Download PDF
ads:
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
iii
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ARTES DA UNICAMP
Título em ingles “To the Listening of the Sea: Choreographic creation with
Description and Analysis”
Palavras-chave em inglês (Keywords): Artistica creation.
Dance.Choreography. Feminine.
. Visual arts.
Titulação: Mestre em Artes
Banca examinadora:
Profa. Dra. Antonieta Marília de Oswald de Andrade
Profa. Dra. Profa. Dra. Julia Ziviani Vitiello
Prof. Dr. Fernando Passos
Profa. Dra. Verônica Fabrini
Prof. Dr. Jorge Schroeder
Data da Defesa: 31-08-2007
Programa de Pós-Graduação: Artes
Nanci, Maria Beatriz Frade.
N153e À Escuta do Mar...: Cri
ação coreográfica com Descrição e Análise /
Maria Beatriz Frade Nanci – Campinas, SP:[s.n.], 2007.
Orientador: Antonieta Marília de Oswald de Andrade.
Dissertação(mestrado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Artes.
1. Criação artistica 2. Dança. 3. Coreografia 4. Feminino I Andrade,
Antonieta Marília de Oswald de II. Universidade Estadual de
Campinas. Instituto de Artes. III. Título
.
(em/ia)
ads:
iv
v
À minha mãe
vi
AGRADECIMENTOS
À
minha mãe, Maria Antonieta Cereja Frade, pelo companheirismo em todos os
momentos , e pela revisão do texto.
Ao Mauro, amigo eterno, por todo o apoio.
Ao meu pai, Sávio, pelo carinho .
Ao meu irmão, Savito, pelo bom censo .
À minha orientadora Profa. Dra. Marília de Andrade por aceitar orientar-me neste
processo difícil, repleto de transformações e descobertas.
À Laura Mansin Oliveira , por clarear os caminhos , possibilitando-me a escuta.
À Profa. Dra. Verônica Fabrini, pelo grande estímulo.
À Profa. Dra. Graziela Rodrigues por mostrar-me novas possibilidades e instigar-me o
questionamento a respeito dos caminhos na dança.
Ao Prof. Dr. Jorge Schroeder, por ter realizado e partilhado comigo, a criação das
trilhas sonoras de todas as minhas coreografias.
Àqueles que me ajudaram direta ou indiretamente, neste processo, desde o início :
Lorena , Barbosa e Lume Teatro, pelo espaço cedido, Renato Ferracini pela contribuição
(Lume Teatro),Gimena de Melo, Aldiane Dala Costa, Moacir Ferraz, Rafael
Vanazzi,Carla(GEEU- Grupo de Escalagem Esportiva da Unicamp),Raquel Gouvêa, Luciana
Palharini, Diego (Goiano), Pai Mário, Grupo Tao,Adriana Paes Leme,Rodrigo , Rafael, Ivani,
Jéssica e Juliana Friol
vii
RESUMO
Esta dissertação apresenta a descrição e análise de um processo de criação
coreográfica intitulada À Escuta do Mar... , com base em elementos presentes na poética
do universo feminino, tema central de minhas criações. A coreografia procura apresentar a
síntese de diversos trabalhos técnicos e de criação em dança e teatro, vivenciados ,desde o
início da carreira artística. Na busca por uma linguagem corporal ou uma poética própria na
dança, ao transcorrer por criações anteriores, analisei e descrevi também suas personagens
baseadas em referências femininas diversificadas, e observei ainda as técnicas codificadas e
formas pré-concebidas contidas em cada criação. Tais personagens femininas, juntamente
com a nova personagem desta coreografia proposta são resultado de minha busca por uma
linguagem pessoal. Assim, esta nova personagem é a metáfora de minha Escuta, ou seja, de
uma referência feminina própria.
viii
ABSTRACT
This study presents a description and analysis of a choreographic creation process
intitled "À Escuta do Mar" (Waiting to Hear the Sea...). The study is based on elements of the
feminine universe poetry, which is the central subject of my criations. The choreographic part
aims to present a synthesis of many technical and inventive works in dance and theater of my
artistic carrer. While revisiting my old creations in a search for a poetical corporal language or
a particular poetry in dance I had analysed and described the characters based on different
feminine references, and also had observed the codified techniques and preconceived
gestures used in each creation. Those feminine characters together with the character of this
new choreographic proposal are results of a search for my own personal artistic language.
Thus, this new character is a metaphor of my "hearing", that is, of a particular feminine
reference.
ix
SUMÁRIO
Resumo..........................................................................................................vii
Abstract..........................................................................................................vii
Introdução........................................................................................................1
Capítulo 1
Da Bailarina às Personagens Femininas
1.1. Influências das Linguagens: Nascimento.................................................4
1.1.1. O Método BPI : Bailarino-Pesquisador-Intérprete..........................................13
1.2. As Personagens Femininas.....................................................................16
1.2.1. A Noiva...........................................................................................................16
1.2.2. A Amazona.....................................................................................................22
1.2.3. Josefina.......................................................................................................... 27
1.2.4. Luzia...............................................................................................................32
1.2.5. Agda................................................................................................................39
Capítulo 2
Escutar-se: O Processo
2.1. Reflexões entre o Inconsciente e o Processo Criativo...........................45
2.2. Processo de Criação: A Nova Personagem...........................................49
2.2.1. Relatos do processo: Diários.........................................................................53
2.2.2. Textos, Poemas e Voz..................................................................................;62
2.2.3. Sons e Músicas..............................................................................................64
2.2.4. Figuras...........................................................................................................64
2.2.5. Os Movimentos-Matrizes...............................................................................67
2.3.Orientação Coreográfica.........................................................................69
2.4.Elaboração do Roteiro Coreográfico.......................................................70
2.5.Trilha Sonora, Elementos Cênicos e Figurinos.......................................70
2.6.A Mulher..................................................................................................72
Considerações finais.....................................................................................74
Referências bibliográficas.............................................................................76
1
INTRODUÇÃO
...Você neste lugar representa a coletividade, com as humilhações que passou, com seu
cinismo que é autodefesa, e seu otimismo, que é irresponsabilidade, com seu sentimento de
culpa e sua necessidade de amar, a saudade do paraíso perdido, escondido no passado, na
infância, no calor de um ser que lhe fazia esquecer a angústia. Todas as pessoas presentes
nesta sala ficariam sacudidas se você efetuasse, durante a representação, um retorno a
estas fontes, a este terreno comum da experiência individual, a esta pátria que se esconde.
Este é o laço que o une aos outros, o tesouro sepultado no mais profundo do nosso ser,
jamais descoberto, porque é nosso conforto, porque dói ao tocá-lo.... ( BARBA, 1991: 29)
Nesta dissertação pretendo descrever e analisar o processo de criação artística de
uma coreografia criada por mim, intitulada “À Escuta do Mar... .Nela, acredito estarem
sintetizados os diversos processos de trabalhos técnicos e de criação em dança e teatro,
vivenciados desde minha infância até os dias de hoje.
Em busca de uma linguagem corporal que seja a síntese de todas experiências em
técnicas codificadas, experimentadas por meu corpo, e que expresse vivências e imagens de
meu universo subjetivo, atravessei longo processo de desenvolvimento, chegando ao
resultado artístico que agora apresento.
Iinicio, no capítulo I da dissertação, descrevendo minhas diferentes criações nicas,
pois estas refletem o produto de meu aprendizado técnico e de minhas vivências em dança e
teatro. Constantemente tais criações estiveram focadas em personagens femininas e no
universo igualmente feminino, que acabou por se tornar uma fonte central de inspiração. O
tema centrado no Feminino sempre me estimulou em virtude da busca por referências
femininas que refletissem sensações, imagens, memórias e emoções , com as quais, em
2
cada momento de vida, me identifiquei. Minha busca pela individualidade na linguagem
corporal é, aqui, metaforizada pela trajetória de personagens baseadas nessas referências
femininas diversificadas e, cada uma, propiciou-me uma descoberta. Ao fazer uma analogia
dessa busca com a escuta do corpo, surge então uma personagem cuja referência feminina
é a sua própria; e o caminho a trilhar é o caminho escolhido por ela, através de seus
próprios passos.
No capítulo II descrevo e analiso o trabalho desenvolvido para a criação da nova
personagem
na coreografia
“À Escuta do Mar...”
, bem como todos os aspectos contidos no
processo de criação como, músicas, figurinos etc.
Dessa maneira, espero que esse trabalho venha contribuir na pesquisa das artes
corporais cênicas para dançarinos e atores que buscam se libertar dos padrões corporais
convencionais para ter, como principal referência, seus próprios corpos e poética; e espero
também poder inspirar profissionais que ensinam sua arte e suscitam, no aluno, a busca por
suas próprias expressões. E, por fim, considero esta pesquisa, por meio da dança, também
um caminho para a arte no mundo contemporâneo. Além da dissertação , a pesquisa
apresenta um vídeo que registra a coreografia proposta.
3
Capitulo 1. Da Bailarina às Personagens Femininas
A busca por uma linguagem corporal própria, ou de uma poética própria na dança,
desenvolveu-se ao longo de anos e foi caracterizada por uma trajetória de personagens cuja
referência feminina foi inspirada em vários arquétipos femininos e mulheres reais, as quais ,
em cada criação, propiciaram novas descobertas. Foram cinco personagens que permearam
a trajetória até agora : A Noiva de Bodas de Sangue, em “Versos de Amor de Lorca (Cia
Viadúltera Trupe); a Amazona de Virgínia Wolf, em “Amadzón”; Josefina, a sertaneja, em
“Elas em Nós; Luzia, a mulher criadora do universo em “Mulher de Barro”; e a transgressora
Agda em “Agda , de Hilda Hilst (Cia da Rosa). Mais adiante, falaremos especificamente de
cada uma. Para isto, procurou-se aqui, evidenciar o percurso feito e as etapas do processo
de criação na dança. Nesse percurso, naveguei por diversas técnicas codificadas e formas
pré-concebidas, a meu ver, totalmente necessárias à busca por uma estética própria,
focada em princípios e simbologias pessoais.
A técnica codificada de dança cênica é uma linguagem corporal cujos movimentos se
organizam por códigos estabelecidos, e assim, por movimentos pré-determinados ;
geralmente é chamada também de técnica-extracotidiana, por ser uma linguagem corporal à
parte da linguagem cotidiana. Conforme Eugenio Barba
1
, o comportamento humano, ao se
utilizar da própria presença física e mental em uma situação organizada de representação
cênica, apresenta alguns princípios corporais diferentes dos usados na vida cotidiana. Ele
desenvolveu tal pesquisa, unindo experiências de dançarinos-atores de diferentes culturas,
a fim de encontrar esses princípios básicos que regem o corpo cênico ou presença do artista.
Tais princípios são: Energia (estar em ação, em trabalho); Equilíbrio Extracotidiano e as
Oposições. Os três orientam na manifestação do corpo não-cotidiano, dilatado, modificado e
1 Eugenio Barba, italiano, pesquisador de teatro, nascido em 1936, desenvolveu estudo do
comportamento humano ao representar cenicamente, chamando-o de Antropologia Teatral.
4
indicam a necessidade de romper com os automatismos para criar um corpo cênico, ou seja,
um corpo equivalente
2
.
A técnica codificada pode facilitar ou limitar a criação do dançarino-ator, dependendo
de como a utiliza, a seu favor :
Desnecessário dizer que os atores que trabalham dentro de uma rede de regras
codificadas possuem uma maior liberdade do que aqueles – como os atores ocidentais
que são prisioneiros da arbitrariedade e de uma ausência de regras. Mas os atores
orientais pagam por sua maior liberdade com uma especialização que limita suas
possibilidades de ir além do que eles conhecem. (Barba, 1995:8)
1.1. Influências das Linguagens : Nascimento
Meu percurso na dança e conseqüentemente em técnicas codificadas iniciou-se aos
8 anos com o ballet clássico, praticado até os 13 anos. Durante esse período de cinco anos
vivenciei algumas apresentações em teatros e mostras de dança, e pude assim, entrar em
contato, desde criança, com a dança cênica e a prática de palco. A pedagogia desenvolvida
nesses anos, privilegiava mais a idealização de um corpo e de uma movimentação
específica. Muitas vezes eram cobrados nas aulas uma expressividade, uma emoção, um
movimento feito "com alma". Porém, isso era totalmente aleatório e subjetivo, uma vez que,
por mais que se atribuísse uma emoção a um movimento específico da técnica, esta
continuaria contida num movimento pré-determinado. O foco não estava no fato da criança
ou adolescente desenvolver a expressão de sua subjetividade, de seus conteúdos
imagéticos por meio dos seus próprios movimentos, mas na destreza dos movimentos com o
intuito de chegar a uma perfeição técnica, e assim, ao exibir um ou outro aluno, criava-se um
clima de competitividade e comparações, tendo sempre na figura da bailarina o ideal de um
2 Eugenio Barba in Raquel Valente de Gouvêa (dissertação de mestrado,fevereiro 2004 – Unicamp)
5
corpo longilíneo e etéreo . Importante ressaltar que o ballet clássico , assim como tantas
outras, é uma técnica de dança com estética e comunicação próprias, sendo , portanto,
questão de escolha adotá-la ou não.
O ballet clássico tem suas raízes na Itália renascentista onde espetáculos
compostos por uma mistura de dança, canto e textos falados eram realizados em grandes
salões por membros da corte. Mas foi na França, após o casamento da italiana Catarina de
Médicis com o Rei Henrique II da França em 1533 que o ballet se desenvolveu e durante o
reinado de Luis XIII, tomou a forma na qual é conhecido hoje. No ano de1661, seu filho Luiz
XIV, o rei Sol , fundou a Académie de Musique et de Danse, com o objetivo de sistematizar,
preservar a qualidade e de fiscalizar o ensino e a produção do ballet. Os chamados ballets
de repertório baseiam-se em composições musicais que contribuíram para torná-lo popular
na Europa e depois, no resto do mundo. A partir do Romantismo as mulheres passaram a se
destacar mais, assim como Marie Camargo, bailarina belga que realizava passos de dança,
antes de domínio exclusivo dos bailarinos homens e criou também alguns passos , hoje
incorporados ao ballet. Marie encurtou os vestidos e saias até acima dos tornozelos para
permitir maior liberdade de movimentos às bailarinas, além de calçar sapatos sem saltos.
