Download PDF
ads:
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ARTES
MULTIMEIOS
A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE FEMININA:
Reconstruindo a memória e a história de vida de ex-alunas
do Internato “São Paulo Saihou Jogakuin”
REGINA CHIGA AKAMA
CAMPINAS - 2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
iii
UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE ARTES
MULTIMEIOS
A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE FEMININA:
Reconstruindo a memória e a história de vida de ex-alunas
do Internato “São Paulo Saihou Jogakuin”
REGINA CHIGA AKAMA
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-Graduação em Multimeios do Instituto
de Artes da UNICAMP como requisito
parcial para obtenção do grau de mestre
em Multimeios, sob orientação do
Prof. Dr. Etienne Ghislain Samain.
CAMPINAS - 2008
ads:
iv
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ARTES DA UNICAMP
Título em inglês: “The formation of female identity: reconstructing the memory and the
history of life of Sao Paulo Saihou Jogakuin boarding school´s ex-students.”
Palavras-chave em inglês (Keywords): Female identity ; Visual anthropology
;
Photography ; Oral History ; Nipo-brazilian education ; Japanese immigration.
Titulação: Mestre em Multimeios.
Banca examinadora:
Prof. Dr. Etienne Ghislain Samain.
Profª. Drª. Maria Leila Alves.
Profª. Drª. Zeila de Brito Fabri Demartini.
Data da Defesa: 22-08-2008
Programa de Pós-Graduação: Multimeios.
Akama, Regina Chiga.
Ak14f A formação da identidade feminina: reconstruindo a memória e a história
de vida de ex-alunas do internato São Paulo Saihou Jogakuin. / Regina Chiga
Akama – Campinas, SP: [s.n.], 2008.
Orientador: Prof. Dr. Etienne Ghislain Samain.
Dissertação(mestrado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Artes.
1. Identidade feminina. 2. Antropologia visual. 3. fotografia. 4. História
Oral. 5. Educação nipo-brasileira. 6. Imigração japonesa I. Samain, Etienne
Ghislain. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III.
Título.
(em/ia)
v
vii
Ao meu esposo Edson Akama, companheiro e amigo,
com o qual compartilhei as maiores alegrias,
preciosos Jhun e Ken, filhos carinhosos
em todos os momentos desse caminhar.
À Michie Akama, exemplo de mulher.
ix
AGRADECIMENTOS
Ao Prof. Dr. Etienne Ghislain Samain, orientador da pesquisa, pela presença
constante, firme e, ao mesmo tempo, gentil, em seu apoio e amizade; à querida
Godelieve, sua esposa, doce, carinhosa e sempre alegre, que me acolheu com
muita ternura;
Às participantes da Banca Examinadora da Dissertação, Dra. Maria Leila Alves e
Dra. Zeila de Brito Fabri Demartini, por aceitarem o convite, com sua contribuição
crítica indispensável para o enriquecimento do estudo;
Aos Professores Doutores Ronaldo Entler, Maria Leila Alves, Michiko Okano e
Olga Rodrigues Von Simson, pelas ricas contribuições por ocasião do Exame de
Qualificação;
À Michiko Okano, pela generosidade de seu refinado olhar nipônico sobre o
universo em que se insere essa dissertação;
Aos meus pais, Mauro e Thereza Chiga, exemplos de caráter e perseverança, um
casal modelo;
Ao Sr. Antonio Akama, filho de Michie Akama, por disponibilizar todos os
documentos e informações necessários para a organização desse discurso, mais
que isso, pela gentileza em atender, incondicionalmente, às minhas solicitações,
com rapidez e atenção; à Elza Babá Akama, sua esposa, pela compreensão e
carinho dispensados ao longo desses anos;
Aos familiares, que deram seu apoio e torceram pela realização de mais essa
etapa, em especial, aos meus irmãos, Milton e Cristina, presentes em todos os
momentos, com alegria e incentivo inabaláveis;
x
Às extraordinárias mulheres que fazem parte dessa rede de depoimentos, Takiko
Ota, Sumiko Akiyoshi Yamasaki, Rutsuko Mochizuki, Kazuco Sakiara Miyasaka,
Kazuko Baba, Aiko Fujita, Mayumi Mizikami e Tyoko Shimano, por me receberem
com ternura em suas vidas, e dividirem o encanto de suas histórias e
conhecimentos;
Aos colaboradores das entrevistas, Nobuo Mizikami
(in memorian), Shigeru Fujita,
Tomoko Otta, Mine Uchida e Kikuko Ogasawara por enriquecerem as narrativas
com suas participações especiais;
Aos amigos Marcos Corrêa, Santiago Júnior e Ricardo Rios, pelas discussões
densas e divertidas, que muito contribuíram nas reflexões aqui presentes;
Aos amigos do GRIP (Grupo de Reflexão Imagem e Pensamento), em especial à
Renata Teixeira, pela amizade sincera e cúmplice nessa jornada acadêmica;
À Renata Garcia Fonseca Nunes, amiga de tempos redescobertos, que mantém
vivos o brilho e a profundidade desse laço de carinho;
Aos tradutores da língua japonesa para a portuguesa, André Humemoto, Antonio
Akama, Edson Akama, Silmara Eizo, pela leitura atenciosa dos livros, procurando
manter a fidelidade aos sentimentos da autora, Michie Akama;
À amiga Renata Teixeira, por sua carinhosa presença e também pela cuidadosa
leitura e revisão deste trabalho;
Aos funcionários do Instituto de Artes da UNICAMP, em especial, à Joice Jane e
Vivien, sempre prestativas e gentis em seus esclarecimentos;
À Janaina Yamamoto Santos, pelo esmero na elaboração do mapa e delicadeza
sempre presente em seus atendimentos;
xi
À Fundação Instituto Educacional D. Michie Akama, que abriu suas portas e
arquivos, possibilitando a descoberta de memórias e fatos marcantes em sua
história;
À amiga Eva Yamamoto, por sua paciência, apoio e ricas contribuições com seu
vasto conhecimento tecnológico.
Aos meus filhos Jhun e Ken, que me alegraram com o brilho sincero de seus
sorrisos, encorajando a conclusão desta pesquisa. Em especial, ao Edson, esposo
e companheiro dedicado, pelo incentivo, presença incondicional e, por muito mais,
que seria impossível traduzir em palavras.
xii
Nota sobre as traduções:
As traduções efetuadas neste trabalho foram elaboradas com a colaboração de Antonio Akama,
André Humemoto, Edson Akama, Michiko Okano e Silmara Eizo. A romanização do japonês para o
português seguem a grafia do Sistema Hepburn de Transcrição. Ao longo do texto, algumas
palavras ou expressões foram mantidas em japonês romanizado, por carregar a importância de um
sentimento marcante da cultura, por não encontrar um correspondente direto na língua portuguesa
ou por aparecer correntemente nas narrativas citadas e transcritas das depoentes. As respectivas
traduções encontram-se referenciadas em notas de rodapé (em sua primeira exposição), e
organizadas, seguindo ordenação alfabética, em um glossário ao final da disssertação. Podem
ainda, aparecer, eventualmente, no próprio texto, como explicação, logo após sua palavra
correspondente. Adotou-se a grafia em itálico como indicativo das palavras ou expressões
idiomáticas.
xiii
“Como um ‘spectator’,
eu só me interessava pela Fotografia por ‘sentimento’;
eu queria aprofundá-la, não como uma questão – um tema,
mas como uma ferida: vejo, sinto,
portanto noto, olho e penso.”
Roland Barthes
xv
Resumo
A pesquisa recupera a memória e a história de vida de ex-alunas do
Internato “São Paulo Saihou Jogakuin”, a importância desta instituição na
formação de sua identidade feminina. O estudo é uma abordagem antropológica-
visual que se debruça sobre fotografias de arquivos institucionais e pessoais das
depoentes. A imagem dialoga com outros dois suportes comunicacionais da
condição humana, a escrita e a oralidade, na realização desse trabalho. Os
saberes adquiridos no internato e as temáticas abordadas pela educadora são
comparados com a importância que tiveram na constituição histórica de vida das
ex-alunas, definindo suas posturas segundo éticas (e estéticas) perante o
casamento, o lar, a maternidade e a profissão. A reconstituição de suas histórias
de vida permitiu às ex-alunas se posicionarem em relação ao mundo na atualidade,
traçando comparações com as perspectivas femininas (ou do papel feminino) da
sociedade na época em que ainda eram alunas da instituição (elementos da
memória reminiscente).
Palavras-chave: identidade feminina; antropologia visual; fotografia; história oral; educação nipo-
brasileira; imigração japonesa.
xvii
Abstract
Research recovers the memory and history of life of Sao Paulo Saihou
Jogakuin boarding school’s ex-students, the importance of this institution on the
development of their female identity. This study is a visual-anthropological
approach that employs photographs of institutional and personal registers of the
deponents. In this study, image dialogues with two other resources of the human
condition which are the writing and the orality. The knowledge acquired at the
boarding school and the subjects explored by the teacher are compared to the
importance of the history of life of those ex-students, determining their behavior
concerning to ethics (and aesthetics) toward marriage, home, maternity and
occupation. The reconstitution of their history of life permitted to the ex-students to
situate them in relation to the present time, making comparisons with the female
perspectives (or of female role) of the society when they still were students of the
boarding school (elements of the remaining memory).
Keywords: female identity; visual anthropology; photography; oral history; nipo-brazilian education;
Japanese immigration.
xix
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO……………………………………………………………………………………..…….……1
a . A escolha do tema………….……………..………………………………………………………………1
b . Os objetivos e abrangência teórica……………………………………………….……………………..3
c . A organização da pesquisa……………………………………………………………….……………...4
CAPÍTULO 1
“Da imigração japonesa no Brasil à adaptação educacional em nova terra”….........……...….11
1.1 A Imigração Japonesa contextualização histórica…………………………………………...……11
1.2 A mulher nikkei……………………………………………………………………...…………………..17
1.3 A educação nipo-brasileira……………………………………………………………...……..………22
CAPÍTULO 2
“O internato ‘São Paulo Saihou Jogakuin’ – espaço e formação”………………………………..31
2.1 Espaço físico e formação.....................……………………………………………………………….31
2.2A formação da grade curricular……………….……………..………………………………………....49
2.3 Orientação filosófico-educacional……………………………………………………………………..53
2.3.1 Ayumi ………………………………………………………..…………………………….....58
2.3.2 A bibliografia de Michie Akama…………………………………………………………….59
CAPÍTULO 3
“Vivências e reminiscências”………………………………………...……..…….………….…………67
3.1 As ex-alunas………………………...............................................................................................67
3.2 “Dousoukai”…………………………………………………………..………………………………….69
3.3 Suas imagens e histórias – companheiras inseparáveis…………………………………………...73
Takiko Ota…………………………………………………………………………………………..74
Sumiko Akiyoshi Yamasaki……………………………………………………………………….76
Rutsuko Mochizuki…………………………………………………………………………………78
Kazuco Miyasaka…………………………………………………………………………………..80
Kazuko Baba………………………………………………………………………………………..82
Aiko Fujita…………………………………………………………………………………………...84
Mayumi Mizikami…………………………………………………………………………………...86
Tyoko Shimano……………………………………………………………………………………..88
3.4 “O álbum”…………………………………………………………………………………………..…….91
xx
CONSIDERAÇÕES FINAIS...........................................................................................................171
Primeiros alinhavos……………………………………………………………………………………..…171
Costurando os caminhos………………………………………………………………………………….178
Os arremates……..………………………………………………………………………………………...184
Glossário........................................................................................................................................189
Apêndice ……………………………………………………….………………………………………….195
Bibliografia…………………………………………………….…………………………………………..196
Anexos………………………………………………………….………………………..…………………205
Anexo 01: Transcrições das entrevistas…………….……………..………………………….205
Anexo 02: Traduções de textos da bibliografia de Michie Akama.....…………………….. 299
Introdução A formação da identidade feminina
1
INTRODUÇÃO
O internato “São Paulo Saihou Jogakuin” tem uma estreita ligação com
sua mentora Michie Akama, idealizadora dos fundamentos, que serviram de base
para a constituição da filosofia educacional dominante na lembrança de suas ex-
alunas. Antes, porém, de mergulhar nas memórias dessas senhoras que
participam da rede de depoimentos, uma breve apresentação dos motivos que
deram origem a essa dissertação.
a. A escolha do tema
O primeiro encontro com Michie Akama foi em dezembro de 1994, mais
precisamente, no dia trinta e um, quase ano novo. O shougatsu (ano novo) é uma
data muito importante para a colônia japonesa, muitas vezes, mais comemorada
que o Natal. É um momento de renovação, de reencontros, união de laços
familiares e de amizade, no qual faz-se questão da presença de filhos, netos,
bisnetos, parentes e amigos íntimos. Foi numa data como essa, que conheci essa
pessoa ímpar, com a qual me impressionei pela força que sua presença possuía.
Não sabia nada ainda sobre a sua história de vida, sentia apenas uma admiração
inexplicável que a imponente figura exercia sobre mim.
Posteriormente, ao ouvir mais sobre sua trajetória de vida, o
encantamento foi ainda maior e é isso que gostaria de compartilhar com o leitor: a
obra e o legado de quase cento e dois anos de vida, parte dela, dedicada à
educação nipo-brasileira e o seu reconhecimento no Brasil e no exterior. Michie
Akama recebeu várias homenagens, como: a Comenda José Bonifácio (1967), a
Medalha Anchieta pela Câmara Municipal de São Paulo (1973), a Comenda
Zuihoushou de 5
o
Grau do Governo Japonês (1973), a Medalha Ana Neri (1977), a
Comenda Ordem do Ipiranga pelo Governo do Estado de São Paulo (1983) e uma
Homenagem da Reitoria da Universidade de São Paulo na Segunda Solenidade à
Imigração Japonesa (2001).
Introdução A formação da identidade feminina
2
O maior e o mais importante reconhecimento de seu trabalho e
dedicação vêm da parte de suas milhares de ex-alunas, que m em suas
memórias a forte imagem da inspiradora de toda a vida. Fundadora do internato
“São Paulo Saihou Jogakuin
1
(Escola Feminina de Corte e Costura São Paulo),
oferecia às alunas ampla e diversificada formação, que, além dos diplomas
específicos para cada curso, garantia o mais importante atestado - o de ‘boa
moça’, apta ao casamento e pronta para exercer seu fundamental papel de
esposa, mãe e responsável pelo lar.
