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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
FACULDADE DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS
LEILA MARIA INOUE
A REVISTA DE EDUCAÇÃO (1921-1923), O NACIONALISMO E A REFORMA DE
1920: A FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM SÃO PAULO
Marília-SP
2010
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LEILA MARIA INOUE
A REVISTA DE EDUCAÇÃO (1921-1923), O NACIONALISMO E A REFORMA DE
1920: A FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM SÃO PAULO
Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa
de Pós Graduação em Educação da Faculdade e
Filosofia e Ciências, da UNESP, Campus de Marília,
como requisito parcial para obtenção do título de
Mestre em Educação.
Área de Concentração: Políticas Públicas e
Administração da Educação Brasileira.
Linha de Pesquisa: Filosofia e História da Educação
no Brasil.
Orientadora: Profª. Dra. Ana Clara Bortoleto Nery
Marília-SP
2010
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Ficha catalográfica elaborada pelo
Serviço Técnico de Biblioteca e Documentação UNESP Campus de Marília
Inoue, Leila Maria.
I58r A Revista de Educação (1921-1923), o nacionalismo e
A Reforma de 1920 : a formação dos professores em São
Paulo / Leila Maria Inoue. Marília, 2010.
118 f. ; 30 cm.
Dissertação (Mestrado em Educação) Faculdade de
Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, 2009.
Bibliografia: f. 102-109
Orientador: Profª Drª Ana Clara Bortoleto Nery
1. Revista de Educação. 2. Nacionalismo. 3. Reforma de
1920. 4. Professores Formação. I. Autor. II. Título.
CDD 370.71
LEILA MARIA INOUE
A REVISTA DE EDUCAÇÃO (1921-1923), O NACIONALISMO E A REFORMA DE
1920: A FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM SÃO PAULO
Banca Examinadora
____________________________________
Orientadora: Ana Clara Bortoleto Nery
____________________________________
2ª Examinadora: Hélia Sonia Raphael
____________________________________
3ª Examinadora: Maria Rita Toledo
a Jesus e a meus pais Diro e Marta.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus e a Mãe por minha vida, por ter permitido que eu me
tornasse mestre em educação em uma universidade pública; agradeço por me ajudar a superar
as dificuldades e pelos meus pais que sempre me apoiaram;
Agradeço especialmente aos meus pais, meu bem mais precioso, pelo amor e
dedicação e por acreditarem nos meus sonhos; agradeço pelo exemplo de honestidade, de pais
trabalhadores e por me ensinarem valores tão nobres e tão raros dos quais eu jamais
esquecerei;
à minha orientadora Ana Clara, pelas orientações, pela oportunidade de crescimento
intelectual, pelo apoio e amizade;
ao meu companheiro Luiz, pela paciência e carinho nos momentos difíceis que passei
para concluir este trabalho;
às professoras da banca examinadora: Maria Rita Toledo e Hélia Sonia Raphael pela
leitura atenciosa e pelas contribuições acerca deste trabalho;
aos meus amigos de estudo e pesquisa: Áurea, Cleila, Emerson, Jaqueline, Monalisa,
Veloso e Viviani pela companhia nos eventos e pela troca de materiais;
à FAPESP e aos pareceristas pela concessão da bolsa tão importante na minha
formação acadêmica;
aos funcionários da Faculdade de Filosofia e Ciências de Marília, da Escola Estadual
Sud Mennucci, do Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba, da Faculdade de Educação
Física e Educação da UNICAMP;
aos professores Pedro Pagni, Adolpho C. F. Queiroz, Valéria Medeiros e Maria de
Lourdes Pinheiro pelo envio de materiais;
aos professores que durante minha vida me incentivaram a continuar os estudos;
Por fim, agradeço a todos os amigos e familiares que verdadeiramente me apoiaram
em minha trajetória, pois é impossível ser feliz sozinho.
RESUMO
Esta Dissertação de Mestrado analisa as ideias nacionalistas que orientaram a formação de
professores presentes na Revista de Educação (1921-1923) partindo da hipótese de que esse
periódico foi criado com o intuito de divulgar a Reforma de Ensino, implantada por Sampaio
Doria em 1920. Desse modo, busquei analisar como os ideais nacionalistas da Reforma de
1920 se materializavam na Revista. A finalidade deste estudo foi compreender e analisar as
implicações das idéias nacionalistas na formação de professores e como os ideais
nacionalistas emergiam na Revista de Educação. A análise parte do estudo da materialidade,
da periodicidade e do conteúdo referente ao nacionalismo da Revista. O referencial teórico-
metodológico apóia-se num conjunto de estudos que se baseiam na História Cultural, em
especial, nas premissas de Roger Chartier (1990, p. 127) que considera que “não existe texto
fora do suporte que o a ler e que não compreensão de um escrito, qualquer que ele seja,
que não dependa das formas através das quais ele chega a seu leitor”. O estudo da
“arqueologia dos objetos em sua materialidade”. Segundo Carvalho (1998, p. 35), este
procedimento implica tratar o impresso analisado como objeto cultural e discernir na sua
materialidade, as marcas de sua produção, circulação e usos. Como resultados finais,
considero que a Revista de Educação foi importante veículo na divulgação dos ideais
nacionalistas e das medidas implantadas pela Reforma de 1920.
Palavras chave: Revista de Educação; Nacionalismo; Reforma de 1920; Formação de
Professores.
ABSTRACT
This paper intends analyze the nationalistic ideas that had guided the teachers formation gifts
in the Revista de Educação (1921-1923). I have the hypothesis of that this periodic one was
created with intention to divulge the Reforma de Ensino, implanted for Sampaio Doria in
1920. In this manner, I search to analyze as the nationalistic ideals of the Reforma de 1920 if
they materialized in the periodic. The purpose of this study is to understand and to analyze the
implications of the nationalistic ideas in the teachers formation and as the nationalistic ideals
emerged in the Revista de Educação. The analysis has left of the study of the materiality, the
cycle of life and the referring content to the nationalism of the periodic. The teoric-
metodológic referential in a set of studies that if base on Cultural History, special, the
premises of Roger Chartier (1990, p. 127) that it considers that “does not exist text is of the
support that of reading and that does not have understanding of a writing, any that it is, that it
does not depend on the forms through which it arrives its reader”. The study of the
“archaeology of objects in its materiality”. According to Carvalho (1998, P. 35), this
procedure implies to treat the analyzed printed matter as cultural object and to discern in its
materiality, the marks of its production, circulation and uses. As final results, I consider that
the Revista de Educação was important vehicle in the spreading of the nationalistic ideals and
the measures implanted for the Reforma de 1920.
Words key: Revista de Educação; Nationalism; Reforma de 1920; Teachers Formation.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1: Foto dos Diretores Gerais da Instrução Publica Paulista (1885-1930)....................20
Figura 2: Foto da construção da Escola Normal de Piracicaba...............................................48
Figura 3: Foto do prédio da Escola Normal de Piracicaba.....................................................48
Figura 4: Capa da Revista de Educação volume I número 1...................................56
Figura 5: Capa da Revista de Educação volume I número 2................................................57
Figura 6: Capa da Revista de Educação volume III - número 1..............................................58
Figura 7: Foto de Lourenço Filho aplicando os testes nos alunos da Escola Modelo de
Piracicaba..................................................................................................................................68
Figura 8: Foto de uma criança em tratamento dentário...........................................................82
Figura 9: Foto da Comemoração do Centenário da Independência na Escola Normal de
Piracicaba.................................................................................................................................85
Figura 10: Quadro A pátria,.....................................................................................................88
LISTA DE QUADROS
Quadro 1: Publicações da Revista de Educação (1921-1923).................................................54
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................11
CAPÍTULO 1 Antonio de Sampaio Doria, o Nacionalismo e a Reforma da Instrução
Publica de 1920 .......................................................................................................................18
1.1 A formação e atuação de Sampaio Doria............................................................................18
1.2 Sampaio Doria e a Diretoria Geral da Instrução Pública de São Paulo..............................26
1.3 A elaboração da Reforma de 1920......................................................................................30
CAPÍTULO 2 A Revista de Educação (1921-1923): características materiais .................40
2.1 Espaço de produção: a Escola Normal de Piracicaba........................................................40
2.2 O mercado editorial e editor: o Jornal de Piracicaba..........................................................50
2.3 A Revista de Educação (1921-1923)..................................................................................53
2.4 A organização conteudística: as temáticas gerais da Revista de Educação........................61
2.5 A circulação da Revista de Educação e os leitores.............................................................72
CAPÍTULO 3 - A Revista de Educação (1921-1923): instrumento de difusão dos ideais
nacionalistas..............................................................................................................................76
3.1 Higiene e saúde: para o corpo, para a mente e para a nação...............................................78
3.2 Arte, Música, Literatura e Trabalhos Manuais...................................................................86
3.3 História, Moral e Civismo..................................................................................................93
3.4 Língua Vernácula................................................................................................................97
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................101
REFERÊNCIAS....................................................................................................................103
ANEXOS................................................................................................................................110
INTRODUÇÃO
Este texto apresenta os resultados da pesquisa de Mestrado
1
em Educação (2008-
2010), cujo tema é a formação de professores primários nas primeiras décadas do século XX,
no Estado de São Paulo. Esta investigação é orientada pela Profª. Drª. Ana Clara Bortoleto
Nery, recebe o apoio da FAPESP e está vinculada ao Programa de Pós-Graduação em
Educação da UNESP de Marília/SP, na área de concentração Políticas Públicas e
Administração da Educação Brasileira e na linha de pesquisa Filosofia e História da Educação
no Brasil.
Tenho como referência anterior a pesquisa que iniciei no ano do Curso de
Pedagogia, na Faculdade de Filosofia e Ciências, campus de Marília (2005), primeiramente
como bolsista BAAE
2
e, depois, como bolsista de Iniciação Científica FAPESP (2005-2007).
Tal pesquisa tinha por objetivo estudar e compreender, através do estudo da periodicidade e
da materialidade e dos artigos da Revista de Educação (1921-1922), como os professores
estavam sendo formados; como a Revista estava divulgando os conhecimentos pedagógicos
da época; e como pretendia se firmar como formadora de um ideário pedagógico com a
criação de uma revista. Esse estudo resultou em uma Monografia de Conclusão de Curso
(2007), intitulada Divulgando “NovosIdeais de Formação Docente: a Revista de Educação
(1921-1923), sob a orientação da Drª. Ana Clara Bortoleto Nery. Para a realização e
desenvolvimento dessa pesquisa, foram necessárias viagens para visitar a Escola Estadual Sud
Mennuccci (antiga Escola Normal de Piracicaba) e buscar novos materiais, documentos e
fotografias que trouxessem mais informações sobre a Revista de Educação e a Escola Normal.
Tal trabalho contribuiu para a produção e publicação do CD-ROM intitulado Divulgando
Práticas e Saberes: a produção de impressos pelos docentes das Escolas Normais do Brasil e
Portugal (1911-1950)
3
, que reúne os estudos de impressos de destinação pedagógica do
Brasil e Portugal.
1
Esta pesquisa é parte integrante do projeto Biblioteca Histórica da Escola Normal de Piracicaba: constituição
do acervo, circulação de modelos culturais e formação do leitor, que tem por coordenadora a professora Ana
Clara Bortoleto Nery, como vice-coordenadora, Maria Rita de Almeida Toledo, e pesquisadores: Marta Maria
Chagas de Carvalho; Cleila de Fátima Siqueira Stanislavsk (doutoranda); Émerson Correia da Silva (doutorando)
e Leila Maria Inoue (mestranda).
2
Bolsa de Apoio Acadêmico e Extensão destinada a alunos de baixa renda.
3
NERY, Ana C.B. (Org.). Divulgando Práticas e Saberes: a produção de impressos pelos docentes das Escolas
Normais do Brasil e Portugal (1911-1950). Marília/SP: M3T, 2007.
12
Este é um trabalho pioneiro sobre a Revista de Educação e, nesta Dissertação
4
de
Mestrado, procuro estudar, compreender e analisar, de forma mais aprofundada, o ideário
nacionalista, veiculado nas páginas da Revista de Educação (1921-1923), tendo por hipótese
que tal periódico foi criado como estratégia editorial para fazer a propaganda da Reforma do
Ensino de 1920 a qual tinha o nacionalismo como uma de suas bases. Com isso, busco
estabelecer relações entre as ideias nacionalistas, presentes na Revista com essa Reforma. A
Reforma foi elaborada e empreendida por Sampaio Doria, em 1920, e tinha o objetivo de
alterar toda a estrutura do ensino público paulista, desde a escola primária até a formação de
professores e a Revista de Educação foi uma publicação da Escola Normal de Piracicaba,
entre 1921 e 1923, e tinha Lourenço Filho como um dos seus principais criadores e editores.
Segundo Hilsdorf (1998), uma das primeiras medidas de Sampaio Doria, ao assumir o
cargo de Diretor Geral da Instrução Pública, foi distribuir em diversas escolas do Estado
pessoas de sua confiança, que propagariam as medidas implantadas pela Reforma de 1920,
garantindo sua efetivação.
Nesse sentido, Lourenço Filho, com pouco mais de 23 anos de idade, foi enviado para
a Escola Normal de Piracicaba por Doria, no dia 04 de fevereiro de 1921, para lecionar
Psicologia e Pedagogia, com o intuito de fazer a campanha em prol da Reforma. Ele foi um
dos maiores idealizadores da Revista de Educação, era amigo e ex-aluno de Doria e
compartilhava com este os mesmos ideais políticos e educacionais. Após sua ida ao Ceará,
para reformar a instrução do Estado, a Revista mostrou sinais de decadência, num indício de
que sua criação e existência estavam ligadas à presença de Lourenço Filho, na Escola Normal
de Piracicaba. Hilsdorf (1998, p. 96-98) afirma que a vinda de Lourenço Filho
[...] para Piracicaba não foi um ato do tipo “remoção de cadeira”, tão comum
na vida dos professores: ela está diretamente ligada à implantação da
reforma do sistema público paulista empreendida por Antonio Sampaio
Doria em fins de 1920 (decreto 1750, de 08/12/1920). [...]
Para dar conta desse radical programa, Sampaio Doria colocou em pontos
chaves, administrativos e pedagógicos, da organização paulista de ensino,
nomes do universo escolar compromissados com ele, quer do ponto de vista
do partilhamento das idéias, quer do ponto de vista das relações pessoais,
professores jovens, muitos deles ex-alunos, adeptos das novas teorias do
ensino e simpatizantes ou membros, como ele, da Liga nacionalista que
objetivava a nacionalização do país e a desalfabetização.
4
Nesta Dissertação de Mestrado, foi incluído o estudo da Revista de Educação v. III, nº 1, publicados em 1923 e
encontrados no ano de 2008.
13
A Revista de Educação é um veículo muito importante no cenário educacional
paulista, pois publicou as primeiras pesquisas de Lourenço Filho, as quais resultaram no livro
Testes ABC: para a verificação da maturidade necessária à aprendizagem da leitura e escrita
(1934). Não apenas por isso, mas também porque publicou artigos sobre diversas temáticas
relacionadas às medidas implantadas pela Reforma de 1920, além de outras relacionadas à
formação de professores. Nesse cenário, destaca-se a temática sobre nacionalismo moral,
civismo, história, higiene, língua materna, canto orfeônico, entre outros , pois para Antunha
(1976), o fundamento dessa Reforma pode ser encontrado no nacionalismo e no civismo e na
ideia de que a educação é fundamental para o crescimento nacional.
Assim, a finalidade deste estudo é compreender e analisar quais eram as implicações
das ideias nacionalistas na formação de professores primários, e como esses ideais da
Reforma se materializaram na Revista de Educação.
Devido às preocupações apontadas por Antunha (1976), como a falta de cultura e de
preparo militar dos brasileiros, a superioridade do imigrante estrangeiro, entre outras, foi
colocada a necessidade de se rever a situação do ensino público, não apenas em São Paulo,
mas em todo o país. Com isso, surgiram movimentos e organizações de caráter tanto militar
quanto educacional, que visavam a fortalecer a nação, como a Liga Nacionalista de São
Paulo, a qual tinha Sampaio Doria como um dos fundadores.
A ideia de efervescência educacional e otimismo pedagógico, conforme a
terminologia utilizada por Nagle (1974), que tomaram a Primeira República, podem justificar
as publicações sobre a educação e a cultura, entre outros temas que buscaram valorizar os
elementos nacionais. Nesse contexto de desenvolvimento cultural do Brasil, a educação é
considerada como
[...] fator de resolução de problemas sociais, e porque havia a necessidade
objetiva de integrar e disciplinar sobretudo o imigrante para o trabalho na
lavoura cafeeira, projetar e realizar a educação escolarizante torna-se a tarefa
republicana excelência , tanto na fase de propaganda quanto na fase de
instituição do regime. (HILSDORF, 2003, p. 60-61).
A escolarização passa a ser vista como o principal meio para a formação do cidadão
republicano brasileiro e para fixar o imigrante estrangeiro no país que o acolheu. Em
decorrência, a valorização dos elementos nacionais pela educação e pela escola se tornou um
ponto importante para a formação da nação naquele momento.
Oliveira (1990) considera que o nacionalismo político esteve presente em todos os
momentos em que se procurou reestruturar a vida política do Brasil. Em nosso país, a
14
mudança do regime monárquico para o regime republicano, ou as mudanças de regimes
autoritários para o liberal-democrático, como em 1945, trazem à tona as questões sobre o
pacto social básico que fundamenta a vida do país. Desse modo, os impressos educacionais
publicados nesses momentos também foram marcados pelos ideais nacionalistas.
Para este estudo, tomo o conceito de nacionalismo apresentado por Oliveira (1990, p.
188), que o concebe como
[...] uma representação ideológica preocupada em definir os traços
específicos de um povo e suas diferenças entre os demais a identidade e a
alteridade. Esta é uma característica presente em todos os nacionalismos. Ou
seja, embora o conteúdo do nacionalismo possa se diferenciar de grupo a
grupo, de nação a nação, de época em época, esta ideologia procura sempre
responder a essas questões.
Foi na tentativa de definir traços específicos de um povo que educadores e intelectuais
escreveram, publicaram, propagaram e formaram (ou inculcaram), por meio da leitura, os
valores morais do cidadão “brasileiro” e o sentimento de valorização nacional. É nesse
sentido que penso que o estudo dos impressos de destinação pedagógica é importante para a
História da Educação, já que Carvalho (1998, p. 35-36) salienta que os impressos fornecem
[...] indícios sobre as práticas escolares que se formalizam nos seus usos,
mas têm peso documental fortemente demarcado por sua relação com as
estratégias que são produtos. O que significa dizer que as informações que
fornecem sobre as práticas escolares são mediadas por sua configuração
como produtos dessas estratégias. Essas configurações dão índices sobre
políticas de atendimento escolar, sobre métodos pedagógicos, sobre critérios
de seleção de conteúdo, sobre públicos visados; sobre os princípios e sobre
as prioridades que orientam uma determinada iniciativa de reforma
educacional.
Os estudos sobre impressos destinados à formação de professores têm-se constituído
em uma área de relevância para a historiografia, enfatizando sua produção, circulação e
apropriação dos saberes pedagógicos pelos destinatários. Esses elementos são ressaltados pela
História Cultural proposta por Roger Chartier e problematizada por Marta Carvalho, no artigo
“Por uma História Cultural dos Saberes Pedagógicos”, publicado em 1998. A autora ressalta a
importância do uso dos impressos como fonte de estudos em educação, tendo em vista que a
investigação dos impressos de destinação pedagógica e seus usos escolares dão suporte para a
história cultural dos saberes pedagógicos, interessada na materialidade dos processos de
difusão e imposição de saberes e na materialidade das práticas que deles se apropriam. Por
15
isso, a ênfase da nova historiografia na materialidade das práticas, dos objetos e de seus usos
produz um novo modo de olhar e interrogar as fontes históricas.
Esse procedimento toma o impresso em sua materialidade de objeto cultural,
focalizando as práticas que o produzem e os usos que são feitos dele. Nesse sentido, Chartier
(1990, p. 127) sublinha que “não existe texto fora do suporte que o a ler e que não
compreensão de um escrito, qualquer que ele seja, que não dependa das formas através das
quais ele chega a seu leitor”.
A partir da História Cultural, os livros, as revistas, os guias curriculares, os programas,
os regulamentos etc. não são apenas fontes de informação historiográfica, mas passam a
interessar como objeto, “no duplo sentido de objeto de investigação e de objeto material,
cujos usos, em situações específicas, se quer determinar” (CARVALHO, 1998, p. 34). A
materialidade desses objetos passa a ser o suporte do questionário que orienta o investigador,
no estudo das práticas que se formalizam nos usos escolares. Assim, configura-se o campo de
uma história cultural dos saberes pedagógicos, interessada na materialidade dos processos de
produção, circulação, imposição e apropriação dos saberes. Nessa perspectiva, o impresso é
tomado como objeto de investigação, em duplo sentido: como dispositivo de normatização
pedagógica e como suporte material das práticas escolares (CARVALHO, 1998, p. 34-35).
Materialidade dos suportes e meios de produção e circulação dos discursos:
volumem que desenrola, codex que folheia, manuscrito redigido ou ilustrado
com pluma ou ponta de metal, texto datilografado, computadorizado, ou
impresso, cordel, livro, panfleto, volume isolado ou coleção, capítulos,
paginação, exórdios, prefácios, posfácios, notas - e toda a variedade grande
de materiais papiro, pergaminho, papel. Fitas, disquete e todos os tipos
de letras, dimensão da página etc. Aqui, o interesse da operação de Chartier
consiste principalmente no fato de incluir a matéria no sentido, evidenciando
que o suporte ou ordenação material da mensagem é signo, logo, que a
significação do texto não pode ser dissociada da matéria que organiza a
forma da sua percepção nas apropriações. (CARVALHO; HANSEN,
1996, p. 10).
A ênfase na materialidade das práticas, dos objetos e de seus usos pode ser mais bem
aquilatada na reconfiguração historiográfica pela observação que Chartier fez de uma questão
proposta por Bourdieu: “[...] o que é que as pessoas fazem com modelos que lhes são
impostos ou com os objetos que lhe são distribuídos”. É nesse sentido que o referencial
proposto por Chartier visa ao estudo da “arqueologia dos objetos em sua materialidade”. Esse
procedimento implica tratar o impresso analisado como objeto cultural e discernir, na sua
materialidade, as marcas de sua produção, circulação e usos. Dessa maneira, os impressos de
16
destinação pedagógica podem ser analisados da perspectiva de sua produção e distribuição,
como produto de estratégias editoriais em correspondência com os usos que modelarmente lhe
são prescritos e, em acréscimo, é possível analisá-los como dispositivo de normatização
pedagógica e como suporte material das práticas pedagógicas (CARVALHO 1998, p. 34-35).
Em casos específicos, como o de reformas educacionais, os impressos podem ser
examinados como estratégias editoriais, porque os discursos normativos contribuem para
implantar e justificar as medidas do reformador e, além disso, trazem as regras de usos dos
impressos pelos destinatários. Assim, é importante contextualizar a análise dos usos dos
impressos em situações determinadas, lembrando novamente que, conforme Chartier (1990
p.16-17), “a história cultural, tal como entendemos, tem por principal objetivo identificar o
modo como em diferentes lugares e momentos uma determinada realidade social é construída,
pensada, dada a ler”.
[...] análise de situações específicas, como por exemplo, as delimitadas por
iniciativas circunscritas de reforma escolar pode pôr em evidência a
complexidade das relações entre as concepções pedagógicas e estratégias
editoriais. Na situação de uma reforma educacional, a relação entre
pedagogia como discurso normativo e usos do impresso é explicada pelas
inúmeras justificativas que o reformador apresenta de suas iniciativas. Tal
explicação é importante, pois nela se configuram representações sobre as
relações ensino/aprendizagem que funcionam como regras que regem o uso
que a Reforma faz do impresso, pondo-o em circulação. Regras que
também prescrevem usos do impresso para destinatários visados. Com isso
vêm à tona questões cruciais, relativas a representações sobre a prática
docente e sobre o papel do professor como usuário do impresso, seja este
material destinado ao aluno ou ao professor. Pondo em cena essa
interrelação entre usos do impresso e modalidades de concepção e
intervenção pedagógica que regem as estratégias de difusão, imposição e
apropriação dos saberes pedagógicos. (CARVALHO, 1998, p. 37).
A análise dos impressos de destinação pedagógica contribui para o resgate de
elementos da História da Educação Brasileira, visto que revelam as transformações políticas e
culturais emergentes em determinados momentos e locais e as tendências pedagógicas que
formavam os professores. Com a publicação dos periódicos e livros, não se objetiva a
divulgação apenas das reivindicações profissionais ou luta de classes, mas, também, de um
conjunto de ideias sobre educação, escola e política educacional. Portanto, os acervos das
escolas normais são de natureza ímpar e reveladores de aspectos talvez ignorados pela
história.
Por conseguinte, com o objetivo de resgatar os elementos esquecidos da história da
formação docente, em São Paulo, realizei a busca e o mapeamento dos impressos;
17
digitalização das partes dos impressos que apresentam aspectos da materialidade
5
;
organização do material; leitura; seleção e análise do conteúdo referente ao nacionalismo,
procurando a compreensão das implicações das ideias nacionalistas, na formação de
professores, divulgadas pelos impressos; estabelecimento da periodicidade do impresso e
análise das características da materialidade.
Esta Dissertação foi organizada em três capítulos, sendo importante mencionar que,
neste texto, a ortografia original do impresso foi mantida. No primeiro Capítulo, faço um
estudo sobre a formação intelectual e política de Sampaio Doria, sua participação na Liga
Nacionalista de São Paulo, sua atuação como professor da Escola Normal da Capital e,
principalmente, como Diretor da Instrução Pública paulista, com o intuito de entender as
medidas propostas pela Reforma.
No Capítulo 2, apresento o estudo da materialidade da Revista de Educação (1921-
1923), para conhecer e compreender as marcas de produção, circulação e usos desse impresso,
pelo leitor.
No terceiro e último Capítulo, busco relacionar e analisar as ideias nacionalistas da
Reforma de 1920 com os artigos da Revista de Educação, no sentido de compreender como os
princípios da Reforma se materializavam na Revista e verificar a hipótese de que a ela foi
criada como estratégia editorial para divulgar a Reforma.
Por fim, nas Considerações Finais, realizo uma síntese do que foi estudado nesta
Dissertação e alinhavo algumas reflexões sobre a importância da Revista de Educação como
veículo de divulgação dos ideais nacionalistas.
5
Capas, folha de rosto, notas de tradução, apresentação, prefácio, índice e introdução, pois trazem aspectos da
materialidade dos impressos que poderiam se perder com as fotocópias. Por isso, a digitalização do material é
necessária, como forma de reuni-lo para o estudo, porque os livros não podem ser retirados dos seus acervos e a
digitalização facilita o acesso aos impressos, uma vez que a pesquisa se realizou no campus da UNESP em
Marília.
CAPÍTULO 1. ANTONIO DE SAMPAIO DORIA, O NACIONALISMO E A
REFORMA DA INSTRUÇÃO PÚBLICA PAULISTA EM 1920
A Revista de Educação começa a ser publicada logo após a promulgação da Reforma
de 1920 e a reorganização do quadro de professores da Escola Normal de Piracicaba. Para
explicitar as formas pelas quais este periódico funcionou como veículo de difusão da
Reforma, busco, neste capítulo, compreender a atuação de Antonio de Sampaio Doria antes e
depois desses acontecimentos.
Neste Capítulo, me detenho em reconstruir a trajetória de Sampaio Doria, com base na
sua formação profissional, intelectual e política; suas relações profissionais e de amizade; sua
atuação como professor do ensino normal e sua atuação política como membro da diretoria da
Liga Nacionalista de São Paulo (LNSP).
Pretendo verificar com este estudo as origens de seu pensamento educacional que
formaram a base ideológica da Reforma de 1920 e assim, compreender suas propostas para a
reorganização da Instrução Pública Paulista e relacioná-las, no Capítulo 3, com a temática
publicada pela Revista de Educação, pois tenho a hipótese que a Revista foi criada com o
intuito para fazer a propaganda desta Reforma.
1.1 A formação e atuação de Sampaio Doria
A Primeira Guerra Mundial trouxe diversas preocupações ao Brasil. A presença do
imigrante estrangeiro, o insuficiente preparo militar, a falta de uma identidade nacional, de
consciência política e o baixo nível cultural da população colocaram em evidência a
necessidade de rever os princípios e instituições de ensino, a fim de obter um sólido alicerce
para a manutenção da paz (TANURI, 1979, p. 153).
Em consequência dessas preocupações, surgiram diversos movimentos e organizações
de cunho educacional que visavam fortalecer a nação. Dentre elas, a Liga Nacionalista de São
Paulo (LNSP) tinha como objetivos principais lutar pelo voto secreto e obrigatório, pela
efetivação da obrigatoriedade do serviço militar e pela difusão da instrução e
desenvolvimento da educação em todo país (MOREIRA, 1988, p. 45-46).
De acordo com Medeiros (2005, p. 31-32), a criação da LNSP
6
foi resultado da
atuação de alguns integrantes de sociedades secretas compostas por intelectuais formados e
6
Olavo Bilac foi poeta e fundador da Liga de Defesa Nacional, com sede no Rio de Janeiro, transformando-se
no principal divulgador do ideário nacionalista, tendo sido responsável pela fundação da LNSP.
19
estudantes do ensino superior. A LNSP foi um “projeto” da Sociedade dos Patriotas
7
elaborado por uma comissão nomeada em assembléia no dia 11 de dezembro de 1916,
formada por Amadeu Amaral, Antonio de Sampaio Doria
8
e Clóvis Ribeiro.
Para Medeiros (2005), o exame da documentação manuscrita da Sociedade dos
Patriotas deixa entrever que a criação da Liga não foi uma atitude espontânea. Sua criação
estava prevista tanto no parecer da comissão, quanto no próprio projeto do Estatuto da
Sociedade dos Patriotas. Dia 16 de Dezembro de 1916 foi a data escolhida para tornar pública
a existência da associação que estava sendo planejada pelo grupo de intelectuais e estudantes.