Peguemos as características exigidas para a bailarina, dentro do contexto da técnica
clássica em cena : perfeita, bela, leve, etérea... Sua técnica corporal consiste em
princípios como: postura ereta; colocação das pernas en dehors (rotação externa dos
membros inferiores); verticalidade corporal; simetria; e os movimentos realizados pelas
extremidades , principalmente pernas, priorizando a força física, mesmo demonstrando
somente a leveza. Movimentos que expressassem as contradições, dualidades e conflitos ,
tais como por exemplo, contrações ou contorções , vibrações corporais o caberiam nesta
técnica, criada justamente porque ela se compõe de movimentos que procuram expressar
uma feminilidade sutil, frágil, etérea, quase sempre sonhadora. O código é bastante rígido,
como nas danças orientais já citadas anteriormente, e portanto, há uma tendência das
coreografias reproduzirem sempre os mesmos movimentos.
A imagem da bailarina é uma referência feminina que até hoje exerce um poder de
sedução muito grande, em especial nas meninas, assim como também a mim seduzia ,
6
como um modelo de mulher a ser seguido. Modelos e referências femininas sempre
permearam minha vida desde a infância, e direcionaram minhas criações poéticas e
motivações artísticas, sempre na busca por um arquétipo feminino com o qual me
identificasse. Porém ,no percurso,e principalmente no processo desta pesquisa, as vivências
e descobertas mostraram-me que, para expressar minha vivência do feminino, eu viria a
rejeitar técnicas codificadas; e minha busca por um estilo próprio de dança está intimamente
ligada a essa questão.
7
Anna Pavlova
3
em “A Morte do Cisne”
Esta é uma foto antológica. Na foto Anna Pavlova transmite uma expressão de fragilidade e
melancolia, mantendo a graciosidade , ainda que necessite de muito esforço e prática, para manter-
se nas pontas dos pés com as sapatilhas.
Nas fotos a seguir a bailarina demonstra sua feminilidade sempre com graça e
delicadeza, características fundamentais na técnica do ballet clássico. A referência de
3 Anna Pavlova possuía um talento e carisma excepcionais , os quais fascinaram o mundo da dança
clássica no fim do culo XIX e na primeira metade do século XX. Seu extraordinário talento e suas
interpretações extremamente pessoais deram um novo sentido ao ballet clássico. No final do século XIX o ideal
da bailarina era ter corpo compacto e musculoso, para poder atender aos requisitos de técnica e performance
nas danças. Anna Pavlova mudou esta visão, influenciando diretamente nas referências e modelos femininos
representados na bailarina, com sua figura graciosa e delicada e por seu modo personalíssimo de dançar , o
que a fez ganhar destaque nos balés em que atuava e arrebanhar fãs entusiastas
.
8
mulher expressa por sua figura é aquela com movimentos delicados, graciosos, precisos,
apesar do vigor e da força necessárias para o artista realizar todos os movimentos muito
complexos, difíceis e elaborados. Assim, todo o esforço é disfarçado , seja qual for o
papel representado, expressando emoções, mas sempre mantendo a maior delicadeza
possível.
Nas fotos, a bailarina mantêm um olhar levemente esquivo, braços suaves e pés esticados
em ponta e girados para fora (en dehors) , conforme a técnica exige.
Anna Pavlova como Giselle, Ato I (ano 1900)
9
Essa digressão inicial a respeito da dança clássica deve-se ao fato de esta técnica
ser a origem do meu desenvolvimento artístico. Passo agora a discorrer, ainda que de
maneira suscinta, como meu aprendizado na dança foi marcado por esta e outras diferentes
linguagens e cito os trabalhos desenvolvidos em dança e teatro, com personagens femininos.
Posteriormente, aprofundarei a análise das técnicas e dos trabalhos artísticos aqui citados.
Dos 8 aos 13 anos de idade a técnica de ballet clássico esteve presente, e após quatro
anos, distante desta técnica e com passagens em atividades esportivas como a natação,
ginástica aeróbica e judô, retornei à dança por meio de outra técnica codificada, o
Jazz
4
.
Durante quase três anos tive a oportunidade de participar de um grupo que realizou várias
apresentações em teatros, festivais e mostras de dança, e este era dirigido por um
coreógrafo e professor da escola, na região do ABCD Paulista, Santo André, o qual sempre
criava as coreografias , exigindo uma realização perfeita através dos intensos ensaios, o
havendo nas aulas, estímulos para cada bailarino criar e pesquisar movimentações próprias.
Nesse período iniciou uma desconstrução da minha imagem como bailarina clássica com sua
graça e leveza, dando espaço à imagem da dançarina de jazz, cujos movimentos fortes
sugerem uma feminilidade mais agressiva.
Em 1995, ao ingressar no curso de Graduação em Dança, da Unicamp, cujo corpo
docente é composto de professores com diferentes formações, pesquisas e técnicas, pude
vivenciar intensamente questionamentos em relação às concepções de dança conhecidas
até então. Tive contato com técnicas de dança moderna e contemporânea, danças
brasileiras, Lian Gong
5
, técnicas de Improvisação, Composição Coreográfica e Consciência
Corporal, além de vivências fora da faculdade, por intermédio da capoeira, da dança
flamenca e da dança do ventre. O contato com estas técnicas, acompanhado de muitas
4 O Jazz foi desenvolvido pelos norte-americanos com base nas danças africanas. Durante a década
de 20 , nos EUA, foi absorvido pelo show-business e gradualmente transformada em cnica e estilo
codificados.
5 Lian Gong em 18 Terapias ginástica terapêutica chinesa criada na China pelo Dr.Zhuang Yuen
Ming , a qual consiste em uma prática corporal focada em exercícios terapêuticos e preventivos para dores e
desequilíbrios no corpo, além de problemas como tenossinovites e disfunções dos órgãos internos. Foi trazida
para o Brasil por Maria Lucia Lee, atual presidente da Associação Brasileira de Lian Gong em 18 terapias.
10
reflexões e questionamentos, foi fundamental para minha transformação , mas não sem
alguma dor, pois as mesmas provocaram-me um choque enorme ao conflitarem com antigas
referências e modelos de corpo, de técnicas e do feminino, adquiridos em minha formação
como dançarina.
A imagem da bailarina modificou-se, desconstruiu-se ao poucos, abrindo caminho
para a construção de uma referência antes de tudo em meu próprio corpo, ainda que,
gradualmente. Logo no primeiro ano de graduação participei como dançarina de um grupo
de dança contemporânea, o
Necessidança
, dirigido por uma ex-aluna do departamento de
Artes Corporais, Carla D’Avila, e formado por dançarinas da graduação, no qual pude
vivenciar uma série de apresentações num âmbito já profissional.
Nesse período da graduação, também tive meu primeiro contato mais intenso com o
teatro, participando por um ano de um grupo de pesquisa formado por alunos de graduação
da Dança e do Teatro, o ViadúlteraTrupe, dirigido por um ex-aluno do Departamento de Artes
Cênicas, Felix Del Cid. A pesquisa resultou em um espetáculo teatral intitulado “Versos de
Amor”, baseado em obras de Frederico Garcia Lorca, especialmente Bodas de Sangue e
Yerma. Pude vivenciar a prática cênica em teatro através de várias apresentações do
espetáculo em Campinas, interior de São Paulo e em Londrina, PR, o FILO(Festival
Internacional de Londrina). A personagem vivida por mim nesse período foi A Noiva de
Bodas de Sangue; a primeira personagem, após as vivências como bailarina no ballet e no
jazz, que me iniciava em um percurso no universo feminino, na busca por uma identidade.
Durante esse período até o inicio do terceiro ano de graduação, os conflitos gerados em
relação à busca de uma linguagem pessoal na dança, após passar por diversas técnicas e
conceitos de dança, levaram-me quase a uma desistência do curso, e também a um
interesse maior pela arte do teatro. Mais adiante detalharei este espetáculo (“Versos de
Amor”) e personagens, bem como outros, que vim a criar em meu percurso artístico.
Após a vivência no teatro e em algumas disciplinas do curso de dança, cheguei à
minha primeira elaboração de uma personagem na dança, com uma coreografia solo a
qual intitulei Amadzón. Neste solo, a personagem foi criada com base no mito grego das
amazonas e em um poema de Virgínia Wolf. Tal trabalho teve apresentações em Campinas
11
e região; em São Paulo, capital, e em Santos foi premiado na 1.a Bienal Sesc de Dança, em
1998. No final da graduação tive vivência com um método desenvolvido pela Prof.a Dra.
Graziela Rodrigues, do Departamento de Artes Corporais , o BPI: Bailarino-Pesquisador-
Intérprete. Participei desse método durante quatro semestres através das disciplinas de
Danças Brasileiras e Trabalho de Graduação Integrado l e ll. Minha identificação com seu
trabalho deu-se pela proposta inicial de desenvolver uma movimentação corporal pessoal
que fosse fruto de meus próprios conteúdos internos. Como parte da prática no método BPI,
juntamente com colegas da graduação de Dança da Unicamp, realizamos como Trabalho de
Graduação Integrado (TGI) para a conclusão do curso, um espetáculo intitulado Elas em
Nós”, orientado e dirigido pela Prof.a Graziela Rodrigues. A personagem que nasceu
decorrente de quase um ano de trabalho neste grupo foi Josefina , mulher sertaneja,
corajosa, surgida da observação e pequena convivência com mulheres reais.
Após a conclusão da graduação vivenciei ,algumas técnicas de Interpretação e de
Treinamento Corporal para atores através de algumas oficinas e cursos realizados no Lume
6
.
A vivência nessas oficinas permitiu-me refletir a respeito das técnicas codificadas, visto que
o trabalho do Lume consiste em uma pesquisa desenvolvida há anos, cuja meta é o estudo e
aprofundamento de métodos que permitam a elaboração e codificação de uma técnica
pessoal
para a arte do ator.
7
Nesse período também iniciei nova pesquisa com base no método BPI , já conhecido
na graduação, e também nesses laboratórios de criação estimulei-me, principalmente, por
uma busca de símbolos e arquétipos do universo feminino. Também nesses laboratórios,
utilizando-me de exercícios aprendidos no processo BPI e de estímulos sonoros de
manifestações populares brasileiras, cheguei a algumas imagens iniciais. Realizei uma
pesquisa de campo em uma comunidade de mulheres com tradição muito antiga de fazer
6 O Lume, Núcleo Interdisciplinar de Pesquisas Teatrais, tem sede em Barão Geraldo, Campinas/SP e
é vinculado à Unicamp. Luís Otávio Burnier foi um dos responsáveis pela fundação em 1985. Burnier
desenvolveu sua pesquisa com base em pesquisadores teatrais como Jerzy Grotowski e Eugenio Barba.
7 FERRACINI, Renato. A arte de não interpretar como poesia corpórea do ator. SP: Editora da
Unicamp,2003 , p. 31
12
panelas de barro, conhecidas como Mulheres Paneleiras de Goiabeiras , em Vitória do
Espírito Santo. Criei uma coreografia solo intitulada "Mulher de Barro"
8
, cuja personagem ,
Luzia, foi inserida em uma dramaturgia baseada no contexto de um conjunto de histórias das
mulheres paneleiras com quem convivi.
Em 2005 surgiu um convite para a participação em uma peça teatral já em
andamento, chamada Agda”, com um texto de Hilda Hilst
9
, adaptada e dirigida por Moacir
Ferraz
10
. A peça possibilitou-me desenvolver mais a questão da voz e das técnicas de
interpretação experimentadas anos atrás. A palavra , nas criações em dança, acaba sendo
mais uma via para a expressão poética; também a necessidade de clareza criada por ela,
em relação à comunicação da dramaturgia, contribui no desenvolvimento da dramaturgia da
dança.
Agda , personagem vivenciada por três atrizes ao mesmo tempo, é a mulher que
busca a si mesma, ao sagrado, a Deus, por meio do profano, representado pela relação
carnal que tem com seus três amantes: Orto, Kalau e Celônio.
8 O espetáculo “Mulher de Barro” foi apresentado em Campinas, região e em São Paulo, no Centro
Cultural Vergueiro, durante O Feminino na Dança evento anual com destaque em criações coreográficas
desenvolvidas por mulheres. Além disso, o solo foi premiado com bolsa de apoio à pesquisa coreográfica
concedida pela Rede Stagium , em 2000/2001. Tais bolsas dentro do Projeto Interior-Exterior contemplaram
projetos da região do interior de São Paulo, durante três meses . A Rede Stagium é um órgão pertencente ao
Ballet Stagium, criado em 1971 por Márika Gidali e Décio Otero.
9 Hilda Hilst (1930-2004) , poeta, dramaturga, nascida em Jaú, São Paulo. Estudou na Faculdade de
Direito do Largo São Francisco, porém exerceu somente durante alguns meses a advocacia, profissão que,
segundo confessa, a deixou "apavorada". Em 1950 edita seu primeiro livro de poesias “Presságio”. Seguem-se
várias obras poéticas até 1967 quando redige "A Possessa" e "O rato no muro" suas primeiras dramaturgias.
Em 1970 lança "Fluxo-Floema", sua primeira obra narrativa. Em 1982, claramente com intuito de vender e
conquistar o reconhecimento do público inicia sua fase pornográfica com “A obscena senhora D”. Em 1966
Hilda Hilst, após ler "Carta a El Greco", do escritor grego Nikos Kazantzakis, mudou-se para a Casa do Sol, em
uma fazenda a 11 km de Campinas, onde abdicou de sua intensa vida social para buscar o autoconhecimento.
Residiu ali até 04 de fevereiro de 2004 quando faleceu .Agda foi editado pela primeira vez em 1977 no livro
Ficções, que recebeu o prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), como "Melhor Livro do Ano".
Em 2004 foi escolhido para fazer parte do Oxford Anthology of the Brazilian Short History, organizado pela
Universidade de Yale.
10 Moacir Ferraz ator da Boa Cia de Teatro, dirigida pela Prof.a Dr.a Verônica Fabrini , e doutorando da
pós-graduação em Artes, na Unicamp.
13
1.1.1. O Método BPI – Bailarino- Pesquisador-Intérprete
Pretendo discorrer mais detalhadamente a respeito do Método BPI porque seu
aprendizado é o que me foi particularmente marcante. O método Bailarino-Pesquisador-
Interprete, desenvolvido pela Prof.a Dra. Graziela Rodrigues, docente da faculdade de Artes
Corporais, foi vivenciado por mim durante 4 semestres com disciplinas de Danças Brasileiras
e Trabalho de Graduação Integrado l e ll, ministradas por esta professora. Minha
identificação com seu trabalho deu-se justamente pela proposta de exercitar a pesquisa de
uma movimentação própria que fosse fruto de conteúdos internos a serem expressos na
dança. Desta vivência no método BPI desenvolvi alguns trabalhos cênicos, os quais
analisarei mais detalhadamente, ainda neste capítulo.
