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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em Relações Internacionais
UNESP/UNICAMP/PUC-SP
MARÍLIA CAROLINA BARBOSA DE SOUZA
Análise da Política Estratégica dos Estados Unidos
para a América do Sul: De Clinton a George W. Bush.
MESTRADO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
São Paulo
2010
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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA
Programa San Tiago Dantas de Pós-Graduação em Relações Internacionais
UNESP/UNICAMP/PUC-SP
MARÍLIA CAROLINA BARBOSA DE SOUZA
Análise da Política Estratégica dos Estados Unidos
para a América do Sul: De Clinton a George W. Bush.
MESTRADO EM RELAÇÕES INTERNACIONAIS
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Universidade Estadual
Paulista, como exigência parcial para
obtenção do tulo de MESTRE em
Relações Internacionais, sob a
orientação do Professor Doutor Luis
Fernando Ayerbe.
São Paulo
2010
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3
Banca Examinadora:
____________________________________
Prof. Dr. Luis Fernando Ayerbe-Orientador
____________________________________
Prof. Dr. Rafael Duarte Villa
____________________________________
Prof. Dr. Reginaldo Mattar Nasser.
4
Dedico à minha mãe Maria, fonte de
sabedoria, por todo carinho, amor
incondicional e apoio de sempre.
5
Agradecimentos
Gostaria de agradecer primeiramente a Deus por ter me propiciado o milagre da
vida, a saúde e as condições necessárias para chegar até este momento.
Agradeço ao meu orientador, Luis Fernando Ayerbe, pela generosidade,
liberdade e confiança em mim depositadas desde o início do mestrado e durante
todo o desenvolvimento desta dissertação.
À Capes, pelo apoio durante o mestrado.
Ao professor Marcelo Santos, pelas ricas sugestões no meu exame de
qualificação.
Ao professor Reginaldo Nasser, pelas valiosas contribuições no meu exame de
qualificação, por ter me acompanhado durante o mestrado e a monitoria, obrigada
pelas memoráveis discussões sobre os Estados Unidos e a segurança internacional,
e pela compreensão do dever e responsabilidade enquanto educadores e eternos
aprendizes.
Ao professor Rafael Villa, por ter aceitado participar da minha banca de
mestrado e por ter comentado, com grande perspicácia, outros trabalhos de minha
autoria, que muito me ajudaram na concepção desta pesquisa.
Aos professores do San Tiago Dantas com os quais tive a oportunidade de ter
aulas e a todos os colegas de turma.
Ao professor Samuel Alves Soares por todo apoio e amizade durante minha
graduação na UNESP-Franca e à professora Janina Onuki que me acompanhou
durante a graduação e o mestrado.
Agradeço minhas amigas de infância, Emanuelle, Helena, Luíza, Nathália,
Roberta e Talita, que souberam compreender minha ausência destes últimos
tempos.
Agradeço imensamente à Terra Budini e à Tatiana Berringer, que participaram
de forma excepcional desta fase e trouxeram contribuições intelectuais, filosóficas e
ontológicas para a execução desta dissertação.
De forma especial, ao meu namorado, José Luiz Pimenta Júnior, pelo
companheirismo, carinho e apoio demonstrado durante todos estes anos.
Finalmente, à minha família, meus pais e meus irmãos pelo incentivo,
inspiração, suporte total e apoio incansável, de todos os dias, sempre.
6
“The legacy of the 1990s has produced a
paradox. On the one hand, the United
States is sufficiently powerful to be able to
insist on its view and carry the day often
enough to evoke charges of American
hegemony. At the same time, American
prescriptions for the rest of the world often
reflect either domestic pressures or a
reiteration of maxims drawn from the Cold
War. (…) “
Henry Kissinger
“We do not know where we are going. We
only know that history has brought us to
this point and why. However, one thing is
plan. If humanity is to have a recognizable
future, it cannot be by prolonging the past
or the present. If we try to build the third
millennium on that basis, we shall fail. And
the price of failure, that is to say, the
alternative to a changed society, is
darkness”
Eric Hobsbawn
“Porque foi que cegámos, Não sei, talvez
um dia se chegue a conhecer a razão,
Queres que te diga o que penso, Diz,
Penso que não cegámos, penso que
estamos cegos, Cegos que vêem, Cegos
que, vendo, não vêem.”
José Saramago
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Resumo
Esta pesquisa tem por objetivo fazer uma análise da política estratégica dos
Estados Unidos para a América do Sul, do governo Clinton ao governo Bush. O
trabalho versa sobre os principais temas que configuram as abordagens estratégicas
norte-americanas para a região, dentro de um contexto mais amplo das mudanças
pelas quais passaram a segurança internacional no final da guerra fria. Os Estados
Unidos, ao não mais encontrarem no sistema internacional um adversário tradicional
ou compatível com seus delineamentos estratégicos, tiveram que redesenhar e
redefinir suas prioridades para a segurança nacional. Dessa forma, ameaças
transnacionais foram, gradualmente, abordadas como uma das novas prioridades
para garantir a segurança nacional do país. Com relação à América do Sul, partindo
das estratégias norte-americanas para o Hemisfério Ocidental, os temas elencados
nas políticas para a região são: o tráfico de drogas, a promoção da democracia,
abertura de mercados, tráfico e produção de drogas, corrupção, lavagem de dinheiro
e terrorismo. Estes temas percorreram todos os planejamentos estratégicos do
governo Clinton, através de sua agenda multilateral, dentro do contexto da estratégia
de Engajamento e Expansão, a qual buscou vincular os países aos temas sensíveis
à sua segurança nacional, através de vários encontros Hemisféricos. No caso da
América Latina, as Cúpulas das Américas e suas reuniões específicas, como as
Reuniões de Ministros de Defesa das Américas, foram meios de se obter esta
vinculação política. Estes temas permaneceram presentes no governo George W.
Bush, entretanto, a abordagem estratégica para a região enfatizou a possível ligação
entre estas questões presentes, como o tráfico de drogas, lavagem de dinheiro e
corrupção; ao terrorismo internacional, o qual sobe ao topo das prioridades da
política estratégica norte-americana.
Palavras-chave:
Estados Unidos, Política Estratégica, Segurança, América do
Sul, Tráfico de drogas, Lavagem de dinheiro, Corrupção, Terrorismo internacional.
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Abstract
This research aims to analyze the strategic policy of the United States to
South America, from the Clinton administration to the Bush administration. This
paper discusses major issues that shape strategic approaches within the U.S. for the
region within a broader context of changes which came to international security at the
end of the Cold War. The United States, which no longer met in the international
system a traditional adversary compatible with its strategic designs, had to redesign
and redefine its priorities for national security. Thus, transnational threats have been
gradually addressed as one of the new priorities to ensure national security of the
country. Regarding South America, departing from North American strategies for the
Western Hemisphere, the topics listed in the strategic policies for the region are: drug
trafficking, maintenance of democracy, open markets, trafficking and drug production,
corruption, money laundering and terrorism. These subjects went through all the
strategic plans of the Clinton administration, through its multilateral agenda, within
the context of the Strategy of Engagement and Expansion, which sought to bind the
countries to sensitive issues to its national security through various hemispheric
meetings. In the case of Latin America, the Summits of the Americas and its specific
meetings such as the Meetings of Ministers of Defense of the Americas were ways to
get this linking policy. These themes remained present under the George W. Bush’s
administration, however, the strategic approach to the region emphasized the
possible link between these issues in the region, such as drug trafficking, money
laundering and corruption, to international terrorism, which rises to the top of the
priorities of US strategic policy.
Key-words:
United States, Strategic Policy, Security, South America, Drug
Trafficking, Money Laundering, Corruption, International Terrorism
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Resumen
Esta investigación tiene como objetivo analizar la política estratégica de los
Estados Unidos a América del Sur, de la administración Clinton a la administración
Bush. El documento analiza las principales cuestiones que dan forma a los enfoques
estratégicos dentro de los EE.UU. para la región dentro de un contexto más amplio
de los cambios que entró a la seguridad internacional al final de la Guerra Fría. Los
Estados Unidos, que ya no cumplen con el sistema internacional o de un adversario
tradicional compatibles con sus diseños estratégicos, tuvo que rediseñar y redefinir
sus prioridades para la seguridad nacional. Por lo tanto, las amenazas
transnacionales se han ido dirigidas como una de las nuevas prioridades para
garantizar la seguridad nacional del país. En cuanto a América del Sur, partiendo de
las estrategias de Norte América para el Hemisferio Occidental, los temas que
figuran en las políticas estratégicas para la región son: el tráfico de drogas, el
mantenimiento de la democracia, los mercados abiertos, el tráfico y la producción de
drogas, la corrupción , lavado de dinero y el terrorismo. Estos temas fueron a través
de todos los planes estratégicos de la administración Clinton, a través de su agenda
multilateral, en el contexto de la estrategia de intervención, y de expansión, cuyo
objetivo era obligar a los países a los temas sensibles para su seguridad nacional a
través de diversas reuniones hemisféricas. En el caso de América Latina, las
Cumbres de las Américas y las reuniones específicas, tales como las Reuniones de
Ministros de Defensa eran maneras de conseguir esta política de vinculación. Estos
temas se mantuvo presente en el George W. Bush, sin embargo, el enfoque
estratégico para la región hizo hincapié em la posible relación entre estas cuestiones
em la región, como el tráfico de drogas, el blanqueo de dinero y la corrupción, el
terrorismo internacional, que se eleva a la cima de las prioridades de la política
estratégica de los EE.UU.
Palabras clave:
Estados Unidos, Políticas Estrategicas, Seguridad, América Del
Sur, el Tráfico de drogas, Lavado de dinero, la Corrupción, el Terrorismo
Internacional
10
Lista de Quadros
Quadro I- Relatório da Estratégia de Controle Internacional de Narcóticos:
América do Sul. 1993.............................................................................................59
Quadro II- Relatório da Estratégia de Controle Internacional de Narcóticos:
América do Sul. 1995.............................................................................................62
.
Quadro III- Relatório da Estratégia de Controle Internacional de Narcóticos:
América do Sul. 2000.............................................................................................66
Quadro IV- OOEs para a Região Andina: 2001 a 2004........................................89
Quadro V- Resultados iniciais da Iniciativa para a Região Andina
(ACI): 2002...............................................................................................................92
Quadro VI- OOEs para a Tríplice Fronteira: 2001 a 2004....................................97
Quadro VII- OOEs para a Região Andina: 2005 a 2008.......................................101
Quadro VIII- OOEs para a Tríplice Fronteira: 2005 a 2008.................................107
11
Lista de Abreviaturas e Siglas
ACI Andean Counterdrug Initiative
ALCA Área de Livre Comércio das Américas
APEC Asia-Pacific Economic Cooperation
ARI Andean Region Initiative
AUC Autodefesas Unidas da Colômbia
CHS Child Survival and Health
CRS Complexos Regionais de Segurança
DA Development Assistance
E&E Estratégia de Engajamento e Expansão
ELN Exército de Libertação Nacional
ESF Economic Support Funds
FARC Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia
FMF Foreign Military Financing
IMET International Military Education and Training
INCLE International Narcotics Control and Law Enforcement.
MRTA Movimento Revolucionário Tupac Amaru
NADR Non-Proliferation, Anti-Terrorism, Demining and Related Programs
NAFTA North American Free Trade Agreement
OEA Organização dos Estados Americanos
ONU Organização das Nações Unidas
OOE Orçamento para Operações no Exterior
OTAN Organização do Tratado do Atlântico Norte
PCCP Plan Colombia Consolidation Phase
SL Sedero Luminoso
USAID United States Agency for International Aid
12
Sumário
Introdução.................................................................................................................14
Capítulo 1- Linhas Gerais da Estratégia dos Estados Unidos para o Hemisfério
Ocidental: temas, conceitos e debate....................................................................22
1-1 A Supremacia norte-americana do fim da guerra fria ao século XXI...................22
1-2 Mudanças e Continuidades no sistema internacional e implicações para a
política estratégica dos Estados Unidos.....................................................................28
1-3 Reflexões sobre o conceito de segurança internacional no pós-guerra fria........32
1-4 Linhas Gerais da Política Estratégica dos Estados Unidos para o Hemisfério
Ocidental....................................................................................................................40
Capítulo 2- A política estratégica de Clinton para a América do Sul: a guerra às
drogas e a busca de soluções multilaterais..........................................................46
2-1 A Estratégia de Engajamento e Expansão...........................................................46
2-2 O Governo Clinton e a busca de soluções multilaterais: As Cúpulas das
Américas e as Reuniões de Ministros da Defesa.......................................................49
2-3 A política de combate às drogas durante o governo Clinton...............................57
2-4 O tema do terrorismo internacional no governo Clinton......................................73
13
Capítulo 3- A política estratégica de George W. Bush para a América do Sul...78
3-1 O Governo George W. Bush, sua estratégia e a tentativa de definir o
inimigo........................................................................................................................78
3-2 As políticas estratégicas para a América do Sul durante o primeiro mandato de
George W. Bush.........................................................................................................88
3-2-1 A Região Andina....................................................................................89
3-2-2 A Tríplice Fronteira................................................................................96
3-3 As políticas estratégicas para a América do Sul durante o segundo mandato de
George W. Bush.......................................................................................................100
3-3-1 A Região Andina...................................................................................100
3-3-2 A Tríplice Fronteira................................................................................107
3-4 “Overlapping” entre a guerra ao terror e guerra às drogas?..............................111
Considerações Finais............................................................................................117
Referências Bibliográficas....................................................................................123
Livros........................................................................................................................123
Capítulos..................................................................................................................124
Dissertações/Teses..................................................................................................126
Artigos......................................................................................................................128
Documentos oficiais.................................................................................................129
Anexos.....................................................................................................................133
Anexo I:International Narcotics Control Strategy Reports. 2000. Bolivia................133
Anexo II:International Narcotics Control Strategy Reports. 2000. Colombia….......134
Anexo III:International Narcotics Control Strategy Reports. 2000. Peru..................136
14
Introdução
O presente trabalho busca fazer uma análise da política estratégica dos
Estados Unidos para a América do Sul dos governos Bill Clinton e George W. Bush,
a partir do levantamento das principais questões abordadas para a região e que
configuraram temas sensíveis à formulação política de segurança nacional norte-
americana. Como pressuposto teórico, esta pesquisa parte do debate do final da
Guerra Fria sobre a nova ordem internacional e o papel dos Estados Unidos perante
esse contexto; ao lado da discussão sobre a segurança internacional e os processos
pelos quais este conceito passou para se adequar a esta nova realidade. Nesse
sentido, o exame das prioridades no delineamento das políticas estratégicas norte-
americanas, a partir das novas ameaças e novos desafios, torna-se necessário para
a compreensão dos desdobramentos de suas políticas para a América do Sul.
Desse modo, a delimitação do período analisado, de 1993 a 2008, justifica-se
por englobar um momento importante de afirmação dos Estados Unidos e de sua
posição estratégica ao fim da Guerra Fria, pois este período proporcionou uma
análise das diferentes abordagens entre os governos Clinton e Bush nas suas
políticas para a América do Sul, bem como da continuidade que pôde ser observada
em suas políticas com relação à região. Neste mesmo período, uma série de
pesquisadores observou este fenômeno e versou sobre a segurança internacional e
as mudanças pelas quais este conceito passou ao longo dos últimos vinte anos,
após o fim da Guerra Fria e sobre o tema da política de segurança dos Estados
Unidos para a América Latina.
Assim, a investigação dos temas e questões que se configuraram como
prioritárias para o desenho das políticas e programas específicos dos Estados
Unidos para a América do Sul evidencia que os temas persistentes para a região
referiam-se, preponderantemente, ao combate à produção e tráfico de drogas, à
corrupção política, à lavagem de dinheiro, à busca do fortalecimento estatal e das
democracias locais, além da crescente vigilância das fronteiras nacionais e dos
fluxos financeiros e de pessoas. Após os atentados terroristas sofridos pelos
Estados Unidos em setembro de 2001, contudo, estes temas mantiveram-se e
15
passaram a ser vinculados ao terrorismo internacional como possíveis meios de
financiamento e amparo a esta atividade.
Toklatian, ao analisar a influência dos Estados Unidos na América do Sul,
neste contexto, ressaltou a importância de dois fatores: a “hegemonia por default” na
região, pela qual se compreende que não havia nenhum outro ator em condições de
disputar este espaço com Washington; e a “consistência” das políticas norte-
americanas para o local, que se mantiveram coerentes ao longo do tempo, embora
afirme que a região não se configura como uma prioridade para a formulação
estratégica dos Estados Unidos. (TOKLATIAN, RUSSEL, 2007/2008: 10)
Sobre os processos de continuidade e mudanças que puderam ser
observados no período analisado, embora haja alterações das circunstâncias
internacionais após os atentados de 2001, existe uma base geral e permanente de
continuidade das políticas norte-americanas para a região. E, nesse sentido, para
Cristina Pecequilo, por exemplo, a ênfase da implantação da Área de Livre Comércio
das Américas (ALCA) no hemisfério, ao longo de dez anos (1994-2005) tornou-se
uma prova da tentativa de manutenção da esfera de influência do país na região e
um padrão de continuidade dentro das mudanças ocorridas ao longo do tempo. O
resgate à Doutrina Monroe, nesse contexto, torna-se válido para justificar o
intervencionismo existente mais de um século na América Latina. (PECEQUILO,
2006:8)
Mônica Herz, por sua vez, ao refletir sobre a segurança na América do Sul, a
partir da presença dos Estados Unidos nesta área, ressalta a importância dada ao
tema da cooperação, tanto em relação à cooperação intra-regional, quanto em
relação à cooperação dos países da região com os Estados Unidos, pelo próprio
caráter transnacional das ameaças que assolam o local. (HERZ, 2006:220) para
Mônica Hirst, o tema da agenda cooperativa em segurança, como uma prescrição
norte-americana, foi abandonado após os atentados terroristas de setembro de
2001, e houve, a partir de então, um processo de macrossecuritização de sua
agenda hemisférica, reduzindo o papel das instituições multilaterais em temas de
segurança, como a OEA por exemplo. Assim houve, para a estudiosa, uma
vinculação entre a dimensão internacional do crime e a porosidade dos mecanismos
de controle de circulação de bens, serviços, dinheiro e pessoas, perante a suposta
dificuldade dos países da região em assegurar eficientes políticas de segurança e
defesa em seus territórios. (HIRST, 2008:49)
16
Dentre os temas acima revelados como prioritários para a região, o tema das
drogas, recorrente durante todo o governo Clinton e o governo Bush, conforme
ressalta Rafael Villa, esteve presente na formulação estratégica norte-americana
desde a administração Reagan (1980-1988), na qual o tema passou a ser visto
como um “problema de segurança nacional”, e seu combate deveria ser aplicado
nos locais de produção das drogas, em países como a Bolívia e o Peru. Assim, o
tema, suas percepções e seu vocabulário próprio, como “guerra às drogas”,
passaram a fazer parte da formulação dos policymakers para a região. (VILLA,
OSTOS; 2005: 86)
Dessa forma, é importante afirmar que este tema também foi objeto de estudo
recente por jovens pesquisadores, os quais trouxeram importantes contribuições
para esta discussão. Em algumas pesquisas, o foco principal foi o tema das drogas
e as iniciativas do governo norte-americano para combatê-las na região, além da
discussão sobre a segurança e cooperação internacional. Em outros trabalhos, o
foco, por sua vez, foi em regiões específicas, como a tríplice fronteira e a região
andina.
Paulo Pereira, em sua pesquisa, aponta para o caráter transnacional da
ameaça das drogas no hemisfério, ampliando o debate para a discussão dos
conceitos de legitimidade e soberania, ao analisar as políticas norte-americanas
para as Américas. Além disso, ele aborda o significado adotado pelo governo norte-
americano de “crime organizado transnacional” e da forma como este passou a fazer
parte do planejamento estratégico nacional dos Estados Unidos. (PEREIRA, 2009:
134,136) And Guzzi, por sua vez, fez uma análise da dificuldade existente na
região em se obter acordos efetivos de cooperação em defesa e na construção da
confiança mútua, e aponta como principal razão a atuação norte-americana na
América Latina e seus programas de combate às drogas, principalmente na
Colômbia.
Marcos Alan Ferreira, em sua análise, teve por objetivo investigar a presença
norte-americana na tríplice fronteira Argentina-Brasil-Paraguai, após os atentados
terroristas de 2001, e de que forma houve a percepção de que existiam nesta região
atividades ilícitas de financiamento de atividades terroristas. Para o autor, embora
não existam evidências concretas de tais atividades, mas apenas indícios, o governo
norte-americano aumentou sua presença e vigilância nos últimos anos. (FERREIRA,
2009:193) Fábio Borges, por sua vez, priorizou em sua pesquisa as políticas norte-
17
americanas de combate às drogas, principalmente na Colômbia, e os obstáculos que
tais ações apresentavam às iniciativas brasileiras de cooperação na região
amazônica. (BORGES, 2006: 14)
De forma interligada a estas pesquisas atuais, o presente trabalho, por sua
vez, diferencia-se das apresentadas acima, pois nele se busca fazer um
levantamento das questões pertinentes à formulação estratégica norte-americana
para a América do Sul, a partir das percepções expressas pelos documentos oficiais,
e analisar se estes pontos mantiveram-se presentes, tanto no governo Clinton,
quanto no governo George W. Bush. Assim, a pergunta principal a qual se busca
responder é se à luz dos atentados terroristas de setembro de 2001 houve
mudanças significativas nas políticas estratégicas para a região. Se houve
mudanças, quais foram elas? E se não houve mudanças, sendo apenas uma
modificação em sua forma, mas não do conteúdo, as políticas permaneceram as
mesmas?
Para responder a tais questões, esta pesquisa partiu da seguinte hipótese:
não houve mudanças significativas para a região, pois se mantiveram as mesmas
premissas e a mesma gica das justificativas. O que se modificou foi a percepção
de que os problemas que emanavam da região poderiam ter uma ligação com o
terrorismo internacional, havendo, portanto, uma tendência de macrossecuritização
no processo de formulação política, entretanto, em sua essência, as questões e os
temas elencados permaneceram os mesmos. Contudo, o que se podia perceber era
mudança na retórica dos discursos oficiosos que passaram a tratar as zonas de
instabilidade e de conflitos sociais como zonas de erupção do terrorismo tal qual
passou a ser o foco das políticas norte-americanas após 2001.
Para tanto, a escolha dos meios para se alcançar os objetivos desta
dissertação compreenderam os seguintes elementos: a análise de documentos
oficiais, preponderantemente do Departamento de Estado, pois é deste
departamento que surgem as diretrizes principais da política externa, abordando os
programas específicos para a região; a pesquisa e revisão bibliográfica que nos
fornecem subsídios analíticos e conceituais; e a leitura de artigos e periódicos, os
quais forneceram análise atualizada sobre temas pertinentes sobre o objeto de
estudo.
Nesse contexto, a presente pesquisa buscou analisar a política estratégica
norte-americana para a América do Sul utilizando o método dedutivo, o qual significa
18
partir de uma análise abrangente para se chegar à análise específica, utilizando
variáveis independentes e variáveis dependentes. Assim, o estudo parte da análise
geral, que trata do papel dos Estados Unidos ao final da Guerra Fria, através de
suas opções estratégicas perante o cenário político internacional; da análise do
sistema internacional e seus constrangimentos à atuação norte-americana, e dos
valores gerais da estratégia norte americana para o Hemisfério Ocidental. A partir de
então, a análise afunila-se para a dimensão particular: as políticas estratégicas de
Clinton e de George W. Bush para a América do Sul, com seus temas, conceitos, e
arranjos políticos específicos para a região.
As variáveis independentes utilizadas na presente pesquisa, portanto, são os
temas que percorrem toda a formulação da estratégia norte-americana desde o final
da guerra fria, os quais são: a busca dos valores da liberdade individual, da
democracia como regime de governo e o livre-comércio como modelo econômico. As
variáveis dependentes, nesse contexto, são a luta contra o tráfico e produção de
drogas, o combate à lavagem de dinheiro e corrupção, crimes internacionais, e, por
fim, a luta contra o terrorismo internacional.
Ora, se as variáveis independentes percorrem a formulação estratégica norte-
americana durante o período analisado, elas se tornam o fio condutor dos
desdobramentos das políticas aplicadas para a região da América do Sul e, portanto,
elas são o ponto de partida para a análise.
Dessa forma, os temas do tráfico e
produção de drogas, lavagem de dinheiro, corrupção e o terrorismo internacional
podem ser entendidos como desdobramentos da busca permanente pela
consolidação da plena democracia, livre-comércio e fortalecimento das instituições e
do Estado. E assim, o pragmatismo das ações norte-americanas durante o período
analisado deve ser compreendido através deste raciocínio lógico-dedutivo, pois é
através dele que se torna possível verificar a permanência dos grandes temas para
a região.
Para tanto, esta pesquisa buscou, em seu primeiro capítulo, fazer uma análise
do posicionamento estratégico ocupado pelos Estados Unidos ao final da Guerra
Fria e de que forma tal posicionamento lhe impingiu constrangimentos para sua
ação. A situação de unipolaridade ou uni-multipolaridade, ainda muito discutida entre
os analistas, trouxe aos Estados Unidos grandes desafios, pois não mais havia no
sistema internacional um Estado que lhe fizesse frente através dos meios
convencionais. Tal fato, pois, não se traduziu em tranqüilidade em termos de
19
segurança, mas ao contrário, trouxe uma gama de incertezas aos estrategistas, pois,
simultaneamente, uma série dos chamados failed e rogue states (Estados falidos e
odiados) e de ameaças transnacionais se somaram a este novo ambiente.
Assim, este capítulo busca também analisar conceitos-chave para a posterior
análise empírica, que serão utilizados como arcabouço teórico e analítico durante
todo este trabalho, como a identificação do conceito de hegemonia, os pressupostos
da segurança internacional e as mudanças pelas quais este conceito passou, e da
estratégia; como condição necessária para delimitar o significado que se pretende
dar a estes termos. É a partir da análise de tais conceitos, portanto, que será
possível introduzir o tema da política estratégica norte-americana para o hemisfério
ocidental, suas bases e características fundamentais.
O segundo capítulo tem por objetivo apresentar a estratégia inaugurada no
governo Clinton, a chamada “Engajamento e Expansão”, como um modo de
inserção no mundo pós-guerra fria e uma resposta à demanda pela liderança norte-
americana naquele contexto específico, e seus desdobramentos para o Hemisfério
Ocidental. Uma das estratégias para as Américas e, conseqüentemente, para a
América do Sul, deste governo foi a utilização de mecanismos multilaterais para a
vinculação política em temas sensíveis à segurança norte-americana, como o tráfico
e produção de drogas, por exemplo.
Assim, tornam-se adequados os exames dos temas abordados pelas
Cúpulas das Américas, inaugurada em 1994, em Miami, e as Reuniões Ministeriais
de Ministros da Defesa inauguradas em 1995, em Williamsboug;
pois em tais
reuniões foram abordados temas relevantes e coincidentes com a formulação da
estratégia de segurança norte-americana no mesmo período, evidenciando assim a
disposição para buscar uma vinculação política de tais temas em nível regional.
Esta análise torna possível a compreensão das políticas para a América do
Sul, as quais tiveram como foco principal o combate às drogas na região, através de
programas específicos como a Iniciativa para a Região Andina, os quais buscavam,
através da cooperação dos governos locais, aplicar exercícios e treinamento militar
em vigilância das fronteiras, reforço e aplicação das leis, erradicação dos plantios de
coca, fortalecimento da democracia e das instituições jurídicas. Além disso, buscou-
se verificar se o tema do terrorismo estava presente no governo Clinton e quais
eram as percepções sobre o tema desde então, para avaliar uma posterior
20
vinculação entre o combate ao terrorismo internacional e o combate às drogas
existente na região.
Para tal análise, foram utilizados documentos oficiais dos encontros das
Cúpulas das Américas e das Reuniões de Ministros da Defesa, além de documentos
oficiais norte-americanos, tanto do Departamento de Estado, quanto do
Departamento de Defesa e Relatórios Anuais sobre programas específicos, como o
Relatório Anual de Combate aos Narcóticos.
O terceiro e último capítulo deste trabalho, por sua vez, busca analisar a
estratégia de George W. Bush, a chamada “Doutrina Bush”, inaugurada em 2002
como reação aos atentados terroristas de 2001, a qual anuncia a prioridade de lutar
contra o terrorismo internacional e combater os Estados que protegiam ou
favoreciam tal atividade. Neste momento, é importante que se faça uma reflexão
sobre a importância da definição do inimigo, pois, é a partir de então, que se torna
possível desenhar a estratégia mais adequada de combate ao mesmo. Assim, a
partir desta análise inicial, serão investigados seus desdobramentos para a América
do Sul e de que forma houve uma continuidade dos temas para a região, com
relação à administração anterior e sua estratégia específica.
Para tanto, foi feita a análise dos Orçamentos para Operações no Exterior
(OOE), do Departamento de Estado, os quais descrevem os programas, metas e
objetivos, divididos por países e por temas, de 2001 a 2008. Para facilitar a
exposição dos dados, a análise desses orçamentos será dividida entre a região
andina e a região da tríplice fronteira, bem como entre o primeiro e o segundo
mandato Bush. Além dos orçamentos, são analisados relatórios de desempenho por
programas e alguns comunicados internos, os quais trazem elementos importantes
para a compreensão da percepção norte-americana com relação à América do Sul,
no período em questão. Após a análise documental, será necessária a reflexão
sobre se houve um transbordamento entre a guerra ao terror e a guerra às drogas, e
se tal fato modificou de maneira substancial as estratégias para a região.
É importante ressalvar, nesse contexto, que a escolha dos documentos
neste capítulo se difere da escolha no capítulo anterior. Tal fato decorre da
constatação de que, durante o governo Bill Clinton, o tema principal para a região
era anunciado de antemão nas Estratégias de Segurança Nacional, sendo o
combate ao tráfico e produção de drogas, portanto, julgou-se mais objetivo analisar
diretamente os relatórios específicos sobre tal tema. Entretanto, sob a administração
21
George W. Bush houve uma maximização dos temas e o ficou claro de antemão
qual era a questão preponderante para a região, uma vez que se apelava para a
força da democracia e a liberdade na região, assim o objetivo foi compreender quais
eram os temas abordados para a região e de que forma estes foram sendo ligados
ao terrorismo internacional, e, por esta razão, a escolha mais abrangente dos
Orçamentos para Operações Exteriores tornou-se a mais adequada e completa.
Dessa forma, pôde-se perceber que, a partir dos atentados terroristas de
2001, houve, por parte dos Estados Unidos, uma maior ênfase em programas de
aperfeiçoamento democrático e de fortalecimento das instituições jurídicas, em
termos dos valores destinados, em países onde não havia cooperação política
automática com os Estados Unidos, como na Venezuela e na Bolívia; e, em
contrapartida, nos países onde havia uma maior cooperação política com o país,
como a Colômbia e o Peru, houve um aumento expressivo do aumento dos valores
destinados aos programas de treinamento militar e transferência de equipamentos
militares, o que demonstra a intenção norte-americana de fortalecer o papel das
instituições democráticas para posteriormente buscar uma maior cooperação política
e militar. Este é um dos pontos centrais analisados pela presente pesquisa.
Assim, embora as questões analisadas nesta pesquisa abram espaço para
outras perguntas e investigações, o objetivo não poderia ser fornecer respostas
definitivas sobre o tema em questão, mas sim fazer uma análise sistemática da
política estratégica norte-americana para a América do Sul, a qual possibilite à
comunidade acadêmica a discussão e reflexão sobre o tema, além de possíveis
futuras investigações. Este trabalho, portanto, permite a análise da complexidade do
conjunto de políticas e programas dos Estados Unidos para a América do Sul, que
foram delineados de forma a se adequarem à percepção circunstancial norte-
americana sobre quais foram os temas sensíveis à formulação estratégica no
período em questão, mantendo-se as premissas e a consistência da estratégia para
a região ao longo do período abordado.
22
Capítulo 1- Linhas Gerais da Estratégia dos Estados Unidos para o
Hemisfério Ocidental: temas, conceitos e debate.
Este capítulo tem por objetivo traçar um panorama da política estratégica dos
Estados Unidos ao fim da Guerra Fria e da maneira em que este país se inseriu no
sistema internacional a partir deste novo cenário político. Com esta análise,
pretende-se definir alguns dos conceitos que serão utilizados ao longo da
dissertação, especificamente, os conceitos de hegemonia, de segurança e de
estratégia; para, a partir de então, enumerar os grandes temas da política
estratégica norte-americana para o Hemisfério Ocidental.
1-1. A Supremacia norte-americana do fim da guerra fria ao século XXI.
A partir da queda do muro de Berlim em 1989 e do colapso do mundo
soviético, os Estados Unidos despontaram como a maior potência do sistema
internacional e a bipolaridade que vigorava até então cedeu lugar a um sistema
unipolar, multipolar, ou sistema uni-multipolar, como chamam alguns estudiosos.
A
supremacia dos Estados Unidos no pós-guerra fria pôde ser observada pela sua
superioridade econômica e bélica, as quais eram sem precedentes e sem
parâmetros de comparação com outra potência. Vários estudiosos analisaram este
cenário político e constataram ora sua longevidade e capacidade de auto-
reinvenção, ora o aspecto passageiro desta supremacia perante a natureza cíclica
do próprio sistema internacional.