Os objetivos da LNSP eram tanto de caráter militar, quanto cívico, político e
educacional que visavam o desenvolvimento do ensino em todos os níveis. Devido a sua ação
educacional, a LNSP exerceu grande influência no magistério nas primeiras décadas do século
XX. Essa adesão do magistério e de seus lideres aos princípios nacionalistas ocorreu
principalmente como forma de revalorização da educação e do professor, pois naquele
momento se ressaltava que, não apenas a educação cívica, mas a educação em todos os níveis
era “o instrumento básico do progresso espiritual e material dos indivíduos e das nações”.
(ANTUNHA, 1976, p. 144).
Para a LNSP, a nação enfrentava dois grandes problemas: os imigrantes e seus filhos,
muitos deles analfabetos, que se sentiam ligados aos países de origem, e os brasileiros, que
não cultivavam o sentimento nacional.
Sampaio Doria estava entre os primeiros integrantes
9
da LNSP. Era alagoano da
cidade de Belo Monte, mas sua trajetória escolar iniciou-se na cidade de São Paulo. Aprendeu
as “primeiras letras” com seu irmão mais velho Pedro Soares de Sampaio Doria e os estudos
secundários foram realizados no colégio Silvio de Almeida instituição privada. Em 1904,
7
Sociedade secreta formada por um seleto grupo de intelectuais e alguns poucos estudantes do ensino superior
da Faculdade de Direito, Medicina, Engenharia e a Escola Politécnica de São Paulo. Pode-se afirmar que os
membros da LNSP eram da elite paulista.
8
Sampaio Doria ocupava funções de destaque da Sociedade dos Patriotas e era membro do Conselho
Deliberativo da Liga Nacionalista (MEDEIROS, 2005, p. 32). Isso significa que Doria era homem de confiança,
responsável pela tomada de decisões da Liga.
9
Segundo Medeiros (2005, p. 31), muitos desses nomes passaram pela Faculdade de Direito, Faculdade
Medicina e Engenharia de o Paulo e alguns deles também eram membros da “Bucha” (sobre a Bucha ver em
Bandecchi, 1978). A “Bucha” foi uma união ou sociedade secreta de moços, estudantes da Faculdade de Direito,
seus membros eram chamados de “bucheiros”. Para Medeiros (2005, p. 36), Sampaio Doria não era integrante da
Bucha, mas estava ligado a ela na condição de “juramentado”, isto é, homens que não eram propriamente
membros, mas que estavam bastante próximos dos seus objetivos e ligados aos seus integrantes por laços de
amizade e parentesco. Para integrar a Bucha não dependia da vontade do participante, os membros eram
convidados a integrar o grupo. outros nomes importantes que fizeram parte da Liga no decorrer de sua
trajetória como Oscar Thompson, cujo nome não aparece na lista dos primeiros membros. Após o fim da LNSP,
muitos desses nomes também fizeram parte da Sociedade de Educação de São Paulo e da Associação Brasileira
de Educação.
20
com 21 anos, ingressou na Faculdade de Direito (MEDEIROS, 2005, p. 50). Na foto abaixo,
Sampaio Doria é o terceiro da segunda fileira.
Figura 1: Diretores Gerais da Instrução Pública Paulista (1885-1930)
Juntamente com Doria, os outros primeiros integrantes
10
da LNSP eram:
Amadeu Amaral,
Antonio de Sampaio Doria
Antonio Pereira de Lima,
Armando Salles de Oliveira,
10
É importante mencionar que muitos desses nomes também fizeram parte da Sociedade de Educação e da
Associação Brasileira de Educação (ABE) anos mais tarde. Ver: NERY, Ana Clara B. A Sociedade de Educação
de São Paulo: embates no campo educacional. Tese (Doutorado em Educação) Faculdade de Educação,
Universidade de São Pulo, São Paulo, 1999.
21
Archimedes Pereira Guimarães,
David Ribeiro,
Ernesto de Souza Campos,
Francisco Alves dos Santos,
Francisco Alves dos Santos Filho,
Francisco Mesquita,
Frederico V. Steidel,
Gana Siqueira (Luiz Barbosa Gama Siqueira),
Gofredo da Silva Telles,
João Alberto Salles Junior,
João Sampaio,
José Carlos de Macedo Soares,
Júlio de Mesquita Filho,
Júlio Maia,
Laerte Assumpção,
Manuel Elpídio de Queiroz Neto,
Marcelo da Silva Telles,
Mário da Silva Serva,
Nicolau Marques Schmidt,
Ovídio Pires de Campos,
Plínio Barreto,
Renato Maia,
Roberto Moreira,
Theodureto de Carvalho,
Thomaz Lessa,
Waldemar Ferreira,
Waldomiro de Carvalho (MEDEIROS 2005, p. 29-31)
Sampaio Doria ocupava funções de destaque na Sociedade dos Patriotas, participou
do projeto de criação dessa entidade, planejou suas ações e também atuou em suas atividades.
Isto indica que Sampaio Doria, provavelmente, era do “Conselho dos Maiorais” da Sociedade
e, consequentemente, um dos membros do “Conselho Supremo da Liga Nacionalista”, ou
seja, integrou os órgãos decisórios (MEDEIROS, 2005, p. 36).
Na Faculdade de Direito, em 1905, Doria integrou a diretoria do “Centro Acadêmico
XI de Agosto” na gestão de José Carlos Macedo Soares e, junto com Júlio Prestes, Benedito
Galvão e Ricardo Gonçalves, foi redator do Jornal Centro Acadêmico XI de Agosto que se
transformou em revista anos depois.
A relação com José Carlos Macedo Soares no seu círculo de amizade e atividades
políticas pode explicar o ingresso de Doria no quadro de professores do Ginásio Macedo
Soares instituição particular pertencente à família Macedo Soares. Nessa escola, Doria
lecionou Psicologia e Lógica enquanto cursava a faculdade e, no mesmo período, lecionou na
Escola de Comércio Álvares Penteado. O fato de Doria trabalhar e estudar pode indicar que
sua família tinha vida modesta (MEDEIROS, 2005, p. 53-54).
22
A Faculdade de Direito foi um ambiente cultural decisivo na formação intelectual,
profissional e política de Doria. Na sua formação, o convívio com colegas e professores e o
conteúdo aprendido em sala de aula foi importante e refletido nas suas produções. Além de
José Carlos Macedo Soares, os colegas de turma Waldemar Ferreira, Spencer Vampré e os
professores como Pedro Lessa e Reynaldo Porchat, da Faculdade de Direito de São Paulo,
atuaram juntamente com Doria na LNSP (MEDEIROS, 2005, p. 54).
Logo no primeiro ano da faculdade, Doria foi aluno de Pedro Lessa
11
- Lente de
Filosofia do Direito. Medeiros (2005, p. 56) ressalta que Pedro Lessa, “em suas aulas deveria
transpirar as idéias liberais e republicanas” e argumenta que tais professores deixaram marcas
na formação dos alunos no que diz respeito a esses ideais
12
. Outro professor importante na
formação de Doria foi Reynaldo Porchat (professor de Direito Romano, membro do Club
Republicano Acadêmico e redator do periódico A República, da Faculdade de Direito de São
Paulo, entre os anos de 1888 e 1892) que certamente contribuiu para a disseminação dos
ideais republicanos.
Frederico Vergueiro Steidel
13
não foi professor de Doria, mas a relação entre os dois
se deu nas conferências e solenidades na Faculdade de Direito, onde Steidel discursou e,
também, pela LNSP. O estudo de Medeiros (2005) indica ainda que, Sampaio Doria foi um
dos discípulos de Steidel. Em discurso em homenagem a Steidel, Doria destaca que
Esta Faculdade acolhe com maior carinho a homenagem da Liga
Nacionalista ao dr. FREDERICO STEIDEL. Querendo ela que seu busto
figure neste salão nobre, ao lado dos de RUI BARBOSA, PEDRO LESSA e
JOÃO MENDES, certo, não presta apenas um pleito de saudade ao seu
fundador e presidente, mas consagra a atitude, digna de memória, que ele
soube manter na preparação dos moços para os grandes destinos que o futuro
nos reserva. (REVISTA DA FACULDADE DE DIREITO DE SÃO
PAULO, 1908, apud MEDEIROS, 2005, p. 62).
O discurso de Sampaio Doria, em homenagem a Steidel após seu falecimento, enfatiza
a atuação do professor como fundador e presidente da LNSP e os ensinamentos que ele
deixou àqueles que continuariam as atividades cívicas e patrióticas.
Sampaio Doria recebeu os primeiros conhecimentos de psicologia em algumas
cadeiras cursadas na Faculdade de Direito. Pedro Lessa foi um dos divulgadores das teorias
psicológicas - um dos campos de estudo preferido por Doria. É possível que tenha sido nesse
11
Foi “bucheiro” e um dos fundadores da Liga de Defesa Nacional (1916) ao lado de Olavo Bilac.
12
Medeiros informa que Sampaio Doria também teve professores defensores das ideias monarquistas como
Raphael Correa da Silva lente de Prática do Processo.
13
Presidente da Liga Nacionalista e professor da Faculdade de Direito de São Paulo.
23
período que Doria firmou laços políticos com os demais integrantes da Liga (MEDEIROS
2005, p. 63).
Outro importante espaço de atuação foi a Escola Normal da Capital
14
onde Sampaio
Doria lecionou junto com outros membros da LNSP. Doria ingressou na Escola em 1914,
como professor da cadeira de Psicologia, Pedagogia e Moral e Cívica, permanecendo até
1920. Depois se afastou para assumir o cargo de Diretor da Instrução Pública, cargo que
exerceu de 29 de abril de 1920 até abril de 1921. Após sua exoneração do cargo de Diretor
Geral em abril de 1921, retomou as atividades docentes na Escola Normal da Capital de onde
se afastou definitivamente em 1925, para ingressar na Faculdade de Direito de São Paulo.
Na Escola Normal da Capital, Doria trabalhou com os professores Ruy de Paulo
Souza e Américo Brasiliense de Moura
15
e com o diretor da escola Oscar Thompson. Todos
estes participaram com ele da LNSP (MEDEIROS, 2005, p. 64).
Medeiros (2005, p. 66) destaca que, após concluir a Faculdade de Direito, Sampaio
Doria
16
era quase um desconhecido, pois, sua produção intelectual teria maior êxito nas
décadas de 1920 e 1930. Desse modo, um dos fatores que o levaram a ingressar na LNSP
pode ter sido os laços de amizade, profissionais e políticos que se estabeleceram durante a
faculdade e nas escolas que lecionou.
Havia relações entre os membros da Liga com a Revista do Brasil
17
e com os jornais O
Estado de São Paulo (OESP) e o Correio Paulistano. Para Medeiros (2005, p. 81), a Revista
do Brasil
18
não era um braço cultural da LNSP, mas, de certa forma, era representada por ela.
Homens como Doria, Julio de Mesquita Filho, Amadeu Amaral, Plínio Barreto, entre outros,
participavam paralelamente tanto do grupo do OESP, quanto o da Revista do Brasil, da LNSP
e de outras instituições culturais.
A fundação da LNSP marcou o início da vida pública de Sampaio Doria e grande parte
de sua trajetória intelectual, profissional e política. Desse modo, é importante neste trabalho,
reconstruir, mesmo que brevemente, a trajetória da LNSP.
Conforme o Estatuto da LNSP redigido por Sampaio Doria - seus objetivos eram os
seguintes:
14
Conhecida como Escola Normal da Praça.
15
Ruy de Paulo Souza, Américo Brasiliense de Moura participaram junto com Doria do “Conselho Deliberativo
da LNSP”.
16
Doria publicou o Livro princípios de Pedagogia em 1914, e artigos na Revista do Brasil e o OESP.
17
Julio de Mesquita Filho era diretor da Revista do Brasil e do jornal O Estado de São Paulo e também
companheiro de Sampaio Doria na LNSP.
18
Sobre a Revista do Brasil ver: DE LUCCA, Tania Regina. A Revista do Brasil: um diagnóstico para a
(N)ação. São Paulo: Editora Unesp, 1999.
24
1º) empreender a campanha pela liberdade contra atentados civis ou militares
contra a soberania nacional;
2º) desenvolver o sentimento da unidade nacional;
3º) obter a efetividade do voto, mediante o registro civil da maioridade
cívica, o sistema de sigilo eleitoral, o imposto à abstenção, o feriado nos dias
de eleição e mais eficazes penalidades à fraude;
4º) promover a organização e o desenvolvimento da defesa nacional pelo
escotismo, linhas de tiro e preparo militar. (MEDEIROS, 2005, p. 84).
A atuação da Liga procurava atingir o governo como também a população na tentativa
de formar culturalmente o povo para a construção de uma “pátria”, de uma nova sociedade,
promovendo a alfabetização de operários e a divulgação do nacionalismo por meio de
conferências para professores e profissionais liberais, publicação de artigos no OESP e na
Revista do Brasil, entre outros impressos, cursos para pessoas já alfabetizadas e a produção de
livros e folhetos para a distribuição gratuita (MEDEIROS, 2005, p. 88).
O jornal OESP publicou, em 31 de outubro de 1915, uma exortação de Sampaio Doria
aos alunos da Escola de Comércio Álvares Penteado. O jornal informa que o diretor da Escola
convidou Doria para fazer aos seus alunos uma exortação sobre cultura cívica. Em sua fala,
Doria apresenta uma avaliação da situação do país (inclusive no âmbito escolar) e as razões
que justificam a urgência de campanha nacionalista.
A força assimiladora das imigrações pela educação das escolas se perdeu
com descentralização do ensino primário. A grosseria cívica e política de um
povo com escravos, surpreendido pelas liberdades da Federação, reduziu
municipalidades, Estados e a própria União à situação precária de pedintes e
falidos. Somos um povo que vive na indiferença muçulmana do o que for
soará.
Tem pois toda a razão de ser, toda a oportunidade e toda urgência a
campanha nacionalista, nascida na palavra mágica de Bilac aos estudantes
brasileiro, a vós, todos os brasileiros.
Na maneira de a por em prática, eu tenho que (sic) três princípios,
fundamentais e solidários, devem conclamar todos os moços e velhos,
homens e mulheres. É a instituição de ensino nacional obrigatório. É a
instituição do voto secreto e obrigatório. É a organização militar da Nação.
O mais virá da ação conjugada desses três fatores supremos. (OESP, 1915,
apud MEDEIROS, 2005, p. 92-93).
É possível observar no discurso as preocupações de Doria sobre a situação do ensino
paulista. Preocupações nas quais resultaram em medidas propostas pela Reforma de 1920 anos
mais tarde para integrar o imigrante propondo maior controle às escolas particulares
estrangeiras e implantar a obrigatoriedade do ensino.
25
Doria publicou o livro O que o cidadão deve saber
19
(1919), sob encomenda da LNSP,
cujo prefácio foi escrito pelo presidente Frederico Steidel. Nesse livro, Doria defende os
ideais da LNSP, alguns mencionados neste texto como o voto obrigatório e secreto, a
organização militar, as características geográficas e naturais do Brasil, a história, a língua e a
educação (moral e cívica). Segundo Doria
A educação profissional, tornando mais inteligente o trabalho, melhora as
condições das massas populares, atenuando-lhes a miséria, que é uma das
maiores causas da criminalidade. Isto equivale, para os estados, ao melhor
preservativo pela paz, pela ordem, pelo respeito ao direito. Sempre, em tudo,
é mais inteligente prevenir do que reprimir. (DORIA, 1919, apud
MEDEIROS, 2005, p. 109).
Então, a educação era o único meio de integrar brasileiros e estrangeiros e formar uma
nação, por isso, nos seus discursos e em suas publicações, Doria chama a atenção do governo
sobre as questões educacionais do país.
Nesse livro, Doria alerta para a responsabilidade do governo em garantir condições de
higiene pública para a população e destaca a atuação de Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro, e
de Emilio Ribas (membro da LNSP), em São Paulo. Com essa informação e pelo fato da
Sociedade dos Patriotas ter sido formada por pessoas ligadas à Faculdade de Medicina, penso
que os higienistas também integraram a LNSP e por isso Doria também se preocupou com
essas questões nas suas produções e também na Reforma de 1920.
É possível observar que a LNSP entendia que, por meio da educação cívica do povo
todos os outros objetivos seriam alcançados. Desse modo, a difusão da instrução era o
principal objetivo da Liga, atuando principalmente contra o analfabetismo. Neste sentido,
Doria definiu no livro mencionado acima que, a cultura cívica promoveria a revolução na
consciência e no espírito dos brasileiros.
Nos grupos escolares, nas escolas normais, nos ginásios, nas escolas
profissionais, nas academias por uma sociedade interna, adequadas, espécie
de republica em miniatura, podem os moços adquirirem hábitos de moral
cívica, compreendendo e praticando os mandamentos da Pátria. [...] No seio
delas os estudantes desenvolvem o seu espírito de iniciativa; defendem-lhe o
bom nome, são os escoteiros, treinam-se nos torneios de jogos olímpicos;
contribuem com parte da taxa escolar para o sustento delas; criam e renovam
por eleição o seu governo; censuram e julgam os infratores do dever comum;
habituam-se ao respeito das autoridades, que, constituem; empenham-se para
que seja mantida a lei; adestram-se no manejo da língua tersa e elegante; e,
no convívio a que são obrigados, vão polindo pouco a pouco o espírito.
19
DORIA, Sampaio. O que o cidadão deve saber. São Paulo: Olegário Ribeiro, 1919.
26
[...] Só por esta forma podem os moços prepara-se para a vida, que os espera,
de cidadãos da democracia brasileira. (DORIA, 1919, apud MEDEIROS,
2005, p. 122).
Para acabar com o analfabetismo, as escolas de alfabetização foram uma das
estratégias educacionais da LNSP para a difusão da formação cívica aos trabalhadores e
operários. A LNSP criou escolas noturnas destinadas aos trabalhadores. As “Escolas
Nacionalistas” eram localizadas em bairros de população operária funcionavam de segunda às
sextas-feiras das 19h00 às 20h30, e apenas poderiam se matricular aqueles que não pudessem
frequentar a escola durante o dia (MOREIRA, 1988, p. 45-46).
Quanto à formação das crianças, a LNSP atuou no sentido de encaminhar ofícios aos
governantes solicitando a abertura de novas escolas públicas para atender a população em
idade escolar. A LNSP também promoveu palestras, conferências e a publicação e
distribuição de livros e folhetos que tratavam de temas considerados fundamentais para a
formação do espírito nacionalista dos brasileiros (MEDEIROS, 2005, 124).
A primeira escola da Liga, denominada Grupo Escolar masculino - Mooca, foi
instalada no edifício do Grupo Escolar Oswaldo Cruz com professores voluntários que
ganharam apenas uma ajuda para o transporte. Nos anos posteriores foram instaladas novas
escolas como a Escola Nacionalista Álvares de Azevedo (1918), Escola Nacionalista Paula
Souza (1918), e a escola feminina instalada no Grupo Escolar Regente Feijó (1918). O
programa de ensino das escolas da Liga foi dividido em Leitura e Linguagem (leitura e
linguagem oral e escrita); Aritmética; Geografia e História (geografia e história do Brasil);
Lições Gerais (morfologia geométrica, higiene, noções de ciências naturais) e Educação
Moral e Cívica (MEDEIROS, 2005, p. 141).
O número total de escolas sob o controle da Liga foi de aproximadamente 30 a 40
escolas. Tal número de escolas não era pequeno em relação ao número de grupos escolares
mantidos pelo Governo de São Paulo e por isso, o trabalho desenvolvido pela LNSP em
apenas três anos não pode ser desprezado. Tais escolas foram fechadas em 1924, quando as
atividades da Liga foram suspensas pelo presidente da República (MEDEIROS 2005, p. 159).
1.2 Sampaio Doria e a Diretoria Geral da Instrução Pública de São Paulo
Medeiros (2005) entende que, a nomeação de Sampaio Doria para assumir a Diretoria
de Instrução Pública, em 1920, foi uma das principais expressões da participação da LNSP na
organização da Instrução Pública Paulista. A autora aponta que a literatura educacional do
27
período da Primeira República, atribui, quase que unanimemente, à LNSP a responsabilidade
pela nomeação de Doria. ainda alguns autores que afirmam ter sido uma “Carta Aberta”,
escrita por Doria, em 1918, para Oscar Thompson, o principal motivo da nomeação.
Penso ainda que, as relações pessoais e profissionais que Doria formou na Liga e nas
escolas que lecionou foram importantes para projetar o moço quase desconhecido ao cargo de
Diretor Geral. A atuação de Doria na direção da LNSP e como professor contribuiu
decisivamente para sua indicação pelo então presidente do Estado de São Paulo, Washington
Luiz, que declarou combate ao analfabetismo em seu governo.
Oscar Thompson (Diretor Geral da Instrução Pública Paulista ente 1917 e meados de
1920) lançou a pergunta “Como extinguir o analfabetismo?” aos seus auxiliares, aos amigos e
aqueles que se dedicavam aos estudos dos problemas do ensino primário. Desse
questionamento, Thompson recebeu respostas que foram publicadas no Anuário de Ensino do
Estado de São Paulo, em 1918 , dentre elas, a de Sampaio Doria. Na “Carta”, ele apresenta
seu posicionamento a respeito do analfabetismo considerando-o um mal ao progresso do país.
Um analphabeto é, sem exaggero, uma unidade negativa no seio do povo:
não assimila as formas do progresso, não desenvolve sua capacidade
produtiva, é a matéria por excelência prestável aos excessos de todas as
sedições e facilmente supplantada e escravizada pelas raças mais cultas.
(DORIA, 1918, p. 58).
Na “Carta”, Sampaio Doria se posiciona em relação à atuação do governo na extinção
do analfabetismo, considerado, na época, o pior dos males do país. Ele chama a atenção e a
responsabilidade do governo na correção desse mal. Para Doria
[...] não segurança nem glória de Governo nenhum que se não erija sobre
esta base primeira: alphabetizar o povo. [...]
O Brasil, repleto de riquezas latentes, só será realmente uma nação poderosa
se seus Governos primarem no proposito, decisivo e obstinado, de
alphabetizar o seu povo, acabrunhado e murcho, numa indifferença que
apavora. (DORIA, 1918, p. 58).
Ao considerar o povo “acabrunhado e murcho”, Doria aponta também o problema da
superioridade cultural do estrangeiro que se instalava no Brasil naquele período. Com a
alfabetização, o Brasil assimilaria o estrangeiro que aqui vivia e tornaria o povo apto ao
progresso (DORIA, 1918, p. 59).
28
Uma das soluções apontada por Doria na “Carta” seria a duplicação das escolas,
porém, ele reconhece que essa medida seria inexequível, devido aos altos custos. Desse modo,
expõe seu pensamento argumentando as dificuldades da escola em alfabetizar os alunos.
Que é que a escola primária consegue Hoje?
Dar as crianças uma educação elementar: ficam sabendo ler, escrever,
contar, noções de história e geografia pátria, de instrução cívica, de sciencias
naturaes, desenho, canto e pouco mais.
Mas, a quantas crianças logra cada escola dar este beneficio?
A resposta é fácil. Tomemos, como typo geral, a escola isolada. Ella
comporta bem 40, alumnos distribuidos em dois anos, sob a direção de um
professor. Cada anno, a escola poderia receber, em media, 20 alumnos
novos.
Destes, quantos são os alumnos que passam para o segundo anno?
É voz corrente, em documentos officiais, que nem 50%. Mas damos de
barato que 60% são promovidos. Dos vinte alumnos que, cada professor
poderia receber, annualmente, passam 12 para o segundo. Os outros
repetirão o primeiro.
Praticamente, pois, cada professor alphabetiza annualmente 12 crianças.
(DORIA, 1918, p. 60).
Para Doria, alfabetizado não era era apenas aquele que soubesse ler, escrever e os
cálculos elementares. “Ler, escrever e contar são os tres beneficios minimos a que aspira a
campanha contra o analphabetismo” (1918, p. 61). Desse modo, a escola “alfabetizadora” que
Doria expõe na “Carta” deveria ensinar:
Ler, escrever e contar; asseguram a saude e o vigor do corpo; saber ver,
ouvir e mover-se; ensaiar a imaginação e o raciocinio, começar habitos de
disciplina moral e civica eis os objetivos desta escola popular.
Doria argumenta que seria melhor alfabetizar a todos dessa forma que, denomino de
simplifica, do que alfabetizar poucos com mais elementos. Porém, ele distingui a escola
“alfabetizadora” da escola primária de 4 anos, que não pretendia desmontar e sim,
aperfeiçoar. Doria (1918, p. 62) argumenta que “entre alphabetizar 50%, com a dádiva de
mais algumas noções, e alphabetizar o total sem essa dádiva, o bem do povo se inicia nesta
ultima alternativa”.
Relacionando a exposição de como seria esta escola pensada por Doria na “Carta” e as
medidas da Reforma de 1920, parece ficar evidente que o motivo que o levou ao cargo de
Diretor Geral da Instrução Pública Paulista foi a proposta da escola alfabetizadora. Doria
(1918, p. 62) explica que:
29
Attendemos bem como seria esta escola.
Compor-se-hia de dous annos. No primeiro ano ensinar-se-hia, como base,
ler, escrever e contar e, no segundo, a analyse, a linguagem, além das noções
geraes, num e noutro anno, de historia e geografia pátria, instrucção moral e
cívica, desenho, canto e exercícios physicos.
Tal escola de dois anos seria de caráter provisório até que o governo tivesse condições
financeiras de ampliar o número de escolas para atender toda a população em idade escolar.
Doria (1918, p. 63) coloca que esse tipo de escola teria resultado com a participação do
professor e propõe uma gratificação anual pelo número de crianças que alfabetizavam.
Como ha de o Estado de contar com a dedicação delles? Faça-os seus sócios
na sua empresa. Para isto, bastará que, além dos escassos vencimentos de
hoje, lhes ofereça uma gratificação annual, um tanto por crianças que
conseguissem alphabetizar.
Doria (1918, p. 65) propõem uma gratificação aos professores alfabetizadores e
termina a “Carta” dizendo que
Mas o Brasil não terá filhos dignos do seu destino os estadistas que não
puzerem o mais sincero e ardente empenho em alphabetizar o povo. Se o
Estado de São Paulo der o passo decisivo, os demais Estados o seguirão. E,
nesse dia, o Brasil estará de facto e de direito na vanguarda dos povos
cultos da terra.
São Paulo foi considerado pioneiro por suas reformas educacionais após a
Proclamação da República e a organização educacional paulista foi considerada um modelo
para os outros estados brasileiros, por isso, Doria coloca para o Estado a responsabilidade de
iniciativas que transformassem a educação paulista.
Thompson submeteu a “Carta” de Sampaio Doria a uma comissão de inspetores
escolares composta por B. M. Tolosa, Julio Pestana e João Luiz de Brito com o intuito de
estudarem as propostas de Doria. Então, segundo Medeiros (2005, p. 191)
A comissão apontou como principal argumento para desqualificar as
propostas de Sampaio Doria o fato de, o „competentíssimo professor de
pedagogia‟ da Escola Normal, não conhecer „de perto as condições reais‟ da
escola paulista. Além disso admitiu que as propostas contidas na Carta
Aberta já haviam sido experimentadas. Ao que parece a comissão pretendia
descaracterizá-las como uma novidade que, enfim, surgiu para dar solução
ao problema magno do país.
30
Devido a essas críticas, parece que houve um rompimento na relação de Doria e
Thompson. Mas, as críticas se estenderam por todo período que Doria foi Diretor da Instrução
Pública e divergências com o Governo - que explorarei a seguir - o levaram a deixar o cargo.
Medeiros (2005, p. 193) aponta um fato interessante que ajuda a entender a relação de
Sampaio Doria e Oscar Thompson. A autora indica que foram publicados no jornal OESP os
artigos abaixo, sobre a instrução paulista, escritos por José Macedo Soares:
OESP 27/02/1920, p. 3 Escolas de Fachada O Jardim da Infância
OESP 29/02/1920, p. 3 Escola de Fachada As escola primárias
OESP 02/03/1920, p. 3 Escola de Fachada - Escolas Complementares
OESP 09/03/1920, p. 3 Escola de Fachada Escola Normal de São Paulo
Onze dias depois da posse de Sampaio Doria foi publicado, também no jornal OESP
(18/04/1920, p. 2), o artigo O melhoramento da instrução paulista, de Mario Pinto Serva. Ao
que tudo indica, os integrantes da Liga não pouparam críticas a gestão de Oscar Thompson,
ex-diretor geral da Instrução Pública e igualmente, membro da LNSP e, elogiaram a gestão de
Doria que havia assumido a poucos dias a Diretoria. Com isso, tenho a hipótese de que alguns
membros da LNSP não aprovavam as medidas aplicadas por Thompson no ensino público e,
por isso, apoiaram a indicação de Sampaio Doria. Diante dessa situação entre Doria e
Thompson, pode se explicar a remoção de professores em determinadas escolas feita por
Doria para desestruturar os grupos que apoiavam Thompson, como aconteceu na Escola
Normal de São Carlos. Penso que, com as remoções, Doria pretendia desarticular os grupos
que apoiavam Thompson para assim implantar a Reforma, sem resistência, de acordo com
seus ideais.
Com o apoio da LNSP, Sampaio Doria tomou posse no dia 29 de abril de 1920.
Porém, Medeiros (2005, p. 195) indica que alguns inspetores, incluindo aqueles que avaliaram
a “Carta Aberta”, o viram com bons olhos a chegada do novo diretor. Para a autora, isso
não pode ser desprezado, uma vez que, uma das funções do inspetor escolar era mediar a
relação entre professores e Diretoria da Instrução. Esse fato pode ter contribuído para Doria
remover pessoas de sua confiança para determinadas escolas do Estado (como apontarei mais
adiante), pois, as pessoas que apoiavam Doria contribuiriam para a execução da Reforma.