O método BPI propõe uma abordagem da dança cujo movimento é impulsionado por
emoções manifestas por meio de conteúdos simbólicos. Tais conteúdos são criados pelos
próprios bailarinos, com exercícios ritmados, através dos quais chega-se a um estado de
concentração muito grande, propiciando um contato intenso com o inconsciente. É do
inconsciente que alguns desses conteúdos simbólicos, representados por imagens, sons,
odores, sensações e memórias passam a ser ponto de partida para um processo criativo em
dança. O método também propõe, juntamente , o desenvolvimento de uma linguagem
estética com uma técnica codificada baseada nas manifestações populares brasileiras.
Assim, a autora chama de corpo brasileiro na dança” o corpo com influência nas
manifestações populares brasileiras. Nas manifestações populares a dança é a expressão de
um contexto social ; toda uma história de vida que está presente no tônus muscular do corpo
em cada movimento, em cada pulso, impulso, e intenção.
O processo consiste, em um primeiro momento, na ação do bailarino fazer uma
pesquisa de si mesmo, buscando conscientizar o corpo por meio da sua estrutura física:
ossos, músculos, articulações. Os exercícios propostos são baseados, fundamentalmente,
nas danças e manifestações religiosas populares. Associam-se aos exercícios imagens
propostas relacionadas a essas manifestações populares brasileiras que despertam
14
sensações e novas imagens internas no bailarino. A idéia é questionar profundamente o
bailarino quanto às técnicas codificadas que anteriormente foram por ele incorporadas em
sua formação, ou seja, suas formas condicionadas de movimentos. A pesquisa a respeito
das raízes da identidade dos bailarinos ,tais como ascendentes familiares e seus registros
culturais, vem complementar o entendimento dessa dança, chamada dança brasileira” por
Graziela Rodrigues.
Em resumo, segundo a autora o processo BPI consiste em:
a) Auto-questionamento do bailarino a respeito de sua relação com o corpo e com a própria
dança,
b) Realização de experiências iniciais com manifestações culturais brasileiras em
laboratório,
c) Contato direto do bailarino com as fontes em pesquisa de campo,
d) Retorno ao laboratório para articulação do trabalho criativo.
A intenção do método é desconstruir os rótulos, os modelos e as formas tão
presentes em técnicas codificadas como a do balé clássico por exemplo, elaboradas com
base em um ideal de corpo e de movimentação, e também construir novos padrões
baseados em um corpo brasileiro . Ao buscar uma linguagem própria cuja referência
primeira fosse meu próprio corpo, equivoquei-me ao acreditar que qualquer movimento que
eu fizesse , diferente da linguagem que estava apreendendo os movimentos codificados
baseados nas danças populares brasileiras - não estaria expressando a minha identidade ,
as minhas referências, as minhas raízes e que, portanto, estaria distante de mim mesma.
Ressalto o aspecto da referência de padrões corporais focar-se no próprio dançarino
, pois é justamente o cerne da pesquisa apresentada por mim. É importante lembrar que a
cultura brasileira é extremamente ampla, incluindo o contexto rural e urbano. O contexto
urbano, no qual nasci e me criei está repleto de influências de várias culturas, baseadas em
um padrão de consumo cada vez mais globalizado, símbolos e valores diversificados,
mixados, re-elaborados, provenientes de diferentes culturas.
15
Sendo assim, penso que o método BPI ,como me foi ensinado, aborda apenas uma ,
das diversas faces do que seja o “corpo brasileiro” que, no caso, está relacionado às
manifestações religiosas e festivas populares de tradição, no Brasil. Uma dançarina ou
dançarino que não tenha em sua historia familiar registro ou relação com uma manifestação
popular brasileira, enfim, dançarinos que tenham se criado em ambientes urbanos no século
XX e XXI trarão em seus corpos um conjunto de muitas vivências, estímulos e registros, os
quais formarão sua técnica corporal cotidiana e condicionarão seus movimentos criativos.
Referente a essa técnica corporal cotidiana, Marcel Mauss ressalta:
Tome o bebê - amamentado, sendo carregado,etc. Um bebê carregado pela mãe
durante dois ou três anos tem uma atitude totalmente diferente, em relação a sua mãe,
da de um bebê que não foi carregado; assim, ele tem um contato diferente de nossas
crianças. O bebê adere ao seu pescoço, seu ombro,senta-se escarranchado em seu
quadril. Essa notável ginástica é essencial ao longo de sua vida. E há outra ginástica
para a mãe que o carrega. ( Mauss apud in Eugenio Barba, p.228)
Assim, hoje, parto do princípio de que nenhum corpo é livre de padrões construídos
desde o momento da saída do útero. Acredito que a pesquisa de campo de uma
manifestação popular brasileira ou estrangeira, assim como o mais recente e urbano hip hop,
ou qualquer outra realidade pode ser um estímulo para a criação, assim como seus padrões
de corporalidade, podem somar-se às técnicas codificadas já incorporadas.
Permaneci um tempo significativo, acreditando que não havia uma estética
codificada dentro do método BPI, pois não conseguia identificá-la e tentava adotar aqueles
movimentos como se fossem os meus próprios, a referência que tanto buscava em meu
próprio corpo,como se fosse a “minha própria linguagem”. De fato o modelo de corpo, de
feminino e de movimentação estavam ligados a uma parte de mim, com a qual me
identificava: a das manifestações populares tradicionais brasileiras. Porém, era apenas uma
parte da referência feminina que eu buscava.
Josefina e Luzia, personagens as quais analisarei mais detalhadamente no item
1.2.3 e 1.2.4 , foram personagens desse período, parte de minha procura por uma referência
16
feminina pessoal. Ambas tiveram um papel extremamente importante no desenvolvimento de
uma linguagem própria, mas estavam longe de representar minha identidade como um todo.
1.2. As Personagens Femininas
1.2.1. A Noiva
O destino que a sociedade propõe tradicionalmente à mulher é o casamento. Em sua
maioria, ainda hoje, as mulheres são casadas, ou o foram, ou se preparam para sê-lo, ou
sofrem por não o ser (BEAUVOIR, 1980: 165).
“... Porque eu me fui com outro, me fui. Tu também terias ido. Eu era uma mulher
abrasada, cheia de chagas por dentro e por fora, e teu filho era um pouquinho de água,
de quem eu esperava filhos, terra, saúde, mas o outro era um rio escuro, cheio de
ramas, que aproximava de mim o rumor de seus juncos e seu cantar entre dentes. E eu
corria com teu filho, como quem levasse uma criancinha de água e o outro me mandava
centenas de ssaros que me impediam de andar, e deitavam escarchas nas minhas
feridas de pobre mulher emurchecida, de rapariga acariciada pelo fogo....” ( Diálogo
entre Noiva e Mãe do noivo – Bodas de Sangue, LORCA,Federico Garcia :153
Durante o período da vivência no teatro, com a cia Viadúltera Trupe ,entrei em
contato com a leitura de alguns pesquisadores de teatro como Jersy Grotowski , Eugenio
Barba, Brecht etc. Após um ano de pesquisa no grupo, resultou o espetáculo “Versos de
Amor de Lorca” , baseado em poemas e obras do escritor espanhol Federico Garcia Lorca,
como Yerma e Bodas de Sangue. A personagem por meio da qual desenvolvi um trabalho
de criação foi a
Noiva
, da obra
Bodas de Sangue
, além de outras personagens femininas no
decorrer da peça.
17
O processo de criação consistiu em laboratórios de improvisação, de leituras de
texto, de dança flamenca e de voz e canto. Apesar de tal processo demandar intensos
ensaios e entrega total, causando até mesmo uma exaustão desnecessária, ele suscitou-me
questionamentos relacionados às técnicas codificadas. Por ser outra forma de arte, próxima
da dança mas que privilegia a voz e o texto verbal desenvolvidos juntamente com a
dramaturgia, a necessidade de se saber a respeito do que se quer expressar por meio de
intenções e sentimentos identificados é geralmente mais clara justamente pela presença da
palavra. Essa vivência contribuiu intensamente para o encontro de uma fusão entre as duas
artes, uma contribuindo com a outra. E assim pude perceber que a linguagem, na qual eram
expressados os conteúdos poéticos, esta ganhava aos poucos uma particularidade,
instigando-me ainda mais a buscar o cerne que direciona a atual pesquisa. Os textos e
personagens foram escolhidos e atribuídos pelo diretor ao longo do processo, conforme se
caminhava nas improvisações dos atores em laboratórios criativos que direcionaram a
dramaturgia da peça.
Bodas de Sangue conta, permeado por diversos símbolos da cultura espanhola
andaluz, a história de uma festa de casamento, interrompida pela fuga da noiva com seu
amante, a quem realmente ama. Garcia Lorca questiona em sua obra valores sobre
sexualidade, família, relações sociais e política. Na peça
Yerma
o conflito está no drama de
uma mulher que nunca consegue ter filhos, com foco nas conseqüências desse estigma , no
seu casamento e nas relações familiares e sociais da época. Nas duas obras é abordado o
universo feminino de forma central. Lorca expressa os desejos e frustrações das duas
mulheres, a Noiva e Yerma, cujos conflitos são: da primeira, o casamento indesejado com
um homem, amando a outro, e da segunda, lidar com a infertilidade.
18
A Noiva ,uma mulher cheia de desejos e sonhos mas reprimida pelos valores sociais
e morais da sua comunidade, casa-se por uma necessidade de segurança, por um costume
social, como se não houvesse mais nenhum outro caminho além do casamento . Porém, ela
havia antes recusado, o pedido de casamento do o homem a quem realmente amava,
pelo fato deste ser pobre. Assim, ele se casa com a prima dela. A situação imposta a
mulheres por valores sociais da época, impedia que estas trabalhassem para se manter e
alcançar a independência. Portanto, a Noiva sentiu-se obrigada a pensar no casamento
como meio de sobrevivência e não como opção de união com alguém que amasse,
conforme citado acima por BEAUVOIR. A Noiva acaba casando-se com alguém a quem
não ama, mas arrepende-se. E no dia de seu casamento, durante a festa, age
impulsivamente, movida pela paixão: foge com seu antigo amor com quem mantinha alguns
encontros antes de se casar , contrapondo-se ao destino que lhe fora atribuído. Os dois
amantes são procurados pelo noivo e seus amigos, e quando amante e noivo se encontram
, travam um duelo de navalhas, ocasionando a morte de ambos.
“ Lindeza, lindeza da terra, olha como a água passa,
já que chega a tua boda, recolhe as tuas saias,“
e,na asa do noivo, nunca saias de casa.
Porque o noivo e um pombo com todo o peito em brasa,
e o campo espera o rumor do sangue derramado.
Girava, girava a roda e a água passeava.
Já que chega a tua boda, deixe que rebrilhe a água!”
(idem)
19
Na foto, a Noiva entrando para casar-se como se fosse a um funeral. A expressão triste, pesada,
denota sua frustração, mas mantêm a postura, a cabeça erguida.
20
Na foto , ela e o amante, já foragidos, discutem .Ela o culpa por ter incitado a fuga.
21
Nesta foto , Noiva ao chão com as mãos nos cabelos e Criada vindo pentear-lhe. A Criada capta o
descontentamento e dúvida da Noiva .
Criada: “- Menina! Que castigo chamas, atirando ao chão a coroa? Levanta essa
cabeça! Será que não te queres casar? Fala. Ainda estás em tempo de te arrepender”
(ibdem: 64)
O processo de criação desta personagem causou-me muitas dificuldades na época,
por ser minha primeira vivência na criação de personagens ,no teatro. Até aquele momento
nunca havia vivenciado, de forma significativa, o processo de criação de qualquer
personagem criada por mim, ou representada, com base em personagens contidas em
obras literárias. Devido aos desafios comuns para quem é iniciado a algo totalmente novo, o
processo causou-me um conflito acompanhado de profundo questionamento a respeito de
mim mesma nos âmbitos pessoais e na condição de artista, gerando , apesar do sofrimento,
um auto-conhecimento maior. Assim, ao final do processo de criação da Noiva, minha
22
primeira personagem feminina, procurei ressaltar muita impulsividade e passionalidade , e
também a angústia enorme causada pelo conflito entre a dúvida e a obrigação de se casar
com alguém que lhe proporcionaria uma vida mais tranquila, em vez de se casar com o
homem, por quem realmente sentia paixão e amor.
1.2.2. A Amazona
Guardiã das montanhas e dos bosques, Virgem que, invocada por três vezes, atende às
moças, em trabalho de parto e as arrebata da morte, ó deusa triforme, seja para ti o pinheiro
sobranceiro à vila ao qual eu sacrificarei, alegre, pelos fins de ano, o sangue de um javali que
já tenta o golpe de lado. “
“( Invoca-se a deusa que tem três manifestações: é Diana, a caçadora nas montanhas e
bosques; no céu, é a Lua; nos Infernos e nas encruzilhadas, é Hécate, deusa da magia.
Embora virgem, protege os partos das fêmeas, em geral e sobretudo os partos difíceis, tendo
ela mesma nascido de um parto quase insuperável. O culto de Diana exige um respeito
ecológico pela vida selvagem que ela equilibra, determinando as leis da via anima e vegetal.
Por isso, Horácio lhe oferecerá todos os anos, junto do pinheiro que lhe é consagrado, um
javali que já começa a chifrar de modo insidioso. ) .
(ode de Horácio à deusa Diana in DANTE, Tringale. 1995 , p. 116)
O solo Amadzón, cujo termo grego significa não-seio ”, foi baseado no mito
igualmente grego das mulheres amazonas e aflorou após a vivência em técnicas de
Improvisação e Composição, experienciadas durante a graduação em dança, e em especial,
a ministrada pela Prof.a Dra. Sara Lopes -- Tópicos Especiais em Dança na qual pude
experimentar a voz como estímulo para o movimento. Nesse trabalho, o mito grego das
amazonas e um texto de Virginia Wolf motivaram-me a criar , e foram o ponto de partida para
a dramaturgia do espetáculo, definindo um roteiro e uma movimentação. Neste mito, as
amazonas, mulheres independentes e consideradas guerreiras e agressivas, têm por hábito
mutilar o seio direito para manipular melhor seus arcos, num ritual de oferecimento à deusa
23
Ártemis. Tal ato simboliza o sacrifício de sua feminilidade em troca da conquista da
independência em relação à dominação masculina.
