Download PDF
ads:
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Relações Internacionais
A CULTURA DE SEGURANÇA NACIONAL JAPONESA:
entendimentos acerca do posicionamento japonês no sistema
internacional durante a Guerra Fria.
Carolina Dantas Nogueira
Belo Horizonte
2010
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
Carolina Dantas Nogueira
A CULTURA DE SEGURANÇA NACIONAL JAPONESA:
entendimentos acerca do posicionamento japonês no sistema
internacional durante a Guerra Fria.
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação Stricto Sensu em
Relações Internacionais da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais,
como requisito parcial para obtenção do
título de Mestre em Relações
Internacionais.
Orientador: Eugenio Pacelli Lazarotti Diniz
Costa.
Coorientadora: Liana Araújo Lopes
Belo Horizonte
2010
ads:
FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Nogueira, Carolina Dantas
N778c A cultura de segurança nacional japonesa: entendimentos acerca do
posicionamento japonês no sistema internacional durante a Guerra Fria / Carolina
Dantas Nogueira. Belo Horizonte, 2010.
118 p.: il.
Orientador: Eugenio Pacelli Lazarotti Diniz Costa.
Coorientadora: Liana Araújo Lopes
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Relações Internacionais.
Bibliografia.
1. Política internacional. 2. Segurança nacional - Japão. 3. Guerra Fria. I. Costa,
Eugênio Pacelli Lazarotti Diniz. II. Lopes, Liana Araújo. III. Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Relações
Internacionais. IV. Título.
CDU: 327.56(520)
A CULTURA DE SEGURANÇA NACIONAL JAPONESA: entendimentos acerca do
posicionamento japonês no sistema internacional durante a Guerra Fria
Carolina Dantas Nogueira
Dissertação de Mestrado submetida à banca examinadora designada pelo Colegiado do
Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Relações Internacionais da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais, como parte dos requisitos necessários à obtenção do
grau de Mestre em Relões Internacionais.
Aprovada em 06 de julho de 2010.
Por:
______________________________________________________
Prof. Dr. Eugenio Pacelli Lazzarotti Diniz Costa - Orientador
Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Relações Internacionais (PUC MINAS)
_______________________________________________________
Profa. Dra. Liana Araújo Lopes - Coorientadora
______________________________________________________
Profa. Dra. Letícia de Abreu Pinheiro - Examinadora
Instituto de Relações Internacionais - IRI (PUC RJ)
_______________________________________________________
Prof. Dr. Otávio Soares Dulci - Examinador
Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Relações Internacionais (PUC MINAS)
AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente a Deus, meu Pai Celestial. Ao meu guia e modelo,
irmão querido e amigo de todas as horas Mestre Jesus e à Espiritualidade Amiga por
todo amparo e amor com que me sustentam na jornada terrestre.
A todos da PUC MINAS que possibilitaram este trabalho, em especial ao meu
orientador, Professor Eugênio Pacelli Lazarotti Diniz Costa pela paciência, apoio e
incentivo. À minha coorientadora, Professora Liana Araújo Lopes, pelo constante
auxílio acadêmico e fraterno, sem o qual eu o teria concluído esta dissertação.
Tenho a felicidade de afirmar que nos tornamos grandes amigas. A todo o corpo
docente que tanto contribuiu para a minha formação acadêmica e aos funcionários
por toda assistência, em especial à Paula Mayrink pela amizade e amparo.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq),
através do Programa Renato Archer de apoio à Pesquisa em Relações
Internacionais, por me conceder a Bolsa de Formação de Pesquisador de Mestrado,
que me possibilitou a dedicação exclusiva aos estudos, fundamental para a
realização desse trabalho. Aos meus colegas de classe que se tornaram amigos tão
especiais e que compartilharam comigo todo o entendimento do que foram estes
anos de estudo e amadurecimento pessoal e acadêmico.
Aos irmãos e amigos do Grupo da Fraternidade Irmão Wernner que me
auxiliaram com suas orações, com sua paciência e por compreenderem o meu
afastamento temporário das tarefas. Aos amigos de longa data pela torcida e
amparo sempre que as forças me faltavam, em especial à Paula Bastone pelo ombro
amigo e presença constante.
E de todo o meu coração eu agradeço aos meus pais, Nilo Sérgio e Maria
Luiza, que acreditaram em minha capacidade, me apoiaram constante e
incondicionalmente e que nunca duvidaram de minha vitória. Ao meu irmão
Guilherme pelos diálogos edificantes, pelo carinho e companheirismo eternos. E ao
Tales Argolo que esteve ao meu lado durante todo este aprendizado, me amparando
e consolando nas dificuldades, e vibrando com as minhas vitórias.
Muito Obrigada
Os homens devem moldar o seu
caminho. A partir do momento em
que você enxergar o caminho em
tudo o que fizer, você se tornará o
caminho. A vida de alguém é
limitada; a honra e o respeito duram
para sempre”.
O Livro dos Cinco Anéis
Miyamoto Musashi (宮本武蔵)
RESUMO
Esta dissertação encerra um estudo sobre o comportamento político do Japão no
período da Guerra Fria para as questões em segurança. O objetivo principal foi
analisar a influência de elementos domésticos e internacionais na cultura de
segurança nacional do ator estatal, para verificar o impacto desta nas decisões
políticas em segurança naquele período. Realizou-se, pois, primeiramente, um
estudo histórico das experiências que definiram como os japoneses entendiam o seu
setor militar, sua segurança nacional e o uso da força no período que antecede a
Segunda Grande Guerra e ao longo deste conflito. Esse recuo histórico justifica-se
com o intuito de identificar elementos de continuidade e mudança na cultura de
segurança do Japão no período subsequente. Assim, verificou-se, posteriormente, o
processo de tomada de decisão das políticas para segurança durante a Guerra Fria
examinando a cultura de segurança nacional e as políticas de defesa, monitorando
como evoluíram em resposta aos eventos hisricos destacados. O estudo mostrou
que as políticas japonesas para segurança resultaram não apenas da dinâmica
política no sistema internacional, mas também de um conjunto de interesses,
valores, ideias e normas no plano interno, construídos ao longo do tempo. Destarte,
para que uma maior compreensão sobre o comportamento de um ator no sistema
internacional seja alcançada, faz-se necessário o exame da construção desse
comportamento integrando os níveis doméstico e externo.
Palavras-chave: Política Internacional. Segurança Nacional. Japão. Guerra Fria.
Segunda Grande Guerra. Ocupação Estadunidense. Construtivismo.
ABSTRACT
This dissertation contains a study of the Japan’s political behavior during the Cold
War period concerning security issues. The main goal was to analyze the influence of
domestic and international elements in the national security culture of the State, in
order to verify the impact of those elements on the security political decisions. A
historical study was conducted on the experiences that defined how the Japanese
understood their military sector, national security and the use of force before the
Second World War. This historical process-tracing is justified in order to identify
elements of continuity and change concerning the culture of national security of
Japan, during the Cold War period. After that, it was verified the political process of
security policies making during the Cold War focusing on the culture of national
security and defense policies and examining how they evolved in response to the
described historical events. This study showed that Japanese policies concerning
security were tied to domestic and international events as the result of a joint of
interests, values, ideas and norms, built over time. Therefore, it is necessary to
examine the construction of this behavior over time by integrating the domestic and
international levels, in order to achieve a better understanding of a State actor’s
behavior on the international system.
Key-words: International Politics. National Security. Japan. Cold War. Second World
War. Allied Forces Occupation. Constructivism.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
FIGURA 1 Auxílio Financeiro de 1946 a 1952..........................................
79
FIGURA 2 Auxílio Financeiro de 1953 a 1965..........................................
79
FIGURA 3 Estrutura do Sistema de Defesa Japonês...............................
92
FIGURA 4 Estudo do Jornal Asagumo..................................................... 94
QUADRO 1 Síntese das diretrizes políticas internas.................................. 82
QUADRO 2 Lista de Primeiros Ministros (1946-1991)............................... 83
QUADRO 3 Eventos relacionados ao Setor de Defesa Japonês............... 102
MAPA 1 A Expansão do Império Japonês: 1870-1942......................... 09
MAPA 2 Mapa Político do Japão após 1945.........................................
72
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................................................................................ 09
2 A ABORDAGEM CONSTRUTIVISTA E OS ESTUDOS EM
SEGURANÇA.........................................................................................
18
2.1 Introdução.............................................................................................. 18
2.2 A dimensão cultural e sua importância para as Relações
Internacionais........................................................................................ 21
2.3 O Construtivismo.................................................................................. 25
2.4 Os Estudos em Segurança................................................................... 32
2.5 Cultura de Segurança Nacional........................................................... 34
2.6 Conclusão.............................................................................................. 39
3 O JAPÃO IMPERIAL E O MILITARISMO.............................................. 41
3.1 Introdução.............................................................................................. 41
3.2 Panorama Histórico.............................................................................. 42
3.3 A Restauração Meiji.............................................................................. 47
3.3.1
Os desdobramentos da Restauração Meiji......................................... 49
3.3.2
A Constituição Meiji.............................................................................. 52
3.3.3
Bummei Kaika e o Édito Educacional................................................. 54
3.4 O Império Japonês e a Segunda Grande Guerra............................... 56
3.4.1
A sociedade japonesa e o militarismo no Imrio............................. 59
3.4.2
A Segunda Grande Guerra................................................................... 62
3.5 Conclusão.............................................................................................. 66
4 A GUERRA FRIA E O ANTIMILITARISMO JAPONÊS......................... 69
4.1 Introdução.............................................................................................. 69
4.2 A Ocupação Estadunidense................................................................. 69
4.2.1
As reformas........................................................................................... 72
4.2.2
Mudanças no caráter da ocupação..................................................... 77
4.2.3
O cenário potico doméstico após a ocupação................................. 80
4.3 O Bilateralismo e o Antimilitarismo.....................................................
84
4.4 A Segurança Nacional durante a Guerra Fria..................................... 96
4.5 Conclusão.............................................................................................. 97
5 CONCLUSÃO......................................................................................... 100
REFERÊNCIAS.......................................................................................
114
9
1 INTRODUÇÃO
A política japonesa trilhou um caminho imperialista desde as primeiras lutas
locais pelos feudos no século XII, passando pela Restauração do governo central no
século XIX e culminando com a formação do Dai Nippon Teikoku ou Grande Japão
Imperial no início do século XX. Assim, ao longo desse período, através da conquista
de diversas regiões vizinhas, notadamente a atual Coreia do Norte e Coreia do Sul,
as Ilhas Ryukyu ao sul, as Ilhas Kurilas ao norte, a Manchúria (parte da China) e a
Indochina, destacadas no mapa abaixo (MAPA 1), o arquipélago nipônico se tornou
conhecido por sua política externa tradicionalmente militarizada (MASAHIDE;
WATANABE, 1990).
Mapa 1: A Expansão do Império Japonês: 1870-1942
Fonte: Arquivos do Fichário Wikimedia Commons
10
O lema Fukoku Kyōhei ou “Enriqueça o País e Fortaleça os Militaresda Era
Meiji (1868-1912) permaneceu vivo nas relações japonesas até a derrota de 1945.
Após o período da ocupação estadunidense (1945-1952), entretanto, o Japão
passou a propagar um lema pacifista e a atuar no sistema internacional em bases
muito diferentes e de certa maneira contrárias à sua trajetória histórica e política
(HALL, 1971).
O fim da Segunda Grande Guerra (1939-1945) modificou a configuração
vigente no sistema internacional até aquele momento. Cabral (2000) destaca que o
fim do confronto em 1945 trouxe, também, o fim da hegemonia mundial da Europa,
favorecendo a asceno de duas superpotências, os Estados Unidos da América e a
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, que foram os atores protagonistas no
cenário internacional durante o período conhecido como Guerra Fria (1947-1991).
A Guerra Fria englobou o período de disputas por áreas de influência e
aliados internacionais, dividindo o mundo em dois grandes blocos. Assim, ambos os
Estados, buscando uma posição de liderança no sistema internacional, iniciaram
uma disputa armamentista e ideológica. Nesse contexto, o arquipélago japonês,
considerado inimigo durante a Segunda Grande Guerra, tornou-se um local
importante para os objetivos estadunidenses de contenção do bloco soviético na
Ásia e, então, o Japão passou a integrar a área de influência dos Estados Unidos.
Vale notar que a promulgação, em 1947, da Constituição do Japão, em que
se explicita a postura não beligerante deste país, ocorre paralelamente à mudança
estratégica estadunidense com relação ao arquipélago asiático. Isto é, os Estados
Unidos começaram a estimular a produção armamentista no Japão em virtude do
contexto de formação de alianças durante a Guerra Fria. Não obstante isso, o Japão
prosseguiu ao longo da Guerra Fria com seu posicionamento pacifista, passando a
realizar mudanças institucionais e burocráticas voltadas para essa finalidade.
A compreensão, pois, do posicionamento japonês no sistema internacional
durante a Guerra Fria caracteriza a problemática dessa dissertação, e, para tal,
pergunta-se: que fatores levaram o Japão a manter seu posicionamento militar
defensivo, quando havia um direcionamento contrário da parte dos Estados Unidos a
partir de 1948? Para responder a essa pergunta, argumenta-se que compreender o
posicionamento do Japão apenas pela influência de fatores externos, em particular a
política externa dos Estados Unidos com relação a este país, não é suficiente.
11
Para examinar este posicionamento japonês em políticas de segurança
distinto do projeto estadunidense, propõe-se uma análise de fatores da arena
doméstica, partindo-se do pressuposto que houve mudanças nas normas de
segurança nacional delineadas na estrutura doméstica e não apenas no nível
sistêmico. Nessa direção, o conceito de cultura de segurança nacional, a ser
explicitado mais adiante, torna-se um útil instrumento de análise.
Por ora, contudo, cabe adiantar que por cultura de segurança nacional
entende-se o conjunto dos elementos culturais que o capazes de afetar os
interesses do Estado e as políticas para a segurança nacional. Nesta direção,
conforme será visto no próximo capítulo, parte-se de uma abordagem construtivista
para demonstrar que os interesses nacionais são construídos por meio da interação
entre os atores que respondem a elementos do contexto cultural. Segundo
Katzenstein (1996), uma análise dessa natureza volta-se para a estrutura social que,
por sua vez, refere-se a um conjunto de crenças e entendimentos de uma dada
sociedade, assim como ao contexto cultural em que os atores sociais se inserem.
Nessa linha de raciocínio Duffield (1999) propõe que a cultura não deve ser
considerada de modo determinista, mas sim como um limitador do campo de opções
disponíveis, aceitáveis ou legítimas a serem adotadas em um conjunto de
circunstâncias. De forma semelhante a esse autor, este trabalho considera a
centralidade de uma análise que contemple a dimensão cultural para o entendimento
sobre a política externa de um Estado. Porém, como sugerido acima, cultura não
deve ser concebida como o único fator a afetar as decisões de política externa.
O emprego de variáveis da esfera doméstica como elementos de
constrangimentos sobre as escolhas e ões de um Estado em questões de política
externa é uma opção analítica que remete à questão metodológica de se as
variáveis explicativas para o comportamento internacional dos Estados se localizam
no plano externo ou no doméstico. Dessa forma, a questão perpassa o debate sobre
os níveis de análise nessa área de estudos em que uma referência obrigaria é
Kenneth Waltz.
O livro Theory of International Politics de 1979 se tornou um clássico da
vertente neorrealista, ao destacar que a busca da causa da guerra somente faria
sentido no nível sistêmico de análise. Waltz procurou apresentar uma teoria que
definia o campo das Relações Internacionais como distinto de outros campos. Para
ele, limitar-se à análise interna dos Estados seria insuficiente para explicar a
12
continuidade e a recorrência de certos fenômenos no sistema internacional. Assim,
procurou demonstrar que a estrutura do sistema internacional é que constitui o
principal fator explicativo para a ação externa dos Estados (WALTZ, 1979, p.87) e,
por isso, a ênfase analítica deveria recair no nível sistêmico a fim de se compreender
porque diferentes Estados se comportam de forma semelhante (WALTZ, 1979, p.72).
Nogueira e Messari (2005, p.49) sintetizam que o livro de Waltz tornou-se a
versão representativa e porta-bandeira do realismo”, conseguindo colocá-lo
novamente no centro do debate teórico como paradigma hegemônico nas Relações
Internacionais. Katzenstein (1996) destaca que Waltz teve uma profunda influência
sobre o campo de estudos em segurança. Por ser uma teoria estrutural, a situação
no sistema internacional é que moldaria os Estados e definiria as possibilidades de
cooperação e de conflito. Além disso, os agentes mais importantes no plano
internacional os Estados seriam unitários e funcionalmente indistintos
(KATZENSTEIN, 1996, p.12).
A partir do final da década de 80, no entanto, intensificou-se a elaboração de
modelos que demonstravam que os Estados podem agir de forma diferente dados os
mesmos estímulos externos, ou que um determinado Estado pode apresentar
variações em seu comportamento ao longo do tempo ao interagir com outros atores
no sistema internacional. Obras de autores como Katzenstein (1996), Wendt (1999)
e outros vieram como alternativa aos pressupostos de Waltz por acreditarem que
este apresentou um modelo teórico limitado, quando afirmou que as causas do
comportamento dos Estados encontravam-se exclusivamente no nível sistêmico.
Diversos autores, desafiando essa visão homogeneizadora do
comportamento dos Estados, passaram a argumentar em termos de coconstituição
de agentes e estruturas. No campo da segurança, especificamente, destacou-se a
necessidade de se olhar para dentro do Estado para a compreensão de suas
decisões e de suas ões. A crítica a abordagens fundamentadas no neorrealismo
ou ao alcance analítico de perspectivas eminentemente sistêmicas não é o objetivo
principal deste trabalho, mas sim, demonstrar que uma literatura que ligue a política
interna e a externa serve para destacar o fato de que aspectos domésticos são
relevantes para se compreender o comportamento de um Estado no sistema
internacional.
Para autores como Berger (1996), Hook e outros (2007), o comportamento
internacional do Japão após 1945 desafia as perspectivas das Relações
13
Internacionais que definem o sistema internacional como o nível de análise
explicativo para o comportamento desse Estado. Isto porque estas perspectivas
argumentam que o dilema de segurança e a condição anárquica do sistema
internacional levam os Estados a se preocuparem com a capacidade relativa em
termos de poder dos demais; a incrementarem suas capacidades em termos
militares. Entretanto, durante o período da Guerra Fria, em que ocorria uma corrida
armamentista no sistema internacional, o Japão buscou políticas em segurança
nacional que desestimulavam os instrumentos militares como meios de se alcançar
objetivos nacionais. Além disso, Hook e outros (2007) destacam a dimensão cultural
como um forte direcionador das ações japonesas tanto domésticas quanto
internacionais.
Para os autores supracitados, o Japão parece ser um caso único entre as
potências mundiais pós-1945 sujeito a diversas formas de interpretação. Muitas
destas interpretações levaram à crença de que o Japão se reergueria militarmente
após sua estabilizão econômica. Entretanto, argumentam que seriam visões
derivadas de entendimentos incompletos que não incluíram a dimensão doméstica
em suas considerações. Nesta linha, Katzenstein, Jepperson e Wendt (1996)
destacam que a separação das questões domésticas da política externa de um
Estado pode produzir falsos entendimentos, pois as estruturas domésticas
introduzem maior complexidade à condução das questões internacionais.
O fator doméstico, pois, argumenta-se aqui, cada vez mais influente sobre as
questões internacionais do Estado nipônico, foi decisivo para o posicionamento
japonês durante a Guerra Fria. Para examinar o problema proposto, a pesquisa se
fundamentou na estratégia de Berger (1996, p.328) que envolve três passos para a
coleta e tratamento de dados empíricos. Assim, um primeiro passo refere-se à
investigação de um conjunto de eventos históricos que delineiam como uma dada
sociedade percebe as forças armadas, o emprego do uso da força, a segurança
nacional, além de se observar como diferentes grupos interpretam esses elementos.
Um segundo passo é a necessidade de se verificar o processo político pelo
qual as políticas para segurança foram formuladas e que permitiu a legitimação de
certas decisões. Um terceiro passo volta-se para o contexto cultural-institucional. Ou
seja, deve-se investigar como ocorreram mudanças na cultura política japonesa – do
militarismo ao antimilitarismo no vel institucional, vale dizer, que transformões
institucionais foram realizadas em termos de políticas de defesa. A metodologia
14
utilizada nesta dissertação, pois, foi a pesquisa qualitativa em ciências sociais, com
o uso do método de revisão bibliográfica, partindo de um referencial teórico
construtivista.
Uma resposta possível a esta problemática é que a interação entre os
entendimentos culturais japoneses e os mecanismos institucionais introduzidos
durante a ocupação produziram uma cultura de segurança nacional pacifista e
antimilitar, com o Japão mantendo um posicionamento militar defensivo durante a
Guerra Fria. Assim, a proposta de pesquisa compreende a consideração da cultura
de segurança nacional japonesa, através da detecção de elementos da ordem
doméstica e da ordem internacional. A partir desta identificação de elementos,
procurou-se argumentar que os interesses em segurança não são definidos apenas
por questões materiais, mas também por respostas a fatores culturais.
Esses pontos serão indicados ao longo dos capítulos três e quatro, com maior
ênfase em uma descrição de fatos, considerando a evolução de eventos históricos
envolvendo o Japão. O capítulo conclusivo tem um duplo objetivo: apresentar não
apenas os resultados encontrados, mas tamm aprofundar uma análise de
determinados fatores apontados nos capítulos anteriores. Tais fatores o centrais
para compreender que o comportamento do Japão quanto à sua segurança no
período de Guerra Fria deve ser vislumbrado levando-se em consideração o que
ocorria no sistema internacional, assim como por meio da observação as mudanças
que se processaram na arena doméstica japonesa no que concerne à cultura política,
identidade nacional e o contexto institucional associado às políticas de defesa.
Vale ressaltar a diferença entre poticas de segurança e políticas de defesa.
Costa (1999) sintetiza que segurança refere-se a um estado e que defesa refere-se
a um ato. Dessa forma, as questões relativas à segurança precedem o
estabelecimento de uma política de defesa, pois é preciso, primeiro, estabelecer as
bases nas quais a segurança do Estado se sustenta, para em um segundo momento
traçar sua defesa. Portanto, políticas de segurança englobam os objetivos mais
amplos de um Estado e as políticas de defesa são os programas ou doutrinas que,
empregadas, asseguram a segurança nacional.
Dito isso, a estrutura do presente estudo baseia-se na seguinte organização.
O próximo capítulo delimita parâmetros teóricos de análise e argumentação. São
discutidos em seções distintas: i) o conceito de cultura e sua importância para os
estudos em Relações Internacionais; ii) a abordagem construtivista e a importância
15
de se olhar para dentro do Estado; e, iii) os estudos em segurança com enfoque na
discussão sobre a cultura de segurança nacional. O terceiro capítulo trata de uma
caracterização histórica da primeira parte do período moderno japonês que
didaticamente se inicia com a Era Meiji, perdurando aos dias atuais. Dividido em
seções abarca: i) um breve panorama histórico da formação política e militar do
Japão até o início da Era Meiji; ii) a Restauração Meiji e seus desdobramentos; e, iii)
o Japão Imperial e a Segunda Grande Guerra. O quarto capítulo apresenta: i) a
ocupação estadunidense e as reformas políticas, sociais e econômicas efetuadas; ii)
a relação bilateral entre o Japão e os Estados Unidos; e, iii) o panorama da
segurança nacional e das políticas de defesa japonesa no período da Guerra Fria.
O segundo capítulo, teórico, portanto, apresenta a abordagem construtivista
aos estudos em Relações Internacionais com a qual interpretaremos os
acontecimentos históricos apresentados ao longo dos capítulos três e quatro. Após a
apresentação das características que definem este grupo de pensadores, segue a
explanação da dimensão cultural e a sua contribuição aos estudos em Relações
Internacionais. Destaca-se, também, a relação desta dimensão ao estudo proposto
nesta dissertação, derivando em seguida as explicações das categorias analíticas
que nortearão a análise apresentada no capítulo conclusivo deste trabalho.
A premissa construtivista básica é a de que o mundo está em constante
transformão, pois é socialmente construído. Em adição, segue-se a argumentação
de que os atores políticos e as estruturas sociais se coconstituem e que as ideias
moldam o modo como esses atores definem a si mesmos, os seus interesses e o
seu comportamento no sistema internacional. Os interesses, as práticas e as
preferências dos Estados seriam, portanto, socialmente construídas, uma vez que as
estruturas sociais não existiriam de forma independente das atividades que as
governam, e nem dos agentes, de seus conceitos ou motivações.
Argumenta-se, ainda, que os Estados são agentes com interesses, somente
porque foram construídos historicamente como tais. Portanto, entende-se que a
história possui papel relevante nas análises em política internacional, pois as
mudanças advindas da interação dos atores ao longo do tempo produziriam efeitos
em suas identidades e práticas no sistema. Segue-se uma abordagem distinta, pois,
das explicações racionalistas sobre as Relações Internacionais que acabavam
sendo a-históricas, em que o comportamento dos Estados seria homogêneo e
similar ao longo do tempo.
16
Sobre a temática segurança, aqui abordada, os estudos construtivistas
reconhecem que as normas possuem existência objetiva perceptível em suas
práticas pelo significado que é dado às queses materiais. O foco estaria, portanto,
nas crenças compartilhadas entre os atores, crenças observáveis a partir de
resíduos físicos, ou seja, tratados, decisões legais, políticas domésticas, discursos,
costumes, dentre outros. Para tanto, autores como Legro (1997) discutem que o
método de análise por verificação processual (process-tracing method) é um dos
indicados para as pesquisas deste tipo, uma vez que permite a percepção da
existência de uma norma durante um período histórico anterior ao período do
comportamento que se quer analisar.
Logo, este processo envolve uma pesquisa histórica teoricamente orientada
que reconstrua os eventos que levaram a um determinado resultado comportamental.
Realizou-se, portanto, conforme dito anteriormente, um estudo histórico das
experiências que definiram como os japoneses entendiam o seu setor militar, sua
segurança nacional e o uso da força no período que antecede a Segunda Grande
Guerra e ao longo deste conflito. Esse retrospecto histórico foi necessário para
identificar os elementos de continuidade e de mudança na cultura de segurança do
Japão em comparação com o período seguinte, a Guerra Fria. Posteriormente,
verificou-se o processo de tomada de decisão das políticas para segurança durante
a Guerra Fria examinando a cultura de segurança nacional e as políticas de defesa,
monitorando como evoluíram em resposta aos eventos históricos destacados.
Dessa forma, o capítulo três apresenta uma descrição de uma cultura de
segurança nacional mais militarizada que vigorou por um longo período, afetando a
estrutura social, política e econômica do país. E o capítulo quatro volta-se para a
fase em que a cultura de segurança nacional comou a se modificar pela influência
tanto de fatores externos quanto de fatores internos, repercutindo igualmente nas
relações externas japonesas e em sua estrutura doméstica (instituições e sociedade).
É importante destacar que os dados utilizados ao longo da pesquisa
encontram-se documentados nas obras citadas como referência. Diversos autores,
principalmente Berger (1998) e Hook e outros (2007), realizaram uma extensa
pesquisa in loco e produziram seus resultados em gráficos e tabelas, alguns
inclusive utilizados neste trabalho. O enriquecimento desta pesquisa com um
trabalho de campo foi cogitado, o que, entretanto, não se verificou possível.
17
Destacamos em nosso favor o interesse pessoal pelo Japão fruto de uma
experiência de intercâmbio, anterior a este estudo, que nos possibilitou um maior
acesso a documentações e informações originais em função da facilidade com o
idioma japonês e familiaridade com os caminhos sociais de conduta oriental. Outro
fator que facilitou este trabalho é a imensa quantidade de informão disponível para
pesquisas que versem sobre o Japão, tanto através de dados estatísticos quanto em
livros e artigos publicados em diversos meios eletnicos e impressos que
ofereceram condições para o cumprimento e sucesso deste trabalho.
18
2 A ABORDAGEM CONSTRUTIVISTA E OS ESTUDOS EM SEGURANÇA
2.1 Introdução
Os estudos sobre o papel das ideias nas Relações Internacionais estão
associados a um debate teórico entre os racionalistas - neorrealistas e neoliberais -;
e os partidários de estudos interpretativos como os pós-modernos, pós-
estruturalistas e teóricos críticos (ADLER, 1999, p.201)
1
. Este debate, que também
reflete uma discussão sobre a natureza da realidade internacional e como esta
deveria ser explicada, passou gradativamente a se concentrar em argumentos da
abordagem construtivista ou do construtivismo. Para o construtivismo, o modo pelo
qual o mundo material forma a, e é formado pela ão e interação humana depende
de interpretações normativas e epistêmicas dinâmicas do mundo material(ADLER,
1999, p.205).
Esta abordagem procura demonstrar que aspectos centrais das relações
internacionais podem ser compreendidos como socialmente construídos, ou seja,
através de processos de interação entre os atores e prática social. A crítica dos
construtivistas aos neorrealistas e neoliberais direciona-se, sobretudo, ao que estes
últimos ignoram: o conteúdo e fonte do interesse dos Estados e da fábrica social da
política mundial (CHECKEL, 1998, p.324).
Essa corrente de pensamento difere do racionalismo porque seu impacto não
é necessariamente redutível a ações estratégicas calculadas. Difere do idealismo
puro porque ideias não surgem do nada; elas estão contidas em um contexto
histórico e precisam de um suporte institucional para se tornar efetivas. Dessa forma,
argumentam os construtivistas, ideias e seus suportes institucionais podem afetar as
preferências e interesses dos atores (GUZZINI, 2000, p.148).
Não obstante o construtivismo não constitua uma teoria uniforme, é possível
identificar pontos em comum entre os construtivistas que distinguem claramente
essa corrente teórica de outras perspectivas do campo das Relações Internacionais,
1
Para mais informações sobre o arcabouço teórico dessas duas abordagens, vale conferir NOGUEIRA, João
Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das relações internacionais: correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier,
2005.
19
em particular, das abordagens racionalistas. Assim, uma das principais premissas
com a qual todos os construtivistas concordam é a de que o comportamento dos
Estados é moldado pelas crenças, identidades e normas sociais das elites (MINGST,
2009, p. 68). Subjacente a essa proposição deriva o argumento de que os interesses
nacionais dos Estados resultam das identidades.
Considerada uma das principais teorias do campo das Relações
Internacionais, o construtivismo pode ser igualmente explicado como uma
abordagem da investigação social baseada em duas suposições: i) o ambiente em
que os Estados-agentes agem é tanto social quanto material; e, ii) este cenário pode
fornecer entendimentos aos Estados-agentes de seus interesses, ou ainda,
constituí-los. Logo, estes estudiosos estão preocupados com os conceitos
subentendidos de como o mundo social-político funciona, questionando o
materialismo e a metodologia individualista em que muito da teoria de Relações
Internacionais se apóia (CHECKEL, 1998, p.325).
Para muitos estudiosos construtivistas, o final da Guerra Fria mostrou que o
mundo das relações internacionais não se comporta como o mundo natural, que
existe independentemente das ações humanas. Em verdade, o sistema internacional,
geralmente descrito como sendo anárquico devido à falta de governo central, é
ainda um sistema em que as regras são feitas e reproduzidas pelas práticas
humanas. Regras estas que são intersubjetivas e que dão significado às práticas
internacionais (GUZZINI, 2000, p.155). Esses estudos, portanto, seriam um
contraponto às explicações racionalistas sobre as Relações Internacionais que
acabavam sendo a-históricas, no sentido de que o comportamento dos Estados
tenderia a se repetir ciclicamente e sempre seguindo a mesma lógica, condicionados
pelo estado de anarquia do sistema internacional.
Esta linha de pesquisa oferece, pois, entendimentos alternativos a inúmeros
temas centrais da teoria das Relações Internacionais, incluindo o significado de
anarquia e de balança de poder, a relação entre a identidade e interesse estatal,
prospectos para a mudança na política mundial, entre outros. Este programa de
pesquisa possui seus próprios questionamentos, que se concentram em questões
sobre identidade na política mundial, sobre a teorização da política doméstica e da
cultura na teoria das Relações Internacionais (HOPF, 1998, p.172).
Em síntese, o construtivismo compartilha com o neorrealismo preocupações
em relação ao papel da estrutura na política mundial, aos efeitos da anarquia sobre
20
o comportamento estatal, à definição de interesse nacional e aos prospectos para a
mudança. Entretanto, divergem em cada uma das investigações sobre esses
elementos. Ao contrário do neorrealismo que precedência à estrutura do sistema
internacional como variável explanatória e não aos Estados, o construtivismo supõe
que a anarquia deve ser interpretada para adquirir significado, que os interesses
nacionais são parte do processo de construção da identidade do ator e que a
mudança na política mundial é possível e difícil (HOPF, 1998, p.181). Sendo assim,
se para os neorrealistas a estrutura arquica do sistema internacional restringe o
comportamento dos Estados que, por seu turno, não são capazes de a controlar,
para os construtivistas a relação entre agência e estrutura é o elemento central para
o entendimento acerca do comportamento estatal. Para esta segunda corrente, os
atores e as estruturas constituem-se mutuamente.
