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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
CRISTINE MACHADO STUERMER
RECONVERSÃO DO PATRIMÔNIO INDUSTRIAL E OS VALORES
CONTEMPORÂNEOS
São Paulo
2010
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II
CRISTINE MACHADO STUERMER
RECONVERSÃO DO PATRIMÔNIO INDUSTRIAL E OS VALORES
CONTEMPORÂNEOS
Dissertação apresentada à Universidade Presbiteriana
Mackenzie, como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo.
Orientadora: Dra. Ana Gabriela Godinho Lima
São Paulo
2010
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III
S927r
Stuermer, Cristine Machado.
Reconversão do patrimônio industrial e os valores
contemporâneos / Cristine Machado Stuermer, 2010.
172 f.: il.; 30 cm
Orientador: Ana Gabriela Godinho Lima
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo)–
Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2010.
Bibliografia: f. 110-118
1. Patrimônio industrial. 2. Preservação. 3. Valor
cultural/econômico. I. Título.
CDD 725.4
IV
CRISTINE MACHADO STUERMER
RECONVERSÃO DO PATRIMÔNIO INDUSTRIAL E OS VALORES
CONTEMPORÂNEOS
Dissertação apresentada à Coordenação do Curso de
Pós Graduação em Arquitetura e Urbanismo da
Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito
parcial para a obtenção do título de Mestre em
Arquitetura e Urbanismo.
Aprovada em 04 de agosto de 2010.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________
Profa. Dra. Ana Gabriela Godinho Lima – Orientadora
Universidade Presbiteriana Mackenzie
___________________________________________________________________
Profa. Dra. Maria Augusta Justi Pisani
Universidade Presbiteriana Mackenzie
___________________________________________________________________
Profa. Dra. Monica Junqueira de Camargo
Universidade de São Paulo
V
Este trabalho é dedicado à minha filha - luz do
meu viver, e ao Mario cuja compreensão e apoio
tornaram possível a realização desse trabalho.
Aos meus pais, com gratidão e afeto.
VI
AGRADECIMENTOS
Independente de crenças ou religião agradeço a Deus e à espiritualidade por
tudo que sou, pela inspiração e pela perseverança.
À minha orientadora, Profa. Dra. Ana Gabriela Godinho Lima, além do
carinho, estímulo e confiança, pelas nossas incontáveis discussões ao redor de uma
xícara de café.
Á CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior e
ao MackPesquisa pelo apoio financeiro que possibilitou a concretização dessa
pesquisa.
Às professoras Dra. Maria Augusta Justi Pisani e Dra. Mônica Junqueira de
Camargo, agradeço pelos comentários e sugestões fornecidas na banca de
qualificação.
Aos funcionários da Pós-Graduação e, em particular, aqueles da biblioteca da
FAU/Mack pela gentileza e atenção.
Pela colaboração com a pesquisa agradeço ainda aos funcionários das
instituições levantadas em particular modo à Carmen da Cinemateca Brasileira; à
Luciana do Instituto Criar e ao Ernani Barone da Estação Ciência.
Ao arquiteto Nelson Dupré pelo tempestivo apoio.
Ringrazio ancora l’architetto Luigi Bertolotto per le fotografie e consigli dati
nell’estate 2009, cosí come il prof. Manlio Marcheta con cui ho sviluppato la mia tese
di laurea a Firenze e che mi ha fatto conoscere il tema.
À amiga e companheira de mestrado Maria Fernanda Freire pelo carinho,
cumplicidade e pela torcida.
Aos meus queridos amigos (386) Alex, Aline, Daniela, Enio, Giuliano, Iside,
Mauricio, Nadia, Renato pela longa e incondicional amizade e pela alegria
contagiante.
Aos meus queridos irmãos e à minha tia Nilze, pela compreensão, pelo
carinho, apoio e incentivo.
E finalmente, a todos aqueles que, mesmo que não citados nominalmente,
direta ou indiretamente incentivaram e acreditaram na concretização deste trabalho.
VII
“O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente.”
“O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente.”“O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente.”
“O passado não reconhece o seu lugar: está sempre presente.”
M
MM
áá
ário Quintana
rio Quintanario Quintana
rio Quintana
VIII
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BNDES – Banco nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico e
Turístico do Estado de São Paulo
CONPRESP Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural
e Ambiental da Cidade de São Paulo
DPH-PMSP Departamento do Patrimônio Histórico da Secretaria da Cultura da
Prefeitura Municipal de São Paulo
EMPLASA – Empresa paulista de Planejamento Metropolitano
FAUUSP - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo
FEPASA – Ferrovia Paulista S/A
ICCROM International Centre for the Study of the Preservation and Restoration of
Cultural Property
ICOMOS – International Council on Monuments and Sites
IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
SEMPLA – Secretaria Municipal do Planejamento
SPHAN – Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
TICCIH – The International Committee for the Conservation of Industrial Heritage
UNESCO – United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization
UNICAMP – Universidade Estadual de Campinas
USP – Universidade de São Paulo
Apoio: Capes e MackPesquisa
1
SUMÁRIO
RESUMO/ABSTRACT 1
APRESENTAÇÃO 3
INTRODUÇÃO 5
Capítulo 1 – PATRIMÔNIO INDUSTRIAL 13
1.1 Considerações Iniciais 14
1.2 Patrimônio Industrial e a sua Defesa 19
1.3 O Patrimônio Industrial no Contexto Brasileiro 37
Capitulo 2 - CONCEITOS DE PATRIMÔNIO, CONCEITOS DE PROJETO 46
2.1 O Reuso do Patrimônio Industrial 47
2.2 Questões que Envolvem a Preservação do Patrimônio Industrial 59
2.3 Posturas Conceituais 64
Capítulo 3 - OS VALORES CONTEMPORÂNEOS DO PATRIMONIO INDUSTRIAL 81
3.1 A Ampliação do Conceito de Patrimônio 82
3.2 A Questão do Valor: o bem cultural, o uso e a economia 87
3.3 A Perspectiva Econômica e Cultural 97
CONSIDERAÇÕES FINAIS 105
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 110
ANEXO 1 119
ANEXO 2 129
Apoio: Capes e MackPesquisa
1
RESUMO
A cidade de São Paulo, identificada até a década de 1970 por sua vocação
fabril, vem diminuindo gradativamente sua participação na produção industrial do
país desde os anos 1980. A evasão das grandes indústrias para áreas afastadas
dos centros urbanos ocasionou o paulatino abandono dos complexos produtivos
mais antigos. Neste processo tem-se verificado o fechamento de fábricas,
acarretando a deterioração de suas estruturas e equipamentos o que
freqüentemente tem levado à demolição de muitos exemplares interessantes - quer
por seu valor como registro histórico, por suas qualidades arquitetônicas - em um
processo potencializado pela voracidade dos negócios imobiliários na cidade.
1
Este trabalho busca contribuir com algumas reflexões a respeito dos valores
contemporâneos relacionados ao patrimônio industrial que nos permitem entender
os processos de transformação e reuso por que vem passando os edifícios que
compõe esse patrimônio considerando que a preservação de sua herança e de seus
remanescentes está relacionada à existência de atividades nas quais a modernidade
está inscrita, entre elas as econômicas e sociais. Dependente que é a arquitetura de
recursos para materializar-se e manter-se, nos interessa refletir sobre a natureza
destes recursos que não são meramente econômicos, mas também simbólicos, e,
nesse sentido, intrinsecamente relacionados à cultura e a tradição dos lugares de
existência. Apresentamos então algumas reflexões sobre o papel e a importância
das relações entre valor econômico e valor cultural/simbólico na preservação e
reconversão do patrimônio industrial.
Palavras chave: patrimônio industrial, preservação, valores cultural/econômico.
1
FONTES, Paulo. Mapeando o patrimônio industrial. Disponível em
http://www.revista.iphan.gov.br/materia.php?id=166. Acesso em 10 nov. 2008.
Apoio: Capes e MackPesquisa
2
ABSTRACT
The city of São Paulo, known until the 1970’s for its industrial vocation, has
been gradually loosing its participation in the Brazilian Industrial production since the
1980’s. The migration of big industries from urban centers to remote areas led the
older productive buildings to be slowly abandoned. Along this process, magnified by
the city's real estate business voracity, factories were closed, causing the
degradation of its structures and machinery, frequently resulting in the demolition of
establishments, some of which considered interesting for its historical register and/or
its architectonic qualities.
This dissertation aims at contributing with some reflections on the
contemporary values related to the industrial building heritage. Such values allow a
better understanding of the transformation and reuse processes for which the
buildings that compose this heritage have been going through. It is being taken into
account that the preservation of its patrimony and remnants is related to the
existence of activities, such as the economical and social ones, in which modernity
take part of. Being the existence and maintenance of architecture dependent on
resources, it is of interest to reflect upon their nature, not only economic but also
symbolic, and in this sense, intrinsically related to the culture and tradition of where
the architecture exist. Therefore, the arguments presented here are aimed at
reflecting on the role and importance of economic and cultural/symbolic values in
preserving and reconverting industrial building heritage.
Keywords: industrial heritage, preservation, cultural and economical values.
Apoio: Capes e MackPesquisa
3
APRESENTAÇÃO
Formada em arquitetura e urbanismo, em 1991, pela Universidade Mackenzie
havia começado meu mestrado pela mesma instituição quando recebi o convite de
um escritório italiano, em 1994, para participar, como observadora, de algumas
pesquisas na Itália. Tratava-se de escavações em uma área arqueológica e da
restauração de uma construção do séc. XIX erguida sobre precedente construção
romana na cidade de Tarquinia a, aproximadamente, 100 km de Roma.
Essa experiência de algumas poucas semanas me empolgou de tal maneira
que em junho de 1995, tendo concluído um curso de dois anos em Conservação e
Restauro Pictórico no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM-SP), única
alternativa na época na cidade de São Paulo para amantes da restauração, tive a
oportunidade de ir morar na Itália.
A idéia inicial era ficar por um período de um ano, ao ximo, e participar de
outra intervenção de restauração, arquitetônico e pictórico, desta vez em uma igreja
construída na metade do séc. XVII na cidade de San Quirico d’Orcia localizada na
Província de Siena. Acabei permanecendo por bem mais tempo do que o imaginado
e começa minha aventura em solo italiano. Uma aventura extremamente
gratificante, rica de oportunidades, de conhecimento e que me deixou fora do Brasil
por quase dez anos.
Meu percurso começa então, contemporaneamente, entre trabalho e estudo
com o reconhecimento do meu diploma brasileiro junto a Facoltá di Architettura
dell’Universitá degli Studi de Florença. Neste processo, que durou cerca de três
anos, passei por disciplinas como Restauro Arquitetônico, Direito e Legislação
Urbanística e Urbanística I que me levaram a apresentar um trabalho de graduação
cujo tema foi “As Estações Ferroviárias Toscanas – as principais estradas ferradas e
as maiores estações toscanas”, em 2001.
Um trabalho de revisão bibliográfica sobre a história da ferrovia na região da
Toscana, e de suas principais estações ferroviárias, além de uma análise das
tipologias arquitetônicas das estações, da configuração dos espaços e da qualidade
Apoio: Capes e MackPesquisa
4
arquitetônica das mesmas bem como do contexto urbano. Trabalho gratificante e
bem sucedido que me levou a obtenção da chamada laurea cum laude.
Nestes anos de estadia na Itália, além do estudo, colaborei como arquiteta,
junto a outros profissionais, no desenvolvimento de projetos de restauração/reformas
e requalificação de edificações, com ênfase nos projetos de interiores, passando da
prancheta à obra e ainda pelos órgãos de aprovação inclusive aqueles específicos
ligados ao patrimônio histórico que sempre me despertaram maior interesse. Pude
colaborar também, entre 1999 e 2000, na iniciativa de pesquisa e desenvolvimento
de novos produtos de design mirados à recuperação da memória e das tradições da
Região Toscana através do artesanato de qualidade. Enfim a questão da
preservação da memória, da história, do patrimônio e das formas como isso poderia
acontecer me apaixonavam cada vez mais me levando a setores diferentes de
atuação, observação e pesquisa.
No entanto meu maior interesse surgiu quando da observação dos processos
de reconversão desses grandes complexos industriais abandonados e a nova
destinação de uso dada aos mesmos. A Europa me mostrou casos interessantes
nesse sentido. Especificamente em âmbito italiano o caso da reconversão da fábrica
da Fiat Lingotto ou ainda do complexo denominado Environment Park inaugurado
em Turim em 1996. O projeto realizado na área industrial do bairro de Bovisa, em
Milão, onde várias faculdades do Politécnico de Milão se instalaram dentro dos
galpões metálicos existentes aproveitando a estrutura. Ou a reciclagem pela qual o
bairro industrial Bagnoli, em Nápoles, vem sendo submetido.
Tendo adquirido certa vivência em intervenções de restauro em estruturas
menores e consideradas mais “triviais”, a reconversão desses “refugos do progresso
técnico ou das mudanças estruturais da economia, grandes conchas vazias que a
maré industrial abandonou na periferia das cidades e mesmo em seu centro”
2
, que
com a dilatação do conceito de patrimônio acabam sendo integrados ao corpus
patrimonial, me instigou a analisar a reutilização do patrimônio da industrialização e
as questões ligadas à sua sobrevivência.
2
CHOAY, Françoise. A alegoria do patrimônio. 3.ed. São Paulo: Estação Liberdade/Ed.Unesp, 2006, p.209.
Apoio: Capes e MackPesquisa
5
INTRODUÇÃO
As transformações do cenário econômico brasileiro a partir dos anos de 1970
provocaram a evasão das grandes indústrias para áreas afastadas dos centros
urbanos ocasionando o paulatino abandono dos complexos produtivos mais antigos,
às vezes de grandes dimensões, e impulsionando a degradação de tecidos urbanos,
muitas vezes centrais. Muitos edifícios fabris, conjuntos de grande interesse histórico
e estético, foram então abandonados, demolidos ou passaram a abrigar outras
funções.
O desenvolvimento deste trabalho se deu a partir de alguns questionamentos
sobre os valores contemporâneos que poderiam interferir na reutilização dos
exemplares da herança industrial e nos projetos de reabilitação de áreas e
edificações pertencentes ao patrimônio da industrialização.
Procuramos então fazer uma reflexão sobre quais valores contemporâneos
nos permitiriam entender os processos de transformação e reuso por que vêm
passando os edifícios que compõe o patrimônio da industrialização. Pode-se dizer
que o ponto de partida para a discussão apresentada aqui tem como marco o texto
de Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses (2000), A importância Econômica de um
Bem Cultural e a Importância Cultural de um Bem Econômico. O autor explica que
ao conceituarmos patrimônio cultural convém lembrar que este é constituído não
pelas coisas materiais ou imateriais em si, mas pelos valores que são atribuídos a
estas coisas e que, portanto, desde o início, nos deparamos com a problemática do
valor. O texto discursa, portanto sobre os valores que investem o patrimônio cultural
entre eles os valores pragmáticos - de todos os mais marginalizados, precisamente
por ser julgados pouco ou nada “culturais”. Ulpiano entende o conceito de valor
como aquele capaz de expressar a capacidade de alguma coisa, bem material ou
não material, em responder a uma necessidade humana, qualquer necessidade, de
qualquer tipo ou gradação inclusive as de natureza econômica. Portanto, segundo
ele, a antinomia valor cultural versus valor econômico não tem sentido já que valores
econômicos e valores culturais somam muito mais semelhanças do que
dessemelhanças. De fato as atividades culturais estão inseridas no quadro da
Apoio: Capes e MackPesquisa
6
economia produzindo, via de regra, bens e atividades que podem ser tratados como
mercadorias e serviços. Lembra o autor que no setor de patrimônio ambiental
urbano, em particular no que se refere à preservação urbana e aos projetos de
renovação e revitalização de áreas dotadas de valor cultural, tem havido consciência
crescente das vantagens e benefícios econômicos das estratégias de conservação
em luta contra a especulação imobiliária e a autofagia de nossas cidades,
principalmente nos países em desenvolvimento.
Em decorrência disso a idéia de que os valores econômicos teriam um papel
importante na compreensão desse quadro nos levou ao texto de Randall Mason
(2008), Be Interested and Beware: Joining Economic Valuation and Heritage
Conservation, que corrobora a impressão compartilhada por Roberto Cecchi (2008),
em seu livro Il Restauro, de que os aspectos ligados ao reuso dos edifícios
industriais do patrimônio fundamentam-se fortemente em questões econômicas. Se
Mason afirma que distintos tipos de valor, mais contemporâneos como os valores
econômicos, sociais ou ambientais podem ser identificados no patrimônio cultural
Cecchi e Ulpiano mencionam que motivos e valores econômicos estão entre as
razões pelas quais as sociedades estão dispostas a realizar a conservação de seu
patrimônio sendo os valores culturais a chave para essa conservação. Portanto a
problemática da tutela do patrimônio deveria considerar o equilíbrio desses valores,
sobrepostos e interligados com muita freqüência, e perspectivas de valorização em
vários níveis de gestão administrativa do território. A tutela deve passar
necessariamente por um juízo de valores, inclusive o econômico, que é uma
preocupação legítima no discurso da conservação bem como no discurso
econômico, binômio estudado por Mason, modelando fortemente as atitudes e
decisões públicas. A intervenção, segundo Cecchi, deve ser subordinada a um
projeto crível, de modo a o criar um volume vazio à procura de uma utilização e
nem tão pouco dispersar financiamentos que poderiam ser usados em projetos
consistentes. O restauro é projeto e, portanto uma ação voltada ao uso dos espaços,
neste caso, o reuso que torna o edifício vivo pelas atividades que ali serão
desenvolvidas.
Se o aspecto econômico mencionado por Ulpiano encontra eco em Mason o
aspecto cultural foi mais bem explorado por meio do livro de Beatriz Kühl (2008),
Apoio: Capes e MackPesquisa
7
Preservação do Patrimônio Arquitetônico da Industrialização: problemas teóricos do
restauro, e da tese de doutorado de Manoela Rufinoni (2009) Preservação e
restauro urbano: teoria e prática de intervenção em sítios industriais de interesse
cultural. A posição de Rufinoni é de que os exemplares de interesse do patrimônio
não deveriam ser considerados como “ilhas separadas” do processo de
desenvolvimento urbano e territorial e embora mencione aspectos econômicos não
expressa a intenção de desenvolvê-los em sua tese. As duas autoras restringem-se
a chamar atenção para o fato de que as questões econômicas envolvidas nas
intervenções sobre o patrimônio urbano certamente possuem grande influência e
não podem ser negligenciadas, mas que estas, e também as questões políticas,
dentro de certos limites, não devem assumir o equivocado posto de objetivo do
restauro. Estas são questões a ser abordadas como mais um dado de projeto na
condução do restauro
3
que, por sua vez, deve ser pautado pelas prioridades da
esfera cultural. Quando for legítima e necessária a intervenção, prosseguem as
autoras, esta deve manifestar-se respeitando e valorizando o preexistente,
procurando uma relação positiva e construtiva entre o novo e o antigo. O projeto
deve inserir uma nova estratificação que se comporte como adição, mas sem
destruir o edifício, ou o conjunto urbano, dos pontos de vista físico, figurativo,
documental, memorial e simbólico. Kühl chama a atenção para as formas de
atuação sobre o patrimônio histórico que têm se multiplicado na atualidade, as quais
deixam de ter as raízes culturais que motivaram o campo da preservação, pautando-
se em aspectos pragmáticos a exemplo da reutilização, da reabilitação e da
recuperação. Afirma que as intervenções executadas em edifícios ou sítios
industriais culturalmente representativos, com certa freqüência, não observam os
princípios mais básicos da teoria do restauro, em flagrante discordância com as
diretrizes da Carta de Veneza e documentos complementares.
Substanciando a discussão assim estruturada sobre o binômio identificado no
texto de Mason, discurso econômico e discurso cultural, comparecem: as análises
das cartas patrimoniais, em particular modo a Carta de Nizhny Tagil sobre o
Patrimônio Industrial, onde são elucidados termos e conceitos relativos ao
3
As autoras parecem fazer questão do uso exclusivo do termo “restauro” ao se referir a qualquer tipo de
intervenção no patrimônio industrial.
Apoio: Capes e MackPesquisa
8
patrimônio industrial e diretrizes para sua preservação; o livro de Françoise Choay
(2006), A alegoria do Patrimônio, onde buscamos o entendimento do conceito de
patrimônio cultural e que aponta também para o valor econômico do patrimônio
histórico, valor induzido pelo desenvolvimento da indústria cultural; a publicação de
Eugenio Battisti (2001), Archeologia Industriale, que discursa sobre o reuso desses
exemplares da industrialização e sua sobrevivência ressaltando que apesar de tudo
a maior parte dos velhos edifícios industriais permanecerá um recipiente vazio.
Battisti prossegue ainda ponderando que será necessário escolher e decidir,
sobretudo, quando não existirem qualidades de monumento ou ligações culturais
com o ambiente, as possibilidades de reuso desses edifícios. Esclarece ainda que
estes remanescentes industriais tornaram-se socialmente desejáveis e pela
experiência adquirida é sabido que se não são recuperados imediatamente caem em
mãos da especulação imobiliária que os abate.
Por fim buscamos na produção de dissertações e teses brasileiras sobre o
tema, verificar como os valores culturais e econômicos são abordados pelos autores
de trabalhos acadêmicos, ou seja, se e como os valores culturais e econômicos
comparecem nos textos levantados. O objetivo desse mapeamento foi tomar contato
com as diversas abordagens sobre o patrimônio industrial no contexto da
universidade brasileira nos últimos cinco anos, no que diz respeito às questões
culturais e econômicas. No anexo I são apresentados sinteticamente os critérios de
busca e análise desse material.
Este trabalho foi organizado em três capítulos. Pautado pelos critérios aos
quais me referi o Capítulo 1 Patrimônio Industrial procura definir o conceito de
patrimônio industrial e o termo arqueologia industrial, área de conhecimento que
nasceu da necessidade de estudo e preservação dos testemunhos industriais
ameaçados, e com o qual nos deparamos com muita freqüência quando falamos de
patrimônio da industrialização. Nessa investigação buscamos entender a
incorporação da noção de patrimônio industrial à do próprio patrimônio artístico e
cultural, em virtude da expansão do campo cronológico da herança histórica, bem
como a extensão dessa compreensão ao conjunto histórico ou tradicional e a sua
ambiência enquanto um todo coerente, incluindo as relações espaciais e humanas
envolvidas. Buscamos ainda entender a área de abrangência e a aceitação desse
Apoio: Capes e MackPesquisa
9
novo campo de conhecimento - a arqueologia industrial - que se deparou com
inúmeros questionamentos e críticas sobre sua autonomia. Paralelamente
procuramos analisar o interesse paulatino pela preservação e valorização do
patrimônio industrial ao longo do tempo, e em várias partes do mundo, e os
instrumentos usados na defesa de seus bens, dando ênfase ao estudo da Carta de
Nizhny Tagil sobre o Patrimônio Industrial, documento específico para a salvaguarda
desse patrimônio onde o elucidados termos e conceitos a respeito bem como
diretrizes para sua preservação. Concluímos este capítulo discutindo o patrimônio
industrial no contexto brasileiro seja sob o ponto de vista das abordagens teóricas
que práticas. Nesta última parte levantamos as discussões, os encontros e as
publicações, mais significativos, sobre a preservação do patrimônio industrial no
Brasil. Relacionamos ainda os trabalhos acadêmicos (anexo I) que vêm sendo
produzidos nos últimos anos tendo como foco o patrimônio industrial corroborando
nossa observação de que no Brasil o assunto vem ganhando interesse nas últimas
décadas. Esta listagem encontra-se no anexo I ao fim desse trabalho. Quanto às
questões no tocante à prática mencionamos alguns exemplos de tombamento de
edifícios e áreas industriais em território nacional e de reutilização desse patrimônio
que foram, porém abordados com mais pertinência no capitulo dois. Neste capítulo
nos referenciamos essencialmente nos trabalhos de Hudson (1966), Kühl (1998,
2008), Dean (1976), Cordeiro (1987), Cury (2004), buscando também nas teses ou
dissertações de Campagnol (2008), Vilar (2007), Pozzer (2007), Fonseca (2007),
Rufinoni (2004, 2009), Vichnewski (2004) e Moreira (2007) definições de conceitos
sobre arqueologia e patrimônio industrial e sua preservação ao longo do tempo.
Na seqüência desse percurso, o Capítulo 2 Conceitos de Patrimônio,
Conceitos de Projeto contém uma discussão sobre as questões ligadas a
reutilização do patrimônio industrial, ou seja, sobre o reuso de exemplares dessa
arquitetura fabril que, pela obsolescência de suas estruturas, foram desativados, e
as posturas adotadas nas intervenções de reconversão desse patrimônio. A intenção
deste capítulo foi levantar os conceitos de patrimônio que deveriam permear os
projetos de reconversão desses edifícios e as discussões sobre o reuso dos
mesmos. Começamos por caracterizar o reuso relatando casos de reconversão de
edifícios e requalificação de áreas industriais na Europa, nos Estados Unidos e na
Apoio: Capes e MackPesquisa
10
América do Sul incluindo o Brasil. Em seguida procuramos analisar o entendimento
do que deve ser preservado no campo do patrimônio industrial e as dificuldades
ligadas ao tema, entre elas as de uso e funções atribuídos aos monumentos e
espaços industriais. Por fim analisamos as posturas adotadas nos projetos de
recuperação do patrimônio da industrialização, ou seja, a conservação do
documento e as vertentes e critérios que deveriam ser adotados, na maioria dos
casos, na abordagem dos projetos versus a projetação do uso e da organização
funcional com suas necessidades técnicas e arquitetônicas. Para tal buscamos
referências no trabalho mais recente da professora e arquiteta Beatriz Kühl:
Preservação do patrimônio arquitetônico da industrialização: problemas teóricos de
restauro e adotamos ainda, como contraponto, alguns textos de autores italianos
como Archeologia Industriale de Eugenio Battisti (ano); Archeologia Industriale
metodologie di recupero e fruizione del bene industriale. Atti del convegno, uma
compilação de textos que nasce em ocasião do congresso sobre patrimônio
industrial ocorrido em junho de 2000 na cidade de Prato, Itália, organizada por Laura
Faustini, Elisa Guidi e Massimo Misiti e por fim Il Restauro de Roberto Cecchi.
O Capítulo 3 – Os Valores Contemporâneos do Patrimônio Industrial
volta-se à discussão sobre a realidade complexa, não somente sob o ponto de vista
arquitetônico e cultural, mas também de acordo com as questões econômicas,
políticas e sociais que os exemplares da industrialização se deparam. As questões
utilitárias não podem ser as únicas a prevalecerem nas decisões projetuais, mas
muitas vezes são definitivas para a sua sobrevivência. Este capítulo aborda,
portanto os valores contemporâneos relacionados ao patrimônio industrial tendo em
vista que a preservação de sua herança e de seus remanescentes está relacionada
com a existência de atividades com as quais a modernidade é escrita entre elas as
econômicas e sociais. Dependente que é a arquitetura de recursos para materializar-
se e manter-se, nos interessa refletir sobre a natureza destes recursos que não são
meramente econômicos, mas também simbólicos, e, nesse sentido, intrinsecamente
relacionados à cultura e a tradição dos lugares de existência. Apresentamos então
algumas reflexões sobre o papel e a importância das relações entre valor econômico
e valor cultural/simbólico na preservação e reconversão do patrimônio industrial. De
posse desse panorama procuramos definir o conceito ampliado de patrimônio
Apoio: Capes e MackPesquisa
11
histórico/cultural que inclui também as instalações e sítios industriais como bens
patrimoniais. Paralelamente analisamos as questões ligadas aos valores intrínsecos
aos exemplares da industrialização, a problemática do bem cultural versus o uso e a
economia. Nessa realidade buscamos confrontar a perspectiva da economia em
relação à preservação do patrimônio numa discussão sobre o binômio valor
econômico versus valor cultural. Para tal realizamos uma revisão bibliográfica
tomando como referência para esta discussão o texto de Françoise Choay, A
alegoria do patrimônio (2006) para entender as questões presentes no patrimônio
históricos, como os valores econômicos, na era da indústria cultural; as diferentes
tipologias de valor presentes nesse tipo de discussão e os fatores ligados ao culto
do patrimônio; os conflitos entre a indústria patrimonial versus a evolução da
economia urbana e os diversos tipos de operações destinadas à valorização do
monumento histórico e sua, eventual, transformação em produto cultural e por fim as
questões ligadas à reutilização e reintegração de um edifício, especificamente do
patrimônio industrial, à vida contemporânea. O texto A importância Econômica de
um Bem Cultural e a Importância Cultural de um Bem Econômico (2000), de Ulpiano
Bezerra de Meneses nos possibilitou compreender o conceito de valor como sendo
aquele constituído não pelas coisas materiais ou imateriais em si, mas pelos valores
que são atribuídos a estas coisas. Entre os valores abordados estão o valor cultural
e o valor econômico e o autor discorre sobre as semelhanças e dessemelhanças
entre eles. As questões levantadas por Ulpiano encontram apoio no texto de Randall
Mason, Be Interested and Beware: Joining Economic Valuation and Heritage
Conservation (2008) onde o autor discorre sobre os dois distintos modos de pensar
a questão do patrimônio na sociedade contemporânea que ele nominou de discurso
econômico e discurso de conservação. Pontuando estes dois últimos textos
inserimos algumas observações presentes no livro do arquiteto florentino Roberto
Cecchi, Il Restauro (2008), que recolhe depoimentos de colegas, do autor, e
estudiosos da área sobre as questões ligadas ao patrimônio e o valor econômico.
Os anexos apresentados no fim deste trabalho ilustram passagens
importantes no processo de reflexão ao longo desta pesquisa. O anexo I,
mencionado acima, contém a relação dos trabalhos acadêmicos que vêm sendo
produzidos nos últimos anos tendo como foco o patrimônio industrial corroborando
Apoio: Capes e MackPesquisa
12
nossa observação de que no Brasil o assunto vem ganhando interesse nas últimas
décadas. Alguns dos trabalhos levantados não chegaram a ser utilizados dado que
seu escopo não ia ao encontro da argumentação aqui apresentada. Outros trabalhos
foram levantados, mas não foi possível ter acesso a eles.
O anexo II nasce no início dos trabalhos de pesquisa quando pareceu
interessante analisar alguns casos exemplares de reuso. As obras inicialmente
escolhidas foram a Cinemateca Brasileira, ex matadouro municipal da cidade de São
Paulo localizado no bairro de Vila Mariana; o Instituto Criar de Televisão e Cinema e
a Estação Ciência/USP. Estes dois últimos exemplares, localizados respectivamente
nos bairros do Bom Retiro e da Lapa, foram em suas origens fábricas têxteis. Com o
desenvolvimento da pesquisa revelou-se mais pertinente explorar de maneira mais
aprofundada as questões conceituais, razão pela qual os estudos de caso não foram
levados adiante. Não obstante achamos que seria de interesse incluir as análises no
trabalho, pois estas ilustram em alguma medida o tipo de trabalho e de projetos
cujos aspectos conceituais são efetivamente desenvolvidos nessa dissertação.
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13
CAPÍTULO 1
PATRIMÔNIO INDUSTRIAL
“(...) grandes conchas vazias que a maré industrial abandonou (...)”
Françoise Choay
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14
Neste capítulo trataremos de definir o conceito de patrimônio industrial e de
sua área de abrangência. Para tal buscaremos entender o termo arqueologia
industrial com o qual nos deparamos com muita freqüência quando falamos de
patrimônio da industrialização. Em seguida analisaremos o interesse pela
preservação do patrimônio industrial ao longo do tempo e os instrumentos usados na
defesa de seus bens. Finalmente discutiremos o patrimônio industrial no contexto
brasileiro seja sob o ponto de vista das abordagens teóricas que práticas.
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O patrimônio industrial, ou patrimônio da industrialização, deve ser entendido
com a expansão do campo cronológico da herança histórica e, portanto, com a
ampliação daquilo que é considerado bem cultural:
A revolução industrial, como ruptura em relação aos modelos tradicionais de produção, abria
um fosso intransponível entre dois períodos da criação humana. Quaisquer que tenham sido
as datas, que variam de acordo com cada país, o corte da industrialização continuou sendo,
durante toda essa fase, uma linha intransponível entre um antes, em que se encontra o
monumento histórico isolado, e um depois, com o qual começa a modernidade. Em outras
palavras, ela marca a fronteira que limita, a jusante, o campo temporal do conceito de
monumento histórico este pode, ao contrário, estender-se indefinidamente a montante, à
medida que avançam os conhecimentos históricos e arqueológicos.
4
Acompanhando o processo de alargamento do conceito de bem cultural,
Beatriz Kühl considera:
(...) que o patrimônio histórico passou a englobar não apenas os grandes monumentos
isolados de qualidade excepcional, mas os ambientes urbanos ou rurais inteiros, dando-se
maior importância ao tecido urbano e à arquitetura vernacular. Passou a abranger também
4
CHOAY, Françoise, op. cit., p. 127.
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15
construções mais recentes, como aquelas incluídas no patrimônio industrial e a herança do
movimento moderno (...)
5
Constituem o patrimônio industrial os chamados monumentos industriais que
segundo Mendes podem ser distribuídos em três grandes grupos:
6
- vestígios referentes à produção artesanal e industrial, entre os quais as
oficinas, estruturas fabris e habitacionais como os bairros operários; ferramentas e
utensílios, maquinário, moldes, produtos, catálogos, meios de transmissão de
energia e iluminação. Essa cultura material deve ser estudada em interligação com
os fatores humanos e sociais, os ritmos de produção, concentração e condições de
trabalho, sindicalismo, cultura operária, associações culturais e sua atuação;
- transportes e comunicações cujos elementos mais significativos foram, sem
dúvida, as estradas de ferro. No caso específico a capital paulista, a partir de 1864,
com a inauguração da São Paulo Railway, contou com uma ocupação espacial e
habitacional sem precedentes;
- e por fim os equipamentos coletivos referentes ao abastecimento e
distribuição de energia (hidráulica, eólica, a gás e elétrica), estruturas relativas ao
abastecimento de bens (mercados, armazéns), abastecimento de água e
saneamento.
Assim o patrimônio industrial abrange além das fábricas e oficinas, com tudo
o que as caracteriza, instalações, tecnologia, localização, área de em torno,
incluindo técnicas, matérias primas e produtos industrializados; registros escritos,
orais, iconográficos; meios de comunicação e de transporte; fontes e distribuição de
energia; paisagens industriais e obras públicas.
7
Freqüentemente ao nos referirmos a patrimônio industrial nos deparamos com
o termo arqueologia industrial, uma área de conhecimento que nasceu da
5
KÜHL, Beatriz Mugayar. Arquitetura do ferro e arquitetura ferroviária em São Paulo: reflexões sobre a sua
preservação. São Paulo: Ateliê Editorial:Fapesp: Secretaria da Cultura, 1998, p. 208.
6
MENDES, José Amado. Património industrial: um bem da comunidade ao alcance da escola. In: Revista
Munda, n.16. Ed. GAAC, Coimbra, Portugal, 1988, pp.68-69, apud VILAR, Dalmo Dippold. Água aos cântaros
os reservatórios da Cantareira: um estudo de arqueologia industrial. 2007. Tese (Doutorado em Arqueologia)-
Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo, pp.126-127.
7
Idem. Inventariação do Património Industrial. In: Revista Munda, n.16. Ed. GAAC, Coimbra, Portugal, 1988,
p.45 apud VILAR, Dalmo Dippold, op. cit., p.127.
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16
necessidade de estudo e preservação dos testemunhos industriais ameaçados.
Visando estabelecer critérios e métodos para a análise de edifícios, maquinaria e
complexos industriais desativados, a expressão arqueologia industrial foi usada para
designar um campo dedicado ao levantamento, estudo, registro e preservação do
patrimônio industrial. Embora já em 1896 o termo arqueologia da indústria tenha sido
usado em Portugal pelo arqueólogo e escritor Francisco de Souza Viterbo, quando
realizava estudos para um trabalho sobre preservação de moinhos, intitulado
“Arqueologia industrial portuguesa: os moinhos” foram os britânicos que ganharam
notoriedade como desbravadores das questões relativas ao patrimônio industrial.
8
Mesmo se o termo arqueologia industrial teve suas origens no final do século
XIX ele não obteve popularidade até meados de 1950, na Grã-Bretanha. A
expressão industrial archaeology foi provavelmente utilizada, segundo Kenneth
Hudson e Neil Cossons, pelo professor Donald Dudley, diretor do Extra-Mural
Studies na Universidade de Birmingham, no início dos anos 1950 aparecendo pela
primeira vez numa publicação inglesa, em 1955, em um artigo de Michael Rix sobre
a necessidade de se inventariar e preservar os vestígios materiais da
industrialização, antes que viessem a desaparecer.