1.3 A elaboração da Reforma de 1920
No livro Princípios de Pedagogia, publicado em 1914, Sampaio Doria reuniu os
princípios educacionais e nacionalistas que formaram a base para a organização da Reforma
31
de 1920. Com o estudo deste livro, verifico que Doria buscava uma escola renovada,
conhecedora da evolução e do desenvolvimento do indivíduo e que atendesse as novas
exigências educacionais daquele momento. É possível verificar a influência das idéias
educacionais de Stuart Mill, Herbert Spencer e Rui Barbosa. Doria foi um discípulo de Rui
Barbosa e ambos consideravam que a instrução da população contribuiria para o crescimento
econômico do país. Ele também cita autores como Claparède, Pestalozzi e Wilian James que
também serviram de referência para os autores da Revista de Educação, pois são citados nos
artigos.
Neste livro, Doria (1914, p. 73-74) se manifesta contrário ao método autoritário de
ensino. Para ele, nesse método
O único dever é a obediência, a única responsabilidade é a obediência,
sempre obediência sem tungir nem mugir a superiores hierárchicos. Os
resultados do método da autoridade são a escravaturas do espírito, a mais
lamentável, porque para ella não esperança de cura. Os submissos de
espírito se tornam aliados de seus senhores, proclamando, com ingênua e
sincera, mil razões de assim serem por um acto deliberado de sua vontade
espontânea e livre.
Doria critica o método de ensino autoritário e o método de ensino baseado na
decoração ou memorização do conteúdo pelo aluno, pois, ele levaria os alunos à submissão.
Para ele esse método é um modo de “fixar a sêco formulas na memória” (1914, p. 74). Ele
também critica o verbalismo e defende o ensino efetivo” em que os alunos devessem
conhecer a realidade. Para Doria, “logo, de ser, banido o verbalismo, vendo, tocando,
ouvindo, observando a realidade viva e animada, que se há de educar o menino” (1914, p. 76).
Para o combate do verbalismo, Doria propõe o método intuitivo. Por esse método, os
alunos, através de laboratórios, desenvolveriam experiências sem a ajuda do professor até
obterem a solução verdadeira. Nas primeiras décadas da Primeira República, esse método foi
considerado mais adequado
[...] para conformar a mentalidade progressista do homem urbano, civilizado
e republicano, essa concepção era contraposta a pedagogia tradicional da
memorização, da oralidade, do ouvir e do repetir falando, própria da
monarquia atrasada. (HILSDORF, 2003, p. 62).
Em defesa do método intuitivo, Doria (1914, p. 113) argumenta que a “instrução
intuitiva melhora os homens. Abrir uma escola é fechar um cárcere, quando a escola, em toda
sua organização, se modelar pelos processos intuitivos”.
32
De acordo com Sampaio Doria (1914, p. 112-113), a instrução era o meio de se formar
o sentimento nacionalista, pois para ele
A instrução escolar exerce a influência mais poderosa e decisiva na criação
dos hábitos, inevitáveis, fataes, sem os quais ninguem sofreria, um instante,
a dureza dos deveres e a obscuridade das profissões. Si esta influência
escolar fosse boa, bons hábitos lhe resultarão: Si má, a Ella toda a culpa da
maldade, que semeia. [...]
Ao Estado compete, tanto quanto aos paes, zelar pela formação exclusiva
dos bons hábitos. A organização scientífica do ensino público deve ser de
cuidados mais sérios que a organização dos aparelhos disciplinares.
A educação seria a melhor maneira de mudar os hábitos dos brasileiros desenvolvendo
o civismo. É com esse objetivo que o fundamento da Reforma de 1920 pode ser encontrado
no nacionalismo e no civismo e na idéia de que a educação é fundamental para o crescimento
nacional, com isso, é possível observar a importância da LNSP no pensamento educacional de
Sampaio Doria.
Se procurarmos, agora, estabelecer o traço de convergência e o fundamento
mais longínquo de todos os elementos unificadores que encontramos
presidindo a concepção da Reforma e a sua própria execução, poderíamos
talvez encontrá-los exatamente no nacionalismo e no civismo que inspiraram
os reformadores e na idéia de que a educação é o elemento fundamental da
mudança das instituições e a base da grandeza nacional. (ANTUNHA,
1976, p. 217).
Na avaliação que Hilsdorf (1998, p. 97) faz da Reforma de Sampaio Doria, observa-se
que os objetivos da LNSP se encontram diluídos nas medidas implantadas.
[...] altera profundamente a organização desses níveis de ensino ao assumir
um conjunto de paradigmas inteiramente modernos na sua proposição:
controle e normatização dos procedimentos, com a unificação e
centralização das diversas instituições de formação de professor pelo padrão
das Escolas Normais Secundárias de formação acentuadamente pedagógica,
o reforço da inspeção escolar e a criação das Delegacias Regionais de
Ensino; tomada de decisão com base em informes técnicos, do tipo dados do
Censo Escolar; adesão a Escola Nova, pelo duplo movimento de rotação em
direção as fontes da cultura pedagógica: a social-nacionalista, pela adesão de
manter na zona rural uma escola primária de dois anos, visando garantir
minimamente a sua extensão a todas as crianças, com o objetivo de
nacionalizar o imigrante [...] e a psico-pedagogia, pelo embasamento da
pedagogia na ciência experimental (testes psicológicos) com a associação a
cadeira de pedagogia às de psicologia e prática pedagógica, e sua
dissociação da cadeira de moral e cívica.
33
Para a autora, a Reforma de 1920 reorganizou o ensino implantando medidas
consideradas modernas e tais decisões foram tomadas a partir de dados técnicos obtidos
através do recenseamento escolar. O analfabetismo e o estrangeiro são questões prioritárias na
visão desta autora.
Já Carvalho (2003, p. 228), considera que a Reforma de 1920 que a foi
Concebida nos marcos spencerianos de uma educação intelectual, moral e
física, a Reforma incorpora as metas das Ligas Nacionalista, que desde a
década de 10 mobilizavam as classes médias urbanas em torno do
alistamento eleitoral e do voto secreto como instrumentos de combate às
oligarquias e de conseqüente republicanização da República. Em nome da
erradicação do analfabetismo, a reforma reduziu a escolarização primária
obrigatória de quatro para dois anos. Fazendo-o pretendia estar capitalizando
o sucesso do modelo paulista, sintetizando-o em uma fórmula que o
condensasse em uma formação básica de dois anos, extensiva a toda a
população do estado
A primeira decisão de Sampaio Doria após assumir o cargo de Diretor Geral foi
realizar o recenseamento escolar, como primeiro passo para transformar a organização da
instrução. O recenseamento, chefiado por Antonio Ferreira de Almeida Junior
20
, foi
justificado para Dr. Alarico Silveira secretário do Interior no relatório de prestação de
contas de 1920, onde Doria especifica o que buscava saber com o recenseamento.
[...] Três coisas nos cumpriam saber com segurança e verdade: quantos eram
os analfabetos a que se iria dar instrução elementar, onde se achavam eles, e
quais as condições locais com que se teria de lidar para maior eficiência das
escolas. Sem estes dados, por melhor que fosse nossa boa vontade, o
fracasso seria fatal. Daí termos proposto a Vossa Excelência começar pelo
recenseamento. (DORIA
21
, 1920, apud MEDEIROS, 2005, p. 209).
Após os resultados do recenseamento escolar, Sampaio Doria submeteu à mara de
Deputados o projeto de Reforma da Instrução Pública, em 04 de novembro de 1920. É
importante assinalar que pouco mais de um mês a lei 1750, foi aprovada (08 de Dezembro,
de 1920), com algumas modificações quanto à gratuidade do ensino médio, por exemplo.
Consta no do Decreto 3356, de 31 de maio de 1921, que o ensino seria laico e ficariam isentos
20
Medeiros (2005) indica que, Almeida Junior trabalhou com Sampaio Doria na Escola Normal da Capital e era
pessoa de total confiança.
21
DORIA, Sampaio. Recenseamento Escolar (Relatório do Diretor Geral da Instrução Pública de São Paulo).
São Paulo: Weiszflog Irmãos, 1920.
34
da taxa do Ensino Médio os alunos pobres
22
, declarados pelos seus pais ou responsáveis e
dispensados pelo Diretor Geral da Instrução Pública. Os pais fariam um requerimento por
meio do diretor do estabelecimento de ensino que o encaminharia o Diretor Geral.
O Decreto 3356, que regulamentou a Reforma, aponta que as principais medidas para
acabar com o analfabetismo foi a redução do ensino primário para 2 anos, a criação do ensino
médio, que correspondia aos e anos do ensino primário, então extintos e a idade escolar
obrigatória passaram a ser de 9 a 10 anos. Segundo Doria (1923, p. 300)
O ensino primario em S. Paulo era de 2 annos nas escolas ruraes, de 3 nas
distritaes, de 4 nas escolas urbanas e grupos escolares. De 6 nas escola
modelos, seguidas dos cursos complementares. Vem a reforma, e converte
estes cursos complementares, incompletos e falhos, nas actuaes escolas
complementares de 3 annos, com especialisação de funcçõe, materiais
seriadas, com base solida ao curso posterior das escolas normaes. S. Paulo
ficou com as escolas primarias isoladas de 2 annos, com os grupos de
escolas primarias de 4 annos, e as 10 escolas primarias de 7 annos anexas as
suas 10 escolas normaes
De acordo com a citação acima, para Doria a escola de dois anos seria apenas as
escolas isoladas. Os grupos escolares manteriam a duração de quatro anos e as escolas anexas
às escolas normais teriam duração de sete anos. Então, o propósito da Reforma não era de
reduzir as escolas primárias de todos os tipos para dois anos. Tal escola alfabetizadora seria
apenas para aqueles que não pudessem receber a instrução. Sendo assim, a Reforma de 1920
não pretendia criar uma nova instrução, mas sim, reorganizar a instrução pública existente
com o intuito de distribuir equitativamente a educação às crianças (ANTUNHA, 1976, p.
164).
Todavia, consta no artigo 1º, do decreto 3356, que a Instrução Pública compreende a)
o ensino primário, de dois anos, que será ministrado nas escolas isoladas, escolas reunidas e
grupos escolares;” (SÃO PAULO, Anuário de Ensino, 1920-1921, p. 133)
Isso indica que o ensino primário de todas as escolas foram reduzidos para 2 anos, o
que não era a pretensão de Sampaio Doria. Tal redução gerou muitas críticas de intelectuais e
educadores e isso pode ter sido um dos motivos que o levou a se exonerar. Segundo Antunha
(1976, p. 166)
22
Segundo o artigo do Regulamento, consideram-se pobres os filhos de indigentes, operários e os que vivem
mensal menor que 300$00 Réis.
35
Ele nunca afirmou que essa escola fosse suficiente para formar o indivíduo;
ele acreditava, que isto sim, que melhor do não receber nenhum benefício
educativo seria desenvolver a escola aligeirada, de fins alfabetizantes. Mas,
a seu ver, ia uma distancia muito grande entre estender essa escola aos que
não recebiam nada a reduzir tudo a essa escola, mutilando o aparelho
escolar. Para o governo, a idéia da escola simplificada apareceu como a
solução de todos os problemas de extensão da rede: essa escola seria o
bastante para todos os indivíduos.
Para o governo, a escola simplificada resultou na solução de todos os problemas de
ordem quantitativa e econômica, pois essa escola reduzida cumpriria a lei constitucional
relativa à gratuidade e obrigatoriedade da escola primária. Mas com isso, vemos a distorção
da idéias do reformador, pois ele acreditava que a redução era apenas uma medida provisória
para acabar com o analfabetismo e não uma Instrução Pública definitiva (ANTUNHA, 1976,
p. 166).
Em virtude das divergências com o presidente do estado Washington Luís, Doria foi
exonerado do cargo de Diretor Geral da Instrução Pública no final de abril de 1921. Então,
Guilherme Kuhlmann (assistente de Doria) assumiu a Diretoria. Isso teria ocasionado o
rompimento entre os dois educadores, mas, mesmo depois do ocorrido atuaram juntos na
Sociedade de Educação (1929 - 1931) e na comissão técnica da Associação Brasileira de
Escoteiros em 1922 (NERY, 1999).
A taxa para o ensino médio também não fazia parte das medidas pensadas por Doria,
mas sim, uma medida imposta pelo governo contrária aos seus objetivos.
A taxa ao curso médio foi o calcanhar de Achilles da reforma. Nunca
estivemos por ella. Preservaremos em lhe negar apoio, e terminámos por
alcançar a isenção della aos pobres. A matricula nos grupos escolares ficava,
como tranquilisaramos em circular, quetanta celeuma suscitou, assegurada a
todos:- os que pudessem pagar, pagariam a taxa que alei estatuísse; os que
não pudessem, della ficariam dispensados, com requerer matricula gratuita.
(DORIA, 1923, p. 333).
Após sua exoneração, Sampaio Doria escreveu um livro intitulado Questões de Ensino
(1923), onde se defende das críticas apresentadas no Anuário de Ensino do Estado de São
Paulo de 1920-1921 e explica suas propostas para Reforma do ensino. De acordo com Doria
(1923, p. 288-290) a intenção era de aplicar 44 medidas. Dentre elas, as medidas referentes ao
nacionalismo são:
36
8º) educação civica pela acquisição de hábitos civicos;
14º) novo objectivo immediato da inspecção medico-escolar;
28º) desapropriação de pequenas areas de terra, para a instituição das
verdadeiras escolas ruraes;
34º) adopção do escotismo nas escolas primárias;
37º) medidas nacionalizadoras do ensino primario particular;
38º) obrigatoriedade effetiva á escola primaria elementar;
Algumas destas medidas não se realizaram devido à exoneração de Sampaio Doria no
fim de abril de 1921 e outras não foram aprovadas pelo Congresso Estadual. Dentre estas
medidas, algumas se referem à Escola Normal e muitas delas foram implantadas com o intuito
de divulgar as ideias nacionalistas e inculcar no educando o sentimento de amor à pátria.
Como membro da LNSP e defensor do nacionalismo, Sampaio Doria procurou imprimir o
ideário nacionalista na educação procurando corrigir os problemas sociais que apontamos
acima, como os problemas com os imigrantes, a falta de cultura e civismo dos brasileiros, a
nacionalização do ensino, entre outros. Sobre os imigrantes, Carvalho (1989, p. 41), alude que
Só resolvendo o problema do analfabetismo é que o Brasil poderia “assimilar
o estrangeiro que aqui se instala em busca da fortuna esquiva”. Não havia
como fugir do dilema: ou o Brasil manteria „o centro dos seus destinos,
desenvolvendo a cultura de seus filhos‟, ou seria dentro de algumas gerações
absorvido pelo estrangeiro que para ele aflui.
Carvalho (1989) aponta que a educação poderia assimilar o imigrante estrangeiro que
se instalava no Brasil. Para resolver esse problema a Reforma implantou medidas
“nacionalizadoras” que propunham a ênfase na educação moral e cívica em todos os níveis de
ensino. Em favor da nacionalidade, o Estado fiscalizaria e interviria nas escolas estrangeiras,
pois, de acordo com as novas disposições legais da Reforma, as escolas estrangeiras
respeitariam os feriados nacionais, ministrariam o ensino em vernáculo, incluiriam no
programa o número de aulas determinado pelo governo, o ensino de português, da geografia e
da história do Brasil seriam ministrados por professores brasileiros, e também, nessas escolas
deveriam ensinar as classes infantis os cantos nacionais. Além disso, tornava-se proibido o
ensino de língua estrangeira às crianças menores de 10 anos de idade (ANTUNHA, 1976, p.
167-168).
Segundo o decreto 3356, a Reforma determinou que fosse realizada a inspeção médica
em todos os estabelecimentos de ensino; a criação de grupos de escotismo e linhas de tiro nas
escolas masculinas; tornou obrigatória a participação no “orfeão escolar” para a prática de
37
canto, principalmente de cações nacionais, entre outras medidas, para favorecer e ressaltar os
elementos nacionais que os cidadãos deveriam conhecer.
Quanto às medidas realizadas pela Reforma referentes à escola normal, considero que
a experiência de Doria como professor de Psicologia, Pedagogia e Educação Cívica na Escola
Normal da Capital foi importante, pois como professor, Doria conhecia suas deficiências.
Para Tanuri (1979), o predomínio da cultura geral sobre os estudos profissionalizantes
tornava as escolas normais insatisfatórias devido à falta de conhecimentos sobre o
desenvolvimento da criança, os métodos e as técnicas do processo educativo. Com isso,
iniciou-se juntamente com a Reforma, um movimento em prol a uma melhor formação, as
escolas normais foram unificadas segundo o padrão das escolas normais secundárias de nível
mais elevado e foi proposta a criação da Faculdade de Educação.
A unificação das escolas, normais, realizada tão precocemente em São
Paulo, foi, a nosso ver, a conseqüência natural da criação, desde os primeiros
tempos do período republicano, de um grande número de escolas desse tipo,
o que levou a uma aparente superprodução de professores e um aumento das
exigências na formação do magistério primário. Aliás, essa busca de
aperfeiçoamento do magistério e de ampliação do número de anos de
escolaridade transparece também na criação da Faculdade de Educação, tal
como foi imaginada em 1920.
[...]
Paralelamente à unificação das escolas normais e como corolário dessa
medida, a reforma de 1920 vinha equiparar todos os professores então
existentes, extinguindo as distinções entre complementares, normalistas
primários e secundários. (TANURI, 1979, p. 169 e 161).
Com a unificação das escolas normais paulistas, os professores formados por elas
também foram equiparados, acabando com a distinção entre professores complementaristas,
normalistas primários e secundários. Segundo o artigo a Unificação das escolas normais, de
Pedro Mello (v. I, nº, 2, 1921), publicado pela Revista de Educação, a unificação trouxe
muitos benefícios aos professores, que compartilhariam dos mesmos direitos. A Reforma de
1920 trouxe ao lado da pequena ampliação do conteúdo pedagógico das escolas normais a
simplificação dos estudos de cultura geral. Então foi suprimida a Língua Inglesa, instalaram-
se cursos livres dessa disciplina até que os professore fossem remanejados para outros cargos;
eliminaram-se as aulas de Estruturação Mercantil, Datilografia e Taquigrafia que não se
ajustavam à finalidade do curso normal. Foram também transferidas as aulas de Trabalhos
Manuais para as escolas complementares; a Zootecnia e a Agricultura foram retiradas do
programa e o Latim foi reabilitado (TANURI, 1979, p.163).
38
A LNSP apoiou Sampaio Doria também após sua exoneração. Sobre as acusações e
críticas de sua administração Doria (1923, p. 273) disse que
Das acusações que nos assacaram, nenhuma teve a gravidade da com que
nos mimoseouo “Annuario de Ensino” de 1921, como publicação official
que é. Não acreditaríamos que aquella mesma figura do actual director da
instrucção, tão serviçal, tão humilde, tão pedinte, quando nosso auxiliar
directo e de confiança, se transformasse depois, com nossa exoneração, no
desastrado que se vio tão inhabil em manejar pedras.
A figura serviçal e humilde que Doria se refere era de seu assistente Guilherme
Kuhlman que assumiu a Diretoria da Instrução após sua saída. Kuhlman criticou o ex-diretor
no Anuário de Ensino 1920-1921 causando o rompimento dos dois.
Sampaio Doria (1923, p. 276), por não concordar com os rumos que a Reforma tomou
sob a direção de Kuhlman procurou explicar que
O nosso silêncio, porém, jamais exprimiu concordância à orientação atual da
instrução pública. Precisamente por estarmos em absoluto desacordo com o
que se projeta e, se vem efetuando, parte com realidade, parte com
aparência, devolvemos o cargo de diretor de ensino ao mesmo governo que
no-lo havia confiado. Não quisemos, com a solidariedade da nossa
continuação no cargo, precipitá-lo no desastre, em que jamais se afundara a
instrução publica de país nenhum, tanto mais quanto este desastre, com os
dados oficiais que tínhamos em mãos, era previsível, quase palpável, a quem
quer que dirigisse o ensino, por mais densas que lhe fossem as trevas do
cérebro. Não se correspondem à confiança que nos depositem, senão
servindo com franqueza e lealdade, ou abandonando os lugares cuja
permanência se compre com o sacrifício de convicções.
Doria explicou que pela distorção que suas ideias tiveram, optou por deixar o cargo de
Diretor da Instrução Pública e não gostaria de ser identificado com a Reforma da maneira que
ela foi regulamentada.
Com o fim do período governamental de Washington Luis a Reforma foi revogada
pelo ato do executivo decreto 3858, de 11 de junho de 1925. Assim, a educação paulista
retornou aos padrões que haviam tido êxito nos primeiros tempos de República
(CARVALHO, 1989, p. 44).
Diante dos objetivos desta pesquisa, optei por estudar e analisar as medidas de ordem
nacionalista no Capítulo 3 e relacioná-las com os artigos da Revista de Educação (1921-
1923). Se havia necessidade de formar novos cidadãos, os professores também deveriam estar
39
preparados para isso. Desse modo, o professor precisava ter plenos conhecimentos dos
elementos nacionais que apontarei no Capítulo 3 com a análise da Revista de Educação e as
medidas nacionalistas da Reforma do Ensino de 1920.
Em síntese, a Reforma de 1920 pretendeu nacionalizar o ensino acabando com o
analfabetismo e “abrasileirar” os brasileiros e estrangeiros por meio da alfabetização e
educação moral e cívica e pelo escotismo. Segundo a Reforma, em favor da nacionalidade, as
escolas estrangeiras deveriam incluir nos currículos o ensino de Português, Geografia e
História do Brasil por professores brasileiros e ensinar os cantos nacionais nas classes
infantis. O ensino primário foi reduzido para dois anos (obrigatório e gratuito) e
consequentemente foi criado o ensino médio de dois anos que corresponderiam aos terceiros e
quartos anos, então extintos. O ensino médio deveria ser taxado, porém as famílias pobres
poderiam ser isentadas da taxa mediante a comprovação da sua condição financeira.
A idade escolar obrigatória foi alterada para 9 e 10 anos de idade, sendo proibida
matrícula de crianças em escolas públicas que não tivessem completado 9 anos de idade.
Foi sugerida a adoção do método intuitivo em todas as escolas. Carvalho (2003, p.
228) salienta que, “Sampaio Doria se convencera de que o único método adequado era o que
chamava método de intuição analítica”. Ainda segundo Carvalho (2003, p. 230):
Alçando o analfabetismo ao estatuto de „quentão nacional por excelência‟ e,
por isso, priorizando a extensão da escola às populações até então
marginalizadas, a Reforma o que, na sua experiência como pedagogo,
Sampaio Doria entendia ser a base de toda a aprendizagem, arriscando uma
resposta pedagógica a um desafio político. Convencido da eficácia do
método de intuição analítica aliava a essa fórmula os objetivos de
moralização e vigorização da raça da Liga Nacionalista de São Paulo.
Promovendo essa aliança, sintetizava um programa que seria o ponto de
referência principal dos debates e das reformas educacionais dos anos 20.
As escolas normais foram unificadas segundo o modelo da escola normal secundária
que tinha o nível de formação intelectual e pedagógica mais elevado, com isso escolas
normais primárias e secundárias formariam o professor para o ensino primário com o mesmo
currículo.
A Reforma também criou a inspeção médico-escolar para fiscalizar as condições de
higiene nos estabelecimentos de ensino público; o orfeon escolar e incentivou a prática do
escotismo nas escolas e enfatizou o ensino da Educação Moral e Cívica com o objetivo de
propagar o nacionalismo.
CAPÍTULO 2. REVISTA DE EDUCAÇÃO (1921-1923): CARACTERÍSTICAS
MATERIAIS
Publicar um periódico que fosse veículo de divulgação dos ideais defendidos pelos
professores da Escola Normal de Piracicaba parece ter sido um empreendimento ambicioso
para a época. Apesar de não ser uma novidade uma vez que outras escolas congêneres o
fizeram , todo o trabalho que envolveu a elaboração do periódico, até chegar às mãos do
leitor, merece ser estudado com o cuidado que requer. Neste capítulo, eu me deterei sobre as
características materiais da Revista de Educação (1921-1923), considerando o impresso como
objeto cultural, analisando-o do ponto de vista de sua produção, circulação e distribuição,
como estratégias editoriais de imposição de modelos culturais e, também, como dispositivo de
normatização pedagógica e suporte material das práticas escolares. Segundo Chartier (1998,
p. 17), é preciso compreender que “não texto fora do suporte que o a ler (ou a ouvir), e
sublinhar o fato que não existe a compreensão de um texto, qualquer que ele seja, que não
dependa das formas através das quais ele atinge o seu leitor”.
Nesse sentido, os estudos de impressos de destinação pedagógica são importantes, pois
revelam elementos ainda desconhecidos sobre a História e a Historiografia da Educação
Brasileira.
A análise da materialidade é relevante, segundo o enfoque da História Cultural,
que ela nos proporciona descobrir as marcas de produção, circulação e usos dos impressos,
desvelando os sentidos construídos pela configuração tipográfica e textual.
2.1 Espaço de produção: a Escola Normal de Piracicaba
Para Carvalho (1989, p.7), a escola foi,
[...] no imaginário republicano, signo da instauração da nova ordem, arma
para efetuar o progresso. [...] A escola foi, em consequência, reafirmada
como arma de que dependia a superação dos entraves que estariam
impedindo a marcha do Progresso, na nova ordem que se instaurava. Passa,
no entanto, a ser considerada “arma perigosa”, exigindo a redefinição de sés
estatuto como instrumento de dominação.
Nesse sentido, os intelectuais das primeiras décadas do século XX acreditavam que a
educação seria a solução para os problemas sociais do Brasil e passaram a exigir mudanças na
instrução pública, sobretudo no Estado de São Paulo. Isso levou a um entusiasmo pela
41
educação, gerando diversos movimentos de caráter educacional e nacionalista, que viam que a
função da educação seria dar forma ao país, transformando os habitantes em povo e
construindo uma nação.
No fim da segunda década do século XX, o movimento nacionalista contribuiu para a
movimentação favorável à interferência da União no desenvolvimento e difusão do ensino. A
corrente imigratória que se desencadeou, no fim do século XIX, a Primeira Guerra Mundial, a
concentração de colônias estrangeiras, as quais mantinham escolas em que o ensino era
ministrado em línguas distintas da língua nacional e o alto nível de analfabetismo existente no
país, na época, causavam temores relativos ao predomínio da cultura estrangeira e ao
rompimento da unidade nacional (TANURI, 1979, p. 55-57). Devido aos problemas acima
mencionados, inicia-se um movimento denominado “movimento de chamada de participação
do Governo Central no âmbito da escolarização primária”. Eis a finalidade dessa participação:
Regenerar as populações brasileiras, núcleo da nacionalidade, tornando-as
saudáveis, disciplinadas e produtivas, eis o que se esperava da educação,
erigida nesse imaginário em causa cívica de redenção nacional. Regenerar o
brasileiro era dívida republicana a ser resgatada pelas novas gerações.
(CARVALHO, 1989, p, 10).
Apesar das iniciativas para promover a interferência do Governo Federal na Instrução,
este acabou não exercendo qualquer atividade normativa no ensino normal do país; desse
modo, sem um estabelecimento que normatizasse o ensino normal, os Estados se organizaram
independentemente, promovendo suas reformas na instrução (TANURI, 1979, p. 71).
No Estado de São Paulo, devido à incapacidade da Escola Normal da Capital no
atendimento da demanda de professores, na época, escolas normais foram instaladas em
diversas outras cidades paulistas, como é o caso da Escola Normal de Piracicaba não
apenas por isso, mas, sobretudo, pelo que representava a escola, no imaginário republicano. A
instalação de escolas normais pelo interior do Estado atendia às mais variadas reivindicações
dos poderes locais e ainda ao projeto de Oscar Thompson, de ampliação da rede de
escolarização primária (NERY, 2009, p. 20).
O modelo escolar que antecede o surgimento da Escola Normal de Piracicaba é o da
Escola Complementar de Piracicaba. Esta foi criada em março de 1896 e instalada em 21 de
abril de 1897, sob a direção de Antonio Alves Aranha. A Escola Complementar de
Piracicaba permitia desenvolver estudos em nível secundário, com duração de quatro anos,
com a finalidade específica de formação de professores (primários) para o exercício do
magistério, desde que os alunos tivessem um ano de prática pedagógica em grupos escolares
42
ou em escolas-modelo. Porém, o diploma de professor complementarista era distinto do
diploma do professor formado pela Escola Normal (que formava os alunos para serem
professores da Escola Complementar). Assim, os alunos da Escola Complementar precisariam
fazer um ano de prática em grupos escolares ou em escolas-modelos, após cursar os 4 anos
para se tornarem professores da Escola Preliminar. A partir de 1906, conferiu-se aos
professores complementaristas o direito de ingressar no ano da Escola Normal. O modelo
de ensino da Escola Complementar era mais barato que o da Escola Normal, sendo uma forma
de solucionar os problemas de profissionalização docente, naquele momento (NERY, 2009, p.
22).
Segundo Nery (2009, p. 20), desde os primeiros anos da República, começou um
processo que levou ao interior paulista um modelo diferenciado de formação de professores,
que foi a Escola Complementar. A Escola Complementar se tornou uma opção viável para
formar professores tanto na Capital como no interior. A primeira a ser estabelecida foi a
Escola Complementar anexa à Escola Normal da Capital. Em 1896, duas foram criadas no
interior, a Escola Complementar de Itapetininga e a Escola Complementar de Piracicaba,
dirigida por Antonio Alves Aranha. Em 1897, surgiu a Escola Complementar Prudente de
Moraes, anexa à Escola Modelo Prudente de Moraes, localizadas na capital, mas, a partir de
1902, ela começa a ser transferida gradativamente para Guaratinguetá, passando a
denominar-se Escola Complementar de Guaratinguetá e, em 1902, foi criada a Escola
Complementar de Campinas, instalada no ano seguinte.
A Escola Complementar de Piracicaba foi a segunda instalada no interior de o
Paulo e representou o início de um processo de modernização que levaria a cidade a ser
referência nacional. Paulo de Moraes Barros filho do senador Manoel de Moraes Barros e
sobrinho de Prudente de Moraes foi um dos responsáveis pela vinda desse tipo escolar. A
vinda da escola para Piracicaba correspondia às ideias do Partido Republicano Paulista (PRP),
que objetivava a difusão dos princípios de modernização, urbanização e nacionalização da
sociedade, derivados do republicanismo (NERY, 2009, p. 23). Sobre o processo de
modernização das cidades, Terci (2009, p. 1) argumenta que ele
[...] torna as cidades o locus privilegiado desse fazer histórico,
institucionalizando então a luta republicana. Piracicaba figura entre as
cidades que protagonizaram essa transição. Seguramente a "administração
modelo" do PRP nos primeiros decênios e o bairrismo piracicabano, versão
local da onda nacionalista dos anos 20, são ilustrativos da estruturação do
poder dos republicanos: a construção do monolitismo político e o
43
"aburguesamento" da sociedade, reordenando o espaço urbano, definindo
suas funções, segregando a população.