Dito isso, as próximas seções deste capítulo versam sobre as categorias,
fundamentadas no construtivismo, que embasarão a posterior análise sobre o
posicionamento japonês no sistema internacional durante a Guerra Fria. Subjacente
a isso procurou-se mapear os argumentos no que se refere à dimensão cultural e à
presença deste termo em estudos de Relações Internacionais.
A proposta deste estudo compreende, pois, identificar elementos da arena
doméstica e da ordem internacional que tenham impactado na cultura de segurança
nacional do Japão. Procurar-se argumentar que uma análise sobre a cultura de
segurança nacional de um Estado permite compreender de uma forma mais
abrangente seu posicionamento quanto a certas práticas no sistema internacional.
Nesse sentido, a próxima seção volta-se para o conceito de cultura e a sua
importância para as análises no campo das Relações Internacionais. Esse passo se
justifica, pois tal dimensão está associada aos estudos construtivistas. Na terceira
seção, apresentam-se as categorias de análise da teoria das Relações
Internacionais a serem utilizadas, examinando-se os pressupostos da abordagem
construtivista e mostrando-se os principais pontos que se aplicam ao estudo
proposto. E, na quarta seção, discorre-se sobre o conceito de cultura de segurança
nacional de Peter Katzenstein, fundamentado, tamm, no construtivismo. As
premissas e conceitos que se seguem servirão, pois, para embasar o argumento de
que os interesses de um Estado quanto à sua segurança não são definidos apenas
por questões materiais, mas também por respostas a fatores culturais.
21
2.2 A dimensão cultural e sua importância para as Relações Internacionais
Em meados da década de 1950, uma tendência observada nos estudos no
campo das ciências sociais foi a crescente ênfase concedida à dimensão cultural
como contraponto às dimensões política e econômica. De modo semelhante, os
estudos no campo das Relações Internacionais começaram a acompanhar esta
tendência analítica e, portanto, ocorreu a incorporação de teorias e metodologias
desenvolvidas pela sociologia contemporânea (HERZ, 1988, p.61).
Dessa forma, tornou-se cada vez mais comum a utilizão de abordagens
que privilegiam aspectos culturais nas análises em relações internacionais. Sobre
essa questão, Mônica Herz (1994) sintetiza que a emergência de análises voltadas
para elementos cognitivos pode ser o resultado de uma maior ênfase dada às
dimensões psicológicas e culturais no contexto das ciências sociais, ao movimento
behaviorista (...), à crítica ao realismo e ao aparecimento de trabalhos que marcaram
a subárea de análise de política externa”. Estas propostas buscavam os elementos
que poderiam influenciar o comportamento dos atores internacionais, objetivando
demonstrar que estes seriam mais do que atores unitários e homogêneos (HERZ,
1994, p.75-76).
Para a autora, ao se contestar a visão realista do Estado como ator unitário,
muitas análises começaram a concentrar-se nos mecanismos internos ao processo
decisório. Assim, os mecanismos de mediação, internos às máquinas estatais
passaram a receber a atenção dos especialistas, principalmente aqueles
mecanismos cognitivos. Entretanto, deixa claro que:
(...) a posição paradigmática ocupada pelo método do ator racional não foi
questionada, (...) o individualismo metodológico sobre o qual esse modelo
se fundamenta manteve seu lugar de formador da perspectiva dos
especialistas (HERZ, 1994, p.78).
E assim, a eficiência do processo de tomada de decisão tornou-se o foco das
análises cognitivas, influenciadas pelo modelo de escolha racional, e as variáveis
culturais foram marginalizadas pelos quadros teóricos.
Ainda que uma abordagem exclusiva sobre os fatores sociais não possa ser
considerada como suficiente nas análises em relações internacionais, é possível
22
destacar, entretanto, a relevância do estudo da dimensão cultural (HERZ, 1994,
p.79). No que se refere aos processos decisórios, a análise cognitiva es
subordinada ao processo das tomadas de decisão, e, portanto, a ênfase recai sobre
os mecanismos de percepção dos atores, sendo os atributos culturais um adendo ao
eixo explicativo. Além disso, análises posteriores destacaram a presença de valores,
crenças e atitudes anteriores a esse processo, o que situa a pesquisa do contexto
cultural como fundamental (HERZ, 1994, p.80-81).
Com relação à dimensão cultural nas análises em Relações Internacionais,
Lapid (1996) argumenta que o houve uma introdução, mas sim um retorno desta
variável às análises por volta do final do século XX, bem como da variável identidade.
Para ele, este retorno ao campo das Relações Internacionais ficou mais evidente
nos diversos trabalhos publicados as o final da Guerra Fria. Este autor argumenta
que analistas em política externa recorriam ao termo cultura como uma varvel
explicativa em seus estudos como um recurso de último caso, entretanto, a partir do
final da década de 1980 passaram a dar maior atenção aos efeitos culturais na
política externa dos Estados (LAPID, 1996, p.03).
Dessa forma, variáveis como cultura e identidade passaram, a partir daquele
período, por um processo paralelo de redefinição, em que são inseridos em um
campo mais semântico, em vez de um conceito imutável. Ou seja, o que antes era
tido como fixo e permanente, passou a ser entendido como algo que pode ser
construído, moldado (LAPID, 1996, p.07). Além disso, ao se abraçar a ideia de que
cultura e identidade são emergentes e construídas, polimórficas, interativas e
mutantes (como para a abordagem construtivista) em vez de fixas, naturais e
unitárias (como para a vertente realista), pode-se chegar a diversos avanços teóricos.
Isto porque tais ideias levantam a possibilidade de que a noção de atores estáveis,
mundo esvel, previsível e invariante pode ser ilusória (LAPID, 1996, p.08)
2
.
Enquanto a abordagem construtivista entende a identidade como uma
questão empírica, a ser teorizada dentro de um contexto histórico, o neorrealismo,
por exemplo, supõe que todas as unidades na política mundial possuem apenas
uma identidade significativa, a saber, aquela dos Estados autointeressados. Ou seja,
2
Aqui o autor se refere à crítica dos autores chamados construtivistas às abordagens que entendem o Estado
como um ator unitário e homogêneo no sistema internacional, como, por exemplo, os teóricos da vertente realista
das Relações Internacionais. Ao se incluir a dimensão cultural nas análises, como nos estudos que focam a
cultura de segurança nacional, demonstrada mais adiante, surgem novas explicações para as ões dos Estados e,
assim, uma análise puramente material pode ser limitada para abarcar todo um contexto explicativo.
23
o Estado na política internacional é presumido como tendo um único significado. O
construtivismo, ao contrário, presume que os elementos (ou identidades) dos
Estados são uma variável, a ser considerada nas análises, que depende de um
contexto histórico, cultural, político e social. Daí a importância desse estudo
privilegiando aspectos sociológicos nas relações internacionais (HOPF, 1998, p.175-
176).
Vale destacar, retomando a argumentação de Lapid (1996), que estudos
sobre a variável identidade e a dimensão cultural não são inéditos nas Ciências
Sociais nem tampouco nas Relações Internacionais. Entretanto, ao longo da Guerra
Fria ocorreu uma hegemonia de paradigmas racionalistas nas Relações
Internacionais que colocou à margem os estudos que contemplavam essas
categorias analíticas. Com o fim da Guerra Fria e outros eventos ocorridos ao final
do século XX na política mundial, as perspectivas cognitivistas e que compartilham
certos preceitos com a disciplina das Ciências Sociais, como o construtivismo,
adquiriram maior destaque nas Relações Internacionais. Portanto, este é tamm
um período de discussão na área acadêmica em torno de aspectos teóricos,
produção de conhecimento e alcance analítico e metodológico de distintas
perspectivas.
Seguindo uma argumentação na linha cognitivista, Desch (1998, p.166)
destaca que a cultura é uma variável ideacional (ou seja, que leva em consideração
as ideias e entendimentos dos atores), geralmente doméstica, que enfatiza a
singularidade interna de um ator, em vez de similaridades entre atores. Portanto, as
teorias culturais existem como um suplemento às teorias existentes, e possuem pelo
menos três contribuições a fazer: i) as variáveis culturais podem explicar a lacuna
entre a mudança estrutural e a alteração no comportamento dos Estados, ii) podem
tornar compreensível o porquê de alguns Estados se comportarem irracionalmente e
sofrerem as consequências de falhar em adaptar-se às restrições do sistema
internacional, e, iii) em situações estruturalmente indeterminadas, as variáveis
domésticas, como a cultura, podem gerar um impacto independente.
No caso da problemática em questão, qual seja, as reações japonesas em
meio às demandas militares e ideológicas estadunidenses, no período da Guerra
Fria, pode-se indagar que os entendimentos culturais podem influenciar o modo
como uma mudança ou questão no quadro internacional pode ser compreendida por
um Estado e como este se comporta em resposta.
24
O autor supracitado prossegue destacando que, ao contrário das abordagens
racionalistas, nos estudos culturalistas as variáveis culturais e identitárias são mais
do que epifenômenos (ou seja, sintomas) aos fatores materiais e que podem
oferecer explicações para resultados que muitas vezes as vertentes racionalistas
não levam em consideração.
Nessa mesma linha de raciocínio, Duffield (1999, p.765) concorda que a
insatisfação com o modelo racionalista, no campo das Relações Internacionais,
levou à procura por abordagens que privilegiam aspectos culturais, uma vez que
estas buscam considerar possíveis variações nas preferências dos Estados, o as
tratando como constantes ou homogêneas. Consequentemente, a literatura das
Relações Internacionais cresceu com a proliferação de conceitos específicos em
cultura, sendo termos como cultura estratégica, organização cultural, cultura global
ou mundial, cultura político-militar adotado nesta dissertação, entre outros, cada vez
mais utilizados.
Outro autor a discorrer sobre essa questão é Theo Farrell. Segundo ele, a
dimensão cultural pode ser uma ferramenta conceitual poderosa para explicar as
ões estatais, bem como as ações de organizões dentro dos Estados, como por
exemplo, as organizações militares (FARRELL, 1998, p. 410). Isto porque é uma
variável que auxilia na explicação das escolhas destas organizações, uma vez que
uma cultura organizacional consiste de creas, símbolos, rituais e práticas que
conferem significado às suas atividades. Para entendermos a dimensão cultural
como causal, é necessário focar nas normas como, por exemplo, as crenças que
prescrevemões para os membros de uma organização.
Na percepção de uma cultura organizacional, por exemplo, é necessário
compreender um grupo operando em ambientes nacionais, portanto, uma
organização cultural deve ser compreendida em um contexto de experiência
histórica nacional. Alguns trabalhos
3
sugerem que a forma mais popular de
incorporar a dimensão cultural ao estudo estratégico é examinar como as atitudes
nacionais e o comportamento o moldados por culturas distintas. Assim, a cultura,
tanto como norma profissional ou como tradição nacional, pode moldar a formão
de preferências ao dizer a seus membros quem eles são e o que é possível fazer,
sugerindo, portanto, o que eles devem fazer (FARRELL, 1998, p.413).
3
O autor cita como exemplo o trabalho de Peter Katzenstein “Cultural Norms and National Security: Police and
Military in Postwar Japan. Ithaca, NY. Cornell University Press, 1996.
25
Entretanto, para que uma teoria que contempla a dimensão cultural seja útil,
Duffield (1999) argumenta que a mesma deve postular mecanismos através dos
quais seja possível compreender o impacto da dimensão cultural no comportamento
de um ator, uma vez que o papel desta é o de predispor coletividades em direção a
certas ações e políticas.
Para tanto, ele destaca quatro pontos sobre a importância da dimensão
cultural: i) a cultura ajuda a definir as metas básicas da coletividade, ii) a cultura
molda as percepções de um grupo em relação ao ambiente externo, iii) a cultura
molda a formulão e identificação de comportamentos disponíveis para avançar ou
defender o interesse do grupo em um contexto particular, e, iv) a cultura pode
influenciar fortemente a avaliação das opções aparentemente disponíveis e assim as
escolhas serão feitas entre estas opções (DUFFIELD, 1999, p.771).
No que se refere aos estudos voltados para a temática segurança, Farrell
(2002, p.50-51) argumenta que o foco tradicional em poder e política foi desafiado
pelo desenvolvimento de abordagens ideacionais. Com alguma confusão, os termos
construtivismo e culturalismo foram usados para descrever a volta ideacional aos
estudos em segurança. Este retorno levou os analistas a compreender atores e
estruturas de forma diferente da abordagem racionalista. Ao entender os atores em
uma estrutura social que tanto constitui quanto é constituída por sua interação, ou
seja, o debate sobre agente e estrutura e sua coconstituição, é possível
compreender o papel das estruturas ideacionais como constituidoras ou
possibilitadoras de ações no sistema. Esta discussão é apresentada na próxima
seção que retoma alguns aspectos sobre o construtivismo, anunciados no início
deste capítulo.
2.3 O Construtivismo
Em fins dos anos 1980 esta abordagem adquiriu força na disciplina de
Relações Internacionais apresentando como premissas centrais:
(...) que vivemos em um mundo que construímos, no qual somos os
principais protagonistas, e que é produto das nossas escolhas. Este mundo
em permanente construção é construído pelo que os construtivistas
chamam de agentes. (...) Podemos mudá-lo, transformá-lo, ainda que
26
dentro de certos limites. Em outras palavras, o mundo é socialmente
construído. (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p.162).
Dessa forma, para os construtivistas o mundo não é predeterminado, mas sim
uma construção social em que a interação dos atores constrói os interesses e
preferências dos agentes. Negam, portanto, uma antecedência ontológica entre
agentes e estrutura e alegam que agente e estrutura são coconstitutivos uns dos
outros. (NOGUEIRA; MESSARI, 2005, p.163).
Isso pode ser explicado através do fato de os construtivistas considerarem
que não fatores racionais ou idealistas são exclusivamente responsáveis pelos
processos de tomada de decisão. Portanto, para alguns autores, entre eles Adler
(1999) e Wendt (1999), o construtivismo estaria no meio termo porque se interessa
em entender como os mundos, material, subjetivo e intersubjetivo, se relacionam na
elaboração social da realidade, sendo esta uma de suas contribuições em termos
metodológicos e epistemológicos que, claramente, se distinguem das abordagens
racionalistas.
É necessário ressaltar o fato de que as práticas institucionalizadas entre os
atores não afetam os mesmos de maneira uniforme. Para os construtivistas, valores,
ideias, conhecimento e história afetam a maneira como os atores elaboram essa
realidade social e, portanto, seu posicionamento doméstico e internacional. Por
exemplo, as ideias capitalistas que se difundem pelo sistema são as mesmas, mas
como elas o efetivadas e aplicadas vai depender das tradições (históricas,
culturais, etc.) de cada ator individualmente.
O comportamento ou a ação adquirem significados apenas dentro de um
contexto social intersubjetivo. Os atores desenvolvem suas relações com, e
entendimentos de outros por intermédio de normas e práticas. Na ausência de
normas, os exercícios de poder, ou ações, seriam desprovidos de significado (HOPF,
1998, p.173). Entretanto, nem por isso as práticas institucionalizadas serão menos
legítimas, o que se quer dizer é que elas assumem conotações diferentes em locais
diferentes. Portanto, as ideias de identidade, tradição histórico-cultural, instituições,
o ferramentas de que o construtivismo se utiliza para entender a posição e o
lculo racional dos atores dentro do sistema internacional.
Sobre as ideias, Farrel (2002, p.50) explica que, na argumentação
construtivista, não são simplesmente regras ou mapas de ação, mas sim algo que
opera moldando os atores e ações na política mundial. Ou seja, quando as ideias
27
operarem como normas, elaso somente constrangerão os atores, mas também os
constituirão e possibilitarão ões. As escolhas, portanto, o rigorosamente
constrangidas pelas redes de entendimento das práticas, identidades e interesses
de outros atores que prevalecem em contextos históricos particulares (HOPF, 1998,
p.177). No caso aqui a ser analisado mais adiante, procura-se mostrar que os
interesses e práticas dos Estados Unidos atrelados aos interesses domésticos
japoneses produziram escolhas em políticas para segurança que refletiam esse
constrangimento.
Para compreender melhor o impacto das ideias, Wendt (1999, p.79) distingue
dois tipos de relações e efeitos, denominados causais e constitutivos. Os efeitos
causais procuram responder por que determinado evento ocorreu. Os efeitos
constitutivos procuram entender como um determinado evento foi possível ao se
fazer referencia às estruturas de sua ocorrência. Assim, os efeitos causais dizem
respeito aos constrangimentos que a cultura, entendida como conhecimento coletivo,
infringe nas dinâmicas dos atores. os efeitos constitutivos são referentes à
interação de coconstituição e codeterminação estabelecidos entre os agentes e as
estruturas.
Portanto, a estrutura de qualquer sistema social, para ele, possui três
elementos, quais sejam, as condições materiais, os interesses e as ideias. Sem as
ideias não existem interesses, sem os interesses não existem significados para as
condições materiais e sem condições materiais não existe realidade (WENDT, 1999,
p.139). Autores construtivistas acreditam, ainda, que a capacidade humana de
reflexão ou aprendizado possui maior impacto no modo pelo qual os indivíduos e
atores sociais conferem sentido ao mundo material e ao modo como enquadram
cognitivamente este mundo que conhecem, vivenciam e compreendem (ADLER,
1999, p.206).
Assim, os entendimentos coletivos possibilitam às pessoas compreenderem
as razões pelas quais tudo se comporta de uma determinada maneira e indicam
como elas devem usar suas habilidades materiais e seu poder. Acreditam que o
mundo real não é inteiramente determinado pela realidade física, ainda que aceitem
a noção de mundo real, mas sim, que é socialmente emergente. Ou seja, as
identidades, os interesses e o comportamento dos agentes políticos são socialmente
construídos por significados, interpretações e pressupostos coletivos sobre o mundo
28
(ADLER, 1999, p.209). Ainda, indivíduos interagindo em coletividades definem e
mudam a cultura por meio de suas idéias e práticas (MINGST, 2009, p. 68).
Seguindo essa lógica de argumentação, as normas, portanto, são o resultado
de entendimentos coletivos que, por sua vez, reivindicam comportamentos dos
atores, com efeitos profundos: não somente regulam o comportamento, mas sim,
constituem a identidade e os interesses dos atores (CHECKEL, 1998, p.328). Da
mesma forma, as ideias são entendidas como o conhecimento coletivo
institucionalizado em práticas, sendo o meio propulsor da ão social, pois definem
os limites do que é cognitivamente possível ou impossível para os indivíduos. O
objetivo principal da abordagem construtivista é fornecer explicações que englobem
as instituições sociais e a mudança social com o auxilio do efeito combinado de
agentes e estruturas sociais (ADLER, 1999, p.210).
Em síntese, o construtivismo, destaca Wendt (1996), é uma teoria estrutural
da política internacional que faz as seguintes reivindicações: i) os Estados são
atores internacionais no sistema internacional, ii) a estrutura chave no sistema de
Estados é a intersubjetividade, e, iii) a identidade e o interesse dos Estados são em
grande parte construídos por essas estruturas intersubjetivas.
A primeira reivindicação é compartilhada pelos neorrealistas e neoliberais
institucionalistas, sendo, portanto, passível das mesmas críticas que eles. A segunda
reivindicação diferencia o construtivismo do neorrealismo, que enfatiza o recurso
material em vez das estruturas intersubjetivas. A terceira reivindicação diferencia-o
das teorias sistêmicas que são mais racionalistas em sua forma e reducionistas ao
afirmarem que os interesses são exógenos às estruturas intersubjetivas (WENDT,
1996, p.48).
Wendt (1999, p.249) argumenta, ainda, que a anarquia também pode ser
entendida como uma estrutura social e, portanto, afeta as identidades e interesses
dos Estados. Para ele a gica da anarquia depende do tipo de estrutura ideacional
no qual está inserida e destaca três tipos; a hobbesiana, a lockeana e a kantiana
que, por sua vez, se baseiam nos papéis de inimigo, rival e amigo respectivamente.
Portanto, para Wendt (1999, p.259), estas três estruturas e papeis eso
instanciados na representação dos Estados sobre si mesmos e sobre o outro, sua
identidade, e as subsequentes práticas no sistema internacional. Afirma, ainda, que
existem três graus de internalização dessas culturas de anarquia, quais sejam; a
coerção (quando um Estado é forçado a aceitar uma norma); o autointeresse (em
29
que aceita as normas por motivos próprios); e, a legitimidade (quando o Estado
entende a norma como legítima).
Mingst (2009) destaca que a estrutura política em si ser anárquica ou uma
determinada distribuição de recursos materiais nada explica, pouco revelando sobre
o comportamento do Estado. Para a autora o que precisamos conhecer é a
identidade, uma vez que estas mudam como resultado de um comportamento
cooperativo e aprendizado. Assim, para o sistema ser anárquico ou não, tal
avaliação depende da distribuição de identidades e não da distribuição de recurso
militar. Se um Estado identificar-se somente com ele mesmo, então o sistema pode
ser anárquico. Se um Estado identificar-se com outros Estados, então não
anarquia” (MINGST, 2009, p.68).
Para os construtivistas, a identidade de um Estado motiva suas preferências e
consequentes ações. Um Estado percebe os outros Estados de acordo com a
identidade que atribui a eles, reproduzindo, simultaneamente, sua própria identidade
através da prática social diária (HOPF, 1998, p.175). Além disso, os tipos de
identidades implicam interesses, mas não são reduzidos a estes.
A identidade refere-se a quem ou o que os atores são e o interesse refere-se
ao que os atores querem, designando motivações que explicam o comportamento.
Interesses pressupõem identidades porque um ator o pode saber o que quer
enquanto não souber quem é. Portanto, sem o interesse a identidade não tem força
motivacional e sem a identidade, o interesse não tem direção (WENDT, 199, p.231).
Assim, estes autores desejam descobrir as identidades e as pticas sociais
reprodutivas relacionadas a essas identidades, e em seguida, oferecer uma
avaliação de como essas identidades implicam certos interesses e ações (HOPF,
1998, p.183).
As identidades são necessárias, tanto na política internacional quanto na
doméstica, para assegurar pelo menos um nível mínimo de previsibilidade e ordem.
Um mundo sem identidades é um mundo caótico, um mundo de incertezas
profundas e irremediáveis. Cumprem, assim, três funções necessárias em uma
sociedade: elas dizem a você e aos outros quem você é, e dizem a voquem os
outros são (HOPF, 1998, p.175). Nesse sentido, as normas advindas de uma
identidade que prescreve ões podem moldar o modo como atores definem seus
interesses e formam preferências a partir destes. Ao dizer aos atores quem eles são
30
e o que podem fazer, normas também sugerem aos atores o que eles devem fazer
(FARRELL, 1998, p.411).
No que concerne aos interesses, o construtivismo indaga por que muitos não
se consolidam, como por exemplo, o interesse estadunidense pela remilitarização
japonesa durante a Guerra Fria. Auxilia, ainda, na compreensão do significado dos
interesses ausentes, no caso, a ausência de interesse por parte do Japão em se
remilitarizar. Assim como as identidades e os interesses são produzidos através de
práticas sociais, os interesses ausentes são entendidos como ausências produzidas,
omissões que são o produto inteligível de práticas sociais e da estrutura (HOPF,
1998, p.176). No caso japonês em questão, como será discutido mais adiante, o
interesse ausente de remilitarização, pode ser compreendido como o produto
inteligível do período da ocupação estadunidense (estrutura) somado às suas
práticas sociais de como lidar com a questão.
Dessa forma, os Estados são agentes com interesses somente porque foram
construídos historicamente como tais a partir da ideia de construção de Estados.
Portanto, a história possui um relevante papel na política internacional na medida em
que as mudanças geradas pela interação dos atores e atuação das instituições em
que se inserem produziriam identidades menos egoístas, formando-se no longo
prazo regimes mais eficazes e consequentemente instituições internacionais mais
resistentes.
É necessário destacar que apesar dessa premissa, os construtivistas não
descartam a possibilidade de conflitos ocorrerem, portanto, não existe
necessariamente uma convergência de interesses mesmo que haja
compartilhamento de valores e normas. Wendt (1999, p.300) destaca que quando
os conflitos ocorrerem eles serão manipulados por negociação, arbitração, ou cortes,
mesmo quando o custo material da guerra para uma ou ambas as partes parecer
menor”.
Nogueira e Messari (2005) destacam que existem vários construtivismos e,
por isso, esta perspectiva teórica representou um refúgio para diversos estudiosos
descontentes com as respostas das demais perspectivas teóricas. Para eles, a
definição do construtivismo como baseado no fato de que a realidade é construída é
tão ampla que pode incluir até s-modernos e pós-estruturalistas (NOGUEIRA;
MESSARI, 2005, p.185). Além disso, cada qual privilegiando diferentes explicações
e linhas argumentativas.
31
Assim sendo, este campo de pesquisa é associado a autores como Alexander
Wendt, Nicholas Onuf, Friedrich Kratochwil, entre outros. Não obstante
compartilharem premissas teóricas, estes autores concentram suas análises em
fatores distintos como identidade, regras e normas, respectivamente. Dentre eles,
Kratochwill e Onuf enfatizam o discurso e as normas, revelando a influência da
virada linguística em geral e de Wittgenstein em particular. Wendt e Onuf concordam,
de igual forma, sobre a coconstituição de agentes e estruturas, revelando a
influência da teoria social, em geral, e de Giddens, em particular (NOGUEIRA;
MESSARI, 2005, p. 180).
Utilizando a categorização
4
de Cecelia Lynch e Audie Klotz (1996)
5
, Adler
(1999) apresenta o construtivismo dividido em quatro grupos distintos. O primeiro
grupo é o dos chamados modernistas, engloba os autores como Wendt (1999) e,
uma vez evitado o extremismo ontológico, pode-se utilizar métodos padronizados ao
lado dos interpretativos como os de Katzenstein (1996). Este grupo será o utilizado
neste trabalho.
A partir de uma visão que entende o Estado como o ator principal no vel
internacional, utilizar-se-á um método interpretativo para a compreensão do que
ocorre no ambiente doméstico e seu impacto nas decisões em política externa,
particularmente, para as questões em segurança. Nesse sentido, o conceito de
cultura de segurança nacional será a ferramenta utilizada para compreender este
processo. Para tanto, na próxima seção apresentar-se-ão os estudos em segurança
na abordagem construtivista, seguido do conceito de cultura de segurança nacional
e suas categorias de análise a serem empregadas subsequentemente.
O segundo grupo utiliza aspectos da lei e jurisprudência internacional para
mostrar o impacto das relações internacionais nos modos de raciocínio e persuasão,
bem como no comportamento guiado por regras. Autores como Onuf (1989)
6
e
4
Esta não é a única classificação existente. Ted Hopf (1998), por exemplo, separa-o em dois grupos, o
construtivismo convencional e os teóricos críticos. Ainda que existam divergências quanto a uma classificação
mais acurada, é fato que existem diferenças argumentativas entre os autores tidos como construtivistas, portanto,
é mais comum a utilização de um autor ou grupo de autores que possuam pressupostos em comum quando se
opta por uma análise na linha construtivista.
5
Este estudo foi apresentado na Reunião anual da American Political Science em 1996 sob o título
Constructivism: Past Agendas and Future Directions”. Mais tarde foi publicado pelas autoras sob o tulo "Le
constructivisme dans la theorie des relations internationales", no Institut d'Etudes Politiques, Paris, 1999.
6
ONUF, Nicholas Greenwood. World of our making: rules and rule in social theory and international relations.
Columbia, S.C.: University of South Carolina Press. 1989.
32
Kratochwil (1989)
7
pertencem a este grupo. O terceiro grupo enfatiza o
conhecimento narrativo, como gênero, movimentos sociais, interesses em segurança.
Autores como Ruggie (1995)
8
e Weaver (1995)
9
pertencem a este grupo. O quarto
grupo usa as técnicas desenvolvidas pelos pós-modernos como o método
genealógico de Foucalt
10
ou a desconstrução de Biersteker e Weber (1996)
11
(ADLER, 1999, p.222).
2.4 Os Estudos em Segurança
Dilemas de segurança são produtos de uma incerteza presumida. A missão
empírica do construtivismo é vasculhar o pano de fundo ou conhecimento existente
que torna a incerteza uma variável a ser entendida, em vez de uma constante
assumida (HOPF, 1998, p.188).
Para Farrell (2002), os estudos construtivistas em segurança baseiam-se na
argumentação de que os Estados fazem no nível internacional aquilo que acreditam
ser mais apropriado devido a sua estrutura social de ão. Estudos mais recentes
12
,
segundo o autor, identificam ações concernentes a questões militares moldadas por
crenças coletivas dos tomadores de decisão e elites políticas (estrutura social de
ão) e crenças dos oficiais militares (cultura organizacional). Dessa forma, o
construtivismo busca explorar como se evoluiu para a atual realidade e, para tanto, é
preciso pesquisar sobre as normas e mostrar o impacto destas no resultado
comportamental dos Estados (FARRELL, 2002, p.53).
7
KRATOCHWIL, Friedrich. Rules, norms and decisions: on the conditions of practical and legal reasoning in
international relations and domestic affairs. Cambridge studies in international relations; Cambridge: Cambridge
University Press. 1989.
8
RUGGIE, John. The False Premise of Realism. International Security, 20 (Summer 1995).
9
Weaver, J. Popular Culture and the Reshaping of Race, Class and Gender: Exploring Issues and Imploding
Boundaries. Race, Class and Gender. (Spring, 1995). (pp. 165–173).
10
Foucault, M. (1993). Microfísica do poder (11a ed.). Coleção Biblioteca de Filosofia e História das Ciências.
o Paulo: Graal. (Original publicado em 1979).
11
BIERSTEKER, T.J.; WEBER, C. State Sovereignty as Social Construct. Cambridge Studies in International
Relations. Cambridge University Press. Cambridge. 1996.
12
Farrell (2002) cita principalmente pesquisas de Peter Katzenstein (1996) e Thomas Berger (1998).
KATZENSTEIN, P. Cultural Norms and National Security: Police and Military in Postwar Japan”. Ithaca, NY.
Cornell University Press. BERGER, T. Cultures of Antimilitarism: National Security in Germany and Japan.
Baltimore, John Hopkins University Press, 1998.
33
O referido autor também argumenta que os construtivistas reconhecem que
as normas possuem existência objetiva percebível em suas práticas pelo significado
que é dado às questões materiais. O foco está nas crenças compartilhadas entre os
atores, crenças observáveis a partir de resíduos físicos, ou seja, tratados, decisões
legais, políticas domésticas, discursos, costumes, dentre outros (FARRELL, 2002,
p.60).
Sobre o que seriam estes resíduos físicos, Berger (1996, p.328) inclui na lista
de Farrell (2002), citada anteriormente, o exame de pesquisas de opinião para que
estas crenças compartilhadas pelos tomadores de decio e elites políticas sejam
percebidas no contexto da opinião pública nacional. Com efeito, Hook e outros (1997)
apontam a utilização constante de pesquisas de opinião pública no Japão como
parâmetros para análise sobre a condução de sua política externa.
Outro autor que examina o papel das normas no processo de tomada de
decisão é Legro (1996, p.124). Este autor sugere que a força de uma norma deve
ser medida observando-se os critérios de especificidade, durabilidade e
concorncia, ou seja, uma norma será tanto mais influente quanto mais claramente
for definida, firmemente estabelecida e largamente endossada. Logo, este processo
envolve uma pesquisa histórica teoricamente orientada que reconstrua os eventos
que levaram a um determinado resultado comportamental. Sobre essa questão, para
Farrell (2002, p.62) é possível mostrar como mecanismos não diretamente
observáveis (cultura) podem moldar mecanismos observáveis (comportamento).
Dentre os trabalhos que adotam essa postura analítica, o livro editado por Peter
Katzenstein em 1996, intitulado The Culture of National Security, é uma importante
referência.
Baseando-se na proposição de que os elementos culturais também são
capazes de afetar os interesses do Estado, bem como suas políticas sobre
segurança nacional, os autores dessa obra também se distanciam das perspectivas
neorrealista e neoliberal. O livro segue uma argumentação construtivista ao
examinar temas relacionados à segurança nacional e relações internacionais e
reúne o trabalho de diversos autores, sendo o capítulo introdutório, o primeiro
capítulo e a conclusão escritos pelo editor. Para Adler (1999, p.236), Peter
Katzenstein e seus colegas (1996) demonstraram que uma abordagem construtivista
pode ser muito útil para a explicação dos suportes normativos da segurança nacional,
principalmente a cooperação em segurança.
34
Portanto, estes trabalhos relacionam a dimensão cultural à identidade
nacional dos Estados, correspondendo a valores e normas, assim como a padrões
cognitivos definindo não só o comportamento dos atores, mas tamm o modo como
estes interagem entre si. Ainda que os Estados compartilhem valores e normas no
sistema internacional, conforme Wendt (1999) argumenta, existem várias
identidades uma vez que cada ator possui suas especificidades. Portanto, para se
compreender esta interação no âmbito externo, é preciso igualmente olhar para
dentro do Estado, para traçar seu contexto histórico e o modo como a sua identidade
influencia seu comportamento.
Dentro de um Estado podem existir áreas de práticas culturais fortes o
suficiente para exercer uma influência causal ou constitutiva na política estatal.
