve um dia que o pessoal da GMC foi demitido sem aviso prévio, de
uma vez só. Teve um colega meu que pediu contas da Sankyu, perdeu os
direitos dele, passou acho que uns 2 meses ele foi demitido da CSN.”
(Soldador da Sankyu)
93
A GMC foi um departamento criado na CSN em 2007, que reunia parte de seu quadro direto de manutenção.
Com a crise mundial em 2008, a GMC foi quase extinta e, embora ela tenha sido reativada desde o início deste
ano, alguns trabalhadores entrevistados consideravam as atividades deste departamento como findas.
73
Um trabalhador da CSN também mencionou o saldo expressivo de demissões na UPV,
especialmente na CSN, durante a crise:
As empresas terceirizadas demitiram muito. que a CSN também. Vamos
botar, vou botar dentro da minha área. Acho que deve ter reduzido o quadro em
50%. [...] bastante gente foi mandada embora. (Operador 2 da CSN)
O mesmo trabalhador, tendo em vista a experiência de amigos seus, comparou da
seguinte maneira:
“Dependendo da função que você exerce, do cargo que você exerce na
empreiteira, a estabilidade é a mesma que da CSN. Isso varia muito.” (Operador
2 da CSN)
O trabalhador da CSN aponta para o fato de que a CSN havia demitido um número
significativo de seus quadros durante a crise, e que alguns trabalhadores de empresas
terceirizadas são tão estáveis quanto os da contratante. Já o soldador da Sankyu, na citação
anterior, parece não compreender bem o fato de que o trabalhador da CSN foi preterido em
relação ao trabalhador terceirizado, ou seja, que o trabalhador supostamente mais estável foi,
segundo ele, alvo privilegiado da demissão. A constatação de que a promessa de estabilidade
não se converte necessariamente em realidade dentro dos quadros da contratante reaparece em
outros relatos que enfatizaram a volumosa demissão de funcionários da CSN durante a crise, e
sublinharam as situações dramáticas em que os trabalhadores haviam precipitadamente
calculado que passar para a CSN seria uma solução para a “instabilidade” da empreiteira:
“Eu vejo que a pessoa visa isso hoje em dia: passar para a CSN visando
estabilidade. Só que isso ficou bem desmentido nesta crise aí. As pessoas
passaram e foram jogadas ao vento
94
. Muitas tiveram que vender seus carros
que tiraram a prestação, moto. Conheço várias pessoas [...]” (Trabalhador da
Magnesita)
Comparando estabilidade nas terceirizadas com a CSN, o presidente do SMVR
afirmou que a CSN:
“Já foi [mais estável]. Hoje pra mim está pau-a-pau, zero-a-zero. Não tem
diferença não.” (Renato Soares, presidente do SMVR)
94
O caso da GMC é particularmente exemplar, pois a gerência reunia um número significativo de trabalhadores
oriundos de empresas terceirizadas, que, após passarem para a CSN, foram demitidos durante a crise econômica.
O jornal Foco Regional de 26 de janeiro a 1 de fevereiro de 2009 noticiou que 140 trabalhadores haviam sido
demitidos da GMC, causando a extinção da gerência.
74
A explicação para a impressão de que a CSN demitiu mais durante a crise econômica
de 2008 pode estar no fato de que em números brutos, ela demitiu parte expressiva de seu
quadro, cerca de 1.200 funcionários. Em números percentuais, em um único mês, houve o
desligamento de 10% do quadro de funcionários da CSN. Embora o percentual médio de
desligamentos entre as empresas terceirizadas Comau e Sankyu sejam maiores ao longo do
tempo, durante o mês de janeiro de 2009, a CSN atingiu um patamar de desligamentos
superior ao das contratadas.
Gráfico 1
95
Desligamentos sobre total de funcionários em 2008 (%)
0
2
4
6
8
10
12
14
Jan Fev Mar Abr Maio Jun Jul Ago Set Out Nov Dez
CSN
Sankyu
Comau
Gráfico 2
Desligamentos sobre total de funcionários em 2009 (%)
0
2
4
6
8
10
12
Jan Fev Mar Abr Maio Jun Jul Ago Set Out
CSN
Sankyu
Comau
95
Em 2008, o boletim do SMVR indicou que estava ocorrendo uma grande evasão dos trabalhadores do quadro
das contratadas para a CSN, por causa da implantação do turno de 6 horas na empresa, com a criação de novas
“letras” (grupo de funcionários) de revezamento (Boletim 9 de novembro de 19 de setembro de 2008).
75
Para o ano de 2008, a CSN apresenta um número de desligamento bem inferior ao das
contratadas, e a empresa Comau, tem um ápice de quase 13% de desligamentos em outubro. É
importante ressaltar que há limitações nos dados do Caged utilizados para compor os gráficos.
Os “desligamentos” se referem tanto às demissões realizadas pelas empresas, às demissões a
pedido dos funcionários, e ao término de contratos temporários e por prazo determinado.
Portanto, o número de desligamentos, principalmente das empresas contratadas
provavelmente apresenta muitos picos devido à contratações por prazo determinado para as
atividades de “paradão”. O aumento dos desligamentos das terceirizadas a partir de meados de
2009 também pode estar relacionado à recomposição da “volante” da CSN, a GMC.
Segundo Castel (1998) a situação de vulnerabilidade no trabalho tem se expandido
progressivamente e atingido a área de integração anteriormente concebida como sólido núcleo
de garantia dos direitos. A CSN, anteriormente considerada uma empresa que oferecia
emprego estável e garantias sociais demonstra, na visão dos trabalhadores, que atualmente
estas vantagens não são irrevogáveis. No relato dos trabalhadores entrevistados, parece clara a
aproximação da área da estabilidade à da vulnerabilidade social, tal qual o movimento recente
do mercado de trabalho descrito por Castel (1998).
Algumas declarações parecem mais vinculadas a leituras de estabilidade de outra
natureza: a ideia de que a estabilidade tem relação com o fato de os trabalhadores da CSN
estarem cômodos em seus lugares, sem “precisar” barganhar sua situação. Sobre a recusa dos
trabalhadores da CSN em fazer greve, o trabalhador da Magnesita afirmou:
“É porque eu acho que a CSN por ela ocupar um lugar de destaque dentro da
empresa que é dela é lógico, não conseguiu fazer a greve [em 2007] porque foi
o pessoal mesmo que o soube se organizar, o pessoal tem medo mesmo. Ou
seja, o pessoal muito antigo que trabalha lá, [...] pessoa que tá sossegada
naquela função, não quer reivindicar algo melhor, acha que bom, naquele
marasmo, naquela continuidade. São pessoas que não ligam, que não estão nem
aí, e que tem medo de reivindicar.” (Trabalhador da Magnesita)
Reforçando a ideia da passividade do trabalhador da CSN e sua acomodação ao
trabalho de operação o trabalhador compara:
“[...] O cara da empreiteira tá sempre buscando alguma coisa [...] eles trabalham
e estuda. O cara geralmente da CSN, o cara não quer buscar mais nada porque
ele já atingiu o ponto, entre aspas, não a maioria, mas atingiu o ponto que ele
poderia atingir. Então existem caras que tá ali na CSN operando máquinas há 10
anos por exemplo. E do mesmo jeito, entendeu. Encontraram pessoas que já
76
tavam 10 anos, 20 anos operando a mesma máquina, fazendo o mesmo
serviço [...].” (Ex-trabalhador da Cikel)
96
Analisando sua própria situação, o trabalhador da CSN aponta o enrijecimento
causado pelo emprego na contratante para explicar porque estava 20 anos na mesma
empresa em que planejara passar apenas 2 anos:
“[...] que a CSN tem uma característica: ela engessa a gente. Depois que
você entra, você não consegue ver mais nada. E assim, tinha o lado bom que era
um bom salário. Pô, quando eu entrei, eu ganhava 10 salários, hoje a gente não
ganha 6, se bobear nem 5, dependendo da situação. Tinha a questão da
aposentadoria especial. Com 25 anos eu estaria aposentado, mais 5 anos eu
estaria aposentado. Tava ótimo. Então essas comodidades vão prendendo a
gente. É igual passarinho em gaiola né, você é acostumado com aquela
porçãozinha de alpiste, porçãozinha de água, e esquece o resto do mundo.”
(Operador 1 da CSN)
Entre algumas citações está presente uma concepção alternativa de estabilidade e
instabilidade. Em várias “falas”, os trabalhadores das empresas terceirizadas bem como da
CSN mencionaram a estabilidade e a instabilidade como se ela fosse prerrogativa do
trabalhador. Nestes casos, o cerne da estabilidade é inversamente definido pela vontade do
empregado e não do empregador. Sobre a alta rotatividade do trabalhador terceirizado:
“Tem vários motivos a rotatividade. A rotatividade ali é alta mesmo [nas
empresas terceirizadas]. Tem pessoas que gostam de viver assim
também.”(Operador 2 da CSN)
A alta rotatividade nas empresas terceirizadas é, muitas vezes, uma generalização do
trabalhador terceirizado temporário. O “peão-de-trecho” é um trabalhador muito peculiar.
Segundo o presidente do SMVR, este tipo de trabalhador não fica enraizado: viaja o Brasil
inteiro, passando por várias usinas, trabalhando em diversos “paradões”, em busca de
melhores salários.
Os salários e benefícios concedidos pela CSN, embora não sejam satisfatórios –
inclusive para trabalhadores do quadro direto –, ao menos servem como incentivos para a
continuidade na empresa, ou para uma certa postura “imobilista”, que é vista como negativa
tanto na visão do trabalhador terceirizado quanto na dos trabalhadores da CSN. A disposição
96
Trabalhou na Cikel por 5 anos. Estava alguns meses fora da CSN na época da entrevista. Começou como
ajudante na limpeza industrial, função que desempenhou durante 6 meses, depois passou pela “sala de escolha”
e, finalmente, trabalhou na área de embalagem por cerca de 3 anos. Pediu demissão da empresa (Entrevista
concedida à autora em 20/10/2009).
77
para novos empreendimentos aparece, em muitos discursos, na caracterização do trabalhador
terceirizado frente ao trabalhador do quadro. Mas o mais interessante, é o fato dessa
disposição à rotatividade e desse perfil flexível aparecerem como uma virtude e um valor do
trabalhador na contemporaneidade. Enquanto o trabalhador da Magnesita critica a postura
“passiva” e “resignada” do trabalhador da CSN, o próprio trabalhador do quadro lamenta não
ter “conseguido” até hoje abdicar das comodidades propiciadas pela empresa. No discurso dos
dois trabalhadores da CSN está presente a ideia de que, a princípio, o emprego no quadro da
CSN significou uma conquista social grande dentro de Volta Redonda. Passada a euforia da
primeira conquista, as dificuldades em progredir nos quadros da empresa lançou dúvidas
sobre a condição anteriormente considerada inquestionavelmente boa:
“Fiz uma entrevista na Bárbara. Fui chamado. Eu me arrependo de não ter ido
até hoje. Mas na época era a CSN, era o auge. CSN era isso, CSN era aquilo. Aí
eu fiquei naquela, larguei um [...] O cara ia me pagar mais na Bárbara, mas pô,
CSN. Volta Redonda, esse mundo todo é voltado pra ela [...] Naquela
perspectiva de, vamos dizer assim, o melhor emprego de Volta Redonda né, eu
fiquei. que hoje, vejo também que se eu fosse por outro lado eu também,
eu estaria, teria me dado muito melhor. Só que aí, o que que aconteceu, você vai
começando a criar aquele laço com a CSN. A pessoa te promete as coisas,
você, ‘vou ficar’. [...] Fiz entrevista em outras áreas, igual, aí eu falei ‘pô, agora
eu vou, agora é minha vez’. Aí veio a crise né. Aí to lá na minha área lá, que eu
não agüento mais, to doido para arranjar uma coisa melhor.” (Operador 2 da
CSN)
Num sentido parecido, o outro trabalhador da CSN, que está na empresa cerca de
20 anos declarou que:
“Era um emprego em Volta Redonda que todo mundo queria. Mas eu queria
ficar lá só uns 2 anos e ir embora” (Operador 1 da CSN)
É notório, como fora discutido anteriormente, que o emprego na CSN resguarda um
valor e um status importante junto à comunidade voltarredondense. Porém, internamente e na
prática, a empresa não oferece, na visão destes trabalhadores, uma projeção correspondente
as suas expectativas.
Embora a condição de trabalhador da CSN tenha sido vista quase sempre como
relativamente melhor do que a de trabalhador terceirizado, entre todos os entrevistados é
recorrente uma falta de perspectiva em relação a usina. Se em termos comparativos a CSN é
uma boa empresa, em termos gerais ela frustra os anseios tanto de quem já faz parte de seus
quadros, quanto daqueles que esperam um dia integrá-lo. Neste sentido, é recorrente e notória
78
a menção, principalmente entre os trabalhadores da CSN, da possibilidade de empregar-se na
CSA
97
.
Uma das questões que podemos levantar sobre a postura menos combativa e mais
cômoda atribuída ao trabalhador da CSN em contraste com o trabalhador de empresas
terceirizadas pode ser colocada da seguinte forma: até que ponto a terceirização não cria uma
situação em que mesmo se sentido desvalorizado, o trabalhador da CSN enxerga na vantagem
relativa uma razão para continuar na empresa, sem protestar contra uma situação que não
considera boa de fato?
Explicando o que acredita ser um perfil geral mais cômodo e passivo do trabalhador da
CSN, um trabalhador terceirizado afirma que:
“[...] Justamente, por serem pessoas mais velhas. Eu acho que 80% das pessoas
que estão na CSN hoje em dia tem uns 15 anos de casa, é algo em torno disso.
Então agora que escomeçando a entrar pessoas, umas pessoas mais novas na
empresa, com cabeça diferente, não igual a nossos pais pensam, mas igual a
nossa geração agora pensa. Então eu acho que daqui uns 10 anos melhora.”
(Trabalhador da Magnesita)
Enquanto que o trabalhador de empreiteira:
“[...] já é mais virado’, o pessoal da empreiteira, já não esquenta a cabeça,
porque sai daqui entra na outra ali, entra na outra ali, então já é um pessoal mais
decidido, bate o no chão, é aquilo mesmo que quer, sabe reivindicar o que
quer. Sabe entrar em qualquer engrenagem nesse meio industrial. Tem chão
para entrar em qualquer lugar as pessoas que passam pelas empreiteiras.”
(Trabalhador da Magnesita)
“Uma pessoa que trabalha dentro de uma empreiteira da CSN ela tem o
psicológico para trabalhar em qualquer lugar, entendeu. Porque tem o lado bom.
Porque depois que eu vim trabalhar fora da CSN, mas numa empresa pequena,
eu pude perceber isso [...] que eu tava pronto para trabalhar em qualquer lugar,
com psicológico para agüentar qualquer tipo pressão. E consegui enxergar
muito além do que pessoas que estavam acima de mim [...] O pessoal da
empreiteira sofre mais do que da CSN, mas eles ganham bem mais
conhecimento [...]” (Ex-trabalhador da Cikel)
Novamente nesta citação reaparece a ideia de que o trabalhador de empreiteira seria
como “pau-para-toda-obra”, “virão” e gozaria de uma relativa estabilidade estabilidade
97
ThyssenKrupp CSA Siderúrgica do Atlântico. A CSA contratou um número expressivo de trabalhadores da
CSN e aproximadamente 2 anos vem figurando como uma alternativa à CSN. Segundo todos os entrevistados
que a mencionaram, principalmente os trabalhadores da CSN, a empresa oferece melhores salários. Alguns
trabalhadores acreditam também que, por ser um empreendimento novo, a CSA teria menos vícios, e ofereceria
a possibilidade de ascensão que lhes é negada pela rigidez e o enraizamento “burocrático” dos cargos de chefia
na CSN.
79
inter-empresas mais do que intra-empresa. Esta leitura dual entre novos trabalhadores das
terceirizadas e velhos trabalhadores da CSN é parte de uma representação simplificada do que
estes trabalhadores entendem como a composição majoritária do perfil da contratante e das
contratadas. É provável que esta associação tenha respaldo numérico, que a CSN mantém
quadros antigos de trabalhadores, mas apenas um survey ou uma quantificação oriunda dos
registros empresariais, caso um dia disponível, podem comprová-lo.
Por fim, como parte de um dos capítulos que integra a dissertação de mestrado, o
trabalho com as entrevistas e com as impressões que os trabalhadores terceirizados tem da sua
condição perante a do trabalhador da CSN permite compreender a formação de grupos dentro
do espaço fabril e as disputas latentes ou explícitas na coabitação de seus espaços,
complexificar a ideia que se tem sobre o desejo em participar do quadro direto das empresas,
bem como questionar leituras que postulam diferenças radicais entre a condição de
trabalhador terceirizado permanente e de trabalhador do quadro da empresa contratante. É
necessário reconhecer que a terceirização criou e justapôs trabalhadores com diferenças
significativas em direitos e condições, porém, o objetivo desta pesquisa está centrado na
maneira como essas diferenças e as fronteiras entre estes estatutos são percebidas pelos
trabalhadores na relação com os outros. Para além da crítica à terceirização é necessário
compreender quais novas alternativas e perspectivas ela constrói, como ela orienta as
percepções da própria condição e da condição dos outros, criando novos personagens e
identidades no mundo do trabalho.
3.3. Trabalhadores terceirizados: iguais, porém diferentes
Embora em princípio tivesse estabelecido a meta de entrevistar apenas os
trabalhadores e ex-trabalhadores de manutenção da Sankyu, no decorrer da pesquisa, expandi
o círculo de entrevistados por outras empresas de trabalho terceirizado permanente por duas
razões principais: os relatos de trabalhadores de diferentes empresas terceirizadas traziam uma
ideia melhor da diversidade dos “lugares sociais” de onde emerge a “fala” individual; e pelo
fato desta “fala” ser também complementar e elucidativa sobre o próprio discurso dos
trabalhadores de manutenção da Sankyu sobre a organização do espaço de trabalho.
Os relatos de trabalhadores e ex-trabalhadores pertencentes ao quadro de outras
empresas enriquecia, agregava e confirmava algumas das afirmações de trabalhadores da
80
Sankyu ou da CSN. Trazia à tona elementos que caracterizam uma cultura intra-fabril, ou
seja, visões compartilhadas sobre a dinâmica cotidiana da usina, bem como sobre as
expectativas em relação àquele ambiente. Outrossim, os discursos de trabalhadores de
diferentes firmas possibilitam compreender como a classificação das empresas terceirizadas
se estende à própria classificação do trabalhador dentro do processo produtivo, gerando
relações desiguais e discriminatórias dentre os próprios trabalhadores subcontratados. A
“fala” de trabalhadores de empresas subcontratadas que desempenham funções “menos
nobres” da produção carrega claramente a impressão de participar de um grupo marginal à
cadeia produtiva em todos os sentidos, e de sofrer as consequências da associação entre
trabalhador-pessoa/empresas desqualificadas, trabalhos vis.
Também reuni neste capítulo entrevistas com trabalhadores de empresas terceirizadas
que atuaram ou atuam ainda hoje em prestadoras de serviços no interior da CSN. Tentarei
nesta seção trabalhar as formas de reconhecimento dos trabalhadores existentes da condição
de si e de seus grupos com relação a outros grupos e empresas. As variadas “falas” permitem
a construção de um quadro mais complexo da relação entre estes trabalhadores. Permite-nos
pensar a própria supressão de diferenças cotidianas sob a égide da terceirização.
Novamente retomo a ideia de que trabalhadores da CSN e trabalhadores terceirizados
compartilham cotidianamente uma mesma cultura de chão-de-fábrica, mas constroem
diferentemente identidades vinculadas a sua situação dentro da usina. Trabalhadores
terceirizados, por sua vez, compartilham o ambiente fabril, a alcunha, executam atividade
iguais ou parecidas, mas também se vêem através de lentes diferenciadas, que comportam
tanto aproximações quanto distanciamentos. O ambiente da fábrica abriga também um clima
nem sempre tão aparente, nem sempre tão intenso, de discriminações tanto de trabalhadores
da CSN em relação a trabalhadores terceirizados, como entre os trabalhadores subcontratados
de diferentes empresas. Os preconceitos e as discriminações ajudam no reforço e na
essencialização das diferenças internamente à fábrica. São duas as principais referências que
trabalharemos de onde se originam as identidades e a percepção de si e dos outros: a empresa
prestadora de serviços que contrata o trabalhador e a função exercida na cadeia produtiva.
Um rápido olhar alheio à cultura fabril pode equivocadamente vislumbrar seu interior como
uma composição dual e simplificada de trabalhadores diretos e indiretos. Porém, a visão de
dentro, dos trabalhadores subcontratados, admite uma série de classificações e julgamentos de
valor que hierarquizam as empresas responsáveis pela prestação de serviços. Nos discursos
dos entrevistados, algumas empresas terceirizadas divergem de maneira significativa umas
das outras, embora outras sejam bem parecidas entre si.
81
Dentre as empresas mencionadas pelos trabalhadores destacam-se a Sankyu, a Comau, a
Magnesita, a Vais do Brasil, a Verzani & Sandrini e a Cikel
98
. A Sankyu é uma empresa
japonesa que atua nas áreas de apoio operacional, montagem industrial e manutenção de
equipamentos. Seu primeiro contrato com a CSN foi firmado em 1994 para a preservação da
Coqueria. Posteriormente, expandiu suas atividades para outras áreas da CSN como a Central
Termoelétrica II e a Aciaria. A Comau é uma multinacional com sede em Turin na Itália que,
além de oferecer serviços, fornece produtos e equipamentos de robótica e automação
tecnológica, principalmente para a indústria automotiva. Na CSN, atua na prestação de
serviços desde 2003.
A empresa Magnesita é uma multinacional brasileira que produz refratários e presta
serviços especializados e assistência técnica em refratários utilizados na siderurgia. A Vais do
Brasil é uma empresa originalmente austríaca recentemente incorporada ao grupo Siemens,
que desempenha na CSN serviços especializados em lingotamento continuo. A Verzani &
Sandrini e a Cikel são empresas que prestam serviços em geral. A Cikel atua dentro da CSN
em serviços de limpeza, montagem, construção civil e embalagem.
Embora todas as empresas sejam subcontratadas da CSN, elas apresentam diferenças
quanto ao tipo de serviço desempenhado e à qualificação exigida do trabalhador. Dentre estas
empresas, a Cikel e a Verzani & Sandini são aquelas que realizam atividades “mais braçais” e
que não demandam formação técnica do trabalhador. Ambas parecem ser formadas por um
quadro de trabalhadores pouco especializados e, por vezes, sequer concluintes do 2º grau. Um
ex-trabalhador da Cikel caracterizou da seguinte forma a mão-de-obra da empresa na qual
trabalhou:
“Dentro da minha empreiteira que eu trabalhava, tinha eu e mais um que
tinha terminado o cara. Então o vel de escolaridade é muito baixo. Pessoas
que não sabem nem escrever. Então, essas pessoas são manipuladas [...] então
você imagina o que acontece lá dentro. Se você é chefe e não tem uma postura
adequada perante assim, o ser humano, ou até mesmo ter compaixão; os caras
[da CSN] fazem o que querem.”(Ex-trabalhador da Cikel)
98
Atualmente, trabalham na UPV 8524 trabalhadores diretos e 9967 terceirizados. A Sankyu possui 1379
funcionários, a Comau 868, a Magnesita 105, a Vais do Brasil 215, a Verzani & Sandrini possui 947 e a Cikel
1272 (Dados da DRT/VR).
82
O ex-trabalhador da Cikel, diferentemente de seus companheiros de empresa, tinha
grau e trabalhava na linha produtiva na seção de embalagens
99
. Outro trabalhador que
anteriormente fora trabalhador da Cikel comentou sobre a antiga empregadora:
“Essa Cikel é uma madeireira na Bahia, e aqui ela atua mais com prestação
de serviços assim, pesados, de montagem. Emprega mais a mão-de-obra que
não é qualificada, mais a mão-de-obra que é analfabeta, pessoal que não tem
estudo nenhum, pra trabalhar nela.” (Trabalhador da Magnesita)
Nestes relatos é patente a associação entre baixo nível de instrução da mão-de-obra e a
situação de dependência e de submissão. Contrapondo sua empresa a de seu colega, o
entrevistado declara sobre a vontade do trabalhador em deixar o quadro das contratadas e
adentrar o da CSN:
“Depende. Se for empreiteira que faz um trabalho técnico, vamos dizer assim
né, pessoas que são qualificadas. Por exemplo, igual é a Magnesita, que o
[Trabalhador da Magnesita]
100
trabalha. Ele presta serviço, então eles que
fazem, eles são responsáveis por aquela máquina e aquele tipo de serviço. Então
o pessoal da CSN não sabe fazer e não tem a qualificação para fazer. Então eles
não vão se meter, então você não tem problema. Mas no caso a embalagem era
uma mistura [...]. Vamos colocar: a linha toda era o pessoal da CSN, e no final
da linha que era embalagem, que a gente também operava a parte da saída da
linha. Porque a gente tinha que operar os botões da linha também para poder
continuar o processo. Era função da CSN, que foi passada para a empreiteira
né. E essa relação era muito conturbada né, pelo fato de uns estar com uma
camisa e outros estar com outra, né.” (Ex-trabalhador da Cikel)
A autonomia do trabalhador da Magnesita, qualificado, proprietário de um know-how
essencial ao funcionamento da indústria e ignorado pelos trabalhadores da CSN implica em
uma valorização da prestação de serviço. Embora a ideia do serviço especializado e de
qualidade fossem, a princípio, a tônica da defesa da terceirização, segundo alguns autores, a
deturpação do modelo fizeram com que, no Brasil, a principal função do recurso à
terceirização fosse a redução dos salários e dos encargos trabalhistas. De qualquer forma, é
importante pontuar a situação de um trabalhador qualificado para determinada atividade que
não encontra substitutivos no quadro direto, e aqueles que não possuem um conhecimento
diferenciado e tem que se sujeitar às determinações dos trabalhadores da CSN.
99
O SMVR considera o trabalhador da embalagem metalúrgico e luta pelo enquadramento da categoria dos
embaladores junto a sua base. Atualmente, a categoria de trabalhadores da Cikel está dividida entre os Sindicato
da Construção Civil e de Asseio e Conservação. A embalagem pertence ao segundo sindicato.