A Escola Complementar foi a primeira instituição laica do gênero a ser instalada na
cidade, pois a laicidade era um dos princípios da República. A escola era aberta a meninos e
meninas, mas eles ocupavam espaços distintos no prédio, visto que a coeducação dos sexos
não existia no momento e as salas de aula eram separadas por tabiques, que não permitiam a
comunicação (NERY, 2009, p. 24).
Sobre as práticas desenvolvidas na Escola Complementar de Piracicaba, o estudo de
Honorato (2007) revela a presença de rigorosa disciplina. Fazia parte da formação do
professor, nessa instituição, o aprender disciplinar. Ao estudar o Livro de Imposição de
Penas
23
dessa escola, o autor conclui que o aluno deveria incorporar esse habitus professoral,
durante sua formação. Salienta Honorato (2007, p. 4):
O professor recebeu o papel central de responsável pela educação
escolarizada dos filhos republicanos, de reformador do ensino público e de
detentor de uma nobre missão cívica e patriótica. Era pelo professor que se
conseguiria transmitir e construir um comportamento disciplinado no corpo
dos cidadãos em idade escolar. O professor como autoridade e como
representante social, não poderia ser ofendido, desobedecido e desrespeitado,
muito menos em um curso de formação profissional de docentes
Para Honorato (2007), o poder aparece como relacional nas configurações inesperadas do
cotidiano da escola. É a partir das manifestações de poder que se consegue visualizar o que era um
comportamento indisciplinado. Sud Mennucci enquanto aluno da Escola Complementar e
outros colegas foram punidos por mau comportamento pelo Diretor Honorato Faustino.
Em vista da gravidade das faltas commettidas pelos alunnos Paulo Zanotta,
Franscisco Alves de Almeida Junior, João Pinheiro Almeida, Affonso da Silva
Coelho, Sud Mennucci, Joaquim de Toledo Piza, Luiz Fernando de Almeida
Prado, José do Amaral Mello, César Alves Cruz, H. Carlos Madeira, Paulo
Marques de Carvalho, João Pereira da Fonseca, José de Assis Filho, Luiz
Liberato de Macedo e Décio Paes de Barros, que confessaram em classe,
perante os respectivos professores e o director dessa Escola Complementar,
terem vaiado professores e professoras, por terem tido notas baixas nos boletins
mensais, ficam esses alunos suspensos por cinco dias, a contar de amanhã,
ficando as suas notas de comportamento reduzidas a 1 e bem assim as de
applicação no mez de abril próximo findo. Piracicaba, 7 de março de 1907. O
Director. (LIVRO DE PENAS
24
, 1908, apud HONORATO, 2007, p. 5).
23
Um dos componentes da escrituração escolar, em que se registravam os casos de indisciplina cometidos na
escola, bem como as respectivas penalidades impostas. Cabia ao diretor lavrar esse livro.
24
LIVRO DE IMPOSIÇÃO DE PENAS, Escola Complementar de Piracicaba, 1908.
44
A primeira turma da Escola Complementar de Piracicaba se formou em 1900. Os
alunos eram oriundos de várias cidades do interior, como Araraquara, Capivari, Itu, além de
Piracicaba. Foram professores dessa escola, dentre outros, Antonio Firmino de Proença,
Juvenal Penteado, Honorato Faustino, Antonio Alves Aranha e Escolástica do Couto Aranha,
todos vindos da Escola Normal da Capital. Alguns alunos formados pela Escola tiveram
destaque no cenário paulista, como Sud Mennucci, Fabiano Lozano, Thales Castanho de
Andrade, Olívia Bianco e Pedro Crem, que publicaram artigos na Revista de Educação.
A Câmara Municipal de Piracicaba ofereceu ao governo um edifício localizado na Rua
Rosário, para a instalação da Escola Complementar. Esse edifício foi construído pela
Sociedade Propagadora da Instrução de Piracicaba
25
, a qual tinha o objetivo de construir uma
escola particular e laica, com base nos ideais republicanos. De acordo com Perecin (2005),
poucas informações sobre o funcionamento dessa Escola, conhecida como “Colégio Rosa”. Em
5 de janeiro de 1897, procedia-se ao fim da Sociedade Propagadora da Instrução de
Piracicaba e o prédio situado na Rua Rosário e um terreno foram vendidos à Câmara
Municipal, pelo valor de trinta e quatro contos e quinhentos mil réis. Esse local seria a primeira
sede da Escola Complementar de Piracicaba, instalada em 1897, com o objetivo de
desenvolver estudos em nível secundário, com duração de quatro anos, com a finalidade
específica de formação de professores para o exercício do magistério.
A dualidade entre as escolas de formação docente causou descontentamento e críticas
ao baixo padrão de formação oferecida pelas escolas complementares. Foram feitos “apelos
favoráveis à remodelação das escolas complementares ou simplesmente à retirada do caráter
profissional que lhes fora concedido” (TANURI, 1979, p. 123). Todavia, foi apenas em 1920,
com a Reforma Sampaio Doria, que se unificaram todos os tipos de escolas normais.
Segundo Antunha, em função da dualidade de formação de professores (1976, p. 25), a
partir de 1910,
[...] avolumar-se iam críticas e cresceria a consciência da necessidade de
introdução de reformas radicais na estrutura do sistema de ensino, a fim de
ajustá-lo às novas solicitações do meio social. A nosso ver desse processo e
sua culminância será a reforma de 1920.
Em virtude das críticas em relação às deficiências da Instrução Pública, desde a década
de 1910, foi posta em evidência a necessidade de uma reestruturação. Sob a influência das
25
Grupo de conhecidas famílias piracicabanas que constituíam uma sociedade de capital por ações que
investiram no setor educacional. Essa Sociedade era um dos braços da maçonaria republicana, na cidade.
45
inovações educacionais internacionais, cuja porta de entrada em São Paulo foi a Escola
Normal da Capital, iniciaram-se movimentos em prol de uma escola renovada e moderna,
formadora de brasileiros para o progresso, em combate à escola “tradicional”. Em decorrência
da ação dos movimentos político-sociais do período e pela influência das ideias positivistas,
“a escolarização foi concebida como um instrumento de correção do progresso evolutivo e
como uma força propulsora para o progresso da sociedade brasileira” (NAGLE, 1974, p. 125).
Em consequência, pelo Decreto 2025, de 9 de março de 1911
26
, a Escola
Complementar foi convertida em Escola Normal Primária
27
. Ressalta Nery (2009, p. 35):
O que ocorre com a transformação da Escola Complementar em Normal
Primária não é a elevação de uma à outra, mas, o término de um tipo de
formação de professores. Assim, elimina-se um modelo para implantar um
único, com base no desenvolvido pela Escola Normal da Capital, porém
diferentes quanto à estrutura curricular, orçamento e destinação dos egressos.
Nem mesmo os prédios das Escolas Complementares foram suficientes,
levando à necessidade de construção de novos prédios para as escolas
convertidas. As Escolas Normais Primárias mantiveram os mesmos 4 anos
de duração dos cursos das Escolas Complementares e boa parte da estrutura
curricular, acrescentando a disciplina Pedagogia, mas eliminou Escrituração
Mercantil na qual os alunos aprendiam a fazer toda a escrituração da escola.
Honorato Faustino, que assumiu a direção da Escola Complementar de Piracicaba, em
2 de junho de 1904, após a transferência de Antonio Alves Aranha, passou a ser o diretor da
Escola Normal Primária, cargo que exerceu até 1928, quando foi transferido para a direção
da Escola Normal da Capital.
A Escola Normal Primária de Piracicaba foi instalada no mesmo prédio da
Complementar, até a construção de edifício próprio, inaugurado em 1917, onde ainda hoje
funciona a Escola Estadual Sud Mennucci. Em 8 de dezembro de 1920, com a Reforma
Sampaio Doria, determinou-se que todas as escolas normais fossem equiparadas segundo o
modelo da Escola Normal Secundária de nível mais elevado. Dessa forma, a Escola Normal
Primária de Piracicaba passou a denominar-se Escola Normal de Piracicaba.
Em 05 de julho de 1913, Paulo Moraes Barros Secretário da Agricultura durante o
governo de Rodrigues Alves lançou a pedra fundamental da nova sede da Escola projetada
pelo Departamento de Obras de Piracicaba, sob a responsabilidade do engenheiro Eduardo
Kiehl
28
, situada na Rua São João, no Bairro Alto. A construção da nova sede da Escola
26
Com exceção da Escola Complementar de Itapetininga, que, em 1910, foi reinstalada a Escola Normal
Secundária de Itapetininga.
27
A Escola Normal Primária formava professores para o ensino primário.
28
Jornal de Piracicaba, 10/11/1985.
46
Normal custou o valor de 527: 416$235 Réis. A construção da Escola Normal levou a
Prefeitura de Piracicaba à falência, devido ao alto custo da construção, de acordo com Nery
(2009, p. 36):
Os prédios construídos para as Escolas Normais recém criadas seguem um
padrão dado pelos preceitos do republicanismo. A escola republicana foi
concebida como local privilegiado de civilidade e cultura e, assim, sua
arquitetura foi toda pensada, ao modelo das catedrais, baseada na grandeza
dos espaços, pés-direitos altos, locais que pudessem ser facilmente avistadas
nas cidades.
A pintura de símbolos republicanos que decoram as paredes e painéis no estilo
neoclássico, presentes no Salão Nobre, na Biblioteca e no Saguão foi feita pelo artista italiano
Luigi Lacchini, demonstrando sua importância histórica para o país. Essas pinturas imitam
mármore, o que pode ter ocorrido pela impossibilidade de importar o mármore da Itália para a
decoração da escola, em decorrência da Primeira Guerra Mundial, na Europa.
Para Nery (2009, p. 42), a sala de música além do anfiteatro, localizado logo na
entrada do prédio é um componente da importância que esta atividade tinha para a escola.
Talvez por influência dos irmãos Lozano
29
, que criaram a primeira Orquestra de Piracicaba,
em 1906. Fabiano Lozano foi responsável pela criação do Orfeão Escolar, na Escola Normal
de Piracicaba, atividade que viria a se disseminar e ser modelo para as demais escolas
normais do Estado. Ele foi também autor de rias obras direcionadas ao ensino de música
nas Escolas Normais e de artigos na Revista de Educação.
A existência de espaços específicos, como os laboratórios de física, química e
biologia, e o Museu Escolar demonstram o tipo de formação, baseado no método intuitivo,
mas, encaminhando para os métodos ativos, com grande influência da psicologia
experimental” (NERY, 2009, p. 42).
Na Ata de Inauguração, escrita a próprio punho pelo Diretor Honorato Faustino,
consta que a inauguração da nova sede se deu no dia 11 de agosto de 1917 e teve a presença
dos alunos e do corpo docente da Escola Normal, autoridades locais, como o prefeito e o
presidente da Câmara Municipal, do Doutor Oscar Thompson (na qualidade de Diretor Geral
da Instrução), Antônio de Pádua Almeida Prado (Presidente do Diretório Político), Oscar
Rodrigues Alves (Secretário do Interior), Diretores da Escola Agrícola Luiz da Queiroz, do
Grupo Escolar Moraes Barros, do Grupo Escolar Barão do Rio Branco e do Colégio
29
Lázaro Rodriguez Lozano foi professor de Música na Escola Normal de São Carlos, e Fabiano Lozano foi
professor da mesma disciplina, na Escola Normal de Piracicaba.
47
Piracicabano, Deputados e Senadores, do Governador do Estado de São Paulo, Altino
Arantes, amigos e demais autoridades.
Em 1917, quando Oscar Thompson retorna à Diretoria da Instrução Pública, recria-se
a Escola Complementar, porém, como ciclo intermediário entre o primário e o normal, pois,
sem um curso intermediário, os alunos chegavam à escola normal sem certos conhecimentos
básicos. De acordo com Nery (2009, p. 37), o retorno da Escola Complementar reformulada
[...] representa a retomada do primeiro modelo interiorano de formação de
professores, na república paulista, sem, contudo, formar o professor. Assim,
a Escola Complementar passa a funcionar no mesmo prédio que a Escola
Normal, tanto primária quanto secundária, numa tentativa de melhorar o
preparo para o ingresso no curso normal, cujo exame de admissão ampliara
as exigências.
Segundo Nery (2005), anos mais tarde, em 8 de dezembro de 1920, com a lei 1.750
Reforma Sampaio Doria foi determinado que todas as escolas normais fossem equiparadas
segundo o modelo da Escola Normal Secundária
30
e passaram a denominar-se Escola Normal
de (...) com o complemento dado pela localização. Dessa forma, a Escola Normal Primária de
Piracicaba passou a denominar-se Escola Normal de Piracicaba e, atualmente, é denominada
Escola Estadual Sud Mennucci, funcionando no mesmo prédio.
A Reforma de 1920 causou uma mudança no quadro de professores da Escola Normal
de Piracicaba. O grupo formado por Honorato Faustino, Lourenço Filho, Thales de Andrade,
Fabiano Lozano, entre outros, possibilitou a elaboração da Revista Educação como veículo de
divulgação da própria Reforma.
30
A Escola Normal Secundária (Escola Normal Secundária da Capital, de São Carlos e de Itapetininga) tinha o
nível de formação pedagógica mais elevada que o da Escola Normal Primária.
48
Figura 2: Foto da construção da Escola Normal de Piracicaba.
Figura 3: Foto do prédio da Escola Normal de Piracicaba, encontrada no Museu
da Escola Estadual Sud Mennucci antiga Escola Normal de Piracicaba.
49
A Reforma de 1920 criou o Museu Escolar, que deveria ser formado por coleções de
objetos naturais e artificiais, com a orientação dos professores e apoio dos alunos. Este era
condição essencial para a aplicação do método intuitivo, indicado pelo reformador Sampaio
Doria. Na Escola Normal de Piracicaba, os responsáveis pelo Museu Escolar foram os
professores Honorato Faustino e Lourenço Filho. No artigo “Movimento Escolar” (Revista de
Educação, v. I, 1, 1921, p. 61), uma notícia da instalação do Museu Escolar, que conta
com materiais trazidos pelos próprios alunos do curso primário, para os estudos de ciências
naturais. A breve notícia ressalta que, depois da instalação do museu, verificou-se um maior
interesse nos estudos em ciências naturais pelos alunos. Também nesse artigo, há informações
sobre a conclusão das instalações do Laboratório de Química, necessário no ensino ativo,
desenvolvido por meio das experiências dos alunos.
Após passar por outras reformas, que transformaram sua estrutura e organização, em
1945, a Escola recebeu o nome de Escola Normal Sud Mennucci, em homenagem a Sud
Mennucci
31
, piracicabano, formado pela Escola Complementar de Piracicaba, foi delegado
Regional de Ensino da região de Piracicaba, durante a administração de Sampaio Doria como
Diretor Geral da Instrução Pública paulista. Anos mais tarde, foi denominada Instituto de
Educação Sud Mennucci e, atualmente, denomina-se Escola Estadual Sud Mennucci.
É importante ressaltar o papel modelador que o Estado de São Paulo desempenhou,
junto às outras unidades da Federação, em relação à organização do ensino primário e normal,
durante as primeiras décadas da República. Na ausência de modelos e normas fixadas pelo
Governo Federal, o Estado de São Paulo, além de distinguir-se nos setores político e
econômico, destacou-se também no setor educacional. De acordo com Tanuri (1979, p. 72),
isso aconteceu “graças às reformas que se realizaram nos primeiros anos da República,
passando a servir, até certo ponto, de padrão para os demais”.
A escola foi vista, no Estado de São Paulo, como marca republicana, “o sinal da
diferença entre um passado de trevas, obscurantismo e opressão, e um futuro luminoso em
que o saber e a cidadania se entrelaçariam trazendo o progresso” (CARVALHO, 1989, p. 23).
Os republicanos paulistas buscaram “dar a ver a própria República e seu projeto educativo e,
por vezes, espetacular” (VIDAL; FARIA FILHO, 2005, p. 52). Por isso, a construção de
prédios de escolas monumentais e a importância das cerimônias inaugurais dos edifícios
escolares, apontadas por Carvalho (1989, p. 25).
31
A biografia completa de Sud Mennucci pode se encontrada em VICENTINI, P. P; LUGLI, R. S. G. Sud
Mennucci. IN: FÁVERO, Maria L. A; BRITTO, Jader de M. (Org.). Dicionário de Educadores no Brasil. Rio de
Janeiro: Editora da UFRJ, 2002.
50
Para fazer ver, a escola deveria se dar a ver: Daí os edifícios necessariamente
majestosos, amplos e iluminados, em que tudo se dispunha em exposição
permanente. Mobiliário, material didático, trabalhos executados, atividades
discentes d docentes tudo devia ser dado a ver de modo que a conformação
da escola aos preceitos da pedagogia moderna evidenciasse o Progresso que
a República instaurava.
O Estado de São Paulo se tornou modelo, em termos de organização da instrução, e
as demais Unidades Federadas do país levavam dele não apenas os profissionais de ensino,
mas também a caracterização dos prédios, a mobília, os livros e os materiais didáticos para
serem usados em suas escolas.
A realização da educação escolarizada tornou-se central para alcançar os objetivos
republicanos, devido às teses liberais e democráticas moderadas, dominantes entre os
republicanos, desde 1920, para as quais a educação era vista como
[...] fator de resolução de problemas sociais, e porque havia a necessidade
objetiva de integrar e disciplinar sobretudo a imigrante para o trabalho na
lavoura cafeeira, projetar e realizar a educação escolarizante torna-se a tarefa
republicana por excelência, tanto na fase de propaganda quanto na fase de
instituição do regime. (HILSDORF, 2003, p. 60-61).
Assim, a construção da sede da Escola Normal de Piracicaba foi um marco histórico
importante na História da formação de professores no Estado de São Paulo e para atendimento
da demanda de professores. Foi, ainda, uma forma de registrar as marcas do Partido
Republicano Paulista na região, uma vez que este buscava consolidar o regime republicano,
por meio da expansão educação.
2.2 O mercado editorial e editor: o Jornal de Piracicaba
A principal característica do mercado editorial brasileiro até a década de 1920 era o
consumo de livros importados e livros brasileiros impressos fora do país. Além disso, para se
tornar autor, era necessário capital para investir e distribuir os próprios livros, que as
poucas editoras existentes publicavam apenas os livros didáticos, jurídicos e alguns romances
de sucesso. A Primeira Guerra Mundial trouxe boas consequências para a indústria brasileira,
dificultando a importação de produtos da Europa, pois os produtos importados foram
substituídos pelos nacionais e, com isso, entre 1914 e 1920, a indústria manufatureira paulista
cresceu por volta de 25% ao ano, inclusive a indústria editorial (HALLEWELL, 2005, p.
51
311). Como os livros eram impressos na Europa, houve a necessidade de iniciar a indústria
gráfica no país, para atender às necessidades brasileiras.
Nas primeiras décadas do século XX, a produção e o consumo de livros ainda eram
baixos, devido à dificuldade de publicação; entretanto, os estudos de Cruz (2000) sobre o
periodismo na cidade de São Paulo, nos anos 1910, salientam que nesse momento uma
grande expansão de jornais e revistas. O número de tipografias instaladas cresceu
significativamente, em função do desenvolvimento econômico e cultural de São Paulo. A
leitura, privilégio apenas da elite, começava, ainda que de forma reduzida, a fazer parte do
cotidiano das demais classes sociais. Havia necessidade de se produzir materiais que se
tornaram rotineiros para a vida cotidiana da cidade. Para Cruz (2000, p. 77), o “movimento de
crescimento e circulação de materiais impressos em São Paulo, principalmente da imprensa
periódica, acompanha o próprio ritmo de desenvolvimento da cidade”.
No caso de impresso de destinação pedagógica, como a Revista de Educação, que
buscou fazer a propaganda da Reforma de 1920, Nery (2009, p. 60) destaca:
Tais periódicos ajudam a compreender o processo pelo qual as escolas
normais do interior do estado se constituem como espaços privilegiados de
organização de uma cultura política e pedagógica de formação de
professores. Ao analisar tal produção, esse texto busca aproximar-se dos
conhecimentos pedagógicos que efetivamente circulam neste ambiente
formativo e das práticas instituídas nestas escolas. Este conjunto de
elementos permite reavaliar o processo de conformação do modelo de
formação de professores no estado para além dos significados adquiridos
pela Escola Normal da Capital. O que os professores escrevem sobre
educação e ensino é forte indício de quais modelos estão efetivamente sendo
privilegiados na formação do professor primário, seja nas aulas organizadas
por esses professores, ou nas recomendações de leitura aos alunos. Nestes
textos emergem uma série de práticas instituídas que faziam parte de projeto
de formação docente.
Desse modo, é importante para este trabalho estudar e compreender o espaço de
produção do impresso e o processo que este percorreu, até chegar ao leitor. As condições
econômicas e sociais do período em tela foram coadjuvantes, nesse processo. A urbanização,
o desenvolvimento econômico e cultural e o entusiasmo pelo progresso, que se instaurava na
cidade de São Paulo, nas primeiras décadas do século XX, foram levados também para o
interior. Como nos primeiros anos de século XX ainda não havia editoras de grande porte, no
Estado, as pequenas tipografias como a do Jornal de Piracicaba foram responsáveis pelas
publicações de livros, revistas, folhetins, cartazes de propaganda, entre outros materiais que
circulavam na época. Enfatiza Toledo (2001, p. 23-24):
52
Nesta conjuntura em que a impressa caseira passa a ser uma alternativa para
a circulação de outras idéias, outros projetos ou outras perspectivas que as da
elite, a leitura de almanaques, folhinhas, pequenos jornais começa a se
expandir e oferecer à população formas alternativas de impressos que, apesar
de absorverem muito da linguagem da imprensa tradicional, adaptam-se às
condições de produção daqueles sujeitos que passam a produzi-las,
inventando novas linguagens e conteúdos.
Com Piracicaba em pleno crescimento, a criação do Jornal de Piracicaba foi
importante para impulsionar o desenvolvimento, o econômico, mas também cultural da
cidade. Cruz (2000, p. 190) acrescenta:
Através dos jornais e revistas, os circuitos de difusão da imprensa periódica
ampliam-se e as relações entre grupos produtores e público leitor redefinem-
se. Nos novos veículos, o controle dos conteúdos e formas de contar
escapam progressivamente das mãos dos produtores diretos. Tais conteúdos
e formas, anteriormente mais articuladas no interior da prática social de
associações culturais, clubes ou mesmo grupos de literatos independentes,
passam a ser concebidos no interior da estrutura da redação das novas
empresas jornalísticas sob a batuta do redator-chefe.
Porém, no fim da década de 1910 e início da década de 1920, o processo de crescimento
desse tipo de imprensa começa a declinar, com o aparecimento de novas tecnologias que nem
todas as tipografias conseguiram adquirir.
Segundo Queiroz (1998, p. 55), o Jornal de Piracicaba foi criado em 1900. No dia 04
de agosto daquele ano foi impressa a primeira edição do jornal, que circula ininterruptamente
até os dias atuais. A redação e as oficinas funcionavam no Largo do Teatro. Sua criação foi
liderada pelo engenheiro Buarque Macedo, diretor da fábrica de tecidos Arethuzinha. A
direção geral era de Alberto da Cunha Horta, enquanto a redação ocorria sob a condução de
Antonio Pinto de Almeida Ferraz, que posteriormente foi também editor da Revista de
Educação e professor da Escola Normal de Piracicaba.
A partir de 14 de novembro de 1900, assume a gerência João Pedro de Meira, havendo
a primeira mudança da sede, que passou a ser na Rua Moraes Barros, número 188-A. Alberto
Horta, por motivos de saúde, deixou a empresa, mudando-se de cidade, na mesma data em
que saem Buarque de Macedo e o redator Antonio Pinto de Almeida Ferraz (QUEIROZ,
1998, p. 56).
Em 1º de março de 1904, a direção passou às mãos de Alvaro de Carvalho, perdurando
até 13 de fevereiro de 1912. João Franco de Oliveira assumiu a gerência e Pedro Krahenbull a
53
chefia de redação, Manuel Prates a tipografia, atuando como colaboradores José de Mello
Moraes e Pedro Crem (QUEIROZ, 1998, p. 61).
Em 3 de janeiro de 1914, João Franco de Oliveira assumiu o cargo de gerente e, a
partir de 8 de novembro de 1923, o jornal passou a ser propriedade de João Franco & Cia.,
tendo como gerente o próprio Franco e, como redatores, Pedro Krahenbull e Pedro Crem,
sendo os dois últimos igualmente proprietários (QUEIROZ, 1998, p. 62).
Por meio da tese de Queiroz (1998) e pela consulta dos exemplares do Jornal,
verifiquei que, nas décadas de 1910 e 1920, foram publicadas diversas notícias sobre questões
políticas, envolvendo os ideais republicanos, bem como artigos sobre a situação da instrução
pública paulista, escritos por professores da Escola Normal de Piracicaba e anexas, o que
indica que havia relações de amizade e profissionais entre os professores da Escola e os
responsáveis pelo Jornal.
Pedro Crem foi lente de Língua Vernácula e Califasia, na Escola Complementar de
Piracicaba, permanecendo como um dos chefes do jornal até 1933. Isso provavelmente
contribuiu para ampliar as relações dos professores da Escola Normal e anexas com os
redatores e proprietários do jornal. Penso ainda que o professor Antonio Pinto também
colaborou nessa aproximação, uma vez que foi a Tipografia do Jornal de Piracicaba que
produziu a Revista de Educação e os livros de professores da Escola, como o livro Saudades,
de Thales Castanho Andrade
32
.
2.3 A Revista de Educação (1921-1923)
A Revista de Educação (1921-1923) é, assim, órgão da antiga Escola Normal de
Piracicaba e Anexas e foi publicada pelos professores dessas escolas, sendo Lourenço Filho
33
(professor de Pedagogia e Psicologia da Escola Normal) um dos principais editores e
idealizadores do periódico.
32
Sobre a obra de Thales C. de Andrade, ver: STANISLAVISKI, Cleila de F. Siqueira. Saudade (1919-2002): a
contribuição de Thales Castanho Andrade para o campo da leitura escolar. 2006. Dissertação (Mestrado em
Educação) UNESP, Marília, 2006.
33
Manuel Bergstron Lourenço Filho nasceu a 10 de março de 1897, na Vila de Porto Ferreira/SP, e faleceu a 3
de agosto de 1970, no Rio de Janeiro. Em 1912, ingressou na recém-criada Escola Normal de Pirassununga,
formando-se em 1914. Em 1915, foi nomeado professor primário substituto do Grupo Escolar de Porto Ferreira.
Em 1916, mudou-se para o Paulo e diplomou-se pela Escola Normal da Praça, onde foi aluno de Antônio
Sampaio Dória. Em 1917, recebeu em Campinas o diploma do curso ginasial. Matriculou-se em 1918 na
Faculdade de Medicina, mas interrompeu os estudos no segundo ano. Iniciou o curso de Direito, em 1919
(GANDINI; RISCAL, 2002). Em 1921, aos 23 anos, foi para a Escola Normal de Piracicaba lecionar Psicologia
e Pedagogia, começando seus primeiros experimentos sobre a maturidade escolar, que resultaram no livro Testes
ABC.
54
Foram encontrados, até o momento, 6 números, divididos em 3 volumes, todos
impressos na Typographia do Jornal de Piracicaba. O Quadro 1 ao números publicados e o
quadro, em anexo, mostra os autores e os artigos de todos os números.
Revista de Educação
Volume
Fascícu
lo/Nº
Data de
publicação
Quantidade
de Artigos
Quantidade
de páginas
Figuras e
fotos
Tamanho
Impressão
I
1
Maio de
1921
14
65
6
14,5 x
20,5 cm
Typographia
do Jornal de
Piracicaba
I
2
Agosto de
1921
14
92
8
14,5 x
20,5 cm
Typographia
do Jornal de
Piracicaba
II
1
Maio de
1922
8
62
0
14,5 x
20,5 cm
Typographia
do Jornal de
Piracicaba
II
2
Outubro de
1922
10
62
0
14,5 x
20,5 cm
Typographia
do Jornal de
Piracicaba
II
3
Dezembro
de 1922
12
72
2
14,5 x
20,5 cm
Typographia
do Jornal de
Piracicaba
III
1
Setembro de
1923
13
64
0
14,5 x
20,5 cm
Typographia
do Jornal de
Piracicaba
Quadro 1: Publicações da Revista de Educação (1921-1923)
No v. I, 2, publicado em setembro de 1922, a Revista de Educação traz em sua
contracapa a finalidade com que veio a lume:
A Revista de Educação, orgam da Escola Normal de Piracicaba e escolas
annexas, conforme a sua própria denominação indica, é uma publicação
periódica que tem por fim estudar, discutir e divulgar as mais salientes
questões que, directa ou indirectamente, se prendem á educação em geral. O
objectivo immediato é o de contribuir de uma maneira pratica e tão efficaz
quanto possível, para o progresso scientifico do ensino primário e
secundário; e, como, nesse ensino o mal mais geral e nefasto é o verbalismo
estéril, o aprendizado de palavras, o cultivo desintelligente e brutal da
memória, a “Revista” inscreve como primeiro artigo de seu programma o
combate systematico a esse desvio de instrucção, que tanto mal causa á
formação do espírito da creança, e do adolescente. Por isso mesmo, toda
collaboração, ao mesmo tempo que orientada nesse sentido, deve ser vasada
nos moldes da concisão, da clareza e da precisão da linguagem, fazendo
questão das ideas e não só das palavras.