Ao fazer uma referência aos grandes impérios, Niall Ferguson afirmou que os
grandes poderes “They operate somewhere between order and disorder_ on the
edge of chaos” e, ao romper com a visão tradicional e determinista da história, ou
até mesmo da visão cíclica da mesma, afirma “Most of the fat-tail phenomena that
historians study are not the climaxes of prolonged and deterministic story lines,
instead, they represent pertubations, and sometimes the complete breakdowns, of
complex systems”. Ora, percebe-se, portanto, que existe uma grande complexidade
em se definir o caráter trágico e determinista da história, ou mesmo seu caráter
23
cíclico, pois as circunstâncias podem se modificar abruptamente e, com isso, mudar
todo o seu curso. (FERGUSON, 2010:23)
Com o objetivo de compreender o sistema internacional que emergia nesse
contexto do fim da guerra fria, vários autores buscaram interpretar esse novo
ambiente político e o papel dos Estados Unidos perante esse cenário, de acordo
com os elementos que julgavam mais preponderantes. Entre eles, é importante
destacar Francis Fukuyama, Samuel Huntington, Niall Ferguson, Christopher Layne
e Charles Kupchan.
Francis Fukuyama defendeu em sua obra principal “O Fim da História e o
Último Homem” (1992) que o novo cenário internacional seria marcado pelo
liberalismo capitalista e democrático, em detrimento de outras formas de regime
político e de modelo econômico, e tal fato levaria a maiores condições de haver paz
no cenário político internacional. Contrário a esta visão, Huntington, em sua obra
principal “Choque de Civilizações” (1996), afirmou que o mundo pós-guerra fria
continuaria a apresentar conflitos, porém não seriam mais de ordem ideológica, mas
sim conflitos ligados à incompatibilidade de civilizações, com o retorno das questões
étnicas, culturais e religiosas.
Ferguson, ao analisar este cenário político, enfatizou a importância da
manutenção do poder econômico, como condição necessária para que a potência
possa se manter preponderante às demais. Assim, ele argumenta que a maioria das
quedas repentinas das potências relaciona-se com crises fiscais. O que, segundo o
autor, torna alarmante o fato de os Estados Unidos terem anunciado em 2009 um
déficit de U$ 1,4 trilhão de dólares, equivalente a 11,2% de seu PIB. Não obstante,
ressalta o autor, na esfera política, o papel das percepções desempenha um papel
tão fundamental ou até mais preponderante quanto os números fiscais. O que
importa, de fato, são as expectativas que se criam em torno da potência enquanto
mantenedora da crença no sistema e na ordem internacional: “It is this shift that is
crucial: a complex adaptative system is in big trouble when its component parts lose
faith in its viability.” (FERGUSON, 2010:19, 23, 30)
O grande desafio proposto aos Estados Unidos, no contexto do fim da guerra
fria, foi justamente saber de antemão se o período de hegemonia seria semi-
permanente, longo, ou transitório, pois o simples fato de possuir hegemonia pode
configurar uma auto-proclamada derrota em médio e longo prazo, conforme ressalta
Christopher Layne. O fato de alguns policymakers anunciarem o excepcionalismo da
24
hegemonia norte-america não configura um argumento sólido, quando examinadas
cuidadosamente as bases dessas formulações. (LAYNE, 2006: 140)
A hegemonia norte-americana possibilitou que este país se tornasse capaz de
liderar uma ordem internacional, a partir das ações que são consideradas legais ou
ilegais, bem como a partir da manutenção da estabilidade internacional, sob o ponto
de vista hegemônico. Este preceito está de acordo com a Teoria da Estabilidade
Hegemônica, perante a qual o poder hegemônico não estabelece as regras e
normas, como também utiliza seu poder militar para estabilizar o sistema
internacional. A partir desta ordem estabelecida, muitos Estados se posicionam
próximos à potência hegemônica para gozar dos benefícios que sua estabilidade
oferece, pois a potência, neste caso, exerce um poder magnético, atraindo os outros
em seu redor. (LAYNE, 2006: 136)
A superioridade militar norte-americana, principalmente dada sua
considerável capacidade nuclear, faz com que não haja no sistema internacional um
poder estatal que resista ou ameace os Estados Unidos pelos meios convencionais.
Esta mesma superioridade trouxe à tona um espaço de manobra para pequenos
atores internacionais, como grupos extremistas que agem em nome de causas
diversas, muitas vezes ligadas a questões de cunho político ou econômico.
Dessa forma, embora organizações não-estatais, como a Al Qaeda, não
disponham de capacidade material convencional para balancear o poder norte-
americano, seu comportamento denota justamente o contrário, pois ao desafiarem,
ameaçarem e demandarem uma reconfiguração da estratégia norte-americana, elas
estão de alguma forma, alterando a balança de poder mundial. (LAYNE, 2006:144)
Pode-se afirmar, portanto, que surgiram novos meios de balança de poder, de
natureza diferente à que se via durante a Guerra Fria.
Essa alteração ainda o pode ser vista de forma clara,
porém pode se
perceber que os pilares da hegemonia norte-americana estão, aos poucos, ruindo, e
essa reconfiguração está de acordo com a própria natureza do sistema
internacional, o qual nunca se distribui de forma estática e permanente, pois,
enquanto alguns Estados estão ganhando poder relativo, outros estão perdendo
poder relativo. (LAYNE, 2006:150). Nesse sentido, as administrações Bill Clinton e
George W. Bush tinham estratégias de manutenção do status quo de grande
potência mundial e de evitar a ascensão de outros estados como potências.
(LAYNE, 2006:12)
25
Existem ainda outros elementos de fundamental importância para compreender
os desafios da hegemonia dos Estados Unidos advindos do fim da guerra fria e dos
desafios do século XXI. A tradicional relutância em se engajar com intensidade em
temas de política internacional tomou contornos diferentes ao longo dos anos e,
como atesta Charles Kupchan, houve um afrouxamento da inserção internacional
norte-americana do período que se estende desde o fim da guerra fria aos ataques
terroristas de 11 de setembro. Pois, para o autor:
“Congress rarely found time to debate foreign
policy, with crucial issues of the Day:
controlling the proliferation of nuclear
weapons, bringing peace to the Balkans,
protecting the environment- regularly
subjected to partisan infighting rather than
sound deliberation. America’s allies watched
with a mix of consternation and dismay as the
world’s most superpower appeared to have
lost its way.”
(KUPCHAN, 2002: XIII)
Kupchan, ao analisar as mudanças que ocorreram após os atentados
terroristas de 11 de setembro de 2001, traça um paralelo com os ataques de Pearl
Harbor, de dezembro de 1941; pois, segundo ele, ambos fizeram com que os
Estados Unidos e seus cidadãos se dessem conta de que viviam em uma sociedade
transnacional, a qual requeria vigilância, engajamento e sacrifício constantes;
rompendo assim, com o estado de inércia e isolamento em que viviam aentão.
(KUPCHAN, 2002: XV)
O retorno ao engajamento internacional no pós-guerra fria, para este autor,
embora se deva pautar pelo advento premente do terrorismo internacional em
território norte-americano, não se deve isentar de refletir sobre a real ameaça aos
Estados Unidos: a qual, para Kupchan, era ainda a ascensão de novas potências
que, por sua vez, desafiariam o poder norte-americano e questionariam sua
supremacia no sistema internacional. O que incomoda Kupchan é que, ao mesmo
tempo em que existem unidades desafiadoras no sistema internacional, os Estados
Unidos parecem estar perdendo o interesse em manter o papel de garantidor em
última instância da ordem e proteção internacionais. (KUPCHAN, 2002: XVI)
Há, segundo o autor, um rompimento com a tradição liberal internacionalista
que percorreu toda a política externa norte-americana desde a Segunda Guerra
26
Mundial e sustentou sua liderança no cenário internacional sob extremos
unilateralistas e isolacionistas. Este diagnóstico, somado à ascensão de outras
potências desafiadoras do status quo pode levar à derrocada deste país, ao menos
que este se ajuste às mudanças necessárias para reverter este quadro. (KUPCHAN,
2002: XVII)
Para tornar possíveis estes referidos ajustes, é preciso que os norte-
americanos desenhem um mapa conceitual geopolítico, no qual haja uma grande
estratégia para manter suas finalidades e salvaguardar seus interesses, e estes
precisam estar em consonância com os meios disponíveis para obter tais
finalidades. Portanto, é fundamental que se haja, sempre, um equilíbrio entre
compromissos assumidos e meios materiais. (KUPCHAN, 2002: 3)
Basicamente, o país projetava sua força militar para preservar a
estabilidade, porém procurava exercitar sua liderança através de instrumentos
multilaterais, ao invés de unilaterais, para reforçar sua hegemonia no âmbito
internacional. Esta sempre foi uma forte característica da ação norte-americana.
(KUPCHAN, TRUBOWITZ, 2007:8).
Esta tradição, a chamada liberal internacionalista, foi o resultado de
demandas internas e externas, pois, internamente, a disputa entre republicanos e
democratas culminou com a exigência e necessidade de se manter, no plano
internacional, a estabilidade e continuidade da política externa do país, para
conduzi-lo a resultados práticos que beneficiassem a todos. Externamente, as
ameaças da Alemanha nazista, do Japão Imperial e da União Soviética também
demandavam uma unidade e consistência da política externa. (idem)
O pai do liberalismo internacional foi o presidente Franklin D. Roosevelt, para
quem o compromisso com a projeção de poder e a cooperação internacional era
vital à manutenção do status quo da nação. A formação de uma aliança norte-sul, a
amenização de tensões sociais para lidar com o crescimento econômico e, por fim, a
junção do pragmatismo político com moderação ideológica foram as condições sine
qua non para a viabilização deste “consenso” entre democratas e republicanos
1
, o
qual garantiu a estabilidade, tanto interna quanto externa, da política do país durante
muitas décadas. (KUPCHAN, TRUBOWITZ, 2007:8, 10)
1
Para saber mais sobre este tema ver: TEIXEIRA, Carlos Gustavo Poggio. O Pensamento
Neoconservador em Política Externa nos Estados Unidos. Dissertação de Mestrado. Pontifica
Universidade Católica:São Paulo. 2007.
27
Este consenso nem sempre foi pacífico, pois havia muitos embates em
disputas comerciais e em relação às ajudas externas, porém, nas questões da
grande estratégia, como o uso da força militar e o papel do país nas instituições
multilaterais, o consenso era a regra. (KUPCHAN, TRUBOWITZ, 2007:12)
Em contrapartida, este consenso tem diminuído rapidamente, pois a
unipolaridade do sistema internacional deixou livre o espaço para ações unilaterais,
que nem mesmo a ameaça transnacional do terrorismo pôde conter. Além disso,
observa-se que a disciplina observada durante a guerra fria também está
desaparecendo sob a unipolaridade, tornando a política norte-americana cada vez
mais frágil, tanto interna quanto externamente e, com isso, o tradicional enlace do
poder com a cooperação está desaparecendo das formulações políticas norte-
americanas. (KUPCHAN, TRUBOWITZ, 2007:9)
Segundo Kupchan, a tradição liberal internacionalista não sobreviveu ao fim
da Guerra Fria e muitos atribuem este fato à administração George W. Bush e às
seguintes causas: sua atitude cética com relação às instituições internacionais, sua
crença na manutenção da ordem através de sua força militar e sua abordagem
combativa com forças domésticas oponentes. Todas estas ações estão culminando
com o fim do internacionalismo liberal. (KUPCHAN, TRUBOWITZ, 2007:20)
Assim, esta administração deixou um dos lados da tradição liberal
internacionalista em abandono: o multilateralismo e a cooperação. E para alguns
políticos, o retorno ao equilíbrio e ao centrismo seria essencial para os Estados
Unidos recuperarem a força e enfrentarem os desafios do século XXI, como afirmou
a então senadora do partido democrata Hillary Clinton: For more than a half century,
we know that we prospered because of a bipartisan consensus on defense and
foreign policy: We must do more than return to that sensible, cooperative approach.”
(KUPCHAN, TRUBOWITZ, 2007:9)
Kupchan aponta para o fato de que os Estados Unidos, ao fim da guerra fria,
possuíam meios materiais e políticos sem precedentes para dar formato a seu mapa
geopolítico, porém os desperdiçaram, pois não imprimiram no sistema internacional
suas intenções, seus objetivos e suas finalidades. Assim, ao invés de articular uma
nova visão da ordem internacional e trabalhar intensamente com países aliados para
imprimi-la, o país tem tido uma postura hesitante e reativa. Nesse sentido, as
conseqüências em longo prazo dos atentados terroristas de 2001 podem ser um
recuo do engajamento internacional e um recrudescimento da segurança pública,
28
intensificando a tendência ao unilateralismo e isolacionismo, pois, pode-se ter a
percepção de que os custos do engajamento internacional são muito altos.
(KUPCHAN, 2002: 12)
1-2. Mudanças e Continuidades no sistema internacional e implicações para a
política estratégica dos Estados Unidos.
Quais foram as mudanças pelas quais passaram o sistema internacional no
final da guerra fria? Houve elementos de continuidade, embora o sistema tenha
deixado de se representar como bipolar? Para responder a estas questões seria
preciso uma pesquisa mais aprofundada, e como o objetivo deste subitem é
apresentar instrumentos para contextualizar as implicações para a política
estratégica norte-americana, será importante destacar alguns elementos.
Primeiramente, é importante constatar que não houve mudanças significativas
do sistema internacional e da maneira pela qual as unidades políticas interagem,
mas sim houve mudanças dentro do sistema internacional, com o colapso de uma
das grandes superpotências que vigorava durante a guerra fria, a União Soviética. O
sistema internacional, porém, manteve sua natureza anárquica de auto-ajuda sob as
prerrogativas da era nuclear. Assim, embora as mudanças na polaridade do sistema
tenham causado modificações na maneira como as unidades políticas atuam, a
lógica da ação política manteve-se a mesma. (WALTZ, 2002:30)
Com a supremacia norte-americana, foram muitos os pensadores que
ofereceram modelos interpretativos e teóricos sobre a melhor estratégia a se seguir
neste contexto, surgindo um amplo debate nos Estados Unidos. Para Stephen Walt,
o país agia timidamente no sistema internacional até a cada de 80, focando sua
preponderância no Hemisfério Ocidental. As intervenções militares eram raras e
feitas com cautela até então. (WALT, 2002:123)
A base das estratégias que se seguiram, nesse contexto, foi levar a
democracia aos outros países, seguindo o preceito de que democracias não entram
em conflito com outras democracias, o que garantiria assim sua segurança nacional
e a estabilidade regional. Para Waltz, porém, o fato de que democracias raramente
entram em conflito umas com as outras, não impede que entrem em conflito com
estados não-democráticos e, portanto, tal fato não altera a balança de poder. Como
se pode perceber: Democracies may live in peace with democracies, but even if all
29
states became democratic, the structure of international politics would remain
anarchic.” (WALTZ, 2002:34)
Além de entrarem em conflito com Estados não democráticos, as
democracias disputam entre si para garantirem sua influência sobre Estados não
democráticos, portanto, a tese de “paz democrática”
2
kantiana não se aplica à
prática da arena política internacional. Porém o discurso democrático se
transformou, ao longo da estratégia política norte-americana, em um dos pilares de
suas ações concretas, se consolidando como essencial à sua segurança nacional e
à manutenção de sua supremacia.
Em um primeiro momento, pode-se pensar que estes princípios são somente
um pano de fundo ou um recurso discursivo e não representam objetivos concretos,
porém um estudo das doutrinas que percorreram as formulações da política externa
norte-americana pode demonstrar que o apelo a estes valores universais acabam
por ser o fio condutor de muitas das ações concretas proferidas pelos Estados
Unidos.
Assim, os valores absolutos da liberdade e da democracia apresentam-se
como objetivos absolutos a priori, que partem da própria herança da formação da
sociedade norte-americana. Nesse sentido, duas vocações conviveram lado a lado:
a vocação “exemplacionista” e a vocação “reivindicacionista”, sendo aquela a
tendência a se isolar do mundo, apenas dando o “exemplo” aos outros, e esta sendo
a tendência a interferir nos assuntos externos para se expandir e transformar o
mundo. (MONTEN, 2005:114)
Durante muito tempo, a corrente “exemplacionista” vigorou na estratégia
norte-americana. Esta corrente foi marcada por um maior distanciamento das
questões internacionais e das energias voltadas para o próprio desenvolvimento da
nação, o que dava ao mundo o “exemplo” de boa condução política. Ao analisar a
postura hesitante dos Estados Unidos com relação à disputa política durante a
Segunda Guerra Mundial, Raymond Aron destacou que os Estados Unidos nunca
tiveram nenhum “vizinho a temer” e consideravam a “política de poder” uma
“invenção dos despotismos da Europa” a qual se deveria rejeitar. A postura negativa
com relação às disputas e alterações territoriais que estavam ocorrendo exprimiam a
2
Immanuel Kant, em “A Paz Perpétua”, inaugura no pensamento político a máxima na quais países
republicanos, o que hoje seria compreendido como democráticos, não fariam guerra entre si, selando
um ambiente pacífico, longe de conflitos.
30
difusa crença de que a moralidade triunfaria sobre a violência. Para Aron, o ápice
dessa visão foi quando houve o desarmamento norte-americano, em 1945, pois se
tornou necessário ganhar a guerra, cumprir a missão e voltar à vida normal dentro
da sociedade democrática. (ARON, 1979: 92,93)
Foi a partir da segunda metade do século XX que a corrente reivindicacionista
começou a ganhar mais espaço e culminou com a doutrina Bush no inicio do século
XXI, a qual tem a expansão da democracia como o principal componente. Essa
mudança ao longo dos anos pode ser explicada pelo aumento do poder militar norte-
americano e pela influência de setores internos nacionalistas.
Esta tendência reivindicacionista encontrou seu ápice sob os ditames da
doutrina Bush, principalmente após os atentados terroristas de 11 de setembro, pois
a política estratégica foi definida em termos da capacidade dos Estados Unidos de
influenciar os Estados em prol de sua luta contra o terrorismo internacional. Assim,
para Montem, a guerra do Afeganistão e do Iraque foram exemplos de uma maior
interferência do país no âmbito externo. Nesse sentido, em busca de levar a
democracia para os failed e rogue states”, os Estados Unidos utilizaram a força
como primeiro meio, evidenciando assim, sua predisposição internacional para
salvaguardar seus interesses
3
.
Constata-se, portanto, que em nome da democracia e de sobrepor este
modelo a outros Estados, passou-se a ter uma postura mais internacionalista, ou
reivindicacionista para salvaguardar os interesses em jogo. Democracies promote
war because they at times decide that the way to preserve peace is to defeat
nondemocratic states and make them democratic”. (WALTZ, 2002:35) Pode-se
perceber, a partir dos elementos analisados, que os Estados Unidos passam a
imprimir sua visão de mundo aos demais Estados, a qual tem na democracia, livres
mercados e liberdade - os pilares fundamentais de sua hegemonia. Para tornar mais
inteligível esta análise, um exame do conceito de hegemonia se faz necessário para
3
Nesse trecho, Monten explica de forma clara a expansão do poder material dos Estados Unidos no
pós-11 de setembro: “U.S behavior under the Bush Doctrine broadly corroborates the basic realist
hypothesis that variation in political expansion is a function of relative changes in material capabilities.
Particularly since September 11, the United States has engaged in a massive projection of Power and
an extension of its political and security interests abroad, as well as published an official strategy
document in which it proposes to maintain its position of primacy by adding to its margin of superiority
and dissuading peer competitors”. MONTEM, Jonathan. The Roots of the Bush Doctrine. Power,
Nationalism, and Democracy promotion in US Strategy. International Security. 29(4). Spring 2005.
p.142.
31
compreender o conjunto mais amplo de fatores que compõem a estratégia norte-
americana nesse contexto.
Não se pretende fazer um exame minucioso do conceito de hegemonia, mas
apenas compreender de que forma este conceito passou a ser usado para
denominar a influência norte-americana no mundo pós-guerra fria e de que forma
este se aplica à realidade. Oliveiros Ferreira, ao analisar os Cadernos de Gramsci,
faz uma leitura sobre o conceito de hegemonia, na qual atesta que a hegemonia,
compreendida como fato político em sua ontologia e forma, não pode ser retirada de
seu lócus e de seu contexto político e social, além de seus diferentes segmentos
sociais em que está inserida. Além disso, a hegemonia existe a partir do
momento em que haja condições sociais para um grupo impor sua visão de mundo
aos demais, e, portanto, partindo do pressuposto no qual há disputa entre diferentes
grupos sociais e suas diferentes visões de mundo, está se referindo a grupos com
culturas diferentes, os quais desejam se sobrepor uns aos outros. (FERREIRA,
2006: 88)
Porém, ao se fazer a transposição do conceito gramsciniano de hegemonia, o
qual era aplicado dentro da esfera estatal, e transferir este conceito para a arena das
relações internacionais, torna-se muito complexo, pois, a existência de hegemonia
de um Estado específico pressupõe, entre outros elementos, a aceitação dos outros
Estados, sem que haja exceções de resistência a tal situação, o que, em termos
práticos, é impossível de se realizar e de se medir. Portanto, ao se afirmar a
hegemonia de um Estado no sistema internacional, não se deveria fazer referencia
ao termo gramsciniano o qual implica, além da coerção e outros elementos, em um
consenso entre as partes; mas sim à existência de uma predisposição unilateral do
Estado em questão, e neste caso, um Estado que exerça poder de potência, e
pretenda levar e impor sua visão de mundo aos demais, e que haja, no ambiente
internacional, uma aceitação por maioria, mas não consensual ou unânime desta
relação
4
.
Assim, a utilização do termo “hegemonia” no presente trabalho corresponde à
definição dada acima no que se refere mais à predisposição unilateral do Estado de
agir conforme sua supremacia militar, econômica, política e cultural do que à adesão
4
Esta discussão foi realizada inúmeras vezes com o professor Oliveiros Ferreira na disciplina “O
conceito de hegemonia em relações internacionais” e, como se pôde perceber, não há uma solução
ou um consenso entre os acadêmicos acerca do conceito de hegemonia aplicado à política
internacional.
32
e aceitação dos outros Estados propriamente ditos. No caso dos Estados Unidos,
quando se afirma sua hegemonia no pós-guerra fria, pretende-se afirmar sua
superioridade material e de “visão de mundo” perante o colapso do mundo
comunista, mas não significa que não houve contestações à hegemonia norte-
americana no período em questão
5
.
Dessa forma, dando continuidade à tarefa de fornecer um arcabouço teórico
para a presente pesquisa, faz-se necessário um exame do conceito de segurança e
das mudanças pelas quais este passou, em decorrência das modificações factuais
observadas no campo empírico. Tal exame servirá de base teórica para a utilização
dos termos “securitização” e o processo de “macrossecuritização”, que utilizados ao
longo desta pesquisa.
1-3 Reflexões sobre o conceito de segurança internacional no pós-guerra fria.
Ao observar o ambiente da segurança internacional ao fim da guerra fria, até
então dominado pelos teóricos de tradição realista, alguns teóricos constataram que
o conceito de segurança empregado até então era adequado ao contexto da guerra
fria, com seus signos, símbolos e significados próprios. Entretanto, a nova realidade
advinda ao fim da guerra fria trazia consigo novos desafios e uma multiplicidade de
temas sensíveis e questões que outrora não faziam parte das discussões sobre
segurança. Assim, tornou-se necessário o questionamento deste conceito e uma
reflexão sobre suas novas especificidades.
Na realidade, este debate decorreu da insatisfação de alguns estudiosos com
a abordagem neo-realista da segurança, que por um tempo foi dominante; além da
necessidade de responder aos desafios trazidos pelo mundo pós-guerra fria; e da
preocupação em dar continuidade e relevância aos estudos em matéria de
segurança internacional. Porém, apesar de haver muita discussão sobre este tema,
os estudiosos o alcançaram um consenso sobre a construção e a forma de um
conceito de segurança mais abrangente. (KRAUSE e WILLIAMS, 1996:229)
As abordagens mais abrangentes e alternativas sobre segurança acreditavam
que a convicção neo-realista em proteger o Estado de ameaças militares que partem
5
Idem.
33
de fora de suas fronteiras não era mais adequada para compreender o quê deveria
ser protegido, de quais tipos de ameaças, e por quais meios, nos tempos atuais.
Porém, para os neo-realistas, as abordagens alternativas não foram capazes
de, por um lado, dar uma explicação científica para a segurança, ou, por outro lado,
demonstrar seu valor em pesquisas empíricas e, além disso, poderiam, em alguns
casos, se tornar politicamente irresponsáveis. (KRAUSE e WILLIAMS, 1996:230)
Para Stephen Walt
6
, este estudo deveria estar inserido em um sistema no
qual existam leis que governem o campo da segurança ou que, ao menos, guiem o
método correto para sua abordagem. Esta preocupação com a cientificidade e rigor
é embasada em princípios neo-realistas fundamentais e os mais importantes são a
centralidade do Estado como um “sujeito de segurança” e o estado de anarquia
internacional; e estes princípios estão inseridos em um contexto mais profundo da
natureza dos sujeitos políticos e sua sobrevivência. (KRAUSE e WILLIAMS,
1996:232)
A objetividade com que retratam a realidade faz com que os neo-realistas
declarem serem os únicos capazes de identificar o quê pode ou não ser considerado
uma questão de segurança, o que demonstra a competição pelo monopólio do real
significado deste conceito. (KRAUSE e WILLIAMS, 1996:233) Pois, para eles, a
expansão deste conceito é uma ação política que foge da análise conceitual e,
embora aparentemente mantenham uma posição apolítica, isto não ocorre de fato,
quando, por exemplo, eles declaram que as questões ambientais não são questões
de segurança, pois esta simples negação já se configura em um ato político.
Por outro lado, as abordagens alternativas de segurança reclamam a
importância das crenças, das percepções e intenções que, ao invés de serem
fatores quantitativos do Estado, são realidades complexas dos indivíduos e de
grupos sociais; e determinam a forma como a balança entre capacidades ofensivas
e defensivas são percebidas. Sendo que estas formam as “estruturas de significado
coletivo”, ou seja, os fatores determinantes da formulação de política externa,
desenvolvimento de tecnologia militar e consolidação de instituições. (KRAUSE e
WILLIAMS, 1996:238)
6
WALT, Stephen M. “The Renaissance of Security Studies”. International Studies Quartely.
35(2).1991, p.211-239
.
34
O papel das percepções de ofensa e defesa nas discussões da sociologia e
antropologia tem suas raízes nos conceitos de cultura dos atores inseridos em
instituições sociais (militares ou políticas). De fato, o sistema internacional com os
interesses, ameaças e intenções requer uma compreensão abrangente da história,
cultura, ideologias e fatores inter-relacionados. (KRAUSE e WILLIAMS, 1996:239)
O preceito básico dos construtivistas, nesse contexto, é de que a segurança
não é um conceito objetivo, no qual se podem medir as ameaças a partir de forças
materiais objetivas, pois, para eles o objeto de segurança é instável e está em
constante movimento. Portanto, a segurança é compreendida como um conjunto de
discursos e práticas inseridos em um contexto histórico de consensos e shared
understandings
7
. Assim, para os construtivistas, o conhecimento não é objetivo, no
sentido de que este não existe sem a construção coletiva que lhe dá significado.
A Escola de Copenhagen
8
foi importante por buscar diferenciar o Estado da
sociedade civil em matéria de segurança, além de inserir temas como identidade e
percepções para desenvolver a abordagem construtivista. (KRAUSE e WILLIAMS,
244). É imprescindível considerar, por outro lado, que também a expansão da
segurança pode ter conseqüências políticas negativas, pois ao “securitizar” temas
como a migração, pode se gerar uma política de intolerância e repúdio aos
imigrantes, por exemplo. Assim, percebe-se que nenhuma das abordagens detém
uma posição apolítica.
Leffler analisa que para compreender quais são os valores fundamentais de
uma sociedade é preciso identificar quais são seus grupos influentes e seus
interesses e ideais: (LEFFLER, 1990:145)
To determine core values,
historians must identify key groups,
agencies, and individuals, examine their
goals and ideas, and analyze how trade-
offs are made (…). Core values are the
goals that emerge as priorities after the
trade-offs are made; core values are the
objectives that merge ideological
precepts and cultural symbols like
democracy, self-determination, and race
consciousness with concrete interests
7
Compreende-se por “shared understandings” a construção de consensos sobre temas específicos e
aceitação de normas comuns para uma comunidade.
8
A Escola de Copenhagen foi o nome dado à comunidade epistêmica que trouxe uma abordagem
expandida do conceito de segurança e seus maiores expoentes foram: Barry Buzan, Ole Weaver e
Kratochwil.
35
like access to markets and raw
materials; core values are these
interests that are pursued
notwithstanding the costs incurred; core
values are the goals worth fighting for.”
Ainda para Leffler, a proteção e posse desses valores fundamentais requerem
o exercício do poder e, para ele, o poder é a capacidade de alcançar os objetivos
esperados. (LEFFLER, 1990:146)
Bary Buzan atentou para a importância de se diferenciar os processos de
securitização dos de politização, sendo que, para ele no setor militar, o Estado e a
democracia são os objetos referentes; no setor político, as ameaças são definidas
em termos de ameaças à sobrevivência e à ideologia do modelo político; no setor
econômico, as ameaças são a corrupção e as transgressões às leis econômicas; no
setor social, o objeto referencial são as identidades em larga escala, como as
nações e religiões; e; por fim, no setor ambiental o principal objeto referencial é a
manutenção das espécies vivas e a manutenção da biosfera. (BUZAN, WEAVER,
WILDE, 1998:7)
Assim, qualquer questão pública, segundo Buzan, pode se localizar no
espectro do não-político, político e securitizado, e isto depende de cada Estado, com
sua tradição política e seus costumes. Por exemplo, no Irã e na Arábia Saudita, a
religião é politicizada, diferente dos Estados Unidos e França; e na antiga União
Soviética e Irã, a cultura foi securitizada, diferente da Inglaterra e Holanda. (BUZAN,
WEAVER, WILDE, 1998:24)
O processo de securitização, para Buzan, compreende três elementos:
ameaças existentes, ação emergencial e efeitos nas relações entre as unidades
através da quebra de regras. (BUZAN, WEAVER, WILDE, 1998:26) Este processo,
segundo o autor, é o mesmo que, na teoria lingüística, é chamado ação de discurso,
e, por isso, poderia ser utilizado para os vários setores sem perder a qualidade
essencial do conceito de segurança. Esta seria, portanto, a resposta-chave aos neo-
realistas ou tradicionalistas que entendem que os estudos de segurança não podem
expandir sua agenda além da político-militar e não refletem sobre o próprio conceito
de segurança. (BUZAN, WEAVER, WILDE, 1998:30)
Buzan faz uma ressalva e destaca o fato de que, na verdade, se deve visar à
desecuritização do Estado, e deixar para o analista essas abordagens expandidas a
36
fim de evitar abusos políticos e a excessiva securitização do Estado; e deixa claro
que, embora tivesse uma posição filosófica mais radical e construtivista ao ter a
segurança como uma construção política e não como algo que o analista pode
realmente descrever “como é”, em suas propostas aproxima-se mais dos
tradicionalistas, daí o fato de ser considerado um dos pais do “estruturalismo
modificado” que herdou do neo-realismo de Waltz. (BUZAN, WEAVER, WILDE,
1998:4)
Ole Weaver, aliado a Buzan, desenvolveu a Teoria dos Complexos Regionais
de Segurança e, ao retomar as discussões de segurança complexa feita na década
de 90, evidencia suas raízes construtivistas, a partir de parâmetros de amizade e/ou
inimizade entre as unidades do sistema, o que torna os sistemas regionais
dependentes das ações e interpretações dos atores, deixando de lado
interpretações materialistas de distribuição de poder. (BUZAN e WEAVER, 2003:40).
Para estes pensadores, a Teoria dos Complexos Regionais de Segurança
traz uma visão mais detalhista da realidade, expandindo a visão estreita de
parâmetros de unipolaridade ou centro-periferia, sendo, portanto, complementar a
esta. (idem) As formações de arranjos e concertos de segurança sempre foram,
segundo estes autores, primeiramente de caráter regional, para depois se
expandirem para as demais regiões. (BUZAN e WEAVER, 2003:41)
Assim, a definição original de um Complexo Regional de Segurança (CRS) é
a formação de um grupo de Estados cujas preocupações primárias de segurança
são tão próximas que as seguranças nacionais não podem ser pensadas
separadamente umas das outras. (BUZAN e WEAVER, 2003:44) No início do
desenvolvimento dessa teoria, acreditavam serem os Estados as unidades políticas
em questão, porém em seguida passaram a considerar uma abordagem mais ampla
com relação aos atores políticos: (BUZAN e WEAVER, 2003:44,45)
“Ultimately, we have an open
framework in which it is left for history to
decide whether states are the most
important referent objects for security or,
say, the environment.(…) RSCs are
defined by durable patterns of amity and
enmity taking the form of sub global,
geographically coherent patterns of
security interdependence.”
37
Os complexos de segurança, portanto, são definidos em termos de amizade
ou inimizade e têm como base a história, cultura, religião e a geografia; e são
dependentes das ações passadas, ou “path-dependent”
9
. Através de padrões
históricos de amizade, inimizade e da construção da confiança mútua, foi
possibilitada a criação dessas zonas de interligação e interdependência, os
chamados complexos de segurança. (BUZAN e WEAVER, 2003:50).