Em
Amadzón
foi trabalhado um digo corporal -- o manejo do arco e flecha -- como
movimento matriz, o que gerou outras movimentações baseadas na temática abordada. Da
mesma forma, as palavras do texto de Wolf serviram-me de estímulo para o movimento,
através de laboratórios de criação, nos quais eu permitia que a sonoridade e o significado
das palavras do texto reverberassem em mim sentimentos, emoções, imagens, transpondo-
os para o movimento. O texto, no início, era falado em
off
por uma atriz convidada por mim e
que mais tarde participou, cenicamente, dizendo o texto concomitante aos seus movimentos
e saindo de cena ao término do mesmo; o que dá a idéia, no o próprio texto abaixo citado, do
conflito entre as duas mulheres e a morte de uma.
A personagem é uma mulher com conflitos de escolhas e identidades; a real, a
ideal, e outra conveniente, caracterizadas pela agressividade, submissão, poder, fragilidade
e independência, permeando o contexto poético da dança. A contextualização da dança é
estimulada pelo texto de Virginia Wolf, no qual ela aborda o conflito consigo mesma, como
se fossem duas mulheres diferentes, uma contida e abnegada e a outra, exercendo seus
anseios. Abaixo , o texto de Wolf:
“... descobri que... precisava travar uma batalha com um determinado fantasma. E o
fantasma era uma mulher, e quando cheguei a conhecê-la melhor, passei a chamá-la pelo
nome da heroína de um famoso poema, O anjo da casa... Ela era intensamente simpática.
Maravilhosamente encantadora. Totalmente abnegada. Ela se distinguia nas difíceis tarefas
da vida em família. Se havia galinha, ela ficava com o pé, se havia uma corrente de ar,
sentava-se bem ali. Em suma, sua constituição era tal, que ela nunca tinha um pensamento
ou desejo próprio, preferindo antes apoiar os pensamentos e desejos dos outros. Acima de
tudo, ela era, e desnecessário dizer, pura ... E quando me punha a escrever, deparava-me
com ela logo nas minhas primeiras palavras. A sombra de suas asas espalhava-se sobre a
minha página. Eu ouvia o farfalhar de sua saia no quarto... Ela se aproximava furtivamente
pelas minhas costas e sussurrava... Seja simpática, seja delicada, faça elogios, engane,
lance mão de todas as artes e ardis do seu sexo. Nunca permita que alguém pense que você
24
tem um pensamento próprio. Sobretudo, seja pura. E agia como se estivesse guiando a
minha caneta. Relato agora a única ação que me levou a ter algum apreço por mim mesma...
Voltei-me para ela e a agarrei pela garganta. Apertei com toda a minha força, ate matá-la.
Minha defesa, caso fosse levada a um tribunal, seria a de que agi em defesa própria. Se eu
não a matasse, ela me mataria (Virginia Wolf in Professions for Women )
Identifiquei-me com o texto acima para a criação da segunda personagem feminina,
A Amazona, pois os sentimentos conflitantes em relação à maneira de ser , portar-se, agir,
pensar, estavam demasiadamente aflorados devido ao desenvolvimento pessoal e artístico
no qual eu me encontrava. Portanto, vivenciar essa personagem foi a exteriorização de um
momento de transformação e desenvolvimento de minha identidade.
Nestas fotos, a personagem em gesto de reverência, submetendo-se a uma passividade, à
esquerda. À direita, em um momento de prazer, em acordo com sua feminilidade.
25
Nestas fotos, ela em momentos de conflito e luta consigo mesma. Ela entrega seu seio à Àrtemis.
26
Ela, partindo, incerta de sua opção, porém, com certa serenidade.
27
1.2.3. Josefina
“ Mulheres ricas, mulheres pobres; cultas ou analfabetas; mulheres livres ou
escravas do sertão. Não importa a categoria social: o feminino ultrapassa a barreira das
classes. Ao nascerem, são chamadas ”mininu fêmea. A elas certos comportamentos,
posturas, atitudes e até pensamentos foram impostos, mas também viveram o seu tempo e o
carregaram dentro delas.
“.......As pobres livres, as lavadeiras, as doceiras, as costureiras e rendeiras- tão conhecidas
nas cantigas do nordeste-, as apanhadeiras de água nos riachos, as quebradeiras de coco e
parteiras, todas essas temos mais dificuldade em conhecer: nenhum bem deixaram após a
morte, e seus filhos não abriram inventário, não escreveram ou falaram de seus anseios,
medos, angústias, pois eram analfabetas e tiveram, no seu dia-a-dia de trabalho, de lutar
pela sobrevivência. Se sonharam, para poder sobreviver, não podemos saber.
( FALCI, Knox Miridan , História das Mulheres no Brasil. 1997, p. 241)
Em “ Elas em Nós ”, espetáculo de dança finalização da graduação , o grupo
formado pela grande maioria de alunas da turma de 1995, foi dirigido e orientado pela Prof.a
Dr.a Graziela Rodrigues. Para essa pesquisa partiu-se de um questionamento acerca do
universo feminino, com a pergunta: o que é ser mulher hoje? Após algumas entrevistas,
realizou-se uma pesquisa de campo com mulheres urbanas e principalmente rurais,
conforme orientação da professora, e tais mulheres preferencialmente deveriam ser de
situação sócio-econômica baixa, as quais tivessem algum contato, mesmo que distante, com
alguma manifestação popular brasileira. A escolha dessas mulheres deveria ser intuitiva, ou
seja, nos locais rurais percorridos e mesmo urbanos, nas ruas. Dever-se-ia eleger uma ou
mais mulheres de acordo com a empatia ou identificação pessoal do intérprete, que poderia
,ou não, aproximar -se mais, com uma conversa.
Minha escolha recaiu em duas mulheres já bem idosas que viviam na cidade de
Campinas, mas distante do perímetro urbano. Captei e desenvolvi, na vivência com essas
28
mulheres, seus respectivos gestos e posturas as quais sugeriram-me padrões corporais de
movimentação. Nos laboratórios era proposto por Graziela Rodrigues que retomássemos,
pela memória, as sensações e imagens vividas em campo. o era pedido necessariamente
que imitássemos as posturas e gestos das mulheres, por meio de mimeses corpóreas
11
.
Após ativar o corpo com exercícios apreendidos durante suas aulas, tais como
enraizamento dos pés, ativação de tônus muscular e dinamização do pulso por meio do
ritmo, era sugerido que deixássemos o corpo ser um receptáculo dos impulsos de
movimentos, originados dos exercícios e da lembrança em campo. Por consequência,
alguma postura ou movimento de alguma mulher que houvesse nos chamado mais a
atenção aparecia quase que involuntariamente , nos laboratórios. Nesses laboratórios
tínhamos como estímulos sonoros, que auxiliavam nas improvisações, o som de ritmos
regionais brasileiros como o Coco, o Maracatu ,a Folia de Reis.
Para a criação da personagem, além dos laboratórios de improvisações já citados e
os realizados em momentos de trabalho solitário, utilizei como estimulo a leitura de um livro
12
cujo apanhado histórico a respeito da mulher no sertão nordestino na época dos cangaceiros
,como Maria Bonita e outras mulheres que participaram do movimento, além daquelas
vítimas do mesmo. Isso influenciou e determinou a historia de minha personagem. Dos
constantes e repetitivos laboratórios chegávamos, aos poucos, a posturas diferentes, gestos
e a movimentos-matrizes, ou seja, movimentos que determinavam características da
personagem construída, e que geravam outras movimentações. Esse processo originou
Josefina, mulher andarilha do sertão, fugida da seca, endurecida por uma vida miserável,
mas forte e sem temores; cheia de esperanças. O contexto dramatúrgico criado no
espetáculo foi sendo proposto pela diretora conforme as histórias e contextos de cada
personagem.
11 Linha de pesquisa desenvolvida pelo Lume. Possibilita o ator buscar uma organicidade e vida a partir
de ações coletadas externamente,pela imitação de ações físicas e vocais de pessoas encontradas no cotidiano.
Ferracini,Renato. A Arte de não interpretar como poesia corpórea do ator.2003, p.202
12 ARAÚJO, Antonio Amaury C. A Mulher e o Cangaço
29
Josefina foi a terceira personagem feminina de meu percurso, e a primeira
personagem criada dentro de uma linguagem bem específica, como a do método BPI. Essa
personagem teve muitas fases de desenvolvimento até chegar em sua criação , todas elas
orientadas por Graziela Rodrigues; portanto, a personagem sofreu, naturalmente, influências
da interpretação da direção , assim como aconteceu em Versos de Amor . Isso causou-
me uma necessidade de confiar e seguir a opinião dos profissionais que dirigiram, tanto A
Noiva em “Versos de Amor, quanto Josefina, em Elas em Nós . Entretanto, mesmo
havendo um entendimento, em certos momentos ocorreram divergências quanto ao caminho
que essas personagens deveriam seguir. Em Amadzón , não acontecera dessa forma,
pois a criação não teve influência direta de nenhum diretor e isso criou, em mim, a
necessidade de assumir uma linguagem própria , mesmo sabendo que ainda passaria por
muitas transformações. De qualquer forma, a presença ou não de um diretor é uma questão
de momento, oportunidade e escolhas, e não tem relação absolutamente, com uma questão
de julgamento de valor.
A criação de Josefina foi relacionada, para mim ,a um sentimento de dor, e procurei
trabalhar, concomitantes, os sentimentos de força e dureza, para não sucumbir ao
sofrimento. Com isso, a imagem da mulher idosa sertaneja ou a da cangaceira transmitiram-
me justamente a imagem de uma mulher sofrida mas endurecida demais; que não se deixa
abater por absolutamente nada.
.
Josefina comendo um punhado de farinha
30
Acima, ela em um de seus únicos momentos de prazer: ao imaginar-se casando, com seu vestido de
noiva. Na foto seguinte, abrindo caminhos junto a suas companheiras.
31
Josefina preparando-se para brigar. E abaixo, circulando o chão, detectando água debaixo
do solo seco.
32
1.2.4. Luzia
“ Ô mamãe, ô mamãe, eu preciso dormi cedo
ô mamãe, ô mamãe, que amanhã vô pro barreiro
Õ mamãe, õ mamãe, eu preciso tirá barro,
ô mama, ô mamãe, que eu também sou paneleira”
( Adelaide Lucidato)
33
Na foto anterior, Dona Palmira açoitando” a panela com tinta do mangue, após retirá-la do fogo.
Abaixo, Dona Laurinda Lucidato moldando uma panela e na outra foto, panelas prontas para irem
para a queima.
Realizei um novo solo de dança com o título Mulher de Barro”, no qual minha busca
por tipos e arquétipos femininos direcionou-me a uma pesquisa de campo no núcleo das
“mulheres paneleiras”. As mulheres paneleiras vivem em Vitória do Espírito Santo, no bairro
tradicional de Goiabeiras e têm uma tradição de 400 anos na feitura de panelas de barro;
este é pêgo em um barreiro próximo e a tinta é extraída de uma planta colhida no mangue e
próximo também do bairro de Goiabeiras. Realizei três idas a Vitória e duas vezes permaneci
na casa de uma delas, convivendo intensamente no seu dia-a-dia, e pude ganhar com esse
34
convívio, imagens, sensações, formas e sons que me estimularam a criar nos laboratórios de
improvisação. Desses laboratórios surgiu a personagem Luzia. Luzia possui cinco fases: o
ser vindo do barro, a menina, a mulher , a mãe e a anciã. Neste trabalho, a história dessas
mulheres fez-me criar a dramaturgia do espetáculo, que mostra uma analogia com a criação
do universo, a face feminina de Deus, a Deusa criadora de tudo.
O estímulo para o movimento surgiu de minhas impressões na vivência com as
paneleiras , além dos estímulos sonoros da Congada , manifestação popular da qual a
maioria das mulheres paneleiras fazia ou fizera parte. A linguagem corporal estética,
desenvolvida neste solo, partiu da observação na movimentação cotidiana das paneleiras,
apesar de eu não ter focado somente nesse aspecto. Neste trabalho, o movimento matriz foi
a ação de confeccionar a panela de barro, fazendo um circulo com os braços e gerando
movimentos circulares com o resto do corpo.
Um texto feito por mim, durante o processo de criação, fala sobre Mulher de Barro:
“ Mulher de Barro brota do chão do barreiro, de um barro enriquecido de dores, desejos,
prazeres e trabalho. É mais um ciclo que se inicia, uma vida que surge do útero da terra......
A criação.
O corpo é a extensão do barro. Molda-se conforme a vida, resiste, deixa marca, afunda,
sustenta, dá um passo após o outro antes que endureça. O corpo é sugado pela canção e
então, a lembrança, o sonho. Da panela surge o corpo festivo, a mulher criadora, a matriarca,
a menina. O útero se abre, cria, murcha, gera a força que movimenta e faz girar.
Um ciclo se fecha, reinicia e ... Um outro.
Luzia, personagem com a qual eu trabalhei sem direção alguma, assim como
aconteceu com A Amazona, diferenciou-se, desta, pois apesar da ausência de direção,
trabalhei sob minha interpretação e vivência no método BPI. A personagem Luzia
transmitia-me uma sensação de pertencer a algum lugar, e de ter uma identidade que só
existe pelo fato de haver esse lugar, no caso , o barreiro das paneleiras. A panela era a
identidade de Luzia; ela só era alguém por causa da existência da panela de barro. O fato de
35
Luzia surgir do barro e voltar para ele ao final da coreografia, transmitia-me a idéia de que
ela nascera sozinha, do barro, um ser pronto para ser moldado, bruto. Ao descobrir a
panela, colocar-se dentro dela , criar-se e passar por transformações, tomara forma de
mulher, e a partir de então, vivera todos os momentos com alegrias e tragédias como a
perda de seu filho- , até chegar à velhice na qual deixa a panela e volta para o barro.
36
Nestas fotos, Luzia no momento em que nasce e sai do barro.
Nas fotos, Luzia em sua fase
mulher, e em um momento com a
panela, antes do nascimento de seu
filho.
37
Luzia ao descobrir a panela e preparar-se para a
transformação
Abaixo, a personagem em sua fase menina.
38
A personagem no momento em que se transforma em mulher, demonstrando uma energia intensa.