Dará preferência aos trabalhos do corpo docente da Escola Normal e annexas
e destes sempre, aos que visarem o aperfeiçoamento da maneira de ensinar
55
as disciplinas do curso primario, complementar e normal. Mas, poderá
publicar contribuições de outros professores extranhos, quando realmente
valiosas. Poderá, também, mas excepcionalmente, publicar pequenas
traduções, que venham facilitar o estudo dos normalistas. (REVISTA DE
EDUCAÇÃO, v. 1, nº 2, 1921).
Nessa apresentação, a Revista, seus editores e colaboradores já deixam claros os
objetivos do periódico em combater o ensino verbalista de mera memorização. Saliento que,
no capítulo anterior, com o estudo do pensamento educacional de Sampaio Doria, pude notar
as mesmas considerações sobre o ensino verbalista. Com isso, considero que essas
considerações podem ser um indício de que a Revista foi criada para fazer a propaganda da
Reforma de 1920 em apoio ao reformador Sampaio Dória.
As capas seguem um padrão de organização em todos os números encontrados,
possuem diagramação simples e não têm desenhos. O título está impresso em letras maiores,
abaixo vem o respectivo volume e fascículo e, em seguida, está o sumário da edição em letras
menores, o que deixa à mostra, na capa, os temas tratados pelos autores nos artigos, para fácil
visualização do leitor. Por último bem abaixo da capa está a data (mês e ano) de
publicação. Abaixo, seguem as capas das Revistas do volume I, número 1 e 2, publicadas em
maio e setembro de 1921, e volume III, número 1, de setembro de 1923.
Toledo (2001, p. 6), ao analisar a coleção Atualidades Pedagógicas (1931-1981),
considera que a padronização em termos de cobertura (capa, lombada, contracapa) e de
estrutura interna (estabelecendo-se um modelo ao qual os textos publicados são submetidos),
causa um barateamento nos custos gerais, motivado pela unidade da coleção. O editor
seleciona os textos e autores, observando certos critérios específicos e formando um conjunto
de obras organizado em uma determinada ordem, para públicos diferenciados, cuja qualidade
é garantida pela seleção do editor. Assim, a padronização organizacional da Revista pode
indicar uma forma de baratear os custos da impressão.
56
Figura 4: Capa da Revista de Educação volume I, número 1
57
Figura 5: Capa da Revista de Educação volume I, número 2.
58
Figura 6: Capa da Revista de Educação volume III, número 1.
59
Como apresenta o Quadro 1 acima, o periódico publicou poucas imagens e fotografias,
provavelmente por encarecer o produto. A Revista tem tamanho de 14,5 cm de comprimento
por 20,5 cm de altura; não informações sobre a tiragem, seu pedido era feito no próprio
Jornal de Piracicaba e sua assinatura anual era de 8$000 Réis. Ela era paga com os recursos
da própria escola, como consta no Livro de Registro de Despesas
34
da antiga Escola Normal.
Porém, não foram encontrados nos livros de escrituração do arquivo permanente da escola os
registros de entrada dos recursos provenientes da venda dos números, o que deixa em aberto a
questão da destinação desses recursos. Penso que esses recursos eram revertidos para a
produção da própria Revista, porque, nesse momento, a impressão era cara.
A Revista de Educação tem o mesmo tamanho da Revista da Escola Normal de São
Carlos e da Revista de Ensino, o que pode significar uma padronização dos dispositivos
tipográficos da época. Tanto a Revista de Educação como a Revista da Escola Normal de São
Carlos
35
apresentam o sumário (ou índice) logo na capa, deixando a primeira vista
informações como o título do artigo publicado e seu respectivo autor. Outros periódicos
educacionais produzidos na década de 1910, 1920 e 1930 trazem igualmente o sumário
impresso na capa, como o jornal O Estímulo
36
, a Revista Escolar
37
, a revista Escola Nova
38
, a
revista Educação
39
. Com isso, verifico que a impressão do sumário na capa era uma tendência
na produção dos impressos paulistas, nesse momento
40
.
No Quadro 1, observa-se que cada volume publicado representa, de certa forma, uma
fase da Revista. O volume I (primeiro ano) representa os primeiros passos de publicação da
Revista, relativa aos dois números; no segundo ano, a publicação de 3 números indícios da
melhor fase do periódico. no terceiro ano, verifica-se que, depois da publicação do v. II,
3 (dezembro de 1922), houve o período de quase um ano para abrir o volume III (setembro de
34
Este livro se encontra no Arquivo Permanente da Escola Estadual Sud Menucci, em Piracicaba/SP.
35
Sobre a Revista da Escola Normal de São Carlos, ver: OZELIM, Jaqueline Rampezoti. Revista da Escola
Normal de São Carlos. Marília, 2006 (Trabalho de Conclusão de Curso) Faculdade de Filosofia e Ciências,
UNESP, 2006.
36
Órgão do grêmio normalista 2 de Agosto da Escola Normal de São Paulo (1914 a 1919). Fundado em 1906, o
jornal feito pelos normalistas da Escola Normal Caetano de Campos, era espaço de homenagens, estudo e
discussões acadêmicas. Sobre o jornal O Estimulo, ver: SERRA, Áurea Esteves. As associações de alunos das
Escolas Normais do Brasil e de Portugal: apropriação e representação (1906-1927). 2010. 290f. Tese
(Doutorado) Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília, 2010.
37
Órgão da Diretoria Geral da Instrução Pública Paulista. O então Diretor da Instrução pública, Pedro Voss,
organizou a Revista Escolar, sob a direção do professor João Pinto e Silva, a qual seria substituída, em 1927,
depois da morte de Carlos de Campos e da troca do diretor da Instrução Pública, pela revista Educação,
resultado da fusão da revista oficial do Estado com a publicação da Sociedade de Educação, dirigida pelos
"liberais reformadores".
38
Segunda fase da revista Educação, órgão da Diretoria Geral da Instrução Pública de São Paulo.
39
Esse número publicou o Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova, redigido por Fernando Azevedo, em 1932.
40
Sobre esses periódicos, ver: NERY, Ana Clara B. A Sociedade de Educação de São Paulo: embate no campo
educacional (1922-1931). São Paulo: Ed. UNESP, 2009.
60
1923). Isso pode ser uma indicação de decadência (período de dificuldades de publicação
ainda desconhecidas) da Revista. Por outro lado, no fim do v. III, nº 1, a Revista informa: “Na
impossibilidade de fixar épocas para o apparecimento desta revista, as assinaturas tomadas
ou por tomar, serão consideradas de ora em diante por series de tres numeros na importancia
de 6$000” (REVISTA DE EDUCAÇÃO, v. III, nº 1, 1923, p. 64). Essa informação demonstra
que havia o objetivo de continuar a publicação do periódico, porém, o v. III, 1 foi o último
da coleção encontrado. Em relação ao preço da Revista, tenho a hipótese de que os
exemplares recém-produzidos, ou seja, os lançamentos, custavam 8$000 Réis, enquanto os
exemplares anteriores eram vendidos em séries de três números por 6$000 Réis, como consta
na citação acima. Penso que diminuir o preço dos exemplares anteriores seria, além de uma
estratégia de venda, uma forma de fazer a Revista circular, uma vez que o preço era mais
accessível.
A Revista de Educação (v. III, 1) organiza alguns artigos divididos em seções.
Essas seções são uma novidade apresentada apenas no volume III, uma vez que os volumes
anteriores não se estruturavam dessa maneira. A Revista traz a seção “Variedades” com o
artigo Analphabetos, e a seção “Para as Creanças”, com o artigo Descobrimento do Brasil; a
seção “Varias” encerra o número 1, com algumas notas informativas sobre a Escola Normal
de Piracicaba e anexas.
Como apontei no Quadro 1, a Revista de Educação teve vida relativamente curta, com
apenas seis números. A ida de Lourenço Filho (maior idealizador da Revista) para reformar a
Instrução Pública no Ceará pode ter contribuído para a extinção desse órgão. De acordo com
Hisldorf (1998), a Revista teve os seguintes redatores:
- Honorato Faustino - o diretor da Escola Normal de Piracicaba e anexas (único autor que
publicou artigos em todos os números);
- Antônio Pinto de Almeida Ferraz e Lourenço Filho - professores da Escola Normal;
- Pedro Crem, Dário Brasil, Antônio dos Santos Veiga e Maria Graner professores da
Escola Modelo anexa à Escola Normal.
A Revista de Educação publicou artigos de professores e diretores, textos escritos por
alunos e por outros profissionais ligados à área de educação. As mulheres tiveram menor
participação do que os homens, talvez porque havia, nesse período, mais homens do que
mulheres lecionando nas escolas normais.
É importante mencionar que artigos sem identificação de autoria e outros assinados
somente por iniciais, como Q.E.D. e H.F., este último parecendo ser de Honorato Faustino,
61
Diretor da Escola Normal, um dos principais colaboradores da Revista, publicando em todos
os números. Em anexo, apresento um Quadro com a relação da todos os autores e artigos.
2.4 A organização conteudística: as temáticas gerais da Revista de Educação
O contexto em que a Revista de Educação é publicada foi de efervescência cultural,
política e social, haja vista os vários acontecimentos que marcaram o momento histórico,
como a Primeira Guerra Mundial, a Semana de Arte Moderna e o Centenário da
Independência do Brasil. De fato, segundo Nagle (1974), a década de 1920 foi caracterizada
em todo o país pela efervescência ideológica, pela inquietação social, pela perturbação
provocada pelas campanhas presidenciais, pelo alastramento de incursões armadas, pelas lutas
reivindicatórias do operariado e pressões da burguesia industrial.
Nesse momento, na cidade de Piracicaba, havia um grupo de intelectuais nascidos ou
formados profissionalmente na cidade, que colocavam em circulação as ideias da época.
Lourenço Filho, que será um dos expoentes do movimento de renovação educacional, fez
parte desse grupo de intelectuais, ao ser transferido da Escola Normal da Capital para a
Escola Normal de Piracicaba. Hilsdorf (1998) argumenta que, segundo J. M. Ferreira
41
, eles
formavam um “Bloomsbury caipira
42
”, que a intensa atividade cultural e artística que
desenvolviam, além das referências culturais comuns, era acompanhada por laços de amizade
e parentesco. Isso demonstra que Piracicaba estava em forte expansão, naquele momento, e
em consonância com os anseios republicanos de então.
É nesse contexto que a Revista de Educação é publicada pelos professores da Escola
Normal de Piracicaba para contribuir com a formação de professores primários, discutindo as
questões educacionais e, principalmente, fazendo a propaganda da Reforma de 1920,
legitimando-a. A Revista de Educação surge imediatamente após a publicação da Reforma do
Ensino de 1920 (lei nº. 1.750 de 8 de dezembro de 1920), na administração de Sampaio Dória
na Diretoria Geral da Instrução Pública. Doria foi sócio e um dos fundadores da Liga
Nacionalista de São Paulo e, na Reforma, incorporou também os ideais nacionalistas
defendidos por esse grupo.
Conforme Hilsdorf (1998, p. 98), Sampaio Doria envia às Escolas Normais do interior
paulista seus colegas da Escola Normal da Capital, para fazerem a propaganda da Reforma e
41
Autor citado por Hilsdorf (1998).
42
Faziam parte desse grupo os professores Lourenço Filho, Thales Castanho de Andrade, Fabiano Lozano,
Honorato Faustino e outros, que atuavam em torno do Jornal de Piracicaba.
62
auxiliar na sua efetivação. Assim, Lourenço Filho, amigo e ex-aluno de Doria, foi
encaminhado para a Escola Normal de Piracicaba, como professor da cadeira de Pedagogia e
Psicologia e, em comissão, para a de Prática Pedagógica as mais importantes da instituição,
aquelas que iriam imprimir aos trabalhos escolares as novas diretrizes pedagógicas por isso,
a importância é dada a essas cadeiras, que passaram a ser ocupadas por pessoas próximas a
Doria. Lourenço Filho, ao contrário do que ocorreu com os ex-professores da Escola Normal
de São Carlos, que, além de assumirem a cadeira de Pedagogia e Psicologia,
responsabilizaram-se igualmente pela direção das Escolas, não ficou com a direção, que
continuou a ser exercida por Honorato Faustino, fato esse que demonstra a relevância do
diretor, no cenário educacional, o qual anos mais tarde assumiria a direção da Escola Normal
da Capital.
A vinda de Lourenço Filho para Piracicaba não foi um ato do tipo “remoção
de cadeira”, tão comum na vida dos professores: ela está diretamente ligada
à implantação da reforma do sistema público paulista empreendida por
Antonio Sampaio Doria em fins de 1920 (decreto 1750, de 08/12/1920). [...]
Para dar conta desse radical programa, Sampaio Doria colocou em pontos
chaves, administrativos e pedagógicos, da organização paulista de ensino,
nomes do universo escolar compromissados com ele, quer do ponto de vista
do partilhamento das idéias, quer do ponto de vista das relações pessoais,
professores jovens, muitos deles ex-alunos, adeptos das novas teorias do
ensino e simpatizantes ou membros, como ele, da Liga nacionalista que
objetivava a nacionalização do país e a desalfabetização. (HILSDORF,
1998, p. 96-98).
No entanto, Nery (2009, p. 121) levanta a hipótese de que essa nomeação representou
uma tentativa de reequilibrar as forças, desestabilizando a hegemonia do grupo de professores
organizados em torno da Revista da Escola Normal de São Carlos (1916-1923). Como
mencionei acima, para garantir com êxito a aceitação da Reforma, Sampaio Doria promove
uma série de trocas, no corpo docente das instituições. De acordo com Nery (2009, p. 51),
Doria fez uma reorganização, transferindo os professores da Escola Normal Secundária de
São Carlos para as antigas Escolas Normais Primárias. Dessa forma,
[...] temos a transferência da Escola Normal de São Carlos de João Toledo
para a Escola Normal de Campinas, de Carlos da Silveira para a Escola
Normal do Braz e de Antonio Firmino de Proença para a Escola Normal de
Pirassununga. O maestro Lazaro Lozano, professor de música é transferido
para a Escola Normal da Capital, para ocupar a Aula. Mario Natividade,
lente de matemática, foi transferido para a Escola Normal de Campinas. Do
conjunto de colaboradores da Revista da Escola Normal de São Carlos, além
destes, o diretor do Grupo Escolar Paulino Carlos, Elisiário Fernandes de
63
Araújo, assumirá a direção da Escola Normal de Casa Branca. Da Escola
Normal Secundária de São Paulo, Lourenço Filho vai para a Escola Normal
de Piracicaba. Pedro Voss continua à frente da Escola Normal de
Itapetininga, o mesmo ocorrendo com Mariano de Oliveira, na direção da
Escola Normal de São Carlos e com Honorato Faustino em Piracicaba.
Das Escolas Normais Primárias foram feitas remoções para as demais
escolas da mesma categoria. Da Escola Normal Primária de Piracicaba foram
removidos Elias de Melo Aires para a cadeira de História e Geografia da
Escola Normal de Pirassununga e João Dutra para a Aula de Desenho da
Escola Normal de Casa Branca.
É possível notar que, em São Carlos, houve o maior número de alterações no corpo
docente. Isso pode ter ocorrido, segundo Nery (2009, p. 120), como forma de desarticular o
grupo de professores que colaboravam para a Revista da Escola Normal de São Carlos, tendo
em vista que “este grupo parece ter forte ligação com Oscar Thompson”, ex-Diretor Geral da
Instrução antes de Dória.
A ida de Lourenço Filho à Piracicaba onde, dentre outras ões, criou um
periódico, pode significar uma tentativa de fazer frente àquele periódico
sancarlense. Este cenário indica que haveria disputas entre os que apoiavam
Oscar Thompson e aqueles que coadunavam com as orientações de Sampaio
Doria. (NERY, 2009, p. 121).
Os periódicos publicados nas Escolas Normais de Piracicaba e São Carlos ganharam
força, no campo educacional, funcionando como legitimadores de saberes, práticas e agentes
determinados, levando-os à disputa pela hegemonia no cenário educacional. Com a remoção
dos professores, a Revista da Escola Normal de São Carlos perdeu seus maiores
colaboradores. Para Silveira, “a dispersão foi fatal à revista e acarretou o desapparecimento
della” (SILVEIRA
43
, 1929, apud NERY, 2009, p. 120).
Como mencionei, em trabalhos anteriores
44
, a Revista de Educação foi criada como
estratégia editorial para fazer a propaganda da Reforma Sampaio Doria, contribuindo para sua
efetivação. Contudo, igualmente indícios de que a Revista de Educação objetivava
desarticular a Revista da Escola Normal de São Carlos, cujos colaboradores apoiavam o ex-
diretor Oscar Thompson.
É importante ressaltar, neste trabalho, que o “projeto” da Revista de Educação foi
pensado para essa finalidade, porém, quando o v. I, nº 1 foi publicado, Doria já não estava mais
à frente da Direção Geral da Instrução Pública paulista. Mesmo com isso, Doria não deixou de
43
SILVEIRA, Carlos da. Apontamentos para uma história do ensino público em São Paulo- Revistas de Ensino.
Revista de Educação, v.3, n.3, jun. 1929.
44
INOUE, Leila Maria. Divulgando “novos” ideais de formação docente: a Revista de Educação (1921-1923).
Marília, 2007 (Monografia de Conclusão de Curso) Faculdade de Filosofia e Ciências, UNESP, Marília, 2007.
64
influenciar as publicações da Revista de Educação e as discussões sobre a instrução no cenário
educacional paulista,
45
depois de sua exoneração.
O periódico publicou artigos sobre diversas temáticas, identificadas como: alunos,
professores, ensino, escola normal, reformas, administração do ensino, saberes e práticas. As
temáticas presentes na Revista estão relacionadas ao contexto político, econômico, cultural,
social e, principalmente educacional, vivido naquele momento no Estado de São Paulo, nas
primeiras décadas do século XX, no que se refere às tentativas de modernização do ensino e
extinção do analfabetismo, buscando formar uma sociedade nova. Alguns temas concernem às
disciplinas da Escola Normal, dirigidos especialmente para a formação dos normalistas, como
Prática Pedagógica, História, Português, Ciências, Desenho, Trabalhos manuais, Música etc.,
além de auxiliar no trabalho dos professores que já atuavam na escola primária. Os artigos, de
modo geral, contribuíam para a propagação dos ideais da Reforma de 1920, trazendo o
nacionalismo como principal elemento. Desse modo, analisarei os artigos que discutiam os
elementos nacionais, moral e civismo, higiene, arte e língua vernácula, de maneira mais
aprofundada, no Capítulo 3.
Os artigos eram escritos por professores, inclusive de outras Escolas Normais do
Estado de São Paulo, como Campinas, Pirassununga e Casa Branca, por alunos e outros
profissionais, como dicos, por exemplo. Entre os autores, destaco a participação do
professor Lourenço Filho, que considero ser um dos maiores idealizadores da Revista. Depois
de sua ida ao Ceará, em 1922, para ser Diretor da Instrução Pública desse Estado, Lourenço
Filho ainda contribuiu com a formação dos professores e divulgação dos saberes pedagógicos,
em Piracicaba. Pode ter sido ele o responsável por proporcionar a troca de correspondências
entre normalistas cearenses e paulistas, fato registrado no artigo “Mensagens entre
estudantes”, publicado pela Revista de Educação (v. II, 2, 1922). No mesmo número,
aparece, no artigo “Correspondência Infantil” (v. II, 2, 1922), uma carta trocada entre
alunos do Grupo Modelo de Piracicaba e escolas do Ceará. Em nota, a Revista informa que
foi a Diretoria da Escola quem teve a ideia de promover a troca de correspondência entre os
alunos do Grupo Modelo e outras escolas brasileiras e estrangeiras. Vale ressaltar a
importante contribuição da Revista de Educação à circulação de modelos culturais. Como
45
A influência de Doria no setor educacional, após sua exoneração, pode ser vista nas questões que envolvem o
Inquérito de 1926, elaborado por Fernando de Azevedo para o jornal O Estado de S. Paulo, a pedido de Julio de
Mesquita Filho. Sobre o inquérito, ver: AZEVEDO, Fernando de. A educação na encruzilhada: problemas e
discussões. 2ª ed. São Paulo: Melhoramentos, 1957.
65
exemplo, cito o artigo “Pratica Pedagógica
46
, publicado no v. II, 1. Este é um dos poucos
artigos de Lourenço Filho
47
publicado pela Revista e que está incluído em uma coletânea de
textos do autor, intitulada A Formação de Professores: da Escola Normal à Escola de
Educação, que foi organizada por Rui Lourenço Filho, em 2001. Esse texto de Lourenço
Filho foi apresentado por Sampaio Dória na Conferência Interestadual do Ensino Primário,
no Rio de Janeiro, em 12 de outubro de 1921, como modelo de programa de ensino. O
programa de Lourenço Filho seria um ensaio do que os professores teriam que apresentar, no
exercício da autonomia didática (medida proposta pela Reforma de 1920). O artigo
„Plano de prática pedagógica‟ (1922) é um documento histórico-pedagógico
de muita significação. Designado para reger a Prática Pedagógica na Escola
Normal de Piracicaba, Lourenço Filho elabora o plano em 1921, executa-o
com seus alunos e, para debate e orientação dos professores, publica-o na
Revista de Educação (v. 22, fasc. 1, 1922), da Escola Normal de Piracicaba. O
autor leva o documento a seu mestre e professor Antonio de Sampaio Dória,
que iria representar a Liga Nacionalista de São Paulo, na Conferência
Interestadual de Ensino Primário, reunida no Rio de Janeiro, em 12 de
outubro de 1921. Sampaio Dória apresenta na conferência uma extensa e séria
“Memória sobre a educação nacional” (Anais..., p. 351-389). O trabalho de
Lourenço Filho é apresentado, em anexo, “por amostra do que vai ser a
prática pedagógica. É um ensaio para programa definitivo, que, no exercício
da autonomia didática, terá de apresentar, no ano próximo, à aprovação do
governo”.
No dia seguinte ao da conferência, o professor Lourenço Filho tornou-se um
nome nacional. (LOURENÇO FILHO, 2001, p. 5).
Ao final do Programa, uma nota explicativa informando que ele está em conexão
com as disciplinas de Psicologia (3º ano) e de Pedagogia Experimental (4º ano), fazendo com
que os alunos primeiro verificassem na prática, em Prática Pedagógica, o que veriam na
teoria, nas disciplinas do 3º e 4º.
No ano, os alunos tinham o conhecimento do ambiente que mais convém às
classes de ensino, e
[...] iniciam-se agora, no estudo, igualmente objetivo e experimental, do
regimen escolar. Como o curso está em parallelismo com o de “Psychologia
geral e aplicada á educação”, e bem assim com o de “Anatomia e Psycologia
Humanas”, é possível, sem complicações theoricas, um rápido exame
46
O artigo é o programa da disciplina Prática Pedagógica destinada aos alunos do 3º e 4º ano do curso Normal de
Piracicaba elaborado pelo professor Lourenço Filho.
47
Segundo Hilsdorf (1998), Lourenço Filho foi influenciado pelos livros de psicologia encontrados na Biblioteca
do Colégio Piracicabano através dos quais redirecionou seus estudos segundo a linha norte americana de testes
psicológicos. Foi então que na escola Modelo, anexa à Escola Normal de Piracicaba, que Lourenço Filho
realizou os testes e publicou os primeiros resultados dos seus estudos.
66
scientifico da creança e a do alumno. O programma procura responder assim
a uma nova indagação, A QUEM SE ENSINA, e o faz indicando os
praticantes na comprehensão da necessidade do methodo. (LOURENÇO
FILHO, 1922, p. 52).
No 4º ano,
[...] depois do estudo pratico do ambiente e do regimen escola, do
conhecimento de “psychologia aplicadaá educação”, e, agora , pari passu
com o da “pedagogia experimental”, os alumnos se exercitam a dar aulas,
applicando conscientemente os preceitos da methodologia especial de cada
disciplina. O programma procura responder assim ás indagações finaes:
QUE SE ENSINA? E COMO SE ENSINA? (LOURENÇO FILHO, 1922,
p. 54).
Sendo assim, compreendo que, no ano, com as aulas de Anatomia e Psicologia, os
normalistas teriam os conhecimentos sobre a organização da escola e sobre o desenvolvimento
infantil, para que, no ano, por meio da pedagogia experimental, pudessem exercitar o que
aprenderam nas disciplinas do curso.
A Revista se destaca também como importante veículo de disseminação de saberes
educacionais, pela publicação do artigo Estudo da Atenção Escola (v. I, 2, 1921), de
Lourenço Filho. No livro Testes ABC: para a verificação da maturidade necessária à
aprendizagem da leitura e escrita, Lourenço Filho (1934, p. 35) informa que suas primeiras
pesquisas sobre a questão da maturidade escolar, que resultaram nesse livro, foram realizadas
na escola-modelo anexa à Escola Normal de Piracicaba, e seus primeiros questionamentos
sobre a atenção e maturidade escolar foram registrados no artigo “Estudo da Atenção Escolar”,
publicado pela Revista de Educação. Nesse artigo, o autor explicita que o conhecimento do
funcionamento da mente infantil pode ajudar o trabalho do professor. Fator importante para o
ensino, despertar e manter a atenção da criança é tema central do artigo. Para tanto, o professor
deve ter preparo técnico e moral. Concebendo o ensino como arte, o autor afirma que a
“intuição, onde todo conhecimento se assenta, não é um mero agrupamento de sensações”,
mas, “um producto da actividade da propria intelligencia cognoscente, desde que ela percebe e
julga as impressões sensoriais” (LOURENÇO FILHO, 1921, p. 75). O interesse é essencial e,
nesse sentido, cabe ao professor despertar o interesse dos alunos sobre as questões trabalhadas,
para que estes se mantenham atentos e a aprendizagem ocorra. Numa segunda parte do artigo, a
que o autor intitulou Applicações Pedagogicas, um conjunto de fatores que deveriam ser
seguidos pelos professores das escolas primárias, para manter a atenção escolar, evitar a fadiga
um dos fatores que impedem a atenção e, sobretudo, despertar o interesse. Os principais
67
autores citados são William James e Claparède, além de Compayre e Sampaio Doria. Cita
ainda outros autores que, apesar de considerar leituras recomendáveis, não abordavam a
atenção escolar, como Faria de Vasconcellos e Binet. A presença desses autores demonstra que
Lourenço Filho está atento ao movimento pedagógico internacional, não apenas norte-
americano, mas também europeu. Segundo Nery (2009, p. 113)
Este artigo é considerado por Almeida Junior (1946) como estudo pioneiro
na área dos testes psicológicos, área sobre a qual Lourenço Filho se tornou
referência ao publicar seu livro Testes ABC. Segundo Hilsdorf (1998)
Lourenço Filho, ao lado de Honorato Faustino, propôs aos alunos da Escola
Normal que realizassem as medidas de acuidade visual e auditiva dos alunos
da Escola Modelo, anexa à Escola Normal. A partir dos resultados os alunos
eram classificados e divididos nas diversas classes. A finalidade desses
exames era a melhoria do ensino da linguagem. Ao contrário dos testes
realizados nos laboratórios de Psicologia instalados após a vinda de Ugo
Pizzoli ao Brasil, em que havia um conjunto de medidas antropométricas no
estudo da capacidade de aprendizagem do aluno, os testes desenvolvidos por
Lourenço Filho privilegiavam a acuidade visual e auditiva, como fatores
importantes para a manutenção da atenção e o controle sobre a fadiga
escolar.
Na seção Movimento Escolar, no número da Revista de Educação, há uma breve
notícia sobre a criação do Gabinete de Psicologia e Pedagogia da Escola Normal de Piracicaba,
ainda em 1920. Segundo consta, nesse Gabinete eram desenvolvidas experiências sobre a
memória infantil, a imaginação, a associação de ideias e o raciocínio, para subsidiar as aulas de
Psicologia e de Metodologia Especial. Esses mesmos testes foram realizados na Escola
Modelo, anexa à Escola Normal do Estado, no Ceará, por Lourenço Filho.
Esse fato demonstra a importância da Revista e da Escola Normal de Piracicaba, no
cenário educacional brasileiro, tendo em vista que o livro Testes ABC teve repercussão
mundial. Na foto abaixo, aparece Lourenço Filho (no centro da imagem), com um grupo de
normalistas, fazendo os testes nas crianças do grupo-modelo.
68
Figura 7: Foto de Lourenço Filho (no centro) aplicando os testes nos alunos da Escola Modelo anexa à Escola
Normal de Piracicaba.
A Revista apresenta muitos artigos relacionados aos elementos nacionalistas. Antunha
afirma que o fundamento da Reforma Sampaio Doria pode ser encontrado no nacionalismo,
no civismo e na ideia de que a educação é fundamental para o crescimento nacional.
Se procurarmos, agora, estabelecer o traço de convergência e o fundamento
mais longínquo de todos os elementos unificadores que encontramos
presidindo a concepção da Reforma e a sua própria execução, poderíamos
talvez encontrá-los exatamente no nacionalismo e no civismo que inspiraram
o reformador e na idéia de que a educação é o elemento fundamental da
mudança das instituições e a base da grandeza nacional. (ANTUNHA,
1976, p. 217).
Nessa perspectiva, como a Revista foi pensada para fazer a propaganda da Reforma de
1920, publicou artigos que visavam a divulgar o nacionalismo, enfatizando a Educação Moral
e Cívica, o escotismo, a higiene, os elementos nacionais como a História, a língua, a arte e o
canto de músicas patrióticas
48
e a ideia de educação renovada, abordando as medidas
propostas pela Reforma que modificavam a organização da instrução pública.
Uma das mudanças feitas pela Reforma foi a unificação das Escolas Normais Paulistas.
O artigo A Unificação das Escolas Normaes, de Pedro de Mello (v. I, 2, 1921), menciona
48
Os artigos que tratam desses temas serão analisados mais profundamente no Capítulo 3 desta Dissertação.
69
que a Reforma reorganizou todas as escolas normais segundo o padrão da Escola Normal
Secundária, e que essa mudança trouxe benefícios aos professores.