9
Em artigo intitulado Industrial Archaeology publicado em seu livro The
Amateur Historian, Rix relaciona como campo de estudo, até aquele momento
inexplorado, uma série de monumentos pertencentes ao culo XVIII e ao começo
do culo XIX: fábricas, máquinas a vapor, locomotivas, os primeiros edifícios com
estrutura de metal, aquedutos e pontes de ferro fundido, os pioneiros
empreendimentos em ferrovias, canais e eclusas. Faz então um alerta, evidenciando
a necessidade de se documentar e preservar esses testemunhos da
industrialização, muitos deles ameaçados de destruição, conservando-se, se
possível, a documentação ainda existente.
10
A constituição da arqueologia industrial como ciência dos vestígios deixados
pelas sociedades industriais surgiu paralelamente às primeiras ações e medidas de
8
POZZER, Guilherme Pinheiro. A antiga estação da Companhia Paulista em Campinas: estrutura simbólica
transformadora da cidade (1872-2002). 2007. Dissertação (Mestrado em História)- Instituto de Filosofia e
Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas, p. 220.
9
KÜHL, Beatriz Mugayar. Preservação do patrimônio arquitetônico da industrialização: problemas teóricos de
restauro. São Paulo: Ateliê Editorial, 2008, p. 37.
10
HUDSON, Kenneth. Industrial Archaeology, an introduction. London: John Baker Publishers, 1966, p.11.
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17
proteção e preservação do patrimônio industrial, após a destruição do Palácio de
Cristal do Porto, da Gare de Euston Station, em 1962, dos pavilhões Halles
Centrales de Baltard, em Paris, e a destruição parcial da antiga escola industrial
Marquês de Pombal, em Alcântara, Portugal.
11
Segundo Neil Cossons, o crescimento do interesse pela arqueologia industrial
configura-se não apenas como uma reação contra a destruição desses artefatos da
industrialização, mas também como uma tentativa de se opor ao ciclo de destruição
e reconstrução impetrado pela alternância de diferentes paradigmas econômicos
que sucessivamente alteram as paisagens e cotidianidades urbanas tradicionais.
Nessa interpretação, os remanescentes físicos da industrialização transcendem a
pura evidência histórica e adquirem representatividade como evidências culturais.
12
Mas até a aceitação da arqueologia industrial, como um campo de estudo que
envolve a preservação do patrimônio industrial, esta nova disciplina enfrentou o
questionamento sobre sua abrangência e a crítica sobre sua autonomia. No início
dos anos 1970, as atribuições a essa nova área do conhecimento, seus objetivos, as
delimitações cronológicas e as definições de metodologia foram amplamente
discutidos. Essas discussões que partiram, sobretudo, do campo da arqueologia, se
rebateram em diferentes outros campos como o da história, das ciências sociais, da
arquitetura e engenharia, o que demonstrou que essa nova área não estava restrita
aos arqueólogos e à arqueologia, mas se estendia a todos aqueles interessados no
levantamento, registro e preservação dos vestígios da industrialização. A ênfase
inicial da arqueologia industrial no estudo e inventário de remanescentes da
chamada Revolução Industrial logo foi colocada em questionamento. A
conceituação, estabelecida por Michael Rix nos anos 1950, foi considerada
demasiadamente restritiva por delimitar as condições específicas da industrialização
de um dado momento, em especial britânico.
13
11
FONSECA, Filomena Pugliese. As águas do passado e os reservatórios do Guaraú, Engordador e Cabuçu: um
estudo de arqueologia industrial. 2007. Tese (Doutorado em Arqueologia)- Museu de Arqueologia e Etnologia da
Universidade de São Paulo, p. 23.
12
COSSONS, Neil In: RUFINONI, Manoela Rossinetti. Preservação e restauro urbano: teoria e prática de
intervenção em sítios industriais de interesse cultural. 2009. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo)-
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, p. 178.
13
RIX, Michael In: CAMPAGNOL, Gabriela. Usinas de açúcar: habitação e patrimônio industrial. 2008. Tese
(Doutorado em Arquitetura e Urbanismo)- Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, p.
415.
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18
O próprio termo arqueologia vinculado com o industrial provocou muitas
objeções. Separados, cada um remetia a peodos muito distantes e completamente
diferentes. O termo industrial se relacionava com um fenômeno com não mais de
dois culos de idade e o termo arqueologia remetia ao passado distante.
14
Um
problema então debatido, na medida em que se aprofundavam as discussões sobre
o estudo do patrimônio industrial, foi a definição da abrangência e dos limites
cronológicos da arqueologia industrial.
Após o período de entendimento e discussões metodológicas, a arqueologia
industrial pode ser entendida como uma ciência interdisciplinar, que visa contribuir
para uma melhor compreensão do passado industrial através do conjunto de
vestígios que marcaram o nascimento de um novo tipo de sociedade e cultura.
15
Tem como finalidade estudar todas as evidências, materiais e imateriais, os
documentos, os artefatos, a estratigrafia e as estruturas, os assentamentos
humanos e as paisagens naturais e urbanas, criadas para ou pelos processos
industriais. Para tal utiliza os métodos de investigação e pesquisa mais adequados
para aumentar a compreensão do passado e do presente industrial.
16
Podemos
ainda entender a arqueologia industrial como um elo que nos liga ao passado e,
simultaneamente, nos projeta no futuro, tornando o arqueólogo industrial um
personagem interveniente, com papel ativo a desempenhar nos quadros da
sociedade atual.
17
A incorporação da noção de patrimônio industrial à do próprio patrimônio
artístico e cultural deve-se, em grande medida, à arqueologia industrial, de acordo
com Lopez Garcia, devido: “a seu afã em salvaguardar e estudar os restos da
cultura material que não se classificam como peças de arte ou obras de importância
histórica por sua monumentalidade de abrangência nacional”.
18
14
HUDSON, Kenneth, op. cit, p.15.
15
CORDEIRO, José Lopes. Algumas questões para a salvaguarda do patrimônio industrial. In: Seminário
Nacional de História e Energia. 1., 1987, São Paulo. Anais... São Paulo: Eletropaulo, Departamento de
Patrimônio Histórico, 1987. 1v., p.64.
16
CAMPAGNOL, Gabriela, op. cit., p. 431.
17
RIBEIRO, Isabel e SANTOS, Luisa. A indústria do papel na perspectiva da arqueologia industrial. In: I Encontro
Nacional sobre Patrimônio Industrial. Editora Coimbra, Coimbra, 1990, p.485.
18
LÓPEZ GARCIA, Mercedes. El concepto de patrimonio: El patrimonio industrial o la memoria del lugar. In:
FERNANDEZ GARCIA, A.; ALVAREZ ARECES, M. A. (Org). Arqueologia Industrial (monográfico), Ábaco
Revista de Cultura y Ciência Sociales. Gijón, Espanha: Nova Época, n.1, 1992, p.11.
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19
1.2 PATRIMONIO INDUSTRIAL E A SUA DEFESA
Casos de interesse do patrimônio industrial em desuso merecem ser
protegidos, quer por seu valor histórico, formal, memorial ou simbólico. Mas a
demolição destes testemunhos da industrialização é muitas vezes, segundo B. Kühl,
estimulada pela falta de interesse nos complexos industriais obsoletos distribuídos
em extensas áreas, geralmente em proximidade dos centros urbanos, que com o
crescimento das cidades e a valorização do solo passaram a ser vistos como
reserva de área urbana.
19
Nos últimos cinqüenta anos os vestígios materiais da industrialização
transformaram-se de empecilhos à preservação dos monumentos, como podemos
notar no trecho a seguir reportado da Carta de Restauro de Atenas, em objetos de
interesse patrimonial:
Recomenda-se, sobretudo, a supressão de toda publicidade, de toda presença de postes ou
de fios telegráficos, de toda indústria ruidosa, mesmo altas chaminés, na vizinhança ou na
proximidade dos monumentos de arte ou de história.
20
Nesse mesmo caminho, a Recomendação Relativa à Salvaguarda da Beleza
e do Caráter das Paisagens e Sítios, produzida em 1962 pela UNESCO, em Paris,
colocou claramente que minas, pedreiras e instalações de equipamentos industriais
eram perigos que ameaçavam as paisagens e sítios e que deviam ser controlados.
21
Mas o interesse pela preservação do patrimônio industrial é relativamente
recente e tem início na Inglaterra na cada de 1950, conforme verificamos, embora
se encontre na França do final do culo XVII um dos primeiros movimentos de
demonstração de interesse na defesa do patrimônio industrial. Para proteger
elementos importantes do “vandalismo revolucionário”, durante a Revolução
19
KÜHL, Beatriz Mugayar. Algumas questões relativas ao patrimônio industrial e à sua preservação. Disponível
em <http://www.revista.iphan.gov.br/materia.php?id=165>. Acesso em: 10 nov. 2008.
20
CURY, Isabelle (org). Cartas Patrimoniais. Brasília: IPHAN, 3ª edição revista e aumentada, 2004, p.14.
21
VICHNEWSKI, Henrique Telles. As indústrias Matarazzo no interior paulista: arquitetura fabril e patrimônio
industrial (1920-1960). 2004. Dissertação (Mestrado em História)- Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Estadual de Campinas, p. 29.
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20
Francesa, elaborou-se um inventário dos bens a serem preservados para a nação e
dentre as diferentes categorias a serem “tombados” pela Comissão dos
Monumentos estavam incluídas “máquinas e outros objetos relativos às artes
mecânicas e as ciências”.
22
Segundo Vichnewski essa medida foi importante no
sentido de qualificar essa categoria de bens como históricos e contribuir para o
surgimento, em Paris, do primeiro museu técnico do mundo, o Conservatoire des
Arts et Métiers, em 1794.
23
País precursor na chamada Revolução Industrial, a Inglaterra foi igualmente
precursora ao reconhecer a necessidade de realizar um inventário de seu patrimônio
industrial ameaçado pelas destruições massivas da Segunda Guerra Mundial
seguidas pelo posterior processo de reconversão econômica e urbanística, que se
prolongou aa década de 1960, onde importantes testemunhos da industrialização
começaram a ser demolidos principalmente devido à obsolescência ou desocupação
de muitas dessas antigas instalações. As dificuldades com relação à reconstrução,
restauração e modernização das áreas afetadas por esse conflito impulsionaram
novos debates com respeito aos critérios de intervenção nos monumento
danificados. O grande número de edificações, instalações industriais e de
transportes, e bairros históricos destruídos redireciona o foco das discussões em
torno dos critérios de intervenção em monumentos e, no âmbito desses novos
debates, abre o questionamento sobre a própria abrangência do termo
“patrimônio”.
24
A preocupação inicial de teóricos como Kenneth Hudson e Arthur Raistrick,
entre outros autores que também desenvolveram o tema, diante da ameaça
constante de demolição a que tais artefatos estavam submetidos, era evidenciar a
necessidade de documentá-los e, em alguns casos, preservá-los. Esses estudos
pioneiros, abarcados pela então recém-criada arqueologia industrial, voltavam-se
tanto à discussão sobre os limites cronológicos que a nova disciplina deveria
abordar, quanto aos métodos de registro e identificação das edificações e sítios
22
CHOAY, Françoise, op. cit., pp.99-100, nota de rodapé n. 12.
23
VICHNEWSKI, Henrique Telles, op. cit., p. 19.
24
RUFINONI, Manoela Rossinetti. A preservação do patrimônio industrial na cidade de São Paulo: o bairro da
Mooca. 2004. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo)- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo, pp. 128-129.
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21
existentes, e aos critérios de seleção de quais artefatos deveriam ser efetivamente
preservados.
25
Nesse processo de preservação do patrimônio industrial, liderado pela
Inglaterra, fazia-se necessário, portanto definir o que poderia ser considerado um
monumento industrial. Surgem então as primeiras associações locais de arqueologia
industrial, as quais desenvolveram as primeiras iniciativas de inventário dos sítios e
monumentos industriais como, por exemplo, O Council for British Archaeology (CBA)
que assim define monumento industrial:
(...) qualquer edificação ou estrutura permanente especialmente do período da Revolução
Industrial que sozinha ou associada a instalações ou equipamentos, ilustra ou é
significantemente associada ao inicio e evolução dos processos técnicos e industriais. Isso
pode referir-se tanto à produção quanto aos meios de comunicação.
26
Mais tarde, no entanto, a delimitação do período da Revolução Industrial é
questionada considerando que a industrialização atingiu os diferentes países em
fases e épocas diversas, mesmo na Grã-Bretanha, e, portanto a definição de uma
data de início e término para tal revolução seria imprecisa. Kenneth Hudson, um dos
primeiros teóricos a discutir o assunto, afirma que a arqueologia industrial se dedica
ao descobrimento, inventário e estudo dos restos físicos, das comunicações e do
passado industrial e que, portanto “seria lamentável e um grande obstáculo se seus
limites fossem tão rígidos”.
27
Segundo Angus Buchanan arqueologia industrial é um
“campo de estudo pratico no qual concerne o exame, a análise, o registro, e, em
alguns casos, a proteção dos monumentos industriais, e um campo de estudo
teórico centrado no processo de valorização do significado dos monumentos no
contexto da história social e tecnológica”.
28
25
Idem. Preservação e restauro urbano: teoria e prática de intervenção em sítios industriais de interesse cultural.
2009. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo)- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
São Paulo, p.177.
26
HUDSON, Kenneth, op. cit., p. 19.
27
Ibid., p.21.
28
BUCHANAN, Robert A., Industrial Archaeology in Britain, Harmondsworth, Penguin, 1972, p.15.
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22
É, no entanto, nos anos 1960 que o assunto começa a atrair maior interesse,
despertando uma nova sensibilidade em relação ao patrimônio histórico, devido à
demolição de importantes exemplares da arquitetura industrial em conseqüência,
entre outros fatores, do desenvolvimento urbano e da rápida modernização das
indústrias. Assim têm início em vários países, seguindo a pioneira Inglaterra os
Estados Unidos, Suécia, Alemanha e Áustria, os movimentos de defesa do legado
industrial que tiveram conotações diferentes em vários países.
Na Inglaterra, ocorreu um forte associativismo, com a Newcomen Society,
centrada na história da engenharia e da tecnologia que lança, em 1964, o Journal of
Industrial Archaeology. O autor desse jornal, Kenneth Hudson, é também
responsável pela publicação do primeiro livro sobre arqueologia industrial – Industrial
Archaeology.
29
Em 1963, o poder público britânico, através do Conselho Britânico de
Arqueologia e do Ministério de Obras Públicas, inicia o levantamento dos
monumentos industriais, estabelecendo o NRIM National Record of Industrial
Monuments, que faz parte, desde 1981, da Real Comissão de Monumentos
Históricos da Inglaterra. Em 1976, a Association for Industrial Archaeology, fundada
três anos antes, inicia a publicação da Industrial Archaeology Review.
30
Nos Estados Unidos, em 1965, o Smithsonian Institution, o Historic American
Building Survey e o American Institute of Architects iniciaram em conjunto estudos
pioneiros de campo.
31
Em 1971, surge a Sociedade de Arqueologia Industrial que
inicia em 1975 a publicação do Journal of the Society for Industrial Archaeology.
32
Na Alemanha, a inserção da arqueologia industrial deu-se em um contexto
universitário no fim dos anos 1960, passando a fazer parte dos currículos dos cursos
de tecnologia, cuja preocupação com os monumentos, parte visível da herança
cultural, permite reconstituir a atividade das forças produtivas na sociedade, bem
como as condições sociais nas quais essas forças nasceram.
33
29
SANTACREU SOLER, J. M. Una vision global de la arqueologia industrial em Europa. Casos concretos en
regiones concretas. In: FERNANDEZ GARCIA, A.; ALVAREZ ARECES, M. A. (coord.). Arqueologia Industrial
(monográfico), Ábaco Revista de Cultura y Ciência Sociales. Gijón, Espanha: Nova Época, n.1, primavera, 1992,
pp.14-15, apud VICHNEWSKI, Henrique Telles, op. cit., p. 20.
30
FONSECA, Filomena Pugliese, loc.cit.
31
CAMPAGNOL, Gabriela, loc.cit.
32
FONSECA, Filomena Pugliese. op. cit., p. 25.
33
Ibid., p. 24.
Apoio: Capes e MackPesquisa
23
A década de 1960 se apresentou como um período de reconhecimento,
pesquisa e realização de inventários sistemáticos com o escopo de documentar
rapidamente importantes exemplares no sentido de preservar o patrimônio industrial
remanescente. A pesquisa científica inicial acabou dando suporte para o
reconhecimento de um patrimônio a ser preservado em programas específicos que
se seguiriam a este período inicial.
34
Este foi um momento decisivo para a
reformulação das visões sobre as intervenções e preservação do patrimônio
histórico culminando em novos princípios documentados pela Carta de Veneza, em
1964.
A Carta de Veneza, resultado do II Congresso Internacional de Arquitetos e
Técnicos de Monumentos Históricos realizado em Veneza em 1964, deu início ao
alargamento progressivo da noção de patrimônio histórico. Nesta carta, publicada
pelo Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios (ICOMOS), a noção de
monumento histórico vai além das grandes criações e compreende também as obras
modestas, que tenham adquirido uma significação cultural. Por meio deste
documento, o reconhecimento de que o patrimônio também pode compreender os
conjuntos, bairros de cidades, e aldeias que apresentem um interesse histórico ou
cultural, é reafirmado na Declaração de Amsterdã de 1975, elaborada em razão do
Congresso do Patrimônio Arquitetônico Europeu. A preocupação com a manutenção
das relações históricas, estéticas e sociais, assume lugar de destaque sobre a
preservação de bens culturais na Carta de Veneza ampliando, por sua vez, a noção
proposta na segunda Carta de Atenas, elaborada em razão do IV Congresso
Internacional de Arquitetura Moderna CIAM, em 1933. Esta segunda Carta de
Atenas, publicada por Le Corbusier anos mais tarde, ressalta que os valores
arquitetônicos - edifícios isolados ou conjuntos urbanos - seriam salvaguardados
desde que não contrariassem os novos padrões urbanos de salubridade e
circulação.
35
A Carta de Veneza prevê como tal e em igual importância os arredores dos
até então monumentos históricos entendidos como construções grandiosas de
significativo valor cultural, os centros históricos e a arquitetura vernacular. Apresenta
34
KÜHL, Beatriz Mugayar, op. cit., 1998, pp. 221-227.
35
CAMPAGNOL, Gabriela, op. cit., pp. 429-430.
Apoio: Capes e MackPesquisa
24
ainda o conceito de preservação da ambiência do monumento histórico, suscitando
questionamentos sobre a preservação de antigos conjuntos e áreas urbanas. A
sobrevivência de muitas áreas antigas das cidades se deu devido a esta consciência
da preservação do patrimônio cultural enquanto elemento ativamente integrado ao
presente urbano, proposta pela conservação integrada. É nesse processo de
conscientização que se inserem as instalações industriais e ferroviárias, uma vez
que foram afetadas de maneira expressiva tanto pela sua própria obsolescência
diante dos avanços tecnológicos quanto pelos audaciosos projetos de intervenção
urbanística que visavam.
36
Um dos principais problemas que as áreas industriais
desativadas apresentam, e que representa um desafio na sua preservação, diz
respeito a sua extensão e a proposição de novos usos que favoreçam sua
manutenção. Quanto à conservação, a Carta de Veneza, afirma:
Art. . A conservação dos monumentos é sempre favo recida por sua destinação a uma
função útil à sociedade; tal destinação é, portanto, desejável, mas não pode nem deve alterar
a disposição ou a decoração dos edifícios. É somente dentro destes limites que se devem
conceber e se podem autorizar as modificações exigidas pela evolução dos usos e
costumes.
37
No entanto, somente em 1999, com a Assembléia Mundial do ICOMOS,
ocorrida no México, o tema sobre conservação do patrimônio industrial foi, pela
primeira vez, discutido em uma mesa temática.
38
No final da década de 1960, os resultados obtidos com os levantamentos da
chamada “arqueologia industrial prática” de Buchanan possibilitaram uma mudança
na concepção de patrimônio histórico, que, até então, não havia contemplado os
restos ou testemunhos materiais deixados pela industrialização. Estes passaram a
36
MOREIRA, Danielle Couto, op. cit., pp. 257-259.
37
CURY, Isabelle (org.), op. cit., p.92.
38
HERNÄNDEZ, Andrés Armando Sánchez. Teorias de la conservación y patrimonio industrial. Disponível em
http://morgan.iia.unam.mx/usr/Industrial/BOL%208/ARTICULOS/SANCHEZ.HTML, apud VICHNEWSKI,
Henrique Telles, op. cit., p. 29.
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25
ser considerados um bem cultural que devia ter reconhecimento jurídico, uma
estrutura administrativa e uma política nacional e regional de proteção.
39
A partir da década de 1970 o interesse pelo estudo da arqueologia industrial
começa a manifestar-se de forma mais efetiva. Mesmo não havendo uma definição
dos valores que revestiam o patrimônio arquitetônico, a Declaração de Amsterdã, de
1975, afirma que a conservação do mesmo deve ser considerada não apenas como
um problema marginal, mas como objetivo maior do planejamento das áreas
urbanas e do planejamento físico-territorial.
40
Neste mesmo ano, a Assembléia Parlamentar do Conselho da Europa adotou
uma Recommandation relative à l’archeologie industrielle. Dez anos mais tarde,
ocorreram vários colóquios através desse organismo, com a finalidade de aumentar
a valorização global do patrimônio industrial, dentre os quais Quelles politiques pour
le patrimoine industriel (Lyon, França, em 1985), Les ouvrages publics: une nouvelle
dimension du patrimoine (Madri, Espanha, em 1986) Les monuments techniques de
la mine, patrimoine culturel (Bochum, Alemanha, em 1988).
41
Em 1976 a Recomendação de Nairóbi relativa à salvaguarda dos conjuntos
históricos e de sua função na vida contemporânea, elaborada na 1Conferência
Geral da UNESCO, reafirma as considerações presentes na Carta de Veneza (1964)
e na Declaração de Amsterdã (1975), avançando no debate sobre a preservação do
patrimônio dentro de um contexto maior, ou seja, o do artefato a preservar como
componente de um tecido urbano vivo e em transformação. O documento aprofunda
os debates com relação à salvaguarda de conjuntos históricos e questiona a
integração harmoniosa desses artefatos na vida urbana contemporânea.
42
Traz à
tona, com maior clareza, a noção de “ambiência” definida como:
39
SANTACREU SOLER, J. M. Una vision global de la arqueologia industrial em Europa. Casos concretos en
regiones concretas. In: FERNANDEZ GARCIA, A.; ALVAREZ ARECES, M. A. (coord.). Arqueologia Industrial
(monográfico), Ábaco Revista de Cultura y Ciência Sociales. Gijón, Espanha: Nova Época, n.1, primavera, 1992,
p.15, apud CAMPAGNOL, Gabriela, op. cit., p. 413.
40
CURY, Isabelle (org.), op. cit., p.200.
41
LÓPEZ GARCIA, Mercedes. El concepto de patrimonio: el patrimonio industrial o la memoria del lugar. In:
FERNANDEZ GARCIA, A.; ALVAREZ ARECES, M. A. (coord.). Arqueologia Industrial (monográfico) Ábaco
Revista de Cultura y Ciências Sociales. Gijón, Espanha: Nova Época, n. 1, primavera, 1992. p. 12.
42
RUFINONI, Manoela Rossinetti, op. cit., 2004, p. 133.
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26
(...) o quadro natural ou construído que influi na percepção estática ou dinâmica desses
conjuntos, ou a eles se vincula de maneira imediata no espaço, ou por laços sociais,
econômicos ou culturais.
43
A extensão da compreensão do conjunto histórico ou tradicional e sua
ambiência enquanto um todo coerente, incluindo as relações espaciais e humanas
envolvidas, agrega elementos essenciais para o entendimento sobre o patrimônio
industrial, sobretudo, por se tratarem de áreas que, muitas vezes envolvem diversas
tipologias arquitetônicas e uma série de equipamentos que se relacionam de
diferentes maneiras com determinado processo produtivo. O cenário do patrimônio
industrial abrange não somente o edifício da fábrica ou da estação, mas todo um
conjunto complexo de edificações e infra-estrutura relacionadas ao processo
industrial ou que, de alguma maneira, relacionou-se ao processo de industrialização,
cujo significado pode ser compreendido quando considerado em conjunto.
44
Eventualmente, uma única edificação industrial isolada pode representar valores
excepcionais, mas em muitos casos, trata-se de uma rede de edifícios, fabris ou
não, inter-relacionados em torno da produção (galpões, edifícios fabris, vilas
operárias, pátios de manobras, equipamentos, estruturas voltadas ao fornecimento
de água, etc.), cuja avaliação e preservação não fasentido se todos os elementos
que compõem esse cenário não forem analisados como um conjunto, como um
patrimônio urbano.
45
As discussões, entretanto, durante algum tempo basearam-se muito mais
na tentativa de compreensão e definição da abrangência da arqueologia industrial,
que efetivamente em trabalhos de preservação do patrimônio industrial. As primeiras
discussões basearam-se na tentativa de compreensão e do domínio de um novo
campo de estudo. Particularmente durante os anos 1960, a falta de um
enquadramento teórico dos sítios e monumentos estudados, bem como a baixa
qualidade no resultado dos trabalhos de inventário realizados durante 1960 e 1981
foram os principais problemas que a arqueologia industrial apresentou na sua
evolução na Grã-Bretanha. Aos poucos, porém, a noção de patrimônio industrial e o
43
CURY, Isabelle (org.), op. cit., p. 220.
44
MOREIRA, Danielle Couto, op. cit., pp. 259-260.
45
RUFINONI, Manoela Rossinetti, op. cit., 2009, p. 181.
Apoio: Capes e MackPesquisa
27
reconhecimento da arqueologia industrial, como uma área que incorpora essa
noção, passaram a ser valorizados e seus conceitos aprofundados em discussões
do meio científico e acadêmico.
46
A valorização do tema, a partir de meados dos anos 1970, restrito inicialmente
a Grã-Bretanha e alguns poucos países europeus, na sua maioria, começa a
expandir-se através das primeiras conferências de caráter internacional sobre o
assunto, explica Beatriz Kühl. Nesse período verificou-se, ainda, a fundação de
inúmeras associações nacionais e internacionais dedicadas à preservação do
patrimônio industrial.
47
O interesse na preservação do patrimônio industrial foi
demonstrado por outros países como França, Bélgica, Itália e Portugal.
Na França os debates não ficaram somente na esfera da conceituação do
termo “arqueologia industrial” e dos limites cronológicos que este novo campo
deveria considerar, mas levaram à “materialização” do objeto a ser preservado.
48
O
movimento em território francês teve início na década de 1960 quando os poderes
públicos e a imprensa começaram a se preocupar com a preservação das ferrovias
turísticas como a de Meyzieu, perto de Lyon. Foi o primeiro museu ferroviário da
França acolhendo materiais antigos, salvaguardando-os e preservando-os, em
funcionamento. Em 1977, a Universidade Sorbonne, em Paris, criou o Centro de
Arqueologia do Mundo Moderno, sob a direção de Philippe Bruneau, divulgando os
trabalhos em andamento na área, através de uma revista.
49
Na Itália, segundo Eugenio Battisti, em 1977, na cidade de Milão, nasce o
debate sobre arqueologia industrial, seu significado e a delimitação de seu campo de
pesquisa em ocasião do I Congresso Internacional sobre a disciplina que culminará,
um ano depois, na publicação de Introduzione alla archeologia industriale, por
Franco Borsi.
50
Ainda em 1977 é fundada a Società Italiana per l’Archeologia
Industriale. Nesse mesmo ano, a revista Abitare, em seu artigo Archeologia
Industriale: che cos’é, un caso vivo da discutere: Il villaggio Leumann marca o início
46
CAMPAGNOL, Gabriela, op. cit., pp. 409-410.
47
KÜHL, Beatriz Mugayar. Algumas questões relativas ao patrimônio industrial e à sua preservação. Disponível
em <http://www.revista.iphan.gov.br/materia.php?id=165>. Acesso em: 10 nov. 2008.
48
RUFINONI, Manoela Rossinetti, op. cit., 2004, p. 117.
49
FONSECA, Filomena Pugliese, loc. cit.
50
BARBIERI, Franco, Archeologia industriale e storia dell’arte. In: Archeologia industriale. Indagini sul territorio in
Lombardia e Veneto. Edizione Unicolpli, Milano, 1989, p.7 apud FONSECA, Filomena Pugliese, op. cit., p.24.
Apoio: Capes e MackPesquisa
28
dos debates sobre a segregação espacial dos trabalhadores nas vilas operarias, sob
a ótica dessa nova disciplina.
51
Em Portugal, surgiram vários projetos de investigação na área da manufatura
do vidro e, em 1985, realizou-se a Exposição de Arqueologia Industrial da Central do
Tejo, que foi marcante para a divulgação dos trabalhos desse novo campo
cientifico.
52
Em 1986 a disciplina arqueologia industrial foi inserida no currículo da
faculdade de engenharia civil na Universidade do Minho, em Braga.
53
Outra forma de valorização encontrou amparo nas novas concepções de
museu de ciência e técnica. Entre estas concepções encontra-se a de ecomuseu
cujo objetivo seria aquele de promover o encontro entre as ciências do homem e as
da natureza, procurando popularizar a ciência e a tecnologia, em prol do
desenvolvimento local.
54
Na proposta de utilização de espaços remanescentes da
industrialização para a instalação dos próprios museus, essas iniciativas puderam
contribuir para a preservação do patrimônio industrial. o exemplos de pioneirismo
nesse processo de proteção e uso o Centro de Arquivo Histórico da Mina de
Bochum, na Alemanha, e a Fundação do Museu do Vale de Ironbridge, um
complexo industrial onde se situa a primeira ponte de ferro do mundo, a chamada
The Iron Bridge, construída em 1779, na Inglaterra. Ambos os projetos concebidos
após 1960. Posteriormente o Museu da Mina de Carvão de Argenteau-Trimbleur, na
Bélgica, convertido em complexo turístico em 1980, e, em território francês, o
ecomuseu de Lê Creusot-Montceau-les-Mines, do final dos anos 1970, e o Museu da
Fábrica de Saint-Etienne, aberto ao público em 1989, são exemplos de experiências
positivas que visaram à proteção e o uso do patrimônio industrial.
55
51
BATTISTI, Eugenio. Archeologia Industriale. Milano: Editoriale Jaca Book SpA, 2001, p. 32. Tradução livre da
autora.
52
FONSECA, Filomena Pugliese, loc. cit.
53
CAMPAGNOL, Gabriela, op. cit., p. 412.
54
FONSECA, Filomena Pugliese, loc. cit.
55
CAMPAGNOL, Gabriela, op. cit., p. 410.
Apoio: Capes e MackPesquisa
29
Imagem 1: Centro de Arquivo Histórico da Mina de Bochum, Alemanha
Fonte: http://de.wikipedia.org/wiki/Datei:Bochum_Jahrhunderthalle.jpg. Acesso 05 abr. 2010.
Imagem 2: Ironbridge, Inglaterra. A primeira ponte de ferro do mundo (1776-1779)
Fonte: http://www.wikiwak.com/wak/Commons:England. Acesso 05 abr. 2010.
Imagem 3: Museu da Fábrica de Saint-Etienne, França
Fonte: http://www.regionurbainedelyon.fr/images/806-1-saint-etienne-musee-de-la-mine.jpg. Acesso 05 abr. 2010
Imagem 4: Montceau-les-Mines – Museu da mina de Blanzy, França
Fonte: http://bjb71.free.fr/maville.htm. Acesso 05 abr. 2010.
Esses debates multiplicaram-se no final da década 1970 e no começo dos
anos 1980. A primeira conferência internacional sobre a discussão de questões
ligadas a preservação do patrimônio industrial foi realizado, em Ironbridge, Inglaterra
(1973). Mas foi com a III Conferência Internacional sobre o Patrimônio Industrial,
realizada em 1978, em Estocolmo - Suécia, que foi oficialmente instituído The
International Committee for the Conservation of the Industrial Heritage (TICCIH).
Com a finalidade de promover a cooperação internacional no campo da
Apoio: Capes e MackPesquisa
30
preservação, conservação, localização, pesquisa, documentação, valorização e
formação em todos os aspectos do patrimônio industrial, atualmente o TICCIH
possui representações em 54 países e é também consultor especial do ICOMOS no
que se refere ao patrimônio industrial.
56
Apóia e organiza congressos internacionais
trienais, na Europa, na América Latina e em outros países, para debater as diversas
questões que envolvem o patrimônio industrial. A partir de 1988, o TICCIH passou a
organizar encontros nacionais, dos quais o primeiro aconteceu em Barcelona. Além
desses encontros, vêm sendo organizados também encontros regionais, a exemplo
dos latino-americanos e europeus, ou temáticos, sobre siderurgia, ferrovias e
tecelagem, por exemplo. O reconhecimento e apoio do ICOMOS ao patrimônio
industrial foram manifestados no encontro de 1976, em Le Creusot, França, sobre
Patrimônio Industrial e sociedade contemporânea: lugares, monumentos e museus,
e, desde 1982, em reuniões organizadas pela sessão de Museus de Ciência e
Técnica do ICOM
57
para fomento às ações destes museus. O primeiro bem
considerado de caráter industrial inscrito pela UNESCO na lista de patrimônios
mundiais foi a Mina de Sal Wieliczka na Polônia, em 1978.
58
Imagens 5 e 6: Mina de Sal Wieliczka, Polônia
Fonte: http://www.krakowtraveltours.com/wieliczka-excursion.html. Acesso 02 mai. 2010.
56
ICOMOS (Internacional Council on Monuments and Sites) é uma organização internacional não
governamental, dedicada à conservação de monumentos e sítios históricos da humanidade. Foi fundado em
1965 como um resultado da Carta para Conservação e Restauração de Monumentos e Sítios de Veneza (1964).
Hoje a organização tem comitês nacionais em mais de 170 países e é a principal conselheira da UNESCO no
que se refere à conservação e proteção de monumentos e sítios.
57
ICOM é uma subdivisão do ICOMOS criada em 1982 para a documentação informatizada que incluía também
informações sobre museus e objetos. Esta base foi transferida ao Canadá em 1986 e é acessível ao público
desde 1987 (SANTACREU SOLER, 1992 apud CAMPAGNOL, Gabriela, op. cit., p.414).
58
CAMPAGNOL, Gabriela, op. cit., p. 413.
Apoio: Capes e MackPesquisa
31
Assim, se nos anos 1990 estava claro que o patrimônio industrial tinha valores
e deveria ser defendido, as idéias sobre como fazê-lo corretamente estavam ainda
estabelecendo-se. A isso contribuíram as reuniões profissionais, as investigações e
o novo olhar da UNESCO, do ICOMOS e do World Monuments Fund. Estas
instituições, entre outras, proporcionaram um importante lugar ao patrimônio
industrial de muitas partes do mundo.
59
O TICCIH vem exatamente nessa linha sedimentar os esforços em torno da
preservação do patrimônio industrial fomentando debates teóricos e práticos sobre o
tema através da realização de importantes conferências. Desses encontros trienais é
elaborada, em assembléia geral na XII Conferência Internacional realizada pelo
TICCIH em Nizhny Tagil, Rússia, em 17 de Julho de 2003, a Carta de Nizhny Tagil
sobre o Patrimônio Industrial, onde são elucidados termos e conceitos relativos ao
patrimônio industrial e diretrizes para sua preservação.
60
A ação preservacionista
específica em relação ao patrimônio industrial, portanto, é muito recente. A Carta de
Nizhny Tagil tem como objetivos:
(...) afirmar que os edifícios e as estruturas construídas para as atividades industriais, os
processos e os utensílios utilizados, as localidades e as paisagens nas quais se localizavam,
assim como todas as outras manifestações, tangíveis e intangíveis, são de uma importância
fundamental. Todos eles devem ser estudados, a sua história deve ser ensinada, a sua
finalidade e o seu significado devem ser explorados e clarificados a fim de serem dados a
conhecer ao grande blico. Para, além disso, os exemplos mais significativos e
característicos devem ser inventariados, protegidos e conservados, de acordo com o espírito
da Carta de Veneza, para uso e benefício do presente e do futuro.
61
A Carta de Nizhny Tagil, que segue os princípios das importantes cartas
anteriores, como a Carta de Veneza (1964) e a Carta de Burra (1994), assim como a
59
VIÑUALES, Graciela María. Olhares sobre o patrimônio industrial. In: Vitruvius. Revista Virtual de Arquitetura e
Urbanismo. Disponível em
< http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.091/182>. 2007. Acesso em: 29 mar. 2010.
60
CAMPAGNOL, Gabriela, op. cit., p. 411.