100
O Ex-trabalhador da Cikel e o trabalhador da Magnesita se conhecem e, por isso, a menção do primeiro ao
segundo nesta citação.
83
Este trabalhador da Magnesita é visto por seu colega, assim como por si mesmo, como
um autônomo, relativamente sem chefes e sem superiores e, principalmente, sem ter que se
submeter à autoridade dos “donos da casa”. O sentimento de autonomia pelo domínio de um
conhecimento específico é ainda maior no caso do trabalhador da Magnesita entrevistado, que
não atua cotidianamente em uma única empresa, mas em várias, ao longo do Brasil inteiro.
Este know-how do trabalhador da prestadora de serviços inspira o sentimento de ser
“necessário”:
“[...] no meu caso, assim, eu [...] lido direto com a gerência da empresa,
gerência da CSN, supervisão, já tem uns olhos diferente. As pessoas já me vêem
diferente, olha pra mim, ‘eu queria estar no lugar desse cara; este cara
passa de pranchetinha de para cá, e a gente está aqui queimando a cara no
fogo’, entendeu.” (Trabalhador da Magnesita)
E quando perguntado se recebia ordens dos quadros da CSN dentro de suas
instalações, o mesmo trabalhador afirmou que:
“Não, de forma nenhum. Eu as vezes sou solicitado por eles para dar uma
assistência [...] Por exemplo, eles utilizam os equipamentos da minha firma 24
horas. Então eu deixo meu telefone com essas pessoas que utilizam esses
equipamentos. Se acontecer alguma coisa eles me ligam lá: ‘tá acontecendo isso
e isso’. eu vou pro telefone e dou o suporte: ‘faz isso, isso e isso’. ‘Deu
certo? Não? Faz isso e isso.’ Se não dá, só em ultimo caso que eu me desloco da
minha residência para ir lá resolver o problema.” (Trabalhador da Magnesita)
Em contraposição à autonomia, à visão positiva e ao respeito galgado por si mesmo
frente o quadro da CSN, o trabalhador afirma que o tratamento dispensado aos trabalhadores
de outras empresas terceirizadas é ruim. Notoriamente são os serviços de limpeza e
conservação geral que representam as atividades mais vis dentro da fábrica, e que são os alvos
privilegiados do preconceito, bem como da intolerância dos trabalhadores da CSN e de outras
empresas terceirizadas. Sobre a discriminação, o orgulhoso trabalhador da Magnesita
relembra a época em que trabalhava na empresa Cikel:
“Existe, existe sim. Vou te citar um exemplo, nesta empresa Cikel que eu
trabalhei, hoje em dia, todos os outros trabalhadores de outras empresas que
prestam serviços, serviços melhores, que são de contratos de maior lucro, olham
para essas pessoas como se fossem mendigos, como se fossem um maltrapilho,
tem uma certa rejeição sim. Já ocorreu caso quando eu era dessa Cikel aí, de eu
entrar numa sala para beber água. Quando eu estava bebendo água do
bebedouro, o cara falou assim para mim: ‘essa água você não pode beber,
essa água aí é da CSN, é só para o pessoal da CSN’. Aí eu tive que me retirar da
84
sala. Não bebi a água né, morrendo de raiva, com ódio. passei muita
humilhação com relação a isso.” (Trabalhador da Magnesita)
O preconceito, segundo o entrevistado, não parte apenas do quadro dos trabalhadores
da CSN, mas também de outros terceirizados. A escassez de água reaparece na “fala” do ex-
trabalhador da Cikel:
“[...] a discriminação até que real. Por exemplo, a gente não tinha sala de
reunião, mas eles [trabalhadores da CSN] tinham. Você ter acesso a alguns
lugares, você não tem. Eles tinham água pra beber, você não tinha. Algumas
coisas assim que aconteciam, que eram exclusivamente do pessoal da CSN. Eles
podiam descansar, entrar em lugares onde tinha ar-condicionado você não
podia. Se você estivesse ali era arriscado, você podia ser demitido.” (Ex-
trabalhador da Cikel)
A falta de um recurso básico e indispensável como a água aos trabalhadores da
empresa Cikel parece coadunar-se perfeitamente à imagem da mendicância utilizada pelo
trabalhador da Magnesita e ex-funcionário da Cikel.
O preconceito e a discriminação aparecem de maneira recorrente entre os dois ex-
trabalhadores desta empresa Cikel, que parece ocupar a base da pirâmide do processo
produtivo. Os trabalhadores da Cikel parecem os mais sujeitos aos destratos, desmandos e
rejeições explícitas. Embora a manutenção seja uma tarefa mais “suja”, a limpeza e a
conservação são considerados serviços ainda mais degradantes. Desta forma, tanto o discurso
do trabalhador da Magnesita quanto do ex-trabalhador da Cikel apresentam grande carga de
ressentimento em relação à experiência de discriminação. A diferença é que, enquanto o
primeiro deles enxerga os preconceitos experienciados como trabalhador da Cikel como uma
condição superada por sua ascensão dentro do processo produtivo em outras empresas
terceirizadas, o segundo trabalhador tem uma impressão mais permanente da rejeição.
Outrossim, enquanto o primeiro deles teve a oportunidade de passar por outras empresas
terceirizadas, e com isso, cultivar uma visão mais dinâmica e relacional das diferenças, o ex-
trabalhador da Cikel guarda uma visão exclusivamente da situação de funcionário daquela
empresa e, portanto, estava menos certo se a rejeição era dirigida unicamente a sua empresa,
ou se ela era extensiva a outras firmas terceirizadas.
O trabalho na empresa Cikel é tão subestimado e mal visto por outros funcionários
segundo estes dois ex-trabalhadores, que mesmo o desempenho de uma função mais elevada
no quadro da firma, ainda sim representa o mais baixo dos serviços, com menor grau de
autonomia:
85
“Por exemplo, o clero
101
é a Cikel é a Verzani Sandrini. São firmas assim de
base né, executam serviços brutos. É varrer, bater marreta. Então mesmo o
‘capacete branco’ desta empresa são mal vistos, por exemplo, a empresa é de
baixo escalão. Você vê um capacete branco da Cikel, [...] eu como eletricista, eu
ganho o que ele ganha como líder, entendeu. Agora um capacete branco com
uniforme da CSN aí, aí o cara já é alto escalão.”(Trabalhador da Magnesita)
Não é apenas o cargo que confere prestígio ao trabalhador, mas também e,
principalmente, a empresa na qual ele trabalha. uma dupla hierarquia considerada aqui: a
funcional que organiza os trabalhadores dentro de uma mesma empresa, e uma outra
hierarquia, construída a partir da relação e da avaliação do papel das diferentes empresas na
UPV:
“Eu vi supervisores da minha empreiteira colocando a mão no lixo. Porque ele é
responsável pelo lugar, não só pelo serviço, mas pela limpeza do lugar. E
naquele momento, não sei porque, tinha chovido, tinha uma canaleta lá que tava
cheia de sujeira, e o cara da CSN pediu pra ele limpar. E ele sendo supervisor,
jamais ele poderia colocar a mão lá. Ele tinha que chamar alguém abaixo dele. E
ele pra manter a posição dele, no caso, porque se o cara da CSN falasse que não
queria ele lá, ele não ficaria. Então ele colocou a mão e tirou vários lixos. Tudo
bem que ele tava de luva, mas aquele lixo preto. Aquilo eu não sei nem o que
era [...].” (Ex-trabalhador da Cikel)
O rebaixamento de seu superior parece ter sido uma ofensa à própria dignidade do
entrevistado. Embora algumas empresas terceirizadas ofereçam empregos tão valorizados
quanto os da CSN dependendo da função em que o trabalhador está alocado, esta não parece
ser uma assertiva para os cargos de chefia em firmas como a Cikel ou a Verzani & Sandrini,
encaradas como “limbo” da produção. Ser supervisor, ou vestir um “capacete branco” de líder
ou técnico associado ao uniforme destas empresas, parece não oferecer nenhuma distinção ao
trabalhador, como acontece com outras empresas. Novamente a falta de autonomia reaparece,
que desta vez, em uma versão mais aprofundada: no primeiro relato a conclusão é a de que
qualquer trabalhador que seja minimamente profissional de manutenção de outras empresas
terceirizadas tem mais valor do que um “capacete branco” da Cikel, enquanto no segundo
caso transparece a ideia de que qualquer supervisor está sujeito à situação de rebaixamento
perante seus subordinados se “o cara” da CSN assim o entender.
A segregação e a divisão em grupos não se restringe às categorias de trabalhadores
terceirizados e da CSN. Dentre as empresas terceirizadas parece haver também certos limites
ao trânsito e à interação. Embora o compartilhamento da condição de subcontratado pudesse,
a princípio, parecer um fomento para a identificação entre os trabalhadores terceirizados, a
101
O trabalhador se refere ao “clero” como uma posição mais baixa na hierarquia por oposição à “nobreza”.
86
diversidade de funções da cadeia produtiva abrangidas pela terceirização, bem como a
diversidade de empresas que estabelecem contratos com a CSN para prestação de serviços,
cria uma série de identidades fragmentadas que podem ou não se reconhecerem como um
mesmo grupo. A terceirização não propiciou apenas a quebra na relação entre trabalhadores
da CSN e terceirizados do reflexo de si mesmos e de seus interesses, mas também do
reconhecimento mútuo entre trabalhadores terceirizados, divididos por funções e também por
empresas. A divisão espacial entre trabalhadores terceirizados da Sankyu e da Cikel dentro do
vestiário comum foi assim descrita por um dos entrevistados:
“A Sankyu usava [...] mas era até misturado né, e era uma coisa meio que
ruim. A metade Cikel, metade Sankyu ali. E isso dava alguns problemas né.
Porque quando alguém pegava o espaço de alguém né: ‘esse aqui é meu
território. Daqui pra é Sankyu daqui pra é [...]’. É, tinha uma divisão.
Tinha uma linha imaginária ali entendeu. Até engraçado que, era uma coisa de
ser humano, pensar assim, as pessoas não conversavam entre elas por um ter
uma camisa X, e o outro ter uma camisa Y, sabe. [...] Algumas pessoas
conversavam, mas não era comum. Aí entra empreiteira ali, porque no dia-a-dia
era todo mundo junto, né. Mas no final, na hora de ir embora, todo mundo se
esbarrava, mas não tinha nenhum assunto.” (Ex-trabalhador da Cikel)
Aqui novamente ressurge a diferença criada pelos uniformes. Embora haja
proximidade física entre estes trabalhadores da Sankyu e da Cikel, que compartilham o
vestiário, há uma distância simbólica, traçada, segundo o trabalhador, pela imaginação de seus
companheiros. A linha pode ser imaginária, mas a divisão se apresenta como realidade.
Contudo, é importante salientar que esta visão é muito particular a este trabalhador, que
notoriamente trabalhava em uma empresa considerada por outros trabalhadores como
marginal à produção. Grande parte dos serviços da Cikel está associado à limpeza e
conservação, embora a empresa também empregue trabalhadores na linha de produção, na
seção de embalagem. Trabalhadores de outras empresas como Sankyu e Comau apresentaram
visões mais tênues da discriminação e da segregação dentro da fábrica. A segregação visual,
estatutária e por vezes física de trabalhadores terceirizados e trabalhadores da CSN criam
determinados tipos de discriminações declaradas entre esses atores. Contudo, é importante
salientar que esta não é uma impressão geral entre os terceirizados. Trabalhadores que
trabalham em empresas terceirizadas melhor alocadas no processo produtivo, embora
enfatizem muitas vezes as diferenças entre os refeitórios e instalações dos trabalhadores da
CSN em relação aos dos terceirizados, não se consideram alvo de preconceitos dentro da UPV
como os dois entrevistados que trabalharam na Cikel:
87
“Parece que a carga negativa da situação acaba indo pra empresa [...] Por
exemplo, eu passei pra Magnesita, eu conversava com o pessoal da Sankyu
ainda. Mantinha contato com o pessoal, encontrava com eles direto. As vezes
até ia na área direto conversar com o pessoal. muita gente falava assim:
‘pô agora você tá bem, tá um pouquinho melhor’. Os auxiliares falavam ‘você tá
um pouquinho melhor agora, eu nessa merda ainda’ [...] Mas você não cria
preconceito, o laço de amizade continua. Entre as pessoas não existe problema
nenhum. A carga vai exatamente pra empresa que paga mal o funcionário.” (Ex-
mecânico da Magnesita)
Para alguns entrevistados, o preconceito dentro da UPV retrocedera um pouco em
função da dinâmica da troca de empresas e das múltiplas experiências acumuladas pelos
trabalhadores neste trânsito. Ao trabalhar na Sankyu, o então funcionário da Magnesita, além
de cultivar amigos, guardou consigo ao sair, o respeito a uma situação que fora sua também
outrora.
A Sankyu e a Comau, as duas maiores empresas prestadoras de serviços de
manutenção dentro da CSN, apareceram ora como empresas que oferecem as mesmas
condições para seus trabalhadores, ora com ligeiras vantagens para os funcionários da
segunda. Sobre o trabalho na Sankyu, um entrevistado comentou:
“[...] é a mão-de-obra mais barata que tem na região aqui é a da Sankyu. Paga
‘malzão’ mesmo. Eu to porque eu sou novo, dou prioridade aos meus
estudos. Mas se eu fosse um cara que tivesse família dentro desta profissão que
é soldador eu não estaria não. É a firma que não valoriza o cara mesmo.”
(Soldador da Sankyu)
Por outro lado, falando de um outro ângulo e de uma outra situação, para o ex-
trabalhador da Cikel:
“A Sankyu é uma empresa assim, que ela já foi boa, hoje ela não é as melhores
não. Ela estava dentre as melhores, mas ela baixou muito porque ela já sentiu
como funciona aqui no Brasil. É porque uma coisa que eu já ouvi falar é que
japoneses, assim, essas pessoas que vem de outros países para cá, eles percebem
que a mão-de-obra aqui é muito barata, entendeu. Então depois que ele percebeu
como é que é lidar com o povo brasileiro, aí ele consegue manipular. entra
um profissional de mecânica ganhando 700 reais só. Mas ele tem uma cesta
básica, tem um plano de saúde. Por exemplo, ele podia ter um Unimed mas ele
tem um Conmedh.” (Ex-trabalhador da Cikel)
A precarização das condições de trabalhador estão presentes nos discursos de ambos
os trabalhadores, mas como a visão da própria condição é sempre relacional, na citação do
trabalhador da Sankyu a empresa aparece como a pior em relação a outras empresas que
prestam o mesmo tipo de serviço. na apreciação do ex-trabalhador da Cikel, a Sankyu,
88
embora pagando baixos salários, oferece vantagens e benefícios como plano de saúde e
cesta básica – que, segundo ele, não eram concedidos pela empresa em que trabalhou.
Tendo experienciado o trabalho tanto na Comau quanto na Sankyu, o trabalhador da
Magnesita comparou:
“Na Sankyu, toda a gerência dela, diretoria, é política, são cargos indicados, são
pessoas que não tem capacidade de estar naquele lugar, mas foram indicados
porque são conhecidos do dono né, parentes, entendeu. Então a administração
dela é péssima. Você tem que se submeter a isso infelizmente, em saber que
você pode ocupar um espaço melhor mas você não tem oportunidade porque é
muita peixada. na Comau não, já é um pouco mais profissional. É uma
empresa mais séria, bem melhor do que a Sankyu, né. O lado social da empresa
é bem melhor também. Porque ela promove alguns eventos ao longo do ano
com os funcionários, a PLR, por exemplo, é bem melhor do que a da Sankyu.
Então a Comau é melhor do que a Sankyu, embora as duas superexplorem os
funcionários.” (Trabalhador da Magnesita)
Outra razão pela qual a Comau é vista como melhor do que a Sankyu deriva do fato de
que a área de Laminação, cujo contrato pertence à primeira empresa, é considerada menos
agressiva de se trabalhar do que a área da Siderurgia (Coqueria, Aciaria, Alto forno), sob a
responsabilidade da Sankyu. Sobre a Sankyu, as mudanças de empresas e as propostas
oferecidas por outras firmas, o trabalhador afirmou que:
“O pessoal nem tenta, assim, crescerdentro [da Sankyu] porque sabe que não
vai conseguir. Eles já não te prometem nada. Não te falam nada, mas é bem
claro que não se consegue. Já é bem claro que não consegue passar pra uma
condição melhor dentro da Sankyu. o pessoal tenta mesmo passar pra CSN,
pra outras empreiteiras, até pra melhorar salário, melhorar a condição. Pra
crescer um dia, mesmo que demore, mas demora menos.” (Ex-mecânico da
Magnesita e da Sankyu)
Nivelando por baixo as duas empresas, o trabalhador da Sankyu as compara com uma
terceira empresa:
“[...] Eu ouço falar que são três firmas que trabalham com manutenção ali, que é
a Sankyu, a Comau e a Vais. A Vais é uma que remunera melhor a rapaziada, e
a Sankyu e a Comau estão no mesmo barco, coitadas.” (Soldador da Sankyu)
Invariavelmente, a empresa Vais do Brasil era quase uma unanimidade nos relatos de
todos os entrevistados, tanto da CSN, quanto das empresas terceirizadas. Esta firma era quase
sempre mencionada com o intuito de exemplificar um tipo de terceirização justa, que confere
ao trabalhador tantos direitos e benefícios quanto aqueles de que goza o trabalhador do quadro
89
da CSN, ou até mais. O trabalhador da Vais é considerado um funcionário valorizado e
altamente qualificado. É digno de nota o fato de que a Vais do Brasil, diferentemente de
outras empresas contratadas, possui um refeitório próprio e exclusivo, que foi recorrentemente
citado pelos trabalhadores entrevistados.
O próprio trabalhador da CSN reconhece a vantagem de algumas empresas
terceirizadas sobre a empresa em que trabalha:
“Tem muita empreiteira que te proporciona um padrão de vida tão bom que não
vale a pena você [...] Tem colega meu que trabalha em empreiteira que recebe
até mais do que eu, tem um padrão de vida melhor até. O cara tem umas
regalias. Que o cara não quer [passar para a CSN].” (Operador 2 da CSN)
O discurso deste trabalhador aparenta guardar algo da ideia de que fora traído pela
ilusão de ascensão na CSN, que não se realizou após 12 anos de trabalho na empresa.
Contrariamente a isso, outros amigos com uma formação inferior a sua, galgaram uma
situação melhor em firmas terceirizadas. Enumerando as empresas terceirizadas que
acreditava oferecerem uma boa condição ao trabalhador subcontratado, o funcionário CSN
apontou a:
“Multiserv [Empresa que atua na área de transporte e empilhadeiras] Hoje o
João
102
está de supervisor na Multiserv, sempre trabalhou em empreiteiras. O
salário sempre foi quase acima da CSN. Até hoje eu não vi os pontos negativos,
vi os pontos positivos dele, sinceridade. João viajou pra um monte de
lugar. Eu conheço duas empreiteiras assim, que as pessoas falam muito bem
delas. Uma é essa que o João trabalha, a Multiserv [...] Me falaram que é uma
empresa ótima de trabalhar, que paga até melhor do que a CSN, quem não
quer sair. E a outra é [...] é a Vais. Falaram que a Vais é show de bola. Falaram
que quem trabalha na Vais tem vários benefícios. (Operador 2 da CSN)
E quando inquirido se os benefícios da Vais eram superiores aos da CSN, o
trabalhador respondeu que:
“Isso não sei cara. Mas eu acho que quem tá, tá satisfeito. Tem um colega meu
que trabalhou lá na Vais, a Vais pagou os estudos dele.” (Operador 2 da CSN)
O discurso deste trabalhador da CSN é muito representativo de um certo ressentimento
por ter trilhado um caminho valorizado em Volta Redonda, por ter concluído com êxito um
curso na disputada ETPC, e por ter galgado um emprego reconhecido na cidade, mas que o
manteve estático, no mesmo lugar onde começou, enquanto outro amigo galgou uma condição
102
Nome fictício.
90
melhor a partir de um “circuito off”, dentro de uma empreiteira. A Vais do Brasil novamente
aparece como uma empresa terceirizada distinta, que apresenta vantagens inclusive para o
quadro de trabalhadores CSN. Ainda sobre a Vais, o ex-mecânico da Magnesita relatou que:
“Trabalhava do lado da Vais [...] A Vais tem uma quantia boa lá, tem muita
gente dentro. Tem um pessoal bom assim. São duas ou três áreas, mas
essas áreas são de pessoal bom [referência à quantidade de trabalhadores] [...] o
pessoal da Vais faz um serviço mais técnico assim. Era até uma empresa bem
vista. Tinha muita gente que falava assim: ‘eu prefiro passar pra Vais do que pra
CSN’ [...] Valia a pena mesmo. Valia mais a pena que passar para a CSN.” (Ex-
mecânico da Magnesita e da Sankyu)
Segundo um entrevistado, chefe da Sankyu
103
, a Vais do Brasil pode remunerar melhor
seus funcionários porque seu contrato com a CSN possui valores superiores aos firmados com
outras prestadoras de serviços. Já a empresa Magnesita foi mencionada menos vezes pelos
trabalhadores, aparecendo como melhor do que a Comau e a Sankyu em alguns casos.
Particularmente, o trabalhador da Magnesita considera a empresa muito positivamente, pois
ela representa o ponto mais alto de sua escalada profissional dentro do ramo da siderurgia
104
.
Diferentemente de outras empresas, restritas à prestação de serviços, o trabalhador relatou
com orgulho que sua empresa tinha uma produção:
“No caso a minha empresa, além de ela ser uma prestadora de serviço, ela tem
uma fábrica própria dela, porque ela fabrica um produto, como a CSN assim,
que fabrica aço. A minha empresa ela fabrica refratários. Ela tem uma produção.
Ela detém 87% do mercado de refratários no Brasil. Então ela tem a mina dela
que é na Bahia, ela extrai a mangnetita que é o minério né, e processa em BH
[Belo Horizonte], em Contagem. De de Minas Gerais ela distribui para o
Brasil inteiro e o mundo os produtos dela. E eu mexo com as máquinas.
Além de ela oferecer o produto dela nas empresas, ela também começou a
oferecer serviços como manutenção, mão-de-obra. Pessoas para executar este
tipo de serviço com qualidade.” (Trabalhador da Magnesita)
O ex-trabalhador da Magnesita definiu da seguinte forma sua mudança de empresa:
“O meu serviço da Sankyu para a Magnesita mudou. Na Sankyu era um serviço
mais braçal, assim, eu ficava no amplificador [...] As vezes tinha que limpar as
coisas, era vassoura na mão, pano, desengraxante. Já na Magnesita como trainee
a gente já ficava, era um serviço mais limpo, mais técnico. Fazia uma
manutenção na válvula gaveta. Tinha que limpar peça, tinha que medir lá. A
103
Entrou na CSN nos anos de 1970. Foi técnico e chegou a supervisor na CSN. Aposentou nos anos de 2000 e
em seguida foi convidado a integrar os quadros da Sankyu. Em 2003-2004 retornou à UPV com um cargo de
chefe na empresa Sankyu (entrevista concedida à autora em 03/01/2010).
104
O entrevistado em questão passou por várias empresas e funções até chegar galgar um cargo de destaque na
empresa Magnesira.
91
peça é plana, tinha que medir aonde ela tava mais funda, onde tinha um desgaste
pra compensar o desgaste [...] Mas era um serviço mais técnico que tinha que
fazer. (Ex-mecânico da Magnesita e da Sankyu)
Da mesma forma que os trabalhadores hierarquizam em suas “falas” as empresas
terceirizadas que atuam dentro da CSN, classificando-as, eles encontram oportunidades de
crescimento e ascensão profissional que não passam necessariamente pelo emprego no quadro
direto da usina. Portanto, um cálculo e um “circuito off” para construção de caminhos de
crescimento profissional que não tem como horizonte a CSN. Este foi o caso de três
trabalhadores entrevistados: o atual trabalhador da Magnesita, que foi funcionário de várias
outras empresas terceirizadas da CSN; o trabalhador de uma terceirizada que atualmente
presta serviços para a Petrobrás, ex-instrumentista da Sankyu e da M&P Trafos dentro da
UPV
105
; e um trabalhador que atuou como eletricista na Sankyu e na Magnesita. Atualmente,
apenas o trabalhador da Magnesita ainda frequenta a CSN embora não exclusivamente.
Comum a todos esses trabalhadores é o fato de que quando trabalhavam em empresas
terceirizadas dentro da CSN, vislumbraram na mudança de empregador, mesmo em outra
empresa terceirizada, a oportunidade de melhorarem sua condição.
O trabalhador da Magnesita saiu da Cikel para a Sankyu para poder melhor sua
situação na produção, passando de ajudante à profissional de elétrica. Em seguida, migrou
para a empresa Comau, segundo ele, devido a desgastes com seus superiores e pelo fato desta
última empresa ser “mais profissional” e ter um “lado social” melhor. Posteriormente recebeu
uma oferta para um cargo mais elevado na Magnesita. O ex-instrumentista da Sankyu largou a
empresa depois de um ano e dois meses de serviço porque ela havia perdido o contrato da área
na qual trabalhava. Para manter-se trabalhando no “Castelo de água”, o trabalhador foi
assimilado pela M&P Trafos que ganhou a licitação para prestação de serviços na área. Além
de continuar na mesma área, o entrevistado afirmou que, diferentemente da Sankyu, a M&P
pagava o funcionário por serviço e não por homem/hora, o que para ele se afigurava como
uma vantagem. Finalmente, o ex-trabalhador da Sankyu e da Magnesita mudou da primeira
para a segunda empresa com o intuito de galgar um emprego em uma empresa um pouco
melhor, segundo o mesmo, saindo da função de mecânico auxiliar na Sankyu para mecânico
trainee na Magnesita.
105
Trabalhou como instrumentista na Sankyu por 1 ano e 2 meses. Quando a Sankyu perdeu o contrato com a
área em que trabalhava, preferiu ser assimilado pela M&P Trafos e permanecer na mesma função e na mesma
área do que continuar na primeira empresa. Atualmente é técnico de instrumentação em uma empresa
terceirizada que presta serviços para a Petrobrás (Entrevista concedida à autora em 19/10/2009).