A formação de um complexo de segurança deriva da relação entre, por um
lado, a estrutura anárquica e a balança de poder; e por outro lado, as pressões da
proximidade geográfica. Nesse sentido, a localização geográfica é um catalisador
para buscar soluções comuns em segurança, visto que muitas ameaças transcorrem
fronteiras e podem atingir territórios nacionais. (BUZAN e WEAVER, 2003:45).
A premissa básica dos CRSs de que a interdependência em segurança ocorre
em âmbito regional é muito influenciada pelo fato de haver uma superpotência ou
uma potência média na região em questão. Isto ocorre porque as superpotências
têm, em geral, amplos objetivos e interesses estratégicos e, a partir de suas
capacidades superiores, podem transcender à fronteira nacional, interferindo em
suas relações de segurança com países vizinhos que não possuem as mesmas
capacidades. (BUZAN e WEAVER, 2003:46).
Os fatores essenciais presentes em um complexo regional de segurança são:
as fronteiras, a estrutura anárquica, a polaridade e “path dependence”. O conjunto
desses elementos forma ao sistema regional de segurança, interagindo com
outros complexos, sob a influência de outras potências regionais, e assim por diante.
(BUZAN e WEAVER, 2003:53).
Para um dos defensores da segurança tradicionalista, Mearsheimer, a teoria da
segurança complexa apresenta uma grande falha ao não explicar, de forma
satisfatória, como os Estados superam seus medos e aprendem a como confiar uns
nos outros, havendo um grande silêncio quanto às capacidades militares e à
anarquia internacional. Parte-se do pressuposto, nesse contexto, de que as
intenções dos Estados não são de agredir, mas sim somente de se defenderem de
possíveis agressões. (MEARSHEIMER, 1994,1995:30)
Portanto, segundo o autor, os maiores problemas da segurança complexa são,
entre outros: de que os Estados devem ser capazes de distinguir claramente entre
9
Entende-se por “path dependence” o conjunto de ações passadas que formam a amizade ou
inimizade entre as unidades, tornando mais suscetíveis á cooperação ou à disputa.
38
agressores e vítimas; as inimizades históricas devem ser superadas; os Estados, por
sua vez, não poderiam relutar em dar uma resposta pida a uma agressão na
região (embora isto seja de difícil execução); e, por fim, os Estados relutariam em
participar de esforços de segurança coletiva porque a maioria dos conflitos toma
dimensão internacional. (MEARSHEIMER, 1994,1995:32)
Assim, Mearsheimer analisa as operações “peacekeeping” e os “concertos”,
alternativas atenuadas sugeridas pela teoria da segurança complexa, e define
aquelas como um mecanismo utilizado pelas grandes potências para cessar fogo em
conflitos de baixa escala em Estados sem poder de potência, além de pressupor um
consenso entre grandes potências de como intervir na região; e estes como
relevantes dentro da lógica realista das grandes potências, no qual as grandes
potências não têm incentivos para se agredirem mutuamente e, dessa forma,
formam arranjos de poder. Para o autor, portanto, o concerto e seu funcionamento
seguiam uma lógica contrária àquela pregada pela teoria da segurança complexa,
como se pode compreender pelo seguinte trecho: (MEARSHEIMER, 1994, 1995: 34,
35)
“A government cannot at the same
time behave according to the Machiavellian
assumptions of the balance of Power and the
Wilsonian assumptions of international
organization.”
(Wright apud Mearsheimer,
1994, 1995:35
)
Por fim, para o autor, embora a teoria da segurança complexa ressalte
aspectos militares dos Estados, ela não é capaz de definir de que forma estes abrem
mão de sua segurança nacional e passam a confiar uns nos outros, sendo que o
sistema configura-se como sendo de auto-ajuda e que os Estados interagem entre
si em busca de salvaguardar seus interesses. (MEARSHEIMER, 1994,1995:36)
Entretanto, para Kupchan, era preciso compreender que sob a lógica da
segurança cooperativa, os Estados concordariam em agir sob determinadas normas
e regras a fim de manter a estabilidade e, quando necessário, se movimentar de
forma conjunta para evitar algum tipo de agressão. A estabilidade, portanto, deveria
ser compreendida pela ausência de guerras entre grandes potências e como um
produto da cooperação entre estas. (KUPCHAN, KUPCHAN, 1995: 52)
39
A crítica que este autor faz a Mearsheimer é a de que ele fez uma análise
estreita da realidade e falhou ao não analisar a principal questão que estava em
jogo: a de que uma forma de balança de poder que fosse minimamente regulada ou
institucionalizada era preferível às formas desreguladas que vigoravam sob a
anarquia internacional. (KUPCHAN, KUPCHAN, 1995: 53)
Ciente da natureza competitiva do sistema internacional, Kupchan aponta que
a segurança coletiva buscava um mecanismo mais efetivo de formas de arranjos
políticos contra Estados agressores, tornando o ato de ataque mais custoso a estes.
E nesse sentido, o fato de existirem arranjos de segurança cooperativa se torna
mais vantajoso do que se estes não existirem. Assim, para ele, o importante não era
analisar se havia ou não falhas na teoria da segurança complexa, mas sim se, de
alguma forma, esta era capaz de deter ou bloquear Estados agressores, em
contraposição ao estado de anarquia. (KUPCHAN, KUPCHAN, 1995: 57)
Pode se perceber, portanto, que as diferentes abordagens sobre o tema de
segurança internacional, sua expansão e a busca da cooperação em segurança
levam em conta diferentes fatores, e optar por uma ou por outra é ter conseqüências
políticas diferentes, portanto é preciso conhecer bem os pressupostos da concepção
tradicionalista e da concepção abrangente para compreender o real significado de
segurança e suas implicações políticas.
A partir dos elementos analisados ao presente momento, torna-se possível
passar à análise dos temas gerais que percorreram a política estratégica norte-
americana para o Hemisfério Ocidental para, a partir de então, averiguar seus
desdobramentos para a América do Sul, conforme serão analisados a partir do
segundo capítulo.
40
1-4. Linhas Gerais da Política Estratégica dos Estados Unidos para o
Hemisfério Ocidental.
Pretende-se neste subitem examinar os preceitos fundamentais da política
estratégica norte-americana para o Hemisfério Ocidental
10
, a partir da definição do
conceito de estratégia e da apresentação dos pilares fundamentais desta política
para a região, para, a partir dos capítulos seguintes, apresentar os temas que são
recorrentes na política para a região e quais são seus desdobramentos.
O conceito de estratégia que utilizamos no presente trabalho dá forma à
atividade política que visa, primeiramente, garantir através de meios político-
diplomáticos, a satisfação geopolítica em manter a segurança nacional longe de
possíveis ameaças. Para Raymond Aron:
“Chamemos de estratégia o comportamento
relacionado com o conjunto das operações
militares, e de diplomacia a condução do
intercâmbio com outras unidades políticas.
Tanto a estratégia quanto a diplomacia estão
subordinadas à política, isto é, à concepção
que a coletividade, ou aqueles que assumem
a responsabilidade pela vida coletiva, fazem
do “interesse nacional”. Em tempos de paz, a
política se utiliza de meios diplomáticos, sem
excluir o recurso às armas, pelo menos a
título de ameaça.” (ARON, 1979:72)
Ora, se para Aron a estratégia é, pois, obter ganhos políticos através de
ações militares e, por outro lado, a diplomacia busca ganhos políticos através de
negociações, será fundamental, portanto, estabelecer que na presente pesquisa
entende-se por estratégia o conjunto de medidas militares e diplomáticas, que visam
garantir a segurança nacional, a qual no caso dos Estados Unidos estende-se à
segurança regional e abrange temas que ultrapassam o campo militar, haja vista a
proximidade geográfica e o caráter transnacional das ameaças que atingem a
região. Pois, enquanto Aron diferenciava a diplomacia da estratégia, como se pode
verificar no trecho: “... a diplomacia pode ser a arte de convencer sem usar a força, e
10
Compreende-se por Hemisfério Ocidental, de acordo com o que é exposto nos documentos norte-
americanos e nos escritos de autores sobre o tema, como o conjunto da América Central e América
do Sul, além de México e Canadá.
41
a estratégia como a arte de vencer de um modo mais direto”, estava se referindo,
sobretudo aos três tipos de estratégia que para ele vigoraram durante a guerra fria,
quais sejam: a dissuasão, a persuasão e a subversão. (ARON, 1979: 73, 233)
A aplicação estrita deste conceito ao objeto da presente pesquisa encontra
dificuldades que são intrínsecas ao próprio objeto. Pois este, por sua vez, exige a
“expansão” do conceito de estratégia, pois, diferentemente da guerra fria, na qual
havia duas superpotências e cuja disputa pressupunha o princípio da polaridade
11
e
um equilíbrio de forças; no caso dos Estados Unidos, uma potência mundial, frente
aos países da América do Sul, os quais têm uma participação ínfima no jogo
geoestratégico mundial, o conceito tradicional de estratégia não pode ser aplicado,
porque o que está em jogo não são ameaças vitais de ambos os lados e
contrapartidas equilibradas, como o era durante a guerra fria; mas sim, a
manutenção da estabilidade regional por parte da grande potência, os Estados
Unidos, e a manutenção da região livre de ameaças que afetam este país, como a
produção e tráfico de drogas.
Até mesmo Aron, em certo momento, relativizou sua diferenciação entre a
estratégia e a diplomacia e afirmou:
“A distinção entre diplomacia e estratégia é
relativa. Os dois termos denotam aspectos
complementares da arte única da política- a
arte de dirigir o intercâmbio com os outros
Estados em benefício do “interesse nacional”.
Se a estratégia- que, por definição, orienta as
operações militares- não tem uma função fora
do teatro militar, os meios militares, por sua
vez, são um dos instrumentos de que a
diplomacia se utiliza.” (ARON, 1979:73)
Assim, ao relativizar os conceitos de estratégia e diplomacia, dando àquela o
caráter estritamente militar e a esta, por vezes, o uso da força militar, entende-se,
para parâmetros de comparação, que empregamos nesta pesquisa o conceito de
estratégia mais próximo ao que Aron chamou de diplomacia, para que se possa
compreender a atividade política em seu aspecto mais amplo de salvaguarda dos
interesses nacionais. A sutileza que se deseja expressar na presente pesquisa com
11
O princípio da polaridade foi apresentado por Clausewitz, na obra “Da Guerra”, e, para este autor
significa: “Admitimos que os interesses de um dos comandantes são sempre de grandeza em
oposição aos do outro, isso implica uma verdadeira polaridade. (CLAUSEWITZ, 2003:20)
42
o termo “política estratégica”, talvez possa se expressar de maneira ainda mais
próxima pelo seguinte trecho:
“A diplomacia sem meios de pressão
econômica, sem violência simbólica ou
clandestina, será pura persuasão- e talvez
não exista. Mesmo a diplomacia pura insinua,
ainda que de modo implícito, que poderia
exercer pressão com outros meios, se se
decidisse a isso. Contudo, ela se esforça por
fazer acreditar, ao adversário e aos
espectadores, que seu objetivo é seduzir ou
convencer, e não coagir. O adversário deve
sentir que goza de liberdade de ação, mesmo
se, em última análise, cede à força ameaçada
implicitamente.” (ARON, 1979:115)
Esta é, portanto, a definição mais próxima e mais completa que se pretende
dar ao termo “política estratégica”, compreendendo o conjunto de ações
diplomáticas, as quais podem ser militares ou não, e que têm por objetivo
salvaguardar os interesses nacionais. Como o estudo de caso em questão trata da
política estratégica dos Estados Unidos para a América do Sul, será abordado,
portanto, o conjunto de políticas para a região, que visem a manter a estabilidade
regional e, a partir de então, garantir os interesses do país.
Ao longo de todo o século XX, e principalmente após a década de 40, os
Estados Unidos tiveram uma presença preponderante na América Latina. Os temas
que regeram as relações entre ambos não foram apenas econômicos ou militares,
mas também políticos, ideológicos e culturais. Porém, ao longo dos anos, a
promoção da democracia se tornou a questão preponderante por supostamente
trazer consigo uma série de soluções para outros problemas, como a solidificação
das instituições jurídicas e o reforço para a solução de problemas, como o tráfico e
produção de drogas. A manutenção da estabilidade política na região, mantendo-a
longe de conflitos fronteiriços também esteve sempre presente nas formulações
políticas norte-americanas. (WHITEHEAD, 1991: 217)
Assim, logo ao fim da guerra fria, a promoção da democracia tomou novo
fôlego, com o surgimento de várias democracias no hemisfério, e, George Bush,
para justificar suas empreitadas militares em nome da democracia afirmou:
43
“Nope, the United States should not seek to
be the world’s policeman. But in the wake of
the Cold War, it was the role of the United
States, the only remaining superpower, to
promote a democratic peace. There is no one
else.” (BUSH apud BROWN, 1994:559)
A administração Clinton, por sua vez, iniciou seus trabalhos com sérios
problemas de ordem doméstica, como a crise econômica, aumento do crime, e
problemas com o aumento da circulação de drogas no país. Assim, o então
Secretário de Estado Warren Christopher anunciou que a economia seria a
prioridade para a nação, e em seguida viria a reestruturação das forças armadas e a
promoção da democracia como as principais missões para tal administração. Os
problemas de ordem internacional demandavam, por sua vez, soluções de caráter
humanitário, como nos Bálcãs, por exemplo. (BROWN, 1994: 567)
A junção de todos esses desafios fez com que fosse necessário lançar uma
nova doutrina, um novo conjunto de ações que tivessem um formato próprio e que
pudessem imprimir a personificação dos Estados Unidos no contexto do pós- guerra
fria e do presidente Clinton em suas formulações
12
. A doutrina lançada, então, como
resposta a estes desafios foi a estratégia de “Engajamento e Expansão” de impulso
a um “mundo com livres mercados e democracias”, e esta foi também a prerrogativa
do governo Clinton para a América do Sul, a qual será melhor explorada no segundo
capítulo. (BROWN, 1994:611)
Pode-se afirmar, portanto, que o conjunto de políticas de base para o
Hemisfério Ocidental versava sobre: a promoção e manutenção da democracia,
promoção dos direitos humanos, desenvolvimento econômico e estabilidade política
na região. As políticas mais enfáticas foram as políticas antidrogas, para conter o
avanço da produção e tráfico de drogas; políticas de cooperação em atividades
militares, que visavam a uma maior vigilância civil dos militares; e políticas de
reforma e fortalecimento dos sistemas judiciários locais. Neste momento, também
havia uma preocupação com o terrorismo internacional e suas possíveis fontes de
12
Brown afirma ainda que nesse momento Bill Clinton sofria pressões políticas de setores do
governo, tanto com relação à política interna quanto
à sua política externa. (BROWN, 1994:611)
44
financiamento na região, porém o tema central era o combate às drogas.
(LOVEMAN, 2006: XI)
A administração seguinte à de Clinton, a de George W. Bush, por sua vez,
presenciou o atentado terrorista às torres gêmeas em setembro de 2001 e trouxe um
elemento novo para os formuladores de política externa norte-americana: a
consciência de sua vulnerabilidade. Embora muitos documentos e relatórios
expedidos tanto pelo Departamento de Estado quanto pelo Departamento de Defesa
alertassem sobre a possibilidade de haver ataques terroristas em território norte-
americano durante toda a cada de 90, nada pôde evitar que um ataque,
taticamente simples, fosse perpetrado contra a nação e mudado, de maneira ainda
indefinida, os rumos de sua política interna e externa.
A resposta aos atentados terroristas foi a construção de uma doutrina de
combate ao terror, e a missão de “tornar o mundo um lugar mais seguro”
13
, através
do delineamento de uma estratégia que tinha por objetivo principal defender a nação
de seus inimigos e, para tanto, convocariam os outros países para aderirem à luta
global contra o terrorismo e todas as suas possíveis fontes de financiamento e de
proteção. Nesse sentido, a luta contra a pobreza, contra “democracias frágeis”,
corrupção, economias fechadas e tudo o que fosse visto como possível lócus de
desenvolvimento de células terroristas passou a ser enquadrado como tal. (RICE,
2002: 63,67)
O apelo ao Hemisfério Ocidental se fez presente pela pressão política para se
firmar a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), a qual desde o início da
década de 90 esteve presente na pauta de políticas para a região e versava sobre
acordos financeiros, acordos comerciais, leis contra corrupção, medidas para maior
transparência financeira e bancária; entre outros. A ALCA, segundo o governo norte-
americano, seria uma maneira de obter mais transparência nas atividades
financeiras, o maior fortalecimento das democracias e, assim, ajudaria no combate
aos crimes transnacionais. Percebe-se, portanto, que os temas para o Hemisfério
Ocidental permaneceram os mesmos, quais sejam: o combate ao tráfico de drogas,
o fortalecimento da democracia, combate à lavagem de dinheiro, corrupção, entre
outros; entretanto, estes passam a ser percebidos como possíveis meios de
desenvolvimento e financiamento do terrorismo internacional.(RICE, 2002: 67)
13
RICE, Condolezza. Em uma palestra proferida no Institute for Policy Research, em 2002, e enviado
pela autora para publicação com exclusividade à Revista Política Externa.
45
Nos capítulos seguintes serão analisados os mecanismos políticos que
traduziram a estratégia de segurança nacional dos Estados Unidos para a região da
América do Sul, divididos entre os governos Bill Clinton e George W. Bush, a partir
dos elementos conceituais até aqui analisados.
46
Capítulo 2- A política estratégica de Clinton para a América do Sul:
a guerra às drogas e a busca de soluções multilaterais.
Este capítulo tem por objetivo fazer uma análise da política estratégia de Bill
Clinton, de 1993 a 2000, para a América do Sul, a partir da análise de sua estratégia
geral de inserção internacional, a chamada “Engajamento e Expansão” e suas
características principais. Após esta análise, serão examinadas as políticas para a
América do Sul, e esta abordagem será subdividida em três pontos importantes: as
reuniões das Cúpulas das Américas e as Reuniões Ministros de Defesa; a presença
do combate às drogas nas formulações políticas para a região; e o tema do
terrorismo internacional e sua abordagem sob a administração Clinton.
2-1 A Estratégia de Engajamento e Expansão.
O período em que Clinton ocupou a Casa Branca, de 1993 a 2000 foi
marcado, por um lado, pelos desafios deixados pelas administrações anteriores e
pelas dificuldades próprias da conjuntura internacional do final da Guerra Fria, e por
outro lado, pelas incertezas do mundo que estava por vir e das posições que os
Estados Unidos deveriam tomar perante esses desafios
No início de seu mandato, Clinton optou por priorizar políticas domésticas
para estabilizar a crise econômica que assolava o país ao fim da Guerra Fria, além
de lidar com problemas de ordem social, como o aumento do crime e do consumo
de drogas. No campo internacional, a intenção era participar de ações internacionais
por meio de organizações e arranjos políticos em âmbito multilateral e regional. A
própria formação liberal do presidente lhe deu um caráter mais voltado a afirmar as
posições dos Estados Unidos através de instituições multilaterais. Porém, a eclosão
de problemas de caráter humanitário, principalmente no Leste Europeu e na África,
demandou um posicionamento norte-americano perante tais questões. (BROWN,
1994:581)
A crise étnica e humanitária na Bósnia suscitou pressões nos Estados Unidos,
pois muito se questionou sobre qual era o plano de poder do país perante o fato de
ser a maior potência militar ao final da Guerra Fria, além de ter gerado expectativas
47
nos líderes políticos do Ocidente. A essa altura, havia várias crises humanitárias
eclodindo por toda parte que demandavam resposta rápida dos Estados Unidos. E,
embora as indefinições e ambigüidades com relação à estratégia do país na política
internacional ainda permanecessem, o país manteve suas intervenções militares em
várias regiões, muitas vezes justificando o caráter humanitário de tais intervenções:
Somália (1992-94), Haiti (1994), snia (1995), e Kosovo (1999). (NASSER, 2009:
118)
Estes Estados configuraram o que se convencionou chamar de “estados
falidos” e demandaram ações humanitárias ao longo da década de 90. Os estados
falidos representavam ameaças, para os Estados Unidos, por poderem facilmente se
tornar refúgio para terroristas, além de poderem provocar disputas mais sérias entre
grandes potências para estabelecerem sua hegemonia na região. Para Reginaldo
Nasser, os Estados falidos representavam grandes oportunidades econômicas por
possuírem, em sua maioria, fontes de riquezas naturais. os Estados fora da lei,
ou rogue states, por sua vez, também tiveram grande destaque neste contexto e,
para os Estados Unidos
14
, o fato de não se adequarem aos regimes internacionais,
entre outros fatores, tornava-os possíveis Estados protetores ou até mesmo
promovedores do terrorismo internacional. (NASSER, 2009: 117, 119)
Como resposta às demandas e à pressão política que se instaurou na Casa
Branca, inaugurou-se a estratégia chamada “Engajamento e Expansão”
15
, em 1996,
na qual se afirmou que a liderança norte-americana nunca foi tão necessitada por
outros povos e que o mundo que estava por vir guardava muitas incertezas. Os
principais desafios e ameaças elencados por esta estratégia foram os conflitos
étnicos, os rogue states, o terrorismo internacional, os crimes transnacionais, e o
tráfico de drogas. As principais diretrizes elencadas pela estratégia foram expandir e
reestruturar as forças armadas e torná-las mais ágeis e eficazes para poderem se
14
Nesse trecho, os Estados Unidos alertam para o perigo” representado pelos rogue states:A
handful of pariah states--Cuba, Libya, North Korea, Iran, Iraq, Syria and Sudan—have been
designated by the State Department, pursuant to section 6(j) of the Export Administration Act, as
terrorist sponsoring countries or ”Terrorism List Governments.” No one should discount the
significance of this designation. Without the support of these countries, terrorists would literally not
have a home, much less the active assistance of government officials. Prohibition on Financial
Transactions with Countries Supporting Terrorism Act”. Disponível em:
http://www.fas.org/irp/congress/1997_rpt/h105_141.htm.
15
A National Security Strategy of Engagement & Enlargement. The White House, 1996. Disponível
em: www.fas.org/spp/military/docops/national/196stra.htm
48
deslocar com mais facilidade, promover a revitalização da economia norte-
americana e promover a democracia no exterior. (The White House, E&E, 1996)
Sob esta estratégia, caso os interesses nacionais fossem desafiados, o país
interviria através da diplomacia, porém, se esta não funcionasse, far-se-ia uso da
força militar. Houve, porém, o reconhecimento de que, embora o uso da força
pudesse resolver problemas em curto prazo, não poderia resolver problemas mais
profundos, e por isso a importância de fortalecer a democracia e promover o
desenvolvimento econômico em várias regiões do mundo. Fez-se ainda referência
aos exemplos deixados pela Primeira Guerra Mundial, a qual deixou claros os
perigos de manter uma postura isolacionista diante das questões internacionais. E
por isso seria importante garantir a segurança da sociedade norte-americana através
da abertura de mercados, expansão da democracia, combate ao terrorismo e ao
tráfico de drogas. (idem)
Há também nesta estratégia o apelo ao uso da diplomacia preventiva
16
, a qual
deveria promover assistência humanitária, ajuda econômica, promoção da
democracia, cooperação com outras forças armadas e envolvimento em
negociações e soluções de conflitos, para somar esforços e reduzir tensões que
posteriormente poderiam se tornar uma ameaça aos Estados Unidos ou problemas
mais complexos de resolver na região. (idem)
A E&E foi uma tentativa de recuperar o vácuo deixado no fim da guerra fria
e de readequar o país às exigências das circunstâncias novas às quais se submetia,
retomando questões não de cunho político-estratégico, mas também de cunho
econômico, o que lhe conferia um caráter mais abrangente e mais atual. Dessa
forma, pode-se verificar, neste período, a criação do NAFTA, da Apec, e o início das
negociações sobre a criação da ALCA. Além disso, questões de direitos humanos e
meio ambiente foram retomadas, reforçando a presença do país nos órgãos
multilaterais. Por fim, os aspectos militares e estratégicos desta estratégia
endossavam a necessidade de reduzir as Forças Armadas, tornando-as mais
flexíveis e mais ágeis, sem perder sua capacidade dissuasiva ou ofensiva. Os
Estados odiados e falidos (rogue and failed states) teriam atenção especial, além do
16
O conceito de diplomacia preventiva, que significa a diplomacia interativa e de intenso engajamento
em questões internacionais não deve ser confundido com a doutrina da ação preventiva,
desenvolvida pelo governo W. Bush, a qual tinha por objetivo justificar a intervenção em Estados
considerados rogue states para salvaguardar a segurança nacional.
49
terrorismo internacional e armas de destruição em massa
. (PECEQUILO, 2005:361,
362)
2-2 O Governo Clinton e a busca de soluções multilaterais: As Cúpulas das
Américas e as Reuniões de Ministros da Defesa.
As iniciativas do governo norte-americano para a América do Sul foram
desdobramentos das grandes diretrizes apontadas pela estratégia de Engajamento e
Expansão. Neste contexto, as políticas implementadas para a América do Sul
relacionavam-se com a manutenção da segurança nacional e da estabilidade
regional, além do fortalecimento de instituições democráticas para a região e do
combate às drogas. Todas essas iniciativas partiram de planejamentos gerais para
todo o Hemisfério Ocidental.
Para resolver os problemas advindos do Hemisfério Ocidental, a
administração Clinton lançou um plano de várias propostas, divididas em diversos
setores do Estado, a serem discutidas na Primeira Cúpula das Américas
17
, ocorrida
em Miami, FL, em 1994. A Primeira Cúpula das Américas reuniu 34 governantes dos
países do Hemisfério Ocidental, incluindo os governantes da América do Sul, para
discutirem temas ligados ao desenvolvimento regional, ao fortalecimento da
democracia, ao desenvolvimento econômico e social, além da solução pacífica de
controvérsias. As principais questões elencadas pelo tema do fortalecimento da
democracia eram a corrupção, lavagem de dinheiro, tráfico de armas e de drogas, e
o terrorismo. E a questão elencada pelo tema do desenvolvimento econômico foi a
implantação da ALCA. (First Summit, Declaration, 1994:1, 2)
A tentativa de somar esforços para implantar a ALCA no âmbito das Cúpulas
das Américas foi uma maneira de pressionar os países a se engajarem nesta
negociação e foi, como se poderá observar nas reuniões posteriores, uma das
tentativas mais persistentes da estratégia do governo norte-americano para a região
durante os dez anos seguintes, o que leva a crer que, além dos ganhos econômicos
concretos que os Estados Unidos teriam através deste tratado, a adesão dos países
17
First Summit of the Americas. Declaration.
Disponível em: www.summit-americas.org/i_summit/i_summit_dec_pt.pdf
50
traria a percepção de que ao se tornarem economias abertas ao mercado norte-
americano, automaticamente se tornariam democracias mais transparentes, com
sistemas jurídicos e financeiros também mais transparentes, distanciando assim,
problemas com o tráfico de drogas e terrorismo.
Em seu Plano de Ação
18
, a Primeira Cúpula das Américas lançou uma série
de planos de trabalhos, em diferentes setores, os quais deveriam ser monitorados
pela OEA. Assim, os países se comprometeram, entre outros temas, a priorizar o
fortalecimento de suas democracias, a fortalecer seus sistemas jurídicos, a promover
os valores culturais, e a combater a corrupção política, além de combater o tráfico de
drogas e crimes conexos. (First Summit, Plan of Action, 1994: 3, 4, 5)
Com relação ao tráfico de drogas, o Plano de Ação determinou que os países
deveriam agir coordenadamente no controle e fluxo de suas fronteiras, e criarem
mecanismos jurídicos capazes de interceder em redes criminosas de tráfico e de
lavagem de dinheiro, além de procedimentos comuns ao processar e enquadrar
pessoas ligadas a estas atividades criminosas. O documento enfatizou a urgência de
sanar este problema no Hemisfério, pois “os problemas das drogas ilícitas e das
atividades criminosas conexas representam séria ameaça às sociedades, às
economias de livre mercado e às instituições democráticas no hemisfério”. (idem: 5)
Com relação ao terrorismo nacional e internacional, o Plano de Ação reforçou
a necessidade de punição aos países que prestavam assistência à sua execução ou
planejamento por meio de privilégios diplomáticos ou outros meios. Ficou, portanto,
para os governos a responsabilidade de promover acordos bilaterais e sub-regionais
com o propósito de processar terroristas, bem como punir as atividades terroristas
dentro dos limites da proteção dos direitos humanos. (idem: 6)
De acordo com a estratégia de “E&E”, as Cúpulas das Américas
representaram um marco nas relações entre os Estados Unidos e as Américas, o
qual, segundo a estratégia, não seria possível sem a liderança norte-americana.
Percebe-se, neste momento, que havia por parte dos Estados Unidos uma grande
expectativa e entusiasmo com relação à América Latina e seus processos rumo à
democracia e livres mercados. Pode-se perceber, da mesma forma, que as
negociações no âmbito das Cúpulas sob a supervisão da OEA atendiam diretamente
18
First Summit of Americas. Plan of Action. Disponível em:
www.summit-americas.org?i_summit/i_summit_poa_pt.pdf
51
às necessidades e aos interesses dos Estados Unidos, por enfatizarem temas
coincidentes com os temas “sensíveis” da segurança nacional norte-americana,
conforme será analisado no item 1-2. (The White House, E&E, 1996)
Um dos grupos de trabalho direcionado pela Cúpula das Américas foram as
Reuniões de Ministros de Defesa das Américas, nas quais seriam discutidas
questões sensíveis à segurança hemisférica e, a partir de então, deveriam ser
organizadas atividades comuns para buscar cooperação política e soluções
integradas de segurança em temas de comum interesse no Hemisfério. A primeira
reunião, ocorrida em Williamsburg
19
, em 1995, teve como resultado os “Princípios de
Williamsburg”, e são eles:
I. Priorizar a preservação e manutenção da democracia,
II. Reconhecer o papel central que as Forças Armadas desempenham na
proteção e suporte aos interesses democráticos,
III. Confirmar o compromisso assumido na Cúpula das Américas em subordinar
as Forças Armadas à autoridade civil democrática,
IV. Aumentar a transparência nos gastos com defesa,
V. Adotar medidas de promoção da confiança mútua, e, por fim,
VI. Promover uma maior cooperação em defesa.
A Segunda Cúpula das Américas
20
, realizada em Santiago, no Chile em 1998,
deu ênfase inicial à necessidade da rápida implantação da ALCA, como um meio de
elevar o bem-estar social de toda a população e de avançar rumo a “democracias
mais firmes”. Enfatizou-se também a necessidade de reforçar a luta contra a
corrupção, lavagem de dinheiro, terrorismo, tráfico de armas e o problema das
drogas na região. (Segunda Cúpula das Américas, Declaração, 1998: 1,2,4)
Em seu Plano de Ação
21
, esta Cúpula deixou explícita a necessidade de
preservar e fortalecer a democracia na região, para defendê-la das ameaças da
19
First Conference of Ministers of Defense of the Americas: The Williamsburg Principles. 1995.
Disponível em: www.state.gov/p/wha/rls/71542.htm
20
Segunda Cúpula das Américas. Declaração de Santiago. 1998.
Disponível em: www.summit-americas.org/ii_summit/ii_summit_dec_pt.pdf
21
Segunda Cúpula das Américas. Plano de Ação. 1998.
Disponível em: http://www.summit-americas.org/ii_summit/ii_summit_poa_pt.pdf
52
corrupção, terrorismo e drogas ilícitas. Estas ameaças eram percebidas como
capazes de enfraquecer as recém-consolidadas democracias na região. (Segunda
Cúpula das Américas, Plano de Ação, 1998:5)
Com relação ao tema das drogas, este Plano de Ação foi mais enfático com
relação ao anterior, convocando os Estados a aplicarem políticas antidrogas no
Hemisfério e a fortalecerem uma aliança com base nos princípios da soberania, da
jurisdição dos Estados, da reciprocidade, da responsabilidade compartilhada, dando
um enfoque integrado e equilibrado, conforme seus ordenamentos. Além disso,
convocaram os governos a estabelecerem ou fortalecerem unidades centrais
especializadas, devidamente treinadas e equipadas, encarregadas de analisar e
intercambiar informações relativas à lavagem de dinheiro; e a reforçarem os
mecanismos de controle e de intercâmbio de informação nacionais e internacionais
para impedir o tráfico ilícito e o desvio de precursores químicos. (idem: 10,11,12)
Com relação ao tema do terrorismo, este Plano de Ação convocou os
Estados a assinar, ratificar ou aderir, conforme o caso, aos convênios internacionais
relacionados ao terrorismo, de acordo com suas respectivas legislações internas.