61
CARTA de Nizhny Tagil sobre o Patrimônio Industrial. Disponível em
<http://www.patrimonioindustrial.org.br/modules.php?name=News&file=article&sid=29>. Acesso em: 29 mar.
2010.
Apoio: Capes e MackPesquisa
32
Recomendação R20 (1990) do Conselho da Europa
62
, define patrimônio industrial da
seguinte maneira:
O Patrimônio Industrial compreende os vestígios da cultura industrial que possuem valor
histórico, tecnológico, social, arquitetônico ou científico. Esses vestígios englobam edifícios e
maquinaria, oficinas, fábricas, minas e locais de tratamento e refinação, entrepostos e
armazéns, centros de produção de transmissão e de utilização de energia, estruturas e infra-
estruturas de transporte, assim como os locais onde se desenvolveram actividades sociais
relacionadas com a indústria, tais como habitações, locais de culto ou de educação.
63
Este documento deve ser interpretado não como uma expressão isolada por
sua especificidade, mas como um resultado natural das concepções formadas e
discutidas ao longo da história da preservação dos bens culturais expostas através
das cartas patrimoniais. Apesar de o documento datar de 2003, nas últimas três
décadas alguns exemplares industriais foram incluídos na Lista do Patrimônio
Mundial estabelecida pela UNESCO cujo objetivo é a salvaguarda de bens culturais
mundialmente representativos. Entre eles estão os conjuntos de elevadores do
Canal Du Centre, na Bélgica, sistemas de irrigação na China, complexos
mineradores na Polônia, México, Suíça e Alemanha, complexos industriais na Grã-
Bretanha, estruturas de transporte ferroviário na Inglaterra, Áustria e Índia, entre
outros.
64
62
DEZEN-KEMPTER, Eloísa. Patrimônio Industrial: em busca da sobrevivência. In: Associação Nacional de
História ANPUH XXIV Simpósio Nacional de História, 2007. Disponível em
<http://snh2007.anpuh.org/resources/content/anais/Elo%EDsa%20Dezen-Kempter.pdf>. Acesso em: 29 mar.
2010.
63
CARTA de Nizhny Tagil sobre o Patrimônio Industrial, op. cit.
64
MOREIRA, Danielle Couto, op. cit., p. 260.
Apoio: Capes e MackPesquisa
33
Imagens 7 e 8: Conjuntos de elevadores hidráulicos do Canal Du Centre, Bélgica
Fonte: http://it.wikipedia.org/wiki/Ascensori_idraulici_del_Canal_du_Centre. Acesso 02 abr. 2010.
A elaboração da Carta de Nizhny surge como um marco para a preservação
dos vestígios industriais em âmbito internacional, significando um passo adiante no
reconhecimento universal na importância dessa herança e na conscientização da
necessidade de sua preservação, consolidando os esforços da arqueologia industrial
e das demais disciplinas e organizações relacionadas.
65
Esta carta aborda sete pontos, que são: 1) Definição de patrimônio industrial;
2) Valores do patrimônio industrial; 3) A importância da identificação, do registro ou
inventário e da investigação; 4) Proteção legal; 5) Manutenção e conservação; 6)
Educação e formação; 7) Apresentação e interpretação.
O documento define o período histórico considerado de maior relevância na
investigação do patrimônio industrial como sendo aquele que se estende desde os
inícios da Revolução Industrial, a partir da segunda metade do século XVIII até os
dias atuais, sem negligenciar suas raízes pré e proto-industriais. Além disso, recorre
ao estudo das técnicas de produção, englobadas pela história da técnica e da
tecnologia. Chama a atenção também sobre os valores a serem considerados
quando tratamos com o patrimônio industrial como o valor de testemunho de um
passado cujas conseqüências ainda estão presentes na contemporaneidade; o valor
social enquanto registro de vida de homens e mulheres comuns e, como tal,
proporcionando-lhes um importante sentimento de identidade; o valor científico e
65
Ibid., p. 261.
Apoio: Capes e MackPesquisa
34
tecnológico na história da indústria, da engenharia e da construção; o possível valor
estético pela qualidade da sua arquitetura, do seu design, ou da sua própria
concepção; e por fim um valor de raridade, que deve ser cuidadosamente avaliado,
em termos de sobrevivência de processos específicos de produção, de tipologias de
lugares ou paisagens, sendo os exemplares mais antigos ou pioneiros aqueles que
apresentam um valor especial.
66
Portanto trata-se de valores que:
(...) são intrínsecos aos próprios sítios industriais, às suas estruturas, aos seus elementos
constitutivos, à sua maquinaria, à sua paisagem industrial, à sua documentação e também
aos registros intangíveis contidos na memória dos homens e nas suas tradições.
67
Destaca ainda, como síntese do pensamento e das práticas preservacionistas
das demais cartas patrimoniais, a importância da identificação, do inventário e da
investigação como instrumento para a preservação do patrimônio industrial.
Descreve as formas de proteção legal desse patrimônio que deve ser considerado
como parte integrante do patrimônio cultural em geral, mas que possui uma sua
natureza específica a ser considerada. Afirma a necessidade de que os programas
de preservação sejam integrados às políticas econômicas e ao planejamento
regional e nacional, como preconizado anteriormente na Declaração de Amsterdã.
Menciona a importância de se estabelecer, através dessas políticas de
planejamento, novos usos que estimulem novas atividades, sobretudo quando se
tratar de zonas em declínio econômico, para impedir a degradação das construções
antigas. Estas políticas devem prever, no entanto formas econômicas apropriadas
que possam assegurar a sobrevivência de edifícios industriais mediante a
elaboração de diretrizes que garantam sua preservação orientando possíveis
intervenções compatíveis a integridade histórica ou a autenticidade da construção
original existente:
66
Ibid., p. 261.
67
CARTA de Nizhny Tagil sobre o Patrimônio Industrial, op. cit.
Apoio: Capes e MackPesquisa
35
(...) A adaptação coerente, assim como a reutilização, podem constituir formas apropriadas e
econômicas de assegurar a sobrevivência de edifícios industriais, e devem ser encorajadas
mediante controles legais apropriados, conselhos técnicos, subvenções e incentivos fiscais.
68
A carta sinaliza, por fim, as formas de manutenção e conservação do
patrimônio industrial visando à integridade funcional do exemplar a ser conservado.
Menciona a necessidade, porém, antes de qualquer tipo de intervenção, de um
conhecimento profundo dos sítios industriais enquanto conjunto, o entendimento dos
objetivos para o qual estes foram construídos e os diferentes processos industriais
que ali se desenvolveram. A importância da requalificação dos edifícios industriais e
os preceitos da conservação integrada, como estratégia para o desenvolvimento
econômico sustentável, emergem no texto como um dos atributos do patrimônio
industrial na contemporaneidade:
v. Adaptar e continuar a utilizar edifícios industriais evita o desperdício de energia e contribui
para o desenvolvimento econômico sustentado. O patrimônio industrial pode desempenhar
um papel importante na regeneração econômica de regiões deprimidas ou em declínio. A
continuidade que esta reutilização implica pode proporcionar um equilíbrio psicológico para as
comunidades confrontadas com a perda súbita de empregos duradouros.
69
A preservação da condição de integridade dos sítios, nos casos de ações
interventoras de adaptação, configura-se como uma postura predominante no
cenário atual das práticas patrimoniais e estendem-se de conseqüência ao
patrimônio industrial. A Carta de Nizhny atenta para o respeito aos materiais
específicos e esquemas originais de circulação e de produção nas novas utilizações
compatíveis, dentro do possível, a sua anterior utilização; uma adaptação que
evoque sua antiga atividade; a reversibilidade e o mínimo impacto; o registro de
eventuais alterações e eliminações que o patrimônio venha a sofrer; a reconstituição
dos bens patrimoniais somente em caráter excepcional e se “contribuir para o
reforço da integridade do sítio no seu conjunto, ou no caso da destruição violenta de
um sítio importante”. Por fim o documento exalta a necessidade de preservação de
68
Idem.
69
Idem.
Apoio: Capes e MackPesquisa
36
registros documentais, arquivos empresariais, plantas de edifícios, assim como
exemplares de produtos industriais; a necessidade de formação profissional
especializada; a divulgação e publicação sobre a preservação do patrimônio
industrial como forma de despertar no público interesse e apreciação de seu valor
sendo estes “os meios mais seguros para assegurar a sua preservação”.
70
Portanto
estudos acadêmicos que tenham como objetivo o levantamento, registro e análise
dos processos produtivos e de seus espaços contribuem num primeiro passo para a
preservação do patrimônio industrial.
A associação do termo bem cultural ao patrimônio industrial, de acordo com
Nina Avramidou, presidente do Centro Internazionale per la Conservazione del
Patrimonio Architettonico (CICOP), é portanto uma conquista recente e significa
reconhecer neste a capacidade de satisfazer as necessidades culturais da
coletividade, ou seja, de ativar um processo de identificação por parte da
coletividade. Não se trata então de intervenções que visam somente a conservação
do objeto material do patrimônio em si, mas de modelos de recuperação finalizados
a tutela, as questões do uso adequado e da fruição do patrimônio tendo em vista a
contemporaneidade. Vale ressaltar, porém que a atribuição de funções impróprias
pode determinar uma degradação irreversível e, portanto, deve ser evitada bem
como a redução dos bens culturais a objetos incapazes de ativar um processo de
diálogo participativo com a contemporaneidade e que afrouxam a identificação
existente entre a coletividade e o próprio bem.
71
Segundo Beatriz hl, o movimento de defesa do patrimônio industrial se
consolidou e ampliou, e vários países realizaram ou estão realizando inventários
sistemáticos de sua herança do processo de industrialização. Significativos esforços
foram feitos para definir o que é patrimônio industrial, estabelecer parâmetros
cronológicos, dadas as diferentes épocas e fases de industrialização nos diversos
países, e elaborar registros e estudos, com o objetivo de determinar o que e por que
preservar.
72
A questão das áreas industriais abandonadas assume então um relevo
70
Idem.
71
FAUSTINI, Laura; GUIDI, Elisa; MISITI, Massimo (orgs.). Archeologia Industriale metodologie di recupero e
fruizione del bene industriale. Atti del Convegno. Florença: EDIFIR, 2001, Introdução. Tradução livre da autora.
72
KÜHL, Beatriz Mugayar. Algumas questões relativas ao patrimônio industrial e à sua preservação. Disponível
em <http://www.revista.iphan.gov.br/materia.php?id=165>. Acesso em: 10 nov. 2008.
Apoio: Capes e MackPesquisa
37
sempre mais importante, seja pelas dimensões, mas, sobretudo porque provocam
processos de degradação física, ambiental e também social, que podem deprimir
partes inteiras de uma cidade. E é que se põe com urgência o problema da
reconversão.
73
Sob o ponto de vista urbanístico a questão das áreas industriais
abandonadas, se por um lado representam degradação ambiental e social, por
outro, porém podem se tornar um recurso importante no processo de renovação das
cidades.
74
1.3 O PATRIMONIO INDUSTRIAL NO CONTEXTO BRASILEIRO
Embora as discussões no campo teórico no Brasil tenham começado mais
tardiamente, na prática em 1938, antes do despertar dos debates diretamente
ligados à preservação industrial, as ruínas da primeira brica de ferro do Brasil - a
Fábrica de Ferro Patriótica, instalada em Ouro Preto - foram tombadas pelo Instituto
do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) como testemunho histórico da
indústria siderúrgica no país.
75
Em 1964, concomitantemente às primeiras publicações teóricas na Europa, outra
ação singular em prol do patrimônio industrial é efetivada através do tombamento,
pelo então SPHAN atual IPHAN, do primeiro complexo funcionante para exploração
e fabricação de ferro no Brasil - a Real Fábrica de Ferro São João de Ipanema em
Iperó, região de Sorocaba, São Paulo, em atividade até o fim do século XIX. Por
outro lado as preocupações com assuntos relacionados à preservação dos vestígios
industriais, no campo teórico, tiveram início a partir de alguns estudos de casos,
inaugurados com texto de Warren Dean, em 1976, sobre a Fábrica de Tecidos São
Luis de Itu.
76
Os edifícios da fábrica, existentes até hoje, fazem parte dos atrativos
turísticos da cidade, e podem ser visitados.
73
Reconversão é aqui entendida como “conjunto de intervenções arquitetônicas que visam principalmente a
atualizar o acervo construído, viabilizando-lhe a utilização para novo fim, uma vez respeitadas as características
fundamentais da construção”. Aurélio Buarque de Holanda Ferreira. Novo Dicionário da Língua Portuguesa. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1986.
74
FAUSTINI, Laura; GUIDI, Elisa; MISITI, Massimo (orgs.), op. cit., pp. 32-33.
75
CAMPAGNOL, Gabriela, op. cit., p. 435.
76
DEAN, Warren. A fábrica São Luiz de Itu: um estudo de Arqueologia Industrial. In: ANAIS DE HISTÓRIA,1976,
Apoio: Capes e MackPesquisa
38
No mesmo ano da publicação do artigo de Warren Dean, foi lançado pela
FAU/USP o Guia para a história da técnica no Brasil Colônia, de Júlio Katinsky. Para
Andrey Schlee, o livro foi um opúsculo que refletiu a preocupação de um grupo de
professores da Universidade de São Paulo (USP), que vinham pesquisando “antigos
remanescentes das instalações de produção de bens de consumo (como fazendas
de café, engenhos de açúcar e espaços fabris urbanos)”. Da mesma maneira,
conforme ocorrido na Europa, aqui no Brasil o interesse pela disciplina arqueologia
industrial caminhou paralelamente à história da técnica.
77
O interesse sobre o estudo e a preservação do patrimônio industrial no Brasil,
que procurou se ambientar ao contexto da preservação internacional, ganha
contornos mais nítidos a partir de meados da década de 1980. A partir deste período
destacam-se, além das várias pesquisas neste campo, os Seminários Nacionais de
História e Energia (1986 e 1999) realizados pelo Departamento de Patrimônio
Histórico da Eletropaulo e, mais recentemente, a filiação do Brasil ao TICCIH (2004).
Na industrialização brasileira, a cidade de São Paulo se destaca como espaço
central de desenvolvimento desse processo. Provavelmente por isso, foi a primeira a
sediar debates sobre o patrimônio industrial e projetos de reutilização e restauro de
edifícios industriais do século XX. A realização do I Seminário Nacional de História e
Energia, em 1986, fomentou o debate acadêmico sobre o tema, adquirindo o mesmo
maior relevância nacional e intercâmbio internacional. Entre os trabalhos que
debateram diretamente aspectos do patrimônio e da arqueologia industrial os
apresentados por Ulpiano Toledo Bezerra de Meneses, por Ruy Gama, pelo belga
Eddy Stols e pelo português José Manuel Lopes Cordeiro são considerados de
maior destaque.
78
na década de 1990, o Grupo de História da cnica (GEHT), ligado na época
ao Centro de Memória, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP),
produziu uma declaração em defesa das construções e instalações utilitárias –
“Declaração de Campinas” – na qual discutiram sobre a conservação dos bens
culturais, designados por “construções e instalações utilitárias”, ligados aos ofícios,
Assis. Anais... São Paulo: Departamento de História, Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis, ano VIII,
1976.
77
VICHNEWSKI, Henrique Telles, op. cit., p. 32.
78
CAMPAGNOL, Gabriela, loc. cit.
Apoio: Capes e MackPesquisa
39
às profissões e às indústrias. A declaração foi redigida em 29 de janeiro de 1988,
pelos vinte membros do Grupo de História da Técnica e hoje ratificada por 54
signatários de cinco países: Brasil, Colômbia, Estados Unidos, Portugal e
Espanha.
79
Em 1999, por ocasião do II Seminário Internacional de História e Energia,
organizado pela Fundação Patrimônio Histórico da Energia de São Paulo, a questão
do patrimônio industrial foi retomada. O objetivo do evento foi promover o debate
sobre o processo de transformação no setor energético, novas formas de gestão
administrativa, as perspectivas e a política de preservação do patrimônio histórico do
setor. O trabalho Uma nova perspectiva sobre o patrimônio cultural: preservação e
requalificação de instalações industriais – foi exposto pelo professor da Universidade
de Coimbra, Portugal, José M. Amado Mendes e foi debatido pelas arquitetas
Regina Maria Prosperi Meyer e Raquel Rolnik
.
80
Nos anos 2000 temos outras iniciativas de debate e discussão sobre o
patrimônio industrial. Em 2003, um pequeno grupo fundou nas dependências da
Escola de Sociologia e Política na cidade de o Paulo o Comitê Brasileiro de
Preservação do Patrimônio Industrial composto por profissionais de diversas áreas e
membros da comunidade. Este comitê provisório tinha como objetivo, através da
promoção de debate aberto, a preservação do patrimônio industrial brasileiro.
81
Sua
criação se deu a partir de discussões informais de profissionais das áreas de
história, sociologia, arquitetura, da pastoral operária, da federação das indústrias e
outras, sobre fatos concretos de destruição e deterioração de edifícios e áreas então
industriais dada à velocidade das transformações que vêm atingindo o setor e as
cidades.
Em junho de 2004, o Brasil se filia ao TICCIH e é criado o Comitê Brasileiro de
Preservação do Patrimônio Industrial (TICCIH - Brasil) formado por diversos
profissionais das áreas de sociologia, história, arquitetura entre outras. O comitê tem
como objetivo atuar como uma rede de intercâmbio de experiências e um grupo de
pressão que assuma o papel de colocar na agenda blica o debate sobre
79
VICHNEWSKI, Henrique Telles, op. cit., p. 34.
80
CAMPAGNOL, Gabriela, op. cit., p. 439.
81
POZZER, Guilherme Pinheiro, op. cit., p. 254.
Apoio: Capes e MackPesquisa
40
preservação do patrimônio industrial, dialogando com entidades da sociedade civil,
empresários, universidades e órgãos responsáveis pelo patrimônio nos vários níveis
governamentais. Serve também como órgão de estudo e pesquisa, divulgação da
causa preservacionista, articulando comunidades, organizações da sociedade civil,
entidades empresariais e sindicais, tanto na preservação desse patrimônio, quanto
na busca de alternativas para seu restauro.
82
Neste mesmo ano, o comitê, juntamente com o Departamento de História da
Universidade Estadual de Campinas, representado pelas professoras Cristina
Meneghello e Silvana Rubino, organizou o I Encontro em Patrimônio Industrial que
aconteceu no período de 19 a 22 de novembro de 2004. Na intenção de atualizar o
panorama inicial das pesquisas acadêmicas e das iniciativas públicas e privadas
relacionadas à preservação do patrimônio industrial, e visando contribuir também
para mobilizar os pesquisadores brasileiros para o V Colóquio Latino-Americano e
Internacional sobre Rescate y Preservación del Patrimonio Industrial do TICCIH,
previsto para 2010, em Ouro Preto MG, o Centro Universitário Belas Artes de São
Paulo sediou o II Encontro Nacional sobre Patrimônio Industrial. O encontro
aconteceu de 17 a 20 de junho de 2009 e teve como tema “Da industrialização à
desindustrialização: perspectivas para o resgate e conservação do patrimônio
Industrial”. Destaca-se nessa edição a participação de José Manuel Lopes Cordeiro,
da Universidade do Minho, em Portugal, Beatriz Kühl, representando a Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP) e Geraldo
Gomes da Silva, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) entre outros
profissionais que participaram do evento.
83
Outra iniciativa que buscou discutir o abandono de antigas instalações
decorrente da obsolescência de certos tipos de edificações, de elementos urbanos e
de setores característicos da cidade industrial aconteceu, de 12 a 14 de agosto de
2009, na Universidade São Judas Tadeu (USJT), em São Paulo. O III Seminário do
programa de pós-graduação stricto sensu em arquitetura e urbanismo da USJT
Cidade e Indústria: Ações Contemporâneas propôs uma reflexão sobre os temas
82
CAMPAGNOL, Gabriela, op. cit., p. 440.
83
II ENCONTRO Nacional sobre Patrimônio Industrial: da industrialização à desindustrialização: perspectivas
para o resgate e conservação do patrimônio Industrial. São Paulo, 2009. Cd-Rom
.
Apoio: Capes e MackPesquisa
41
indústria e território, patrimônio industrial e as novas tecnologias de informação
aplicadas ao estudo da cidade. Entendendo que os estudos urbanos e territoriais
devam avançar no conhecimento do processo de reestruturação produtiva, de suas
demandas espaciais, assim como afrontar as possíveis modalidades de
informalidade que acompanham esse processo o seminário buscou mostrar que a
necessidade de reestruturação de antigas instalações e de bairros industriais
tradicionais é um importante desafio para a arquitetura e o urbanismo
contemporâneos e que a capacidade de entendimento, organização e resposta dos
agentes sociais envolvidos nessa área de atuação é condição fundamental para o
futuro projeto das cidades. Nas discussões sobre patrimônio industrial destaca-se a
participação de Esterzilda Berenstein de Azevedo, da Universidade Federal da Bahia
(UFBA), Silvana Rubino, representando a UNICAMP e Beatriz Kühl pela FAU/USP.
84
Embora a preocupação com o patrimônio industrial no Brasil seja
comparativamente tardia, o país conta com uma área industrial considerada como
patrimônio industrial. O conjunto arquitetônico de Ouro Preto, cidade fundada pela
exploração mineira do ouro, foi declarada em 1980 pela UNESCO patrimônio da
humanidade. A cidade havia sido considerada monumento nacional através do
decreto 22928, de 12.07.1933. O reconhecimento d e Ouro Preto e de suas minas
como patrimônio industrial vincula-se ao seu passado afortunado ligado à atividade
mineradora. Os remanescentes de minas, as ruínas de siderúrgica e a arquitetura
implantada dão testemunhos da exploração extrativa determinante para ocupação e
desenvolvimento da região.
85
Estudos, registros e preservação de bens históricos do patrimônio industrial têm
sido feitos, embora ainda em pequena escala, por entidades oficiais ou da iniciativa
privada. também a Fundação Patrimônio Histórico da Energia de São Paulo
criada em março de 1998 com a missão de preservar e divulgar o acervo histórico
do setor energético e de saneamento paulista, disponibilizando-o para a sociedade,
visando contribuir assim para o desenvolvimento da educação, da pesquisa e da
cultura no Estado de São Paulo e, conseqüentemente, no Brasil. A fundação foi
84
III SEMINÁRIO do programa de pós-graduação stricto sensu em arquitetura e urbanismo da USJT Cidade e
Indústria: Ações Contemporâneas. São Paulo, 2009. Cd-Rom.
85
CAMPAGNOL, Gabriela, op. cit., p. 436.
Apoio: Capes e MackPesquisa
42
responsável pela preservação e restauro de quatro pequenas centrais hidrelétricas
(PCHs) construídas no interior do estado e de comprovado valor. Três dessas
centrais datam entre 1895 e 1913 e estão localizadas nas cidades de Rio Claro,
Santa Rita do Passa Quatro e Salesópolis enquanto a última das quatro, construída
em 1940, encontra-se em Brotas. Também mantém dois museus dedicados ao setor
energético nas cidades de Itu e Jundiaí. São tombadas pelo CONDEPHAAT-SP, na
área de infraestrutura, a ponte Euclides da Cunha, em São Jose do Rio Pardo, a
ponte pênsil no rio Parapanema, em Chavantes, e a ponte pênsil de São Vicente
assim como o viaduto Santa Ifigênia, na cidade de o Paulo, também é
considerado um monumento industrial. Na área de saneamento e energia,
destacam-se o Sistema Cantareira, em São Paulo, a Usina Hidrelétrica de
Corumbataí, em Rio Claro, e o Museu da Água, em Piracicaba. A própria sociedade
organizada por vezes manifestou-se pela preservação de edifícios fabris ou
ferroviários, demandando o tombamento municipal ou mesmo estadual de edifícios
específicos como aqueles ligados a preservação de ferrovias, estações e
equipamento ferroviário.
86
Existem alguns testemunhos de nossa atividade manufatureira, durante o
período do Brasil colônia, que foram levantados e preservados. Na maioria, são
engenhos construídos a partir do século XVI, como o Engenho Matoim, em
Candeias, na Bahia, o primeiro exemplar a ser tombado pelo IPHAN em 06 de
setembro de 1943, e que integra um sobrado e fábrica de açúcar. Ou ainda o
Engenho Freguesia, em Candeias, Bahia, composto de sobrado, capela e fábrica de
açúcar, tombado em 14 de setembro de 1944. Ou mesmo o Engenho dos Erasmos,
na cidade de Santos, interior de São Paulo, tombado pelo IPHAN e inscrito no Livro
Histórico do Tombo em 2 de julho de 1963. A área desse engenho sofreu processo
de recuperação e preservação, em agosto de 1994, com projeto liderado por um
grupo de pesquisadores da USP, sob a coordenação da arqueóloga Margarida
Davina Andreatta. Além desses exemplares tombados, outros testemunhos
industriais de outras épocas foram estudados e preservados como a Fábrica de
Vinho Tito Silva, em João Pessoa, Paraíba, tombada em agosto de 1984, hoje
aberta à visitação ao público; a brica Santa Amélia, de São Luís, Maranhão,
86
Ibid., p. 445.
Apoio: Capes e MackPesquisa
43
tombada em julho de 1987, e que conserva ainda toda a estrutura do edifício
próxima das condições originais; a mina de ouro de Passagem em Mariana – MG ou
a Fazenda do Pinhal em São Carlos – SP.
87
É necessário, porém mencionar que, embora havendo diversos exemplos de
reutilização e tombamento de edifícios e áreas industriais, o Brasil não consolidou
um campo teórico, metodológico e prático para o conhecimento sobre o patrimônio
industrial. Muitos exemplares de nosso passado industrial estão abandonados, à sua
própria destruição, situação essa vivida por galpões industriais, antigas bricas e
seus maquinários, linhas de trem e antigas estações. Além disso, os vestígios da
industrialização, por sua própria inserção urbana, são rapidamente destruídos na
ampliação e mudança das atividades econômicas ou fabris e pelo crescimento
urbano.
88
No entanto temos visto um crescente interesse e preocupação com o patrimônio
industrial demonstrada em trabalhos acadêmicos que vêm sendo produzidos nos
últimos anos. São artigos da história da industrialização, da arquitetura industrial, de
vilas operárias, das relações sociais da indústria, sobre a preservação de todo um
complexo inserido no universo fabril, como estações ferroviárias, portos marítimos,
mineração, engenhos, fábricas e outros. No Anexo I reproduzimos a contribuição do
autor Henrique Telles Vichnewski que em sua dissertação de mestrado, pelo
Departamento de História da UNICAMP, elenca boa parte da produção sobre o tema
patrimônio industrial, corroborando nossa observação de que no Brasil o assunto
vem ganhando interesse nas últimas décadas. A listagem elaborada por Vichnewski
abrange artigos sobre patrimônio e arqueologia industrial publicados em seminários,
encontros e periódicos bem como dissertações de mestrado e teses de doutorado
realizadas a partir de 1986, em função do Seminário Nacional de História e
Energia realizado pelo Departamento de Patrimônio Histórico da Eletropaulo em São
Paulo, até 2004, ano de conclusão de seu mestrado. O autor subdivide o
levantamento feito em categorias: arquitetura industrial, porto marítimo, mineração,
engenhos e usinas de açúcar, cerâmica, fábricas, arquitetura do ferro e ferroviária,
87
VICHNEWSKI, Henrique Telles, op. cit., p. 35.
88
SERAPIÃO, Fernando. Anexos semelhantes têm materialidade e uso diversos. Disponível em
<http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/brasil-arquitetura-10-04-2008.html>. Acesso em: 02 mar. 2009.
Apoio: Capes e MackPesquisa
44
abastecimento de água, paisagem urbano-industrial. A esta lista acrescentamos os
trabalhos de mestrado e doutorado desenvolvidos a partir de agosto de 2004 até
maio de 2010, tendo como fonte de consulta o Banco de Teses da Capes e o Banco
de Dados Bibliográficos Dedalus/ USP, buscando contribuir para a divulgação do
tema patrimônio industrial.
Mas conforme observa Manoela Rufinoni não obstante a pertinência e
interesse de muitos textos na abordagem da preservação do patrimônio industrial
poucas são as referências que buscaram efetivamente discutir os critérios
empregados em projetos de intervenção no patrimônio industrial. A maioria dos
textos examinados limita-se à descrição dos complexos industriais e dos novos usos
propostos sem vislumbrar os critérios possivelmente empregados na realização
dessas intervenções e qual a relação que possuem com a teoria do restauro. Da
mesma forma os últimos encontros e eventos promovidos pelo TICCIH têm discutido
as intervenções realizadas, mas sem fazer referência significativa aos critérios
empregados de acordo com os preceitos teóricos que deveriam guiar a preservação
e a restauração. Segundo Rufinoni muitos projetos apresentados assumiam como
prioridade a adaptação das estruturas industriais para novos usos e destacavam
como prerrogativas projetuais a versatilidade desses edifícios e sítios para a
inserção de diferenciadas funções, tratando-os, portanto, como meros receptáculos
para o novo. Ou seja, mesmo diante de uma produção teórica, nesse campo, em
expansão prevalece ainda a fragilidade na interpretação de certos conceitos e
princípios e uma grande distância entre a teoria e a prática.
89
Paralelamente aos trabalhos acadêmicos, ao longo dessas últimas cadas, um
número mais significativo de sítios e monumentos industriais foi incorporado a
processos de tombamento em seus diversos níveis. Diante da crescente valorização
pelos espaços patrimoniais, notam-se diversos casos de reuso do patrimônio
industrial onde se destacam duas ações precursoras: a restauração do Solar do
Unhão em Salvador, no início da década de 1960, projeto da arquiteta italiana
naturalizada brasileira Lina Bo Bardi; e a adaptação do antigo depósito de pólvora de
89
RUFINONI, Manoela Rossinetti, op. cit., 2009, pp. 185-186.
Apoio: Capes e MackPesquisa
45
Curitiba em teatro de arena, projeto de 1971 do arquiteto Abraão Assad.
90
Esses
projetos, bem como outros casos interessantes de reuso do patrimônio industrial,
serão comentados a seguir no capítulo dois.
Imagem 9: Vista Solar do Unhão, Salvador, Bahia
Fonte: http://conversademenina.wordpress.com/2009/05/15/va-ao-museu/. Acesso 10 mai. 2010.
Imagem 10: Fachada do Teatro Paiol, Curitiba, Paraná
Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Teatro_Paiol. Acesso 10 mai. 2010.
90
CAMPAGNOL, Gabriela, op. cit., p. 436.
Apoio: Capes e MackPesquisa
46
CAPÍTULO 2
CONCEITOS DE PATRIMÔNIO, CONCEITOS DE PROJETO
“(...) a maior parte dos velhos edifícios industriais permanecerá um recipiente vazio.”
Eugenio Battisti
Apoio: Capes e MackPesquisa
47
O capítulo dois contém uma discussão sobre as questões ligadas a
reutilização do patrimônio industrial e as posturas adotadas nas intervenções de
reconversão desse patrimônio. Para tal começaremos por caracterizar o reuso
relatando casos de reconversão de edifícios e requalificação de áreas industriais na
Europa, nos Estados Unidos e na América do Sul incluindo o Brasil. Procuraremos
analisar em seguida o entendimento do que deve ser preservado no campo do
patrimônio industrial e as dificuldades ligadas ao tema, entre elas as de uso e
funções atribuídos aos monumentos e espaços industriais. Por fim discutiremos as
posturas adotadas nos projetos de recuperação do patrimônio da industrialização, ou
seja, a conservação do documento e, muitas vezes, as vertentes e os critérios
adotados na abordagem dos projetos versus a projetação do uso e da organização
funcional com suas necessidades técnicas e arquitetônicas.
2.1 O REUSO DO PATRIMONIO INDUSTRIAL
Inicialmente o interesse do patrimônio industrial e da arqueologia industrial
esteve ligado à preservação de monumentos industriais. Os trabalhos de
preservação desse novo campo de conhecimento preocupavam-se principalmente
com as edificações, buscando registrá-las e inventariá-las. Paralelamente a esses
trabalhos de registro e inventário alguns autores começaram a chamar a atenção
para o potencial histórico-cultural e econômico do reuso deste tipo de patrimônio.
91
Embora não o monumento, mas todos os vestígios devessem ser estudados,
não por eles mesmos, mas como sendo a manifestação de uma sociedade concreta
nascida com a industrialização e determinada por novas e diferentes relações
sociais,
92
Ulpiano de Meneses ao utilizar-se da expressão de Leonardo Benevolo -
“carcaças simbólicas” justifica que muitas vezes os exemplares que permanecem
91
MENDES, José Amado. Uma nova perspectiva sobre o patrimônio cultural: preservação e requalificação de
instalações industriais. In: Seminário Internacional História e Energia, 2, 1999, São Paulo. Potencial estratégico
de cultura e negócios. São Paulo: Fundação Patrimônio Histórico da Energia de São Paulo, 2000, pp.20-21
92
CERDÀ, Manuel; BONAFÉ, Mario García. Arqueologia Industrial. In: BERROCAL, Paloma (coord.).
Enciclopédia Valenciana de Arqueologia Industrial. Associació Valenciana d’Arqueologia Industrial. Valencia,
Espanha: Edicions Alfons el Magnànim e Institució Valeciana d’estudis i investigació, 1995, p.95.
Apoio: Capes e MackPesquisa
48
em são “abstrações estetizantes, que realmente não compensam a carga
documental comprometida”.
93
O precursor dos estudos sobre arqueologia industrial na Itália, Eugenio Battisti,
afirma que são poucas as fábricas conservadas com seus equipamentos e
maquinários originais que chegaram até nossos dias. Quase sempre, as zonas onde
se encontram exemplares da arquitetura industrial em desuso são cortadas fora das
grandes áreas de desenvolvimento urbano, diz o autor, e evoca a necessidade de
reconquistar estas zonas em desuso. Dos edifícios que permanecem em pé, na sua
maioria,
são conservadas as fachadas, segundo Battisti, por razões de prestígio,
pela sua qualidade
de monumento. Os edifícios, muitas vezes, são esvaziados de
seu conteúdo como no caso da fábrica da Fiat Lingotto em Turim. No entanto
demolir estes exemplares, por não saber qual função atribuir aos mesmos, seria um
desperdício visto as características, por definição, modernas de grande parte desses
edifícios. O correto seria encontrar destinações de uso que respeitem o espírito
originário, pois segundo o autor:
(...) aquilo que me assusta é somente a falsa restauração, não a idéia de colocar uma
arquitetura contemporânea dentro daquela moderna.
94
A argumentação de Battisti a favor da conservação da arquitetura industrial
está também na questão do espaço interno desses edifícios. Na maior parte das
vezes os exemplares fabris apresentam plantas sem divisórias internas, são
espaços abertos, amplos e desimpedidos. Espaços livres para transformar e adaptar
de acordo com as freqüentes necessidades de mudança, ao longo do tempo, das
funções dos edifícios.
95
A polivalência de uso e o constante renovar-se são implícitos
na arquitetura industrial:
Além disso, a indústria produzindo desgasta e consome a si mesma de dupla maneira:
consumindo as instalações, que devem ser renovadas, e saturando o mercado com o seu
produto, que envelhece e gradualmente perde a atração, porque é imitado pelos
93
MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. Patrimônio Industrial e Política Cultural. In: I SEMINÁRIO NACIONAL
DE HISTÓRIA E ENERGIA. São Paulo. Anais... São Paulo: Eletropaulo, Departamento de Patrimônio Histórico,
2v., 1988, pp. 68-69.
94
BATTISTI, Eugenio, op. cit., pp. 32-33. Tradução livre da autora.
95
Ibid., p. 36. Tradução livre da autora.
Apoio: Capes e MackPesquisa
49
concorrentes, se transforma em algo costumeiro, e passa de moda, declinando de qualidade
respeito ao preço, ou vice-versa. A sobrevivência está no constante renovar-se (...)
96
Neil Cossons destaca também o grande potencial de adaptação dos edifícios
industriais a novos usos como salas de concerto, flats, escritórios, hotéis, atividades
voltadas ao turismo ou ainda museus que poderiam garantir a manutenção das
relações espaciais e funcionais originais. Atividades que além de salvaguardar os
edifícios a partir do incremento de um uso contemporâneo, promovem ainda a
reabilitação de áreas degradadas.
97
De fato vários edifícios industriais vêm sendo
transformados para os mais variados usos demonstrando sua versatilidade.
Dionisio
Vianello, engenheiro urbanista italiano, cita, no congresso sobre arqueologia
industrial que aconteceu na cidade de Prato, Itália, em 2000, o caso do complexo
denominado Environment Park. Inaugurado em Turim em 1996 este parque
científico e tecnológico, projetado pelo arquiteto Emilio Ambasz, confronta
construções novas com galpões existentes, cujas estruturas metálicas foram
recuperadas e as vedações convencionais substituída por vidro. E, no confronto
entre o velho e o novo, diz Vianello: “não é por certo o velho que deturpa”.