92
Os três trabalhadores mencionados negociaram com outras empresas enquanto ainda
vigorava o contrato com suas empregadoras. A leitura do entorno de trabalho e o
conhecimento de outras empresas é um importante fator de negociação entre alguns
trabalhadores terceirizados, pois a compreensão de seu ambiente, a observação e a informação
sobre outros empreendimentos criam, entre os subcontratados, expectativas de melhorarem
sua situação que não passam necessariamente pela contratação direta da CSN.
Embora haja, segundo os entrevistados, trânsitos constantes por entre empresas, eles
nem sempre são pacíficos. O entrevistado que trabalhou na Magnesita foi demitido pela
empresa, segundo ele, porque estava participando de um processo seletivo para a CSN na
época em que integrava o quadro da subcontratada. Segundo ele, alguns trabalhadores mais
antigos da Magnesita estavam sendo incentivados a mudar para a CSN, mas no seu caso, o
chefe havia agido de maneira desigual e intolerante.
As diferenças de salários e de benefícios entre algumas empresas terceirizadas
permitem ao trabalhador enxergar em outras prestadoras de serviços a oportunidade de
melhorarem de vida. O compartilhamento cotidiano do espaço fabril por variadas empresas e
seus trabalhadores cria um ambiente onde o trânsito por entre firmas é facilitado. Portanto, um
trabalhador que esteja insatisfeito com sua empresa, uma vez qualificado, pode buscar chefes
e coordenadores de outras prestadoras de serviço e entregar seu currículo. Esse foi o caso de
um dos entrevistados que experienciou a condição de trabalhador de variados
empreendimentos dentro da CSN. Segundo ele, quando de sua passagem da empresa Sankyu
para a Comau:
“Já tava tudo no esquema. Menos de 13 dias após [sair da Sankyu] eu fichei na
Comau. Eu nunca fiquei num período máximo que um mês desempregado. [...]
Aceitou porque eu já conhecia o supervisor e ele já conhecia o meu serviço. Já
tava tudo engatilhado, tudo em casa. Eu saía com o uniforme da Sankyu e ia
na firma Comau entregando meu currículo. ‘Pode se desligar da sua empresa
que eu te ficho sim’. as pessoas pensaram, ‘vai ficar desempregado’. Passou
menos de 15 dias eu já estava com outro uniforme. As pessoas até assustaram.”
(Trabalhador da Magnesita)
Fazendo menção a este tipo de mudança, o entrevistado afirmou que ela faz parte de
uma rotina comum dentro da fábrica:
“É comum a disputa de mão-de-obra qualificada. A própria CSN me chamou
7 vezes para trabalhar, mas eu não aceitei.” (Trabalhador da Magnesita)
93
A coabitação de alguns espaços entre as empresas faz com que o trabalhador possa ser
visto e avaliado por chefias de firmas diferentes da sua e, até mesmo, pelo quadro da CSN. A
contratação de trabalhadores de outras empresas terceirizadas que atuam dentro da CSN
parece ser vantajosa no sentido de que o funcionário contratado, em geral, está treinado na
função e, ao mesmo tempo, é suposto conhecedor do ambiente fabril em que atua, sem que
houvesse ônus da atual contratante para tal.
Portanto, a oferta e a possibilidade de mudança entre as contratadas e para a CSN é
facilitada pelo compartilhamento de alguns espaços de trabalho e pela experiência adquirida
pelo trabalhador dentro da UPV. Essa prática cria um mercado interno de serviços onde o
trabalhador tem a possibilidade de melhorar sua situação junto a CSN ou a outras firmas
terceirizadas.
Sistematizando a discussão da presente seção da pesquisa, acreditamos, em primeiro
lugar, que a difusão da terceirização dentro da usina criou não apenas uma segmentação entre
o efetivo direto e o efetivo indireto, mas também entre os trabalhadores subcontratados de
diferentes empresas. A pulverização das funções entre variadas empresas prestadoras de
serviço motivou a percepção das diferenças no valor entre essas empresas. Não obstante a
diferença de funções e a avaliação de seu valor na escala produtiva pré-existentes na CSN
anteriormente à terceirização, a divisão - embora não exclusiva - das tarefas entre diferentes
empresas e trabalhadores com diferentes uniformes acentuou e expandiu as diferenças
existentes na forma de ‘valor da função desempenhada’ para a categoria ‘qualidade da
empresa contratante’.
A associação generalizante entre trabalho realizado na produção com determinada
empresa contratante lugar à intensificação da discriminação tácita ou explícita dentro da
fábrica. Quanto mais insalubre o local de trabalho, quanto menor a autonomia do funcionário,
quanto mais barata e pouco qualificada a mão-de-obra, e quanto mais manual e braçal for a
atividade vinculada ao contrato de uma determinada empresa, menos estimada ela e seus
trabalhadores o são. O preconceito particularmente associado a empresas como a Verzani &
Sandrini ou a Cikel ganhou novo reforço desde o momento em que a CSN seccionou as
atividades do quadro direto e, ao mesmo tempo, de outras funções e empresas da produção.
Por outro lado, há empresas terceirizadas onde a função exercida e o estatuto do
trabalhador alimentam menos preconceitos explícitos. A manutenção exercida pela Comau,
Sankyu e Magnesita é uma função reconhecida no processo produtivo e como tal, seus
trabalhadores gozam de contratos de trabalho relativamente melhores. Já a empresa
94
terceirizada Vais do Brasil é caracterizada pelos entrevistados como uma firma
invariavelmente boa de se trabalhar, fato que confere um certo prestígio a seus quadros.
Por fim, é necessário enfatizar que as empresas terceirizadas são constantemente
avaliadas e classificadas por trabalhadores da CSN e, principalmente, por trabalhadores
terceirizados. A forma como os trabalhadores representam as funções e as empresas que
atuam dentro da fábrica contribui para que se possa traçar planos de crescimento profissional
que podem ser concretizados dentro da própria empresa, ou em outras empresas concorrentes.
Empresas mal-qualificadas como a Cikel ou a Verzani & Sandrini podem ser “portas de
entrada” para outras empresas e funções dentro da CSN. Como um primeiro emprego,
trabalhar nestas empresas permite que o trabalhador ganhe experiência dentro da cultura fabril
e, ao mesmo tempo, esteja em contato com outros contratantes. A disputa por mão-de-obra
qualificada nas empresas dentro da usina (inclusive pela CSN) movimenta um certo mercado
interno de força de trabalho.
A possibilidade de trânsito entre as empresas e os contratantes dentro da fábrica
demonstra que o trabalhador pode barganhar a melhoria de sua condição mediante a mudança
para empresas que considera mais vantajosas, mais bem conceituadas. Rixas pessoais com
chefias ou tentativas frustradas de ascensão dentro de uma firma podem ser combustíveis para
a troca. Embora os deslocamentos entre empresas pareçam ser mais constantes do quadro
indireto para o direto, a possibilidade de deslocamentos extra-CSN que permitem a
realização de projetos de ascensão profissional, segundo os entrevistados, equivalentes ou até
mesmo superiores ao tradicional fluxo terceirizadas-CSN.
Isto posto, consideramos que, para além da divisão entre trabalhadores
centrais/trabalhadores periféricos, o horizonte de expectativas atualmente está perpassado por
uma série de considerações, leituras, cálculos e visões que o trabalhador tem sobre seu próprio
ambiente de trabalho que complexificam a ideia de que todo terceirizado é, grosso modo,
igual e inferior em condições em relação ao quadro da empresa contratante. Juntamente com a
terceirização surgiram novos e complexos estatutos que demandam uma análise verticalizada
do contexto fabril para que se possa compreender quais as representações que delineiam
opções e orientam decisões desses trabalhadores para além daquelas direcionadas
exclusivamente para a CSN.
95
3.4. Da CSN para as terceiras e vice-versa: trabalhadores em trânsito
Antes de prosseguir com a tentativa de delinear traços que definem grupos dentro da
usina, é necessário destacar um aspecto crucial para entender os desafios e as complexas
transformações operadas na visão de si mesmo e nas expectativas de trabalhador em tempos
flexíveis. Embora em termos de generalidade das diferenças e de análise nos tenha sido útil
agrupar trabalhadores terceirizados de um lado e trabalhadores da CSN de um outro, é
importante salientar que estas não são categorias estanques e rígidas. notoriamente um
trânsito contínuo tanto da condição de trabalhador terceirizado para a condição de trabalhador
da CSN, bem como o contrário. Fazer o trânsito em direção a um desses pólos, quase sempre
tende a propiciar leituras maniqueístas, do tipo: sair da CSN e ir para uma prestadora de
serviços significaria automaticamente uma dilapidação da condição do trabalhador, assim
como o inverso seria considerado uma melhora em todos os sentidos.
Ao contrário desta tese, todos os 3 entrevistados ex-funcionários da FEM ou da CSN
declaram estarem satisfeitos com o emprego e os cargos que ocupam nas empresas Sankyu e
Comau, embora em princípio, esta última condição tenha sido fruto da demissão ou da
aposentadoria. Trabalhadores que amargam longos anos de serviço contínuo na CSN em
funções imutáveis, e que perderam a perspectiva de crescerem profissionalmente na empresa,
podem encontrar nas firmas terceirizadas a possibilidade de ocupar cargos de hierarquia e
salários mais elevados do que quando pertenciam ao quadro da contratante. Alguns deles
afirmam que receberam propostas de retornar à CSN e a recusaram. A demissão realizada pela
empresa contratante e a readmissão por uma empresa contratada podem, a princípio, sugerir
uma ideia de precarização do trabalhador, deslocado compulsoriamente do “centro” do
sistema para sua “periferia”. Todavia, para os casos aqui reunidos, a afirmação é simplista.
Embora tenhamos buscado aleatoriamente trabalhadores que se enquadrassem na
condição de migrantes da CSN para as contratadas, a procura terminou por oferecer
entrevistados com um perfil muito parecido: todos possuem aproximadamente 40 anos ou
mais, trabalharam na CSN ou na FEM
106
por no mínimo 13 anos e ocupam cargos de chefia
106
Principalmente na FEM, ex-subsidiária da CSN que reunia um número elevado de profissionais de
manutenção na UPV. Os quadros das prestadoras de serviços são formados por muitos ex-trabalhadores da FEM
porque quando da extinção da empresa, grande parte de seus funcionários foi incorporada pelas terceirizadas, já
que a ex-subsidiária contava com um número expressivo de trabalhadores de manutenção qualificados e
experientes. Enquanto a FEM reunia essencialmente profissionais de manutenção, a CSN mantinha um
contingente reduzido desses profissionais. Os profissionais de manutenção da CSN, embora em número
96
nas empresas terceirizadas como técnico, mestre, supervisor e coordenador
107
. Os dois
primeiros foram demitidos da FEM e reincorporados pela Sankyu e pela Comau, e o último
deles aposentou-se na CSN. Este arranjo de características não parece constituir mera
coincidência no destino destes funcionários. Em comum todos possuíam uma experiência
profissional duradoura na manutenção da CSN ou da FEM. O know-how adquirido no
período em que eram funcionários diretos provavelmente atuou como um forte respaldo para
que eles adentrassem o quadro das prestadoras de serviços e conseguissem ocupar cargos
superiores aos desempenhados na CSN/FEM.
Na via contrária, os dois entrevistados que passaram de terceirizadas para a CSN são
trabalhadores jovens e encaram a mudança como uma ascensão social e profissional
importante em suas vidas. A contratação de trabalhadores das prestadoras de serviços tem
sido um expediente muito utilizado pela CSN para arregimentar em seus quadros funcionários
acostumados com a cultura da fábrica e nela treinados às expensas e responsabilidade das
subcontratadas. Na condição de ajudantes, auxiliares ou profissionais da prestadora de
serviços, o trânsito para a CSN inegavelmente traz benefícios ao trabalhador em questão de
salários, direitos e status. Embora a assertiva seja verdadeira para muitos trabalhadores que
desempenham funções de baixa hierarquia, a partir do momento em que o trabalhador se torna
líder ou técnico dentro da contratada, o deslocamento já não se afigura tão simples, e depende
do cálculo e da comparação entre as empresas.
Portanto, o fluxo mais intenso parece ser no sentido do deslocamento para a CSN,
que a maior parte dos trabalhadores encontra-se em posição inferior devido à organização
hierárquica piramidal. Porém, como fora mencionado, o desejo de integrar os quadros da
contratante depende, em grande medida, do cargo ocupado na prestadora de serviços e da
possibilidade da CSN oferecer condição/cargo equivalente ou superior. Na passagem da
prestadora de serviços para a CSN, a decisão figura como uma prerrogativa do trabalhador,
embora essa escolha possa posteriormente frustrar suas expectativas. De maneira inversa,
entre os trabalhadores que se tornaram funcionários de empresas terceirizadas, a mudança
nem sempre é vista como benéfica a curto prazo, porém, pode superar as expectativas no
decorrer do tempo.
Não pretendemos com isso defender a tese de que a terceirização não causou uma
precarização generalizada, mas essa mesma precarização não deve ser vista como geral.
pequeno, também possuem qualificação para o emprego nas prestadoras de serviços. os funcionários de
operação da CSN têm menos “entrada” nas terceirizadas de manutenção.
107
Todos galgaram patamares hierárquicos superiores ao adentrarem nas terceirizadas, ou durante o tempo em
que estavam dentro delas.
97
Através do discurso de trabalhadores que integram o chamado “centro” em relação à
“periferia” é possível complexificar a discussão sobre o tema e tentar entender sob quais
condições a passagem para o “centro” é vantajosa, e em que medida a permanência na
“periferia” é preferida pelo trabalhador. Que expectativas e possibilidades em relação à
condição de trabalhador terceirizado e trabalhador direto caracterizam a atual realidade do
mercado de trabalho?
O emprego na CSN, embora tratado por muitos entrevistados como ilusão, ainda está
carregado de um apelo muito forte entre aqueles que nunca participaram de seus quadros. Não
obstante o fato de todos os trabalhadores terem, de maneira quase unânime, mencionado a
CSN como “já foi” ou “não é mais aquela”, para muitos terceirizados que ocupam funções
menos prestigiadas na hierarquia das empresas, a contratante emerge como esperança de
melhores condições em salários e benefícios, bem como em status social e empregatício.
Como fora mencionado, a passagem pelos quadros da CSN confere ao trabalhador um valor
tanto dentro como fora da empresa, na cidade e em seu comércio, ou mesmo junto a outros
empregadores.
No caso dos ex-trabalhadores das terceirizadas Sankyu e Ormec, o emprego nestas
empresas representou uma possibilidade de adentrar o quadro da CSN. Embora esta seja uma
prática comum da CSN de cooptação de funcionários das prestadoras de serviços já
experientes para seus quadros –, esta passagem é considerada prejudicial por chefias das
terceirizadas, pois a evasão da mão-de-obra faz com que a empresa tenha que contratar novos
funcionários, que demandam novo investimento em treinamento a curto prazo
108
. Segundo um
Chefe da Comau
109
, os trabalhadores iniciantes das contratadas “entram sem perfil [...] nós
lapidamos, ensinamos, treinamos, qualificamos”, “somos formadores de profissionais” e logo
em seguida, quando surge a oportunidade, esses trabalhadores migram para o quadro da CSN.
Portanto, tanto o chefe da Sankyu como o Chefe da Comau afirmam que há uma alta
rotatividade nos quadros de suas empresas oriunda da rescisão de contrato à pedido dos
trabalhadores terceirizados
110
.
108
Segundo o chefe da Sankyu, as empresas terceirizadas são prejudicadas na medida em que a CSN atrai a mão-
de-obra mais qualificada das contratadas e novos trabalhadores têm que ser treinados a curto prazo, fato que
segundo ele aumenta a incidência de acidentes de trabalho entre os funcionários das contratadas.
109
Estava há quase 20 anos na UPV onde começou como ajudante da FEM. Na então subsidiária da CSN, passou
pelas funções de eletricista e líder de equipe. Quando da extinção da FEM foi incorporado por uma firma
terceirizada onde atuou como técnico. Em 2003, após a rescisão do contrato entre a firma em que trabalhava e a
CSN foi incorporado pela Comau e atualmente ocupa o cargo de supervisor na terceirizada (Entrevista concedida
à autora em 08/11/2009).
110
À época da entrevista, o chefe da Sankyu mencionou que alguns bons profissionais de sua firma estavam
saindo da empresa para integrar os quadros da GMC, da Comau, da Vais do Brasil e da CSA.
98
Se para as chefias a necessidade de treinar novos quadros rapidamente é um
inconveniente, para a empresa, segundo um ex-funcionário da Sankyu, a mudança é
vantajosa na medida em que a opção do trabalhador pela CSN desonera a terceirizada do
pagamento de 40% do FGTS em demissões injustificadas e porque, em lugar de um
profissional, a prestadora de serviços pode contratar ajudantes e auxiliares ganhando quase
metade do salário
111
.
Para aqueles trabalhadores que depositam na CSN o horizonte de seus anseios, o
emprego na terceirizada representa um primeiro passo rumo à concretização de seu ideal. Nas
prestadoras de serviços, os trabalhadores prescindem de experiência e precisam de um curso
técnico profissionalizante para se empregarem. Sobre as exigências para o emprego na
Sankyu, o trabalhador afirmou que:
“Tem muita gente nova também. Muito auxiliar novo, que acabou de pagar um
cursinho qualquer, fez o curso e vai pra lá. Neste ponto a Sankyu é boa, eu não
vou falar mal da Sankyu, tadinha. Porque nesse caso, pra quem quer pegar
experiência, a Sankyu é boa. Você saindo do cursinho, você acabou de fazer um
curso profissionalizante, você sair e cair direto na CSN [na UPV], numa
terceirizada que mexe com tudo. A Sankyu mexe em muito que é área lá dentro,
então você aprende muito. Graças a Deus comigo, eu aprendi muita coisa, ainda
mais que eu era volante, rodava tudo. Se cair na 01 é melhor ainda, porque você
conhece a CSN toda. Se você cair numa área fixa, você vai aprender
aquilo. Mas então por um lado é bom. Então ela muita oportunidade pra
quem é de fora, pra quem acabou o cursinho, o curso técnico.” (Mecânico da
CSN, ex-mecânico da Sankyu)
A experiência cultivada na terceirizada no relato acima, segundo o trabalhador, lhe deu
a oportunidade de conseguir o emprego na CSN e melhorar sua situação. O aprendizado em
diferentes áreas de produção da UPV em três anos de atuação como trabalhador terceirizado
lhe gabaritou a pleitear vagas no quadro direto. Diferentemente do período pré-terceirização
da manutenção, quando os trabalhadores participavam basicamente do quadro de uma única
contratante e a perspectiva de ascensão profissional e salarial tinha como variável primordial
o cargo e a função, na realidade atual, o desejo de mudança e a noção de projeção na
passagem do quadro da terceirizada para a contratante não leva em conta necessariamente a
mudança de cargo. Portanto, a ascensão profissional, neste sentido, não está diretamente
ligada a uma função, ou seja, ela deixou de ser verticalizada (ascensão por meio de nova
função) e passou a representar também uma ascensão horizontalizada (ou seja, melhoria dos
111
Todos os trabalhadores terceirizados que ocupam ou ocuparam cargos de profissional afirmam que entraram
nas contratadas como ajudantes ou auxiliares. A maioria dos entrevistados reclamou do tempo de espera para a
reclassificação como profissional, de até 1 ano e meio, sendo que na prática já exerciam a função antes disso.
99
salários e direitos na mudança de empresa, embora haja manutenção do cargo/função
desempenhada). Essa nova possibilidade de ascensão horizontalizada é peculiar à
terceirização, que confere estatutos diferentes a trabalhadores que desempenham a mesma
função.
O desejo de integrar os quadros da empresa contratante estimula o desenvolvimento de
um mercado interno de mão-de-obra e a competição entre os trabalhadores de algumas firmas
terceirizadas. Embora as terceirizadas não sejam bem vistas pelos jovens profissionais, ela
possibilita a entrada no mercado de trabalho e propicia a possibilidade de novos empregos:
“Então essas terceirizadas, o que acontece. Pra quem não tá fazendo nada,
praticamente assim [...] Eu tenho meu ponto de vista assim: pessoal pra não
conseguir um emprego na CSN, por um lado, assim pelas terceirizada. Porque
se você fizer um curso técnico, qualquer que seja, você vai conseguir uma vaga
nas terceirizadas. Então as terceirizadas elas dão oportunidade pra quem tem aí
curso técnico. Não ganha bem, mas com certeza você vai estar trabalhando, vai
estar ganhando uma cesta básica, vale alimentação, vai estar ganhando um
monte de coisa. Vai estar trabalhando. futuramente, se trabalhar direitinho
melhora, passa pra uma CSN da vida.” (Mecânico da CSN, ex-mecânico da
Sankyu)
A maior parte dos trabalhadores terceirizados entrevistados adentraram o mercado de
trabalho em uma lógica reestruturada e, portanto, acreditam que embora o serviço nas
empresas terceirizadas seja mais penoso, a terceirização caracteriza uma importante via de
acesso ao mundo do trabalho. As empresas terceirizadas se afiguram como verdadeiras
escolas de aprendizagem prática, na qual a exigência a priori sobre a qualificação é reduzida.
A partir da experiência galgada na prestadora de serviços, o trabalhador pode, posteriormente,
pleitear vagas em empresas que exijam maiores níveis de qualificação e prática profissional.
No caso do entrevistado, a passagem da condição de profissional de mecânica da
Sankyu para a CSN significou um aumento substancial de salário e dos benefícios. Mas esse
trânsito se realizou devido a um momento de inflexão do movimento terceirizante dentro da
UPV. Se a terceirização e o enxugamento dos quadros diretos da empresa vinha crescendo
progressivamente na CSN desde a década de 1990, em meados de 2000, a estratégia
terceirizante sofreu uma reversão. Como fora relatado no capítulo 2, em 2006/2007 a CSN
primeirizou os serviços da guarda patrimonial, de ferrovia e de parte da manutenção. Ambos
os trabalhadores da CSN entrevistados passaram a integrar o quadro direto da UPV depois
que a CSN decidiu desterceirizar completamente o serviço de manobra e parcialmente a
manutenção industrial. As duas experiências de passagem foram diferenciadas: enquanto o
trabalhador que era manobreiro foi compulsoriamente integrado ao quadro da CSN quando a
100
função foi completamente desterceirizada, o trabalhador de manutenção da Sankyu deixou
seus colegas de empresa ao ser selecionado para compor a nova GMC em 2009. Sobre a
transição, os trabalhadores explicam que ela é facilitada devido ao fato de terem acumulado
uma experiência prática nas firmas terceirizadas, que é pré-requisito para pleitear o emprego
na CSN:
“Hoje em dia tem dois tipos de manobreiro lá: um que veio da Ormec, e um que
fichou [...] um antes da Ormec e um depois da Ormec. A gente que era da
Ormec, a gente que veio da empreiteira, a gente só faz psicotécnico e entrevista
com a psicóloga. Agora quem vem de fora, tem que passar por entrevista com
supervisão. Eles vão selecionando, faz uma peneirada, seleciona. O próprio
supervisor nosso faz entrevista com eles antes. Depois que selecionou que
manda pra psicóloga. É mais complexo. Quem vem de fora é mais complexo.”
(Maquinista da CSN, ex-manobreiro da Ormec)
112
Da mesma maneira, o ex-mecânico da Sankyu enfatiza a importância da contratação
de mão-de-obra treinada, pela CSN, quando explica a razão da extinção (em 2008-2009) e
subsequente recriação da GMC. A GMC reúne profissionais de manutenção que são
responsáveis por atender todas as áreas da CSN. O trabalhador desta gerência, também
denominada “volante”, deve possuir versatilidade e conhecimento generalizado do processo
produtivo. A flexibilidade do trabalhador da “volante” difere da rigidez dos profissionais de
manutenção que trabalham apenas em uma determinada área, ou oficina. A atuação como
“volante” na Sankyu, segundo o entrevistado, lhe garantiu a experiência necessária para ser
selecionado pela GMC/CSN:
“[...] A GMC é como se fosse assim, a elite dos funcionários, dos mecânicos da
CSN [...] Como se fosse a geração GMC. Teve aquela primeira que acabou
[...] ficou a chefia, a gerência que ficou lá. Mas nessa primeira leva da
GMC, ela não deu muito certo. Porque? Ela chamou muita gente que tava
saindo da ETPC, Senai, ICT. Tavam acabando de formar em cursinho, tavam
acabando os cursos assim, e tava indo pra GMC. Então quer dizer, a pessoa não
tinha experiência nenhuma, não conhecia a área, não conhecia nada. E a GMC
pegava preventiva, mexe com preventiva. Como é que uma pessoa que
nunca pegou numa ferramenta vai trabalhar com preventiva. Então, além da
crise que ajudou a acabar com a GMC, a própria mão-de-obra dela não ajudava
ela, foi uma das causas também. Tava deixando muito serviço incompleto, sem
fazer. Tava dando retrabalho, o equipamento tava quebrando porque o pessoal
não tinha experiência nenhuma. a GMC acabou. Voltou agora. Esse pessoal
de agora é todo mundo escolhido a dedo, entendeu. Só mecânico,pessoal que
tem alguns anos de experiência. Eu sou um dos mais novos lá. Porque a
maioria do pessoal é mais velho.” (Mecânico da CSN, ex-mecânico da Sankyu)
112
Trabalhou cerca de 4 anos como manobreiro e socador de linha. Há alguns anos passou para a CSN, quando o
serviço de manobreiro foi desterceirizado pela empresa. Atualmente é maquinista da CSN (Entrevista concedida
à autora em 21/10/2009).
101
Segundo o entrevistado, contrariamente à GMC criada em 2007 com recém-saídos dos
cursos profissionalizantes da região, a nova gerência formada em 2009 deu preferência à
experiência acumulada dentro da UPV pelos trabalhadores terceirizados, pois o trabalho de
preventiva e a função de “volante” exigem um alto nível de conhecimento teórico e prático do
processo de produção. A sucessão de idas e vindas da terceirização através da GMC –
começando em sua criação, caracterizada pela retomada dos serviços de “volante” pela CSN,
passando pela quase extinção do departamento em 2008-2009, e por sua rearticulação em
2009 –, figura como prova de que a terceirização é parte de uma diretriz mais abrangente: a
flexibilização do trabalho.