A Revista, em consonância com as ideias da Reforma de 1920, defendeu o ensino ativo
e o uso do método intuitivo, em oposição ao ensino tido como “tradicional” ou verbal, de
decoração e repetição. O Ensino Activo nas Escolas Normaes e Complementares, escrito por
Honorato Faustino (v. I, 2, 1921), cita logo nas primeiras linhas o artigo 255 da Reforma
Sampaio Doria, em que, segundo o autor, o ensino deve estar baseado no aprendizado ativo,
com o desenvolvimento da iniciativa intelectual e da faculdade crítica do aluno. Tece elogios
às modificações feitas pela Reforma, estatuindo que a elaboração dos programas de ensino
fosse feita pelos próprios professores que iriam aplicá-los. Após um conjunto de orientações
aos professores, para estruturação dos programas nos moldes do ensino ativo, completa o autor:
São hoje inteiramente condemnadas no ensino activo, intelligente,
perfeitamente orientado pelos preceitos da moderna arte de ensinar, as
postillas (sic) e lições dictadas ou lidas, que amortecem no alumno a iniciativa
intellectual e a faculdade de critica, encaminhando-o para a escravidão mental
e abuso da memoria, com prejuizo do desenvolvimento e educação das
faculdades nobres do espírito. (FAUSTINO, 1921, p.71).
Ensino ativo e a moderna arte de ensinar são preceitos postos pelo autor e que
compõem o quadro da Pedagogia Moderna. Não há, nesse artigo, nenhuma menção a autores
em que poderia se basear Faustino, ao escrever o artigo. Ao final, sugere que o professor
indique leituras aos alunos, para que estes frequentem as bibliotecas escolares, que deveriam
ser fomentadas pelo Estado, com “obras de real valor”. Assim como Honorato Faustino,
Manuel Dias de Almeida
49
, no artigo Methodologia das Sciencias Physicas Naturaes Nas
Escolas Complementares, argumenta que o ensino deve ser feito intuitivamente, utilizando os
recursos da memória visual, através de experiências demonstradas diante dos alunos
(ALMEIDA, 1921, p. 31).
A Reforma de 1920 criou o Museu Escolar, que deveria ser formado por coleções de
objetos naturais e artificiais, com a orientação dos professores e apoio dos alunos. Este era
condição essencial para a aplicação do método intuitivo. Na Escola Normal de Piracicaba, os
responsáveis pelo Museu Escolar foram os professores Honorato Faustino e Lourenço Filho.
Na seção Movimento Escolar, a notícia da instalação do Museu, que conta com materiais
trazidos pelos próprios alunos do curso primário para os estudos de ciências naturais. A breve
notícia ressalta que, depois da instalação do museu, verificou-se um maior interesse nos
49
Lente de Ciências Físicas e Naturais na Escola Complementar de Piracicaba.
70
estudos em ciências naturais pelos alunos. Também nessa seção, informações de que as
instalações do Laboratório de Química estão quase concluídas. No fascículo 5, há uma foto dos
normalistas fazendo experiências nesse laboratório. No fascículo 1 da Revista, o artigo Museu
Escolar” sem identificação do autor , aborda que, com instalação do museu, o ensino será
ativo e não apenas com palavras (1921, p. 61).
Alguns artigos da Revista de Educação tratavam especificamente das disciplinas do
ensino normal. Com a Reforma da Instrução Pública de 1920, segundo consta no Anuário de
Ensino de 1920-1921, as cadeiras do Ensino Normal ficaram distribuídas da seguinte forma:
1º ano: Português, Latim, Francês, Matemática, Geografia e Cosmografia, História do Brasil,
Desenho, Música e Ginástica.
ano: Português, Latim, Francês, Matemática, Corografia do Brasil, Física, Desenho,
Música e Ginástica e Prática Pedagógica.
ano: Português, Latim, Química, Anatomia e Fisiologia Humana e Biológica, Psicologia
Desenho, Música e Ginástica e Prática Pedagógica.
ano: Literatura Vernácula, Higiene, História Geral, Pedagogia e Didática (regência de
classe)
Ao observar as cadeiras da Escola Normal, após a Reforma de 1920, e os temas e
assuntos abordados pela Revista de Educação, vejo que os autores se preocupavam em
retratar os saberes estudados nas cadeiras da Escola, como Higiene, Música, Desenho,
Didática, Ginástica (educação física), entre outras
50
, o que, de certa forma, é uma estratégia
para a divulgação das mudanças propostas pela Reforma na reorganização do conteúdo de
ensino.
A Reforma Sampaio Doria pretendeu inverter a lógica que preside à institucionalização
do método intuitivo pela Reforma Caetano de Campos (1891), em que o método era atrelado à
prática, uma vez que nessa reforma o importante era um ensino enciclopédico (NERY, 2008,
p.17). O método intuitivo, ou de intuição analítica, era fundamental para o desenvolvimento da
capacidade de aprender do aluno, ou seja, o método se dissociava da prática, porque nele se
encontrava a base do ensino, “enraizando a prática docente no campo discursivo das
prescrições metodológicas deduzidas de fundamentos científicos” (CARVALHO, 2003, p.
50
Ver, em anexo, o Quadro com todos os artigos publicados pela Revista de Educação.
71
114). Mesmo assim, professores, como Lourenço Filho, ainda pensavam na pedagogia como
arte: ensinar a ensinar é
[...] fornecer esses modelos, seja na forma de roteiros de lições, seja na
forma de práticas exemplares cuja visibilidade é assegurada por estratégias
de formação docente, preferencialmente dadas a ver em Escolas Modelos,
anexas às Escolas Normais, como previra, por exemplo, a pedagogia
moderna tal qual foi implantada no Estado de São Paulo, no bojo das
providências com que os republicanos históricos projetaram instaurar o novo
regime, abrindo o caminho do Progresso. (CARVALHO, 2003, p. 143).
Com o estudo da Revista de Educação, verifico que são apropriadas as ideias de autores
como Pestalozzi, Herbart, Binet ao lado de Montessori, Claparède e Dewey. Nota-se a ausência
de Spencer, como um dos principais autores da Pedagogia Moderna, presente no livro de
Sampaio Doria. Os artigos defendem um ensino ativo, o desenvolvimento de capacidades
cognoscentes dos educandos, tentando desenvolver alguns princípios pedagógicos que
subsidiariam a prática do professor. Como o periódico foi publicado até 1923, não é possível
constatar as mudanças no campo pedagógico e político que irão direcionar a educação e o
nacionalismo em São Paulo.
Segundo Carvalho (2003), as décadas de 1920 e 1930 marcaram a passagem da
Pedagogia Moderna para a Pedagogia da Escola Nova. Com isso, Nery (2008, p. 17) salienta
que:
Seria no abandono da idéia de Pedagogia como Arte de Ensinar e no
entendimento desta como Científica, baseada em fundamentos teóricos e
metodológicos derivados principalmente da psicologia, que se estabeleceu
uma nova forma de conceber a educação e o ensino, na chamada Pedagogia
da Escola Nova.
Com isso, a Revista de Educação foi publicada em um momento em que as duas posições
pedagógicas pedagogia moderna e escola nova se misturavam e se contrapunham ao
mesmo tempo, pois compreendo, por meio dos estudos de Carvalho (2003), que uma deriva da
outra, razão pela qual a Revista traz, em suas páginas, as marcas dessa disputa.
A Escola Normal de Piracicaba, após a Reforma de 1920, passa a incorporar um
conjunto de práticas que, ao que parece, tinha por finalidade formar o professor a partir de
atividades que pudessem ser reproduzidas na Escola Primária. A maioria dessas práticas
estava alicerçada na necessidade de visualização, como dado essencial da aprendizagem e
72
como possibilidade de posterior reprodução. Os artigos Para a Pratica
51
I, II e III são
exemplos de atividades que seguem o método intuitivo, sugeridas pelos autores, que podem
ser reproduzidas na sala de aula. O artigo Para a Pratica (v. II, 1, 1922) descreve a
importância da correção das atividades pelos alunos e defende a ideia de se transformar a
correção individual em correção coletiva, pois torna o aprendizado mais ativo e, também,
defende que o ditado bem feito é um exercício de linguagem e cultura geral, que leva o aluno
a usar suas funções mentais.
Uma questão que ainda permanece é se tais práticas não estavam presentes antes
mesmo da reforma Sampaio Doria. O periódico, enquanto estratégia de legitimação e enquanto
objeto de disputa, parece marcar esse momento da educação paulista como inovador, como se
houvesse certo rompimento com o período anterior.
Desse modo, diante das mudanças “inovadoras” propostas pela Reforma Sampaio
Doria, os futuros professores precisariam ser formados de acordo com a nova base ideológica,
pois seriam eles que colocariam em prática tais medidas. Sendo assim, considero que a
Revista de Educação teve como principal objetivo fazer a propaganda da Reforma,
contribuindo, dessa forma, para a propagação de “novos” ideais de formação de professores
52
.
2.5 A circulação da Revista de Educação e os leitores
A circulação desse periódico pode ser mapeada através dos artigos publicados pelo
Jornal de Piracicaba, o qual publicou igualmente artigos de alguns professores da Escola
Normal de Piracicaba. Um desses artigos enfatiza:
Já tomaram assignatura da “Revista de Educação”, os sr. Dr. Sampaio Dória,
Dr. Ruy de Paula Souza, prof. José A. Antunes, prof. Roldão de Barros, dr
Baptista de Castilho, d. Luiza Avolio, d. Aracy de Oliveira Camponez do
Brasil, profs. D. Lydia Pereira Granja, Nelson de Oliveira Camponez do
Brasil, Francisco Pasternak, José de Oliveira Gusmão, José Barbosa, Oscar
de Arruda, Libero Maynardi, Adhemar Paulo Castellar de Barros, Leonor
Lourenço, Abrahao Gomes, Alcindo de Arruda, Frontino Brasil, Mario
Marques, Natale Sabino e Oswaldo de Godoy além dos professores e
funcionários da Escola Normal e annexas. (JORNAL DE PIRACICABA,
31/05/1921, p. 1).
51
Artigo sem identificação do autor.
52
Foi essa a ideia que originou o título de minha Monografia de Conclusão de Curso Divulgando “Novos”
Ideais de Formação Docente: a Revista de Educação (1921-1923) apresentada em 2007.
73
O fato de grandes intelectuais paulistas, que ocupavam cargos na instrução pública,
terem sido assinantes da Revista de Educação pode fazer parte dos objetivos da própria
Revista em fazer a propaganda da Reforma de 1920. A notícia anuncia que o próprio Sampaio
Doria foi assinante do periódico. Isso pode ser considerado uma estratégia para propagar a
circulação da Revista e, consequentemente, a Reforma, legitimando-a. O mesmo jornal
acrescenta:
Continua a encontrar inteira acceitação a “Revista de Educação” publicada
nesta cidade sob os auspícios do illustrado corpo docente das escolas
Normal, Complementar e Anexas. É animador o numero de pedidos que
chegam de todos que em nosso paiz se interessam pelos problemas do
ensino.
As pessoas que desejarem obter o primeiro fascículo, do qual ainda restam
alguns exemplares, poderão obtel-o na redação desta folha. E para ficarem
com a colleção completa, porquanto a “Revista de Educação” terá uma
numeração continuada, de modo que um certo numero de fascículos formara
um volume, que poderá ser encadernado e figurar na estante de todo aquelle
que se interessa pela educação popular. (JORNAL DE PIRACICABA,
23/06/1921, p.1).
Outros periódicos de grande circulação, como os jornais O Estado de S. Paulo e
Correio Paulistano, publicaram notícias sobre a Revista de Educação, algumas das quais
foram reproduzidas pelo Jornal de Piracicaba. O Jornal do Commercio, veiculado no Rio de
Janeiro, faz a seguinte análise da Revista:
É ja uma brilhante realidade o esforço dos corpos docente e discente da
Escola Normal de Piracicaba, e a “Revista da Educação” anda de mão em
mão nos circulos estudiosos paulistas como um preceptor severo e sabio que
sabe levar á victoria segura e duradoira os profissionaes, os estudantes e os
simples curiosos. [...]
Nesta terra, o lemma tem sido outro: escreve-se para simples estudantes o
que devia escrever para mestres; e a razão é simples; para isso basta a
exposição de theorias alheias, com a affirmação catecismal de que “a
verdade está no autor”. (JORNALDE PIRACICABA, 8/06/1921, p.1)
A mesma notícia tece elogios ao novo periódico educacional, ressaltando suas
qualidades:
A mocidade estudiosa de Piracicaba acaba de emprehender, com exito, uma
obra de grande alcance, elemento valioso que é da educação na sua mais
ampla comprehensão fundou e poz em circulação uma revista destinada
a divulgar tudo o que ha de mais moderno e de mais efficiente no turbilhão
dos problemas pedagogicos. (JORNAL DE PIRACICABA, 8/06/1921,
p.1).
74
O jornal Folha da Noite trouxe artigo assinado pelo jornalista Francisco Damante,
também reproduzido pelo Jornal de Piracicaba:
Agora, que esse orgam, essa publicação, não tenha vida efhemera eis os
nossos votos mui sinceros e ardentes; que não dure apenas o espaço de
alguns mezes, como já tem acontecido a algumas de programmas e de
intuitos mais ou menos idênticos; que ella, a novel, a bem feita, a nobre, a
tão necessária “Revista de Educação”, - viva sempre, impere continuamente,
tratando com largueza de vista, com interesse e com patriotismo, de todas as
causas referentes à sciência educativa, cuidando como se nota em suas
paginas com especial carinho e desempenho, de todos os factos que se
relacionem com a melhoria dos nossos aparelhos escolares, servindo de guia,
mestra conselheira do nosso professorado, em cuja classe se ressentia a
falta de um orgam do genero. (JORNAL DE PIRACICABA,
07/07/1921, p. 1).
O mais importante jornal de São Paulo, O Estado de S. Paulo, enaltece também a
Revista de Educação:
Um facto que merece mais que o simples registro habitual entre os limites da
secção competente: acaba de apparecer em Piracicaba, graças aos esforços
de um grupo de professores da Escola Normal, da Escola Complementar e da
Escola Modelo, uma “Revista de Educação”.
Tudo, nessa iniciativa, nos traz uma tal ou qual surpresa, ao mesmo tempo
que agradavelmente nos lisonjeia. Escripta e impressa em Piracicaba,
apresenta-se a revista com perfeita correcção e bom gosto, na sua sobriedade
distincta, e apresenta-se cheia de collaboração variada e succulenta nada
menos de doze artigos, todos elles firmados por professores daquella mesma
cidade. Temos ahi, pois, mais um signal dos admiraveis progressos
intellectuais do nosso interior. (OESP, 09/06/1921, apud NERY, 2009, p.
91).
Tal notícia contribui não apenas para divulgar a Revista, mas também para legitimar a
Escola Normal de Piracicaba, no campo de formação de professores no Estado, que havia
disputa entre as escolas normais de Piracicaba e São Carlos.
A revista A Escola (Rio de Janeiro, ano I, número 7, setembro de 1926), encontrada no
acervo da Escola Estadual Cardoso Almeida, em Botucatu/SP, aponta o recebimento do 1º
número do volume III da Revista de Educação. Consta nas páginas finais do volume III da
Revista de Educação o recebimento de periódicos de outras instituições
53
nacionais e
53
Apenas o volume III anunciou o recebimento de outros periódicos: Renovación, de Buenos Aires; Anales da
Instrucción Primaria e Educación, de Montevidéo; A Educação, A Escola e O Norte, do Rio de Janeiro; Revista
Nacional e a Revista da Educação, de São Paulo.
75
estrangeiras: Renovación, de Buenos Aires; Anales da Instrucción Primaria e Educación, de
Montevidéo; A Educação, A Escola e O Norte, do Rio de Janeiro; Revista Nacional e Revista
da Educação, de São Paulo. Isso pode ser um indício de que havia permuta com outros
periódicos e de que a Revista circulou em outros Estados brasileiros e em outros países.
Os possíveis leitores da Revista de Educação seriam os normalistas que estudavam no
ensino normal, os professores formados e outros profissionais que trabalhavam na área de
educação.
Assim, diante do estudo apresentado, considero que a Revista de Educação foi um
importante veículo na disseminação das ideias e práticas escolares, divulgadas durante a
década de 1920, tendo sido uma estratégia editorial de um grupo composto por professores da
Escola Normal de Piracicaba, para fazer a propaganda da Reforma de 1920 e de seus
objetivos nacionalistas, como parte de um projeto mais amplo, arquitetado por Sampaio
Doria.
Compreendo que a publicação da Revista tinha como propósito firmar a Escola
Normal de Piracicaba como instituição de referência na formação de professores e, também,
que as temáticas publicadas são parte de um ideário político, educacional e pedagógico
selecionado e publicado pelos professores das escolas normais, junto de uma linha editorial.
Assim, com a criação da Revista, foi construído um discurso do que era relevante para a
formação dos professores, que procurava impor os modelos culturais. Nesse sentido, a criação
da Revista de Educação e a seleção e publicação dos artigos funcionavam como dispositivos
de normatização pedagógica e como suporte material das práticas escolares, pois tinham como
objetivo formar os professores sob a base ideológica da Reforma de Ensino de 1920 e oferecer
subsídios para os professores que trabalhavam no ensino primário. Com isso, a Revista é o
suporte que divulga e faz circular as correntes educacionais, evidenciando as práticas que as
produzem e os usos que são feitos delas.
CAPÍTULO 3. A REVISTA DE EDUCAÇÃO (1921-1923): INSTRUMENTO DE
DIFUSÃO DOS IDEAIS NACIONALISTAS
A Revista de Educação, fonte deste estudo, enquanto veículo de divulgação dos ideais
defendidos pelos professores da Escola Normal de Piracicaba, fez circular, em suas páginas,
muitos princípios nacionalistas do momento. Neste capítulo, ocupo-me em explorar a
presença desses princípios, no periódico, para tanto, examino as informações contidas em
cada um dos elementos que o compõem, visando a compreensão as implicações do ideário
nacionalista na formação dos professores primários, tendo em vista que o projeto da Revista
de Educação foi pensado para contribuir na propagação da Reforma de 1920, elaborada por
Sampaio Doria, cuja principal base ideológica foi o nacionalismo.
De Luca (1999, p. 41), em sua análise sobre a Revista do Brasil
54
, considera que,
devido aos fatores como a imigração, o analfabetismo, entre outros, alguns elementos
passaram a ser esmiuçados num esforço que, segundo seus idealizadores, permitia aos
brasileiros pensar sobre o país e suas particularidades. Dessa forma, os intelectuais assumiram
a tarefa de traçar os destinos do país.
Os intelectuais brasileiros do início do século XX partiram à procura dos
fundamentos, características e especificidades da nação brasileira,
assinalando uma nova etapa nas descobertas do Brasil. Percorreram a
história, a geografia a literatura, a gramática e a filologia; estudaram a
composição étnica da população, a organização econômica e social, as
instituições políticas, o sistema educacional e o de saúde, a produção
cultural; enfim todos os aspectos que consideravam relevantes para explicar
a realidade nacional. Positivismo, determinismo, evolucionismo e
darwinismo social: esse o instrumento analítico que orgulhosamente
ostentavam e ao qual atribuíam à capacidade de revelar, quando habilmente
almejado, a verdadeira face do país. (DE LUCA, 1999, p. 33-34).
Esse novo homem brasileiro e republicano, assim como o estrangeiro que vivia no
Brasil, deveria saber seus deveres e defender seus direitos, mas, para isso, era necessário ser
alfabetizado e trabalhador, conhecer os artistas brasileiros, ser livre de doenças que o
impossibilitassem de trabalhar. Deveria ter conhecimentos sobre moral e civismo, sobre a
História do país e dos “heróis” que lutaram no passado. Então, cabia à escola a tarefa de
transmitir ou incutir tais saberes nos cidadãos.
54
É preciso salientar que a Revista do Brasil não é um periódico educacional, como a Revista de Educação,
porém, publicou artigos sobre as questões educacionais, inclusive alguns escritos por Sampaio Doria, e outros
temas relacionados aos ideais nacionalistas, como a história, a língua vernácula, a higiene.
77
De acordo com Terci (2006, p. 18), o movimento nacionalista de São Paulo foi
traduzido em Piracicaba no “bairrismo piracicabano”. Formado pelas elites, os “bairristas”
planejavam ações para modernizar e desenvolver a cidade, tornando-a uma das cidades
interioranas mais importantes do Estado de São Paulo. Ao que tudo indica, foi o Jornal de
Piracicaba que contribuiu para a propagação desses ideais. O jornal chegou a publicar a
seguinte nota ufanista:
Bairristas somos todos nós que acordamos para o mundo ouvindo o adorável
tan-tan do salto, esse fator inexpugnável de forças que desabrocham dia a dia
em usinas florescentes. Gabamo-nos com razão de nossa terra. Podemos
dizer como o Andrada glorioso: da América, o Brasil; do Brasil, S. Paulo; de
S. Paulo, Piracicaba. (JORNAL DE PIRACICABA, 17/01/1922, apud
TERCI, 2006, p. 19).
Terci (2006) não traz muitas informações sobre os “bairristas”, nem explicita se os
professores da Escola Normal de Piracicaba faziam parte desse grupo. Porém, como havia
uma estreita relação entre os intelectuais da cidade, a Revista de Educação e o Jornal de
Piracicaba que atuavam em comum acordo, na tarefa de propagar os ideais nacionalistas
naquela região, há grandes possibilidades de participação dos professores nesse grupo.
Se era necessário nacionalizar a escola primária, formando “os cidadãos para uma
nação sólida”, os professores também precisariam de formação, porque eles eram os
responsáveis por formar as novas gerações. Assim, a Revista de Educação divulgou tais ideias
em seus artigos, constituindo um conjunto de saberes necessários para a atuação dos
professores.
Com o estudo da Revista de Educação, identifiquei alguns saberes que contribuíam
para a difusão dos princípios nacionalistas. Para a organização deste Capítulo, agrupei os
artigos tendo por critério a temática apresentada em seu conteúdo. Desse modo, os artigos que
alertavam sobre os cuidados com a saúde e a eugenia estão na temática Higiene, Saúde e
Eugenia. Os artigos que tratam de trabalhos manuais, artes, teatro e músicas são da temática
Artes, Música, Literatura e Trabalhos Manuais. Os artigos que se referem à importância dos
conhecimentos históricos, comemorações e heróis nacionais são da temática História, Moral e
Civismo. E por último, os artigos que tratam sobre a preocupação com o ensino de língua
portuguesa fazem parte da temática Língua Vernácula.
78
3.1 Higiene
55
e Saúde: para o corpo, para a mente e para a nação
De Luca (1999), ao referir-se ao personagem “Jeca” do conto Urupês, de Monteiro
Lobato, publicado pela primeira vez no jornal O Estado de S. Paulo, em 23/12/1914, informa
que este é produto da avaliação que Lobato vinha tecendo sobre o Brasil e os brasileiros,
desde a Faculdade de Direito. Nessa avaliação, o brasileiro era
[...] incapaz de evolução e impenetrável ao progresso, arredio à civilização,
vegetando no seu isolamento e ignorância, indisciplinado e refratário ao
trabalho árduo e contínuo de que tanto necessitava o país, reafirmava agora
pela via literária, o rol de estigmas que pesava sobre a maioria da população
brasileira, corroída por uma inferioridade primordial. (DE LUCA, 1999, p.
202).
O personagem de Lobato retrata um brasileiro degradado e impossibilitado de
construir a nação republicana que os intelectuais tanto almejavam, nas primeiras décadas do
século XX. Em decorrência, a educação foi o melhor meio encontrado para corrigir esses
problemas e formar os republicanos para a República. De fato, a educação foi “o elemento de
regeneração da nação, um instrumento para a reforma social e propulsora do progresso e da
civilização” (SOUZA, 2000, p. 106).
Sendo assim, os artigos
56
que se relacionam com a temática Higiene e Saúde se
ocupam dos cuidados com o corpo e com o meio ambiente que deviam ser transmitidos pela
escola, além dos cuidados que os professores e diretores deviam tomar, em relação à higiene
do prédio escolar.
No Decreto 3356, de maio de 1921, que regulamenta a Reforma de 1920, constam
diversos artigos sobre a inspeção médico-escolar. O artigo 58, por exemplo, aponta que a
inspeção médica deveria ser feita em todos os estabelecimentos de ensino públicos e
particulares da Capital e do interior, com o objetivo de verificar as condições de higiene dos
estabelecimentos, vacinar e tratar doenças de professores, de funcionários e de alunos pobres.
Relacionando a Reforma com os saberes de higiene e saúde publicados na Revista de
Educação, verifico que a saúde dos alunos e professores era uma preocupação da época,
55
Hygiene faz parte da 6ª cadeira que compõe o programa da escola normal, de acordo com o Decreto 3356, que
regulamenta a Reforma do Ensino de 1920.
56
Assistencia Dentaria Escolar (v.I,1, 1921); Hygiene Popular (v. I, 1, 1921); Hygiene Popular (v. I, nº 2,
1921); Educação Phisica (v. I, nº 2, 1921); Em Torno da Hygiene Escolar (v. I, nº 2, 1921); Hygiene Popular (v.
II, 1, 1922); A Ordem Material e a Ordem Moral (v. II, 2, 1922); Degradação da Prole (v. II, 3, 1922);
O Fumo e seus efeitos (v. II, 3, 1922) e A Vida Rural e a Hygiene (v. II, nº 3, 1922), Degradação da Prole (v.
III, nº1, 1923), Da Hygiene no Commercio dos Generos Alimenticios (v. III, nº 1, 1923), Prophylaxia das
Moléstias Oculares na Escola (v. III, nº 1, 1923) e Educação Physica (v. III, nº 1, 1923).
79
sendo que, diversas medidas foram tomadas para mudar os hábitos de higiene da população.
O tema foi de tal relevância que a Revista publicou artigos sobre higiene em todos os
números, orientando os professores e a população sobre transmissão de doenças, maus
hábitos, entre outros assuntos. Gonçalves
57
(1921, p. 145) salienta:
Applicada, a Hygiene significa o animo ao fraco, a esperança ao desalento, a
vida ao moribundo, muitas vezes; faz-se pae dos orphons da sorte; seja no
campo, seja na cidade, seja no individuo é sempre um bem e uma
necessidade; é sempre um auxilio á conservação da vida plena, é sempre
uma esperança de melhores dias. Ella se inclue, pois, forçosamente, no plano
de educação; é mesmo, como temos visto nas aulas de Pedagogia, uma parte
da educação physica.
O autor parece fazer um apelo para os cuidados com a saúde e a higiene da população,
ressaltando a educação como forma de corrigir os (maus) hábitos. Nas primeiras décadas do
século XX, a população sofreu com epidemias, doenças e o acúmulo de lixo. Então, para
acabar com esse mal, a educação foi a melhor forma de prevenção, conforme destaca Rocha
(2003).
Segundo Rocha (2003), as transformações pelas quais passou a cidade de São Paulo,
entre o final do século XIX e o início do século XX, decorrente do aumento da população
devido à imigração, surgimento de cortiços, enchentes, acúmulo de lixo, epidemias, greves e
rebeliões, eram acompanhadas de problemas sociais que necessitavam de novas formas de
intervenção. No conjunto de iniciativas voltadas para resolver esses problemas, destaca-se a
ação dos médicos-higienistas e sanitaristas, que procuraram de rias maneiras intervir nos
costumes da maioria da população. Dentre essas várias maneiras para organizar o modo de
vida da população, estão as iniciativas educacionais como forma de higienização dos
costumes”, ou seja, difundir através da escola a educação sanitarista com o intuito de mudar
os maus costumes. Assim, foi criado o Instituto de Higiene
58
, em 1918, com o objetivo de
nortear as ações de saúde pública na cidade de São Paulo e em todo o Estado.
O Instituto de Higiene foi essencial na formulação da política sanitária adotada em
1925, cujo objetivo principal se constituía na formação da consciência sanitária na população
e nas crianças, por meio da educação, visto que os higienistas entendiam que a causa dos
diversos problemas mencionados acima se devia à falta de educação. Nesse sentido, o
Instituto contribuiu para a articulação de estratégias para disseminar a higiene nas escolas,
57
Aluno do 4º ano da Escola Normal.
58
Criado em 1918, com base no modelo norte-americano, que resultou de um acordo do Governo do Estado de
São Paulo e a Junta Internacional de Saúde da Fundação Rockefeller.
80
atuando diretamente na formação dos professores primários, tanto pela preparação de agentes
sanitários de saúde pública como pela produção de impressos destinados às crianças e mestres
das escolas primárias.
Nesse momento, surgiram ligas, como a Liga de Higiene Mental, fundada no Rio de
Janeiro, em 1922, a Liga Pós-Saneamento do Brasil, criada em 1918, de forma que, com esse
movimento de ideias, o conceito de saúde estava sendo ampliado e a escola era, sem dúvida,
um espaço privilegiado para difundir tais saberes e costumes. Segundo De Luca (1999, p.
220-226), o governo do Estado mostrou-se sensível a essa questão e distribuiu gratuitamente
para os alunos das instituições públicas a Cartilha de Higiene, obra editada por Monteiro
Lobato.
Os maus hábitos de higiene acarretavam graves danos sociais, os quais comprometiam
não apenas a existência dos indivíduos e representavam um perigo para a coletividade, mas
também para sua descendência. O futuro da nação parecia ameaçado, na medida em que uma
parcela significativa de seus habitantes, em vez de se tornarem cidadãos produtivos, acabava
em prisões e hospitais. Escreve De Luca (1999, p. 216):
A erradicação das doenças infecto-contagiosas e das endemias assumia
feição de uma cruzada, que tinha por meta possibilitar a implantação de um
sistema de trabalho eficiente, produtivo dentro dos parâmetros exigidos pela
economia de mercado. Reabilitar e valorizar o brasileiro, ou melhor,
discipliná-lo, adestrá-lo, moralizá-lo para transformá-lo em um agente capaz
de concretizar as inúmeras potencialidades da terra, esse o ideal apregoado
pelos apóstolos do discurso higienizador.
Para atingi-lo, preconizava a imediata adoção de um amplo conjunto de
medidas, planejadas, controladas e executadas pelos homens de ciência,
detentores de um saber técnico e especializado, e que deveriam ser
investidos pelos poderes públicos de uma ampla autonomia. Esses cruzados
modernos, manipuladores competentes das verdades científicas, propunham-
se a atuar como um exército, hierárquica e racionalmente organizado, no
qual cada um tinha atribuições precisas, para livrar a nação dos males que a
corroíam.