Apesar de ter recebido várias denominações diferentes ao longo de sua
trajetória (o que será melhor explicitado no segundo capítulo), adotaremos a
designação “São Paulo Saihou Jogakuin” como referência, não apenas por conter
a essência do caráter feminino da escola, bem como o principal curso oferecido no
internato, o de corte e costura, mas, principalmente, por ser o mais conhecido e
comumente utilizado entre as ex-alunas e pessoas envolvidas com a instituição.
Por meio de um estudo antropológico-visual, revela-se a
imagem/memória de algumas dessas antigas ‘boas moças’ (noivas), que, hoje,
senhoras de maior ou menor representatividade na colônia japonesa do Brasil,
edificaram famílias, com filhos, netos e até bisnetos, e que, de certa forma,
valeram-se de seus conhecimentos adquiridos para a consolidação e formação
das mesmas.
Muitos são os relatos de ex-alunas que, ao visitar esporadicamente a
instituição (atualmente, uma fundação educacional mantenedora de uma
Instituição de Ensino Regular desde a Educação Infantil até o Ensino Médio),
trazem fotos da época em que eram internas (muitas vezes até, álbuns repletos de
fotos e recordações) e junto com elas, suas histórias de vida, suas memórias,
boas e saudosas lembranças. Vários são os descendentes (filhos e netos), que
buscam a instituição para matricular seus filhos, movidos pelas narrativas da
1
Saihou – Corte e Costura; Jogakuin – Escola Feminina
Introdução A formação da identidade feminina
3
matriarca da família, dizendo: “minha mãe e/ou avó faz(em) questão que meus
filhos e/ou netos estudem nessa instituição, ela(s) diz(em) que foi aqui que…”, e
contam, assim, suas histórias, demonstram ainda, a importância que essa
matriarca tem na constituição familiar edificada. Em 2005, a fundadora do
internato “São Paulo Saihou Jogakuin” faleceu com quase cento e dois anos de
idade. Muitas edificações de vida merecem ser reconstruídas tanto pela
contribuição na educação formal quanto pela sua repercussão na sociedade nipo-
brasileira.
A escolha do tema deu-se pela importância e representatividade que os
conhecimentos obtidos tiveram na vida desse seleto grupo de senhoras nikkeis.
Elas são a memória viva de uma época e de um espaço de formação feminina.
Esta memória deve ser preservada antes que se perca, uma vez que as ex-alunas
desse momento na história estão em número reduzido e com idade bastante
avançada. A memória histórica é um fator de identificação humana, na qual é
possível reconhecer o que distingue ou aproxima os seres humanos. A base
cultural demonstra o que cada um é e o que o torna diferente do outro.
b. Os objetivos e abrangência teórica
Este estudo busca revelar como as ex-alunas do internato “São Paulo
Saihou Jogakuin” se posicionam em relação ao mundo na atualidade, traçando
relações com as perspectivas femininas (ou do papel feminino) da época em que
ainda eram alunas da instituição (elementos da memória prevalecente). Procura
na inter-relação entre a visualidade (fotografias), a oralidade (entrevistas
gravadas em mídia digital) e a escrita (livros escritos pela fundadora, textos e
artigos de alunas, publicados na época), comparar os saberes adquiridos no
internato, pelas temáticas abordadas pela educadora, com a relevância
apresentada no cumprimento de seus papéis sócio-culturais e econômicos,
enquanto formadores de sua identidade feminina.
Introdução A formação da identidade feminina
4
A pesquisa, compreendida na linha de História, Estética e Domínios de
Aplicação da Fotografia, no Departamento de Multimeios do Instituto de Artes,
permitiu ao estudo antropológico visual, na recuperação e análise das fotografias,
estabelecer íntimas relações com a Memória, a Educação e a História Oral, devido
a abrangência de sua temática. Essas grandes áreas possibilitaram, na
complementaridade entre seus conceitos, a construção dessa dissertação.
Procuramos, nessas bases teóricas, dizer o “indizível”, dar voz, ao que se
encontra no campo silencioso, mas “pensante”, das imagens, buscando, na
relação do invisível entre as imagens, o hiato que se encontra “entre elas”.
c. A organização da pesquisa
Com boa parte do material do acervo institucional em mãos, iniciei o
processo seletivo das informações. Apesar da familiaridade com os assuntos
encontrados, por serem relativos à colônia japonesa no Brasil, e eu, uma
descendente nipônica, percebi a necessidade de melhor situar o leitor quanto à
temática, muitas vezes desconhecida dos não-descendentes. Para essa imersão
no universo pesquisado, propomos um primeiro capítulo, que faz um movimento
de afunilamento, partindo do macro, A imigração japonesa, em direção ao
específico grupo das mulheres nikkeis
2
, priorizando o campo educacional.
Feito isso, num segundo momento, a apresentação dos documentos da
escola, dos ensinamentos formativos da educadora Michie Akama, de suas
publicações pessoais e institucionais.
No terceiro capítulo, um momento totalmente dedicado às depoentes,
suas narrativas e lembranças, abordo as questões imagéticas mediante as
fotografias escolhidas tanto do acervo institucional como pessoal das depoentes e
as relações que estes registros estabelecem no papel de reconstrução dessas
memórias. As fotografias selecionadas têm um espaço de reflexão, considerando-
2
Nikkei - todos os descendentes de japoneses que não nasceram no Japão (segunda, terceira...geração)
Introdução A formação da identidade feminina
5
as como “imagens que pensam”, dando vazão às narrativas, fluidas ou não, mas
que trazem à luz a memória guardada que se descobre viva nos corações das
depoentes. A aproximação junto às informantes foi bastante tranqüila, uma vez
que, ao saberem dos motivos da entrevista e o assunto ao qual se relacionava, se
dispunham, prontamente, ao encontro. É um período bastante representativo na
formação de sua identidade.
Para a finalização, a análise e as conclusões retiradas desse conjunto
de materiais discutidos permitem estabelecer um comparativo entre suas
expectativas enquanto alunas e, após suas trajetórias delineadas, as conquistas
alcançadas em sua constituição pessoal, familiar e profissional.
7
CAPÍTULO 01
8
Superior. Michie Akama, professora no Japão. 192_.
Central. Michie Akama, o esposo Jiuji Akama e o filho Antonio, constituindo família
no Brasil. 193_.
Inferior. Michie Akama, professora no Brasil. 193_.
9
“Lá, do lado além,
Um povo com muitos sonhos
Sonhou aqui também”
Neir Ilelis
A imigração japonesa A formação da identidade feminina
11
CAPÍTULO 1
“Da imigração japonesa no Brasil à adaptação educacional em nova terra”
1.1 A Imigração Japonesacontextualização histórica
A Revolução Meiji de 1868 pôs fim ao governo Tokugawa, uma divisão
da história do Japão (1603 - 1867) oficialmente estabelecido pelo Shogun
3
Tokugawa Ieyasu. O Japão passou de Estado Feudal a um Estado Moderno. A
economia, quase exclusivamente agrícola, passou a manufatureira e industrial, o
que levou muitos camponeses a abandonar o campo em busca das cidades. Com
o rápido aumento da população urbana, a situação sócio-econômica tornou a
emigração uma necessidade.
A corrente migratória japonesa teve início em 1868, primeiro ano da
Restauração Meiji
4
, com a chegada de cento e cinquenta e três imigrantes no
Havaí. Dos países da América do Sul, o Peru foi o primeiro a receber
trabalhadores japoneses (1898). Com o término do período Tokugawa, o Japão
deixou de se isolar do resto do mundo, passando a assinar tratados de comércio e
amizade com diversas nações, dentre estas, o Brasil (1895).
O intercâmbio de relações refletiu-se sobre o movimento migratório, e
os japoneses se espalharam pelos vários continentes. Os países tradicionalmente
receptores da mão-de-obra japonesa começaram a fechar suas portas limitando a
entrada de imigrantes. Por volta de 1905, os japoneses foram discriminados nos
Estados Unidos, perseguidos no Canadá, proibidos de entrar na Austrália e a
entrada no Hawai e nas Ilhas do Pacífico sofreu restrições legais.
3
Shogun – governante, chefe de estado no Shogunato
4
Restauração Meiji: A Restauração Meiji propunha a queda do Shogunato - que mantinha o país em uma
forma de governo sob o comando ditatorial e praticamente mergulhado em um sistema feudal - para a
abertura do Japão para o mundo.
A imigração japonesa A formação da identidade feminina
12
As agências de emigração buscaram novas terras para os nipônicos.
Encontraram no Brasil um país adequado à imigração por sua vasta área para
exploração e povoamento. O Brasil, na ocasião, ocupava um lugar de destaque no
mercado internacional do café. A substituição do trabalho escravo pelo do
imigrante europeu trouxe a instabilidade de mão-de-obra para as fazendas de café.
O trabalhador assalariado não estando mais preso (escravizado), nas primeiras
dificuldades, abandonava a lavoura em busca de condições mais favoráveis de
vida. Com a escassez de mão-de-obra, os fazendeiros exigiram o ingresso de
novos imigrantes.
Em 1907, a Companhia Imperial de Imigração do Japão obteve a
autorização para trazer os imigrantes em parcelas anuais. Em 18 de junho de
1908, aportou, em Santos, o navio japonês Kasato Maru
5
, sob coordenação de
Ryu Mizuno diretor presidente da Companhia Imperial de Imigração, trazendo
cento e sessenta e cinco famílias (setecentos e oitenta e seis pessoas, no total),
que foram encaminhadas às fazendas de café, na zona mogiana
6
, para trabalhar
como colonos. Foi o início de uma nova vida num país distante, de clima,
costumes e língua diferentes.
Segundo Reimei Yoshioka (2008:13), “o Decreto n
o
6.455, de 19 de
abril de 1907, remonta às legislações anteriores pelas quais seriam aceitos todos
os estrangeiros menores de 60 ano, sem qualquer restrição quanto à
nacionalidade, exceção feita aos portadores de doenças contagiosas, os que
exercessem profissões ilícitas, desordeiros, mendigos, vagabundos, os dementes
ou inválidos”.
7
5
Kasato Maru todos os navios comerciais apresentam a terminação maru. Kasato é o nome da
embarcação, que, se fosse traduzida literalmente, seria algo como “porta”, “abertura”, mas não é usual fazê-la.
6
A companhia Mogiana da Estrada de Ferro, partia de São Paulo, seguindo em direção a Ribeirão Preto e
Franca, alcançando as margens do Rio Grande.
7
YOSHIOKA, R. Síntese histórico-evolutiva da emigração japonesa no mundo. In: O nikkei no Brasil, coord.:
HARADA, K. São Paulo: Editora Atlas, 2008.
A imigração japonesa A formação da identidade feminina
13
Em seis de novembro de 1907, agindo de acordo com o artigo 36 do
decreto estadual nº 1458, o governo de o Paulo firmou contrato com a Empire
Emigration Company (Koukoku Shokumin Kaisha). Este estipulava que seriam
introduzidos três mil agricultores, em levas não superiores a mil pessoas, e,
conforme descreve Arlinda Rocha Nogueira (1971:72), “os imigrantes deveriam
vir constituídos em famílias compostas exclusivamente de, no mínimo, três
indivíduos aptos para o trabalho, sendo assim considerados os de idade entre
doze e quarenta e cinco anos (art. 19
o
).”
8
Por acreditar na possibilidade de obter o suficiente para sua
independência econômica, em pouco tempo, eles não vacilaram no momento de
contraírem dívidas para poderem viajar. Com a exigência de pelo menos três
pessoas aptas ao serviço braçal por família, incorporaram novos membros à
família, parentes ou não.
Devido à dificuldade em recrutar pessoas para vir ao Brasil, a
companhia começou a fazer propagandas exageradas, anunciando o rápido
enriquecimento e aceitando como emigrantes não apenas agricultores, mas todos
os que se interessassem em vir. Dessa forma, o navio Kasato Maru zarpou de
Kobe, em 28 de abril de 1908, com os primeiros imigrantes japoneses atracando
em 18 de junho de 1908, no Porto de Santos, e dando início à imigração japonesa
no Estado de São Paulo.
Após desembarcarem no Brasil, os imigrantes foram transportados
para a Hospedaria da Capital, onde o governo elaborou o contrato de trabalho. Os
destinados ao interior do Estado tiveram direito ao transporte gratuito até a
Hospedaria da Capital ou a outro alojamento qualquer.
8
NOGUEIRA, A. R. Imigração japonesa para a lavoura cafeeira paulista (1908-1922). Tese de doutorado:
FFLCH-USP. São Paulo, 1971.
A imigração japonesa A formação da identidade feminina
14
Sobre a primeira leva de imigrantes do Kasato Maru, até 1924, Sakurai
e Kodama
9
(2008:19), ressaltam algumas características:
Nessa primeira etapa, a vinda dos trabalhadores japoneses – que sempre
foi assistida oficialmente pelo governo do Japão em acordos com o Brasil
–direcionou-se marcadamente para São Paulo. Os primeiros imigrantes
vinham através do contrato entre as companhias de imigração japonesas
e os cafeicultores paulistas, os quais pagavam o custeio do
estabelecimento das famílias nas fazendas. O contrato previa, para cada
família, um mínimo de três trabalhadores, em regime de trabalho
assinado por pelo menos dois anos.
O pagamento seria feito no prazo de sessenta dias da chegada dos
imigrantes à hospedaria. Os fazendeiros deveriam reembolsar o governo com
quarenta por cento dos valores subsidiados, com a permissão de descontar tais
cifras dos salários dos imigrantes. O primeiro ano de alojamento correria por conta
do governo, na propriedade agrícola, e os imigrantes japoneses teriam direito a
casas iguais às fornecidas aos imigrantes europeus.
Os lotes seriam pagos, no máximo, em três prestações e, dentro de, no
mínimo, cinco, e, no máximo, dez anos; poderiam obter lotes aqueles que
tivessem realizado a primeira colheita nas fazendas e estivessem com suas
dívidas quitadas. Era reservada às partes contratantes o direito de rescindir o
contrato durante os primeiros seis meses, sem direito a indenização por nenhuma
das partes.
As cláusulas contratuais, por sua vez, não eram respeitadas pelos
fazendeiros que impunham algumas metas difíceis de serem cumpridas, quase
impossíveis, principalmente, no que se referia a quitar as dívidas contraídas. Os
fazendeiros tentaram transformar os colonos em escravos, não respeitando os
acordos a que se propuseram. Além do contrato feito no Japão com a companhia,
um novo acordo firmado com os fazendeiros no Brasil estabelecia que os
imigrantes teriam que terminar a primeira colheita, bem como liquidar as dívidas
9
KODAMA, K. & SAKURAI, C. Episódios da imigração: um balanço de 100 anos. In: Resistência e integração:
100 anos de imigração japonesa no Brasil. IBGE, Centro de Documentação e Disseminação de Informações.