Portanto, a necessidade que um Estado possui de construir uma identidade nacional
internamente para dar legitimidade à sua autoridade gera efeitos na identidade
estatal e sua ação no âmbito internacional (HOPF, 1998, p.195).
2.5 Cultura de Segurança Nacional
Uma das promessas construtivistas é a de reintroduzir a cultura e a política
doméstica na teoria de Relações Internacionais. Oferece uma abordagem
promissora para desvendar aspectos da sociedade, cultura e política domésticas que
podem ser de interesse para a identidade estatal e para a ação estatal no cenário
internacional (HOPF, 1998, p.194-195). Isto porque toda identidade estatal na
política mundial é parcialmente o produto das práticas sociais que constituem essa
identidade na esfera doméstica. Portanto, a política da identidade construída
domesticamente constrange e possibilita a identidade estatal, os interesses
nacionais e as ações na política mundial (KATZENSTEIN, 1996).
Os interesses nacionais são entendimentos intersubjetivos sobre o que se faz
necessário para promover poder, riqueza e influência que sobreviva ao processo
político. Os interesses nacionais são fatos cuja “objetividade” está no acordo
humano e na atribuição coletiva de significado e função a objetos físicos. Dessa
forma, conduz ao estudo empírico das condições que fazem uma concepção
intersubjetiva particular de interesse prevalecer sobre outras. Portanto, o
35
construtivismo procura mostrar como os interesses nacionais surgem, como eles
adquirem seu status de entendimentos políticos gerais, e como esses entendimentos
o politicamente selecionados pelo e através do processo político (ADLER, 1999,
p.224-225).
Katzenstein (1996, p.02) postula que os interesses dos Estados não são
dados a priori, mas sim são construídos através de um processo de interação social
e, portanto, é necessário definir, e o defender, o que são os interesses nacionais.
Para ele, os interesses em segurança são definidos por atores que respondem a
fatores culturais, portanto, deve-se procurar o significado atribuído pelos agentes de
uma ão a seus interesses e questões em segurança para que se possa
compreender seu comportamento.
Para tanto, identifica pelo menos duas dimensões analíticas que possibilitam
este tipo de abordagem em segurança nacional: o contexto cultural-institucional
político e a construção de identidade dos Estados. Prossegue sugerindo que
interesses e estratégias dos Estados são moldados por processos políticos que
geram padrões de comportamento publicamente entendidos e afirma que o contexto
cultural-institucional tamm constitui os atores (KATZENSTEIN, 1996, p.04). Além
disso, observa que a história é um processo de mudança que deixa uma marca na
identidade estatal. Portanto, esta linha argumentativa entende os Estados como
atores sociais; analisa as identidades políticas em contextos históricos específicos e
procura traçar os efeitos que as mudanças de identidade têm nos interesses
políticos e nas políticas de segurança nacional.
Os autores que utilizam as ferramentas de contexto cultural-institucional
político e construção de identidade dos Estados recorrem ao uso sociológico do que
sejam normas, identidade e cultura para caracterizar os fatores sociais que analisam.
Em síntese, por normas entende-se um conceito que descreve expectativas
coletivas de comportamento dos atores de uma certa identidade. Por identidade
entende-se um conceito que categoriza as várias construções de nação e Estado. E
por cultura entende-se um conjunto de modelos coletivos de autoridade nacional
desenvolvidos por leis e costumes. A cultura refere-se tanto a padrões estimados de
normas e valores quanto a padrões coletivos de regras e modelos (KATZENSTEIN,
1996, p.05-06).
As normas podem operar como regras que definem a própria identidade do
ator, tendo efeitos constitutivos dessa identidade, e efeitos regulativos que
36
especificam os padrões de comportamento esperados. No caso das identidades, os
processos de construção de nação e Estado são tipicamente políticos e colocam os
atores uns contra os outros, uma vez que, ao serem invocadas, estas identidades
distinguem os propósitos e as ideologias nacionais. Estas variações possuem raízes
domésticas que são projetadas internacionalmente (KATZENSTEIN, 1996, p.06).
Ademais, quando nos referimos ao contexto cultural-institucional, estaremos
nos baseando na definição de cultura política de Berger (1996, p.325). Segundo este
autor, comum a todas as teorias culturais é a noção de que o comportamento
humano é guiado por ideias e crenças socialmente compartilhadas e transmitidas.
Cultura como tal inclui as crenças sobre a maneira como o mundo é - incluindo no
vel mais básico as crenças que definem a identidade individual e a do grupo - e as
ideias sobre a maneira como o mundo deveria ser. Destaca que a cultura política
refere-se às crenças e valores culturais que moldam as orientações de uma
sociedade para a condução da política. A partir desse conceito, Berger desenvolve
outro, igualmente útil para compreendermos as mudanças que se processaram no
Japão entre o final da Segunda Grande Guerra e o final da Guerra Fria. Trata-se,
pois, da noção de cultura político-militar. De acordo com o autor, este termo refere-
se ao subgrupo de uma cultura política que influencia a forma como os membros de
uma determinada sociedade entendem a sua segurança nacional, as Forças
Armadas como instituição, e o uso da foa nas relações internacionais.
O esforço de se testar explicações baseadas em processos sociológicos e
culturais centra-se na identificação e descrição dos problemas, especificando os
fatores sociais que podem moldar as concepções sobre interesses e
comportamentos dos Estados. Com os novos debates teóricos, o entendimento
acerca das origens do conceito de cultura de segurança nacional se faz necessário,
e para tanto, recorre-se à análise histórica e cultural dos atores envolvidos.
Katzenstein (1996, p.30) sintetiza que o que importa é como as identidades e
normas influenciam os caminhos em que os atores definem seus interesses a
princípio.
No texto de Jepperson, Wendt e Katzenstein (1996, p.36), estes autores
destacam que as análises sobre segurança nacional, que envolvam a dimensão
cultural, não formulam uma teoria de segurança nacional especificamente, mas sim
uma estrutura orientadora que aponta para uma rie de efeitos e mecanismos que
até então foram negligenciados pela corrente principal dos estudos em segurança.
37
Destacam cinco argumentos que permeiam essa categoria de análise: i)
elementos culturais ou institucionais do ambiente estatal, como as normas, moldam
os interesses em segurança nacional ou as políticas de segurança dos Estados; ii)
elementos culturais ou institucionais do ambiente global ou doméstico, como as
normas, moldam a identidade dos Estados; iii) variações ou mudanças na identidade
dos Estados afetam os interesses nacionais em segurança ou as políticas dos
Estados; iv) configurações na identidade dos Estados afetam a estrutura normativa
interestatal como os regimes ou comunidades de segurança; e, v) as políticas
estatais tanto reproduzem quanto reconstroem a estrutura cultural e institucional. Os
dois primeiros argumentos o denominados efeitos das normas, os dois seguintes
efeitos das identidades e o quinto, recursividade (JEPPERSON; WENDT;
KATZENSTEIN, 1996, p.52).
O primeiro argumento afirma que elementos culturais ou institucionais do
ambiente estatal moldam os interesses em segurança nacional ou as políticas de
segurança dos Estados. O autor lembra que normaspodem ser entendidas como
expectativas coletivas sobre um comportamento apropriado, dada uma determinada
identidade. Algumas vezes operarão como regras que definem uma identidade,
sendo, portanto, de efeito constitutivo. Em outros momentos as normas serão
regulativas em seus efeitos, pois operao como padrões para uma implantação
mais adequada de uma identidade definida. Em conjunto, as normas estabelecem
expectativas sobre quem os atores serão em um determinado ambiente e sobre
como estes atores em particular se comportarão (JEPPERSON; WENDT;
KATZENSTEIN, 1996, p.54).
No caso japonês aqui em foco e que será retomado mais adiante, as normas
antimilitares desenvolvidas durante o período da ocupação estadunidense (1945-52)
parecem ter se incorporado de tal forma ao comportamento decisório nipônico
modificando sua cultura de segurança nacional e as decisões em segurança no
período da Guerra Fria. Jepperson, Wendt e Katzenstein (1996, p.55), enfatizam que
a força dos efeitos causais das normas varia. Podem variar de forma contínua desde
uma recepção discursiva, passar por modelos mais contestados (como as diferentes
doutrinas militares da França, Inglaterra ou Alemanha no período entre guerras), ou
reconstruir o “juízo comum” (como no caso das políticas japonesas antimilitares).
Assim, os autores resumem que o que os civis e militares entendem como sendo de
38
seus interesses depende do contexto cultural em que eles operam (JEPPERSON;
WENDT; KATZENSTEIN, 1996, p.57).
No segundo argumento os autores contemplam que os elementos culturais ou
institucionais do ambiente global ou doméstico podem moldar a identidade dos
Estados. Isto significa que a estrutura cultural ou institucional também pode constituir
ou moldar a identidade básica dos Estados, ou seja, as características de sua
identidade nacional. Assim, o conceito de identidade funciona como uma ligação
crucial entre as estruturas e os interesses. Basicamente se refere às imagens de
individualidade mantidas e projetadas por um ator que são também formadas
através das relações com o “outro”. Portanto, o termo identidade se refere a imagens
mutuamente construídas e evoluídas de si mesmo e do outro e pode ser entendido
para as relações internacionais como aquilo que se refere à nacionalidade ou
nacionalismo e à variação na soberania criada domesticamente e projetada
internacionalmente
13
(JEPPERSON; WENDT; KATZENSTEIN, 1996, p.58-59).
O terceiro argumento afirma que variações ou mudanças na identidade dos
Estados afetam os interesses nacionais em segurança e as políticas dos Estados.
Alguns interesses existem fora de uma identidade social específica, como por
exemplo, o interesse pela sobrevivência. Entretanto, muitos interesses em
segurança nacional dependem de uma construção particular de sua própria
identidade em relação à identidade concebida ao outro. Ou seja, atores não podem
decidir com facilidade quais o seus interesses enquanto não souberem o que eles
representam (quem eles o), que por sua vez dependerá de suas relações sociais
(JEPPERSON; WENDT; KATZENSTEIN, 1996, p.61).
O quarto argumento aborda as configurações na identidade dos Estados que
podem afetar a estrutura normativa interestatal como os regimes ou comunidades de
segurança e o quinto argumento foca as políticas estatais que procuram reproduzir
ou reconstruir uma estrutura cultural e institucional. Análises que contemplam a
formação de uma instituição internacional ou de um regime internacional,
independente da temática, ou ainda, como grupos internos podem impactar na
política externa, como as comunidades epistêmicas, podem recorrer a estes
argumentos (JEPPERSON; WENDT; KATZENSTEIN, 1996, p.62-63).
13
A explicação aqui procede da psicologia social, entretanto, os autores usam esta explicação para as relações
internacionais, pois os Estados operam como atores e uma nação constrói e projeta a sua identidade coletiva.
Mais informações na página 59 do livro editado por Katzenstein (1996) e nas notas de rodapé que a acompanha.
39
Os autores sintetizam que esses cinco argumentos são tanto descritivos
quanto explanatórios. Lidam com questões de significado quando discutem
interpretações sobre normas e identidades, sem compromisso com subjetivismos.
Além disso, são argumentações estruturalistas, interessando-se em como as
estruturas de significado são construídas, incorporadas em normas ou identidades e
como afetam o que os Estados fazem. Portanto, trata-se de examinar a estrutura
social, o contexto cultural do comportamento dos atores, suas crenças e
compreensões dominantes (JEPPERSON; WENDT; KATZENSTEIN, 1996, p.66).
2.6 Conclusão
No presente capítulo apresentaram-se os pressupostos teóricos e indicaram-
se as categorias analíticas que auxiliarão na compreensão acerca do
posicionamento japonês no sistema internacional durante a Guerra Fria. Toda a
exposição feita até aqui destacou os elementos centrais que nortearão a análise a
ser desenvolvida no capítulo conclusivo. Como foi visto, o estudo adotará as
premissas comuns aos construtivistas de que vivemos em um mundo socialmente
construído em que a interação dos atores constrói os interesses e preferências dos
agentes. Valores, ideias, conhecimento e história afetam a maneira como estes
agentes elaboram a realidade social e, portanto, seu posicionamento doméstico e
internacional.
Os Estados possuem propriedades essenciais e sociais, entre as quais: a
identidade e os interesses, que são definidos em função da estrutura, em uma
relação de mútua constituição. Dessa interação derivam-se normas que podem ser
internalizadas pelos Estados a partir de processos de coerção, de autointeresse ou
de legitimidade. Constatou-se a importância da dimensão cultural nas análises em
Relações Internacionais que buscam considerar possíveis variações nas
preferências dos Estados, o as tratando como constantes ou homogêneas. A
cultura auxilia na explicação das escolhas dos agentes ao apontar as crenças,
símbolos, rituais e práticas que estes possuem. Apontou-se, pois, que a dimensão
cultural ajuda a definir as metas da coletividade, molda as percepções em relação ao
outro, auxilia na identificação de comportamentos e interesses, e, influencia na
40
percepção das opções existentes. Para as análises em segurança, a percepção
construtivista aqui a ser adotada recai sobre a estrutura social de ação e sobre a
cultura organizacional do agente em foco.
Portanto, é necessário identificar as ações concernentes à segurança
moldadas por crenças coletivas dos tomadores de decisão e das elites políticas e
militares. Nesse sentido, é preciso examinar as normas relacionadas à esfera da
segurança e mostrar o impacto destas no resultado comportamental dos Estados.
Para tanto, recorre-se à identificação das crenças compartilhadas pelos atores,
observáveis a partir de resíduos físicos, ou seja, tratados, decisões legais, políticas
domésticas, discursos, costumes e outros. Para o caso em questão, qual seja, o
entendimento japonês para as questões em segurança, o exame da cultura de
segurança nacional japonesa foi apresentado como o orientador analítico, cujas
categorias analíticas o o contexto cultural-institucional político e a construção de
identidade dos Estados.
Estas categorias apresentam cinco argumentos explanados na seção anterior,
dos quais três serão utilizados para o presente trabalho, quais sejam, os elementos
culturais ou institucionais do ambiente estatal e do ambiente global moldam os
interesses em segurança nacional, bem como a identidade dos Estados, e as
variações ou mudanças na identidade dos Estados afetam os interesses nacionais
em segurança e as políticas dos Estados. Logo, buscar-se-á destacar os elementos
empíricos, quais sejam, normas domésticas, normas internacionais, e os interesses
nacionais, que sustentam tais argumentos. Os demais argumentos focam a estrutura
normativa interestatal e a reconstrução da estrutura cultural doméstica; como os
regimes internacionais e as comunidades epistêmicas, assuntos que não serão
abordados nesta dissertação.
Em adição, apresentou-se a importância do exame da cultura política do
Estado, ou seja, as crenças e valores que orientam a condução política, a fim de se
compreender o contexto cultural-institucional em que se insere o Estado. Para tanto,
recorre-se ao exame de sua cultura político-militar através da identificação da forma
como os membros de uma determinada sociedade entendem a sua segurança
nacional, sua instituição militar, e o uso da força nas relações internacionais. Para
tanto, os capítulos três e quatro foram estruturados para serem um estudo histórico
dos processos políticos para as questões em segurança neste estudo de caso.
41
3 O JAPÃO IMPERIAL E O MILITARISMO
3.1 Introdução
Para verificar o processo de constituição de uma cultura de segurança
nacional, faz-se necessário o recurso do olhar histórico à situação que se pretende
analisar. Este recuo histórico possibilitará o mapeamento dos entendimentos em
segurança e das políticas de defesa do Japão nos anos anteriores à ocupação
estadunidense, a saber, da formão do Japão Imperial até a participação na
Segunda Grande Guerra.
Este capítulo apresenta, pois, uma descrição da cultura de segurança
nacional japonesa (militarizada) para este longo período, e que afetou a estrutura
social, política e econômica do país. Desse modo, optou-se pela divisão do capítulo
de forma cronológica para facilitar o destaque de informões consideradas
relevantes no contexto da pesquisa.
Após uma breve contextualização histórica
14
da formação do Japão enquanto
nação, a seção seguinte, subdividida em três partes, descreve a situação política e
social derivada da Restauração Meiji, permitindo um olhar sobre os desdobramentos
deste período, que culmina com a formão do Japão Imperial.
Em outra seção, delineia-se a estrutura social do Japão Imperial para que se
identifiquem quais são os entendimentos japoneses em segurança, tanto civis
quanto militares. Procurou-se destacar qual o significado e a noção de segurança,
bem como quais seriam as ameaças à segurança nacional, existentes nesse período,
as políticas de defesa empregadas e o papel da Segunda Grande Guerra neste
processo.
14
Procurou-se neste trabalho a apresentação sucinta de pontos importantes para a pesquisa. Entretanto, para uma
leitura mais completa sobre a história japonesa, vale consultar as obras de David Lu (1997) Japan: A
Documentary History, volumes I e II, publicadas pela Editora M.E. Sharpe. O autor perpassa a história japonesa
através da análise de documentos e cartas que procurou retratar na íntegra. Páginas dispoveis na Internet como
a Biblioteca do Parlamento japonês, a Dieta, igualmente retratam diversos documentos na íntegra e alguns
sintetizam a história cronológica japonesa. Para acesso a páginas com mais informações:
<http://www.ndl.go.jp/en/index.html> e <http://www.shikokuhenrotrail.com/japanhistory.html>.
42
3.2 Panorama Histórico
Donos de uma cultura milenar, os japoneses habitam o arquipélago desde a
idade da pedra polida ou período neolítico que data de 10 mil anos a.C.. A história
japonesa é dividida em períodos ou Eras, nomeadas de acordo com o nome do
Imperador da época (MASAHIDE; WATANABE, 1990). Muitos de seus traços
culturais resultam de intenso intercâmbio com o continente, principalmente com a
China e com a Coreia, iniciados há cerca de 2500 anos.
O primeiro texto legal japonês de que se tem registro é a Constituição dos
Dezessete Artigos, escrito em 604 na Era Asuka (593-710) pelo Príncipe Shōtoku.
Descrevia uma conduta baseada nos princípios budistas sobre a moral e as virtudes,
principalmente obediência, que eram esperadas dos funcionários do governo e dos
demais súditos do Imperador. O Imperador era a mais alta autoridade e sua origem
considerada divina, o que era confirmado pelos princípios shintoístas igualmente
adotados. Além disso, os princípios confucianos de honra e lealdade, difundidos no
Japão através de intercâmbios culturais com a China, eram igualmente
contemplados. Esta Constituição vigorou até a promulgação da Constituição Meiji de
1890
15
que será abordada mais adiante.
Em síntese, pregava a harmonia e a honra, a obediência aos comandos
Imperiais, o comportamento decoroso de todos, o castigo do mau comportamento e
o encorajamento da vida em prol do que for benéfico ao coletivo. Pregava também
que as decisões blicas seriam discutidas e aprovadas por consenso (LU, 1997,
p.23-29). Pouco tempo depois, em 645, ocorreu a chamada Reforma Taika, que
instituiu, de acordo com o modelo chis, um sistema tributário de imposto nacional,
organização da política de forma hierarquizada e a centralizão do governo na
figura do Imperador (MORISHIMA, 1982, p.39).
Morishima (1982) destaca que o confucionismo japonês origina-se dos
mesmos cânones que o confucionismo chinês, entretanto, e como consequência de
diferentes estudos e interpretação, originou no Japão um espírito nacional
absolutamente diverso do chinês. O autor destaca que o significado de lealdade
15
A Constituição dos Dezessete Artigos e o texto da Reforma Taika estão retratados na íntegra em LU, David J.
Japan: A Documentary History, Volume I: The Dawn of History to the Late Tokugawa Period. Armonk,
New York: M. E. Sharp, 1997. Página 23 a 29. Outra fonte para ler o texto da Constituição na íntegra é a página:
<http://en.wikisource.org/wiki/Seventeen-article_constitution>.
43
internalizado pelos japoneses era essencialmente o de uma devoção para com o
seu senhor, a ponto de literalmente se sacrificar. Com isto,
(...) a lealdade tornou-se um conceito que conjuntamente com a devoção filial
e o dever para com os mais velhos, veio a constituir uma tríade de valores
pelos quais se regiam as relações hierárquicas no seio da sociedade,
respectivamente com base na autoridade, nos laços sanguíneos e na idade.
(MORISHIMA, 1982, p.21).
A antropóloga estadunidense Ruth Benedict (1887-1948) fez um estudo sobre
a sociedade e cultura japonesas, publicado pela primeira vez em 1946, intitulado O
Crisântemo e a Espada. Neste livro ela analisou os padrões tradicionais do
comportamento japonês que perduravam até o momento de sua pesquisa e afiançou
que por muito e muito tempo, o Japão conserva necessariamente algumas de
suas atitudes inatas, das quais uma das mais importantes é a sua e confiança na
hierarquia(BENEDICT, 2006, p.27). Seu estudo auxiliou, inclusive, a conduta com
relação ao Imperador durante o período da ocupação estadunidense ao
desencorajar sua destituição pelo Supremo Comando das Forças Aliadas. Este
período será abordado mais adiante no capítulo quatro.
Embora a Reforma Taika tenha centralizado o governo na figura do Imperador,
até a Era Heian (794-1192) o sistema de defesa nacional era descentralizado e os
reinos (hoje províncias) lutavam constantemente entre si. Impulsionados pela
necessidade de defesa e pela estrutura social hierarquizada, consolidou-se nessa
época a classe social do Samurai ou “aquele que serve”. Não era possível tornar-se
um samurai, pois este era um direito hereditário. Desde a infância o jovem samurai
era orientado por um código de conduta, denominado Bushidō
16
que significa
literalmente “O Caminho do Guerreiro”. Este código era ensinado oralmente e sua
primeira estruturão escrita data do século XVIII com o livro Hagakure ou “Folhas
Ocultas” de Yamamoto Tsunetomo contendo 11 volumes.
16
O Bushidō ou "O Caminho do Guerreiro" era o código de honra e ética dos samurais. As principais virtudes
do Bushidō são Justiça, Coragem, Benevolência, Educação, Sinceridade, Honra e Lealdade. Do Budismo, o
Bushidō herdou a coragem ao se encarar a morte e o desapego das questões materiais. Do Confucionismo herdou
a lealdade ao senhor feudal, a relação com a sociedade e sua hierarquia, e a importância do nome da família.
Do Shintoísmo trouxe o respeito para com a terra, com o feudo e a estima pela essência, o espírito, que em
tudo, desde as pessoas aos lugares, as espadas e os demais utensílios dos samurais. Para o Samurai era preferível
a morte à desonra. Esta era uma vergonha que nenhum samurai conseguia suportar. Mesmo após o fim do
samurai como classe social, o Bushidō permaneceu vivo na cultura japonesa. Isto se deve aos nove séculos em
que o Japão se apoiou nestes valores como a base para todas as relações humanas. No Japão ainda existem
escolas tradicionais e no Brasil o Instituto Niten é uma referência. Para maiores informações acesse:
<http://www.niten.org.br/index.php>.
44
A virtude suprema do Bushidō é a Lealdade. Viver segundo o bushidō é viver
preparado para a morte. o a morte pelo suicídio, mas sim a não resistência à
morte. Ser um samurai era viver pela honra sendo que a desonra era uma mancha
que marcava toda a família. Portanto, não era permitido demonstrar sofrimento e sua
tarefa era servir incondicionalmente, dando a vida pelo seu daimyō ou senhor do
reino. O samurai mais famoso e hei nacional, Musashi Miyamoto, viveu por volta
do século XVI e é o autor do tratado sobre as artes marciais conhecido como Go Rin
No Sho ou “O Livro dos Cinco Anéis”, tido como uma referência na conduta
empresarial japonesa no século XX.
Benedict (2006, p.59) descreve em seu estudo que um grande abismo
separava o samurai das outras três classes sociais existentes, quais sejam, os
fazendeiros, os arteos e os comerciantes. A diferença entre um Samurai e a
“gente comum” estava na qualidade do serviço prestado, pois aos primeiros cabia a
tarefa da defesa do reino e da manutenção da paz dentro do reino. Portanto, tinham
o direito de usar suas katanas (espadas) como mbolo da casta e como ferramenta
de trabalho, ou seja, no controle da “gente comum”.
As constantes disputas entre os reinos escalonaram para disputas pelo
governo central e o início da Era Kamakura (1192-1333) marca o início do Bakufu ou
“governo de tenda”, entendido como o sistema feudal japonês. O Samurai Yoritomo
Minamoto assumiu o governo e foi nomeado pelo Imperador (que permaneceu como
símbolo da divindade encarnada) com o título de Seii Taishogun (Shogun) ou
“Grande General Apaziguador dos Bárbaros”.
O Bakufu era um sistema político duplo, em que o governo de fato estava nas
mãos do Shogun enquanto a Corte Imperial era mantida como símbolo de
ancestralidade divina. Além disso o regime de governo era militar, denominado de
Shogunato, em que se seguia o código de conduta Shikimoku
17
ou Joei Shikimoku
desenvolvido a partir do código Bushidō. A aprovação deste primeiro código militar
japonês em 1232 refletiu a profunda transição para uma sociedade militarizada,
perdurando por sete séculos. Foi um documento altamente legalista que salientava
um conjunto de regras e punições para a orientação dos tribunais, para os assuntos
religiosos, para as disputas de terra e para as disputas hereditárias (LU, 1997,
p.109).
17
O Código Joei encontra-se retratado na íntegra em LU, David J. Japan: A Documentary History, Volume I:
The Dawn of History to the Late Tokugawa Period. Armonk, New York: M. E. Sharp, 1997. Página 109.
45
O período do último Shogunato durante a Era Edo (1603-1868), comandado
pelo Shogun Tokugawa, ficou conhecido como a era de paz e do isolamento japonês.
O arquipélago vivenciou o término de um longo período de guerras civis, o
fechamento dos portos, a proibição do cristianismo e da liberdade de creas,
reorganização artística e educacional, e treinamento militar aos moldes do Bushidō.
Entretanto, o isolamento manteve o sistema feudal em vigor com pouco
desenvolvimento industrial ou tecnológico.
Segundo Morishima (1982, p.84) quando o Japão se viu confrontado em 1854
com o ocidente, admitiu a existência do desnível tecnológico, mas ao mesmo tempo,
abraçou a ideia do ‘espírito japos com a capacidade ocidental’, em virtude dos
ardentes sentimentos nacionalistas. De fato, Cooney (2007, p.23) discute que a
força motriz para a abertura do arquipélago ao mundo moderno e a tentativa
japonesa de se integrar no sistema mundial, procurando se industrializar e até
mesmo competir com as nações europeias, foi a percepção de que sem este passo
o arquipélago estaria vulnerável à gana colonial das nações “mais poderosas e
modernas”.
Destarte, o início da Era Meiji (1968-1912) marca a entrada do Japão no
período moderno a partir da restauração do Imperador ao governo político,
movimento conhecido como Restauração Meiji de 1868
18
. Morishima (1982)
argumenta que este movimento foi possível:
(...) devido ao fato de as comunicações e os intercâmbios interiores [entre
os reinos] durante cerca de duzentos anos de isolamento terem resultado
na quase conclusão de um trabalho de base necessário a que o país se
tornasse uma única comunidade, designadamente a uniformização da
língua, a aceitação de idênticas formas de pensar e agir por parte de
pessoas de várias províncias e a consequente semelhança nas normas e
costumes sociais. (MORISHIMA, 1982, p.90).
Ainda que o desenvolvimento militar tenha sido grande durante os culos
que perduraram o Bakufu e o Shogunato, em parte devido às escolas de preparação
para samurai, o arquipélago permaneceu tecnologicamente atrasado. A estrutura de
isolamento do restante do mundo estabelecida na Era Edo (1603-1868) durante o
Shogunato Tokugawa havia começado a declinar por volta de 1800, sendo rompida
18
Morishima (1982) discute a utilização do termo “restauração”, argumentando que seria mais correto o termo
“revolução”, pois uma grande modificação, sem precedentes foi promovida no Japão. Entretanto, utilizaremos
aqui o termo “Restauração Meiji em virtude de ser o processo político o nosso foco e, nesse sentido, ser a
Restauração Meiji o marco do final do período militar e retorno a um governo civil.
46
em 1853 com a chegada do Comodoro Matthew Perry dos Estados Unidos da
América à Baía de Edo, atual Tokyo.
Perry conseguiu a assinatura do Tratado de Kanagawa
19
em 1854, que abria
o porto de Shimoda e Hakodate aos navios mercantes dos Estados Unidos, garantia
auxílio aos marinheiros estadunidenses em solo japonês e autorizava a permanência
de um nsul estadunidense em Shimoda. Este Tratado terminou oficialmente o
período de isolamento do arquipélago.
Em 1858 assinou-se o Tratado de Amizade e Comércio ou Tratado Harris
20
com os Estados Unidos. Este tratado ampliava o número de portos abertos ao
comércio internacional, estabelecia concessões comerciais aos Estados Unidos,
garantia o princípio da extraterritorialidade aos estrangeiros em solo japos e
estabelecia taxas mínimas para a importação de produtos estrangeiros. Garantia o
intercâmbio de agentes diplomáticos e permissão para estrangeiros residirem na
zona portuária japonesa, principalmente nas cidades de Kobe, Edo (Tokyo),
Nagasaki, Niigata e Yokohama. Atrelava as taxas de importação e exportação a
serem obedecidas pelo Japão ao controle internacional impedindo a proteção e
subsídios nacionais às empresas japonesas.
Este acordo foi o primeiro de cinco outros similares assinados no mesmo ano
entre o Japão e a Rússia, a Grã-Bretanha, a França e os Países Baixos. Foram
denominados Tratados Desiguais de 1858, em referencia aos Tratados Desiguais
assinados pelas nações europeias com a China na década anterior que conferiam o
status de semicolônia às nações asiáticas.
Hook e outros (2007) destacam que estes acordos foram assimilados como
desiguais pela política doméstica japonesa, acelerando o processo de
reestruturação política que culminou com a Restauração Meiji de 1868. Estes
autores acrescentam que desde então, os japoneses procuraram empreender
arranjos e estabelecer posições de vantagem política no sistema internacional que
os soerguessem aos demais povos. A oligarquia meiji percebeu que a adoção da
tecnologia e das instituições aos moldes das nações ocidentais seria essencial para
a revisão destes tratados e uma forma eficiente de fortalecimento nacional.
19
Para o texto completo do Tratado acesse: <http://en.wikisource.org/wiki/Treaty_of_Kanagawa>.
20
O Tratado de Amizade e Corcio ou Tratado Harris encontra-se retratado em LU, David J. Japan: A
Documentary History, Volume II: The Late Tokugawa Period to the Present. Armonk, New York: M. E.
Sharp, 1997. Página 288 a 292. Outra fonte para ler o texto do Tratado é a gina:
<http://en.wikisource.org/wiki/Harris_Treaty>.
47
3.3 A Restauração Meiji
A Restauração Meiji (1868) foi, portanto, um movimento de retorno a um
modelo político centralizado na figura do Imperador. Hall (1971, p.265) afirma que ao
modificar o sistema que havia pelo retorno do Imperador ao centro do governo, o
Japão atingiu uma nova unidade nacional. Com a Restauração, além do retorno do
poder político à Corte Imperial, iniciou-se, ainda que não intencionalmente, uma
série de reformas sociais e econômicas, desenhadas para a modernização da nação.
Seus líderes enfrentaram dificuldades no campo diplomático devido aos
Tratados Desiguais de 1858 que dificultavam a concretizão de reformas
domésticas. Além disso, consideravam as pretensões imperialistas ocidentais como
uma grande ameaça à independência do arquipélago e, assim, entre 1871 e 1873 o
Diplomata Iwakura e seu grupo foram enviados à Europa e aos Estados Unidos com
o objetivo de revogar os Tratados Desiguais de 1858. A missão de Iwakura não
conseguiu revogar os Tratados, mas conseguiu apreender muito do progresso
econômico e militar das poncias ocidentais, percebendo, tamm, a necessidade
de uma modernização mais rápida do arquipélago. Assim, diversos modelos trazidos
dos Estados Unidos e da Europa serviram de base para a modernização da nação.
Fukoku Kyōhei (Enriqueça o País e Fortaleça os Militares) e Bummei Kaika
(Civilizão e Iluminação) tornaram-se os principais slogans dos governantes (LU,
1997, p.305).
A unificação e a ampliação da base de apoio ao governo central eram
consideradas importantes pelos deres e, assim, os daimyōs aliados foram
apontados como governadores de seus antigos feudos ligados ao governo central
por um sistema de distritos administrativos. A Restauração provou ser mais do que
uma simples mudança política. Era essencialmente importante para seus líderes que
a nação fosse fortalecida para confrontar o que era considerada a ameaça
estrangeira. A preocupação dos dirigentes era a de que o Japão estivesse
preparado tanto material quanto doutrinariamente para resistir a eventuais tentativas
colonizadoras das potências que estavam retalhando o território da Ásia; e de, ao
se tornar forte, disputar com essas poncias a conquista de colônias e esferas de
influência no seu próprio continente (PERALVA, 1991, p.21).
48
A Restauração, portanto, marca a transição do Japão para a modernidade.