A contratação no quadro direto da CSN apresenta-se mais como interesse da empresa
em potencializar a gestão de seus efetivos e da produção mediante a incorporação de
funcionários treinados em suas instalações, do que como reconhecimento do valor desses
trabalhadores indiretos:
“O que a gente acha é assim. O que levou a CSN a fichar a gente, trazer pra ela,
eu acho que é mais interesse dela em ajudar a ela do que ajudar a gente próprio,
reconhecer o nosso valor, entendeu. Porque a gente sempre foi, a gente sempre
foi profissional, a gente sempre [...] É um serviço que a gente trabalhava pô,
numa mesma máquina. [...] o maquinista depende, por exemplo, eu dependo do
manobreiro pra poder me ajudar a fazer alguma coisa. A gente é praticamente a
mesma coisa, não tem diferença. Eu [como maquinista] tenho um pouco mais de
responsabilidade do que ele. que a gente sempre foi a mesma coisa, sempre
foi a mesma coisa. Tanto que antes, no horário de dia, eu [como manobreiro
terceirizado] tinha que almoçar num refeitório e ele tinha que almoçar no outro
[...] Eu tinha que almoçar no das empreiteiras. E tem refeitório que é só da CSN
entendeu. Então na hora, direto eu ‘pô, porque que eu vou pra lá e ele vai pra cá,
se nós somos a mesma coisa’, entendeu. [...] Se fosse reconhecer mesmo já era
pra ter reconhecido há mais tempo. Porque esse papo de desterceirização já teve
muito tempo atrás, que sempre a CSN arrumava algum imprevisto. Se
fosse interesse dela naquela época ela já tinha passado Ela passou mesmo, mas a
gente conversa lá, a gente acha mais interesse dela”. (Maquinista da CSN, ex-
manobreiro da Ormec)
Na transcrição acima, o trabalhador, atualmente maquinista da CSN, relembra a época
em que era manobreiro da Ormec. Embora sua atuação fosse muito parecida com aquela
realizada por seus companheiros maquinistas da CSN, a manobra não era considerada
atividade profissional. A segregação dos espaços novamente aparece, em um discurso em que
o entrevistado não se conforma com a criação de barreiras artificiais entre trabalhadores com
atividades semelhantes. Sobre a diferença entre maquinista e manobreiro anteriormente como
trabalhadores da CSN e trabalhadores terceirizados respectivamente, ele acrescentou:
102
“Porque antes o maquinista não deixava o manobreiro entrar dentro da máquina,
não entrava. Quer dormir, vai dormir do lado de fora da máquina. Era assim,
entendeu. Era maquinista que entrava bêbado nem tava aí. Não tinha padrão de
segurança. Manobreiro tinha que descer igual, correndo na frente pra tirar o
que tinha da frente, porque o maquinista não parava. Conforme o tempo foi
passando. Que foi tirando esse negócio de manobreiro [...] não era nada. Foram
reconhecendo o valor do manobreiro, mas não a ponto de chegar e fichar ele na
CSN.” (Maquinista da CSN, ex-manobreiro da Ormec)
Em princípio, é notório que a demanda por reconhecimento dos trabalhadores
terceirizados nem sempre é prerrogativa da firma que os contrata, porém,
“contraditoriamente” da CSN. Isto provavelmente se deve à consciência de que a
materialização do esforço de seu trabalho em produto final é um atributo da CSN e não da
terceirizada. Ao trabalhar em cooperação, seja na manutenção, na manobra, ou na limpeza das
máquinas, os trabalhadores terceirizados se enxergam como parte – embora considerada
menor indispensável de uma imensa engrenagem que culmina com a transformação da
matéria-prima em aço. A definição jurídica de “atividade meio” como uma atividade
periférica e, portanto, terceirizável, não alienou completamente a identidade do trabalhador
com o meio em que trabalha e com a “finalidade” real de seu esforço. A produção de aço, ou
seja, a modificação da matéria pelo trabalho humano, é que identifica o trabalhador, e não
uma suposta “produção de serviço”. Além de que, sem a existência dos serviços considerados
“atividade meio”, em grande parte realizado por terceirizados, não é possível atingir a
finalidade da produção:
“O pessoal da nossa gerência, eles ficavam doidos. Porque a gente não podia
parar. Se parasse os manobreiros, quem que ia fazer o serviço. Eles [os chefes
da CSN] tinham que fazer o que: botar os maquinistas da outra letra pra dobrar,
pra fazer serviço de manobreiro. Olha o caos que ia dar. [...] A gente não tinha
aquela consideração, aquele valor, mas na hora que falasse que a gente ia parar,
eles [líderes da CSN] ficavam doidinhos mesmo [...].” (Maquinista da CSN, ex-
manobreiro da Ormec)
As expectativas sobre seu reconhecimento e as representações que os trabalhadores
terceirizados carregam sobre a CSN podem parecer ambíguas ou infundadas do ponto de vista
jurídico-contratual, mas são pertinentes na realidade prática cotidiana da fábrica. Uma das
razões para a desterceirização integral do serviço de manobra pode ter sido a dessincronia que
a terceirização causava na relação entre manobreiros e maquinistas. No caso do maquinista e
do manobreiro, a terceirização segmentou profissionais que são extremamente ligados, que
trabalham em permanente complementaridade e interdependência. A revisão deste tipo de
103
terceirização pode ter relação com o problema da subordinação: na prática, segundo o
entrevistado, o maquinista atuava como chefe do manobreiro, uma vez que seu superior
hierárquico o líder da Ormec raramente aparecia na área embora em tese, o trabalhador
terceirizado não possa ser sujeitado às ordens do trabalhador do quadro da contratante.
Segundo o entrevistado, outra explicação para a desterceirização da função de
manobreiro era a permanente ameaça de greve dos trabalhadores da Ormec. A iminência da
paralisação desses trabalhadores exercia grande pressão sobre a CSN, uma vez que a atividade
dos carros ferroviários dos pátios internos da UPV é de caráter ininterrupto e indispensável à
produção.
O reconhecimento do trabalho de funcionários que já atuam dentro da UPV em
serviços indispensáveis à produção da CSN é uma variável importante para entender o papel
da empresa nas expectativas dos trabalhadores terceirizados. A conduta da CSN - e não
apenas da empresa terceirizada - é referencial de valorização para o trabalhador terceirizado.
Isto se deve ao fato de que, como fora acima mencionado, a CSN é considerada, por muitos
de funcionários de empresas terceirizadas, a possibilidade de uma ascensão profissional,
mesmo que horizontalizada.
No caso do ex-funcionário da Sankyu, a mudança para a CSN não interferiu em sua
classificação, que continuou sendo profissional de mecânica. Segundo ele, em comparação
com a firma terceirizada, a CSN oferecia PLR, salário maior e benefícios como o plano de
previdência da Caixa Beneficente dos Empregados da Companhia Siderúrgica Nacional
(CBS), os planos de saúde e odontológico e vales alimentação e transporte
113
. Além disso,
passar para a CSN trazia vantagens como:
“Melhora em questão, deixa eu ver, de higiene, vestiário. Pô, você entra no
vestiário da CSN pra almoçar dentro se você quiser, de tão limpo. Nas
outras não [...] Transporte, tem um ônibus que leva pra cima e pra baixo, você
não precisa ficar andando a a CSN inteira. Ferramental, ferramentas. Tem
dois caminhões de ferramentas , pega a hora que você quiser Os troços tudo
novo, não precisa ficar improvisando nada [...].” (Mecânico da CSN, ex-
mecânico da Sankyu)
Além das vantagens materiais descritas, a CSN implica numa vantagem subjetiva:
“Tanto que na época que a gente era da empreiteira da Ormec, a gente não tinha
esse valor assim, não tinha tanto valor igual tem hoje. Não é também aquele
113
Sobre os benefícios o entrevistado afirmou que: “Não que as terceirizadas não dêem, algumas dão, outras não.
A Sankyu dava quase isso tudo também, mas a qualidade do que é da CSN é melhor.” (Mecânico da CSN, ex-
mecânico da Sankyu)
104
valor sabe, mas melhorou um pouco.” (Maquinista da CSN, ex-manobreiro da
Ormec)
A passagem para a CSN trouxe para o entrevistado a valorização representada não
apenas pelo aumento de salário, mas pela limpeza e asseio de suas instalações, pela
disponibilidade de transportes e de ferramentas novas, ou seja, itens importantes ao trabalho e
que também adicionam uma nova dignidade ao trabalhador. Em lugar de vestiários sujos, da
dureza da falta de transporte e da necessidade de improvisar com materiais velhos, o estatuto
de trabalhador da CSN inclui benefícios não mensuráveis porque ligados ao bem-estar e à
auto-estima do funcionário.
Por outro lado, o trânsito do ex-trabalhador da Ormec para os quadros da CSN
apresenta melhorias no quesito benefícios e direitos. Segundo ele, uma diferença crucial da
CSN em relação à firma terceirizada é que:
“Melhorou em questão assim, porque na época da Ormec, a gente praticamente
não recebia os direitos que a gente tinha, perdia hora-extra, muita coisa
acontecia. Aí, a gente passando para a CSN, aconteceu de melhorar um pouco,
financeiramente, porque a gente tem um plano de previdência, CBS, aí vai [...]
plano de saúde, essas coisas. Aí ajudou. Mas aí ajudou neste ponto, no primeiro
ano [...] depois, conforme o tempo foi passando, a CSN foi mudando [...]”
(Maquinista da CSN, ex-manobreiro da Ormec)
Mas, diferentemente do mecânico da CSN, para o maquinista da empresa, se a
princípio a mudança causou uma grande euforia, após três anos na CSN, nem tudo parece tão
vantajoso como quando participava do quadro da terceirizada. Sobre o seu salário o
entrevistado comentou que:
“Igual a gente comentava muito também. Se a gente não passasse pra CSN, a
gente [manobreiro] ia estar ganhando mais do que maquinista. Então a CSN ia
ser obrigada a aumentar o salário do maquinista. Pode ser a intenção dela ter
fichado a gente de manobreiro pra CSN, pra ela poder regulamentar isso. Pra ela
ter a diferença. Ela [CSN] usa uma escala rei [...] Tem sempre que ter padrão de
diferença um pro outro. Como a gente tava muito próximo, pode ser também o
motivo da CSN ter passado a gente pra poder [...] Se eu, por exemplo, tava
ganhando 10 reais a mais [do que o maquinista da CSN] na próxima negociação
que teve de acordo coletivo, os maquinistas ia ganhar 5% e a gente ia pedir 10
[...] ou a gente pára. Aí a gente poderia vir ganhar até mais do que o maquinista
[...] É muita coisa que envolve. Aqueles caras devem ficar em reunião direto lá:
‘Vamos tentar ferrar os manobreiros mais uma vez’.” (Maquinista da CSN, ex-
manobreiro da Ormec)
Para o trabalhador bem como para seus colegas, a desterceirização da manobra foi
motivada pela necessidade da CSN criar um padrão e uma defasagem maior entre os salários
105
de maquinista e manobreiro, que eram muito próximos apesar do primeiro grupo ser formado
por trabalhadores do quadro e o segundo grupo ser formado por trabalhadores terceirizados. A
diferença salarial de apenas R$ 10,00 entre manobreiros da Ormec e maquinistas da CSN não
era compatível do que se esperava da diferença entre trabalhadores terceirizados e
trabalhadores diretos. Além do que, a manutenção de uma diferença tão tênue de salários
poderia criar uma insatisfação no quadro da CSN.
O trânsito para a CSN com manutenção ou rebaixamento de salário frustra os anseios
daqueles que combatem a terceirização como causa dos maus salários. Mas a desterceirização
e a mudança para o quadro da CSN nem sempre culminam com a satisfação dos
trabalhadores, ou com a melhoria inegável de sua condição:
“Em relação a salários. A guarda antes quando era empreiteira né, que era a
Protege, eles ganhavam bem [...] ficou todo mundo revoltado. Passou pra CSN,
o salário diminuiu. [...] No meu caso manteve o salário. A nossa gerência, pelo
menos isso né, manteve o nosso salário. Agora da guarda não, perderam
dinheiro. Teve guarda que perdeu dinheiro.” (Maquinista da CSN, ex-
manobreiro da Ormec)
Nestes casos ocorre notoriamente um esvaziamento da luta contra a terceirização pois,
uma vez que a primeirização ocorre para ônus do funcionário, ela perde a conotação de
melhoria. Segundo o atual presidente do SMVR, esses tipos de desterceirização, como
aconteceu com a Guarda Patrimonial da CSN, podem ser caracterizados como “primarização
terceirizada”, pois, por vezes, a tão esperada incorporação no quadro da empresa contratante
acarreta o rebaixamento dos salários. Estas situações em que a mudança deixa de ser
vantajosa em aspectos importantes para os trabalhadores sugere uma falta de nitidez entre as
barreiras que anteriormente dividiam com maior precisão trabalhadores diretos/centrais de
trabalhadores terceirizados/periféricos. A vantagem relativa em integrar o quadro da
contratante perde seu sentido, e o expediente à terceirização ou à primeirização não parece
mais do que uma mudança de legenda, com ligeira diferença, ocasionalmente para pior. Mas
se para a Guarda Patrimonial a desterceirização foi prejudicial, para o ex-funcionário da
Ormec ela não propiciou uma melhoria salarial significativa, embora ela tenha significado
valorização no seguinte sentido:
“Valor que eu falo, valor de ter um salário melhor, de ter uma PLR né, de ter
um turno, ter um adicional, uma hora-extra paga, contado certo. Porque a CSN
tem os defeitos dela, mas ela paga no dia certinho, paga tudo contadinho, isso
daí eu não posso negar. Eu reclamo do salário sabe, mas no dia em que pagou
no dia lá [...] ela paga certinho.” (Maquinista da CSN, ex-manobreiro da Ormec)
106
A mudança para os quadros da CSN implica, quase sempre, em melhora da condição
do trabalhador em relação à terceirizada em todos os aspectos, ou por vezes, na maioria deles.
Mas situações em que a desterceirização, contraditoriamente, não condiz com as
expectativas de integração ao quadro da CSN. No caso da primeirização da manobra, o
trabalhador afirma que ela foi positiva em muitos aspectos, embora os salários pagos a sua
função continuem insatisfatórios. Ele afirma que os salários percebidos por sua categoria
(maquinista e manobreiro) não são inferiores ao da Guarda Patrimonial da CSN. No caso
da Guarda, a primeirização parece ter sido, segundo o maquinista da CSN e o presidente do
SMVR, não apenas ineficaz, mas até mesmo prejudicial.
A transição para o quadro da CSN segundo os entrevistados, não resultou apenas em
aquisição de direitos e benefícios, mas também na contrapartida do aumento da
responsabilidade e dos deveres. Ambos os trabalhadores, o ex-mecânico da Sankyu, como o
ex-manobreiro da Ormec, afirmaram que, se na contratada havia menos direitos, os deveres
também eram afrouxados. Já na CSN, as faltas e os erros dos trabalhadores são consideradas
com uma condescendência bem menor:
“A responsabilidade aumenta também. Porque agora você não pode, assim,
você não tem um dia livre certo pra você marcar alguma coisa. Fazer um
churrasco, ‘vou sair, vou viajar’. Acabou isso, agora acabou. Até no dia que
você entra na GMC, você já entra sabendo. Você entra lá, você não tem [...]
Férias é lógico que você tem, mas você não tem dia de folga, você não sabe qual
o dia que você vai folgar, você não sabe qual horário certo de sair. Você pode
estar dormindo na sua casa quietinho. Celular ligou: ‘pode vir, quebrou tal
equipamento’. se você não tiver como vir, eles mandam táxi. Igual, eu moro
longe lá, se eu não tiver como vir, eles mandam táxi. Táxi vai te busca e te
traz. Então, em questão de responsabilidade, aumentou demais.” (Mecânico da
CSN, ex-mecânico Sankyu)
Comparativamente à responsabilidade requerida como trabalhador da CSN, o
entrevistado contrasta as atuais exigências com aquelas do período em que era funcionário da
Sankyu:
“[...] Na Sankyu você faz o que você quer praticamente. Na Sankyu você entra
[...] Você sai se você tiver que sair 5:30. Se o seu horário for 5:30 e tiver
rolando a preventiva, ‘eu tenho meu compromisso eu saio’.” (Mecânico da
CSN, ex-mecânico da Sankyu)
A expressão “você faz o que quer” é provavelmente um exagero empregado para
acentuar as diferenças entre as atitudes demandadas aos trabalhadores do quadro direto e
107
indireto. Sobre o grau de responsabilidade que recai sobre o trabalhador da CSN e da Ormec,
o entrevistado comentou:
“Era a mesma coisa, praticamente a mesma coisa. Só que não era ao pé da letra.
Quando era a Ormec, se caso tivesse algum acidente, por culpa minha, que era
da Ormec, a Ormec respondia, não era a CSN que ia responder. A Ormec, se
desse prejuízo em uma bobina lá, a Ormec tinha que pagar essa bobina. Então a
Ormec é que sabia o que que ela ia fazer comigo, se ela me mandava embora,
ou se ela me jogava pra outra área aqui embaixo. Já teve disso já. O cara
arrumou um problema aqui, na época da Ormec mesmo, trouxeram ele pra
[transferiram para outra área]. Agora se fosse da CSN, não tinha nada de trazer
pra não, ia ser demitido ali mesmo, entendeu. Aí, pela Ormec, ele teve a
oportunidade de ser transferido pro pátio leste porque o der era outro.
Entendeu, era o líder da Ormec [...](Maquinista da CSN, ex-manobreiro da
Ormec)
O controle rigoroso do tempo de trabalho, a responsabilidade exigida mesmo daqueles
que não são da chefia, e a exigência de que o empregado esteja em permanente
disponibilidade caracterizam a CSN como empregadora. Diferentemente da CSN, a Sankyu e
a Ormec, segundo os entrevistados, são mais tolerantes e flexíveis em relação ao controle do
trabalhador. Enquanto as empresas terceirizadas fazem “vistas grossas” às “desobediências”
ou falhas dos trabalhadores, a CSN, por sua vez, é caracterizada como uma empresa que tem
um grau de tolerância menor aos desvios. A perda da possibilidade de pressionar a
empregadora quando da mudança para a CSN é vista como uma desvantagem da transição:
“A gente comenta que se a gente fosse manobreiro da Ormec, a gente tava
ganhando mais hoje do que a gente como maquinista da CSN. Porque na
Ormec, a gente ameaçava a Ormec: vamos parar, vamos fazer greve. [...] Agora
a CSN, sendo grande, é difícil fazer uma greve, ameaçar o chefe.” (Maquinista
da CSN, ex-manobreiro da Ormec)
Embora tanto as entrevistas dos trabalhadores que passaram para CSN como daqueles
que sempre atuaram ou como trabalhadores do quadro direto ou como trabalhadores das
terceirizados tenham enfatizado a ideia de que as prestadoras de serviço são mais tolerantes
do que a CSN, uma outra variável importante para entender o que está em jogo no trânsito
de uma condição à outra. Implícita na mudança de empresa está a necessidade de uma
mudança de mentalidade. Portanto, não é só a CSN que cobra mais, mas o próprio trabalhador
que está sujeito a proteger e garantir as melhorias que galgou. Portanto, a CSN pressiona e
exige mais do que as contratadas porque ela ameaça conquistas. Sobre sua nova conduta como
empregado da empresa em cuja as instalações trabalhava:
108
“[...] Empreiteira o queria nem saber, tratava a gente mal, de qualquer jeito.
Então funcionário faltava muito. A gente passou, a mentalidade teve que mudar,
porque a gente tava entrando numa empresa aparentemente séria. a
mentalidade da gente foi mudando também.” (Maquinista da CSN, ex-
manobreiro da Ormec)
A mudança de empresa, da prestadora de serviços para a contratante, dona da unidade
produtiva na qual atuam, demanda uma revisão do comportamento do trabalhador. não lhe
é permitido agir de maneira “displicente” ou “faltosa”, como comparativamente acreditavam
ser possível na terceirizada.
A mudança para os quadros da CSN para os dois trabalhadores trouxe maiores
garantias e benefícios. Embora em questão de direitos, benefícios e responsabilidade os
trabalhadores apontem a CSN como uma ruptura em relação à prestadora de serviços, alguns
aspectos da mudança são relativizados, e até mesmo atenuados, onde a linha que divide
trabalhadores terceirizados e diretos parece mais intermitente. Para o maquinista da Ormec, o
salário não teve uma alteração significativa, que como manobreiro terceirizado ele recebia
apenas R$ 10,00 reais a menos do que o maquinista da CSN. Para o ex-mecânico da Sankyu,
o trabalho realizado permaneceu basicamente o mesmo, contudo, seu serviço passou a ser
“mais técnico”
114
.
Outra característica marcante em seus discursos é o olhar sobre a diferença. Como ex-
trabalhadores de empresas terceirizadas, os entrevistados carregam em seus discursos uma
visão mais solidária à condição daqueles que um dia foram seus companheiros de insígnia. A
mudança de patrão e estatuto, de “visitante” a “dono da casa”, motiva uma auto-reflexão
comparativa sobre as diferenças e as aproximações. Nas entrevistas é possível perceber que
trabalhadores que transitaram tem uma visão mais tênue das diferenças entre empregados
diretos e indiretos, enquanto que trabalhadores que sempre trabalharam, ou na CSN ou
nas terceirizadas, enxergam suas realidades a partir de contrapontos mais bem demarcados. O
maquinista da CSN não enxerga utilidade na separação dos refeitórios e o mecânico da
Sankyu mantém contato com seus amigos da antiga empresa. É provável que o intercâmbio de
estatutos permita ao trabalhador comparar e rever sua noção sobre as fronteiras que definem
estes grupos de trabalhadores terceirizados e diretos. Neste sentido, o ex-funcionário da
Ormec compara a CSN a uma grande empreiteira:
114
Este tipo de designação apareceu em vários relatos para definir atividades mais “intelectuais” em relação a
atividades mais “braçais”.
109
“E a gente não fala que a gente trabalha pra CSN não. A gente fala que a gente
trabalha na maior empreiteira da América Latina. Que a gente é empreiteira do
Steinbruch. A gente presta serviço pro Grupo Vicunha. A gente não é CSN. A
gente é uma empreiteira deles, sabe. E essa empreiteira grande, que tem
outras empreiteiras pequenas. A gente considera que a gente trabalha numa
empreiteira grande, ué. [...] Tem muitos novatos. Os novatos eles por exemplo
[...] Quem tem uma visão aqui de fora, todo mundo tem uma visão muito
diferente de quem ta lá dentro. Acha que a CSN é isso, que vai melhorar e tudo.
Até ele passar por um processo de desânimo, daquela decadência e tal. ele
demora um pouquinho, ele se acha empolgante ainda, ele vai achar, vai falar
que tá bom, tal e tal [...]” (Maquinista da CSN, ex-manobreiro da Ormec)
A sensação expressa no relato acima é a de que seu trânsito da prestadora de serviços à
CSN resume-se à passagem de uma empreiteira menor a uma empreiteira maior. A
experiência como trabalhador vinculado ao centro da produção cumpre apenas parte dos
anseios que lhes depositam os trabalhadores terceirizados. Em contraste com a visão
positivada de fora (da comunidade ou dos novatos), a realidade do trabalho na CSN se afigura
para o entrevistado como decadente.
Por outro lado, os entrevistados que começaram suas carreiras trabalhando na CSN e
atualmente integram o quadro das empresas terceirizadas, enxergam vantagens em sua
trajetória. Diferentemente da visão dos jovens trabalhadores que migraram para a CSN, os
trabalhadores entrevistados que transitaram para as prestadoras de serviço após acumularem
experiência dentro da CSN/FEM, consideram as empresas terceirizadas boas de se trabalhar.
Talvez não por coincidência, estes trabalhadores que fizeram a passagem do quadro da
contratante para as contratadas são mais maduros e somam maior tempo de trabalho dentro da
UPV.
As razões do trânsito para as contratadas entre os entrevistados são: demissão pela
FEM, caso de 2 trabalhadores e aposentadoria, situação de 1 dos trabalhadores. Alguns
entrevistados mencionaram casos em que possibilidade de um funcionário da CSN
escolher passar para uma prestadora de serviços em busca de um cargo melhor. Porém, esta
motivação não foi a causa para o trânsito de nenhum dos entrevistados e, possivelmente ocupa
um lugar menor dentro do contexto da mudança.
Em princípio, esperava que esse tipo de mudança, principalmente quando forçada,
causava, invariavelmente, uma avaliação negativa e decadente sobre a trajetória do
trabalhador. A terceirização está profundamente associada à precarização das condições do
trabalhador. um forte senso comum que atesta que “O [trabalhador] da CSN nunca quer
110
sair pra trabalhar na empreiteira. E o das empreiteiras sempre querem sair pra ir pra CSN.”
115
Contrariamente a esta tese generalizante, os entrevistados que passaram da CSN para
empresas terceirizadas negaram que tenham interesse em voltar a integrar os quadros da
contratante, exceto na hipótese – pouco provável, segundo alguns – de ocupar cargos e
perceber salários equivalentes ou superiores.
A vontade de passar para a CSN parece estar vinculada a um tipo específico de
trabalhador, em geral jovem, com perspectiva de reconhecimento e crescimento profissional,
e que desempenha cargos de baixo nível hierárquico nas terceirizadas. Uma vez que estes
trabalhadores parecem representar a maioria dos casos, a sua situação é generalizada,
deixando de fora experiências diferentes. A tese acima transcrita, embora simplificadora,
parece ser uma perspectiva que caracteriza um perfil majoritário dos trabalhadores de
empresas terceirizadas. Todavia, dentre os entrevistados que experienciaram a transição
inversa, a prestadora de serviços apresenta aspectos positivos e, até mesmo, algumas
vantagens.
É possível que uma das razões para a visão positiva da empresa terceirizada seja a
possibilidade de reinserção no mercado de trabalho após a demissão ou a aposentadoria. O
desempenho de atividades por longos anos dentro da UPV cria uma identidade profissional
extremamente vinculada ao trabalho industrial, que é passível de continuidade via prestadoras
de serviços após a demissão ou aposentadoria. A oportunidade de permanecer na indústria,
bem como em Volta Redonda, especialmente quando se tem bens e uma família, pode ser uma
motivação para a busca das empresas terceirizadas.