Org. SAKURAI, C & COELHO, M. P. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. p. 17-29.
A imigração japonesa A formação da identidade feminina
15
decorrentes de adiantamentos das despesas de viagem no prazo de um ano
agrícola.
Os japoneses bastante asseados e organizados receberam elogios aos
costumes e à educação. Por esta razão, os imigrantes foram encaminhados às
melhores fazendas cafeeiras do Estado de São Paulo, onde trabalhavam
centenas de famílias de estrangeiros ou de brasileiros os colonos. O
assentamento dos japoneses respeitava, na medida do possível, os laços de
união entre elementos de uma mesma região.
A fazenda de café era constituída por escritório, sede do fazendeiro,
casa do administrador, terreiro, máquina seletora de café e demais setores,
inclusive o pomar. Em outra parte, ficavam as casas dos colonos, formando a
chamada colônia, cortiços que podiam abrigar duas ou três famílias e que não
dispunham nem de camas.
Handa
10
ao citar os fatores registrados pela “História da expansão dos
japoneses no Brasil”
11
, salienta outro problema encontrado pelos imigrantes que,
ao chegarem após a metade da época da colheita, tinham apenas a metade do
tempo para a obtenção dos ganhos objetivados no contrato firmado com a
Companhia Imperial de Emigração. Mesmo com muita prática, não poderiam
colher muito. Por mais que trabalhassem, não conseguiriam pagar as dívidas
contraídas em despesas de viagem e alimentação.
Devido às condições precárias em que viviam, as doenças eram
freqüentes. Isolados geograficamente e sem possuir dinheiro em espécie, os
imigrantes eram obrigados a fazer suas compras nos armazéns das fazendas,
que cobravam preços abusivos, gerando o aumento das dívidas. O trabalho
assalariado, nestas condições, transformou-se em “escravo”. Com dívidas cada
10
HANDA, T. O imigrante japonês: história de sua vida no Brasil. São Paulo: T. A. Queiroz, 1987, p. 16.
11
Brasil ni okeru nipponjin hattenshi (História da expansão dos japoneses no Brasil), editada pela Comissão
de Ediçao da História da Expansão dos Japoneses no Brasil, vol. I, p. 174-275.
A imigração japonesa A formação da identidade feminina
16
vez maiores, tinham na fuga noturna, por vezes, a única alternativa para se
livrarem de extorsões. Algumas famílias foram expulsas das fazendas após se
manifestarem, exigindo melhores condições.
Cumpridos os contratos de trabalho nas fazendas de café, estes
imigrantes procuraram a independência dirigindo-se para o interior de São Paulo
ou para a região litorânea, nas proximidades da Estrada de Ferro Santos-Juquiá,
bem como, para a periferia de São Paulo. Vários núcleos de colonização foram
estabelecidos nas regiões da Estrada de Ferro Noroeste e nas margens do Rio
Ribeira, em Iguape.
A adaptação do asiático foi prejudicada também pelo intuito de
permanecer por um tempo determinado e retornar à terra natal. Aos poucos,
porém, passaram a arrendar terras, formar cafezais, desenvolverem diferentes
tipos de plantios e conseguindo, na comercialização de seus produtos, preços
compensadores. Como cita Mônica Raisa Schpun
12
(2008:138), ”muitos
alcançaram rapidamente a posição de arrendatários ou de pequenos
proprietários”, reduzindo o tempo médio de permanência em sistema de colonato.
Alguns passaram a exercer profissões liberais ou se engajaram na indústria e
comércio, entre outras atividades .
A partir de 1961, o fluxo migratório praticamente encerrou-se, tendo em
vista a restauração econômica do Japão. Aqueles que permaneceram no Japão
encontraram melhorias significativas nas condições de vida e trabalho, como
ocorreu em outros países que também enviaram seus imigrantes para o Brasil.
12
SCHPUN, M. R. Imigração japonesa no Brasil. In: Resistência e integração: 100 anos de imigração
japonesa no Brasil. IBGE, Centro de Documentação e Disseminação de Informações. Org. SAKURAI, C &
COELHO, M. P. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. p. 137-149.
A mulher nikkey A formação da identidade feminina
17
1.2 A mulher nikkei
Para melhor situar o papel feminino dentro do universo nikkei no Brasil,
tomei como referência o estudo “Histórias de famílias: mulheres de diferentes
classes sociais em São Paulo; a família e a penetração no mercado de trabalho”.
O artigo, escrito por Maria Christina Siqueira de Souza Campos
13
, investigou os
papéis da mulher dentro e fora do ambiente doméstico na primeira metade do
século XX. A autora observou que as mudanças pelas quais a cidade estava
passando
14
se refletiram na estrutura e organização das famílias, assim como nos
papéis femininos e masculinos dentro e fora do lar.
A análise partiu do pressuposto de que poderiam ser identificadas
certas representações que a sociedade, ou determinadas categorias sociais,
mantinham sobre a forma ideal de família, e os papéis considerados adequados
para cada um de seus membros. Também a idéia de que a família constitui um
objeto de conhecimento teoricamente construído, que carrega consigo um forte
conteúdo ideológico, uma vez que é, freqüentemente, encarada como um grupo
natural na sociedade. Para tanto, embasou o estudo no pensamento de Pierre
Bourdieu, “A Propos de la Famille comme Catégorie Réalisée”
15
, que permitiu
encará-lo como mediação de práticas sociais.
Segundo Maria Christina Siqueira de Souza Campos,
Embora Bourdieu acentue que a gica de estruturação e funcionamento
dos diferentes aspectos de cada campo se impõe aos indivíduos, salienta
que os conflitos que tendem a ocorrer dentro de cada campo na luta
pelos capitais específicos de cada um levam os ocupantes das diversas
posições a desenvolverem estratégias para tentarem se apossar dos
mesmos, o que permite a mudança dentro daquilo que é estabelecido
13
CAMPOS, Maria C. S. S. Histórias de familias (mulheres de diferentes classes sociais em o Paulo; a
família e a penetração no mercado de trabalho). In: SIMSON, Olga M. von (org.). (Re)introduzindo a história
oral no Brasil. São Paulo: Editora USP, 1996. p.179-196.
14
Nos últimos cem anos a cidade de São Paulo se transformou consideravelmente em conseqüência dos
processos de urbanização e industrialização, que se aceleraram a partir de 1930
15
BOURDIEU, Pierre. A propos de la famille comme catégorie réalisée, in: Actes de la recherche em sciences
sociales, n.100. Paris, 1993. p. 32-36.
A mulher nikkey A formação da identidade feminina
18
pelo “habitus” de classe e pelas normas de funcionamento dos campos.
Sendo as relações familiares constituintes de um campo dinâmico, as
disputas internas pela apropriação do capital hegemônico trazem
alterações na estrutura do próprio campo. Na visão de Bourdieu, há
classes de idade, classes sexuais e classes sociais. Assim, dentro de
uma família, forma-se uma hierarquia, onde seus membros se situam, a
partir da luta pelo monopólio da representação legítima do mundo
social.
16
A proposta da pesquisadora foi estudar mulheres que desenvolviam
uma atividade fora de casa, além do cuidado do lar e dos filhos, colocando em
questão o conceito de trabalho. Utilizou uma metodologia essencialmente
qualitativa, valendo-se, para o estudo do papel da mulher na família no século XIX,
principalmente, de fontes secundárias e algumas primárias (jornais e revistas da
época), e, para o estudo do papel da mulher na primeira metade do século XX,
relatos orais de mulheres idosas que viveram em São Paulo nesse período.
Os relatos orais permitiram à autora descobrir constâncias no
comportamento feminino, bem como, em suas representações nas diferentes
classes sociais, atribuindo o fato a um ‘habitus’
17
feminino, próprio da classe
sexual, do mesmo modo que certas divergências poderiam estar atribuídas à
situação de classe ou a outras circunstâncias.
A pesquisadora selecionou depoentes (mulheres idosas) que tivessem
vivido e trabalhado em São Paulo desempenhando atividades diversas, de acordo
com a sua classe social. O seu interesse era sobre o que as havia motivado a
exercer uma profissão e como conciliá-la com as funções domésticas, além disso,
investigou se essa atividade as levavam a ter uma visão diferente do papel
feminino na sociedade. As ocupações dessas mulheres eram tradicionalmente
femininas, adequadas para a mulher que precisava ser preservada, pois, conforme
16
CAMPOS, Maria C. S. S. Histórias de familias (mulheres de diferentes classes sociais em o Paulo; a
família e a penetração no mercado de trabalho). In: SIMSON, Olga M. Von (org.). (Re)introduzindo a história
oral no Brasil. São Paulo: Editora USP, 1996. p.180.
17
O conceito de habitus surge com o sociólogo Pierre Bourdieu e é considerado como constituindo todas as
experiências passadas, matriz de percepções, apreciações e ações. É uma percepção interacionista da
sociedade e está inerente a cada ator social e, de certa forma, define-o, tal como aos seus gostos e estilo de
vida, estando associado a uma classe social, e tendo de ser ajustado quando existe mobilidade.
A mulher nikkey A formação da identidade feminina
19
Maria Christina S. S. Campos (1996:182), “o ideal ainda presente na sociedade e
na mente feminina era de que o principal papel da mulher deveria ser o cuidado
dos filhos e da casa.” As primeiras que se dirigiram ao mercado de trabalho foram
as que precisavam contribuir para o orçamento doméstico.
Algumas das suas depoentes exerceram magistério de diferentes
formas, ou mesmo, associando duas formas de atividade docente, professora
particular de acompanhamento às atividades escolares e de escola pública ou
particular. Essas atividades, para o sexo feminino, sempre foram valorizadas,
tanto pelas próprias mulheres como pelos homens (pais e maridos), por vários
motivos, tais como estabilidade, horário favorável (funcionários públicos com
jornada de seis horas diárias) e aposentadoria com salário integral.
A visão idealizada de um casamento para toda a vida exigia algumas
regras a serem seguidas no que se referia às funções previamente estabelecidas
e, nesse caso, cuidar do lar e da família (esposo e filhos) era primordial. Mesmo
que trabalhassem fora do lar em período integral, com um salário que contribuísse
de maneira efetiva no orçamento familiar, suas tarefas não eram igualmente
partilhadas e ocorria apenas a somatória de funções.
Em seu trabalho, Campos (1996:187) vai além, ressaltando que
“considerando as mudanças atuais da sociedade, acham conveniente a mulher
desempenhar hoje, concomitantemente ao seu papel de mãe, uma atividade
profissional, desde que esta não prejudique sua função principal”. (grifo nosso)
Sempre que o pai ou o marido não conseguia desempenhar
satisfatoriamente sua função “instrumental” (PARSONS,T.
18
apud
CAMPOS, M. C. S. S., 1996, p.189), ela deveria sair de sua esfera
18
Talcott Parsons foi um sociólogo norte-americano preocupado com o bom ordenamento da sociedade, sem
muita tolerância para com a desconformidade ou a dissidência dos que podiam manifestar-se contra ela. Sua
obsessão era determinar a função que os indivíduos desempenhavam na estrutura social visando a
excelência das coisas. Era um estudioso da Estratificação Social, não da mudança ou da transformação. O
funcionalismo é definido pelo dicionário de Ciências Sociais como a perspectiva utilizada para analisar a
sociedade e seus componentes característicos enfocando a mútua integração e interconexão deles. O
funcionalismo analisa o caminho que o processo social e os arranjos institucionais contribuem para a efetiva
manutenção da estabilidade da sociedade.
A mulher nikkey A formação da identidade feminina
20
doméstica e entrar também no mercado de trabalho, sem poder,
entretanto, deixar de lado suas outras funções e perder suas “qualidades”
de dedicação, pureza, obediência. (…) Seu trabalho era complementar ao
do marido, tanto na sua visão como na dele. uma complementaridade
evidente entre os papéis do homem e da mulher, mas não em termos de
igualdade, pois se tratava de uma complementaridade hierarquizada,
estando ainda a mulher subordinada ao homem e colaborando para que
ele pudesse se destacar, se fosse o caso.
19
(grifo nosso)
As depoentes de Campos (1996:190) “admitem que necessidade
hoje de trabalhar ajudando o marido, mas acrescentam que isso vem em
detrimento da família e que, se não fosse necessário, seria melhor se abster de
trabalhar”. O peso das normas vigentes sempre influenciou a vida das mulheres
entrevistadas por Maria Christina Siqueira de Souza Campos no sentido de
manutenção do “status quo”, ou ainda, de reprodução social. Essas normas
vigentes às quais a autora se refere fazem parte do universo feminino, sem
distinção de raça ou cor. Trata-se de uma formatação do papel feminino de forma
geral.
Agora, voltando-se o olhar para a mulher nikkei, qual o comportamento
esperado? Em sendo descendente de japoneses, residindo no Brasil, nascida sob
as regras desse país, é de se esperar que ela também siga os mesmos padrões
determinados pelo seu contexto histórico e social. Porém, enquanto descendente
de imigrantes, como fica a relação com os valores de sua origem? Cabe então,
ressaltar a visão do papel feminino para a japonesa aos olhos da pesquisadora
Liza Dalby, que coloca o casamento como “um dos passos mais importantes para
a maioridade no Japão”.
20
Liza Dalby, ao traçar um comparativo entre o papel da gueixa e o da
esposa, traz à luz algumas afirmações quanto ao importante passo do casamento.
Segundo Dalby (2003:243), “quem deixa de cumprir essa etapa (casamento) é
considerado um tanto estranho e fora da corrente geral. (…) O casamento também
19
CAMPOS, M. C. S. S., op. cit. p.189-190
20
DALBY, Liza. Gueixa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003. p. 243
A mulher nikkey A formação da identidade feminina
21
implica inevitavelmente ter filhos e educá-los”. A mulher deve cumprir a sua função
social de progenitora.
Conclui-se, dessa forma, que o aspecto servil da mulher japonesa em
sua origem pouco se difere da brasileira em sua função. Embora um pouco mais
distinta no que tange à total submissão ao esposo, seu shujin
21
, tinha, a exemplo
da brasileira, a incumbência dos cuidados do lar e dos filhos como principal
função.