Não foi um movimento burguês ou camponês, uma vez que seus líderes vieram da
própria elite política e militar da época (HALL, 1971, p.266). Estes líderes se
caracterizavam por uma alta educação e treinamento especializado. Muitos
possuíam grandes habilidades militares ou acadêmicas, trabalhando como
conselheiros feudais, diplomatas ou em unidades militares. A rígida disciplina
samurai os havia transformado em grandes espadachins, e os preparado para
grandes confrontos. O conteúdo do ensino formal era largamente confuciano,
prezando lealdade e dedicação à sociedade. Portanto, possuíam sensibilidade para
com os problemas nacionais e senso de serviço a uma autoridade hierarquicamente
superior (HALL, 1971, p.269).
Em termos práticos, as oligarquias da época instituíram o imposto de reforma
agrária a fim de solidificar as bases do governo. Para fortalecer a nação, subsídios
foram concedidos a instrias incipientes e passos em direção à escolaridade
obrigatória foram tomados. Isto possibilitou o desenvolvimento de trabalhadores
habilidosos, gerentes e burocratas beis para a nação. Shokusan kōgyō
(Encorajamento de Indústrias) tornou-se outra medida básica e um novo slogan do
governo (LU, 1997, p.305).
Inicialmente os subsídios se estendiam aos comerciantes particulares que se
lançavam no caminho da industrialização, mas depois o próprio governo começou a
fundar empresas. Na década de 1870, construiu a primeira ferrovia, ligando Tokyo
ao porto de Yokohama; em 1872, criou empresas telegráficas, abriu novas minas de
carvão, fundou estações experimentais agrícolas, fábricas-modelo de cimento, papel,
vidro, estaleiros navais e fundições de ferro, além de importar equipamentos
estrangeiros e técnicos para mecanização das produções de seda e de algodão
(PERALVA, 1991, p.22).
Em 1890, a estrutura administrativa básica japonesa estava estabelecida,
com uma monarquia constitucional, administração central e provincial, sistema legal,
educacional e de polícia, Exército e Marinha pequenos, porém modernos, e uma
infraestrutura para a indústria leve e pesada. Neste mesmo ano, praticamente todos
os engenheiros, conselheiros e professores estrangeiros foram substituídos por
japoneses que tinham recebido, no Japão ou no exterior, o necessário treinamento.
Peralva (1991, p.21) pontua que o governo Meiji foi bastante lúcido para dar
49
prioridade à educação, pois compreendeu que uma população tecnicamente
competente era imprescindível a um Estado moderno.
3.3.1 Os desdobramentos da Restauração Meiji
A velocidade com que o Japão alcançou patamares de desenvolvimento se
deveu em parte às missões diplomáticas de caráter observador e comparativo. O
governo meiji comparou e analisou todas as informões coletadas para decidir qual
o Estado mais pspero em cada uma das esferas, por exemplo, o que possuía um
melhor sistema educativo, uma marinha ou um exército mais evoluído.
Com base nessas informações, foram tomadas as decisões quanto ao modelo
a ser adotado no Japão. Por exemplo, o sistema educativo aprovado seguiu o
modelo francês de escolas distritais. A Marinha Imperial foi uma cópia da Marinha
Real Britânica. Para o telégrafo e o sistema ferroviário adotou-se o modelo britânico,
as universidades seguiram o modelo estadunidense. A Constituição Meiji e o
Código Civil tiveram origem germânica, mas o Código Penal teve origem no sistema
francês (MORISHIMA, 1982, p.128).
Destarte, o governo meiji adotou uma postura firme e implementou políticas
que fortaleciam o governo central ao mesmo tempo em que justificavam a
necessidade de defesa contra o que entendiam como a ameaça estrangeira. Lu
(1997, p.314) cita que era uma preocupação da época, por exemplo, um possível
confronto com a Rússia pelas Ilhas Kurilas, localizadas ao norte do arquipélago (vide
Mapa 1).
Contudo, ao iniciar a industrialização e as reformas sociais, os líderes da
Restauração Meiji enfrentaram grandes oposições domésticas. Alguns samurai, que
defendiam os preceitos políticos tradicionais, lideraram a oposição focando em dois
problemas nacionais imediatos: a segurança contra o imperialismo ocidental e a
composição de um novo exército moderno. Ao passo que havia grande consenso
entre a elite e os oposicionistas da necessidade de o Japão tornar-se econômica e
militarmente forte, resumido no slogan Fukoku Kyōhei, havia desacordo sobre como
alcançar tais objetivos. A maior controvérsia centrava-se na forma do segmento
militar moderno. Os tradicionalistas sustentavam que a melhor forma era manter a
50
classe samurai como um exército, ao passo que a maioria era favorável a um corpo
armado criado por um recrutamento nacional (LIVINGSTON; MOORE; OLDFATHER,
1973, p.165).
Com a abolição do sistema feudal, toda a guarda descentralizada existente
havia sido posta sob o controle do governo central, as armas confiscadas e os
estabelecimentos militares nacionalizados. Portanto, o governo central possuía
efetivo treinado, mas mesmo assim, em 1873 a Lei de Recrutamento Militar
21
foi
promulgada e um Ministério para Assuntos Militares criado. A Lei de Recrutamento
postulava que todo homem de 20 anos deveria se alistar e servir por três anos no
exército, e por mais seis anos na reserva, criando, assim, uma força militar nacional
sem laços locais. O recrutamento se daria através da seleção de jovens das diversas
províncias, de acordo com o tamanho da província de origem e seu porte físico, para
que fossem treinados e estivessem prontos quando a ocasião assim o exigisse.
Seriam classificados como reservistas em tempos de paz e chamados a serviço
quando necessário. Desta forma, todos os homens da nação seriam também
soldados treinados e prontos para defender o lar. As armas deveriam ser também de
procedência nacional, para que este setor não ficasse dependente de importação
estrangeira e, consequentemente, vulnerável (HALL, 1971, p.280).
Do ponto de vista doutrinário, Morishima (1982) discute que a Lei de
Recrutamento Militar foi redigida a partir de uma perspectiva confuciana, mas que
não constituía um código moral especifico de um grupo social restrito, como havia
acontecido com o Código Joei. Para que tivesse alcance nacional, o governo aboliu
oficialmente o sistema tradicional de castas, retirando as prerrogativas da classe
samurai sobre a “gente comum”, e, consequentemente, igualando a todos. Como
resultado, recaiu sobre a totalidade da população a obrigação da segurança nacional,
e todos os japoneses foram considerados guerreiros em potencial.
Morishima (1982, p.193) destaca, ainda, que o recrutamento provou ser não
apenas um meio efetivo de controle social, como também possibilitou a doutrinação
de jovens das zonas rurais. A escolaridade obrigatória e a preparação militar
serviram para difundir os conceitos de lealdade e devoção filial entre toda a
população, e nos anos finais da Era Meiji a consciência nacional do povo havia
alcançado um nível incomparavelmente elevado.
21
A Lei de Recrutamento Militar de 1873 está retratada em LU, David J. Japan: A Documentary History,
Volume II: The Late Tokugawa Period to the Present. Armonk, New York: M. E. Sharp, 1997. Página 319.
51
A Restauração Meiji proporcionou também uma modificação na estrutura de
classes aentão rigidamente estabelecida. As modificações políticas e econômicas
desencadearam diversas consequências para o social e ainda que uma modificação
não tenha sido arquitetada em princípio, esta ocorreu como um desdobramento da
Restauração.
Muitos samurai que o pertenciam ao primeiro escalão lideraram um
movimento por equidade política e direitos dos cidadãos. Eles queriam alguma forma
de representatividade no governo e lutaram pelo estabelecimento de uma
assembleia representativa. Muitos estudaram na Europa e nos Estados Unidos e
trouxeram para o Japão esta visão ocidentalizada sobre o indivíduo. Como exemplo,
a universidade particular Keio Gijuku Daigaku foi fundada por Fukuzawa Yukichi
(1834-1901), samurai que estudou na Alemanha. Seu ensino voltado ao utilitarismo
e à política econômica auxiliou na formação da classe empresária japonesa (LU,
1997, p.347).
A ideia de uma representação popular instituída no governo central agradou a
elite dominante, uma vez que isto dividiria o poder do Gabinete do Imperador, e,
assim, diversos documentos que alegavam a necessidade de um governo
representativo foram despachados. Lu (1997, p.327) destaca que o modelo
escolhido foi o inglês, pois possuía um parlamento com uma mara baixa e uma
mara alta, entretanto, seu processo de construção foi conturbado, período
conhecido como a crise de 1881. De fato, muitos dos pensadores japoneses da
época eram liberais que haviam se formado na França e, portanto, uma
representação oligárquica como a inglesa não agradou muito. As ideias que
trouxeram, principalmente de Rousseau e Comte influenciaram sobremaneira os
líderes do movimento dos direitos dos cidadãos.
Este período conturbado resultou na criação do parlamento, denominado a
Dieta, que além de legislar deveria fiscalizar as atividades do Gabinete do Imperador.
Isto porque o medo de uma autarquia era grande e a tarefa da Dieta seria a de vigiar
o Imperador para que o mesmo não abolisse a representação popular. Seguindo o
modelo britânico, eleições regulares seriam realizadas para que os membros da
Câmara baixa da Dieta fossem escolhidos pelo povo e não por escolha do Imperador.
Dessa forma, a Dieta representava a participação direta da população nas decisões
do governo central, fiscalizando-o e ao mesmo tempo contribuindo para a
consolidação do sistema central de governo (LU, 1997, p.333).
52
3.3.2 A Constituição Meiji
Outra consequência da crise política de 1881 foi a promulgação de uma nova
Constituição em 1889, a Constituição Meiji
22
ou Constituição do Império Japonês.
Diversas constituições ocidentais foram analisadas e percebeu-se que a constituição
prussiana seria um bom modelo, pois era igualmente uma sociedade representativa
com um Imperador ou Kaiser governando. Esta Constituição tamm permitia um
sistema de imposto contínuo que fortalecia financeiramente o governo. Além disso, a
seleção dos gabinetes ministeriais era prerrogativa do Imperador, sem o controle da
Dieta. Dessa forma, o parlamento controlaria o Imperador e este o controlaria (LU,
1997, p.333).
David Lu (1997) argumenta que embora tenha sido tratada como um
documento absolutista por afirmar o poder do Imperador, a Constituição Meiji foi o
primeiro documento asiático que forneceu os meios para se estabelecer um
parlamento eleito pelo povo, sendo a fundação para a participação popular na
política dos anos vindouros.
Em síntese, a Constituição Meiji afirma o poder do Imperador, sua origem
divina e tarefa como soberano. Seria sua tarefa comandar as forças armadas e a
marinha, além de zelar pela segurança de todos, tendo, portanto o direito de legislar
diretamente e sem a Dieta caso a ocasião assim o exigisse. Os direitos e deveres
dos cidadãos seriam declarados por lei, deveriam servir no exército, pagar imposto,
residir em uma proncia, e serem punidos e julgados de acordo com as leis
vigentes
23
. O direito de propriedade e de privacidade estava igualmente assegurado
e caso houvesse desapropriação, esta deveria proceder também sob as leis vigentes.
Poder-se-ia professar a religião de sua escolha desde que esta o causasse
dano à ordem e à paz nacional, e a religião estatal fosse respeitada. A liberdade de
expressão, ainda que controlada por leis específicas, e o direito de recorrer à justiça
e registrar petições na Dieta eram igualmente assegurados. Entretanto, em tempos
de guerra ou emergências nacionais todos estes direitos poderiam ser
temporariamente revogados.
22
Para o texto completo da Constituição Meiji acesse a página da Biblioteca Nacional da Dieta:
<http://www.ndl.go.jp/constitution/e/etc/c02.html>.
23
Ruth Benedict (2006) destrinchou este sistema de direitos e deveres dos cidadãos descrevendo-o em sua
pesquisa, bem como a repercussão disso no dia a dia da população japonesa da época.
53
Ao parlamento - a Dieta - o texto constitucional garantia a existência de duas
casas: Câmara dos Lordes e mara dos Comuns. A Câmara dos Lordes seria
composta pelos membros da nobreza e a Câmara dos comuns seria preenchida por
meio da eleição direta de acordo com a lei eleitoral. Não se poderia pertencer às
duas casas e todas as leis deveriam ser aprovadas pela Dieta. Poderiam rascunhar
leis e legislar sobre as leis rascunhadas pelo Imperador. A Câmara dos Comuns
poderia ser dissolvida e nova eleição convocada, o mesmo não ocorrendo com a
Câmara dos Lordes. As regras para o funcionamento da Dieta seriam reguladas pelo
Imperador e as sessões teriam caráter público podendo ser assistidas pelo povo. Os
parlamentares não teriam direitos especiais, sendo tratados como cidadãos comuns
pelas leis penais.
Os Ministros de Estados seriam os conselheiros do Imperador e todas as leis
formuladas por ele deveriam ser aprovadas por seus Ministros. O judiciário seria
exercido pela Corte de Lei, definida por lei e em nome do Imperador. Os juízes
seriam escolhidos de acordo com suas qualificações e titulações, estando
igualmente sujeitos ao código penal como cidadãos comuns. A lei oamentária
deveria ser aprovada pela Câmara dos Comuns incluindo as despesas do Imperador
e a cobrança de impostos teria caráter contínuo, podendo ser reformulada somente
com a aprovação da Dieta. Uma auditoria determinada por lei sobre o orçamento do
ano precedente deveria ser formada todo ano para verificação de seu cumprimento.
Possíveis emendas à Constituição seriam submetidas ao Imperador e, depois de
aprovadas por este, postas em votação na Dieta, salvo aquelas que se referiam ao
próprio Imperador.
O novo sistema político baseado na Constituição Meiji era, pois, autocrático e
centralizado. Relegava à Dieta um papel secundário e ressuscitava a instituição
imperial tornando o Imperador o símbolo chefe de autoridade estatal, ainda que ele
governasse através de seu Gabinete. Assim, as oligarquias estabeleceram um
regime que garantiria a continuação de seu controle da sociedade em
desenvolvimento em face à oposição formada tanto pelos oposicionistas quanto por
forças populares (LIVINGSTON; MOORE; OLDFATHER, 1973, p.186).
A Constituição Meiji provou ser uma mescla de política ocidental com
tradições políticas japonesas. O Imperador era o sagrado monarca e a população
seus súditos e servos leais. A maquinaria política tornou-se burocratizada e
centralizada. A marinha e o exército estavam sob comando do Imperador,
54
independente de controle civil. A administração local era feita pelo centro através de
governadores designados. As classes sociais foram abolidas, bem como as
restrições sociais do Shogunato Tokugawa; e a abolição da classe samurai veio
como efeito do recrutamento militar nacional. Entretanto, a noção de hierarquia
social nunca foi totalmente abolida (HALL, 1971, p.298).
3.3.3 Bummei Kaika e o Édito Educacional
O esrito da Restauração Meiji talvez seja mais bem revelado no slogan
Bummei Kaika ou Civilizão e Iluminação, tornando-se o tema daqueles que viram
o Japão emergir do barbarismo. Para Hall (1971, p.290) as qualidades da iluminação
do progresso e do individualismo foram exemplificadas nas palavras da política e da
educação ocidental, mas destaca que muitos acreditavam que para tornar-se
realmente civilizado, o japonês deveria não viver como os europeus, mas pensar
como eles, sendo o Cristianismo uma das possíveis formas de aprendizado.
Hall (1971, p.291) salienta que a discussão sobre o cristianismo levantou a
questão da identidade japonesa. Para ser civilizado, o povo japonês deveria abrir
mão de seus deuses e de seu Imperador? Em resposta, uma corrente de reação
etnocêntrica se espalhou e reações tradicionalistas emergiram na década de 1880
instando em todos que retivessem o senso de identidade cultural face à influência
ocidental. Seus maiores defensores estavam dentro do governo, que logo agiram
rapidamente com a criação de um novo sistema de educação como agente da
modernização da nação e conservão dos valores tradicionais. Como resultado, o
Édito Educacional Imperial foi promulgado em 1890, mesclando elementos de
adoração shintoísta, da lealdade confuciana e da obediência budista, ensinando a
todos a arte de servir ao Estado.
Assim, o Édito Educacional foi emitido pelo Imperador um ano após a
promulgação da Constituição. Sob o manto do nacionalismo moderno as crianças
foram ensinadas sobre a origem divina do Imperador e sobre a importância da
tradição dos antepassados japoneses. Para o governo imperial a educação
compulsória foi o meio mais efetivo de gerar nacionalismo e foi importante quando o
governo procurava sua estabilização.
55
Dessa forma, a identidade nacional formada com a Restauração Meiji estava
associada à fé da população no Imperador na sua divindade e onipotência. A
governabilidade doméstica foi facilitada pela necessidade de unificação frente ao
que era considerado como a amea das potências ocidentais (NISHI, 1982, p.12).
O Shinto ou “Caminho dos Deuses” teve um papel central no sistema
educacional da Restauração Meiji. Antes de sua elevação ao status de religião oficial
do Estado, o shintoísmo havia sido apenas uma mitologia, ainda que puramente
japonesa, que explicitamente colocava o Imperador como sagrado. Portanto, serviu
muito a uma orientação mais nacionalista e formou uma parte essencial da ideologia
que sustentou o nacionalismo e o militarismo japoneses. O confucionismo
permaneceu importante em definindo o papel da família na forma tradicional feudal,
mas secundário ao shintoísmo. Eventualmente, elementos do pensamento
confuciano foram absorvidos pela ideologia shintoísta. Ambos apoiavam as
tendências autoritárias na educação e ambos foram bastante utilizados na luta
contra a influência das ideias e valores liberais ocidentais (LIVINGSTON; MOORE;
OLDFATHER, 1973, p.158).
O governo meiji usou a rede de templos shintoístas para os propósitos
nacionais de doutrinação através da educação e da crença. O shintoísmo ampliou o
patriotismo japonês com uma aura de misticismo e introspecção cultural. Seus
objetivos enfatizavam a preservação do caráter nacional único japonês e da busca
pela missão especial do Jao na Ásia, qual seja, a de unificação do continente
sendo o Japão o seu líder e guia (HALL, 1971, p.328). Peralva (1991) sintetiza que;
Desse modo se explica a dupla preocupação dos dirigentes: de o Japão
estar preparado, material e doutrinariamente, para resistir a eventuais
tentativas colonizadoras de potências imperialistas que retalhavam o
território asiático à época; e de, ao se tornar suficientemente forte, disputar
com essas potências a conquista de colônias e esferas de influência no seu
próprio continente (PERALVA, 1991, p.21).
Destarte, o ensino tornou-se doutririo e nacionalista. Nas escolas civis, bem
como nas forças armadas, ensinava-se aos jovens japoneses a glorificar as
tradições militares do Japão. Eles chegavam a acreditar que a morte pelo Imperador,
no campo de batalha, era o destino mais glorioso do homem. “(...) as escolas se
transformaram crescentemente num meio de ensinar ao povo, sobretudo o que
pensar, ao invés de como pensar” (PERALVA, 1991, p.21).
56
3.4 O Império Japonês e a Segunda Grande Guerra
Juntamente com o progresso da burocracia e do sistema parlamentar, a força
militar da nação também se desenvolvia rapidamente. As oligarquias igualmente
buscaram o modelo ocidental, pois queriam um país forte o bastante para se
defender. Conselheiros franceses e alemães foram recebidos no Japão e oficiais
japoneses foram enviados à Europa. O Japão acreditava que uma força armada
forte igualaria suas condições com as potências ocidentais. Mais adiante,
compreendia que a aquisição de colônias era igualmente importante para tal objetivo.
Nas cadas de 1870 e 1880, reestruturou-se a administração do setor militar
seguindo o modelo alemão que previa a especialização em treinamento militar.
Enquanto isso, o período do serviço militar obrigatório foi ampliado para doze anos
(três anos de serviço e nove anos na reserva), criando assim um efetivo de paz de
73 mil homens e uma força de guerra total de 200 mil. Em 1896, o setor militar foi
intensificado, aumentando o mero de divisões e equipando toda a força regular
com fuzis de fabricação nacional.
O Ministério da Marinha, seguindo o modelo britânico, intensificou a
construção naval, aumentando o número de navios de guerra japoneses de 17 em
1872, para 28 em 1894, chegando a 76 em 1903. A indústria militar foi colocada sob
a administração governamental, assim como outras instalações que tinham uso
militar, como, por exemplo, o sistema de telégrafo, estradas de ferro e telefones. A
eficiência do setor militar japonês foi demonstrada primeiramente com a supressão
de uma rebelião na Província de Satsuma de 1877, com a vitória sobre a China em
1895 e, com a vitória sobre a Rússia em 1905. O setor militar provou, assim, ser
capaz de manter a ordem interna e de defender o país de agressões estrangeiras
(LIVINGSTON; MOORE; OLDFATHER, 1973).
O Japão estava ganhando espaço no clube das nações imperialistas e foi
recompensado por sua rápida incursão na guerra Sino-japonesa de 1894-95 contra
uma China desorganizada e militarmente fraca. Os japoneses conquistaram
facilmente a Coreia, destruíram as forças navais chinesas, invadiram o sul da
Manchúria e capturaram o Porto de Wei-haiwei no próprio território chinês. No
Tratado de Paz de Shimonoseki de 1895, tamm classificado como um Tratado
Desigual, a China concordou em pagar grande indenização ao Japão, reconhecendo
57
a completa independência da Coreia e cedendo aos japoneses a Ilha de Formosa,
as estratégicas Ilhas dos Pescadores localizadas entre Formosa e a costa chinesa, e
a Península de Liaotung na ponta meridional da Manchúria
24
(PERALVA, 1991, p.23).
Em 1899, os Tratados Desiguais de 1858 entre Japão e as potências
ocidentais foram então revisados e em 1902 o Japão e a Grã-Bretanha assinaram
uma aliança militar. Em 1904, o Japão lutou contra a Rússia por privilégios
econômicos na Manchúria e sua vitória terrestre e marítima, bem como a destruição
da frota Russa, reafirmaram sua força em ascensão. Na Conferência de Versalhes,
ao final da Primeira Grande Guerra (1914-1918), foi tratado como um dos Cinco
Grandes, reconhecido como potência militar e industrial. No Conselho da Liga das
Nações, ali criada, passou a ocupar um lugar de membro permanente (PERALVA,
1991, p.25).
A Aliança Anglo-Japonesa de 1902
25
assegurava que os Estados
permaneceriam neutros, caso um ou outro se encontrasse em guerra. No entanto, se
essa guerra escalonasse para dois ou mais adversários, o outro signatário estaria
obrigado a fornecer ajuda militar. O interesse comum alimentado pela aliança era a
oposição à expansão russa na Ásia, explicitando, ainda, o interesse japonês na
Coreia e o interesse britânico na Índia. A aliança foi renovada por duas vezes, em
1905 e 1911. Em junho de 1921, na Conferência Imperial em Londres, estabeleceu-
se a criação de um tratado multilateral que incluía os Estados Unidos, a China e
outros países com interesses na região, dando início a uma série de acordos
multilaterais como, por exemplo, o Tratado das Quatro Potências, o Tratado das
Cinco Potências e o Tratado das Nove Potências. Foram acordos que mantinham o
status quo da região asiática, garantiam o equilíbrio do poder naval e definiam as
áreas de influência europeias, estadunidenses e japonesas principalmente na China,
Coreia e entorno. Com isso a aliança anglo-japonesa foi encerrada em 1923.
Destarte, o Japão havia se tornado uma potência regional e se denominava
Dai Nippon Teikoku ou Grande Japão Imperial (vide Mapa 1). O Imperador era visto
como um general imponente, simbolizando a força da nação, e um pai para todos.
As guerras uniram ainda mais a não. Um novo templo
26
chamado Yasukuni Jinja,
24
Tratado de Shimonoseki na íntegra: <http://en.wikisource.org/wiki/Treaty_of_Shimonoseki>.
25
Para o texto completo acesse: <http://www.jacar.go.jp/nichiro/uk-japan.htm>.
26
Localizado em Tokyo, é até hoje um polêmico santuário shintoísta. Atualmente é financiado por capital
privado, mas ainda possui o livro das almas com os nomes dos soldados japoneses do período Imperial, mortos
em combate, além de um museu da guerra com artefatos coletados. As visitas ao santuário por membros do
58
foi construído como um símbolo do sacrifício patriota. O Japão conseguiu construir
uma máquina militar formidável e unificar a máquina estatal na figura do Imperador
Meiji (HALL, 1971, p.307).
As guerras contra a China e a Rússia foram um estímulo para a indústria
naval japonesa e têxtil, e o setor industrial foi se desenvolvendo com ganhos reais
na agricultura, mineração, pesca e silvicultura. O Japão continuou a exportar têxtil e
a financiar a importação de maquinaria estrangeira sem perda de controle de sua
economia. As novas colônias providenciaram recursos naturais e oportunidades para
expansão da atividade econômica (LIVINGSTON; MOORE; OLDFATHER, 1973).
A condução dos negócios japoneses divergia significativamente de outras
nações industriais. Inicialmente, o governo meiji havia financiado diretamente o
desenvolvimento industrial. Mais tarde, o governo vendeu estes empreendimentos a
grupos de negociantes embora ainda mantivesse fortes laços com estes. Estes
grupos foram chamados de Zaibatsu ou clubes financeiros, e operavam sob nomes
de famílias e regras de clãs, chegando a dominar completamente a economia
japonesa no período. Durante a Segunda Grande Guerra, quatro grandes Zaibatsu
lideravam o setor: o grupo Mitsui, o Mitsubishi, o Sumitomo e o grupo Yasuda que se
concentravam nas manufaturas japonesas. Além deles existiam pequenas indústrias
caseiras e firmas medianas (LIVINGSTON; MOORE; OLDFATHER, 1973, p.200).
Entretanto, tornava-se cada vez mais acentuado o dualismo existente na sociedade
e na economia japonesa, sendo grandes as diferenças de salários entre as grandes
e as pequenas e médias empresas, aumentando o abismo entre ricos e pobres
27
(MORISHIMA, 1982, p.193).
Destarte, industrializão, imperialismo, instabilidade econômica mundial e o
rápido crescimento econômico japonês trouxeram insatisfação e descontentamento
entre os trabalhadores, camponeses e intelectuais. Ocorreram motins em 1918
contra o alto preço do arroz, organizações trabalhistas e socialistas cresceram em
força. A resposta da elite governante foi dupla, pois ao mesmo tempo em que uma
grande repressão foi promovida contra os grupos radicais, o governo também tolerou
partidos moderados de esquerda e fez concessões legislativas, como o sufrágio
Gabinete Ministerial causam até hoje protestos domésticos e internacionais. Para maiores informações acesse o
site do templo: <http://www.yasukuni.or.jp/english/>.
27
Morishima (1982) aprofunda seu estudo nesta temática e apresenta um estudo estatístico detalhado sobre as
diferenças entre salários, condições de trabalho e nero, existentes entre as empresas da época, procurando
traçar um perfil de conduta japonesa baseado na lógica confuciana da lealdade para com seu senhor e a nação.
59
universal masculino em 1925, por exemplo. Portanto, diversos partidos políticos
cresceram neste período e seus líderes se uniram aos líderes militares, aos líderes
do Zaibatsu e à burocracia governamental ao fazerem as políticas chaves para o
Japão. Alguns foram os embriões dos partidos políticos japoneses atuantes durante
a Guerra Fria.
Entretanto, Livingston, Oldfather e Moore (1973, p.201) argumentam que isto
não foi um triunfo da democracia ou da participação popular, uma vez que os
partidos ganhavam mais através de compromissos e acordos com os burocratas,
líderes militares ou com o zaibatsu. Quando a população pôde votar, os partidos não
tinham quase nenhuma influência em decisões políticas importantes ou na forma
como o governo era conduzido.
3.4.1 A sociedade japonesa e o militarismo no Império
A restauração conduzida em nome do Imperador colocou a Casa Imperial de
1868 a 1945 em uma posição política formal e sob uma aura quase religiosa,
situando-se acima de todas as instituições da sociedade japonesa. Imediatamente
abaixo vinha a aristocracia, subdividida em três grupos. A Corte aristocrática
hereditária, os descendentes dos daimyō, e os demais líderes (antigos samurai) da
restauração que adquiriram status de nobreza. Abaixo da aristocracia existia uma
divisão hierárquica tanto na zona rural quanto na urbana. Na zona rural os mais
proeminentes eram os latifundiários, depois os fazendeiros estabilizados e por último
os camponeses sem terras ou que deveriam alugar terras para trabalhar e
sobreviver. Na área urbana a classe mais proeminente era composta pelos donos
das fortunas tradicionais como os banqueiros, empresários ou herdeiros. Logo
abaixo vinham os trabalhadores assalariados mais esveis e donos de pequenos
negócios. Por último os subempregados, serviçais e desempregados, todos
considerados parias da sociedade. As diferenças financeiras eram enormes. As
famílias mais abastadas gastavam cerca de 20% de sua renda em alimentação, ao
passo que famílias mais pobres gastavam cerca de 60% (ALLINSON, 2004, p.15).
O moderno e o antigo se mesclavam, portanto, na década de 1920 dentro de
uma sociedade japonesa marcada pela desigualdade (ALLINSON, 2004, p.11). A
60
pequenez das ilhas japonesas, a pouca existência de recursos naturais, e o baixo
padrão de vida em que o Japão comou seu desenvolvimento econômico marcou o
seu desenvolvimento desde o inicio da Era Meiji. A rápida mudança na estrutura e
tecnologia econômica após 1880 criou um grande desequilíbrio nas taxas de
desenvolvimento. O crescimento industrial moderno foi alcançado em apenas uma
parte da economia, e assim, em 1920 o setor estava nas mãos de um pequeno
grupo de complexos industriais (zaibatsu) que tanto exploravam quanto debilitavam
o setor tradicional da economia (agricultura) (HALL, 1971, p.311).
O Zaibatsu era controlado por uma família ou um grupo familiar que exercia
seu controle financeiro através de uma corporação. Geralmente consistia em cerca
de dez firmas interligadas que ordinariamente incluíam um banco, uma firma de
comércio internacional, uma entidade estatal, uma companhia de seguros, várias
manufaturas e uma mineradora. O objetivo inicial era ser capaz de gerar o capital
domesticamente e se fortalecer frente ao mercado externo. Desta forma o Zaibatsu
alcançou um alto grau de autonomia financeira (ALLINSON, 2004, p.24).
Enquanto poucos viviam confortavelmente, milhares vivam em situação de
miséria. O sistema político e o sistema educacional refletiam esta realidade.
Frequentemente, o status social significava status político e educacional no Japão.
Os mais abastados iam para as universidades e ocupavam postos estratégicos na
política e nos negócios, ao passo que os mais humildes cumpriam o curso sico e
iam trabalhar nas indústrias, casas tradicionais, entre outros. A posição feminina era
mantida como inferior à masculina (ALLINSON, 2004, p.22).
Assim, o Japão enfrentava dois problemas primários de ajuste doméstico no
como do século XX. Por um lado, as necessidades e demandas dos trabalhadores
da indústria cresciam juntamente com os movimentos trabalhistas e a preso no
governo por melhores condições de trabalho. Por outro lado, o problema era o setor
agrário. Os aluguéis de terra permaneceram altos, a tecnologia ainda arcaica, e
muitos fazendeiros se sujeitavam a um sistema de vassalagem para com grandes
latifundiários submetidos a contratos desiguais e sem proteção legal.
Embora o desenvolvimento industrial tenha sido notável e a urbanização
acelerada, ambos o modificaram o padrão da agricultura japonesa na zona rural e
a economia continuava a depender das exportações agrícolas, principalmente
têxteis, para a sua sobrevivência. A grande dependência de recursos naturais
61
estrangeiros era igualmente preocupante e era uma das justificativas imperialistas
japonesas (HALL, 1971, p.313).
Neste contexto, a prosperidade do setor militar cresceu e o próprio setor se
tornou o veículo mais poderoso de propaganda de um pensamento nacionalista e
militarista. As foas armadas sempre tiveram um braço político forte e seu
treinamento e recrutamento aos moldes samurai os deixavam sensíveis aos
problemas nacionais e prontos para influenciar a política nacional. Os oficiais
graduados podiam interferir na política diretamente, pois não se encontravam sob
controle civil (HALL, 1971, p.330).
Os treinamentos afetavam um grande segmento populacional e se estendiam
às colônias, pois estas estavam diretamente subordinadas ao comando militar. A
população começou a ver nos militares a mística do Samurai resumida nos
ensinamentos do Bushidō, em contraste aos políticos corruptos que o teriam o
senso de dever e serviço para com a nação que os militares tinham. Os jovens
militares cresciam isolados da sociedade, pois entravam em um programa de
treinamento que os separava do sistema educacional público e os colocava em
academias militares. Ali eram imbuídos com ideias de autoridade e disciplina da vida
militar (ALLINSON, 2004, p.34).
Estas ideias puderam ser visualizadas em 1972 quando um soldado imperial
foi encontrado na selva de Guam, local em que havia se escondido por 28 anos.
Nishi (1982) descreve que este soldado sabia que a guerra havia acabado, mas
afirmara que a rendição era considerada por ele pior do que a morte. Afirmou ainda
que apenas continuou sobrevivendo porque acreditava no Imperador e no espírito
japonês. Nishi (1982) discute que o aparecimento do soldado tanto amedrontou
quanto fascinou os sobreviventes da geração japonesa anterior à Segunda Grande
Guerra. Isto porque ele os lembrava da miséria e do horror da guerra e o quanto ele
personificava a “verdadeira lealdade” que o governo imperial eficazmente cultivou.