Diferentemente dos trabalhadores que tem na prestadora de serviços a primeira
empregadora formal, a reinserção dos ex-trabalhadores da CSN e da FEM no mercado de
trabalho e na UPV através da terceirizada caracteriza uma situação na qual os trabalhadores se
encontram em pontos diferentes de sua trajetória. Enquanto para alguns a empresa contratada
figura como trampolim para outros projetos, para outros, ela pode figurar como alternativa de
permanência no mercado de trabalho, especificamente o industrial, ou, até mesmo, como meio
de ascensão profissional.
Em geral, os trabalhadores que migram da CSN para as empresas terceirizadas
galgaram maturidade e (re) conhecimento em suas carreiras. Em contraposição àqueles que
iniciam nas prestadoras de serviços, sem experiência, os trabalhadores que saem da CSN e
entram nas terceirizadas carregam consigo a experiência e o reconhecimento profissional.
115
Contraditoriamente, a menção foi feita por Juarez, mestre da Sankyu e ex-mecânico da FEM, que afirmou não
ter a intenção de retornar ao quadro da CSN.
111
Esse know-how pode contribuir inclusive para a ascensão verticalizada dentro da terceirizada,
e para a assunção de cargos superiores aos desempenhados nos quadros da CSN/FEM, caso
dos 3 entrevistados. Desta forma, os ex-trabalhadores da FEM e da CSN, quando passam para
as terceirizadas, conformam um grupo peculiar que, em contraste com os recém-inseridos na
carreira em geral inexperientes e jovens –, carregam para a nova empresa a experiência, o
know-how e o reconhecimento de sua capacidade profissional. As terceirizadas nestes casos,
não constituem essencialmente um meio para galgar emprego em outras empresas, como para
os trabalhadores iniciantes. É possível que a própria disponibilidade de mão-de-obra
qualificada e treinada nos quadros da CSN e da FEM seja um empecilho à ascensão vertical
dos jovens trabalhadores que iniciam a carreira nas contratadas
116
. Segundo o entrevistado que
tem um cargo de chefia na Sankyu, inicialmente, a maior parte dos quadros superiores da
firma era formado por egressos da FEM/CSN. Contudo, atualmente, haveria uma equivalência
no número de profissionais de chefia oriundos da FEM/CSN e dos quadros da própria Sankyu,
uma estratégia, segundo ele, da prestadora de serviços para conseguir fixar sua mão-de-obra.
Esse grupo de trabalhadores de empresas terceirizadas formados nos quadros da CSN
e FEM não são apenas “trabalhadores terceirizados”. A experiência acumulada dentro da UPV
como trabalhador do quadro direto confere respaldo, prestígio e respeito a este tipo de
funcionário. Não raro, os entrevistados mencionavam os ex-funcionários da FEM nas
empresas terceirizadas como profissionais com conhecimento privilegiado do processo de
produção. Desta forma, o funcionário da terceirizada que é oriundo dos quadros da contratante
carrega uma identidade diferente daquela apresentada por indivíduos inexperientes, recém-
contratados pela terceirizada: eles são sempre caracterizados como ex-funcionários da CSN e,
principalmente, da FEM. A adição desta informação não é gratuita: ela agrega competência e
conhecimento ao tipo de trabalhador terceirizado que traz para dentro da empresa uma
experiência construída e lapidada, em contraposição àquele trabalhador em inicio de
carreira, que busca na terceirizada a experiência e o treinamento necessários à projeção
profissional.
Outra razão para a perspectiva relativamente positiva das empresas terceirizadas pelos
trabalhadores formados no quadro direto reside no conhecimento real, livre de utopias e
“imagens coloridas”, da condição de trabalhador da CSN. Para trabalhadores que
experienciaram a condição de contratados diretos da UPV, o emprego na CSN não configura
116
Muitos entrevistados que começaram a trabalhar na UPV nas terceirizadas mencionaram a dificuldade de
galgar posições de chefia neste tipo de empresa.
112
um paradigma. Suas visões costumam contrastar enfaticamente um período passado,
considerado áureo da CSN, com a atual realidade:
“A CSN uns 20 anos atrás, há 30 anos atrás, qualquer um queria trabalhar na
CSN. Funcionário da CSN tinha um valor enorme. Tinha um, tinha até nome e
tal. Então funcionário da CSN, CSN era uma coisa louca no Brasil, no mundo
inteiro. ‘Oh, funcionário CSN’. Só que hoje, com a privatização da CSN, a CSN
mudou muito. Então hoje é ilusão. Então muita gente acha que é ilusão trabalhar
na CSN.” (Juarez, sindicalista e líder de equipe da Sankyu)
Embora depois tenha relevado dizendo que:
“Mas pros filhos de Volta Redonda, a CSN hoje ela é em primeiro lugar .
Para aqueles jovens que estão estudando.” (Juarez, sindicalista e líder de equipe
da Sankyu)
Para aqueles que conheceram a CSN mais tempo, jaz um perspectiva comparativa e
saudosista da experiência de outrora
117
. Particularmente, a “fala” do entrevistado enfatiza o
papel ainda importante da CSN para os jovens de Volta Redonda. Fazendo menção a esse
descompasso atual entre o prestígio subjetivo do trabalho na CSN e sua realidade material, o
superintendente da Comau relatou que alguns amigos de sua empresa deixaram a terceirizada
para trabalhar na CSN. Segundo ele, a troca não foi vantajosa, embora esses mesmos amigos
andem no shopping “com canetinha no bolso” carregando “aquele orgulho do uniforme da
CSN”, para não “darem o braço a torcer”. A CSN ainda permeia o imaginário local, sobre
o qual pesa um fetiche em relação ao emprego na empresa. A “farsa” do uniforme da CSN é,
neste relato, denunciada por um ex-trabalhador do quadro. Na prática, o Chefe da Comau, ex-
trabalhador da FEM compara:
“Técnico da Comau ganha mais do que da CSN”. (Chefe da Comau, ex-mestre
da FEM
118
)
No mesmo sentido, o relato de um chefe da Sankyu, ex-supervisor da CSN, enfatiza
que a diferença em trabalhar na contratante reside, em grande medida, no status que a empresa
117
Parte desta visão parece ser devida a uma certa idealização do passado, uma vez que as condições impostas
pela CSN sempre foram alvo de criticas e de combate pelos trabalhadores.
118
alguns relatos embora não tenhamos conseguido comprová-los sobre a existência de salários
superiores em empresas terceirizadas para cargos equivalentes àqueles desempenhados na CSN. Para que se
confirmasse essa hipótese, seria necessário comparar trabalhadores com o mesmo tempo de serviço, na mesma
função e cargo, e também com a mesma carga horária. A atividade de manutenção não é linear, mas possui picos
de demanda. Portanto, os profissionais desta área m a possibilidade de incrementar o salário aumentando o
tempo de trabalho, durante períodos de oscilação ascendente.
113
representa. O emprego direto asseguraria, segundo ele, ao trabalhador, “a PLR [maior] e a
dignidade de vestir o uniforme da CSN”.
O entrevistado que atualmente é Chefe da Comau afirma que rejeitou 4 propostas da
CSN para integrar seu quadro de contratados. Particularmente, seu conhecimento prático
sobre as condições que envolvem as vantagens e desvantagens do estatuto de trabalhador da
CSN e das terceirizadas é acentuado pela convivência com parentes que trabalham na CSN e
em firmas terceirizadas.
Para além da nuance na visão negativa que comumente é atribuída às firmas
terceirizadas, os trabalhadores terceirizados entrevistados apresentam mesmo um certo
orgulho e apreço por suas contratantes. Talvez não por acaso, esta perspectiva é apresentada
por aqueles que galgaram cargos superiores dentro das terceirizadas. Sobre a Sankyu, o
trabalhador afirmou que:
“Uma excelente empresa. Comau também é uma excelente empresa.” (Juarez,
sindicalista e mestre da Sankyu)
A postura de identidade junto à empresa terceirizada em que trabalha em confronto
com a CSN foi afirmada de maneira ainda mais veemente pelo Chefe da Comau: “Eu não
admito que venha cara da CSN e fale que eu trabalho em empreiteira.” Em seguida ele relatou
uma reunião em que um trabalhador da CSN fez a seguinte declaração: “Das empreiteiras que
nos atenderam até agora, a Comau é a melhorzinha”. Ao que o entrevistado rebateu: “A
empresa que eu trabalho não é empreiteira, ela é uma multinacional. Se você for ver a
dimensão do grupo FIAT, é muito maior que da CSN.”
119
Tanto no relato do Chefe da Comau como no do chefe da Sankyu é possível perceber
um certo ressentimento com relação à perda do status da condição de trabalhador do quadro.
Independentemente de atualmente perceberem salários melhores àqueles da CSN, e
desempenharem funções superiores, há uma percepção clara do rebaixamento do status dentro
da UPV associado ao trabalhador terceirizado, mesmo quando esses indivíduos são
profissionais altamente qualificados. Comparando a situação da Usiminas com a da CSN, o
chefe da Sankyu concluiu que o processo de terceirização não havia causado essa diferença
de status entre os trabalhadores diretos e indiretos.
Este mesmo entrevistado relatou com mágoa o fato de hoje em dia não poder
estacionar o carro dentro da UPV ou almoçar em alguns refeitórios da CSN. Em alusão ao
119
O mesmo entrevistado mostrou-me com orgulho seu FIAT zero quilômetro comprado com o desconto de
trabalhador da Comau, uma regalia que os trabalhadores da CSN não desfrutam.
114
encontro com os trabalhadores do quadro ele afirmou: “O cara da CSN estufa o peito, a
gente tem que sair da frente”. A passagem para a prestadora de serviços, embora
objetivamente satisfatória, implicou na perda do reconhecimento do trabalhador. Essa perda
de reconhecimento não representa uma subestimação do trabalhador como indivíduo uma
vez que estes trabalhadores treinados na CSN/FEM tem know-how inquestionável –, mas sim
como parte do grupo de trabalhadores terceirizados, envolvidos pela construção de um
poderoso estigma grupal. Na experiência subjetiva desses trabalhadores está presente as
implicações da mudança de “dono da casa” a “visitante”.
ainda a possibilidade do trabalhador da CSN escolher o trânsito para uma empresa
terceirizada. É importante ressaltar que esses são casos raros, mas é digno de nota que eles
existam:
“Vou pegar um exemplo. Não é a media é um exemplo [...] Um trabalhador que
esteve aqui na semana passada me fazendo a seguinte consulta: que ele era
empregado da CSN, pediu demissão da CSN para ir trabalhar numa empreiteira.
Por que? Porque na empreiteira ele ia ganhar mais do que tava ganhando na
CSN. Isso foi um caso. Mas a média eu acho que não é essa. A média é ele
querer ser empregado da CSN. Por que? Porque é um status social também. Ele
ter o uniforme, ele ter o plano de saúde da CSN. [...] Isso numa cidade também
é um status. Você ser empregado da empresa maior. As vezes até o salário seja
maior [...]Os trabalhadores gostariam realmente de serem empregados da
empresa maior. Isso é uma coisa que é de ordem natural, é uma coisa
psicológica ele querer ser da empresa maior.” (João Campanário, advogado do
SMVR)
A existência de aproximações materiais pode estar criando uma tendência ao trânsito –
inesperado do “centro” para a “periferia”. Porém, a distinção substancial no status, que é de
ordem subjetiva e não material, permanece entre os dois tipos de trabalhadores,
desempenhando um papel essencial na apreciação de suas condições. Como fora discutido no
capítulo 2, antes de ser um fator de ordem psicológica, o status vinculado ao trabalhador da
CSN é uma poderosa construção social.
Por fim, o que subjaz desses relatos é a contestação da tese generalizante de que a
empreiteira é invariavelmente ruim e a CSN é inquestionavelmente boa. Para além do
maniqueísmo trabalhadores centrais X trabalhadores periféricos, a acomodação da
terceirização demonstra um aproximação entre esses pólos na qual a leitura sobre as
vantagens e as desvantagens depende da trajetória de quem fala e do elemento em questão.
Nos caso das trajetórias, a variável em jogo, na visão sobre a empregadora, é o momento da
vida e da carreira do trabalhador. É provável que haja trabalhadores demitidos da CSN que
115
acreditam terem sido rebaixados em todos os sentidos na passagem de profissional da
contratante para profissional da contratada. Mas é importante enfatizar que esta não é a única
possibilidade, e que outras perspectivas são relevantes na avaliação do emprego em empresas
terceirizadas. Nos casos aqui reunidos, a avaliação de fatores positivos dependeu, em grande
medida, das condições de mudança, do conhecimento acumulado e do estágio de maturidade
do trabalhador.
Portanto, embora a condição de trabalhador terceirizado seja vista, em geral, como
pior em relação à condição de trabalhador da CSN, esta última nem sempre cumpre realizar as
expectativas que os trabalhadores lhes depositam. Mesmo que a diferença internamente à
usina se mantenha, as barreiras parecem cada vez menos nítidas no sentido de que o
trabalhador terceirizado de hoje pode ser o trabalhador da CSN de amanhã e vice-versa. A
complexidade deste trabalho está exatamente em identificar fronteiras sem contudo,
essencializá-las. Essa fluidez parece ao fim e ao cabo a própria essência da flexibilização
terceirizante.
116
Capítulo IV
4.1. Notas sobre a terceirização e a representação sindical
A terceirização cria dificuldades não apenas de relacionamento intra-fabris, mas de
representação sindical da maneira como ela foi institucionalmente concebida. Contrapondo-se
às estratégias desmobilizadoras da classe empresarial, os sindicatos têm um papel histórico de
forjamento de uma luta que tem como bandeira a coesão e a solidariedade entre os
trabalhadores. Esta coesão tende a se tornar ainda mais poderosa na medida em que esses
trabalhadores compartilham uma condição similar ou igual de sujeição a um mesmo patrão.
Mas o que fazer quando a terceirização é feita de maneira a segmentar artificialmente um
coletivo anteriormente organizado sob um mesmo referencial?
Antes da terceirização intensiva e extensiva das atividades do interior da fábrica,
diferenças geracionais, de gênero, raça ou hierárquicas entre os trabalhadores eram
elementos segregadores identificáveis tanto dentro da CSN, quanto em qualquer ambiente de
trabalho. Portanto, pesquisadores do trabalho recentemente criticam a ênfase que recai sobre a
reestruturação produtiva e a terceirização na suposta heterogeneização da classe trabalhadora
(HYMAN, 1996). Estes processos não poderiam ter heterogeneizado um conjunto que nunca
fora de fato homogêneo.
Ressalvadas as particularidades pré-existentes, a construção de novas diferenças,
pautadas em argumentos jurídicos, introduziu uma segmentação política real dentro do
conjunto dos trabalhadores da fábrica, pois, se anteriormente a diversidade era um fato, ela ao
menos não era um empecilho, já que essas diferenças dentro da categoria não pareciam
secioná-la quando a pauta era a greve, por exemplo. Neste aspecto, havia demandas genéricas
capazes de reunir todas essas diferenças. A terceirização de etapas da produção é um processo
responsável pela desestruturação da possibilidade de reunião dos interesses em coletivos mais
abrangentes (DRUCK, 1999:126).
A diferenciação ocasionada pela terceirização dos serviços de manutenção criou uma
segmentação qualitativa e artificial do espaço de trabalho pois, através de uma arbitrariedade
de interpretação jurídica, foi possível tornar diferentes trabalhadores iguais em aparência, que
compartilham o mesmo ambiente de trabalho e que desempenham as mesmas atividades. A
terceirização da “atividade meio” das empresas é a responsável por uma alteração substancial
117
no cotidiano, no espaço e na cultura da fábrica. Ao mesmo tempo em que favorece o
surgimento de “identidades corporativas”, enfraquece os trabalhadores e seus coletivos
organizados (ANTUNES apud DRUCK, 1999:128).
O fluxo das demandas anteriormente direcionadas a um único patrão, ou a poucos
patrões, possibilitava a força do movimento sindical e a organização dos trabalhadores. O
enfraquecimento da coesão sindical não é um resultado inesperado da terceirização de
atividades permanentes, e sim, declaradamente, uma de suas premissas
120
.
No presente caso de análise da terceirização manteve-se o “coletivo” de trabalhadores
no mesmo espaço, porém o foco da ação sindical teve de ser multiplicado entre “variados”
patrões. Em contraposição a um período em que os personagens da luta eram inconfundíveis,
polarizados entre, de um lado, um efetivo de trabalhadores em contato direto com a produção,
e de outro, um único patrão, com a terceirização de trabalhadores permanentes criou-se uma
zona nebulosa de ambigüidade onde o trabalhador terceirizado sente sobre si a autoridade, a
cultura e as normas da contratante, embora teoricamente sua condição seja de
responsabilidade quase exclusiva da contratada.
A terceirização criou dois tipos de desafios para o movimento sindical: o primeiro
deles era o enquadramento, ou seja, o desafio de manter a representação de todos os
trabalhadores subcontratados da linha de produção juntamente com a representação dos
trabalhadores diretos, evitando uma fragmentação maior da categoria; o segundo é encontrar
formas de trabalhar dentro de uma única entidade a representação de trabalhadores de uma
mesma unidade fabril, praticantes de atividades similares, porém com empregadores variados.
Em Volta Redonda, mesmo após a intensificação da terceirização, o SMVR continuou
a representar a maior parte dos trabalhadores da CSN, embora algumas categorias de
terceirizados como os trabalhadores da empresa Cikel tenham sido divididos entre outros
sindicatos (da Construção Civil e do Asseio Conservação). O SMVR tem planos de recorrer à
justiça para reintegrar os trabalhadores da seção de embalagens da citada empresa a sua base.
a divisão criada dentro da categoria partícipe do mesmo sindicato é um elemento
mais difícil de mensurar. Os acordos coletivos dos trabalhadores foram fracionados por uma
infinidade de empresas fazendo com que o sindicato em época de Campanha Salarial tenha
que negociar com cada um dos empregadores da sua base de filiados. Nestes casos o grande
desafio que envolveu os sindicatos que tentaram se adaptar à proliferação de formas de
120
Ver Leiria (1991). Neste livro, o autor expõe as vantagens da terceirização para os empreendimentos e arrola
como um “aspecto positivo” da terceirização a “desmobilização para greves” e a “diminuição das reclamatórias
trabalhistas”.
118
trabalho encetadas pela reestruturação foi lidar com demandas específicas dentro das
empresas, paralelamente à difícil tarefa de manter “coesa” a categoria (MARTINS, 1994;
DRUCK, 1999)
Sem a pretensão de esgotar o assunto, a partir destas questões básicas sobre a
terceirização e a representação sindical, esperamos ter construído um quadro para a análise de
um acontecimento emblemático no curso da terceirização e da ação sindical do SMVR. A
Campanha Salarial de 2007 realizada pelo SMVR é um experimento crucial para entender
alguns resultados práticos da terceirização para a coesão da categoria de trabalhadores da
UPV. Nesta seção da pesquisa, propomos a compreensão deste evento a partir da “fala” de
três importantes personagens: o SMVR, trabalhadores terceirizados e trabalhadores da CSN.
Antes de colocarmos os trabalhadores e sindicalistas no centro do debate, faremos uma breve
recuperação dos principais eventos grevistas que marcaram os anos que se seguiram à
privatização e à terceirização das atividades da linha de produção.
4.2. Anos 2000: a retomada da greve
A greve tem quase sempre sido pensada como um termômetro do grau de
comprometimento dos trabalhadores com a consciência e a luta de classes. A adesão maciça à
greve é entendida como prova cabal da solidariedade dentro de uma categoria. O sindicalismo
da década de 1980 foi um movimento que representou, no Brasil inteiro, o auge da greve
como a forma mais acabada e exemplar dessa perspectiva classista de reivindicação dos
interesses.
a década de 1990 foi um período de decréscimo do recurso à greve como
mecanismo de combate e pressão da classe trabalhadora. Em Volta Redonda e na CSN,
enquanto os anos de 1980 registraram um número expressivo de greves
121
, os anos da década
seguinte foram exíguos neste quesito. Grande parte do abandono da greve se deveu à postura
de parceria adotada pelo SMVR a partir de 1992 (GRACIOLLI, 2007). A greve foi julgada
uma arma menor e ineficaz no novo mundo reestruturado da produção. Outrossim, a
privatização da CSN em 1993 e o aprofundamento do desemprego estrutural em todo o
121
O SMVR sob as presidências de Juarez Antunes (1983 1988) e Vagner Barcelos (1989 1991) organizou
greves e paralisações dos trabalhadores da CSN nos anos de 1984, 1985, 1986, 1987, 1988 e, a mais longa delas,
com duração de 31 dias, em 1990 (Monteiro, 1995).
119
mundo incentivou lideranças sindicais e trabalhadores a reverem suas estratégias de confronto
e negociação. Embora houvesse demissões na década de 1980 como forma de retaliação aos
grevistas, a passagem da condição de trabalhador estatal para trabalhador de empresa privada
disseminou e elevou os riscos de desemprego devidos a uma postura de confronto.
A terceirização paliativa da manutenção e de outras atividades da produção fazia parte
do roteiro de reestruturação produtiva da CSN e do enxugamento dos quadros da empresa
pós-privatização. Além da redução dos quadros da CSN, é importante observar que a pujança
do movimento sindical na década de 1980 era tributária de sua aliança com os movimentos
sociais que lutavam pela redemocratização do país (SANTANA, 2003). A ausência de uma
conjuntura favorável como a de outrora (luta pela redemocratização, emprego em uma
empresa pública) associada a todos esses processos em conjunto colaboraram para que fosse
enfraquecida a prática de confrontamento sindical construída nos anos 1980.
Portanto, são várias as razões que levaram ao arrefecimento da luta e a mudança da
estratégia sindical nos anos 1990. Os anos que se seguiram à privatização representaram, para
o SMVR, um momento de refluxo da lógica sindical combativa em relação aos trabalhadores
da CSN. Por outro lado, os trabalhadores da Sankyu entraram em greve em 1995
122
, 2005,
2006 e 2007. O ano de 2007 testemunhou o ressurgimento da greve organizada pelo SMVR
como forma de reivindicação e de pressão da classe trabalhadora, tanto do quadro terceirizado
quanto do quadro da CSN.
As maiores empresas terceirizadas da CSN entraram em greve nos anos de 2005 e
2006. A greve de 2005 reuniu as empresas Comau, K&K, Magnesita, Emac, Sankyu, Ormec,
Tecnosulflur, Lauer, M&P e Vais contra o sindicato patronal, ou Sindicato das Indústrias
Metalúrgicas do Sul Fluminense (Metalsul)
123
, reivindicando INPC (Índice Nacional de
Preços ao Consumidor) pleno, 10 % de aumento real e um piso salarial para a categoria
124
. Os
trabalhadores entraram em estado de greve em 18 de maio de 2005, e assim permaneceram até
31 do mesmo mês, quando votaram o retorno às atividades mediante a aceitação da proposta
de piso salarial profissional de R$ 600,00 reais e 10 % de aumento (6,6% de INPC mais
122
Em agosto de 1995, os 200 funcionários de manutenção da Sankyu que trabalhavam na UPV entraram em
greve pela equiparação de seus salários em relação aos empregados de manutenção da FEM, pelo recebimento de
cestas básicas e pelo pagamento de insalubridade em critérios equivalentes àqueles utilizados para os
metalúrgicos da CSN (Resenha da Imprensa de 22 de agosto de 1995). A greve terminou após 3 dias de duração
com um aumento de salário, concessão da cesta básica no mês de agosto, da garantia de pagamento de repouso
remunerado e do desconto mensal dos dias parados (Boletim 9 de novembro de 25 de agosto de 1995)
123
Sindicato patronal que negocia pela maior parte dos empregadores terceirizados da CSN. Embora a pauta
entregue pelo SMVR ao Metalsul contenha reivindicações iguais para os empregados de todas as empresas
terceirizadas, em geral, o Metalsul negocia os acordos coletivos de cada empresa em separado.
124
De R$750,00 reais para os profissionais, R$460,00 reais para os ajudantes e R$1.170,00 reais para mestres
(Boletim 9 de novembro de 10 de maio de 2005).
120
aumento real) para quem ganhava acima de R$ 545,46 reais. Os trabalhadores foram
obrigados a compensarem 4 dos 13 dias parados
125
.
A greve de 2006, que teve início em 22 de maio, foi realizada por trabalhadores das
empresas terceirizadas Comau, Magnesita, M&P, Ormec, Sankyu e Emac
126
. Os trabalhadores
das empresas terceirizadas reivindicavam o INPC integral, 5% de aumento real e novos pisos
salariais para os trabalhadores terceirizados
127
.
Essa greve teve duração diferenciada entre os trabalhadores que, dada a demora nas
negociações, passaram a fazer acordos coletivos em separado. Os funcionários das contratadas
Emac, Magnesita, K&K e M&P aceitaram a proposta feita no dia 2 de junho e encerraram a
greve 12 dias após seu início. Já os trabalhadores da Ormec e da Comau, votaram pelo
encerramento da paralisação de suas atividades no dia 5 de junho, 15 dias após a deflagração.
Apenas os funcionários da empresa Sankyu recusaram sucessivas propostas e findaram a
greve após 19 dias de duração
128
. No decorrer da movimentação grevista,, o Metalsul acionou
o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) e ajuizou o dissídio coletivo que posteriormente
julgou abusiva a greve e determinou que os trabalhadores tivessem desconto de 50% dos dias
parados.
Tanto na greve de 2005 quanto na de 2006, os trabalhadores da CSN, juntamente com
o SMVR, ameaçaram paralisar as atividades assim como os trabalhadores terceirizados,
chegando até a votar positivamente pelo citado expediente, embora acabassem, em seguida,
negociando seu acordo coletivo. Já os trabalhadores terceirizados, incentivados pelo SMVR,
recorreram à greve em 2005 e 2006. Particularmente os trabalhadores da Sankyu prolongaram
a greve de 2006 mesmo quando o SMVR demonstrava incertezas sobre o rumo dos
acontecimentos
129
.