A adaptação das mulheres às transformações desencadeadas pelos
processos de urbanização e industrialização, referida na pesquisa de Maria
Christina Siqueira de Souza Campo, desencadeou uma mudança nos papéis
previamente estabelecidos para adequação à modernidade, fazendo-se
necessário às mulheres ingressarem no mercado de trabalho. Como cuidar dessa
dupla função a ser desempenhada por essa mulher nikkei dentro desse novo
contexto histórico e cultural de vivência no Brasil? Esta foi a principal interrogação
à qual a fundadora do Internato São Paulo Saiho Jogakuin procurou dar resposta.
21
Shujin é a maneira como a ‘boa-esposa’ deve apresentar seu esposo e tem o sentido de “meu senhor”, ou
ainda, “meu dono”. O esposo, por sua vez, apresentava a esposa como kannai, traduzido como “esposa” mas
com a característica de pessoa “de dentro”, ou seja, de casa, do lar, “a que fica dentro”.
A educação nipo-brasileira A formação da identidade feminina
22
1.3 A educação nipo-brasileira
O sentimento relutante do imigrante japonês, que tinha na sua vinda ao
Brasil uma intenção temporária (somente o tempo necessário ao enriquecimento,
que se dizia rápido’), dificultava sua adaptação à nova terra. Essa intenção de
retorno rápido ao Japão refletiu-se diretamente nas questões educacionais que
privilegiavam a cultura nipônica, para facilitar a recolocação no mercado japonês
em sua volta.
Porém, frente aos obstáculos encontrados (engodo das promessas
feitas na contratação, ganhos baixos, dificuldades na quitação das dívidas
adquiridas por conta da viagem e consumo de insumos) e a concretização de
retorno ao Japão cada vez mais distante, o japonês passou a viver uma condição
híbrida de adaptação à nova terra (necessidade de uma educação brasileira), mas
sem perder o foco do país ao qual tinha a intenção de regressar (educação no
modelo tradicional japonês).
Para melhor explanação desse delicado momento da educação nipo-
brasileira, foi retomado o estudo “Dilemas da vivência em nova Terra: a educação,
o lazer e o consumo cultural entre japoneses em SP na primeira metade deste
século”
22
realizado por Zeila de Brito Fabri Demartini, Gilmar Santana, Maria
Helena Lara Netto, Odila Carvalho Reis e Valéria Barbosa Magalhães.
O referido estudo notou que tanto os grupos que se fixaram na capital
do Estado (cidade de São Paulo e periferia) quanto os que permaneceram no
interior do Estado (cidade de Campinas e periferia), tinham como objetivo comum
o enriquecimento rápido e seguro, após isto, o retorno à terra natal; o que refletiu
22
DEMARTINI, Zeila B. F.et al. Dilemas da vivência em nova terra: a educação, o lazer e o consumo cultural
entre japoneses em SP na primeira metade deste século, in: SIMSON, Olga R. M. von. (org.).
(Re)introduzindo a história oral no Brasil. São Paulo: Editora USP, 1996. p.296-305.
A educação nipo-brasileira A formação da identidade feminina
23
diretamente na maneira como foram trabalhadas as questões educacionais e
formativas dos descendentes
23
.
Ainda tendo como referência o modelo japonês muito presente, os
imigrantes tentam reproduzir aqui o tipo de escola e de cultura a que estavam
habituados no Japão. Fato que determina o florescimento das escolas japonesas
nas colônias rurais, na periferia, e no centro da capital. As estratégias no campo
da educação escolar apresentavam dois movimentos complementares, um
buscando a manutenção da cultura japonesa e outro procurando a cultura nacional.
“Até a criação de uma escola específica para moças que receberiam
uma educação adequada”, que as preparasse para o casamento e o
papel de mulher segundo os padrões japoneses, pode ser entendido
como tentativa das famílias de criarem as “suas” escolas no espaço
brasileiro, de estabelecerem o seu poder neste campo que ainda se
estruturava”.
24
Observa-se, entre os grupos estudados pelos pesquisadores, que
grande parte das famílias de imigrantes japoneses vieram ao Brasil com o objetivo
de voltar e, portanto, demonstravam interesse em dar uma educação escolar “à
sua maneira”. Havia uma preocupação com as questões relacionadas à
sobrevivência (econômica) na nova terra. Como exemplo, citam os autores
(DEMARTINI, Zeila B.F. et al.1996:299): “(…) as moças da escola de D. Michie
Akama em São Paulo formavam-se como costureiras (…) e, quando retornavam
para o interior de SP, abriam suas próprias escolas de corte e costura”.
25
A dificuldade de concretização do projeto de retorno ao Japão provocou
mudanças no campo educacional. Como mencionamos anteriormente, muitas
famílias que acumularam recursos suficientes para dar continuidade de estudo aos
23
o estudo valeu-se de consultas bibliográficas, documentação específicas, relatos orais coletados junto a
japoneses que viveram nestas cidades no período de 1908 a 1950, coleta e análise de fotos e documentos
dos depoentes: homens e mulheres de vivências diferentes, alguns já escolarizados do Japão, alguns
nascidos aqui, alguns residentes em áreas urbanas, tendo passado por longos períodos em atividades
agrárias
24
DEMARTINI, Zeila B. F.et al. Op. Cit. p. 298
25
Ibidem. p. 299
A educação nipo-brasileira A formação da identidade feminina
24
filhos partem em busca de níveis mais elevados de escolaridade (geralmente em
escolas públicas brasileiras).
Um dos importantes pontos tratados por Demartini et. al., é sobre o fato
das crianças freqüentarem tanto escolas japonesas quanto nacionais, para se
adaptarem ao processo de inserção e sobrevivência na nova terra. A derrota do
Japão, na Segunda Guerra Mundial, e a interrupção dos projetos de ascensão
econômica fazem com que as famílias mudem os investimentos, não no plano
econômico (juntar dinheiro para voltar), mas, em especial, no educacional,
passando a prioridade da educação japonesa, para a educação escolar nacional.
Os autores observam, enfim, que o novo contexto da realidade paulista
e paulistana permitiu às mulheres do grupo estudado uma mudança nos papéis
tradicionalmente desempenhados. Isto delineou a sua trajetória de ascensão
social particular, como indivíduo e não apenas como pessoas que acompanham o
processo de ascensão social da família. Segundo Demartini (1996: 303), “são elas,
em realidade, os elementos em cada família através dos quais estas ascendem
socialmente”. Neste ponto, o estudo traz o exemplo de trajetórias de duas
mulheres. Uma, traz à luz, a história de Michie Akama, a fundadora do Internato
São Paulo Saihou Jogakuin:
“Uma veio formada professora do Japão, para acompanhar o marido,
pesquisador oceanográfico; aos poucos, entretanto, dadas as restrições
legais ao trabalho do marido, é com sua atividade em São Paulo que
passam a sobreviver. O marido começa a auxiliá-la na pequena escola
de corte e costura e conhecimentos elementares, que vai aos poucos se
ampliando até transformar-se em uma escola com clientela numerosa e
de muito prestígio entre os japoneses em todo o Estado de São Paulo. O
trabalho dessa mulher tornou-se fundamental à família, tanto econômica
como socialmente, sendo reconhecida não apenas pelos japoneses aqui
residentes, mas também pelo governo japonês, que a condecorou como
personagem importante da imigração japonesa. O fato de ter conseguido
aqui projetar-se enquanto indivíduo pode em parte justificar a escolha
que fez de permanecer junto à escola, continuando com suas atividades,
quando o marido faleceu e seu filho ainda era pequeno, não atendendo
assim aos pedidos de sua família para que retornasse ao Japão”
.
26
26
Ibidem. p. 303-304
A educação nipo-brasileira A formação da identidade feminina
25
A análise das trajetórias de homens e mulheres feita pelos autores,
apesar de estar mais focado nos campos da educação, do lazer e do consumo
cultural, possibilitou observar que também as atividades femininas foram
relevantes para a ascensão social das famílias japonesas, e não apenas as dos
homens.
Esta dissertação faz um pequeno recorte na educação nipo-brasileira
centrando a pesquisa no universo feminino da imigração japonesa no Brasil. A
prosperidade da comunidade nipo-brasileira permitiu aos pais que trabalhavam na
lavoura delegar a educação de suas filhas em idade ‘casadoira’ aos centros
conhecidos, informalmente, como ‘escolas de formação de noivas’, sendo “São
Paulo Saiho Jogakuin” uma das mais conceituadas. Dentro desse espaço
geograficamente delimitado, uma formação marcantemente feminina rompeu
barreiras e difundiu-se pelas ex-alunas por vários pontos do Brasil (Mirandópolis,
Jaboticabal, Atibaia, entre outros).
Nosso único sonho era voltar para nosso país com uma boa situação
financeira, mas a reviravolta da história, com o término da guerra, mudou
drasticamente nossa disposição. A força de vontade, foi cruelmente
frustrada, e a residência permanente no país de migração, foi decretada.
No entanto, estes fatos foram positivos para nós, os isseis, no sentido de
que, em primeiro lugar, a vida foi se estabilizando, a administração dos
negócios e as estratégias foram bem definidas, e tratamos com uma
diferente e maior seriedade, a educação de nossas crianças.
27
27
AKAMA, M. O vestuário e a colônia. In: Katarigusa. São Paulo: Editora Paulista Bijutsu Insatsu Kabushiki
Kaisha, 1978.
27
CAPÍTULO 02
28
HANDA, T. Casarão Vergueiro. Original de arte, óleo sobre tela, 0,86 x 1,01 m.
1944.Coleção particular. (referências do artista na página 124)
29
“Todo o meu empreendimento científico se inspira na convicção
de que não podemos capturar a lógica mais profunda do mundo social
a não ser submergindo na particularidade de uma realidade empírica,
historicamente situada e datada, para construí-la”
Pierre Bourdieu
O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina
31
CAPÍTULO 2
“O internato ‘São Paulo Saihou Jogakuin’ “
2.1 Espaço físico e formação
“São Paulo Saihou Jogakuin” foi fundado na capital paulista em junho
de 1933, pela educadora Michie Akama e seu esposo, pesquisador formado em
Oceanografia e igualmente professor no Japão, Jiuji Akama. Tratava-se de um
internato de formação feminina segundo a ética japonesa. Às moças que se
formavam, era outorgado um ‘atestado de bom partido’, com garantia de
idoneidade ética e moral, eram as ‘boas moças’ casadoiras.
A preparação dessas alunas possibilitava ainda, eventualmente, a
abertura de escolas em outras regiões. O universo feminino é extremamente
valorizado na cultura japonesa como sendo um dos principais pilares para a
edificação familiar, daí a grande importância na formação de bons valores dessa
matriarca.
O internato passou por diversas mudanças de endereço e denominação
(devido às normas vigentes em lei e exigências da Secretaria de Ensino). As
mudanças de endereço ocorreram por diversos fatores, porém, uma das principais
causas era geralmente a falta de espaço. As acomodações não eram mais
adequadas ao aumento do número de alunas e também não atendiam mais as
expectativas quanto às atividades a serem desenvolvidas.
A compreensão da história destes percursos diversificados por meio da
narrativa ficaria cansativa. Existem detalhes que podem dar uma noção do
crescimento curricular e fortalecimento da instituição ao longo dos anos de sua
existência. Como possível solução, optei por uma explanação mais clara e
organizada dos dados, elaborando um quadro geral cronologicamente.
O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina
32
Ano Nome Endereço
Matriz
Endereço
Filial
Cursos e
Currículos
28
1933
Casa de
Ensino de
Corte e
Costura
Travessa da R.
São Paulo
Atual R. Álvares
Penteado
_
Corte e
Costura
1933-34
São Paulo
Saihou
Jogakuin
R.Conselheiro
Furtado, 18 e
posteriormente,
116
_
Inclusão:
Língua
Japonesa
básico
1935
Escola de
Corte e
Costura SP
R. São Joaquim,
216
(figura 01)
_
Inclusão:
Língua
Japonesa de
nível médio
1935
Escola de
Corte e
Costura SP
R. São Joaquim,
216
_
Inclusão:
Curso
Preparatório
para Exame
de Habilitação
ao Magistério
Profissional
1937
Escola
Particular
Akama São
Paulo
R. São Joaquim,
216
_
Inclusão:
Língua
Portuguesa
1937
São Paulo
Jogakuin
R. São Joaquim,
216
_
Inclusão: arte
culinária,
etiqueta,
música, arte
1941
São Paulo
Jogakuin
R. Tamandaré,
849
(figura 02)
_ Manutenção
dos mesmos
cursos
1941 São Paulo
Jogakuin
R. Tamandaré,
849
_ Inclusão:
Katei-ka
29
28
A formação da grade curricular será melhor delineada no item 2.2, neste capítulo.
29
Katei significa “família”; ka significa “setor”, “seção”, “curso”, etc. Era o curso equivalente ao primário do
Japão, com seis anos de duração e dividido em Hanagumi – “Flor” e Hoshigumi – “Estrela”.
O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina
33
Data Nome Endereço
Matriz
Endereço
Filial
Cursos e
Currículos
1942
São Paulo
Jogakuin
R. Tamandaré,
849
_
Inclusão:
Shihan-ka
30
1942
Núcleo de
Ensino
Profissional
Vergueiro
R.Vergueiro, 235
(figura 03)
_
Inclusão:
Senkou-ka
31
1942
Núcleo de
Ensino
Profissional
Vergueiro
R.Vergueiro, 2625
(figura 04)
R.Vergueiro,
235
Inclusão:
Jogaku-bu
Jumbi-ka
32
1958
Fundação
Instituto
Educacional
D. Michie
Akama
R.Vergueiro, 2625
R.Vergueiro,
235
Inclusão:
Jogaku-bu
Jumbi-ka
1961
Fundação
Instituto
Educacional
D. Michie
Akama
R.Vergueiro, 2625
R. Galvão
Bueno, 212
Manutenção
dos mesmos
cursos
1971
Fundação
Instituto
Educacional
D. Michie
Akama
Av.Dr.Altino
Arantes, 1098
(figura 05)
_
Inclusão:
Pré-escola
1
a
série do
Curso
Primário
30
Shihan significa “mestre”, “professor”, “instrutor”. Era o curso de extensão ao curso Jogaku-bu (equivalente
ao curso médio do Japão)
31
Senkou-ka significa especialização. Com quatro anos de duração, era o curso de extensão do Shihan-ka
32
Jumbi significa preparatório. Era o curso intermediário entre Jogaku-bu e Katei-ka, ou seja, o curso
admissional ao Jogaku-bu.
O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina
34
A seguir, alguns registros imagéticos dos endereços percorridos pela
instituição:
Figura 01
Data: final de 1935
Local: Rua São Joaquim, 216
Fotógrafo: não-identificado
Quantidade de fotos: indeterminada (02 no arquivo da instituição)
Características: preto e branco
Tamanho original 12X18 cm; papel fosco; conservada; bom contraste
Armazenamento: avulso (arquivos da instituição)
Legenda (descrição): formandas da turma de 1935
O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina
35
Figura 02
Data: 1941
Local: Rua Tamandaré, 849
Fotógrafo: Kojima
Quantidade de fotos: 01
Características: preto e branco
Tamanho original 11,5X18 cm; papel fosco; conservada; pouco contraste
Armazenamento: avulso (arquivos da instituição)
Legenda (descrição): sede Tamandaré durante o período 1941-1942
O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina
36
Figura 03
Data: 1942
Local: Rua Vergueiro, 235
Fotógrafo: não-identificado
Quantidade de fotos: 01
Características: preto e branco
Tamanho original 12X18 cm; papel fosco; conservada; bom contraste
Armazenamento: avulso (arquivos da instituição)
Legenda (descrição): filial Vergueiro, mantinha os mesmos cursos da matriz (R.
Vergueiro, 2625), porém em regime de externato
O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina
37
Figura 04
Data: 1942
Local: Rua Vergueiro, 2625
Fotógrafo: não-identificado
Quantidade de fotos: indeterminada (02 no arquivo da instituição)
Características: preto e branco
Tamanho original: 17,5X22,5 cm; papel fosco; conservada; bom contraste
Armazenamento: avulso (arquivos da instituição)
Legenda (descrição): matriz Vergueiro, mantinha todos os cursos ministrados pela
instituição em regime de internato; foi o último endereço locado para sede principal,
saindo deste endereço direto para a sede própria na Av. Dr. Altino Arantes, 1098
O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina
38
Figura 05
Data: 1971
Local: Av. Dr. Altino Arantes, 1098
Fotógrafo: não-identificado
Características: preto e branco
Tamanho: 12X18 cm; papel brilhante; pouco contraste
Armazenamento: avulso (arquivos da instituição)
Legenda (descrição): alunas (em pé) e professoras (sentadas) em frente ao prédio próprio
da escola
O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina
39
A transformação em fundação foi um dos objetivos alcançados pela
fundadora, que se efetivou em 1960, como Fundação Instituto Educacional D.
Michie Akama, a quem, por doação, passaram a pertencer todas as escolas e
cursos anteriormente mencionados. Isso aconteceu em comemoração ao Jubileu
de Prata de suas atividades.
O objetivo era dar, dentro de suas possibilidades, educação gratuita,
tanto cultural como profissional, a jovens do sexo feminino, com preferência às
moças pobres e residentes no interior. A Fundação propôs para isso, ampliar os
cursos e a Escola, transformando-os numa verdadeira Escola Profissional
Feminina, com a pretensão de criar ainda os cursos Ginasial, Comercial, Científico
e Clássico. Pelo processo MJ n
o
14.552/92, a Fundação somente foi declarada de
Utilidade Pública Federal no dia 25 de maio de 1992, publicada no Diário Oficial da
União em 26 de maio de 1992.
A construção do prédio próprio na Av. Dr. Altino Arantes foi uma grande
conquista da fundadora Michie Akama. Como a Fundação estava sediada em um
prédio alugado na Rua Vergueiro, onde as instalações não comportavam a
intensa atividade desenvolvida pela mesma, foi projetada a construção de um
prédio no terreno de três mil e duzentos metros quadrados doado por Michie
Akama, onde seriam instalados todos os cursos pertencentes à programação.
Em novembro de 1965, iniciou-se a construção do prédio da Fundação,
sob a responsabilidade dos arquitetos Yoshikazu Morita e Antonio Akama. Dona
Michie Akama iniciou uma nova jornada, viajando pelo Brasil inteiro, visitando,
principalmente, ex-alunas para uma campanha de arrecadação de fundos para a
construção.
“Não é uma tarefa fácil pedir doação. O ato de pedir alguma coisa para
alguém, mesmo não sendo em benefício próprio, o deixa de ser uma
situação constrangedora. Ao mesmo tempo, ocorreu grande ansiedade,
lembrando as feições das ex-alunas com muita saudade, e imaginando o
momento do reencontro.
O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina
40
Muitas vezes, senti vontade de largar tudo, ocasião em que me fez
recordar, esporadicamente, do pensamento de um bonzo da seita zen,
sobre o espírito do Takuhatsu
33
, (Mendicância). Nem sempre as pessoas
recebem com bondade, o praticante de Takuhatsu, mesmo após jornadas
nas quais ele foi submetido a um calor tórrido ou gélidos ventos. Podem
acontecer casos em que, simplesmente, nem venham a ser atendidos, ou
serem recebidos com grande desprezo. Não será um ato verdadeiro de
Takuhatsu, se o praticante reagir com o sentimento de ira. Não se pode
dizer que é um verdadeiro praticante de Takuhatsu, aquele que não
suporta as ofensas, pelo contrário, deverá encarar com suave fisionomia,
com as palmas juntas num gesto de oração. No decorrer deste ato,
observando, com obstinação, as condições sociais e da natureza humana,
praticando o exercício espiritual de submissão a qualquer injúria, conclui-
se o importante ato de Takuhatsu, em busca da harmonia de si com os
demais.
Apesar disso, fui recebida pelas ex-alunas com alegria, pela visita
inesperada. Em certas regiões, fomos recebidas com jantar organizado
pelas ex-alunas e ficamos, à noite, confabulando sobre o passado. Até
pelos maridos ou pais dessas ex-alunas, fomos bem recebidas,
facilitando-nos as locomoções com carros à disposição. Fiquei muito
gratificada com a atenção que recebi, a ponto de juntar as palmas, num
gesto de oração, em agradecimento a Deus.
O bonzo da seita zen praticante de Takuhatsu tem como objetivo o
aperfeiçoamento, tanto do corpo como da mente, segundo os
ensinamentos do budismo, em busca de oportunidades para poder
corresponder às pessoas que procuram a salvação espiritual. Entretanto,
sou apenas uma mulher comum, que luta por um objetivo, com
sentimento de que, ao invés de salvar, estou incomodando as pessoas.
Isso faz pesar meu coração, mesmo que, não se resuma em buscar
vantagens próprias. Prevalece o desejo de que, um dia, possa
transformar a Escola em orgulho das ex-alunas, e que esta instituição
atenda os anseios dos futuros educandos. Dedico-me neste único
objetivo, mas sinto que terei ainda, um extenso caminho de dificuldades.
Quero seguir, considerando o Takuhatsu como um significado
verdadeiro do estado espiritual, que tem origem no sentimento profundo
do bem. Apenas isso.”
34
No mês de março de 1971, realizou-se a mudança para o novo prédio,
situado à Avenida Doutor Altino Arantes, 1098, desocupando assim o prédio que
fez parte de uma história por vinte e sete anos.
33
Takuhatsu - Um forma de provação de sacerdotes das religiões indianas , adotada também pelo budismo,
que consiste em pedir esmolas, para obter o mínimo de subsistência, com o objetivo de atingir o
aperfeiçoamento mental e físico.
34
AKAMA, M. Estado espiritual de mendicância. In: Katarigusa o otte. São Paulo: Toppan Press, 1995.
O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina
41
Figura 06
Data: 1965
Local: Av. Dr. Altino Arantes, 1098
Fotógrafo: não-identificado
Quantidade de fotos: 01
Características: preto e branco
Tamanho original: 12X18 cm; papel brilhante; conservada; bom contraste
Armazenamento: avulso (arquivos da instituição)
Legenda (descrição): terreno de três mil e duzentos metros quadrados onde seria
construída a sede própria da escola
O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina
42
Figura 07
Data: 1965
Local: Av. Dr. Altino Arantes, 1098
Fotógrafo: não-identificado
Quantidade de fotos: 01
Características: preto e branco
Tamanho original: 12X18 cm; papel brilhante; conservada; bom contraste
Armazenamento: avulso (arquivos da instituição)
Legenda (descrição): a obra em processo de construção
O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina
43
Figura 08
Data: 1970
Local: Av. Dr. Altino Arantes, 1098
Fotógrafo: não-identificado
Quantidade de fotos: 01
Características: preto e branco
Tamanho original: 12X18 cm; papel brilhante; conservada; pouco contraste
Armazenamento: avulso (arquivos da instituição)
Legenda (descrição): finalização da obra; a alguns passos da realização de um sonho
O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina
44
Por ocasião de sua construção, havia a necessidade de acomodar em
suas instalações um número muito grande de alunas internas, que permaneciam
até então, como moradoras no casarão da Rua Vergueiro, 2625 (observar Figura
10, planta inicial com vários dormitórios).
Porém, logo após mudarem para a sede própria na Av. Dr. Altino
Arantes, outros fatores no quadro nipo-brasileiro impõem novas adaptações. Entre
eles, podemos citar a migração das famílias do interior para a capital paulista,
fazendo com que as alunas não mais necessitassem de moradia, podendo residir
com suas famílias e freqüentando apenas as dependências da instituição para
cursar as diversas atividades oferecidas.
A diminuição da demanda pelos cursos femininos (corte e costura) foi
influenciada pela mudança o cenário econômico e a facilidade em adquirir roupas
prontas. Apesar de garantir a “exclusividade de uma roupa feita sob medida e
originalidade no modelo, não era possível competir com os baixos preços e a
praticidade oferecidos pelas roupas produzidas em larga escala nas confecções.
A habilidade de corte e costura deixa de ser essencial como atributo
feminino. É possível observar essa mudança de foco analisando as fotografias de
formandas de corte e costura de 1946 (171 alunas), no mais alto momento de
funcionamento do internato e, de 1981, a última turma (7 alunas). Pelo gráfico
(Figura 09), pode-se verificar as mudanças na procura pelo curso.
O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina
45
Figura 09
São Paulo Saiho Jogakuin
0
20
40
60
80
100
120
140
160
180
1934
1938
1942
1946
1950
1954
1958
1962
1966
1970
1974
1978
ano
formandass
formandas
Dessa forma, as plantas iniciais do prédio construído, sofreram
alterações, como pode ser observado pelas reproduções referentes ao primeiro
andar (transformação dos dormitórios em grandes salas de aula – Figuras 10 e 11).
Mudanças de interesses, novos rumos para a instituição. Paredes foram
derrubadas, ampliando os espaços. Pequenos dormitórios deram lugar a salas de
aula mais amplas para abrigar novas atividades (disciplinas regulares de
educação infantil e primeiro grau, que necessitavam de espaços mais amplos com
lousas e carteiras).
O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina
46
Figura 10
Data: 6 de novembro de 1965
Planta da Fundação Instituto Educacional D. Michie Akama
O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina
47
Figura 11
Data: 08 de fevereiro de 1980
Planta da Fundação Instituto Educacional D. Michie Akama
O internato – espaço e formação A formação da identidade feminina
48
A educação formal ganhou espaço, porém, sem abandonar os
princípios que sempre nortearam a educadora Michie Akama. Após a mudança, os
alunos são outros, mas a base e os valores permanecem até hoje. De meninas
vindas do interior para o internato em busca de uma formação feminina, passou-se
a “pequeninos” educandos (pré-escola). Era a primeira turma do Youtien
35
. A
educação infantil ganhou espaço e o sonho da educadora de acompanhar o
crescimento dessas crianças em sua educação de forma completa tornou-se uma
realidade. A primeira série do antigo Primeiro Grau teve início em 1971, ano que
coincide com a implantação da Lei 5692/71, que estabelece uma nova divisão do
ensino regular.
Com o crescimento da escola, vieram a segunda série, a terceira e,
assim, sucessivamente. Os rumos da escola foram alterados, porém sem perder
seus valores e princípios, a Fundação que hoje mantém os cursos regulares que
iniciam com alunos a partir dos três anos de idade (maternal) até o terceiro ano do
Ensino Médio, perdeu a característica de uma escola de formação feminina mas
traz uma história marcante na memória nipo-brasileira. Michie Akama pretendia ir
além e chegar ao Ensino Superior, uma meta almejada até seu falecimento, aos
quase cento e dois anos, com uma trajetória brilhante na educação brasileira. O
sonho ainda permanece vivo na memória de todos, aguardando seu momento de
realização.
35
Youtien – jardim da infância ministrado em lingua japonesa.
O internato – a grade curricular A formação da identidade feminina
49
2.2 A formação da grade curricular
Para tornar mais clara a visualização da disposição dos cursos
oferecidos, apresento um gráfico mapeando o funcionamento da escola.
Figura12
A instituição ministrava aulas de corte e costura, culinária, ikebana
36
(“vivificaçãoda flor, por meio de arranjos, onde a flor se “exibe” harmonizando o
ambiente energeticamente pela filosofia oriental), etiqueta social, dança, música
(bandolim, piano e violino), desenho e teatro, além de formações de
contextualidade social, política e econômica, enfim, tudo o que uma boa mãe e
esposa japonesa deveriam saber para que pudesse contribuir e cooperar na
resolução de problemas familiares.
A maioria dos cursos tinha caráter informal, portanto, não possuía um
conteúdo programático formatado e registrado. O material relacionado ao caráter
36
Ikebana espécie de arranjo floral japonês onde se busca a beleza no equilíbrio e a harmonia da colocação
das flores
O internato – a grade curricular A formação da identidade feminina
50
intencional de cada “disciplina” (se é que podemos chamá-la assim), tinha mais o
intuito de orientação, no qual o corpo docente baseava-se para elaborar as aulas.
O objetivo que se pretendia alcançar está nos escritos datilografados e
organizados em pastas de documentos da época, selecionados por ocasião da
transformação em Fundação, para obtenção de verbas em prol da construção da
sede própria. A seguir, a transcrição das ementas dos cursos oferecidos:
a. Corte e Costura - O ensino de Corte e Costura foi a atividade mais
antiga da escola. O curso foi ministrado não apenas na teoria, mas,
também, na sua prática. Além da técnica, procurou-se aperfeiçoar a
mente e aprimorar a sensibilidade de cada aluna, por meio de cursos
complementares, tais como desenho artístico, desenho técnico, desenho
de modas, noções fundamentais de matemática, dentre outros. A escola
tornou-se um dos mais tradicionais estabelecimentos de ensino
profissional da capital paulista, pelo seu método prático e eficiente,
dotando suas alunas com sólidos conhecimentos, aptas a todas as
eventualidades. Os significativos índices de aprovação obtidos pelas suas
alunas nos concursos de Habilitação ao Magistério promovidos
anualmente pelo Departamento de Ensino Profissional do Estado de São
Paulo comprovam a eficiência do método. O curso funcionou sob a
fiscalização desse Departamento, registrado sob o n
o
294-D.
b. Trabalhos Manuais - ensino da arte de tecer, entre outras
modalidades de trabalho manual para enriquecer a existência e o
aperfeiçoamento desses trabalhos (bordados, tricô e crochê). Havia ainda
o ensino de ‘feitura’ de flores artificiais, onde, pela arte de aplicar flores,
podia embelezar a vida pela apreensão do belo, bem como a aquisição
de predileções mais nobres e elevadas (observar a relevância da
apreciação do belo como uma forma de enobrecer o espírito,
característica marcante na cultura japonesa).
c. Português - foi fundado em 1939, tendo como Diretora Pedagógica,
Dona Nair Lemes de Almeida. Inicialmente, este curso teve a função
primordial de ministrar o conhecimento do vernáculo aos imigrantes e
seus descendentes que, até então, o tiveram a oportunidade de
aprender a língua portuguesa. Posteriormente, o curso reorganizou-se
elevando o grau de ensino do vernáculo para evitar retrocesso do que
aprendeu no curso primário, ministrando-o no grau comparável ao curso
secundário e assim permitir às alunas que desejassem seguir cursos
mais adiantados e formar-se para a assimilação da cultura universal.
d. Arte Culinária - além da culinária propriamente dita, ministrava-se
noções de dietética. Esta tinha a finalidade de dar conhecimento teórico e
prático, para que as alunas não sentissem dificuldades na sociedade.
e. Higiene, Nutrição e Fisiologia - era um curso de adaptação da vida
ao ambiente em que se vive, mediante conhecimentos científicos.
f. Sociabilidade e Etiqueta - curso onde as alunas adquiriam
conhecimentos necessários para a boa conduta no meio social em que se
vive. De acordo com a inteligência pessoal, buscava-se construir uma
vida condizente com as exigências da sociedade, ensinando boas
maneiras e cultivando “maneiras de pensar”, “maneiras de sentir” e
O internato – a grade curricular A formação da identidade feminina
51
“maneiras de agir”. Ensino de princípios da gica para adquirir
conhecimentos necessários para a boa conduta humana.
g. Música - reconhecendo que a música concorre para melhor
compreensão e aprimoramento da sensibilidade, predicados
imprescindíveis à vida, ministrava-se o canto, a maneira de saber
apreciar músicas, bem como tocar instrumentos musicais (piano,
bandolim, flauta) e, finalmente, compor músicas, com a finalidade de
torná-la companheira inseparável da vida.
h. Educação Física - ginástica coletiva todas as manhãs. Ensino de
Educação Física como matéria, para através da música ritmada, dotar as
pessoas das seguintes qualidades: saúde, perspicácia, decisão, disciplina,
vontade firme e espírito de cooperação.
i. Desenho - a educação artística consiste em respeitar as tendências
para o belo de cada um e o anseio de realizar esse belo, pois, a
diferenciação no modo de realizar esse belo é o que se manifesta em
algum setor da arte. A finalidade é ainda, dotar a pessoa de sensibilidade
por meio do desenho e incutir em cada um o espírito de ordem.
j. Matemática - ensino de aritmética e matemática para possibilitar, de
acordo com a inteligência de cada um, aplicá-las na vida prática e melhor
raciocinar.
k. Língua Inglesa ensino, principalmente, pela necessidade no futuro,
em decorrência deste país estar situado na América e dos rumos que se
pode tomar.
l. História - ensino da história antiga, moderna e contemporânea, bem
como estudo sério da história do Brasil, conhecimentos necessários à
vida.
Além desses cursos, existiam atividades extracurriculares, destacando-
se: grêmio, jornal, serviços de alto-falantes, instalados em diversas dependências
da Escola, competição cultural e esportiva, biblioteca, centro de estudos da Língua
e Cultura Japonesa, piquenique, excursões, entre outras. Haviam intensas
atividades artísticas, tais como: representações teatrais organizadas pelas alunas
e o coro feminino que era tradicional. A difusão da música erudita era feita por
meio de audições de discos criteriosamente organizadas e realizadas
semanalmente.
Quanto ao culto religioso havia completa liberdade de escolha, pois as
alunas que vinham para a escola, tanto da capital como do interior do Estado de
São Paulo, de outros Estados e até países, traziam a religião de seus pais. Porém,
desde o início de sua fundação, professoras católicas, cônscias dos seus deveres,
sob a orientação de missionários e catequistas, dedicaram-se a ensinar a doutrina
cristã às alunas que foram batizadas quando pequenas, ao mesmo tempo, em que
O internato – a grade curricular A formação da identidade feminina
52
proporcionavam oportunidades às demais, que procuravam um lume seguro que
lhes norteasse a vida.
Em 1959, houve ampliação de cursos: registrou-se o curso primário
complementar no Departamento de Educação do Estado de São Paulo, sob
n
o
2054. Este curso se mostrou muito eficiente desde o início, tendo o mesmo, no
seu primeiro ano, alcançado 95% de aprovação, e em 1960, 100% de aprovação
nos mais diversos ginásios da Capital, em sua maioria em estabelecimentos de
Ensino Oficial. A Escola mantinha o Internato e o Externato, com cerca de
trezentos e cinquenta alunas na época.
Orientação filosófico-educacional A formação da identidade feminina
53
2. 3 Orientação filosófico-educacional
A nossa organização social tem como célula-mater a família. E esta tem na
mulher a sua pedra basilar. Daí a necessidade e a responsabilidade que tem a mulher de se
preparar para assumir o cargo de tamanha gravidade. Dentro desse raciocínio, Dona Michie
Akama tem orientado suas atividades educacionais no sentido de dar à mulher o que considera
o mínimo necessário para enfrentar as responsabilidades de dona-de-casa, esposa e mãe de
família.
Ciente e consciente de que o ser humano não vive e não pode viver isolado, mas
sim dentro da sociedade, em contato permanente com seus semelhantes, dona Michie vem
ensinando às suas alunas a indispensabilidade da mútua cooperação entre as pessoas
humanas. Assim é que um indivíduo, seja homem ou mulher, só consegue sobreviver e realizar-
se plenamente dentro do seu ideal vivendo em sociedade, auxiliando e sendo auxiliado pelos
seus semelhantes. Sem esse espírito de mútua cooperação, de solidariedade e de auxílio
recíproco, não subsistiria a família, a sociedade e, por via de conseqüência, a nação.
A Fundação, nas suas escolas e cursos, além do preparo físico, cultural,
profissional e artístico da mulher, cuida, como se vê, de sua formação espiritual.
A Escola tem como diretriz filosófica de ensino o espírito de mútua cooperação. O
homem vive, física e espiritualmente, e para o seu aperfeiçoamento, deve-se levar em conta
sempre este fato. Contudo, para se aprimorar é necessário que se observe as qualidades do
próximo, a fim de assimilá-la e aplicar na conduta diária de cada um. Esse modo de pensar se
aplica, também, em todo o proceder da humanidade, inclusive a um país, pois, para se
construir uma vida melhor é preciso, não só aproximar as qualidades, mas também difundi-
las, a fim de que cada qual possa trabalhar para o bem estar coletivo. O espírito de mútua
cooperação é um princípio antigo, sem dúvida, mas aplicável à vida moderna.
Sobre a cultura da mulher
A finalidade é fazer reconhecer que a mulher existe e atua na família, sociedade,
cidade, aldeia, na produção, consumo, no entretenimento e na educação-cultural.
Educar é saber formar a personalidade do homem de amanhã, em cada instante da
vida, dentro de uma sociedade que vai alterando constantemente, aprendendo todos esses
fatores da mutabilidade social, defendendo-se dos fatores adversos para a consecução de seu
fim.
37
37
AKAMA, A. Sobre a cultura da mulher. [s.n.t.].
Orientação filosófico-educacional A formação da identidade feminina
54
“A base dos conhecimentos compartilhados”
Figura 13
Data: 1974
Local: Av. Dr. Altino Arantes, 1098
Fotógrafo: não-identificado
Quantidade de fotos: indeterminada
Características: colorida
Tamanho original: 18X22 cm; brilhante
Armazenamento: avulso
Legenda (descrição): Michie Akama em sua biblioteca, seu local preferido da casa, onde
apreciava o seu “hobby” (como chamava) predileto, a leitura.
Orientação filosófico-educacional A formação da identidade feminina
55
Michie Akama nasceu no dia dezoito de setembro de 1903, na aldeia de
Kawasaki no distrito de Shibata, Província de Miyagui, ao nordeste do Japão.
Formada pela “Escola Técnica Feminina Watanabe” de Tokyo, atual “Faculdade
Doméstica de Tokyo”, em 1922. Diplomada em 1924 pela “Escola Normal
Municipal de Tokyo”, lecionou por cinco anos na antiga “Escola Profissional” na
cidade de Sendai, a atual “Universidade Mishima”. Imigrou ao Brasil em 1930,
acompanhando seu esposo Jiuji Akama
38
no navio “Montevideo Maru”.
Jiuji Akama, formado em Oceanografia pela “Universidade Imperial de
Hokkaido”, era professor da “Escola de Navio Mercante e Produção Marítima da
Província de Shimane” e que, ao tomar conhecimento pelo jornal “Kahoku-
Shimbum”, da cidade de Sendai, a respeito da prosperidade no desenvolvimento
da pesca marítima, resolveu imigrar para o Brasil. Não sabia, porém, que haviam
restrições aos estrangeiros quanto à exercer atividades ligadas à pesca, na
legislação brasileira. Trabalharam então, durante o primeiro ano no país, numa
fazenda de café, em Cafelândia.
Uma vez desfeito o sonho de Jiuji de se dedicar à pesca, mudam-se
para Registro, onde ele foi convidado para lecionar na Escola da colônia japonesa
local. Ao constatar a precariedade da situação das jovens que se dedicavam ao
trabalho duro, desde a madrugada até o anoitecer, sem possibilidade de receber
qualquer tipo de instrução, ou mesmo, um preparo para o matrimônio, decidem
criar uma escola de formação de moças. Para tanto, utilizam como modelo, a
Escola Mishima, de Sendai, onde Michie Akama havia lecionado antes de vir ao
Brasil. Os primeiros cursos tinham como ênfase principal o corte e costura,
prendas domésticas e a cultura japonesa.
Em São Paulo, Michie matriculou-se numa escola de corte e costura,
em fevereiro de 1932. Ela obteve a habilitação para magistério de ensino
profissionalizante, em setembro do mesmo ano. Um primeiro passo de ordem
38
O casamento com Jiuji Akama foi em 1928, portanto, dois anos antes da viagem ao Brasil.
Orientação filosófico-educacional A formação da identidade feminina
56
prática, até mesmo burocrática, para efetivar a viabilidade dos planos traçados no
campo educacional brasileiro. Uma titulação (mais até do que qualificação)
necessária para a regulamentação e funcionamento das atividades segundo as
vigências legais na época.
O “simples” curso de corte e costura (no sentido de comum, igual a
qualquer outro de mesma natureza) seria capaz de atrair o considerável número
(mais de cinco mil) de alunas para suas instalações? É certo que, a proposta
inicial foi ampliada e adaptada à demanda das necessidades da época, com
inclusão de outros cursos e disciplinas para as alunas do internato feminino.
Porém, a característica mais ampla de informações não garantia o diferencial
frente às outras escolas similares (internato feminino) compreendidas nesse
mesmo período histórico.
Entra então, uma nova pergunta. “O que” realmente tornava essa
escola um ícone na educação nipo-brasileira que era reconhecida como garantia
de boa formação na colônia nikkei? Imaginando, hipoteticamente, a situação de
um casal, japonês de origem, que pretende educar uma menina nascida no Brasil
(ou vinda ainda pequena), conhecem apenas os modelos de conduta japoneses e
encontram como opções uma escola local (Brasil) que ensina coisas locais e uma
escola (Akama gakuin
39
, como era conhecida) que ensina coisas para o local (bem
viver no Brasil), mas traz a vantagem de possuir alguns (ou vários) valores
japoneses embutidos. Se o casal valorizar sua cultura de origem, tende a optar
pela segunda.
O casal Akama, cônscio dessa lacuna educacional nos moldes
brasileiros, preocupa-se em suprir essa necessidade, sem um viés de
planejamento mercadológico técnico friamente pensado. Assim, estabelecem os
cursos, articulando-os segundo as experiências vividas por Michie, enquanto aluna,
39
Gakuin – Instituto Educacional
Orientação filosófico-educacional A formação da identidade feminina
57
e posteriormente professora, em escolas japonesas, adequando o ensino às
condições brasileiras.
Michie Akama oferece, ao mesmo tempo, uma educação duplamente
funcional. Formada no Japão, é detentora de um “capital simbólico”
40
que lhe
outorga uma bagagem cultural (étnica) que possibilita, de certa maneira, às alunas,
uma maior “aproximação” com sua ancestralidade, sua origem nipônica, até
mesmo, num sentido emocional. Ao mesmo tempo, disponibiliza possibilidades
funcionais dentro da realidade brasileira em que se encontra, por meio de uma
educação operacional.
Esse internato representa a oportunidade de permanência de um
caráter cultural japonês num ambiente completamente díspar e, preservando na
identidade feminina, uma transmissão de valores não apenas locais, mas também,
distantes. Desse modo, Michie Akama possuía atributos que a qualificavam no
meio educacional, conferindo-lhe um capital simbólico diferenciador, ou seja, era
japonesa de origem e educação, imigrou ao Brasil acompanhando o marido
pesquisador (modelo de boa esposa), professora diplomada que atuou
profissionalmente no Japão (qualificação no meio educacional reconhecida),
propunha um modelo educacional funcional no Brasil aliado à preservação de
valores de sua origem. Ei-la como um grande diferenciador atrativo frente às
outras escolas de mesma categoria (formação feminina).
Cabe lembrar que, a existência de uma proposta não resume a própria
vivência que as alunas tiveram no internato, pelo contrário. Para melhor
compreensão do que buscavam e obtiveram (ou não) no internato, faz-se
40
O capital simbólico é um valor agregado à uma coisa ou agente. Esse algo ou agente (no caso, o professor)
possui um valor que será tanto maior quanto mais capital simbólico for a ele agregado. Este capital funciona e
“age” num meio que podemos chamar de campo (digamos aqui, o campo educacional que envolve
educadores, educandos, pais de alunas). Isso não basta, é preciso ainda que esse valor agregado (a esse
professor) seja reconhecido pelos membros do mesmo campo. O agente (professor) terá maior poder de
influência num meio conforme o seu capital simbólico funcionar como um diferenciador dos demais agentes
do campo que, por sua vez, reconheçam a diferença. Quando isso acontece, ele pode deslocar as posições
dos outros agentes no campo, que passam também a atuar no mesmo, influenciando-o (a qualificação
profissional, por exemplo, pode ser uma forma de construção de um capital simbólico diferenciador).
Orientação filosófico-educacional A formação da identidade feminina
58
necessário um mergulho em suas memórias (imagens e reminiscências), na
permanência (ou não) dos valores japoneses em sua trajetória, o que será
realizado no capítulo três, em análise verbo-visual das cumplicidades existentes
entre texto e imagem, nas narrativas das ex-alunas do “São Paulo Saihou
Jogakuin”.
A orientação filosófico-educacional do internato foi apresentada
utilizando-se como fontes de pesquisa, os documentos e registros institucionais, a
ementa curricular do internato na época de sua instituição, os livros escritos pela
fundadora e
os periódicos da instituição.
Seu trabalho é amplamente
reconhecido por toda a sociedade brasileira.
2.3.1 Ayumi
O Boletim “AYUMI” foi um periódico interno do “São Paulo Saihou
Jogakuin” que vigorou desde 1952 (20 de dezembro data da publicação do
primeiro exemplar) a 1973 (15 de novembro exemplar de número 38). Por esses
boletins é possível acompanhar não apenas a história dessa instituição, mas
principalmente, os pensamentos e valores que norteavam os ensinamentos
ministrados. Tratam-se de textos redigidos não apenas por professores, mas, em
sua maioria, por alunas do internato.
O periódico traz vozes que narram a sua maneira de pensar, os sonhos
que buscam concretizar pela formação oferecida pelo internato, demonstrações de
orgulho por pertencer a uma elite privilegiada dentro da comunidade nipo-
brasileira que pode ter acesso a valores ligados a suas origens e que são
defendidos veementemente em sua concepção de sociedade e mundo. É possível
perceber, em muitas narrativas, a forte influência exercida pela educação
enquanto formadora de boas moças e boas cidadãs, acima de tudo.
Orientação filosófico-educacional A formação da identidade feminina
59
O espírito de gambarou (continue dando o seu melhor, não desista) é
marcante na cultura nipônica. É preciso trabalhar, lutar incessantemente e nunca
esmorecer em busca de seus ideais. Tão importante esse sentimento de força
independentemente das dificuldades que possam surgir que, logo na primeira
página de uma das primeiras edições do jornal, encontra-se em evidência o texto
com o titulo “Saber vencer”. Cabe ressaltar que a grafia nos textos selecionados
será a mesma do artigo original publicado no boletim, sem alterações e
atualizações, principalmente por remeter ao passado, com as regras ortográficas
vigentes na época.
2.3.2 A bibliografia de Michie Akama
Figura 14
Leitora assídua de
diversificada fonte literária, tinha
por hábito também, “confiar à
caneta”, dedicando-se à escrita
de seus próprios pensamentos e
metodologias educacionais para
formação feminina. Destas suas
publicações, foram selecionados
os temas mais pertinentes à
pesquisa para posterior tradução.
As traduções integrais dos títulos
escolhidos encontram-se nos
anexos 02.
Os quatro livros exigiram
dedicação maior por parte dos tradutores, por serem redigidos em ideogramas
pertencentes a um período anterior à Segunda Guerra Mundial. Após a Segunda
Guerra, a escrita sofreu uma reforma, conseqüentemente, uma parte considerável
Orientação filosófico-educacional A formação da identidade feminina
60
de ideogramas caiu em desuso, reduzindo além do número de kanji
41
, o número
de traços para alguns ideogramas, que tiveram sua escrita abreviada, simplificada.
A seguir, apenas uma breve apresentação destes escritos e o teor de seus
conteúdos que serão explanados ao longo da análise do terceiro capítulo de
maneira contextualizada.
“Burajiru seikatsu de no etiketto”
42
(“Etiqueta para viver bem no Brasil”)
explana os aspectos conceituais que tem como peça central a formação
pretendida pelo internato “São Paulo Saihou Jogakuin”. Foi o primeiro livro do
gênero na comunidade nipo-brasileira e trata de conceitos da fina etiqueta
japonesa (bem como da tradicional européia) adequando-os, ou melhor,
adaptando-os ao Brasil e seus modos, sua conduta. Dessa forma, encontram-se
detalhados itens tanto da cultura oriental (japonesa) como da ocidental.
Como elemento de relevância no sentido de “bem formar” as moças
para serem boas esposas (companheiras e futuras mães), o livro trata desde
assuntos relacionados ao momento de apresentação de uma pessoa até
comportamentos adequados em diferentes situações/ocasiões, seja num chá ou
num banquete. Coube nessa dissertação, traduzir da língua japonesa para a
portuguesa, alguns assuntos (entre eles, notadamente: apresentação, cerimoniais,
deveres domésticos, etc) mais intimamente ligados à temática, sem desmerecer
outros (anéis, cartas, bailes, banquetes, etc.) que serão apenas relacionados.
As traduções seguem, por sua vez, uma ordenação segundo o
interesse para a dissertação. Como um roteiro, pensando na ênfase do casamento,
partiu-se do momento da apresentação (ponto inicial para um possível
relacionamento) às questões relacionadas ao cerimonial e, posteriormente, uma
vez consumado o casamento, os saberes que uma mulher deve possuir frente à
condição de ‘mulher casada’, boa esposa, companheira e anfitriã.
41
Kanji - Ideograma japonês
42
AKAMA, Michie. “Burajiru seikatsu de no etiketto”. Tokyo: Teikoku Shoin, 1964.
Orientação filosófico-educacional A formação da identidade feminina
61
A autora enfatiza que, tanto as obrigações diárias do lar quanto as de
cunho social, o de grande importância para o âmbito familiar e de crescimento,
portanto, existem saberes que são indispensáveis para que as alunas estejam
‘prontas’ para desempenhar bem seu papel de esposa. Os capítulos do livro serão,
portanto, dispostos na seguinte ordenação: apresentação; casamento tradicional
japonês; tipos de casamento; cerimônia do chá; chá / festa (estilo ocidental:
tratando-se do bem viver no Brasil, é necessário o saber do costume ocidental
também); Ikebana (harmonia que é sempre presente no lar e nas principais
ocasiões); dever da dona de casa; preparação da mesa; culinária japonesa; visitas.
“Kouen no tabi”
43
(“Viagens de Conferências”)
traz os vários textos
referentes aos temas apresentados pela educadora Michie Akama em
palestras e conferências ministradas por todo o Brasil (tais
como: educação,
mulheres, papel da mãe, problemas familiares, tanka - forma japonesa de poesia,
entre outras)
.
Dentre os onze títulos que compõem a publicação, foram
selecionados apenas dois: “Palestra realizada por ocasião do II Seminário para
Senhoras” e “Palestra realizada no templo budista ‘Hompa Honganji’ sobre o tema
‘Situação da mãe’”.
Os livros “Katarigusa” e “Katarigusa o otte” trazem por meio de textos
redigidos por Michie Akama, suas “memórias”. São “pensamentos” que, como a
autora colocou, foram “confiados à caneta”. De seu vasto conhecimento de mundo,
registrou seus pontos de vista, seus pensamentos e reflexões a respeito dos
assuntos que permeavam seu quotidiano. Alguns deles foram escolhidos para a
edição dessas duas coletâneas.
Ao ser considerada uma grande educadora, Michie foi solicitada para
“dividir” seus conhecimentos sobre os mais diversificados assuntos em jornais
(Jornal Nippaku Mainiti, Jornal de Críticas, Jornal Paulista, São Paulo Shinbun), e
43
AKAMA, Michie. “Kouen no tabi”. São Paulo: Toppan Press, 1999.
Orientação filosófico-educacional A formação da identidade feminina
62
revistas (Revista da Colônia), bem como atuar, como conselheira, em situações
pertencentes ao universo feminino, aconselhando ouvintes de rádio (Rádio
Difusora), à qual prestava consultoria. Os assuntos variam desde práticas
quotidianas como ler, caminhar e se vestir, até temáticas mais pessoais, como o
comportamento e desembaraços ao lidar com questões sentimentais. Os temas
foram selecionados, para o foco desta pesquisa, em função das estreitas relações
com a formação da identidade feminina.
63
CAPÍTULO 03
64
HANDA, T. Sala de aula. original de arte, óleo sobre tela, 0,52 x 0,59 m. 1953.
Coleção particular. (referências do artista na página 124)
65
A alma é uma coleção de belos quadros adormecidos, os seus rostos envolvido pela
sombra. Sua beleza é triste e nostálgica porque, sendo moradores da alma, sonhos, eles
não existem do lado de fora. Vez por outra, entretanto, defrontamo-nos com um rosto (ou
será apenas uma voz, ou uma maneira de olhar, ou um jeito da mão...)que, sem razões, faz
a bela cena acordar. E somos possuídos pela certeza de que este rosto que os olhos
contemplam é o mesmo que, no quadro, está escondido pela sombra. O corpo estremece.
Está apaixonado.
Rubem Alves
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
67
CAPÍTULO 3
“Vivências e reminiscências”
Antonio Akama
Presidente da Fundação Instituto
Educacional D. Michie Akama
Legenda: O livro de registro de
matrícula das alunas de todos os
cursos do “São Paulo Saiho
Jogakuin”
Figura 15
3.1 As ex-alunas
No livro de matrículas do internato, cinco mil, duzentos e oitenta
registros de alunas. Após o livro estar devidamente organizado, formatamos um
arquivo onde consta seus nomes de solteiras, de casadas (aos quais tivemos
acesso), seu endereço (atualizado, quando possível), ano de formatura. As alunas
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
68
vindas de diversos pontos do país, eram, em sua maioria, da região metropolitana
de São Paulo e regiões do interior paulistano com grandes concentrações de nipo
descendentes e imigrantes japoneses, como é possível verificar pelo mapa abaixo
(Figura 16)
44
.
Figura 16
44
Versão ampliada em formato A3 ao final da dissertação.
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
69
Para a formação da rede de informantes, iniciamos o contato por
indicações de pessoas ligadas à instituição que conheciam alguma ex-aluna do
internato e tinham um referencial de endereço e telefone ainda válidos. O grupo de
depoentes, inicialmente formado por três representantes das ex-alunas do
internato “São Paulo SaihouJogakuin”, conseguiu no decorrer da pesquisa, ser
ampliado e, buscando na diversidade de trajetórias de vida, melhor qualidade
representativa na amostragem, ficou composto por: Takiko Ota, Sumiko Akiyoshi
Yamasaki, Rutsuko Mochizuki, Kazuco Sakiara Miyasaka, Kazuko Baba, Aiko
Fujita, Mayumi Yoshioka e Tyoko Shimano. Contamos ainda com as contribuições
de Kikuko Ogasawara (sobrinha da fundadora), de Tomoe Suzuki (irmã caçula de
Michie Akama, professora de corte e costura no estabelecimento), e Mine Uchida
(ex-aluna, também professora do internato, deixando o ofício ao contrair
matrimônio e constitutir família), por ocasião da reunião da comissão organizadora
do encontro de ex-alunas da escola, o dousoukai.
3.2 “Dousoukai”
45
“Aí fui ficando com elas e comecei a gostar, ambiente diferente, então
eu fiquei apegada a elas, às minhas amigas… até hoje somos amigas.”
(Tyoko)
Sobre o “dousoukai”, Sr. Antonio Akama, único filho do casal Jiuji e
Michie Akama, atual presidente da Fundação Akama, explica em entrevista:
Dousoukai é associação das alunas… “dou sou” quer dizer, dou” igual,
“sou” - janela, que tem a mesma janela. Significa, ou melhor, simboliza a
escola. Janela tem a simbologia de sala de aula. Alunos que estiveram na
mesma sala, na mesma janela. “Dousoukai” éSe for escrever, traduzir
ao pé da letra, seria isso: janelas iguais.
45
Dousoukai dou é “igual”, sou , “janela” e kai é associação. Seria uma espécie de associação de colegas
de turma, “alunos de mesma sala, mesma janela”.
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
70
Em setembro de 2007, ao entrevistar a depoente Mayumi Yoshioka,
tomou-se o conhecimento de uma reunião de “Dousoukai” a se realizar ainda no
mesmo mês. Essa reunião era um acontecimento anual de reencontro das ex-
alunas do “São Paulo Saihou Jogakuin” e que tinha seu momento reservado nas
agendas no mês de setembro, no final de semana (geralmente aos sábados) mais
próximo do aniversário da educadora Michie Akama, que completava anos no dia
dezoito. Estes encontros que se realizavam anualmente permitiam não apenas o
reencontro das ex-alunas com suas colegas de escola, mas principalmente, a
possibilidade de rever a mestra e compartilhar de seus conhecimentos.
“Kazuko Baba: Quem idealizou foi Akama-sensei. Ela convocou… foram
muitas ex-alunas… Eu me lembro muito bem, foi no dia do meu
aniversário, a primeira, nossa primeira reunião, então gravei muito essa
época. Era dia do meu aniversário a reunião… 15 de julho de
1984…Depois que virou no aniversário (da Akama-sensei) … No ano
seguinte… A formação foi em julho(a primeira reunião), que que eu
não sei como é que foi a indicação da Comissão… quem teria… não me
lembro…
Kikuko: Minha tia que teve a idéia e o Sato-sensei ajudou a organizar…
Kazuko Baba: […] e nessa primeira reunião é que houve a indicação da
Comissão que até hoje… (E assim, essa Comissão ficava encarregada
de reunir as outras ex-alunas?) Isso!... (que chegavam a ter umas
reuniões enormes lá… com cem pessoas, às vezes até mais!...)Kikuko:
Mais de cem!...”
Após o falecimento de Michie no ano de 2005, esse momento, que
chegava a reunir mais de cem pessoas (Figura 17)
na escola, deixou de existir.
