Portanto, as condições “externas” e “ambientais” constituem limites bastante reais para
o capitalismo e para qualquer outro modo de produção e de vida.
121
Que essas questões
materiais permaneçam “invisíveis” – pelo menos até que “subitamente” irrompem com
toda a força e se revelam como um “fator decisivo” nas épocas de crise (econômica e
ecológica) – apenas manifesta o caráter alienado e fetichista da “forma de pensamento”
prevalecente.
122
Há, digamos assim, uma cegueira estrutural na “forma de pensar” capitalista, em
sua própria forma de racionalidade. O limite ecológico e material do capitalismo está
ali, diante de todos. No entanto, ele nada significa para a razão calculadora (a forma de
racionalidade predominante em nossa época). Pode ser que um capitalista observe esse
problema e se sensibilize por ele. Mas logo que passa a operar como uma
“personificação do capital”, essa sensibilidade tem de ser deixada de lado. A
“responsabilidade ecológica” escapa ao próprio escopo da racionalidade capitalista. A
Em Lech-am-Arlberg, estação de esqui e mundanismo, pode haver uma explosão de contentamento se os
pesquisadores do clima declararem o „fim do turismo de inverno‟ na Áustria. A 1.450 metros de altitude,
o lugarejo poderá ficar rico se nas regiões mais baixas a neve deixar de aparecer. Esquiar nos Alpes
poderá tornar-se esporte tão exclusivo como jogar golfe na Grã-Bretanha. Os hoteleiro de Lech estão
cheios de dívidas, pois especularam e fizeram investimentos exagerados. No entanto, os 1.380 habitantes
locais foram previdentes: demarcaram seus setores e bloquearam a entrada de estranhos. Seus filhos e
netos esperam pela bonança. Se em 2060, nem com artifícios dispendiosos, as pistas de Krigerhorn e
Mohnenfluh puderem ficar cobertas de neve, todos eles poderão ficar ricos, viver dos rendimentos de seu
capital ou mudar de ramo. Esse exemplo, que soa repulsivo, talvez explique algo: as frentes políticas de
combate ao efeito estufa formam-se muito lentamente, pois milhares e milhares de pessoas julgam poder
lucrar com tal mudança de clima”. MARTIN, Hans-Peter & SHUMANN, Harald. A armadilha da
globalização. São Paulo: Globo, 1998. p. 52,53.
121
François Chesnais e Claude Serfati que não consideram as condições “externas” ou “ambientais” um
limite para o capital. Para eles: “No que concerne às condições “externas”, “ambientais” de seu
funcionamento, o capital, bem como os Estados que embasam sua dominação e as classes sociais que a
ele estão ligadas, têm os meios tanto para suportar as conseqüências dessa destruição de classes,
comunidades e Estados mais fracos, quanto para transformar a „gestão de recursos que se tornaram raros‟
e a „reparação das degradações‟ em campos de acumulação (em „mercados‟) subordinados ou
subsidiários”. CHESNAIS, François & SERFATI, Claude. “Ecologia” e condições físicas da reprodução
social: alguns fios condutores marxistas. Crítica Marxista, São Paulo, n
º.
16, p. 39-75, março de 2003, p.
62.
122
Georg Lukács faz uma observação muito importante acerca do “apagamento” do mundo concreto sob
as formas abstratas e fetichistas de pensamento. Segundo ele, “a crise é o problema que impõe ao
pensamento econômico da burguesia uma barreira intransponível. Se então considerarmos – conscientes
de nossa parcialidade – essa questão de um ponto de vista puramente metódico, veremos que quando
conseguimos racionalizar integralmente a economia, metamorfoseá-la num sistema de „leis‟ formal,
abstrato e matematizado ao extremo, constituímos a barreira metodológica para a compreensão da crise.
Nos períodos de crise, o ser qualitativo das „coisas‟, que leva sua vida extra-econômica como coisa em si,
incompreendida e eliminada, e como valor de uso que julgamos poder tranqüilamente negligenciar
durante o funcionamento normal das leis econômicas, torna-se subitamente (para o pensamento racional e
reificado) o fator decisivo. Ou melhor: seus efeitos se manifestam sob a forma de uma paralisação no
funcionamento dessas leis, sem que o entendimento reificado esteja em condições de encontrar um
sentido nesse „caos‟”. LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe: estudos sobre a dialética
marxista. São Paulo: Martins Fontes, 2003. p. 231. O que vale para a crise econômica é igualmente
verdadeiro em relação à “crise” ecológica. Faz apenas algumas poucas décadas que o problema ecológico
passou a ser tema de debate na sociedade.