Quando questionado sobre a guerra, afirmou que o Japão havia perdido
porque não possuía armamento adequado embora possuísse a foa espiritual
necessária. Declarou, tamm, que havia trazido o rifle do Imperador (todo
armamento era de propriedade do Imperador sendo cedido por ele aos seus
soldados) e que se a ocasião permitisse ele se desculparia perante seu soberano da
forma mais humilde possível pela sua falta de servidão. Ao final do mesmo ano,
outros dois soldados foram descobertos nas Filipinas e enfrentaram o exército local.
62
Um foi morto e o outro escapou para a floresta. Em fevereiro de 1974 um repórter
japonês conseguiu contatá-lo, mas ele alegou que apenas se renderia se seu
superior assim o ordenasse. O oficial em questão, major reformado do exército
imperial e o repórter, foram a o soldado e ele então se rendeu (NISHI, 1982, p.300).
Benedict (2006, p.34) estudou os relatos dos prisioneiros de guerra japoneses
e destacou que muitos atribuíam seu militarismo à figura do Imperador, pois estavam
cumprindo a sua vontade”, “despreocupando a sua mente”, “morrendo por ordem do
Imperador”. Entretanto, muitos relatos igualmente condenavam a guerra e
imputavam suas opiniões pacíficas como sendo as do próprio Imperador referindo-se
a ele como “sua pacífica Majestade”.
Contraditório, a princípio, Benedict (2006, p.35) argumenta que na realidade o
Imperador era o referencial para todos. Ainda que houvesse divergências de opinião
ou vontades individuais, todos se reportavam hierarquicamente ao Imperador e
cumpriam a sua vontade. De fato, o setor militar parece ter usado o recurso da
lealdade em favor de uma campanha ultranacionalista, exortando seus homens a
satisfazer os desejos de sua Majestade, a demonstrar respeito por sua
benevolência imperial, a morrer pelo Imperador”.
Assim, toda uma população foi educada no culto à personalidade do
Imperador considerando uma glória morrer por ele, e consolidou-se uma oficialidade
militar e naval paralela à administração civil burocratizada existente. Tudo isso
conjugado favoreceu o uso da força e a campanha militar como políticas de defesa
da nação (PERALVA, 1991, p.21).
3.4.2 A Segunda Grande Guerra
O conjunto de eventos que culminou na entrada do Japão na Segunda
Grande Guerra na parte asiática atrela-se diretamente à expansão militar e imperial
japonesa. As tensões internacionais do período entre guerras e as crises
econômicas, como a Grande Depressão de 1929, contribuíram para o
escalonamento do conflito. Mesmo com a assinatura de vários tratados com as
demais grandes potências na década de 1920 e com os acordos na Liga das
63
Nações, o Japão continuou uma campanha de anexação de territórios e
fortalecimento militar, demonstrada no mapa (Vide Mapa 1).
Neste período o Japão havia enfrentado internamente algumas crises
econômicas, dentre elas uma grande destruição por terremotos em 1923, a falência
das pequenas e médias empresas e maior empobrecimento da zona rural, piorando
ainda mais o problema social existente. Muitos segmentos, simpáticos ao setor
militar, apoiaram um movimento em direção ao extremismo militar em resposta ao
crescente senso de insegurança nacional do período (HALL, 1971, p.326).
Lu (1997, p.47) descreve que, entre as políticas defendidas pelos militares,
estava a reivindicação de uma política de segurança nacional guiada pelos moldes
tradicionais e milenares japoneses. Em 1936, o Japão aprovou as diretrizes de sua
política nacional no documento Os Princípios Fundamentais da Política Nacional
28
que resumia os objetivos nacionais de consolidação do Império Japonês no leste
asiático e do avanço militar na região do pafico sul.
Além disso, o documento atrelava a política de defesa e segurança nacional à
ampliação do armamento do setor militar e da consolidação do Japão como força
militar estabilizadora da Ásia. Benedict (2006, p.26) explica que os japoneses
entendiam ser necessário o estabelecimento de uma hierarquia entre as nações e
que eles deveriam ocupar “o seu devido lugar no mundo”, que seria uma posição
proeminente no cenário internacional condizente com a capacidade do povo japonês
de levar a cabo seu projeto imperialista e militar.
No mesmo ano o Japão assinou o Pacto Anti Comitern
29
com a Alemanha.
Ambos os Estados estavam em conflitos políticos e territoriais, principalmente com a
União Soviética, e queriam se fortalecer com a garantia de auxílio mútuo em caso de
agressão bélica. Desconsiderando os demais acordos internacionais e se retirando
da Liga das Nações, o Japão retomou em 1937 a campanha de anexação de
terririos no continente asiático com a ocupação de parte da costa chinesa e
algumas cidades principais.
Estas ocupações asseguravam a aquisição de matérias-primas para a
manutenção e fortalecimento do setor militar, contra uma eventual disputa bélica. E
em 1938 o governo japonês adotou a Lei de Mobilização Geral Nacional. Todas as
28
O documento “Os Princípios Fundamentais da Política Nacional” de 1936 está retratado em LU, David J.
Japan: A Documentary History, Volume II: The Late Tokugawa Period to the Present. Armonk, New York:
M. E. Sharp, 1997. Página 418-420.
29
Para o texto na íntegra acesse: <http://avalon.law.yale.edu/wwii/tri1.asp>.
64
facções da ala direita haviam se unido e o país tornou-se uma mistura de
nacionalismo, veneração ao Imperador, ultranacionalismo e militarismo
(MORISHIMA, 1982, p.213).
Em 1939 iniciou-se a Segunda Grande Guerra (1939-1945), com frentes de
batalha na Europa e na Ásia. Em 1940, firmou-se o Pacto Tripartite
30
entre
Alemanha, Japão e Itália, para a cooperação nos esforços de guerra. A guerra
trouxe também um atrito entre o setor militar e as elites empresariais japonesas. O
zaibatsu aproveitou a oportunidade para investir na indústria pesada, assumiu o
controle da regulação industrial e ainda conseguiu acordos de indenização por
perdas devido a bombardeios. O Japão deste período, portanto, não foi
simplesmente uma ditadura militar; foi uma nação liderada por representantes das
indústrias e da burocracia governamental, tanto quanto dos soldados (LIVINGSTON;
MOORE; OLDFATHER, 1973, p.452).
Em 1942 o Japão foi considerado uma potência asiática naval e continuou
sua campanha de agressão na região. Todavia, a entrada da União Soviética na
parte asiática do conflito dificultou a campanha japonesa. Em 1943 a área de
influência japonesa se estendia a Burma, Filipinas e Tailândia (vide Mapa 1). A
justificativa oficial era a união asiática contra os abusos ocidentais, entretanto, na
prática, ocorria o que David Lu (1997, p.417) chamou de japonização da área, com
a construção de diversos templos, acordos comerciais, concessões políticas e
remessas de matéria-prima para o arquipélago japonês.
Benedict (2006, p.10) destaca que as conveões de Guerra, que as nações
ocidentais aceitavam como fatos consagrados da natureza humana, obviamente não
existiam para os japoneses. A Segunda Grande Guerra, para a autora, constituiu-se,
por isso mesmo, em algo mais do que uma rie de desembarques em praias de
ilhas ou um problema de logística. Destaca, ainda, que seria necessária a
compreensão das motivações nacionais e da conduta política japonesa para melhor
combatê-los.
Uma série de encontros diplomáticos entre Japão e os Estados Unidos
ocorreram em 1940, pouco antes do ataque a Pearl Harbor. O Centro para Estudos
Asiáticos da Universidade da Califórnia possui em seu acervo algumas
30
Retratado em LU, David J. Japan: A Documentary History, Volume II: The Late Tokugawa Period to the
Present. Armonk, New York: M. E. Sharp, 1997. Página 424-425
65
correspondências trocadas nesses encontros e que mostram uma tentativa de
resolução diplomática do conflito que, entretanto, não ocorreu.
Em uma das correspondências
31
, por exemplo, os Estados Unidos alegavam
entender ser a vontade de ambos, Estados Unidos e Jao, a finalização do conflito
bélico na região asiática e, para tanto, deveriam se ater às negociações amigáveis
encerrando os confrontos armados na região, restituindo a liberdade que era
inerente a esses povos. Em resposta, o Japão redigiu uma correspondência
encerrando as negociações diplomáticas, alegando o seu dever de concluir sua
campanha Imperial na Ásia e que os Estados Unidos deveriam respeitar este dever
japonês. Em 1941 o Japão atacou a base estadunidense de Pearl Harbor, localizada
no Havaí. Este ataque levou os Estados Unidos a declararem oficialmente guerra
contra o Eixo, ingressando no conflito (MASAHIDE; WATANABE, 1990).
A decisão estadunidense de bombardear e destruir as cidades japonesas,
levando o conflito para dentro do arquipélago, veio como tentativa de desestabilizar
a campanha japonesa no continente, vitoriosa à época. Em novembro de 1944 as
primeiras bombas incendiárias foram jogadas em Tokyo e as incursões aumentaram
com o passar dos meses, com centenas de aviões bombardeando ao mesmo tempo.
Auxiliado pelos vendavais recorrentes, o fogo assolou cidades feitas de madeira e
papel em grandes tempestades de fogo e ao final da guerra cerca de 668.000 civis
haviam morrido, mais do que as baixas militares. Ao todo, cerca de 50% das casas
de 66 cidades e vilas foram destruídas (LIVINGSTON; MOORE; OLDFATHER, 1973,
p.475).
A campanha bélica japonesa no continente ainda estava forte e era o
entendimento estadunidense de que somente com a destruição do arquipélago
japonês é que se conseguiria a vitória sobre a força militar estacionada no
continente. Benedict (2006) argumenta que, na verdade, as incursões dos aliados no
arquipélago abalaram o setor civil japonês e não o setor militar. Entretanto, abalaram
também a segurança do Imperador, e após alguns distúrbios políticos dentro do
Gabinete, o Imperador declarou o término do conflito e o retorno de todos os
soldados para casa. Assim, para a autora foi a autoridade Imperial que finalizou a
campanha militar japonesa, e não a capacidade lica atômica estadunidense
demonstrada em 1945.
31
Mais informações acesse <http://www.international.ucla.edu/eas/documents/doc-index.htm#U.S.-Japan>.
66
Ainda que o espírito guerreiro japonês no setor militar estivesse intacto, as
consequências sicas e psicológicas no setor civil foram severas. Cidades estavam
em ruínas, a inflação cresceu, o mercado negro se ampliou, famílias perderam
fortunas e os empregos desapareceram (ALLINSON, 2004, p.45). O final da guerra
no Japão trouxe muitas pessoas à beira da inanição sendo que a média de consumo
era de apenas 1500 calorias por dia. A situação alimentar era crítica e foi acentuada
pela leva de refugiados que foram das cidades para o campo devido aos
bombardeios estadunidenses (LIVINGSTON; MOORE; OLDFATHER, 1973, p.465).
Além disso, Benedict (2006, p.44) argumenta que a vergonha da rendição
ardia profundamente na consciência dos japoneses, pois durante muitos anos de
conflitos bélicos, aquisições territoriais e uma bem sucedida campanha militar, a
posição superior pertencia agora às nações ocidentais vitoriosas, e sua função para
com elas deveria ser a de obediência e serviço. Nesse entendimento, e com a
certeza da cooperação japonesa, o Supremo Comando das Forças Aliadas iniciou o
período de ocupação militar do arquipélago japonês que seria basicamente
conduzido por Washington.
3.5 Conclusão
O capítulo apresentou um panorama histórico que possibilitou delinear a
sociedade imperial japonesa e identificar sua cultura de segurança nacional à época.
Constatou-se que o Japão era uma sociedade altamente militarizada. As forças
armadas se destacaram durante a formão do Estado moderno durante a Era Meiji,
adquirindo alta consideração domesticamente.
O uso da força era entendido como um recurso necessário à consolidação da
posição estatal frente às demais potências mundiais e alcançar o status de grande
potência militar era o interesse buscado pela nação, de acordo com seu
entendimento nacional do que vinha a ser uma grande potência. Berger (1996, p.330)
sintetiza que durante toda a Era Meiji, seus governantes procuraram legitimar seus
mandatos colocando-se como defensores da nação e do sagrado Império contra os
predadores ocidentais. Isso gerou um quadro institucional que privilegiava
grandemente o setor militar. Como resultado, o estabelecimento militar japonês
67
angariou grande influencia política e alto status social no período anterior à Segunda
Grande Guerra.
O Japão atuava, portanto, no sistema internacional do mesmo modo
hierárquico que entendia as relações sociais; um soberano que guiava a todos e
uma estrutura social encabeçada pelo setor militar responsável pela segurança,
seguido dos comerciantes responsáveis pelo dia a dia da sociedade e a família que
seria a base fundamental deste grupo. O entendimento acerca da segurança
nacional perpassa, assim, a noção do uso da força e de políticas de defesa
ostensivas como instrumentos políticos eficientes e necessários. Este
comportamento perdurou a a Segunda Grande Guerra, alimentado pela imagem
de nação forte e cultura política extremamente militarizada, em que as ações
domésticas e internacionais eram conduzidas em grande parte pelo setor militar.
As políticas de defesa empregadas no Japão descritas ao longo do capítulo
refletiam esta realidade militar. Desde a Constituição dos Dezessete Artigos, como
demonstrado, as condutas, social e política, eram baseadas nos princípios de
lealdade, honra e obediência. A socialização dessas normas se traduziu em devoção
para com seu senhor, consolidada com a classe do Samurai ou “aquele que serve”.
Desde esta época o setor militar se desenvolveu em paralelo às demais classes e
setores da sociedade sem controle civil, sendo a sua tarefa a defesa da nação frente
à ameaça estrangeira.
Durante os séculos de Shogunato o código de conduta social era militar,
aprofundando ainda mais a noção de seguraa nacional à defesa armada da nação.
O período de isolamento, ao final da Era Edo, embora tenha mantido o arquipélago
tecnologicamente atrasado em relação às potências ocidentais, contribuiu para a
uniformização da cultura político-militar domesticamente. Ao constatarem este
desnível tecnológico com o ocidente e serem constrangidos a assinarem os Tratados
Desiguais de 1858, os japoneses incluíram o desenvolvimento tecnológico e
industrial em suas políticas de defesa, como etapas de modernizão da não que
buscaria, quando possível, igualar-se às demais potências política e militarmente.
Ao final do século XIX, portanto, o Japão possuía uma cultura de segurança
nacional militarizada, políticas de defesa voltadas para o uso ostensivo da força,
fortalecimento nacional através do desenvolvimento do setor militar e industrial, e
através da expansão territorial. Entretanto, encontrou-se em desvantagem frente às
68
potências ocidentais e aceitou a aproximão destas como parte de sua estratégia
de desenvolvimento.
Por quase trinta anos (1868-1895) ocorreu um movimento de reestruturação
política, militar, econômica e social no plano interno, em paralelo a um movimento
imperialista e expansionista e de fortalecimento da nação no plano internacional.
Medidas rígidas que fortaleciam o governo domesticamente foram adotadas, ao
mesmo tempo em que justificavam a necessidade de defesa contra a ameaça
estrangeira. Assim, criaram-se leis para o setor militar como o recrutamento nacional
e a formão de uma marinha, a escolaridade tornou-se obrigatória, promulgou-se
uma nova Constituição que organizava a burocracia doméstica e o parque industrial
ampliado.
Nos cinquenta anos seguintes (1895-1945) a identidade nacional estava
associada à no Imperador, na sua divindade e na formão do Grande Imrio
Japonês. A segurança nacional atrelava-se ao fortalecimento da nação frente ao
estrangeiro e à sua consolidação enquanto potência mundial. Para tanto as políticas
de defesa previam recrutamento obrigatório, quadro de reservistas, indústria naval e
de armamentos no plano doméstico; e, no plano internacional a consolidação do
Japão como força militar estabilizadora na Ásia através da expansão territorial e, se
necessário, confrontos bélicos.
Nesse período ocorreu a formão de aliaas militares, a assinatura de
tratados e acordos comerciais, bilaterais e multilaterais com as potências da época.
Entretanto, sempre que estas alianças ou acordos entravam em conflito com seus
entendimentos em segurança nacional e com suas políticas de defesa e de
segurança, esses acordos eram desfeitos. Portanto, o se pode afirmar que havia
cooperação entre o Japão e os demais países nessa ou naquela área, mas sim um
caminho internacional orientado por condutas militarizadas, profundamente
arraigadas na estrutura social, política e econômica japonesa. Todavia, os
desdobramentos da Segunda Grande Guerra modificaram esse caminho
internacional orientado por condutas militarizadas, assunto do próximo capítulo.
69
4 A GUERRA FRIA E O ANTIMILITARISMO JAPONÊS
4.1 Introdução
Em sequência à verificação do processo de constituição de uma cultura de
segurança nacional através do recurso do olhar histórico, este capítulo volta-se para
o mapeamento dos entendimentos em segurança e das políticas de defesa do Japão
durante a Guerra Fria. O capítulo apresenta a fase em que os entendimentos sobre
segurança nacional comaram a se modificar pela influência tanto de fatores
externos quanto de fatores internos, repercutindo igualmente nas relações externas
japonesas e em sua estrutura doméstica, a saber, em suas instituições e na
sociedade. Igualmente optou-se pela apresentação dos fatos de forma cronológica
para que se facilite o processo de verificação posterior através do destaque das
informações sobre o processo político pelo qual as políticas para o setor de
segurança foram formuladas e que permitiu a legitimão de certas decisões.
Apresenta-se, pois, uma descrição da ocupação estadunidense com destaque
para as reformas, as normas de segurança e para as políticas de defesa formuladas
nesse período. Em outra seção, a relação bilateral entre o Japão e os Estados
Unidos é abordada, com destaque para os Tratados de Segurança e suas
implicações políticas. E na terceira seção do capítulo identifica-se a segurança
nacional japonesa durante a Guerra Fria. Procurou-se igualmente destacar o
significado e a noção de segurança, as ameaças à segurança nacional existentes
nesse período e as políticas de defesa empregadas, de forma a possibilitar a análise
no capítulo conclusivo.
4.2 A Ocupação Estadunidense
A ocupação dos aliados no Japão começou imediatamente após o final da
Segunda Grande Guerra (1945) e durou aabril de 1952, quando da assinatura do
Acordo Administrativo que terminou oficialmente com a ocupação. Diferentemente
70
do ocorrido na Alemanha, foi essencialmente uma ocupação estadunidense e o
arquipélago não foi dividido. Por um período de quase sete anos os Estados Unidos
exerceram uma grande influência na sociedade japonesa, e todas as fases da vida
social, política e econômica foram afetadas (LU, 1997, p.459).
O Supremo Comando das Forças Aliadas ocupou-se principalmente de
reformas políticas e sociais. O Japão em 1945 era uma nação exaurida pela guerra.
Estava igualmente emocional e intelectualmente esgotada, pois havia se apoiado em
uma propaganda de guerra e valores ultranacionalistas que colapsaram com sua
rendição incondicional. O país se recuperou economicamente das consequências da
guerra em uma velocidade impressionante, mas as consequências ideológicas ainda
hoje repercutem na condução política da nação.
Três fatores em particular contribuíram com a recuperação. O primeiro foi a
decisão do Supremo Comando por manter a estrutura essencial da política japonesa
e modificar, sem abolir, a posição do Imperador. O segundo foi o grande senso
social e disciplina política que existia na população japonesa. E o terceiro fator foi
a estratégia psicológica da nação em responsabilizar o setor militar pela guerra e
suas consequências. Hall (1971) destaca que a recuperação provavelmente não
teria ocorrido sem a longa era de modernização iniciada com a Restauração Meiji.
Em síntese, a ocupação foi indireta. O Supremo Comando ditava as regras,
entretanto, a tarefa de implementação estava nas os dos burocratas japoneses o
que corroborou com a preservação de seu poder e influência (LU, 1997, p.460). É
importante observar que a política aplicada ao Japão em 1945 foi em grande parte
feita nos Estados Unidos, em Washington, mas seus dois agentes de aplicação
foram o General MacArthur, que viveu em solo japonês, pelo lado dos aliados e o
Primeiro Ministro Shigeru Yoshida do lado japonês (HALL, 1971, p.350).
Ao passo que Washington ditava uma determinada regra, MacArthur a
transmitia aos japoneses após modificações que ele entendia como necessárias e
Shigeru as aplicava de acordo com aquilo que considerava mais condizente com os
interesses nacionais. Como consequência, a política do período posterior foi muito
influenciada pelas decisões destes dois líderes.
Enquanto o Supremo Comando ditava as regras políticas, a interpretação e
implementação destas ficou a cargo da burocracia japonesa, donde surge a
importância de Shigeru Yoshida. A série de documentos produzidos em seu governo
direcionou as decisões políticas para a preocupação com o crescimento e
71
estabilização econômica do Estado, sendo hoje conhecida como a Doutrina Yoshida.
Estas atitudes moldariam a política e estrutura japonesa dos anos vindouros.
A primeira decisão do Supremo Comando foi sobre o Imperador
responsabilizando-o por crimes de guerra. Entretanto, o papel do Imperador como
símbolo do povo japonês era grande, sendo ele o centro da vida religiosa e da
organização social do arquipélago. O General MacArthur defendeu a manutenção do
Imperador como símbolo da nação, procurando mostrar ao Supremo Comando
sediado em Washington que retirar o Imperador e acusá-lo de crimes de guerra seria
desastroso para a reestruturação do Japão.
O Imperador foi preservado, mas exigiu-se que este se pronunciasse à
população abdicando de sua divindade, passo necessário à desmilitarizão e
formação de um governo democrático e pacífico. Por governo democrático, o
comando entendia como sendo um governo do povo e para o povo, com eleições
regulares, províncias autônomas, sufrágio universal, nos moldes estadunidenses.
Para o Supremo Comando a desmistificação do Imperador era, portanto, crucial.
Lu (1997, p.461) destaca que a justificativa democrática era enfatizada porque
o entendimento da época era o de que a base para o militarismo japonês estava na
figura do Imperador, em que tudo era dele por origem divina. Isto implicava que a
imagem japonesa era a de uma sociedade capaz de criar um militarismo destrutivo,
contido apenas por uma deidade, e que a estrutura básica da sociedade deveria ser
reformada antes que o Japão pudesse ser reintroduzido no circuito político
internacional.
Hall (1971, p.351) resume que a política da ocupação seguiu três grandes
diretrizes: desmilitarização, democratização e reabilitação. Na fase de
desmilitarização, o Japão foi restaurado à configuração geográfica anterior ao
Império (MAPA 2) perdendo todas as colônias, e todo apoio institucional ao setor
militar que foi igualmente retirado.
A União Soviética ocupou as Ilhas Kurilas ao norte de Hokkaido, local que
passou a ser disputado pelo arquipélago como originalmente território japonês. As
Ilhas Ryukyu, a sul, foram ocupadas pelos Estados Unidos que recebeu autorização
formal expressa no Tratado de São Francisco para, inclusive, manter bases militares
na região, o que será abordado mais adiante.
72
Mapa 2: Mapa Político do Japão após 1945
Fonte: The World Factbook da Agência Central de Inteligência estadunidense – CIA
Em síntese, toda a indústria militar, a marinha, o exército e a aeronáutica
foram abolidos e um total de 180 mil indivíduos foi exonerado de seus cargos no
governo, no sistema educacional e no setor de serviços. Todo o ensino doutrinário
shintoísta e confuciano foi cancelado, bem como o apoio estatal aos templos. O
Estado tornou-se laico. Um esforço para desmembrar os zaibatsu e descentralizar a
economia foi feito, bem como uma grande reforma agrária. Uma nova constituição e
um novo código civil foram promulgados e leis antimonopólio aprovadas.
4.2.1 As reformas
Seis foram as reformas consideradas importantes durante a ocupação: a
reforma agrária, o sistema trabalhista, o zaibatsu, o sistema educacional, a
Constituição, e as autoridades locais. Dentre elas, a reforma considerada mais bem
sucedida foi a promulgação de uma nova Constituição. A Carta em vigor ainda era a
que fora outorgada pelo Imperador Meiji em 1889, na qual os direitos e liberdade
eram condicionados e limitados por diversas restrições. A figura do Imperador era
73
“sagrada e inviolável”, ele comandava as forças armadas, decretava a guerra ou a
paz e dissolvia a Câmara dos Deputados à sua vontade.
Peralva (1991) destaca que o poder efetivo residia no Gabinete,
representante da vontade do Imperador, embora o sistema de governo fosse
nominalmente parlamentarista. Entretanto, o Japão possuía um sistema burocrático
desenvolvido para a época e, assim, a Constituição Showa
32
foi aprovada pela Dieta
em 1946 de acordo com os procedimentos estabelecidos pela Constituição Meiji, e
promulgada em maio de 1947. Lu (1997) argumenta que com isso, a continuidade
política foi garantida, mas representou, tamm, um corte com o passado. Com a
nova Constituição o Imperador passou a ser o símbolo da nação e da unidade do
povo. O poder estava agora na Dieta e não mais nele. A Dieta tornou-se o mais alto
órgão do poder estatal.
A soberania seria transferida ao povo: o Imperador será símbolo do Estado e
da unidade do povo, derivando sua posição da vontade do povo, em quem reside o
poder soberano”. Isso significava que ele só poderia atuar em assuntos previstos na
Constituição e com o conselho e aprovação do Gabinete”, e que ele não teria
poderes relacionados com o governo”. Rompia-se assim todo um laço com a
política tradicional japonesa (PERALVA, 1991, p.55).
Outra importante alteração dizia respeito às relações entre os ramos
legislativo e executivo do governo. Desde sua criação a Dieta nunca havia
conseguido estabelecer um controle firme sobre o Gabinete, que seria,
teoricamente, uma comissão executiva do Legislativo, no regime parlamentarista”.
A nova Constituição tornava claro e de forma absoluta o controle da Dieta sobre o
Gabinete e sobre toda a burocracia” (PERALVA, 1991, p.56).
A modificação constitucional tamm englobava o status e direito dos
cidadãos. O povo japonês foi reconhecido como o detentor da soberania, e um longo
capítulo da nova Constituição enumera seus direitos. Estes incluem os mesmos
presentes na Carta de Direitos dos Estados Unidos, além de outros mais recentes,
como o “direito de manter os padrões mínimos de uma vida saudável e civilizada”, o
direito e a obrigação ao trabalho”, o direito dos trabalhadores de se organizarem e
32
A designação Showa se deve ao nome da Era em que a Constituição foi promulgada. Após a Era Meiji (1868-
1912), houve a curta Era Taisho (1912-1926) e logo após a Era Showa (1926-1989), período que englobou a
Segunda Grande Guerra, o período da ocupação estadunidense e grande parte da Guerra Fria. A atual Era Heisei
teve início em 1989 com a morte do Imperador Hirohito e a ascensão ao trono de seu herdeiro Akihito, atual
Imperador do Japão. Para o texto completo acesse: <http://www.ndl.go.jp/constitution/e/etc/c01.html>.
74
negociarem coletivamente”, liberdade acadêmica e igualdade dos sexos no
matrimônio” (PERALVA, 1991, p.57).
Em síntese a nova constituição especificava que o Imperador seria o símbolo
do Estado e unidade do povo, tendo sua posição derivada da vontade do povo que
deteria o poder soberano. A Dieta seria o órgão mais alto do Estado, constituída por
duas casas, a Câmara dos Deputados e a Câmara dos Conselheiros. Ambas seriam
constituídas por eleição representativa de todo o povo. O poder Executivo seria
exercido pelo Gabinete, constituído pelo Primeiro Ministro e Ministros de Estado.
Contudo, a grande novidade da nova Constituição e que influenciou
sobremaneira a política do arquipélago para as questões em segurança nos anos
posteriores é o seu artigo nono, a Cláusula de Renuncia à Guerra que explicita que
nenhuma foa, aérea, marítima ou terrestre seria mantida, o direito de beligerância
não seria reconhecido e o uso da força renunciado.
Aspirando sinceramente a uma paz internacional baseada na justiça e
na ordem, o povo japonês renuncia para sempre à guerra, como um direito
soberano da nação, e à ameaça ou uso da força como meio de resolver
disputas internacionais.
A fim de alcançar o objetivo do parágrafo precedente, jamais serão
mantidas forças de terra, mar e ar, nem outro potencial bélico. Não será
reconhecido ao Estado o direito de beligerância.
(CONSTITUIÇÃO SHOWA, ARTIGO NONO, PERALVA, 1991, p.58).
Abriu-se assim, maior poder para a Dieta e maior espaço para partidos
políticos atuarem sem a influência do tradicional setor militar, agora dissolvido
(ALLINSON, 2004, p.61). Destarte, é possível perceber algumas diferenças entre a
Constituição Meiji e a Constituição Showa. O regime da primeira era imperial e da
segunda democrático. A soberania estava no Imperador e naquele momento
passava para o povo. Antes, o Imperador era o soberano da nação, sendo que
depois das mudanças com a Constituição, este passava a assumir uma posão
simlica. O Executivo, antes, era responsabilidade do Imperador na figura de seus
Ministros de Gabinete, com um parlamento limitado em amplitude de ação, e,
depois, passou a existir um Primeiro Ministro e um Parlamento, a Dieta, mais
independente. A autonomia militar e o recrutamento obrigatório reinavam na Era
Meiji, mas sob o novo contexto, a situação dirigiu-se ao desmantelamento do setor
militar e à defesa da manutenção da paz mundial. Os direitos do povo eram restritos
legalmente na Era Meiji, adquirindo a garantia de direitos humanos básicos na Era
Showa.
75
Além da nova Constituição, outra medida importante adotada pelos ocupantes
foi a reforma agrária. Embora o governo Meiji tenha abolido formalmente o
feudalismo e declarado a terra como propriedade dos camponeses inclusive
decretando impostos, a usurpação da terra pelos ricos e pelos agiotas havia criado a
classe dos arrendatários e a dos proprietários ausentes, ampliando as
desigualdades locais (PERALVA, 1991, p.52).
A reforma agrária foi considerada um dos programas de maior sucesso
executado por uma autoridade de ocupação. Este sucesso deveu-se não somente à
visão de longo alcance do Supremo Comando e dos políticos japoneses
conservadores sobre este assunto, mas igualmente ao desejo dos fazendeiros de
melhorar economicamente e se livrar das pesadas dívidas feudais. Os princípios da
reforma foram incorporados à política nacional japonesa mesmo depois do final da
ocupação e foi tão bem aceita que fortaleceu o partido conservador permitindo-o
ficar no poder de 1955 até 1993 (LU, 1997, p.491).
Sobre a reforma educacional acreditava-se que apenas com uma
reorganização do sistema por completo é que seria possível transformar a sociedade
japonesa de militarista e ultranacionalista para pacifista e democrática. Uma missão
educacional integrada por vinte e sete educadores dos Estados Unidos foi enviada
ao Japão em março de 1946 (LU, 1997, p.486). Recomendaram a descentralizão
da educação, modificação dos textos didáticos principalmente de história e geografia
e que o sistema Kana de escrita fosse substituído pelo alfabeto arábico. A missão
introduziu o ensino para ambos os sexos e um sistema de 6-3-3-4 anos de ensino,
ou seja, seis anos de escola elementar, três anos de ensino fundamental, três anos
de ensino médio e mais quatro anos de ensino superior (ALLINSON, 2004, p.59).
Assim, a ênfase da reforma consistiu na extensão, equalização e liberalização
do ensino e na orientação dos alunos sobre como pensar e não o que pensar.
Textos escolares foram inteiramente revisados para eliminar a propaganda
nacionalista e militarista, os antigos cursos sobre ética confuciana foram banidos e
substituídos por cursos sobre ciências sociais (PERALVA, 1991, p.57). De fato,
ocorreu uma reorientação educacional pacifista beirando o antimilitarismo completo.
Entretanto, a miso educacional não compreendeu o sistema japonês de
educação preexistente subestimando sua força. Ainda que livros didáticos tenham
sido reescritos, o sistema de escrita por ideogramas e a estrutura hierárquica de
76
ensino que eram alguns dos pilares sociais da cultura japonesa nunca foi substituído
ou modificado (LU, 1997, p.460).
Após a reforma agrária e educacional, a reforma dos zaibatsu entrou em
vigor. Decidiu-se por dissolvê-los com o argumento de que estes teriam financiado
os esforços imperialistas do Japão. Além disso, o Supremo Comando alegava que
grandes fortunas em um país de miseráveis atrapalhariam o desenvolvimento de
uma economia democrática saudável. Dessa forma, criou-se em 1947 a Lei
Antimonopólio e a Lei de Eliminação da Concentração Excessiva do Poder
Econômico, com base na qual se programou o desmembramento de 325 empresas
(PERALVA, 1991, p.52). Portanto, após diversas dissoluções o poderio financeiro do
zaibatsu foi drasticamente reduzido. Entretanto, este programa foi logo descartado,
pois ocorria no cenário internacional a intensificação da Guerra Fria e o Supremo
Comando comou a cogitar a presença de um aliado militar no extremo oriente.