Em 2007, a greve não se restringiu aos trabalhadores terceirizados, envolvendo os
trabalhadores do quadro da CSN também. A Campanha Salarial Unificada realizada em
meados de 2007 sob a presidência de Renato Soares era parte de uma tentativa de
reaproximação e esforço conjunto entre os principais sindicatos que agrupavam trabalhadores
da CSN em sua base, dentre eles o SMVR, o Sindicato Metabase de Congonhas, o Sindicato
dos Engenheiros e o Sindicato dos Contabilistas. Além da associação entre os Sindicatos,
125
Boletim 9 de novembro de 1° de junho de 2005.
126
Boletim 9 de novembro de 31 de maio de 2006 (Ver Anexo V).
127
Os pisos propostos pelos trabalhadores eram de R$500,00 reais para ajudante, R$700,00 para os auxiliares,
R$ 850,00 reais para profissionais, R$1.200,00 reais para mestres e R$1.500,00 reais para técnicos (Boletim 9 de
novembro de 10 de maio de 2006).
128
Para pauta aprovada por empresa ver Boletim 9 de novembro de 12 de junho de 2006 (Anexo IV).
129
Boletim 9 de novembro de 31 de junho de 2006 (Anexo V).
121
foram realizadas assembléias e plenárias que reuniam trabalhadores da CSN e trabalhadores
das terceirizadas Comau, Sankyu, Magnesita, M&P, Tecnosulfur, Ormec, Vais, K&K e Emac.
A Campanha Salarial Unificada representou uma tentativa de atacar dois tipos de divisões que
comprometem a força dos movimentos reivindicatórios e grevistas: a divisão horizontal, a
partir da multiplicação de sindicatos para representar os trabalhadores de uma mesma
empresa, e a divisão vertical, que consiste na fragmentação da categoria intra-sindicato a
partir da negociação coletiva com variadas empresas subcontratadas
130
. Contra as estratégias
desmobilizadoras da classe patronal, o SMVR propunha um movimento reivindicatório
unificado com uma pauta de demandas aproximada para os trabalhadores da UPV que faziam
parte de sua base e trabalhadores que compunham outras bases sindicais.
A recusa da CSN e do Metalsul em negociar com o movimento unificado levou o
SMVR a assumir uma postura de entrincheiramento e preparação para, findas as
possibilidades de negociação verbal e pacífica, dar início a uma greve em toda a usina
131
. A
falta de um acordo na Campanha Salarial Unificada de 2007 culminou com a primeira greve
realizada pelo SMVR em conjunto com os trabalhadores da CSN após a privatização. Desde
1990 os trabalhadores da CSN não recorriam à greve como forma de pressionar a empresa
pela aprovação de suas reivindicações. Em contraposição aos trabalhadores da CSN, os
trabalhadores terceirizados, especialmente os de manutenção, multiplicados dentro da UPV
sistematicamente a partir de 1994, passaram por greves sucessivas nos anos de 2005, 2006 e
2007.
Para os subcontratados, portanto, a paralisação de 2007 dava continuidade a um
período sequencial no qual a greve vinha sendo alçada à categoria de recurso privilegiado de
pressão contra as empresas. os trabalhadores da CSN em 2007, embora a empresa ainda
abrigasse um número significativo de herdeiros da tradição grevista da década de 1980 e
início dos 1990, estavam 17 anos sem recorrer à greve como forma de articular suas
demandas. Portanto, a Campanha Salarial Unificada reuniu dois grupos de trabalhadores em
pontos diferenciados de suas trajetórias de existência: enquanto os trabalhadores da CSN eram
“relembrados” do papel que a greve tivera em sua história e experimentavam a re-encenação
de uma tradição vanguardista que lhes fora atribuída outrora, o trabalhador terceirizado estava
130
Boletim 9 de novembro de 17 de abril de 2007 (Anexo VI). A própria organização visual dos Boletins do
SMVR durante a Campanha Salarial Unificada denuncia a estratégia aglutinadora: com os emblemas dos outros
Sindicatos da Base dos trabalhadores da CSN no topo do periódico, e com o nome das principais empresas
terceirizadas ao redor do texto (Boletins do SMVR de 28 de março a 13 de junho de 2007).
131
Boletim 9 de novembro de 7 de maio de 2007 (Anexo VII)
122
em franca construção da greve como artefato de sua categoria, ainda carente de tradições e de
lutas.
Desta forma, não parece mera coincidência o fato dos trabalhadores das contratadas
terem votado pelo início da greve 2 dias antes dos trabalhadores da CSN
132
e a terem
encerrado quase 20 dias após a saída dos segundos do movimento. O jornal do Partido
Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) conferiu um papel de vanguarda ao
movimento grevista dos trabalhadores terceirizados
133
. Em 30 de maio de 2007 os
trabalhadores terceirizados iniciaram a greve contra o Metalsul, enquanto que os
trabalhadores da CSN aderiram à greve na madrugada do dia de junho. Segundo o
Boletim 9 de novembro, a paralisação das atividades havia comprometido 50% do
funcionamento da UPV
134
.
A proposta recusada pelo SMVR e pelos trabalhadores das contratadas era de
reposição de 3,44% do INPC, mais 2% de aumento real e R$ 300,00 reais de abono. Já os
trabalhadores da CSN entraram em greve contra o adicional do INPC, 1,5% de aumento real e
R$ 2.000,00 reais de abono. Para os trabalhadores contratados, o SMVR pedia 20% de
aumento real. Dentre as principais reivindicações presentes nas pautas estava o
estabelecimento do piso salarial profissional de R$1.200,00 em lugar dos R$ 700,00 pagos na
época aos trabalhadores terceirizados, e a reposição salarial de 35,41% referente às perdas
históricas no salário dos trabalhadores da CSN
135
.
Vários expedientes de coerção foram utilizados pelas empresas para solapar os
esforços grevistas. Diretores sindicais teriam sido agredidos por seguranças da CSN, os
chefes, principalmente da CSN, permaneceram no local de trabalho com o intuito de fiscalizar
a frequencia dos trabalhadores, bem como de contatar pelo telefone aqueles que se
ausentassem.
No dia 6 de junho de 2007, 6 dias após o início da greve de seu grupo, os
trabalhadores da CSN votaram pela aceitação da oferta acima mencionada, além das propostas
do desjejum sem descontos, de uma hora de almoço aos trabalhadores do turno
136
e da
132
Boletim 9 de novembro de 30 de maio de 2007 (Anexo X) e de 3 de junho de 2007. Segundo os Boletins do
SMVR os trabalhadores das contratadas iniciaram a greve no dia 30 de maio de 2007 e os trabalhadores da CSN
a iniciaram em de junho do mesmo ano. Os trabalhadores da CSN encerraram a greve no dia 6 de junho
(Boletim 9 de novembro de 11 de junho de 2007) enquanto que os trabalhadores das contratadas Sankyu e
Comau a conduziram até os dias 25 e 26 de junho respectivamente.
133
Ver página http://www.pstu.org.br/jornal_materia.asp?id=6852&ida=34
134
Boletim 9 de novembro de 3 de junho de 2007
135
Boletim 9 de novembro de 16 de maio de 2007 (Anexo IX).
136
Nesta época, os trabalhadores do turno de 8 horas tinham direito a 30 minutos de almoço. Uma vez dobrado o
período de almoço, o SMVR estimava que mais 400 empregos seriam gerados (Boletim 9 de novembro de 11 de
junho de 2007).
123
promessa de não retaliação aos grevistas. Os trabalhadores terceirizados da Comau e da
Sankyu deram continuidade à greve que foi encerrada cerca de 27 dias após seu início. A
greve dos trabalhadores terceirizados foi julgada ilegal pelo TRT.
Além de representar uma categoria combativa dentro da UPV, os terceirizados de
algumas empresas como a Sankyu e a Comau, atualmente, chegam a ter uma taxa de
sindicalização superior a dos trabalhadores da CSN.
Gráfico 3
80%
60%
20% 20%
40%
Sankyu Comau Vais K&K CSN
Percentual de sindicalizados por empresa – Fonte: Secretaria Geral do SMVR
Contrariamente à ideia de que o trabalhador terceirizado, tido como um personagem
sem tradição de luta, colaborou para a queda nas taxas de sindicalização, os trabalhadores da
Comau e, principalmente da Sankyu possuem um número expressivo de sindicalizados.
4.3. Os terceirizados e a retomada da greve
Explicitadas as principais questões que envolvem a terceirização e a representação
sindical, bem como tendo desenvolvido um breve histórico dos movimentos grevistas de
alguns grupos de trabalhadores da UPV a partir dos anos de 2000, poderemos agora
confrontá-los com as perspectiva que os trabalhadores entrevistados apresentam sobre esses
acontecimentos e temas. Com base na breve exposição sobre a terceirização e os sindicatos, e
124
na descrição da sucessão de eventos específicos sobre as greves dos trabalhadores da UPV,
desenvolveremos a presente seção no seguinte sentido: analisando e justapondo a versão
oficial e sindical dos acontecimentos às interpretações dos trabalhadores; para a partir desta
análise, emergir com questões que problematizem e aprofundem o tema da construção da
identidade e da representação do trabalhador terceirizado. Portanto, a discussão esboçada nas
seções anteriores estará aqui em diálogo com as interpretações dos trabalhadores. Mais
importante do que entender os fatos per se é compreender a forma como eles são apreendidos
e reverberam na maneira como os trabalhadores do interior da UPV alimentam e reforçam
identidades políticas segregadas.
A greve unificada de 2007, bem como as greves de 2005 e 2006, foram mencionadas
por trabalhadores da CSN e das empresas contratadas em muitas entrevistas. Particularmente,
a greve unificada de 2007 apareceu de forma recorrente entre os trabalhadores entrevistados
em um sentido muito pertinente a este trabalho: a maneira como os problemas de coesão e de
identidade entre os trabalhadores eram tratados enfatizava o resultado da greve como algo que
contribuiu para aprofundar as interpretações que delineiam separadamente perfis de
trabalhadores terceirizados e trabalhadores da CSN. Na maioria das entrevistas, as
impressões tendiam a corroborar a ideia de que as sucessivas greves conferiam aos
trabalhadores terceirizados um perfil combativo em contraposição ao trabalhador da CSN. A
construção dessa dicotomia fortalece a visão da diferença, mas também sugere o advento de
uma categoria combativa dentro do conjunto dos trabalhadores da usina.
Notadamente, a votação em favor da deflagração das greves de 2005, 2006 e 2007
pelos trabalhadores terceirizados tem motivado a sensação de que, contrariamente aos
trabalhadores da CSN, os subcontratados são um tipo de funcionário que não teme as
represálias do contratante e, portanto, estariam mais dispostos ao confronto com os patrões.
Funcionários mais antigos entrevistados foram unânimes em caracterizar os trabalhadores
terceirizados como sujeitos ativos na reivindicação de seus interesses. Sobre a greve de 2007,
o trabalhador da CSN afirmou:
“[...] Terceirizada cara, os caras não vão mesmo não. Não vão não. Tanto que
muita função de terceirizada quem fez foi a CSN. Era um ou outro [...]”
(Operador 2 da CSN)
A adesão às greves entre os terceirizados parece ser generalizada:
“Eu fiz duas greves na Sankyu. Pessoal de empreiteira é só falar que faz greve.”
(Ex-instrumentista da M&P e da Sankyu)
125
Mas a atitude combativa e paredista dos trabalhadores terceirizados parece ter origens
que transcendem a existência de sua categoria, como uma herança de outros tempos, quando
grande parte dos trabalhadores de manutenção da UPV integravam os quadros da subsidiária
FEM:
“[...] o pessoal [terceirizado] em relação a CSN ganha o pouco que se a gente
chamar pra greve beleza. O pessoal da empreiteira é fácil de fazer greve. Como
era fácil de fazer greve na época do Juarez [Antunes]. O sindicato fazia greve
naquela época da FEM que era subsidiária, que começou a ser discriminada. A
FEM que vinha, a FEM que era o carro chefe da greve na época do Juarez. Na
nossa época, na minha época aqui agora, eu fiz 3 greves consecutivas com a
empreiteira. É fácil fazer com a empreiteira. Porque a insatisfação é maior, por
causa da precarização, por causa do salário, por causa do plano de saúde,
entendeu [...] em consequência da hora extraordinária que tem. Então é muito
complicado. Então pra gente era melhor. Na CSN, fazer greve, era muito difícil.
Pro pessoal da CSN fazer greve [...] porque eles ficam com muito medo, é muita
pressão em cima deles e tal.” (Carlos Perrut, ex-presidente do SMVR)
É importante destacar aqui que a menção a FEM não é gratuita: a FEM era, na opinião
de muitos trabalhadores, a frente de combate mais poderosa dentro da fábrica. Antes que a
CSN terceirizasse a maior parte de seu efetivo de manutenção, era a FEM a responsável por
grande parte da realização destas atividades no interior da UPV. Explicitamente na fala do ex-
presidente do SMVR está a relação entre a FEM e as empresas terceirizadas no tocante a
atitude grevista. Por outro lado, é digno de nota que as prestadoras de serviços, atualmente,
assim como a FEM outrora, realizam a maior parte das funções de manutenção da CSN.
A dissolução da FEM - subsidiária da CSN que abrigava grande parte do contingente
de funcionários de manutenção da usina - e a subsequente multiplicação de contratos com
prestadoras de serviços tinha uma motivação nitidamente desagregadora na visão do atual
presidente do SMVR:
“Eu entendo que foram 2 motivos que fizeram com que eles, o presidente da
CSN, o grupo que pegou a CSN, acabasse com a FEM. Primeiro endividamento.
E segundo que nos movimentos grevistas, o pessoal da FEM era o pessoal que
puxava a greve. O pessoal da Superintendência de Oficinas de Manutenção
(SOM) [...] era os cabeças pensantes dos movimentos: Luizinho e outras
lideranças. E o pessoal da FEM, como era pessoal profissional: soldador,
maçariqueiro e pessoal de ponta, profissionais bons, então normalmente o
pessoal de manutenção, pessoal que é profissional ele tem mais disposição pra
fazer uma greve. E a FEM tinha muito, além de ter profissionais bons, ela tinha
muita rotatividade. Ela pagava um salário bom mas os profissionais era tudo [...]
pessoas boas mesmo. Normalmente numa situação dessas, quem peita mais o
patrão é o pessoal de manutenção, e o pessoal da FEM como tinha profissional
de ponta, eles tinham mais disposição. Então eles que eram o pessoal que
126
realmente parava a usina. Então eu acho que uma das coisas que a CSN fez pra
poder acabar com a FEM foi a questão de dívida né, dívida, passivo trabalhista.
E principalmente era a FEM que era onde que realmente ajudava a parar a
empresa, era o peso que ajudava a parar a usina.” (Renato Soares, presidente do
SMVR)
Ao explicar a razão da postura paredista da FEM, o atual presidente do SMVR recorre
a dois argumentos: a função de manutenção profissional que por si garante um
conhecimento ao trabalhador passível de legar-lhe independência, mas também a qualidade da
mão-de-obra da FEM, que segundo ele, tinha uma alta rotatividade devido à demanda no
mercado de trabalho por este tipo de profissional de manutenção industrial altamente
qualificado. Para o atual presidente do SMVR a condição de trabalhador de manutenção
predispõe os funcionários à greve porque:
“Eu sou de manutenção, eu sou eletricista. Se a CSN me mandasse embora eu
pelo menos eu consigo fazer uma instalação numa casa de alguém. Ou um
mecânico tem mais facilidade de arrumar um emprego. Um eletricista tem mais,
um técnico em eletrônica, um mecânico que mexe com hidráulica, com
pneumática. O pessoal de operação, antigamente eles falavam que o pessoal da
operação era mais ‘apertar botão’. Hoje já mexe mais com teclado de
computador. Então tem mais dificuldade. Por exemplo, um cara que trabalha no
alto forno: elevai conseguir trabalhar numa empresa siderúrgica que tem um
alto forno. Já não, o eletricista, o mecânico, um técnico, ele consegue arrumar
não na questão siderúrgica, como [...] metalurgia, outra em têxtil, uma
fábrica de fazer roupa, uma de fazer lata. O campo profissional pra uma pessoa
que trabalha com manutenção que é o profissional, ele tem muito mais
facilidade pra arrumar emprego que um cara de operação. O campo é mais
limitado.” (Renato Soares, presidente do SMVR)
A mesma tônica na manutenção como uma atividade privilegiada no mercado de
trabalho apareceu no discurso do trabalhador de operação da CSN. Para ele:
“[...] Se você trabalha com elétrica [...] Daqui a pouco você se enquadra tanto
em outra empresa ou até mesmo aqui fora. Sempre trabalha com elétrica.
Mecânica então é muito mais fácil. Mecânica você pode se especializar em
automobilística. Você vai ser sempre mecânico. Diferente da operação né.
Operação não tem isso.” (Operador 2 da CSN)
E, quando inquirido se o trabalhador de manutenção tem mais campo, o entrevistado
responde:
127
“Com certeza. O trabalhador de manutenção, o campo dele é bem maior. Igual
nessa crise agora que teve. Muitos colegas
137
meus foram mandados embora, os
caras não sabem o que faz. Os caras tem quase 50 anos de idade entendeu,
nunca trabalhou com outra coisa, não buscaram melhoria para eles, não
buscaram estudar, não buscaram ter mais conhecimentos profissionais. Então
hoje os caras ficam desesperados. você colega meu trabalhando com
coisa que é totalmente diferente [...].” (Operador 2 da CSN)
A atividade de manutenção permite ao trabalhador assumir uma postura mais
questionadora, pois, contrariamente ao profissional de operação, como fora mencionado no
capítulo 3, o trabalhador de manutenção tem uma “profissão”:
“[...] Eu sempre percebi que o pessoal da manutenção ele tinha mais disposição.
Por exemplo, quando nós íamos [...] em assembléia lá no pátio da SOM, aquela
coação mesmo. Eu percebia que o pessoal da manutenção eles tinham mais
independência do que [...] o pessoal da operação era muito mais controlado pela
chefia do que o próprio pessoal da manutenção. [...] Pelo cara ser profissional
ele tinha mais disposição pra poder enfrentar a opressão.” (Renato Soares,
presidente do SMVR)
Nestas citações ficam mais explícitas as peculiaridades do ofício de trabalhador de
manutenção, mais autônomo e independente em relação ao trabalhador da operação. Esta
diferenciação entre operação e manutenção é atualmente encarada, quase sempre, como uma
distinção entre trabalhadores da CSN e trabalhadores terceirizados, pois, como fora
mencionado nos capítulos anteriores, o contingente majoritário dessas funções está distribuído
entre essas duas categorias. Com a extinção da FEM, os trabalhadores terceirizados legaram
da subsidiária o desempenho das atividades de manutenção, mas não os bons salários.
Portanto, na substituição da FEM por empresas terceirizadas temos dois processos: a
continuidade com a separação da maior parte das atividades de manutenção do efetivo da
CSN e a ruptura com os bons salários pagos aos trabalhadores da subsidiária. Quais teriam
sido então as principais características que teriam feito dos trabalhadores da FEM os mais
combativos e grevistas em outros tempos, e os trabalhadores terceirizados os personagens
paredistas na atual conjuntura?
Em princípio não parece mera coincidência a existência de um perfil combativo dos
trabalhadores de manutenção de hoje (terceirizados) com os de outrora (da FEM). A
disposição para as greves parece estar vinculada a uma qualidade inerente à atividade de
manutenção. Portanto, a explicação para a continuidade da atitude paredista dos trabalhadores
137
É interessante o fato de que o trabalhador da CSN se refere a seus colegas como operadores. A operação (em
teoria) é uma função exclusivamente realizada por trabalhadores do quadro da CSN.
128
reside, em grande medida, na especificidade da manutenção como uma função versátil e
flexível. Em contraposição aos trabalhadores da CSN designados como “apertadores de
botões” um entrevistado declarou que os trabalhadores terceirizados fazem greve porque:
“O pessoal de contratada já acha que vai encontrar lugar mais fácil no mercado
de trabalho.” (Chefe da Comau)
o atual presidente do SMVR apontou a flexibilidade do trabalhador terceirizado
como a causa de sua disposição para a greve:
“São um pessoal mais rotativo, pessoal mais peão-de-trecho
138
, que tem mais
disposição”. (Renato Soares, presidente do SMVR)
A herança da atividade de manutenção da FEM trouxe consigo a combatividade
inerente ao trabalhador de manutenção, que acredita possuir uma maior empregabilidade no
mercado de trabalho. A margem de manobra e negociação do trabalhador de manutenção em
relação ao trabalhador de operação polariza as duas categorias em atitudes reivindicatórias e
pró-ativas de um lado, e de passividade de outro.
Em complemento aos elementos condicionantes e permanentes da função de
manutenção, outros aspectos conjunturais e históricos da condição de trabalhador terceirizado
também foram utilizados para explicar a sua propensão à greve, como a precarização dos
direitos e dos salários, o caráter flexível do terceirizado e o grau inferior de pressão sofrido
pelos subcontratados. É interessante notar que os argumentos em defesa da ideia de que o
trabalhador terceirizado é mais grevista surgem quase sempre em contraponto com a situação
do trabalhador da CSN. As especificidades de cada categoria são vistas na relação uma com a
outra.
Na transcrição de Carlos Perrut, ex-presidente do SMVR, a defasagem dos salários
aparece com um fator explicativo causal do perfil grevista do trabalhador terceirizado. A
precarização dos salários e dos direitos de que gozavam os trabalhadores da FEM quando da
intensificação da terceirização é compatível com a precarização ocorrida em outras empresas
do Brasil e do mundo. Enquanto a herança das atividades de manutenção da FEM e as
características implícitas nesta condição sugerem uma continuidade com o período pré-
privatização e pré-terceirização, a dilapidação dos direitos de trabalhador de manutenção
138
Peão-de-trecho define trabalhadores que se dispõem a ficar mudando de empresas e cidades em busca de
trabalhos de manutenção temporários. Têm um perfil altamente rotativo.
129
advinda da terceirização de seu contingente majoritário aparece como uma ruptura que
impulsiona o confronto. Segundo Perrut:
“[...] O pessoal das empreiteiras são mais dispostos né. Porque o salário deles é
tão ruim, se perderem eles se viram pra outro lado e tal. Da CSN, eles reclamam
do salário, mas não quer sair. Quer ficar lá porque é um trabalho mais apurado.”
(Carlos Perrut, ex-presidente do SMVR)
Se o salário e os benefícios são considerados ruins ou deficientes entre os
trabalhadores terceirizados, eles não são considerados suficientemente bons entre os
trabalhadores da CSN também. Mas por que os primeiros recorreram recentemente à greve
para canalizar suas insatisfações e pressionar o patrão e os segundos não? Segundo um
trabalhador da CSN, conquistas históricas da categoria impedem que os funcionários do
quadro direto se lancem às greves, sob a ameaça de perda de “direitos adquiridos”:
“Porque pessoal das terceirizadas tem muito menos a perder do que o da CSN.
Não é nem a questão dos salários, é os benefícios. Porque o cara fala o
seguinte, quando a pessoa vai pra greve, vai pra o dissídio, não sei o que, a CSN
entra com a liminar de perder todos aqueles direitos ganhos que a gente teve
com os acordos coletivos. Hoje é unificado: CSN, Prada, Galvasud, CSN
Paraná. São tudo CSN, sendo que elas não têm os mesmo direitos que nós
temos. A gente faz 6 horas. A Galvasud é CSN e ela não faz 6 horas, faz 12. A
gente tem direito a 70% de férias. A Galvasud, Prada, CSN Paraná que são CSN
pagam 30% porque é lei. Porque isso a gente teve no decorrer dos anos, dos
acordos coletivos, das brigas, das greves. Então isso foi direito adquirido que
nós tivemos. Então a CSN quando tem alguma coisa ela joga isso aí.[...] a
gente fica também naquele meio termo né [...].” (Operador 2 da CSN)
Na explicação do trabalhador, pelo fato de funcionários da CSN gozarem de acordos
coletivos relativamente melhores, tendo em vista a situação de trabalhadores terceirizados e
de outras subsidiárias e unidades da CSN, os trabalhadores da CSN na UPV se sentem menos
motivados à greve. Uma das estratégias da CSN e de seus chefes consiste exatamente em
“jogar” com esses “direitos adquiridos”, que são contudo revogáveis.
Como fora mencionado anteriormente, embora os trabalhadores da CSN entrevistados
não considerem sua situação exatamente boa ou satisfatória, não a colocam em risco. A
criação de uma diferença entre trabalhadores terceirizados e da CSN parece uma estratégia
eficaz por parte da empresa com o intuito de defrontar diariamente o trabalhador do quadro
com a possibilidade iminente de ter seu estatuto e sua condição rebaixados tal qual o outro. A
manutenção de uma relativa diferença de direitos e salários entre trabalhadores terceirizados e
da CSN cria uma situação em que a defesa de uma condição que é relativamente melhor
130
alimenta o medo de sanções e represálias. Portanto, a ideia de que o trabalhador da CSN “tem
mais a perder do que os trabalhadores terceirizados” sugere a existência de uma vantagem que
é relacional.
Por outro lado, a busca incessante de melhorar sua condição dentro da usina entre os
trabalhadores terceirizados parece ter um horizonte positivo encarnado pela condição de
trabalhador do quadro direto. Neste lado do pêndulo, a diferença, ao invés de causar medo,
motiva a busca por equiparação das condições entre trabalhadores das terceirizadas e da CSN,
que muitas vezes percebem salários e direitos desiguais pelo desempenho de atividades iguais
ou similares.
Portanto, é interessante perceber que os cálculos feitos tanto pelos trabalhadores da
CSN quanto pelos trabalhadores de empresas terceirizadas são fruto da apreciação da própria
condição vis-à-vis à condição do outro, ou seja, ele é invariavelmente relacional. Embora a
CSN não seja boa, ela representa um pólo quase sempre mais positivo dentro da UPV. A
justaposição permanente e cotidiana de trabalhadores com estatutos diferentes, neste ponto,
parece ter criado uma situação dual: a diferença inspira o ataque de uns e a defesa de outros.