39
1.2.5. Agda
“ Quisera dar nome,muitos
A isso de mim
Chagoso, triste, informe
Uns resíduos da tarde
Algumas aves e asas
Buscando a tua cara de fuligem
De áspide
Quisera dar nome de roxura
Porque a ânsia tem parecimento com esse desmesurado de mim que te procura
(HILST,Hilda)
Agda , a quinta personagem, foi desenvolvida na peça do mesmo nome , por três
atrizes. As três vivenciam a personagem Agda e cada uma é a personagem masculina,
amante de Agda que possui então, três amantes. Apesar da peça já estar construída quando
passei a fazer parte, o desenvolvimento e criação desta mulher a quem era apresentada,
exigiu-me um mergulho no qual, inevitavelmente, emergiram inúmeras identificações. Agda
é a personagem que conta a história e busca o sagrado, a Deus e a si mesma pelo profano,
ou seja, por um desejo ativo, carnal, impetuoso, ao viver uma paixão por três homens. No
entanto, esse Deus retratado pela autora em
Agda
, é o Deus da culpa, castrador, que pede o
sacrifício, a morte do prazer e do corpo ; e seu conflito está nessa dualidade de Deus. Agda
,retratada por Hilda Hilst, principalmente como princípio ou arquétipo feminino uma crítica
ao feminino massacrado na sociedade, ou ao feminino nos homens os quais , na peça,
querem matá-la (o), pois temem a força e poder que ela(e) exerce sobre eles. Ou ainda, a
face masculina de
Agda
que encobre sua parte feminina . Na sua busca incessante para
entender Deus, ela se depara com o conflito entre o sagrado e o profano. Agda representa
a plenitude por entre duas forças: masculina e feminina, contidas em um ser, e que
merecem o equilíbrio e a comunhão, e não a dominação de uma sobre a outra.
40
Viver Agda foi sentir a presença muito forte do Feminino como força arquetípica,
mesmo sendo na peça, destruído e representado pela morte de Agda. O conflito vivido por
ela, em relação à aparente incompatibilidade entre os desejos do corpo e do espírito, entre o
sagrado e o profano , gerou-me uma sensação conhecida, vivida de alguma forma por mim e
pelas mulheres em nossa sociedade, pois, apesar dos avanços e transformações em relação
ao papel social da mulher, os preconceitos e valores morais estão incrustados no próprio
corpo feminino, representados por meio de gestos , posturas e atitudes consideradas
aceitáveis ou não. O sentimento de ir contra essa morte, essa castração do feminino na
peça, tomou conta de mim de tal forma que senti a necessidade de afirmar-me ainda mais
como mulher , assumindo e buscando a realização dos meus desejos e sonhos. O fato de
representar Agda e ao mesmo tempo seu amante Kalau, como se fossem a mesma pessoa,
possibilitou-me vivenciar uma sensação de plenitude em relação a feminino e masculino:
duas forças agindo juntas em um só corpo.
Nesta foto e nas fotos seguintes,
Agda conversando com Deus
41
42
Nas fotos abaixo, Agda em Kalau e vice-versa
43
Agda prepara-se para o sacrifício
44
Em síntese, a vivência dessas cinco personagens femininas descritas por mim neste
capítulo, levaram-me à criação de uma sexta personagem,ou seja, ao rumo desta pesquisa
apresentada, devido à necessidade de uni-las em uma só, a fim de que esta, a nova, repleta
de todas as outras, renasça sólida, não fragmentada, e que trilhe, sobretudo, um caminho
guiado por sua Escuta. Assim, a Nova Personagem ou a Mulher representa uma síntese de
todas as vivências anteriores, a superação e a transformação, por meio da autonomia em
querer ouvir, antes de tudo, a mim mesma.
45
Capítulo 2. Escutar-se : O Processo
2.1. Reflexões entre o Inconsciente e o Processo Criativo
A teoria do Interpretante de Charles Sanders Pierce
13
fala de um ambiente subjetivo
surgido do inconsciente, criado pelo artista durante o processo criativo e elaborado com a
finalidade de expressar um conteúdo artístico de forma mais intensa, construindo-se assim
um espaço cênico real, com uma concepção ritual sagrada, do qual o espectador passa a
fazer parte para que vivencie mais o universo subjetivo do artista. A teoria do interpretante
fala desse artista que mergulha nesse espaço interno criado e que busca suas próprias
simbologias, ou seja, seu universo subjetivo a ser relacionado com o exterior. Ele não
interpreta os símbolos e mitos já existentes , mas sim, recria-os, re-significando-os. “. . . o
interpretante parte dele e se refere a ele” (p. 73).
A criação cênica tem toda relação com tais estudos devido à necessidade de criar
esses “ambientes” com imagens e símbolos próprios e, posteriormente relacioná-los aos
universais. A dança pode abarcar o inconsciente coletivo, reverberando nas pessoas por
meio do individual - o artista- de modo inconsciente, ou seja, nem sempre atingindo o nível
do entendimento racional, objetivo, linear. Esse entendimento subjetivo, no espectador,
poderá aflorar na consciência de uma forma diferente. Cada espectador, com sua percepção
inconsciente, te captado o que mais lhe “pertence”, o que mais o diferencia e identifica
como pessoa. O público que busca o entendimento racional, objetivo, analítico tende a
buscar símbolos mais conhecidos e formatados, perdendo talvez a oportunidade de um
contato mais intenso com seu interior, ou seja, sua própria Escuta. E perde, portanto, a
oportunidade de transformação .
13 PEIRCE, Charles S. Semiótica, São Paulo, 1997
46
Algumas idéias de Jung, trabalhadas durante o período de pós-graduação, nas
disciplinas: Expressão e Movimento , Tópicos Especiais em Dança e Laboratório de Arte e
Mediação l, ministradas pela Prof.a Dra. Elizabeth Zimmermann, e esta última disciplina,
juntamente com a Prof.a Dra. Verônica Fabrini, tiveram uma forte influência nesta pesquisa.
O processo criativo, trabalhado sob o ponto de vista junguiano é uma maneira de possibilitar
à criação artística um campo vasto para os símbolos e arquétipos surgidos do inconsciente,
enriquecendo a obra, visto que todo indivíduo possui um universo dentro de si, cheio de
significações e conseqüentes identificações, podendo assim atingir aquele que , vivencia,
e digere a obra e a re-significa de acordo com seu próprio universo interior.
O trabalho de Individuação Junguiana ,apresentado e desenvolvido nas disciplinas
pela Profa. Dra. Elisabeth Zimmermann
14
,visou essencialmente o indivíduo que, ao
confrontar-se com os seus conteúdos inconscientes , por meio da Dança Criativa e
Meditativa, possa torná-los conscientes e expressá-los de uma forma inteira, e em cuja
dança o movimento tenha total relação e compromisso com a realidade interior desse
indivíduo. Este ponto foi essencialmente rico para minha pesquisa. Os impulsos internos
geradores do movimento, vivenciados nos laboratórios, tornaram-se mais claros para mim,
pois experimentei várias formas de fazer o movimento gerado por diferentes estímulos: por
meio de objetos captados visual, sonora, tátil ou olfativamente; por meio de formas
imagéticas, isto é, imagens dadas externamente ou que surgiam espontaneamente; e por
meio do próprio corpo, com exercícios cuja sensação provocada, era externada pelo
movimento, de acordo com as vivências corporais de técnicas de cada pessoa. Tanto os
estímulos por objetos, elementos, imagens ou por exercícios têm a intenção de causar uma
sensação corporal que poderá ser mínima ou grande e que é aumentada e exagerada a fim
de virar um impulso para o movimento.
14
ZIMMERMANN, Elizabeth Integração de Processos Interiores no Desenvolvimento da Personalidade – Um
estudo clinico de psicologia analítica a partir de um trabalho em grupo com Dança Meditativa e Desenho Livre” (Dissertação
de Mestrado , Faculdade de Ciências Médicas , Unicamp).
47
Vera Lúcia Paes de Almeida
15
aborda as energias arquetípicas Corpo e Psique, com
a proposta de integralização dessas energias de forma consciente e atuante em cada um de
nós. Essa integralização dos dois pólos por meio da linguagem não-verbal, no caso, a
dança, possibilitando um contato da pessoa com seu mundo simbólico, poético. O trabalho
da autora, apesar de ter foco terapêutico, diferente da presente pesquisa, focada no fazer
artístico, contribuiu para o entendimento das fases do processo criativo de minha pesquisa,
além da leitura feita a respeito do feminino, tema central da pesquisa. O objetivo da autora
em alcançar a unidade corpo-psique propõe uma vivência do feminino, que é uma qualidade
psíquica, privilegiando características como: suavidade, acolhimento, intuição, sensação e
afetividade, mostrados na dança expressiva, cujo movimento é estimulado por estas
características para chegar finalmente a um conteúdo simbólico desenvolvido pela própria
pessoa. Segundo a autora, o masculino, representado pelo arquétipo do Pai, supervalorizado
em nossa sociedade ocidental, privilegiou o ego e a racionalidade, desvalorizando o feminino
e, conseqüentemente provocando a separação da matéria e espírito dentro de cada um.
Entrar em contato com o inconsciente pode ser uma forma de resgatar valores do
arquétipo da Grande Mãe ou feminino, tornando consciente a atuação das forças Feminino e
Masculino em nós. Para alcançar o feminino a autora propõe um desenvolvimento simbólico
que se divide em: Fase Matriarcal, Fase Patriarcal , Fase de Alteridade e Fase Cósmica. Na
Fase Matriarcal, cujo elemento é o próprio feminino, prevalece um estágio psíquico com
liderança do inconsciente , favorecendo a criação , a quietude , o mistério, a entrega. Na
Patriarcal, a consciência e o ego são totalmente atuantes, privilegiando essencialmente a
ação. A relação dos opostos feminino e masculino se na Fase de Alteridade, com o
diálogo e as descobertas como pontos primordiais. A Fase Cósmica, ainda não vivenciada
pela humanidade, segundo a autora, tem o Self como arquétipo, como centro da consciência;
corpo e psiquê unificados e, conseqüentemente uma consciência total de si . O
desenvolvimento dessas fases é proposto pela autora de forma a vivenciá-lo no corpo pela
dança.
15
ALMEIDA, Vera L. Paes . “ O corpo e o feminino- os guardiões do mistério”
48
Nesse período, as vivências de dança criativa em aula contribuíram para minha
pesquisa pois, a busca era, dentro do possível, ter a maior liberdade em movimentar-me,
livre de padrões codificados de técnicas de dança. Eram sugeridos em aula alguns estímulos
para o movimento, e realizava-se cada um, conforme seu próprio conhecimento e
possibilidades. Para se obter resultado artístico, a meu ver, faltavam mais estímulos e
também, estes deveriam ter forma mais objetiva no que diz respeito à ação e ao movimento
para que o corpo realizasse, com maior destreza e riqueza, a dança. Porém, os estímulos de
diferentes sons , músicas e qualidades de movimentos sugeridos pela professora, que se
fundamenta no método Laban, proporcionaram-me uma liberdade em realizar aquilo que eu,
de fato, queria.
Fiz uma analogia, de forma intuitiva e pessoal, de uma parte do desenvolvimento da
minha pesquisa durante o processo criativo da nova personagem nos laboratórios de criação,
com as fases propostas pela autora Vera Paes de Almeida:
Fase Matriarcal Nesta fase, em laboratórios solitários de dança, desenvolvi
conteúdos que, ao surgirem e se repetirem constantemente, reportavam ao ‘vazio’, ao
vasculhar de mim mesma, a uma busca e a um mergulho que pode ser caracterizado como o
encontro e domínio do inconsciente; assustador de, início, mas que acolhe e induz à entrega
do corpo, dos movimentos, da racionalidade, chegando até a um aprisionamento.
Fase Patriarcal -- Abrupta, com intuito de sair do mergulho, de agir, de realizar
movimentos mais objetivos, porém, apenas com intenção de reagir, de movimentar-me
,mesmo sem pensar ou simbolizar. Em tal fase realizei a busca por movimentos novos,
possibilidades diferentes, insistência em sair da paralisia.
Fase de Alteridade --- O movimento ganha integração, simbologia, por entre
descobertas do diálogo entre uma movimentação e outra. E isso caracteriza o processo de
criação já mais elaborado, mais inteligível.
Fase Cósmica – Só é possível ser idealizada em virtude de um conteúdo poético, ou
seja, a arte. Expressão e movimento são um só, inseridos em um corpo pleno, na fusão de
corpo e mente.
49
2.2. O Processo de Criação : A Nova Personagem
“...mar vazio são os vazios da alma, as necessidades e carências do ser. É tudo aquilo que
não queremos enxergar, e então, buscamos incessantemente coisas para preencher nossas
lacunas, os escuros ... o poço.”
(Diários de processo 14/07/03)
As vivências anteriores de cada personagem feminina tiveram um forte significado
em meu percurso pessoal e artístico, pelo fato de cada uma ter representado simbolicamente
um determinado momento de vida, e principalmente, por ter direcionado a busca por uma
identidade feminina que, ao longo da trajetória, desaguou na pesquisa agora apresentada ,
originando uma nova personagem. Esta nova mulher é a síntese de todas as outras
mulheres e será analisada mais adiante.
Dei continuidade à busca por tipos femininos, por técnicas, e diversos outros
estímulos para a criação de um novo espetáculo. O processo de criação desta personagem
foi caracterizado por laboratórios iniciais de criação, repletos de instabilidade, com períodos
de várias semanas em que o processo se repetia e se desenvolvia, alternados com outros de
profunda estagnação, um eterno reinício. Durante esses laboratórios, apesar de obter alguns
resultados, a dificuldade em desvencilhar-me dos antigos padrões praticamente me
impediam de manter uma fluência nos ensaios. Esse conflito refletia sempre uma tendência
em parar, um desânimo em continuar, ou seja, muitas vezes havia um impulso para um
movimento qualquer, mas perdia-o; não conseguia sustentá-lo e desenvolvê-lo em uma
fluência de dança. A dificuldade estava em sustentar os caminhos, os padrões corporais, as
técnicas já apreendidas. Isso me paralisava. Os padrões de movimento adotados com base
na prática do método BPI o qual acreditava ser o caminho mais verdadeiro e por isso, mais
aproximado de mim mesma abriram-me espaço para novas possibilidades como artista,
mas após um período longo, distanciaram-me de mim mesma, como dançarina, pois me
aprisionei em princípios e formas as quais elegi, sustentando-me em um método sem dúvida
50
muito valoroso, mas que escondia minha autonomia e capacidade em assumir os próprios
princípios e padrões, fruto de todas as vivências artísticas.