98
Outro
caso mencionado pelo engenheiro é o projeto realizado na área industrial do bairro
Bovisa, em Milão, onde várias faculdades do Politécnico de Milão se instalaram
dentro dos galpões metálicos existentes aproveitando a estrutura. Os galpões,
porém foram usados como caixas, ou melhor, invólucros para a inserção de outros
recipientes completamente novos com um efeito, segundo o autor, muito atraente.
Mas o caso mais freqüente é aquele da conservação de alguns elementos
significativos como aconteceu no bairro industrial Bagnoli, em Nápoles, onde
dezesseis elementos classificados como arqueologia industrial, muito diversos entre
si, passando da fábrica de aço a chaminés, foram individuados.
99
96
Ibid., p. 60. Tradução livre da autora.
97
COSSONS, Neil, The BP Book of industrial archaeology. London: David&Charles, 1978, pp.424-425 apud
RUFINONI, Manoela Rossinetti, op. cit., 2004, p. 125.
98
FAUSTINI, Laura; GUIDI, Elisa; MISITI, Massimo (orgs.), op. cit., p. 36. Tradução livre da autora.
99
Ibid., p. 37. Tradução livre da autora.
Apoio: Capes e MackPesquisa
50
Imagem 11: Environment Park, Turim, Itália
Fonte: http://www.torinoscienza.it/img/orig/it/s00/00/0012/000012e7.jpg. Acesso 02 mar. 2009.
Imagem 12: Bagnoli, Nápoles, Itália
Fonte: http://www.napolimotus.com/2008/07/citta-della-scienza-science-centre/. Acesso 02 mar. 2009.
Imagem 13: Depósitos de Algodão Savannah, Georgia, EUA
Fonte: http://www.terragalleria.com/photos/?q=savannah+cotton&submit.x=48&submit.y=9. Acesso 02 mar. 2009.
Existem ainda exemplares de estações ferroviárias abandonadas e
transformadas, nos Estados Unidos, em escritórios para uso da iniciativa privada ou
de órgãos públicos e Battisti discorre sobre a importância da “maquiagem” na
reconversão dos exemplares da arquitetura industrial:
É importantíssima, a tal escopo, a cosmética: basta repintar as traves de ferro de cor
vermelha ou azul, repintar com cores que estejam o mais longe possível da sordidez do
abandono, para consentir uma nova leitura, freqüentemente muito válida em termos também
financeiros.
100
A transformação da superfície, segundo ele, é aceitável, mas não a
modificação da substância. O autor menciona alguns casos onde as arquiteturas
reconvertidas transformaram trechos da cidade e passaram a ser apreciados pela
população:
Enquanto me oponho com decisão a qualquer modificação da substância, aceito de bom
grado uma transformação de superfície, através do uso de cores, que em poucos anos pode
ser automaticamente renovada. Conheço de fato casos memoráveis de releituras de prédios
históricos com usos diferentes do original, que passaram a ser muito apreciados por um largo
e indiferenciado público, como por exemplo, a Cervejaria de San Francisco ou mesmo os
Depósitos de Algodão de Savannah. Estes se tornaram locais de feiras comerciais
permanentes, mas também locais onde se podem apreciar espetáculos de música e teatro, e
onde se aprende novamente a amar a cidade e a sua história social.
38
100
BATTISTI, Eugenio, op. cit., p. 39. Tradução livre da autora.
Apoio: Capes e MackPesquisa
51
Apesar de tudo, de acordo com Battisti, a maior parte dos velhos edifícios
industriais permanecerá um recipiente vazio. E será necessário escolher e decidir,
sobretudo, quando não existirem qualidades de monumento ou ligações culturais
com o ambiente, as possibilidades de reuso desses edifícios. Estes remanescentes
industriais se tornaram socialmente desejáveis, de acordo com o autor, e pela
experiência adquirida é sabido que se não são recuperados imediatamente caem em
mãos da especulação imobiliária que os abate.
101
Segundo Dionisio Vianello a
demolição se devido aos custos para a reconversão de um edifício industrial a
uso civil serem mais altos que os necessários para a realização de um edifício novo.
Esclarece Vianello que se a operação não vale a pena economicamente o privado
não a faz e o edifício corre o risco de cair em ruínas.
102
Battisti é do parecer que o
problema que se põe é de ordem prática, ou seja, intervir antes que o
estabelecimento seja abandonado através de uma conservação preventiva do
edifício enquanto ainda em atividade. O abandono comporta tal despesa que a
reciclagem, segundo o autor, se não é prevista e coordenada anos antes, se torna
impossível devido aos custos de recuperação intoleráveis. E conclui afirmando que
num momento de rápidas transformações, como no qual vivemos, é absolutamente
necessário estabelecer uma estratégia de intervenções para o futuro próximo que
poderia evitar um grande percentual de desperdícios devido ao abandono e a
degradação dos edifícios industriais.
103
Uma vez aceito o desafio de recuperação da antiga arquitetura industrial as
possibilidades de reuso o infinitas. Segundo Battisti é supérfluo relembrar que
alguns dos mais elegantes bairros comerciais em todo o mundo foram implantados
em paisagens industriais, ou seja, antigos depósitos ou fábricas, salvos pela
tenacidade de poucos indivíduos, como aconteceu em São Francisco, Boston,
Filadélfia, Sidney enquanto administrações municipais, como a de Turim, os
transformaram em escolas, centros comunitários, etc.
104
Com relação às qualidades paisagísticas do patrimônio industrial, Neil
Cossons busca enfatizar que essas paisagens industriais, além da importância como
101
Ibid., pp. 38-39. Tradução livre da autora.
102
FAUSTINI, Laura; GUIDI, Elisa; MISITI, Massimo (orgs.), op. cit., p. 37. Tradução livre da autora.
103
BATTISTI, Eugenio, op. cit., p. 255. Tradução livre da autora.
104
Ibid., pp. 46-47. Tradução livre da autora.
Apoio: Capes e MackPesquisa
52
testemunhos históricos ou técnicos, contribuem ainda para a configuração do que
chamou de “personalidade” de uma região. Para apreender essa personalidade, o
autor ressalta a necessidade de desenvolvermos uma sutil apreciação estética que
nos permita vislumbrar as características formais e construtivas dos edifícios, os
detalhes arquitetônicos e também as “características intangíveis de uma área”. E
ressalta ainda que os elementos que compõe essa paisagem, fato também
evidenciado pelos estudos que delinearam a “invenção” do patrimônio urbano, não
representam interesse isoladamente. São justamente a escala monumental, a
perfeita assimilação dos edifícios ao entorno e o efeito de conjunto, os atributos que
lhe conferem a destacada representatividade; atributos que “excitam a imaginação e
estimulam os sentidos”. Segundo Manoela Rufinoni tais considerações, portanto,
evidenciam a inequívoca caracterização de certos conjuntos arquitetônicos
industriais como patrimônio urbano e cultural.
105
A recuperação da área de Porto Madero, em Buenos Aires, nos anos 1990, e
de seus depósitos inativos é um caso emblemático na América do Sul de
recuperação de paisagem industrial. O antigo porto, construído no final dos anos
1880-90, foi desativado por obsolescência na década de 1920 levando esta área
lindeira da cidade a um processo de crescente decadência. Um plano de
recuperação dessa arquitetura fabril abandonada, proposto pelos arquitetos
Borthgaray, Carnicer, Doval, Garcia Espil, Laidemann, Marre, Perez, Tufaro e Xaus,
a partir de 1989, incluía uma série de ações como abertura de bulevares até o rio da
Prata, venda dos galpões, a construção de conjuntos de escritórios e moradias,
áreas comerciais, de lazer, instalações esportivas, culturais e até uma universidade.
As diretrizes projetuais encaminhadas, em 1992, aos diversos arquitetos que
atuariam em cada conjunto de galpões enfatizavam o respeito às construções
antigas e seus volumes dotando-as, porém de toda tecnologia moderna.
106
A Doca
7, projeto dos arquitetos Baudizzone, Lestard e Varas (1993-1995), é um desses
exemplares do processo de reciclagem de um velho depósito que permaneceu
inativo por anos. A reciclagem deste depósito implicou na recuperação de uma área
próxima ao centro histórico contribuindo para criar uma imagem contemporânea da
105
RUFINONI, Manoela Rossinetti, op. cit., 2009, p. 178.
106
ZEIN, Ruth Verde; DI MARCO, Anita Regina. Sala São Paulo de Concertos. Revitalização da Estação Julio
Prestes: o projeto arquitetônico. São Paulo: Altermarket, 2001, p. 93.
Apoio: Capes e MackPesquisa
53
cidade. Este edifício pertence a uma série de dezesseis obras similares, construídas
no fim do século XIX, e que ultimamente têm sido remodeladas para distintos fins.
Como conjunto constitui um acontecimento urbano em Buenos Aires.
107
Imagem 14: Doca 7, Porto Madero, Buenos Aires, Argentina. Foto Estúdio Alberto Varas
Fonte: http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq054/arq054_03_e.asp. Acesso 02 dez. 2009.
Imagem 15: Panorama Porto Madero, Buenos Aires, Argentina
Fonte: http://www.pictures-argentina.com/Buenos+Aires-Porto+Madero++Buenos+Aires. Acesso 02 dez. 2009.
Em território europeu temos os casos de outras áreas portuárias, como a de
Barcelona, Lisboa, Gênova, as Docklands em Londres e Roterdã, que sofreram
processos semelhantes aos de Porto Madero. Todos estes são exemplos de
refuncionalização de regiões semi ou totalmente desocupadas.
O caso do vale de
Ruhr, região Norte do Reno-Westfália, Alemanha, talvez seja o mais emblemático
onde complexos industriais inteiros foram conservados e reutilizados, num projeto de
envergadura implantado ao longo de dez anos.
108
A região do Ruhr se transformou com o carvão e a metalurgia que
possibilitaram, por mais de um culo de dominação no cenário industrial alemão,
um intenso desenvolvimento da área com a realização de numerosos complexos
industriais associados a zonas habitacionais e centros comerciais além de malha de
transporte de mercadorias ferroviária e fluvial. Com o esgotamento do carvão e o
declínio da siderurgia, a região entrou em decadência, apresentando nos anos 1980,
graves problemas econômicos, sociais e ambientais. Em 1989 foi criada a
107
COX, Christian Fernández; FERNÁNDEZ, Antonio Toca. América Latina: nueva arquitectura una modernidad
posracionalista. México: Ediciones G. Gilli, 1998, p. 43. Tradução livre da autora.
108
FAUSTINI, Laura; GUIDI, Elisa; MISITI, Massimo (orgs.), op. cit., p. 37. Tradução livre da autora.
Apoio: Capes e MackPesquisa
54
Internationale Bauausstellung Emscher Park, dirigida por Karl Ganser, que deu início
a um plano de intervenção decenal na zona do Emscher Park e que não se limitava
aos edifícios industriais. O projeto, envolvendo uma área de aproximadamente 800
km
2
, foi complexo e articulado e envolveu várias esferas de poder, local, regional e
nacional, contando ainda com o financiamento da Comunidade Européia. Foram
promovidas novas atividades econômicas e dada particular atenção ao espaço
natural e construído, atuando-se através de projetos arquitetônicos, urbanos e
paisagísticos que incluíram trilhas para caminhada e ciclovias. Foram desenvolvidas
ainda outras iniciativas visando, por exemplo, a despoluição do território e de
conseqüência também do rio Emscher, a instalação de infra-estrutura, a exploração
de fontes de energia alternativa, a recomposição de matas ciliares, a construção de
complexos habitacionais e de centros de pesquisa além do reaproveitamento dos
grandes complexos industriais obsoletos das mais diferentes maneiras, em
iniciativas provisórias e permanentes.
109
Os edifícios industriais foram adaptados
para novos usos, sobretudo culturais, e algumas estruturas e equipamentos foram
incorporados ao parque de modo criativo: um gasômetro foi convertido em espaços
para exposições, um tanque de gás transformado em tanque para mergulho, antigas
siderúrgicas abrigaram teatros, antigas fornalhas foram adaptadas como local para
escaladas.
110
E nesse processo de reconversão vale a pena mencionar como
exemplo desse novo uso o caso do Landschaftspark em Duisburg, ex fábrica de aço
da Thissen transformada em centro de lazer (1991) com projeto do arquiteto Peter
Latz.
109
KÜHL, Beatriz Mugayar, op. cit., 2008, pp.136-137.
110
RUFINONI, Manoela Rossinetti, op. cit., 2009, p. 252.
Apoio: Capes e MackPesquisa
55
Imagem 16: Vista panorâmica Landschaftspark (ex fábrica de aço da Thissen), Duisburg, Alemanha
Autor: Arq. Luigi Bertolotto, mai. 2009.
Ou ainda o complexo minerário Zollverein de Essen também transformado em
2001 em centro de lazer, com projeto dos arquitetos Fritz Schupp e Martin Kremmer,
e o gasômetro de Oberhausen transformado em centro expositivo em 1994.
A questão da degradação na área do vale do Ruhr abarcava não somente
edifícios industriais obsoletos, mas toda uma realidade urbana envoltória e de
grandes dimensões. Manoela Rufinoni destaca que a abordagem do problema foi
feita de forma ampla, articulada e integrada ao planejamento urbano e regional,
conduzindo à soluções complexas e de longa duração. Nos alerta ainda para o fato
de que a recorrência às soluções imediatistas, pontuais e desarticuladas, em casos
como este, não permitem o desenvolvimento de um processo coerente de
revitalização, nem conduzem a um adequado tratamento do patrimônio urbano,
podendo até mesmo gerar desequilíbrios ainda mais problemáticos para a região.
111
111
Idem.
Apoio: Capes e MackPesquisa
56
Imagens 17 e 18: Vista do ex complexo minerário Zollverein, Vale do Ruhr, Alemanha.
Autor: Arq. Luigi Bertolotto, mai. 2009
Imagens 19 e 20: Vista do ex gasômetro de Oberhausen, Vale do Ruhr, Alemanha
Autor: Arq. Luigi Bertolotto, mai. 2009
Em território brasileiro podemos mencionar alguns exemplos de reconversão
de edifícios industriais. A começar pelo caso emblemático do SESC Pompéia,
projeto da arquiteta Lina Bo Bardi (1977-1986), cujas qualidades são reconhecidas
internacionalmente, e que será mais bem relatado no sub-capítulo 2.3 deste
trabalho. Devido ao reconhecido sucesso no projeto do SESC Pompéia, outros
Apoio: Capes e MackPesquisa
57
projetos subseqüentes foram realizados, inclusive alguns mantidos pelo próprio
SESC, como o do Belenzinho, em São Paulo, e o de Nova Friburgo, no estado do
Rio de Janeiro, utilizando conceito semelhante na preservação e restauração de
espaços fabris. No estado de Minas Gerais a Serraria Souza Pinto, em Belo
Horizonte e a Companhia Têxtil Mascarenhas, em Juiz de Fora. Na Bahia o caso do
Centro Cultural Dannemann, em São Félix. No estado de São Paulo, o Engenho
Central de Piracicaba; a antiga fabrica têxtil Adamastor, em Guarulhos; o Shopping
Lupo, em Araraquara; o Centro Universitário da Fábrica Brasital, em Salto; e na
cidade de São Paulo a reconversão do Cotonifício Crespi em hipermercado, caso
polêmico e que também será mais bem tratado no sub-capitulo 2.3.
112
Imagem 21: Cinemateca Brasileira (ex Matadouro Municipal da Vila Mariana), São Paulo
Foto da autora. Jan. 2010.
Imagem 22: Instituto Criar de Televisão e Cinema, São Paulo
Foto da autora. Jan. 2010.
A título de citação, tendo em vista que esses casos serão mais bem
detalhados no Anexo II no fim deste trabalho, na cidade de São Paulo temos a
reconversão do antigo matadouro municipal da Vila Mariana, construído em 1887,
em Cinemateca Brasileira, instituição responsável pela preservação da produção
audiovisual brasileira que desenvolve também atividades em torno da difusão e da
restauração de seu acervo, um dos maiores da América Latina, com projeto de
restauração e adaptação iniciado pelos arquitetos cio Gomes Machado e Eduardo
de Jesus Rodrigues (1989) e concluído pelo arquiteto Nelson Dupré (2007). Outro
112
CAMPAGNOL, Gabriela, op. cit., p. 447.
Apoio: Capes e MackPesquisa
58
exemplo é o da intervenção em antiga fábrica têxtil, localizada no bairro do Bom
Retiro, reconvertida, com projeto dos arquitetos Silvio Oksman e Fernanda Neiva
(2004), no Instituto Criar de Televisão e Cinema - organização não governamental
que tem por iniciativa capacitar jovens de baixa renda para o mercado de trabalho
na indústria de entretenimento, sobretudo o cinema e a televisão, oferecendo para
tal fim cursos técnicos na área de produção audiovisual. Ou então a reconversão de
outra antiga tecelagem, localizada no bairro da Lapa, que, com projeto dos
arquitetos Lúcio Gomes Machado, Marlene Yurgel e Eduardo de Jesus Rodrigues,
abriga desde 1987 a Estação Ciência/USP - espaço pensado para ser um centro de
ciências interativo que realizasse exposições em diversas áreas cientificas, além de
cursos, eventos e outras atividades, com o objetivo de popularizar a ciência e
promover a educação científica de forma lúdica e prazerosa.
113
Imagem 23: Estação Ciência/USP, São Paulo
Foto da autora. Jan. 2010.
Imagem 24: Museu do Pão, Ilópolis, Rio Grande do Sul
Fonte: http://www2.nelsonkon.com.br/obras.asp?ID_Categoria=0&node=0&tiponode=&ID_Obra=146. Acesso 02
mar. 2009
Outro exemplo significativo de restauração bem sucedida é a do moinho
Colognese, situado no centro de Ilópolis, cidadezinha localizada na serra gaúcha,
que abriga vários exemplares de moinhos coloniais construídos, na sua maioria, por
imigrantes italianos para a produção de farinha de trigo. Com o monopólio estatal da
farinha de trigo, na década de 1960, vários desses moinhos foram abandonados e
113
Estes casos serão mais bem detalhados no anexo dois ao fim deste trabalho.
Apoio: Capes e MackPesquisa
59
entraram em decadência. No projeto de restauração e resgate desse exemplar pelos
arquitetos Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz (2005) o moinho ganhou dois
pequenos anexos destinados ao Museu do Pão, inaugurado em fevereiro de 2008,
que possuem uso e materialidade diferentes da construção existente. Além da
utilização de elementos encontrados na região, o projeto também faz alusão a outras
propostas de requalificação de edifícios históricos. São evidentes os paralelos entre
o revestimento da oficina e os azulejos desenhados de Lina Bo Bardi para o SESC
Pompéia, projeto em que Ferraz colaborou, assim como a linha d’água em cascata
que delimita três faces do lote (no fundo um córrego) tem desenho inspirado em
Carlo Scarpa.
114
O escritório Brasil Arquitetura tem em projeto a restauração de
outro exemplar nessa mesma área.
2.2 QUESTÕES QUE ENVOLVEM A PRESERVAÇÃO DO PATRIMONIO
INDUSTRIAL
Na busca de definições conceituais e métodos em arqueologia industrial,
alguns trabalhos importantes foram publicados procurando esclarecer as questões
ligadas à preservação do patrimônio industrial - um dos principais objetivos da
arqueologia industrial, como mencionado no primeiro capítulo. Mas é necessário o
entendimento do que pode ser considerado patrimônio industrial (ponto discutido
no capítulo um desse trabalho), dos critérios para se proceder a essa avaliação e de
como preservar esse patrimônio. Para Beatriz Kühl:
(...) o passo inicial é o recenseamento do patrimônio existente no país, ou em uma região, e
uma avaliação de suas qualidades e especificidades. Um levantamento preliminar deveria
conter uma descrição do sitio ou artefato, as dimensões básicas, o estado em que se
encontra, a presença ou não de maquinário, proporcionando, assim, uma apreciação geral da
situação
.
115
114
SERAPIÃO, Fernando, op. cit.
115
KÜHL, Beatriz Mugayar, op. cit., 1998, p. 228.
Apoio: Capes e MackPesquisa
60
Uma segunda etapa que envolve a preservação do patrimônio industrial parte
do pressuposto de um conhecimento prévio desse patrimônio, ou seja, de uma
avaliação qualitativa e quantitativa do que se considera patrimônio existente em um
local e dos exemplares a ser preservados, o que significa definir critérios para a
seleção desses exemplares. Para auxílio no entendimento do que deve ser
preservado no campo do patrimônio industrial, Angus Buchanan propôs algumas
diretrizes gerais para orientar a seleção dos artefatos mais significativos através da
observação de seis critérios. O primeiro é o grau de unicidade ou singularidade do
exemplar (degree of uniqueness), que pode ser justificado por ser o primeiro ou
último remanescente, de uma determinada categoria, estilo, período ou modelo. O
segundo critério é o grau de representatividade do exemplar (representational
distinction) como referencial de determinada técnica ou época. O terceiro são a
dimensão e o uso dos exemplares e as potencialidades para reutilização, inclusive
turístico. O quarto aspecto destaca, justamente, as potencialidades turísticas de
determinadas áreas industriais. O quinto é a observação da existência de incentivos
locais para financiamento e apoio na efetivação de projetos de preservação e
restauração. E o sexto aspecto destaca os exemplares que se relacionam a fatos ou
pessoas importantes.
116
Questões importantes envolvem o campo do patrimônio industrial, e de sua
preservação, e refletem algumas das dificuldades de estudo e documentação
relacionadas ao tema. Na cada de 1980, Ulpiano de Meneses salientou as quatro
principais dificuldades relacionadas ao tema. A primeira refere-se à delimitação do
próprio campo de estudos que tem considerado seu conteúdo, ou o que integraria
seu domínio, segundo três categorias: os conhecimentos e técnicas, os monumentos
e os sítios. Contudo o autor aponta para uma sobrevalorização dos monumentos
industriais, como os edifícios fabris, minas, galpões, chaminés, equipamentos e
sistemas de transportes e abastecimento, e a marginalização da categoria dos sítios
industriais, categoria que, por sua natureza espacial, torna-se fundamental para a
compreensão do patrimônio industrial. O problema está justamente no
reconhecimento do conjunto edificado, como sitio industrial, preservando sua
paisagem e traçado. Nesse sentido, é essencial que se entenda a importância da
116
BUCHANAN, Robert A., op. cit., pp. 52-54.
Apoio: Capes e MackPesquisa
61
preservação do espaço produtivo como um sistema, isto é, “como um conjunto de
objetos solidariamente inter-relacionados e espacialmente dependentes”. A ausência
dessa dimensão espacial, segundo Meneses, prejudica a compreensão histórica do
próprio “metabolismo” da atividade industrial e a apreensão das qualidades formais e
estéticas possíveis. No seu entendimento não é possível selecionar “estruturas
significativas” isoladas tendo em vista que o acervo industrial deve ser
compreendido enquanto vestígios de um sistema complexo de relações.
117
Meneses ressalta a segunda dificuldade chamando a atenção em relação à
excessiva especialização temática, refletida no desenvolvimento de atividades, como
coleta, preservação e estudo, entre outras, a partir de certas categorias tipológico-
funcionais de objetos. Pode resultar, por exemplo, nos museus monotemáticos ou
monográficos, como do bonde, do vidro, do relógio, do telefone, que, apesar de
desempenhar uma importante função quanto à documentação e preservação dos
bens, impõe muitas vezes certa restrição interpretativa. Nesse processo de
setorização, os objetos do conhecimento acabam fragmentados, pulverizados e
compartimentados e os acervos, de conseqüência acabam destituídos de uma
significação global. Para o autor a organização dos acervos industriais deveria partir
da perspectiva de grande escala em que máquinas, equipamentos, bricas, usinas,
estações, e demais instalações correlatas “se articulam num mesmo sistema, por
derivarem de um mesmo processo, fundamental na organização técnica e social do
trabalho e na produção da paisagem urbana e rural”.
118
A terceira dificuldade refere-se aos limites cronológicos impostos ao estudo,
como, por exemplo, àqueles monumentos industriais que estejam desativados, ou
que representem o período de industrialização européia, em geral datados do século
XVIII e XIX. Assim, esse critério, quando aplicado numa situação como a do Brasil,
onde a industrialização foi tardia e as tecnologias pré-industriais ainda têm peso,
seria muito restritivo, pois segundo Ulpiano “a história não é a disciplina que tem por
objeto o passado, mas que se preocupa com o problema da mudança, isto é, os
aspectos dinâmicos do fenômeno cio-cultural”. O autor considera que a
documentação relativa deva também abranger o patrimônio industrial
117
MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de, op. cit., 1988, pp. 68-73.
118
Idem.
Apoio: Capes e MackPesquisa
62
contemporâneo, visto que “da dinâmica social não está obviamente excluído o
presente”.
119
Enfim, a quarta dificuldade é relacionada aos usos e funções atribuídos aos
monumentos e espaços industriais. Um uso corrente é o museológico. Entretanto,
segundo Meneses, algumas experiências nesse sentido têm demonstrado certa
alienação em seus propósitos. Os museus de sitio, os “ecomuseus”, como por
exemplo, o da Fazenda Real de São João do Ipanema, em Iperó - São Paulo, ou os
museus de fábrica, nos quais são preservadas as relações espaciais com o contexto
imediato da produção, como, por exemplo, o Museu da Alpargatas, em São Paulo,
embora nessa ótica e tendo as condições mais favoráveis para a superação das
restrições enfrentadas pelo museu temático, apresentam suas dificuldades. Muitas
vezes, para minimizar o embaraço que esses museus possam demonstrar diante
dessas coleções de fenômenos in vitro”, tem sido freqüente o uso da reconstituição
de ambientes, da simulação de “clima”, de diversas formas de encenação,
funcionando como verdadeiros parques. O autor atenta para o fato de que esse tipo
de recurso, no entanto, pode levar o museu a categoria de “museu-espetáculo”.
120
Imagens 25 e 26: Fazenda Real de São João do Ipanema, Iperó, São Paulo
Fonte: http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=708852. Acesso 02 abr. 2010.
Meneses considera que os usos e funções atribuídas ao patrimônio cultural
como um todo deveriam ir além da fórmula reducionista de usos culturais
predominante no cenário brasileiro. A destinação de uso dada ao patrimônio deveria
119
Idem.
120
Idem.
Apoio: Capes e MackPesquisa
63
permitir um diálogo de forma mais estreita e efetiva com as instâncias do cotidiano e
do universo de trabalho. Propõe a retomada normal de operações de espaços e
equipamentos, com programas antigos ou adaptados as novas necessidades, e a
possibilidade de interação dessas atividades com o dia a dia sem que
necessariamente estejam ligadas a fins turísticos. Ou seja, a necessidade de inserir
o patrimônio industrial em um contexto mais “amplo de vida e menos segmentado,
com o uso efetivo dos bens em causa, embora sem excluir funções museológicas
(principalmente didáticas) e o consumo turístico”. Além de contribuir para a
preservação do sitio em si, essa interpretação do bem cultural permite também um
resgate e a continuação da vertente imaterial do patrimônio industrial, inserindo-o
novamente nas relações sócio-econômicas que não sejam as atividades turísticas. A
incorporação efetiva do patrimônio industrial ao panorama das práticas cotidianas,
como forma de garantir sua preservação, tem se mostrado ainda incipiente no
contexto nacional. As dificuldades de ordem prática são sentidas seja no que diz
respeito à realidade urbanística, onde grandes extensões de tecido urbano
ocupadas pelo patrimônio industrial, e muitas vezes localizadas em áreas centrais
urbanas, são freqüentemente alvo de pressões especulativas, quanto no que diz
respeito à falta de embasamento teórico nas intervenções nesse tipo de
patrimônio.
121
As grandes dimensões de áreas industriais e as proporções de novos usos
que favoreçam sua manutenção representam um dos maiores desafios para a
preservação desse patrimônio. Encontrar um novo programa adequado, que
justifique a permanência de vastas áreas é um problema que envolve o
planejamento urbano e demanda um estudo aprofundado para que se evidenciem os
possíveis valores históricos e culturais.
122
121
Idem.
122
CAMPAGNOL, Gabriela, op. cit., p. 425.
Apoio: Capes e MackPesquisa
64
2.3 POSTURAS CONCEITUAIS
A presença de exemplares da arquitetura industrial em desuso e o potencial
de reconversão destas, aspecto não secundário das políticas urbanas
contemporâneas, apresentam-se como uma perspectiva para a cidade futura, para a
cidade desse novo século onde a prática de reciclar e reabilitar ganha mais peso
numa tentativa de impulsionar a requalificação de áreas deterioradas das cidades.
Como afirma Francesco Guerrieri, esses exemplares devem ser considerados como
um recurso importante, inclusive econômico, no processo de renovação das cidades
e não como empecilho às novas funções urbanas.
123
Porém, segundo Beatriz Kühl, o único meio de viabilizar a preservação de
edifícios e complexos industriais, que na maioria das vezes se encontram em áreas
extensas, obsoletas e decadentes, é agir em escala mais ampla. Como no
significativo caso relatado do vale do Ruhr é necessária a presença de instrumentos
do planejamento urbano e territorial em intervenções articuladas com a iniciativa da
própria comunidade e da sociedade, pois, na ausência desses instrumentos legais, a
sociedade não pode ser eximida da responsabilidade de preservação de seus bens.
Existem preceitos e métodos de análise e de atuação pertinentes para intervir em
edifícios isolados ou em conjuntos urbanos, que o fornecidos pela teoria da
restauração independente da existência de planos diretores, e que são sempre
necessários para atuação nesses casos. Um projeto pontual, mesmo na inexistência
de um plano diretor, “feito com diligência em relação às estratificações históricas e
vocação do local, que seja articulado de maneira sensível com as necessidades ali
detectadas, respeitando os aspectos documentais, formais, memoriais e simbólicos
do edifício, são pertinentes para a edificação e podem ter impacto positivo na área
envoltória.”
124
A abrangência crescente daquilo que é considerado patrimônio histórico,
provocou um expressivo aumento quantitativo e uma grande variedade qualitativa
dos bens a ser preservados. Levou de conseqüência a uma maior, e legítima,
123
FAUSTINI, Laura; GUIDI, Elisa; MISITI, Massimo (orgs.), op. cit., Introdução. Tradução livre da autora.
124
KÜHL, Beatriz Mugayar, op. cit., 2008, p. 144.
Apoio: Capes e MackPesquisa
65
interferência em questões políticas e econômicas bem como a necessidade de
revisão e reinterpretação metodológica nos processos de intervenção nas atuais
circunstâncias. Kühl chama a atenção para as formas de atuação sobre o patrimônio
histórico que têm se multiplicado na atualidade, as quais deixam de ter as raízes
culturais que motivaram o campo da preservação, pautando-se em aspectos
pragmáticos a exemplo da reutilização, da reabilitação e da recuperação.
125
Citando
o também professor e arquiteto italiano Giovanni Carbonara esclarece a questão:
(Carbonara) Considerou a reutilização o meio mais eficaz para garantir a preservação de um
bem, pois um monumento sem uso se deteriora rapidamente enquanto aquele mantido em
funcionamento pode durar séculos. (Carbonara) Comparou a manutenção com a medicina
preventiva, afirmando que ela pode evitara intervenção de restauro, sempre mais traumática.
No entanto a reutilização é um meio de preservar o bem, mas não a finalidade da
intervenção.
126
O ponto enfatizado por ambos os autores é que em se tratando de um bem
que adquiriu com o tempo significado cultural, por questões histórico-documentais,
formais, simbólicas ou memoriais, deve-se atuar partindo de restaurações,
empregando a reutilização como meio, mas não como o fim supremo da
intervenção.
127
Mas em muitos casos, as intervenções executadas em edifícios ou sítios
industriais culturalmente representativos não observam os princípios mais básicos
da teoria do restauro, em flagrante discordância com as diretrizes da Carta de
Veneza e documentos complementares. Seja pela incompreensão das
especificidades que compõem esses exemplares, por não reconhecê-los como
patrimônio cultural, seja pelo desconhecimento desses princípios teóricos que
deveriam reger as intervenções, independentemente da natureza do exemplar a
receber a intervenção, muitas dessas ações configuram-se como meras reformas
125
KÜHL, Beatriz Mugayar, op. cit., 1998, p. 208.
126
Ibid., p. 209.
127
PAULETO, Ludmilla Sandim Tidei de Lima. Diretrizes para intervenção em edificações ferroviárias de
interesse histórico no Estado de São Paulo: as estações da estrada de ferro noroeste do Brasil. 2006.
Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
São Paulo, p. 216.
Apoio: Capes e MackPesquisa
66
que deturpam o documento histórico e alteram indiscriminadamente sua imagem
figurativa. Os exemplos encontram-se, apenas para citar dois casos emblemáticos
na cidade de São Paulo, nas polêmicas obras recentemente realizadas na Estação
da Luz, edifício tombado em instância federal, estadual e municipal, para a
instalação do Museu da Língua Portuguesa, intervenção que resultou em
demolições e alterações incisivas, notadamente nos interiores de partes da Estação,
e a reforma realizada no conjunto arquitetônico do Cotonifício Crespi, cujo edifício
principal representa um dos exemplares mais importantes da arquitetura industrial
em nossa cidade e é objeto de estudo para tombamento em instância municipal,
para a instalação de um hipermercado.
128
Imagem 27: Estação da Luz, São Paulo
Fonte: http://cassildamartyres.blogspot.com/2007/10/ruy-barata-uma-convivncia-e-vrias.html. Acesso 02 abr.
2010.
Imagem 28: Supermercado Extra (ex Cotonifício Crespi), São Paulo
Fonte: http://www.panoramio.com/photo/7145473. Acesso 02 abr. 2010.
Observamos em ambas as obras citadas o emprego de soluções projetuais
que priorizaram o novo uso em detrimento dos critérios amplamente discutidos com
relação à intervenção em bens culturais. As especificidades compositivas das obras
e do conjunto construído do qual fazem parte não foram devidamente estudadas e
respeitadas em projeto, ao contrário, foram propostas incisivas alterações nas
volumetrias, na materialidade e na própria imagem das obras. Os aspectos
conservativos limitaram-se às fachadas e, ainda assim, segundo Rufinoni, de modo
pouco criterioso. A Carta de Veneza, em seu artigo 5º, mencionado no capitulo um,
128
RUFINONI, Manoela Rossinetti, op. cit., 2009, p. 183.
Apoio: Capes e MackPesquisa
67
recomenda a atribuição de novos usos como um importante recurso para favorecer a
conservação da obra, inserindo-a na sociedade. Portanto é evidente que qualquer
proposta envolvendo alterações de uso implicará certas transformações. De
conseqüência não se pode sugerir o contrário, ou seja, defender o ‘congelamento’
de um bem cultural. O documento, porém, ressalta com clareza que a nova função
deverá ser compatível com as características do monumento e permitir a
permanência das qualidades que efetivamente o configuram como um patrimônio
cultural: seus atributos históricos, estéticos, memoriais.
129
A determinação de um novo uso para esses edifícios, portanto deve ser feita,
segundo Kühl, valendo-se dos instrumentos teóricos da restauração para que as
características do edifício possam ser preservadas, respeitadas, valorizadas e seus
principais elementos caracterizadores não sejam deturpados. Essa determinação de
novo uso, por sua vez, deve estar articulada com uma ação, inclusive política, a ser
desenvolvida na região na qual se encontra o edifício, para que este possa ser
realmente incorporado a uma nova realidade na qual terá o papel de estimular, por
sua vez, outras atividades. O que se verifica na transformação dos edifícios da
industrialização é que na maioria das vezes este novo uso é de cunho cultural, como
por exemplo, os casos da Estação Julio Prestes e da Pinacoteca mencionados pela
autora, o que não representa um problema se as iniciativas oferecem apoio e
abertura para a comunidade do em torno e para as pessoas que freqüentam a
região ao invés de se fecharem em si mesmas e em um público específico. A
determinação do uso deve então contemplar os “aspectos sociais, formais,
documentais, memoriais e simbólicos da área e dos edifícios que a compõem,
escolhendo novas utilizações que respeitem e sejam compatíveis com esses fatores
(...)”. Conflitos existirão sempre, visto que projetos de intervenção em bens culturais
inevitavelmente implicam alguma transformação, mas é possível uma solução
pertinente.
130
As iniciativas em edifícios isolados, no entanto, têm seu mérito e são
necessárias, mas acabam tendo um resultado limitado no contexto no qual se
encontram se não forem unidas a ações mais abrangentes que considerem a
129
Ibid., p. 184.
130
KÜHL, Beatriz Mugayar, op. cit., 2008, pp. 138-142.