Nesta época, a Guerra Fria começou a influenciar a política dos Estados
Unidos para com o Japão. Cerca de dezoito grandes zaibatsu chegaram a ser
desmembrados, todavia, a necessidade de utilização do parque industrial destes
conglomerados, que era voltado para o setor militar, principalmente com a eclosão
da Guerra da Coreia (1950-53), levou a um abrandamento seguido por abandono
destas medidas. Como resultado, os zaibatsu continuaram a existir, ainda que
enfraquecidos pelas novas leis em vigor (PERALVA, 1991, p.52).
a população japonesa entendia os zaibatsu como uma fonte de empregos
e renda estável. Foram estas empresas que acolheram muitos trabalhadores quando
do período de industrialização no final do século XIX e início do século XX. Eram
símbolos de prosperidade econômica e difíceis de serem desfeitos. De fato, Allinson
(2004, p.67) argumenta que ainda que muitas famílias tenham enriquecido e a
grande maioria permanecesse pobre durante o Japão Imperial, passou-se a
perceber estes conglomerados como a esperança de soerguimento econômico de
uma nação faminta e destruída pela guerra.
Sobre as autoridades locais, a reforma visava a criação de províncias
autônomas aos moldes estadunidenses com eleições regulares, entretanto, os
dirigentes designados às localidades permaneceram sob a autoridade do governo
central, nunca chegando a uma efetiva autonomia, pois manteve-se o sistema
anterior vigente, modificado apenas pela adão das eleições locais.
77
A reforma no sistema trabalhista basicamente permitia a criação de
organizações e movimentos sindicais. Não foi muito diferente do que a Restauração
Meiji tinha proposto, todavia agora havia uma Constituição e leis complementares
que versavam sobre direitos e deveres dos cidadãos, eliminação da hierarquia social
e decreto do sufrágio universal. O movimento feminista igualmente ganhou força.
As organizações populares iniciaram um movimento de contestação política e
quando vieram as mudanças no caráter da ocupação advindas com a nova política
anticomunista do Supremo Comando, seguindo as orientações de Washington, a
população passou a protestar devido ao medo de uma remilitarização. Tentativas de
se fechar estas organizações ocorreram, entretanto, a população havia aprendido
a força da opinião blica e esta passou a fazer parte do cotidiano político japonês
(ALLINSON, 2004, p.68).
4.2.2 Mudanças no caráter da ocupação
A política básica para o período de ocupação no Japão se alterou por volta de
1948 devido às crescentes tensões dos aliados com a União Soviética e a China
comunista, culminando com a Guerra Fria atingindo o leste asiático. Na visão
estadunidense, o Japão se tornaria uma oficina de democracia na Ásia, para defesa
contra o alastramento do comunismo chinês e soviético. O que desencadeou uma
alteração na política da ocupação (ALLINSON, 2004, p.53).
O Supremo Comando começou a passar as decisões gradativamente para o
governo japonês e a estratégia de desmilitarização e democratização mudou para
reabilitação econômica e remilitarizão. Com a Guerra da Coreia em 1950 o
arquipélago japonês tornou-se um local valioso para as forças armadas
estadunidenses (HALL, 1971, p.354). Os Estados Unidos, que introduziram na
Constituição Showa a proibição do uso da força, passaram a exigir que o Japão se
armasse e lutasse a seu lado. Essa exigência tinha duas finalidades: uma militar, a
fim de reforçar o poderio bélico dos aliados no extremo oriente, e outra econômica,
com o objetivo de reduzir o déficit na balança comercial estadunidense com os
japoneses, ao impulsionar o setor de defesa e o capital que este setor faria girar na
economia (PERALVA, 1991, p.60).
78
De fato, a recuperação econômica durante os três primeiros anos de
ocupação havia sido pequena, agravada por diversas disputas trabalhistas. Em
dezembro de 1948 o General MacArthur passou a conduzir diretamente o governo
japonês em direção a um programa de crescimento econômico. Conhecido como “os
nove princípios econômicossicos” ou Plano Dodge, este pacote trazia várias
reformas econômicas, empréstimos e financiamentos. Entre elas, estava o corte
gradativo nos subdios do governo japonês para a indústria e o estabelecimento de
um teto para os gastos públicos anuais (LU, 1997, p.496). Assim, em 1949 a inflação
foi controlada. Este plano consistiu em um vasto programa de políticas fiscais e
monetárias, determinadas em grande parte pela preocupação estadunidense de
fazer do Japão uma muralha contra o comunismo (PERALVA, 1991, p.54). Essa
mudança de diretriz foi acompanhada por uma mudança no fluxo do auxílio
econômico que os Estados Unidos injetavam no Japão conforme as informões da
base de dados US Overseas Loans & Grants
33
retratadas nas Figuras 1 e 2 abaixo.
Percebe-se que durante a ocupação (FIGURA 1) o fluxo financeiro
direcionava-se à reconstrução do arquipélago, em especial às áreas ocupadas pelos
Estados Unidos, quais sejam, as Ilhas Ryukyu. Houve um pico de auxílio financeiro
em 1949 devido ao Plano Dodge, mas ocorreu uma grande queda nesse auxílio ao
final da ocupação (1952) e o mesmo foi direcionado para o setor agrícola japonês
durante a década de 50 (FIGURA 2).
No período seguinte, de 1953 a 1965 (FIGURA 2) observa-se que o fluxo
financeiro se direcionou tanto ao setor agrícola quanto ao setor de defesa japonês.
Em 1951 ocorreu a assinatura de tratados e acordos internacionais, a saber, o
Tratado de São Francisco e o Tratado de Segurança entre Japão e Estados Unidos,
abordados mais adiante. Grande parte deste auxílio financeiro corresponde a
cláusulas específicas de auxílio econômico e militar entre Japão e Estados Unidos,
contidas nos acordos. O auxílio financeiro foi maior em 1956, correspondente ao ano
da entrada do Japão na Organização das Nações Unidas, e em 1960, ano da
assinatura de novo acordo militar bilateral, a saber, o Tratado de Segurança e
Cooperação tua, descrito mais adiante.
33
Para acessar a base de dados completa visite a página da instituição e refine a pesquisa:
<http://gbk.eads.usaidallnet.gov/query/do?_program=/eads/gbk/countryReport&unit=N>.
79
Figura 1: Auxílio Financeiro de 1946 a 1952
Fonte: US Overseas Loans & Grants
Figura 2: Auxílio Financeiro de 1953 a 1965
Fonte: US Overseas Loans & Grants
80
4.2.3 O cenário político doméstico após a ocupação
Ao final da ocupação estadunidense, o quadro político japonês constituía-se
de um regime monárquico parlamentarista bicameral, uma constituição democrática
e pacifista, código civil e penal nos moldes da carta estadunidense e pluripartidismo.
Para as questões em segurança criou-se a Agência Nacional de Defesa, atualmente
Ministério da Defesa
34
, responsável pela Força de Auto Defesa. Criada em 1954, a
Força de Auto Defesa se divide em Foa Terrestre de Auto Defesa, Foa Marítima
de Auto Defesa e Força Aérea de Auto Defesa.
Em paralelo criou-se o Conselho Nacional de Defesa subordinando as
decisões em segurança e políticas de defesa à aprovação da Dieta. Em adição, a
Lei da Força de Auto Defesa
35
explicitava, em seu artigo nono, que os chefes dos
três serviços, terrestre, marítimo e aéreo, seriam os conselheiros profissionais do
Diretor Geral da Agencia de Defesa, mas que estariam hierarquicamente
subordinados a ele que, por sua vez, deveria ser civil e não militar.
Os partidos políticos se formaram ao longo da década de 50 a partir da junção
ou desmembramento dos partidos formados durante o governo meiji. O Partido
Liberal e o Partido Democrata se uniram formando em 1958 o Partido Liberal
Democrata. O Partido Socialista de Direita e o Partido Socialista de Esquerda se
uniram em 1955 formando o Partido Socialista que, posteriormente, em 1960, se
desmembraria em Partido Socialista Japonês e Partido Social Democrata.
Além destes havia o Partido dos Independentes, o Partido Comunista
Japonês, o Partido dos Trabalhadores e Fazendeiros e o Partido Renovador
(Komeito), este último com orientação budista. O Partido Militar e o Partido
Constitucional, dominantes no Japão Imperial, foram dissolvidos com as reformas do
Supremo Comando durante a ocupação.
Berger (1998) analisa a cultura política japonesa a partir do estudo das
subculturas políticas do período, ou seja, a partir da análise dos entendimentos e
orientações políticas existentes à época e que moldaram a cultura política que
orientou as decisões políticas no cenário doméstico japonês. Estas orientações, por
sua vez, influenciaram sobremaneira a cultura político-militar japonesa e em
34
gina oficial do Ministério da Defesa: <http://www.mod.go.jp/e/index.html>.
35
Para maiores informações acesse <http://www.mod.go.jp/e/data/data08.html>.
81
consequência, o contexto cultural-institucional das políticas de defesa do
arquipélago.
Em síntese, Berger (1998) identifica três subculturas políticas, a saber, a
orientação direitista, a centrista e a esquerdista. Classifica as três subculturas como
idealistas porque se vinculavam a ideologias específicas. A direita idealista
reverenciava as tradições históricas e culturais, buscando a adoção destas na
política. Seus membros derivam do grupo que influenciou na criação do Édito
Educacional Imperial de 1890 descrito anteriormente no capítulo três. A
administração do Primeiro Ministro Nobusuke Kishi ao final da década de 50 (1957-
1960) seguiu esta ideologia, bem como a de Yasuhiro Nakasone (1982-1987).
Defendiam um posicionamento japonês mais ofensivo em segurança e a
manutenção de um setor militar com recrutamento obrigatório.
A orientação centrista incluía aqueles comprometidos com a modernização e
com a reforma da nação, de acordo com o modelo capitalista e estadunidense de
governo. Seus membros derivam do grupo que teve suano modelo militarista e na
onipotência imperial abalada a partir dos eventos da Segunda Grande Guerra. A
administração do Primeiro Ministro Shigeru Yoshida durante o período da ocupação
e logo após (1946-1947 e 1948-1954) seguiu esta ideologia.
E a esquerda idealista pleiteava uma desvinculação completa com a ordem
política, social e econômica do Japão Imperial. Seus membros buscavam a
construção de um Japão verdadeiramente democrático, popular e, para tanto,
favoreciam o modelo socialista de desenvolvimento. Pequenos partidos de
orientação religiosa e filosófica se enquadram neste grupo e, dentre estes, o que
possui o braço político mais forte é o Partido Renovador (Komeito) que assumiu o
governo com o Primeiro Ministro Hata Tsutomo em 1994.
Berger (1998, p.65) sintetizou em um quadro (QUADRO 1), os entendimentos
da política doméstica japonesa para diversos temas em segurança de acordo com
estas três subculturas políticas possibilitando uma visão mais ampla do cenário
doméstico. Este autor pesquisou as decisões políticas japonesas na Dieta e a
relação destas com as decisões para a política externa em uma extensa pesquisa de
campo detalhada em seu livro.
Vale destacar que estas ideologias o identificavam os partidos políticos
existentes, mas sim os seus membros. Portanto, ainda que o mesmo partido político
82
tenha dominado a Dieta, as preferências administrativas refletiam as tendências
ideológicas do Primeiro Ministro e seu Gabinete de Governo.
Tema Direita Centro Esquerda
Identidade Nacional nação soberana nação mercantil nação pacífica
Tradição x Modernidade tradição pouca tradição antitradição
Reformas da ocupação capitalismo capitalismo socialismo
Revisão Constitucional nenhuma pouca alguma (Ásia)
Educação Patriota adoção oposição oposição
Tratado de Segurança apoio operacional apoio oposição
Força de Auto Defesa expansão força mínima abolição
Armamento Nuclear apoio oposição oposição
Recrutamento Nacional apoio oposição oposição
Quadro 1: Síntese das diretrizes políticas internas
Fonte: Elaboração nossa, adaptado de BERGER, 1998, p.65.
O Partido Liberal Democrata foi o que governou durante quase todo o período
da Guerra Fria como mostra a lista dos Primeiros Ministros da época retratada no
Quadro 2. Vale notar que desde a primeira administração do imediato pós-guerra, o
governo seguiu uma ideologia centrista. Em parte, tal caminho político durante a
Guerra Fria refletiu a influência do Primeiro Ministro Shigeru Yoshida, conforme será
abordado na próxima são deste trabalho. A visão majoritária da política doméstica
era de oposição a um recrudescimento do setor de defesa, e ainda que houvesse
disputas partidárias por modificações nestas diretrizes, apoiava-se a perpetuação
das diretrizes centristas.
Allinson (2004, p.89) destaca que devido à sua origem mais antiga e às
alianças formadas com grupos de empresários, corporativas, fazendeiros e
operários, o Partido Liberal Democrata pôde contar com um grande suporte eleitoral
preexistente, formando um grande grupo consensual. Havia, entretanto, grupos
opositores que formaram outros partidos poticos, em destaque o Partido Socialista
Japonês e o Partido Comunista Japonês. Esta segmentação partidária refletia a
diversidade da sociedade japonesa, contudo, não representou uma ameaça à
estabilidade do governo do Partido Liberal Democrata (ALLINSON, 2004, p.96).
Katzenstein e Okawara (1993, p.100) resumem que a atitude política refletiu o
grande aprendizado social que veio com a derrota na Segunda Grande Guerra e
83
com a ocupação estadunidense. Nas décadas de 1950 e 1960, este impacto
resultou em oposição parlamentar e popular a qualquer política que sugerisse um
retorno ao passado militarista. Além disso, Berger (1998, p.51) argumenta que
devido à memória coletiva da época militar ultranacionalista e da dúvida contínua
sobre a força da democracia japonesa, até mesmo um governo civil era insuficiente
para conter o medo popular de uma retomada militar.
Com a criação da Força de Auto Defesa estes medos se agravaram e
ocorreram protestos públicos, ainda que o governo tenha negado oficialmente
qualquer ativação do setor militar desmantelado no imediato pós-guerra. O governo
precisou reinterpretar o artigo nono da Constituição Showa para a legitimação da
crião de um departamento de defesa nacional controlado pela burocracia civil
(KATZENSTEIN; OKAWARA, 1993, p.96).
Primeiro Ministro Início Fim Partido
Shigeru Yoshida 20 de maio de 1946 21 de maio de 1947 Liberal
Tetsu Katayama 21 de maio de 1947 23 de fevereiro de 1948 Socialista
Hitoshi Ashida 23 de fevereiro de 1948 15 de outubro de 1948 Democrático
Shigeru Yoshida (2) 15 de outubro de 1948 10 de dezembro de 1954 Liberal
Ichiro Hatoyama 10 de dezembro de 1954 23 de dezembro de 1956 Liberal Democrata
Tanzan Ishibashi 23 de dezembro de 1956 24 de fevereiro de 1957 Liberal Democrata
Nobusuke Kishi 24 de fevereiro de 1957 18 de julho de 1960 Liberal Democrata
Hayato Ikeda 18 de julho de 1960 09 de novembro de 1964 Liberal Democrata
Eisaku Sato 09 de novembro de 1964 06 de julho de 1972 Liberal Democrata
Kakuei Tanaka 06 de julho de 1972 09 de dezembro de 1974 Liberal Democrata
Takeo Miki 09 de dezembro de 1974 24 de dezembro de 1976 Liberal Democrata
Takeo Fukuda 24 de dezembro de 1976 07 de dezembro de 1978 Liberal Democrata
Masayoshi Ohira 07 de dezembro de 1978 12 de junho de 1980 Liberal Democrata
Zenko Suzuki 17 de julho de 1980 26 de novembro de 1982 Liberal Democrata
Yasuhiro Nakasone 26 de novembro de 1982 06 de novembro de 1987 Liberal Democrata
Noboru Takeshita 06 de novembro de 1987 02 de junho de 1989 Liberal Democrata
Sosuke Uno 02 de junho de 1989 09 de agosto de 1989 Liberal Democrata
Toshiki Kaifu 09 de agosto de 1989 06 de novembro de 1991 Liberal Democrata
Kiichi Miyazawa 06 de novembro de 1991 09 de agosto de 1993 Liberal Democrata
Quadro 2: Lista de Primeiros Ministros (1946-1991)
Fonte: Elaboração nossa. Informação retirada da página oficial
do Gabinete: <http://www.kantei.go.jp/foreign/archives_e.html>.
84
Abordado mais detalhadamente na próxima seção, ocorreu uma crescente
pressão estadunidense pela consolidação do setor de defesa no cotidiano político
japonês e o governo precisou se adaptar tanto interna quanto externamente a estas
demandas. A criação de leis e departamentos de defesa, tentativas de revisão
constitucional, modificação dos acordos internacionais para segurança marcaram,
portanto, a política japonesa durante a Guerra Fria.
Katzenstein e Okawara (1993, p. 92) sintetizam que a política de segurança
japonesa passou a ser formulada dentro de estruturas institucionais que enviesavam
fortemente contra uma articulação de objetivos militares em segurança. De fato,
diversos mecanismos existentes de coordenação política não encorajavam a
articulação de objetivos militares nem pela Agência de Defesa Japonesa nem pelo
Primeiro Ministro, como veremos. Assim, e em consequência das diretrizes
desmilitarizantes do período da ocupação, a estrutura de governo japonês do pós-
guerra criou uma série de controles institucionais que passaram a constranger
fortemente a Agência de Defesa, enfraquecendo ainda mais a articulação política
para objetivos militares.
4.3 O Bilateralismo e o Antimilitarismo
O primeiro passo formal da relação bilateral entre Estados Unidos e o Japão
foi a assinatura do Tratado de São Francisco
36
ao final de 1951 seguido da
ratificação do Tratado de Segurança entre Japão e Estados Unidos
37
no mesmo ano.
Estes tratados foram efetivados no início de 1952 com a assinatura de um Acordo
Administrativo. O Tratado de São Francisco finalizou oficialmente a Segunda Guerra
Mundial, formalizou a situação geográfica do Japão Imperial, reduzindo-o às
fronteiras originais do arquipélago, e especificou as compensações aos prisioneiros
de guerra e às colônias. O Tratado utilizou a Carta das Nações Unidas
38
e a
Declaração Universal dos Direitos Humanos
39
para embasar os objetivos dos aliados.
36
Para o texto completo acesse <http://www.international.ucla.edu/eas/documents/peace1951.htm>.
37
Para o texto completo acesse <http://avalon.law.yale.edu/20th_century/japan001.asp>.
38
Para o texto da Carta das Nações Unidas acesse: <http://www.onu-brasil.org.br/documentos_carta.php>.
39
Para o texto da Declaração acesse: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>.
85
O artigo três colocou formalmente as Ilhas Ryukyu e as Ilhas Bonin
(Ogasawara) sob responsabilidade dos Estados Unidos, autorizando a manutenção
de tropas e bases militares em Okinawa (maior ilha do sistema Ryukyu) para utilizá-
las em favor da paz e segurança do extremo oriente. As Ilhas Amami (noroeste de
Ryukyu) retornaram ao Japão em 1953, as Ilhas Bonin em 1968, e em 1969 uma
nova negociação entre Estados Unidos e Japão transferiu a autoridade sobre as
Ilhas Ryukyu para o Japão, sendo implementada em 1972. Pelo artigo onze o Japão
se submetia aos julgamentos do Tribunal Militar Internacional do Extremo Leste e
outras Cortes Aliadas para crimes de guerra dentro e fora do Japão.
Os tratados anteriores assinados pelo Japão Imperial foram anulados e
restringiu-se a criação de qualquer força militar no arquipélago. As Ilhas Kurilas
haviam sido anexadas pela União Soviética em 1945 quando da derrota japonesa.
Estas ilhas estavam sob controle japonês desde sua vitória na guerra russo-
japonesa de 1904. Entretanto esse se tornou um ponto de disputa
40
entre os dois
Estados, pois o Japão passou a afirmar que as ilhas eram originalmente japonesas e
foram recuperadas, não anexadas, em 1904. A União Soviética não assinou o
Tratado de São Francisco o que impediu que estas disputas fossem resolvidas. Além
das Ilhas Kurilas, o Japão passou a disputar as Ilhas Tokdo com a Coreia e as Ilhas
Diaoyu com a China.
O Tratado de Segurança entre Japão e Estados Unidos esclarecia o papel
dos Estados Unidos para a segurança do Japão previsto no artigo três do Tratado de
São Francisco. Em ntese, o tratado seria o meio de o Japão exercer o seu direito
de autodefesa, reconhecido na Carta das Nões Unidas, em que aos Estados
Unidos cabia tal tarefa, como medida provisória. Previa, entretanto, que o Japão
assumisse a responsabilidade por sua defesa contra uma agressão externa, desde
que evitasse qualquer armamento de guerra. Não previa, contudo, limites
específicos em que os Estados Unidos agiriam, e nem quais as condições explícitas
em que se daria o rearmamento japonês. Não previa, ainda, data de expiração, o
que colocava as tropas estadunidenses em solo japonês em situação permanente.
40
Para maiores informações sobre as disputas territoriais com a União Soviética, Coreia e China durante a
Guerra Fria, consultar o artigo de HARA, Kimie. 50 Years from San Francisco: Re-examining the Peace Treaty
and Japan’s Territorial Problems. Pacific Affairs, Vol 74. Número 3. 2001. Neste artigo a autora descreve os
conflitos historicamente, aponta a pertinência dos mesmos e mostra quais soluções foram ou não encontradas na
segunda metade do século XX.
86
Livingston, Moore e Oldfather (1976) destacam que ambos os tratados
readmitiram a soberania japonesa e a sua capacidade diplomática, entretanto,
ocorreu o atrelamento da política externa japonesa à estadunidense. Por isso,
acarretou grande oposição doméstica, sendo o Partido Socialista de Esquerda um
firme oponente à ratificação do Tratado de Segurança entre Japão e Estados Unidos.
Este partido entendia que cabia aos Estados Unidos, a permanente tarefa da
segurança do arquipélago e que o Japão seria uma nação pafica” se opondo a
toda e qualquer forma de rearmamento. Após deliberações na Dieta, o Partido
Socialista de Esquerda decidiu apoiar o Tratado de São Francisco, mas não o
segundo, iniciando-se assim um período de contestação na política doméstica para
as questões em segurança.
Contudo, a assinatura de um estava atrelada à assinatura do outro e era
entendimento estadunidense e do Partido Liberal que estava no comando à época,
que ambos eram indispensáveis para garantir a consolidação das reformas iniciadas
com a ocupação, além de ser igualmente o impulso necessário ao rearmamento
japonês (LIVINGSTON; MOORE; OLDFATHER, 1976, p.254). Com o número
necessário de cadeiras
41
na Dieta, para garantir uma viria dentro do Parlamento, o
Partido Liberal conseguiu a ratificação de ambos os Tratados e a assinatura do
Acordo Administrativo em abril de 1952 que os colocava em vigor.
Cooney (2007, p.36) destaca que sendo um Estado impossibilitado do uso da
força nos termos do artigo nono de sua constituição, o Japão precisou adaptar suas
diretrizes em política externa logo após a assinatura dos Tratados. Essas diretrizes
tornaram-se conhecidas com a Doutrina Yoshida. Para legitimar esta estratégia
internamente, Yoshida propôs uma nova identidade nacional, como o Japão sendo
uma Shounin Kokka ou Nação Mercantil”, apelando para a disposição pacifista da
época e a necessidade de soerguimento internacional (BERGER, 1998, p.42).
Em síntese a Doutrina Yoshida tornou-se uma estratégia política que focava; i)
alinhamento com os Estados Unidos como o centro da política externa japonesa; ii)
manutenção de recursos defensivos mínimos como corolário do item anterior; e, iii)
canalização dos recursos poupados com os arranjos em seguraa para as
41
Berger (1998) fez um mapeamento estatístico dos processos internos da Dieta: votações; eleições; disposições
gerais e particulares dos partidos políticos; formação e fragmentação partidária; entre outros, ao longo dos dez
anos de pesquisa realizada em solo japonês e divulgada em seu livro Cultures of Antimilitarism, publicado pela
The John Hopkins University Press em Londres e em Baltimore.
87
atividades econômicas para que o Japão pudesse prosperar enquanto nação
mercantil.
Berger (1993, p.140) destaca que esta doutrina continuou a ser a base para a
política de defesa japonesa durante todo o período da Guerra Fria e ainda que
algumas administrações tenham conseguido avanços no setor de defesa, o
panorama geral do período apresenta um Japão como “nação mercantil” voltada
para a ampliação do setor econômico, e não do setor de defesa.
Hook e outros (2007, p.86) apontam que essa estratégia de atrelar a política
externa ao desenvolvimento econômico possibilitou o crescimento econômico
doméstico e a reabilitação política internacional. Berger (1998, p.42) amplia esta
argumentação alegando que tanto o Primeiro Ministro Shigeru quanto o Partido
Liberal Democrata, apontados como conservadores e centristas pelo autor,
perceberam que a contenção do comunismo na Ásia seria de vital importância ao
interesse nacional japonês de soerguimento da nação.
Contudo, eram preocupações do governo quais seriam as consequências
políticas domésticas de se permitir que forças japonesas ficassem diretamente
engajadas em operações militares
42
. Assim o governo japonês interpretou o Tratado
de Segurança entre Japão e Estados Unidos como uma representação de
competências, que, neste caso, maximizava a responsabilidade estadunidense para
segurança e minimizava as obrigações japonesas. Aos Estados Unidos caberia a
tarefa da proteção de ambos e tão logo o Japão se recuperasse financeiramente,
este passaria a colaborar com os custos financeiros de sua própria proteção.
A administração de Shigeru Yoshida (1948-1954) iniciou algumas reformas
para impulsionar o setor de defesa japonês. Em 1952 a Reserva Nacional de Polícia
foi expandida e rebatizada de Foas de Segurança Nacional e a Força Policial
Nacional foi transformada na Força de Segurança Costeira. Em 1954 criou-se a
Força de Auto Defesa oficialmente para propósitos defensivos, oficializando o setor
de defesa japonês. A Força de Auto Defesa foi dividida em três segmentos: marítimo,
terrestre e aéreo; evitando-se o uso das expressões: marinha, exército e aeronáutica.
42
Sobre essa questão Brands Júnior descreve em seu artigo da Pacific Affairs o diálogo entre a administração
Yoshida e Washington. O autor destaca a preocupação do governo japonês com o impacto de um rápido
rearmamento no cenário político e social do arquipélago. Yoshida prepara planos para um rearmamento mais
lento com o devido acerto institucional dostico. O autor destaca, ainda, a pressa estadunidense sobre esta
questão e as pressões exercidas sobre o governo japonês. Para maiores informações consulte: BRANDS JR, H.W.
The United States and the Reemergence of Independent Japan. Pacific Affairs. Vol 59. Número 3. 1986.
88
Um ponto controverso era a extensão do Tratado de Segurança entre Japão e
Estados Unidos. Olson (1966, p.67) alerta que para a política doméstica, o tratado
era insatisfatório porque o especificava quais seriam as obrigações
estadunidenses para com a segurança japonesa e nem o seu prazo de expiração.
De fato, na prática os Estados Unidos alocavam tropas no Japão sem restrições ou
controle por parte do governo japonês. Além disso, a extensão do rearmamento
japonês era igualmente questionada, pois sem uma diretriz espefica os Estados
Unidos continuavam pressionando pela amplião do setor de defesa japonês.
Em 1953, portanto, o governo japonês focou a sua atenção na revio do
Tratado de Segurança entre Japão e Estados Unidos; e em 1956 o governo
decretou a Lei Básica de Energia Atômica, que limitava a pesquisa, desenvolvimento
e utilização da energia nuclear apenas para uso pacífico, e adotou os Três Princípios
Não-Nucleares: i) não possuir armamento nuclear; ii) o produzir armamento
nuclear; e, iii) não permitir que armamentos nucleares sejam trazidos para território
japonês. Berger (1998, p.45) ressalta que em adição à revio do tratado, uma ala
do Partido Liberal Democrata buscou uma linha que defendia maior desenvolvimento
do setor de defesa, culminando em 1957 com a chegada de Nobusuke Kishi ao
cargo de Primeiro Ministro
43
.
Nobusuke Kishi, que havia sido Ministro da Guerra durante o governo militar,
formou um comi investigativo que deveria trabalhar em uma revisão da
Constituição Showa, e outro para a revisão do Tratado de Segurança entre Japão e
Estados Unidos. Entretanto, suas medidas não agradaram a população e
irromperam protestos populares culminando com a invasão da Dieta por um grupo
estudantil. Em movimento paralelo, e como tentativa de acalmar os temores
populares, procurou-se direcionar a política de defesa nacional e, para tanto, em
1957 foi lançada a Política Básica de Defesa Nacional
44
. Esta política estipulava que
o Japão: i) manteria uma política defensiva orientada exclusivamente para defesa; ii)
evitaria se tornar uma potência militar que pudesse amear a segurança mundial; iii)
não desenvolveria armas nucleares, não permitindo o ingresso destas em território
nacional; iv) garantia de controle civil do setor de defesa; v) manutenção dos
43
Morris aborda o processo político e eleitoral da Câmara dos Comuns da Dieta em seu artigo Foreign Policy
Issues in Japan’s 1958 Elections publicado na Pacific Affairs, Volume 31, número 3, 1958. O autor destaca as
preferências domésticas e a votação popular, os acordos entre os partidos e a formação parlamentar de apoio ao
governo de Nobusuke Kishi.
44
Para o texto completo acesse <http://www.mod.go.jp/e/d_policy/dp02.html>.
89
acordos para segurança com os Estados Unidos; e vi) construção de recursos
defensivos dentro de limites moderados.
A reestruturação das diretrizes governamentais para segurança feita pela
administração de Nobusuke Kishi formou as bases legais que o governo necessitava,
entretanto, a sua estratégia política direta no quesito segurança não foi bem aceita
culminando com sua saída do governo. Olson (1966, p.68) destaca que os objetivos
de revisão foram alcançados com a assinatura do Tratado de Segurança e
Cooperação Mútua
45
em 1960. Em síntese o novo tratado definia as
responsabilidades dos Estados Unidos para com a defesa nacional japonesa e
eximia o Japão de iguais responsabilidades para com os Estados Unidos em função
do artigo nono da Constituição Showa. Explicitava que as tropas estadunidenses
não atuariam dentro do território japonês e o tratado duraria dez anos com
renovação automática caso não houvesse revogação de alguma parte. O Tratado
previa a observância dos Três Princípios Não-Nucleares por parte dos Estados
Unidos dentro do território japonês, mas não incluía porta aviões ou navios contendo
armamentos nucleares, o que causou novos desentendimentos dentro da Dieta
quando de sua ratificação doméstica.
Incluía a cláusula de consultas prévias em seu artigo quarto, afirmando a
necessidade de entendimentos prévios a quaisquer alterações na força militar
estadunidense estacionada no Japão e em caso de ameaças de terceiros, o que
agradou à Dieta. Este tratado igualmente atrelava as decisões bilaterais para
segurança à Carta das Nações Unidas e ao Conselho de Segurança das Nações
Unidas. o artigo sexto mantinha as bases estadunidenses em território japonês e
previa um novo acordo administrativo a ser assinado entre os dois Estados que
regeria exclusivamente estes territórios.
Portanto, em 1960 foi igualmente assinado o Acordo sobre o Status das
Forças
46
, que delimitava a divisão dos custos operacionais das bases
estadunidenses em território japonês. O artigo vinte e quatro definia que o Japão
proveria os Estados Unidos com as instalações na área e direito de passagem sem
custos adicionais, com compensação financeira aos fornecedores locais. Os Estados
Unidos arcariam com os custos de manutenção das bases e das operações
militares. Yoda (2006, p.939) pontua que este acordo derivou de iguais pressões
45
Para o texto completo acesse <http://www.mod.go.jp/e/d_policy/dp03.html>.
46
Para o texto completo acesse <http://www.fas.org/sgp/crs/natsec/RL34531.pdf>.
90
estadunidenses para que o Japão comasse a arcar com os custos de sua própria
segurança previstos desde 1951.
Tsurutani (1982, p.178) argumenta que, historicamente carente de poder,
riqueza e influência geográfica no mundo, o Japão sempre se orientou pela virtude
moral em suas ações como fonte de sua identidade. Antes da Segunda Grande
Guerra esta virtude se manifestava na lealdade para com o Imperador, sendo que o
Japão se considerava uma nação sagrada. O espírito guerreiro que acompanhou
estas orientações, entretanto, não foi suficiente para evitar a derrota militar em 1945.
Após a guerra, a nação se reorientou enquanto “nação mercantil” e passou a
exercer sua política externa seguindo esta nova diretriz. Contudo, destaca o
supracitado autor que todos os tratados e acordos bilaterais assinados entre os
Estados Unidos e o Japão conduziam a avanços no campo da segurança e o no
campo econômico. Argumenta, ainda, que mesmo que o governo japonês tentasse
se justificar enquanto “nação mercantil”, gradualmente ocorria um rearranjo em sua
estrutura de defesa em direção ao rearmamento. Isto porque para uma nação que
não poderia manter qualquer efetivo militar, a Força de Auto Defesa era cada vez
mais bem equipada, treinada e financiada, pelos Estados Unidos, nessa direção.