Para se tornar uma nação moderna como pretendiam os republicanos o Brasil não
poderia permitir que a população continuasse em estado de degradação. Para reverter tal
situação, adotou medidas educacionais para corrigir os problemas sanitários. Isso pode ser
visto na disciplina de Higiene, no ano da Escola Normal (ver, no Capítulo 2, a relação de
todas as disciplinas existentes depois da Reforma de 1920).
81
Com o movimento republicano, os projetos de urbanização e modernização das
cidades e da sociedade tinham a higiene e a saúde como elementos norteadores. Higienizar
representava construir uma imagem moderna.
Para Terci (2006, p. 16), na década de 1920, a higiene e a estética foram pensamentos
que influenciaram as elites políticas piracicabanas.
A lei sobre construções decretada pela Câmara Municipal na ocasião em que
Paulo de Moraes a presidia sintetizava a proposição saneadora.
Estabelecendo total controle sobre as construções dentro do perímetro
urbano e exigindo a solicitação de autorização da Câmara para edificações e
reedificações, estabelecia uma série de regulamentos e condições para
aprovação dos projetos: o alinhamento deveria ser aprovado pelo fiscal
arruador; definia-se dimensões mínimas para as construções tendo em vista
as condições de arejamento, luminosidade e nivelamento do terreno para
permitir escoamento das chuvas; proibia construções em lugares possíveis
para a abertura de ruas; condicionava as construções de fundos às que
fossem muradas, assim como proibia o aproveitamento de muros feitos no
alinhamento de ruas e praças para construções que ficassem visíveis de fora;
obrigava a demolição das construções em ruína; condicionava as construções
em terreno que outrora serviram para depósito de lixo à sua completa
limpeza anterior à edificação; dispunha sobre toda sorte de questões
referentes às condições da construção definindo o material a ser usado,
proibindo o uso de madeira e barro, obrigando o reboque e caiação externos
e o calçamento; dispunha ainda sobre as condições para a manutenção das
cocheiras e estábulos, estabelecendo prazo de seis meses para que os
existentes se enquadrassem no disposto pela lei; estabelecia o prazo de um
ano para o cumprimento da lei; definia comissão de inspeção para
averiguação das construções e estabelecia multa de 25$000 reis para os que,
nesse prazo, não se enquadrassem e 50$000 reis para os reincidentes.
Com efeito, os estudos de Terci (2006) demonstram que Piracicaba estava em
consonância com os ideais republicanos da época. A construção do grandioso prédio da
Escola Normal Primária de Piracicaba representa os ideais de progresso que se instalaram na
cidade e a importância da educação, para a República.
Nas escolas, o professor era responsável por difundir os saberes e cuidados com a
higiene e a saúde. Cabia a ele manter a ordem da sala, tomando alguns cuidados quanto ao
espaço, ventilação, iluminação e disposição dos móveis, a fim de preservar a saúde das
crianças. São em lugares como a sala de aula, onde aglomerações de pessoas, que as
doenças são facilmente transmitidas (BRASIL, 1922, p. 103). Havia também uma
preocupação com o cuidado dos dentes, como é ressaltado por Faustino, no artigo Assistencia
dentaria escolar (v. I, 1, 1921). Tal preocupação pode ser vista na foto abaixo, encontrada
no museu da E. E. Sud Mennucci, mostrando uma criança em tratamento dentário.
82
Figura 8: Foto de uma criança em tratamento dentário.
Carlos M. Sodero
59
foi o autor que mais publicou sobre essa temática, totalizando
cinco artigos: Hygiene Popular (v. I, 1, 1921a); Hygiene Popular (v. I, 2, 1921b);
Hygiene Popular (v. II, nº 1, 1922); A Vida Rural e a Hygiene (v. II, nº 3, 1922) e Hygiene no
Commercio dos Generos Alimenticios (v. III, 1, 1923). Conforme o autor, “quanto mais
conservar a saúde aos que a têm - procurae para vós e para os vossos, a vida e a alegria no ar
puro e amplo na intensa luz solar directa” (1921b, p. 104).
O cidadão de uma nação moderna deveria ser forte, saudável, disposto ao trabalho e
não improdutivo e entregue aos vícios, que destroem fisicamente e moralmente o homem. A
Revista alerta para o perigo do uso de drogas, como o álcool e o tabaco, enfatizando que o uso
de drogas poderia prejudicar a vida produtiva das pessoas.
Socialmente, o que é o alcool?
__ Ladrão que rouba operarios ás industrias, camponezes aos socegados
labores agricolas, cidadãos á administração, soldados e filhos valorosos á
patria. Escola de vicios, caminho da miseria, do crime da loucura, enchendo
cadeias e hospitais, criando despezas que recáem directa ou indirectamente
sobre a parte morigerada da população. (SODERO, 1922b, p. 19).
Honorato (2007, p. 6) apontou, em seus estudos sobre poder e a civilidade na Escola
Complementar de Piracicaba, que embora o fumo fosse uma droga consumida pelos alunos,
estes eram reprimidos pelos professores e diretor. Por exemplo:
59
Lente de Anatomia, Fisiologia e Higiene na Escola Normal de Piracicaba.
83
“No dia 31 de março de 1908 o alunno do anno, Bartholomeu Lopes dos Santos,
soffreu a pena de admoestação particular, por ter, com desrespeito ao professor de marcenaria,
puxado na respectiva aula, um pedaço de fumo, que se pôs a bicar”. (LIVRO DE PENAS,
1908, apud HONORATO, 2007, p. 6).
Na verdade, nesse ambiente, o uso de fumo era considerado ato de indisciplina e
desrespeito, acarretando pena ao aluno e, diante da ação dos higienistas e do “poder”
disciplinador da escola, para modificar os costumes da população, era necessário ter
professores conscientes, que formassem as novas gerações pelo exemplo. Desse modo, não
era aceitável esse tipo de comportamento por parte de um normalista.
A prática de exercícios também era tida pelos autores da Revista como uma forma de
cuidar da saúde, regenerando a “raça brasileira”. Segundo Bianco
60
(1921, p. 110), espera-se
da Educação Física (arte de objetivos conscientes e já muito distanciada do empirismo)
encaminhar o homem para sua perfeita organização intelectual e moral. A autora frisa que a
educação física seria importante para o desenvolvimento humano, pois, “em suas beneficas
consequencias, quer puramente individuais, quer sob o ponto de vista da colletividade,
visando à melhoria da raça que trará como importantíssimo corollario o engrandecimento da
nação” (1921, p. 112).
Para solidificar a nação brasileira, eram necessários homens fortes, que
impulsionassem o progresso e que defendessem a pátria. Com isso, o escotismo foi uma das
formas indicadas para instruir patrioticamente os brasileiros e integrar os imigrantes
estrangeiros.
Na Revista de Educação, o artigo Educação Physica (v. III, nº 1, 1923), de Annibal da
Silveira Santos
61
, é o primeiro que se refere ao escotismo como atividade física e cívica.
Como aponta Nery (2009, p. 47):
O escotismo possuía uma federação denominada Associação Brasileira de
Escoteiros (ABE) cuja sede ficava em São Paulo. No biênio 1921-1923 a
presidência da entidade era exercida por José Carlos de Macedo Soares e
dentre os membros da diretoria estavam Oscar Thompson e Djalma Forjaz
entre outros; ainda faziam parte da Comissão Técnica os professores
Guilherme Kuhlmann (Diretor Geral da Instrução Pública) e Sampaio Doria.
A atuação de Oscar Thompson e Sampaio Doria, por conta do vínculo de
ambos com a Faculdade de Direito, e, por conseguinte, com a ABE e a
LNSP, favoreceu a difusão do nacionalismo nas escolas paulistas.
60
Professora de Educação Física da Escola Normal de Piracicaba.
61
Substituto Efetivo no Grupo Modelo anexo à Escola Normal de Piracicaba.
84
O escotismo foi oficializado nas escolas públicas paulistas apenas com a Reforma de
1920. O artigo 252, do Decreto 3356, de 31 de maio de 1921, determinou que grupos de
escotismo e linhas de tiro, para alunos maiores de 16 anos, fossem criados em todas as escolas
normais. Mas, em anos anteriores, Oscar Thompson já havia indicado sua prática.
O movimento escoteiro foi iniciado nas escolas em 1917, ocasião em que se
abriu um curso para diretores e inspetores de grupos escolares e difundiu-se
amplamente o “Manual do Escoteiro”, de Baden Powell. Nesse mesmo ano,
Oscar Thompson havia assumido a Diretoria Geral da Instrução blica de
São Paulo. O Anuário do Ensino de 1917 mostra que eram os inspetores
que, através de palestra e conferências, faziam a propaganda das linhas de
tiro e da Liga de Defesa Nacional. O Diretor Geral relata ainda o início da
difusão do movimento escoteiro nas escolas públicas. (NERY, 2009, p.
67).
O Decreto determinou também que os professores de ginástica das Escolas Normais e
Complementares seriam os instrutores do escotismo, e todos os alunos matriculados nas
escolas públicas seriam aspirantes a escoteiros. Para ser um escoteiro, a idade mínima seria de
10 anos, devendo haver a deliberação pessoal espontânea para a instrução e a permissão dos
pais.
Certamente, a atuação de Doria na LNSP contribuiu para a expansão dos ideais
nacionalistas na educação. O escotismo, enquanto atividade física e cívica,
caracteristicamente disciplinar (e algumas vezes, de caráter militar), era igualmente um meio
educativo de formar os alunos para “defender” a pátria. Souza (2000, p. 110) ressalta:
Juntamente com a erradicação do analfabetismo, questão política de
ampliação das bases eleitorais, grande ênfase foi dada à educação cívica,
considerada elemento fundamental para o soerguimento moral da nação,
para a cultura do patriotismo e para a defesa da nacionalidade. É nesse
contexto que surge e se intensifica nos meios educacionais e políticos a
defesa do escotismo como fator de educação do caráter e de defesa da pátria
O escotismo, além de atividade física, era compreendido como uma “escola de moral e
civismo”. A participação dos escoteiros em festas cívicas foi importante para a difusão dos
ideais nacionalistas. Na Escola Normal de Piracicaba, a prática do escotismo também tinha o
propósito de preparar os futuros professores para atuarem como instrutores de escoteiros na
Escola Primária. Assim, o aluno da Escola Normal acompanhava o desenvolvimento das
atividades escoteiras com os alunos da Escola Modelo anexa. A foto abaixo, da comemoração
85
do Centenário da Independência do Brasil, na Escola Normal de Piracicaba e anexas, registra
normalistas e escoteiros participando da comemoração cívica.
Figura 9: Foto da Comemoração do Centenário da Independência na
Escola Normal de Piracicaba.
O artigo Degradação da Prole (v. III, 1, 1923) é o primeiro artigo que trata da
eugenia e da educação sexual. Nesse texto, o Dr. Tacito de Carvalho e Silva
62
alerta que, se
alguns cuidados com a saúde e higiene não forem tomados, durante a gravidez e a infância,
pode ocorrer a degradação da raça. Em certos casos, a hereditariedade é responsável pela
propagação de alguns problemas de saúde, pois o casamento necessitava de orientação. Nesse
artigo, o autor defende que a educação sexual deveria ser ensinada discretamente às moças e
aos rapazes, desde a puberdade, a fim de que fossem advertidos das características de seu sexo
e dos perigos que ameaçam a saúde (1923, p. 4).
Em relação à eugenia, nesse período histórico, De Lucca (1999, p. 235) argumenta:
62
Pediatra e Lente de Biologia e Higiene na Escola Normal de Campinas.
86
No discurso da época mesclavam-se propostas relativas à saúde pública, que
pretendiam promover as condições gerais do meio ambiente; à educação; a
difusão de hábitos higiênicos e a prática esportiva com a defesa da
reprodução selecionada da espécie. Em nome da ciência e das suas verdades
clamava-se por uma intromissão, que precisava não ter limites, na vida
privada dos indivíduos. Nessa medida, higienistas e eugenistas reclamavam
uma ação decidida do Estado, condenando a inoperância de um poder que se
lhes afigurava incapaz de tomar as medidas necessárias para retirar a nação
de seu estado mórbido.
A Inspeção Médico-Escolar, proposta pela Reforma de 1920, foi uma tentativa do
Estado para fiscalizar as condições de higiene nos estabelecimentos escolares e forma de
disciplinar os costumes da população brasileira. Em 1919, a Liga de Pós-Saneamento do
Brasil enviou uma proposta ao Congresso Federal, condenando a reforma do Artigo 183-IV
do Código Civil, que pretendia eliminar a proibição, vigente na época, do casamento entre tios
e sobrinhos (DE LUCA, p. 229). Com essa proibição, os higienistas e eugenistas buscavam o
aprimoramento da raça, porque, no casamento entre familiares, os filhos podem nascer com
problemas de ordem genética.
3.2 Arte, Música, Literatura e Trabalhos Manuais
É importante destacar que a Reforma de 1920 incluiu as disciplinas de Anatomia e
Fisiologia Humana e Biologia (consideradas, pela escola renovada, ciências de suporte para a
Pedagogia) e contribuindo para maior desenvolvimento das disciplinas de Música, Desenho e
Trabalhos Manuais, na Escola Normal. Tanuri (1979, p. 163) salienta que Reforma encara tais
disciplinas como:
[...] técnicas didáticas a serviço de um ensino mais concreto em oposição ao
ensino “verbalista”. Possivelmente tais idéias se refletiam na reforma de
1920, uma vez que as disciplinas Música e Desenho passavam a figurar em
todas as séries do curso normal.
Com isso, observo que essas disciplinas eram, do ponto de vista educacional do
reformador, essenciais na formação intelectual, física e moral do homem, ou seja, como uma
forma de inculcar saberes.
87
Os artigos
63
relativos a essa temática tratam da importância dos trabalhos manuais e da
arte, na formação do ser humano. O trabalho e a arte são tidos como elementos educadores
que têm o poder de socializar e transmitir valores e sentimentos.
Para José Murilo de Carvalho (1990, p. 11), a manipulação do imaginário social é
particularmente importante em momentos de mudança política e social e em momentos de
redefinição de identidades coletivas, como é o caso da implantação do regime republicano, no
Brasil. Nessas ocasiões, a finalidade da arte não era apenas encantar os olhos, mas,
sobretudo, contribuir poderosamente para a educação pública penetrando nas almas (1990, p.
12). No caso da Revolução Francesa, a atuação de David, como pintor, revolucionário e
teórico da arte, é um exemplo do esforço de educação cívica mediante o uso de símbolos e
rituais.
O quadro A pátria
64
, de Pedro Bruno, é um exemplo, citado por Carvalho (1990, p.
107), de que, em nosso país, a arte também foi usada como forma de educar e inculcar o
sentimento nacionalista na população. Nota-se, na figura abaixo, a intenção do pintor em
retratar a pátria como a “mãe” acolhedora e protetora do seu povo.
63
Um Novo Trabalho Manual (v. I, 1, 1921); Literatura Infantil (v. I, 1 , 1921); A Educação Visual e o
Desenho (v. I, 1, 1921); O “Clube da Horta” (v. I, 2, 1921); A Musica nas Escolas (v. I, 2, 1921); O
Trabalho Manual e o Ensino Intuitivo (v. I, 2, 1921); A Arte na Escola (v. I, 2, 1921); Brinquedo de Trigo
(v. I, nº 2, 1921); Hymno da Colheita (v. II, nº 1, 1922); Literatura Infantil (v. II, nº 2, 1922a); Literatura Infantil
(v. II, 3, 1922b); Formas de Governo (v. II, 3, 1922); Bemdigo a Escola (v. II, 3, 1922); Descobrimento
do Brasil (v. III, nº 1, 1923); A Liberdade - para a commemoração do 13 de maio (v. III, nº 1, 1923) e A Carta
Anonyma (v. III, nº 1, 1923).
64
Carvalho (1990, p. 119) assim o descreve: O quadro apresenta traços claramente positivistas. Embora seu
conteúdo seja a bandeira, o título é a “Pátria”, ao gosto dos ortodoxos. O conteúdo também poderia ser
endossado por Miguel Lemos: um grupo de mulheres de todas as idades, filhas, mães, avós, confecciona a
bandeira. É a exaltação tanto da bandeira e da pátria quanto ao papel moral da mulher [...] Ainda como traço
positivista, há um retrato de Tiradentes pregado na parede”.
88
Figura 10: Quadro A pátria, de Pedro Bruno, Museu da República.
Na Revista de Educação, as letras das músicas publicadas retratam a mesma intenção
da obra acima. Abaixo, cito um trecho da música intitulada Hymno do Ypiranga, composta
por Pedro de Mello e publicada pela Revista, ao fim do artigo 7 de Setembro (v. II, 2,
1922).
Salve, YPIRANGA glorioso,
Bello regato crystallino!
Berço gentil, maravilhoso
Da grande Patria Brasileira!
Foi no teu palco peregrino,
Que da divina Liberdade
A voz se ouviu a primeira vez!
É possível verificar que a letra do hino e o quadro A pátria buscam inculcar ou formar
o sentimento nacionalista por meio da arte. Assim, ela é um importante instrumento na
formação do sentimento nacionalista no povo.
O homem de uma nação moderna deveria ter disposição para o trabalho e conhecer
obras de diversos artistas, mas, principalmente, dos nacionais, valorizando a nacionalidade.
No artigo Um Novo Trabalho Manual, o autor ressalta que o trabalho manual é importante nas
escolas primárias, pois, além de cooperar para o desenvolvimento físico, intelectual e moral
da criança, tem valor educativo e desperta a atenção em todos os seus graus e, sobretudo,
“uma excellente disposição moral para o trabalho” (VEIGA, 1921, p. 20).
89
No artigo Trabalho Manual e o Ensino Intuitivo (v. I, 2, 1921), Veiga
65
começa
ressaltando a necessidade da instrução a serviço da pátria, que, segundo seu pensamento, a
instrução permite formar pessoas que se empenhem em trabalhar para o progresso do país.
Veiga (1921, p. 135) parece referir-se à escola como algo divino ou sagrado, pois declara:
É na escola primaria, esse sanctuario onde se dissipam as trevas da
ignorancia, ao contacto das luzes do ensino. Ella é o tabernaculo em que
aprendemos a soletrar as premicias de uma educação esboçada em familia;
em suma, é o tempo em que cultuamos a instrucção, dignificando-a com a
efficacia da moral sã, sem que as luzes do ensino tonar-se iam uma
verdadeira utopia.
[...] é a escola onde se preparam, em alfobre regenerador, os precursores do
engrandecimento de um paiz.
O trabalho agrícola teve destaque na Revista de Educação. Nas páginas 113 e 114 (v.
I, 2, 1921), a Revista publicou “O Clube da Horta”, que apresenta quatro fotos com notas
informativas abaixo delas. As fotos retratam o trabalho dos alunos do Grupo Modelo de
Piracicaba
66
nas hortas e jardins cultivados por eles mesmos, nos quintais de suas casas. As
notas informam que, por iniciativa de um professor do Grupo Modelo de Piracicaba, foi
fundado o Clube da Horta, que incentivava as crianças a transformarem seus quintais, antes
improdutivos, em hortas e jardins. Esse trabalho demonstra como “a creança pode encaminhar
a sua actividade de jogo para um fim útil e educativo por todos os aspectos(REVISTA DE
EDUCAÇÃO, 1921, p. 113).
Artigos como Brinquedo de Trigo (v. I, 2, 1921); Hymno da Colheita (v. II, 1,
1922) e A Liberdade (v. III, nº 1, 1923), de Honorato Faustino, são roteiros de peças de teatro
infantil e letras de música que a Revista de Educação publicou. O seu conteúdo visa a
divulgar o patriotismo, a valorização dos elementos nacionais, a moral e os bons costumes e a
necessidade do trabalho, na vida do homem. A peça Brinquedo de Trigo, por exemplo, alude
ao trabalho do campo, ao cultivo da terra e à criação de animais. O roteiro da peça é
acompanhado de letra e música, também de autoria de Faustino, cujo conteúdo apresenta
apelo nacionalista. A introdução do artigo traz elementos nacionalistas que ressaltam a
importância da agricultura para o país.
65
Professor da Escola Modelo Isolada.
66
Escola primária anexa à Escola Normal de Piracicaba (que funcionava em prédio distante), onde os
normalistas poderiam aprender e praticar o ofício de professor.
90
A grandeza futura do Brasil esta innegavelmente ligada ao seu
desenvolvimento agricola, que precisamos incentivar em todos os meios e
um delles, é sem duvida, e de grande influencia o de irmos despertando entre
as crianças das escolas primárias o gosto pela cultura da terra, em ensaios
praticos de horticultura, por meios de brinquedos como o que abaixo vai
ser publicado. (FAUSTINO, 1921, p. 154).
A arte teatro, canto, desenho e pintura funcionavam como formas de ensinar
valores morais, sentimento cívico e outros saberes que contribuíam para o desenvolvimento
de habilidades mentais e motoras. Segundo Moraes
67
(1921), a visão é muito importante na
vida do homem, pois é um sentido que auxilia na formação das ideias. Desse modo, a escola
precisa educar e desenvolver a visão das crianças. Para isso, o desenho é um dos meios mais
interessantes. Porém, a escola precisa toma certos cuidados de higiene quanto à iluminação da
sala de aula, porque más condições podem prejudicar a visão. Ao fim do artigo, a autora
explicita:
O que é preciso é formar homens e mulheres que saibam vêr bem, ouvir
bem, que tenham educação manual rudimentos de educação moral e civica.
A educação tem sido até hoje muito desvirtuada; e por isso que tanto ainda
sofremos.
É preciso cuidar da educação da sensibilidade, tanto daquela que nos põe em
contato com o mundo exterior a sensibilidade dos sentidos, como da que
põe o indivíduo em communicação comsigo mesmo: a sensibilidade intima,
o caracter. (1921, p. 59-60).
Como forma de cuidar da educação da sensibilidade, a Reforma de 1920 propôs, no
artigo 254, a obrigatoriedade da realização e participação dos alunos no Orfeon Escolar, cujos
ensaios seriam aos sábados.
O autor Fabiano Lozano, e também professor de música da Escola Normal de
Piracicaba, inicia seu artigo A Musica nas Escolas (v. I, 2, 1921) com uma crítica à
maneira como a música tem sido ensinada nas escolas e como muitos tomam “as modinhas”
como música popular. Lozano acredita que esse tipo de música, sem qualidade, deve ser
combatido, pois prejudica a verdadeira arte e perverte o gosto do povo. Nessa perspectiva, nas
escolas, os professores devem ensinar aos alunos trechos de compositores clássicos, para
apurar o gosto musical dos alunos (LOZANO, 1921, p. 120).
Conforme Fucci Amato (2008, p.2), a educação musical esteve ligada ao movimento
nacionalista desde as primeiras décadas do século XX, tornando-se disciplina importante na
educação pública brasileira. Com a efetivação do movimento nacionalista, em 1928, o escritor
67
Aluna do 4º ano de Escola Normal de Piracicaba.
91
e musicólogo modernista Mário de Andrade
68
propôs o desenvolvimento de um projeto
nacional-erudito-popular para o país, de cunho nacionalista, usando a música folclórica como
condição indispensável para o ingresso e a permanência do artista na república musical.
A evolução do nacionalismo musical processa-se de forma linear, desde os
compositores coloniais que produzem na Metrópole, passando pela emoção
brasileira que se manifesta no internacionalismo de Carlos Gomes e pela
busca incipiente de motivos brasileiros (Itiberê, Nazareth, Levy,
Nepomuceno), até chegar ao aproveitamento e pesquisa do folclore na
elaboração de uma música brasileira (Gallet e Mário de Andrade).
(FREITAG
69
, 1972, apud FUCCI AMATO, 2008, p. 3).
Heitor Villa Lobos contribuiu igualmente para o movimento nacionalista e sua relação
com o canto orfeônico, quando ocupou cargos públicos nos setores educacionais. A proposta
de Villa-Lobos “era a difusão das idéias nacionalistas por meio da educação musical, que
também formava os indivíduos cívica e moralmente, conjugando o belo (a estética) como o
bom (a moral e a ética)” (FUCCI AMATO, 2008, p. 4).
Com a ideia de reconstrução da nação pela educação, o escolanovismo concebeu que a
arte deveria ser retirada do pedestal em que se encontrava e colocada no centro da
comunidade. Na escola, o ensino de música deveria ser acessível a todos, contribuindo para a
formação integral do ser humano (FONTERRADA
70
, 2005, apud FUCCI AMATO, 2008, p.
5).
O estudo de Gilioli (2003) destaca os nomes de Lázaro e Fabiano Lozano e Honorato
Faustino como pioneiros do canto orfeônico
71
. A prática do canto orfeônico em Piracicaba foi,
sem dúvida, desenvolvida pela influência dos irmãos zaro
72
e Fabiano
73
Lozano, que
68
De acordo com Fucci Amato (2008, p. 3), Mário de Andrade foi amigo de Gustavo Capanema, ministro da
Educação e Saúde de Vargas, entre 1934 3 1945, e juntos realizaram vários projetos culturais.
69
FREITAG, L. V. O nacionalismo musical no Brasil (das origens até 1945). Tese (Doutorado), São Paulo,
USP, 1972.
70
FONTERRADA, M. De Tramas e fios: um ensaio sobre música e educação. São Paulo: Editora Unesp, 2005.
71
O canto orfeônico é uma modalidade de coral (geralmente executado sem acompanhamento de instrumentos),
destinados a amadores, cuja característica é ser uma prática musical de teor essencialmente pedagógico-escolar e
moral. Os orfeões foram importados do modelo europeu, nos aspectos de forma e organização, mas
desenvolveram conteúdos e características nacionais, apresentando conteúdo que refletisse a brasilidade, pois os
orfeões europeus tinham um repertório musical relacionado à identidade nacional de seus países (GILIOLI,
2003, p.33- 34).
72
Lázaro (1871-1951) foi maestro e professor na Escola Complementar de Piracicaba. Em 1921, foi nomeado
professor de Música na Escola Normal de São Paulo. Em meados da década de 1920, voltou para Tíjola (sua
cidade natal, na Espanha) e foi regente da Banda Municipal dessa cidade (GILIOLI, 2003, p. 102-104).
73
Fabiano (1884-1965) era espanhol naturalizado. Com treze anos, veio com a família para o Brasil, ingressando
na Escola Complementar de Piracicaba, onde se formou em 1903, com 19 anos. Também estudou Música no
Colégio Piracicabano, onde, mais tarde, foi diretor do Departamento de Música.
92
pertenciam a uma família de músicos dotada de um bom capital cultural, no campo da música
erudita.
Fabiano Lozano foi nomeado professor da cadeira de Música na Escola Normal de
Piracicaba, em 1914. Logo que iniciou as aulas, criou um Orpheon na Escola Normal de
Piracicaba e anexas (foto do Orpheon em anexo). Em 1915, criou a Orquestra Lozano e,
nesse momento, era autor de diversas composições publicadas e seu trabalho era conhecido
nacionalmente (GILIOLI, 2003, p. 105-106).
Contando com a colaboração do diretor [Honorato Faustino], [Fabiano]
Lozano ensaiava se conjunto fora do horário escolar, com enorme
entusiasmo por parte dos orfeonistas. Os normalistas, tendo recebido por
parte uma excelente formação coral e musical, iam para outras cidades
disseminar os seus conhecimentos, divulgando dessa forma o canto em
conjunto como prática de integração social e de aprimoramento artístico.
(PAJARES, 1995, apud GILIOLI, 2003, p. 131).
Na Escola Normal de Piracicaba, Fabiano Lozano e Honorato Faustino tiveram
atuação importante, na implantação da Reforma de 1920, pois esta tornou obrigatória a prática
do canto orfeônico nas escolas públicas paulistas. Conforme determina o artigo 254 do
Decreto 3356, ficou obrigatória a realização e participação dos alunos no Orpheon Escolar,
cujos ensaios seriam aos sábados.
Honorato Faustino de Oliveira (1867-1948) também foi músico (flautista) e publicou,
a partir de 1915, em fascículos, sua obra Repertório Escolar, com uma série de cantos infantis
e cenas escolares ornadas de música, especialmente escritas para as escolas brasileiras
(GILIOLI, 2003, p. 108). Além dos cargos mencionados, Faustino foi médico e ministrou
aulas de música nas escolas primárias. Publicou livros sobre métodos de ensino de língua
portuguesa, como Lições práticas de pontuação e acentuação do A (1919), e algumas de
suas composições, na Revista de Educação.
Com isso, penso que, em virtude de suas medidas, a Reforma de 1920 pretendia
construir uma identidade nacional, integrando os estrangeiros que viviam no Brasil, “através
do cultivo dos elementos nacionais como a ngua, os símbolos pátrios, dentre os quais se
incluíam os hinos e canções brasileiras.
93
3.3 História, Moral e Civismo
De modo geral, os artigos
74
dessa temática tratam da importância dos conhecimentos
históricos para a vida do cidadão, ressaltam a importância do papel do professor e da
educação, como meios para impulsionar o crescimento do país, o sentimento patriótico e os
valores morais necessários para a formação do homem (cidadão brasileiro e republicano”).
Os professores Thales Castanho de Andrade
75
, Dario Brasil
76
e Pedro de Mello
77
publicaram artigos, focalizando a necessidade de o cidadão conhecer a história e do país. Já o
artigos Um Jubileu e Discursos são discursos a respeito dos valores morais e sentimentos
cívicos que seriam necessários ao exercício da profissão docente.
Na opinião de Bittencourt (2008, p. 109), a História era entendida como componente
da formação nacional, sem perder seu caráter universal. Parte dos intelectuais engajados nos
projetos de modernização do país, pela via da industrialização, considerava a história da pátria
ao lado da geografia disciplinas fundamentais que deviam ser disseminadas para o
conjunto da população estudantil.
Com o estabelecimento do regime republicano, a Instrução Moral e Cívica substituiu
as aulas de ensino religioso. A introdução dessas disciplinas nas escolas representou um
apêndice da História ou um acréscimo a essa disciplina, servindo para desenvolver o
sentimento patriótico, direcionando a moral secular (BITTENCOURT, 2008 p. 117).