A dificuldade de manter uma fluência que caminhasse para um desenvolvimento do
processo, nos laboratórios de improvisação, assemelhava-se a uma espécie de “paralisia”,
inércia. Não conseguia sustentar um movimento no qual eu não encontrasse uma estética
conhecida, e assim, tinha a sensação de que nenhum movimento era meu , mas sim uma
cópia mecânica do que eu conhecia. Ou seja, por diversas vezes sentia um impulso para a
movimentação, mas não a sustentava devido a uma excessiva auto-crítica com meu próprio
movimento. Na realidade faltava uma atitude de “tomar posse ou incorporá-lo em mim”, o que
lhe daria o caráter mais pessoal -- o que eu buscava. Obviamente, o movimento passa a ser
próprio no momento em que o realizamos; portanto, percebi que essa sensação se
relacionava a uma insegurança enorme quanto à dança que meu corpo gostaria de realizar,
ou seja, insegurança de assumir uma autonomia, de fato, em relação à minha arte.
Identifiquei esse momento de reflexão, em relação ao movimento, e consequente
conflito ao inspirador Inquieto Vazio de Júlia VITIELLO:
Não me decido por este ou aquele gesto. Instintivamente, ignoro a reação
automática,[...] Gesto que teima em se fazer ver neste momento. Mas por que não seguir
este primeiro impulso em direção à ação? Percebo-a alí, à espreita, pronta para
produzir uma sequência gestual . No entanto continuo paralisada, de na negritude da
coxia. [...]Esta rejeição ao repetitivo impulso inicial para o gesto indica uma
transformação em curso: uma percepção diferente da mesma ação. [...]
Dedico-me ao ouvir atento não da música (trilha sonora), [...] mas daquele
som, cheio de ecos, vindo de um movimento mais fundo, que não se mostra
externamente.[...]
Espere,deixe que sintonize os ouvidos aos mínimos ruídos. Que alívio, mesmo num tom
quase imperceptível, escuta algo. Apenas um sussurro. Porém nítido o suficiente para
fazer-me sair desta imobilidade e mergulhar nesta voz interna, responsável por impedir o
impulso e ao mesmo tempo por propulsioná-lo, voz que dará sequência aos movimentos.
51
[...] Intuo que o estímulo não pode ser racionalmente ponderado. Pois isto
impediria a continuidade do gesto, e ele se desfaria antes de se concretizar.”
16
Passei a abolir o treinamento com os exercícios baseados nas técnicas conhecidas,
restringindo-me apenas a um alongamento antes dos laboratórios de Improvisação, com o
intuito de livrar-me dos padrões que me aprisionavam. Sentia apenas o contato do corpo no
chão, e deixei virem, desse contato, sensações corporais. Obviamente não ia muito além,
mas foi dessa forma que surgiu o impulso de fazer com as mãos, conchas no ouvido, o que
me remeteu a uma sensação de escutar o mar. E assim, repeti diversas vezes, em inúmeros
laboratórios, esse mesmo gesto que parecia não me levar a lugar nenhum. Entretanto, em
determinado momento, ficou clara para mim a relação do ato de escutar-me com a busca
de meus movimentos ou de minha linguagem pessoal, e a
Escuta
significou fazer o
movimento que eu quisesse fazer, sem ter nenhum julgamento de valor , nenhuma tendência
condicionada a uma técnica codificada específica, mas sim, ao movimento que eu quisesse
fazer, que fizesse sentido para mim, fosse ele conhecido, fosse totalmente novo ou
inusitado. Assumir esses movimentos que surgiam de minha vontade, era uma segunda
etapa e não era tarefa fácil. A tendência à paralisia, muitas vezes se consolidava nesse
eterno escutar, sem quase nenhuma ação.
Após tal período, vivenciado esse estado, sabia que deveria retornar o quanto
antes aos treinamentos para que ativassem meu corpo à ação, e assim, ao assumir um
treinamento físico regular, ajudaria na criação de novas possibilidades para uma
movimentação. Utilizei linguagens como o Lian Gong, sequências de dança moderna e de
exercícios apreendidos no método BPI, e até mesmo sequências de ballet clássico,
ajudando-me a concentrar e preparar o corpo. Os treinamentos desenvolvidos pelo Lume e
o contato ,por meio de leitura, de um treinamento desenvolvido especificamente para a
improvisação na dança17 ajudaram-me em alguns momentos a não racionalizar e sim a ir
16 VITIELLO, Júlia Ziviani Dança: Memória nos Corpos Cênicos .Tese de Doutorado (Faculdade de
Educação) Unicamp, Campinas p.p.12;13
17
O trabalho citado está em GOUVEA, Raquel. Prática corporeoenergética para a improvisação de Dança: uma via
para a manifestação da criatividade. disertação de mestrado, unicamp,2004
52
para a ação e liberar o corpo de tensões nas articulações e músculos. O fato de eu não
eleger um treinamento específico foi uma opção, e não falta de conhecimento ou de um
trabalho com o qual me identificasse. Essa opção tem íntima relação com o fato de eu
querer experimentar várias possibilidades diferentes a fim de encontrar e construir a minha
própria.
Fui buscar então, no mar, a “Escuta” da qual necessitava, e realizei uma pequena
pesquisa de campo, viajando a uma praia, reserva ecológica, habitada por poucos
pescadores, já conhecida por mim. Na comunidade, uma mulher, Dona Dica, chamou minha
atenção por sua serenidade, sutileza no olhar e nos movimentos, apesar dos passos firmes,
seguros de seu caminhar e da confiança em si mesma . Uma mulher nem tão velha, mas
bem marcada pelo tempo e pela vida difícil; no dorso uma corcunda, seqüela do peso das
sacas de mandioca ,colhida por ela mesma e transformada em farinha na sua própria casa,
construída também por ela, no alto do morro. Uma casa graciosa, pintada de branco e azul,
com conchas do mar penduradas na varanda e coladas no chão, na porta de entrada. Seu
cotidiano consistia em transitar entre a mata, onde colhia a mandioca e caçava raramente
pequenos animais, a praia,onde possuía uma barraquinha construída com bambu e vendia
sua comida para os turistas em época de temporada , e a sua casa no alto do morro, um
pequeno jardim em meio à mata , a mais ou menos 25 minutos, subindo da praia.
A serenidade que ela me transmitia, tinha uma relação com um saber se escutar” e
remetia-me àquele gesto das mãos em torno dos ouvidos, desenvolvido em laboratório. Para
materializar mais tal idéia, obtive uma concha de tamanho grande, vendida por uma
moradora da comunidade. Além da concha, chamou muito minha atenção uma saia curta
confeccionada por uma das mulheres também da comunidade, coberta de retalhos
pendentes, os quais provocavam algum movimento ao andar. Tal saia cujos retalhos
pendentes sugeriam escamas bicolores significou uma imagem que surgia durante as
improvisações: o da serpente. Além das pessoas, o mar límpido em uma praia praticamente
deserta, tudo me conduziu a uma interiorização , a uma espécie de meditação e paz interior.
53
Dona Dica inspirou-me, mas a intenção não era representar aquele contexto vivido
na praia e muito menos reproduzir Dona Dica como personagem . Nesse período, os
símbolos surgidos durante os laboratórios desenvolveram-se e apontaram três momentos
da personagem: A Mulher-Peixe , a Mulher-Serpente e a Mulher-Cigana, as quais
começaram a direcionar o processo de criação do espetáculo e a construção da Nova
Personagem.
2.2.1. Relatos do Processo: Diários
Abaixo ,relato trechos do processo de criação escritos em meus diários de processo,
acompanhados de reflexão. Encontro novamente em ViTIELLO uma citação sobre a
importância do “espectador” ou do “leitor” acompanhar o processo de criação; a própria
vivência do ponto de vista do artista:
“Aqui estou. Feliz por ter aceito o desafio. Nua diante de mim mesma. Passei
por tantos momentos e circunstâncias que agora me vejo simultaneamente dispersa e
reunida,despojada e construída como um teatro dinâmico, vivo, edificado com e através
da minha pe pós história. Até o momento, ao acompanhar as minhas histórias, você
se deixou levar por caminhos usualmente desconhecidos por você, que sempre me
observa do escuro da platéia. No entanto, agora, gostaria que você desse ainda um
outro passo. Quase um salto. Para este lado, de onde estou olhando para você. De
modo que você possa caminhar comigo, experimentar a emoção de estar no palco. Do
escuro para a luz. Não, ainda mais. Dos momentos que o antecederam, os dias,meses,
anos até chegar à coxia, o mais interior do espaço cênico e sentir a carícia da luz na
pele.
Acredito que, ao seguir minhas passadas, experimentando caminhar com os
mesmos sapatos que eu, você certamente entenderá o porque desta trajetória. Vital,
para compreender o presente. “
29/05/2003
Fiz um alongamento e depois aquecimento com exercícios de apoios, depois,
sensibilizando pés, pernas, coluna, braços, pescoço; e trabalhando saltos leves, quedas e
54
rolamentos. Disso, desenvolveu-se um caminhar que se centrou nos pés e quadris,
acelerando e buscando aumentar o ritmo até chegar em pequenos saltos impulsionados pelo
ritmo interno. A partir desse estímulo, entrei em improvisação dando espaço para o corpo
inteiro reagir
03/07/03
Até esta data, repeti as sequências e parti para as improvisações, utilizando
sempre o estímulo sonoro de músicas instrumentais de viola, músicas regionais brasileiras,
um tango cantado por Elza Soares e a trilha sonora do filme Frida Kahlo, de música
mexicana. Estas duas últimas, tanto a música, quanto a cantora brasileira e a pintora
mexicana Frida Kahlo foram estímulos muito fortes neste momento para mim. Dessas
improvisações surgiram algumas movimentações , imagens e esboços de personagens.
“ Foi muito forte a imagem de arrancar fitas nascidas do peito; imagem de útero vazio
transformado depois na imagem e movimento de saltar em buracos até cair em um grande
vazio, com movimentos de rolamento e capoeira; a imagem de árvore nascida do plexo solar.
Surgiu uma Mulher Bêbada (sensação de perda) com movimentos de queda e recuperação”.
14/07/03
Continuei desenvolvendo treinamentos e as improvisações se repetiram até que fui
criando um pequeno roteiro, a que dei o nome de Mar Vazio. Pude notar os movimentos
feitos para aquecer durante o treinamento, repetirem-se de forma não consciente , mas
espontaneamente durante as improvisações , na forma de impulso estimulado pelas imagens
e pela música, algo parecido com o processo BPI, vivido anteriormente.
Até esse período, senti necessidade de transformar o roteiro, pois quando o repetia,
era com imenso desânimo; sentia a necessidade real de um novo estímulo, de um tema mais
definido, de uma contextualização para o trabalho. Foi um período de muitos
55
questionamentos , principalmente a respeito do que afinal me estimulava a dançar, a
continuar a criação, a sustentar as movimentações e os conteúdos.
E passei a questionar muito o tipo de treinamento, as influências da estética de
movimentos durante o aquecimento para a improvisação e criação e, mais ainda, a respeito
da linguagem estética que eu queria ou qual seria a linguagem estética em meu trabalho.
A partir do dia 27/10/2003 passei a fazer um aquecimento muito mais rápido,
alongando e trabalhando o“enraizamento” dos pés( aprendido na técnica do BPI e também
em treinamentos feitos no Lume) e tentando trabalhar o corpo o mínimo possível, no que
dissesse respeito à estética de movimento. Assim, acreditei não influenciar muito na criação
dos movimentos e poder fazer um movimento que surgisse mesmo da minha real
necessidade.
Logo entrei em improvisação, com diversas músicas como estímulo. Então surgiu
uma sensação nas mãos e imagens de borboletas voando, e elas tomaram forma de
concha que circulavam no peito e nos ouvidos. Veio uma imagem de mergulhar em um
buraco vazio enorme, escuro e ficar presa neste buraco, envolvido por uma capa. Ao
estourar essa capa, uma corda era estendida pra mim, mas nào conseguia agarrá-la.
Quando saí com a ajuda de dois braços muito grandes, veio a transformação em Serpente.
Da Serpente , em Mulher que velejava em um barco.
28/10/03
Não consigo manter um estímulo grande para sustentar , pareço estar a todo momento
em transformação, apesar da paralisia” .
10/01/2004
“Estive em uma praia em uma pequena comunidade de pescadores e conheci Dona
Dica, uma mulher que me chamou a atenção”.
56
20/01/2004
Comecei com alongamento e não tinha vontade de fazer nenhum exercício, meu corpo
não reagiu. Pensei em experimentar para ver o que poderia surgir ou não, dessa não-
vontade . Deitei no chão, senti os apoios, o corpo pesado no chão, e tive uma sensação nas
mãos, como da outra vez, mas desta vez, ainda mais forte. Fiz as duas em forma de concha,
e as pus nos ouvidos, escutando um som que lembra o mar, confortante, sereno. A partir daí,
surgiram movimentos suaves com o corpo deitado. A imagem de arrancar fitas do peito
ressurgiu também mais intensa, transformando-se em serpentes que saíam do peito”.
22/01/2004
“... Iniciei da mesma forma, com as mãos no ouvido, e dessa vez, as imagens foram
mais além: Das conchas nos ouvidos, levantei-me e caminhei ao mar, e dentro do mar, um
buraco me sugava a eu me deparar comigo mesma, sozinha. Mergulhei em um outro
buraco ainda mais fundo, que parecia a morte. Fiquei lá até dar vontade de respirar fundo, de
movimentar de novo. O corpo tremia, vibrava, na tentativa de fazer um movimento”.
03/02/2004
“...Agora a imagem foi de estar dentro de um aquário. Até que alguns ganchos me
puxaram para fora, transformando-se em uma rede de pescador. O corpo movimenta-se
como as ondas, suave, macio, em um vai e vem até que surge o buraco e caio na escuridão,
cessando o movimento.
03/03/2004
“...Questionei sobre o estímulo. Qual seria o meu? A partir da imagem do mar, surgiu
uma mulher com cabelos muito longos que segurava duas serpentes, uma em cada mão, e
as duas se atacavam, até que se entrelaçavam, unindo-se. “
57
19/03/2004
“...Os signos se repetem, tais como, concha, mar, serpentes, sereia, árvore, e passei
a ter certeza que deveria ir à praia que conhecera um ano, para saber melhor quem era
Dona Dica. “
02/04/2004
“Fiz um aquecimento com capoeira e dei continuidade às imagens. Uma nova
imagem surgiu: a de estar presa pelos quadris, a um cordão que me enforcava, mas eu
conseguia cortá-los com as serpentes. Dessa ruptura, veio a sensação de enfraquecimento,
fragilidade e a imagem e movimentação de enfaixar a cabeça. A sensação era de peso na
cabeça e desequilíbrio do corpo. Quando a faixa foi retirada, descobriram-se cabelos muito
longos de uma personagem que é uma mulher comum. Surgiu a imagem da pintura de
Botticelli, “0 nascimento deVênus “
19/03/04
Voltei a fazer treinamento com aquecimento grande e sensibilização das partes do
corpo, voltando-me para os pés e deixando o ritmo aumentar a partir do contato dos pés no
chão. Novas imagens , outras se transformando. Os signos se repetindo, tais como serpente,
mar, sereia, mata e árvore, e passei a ter certeza que deveria voltar àquela praia para
conhecer melhor Dona Dica” .