Mas ainda que pressões internacionais ocorressem no campo da segurança,
Berger (1996) destaca que os tomadores de decisão da política japonesa
aproveitavam a resistência doméstica derivada do antimilitarismo para aprofundar
cada vez mais a ligação econômica entre eles e manter a ligação para questões em
segurança originadas nos Tratados assinados ao final da ocupação. Dessa forma, o
governo se salvaguardava frente às pressões estadunidenses para que o Japão
tivesse um papel mais ativo no campo da segurança.
Paralelamente aos desdobramentos políticos no campo da segurança e à
consolidação da Força de Auto Defesa, a cada de 60 testemunhou uma
continuidade do crescimento econômico japonês. Com a Segunda Guerra da
Indochina, igualmente conhecida como Guerra do Vietnam, o Japão forneceu grande
quantidade de armamentos para os Estados Unidos, em consonância com as
normas do Tratado de Segurança e Cooperação Mútua, que previa auxílio logístico.
Esta injeção de capital ampliou ainda mais a poupança do arquipélago
(LIVINGSTON; MOORE; OLDFATHER, 1976, p.274).
Katzenstein e Okawara (1993, p.111) salientam que a relação bilateral para
segurança entre Estados Unidos e Japão subordinou politicamente as dimensões
91
tanto econômicas quanto militares do arquipélago às ações estadunidenses. O
Japão serviu, de fato, como uma base militar estadunidense na Ásia, angariando
com isso uma grande poupança e um mercado consumidor concreto. Na década de
70, contudo, a política externa estadunidense modificou sua linha de conduta
substituindo sua tradicional política anticomunista por uma reaproximão com a
China, com a União Soviética e a retirada das tropas da Tailândia e do Vietnam
(TSURUTANI, 1982, p.180). Com este movimento, os Estados Unidos passaram a
tratar de forma mais direta, na relação com o Japão, a necessidade de este assumir
um papel mais central na segurança do leste asiático.
O Tratado de Segurança e Cooperação Mútua de 1960 já havia estipulado um
aumento dos gastos japoneses com defesa, entretanto, até 1975 uma revisão dos
Princípios Básicos de Defesa havia sido rejeitada pela Dieta. Além disso, a crise do
petróleo, que abalou as contas do governo japonês, era outra justificativa da Dieta
para a contenção de gastos com defesa. Apesar da oposição, em 1976 a
administração de Takeo Miki conseguiu aprovar a criação do National Defense
Program Outline ou Esboço para o Programa de Defesa Nacional
47
.
Mochizuki (1983, p.154) defende o argumento de que esta foi uma estratégia
explícita do governo para justificar suas despesas com defesa internamente
procurando construir um consenso nacional por trás da modernização do setor de
defesa. Além disso, o Esboço anunciava internacionalmente a estrutura do sistema
de defesa japonês (FIGURA 3), acalmando os ânimos das nações vizinhas que
ainda temiam o retorno do governo militar japonês, bem como orientando a conduta
da política externa japonesa frente às pressões internacionais.
O Taiko, como ficou conhecido o Esboço, apresentava o conceito de Força de
Defesa Padrão, que esclarecia ser possível ao Japão possuir uma força de defesa
mínima em tamanho, mas grande o bastante para repelir uma agressão externa de
pequeno porte. Em caso de maior agressão a defesa do arquipélago estaria
assegurada até a chegada do reforço estadunidense. Mochizuki (1983, p.154)
acrescenta que foi um documento preparado para oficializar a realidade da Força de
Auto Defesa da época, mas que pode ser considerado como uma linha divisória na
política de segurança do arquipélago, pois formalizou o setor de defesa japonês, sua
área de atuação, limites e recursos.
47
Para o texto completo do Esboço acesse: <http://www.mod.go.jp/e/d_policy/pdf/english.pdf>.
92
Figura 3: Estrutura do Sistema de Defesa Japonês
Fonte: MOCHIZUKI, 1983, p.155.
A aprovação do Taiko pela Dieta foi atrelada à reafirmão de que o Tratado
de Segurança e Cooperação Mútua continuaria a ser o principal pilar da defesa
japonesa e que a Força de Auto Defesa continuaria vinculada à defesa interna
mediante aprovação da Dieta. O limite orçamentário previsto para gastos com o
Taiko seria de um por cento do Produto Interno Bruto (BERGER, 1998, p.102).
Em resposta ao Taiko, formou-se no mesmo ano o Comide Consultoria em
Segurança
48
que formalizou a cooperação mútua para as questões em segurança
entre o Japão e os Estados Unidos através da criação do Guia para a Cooperação
em Defesa do Japão e Estados Unidos
49
. Formalizou-se, assim, a condução dos
exercícios militares entre ambos, incluindo treinamentos militares conjuntos e
planejamento tático de ações militares em caso de ataques de terceiros.
Além disso, o governo japonês seria convidado a participar de discussões
sobre a estratégia estadunidense em segurança para o leste asiático, e acordou-se
48
Para texto completo do documento acesse <http://www.mod.go.jp/e/d_policy/dp11.html>.
49
Para o texto completo do documento acesse <http://www.mod.go.jp/e/d_policy/dp04.html>.
93
que o envolvimento em segurança perpassaria a detenção nuclear. Ainda que este
documento seja tratado como uma abertura do Japão a uma maior participação
efetiva para as questões em segurança, Berger (1998, p.130) destaca que o foi
remetido à aprovação da Dieta, sendo assinado apenas pelo Conselho de Defesa
Nacional e pelo Gabinete de governo, tornando-se, pois, apenas um guia e o uma
diretiva legal.
Outra iniciativa bilateral iniciada no mesmo período é o Programa de Apoio à
Nação Anfitriã. Yoda (2006, p.939) sintetiza que o propósito do programa era ampliar
a participação japonesa nos encargos financeiros advindos do Tratado de
Segurança e Cooperação Mútua, ao estabelecer que todo o gasto em ienes, como o
sario dos trabalhadores japoneses nas bases estadunidenses e custos com
construções, fosse arcado pelo Japão.
Berger (1993, p.127) destaca que o aumento dos gastos com defesa ocorreu
de forma moderada e pode ser considerado mais como uma estragia para
fortalecer a relação bilateral com os Estados Unidos do que como o início de um
programa de desenvolvimento militar autônomo. Pontua, ainda, que o
desenvolvimento militar advindo com o Esboço para o Programa de Defesa Nacional
de 1976 ocorreu com plena consultoria dos Estados Unidos e, portanto, a estrutura
de defesa japonesa foi moldada como complemento à força estadunidense
estacionada no arquipélago, com ênfase em armamento defensivo.
Um estudo feito pelo Jornal Asagumo mostrou que a opinião das subculturas
políticas domésticas sobre a melhor forma de defesa do Japão apontava para a
aliança com os Estados Unidos e manutenção da Força de Auto Defesa como
melhor caminho a seguir (FIGURA 4). A direita idealista defendia uma defesa
independente com o fim do Tratado de Segurança e Cooperação Mútua. A esquerda
idealista defendia a política de neutralidade, abolição da Força de Auto Defesa e
finalizão o Tratado. Já os centristas defendiam a permanência da aliança bilateral
com os Estados Unidos e a manutenção da Força de Auto Defesa.
Cresceu, entretanto, uma grande oposição quanto à manutenção das bases
estadunidenses em Okinawa. Os territórios das Ilhas Ryukyu que estavam sob a
administração estadunidense de acordo com o Tratado de São Francisco haviam
sido devolvidos à administração japonesa em 1972, entretanto, as bases
estadunidenses em Okinawa permaneceram em operação (LIVINGSTON; MOORE;
OLDFATHER, 1976, p.274).
94
Figura 4: Estudo do Jornal Asagumo
Fonte: BERGER, 1998, p.112.
Nesta época ocorria a Guerra do Vietnam e os Estados Unidos usavam
ativamente as bases militares em Okinawa. Diversos protestos populares dos
habitantes locais contra a guerra questionaram a legitimidade das forças
estadunidenses enviadas das bases de Okinawa ao Vietnam sem consultas prévias
a Tokyo, o que era previsto no Tratado de Segurança e Cooperação Mútua de 1960.
Mais perto de Shanghai (China) do que de Nagasaki (Japão), distante apenas
trinta minutos de avião, Okinawa era uma excelente localização estratégica para os
objetivos de contenção comunista. Ryoko Nakano (2005) descreve que após 1972
ainda havia diversas bases militares estadunidenses nas Ilhas Ryukyu sendo que
setenta por cento destas se encontravam em Okinawa. Devido a esta concentração
militar, a estrutura ecomica de Okinawa dependia bastante destas bases e
qualquer reestruturação física na estratégia militar estadunidense certamente
afetava a ilha. A reivindicação era, pois, que houvesse cumprimento por parte dos
Estados Unidos dos acordos e tratados assinados com o Japão e que afetavam
diretamente o cotidiano da região e não pela retirada das bases militares, pois estas
garantiam a segurança do arquipélago contra agressões externas.
O gasto percentual com o programa de defesa japonês permaneceu na faixa
de um por cento do Produto Interno Bruto conforme estipulado pelo Taiko.
Entretanto, a modernização do setor de defesa se intensificava à medida que
avançava o crescimento econômico, levando o gasto real com defesa a triplicar em
uma década. Isto acarretou novas divergências na Dieta, com a oposição alegando
95
que este gasto ampliaria o setor de defesa transformando-o em um setor militar
completo. Estas disputas levaram o governo a aprovar uma modificação no Taiko,
retirando a barreira do limite percentual e criando um sistema de limite orçamentário
de valor fixo para despesas ao longo de cinco anos consecutivos.
Berger (1998, p.136) destaca que a contradição política, do bilateralismo e do
antimilitarismo, vivida pelo Japão para as questões em segurança foi testada em
1987 durante a primeira Crise do Golfo Persa. Na ocasião os Estados Unidos
formalmente pediram o auxílio japos através do envio de peritos da Força de Auto
Defesa em minas aquáticas para auxiliar na limpeza das minas iranianas que
ameaçavam a navegação local. Embora o Gabinete do Primeiro Ministro Yasuhiro
Nakasone tenha tentado responder afirmativamente o pedido estadunidense, uma
forte resistência da Dieta o forçou a abandonar este projeto. Os parlamentares
alegavam que o envio abriria um problema legal e constitucional no país, porque não
havia regulamentação suficiente para este tipo de cooperação em segurança.
Na cada de 80 ocorreram algumas contribuições de pessoal com o envio
de vinte e sete civis japoneses para a Namíbia em outubro de 1989 como parte do
grupo de assistência. Mais tarde, seis japoneses foram para a Nicarágua e para o
Haiti supervisionar as eleições de 1989-90. Entretanto, estas foram operações
estritamente não militares (HOOK; GILSON; HUGHES; DOBSON, 2007, p.323).
Esse envio de efetivo acarretou uma onda de protestos domésticos e discussões
parlamentares, culminando com a criação da Lei de Paz e Cooperação Internacional
em 1992, gerando o contexto normativo doméstico necessário para a autorização do
envio de efetivo da Força de Auto Defesa nas operações de paz das Nações Unidas.
Ressalta-se que, entretanto, as tarefas são restritas e específicas, e, no caso de um
confronto bélico, as forças não estão autorizadas a se engajar ativamente.
Diante do exposto acima, percebe-se que as decisões japonesas para as
questões em segurança durante a Guerra Fria estavam constantemente atreladas à
relação bilateral com os Estados Unidos. Entretanto, havia casos em que estas
decisões entravam em conflito com os interesses nacionais japoneses e com o
consenso normativo do antimilitarismo no quadro doméstico, por exemplo, no caso
do aumento da Força de Auto Defesa ou no envio de tropas japonesas em missões
internacionais. Como veremos na próxima seção, a cultura de segurança nacional
japonesa pós-1945 diferia-se sobremaneira da anterior à Segunda Grande Guerra.
Mais militarizado, as ações em política externa do Japão Imperial condiziam com tal
96
entendimento. No pós-1945, ocorreram modificações nesses entendimentos e o
arquipélago agiu em conformidade com a nova diretriz antimilitar.
4.4 A Segurança Nacional durante a Guerra Fria
Cooney (2007, p.06) sintetiza que no núcleo do debate sobre segurança
durante a Guerra Fria estava a questão constitucional japonesa em seu artigo nono.
O ponto principal era se o Japão poderia ou o utilizar a Força de Auto Defesa no
exterior mesmo se esta estivesse sob o comando das Nações Unidas. Para ele, os
Estados Unidos ofereceram as condições normativas que o Japão necessitava para
agir de acordo com uma identidade de nação mercantil no cenário internacional. O
arquiteto da política japonesa sob a nova Constituição foi o Primeiro Ministro Shigeru
Yoshida e sua base política denominada de Doutrina Yoshida.
Praticamente durante toda a Guerra Fria a política externa japonesa baseou-
se nesta doutrina, que focava o desenvolvimento econômico do arquipélago
enquanto dependia da proteção estadunidense para as questões em segurança.
Cooney (2007, p.06) igualmente destaca a importância deste arranjo político para a
economia japonesa. A vantagem financeira advinda da poupança com o setor de
defesa e outras necessidades de defesa auxiliou no crescimento industrial e no giro
econômico do país. Para este autor, a pedra angular da Doutrina Yoshida, bem
como da Força de Auto Defesa, foi o Tratado de Segurança entre Japão e Estados
Unidos, substituído depois pelo Tratado de Segurança e Cooperação Mútua, que
garantiram a segurança japonesa.
Hook e outros (2007, p.14) sintetizam que o relacionamento bilateral entre
Japão e os Estados Unidos serviu para constranger a política externa japonesa, mas
igualmente serviu para expandir sua postura pacifista no cenário mundial e regional.
Além disso, os Tratados em segurança abriram caminho para a reabilitação
econômica do Japão, garantindo, igualmente, a sua aceitação no sistema mundial
como aliado estadunidense.
Os autores supracitados destacam que o temor doméstico maior era o de que
em sujeão às obrigações em segurança, o militarismo poderia agravar-se
novamente. Portanto, ocorreram protestos populares, dos partidos opositores e até
97
mesmo de integrantes do próprio partido governamental em vários momentos ao
longo da Guerra Fria. Entretanto, constatou-se que o legado do bilateralismo e do
contexto normativo doméstico antimilitar permaneceram no cerne da conduta
internacional japonesa.
De fato, os formadores das políticas de defesa tendiam a separar a segurança
nacional em termos militares do ambiente regional ou internacional para segurança.
Hellmann
50
(1977, p.329), citado por Singh (2008, p.310), destaca que em termos
militares a liderança japonesa focou-se em mitigar o impacto no vel nacional do
ambiente internacional baseado em ameaças através do fortalecimento dos recursos
defensivos nacionais e dos acordos com os Estados Unidos para segurança.
Singh (2008, p.310), entretanto, discute que este fortalecimento dos recursos
defensivos foi apenas mudanças cosméticas à política de segurança japonesa
baseada em grande parte em estratégias econômicas e não militares”. E conclui que
a política de segurança japonesa direcionou a formulação de políticas de defesa a
partir de uma definição de segurança nacional restrita a ações defensivas, e não
ofensivas.
O autor destaca, ainda, que ao formular as políticas de defesa, os tomadores
de decio japoneses evitaram que o Japão assumisse um papel militar nos
assuntos de segurança regional e internacional. Como o interesse nacional foi
definido como o fortalecimento da não através da recuperação econômica e não
do soerguimento militar, o Japão evitava as responsabilidades políticas e de
segurança tradicionalmente obtidas por um membro da comunidade internacional.
4.5 Conclusão
O capítulo apresentou um panorama histórico que possibilitou mapear os
entendimentos em segurança e as políticas de defesa do Japão pós-1945,
identificando sua cultura de segurança nacional para a Guerra Fria. Constatou-se
que o Japão comportou-se de forma antimilitar. As forças armadas foram extintas e a
nação assumiu uma identidade de nação mercantil.
50
HELLMAN, D.C. Japanese security and postwar Japanese foreign policy, IN: A. Scalapino (ed.) The Foreign
Policy of Modern Japan. University of California Press. Berkeley. pp.321-340. 1977.
98
O uso da força o era mais entendido como um recurso necessário à
consolidação da posição estatal frente às demais potências mundiais. Após 1945, o
meio para consolidar o posicionamento do Japão no cenário internacional foi seu
fortalecimento através do soerguimento econômico. Em outras palavras, durante
toda a Guerra Fria, o governo japonês procurou consolidar esta posição pacifista
através da criação de um contexto normativo que restringisse o uso da força,
atrelando tal escolha à situação normativa imposta pelos Estados Unidos durante o
período da ocupação estadunidense.
A ocupação estadunidense havia seguido a diretriz da desmilitarização,
democratização e reabilitação econômica. Todo o setor militar foi desmantelado, o
ensino modificado, um novo quadro normativo implementado na forma de uma nova
Constituição, novo Código Civil e reformas administrativas. O órgão parlamentar, a
Dieta, adquiriu destaque e força, modificando o processo político interno, de
imposição de normas pelo Imperador, para debate e construção normativa
respaldada por eleições regulares. O artigo nono da Constituição foi o carro chefe
das modificações nos entendimentos para segurança do imediato pós-guerra,
influenciando nas escolhas e na consolidação de uma política de segurança voltada
à defesa da manutenção da paz mundial.
Ao final da ocupação a política básica modificou-se para reabilitação
econômica e remilitarização, acarretando protestos populares e parlamentares. Isto
porque, constatou-se, que a norma do antimilitarismo estava institucionalizada no
cenário potico doméstico, direcionando as escolhas e preferências no quesito
segurança. O entendimento acerca da segurança nacional perpassa neste período,
portanto, a noção do não uso da força como instrumento político e da construção de
políticas de defesa restritivas. Este comportamento perdurou durante toda a Guerra
Fria, alimentado pela imagem de nação mercantil e de cultura política antimilitar, em
que as ações domésticas e internacionais do Japão eram conduzidas através de
acordos e auxílio econômico, em vez de auxílio militar.
Constataram-se, ainda, a existência de três subculturas políticas identificadas
por Berger (1996) que influenciaram os debates parlamentares para as questões em
segurança, a saber, a orientação de direita, a centrista e a de esquerda idealistas.
Estas orientações influenciaram a cultura político-militar japonesa e em
consequência, o contexto cultural-institucional das políticas de defesa do
arquipélago. No quadro 3 sintetizou-se o contexto cultural-institucional em segurança
99
consolidado através do processo político de construção de um contexto normativo
restritivo. As políticas de defesa empregadas no Japão descritas ao longo do
capítulo refletiram a nova realidade defensiva. Desde a Constituição Showa, como
demonstrado, a conduta social e política baseou-se no antimilitarismo e no
bilateralismo. A internalização dessas normas se traduziu em um processo de
constante construção política e contestação doméstica. Observou-se um corte com
os séculos de conduta social militarizada e um grande desenvolvimento tecnológico
e científico, impulsionado pela nova gama de interesses nacionais derivados da
identidade mercantil e pacífica.
Destarte, percebe-se uma grande diferença nos entendimentos japoneses
sobre segurança entre o período abordado no capítulo três e neste capítulo quatro,
qual seja, o Japão Imperial e o Japão do período da Guerra Fria. A constatação
desta diferença nos remete novamente à pergunta de pesquisa, qual seja, que
fatores levaram o Japão a manter seu posicionamento militar defensivo, quando
havia um direcionamento contrário da parte dos Estados Unidos a partir de 1948?
Para examinar este posicionamento japonês, partiu-se do pressuposto de que
houve mudanças nas normas domésticas para segurança nacional, o que foi
constatado através da descrição desenvolvida ao longo dos dois capítulos históricos.
Assim, o próximo capítulo, conclusivo, apresentará uma análise teoricamente
orientada deste caminho histórico, mostrando que o comportamento japonês no
sistema internacional será mais bem compreendido ao se observar a sua arena
doméstica.
100
5 CONCLUSÃO
A proposta desta dissertação foi identificar elementos da arena doméstica e
da ordem internacional que impactaram na cultura de segurança nacional do Japão.
Esses fatores foram apresentados ao longo dos capítulos terceiro e quarto, servindo
de base para a argumentação de que a política de segurança japonesa, durante a
Guerra Fria, sofreu uma transformação significativa em comparação com sua versão
anterior àquele período.
Sendo assim, conforme demonstrado ao longo deste trabalho, essa
transformão foi causada não apenas pelos desdobramentos do final da Segunda
Grande Guerra, mas tamm por uma mudança ideacional no Japão. Em outras
palavras, pode-se argumentar que os interesses do Japão, no que concerne à sua
segurança, foram definidos por questões materiais relacionadas às dinâmicas
interna e externa durante a Guerra Fria, assim como por respostas a fatores culturais.
Por mudança ideacional, vale retomar Farrell (2002) ao sugerir que ideias
operam moldando e restringindo os atores e ações na potica mundial. Nesse
sentido, as ideias possuem um papel semelhante às normas. Dito de outra forma, as
ideias devem ser concebidas como o conhecimento coletivo institucionalizado em
práticas. Com base nesses pressupostos, pode-se dizer que neste estudo de caso
mudanças normativas nos planos internacional e doméstico afetaram a identidade
do Estado japonês, que passou de militar para antimilitar. Subjacente a esse
processo, os interesses associados à identidade antimilitar gradualmente dominaram
e definiram as políticas de defesa durante a Guerra Fria. A título de conclusão,
destacam-se neste capítulo pontos relevantes sobre o processo político, enfatizando
a modificação das diretrizes em segurança e apresentando aspectos do contexto
cultural-institucional que definem a cultura de segurança nacional japonesa no
período histórico em foco.
Dito isso, cabe indagar: quais foram essas mudanças normativas na arena
externa e na esfera doméstica que se relacionam com a identidade nacional no pós-
Segunda Grande Guerra? Conforme descrito no capítulo quatro, vimos que ao longo
da Guerra Fria a definição das políticas de defesa do Japão resultou do processo de
internalizão das normas delineadas no plano internacional e da consequente
construção normativa no plano doméstico. Assim, com relação ao plano externo,
101
sofreu influência e pressão dos Estados Unidos que, em um primeiro momento
sustentava a lógica da desmilitarização e, posteriormente, passou a pressionar o
governo japonês no caminho contrário, ou seja, que este ampliasse sua produção e
participação em termos militares.
A arena doméstica, por sua vez, exerceu grande impacto sobre o processo
decisório concernente à questão militar. Com os desdobramentos da derrota na
Segunda Grande Guerra e a evolução da Guerra Fria, houve uma polarização entre
aqueles que sustentavam a premissa da necessidade de o Japão incrementar sua
capacidade bélica, aos moldes do Tratado de Segurança de 1951, e aqueles
argumentando justamente o oposto, isto é, que o país deveria ter uma postura
pacifista em assuntos internacionais. Pode-se argumentar, pois, que esses dois
pólos refletiam distintos entendimentos sobre a militarização do Estado e,
consequentemente, sobre os procedimentos que deveriam ser adotados para a
segurança nacional.
A hipótese levantada para compreender o comportamento do Japão, durante
a Guerra Fria, diz respeito a essa dinâmica interna. Vale dizer, fatores domésticos
tiveram um papel decisivo na transformão da identidade nacional japonesa as a
Segunda Grande Guerra que, por sua vez, refletiu em sua posição quanto a
questões envolvendo o uso da força no cenário internacional. Assim, argumentou-se
que sem um olhar para dentro do Estado, não é possível compreender a interação
do Japão com outros atores do sistema internacional durante a Guerra Fria.
Para melhor visualização dos pontos relevantes ao processo político japonês
para as questões em segurança, o quadro 3 resume as decisões políticas e debates
domésticos que construíram as políticas de defesa no período de 1945 a 1992. Da
mesma forma reúne, do cenário internacional, as normas às quais o Japão se
atrelava para melhor se compreender essa polarização de forças e as
consequências para o setor de defesa japonês.
Nenhum Estado pode progredir enquanto ignorar o passado que permeia o
curso de seu futuro desenvolvimento (MORISHIMA, 1982, p.272). Assim, o
argumento principal da dissertação foi o de que a cultura de segurança nacional
japonesa sofreu uma grande modificação com os eventos ocorridos na Segunda
Grande Guerra e o período da ocupação estadunidense, e o recurso do olhar
histórico possibilita a visualizão desse processo.
102
Ano Cenário Internacional Cenário Doméstico
1945
Final da Segunda Grande Guerra Rendição Incondicional do Japão Imperial
1946
Início da Ocupação Estadunidense
1947
Início da Guerra Fria Promulgação da Constituição Showa
1948
Doutrina Yoshida: Nação Mercantil
1950 Início da Guerra da Coreia Debate Dieta: ratificação dos tratados
1951
Assinatura do Tratado de São Francisco Final da Ocupação Estadunidense
e do Tratado de Segurança entre
Japão e Estados Unidos Debate Dieta: criação do Setor de Defesa
1952
Criação da Agência Nacional de Defesa
e do Conselho Nacional de Defesa
Criação da Força de Segurança Nacional
e da Força de Segurança Costeira
1953
Final da Guerra da Coreia
Debate Dieta: Revisão Constitucional e do
Tratado de Segurança.
1954
Formação da Força de Auto Defesa
1955
Formação do Partido Socialista
1956
Primeira Crise do Petróleo Lei Básica de Energia Atômica
Entrada do Japão na ONU Três Prinpios Não-Nucleares
1957
Criação da Política Básica de Defesa Nacional
Protestos: Invasão da Dieta por
grupos estudantis
1958
Formação do Partido Liberal Democrata
1959
Início da Guerra do Vietnam Debate Dieta: Aliança bilateral necessária
1960
Assinatura do Tratado de Segurança
e Cooperação Mútua e do
Formação do Partido Socialista Japonês
e do Partido Social Democrata
Acordo sobre o Status das Forças Debate Dieta: ratificação dos tratados
1961
Debate Dieta: não modificação da
Política Básica de Defesa
1972
Retorno de Okinawa à
administração Japonesa
Protestos: Legitimação do Uso das
Bases Militares de Okinawa
1973
Segunda Crise do Petróleo
Debate Dieta: contenção de gastos
com segurança
1975
Final da Guerra do Vietnam
Debate Dieta: modificação da Política
Básica de Defesa
1976
Formação do Comi de Consultoria
em Segurança e do
Criação do Taiko (Esboço para o
Programa de Defesa Nacional)
Guia para a Cooperação em Defesa
do Japão e Estados Unidos
Programa de Apoio à Nação Anfitriã
1980
Início da Guerra do Golfo
Debate Dieta: Manutenção do valor orçamentário
gasto com o Taiko
1987
Crise do Golfo Persa -
desativação de minas submarinas
Debate Dieta: não envio de efetivo da Força de
Auto Defesa ao exterior
1988
Final da Guerra do Golfo e
Terceira Crise do Petróleo
Debate Dieta: criação de suporte normativo para
envio da Força de Auto Defesa ao exterior
1989
Final da Guerra Fria
Debate Dieta: Papel da Força de Auto Defesa
e o Japão nas Operações de Paz da ONU
1992
Criação da Lei de Paz e Cooperação
Internacional
Quadro 3: Eventos relacionados ao Setor de Defesa Japonês
Fonte: Elaboração nossa. Dados da pesquisa.
A modificação no processo político japonês para segurança começou com a
rendição incondicional do Japão Imperial em 1945, que acarretou uma gradual
desilusão para com as ambições ultranacionalistas e uma rejeição da identidade
militar do período por parte da sociedade japonesa. Para os japoneses, a Segunda
103
Grande Guerra representou mais do que sofrimento e destruição física, pois foi,
igualmente, a causa de um durável efeito psicológico nos valores japoneses, qual
seja, a humilhação da derrota. Isto porque foi a primeira derrota militar sofrida pelo
arquipélago sendo a ilha principal ocupada pela primeira vez em sua história. Devido
à grande doutrinação patrtica e senso de superioridade nacional, além do destino
para comandar que os japoneses sentiam, eles não estavam preparados
psicologicamente para enfrentar uma derrota e uma ocupação. Tudo em que
acreditavam provou-se insuficiente, seu senso de orgulho nacional e missão foram
desacreditados, sua liderança e instituições destruídas, e tudo que poderiam mostrar
ao mundo em termos de lealdade e sacrifício foi derrotado (WARD, 1966, p.44).
A controvérsia entre desmilitarização e remilitarização possui, portanto, um
complicado pano de fundo. Desde a Restauração Meiji, a indústria militar que havia
sido desenhada para aumentar a segurança nacional impulsionou a industrialização
e o setor econômico do arquipélago. O contexto normativo sobre o imperativo da
segurança terminou por levar o Estado a um regime militarista e do imperialismo à
guerra (KATZENSTEIN; OKAWARA, 1993). No período logo após a Segunda
Grande Guerra, entretanto, valores antimilitares tornaram-se cada vez mais
institucionalizados no sistema político japos passando a integrar a sua identidade
nacional do pós-guerra (BERGER, 1996, p.318).
O setor militar foi culpado por ter arrastado a nação para uma guerra
desastrosa que terminou com a primeira ocupação da ilha principal japonesa
registrada na história e deixou o Imperador à mercê de conquistadores estrangeiros
(BERGER, 1996, p.330). A derrota significou tanto o fim da visão militar de uma Ásia
unida sob a tutela japonesa quanto o fracasso do setor militar em cumprir com o seu
imperativo de segurança nacional, o que havia sido a força motora por trás da
Restauração Meiji e do fortalecimento do Japão Imperial (BERGER, 1998, p.24).
Sobre esse ponto vale lembrar Hopf (1998), ao alegar que quando as ideias
operarem como normas elas constrangerão as escolhas dos atores, constituindo e
possibilitando ações. Assim, a ideia de se responsabilizar o setor militar pela derrota,
possibilitou a constituição de novas normas domésticas e internacionais que
passaram a constranger as escolhas políticas japonesas para o não uso da força
como imperativo de segurança nacional. O Supremo Comando das Forças Aliadas,
percebendo este movimento e aproveitando da condição coercitiva favorável em que
se encontrava frente à formulação de nova diretriz política para o arquipélago, iniciou
104
o período de reformas conhecido como ocupação estadunidense, descrito no
capítulo quatro.
As modificações normativas impostas ao Japão no período começaram com a
promulgação da Constituição Showa em 1947 e, como corolário do plano de
ocupação, as diretrizes: desmilitarizão, democratização e reabilitação. Conforme
descrito na seção 4.2.1, todo o setor militar foi desmantelado e a indústria militar
abolida. O ensino doutrinário foi substituído e a proibição do uso da força foi
enfatizada no artigo nono da constituição, na Cláusula de Renuncia à Guerra.
Contudo, fatores internos motivaram igualmente o delineamento das políticas
de defesa nacional. Tais fatores nos permitem delinear o contexto cultural-
institucional daquele período. Como postula Katzenstein (1996) esse contexto é
importante quando se busca compreender o comportamento de um Estado na
definição de sua segurança, na medida em que indica como os atores domésticos
agem e como suas escolhas são restringidas por tal estrutura. Assim, no caso
analisado, a burocracia política havia sido conservada no governo pelo Supremo
Comando e nessa direção, os líderes políticos japoneses desempenharam um papel
chave na institucionalização dos sentimentos antimilitares existentes. A Doutrina
Yoshida delineou a identidade de nação mercantil e atrelou os interesses nacionais
ao soerguimento econômico da nação, minimizando a importância do setor de
defesa nesse contexto. Este movimento foi consolidado com a assinatura do Tratado
de o Francisco que entregava o controle da defesa do arquipélago aos Estados
Unidos e do Tratado de Segurança entre Japão e Estados Unidos, que
institucionalizava esta relação, conforme descrito na seção 4.3.
ocorria um movimento paralelo no cenário internacional de polarização de
forças democráticas e comunistas, conhecido como Guerra Fria, e com a eclosão da
Guerra da Coreia este movimento atingiu o arquipélago com os Estados Unidos
modificando a política básica da ocupação para reabilitação econômica e
remilitarização. Internamente, existia uma preocupação com o efeito desses conflitos
em termos de segurança para o país. Partidos políticos de orientação direitista,
como visto, defendiam um posicionamento japonês mais ofensivo e, inclusive, a
manutenção de um setor militar.
Predominava, entretanto, uma posição antimilitarista no Japão e a
modificação estadunidense de desmilitarização para remilitarização encontrou
resistência doméstica. Alguns partidos opositores à remilitarização, como o Partido
105
Socialista de Esquerda, iniciaram debates parlamentares sobre os limites dos
tratados assinados em 1951 e sobre qual seria a identidade e os reais interesses
nacionais. Argumentavam, inclusive que seria tarefa estadunidense a proteção do
arquipélago contra conflitos como a Guerra da Coreia.
Retomando Checkel (1998) as normas também constituem a identidade e os
interesses dos atores e, nesse sentido, é possível argumentar que as ideias
antimilitares aliadas às restrições normativas desenvolvidas no imediato pós-guerra
passaram a constituir uma identidade e interesses nacionais que não incluíam o uso
da força como alternativas políticas possíveis. Assim, esses debates parlamentares
inauguraram um processo de constante contestação doméstica frente às decisões
bilaterais para o setor de defesa e para a segurança do Japão, conforme abordado
nas seções 4.3 e 4.4, e esquematizado no quadro 3.