(idem: 10,11,12)
A Segunda Reunião de Ministros de Defesa das Américas
22
, realizada em
Bariloche, 1996, teve como resultado a Declaração de o Carlos de Bariloche, a
qual enunciou:
I. O compromisso dos Estados com a preservação e manutenção da
Democracia (o elemento fundamental já anunciado na Primeira Reunião),
II. A necessidade de promover a cooperação interamericana para a manutenção
da paz e para o aumento da segurança hemisférica,
III. A importância de promover medidas de confiança mútua e, por fim,
IV. A importância da participação em operações de manutenção de paz.
Não houve mudanças significativas na pauta da Primeira Reunião de
Ministros de Defesa para a da Segunda Reunião, pois ambas trataram de temas
congruentes e seguiram os preceitos ditados pelas Cúpulas das Américas e seus
22
Second Conference of Ministers of Defense of the Americas. Declaration of San Carlos de
Bariloche. 1996. Disponível em:
http://www.state.gov/p/wha/rls/71002.htm
53
respectivos Planos de Ação. a Terceira Reunião de Ministros de Defesa
23
,
realizada em Cartagena, em 1998, apresentou temas mais definidos e um maior
número de diretrizes. Esta, além de repetir os mesmos princípios das Reuniões
anteriores, acrescentou as seguintes diretrizes:
1) Os Estados devem assumir o compromisso de proceder a soluções de
conflitos na região conforme prescrito pela ONU e pela OEA.
2) Os Estados devem fornecer apoio aos esforços da OEA para adotar a
Convenção Interamericana sobre Transparência nas Aquisições de Armas como um
passo para aumentar a segurança hemisférica e reduzir riscos de conflito.
3) A importância do apoio a uma abordagem prática sobre os efeitos
desestabilizadores da proliferação de armas de pequeno calibre e armas ligeiras,
reconhecendo a Convenção Interamericana Contra a Fabricação Ilícita e o Tráfico
de Armas de Fogo, Munições, Explosivos e materiais correlatos.
4) Os Estados se comprometem a apoiar os esforços dos países e instituições
que se dedicam na luta contra o problema das drogas ilícitas e atividades criminosas
correlatas.
5) Os Estados condenam todas as formas de terrorismo reconhecendo-o
como uma grave ameaça ao Hemisfério e apóiam a promoção de cooperação
hemisférica contra o terrorismo.
6) Reforçam o compromisso com as leis internacionais, as quais se referem
ao respeito, independência e coexistência mútua entre Estados
7) Promover educação e treinamento em direitos humanos e leis humanitárias
para os membros das Forças Armadas.
8) Os Estados exprimem sua satisfação especial pelo o acordo de paz obtido
pelas repúblicas do Peru e Equador.
9) Os Estados exprimem sua simpatia e solidariedade para os governos e
povos do Caribe e países da América Central, que recentemente sofreram os efeitos
devastadores dos desastres naturais.
10) Os Estados exprimem seu pleno apoio à iniciativa de paz interna realizada
pelo governo da Colômbia.
23
Third Conference of Ministers of Defense of the Americas: Declaration of Cartagena. 1998.
Disponível em: www.state.gov/p/wha/rls/71003.htm
54
Pode-se afirmar que a partir das diretrizes da Terceira Reunião de Ministros
da Defesa os temas passaram a ser mais abrangentes e, ao mesmo tempo, mais
específicos, aumentando assim o grau de vinculação dos Estados às mesmas. Da
mesma forma, os temas abordados passaram a ser mais sensíveis, como tráfico de
drogas, terrorismo, resolução pacífica de conflitos e reforço das leis sobre as armas
de pequeno porte. Tais temas, embora tivessem sido elencados como prioritários
para a segurança hemisférica em outras ocasiões, sempre coube à autonomia de
cada Estado decidir a melhor maneira sobre como lidar com os mesmos. O fato de
passar a ser parte da declaração conjunta de uma reunião hemisférica de grande
porte torna explícita a pressão política vigente e a necessidade de enquadrar estas
questões de forma homogênea, sem se levar em consideração as especificidades e
dificuldades de cada país ou região em adotá-las.
Em resposta a observações como essas, a Quarta Reunião de Ministros de
Defesa
24
, realizada em Manaus, em 2000, e a última realizada sob a administração
Clinton, reafirmou os compromissos assumidos nas reuniões anteriores e nas
Cúpulas das Américas e acrescentou em suas diretrizes:
1) As diferenças nos contextos sub-regionais o constituem um obstáculo à
cooperação e intercâmbio, mas devem ser respeitadas e levadas em consideração
no desenvolvimento de um sistema de segurança equilibrado, que reconhece
determinados contextos estratégicos ao longo das Américas
.
Isso inclui a
necessidade de prosseguir os estudos para rever o atual sistema de segurança
hemisférica.
2) É necessário definir os conceitos de segurança e defesa, a fim de facilitar
o seu entendimento enquanto conceitos doutrinários no hemisfério.
3) Os Estados devem consolidar a paz no Hemisfério, respeitando os
princípios e as regras do direito internacional indicado das Cartas das Nações
Unidas e da Organização dos Estados Americanos, incluindo a autodeterminação,
não-intervenção, solução pacífica de controvérsias, o desenvolvimento econômico e
social e o direito à auto-defesa.
4) No ambiente de paz e cooperação no Hemisfério, cada Estado das
Américas é livre para determinar suas necessidades de defesa, incluindo as
24
Fourth Conference of Ministers of Defense of the Americas: Declaration of Manaus.2000. Disponível
em: http://www.state.gov/p/wha/rls/71004.htm
55
missões, a força pessoal e as Forças de Defesa necessárias para garantir a
soberania
.
5)
A participação dos responsáveis pela defesa dos Estados nas reuniões e
eventos de acordos bilaterais, de caráter sub-regional ou regional é importante e
deve ser encorajada.
6) A criação de políticas de defesa e a publicação de Estratégias Nacionais e
Livros Brancos, são fatores importantes para o reforço das medidas de confiança
mútua.
7) As novas ameaças à segurança dos Estados são um risco real para a paz
global e hemisférica. Portanto, o intercâmbio de informações e a cooperação de
acordo com as necessidades e as leis de cada país são recomendados
.
A
partir da análise destas diretrizes inauguradas pela Quarta Reunião de
Ministros, constata-se que houve, ao longo do tempo, uma grande dificuldade em se
estabelecerem os limites do que poderia ser considerado temas de segurança
regional ou hemisférica sem afetar a autonomia nacional em definir suas prioridades
em segurança. E este foi o principal desafio para alcançar um consenso, pois as
realidades regionais diferentes que existem no hemisfério, como por exemplo, a
fronteira entre o México e os Estados Unidos, a vulnerabilidade geográfica da
América Central, o problema das guerrilhas e narcotráfico na região andina, e a
porosidade da tríplice fronteira no Cone Sul, são problemas que exigem soluções
diferentes e, por sua vez, prioridades diferentes em segurança.
Além disso, as diferentes correntes ideológicas dos governantes fazem com
que tendam a afirmar de maneira mais preponderante a soberania nacional e o
nacionalismo, seguindo diferentes doutrinas de segurança, o que também dificulta
alcançar um consenso. Um exemplo foi o fato de, a a Terceira Reunião de
Ministros, governos da região não haviam ainda aderido a regimes internacionais de
combate ao terrorismo internacional, como se pode verificar no item 5) da mesma.
A própria natureza transnacional das ameaças que assolam a região exige a
concepção de segurança integrada, pois, ao transporem as fronteiras nacionais, os
governos devem agir de maneira coordenada, para não haver o risco de algumas
atividades ilegais migrarem para outro país, e fugirem do enquadramento jurídico ao
buscarem lacunas na lei em outros territórios. Há, também, um aspecto importante
nesta discussão que é
a interferência internacional nos assuntos de segurança e
defesa dos países da região, e tal fenômeno pode ser compreendido, por um lado,
56
pelo caráter transnacional das ameaças e, por outro lado, pela presença
hegemônica dos Estados Unidos na região. (TULCHIN, 2005:103)
Outro fator que deve ser levado em consideração
nesse contexto é que, pelo
fato da maioria dos países do Hemisfério Ocidental terem se tornado democracias
consolidadas a partir das cadas de 80 e 90, as políticas de segurança regionais
são fruto de debate com os diferentes setores civis e é a primeira vez que estes
governos debatem a segurança nacional com a sociedade civil, o que, muitas vezes,
dificulta a prematura vinculação com temas abordados nas Reuniões de Ministros. A
ligação entre segurança internacional e segurança doméstica, preconizada pelas
Cúpulas e pelas Reuniões Ministeriais, torna-se, neste momento, praticamente
impossível pelo fato de estes países não terem ainda refletido acerca das próprias
especificidades e necessidades nacionais acerca deste tema. (idem)
A posição dos Estados Unidos, perante o interesse nacional de buscar
arranjos hemisférios em segurança, foi a de pressionar os governos a aderirem à
agenda que mais lhe convinha, pois, como democracia consolidada e como uma
superpotência na região, detinha os meios necessários para exercer uma diplomacia
intensa para obter os resultados esperados. (AYERBE, 2002:259)
Estas mudanças pelas quais passou o hemisfério durante a década de 90
provocam questionamentos sobre em que medida a assimetria de poder tem
relevância sobre a aplicação de políticas de segurança e se tal fato interfere nos
questionamentos sobre o próprio conceito de segurança. Pois a visão da periferia do
sistema, como uma região que convive com problemas de desigualdade social,
criminalidade, tráfico de drogas e de armas, corrupção política e lavagem de
dinheiro, e, portanto, fonte de problemas à segurança internacional, leva a iniciativas
abrangentes para a região, que agrupam, em um mesmo contexto, temas de
desenvolvimento econômico e de segurança regional. (PUREZA, 2009:32)
Sob esta perspectiva, pode-se compreender a ênfase dada pelo governo
norte-americano à implantação da ALCA, como um meio de avançar o
desenvolvimento sócio-econômico na região e, paralelamente, a ênfase à
necessidade de buscar cooperação em segurança como contrapartida às ameaças
transnacionais oriundas da região. Houve, portanto, uma tentativa de superposição
de três elementos: a segurança nacional norte-americana, a segurança regional e,
por fim, as seguranças domésticas locais.
57
2-3 A política de combate às drogas durante o governo Clinton.
O objetivo deste item é apresentar as políticas estratégicas dos Estados
Unidos para a América do Sul, a partir dos temas que são elencados tanto pelo
Departamento de Estado quanto pelo Departamento de Defesa para a região. Este
exame tornará possível a formação de um panorama geral de temas que são fontes
de demandas para a segurança nacional norte-americana perante a região.
O Relatório Anual de Defesa para o Presidente e o Congresso
25
, de 1993,
assinado pelo então Secretário de Defesa Dick Cheney, afirmou que os Estados
Unidos encontravam-se em uma posição sem precedentes, se comparada às
décadas anteriores, por não ter um inimigo convencional pela frente. Para a América
Latina, o documento aponta a necessidade de promover interesses comuns em
segurança e os ideais democráticos e do livre-mercado. também a necessidade
de prover assistência para as autoridades locais adaptarem suas Forças Armadas à
nova conjuntura política internacional, como se nota no seguinte trecho:
“Our assistance includes high level meetings
and discussions with defense and national
leaders; bilateral and subregional military-to-
military and civilian defense discussions,
military education and training programs,
particularly in defense resource management
and related skills, and conferences, seminars
and orientation visits”.
26
A atenção ao problema crescente dos narcóticos ilícitos provenientes da
região começou a despontar como prioritária e o documento afirmou o
comprometimento desses países a interromperem o comércio ilegal de drogas,
através de iniciativas multilaterais de reforço das leis anti-drogas, de interdição do
tráfico, de programas educacionais sobre o consumo de entorpecentes, entre
outros.
27
25
Annual Report to the President and the Congress. 1993.p.V Disponível em:
http://osdhistory.defense.gov/docs/1993%20DoD%20Annual%20Report.pdf
26
Idem. P. 10
27
Idem.
58
O Relatório Anual de Defesa para o Presidente e o Congresso
28
, de 1994,
assinado pelo então Secretário de Defesa Les Aspin, por sua vez, fez uma reflexão
mais profunda sobre a necessidade de compreender e de dar forma ao ambiente
internacional no qual o país estava inserido e afirmou:
“We no longer have the Soviet threat against
which to measure our defense. (…) What do
we need a defense for? For decades we had
no reason to ask such fundamental question
about defense.(…) Now we are asking
fundamental questions and are still shaping
the overarching policy to guide the
answers”
.
29
Ao abordar as crises humanitárias que estavam em curso naquele momento
na Bósnia, na Somália e no Haiti, o documento ressaltou que, nos casos de
operações de paz, nas quais havia um maior papel do multilateralismo, era preciso
delimitar que o que estava em jogo eram o uso da força no período do pós-guerra
fria e o comprometimento dos Estados Unidos com essas questões.
30
Além da redefinição em ões militares de caráter humanitário, discutiu-se a
necessidade de elevar ao rol de prioridades o combate ao tráfico de drogas. A
constatação de que a circulação de drogas ilícitas no país e a ocorrência de crimes
correlatos aumentaram nos últimos anos, tornou necessária a reformulação de
políticas de combate às drogas no âmbito internacional e, ao invés de dar ênfase às
atividades criminosas dentro do território nacional, as políticas passariam a enfatizar
as regiões que são fontes de produção de drogas.
31
Dessa forma, a primeira região a ser trabalhada seria a América do Sul, por
ser a maior fonte de cocaína consumida no país e a mais próxima dos Estados
Unidos. Nesse sentido, foram delimitadas várias iniciativas para a região, como a
cooperação para o reforço das leis antidrogas para cada país e a promoção da
cooperação em atividades militares para fortalecer instituições democráticas e para
combater diretamente as atividades dos narcotraficantes locais, tanto por meios
estratégicos operacionais, quanto por meios táticos. Essas iniciativas compreendiam
treinamento tático, treinamento em direitos humanos para as polícias e militares
28
Annual Report to the President and the Congress. 1994.
29
Idem. p XIII.
30
Idem. p. 8.
31
Idem. p.73.
59
locais, exercícios de treinamento, transferência de equipamentos, planejamento de
operações e, por fim, a vigilância e interdição do transporte das drogas.
32
O Departamento de Estado, por sua vez, publicou em 1993, o Relatório da
Estratégia de Controle Internacional de Narcóticos
33
o qual apresentou o status de
cada país, divididos por região, com relação à sua situação atual na produção e
tráfico de drogas, às iniciativas governamentais locais de combate às atividades
ilícitas e às iniciativas do governo norte-americano com relação a cada país. Este
relatório foi publicado sistematicamente pelo governo norte-americano durante o
governo Clinton, o que possibilita fazer uma comparação entre o início e o fim de
seu governo, com relação às políticas para a região. A seguir serão examinadas as
informações constantes no Relatório com relação à América do Sul, divididas por
país, em ordem alfabética, como se pode observar no Quadro I:
Quadro I: Este quadro foi elaborado a partir do Relatório da Estratégia de Controle Internacional de
Narcóticos de 1993.
A Argentina, segundo o documento, não apresentava quantidades
consideráveis de produção e tráfico de drogas, embora fosse uma rota para o
32
Idem. p. 74.
33
International Narcotics Control Strategy Reports. 1993. Disponível em:
http://dosfan.lib.uic.edu/ERC/law/INC/index.html
Quadro I Relatório da Estratégia de Controle Internacional de Narcóticos: América do
Sul. 1993.
País Status
Cooperação
local
Iniciativas do governo americano
Argentina
Rota internacional/
precursores químicos
Alta
Alertar o governo para o problema do tráfico de
drogas e aumentar sua capacidade de combate.
Bolívia Produtor de cocaína Alta
Fornecer apoio técnico e financeiro para apoiar
programas locais de combate à produção de cocaina.
Brasil
Rota internacional/
precursores químicos
Média
Fiscalização e assistência no combate ao tráfico de
drogas.
Colômbia Produtor de Cocaina Muito Alta
Programas de fortalecimento do sistema jurídico e
treinamento militar.
Paraguai
Rota internacional/
Lavagem de dinheiro
Baixa
Fortalecimento das instituições para prevenção da
corrupção.
Peru Produtor de cocaina Baixa Diminuição e produção de cocaína.
Uruguai Lavagem de dinheiro Média Controle das instituições financeiras
Venezuela
Rota internacional/
Lavagem de dinheiro
Alta
Fortalecimento do governo no combate ao tráfico de
drogas.
60
escoamento da droga na região. Porém, era uma das maiores produtoras de
precursores químicos essenciais da América do Sul. O governo argentino iniciou
atividades de controle de narcóticos, através de operações aéreas de vigilância nas
fronteiras e de vigilância interna. As iniciativas do governo norte-americano no país
tiveram por objetivo alertar as autoridades locais sobre a ameaça do tráfico de
drogas e aumentar as capacidades de resposta ao problema.
A Bolívia, por sua vez, foi apresentada como a segunda maior produtora de
folha de coca depois do Peru e a segunda produtora de cocaína, depois da
Colômbia. O governo boliviano atuava sob o Acordo Bilateral firmado com os
Estados Unidos, em 1988, para a cooperação no combate à produção de drogas,
renovado anualmente. O governo local, segundo o documento, havia se
comprometido a fornecer o apoio político necessário, recursos humanos e materiais
em troca do apoio técnico e financeiro norte-americano para implantar programas de
reforço locais.
O Brasil foi considerado um dos maiores produtores de precursores químicos
da região e, assim como a Argentina, servia como rota para o tráfico internacional de
drogas. Segundo o relatório, crises políticas recentes
34
impediram que o país
aplicasse medidas efetivas de combate ao tráfico de drogas. Além disso, o relatório
considerou que a capacidade da Polícia Federal de patrulhar suas fronteiras com a
Colômbia, Peru e Bolívia (os maiores produtores de cocaína da região) era limitada
e insuficiente. Apesar das dificuldades políticas do país, o governo aplicou medidas
para fiscalizar programas de combate às drogas. No ano fiscal de 1992 o governo
norte-americano transferiu U$ 1,500.000 milhão para programas de assistência no
combate ao tráfico.
A Colômbia
35
, segundo o relatório, era a maior produtora de cocaina do
mundo e mantinha uma política sistemática de combate ao tráfico, apesar do
crescimento de complexos grupos violentos de tráfico de drogas que agiam em
comunhão com grupos políticos insurgentes. O governo colombiano era visto como
um parceiro próximo dos Estados Unidos em programas de controle de drogas, e
34
Tais crises se referem ao impeachment do Presidente Fernando Collor, ocorrido em 1992.
35
A Colômbia, por ser uma das maiores produtoras de cocaina do mundo, representa a maior fonte
de ameaça aos Estados Unidos na América do Sul, segundo o relatório. Seus governos, ao longo dos
anos, têm investido em Programas intensos de combate ao tráfico e, em 2000, lançou o Plano
Colômbia, para enfrentar o problema em seu país. Este programa recebe incentivos diretos, tanto
financeiros, como político e militar dos Estados Unidos.
61
demonstrou, segundo o que consta no relatório, vontade política de combater a
produção e tráfico de drogas em seu território. O governo americano, através da
USAID
36
transferia recursos significativos ao governo da Colômbia para lidar com o
problema. O foco principal dos programas no país foram voltados para a reforma do
sistema jurídico e para os treinamentos militares.
O Paraguai, por sua vez, foi retratado como uma rota para o tráfico
internacional e como propício à lavagem de dinheiro. E, embora o país tivesse
iniciativas para combater o tráfico de drogas, a corrupção existente no país impedia
que políticas de combate ao tráfico e lavagem de dinheiro ocorressem de maneira
efetiva na região. As iniciativas norte-americanas para o Paraguai, nesse sentido,
buscaram fortalecer as instituições do país, para prevenir a corrupção e a lavagem
de dinheiro.
O Peru foi retratado pelo relatório como um dos maiores cultivos de coca do
mundo, os quais abasteciam a produção de cocaína, e a habilidade do governo
peruano para controle e prevenção foi questionada, em razão de crises econômicas,
debilidades institucionais, corrupção e terrorismo. Os Estados Unidos demonstraram,
através do relatório, preocupação com os movimentos políticos Sendero Luminoso e
o Movimento Revolucionário Tupac Amaru, os quais geraram instabilidade política
no país e se confrontavam com a autoridade do governo. Apesar disso, o governo
peruano aplicou leis de combate à lavagem de dinheiro e direcionou as Forças
Armadas para o combate às drogas e ao “terrorismo”
37
. As iniciativas do governo
norte-americano para o país, nesse contexto, visavam à diminuição e erradicação da
produção de cocaina no país.
O Uruguai, por sua vez, foi visto como um foco de lavagem de dinheiro, em
decorrência de seu alto grau de liberdade cambial, financeira e de confidencialidade.
Embora o governo uruguaio tenha cooperado para o reforço do controle de
operações financeiras, havia dado pouca atenção ao controle do tráfico de drogas
em seu território. Os programas do governo norte-americano tinham como principal
objetivo aumentar o controle das instituições financeiras, reforçar as leis contra
lavagem de dinheiro e fortalecer a polícia no combate às atividades ilícitas ligadas
ao tráfico de precursores químicos.
36
A USAID é a agência norte-americana para a ajuda ao desenvolvimento externo.
37
Os Estados Unidos e o governo peruano consideravam os movimentos Sendero Luminoso e o
Movimento Revolucionário Tupac Amaru como movimentos terroristas.
62
A Venezuela foi vista como um eixo central da passagem das drogas oriundas
da Colômbia que tinham como destino os Estados Unidos. O relatório indicou
registros de operações de lavagem de dinheiro feitas por grupos italianos e cartéis
de drogas colombianos na região. Segundo o relatório, crises políticas estavam
impedindo uma atuação mais efetiva do governo, embora este tivesse negociado
com o governo americano acordos na área de controle de drogas, operações de
lavagem de dinheiro, e do fortalecimento das leis no país. As iniciativas do governo
norte-americano para o país, portanto, tinham por objetivo fortalecer a capacidade
do governo venezuelano em combater o trânsito das drogas.
O Relatório da Estratégia de Controle Internacional de Narcóticos
38
, de 1995,
por sua vez, apresentou uma continuidade das iniciativas e programas do governo
norte-americano para a América do Sul, porém revelou sensíveis modificações com
relação ao Relatório de 1993, sobretudo com relação aos status dos países, ou à
cooperação dos governos locais, como se pode verificar no Quadro II:
Quadro II: Este quadro foi elaborado a partir do Relatório da Estratégia de Controle Internacional de
Narcóticos de 1995.
38
International Narcotics Control Strategy Reports. 1995. Disponível em:
http://dosfan.lib.uic.edu/ERC/law/INC/1995/03.html
Quadro II Relatório da Estratégia de Controle Internacional de Narcóticos: América do
Sul. 1995.
País Status
Cooperação
local
Iniciativas do governo americano
Argentina
Rota internacional/tráfico
de drogas/lavagem de
dinheiro
Alta
Aumentar a capacidade do governo no combate ao
tráfico de drogas
Bolívia
Amento da produção de
cocaína
Baixa
Combater a produção de cocaína e fortalecer a
democracia
Brasil
Rota internacional/
Lavagem de dinheiro
Alta
Assistência no combate ao tráfico de drogas e
treinamento às polícias locais.
Colômbia
Produção de cocaína,
maconha, ópio e heroína.
Baixa
Reduzir o fluxo de narcóticos, reduzir a produção de
cocaína e heroína e fortalecer o sistema jurídico.
Paraguai
Rota internacional/
Lavagem de dinheiro
Baixa
Redução do tráfico de drogas e lavagem de dinheiro
e fortalecimento das instituições democráticas.
Peru
Cultivo de coca/
Produtor de cocaína,
Média Eliminar a produção de drogas.
Uruguai
Centro de lavagem de
dinheiro/
Tráfico de drogas
Alta
Combater a lavagem de dinheiro e reduzir o tráfico
de drogas.
Venezuela
Rota internacional/
Cultivo de coca.
Média
Redução do tráfico de drogas e lavagem de
dinheiro/Assistência na implantação de estratégia
antidrogas.
63
A Argentina, segundo este relatório, apresentou um grande crescimento no
tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, com relação ao relatório anterior. O governo
argentino, porém continuava cooperando com o governo norte-americano e o então
presidente Carlos Menem anunciou o combate ao tráfico de drogas como uma de
suas prioridades. As iniciativas do governo norte-americano continuavam visando ao
controle e combate do tráfico no país.
A Bolívia seguia como a segunda produtora de folha de coca depois do Peru.
Segundo o relatório, registros demonstraram que houve um aumento no cultivo da
folha de coca no país, com relação ao relatório anterior, o que demonstrava uma
falha nas políticas de erradicação. O país passou a apresentar problemas com
lavagem de dinheiro e o governo, por sua vez, o tomou medidas efetivas para
implementar uma maior fiscalização de informações financeiras. Além disso,
medidas de reforço às leis de combate às drogas haviam sido boicotadas pela
corrupção política. Para o relatório, o então presidente Sanchez de Lozada estava
tendo uma postura hesitante e convalescente. As iniciativas do governo norte
americano buscaram, nesse contexto, eliminar o cultivo de coca, a produção de
cocaína e fortalecer a democracia, buscando melhorar as condições econômicas e a
estabilidade política.
O Brasil, por sua vez, continuava sendo uma rota para o tráfico internacional
de drogas, porém passou a apresentar o problema de lavagem de dinheiro, em
decorrência do seu sistema bancário até então desregulado. O governo brasileiro
cooperou com os esforços de combate ao tráfico de drogas e solicitou financiamento
ao Export-Import Bank para pôr em prática um sistema de vigilância por radar, na
região amazônica, o SIVAM e, assim, aumentar o controle de suas fronteiras. O
governo norte-americano, por sua vez, manteve as políticas de assistência de
combate ao tráfico de drogas, além de treinamento para as polícias locais.
A Colômbia continuava sendo o principal centro de produção de cocaína,
porém se tornou também um centro de cultivo de maconha, produção de ópio e de
heroína, e, por esta razão, se tornou o principal foco do combate norte-americano ao
tráfico de drogas. Além disso, o relatório indicou que havia registros de lavagem de
dinheiro presente no país. O governo da Colômbia obteve poucos resultados em
suas políticas de combate ao tráfico, pois, segundo o documento, a legislação fraca,
a corrupção política e ineficiência diminuíram os efeitos dos esforços de fortalecer o
sistema jurídico e as medidas de combate à produção de drogas no país. O foco das
64
iniciativas do governo americano para o país tendia a reforçar o sistema jurídico e a
reforçar medidas antidrogas no país, as quais foram subdivididas em:
I) Reduzir o fluxo de narcóticos da Colômbia para os Estados Unidos.
II) Reduzir a produção de cocaína e de heroína na Colômbia, através da
erradicação aérea.
III) Encorajar e assistir o governo colombiano a programar reformas
legislativas, além de assistir o Departamento de Segurança colombiano a detectar
operações de lavagem de dinheiro.
O Paraguai, por sua vez, seguiu sendo uma rota para o tráfico internacional e
houve indícios de lavagem de dinheiro no país, segundo o documento. O governo
paraguaio, segundo consta, não implantou medidas efetivas de combate ao tráfico e
a corrupção, ou para melhorar suas fronteiras mal-monitoradas e a falta de vigilância
aérea. O foco das iniciativas dos Estados Unidos para a região continuaria sendo,
portanto, a interrupção do tráfico de drogas e da lavagem de dinheiro, além do
reforço às instituições democráticas, especialmente às instituições jurídicas. Porém a
assistência norte-americana dependeria de uma maior iniciativa e boa vontade do
governo paraguaio.
O Peru continuava sendo o maior produtor de coca do mundo. Segundo o
relatório, o governo peruano aumentou suas atividades de combate às drogas
significativamente, porém se recusou a erradicar cultivos de coca maduros, sem ter
benefícios de desenvolvimentos alternativos e apoios financeiros em troca. As
políticas do governo norte-americano para a região continuariam sendo de reduzir e
eliminar a produção de drogas no país.
O Uruguai seguia como um centro de lavagem de dinheiro e, segundo o
relatório, aumentaram os registros do tráfico de drogas no país. O governo uruguaio
ratificou uma série de tratados regionais e internacionais de combate às drogas e
não registros de corrupção institucionalizada no país. As iniciativas norte-
americanas para o país têm como foco o combate à lavagem de dinheiro e ao tráfico
de drogas.
A Venezuela, segundo o relatório, continuava sendo uma rota para o tráfico
internacional, porém passou a apresentar também cultivos de coca. O governo
venezuelano cooperou para o reforço do combate ao tráfico de drogas, entretanto,
não apresentou, segundo o relatório, uma estratégia com objetivos e metas, pela
qual se poderia medir com mais facilidade os avanços no país. As iniciativas norte-
65
americanas para o país, portanto, tinham por objetivos aumentar a capacidade do
governo em conduzir operações de combate ao tráfico e a lavagem de dinheiro, e
assistir o governo a desenvolver uma estratégia nacional de combate às drogas.
A partir da análise desses quadros, pode-se afirmar que houve sensíveis
diferenças entre o Relatório de 1993 e o Relatório de 1995 com relação aos
problemas dos países e ao nível de cooperação local com o governo norte-
americano, pois alguns países que apresentavam tráfico de drogas passaram a
registrar lavagem de dinheiro, como é o caso da Argentina e do Brasil, enquanto
outros países passaram a conviver com o cultivo ilegal de coca, como é o caso da
Venezuela. Houve, portanto, como se pôde observar, um transbordamento do
problema das drogas na região, em razão da própria natureza transnacional da
ameaça das drogas, a qual não reconhece fronteiras nacionais.
Um fator importante que se pode perceber, a partir da análise dos dados é
que a cooperação local não se deu da maneira esperada no Relatório de 1993 e,
muitos países aos quais optamos convencionar a cooperação como alta, no Quadro
I, passaram a apresentar cooperação baixa no Quadro II, como é o caso da
Colômbia e da Bolívia. No caso da Venezuela, o grau de cooperação passou de alta
para média. Tal fato mostra que houve dificuldades para atuar junto aos governos da
região em programas de combate às drogas e, em muitos casos, essas dificuldades
decorreram da falta de vontade política e da falta de aceitação da população local
dessas políticas.
Para reverter este quadro de falta de vontade política dos governos locais,
uma das estratégias utilizadas pelo governo norte-americano foi utilizar os
mecanismos multilaterais para impulsionar a vinculação política de temas da agenda
nacional norte-americana a temas concernentes à segurança regional. Assim, a
pressão diplomática perante tais temas poderia gerar resultados favoráveis após
convenções multilaterais, conforme foi analisado no item anterior.
Como foi analisada até o momento a política de combate às drogas do
primeiro mandato Clinton, será, portanto, investigado o relatório de seu último ano
de governo, o Relatório da Estratégia de Controle Internacional de Narcóticos
39
, de
2000, para posteriormente ser possível traçar um panorama de suas políticas no
combate às drogas para a América do Sul:
39
International Narcotics Control Strategy Reports. 2000. Disponível em:
http://www.state.gov/p/inl/rls/nrcrpt/2000/883.htm
66
Quadro III: Este quadro foi elaborado a partir do Relatório da Estratégia de Controle Internacional de
Narcóticos de 2000.
A Argentina, neste relatório, continuou sendo uma rota para o tráfico
internacional, porém o tráfico não era somente de cocaína, mas também de heroína
e outras substâncias ilícitas. No país também continuava havendo lavagem de
dinheiro. A atuação do governo argentino, por sua vez, foi considerada pelo relatório
como excelente no combate ao tráfico e ao fortalecimento das leis, e sua atuação foi
voltada para a redução de demanda interna. O governo norte-americano continuaria,
portanto, seus programas de assistência no combate ao tráfico e prestaria
assistência na vigilância de suas fronteiras no nordeste, de sua costa leste e sua
fronteira com o Brasil.
A Bolívia continuava a seguir a Colômbia e o Peru na produção de cocaína e
cultivo de coca. O governo boliviano, segundo o relatório, teve um alto desempenho
na erradicação de coca em 2000, eliminando 30% do cultivo nacional, sendo 90%
apenas na região do Chapare. O governo norte-americano continuaria seus
programas de assistência na erradicação do cultivo e produção de cocaína e iniciou
programas de direitos humanos e fortalecimento do sistema jurídico.
O Brasil seguiu sendo uma rota para o tráfico internacional e um produtor de
precursores químicos, e o problema da lavagem de dinheiro também permaneceu no
Quadro III
Relatório da Estratégia de Controle Internacional de Narcóticos:
América do Sul. 2000.
País Status
Cooperação
local
Iniciativas do governo americano
Argentina
Tráfico de cocaína e
heroína/ lavagem de
dinheiro
Muito alta
Assistência no combate ao tráfico de drogas e na
vigilância de suas fronteiras.
Bolívia
Produtor de cocaína e
cultivo de coca
Alta
Programas de auxílio no Combate ao cultivo e
produção de coca
Brasil
Tráfico de drogas/
Lavagem de dinheiro
Média
Assistência no combate ao tráfico de drogas e
lavagem de dinheiro
Colômbia
Maior produtor de
cocaína/heroína/ problemas
com a guerrilha
Muito Alta Plano Colômbia
Paraguai
Tráfico de drogas/
Lavagem de dinheiro e
corrupção
Alta
Assistência no combate ao tráfico de drogas, e
fortalecimento das leis contra lavagem de
dinheiro e corrupção
Peru Produção de coca Média
Assistência na erradicação de cultivos e para o
desenvolvimento de atividades alternativas.
Uruguai Tráfico internacional Média
Iniciativas de combate ao tráfico de drogas,
lavagem de dinheiro e corrupção.
Venezuela
Principal rota do tráfico
de drogas para os EUA
Média
Iniciativas de combate ao tráfico de drogas,
lavagem de dinheiro e corrupção.
