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ANA TEREZA GÔNGORA DE LUCCA
REVELAÇÕES DA HISTÓRIA, TRANSMISSÃO E
PRESERVAÇÃO CULTURAL
POR MEIO DOS JOGOS E BRINCADEIRAS:
OS JAPONESES EM LONDRINA
ORIENTADORA: PROFA. DRA. CLEIDE VITOR MUSSINI BATISTA
2007
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2007
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ANA TEREZA GÔNGORA DE LUCCA
REVELAÇÕES DA HISTÓRIA, TRANSMISSÃO E
PRESERVAÇÃO CULTURAL
POR MEIO DOS JOGOS E BRINCADEIRAS:
OS JAPONESES EM LONDRINA
Dissertação apresentada ao
Programa de Mestrado em
Educação da Universidade Estadual
de Londrina, como requisito parcial
à obtenção do título de Mestre.
Orientadora: Profa. Dra. Cleide Vitor
Mussini Batista
Londrina Paraná
2007
ANA TEREZA GÔNGORA DE LUCCA
REVELAÇÕES DA HISTÓRIA, TRANSMISSÃO E
PRESERVAÇÃO CULTURAL POR MEIO DOS JOGOS E
BRINCADEIRAS: OS JAPONESES EM LONDRINA.
Dissertação apresentada ao
Programa de Mestrado em
Educação da Universidade Estadual
de Londrina, como requisito parcial
à obtenção do título de Mestre.
Comissão examinadora:
______________________________
Profa. Dra. Cleide Vitor M. Batista
Universidade Estadual de Londrina
______________________________
Profa. Dra. Magda Madalena Tuma
Universidade Estadual de Londrina
______________________________
Profa. Dra. Edda Bomtempo
Universidade de São Paulo
Londrina, 08 de novembro de 2007.
DEDICATÓRIA
Aos meus pais...
Leonor e Nelson, que sempre estimularam a minha curiosidade e fantasia,
repassando com carinho e imaginação as histórias de suas famílias, despertando
desde cedo em mim o desejo de conhecer novas culturas.
AGRADECIMENTOS
Às famílias Okabayashi e Ohara por guardarem tão maravilhosamente e
delicadamente suas lembranças, muito obrigada!
À Naoko Sakugawa pelas ilustrações de jogos e brincadeiras japonesas.
À Profa. Dra. Maria Aparecida Trevisan Zamberlan pelas contribuições iniciais.
À Profa. Dra. Cleide Vítor Mussini Batista por sua disponibilidade e fé.
Ao Prof. Dr. João Batista pela ajuda incondicional.
À Profa. Dra. Maria Luiza M. Abbud e à Profa. Dra. Rosângela A. Volpato pela
lucidez e apoio.
À Profa. Dra. Marlene Rosa Cainelli pela preciosa indicação de leitura.
À Zulmira Amélia Roxo e à Iara Strobel Camargo pela contribuição de ideias e
eterna amizade.
Às crianças do Seta e da Apoena por me mostrarem e lembrarem diariamente o
que é ser criança.
À Gisele e à Isabel Favoretto de Oliveira pelo apoio nas horas difíceis.
Aos companheiros Airton de Moraes, Eromi Izabch Hummel, Lucy Mara
Conceição, Lucy Durant Masquetti Pelz e Luciana Adário Brandão por dividirem
comigo descobertas, angústias e alegrias.
LUCCA, Ana Tereza Gôngora de. REVELAÇÕES DA HISTÓRIA, TRANSMISSÃO E
PRESERVAÇÃO CULTURAL POR MEIO DOS JOGOS E BRINCADEIRAS: OS
JAPONESES EM LONDRINA. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade
Estadual de Londrina, 2007.
RESUMO
Os jogos e as brincadeiras podem ser considerados um elemento cultural, variando
de acordo com a cultura, as hierarquias de classe e de etnia e fornecendo uma
riqueza de significados que permitem ao homem compreender determinada
sociedade e cultura. Este trabalho constitui uma descrição etnográfica e tem como
objetivo buscar, por meio da história de vida de duas famílias de imigrantes
japoneses que chegaram a Londrina na época de sua fundação, resgatar parte da
contribuição cultural desse grupo. Em especial, buscamos fornecer aos indivíduos de
nossa comunidade um contato direto com sua produção cultural, partindo da
memória lúdica para a construção da memória histórica, sem caracterizar uma
ruptura entre as duas, tornando possível a posse do bem cultural como sendo deles
próprios e vice-versa. Buscamos também entender de que maneira a memória lúdica
da cultura japonesa foi incorporada e preservada pelos imigrantes japoneses em
Londrina. Para tanto, apresentamos algumas considerações sobre a questão da
memória e a preservação dos jogos e brincadeiras por meio da história. Realizamos,
ainda, um breve relato sobre a fundação de Londrina e a chegada dos japoneses.
Apuramos através de entrevistas e documentos que a cultura japonesa é fortemente
preservada por seus descendentes, pois para eles preservar suas raízes é uma
forma natural de resgatar e repassar seus costumes tanto nas vivências com o
lúdico, como em diversas outras áreas do conhecimento. Essas heranças são
repassadas nas escolas e associações, uma maneira encontrada por eles para
perpetuarem suas memórias e tradições. No entanto, não se esquecem de
contemplar os desejos das novas gerações, buscando uma parceria com eles para
que sejam formadores e divulgadores de sua cultura.
Palavras-chave: Memória, Preservação, Cultura Japonesa, Jogos e Brincadeiras.
LUCCA, Ana Tereza Gôngora de. HISTORY REVELATIONS, CULTURAL
TRANSMISSION AND PRESERVATION THROUGH GAMES: THE JAPANESE IN
LONDRINA. Dissertation (masterwork on education). State University from Londrina,
Londrina, 2007.
ABSTRACT
Games are cultural creation which can be considered as a culture creation varying
according to the culture, class hierarchies and etnia and providing a wealth of
meanings which allows man to understand a particular society and culture. This
paper presents a description in ethnographic patterns and attempts to rescue,
through the history of life of two Japanese immigrant families that landed in Londrina
at the time of its foundation, part of the cultural contribution of these people. We
intend specially to provide people of our community a direct contact with their cultural
production, initiating from a “playful” memory to historical memory, without describing
a rupture among them both, making possible the possession of their own cultural
assets and vice-versa. We also intend to understand how the ludic memory of
Japanese Culture was incorporated and preserved by Japanese immigrants in
Londrina. For these reasons, we present some considerations about the question of
memory and preservation of the games and tricks through the history. We also
achieved though a brief historical description about Londrina’s foundation and the
Japanese arrival. We verified through interviews and documents that the Japanese
culture is strongly preserved by its descendents, because preserving their costumes
is a natural way of rescuing and transmitting it either in their “playful” experiences or
in many other areas of knowledge. These inherences are taught at schools and
associations, a way they found to keep the tradition of their memories alive. However,
they do not forget to fulfill the needs of the new generation, pursuing a partnership
with them so that they are policy makers and campaigners of their culture.
Keywords: Memory, Preservation, Japanese Culture, Games.
LISTA DE FIGURAS
Figura 1- Frase que Haruo transcrevia constantemente em diários, álbuns
fotográficos e cartas. .............................................................................. 24
Figura 2 - Registro de um piquenique no Ribeirão Três Bocas, um dos refúgios
naturais da década de 1950 (Foto Haruo Ohara). .................................. 35
Figura 3 - Artesão de bonecas Kokeshi. ................................................................. 51
Figura 4 - A província de Kochi, ilha de Shikoku, terra natal dos Ohara. ................ 52
Figura 5 - Família Ohara e família Tomita em Santo Anastácio (SP), onde
trabalhavam na lavoura de café fim da década de 1920 (Acervo
Família Haruo Ohara). ............................................................................ 53
Figura 6 - Hikoma Udihara. ..................................................................................... 60
Figura 7 - Caravana de compradores japoneses. Dezembro de 1929.................... 61
Figura 8 - Mapa de Londrina com o centro urbano e glebas coloniais de imigrantes
japoneses. .............................................................................................. 63
Figura 9 - Escola japonesa, década de 1930. ......................................................... 64
Figura 10 - Escola japonesa, década de 1930. ......................................................... 65
Figura 11 - Escola japonesa, década de 1930. ......................................................... 65
Figura 12 - Escola japonesa, década de 1930. ......................................................... 66
Figura 13 - Primeira derrubada, agosto de 1929. Foto de G. C. Smith. .................... 70
Figura 14 - Primeiras Construções. .......................................................................... 72
Figura 15 - Londrina, década de 30. ......................................................................... 73
Figura 16 - Londrina, década de 30. ......................................................................... 73
Figura 17 - Londrina em 1934. .................................................................................. 74
Figura 18 - Vista da 1
a
Estação Rodoviária de Londrina. Década de 1930. ............. 74
Figura 19 - Antiga Igreja Matriz. ................................................................................ 75
Figura 20 - Imagem da inauguração do novo aeroporto de Londrina, construído no
local onde se localizava o sítio de Haruo, 8 de abril de 1956. ................ 75
Figura 21 - Haruo Ohara e lavradores na capina dos primeiros pés de café da Gleba
Cambé - década de 1930. ...................................................................... 77
Figura 22 - Imigrantes japoneses.............................................................................. 78
Figura 23 - Página de um diário de Haruo, com anotações do ano de 1931. ........... 79
Figura 24 - Ilustração de Astro Boy. Mangá de Osamu Tezuka. .............................. 81
Figura 25 - Dia dos Meninos - São pendurados em postes pipas com o formato de
carpas (koinobori), peixe que simboliza o sucesso, desejando força para
os pequenos. .......................................................................................... 82
Figura 26 - Dia das Meninas. É um dia de orações pedindo saúde para as garotas.
............................................................................................................... 83
Figura 27 - Ayatori. ................................................................................................... 83
Figura 28 - Otedamá. ................................................................................................ 84
Figura 29 - Djan-ken-pô. ........................................................................................... 85
Figura 30 - Oni-gokô. ................................................................................................ 86
Figura 31 - Carutá. .................................................................................................... 87
Figura 32 - Carutá - jogos com cartas com níveis variados de dificuldade. .............. 87
Figura 33 - Crianças jogando Ohadiqui com as peças usadas no Japão. ................ 88
Figura 34 - Crianças brincando de Mámá-gotô. ........................................................ 91
Figura 35 - Mámá-gotô. ............................................................................................ 91
Figura 36 - Teru- teru- boozo. ................................................................................... 92
Figura 37 - Bonecas Kokeshi. ................................................................................... 94
Figura 38 - Bonecas Kokeshi. Arte passada de pai para filho. A técnica consiste em
reproduzir as bonecas nos mesmos padrões de cores e desenhos. ...... 94
Figura 39 - Taissô. Exercícios com caráter lúdico que procuram respeitar o
movimento natural do corpo das crianças. ............................................. 95
Figura 40 - Ê- kaki-utá. Reprodução de desenhos, de acordo com o tema solicitado
pela música. ........................................................................................... 96
Figura 41 - Doyô. Brincadeira onde as crianças reproduzem os movimentos que a
música pede. .......................................................................................... 96
Figura 42 - Yúgui - dança japonesa com canções infantis dramatizadas. ................ 97
Figura 43 - Pin-pon. .................................................................................................. 98
Figura 44 - Origami. .................................................................................................. 99
Figura 45 - Chiguirigami. ........................................................................................... 99
Figura 46 - Kiriê - Recortes feitos com tesoura aos poucos formam figuras. .......... 100
Figura 47 - Fachada do sobrado recém-construído na Rua São Jerônimo, 1950.
Foto: Haruo Ohara. ............................................................................... 104
Figura 48 - Gakou-gôco. ......................................................................................... 105
Figura 49 - Ningyo. ................................................................................................. 106
Figura 50 - Shamisen. Espécie de banjo japonês de três cordas. .......................... 107
Figura 51 - Majan. ................................................................................................... 108
Figura 52 - Tabuleiro de Shogui. ............................................................................ 109
Figura 53 - Taikô. O som que ecoa é grave e remete a uma tradição de mais de mil
anos, quando os japoneses viviam em aldeias. ................................... 111
Figura 54 - Ikebana. ................................................................................................ 114
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO ............................................................................ 16
CONTEXTUALIZAÇÃO METODOLÓGICA .............................................................. 17
OS CAMINHOS DA PESQUISA ............................................................................... 20
OS SUJEITOS DA PESQUISA ................................................................................. 23
CAPÍTULO 1 MEMÓRIA, CULTURA E IDENTIDADE: ENTRE AS LEMBRANÇAS
E O ESQUECIMENTO. ..................................................................... 24
1.1 Memória e Cultura ........................................................................................... 25
1.2 Memória e Identidade: entre as lembranças e o esquecimento ....................... 31
CAPÍTULO 2 JOGOS E BRINCADEIRAS COMO ELEMENTOS DA CULTURA. . 35
2.1 Jogos e Brincadeiras como Elementos da Cultura Lúdica Infantil. .................. 36
2.2 A Concepção de Infância e a Cultura Infantil ................................................... 39
2.3 A Criança e o Brinquedo: entre a cultura e o consumo ................................... 45
CAPÍTULO 3 A CULTURA LÚDICA JAPONESA E O “NOVO MUNDO” ............. 51
3.1 As Famílias ...................................................................................................... 52
3.2 Cultura Lúdica Japonesa ................................................................................. 54
3.3 A Educação Infantil no Japão .......................................................................... 57
3.4 A Vinda dos Japoneses a Londrina: traçando alguns aspectos históricos ...... 59
3.4.1 Londrina: um breve resgate histórico ..................................................................... 68
3.4.2 A Trajetória rumo ao Novo Mundo ......................................................................... 76
CAPÍTULO 4 NARRATIVA DOS BRINQUEDOS, JOGOS E REPRESENTAÇÕES
LÚDICAS DA CULTURA JAPONESA. ............................................ 79
4.1 A delicadeza de uma dama... .......................................................................... 80
4.2 Um Jovem Cercado de História ..................................................................... 100
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................... 115
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 122
ANEXO 1 ROTEIRO DE ENTREVISTA .......................................................... 127
11
INTRODUÇÃO
Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina
Cora Coralina
A escolha desse tema traz em seu bojo experiências de nossa vida
pessoal e profissional. O que a princípio pode parecer uma ruptura vai se
aglutinando na medida em que um aspecto de nossa vida foi sendo diretamente
influenciado pelo outro.
Vivendo em Londrina, esta pesquisadora acompanhou, com
sentimento de perda, as mudanças na arquitetura, nos espaços, nas rotinas e no
modo de viver das pessoas. Em se tratando de uma cidade jovem, ainda estamos
construindo a nossa história. Víamos um pouco da oportunidade de refletir sobre a
nossa existência perdida a cada casa de madeira derrubada, a cada prédio público
tendo sua fachada transformada e a cada espaço modificado sem o cuidado e o
conhecimento do que representam para a cidade.
Para muitos, esses são os processos naturais do “desenvolvimento”,
o que pressupõe a substituição do velho pelo novo. A catedral da cidade, substituída
por um prédio mais “moderno”, nos um bom exemplo disso. Mais recentemente,
fomos pegos de surpresa com a total destruição do casarão dos Röerig, mais
conhecida como a casa dos gnomos, local que abrigou o extinto Arquivo Cultural de
Londrina e povoou o imaginário de muitas crianças desde a década de 50 até a data
deste trabalho.
A arquitetura não é a única a nos indicar que estamos perdendo
alguns referenciais importantes de nossa cultura. Os “espaços” não físicos, mas
também sociais destinados ao lazer e ao brincar se restringem cada vez mais, dando
lugar às construções de usos considerados, sob o olhar neoliberal, mais útil aos dias
atuais.
Assim, as instalações de bibliotecas, que muitas vezes necessitam
de restauração, são simplesmente “reformadas”. Esta palavra significa “dar nova
forma” e não tem o sentido de recuperação, que é reabilitar. Novas formas são
importantes e novos referenciais também, porém que se refletir sobre sua
12
necessidade, uso e apropriação.
A vida das pessoas se resume, para muitos, como um dia a dia de
poucas trocas, pois a velha praça não esmais ali; se está, não pode ser usada. O
tempo para o encontro também é comprometido, porque o nosso ritmo frenético
exige relações mais rápidas e superficiais, afinal não há tempo para isso.
A escola também se vê obrigada a absorver as mudanças que a vida
moderna impõe. Brincar passou a fazer parte de uma exigência secundária, visto
que o tempo urge e brincar não prepara para a competitividade do mundo, onde as
exigências na formação se tornaram dúbias, confusas e distantes da prática
pedagógica.
O brincar, em muitas instituições de Educação Infantil, não é prática
cotidiana ou não é relevante do ponto de vista do adulto, o qual esquece que as
práticas lúdicas oportunizam interações importantes e insubstituíveis em todos os
aspectos do desenvolvimento infantil. As vivências com as brincadeiras e jogos no
espaço das instituições de Educação Infantil necessitam ser planejadas e pensadas
com um objetivo maior. Não deveriam restringir-se a algumas brincadeiras na hora
do lanche, entrada ou saída da escola, fato que torna o brincar atividade periférica
ao trabalho pedagógico. também o brincar em um momento do dia, com
atividades utilizadas como meio pedagógico, visando a motivar novas
aprendizagens. Isso seria muito válido se, algumas vezes, o prazer do jogo não
fosse subtraído dessas propostas.
É necessário pensar além, pois, se acreditamos que o
desenvolvimento infantil e a construção do conhecimento acontecem por meio de
interações entre seus coetâneos e adultos, essas experiências precisam ser
vivenciadas, estimuladas e diversificadas. Quando presenciamos crianças num jogo
simbólico, percebemos, por exemplo, que estão vivendo e reproduzindo as relações
estabelecidas nos seus lares e na própria instituição. Para isso, o educador deve ter
um olhar sensível e fundamentado na perspectiva teórica a respeito do brincar,
reconhecendo nesta expressão da cultura infantil aquilo que é mais legítimo da
infância. Ao brincar, a criança reconstrói seu contexto, cria, recria e imagina seu
mundo, enquanto lança-se na busca por entender o mundo que a cerca e de inserir-
se no mundo adulto. Acreditamos na importância de garantir e viabilizar esses
espaços lúdicos não na instituição de Educação Infantil, mas também em todos
os níveis de educação formal e informal a fim de garantir um direito da criança a uma
infância digna e feliz.
13
Nesse sentido, um currículo voltado às ltiplas linguagens e não à
supervalorização da educação formal deveria fazer parte do cotidiano das
instituições de Educação Infantil, da elaboração da proposta pedagógica da
instituição até a sua concretização nas atividades cotidianas de sala de aula.
A educação de crianças pequenas baseada na cultura infantil deve
fazer parte do cotidiano das instituições de modo integral, ou seja, deve ser
contemplada em vivências lúdicas (situações problemas e desafios), que seria
ingênuo e temeroso acreditar que essas atividades lúdicas proporcionariam num
toque de mágica o desenvolvimento das competências infantis.
Sem o fundamento teórico e prático, o brincar pode se tornar algo
vazio e destituído de sentido. Além disso, não podemos nos esquecer da tradição
lúdica que herdamos de nossos antepassados, que enriquecem o nosso patrimônio
cultural. As formas de brincar e os brinquedos não são apenas parte de um passado
ou uma “coisa” antiga, que pode ser substituída por uma mais recente ou que atenda
às demandas de um mundo onde estas vivências são tidas como desnecessárias
e/ou pouco importantes para contribuir com o enriquecimento da cultura lúdica
infantil.
A cultura lúdica infantil não é estanque; ao contrário, é dinâmica,
inova-se a cada interação com as novas gerações. Dessa forma, o novo sempre
está em diálogo com as marcas do antigo, residindo aí a dialeticidade do lúdico
como elemento essencial da natureza humana.
A contemporaneidade trouxe desafios e exige novos olhares ou
mesmo mudanças de paradigmas; o muitas informações que não conseguimos
processar e que não chegam a se consolidar em conhecimentos vivenciados. Esse
ritmo acelerado e de transformações gera na sociedade um descompasso entre as
exigências do mundo globalizado e o tempo do “ser” humano, o que gera uma
sociedade ansiosa e temerosa. Nesse clima, somos estimulados a pensar um futuro
talvez incerto, que não nos pertence, no qual somos os meros espectadores. Assim,
o presente se esvai.
Raquel de Queiroz, escritora sensível, com a sua percepção
apurada, contribui para estruturar com clareza nosso pensamento ao dizer que
parece que a grande chaga de nosso tempo é não se contar com o futuro. E se o
futuro nada nos promete, por que cuidar do passado?
Vivemos num contexto de necessidades instantâneas, voltadas para
o imediatismo; o tempo de existir dos objetos, das pessoas e dos lugares é pensado
14
no breve espaço de algumas décadas. Essas constatações fizeram surgir a
curiosidade, o interesse e, por fim, a necessidade de pesquisar sobre as revelações
da história, da transmissão e preservação cultural por meio dos jogos e brincadeiras
da cultura japonesa na cidade de Londrina. Percebemos que as tradições culturais
lúdicas dessa cultura em nossa cidade estavam se perdendo e, como educadora de
crianças na faixa etária de 3 a 6 anos, fui levada a repensar nosso papel para
contribuir nesse processo de preservar estas tradições.
Nossa trajetória como educadora oportunizou o envolvimento em
projetos na Universidade Estadual de Londrina em parceria com a instituição de
educação na qual trabalhei por 15 anos. Por meio desses projetos, conhecemos a
artista plástica Iara Strobel Camargo, que também era a responsável pela
estruturação do primeiro Arquivo Cultural de Londrina, que seria mantido pelo
extinto Banco Banestado. Assim, recebemos o convite para fazer parte da equipe
que estava se consolidando.
A casa da família Röerig, localizada na Avenida Higienópolis, não
poderia ser mais apropriada para ser a sede do projeto, pois fora construída na
década de 50 e estava preservada em sua arquitetura original. Era conhecida como
a casa dos anões que, nos tempos áureos, recebia a visita de curiosos em seus
jardins.
Essa equipe ficaria incumbida de fazer um levantamento de todo
registro de imagens, documentos escritos e preservação da memória local. A nossa
contribuição seria fazer um levantamento sobre jogos, brincadeiras, brinquedos,
músicas, trajes da época, trazidos pelos imigrantes, tendo em conta as
características particulares de Londrina enquanto formação cultural. Também faria
parte do projeto, oferecer à comunidade oficinas nas quais os brinquedos, jogos,
músicas e peças do vestuário fossem reconstruídos com a colaboração dos
pioneiros ou de seus descendentes.
Infelizmente, a ideia do Arquivo Cultural não se concretizou, visto
que a venda da instituição financeira que o patrocinava e a troca na sua diretoria fez
com que os projetos fossem abandonados. Dessa forma, parte do material foi
restituído às famílias e outra parte, que havia sido adquirida, hoje faz parte do
acervo do Banco Itaú.
Ao pensar na nossa atuação profissional, como educadora da
Educação Infantil e Ensino Fundamental, e no trabalho realizado diariamente com
propostas envolvendo situações de aprendizagem lúdicas, observamos o quanto as
15
crianças, nessas interações e aprendizagens, inserem-se num processo construído
que não vem pronto e acabado. Percebemos também que as crianças eram ativas,
alegres, cheias de energia e que tais manifestações faziam parte do seu crescimento
e desenvolvimento, o que criava naquele contexto uma cultura infantil própria. No
entanto, a nossa preocupação não era idealizar estas manifestações lúdicas infantis,
mas sim interagir e traduzir seus desejos, suas necessidades de movimento e de
expressão, em um trabalho pedagógico capaz de permitir que estas manifestações
lúdicas fosse o centro da atuação.
É farta a literatura que nos aponta que, ainda hoje, em algumas
instituições, persiste a percepção de que as brincadeiras e os jogos são apenas uma
estratégia de ensino, um meio para o trabalho específico de conteúdos. Essa
concepção da ludicidade caracteriza a cisão entre o lúdico e o pedagógico, motivada
pela inconsistência teórica dos educadores a respeito da importância do lúdico como
elemento fundamental para o desenvolvimento e aprendizagem infantil. Muitas
vezes, o discurso não se mantém na prática, a qual evidencia os revezes e as
surpresas que a atuação das crianças traz nas interações.
Nessas vivências profissionais e acadêmicas, percebemos que as
situações de jogos, brincadeiras e diversão não eram valorizadas, conhecidas e
consideradas importantes como um patrimônio a ser transmitido e preservado em
ambientes educacionais.
O objeto deste trabalho de mestrado se originou dos novos
questionamentos levantados durante a composição da monografia de
especialização, que motivou novas inquietações, fazendo com que uma vez mais o
lúdico se tornasse o centro de nossas leituras e pensamentos.
O objetivo desta pesquisa é resgatar, por meio da história de vida
dos imigrantes japoneses que chegaram a Londrina na época da sua fundação, sua
“memória lúdica”, tornando possível um contato direto com a produção cultural dessa
comunidade, em especial, seus jogos e brincadeiras. Esse procedimento tornará
possível a posse do bem cultural como sendo o seu próprio e vice-versa, atuando
como forma de resgate.