Tentativas de revitalização do setor militar ocorreram na década de 50, com a
crião de instituições voltadas para o setor de defesa japonês e a assinatura de
acordos e tratados bilaterais voltados para o soerguimento do setor militar. A título
de exemplo sobre esse processo de institucionalização, foram criados o Conselho
Nacional de Defesa, a Agência de Defesa e a Força de Auto Defesa para controle do
setor de defesa. Entretanto, este movimento em dirão a um rearmamento
desencadeou novos debates e contestações domésticas que fortemente
impulsionaram a criação de novas normas com as quais o Japão poderia agir no
sistema internacional no quesito segurança.
Fundamentando-se em Berger (1996), pode-se dizer que essas decisões, por
sua vez, dependiam do arranjo que as três subculturas políticas presentes na Dieta
conseguiam fazer. Assim, a posição centrista conseguiu maior destaque e poder
decisório atrelando a identidade nacional, cada vez mais, à de nação mercantil
durante a Guerra Fria. Em alguns momentos a posição da direita idealista, a favor de
uma atitude mais ofensiva no setor da defesa, conseguiu voz no parlamento de
modo que algumas normas pró-defesa tornaram-se institucionalizadas, como a
Política Básica de Defesa e a revisão do Tratado de 1951. Estes movimentos,
entretanto, não modificaram o quadro maior da política de segurança nacional, qual
seja, a de maximizar o setor econômico e minimizar os esforços em defesa. O
rearmamento e as políticas de defesa cresceram lentamente e de forma mínima,
além de o recrutamento ter perdido a sua obrigatoriedade.
106
Vale ressaltar aqui a existência de interesses ausentes em remilitarizão por
parte do Japão. Retomando Hopf (1998), este tipo de interesse é entendido como
ausências ou omissões produzidas pelas práticas sociais e pela estrutura. Nesse
sentido, pode-se argumentar que as omissões ou ausências produzidas pelo
processo político japonês com relação à remilitarização refletem as práticas sociais
que constituíram uma identidade antimilitar e interesses nacionais voltados para o
soerguimento econômico. Os interesses ausentes em remilitarização por parte do
Japão e os interesses estadunidenses de contenção do bloco sovtico na Ásia
através da remilitarizão japonesa produziram, portanto, uma assimetria de
interesses mais evidente no setor de defesa que conduziu a relação bilateral.
Conforme abordado no capítulo quatro, a partir do início da Guerra Fria,
ocorreu uma modificação nas diretrizes da ocupação estadunidense para com o
Japão passando este a ser visto como um estratégico aliado militar contra o
comunismo. Assim, descartando o objetivo da política inicial de construção de um
país democrático e pacifista, verificou-se uma reorientação de diretrizes
estadunidenses que fariam do Japão um poderoso braço militar, iniciando um
processo de preses internacionais para que o Japão se remilitarizasse.
O Gaiatsu ou “pressão do exterior” é uma questão que perpassa toda a
política de defesa e segurança japonesa conforme Cooney (2007, p.134) argumenta.
Para este autor, os políticos japoneses conseguiram explicar muitas de suas ações,
relacionadas à política de defesa domesticamente ao referir-se ao gaiatsu, sendo um
tema recorrente nos documentos e reportagens sobre a temática de segurança. Para
o autor, a explicação oficial japonesa passou a ser essencialmente que os
americanos nos fizeram fazer isso”. Da mesma forma, o governo japonês justificou-
se internacionalmente durante a Guerra Fria, como atrelado a regras constitucionais
e parlamentares que o impediam de agir mais ostensivamente no quesito segurança.
Destaca-se aqui a existência de tais pressões e como estas influenciaram na
construção dos processos normativos para as questões em segurança. Conforme
explicitado no capítulo teórico, a internalização das normas pode ser por coerção,
autointeresse ou legitimidade (Wendt, 1999). Além disso, considera-se que com o
tempo e transcorridas interações entre os Estados, estes podem passar por esses
diferentes graus de internalizão de normas, ou ainda, ocorrer uma sobreposição
de tipos de internalização.
107
Com base nesse pressuposto sobre a internalizão de normas, pode-se
dizer que durante a ocupação estadunidense, a relação entre os Estados era
assimétrica. Ou seja, o Japão se encontrava na situação de derrota e rendição
incondicional. Esta situação colocava os Estados Unidos na condição de construtor
de uma nova ordem que afetaria o contexto cultural-institucional do Japão nos anos
subsequentes. Nesse sentido, durante a ocupação, o contexto normativo forjado
pelos Estados Unidos com o artigo nono da Constituição, modificava a condução
política japonesa de militar para antimilitar, cuja internalização das normas pode ser
interpretada como coercitiva.
Ainda baseando-se nessa categorização delineada por Wendt, pode-se notar
que após os ajustes domésticos iniciais, essa internalização evoluiu da coerção para
o autointeresse, pois o Japão abraçou a ideia do soerguimento econômico com
baixos custos em defesa. Assim, a segurança seria responsabilidade dos Estados
Unidos e o que comou como um processo coercitivo, ou seja, a adoção de normas
antimilitares, modificou-se, transformando-se em constantes negociações
internacionais e debates domésticos sempre que a definição de uma nova política de
defesa era necessária.
Vale destacar que a internalizão destas normas não ocorre de forma
imediata, mas sim após um certo tempo em que as mudanças normativas ocorreram.
Além disso, a derrota em 1945 e a rendição incondicional haviam iniciado um
processo de mudança social que desfavorecia o setor militar japonês. Assim, o
princípio do antimilitarismo introduzido pelos Estados Unidos passou a ser seguido
pela maioria dos japoneses passando com o tempo a incorporar a identidade
nacional japonesa.
A criação do setor de defesa japonês não foi, portanto, o exercício
tecnocrático em obter o máximo de segurança com o mínimo custo, nem foi o
produto de um processo pluralista de barganha entre grupos de interesse
preocupados em maximizar sua parte dos recursos disponíveis. Foi, na realidade, o
resultado de intenso debate que envolveu questões fundamentais sobre a identidade
nacional, a definição de interesse nacional e o tipo de sistema político, econômico e
social que o Japão adotaria. Em adição, durante estes debates as decisões básicas
sobre defesa e segurança nacional foram inextricavelmente entrelaçadas com a
nova identidade nacional japonesa de nação mercantil (BERGER, 1996, p.329).
108
Nas décadas de 60 a 80, o debate sobre a segurança japonesa sofreu maior
pressão com a Guerra do Vietnam, com a assinatura do Tratado de Segurança e
Cooperação Mútua, do Acordo sobre o Status das Forças e com as Crises do
Petróleo. Esses acordos efetivaram a participação do Japão em sua própria
segurança, prevendo, inclusive, a divisão de despesas com os Estados Unidos.
Entretanto, e conforme sintetizado no quadro 3, este período foi marcado por
diversos debates domésticos sobre a pertinência desses tratados, o papel do Japão
em sua defesa, os limites orçamentários, logísticos e operacionais para o setor de
defesa, a sustentação normativa das ações e políticas para segurança e defesa, e a
validade constitucional desta sustentação normativa. Constatou-se que muitas
políticas de defesa foram formuladas em resposta às demandas do bilateralismo
somadas ao firme contexto doméstico do antimilitarismo.
Como resultado, em vez de reforçar e ampliar seu quadro político-militar a
partir dessa abertura internacional, como as perspectivas neorrealistas sugerem que
fosse ocorrer, o Japão fez o oposto, colocando maiores restrições ao setor de defesa
e resistindo a pressões internacionais para expandir seu papel militar global. Sobre
esse ponto vale lembrar Katzenstein (1996), ao postular que os interesses estatais
não são dados aprioristicamente, como afirmariam as perspectivas eminentemente
sistêmicas. Antes, porém, são construídos por meio de um processo de interação
social em que atores respondem a fatores culturais. Como resultado de experiências
históricas e na maneira como estas experiências foram interpretadas por atores
domésticos (elite política, partidos e sociedade), o Japão desenvolveu crenças e
valores, que foram institucionalizados, e que o fazem relutante ao uso da força
militar. Essa dissertação mostra, portanto, que uma explicação adequada sobre o
antimilitarismo japonês requer o exame do contexto cultural-institucional em que a
política de defesa foi formulada.
Cooney (2007, p.105) pontua que, tradicionalmente, a segurança nacional é
determinada pela capacidade política, militar e econômica de uma nação, atributos
de que o Japão recuperou ao longo da Guerra Fria. A capacidade doméstica e
política de liderança, um sólido sistema político baseado em um sistema de eleições
livres e uma Constituição forte e respeitada são elementos que estabilizam seu
governo. Ainda que o seu setor militar seja oficialmente defensivo, sua estrutura ao
final da Guerra Fria era a de um amplo e tecnologicamente moderno sistema de
defesa marinho e aéreo capaz de monitorar e proteger todas as ilhas do arquipélago.
109
Além disso, a Força Terrestre de Auto Defesa, bem equipada e treinada, já era
capaz de conter quase qualquer tentativa de invasão das ilhas centrais.
Entretanto, quando convidado em 1987 a participar ativamente dos esforços
internacionais em segurança no Golfo Persa, o Japão restringiu sua participação ao
auxílio econômico, não enviando efetivo da Força de Auto Defesa para o exterior.
Nesse sentido, é possível afirmar que as práticas sociais antimilitares e o interesse
ausente em remilitarizão foram relevantes na constituição das ações japonesas
em segurança
51
. Ainda que o contexto normativo forjado com o Tratado de
Cooperação e Segurança Mútua, bem como com a participação do Japão na
Organização das Nações Unidas legitimasse ações militares fora da esfera
defensiva, o Japão permanecia, também, influenciado pelos condicionantes
domésticos.
Percebe-se, pois, que o que mudou durante a Guerra Fria foi o padrão de
comportamento japonês de uma cultura política militar para uma cultura política
antimilitar. É importante ressaltar que os valores japoneses milenares, quais sejam,
lealdade, honra, conduta ilibada entre outros, não estavam em xeque e, inclusive,
parecem ter se perpetuado mesmo com o choque da derrota bélica de 1945, haja
vista a dedicação com que os japoneses soergueram sua economia. O que se
destaca é que o padrão de comportamento político mudou, derivado de seus novos
processos normativos, sua nova identidade e seus novos interesses. Certos
componentes culturais se mantiveram ao longo da Guerra Fria, mas gradativamente
e a partir de uma interação entre atores domésticos e entre estes com atores do
ambiente internacional, novas normas foram sendo internalizadas e se
concretizaram por meio de novas práticas institucionais como, por exemplo, o
fortalecimento do Parlamento. Dado isso, pode-se afirmar que o contexto cultural-
institucional passou por transformões significativas ao longo da Guerra Fria de
modo que a cultura de segurança nacional também sofreu alterações.
Ao longo deste trabalho evidenciou-se que uma cultura de segurança nacional
é profundamente afetada pelas instituições sociais e políticas que ajudam a moldar
os interesses que, por sua vez, informam a própria política de segurança. No caso
51
Não se afirma aqui que o constrangimento e a constituição das ações em segurança se deveu total e
exclusivamente à mudança ideacional ou normativa. Existe sim uma dimeno material que não está sendo
desconsiderada. O Japão incluía a relação de custos e benefícios em seus cálculos para o setor de defesa e para a
segurança do arquipélago, entretanto, o que se afirma aqui é que as práticas antimilitares também estavam
presentes nesse cálculo.
110
japonês, desde a Restauração Meiji, Fukoku Kyōhei (enriqua a nação e fortaleça
os militares) havia sido o objetivo tradicional da política de segurança, entretanto,
com a Segunda Grande Guerra esta máxima foi modificada. Durante a Guerra Fria o
entendimento em segurança foi envolvido por uma definição mais ampla explicada
pelas normas sociais e legais construídas nesse processo.
A relação bilateral entre os Estados Unidos e o Japão se desenvolveu no
contexto de sucessivas administrações do Partido Liberal Democrata que foram
pressionadas tanto pelo contexto bipolar do sistema quanto pela arena doméstica.
Embora algumas dessas administrações, como a do Primeiro Ministro Nobusuke
Kishi ou a do Primeiro Ministro Yasuhiro Nakasone, tenham tentado promover uma
política de segurança mais ofensiva, o padrão dominante na construção normativa
em segurança foi mais adaptativo a essas pressões externas, dentro do que o
contexto doméstico permitia.
Constatou-se que em vez de assumirem novas responsabilidades no campo
da segurança quando pressionados pelo sistema internacional, os poderes
decisórios japoneses evitaram maior envolvimento em atividades que incluíam o uso
de força militar. Como por exemplo, a criação de mecanismos que regulavam o setor
de defesa, mas que eram atrelados às decisões parlamentares. Não se argumenta,
contudo, que este processo seja irreversível. Vale dizer, modificações na estrutura
do sistema internacional são capazes de alterar as escolhas do Japão quanto às
suas políticas de defesa e de segurança. Entretanto, a análise do período da Guerra
Fria sugere fortemente que essas mudanças por si sós não explicam as políticas
adotadas no Japão para o período.
Ao contemplar as maneiras pelas quais a dimensão cultural pode afetar a
formação de políticas, este trabalho apóia a lição geral sobre a importância das
abordagens construtivistas para a compreensão das questões em segurança. Em
especial, focou-se no significado que os atores atribuem a determinadas políticas
formadas a partir de interesses moldados por condicionantes culturais. Destaca-se,
assim, a importância do papel de atores não estatais para os estudos em segurança,
sem desconsiderar o Estado como o ator principal para as análises no campo das
Relações Internacionais.
Para o caso japonês, procurou-se perceber o papel do setor militar conforme
compreendido na arena doméstica, ou seja, qual a percepção do setor militar pelos
próprios japoneses. Para tanto, o decurso histórico dos fatos desde o período
111
imperial foi importante para destacar as mudanças na cultura de segurança nacional
do período posterior. Constatou-se que o setor militar, tido como imprescindível à
segurança no Japão Imperial, foi legado à marginalidade durante a Guerra Fria e
responsabilizado pelo não cumprimento da promessa de segurança nacional e pelas
consequências advindas com a derrota em 1945. Neste caso, o consenso normativo
antimilitar derivado desses entendimentos passou a direcionar a evolução política do
Estado. Portanto, o consenso normativo abrangendo a política de segurança
japonesa foi moldado por lições históricas da Segunda Grande Guerra e pela
emergência do Japão como um ator pacífico e pspero na política mundial desde
1945 (KATZENSTEIN; OKAWARA, 1993, p.104).
Em adição, a desmilitarização do período da ocupação estadunidense
acarretou uma estrutura antimilitar fortemente internalizada na burocracia japonesa
devido ao próprio processo de expurgo militar efetuado pelos Estados Unidos. Além
disso, o antimilitarismo possui raízes na memória coletiva japonesa do período
ultramilitar de 1930 e na decisão de ir à guerra. A política de segurança para o
período foi, pois, influenciada tanto pela estrutura do Estado quanto pelo contexto de
normas sociais e legais que ajudam a definir os interesses poticos e os padrões de
adequação para escolhas de políticas especificas.
O contexto cultural-institucional construído ao longo da Guerra Fria fez
virtualmente impossível emergir o estabelecimento de um setor militar autônomo e
poderoso no Japão. Isto porque, como visto, o setor de defesa é cercado por um
grande número de procedimentos institucionais que circunscrevem severamente o
acesso dos profissionais militares ao centro do poder político. E como cororio, o
controle civil do setor de defesa es altamente internalizado no Japão
(KATZENSTEIN; OKAWARA, 1993, p.86).
Conforme demonstrado, as pressões emanadas do sistema internacional
influenciam claramente no processo de tomada de decisão em política externa de
qualquer Estado. Entretanto, o modo como os Estados percebem o sistema
internacional e o modo como escolhem responder às pressões externas é
profundamente influenciado pela força das instituições e políticas domésticas. O
governo japonês agiu de acordo com o contexto normativo em que a política de
segurança era formulada e implementada. O contexto cultural-institucional japonês
explica, pois, o caráter defensivo da política de segurança japonesa que inclui as
preocupações em segurança em uma noção mais ampla de economia e política.
112
A construção de uma identidade pacifista, voltada para interesses outros que
não militares, igualmente contribuiu para a consolidação de uma nova cultura de
segurança nacional. A origem dessa nova identidade encontra-se igualmente na
derrota japonesa quando da Segunda Grande Guerra e na ocupação estadunidense.
Consolidando o contexto normativo antimilitar coercitivo imposto com o artigo nono
da Constituição, o Primeiro Ministro Shigeru Yoshida criou a visão de uma nação
mercantil para o pós-guerra, internalizando este contexto normativo no quadro
político doméstico pelo autointeresse.
Apesar dos desafios de grupos revisionistas e oposicionistas nas décadas do
pós-guerra, conforme descrito no capítulo quatro, a identidade de nação mercantil,
que se concentra no desenvolvimento econômico, precedente sobre o poder político
militar, dominou o discurso de segurança nacional. Esta identidade se
institucionalizou com o processo político, sendo que as normas criadas relacionadas
a este discurso governaram a política para segurança japonesa definindo, assim,
seu papel na segurança regional e internacional (SINGH, 2008, p.307). A estrutura
de força japonesa passou a ser identificada como não nuclear e o agressiva
voltada para a defesa territorial e o relacionamento civil-militar caracterizou-se por
um controle burocrático do setor de defesa, permitindo pouca ou quase nenhuma
ligação entre recurso militar e nacionalismo.
O caso japonês claramente demonstrou que forças culturais exercem uma
profunda influência na abordagem da nação aos problemas de defesa e segurança
nacional. As crenças antimilitares identificáveis e os valores acerca da segurança
nacional que foram institucionalizados no Japão desde então influenciaram
grandemente sua cultura política. Contrário ao que noções mais estáticas de cultura
política podem predizer existe pouca evidência de que ocorrerá uma reversão aos
padrões de comportamento anteriores à Segunda Grande Guerra. Isto porque a
característica mais distinta da historia japonesa, descrita no capítulo três, que era a
ligação tradicional entre a sociedade, o Estado e as forças armadas, foi quebrada
durante o período da Guerra Fria (BERGER, 1998, p.193).
Estas constatações sobre o antimilitarismo japonês durante a Guerra Fria
levantam importantes questionamentos para a Teoria das Relações Internacionais e
estudos políticos comparados. Primeiramente, sugere que fatores internacionais
sistêmicos sozinhos o determinam a formação das políticas de defesa e indicam
que uma maior atenção deve ser colocada nas forças políticas domésticas. Em
113
segundo lugar, as constatar a importância dos fatores domésticos em
investigações sobre o processo político para segurança, este estudo sugere que
uma análise estrutural que foque apenas em interesses materiais dos vários grupos
no sistema político é insuficiente. Largamente compartilhados, as normas culturais e
valores tamm precisam ser faturados na equação política (BERGER, 1998, p.202).
O exame do Japão demonstrou a utilidade de uma abordagem que combine a
análise de instituições políticas com uma investigação mais ampla do contexto
ideacional dentro do qual estas instituições são incorporadas.
Para atenuar as deficiências de abordagens puramente estruturais nas
explicações da formação das políticas de defesa, os resultados da pesquisa indicam
que é útil focar em como as diferenças nas ideias que as nações passam a sustentar
e o tipo de arranjo institucional que elas possuem explicam muito das variações em
suas respostas ao ambiente internacional de segurança. Tal abordagem não nega
os poderosos constrangimentos que as forças internacionais, como a balança de
poder, colocam no comportamento do Estado (BERGER, 1998, p.203). Em vez disso,
uma abordagem que combine a investigação de fatores políticos, domésticos e
internacionais possibilita aos analistas construírem modelos explicativos mais
abrangentes acerca da política externa e permite que se chegue a melhores
predições sobre o comportamento de um ator específico.
114
REFERÊNCIAS
ADLER, Emanuel. O Construtivismo no Estudo das Relações Internacionais. IN:
Lua Nova. Revista de Cultura e Política. Número 47. São Paulo, CEDEC, 1999.
AGENCY, Central Intelligence. Mapa Político do Japão. The World Factbook. 2010.
1 mapa: colorido. Disponível em: <https://www.cia.gov/library/publications/the-world-
factbook/maps/maptemplate_ja.html>. Acessado em Maio de 2010.
ALLINSON, Gary D. Japan’s Postwar History. Ithaca, NY. Cornell University Press.
2004.
BENEDICT, Ruth. O Crisântemo e a Espada. Padrões da Cultura Japonesa.
Terceira Edição. Editora Perspectiva. São Paulo, 2006.
BERGER, Thomas U. Cultures of Antimilitarism: National Security in Germany
and Japan. Baltimore. The Johns Hopkins University Press, 1998.
BERGER, Thomas U. Norms, Identity and National Security in Germany and
Japan. IN: KATZENSTEIN, Peter et all. Culture of National Security. Nova Yorque.
Columbia University Press. 1996.
BERGER, Thomas. From Sword to Chrysanthemum: Japan's Culture of Anti-
militarism. International Security, Vol. 17, No. 4, pp. 119-150. 1993.
BRANDS, Jr. The United States and the Reemergence of Independent Japan.In:
Pacific Affairs, Vol. 59, No. 3, pp. 387-401. University of British Columbia. 1986.
CABRAL, Severino. O Japão e as Nações Unidas no após Guerra Fria. IPRI –
Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais. Seminário sobre o Japão, Hotel Le
Meridien, RJ, 7 e 8 de dezembro de 2000. Acessado em 8 de maio de 2009.
Disponível em: <www2.mre.gov.br/ipri/Rodrigo/Japão/2%20Severino%20Cabral.rtf>.
CHECKEL, Jeffrey T. The Constructivist Turn in International Relations Theory,
World Politics 50, No. 2, pp. 324–348. 1998.
CONSTITUIÇÃO dos Dezessete Artigos. Acessado em Mao de 2010. Disponível
em: <http://en.wikisource.org/wiki/Seventeen-article_constitution>.
COONEY, Kevin. Japan’s Foreign Policy Since 1945. M.E. Sharpe. London,
England, 2007.
COSTA, Darc. Segurança e defesa: uma única visão abaixo do Equador. Revista
Brasileira de Política Internacional. Vol.42, n.1, pp. 127-156. 1999.
DESCH, Michael C. Culture Clash: Assessing the Importance of Ideas in
Security Studies, International Security 23, No. 1, pp. 141–200. 1998.
DIETA, Biblioteca Nacional. Constituição Meiji. Disponível em:
<http://www.ndl.go.jp/constitution/e/etc/c02.html>. Acessado em Março de 2010.
115
DIETA. Biblioteca Nacional. Constituição Showa. Disponível em:
<http://www.ndl.go.jp/constitution/e/etc/c01.html>. Acessado em Março de 2010.
DUFFIELD, John S. Political culture and state behavior. International Organization,
vol. 53, n. 4. 1999.
FARRELL, Theo. Constructivist Security Studies: Portrait of a Research
Program. International Studies Review 4 (1), 49-72. Blackwell Publishing. Malden,
2002.
FARRELL, Theo. Culture and military power. Review of International Studies, 24,
407-416. 1998.
GABINETE, Primeiro Ministro. Arquivo: Lista Cronológica dos Primeiros
Ministros. Disponível em: <http://www.kantei.go.jp/foreign/index-e.html>. Acessado
em Maio de 2010.
GREENBOOK. Base de dados do US Overseas Loans & Grants: Country Report
in Historical Dollars. Acessado em Junho de 2009. Disponível em:
<http://gbk.eads.usaidallnet.gov/query/do?_program=/eads/gbk/countryReport&unit=N>.
GUZZINI, Stefano. A Reconstruction of Constructivism in International
Relations, European Journal of International Relations, Vol.6, No.2 , pp. 147-182.
2000.
HALL, John Whitney. Japan form Prehistory to Modern Times. Charles Tuttle
Company. 1971.
HARA, Kimie. 50 Years from San Francisco: Re-Examining the Peace Treaty and
Japan's Territorial Problems. Pacific Affairs, Vol. 74, No. 3, pp. 361-382. University
of British Columbia. 2001.
HERZ, Mônica. A dimensão cultural das relações internacionais: proposta
teórico-metodológica. Contexto Internacional, n. 6, 1988.
HERZ, Mônica. Análise Cognitiva e Política Externa. Contexto Internacional. RJ,
vol 16, 1, jan/jun. p. 75-89. 1994.
HOOK, Glenn D; GILSON, Julie; HUGHES, Christopher; DOBSON, Hugo. Japan's
International Relations: Politics, Economics and Security. Sheffield Centre for
Japanese Studies. Routledge Series. Londres. 2007.
HOPF, Ted. The Promise of Constructivism in International Relations Theory.
International Security, Vol. 23, No. 1,pp. 171-200. The MIT Press. 1998.
JACAR. Aliança Anglo-Japonesa. Japan Center for Asian Historial Records.
Disponível em: <http://www.jacar.go.jp/nichiro/uk-japan.htm>. Acessado em Maio de
2010.
JEPPERSON, R; WENDT, A; KATZENSTEIN, P. Norms, Identity and Culture in
National Security. IN: KATZENSTEIN, Peter et all. The Culture of National Security.
NY: Columbia University Press. Capítulo 2. 1996.
116
KATZENSTEIN, P. Conclusion: National Security in a Changing World IN:
KATZENSTEIN, Peter et all. The Culture of National Security. NY: Columbia
University Press. 1996.
KATZENSTEIN, P. Introduction. IN: KATZENSTEIN, Peter et all. The Culture of
National Security. NY: Columbia University Press. Capítulo 1. 1996.
KATZENSTEIN, Peter; OKAWARA, Nobuo. Japan's National Security: Structures,
Norms, and Policies. International Security, Vol. 17, No. 4, pp. 84-118. 1993.
LAPID, Y. Culture’s Ship: Returns and Departures in International Relations
Theory. IN:LAPID, Y; KRATOCHWIL, F. The Return of Culture and Identity in IR
Theory. Lynne Rienner Publishers. London. UK. Capítulo 1. 1996.
LEGRO, J. Culture and Preferences in the International Cooperation Two-Step.
American Political Science Review 90, No. 1, 1996.
LEGRO, Which Norms Matter? Revisiting the ‘Failure’ of Internationalism,
International Organization 51, No. 1, pp. 31– 63. 1997.
LIVINGSTON, Jon; MOORE, Joe; OLDFATHER, Felicia. Imperial Japan: 1800-1945
to the present. NY: Pantheon Books. The Japan Reader 1. 1973.
LIVINGSTON, Jon; MOORE, Joe; OLDFATHER, Felicia. Post War Japan: 1945 to
the present. NY: Pantheon Books. The Japan Reader 2. 1976.
LU, David J. Japan: A Documentary History, Volume I: The Dawn of History to
the Late Tokugawa Period. Armonk, New York: M. E. Sharp, 1997.
LU, David J. Japan: A Documentary History, Volume II: The Late Tokugawa
Period to the Present. Armonk, New York: M. E. Sharp, 1997.
MAPA. A Expansão do Império Japonês: 1870-1942. The Wikimedia Commons.
Disponível em <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Império_Japonês_(1870-
1942).png>. Acessado em Maio de 2010.
MASAHIDE, Bito; WATANABE, Akio. Um Perfil Cronológico da História Japonesa.
Tokyo, The International Society for Educational Information. 1990.
MINGST, Karen A. Essentials of international relations. 2. ed. New York: W. W.
Norton & Company. 2003.
MINISTÉRIO da Defesa Japonês. Comitê de Consultoria em Segurança.
Disponível em: <http://www.mod.go.jp/e/d_policy/dp11.html>. Acessado em Março
de 2010.
MINISTÉRIO da Defesa Japonês. Esboço para o Programa de Defesa Nacional.
Disponível em: <http://www.mod.go.jp/e/d_policy/pdf/english.pdf>. Acessado em
Março de 2010.
117
MINISTÉRIO da Defesa Japonês. Guia para a Cooperação em Defesa do Japão e
Estados Unidos. Disponível em: <http://www.mod.go.jp/e/d_policy/dp04.html>.
Acessado em Mao de 2010.
MINISTÉRIO da Defesa Japonês. Lei da Força de Auto Defesa. Disponível em:
<http://www.mod.go jp/e/data/data08.html>. Acessado em Março de 2010.
MINISTÉRIO da Defesa Japonês. Política Básica de Defesa Nacional. Disponível
em: <http://www.mod.go.jp/e/d_policy/dp02.html>. Acessado em Março de 2010.
MINISTÉRIO da Defesa Japonês. Tratado de Segurança e Cooperação Mútua.
Disponível em: <http://www.mod.go.jp/e/d_policy/dp03.html>. Acessado em Março
de 2010.
MINISTÉRIO da Justiça. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível
em: <http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>.
Acessado em Maio de 2010.
MOCHIZUKI, Mike. Japan's Search for Strategy. International Security, Vol. 8, No.
3 (Winter, 1983-1984), pp. 152-179. The MIT Press.
MORISHIMA, Michio. Porque Triunfou o Japão? A tecnologia ocidental e o
espírito do povo japonês. Gradiva Press. Lisboa. 1982.
MORRIS. Foreign Policy Issues in Japan's 1958 Elections. Pacific Affairs, Vol. 31,
No. 3 (Sep., 1958), pp. 219-240. University of British Columbia
NAKANO, Ryoko. Ikenberry, American Empire and the U.S.-Japan
Relashionship. Nazan Review of American Studies. Volume 27. 2005.
NISHI, Toshio. Unconditional Democracy. Stanford University, California, Hoover
Institutions Press. 1982.
NOGUEIRA, João Pontes; MESSARI, Nizar. Teoria das relações internacionais:
correntes e debates. Rio de Janeiro: Elsevier, 2005.
OLSON, L. Political Relations. IN: PASSIN, Herbert. The United States and Japan.
New Jersey, Prentice-Hall, 1966.
ONU. Carta das Nações Unidas. Acessado em Março de 2010. Disponível em:
<http://www.onu-brasil.org.br/documentos_carta.php>.
PERALVA, Oswaldo. Um Retrato do Japão. Editora Moderna, Coleção Polêmica.
São Paulo, Sp, 1991.
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS. Pró-Reitoria de
Graduação. Sistema de Bibliotecas. Padrão PUC Minas de normalização: normas
da ABNT para apresentação de projetos de pesquisa. Belo Horizonte, 2008.
Disponível em <http://www.pucminas.br/biblioteca/>. Acesso em: Maio de 2010.
SINGH, Bhubhindar. Japan's security policy: from a peace state to an
international state. In: The Pacific Review, 21: 3, pp.303 - 325. 2008.
118
SOFA. Acordo sobre o Status das Forças. Acessado em Maio de 2010. Disponível
em: <http://www.fas.org/sgp/crs/natsec/RL34531.pdf>. Arquivo PDF.
TRATADO de Amizade e Comércio (Harris). Acessado em Março de 2010.
Disponível em: <http://en.wikisource.org/wiki/Harris_Treaty>.
TRATADO de Kanagawa. Acessado em Março de 2010. Disponível em:
<http://en.wikisource.org/wiki/Treaty_of_Kanagawa>.
TRATADO de Shimoniseki. Acessado em Março de 2010. Disponível em:
<http://en.wikisource.org/wiki/Treaty_of_Shimonoseki>.
TSURUTANI, Taketsugu. Old Habits, New Times: Challenges to Japanese-
American Security Relations. International Security, Vol. 7, No. 2 (Autumn, 1982),
pp. 175-187. The MIT Press.
TURKINGTON, David. História Cronológica do Japão. Acessado em Maio de 2010.
Disponível em: <http://www.shikokuhenrotrail.com/japanhistory.html>.
UCLA Center for East Asian Studies. Correspondências entre os Estados Unidos
e o Japão na década de 1940. Setor de documentação. Disponível em:
<http://www.international.ucla.edu/eas/documents/doc-index.htm>. Acessado em 20
de abril de 2009.
UCLA Center for East Asian Studies. Tratado de São Francisco. Setor de
documentação. Acessado em 20 de abril de 2009. Disponível em:
<http://www.international.ucla.edu/eas/documents/peace1951.htm>.
WALTZ, Kenneth. Theory of International Politics. New York, McGraw-Hill. 1979.
WARD, R. The Legacy of Occupation. IN: PASSIN, Herbert. The United States and
Japan. New Jersey: Prentice-Hall, 1966.
WENDT, A. Identity and Structural Change in International Politics. IN:LAPID, Y;
KRATOCHWIL, F. The Return of Culture and Identity in IR Theory. Lynne Rienner
Publishers. London. UK. Capítulo 1. 1996.
WENDT, Alexander. Social Theory of International Politics. Cambridge Studies in
International Relations. Cambridge: Cambridge University Press, 1999.
YALE Law School. Tratado de Segurança entre Japão e Estados Unidos. The
Avalon Project. Lillian Goldman Law Library. Acessado em Junho de 2009.
Disponível em: <http://avalon.law.yale.edu/20th_century/japan001.asp>.
YODA, Tatsuro. Japan's Host Nation Support Program for the U.S.-Japan
Security Alliance: Past and Prospects. Asian Survey, Vol. 46, No. 6 (Nov/Dec), pp.
937-961. University of California Press. 2006.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo