66
igualdade é apenas uma questão de perspectiva. Mesmo com histórias tão
diferentes, a presidiária e o artista demonstram a busca incessante pelo mesmo
sentido da vida, como qualquer outro ser humano.
Krajcberg: “Depois da guerra, sem dúvida, eu fiz de tudo pra
fugir do homem. Procurar um lugar onde não tem homem. Eu
não imaginava que no Brasil não tem homem. Eu vou fugir
longe dessa Europa, dessa guerra, dessa gente que gosta de
se mostrar superior do outro. Porque ele acredita em uma
outra religião, outra raça. Também tem o outro lado da minha
vida, nascer a segunda vez. Descobrir a vida de novo. Foi o
Brasil. (...) Não acreditava mais na vida, que quis até me
suicidar. Quando descobri essa natureza, puxa, dava
vontade de dançar da alegria que descobri a vida que nunca
pensei”.
Socorro: “Eu pedi a Deus pra morrer. Hoje eu não peço. Hoje
eu quero que Deus me dê, que eu fique veinha, de cacetinho,
certo? Pra tirar isso daqui, de minha cabeça, pra começar a
viver quando sair daqui. Como minha filha caçula me diz,
‘começar a viver depois de velha’, não é? Então eu quero
começar a viver depois de velha. Só que agora, eu digo todo
o dia, quando eu sair da minha condicional, é como se eu
tivesse saindo da barriga de minha mãe, com juízo”.
A expressão ‘o inferno são os outros’ não é necessariamente uma
recorrência nesse documentário, até porque cada personagem revela o seu
inferno interior. Enquanto padecem de uma forma particular, a ponto de manifestar
um desejo de abreviar a vida, ambos também têm seus paraísos, ora concretos,
ora imaginários, conforme revela Socorro. O de Krajcberg seria externo e real. O
paraíso da presidiária, interno e imaginário, seria uma ‘válvula de escape’ para
conseguir sair, psicologicamente, ilesa da prisão. Essa relação entre os
personagens e a idéia de paraíso também é explorada de outra forma na narrativa
fílmica, que vai além do discurso, como será abordado posteriormente.