Assim, contemplamos os seguintes objetivos específicos:
Refletir teoricamente sobre a questão da transmissão de cultura
em nossa sociedade;
Viabilizar por meio do resgate da memória lúdica, o resgate da
memória histórica;
16
Constituir fonte de recuperação da memória, preservação e
divulgação da atividade lúdica no contexto da imigração japonesa;
Levantar de que maneira a memória lúdica da cultura japonesa
foi incorporada e preservada pelos imigrantes japoneses em Londrina.
É importante ressaltar que o resgate dessa memória lúdica levou em
conta as características culturais particulares de Londrina, formada a partir de
combinações de manifestações culturais dos imigrantes japoneses que para
vieram e que tiveram sua cultura lúdica miscigenada com as condições culturais e
ambientais.
ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
Na parte introdutória deste estudo, encontram-se as motivações que
conduziram à colocação norteadora que nos levaram à pesquisa e apresentam-se as
opções metodológicas, explicitando a especificidade do estudo, o tipo de pesquisa, o
universo de abrangência e os sujeitos.
O Capítulo 1 apresenta a temática da memória e cultura. Os jogos e
as brincadeiras são mostrados como elementos de transmissão e preservação
cultural. Ainda, nesse capítulo, ressaltamos a importância da formação cultural, dos
tempos históricos com suas práticas cotidianas que deixam traços no presente.
O Capítulo 2 explora os jogos e brincadeiras como elementos da
cultura lúdica infantil, considerando que o brincar, a brincadeira e os jogos estão
associados a uma imagem de criança construída historicamente.
No Capítulo 3, são resgatados alguns pontos históricos de Londrina
em relação às tradições culturais japonesas bem como o processo de inserção
dessa cultura na referida cidade, apresentando as trajetórias destas famílias.
Na sequência, no Capítulo 4, são apresentadas as narrativas dos
sujeitos da pesquisa com vistas a demonstrar os resultados quanto às informações
obtidas por meio de entrevistas prestadas pelas mesmas. Destacamos nessas
narrativas a memória lúdica em relação às brincadeiras e jogos de sua cultura e as
brincadeiras levantadas por meio deste resgate, apresentando suas características
principais e as imagens obtidas na pesquisa. Como são raros os registros de jogos e
brincadeiras japonesas, criamos ilustrações para esse trabalho a fim de retratar
17
essas situações. Respeitamos o olhar da ilustradora que recentemente havia
chegado ao Brasil vinda de sua terra natal, o Japão, trazendo consigo a sua
concepção peculiar.
Por fim, são realizadas as Considerações Finais a partir dos dados
coletados e analisados no último capítulo. Consideramos o resgate da memória
histórica por meio da memória lúdica fundamental para a preservação do patrimônio
cultural lúdico preservado pelos imigrantes japoneses em Londrina. Por isso, nesta
pesquisa, procuramos refletir sobre a questão da transmissão de cultura como fonte
de recuperação da memória, preservação e divulgação das tradições lúdicas,
estabelecendo um diálogo histórico de culturas mediado pelos brinquedos e jogos.
Julgamos que a contribuição desta pesquisa possa viabilizar novas
reflexões e discussões sobre a importância de oportunizar tempos e espaços para o
resgate das tradições lúdicas de modo a manter viva dentro dos contextos das
instituições escolares, o diálogo entre as gerações.
CONTEXTUALIZAÇÃO METODOLÓGICA
Característica da abordagem etnográfica de pesquisa
Nesta caminhada, buscamos, fazendo uso da memória lúdica,
construir a memória histórica dos imigrantes japoneses, ou seja, neste processo de
pesquisa, resgatamos elementos da cultura japonesa por meio das revelações que
passo a passo são desveladas neste trabalho.
As leituras realizadas que estruturaram este trabalho de pesquisa
apontam para o fato de que cada cultura constrói um sistema próprio de significados.
Isso nos leva a entender que a memória, enquanto prática social é historicamente
constituída e fortemente ligada a conceitos, ideias e valores.
Encontramos na riqueza de tradições da comunidade japonesa um
campo fértil para nossa pesquisa. A vontade de conhecer esse grupo cultural no
contexto da cidade de Londrina nos fez optar por um estudo de natureza etnográfica,
a fim de compreender o significado atribuído ao fenômeno investigado, a partir da
perspectiva das pessoas pertencentes a essa cultura.
18
A etnografia é tradicionalmente aplicada ao estudo de uma cultura
“inteira” e tem por objetivo a sua descrição. O produto da etnografia é buscar
entender a cultura e seus elementos. O estudo de caso etnográfico faz parte da
abordagem descritivo-qualitativa da pesquisa, que tem como peculiaridade a
valorização do ser/estar junto do grupo cultural.
Segundo Bogdan e Biklen (1994), a pesquisa qualitativa envolve a
obtenção de dados descritivos, obtidos no contato direto do pesquisador com a
situação estudada, enfatizando mais o processo do que o produto e preocupando-se
em retratar a perspectiva dos participantes.
A principal preocupação na etnografia é com o significado que têm as
ações e os eventos para as pessoas ou grupos estudados. Alguns
desses significados são diretamente expressos pela linguagem;
outros são transmitidos indiretamente por meio das ações. (ANDRÉ,
1995, p.19).
Para tanto, o pesquisador precisa engajar-se no processo que
envolva a observação participante, pois é ela quem vai alimentar a pesquisa de
informações a partir da perspectiva do informante. Incluímos também outros
métodos etnográficos como a entrevista, as notas de campo e as histórias de vida.
As pesquisas realizadas por meio do estudo de caso etnográfico
buscam o conhecimento do particular. São descritivos e indutivos e buscam a
totalidade, possibilitando aos participantes da pesquisa maior flexibilidade com
relação aos dados recolhidos por meio do trabalho de campo. Além disso,
proporcionam ao grupo uma grande capacidade de descoberta e de novas
significações e relações capazes de ampliar as experiências tanto no âmbito pessoal
como coletivo. Os objetivos desejados ou planejados pelo pesquisador devem
focalizar resultados humanistas ou diferenças culturais, ao invés de ele se preocupar
com resultados comportamentais ou com diferenças individuais.
Dessa forma, é possível produzir a descrição dos processos
interativos envolvidos na descoberta de variáveis importantes e recorrentes que
afetam ou produzem certos resultados sociais. Ademais, os conhecimentos válidos
para a pesquisa etnográfica são experiências e vivências dignas de credibilidade. O
pesquisador não julga as informações recebidas dos participantes, mas sim as
descreve, tendo na ação investigativa o ato de registrar as variações únicas do
fenômeno social e como elas têm sido observadas ou experimentadas nas ações e
na linguagem dos membros participantes.
É prudente ao pesquisador, tão envolvido e imerso no cotidiano do
19
grupo que observa, assumir a postura de completo estranhamento a respeito do que
lhe parece familiar. Em outras palavras, é necessário saber lidar com as percepções
e opiniões formadas, reconstituindo-as em novas bases, levando em conta as
experiências pessoais, sem descuidar do referencial teórico e de procedimentos
metodológicos específicos.
A pesquisa etnográfica requer métodos que permitam processar o
fenômeno observado de tal modo que se possa, indutivamente, construir uma teoria
a partir da perspectiva das pessoas pertencentes à cultura em que esse fenômeno
toma lugar.
Contudo, para trabalhar nessa perspectiva, não podemos descartar
que os indivíduos são portadores de uma história pessoal vivida num contexto
histórico, social, cognitivo e afetivo. A memória não é estanque e está em constante
evolução, fazendo surgirem novos significantes e significações.
Implica para o pesquisador “ter olhos de ver e ouvidos de ouvir”,
perceber cada palavra, cada gesto, ser sensível e ser sensibilizado pelas histórias
que ouvirá, pelos lugares que visitará e pela cordialidade que só as pessoas que têm
coisas para contar são capazes de disponibilizar.
Se memória é não passividade, mas forma organizadora é
importante respeitar os caminhos que os recordadores vão abrindo
na sua evocação porque são o mapa afetivo da sua experiência e da
experiência do seu grupo (BOSI, 2003, p.56).
Não nos esquecermos de que é a teoria e não o fenômeno sozinho
que a descrição etnográfica objetiva apresentar. Precisamos lembrar sempre que ela
não se acha limitada a livros, conceitos e chavões, mas encontra a sua significação
principal nas experiências da vida cotidiana. Para Maffesoli (1987, p.25), “a
objetividade cede lugar à intuição da experiência”. É preciso estar atento a coisas
simples, silenciosas e pequenas, valorizar o cotidiano, o que está acontecendo e o
que está por vias de surgir.
20
OS CAMINHOS DA PESQUISA
Num primeiro momento, no mês de outubro de 2005, fomos algumas
vezes ao Museu Histórico de Londrina à procura de material fotográfico e dados para
recompor a história da fundação de Londrina e dos imigrantes que chegaram na
data da sua fundação. Foram observações assistemáticas, sem muito controle ou
preocupação, mas que nos aproximavam da história dessa cidade e seus
“personagens”, fazendo aumentar o interesse e curiosidade.
A ideia inicial dessa pesquisa era levantar a trajetória de famílias de
imigrantes de várias etnias e resgatar características trazidas da sua cultura, em
especial, os aspectos da cultura lúdica de cada um desses grupos.
Paralelamente começamos a pensar na escolha das famílias e qual
critério usaríamos para assim proceder, que eram muitas as famílias com uma
história rica e interessante para ser recontada. tínhamos um contato inicial com
duas famílias e a admiração pela história particular delas dentro do contexto histórico
da cidade o que nos motivou a torná-los sujeitos especiais de nossa pesquisa.
Por meio das discussões realizadas entre a pesquisadora, a
orientadora e nos encontros da linha de pesquisa, percebemos a necessidade de
centrar o foco na primeira geração que aqui chegou e na última da mesma família.
Assim, acreditávamos traçar uma linha de pensamento interessante, pois, se a ideia
era levantar a cultura lúdica dessas famílias, os velhos e os jovens poderiam nos
auxiliar nessa investigação.
Procuramos as famílias, as quais, num primeiro momento, não se
mostraram muito interessadas em “expor” sua história. Fizeram várias perguntas
sobre o destino das informações, a privacidade e a integridade das pessoas
entrevistadas. Reiteraram junto à pesquisadora que, ao relembrar o passado, os
velhos ficam sensíveis e melancólicos. Explicamos o caráter da pesquisa e os
deixamos à vontade para conversarem com os demais membros da família.
Após alguns dias, recebemos um telefonema de um dos filhos da
família de imigrantes árabe, visivelmente emocionado com a ideia, pois sua mãe
havia se mostrado muito animada com o fato de conversar sobre o assunto.
Resolvemos então entrar em contato com a família de imigrantes italianos, que se
mostrou de início bastante reservada, mas disponíveis para o nosso primeiro
encontro.
21
Agendadas as visitas, olhos e ouvidos estavam atentos a tudo que
remetesse ao foco do trabalho. Folheando um jornal local, tomamos conhecimento
de um projeto de resgate de memórias de famílias de pioneiros, realizado por uma
empresa local de mídia eletrônica.
Entramos em contato com o coordenador do projeto e, com o diário
de campo em punho, fomos ao seu encontro para assistir o vídeo que conta a
história de uma família de pioneiros produzida por essa empresa. Ficamos por toda
manhã trocando impressões sobre o assunto e ele contou que o projeto era
realizado com a ajuda das famílias que tivessem o desejo de traçar a trajetória de
suas descendentes dentro da cidade de Londrina. Contudo, até aquele momento,
apenas algumas famílias haviam se mostrado interessadas em partilhar informações
e custos para efetivá-lo. Ficamos sabendo também que duas pessoas foram muito
importantes para o levantamento de dados. Eram eles o Sr. Klaus Nixdorf, que
estava à frente da Casa da Memória de Londrina, e o Sr. Willian Reis Meirelles,
diretor do Museu Histórico de Londrina.
Paralelamente a isso, haamos visitado as famílias e estávamos
iniciando um vínculo bastante promissor e frutífero. Nesse momento, recebemos a
notícia da morte da matriarca da família árabe, adoentada algumas semanas.
Portanto não havia mais da parte deles, o desejo de dar continuidade aos encontros.
Alguns meses depois, recebemos o telefonema gentil, em tom de
despedida, do filho mais velho da família de italianos, contando-nos que o patriarca
estava muito confuso, deprimido e choroso. Como havia a suspeita de que estaria
com doença de Alzheimer, pediram que deixássemos passar um tempo para retomar
os encontros.
Essa notícia aumentou ainda mais a ansiedade de estar com pouco
material de pesquisa em mãos. Procuramos, então, pelo diretor do museu e fomos
recebidas por ele, que se mostrou interessado na pesquisa. Na ocasião, apresentou-
nos a Sra. Áurea Keiko Yamane, responsável pela organização de todo o material
fotográfico do museu. Junto a ela, tomamos conhecimento de um material
fotográfico valioso que registravam a chegada dos pioneiros na cidade, as primeiras
construções e a abundância da vegetação. Havia poucos registros de crianças em
situação de brincadeiras, mas combinamos um novo encontro para quando ela
terminasse de fazer um levantamento mais detalhado sobre o material requisitado.
Também fomos apresentadas à Sra. Rosangela Ricieri Haddad,
responsável por toda a documentação escrita e que forneceu o material necessário
22
para iniciar o levantamento sobre a fundação de Londrina.
Durante as semanas de pesquisa no museu, fomos percebendo, por
meio do volume de material, que o leque de pesquisa era imenso e que, somado a
isso, não tínhamos mais os sujeitos para realizar nossa pesquisa.
Em uma das aulas do mestrado, fazíamos comentários sobre a
nossa pesquisa e, relatando ao grupo as dificuldades, foi sugerida a escolha da
comunidade japonesa por ser um grupo preocupado em repassar e preservar tudo o
que diz respeito à sua cultura.
Voltamos, então, para o museu, agora com outro encaminhamento.
Era preciso buscar por imagens que remetessem a imigrantes japoneses em
situações de brincadeira. Nas nossas buscas por imagens, a Sra. Áurea nos auxiliou
muito e trocamos também impressões sobre a chegada dos japoneses e sobre as
contribuições da cultura oriental. Por meio dela, ficamos sabendo que, nos acervos
do fotógrafo Haruo Ohara, existiam muitas imagens de crianças em diversas
situações.
Aconselhadas por ela, também visitamos a Aliança Cultural
Brasil/Japão e marcamos um horário para conversar com a Profa. Estela
Okabayashi Fuzii, a primeira londrinense nissei e ativa colaboradora da instituição.
Também localizamos a família do Sr. Haruo Ohara e iniciamos os primeiros contatos
com seu neto Saulo Ohara. Ambos, sem saber, apontaram novos rumos para o
nosso trabalho.
Finalmente, pudemos, por meio das indicações, conhecer duas
famílias de imigrantes japoneses que contribuíram ainda mais para tornar nossa
pesquisa um trabalho vivo e dinâmico.
Sabendo que a pesquisa etnográfica valoriza a perspectiva
interpretativa dos sujeitos do grupo, as entrevistas foram feitas individualmente,
seguindo um roteiro previamente estabelecido (Anexo 1). No entanto, seu caráter é
flexível o suficiente para que outras questões emergissem durante a conversa, com
naturalidade. Dispensamos o uso de máquinas fotográficas ou vídeo por temer
invadir o espaço físico, social e emocional dos entrevistados. Mesmo sabendo que
perderíamos traços importantes de registro, realizamos os encontros só com o diário
de campo.
23
OS SUJEITOS DA PESQUISA
Os sujeitos da nossa pesquisa, escolhidos para o estudo aqui
apresentado, são dois descendentes de duas famílias pioneiras de Londrina. A
primeira a ser entrevistada foi a Sra. Estela Okabayashi, a primeira nissei nascida
em Londrina. O segundo, Saulo Haruo Ohara, é neto de Haruo Ohara, pioneiro da
cidade que, por meio das imagens registradas por sua máquina fotográfica e
carinhosamente organizadas por seu neto, fornecem fonte eterna de conhecimento,
resgate e preservação.
24
CAPÍTULO 1 MEMÓRIA, CULTURA E IDENTIDADE: ENTRE AS LEMBRANÇAS E
O ESQUECIMENTO
Figura 1- Frase que Haruo transcrevia constantemente em diários, álbuns fotográficos e
cartas.
Fonte: livro Lavrador de Imagens.
25
MEMÓRIA, CULTURA E IDENTIDADE: ENTRE AS LEMBRANÇAS E O
ESQUECIMENTO
1.1 MEMÓRIA E CULTURA
Água de beber, bica no quintal, sede de viver tudo. E o esquecer era
tão, normal, que o tempo parava. E a meninada respirava o vento,
até vir a noite e os velhos falavam coisas dessa vida. Eu era criança,
hoje é você e no amanhã, nós...
Milton Nascimento
Não é incomum, ao refletirmos sobre a memória, nos remetermos
quase que instantaneamente a algum fato vivido, a alguém, a um lugar, um tempo...
É como um leque que a cada abertura mostra seu desenho mais e mais até compor
uma imagem que traz diferentes significados para quem o vê.
Também podemos experimentar aromas que nos vêm em tardes
quentes e ensolaradas, nos remetendo à lembrança de alguém que, sentado
debaixo de uma figueira, nos contou histórias sobre um tempo que não vivemos. No
entanto, só de sentirmos o seu perfume, experimentamos uma sensação tão intensa,
que tomamos como se fosse nossa, só nossa, essa lembrança. Assim, vamos
atribuindo sentido às nossas experiências.
A intenção nesse capítulo não é questionar a veracidade das
lembranças, mas entender como ocorre o processo de apropriação, estruturação e
transmissão do que é preservado por um determinado grupo, viabilizando o resgate
da memória lúdica como suporte para o resgate da memória histórica.
Muitos o os modos de se pensar e de falar sobre memória.
Sabemos que não é fato simples fazê-lo. Estudá-la não é só fazer alusão às
lembranças e sim estudar os meios, os modos, os recursos criados coletivamente no
processo de produção e apropriação da cultura.
Nossa consciência atual é construída através de percepções e
atitudes do passado; reconhecemos uma pessoa, uma árvore, um
café da manhã, uma tarefa, porque os vimos ou já os
experimentamos (LOWENTHAL, 1998, p. 64).
Podemos dizer, dessa maneira, que toda a sociedade comporta
elementos que apontam para a necessidade de transformações e outras que tendem
26
a conservar e preservar elementos de sua tradição. A observação de ambas
possibilita-nos inferir o devir.
Não nos damos conta, porém seguimos vários “rituais” no nosso
cotidiano e a nossa consciência sobre essas “práticas” é pequena, sendo que
atribuímos valores ou utilidade às mesmas somente no momento presente.
O mélange de épocas geralmente passa despercebido, visto que é
tido como a própria natureza do presente. As facetas do passado,
que perduram em nossos gestos e palavras bem como em regras e
artefatos, surgem para nós com “passado” somente quando as
reconhecemos como tais (LOWENTHAL, 1998, p.64).
Aristóteles diz que toda memória implica na passagem do tempo.
Portanto, as criaturas vivas que são conscientes do tempo têm a capacidade de
lembrar-se. Para Bergson (1954), séculos de tradição são impregnados a cada
momento de percepção e criação, permeando não somente artefatos e cultura, mas
ainda as próprias células de nossos corpos.
para Butterfield (1924), o passado refere-se tanto ao âmbito
histórico quanto ao da memória, pois os seus cenários e experiências antecedem
nossas próprias vidas, mas o que já lemos, ouvimos e reiteramos tornam-se também
parte das lembranças. Dessa forma, quando concebemos o passado como algo
ligado ao presente, trazemos à tona os cenários e as experiências que compõem as
tradições culturais.
A capacidade de lembrar-se e de reviver esses elementos do
passado, ou seja, a memória torna-se um conhecimento. Entretanto, como vamos
tomando conhecimento do nosso passado?
Lowenthal (1998) nos acena com a ideia de que toda consciência do
passado está fundada na memória. Por meio das lembranças, somos capazes de
recuperar a consciência de acontecimentos anteriores, distinguindo o ontem do hoje.
Assim, temos certeza de que vivemos um passado, um tempo que pode ser
evocado tanto coletivamente como individualmente.
Lembrar é muitas vezes um ato solitário e individual. Acontece no
espaço e tempo, em que o sujeito portador da sua história pessoal vive e convive.
Halbwachs (1990) afirma que a memória individual existe sempre a partir de uma
memória coletiva, porém não se confunde com ela.
Certamente, se nossa impressão pode apoiar-se não somente sobre
nossa lembrança, mas também sobre a dos outros, nossa confiança
na exatidão de nossa evocação será maior, como se uma mesma
27
experiência fosse recomeçada, não somente pela mesma pessoa,
mas por várias (HALBWACHS, 1990, p.25).
Segundo o autor, não memória que seja somente “imaginação
pura e simples” ou representação histórica, visto que todo este processo de
construção da memória passa por um referencial que é o sujeito. A memória
individual existe sempre a partir de uma memória coletiva, que as lembranças
também são constituídas no interior de um grupo.
Assim sendo, as lembranças podem, a partir de uma vivência em
grupo, serem reconstruídas ou simuladas. A lembrança de acordo com Halbwachs
(1990), “é uma imagem engajada em outras imagens”. Ou ainda:
[...] a lembrança é em larga medida uma reconstrução do passado
com a ajuda de dados emprestados do presente, e, além disso,
preparada por outras reconstruções feitas em épocas anteriores e de
onde a imagem de outrora manifestou-se bem alterada
(HALBWACHS, 1990, p.71).
Tendo ajuda das lembranças de outras pessoas, podemos confirmar
as nossas próprias. Isso constitui um processo de reconstrução contínua em
parceria com os elementos coletivos da memória. Segundo Lowenthal (1998) “ao
contrário dos sonhos que são absolutamente particulares, as lembranças são
continuamente completadas pelas dos outros” (p.81).
É importante salientar que Halbwachs (1990) faz uma distinção entre
as memórias individuais ou autobiográficas e parte da memória coletiva que se
completam mutuamente. De acordo com autor, a primeira estaria relacionada à
história pessoal carregada de sentidos para o sujeito. E, como afirmamos
anteriormente, a memória individual é portadora de uma vivência particular,
enquanto a memória coletiva forma-se no sujeito segundo um contexto histórico-
cultural. A memória coletiva situa-se no tempo e no espaço compondo um cenário de
continuidade de acontecimentos que forma uma ponte entre o passado e o presente.
[...] uma outra memória que chamaríamos histórica, onde não
podemos conhecer, então, tão bem que por uma penetraríamos num
meio na qual nossa vida desenrolava sem disso nos percebermos,
enquanto a outra nos colocaria em contato com nós mesmos ou com
um eu alargado (HALBWACHS, 1990, p.60).
Pelo fato de a memória individual e a coletiva se completarem,
deparamo-nos com informações externas a nós mesmos. Nossa memória individual
mescla-se e relaciona-se com as percepções produzidas pela memória coletiva e
pela memória histórica. Desse modo, ambas buscam a continuidade dos fatos,
28
unindo e aproximando o passado e o presente.
A memória coletiva transcende os limites do passado para nos
aproximar do movimento vivo das tradições e costumes dos grupos sociais.
Abrange os acontecimentos sócio-históricos compartilhados por todos os
participantes de um grupo.
O tempo coletivo é visto como um agente que nos permite ter um
ponto referencial das coisas que podemos conservar e lembrar sobre
os acontecimentos vividos (CARDOSO, 2004, p.17).
Nesse sentido, podemos dizer que os sujeitos se agrupam em torno
de práticas e vivências que os aproxima, criando, dessa forma, uma identidade que
se torna um referencial com acontecimentos vividos que une um determinado grupo.
O passado vivificado pelas lembranças coletivas confirma a identidade social que em
parte é responsável pela identidade individual.
Relembrar o passado é crucial para nosso sentido de identidade:
saber o que fomos confirma o que somos. Nossa continuidade
depende inteiramente da memória; recordar experiências passadas
nos liga a nossos selves anteriores, por mais diferente que tenhamos
nos tornado (LOWENTHAL, 1998, p.83).
Os referenciais compostos pela memória individual inserem-se na
memória da coletividade a que pertencemos. O grupo deixa marcas desta identidade
nos elementos culturais que podem ser encontrados, por exemplo, nos museus, nas
paisagens, no patrimônio arquitetônico, nas datas históricas e seus personagens,
nas tradições e costumes, no folclore, na música, na culinária. É possível tomar
esses pontos de referência como indicadores empíricos da memória coletiva de um
determinado grupo e seus aspectos de identidade, pois:
[...] uma memória também que, ao definir o que é comum a um grupo
e o que, os diferencia dos outros, fundamenta e reforça o sentimento
de pertencimento e as fronteiras sócio-culturais (POLLAK, 1989, p.3).
Podemos dizer que os registros históricos e lembranças nos levam a
supor que, afinal, existiu um passado. Tendo isso em mente, o homem foi criando
meios para assegurar o não esquecimento e cada grupo, a sua identidade cultural.
Ao evocar os elementos dessa memória, o sujeito retoma, reconstrói e resignifica
suas experiências, dando-lhes um novo sentido e confirmando aquilo que ele é e foi
dentro de seu grupo. Não se trata de uma alienação, isto é, a absorção irrefletida de
cultura e das memórias, e sim da adesão a uma comunidade afetiva.