Sobre os trabalhadores da CSN, o chefe da empresa Comau e ex-funcionário da FEM
afirmou:
“Eles andam num cabresto danado. Eles julgam terem mais a perder do que o
pessoal da contratada no geral, no montante.” (Chefe da Comau)
Além de ter “mais a perder” do que o trabalhador terceirizado, o trabalhador da CSN
está mais sujeito a fiscalização e a retaliações quando participam de greves. Este também foi
um argumento recorrente entre os entrevistados. A menção à cobrança mais acentuada do
trabalhador do quadro direto apareceu muitas vezes em comparação com a frouxidão da
coerção entre os terceirizados. Sobre a greve de 2007 um trabalhador comentou:
“O cara da CSN é mais pressionado pelas chefias, por isso a CSN não fazia
greve há anos. Eu fiz duas greves na Sankyu.” (Ex-instrumentista da M&P e da
Sankyu)
Sobre o mesmo evento, o presidente do SMVR concluiu, comparativamente, que nas
empresas terceirizadas:
“[...] Teve coação, mas em cima da CSN foi a pior possível, .” (Renato
Soares, presidente do SMVR)
131
Este tipo de pressão exercido sobre o funcionário do quadro direto foi corroborado no
discurso do trabalhador da CSN ao relatar momentos da greve de 2007:
“A greve cara. A ideia é sempre legal. Mas não acho legal a forma que é feito,
às vezes, determinadas coisas. Que que aconteceu na greve: meu chefe, a CSN
bota pressão em cima do funcionário dela. Falou: ‘quem aderir a greve tá fora’.
Pô, você precisa do serviço então [...] A greve tinha que ser o seguinte, tinha
que ser todo mundo, ou não é ninguém. A partir do momento que entra um,
entra todo mundo. Se o meu amigo de serviço for e eu não for, meu chefe vai
falar: ‘por que você não foi?’ Então o que aconteceu, meu chefe chamou todo
mundo e falou que quem não entrasse [...] que aconteceu: loucura. É nêgo
pulando grade. Fazendo a gente marcar, fazer um ponto de encontro fora da
usina e entrava todo mundo de Kombi. Cara foi loucura [...].” (Operador 2 da
CSN)
A maior pressão sobre o trabalhador da CSN está presente tanto no controle da
presença e das abstenções durante o período da greve de 2007, bem como na punição aos
trabalhadores grevistas. Sobre a greve entre trabalhadores terceirizados e da CSN o ex-
trabalhador da Sankyu atualmente na CSN afirmou que greve:
“Da terceirizada é mais fácil. Igual eu te falei, CSN manda embora [...] Ela não
vai mandar logo agora no início, porque tem esses negócios de greve, como se
fosse assim, direito de greve. Existe um negócio chamado direito de greve. Mas
o chefe não é bobo, todo dia ele passa lá e vendo quem fazendo greve
quem não tá. Uma hora ou outra, vai passar 2, 3 meses e vai mandar embora. A
terceirizada não tá nem aí, você continua por lá. Você faz greve, não faz,
continua. CSN o. CSN na época da greve tinha gente dormindo dentro,
levaram colchão pra dentro. Pessoal não faz greve [...]” (Mecânico da CSN,
ex-mecânico da Sankyu)
Comparando seu sentimento de outros tempos, quando era trabalhador terceirizado,
com o de trabalhador do quadro direto atualmente, outro entrevistado declarou que:
“Porque, por exemplo, igual na CSN na última greve que teve que furou. A
gente teve que ir. Ai de quem não fosse. Porque o supervisor tava lá dentro. O
supervisor ficou dentro, ele não foi embora. falta um pessoal, supervisor
[...] E o medo de ser mandado embora. Ninguém queria ser mandado embora. A
gente tava lutando pra uma melhoria, mas ninguém queria ser mandado embora.
Então a gente que foi da Ormec, das empreiteiras, não m aquele controle
que a CSN tem, do supervisor ali, sabe. Ia ter [greve na época da Ormec] e a
gente ia parar mesmo. A gente não tava nem pra Ormec não. Tanto que o
manobreiro antes não era considerado profissional. Os mecânicos da Sankyu, os
mecânicos da, da [...] Até os mecânicos da própria Ormec mesmo, da oficina de
locomotiva, eles eram considerados profissionais. A gente manobreiro não,
ganhava menos ainda um pouco.” (Maquinista da CSN, ex-manobreiro da
Ormec)
132
A experiência da última greve dos trabalhadores da UPV em 2007 está muita viva na
memória dos entrevistados, pois representou a tentativa de reviver uma histórica vocação para
a luta. A greve de 2007 foi um experimento cujo resultado poderia trazer uma conclusão a
uma dúvida que se arrastava 17 anos: a tradição grevista teria se mantido apesar das
mudanças conjunturais, ou ainda, o abandono do recurso à greve teria sido apenas um hiato do
período de parceria do SMVR, ou a nova realidade política, econômica, privatista e trabalhista
teriam feito da greve uma estratégia obsoleta e ineficaz entre os trabalhadores da CSN?
A greve de 2007 representava simbolicamente um teste à reação e ao comportamento
dos trabalhadores da CSN, ainda hoje lembrados por sua postura combativa e aguerrida da
década de 1980. A própria experiência de uma greve na CSN como empresa privada,
conduzida por seus funcionários, era uma incógnita que tardava a ser respondida.
Como fora anteriormente mencionado, em 2007, os trabalhadores da CSN e das
empresas terceirizadas votaram pela greve que teve início em 30 de maio e em de junho
respectivamente. Mas a paralisação dos trabalhadores da CSN terminou no dia 6 de junho sem
nenhum aumento salarial ou abono diferente daqueles oferecidos no início da greve. Além
do que havia sido oferecido, os trabalhadores da CSN votaram pelo fim da greve mediante
ao aumento de 30 minutos no horário de almoço (de 30 minutos para 1 hora) e pelo desjejum
sem descontos. Não é possível desconsiderar que a pressão feita pelos trabalhadores da CSN
culminou em conquistas ausentes na primeira proposta da empresa. Mas estas conquistas,
embora representassem inegáveis avanços, não contemplavam as principais reivindicações
colocadas pelos trabalhadores
139
.
A maior parte dos entrevistados presenciou o clima ou participou das paralisações de
2007. Sobre os esforços grevistas, o presidente do SMVR relatou que:
“Juntou CSN e as empreiteiras tudinho dentro da Usina. Então nós chegamos a
ensaiar isso , sabe fazer um [...] que nossa intenção era invadir a usina
naquela greve
140
. Só que a gente fazia algumas simulações de dar algumas
voltas na Vila e vinha meia dúzia de trabalhador. Opa, o pessoal falou ‘não
vamos invadir porque se a gente invadir a moçada não vai vir atrás não’. Então
a gente começou a ter uma visão precoce de que não era igual na década de
1980, entendeu. fomos pra greve, foi aquele desastre né. Trabalhador que
139
A conquista de 1 hora de almoço não foi resultado da greve, mas de uma ação movida na justiça pelo SMVR
contra a empresa que teve parecer favorável aos trabalhadores dias antes da paralisação (Ver Boletim 9 de
novembro de 26 de maio de 2007). O novo horário de almoço foi deferido em 25 de maio, ou seja, 7 dias antes
da greve dos trabalhadores da CSN. Portanto, o benefício não adveio da pressão grevista. Apenas o desjejum
sem descontos representou uma conquista em relação à primeira oferta da CSN.
140
O presidente do SMVR tentou fazer uma “greve de ocupação”, assim como aquelas realizadas na década de
1980. Na greve de ocupação, os trabalhadores e sindicalistas invadem a fábrica e se estabelecem para que a
produção fique de fato paralisada.
133
tava dentro não saía. Quem tava de fora eles abriram várias entradas
alternativas [...] as pressões, as coações que teve. Então a dificuldade foi
imensa.” (Renato Soares, presidente do SMVR)
A prática da greve de 2007, segundo o entrevistado, levou à constatação de que os
anos de 1980 haviam sido singulares. O tipo de pressão e atitude combativa já não encontrava
ressonância junto aos trabalhadores da UPV. Embora o SMVR estivesse respaldado pela
votação dos trabalhadores da CSN e das terceirizadas em favor da greve, não houve respaldo
físico, presença para a invasão e aumento da pressão sobre a empresa. Frustradas as
possibilidades de invasão, trabalhadores que se encontravam dentro da usina
permaneceram sem que as atividades pudessem ser de fato paralisadas. Caminhões lotados
com colchões encomendados pela CSN descarregavam na UPV para que os trabalhadores
pudessem dormir dentro. Entradas alternativas foram abertas para aqueles que decidissem
furar a greve. Neste ínterim, chefias da CSN foram encarregadas de ligar para todos os
funcionários exigindo sua presença na empresa. Uma das estratégias da CSN para desarticular
e enfraquecer a greve foi o expediente ao blefe do tipo: “só está faltando você aqui na área;
está todo mundo aqui trabalhando”
141
.
Seja em função da pressão exercida no trabalhador da CSN, seja pelas conquistas
galgadas em acordos coletivos passados, seja porque a maior parte de seu efetivo atualmente é
composto de profissionais de operação, o fato é que a postura grevista dos trabalhadores do
quadro direto da empresa foi minimizada, ou até mesmo negada na “fala” de alguns
entrevistados. A impressão de muitos deles - inclusive nos trechos supra-transcritos - era a de
que a greve dos trabalhadores da CSN havia terminado antes mesmo de começar.
Desenvolveremos na próxima seção as visões sobre a atuação de trabalhadores da CSN e das
empresas terceirizadas durante a greve de 2007 e analisaremos o resultado do evento para a
construção de leituras sobre as diferenças e as particularidades entre os trabalhadores da UPV.
Na tentativa de encontrar as causas para o ressurgimento da greve como forma de
pressão, bem como para a realização de sucessivas greves de longa duração entre
trabalhadores terceirizados da CSN, argumentamos, sinteticamente que, em princípio, o
desempenho de atividades de manutenção é um facilitador do desenvolvimento de um perfil
combativo, uma vez que a função está historicamente atrelada a uma maior autonomia do
empregado, devida ao domínio de uma técnica aplicável em variadas indústrias. A maior
empregabilidade gera também rotatividade, ou seja, um trabalhador mais flexível e menos
141
Esta estratégia da CSN para estimular os trabalhadores a furarem a greve foi relatada pelo presidente do
SMVR e por um operador da CSN.
134
enraizado do que os trabalhadores de operação da CSN. Além disso, a defasagem em direitos
e salários criou uma categoria de trabalhadores que, apesar de desfrutarem das vantagens da
formalidade, encaram o distanciamento material em relação a seus colegas de trabalho (do
quadro direto) como um horizonte de demanda. Para serviços iguais e funções similares,
independentemente da terceirização e apesar dela, é justo o percebimento de salários
equivalentes. Finalmente, a diferença em controle e pressão por parte das contratantes parece
ter tido um peso importante não apenas na deflagração das greves, mas principalmente na
continuidade delas. Diferentemente dos trabalhadores da CSN que, pressionados, conduziram
a greve de 2007 por 6 dias, os trabalhadores de algumas empresas terceirizadas,
particularmente a Sankyu e a Comau, sustentaram em 2006 e 2007 greves com cerca de 27
dias de duração. Sem dar ênfase privilegiada a nenhuma dessas razões, acreditamos que todas
as explicações em complementaridade permitem entender parte do movimento e da atitude
grevista encampada pelos trabalhadores terceirizados durante os anos de 2005, 2006 e 2007.
4.4. Greve na CSN e greve nas terceirizadas: uma re-união possível?
Como fora discutido anteriormente, a Campanha Salarial Unificada trazia em seu bojo
a esperança de rearticular as divisões processadas entre os trabalhadores a partir de sua
pulverização em variados sindicatos e entre diferentes patrões e, consequentemente, da perda
do foco da luta.
A primeira impressão dos entrevistados a ser registrada é o relativo fracasso da
tentativa de esforço conjunto, de greve simultânea dos trabalhadores da CSN e das
terceirizadas. Como fora mencionado, um dos objetivos da greve conjunta era a tentativa de
ressuscitar o esforço coletivo que precedeu a expansão da terceirização dentro da UPV.
Segundo um trabalhador da CSN que testemunhou o período pré-privatização, a CSN teria
estrategicamente pensado a terceirização como forma de desarticulação do coletivo de
trabalhadores:
“Essa foi a grande sacada da CSN né, porque ela separou as datas-bases.
Antigamente, quando você ia reclamar salário ia todo mundo junto. Era CSN, a
FEM, principalmente quando tinha a FEM, porque a FEM que era a grande
força da greve. Hoje ela separou, CSN é numa data, empreiteira é em outra data.
Dividir para conquistar. Foi isso que ela fez.” (Operador 1 da CSN)
135
A Campanha Salarial Unificada reuniu e envolveu os trabalhadores da CSN e de
terceirizadas em um clima de expectativas que tinha como um de seus objetivos atacar a
divisão dos trabalhadores entre diversas contratantes e reconstituir a noção de um coletivo
mais abrangente e mais forte. Na visão do mesmo entrevistado, os trabalhadores da CSN
abandonaram o esforço conjunto com os trabalhadores da Sankyu:
“[...] Tanto que nesta última tentativa de greve com o Renato (..) que o
pessoal da CSN deu aquele papelão né. Também não tinha uma estrutura de
greve montada, eu acredito; todo mundo foi entrando, entrando, e a Sankyu na
verdade tava esperando uma resposta da CSN para a gente correr junto também;
tanto que a Sankyu na verdade, a Sankyu fez greve, a Sankyu fez greve mais de
uma vez, a Sankyu parou independentemente da CSN. que eu não posso te
precisar se eles atingiram o resultado almejado.” (Operador 1 da CSN)
É interessante notar que o trabalhador fala em “tentativa de greve” embora a greve
tenha sido votada e “deflagrada” pelo efetivo da CSN. Segundo o operador da CSN, os
trabalhadores da Sankyu aguardavam pela adesão dos trabalhadores da CSN para “correrem
juntos”. Mas, independentemente disso, os trabalhadores da Sankyu e de outras terceirizadas
votaram pela continuidade da greve até o dia 25 de junho, ou seja, 19 dias depois do retorno
dos trabalhadores da CSN. Em 2007, os trabalhadores da Sankyu, bem como de algumas
outras empresas contratadas haviam participado de 2 greves consecutivas (2005 e 2006)
independentemente do efetivo da CSN. Mas a greve conjunta possivelmente criou a esperança
de aumentar a pressão sobre a contratante e as contratadas, pois, embora os terceirizados não
tenham vínculo empregatício com a CSN, entendem que parte de sua condição se deve aos
contratos firmados e à fiscalização da empresa contratante. É importante salientar que uma
greve contra a Sankyu não é prejudicial apenas à prestadora de serviços, mas também à CSN.
Portanto, os trabalhadores terceirizados, ao se lançarem em greves, têm consciência de que
sua pressão extrapola a relação com a contratada e atinge também a contratante. Este é um dos
resultados contraditórios de um tipo de contrato de trabalho que tenta separar juridicamente
uma realidade cotidiana inseparável: o vínculo do trabalhador com seu meio.
Um outro trabalhador, que à época era contratado da empresa Sankyu definiu a greve
da seguinte maneira:
“Eu não me lembro muito bem, mas eu acho que até a CSN fez greve nessa
época [...] Foi em 2007. Mas a CSN... foi greve, foi greve [...] como é que
chamava? Ela tinha um nome essa greve. To tentando lembrar o nome. Porque
136
assim, porque sempre as terceirizadas que faziam greve, a CSN não fazia.
dessa vez juntou todo mundo. [...] Isso aí, greve unificada
142
. Mas a greve
unificada desuniu no terceiro ou quarto dia, sei lá, quinto dia, porque o pessoal
da CSN teve um abono de 2000 reais. Teve um abono de 2000 reais, aumentou
salário, aumentou isso, aquilo. Eles [estalo de dedos] pra dentro. desuniu
tudo. Mas o pessoal das terceirizadas não ganhou nada, então eles continuaram,
continuaram em greve. E a maioria Sankyu e Comau, porque são as duas
maiores. Você conhece a história da Sankyu e Comau que é a antiga FEM né,
que repartiu virou Sankyu e Comau e por isso que é como se fosse as duas
maiores. É a antiga FEM.” (Mecânico da CSN, ex-mecânico da Sankyu)
Novamente aparece a ideia de que a greve, que deveria ter sido conduzida em
conjunto, foi enfraquecida pela saída precoce dos trabalhadores da CSN. A observação
contraditória de que a “greve unificada desuniu” traz a tona a ideia de que o esforço de
mobilização conjunta não apenas fracassou, como também levou consigo a esperança na
possibilidade de rearticular o coletivo da UPV. A greve unificada exacerbou as diferenças na
medida em que os interesses e as experiências diferenciadas solaparam a união.
Dois trabalhadores da CSN que não aderiram à greve relataram os tipos de situações e
pressões a que foram sujeitados para escapar à greve e irem trabalhar. Em suas visões a greve
não fora benquista pois:
“[...] Aquela que teve, a greve do Renato , que acho que todo mundo furou a
greve, que não teve, não sei o que. Que eu acho que foi muito mal planejada
essa greve. A CSN tem 4 entradas oficiais. Você reparou, tem um monte de
portãozinho. E todo mundo furava a greve. Eu não furei. Graças a Deus eu
cheguei pela portaria, o cara olhou pra mim você furando a greve? Eu não
estou de greve não.’ eu nem dei papo pra ele e entrei. Fiquei 32 horas
dentro da CSN. Porque a gente não sabia o que a gente ia encontrar aqui fora,
sabe. A gente não sabia se ia ter segurança, se ia ter o que, se ia ter porradaria.
Então ficou todo mundo. Ficou 4 letras dentro. Todo mundo dormindo em
colchão, amontoado. Teve gente que nem dormiu. Eu não consegui dormir.
Fiquei 32 horas lá.” (Maquinista da CSN, ex-manobreiro da Ormec)
Os trabalhadores da CSN entrevistados atribuíram ao “mal planejamento” a causa da
transgressão da greve pelos funcionários:
“A ideia era legal mas deixava brechas e essas brechas, o que acontecia:
prejudicava. Igual falta coletiva [...] foi o que aconteceu na greve: um monte de
gente começou a entrar, um monte de gente começou a furar a greve e tal,
142
Na verdade a Campanha Salarial dos trabalhadores da CSN que recebeu o nome de “unificada”. A greve
simultânea e conjunta dos trabalhadores da CSN e das contratadas não chegou a receber o nome de “unificada”
nos boletins, mas era parte da estratégia do SMVR de fortalecer as reivindicações de ambos os grupos. Nesta
citação o entrevistado chama a greve de “unificada” provavelmente por extensão ao nome da Campanha Salarial
Unificada dos trabalhadores da CSN, mas também pela experiência de sincronia (mesmo que breve) das greves
entre contratados e trabalhadores do quadro direto.
137
acabou que o prejudicou nem um nem outro, deu força pro Benjamin.”
(Operador 2 da CSN)
A greve foi considerada mal planejada porque o SMVR não teria tido o cuidado de
obstruir todas as passagens. Mas como cobrir uma área do tamanho da CSN? No discurso dos
trabalhadores da CSN, pressionados pela chefia, a abstenção seria justificável no caso de o
SMVR conseguir isolar completamente a CSN. A prerrogativa do esforço de greve é
deslocada, em seus discursos, dos trabalhadores para o Sindicato. Uma vez que outros
trabalhadores companheiros seus conseguiram furar a greve, os empregados da CSN
entrevistados também aderiram à desmobilização.
Como enfatizara o ex-presidente do SMVR Carlos Perrut, os trabalhadores da CSN
tem muitas insatisfações e até desejam melhorias para sua categoria, contudo, não querem
correr os riscos inerentes à postura de confronto. Na fala do ex-trabalhador da Magnesita a
vantagem relativa aparece como um empecilho à reivindicação grevista entre os trabalhadores
da CSN:
“[...] Da CSN eu acredito que por aquele lance. Primeiro pelo lance, acho que
do salário. Muita gente já acha que ganha bem, não tem aquele negócio [...] O
cara quando tá um pouquinho bem ele fica com medo de perder aquilo. Agora o
cara quando tá na merda ele não tá nem aí. O cara da Sankyu tá lá na merda [...]
O cara da CSN não, eles tem uma condição melhor e os gerentes impondo
mesmo. Tinha gerente entrando e quando eles fecharam, o pessoal entrava pelas
linhas de trem achavam buraco para entrar pra trabalhar. Chegava a dormir
dentro. [...] Meu chefe da Sankyu chegou a dormir dentro.” (Ex-mecânico da
Magnesita)
A pressão dos chefes, principalmente da CSN pelo retorno de seus funcionários,
instilou o medo de represálias entre os trabalhadores da CSN. Os riscos da postura de
confronto variavam desde a demissão na primeira oportunidade de cortes na empresa, até o
descarte do trabalhador na ocasião de disputa por promoções. Embora muitos entrevistados,
tanto da CSN quanto das empresas terceirizadas, tenham alegado que os trabalhadores do
quadro direto “furaram” a greve, o operador da CSN afirmou que alguns trabalhadores da
empresa:
“[...] Chegaram [a fazer greve], bastante gente fizeram. Na minha área, o que
aconteceu, na minha área o meu chefe [pausa] todo mundo foi.” (Operador 1 da
CSN)
138
No que diz respeito aos trabalhadores da CSN que fizeram a greve e seu resultado, ele
aponta que:
“Fica divida a categoria todinha. Difícil tá, é ruim tá, é muito ruim [...] Ficam
assim: aqueles que querem fazer a greve. [...] Tipo assim ‘ah aposentando
então pra mim [gesto de indiferença]’. E tem aqueles que precisam estar
entendeu, tem família não tem outra coisa. Igual eu te falo, as vezes o cara tem
40 anos, tem 20 de CSN, o cara o nem aposentado e também não tem
perspectiva de outro serviço. Então esse cara é um cara que tem que ter o pé no
chão [...] surge aquele conflito. ‘Ah o cara é pelego, o cara foi trabalhar
ontem.’ surge aquela divisão aquele momento ruim. É chato, horrível cara,
eu não desejo isso não. Eu particularmente tive que pular a cerca. Parece que eu
sou um bandido, eu me senti como um bandido. Eu me senti errado. Eu queria
trabalhar. Fui pra trabalhar. Nêgo te cercando, nêgo te ameaçando. [...]
(Operador 1 da CSN)
A divisão entre grevistas e não grevistas gera novas cisões no seio da classe
trabalhadora. Aqui o entrevistado descreve um tipo de perfil de funcionário típico na CSN, de
idade madura, empregado com “tempo de casa”, com filhos e família, ou seja, enraizado na
empresa, onde pretende permanecer.
A greve de 2007 reafirmou e deu visibilidade às diferenças processadas entre os
trabalhadores no decorrer dos anos, desde as greves dos anos de 1980 e de 1990. A década de
1990 e de 2000 trouxe consigo novas conjunturas: a classe patronal empenhou-se em criar
novas estratégias desarticuladoras, a privatização motivou a adoção de práticas de
enxugamento dos quadros das ex-estatais e elevou os riscos de desemprego, a classe
trabalhadora diversificou-se ainda mais jurídica e institucionalmente, e os trabalhadores
passaram a enxergar seus interesses de maneira cada vez mais pulverizada. A tentativa de
reunir os trabalhadores em um mesmo esforço esbarrou numa situação previsível causada pela
terceirização, expressa no seguinte argumento:
“[...] Porque cada um tem um benefício, se juntar tudo. ‘Cara oh, você tem
mais a perder que o cara hein’. divide as opiniões cara, entendeu.”
(Operador 1 da CSN)
Isto significa que a CSN articula a todo o momento a diferença entre os trabalhadores
para ameaçar aqueles relativamente melhor posicionados. A manutenção de uma diferença é
estratégica na medida em que o trabalhador em condição ligeiramente melhor é
constantemente ameaçado em seus privilégios relativos. Mas a constatação de que os
trabalhadores terceirizados e os trabalhadores do quadro direto têm estatutos, patrões e,
portanto, interesses diferentes, não obliteraram a ideia de que esses trabalhadores continuam
139
compartilhando os mesmos espaços, as mesmas atividades e, por vezes, os mesmo problemas
cotidianos. Portanto, para alguns terceirizados, o fato de os trabalhadores da CSN não terem
sido solidários a sua causa motiva uma certa indignação e ressentimento. Sobre a greve dos
funcionários da CSN em 2007, o funcionário da Magnesita afirmou que:
“Tentaram fazer, mas não conseguiram porque os próprios funcionários
arriscaram suas vidas, pulando cerca, passando embaixo de buraco, passando
entre grades. Teve funcionário que quebrou perna pulando cerca para ir
trabalhar entendeu, para furar a greve. Eles quebraram um muro [...] Quebraram
um muro lá e fizeram um portão para entrar com os funcionários escondidos por
lá. Muitos funcionários foram capturados de Kombi em casa para trabalhar e se
submeteram a isso. Então não foi uma greve né.” (Trabalhador da Magnesita)
O estímulo à segmentação entre os trabalhadores do quadro direto e indireto e à
disputa entre eles, teve reflexos diretos sobre a capacidades desses trabalhadores
reivindicarem uma condição melhor para si mesmos:
“Se hoje em dia nós temos um dos salários mais defasados, é justamente com
relação a isso, porque não tem uma união entre a contratada e a que contrata,
não tem essa, [...] essa força né. Porque é justamente cada um no seu canto,
cada um na sua panelinha. Tá bom pra mim, ruim pra você, que se dane.
Então hoje em dia eu me vejo assim prejudicado por estar em um lugar onde as
pessoas, por exemplo, da CSN não têm coragem de reivindicar um salário
melhor, consequentemente as empreiteiras também não vão pagar. Então a
gente acaba pagando o pato por esta falta de união, por esta discriminação
desnecessária, entendeu. Todos nós estamos para prestar serviço. Se a pessoa
parasse para pensar que todo mundo tá ali para ganhar o nosso pão sem querer
discriminar, ou querer ser melhor. Infelizmente.” (Trabalhador da Magnesita)
Em princípio, a constatação do quanto a segmentação traz consequências negativas
para sua categoria reforça a ideia de que a terceirização, longe de ser um artifício
exclusivamente “modernizador”, ataca diretamente a unidade e a força dos trabalhadores
criando uma situação que é ruim não apenas para alguns, mas para todos. Ao reduzir todos os
trabalhadores da UPV a prestadores de serviços, o entrevistado os lança no plano da mesma
igualdade genérica de trabalhador explorado, que objetiva extrair de seu trabalho as condições
básicas para sua reprodução. Esta igualdade tem sido sistematicamente escondida sob o véu
da terceirização e da multiplicação de formas de trabalho. Também revela que, apesar da
insistente construção da diferença, os trabalhadores ainda lamentam os divisionismos e,
portanto, não os enxergam como naturais.
Por fim, é necessário enfatizar que a partir da construção de uma primeira diferença
(material e objetiva) entre trabalhadores terceirizados e trabalhadores da CSN foram se
140
seguindo outras que terminam por intensificar a visão segregada das identidades dentro da
UPV. Ao trabalhador terceirizado foram adicionadas as características de trabalhador da
manutenção, grevista e flexível. Já aos trabalhadores da CSN recaí a imagem da atividade de
operação, do perfil fura-greves e da “estabilidade” (enraizamento). Embora estas
características sejam simplificadoras da realidade, elas emergem como rótulos que definem
esses conjuntos. Neste sentido e, contraditoriamente, a greve de 2007 representou, na prática,
um escancaramento das diferenças percebidas e sentidas entre os trabalhadores. Embora
não seja possível confirmar quantos trabalhadores da CSN e terceirizados aderiram à greve e
quantos a ignoraram, a impressão quase consensual dos entrevistados do trabalhador do
quadro como “fura-greves”, ou como esvaziador do esforço de união, aprofunda a
segmentação. Mas essa diferença não é estanque, ela é construída no convívio entre os
trabalhadores, ou seja, na relação entre eles. A dicotomização das particularidades é fruto da
construção artificial (jurídica-empresarial) e cotidiana (dos próprios trabalhadores)
diferenciada das categorias de trabalhadores terceirizados e diretos.
141
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim como em Leite Lopes (1976) tentamos buscar na “fala” dos entrevistados a
maneira como eles constroem para seus grupos papéis diferenciados com relação a sua
identidade enquanto trabalhador. Essa identidade emerge da relações que o indivíduo
estabelece, tendo em vista a sua situação comparativamente à situação de outros.
Dentro da UPV, no mesmo sentido, os trabalhadores atribuíram para si e para seus
grupos papéis e características que erigiam fronteiras dentro da fábrica. Contudo, à
heterogeneidade inerente a divisão de funções dentro do ambiente de trabalho, associamos
uma nova heterogeneidade: a multiplicação jurídico-institucional dos estatutos de trabalhador
a partir da terceirização. Desta forma, nosso objetivo durante o trabalho foi entender como os
trabalhadores diretos e indiretos da UPV se percebem enquanto diferentes, se apropriando de
antigas distinções caracterizadas pela divisão do trabalho –, associando-as à construção de
novas distinções, a partir da institucionalização da condição de trabalhador terceirizado
permanente.
Trabalhadores da CSN ou, em muitos casos, os operadores de máquinas e “apertadores
de botões” são, na visão de trabalhadores terceirizados, tidos como mais velhos (com mais
tempo de “casa” e de idade), acomodados, enraizados e passivos. Estas características foram
explicadas como resultado do desempenho de atividades alienantes e repetitivas, e do papel
meramente fiscalizador dos trabalhadores do quadro em contraposição ao “colocar a mão na
massa” dos trabalhadores da CSN de outrora, e que hoje em dia compete aos terceirizados. Os
próprios trabalhadores da CSN entrevistados lamentaram a perda do contato com a execução
das tarefas e o enrijecimento causado pelo emprego na contratante. Os benefícios, fruto de
conquistas históricas, e a maior pressão exercida pela CSN sobre seus quadros foram
apontados pelos entrevistados como um entrave às reivindicações em prol da melhoria de sua
condição.
Por outro lado, os trabalhadores terceirizados foram considerados, no geral,
inexperientes, jovens e volúveis pelos trabalhadores do quadro. Quando associados ao
trabalhador de manutenção, apareceram também como mais autônomos em relação aos
trabalhadores da CSN devido ao domínio de uma técnica que é uma “profissão”, ou seja, uma
atividade útil não apenas dentro da UPV, como em muitas outras indústrias, e até mesmo fora
delas (como eletricista ou mecânico autônomo).
142
Todas essas características foram utilizadas para explicar a emergência de perfis para
trabalhadores da CSN e das terceirizadas que sustentam novas identidades políticas. Os
trabalhadores da CSN ciosos em proteger as conquistas que os tornam, no geral, relativamente
melhor situados dentro da UPV, foram considerados “passivos” e esvaziadores da
possibilidade de, como outrora, “parar a usina”. Notoriamente, a postura de não
confrontamento estava vinculada à pressão das chefias, à baixa versatilidade de algumas
funções, ao enraizamento na empresa e à ameaça de desemprego na atual conjuntura, distinta
da época em que a CSN era estatal. Através de suas “falas”, emergem três principais
estratégias da empresa contratante contra a atitude de confrontamento a partir da
terceirização: além da fragmentação do coletivo, o enxugamento de seu quadro próprio que
aumenta o controle sobre o efetivo de trabalhadores diretos, e a administração calculada da
diferença, ou seja, a ameaça latente de revogação de benefícios e o rebaixamento do
trabalhador direto à condição dos “outros”, ao “marco-zero” dos direitos mínimos garantidos
pela CLT.
Por outro lado, o trabalhador terceirizado, considerado “virão”, desenraizado,
“calejado” e “fortalecido” pela sua experiência que o prepara para enfrentar “qualquer
situação” e, particularmente, os de manutenção, como mais versáteis e empregáveis, foram
classificados enquanto trabalhadores combativos e paredistas. As sucessivas greves durante os
anos de 2005, 2006 e 2007 favoreceram esta representação. A explicação do perfil de
confrontamento entre os trabalhadores terceirizados foi desenvolvida em dois argumentos
principais: a herança direta e indireta da FEM (de parte de seu quadro de funcionários e do
desempenho da atividade de manutenção), considerada a força das greves na UPV durante a
década de 1980, e a nova conjuntura terceirizante, marcada por condições de trabalho e
emprego defasadas em relação aos quadros da CSN, que cria uma referência no horizonte de
demandas. Contrariamente à época da FEM/CSN, na qual os estatutos diferenciados entre os
trabalhadores pertencentes ao quadro de empresas distintas convivia com uma unidade
política da categoria, a pulverização dos trabalhadores entre as empresas e a dilapidação da
condição de trabalhador da usina a partir da intensificação da terceirização da década de 1990
findaram por criar identidades políticas fragmentárias. A greve de 2007 frustrou a esperança
dos trabalhadores e sindicalistas em reviver a coesão dos trabalhadores da UPV, consagrada
na década de 1980, que culminava com a “parada da usina” e o aumento da pressão sobre as
empregadoras.
Durante todo o texto, tentei dar “cor” às discriminações e às segregações dirigidas aos
trabalhadores terceirizados, mencionadas por outros autores (DRUCK, 1999; ROBSON
143
SANTANA, 2007). Associei essas discriminações experienciadas no interior da fábrica, no
mundo do trabalho, àquelas sentidas externamente, no espaço público da cidade. A expansão
das relações segregadoras do interior para o exterior da brica apresenta-se como uma
peculiaridade da cidade de Volta Redonda, desenvolvida historicamente no entorno da CSN e
subordinada à ela. Em contraposição aos trabalhadores terceirizados, os trabalhadores da CSN
exibem orgulhosamente um uniforme que lhes confere status social, embora em termos
salariais, esta visão seja, por vezes, equivocada. A multiplicação de uniformes dentro da UPV
e na cidade de Volta Redonda também sugere o questionamento sobre a valorização que a
intensificação da condição de terceirizado conferiu ao trabalhador da CSN.
O status vinculado ao trabalhador do quadro e as garantias objetivas e subjetivas que
lhes são atribuídas dentro da UPV circunscrevem a sensação de participar da “família”. É
possível que a recuperação da alegoria “família” seja resquício da “família siderúrgica”
porém, agora, ressignificada por outra conjuntura. A “família siderúrgica” (MOREL, 1989)
fora, como discutido no capítulo 2, um slogan difundido pela CSN junto a seus empregados
com o intuito de instilar a cooperação. Mas a “família siderúrgica” é um recurso datado. A
“família” tal qual utilizada pelos trabalhadores na epígrafe que abre o trabalho não parece ser
um slogan empresarial explícito e dista não apenas temporalmente, mas em termos de seu
significado de seu atual emprego. Não podemos afirmar se e, em que medida, a metáfora da
família guarda alguma continuidade com seu primeiro uso. Mas em ambos os casos, o recurso
à “família” tem o poder de delimitar e situar quem está dentro de uma esfera de proteção e
garantias sociais e quem está fora. A “família”, tanto ontem como hoje – guardadas as devidas
diferenças nos objetivos, na forma dos benefícios e na proporção de seus significados –,
circunscreve um grupo coeso de trabalhadores que reúne uma série de garantias.
Quanto às diferenças materiais entre trabalhadores terceirizados e diretos, apontei a
precarização das formas de trabalho subcontratado, mas também fiz concessões à recorrente
menção dos entrevistados sobre a diminuição da diferença em termos de remuneração, entre
terceirizados permanentes e trabalhadores da CSN. Essa aproximação e a apreciação positiva
das empresas terceirizadas, principalmente aquelas em que se considera a existência de uma
terceirização justa, emergia menos como elogio da condição de terceirizado do que como
crítica à condição de trabalhador do quadro. A CSN, ou o emprego direto, apareceu muitas
vezes como “não é isso tudo não” para marcar a defasagem sobre o que as pessoas imaginam
sobre o estatuto de trabalhador da contratante, e o que ele realmente é.
O emprego no quadro da contratante apareceu como melhor em função dos benefícios,
mais do que em termos de remuneração. Esses benefícios que a CSN proporciona (como PLR
144
e plano de saúde melhores, instalações de trabalho bem-cuidadas, CBS) tem relação direta
com o sentimento de valorização dos trabalhadores e com sua auto-estima.
Surpreendentemente a estabilidade, no que diz respeito à garantia de continuidade no
emprego, apareceu ora como igual entre trabalhadores da CSN e trabalhadores terceirizados
permanentes, ora maior entre os trabalhadores terceirizados em relação aos trabalhadores da
CSN e raramente como uma característica exclusiva do emprego no “núcleo”. A razão em
conferir “estabilidade” aos trabalhadores terceirizados estava respaldada em uma suposta
atitude mais “frouxa” das firmas terceirizadas em relação a seus trabalhadores, em
decorrência da dificuldade em reter a mão-de-obra treinada em condições já defasadas.
A alta rotatividade das prestadoras de serviços apareceu muitas vezes como um
atributo do trabalhador que, desenraizado e flexível, não hesita deixar a empresa.
Notoriamente essa “instabilidade”, que por vezes era cambiável com a disposição à
rotatividade dos trabalhadores terceirizados, estava associada a uma figura do extremo da
flexibilidade: o “peão-de-trecho”. A menção à existência de um grau equivalente de
“estabilidade” ou “instabilidade” tanto do quadro direto e indireto da UPV estava muito
marcada pela experiência recente da crise econômica mundial, época em que a CSN chegou a
reduzir cerca de 10% de seu quadro em um único mês. Talvez a opinião de que o emprego na
CSN é tão “instável” quanto, ou mais do que nas prestadoras de serviço, seja uma visão
radical criada pelo número expressivo de demitidos da CSN durante a crise, que lançou por
terra a promessa de “estabilidade” vinculada ao emprego na empresa central. Não foi possível
averiguar se esta representação do grau de estabilidade (como prerrogativa do empregador)
tem respaldo estatístico, já que os dados do Caged não se encontram desagregados.
Por fim, relativizei as fronteiras erigidas entre os grupos de trabalhadores
considerando a mobilidade interna existente na UPV. um trânsito permanente de
trabalhadores do quadro direto para o indireto e vice-versa, e também da condição de
trabalhador terceirizado de uma firma para outra. Notei que a ascensão social dentro da UPV
pode se realizar tanto através da conquista de cargos e funções hierarquicamente superiores
(que chamei de ascensão vertical), como da passagem para empresas melhor alocadas e
consideradas no processo produtivo, e que gozam de contratos mais lucrativos, mesmo que
haja permanência na função (que chamei de ascensão horizontal). A perspectiva de ascensão
inter-empresa para os contratados não tem na CSN sua meta exclusiva, portanto, os
trabalhadores – embora em menor medida – podem direcionar seus projetos de carreira
profissional para as terceirizadas. Vale dizer que a maneira como os trabalhadores dentro da
contratada encaram seu trabalho e seu estatuto é resultado, em grande parte, do grau de
145
maturidade que se alcançou na profissão, que existem muitos ex-trabalhadores da
CSN/FEM que foram reaproveitados por seu conhecimento e experiência em firmas
terceirizadas com funções superiores às galgadas no quadro central.
Também queria fazer notar uma última característica que envolve o trabalhador
terceirizado permanente, que é fruto tanto de incompreensões sobre suas particularidades
como da dificuldade de enquadrar a multiplicidade de possibilidades relativas ao seu estatuto.
Embora o trabalhador terceirizado permanente trabalhe cotidianamente na fábrica durante
anos, não é “considerado” como seu efetivo. Este parece ser um rompimento crucial com a
identidade pelo trabalho, atrelada, em grande medida, ao local onde se desempenha a
atividade laboral. A alusão ao local de trabalho durante muito tempo era quase expressão
automática da definição do vínculo empregatício entre patrão e empregado. No capítulo 2
mencionei que os trabalhadores terceirizados da VW se identificam como trabalhadores da
empresa contratante, o que agrega status a sua condição. A questão “onde você trabalha”,
pode ser corretamente respondida pelo trabalhador, inclusive o terceirizado, com o local onde
ele desempenha a atividade, ou seja, a VW ou a CSN. Enquanto a prática da VW na gestão de
sua mão-de-obra é de criação de uma certa homogeneidade e cultura comum entre
trabalhadores diretos e indiretos que estimula de certa maneira a fusão das identidades
(trabalhador do interior da Wolks = trabalhador da Wolks) –, a prática da CSN, por sua vez,
parece ter por objetivo o reforço da diferença, como fora mencionado na apresentação e no
capítulo 2.
Um trabalhador terceirizado pode apresentar-se ou ser apresentado como trabalhador
da empresa onde trabalha (utilizando uma “velha” categoria de identificação), como
trabalhador terceirizado (por si mesmo e pelos outros), ou como trabalhador de determinada
empresa. Ainda sim, a terminologia que o designa ou designa sua empresa pode ser tanto
“terceirizado”, “contratado” e “indireto” que generaliza sem explicar –, “empreiteiro” – que
é mais apropriado para contratos por “empreitada” –, “prestador de serviço” e
“subcontratado” ambos termos genéricos. Desta forma, a condição de trabalhador
terceirizado permanente se presta a variadas identificações que, sem estarem erradas não
definem com exatidão seu lugar no mundo da empresa e do trabalho.
146
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Sankyu: http://www.sankyu.com.br/sankyu/port/sankyu.htm
Siemens: http://pt.wikipedia.org/wiki/Siemens_Ltda.
Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/
151
DOCUMENTOS PESQUISADOS
Série anual de boletins do SMVR:
Boletim 9 de novembro de 1989
Boletim 9 de novembro de 1990
Boletim 9 de novembro de 1991
“Resenha da Imprensa” de 1995
Boletim 9 de novembro de 2002
Boletim 9 de novembro de 2004
Boletim 9 de novembro de 2005
Boletim 9 de novembro de 2006
Boletim 9 de novembro de 2007
152
ANEXO I – Perfil dos entrevistados sindicalistas e ex-sindicalistas do SMVR
143
Cargo / Função Histórico Data da entrevista
Renato Soares
(Presidente do SMVR
2007 - 2009; 2010 -)
Entrou na CSN em 1978 aos 18 anos como servente.
Em 1984 fez curso de manutenção em elétrica e
conseguiu uma transferência para a Coqueria como
eletricista. Participou de todas as greves e arrastões da
CSN como ativista desde 1984. Ficou na Coqueria até
2006 quando foi eleito para a presidência do SMVR.
17/11/2009
Carlos Perrut
(Presidente do SMVR
1998 - 2006)
Começou na CSN como empreiteiro em almoxarifado
aos 18 anos. Fez um processo seletivo que o habilitou
a entrar para os quadros da CSN, onde trabalhou como
técnico de operação na aciaria. Foi eleito para a
presidência do SMVR para as gestões de 1998-2000,
2001-2003 e 2004-2006.
28/10/2009
Luiz de Oliveira
Rodrigues (Luizinho)
(Presidente do SMVR
1992 - 1997)
Foi metalúrgico e militante sindical durante a década
de 1980. Entrou para o SMVR em 1983 sob a
presidência de Juarez Antunes. Foi eleito para o
mandato de presidente do SMVR para o período de
1992-1997. Após este período, continuou atuando
como sindicalista e chegou à vice-presidência (1997-
1999) e à presidência da Confederação Nacional dos
Trabalhadores Metalúrgicos (1999-2005).
05/04/2009
João Campanário Atua com advogado do SMVR desde 1983 quando da
presidência de Juarez Antunes. Desde de então
participou ativamente de todas as mudanças que
caracterizaram as diferentes gestões e momentos do
SMVR.
03/11/2009
Juarez Começou a trabalhar na FEM em 1978, aos 18 anos,
na área de manutenção mecânica e elétrica. Trabalhou
durante 13 na empresa. Foi demitido e trabalhou em
várias empreiteiras como a Eneasa e Equipe na
manutenção mecânica como “peão de trecho”.
Trabalhou durante 3 meses na ABB e depois voltou a
trabalhar como “peão de trecho”. Entrou na Sankyu em
2004 onde desempenha a função de mestre. Em 2006
tornou-se sindicalista do SMVR.
30/10/2009
143
Neste anexo arrolei apenas os entrevistados que são sindicalistas e ex-sindicalistas do SMVR. Com o intuito
de preservar as identidades dos outros entrevistados, introduzi no corpo do texto identificações genéricas sobre a
empresa e, por vezes, sobre a função que desempenham ou desempenharam, com notas que indicam apenas uma
trajetória superficial e pouco precisa dentro da CSN. Além dos trabalhadores entrevistados listados, mantive
contato permanente com mais 3 trabalhadores, com o diretor de Comunicação do SMVR, Carlos Pinho, e com o
gerente regional do trabalho e emprego, Dr. Luiz Felipe Monsores. No decorrer do texto e na transcrição das
entrevistas utilizei como identificação principal a empresa empregadora e a função desempenhada à época da
entrevista ou à época de saída do trabalhador da Usina Presidente Vargas. Quando pareceu interessante para a
melhor compreensão do lugar da “fala” do entrevistado, associei àquela primeira identificação (que corresponde
ao cargo ocupado na época da entrevista ou antes de sair da UPV) outras que indicavam uma trajetória prévia do
trabalhador dentro da Usina.
153
ANEXO II – Perfil das principais empresas terceirizadas da UPV
Sankyu
A Sankyu é uma multinacional japonesa que tem filiais nos principais países da
América do Sul, América do Norte, Europa, África e Ásia. No Brasil, ela atua desde 1972.
Em 1973 e 1982 foi contratada para auxiliar na construção do Alto forno 3 e para reforma da
Laminação de Tiras a Frio (LTF) 1 e 2 da CSN, respectivamente. Atualmente, possui 6 filiais
situadas nas cidades de Belo Horizonte (MG), Ipatinga (MG), João Monlevade (MG),
Cubatão(SP), São Paulo (SP) e Volta Redonda (RJ). A empresa atua nas áreas de apoio
operacional, logística, montagem industrial e manutenção de equipamentos. Para a
manutenção de equipamentos, contrata tanto mão-de-obra permanente quanto temporária.
Suas principais clientes são: Cosipa, Belgo Mineira, Usiminas, CSN, Companhia Siderúrgica
Tubarão, Gerdau, Cenibra, Petrobrás e Volkswagen. Em 1994 e em 2002 fechou contratos de
manutenção com a CSN, especialmente na área de siderurgia (Coqueria, Aciaria, Alto fornos
e Central Termoelétrica – CTE).
Comau
A Comau teve origem em 1973 em Turin como um consórcio de máquinas e
equipamentos que reunia fabricantes de material tecnológico para a fábrica Togliattigrad
VAZ, na Rússia. Desde então, o grupo Comau incorporou outros empreendimentos e fábricas
desenvolvendo-se principalmente na área de tecnologia, robótica e automação. Em 1995 a
empresa estabeleceu-se no Brasil e na Argentina. Em 1998, a Comau service foi criada com o
intuito de oferecer serviços de manutenção em geral, especialmente para a indústria
automotiva. A Comau tem como clientes no Brasil grandes empresas, dentre as quais a
Petrobrás, a CSN, a Vale do Rio Doce, a Fiat, a GM, a Ford e a Renault. A Comau é parte do
grupo Fiat. Na CSN a Comau atua, desde 2003, na prestação de serviços de manutenção na
área de Laminação.
Vais do Brasil
A Voest Alpine é uma multinacional, originalmente austríaca, que foi incorporada
pelo grupo Siemens. Pertencem à Siemens a Voest Alpine Indústria Ltda e a Voest Alpine
Industrial Services Ltda. Dentro da CSN, a Vais do Brasil atua como prestadora de serviços
especializada em lingotamento contínuo desde aproximadamente 2001/2002.
Cikel
Empresa brasileira madeireira criada em 1977 em Açailândia (MA). O Grupo Cikel
atua nos segmentos de madeira, logística e serviços, e siderurgia, com clientes no Brasil, nos
Estados Unidos, na Europa, Ásia, Caribe e Oceania. A Cikel atende distribuidores e
revendedores de madeira, empresas ferroviárias e as indústrias de construção civil, moveleira,
naval, de embalagens, e de componentes e artefatos de madeira. Emprega 1900 trabalhadores
e possui sete complexos industrias no Pará, Maranhão e Paraná. Na CSN, atua principalmente
nos setores de embalagem, limpeza, infraestrutrutura e construção civil.
154
Magnesita
A Magnesita Refratários S.A. é uma multinacional brasileira que se ocupa da
mineração, produção e comercialização de materiais refratários e na prestação de serviços nas
indústrias siderúrgica e de cimento. A empresa é responsável por 24 unidades industriais de
mineração no Brasil, na França, na Alemanha, nos Estados Unidos, na China, em Taiwan e na
Argentina. A empresa tem um contingente de 8000 trabalhadores e ocupa o terceiro lugar no
ranking dos maiores produtores de refratários do mundo. Além da produção de refratários, a
Magnesita oferece mão-de-obra especializada em manutenção deste tipo de equipamento. Na
CSN a empresa tem contrato de prestação de serviços na manutenção, supervisão e montagem
de refratários.
155
ANEXO III – Principais áreas e atividades terceirizadas para outras empresas na UPV
Sankyu
- Pátio de Matérias Primas (Manutenção), Altos Fornos
(Manutenção), Coqueria (Manutenção) e Sinterizações
(Manutenção);
- Transportadores de coque, Stacker reclamer, Transporte de
minério após reclamer, Transporte de minério após reclamer,
Máquinas Móveis, Enfornadoras, Desenfornadoras, Sinterizações,
Transportes Minérios, Transportadores Sinter, Alto forno 2,
Alto forno nº3, PCI-Injeção finos Carvão, Stock House, Oficinas
Setoriais;
- Aciaria “LD” (Manutenção): Máquinas Corrida Contínua,
Conversores, Transportadores de Cal, Sistemas de Gás, Forno
“RH”, Oficina Setorial;
- Fábrica de Cal
- Utilidades (manutenção / operação) : Sistema de água crua e
tratada, Carboquímico, Sistema de Vapor, Sistema de Gás, Oficina
Setorial, Central de Compressores, SPCI, ETEQ’s
- Manutenção de Ponte Rolante
Comau - Revestimento Zincado (Manutenção), Revestimento Estanhado
(Manutenção), Recozimento Chapas (Manutenção), Laminação a
Quente (Manutenção), Laminação a Frio (Manutenção);
- Linha de Acabamentos a Frio, Linha de Recozimento, Linha de
Zincagem, Linha de Encruamento, Linha de Estanhamento,
Tesoura Rotativa, Virador de Bobina, Linha de Corte/Reinspeção,
Linha de Recozimento Contínuo, Linha de Preparação de Bobina,
Linha de Encruamento, Linha Limpeza Eletrolítica, Linha
Preparação de Bobina a Quente, Linha de Decapagem, Laminador
Tiras a Quente, Usinas Recuperação Ácido, Laminadores Tiras a
Frio, Oficina Setorial.
M&P Trafos
(energia)
- Alta tensão, Aterramento, Pára-Raio, Subestação, Linha Viva,
Conversores de Frequencia.
Cikel
(embalagens e
expedições)
- Recebimento, Embalagem, Entrepostos, Expedição, Infraestrutura.
Verzani
Sandrini
- Manutenção Predial, Limpeza, Jardinagem.
Estaposte - Distribuição de Carga, Retirada de rejeitos industriais, Transporte
de pessoal da usina, Movimentação Carga Operação,
Infraestrutura.
Magnesita - Manutenção de refratários
Sobremetal - Beneficiamento de Materiais
Vais do Brasil - Lingotamento contínuo
As atividades de Transporte Ferroviário interno, como puxamento de carga, deslocamento de carga eram
realizadas pela empresa Ormec e foram primeirizadas em 2006. Da mesma forma, a Guarda Patrimonial que era
terceirizada, passou para a CSN em 2007. À exceção da Verzani Sandrini, vinculada ao Sindicato de Asseio e
conservação e a Cikel, cujos trabalhadores estão divididos entre o Sindicato da Construção Civil e o Sindicato de
Asseio e Conservação, todas as demais empresas foram enquadradas na categoria de metalúrgicos e pertencem à
base do SMVR.
156
ANEXO IV - Boletim 9 de novembro de 12 de junho de 2006
157
ANEXO V - Boletim 9 de novembro de 31 de maio de 2006
158
ANEXO VI - Boletim da Campanha Salarial Unificada de 17 de abril de 2007
159
ANEXO VII - Boletim da Campanha Salarial Unificada de 7 de maio de 2007
160
ANEXO VIII - Boletim da Campanha Salarial Unificada de 10 de maio de 2007
161
ANEXO IX - Boletim da Campanha Salarial Unificada de 16 de maio de 2007
162
ANEXO X - Boletim da Campanha Salarial Unificada de 30 de maio de 2007
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