67
país. Além disso, segundo o documento, o país registrou altos índices de consumo
de crack em suas regiões metropolitanas. O governo brasileiro efetuou a Operação
Cobra, a qual teve por objetivo conter a ameaça vinda da fronteira com a Colômbia e
seguia com o projeto SIVAM para monitorar a fronteira região amazônica. O governo
norte-americano, assim, tinha como objetivo prestar assistência ao governo
brasileiro no combate ao tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.
A Colômbia, por sua vez, seguia como o principal produtor de cocaína do
mundo e um grande produtor de heroína. O país apresentava o maior desafio dos
Estados Unidos na região. A guerrilha e grupos paramilitares, segundo o documento,
passaram a cobrar impostos aos traficantes de drogas em troca da proteção de
cultivo ilícito de narcóticos de laboratórios de refinamento, e, no ano 2000,
controlavam quase metade do território nacional, principalmente em áreas remotas
onde a presença do governo havia sido tradicionalmente fraca.
Os ataques da guerrilha contra as forças de segurança colombianas e contra
os aviões de pulverização, segundo o relatório, estavam dificultando as operações
antinarcóticos, especialmente ao sul do país (área então controlada pela guerrilha).
O relatório aponta que, embora o governo Pastrana continuasse empenhado em seu
diálogo de paz contra os grupos insurgentes, as FARC e a ELN, as negociações
tinham mostrado poucos ganhos até aquele momento.
Assim, em julho de 2000, o presidente Clinton assinou um pacote de
assistência abrangente, de um U$ 1,3 bilhão em apoio ao programa de combate às
drogas do governo colombiano, chamado “Plano Colômbia”. Esta foi, segundo o
relatório, um auxílio estratégico norte-americano integrado que abrangia o processo
de paz, a economia, a estratégia antinarcóticos, a reforma da justiça, a proteção dos
direitos humanos, a democratização e o desenvolvimento social. Esta estratégia
complementava operações que já estavam em curso no local.
Através deste Plano, inaugurado pelo governo colombiano, o governo norte-
americano apoiaria a reforma judiciária, projetos de desenvolvimento alternativos,
além de fornecer equipamentos, treinamento e assistência técnica para a política
antinarcóticos e para as Forças Armadas, para aumentar a capacidade de erradicar
a coca, o cultivo de papoula e realizar operações de interdição.
O foco inicial das atividades do Plano Colômbia, segundo o relatório, seria no
departamento de Putumayo, na Colômbia meridional, no qual a maioria dos ilícitos
eram cultivados e a maior parte dos grupos armados operavam ilegalmente. Para
68
combater esta ameaça local, o governo norte-americano previa ainda o treinamento
e equipamento de uma Brigada antinarcóticos e esta, segundo o relatório, estava
operando na região.
O relatório apontou também para o crescente problema da heroína produzida
no país e aproximadamente 85% da heroína apreendida pelas autoridades federais
no nordeste dos Estados Unidos era de origem colombiana.
A USAID
tinha um papel fundamental na Colômbia, segundo o relatório. Sua
função principal era de coordenar a reforma do sistema judiciário, juntamente com o
Departamento de Justiça da Colômbia para reforçar a eficácia, transparência e
equidade de seu sistema de justiça, além de ampliar o acesso dos cidadãos à
justiça. Seus programas deviam expandir e complementar os programas do Plano
Colômbia. A USAID também ampliou seu programa de curso de direitos humanos
para apoio às principais organizações governamentais e não-governamentais
presentes no local.
Com relação ao Paraguai, o país continuava sendo uma rota para o tráfico
internacional e foram constatadas no país atividades de lavagem de dinheiro, além
da corrupção política, segundo o relatório. A cooperação do governo local, segundo
revela o relatório, melhorou nos últimos anos. As prioridades norte-americanas para
o país seguiam sendo interromper o narcotráfico através da capacitação para
investigação e interdição eficazes, o combate à lavagem de dinheiro através do
reforço das leis e, por fim, combater a corrupção política.
No Peru, apesar da turbulência política de 2000, seu governo avançou em
todos os principais componentes de sua política antidrogas. A agitação e
instabilidade política que assolaram o país culminaram com a saída do diretor do
Serviço nacional de Inteligência, Vladimiro Montesinos, e com a saída de Alberto
Fujimori, então Presidente do país. O governo interino, por sua vez, revelou indícios
de corrupção no governo e fez mudanças radicais nas Forças Armadas, polícia e
organizações de inteligência, segundo consta no relatório.
Apesar de todas essas mudanças dramáticas, houve uma redução do
montante total da coca cultivada no Peru. Segundo o relatório, os esforços no país
continuaram sendo para combater a produção de cocaína. As iniciativas do governo
norte-americano para a região tinham, assim, por finalidade dar assistência ao
governo local na erradicação de cultivos e no desenvolvimento de atividades
alternativas para a população.
69
O Uruguai, por sua vez, seguiu como uma rota para o tráfico internacional e
como foco de lavagem de dinheiro. Segundo o relatório, o governo Uruguaio
cooperou no combate ao tráfico e fortaleceu seu sistema jurídico. O governo norte-
americano ofereceu suporte ao governo local no combate ao tráfico de drogas, à
lavagem de dinheiro e redução de demanda.
A Venezuela, por fim, continuou sendo uma das principais rotas do tráfico de
drogas que chegavam aos Estados Unidos. O governo, segundo o relatório,
continuava a cooperar e a empreender esforços no combate ao tráfico e à
corrupção, embora tivesse sofrido drásticas modificações em seu sistema político e
tivesse adotado uma nova Constituição em 1999. As iniciativas do governo norte-
americano para a região, portanto, têm por objetivo bloquear as atividades do tráfico
de drogas, além de reforçar o sistema jurídico contra a lavagem de dinheiro e a
corrupção.
A partir da análise desses relatórios, pode-se afirmar que houve, desde o ano
de 1993 até o ano 2000, significativos avanços das políticas de combate à produção
e tráfico de drogas na região. Com relação ao cultivo de coca, é possível mesurar
estes resultados a partir da análise dos Anexos I, II e III, alocados ao final da
pesquisa e que foram disponibilizados pelo relatório. As iniciativas dos Estados
Unidos de agirem em conjunto com governos locais, fornecendo suporte,
treinamento, equipamentos, entre outros, gerou resultados concretos. Entretanto, a
região passou a apresentar problemas mais complexos, por conta da instabilidade
política em alguns países e do transbordamento da ameaça das drogas, seja do
cultivo ou tráfico, das fronteiras nacionais.
O “Plano Colômbia” foi um conjunto de ações aplicadas pelo governo
colombiano e possibilitou a iniciativa mais abrangente até então implementada pelos
Estados Unidos para qualquer outro país na região, pois suas iniciativas referiam-se
a temas de desenvolvimento social, como acesso à justiça e economia, e a temas de
combate à erradicação de cultivos e de combate a grupos insurgentes, com
treinamentos, apoio na formação das estratégias antinarcóticos e apoio na formação
de uma brigada especial antinarcóticos. Esta estratégia interferiu diretamente na
estrutura da formação do Estado, pois afetava todos os setores do Estado:
econômico, social, político, jurídico, e, principalmente, suas forças armadas e seu
planejamento estratégico nacional. Os recursos massivos destinados para o Plano
Colômbia também tiveram um grande impacto no país e em toda a região.
70
Para alguns pesquisadores, os discursos proferidos nos documentos oficiais
norte-americanos que tratam da América Latina e fazem menção à importância de
se estabelecer na região democracias consolidadas e economias de livre mercado
apenas “encobrem” suas reais intenções de salvaguardar seus interesses nacionais
e empreitar na região uma guerra contra as drogas. (LOVEMAN, 2006:7) O que esta
pesquisa demonstra, nesse contexto, é que iniciativas de desenvolvimento sócio-
econômico e a manutenção da democracia na região são ações que visam a garantir
interesses nacionais norte-americanos, tanto quanto o monitoramento constante das
atividades de combate à produção e tráfico de drogas, de erradicação de cultivos, de
fortalecimento dos sistemas judiciários, das leis contra lavagem de dinheiro e ações
de moralização para combater a corrupção. Estas ações formavam um todo em
forma de ações conjuntas aplicadas pelas diversas agências norte-americanas, tanto
do Departamento de Estado quanto de Defesa para salvaguardar seus interesses
nacionais.
O realismo e pragmatismo dos Estados Unidos em suas políticas para a
América do Sul são expressos nos documentos oficiais, não havendo assim, razões
para dúvidas quanto a seus interesses na região. Pois, quando afirmam que, por
exemplo, a heroína e a cocaína que transitam na Venezuela têm como principal
destino os Estados Unidos, estão claramente imprimindo seus interesses em
cooperar e prestar assistência ao governo local, não por benevolência ou por
questões ideológicas, mas por puro pragmatismo político.
É possível perceber o realismo e pragmatismo com que os Estados Unidos
tratam seus programas de ajuda ao desenvolvimento através desta afirmação
expressa em documento da USAID:
“The core of our strategy is to help
democracy and free-markets expand and
survive in other places where we have the
strongest difference. This is not a democratic
crusade; it is pragmatic commitment to see
freedom take hold where that will help us
most. Thus, we must target our effort to assist
states that assist our strategic interest…We
must focus our efforts where we have most
leverage. And our efforts must be demand
driven- they must focus on nations where
whose people are pushing for reform or have
already secure it. By promoting and assisting
the growth of democracy, the United States
also supports the emergence and
71
establishment of polities that will become
better trade partners and more stable
governments.”
40
(USAID apud LOVEMAN)
Pode-se perceber, portanto, que a agenda de segurança dos Estados Unidos
para a América do Sul ao longo da administração Clinton compreendeu o combate
às drogas na região, a promoção da estabilidade política e democrática,
complementada pela promoção dos livres mercados. E é possível, a partir desta
análise, afirmar que houve um processo de “securitização”
41
de temas concernentes
à região, os quais outrora pertenciam a outras esferas de atuação, como a
estabilidade política e o livre comércio.
O papel do Departamento de Defesa, neste contexto, foi dar suporte à
estratégia do Departamento de Estado, ao longo do governo Clinton. Os programas
do Departamento de Estado que promoviam treinamentos militares, assistência em
planejamentos estratégicos, entre outros, foram executados pelo Departamento de
Defesa. (LOVEMAN, 2006:10) Os Relatórios anuais expedidos pelo Departamento
de Defesa foram, em geral, congruentes com os relatórios do Departamento de
Estado.
O Relatório Anual de Defesa
42
de 1997, ao analisar as relações com o
Western Hemisphere”, priorizava a cooperação em âmbito regional como a melhor
maneira de assegurar avanços em segurança, através da defesa da democracia, do
livre-comércio e do desenvolvimento sustentável. O Departamento de Defesa,
chefiado por William Cohen, buscava uma maior transparência e confiança nas
relações com a região, além de fortalecer iniciativas de cooperação em segurança
em temas principalmente ligados ao tráfico de drogas
43
. Observa-se, nesse
40
USAID: U.S. Agency for International Development, “Democracy and Governance”.
www.info.usaid.gov/democracy. IN: LOVEMAN, Brian. Addicted to Failure: US Security Policy in Latin
America and the Andean Region. Maryland: Rowman & Littlefield Publishers. 2006.p. 8.
41
O processo de securitização compreende o ato de “securitizar”, ou seja, o ato político de transferir
para a esfera de segurança temas que outrora pertenciam a outros setores do Estado. A discussão
teórica sobre tal tema foi realizada no item 1-3 do capítulo I.
42
Annual Defense Report to the President.1997. Disponível em:
http://www.fas.org/man/docs/adr_98/toc.html#top.
43
Como se pode notar no trecho: The United States also has a key interest in countering the flow of
narcotics into the United States from source countries... (…) As in other regions, Department of
Defense is working to foster greater transparency and confidence building throughout the region and
enhance the sharing of responsibility for mutual security interests with its friends and allies in the
Western Hemisphere… (…).Idem.
72
momento, que foi ressaltada a importância das Cúpulas das Américas e das
Reuniões de Ministros de Defesa para discutirem temas “sensíveis” para a
segurança nacional e que deveriam ser discutidos em nível regional, para, a partir de
então, serem delineadas as políticas para o Hemisfério Ocidental.
O “Relatório Anual de Defesa para o Presidente e o Congresso”
44
, de 1998,
reafirmou a necessidade dos Estados Unidos promoverem o seu engajamento
internacional perante o clima de incertezas que assolava o fim do século XX como
meio de manter a segurança nacional. Ao elencar os principais desafios aos Estados
Unidos, atentam para os Estados falidos, ameaças transnacionais, como terrorismo
e tráfico de armas; e imigração maciça
45
.
Ao elencar os temas e questões que são prioritárias com relação à defesa
nacional, por região, o Departamento de Defesa, neste relatório apresenta o
Hemisfério Ocidental como fonte de ameaças transnacionais, como tráfico e
produção de drogas e crimes internacionais. As diretrizes para sanar o problema
apontam para as atividades de agências que atuam no combate da produção e
tráfico, além da cooperação e assistência a governos para combater o problema,
como se pode perceber no seguinte trecho:
Transnational Threats are particularly
troublesome in the Americas. Because drug
trafficking and associated criminal activity
threaten the US and its interests in the region,
DoD will continue to support other agencies in
trying to stop the flow of drugs, both at the
source and in transit, and will encourage and
assist other nations to anti-drug efforts”.
46
Da mesma forma, os Relatórios Anuais dos anos seguintes de 1999
47
e
2000
48
descrevem os problemas para a região e repetem o mesmo trecho citado
44
Annual Report to the President and the Congress. 1998.
Disponível em: http://osdhistory.defense.gov/docs/1998%20DoD%20Annual%20Report.pdf
45
Idem. p.2.
46
Idem. p. 13.
47
Annual Report to the President and the Congress.1999. Disponível em:
www.fas.org/man/docs/adr_00?chap1.htm
48
Annual Report to the President and the Congress .2000. Disponível em:
www.fas.org/man/docs/adr_01/chap1.html
73
acima, sem que haja qualquer modificação no texto em questão. Tal fato pode
revelar que houve certa continuidade das diretrizes para a região, a partir das
percepções sobre segurança e sobre a natureza das ameaças, que, ao que tudo
indica, continuaram as mesmas para os formuladores de políticas estratégica de
segurança para a região, no período até aqui analisado.
2-4 O tema do terrorismo internacional no governo Clinton.
Além do tráfico de drogas, o tema que também teve destaque na agenda de
Bill Clinton foi o terrorismo internacional. Este tema foi, gradualmente, elevado ao rol
de prioridades da política estratégica do país e seelevado ao topo das prioridades
durante o governo W. Bush. Por isso, é necessário fazer uma análise do que
havia sido discutido no país durante a administração Clinton, quais foram as
principais diretrizes, as medidas efetivas realizadas e quais foram os
desdobramentos para a América do Sul.
No Relatório Patterns of Global Terrorism
49
”, de 1994, o Departamento de
Estado anunciou seu comprometimento com o combate ao terrorismo e expressou
suas intenções em cooperar com outras nações para afastar a ameaça do
terrorismo. O documento apontou para os ataques terroristas ocorridos no mesmo
ano, como o bombardeio do Centro Cultural Judaico em Buenos Aires, Argentina, o
seqüestro de um avião da Air France por um Grupo Islâmico argeliano e o
bombardeio a um avião do Panamá. Segundo o relatório, o aumento nas atividades
terroristas se devia ao aumento das atividades terroristas praticadas por grupos
extremistas religiosos islâmicos. Em contrapartida, muitos Estados islâmicos
expressaram ser contra tais atividades e demonstraram boa vontade política em
cooperar contra o terrorismo.
Dessa forma, a estratégia norte-americana de combate ao terrorismo
delimitou três principais diretrizes
50
para lidar com o problema
do terrorismo:
1) Não negociar, em hipótese alguma, com grupos terroristas; 2) Tratar os membros
de grupos terroristas como criminosos e aplicar-lhes a lei, e 3) exercer o máximo de
49
Patterns of Global Terrorism. 1994. US Department of State. Disponível em:
http://dosfan.lib.uic.edu//ERC/arms/PGT_report/1994PGT.html
50
Idem.
74
pressão em Estados que patrocinam o terrorismo, através de sanções diplomáticas,
econômicas e políticas; e conclamar outros Estados a fazer o mesmo.
A partir desta estratégia, o documento apontou que o terrorismo, por ser uma
ameaça transnacional, necessariamente exigia a cooperação em segurança para
que fossem afastadas tais ameaças. Dessa forma, as medidas e observações do
governo norte-americano para buscar a cooperação internacional foram:
1) Buscar cooperação entre as agências de inteligência e de reforço das leis e
as respectivas agências de outros Estados.
2) Que o Gabinete de Coordenação para a luta contra o terrorismo, do
Departamento de Estado, fizesse consultas periódicas com outros Governos.
3) De que havia, no momento, onze Tratados e Convenções que
comprometiam os signatários a combater várias atividades terroristas. Por isso, os
Estados Unidos conclamariam os outros governos que ainda não tinham ratificado
ou, por alguma razão, ainda não tivessem assinado que o fizessem urgentemente.
4) O Programa de Assistência e Treinamento Antiterrorismo havia treinado
mais de 15.000 pessoas de 80 países e pretendia aumentar este número nos anos
seguintes.
5) Por fim, o governo norte-americano ofereceria recompensas de até U$2
milhões por informações privilegiadas que pudessem prevenir ou buscar soluções
pacíficas em casos de ataques terroristas contra cidadãos americanos.
Como uma mensagem aos grupos terroristas, feita de maneira direta, o
documento afirmou: “The message to terrorists from americans and other free people
and nations is that we are strong, vigilant, and determined to defeat terrorism.
51
Com relação ao Hemisfério Ocidental, o relatório apontou para os ataques
ocorridos em Buenos Aires, na Argentina, como os mais graves ocorridos na região,
além do avião panamenho que havia sido bombardeado, neste mesmo ano. O grupo
suspeito de ter cometido o ataque foi o Hezbollah
52
. Estes ataques aumentaram a
preocupação, segundo o relatório, da possível presença de membros do Hezbollah
na região da Tríplice Fronteira entre o Brasil, Argentina e Paraguai. Atividades
51
Idem.
52
O Hezbollah é um movimento islâmico fundado após a tomada militar israelense do Líbano em
1982, que resultou na formação de unidades de resistência islâmica comprometida com a libertação
dos territórios ocupados e a expulsão das forças israelenses. O movimento se expandiu e se
fortaleceu desde então, principalmente devido a sua onda de atentados suicidas e ajuda externa por
parte do Irã e da Síria. Para saber mais sobre este tema, ver:
http://www.globalsecurity.org/military/world/para/hizballah.htm
75
violentas consideradas terroristas realizadas por grupos guerrilheiros na Colômbia
também eram consideradas a maior fonte de preocupação para o governo norte-
americano com relação a este tema na região.
Em face desses acontecimentos considerados terroristas na região, o
documento aponta para a necessidade de ser discutida na Primeira Cúpula das
Américas, a qual iria ocorrer em alguns meses, o tema do terrorismo e que possíveis
soluções integradas, dentro de um ambiente político amplo de cooperação, fossem
alcançadas. A idéia, expressa pelo relatório, era buscar a cooperação entre as
nações do Hemisfério Ocidental para combater o terrorismo internacional, e,
simultaneamente, salvaguardar os direitos humanos, fortalecer as leis e buscar
tratados de extradição a terroristas. Observa-se que havia a percepção, por parte do
governo americano, da necessidade de tratar o tema do terrorismo internacional de
forma integrada e, por isso, seria elencado entre os temas a serem discutidos na
Primeira Cúpula das Américas.
Em meados de 1998, o presidente Clinton, por meio de sua Diretriz
Presidencial 62
53
, afirmou que a luta contra o terrorismo internacional, através de
bloqueios a ajudas internacionais a países que apoiavam o terrorismo, deveria ser a
prioridade. Para ele, esta luta deveria ser constante e permanente, enquanto os
instrumentos para combatê-lo deveriam ser flexíveis e efetivos. O tema do terrorismo
passou, dessa forma, a constar de forma permanente nos documentos oficiais e
discursos proferidos. Para a Estratégia Nacional de Segurança de 1998
54
, tal diretriz
inaugura uma abordagem sistemática no combate ao terrorismo internacional e
lança este tema como a grande ameaça do século XXI.
Ao ser discutida pelo Congresso, esta diretriz enfatizou também a
necessidade de implantar um software, que alguns anos já havia sido utilizado na
Guerra do Iraque, capaz de bloquear transações financeiras com organizações ou
entidades que fossem consideradas suspeitas. Este software seria capaz de
interceptar qualquer transação feita em qualquer lugar do mundo, incluindo a
América do Sul.
55
53
Prohibition on Financial Transactions with Countries Supporting Terrorism Act. Disponível em:
http://www.fas.org/irp/congress/1997_rpt/h105_141.htm
54
A National Security Strategy for a New Century, 1998. p. 15. Disponível em:
http://www.au.af.mil/au/awc/awcgate/nss/nssr-1098.pdf
55
Idem 29.
76
O Relatório “Patterns of Global Terrorism”
56
de 1999, por sua vez, fez a
constatação de que o terrorismo
57
poderia surgir em Estados fracos, nos quais os
terroristas poderiam se esconder e agir livremente e, por esta razão, seria importante
buscar o reforço das leis no campo internacional, pois assim, seria possível isolar
as atividades terroristas. Percebe-se nesse momento que uma percepção de
mudanças nas atividades terroristas, as quais até então eram feitas de maneira
organizada dentro de territórios de Estados que patrocinavam estas operações ou
davam suporte político, porém, estes grupos passaram a atuar de maneira irregular,
em diversos territórios, sem que houvesse, necessariamente, apoio institucional do
governo.
58
Para o relatório, foram grupos como esses que planejaram o ataque
frustrado em Seattle, no mesmo ano.
Houve também a constatação de que, em reação ao reforço e vigilância dos
países do Oriente Médio, muitos terroristas buscaram novos lugares para se instalar,
chamados de “safe heavens
59
, nos quais poderiam operar livremente. A estratégia
norte-americana perante tal desafio foi, portanto, delimitar as diretrizes de suas
ações com relação ao tema, as quais repetem as três diretrizes de 1994, porém
acrescentam uma nova: 4) Promover a assistência e capacitação de Estados que
necessitem e que estejam de acordo com as ações anti-terroristas.
60
Esta quarta
diretriz refere-se à percepção que tiveram os norte-americanos de que os terroristas
passaram a atuar em Estados nos quais não havia uma vigilância completa e efetiva
de seus territórios e, perante tal fato, os Estados Unidos se ofereceram para prestar
assistência na vigilância e reforço das leis nesses locais e, assim, salvaguardar seus
interesses nacionais.
Com relação à América Latina, o relatório apontou a Colômbia, o Peru e a
região da Tríplice Fronteira como focos de atividades terroristas. Com relação à
Colômbia, houve a percepção de que o conflito armado das FARC, do ELN, e dos
paramilitares ameaçavam a segurança nacional; e de que os ataques aos oficiais
56
Patterns of Global Terrorism. 1999. US Department of State. Disponível em:
http://www.state.gov/www/global/terrorism/1999report/patterns.pdf
57
Não há uma definição universalmente aceita de terrorismo. Os Estados Unidos, neste relatório,
definem o termo como: “o uso da violência premeditada, politicamente motivada, contra alvos civis,
por parte de grupos ou agentes clandestinos”. idem. p.7.
58
Idem. p.1.
59
Idem. p.1.
60
Idem. p. 2.
77
colombianos e o seqüestro de civis, inclusive três civis norte-americanos, foram
todos considerados atividades terroristas.
61
No Peru, houve a percepção de que seus movimentos guerrilheiros, Sendero
Luminoso (SL) e o Movimento Revolucionário Tupac Amaru (MRTA), também
praticavam atividades consideradas terroristas, às quais foram combatidas pela forte
atuação do governo peruano
62
. A região da Tríplice Fronteira, por sua vez, era vista
como possível fonte de atividades terroristas; e o relatório ressaltou o fato de terem
sido feitos esforços políticos do Brasil, Argentina, e Paraguai para consolidarem
cooperação em punições a grupos e indivíduos supostamente ligados ao terror
“islâmico”, e os qualificou como avanços na região. Os esforços da Argentina foram
criar, no âmbito da OEA, um Comitê Inter-Americano de Combate ao Terrorismo e
tal fato foi visto como um grande avanço.
Como se pôde perceber, a partir da análise desses relatórios, já havia nos
Estados Unidos uma crescente preocupação com o terrorismo internacional e o
caráter transnacional de sua ameaça. A percepção de que o terrorismo não operaria
mais em territórios definidos, como o Líbano ou o Irã, mas sim em territórios onde
havia uma presença fraca e ineficiente do Estado, fez com que os norte-americanos
ficassem em alerta com relação aos países da América do Sul, especialmente após
os atentados terroristas em Buenos Aires, e pelo histórico de conflitos armados na
Colômbia e no Peru. Assim, este tema percorrerá todo governo subseqüente e seus
desdobramentos para a América do Sul foram importantes.
61
Idem. p. 41.
62
Idem. 42.
78
Capítulo 3- A política estratégica de George W. Bush para a
América do Sul.
Este capítulo tem por objetivo fazer um levantamento das políticas e
programas específicos aplicados para a região andina e a tríplice fronteira, divididas
cronologicamente entre o primeiro mandato de George W. Bush (2001-2004) e o seu
segundo mandato (2004-2008). A partir deste levantamento será possível analisar
quais foram os temas sensíveis recorrentes na região que demandavam políticas e
programas a partir do que era considerado como ameaça.
Para tanto, será
necessário analisar a política estratégica abrangente do governo Bush, a partir de
sua doutrina de governo inaugurada em 2002, e buscar fazer uma reflexão acerca
da doutrina política que se instaurou no governo após os atentados terroristas de
2001 e de que maneira esta doutrina definiu qual era o inimigo e as prioridades em
matéria de política estratégica dos Estados Unidos a partir de então.
3-1 O Governo George W Bush, sua estratégia e a tentativa de definir o inimigo.
Os Estados Unidos, sob a administração de George W. Bush deu
continuidade à tarefa de redesenhar sua estratégia perante o sistema internacional,
de acordo com os novos desafios advindos ao fim da Guerra Fria e que foram
sendo, aos poucos, absorvidos durante a década de 90, como foi possível
demonstrar no segundo capítulo deste trabalho. Esses novos desafios foram, em
geral, conflitos étnicos, crises humanitárias, aumento exponencial do tráfico e
produção de drogas, a necessidade de reforçar e expandir a democracia no âmbito
internacional, e o terrorismo internacional.
A hegemonia norte-americana, nesse contexto, poderia ser compreendida
como o produto de dois fatores, o primeiro foi sua supremacia material, tanto em
termos militares, quanto em termos econômicos; e segundo foi a ausência de um
adversário capaz de contrabalançar, por meios convencionais, sua influência no
cenário internacional. A estratégia norte-americana, portanto, passou a ter um
contorno mais concreto, do qual é possível extrair algumas características que se
sobressaem com a administração George W. Bush. (LAYNE, 2006:12)
79
As características que se somaram ao desenho da nova estratégia do
governo Bush foram um maior retorno à projeção de poder, ao unilateralismo, e ao
isolacionismo, como foi possível observar no item 1-4 do primeiro capítulo deste
trabalho. Nesse contexto, os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001,
tiveram papel preponderante no recrudescimento dessas tendências. Para Ayerbe, o
11 de setembro contribuiu para a ascensão do exercício de um protagonismo mais
impositivo, embora os objetivos gerais tenham mantido suas características
principais. (AYERBE, 2009:195)
Para alguns estudiosos, os policymakers compreenderam este momento
conflitivo vivido pelos Estados Unidos e imprimiram esta visão de mundo na nova
doutrina e estratégia que estava por vir. Para Nasser, a ameaça do terrorismo
internacional levou George W. Bush a rever a estratégia anterior de Bill Clinton,
reconhecendo nela as preocupações com os rogue e failed states, para confeccionar
sua própria estratégia. Nesse momento, é importante observar que os conceitos
aplicados durante a estratégia da guerra fria de dissuasão e contenção, adotados
para a adversária União Soviética, não mais seriam adequados para combater os
rogue states e as organizações terroristas de caráter global. Foi então, denominado
“Eixo do mal” o conjunto dos rogue e failed states como o novo inimigo do país.
(NASSER, 2009: 120)
A estratégia inaugurada após os ataques terroristas de 11 de setembro traduz
os efeitos imediatos de tal ato: os Estados Unidos, recém-tomados de consciência
de sua alta vulnerabilidade no novo cenário internacional, endureceram suas
políticas, seus discursos e redefiniram as prioridades para o novo milênio: combater
o terrorismo internacional, suas fontes e meios de sobrevivência. A Estratégia
Nacional de Segurança
63
, de 2002, reflete este novo ambiente político, como se
pode perceber no seguinte trecho:
“The great struggles of the twentieth century
between liberty and totalitarianism ended with
a decisive victory for the forces of freedom-
and a single sustainable model for national
success: freedom, democracy, and free
enterprise (…). Today the US enjoys a
position of unparalleled military strength and
great economic and political influence. (…)
63
The National Security Strategy, 2002. Disponível em:
http://www.comw.org/qdr/fulltext/nss2002.pdf
80
Defending our Nation against its enemies is
the first and fundamental commitment of the
Federal Government.”
64
Este novo cenário político, embora seja de supremacia econômica e militar
para os Estados Unidos, lhe trouxe constrangimentos políticos e desafios à
segurança nacional, tornando necessário que se mobilize todo o Estado em torno do
desenho desta nova estratégia. Para Kissinger: At the apogee of its Power, the
United States finds itself in an ironic position. In the face of perhaps the most
profound and widespread upheavals the world has ever seen, it has failed to develop
concepts relevant to the emerging realities.” (KISSINGER, 2001: 19)
Kissinger estava certo ao afirmar a posição irônica em que se encontravam os
Estados Unidos, porém os conceitos desenvolvidos ao longo da década de 90 não
foram errôneos, pois não houve, por parte desse país, negligência com relação aos
novos conceitos, como o terrorismo e sua ascensão como perigo para a segurança
nacional. Porém, parte-se, no presente trabalho, da concepção de que houve um
erro de cálculo e de percepção da própria natureza do inimigo e do grau de
proximidade em que este se encontrava.
Este novo inimigo, conforme expresso pela Estratégia de 2002, qual seja o
terrorismo internacional, poderia circular livremente em seu território livre e
democrático, entre os milhares de civis inocentes, e espalhar o caos, o medo, e a
violência.
65
Para combatê-lo, portanto, os Estados Unidos reafirmaram sua
preponderância militar, convocaram as outras grandes potências a combaterem
conjuntamente o terrorismo internacional e fizeram um alerta para o perigo de
democracias não solidificadas, as quais ainda apresentavam problemas estruturais,
como possíveis esconderijos aos terroristas:
Today, the world’s great powers find
ourselves on the same side- united by
common dangers of terrorist violence and
chaos. The US will build on these common
interests to promote global security.
(…)Poverty does not make poor people into
terrorists and murderers. Yet poverty, weak
institutions, and corruption can make states
64
Idem. p. III.
65
Idem. p. III.
81
vulnerable to terrorist networks and drug
cartels within their borders.
66
Este alerta ao tema da pobreza não foi bem delimitado nesta estratégia, pois
não foi explicado de maneira racional-dedutiva de que forma a pobreza poderia levar
ao surgimento do terrorismo em um mesmo território. Tal tema teve influência direta
nos discursos e políticas estratégicas para a América do Sul, pois, conforme se pôde
observar no segundo capítulo, a região apresenta problemas com o tráfico e
produção de drogas, lavagem de dinheiro e corrupção, problemas que estão ligados
com a condição de pobreza em que se encontra a população local. Houve, portanto,
na estratégia norte-americana inaugurada em 2002, uma dificuldade em definir de
maneira objetiva o novo inimigo.
E é justamente a definição do inimigo a condição sine qua non para se delinear
a estratégia nacional de segurança, pois é a partir desta definição que se torna
possível refletir sobre as possíveis maneiras de combatê-lo e, da mesma forma,
torna-se possível refletir sobre os possíveis territórios de combate e os outros atores
envolvidos. Tal situação torna necessário um exame da definição de inimigo e suas
especificidades.
Para Clausewitz, “a guerra é, pois, um ato de violência destinado a forçar o
adversário a submeter-se à sua vontade.” Assim, desde Clausewitz até os autores
contemporâneos entende-se a guerra como um ato entre dois adversários no qual
existe a vontade. Esta vontade é compreendida como o objetivo essencialmente
político que não obteve êxito pelos meios diplomáticos. Assim, conforme se aumenta
o objetivo político, potencializa-se o ato de guerra e, por outro lado, quando se
diminui o objetivo político, debilita-se o ato de guerra. (CLAUSEWITZ, 2003:18)
Clausewitz apresenta a própria natureza da guerra, para o qual “é uma simples
continuação da política por outros meios” e afirma que quanto mais o adversário
ameaçar a existência da própria nação e quanto maior for a tensão que precede a
guerra, mais a guerra seconforme sua forma total ou abstrata, e, quanto mais a
guerra visar somente à vitória militar e à aniquilação do inimigo, mais se afasta do
objetivo político. (CLAUSEWITZ, 2003:28).
Assim, os primeiros conceitos e estudos desenvolvidos sobre a guerra trazem
consigo a necessidade de haver dois ou mais adversários e um objetivo político
66
Idem. p.IV.
82
claro e bem definido, para que não haja perigos de se tornar a guerra um ato vazio,
sem significação política e trazer mais perigos para a nação.
Dentro dessa lógica, uma das estratégias mais bem-sucedidas foi a dissuasão
nuclear, que vigorou durante a Guerra Fria e mudou de forma considerável a
maneira de se pensar a guerra. Sob esta estratégia, o fator material era o mais
preponderante, pois o poderio nuclear era tanto que intimidava o recurso à guerra,
abrindo espaço para uma maior negociação em termos político-diplomáticos.
(BEAUFRE, 1998:91)
Entretanto, a dissuasão nuclear não foi suficiente para impedir a eclosão de
conflitos armados e, após a Guerra Fria, mesmo com a existência de armas
nucleares, aumentaram exponencialmente os conflitos armados. Portanto, a
dissuasão nuclear deveria ser complementada com táticas menores, com mais
agilidade e flexibilidade para acompanhar as mudanças pelas quais os campos de
batalha têm passado. (BEAUFRE, 1998:104)
Este “vácuo” produzido pela dissuasão nuclear abriu espaço para manobras
mais modestas, porém mais fáceis de penetrar no campo do inimigo e de ocorrer em
pontos isolados, desenvolvendo ameaças de estratégia indireta e de forte
repercussão psicológica. Da mesma forma, essa falsa impressão de “invencibilidade”
trazida pela dissuasão nuclear trouxe consigo um perigoso otimismo e subestimação
do hostil. Tal fato que, no caso dos Estados Unidos, lhe custou duas guerras:
Coréia do Norte e Vietnã, ambas causadas por um exacerbado otimismo,
subestimação do inimigo e “misperception”
67
das circunstâncias. (EVERA, 1999:
34)
A imensa superioridade bélica dos Estados Unidos, muitas vezes, o impediu de
fazer os cálculos exatos das condições materiais e dos custos que um conflito pode
trazer e os últimos conflitos mostram que têm ocorrido muitas perdas ao longo dos
últimos anos.
Uma das grandes mudanças que houve no espectro da guerra foi em seu
modelo clausewitziano, no qual havia uma clara divisão entre o governo, quem
direcionava a guerra; as Forças Armadas, as quais lutavam e até morriam pela
guerra; e, por fim, o povo, que pagava e sofria as conseqüências do conflito. As
67
“Misperception” do inglês significa “falta de percepção exata” ou “falta de conhecimento”, o que
geralmente implica em erros que podem trazer graves conseqüências. Para saber mais sobre este
tema, ler: JERVIS. Robert. Hypothesis on Misperception. World Politics. 20(3). April.1968.
83
guerras atuais, entretanto, não apresentam em sua essência uma distinção entre
esses atores. Por esta imprevisibilidade e falta de distinção, estas guerras podem
até mesmo ser mais violentas e causar mais danos que as antigas guerras
tradicionais. (CREVELD, 2003: 8). Talvez a mudança mais importante seja no papel
da sociedade civil, pois ela se tornou, nos últimos anos, o próprio alvo de muitos
conflitos que eclodiram nos últimos anos.
Entretanto, para alguns analistas, este modelo de guerra, compreendido como
a disputa e o conflito entre dois Estados diferentes, é um modelo s-westifaliano
que vigorou após 1648, sendo que antes deste período as guerras não eram
estatais. Para Holsti, por exemplo, a guerra como um instrumento estatal é um
fenômeno relativamente novo, pois na Europa Medieval sempre prevaleceram
conflitos entre grupos, povoados, ou, até mesmo, conflitos individuais que tomavam
maiores proporções. (HOLSTI, 1996:1,2)
Dessa forma, na Estratégia Nacional de Segurança de 2002, os Estados
Unidos apontaram para os perigos do radicalismo religioso e sugeriram a construção
de uma rede de segurança global que restringisse os fluxos de pessoas e de
informações para prevenir o terrorismo. Porém, o fizeram de maneira difusa e sem
objetividade, dando um caráter muito abrangente a este tema
68
.
Os Estados Unidos, ao não mostrarem com objetividade quais seriam os meios
que utilizariam para combater o terrorismo e suas redes, acabaram por cair em um
vácuo, no qual havia palavras, princípios e valores, porém a ligação entre o que
era anunciado e as medidas que eram tomadas não convergiam e, muitas vezes,
eram contraditórias. Dentro desta falta de objetividade, também incorreram em um
erro crucial: não definiram claramente quem era o seu inimigo. Assim, menções
vagas como: The United States is fighting a war against terrorists of global reach.
The enemy is terrorism- premeditated, politically motivated violence perpetrate
against innocents
69
, fizeram com que os Estados Unidos anunciassem uma guerra
de alcance global por tempo indeterminado sem a presença de um inimigo concreto
ou de um palco delimitado para a guerra.
Dessa forma, dentro deste contexto de enunciados políticos difusos e de
apelos a valores universais, é que surgiu um certo vazio político, pois sem a
68
The National Security Strategy, 2002. Disponível em:
http://www.comw.org/qdr/fulltext/nss2002.pdf
69
Idem. p. V.
84
distinção clara entre amigo e inimigo não havia como definir quais seriam as
prioridades da política, de forma objetiva.
Para Schmitt, o inimigo é aquele para o qual se deseja o aniquilamento
concreto para se obter um fim político, portanto, o inimigo deve ser entendido dentro
de um contexto público bem definido. Quando se passa do plano abstrato e passa-
se a desejar o aniquilamento puro e concreto do inimigo, passa-se à guerra, por
haver um objetivo político que exclui, por si, a existência do inimigo. (SCHMITT,
1962: XIV)
Ao observar a guerra civil espanhola de 1808 a 1813, Schmitt analisou a figura
do partisano, um combatente irregular que lutava de forma assimétrica. Para este
pensador, a figura do partisano põe em xeque a definição de guerra regular, pois
muitas regras passam a ser violadas. Como exemplo, o autor cita o reino espanhol,
que tinha, em seu território, combatentes irregulares representados pelos
revolucionários. (SCHMITT, 1962:116)
Em linhas gerais, a guerra regular exclui a figura do partisano e é desse
contexto que surge sua natureza do marginalizado. Essa marginalização do inimigo
o deixa fora das leis internacionais e tem como conseqüência que tal combatente
não espere nem direitos ou leis que o julguem em um Tribunal especial e, o que é
pior, não meça as conseqüências de seus atos. (SCHMITT, 1962: 120)
Portanto, ao se refletir acerca do conceito do inimigo, pode-se afirmar que ao
tornar o terrorismo internacional o principal inimigo dos Estados Unidos após os
ataques de 11 de setembro, o país imprimiu personalidade a uma ação (terrorismo),
a qual, por sua natureza não define a priori seu ator, e, por isso, a tipificação da
ação e a generalização dos possíveis atores, ligando-os a temas, como a tecnologia,
a pobreza, radicalismo
70
islâmico, entre outros, conferem falta de objetividade ao
raciocínio inicial dos Estados Unidos em seu combate ao terrorismo, como foi
expresso na Estratégia de 2002.
A reflexão sobre a tentativa norte-americana em definir o inimigo, para, a partir
de então, construir a estratégia mais adequada, invoca a discussão da própria ação
política norte-americana neste período. Segundo um dos preceitos de Max Weber, é
preciso que o político faça uma elaboração minuciosa e metódica dos fatos, de
maneira imparcial, para que se possam ter resultados concretos. Qualquer outro
70
A tecnologia, a pobreza e o radicalismo islâmico foram temas citados pela estratégia norte-america,
como se pode observar no referido documento. Idem 68.
85
método, segundo Weber, pode acarretar conseqüências negativas que talvez se
prolonguem por anos. Assim, toda atividade orientada segundo a ética pode ser
subordinada a duas máximas: a ética da responsabilidade ou a ética da convicção. A
ética da responsabilidade guia-se por princípios de que o homem responde
estritamente por seus atos e é inteiramente responsável pelas conseqüências dos
mesmos. (WEBER, 1993:113).
Enquanto a ética da convicção guia-se mais por princípios da ideologia ou da
religião e, assim, passa-se a responsabilidade dos atos à ideologia ou à causa pela
qual se está lutando. Isso não significa que o se possam mesclar as duas, porém,
uma atitude que enfatize a ética da convicção em demasiado pode trazer graves
conseqüências políticas. (idem).
Portanto, ao se refletir sobre estes conceitos de Weber, e sobre as reflexões de
Schmitt, aplicados à estratégia norte-americana inaugurada em 2002, é possível
afirmar que muitas das afirmações e das “certezas”, das quais partiam os
enunciados, ou mesmo os discursos proferidos à época, tanto por George W. Bush,
quanto por Condoleezza Rice, partiam de princípios próximos, em termos
conceituais, à ética da convicção weberiana; e da indefinição do inimigo.
Pois, ao afirmarem em sua estratégia “In pursuit for our goals, our first
imperative is to clarify what we stand for: the US must defend liberty and justice
because these principles are right and true for all people everywhere,”
71
e
Condoleezza Rice, ao afirmar que os três principais pilares da nova doutrina eram:
72
1) defender a paz com a oposição à violência de terroristas e de regimes ilegais, 2)
preservar a paz entre as grandes potências, e 3) propagar a paz buscando prolongar
os benefícios da liberdade e da prosperidade, estavam evocando valores absolutos
para salvaguardar seus interesses nacionais e este fenômeno causou dificuldades
de transferir para a prática das políticas e justificá-las a outros Estados.
Um elemento novo da estratégia de 2002, expresso tanto pelo documento
analisado, quanto pelo discurso de Condoleezza Rice, foi o uso da chamada “ação
preventiva” para perpetrar ações de combate ao terrorismo internacional.
Justificando a sua necessidade de haver maior rapidez nas ações de resposta ao
terrorismo internacional, o governo afirmou que a postura tradicional reativa dos
71
Idem 62. p. 3.
72
RICE, Condoleezza. Em uma palestra proferida no Institute for Policy Research, em 2002, e
enviado pela autora para publicação com exclusividade à Revista Política Externa. 63.
86
Estados Unidos, que vigorou durante a Guerra Fria, não mais seria adequada para
responder ao perigo premente e às situações onde haveria risco vital ao país
73
, as
quais demandavam uma ação pronta e imediata dos Estados Unidos, sem que
houvesse, necessariamente, um ataque ao país.
Condoleezza Rice, ao explicar este novo elemento, dentro da estratégia de
2002, afirmou
74
:
“... por uma questão de bom senso, os
Estados Unidos devem estar preparados para
agir quando necessário antes que as
ameaças se concretizem por inteiro. (...)
Nunca houve uma exigência moral ou legal
que um país devesse esperar para ser
atacado antes de poder cuidar de suas
ameaças existenciais (...). Apropriar-se por
antecipação não é uma ação que precede
uma longa série de esforços. A ameaça tem
de ser muito grave. E os riscos da espera têm
que ser bem maiores que os riscos da ação
Nesta afirmação, Rice atesta que nunca houve uma exigência moral ou legal
que impedissem os Estados Unidos de inaugurarem a ação preventiva, porém, de
acordo com várias abordagens tradicionais do Direito, como a Teoria Tridimensional
do Direito
75
, por exemplo, o sistema jurídico se rege da seguinte forma:
primeiramente existe o fato, depois surgem a moral e os costumes e, em último
lugar, são feitas as leis. Por isso, existe sempre a percepção geral de que o Direito
sempre está um pouco atrasado com relação à velocidade dos acontecimentos,
sejam de direito interno, sejam de direito internacional. Há, portanto, na justificativa
73
Esta justificativa de perigo premente e de aparente direito de ação parte de um dos princípios mais
antigos do Direito:
periculum in mora e o fumus boni juris. Aquele se refere aos perigos da demora em
agir, geralmente, onde riscos de violência física e, neste caso, se o Direito agir tardiamente, o
dano já terá ocorrido. O fumus boni juris, por sua vez, geralmente é aplicado juntamente à
circunstância de periculum in mora e refere-se à aparente ação legítima e de direito do sujeito,
portanto, a Justiça, por ter que atuar rapidamente, confere o direito ao sujeito da ação, por considerar
que “aparentemente” é legítimo.
74
Idem 68. p. 64, 65.
75
A Teoria Tridimensional do Direito é uma concepção de Direito internacionalmente conhecida,
elaborada pelo jusfilósofo brasileiro Miguel Reale em 1968, e posteriormente abordada em diversas
obras. À época de sua divulgação, tratou-se de uma forma absolutamente revolucionária e inovadora
de se abordar as questões da ciência jurídica, tendo esse pensamento arregimentado adeptos e
simpatizantes em todo o universo dos estudiosos do Direito. Para saber mais sobre este tema, ler:
REALE, Miguel. Teoria Tridimensional do Direito. São Paulo: Saraiva. 2005
.
87
da Assessora de Segurança nacional do governo Bush, Condoleezza Rice, uma
falsa premissa, ou até mesmo um possível jogo de palavras.
E é, portanto, em nome desses valores absolutos, que os Estados Unidos, ao
direcionar sua estratégia para as diferentes regiões, se dirigem para o Hemisfério
Ocidental:
“In the Western Hemisphere we have
formed flexible coalitions with countries that
share our priorities, particularly with Mexico,
Brazil, Canada, Chile, and Colombia.
Together we will promote a truly democratic
hemisphere where our integration advances
security, prosperity, opportunity, and hope.
We will work with regional institutions, such as
the Summit of the Americas process, the
organization of American states, and the
Defense Ministerial of the Americas for the
benefit of the entire hemisphere.”
76
Em nome dos valores da democracia, prosperidade e esperança, a estratégia
de 2002 partia dos pressupostos da vinculação política multilateral que havia sido
feita ao longo de toda a cada de 90, conforme se analisou no segundo capítulo
deste trabalho, para, neste momento, cobrar desses parceiros uma cooperação
efetiva no combate ao terrorismo internacional.
Assim, o documento
77
aponta para problemas na América do Sul, com o tráfico
de drogas e com conflitos armados, principalmente na Colômbia e afirma
“reconhecer” a ligação entre terroristas e grupos extremistas, os quais desafiam a
segurança nacional e recebem financiamento do tráfico de drogas. Entretanto, esta
suposta ligação entre atividades terroristas, atividades guerrilheiras e o tráfico de
drogas, não foi explicada, pelo contrário, foi apenas afirmada. Na sessão seguinte
do presente trabalho, portanto, serão analisadas as políticas para a região, tendo
como contexto o principal foco da estratégia norte-americana, o terrorismo
internacional, será possível avaliar se, de fato, houve modificações em decorrência
do mesmo para a região.
76
Idem 62. p.10.
77
Idem.
88
3-2 As políticas estratégicas para a América do Sul durante o primeiro mandato
de George W. Bush.
O objetivo desta seção é apresentar as políticas estratégicas dos Estados
Unidos para a América do Sul, durante o governo George W. Bush, a partir dos
documentos oficiais para a região. Este exame tornará possível a formação de um
panorama geral de temas que o fontes de demandas para a segurança nacional
norte-americana perante a região, tendo como pano de fundo a luta contra o
terrorismo internacional que se inaugura com a Estratégia de Segurança Nacional de
2002, a qual foi analisada na seção anterior.
Para tanto, será feita a análise dos Orçamentos para Operações no Exterior
(OOE)
78
, do Departamento de Estado, os quais descrevem os programas, metas e
objetivos, divididos por países e por temas, de 2001 a 2004. A análise desses
orçamentos será dividida entre a região andina e a região da tríplice fronteira, para o
primeiro mandato. Além dos orçamentos, serão analisados relatórios de
desempenho por programas e alguns comunicados internos, os quais trazem
elementos importantes para a compreensão da percepção norte-americana com
relação à América do Sul, no período em questão.
A opção por estes documentos decorreu da necessidade de analisar as
políticas para a região de forma ampla, para verificar de que forma os programas
para a América do Sul continuavam a abordar os temas presentes na região, como o
tráfico de drogas e lavagem de dinheiro, e estes passaram a ser associados ao
terrorismo internacional. Por esta razão, a análise se diferenciou da investigação
anterior, a qual utilizou relatórios específicos para o combate ao tráfico, pois foi este
o tema preponderante do governo de anterior no que se refere a suas políticas para
a América do Sul.
78
Luis Fernando Ayerbe, em seu capítulo “O Dimensionamento Estratégico da Segurança nas
Agendas Latino-Americanas dos Estados Unidos, da União Européia e da China”, faz um
levantamento completo dos programas estratégicos norte-americanos para a região, de 2000 a 2010.
Ver em: AYERBE, Luis Fernando. De Clinton a Obama: políticas dos Estados Unidos para a América
Latina. São Paulo: Editora UNESP, 2009.p.202.
89
3-2-1. A Região Andina.
Dessa forma, como foco principal da ação norte-americana na América do Sul,
a região andina foi, gradualmente, recebendo uma série de programas que foram se
sobrepondo uns aos outros, pois estes não se limitavam ao aspecto militar, mas se
expandiam aos setores econômicos, jurídicos, e sociais; se acentuando e se
modificando conforme as circunstâncias. No quadro IV podem ser observados os
programas norte-americanos para a região, durante o primeiro mandato de George
W. Bush:
Quadro IV
79
: OOEs para a Região Andina: 2001 a 2004
País Programas 2001 2002 2003 2004
Colômbia
ACI (1)
_ _ 526.200 473.9
FMF (2)
_ _ 17.100 98.450
IMET (3)
1.040 1.180 1.165 1.676
INCLE (4) 48.000 376,9 _ _
Bolívia
ACI _ _ 90,727 91.000
FMF _ 500 1.990 3.976
IMET 665 712 800 589
INCLE _ _ _ _
Peru
ACI _ _ 128.05 116.000
FMF _ _ 900 _
IMET 509 518 592 _
INCLE 48.000 142.500 _ _
Quadro IV: Este quadro foi elaborado a partir dos OOEs – Orçamentos para Operações
Externas, de 2001 a 2004.
Conforme expresso no Orçamento de Operações Externas de 2001
80
, a
Colômbia apresentava um grande desafio para os policymakers norte-americanos,
pois ao lado do objetivo principal para o país, de combater o tráfico de drogas
ilícitas, os programas complementares deveriam abranger o suporte à democracia,
prestar assistência humanitária e incentivar a economia. Os programas que se
sobressaíram, nesse período, foram os de reforço das leis antinarcoticos (INCLE) e
79
Valores em milhões de dólares. (1)ACI:Andean Counterdrug Initiative. (2)FMF:Foreign Military
Financing. (3)IMET:International Military Education and Training. (4)INCLE:International Narcotics
Control and Law Enforcement.
80
FY 2004. Congressional Budget Justification for Foreign Operations. Western Hemisphere.
Department of State 2003. Disponível em: www.state.gov/documents/organization/9476.pdf.
90
os de treinamento de militares (IMET), havendo, portanto, mais ênfase no combate
ao tráfico de drogas e na militarização. Estes programas devem ser entendidos sob
o contexto da ajuda e financiamento norte-americano do Plano Colômbia, o qual, por
sua vez, já somava uma série de reforços ao país.
Com relação à Bolívia, o objetivo principal foi erradicar o cultivo de coca, dando
continuidade à estratégia dos anos anteriores, ao lado do reforço às leis e
programas de estabilidade social. O documento apontou para a premente
necessidade de se implementar no país uma reforma do sistema judiciário,
relacionado com os temas do narcotráfico, direitos humanos e investimentos.
Percebe-se, nesse momento, que houve uma interferência, por parte dos Estados
Unidos, nos assuntos de ordem interna da Bolívia. O programa que se sobressaiu
para o país foi o de treinamento e assistência às forças militares (IMET).
O Peru, por sua vez, era visto como um país aliado aos Estados Unidos no
combate ao tráfico e produção de drogas. Era interesse dos Estados Unidos,
conforme aponta o documento, que fossem feitas reformas políticas democráticas,
que reduzissem as condições de pobreza, e que melhorassem as condições de
treinamento das forças militares. O então recém-eleito candidato Alejandro Toledo
foi visto com bons olhos pelos Estados Unidos, por ter declarado estar de acordo
com as reformas consideradas necessárias. Os programas aplicados ao país
seguiam a tendência que havia na administração Clinton, de reforço das leis
antinarcoticos (INCLE), e de treinamento e equipamento das forças militares (IMET).
Em seu Relatório de Desempenho por Programas
81
, de 2002, o Departamento
de Estado fez um balanço das políticas estratégicas do país, e definiu os seguintes
temas de interesse nacional: segurança nacional, prosperidade econômica,
fronteiras norte-americanas, aplicação da lei, democracia, questões humanitárias e
questões globais. Dentre estes temas, os que faziam referência aos países da
América do Sul são: a aplicação da lei, a qual engloba o crime internacional, o tráfico
de drogas e o combate ao terrorismo; e o tema da democracia.
Ligado ao crime internacional, o documento apontou para a corrupção e a
lavagem de dinheiro, entre as preocupações à segurança nacional. A corrupção,
segundo o documento, “facilita o crime, impede o livre trânsito de riquezas e
81
Program Performance Report. US Department of State. 2002. p.3. Disponível em:
www.state.gov/documents/organization/9814.pdf
91
investimentos, e desestabiliza regimes democráticos”. A lavagem de dinheiro, por
sua vez, foi vista como “um bito comum entre os grupos transnacionais ligados ao
terrorismo internacional e ao tráfico de drogas ilícitas, pois necessitam lavar o
dinheiro que utilizavam em tais atividades, para poder movimentá-lo livremente pelo
sistema bancário mundial”.
82
Para o interesse nacional da aplicação da lei, os Estados Unidos definiram
como objetivo estratégico a redução da entrada de drogas ilegais no país, e como
meta de desempenho, o aumento da efetividade dos governos em reduzir o cultivo
de coca, ópio e maconha
83
. Seguindo a estratégia iniciada nos anos 90, o combate
às drogas se daria, principalmente a partir da redução da produção de drogas,
através da combinação entre aplicação da lei, erradicação de cultivos e implantação
de programas alternativos de desenvolvimento, conforme foi analisado no capítulo
anterior. Em termos de programas de financiamento, o documento apontou que o
foco principal foi a Região Andina, como a única fonte produtora de cocaína do
mundo e uma das maiores fontes produtoras da heroína que entrava nos Estados
Unidos.
Para tanto, foi criado o programa “Iniciativa para a Região Andina” (Andean
Region Initiative) (ARI
84
), o qual previa a combinação da aplicação da lei, da
erradicação dos cultivos, do combate às leis permissivas e bloqueios às atividades
do tráfico; com incentivos econômicos, através do desenvolvimento econômico
alternativo e ampla construção de instituições (institution-building) em setores
jurídicos. A seguir serão analisados os desdobramentos deste programa para os
países andinos, resumidos no Quadro V, de acordo com o relatório analisado:
82
Idem. p. 75.
83
Idem. p.82.
84
Os programas específicos da Iniciativa para a Região Andina (ARI) poderão ser observados nos
quadros dos OOES, sob a sigla ACI (Andean Counterdrug Initiative), pois estes passam a ter esta
denominação mais assertiva sobre o tema das drogas.
92
Quadro V: Resultados iniciais da Iniciativa para a Região Andina (ACI): 2002.
País Status
Resultados em
erradicação
Iniciativas do governo norte-americano
Colômbia
Apesar dos avanços,
a violência persistia.
Erradicação de mais de
84.000 hectares de coca e
mais de 1.800 hectares de
ópio; destruição de
laboratórios.
Plano Colômbia: além da erradicação,
houve a implantação de programas locais de
desenvolvimento, com mais de 37.000
famílias que aderiram ao plantio alternativo.
Bolívia Não houve avanços
O cultivo de drogas ilícitas
aumentou no país, por isso
os resultados foram
insatisfatórios.
Dificuldades e “resistência” local às
atividades de erradicação e
desenvolvimento alternativo.
Peru
Houve avanços,
embora o governo
local tenha permitido
alguns replantios.
Erradicação de 4.000
hectares de coca.
Desenvolvimento alternativo com cerca de
15.000 fazendeiros e 27.000 hectares de
agricultura lícita.
Quadro V: Este quadro foi elaborado a partir da análise do Relatório de Desempenho por Programas,
de 2002.
Segundo os dados do relatório referentes ao programa ACI, resumidos no
Quadro V, a Colômbia apresentou significativos avanços, principalmente em
decorrência da significativa erradicação do plantio de coca e de ópio, entretanto, a
violência no país persistia em decorrência do conflito entre os grupos armados.
Houve também a destruição de laboratórios de cocaína. E embora tenha sido feito
um significativo trabalho com desenvolvimento alternativo para famílias, o
documento apontou para o problema dos solos que não eram ricos em nutrientes, o
que dificultava o plantio alternativo. Houve também, neste país, o treinamento e
equipamento de uma brigada antinarcóticos (três batalhões) e a transferência de
helicópteros para o país. Além disso, o grupo Autodefesas Unidas da Colômbia
(AUC), de para-militares, passou a ser designado com grupo terrorista pelos Estados
Unidos.
85
No que se refere à Bolívia, o documento afirmou que a “violência” contra ações
de erradicação e de desenvolvimento alternativo, além de leis permissivas, fez com
que não se alcançassem objetivos satisfatórios e o cultivo aumentou desde o ano
posterior, entretanto, o relatório não demonstrou os números. O Peru, por sua vez,
apresentou resultados satisfatórios, segundo o relatório, nas ações de erradicação e
85
Idem. p. 84
93
de desenvolvimento alternativo, entretanto, apontou o governo local como
“errôneo”
86
por ter permitido comunidades locais replantarem coca em alguns locais.
Para o relatório, a percepção do impacto que os ataques terroristas de 2001
tiveram na estratégia para a região ainda estava ainda sendo mais bem formada.
Porém, a modificação que pôde ser percebida foi o aumento da detenção de
traficantes nos portos americanos, por conta da maior vigilância das entradas do
país, mas por outro lado, houve relatos de que alguns traficantes tenham sido
encorajados devido à transferência de recursos e esforços da aplicação da lei
antiterrorismo.
87
Na projeção para os próximos anos, o relatório reforçou a continuidade e
intensificação dos programas de erradicação, incluindo a expansão da erradicação
aérea na Colômbia. Houve também a busca por um maior enfoque nas atividades de
aplicação da lei para os países da região fronteiriça, nos quais havia o risco de
transbordamento do problema das drogas, são eles: a Venezuela, Brasil, Equador e
Panamá.
No Orçamento de Operações Externas (OOE) de 2002
88
, o governo afirmou a
importância de a Colômbia ter concretizado seu “Plano Colômbia”, para o qual era
“uma estratégia abrangente em reação a todas as questões sensíveis que
assolavam a região”
89
. Havia uma percepção geral de que o governo Uribe,
assumido em 2002 e que se tornou o principal aliado dos Estados Unidos na região,
seria capaz e eficiente para dar continuidade ao Plano Colômbia. Assim,
permaneceram os programas de treinamento aos militares (IMET) e de reforço às
leis (INCLE), ao lado do Plano Colômbia, que passou a ser o centro das ações de
combate ao tráfico no país.
Com relação à Bolívia, o orçamento de 2002 apontou para uma continuidade
das operações de treinamento militar (IMET), e manteve as percepções e
justificativas do orçamento de 2001. Entretanto, o foco passou a ser mais enfático
nas operações de combate ao tráfico e produção de drogas, através do Andean
Counterdrug Initiative (ACI), a partir de 2003, conforme explícito no quadro IV.
86
O presente trabalho optou por utilizar aspas em alguns termos que demonstram claramente a
percepção norte-americana sobre determinado país ou fato, com o intuito de ressaltar tais
percepções.
87
Idem. p. 83
88
FY 2005. Congressional Budget Justification for Foreign Operations. Western Hemisphere.
Department of State. 2004. Disponível em: www.state.gov/documents/organization/17790.pdf
89
Idem. p. 455.
94
O Peru seguiu sendo percebido como um parceiro dos Estados Unidos na
região, principalmente sob a administração de Toledo. Persistiram, portanto, os
programas de treinamento militar e de reforço das leis antinarcóticos, ao lado de
iniciativas que tiveram por objetivo promover o desenvolvimento econômico, o maior
fortalecimento da democracia, e uma maior “agressividade”
90
na política de combate
ao tráfico e produção de drogas.
O Orçamento de Operações Externas
91
, de 2003, por sua vez, apresentou
algumas modificações com relação aos anteriores. Pois, primeiramente, houve o
destino de grandes quantias para a Iniciativa Andina de Combate às Drogas (ACI), a
qual iria agrupar várias iniciativas conjuntamente, como pudemos observar no
quadro V. Esta estratégia teve por objetivo trabalhar de maneira conjunta os
problemas que afetavam a região e lançar programas comuns aos países, sem
levar, porém, em consideração as diferenças culturais e sócio-políticas dos países
em questão, haja vista os diferentes efeitos que esta iniciativa gerou nos países,
conforme foi analisado.
A segunda diferença apresentada pelo orçamento de 2003 foi o aumento
exponencial dos gastos com os programas de financiamento militar (FMF) nos
países andinos. A justificativa apresentada para os gastos com a ACI na Bolívia foi
de que estes fundos seriam utilizados para “consolidar a erradicação que estava
sendo feita e garantir que o cultivo e o tráfico de drogas não voltassem a ganhar
forças no país.”
92
E a justificativa para o aumento dos fundos de financiamentos foi
a de “aumentar a efetividade das Forças Armadas no controle de áreas remotas e
dar apoio e segurança às operações de erradicação e interdição”
93
.
As justificativas dos gastos com a ACI e os fundos de financiamento militares
para a Colômbia e o Peru foram similares às feitas para a Bolívia, porém, percebe-se
que há uma percepção norte-americana de que aqueles são mais “cooperativos”
com seus programas e estratégias para a região, como se pode apreender no
seguinte trecho, ao que se refere à Colômbia e ao Peru:
90
Idem. p. 485.
91
FY 2006. Congressional Budget Justification for Foreign Operations. Western Hemisphere.
Department of State. 2005. Disponível em:
www.state.gov/documents/organization/28980.pdf.
92
Idem.p. 470.
93
Idem.p. 471.
95
“ACI programs thus provide core funding for
what we must do if President Uribe is to
succeed in his determination to end the
narcotics trade in Colombia and stop the
terrorism that threatens elected democracy in
one of our key Latin American allies, as well
as the stability of the entire Andean region.
(…) In the Toledo administration, the United
States has a partner committed to work with
us to advance our mutual national security
interests.”
94
o Orçamento de Operações Externas
95
, de 2004, apresenta algumas
modificações ao ano de 2003, em termos de valores transferidos, e em relação à
argumentação utilizada para a continuidade dos programas.
Com relação à Colômbia, houve um substancial aumento nos valores dos
programas de fundos para fins militares (FMF) e certa inquietude com o fato de que
o Plano Colômbia deveria passar novamente pela sanção presidencial do Presidente
Uribe. Na dúvida, os Estados Unidos se anteciparam e projetaram reforços nas suas
estratégias para o país. Neste caso, partiu-se da argumentação de que expandiriam
ainda mais a ACI, pois foi, segundo o orçamento, um programa baseado nos
parâmetros do Plano Colômbia para combater o tráfico e o terrorismo na região.
Nesse contexto, o programa ACI foi descrito como: “the continuation of the
Administration’s multi-year counterdrug assistance efforts designated to sustain and
expand programs initially funded by Plan Colombia in the fiscal year 2000 emergency
supplemental appropriation act”
96
Ao se referir à Bolívia, houve também um aumento nos programas de fundos
para fins militares (FMF) e percebe-se, com relação ao ano anterior, que houve um
aumento da divergência política entre ambos os países, pois o documento descreve
a situação no país como “Bolivia’s democracy faces many challenges, including
insufficient administration of justice, corruption, the limited presence of the state in
conflictive and excluded áreas, and the continuing weakness and distrust of
traditional political parties”
97
.
94
Idem.p. 476 e 505.
95
FY2007. Congressional Budget Justification for Foreign Operations. Western Hemisphere. 2006.
Disponível em: www.state.gov/documents/organization/42255.pdf
96
Idem. p. 508.
97
Idem. p. 502.
96
Para o Peru, os valores, os programas e a argumentação continuaram os
mesmos do orçamento anterior, porém houve um alerta com relação ao que os
Estados Unidos chamaram de ungoverned spaces
98
no país, principalmente em
áreas fronteiriças onde a presença do Estado era considerada mínima e poderia
haver transbordamento da ameaça da produção e cultivo de drogas e terrorismo.
Portanto, pode-se afirmar, a partir da análise e reflexão acerca da estratégia
norte-americana para a região andina, que, durante o primeiro mandato Bush, houve
uma continuidade das políticas que foram perpetradas para a região andina durante
a década de 90, porém houve um aumento dos recursos transferidos para a região,
em decorrência do objetivo de fortalecer as Forças Armadas e os Estados nacionais,
além do apoio maciço ao Plano Colômbia e da Iniciativa Andina de Combate às
drogas. Com relação ao terrorismo internacional, os programas passaram a se
justificar pelos problemas tradicionais da região, como o tráfico e produção de
drogas, entre outros, mas também pelos riscos do terrorismo internacional se
desenvolver na região, porém não houve mudanças significativas.
3-2-2. A Tríplice Fronteira.
Com relação à região da tríplice fronteira, a qual compreende o Brasil,
Argentina e Paraguai, os Estados Unidos, por meio de seu Orçamento de
Operações Externas de 2001
99
, mantiveram o foco em operações de financiamento
de produtos e atividades militares, em treinamento e equipamento de militares, e no
reforço das leis antinarcóticos, como se pode observar no quadro VI:
98
Idem. p. 535.
99
FY 2004. Congressional Budget Justification for Foreign Operations. Western Hemisphere. 2003
Department of State. Disponível em: www.state.gov/documents/organization/9476.pdf
97
Quadro VI
100
: OOEs para a Tríplice Fronteira: 2001 a 2004
País Programas 2001 2002 2003 2004
Argentina
FMF
998 1.000 1.990 _
IMET 846 1.025 1.000 1.082
Brasil
ACI _ _ 6.000 10.200
DA (5) 7.318 4.799 7.967 7.643
IMET 241 437 483 -
INCLE 2.000 6.000 _ _
Paraguai
DA 6.320 3.600 3.895 4.140
ESF (6) 3.492 3.500 3.000 2.892
IMET 238 360 297 _
Peace Corps 3.157 3.228 3.067 3.020
Quadro VI: Este quadro foi elaborado a partir dos OOEs Orçamentos para Operações Externas, de
2001 a 2004.
No que se refere à Argentina, os programas norte-americanos mantiveram-se
os mesmos de 2000
101
, e a percepção com relação ao país era de que havia um
bom relacionamento político e um clima de cooperação entre os governos,
principalmente na luta contra o tráfico de drogas. O Orçamento para Operações
Externas, de 2001, enfatizou o papel importante desempenhado pela Argentina
durante o ano 2001, com suas operações de manutenção de paz. Através dos
programas de FMF, seria possível que o país aumentasse sua capacidade em
operações de manutenção de paz e de vigilância de suas fronteiras. Com relação às
suas fronteiras, o tema passou a ser abordado com mais ênfase após os atentados
terroristas ocorridos nos anos 90 em seu território, o que gerou uma maior vigilância
na região da tríplice fronteira e na fronteira com a Colômbia. Além disso, as
operações de treinamento militar (IMET) contribuiriam para a segurança local.
Com relação ao Brasil, assim como para a Argentina, foram mantidas as
políticas do ano 2000 e os principais interesses dos Estados Unidos para o país
foram, conforme o documento, que este país mantivesse a estabilidade regional e
fortalecesse o combate ao crime internacional e o combate ao terrorismo. Por ser
considerado um importante trânsito para o tráfico de drogas internacional, os
programas no país visavam ao reforço das leis antinarcoticos (INCLE) e ao
treinamento militar (IMET). Outro fator enfatizado pelo documento foi o perigo do
transbordamento da produção de drogas e conflitos da Colômbia para o Brasil, na
100
(5) DA:Development Assistance, (6) ESF:Economic Support Funds.
101
Ver em: FY 2003. Congressional Budget Justification for Foreign Operations. Western Hemisphere.
www.state.gov/documents/organization/3974.pdf
98
região amazônica, por isso, a cooperação do governo brasileiro seria fundamental,
para que os Estados Unidos “ajudassem” a deter tal ameaça.
Com relação ao Paraguai, o documento versou sobre a necessidade prioritária
de fortalecer a democracia no país. Os outros temas sensíveis, como violação de
propriedade intelectual, violações dos direitos humanos, tráfico de drogas e
terrorismo, segundo o documento, poderiam ser adequadamente abordados a
partir de uma democracia efetivamente consolidada. Os programas de treinamento
militar (IMET) e de reforço da aplicação da lei (INCLE), além de programas de auxilio
ao desenvolvimento (DA) foram considerados prioritários para o país.
O Orçamento de Operações Externas (OOE) de 2002
102
, de forma geral,
manteve em comparação com ano anterior seus programas e a dia dos valores
destinados para cada país da tríplice fronteira, priorizando as ações de reforço da
aplicação das leis (INCLE), financiamento militar (FMF) e treinamento militar (IMET).
As justificativas, em geral, também permaneceram as mesmas com relação a cada
país.
Em 2003, em reação à crescente preocupação com a porosidade das
fronteiras e à natureza transnacional das ameaças da região, os Estados Unidos
buscaram um arranjo político com os países da região- Argentina, Brasil e Paraguai-
o qual se convencionou chamar de “Grupo 3 +1”
103
, para que fossem discutidas em
conjunto possíveis soluções para a ação de combate ao terrorismo. Na reunião do
grupo foram discutidos os meios de fortalecimento das instituições financeiras locais,
a legislação sobre lavagem de dinheiro, as possíveis fontes de financiamento do
terrorismo, o problema do tráfico de drogas e de armas na região, assim como o
fortalecimento das leis sobre a troca de informações sobre o tema. De acordo com a
ata da reunião, os países se declararam contra o terrorismo internacional e
concordaram com o fato de que este poderia ser combatido através da ampla
cooperação em segurança entre os países.
102
FY 2005. Congressional Budget Justification for Foreign Operations. Western Hemisphere.
Department of State. 2004. Disponível em: www.state.gov/documents/organization/17790.pdf
103
Communiqué of the 3+1 Group on Counterterrorism.Paraguai. 2003. Disponível em:
www.state.gov/p/wha/rls/70993.htm
99
O Orçamento de Operações Externas
104
, de 2003, apresentou um perceptível
aumento de valores em alguns programas, mesmo mantendo as justificativas com
relação ao ano anterior para os países da tríplice fronteira. Para a Argentina, houve
um aumento de quase 100% nos gastos com financiamentos militares (FMF) com
relação ao ano anterior. Porém, os valores destinados ao treinamento de militares
(IMET) se mantiveram basicamente os mesmos.
Com relação ao Brasil, houve uma significativa transferência de recursos pela
ACI, a qual previa ajuda não aos países andinos, mas também aos países que
faziam fronteira com os estes países e sofriam o risco do transbordamento da
ameaça da produção e do tráfico de drogas e do terrorismo invadir o território
nacional; e houve também um aumento significativo dos recursos destinados ao
desenvolvimento (DA). No que se refere ao Paraguai, de um modo geral, houve
continuidade, tanto de valores, quanto de justificativas.
O Orçamento de Operações Externas
105
, de 2004, apresentou, por sua vez,
continuidades com relação aos anos anteriores, tanto em termos de valores e
programas para os países da tríplice fronteira, quanto em termos das justificativas
apresentadas ao Congresso. Para o Brasil, porém, foi possível perceber um
aumento significativo dos valores para a Iniciativa Andina de Combate às Drogas e
um aumento da preocupação com sua zona fronteiriça com os países andinos. Com
relação os outros países, as justificativas se mantiveram as mesmas.
O “Grupo 3 +1”, dando continuidade ao que foi discutido na reunião de 2003,
se reuniu em 2004
106
para deliberar sobre uma rie de diretrizes com relação ao
terrorismo internacional e os crimes correlatos. Sob a perspectiva da cooperação em
segurança, e da compreensão ampla deste conceito, a delegação chegou às
seguintes conclusões:
1) De que não houve, de acordo com a informação disponível, atividades
operacionais de atividades terroristas na região da tríplice fronteira;
104
FY 2006. Congressional Budget Justification for Foreign Operations. Western Hemisphere.
Department of State. 2005. Disponível em: www.state.gov/documents/organization/28980.pdf.
105
FY2007. Congressional Budget Justification for Foreign Operations. Western Hemisphere. 2006.
Disponível em: www.state.gov/documents/organization/42255.pdf
106
Communiqué of the 3+ 1 Group on the Tri-Border Area Security. Washington D.C. 2004.
Disponível em: www.state.gov/p/wha/rls/70992.htm
100
2) A delegação reconheceu a importância de se intensificar a luta contra a
lavagem de dinheiro e financiamento de atividades terroristas;
3) Havia a necessidade de adequar a legislação interna de cada país às
legislações internacionais contra o terrorismo.
Pode se afirmar, portanto, que o mecanismo político do “Grupo 3 +1”, não foi
capaz de vincular, de maneira mais intensa, os países participantes ao tema do
terrorismo, por exemplo, a utilizarem um denominador comum para o conceito de
terrorismo, ou um mecanismo de defesa comum. O que foi feito, portanto, neste
grupo foi apenas o reconhecimento comum da importância do tema e da
necessidade de se protegerem das atividades congruentes às atividades terroristas.
Assim, a partir da análise feita até este momento e da reflexão acerca das
políticas dos Estados Unidos para a região da tríplice fronteira, durante o mandato
Bush, pode se perceber que houve uma continuidade das políticas para a região,
com a permanência do tema do tráfico de drogas, da lavagem de dinheiro, e
fortalecimento da democracia como os temas principais. Entretanto, houve uma
maior abordagem do tema do terrorismo internacional para a região, seja invocando
o tema nas justificativas dos programas para cada país, seja através da tentativa do
arranjo político do “Grupo 3 +1”.
3-3 As políticas estratégicas para a América do Sul durante o segundo
mandato de George W. Bush.
O segundo mandato Bush e sua política estratégica para a América do Sul
permanecem, em geral, as mesmas do primeiro mandato. Os temas também
permanecem os mesmos, tendo como foco principal o combate às drogas e aos
crimes transnacionais, os quais, por sua vez, passaram a ser interligados ao
terrorismo internacional.
3-3-1 A Região Andina
Com relação à região andina, o programa prioritário para a região continuou
sendo a Iniciativa Andina de Combate às Drogas (ACI) e iniciativas de assistência
com caráter desenvolvimentista, com variações de acordo com cada país, como
pode se verificar no Quadro VII:
101
QuadroVII
107
: OOEs para a Região Andina: 2005 a 2008
País Programas 2005 2006 2007 2008
Colômbia
ACI 462,767 464.781 465.000 439,625
FMF 99.200 89.100 85.500 55.050
IMET 1.700 1.673 1.646 1.426
INCLE _ _ _ 41.907
Bolívia
ACI 90.272 79.200 66.000 48,895
CSH (7) 16.495 17.233 16.885 16.936
DA 8.186 10.091 14.700 26.618
ESF 7.936 5.940 4.500 16.862
Peru
ACI 115.370 106.920 103.165 60,581
CSH 14.756 14.213 12.736 12.785
DA 11.246 9.369 11.000 11.611
INCLE _ _ 102.765 36.546
Quadro VII: Este quadro foi elaborado a partir da análise dos Orçamentos para Operações Exteriores,
de 2005 a 2008.
No Orçamento para Operações no Exterior
108
, de 2005, o governo norte-
americano expressou sua percepção de que o governo colombiano era uma peça-
chave no combate à produção de drogas na região, chamada pelo documento de
“problemática”. O “Plano Colômbia”, iniciativa do governo colombiano compreendida
pelo documento como “um conjunto de esforços para fortalecer a democracia, o
respeito aos direitos humanos, para promover avanços econômicos, e o meio para
derrotar o tráfico e produção de drogas e o terrorismo” na região, lidava com
questões congruentes aos interesses norte-americanos no país e, por esta razão,
recebeu e continuaria recebendo apoio maciço norte-americano.
109
O período inicial de implantação do Plano Colômbia, de 1999 a 2005, foi visto
como muito bem-sucedido pelo documento, porém seria preciso solidificar seus
avanços e continuar a luta contra a produção, o trafico de drogas e os grupos
guerrilheiros, por isso, uma nova fase, de 2006 a 2010, seria a fase de consolidação
do Plano Colômbia (PCCP)
110
. Esta reformulação manteve as diretrizes e
delineamentos dos planos anteriores, somando uma quarta e nova diretriz
111
:
107
(7)CSH: Child Survival and Health
108
FY 2008. Congressional Budget Justification for Foreign Operations. Western Henisphere.
Department of State. 2007 a. Acesso em: www.state.gov/documents/organization/60656.pdf
109
(idem, p. 543)
110
Esta fase de consolidação do Plano Colômbia (2006-2010) foi chamada de Plan Colombia
Consolidation Phase (PCCP).
111
Idem 106.
102
1) Combater o tráfico de narcóticos, o terrorismo e o crime transnacional.
2) Reativação social e econômica.
3) Fortalecer as instituições e o sistema jurídico.
4) Buscar a desmobilização dos grupos armados ilegais e a reintegração de
seus ex-membros.
O governo norte-americano expressou total concordância com essas diretrizes
e anunciou que as justificativas orçamentárias ao Congresso seriam feitas através
dos programas ACI, FMF, IMET e através do Programa de Não-Proliferação, Anti-
Terrorismo, Desminagem e Afins (NADR). As FARC, por sua vez, passaram a ser
denominadas Organização Terrorista Estrangeira (FTO), porém o documento não
aprofundou suas justificativas, relatando somente que o grupo guerrilheiro mantinha
seqüestrados três cidadãos norte-americanos e que estavam sendo feitos esforços
para liberá-los.
Com relação à Bolívia, o orçamento de 2005 priorizou os fundos destinados
para a ACI, ao lado de programas com base assistencialista e desenvolvimentista:
DA, CSH e ESF, pois a percepção que se tinha do país era de que havia um “déficit
democrático” e que este precisava ser corrigido através desses programas para que
fossem atendidos os interesses norte-americanos no país.
Existia, entre as justificativas para o país, uma preocupação com o
desenvolvimento econômico e social, a produção ilegal de coca e exportação de
cocaína para os Estados Unidos. A eleição do fim do ano de 2005 de Evo Morales
trouxe uma preocupação latente ao governo norte-americano
112
, por ser visto como
um governo que fez sua campanha com promessas de descriminalizar o cultivo da
coca e nacionalizar propriedades privadas, e, por isso, ofereceria ameaças para a
relação entre ambos os países. O governo norte-americano, por sua vez, anunciou
que exigiria flexibilidade do novo governo bolivariano para proteger os interesses
norte-americanos no país. Anunciou também que continuaria (havendo
circunstâncias para tanto) a cooperar com o então novo governo, com os militares e
com os governos regionais.
O panorama geral da Bolívia traçado pelo governo americano apresenta o país
com rios problemas, como a necessidade de se implantar uma reforma política,
econômica e jurídica, com ênfase nos direitos humanos e a necessidade de buscar
112
Idem. p. 538.
103
uma solução para a fragmentação social que assolava o país, além de combater o
fato de o país permanecer como o terceiro maior produtor de coca do mundo
113
.
Com relação ao Peru, assim como para os outros países andinos, o programa
principal é o ACI, ao lado dos programas com foco no desenvolvimento econômico e
social, como o DA, ESF e CSH. O documento aponta o governo do país como um
exemplo de governo colaborador e cooperativo com o governo norte-americano,
principalmente com relação aos seus programas de reformas econômicas,
democracia, combate ao terrorismo e ao tráfico de drogas. Em algumas áreas
remotas do país, segundo o documento, “insurgentes” do Sendero Luminoso (SL),
em colaboração com os narcotraficantes, fizeram ataques armados contra oficiais
peruanos. Por fim, o país seguiu sendo o segundo maior produtor de folha de coca
do mundo.
O Orçamento para Operações no Exterior
114
, de 2006, para a região andina,
continuou dando ênfase ao programa “Iniciativa Andina para o Combate às Drogas”
(ACI), ao lado de programas de desenvolvimento econômico e social para toda a
região, dando ênfase ao reforço das instituições democráticas e a reformas jurídicas,
como se pode observar no Quadro VII.
Com relação à Colômbia, o documento enfatizou a bem-sucedida reeleição do
governo Uribe e sua cooperação com o governo norte-americano em uma
abordagem integrada contra o narcotráfico e o terrorismo. Destacou também o
progresso alcançado através do Plano Colômbia e enfatizou os interesses norte-
americanos no país, sendo os principais: combater o tráfico e a produção de drogas,
e combater três “organizações terroristas estrangeiras”, as quais seriam as FARC, a
ELN e a AUC, que atuavam no país
115
. Para a Colômbia, o programa preponderante,
ao lado da ACI, foi o FMF, com fundos destinados ao financiamento militar.
Com relação à Bolívia, o documento apontou que as prioridades norte-
americanas para o país eram fortalecer as instituições democráticas, reverter o
cultivo ilegal de coca e a produção de cocaína, interromper a rota do tráfico
113
Idem.
114
FY 2008. Congressional Budget Justification for Foreign Operations. Western Hemisphere.
Department of State. 2007b. www.state.gov/documents/organization/84462.pdf
115
Idem. p. 612.
104
internacional, reduzir a exclusão social e econômica e além de amenizar as tensões
sociais e políticas existentes no país
116
.
O Peru, por sua vez, seguiu como um dos governos mais próximos dos
Estados Unidos na região. Em ordem de prioridade, o documento expressou os
principais interesses no país: estabelecer um governo justo e democrático, o
combate ao narcotráfico e à suposta ligação entre narcotraficantes e organizações
terroristas, o combate à pobreza e, por fim, aumentar a capacidade do Estado de
investir na sociedade. O governo Toledo (2001-2006) foi considerado essencial para
o alicerce econômico e democrático no país e o recém-eleito governo de Alan
Garcia, segundo o documento, teria que enfrentar o desafio de acolher as demandas
da população. Tanto para o Peru, quanto para a Bolívia o programa preponderante
foi o ACI, ao lado de programas que visavam ao fortalecimento institucional e
democrático.
Pode se perceber que a partir do orçamento de 2006, houve um alerta mais
enfático para a suposta ligação entre grupos ligados ao tráfico de drogas ilícitas ou
grupos guerrilheiros e organizações terroristas. Principalmente estas organizações
do tráfico e grupos guerrilheiros que havia na região, porém passaram a ser
denominadas organizações “narcoterroristas” e “narcoguerrilha”, respectivamente,
entre as justificativas apresentadas pelo governo para a região.
O Orçamento para Operações no Exterior
117
, de 2007, ao se referir aos países
do hemisfério como um todo, afirmou que o desafio central para a segurança
nacional dos Estados Unidos na região eram as ameaças não tradicionais e
transnacionais oferecidas pelo crime organizado, tráfico de drogas, gangues
violentas e terrorismo. Para deter tais ameaças, os Estados Unidos vieram, ao longo
dos últimos anos, construindo programas de cooperação que foram além da
assistência militar. Assim, ao reconhecerem que para a segurança nacional norte-
americana seriam indispensáveis a prosperidade econômica em longo prazo e a
estabilidade política da região, os programas norte-americanos seguiram
enfatizando, ao longo dos anos, o fortalecimento das leis e a cooperação em
inteligência.
116
Idem. p. 603.
117
FY 2009. Congressional Budget Justification for Foreign Operations.Western Hemisphere.
Department of State. 2008. Disponível em: www.state.gov/documents/organization/101444.pdf
105
Percebe-se, neste momento, por parte dos policymakers, que uma reflexão
mais profunda acerca do conceito de segurança e seus desdobramentos práticos
com relação aos programas direcionados à região, para que estes pudessem, de
fato, frear o avanço das chamadas ameaças transnacionais em direção ao território
norte-americano.
Para a Colômbia, o documento não apresentou diferenças relevantes com
relação ao ano anterior e houve uma continuação da preponderância do programa
ACI. O documento enfatizou a importância da Agência para o Desenvolvimento
Internacional (USAID) e o papel do Departamento de Estado na condução dos
programas para o país. O documento apontou ainda para a tendência de
continuidade dos programas para o país haja vista os avanços obtidos desde o ano
2000 (a data coincide com o início do Plano Colômbia).
Com relação à Bolívia, o orçamento de 2007 reafirmou os interesses norte-
americanos no país de combater o tráfico e a produção ilícita de drogas, promover o
desenvolvimento econômico e o fortalecimento da democracia. O documento
também apontou o papel fundamental da USAID em conjunto com o Departamento
de Estado nos programas de erradicação e interdição, além de atuarem no combate
ao crime organizado internacional. Houve também uma leve diminuição dos fundos
destinados aos programas para a Bolívia com relação ao ano anterior.
No que se refere ao Peru, conforme se pode observar no Quadro VII, houve
uma ligeira diminuição dos fundos destinados ao país, porém não houve grandes
modificações. O documento apontou os principais interesses norte-americanos no
país, como os programas de erradicação, interdição de atividades ilícitas e
desenvolvimento alternativo.
O Orçamento para Operações no Exterior
118
, de 2008, por sua vez, apresentou
uma ligeira queda nos recursos destinados à região andina, mas em geral, percebe-
se uma continuidade dos programas e interesses na região.
Com relação à Colômbia, o documento reafirmou a necessidade de combater
o tráfico e produção de drogas, e voltou a associar tais atividades ao terrorismo
internacional, além da necessidade de haver maiores esforços para combater a
lavagem de dinheiro e outros crimes transnacionais.
118
FY 2010. Congressional Budget Justification for Foreign Operations. 2009. Disponível em:
www.state.gov/documents/organization/124072.pdf
106
No que se refere à Bolívia, percebe-se pelo Quadro VII, que houve uma
redução dos recursos do programa ACI e um aumento dos recursos enviados aos
programas de desenvolvimento econômico e social. Os interesses norte-americanos
continuaram sendo combater o tráfico de narcóticos, reduzir as condições de
pobreza e fortalecer as instituições democráticas. O país, entretanto, seguia como o
terceiro produtor mundial de coca e cocaína, segundo o documento.
Por fim, com relação ao Peru, conforme se observa no Quadro VII, houve
uma redução dos valores destinados ao programa ACI, e uma continuidade com
relação aos programas de desenvolvimento econômico no país. Os interesses no
país em geral também permaneceram os mesmos, como erradicar o plantio de coca
e fortalecer as instituições democráticas.
Dessa forma, após a análise das políticas e programas dos Estados Unidos
para a região andina no segundo mandato Bush percebe-se que houve uma
continuidade das políticas para a região, entretanto, o tema do terrorismo
internacional tornou-se mais recorrente nos documentos, referindo-se à suposta
ligação entre o tráfico de drogas e grupos terroristas internacionais. Entretanto,
embora tenha ocorrido esta mudança de percepção, em geral, as políticas e
diretrizes mantiveram-se as mesmas.
E as políticas norte-americanas para a região andina foram foco de muitas
críticas para diversos estudiosos que compreenderam este fenômeno como uma
interferência, muitas vezes, abusiva dos Estados Unidos em assuntos de matéria
nacional dos países em questão ou, no limite, de matéria regional e que deveria
buscar soluções regionais autônomas.
Tulchin, ao analisar as políticas de segurança dos Estados Unidos para a
América do Sul, sobretudo para a America andina, sob o contexto da guerra contra o
terrorismo global, afirmou que os países da região deveriam somar esforços para
buscar soluções e cooperação em segurança para temas que fossem de fato
pertinentes à região, além de se recusar a aceitar a agenda norte-americana de
combate ao terrorismo, pois esta não seria uma necessidade premente da região.
Seria preciso, portanto, que os países se unissem para pensar de forma
independente acerca da segurança regional. (TULCHIN, 2005:105)
Loveman, por sua vez, apontou para o problema do excesso de securitização
da região andina e os efeitos que tal fenômeno causou nos países vizinhos, como o
Brasil e Venezuela, por exemplo. Pois tais países mostraram-se inquietos com a
107
forte presença militar e transferência massiva de recursos para a Colômbia, o que
acabou gerando, ao longo dos anos, uma situação de tensão política na região.
(LOVEMAN, 2006:12)
3-3-2 A Tríplice Fronteira
Para a região da tríplice fronteira, por sua vez, os documentos apresentaram,
em geral, uma continuidade dos programas de assistência ao desenvolvimento
econômico, através do programas DA, e de treinamento militar, como o IMET,
conforme se pode verificar no Quadro VIII:
Quadro VIII: OOEs para a Tríplice Fronteira: 2005 a 2008
País Programas 2005 2006 2007 2008
Argentina
FMF
_ _ 40 _
IMET
1.119 1.082 1.205 904
Brasil
ACI 8.928 5.940 4.000 992
DA 3.479 2.899 8.000 9.983
CSH 8.710 3.605 3.200 3.200
INCLE _ _ 4.000 992
Paraguai
DA 3.748 4.385 3.100 6.759
ESF 2.179 1.980 1.500 _
CSH 1980 2.884 3.100 2.100
Peace Corps 2.353 3.054 _ _
Este quadro foi elaborado a partir da análise dos Orçamentos de Operações Exteriores, de 2005 a
2008.
Para o Orçamento de Operações para o Exterior
119
de 2005, os interesses
norte-americanos para a Argentina eram promover o aumento da economia,
fortalecer instituições democráticas e melhorar as condições de governabilidade. A
continuidade da cooperação do governo argentino com ações de combate ao
terrorismo e ao tráfico de drogas era vista como crucial, e, no ano de 2005, foi
constatado um aumento do tráfico de drogas no país, vindas de cartéis da Colômbia
e que tinham como destino o México e, posteriormente, os Estados Unidos.
Com relação ao Brasil, o documento afirmou que o país vinha cooperando
com os Estados Unidos na promoção de valores democráticos e que o país exercia
uma liderança regional. O foco no país referiu-se às suas fronteiras com a Colômbia,
119
Idem 105.
108
Peru e Bolívia, e o tráfico de drogas em seu território. Por isso, a ênfase no
programa ACI permaneceu importante. Além disso, o documento ressaltou a
importância da cooperação do país no controle do crime internacional, terrorismo e
tráfico de drogas.
O Paraguai foi abordado pelo documento como um país que apresentava
instituições frágeis e fronteiras porosas, nas quais ocorreriam diversos tipos de
crimes internacionais, como lavagem de dinheiro e tráfico de drogas, incluindo o
financiamento a atividades terroristas. Por esta razão, os programas para o país
enfatizaram a assistência ao desenvolvimento econômico e do fortalecimento
democrático. Nesse momento, pode-se observar novamente a ligação que o
governo norte-americano identificou entre o tráfico de drogas e a lavagem de
dinheiro com o terrorismo internacional.
O Orçamento de Operações Exteriores
120
(OOE), de 2006, por sua vez,
apresentou um leve declínio dos recursos transferidos para os programas com
relação ao ano anterior, porém houve uma continuidade dos programas para a
região.
Com relação à Argentina, o foco principal continuou sendo o tráfico de drogas
e o programa principal para o país, no período analisado, foi o IMET, para prover
treinamento e suporte para as forças militares locais. Foi também ressaltado o
importante papel realizado pelo país até então nas operações de manutenção de
paz, o que lhe conferia maior credibilidade e confiança perante os Estados Unidos e
os outros Estados no âmbito da OTAN e da ONU.
No que se refere ao Brasil, o documento abordou o país como “problemático”
por ter um sistema jurídico frágil e por haver no local uma suposta ausência do
Estado de Direito
121
. Os temas sensíveis no país referiram-se às suas fronteiras com
a Colômbia, Peru e Bolívia, maiores produtores de cocaína do mundo, além de sua
tríplice fronteira com a Argentina e Paraguai, região considerada pelo documento
como “suscetível ao tráfico de drogas, ao financiamento do terrorismo internacional,
lavagem de dinheiro e tráfico de pessoas.
122
O documento fez também referência a um acordo firmado entre o presidente
Lula e o presidente Bush, em 2005, o qual previa a expansão da cooperação
120
Idem. 111.
121
O documento refere-se ao país em geral, não apontando regiões específicas do país.
122
Idem. p. 607.
109
bilateral entre ambos os países. Os programas para o país continuaram sendo o ACI
e os programas voltados para o fortalecimento democrático, como o DA e o CSH.
Com relação ao Paraguai, o documento enfatizou a necessidade de fortalecer
as instituições, combater os crimes transnacionais, o financiamento do terrorismo,
além das organizações criminosas que atuavam no país. Os programas para o país
priorizavam o fortalecimento das instituições democráticas, como o DA e o CSH. É
possível afirmar, portanto, que de fato havia a percepção do governo norte-
americano de que a região da tríplice fronteira e principalmente o território paraguaio
era propício ao financiamento de atividades terroristas.
Por fim, o Orçamento para Operações Exteriores (OOE)
123
de 2007 e o
Orçamento de Operações Exteriores
124
(OOE), de 2008 , embora apresentem
algumas modificações com relação à quantidade de recursos destinados aos
programas, apresentaram, em geral, as mesmas justificativas com relação aos
países da tríplice fronteira.
Com relação à Argentina, ambos os documentos ressaltaram a cooperação
do governo com os interesses norte-americanos no país. Os temas sensíveis á
segurança no país referiam-se ao tráfico de drogas, principalmente vindas da
Colômbia, e ao problema da porosidade da tríplice fronteira com o Brasil e o
Paraguai. Por isso, os programas para o país dariam ênfase ao treinamento militar,
principalmente nas zonas fronteiriças.
No Brasil, o interesse principal foi frear o tráfico de drogas ilícitas, apoiar o
fortalecimento das leis contra a lavagem de dinheiro, e combater o financiamento do
terrorismo na região da tríplice fronteira. Por esta razão, os programas para o país
tinham como prioridade o combate ao tráfico de drogas (ACI), e os programas de
fortalecimento democrático, como o DA, por exemplo.
Por fim, a percepção expressa nos documentos com relação ao Paraguai foi de
que o país era um eixo central na região para a atividade criminosa regional,
incluindo o tráfico de drogas e armas, a lavagem de dinheiro, falsificação de
documentos, tráfico de pessoas e violação dos direitos da propriedade intelectual.
Os programas para o país continuaram priorizando a assistência às instituições
democráticas, como é possível verificar no Quadro VIII.
123
Idem. 114.
124
Idem. 115.
110
Pode-se perceber, a partir dessa análise, que a região da Tríplice Fronteira,
após os atentados terroristas de 2001 e após a ligação feita pelo governo norte-
americano entre a guerra ás drogas e a guerra ao terror, passou a ser considerada
como um safe heaven, o qual pode ser considerado um abrigo, esconderijo ou
santuário para atividades ilícitas, e entre elas, o terrorismo internacional. Esta seria
uma área não governada onde a penetração do Estado é fraca ou praticamente nula
para conter tais atividades e o foco prioritário do governo norte-americano com
relação aos safe heavens foi o combate ao terrorismo internacional. (FERREIRA,
2009:178)
Segundo documento do Departamento de Defesa Ungoverned Areas and
Threats from Safe Heavens (UATSH) o conceito de área não governada é:
“Um lugar onde o Estado ou o governo
central é incapaz ou não deseja estender
controle, efetivamente governar, ou influenciar
a população local, e onde um governo
provincial, local, tribal ou autônomo não
governa plenamente ou efetivamente, devido
à inadequada capacidade de governança,
insuficiente vontade política, lacunas na
legitimidade, presença de conflito, ou
restritivas normas de comportamento” ( Lamb
e AL. 2007 , p. 6. Apud FERREIRA,
2009:178)
Um problema crucial da utilização desse termo para justificar programas de
combate ao terrorismo é a falta de objetividade e de empirismo para se utilizar tal
conceito. Pois, ao manter tal conceito aberto e abrangente, abriu-se o precedente
para atuar militarmente em qualquer país ou região que fosse considerada um safe
heaven. Assim, conforme ressalta Marcos Alan Ferreira, embora o discurso expresso
nos documentos oficiais norte-americanos leve à direção de que a região, por ser
supostamente um safe heaven ou um potencial safe heaven e por nela haver uma
significativa população de origem islâmica, tal fato não comprova que haja na região
financiamento de atividades terroristas, pois, mesmo que haja transferência de
recursos para o Oriente Médio, nada foi provado a respeito da finalidade e do fim
que tiveram esses recursos vindos da região. (FERREIRA, 2009:186)
Embora tenha ocorrido na região um transbordamento das justificativas norte-
americanas com relação ao combate ao terrorismo internacional e o combate aos
crimes internacionais, os quais foram alvos de programas para a região; não houve
111
registros concretos de atividades terroristas na região ou financiamento direto e de
forma permanente de atividades terroristas na região. (FERREIRA, 2009:192)
Nesse sentido, é importante, para a presente análise, que se reconheça a
importância do campo das percepções, expressas pelos documentos oficiais, nos
quais foi possível detectar nas formulações políticas estratégicas do governo Bush,
que se buscava uma maior ligação entre os crimes transnacionais, recorrentes na
região, e o terrorismo internacional, porém, na prática, não houve registros de
operações concretas de terrorismo na região. Pode-se também, nesse contexto,
abranger a presente análise para a região andina.
3-4 “Overlapping” entre guerra ao terror e a guerra às drogas?
Para alguns analistas, a grande mudança que houve após os atentados
terroristas nas políticas de segurança para a América do Sul, foi o fato de o governo
George W. Bush não ter mais diferenciado as ações de grupos guerrilheiros,
somados aos grupos de tráfico de drogas, (e a posterior interligação entre tais
atividades, as chamadas “narcoguerrilhas”); com os grupos terroristas, o que levaria
a formação de grupos “narcoterroristas”
125
. Nesse processo de “securitização” de
temas, sobre o qual tratamos no item 1-3 do presente trabalho, é possível afirmar
que, a partir das percepções, houve um transbordamento entre a guerra ao terror e a
prevalecente guerra às drogas na região, entretanto, este ocorreu no campo das
percepções. Villa, ao refletir sobre tal transbordamento, afirmou que “a partir de
então, tanto Washington quanto Bogotá começariam a pressionar os demais países
andinos, assim como o Brasil, para que classificassem grupos, como as FARCs,
como terroristas.(VILLA, OSTOS, 2005:14) Houve também, paralelamente a esta
percepção, um entendimento de que a guerra às drogas na região tomaria um
caráter global e não mais regional, como o era. (VILLA, OSTOS, 2005:14)
Nesse contexto, a “guerra contra o terrorismo” trouxe uma série de retrocessos
com relação aos avanços que foram sendo observados no campo da segurança,
compreendidos em seu aspecto humano, pois houve, para Pureza, um maior
125
Villa ressalta ainda que anteriormente ao ano 2001, houve o processo de financiamento dos
grupos guerrilheiros da Colômbia, as FARC e ELN por parte do tráfico de drogas que ganhava em
troca o abrigo e proteção para suas atividades, portanto, aqueles passaram a ser denominados
“narcoguerrilhas”. (VILLA, 2009: 195)
112
resgate da importância do papel do Estado forte, enquanto o único e capaz
mantenedor da ordem e da segurança, havendo assim, um processo de
“marginalização” das zonas periféricas, com seus Estados considerados fracos e,
portanto, incapazes de garantir a segurança nacional, e, por conseguinte, a
segurança regional. Para este autor: “essa visão da periferia teria como
conseqüência uma tendência geral para acentuar a segurança, a “nossa” segurança
(centro), em detrimento da segurança “deles” (periferia). (PUREZA, 2009: 32)
Assim, os problemas advindos da periferia, tais como: a fonte de migrações em
massa, pandemias descontroladas, invasões cibernéticas, instabilidade financeira, e
aqui se acrescenta o tráfico de drogas e seus crimes correlatos, criavam a
percepção de que a periferia era a fonte de problemas e de instabilidade e, portanto,
foi apenas uma extensão lógica o fato de ligá-los ao terrorismo e, assim, tornar as
regiões periféricas do globo, também fontes do terrorismo internacional. Registra-se,
nesse momento, a razão da importância dada ao tema das políticas de
desenvolvimento, pois, segundo Pureza, tal tema foi securitizado, e conforme foi
abordado ao longo de toda esta pesquisa, o tema do desenvolvimento esteve
presente em todas as formulações político-estratégicas norte-americanas para a
região. (idem)
Portanto, é possível compreender que tanto o Plano Colômbia e a Iniciativa
Andina de Combate às Drogas (ACI), ambos os programas preponderantes dos
Estados Unidos para a América do Sul ao longo de todo período aqui analisado,
partiam de um alto grau de securitização não do tema das drogas, mas também
do desenvolvimento local e, em seguida aos ataques do 11 de setembro, tais temas
foram vinculados ao tema do terrorismo internacional. (VILLA, 2009: 195)
Um aspecto imprescindível para auxiliar na construção dos elementos
explicativos para o entendimento das políticas norte-americanas para a região é a
necessidade de se refletir acerca da ênfase dada, ao lado de questões de
segurança, às questões de desenvolvimento econômico, conforme foi citado
acima. Torna-se importante, nesse contexto, reafirmar que a tentativa de levar o
desenvolvimento para a região, que para os EUA, seria o avanço rumo ao livre
comércio e a reformas neoliberais, teve papel fundamental ao longo de ambos os
governos analisados nesta pesquisa.
A ALCA, nesse contexto, embora sua implantação não tenha sido realizada,
conforme previam os policymakers de 1994 a 2005, acabou sendo substituída por
113
Tratados Bilaterais de Livre-Comércio, negociados com cada país, de maneira
individual e diferenciada. Além disso, os programas para a região, previstos nos
Orçamentos para Operações Exteriores (OOEs), conforme analisados, previam, ao
lado de programas de cunho militar, como treinamento de forças militares,
transferência de equipamentos e auxílio em estratégias locais; programas de
assistência ao desenvolvimento econômico e social e este tema esteve presente de
forma perene, tanto no Governo Clinton, quanto no Governo George W. Bush.
Para Nasser, a busca de soluções no campo da economia, com relação ao
hemisfério ocidental, sempre foi uma das pedras basilares da política norte-
americana para a região, como a manifestação da tradição wilsoniana, a chamada
tradição liberal e, para o autor, era importante destacar os seguintes elementos
desta tradição: (NASSER, 2002: 108)
1) a democracia se expandiria no mundo inteiro, criando uma verdadeira
comunidade de nações com valores e interesses compartilhados;
2) o livre-comércio traria a prosperidade e promoveria as forças
democráticas;
3) era necessária a liderança norte-americana nos assuntos mundiais.
Assim, todas essas questões consideradas prioritárias para a região
apareceram de forma constante nas formulações políticas, ora priorizando-se um
aspecto em detrimento de outro, porém estes mesclavam entre si, formando uma
grande estratégia norte-americana ao longo do tempo. (idem: 110) Nesse âmbito, o
apelo à cooperação nos temas da democracia e do livre-comércio, justifica-se por
ser decorrente da necessidade de incentivar a vontade política dos governos locais
de aderirem às propostas e aos programas norte-americanos para a região.
(idem:112)
Por esta razão, torna-se necessário afirmar que, embora possa ter havido um
apelo maior à suposta presença na região de atividades que financiavam ou que
poderiam financiar o terrorismo internacional, causando o que se chamou de
overlapping”
126
entre a guerra às drogas e a guerra ao terror, este foi um aspecto
que não se sobressaltou durante o governo W. Bush a ponto de produzir
126
O termo overlapping, do inglês, significa a sobreposição, o transbordamento de um aspecto sobre
outro.
114
modificações colossais na maneira de confeccionar as políticas estratégicas para a
região, pois estas permaneceram se regendo pela mesma lógica e pelos mesmos
preceitos fundamentais de sempre. Pois, a tradição da busca da salvaguarda, sob os
argumentos da cooperação, para avançar na solidificação da democracia e dos
livres-mercados com suas respectivas instituições, permaneceu a mesma durante o
período de 1993-2008.
Com relação à estratégia norte-americana da busca por cooperação, é possível
afirmar que, através da consolidação de uma rede de instituições em questões de
economia e de segurança, os Estados Unidos buscavam limitar a liberdade destes
países perante tais questões e, em contrapartida, acabavam por limitar sua própria
habilidade de exercer seu poder e sua preponderância, para haver certo equilíbrio.
Tal fato foi chamado, por Ikenberry, de “barganha institucional” e foi preponderante
durante a lógica da guerra fria. Entretanto, ao longo dos vinte anos seguintes, foi
necessária uma revisão de tal mecanismo, e o autor ressaltou três aspectos
preponderantes: (IKENBERRY, 2006:192, 193, 194)
1) Os Estados Unidos deveriam agir através de suas forças armadas com
mais modéstia, pois não se sabia quanto tempo sua preponderância militar iria durar;
2) O país deveria revisar o mecanismo de “barganha institucional”,
tornando-o mais explícito e mais abrangente;
3) Por fim, o país deveria encontrar outras maneiras de exercer o seu
poder de influência econômico e em termos de segurança, através da busca de
arranjos multilaterais.
Dessa forma, Ikenberry afirmou que tais aspectos deveriam ser levados em
consideração para que o país fosse capaz de continuar mantendo sua hegemonia
no sistema internacional, mas que fosse também capaz de passar pela fase de
transição hegemônica sem grandes perdas em seus aspectos fundamentais.
(idem: 195)
Kissinger, ao imprimir sua análise à política estratégica norte-americana e
aplicá-la às relações com a América do Sul, partiu do pressuposto de que na
impossibilidade de interferir nas questões de ordem econômica interna dos países
da região, os Estados Unidos, sob o período Clinton, buscaram as negociações da
ALCA, proclamadas na Primeira pula das Américas, como a base principal para a
115
alternativa da democracia e do livre-comércio. Entretanto, o surgimento do
MERCOSUL, para Kissinger, significava um recuo à adesão à proposta da ALCA e,
mais do que representar significativas perdas econômicas para os Estados Unidos,
significou também o definhamento da esperança de uma ordem baseada na
democracia, como se pode verificar no seguinte trecho: (KISSINGER, 2001: 88)
“With the prospects of the FTAA stalled, trade
negotiations in the hemisphere have
languished, submerged by bureaucratic
disputes which occasionally serve as a proxy
for an incipient contest between NAFTA and
Mercosur. (…) This would not be simply a
setback to U.S. economic prospects in a
market of four hundred million people, which
accounts for 20 percent of its overseas trade,
but, above all, to its hopes for a world order
based on a growing community of
democracies in the Americas and Europe.
(Idem: 97)
Portanto, a partir da presente análise é importante constatar que, sob a grande
estratégia norte-americana para a região, não foram constatadas grandes
modificações que pudessem ser observadas no período em questão. Os temas
principais continuaram sendo a democracia e o livre-comércio, compreendidos como
chaves-mestras da estratégia para a região. Dessa forma, sob diferentes
conjunturas e circunstâncias, tais temas se desdobraram ora focando mais no tema
das drogas, por exemplo, e todos os programas para combatê-las na região, ora
focando mais no terrorismo internacional e de que forma este poderia estar ligado
aos já existentes temas e seus respectivos programas para a região.
Existe, dessa forma, nas políticas aplicadas para a América do Sul, uma base
de continuidade e consistência, mantendo suas premissas principais, e são elas a
manutenção da democracia e seus valores fundamentais, tal como a liberdade; e a
promoção do livre-mercado e seus preceitos liberais. Logo abaixo das premissas
principais, encontram-se para a região os temas decorrentes daquelas, as quais se
modificam conforme a conjuntura e a necessidade, sendo o combate ao tráfico e
produção de drogas o tema preponderante e, posteriormente, este passou a ser uma
116
possível fonte para o terrorismo internacional, porém não houve mudanças
significativas.
117
Considerações finais
Esta pesquisa buscou analisar os temas da política estratégica dos Estados
Unidos para a América do Sul, do governo de Bill Clinton (1993-2000) ao governo de
George W. Bush (2000-2008). O objetivo principal deste trabalho foi analisar de que
forma as políticas e as percepções se mantiveram as mesmas para a região neste
período. Para tanto, partiu-se da hipótese de que houve uma continuidade destas
políticas, mesmo após os ataques de setembro de 2001 e após a estratégia
inaugurada por George W. Bush, em 2002, a chamada Doutrina Bush, modificando-
se, nesse contexto, a percepção de que os problemas advindos da região poderiam
ter uma ligação com o terrorismo internacional.
Dessa forma, em seu primeiro capítulo, o trabalho fez uma análise da posição
estratégica ocupada pelos Estados Unidos ao final da Guerra Fria e de que forma tal
posicionamento condicionou sua ação. O cenário que surgiu, nesse contexto, para
os EUA, foi de muitas incertezas, com o surgimento de novos desafios e novas
ameaças, principalmente pelo desafio apresentado pelos chamados Estados falidos
e Estados “fora da lei” (rogue states).
Para tanto, este capítulo procurou analisar os conceitos chaves para
compreender a análise empírica, trazendo elementos importantes para a reflexão.
Os conceitos analisados foram a hegemonia, a segurança internacional e a
estratégia, considerados conceitos imprescindíveis, neste trabalho, para a reflexão
sobre a política estratégica e suas especificidades. Assim, a partir da reflexão sobre
estes conceitos foi possível introduzir a estratégia norte-americana para o hemisfério
ocidental e suas características principais.
No segundo capítulo, foi analisada a estratégia de “Engajamento e
Expansão”, inaugurada por Bill Clinton, como um modo de inserção internacional
neste período, o qual priorizava os arranjos multilaterais para obter vinculação
política em temas sensíveis. Por esta razão, foram elencados os temas tratados nas
Cúpulas das Américas e nas Reuniões de Ministros da Defesa, para possibilitar a
investigação das percepções que nortearam tais encontros, os quais representavam
os objetivos norte-americanos na região, tais como a importância da manutenção da
democracia e a promoção dos livres-mercados.
118
A partir de então, foram analisadas as políticas estratégicas de Bill Clinton,
de 1993 a 2000, para a América do Sul, com base nos Relatórios Anuais de
Combate aos Narcóticos referentes à região, através de suas diretrizes presidenciais
específicas, e dos Relatórios sobre o Terrorismo Internacional, para analisar o quê já
havia de perceptível com relação ao terrorismo para a região, segundo a visão norte-
americana.
O terceiro capítulo, por sua vez, fez uma análise da doutrina Bush, a qual
anunciou seu objetivo primordial de combater o terrorismo internacional e os
Estados que oferecessem abrigo aos grupos terroristas. A partir desse ponto, foram
analisadas as características e especificidades de tal estratégia, e fez-se uma
reflexão acerca do conceito de inimigo e a importância de tê-lo bem definido, antes
de delimitar qual a melhor estratégia para se derrotá-lo. Esta pesquisa, após
análises da estratégia em questão e da literatura disponível sobre o tema, acredita
que houve, por parte dos Estados Unidos, uma dificuldade em se definir quem era o
inimigo, para então ser possível desenhar uma estratégia mais objetiva.
Em seguida, ainda no mesmo capítulo, foram analisadas as políticas
estratégicas norte-americanas para a região, através da análise dos Orçamentos de
Operações Exteriores para a América do Sul, de 2000 a 2008, com uma
investigação dos programas para cada país, suas justificativas apresentadas e as
percepções com relação a estes países. A fim de facilitar a exposição, a análise foi
dividida entre a região andina e a região da tríplice fronteira, e entre o primeiro e
segundo mandato Bush; e foram avaliados também alguns relatórios de
desempenho por programas específicos. Em seguida, após a exposição da análise
investigativa refletiu-se a respeito do transbordamento entre a guerra às drogas e a
guerra ao terrorismo, sob as bases principais da grande estratégia norte-americana
para o hemisfério.
Após a análise das políticas estratégicas do governo Clinton para a América
do Sul, pôde-se perceber que o país, sob esta administração, buscou vincular os
temas sensíveis à sua segurança nacional ao âmbito regional, através de
mecanismos multilaterais, como as Cúpulas das Américas, as Reuniões de Ministros
de Defesa e a permanente pressão para que fosse implantada a ALCA. Os
principais temas abordados nesse período foram os crimes transnacionais e,
principalmente, o tráfico e produção de drogas na região. E por ser justamente este
119
o tema preponderante na agenda política para a região, foi feita uma análise
detalhada dos Relatórios de Combate ao Narcotráfico, de 1993, 1995 e 2000.
A partir deste levantamento empírico, pôde-se constatar que o governo
Clinton buscou, através de seus programas para a região, erradicar o plantio de
coca e outras drogas ilícitas, interromper o tráfico e produção de drogas, e fortalecer
as democracias locais, para assim, obter resultados efetivos com relação aos
problemas correlatos, tais como a corrupção, lavagem de dinheiro e instituições
jurídicas e financeiras consideradas frágeis. Esta foi uma política consistente para a
região, a qual teve um foco maior na região andina e teve como característica
principal o pragmatismo norte-americano com relação aos seus interesses. O ponto
central do pragmatismo norte-americano, na execução desses programas era tornar
a região mais democrática, com Estados mais fortalecidos e instituições fortes, e
adeptas do livre-comércio, para assim, garantir a prosperidade e estabilidade
regional, mantendo as ameaças longe de suas fronteiras.
Por iniciativa do governo colombiano e ajuda maciça por parte dos Estados
Unidos, foi implantado no ano 2000 o Plano Colômbia, a maior iniciativa em
segurança do governo norte-americano para a região desde então. Este Plano foi
ambicioso e abrangente, pois englobava desde a implantação de uma nova brigada
antinarcóticos, a um pacote de desenvolvimento de atividades econômicas
alternativas e fortalecimento das instituições democráticas e das leis. A Colômbia,
por sua vez, que era vista como a principal parceira dos EUA na região, seguiu
sendo a maior zona receptora de renda norte-americana da região e o local onde os
EUA tinham uma maior interferência nos assuntos de ordem doméstica.
No levantamento empírico feito para o governo Bush, por sua vez, perante a
América do Sul, optou-se por investigar detalhadamente os Orçamentos para
Operações Exteriores, para que se pudesse compreender, de forma mais ampla,
quais foram os programas para a região, e se estes eram de caráter militar ou de
assistência ao desenvolvimento; quais foram suas justificativas apresentadas ao
Congresso e de que forma as regiões da tríplice fronteira e da região andina foram
sendo apresentadas, de acordo com uma maior ou menor adesão local.
É possível compreender, a partir desta análise, que nos países onde a
cooperação local era maior, os programas tendiam a ser mais voltados para o
financiamento e treinamento militar, mas por outro lado, nos países onde havia
pouca cooperação local, e, possivelmente, divergências políticas com os governos
120
locais, os programas eram mais voltados para a assistência ao desenvolvimento e
fortalecimento das instituições democráticas.
Nesse sentido, na medida em que o país cooperava com os Estados Unidos e
colocava em prática as diretrizes de combate ao tráfico de drogas, de erradicação
aérea de cultivos e de deslocamento a população nativa para a prática de atividades
econômicas alternativas, este era considerado um aliado e era visto com bons olhos
pelos Estados Unidos. Porém, nos países nos quais havia uma resistência política e
da própria população nativa às diretrizes de erradicação de cultivos, havia a
percepção norte-americana de que em tal local havia um déficit democrático e,
portanto, a ênfase era dada aos programas de assistência ao desenvolvimento e
fortalecimentos das instituições democráticas.
Uma análise interessante nesse sentido, pensando na continuidade futura
desta pesquisa, seria a de localizar, nesses casos, se a assistência financeira norte-
americana era transferida diretamente aos governos locais, mesmo que fossem
governos dissidentes, ou se esta era direcionada a agências especializadas de
caráter público-privado. Outro fator interessante para se refletir, sobre esta questão,
é se, de fato, os Estados Unidos apoiavam grupos opositores políticos em locais
onde o governo apresentava resistência e de que forma tal apoio seria realizado, se
era via embaixadas e consulados locais ou via terceiro setor, por exemplo, através
de ONGs. Os dados utilizados na presente pesquisa, porém, não dispunham desse
tipo de informação, ficando, portanto, este tema sugerido para possíveis pesquisas.
Após os atentados terroristas de 2001, foi criado o programa Iniciativa para a
Região Andina, o qual depois passou a ser chamado Iniciativa Andina de Combate
ao Narcotráfico e, através deste, foram transferidos recursos maciços para os países
da região andina, os quais englobavam a Colômbia, o Peru, Bolívia, Equador e
Brasil, porém os recursos eram majoritariamente destinados aos três primeiros
países. Esta iniciativa decorreu da crescente preocupação e a percepção de que o
problema das drogas na região estava interligado ao terrorismo internacional.
Houve, portanto, o processo chamado de macrossecuritização do tema do
terrorismo internacional, tornando todas as outras ameaças correlatas e ligadas ao
terrorismo internacional, pois, segundo a percepção norte-americana, poderiam
financiar ou, de alguma forma, proteger atividades terroristas. Assim, partindo dessa
percepção, houve o efeito de transbordamento das preocupações com o terrorismo
internacional sobre a existente problemática das drogas para a região, entretanto,
121
parte-se da compreensão de que não houve, de fato, modificações estruturais dos
programas que haviam sendo aplicados na região desde a administração Clinton,
havendo assim, um processo de continuidade, porém sob uma diferente perspectiva.
Paralelamente à Iniciativa Andina, a região da tríplice fronteira também
passou a ser foco de maior atenção, decorrente da porosidade de suas fronteiras, do
tráfico de drogas e problemas correlatos, e a região também passou a ser mais
securitizada por haver nela supostas atividades de financiamento de grupos
terroristas. Da mesma forma, houve uma macrossecuritização e um
transbordamento do terrorismo internacional para as existentes ameaças na
região.
Outra análise interessante, nesse contexto, seria identificar na região da
tríplice fronteira ou na região andina, os países que, de fato, fizeram modificações
estruturais em seu sistema jurídico, em seu sistema financeiro ou, até mesmo, em
suas constituições, atendendo às diretrizes norte-americanas. Os documentos,
embora ressaltem por vezes o ótimo clima de cooperação com alguns países da
região, como a Colômbia, Peru, Equador e a Argentina, identificando melhorias em
suas instituições democráticas, ou até mesmo, aumento das erradicações de
cultivos de coca, não identificam processos burocráticos domésticos desses países
que tenham seguido às diretrizes norte-americanas. Este também é um interessante
tema de possível pesquisa.
A partir da análise feita, até o presente momento, pode-se afirmar que foi
realizado nesta pesquisa um diagnóstico de quais foram os temas que percorreram
a formulação política estratégica dos Estados Unidos, de Clinton a George W. Bush,
partindo de suas grandes estratégias e tendo como base as premissas fundamentais
para o hemisfério: a manutenção da democracia e a promoção do livre-comércio, e
chegando à análise específica dos programas aplicados para a região, durante este
período, e, a partir dos quais, foram sendo extraídas as percepções norte-
americanas com relação a determinados temas, países e regiões.
Foi possível perceber, por exemplo, a partir da investigação dos relatórios e
orçamentos, que o apelo a termos como “Estado forte”, “proteção fronteiriça” e a
diferença entre as diferentes regiões, como a região andina e a região da tríplice
fronteira, passou a ser recorrente. Porém, essas modificações foram observadas no
campo das percepções e, portanto, constatou-se que se mantiveram os mesmos
122
interesses para a região desde os proferidos no início do primeiro mandato Clinton
até o fim do segundo mandato Bush.
Para esta situação de continuidade podem se depreender dois fatores
fundamentais: primeiro, os Estados Unidos atuaram de forma hegemônica na região,
e as diretrizes aplicadas foram desdobramentos dos interesses nacionais do país de
manter a estabilidade regional e a segurança nacional a partir da promoção da
democracia e da promoção dos valores do livre mercado para o hemisfério. Em
segundo lugar, mesmo sob a permanência dos mesmos temas, as diferentes
circunstâncias e conjunturas foram imprimindo diferentes perspectivas e percepções,
alterando, por vezes, a relação de proximidade dos países da América do Sul com
os Estados Unidos.
A partir desta perspectiva, portanto, percebe-se que a hipótese apresentada
para a presente pesquisa: de que não houve mudanças significativas para a região,
pois se mantiveram as mesmas premissas e a mesma lógica das justificativas; e o
que se modificou foi a percepção de que os problemas que emanavam da região
poderiam ter uma ligação com o terrorismo internacional, havendo, portanto, uma
tendência de macrossecuritização no processo de formulação política; estava
correta, porém, se por um lado, houve essa continuidade, modificou-se a partir de
Bush a percepção dos vínculos dos temas de segurança com o terrorismo
internacional, havendo um maior apelo ao fortalecimento estatal, através da
consolidação democrática e dos avanços econômicos, e da presença do Estado.
123
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Hemisphere. 2002. Disponível em: www.state.gov/documents/organization/3974.pdf
Acesso em: 21 abr. 2010.
FY 2004. Congressional Budget Justification for Foreign Operations. Western
Hemisphere. Department of State. 2003. Disponível em:
www.state.gov/documents/organization/9476.pdf Acesso em: 21 abr. 2010.
130
FY 2006. Congressional Budget Justification for Foreign Operations. Western
Hemisphere. Department of State. 2005. Disponível em:
www.state.gov/documents/organization/28980.pdf. Acesso em: 21 abr. 2010.
FY 2007. Congressional Budget Justification for Foreign Operations. Western
Hemisphere. 2006. Disponível em:
www.state.gov/documents/organization/42255.pdf
Acesso em: 21 abr. 2010.
FY 2008. Congressional Budget Justification for Foreign Operations. Western
Henisphere. Department of State. 2007a. Disponível em:
www.state.gov/documents/organization/60656.pdf
Acesso em: 21 abr. 2010.
FY 2008. Congressional Budget Justification for Foreign Operations. Western
Hemisphere. Department of State. 2007b. Disponível em:
www.state.gov/documents/organization/84462.pdf
Acesso em: 21 abr. 2010.
FY 2009. Congressional Budget Justification for Foreign Operations.Western
Hemisphere. Department of State. 2008. Disponível em:
www.state.gov/documents/organization/101444.pdf
Acesso em: 21 abr. 2010.
FY 2010. Congressional Budget Justification for Foreign Operations. Western
Hemisphere. Department of State. 2009. Disponível em:
www.state.gov/documents/organization/124072.pdf Acesso em: 21 abr. 2010.
Communiqué of the 3+1 Group on Counterterrorism.Paraguai, 2003. Disponível em:
www.state.gov/p/wha/rls/70993.htm
Acesso em: 05 mai. 2009.
Communiqué of the 3+ 1 Goup on the Tri-Border Area Security. Washington, 2004.
Disponível em: www.state.gov/p/wha/rls/70992.htm
Acesso em: 05 mai. 2009.
First Conference of Ministers of Defense of the Americas: The Williamsburg
Principles. 1995. Disponível em:
www.state.gov/p/wha/rls/71542.htm
Acesso em: 20 abr. 2010.
131
First Summit of the Americas. Declaration. 1994. Disponível em:
www.summit-americas.org/i_summit/i_summit_dec_pt.pdf
Acesso em: 20 abr. 2010.
First Summit of the Americas. Plan of Action. 1994. Disponível em:
www.summit-americas.org?i_summit/i_summit_poa_pt.pdf Acesso em: 20 abr. 2010.
Fourth Conference of Ministers of Defense of the Americas: Declaration of Manaus.
2000. Disponível em:
http://www.state.gov/p/wha/rls/71004.htm
Acesso em: 20 abr. 2010.
Hezbollah/ Partido de Deus. (nota explicativa) Disponível em:
http://www.globalsecurity.org/military/world/para/hizballah.htm
Acesso em: 24 mai.
2010.
International Narcotics Control Strategy Reports. 1993. Disponível em:
http://dosfan.lib.uic.edu/ERC/law/INC/index.html
Acesso em: 05 mai. 2010.
International Narcotics Control Strategy Reports. 1995. Disponível em:
http://dosfan.lib.uic.edu/ERC/law/INC/1995/03.html
Acesso em: 05 mai. 2010.
International Narcotics Control Strategy Reports. 2000. Disponível em:
http://www.state.gov/p/inl/rls/nrcrpt/2000/883.htm Acesso em: 05 mai. 2010.
National Strategy for a New Century. 1997. Disponível em:
http//www.fas.org/man/docs/strategy97.html. Acesso em: 23 set. 2008.
Patterns of Global Terrorism. 1994. US Department of State. Disponível em:
http://dosfan.lib.uic.edu//ERC/arms/PGT_report/1994PGT.html
Acesso em 19 mai. 2010.
Patterns of Global Terrorism. 1999.US Department of State. Disponível em:
http://www.state.gov/www/global/terrorism/1999report/patterns.pdf
Acesso em 19
mai. 2010.
132
Program Performance Report. US Department of State. Fiscal Year 2001. Disponível
em: www.state.gov/documents/organization/9814.pdf
Acesso em: 13 ago. 2009.
Second Conference of Ministers of Defense of the Americas: Declaration of San
Carlos de Bariloche. 1996. Disponível em: http://www.state.gov/p/wha/rls/71002.htm
Acesso em: 20 abr. 2010.
Segunda Cúpula das Américas. Declaração de Santiago. 1998. Disponível em:
www.summit-americas.org/ii_summit/ii_summit_dec_pt.pdf Acesso em: 20 abr. 2010.
Segunda Cúpula das Américas. Plano de Ação. 1998. Disponível em:
http://www.summit-americas.org/ii_summit/ii_summit_poa_pt.pdf
Acesso em: 20 abr. 2010.
The National Security Strategy, 2002. Disponível em:
http://www.comw.org/qdr/fulltext/nss2002.pdf Acesso em: 14 jun. 2008.
Third Conference of Ministers of Defense of the Americas: Declaration of Cartagena.
1998. Disponível em: www.state.gov/p/wha/rls/71003.htm Acesso em: 20 abr.2010.
Transactions with Countries Supporting Terrorism Act. 1997. Disponível em:
http://www.fas.org/irp/congress/1997_rpt/h105_141.htm Acesso em: 19 mai.2010
133
Anexos
Anexo I:
International Narcotics Control Strategy Reports. 2000. Bolívia*
Bolivia
Statistics
(19922000)
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
Coca
Net Cultivation
(ha)
14,600
21,800
38,000
45,800
48,100
48,600
48,100
47,200
45,500
Eradication
(ha)
7,
653
16,999
11,621
7,026
7,512
5,493
1,058
2,397
3,152
Cultivation (ha)
22,253
38,799
49,621
52,826
55,612
54,093
49,158
49,597
48,652
Leaf: Potential
Harvest (1)
(mt)
13,400
22,800
52,900
70,100
75,100
85,000
89,800
84,400
80,300
HCl: Potential
(mt)
43
70
150
200
215
240
255
240
225
Seizures
Coca Leaf (mt)
51.85
56.01
93.72
50.60
76.40
110.09
202.13
201.25
188.90
Coca Paste
(mt)
0.008
0.05
0.02
0.01
0.33
Cocaine Base
(mt)
4.54
5.48
6.20
6.57
6.78
4.60
6.44
5.30
7.70
Cocaine HCl
(mt)
0.72
1.43
3.12
3.82
3.17
3.59
1.02
0.31
0.70
Combined HCl
& Base (mt)
5.26
6.91
9.32
10.39
9.95
8.19
7.46
5.61
8.40
Agua Rica(3)
(ltrs)
15
,920
30,120
44,560
1,149
2,275
16,874
16,874
14,255
50,820
Arrests/Detentions
2,017
2,050
1,926
1,766
955
600
1,469
1,045
1,226
Labs Destroyed
Cocaine HCl
2
1
1
1
7
18
32
10
17
Base
620
893
1,205
1,022
2,033
2,226
1,891
1,300
1,393
(2) Most coca processors have eliminated the coca paste step in production.
* International Narcotics Control Strategy Reports. 2000. Bolívia. Disponível em:
http://www.state.gov/p/inl/rls/nrcrpt/2000/883.htm
134
Anexo II:
International Narcotics Control Strategy Reports. 2000. Colômbia.*
Colombia
Statistics
(1992
2000)
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
Coca
Potential
Harvest (ha)
136,200
122,500
101,800
79,500
67,200
50,900
44,700
39,700
37,100
Eradication (ha)
47,000
43,246
19,000
5,600
8,750
4,910
793
959
Estimated
Cultivation (ha)
183,200
98,500
72,800
59,650
49,610
40,493
38,059
HCl:
Potential(1)(mt)
580
520
435
350
300
230
70
65
60
Opium
Potential
Harvest (ha)
7,500
6,100
6,600
6,300
6,540
20,000
20,000
20,000
Eradication (ha)
9,254
6,972
6,028
3,760
3,906
9,821
12,858
Estimated
Cultivation (ha)
13,572
12,328
10,300
23,906
29,821
32,858
Cannabis(2)
Potential
Harvest (ha)
5,000
5,000
5,000
5,000
5,000
4,980
4,986
5,000
2,000
Eradication (ha)
20
14
50
49
Estimated
Cultivation (ha)
5,000
5,000
5,000
5,000
5,000
5,000
5,000
5,050
2,049
Potential Yield
(mt)
4,150
4,150
4,150
4,150
4,150
4,
133
4,138
4,125
1,650
Seizures(3)
Heroin/Morphine
(mt)
0.572
0.504
0.317
0.261
0.183
0.419
0.181
0.261
0.05
Opium (mt)
0.183
0.100
0.120
0.036
0.078
0.128
0.261
0.43
Cannabis (mt)
46
65
69
136
235
166
2000
549
206
Base/Basuco
(mt)
9.00
29.30
10.00
17.50
19.50
32.00
10.40
5.81
Cocaine HCl(4)
(mt)
69.00
22.73
54.70
34.00
23.50
21.50
30.00
21.76
31.92
135
Total HCl/Base
(mt)
69.00
31.73
84.00
44.00
41.00
41.00
62.00
32.16
37.73
Total Arrests
8,600
1,961
1,546
1,561
1,745
2,154
2,562
1,700
(1)
Newly acquired data from field surveys has resulted in revised leaf yield and HCl production
estimates from 1995 on.
(2)
Reported cannabis cultivation has not been confirmed by USG survey.
(3)
Seizure data show combined CNP and military figures. (4) Includes 24 metric tons of cocaine seized
in maritime operations
.
* International Narcotics Control Strategy Reports. 2000.Colombia. Disponível em:
http://www.state.gov/p/inl/rls/nrcrpt/2000/883.htm
136
Anexo III:
International Narcotics Control Strategy Reports. 2000. Peru. *
Peru Statistics
(19922000)
2000
1999
1998
1997
1996
1995
1994
1993
1992
Coca
Net
Cultivation
(ha)
34,100
38,700
51,000
68,80
0
94,400
115,300
108,600
108,800
129,100
Eradication
(ha)
6,200
13,800
7,825
3,462
1,259
0
0
0
0
Cultivation
(ha)
40,200
52,500
58,825
72,262
95,659
115,300
108,600
108,800
129,100
Leaf
(Potential
Harvest)
(ha)
60,975
69,200
95,600
130,600
174,700
183,6
00
165,300
155,500
223,900
HCl
(Potential)
(mt)
154
175
240
325
435
460
435
410
550
Seizures
Coca Leaf
(mt)
55.0
164.3
132.9
146.8
99.1
33.4
25.2
25.0
Coca Paste
(mt)
7.7
0.75
Cocaine HCl
(mt)
2.70
3.59
1.70
2.30
1.01
7.65
0.10
0.47
0.23
Cocaine
Base (mt)
9.01
6.65
19.70
8.80
18.68
15.00
10.60
5.3
6.7
Total
Cocaine
(mt)
11.70
10.24
21.40
11.10
19.69
22.65
10.70
5.77
6.93
Aircraf
t (items)
2
11
7
22
4
13
* International Narcotics Control Strategy Reports. 2000. Peru. Disponível em:
http://www.state.gov/p/inl/rls/nrcrpt/2000/883.htm
137
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