Apoio: Capes e MackPesquisa
68
questão cultural e a questão social em sua complexidade. Giovanni Carbonara
chama a atenção para o fato de que a conservação de um bem, que deve ser
entendido como uma fonte de informação histórica na forma de um “arquivo de
pedra”, não seja pontual e nem míope, mas que considere o contexto, o específico
ambiente no qual o edifício se apresenta e vive. Este testemunho da história, na sua
autenticidade material, se corretamente indagado, dirá sempre a verdade, uma
verdade progressivamente mais rica na medida em que o interroguemos de maneira
mais sofisticada e insistente.
131
Grande parte desses complexos industriais abandonados e subutilizados
podem, com medidas adequadas, ser recuperados “para uma nova dimensão
econômica e social”. É necessário, porém “transformar valorizando o sentido desses
bens, respeitando suas características essenciais, inserindo novos elementos, se
necessário, com propriedade para formar uma nova sintaxe arquitetônica e
urbana”.
132
A autora lembra, no entanto que existem complexos industriais de interesse
para a preservação como testemunhos relevantes da operosidade humana, mas que
não apresentam maior qualidade figurativa. No entanto sendo reconhecida a
existência de seu valor histórico, ou mesmo ambiental, memorial ou simbólico, é de
restauro que se trata e nesses casos é necessária particular atenção, pois demanda
sempre esforço interpretativo caso a caso visto que não existe uma rmula geral a
ser aplicada. Trata-se de exemplares que o são considerados “obras de arte”,
mas nos quais o valor documental predomina para sua preservação e este não deve
invalidar os princípios da restauração, uma vez que as obras possuem imagem
figurada. Os aspectos formais e os aspectos documentais devem ser considerados
concomitantemente. Os elementos não podem ser demolidos de modo arbitrário e
nem novos elementos devem ser inseridos sem análise criteriosa, pois se corre o
risco de se descaracterizar a composição do conjunto através de substituições não
justificadas. O modo de operar, determinando a necessidade de se adicionar ou se
subtrair elementos e tratar certos componentes como “edificações de base”
fornecendo indicações para se promover, se necessário, a integração da imagem e
131
CARBONARA, Giovanni. In: CECCHI, Roberto (org.). Il Restauro, 2008, pp. 15-25.
132
KÜHL, Beatriz Mugayar, op. cit., 2008, pp 147-148.
Apoio: Capes e MackPesquisa
69
conduzir o ato criativo, deve ser guiado pela análise da conformação da obra,
considerando suas dimensões materiais, formais e documentais, e de suas
transformações ao longo do tempo.
133
Portanto em um projeto de recuperação de um edifício histórico se confrontam
dois principais componentes: a conservação do documento e a projetação do uso e
da organização funcional com suas necessidades técnicas e arquitetônicas. O
objetivo da conservação e do restauro, ás vezes, pode interferir com as escolhas
projetuais, não sob o que diz respeito à legibilidade e a conservação das partes
históricas, mas em relação a destinação de uso que se pretende dar e o nível de
equipamentos que esta nova destinação pede. Caso as exigências do novo uso
sejam pouco compatíveis, pouco idôneas as características históricas do edifício, ou
seja, no caso em que as necessidades funcionais exigissem grandes mudanças na
estrutura original do edifício a destinação de uso deveria ser questionada. Porém
vale lembrar que conservar o é suficiente. É necessário dar vida ao edifício,
interpretando suas transformações históricas, sua estrutura e permitir um sistema de
percursos, de arquitetura, de usos, de atração que com esta estrutura interajam de
modo eficaz e não neutro.
134
Não se trata, portanto de conservar todos os exemplares existentes e sim de
analisar de forma crítica e judiciosa para identificar quais os elementos
caracterizadores que devem ser preservados e de que forma intervir e modificar
para que esses valores possam ser transmitidos para as gerações futuras o que
exige, quase sempre, inovações. Em base a esta análise determinar quais devem
ser as ações conservativas e aquelas eventualmente, raras e excepcionais, “não
conservativas” e, portanto passíveis de se operar por substituições. O que pode
acontecer no caso de “obras ou conjuntos que, em função do próprio projeto, em
conseqüência das várias transformações que sofreram ao longo do tempo, de
intervenções recentes, de acidentes, etc., podem se encontrar desarticulados,
descaracterizados, deformados ou mutilados e exigir uma intervenção mais
profunda”.
135
133
KÜHL, Beatriz Mugayar, op. cit., 2008, pp. 150-151.
134
BELGIOJOSO, Alberico Barbiano. In: CECCHI, Roberto (org.), op. cit., pp. 59-62.
135
KÜHL, Beatriz Mugayar, op. cit., 2008, p. 150.
Apoio: Capes e MackPesquisa
70
As intervenções de demolição ou de inserção de novos elementos nesses
conjuntos descaracterizados e desarticulados acarretam problemas fundamentais,
discutidos desde o início do século XX, pela legitimidade da presença da arquitetura
contemporânea em edifícios ou ambientes de interesse histórico e a relação antigo-
novo nos projetos de restauração. Beatriz Kühl acena para os debates em torno
dessa relação trazendo a cena os principais teóricos e seus pensamentos a respeito.
Nos mostra como estes autores acreditam que, em caso dessa presença ser
considerada lícita, essa intervenção deva ser feita considerando sempre as duas
instâncias fundamentais, a estética e a histórica. Cita ainda algumas tendências
atuais, analisadas por G. Carbonara, para enfrentar o problema.
136
Uma primeira forma de abordagem nos projetos de restauração é pela
denominada vertente crítico-conservativa, conceito formulado nos anos 1940 na
Europa, tendo como principais teóricos, Cesare Brandi, Roberto Pane, Renato
Bonelli e Paul Philippot. Rever as contribuições de Cesare Brandi (1906-1988)
revela-se oportuno em razão da autoridade representada pelo autor no domínio da
preservação e do restauro. A relevância de sua obra dá-se pela busca de princípios
e métodos de intervenção filiados ao pensamento crítico e científico, como forma de
se contrapor ao empirismo e à arbitrariedade.
137
Fundamentada na relação dialética entre valores estéticos e históricos da
obra, ou seja, no juízo histórico-critico, o restauro crítico considera cada intervenção
única, que deve ser analisada com critérios e métodos aplicados caso a caso, tendo
como base um conjunto sólido de princípios, evitando, dessa forma, uma
interpretação mecânica.
138
Esta vertente baseia-se na releitura dos princípios do
chamado restauro critico, presentes na teoria de Brandi, bem como na Carta de
Veneza resultando numa postura conservativa que propõe, quando necessário, o
uso de recursos criativos. Neste caso se trabalha por diferenciação em consonância,
ou seja, com uma arquitetura diferenciada, mas em consonância com a preexistente
sem buscar, no entanto, a mimese, a analogia ou a repristinação. Partindo desses
136
Ibid., p. 151-162.
137
ALMEIDA, Eneida de; BOGÉA, Marta. Esquecer para preservar. 2007. In: Vitruvius. Revista Virtual de
Arquitetura e Urbanismo. Disponível em < http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.091/181>.
Acesso em: 15 abr. 2010.
138
CAMPAGNOL, Gabriela, op. cit., p. 437.
Apoio: Capes e MackPesquisa
71
princípios uma serie de questões presentes nas intervenções de restauro, como a
remoção de adições e a reintegração de lacunas onde o objetivo maior é a
reintegração da imagem com respeito aos aspectos documentais e formais da obra,
são consideradas. Na busca de uma imagem unitária e expressiva, o restauro critico
permite completar a obra com elementos faltantes e remover adições.
139
O que se
procura, nesse tipo de intervenção, é uma relação positiva do novo com o
preexistente, de modo eficiente e respeitoso, que atue como elemento de conexão
no tecido figurativo, desenvolvendo a “unidade potencial” das obras. Tomando-se os
preceitos fundamentais da restauração (mínima intervenção, re-trabalhabilidade,
distinguibilidade) como guia da intervenção, o modo de articulação entre o novo e o
antigo, através de um diálogo “cortês”, pode tomar as mais variadas formas. Dessa
maneira a arquitetura contemporânea se afirma, mas sem uma presença
ostentatória.
140
Como afirma Carbonara:
Será a própria obra, indagada atentamente com sensibilidade histórico-crítica e com
competência técnica, que vai sugerir ao restaurador a via mais correta a ser empreendida.
141
Imagem 29: Vista Solar do Unhão, Salvador, Bahia – antes da intervenção de restauro.
Fonte: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.091/181. Acesso 15 abr. 2010.
Imagem 30: Vista Solar do Unhão, Salvador, Bahia – após a intervenção de restauro.
Fonte: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/08.091/181. Acesso 15 abr. 2010.
139
CAMPAGNOL, Gabriela, loc. cit.
140
KÜHL, Beatriz Mugayar, op. cit., 2008, pp. 163-164.
141
CARBONARA, Giovanni, 1997, apud KÜHL, Beatriz Mugayar. Questões teóricas relativas à preservação de
edifícios industriais. Desígnio Revista de História da Arquitetura e do Urbanismo. São Paulo: Faculdade de
Arquitetura e Urbanismo – USP; Annablume, n.1, mar. 2004, p.285.
Apoio: Capes e MackPesquisa
72
Um exemplo da aplicação da vertente crítico-conservativa em projetos de
restauro vemos no exemplo do Solar do Unhão, mencionado no capitulo 1. Engenho
de açúcar a beira mar, o Solar do Unhão foi fundado no século XVI e sofreu várias
modificações no século XVII e XIX em função das diversas alterações de uso pelos
quais passou até a instalação em seu conjunto de uma das primeiras manufaturas
do Brasil. Composto por casa-grande, igreja, senzala, armazéns e cais foi tombado
pelo então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN) na década
de 1940. Em seguida foi adquirido pelo Governo do Estado para sediar o Museu de
Arte Popular e as Oficinas do Unhão, pertencentes ao Museu de Arte Moderna da
Bahia. Para tal o conjunto foi restaurado pela arquiteta Lina Bo Bardi e entregue em
1963 ao Museu de Arte Moderna (MAM).
142
A arquiteta buscou recuperar as
características fundamentais do conjunto evidenciando as transformações e demais
funções que desempenhou historicamente. A restauração incorporou as
intervenções significativas que o conjunto sofreu ao longo do tempo respeitando
ainda todos os aspectos dramáticos do ambiente: nova escada construída em
madeira num sistema de encaixes dos antigos carros de boi, conservação da
belíssima estrutura de madeira de lei bem como dos elevadores manuais da velha
manufatura.
143
Alguns equipamentos e edifícios construídos no século XIX foram
mantidos e restaurados; outros foram eliminados, como o alpendre da igreja
construído no século XIX; e outros ainda acrescentados como a escada de madeira
projetada pela arquiteta no interior da casa-grande.
144
142
FERRAZ, Marcelo Carvalho (coord.). Lina Bo Bardi. Instituto Lina Bo e Pietro Maria Bardi, São Paulo, 1996,
pp. 152-162.
143
FERRAZ, Marcelo Carvalho (coord.), loc. cit.
144
CAMPAGNOL, Gabriela, op. cit., p. 437.
Apoio: Capes e MackPesquisa
73
Imagem 31: Vista Solar do Unhão, Salvador, Bahia
Fonte: http://viverabahia.blogspot.com/2009/11/solar-do-unhao.html. Acesso 10 mai. 2010.
Imagem 32: Escada do Museu do Solar do Unhão, Salvador, Bahia
Fonte: http://arquitetandonanet.blogspot.com/2009/02/escada-do-museu-do-solar-do-unhao.html.
Acesso 10 mai. 2010.
Uma segunda maneira de intervir é por diferenciação em dissonância em relação
ao existente, segundo o pensamento de Riegl e Zevi, e de acordo com a vertente da
conservação integral. O ambiente, no entanto, deve aceitar esse tipo de intervenção,
sem se esfacelar, que preconiza a inserção de elementos quando necessário e não
como premissa. São situações delicadas, explica Kühl, que pedem análise acurada
para que a intervenção respeite integralmente o documento histórico e valorize os
elementos que caracterizam o conjunto. Esta pode ser, por exemplo, a situação de
complexos industriais desarticulados e deteriorados inseridos em áreas degradadas,
onde a inserção de uma nova arquitetura, desde que respeite a existente e não seja
um “ato egocêntrico, alienado e exibicionista”, pode servir de elemento estimulador a
uma desejada e necessária nova realidade. Preservando escrupulosamente o
existente, ou seja, respeitando os aspectos histórico-documentais, a vertente da
conservação integral não propõe a resolução de questões ligadas à reintegração da
imagem tais como à remoção de adições ou o tratamento de lacunas. Nesta forma
de trabalhar o novo e o existente são pensados como situações distintas e a obra,
por sua vez, é pensada para se comportar “como o somatório das intervenções,
admitindo descontinuidades”. A autora menciona o caso da sede para o Serviço
Social do Comércio (SESC) localizada no bairro da Pompéia (1977-1986), São
Paulo, onde a arquitetura contemporânea se comporta como um novo estrato que
Apoio: Capes e MackPesquisa
74
não destrói e respeita os elementos caracterizadores da composição preexistente
mesmo se a ênfase está no projeto do novo e não na preservação em si.
145
Mesmo não sendo um conjunto tombado, ou seja, reconhecido como
patrimônio por uma legislação na época de sua construção, o complexo idealizado
pela arquiteta Lina Bo Bardi para o SESC da Vila Pompéia tornou-se uma referência
em se tratando de preservação de espaço fabril. O conjunto reutilizado foi construído
por volta dos anos 1930 e pertenceu à antiga Fábrica de Tambores Mauser, de
propriedade de alemães. Coma Segunda Guerra Mundial, a fabrica foi fechada.
Posteriormente mudou de proprietário e passou a abrigar a linha de montagem das
geladeiras Gelomatic (IBESA). Em 1968, foi comprada pelo SESC que então
pensava em construir um grande edifício no local. Entretanto, após a compra, a
instituição logo se instalou nos prédios apesar das condições precárias que se
encontravam, com a presença de entulhos e instalações deficitárias. Em 1976, foi
encomendado à arquiteta Lina Bo Bardi o projeto para a transformação da área num
centro de lazer. A idéia inicial de demolir os antigos edifícios industriais deu lugar às
idéias de Lina Bo Bardi e Renato Requixa, então diretor do Departamento Regional
do SESC - São Paulo, de restaurar a área propondo um novo uso aos galpões
industriais, sendo destinados ao lazer cultural.
146
Para definir esse trabalho,
inaugurado em 1982, a própria arquiteta preferiu usar a palavra “arqueologia
industrial” a “reciclagem” que julgou imprecisa, de acordo com matéria publicada no
Jornal da Tarde em fevereiro de 1981.
147
145
KÜHL, Beatriz Mugayar, op. cit., 2008, pp. 165-167.
146
CAMPAGNOL, Gabriela, op. cit., 2008, pp.437- 438.
147
RECEITA para transformar uma fábrica em um centro de lazer. Jornal da Tarde, São Paulo, 3 fev. 1981 apud
CAMPAGNOL, Gabriela, op. cit., 2008, p.438.
Apoio: Capes e MackPesquisa
75
Imagens 33 e 34: SESC Pompéia, São Paulo
Fotos da autora. Jan. 2009
Na intervenção de L. Bo Bardi pode-se distinguir a construção industrial
original e as novas adições propostas pela arquiteta, pelo uso diferenciado de
materiais e formas. Além da reutilização dos galpões industriais, foram construídos
dois novos edifícios interligados por quatro passarelas para abrigar um centro
esportivo, piscina, vestiário e lanchonete. Também foi erguido um grande
reservatório cilíndrico d’água, feito de concreto usando formas deslizantes
levemente cônicas, com 75 metros de altura, que faz lembrar a antiga chaminé
industrial, demolida antes da intervenção.
148
148
CAMPAGNOL, Gabriela, op. cit., 2008, p. 439.
Apoio: Capes e MackPesquisa
76
Imagens 35 e 36: Centro Cultural KKKK, Registro, São Paulo
Fonte: http://www.vitruvius.com.br/arquitextos/arq066/arq066_00.asp. Acesso 02 mar. 2009.
Fonte: http://camiloaparecido.blog.terra.com.br/category/colonizacao-japonesa/. Acesso 15 abr. 2010
Outro caso que podemos mencionar dentro dessa vertente é o do Centro de
Educação e Cultura KKKK, assim chamado devido ao nome da Companhia
Ultramarina de Desenvolvimento Kaigai Kogyo Kabushiki Kaisha. Localizado na
cidade de Registro, interior do Estado de São Paulo, o Centro KKKK, projeto dos
arquitetos Francisco Fanucci e Marcelo Ferraz (1996-2001), foi inaugurado em 2002.
O conjunto, que data de 1924, constitue testemunho expressivo da colonização
japonesa na região. De fato a instalação das famílias nesta região foi resultado de
uma ação planejada de povoamento ligada à produção agrícola, especialmente ao
cultivo de arroz. Com o fechamento da empresa em 1937 inicia-se então um ciclo de
estagnação e abandono que levou o conjunto a um processo de deterioração
interrompido somente após a redescoberta do conjunto pelos arquitetos que iniciam
uma campanha de mobilização da população e ativação do poder público para
viabilizar a recuperação dos edifícios. Em 1987, o conjunto foi reconhecido como
patrimônio cultural do Estado de São Paulo e então tombado pelo Condephaat. Dez
anos depois, a restauração do prédio foi iniciada. Os antigos galpões cedem espaço
a um novo prédio, que prevê um complexo que servirá como referência cultural
agregando o Museu da Imigração Japonesa e um anfiteatro com capacidade para
250 pessoas.
149
149
KKKK - Marco da colonização Japonesa em Registro. Disponível em
<http://www.registro.sp.gov.br/kkkk.asp>. Acesso em: 02 mar. 2009.
Apoio: Capes e MackPesquisa
77
Segundo Marta Bogéa e Eneida de Almeida a intervenção, no entanto o se
limita ao ato de projetar, mas busca uma interdisciplinaridade pela integração com
profissionais de diversas áreas extrapolando, portanto o campo estrito da arquitetura
para a realização de um trabalho de alcance político e social que mira a articulação
entre as demandas das comunidades os futuros usuários e as ações da
administração pública. De fato o programa de uso foi elaborado em conjunto com a
Prefeitura Municipal de Registro e com a Secretaria de Estado da Educação de São
Paulo, através da Fundação para o Desenvolvimento do Ensino (FDE). Reúne um
centro de formação de professores da rede estadual de ensino, um centro de
convivência dos habitantes e o Memorial da Imigração Japonesa do Vale do
Ribeira.
150
O conjunto é constituído por quatro corpos iguais enfileirados, antes
destinados ao armazenamento, e um edifício mais alto, usina de beneficiamento
do arroz e local das máquinas, de três pavimentos, separado dos primeiros. Apesar
de configurar uma tipologia diferente, o edifício de beneficiamento mantém
uniformidade de composição com o conjunto. O volume externo dos edifícios é
marcado pela contigüidade dos telhados de duas águas agrupados dois a dois
(rompida pela inversão da direção do caimento das águas do último bloco) e pela
composição das fachadas de alvenaria estrutural de tijolos maciços, deixados à
vista, em que se destaca a modulação das arcadas cegas escalonadas e escavadas
na superfície. Internamente é visível a estrutura metálica constituída de vigas e
pilares. A ligação dos galpões entre si e com o edifício de beneficiamento fazia-se
por um extenso alpendre que corria desde o primeiro galpão, até a entrada do prédio
mais alto. Uma nova cobertura reconfigura a comunicação entre os blocos, na
medida em que se interliga à marquise que se desenvolve em toda a extensão dos
galpões enfileirados, como redesenho dos antigos alpendres. Ligação mantida,
assegurada por uma nova materialidade.
151
A intervenção deteve-se, portanto, segundo as autoras, no reconhecimento da
expressão arquitetônica do conjunto dos quatro edifícios contíguos e na separação
150
ALMEIDA, Eneida de; BOGÉA, Marta, op. cit
151
Idem.
Apoio: Capes e MackPesquisa
78
destes em relação ao corpo mais alto, onde se instalou o Memorial. O Memorial
localiza-se no antigo edifício de beneficiamento de arroz que assume este uso a
partir de um movimento de apoio que foi se afirmando pouco a pouco, por parte da
população residente, ao longo do processo de recuperação das construções. Um
bloco de menor dimensão, que se interpunha entre esses dois grupos de
edificações, foi demolido para dar lugar à marquise de concreto que recupera o valor
do vazio existente antes da construção daquele corpo extemporâneo. Os elementos
novos têm a marca da contemporaneidade.
152
Existe ainda uma última vertente chamada de “hipermanutenção” que trabalha
através de assonâncias, ou seja, analogia de formas e materiais. Esta vertente
propõe o tratamento da obra mediante manutenções ou integrações, ordinárias e
extraordinárias, retomando formas e técnicas do passado.
153
Traçando um paralelo entre as três vertentes, a autora afirma que a vertente
crítico-conservativa e a vertente da conservação integral preconizam e valorizam a
diversidade, respeitando os três conceitos abordados por Baldini que são a
concepção da obra, a passagem do tempo e a ação humana. Por outro lado na
vertente que adota a hipermanutenção como forma de intervenção existe uma
postura de trabalho por analogia que se vale das formas semelhantes na busca pela
unidade da obra.
154
No entanto, vale lembrar, conforme explica Kühl, que “quando se trata de
preservação, freqüentemente se trabalha com termos que se contrapõem:
preservação e inovação; novo e antigo; os objetivos da preservação e aqueles do
projeto; preservação e desenvolvimento”.
155
A inserção de novos elementos,
considerando o âmbito da preservação como ação cultural, deveria ser
fundamentada na análise aprofundada do conjunto e no respeito por ele. A prática
da restauração deve ser:
152
Idem.
153
KÜHL, Beatriz Mugayar, op. cit., 2008, p. 167.
154
Idem. O tratamento das superficies arquitetônicas como problema teórico da restauração. In: Anais do Museu
Paulista: História e Cultura Material / Universidade de São Paulo, Museu Paulista. São Paulo: O Museu, 1922-
1987; Nova série vol.1 (1993), p.317. Apud PAULETO, Ludmilla Sandim Tidei de Lima, op. cit., p. 222.
155
Idem, op. cit., 2008, p. 168.
Apoio: Capes e MackPesquisa
79
(...) um exercício de arquitetura contemporânea para valorizar os edifícios históricos e o
conjunto de que fazem parte, que precisam ser escrutinados e compreendidos em sua
essência, através de estudos multidisciplinares acurados e da aproximação por intermédio de
uma visão histórica.
156
Quando for legítima e necessária a intervenção, esta deve manifestar-se
respeitando e valorizando o preexistente, procurando uma relação positiva e
construtiva entre o novo e o antigo. O projeto deve inserir uma nova estratificação
que se comporte como adição, mas sem destruir o edifício, ou o conjunto urbano,
dos pontos de vista físico, figurativo, documental, memorial e simbólico.
Considerando estes pontos, poderia haver alterações com intuito inovador, desde
que esta vontade inovadora o condicione a aproximação crítica ao edifício,
oferecendo renovada configuração ao conjunto para que possa adquirir inclusive
consistência.
157
É necessário ainda entender, finaliza Kühl, que estes conjuntos estão
articulados com uma realidade complexa, não somente sob o ponto de vista
arquitetônico e cultural, que ela trata em seu texto, mas também de acordo com as
questões econômicas, políticas e sociais. A preservação deve estar vinculada à
realidade, mas as questões utilitárias não podem ser as únicas a prevalecerem nas
decisões projetuais:
É essencial que todo o processo seja embasado em rigorosa metodologia, que se façam
conscienciosos estudos, e que o processo de aquisição e análise dos conhecimentos
funcione de modo articulado com o projeto, para que se façam propostas pertinentes, que
sejam fundamentadas, justificáveis e justificadas. Pois se trata sempre de intervenções em
documentos únicos e não reproduzíveis.
158
A intervenção deve então ser subordinada a um projeto crível, de modo a não
criar um volume vazio à procura de uma utilização e nem tão pouco dispersar
156
Ibid., p. 169.
157
Ibid., pp. 170-175.
158
Ibid., p. 171.
Apoio: Capes e MackPesquisa
80
financiamentos que poderiam ser usados em projetos consistentes. O restauro é
projeto e, portanto uma ação voltada ao uso dos espaços, neste caso, o reuso que
torna o edifício vivo pelas atividades que ali serão desenvolvidas. E o testemunho
material da civilização pressupõe exatamente a existência dessas atividades nas
quais a modernidade está inscrita,
159
tais como, e entre outras, as econômicas e
sociais que serão abordadas a seguir no capítulo três.
159
CECCHI, Roberto (org.), op. cit., pp. 89, 145, 156, 157. Tradução nossa.
Apoio: Capes e MackPesquisa
81
CAPÍTULO 3
OS VALORES CONTEMPORÂNEOS DO PATRIMÔNIO INDUSTRIAL
“A inter-relação entre teoria da restauração e práticas de intervenção com a
realidade socioeconômica e política em que essas atividades são praticadas deve,
de fato, ser mais bem perscrutada.”
Beatriz Kühl
Apoio: Capes e MackPesquisa
82
No último capitulo dessa dissertação trataremos dos valores contemporâneos
relacionados ao patrimônio industrial tendo em vista que a preservação de sua
herança e de seus remanescentes está relacionada com a existência de atividades
nas quais a modernidade está inscrita entre elas as econômicas e sociais.
Dependente que é a arquitetura de recursos para materializar-se e manter-se, nos
interessa refletir sobre a natureza destes recursos que não são meramente
econômicos, mas também simbólicos, e, nesse sentido, intrinsecamente
relacionados à cultura e a tradição dos lugares de existência. Apresentamos então
algumas reflexões sobre o papel e a importância das relações entre valor econômico
e valor cultural/simbólico na preservação e reconversão do patrimônio industrial.
Para tal começaremos por definir o conceito de patrimônio histórico/cultural e de sua
ampliação que inclui também as instalações e sítios industriais como bens
patrimoniais.
Em seguida analisaremos as questões ligadas aos valores intrínsecos
dos exemplares da industrialização, o bem cultural versus o uso e a economia.
Finalmente buscaremos mostrar a perspectiva da economia em relação à
preservação do patrimônio discutindo o binômio valor econômico versus valor
cultural.
3.1 A AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE PATRIMÔNIO
A idéia de patrimônio arquitetônico sugere uma imagem complexa, constituída
por elementos que incluem os aspectos históricos, estéticos e culturais. Também
traz em si a noção de valor: o valor social, o valor ambiental, entre outros de que
pode revestir-se. Dentre eles, um fator determinante de seu destino é o valor
econômico.
Associa-se o termo “patrimônio”, em sua origem, à herança paterna, aos bens
de família, à riqueza, com forte conotação às relações econômicas. Requalificado
por diversos adjetivos ao longo do tempo, como patrimônio genético, patrimônio
natural, patrimônio histórico, a expressão “patrimônio cultural” designa em bem
herdado por um grupo social. Françoise Choay afirma que patrimônio histórico é
uma expressão que:
Apoio: Capes e MackPesquisa
83
(...) designa um bem destinado ao usufruto de uma comunidade que se ampliou a dimensões
planetárias, constituído pela acumulação continua de uma diversidade de objetos que se
congregam por seu passado comum: obras e obras-primas das belas-artes e das artes
aplicadas, trabalhos e produtos de todos os saberes e savoir-faire dos seres humanos.
160
Em 1985, no México, a Conferência Mundial do Conselho Internacional de
Monumentos e Sítios – ICOMOS, sobre políticas culturais estabelece que:
O patrimônio cultural de um povo compreende as obras de seus artistas, arquitetos, músicos,
escritores e sábio, assim como as criações anônimas surgidas da alma popular e o conjunto
de valores que dão sentido à vida. Ou seja, as obras materiais e não materiais que
expressam a criatividade desse povo: a língua, os ritos, as crenças, os lugares e monumentos
históricos, a cultura e as obras de arte e os arquivos e bibliotecas.
161
Durante esta conferência o ICOMOS afirmou que a cultura constitui dimensão
fundamental do processo de desenvolvimento e contribui para fortalecer a
independência, a soberania e a identidade das nações. A Declaração do xico
sugere que o desenvolvimento equilibrado pode ser atingido mediante a
integração dos fatores culturais, nas dimensões histórica, social e cultural de cada
sociedade, reafirmando a importância do patrimônio cultural de um povo, que
compreende as obras de seus artistas, arquitetos, músicos, escritores e sábios, bem
como as criações anônimas surgidas da alma popular e o conjunto de valores que
dão sentido à vida, obras materiais e imateriais que expressam a criatividade desse
povo.
162
160
CHOAY, Françoise, op. cit., p.11.
161
Declaração do México, ICOMOS, 1985 apud PASSARELLI, Silvia Helena Facciola. Proteção da paisagem
ferroviária: memória e identidade do bairro Estação o Bernardo (atual Santo André, SP). 2005. Tese
(Doutorado em Arquitetura e Urbanismo)- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo,
p. 52.
162
PASSARELLI, Silvia Helena Facciola. Proteção da paisagem ferroviária: memória e identidade do bairro
Estação São Bernardo (atual Santo André, SP). 2005. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo)- Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, p. 54.
Apoio: Capes e MackPesquisa
84
Em 1986, ainda o ICOMOS, em Washington, aprovou a Carta Internacional
para Salvaguarda das Cidades Históricas, explicitando que a preservação deve se
pautar pelo caráter histórico e pelo conjunto de elementos materiais e imateriais que
expressam sua imagem, como a forma urbana definida pelo traçado e parcelamento
do solo, pelas relações entre espaços construídos e espaços abertos, pela forma e o
aspecto das edificações que estão definidas por sua estrutura, volume, estilo,
escala, materiais, cor e decoração, pelas relações da cidade com seu em torno
natural ou criado pelo homem e pelas diversas vocações da cidade adquiridas ao
longo de sua história.
163
Mas o culto ao monumento histórico, segundo Françoise Choay, acontece
“com o advento de uma administração assumida pelo Estado, cujo modelo jurídico,
administrativo e técnico foi oferecido à Europa pela França” e que ganhou maior
expansão a partir da cada de 1960. Portanto as discussões em torno da
preservação da herança e de remanescentes da atividade industrial envolvem, um
período recente, de cinco décadas aproximadamente. Apesar de relativamente nova,
são correlatas ao período que Choay denomina de “culto ao patrimônio”, a partir de
1960.
164
Ou seja, tais discussões caminharam conjuntamente em torno do próprio
patrimônio cultural.
A criação, na França, nesse período, de um ministério para assuntos culturais
- o Ministério “da Cultura” - se torna modelo para os demais países europeus e além
mares. A contribuição à expansão desse culto por sua vez se deu por vários fatores.
Dentre as razões que contribuíram para a ampliação do conceito, que incluiria as
instalações e sítios industriais também como bens patrimoniais, aponta-se para uma
nova concepção da história, que passa a valorizar os feitos “menores” da
humanidade, como a vida cotidiana e a cultura material. Nas palavras de Françoise
Choay:
(...) os produtos técnicos da indústria adquiriram os mesmos privilégios e direitos à
conservação que as obras de arte arquitetônicas e as laboriosas realizações da produção
163
Ibid., p. 55.
164
CHOAY, Françoise, op. cit., p.207.
Apoio: Capes e MackPesquisa
85
industrial (...) um mundo de edifícios modestos, nem memoriais, nem prestigiosos,
reconhecidos e valorizados por disciplinas novas como a etnologia rural e urbana, a história
das técnicas, a arqueologia medieval, foram integrados ao corpus patrimonial. Contudo, o
aporte mais considerável de novos tipos se deve a transposição do muro da industrialização e
à anexação, pela prática conservatória, de edifícios da segunda metade do século XIX e do
século XX, que se apóiam em técnicas de construção novas: imóveis para habitação, grandes
lojas, bancos, obras de arte, e também usinas, entrepostos, hangares, refugos do progresso
técnico ou das mudanças estruturais da economia, grandes conchas vazias que a maré
industrial abandonou na periferia das cidades e mesmo em seu centro.
165
As alterações significativas que a noção de patrimônio têm sofrido, segundo
Ferreira, devem-se a ampliação do campo semântico da palavra cultura, uma vez
que progressivamente vão se integrando à sua realidade o que a ela responde e
corresponde: recentes ou remotas áreas de conhecimento, novas ou negligenciadas
formas de experiência e de atividades, vestígios das mais antigas práticas rituais e
artesanais, ou resultados das mais modernas conquistas tecnológicas, ou seja, o
patrimônio industrial, ampliando conseqüentemente a área do que deve ser
conservado, preservado, exposto e difundido como exemplo do que o homem tem
feito ao longo dos séculos.
166
As cartas internacionais sobre patrimônio apontam também para uma nova
maneira de ver e pensar o patrimônio cultural na qual o valorizados, além dos
monumentos artísticos e de caráter excepcional na paisagem, os espaços
produzidos coletivamente, as ambiências urbanas que fazem parte das vivências
comunitárias e cotidianas. Este ponto de vista era defendido por autores como os
italianos Giulio Carlo Argan
167
e Aldo Rossi
168
que conceituam a cidade como um
espaço de criação coletiva, carregado de símbolos que remetem à memória e
identidade de seus habitantes e, portanto, possuem valor cultural e valor afetivo. A
paisagem urbana se revela, portanto como lugar repleto de historicidade, de
memórias, de referências e de vivências, que segundo Alain Bourdin, reforçam no
165
Ibid., p.209.
166
FERREIRA, D. M. Defesa e Valorização do Patrimônio Cultural Português. In: Boletim da Secretaria do
Estado da Cultura, n.5. Editora da Secretaria da Cultura, Lisboa, 1977, apud FONSECA, Filomena Pugliese, op.
cit., p. 226.
167
ARGAN, Giulio Carlo. História da arte como história da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995, pp. 243-250.
168
ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
Apoio: Capes e MackPesquisa
86
habitante o sentimento de pertencimento a um grupo social e a um território, abrindo
campos de atuação na área da valorização da história local e do patrimônio cultural
em sua mais ampla totalidade, e, dentro dele, o patrimônio ambiental urbano.
169
Mas talvez o mais significativo fator que tenha contribuído para a ampliação
do conceito de patrimônio tenha sido “o grande projeto de democratização do
saber”
170
aliado ao desenvolvimento da sociedade de lazer e do turismo cultural, dito
de massa, onde a cultura perdeu seu caráter de realização pessoal e tornou-se uma
indústria. A decolagem dessa indústria e seu endosso pelo Estado francês têm na
inauguração do Museu D’Orsay, em 1987, com toda a visibilidade das coisas
oficiais, e no Primeiro Salão Internacional dos Museus e Exposições, em 1988, dois
pontos de referência simbólicos.
Imagem 37: Museu d’Orsay inaugurado em 1987
Foto interna - fonte: www.polemikos.com/imagem5/museu%20dorsay%2001.jpg. Acesso 07 dez. 2009.
Foto externa - fonte: http://balaperdida.zip.net/images/musee_dorsay_paris2.jpg. Acesso 07 dez. 2009.
Os monumentos e o patrimônio histórico adquirem então uma dupla função:
proporcionar saber e prazer ao alcance de todos, e ao mesmo tempo ser “produtos
culturais, fabricados, empacotados e distribuídos para serem consumidos”. E aqui
estamos diante de uma “metamorfose de seu valor de uso em valor econômico que
ocorre graças à engenharia cultural”.
171
F. Choay chama a atenção sobre a natureza
169
BOURDIN, Alain. A questão local. Rio de Janeiro: DP&A, 2001, p.121.
170
CHOAY, Françoise, op. cit., p. 210.
171
Ibid, p.211.
Apoio: Capes e MackPesquisa
87
diferente de um valor induzido pelo desenvolvimento da indústria cultural: o valor
econômico do patrimônio histórico.
172
3.2 A QUESTÃO DO VALOR: O BEM CULTURAL, O USO E A ECONOMIA
Para que a prática da preservação se tornasse um tema de interesse público
foi preciso que surgissem ameaças concretas de perda de monumentos que
acalorasse o sentimento de “culto a nação”, ou seja, de valorização do próprio
patrimônio. O termo valorização, no entanto, segundo a autora, não deve dissimular
que ainda hoje, apesar das legislações de proteção, “a destruição continua pelo
mundo, a pretexto de modernização e também restauração, ou à força de pressões
políticas, quase sempre irresistíveis.” A ambigüidade desse termo e da noção de
patrimônio nos leva a práticas projetuais, apoiadas pela indústria patrimonial e pela
evolução da economia urbana, muitas vezes conflitantes. A autora chama a atenção,
dentre os mais variados processos destinados a valorização e eventual
transformação dos edifícios em produto econômico, para alguns dos procedimentos
que mais freqüentemente incidem sobre os edifícios e sobre a forma como o público
os vê. Comenta sobre a ilusão de se acreditar que todos os “princípios, regras e
preceitos da conservação e restauração, devidamente argumentados e refinados
nos últimos cem anos, não estarem plenamente estabelecidos e fora de
questionamento” e sobre a valorização corrente de “reconstituições “históricasou
fantasiosas, demolições arbitrárias, restaurações inqualificáveis”. Ela lembra os
procedimentos de mise-en-scène criados com os “chamados “espetáculos de som e
luz” que atuam sobre a percepção do espectador ou de animação cultural onde o
edifício associa-se a uma série de eventos, da ópera ao desfile de moda, e em
decorrência desta “estranha relação antagônica”, o patrimônio pode “ser
engrandecido, depreciado ou reduzido a nada”. Faz reflexões sobre o chamado
processo de modernização que assim como no de animação cultural “põe em jogo o
mesmo desvio de atenção e a mesma transferência de valores pela inserção do
172
Ibid., p.239.
Apoio: Capes e MackPesquisa
88
presente no passado, mas sobre a forma de um objeto construído, e não de um
espetáculo” e sobre a conversão em dinheiro com a locação ou utilização do edifício
como suporte publicitário. Por fim comenta sobre a questão do acesso determinado
pelo “número de visitantes, à renda dos ingressos e do consumo complementar”.
173
No entanto a questão da valorização nos “remete a valores do patrimônio que
é preciso fazer reconhecer”. E esse ambíguo conceito de valor contém também a
noção de mais-valia, por exemplo, “de interesse, de encanto, de beleza, mas
também de capacidade de atrair, cujas conotações econômicas nem é preciso
salientar”.
174
A indústria patrimonial representa hoje, de forma direta ou indireta, uma
parte crescente do orçamento e da renda das nações significando para muitas delas
sua sobrevivência e futuro econômico.
175
Sobre o conceito de valor Ulpiano Meneses, ao conceituar patrimônio cultural,
afirma que este é constituído não pelas coisas materiais ou imateriais em si, mas
pelos valores que são atribuídos a estas coisas. Discutir, portanto qualquer assunto
neste campo é defrontar-se, desde o início, com a problemática do valor.
176
Também sobre valor o arquiteto Roberto Cecchi afirma que a problemática da
tutela do patrimônio na Itália não está simplesmente ligada as questões de recursos
financeiros, carência de pessoal especializado ou falta de estrutura, mas de
demasiada atenção dada ao objeto em si desvinculada da preocupação com o resto.
Ele afirma a necessidade de se deslocar a atenção do “monumento” em prol de uma
visão de tutela onde exista o equilíbrio desses valores e perspectivas de valorização
em vários níveis de gestão administrativa do território. Faz um convite, portanto a
deixar de lado a idéia de que o exercício da tutela não deva passar necessariamente
através de um juízo de valor, inclusive o econômico.
177
O valor não é imanente aos bens, não faz parte intrínseca das coisas, mas é
instituído pelos homens em sociedade. É fruto, portanto das relações dos homens
173
Ibid., pp. 213-218.
174
Ibid., p. 212.
175
Ibid., pp. 225-226.
176
MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de. A importância Econômica de um Bem Cultural e a Importância
Cultural de um Bem Econômico. In: II Seminário Internacional de História e Energia. Fundação Patrimônio
Histórico da Energia de São Paulo, 2000, São Paulo, p. 1.
177
CECCHI, Roberto (org.), op. cit., pp. 9-11. Tradução nossa.
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89
entre si e não das relações diretas dos homens com os objetos. Os bens materiais
ou imateriais são selecionados e investidos de uma significação específica, e não
fruto de critérios casuais ou arbitrários, plena de conseqüências em vários níveis e
escalas. Estes sentidos e significações produzidos pelo homem variam ao longo do
tempo, do espaço e das condições sociais. Enfim o conceito de valor expressa a
capacidade de alguma coisa, bem material ou não material, responder a uma
necessidade humana qualquer necessidade, de qualquer tipo ou gradação
inclusive as de natureza econômica - pela mediação preponderante dos sentidos,
dos significados. Tais sentidos, e os valores com eles formados, permeiam todas as
instâncias e momentos da vida humana, sem exceção. A antinomia valor cultural
versus valor econômico o tem sentido que valores econômicos e valores
culturais somam muito mais semelhanças do que dessemelhanças.
178
As atividades culturais estão inseridas no quadro da economia produzindo, via
de regra, bens e atividades que podem ser tratados como mercadorias e serviços. O
patrimônio cultural tem sido apontado como um dos principais fundamentos do
turismo, que é tido como uma verdadeira indústria, pois gera e faz circular recursos
em altíssima escala. Encontra-se aí a relevância econômica de museus (“o museu é
a própria fábrica e a nova riqueza vem de lá”
179
), paisagens, monumentos, manchas
e núcleos urbanos, edifícios, tanto quanto hábitos e costumes congelados no “típico”
para o mercado turístico. No setor de patrimônio ambiental urbano, em particular no
que se refere à preservação urbana e aos projetos de renovação e revitalização de
áreas dotadas de valor cultural, tem havido consciência crescente das vantagens e
benefícios econômicos das estratégias de conservação em luta contra a
especulação imobiliária e a autofagia de nossas cidades, principalmente nos países
em desenvolvimento.
180
É inconveniente vincular bens culturais a usos e funções
“culturais”. A cidade se um bem cultural se tal prática puder fazer-se
qualificadamente preocupando-se com as questões de infraestrutura, privilegiando
os domínios do cotidiano e do trabalho, não excluindo o lazer, mas indo muito além
dele. É necessário, na visão de Ulpiano, não musealizar a cidade, mas introduzir
178
MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de, op. cit., 2000, pp. 2-3, 9-11.
179
CAGNARDI, Augusto. In: CECCHI, Roberto (org.), op. cit., p.68.
180
MENESES. Ulpiano Toledo Bezerra de, op. cit., 2000, p.5.
Apoio: Capes e MackPesquisa
90
valores em todos os âmbitos da vida urbana “culturalizando” a cidade, garantindo a
possibilidade de transformar a vida inteira mesmo que isso implique em tensões.
181
Nas últimas décadas do século XX tem-se visto um intenso processo de
valorização da memória e do patrimônio cultural abrangendo também os elementos
da paisagem, ou o patrimônio ambiental urbano. Este processo de valorização se
reflete nas ações da gestão pública justamente de requalificação de centros urbanos
deteriorados ou mesmo nas experiências de preservação de áreas urbanas
contínuas como é o caso, por exemplo, de alguns bairros implantados pela
Companhia City na cidade de São Paulo que pelo seu desenho e qualidade urbana
diferenciados foram tombados.
182
O aparecimento de áreas abandonadas nas cidades contemporâneas
acarreta alterações econômicas num determinado espaço. Os efeitos sociais
constituem apenas alguns dos efeitos possíveis sobre o tecido urbano. A aparência
de degradação dos locais abandonados, seja devido ao tipo de uso ou pela falta de
manutenção que sofrem os terrenos e prédios ainda existentes, produz sobre a
paisagem urbana um efeito bastante depreciador e que acaba influenciando as
práticas sociais, alterando os hábitos de vida dos habitantes, seus costumes e
visões de mundo relacionadas a esses locais degradados. Alguns passam a ser
associados ao "vandalismo, tráfico de drogas, assaltos, assassinatos". Outros efeitos
sociais e econômicos tais como o aparecimento da insegurança, e em alguns casos
o surgimento da violência nas áreas próximas; o aumento da taxa de desemprego e
o desaparecimento de algumas atividades o que acarreta também a diminuição de
receitas, são associados às áreas degradadas. Há, também, um efeito de
desestimulação sobre as empresas que buscam implantar atividades em locais
próximos, implicando na sub-utilização das infra-estruturas, das redes e dos
equipamentos existentes, sinal da desvalorização de todo um patrimônio social.
183
181
Ibid., pp. 13-14.
182
PASSARELLI, Silvia Helena Facciola, op. cit., p. 56.
183
MENDONÇA, Adalton da Motta. Vazios e ruínas industriais. Ensaio sobre friches urbaines. 2001. In: Vitruvius.
Revista Virtual de Arquitetura e Urbanismo.
Disponível em <
http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/02.014/869>. Acesso em: 15 abr. 2010.
Apoio: Capes e MackPesquisa
91
A requalificação de áreas abandonadas, segundo o sociólogo Adalton da
Motta Mendonça, possibilitaria a implantação de empreendimentos que poderiam
servir como operações-piloto, implicando na manutenção das identidades do distrito,
mas o que se observa é a modificação das vocações e a rápida transformação da
imagem da cidade. Esclarece o autor que algumas áreas têm sua vocação alterada
para favorecer empresas dos ramos de serviço e comércio, pois, para a razão
econômica, certas espacialidades o desvalorizadas com a implantação de outros
usos ou para atividades culturais e de lazer. Mas a recuperação ou revitalização
dessas áreas poderia assumir formas diversas: novas atividades, habitações
populares, equipamentos urbanos, espaços verdes etc. A requalificação de áreas
abandonadas pode tanto remediar uma série de carências urbanas, como a falta de
equipamentos urbanos e habitações, a ausência de vida econômica local e áreas de
lazer, quanto contribuir para a preservação das identidades locais, ao mesmo tempo
em que se modifica o tecido urbano.
184
Mas segundo Vicente Del Rio, o modelo de requalificação que tem sido
adotado nas ultimas décadas é:
Integrador e abrangente, o modelo de revitalização distancia-se tanto dos projetos
traumáticos de renovação quanto das atitudes exageradamente conservacionistas, mas
incorpora e excede as práticas urbanísticas anteriores na busca pelo renascimento
econômico, social e cultural das áreas centrais esvaziadas, decadentes e sub-utilizadas.
Pressupõe-se agora um processo, onde ações conjuntas e integradas voltam-se para dar-
lhes uma nova vida.
185
Experiências bem sucedidas que adotaram esses princípios podem ser
observadas nas propostas de requalificação das áreas centrais de Boston, Baltimore
e São Francisco, nos EUA, as pioneiras; Londres e Glasgow, na Grã-Bretanha;
Barcelona e Bilbao, na Espanha; Berlin e Hamburgo, na Alemanha - o movimento na
184
Idem.
185
DEL RIO, Vicente. Em busca do tempo perdido. O renascimento dos centros urbanos. In: Vitruvius. Revista
Virtual de Arquitetura e Urbanismo. Disponível em
<http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/arquitextos/01.006/963>. Acesso em: 20 mai. 2010.
Apoio: Capes e MackPesquisa
92
direção da revitalização das áreas centrais foi plenamente aceito como o novo
modelo para o desenvolvimento urbano. No cenário brasileiro, após uma experiência
ainda em pequena escala no centro histórico de Curitiba, em meados dos anos
1970, temos ações mais recentes como, por exemplo, no Rio de Janeiro, no
Pelourinho em Salvador, no centro de Recife e em São Paulo.
186
Ações que vão de
encontro à evolução da abrangência do conceito de patrimônio cultural, arquitetônico
e urbanístico e dos instrumentos de salvaguarda expressos nas recomendações de
organismos internacionais, que destacam a importância da ação local sobre a
preservação, como expressou a resolução da Conferência Geral da UNESCO,
realizada, em 1976, em Nairóbi:
A aplicação de uma política global de salvaguarda dos conjuntos históricos e tradicionais e de
sua ambiência deveria basear-se em princípios válidos para cada país em sua totalidade. (...)
Conviria (as Estados Membros) revisar as leis relativas ao planejamento físico territorial, ao
urbanismo e à política habitacional de modo a coordenar e harmonizar suas disposições com
as das leis relativas à salvaguarda do patrimônio arquitetônico. Essas legislações deveriam
encorajar a adaptação ou a adoção de disposições, nos planos urbanos, regional ou local,
para assegurar tal salvaguarda.
187
Alguns desses projetos de requalificação são orientados em função de uma
atividade específica: o turismo. Vale ressaltar que o conceito contemporâneo de
turismo está ligado às questões sobre a urbanização e a globalização, questões que
permeiam a discussão sobre o turismo e sobre as práticas voltadas à fruição do
patrimônio cultural. David Harvey, em seu livro Condição Pós Moderna, relata o caso
bem sucedido ocorrido na cidade de Baltimore, Estados Unidos, como exemplo
pioneiro de adaptação urbana pós-moderna, onde a partir de um mega evento de
lazer, levou-se a termo a requalificação urbana de uma região a beira mar. A
realização de Harbor Place, em Baltimore, não estava sozinha na construção de
novos espaços urbanos. Diversos exemplos se multiplicaram nos Estados Unidos e
186
DEL RIO, Vicente, op. cit.
187
RECOMENDAÇÕES de Nairóbi, UNESCO, 1976, In: Cadernos de Sociomuseologia, n.15 1999. Disponível
em <http://revistas.ulusofona.pt/index.php/cadernosociomuseologia/article/viewFile/339/248>. Acesso em: 20
mai. 2010.
Apoio: Capes e MackPesquisa
93
também na Europa, muitos deles em função de eventos mais transitórios como os
Jogos Olímpicos ou a montagem de eventos históricos. Além das intervenções
físicas, o que fica claro nesses exemplos são os novos valores urbanos que
permeiam a proposta:
188
Dar determinada imagem a cidade através da organização de espaços urbanos espetaculares
se tornou um meio de atrair capital e pessoas (do tipo certo) num período (que começou em
1973) de competição interurbana e de empreendimentismo urbano intensificados.
189
As adaptações espaciais, muitas vezes, se fazem presentes de maneira clara,
e muitas vezes dizem respeito aos re-arranjos espaciais urbanos. Dentro desse
processo, alguns setores urbanos são adaptados para fins específicos, como o
mencionado setor turístico, especialmente o turismo cultural. O turismo desempenha
uma função acentuada, já que veicula valores locais e nacionais expressos no
patrimônio cultural, normalmente a partir da organização de produtos turísticos em
áreas requalificadas da cidade. Para tanto, os remanescentes arquitetônicos
ganham funções diferenciadas das originais, visando atender as demandas
contemporâneas. O turismo e a requalificação urbana são fenômenos que ganham
atenção especial no atual estágio da urbanização, altamente influenciada pelas
relações globalizadas. Esse processo é dinâmico, mas seus resultados, no que
tange o turismo cultural, são notórios, como por exemplo, os centros históricos
que sofrem processos de requalificação, restauração, etc. numa clara tentativa de se
atualizarem com as demandas globais de produção. Assim, obras de restauro de
edifícios e reconversão de usos tornam-se paradigmas de novas estratégias no
âmbito das administrações dos territórios urbanos, evidenciando políticas de
empreendimentismo urbano. Ou seja, o que se vê é um processo iniciado nas
grandes cidades, localizadas no topo da hierarquia urbana, de valorização da cultura
como estratégia de gestão urbana. Este modelo tem orientado projetos de
requalificação seja nas cidades globais ou mundiais que em pequenas cidades
188
HARVEY, David. Condição pós-moderna. São Paulo, Loyola, 2008, pp. 90-94.
189
Ibid., p. 92.
Apoio: Capes e MackPesquisa
94
localizadas em regiões deslocadas dos tradicionais eixos econômicos ou
turísticos.
190
Como observa Pierre Bourdieu, os bens culturais possuem, também, uma
economia, cuja lógica específica tem de ser bem identificada para escapar ao
economicismo. E nesse sentido, deve-se trabalhar, antes de tudo, para estabelecer
as condições em que são produzidos os consumidores desses bens e seu gosto; e,
ao mesmo tempo, para descrever, por um lado, as diferentes maneiras de
apropriação de alguns desses bens considerados, em determinado momento, obras
de arte e, por outro, as condições sociais da constituição do modo de apropriação,
reputado como legitimo.
191
Também Michele Porcari chama atenção para o fato de que o conceito de
bem cultural tem sua economia e economicidade próprias que ao mesmo tempo
em que este bem é visto, conhecido, fruído, constitui também por si um retorno
econômico a coletividade mesmo sem produzir diretamente um útil econômico.
Quando se possui um bem cultural o seu valor econômico o pode ser avaliado
e exclusivamente sobre a capacidade de atrair visitantes, vender ingressos ou de
fazer merchandising, mas sobre uma série de elementos econômicos induzidos tais
como o crescimentos cultural do território, a capacidade de estudo, a possibilidade
de fazer desenvolver o inteiro território entorno a este bem e estes são os conceitos
postos a base dos planos de gestão dos sítios Unesco. A economicidade aqui
colocada, explica o autor, deve ser entendida como a capacidade de trazer retorno,
não somente de tipo estreitamente econômico, mas cultural e de conhecimento do
território, através da valorização de dois componentes. O primeiro componente é o
econômico da gestão do bem e o segundo componente é aquele da política cultural
que, por sua vez, tem uma forte capacidade de promover o crescimento da riqueza
territorial. Seguramente, também esta é uma forma de economia, porque a riqueza
da cultura é uma riqueza que serve ao território, que enriquece as possibilidades de
desenvolvimento dos cidadãos ali residentes. Conclui o autor afirmando que estes
190
ALLIS, Thiago. Turismo, patrimônio cultural e transporte ferroviário. Um estudo sobre ferrovias turísticas no
Brasil e na Argentina. 2006. Dissertação (Mestrado em Integração da América Latina)- Universidade de São
Paulo, pp.215-218.
191
BOURDIEU, Pierre. A Distinção: crítica social do julgamento. São Paulo: Edusp; Porto Alegre, RS: Zouk,
2008, p.9.
Apoio: Capes e MackPesquisa
95
temas tornam-se pontos fortes de reflexão sobre os bens culturais: a necessidade de
compreender os mecanismos da gestão, individuar os instrumentos que esclarecem
como esta é realizada e as normas que a codificam, pois de outra forma o trabalho
terá sido em vão.
192
No entanto os objetivos e procedimentos do mercado e da cultura não são e
nem podem ser os mesmos. O mercado visando à obtenção de lucros tende a
instrumentalizar a cultura que, por sua vez, age segundo uma lógica de finalidade e
prioridade que é a produção do sentido e da comunicação. Cálculos de
investimento/retorno, custo/beneficio só são legítimos, no campo da cultura, se estes
termos todos forem determinados segundo hierarquia fundamentada na gica
cultural. Esta é a condição essencial para neutralizar o risco de se atrelar um
empreendimento a procedimentos derivados de objetivos extraculturais e, uma vez
inserido no mercado, ao invés de servir-se dele, servir a ele.
193
O valor cultural não é monolítico, mas pode, em nossa sociedade,
compreender ltiplas variantes: os valores cognitivos podem sugerir possibilidades
de conhecimento a partir de um objeto que funciona como um suporte para esse
processo; valores formais podem transferir ao objeto propriedades estéticas;
194
valores afetivos implicam relações subjetivas dos indivíduos no ambiente social o
que envolve espaços, estruturas e objetos;
195
e finalmente os valores pragmáticos
são aqueles percebidos como portadores de qualidades específicas.
196
De todos são
os mais marginalizados, precisamente por serem julgados pouco ou nada “culturais”.
Talvez, segundo Ulpiano Meneses, este valor de uso pragmático não seja
considerado como portador de qualidades relevantes, pois “nossa sociedade é uma
sociedade do desperdício, que ainda o se desfez de sua herança escravocrata,
consumista e de profundos desequilíbrios sociais”.
197
192
PORCARI, Michele. In: CECCHI, Roberto (org.), op. cit., pp.178-180.
193
MENESES, Ulpiano Toledo Bezerra de, op. cit., pp.16-20.
194
De acordo com Meneses estas funções dizem respeito à capacidade de certos atributos formais dos bens
potencializarem determinadas percepções, em um dado contexto sócio-cultural, permitindo, assim, a construção
de um universo de sentido, pp.11-12.
195
Meneses prossegue ponderando que os valores afetivos dizem respeito ainda a cargas simbólicas elevadas
que alimentam processos identitários ou a memória social, idem.
196
Meneses observa por fim que os valores pragmáticos referem-se também ao “potencial de uso altamente
qualificado ou a criação tecnológica de especial significação”, ibid.
197
Ibid.,
pp. 11-12.
Apoio: Capes e MackPesquisa
96
Na área do patrimônio cultural ainda domina, maciçamente, o valor cognitivo,
em particular o estilístico e o factual seguido pelo valor formal, embora muitas vezes,
se trate, antes, também de valoração estilística sob aparência estética. Em
decorrência disso, a fruição é essencialmente visual, contemplativa postura que se
estende dos monumentos aos espaços urbanos “musealizados”. Contudo estas
posições estão mudando e podem ser vistas principalmente na área do patrimônio
industrial onde a obsolescência é condição para um bem tecnológico transformar-se
em bem cultural.
198
Paralelamente ao valor artístico, Riegl coloca um valor terreno “de uso” que
diz respeito às condições materiais de utilização prática dos monumentos. Valor que
é inerente a todos os monumentos históricos quer tenham conservado seu papel
memorial original e suas funções antigas, quer tenham recebido novos usos, mesmo
museográficos. A ausência de valor de uso é o critério que distingue um monumento
histórico de uma ruína. Mas o valor do uso contraria freqüentemente o valor artístico
e o histórico criando conflitos que, no entanto não são insolúveis. Segundo Riegl
estes dependem de compromissos, negociáveis em cada caso particular, em função
do estado do monumento e do contexto social e cultural em que se insere.
199
A reutilização que, entre outras definições, pode consistir na ação de
reintegração de um edifício em desuso a uma atividade, que não necessariamente,
seja voltada a funções culturais e museológicas é certamente a forma mais
paradoxal, audaciosa e difícil da valorização do patrimônio. Esta difícil e complexa
operação “não deve basear-se apenas numa homologia com sua destinação original
(do edifício), mas deve antes de tudo, levar em conta o estado material do edifício, o
que requer uma avaliação do fluxo dos usuários potenciais.”
200
Também Cesare de Michelis afirma que a valorização de um patrimônio é o
seu reuso e, portanto não pode ser valorização tudo aquilo que não se confronta
com o tema do reuso. Afirma que os bens culturais não podem ser conservados
como os castelos escoceses, que se tornam um peso insuportável para quem os
possui e que não é possível submeter uma comunidade a suportar taxas sempre
198
Ibid., pp.14-15.
199
CHOAY, Françoise, op. cit., pp. 169-170.
200
Ibid., p. 219.
Apoio: Capes e MackPesquisa
97
mais altas para tutelar e conservar seu patrimônio. Esclarece ele que isto é utópico.
Prossegue afirmando que com a dimensão do econômico, mesmo não agradando a
alguns, temos que fazer as contas. Segundo as escalas da economia devemos
mensurar os mesmos bens artísticos e culturais, que são bens, valores, como o
dinheiro, as jóias, o patrimônio: não é realístico os considerar estranhos a esta
avaliação. A fruição e o reuso pertencem, de qualquer maneira, a dimensão do
privado; que se ocupe o Estado ou o Município, a questão não muda: sempre no
mercado este bem deve estar. Este é o ponto: quem abre um museu e vende
ingressos está, de qualquer forma, agindo no mercado, que seja o Estado, um
Município ou um privado, e deve estar dentro da economia que regula o mercado.
201
3.3 A PERSPECTIVA ECONÔMICA E CULTURAL
É com a expansão tipológica do patrimônio histórico que edifícios como os da
segunda metade do século XIX e do século XX passam a ser reconhecidos e
valorizados por novas disciplinas e assim integrados ao corpus patrimonial.
202
O
patrimônio industrial, devido a esta expansão do campo cronológico, se torna objeto
de conservação através de intervenções de reconversão o que nos coloca diante de
questões ligadas ao valor afetivo da memória e do documento, mas também de
questões ligadas a custos uma vez que os trabalhos de infra-estrutura exigem uma
competência técnica especial, com custos às vezes tão proibitivos, que é difícil
garantir que a reutilização seja rentável.
203
É, portanto importante ressaltar que nas
intervenções de conservação e preservação de um patrimônio estão envolvidos uma
série de investimentos entendidos não de ordem financeira, mas também
investimentos de tempo, de atenção, de agenciamento de pessoas, de recursos
entre outros.
De acordo com Manoela Rufinoni, no entanto as especificidades compositivas
dos edifícios e sítios industriais e as dificuldades para o seu reconhecimento como
201
DE MICHELIS, Cesare. In: CECCHI, Roberto (org.), op. cit., pp. 142-147.
202
CHOAY, Françoise, op. cit., p. 209.
203
Ibid., pp. 219-221.
Apoio: Capes e MackPesquisa
98
patrimônio cultural são os principais motivos que dificultam um tratamento adequado
nos projetos de readaptação para novos usos. A prioridade ao atuar em áreas
industriais desativadas é, geralmente, de ordem funcional. Busca-se verificar qual o
potencial que os edifícios possuem para abrigar novos usos ou quais as
possibilidades para nova ocupação dessas áreas após a demolição passando para
segundo plano, quando às vezes nem mesmo chega a ser cogitada, a verificação de
suas possíveis qualidades históricas e estéticas. Esse tipo de abordagem se
fortalece ainda mais quando consideramos a escala urbana desse patrimônio. O fato
de muitos sítios industriais ocuparem extensas áreas, por um lado dificulta a
apreensão de suas especificidades de conjunto, e, por outro lado, aguça ainda mais
o interesse na implementação de novas construções.
204
A questão da preservação do patrimônio industrial, nesses casos, adquire
sem dúvidas, uma dimensão urbana e deve, portanto, ser tratada nos moldes da
conservação integrada, conforme as recomendações de Amsterdã. O tratamento de
áreas extensas, geralmente desativadas e degradadas, necessariamente precisa ser
pensado a partir de uma escala mais ampla, considerando a articulação de diversos
fatores envolvidos na dinâmica urbana em jogo e buscando o diálogo entre as
diretrizes de planejamento urbano e as exigências do restauro. É uma situação,
portanto, que nos remete às discussões em torno da preservação de áreas urbanas:
a necessidade de pensar a inserção de novos elementos em sintonia com o
preexistente, de propor novos usos condizentes com a escala e a dinâmica urbana
local, bem como a oportunidade de integrar projetos pontuais a projetos de maior
abrangência reinserindo com cuidado as áreas restauradas em uma nova
realidade.
205
Rufinoni menciona que essa abordagem foi proposta pela arquiteta e
professora italiana Anna Rosa Genovese quando buscou inserir a questão do
patrimônio industrial no contexto das discussões sobre a preservação do patrimônio
cultural em geral. Genovese buscou evidenciar que a preservação desse patrimônio
deve considerar com cuidado o equilíbrio entre valor cultural e valor econômico (ou
desenvolvimento urbano), e que as diretrizes para a condução desse equilíbrio,
204
RUFINONI, Manoela Rossinetti, op. cit., 2009, p. 179.
205
Ibid., pp.179-180
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99
como se trata de áreas caracterizadas como bens culturais, devem necessariamente
ser guiadas pela teoria do restauro e pelos documentos internacionais. Do mesmo
modo, ressalta ainda a necessidade de estudos aprofundados para desvendar as
especificidades desse patrimônio como recurso imprescindível para uma
fundamentação criteriosa das escolhas a serem tomadas, sobretudo relacionadas à
seleção de quais artefatos industriais deverão ser preservados.
206
Também Randall Mason discorre em seu artigo sobre os dois distintos modos
de pensar a questão do patrimônio na sociedade contemporânea que ele nominou
de discurso econômico e discurso de conservação. Ambos são conceitos
complexos, que têm uma longa história, e distintamente diferentes. O discurso da
conservação utiliza as narrativas históricas, os juízos de conhecimento, as ciência
dos materiais e as mídias visuais no sentido de fazer valer seus argumentos. O
discurso econômico baseia-se na matemática e nas expressões quantitativas. O
discurso da conservação toma como um dado adquirido os benefícios da
conservação do patrimônio; o discurso econômico questiona os benefícios da
conservação do patrimônio com ceticismo, incumbindo o mercado do julgamento das
formas mais eficientes para tomar decisões e alocar recursos.
207
Enfatizando o que foi dito anteriormente um lugar pode ter valor de
patrimônio devido à sua idade, ou por estar associado a um evento histórico ou a
uma pessoa; pode ter valor simbólico ou cultural decorrentes de sua importância na
identidade cultural de um grupo; pode ter valor estético se for considerado belo,
sublime, ou artístico. Embora distintos tipos de valor possam ser identificados, estes
podem estar também sobrepostos e interligados. Mas o patrimônio tem outros
valores, mais contemporâneos, que incluem os valores econômicos, os valores
sociais, e os valores ambientais. Estes valores são preocupações legítimas seja no
discurso da conservação que no discurso econômico, e modelam fortemente as
atitudes e decisões públicas. No entanto, tradicionalmente, têm sido deixados de
206
GENOVESE, Rosa Anna. Presentazione. Restauro, anno XIV, n.82,1985, p.6 apud RUFINONI, Manoela
Rossinetti, op. cit., 2009, p. 180.
207
MASON, Randall. Be Interested and Beware: Joining Economic Valuation and Heritage Conservation.
International Journal of Heritage Studies, Inglaterra, v.14, no.4, pp. 303-304, Jul. 2008. Tradução nossa.
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100
lado na conservação por parecem independentes do significado de lugar como
“patrimônio”.
208
As narrativas sobre valor cultural e a impossibilidade de estimá-lo, de
quantificá-lo economicamente, cria problemas entre economia e conservação
principalmente no tocante a adoção de métodos acadêmicos. Porque “o preço
inestimável” é anátema no tradicional discurso do patrimônio, enquanto a economia,
a avaliação quantitativa e a justificativa financeira são consideradas secundárias no
cultivo da memória histórica, na reparação de tecidos urbanos, e na salvaguarda da
cultura, em nome das gerações futuras. Segundo Mason, intelectualmente, esta
distinção tem o interesse em manter a hegemonia da disciplina de conservação
sobre as demais e é uma postura não mais defensável embora permaneça
duradoura no campo da conservação.
209
Por sua vez a conservação do patrimônio é uma preocupação marginal na
maior parte dos discursos empresariais e de crescimento econômico. A conservação
raramente aparece como uma parte significativa das economias regionais ou
nacionais, embora se saiba dos feitos do crescimento do patrimônio em setores
como o turismo o que sugere a importância crescente da conservação como um
fenômeno econômico. Para o relativamente pequeno quadro de economistas que
estudam as atividades culturais como fenômenos econômicos (“cultural
economists”), no entanto, o patrimônio apresenta-se como um caso interessante. A
conservação do patrimônio levanta questões de deficiência do mercado, de público e
da boa disposição a medição de desafios colocados noutros locais do setor cultural
(museus, artes plásticas e cênicas), e se relaciona bem com os conceitos e análises
que os economistas ambientais têm criado para lidar com a conservação ambiental.
Adotando a perspectiva do campo da conservação do patrimônio aparecem
argumentos a favor e contra a conservação engajados nos discursos econômicos.
210
Motivos e valores econômicos estão entre as razões pelas quais as
sociedades estão dispostas a realizar a conservação de seu patrimônio e os valores
culturais do patrimônio são a chave para essa conservação, mas não são, para
208
Ibid., p. 305.
209
Ibid., p. 308.
210
Ibid., p.308.
Apoio: Capes e MackPesquisa
101
todos, os valores mais importantes. Não se trata, no entanto de decidir qual valor, o
econômico ou o cultural, é mais importante já que ambos estão intimamente ligados.
O desenvolvimento do turismo, por exemplo, promove os valores culturais, e nesse
processo também os converte em valores econômicos. Os proprietários de casas
históricas estão interessados na manutenção do valor econômico dos seus
investimentos, assim como do valor estético, cultural ou de outros valores pessoais
que são incorporados ao patrimônio. Assim se com as villas italianas onde os
investimentos financeiros são, com muita freqüência, insuficientes e tem sido
necessário repensar sua destinação de uso dentro de um contexto de reuso
sustentável. Um reuso que deve necessariamente ser adequado ao valor das villas
mas deve também consentir uma perspectiva econômica em grau de fornecer os
recursos necessários a sua conservação e tutela futuras.
211
Ainda, o apoio político e o apoio financeiro caminham lado a lado. Entre os
problemas de ordem prática enfrentados na conservação está a questão de como
construir o apoio político e, portanto, apoio financeiro para a conservação.
212
Sobre o
ponto de vista econômico é necessário fazer um esforço e encontrar soluções de
financiamento alternativas aquela pública porque evidentemente os fundos públicos
não são mais suficientes para valorizar o imenso patrimônio cultural de certos
países, como no caso a Itália. Para tal a análise da relação custo-benefício, por
exemplo, que trata diretamente desse problema, deve incentivar outros investidores
em um sistema que os coloque em condições de rever os investimentos feitos. Se os
bens culturais não têm suficiente appeal político para serem colocados entre os
destinatários de financiamentos públicos importantes, é necessário encontrar outros
caminhos.
213
As questões econômicas devem ser consideradas seriamente se um
processo de conservação pretende ser crível à grande parte da sociedade. Segundo
Mason:
211
QUALARSA, Nadia. In: CECCHI, Roberto (org.), op. cit., p. 244.
212
MASON, Randall, op. cit., p. 309.
213
BETTI, Stefano. In: CECCHI, Roberto (org.), op. cit., p. 270.
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(...) não podemos agir sobre a crença e a fé na importância do patrimônio cultural para o bem
estar social com base em valores culturais não quantificáveis embora estes sentimentos
sejam naturalmente importantes na história social e intelectual da conservação e constituam
um trunfo importante no discurso político. Precisamos também tomar decisões rigorosas e
transparentes que considerem os muitos usos que a sociedade faz do patrimônio incluindo
aqueles econômicos e empresariais.
214
As sociedades contemporâneas centradas no mercado põem ainda na
mesma balança os valores econômicos e culturais. Este comportamento levanta
legítimos receios entre os defensores da conservação. O discurso econômico
ameaça o discurso filosófico e ético, que são bases primárias da conservação. O
pensamento econômico é um poderoso caminho para examinar as relações entre
conservação e a sociedade mais ampla, e se for colocado do mesmo modo que o
pensamento empresarial, muitas vezes considerado um inimigo da conservação,
perde-se uma ferramenta importante de investigação. A conservação tem
importantes dimensões econômicas e produz benefícios econômicos tanto para o
setor privado como para o setor público em geral. Projetos de preservação podem
ser rentáveis e as políticas de preservação orçamentárias podem ser sólidas. No
entanto, os custos e benefícios econômicos da conservação do patrimônio são
demasiadamente pontuais para se generalizar e extrapolar.
215
Mason conclui afirmando que mais atenção deveria ser dada a questão da
conservação versus outros tipos de investimentos, pois quando os parâmetros
ambientais e culturais entram na relação custo-benefício eles podem modificar o
cálculo.
216
A incorporação de valores econômicos à conservação chama mais
interessados e produz decisões mais sustentáveis sobre a conservação do
patrimônio: “a conservação, antes de tudo, é uma empresa pública com o objetivo de
proteger valores que devem ser vistos por muitos e não por poucos”. Desenvolver o
discurso econômico no patrimônio poderia fazer a diferença entre a prática de um
tipo de conservação tradicional e um tipo de conservação vista como uma política
engajada no planejamento e no desenvolvimento das cidades. A disciplina de
conservação do patrimônio não deverá retirar-se da lógica do mercado, da economia
214
MASON, Randall, loc. cit.
215
Ibid., p. 311.
216
Ibid., p. 314.
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103
política, ou da precisão, ilusória e persuasiva, dos métodos de avaliação econômica.
A economia ilumina mais do que os valores de mercado e devemos usá-la, sugere o
autor, como outra ferramenta para tomar boas decisões sobre a conservação e
compreender o papel da herança na sociedade contemporânea.
217
As questões econômicas envolvidas nas intervenções sobre o patrimônio
urbano certamente possuem grande influência e não podem ser negligenciadas,
mas vale lembrar, como bem enfatiza Rufinoni, que estas, e também as questões
políticas, dentro de certos limites, não devem assumir o equivocado posto de
objetivo do restauro. Estas são questões que devem ser abordadas como mais um
dado de projeto a ser considerado na condução do restauro que, por sua vez, deve
ser pautado pelas prioridades da esfera cultural. A pressão de prioridades
econômicas ou políticas não deveria tomar a dianteira na condução dos projetos
ligados ao patrimônio em geral e especificadamente ao industrial muitas vezes visto
como ‘áreas desocupadas’ ou seja, uma importante reserva de terreno livre.
218
O retorno econômico deveria ser encarado como uma conseqüência natural
de uma intervenção bem sucedida que conta com conhecimentos construídos em
décadas de discussões teóricas e experiências práticas, com a participação
interdisciplinar (arquitetos, restauradores, urbanistas, historiadores, sociólogos...) no
desenvolvimento de projetos criteriosos de restauro que garantissem a valorização e
preservação de estruturas históricas e vislumbrassem melhorias para as áreas
envolvidas gerando, conseqüentemente, retornos financeiros. Mas o que se nota é
que os conceitos adquiridos no campo da preservação e do restauro não estão
suficientemente integrados à nossa “cultura de projeto”, pois não têm sido
devidamente contempladas na elaboração de projetos de intervenção no patrimônio
num grande distanciamento entre a teoria e a prática. Na balança dos interesses
econômicos, políticos e especulativos, proliferam as intervenções de cunho midiático
os projetos “espetáculo”, ou a “internacionalização” das cidades a partir da
promoção de projetos arquitetônicos estratégicos elaborados por arquitetos de
renome. O problema, mais uma vez, não está na inserção do novo no velho, mas no
217
Ibid., p. 315.
218
RUFINONI, Manoela Rossinetti, op. cit., 2009, pp. 295-297.
Apoio: Capes e MackPesquisa
104
fato do distanciamento dessas intervenções do campo do restauro e a aproximação
na suposta autonomia da arquitetura do novo.
219
219
Ibid., p. 298.
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105
CONSIDERAÇÕES FINAIS
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106
Esta pesquisa consistiu num esforço de reflexão acerca de valores
contemporâneos que interferem na reutilização dos exemplares do patrimônio
industrial e nos projetos de reabilitação de áreas e edificações pertencentes a esse
conjunto. Portanto esta dissertação se propõe a contribuir para trazer à tona a idéia
de que contemporaneamente os valores culturais e econômicos mesclam-se de
maneira indistinguível quando abordamos as questões ligadas à preservação do
patrimônio. Procuramos no decorrer do trabalho mostrar que o binômio valor cultural-
valor econômico é merecedor de atenção e de melhor reconhecimento como
categoria útil de análise (mas não a única categoria) nos estudos sobre reutilização
do patrimônio industrial. Afinal, se Bourdieu afirma que existem consumidores
interessados em bens culturais, Battisti esclarece que esses bens, em particular
modo se referindo ao patrimônio industrial, são socialmente desejáveis.
Com esse objetivo entendemos que o texto de Ulpiano Toledo Bezerra de
Meneses (2000), A importância Econômica de um Bem Cultural e a Importância
Cultural de um Bem Econômico é muito pertinente à discussão que queríamos
promover sobre os valores contemporâneos relacionados à preservação do
patrimônio inclusive os valores pragmáticos - de todos os mais marginalizados,
precisamente por ser julgados pouco ou nada “culturais”. Discursando sobre os
valores econômicos e os valores culturais, Ulpiano lembra que no setor de
patrimônio ambiental urbano, em particular no que se refere à preservação urbana e
aos projetos de renovação e revitalização de áreas dotadas de valor cultural, tem
havido consciência crescente das vantagens e benefícios econômicos das
estratégias de conservação em luta contra a especulação imobiliária e a autofagia
de nossas cidades, principalmente nos países em desenvolvimento. A idéia de que
os valores econômicos teriam um papel importante na compreensão desse quadro
nos levou ao texto de Randall Mason (2008), Be Interested and Beware: Joining
Economic Valuation and Heritage Conservation, que corrobora a impressão
compartilhada por Roberto Cecchi (2008), em seu livro Il Restauro, de que os
aspectos ligados ao reuso dos edifícios industriais do patrimônio fundamentam-se
fortemente em questões econômicas. Se o aspecto econômico mencionado por
Ulpiano encontra eco em Mason o aspecto cultural foi mais bem explorado por meio
do livro de Beatriz Kühl (2008), Preservação do Patrimônio Arquitetônico da
Apoio: Capes e MackPesquisa
107
Industrialização: problemas teóricos do restauro, e da tese de doutorado de Manoela
Rufinoni (2009) Preservação e restauro urbano: teoria e prática de intervenção em
sítios industriais de interesse cultural.
Conforme nos relata Manoela Rufinoni, têm sido discutidos os métodos para
reabilitar áreas degradadas a partir da adoção de novos usos, as possibilidades para
a promoção de atividades turísticas, os instrumentos jurídicos e administrativos para
viabilizar os empreendimentos de reconversão do patrimônio industrial, os todos
de financiamento das operações, as parcerias público-privadas, tabelas e gráficos
sobre as questões econômicas e sociais envolvidas, etc., assuntos que são também,
sem dúvida alguma, pertinentes à conservação integrada e que deveriam, segundo
a autora, ser devidamente analisados. Mas sinaliza para o fato de que as discussões
em torno da atuação sobre o patrimônio da industrialização deveriam se referir à
restauração e aos seus princípios basilares, aos critérios de intervenção adotados,
relacionando os assuntos citados acima com os prioritários princípios histórico-
críticos do restauro. O centro desses debates não pode privilegiar aspectos
econômicos e operacionais em detrimento das questões ligadas à restauração.
O fato de um resultado final parecer satisfatório, conforme nos explica Beatriz
Kühl, não significa que a intervenção tenha sido respeitosa em relação ao bem que
se pretendia preservar. Ao contrário, tal ação pode acobertar desatenções a
aspectos que caberiam ser observados. Seria desejável, portanto que as
intervenções buscassem a qualidade projetual a partir da integração, sem
equívocos, entre composição arquitetônica e restauro. Rufinoni, em sua tese,
prossegue afirmando que a inserção do novo no antigo, ou seja, da produção
contemporânea paralela a preexistência histórica é essencialmente um problema de
projeto. Por sua vez seria interessante que este projeto pudesse estar fundamentado
no juízo histórico-crítico entendido como uma “arma poderosa” contra os projetos
arquitetônicos desastrosos gerados exclusivamente pela especulação imobiliária. No
entanto, muitas vezes o que se percebe, segundo esclarece a autora, é que os
princípios fundamentais do restauro moderno - como a questão da
“retrabalhabilidade”, da “distingüibilidade” e da mínima intervenção, ou ainda as
orientações sobre a conservação integrada e a necessidade de buscar métodos de
estudo, proposta e projeto a partir de esforços interdisciplinares, questões tratadas
Apoio: Capes e MackPesquisa
108
em décadas de debates não têm sido devidamente observados na elaboração de
projetos de intervenção no patrimônio urbano.
Conhecendo os conceitos teóricos e atentos às orientações das cartas
patrimoniais - textos que nos fornecem bases conceituais e operacionais sólidas,
diretrizes ainda bastante atuais para atuação sobre o patrimônio seria conveniente
observar os reais objetivos do restauro e dosar adequadamente os fatores
envolvidos. O estudo do patrimônio histórico é relativamente incipiente, comparado a
outras áreas, mas são pelo menos quatro décadas de discussões sobre o tema, com
numerosas experiências práticas acumuladas. De acordo com Rufinoni não nos falta
base teórica ou instrumentos para enfrentarmos de modo consciente e responsável
os problemas pertinentes à preservação e intervenção no patrimônio industrial.
Talvez o que falte seja a disposição de analisar e aplicar esses instrumentos à nossa
realidade na busca de soluções, que nunca serão simples ou manualísticas, mas
que permitirão o desenvolvimento de formas de se relacionar com o patrimônio a fim
de assegurar a sua transmissão ao futuro.
Acreditamos que além, é claro, do peso das razões culturais existem
vantagens em se levar em conta também os benefícios gerados para a coletividade
como a melhoria da qualidade de vida nas áreas em questão. Seria interessante que
a preservação do patrimônio industrial assegurasse as relações sociais e o bem
estar da comunidade, respeitando ainda seus valores históricos e estéticos,
prevalentes e não replicáveis. Esses exemplares de interesse cultural, conforme
Rufinoni (2009), “não deveriam ser considerados como ilhas separadas do processo
de desenvolvimento urbano e territorial”.
Ainda em linha com a posição de Rufinoni observamos que nem as
operações ligadas à preservação do patrimônio industrial, com muita freqüência
prefixadas pelo “re” “recuperação”, “renovação”, “reuso”, “reutilização”,
“reabilitação”, “revitalização”, “reconversão”, “reciclagem”, etc., podem ser confiadas
exclusivamente e pontualmente ao restauro nem tampouco ao planejamento urbano,
e de conseqüência às questões econômicas. Seria apropriado que estas operações
buscassem soluções a partir de esforços e contribuições multidisciplinares, como
defendem os pressupostos da conservação integrada. Freqüentemente as
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109
modificações, adaptações e propostas de novos usos são necessárias para a
preservação do bem, notadamente quando tratamos de áreas desocupadas e
degradadas como muitos sítios industriais. No entanto, é conveniente ter clareza de
que a questão do novo uso é um meio para buscar a preservação, e não a finalidade
da intervenção. E foi justamente esse esforço, voltado para a interpretação dos
valores contemporâneos e da sua aplicação no patrimônio urbano industrial, que
procuramos desenvolver este trabalho.
Apoio: Capes e MackPesquisa
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Apoio: Capes e MackPesquisa
114
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Eletropaulo, Departamento de Patrimônio Histórico, 2000.
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patrimônio cultural. In: IX CIDADE REVELADA. I rum Nacional de Conselhos de
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POULOT, Dominique. Uma história do patrimônio no Ocidente, séculos XVIII-XXI.
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RIBEIRO, Isabel e SANTOS, Luisa. A indústria do papel na perspectiva da
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RIEGL, Aloïs. O culto moderno dos monumentos: sua essência e sua gênese.
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SÃO PAULO. Secretaria dos Negócios Metropolitanos. Empresa Metropolitana de
Planejamento da Grande São Paulo S/A. Secretaria Municipal de Planejamento.
Apoio: Capes e MackPesquisa
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desindustrialização: perspectivas para o resgate e conservação do patrimônio
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SERAPIÃO, Fernando. Anexos semelhantes têm materialidade e uso diversos.
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TOLEDO, Benedito Lima de. São Paulo: três cidades em um culo. São Paulo:
Livraria Duas Cidades, 1983.
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Apoio: Capes e MackPesquisa
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YURGEL, Marlene. Cinemateca Brasileira. Renascer no Matadouro. Revista Projeto
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TESES E DISSERTAÇÕES PESQUISADAS
ALLIS, Thiago. Turismo, patrimônio cultural e transporte ferroviário. Um estudo
sobre ferrovias turísticas no Brasil e na Argentina. 2006. Dissertação (Mestrado em
Integração da América Latina)- Universidade de São Paulo.
ANDRADE, Antonio Luis Dias de. Um estado completo que pode jamais ter existido.
1993. Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo)– Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo da Universidade de São Paulo.
ÁVILA, Rodrigo Pletikoszits de. Trabalho, memórias e preservação patrimonial na
Vila Marzagão (Sabará, MG). 2008. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.
BLANCO, Carmen Rita Furlani. O engenho central de Piracicaba como patrimônio
industrial: usos e ruídos do território urbanizado. 2007. Dissertação (Mestrado em
Geografia)- Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas.
CAMPAGNOL, Gabriela. Usinas de açúcar: habitação e patrimônio industrial. 2008.
Tese (Doutorado em Arquitetura e Urbanismo)- Escola de Engenharia de São Carlos
da Universidade de São Paulo.
D’ELIA, Alexandre. Análise do processo de reabilitação do edifico antigo Lanifício
Santista. 2008. Monografia (Especialização em Tecnologia e Gestão na Produção de
Edifícios)- Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.
Apoio: Capes e MackPesquisa
117
FONSECA, Filomena Pugliese. As águas do passado e os reservatórios do Guaraú,
Engordador e Cabuçu: um estudo de arqueologia industrial. 2007. Tese (Doutorado
em Arqueologia)- Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.
MOREIRA, Danielle Couto. Arquitetura ferroviária e industrial: o caso das cidades de
São João Del-Rei e Juiz de Fora [1875-1930]. 2007. Dissertação (Mestrado em
Arquitetura e Urbanismo)- Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de
São Paulo.
PAULETO, Ludmilla Sandim Tidei de Lima. Diretrizes para intervenção em
edificações ferroviárias de interesse histórico no Estado de São Paulo: as estações
da estrada de ferro noroeste do Brasil. 2006. Dissertação (Mestrado em Arquitetura
e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São
Paulo.
PASSARELLI, Silvia Helena Facciola. Proteção da paisagem ferroviária: memória e
identidade do bairro Estação São Bernardo (atual Santo André, SP). 2005. Tese
(Doutorado em Arquitetura e Urbanismo)- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo.
POZZER, Guilherme Pinheiro. A antiga estação da Companhia Paulista em
Campinas: estrutura simbólica transformadora da cidade (1872-2002). 2007.
Dissertação (Mestrado em História)- Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da
Universidade Estadual de Campinas.
RUFINONI, Manoela Rossinetti. A preservação do patrimônio industrial na cidade de
São Paulo: o bairro da Mooca. 2004. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e
Urbanismo)- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
________________________. Preservação e restauro urbano: teoria e prática de
intervenção em sítios industriais de interesse cultural. 2009. Tese (Doutorado em
Arquitetura e Urbanismo)- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade
de São Paulo.
VICHNEWSKI, Henrique Telles. As indústrias Matarazzo no interior paulista:
arquitetura fabril e patrimônio industrial (1920-1960). 2004. Dissertação (Mestrado
em História)- Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de
Campinas.
Apoio: Capes e MackPesquisa
118
VILAR, Dalmo Dippold. Água aos cântaros os reservatórios da Cantareira: um
estudo de arqueologia industrial. 2007. Tese (Doutorado em Arqueologia)- Museu de
Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo.
Apoio: Capes e MackPesquisa
119
ANEXO 1
LISTAGEM DE TRABALHOS
Apoio: Capes e MackPesquisa
120
Reproduzimos abaixo a contribuição do autor Henrique Telles Vichnewski que
em sua dissertação de mestrado, pelo Departamento de História da UNICAMP,
elenca boa parte da produção sobre o tema patrimônio industrial, corroborando
nossa observação de que no Brasil o assunto vem ganhando interesse nas últimas
décadas. A listagem elaborada por Vichnewski abrange artigos sobre patrimônio e
arqueologia industrial publicados em seminários, encontros e periódicos bem como
dissertações de mestrado e teses de doutorado realizadas a partir de 1986, em
função do Seminário Nacional de História e Energia realizado pelo Departamento
de Patrimônio Histórico da Eletropaulo em São Paulo, até 2004, ano de conclusão
de seu mestrado. O autor subdivide o levantamento feito em categorias: arquitetura
industrial, porto marítimo, mineração, engenhos e usinas de açúcar, cerâmica,
fábricas, arquitetura do ferro e ferroviária, abastecimento de água, paisagem urbano-
industrial.
1- Listagem dos principais trabalhos sobre Patrimônio e Arqueologia Industrial
no Brasil:
1986 Jo Lopes CORDEIRO, “Algumas questões para a salvaguarda do
Patrimônio Industrial”. In: Anais do 1o Seminário Nacional de História e Energia. São
Paulo: Eletropaulo, Departamento de Patrimônio Histórico, 1987. V.1.
1986 Eddy STOLS, “Arqueologia Industrial na Bélgica”. In: Anais do 1o Seminário
Nacional de História e Energia. São Paulo: Eletropaulo, Departamento de Patrimônio
Histórico, 1988. V.2.
1986 Ruy GAMA, “Arqueologia Industrial e História da Técnica”. In: Anais do 1o
Seminário Nacional de História e Energia. São Paulo: Eletropaulo, Departamento de
Patrimônio Histórico, 1988. V.2.
1986 Ulpiano Bezerra de MENEZES, “Patrimônio Industrial e Política Cultural”. In:
Anais do 1º Seminário Nacional de História e Energia. São Paulo: Eletropaulo,
Departamento de Patrimônio Histórico, 1988. V.2.
Apoio: Capes e MackPesquisa
121
1988 Ulpiano Bezerra de MENEZES, “Patrimônio Industrial e Museus: um campo
problemático”. Matéria publicada no periódico, Memória da Eletricidade Boletim
n.6, São Paulo.
1988 Mathilde BELLAIGUE, “Ecomuseus e Arqueologia Industrial”. Matéria
publicada no periódico, Memória da Eletricidade – Boletim n.6, São Paulo.
2002 Ronaldo André Rodrigues da SILVA, “Seria possível uma Arqueologia das
Organizações? As perspectivas de aplicação nas ciências empresariais”. In: Anais
do XXVII° ENANPAD, Salvador- Bahia, 2001.
2002 Ronaldo André Rodrigues da SILVA, “Arqueología industrial y los procesos
productivos: lãs relaciones político-económicas en un estudio de caso”. In: Anais do
XXXVII° CLADEA, Porto Alegre, 2002.
2003 Margarida D. ANDREATTA, “Arqueologia histórica industrial: um patrimônio
em São Paulo”. Publicado no Diário Oficial. Poder Executivo. Seção 1. Suplemento
São Paulo, v. 113, n. 18, 25 de janeiro de 2003, p.2.
2003 Andrey Rosenthal SCHLEE, “Arqueologia Industrial: resgatando espaços de
produção da Quarta Colônia de imigração italiana”. In: VII ENCONTRO DE TEORIA
E HISTÓRIA DA ARQUITETURA DO RIO GRANDE DO SUL, Passo Fundo-RS,
2003. Anais. Arquitetura Industrial. Passo Fundo, Universidade de Passo Fundo -
CD.
2003 Elane Ribeiro PEIXOTO, “Um ponto de vista sobre o Patrimônio Industrial”.
In: VII ENCONTRO DE TEORIA E HISTÓRIA DA ARQUITETURA DO RIO GRANDE
DO SUL, Passo Fundo-RS, 2003. Anais. Arquitetura Industrial. Passo Fundo,
Universidade de Passo Fundo - CD.
2004 Beatriz Mugayar KÜHL, “Questões Teóricas Relativas à Preservação de
Edifícios Industriais”. In: Desígnio Revista de História da Arquitetura e do Urbanismo.
São Paulo: Faculdade de Arquitetura e Urbanismo USP/Annablume, n. 1, março
de 2004.
Apoio: Capes e MackPesquisa
122
Arquitetura Industrial
1989 Helena SAIA, “Arquitetura e indústria: fábricas de tecido de algodão em São
Paulo, 1869-1930”. Dissertação de mestrado – FAU/USP.
2001 – Ana Elísia da COSTA, “A evolução do edifício industrial em Caxias do Sul: de
1880 a 1950”. Dissertação de mestrado – PROPAR/UFRGS.
2001 Ana Lúcia G. MEIRA, “Patrimonio industrial y cultura. La antigua usina del
Gasómetro en Porto Alegre, Brasil”. In: GUTIÉRREZ, Ramón, MORALES, Federico
Castro e MARTÍN, Marcelo (coords.). Preservación de la Arquitectura Industrial en
Iberoamérica y España. Cuadernos Del Instituto Andaluz del Patrimonio Histórico e
CEDODAL. Granada: El Partal, 2001.
2003 Mary Helle Moda BALLEIRAS, “Indústria e Habitação: arquitetura fabril no
interior de São Paulo”. Dissertação de mestrado – EESC/USP.
2003 Adriana Eckert MIRANDA, “A evolução do edifício industrial em Porto Alegre
de 1870 a 1950”. In: VII ENCONTRO DE TEORIA E HISTÓRIA DA ARQUITETURA
DO RIO GRANDE DO SUL, Passo Fundo-RS, 2003. Anais. Arquitetura Industrial.
Passo Fundo, Universidade de Passo Fundo - CD.
2003 Ana Elísia da COSTA, “A Fábrica e a Modernidade brasileira”. In: VII
ENCONTRO DE TEORIA E HISTÓRIA DA ARQUITETURA DO RIO GRANDE DO
SUL, Passo Fundo-RS, 2003. Anais. Arquitetura Industrial. Passo Fundo,
Universidade de Passo Fundo - CD.
2003 Mary Helle Moda BALLEIRAS, “Arquitetura Industrial: estruturas cambiantes
sete casos paulistas”. In: VII ENCONTRO DE TEORIA E HISTÓRIA DA
ARQUITETURA DO RIO GRANDE DO SUL, Passo Fundo-RS, 2003. Anais.
Arquitetura Industrial. Passo Fundo, Universidade de Passo Fundo - CD.
2003 Beatriz Mugayar KÜHL, “Arquitetura Industrial em São Paulo”. Publicado no
Diário Oficial. Poder Executivo. Seção 1. Suplemento São Paulo, v. 113, n. 18, 25 de
janeiro de 2003, p.2.
Apoio: Capes e MackPesquisa
123
Porto Marítimo
1998 Eliete P. Britto MAXIMINO, “Porto de Santos e o portinho dos piratas em
perspectivas: um estudo de arqueologia industrial”. Tese de doutorado
FFLCH/USP.
Mineração
1999 Lucilia KOTEZ, “FURNAS; Sítios arqueológicos industrial, testemunho da
história da mineração do chumbo no Vale do Ribeira/São Paulo”. Dissertação de
mestrado – FFLCH/USP.
Engenhos e Usinas de açúcar
1990 Esterzilda B. de AZEVEDO, “Arquitetura do açúcar: engenhos do recôncavo
baiano no período colonial”. São Paulo: Editora Nobel.
2003 Gabriela CAMPAGNOL, “Assentamentos agroindustriais: o espaço da
habitação em usinas de açúcar da região de Piracicaba”. Dissertação de mestrado
EESC/USP.
Cerâmica
1996 – Érika Marion Robrahn GONZALEZ, “Ocupação cerâmica pré-colonial no
Brasil Central: origens e desenvolvimento”. Tese de doutorado – FFLCH/USP.
2003 – José Hermes Martins PEREIRA, “Caminhos da louça em São Paulo: a
produção de faianças e porcelanas na capital paulista e região”. Publicado no Diário
Oficial. Poder Executivo. Seção 1. Suplemento São Paulo, v. 113, n. 18, 25 de
janeiro de 2003, p.4.
2003 – Roberto Carlos MASSEI, “Cerâmicas paulistas (Ourinhos, Barra Bonita e Itu):
um estudo de arqueologia industrial”. In: Caderno de Resumos do I Seminário
Internacional de História e IX Seminário de Pesquisa em História do DHI, Maringá-
PR, 2003. Universidade Estadual de Maringá – UEM.
Apoio: Capes e MackPesquisa
124
Fábricas
1991 Anicleide Zequini ROSSI, “O Quintal da Fábrica”. Dissertação de mestrado -
IFCH/UNICAMP.
1998 Anicleide Zequini ROSSI, “Personagens do Urbano: o saber itinerante e a
formação do proletariado na região de Itu 1869-1920”. Tese de doutorado
FFLCH/USP.
1999 José M. Amado MENDES, “Uma nova perspectiva sobre o patrimônio
cultural: preservação e requalificação de instalações industriais”, junto aos textos
dos debatedores Regina M. Prosperi Meyer e Raquel Rolnik, apresentados no
Seminário Internacional História e Energia. São Paulo: Fundação Patrimônio
Histórico da Energia de São Paulo, 2000.
1999 Andrey R. SCHLEE, “A arquitetura das charqueadas desaparecidas”. Tese
de doutorado – FAU/USP.
2003 Anicleide Zequini ROSSI, “O saber itinerante na construção do patrimônio
industrial”. Publicado no Diário Oficial. Poder Executivo. Seção 1. Suplemento São
Paulo, v. 113, n. 18, 25 de janeiro de 2003, p.3.
2003 Vivian da Silva PAULITSCH, “Rheingantz: uma vila operária em Rio Grande
– RS”. Dissertação de mestrado – IFCH/UNICAMP.
2003 Henrique Telles VICHNEWSKI, “As Indústrias Matarazzo: arquitetura e
construção fabril no interior do Estado de São Paulo (1920-1960)”. In: VII
ENCONTRO DE TEORIA E HISTÓRIA DA ARQUITETURA DO RIO GRANDE DO
SUL, Passo Fundo-RS, 2003. Anais. Arquitetura Industrial. Passo Fundo,
Universidade de Passo Fundo - CD.
2003 Manoela Rossinetti RUFINONI, “Patrimônio Histórico Industrial na cidade de
São Paulo: o Cotonifício Crespi”. In: VII ENCONTRO DE TEORIA E HISTÓRIA DA
ARQUITETURA DO RIO GRANDE DO SUL, Passo Fundo-RS, 2003. Anais.
Arquitetura Industrial. Passo Fundo, Universidade de Passo Fundo - CD.
Apoio: Capes e MackPesquisa
125
Arquitetura do Ferro e Ferroviária
1986 – Geraldo Gomes da SILVA, “Arquitetura do ferro no Brasil”. São Paulo: Nobel.
1998 Beatriz Mugayar KÜHL, “Arquitetura do Ferro e Arquitetura Ferroviária em
São Paulo: reflexões sobre a sua preservação”. São Paulo: Ateliê
Editorial/Fapesp/Secretaria da Cultura.
2000 – Fábio R. P. CYRINO, “Café, ferro e argila: a história da implantação e
consolidação da empresa The San Paulo (Brazilian) Railway Company Ltd. por
intermédio da análise de sua arquitetura”. Dissertação de mestrado – FAU/USP.
2001 Geraldo Gomes da SILVA, “Arquitectura del hierro en América Latina”. In:
GUTIÉRREZ, Ramón, MORALES, Federico Castro e MARTÍN, Marcelo (coords.).
Preservación de La Arquitectura Industrial en Iberoamérica y España. Cuadernos del
Instituto Andaluz Del Patrimonio Histórico e CEDODAL. Granada: El Partal, 2001.
2001 Jussara da Silveira DERENJI, “Construcciones en hierro en Belém do Pará a
finales del siglo XIX y su inserción en la ciudad actual”. In: GUTIÉRREZ, Ramón,
MORALES, Federico Castro e MARTÍN, Marcelo (coords.). Preservación de la
Arquitectura Industrial en Iberoamérica y España. Cuadernos del Instituto Andaluz
del Patrimonio Histórico e CEDODAL. Granada: El Partal, 2001.
2003 Marcelo de MORAES, “As vilas ferroviárias paulistas: arquitetura e as
relações urbanas nos núcleos habitacionais ferroviários”. Dissertação de mestrado
EESC/USP.
Abastecimento de água
1992 Rhoneds Aldora Rodrigues PEREZ, “Ocupação dos terraços fluviais do baixo
passa cinco: arqueologia experimental”. Dissertação de mestrado – FFLCH/USP.
2003 Filomena P. FONSECA, “Equipamento do engordador: testemunho
arqueológico industrial da captação de água na cidade de São Paulo”. Dissertação
de mestrado – FFLCH/USP.
Apoio: Capes e MackPesquisa
126
2003 Dalmo Dippold VILAR, “Arqueologia industrial e a evolução tecnológica do
abastecimento de água na cidade de São Paulo: dos franciscanos a Companhia
Cantareira”. Dissertação de mestrado – FFLCH/USP.
Paisagem urbano-industrial
1993 Emmanuel Antonio dos SANTOS, “Indústria e paisagem, a evolução urbano-
industrial e a transformação da paisagem: o caso deo José dos Campos”.
Dissertação de mestrado – FAU/USP.
A esta lista acrescentamos somente os trabalhos de mestrado e doutorado
desenvolvidos a partir de agosto de 2004 até maio de 2010, tendo como fonte de
consulta o Banco de Teses da Capes e o Banco de Dados Bibliográficos Dedalus/
USP, buscando contribuir para a divulgação do tema patrimônio industrial. As
palavras estabelecidas para a pesquisa nesses bancos de dados, ao longo do
primeiro semestre de 2010, foram: arqueologia industrial; patrimônio industrial ou da
industrialização; restauro ou preservação do patrimônio industrial/ da
industrialização; restauro ou preservação de edifícios industriais ou da arquitetura
fabril/industrial; restauro ou preservação da arquitetura ferroviária ou de estações
ferroviárias.
Tanto nos títulos como nas palavras chave o critério adotado foi de que o próprio
autor deveria ter enunciado a relação de seu trabalho com alguns desses termos
que são também relevantes nessa dissertação. Isso demonstraria algum grau de
aproximação e interesse na análise aqui desenvolvida.
Outros tipos de trabalho, tais como artigos sobre patrimônio e arqueologia
industrial publicados em reuniões científicas e periódicos, o foram contemplados,
pois não foram objetos de análise desta dissertação. Embora Vichnewski tenha
proposto uma divisão em categorias esta também não foi o objetivo da listagem aqui
apresentada. Os trabalhos levantados foram os seguintes:
Apoio: Capes e MackPesquisa
127
2004 - Henrique Telles VICHNEWSKI. “As indústrias Matarazzo no interior paulista:
arquitetura fabril e patrimônio industrial (1920-1960)”. Dissertação de mestrado -
IFCH/UNICAMP.
2004 - Manoela Rossinetti RUFINONI. “A preservação do patrimônio industrial na
cidade de São Paulo: o bairro da Mooca”. Dissertação de mestrado - FAU/USP.
2005 - Silvia Helena Facciola PASSARELLI. “Proteção da paisagem ferroviária:
memória e identidade do bairro Estação São Bernardo (atual Santo André, SP)”.
Tese de doutorado - FAU/USP.
2006 - Ludmilla Sandim Tidei de Lima PAULETO. “Diretrizes para intervenção em
edificações ferroviárias de interesse histórico no Estado de São Paulo: as estações
da estrada de ferro noroeste do Brasil”. Dissertação de mestrado - FAU/USP.
2006 - Thiago ALLIS. “Turismo, patrimônio cultural e transporte ferroviário. Um
estudo sobre ferrovias turísticas no Brasil e na Argentina”. Dissertação de mestrado -
USP.
2007 - Carmen Rita Furlani BLANCO. “O engenho central de Piracicaba como
patrimônio industrial: usos e ruídos do território urbanizado”. Dissertação de
mestrado - UNICAMP.
2007 - Danielle Couto MOREIRA. “Arquitetura ferroviária e industrial: o caso das
cidades de o João Del-Rei e Juiz de Fora [1875-1930]”. Dissertação de mestrado
- EESC/USP.
2007 - Dalmo Dippold VILAR. “Água aos cântaros os reservatórios da Cantareira:
um estudo de arqueologia industrial”. Tese de doutorado - MAE/USP.
2007 - Filomena Pugliese FONSECA. “As águas do passado e os reservatórios do
Guaraú, Engordador e Cabuçu: um estudo de arqueologia industrial”. Tese de
doutorado – MAE/USP.
2007 - Guilherme Pinheiro POZZER. “A antiga estação da Companhia Paulista em
Campinas: estrutura simbólica transformadora da cidade (1872-2002)”. Dissertação
de mestrado - IFCH/UNICAMP.
2008 - Alexandre D’ELIA. “Análise do processo de reabilitação do edifico antigo
Lanifício Santista”. Monografia de especialização – Poli/USP.
2008 - Gabriela CAMPAGNOL. “Usinas de açúcar: habitação e patrimônio industrial”.
Tese de doutorado - EESC/USP
Apoio: Capes e MackPesquisa
128
2008 - Rodrigo Pletikoszits de ÁVILA. “Trabalho, memórias e preservação
patrimonial na Vila Marzagão (Sabará, MG)”. Dissertação de mestrado – PUC/MG.
2009 - Manoela Rossinetti RUFINONI. Preservação e restauro urbano: teoria e
prática de intervenção em sítios industriais de interesse cultural”. Tese de doutorado
- FAU/USP.
Trabalhos levantados, mas que não chegaram a ser utilizados dado que seu
escopo não ia ao encontro da argumentação aqui apresentada:
2006 Luciano Ferreira da LUZ. “Os trilhos nas áreas urbanas: conflitos, desafios e
oportunidades em dez cidades paulistas”. Dissertação de mestrado – FFLCH/USP.
2007 - José Hermes Martins PEREIRA. “As bricas paulistas de louça doméstica:
estudo de tipologias arquitetônicas na área de patrimônio industrial”. Dissertação de
mestrado - FAU/USP.
2007 - Rita de Cássia FRANCISCO. “As oficinas da Companhia Mogiana de
estradas de ferro: arquitetura de um complexo produtivo”. Dissertação de mestrado -
FAU/USP.
2007 - Rodrigo Peronti SANTIAGO. “Memória e patrimônio cultural em ambientes
virtuais”. Dissertação de mestrado - EESC/USP.
2007 Thais Fátima dos Santos CRUZ. “Paranapiacaba: a arquitetura e urbanismo
de uma Vila Ferroviária”. Dissertação de mestrado - EESC/USP.
Trabalhos levantados, mas que não foi possível ter acesso:
2005 - Marco Henrique ZAMBELLO. “Ferrovia e memória: estudo sobre o trabalho e
a categoria dos antigos ferroviários da Vila Industrial de Campinas”. Dissertação de
mestrado - FFLCH/USP.
2006 Christine MÜLLER. “Vila ferroviária Ponte Preta - Campinas, SP passado e
futuro”. Dissertação de mestrado – PUC/Campinas.
2008 Bruno Bonesso VITORINO. “Patrimônio ameaçado: os grupos residenciais
construídos a 1930 no Brás, Mooca e Belém”. Dissertação de mestrado -
FAU/USP.
Apoio: Capes e MackPesquisa
129
ANEXO 2
ESTUDO DE CASOS
Apoio: Capes e MackPesquisa
130
1.0 - CINEMATECA BRASILEIRA
Fachada principal
Foto da autora. Jan. 2010.
Cinemateca Brasileira
Local:
Lg.Senador Raul Cardoso, 207 – Vila Clementino - São Paulo
Ano:
2007
Uso
original:
Matadouro Municipal de São Paulo (1887–1927)
Arquitetos:
Projeto iniciado por Lúcio Gomes Machado e Eduardo de Jesus
Rodrigues e finalizado por Nelson Dupré.
Área:
23.286,15 m
2
(terreno)
1.814,44 m
2
(intervenção)
Apoio: Capes e MackPesquisa
131
Localização da Cinemateca - imagem de satélite
Fonte: Google Earth. Acesso 30 nov. 2009
Apoio: Capes e MackPesquisa
132
1.1- HISTÓRICO: O EDIFÍCIO E A CIDADE
O antigo matadouro de Vila Mariana ou de Vila Clementino, como também era
conhecido, foi inaugurado em 21 de junho de 1887 sendo o projeto de autoria do
engenheiro, de origem alemã, Alberto Kuhlmann.
Fachada Principal
Fonte: http://www.bancanastari.com.br/. Acesso 02 dez. 2009.
A necessidade de sua construção vem da ineficiência do matadouro existente
nos arredores do que é hoje o Largo da Pólvora, na Liberdade, em função desde
1852. O velho matadouro da Rua Humaitá, como também era conhecido, além de
suas instalações precárias e insalubres, encontrava-se em área urbanizada o que
comportava uma série de inconvenientes como trânsito de boiadas pelas ruas da
cidade, o mau cheiro exalado de suas instalações e a imundice que despejava nas
águas do Anhangabaú.
220
Da construção desse velho matadouro até a construção do matadouro da Vila
Mariana a cidade de São Paulo passa de 10.000 a 39.997 habitantes em 1886. Era
então urgente a necessidade de se construir um edifico em local afastado de áreas
urbanizadas e que suprisse as deficiências do antigo. Inicialmente deveria ser
erguido em terreno próximo ao Campo das Perdizes, adquirido em 1879, mesmo
220
São Paulo. Secretaria dos Negócios Metropolitanos. Empresa Metropolitana de Planejamento da Grande São
Paulo S/A. Secretaria Municipal de Planejamento. Bens culturais arquitetônicos no município e na região
metropolitana de São Paulo. São Paulo, 1984, p.430.
Apoio: Capes e MackPesquisa
133
ano do primeiro concurso aberto pela Câmara Municipal. Mesmo sendo definida a
proposta vencedora o empreendimento não vingou.
A questão foi protelada até 1884 quando a Câmara Municipal viu-se obrigada a
abrir mão do monopólio na matança do gado para os açougueiros e seus
estabelecimentos comercias já que o antigo matadouro não comportava mais o
volume de reses a serem abatidas para o suprimento da população. Kuhlmann,
formado pela Escola Politécnica do Rio de Janeiro, vence o concurso aberto pela
Câmara Municipal, em 1884, batendo o projeto de Ramos de Azevedo. Foi também
projetista e consultor da Companhia Carris de Ferro São Paulo a Santo Amaro que
no começo do séc. XX torna-se concessionária da São Paulo Tramway Light and
Power Company Ltd.
221
A estrada de ferro São Paulo - Santo Amaro, de bitola estreita e locomotivas a
vapor, partia da Rua Vergueiro, no Largo São Joaquim, em direção a Vila Mariana,
primeira estação da linha, e prosseguia pela Saúde, Encontro, Volta Redonda até
seu destino final. Após a construção do matadouro um ramal ferroviário o ligou à
Estação Vila Mariana, proporcionando o transporte da carne para o Largo de São
Joaquim que dali era distribuída para os açougues.
Detalhe do ramal ferroviário que chegava até o matadouro
Fonte: http://www.fbcu.com.br/2005/fotos/homenagem/cinemateca_brasileira1.jpg
Acesso 02 dez. 2009.
221
Ibid., p.431.
Apoio: Capes e MackPesquisa
134
Nesse período, é importante lembrar, a Vila Mariana era um núcleo incipiente
com população dispersa em pequenas chácaras e a realização do matadouro e da
ferrovia foram decisivos no processo de urbanização e no povoamento dessa
região.
222
As atividades do matadouro duram exatamente quarenta anos sendo desativado
em 1927, praticamente, pelas mesmas razões que levaram o matadouro da Rua
Humaitá a ser substituído. Em quarenta anos a cidade o havia incorporado, o
volume de água do Córrego do Sapateiro não era mais suficiente para o escoamento
dos detritos produzidos, as instalações se tornaram insalubres e fora dos padrões de
higiene e enfim comportava apenas um terço do abate necessário para suprir as
necessidades de uma população que contava, na época, com aproximadamente
600.000 habitantes.
223
Não foi construído um matadouro moderno e condizente com as novas
proporções da cidade, pois os constantes problemas financeiros enfrentados pelos
cofres públicos não o permitiram. A responsabilidade de abastecimento de carne na
capital foi transferida para os grandes frigoríficos nacionais e estrangeiros que
tinham, até então, permissão somente para o abate destinado à exportação e
fabricação de subprodutos.
224
O edifício, entre 1893-1927, esteve submetido em diversas ocasiões, a pequenos
reparos e reformas e nunca esteve em condições de funcionamento ideais. Ao
mesmo tempo nunca foi uma empresa deficitária.
225
Em 1938 o prédio que pertencia a então Secretaria da Higiene passou para
propriedade da antiga Secretaria de Viação e Obras Públicas. Em 1968 a ILUME,
Departamento da Iluminação Pública, ocupou o edifício que passou a ser utilizado
como depósito de materiais elétricos.
226
Em 1988, a Prefeitura do Município de São Paulo cedeu a área para a
Cinemateca Brasileira, que se responsabilizou pelo projeto de restauração dos
edifícios históricos e pela ocupação adequada do seu entorno. Fundada em 1940 a
222
Ibid., p.431.
223
Ibid., p.431-432.
224
Ibid., p.432.
225
Idem.
226
Idem.
Apoio: Capes e MackPesquisa
135
Cinemateca é vinculada ao Ministério da Cultura sendo responsável pela
preservação e divulgação da produção audiovisual brasileira. Desde 1997 a
Cinemateca ocupa o prédio que pertencia ao matadouro. O conjunto foi tombado
pelo CONDEPHAAT e pelo CONPRESP, órgãos de preservação do patrimônio em
âmbito estadual e municipal, respectivamente.
227
1.2 - O EDIFÍCIO E SUA IMPLANTAÇÃO
De acordo com o levantamento realizado pela SEMPLA/EMPLASA o matadouro
foi construído utilizando a técnica do tijolo aparente, a exemplo das estações
ferroviárias e dos edifícios industriais da época. O conjunto é constituído
basicamente por três galpões dispostos paralelamente, ladeados por prédios
menores de diferentes épocas. Duas dessas construções menores o um pouco
recuadas em relação ao Largo Senador Raul Cardoso e as outras três eram
residências duas no interno do lote e outra, hoje demolida, com acesso direto pela
atual Rua Sena Madureira. O matadouro contava ainda com uma caixa d’água de
refinada construção.
Atrás do conjunto ficavam as mangueiras e os chiqueiros também desaparecidos.
Remanescentes do muro de fechamento e muro de arrimo permitiam até 1994 traçar
em linhas gerais a configuração original do conjunto.
Os galpões possuíam modulação longitudinal em função do espaçamento das
tesouras de madeira que sustentavam o telhado de duas águas com lanternim. As
telhas utilizadas eram do tipo francesa, procedentes de Marselha. O assentamento
dos tijolos segue aparelhamento comum e o arremate de vãos e platibandas
apresenta tijolos recortados de diferentes tipos.
No galpão central era feita matança e esquartejamento das reses. O da esquerda
era utilizado como tendal, onde a carne descansava antes de ser distribuída para os
açougues. No volume menor, ao lado, estavam a casa do zelador com acesso direto
227
MELENDEZ, Adilson. Cobertura de vidro estabelece relação entre antigos galpões. Revista Projeto Design,
São Paulo, n. 339, pp.82-89, maio 2008.
Apoio: Capes e MackPesquisa
136
pela rua e, nos fundos, sala para matança de carneiros e vitelos. O galpão da direta
era reservado ao esquartejamento dos porcos e abrigava também um pequeno
laboratório e sala de máquinas. No volume menor, deste lado, localizava-se a
administração, o almoxarifado e a sala para matança de porcos.
O conjunto está implantado numa área de aproximadamente 17.000 metros
quadrados circundada por residências, entre dois e quatro pavimentos, exceção feita
a Rua Sena Madureira.
O Largo Senador Raul Cardoso, com piso de paralelepípedos em 1982,
apresentava a conformação atual nos mapas de 1930 resultando do pátio de
manobras dos bondes que transportavam a carne para o largo São Joaquim e,
depois, para o Largo São Paulo. De dimensões generosas o Largo permite boa
visibilidade do conjunto integrando-o, ao mesmo tempo, ao espaço urbano que o
circunda.
228
1.3 – O DESTINO DADO À EDIFICAÇÃO
Inicialmente o projeto arquitetônico de restauração e adaptação, de autoria dos
arquitetos Lúcio Gomes Machado e Eduardo de Jesus Rodrigues, previa o restauro
dos galpões como se encontravam no início do século, com algumas alterações em
relação ao projeto original. Previa ainda a construção de uma nova edificação com
dois pavimentos semi-enterrados, uma praça central para eventos ao ar livre e
instalações especiais em área atrás dos galpões, adotando sistemas construtivos
modulares e, quando possível, industrializados, a fim de reduzir custos de
implantação e manutenção, bem como possibilitar maior versatilidade de uso. O
projeto foi pensado com a possibilidade de funcionamento dos módulos
independentemente da conclusão do conjunto da obra. Em 1989 inicia-se o
processo de restauração dos galpões idealizado pelos arquitetos Lúcio Gomes
228
A descrição feita no ponto 3.1.2 é baseada na publicação da SEMPLA/EMPLASA, mencionada, Bens
Culturais Arquitetônicos no Município e na Região Metropolitana de São Paulo. São Paulo, 1984 , p. 432.
Apoio: Capes e MackPesquisa
137
Machado e Eduardo de Jesus Rodrigues. Até 1994 apenas a edificação que iria
abrigar a sede da Sociedade de Amigos da Cinemateca (SAC) estava em obras.
229
Em 2000, no entanto, as intervenções passam a ser coordenadas pelo arquiteto
Nelson Dupré. Com o ingresso de uma nova diretoria executiva na instituição, no
final de 2003, dinamizaram-se as ações em várias áreas, entre as quais se incluiu a
aceleração da recuperação física das instalações.
230
Implantação Cinemateca Brasileira
Fonte: Revista Projeto Design, São Paulo, n. 339, p. 88, mai. 2008.
O objeto desta intervenção foi o edifício situado na lateral esquerda do conjunto.
O arquiteto segue a conduta de não buscar restaurar o que poderiam ser os
elementos originais da edificação preferindo assimilar e evidenciar as alterações
229
YURGEL, Marlene. Cinemateca Brasileira. Renascer no Matadouro. Revista Projeto Design, São Paulo, n.
175, p.78, jun. 1994.
230
O desenvolvimento do texto a seguir é baseado no artigo mencionado de Adilson Melendez, Cobertura de
vidro estabelece relação entre antigos galpões publicado na Revista Projeto Design, São Paulo, n. 339, pp.82-89,
maio 2008.
Apoio: Capes e MackPesquisa
138
realizadas ao longo dos anos. O novo programa se mostra claro na tentativa de não
entrar em conflito com o histórico.
Os antigos portões dos acessos da Cinemateca
Brasileira foram substituídos por vedação com
vidro transparente buscando integrar-se
visualmente à calçada frontal ampliada. A solução
de transparência foi também adotada na cobertura
do percurso externo que conecta os três galpões
do conjunto. Protegida no centro e com laterais
vazadas para facilitar a circulação do ar, ela é
fixada nas paredes com a ajuda de tirantes. No
geral, é plana - a ligeira variação no formato na
área de acesso deriva do que se supõe que fosse
a cobertura original daquele trecho do matadouro.
Portões envidraçados de acesso á Cinemateca
Fonte: http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/nelson-dupre-centro-cultural-17-03-2009.html
Acesso 18 ago. 2008.
Cobertura de vidro, fixada por tirantes à alvenaria, que permite a conexão entre os galpões
Fotos da autora. Jan. 2010.
Apoio: Capes e MackPesquisa
139
Cobertura de vidro, fixada por tirantes à alvenaria, que permite a conexão entre os galpões
Fotos da autora. Jan. 2010.
No galpão onde se situam o salão de eventos e a Sala BNDES, além da área
de apoio e da cozinha, as janelas laterais e frontais foram recompostas com
esquadrias metálicas e vidros. Com isso, foi possível trazer para o interior desses
ambientes uma luminosidade de que não desfruta o bloco paralelo (que abriga a
Sala Petrobrás, outro espaço de exibição). O piso é de cimento queimado; no teto,
com forro claro, nota-se a estrutura do telhado do tipo shed. As paredes de tijolo
aparente ostentam sua irregularidade, mostrando que os fechamentos não foram
efetuados no mesmo momento.
Na parte frontal da edificação, foi mantido e protegido com piso envidraçado
um trecho dos trilhos do trem que trazia os animais para o abate, descobertos
durante as obras. Na cobertura, não foi possível recompor a estrutura de madeira,
muito danificada. Dupré realizou pesquisas para descobrir como ela foi montada e
redesenhou com perfis metálicos as tesouras sobre as quais se apóiam telhas
cerâmicas do tipo francesa.
Apoio: Capes e MackPesquisa
140
Detalhe das tesouras metálicas redesenhadas pelo arquiteto Nelson Dupré
Detalhe do trilho do trem que chegava ao matadouro
Fotos da autora. Jan. 2010.
Sala BNDES:
as aberturas originais foram mantidas, mas a sala adquire condições de luminosidade ideais
para projeção através de dispositivos automáticos.
Fonte: http://www.arcoweb.com.br/arquitetura/nelson-dupre-centro-cultural-17-03-2009.html.
Acesso 18 ago. 2008.
Apoio: Capes e MackPesquisa
141
No fundo do galpão, a nova sala de cinema, com 230 lugares, oferece visão
perfeita de qualquer ponto da platéia. Como foram mantidas as aberturas nas
laterais, um dispositivo comanda a abertura e o fechamento das cortinas, para
produzir as condições adequadas para a exibição de filmes. O anexo na lateral
direita da sala - uma caixa de vidro com estrutura metálica, contida dentro de
paredes parcialmente arruinadas - foi reservado para acomodar futuramente, no
nível térreo, um café. No mezanino estão localizadas as áreas de trabalho.
Pátio Interno Cinemateca
Foto da autora. Jan. 2010.
Pátio Interno.
A parede lateral, estabilizada, foi mantida no aspecto como foi encontrada.
Fotos da autora. Jan. 2010.
Apoio: Capes e MackPesquisa
142
Fonte: Revista Projeto Design, São Paulo, n. 339, p. 89, mai. 2008.
Apoio: Capes e MackPesquisa
143
Fonte: Revista Projeto Design, São Paulo, n. 339, p. 88, mai. 2008.
Apoio: Capes e MackPesquisa
144
Fonte: Revista Projeto Design, São Paulo, n. 339, pp. 86-87, mai. 2008.
Apoio: Capes e MackPesquisa
145
2.0 – INSTITUTO CRIAR DE TELEVISÃO E CINEMA
Fachada galpão principal
Foto da autora. Jan. 2010.
Instituto Criar de Televisão e Cinema
Local:
Rua Sólon, 1121 – Bom Retiro - São Paulo
Ano:
2004
Uso original:
Indústria Têxtil (provavelmente início do séc. XX)
Arquitetos:
Arq. Silvio Oksman e Arq. Fernanda Neiva
Área
:
2.700 m
2
(terreno)
Apoio: Capes e MackPesquisa
146
Localização do Instituto Criar de Televisão e Cinema - imagem de satélite
Fonte: Google Earth. Acesso 30 nov. 2009.
Apoio: Capes e MackPesquisa
147
2.1 – O EDIFÍCIO E SUA LOCALIZAÇÃO
O galpão industrial, que hoje abriga o Instituto Criar de Televisão e Cinema,
remonta, provavelmente, ao principio do século XX e é caracterizado por sua
estrutura em alvenaria de tijolos cerâmicos, cobertura em tesouras de madeira e pé-
direito alto.
231
Localizado no Bom Retiro o edifício abrigou, em sua origem, uma fábrica têxtil,
atividade historicamente ligada a este bairro da cidade de São Paulo. Ao longo do
tempo teve vários locatários, quase todos do setor industrial. Foi sede de uma
estamparia e depois de um stand de tiro. A cada nova atividade se sobrepunham
novas estruturas à original.
232
O edifício está implantando em um terreno que possui formato incomum
apresentando uma frente estreita e alargando-se ao fundo para um dos lados, onde
foi construído o galpão. Na outra extremidade, prolonga-se além do alinhamento do
atual bloco administrativo, construção mais recente ao galpão, na forma de cunha.
233
2.2 – USO ATUAL E A ESCOLHA DO LOCAL
O Instituto Criar de Televisão e Cinema, idealizado pelo apresentador de
televisão Luciano Huck, é uma organização o-governamental que tem por
iniciativa capacitar jovens de baixa renda para o mercado de trabalho na indústria de
entretenimento, sobretudo o cinema e a televisão, oferecendo para tal fim cursos
técnicos.
234
A intenção do Instituto é a de formar jovens na área de produção audiovisual, ou
seja, profissionais de edição, câmera, maquiagem e cabelo, roteiro, cenografia,
231
TAGLIAFERRI, Mariarosaria; PAREDES, Cristina. Industrial Chic – Reconverting Spaces. Seixal: Lisma, 2006,
p. 13.
232
NEIVA, Fernanda; OKSMAN, Silvio. Instituto Criar de TV e Cinema São Paulo, SP. Disponível em
<http://mdc.arq.br/2006/04/01/exposicao-virtual-de-arquitetura/>. Acesso em: 30 nov. 2009.
233
MELENDEZ, Adilson. Op. cit.
234
Idem.
Apoio: Capes e MackPesquisa
148
iluminação, operadores de som e editores de áudio e vídeo, figurino, computação
gráfica e produção figurinistas, cinegrafistas.
235
Nos últimos anos com a migração da atividade têxtil, tradicionalmente
desenvolvida no bairro do Bom Retiro, para outras regiões começa o processo de
esvaziamento dessa parte da cidade. A opção de instalar o Instituto Criar neste
bairro também levou em consideração a possibilidade de aproveitar essas estruturas
urbanas existente e participar assim do processo de requalificação da área. Outro
fator determinante foi a facilidade de acesso, devido a proximidade ao metrô, a
corredores de ônibus e à Estação da Luz, fator fundamental para os estudantes da
instituição que, na sua maioria, utilizam o transporte público.
236
2.3 – ANÁLISE DO PROJETO
A idéia inicial foi a de retirar todas as interferências sobrepostas ao longo do
tempo, ou seja, mezaninos, alvenarias, caixilharia e, inclusive, os sucessivos
revestimentos procurando devolver a construção sua configuração original.
237
Com a
retirada dos revestimentos a alvenaria de tijolos cerâmicos, método construtivo
utilizado na construção de galpões industriais dessa época, ficou aparente. Nesse
processo de decapagem, foram descobertas aberturas em arco que haviam sido
fechadas nas sucessivas ocupações. Mas também durante esta intervenção
houveram perdas causadas pela desagregação de pedaços de tijolos. Procurou-se
então adicionar, a técnica de lavagem dos tijolos, um produto de contenção da
erosão e consolidação das partes soltas. Foram propostos, sempre dentro do
conceito de baixa interferência e harmonia a arquitetura existente, acabamentos
realizados com materiais simples, como o cimento queimado adotado no piso, tendo
em vista ainda a necessidade de controlar os custos de obra para o comprometer
sua atividade-fim.
238
235
NEIVA, Fernanda; OKSMAN, Silvio, op. cit.
236
Idem.
237
Idem.
238
MELENDEZ, Adilson, op. cit.
Apoio: Capes e MackPesquisa
149
Detalhe fachada (decapagem)
Foto da autora. Jan. 2010.
A premissa que direcionou o projeto, segundo os arquitetos, foi, portanto a de
distribuir as novas instalações interferindo o mínimo possível na construção original
e possibilitar uma distinção clara entre a nova intervenção e o esqueleto do antigo
galpão. Com esta finalidade foi utilizada a alvenaria estrutural de blocos de concreto
e elementos metálicos para reforço e consolidação da estrutura existente.
239
O programa, desenvolvido pelos arquitetos Silvio Oksman e Fernanda Neiva para
atender as necessidades educacionais do Instituto Criar, era semelhante ao de uma
escola. O espaço é justamente chamado de Estúdio Escola e foi estruturado e
equipado como uma produtora profissional, porém com fins didáticos. Para tal foi
prevista a construção de dois estúdios de gravação, tendo o estúdio principal 155
metros quadrados, tratamento acústico e térmico; dezessete oficinas; marcenaria;
ilhas de edição; switcher; ilhas de finalização; ilhas de web; laboratório digital; sala
de vídeo; sala de cabelo e maquiagem; sala de figurino; espaço de produção;
biblioteca e videoteca; sala para os professores. A cozinha, o refeitório, os vestiários
239
NEIVA, Fernanda; OKSMAN, Silvio, op. cit.
Apoio: Capes e MackPesquisa
150
e escritórios administrativos foram distribuídos no bloco anexo ao galpão principal e
de construção mais recente.
240
Planta Pavimento Térreo
Fonte: Revista Projeto Design, São Paulo, n. 299, p. 69, jan. 2005.
Fonte: Revista Projeto Design, São Paulo, n. 299, p. 65, jan. 2005.
240
Informações disponíveis no site do Instituto Criar de Televisão e Cinema <http://www.institutocriar.org/>
Acesso em: 30 nov. 2009.
Apoio: Capes e MackPesquisa
151
No pavimento térreo do galpão principal foram inseridas duas alas de salas de
aulas, separadas pela circulação central pensada como uma área de convivência e
de integração entre os alunos. Este espaço pode ser utilizado ainda para palestras,
exposições e atividades multidisciplinares. Dessa forma é possível acompanhar
todas as atividades que se desenvolvem no instituto.
241
Circulação e sala de aula. Detalhe da estrutura da cobertura em metal e madeira que foi mantida.
Sala de aula. Detalhe perfis metálicos que estruturam os caixilhos e forros e o fechamento em blocos de
concreto das salas de aulas.
Fotos da autora. Jan. 2010.
Mezanino
Foto da autora. Jan. 2010.
241
NEIVA, Fernanda; OKSMAN, Silvio, op. cit.
Apoio: Capes e MackPesquisa
152
Blocos estruturais de concreto arrematados por perfis metálicos, que também
estruturam cobertura e forro, definem as salas de aula.
242
Planta Pavimento Superior
Fonte: Revista Projeto Design, São Paulo, n. 299, p. 69, jan. 2005.
Numa das alas, extensos caixillhos, voltados tanto para a circulação como
para a doca, propiciam a permeabilidade interior/exterior. No pavimento superior, à
direita de quem entra, se encontra a sala de leitura, aberta para a circulação do
térreo. Ao fundo, finalizando esse percurso, fica o estúdio principal.
243
242
MELENDEZ, Adilson, op. cit.
243
Idem.
Apoio: Capes e MackPesquisa
153
Vista da área da doca
Foto da autora. Jan. 2010.
Vista biblioteca (térreo). Vista de uma das alas das salas de aulas
Foto da autora. Jan. 2010.
Apoio: Capes e MackPesquisa
154
3 - ESTAÇÃO CIÊNCIA/USP
Fachada principal Rua Guaicurus
Foto da autora. Jan. 2010.
Estação Ciência/USP
Local:
Rua Guaicurus, 1.394 – Lapa - São Paulo
Ano:
1987
Uso original:
Indústria Têxtil (provavelmente início do século XX)
Arquitetos:
Lúcio Gomes Machado, Marlene Yurgel e Eduardo de Jesus
Rodrigues
Área
:
4.500 m
2
(aproximadamente)
Apoio: Capes e MackPesquisa
155
Localização da Estação Ciência/USP - imagem de satélite
Fonte imagem: Google Earth. Acesso 30 nov. 2009.
Apoio: Capes e MackPesquisa
156
Vista da Rua Scipião
Foto da autora. Jan. 2010.
Vista da passarela da Estação Lapa
Fonte http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=734948.
Acesso 30 nov. 2009.
Apoio: Capes e MackPesquisa
157
3.1 – O EDIFÍCIO E SUA HISTÓRIA
A atual Estação Ciência localiza-se na Lapa, bairro da zona oeste de o Paulo,
que desenvolveu-se durante o século XX, e de caráter, inicialmente, industrial e
proletário. O conjunto, constituído por dois grandes galpões e construções anexas,
no final da Rua Guaicurus, ao lado da estação do trem metropolitano da FEPASA,
foi construído no início do século XX para abrigar uma tecelagem. Um grande pátio
interno, limitado pelas antigas plataformas ferroviárias da fábrica confere ao conjunto
um aspecto original.
244
Em 1936, um incêndio quase acabou com este patrimônio. Reconstruídos, logo
em seguida, os galpões passaram ao patrimônio do Estado de São Paulo, tendo
sido ocupados como posto de sementes da Secretaria da Agricultura do Estado de
São Paulo. Outros órgãos governamentais, como Policia Militar, Fundo Social de
Solidariedade e FEPASA, também o utilizaram até a década de 1970.
245
Os galpões de modulação, aproximadamente, 11x30 metros caracterizados pela
alvenaria de tijolos aparentes, estrutura de concreto e sheds, receberam uma rie
de intervenções, no decorrer do tempo, em função das mudanças de uso e
programa que o conjunto sofreu.
246
Algumas dessas adaptações e acréscimos
comprometeram as características arquitetônicas do complexo como a realização de
um pavimento possibilitado pelo pé-direito de seis metros do galpão.
247
244
HISTÓRIA preservada a serviço da Ciência. In: Revista Projeto Design, São Paulo, n. 102, pp. 226-230, ago.
1987
245
Idem.
246
Idem.
247
Informações disponíveis no site da Estação Ciência/USP <http://www.eciencia.usp.br/ec/index.html>. Acesso
em: 02 dez. 2009.
Apoio: Capes e MackPesquisa
158
Vista interna
Fonte: http://www.rogeriosilveira.jor.br/reportagem2008_09_25_estacao_ciencia_
exposicao_vias_do_coracao.php.
Acesso 02 dez. 2009.
Em 1985, com as discussões sobre o Terminal Rodoviário da Lapa,
moradores e comerciantes do bairro reivindicaram a conservação dos galpões,
vizinhos à Estação Ferroviária da FEPASA. Para tal fim foi criada a Comissão de
Preservação e Utilização dos Galpões onde arquitetos, artistas e engenheiros
alegavam o valor histórico dos galpões como testemunho da arquitetura industrial
típica do início do século e do trabalho da colônia italiana, instalada na região, e dos
operários em geral.
248
No fim deste mesmo ano, o CONDEPHAAT começou a
elaborar um projeto para o tombamento dos galpões, em razão de seu significado na
história da industrialização de São Paulo e da urbanização do bairro da Lapa,
vetando a demolição ou qualquer alteração na estrutura do prédio.
249
248
Idem.
249
HISTÓRIA preservada a serviço da Ciência, op. cit.
Apoio: Capes e MackPesquisa
159
Elevação Posterior Fonte:
http://www.rogeriosilveira.jor.br/reportagem2008_09_25_estacao_ciencia_
exposicao_vias_do_coracao.php.
Acesso 02 dez. 2009.
Em 19 de dezembro de 1986 o Governo do Estado de São Paulo, através do
decreto n. 26.492, cede o uso seis módulos totalizando uma área de 1.915 ao
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), para a
instalação do Centro de Ciência para a Juventude. A Estação Ciência é então
inaugurada em 24 de junho de 1987 apesar de a idéia ter surgido no início da
década de 1970, quando foi fundada a Academia de Ciências do Estado de São
Paulo. O Governo cede então, num segundo tempo, mais três módulos do edifício e
finalmente os restantes, na administração da Estação Ciência pela USP o que
aconteceu a partir de 1990.
250
Em maio de 2009 os galpões da Estação Ciência
foram tombados pelo CONPRESP.
251
250
Idem.
251
SILVA, Vânia. Impacto com delicadeza. Revista AU - Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, n. 184, pp. 42- 47,
jul. 2009.
Apoio: Capes e MackPesquisa
160
Fachada principal Rua Guaicurus
Fonte:http://www.rogeriosilveira.jor.br/reportagem2008_09_25_estacao_ciencia_
exposicao_vias_do_coracao.php.
Acesso em 02 dez. 2009.
3.2 – O PROJETO DE RECONVERSÃO
A Estação Ciência/ USP foi pensada para ser um centro de ciências interativo
que realizasse exposições e atividades nas áreas de astronomia, meteorologia,
física, geologia, geografia, biologia, história, informática, tecnologia, matemática,
humanidades, além de cursos, eventos e outras atividades, com o objetivo de
popularizar a ciência e promover a educação científica de forma lúdica e prazerosa.
O nome, assim como o primeiro logotipo, foi sugerido pelo publicitário Washington
Olivetto e fazia alusão as “viagens, que o projeto pode proporcionar, ao mundo do
conhecimento científico, a idéia de passado e futuro, de educação e diversão e
ainda devido a proximidade à estação ferroviária e ao metrô”.
252
O logotipo atual foi
redesenhado recentemente e apresenta a ciência como um ciclo em constante
transformação.
253
252
Informações disponíveis no site da Estação Ciência/USP <http://www.eciencia.usp.br/ec/index.html>. Acesso
em: 02 dez. 2009.
253
SILVEIRA, Rogério. Domingo é o último dia da exposição Vias do Coração na Estação Ciência. 2008.
Disponível em
<http://www.rogeriosilveira.jor.br/reportagem2008_09_25_estacao_ciencia_exposicao_vias_do_coracao.php>.
Acesso em: 02 dez. 2009.
Apoio: Capes e MackPesquisa
161
Acesso a Estação Ciência/USP
Fotos da autora. Jan. 2010.
Vista do galpão do pátio interno
Fonte: Revista Projeto Design, São Paulo, n. 102, p. 229, ago. 1987.
A idéia de implantar um museu vivo de ciências era a de destiná-lo aos jovens
estudantes da região metropolitana permitindo assim a recuperação do edifício não
do ponto de vista de sua arquitetura, mas também através de sua recolocação
no contexto da vida do bairro.
254
O projeto foi elaborado com a participação de um grupo de sessenta
profissionais do CNPq e a colaboração de universidades, órgãos governamentais e
empresas. O desenvolvimento do projeto foi realizado pelos arquitetos Lucio Gomes
254
HISTÓRIA preservada a serviço da Ciência, op. cit.
Apoio: Capes e MackPesquisa
162
Machado, Marlene Yurgel e Eduardo de Jesus Rodrigues e, segundo dados da
própria instituição, a afluência anual média é de 400 mil pessoas, entre escolares e
público geral. Além das atrações permanentes, há exposições, cursos, oficinas de
artes nicas e projetos educacionais. O ABC na Educação Científica Mão na
Massa desenvolve projetos científicos para crianças do ensino fundamental. O Clicar
oferece educação não formal para crianças e adolescentes em situação de risco
social.
255
O projeto de restauro foi norteado pela diretriz de preservar, sempre que
possível, as contribuições simultâneas dos vários usos dados ao edifício. Procurou-
se assim valorizar os materiais originais, particularmente a alvenaria, detalhes de
argamassa e cobertura em telhas tipo marselhesa, recompondo, com novos
materiais, um espaço fabril e um espaço para as exposições. Do mesmo modo, foi
mantida a estrutura de concreto armado encontrada em dois dos módulos,
viabilizando a localização de parte das funções em um pavimento superior. O estudo
cromático visou, por seu turno, tornar claras as áreas onde houve intervenção ou
onde se localizam usos diversos daqueles para os quais o edifício havia sido
originalmente construído. As questões de conforto térmico dos ambientes de
exposições e de trabalho técnico foram tratadas com estudo específico resultando
na construção de forro de madeira sob os caibros da estrutura do telhado e a
colocação de isolante térmico entre as telhas e o forro. Foi ainda projetado um
sistema de ventilação forçada por tubulação aparente, cujas formas reforçam a idéia
de um ambiente fabril.
256
O programa se desenvolve em dois pavimentos. No primeiro pavimento
acontecem as atividades ligadas à física, ou seja, os experimentos de cinética,
mecânica, eletricidade, eletromagnetismo, termodinâmica, meteorologia, óptica e
astronomia; a química; a matemática com atividades que estimulam o raciocínio dos
visitantes; ao espaço tecnológico e as ciências da terra num espaço com painéis e
maquetes sobre preservação ambiental, geologia e paleontologia. Neste pavimento
encontramos ainda um auditório com capacidade para 190 pessoas, provido de
255
Informações disponíveis no site da Estação Ciência/USP <http://www.eciencia.usp.br/ec/index.html>. Acesso
em: 02 dez. 2009.
256
HISTÓRIA preservada a serviço da Ciência, op. cit.
Apoio: Capes e MackPesquisa
163
todos os requisitos de conforto térmico, acústico e visual; camarim e sala de controle
equipada.
257
Planta Pavto. Térreo e Mezanino conforme projeto original – fase 1
Fonte: Revista Projeto Design, São Paulo, n. 102, p. 228, ago. 1987.
257
Informações disponíveis no site da Estação Ciência/USP <http://www.eciencia.usp.br/ec/index.html>. Acesso
em: 02 dez. 2009.
Apoio: Capes e MackPesquisa
164
Corte auditório
Fonte: Revista Projeto Design, São Paulo, n. 102, p. 228, ago. 1987.
Corte Transversal da Área Expositiva
Fonte: Revista Projeto Design, São Paulo, n. 102, p. 228, ago. 1987.
Corte Longitudinal da Área Expositiva
Fonte: Revista Projeto Design, São Paulo, n. 102, p. 229, ago. 1987.
Apoio: Capes e MackPesquisa
165
Vista interna – estrutura do telhado
Foto da autora. Jan. 2010.
Imagem pavimento térreo.
Espaço expositivo destinado as ciências da terra e a física
Foto da autora. Jan. 2010.
Apoio: Capes e MackPesquisa
166
Imagem pavimento térreo. Espaço destinado as ciências da terra e a física
Imagem mezanino.
Foto da autora. Jan. 2010.
No mezanino encontra-se o espaço dedicado as ciências humanas,
com maquetes que ilustram a organização das cidades medievais européias e seus
respectivos costumes, e o espaço dedicado as ciências biológicas com
experimentos de observação a animais, aquáticos e anfíbios, e ao corpo humano.
Além disso, presta-se a eventos e exposições temporárias contando ainda com duas
salas multiuso para cursos, treinamentos, reuniões e sala de apoio ao visitante.
Neste pavimento encontra-se por fim o setor administrativo da Estação da
Ciência.
258
Imagens do mezanino e da rampa de acesso
Fotos da autora. Jan. 2010.
258
HISTÓRIA preservada a serviço da Ciência, op. cit.
Apoio: Capes e MackPesquisa
167
3.3 – PROJETOS RECENTES
Em 2009 a Estação Ciência recebeu mais dois projetos que buscaram, pela
linguagem adotada, uma integração com a arquitetura ferroviária e industrial
existentes.
A Estação ganhou uma cafeteria cuja proposta não é recente, datando
efetivamente de 2004, mas que foi concluída em 2009 devido à necessidade de
realização de licitações públicas para sua construção. Outro projeto introduzido
nesse complexo industrial foi a Estação Natureza-USP. Alinhada a cafeteria, um
pouco mais adiante, foi inaugurada em fevereiro deste ano. A Estação Natureza-
USP é uma proposta da fundação O Boticário, terceira unidade da série, que tem
como objetivo mostrar aspectos variados da biodiversidade do país e despertar, no
visitante, uma maior consciência ambiental.
259
Planta térreo - Cafeteria
Fonte: Revista AU - Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, n. 184, p. 44.
259
SAYEGH, Simone. Viagem pela biodiversidade. Revista AU - Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, n. 184, pp.
36 - 41, jul. 2009.
Apoio: Capes e MackPesquisa
168
Cortes Transversal e Longitudinal - Cafeteria
Fonte: Revista AU - Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, n. 184, p. 45.
A caixa de vidro que abriga a cafeteria, de 17 m de comprimento por 2,40 m
de largura e pé-direito de 2,40 m, foi um projeto criado pela equipe do UNA
Arquitetos (arq. Cristiane Muniz, Fábio Valentim, Fernanda Barbara e Fernando
Viégas). A antiga tecelagem possuía ramais ferroviários internos e plataformas de
140 m de extensão junto a esses galpões para a entrada e saída de insumos. A
cafeteria, em estrutura metálica e vidro, foi então implantada no mesmo nível da
plataforma coberta, local de entrada e circulação dos visitantes, e fixada em dois
pontos no trilho existente. Devido ao fato da peça estar apoiada somente em dois
blocos de fundação, tem-se a impressão de que está ligeiramente solta do chão,
suspensa junto à plataforma. Todos os lados da caixa se abrem, permitindo a
ventilação cruzada. O acesso à plataforma pode ser totalmente aberto ou fechado,
conforme as necessidades de funcionamento e do comportamento do clima. Nos
Apoio: Capes e MackPesquisa
169
outros três lados, onde há incidência solar, foram projetados brises que também
servem como guarda-corpo, caso os vidros junto a eles estejam abertos. A escolha
dos materiais, segundo os arquitetos do UNA, deu-se pela necessidade de uma
construção leve que respeitasse as proporções, que permitisse a continuidade visual
e não interferisse com a arquitetura dos galpões existentes e nem com o espaço
expositivo criado em 1987.
260
Imagens externas. Cafeteria
Fotos da autora. Jan. 2010.
260
SILVA, Vânia, op. cit.
Apoio: Capes e MackPesquisa
170
Implantação, Planta e Elevação da Estação Natureza/USP.
Fonte: Revista AU - Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, n. 184, p. 38.
Cortes - Estação Natureza/USP
Fonte: Revista AU - Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, n. 184, p. 39.
Apoio: Capes e MackPesquisa
171
O projeto arquitetônico da Estação Natureza-USP foi desenvolvido em
parceria pelos escritórios Brasil Arquitetura (arq. Marcelo Carvalho Ferraz e arq.
Francisco de Paiva Fanucci) e Apiacás Arquitetos (arq. Anderson Fabiano Freitas,
Pedro Amando de Barros). Inicialmente os arquitetos pensaram em desenvolver o
programa dentro de réplicas de vagões de trem, idéia descartada pelas questões do
conforto ambiental. Propuseram então módulos que fizessem alusão ao trem. Para
tal, foram concebidas cinco caixas retangulares, de 3,5 m x 5 m, distribuídas em
seqüência na plataforma e que totalizam 266 m
2
, com a finalidade de abrigar e
revelar seis dos principais biomas brasileiros. Descartado o uso do aço corten,
dessa vez por questões orçamentárias, as caixas acabaram sendo revestidas por
telhas trapezoidais dispostas na horizontal e pintadas na cor vermelha para que
carregassem ainda a imagem industrial desejada pelos arquitetos. Utilizadas da
maneira tradicional, foram conjugadas com uma manta de lã de vidro e internamente
arrematadas com placas de gesso, que receberam todo o conteúdo expográfico. A
estrutura metálica foi erguida com aço galvanizado leve, o light steel frame, com
montantes a cada dois metros. Mas a modularidade estrutural foi reduzida devido às
necessidades especiais expográficas. O piso dos vagões é formado por chapas de
OSB revestidas pelas tradicionais placas de borracha de alto tráfego. Em meio ao
piso, alçapões foram distribuídos estrategicamente, para facilitar o acesso às
instalações. Todas as caixas foram apoiadas em um embasamento de concreto
elevado, de forma a possibilitar o acesso por passarelas a partir da plataforma,
exatamente como um trem parado na estação. O embasamento também permitiu a
formação de um vazio central com instalações, um piso técnico onde se concentram
todas as tubulações hidráulicas e elétricas, assim como dutos de ar-condicionado.
261
261
SAYEGH, Simone, op. cit.
Apoio: Capes e MackPesquisa
172
Imagens Estação Natureza-USP
Fotos da autora. Jan. 2010.
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