Assim também Halbwachs, longe de ver nessa memória coletiva uma
imposição, uma forma específica de dominação ou violência
29
simbólica, acentua as funções positivas desempenhadas pela
memória comum, a saber, de reforçar a coesão social, não pela
coerção, mas pela adesão afetiva ao grupo, donde o termo que
utiliza, de “comunidade afetiva” (POLLAK, 1989, p.4).
Para que exista a preservação da memória de grupo, é também
necessário um pensamento ou desejo comum que os una e confira-lhes identidade.
O sentimento de pertencimento forma essa comunidade afetiva, que fundamenta e
reforça a memória comum criada pelo grupo.
É essa identidade, e não ela, que faz com que um grupo
significado afetivo àquilo que não quer esquecer como algo fundamental para a
manutenção e construção do grupo. Esse trabalho de construção e de enraizamento
da memória é, como já assinalamos anteriormente, um ato permanente.
Mostra-se um mundo memorial guardado no esquecimento, prestes a
mostrar o peso das lembranças, também pessoais e coletivas,
apropriadas pelo indivíduo a partir de um repertório ampliado,
coletivamente tecido (PINTO, 1998, p.210).
Também podemos observar que um grupo pode experimentar a
ressignificação da sua identidade e, consequentemente, de seus referenciais,
levando-os a ativar os mecanismos da preservação. Durante esse processo, o
desapego e o esquecimento da memória coletiva pode ser desencadeado por vários
motivos, por exemplo, o foco de interesse dos sujeitos pode modificar-se, levando-os
a “migrar” para um grupo no qual o centro de interesse seja o mesmo que o seu
naquele momento.
Envolvidos nesse “espírito” de identidade que conserva práticas e
correntes de pensamento, os grupos elegem o que deve ser preservado e o que tem
significado, ou seja, o repertório cultural e memorial que se torna importante para ser
lembrado.
Muitas são as maneiras dos grupos se organizarem no tempo e no
espaço, o que configura um emaranhado de pessoas e ideias com as quais
interagimos no decorrer da nossa existência. Em nossa cultura, podemos enumerar
como exemplos a família, os vizinhos, os clubes de serviço, a equipe de trabalho, o
grupo de estudos, o grupo da igreja, da academia, de pais e de preservação da
natureza, só para citar alguns. Halbwachs (1990) nos ensina que “cada grupo
definido localmente tem sua própria memória e uma representação de tempo que é
somente dele” (p. 106).
Cada grupo constrói sua identidade a partir da maneira como
30
interpreta e significa os fatos cotidianos, que se enraízam numa memória comum
repleta de referenciais e acontecimentos vividos. Para que se forme e se fortaleça, é
necessário um diálogo contínuo entre o passado e presente que agregue o grupo.
Ao nos reunirmos num grupo de amigos, podemos nos lembrar de
fatos que ocorreram na infância, como, por exemplo, o subir numa árvore, o cheiro
bom do pão da avó, o barulho das chaves sobre a mesa anunciando que o avô
chegou e junto com ele, as balas... Encontramos nessas lembranças pontos em
comum, recriando e reconstruindo nossas próprias experiências a partir da
experiência do outro e, com isso, vamos atribuindo um novo sentido a elas, pois
fomos tocados pela “vivência” ontogênica e filogênica da humanidade.
Os trabalhos de Vygotsky (1984) apontam, ainda que de maneira
diferenciada, para essa mesma ideia:
Ao ser capaz de imaginar o que não viu, ao poder conceber o que
não experimentou pessoal e diretamente, baseando-se em relatos e
descrições alheias, o homem não está encerrado no estreito círculo
da sua própria experiência, mas pode ir muito além de seus limites
apropriando-se, com base na imaginação, das experiências
históricas e sociais alheias (p.21).
Nessa perspectiva, estudar a memória do homem não é estudar
uma função mnemônica” isolada, é estudar a natureza e o valor do conhecimento
da memória. Não se trata apenas do processo da memória em si e sim de ver o
trabalho de recuperação da memória como uma profunda necessidade de
enraizamento, condição para não nos esquecermos quem somos. Essa ideia é
referenciada por Bosi (2003) quando afirma que “o desenraizamento é condição
desagregadora da memória” (p.28).
A perda da memória destrói a personalidade e priva a vida de
significados:
[...] a recordação da infância começa a se apagar de sua memória,
depois o nome e a noção das coisas, e finalmente a identidade das
pessoas, e até mesmo a consciência de seu próprio ser,... até que
mergulha numa espécie de imbecilidade que não tem passado
(MARQUEZ, 1988, p.46).
A humanidade necessita dessa “certeza” da continuidade para
assegurar-lhe o conforto do não esquecimento. Buscamos dar às nossas
recordações um sentido para lembrar sempre de quem somos.
Criamos mecanismos para garantir o processo de estruturação e
transmissão do que pode ser recuperado pelo grupo. Sem dúvida, a linguagem é um
31
dos elementos fundamentais da socialização da memória. Muitas vezes, ela é
questionada por sua subjetividade; no entanto, é ela quem nos oferece um rico e
vasto material de reflexão, pois perpetua e expande as ideias, os costumes e
tradições de um determinado grupo que sobrevive ao tempo.
A memória oral, longe da unilateralidade para a qual tendem certas
instituições, faz intervir pontos de vista contraditórios, pelo menos
distintos entre eles, e se encontra a sua maior riqueza. Ela não
pode atingir uma teoria da história nem pretender tal fato: ela ilustra o
que chamamos hoje a História das Mentalidades, a História das
Sensibilidades (BOSI, 2003, p.15).
Nas palavras da autora, a história que se apoia unicamente em
documentos oficiais não pode dar conta das paixões individuais que se escondem
por trás dos episódios. Podemos considerar, então, que apenas os documentos não
fornecem as trajetórias dos fatos, isso porque as emoções e os ricos detalhes que
estão na “cena” de um episódio, seja ele vivido no individual ou no coletivo, muitas
vezes, não são levados em conta nos processos de recuperação da memória.
Poucos são os documentos que têm a força de captar os sentimentos de um
imigrante ao chegar ao seu destino ou ainda as emoções de um guerreiro ao
enfrentar seu adversário. Nora (apud BOSI, 2003) nos lembra que “a memória se
enraíza no concreto, no espaço, gesto, imagem e objeto. A história se liga apenas às
continuidades temporais, às evoluções e às relações entre as coisas” (p.16).
Para Lowenthal (1998), a natureza subjetiva da memória torna-se
um guia a um tempo seguro e dúbio para o passado. As lembranças inspiram
confiança porque acreditamos que elas foram registradas na época; elas têm status
de testemunha ocular. Entretanto, não confiança que ateste a veracidade de
nenhuma lembrança específica.
1.2 MEMÓRIA E IDENTIDADE: ENTRE AS LEMBRANÇAS E O ESQUECIMENTO
Com o tempo, não vamos ficando sozinhos apenas pelos que se foram:
vamos ficando sozinhos uns dos outros.
Mario Quintana
Bosi (2003) aponta que, nos estudos sobre a memória, duas ideias
32
estão interligadas: as lembranças e os esquecimentos. São duas faces de uma
mesma moeda, visto que os:
Esquecimentos, omissões, os trechos desfiados de narrativa são
exemplos significativos de como se deu a incidência do fato histórico
no quotidiano das pessoas. Dos traços que deixou na sensibilidade
popular daquela época (BOSI, 2003, p.18).
Os relatos que a princípio podem parecer confusos e sem
“objetividade”, aos poucos vão expressando as experiências, transformando o que
parece estar fragmentado em algo ordenado.
As lembranças precisam ser continuamente descartadas e
combinadas; somente o esquecimento nos possibilita classificar e
estabelecer ordem no caos. “Uma importante condição para o
lembrar”, como coloca Whitrow, “é nossa capacidade de esquecer”
(LOWENTHAL, 1998, p.95).
Essa oportunidade de (res)significar nossa própria existência a partir
do outro é que nos devolve novas maneiras de conceber o mundo, pois, como
coloca Lowenthal (1998, p.94), “toda memória transmuta experiência, destila o
passado em vez de simplesmente refleti-lo”.
O novo inicia um processo de descontinuidade entre o presente e o
passado, permite a criação de novos hábitos e de uma identidade ressignificada nos
elementos culturais que formam a memória comum de um grupo. O novo rompe a
continuidade e permite a ação do esquecimento que, em si, é algo dinâmico que nos
faz respirar um novo ar.
À medida que o hábito tudo enfraquece, aquilo que melhor nos faz
lembrar de uma pessoa é exatamente o que havíamos esquecido. É
tão-somente a esse esquecimento que conseguimos de tempos em
tempos recuperar a pessoa que fomos, colocar-nos em relação às
coisas assim como aquela pessoa se colocava... Devido à ação do
esquecimento, a memória retorna... nos faz respirar um novo ar, um
ar que é novo precisamente porque o havíamos respirado no
passado...uma vez que os verdadeiros paraísos são os paraísos que
perdemos (PROUST apud LOWENTHAL, 1998, p.97).
um outro tipo de “esquecimento” que faz com que os objetos, as
paisagens e as pessoas sejam substituídos por outras. Em nome de uma
modernidade que não vive seu tempo, mas destrói os vestígios de um passado, não
temos consciência de que o que somos está intimamente ligado ao que fomos.
Falar do passado torna-se algo destituído de sentido como se quem
falasse dele fosse por excelência alguém que não vive o seu tempo e, portanto,
“atrasado” em relação ao presente. Todavia, como diz Bosi (2003, p.19), “o presente,
33
entregue às suas incertezas e voltado apenas para o futuro imediato, seria uma
prisão”. Não nos damos conta de que é por meio do vínculo com o passado que
extraímos a força para a formação de identidade.
O desconhecimento nos deixa sem referenciais e um bom exemplo
disso encontra-se nos Museus de Cera da costa californiana, onde são reproduzidos
num mesmo ambiente os personagens de vários momentos da história.
Quando você vê Tom Sawyer depois de Mozart ou penetra na gruta
do Planeta dos Macacos após ter assistido ao Sermão da Montanha
com Jesus e os Apóstolos, a distinção lógica entre o Mundo Real e
Mundos Possíveis foi definitivamente comprometida (ECO, 1984,
p.21).
Eco (1984), grande estudioso da semiótica, lança esse olhar crítico a
esses museus, vendo neles o apenas o que são em si ou o que aparentam ser,
mas o que querem dizer ao comunicar-se com os sujeitos que ali transitam.
A falta de repertórios culturais empobrece a nossa identidade e nem
sequer nos damos conta de que é isso exatamente o que está acontecendo. Somos
fruto de uma cultura neoliberal que descarta muito rápido as tradições sem ao
menos entender seus símbolos e seus possíveis significados. Para Bosi (2003), isso
se deve ao processo da alienação que embota a cognição:
A sociedade de consumo é apenas mais rápida na produção,
circulação e descarte dos objetos de status. E certamente menos
requintada e mais pueril do que a burguesia francesa ou alemã do
começo do século. Mas não mais cruel (p.29).
A autora afirma que a memória pode nos salvar dessa armadilha
porque adquire uma função decisiva na nossa existência, que “ela permite a
relação do corpo presente com o passado e, ao mesmo tempo, interfere no curso
atual das representações” (BOSI, 2003, p.36). Essa relação se estabelece sob um
tempo vivido, recortado e interligado pela cultura e pelo sujeito:
A memória é, sim, um trabalho sobre o tempo, mas sobre o tempo
vivido, conotado pela cultura e pelo indivíduo. O tempo não flui
uniformemente, o homem tornou o tempo humano em cada
sociedade. Cada classe o vive diferentemente, assim como cada
pessoa (BOSI, 2003, p.53).
O tempo não é natural, é essencialmente uma criação humana não
uniforme e situada historicamente. Nem sempre os tempos históricos correspondem
aos tempos vividos, sentidos e significados pela pessoa humana. Esses tempos
humanos carregam outras dimensões e, dessa maneira, comportam análises mais
ricas daquilo que vivenciamos no cotidiano.
34
A nossa vida cotidiana é perpassada por informações, gostos e
práticas de origens diversas. Logo podemos falar na existência de uma pluralidade
de contextos culturais, fruto de experiências diversas estabelecidas no cotidiano e
que expressam características de ordem étnica, socioeconômica, etária, entre
outras.
Logo, se a construção da memória se pelos signos fornecidos
pela cultura, podemos articular nossas ideias para a possibilidade de resgatar por
meio dos brinquedos, dos jogos e do divertimento o que caracterizaram as práticas
de uma determinada cultura.
Cabe, então, considerarmos a brincadeira como prática e como
produto cultural, pois ela é também reconhecida, juntamente com outras
apropriações criadas pelo grupo como sendo universais, ou seja, não pertencem
apenas a um sujeito, mas a todos. Os elementos lúdicos, tais como brinquedos e
jogos, são considerados como parte do patrimônio cultural humano, da mesma
forma que certos ritos ou certas estruturas básicas de organização social.
Não é novidade nenhuma dizer que os conceitos de infância e de
criança são ideias construídas e estão em permanente reelaboração social e
culturalmente. Mantêm, portanto, relação ampla com dimensões históricas,
econômicas e culturais que envolvem e encaminham direções e sentidos para a vida
em sociedade. Nessa perspectiva, a noção dos jogos e brincadeiras pode ser
considerada como a representação e interpretação de determinadas atividades
infantis em consonância com a diversidade sociocultural dos ambientes em que se
encontram.
São os conceitos dinâmicos sobre a infância e crianças no decorrer
de diversos períodos históricos que vão diferenciar o olhar que lançamos sobre o
que é ser criança, sobre o brincar e o jogar, imagens refletidas no espelho da
cultura.
35
CAPÍTULO 2 JOGOS E BRINCADEIRAS COMO ELEMENTOS DA CULTURA
Figura 2 - Registro de um piquenique no Ribeirão Três Bocas, um dos refúgios naturais
da década de 1950 (Foto Haruo Ohara).
Fonte: livro Lavrador de Imagens.
36
JOGOS E BRINCADEIRAS COMO ELEMENTOS DA CULTURA
2.1 JOGOS E BRINCADEIRAS COMO ELEMENTOS DA CULTURA LÚDICA INFANTIL
A história não se transmite de cima para baixo. Ela é transmitida de
baixo para cima... A história está no quicar de uma bola... no estalido
de uma corda de pular.
W. R. Rodgers
Mergulhada em seus pensamentos, uma senhora é atraída pelo som
produzido por um grupo de crianças bem próximas a ela. Parecem organizar uma
brincadeira e ela percebe tratar-se de uma velha conhecida sua. Pouco a pouco, seu
interesse aumenta; ela se identifica com aquelas meninas e põe-se a buscar na
memória um tempo em que brincava de amarelinha com suas filhas, hoje crescidas
e distantes. “O que teria mudado?”, pensa ela. “Será que ainda jogam pedrinhas
para marcar a casa que não devem pisar?”
Por certo, um repertório de significados vem à tona e, naquele
momento, parte do cenário, do tempo e do momento experimentados por ela são
revividos e são esses significados que a trazem, por um segundo, para perto do
universo daquelas crianças.
Muitas vezes, nós, como espectadores adultos das brincadeiras de
crianças, ao “assistirmos” a um jogo de amarelinha, enxergamos a organização em
torno da montagem da trilha, o vigor do movimento, as estratégias para resolver
quem começa o jogo e a euforia que elas experimentam nessas relações com
seus pares. Mas o gesto vai além. Ao brincarem, as crianças estão resgatando e
recriando movimentos, expressões e sentimentos que as aproxima dos seus mais
distantes antepassados, mostrando-as como seres humanos exercendo as
capacidades humanas de apropriação e transmissão de práticas culturais.
O conjunto de ações e frutos de ações humanas, transmitidos de
geração em geração, constituem a identidade de um grupo humano
e, ao mesmo tempo, o meio em que e pelo qual se constitui a
identidade de seus membros. (CARVALHO, 1989, p.85).
Para Brougère (1998), trata-se de uma atitude mental e uma
linguagem baseada na atribuição de significados diferentes aos objetos e à
37
linguagem, comunicados e expressos por um sistema próprio de signos e sinais.
Durante todo o tempo da brincadeira, as crianças entram em contato com signos
produzidos pela cultura à qual pertencem.
Nós também revivemos brincadeiras repletas de forte valor cultural,
muitas vezes sem ter consciência, que são continuamente transmitidas e
transformadas. Elas se mantêm porque encontraram campo fértil para brotar, afinal,
“o Homo Sapiens é uma criatura lúdica e curiosa” (OTTA apud CARVALHO, 1989).
O estímulo para brincar vem de dentro das crianças, por meio das
interações com os sujeitos e objetos que permeiam o seu contexto. É a maneira
como elas aprendem a respeito do mundo, adquirem referências e valores de nossa
sociedade. Essas são heranças filogeneticamente antigas, as quais impelem a
explorar ativamente o ambiente, buscando situações novas que promovem
aprendizagem (OTTA apud CARVALHO, 1989).
Os registros que a humanidade acumula reforçam a ideia de que
neles encontramos práticas que fazem parte da nossa cultura lúdica, o que nos
permite compreender determinada sociedade e cultura.
Enquanto os moinhos de vento muito desapareceram de nossos
campos, os cata-ventos continuam a ser vendidos nas lojas de
brinquedos, nos quiosques dos jardins públicos ou nas feiras. As
crianças constituem as sociedades humanas mais conservadoras.
(ARIÈS, 1981, p.88).
Todos nós desejamos deixar aos outros, experiências de nossa
infância, por necessidade de perpetuação ou de preservação. Ao tomarem contato
com os cata-ventos, as crianças, principalmente, são apresentadas ao universo do
coletivo, onde também agora se encontram inseridas. A cultura lúdica a que nos
referimos não se encontra desconectada da cultura como um todo, que é produto
das interações sociais. Sobre isso assinala Brougère (1998, p.27):
A cultura lúdica não está isolada da cultura geral. Essa influência é
multiforme e começa com o ambiente, as condições materiais. As
proibições dos pais, dos mestres, o espaço colocado à disposição da
escola, na cidade, em casa, vão pesar sobre a experiência lúdica.
Muitas são as definições para brinquedo, brincadeira e jogo.
Tentaremos, mesmo que superficialmente, demonstrar o significado do termo para
nosso trabalho. Segundo Brougère (1998):
[...] o ludus latino não é idêntico ao brincar francês. Cada cultura,
em função de analogias que estabelece, vai construir uma esfera
delimitada (de maneira mais vaga que precisa) daquilo que numa
38
determinada cultura é designável como jogo. O simples fato de
utilizar o termo não é neutro, mas traz em si um certo corte do real,
uma certa representação do mundo. (p. 20-21, grifo do autor).
Para Fantin (1996) os conceitos são contrários:
[...] chamar-se-á jogo (título provisório) toda situação estruturada por
regras, nas quais o sujeito se obriga a tomar livremente um certo
número de decisões tão racionais quanto possíveis, em função de
um contexto mais ou menos aleatório. (p. 79).
Essa divisão para Brougère (1998) é fruto da nossa cultura anterior
ao Romantismo ter associado o brincar a uma atividade que se opõe ao trabalho,
“caracterizada por sua futilidade e oposição ao que é sério”.
Dispor de uma cultura lúdica é dispor de um certo número de
referências que permitem interpretar como jogo atividades que
poderiam não ser vistas como tais por outras pessoas. Assim é que
são raras as crianças que se enganam quando se trata de
discriminar no recreio uma briga de verdade e uma briga de
brincadeira. (p.24).
Segundo Bomtempo (1987, p.13), a atividade de brincar “geralmente
é vista como uma situação livre de conflitos e tensões, havendo sempre um
elemento de prazer. Também é uma atividade com um fim em si mesma, pois não
há resultado biológico imediato que altere a existência do indivíduo”.
Recorremos ao Dicionário Aurélio Básico de Língua Portuguesa
(1988) para nos auxiliar nessa tentativa de diferenciar os termos, mas sabemos que
não se trata de terminologia. Encontramos o brincar definido como: divertir-se
infantilmente, entreter-se em jogos de criança. Já brincadeira: ato ou efeito de
brincar; divertimento, sobretudo entre crianças; brinquedo; jogo. Ao buscarmos por
jogo, encontramos a definição de atividade física ou mental organizada por um
sistema de regras que definem a perda ou o ganho; brinquedo, passatempo,
divertimento.
Não nos parece haver uma discrepância entre as três definições,
visto que não características importantes e/ou fortemente diferenciais, a não ser
pelo fato de aparecerem as regras, o ganhador e o perdedor.
Fernandes (2001), em seu belíssimo relato sobre a sua experiência
em um projeto de educação nãoformal, refletindo sobre os termos os quais citamos,
coloca-se de maneira coerente e lúcida sobre a questão.
Algumas atividades lúdicas trafegam por ambas as denominações, o
que parece poder indicar ambigüidades inerentes ao próprio jogo ou
brincadeira, mas o motivo que leva uma atividade a receber até duas
39
nomeações revela aquilo que a pessoa envolvida no brincar entende
como sendo a característica mais forte daquela atividade, ou seja,
revela que depende do ponto de vista do envolvido e do parâmetro
com o qual ele se vale para definir tal atividade como sendo de um
tipo ou de outro. (FERNANDES, p. 78).
Sabemos que não podemos nos limitar a uma única definição
totalizadora e definitiva. Por isso, adotamos o conceito de cultura lúdica abarcando
os conceitos de brincar, jogar e brincadeira na tentativa de estruturar nossas ideias.
A ideia de que o homem está inscrito num universo de trocas e
interações, assim como o tempo, os espaços, os parceiros e os objetos, é
fundamental para a ampliação do repertório lúdico de uma sociedade. O sentido que
atribuímos a essas atividades também é essencial para se falar numa cultura lúdica,
pois ela não é estanque; ela está em constante evolução.
Também sabemos que a visão sobre a infância foi se modificando
ao longo da história, o que permitiu enxergar as crianças como seres que possuem
identidade, vivências e lógica de pensamento próprio.
2.2 A CONCEPÇÃO DE INFÂNCIA E A CULTURA INFANTIL
Na Antiguidade, as crianças participavam tanto quanto os adultos
das mesmas festas, dos mesmos ritos e mesmas brincadeiras.
Segundo Ariès (1981, p.94), nessa época o trabalho não ocupava
tanto tempo do dia e nem tinha o mesmo valor existencial que lhe atribuímos nesse
último século. A participação de toda a comunidade, sem discriminação de idade,
nos jogos e divertimentos era um dos principais meios de que dispunha a sociedade
para estreitar seus laços coletivos e para se sentir unida.
Gradativamente, ainda segundo o autor, esses jogos, brincadeiras e
divertimentos passam a sofrer uma atitude moral e contraditória. Por um lado, eram
admitidos sem reservas pela grande maioria das pessoas; por outro, eram proibidos
e recriminados pelos moralistas e pela igreja, que os associavam aos prazeres
carnais, ao vício e ao azar. Assim, os adultos foram deixando de lado uma prática
considerada de criança, o brincar, porque essa apontaria para um homem entregue
ao ócio.
As pessoas de sociedade, muito ocupadas, não se divertem mais
como naquele bom tempo de ócio que viu florescer a moda dos
40
bilboquês e dos fantoches; hoje deixamos os brinquedos para as
crianças. (JACOBB apud ARIÈS, 1981, p.91).
Ariès (1981, p.94) enfatiza que, em tempos passados, o jogo era
visto como inútil, não sério. Foi depois do Romantismo, a partir do século XVIII, que
o jogo passa a ser mais valorizado e destinado a educar a criança.
A concepção de criança, tal qual entendemos na
contemporaneidade, inexistia até o fim da Idade Média. Essa concepção surgiu na
Renascença, após a revolução promovida pela palavra impressa, que socializou a
necessidade de alfabetização, multiplicou e tornou rotineiras as escolas,
hierarquizou o conhecimento por faixas etárias, disseminou noções de pudor,
estabelecendo limites bem demarcados entre crianças e adultos.
A escola que existia nesse momento, na Idade Média, não era
destinada especificamente às crianças; era uma espécie de escola técnica destinada
à instrução dos clérigos, jovens ou velhos. Era uma escola que misturava todas as
idades sem qualquer separação; poderia “acolher” da mesma forma e
indiferentemente as crianças, os jovens e os adultos. Importava a matéria a ser
ensinada a todos, qualquer que fosse a idade.
O “divertimento” não prosseguirá no estudo, o mestre não se apoiará
nesse atrativo imediato para prolongá-lo em observações mais
elaboradas [...]; não haverá ligação entre o interesse espontâneo da
criança e o trabalho que se espera dela, pois toda a pedagogia
tradicional se enraíza na convicção de que o que vincula a criança ao
mundo e aquilo com que se compraz não pode contribuir de modo
válido para sua educação (SNYDERS apud BROUGÈRE, 1998, p.
59).
A indiferença da escola com a formação infantil não era própria
apenas dos conservadores retrógrados. Os humanistas e os escolásticos
tradicionais também compartilhavam da mesma ideia, sem dar maior importância à
infância ou à juventude como fase para o desenvolvimento da aprendizagem e do
conhecimento. Dessa maneira, prevaleceu nesse momento, na educação, a
aprendizagem garantida através da convivência com os mais velhos. A criança
convivia com os adultos e participava de suas atividades rotineiras, compartilhando
das mesmas histórias e das mesmas conversas.
O traje também era uma forma de demonstrar que não existia uma
diferenciação entre a vida das crianças e dos adultos. Ariès destaca que “nada no
traje medieval separava as crianças do adulto. Não seria possível imaginar atitudes
mais diferentes com relação à infância” (1981, p.70). O traje era único, tanto para
41
meninos quanto para meninas, pobres ou ricos. Apenas no século XVII as crianças
de boa família, nobre ou burguesa, tinham um traje reservado à sua idade, o qual se
distinguia dos adultos.
A separação da convivência entre adultos e crianças concomitante à
especialização das vestimentas infantis são fatores que fortalecem o “sentimento de
infância”. Esse sentimento privilegiou primeiro os meninos, enquanto as meninas
permaneceram por muito tempo sendo confundidas com as mulheres adultas, por
sua educação privilegiar a aprendizagem doméstica.
Os filhos dos camponeses e dos artesãos continuavam a usar o
mesmo traje dos adultos, conservando o antigo modo de vida que não separava
crianças dos adultos, nem no trabalho, nem nos jogos e brincadeiras.
No entanto, algumas mudanças consideráveis alteraram o estado
das situações descritas até no final do século XVII e início do século XVIII.
Primeiramente, a escola se fortaleceu como um lugar privilegiado de aprendizagem
e educação da criança, como meio de educação. A criança não mais fazia parte das
atividades adultas e deixava de aprender pelo fazer, ou seja, por meio das
interações com o grupo. Ela passou a ser mantida à parte, num mundo próprio. Sua
educação ficou ao encargo não mais do grupo social (família e comunidade), mas
sim do mestre, tornando formalizado o processo de escolarização. Essa
escolarização visava a “educar” os modos e o corpo da criança para que ela
convivesse, no futuro, no contexto social. A concepção de infância passou a ser a de
que a criança é um devir.
A escola tornou-se um instrumento para a educação da infância e da
juventude em geral; logo, passou a ser uma instituição essencial da sociedade: com
um corpo docente separado, disciplina rigorosa, classes numerosas, aberto a um
número crescente de leigos, nobres e burgueses e a famílias mais populares. A
escola reunia alunos de oito/nove anos até quinze, submetidos a uma lei diferente
da que governava os adultos.
Essa “especificidade” marcava a distinção entre uma primeira
infância (mais longa) e uma infância escolástica. O término da primeira infância era
considerado por volta dos 5/6 anos, quando principalmente o menino deixava sua
mãe, sua ama ou suas criadas podendo, aos sete anos, frequentar a escola. A
justificativa para o retardamento da entrada na escola era a fraqueza e a
incapacidade dos pequenos.
Outro ponto fundamental que contribuiu para o fortalecimento do
42
“sentimento de infância” tem a ver com a instituição familiar. A família tornou-se o
espaço da afeição necessária. Essa afeição se exprimiu por meio da importância
que passa a ser dada à educação. O compromisso da educação afetiva e ético-
comportamental passou a ser reivindicado pela família, que se recolheu cada vez
mais ao ambiente doméstico.
A criança passa a ser valorizada pela família e era impossível perdê-
la ou substituí-la sem que se sentisse uma enorme dor. Isso influenciou diretamente
as características demográficas do século XVIII. A família organizou-se em torno das
crianças e os pais passaram a se interessar pelos estudos dos seus filhos e a
acompanhá-los com uma solicitude habitual nos séculos XIX e XX, desconhecida até
então. Afirma Ariès:
A substituição da aprendizagem pela escola exprime também uma
aproximação da família e das crianças, do sentimento da família e do sentimento da
infância, outrora separados. A família concentrou-se em torno da criança. [...] O
clima sentimental era agora completamente diferente, mais próximo do nosso, como
se a família moderna tivesse nascido ao mesmo tempo em que a escola, ou, ao
menos, que o hábito geral de educar as crianças na escola (1981, p.232).
Tudo o que se referia às crianças e à família tornou-se assunto
sério, importante, digno de atenção, do cuidado com o corpo às preocupações com
sua educação e a moral. A criança passou a assumir o lugar central dentro da
família: tanto a sua existência quanto a sua presença eram dignas de atenção e
preocupação.
Depois da Segunda Guerra Mundial, reconheceu-se a criança pelo
seu valor próprio e a infância como etapa que tem sua importância própria na
formação do ser humano. Ela passou a ser reconhecida não somente como uma
curta passagem antes da idade adulta, algo sem importância e que deve ser
ultrapassado o mais breve possível.
Sob a influência dos pensamentos e das filosofias de suas épocas,
cada um à sua maneira, os pedagogos Friedrich Fröbel (1782-1852),
Maria Montessori (1870-1909) e Ovide Décroly (1871-1932)
elaboraram pesquisas a respeito das crianças pequenas, legando à
educação grande contribuição. Com Fröbel, por exemplo, inaugurou-
se uma educação institucional baseada no brincar. Os médicos que o
sucederam, e se tornaram os primeiros pedagogos da educação pré-
escolar a romper com a educação verbal e tradicionalista da época,
propuseram uma educação sensorial, baseada na utilização de jogos
43
e materiais didáticos, que traduzia a crença em uma educação
natural dos instintos infantis. (WAJSKOP, 1995, p.63).
Podemos considerar, então, que a ideia da valorização do lúdico e
da cultura infantil em nossa sociedade está associada a uma nova imagem de
criança que vem sendo construída a partir dos séculos XVI e XVII.
De algumas décadas para cá, muitos psicólogos, educadores e
outros estudiosos escreveram sobre a importância dos jogos e brincadeiras para o
desenvolvimento da criança. Wajskop (1995) afirma que:
[...] a constatação e valorização da brincadeira, considerada
atividade espontânea da criança pela ciência psicológica e pela
própria psicanálise, auxiliaram e estimularam a criação de uma
criança brincante. As teorias psicológicas de desenvolvimento - de
Piaget, Wallon, Vygotsky - e pedagógicas - Kergomard, Fröbel,
Decroly contribuiriam para a constituição de uma criança que se
define socialmente pelo brincar. (p.64).
Wallon (2005) coloca o jogo como uma forma de organizar o acaso e
de superar repetições. No jogo, a criança manifesta suas disponibilidades funcionais
de modo apaixonado e experimenta diversas possibilidades de ação.
Vygotsky (1984), por sua vez, destaca que, ao jogar, a criança
encena a realidade utilizando regras de comportamento socialmente constituídas.
Nessa situação, os objetivos perdem sua força determinadora sobre o
comportamento da criança; ela passa a agir independentemente daquilo que vê.
Desse modo, está lidando com uma situação imaginária na qual novos significados
são associados aos objetivos. Vygotsky (1984) não faz distinção entre jogos e
brinquedos. Ele destaca que, no jogo, a criança encena a realidade utilizando
regras de comportamento socialmente aceitas. Na perspectiva vygotskyana, toda
conduta humana, incluindo suas brincadeiras, é constituída do resultado das
interações sociais. Do ponto de vista do desenvolvimento da criança, a brincadeira
traz vantagens sociais, cognitivas e afetivas na medida em que é
[...] que ela sempre se comporta além do comportamento habitual
de sua idade, além de seu comportamento diário: no brinquedo é
como se ela fosse maior do que é na realidade... o brinquedo fornece
estrutura básica para mudanças das necessidades e da consciência.
A ação na esfera imaginativa numa situação imaginária, a criação
das intenções voluntárias e a formação dos planos de vida real e
motivações volitivas, tudo aparece no brinquedo, que se constitui no
mais alto nível do desenvolvimento pré-escolar. (1984, p.117).
para Piaget (1981), o jogo representa a predominância da
assimilação sobre a acomodação. É uma transposição simbólica que sujeita as
44
coisas à atividade da criança sem limitações, assim como a imitação, o desenho e a
linguagem contribuem para a construção da representação pela criança, atividades
essenciais para essa fase.
Huizinga (1993) define o jogo como uma ação livre, sentida como
fictícia e situada fora das obrigações da vida corrente. O jogo é uma atividade livre.
A palavra “atividade” tem também sua importância, visto que, por vezes, é uma
atividade fictícia no real ou no imaginário, mas, sobretudo uma atividade em
movimento. O jogo não é o nada, nem a ausência de sujeição nem a ausência de
trabalho.
É uma atividade livre sentida como fictícia, ou seja, ela está
localizada fora da realidade objetiva, porém tendo sempre uma verdade pessoal
para aquele que a realiza. Por ser uma ação capaz de absorver totalmente o
jogador, ela o engaja. Isso é um aspecto importante, porque neste engajamento o
jogo aparece como o principal estímulo de afetividade.
O jogo é uma atividade ou ocupação voluntária, exercida dentro de
certos e determinados limites de tempo e de espaço, segundo regras
livremente consentidas, mas absolutamente obrigatórias dotadas de
um fim em si mesmo, acompanhado de um sentimento de tensão e
de alegria e de uma consciência de ser diferente da “vida cotidiana”.
Assim definida, a noção parece capaz de abranger tudo aquilo a que
chamamos jogo” entre animais, as crianças e os adultos: jogos de
força e de destreza, jogos de sorte, de adivinhação, exibições de
todo o gênero. Pareceu-nos que a categoria de jogo fosse suscetível
de ser considerada um dos elementos espirituais básicos da vida.
(HUIZINGA, 1993, p.33).
Se essas são ideias construídas na sociedade e pela sociedade,
então podemos nos considerar como frutos da cultura que nos é apresentada. Esse
fato deveria nos fazer refletir sobre o que oferecemos a nossas crianças, que
estamos assistindo à cultura lúdica infantil ser esquecida pela educação formal que
opta por aprendizagens e conteúdos. -se a valorização da educação formal em
detrimento da cultura infantil. Assim, a educação torna-se descontextualizada ou
equivocada, por conta das concepções ora tradicionais, ora espontaneístas sobre o
lúdico, gerando práticas o fundamentadas da maioria dos profissionais de
Educação Infantil.
Como professores e professoras, precisamos conhecer as crianças e
os professores (nossos colegas) dos diferentes contextos em que
trabalhamos. Eles e elas são sujeitos sociais, têm direito a
experiências de cultura - brincadeira, literatura, cinema, museus,
música, pintura - e à arte em geral. Ou seja, é pela discussão da
infância como categoria social e histórica e das crianças como
45
sujeitos sociais que se torna possível pensar a educação. (KRAMER,
2003, p.13).
Sabemos também que são essas concepções que irão nortear e
determinar as formas de relação estabelecidas no momento de se pensar a ação
educativa. A cultura lúdica, assim como os demais aspectos da cultura geral,
necessita ser transmitida, exercitada e transformada. Além disso, os mediadores
(educadores e famílias, inicialmente) envolvidos nessas práticas precisam ser
informados e sensibilizados sobre a sua importância.
Toda socialização pressupõe apropriação da cultura, de uma cultura
compartilhada por toda a sociedade ou parte dela. A impregnação
cultural, ou seja, o mecanismo pelo qual a criança dispõe de
elementos dessa cultura passa, entre outras coisas, pela
confrontação com imagens, com representações, com formas
diversas e variadas. Essas imagens traduzem a realidade que a
cerca ou propõem universos imaginários. Cada cultura dispõe de um
“banco de imagens” consideradas como expressivas dentro de um
espaço cultural. (BROUGÈRE, 2004, p.40).
Podemos refletir sobre como a sociedade vem traçando a imagem
de criança na contemporaneidade. Tempos atrás, foi necessário criar um espaço
para que a criança pudesse existir com suas particularidades e potencialidades. O
mundo adulto foi determinando o que era importante para compor o universo infantil
e precisamos agora refletir sobre que conceito de infância nossa sociedade está
construindo.
Voltamos, então, a uma questão crucial. Que escolhemos para
preservar? Qual é o conceito de infância que estamos legitimando? É preciso avaliar
se estamos vivendo a transformação da brincadeira, dos modos e espaços de se
brincar, ou se estamos simplesmente reproduzindo, sem questionar, métodos e
fórmulas que buscam pelo novo sem saber ao certo onde querem chegar.
[...] a perda versus o novo, o que devemos guardar, o que reciclamos
e o que não mais utilizamos. É na sociedade e na resistência de
cada grupo que está a resposta, pois a perda de referência é algo
sofrido e doloroso. (CARDOSO, 2004, p.54).
2.3 A CRIANÇA E O BRINQUEDO: ENTRE A CULTURA E O CONSUMO
A influência da mídia e de todo o esquema montado pelo comércio
46
para vender mais e novos brinquedos de certa forma influencia as crianças, o jogo e
o brinquedo. A indústria dos brinquedos concebe as crianças como consumidoras. A
indústria e a mídia transformaram as necessidades dos infantes em produtos a
serem consumidos. O foco dessa indústria não está na criança e sim na manutenção
do mercado.
Assim como o mundo da percepção infantil está marcado por toda
parte pelos vestígios das gerações mais velhas, com os quais a
criança se defronta, assim também ocorre com seus jogos. É
possível construí-los em um âmbito da fantasia, no país feérico de
uma infância ou de uma arte pura. O brinquedo, mesmo quando não
imita os instrumentos dos adultos, é confronto, na verdade não tanto
da criança com os adultos, do que deste com as crianças. Pois de
quem a criança recebe primeiramente seus brinquedos se não
deles? E embora reste à criança uma certa liberdade em aceitar ou
recusar as coisas, muitos dos mais antigos brinquedos(bola, arco,
roda de penas, papagaio) terão sido de certa forma impostos às
crianças como objetos de culto, os quais mais tarde, graças à
força da imaginação da criança, transformaram-se em brinquedos.
(BENJAMIN, 1988, p.54).
Devemos também considerar as alterações nos espaços urbanos,
que não modificaram a forma, mas também o conteúdo das relações as quais
eram estabelecidas nas praças e ruas. Nesse sentido, algumas das brincadeiras de
rua foram modificadas ou adaptadas às condições atuais, o que foi muito bom, caso
contrário já teriam desaparecido.
Os espaços reservados para brincar estão se transformando e as
oportunidades de estar em contato com outras crianças são concretizadas nos
condomínios, clubes ou nos espaços de recreação dos hotéis. As crianças desejam
movimento, fantasia e são extremamente curiosas, adaptando brincadeiras de rua
para outros lugares, adotando o blaybleid no lugar do pião. O futebol, por exemplo,
pode sair da rua e entrar pela sala, onde dois jogadores têm total autonomia para
decidir o jogo.
Isso não seria de todo ruim, se essas fossem atividades “opcionais”
e não a única saída para as crianças. É claro que não podemos negar que desses
jogos, adaptados à nova realidade, surgem novas estratégias, jeitos e formas de se
jogar. Entretanto, para ampliar um repertório de mundo, é pouco.
Também é fato que algumas brincadeiras passaram por
transformações, pois as regras de convivência e a consciência que fomos adquirindo
sobre os mais variados assuntos foram se modificando ao longo da história humana.
Caçar passarinhos não é mais admitido como uma diversão de meninos pura e
47
simples; é considerada hoje uma atitude de não-preservação da natureza, assunto
que, em tempos passados, não era tão urgente e necessário.
Devemos também refletir sobre o tempo que destinamos para o
brincar. O espaço para o lúdico não é priorizado pela escola que está preocupada
em formalizar conteúdos. A família também não consegue garantir esses momentos
e a mídia traz outros tipos de apelo para as crianças, os quais, com raras exceções,
são pobres em conteúdo e forma.
Encontramos em variados produtos o descaso com a infância; as
crianças são “convidadas” a abandonar essa fase de suas vidas como se fosse
enfadonho. Aquilo que é específico dessa fase como a criatividade, a imaginação, a
fantasia e a brincadeira entendida como experiência de cultura, é esquecido e cede
espaço para o que é apresentado como produto pronto, acabado e de qualidade
discutível. Nesse contexto, podemos apontar a contradição entre o brinquedo como
fator cultural e o brinquedo feito como produto de consumo.
[...] a brincadeira de casinha, os brinquedos de guerra, os heróis da
televisão ou a sandaliazinha da dançarina de axé são elementos que
encerram em si significados e ideologias. Neste sentido é que ocorre
a bidirecionalidade da transmissão cultural, pois a atividade de
brincar das crianças é estruturada conforme os sistemas de
significado cultural do grupo a que ela pertence. Mas ao mesmo
tempo, esta atividade é reorganizada no próprio ato de brincar das
crianças, de acordo com o sentido particular por ela atribuído às suas
ações, em interação com seus pares ou com os membros mais
competentes de sua cultura. Nesse processo, tanto os significados
coletivos quanto os sentidos pessoais são remodelados e redefinidos
continuamente (ALVES & GNOATO, 2003, p.112).
Faz parte do repertório dado às crianças pelos adultos o convívio
com “Barbies” ou “Power Rangers”, que seguem reproduzindo os modelos que lhe
são apresentados. É preciso refletir sobre o seu significado na vida das crianças,
pois são os adultos os compradores desses brinquedos, ou seja, o eles e seus
padrões que influenciam a escolha dos brinquedos e jogos industrializados que
concebem a criança como apenas uma potencial consumidora, como imatura e
frágil.
A escolarização precoce e a formalização dos jogos apenas como
meio pedagógico, sem levar em conta o prazer e a descoberta que podem trazer,
transformam os jogos em práticas sistematizadas e com objetivos pré-estabelecidos.
Diante disso, será que a didatização do lúdico estaria criando um novo” conceito de
infância, sem a preocupação com o que se pode acrescentar à vida das crianças?
48
As crianças são as mensagens vivas que enviamos a um tempo que
não veremos. Do ponto de vista biológico é inconcebível que uma
cultura esqueça a sua necessidade de se reproduzir. Mas uma
cultura pode existir sem uma idéia social de infância. Passado o
primeiro ano de vida, a infância é um artefato social, não uma
categoria biológica. Nossos genes não contêm instruções claras
sobre quem é e quem não é criança, e as leis de sobrevivência não
exigem que se faça distinção entre o mundo adulto e o da criança.
(POSTMAN, 1999, p.11).
De acordo com a autora citada, vivemos numa sociedade onde a
infância está desaparecendo. Esse processo teve início na revolução promovida
pela palavra impressa que socializou a necessidade de alfabetização. Depois pela
influência da mídia que “adultiza” e “erotiza” precocemente as crianças. É como se a
ideia de infância construída na Renascença, que nos tornou mais sensíveis e
atentos aos desejos e necessidades dos infantes, fosse a cada dia desconstruída.
O repertório das crianças vai se ampliando por meio das
experiências que compartilham e vivenciam na sociedade, na família e na escola.
Esses são seus referenciais iniciais e, portanto, deveriam se preocupar com o que
estão oferecendo a elas.
Conhecer a infância e as crianças favorece que o humano continue
sendo sujeito crítico da história que ele produz (e que o produz).
Sendo humano, esse processo é marcado por contradições:
podemos aprender com as crianças a crítica, a brincadeira, a virar as
coisas do mundo pelo avesso. Ao mesmo tempo, precisamos
considerar o contexto, as condições concretas em que as crianças
estão inseridas e onde se dão suas práticas e interações.
Precisamos considerar os valores e princípios que queremos
transmitir na ação educativa. (KRAMER, 2003, p.17).
No entanto, se a família e a mídia deixam de oferecer outras opções,
é papel da escola garantir que as crianças tenham contato com o diferente, com o
inusitado e com conceitos que cabem ao pedagógico especificamente. É necessário
apresentar a elas a oportunidade de conhecer a riqueza da cultura popular, dos
jogos tradicionais, das brincadeiras antigas, das rimas, parlendas e trava-línguas.
Dessa maneira, oferecemos, entre outras, a possibilidade de “transmitir essas
brincadeiras às nossas crianças como forma de descobrir o novo no antigo”
(FRIEDMANN, 1996). A escola deveria apresentar esse mundo de possibilidades,
fazendo o contraponto entre aquilo estabelecido culturalmente e as novas
possibilidades de enxergar o mundo.
Todos esses elementos que citamos até agora e que são externos a
cultura lúdica, estão localizados na escola, na família, no bairro ou na
mídia televisiva, entre outros espaços propiciadores de experiências
49
sociais e culturais, são reinterpretados pelas crianças e articulados
às suas experiências lúdicas. A partir daí, geram-se novos modos de
brincar. (BORBA, 2006, p.41).
Os critérios para diversificar essas vivências precisam levar em
conta alguns aspectos importantes como o lugar, a cultura em que está inserida a
criança e sua cultura lúdica. A infância é curto período de nossas vidas, cheia de
particularidades, de descobertas de conceitos sobre o mundo e sobre nós mesmos
e, por isso, necessita ser respeitada e cuidada. Brincar é uma experiência cultural e
um complexo processo interativo e reflexivo que envolve a construção de
habilidades, conhecimentos e valores sobre o mundo.
Os pesquisadores em Currículo, e em Educação de uma forma geral,
dentro de uma linha tradicional ou crítica, parecem estar de acordo
quanto à cultura ser o conteúdo substancial do processo educativo e
o currículo a forma institucionalizada de transmitir e reelaborar a
cultura de uma sociedade, perpetuando-a como produção social
garantidora da especificidade humana. Em dado contexto histórico,
são selecionados os conteúdos da cultura, considerados necessários
às gerações mais novas, constituintes do conhecimento escolar. A
concepção que se tem de cultura será, portanto, definidora de como
se compreende o conhecimento escolar. (LOPES, 1999, p.33).
Parece que o espaço destinado ao brincar em nossas escolas é
reservado aos momentos de passatempo ou então aos intervalos das aulas tidas
como mais importantes. O trabalho com o lúdico não é considerado sério e/ou
produtivo.
Os educadores têm muitas crenças sobre o assunto. Existem os que
enxergam as vivências com o lúdico como uma forma de interpretar, agir e se
relacionar com o mundo. Pensam também que a ludicidade é um bom meio para
humanizar sua relação com seus educandos, pois revivem os mesmos sentimentos
de paixão, prazer, criatividade, imaginação, humor, valores e significados que
experimentaram na sua infância.
Encontramos ainda aqueles que desconhecem as teorias e práticas
sobre a importância do lúdico. Para esses educadores, a sua experiência na escola
de vivências lúdicas e, muitas vezes na vida, foi escassa e não conseguem
efetivamente encontrar um lugar para essa prática no seu cotidiano. São esses
educadores que desconfiam das consequências positivas que a vivência lúdica
oferece para o desenvolvimento infantil e a aprendizagem.
O professor de educação infantil deve preparar-se para ser um
pesquisador capaz de avaliar as muitas formas de aprendizagem que
estimula em sua prática cotidiana, as interações por ele construídas
50
com crianças e famílias em situações específicas. Ele é alguém cuja
riqueza de experiências vividas deve ser integrada ao conjunto de
saberes que elabora sobre o seu fazer docente. (OLIVEIRA, 2003,
p.8).
Para a criança, o brincar é natural, porque essa é uma das maneiras
pelas quais ela conhece o mundo e a si mesma. Se não conhecemos o significado e
a importância da cultura lúdica, não atribuímos a ela o valor necessário, não
consideramos que o brincar faz parte da vida das crianças e que deveria ser
garantido como um direito para o seu desenvolvimento integral.
Crianças são cidadãs, pessoas detentoras de direitos, que produzem
cultura e são nela produzidas. Esse modo de ver as crianças
favorece entendê-las e também ver o mundo a partir do seu ponto de
vista. A infância mais que estágio, é categoria da história: existe uma
história humana porque o homem tem infância. As crianças brincam,
isso é o que as caracterizam. (KRAMER, 2000, p.15).
Diante do que expusemos, o brincar, a brincadeira e os jogos estão
associados a uma imagem de criança que foi construída historicamente e até hoje,
na contemporaneidade, em função do lugar que ela ocupou na sociedade. A noção
de brincar e de jogar pode e deve ser considerada como a representação e
interpretação de atividades culturais lúdicas que explicitam uma cultura social de um
determ
inado contexto. O brincar constitui um fato social e cultural ligado a
uma imagem de criança de uma comunidade ou grupo específico.
A criança, ao ter contato e ao manipular os brinquedos, aprenderá a
pensar a sua cultura. Assim, os brinquedos são objetos socioculturais que possuem
em si imagens, funções cognitivas e motoras a serem evocadas. Industrializados ou
artesanais, eles mediam a relação da criança com a sociedade, bem como as
interações entre pares, facilitando o desenvolvimento infantil.
Em relação aos profissionais da educação infantil, ressaltamos a
importância de sua reflexão sobre as atitudes e práticas educativas assumidas junto
às crianças. É preciso que tenham um planejamento articulado com diferentes
atividades e conhecimentos, tendo como eixo condutor a cultura lúdica infantil.
51
CAPÍTULO 3 A CULTURA LÚDICA JAPONESA E O “NOVO MUNDO”
Figura 3 - Artesão de bonecas Kokeshi.
Fonte: livro O mestre de bonecas Kokeshi.
52
A CULTURA LÚDICA JAPONESA E O “NOVO MUNDO”
3.1 AS FAMÍLIAS
Massaharu Ohara nasceu em 28 de maio de 1888 na Província de
Kochi (28/5/1888) e era casado com dona Kuniji. Partiu de Kobe, no Hawai Maru, e
chegou a Santos em 14 de novembro de 1927. Passou pela Casa do Imigrante e,
após quarenta dias na Colônia Cotia, nos arredores da capital paulista, foi para
Santo Anastácio. Dali partiu para Londrina e foi um dos primeiros compradores de
terras na região onde a colonização se iniciava. Mudou-se para a propriedade em 26
de setembro de 1933.
Figura 4 - A província de Kochi, ilha de Shikoku, terra natal dos Ohara.
Fonte: livro Lavrador de Imagens.
O filho Haruo registrou em diário a transferência das famílias Ohara
e Tomita que deixaram Santo Anastácio no dia 24 de agosto de 1933:
53
Tempo bom. Dia de mudança. Arrumação das coisas para a viagem
ao Paraná, muitos amigos presentes. Viagens das famílias
Massaharu Ohara e Massahiko Tomita. As famílias de Toshio Tan e
do patrão Yamazaki ajudam nos preparativos. A esposa de Toshio,
Shimiyo, fez a comida para os viajantes. A mudança é despachada
em caminhão para seguir no trem. Segue-se a partida, indo todos
para a cidade de Santo Anastácio, onde pernoitaram (Diário de
Haruo Ohara).
Figura 5 - Família Ohara e família Tomita em Santo Anastácio (SP), onde trabalhavam na
lavoura de ca fim da década de 1920 (Acervo Família Haruo Ohara).
Fonte: livro Lavrador de Imagens.
Na madrugada de 25 de agosto de 1933, embarcaram no trem que
chega a Ourinhos às 15h30min. Dormiram em Ourinhos e prosseguiram no dia
seguinte até Cambará. Nesta cidade, começou a viagem em jardineira, com
travessias de rios em balsas, a última no Tibagi. Às 21 horas, a jardineira entrou em
Londrina, conduzindo as duas famílias até a pensão que o Sr. Hikoma Udihara
mantinha na esquina da Avenida Paraná com a Rua Brasil (área atualmente
ocupada pelo Edifício Marumbi), que era exclusiva para compradores de terras. Os
móveis e utensílios chegaram três semanas depois.
Os japoneses abriram picadas até os seus lotes e construíram as
54
casas de troncos de palmiteiro, cobertas de tábuas de pinho. Finalmente, no dia 26
de setembro, passaram a morar em suas terras.
A Companhia levou os trens dos japoneses até as cabeceiras dos
lotes, conforme dispunha o contrato. Dali até as casas, através de
picadas que se prolongavam por um quilômetro tudo foi levado nas
costas. Essa tarefa prolongou-se até o fim da tarde do dia 27. O
tempo era ameaçador, com relâmpagos e trovoadas (Diário de Haruo
Ohara).
O imigrante Taichi Okabayashi se estabeleceu comercialmente em
1933, com um comércio de secos e molhados. Quando a agricultura se desenvolveu
nessa região, ele passou a comprar algodão para a Anderson Clayton. Nessa época,
ele se credenciou como agente da firma Neman Sahão no comércio de cereais em
geral. Tokiko e Taichi tiveram duas filhas: Nair e Estela.
O Sr. Okabayashi era ativo na vida cio-cultural nascente e sua
esposa, Tokiko, abriu uma das primeiras escolas de corte, costura e bordados.
Tendo estudado na Escola Álvares Penteado, em São Paulo, falando correta e
fluentemente o português, Tokiko veio a ser a primeira intérprete em Londrina.
Esperamos, por meio dos relatos da Sr.ª Estela e de Saulo,
conhecer um pouco mais sobre a cultura japonesa e quais as contribuições da
mesma na formação de Londrina, sabendo de antemão que esse é um
começo.
3.2 CULTURA LÚDICA JAPONESA
A cultura japonesa, objeto de análise do presente estudo, nos
oferece uma oportunidade ímpar para pensarmos sobre a questão, que o Japão
permaneceu por mil e quinhentos anos quase intocado por sua localização
geográfica e pelo fato de ser uma ilha. As poucas influências culturais e tecnológicas
externas, via de regra oriundas de outras culturas orientais, fizeram com que as
crenças e hábitos locais evoluíssem para manifestações culturais muito particulares.
Mesmo vivendo o processo de imigração para diversos países, o que poderia
caracterizar a perda dessa riqueza cultural, pelo contrário, os japoneses
preservaram e divulgaram seus costumes e crenças, a cada lugar que chegavam.
55
Os imigrantes trouxeram consigo referências de alimentação,
idioma, arquitetura, artes, artes plásticas, artesanato, literatura, música, religião,
educação, medicina, esportes, jogos e brincadeiras, só para citar algumas das
particularidades do povo japonês.
A ideia de que a transmissão de um elemento cultural só pode
ocorrer dentro de um contexto social é fator essencial para se entender a
organização de um determinado grupo. Nessa perspectiva, a brincadeira é um
fenômeno da cultura sem sombra de dúvida, uma vez que se configura como um
conjunto de práticas, conhecimentos e artefatos construídos e acumulados pelos
sujeitos nos contextos históricos e sociais em que se inserem.
As culturas lúdicas não são (ainda?) idênticas no Japão e nos
Estados Unidos. Elas se diversificam também conforme o meio
social, a cidade e mais ainda o sexo da criança. É evidente que não
se pode ter a mesma cultura lúdica aos 4 e aos 12 anos, mas é
interessante observar que a cultura lúdica das meninas e dos
meninos é ainda marcada por grandes diferenças, embora possam
ter alguns elementos em comum (BROUGÈRE, 1998, p. 25).
Entretanto, para que essa inserção aconteça, os jogadores
envolvidos precisam partilhar de algumas práticas sociais que permitem o
enriquecimento e transmissão da atividade lúdica. Os jogos iniciais entre mãe e filho,
nos quais a relação com o mundo se estabelece efetivamente, bem como as
descobertas que fazem por meio dos objetos, são parte de um aprendizado
estabelecido por cada contexto social e, indubitavelmente, todas as crianças, em
condições desejáveis e esperadas de educação, experimentam essas trocas, sendo
que seus usos e apropriações nos remetem a nossos ancestrais.
Quando falamos em condições desejáveis, estamos nos referindo às
milhares de crianças que enfrentam maus tratos, exploração e exposição precoce ao
trabalho, fatores que contribuem e muito para reduzir a vivência dessas crianças
com o conceito de cultura lúdica o qual estamos pontuando no nosso trabalho. Não
é nossa intenção aprofundarmo-nos nessa questão, porém estudos realizados
nas comunidades das favelas do Rio de Janeiro os quais demonstram que as
crianças brincam e adaptam brinquedos e brincadeiras ao seu contexto social. O fato
é que as crianças brincam.
De igual modo Jenckes (2002) expõe que a infância, sendo
concebida como uma estrutura social, refere-se a um nível social
definido por limites integrados a esta estrutura. Este contexto
possibilita que as crianças se manifestem, para além da reprodução
social. Assim, suas ações são contextualmente produzidas, ao invés
56
de estruturalmente predeterminadas. Portanto, as crianças
apresentam um estilo cultural, que é aprendido, instituído, produzido
e reproduzido. Por este ângulo, compreendem-se as ações sociais
dos grupos infantis como culturas. Assim, podemos descrever que as
culturas da infância são formas de ação social próprias deste grupo,
ou seja, maneiras específicas de ser das crianças. (FILHO, 2005, p.
45).
As crianças brincam e esse parece ser o seu legado cultural. A
brincadeira é um lugar de construção de culturas fundada nas interações entre elas,
as quais são grandes criadoras de cultura, porque, com seus movimentos
diversificados, a grande capacidade de criação que possuem e as múltiplas
experiências sociais a que se lançam, reproduzem e criam significados próprios que
as insere não só como produtoras, mas também como criadoras de cultura.
[...] o brincar é um dos pilares da constituição de culturas da infância,
compreendidas como significações e formas de ação social
específicas que estruturam as relações das crianças entre si, bem
como os modos pelos quais interpretam, representam e agem sobre
o mundo. Essas duas perspectivas configuram o brincar ao mesmo
tempo como produto e prática cultural, ou seja, como patrimônio
cultural de modo inter e intrageracional, e como forma de ação que
cria e transforma significados sobre o mundo. (BORBA, 2006, p.39).
Dessa maneira, as crianças vão construindo um repertório de
brincadeiras, cujas práticas são partilhadas e compõem a cultura lúdica infantil, ou
seja, o conjunto de experiências que permite a elas dividirem suas experiências com
seus pares, isto é, brincar.
É o desejo puro e simples de brincar que leva as crianças a buscar
umas pelas outras para compartilhar dos momentos de fantasia e magia que a
elas pertence. Sabemos, no entanto, que o simples prazer da brincadeira traz
consigo outras relações, pois quando brincam, elas aprendem a se relacionar
socialmente e a incorporar elementos de outras culturas, que todas vêm de
famílias distintas, com hábitos e construções diferentes.
Ao brincar, as crianças internalizam os conhecimentos de sua
cultura, tomam contato com as relações que estabelecem com seus pares e, acima
de tudo, consigo mesmas, sendo as brincadeiras oportunidades únicas de se
estabelecerem aprendizados sociais à medida que essas relações não acontecem
mais no individual, mas também no coletivo. Viver as experiências no espaço
coletivo é essencial, pois aprendemos a brincar, desde cedo, nas relações que
estabelecemos com os outros e com a cultura. Essas relações se articulam entre o
que já está posto pela sociedade, pelos elementos novos inseridos e pelas vivências
57
de cada um.
A cultura japonesa nos apresenta uma enormidade de elementos
para articular essa ideia, isso porque nos oferece complexos processos de
articulação entre o já dado e o novo, entre a experiência, a memória, a imaginação e
a fantasia, visto que muitas das tradições de seu povo têm suas raízes nas fábulas e
suas representações. Em nossa pesquisa, encontramos uma diversidade de jogos e
brincadeiras e em cada um deles existe um significado ou aprendizagem que vai
para além do exercício da ludicidade. Algumas das brincadeiras e dos jogos
apresentam características comuns à nossa cultura e outros são únicos no conteúdo
e forma.
O processo de formação das culturas da infância é constituído
individual e coletivamente, por elementos aceitos da cultura dos
adultos e por elementos elaborados pelas próprias crianças. Elas
constroem e vivem a história de sua família, da sua comunidade, da
humanidade. (FILHO, 2005, p.45).
Quando pensamos na vinda dos japoneses ao Brasil e na bagagem
lúdica cultural que trouxeram, surgem alguns questionamentos. Será que nessas
famílias era costume brincar com suas crianças ou, por estarem envolvidos com a
empreitada de desbravar a cidade, afastaram-se desse contato? O fato de
providenciarem logo ao chegar a construção de uma escola demonstra a
preocupação na formação das crianças, o desejo de reprodução de cultura e /ou de
preservação?
3.3 A EDUCAÇÃO INFANTIL NO JAPÃO
A produção cultural é a expressão do diálogo entre o homem e o mundo do
qual faz parte.
Brougère
Trazemos, na nossa bagagem cultural, a ideia de que o Japão é um
país que se preocupa com a formação das suas crianças e os educadores
envolvidos nesse processo. O fato de a educação ser uma prioridade no Japão e por
se tratar também de uma sociedade coletivista e competitiva, isso não é novidade.
Contudo, buscamos entender um pouco mais como isso acontece efetivamente.
Entendemos que o tema é vasto e não achamos possível traçar um perfil da
58
Educação Infantil do Japão na contemporaneidade, mas é viável buscar outros
elementos para nossa reflexão.
Cooperação, respeito pelo grupo, cordialidade são valores inerentes
aos japoneses e fazem parte de sua cultura. A consciência de grupo
é um traço cultural antigo proveniente do período Tokugawa- 1615-
1867 que integra as fontes contemporâneas da cultura japonesa. A
competição no plano individual surge, no período Meiji (1867),
quando foi abolido o sistema de clãs hereditários dos samurais e
estabeleceu-se o capitalismo. (KISHIMOTO, 1997, p.70).
No artigo escrito por Tizuko M. Kishimoto, “O brinquedo e
brincadeira na educação infantil japonesa: proposta curricular dos anos 90”, a autora
investigou a presença do brincar enquanto política pública de educação infantil, sua
manifestação na prática pedagógica e as razões aventadas por profissionais e
pesquisadores.
Segundo Kishimoto (1997), o brincar sempre esteve presente na
Educação Infantil japonesa desde a instalação do primeiro jardim-de-infância público
em Tóquio (1876). A partir dos anos 70, com a penetração de ideias ecológicas,
percebeu-se a profunda influência do ambiente na forma de pensar das pessoas.
Kishimoto nos apresenta que as discussões envolvendo o petróleo e
a escassez dos produtos naturais, bem com o modo de vida dos hippies, buscando
um retorno aos tempos passados, fazem o movimento ecológico crescer e
despertam a consciência de que o ambiente, a mentalidade e os objetos são
fundamentais na educação do homem. Especialmente no caso das crianças que
ainda não dominam a linguagem, as influências do mundo material, natural e
humano são decisivas. A partir de então, os guias curriculares preconizam a
educação pela brincadeira em seu ambiente.
O novo plano curricular do jardim, implementado em 1990,
estabeleceu uma educação pelo ambiente priorizando atividades segundo as
características de desenvolvimento da criança e tendo o brincar como um de seus
eixos. Embora brinquedos e brincadeiras fizessem parte da prática na educação
infantil japonesa, é a primeira vez que aparecem como eixo desse nível de ensino.
O currículo está centrado principalmente nos fatos habituais da vida
da criança, na vida em grupo e nas brincadeiras. A função do jardim
é a socialização e a cooperação com o grupo (...) não existe
preocupação com ensino acadêmico e com habilidades relativas à
língua escrita, à leitura e às operações matemáticas. O jardim de
infância, destinado às crianças de 3 a 5 anos, ao garantir a
expressão da cultura infantil, é um oásis dentro do sistema
59
educacional japonês, que privilegia a disciplina. (KISHIMOTO, 2004,
p.46).
Para Kishimoto, entretanto, embora o projeto da brincadeira livre
ofereça ampla possibilidade para a expressão individual, a sociedade coletivista e
competitiva coloca-se como obstáculo à realização desse projeto pedagógico. A
pouca participação do poder público na oferta de Educação Infantil leva a grande
maioria (80%) das crianças a frequentar instituições particulares, acadêmicas, que
não adotam a proposta pedagógica oficial, do brincar como forma de desenvolver a
individualidade, a cooperação, a criatividade e a expressão de interesses e
necessidades.
Sabemos que uma análise mais detalhada do assunto seria
necessária para entender o processo atual da Educação Infantil no Japão. Todavia,
podemos, a partir do exposto, traçar algumas hipóteses sobre a importância da
educação para o povo japonês, procurando levantar alguns questionamentos sobre
o que trouxeram na sua “bagagem”.
3.4 A VINDA DOS JAPONESES A LONDRINA: TRAÇANDO ALGUNS ASPECTOS HISTÓRICOS
Segundo relatos recolhidos por Igarashi (2005), no mês de
dezembro de 1929, chega a primeira caravana de compradores de terras, composta
de oito japoneses acompanhados pelo Sr. Hikoma Udihara, único agente japonês da
CTNP (Companhia de Terras Norte do Paraná).
60
Figura 6 - Hikoma Udihara.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina.
61
Em um dia de dezembro de 1929, no pátio do Hotel Shiraiwa, em
Cambará, 11 pessoas embarcam num pequeno Ford-de-bigode com destino ao
Patrimônio Três Bocas, onde as terras já estavam à venda. Entre os viajantes,
estava o funcionário da CTNP George Smith, chefe da comitiva, e onze japoneses,
entre eles: Hikoma Udihara, Massaharu Ohara, Toshio Tan, Kagueki Inomoto, o
agrimensor Kinsaku Saito, o jornalista Shinshi Furuhata e o corretor de terras no
Japão Haruyoshi Oda.
Figura 7 - Caravana de compradores japoneses. Dezembro de 1929.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina.
A CTNP começou a vender lotes em 1930, mas existia a Fazenda
Quati, que correspondia ao atual Jardim Shangri-lá e adjacências. em 1929, o
empreiteiro Bertholdo Durães comandava 80 trabalhadores na formação de 60 mil
cafeeiros na mesma fazenda, a qual seria vendida à CTNP na década seguinte.
O primeiro japonês a se estabelecer foi Chojuro Arque, que assinou
contrato de trabalho por três anos com a Fazenda Quati, em 8 de outubro de 1931.
Ele, ao mesmo tempo, comprou um lote nas proximidades e derrubou a mata. No dia
14 de outubro, chegaram as famílias de Yoshimi Kazahaya, Kootaro Hayassaka e
Kunijiro Hara com suas mudanças. No dia seguinte, escolheram lotes na Gleba
Cambé.
62
No final da tarde de 14 de outubro, o caminhão de mudanças e a
jardineira com todos os membros das três famílias estacionaram em frente ao
barracão em que se abrigavam os pioneiros no Patrimônio Três Bocas. Ficaram ali
até desmatar as terras, levantar os ranchos e plantar as primeiras lavouras.
Usando folhas de palmiteiros e troncos de árvores nobres,
levantaram, em poucos dias, as três primeiras cabanas para o desmatamento.
Alguns somente dispuseram da ajuda familiar; outros empregaram diaristas
brasileiros atraídos à região pela CTNP. Nos primeiros meses, alimentavam-se
basicamente do pouco arroz que trouxeram e de grande quantidade de palmito. Em
raras ocasiões comiam carne de veado ou de porco-do-mato que podiam caçar.
A família de Kunijiro Hara desmatou três alqueires e plantou arroz; a
de Kazahaya semeou uma grande área de milho e os Hayassaka plantaram feijão. A
primeira safra despertou a atenção de todos para a qualidade das terras. Hara
colheu 50 sacos de arroz por alqueire, no valor de 15 mil réis o saco. Outros
conseguiram, em média, 800 balaios de milho em seis alqueires e o rendimento do
feijão revelou-se espetacular.
A Companhia de Terras Norte do Paraná começou a alardear o
enorme potencial do solo; as propriedades pioneiras tornaram-se modelo, recebendo
quase diariamente a visita de novos compradores. Um ano após a chegada dos
japoneses, 400 famílias já estavam assentadas e multiplicaram-se para 700 nos seis
meses seguintes.
Pela primeira vez, a comida vinha com fartura e qualidade para os
japoneses. Kunijiro Hara não tinha como escoar a produção e logo passou a vender
pessoalmente o seu arroz entre os imigrantes que chegavam. Aproveitando a queda
de água na propriedade, ele instalou um moinho para beneficiar arroz. Em menos de
um ano, possuía cinco pilões beneficiando a produção de toda a vizinhança.
Em 27 de agosto de 1933, os primeiros compradores na Gleba
Cambé haviam efetuado todos os pagamentos estipulados em contrato,
ampliando suas áreas agrícolas e comprando terrenos no perímetro urbano. Nessa
gleba, formada por japoneses, prosperava uma em especial, a Colônia Ikku, todos
com o objetivo comum de plantar e colher.
63
Figura 8 - Mapa de Londrina com o centro urbano e glebas coloniais de imigrantes
japoneses.
Fonte: livro Lavrador de Imagens.
A presença japonesa também na zona urbana teve notável
crescimento até os anos 70, em especial na atual Rua Sergipe, caracterizando-a
fortemente com traços culturais japoneses. Quitandas, bares, restaurantes,
alfaiatarias, salões de cabeleireiros e barbeiros, secos e molhados, livraria, lojas que
vendiam bicicletas, eletrodomésticos e até bancos emprestavam à rua uma aura
particular. Seus letreiros eram escritos em japonês, como na Rua Galvão Bueno,
situada no bairro da Liberdade em São Paulo. Esses estabelecimentos com
identidade oriental tinham traços compostos pelos produtos oferecidos, tais como
objetos de decoração e de alimentação. Seus proprietários, todos de origem
japonesa, também davam à rua uma identidade peculiar.
64
Pouco a pouco, esses imigrantes se organizaram em núcleos de
cooperação que tinham por finalidade proteger os associados, racionalizar a lida
com a mata e semear as primeiras safras. Neles eram organizados mutirões e a
educação dos filhos. Para as escolas eram designados professores, os imigrantes
com maior conhecimento da cultura de origem. Pela intermediação, buscavam a
melhor comercialização das safras e a compra de implementos agrícolas. Em cada
núcleo, a coordenação também organizava exibições artísticas, práticas religiosas e
encontros festivos, originando as associações culturais, as quais prestavam apoio
aos que estavam chegando.
Mesmo empenhados na derrubada da mata, não esqueceram a sua
tradicional formação cultural, preocupando-se em assegurar a continuidade na
formação educacional de seus filhos. A primeira obra comunitária foi a construção da
escola e o professor foi escolhido entre os membros que possuíssem melhores
conhecimentos e aptidões para o ensino.
Figura 9 - Escola japonesa, década de 1930.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina.
65
Figura 10 - Escola japonesa, década de 1930.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina.
Figura 11 - Escola japonesa, década de 1930.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina.
66
Figura 12 - Escola japonesa, década de 1930.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina.
A primeira escola japonesa de Londrina foi fundada antes mesmo de
a cidade ser elevada à categoria de Município. Exatamente no dia 18 de junho de
1933, data em que se comemoravam os 25 anos da imigração japonesa no Brasil,
nasceu a primeira escola. Tudo aconteceu na residência de Hikoma Udihara, o líder
da primeira caravana de compradores de terra, o qual doou um terreno para que a
mesma fosse construída. No mês seguinte, numa área construída de 56 metros
quadrados situada na Rua São Jerônimo nº. 50, ela começou a funcionar com 24
alunos, sob a direção da professora Toshiko Zakoji. Dois anos depois, o número de
alunos subia para 60 e a escola já não comportava essa demanda.
Quando isso ocorreu, a Associação de Moradores, constituída na
residência do Sr. Udihara, resolveu comprar um terreno maior e construir a nova
escola, que ficava na Rua Ceará (atual Rua Prefeito Hugo Cabral) esquina com a
Rua Pio XII, em frente ao Grupo Escolar Hugo Simas. Ali, a partir de 1.º de abril de
1935, começou a funcionar uma escola maior, tendo como professor o Sr. Hanada,
vindo especialmente do Japão para assumir essa função. Foi Hanada que organizou
a biblioteca, compôs o hino da escola e melhorou as instalações e a qualidade do
ensino, valendo-se de novo material didático e equipamentos.
Como não havia aulas no período noturno, praticantes de kendô
67
(luta com espadas) aproveitavam o horário para treinar no espaço em alguns dias da
semana. Episódio pitoresco aconteceu quando moradores vizinhos à escola
denunciaram à Delegacia de Polícia que os japoneses estavam brigando, com gritos
e pancadas na cabeça usando pedaços de bambu. O barulho perturbava a
vizinhança. A polícia compareceu e conduziu todos à delegacia; entretanto, após os
esclarecimentos, liberou-os. A sede serviu, também, para a prática de judô e de
danças.
O pátio era aproveitado para a realização dos undokais (gincanas) e
treinos de atletismo e beisebol sob a orientação do professor Ozawa, que vinha de
Assaí para formar a equipe infantil (shônen).
Encontramos também os registros de outra escola localizada na
Colônia Ikku. O estabelecimento de ensino foi construído a partir de uma clareira
aberta na mata, em regime de mutirão, por 11 famílias que moravam na colônia.
Essa escola funcionou até 1970, quando passou a abrigar a sede da Beneficência
Japonesa de Londrina, localizada na Rua Sergipe.
Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, os imigrantes passaram
a sofrer restrições. O Brasil ainda não havia decidido de que lado estava, se dos
aliados (Inglaterra, França, União Soviética, depois Estados Unidos e outros países)
ou do eixo (Alemanha, Itália e Japão principalmente). Alemães, italianos e
japoneses tiveram suas escolas fechadas, jornais e rádios foram proibidos de
circular e irradiar notícias. Até mesmo falar o nihongo (língua japonesa)
publicamente o era mais permitido. As armas de fogo deviam ser entregues à
polícia e livros em japonês eram queimados ou escondidos. Nessa época, aconteceu
a fundação do Kooseikai, uma associação beneficente para pessoas e famílias
japonesas que viviam os impasses da guerra.
Em 1942, quando o Brasil se ajustou ao lado dos aliados, o clima
piorou. O Japão passou a ser considerado um temido inimigo. Nas colônias
japonesas, a apreensão crescia e ninguém mais podia transitar livremente ou viajar
sem um salvo-conduto. Seguiram-se o confisco de bens, a liquidação de empresas e
a remoção dos que se encontravam nas zonas portuárias, limites de segurança
nacional.
Em 1938, aumentaram as restrições ao funcionamento da escola.
Nesse ano, o governo brasileiro sancionou a lei estabelecendo que 2/3 dos
funcionários de empresas ou indústrias deviam ser brasileiros e proibiu o ensino de
idioma estrangeiro a menores de 14 anos. Em agosto, foi sancionada a nova lei da
68
imigração, com grandes restrições às atividades culturais dos japoneses. No dia 25
de dezembro, as escolas de língua estrangeira, em especial as japonesas, alemãs e
italianas, foram obrigadas a fechar as portas.