10/04/04
Sempre inicia com as duas serpentes nos braços. Personagens se repetindo com
outras imagens: Serpente, Pássaro, Sereia, Mulher dos Cabelos longos. Uma mulher com a
corda, sufocada, enferma”.
58
30/04/04 a 03/05/2004
“ Fiz a pesquisa de campo” .
18
04/07/04
Não consegui retomar o que tenho pois senti que não estava inteiro ou fechado”
01/08/04
Mudei o aquecimento, pois não tenho vontade de fazer o antigo treinamento. Passei a
fazer alguns exercícios de ballet clássico ,Lian Gong para aquecer e concentrar.
09/2004 à 12/2004:
Daqui até dezembro repeti algumas coisas, escrevi poemas, pensamentos. Usei como
estímulo sonoro, um pouco de música francesa, a trilha sonora do filme Amelie Poulain.
05/01/2005
Busquei alguns objetos de criança para trabalhar nos laboratórios. Era um cavalo
pequeno e um maior (para criança) que dava para montar. Desses objetos como estímulo,
vieram algumas outras imagens. A imagem de uma balança, e de várias cordas presas ao
corpo, que proporcionavam uma movimentação destorcida, engraçada, desajeitada e
interrupta. As personagens se repetem também.
27/01/05
Passei a questionar de novo, qual o estímulo. existem personagens, conteúdos,
movimentações, sensações e imagens, mas não consigo assumir algo e fechar . Passei por
vários estímulos: música, figuras, pessoas, objetos, exercícios físicos, poemas, mas nada
18 Refiro-me à pesquisa já relatada feita na cidade de Paraty, onde conheci Dona Dica
59
parece manter sustentado por muito tempo. Voltei ao vazio e não tinha vontade de fazer
nenhum exercício, a não ser um alongamento.
01/05 até 10/03/05
“A pergunta é: O que me move? O que acontece é que sempre começo a fazer o que
já tinha desenvolvido, e então, perco, fico totalmente cansada, sem ânimo ou energia”.
28/03/05
Voltei a fazer um aquecimento com ballet, lian gong, enraizamento dos
pés,sensibilização do tônus muscular. Imagem muito forte de sair de um útero cheio de
sangue. O vazio é o útero. E esse útero é morto, me mantenho inerte nele. Imagem de estar
no útero sustentada por um cordão umbilical. Na verdade ele está cortado, mas insisto em
mantê-lo, em esperar pela comida que nunca vem”.
11/04/04
“A imagem de um cordão preso a mim a ao teto ressurgiu forte. Passei a trabalhar com
um fio meio elástico que me prendia pela cintura até o teto perto da parede.”
18/04/05
A parte com o cordão se repete e tem um momento onde me enrolo até quase um
enforcamento. Sinto que quando vem um impulso durante as improvisações, após o
treinamento, ele é expressado pelo movimento ou pela voz”.
22/04/05 a 09/05/05
Acho que o trabalho fala de depressão, das pequenas mortes, de ficar inerte, de
ter vontade de parar, e de tentar arrumar um estímulo, de descobrir o que move, qual o
desejo .
60
Nesses ensaios vieram elaborações de textos e conteúdos de movimentos. Também
passei a trabalhar alguns movimentos de forma experimental, sem nenhuma intenção,
apenas o que desse vontade de fazer.
16/05/05
“ Construí um terceiro roteiro que parece começar a definir algo:
Cena 1: Cordão-desejo amarrado
Cena 2: Medo, impotência
Cena 3: Loucura ou Consciência – curativo
Cena 4: Princesa-Bailarina- Irreal
Cena 5: Serpente – Mulher
Cena 6: Balança- lançar-se
Cena7: desejo, dor, prazer
Cena 8: Cigana
Cena 9: Mulher com a Concha- Escuta”.
14/07/05 à 27/07/05
“ O que move é a própria vontade. Pra ter vontade precisa querer ter vontade”.
61
Abaixo, um desenho feito durante o processo:
Contudo, percebi que o desejo era um mergulho no “Vazio” . Ou seja, um desejo de
não direcionar-me por quaisquer referências impostas, no que diz respeito a modelos
femininos, corporais e de técnicas codificadas, e sim, partir para uma nova criação onde eu
realmente pudesse escutar meu inconsciente, minhas referências mais profundas, minha
62
subjetividade, ou seja, assumir a mim mesma. Sendo assim, a próxima personagem não teria
referências em um arquétipo ou modelo, ou pessoa em especial, mas sim, em um apanhado
de muitos arquétipos e referências já por mim incorporados que,amalgamados e sintetizados
resultariam nessa nova personagem.
O movimento das mãos em concha em torno dos ouvidos foi o principal movimento
matriz, por gerar várias outras movimentações e imagens. O som que ele proporcionava era
justamente “ o som interno”, como o som do mar.
2.2.2. Textos, Poemas e Voz
“....Mar do desejo....Onde está o início? Por onde?
O mergulho é inevitável, mas é tão escuro...., mas ....vai, mergulha, salta, agora!!!
Tudo são pedrinhas ou serão conchas?Ou são olhares? Serão pequenos olhares
que me enxergam?
Me evidenciam? Quanta coisa na escuridão! Quanto vazio pra encher!
Enche, transborda, vaza, seca, enche, transborda...Vazio. Vazio de novo, outra vez.
Vazio...
E o desejo? Desejo do quê? Que fio de desejo é esse que surge?
Fio de serpente, sinuosa, lasciva, serena... serena? Sereia.
Bate a calda, mergulha de novo no escuro. E o desejo? Que vazio é esse? Que desejo é
esse?
Vaza leite, enche o mar, transborda desejo. Desejo.... desejo o mar.
A serpente infiltra a terra, bem profunda, ressurge, vasculha, busca, esconde...devagar,
bem devagar... Entra de novo a serpente... infiltra, perfura, sai,ataca!
Faz que ataca, simula. As duas mãos mordem a maçã.
Que mágoa é essa que a serpente tem?”
63
(diário de processo dia 27/09/2004
Ar
“ Por que essa falta de ar se dentro há tanto espaço? Tanto, que sobra, que ecoa,
que se perde dentro....que se torna labirinto.”
Pão
“ Outra vez migalhas? Outra vez? Até quando esperar pelo pão inteiro? E se eu
recusá-las? Impossível.
Impossível.....? Mas comê-las é fingir que se sacia. E o alimento real é a ilusão que se tem
pelo pão.”
Frio
“ O inverno dentro do meu corpo chega cedo. Congela os pés, congela o ventre vazio
e deixa ainda mais espaço. fora, tudo que eu sinto é um gosto doce, mas nem sei se é tão
doce assim, é que de tanto que eu busco o gosto doce, eu o sinto. Dentro é sem
gosto....dentro é sem gosto...?”
(diários de processo 10/2004)
A criação de pequenos textos e poemas , conforme citados acima nos diários de
processo, surgiram durante as improvisações, ou mesmo após as mesmas, ou ainda em
momentos em que senti a necessidade de escrever. A voz surgiu como necessidade de
expressão durante os laboratórios , e assim, passei a incorporar os poemas à cena e eles
contribuíram na construção do conteúdo poético para novos movimentos e sensações
corporais. A voz veio constituir, junto com o movimento, a dramaturgia da dança .
64
2.2.3. Sons e Músicas
Nas improvisações, durante os laboratórios, utilizei-me de estímulos sonoros e
diversos músicas para a criação dos movimentos . No início, músicas relacionadas ao
universo das danças e festas populares brasileiras, principalmente músicas específicas do
candomblé e também do caboclinho; depois, uma fase na qual as músicas mexicanas
instrumentais ou cantadas por mulheres , tanto tradicionais quanto contemporâneas,
estimularam-me muito para a criação de movimentos. Além de músicas instrumentais
contemporâneas de origem francesa, brasileira, portuguesa e africana de Cabo Verde ,
Johann Sebastian Bach também foi um estímulo. Foram músicas escolhidas por mim,
devido ao gosto pessoal, e por me estimularem na criação, embora nem todas façam parte
da trilha sonora final do espetáculo.
Outros sons surgiram de uma necessidade da própria dramaturgia da dança, os
quais em um segundo momento estimularam outras criações, transformando e
desenvolvendo a dramaturgia: sons de mar, sons de água e sons de batimento cardíaco.
2.2.4. Figuras
Durante o processo de criação, muitas imagens fizeram parte do universo simbólico
na construção da personagem. Relacionei algumas imagens, duas figuras em especial , a
seguir apresentadas:
65
O Nascimento de Vênus” , de Rafael Botticelli
.
Esta pintura surgiu em minhas primeiras imagens em
laboratórios de improvisação.
66
Yemanjá, autor desconhecido. Esta figura serviu-me de estímulo em um laboratório de improvisação,
feito em uma aula da disciplina “Arte e Mediação”, ministrada pela Profa. Dra. Verônica Fabrini.
67
2.2.5. Os Movimentos-Matrizes
No decorrer dos laboratórios, apesar da inconstância no que diz respeito à fluência
do movimento, surgiram movimentações, as quais foram construindo a coreografia, partindo
de movimentos-matriz. Esses movimentos foram criados por mim e continham em si uma
poética, com seus mbolos e significados específicos e , com base neles, surgiram outros
movimentos, gestos e ações que definiram a construção da dramaturgia da personagem e de
toda a coreografia. Aos movimentos-matrizes, nomeei-os cada um de :
a) A Escuta : escutar a mim mesma - o gesto das mãos em forma de concha e depois com
uma concha concreta, em torno dos ouvidos . Esse foi o movimento que deu início à criação
de toda a poética da dança. Daí, o nome da coreografia. A partir dele, criaram-se
necessidades e desejos de movimentações que desenvolveriam a coreografia.
b) O Cordão: a movimentação de, presa a uma corda pelo sacro, tentar escapar ,
acompanhada do enrolamento até o pescoço, e os saltos frenéticos na tentativa de sair.
A imagem deste cordão surgiu de forma diferente, em um momento anterior, quando eu
cursava a disciplina O Vídeo como instrumento de pesquisa e criação”, ministrada pelo
Prof. Dr. Fernando Passos. Gravei um vídeo como finalização da disciplina, conforme
orientação do professor, com imagens que surgiram após a leitura de um poema escolhido
por mim, de Fernando Pessoa:
ADIAMENTO
“Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã, a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva, [...]
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-me para pensar amanhã no dia seguinte...
68
Ele é que é decisivo. [...]
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...
Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-se tõda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de tôda a semana da minha infância... [...]
19
No vídeo, eu, sentada, introduzia um cordão em uma pequena caixa . Simultaneamente,
surgia uma menina pequena em um quarto todo preto. Esta tentava pegar uma corda que
surgia de cima, passando a idéia de ser a libertação do aprisionamento em que se
encontrava, a caixa que eu tinha nas mãos.
Essa construção, fruto das transformações do processo, está relacionada ao momento no
qual me encontrava: querendo caminhar, buscando meus movimentos, mas presa a
padrões que me sustentavam e me faziam sentir segura, presa por um cordão que surgiu
nas improvisações. Então, incorporei-o à peça, permanecendo amarrada, presa pelos
quadris, impedida de andar , correr ou jogar-me.Esse movimento transformou a dramaturgia,
criando um roteiro onde tal movimento tornou-se o início da coreografia e o movimento no
roteiro que desenvolvi, A Escuta passou a ser o momento final, restando uma lacuna a ser
preenchida entre um e outro. Este movimento criou a necessidade de um banquinho em
cena e também criou o movimento O Apoio.
c) A Paralisia: interromper a movimentação, como se congelasse o corpo e continuar
abruptamente como se começasse uma outra coisa. Esse movimento criou e definiu os
vários ciclos de vida vividos pela Personagem e simboliza o meu próprio processo, descrito
19 PESSOA, Fernando Obra Poética em um volume Rio de Janeiro, José Aguilar Editora,1969
69
nesta dissertação: momentos de incerteza -descontinuidade- momentos de trabalho
produtivo paralisia e assim por diante, conforme descritos no item 2.2.1 dos diários de
processo..
d) O Apoio: o movimento de jogar-me para frente como se largasse a alguém ou alguma
coisa. Criado a partir de O Cordão, este movimento, presente em toda a coreografia, veio
completar o conteúdo poético, fazendo uma ligação entre o querer caminhar ou “jogar-me ao
mar” , contrapondo-se ao fato de estar presa por minha própria vontade, ou seja, por
insegurança, por medo etc. Esse movimento é também o cerne da coreografia os apoios
são a segurança, mas também a prisão, somente quando a personagem desprende-se
dele,consegue escutar a si mesma.
e) O Mar em Movimento: movimento de ir e vir, e fazer círculos a começar das mãos ,
passando para os braços e quadris. Este, finalizando a poética, define os encontros da
Personagem consigo mesma.
2.3. Orientação Coreográfica
A elaboração do roteiro coreográfico surgiu com a dramaturgia criada pelos
movimentos-matriz, citados anteriormente. Porém, para a identificação de tais movimentos
foi necessário parar de improvisar e, de forma racionalizada e organizada, elaborar um
roteiro , assim como, após sua identificação, definir e lapidar os movimentos coreográficos
que resultariam na obra final. Esse fator , instruído pela orientadora, foi de suma importância
para o resultado do espetáculo. Isto, porque havia uma dificuldade de minha parte em parar
de improvisar e pude perceber que, tanto a dificuldade em parar quanto a dificuldade em
sustentar a movimentação, estiveram relacionadas justamente ao fato de eu assumir uma
linguagem estética própria, baseada em referências minhas de movimentação, corpo e
feminino, criadas pela transformação da várias outras anteriores. A orientação,ao exigir um
resultado, percebendo a existência de um conteúdo poético bem repleto e desenvolvido,
70
auxiliou-me, e igualmente ao exigir de mim uma autonomia em relação à minha linguagem de
dança , contida na coreografia proposta nesta pesquisa.