Com este estudo, percebo que os intelectuais procuram “dar brilho” à história do país,
atribuindo à disciplina de História a função de difundir o patriotismo e valorizar a
grandiosidade do país. Entretanto, apesar de o território brasileiro ser extenso, a história do
país ainda jovem não compartilhava dessa grandiosidade. Enfatiza De Luca (1999, p. 86-87):
74
O Civismo pelo Ensino de História (v. I, 1, 1921); Do Ensino de História (v. I, 1, 1921); 7 de Setembro
de 1922 (v. II, 2, 1922); Um Jubileu (v. II, 1, 1922 - Discurso pronunciado a 21 de abril, na sessão
comemorativa do 25º aniversário da Escola Normal de Piracicaba) e Discurso (v. II, nº 3, 1922).
75
Formado pela Escola Normal de Piracicaba. Ele era amigo de Lourenço Filho, desde 1915, quando, juntos,
lecionaram com Sud Mennucci no Grupo Escolar de Porto Ferreira. Em 1919, Thales havia publicado duas
edições do conto “Filha da Floresta”, na linha de literatura didática. Ele servia como base às aulas de Lições de
Coisas sobre o meio agrícola. O romance Saudade, cujo conteúdo se refere à instituição sensível, intelectual e
moral da criança, foi impresso com suporte da Secretaria da Agricultura, pois fazia propaganda da Escola
Agrícola de Piracicaba. O prefácio desse livro foi escrito por Sampaio Doria, que atestava seu valor literário e
didático e moral
75
, na linha de Spencer, Rousseau e dos textos de Köpke (HILSDORF, 1998). Sobre o romance
Saudade, ver: STANISLAVISKI, Cleila de F. Siqueira. Saudade (1919-2002): a contribuição de Thales
Castanho Andrade para o campo da leitura escolar. Dissertação (Mestrado em Educação) UNESP, Marília,
2006.
76
Lente de Geografia e História na Escola Complementar de Piracicaba.
77
Lente de Francês na Escola Normal de Piracicaba.
94
Da história, por sua vez, esperava-se um conjunto coerente de tradições a
serem partilhadas por todos. Acreditando-se conduzidos pela mão firme da
metodologia científica, os historiadores debruçaram-se sobre o passado,
privilegiando certos indivíduos e episódios de um trabalho de consagração
que respondia às necessidades do momento. Emergiu então a figura do
bandeirante, dilatador incansável das fronteiras. A narração da conquista e
da manutenção do território foi transformada na grande epopéia nacional,
redimindo não apenas o nosso passado mas também as regiões tropicais que
afinal dava sinais de poder conviver com a civilização. Essa construção
excludente, que transpunha a recente supremacia desfrutada por São Paulo
para o tempo mítico das origens, mal conseguia disfarçar suas implicações
políticas.
Thales Castanho de Andrade, Lente de História Geral e do Brasil na Escola Normal de
Piracicaba, contribui com apenas um artigo, intitulado Do Ensino de Historia (v. I, 1,
1921). Segundo Andrade (1921, p. 48), as lições de história devem ser ministradas da seguinte
forma:
Quando uma creança tiver iniciada a sua educação escolar pode e deve ir
recebendo, também, os ensinamentos que a historia apresenta. Não serão,
por certo, lições que versem sobre s povos orientais ou cousa semelhante;
serão por exemplo, noções históricas sobre a cidade em que o alumno
residir, e depois , a pouco a pouco, sobre a ida do seu Estado, do seu paiz...
Mais tarde, bem mais tarde, quando o educando já possuir solidas noções do
tempo, largas noções sobre a terra, profundo sentimento de sua
nacionalidade, eis chegado o instante propicio para saber com proveito a ida
de todas as gentes, por toda a parte, em todos os tempos.
No artigo O Civismo pelo Ensino de História (v. I, 1, 1921), Dario Brasil ressalta
que o estudo da História Pátria despertou interesse diante da ação que a Liga Nacionalista
vinha desenvolvendo contra o analfabetismo e a nova direção dada à Educação Cívica, nas
escolas brasileiras. Era preciso, além do conhecimento sobre História antiga, média e
moderna, o conhecimento da História do Brasil e dos Estados. De acordo com Brasil (1921), a
falta dos conhecimentos sobre o país dificulta a concretização dos fenômenos que modificam
a sociedade e o próprio país. O autor faz uma crítica à dissociação entre as disciplinas de
História Pátria e Educação Cívica, que não se pode conceber uma disciplina sem o discurso
da outra:
A Historia é a base sobre que se fundamenta a Educação Cívica, que deve
ser diffundida por meio de exemplos, conferencias, preleccções e artigos, por
todo o paiz e principalmente pela pratica, como se faz nos Estados Unidos,
na Itália, Allemanha e outros paizes europeus onde, as grandes em culto de
homenagem cívica, aos túmulos dos grandes patriotas, são comuns.
(BRASIL, 1921, p. 23).
95
O autor considera que as disciplinas, realizadas da maneira mencionada acima, podem
despertar o “amor do passado e o sentimento pátrio, e assim os indivíduos se tornam
verdadeiros cidadãos” capazes de compreender seus direitos e deveres e desempenhar atitudes
que interessam ao público e ao coletividade. Para Brasil (1921, p. 24), os intelectuais
precisam divulgar o patriotismo em benefício das massas.
O artigo 7 de Setembro (v. II, 2, 1922), escrito por Pedro de Mello, é dedicado ao
Centenário da Independência do Brasil e à importância da comemoração dessa data, para o
país. Ao lado dos comentários do autor sobre a comemoração histórica dessa data, o artigo
apresenta um hino intitulado Hymno do Ypiranga, escrito pelo próprio Mello. Ele ressalta que
o Estado de São Paulo foi o cenário onde se desenrolou esse acontecimento de extrema
importância para a nação.
Ao raiar deste dia a alma nacional, de sul a norte, num grande frêmito de
enthusiasmo, como uma harpa gigantesca, vibrou do intenso jubilo, porque
elle rememorava a grande data nacional, a grande data secular, a mais
gloriosa da nossa historia, pois que representa aquella em que se constituiu
como nação autônoma e independente, a grande pátria brasileira. (MELLO,
1922, p. 111).
Segundo De Luca (1999, p. 22), o ano de 1922 é carregado de dramaticidade e peso
simbólico, pois, além do ano do Centenário da Independência, foi o ano da fundação do
Partido Comunista e do Centro Dom Vital, de orientação católica, da Semana da Arte
Moderna e do episódio do Forte de Copacabana, marco inicial do tenentismo. Sendo assim,
estabeleceu-se uma associação entre o ano de 1922 e a ideia de novo.
O artigo Um Jubileu (v. II, nº 1, 1922) é um discurso de Sud Mennucci
78
, pronunciado
na comemoração do 25º aniversário da Escola Normal de Piracicaba. Em sua fala, Mennucci
enfatiza a importância da Escola Normal e da instrução desenvolvida nessa instituição, para o
progresso do Estado; parabeniza o Dr. Honorato Faustino, pela administração da escola, os
mestres e os normalistas, futuros professores que formariam as novas gerações. Mennucci
(1922, p. 22) atribui ao trabalho docente o estatuto de uma função cívica.
78
Delegado Regional de Ensino da Região de Piracicaba, no período em que Sampaio Doria foi Diretor da
Instrução Pública de São Paulo. Sud Mennucci publicou apenas dois artigos, intitulados Um Jubileu (v. II 1,
1922) e O Ensino Particular e o Nacionalismo (v II, 2, 1922). Ele nasceu em Piracicaba e formou-se na
Escola Complementar da mesma cidade. Escrevia para o jornal O Estado de S. Paulo sobre questões culturais,
escolares e literárias, quando, em 1920, a convite de Sampaio Doria, comandou o recenseamento escolar em São
Paulo, proposto pela Reforma Sampaio Doria. Em seguida, assumiu a chefia da Delegacia Regional de Ensino de
Campinas, de onde foi novamente transferido para Piracicaba (HILSDORF, 1998).
96
É que esta festa é em si mesma uma glorificação: a exaltação de esforço
pertinaz, da paciencia reflectida, da vontade disciplinada; é a glorificação de
um trabalho exhaustivo e extenuante de gabinete, todo elle feito sem alarde,
sem espalhafatos, e sem reclames; é emfim, a glorificação dos heroísmos
obscuros que, no silencio das salas, forjam as bases impereciveis em que se
esteiam a cultura e a civilização.
O artigo intitulado Discurso (v. II, 3, 1922) é de autoria de Joaquim da Silva, Lente
de Psicologia da Escola Normal de Pirassununga. O artigo foi dirigido aos formandos da
Escola Normal, relatando a importância da profissão docente e de seu dever em formar os
brasileiros. O discurso foi publicado pela Revista, mas não foi mencionado o local em que foi
pronunciado. Também não informações sobre as relações entre os professores das duas
escolas normais. Assim se expressa Joaquim da Silva (1922, p. 157):
Nosso paiz é uma terra de imigração. Ocioso seria demonstrar-vos que
assimilar o imigrante é necessidade de vital importancia para a integridade
da Patria.
Esta obra a escola a pode realizar. As crianças, disse-o um educador
americano, são a cadeia que ligará os homens entre si. Conquiste a criança
uma vez sendo Ella ganha para o paiz, a família terá mais fortes laços que a
prendam á terra que será sua pátria de adopção.
E não o filho do extrangeiro se orientará assim o ensino. A escola
nacionalista affirmará sua constante preoccupação de exaltar a nossa
grandeza, as nossas possibilidades, o nosso valor. Aprendam também os
nossos filhos mesmos a ter orgulho santo de brasileiro pela grandeza
material de seu paiz, pela grandeza moral de seus antepassados, que levou o
príncipe de nossos poetas a cantar: Por ser de minha terra é que sou nobre,
por se de minha gente é que sou rico‟.
A questão do analfabetismo e dos imigrantes foi um problema discutido por Sampaio
Doria e pela Revista de Educação, evidenciando que aquele periódico estava realmente
divulgando as ideias postas pela Reforma.
Para resolver esses problemas, a Reforma de 1920 implantou medidas
“nacionalizadoras”. Um dos pontos abordados foi o problema da nacionalização da educação,
vista como um meio de fortalecer a nação brasileira, integrando o imigrante estrangeiro. Foi
com o objetivo de extinguir o analfabetismo e integrar os imigrantes que a Reforma reduziu a
escola primária e desenvolveu a educação moral e cívica, o escotismo e outras medidas
patrióticas. Salienta Antunha (1976) que, Doria pretendia a intervenção do Estado nas escolas
particulares estrangeiras. Contudo, essa medida gerou muitas controvérsias e acabou não se
concretizando. Doria propôs que, em favor da nacionalidade, o Estado fiscalizaria e interviria
97
nas escolas estrangeiras, uma vez que, de acordo com as novas disposições legais da Reforma,
as escolas estrangeiras respeitariam os feriados nacionais, ministrariam o ensino em
vernáculo, incluiriam no programa o número de aulas determinado pelo governo; nelas, o
ensino de português, da geografia e da história do Brasil seriam ministrados por professores
brasileiros, e ainda, deveriam igualmente ensinar às classes infantis os cantos nacionais. Além
disso, tornava-se proibido o ensino de língua estrangeira às crianças menores de 10 anos de
idade.
3.4 Língua Vernácula
De Luca (1999) argumenta que, junto da história, da geografia e da questão ética, a
língua configurou na Revista do Brasil como um tópico essencial, no processo de constituição
da nacionalidade. A preocupação com a correção gramatical, admiravelmente satirizada por
Monteiro Lobato, em 1920, na figura de Aldrovando Cantagalo (LOBATO, 1940), invadiu
jornais e revistas, os quais passaram a manter seções especializadas na discussão de pontos
controversos, com o intuito de estabelecer como se deveria falar ou escrever (DE LUCA,
1999, p. 245).
Na Revista de Educação, a língua também aparece como elemento importante na
construção da nacionalidade do cidadão. A língua pátria, capaz de caracterizar um povo,
exerce um papel estratégico na afirmação de uma nação. Os artigos
79
dessa temática tratam do
ensino da ngua nacional como elemento unificador de um povo, sendo necessário que a
população tenha domínio do idioma, isto é, que seja alfabetizada.
O Lente de Português Joaquim da Silveira Santos, da Escola Normal de Piracicaba,
foi o autor que mais se destacou nessa temática, publicando três artigos: Pela Cultura do
Vernáculo (v. I, 1, 1921a); Pela Cultura do Vernáculo (v. I, 2, 1921b) e O Dialeto
Paulista (v. II, nº 2, 1922).
No artigo Cultura do Vernáculo (v. I, 1, 1921a), o autor afirma que, em virtude da
ação das massas populares, nossa língua (organismo vivo) tem sido transformada. “A língua
acompanha, naturalmente o progredir da sociedade e tão intimamente se acha a esta ligada,
79
Pela Cultura do Vernáculo (v. I, 1, 1921a); Pela Cultura do Vernáculo (v. I, 2, 1921b); A Nossa
Prosódia (v. I, nº, 1921); O Dialeto Paulista (v. II, 2, 1922); O Ensino Particular e o Nacionalismo (v. II,
2, 1922 - Conferência pronunciada numa das sessões do Conselho de Educação, que se realizou em julho de
1921, na Capital); A Utilidade da Carta (v. II, nº 3, 1922); Dias do Livro e da Carta (v. II, nº 3, 1922); O Ensino
de Calligrafia (v. III, nº 1, 1923) e Analfabetos (v. III, nº 1, 1923).
98
que em cada epocha ella é o expoente da civilização de um povo” (SANTOS, 1921a, p. 28-
29). Para ele,
[...] é dever para cada época de curar a pureza e polimento da linguagem tal
como recebeu da geração anterior; e o meio mais efficiente é seguir os
moldes adoptados pelos que, melhor conhecendo a índole e a genialidade do
idioma, são no seu tempo o modelo de vernaculidade e correção.
(SANTOS, 1921a, p. 29).
Com o idioma, difundem-se valores, tradições e ideais nacionais que combateriam as
escolas estrangeiras instaladas, no Brasil, com a chegada dos imigrantes. Para Santos (1921a,
p. 29), é dever dos professores primários cultivar nas novas gerações o amor por tudo que
constitui nosso patrimônio moral e intelectual, como a língua.
No artigo A Nossa Prosódia, de Pedro Crem
80
(1921, p. 109), a língua é apontada
como fator de coesão nacional. Para ele, “falar bem a língua materna é um elementar dever do
cidadão. E a todos nós, que patriotas nos dizemos, é clarão que não deve ser permitida a
continuação dessa falta de cuidado com que tratamos, em nosso falar correntio, o nosso
danoso idioma”.
O artigo A Utilidade da Carta
81
(v. II, 3, 1922) apresenta-se como um relato de
experiência de atividade realizada no Escola o Modelo de Piracicaba. Ao trocar cartas, por
meio de um correio criado na escola, as crianças estariam exercitando a leitura e a escrita de
maneira agradável. O artigo Dias do Livro e da Carta
82
(v. II, nº 3, 1922) enfoca uma
comemoração realizada na Escola Modelo e escolas isoladas de Piracicaba. Tal comemoração
era uma forma de estimular a leitura e a escrita.
Na Primeira República, como em outros períodos, o analfabeto foi visto como um
problema para o progresso do país; para acabar com esse problema, muitas campanhas pela
alfabetização da população foram realizadas, como a promovida pela Liga Nacionalista de
São Paulo, da qual tratei, no Capítulo 1. Nesse sentido, Pedro de Mello (1923, p. 19)
defende que,
[...] em nosso próprio interesse, devemos aspirar a mais vasta e completa
alphabetização. Alphabetizar! alphabetizar - deve ser, pois, o ideal de todo
o governo progressista; e , graças a nossa boa estrella, é este um dos lemmas
que, como compromisso de honra, se acha inscripto no programma do
governo nosso Estado.
80
Lente de Língua Vernácula e Califasia, na Escola Complementar de Piracicaba.
81
Escrito por Antônio Veiga, Professor da Escola Modelo Isolada.
82
Artigo sem identificação do autor.
99
Segundo De Luca (1999, p. 251), os programas das Ligas Nacionalistas e de Defesa
Nacional insistiram na criação de escolas primárias, especialmente em núcleos coloniais, com
a obrigatoriedade do ensino de português.
No artigo O Ensino Particular e o Nacionalismo
83
(v. II, 2, 1922), que, na verdade,
é um discurso de Sud Mennucci publicado pela Revista, as questões da ngua e do imigrante
estrangeiro estão presentes novamente. O autor (1922, p. 68) faz elogios à Reforma do Ensino
de 1920 e, dentre as medidas implantadas, ele cita as que se referem ao ensino particular,
porque, devido às correntes imigratórias encontradas em nosso país, “o ensino particular é
quase synonymo de ensino extrangeiro”.
Para Mennucci (1922, p. 69-70), não existe problema maior para os brasileiros que as
diversas nacionalidades instaladas no país. Embora o estrangeiro seja uma necessidade para o
progresso econômico do país e do Estado de São Paulo, esses imigrantes conservam o
sentimento patriótico pela terra de onde vieram e não pela terra que os acolheram e em que
nasceram muitos de seus filhos. “A entrada, pois, das correntes imigratórias, em nosso paiz,
apresenta-se como um problema de duas pontas: a do progresso e da civilização, em que o
extrangeiro é imprescindível e a das tradições, em que é um indesejável”. O Delegado
argumenta que é preciso neutralizar esse mal e “atrahil-o á terra e vinculal-o á gleba,
affeiçoar-lhe a alma e amalgamal-o ao povo, em ultima analyse, chamal-o e absorvel-o”, e
ressalta que, com a Reforma do Ensino de 1920, foi acrescentado mais um meio para absorver
o imigrante: o da obrigatoriedade aos filhos dos estrangeiros de saber o português antes de
qualquer língua e a proibição de ensinar outras línguas a não ser o português a crianças
menores de 10 anos. É a escola que vai transmitir a nacionalidade para os filhos dos
imigrantes, fazendo-os se fixar no Brasil.
A escola, disseram quando se pediu a aprovação dos preceitos em vigor, é a
forja máxima da nacionalidade. Na primeira infância o cérebro é cera molle
que recebe, a fogo, as impressões de uma nacionalidade e nunca mais o
espírito se libertará dessas marcas indeléveis. (MENNUCCI, 1922, p. 70).
Com o argumento de Mennucci “na infância o cérebro é cera mole” , é possível
notar como a educação era vista, nesse momento, e que a Revista de Educação também se
empenhou na busca pela construção da nacionalidade, por meio da educação, assim como
pretendia a Reforma de 1920.
83
Esse discurso também foi publicado no Anuário de Ensino de 1920-1921.
100
Diante deste estudo, penso que a Revista de Educação (1921-1923) contribuiu para a
divulgação da Reforma de Ensino de 1920, mesmo tendo sido publicada após a exoneração de
Sampaio Doria do cargo de Diretor Geral da Instrução Pública. Os autores buscaram divulgar
as medidas implantadas pela Reforma, através de seus artigos, ou seja, a Revista de Educação
explorou os princípios nacionalistas defendidos pelo reformador, para divulgar as medidas
implantadas pela Reforma. Os artigos selecionados e analisados representavam um conjunto
de saberes que os professores da Escola Normal publicavam, junto de uma linha editorial que
reconhecia sua importância para a formação do professor, naquele momento. De fato, como a
valorização dos elementos nacionais era imprescindível, na formação dos cidadãos e da
sociedade republicana da época, sua divulgação foi tão intensa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta Dissertação de Mestrado em Educação, busquei apresentar o estudo e análise
das ideias nacionalistas presentes na Revista de Educação (1921-1923). Pela análise
empreendida confirmo que este periódico foi criado com o intuito de divulgar a Reforma do
Ensino de 1920 implantada por Sampaio Doria, que foi membro, fundador da Liga
Nacionalista de São Paulo (LNSP) e defensor da ideia de que a educação seria uma forma de
nacionalizar brasileiros e imigrantes e impulsionar o progresso da país.
Diante deste estudo, considero que o estudo do periódico e o acesso ao acervo da
antiga Escola Normal de Piracicaba são importantes para resgatar elementos da História da
Formação Docente no Estado de São Paulo ainda não explorados. Ele reafirma as
potencialidades dos periódicos enquanto fontes e enquanto objetos de estudo tal qual
apontado por Catani & Sousa (2001) e Carvalho (1998), entre outros.
Considero que a Revista de Educação foi um importante veículo de disseminação de
saberes educacionais daquele momento, principalmente dos ideais nacionalistas. Ela foi o
suporte que propagou a Reforma de 1920 e também divulgou os primeiros resultados da
pesquisa de Lourenço Filho sobre a maturidade escolar que ficou conhecida mundialmente.
Quando a Revista de Educação (v. I, 1) foi lançada Sampaio Doria não estava mais
à frente da Diretoria da Instrução Pública Paulista, porém a Revista apoiou o ex-reformador e
divulgou as medidas implantadas por ele. Portanto, considero que a Revista de Educação foi
criada como estratégia editorial para divulgar a Reforma de 1920, ou seja, de fazer sua
propaganda.
Com o estudo da formação política, intelectual e profissional de Sampaio Doria
observei que ele incorporou os objetivos da LNSP na Reforma do Ensino de 1920 e isso,
consequentemente teve reflexo na Revista de Educação. Sendo assim, a Revista divulgou os
elementos como higiene; saúde e eugenia; artes; música; trabalhos manuais; história; moral e
civismo e língua vernácula que ressaltam e valorizavam a nacionalidade. Tais elementos eram
considerados saberes necessários ao cidadão da nova nação pelos editores e pelos autores da
Revista.
A educação seria a melhor forma de inculcar o sentimento nacionalista nas crianças
em formação e os professores também deveriam receber formação adequada para atingir esse
fim. Sendo assim, considero que as temáticas presentes na Revista de Educação faziam parte
de um ideário político e pedagógico selecionado pelos professores das escolas normais e por
uma linha editorial que publicavam o que era considerado relevante para a formação dos
102
professores naquele momento. A Revista formou um discurso dos saberes considerados
necessários à formação profissional, construindo assim, uma cultura pedagógica (um modelo
cultural de formação docente). Sendo assim, penso que a criação, seleção e publicação dos
artigos funcionavam como dispositivos de normatização pedagógica e como suporte material
das práticas escolares.
Enfim, esta dissertação se aproxima dos saberes que efetivamente circulava nas
Escolas Normais, no período em tela e, dessa forma, enfrenta, em termos, o hiato entre os
usos prescritos e os usos efetivos dos saberes pedagógicos (Carvalho, 1998).
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História: estudos de história e historiografia da educação no Brasil. Campinas: Autores
Associados, p. 41-71, 2005.
C) Documentos sobre a Escola Normal de Piracicaba
ATA DE INAUGURAÇÃO DA SEDE DA ESCOLA NORMAL DE PIRACICABA. Piracicaba,
11 de ago. 1917.
109
Acervos Consultados
Acervo da Biblioteca Histórica e Museu da Escola Estadual Sud Mennuci, em Piracicaba/SP.
Acervo da Escola Estadual Cardoso Almeida, em Botucatu/SP.
Biblioteca da Faculdade de Educação na USP, em São Paulo.
Instituto de Estudos Pedagógicos Sud Mennucci do Centro do Professorado Paulista, em São
Paulo.
Instituto Histórico e Geográfico de Piracicaba, em Piracicaba/SP.
ANEXOS
Anexo 1 - Quadro de autores e artigos da Revista de Educação.
Autores
Artigos publicados
Sud Mennucci - Delegado Regional de
Ensino
Um Jubileu v. II, nº 1, maio de 1922.
O Ensino Particular e o Nacionalismo v
II, nº 2, outubro de 1922.
Honorato Faustino - Diretor da Escola
Normal de Piracicaba e Anexas
Assistencia Dentaria Escolar v. I, 1,
maio de 1921.
O Ensino Activo nas Escolas Normaes e
Complementares v. I. nº 2, agosto de
1921.
Brinquedo do Trigo v. I 2, agosto de
1921.
Ensino Prático da Ortographia v. II
1, maio de 1922.
Para a Prática (II) v. II 2, outubro de
1922.
Literatura Infantil (II) v. II 2, outubro
de 1922.
Para a Pratica (III) v. II 3, dezembro
de 1922.
Literatura Infantil (III) v. II 3,
dezembro de 1922.
Bemdigo a Escola v. II 3, dezembro d
1922.
João de Toledo - Diretor da Escola Normal
de Campinas
O Ensino do Desenho nas Escolas
Normaes v. I nº 2, agosto de 1921.
Carlos M. Sodero - Lente de Psicologia e
Pedagogia da Escola Normal de Piracicaba
Hygiene Popular I v. I 1, maio de
1921.
Hygiene Popular II v. I 2, agosto de
111
1921.
Hygiene Popular III v. II 1, maio de
1922.
Vida e a Hygiene v. II nº 3, dezembro de
1922.
Dario Brasil - Lente de Geografia e
Historia na Escola Complementar de
Piracicaba
O Civismo Pelo Ensino da Historia v. I
nº 1, maio de 1921.
A Ordem Material e a Ordem Moral na
Escola v. II nº 2, outubro de 1922.
Joaquim da Silveira Santos - Lente de
Português na Escola Normal de Piracicaba
Pela Cultura do Vernaculo (I) v. I 1,
maio de 1921.
Pela Cultura do Vernaculo (II) v. I 2,
agosto de 1921.
O Dialeto Paulista v. II 2, outubro de
1922.
M. Bergstrom Lourenço Filho - Lente de
Psicologia e Pedagogia da Escola Normal de
Piracicaba
Crise da Escola v. I nº 1, maio de 1921.
Estudo da Atenção Escolar v. I 2,
agosto de 1921.
Pratica Pedagogica v. II 1, maio de
1922.
Pedro Mello - Lente de Francês na Escola
Normal de Piracicaba
Literatura Infantil (I) v. I 1, maio de
1921.
A Unificação das Escolas Normaes v. I
nº 2, agosto de 1921.
A Leitura da Phrase e do Período v. II nº
1, maio de 1922.
7 de Setembro de 1922 v. II 2,
outubro de 1922.
Formas de Governo v. II nº 3, dezembro
de 1922.
Thales C. de Andrade - Lente de Historia
Geral e do Brasil na Escola Normal de
Do ensino de Historia. v. I 1, maio de
1921.
112
Piracicaba
José de Assis Velloso - Lente de
Matemática na Escola Normal de Piracicaba
Derivadas e Diferenciaes v. I 1, maio
de 1921.
Manuel Dias de Almeida - Lente de
Ciências Físicas e Naturais na escola
Complementar de Piracicaba
Methodologia das Sciencias Physicas
Naturaes nas Escolas Complementares
v. II nº 1, maio de 1922.
Pedro Crem - Lente de Língua Vernácula e
Califasia na Escola Complementar de
Piracicaba
O Ensino Activo v. I nº 1, maio de 1921.
Adolpho Carvalho - Lente de Latim e
Francês na Escola Complementar
Soluções e Resultados v. I nº1, maio de
1921.
Elias Mello Ayres - Lente de Língua
Vernácula e Califasia na Escola Normal de
Pirassununga
Questões de Ensino v. II 3, dezembro
de 1922.
Joaquim Silva - Lente de Psicologia na
Escola Normal de Pirassununga
Discurso v. II nº 3, dezembro de 1922.
Dr. Tácito Carvalho - Pediatra e Lente de
Biologia e Higiene na Escola Normal de
Campinas
Degradação da Prole v. II 2, outubro
de 1922.
Fabiano R. Lozano - Professor de Musica
na Escola Normal e Complementar de
Piracicaba
A Musica nas Escolas v. I 2, agosto
de 1921.
Olívia Bianco - Professora de Educação
sica da Escola Normal de Piracicaba
Educação Physica v. I 2, agosto de
1921.
Antônio Veiga - Professor da Escola
Modelo Isolada
Um Novo Trabalho Manual v. I 1,
maio de 1921.
O Trabalho Manual e o Ensino Intuitivo
v. I nº.2, agosto de 1921.
A Escola Moderna v. II 2, outubro de
1922.
A Utilidade da Carta v. II 3,
dezembro de 1922.
113
Annibal da Silveira Santos - Substituto
Efetivo no Grupo Modelo
Da Disciplina Escolar v. IIII, outubro
de 1922.
Arthur C. Gonçalves - Discente (aluno do
4º ano da Escola Normal de Piracicaba)
Em Torno da Hygiene Popular v. I 2,
agosto de 1921.
Elvira de Moraes - Discente (aluna do
ano de Curso Normal)
Educação e o Desenho v. I nº 1, maio de
1921.
Mercedes Dias de Aguiar - Discente (aluna
do 3º ano da Escola Normal de Piracicaba)
A Memória é Educavel? v. I nº 2, agosto
de 1921.
Ramiro Alves de Almeida - Discente
(aluno do ano da Escola Normal de
Piracicaba)
A Arte na Escola v. I 2, agosto de
1921.
Walter G. Borchers
O Fumo e Seus Efeitos v. II 3,
dezembro de 1922.
Sem Autoria
Museu Escolar v. I nº1, maio de 1921.
Movimento Escolar v. I 1, maio de
1921.
Para a Prática I v. II nº 1, maio de 1922.
Hinmo da Colheita v. II 2, outubro de
1922.
Correspondencia Infantil v. II 2,
outubro de 1922.
Mensagem Entre Estudantes v. II 2,
outubro de 1922.
Mathematica v. II nº 3, dezembro de
1922.
Dias do Livro e da Carta v. II nº 3,
dezembro de 1922.
114
Anexo 2: Foto do Diretor Honorato Faustino (Álbum de formatura da turma de 1926 - Museu
da Escola Estadual Sud Mennucci)
115
Anexo 3: Foto de Lourenço Filho (Álbum de formatura da turma de 1926 - Museu da Escola
Estadual Sud Mennucci).
116
Anexo 4: Foto de Thales Castanho de Andrade (Álbum de formatura da turma de 1926 -
Museu da Escola Estadual Sud Mennucci)
117
Anexo 5: Foto do Orpheon da Escola Normal de Piracicaba e anexas (Revista de Educação,
v. I, nº 2, 1921 Fabiano Lozano é o primeiro do lado direito da imagem).
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