Quando o fim da Segunda Guerra Mundial foi anunciado, a situação
não ficou muito diferente; pelo contrário, o clima ficou confuso e a situação dos
imigrantes do Eixo tornou-se delicada. Eram ainda tratados com indiferença e
hostilidade. A rendição do Japão após o trágico bombardeio a Hiroshima e Nagasaki
cobriu de luto as colônias.
Os japoneses continuaram atormentados, agora pela Shindo
Renmei, “Liga do Caminho dos Súditos”, fundada em São Paulo por fanáticos que
espalhavam a notícia entre os japoneses que o Japão não havia perdido a guerra e
que para eles somente restava a opção de voltar à terra natal, pois vários territórios
tinham sido conquistados. Muitos acreditaram nessa ilusão, vendendo suas
propriedades e comprando de pessoas de , hipotéticas possessões no
Pacífico.
Paralelamente, aconteceram os relançamentos dos jornais em
idioma japonês. O São Paulo Shimbun, lançado em 12 de outubro de 1946, foi o
primeiro deles. Jovens deixaram a agricultura para estudar e se dedicar ao comércio
nas grandes cidades.
Em 1952, foi assinado o Tratado de Paz entre o Brasil e o Japão.
Nova leva de imigrantes chegou ao Brasil para trabalhar nas fazendas administradas
pelos japoneses.
3.4.1 LONDRINA: UM BREVE RESGATE HISTÓRICO
A colonização do norte do Paraná iniciou-se efetivamente com a
formação em Londres da Brazil Plantations Syndicate por Lord Lovat, que mandou
vir do Sudão Mr. Arthur H. Miller Thomas. Este prestou serviços à companhia recém-
fundada. Compraram-se inicialmente, do governador do Paraná, Caetano Munhoz
da Rocha, 350 mil alqueires de terras.
Em 24 de setembro de 1925, fundou-se a Companhia de Terras do
Norte do Paraná, subsidiária da Brazil Plantations, sendo nomeado Dr. Antônio de
69
Moraes como presidente e como gerente administrativo o Sr. Arthur Thomas. A
Companhia de Terras, de 1925 a 1927, adquiriu mais de 515 mil alqueires de terras
paulistas e do norte do Paraná.
Em 1928, com a quebra da safra da cultura de algodão em São
Paulo, os investidores ingleses resolveram dedicar-se integralmente aos planos e à
realização da fundação do Norte do Paraná na margem esquerda do rio
Paranapanema, entre os rios Tibagi e Ivaí. Com a concretização da compra de
ações da Companhia Ferroviária São Paulo/Paraná em 30 de junho de 1928, a
CTNP dá o sinal de partida para o início da colonização.
No dia 20 de agosto de 1929, partiu de Ourinhos um grupo de
homens com destino à região do Norte do Paraná. Os que se dirigiram à futura
Londrina passaram a noite em Jataí num rancho construído por Ian Fraser,
funcionário da Companhia Maxwell, outra empresa de ingleses, que se estabelecera
ali. Bem cedo, atravessaram o majestoso Tibagi, onde não havia ponte nem balsa.
Os animais iam a nado, um por um, conforme relato de George Craig Smith (1936):
Enquanto um de nós ia remando numa canoa de tronco de árvore,
outro segurava o burro pelo cabresto e guiava-o até a outra margem.
Com várias travessias perigosas foram transpostos os animais, os
mantimentos e todo o pessoal para a margem esquerda. Adiante,
viagem em marcha lenta, por um picadão escuro, barrento, cheio de
tocos e buracos. Assustados, os burros derrubaram as cargas.
Em 21 de agosto de 1929, nas barrancas do rio Tibagi, encontraram
a caravana composta pelo engenheiro Willian Reid, encarregado da abertura de
terras, por Mr. Thomas e George Craig Smith com a turma chefiada pelo Dr. Carlos
Rottmann, provenientes do rio Três Bocas. Após haver concluído o levantamento da
divisa sul daquela área inicial (floresta de mata fechada), abriram um escritório da
CTNP, iniciando o processo de colonização e surgimento da futura cidade de
Londrina. Esse local ficou conhecido como Patrimônio Três Bocas.
Segundo as memórias de Craig Smith, a viagem terminou à tarde no
lugar em que Alexandre Razgulaeff, “orgulhosamente, fincou o primeiro marco de
madeira e disse: Chegamos. Aqui começam as terras da Companhia de Terras
Norte do Paraná”. Eles tiraram as cargas dos animais e os amarraram, para que não
fugissem. Imediatamente, Alberto Loureiro, à frente de seus camaradas, munidos de
foices e machados, abriram uma pequena clareira e construíram os primeiros dois
ranchos.
Havia muito palmito em abundância e [...] os aproveitamos para
matar a fome que era muita, recordou. Os troncos rachados
70
longitudinalmente, serviram para construir os ranchos e para fazer as
camas. As folhas foram utilizadas para cobrir os ranchos, as camas e
para alimentar os animais. A mata nos dava tudo e acredito que
usufruíamos a primeira dádiva generosa daquelas terras férteis. A
primeira noite foi um suplício devido aos mosquitos, tanto assim que
fomos obrigados a fazer uma fogueira dentro de cada rancho para
afastar os insetos com a fumaça.
Figura 13 - Primeira derrubada, agosto de 1929. Foto de G. C. Smith.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina.
Abriram uma clareira de 10 alqueires; carpinteiros portugueses
serraram a madeira para a construção do primeiro hotel e do armazém da
Companhia de Terras. Agrimensores começaram a demarcar os lotes rurais e
Alexandre Razgulaeff a projetar a cidade a 1,5 quilômetros a oeste da clareira.
A caravana de 11 pessoas enfrentou mais de 200 km de estradas
ladeadas por densa e indescritível floresta. Os pioneiros ficavam encantados e ao
mesmo tempo espantados com a grandeza das árvores, principalmente a figueira-
branca, a peroba-rosa, o pau d’alho, ipês, cedro e palmito.
Em 28 de março de 1930, Massaharu Ohara adquiriu o lote 1 e
Massahiko Tomita, o lote 2. Toshio Tan, um dia antes, tinha adquirido o lote 3;
Mitsugui Ohara, o lote 5. No dia 1.º de abril, Juichi Yamate adquiriu o lote 6. No total,
foram 80 alqueires de terra localizadas na Gleba Cambé (hoje Jardim Santos
Dumont). Essa foi uma região reservada aos compradores japoneses. Segundo
dados fornecidos pelo Museu Histórico de Londrina, a CTNP registrou 31
71
proprietários de nacionalidades diferentes. A tabela abaixo demonstra as
nacionalidades e o número de imigrantes.
NACIONALIDADE
N
o
HABITANTES
Brasileiros
1.823
Italianos
611
Japoneses
533
Alemães
510
Espanhóis
303
Portugueses
218
Poloneses
193
Ucranianos
172
Húngaros
138
Tchecoslovacos
51
Russos
44
Suíços
34
Austríacos
29
Lituanos
21
Iugoslavos
15
Romenos
12
Ingleses
7
Argentinos
5
Sírios
5
Dinamarqueses
3
Australianos
2
Belgas
2
Búlgaros
2
Franceses
2
Letos
2
Lichteinsteinianos
2
Norte-americanos
2
Suecos
2
Estoniano
1
Indiano
1
Norueguês
1
Quadro 1 - Nacionalidade dos imigrantes de Londrina da década de 30.
Fonte: Museu Histórico de Londrina (grifo nosso).
João Sampaio, presidente da CNTP desde 1928, estabeleceu
ligação entre a capital britânica e a cidade em formação, perpetuando Londres no
nome de Londrina.
72
Figura 14 - Primeiras Construções.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina.
As primeiras construções eram toscos ranchos de palmito ou
madeiras serradas à mão. O primeiro hotel, chamado Hotel Campestre, sob direção
de Alberto Fleuringer, teve como seus primeiros spedes George Craig Smith e
André Bolch Kareff, engenheiro responsável pelos primeiros traçados e construções
da cidade de Londrina. As únicas casas de alvenaria eram de propriedade de Mr.
Arthur Thomas e do Sr. David Dequech, construídas pelo Sr. Alberto Koch. A Rua
Heimtal (atual Duque de Caxias), a Estrada do Sertão (atual Avenida Paraná) e a
atual Catedral foram as primeiras áreas ocupadas.
O município de Londrina foi criado no dia 3 de dezembro de 1934.
Sua criação proporcionou melhoramentos na estrutura da cidade, permitindo a vinda
de outros imigrantes que eram atraídos pelas novas terras do norte do Paraná.
Conforme dados do Álbum do Município de Londrina (1938), editado por Adriano
Marino Gomes, a área municipal abrangia 923.117 alqueires, portanto, além dos 515
mil da Companhia de Terras Norte do Paraná.
Ainda na década de 30 surgiram as primeiras escolas, o aeroporto, a
usina hidrelétrica, as estações ferroviárias e rodoviárias e bancos; a estrutura inicial
estava pronta para receber as famílias que estavam por vir.
73
Figura 15 - Londrina, década de 30.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina.
Figura 16 - Londrina, década de 30.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina.
74
Figura 17 - Londrina em 1934.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina.
Em 1932, o general Arthur Asqüith, vice-presidente da Paraná
Plantations, veio da Inglaterra especialmente para a inauguração do trecho da
ferrovia até Jataí. Dessa cidade, acompanhado por João Sampaio e Arthur Tomas,
deslocou-se até a “paragem escolhida” para a primeira cidade do Norte Novo
paranaense que estava nascendo como o nome de Patrimônio Três Bocas. Esse
segundo registro menos conhecido seria chamado também de Patrimônio Cafezal.
De volta a Ourinhos, durante jantar na residência do engenheiro T.
H. Hamilton, diretor da Estrada de Ferro São Paraná, Asqüith comentou o
crescimento do patrimônio, o qual era a base para o início da colonização. Ele
pensava na necessidade de dar um nome à futura cidade. Por unanimidade,
aprovaram “Londrina”, sugestão de João Sampaio, significando “filha de Londres”.
Figura 18 - Vista da 1
a
Estação Rodoviária de Londrina. Década de 1930.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina.
75
Figura 19 - Antiga Igreja Matriz.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina.
Figura 20 - Imagem da inauguração do novo aeroporto de Londrina, construído no local
onde se localizava o sítio de Haruo, 8 de abril de 1956.
Fonte: livro Lavrador de Imagens.
76
3.4.2 A TRAJETÓRIA RUMO AO NOVO MUNDO
Até a 1 Guerra Mundial, o Japão experimentou uma fase de
prosperidade que terminou na década de 1920. De 1874 a 1918, o Japão tornou-se
o primeiro país não-ocidental competidor na era industrial, na condição de grande
importador de matérias primas e exportador de produtos industrializados, penetrando
principalmente nos mercados norte-americano e chinês.
O crescimento demográfico foi muito expressivo: de 35 milhões de
habitantes, em 1873, para 55 milhões em 1918. Entretanto, as reformas impuseram
sacrifícios enormes a estratos da população. Aderir à revolução industrial e adotar a
economia capitalista implicou o aumento de tributos e inflação; a política
deflacionária fez crescer a miséria na zona rural. Apesar da assistência
governamental à indústria e ao comércio, as exportações ficavam aquém do volume
necessário e as ofertas de empregos diminuíram. Alterou-se a economia, a qual
deixou de ser apenas agrária e passou a ser, predominantemente, manufatureira e
industrial.
A vida no campo, com a agricultura em crise, não trazia fartura.
Oprimidos pelos altos impostos e após vender ou arrendar as terras, os camponeses
chegavam às cidades. A grande maioria não encontrou empregos e a vida por se
tornou difícil, incerta e insegura. Isso despertou fortes razões para buscar novos
espaços.
Para muitos japoneses, ver o sol nascer nas terras do Novo Mundo
era a única saída para viver dias melhores. O objetivo era ganhar dinheiro
rapidamente e retornar ao Japão, onde poderiam dar melhores condições de vida a
si mesmos e a seus parentes. Iam para “fazer a América”.
O Brasil era tido como o país onde se plantava o kane no naruki (“pé
de dinheiro”): o café. Dizia-se que toda a riqueza da terra estava num
arbusto carregado de cachos formados por frutinhas vermelhas,
plantado aos milhares pelas fazendas. Dele se colhiam pencas de
dinheiro. O mundo todo estava entornando xícaras e xícaras de café,
uma bebida de cor negra, sorvida aos tragos, bem quente. Era o ouro
brasileiro. (LOSNAK, 2003, p.20).
No Brasil da época, era predominante o trabalho de escravos
africanos trazidos desde 1538. Contudo, desde 1827 crescera o movimento contrário
à escravatura e, paralelamente, os altos investimentos realizados exigiam cada vez
77
um maior número de pessoas nas lavouras de café. Face ao promissor mercado
internacional do café, os senhores de escravos começaram a procurar alternativas
para suprir a demanda das lavouras, as quais exigiam muitos trabalhadores para
serem cultivadas, cuidadas e colhidas.
Geralmente, os imigrantes recebiam talhão de 1.000 a 3.000
cafeeiros, proporcional à capacidade de cada família quanto a cultivar, colher e
beneficiar. As famílias pagavam aluguel por moradia e pastagem indispensável a
cavalos, vacas e outros animais de serventia. A área destinada às culturas de
subsistência era gratuita, mas a metade da renda caberia ao fazendeiro se a
produção fosse vendida. Assim, o início da emigração japonesa para o Brasil deu-se
nessa fase de colonato nitidamente pré-capitalista entre o trabalho escravo e o
salarial.
Figura 21 - Haruo Ohara e lavradores na capina dos primeiros pés de café da Gleba
Cambé - década de 1930.
Fonte: Acervo Família Haruo Ohara.
Para esses imigrantes, havia muitas barreiras: o idioma, os
costumes e o estranhamento que causavam aos europeus com quem dividiam o
cuidado das colheitas. Existia um preconceito grande com relação aos asiáticos, que
eram tidos como trabalhadores “não ideais”, pois eram considerados sisudos, de
pouca conversa. Com o passar do tempo, foram se firmando como sérios,
78
responsáveis e cuidadosos, mas mesmo assim ainda esbarravam nas diferenças
culturais.
Figura 22 - Imigrantes japoneses.
Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina.
Alimentação e moradia deficientes, trabalho contínuo desde as
quatro horas da manhã a ao anoitecer sob vigilância de fiscais, mercado
internacional do café em baixa (a renda dos colonos também dependia da
participação nos lucros) e dificuldade para se comunicar em português eram os
motivos básicos que espantavam os imigrantes da área rural. Abandonavam as
fazendas e seguiam para as cidades de São Paulo e Rio de Janeiro principalmente.
Foi por volta de 1913 que os primeiros japoneses chegaram ao Paraná.
79
CAPÍTULO 4 NARRATIVA DOS BRINQUEDOS, JOGOS E REPRESENTAÇÕES
LÚDICAS DA CULTURA JAPONESA.
Figura 23 - Página de um diário de Haruo, com anotações do ano de 1931.
Fonte: livro Lavrador de Imagens.
80
NARRATIVA DOS BRINQUEDOS, JOGOS E REPRESENTAÇÕES LÚDICAS DA
CULTURA JAPONESA.
4.1 A DELICADEZA DE UMA DAMA...
O primeiro contato com a professora Estela aconteceu por telefone e
desde o início ela se mostrou solícita em colaborar, marcando para o dia seguinte do
nosso contato um encontro na Aliança Cultural Brasil/Japão.
Fomos recebidas com um simpático sorriso e convidadas a entrar na
sua sala. Enquanto estávamos nos acomodando, uma jovem se aproximou dela e
elas conversaram em japonês por algum tempo. Ela se despediu e pediu desculpas.
Discreta, comentou que os jovens a procuram muito para trocarem ideias sobre
vários assuntos.
Essa senhora simpática, elegante e de gestos muitos delicados nos
convidou para conhecer as instalações e visitar o espaço onde fica a biblioteca. Ela
nos mostrou com orgulho os milhares de exemplares de livros, muitos deles
enviados do Japão. Comentamos a nossa surpresa em relação ao número de
brasileiros interessados em pesquisar sobre a cultura japonesa. Ela disse:
São muitos os que se interessam pela cultura japonesa e atualmente
jovens japoneses com a divulgação e proliferação dos mangás,
taiko, judô e do kendô, os nikkeis trouxeram com eles, jovens de
outras etnias querendo conhecer mais sobre o Japão. É bom para
divulgar a cultura, mas por outro lado, esta não é garantia de
preservação das raízes da cultura e sim daquela área específica,
mas é um começo.
81
Figura 24 - Ilustração de Astro Boy. Mangá de Osamu Tezuka.
Fonte: Revista Made in Japan . - n
o
100/Ano 9.
Prosseguimos com nossa visita e a professora Estela nos contou
sobre o Centenário da Imigração Japonesa no Brasil, que vai acontecer em 2008,
sobre seus preparativos, o Museu Histórico da Imigração Japonesa e sobre as
dificuldades que enfrentou para concretizar a sua fundação.
Enquanto conversávamos, avistamos pela janela um grupo de
aproximadamente 10 crianças entre 6 a 8 anos que estavam na Aliança Cultural
Brasil - Japão para aprender o idioma japonês e também um pouco de origami.
Essas crianças organizaram-se em torno da hora do lanche, sentados em roda,
como num piquenique, e conversavam animadamente. Esse momento foi oportuno
para perguntamos se as brincadeiras oriundas do Japão são transmitidas na escola.
Sempre que possível procuramos trazer às novas gerações,
aspectos gerais da cultura de nossos ancestrais; ensina-se a língua
japonesa para descendentes e muitos não descendentes, como
também brincadeiras. algumas destas que são muito parecidas
com as do Brasil.
Como nosso interesse foi crescendo, pedimos a ela para que falasse
sobre tais brincadeiras. A professora nos respondeu da seguinte maneira:
Por exemplo, aqui comemoramos Dia das Crianças e no Japão o
kodomo-no-hi (dia dos meninos) e o hina-matsuri (dia das
meninas).
Ela nos esclareceu a respeito de como se configuram essas
festividades. Para as meninas, bonecas. Para os meninos, pipas em formato de
carpas. No Japão, tradicionalmente, meninos e meninas têm datas comemorativas
82
diferentes. Em 3 de março, as famílias que têm filhas arrumam sua coleção de
bonecas vestidas com quimonos num altar: no alto, o imperador e a imperatriz.
Embaixo, são organizados os súditos. É o Hina-Matsuri, ou festival de bonecas, dia
em que são feitas orações pedindo saúde para as garotas.
Em 5 de maio é a vez dos garotos, embora atualmente a tendência
seja homenagear as crianças em geral nessa data. São pendurados em postes
pipas com o formato de carpas (koinobori), peixe que simboliza o sucesso,
desejando força para os pequenos. Podemos afirmar que a cultura japonesa é
transmitida e elementos de sua tradição preservados por meio dessas
comemorações feitas na escola.
Figura 25 - Kodomo - no - hi (Dia dos Meninos).
Fonte: Revista Made in Japan - n
o
100/Ano 9.
83
Figura 26 - Dia das Meninas. É um dia de orações pedindo saúde para as garotas
Fonte: Revista Made in Japan - no 100/Ano 9.
Outras brincadeiras foram citadas pela professora Estela, revelando
semelhanças com as brincadeiras de nossa cultura, mas nomeadas em língua
japonesa e algumas com características próprias:
...Tem também ayatori (cama de gato)... djan-ken-pô/ai-ko-deshô,
otedamá (parecido com as cinco marias), o oni-gokó (esconde-
esconde), o carutá (jogos com cartas com diversos níveis de
dificuldades) e o comá (pião)”
Figura 27 - Ayatori.
Fonte: Acervo da Biblioteca da Aliança Cultural Brasil - Japão.
84
O ayatori (cama de gato) é um brinquedo infantil com um barbante a
que se ataram as duas pontas e que duas pessoas vão tirando uma dos dedos da
outra, alternadamente, dando ao cordel disposição variada e simétrica.
Provavelmente de origem asiática, é praticado em diversas partes do mundo. Na
Austrália, em 1928, uma expedição antropológica constatou que os aborígines
praticavam várias brincadeiras com barbantes.
Figura 28 - Otedamá.
No Japão, Otedamá é nome atribuído ao jogo de cinco marias,
também conhecido como jogo do osso, onente, bato, arriós, telhos, chocos ou
nécara, em nossa cultura. É um jogo pré-histórico e diversas maneiras de ser
praticado. Uma delas é lançar uma peça para o alto e, antes que ela caia no chão,
pegar outra peça. Depois tentar pegar duas, três... até cinco, ficando com todas as
peças na mão.
Na Antiguidade, os reis praticavam com pepitas de ouro, pedras
preciosas, marfim ou âmbar. Popular até hoje na maior parte do mundo, é praticado
com saquinhos de pano cheios de areia, ossos, sementes ou caroços de frutas.
85
Figura 29 - Djan-ken-.
O Djan-ken- é uma brincadeira originária do Japão muito usada
para decidir qual o jogador vai começar uma partida ou decidir pendências durante
os jogos em grupo. Normalmente, dois jogadores colocam-se frente a frente, com
uma das mãos nas costas, e dizem “1, 2, 3, pedra, papel ou tesoura, 1, 2, 3”.
Quando acabam de dizer a frase, retiram a mão das costas,
formando uma das três figuras: a pedra, com o punho cerrado; o papel, com a mão
estendida; a tesoura, com o dedo indicador e médio estendidos e os outros
dobrados.
Consideram que o papel ganha da pedra porque a envolve; a pedra
ganha da tesoura porque a dobra de um golpe na ponta; e a tesoura ganha do papel
porque o corta. Os jogadores devem realizar a ação correspondente com as mãos.
Se ocorrerem duas figuras iguais, ninguém ganha e repete-se o jogo. Ganha quem
consegue acumular primeiro, três vitórias e passa a comandar o jogo seguinte.
86
Figura 30 - Oni-gokô.
Conhecido como Oni-gokô no Japão, no Brasil recebe o nome de
esconde-esconde ou de escondidas em Portugal. É uma brincadeira na qual
enquanto uma pessoa fica com os olhos tapados contando até certo número
combinado com os participantes, os demais se escondem.
O encarregado de localizar as crianças escondidas vence apenas se
encontrar todos os demais participantes antes que algum retorne para o ponto de
partida. O primeiro dos que se esconderam a retornar para o ponto de partida vence,
fazendo com que aquele que os procurava perca a partida.
No Japão, uma pessoa conta até certo número com os olhos
fechados e as outras se escondem; as pessoas que se esconderam têm que voltar
ao lugar onde a primeira pessoa contou e tocarem nela. O primeiro ou o último
(depende de quem está brincando) a serem tocados pelo que contou devem ficar no
lugar dele.
A história das cartas se perde no tempo. Alguns afirmam terem sido
criadas durante a dinastia Sung ou Song, na China em 1120, para uma concubina
do imperador S’eun-ho. Da China elas teriam percorrido o Oriente e chegado à
Espanha pelas mãos dos árabes, espalhando-se também pela Itália e França. O
primeiro relato de jogos de cartas na Europa data de 1377 e em 1392 elas serviam
para distrair o rei da França Carlos VI (1368-1422).
87
Figura 31 - Carutá.
Figura 32 - Carutá - jogos com cartas com níveis variados de dificuldade.
Os jogos com cartas são bastante comuns no Japão e o Carutá
pode alcançar vários níveis de dificuldade. As cartas desses jogos, normalmente,
trazem informações sobre personagens míticos e mágicos, ligados a crenças e
superstições. Variam desde um jogo de captura de cartas dos outros jogadores (aqui
conhecido como “bafo”), ou até mesmo como jogos de conquistas de posições
88
“hierárquicas” dentro do universo das lendas que envolvem cada personagem
inscrito nas cartas. Também pode ser jogado como memória.
Além da transmissão cultural por meio das brincadeiras na escola,
perguntamos sobre as lembranças de brincadeiras que foram ensinadas pela família
à professora Estela, que nos descreveu um jogo chamado Ohadiqui:
Vários grãos são colocados no centro de uma mesa, pode ser soja,
milho e feijão, por exemplo. No Japão, originalmente peças
apropriadas. As crianças sentam-se em torno da mesa. Os grãos são
amontoados e espalhados com cuidado para não cair da mesa. Eles
traçam uma trajetória na mesa e param. Quando isso acontece, os
jogadores têm que passar, com dedo mínimo, entre os grãos que
estão mais próximos deles. Se passarem por eles sem tocar no grão
o jogador fica com ele e vence o jogo quem acumular mais grãos.
Também é possível não usar o dedo mínimo, mas sim o polegar para
“estourar” os que estiverem acumulados tornando mais fácil passar
por eles e ganhar mais grãos. Os jogadores é que combinam quanto
vai valer cada um deles.
Figura 33 - Crianças jogando Ohadiqui com as peças usadas no Japão.
89
Interessamo-nos em saber quem havia ensinado esse jogo e ela nos
respondeu ter sido sua mãe. Segundo ela, seu pai falava o português com
dificuldades, por isso as trocas culturais entre eles foram menores. A professora
lamenta, pois o pai teve uma formação muito sólida no Japão, estudando na escola
de Belas Artes, famosa por oferecer aos seus estudantes uma diversidade de
conhecimentos, tanto que o pai estranhava a falta de leitura nas escolas. Ele vivia
perguntando a ela e sua irmã se não eram estimuladas a ler os clássicos como
Dumas, Baudelaire e Tolstoi. A família materna também tinha uma sólida formação
cultural. A professora Estela relatou mais sobre seus familiares:
Quando meu avô decidiu vir para o Brasil, enviou minha avó e minha
mãe para um curso de corte e costura em Tóquio, para que toda a
família chegasse vestida de acordo com os costumes do vestuário
ocidental. Chegaram todos no porto de Santos vestidos com as
roupas que ela mesma fez. Também cuidou de enviar um tio, antes
de todos para que aprendesse o idioma e os costumes para ensinar
aos demais, quando chegassem ao Brasil. Ele disse que estavam
vindo para ficar e que faria daqui seu lugar. Nunca falou em voltar.
Diferente dos demais, sua família escolheu vir para o Brasil como
autônoma. Poucos eram os imigrantes que podiam fazer essas escolhas, sendo que
na sua grande maioria vieram em condições precárias, sem esperança e, muitas
vezes, sem saber até para onde seriam levados. Muitos foram enganados com
falsas promessas e até aqueles que chegaram com alguma reserva de dinheiro
eram prejudicados com a venda de escrituras falsas e contratos de trabalho em que
recebiam quantias diferentes das que haviam combinado.
Seu pai se estabeleceu comercialmente em 1933 em Londrina com
uma venda de secos e molhados. Moravam na Rua Professor João Cândido (antes
Rua Bahia), entre a Avenida Paraná e a Sergipe. Mais tarde, esse local reuniu vários
japoneses. Estavam ali tinturarias, quitandas, bares, restaurantes, alfaiatarias,
barbeiro, vendas de secos e molhados, livraria e bancos que indicavam a presença
japonesa. A incidência diminuiria no decorrer da década de 80, face à concorrência
no centro e valorização dos pontos de rua.
Nascida em Londrina em 7/5/1933, a professora Estela acompanhou
a efervescência da citada rua, guardando na memória, as brincadeiras que dividia
com as crianças de outras etnias. Atendendo ao nosso pedido, ela nos contou como
eram as brincadeiras daqueles tempos e o que as crianças faziam para se divertir.
90
Como todas as crianças, gostávamos de brincar de casinha (mámá-
gotô) e os quintais eram grandes, as ruas seguras e propícias para
brincar. Muitas das nossas brincadeiras aconteciam de noite que era
mais emocionante, embora a luz fosse fraca. Nada era mais divertido
do que brincar de esconde-esconde à noite. Também brincávamos
de roda e eu tinha umas coleguinhas portuguesas que me ensinaram
muitas cantigas de roda. Foram elas que me ensinaram jogar
amarelinha, balança caixão, lenço atrás e passa anel. Os meninos
participavam de algumas brincadeiras com a gente, mas como ainda
havia muito mato nessa época em Londrina, eles gostavam de caçar
passarinhos com estilingues, brincar de carrinho, bola de meia e bola
de gude.
Cada cultura atribui significados diferentes para as bonecas. A
boneca africana, por exemplo, não é um brinquedo e é usada em uma cerimônia
quando um rapaz ou moça atinge a idade em que deve conhecer os segredos da
tribo à qual ele ou ela pertence.
Provavelmente as primeiras estatuetas de barro tenham sido feitas
pelo Homo sapiens 40 mil anos, na África e na Ásia, com propósitos ritualísticos.
No Museu Natural de Viena, na Áustria, encontra-se uma das mais antigas figuras
humanas conhecida, a Vênus de Willendorf (25 mil - 20 mil a. C), uma pequena
estatueta de formas arredondadas, considerada um símbolo de fertilidade.
A transição das bonecas como ídolos para brinquedos
provavelmente ocorreu no Egito, mil anos. Poderia ser um sacrilégio uma criança
egípcia brincar com um ídolo de argila, mas isso seria aceitável se o objeto
representasse um mero mortal, como um servo. Por isso, bonecas e bonecos não
tinham aparência infantil, eram antes miniaturas de adultos e nunca ambíguos, tendo
sexos bem definidos.
No Japão, além de serem consideradas brinquedo, as bonecas
representam a amizade, são usadas como amuletos e são a figura central em dois
festivais: o dia das meninas e o dia dos meninos. Neste, são exibidas coleções
representando guerreiros japoneses. ainda o gosho, feitos de conchas do mar
moídas e cola nikawa, de origem animal, têm o formato de bebês gordos e de pele
muito branca.
91
Figura 34 - Crianças brincando de Mámá-gotô.
Figura 35 - Mámá-gotô.
92
Durante a entrevista, a professora Estela nos falou ainda sobre as
trocas culturais ocorridas durante sua infância com as crianças de outras etnias com
as quais conviveu. Ela contou sobre o que ensinou às amigas:
Com os brinquedos que vinham do Japão, eu brincava em casa.
Acho que a minha família queria mesmo que eu me integrasse com
as outras crianças. Eu ensinei às minhas amigas portuguesas uma
simpatia para os dias de chuva. Quando amanhecia chovendo, elas
logo iam me chamar para fazer um boneco chamado Teru-teru-
boozu.
A professora nos explicou a respeito do brinquedo:
Era preciso cortar um pedaço de pano e colocar dentro dele pedaços
menores de tecido. Depois era fechar com um barbante, dando o
formato de uma cabeça. Fazíamos o rosto, que deveria estar sempre
sorrindo e pendurávamos no varal. Falávamos: Teru-teru-boozu
(Faça aparecer o sol!)...
Figura 36 - Teru- teru- boozo.
O relato da professora Estela aponta para a interação cultural entre
as crianças por meio das bonecas:
...Era esperar que o tempo abrisse para brincar. Quando íamos
brincar de bonecas, eu levava algumas bonecas feitas pela mamãe e
só mais tarde ganhei uma boneca Kokeshi...
93
Inicialmente brinquedo de crianças pobres, a kokeshi se tornou um
suvenir, objeto de desejo de turistas que visitam as estações termais do Japão.
Simples e rústica, mas de uma beleza sutil, é expressão típica do artesanato
japonês.
...Eu gostava de contar para as minhas amigas que elas eram
usadas no Japão como amuleto, para proteger. Elas me ensinaram a
fazer uma simpatia para Santa Clara, que consistia em colocar um
ovo na cerca de balaustre e fazer o pedido. Também fazia parar de
chover.
94
Figura 37 - Bonecas Kokeshi.
Fonte: O mestre de bonecas Kokeshi.
Figura 38 - Bonecas Kokeshi. Arte passada de pai para filho. A técnica consiste em
reproduzir as bonecas nos mesmos padrões de cores e desenhos.
Fonte: O mestre de bonecas Kokeshi.
Continuamos investindo, junto à professora, as trocas culturais
efetuadas entre as crianças e a questionamos se essa interação ocorria também na
escola e se havia tempo, nesse local, para brincar o jogar.
Minha irmã frequentava a escola japonesa num período e a brasileira
em outro. Na escola japonesa promovia-se undoukai. É um evento
que envolve a todos. As famílias preparam comidas e ajudam na
organização das brincadeiras e é interessante, pois todos participam.
A ideia é fazer um dia de encontro entre as famílias, onde crianças,
jovens e velhos se integram em torno de brincadeiras, é muito
gostoso. Normalmente acontece para comemorar o Kodomo-no-hi
(Dia dos Meninos)...
95
...Nós brincávamos de nawa-tobi (pular corda), taissô (que são
exercícios físicos de caráter lúdico que respeitam os movimentos da
criança), de doyô (músicas infantis) e de ê - kaki-utá (enquanto
cantam, desenham o que a música pede, e ela pode ser mudada
várias vezes durante a brincadeira). Ah! Tinha também o yúgui, uma
dança japonesa com canções infantis dramatizadas...
Figura 27 1 - Nawa-tobi.
Figura 39 - Taissô. Exercícios com caráter lúdico que procuram respeitar o movimento
natural do corpo das crianças.
96
Figura 40 - Ê- kaki-utá. Reprodução de desenhos, de acordo com o tema solicitado pela
música.
Figura 41 - Doyô. Brincadeira onde as crianças reproduzem os movimentos que a música
pede.
97
Figura 42 - Yúgui - dança japonesa com canções infantis dramatizadas.
Percebemos, a partir do relato, que a escola de ensino voltado aos
descendentes japoneses promovia a cultura japonesa e permitia, num momento
específico de confraternização, as brincadeiras infantis. Observamos também que
não referência a um tempo e espaço dedicados, na escola brasileira, para as
brincadeiras, o que minimizava as trocas culturais que poderiam ocorrer por meio do
lúdico entre crianças de diferentes etnias e tradições.
Na continuidade da entrevista, a professora Estela lembra as
brincadeiras de que gostava mais:
...Mas, o que eu mais gostava era de jogar pin-pon (tênis de mesa),
fazer origami (dobradura), kiriê (com o uso de uma tesoura,
fazíamos recortes para se criar figuras) e chiguirigami (rasgar o
papel com as mãos e compor figuras). Não frequentei escola
japonesa devido a idade, pois eclodiu a 2.º Grande Guerra. Porém,
sempre acompanhei minha irmã mais velha em suas atividades
escolares e participei dos jogos e brincadeiras...
A história mais tradicional sobre o tênis de mesa, ou pingue-pongue,
conta que no início de século XX, um oficial inglês em serviço na Índia improvisou
uma quadra de tênis em miniatura usando uma mesa.
O jogo composto de uma bolinha e duas raquetes foi lançado em
Londres, em 1905, por Jacques e Hamley Bros, com o nome de ping-pong (em
98
inglês), uma onomatopeia que imita o ruído da bola ao tocar na raquete e na mesa.
Figura 43 - Pin-pon.
No primeiro século da era cristã, os chineses inventaram formas e
objetos usando o papel, que começava a ser produzido em maior quantidade. No
século VI, quando a técnica de fazer papel chegou ao Japão, ele foi rapidamente
integrado à cultura e usado na arquitetura e em muitos rituais.
A palavra origami começou a ser usada em 1880, juntando as
palavras oru(dobrar) e kami (papel). Por intermédio dos árabes, essa arte chegou
ao norte da África e, no século VIII, à Espanha, espalhando-se pela Europa.
O nome mais criativo na arte do origami moderno foi Akira
Yoshizawa. No começo dos anos 30, ele já havia criado mais de 10 mil modelos e foi
quem desenvolveu o sistema de linhas e flechas para formular as informações.
No ano 2000 Akira Yoshizawa comemorou 88 anos com uma grande
exposição dos seus trabalhos em Quioto, no Japão. Até hoje ele e sua mulher, Kiyo,
escrevem livros, viajam e fazem exposições para incentivar os adultos e crianças
nessa arte.
99
Figura 44 - Origami.
Fonte: Revista Made in Japan n. 100/Ano 9.
A técnica do chiguirigami consiste em cobrir um desenho com
pedaços de papel colorido, rasgando--os com as mãos.
Figura 45 - Chiguirigami.
No kiriê são feitos recortes com o auxílio de uma tesoura, que aos
poucos vão compondo uma figura.
100
Figura 46 - Kiriê - Recortes feitos com tesoura aos poucos formam figuras.
As horas passaram rapidamente e, infelizmente, o nosso tempo
havia se esgotado. Combinamos um novo encontro com a professora para dali a 15
dias. Procuramos nesse meio tempo marcar com Saulo, neto de Sr. Haruo Ohara, o
nosso primeiro encontro. Os contatos iniciais também foram por telefone e, então,
combinamos de nos encontrar na sua casa.
4.2 UM JOVEM CERCADO DE HISTÓRIA
No dia combinado, numa tarde quente de dezembro, logo que
chegamos, reconhecemos pelas fotos da fundação da cidade a casa da família
Ohara, fincada no meio de muitos prédios altos, mas lá, firme e serena.
Apertamos a campainha e vimos surgir um “menino” em nossa
direção. Ele nos disse que estava à nossa espera e nos convida para entrar. Ao
chegarmos à sala de visitas, foi impossível não perceber que a casa respira
“história”, de família, de um só, de uma comunidade, enfim, a riqueza é enorme.
Várias peças espalhadas de maneira despojada têm um charme único. Sentamo-nos
101
na cozinha da casa e Saulo nos ofereceu café. A conversa começou num tom tímido
e formal. Contamos sobre o trabalho e lhe pedimos para ver as fotos do acervo de
seu avô que ele já tinha separado.
As fotos selecionadas são belíssimas e retratam crianças da família
em diversas situações de brincadeiras. Enquanto observamos as belas imagens,
perguntamos a Saulo se ele se sente enraizado ou tem algum tipo de identificação
com a cultura japonesa. E ele respondeu:
Certamente a cultura japonesa me influenciou, sendo neto de
japoneses. Fica difícil explicar como e onde. Sinceramente não sei
identificar. Eu sou a terceira geração, ou seja, meus pais são
brasileiros. E meus avós, de ambos os lados, sempre tiveram grande
contato com as outras etnias, nunca viveram restritos a um núcleo
estritamente japonês. A cultura japonesa nunca me foi imposta, seja
em tradições culturais, nem mesmo a língua. Ela foi inserida no
cotidiano, em pequenos gestos e palavras, na alimentação e
certamente muita coisa me foi passada, mas diluída dentro dos
hábitos nacionais, misturando-se.
Fomos convidadas para conhecer um espaço debaixo da escada,
onde está guardado o acervo de negativos do Sr. Haruo, uma sala bem cuidada e
climatizada. Saulo explicou-nos acerca do local:
Esse era o antigo laboratório do meu avô. Era aqui que ele
trabalhava. Depois ele transferiu para um dos quartos de cima.
Teve uma ocasião, logo depois da morte da minha avó, que ele se
trancou por meses no laboratório e presenteou cada filho com a sua
história de vida registrada em imagens.
O jornalista Marcos Losnak escreveu uma biografia sobre o Sr.
Haruo, em que ele fala de cadernetas de anotações organizadas pelo pioneiro
japonês, as quais continham registros de suas produções. Indagamos de Saulo o
que exatamente seu avô registrava.
É, nelas ele registrava tudo o que acontecia, não fazia registros
sobre fotografia, mas de compras, de viagem, anotava datas, valores
e quantidades de muitas coisas. Mas, nos registros de suas
fotografias, o detalhe era maior, talvez devido à paixão pela arte.
na outra sala eu vou te mostrar as revistas na área que ele lia. Ele se
mantinha informado e interessado por esse assunto.
Não demorou para que Saulo nos conduzisse até uma sala que
guarda um verdadeiro tesouro. Caixas e caixas de Pandora. Em uma mapoteca
(com luvas para manusear as fotos), fomos apresentadas a uma “coleção” de fotos
coloridas. Trata-se de uma fase em que o Sr. Haruo se dedicou a fotografar diversos
102
tipos de plantas. encontramos também os blocos de anotações, os quais ele
chamava de “detalhes de fotografação”. Num arquivo com várias gavetas, objetos
pessoais do Sr. Haruo, como aparelhos de barbear, canetas tinteiro, máquinas
fotográficas e coleções de selo (uma outra paixão), mapas da cidade; em outro
armário, álbuns de fotos e mais diários. Enquanto nos “apresentava” cada objeto,
Saulo contava mais detalhes da vida de seu avô.
Sentimos que essa visita iria nos fornecer outro tipo de informação
diferente das que recebemos da Sra. Estela, mas não menos importantes. O amor
pelo trabalho do avô, para nós, ficou claro; tem raízes no fato de ele perceber desde
pequeno a importância dos objetos, das pessoas, de tudo o que faz parte da vida
das pessoas. Um olhar seguramente desenvolvido pelo convívio com o avô.
Procuramos conduzir a conversa para o “foco” do assunto, mesmo já
estando convencidas de que a conversa estava nos abrindo outras possibilidades.
Perguntamos a Saulo se ele tinha alguma lembrança de brincadeiras que seu avô
lhe ensinara.
Eu não me lembro de nenhuma brincadeira que meu avô tenha me
ensinado, nem de ter brincado com ele. Ele era uma pessoa mais de
companhia, fazia coisas para nos alegrar, mas que não eram
necessariamente brincadeiras. E a recordação que tenho dele, que
faz parte da minha infância, me remete à fotografia, uma vez que o
via fotografando muito, sabia das horas que passava em seu
laboratório e, entre os oito e dez anos, saía para fotografar ao lado
dele.
Depois desse relato, pedimos que Saulo lembrasse e nos contasse
algum momento especial vivido com seu avô.
Ele costumava fazer exposições de desenhos pelos corredores
dessa casa. Essa casa vivia cheia de netos, que muitos dos meus
tios vieram morar aqui em casa, quando se casaram e ainda não
tinham suas casas ou quando estavam com alguma dificuldade.
Saulo comentou que seu avô era uma pessoa muito à frente de seu
tempo e que permitiu aos filhos seguirem seus próprios caminhos. Nunca impôs nem
exigiu que os filhos entendessem o idioma japonês, apesar da contrariedade dos
mais velhos, amigos e vizinhos.
Meu avô era considerado como liberal demais, pois ele achava
importante que os filhos falassem a língua do país onde estavam e
não forçava ninguém a aprender. Deixava-os à vontade para
escolher, entre a escola japonesa e a brasileira ou as duas.
103
Através da biografia do Sr. Haruo, relatada no livro Lavrador de
Imagens, conhecemos um pouco da maneira como ele vivia e educava seus filhos,
dividindo, por exemplo, as tarefas diárias com as crianças. Cuidavam dos pés de
café, faziam a colheita de frutas, arranjavam os maços de flores, traziam água do
poço, cooperavam na cozinha, tratavam da horta e dos animais, rachavam lenha e
faziam o que fosse preciso. Tanto os meninos quanto as meninas ajudavam nessas
tarefas.
De acordo com Saulo, o Sr. Haruo era muito interessado em tudo
que o cercava. Pesquisava sobre o que plantar, encomendava livros para aprender
mais sobre as plantações, diversificava as culturas dentro da sua propriedade e se
mantinha informado, razão pela qual era muito requisitado por quem precisasse de
um conselho. Era conhecido por sua elegância e bons tratos com todos. Fazia suas
andanças pela cidade, sempre acompanhado de sua quina fotográfica. Fez
muitos amigos e seu pedaço de terra era descrito como o mais cuidado e florido da
região da Gleba Cambé.
Saulo relembrou que seu avô recebeu com muita tristeza a notícia
de que os lotes que deram moradia a muitos dos japoneses que aqui chegaram
seriam vendidos para dar lugar ao novo aeroporto da cidade. Foi, então, que seu
avô construiu a casa onde fomos recebidos.
104
Figura 47 - Fachada do sobrado recém-construído na Rua São Jerônimo, 1950. Foto:
Haruo Ohara.
Fonte: Livro Lavrador de Imagens.
Anoitecia e era hora de encerrarmos a visita. Combinamos com
Saulo que iríamos nos encontrar novamente para escolher, nos copiões das fotos,
as que nos interessaram. Ele nos disse que fazia questão de fazer a revelação e
percebemos o cuidado que tem pelo acervo do avô. Ao nos despedirmos, saímos de
com a impressão de que o “peso” daquela casa e o que ela representa está posta
na figura desse menino. Um menino cheio de histórias para contar.
Esperamos ansiosas pelo dia de reencontrar a Profa. Estela e, logo
que chegamos à Aliança Cultural Brasil-Japão, começamos a conversar e ela,
visivelmente abatida, nos contou que fora vítima de um assalto em sua residência e
que muito sensível, nem trabalhara naquela semana, pois estava fazendo uma
bateria de exames para verificar os danos do trauma sofrido. Só tinha ido até lá para
nos encontrar. Achamos por bem desmarcar e deixamos em aberto um novo
encontro para logo, assim que ela estivesse melhor.
Passados vinte dias, fizemos um novo contato com a professora.
Com a voz já bem mais animada, ela disse ter se lembrado de detalhes que
poderiam ajudar a compor o trabalho. Marcamos para a manhã seguinte nosso
encontro.
Quando chegamos, encontramo-la elegante e com a aparência
refeita. Tirou da gaveta da sua mesa uma lista com várias brincadeiras, rituais e
jogos anotados para conversarmos. A professora nos falou a respeito de um aspecto
que tínhamos observado, o das semelhanças entre as brincadeiras da tradição
japonesa e as presentes em solo brasileiro:
...Eu fiquei nesses dias relembrando muitas das brincadeiras da
minha infância e sabe que têm muitas semelhanças entre as que eu
aprendi aqui, com aquelas que a minha família me ensinou? Os
bonecos (ningyo), enquanto no ocidente são considerados
brinquedos, no Japão, têm diversos papéis: sela amizade, são
talismãs ou ainda obras de arte, mas nós também brincávamos de
gakou-gôco (brincar de escolinha).
Tal semelhança é verificada em virtude de os jogos simbólicos
estarem presentes em todas as culturas e fazerem parte de um imaginário próprio da
primeira infância. Nessas situações, aspectos culturais, afetivos e de movimento são
vivenciados de maneira particular.
105
Os temas se repetem universalmente. A figura da professora, da
mãe, da casa, que fazem parte do “pequeno” e garantido universo de referências
das crianças, são recriadas com frequência por elas. Nesse momento, o que as une
é o prazer de estar em grupo dividindo e trocando aspectos de sua cultura por meio
do brincar.
Figura 48 - Gakou-gôco.
106
Figura 49 - Ningyo.
Fonte: Revista Made in Japan - n
o
100/Ano 9.
O ningyo é utilizado no bunraku, teatro de bonecos em que os
manipuladores também ficam no palco. É uma das representações mais refinadas e
expressivas da cultura japonesa, tanto que muitas das histórias hoje adaptadas para
o kabuki são inspiradas nos roteiros de amor, sacrifício e vingança do bunraku. O
espetáculo é composto, basicamente, de narrador (tayu), manipulador (ningyo
tsukai) e músico (que toca o shamisen, espécie de banjo japonês de três cordas).
107
Figura 50 - Shamisen. Espécie de banjo japonês de três cordas.
Fonte: Revista Made in Japan - n
o
100/Ano 9.
Para cada boneco são necessários três manipuladores, que devem
estar muito bem entrosados para que a “atuação” seja realista. Também é exigido
sobriedade de quem está por trás dos bonecos. Como não cortinas, é preciso
que os artistas, vestidos de negro, tenham uma expressão serena e neutra, para que
a atenção do público não se desvie do verdadeiro foco de atenção do espetáculo: os
bonecos.
... Eu também me lembrei de dois jogos muito populares no Japão: o
Majan e o Shogui...
108
Figura 51 - Majan.
Fonte: <www.culturajaponesa.com.br>
Majan é um jogo de salão no Japão, jogado por quatro pessoas com
126 peças, cada uma com símbolos e ideogramas que as identificam. No começo do
jogo, cada participante possui treze peças. As peças restantes são colocadas no
centro do tabuleiro, viradas para baixo. Os jogadores revezam-se retirando e
descartando peças, com o objetivo de formar combinações em suas mãos. Ganha o
primeiro jogador que conseguir combinar seu jogo. um sistema de pontuação
baseado no tipo de combinações.
O Shogui é jogado por duas pessoas, num tabuleiro com 81
quadrados. Cada jogador recebe 20 peças, todas identificadas por ideogramas
japoneses. Como o xadrez, teria surgido na Índia, provavelmente derivados ambos
do “chaturanga”. Com o tempo, os jogos indianos foram sofrendo transformações,
ficando parecidos com o que hoje conhecemos como xadrez e shogui. As
semelhanças que ambos possuem são derivadas de sua origem comum.
Segundo a tradição japonesa, o jogo descenderia do “Xiang-Qi”
chinês. O shogui é conhecido como “jogo dos generais” e seria citado por um
documento da época do imperador Konoye, que reinou entre 1.142 a 1.155 d.C.
109
Figura 52 - Tabuleiro de Shogui.
Fonte: <www.culturajaponesa.com.br>
Durante nossa conversa, a professora Estela comentou sobre as
danças populares do Japão.
Não sei se comentei com você sobre os vários tipos de dança
populares que tiveram origem em comunidades agrícolas e de
pescadores. Geralmente são realizadas para comemorar a farta
colheita do arroz ou a época de pesca. Outras danças surgiram em
homenagem aos falecidos, por influência do budismo, caso do “Bon
Odori”, que significa “dança do finado” e cujas apresentações se
concentram no dia do finado japonês em agosto.
Percebendo a riqueza das informações, desviamos nosso roteiro e
prosseguimos perguntando mais informações sobre as danças folclóricas japonesas.
De uma maneira tranquila, fluida e natural, detalhes foram relatados por ela.
Tem também a Yosakoi Soran, uma dança que na última década do
século XX tornou-se verdadeira “febre” no Japão. As pessoas
desfilam dançando ao som de uma música chamada Yosakoi Bushi:
Yochorre, Yochorre, Yochorre, Yochorre.
Tosa no Kochi Harimayabashi de
Bôsan Kanzashi Kau o Mita
Yosakoi, Yosakoi
Hei, hei...