2.4. Elaboração do Roteiro Coreográfico
O roteiro passou por diversas etapas até chegar ao resultado proposto como À
Escuta do Mar...” . Nos períodos entre julho de 2005 e julho de 2007 o processo teve muitas
transformações. O último roteiro elaborado, descrito no item 2.2.1. dos diários de processo,
gerou novas possibilidades, conforme eu assumia minha dança, desenvolvida
gradativamente nos laboratórios criativos.
Antes do roteiro final, criei um roteiro baseado em ciclos de vida, do nascimento à
morte, repetindo-se três vezes. Esses ciclos se constituíam por meio de um pentagrama,
desenhado por mim no chão , delimitando inclusive, o espaço cênico. A escolha do
pentagrama esteve ligada ao feminino, por ser, em uma de suas origens mais antigas,
símbolo do feminino, representado pela deusa Vênus, e tendo, como uma das diversas
interpretações, o ser, em relação e harmonia com os elementos da natureza e seus ciclos.
Após um período grande baseando-me nessa concepção, transformei-o, elegendo-o como
roteiro final da coreografia, filmada no vídeo que segue em anexo.
2.5. Trilha Sonora , Elementos Cênicos e Figurinos
A trilha sonora foi definida por mim , com músicas e sons utilizados durante os
laboratórios, conforme descritos no item 2.2.3. Ela é composta por: música de Johann
Sebastian Bach, em uma versão de Marco Antônio Guimarães para a trilha do filme Lavoura
Arcaica; música do grupo Madredeus, músicas grupo Balkan Beat Box, músicas de Lhasa
71
de Sela, além de arranjos musicais de percussão árabe, ritmo brasileiro caboclinho,sons de
mar, coração pulsando, água e de vozes, construídos pelo músico, Prof. Dr.Jorge
Schroeder.
20
Assim como a trilha, os figurinos foram sendo construídos ao longo do processo
. Tais figurinos constituem-se de: um vestido longo, uma saia curta com retalhos bicolores,
uma saia tutu de bailarina e um macacão justo simples. A saia de retalhos é a mesma obtida
durante a pesquisa de campo, conforme descrita no item 2.2.5. O vestido é parte do
momento da personagem, assim como o tutu. O macacão neutro é a roupa base da
personagem no início da coreografia.
Os elementos cênicos constituem-se de : uma corda presa a mim e pendurada ao
teto, um banquinho de madeira, três caixas pequenas, um cavalinho amarelo de plástico,
uma rosa,também de plástico, um pão fresco,duas serpentes de madeira,uma concha
grande.
A corda surgiu no início dos laboratórios de criação, há quase quatro anos atrás. Nela,
adaptei uma espécie de cadeira e um mosquetão, ambos materiais usados para escalagem
esportiva.
O banquinho foi necessário desde o início, devido à necessidade de subir em algo
para que me enrolasse ao cordão, ou à corda presa ao teto, como citei no item 2.2.5 . Mais
tarde, com a transformação da dramaturgia da dança, e após indicação da orientadora para
não abandoná-lo em cena, ele passou a significar um apoio. Ou seja, do apoio inicial a
corda- passo a apoiar-me no banquinho, desprendendo-me da corda.
O cavalinho representa a lembrança de infância e é, na realidade ,o primeiro apoio.
O cavalo menor foi eleito, pois de início, usava dois. (ambos brinquedos meus de infância), e
a escolha pelo menor foi intuitiva.
20 Músico do departamento de artes corporais desde sua criação, e professor da s-graduação em
artes da Unicamp. O Prof. Dr. Jorge Schroeder, participou de todas as criações , exceto “Versos de Amor” e
“Agda”, com os arranjos musicais na criação das trilhas sonoras.
72
A rosa surgiu mais recentemente , nos laboratórios, por meio da elaboração da
personagem Mulher, simbolizando sua verdadeira essência.
O pão surgiu também recentemente, mas muito antes, escrevi um pequeno poema
sobre pão e migalhas, descrito no item 2.2.2
As serpentes representam a trasformação, o impulso para assumir um caminho e foi
uma das primeiras imagens surgidas neste processo, desde seu início.
As caixas são para guardar esses elementos descritos e figurinos usados em cena, e
dão a idéia de “presentes” ou “espaços” a serem abertos e explorados.
E finalmente, a concha, finaliza a coreografia, simbolizando o encontro da Mulher
consigo mesma, a Escuta.
2.6. A Mulher
A
Personagem Mulher
, fruto de todas as seis mulheres descritas neste trabalho: a
Bailarina Clássica, a Noiva, a Amazona, Josefina, Luzia e Agda, surgiu com suas diversas
facetas direcionadas a partir da Mulher-Cigana, Mulher-Serpente
21
e Mulher-Peixe.
21 A serpente é um animal ligado ao potencial feminino da psique. É um animal lunar, que vem das
regiões obscuras e que se recicla periodicamente. Ela representa uma força regeneradora, ligada à fertilidade, à
sensualidade, ao poder de morte e renascimento. Como feminino ela tem um aspecto de união, de ligação que
aqui se expressa na conexão entre os reinos ctônicos inferiores e os domínios superiores. O símbolo que
melhor representa esse caráter dual é Quetzalcoatl, a serpente emplumada, a qual une a força da terra ao seu
oposto aéreo nas plumas dos seres alados. Na mitologia asteca o homem civilizado nasce do sangue de
Quetzacoalt que irriga a terra para fecundá-la e assim produzir o milho. Oxumaré, dos mitos africanos, também
revela esse aspecto de ponte, de ligação entre o céu e a terra, transformando a serpente em arco-íris, em ponte
de luz. Em iorubá, Oxumaré significa arco-íris, o qual é associado ao bom tempo, à fertilidade e à abundância.
Também é a serpente Dan, que morde a própria cauda e representa a continuidade, a firmeza e o fluxo
ininterrupto da vida. Vera Lúcia Paes de Almeida-site:geocities.com/paris/gallery/6543/serpente.html
73
Assim, ela cria um ciclo que se inicia do nascimento até a morte, sucessivamente,
contando seu ciclo de vida, por meio do corpo, da dança , das palavras e dos sons; com
todas suas dores, alegrias, desejos e frustrações vivenciadas em seu percurso de busca por
si mesma. E o encontro é possível quando, não havendo outra opção a não ser a de
olhar para si, escuta-se. Neste caminho direcionado pelo ato de escutar, ela se lança sem
medo, sem apoios ou muletas que a seguravam e a impediam de ir. Escuta-se para que o
corpo caminhe conforme o mar, incessante, em movimento sempre... Ora mais calmo, ora
mais turbulento, agressivo, e de novo a calmaria, mas nunca o fim.
A esta Mulher não dei um nome em especial, pois um nome apenas não seria o
suficiente, e a aprisionaria.Seu nome está na própria palavra mulher. O último texto feito por
mim define de forma suscinta, seu roteiro :
“ A prisão é ela mesma quem faz. Está presa em um cordão. Ela se lança, joga-se.
O prazer de atirar-se logo é interrompido com a frustração de descobrir-se presa. Exausta,
totalmente exaurida, tentando sair. Mas é o medo que a impede de soltar-se. E quando apa
rentemente solta-se, percebe seu outro apoio, e outro e outro, e então, até soltar-se de fato,
leva quase uma vida... No início, o brinquedo, a dança.... Depois uma desilusão, depois o
amor e as migalhas, todas elas sim, de um pão meio duro afinal. Mas algo está por vir... a
Serpente da transformação, o som pulsante... o Mar”
74
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Descrever e analisar algo o subjetivo e visceral como um processo de criação em
dança - fruto de minha vida artística desde o início até agora aos moldes acadêmicos não
foi tarefa fácil. Contudo, isso proporcionou maior entendimento e clareza do próprio
processo e da obra, além de documentar, colaborando para com as pesquisas futuras.
Busquei, nesta pesquisa, vincular a arte do movimento à minha necessidade real de
expressão como artista, procurando despir-me dos movimentos conhecidos e,
principalmente, da racionalização excessiva no que compete à manutenção de padrões
escolhidos e julgados por mim, de acordo com meus conceitos ou pré-conceitos. Essa
racionalização impediu-me, por longo tempo, expressar-me por meio da arte escolhida desde
a infância -a dança- , especialmente por pensar que a minha movimentação não me
pertencia. O foco estava na dificuldade de assumir uma movimentação que eu elegesse
minha...era o momento de não mais apoiar-me em conceitos fechados ou em outros
profissionais, e sim apoiar-me apenas em mim. Escolher esse caminho significaria assumir
minha dança. A poética disso foi representada pela construção dessa nova personagem , a
Mulher que se escuta e, por isso, caminha com suas próprias pernas.
As outras mulheres: a Bailarina Clássica, a Noiva, a Amazona, Josefina, Luzia e
Agda fizeram parte desse percurso até chegar a esta nova Mulher que, na verdade, só existe
pela somatória de todas as outras. Assim, na coreografia À Escuta do Mar...” a Bailarina
surge, em dado momento, na lembrança dessa Mulher, como um sonho de criança é sua
primeira referência feminina..... E todas as outras ressurgem na Mulher, mas de forma
totalmente amalgamada, como um barro amassado, remodelado. No momento em que joga
a flor como a Noiva joga um buquê, espera um amor , não um qualquer, mas um que
apanhe a flor e a acolha ; remodelada outra vez, quando simula fragilidade, para que alguém
a “carregue”, mostrando-se por dentro - o avesso da forte Josefina. E a Mulher busca um
encontro consigo mesma como Agda busca a Deus; joga-se com o ímpeto da Amazona,
mesmo que seja com um cavalo de plástico... E Luzia, em seu eterno remodelar, recria e
75
ressurge para um novo caminho, com novas possibilidades: um deles leva à casa de
conchinhas de Dona Dica. Assim, a Mulher Escuta a concha.............e joga-se ao encontro do
Mar......... Encontrou-se.
76
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ALMEIDA, Vera Lúcia Paes O corpo e o feminino- os guardiões do mistério... . Mestrado
em Ciências da Religião PUC-SP).
ANDRAUS, Mariana Baruco Machado .A Poesia da Luta: Um olhar voltado para a
gestualidade do estilo gong fu louva-a-deus como estímulo para uma criação coreográfica .
Dissertação (Mestrado em Artes) Campinas,SP2004
ARTAUD,Antonin
O teatro e seu duplo.
Tradução de teixeira Coelho. São Paulo: Martins
Fontes, 1993
BACHELARD, Gaston O Direito de Sonhar Bertrand Brasil. Rio de Janeiro 1991
BARBA, Eugenio Além das Ilhas Flutuantes São Paulo: Hucitec, Campinas-Unicamp.1991
_____________ . A Canoa de Papel Londres,Nova Yorque:Routledge1995
______________. A arte secreta do ator: dicionário de antropologia teatral São Paulo:
Hucitec; Campinas, Unicamp.1995
BEAUVOIR, Simone de O Segundo Sexo 2.A Experiência Vivida tradução de Sérgio Milliet
– Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980
COSTAS, Ana Maria Rodriguez. Corpo veste cor: um processo de criação coreográfica .
.Dissertação (Mestrado em Artes) Unicamp, Campinas, SP1997
DUNCAN, Isadora Isadora: memórias de Isadora Duncan tradução de Gastão Cruls Rio de
Janeiro: José Olympio, 1969
FARO, Antonio José e SAMPAIO, Luiz Paulo Dicionário de Balé e Dança Rio de Janeiro
Jorge Zahar Editor, 1989
77
FERNANDES, Ciane. Pina Bausch eo Wuppertal Dança-Teatro: repetição e transformação.
São Paulo:Hucitec,2000
FERRACINI, Renato. A arte de não interpretar como poesia corpórea do ator.
Campinas,SP: Editora Unicamp, Imprensa Oficial2001
GARAUDY, Roger Dançar a vida traduçãode Glória Mariani e Antonio Guimarâes Filho Rio
de Janeiro : Nova Fronteira 1980
GRAHAM, Martha Memória do Sangue tradução Cláudia Martinelli Gama-São Paulo:
Siciliano,1993
GOUVÊA, Raquel Valente de Prática corporeoenergética para a Improvisação de Dança:
uma via para a manifestação da criatividade Dissertação de Mestrado Unicamp- Campinas,
SP 2004
JUNG, Carl G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Tradução de Dora F. Silva e M.
Luiza Appy. 2.ed. Petrópolis: Vozes, 2002
____________. O eu e o inconsciente. Tradução de Dora F. Silva. Petrópolis:Vozes,1987
____________ O Homem e seus Símbolos (1964) Neofront Rio de Janeiro
LABAN, Rudolf von Domínio do Movimento São Paulo: Summus 1978
LEE, Maria Lúcia Lian Gong em 18 Terapias: forjando um corpo saudável São
Paulo:Pensamento 1997
MARQUES, Isabel de Azevedo. A dança no contexto: uma proposta para a educação
contemporânea. o Paulo,1996.212 p Tese (Doutorado). Faculdade de Educação,
Universidade de São Paulo.
MEYER, Marlyse Maria Padilha e toda a sua quadrilha: de amante de um rei de Castela a
Pomba-Gira de Umbanda São Paulo: Duas Cidades 1993
78
MONTERO, Santiago Deusas e Adivinhas: Mulher e adivinhação na Roma Antiga São
Paulo: Musa Editora ,1998
PEIRCE, Charles Sanders .......
Teoria dos Signos
.....
Semiótica
, São Paulo, 1997
PESSOA, Fernando Obra Poética em um volume Rio de Janeiro, José Aguilar Editora,1969
PORTINARI, Maribel. Historia da Dança. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,1989
PRIORE, Mary Del (org) História das mulheres no Brasil 2.ed. São Paulo: Contexto 1997
RIBEIRO, Darcy O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil São Paulo: Companhia
das Letras,1995
RODRIGUES, Graziela Estela Fonseca Bailarino-Pesquisador-Intérprete: processo
deformação Rio de Janeiro: FUNARTE , 1997
ROSEMONT, Franklin Sempre Isadora! in: ISADORA, Duncan Isadora:fragmentos
autobiográficos ; tradução de Lya Luft, Porto Alegre: L&PM, 1996
STANISLAVISKI, Constantin (1983) A Construção da Personagem Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira
TRINGALI, Dante Horácio poeta da festa: navegar não é preciso São Paulo: Musa Editora,
1995
VIANNA, Klauss A Dança : Siciliano, 1990
VITIELLO, Júlia Ziviani Dança: Memória nos Corpos Cênicos Tese de doutorado
(Faculdade de Educação) Unicamp, 2004
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo