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práticas marginais de cura, a imprensa nem sempre era aliada incondicional dos senhores
médicos. Muitas vezes os profissionais da medicina oficial eram motivo de chacotas e de
piadas constrangedoras, além dos jornais desnudarem recorrentes rixas no interior da
própria corporação médica.
A antropóloga Paula Montero entende que só na virada do século XIX para o XX
que a medicina começará a conquistar credibilidade junto á população
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. Antes desse
momento, com a medicina ainda ineficiente a procura por curandeiros e benzedores era
intensa.
No caso de Minas Gerais, não podemos perder de vista que a população do século
XIX além de desconfiada em relação à eficácia das técnicas médicas nem sempre dispunha
de dinheiro para arcar com os honorários do profissional da medicina. Sobre a
sobrevivência das culturas tradicionais diante das novidades técnicas e científicas, Betânia
Gonçalves Figueiredo ressalta que
“há uma série de persistências, de readaptações, de reintegrações que convivem
com o sistema de técnicas mais rentáveis do ponto de vista do lucro. Os
sapateiros de fundo de quintal que se dedicam a consertar sapatos ou as bancas
nas ruas onde encontramos raízes, folhas secas e/ou frescas, caules, todos com
aplicações medicinais, são exemplos de que as atividades tradicionais passam
por adaptações e sobrevivem apesar de estarem aparentemente defasadas da
lógica do tempo capitalista”
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.
É ao mesmo tempo curioso e revelador uma das histórias narradas por Auguste de
Saint-Hilaire ao percorrer a região da comarca do Rio das Mortes na década de 20, em suas
investidas botânicas no interior de um território inusitado e semi-virgem, relata que,
“um cura de São João Del Rei tinha um escravo que fora de seu pai, que agarrava
impunemente as serpentes venenosas. Um dia ele amarrou o escravo a fim de se
apossar de seu segredo e este confessou que se tornara invulnerável às picadas de
cobra, esfregando o corpo com a erva de urubu. Porém, qual é essa erva? ”.
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No decorrer dos oitocentos a fama dos curandeiros e dos benzedores de pastos
contra mordeduras e picadas de animais peçonhentos era intensa em Minas Gerais. Os
curadores de cobra, por exemplo, que tradicionalmente curavam com fumo, toucinho e
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“com o aperfeiçoamento da tecnologia médico-sanitarista desenvolvida pelos Institutos Butantã e de
Bacteriologia, dos resultados obtidos pelos estudos de patologia tropical e do desenvolvimento das vacinas
contra pestes, lepra, tifo, varíola, febre amarela e outras”. MONTERO, Paula. Da doença à desordem-A
magia na umbanda.Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985. p. 42.
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FIGUEIREDO, Betânia Gonçalves. A arte de curar - Cirurgiões, médicos, boticários e curandeiros no
século XIX em Minas Gerais. Op. cit. p. 64.
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SAINT-HILAIRE. Auguste de. Viagem às nascentes do rio São Francisco. Belo Horizonte, Ed. Itatiaia;
São Paulo, Ed. da Universidade de São Paulo, 1975. p. 98.