Venha cá, venha cá,
Na ponte Harimaya, na cidade de Tosa em Kochi
Vi um monge comprar um enfeite para cabelo
Venha à noite, venha à noite.
Hei, hei...
É uma dança com bastante energia, que homenageia os pescadores
do norte do Japão.
110
Perguntamos a ela o nome da cerimônia na qual se fazem pedidos,
ao que ela respondeu:
Você deve estar falando do tanzaku, que é o costume de se atar aos
ramos de bambu, papel com poemas e pedidos com diferentes
cores. Qualquer pessoa pode escrever seu pedido, onde cada papel
(branco, amarelo, verde, vermelho/rosa ou azul) simboliza um tipo de
pedido.
Em resposta à nossa indagação, se é nessa “cerimônia” que pedidos
são lançados ao céu, a professora nos disse:
Essa é o takô. Janeiro é o mês das pipas no Japão. É quando
sopram fortes ventos. É uma tradição que dura mais de 300 anos.
Algumas pedem uma boa colheita, enquanto outras uma boa
temporada de pesca.
Ao que tudo indica, as pipas teriam sua origem no Oriente, mas
especificamente na China. Eram usadas primordialmente por adultos e para
atividades sérias. Serviam para passar avisos durante as batalhas e coisas do
gênero. Hoje, no Oriente, as pipas têm ainda um significado religioso, com a
finalidade de “espantar os maus espíritos”.
No Japão, são chamadas de takô, que significa “polvo”. , a
fabricação de papagaios adquire o status de arte: existem, além da pipa tradicional,
pipas com formas geométricas e formas humanas, de animais e de pássaros.
Uma lenda coreana conta que um velho general teria feito subir uma
pipa durante a noite sobre suas tropas. Como a pipa tinha uma lanterna, o general
afirmou que se tratava de uma nova estrela que surgia, a qual era um sinal de vitória
para seu exército. Ele teria conseguido, dessa forma, uma motivação maior de seus
soldados.
Seguimos conversando sobre como essas festas estavam
relacionadas à colheita e que muitas delas são comemoradas nas associações
que procuram preservar essa parte tão interessante da cultura japonesa. Ela
comentou:
Olha, seria lamentável não conservar, pois muitas coisas vão se
perdendo com o tempo, você veja, atualmente o taikô (tambores),
fazem parte da vida de muitos jovens japoneses e brasileiros, no
entanto, registros de bonecos encontrados em “kaniwa” do
século V, feitos em terracota que carregam no ventre um tambor.
O tambor responde com força a cada golpe que é desferido. Nas
111
mãos do músico, o bachi, espécie de baqueta. O som que ecoa é grave e remete a
uma tradição de mais de mil anos, quando os japoneses viviam em aldeias. Nesses
tempos, os estrondos do taiko eram evocados para espantar os maus espíritos, que
atrapalhavam a lavoura. Também era utilizado para pedir que o espírito da chuva
viesse regar as plantações. Hoje, seu som vibrante é sinônimo de festa, que
grupos de entusiastas são presença certa em qualquer matsuri. No Brasil ou no
Japão.
Figura 53 - Taikô. O som que ecoa é grave e remete a uma tradição de mais de mil anos,
quando os japoneses viviam em aldeias.
Fonte: Revista Made in Japan n. 100/Ano 9.
Dissemos à professora que, num dos capítulos do trabalho, falamos
das escolhas que as sociedades fazem sobre o que preservar ou abandonar. Ela
considera importante a preservação da cultura de um povo, como podemos verificar
a partir de seu comentário.
112
É muito importante fazer essas escolhas, porque corremos o risco de
nos esquecermos de quem somos. É preciso encontrar o meio termo,
que interesse e faça sentido para todos. A comunidade japonesa, por
muitos anos, foi proibitiva. Isso de certa maneira tornava menos
atraente para o jovem estar em contato com a sua cultura, pois a
convivência entre o velho e o novo tornava-se muito conflituosa. Os
casamentos, por exemplo, eram permitidos entre japoneses. Os
noivos conheciam-se por fotografias, era um miai-kekkon
(casamento arranjado).
Segundo ela, esse tipo de “acordo” era feito para formar laços de
parentesco, com seus respectivos compromissos e interesses. Voltamos a perguntar
sobre a união das famílias e o contato com os mais velhos, tão privilegiados entre os
japoneses. Indagamos especialmente sobre a organização dos eventos para as
famílias, como uma gincana que envolve a família e a escola. Comentamos que
seria uma maneira agradável de se reunir e de, ao mesmo tempo, preservar e
transmitir a cultura japonesa. A professora Estela explicou:
É undoukai o nome. Elas são organizadas prioritariamente
direcionadas às crianças, que não comparecem ao evento para
testar seus limites, mas para brincar e interagir não apenas com
crianças da mesma idade, como também com suas próprias
famílias e com todo o resto da comunidade. Todos participam. A
família, crianças, professores ajudam a montar barracas, angariar
brindes, prendas, preparar objetos e acessórios que serão usados.
Pedimos à professora, na sequência, para que ela contasse mais
sobre sua cultura e sobre o espírito de cooperativismo que existe na sociedade
japonesa.
Eu acho que esse forte espírito de coletividade que temos, por uma
consciência de grupo também muito forte, acabam sobrepujando as
individuais. Por exemplo, para nos mantermos conectados, criaram-
se as seções, que funcionam mais ou menos assim: em uma quadra
onde existam duas famílias de japoneses, podemos caracterizar
uma seção. Cada seção tem um presidente, que é o responsável por
fazer a conexão entre os moradores daquelas quadras. Se alguém
da colônia morre, é ele quem vai comunicar os demais. Quando
nasce a mesma coisa. Ele passa dando os parabéns nos
aniversários, nas datas importantes para cada família. Essas seções
são organizadas nas cidades, formando as Shybu (associações),
como são chamadas, que por sua vez reúne as seções de cada
cidade. No Paraná são 74 Shybu. Na década de 30 eram
responsáveis por organizar a vacinação. a título de curiosidade,
eu fui vacinada pelo Dr. Gabriel Martins, recém chegado em
Londrina, na época em que a varíola estava fazendo muitas vítimas.
Questionamos, então, a Profa. Estela a respeito da ocorrência de
organizações desse tipo no período da Guerra Mundial e se ela considerava que
113
a guerra afetou, além do Japão, seus descendentes espalhados pelo mundo.
Ah sim. Você veja em Assaí, cuja população na sua maioria é de
japoneses, eles perderam a liberdade de se reunir, de falar o próprio
idioma, ficaram proibidos de ouvir rádio, para viajar tinham que ter o
salvo - conduto que era a polícia quem dava, uma loucura... alguns
tiveram seus bens confiscados... isso promoveu um desejo de
organização grande, mas era a única maneira de nos protegermos,
pois era uma perseguição insana, sem propósito. Éramos apontados
nas ruas com traidores. Isso também, de certa maneira, contribuiu
para o isolamento sócio-cultural dos japoneses. Mas, verdade seja
dita, todo imigrante japonês têm um respeito enorme pelos brasileiros
e demais países que os acolheram.
O Brasil simbolizava a esperança para muitos: trabalhar e remeter
às famílias no Japão a maior parte do que iam ganhar e, após certo tempo,
regressar. Quase 100 anos depois o propósito se repete, nas últimas décadas de 90
e primeiros anos de 2000. Dessa vez, nikkeis do Brasil fizeram o caminho inverso.
Estes não chegaram à situação de miséria, mas as propriedades familiares foram se
tornando pequenas proporcionalmente ao número de membros, a política do país foi
se mostrando confusa e surgiram as oportunidades de melhor remuneração no
Japão. Desde os precursores, mais de um milhão de japoneses espalharam-se pelo
mundo, dirigindo-se ao Brasil aproximadamente 260.000. Pouco menos do que os
dekasseguis brasileiros atualmente no Japão. A professora Estela isso de forma
positiva.
Eu enxergo nesse fato uma forma de resgate. Proporcionar de certa
maneira aos descendentes a oportunidade de fazer a América ao
contrário, isto é, os dekasseguis tomam contato com aspectos
culturais do Japão que certamente eles não teriam acesso aqui.
Aprender o idioma, o valor de reconhecer suas raízes e entender
seus antepassados são ganhos incomparáveis.
Por aqui existe Aliança Cultural Brasil Japão, que mantém vários
cursos destinados a adultos e crianças e também para não-descendentes. São
cursos de ninhongo (língua e cultura japonesa), língua portuguesa para japoneses,
shuji (caligrafia em pincel), origami (arte em dobradura), computação, mangá
(história em quadrinhos), ê-kaki-utá (desenho musicado) e ikebana (arranjos com
flores).
Algumas escolas que antes mantinham um ensino sobre os
costumes e tradição da cultura japonesa e o ensino da língua optaram por atender
outras demandas para continuarem com alunos tanto descendentes como não-
114
descendentes, pois o apelo mercadológico era grande, já que o interesse pela
cultura japonesa diminuiu bastante nos últimos anos.
Para a professora Estela, existem períodos em que a cultura
japonesa se encontra em mais evidência. No ano que vem, por exemplo, serão
comemorados os 100 anos da Imigração no Brasil e essa, segundo ela, é uma
oportunidade única para se divulgar a cultura japonesa, entender suas
particularidades e estreitar laços.
É um momento de se conhecer muita coisa da cultura, por exemplo,
existem as cerejeiras e no Japão são mais de 300 espécies
diferentes. Algumas árvores superam os mil anos de idade. As
sakura, como são chamadas as cerejeiras típicas do país, não
geram frutos comestíveis e, diz a lenda, nasceram como
representantes da aristocracia japonesa com uma única missão:
serem bonitas.
Figura 54 - Ikebana.
Fonte: Revista Made in Japan - n
o
100/Ano 9.
A professora também nos chamou a atenção para o exemplo da arte
da ikebana que está presente na decoração e no paisagismo. Para compor as
“esculturas vivas”, que utilizam folhas, flores e galhos como matéria prima, não são
utilizadas flores desabrochadas, e sim botões. O objetivo é assistir à transformação,
ver a flor chegar ao seu esplendor e, depois, morrer. Mesmo sem conhecer o seu
significado e o que representa para os japoneses, todos podem apreciar a sua
técnica, admirar a sua beleza e ampliar o seu conhecimento sobre a cultura
115
japonesa.
A cultura japonesa é poética, filosófica e mítica. Durante a
primavera, os japoneses reúnem-se sob as flores das cerejeiras para apreciar suas
cores. Aproveitam para namorar, comer, beber e cantar debaixo das árvores, em
celebração às pétalas, belas e efêmeras, assim como a vida.
116
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Começo citando Gomes (2001, p. 342), “estas são as minhas
considerações finais. Poderiam ser outras, se fossem outros os objetivos, o campo
de pesquisa e o grupo cultural, se o caminho fosse acompanhado por outros
teóricos, se a natureza da pesquisa fosse outra e, principalmente, se outro fosse o
pesquisador”.
Conseguimos apurar, por meio das entrevistas que fizemos e da
curta convivência com os sujeitos, que a cultura japonesa é fortemente preservada
por seus descendentes, pois se organizar em torno de associações, escolas e
agremiações, seja por razões históricas e/ou identitárias, foi para eles uma maneira
de garantir a integridade física, social e emocional de seu povo.
Muitas vezes, mesmo não percebendo o quanto foram tocados ou
influenciados pela cultura oriental, a maneira como conduzem sua história familiar e
suas lembranças faz aparecer traços que os ligam à sua cultura, pelo cuidado e
respeito com que guardam seus objetos e pelo carinho que aparece nas suas falas e
recordações.
A questão da transmissão da cultura através do lúdico aparece como
suporte para entender as manifestações e contribuições do povo japonês em nossa
sociedade. Suas contribuições são enormes e vão além.
As contribuições trazidas pelos imigrantes que ajudaram a construir
Londrina são inúmeras. Cada povo que aqui chegou trouxe consigo uma nova
informação étnica. Muitos ainda conservam seus costumes e procuram transmitir às
novas gerações um pouco do que escolheram para guardar e perpetuar.
Percebemos em nossa pesquisa que os japoneses, em especial, conservaram
hábitos e costumes, agrupam objetos, lugares e pessoas em torno de uma
identidade. A fusão da memória individual com a coletiva aparece na maneira como
se organizaram e tentaram superar suas dificuldades.
Um dos motivos fortes que os fizeram preservarem sua cultura foi,
sem dúvida, a Guerra Mundial, que restringiu a livre expressão dos imigrantes
japoneses que viviam no Brasil. Escolas foram fechadas e a população não podia
mais ouvir as transmissões de rádio do Japão e nem mesmo falar seu idioma. Muitos
foram os japoneses detidos pela polícia sob suspeita de espionagem. Restou-lhes a
117
opção de se organizarem cada vez mais em torno das associações para não
perderem a sua identidade cultural e o direito de expressão.
No entanto, não eram as dificuldades que os uniam. Como
imigrantes vindos de províncias japonesas longínquas, com costumes e dialetos
próprios, às vezes mal conhecidos entre si, no Brasil reconheciam-se como patrícios,
forjando uma identidade em comum na nova terra. A distância do país natal relaxava
as diferenças regionais e tornava a todos, antes de tudo, japoneses.
A preocupação em construir uma escola assim que chegaram
demonstrava o cuidado com a preservação dos traços culturais de seu país e
também uma preocupação com a formação das crianças.
De fato os obstáculos foram muitos, o idioma, a alimentação, o
vestuário e o clima, fatores esses, que seriam suficientes para justificar a
“resistência” dos japoneses em manter suas raízes intocadas. Para mantê-las houve
um tempo em que casamentos somente eram permitidos entre os descendentes, em
casamentos arranjados; o comércio era, de preferência, realizado entre as
pessoas da colônia. As dificuldades do pós-guerra, somadas às dificuldades já
citadas, fizeram com que se mantivessem agrupados e seus clubes e associações
abriram-se pouco para divulgar seus eventos e comemorações, fazendo surgir a
curiosidade e o estranhamento em torno de seus costumes.
Uma outra questão diz respeito ao fato de certas brincadeiras não
pertencerem mais a um grupo só; pois são ditas como universais, porque fazem
parte do repertório de diferentes povos, o que ocorreu a partir das trocas entre as
crianças das várias etnias que se agruparam na cidade na sua fundação. O fato de
as crianças serem ótimas transmissoras e propagadoras de cultura parece ter
facilitado as relações e os vínculos estabelecidos, pois se para os adultos existiam
muitas barreiras além de desbravar a nova terra, havia a barreira cultural, que nos
pequenos é rapidamente transposta com um simples convite à brincadeira.
Não quem não conheça o célebre djan-ken-pô/ai-ko-deshô,
falado em uníssono pelas crianças, no momento de se escolher quem vai ser o
primeiro a participar de um jogo ou brincadeira. Ou, indo rapidamente para outro
extremo, quem não reconhece nos traços dos desenhos de mangá um pouco das
gravuras tradicionais japonesas misturando-se às informações da pop-art e Andy
Warhol?
Enfim, somos um emaranhado de culturas e, como tal, somos
influenciados por um pouco de cada aspecto de todas elas. Somado a isso, vamos
118
decidindo o que descartamos e o que consideramos importante para ser guardado; o
tempo que transforma, recria e descarta faz seu papel articulador desses meios de
transformação de ideias, gestos e até de sentimentos.
Para um jovem descendente de japoneses, participar de
associações que agregam pessoas de seu grupo étnico traz um significado diferente
daquele que aproximou seus avós. É provável que buscassem não perder sua
identidade, preservando o espaço para falar o idioma, trocar ideias sobre a guerra e
estreitar os laços de amizade. Os jovens descendentes vão ao encontro da diversão
e do prazer de viver sua cultura de origem, mas não isso. Trazem consigo novas
informações e a sábia cultura japonesa parece estar atenta a isso, tanto que
atualmente, podemos encontrar numa festa da comunidade japonesa, senhoras
vestidas de quimonos, convivendo com uma diversidade de “tribos” que parece ser a
grande “invenção” dos jovens japoneses, para firmar sua identidade.
É impressionante como essa cultura tão particular passou a fazer
parte da realidade brasileira. O sushi, prato típico da cultura japonesa, está anas
churrascarias. Estilos orientais surgem na decoração. Filmes japoneses, nos
cinemas. Na televisão, a programação infantil é dominada pelo anime. Nas bancas,
os mangás são a preferência dos jovens. Os carros japoneses ganham cada dia
mais mercado. Isso sem falar dos eletrônicos: é quase impossível encontrar quem
não tenha pelo menos um produto made in Japan em casa.
Uma última contribuição que esperamos ter alcançado refere-se à
reflexão sobre o que os educadores e sociedade estão perpetuando em suas falas e
atitudes. Separamos educadores dos demais envolvidos em sociedade, para
salientar, mais uma vez, que somos frutos da cultura a qual escolhemos para
repassar. As crianças, ao nascer, encontram-se inseridas no nosso universo cultural;
portanto, quem serve de guia e formador de significados somos nós.
Dessa maneira, não podemos deixar de refletir sobre a formação
dos educadores, principalmente aqueles envolvidos com a chamada primeira
infância, pois nos parece ser essa fase única em importantes aquisições. Levando-
se em conta que cada criança é única, portadora de uma história também única,
podemos traçar um paralelo com os educadores, também únicos, mas que se
deparam, assim como as crianças, com um sistema educacional na maioria das
vezes padronizado e fragmentado, que não atende às individualidades nem às
necessidades do que é vivido no coletivo.
No encontro com os dois educandos/educadores fica mais
119
evidente o quanto é necessário o educador ter bem definido suas crenças acerca da
educação e do mundo que o rodeia e qual será a sua atuação nele e para ele, visto
ser o educador quem vai definir o que é importante, o que tem significado, o que
acrescenta ao educando.
Se acreditarmos que as experiências com o lúdico, juntamente com
todas as outras disciplinas e práticas diárias da escola, podem nos trazer riqueza de
repertórios, ampliar a nossa visão de mundo e, o mais importante, tornar nossa
prática mais reflexiva e atraente aos olhos das crianças, das quais falamos o
trabalho todo, então teremos alcançado um dos nossos objetivos iniciais.
Contudo, sabemos também que a nossa atuação profissional passa
por processos de aprendizado e construção constantes. Ao nos dispormos a tornar-
nos pesquisadores e transformadores da nossa atuação, assumimos uma “rotina”,
na qual o estudo e o entendimento do que é próprio da infância, no seu sentido
social, motor e emocional, nos fornecerá os subsídios para entender a importância
do brincar para as crianças.
Não podemos nos esquecer de que estamos a cada instante de
nossas vidas fazendo escolhas e são elas que definem o que somos e o que
seremos. A memória e a cultura são, dessa maneira, como a cultura lúdica e a
infância uma invenção do homem.
O mundo contemporâneo nos oferece um leque variado de
informações e escolhas, o que, de certa maneira, aponta para como devemos falar,
agir e pensar. A todo o momento somos bombardeados por imagens e sons que
nos remetem ao novo, pois como já dissemos anteriormente, o velho parece ser algo
que precisa ser descartado. Mas como saber se o “novo” é de boa qualidade, uma
reinvenção interessante ou somente a reprodução de uma imagem, por exemplo, se
não possuímos, no nosso arquivo, registros de uma outra forma de expressão? O
que seria dos personagens que povoam o universo infantil, sem as referências
antigas? O que seria dos musicais atuais, destinados ao público pré-adolescente,
sem a Noviça Rebelde? O que será do educador que se esqueceu das brincadeiras
da sua infância?
O que queremos perpetuar? A infância que permita à criança ser
criança e ser respeitada nas suas especificidades ou uma infância em que as
diferenças de cultura, aquisição de conhecimento e de percepção de mundo não
sejam consideradas?
Podemos escolher e fazer o cotidiano na escola, repleto de
120
atividades contextualizadas e ricas, que, acima de tudo, tenham uma concepção de
infância que considere importante as vivências com o lúdico. Pensar sobre a nossa
prática requer repensar que educadores permeiam nossa teoria, ou seja, precisamos
assumir uma postura ética e política sobre o que lemos e que consequentemente
norteia nossa atuação. É essa postura que nos fará refletir sobre a qualidade do que
estamos oferecendo às crianças. Portanto, significa tornar-se um ser crítico, o qual
questiona o que nos é apresentado e procura saber sobre o seu passado como
material de pesquisa e não como saudosismo de uma época que não volta, mas que
deixou contribuições.
Como dissemos anteriormente, não somos contra o novo, que
seria no mínimo incoerente não considerá-lo. Nas inovações encontramos subsídios
para não descartar o passado, o qual nos fornece os nossos referenciais. O novo
promove o diálogo e as trocas tão importantes para que se perpetuem as ideias e os
conceitos. Precisamos buscar a qualidade dessas trocas, pois estamos correndo um
risco grande de perdermos as nossas referências. Estamos nos esquecendo de que,
mais do que garantir “os espaços” para a vivência com o lúdico dentro das escolas,
precisamos levar em conta o fato de ser o adulto que os organiza e nem sempre as
crianças atribuem o mesmo sentido que nós.
Como educadores, temos que levar à escola o inusitado, o
inesperado, buscando fazer a diferença entre o que está posto e oferecendo novas
possibilidades de se enxergar um mesmo fenômeno. Numa atividade de artes
plásticas, por exemplo, é possível enxergar muito mais que pincéis e tintas, visto que
existe nessa intervenção, comum na pratica do educador, muito mais a ser
garantido. É o momento no qual o educador informado e conhecedor de várias
manifestações culturais pode interferir de maneira criativa sobre as impressões que
as crianças têm sobre a arte.
Todavia, de onde viria tanta informação, se os educadores ganham
pouco, trabalham muito, têm muitas jornadas de trabalho? Aonde iriam se alimentar?
Sim, é um paradoxo, mas acreditamos que existam maneiras de
alimentar o espírito e a mente do educador. Em nossa cidade, por exemplo, temos
dois grandes festivais, um de teatro, outro de música. Durante a realização dos
mesmos, a cidade se enche de diversidade. São várias etnias, impressões e ideias
transformadas em arte. Assistir a esses espetáculos alimenta a nossa mente e
espírito. Certamente e inevitavelmente, nos tornaríamos diferentes ao assistirmos
uma montagem teatral, na qual os atores não usam a linguagem verbal e sim a
121
corporal. O que diremos de um espetáculo no qual inexplicavelmente os atores voam
sobre nossas cabeças? Diferentes também estaríamos ao entender, por meio de
pesquisas e estudos, que o caráter lúdico medeia a ações da criança com o mundo.
Essas e outras descobertas nos alimentam e nos fazem conceber a educação como
um processo construído diariamente através de muito estudo, pesquisa e práticas
consistentes.
Por meio da pesquisa, podemos enriquecer nosso cotidiano e lançar
mão das infinitas possibilidades que permitem formular e transmitir pensamentos,
sentimentos, projetos, ações. Afinal, somos portadores de uma história individual,
inseridos numa coletividade que nos faz, antes de tudo, seres únicos. Partindo
desse princípio, a educação precisa ser multifacetada, pois, para lidar com as
diferenças, precisamos nos utilizar de vários recursos. Cada criança constrói seu
conhecimento de maneira particular e nos tornamos um pouco do que aprendemos
uns com os outros. As trocas que podemos e devemos promover na escola ampliam
nosso repertório cultural. Nos relatos das brincadeiras contidos nesse trabalho,
podemos encontrar uma situação que nos remete a essa ideia, quando encontramos
crianças de duas etnias diferentes trocando “fórmulas” para fazer parar de chover.
Mais que livros ou teorias, devemos olhar as crianças com as quais
convivemos diariamente com o desejo de acolhê-las como são e lidarmos com esse
pequeno período antes da idade adulta, a infância, com a delicadeza das crianças. É
necessário rever nossos paradigmas e ler os sinais que elas nos enviam diariamente
em suas falas, em seus movimentos de corpo ou ainda no que nunca é dito, mas
sentido. Lembrar de nós mesmos quando criança também nos torna mais sensíveis
aos desejos e necessidades delas. Vasculhar um tempo em que as horas a brincar
de casinha eram sentidas com um chamado: “Filha, entre para jantar!”, ou ainda
encontrar dentro de si um tempo onde brincava de escolinha e o seu tom de voz era
seguro, mas extremamente carinhoso.
Vasculhar nos torna cada vez mais curiosos, ávidos por entender os
processos construídos pela humanidade. Quanto mais vasculhamos, mais
encontramos respostas e novos caminhos que nunca m fim.
Esperamos, por fim, que este trabalho se transforme em material de
pesquisa e que as brincadeiras e os jogos aqui apresentados possam abrir novas
possibilidades de trabalho, de enxergar o mundo e de viver o dia a dia de educador
com mais prazer e criatividade.
122
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127
ANEXO 1 ROTEIRO DE ENTREVISTA
1. Como era a sua família?
2. Como era sua casa?
3. O que você e sua família faziam todos os dias?
4. Como era sua vida?
5. Existiam escolas?
6. Você brincava?
7. Onde você brincava?
8. Onde as crianças brincavam?
9. Relate algumas brincadeiras de sua infância.
10. Seus pais brincavam com você? De quê?
11. Você brincava com seus filhos?
12. Você ensinou alguma brincadeira aos seus filhos?
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