Porém, a comissão organizadora do evento, com perseverança, mantém, ainda
hoje, duas datas anuais para promover um reencontro. Uma, no início do ano para
“renovar” as energias, como descreve Kikuko Ogasawara, e outra no mês de
setembro (Figura 18), um momento especial dedicado principalmente às
lembranças de uma época marcante de suas vidas, a vivência no internato e as
memórias da inesquecível Michie Akama.
Essa foi uma grande experiência que pude vivenciar em 2007 e na qual
brilharam verdadeiras “jóias” que passaram, desde então, a compartilhar suas
histórias em narrativas que serão posteriormente transcritas. A utilização da
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
71
conotação “jóia” é adequada nessa dissertação uma vez que a intenção é um
mergulho mais profundo na cultura japonesa. Para o japonês, o termo “jóia” é
utilizado seletivamente para se referir a alguma pessoa realmente especial, uma
“jóia” humana. Além da denominação, essas pessoas são consideradas e tratadas
como tal. Trata-se de um respeito e admiração dedicados a esse sábio, detentor
de um vasto conhecimento adquirido ao longo de seus brilhantes anos de
experiência.
Figura 17
Data: setembro de
1996
Local: ginásio de esportes da Fundação Instituto Educacional D. Michie Akama
Fotógrafo: não-identificado
Quantidade de fotos: indeterminada
Características: colorida
Tamanho original: 8,5 x 23 cm; papel brilhante
Armazenamento: avulso
Legenda: encontro das ex-alunas do Internato São Paulo Saihou Jogakuin com a
educadora Michie Akama
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
72
Figura 18
Data: setembro de 2007
Local: residência de Mine Uchida
Fotógrafo: não-identificado
Quantidade de fotos: indeterminada
Características: colorida
Tamanho original: 10X15 cm; papel brilhante
Armazenamento: avulso
Legenda (descrição): encontro Dousoukai na residência de Mine Uchida (presidente do
dousoukai”), que mantêm a data de aniversário de Michie Akama sempre viva como um
momento de renovação de laços e trocas de experiências em memória da educadora.
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
73
3.3 Suas imagens e histórias – companheiras inseparáveis
“O tempo perdido não pode ser recuperado.
Sua beleza só pode ser vivida como ausência: a beleza dói...
Magia é isto: invocar o que se foi,
mas que continua a nos habitar. Ou será poesia?”
Rubem Alves
Com as fotografias selecionadas pelas depoentes em seus álbuns
pessoais, buscamos o que marcou, em suas lembranças, a passagem pela
instituição, os ensinamentos e/ou acontecimentos ocorridos e, principalmente, qual
a relevância que tais fatos podem ter na formação de sua identidade feminina.
Um tempo para o coração. É importante lembrar que, ao tocar em
imagens e memórias de um tempo que se foi, estamos (re)colocando, no coração,
as lembranças que tocam, que emocionam. Para tanto, a sensibilidade para
perceber quando e como lidar com esses sentimentos requer, acima de tudo,
respeito por parte do pesquisador.
“Essa aqui é… essa turminha é quando eu logo saí de lá… eu fui para o Rio
Grande do Sul… tive menina… Tizuka elas mandaram uma roupinha de
nenê, sabe…essa…e acho que é essa turma… hmmm…” (Sumiko)
Por motivo de grande emoção e um choro preso na garganta da
depoente, decido parar a gravação e deixar a interação mais livre. Com a imagem
em mãos, ainda emocionada, mas bem mais descontraída, a depoente consegue
narrar a história que a fotografia contava. Tratava-se de uma de suas queridas
turmas do Akama gakuin, que por motivo do nascimento de sua primeira filha,
resolveram presenteá-la com roupinhas por elas confeccionadas, enviando-as
pelo correio, uma vez que, nessa época, Sumiko encontrava-se morando numa
cidade distante. Ela nunca mais pôde revê-las e não tendo um endereço para
onde responder, não conseguiu demonstrar sua gratidão pelo carinho dessa ação.
Queria muito ter agradecido por isso. Uma última observação: esta foi sua foto
preferida, desde o princípio da entrevista.
A organização das informantes, para a apresentação, seguiu a
ordenação do ano em que se diplomaram no internato.
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
74
Takiko Ota (formanda de 39)
Figura 19
Nascida em Izu,
Shizuoka-ken, Japão em
janeiro de 1922, filha de
Yasuji e Natsu Suzuki, foi
adotada em 1923 pelos tios
paternos Toyoichi e Tokuno
Suzuki.Freqüentou até o
segundo período da quinta
série no Japão e terminou o
Ensino sico (sexto ano da
escola japonesa) em Aliança,
interior de São Paulo. Chegou ao Brasil, em 1932, e casou-se com Hajime Ota
(de Maniwa-gun, Okayama-ken, Japão), em novembro de 1939. Antes de contrair
matrimônio, foi levada, pelo próprio noivo, à São Paulo, para o aprendizado de
corte, costura, culinária e ikebana (arranjo floral), residindo por três meses no
internato “São Paulo Saiho Jogakuin”. Sua vida escolar encerrou-se com o
casamento, aos dezessete anos de idade, quando passou a comandar uma
família numerosa, onde o cônjuge, sendo primogênito, residia com o pai (viúvo)
e seus três irmãos ainda solteiros. Viúva desde 1988, é mãe de seis filhos (Elza,
Suguko, Tomoko, Yassumassa, Luís Hirotoshi e Lúcia Yoshiko), avó de onze
netos e bisavó de três meninos (Vítor Hiroshi, Lucas Hideki e Henry Yuji). No
relato, a sua filha Tomoko Otta, não esquece de ressaltar que: “sua formação
familiar e o preparo que recebeu no ‘São Paulo Saihou Jogakuin’, são os pilares
mestres que lhe conferiram a segurança e a capacidade de decisão. Elementos
indispensáveis que muito lhe ajudaram a constituir uma família, em que os
principais valores são honestidade, garra, escolaridade, persistência,
competitividade, união e solidariedade”.
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
75
Figura 20
As três imagens, datadas de 1939,
foram realizadas no período em que
Michie Akama estava em viagem, no Japão.
Acima, com Jiuji Akama;
à esquerda, com uma amiga no portão da escola;
abaixo, com a professora Tomoe, irmã caçula de Michie.
Figura 21
Figura 22
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
76
Sumiko Akiyoshi Yamasaki (formanda de 45)
Figura 23
Os pais de Sumiko vieram ao Brasil
em 1908 e foram trabalhar na
Fazenda Santa Rosa, nas
proximidades de Ribeirão Preto. A
mãe de Sumiko, Titoe, viúva de
Minoru Akiyoshi, casou-se, pela
segunda vez, com Shimekiti Nishi e a
família se mudou para Mairiporã.
Sumiko, ao casar-se com Toshio
Yamasaki, mudou-se para Porto
Alegre, Rio Grande do Sul, onde
nasceu sua primeira filha, Tizuka.
Mudando-se para Atibaia, em 1950, a
família passa a trabalhar na Fazenda
São João com o cultivo de batatas e
grande variedade de frutas. Apesar de
terem se tornado proprietários da Fazenda São João, a comercialização de
produtos foi deixada de lado por falta de compradores. O esposo de Sumiko viajou
ao Japão, em 1953, e faleceu pouco tempo depois. Em 1957, viúva, Sumiko
inaugura a “Escola de Corte e Costura São João”, muito importante nas décadas
de 50, 60 e 70. O fato de ser formada pelo “São Paulo Saiho Jogakuin”, um
“símbolo de elitecomo era considerado, contribuiu grandemente para o sucesso
da escola. Apesar de ter fechado sua escola nos anos setenta, ainda recebe
algumas alunas em sua residência. A sua filha Yurika que aprendeu o ofício de
corte e costura, se especializou em figurinos, tornando-se, posteriormente,
Diretora de Arte de uma das mais importantes emissoras de televisão, e esta é
mãe de Lissa e Pedro. A sua filha Tizuka Yamasaki, destacou-se como cineasta,
além de lhe dar mais três netos: Elia, Naina e Fábio.
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
77
Figura 24
Sumiko com as alunas
que lhe presentearam com roupas de
bebê pelo nascimento de sua filha
Tizuka
Figura 25
Lembrança do tempo
em que foi professora do
Internato São Paulo Saiho
Jogakuin
Sentada junto ao corpo docente,
tem ao fundo, as alunas
Figura 26
Sumiko relembra os
momentos de responsabilidade
divididos com suas
“colegas” de profissão
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
78
Rutsuko Mochizuki
Figura 27
(formanda de 47)
Nascida em dez de
setembro de 1928,
Hokkaido - Japão, imigrou
ao Brasil com seus pais
Soosaku (Shizuoka) e Mura
Mochizuki (Hokkaido) em
janeiro de 1933, ou seja,
aos quatro anos e meio de
idade. Concluiu o Jogaku-bu
no internato “São Paulo
Saiho Jogakuin” em 1947,
retornando à Campinas,
interior de São Paulo, onde
residiu com seus familiares.
Retomando os estudos,
formou-se em língua
portuguesa (Letras) em 1967 e, posteriormente em língua japonesa, 1970, ambas
pela Universidade de São Paulo. Aprovada em concurso público em 1977, atuou
como professora da rede estadual por vinte e cinco anos, aposentando-se. Nesse
ínterim, sempre em constante crescimento e aperfeiçoamento intelectual, concluiu
graduação em Pedagogia (1974), Habilitação em Administração Escolar (1980) e
Supervisão Educacional de Primeiro e Segundo Graus (1980). No campo
profissional, trabalhou também para as empresas Nikkatsu, Shotsiko, Doyei e
Toho, legendando filmes, de 1964 a 1988. Em 1998, colaborou na compilação do
Dicionário Japonês/Português organizado por Padre Jaime Coelho.
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
79
Figura 28
MARUBENI jantar de
confraternização com o
Diretor Sr. Tsuneo Hoshino
e senhora, nos anos 60
Figura 29
Com aluna do
Redator Auxiliar da
EEPSG “Padre Anchieta”, onde
lecionou no Magistério e no
Colegial
Figura 30
O restante do grupo
do Redator Auxiliar,
em visita à uma empresa jornalística
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
80
Kazuco Sakiara Miyasaka (formanda de 48)
Figura 31
Kazuco Sakiara Miyasaka é filha de
imigrantes japoneses que chegaram
ao Brasil, em 1922. A família foi
residir no Triângulo Mineiro, onde
nasceu e viveu até os seis anos de
idade. Permaneceu como aluna
interna do “São Paulo Saihou
Jogakuin”, de 1946 a 1948, onde
dividia o dormitório com sua “amiga
do sótão”, uma forma carinhosa de
tratar Toshiko Nakagawa. Na condição de aluna, em regime interno, tinha a
possibilidade de participar de muitas atividades disponíveis, entretanto, nunca
deixou de lembrar, como as mais marcantes, os cursos de corte e costura,
bordado e desenho com o inesquecível professor Tomoo Handa. Concluiu o curso
de dietista na Escola Industrial Carlos de Campos, em 1948. A sua graduação
como nutricionista, foi na Faculdade de Higiene e Saúde Pública na Universidade
de São Paulo, concluída, em 1951. Profissionalmente, atuou por trinta anos (1954-
1984) no Centro de Aprendizado Doméstico do Serviço Social do SESI.
Paralelamente, trabalhou na Faculdade de Serviço Social, Maternidade de
Campinas e Hospital Psiquiátrico Luiz Sayão-Araias. Em 1954, foi convidada a
colaborar com o 4H
46
. Um dos seus trabalhos de maior destaque foi a publicação
de: “A soja na minha vida: com 61 receitas culinárias de soja”, em 2004. O que
muito a ajudou, neste projeto, foi o fato de estar casada com o engenheiro
agrônomo Shiro Miyasaka, especialista em cultura de soja. Ela orgulha-se muito
de seus cinco filhos, onze netos e um bisneto.
46
4H (head, heart, hand e health cabeça, coração, mão e saúde), direcionado para a formação de líderes
rurais, organizando os cursos de arte culinária, nutrição e execução de cardápios. clubes formados por
comunidades de jovens, voltados às questões ambientais, que discutem assuntos relacionados à liderança,
cidadania e competências de vida.
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
81
Figura 32
Reunião em família
para a comemoração do
aniversário de 80 anos
de seu esposo,
Shiro Miyasaka
Figura 33
Casamento realizado
no dia 18/02/1955
na região do Paraíso
em São Paulo
O “quartinho do sótão”
que compartilhou com
a amiga Toshiko Nakagawa
Figura 34
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
82
Kazuko Baba (formanda de 49)
Figura 35
Nasceu em São Paulo, em 15 de julho
de 1929, filha dos imigrantes Matazo
Baba (Osaka, Japão 1925) e Rito Baba
(Tokyo, Japão 1926). Estudou na
escola “São Paulo Saihou Jogakuinpor
três anos (de 1946 a 1949) para concluir
o Jogaku-bu (equivalente ao curso
ginasial do Japão), primeiro ciclo de
escolarização. Ela trabalhou na
tesouraria da escola e estudou na
instituição, onde adquiriu gosto pelas
questões administrativas e financeiras.
Em 1949, foi para a escola “Álvares
Penteado”, onde concluiu o curso
Técnico em Contabilidade, em 1951.
Após participar de um concurso público, muito concorrido, tanto na prova teórica
como na prática, testando suas habilidades (em português, matemática, geografia,
história, geometria e datilografia), foi aprovada com excelente classificação, dentre
os mais de mil postulantes ao cargo a uma das vagas na Caixa Econômica
Federal. Ela iniciou sua carreira nesta prestigiada instituição financeira, em
fevereiro de 1951. Em função de sua atividade profissional iniciar-se, às onze e
meia da manhã, possibilitou-lhe aproveitar o horário matutino para fazer um curso
de Grafotecnia (conferente de firmas), na Escola de Polícia. Este curso somando-
se a outras atividades desenvolvidas, consolidaram o seu diferencial. Por seu
profissionalismo e dedicação ímpar, tornou-se a primeira gerente nissei da Caixa
Econômica Federal em 1967, empresa em que trabalhou até a sua aposentadoria,
em 1982. Trabalhou voluntariamente por dez anos na Rede Feminina de Combate
ao Câncer, presidida pela Sra. Carmem Annes Dias Prudente.
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
83
Figura 36
Formatura do Curso
Técnico de Contabilidade
pela Fundação
Escola de Comércio
Álvares Penteado
FECAP
Figura 37
Sra. Nancy, esposa do Dr. Antonio
Mastrocola – vice-presidente da
Caixa Econômica Federal, e
Kazuko Baba,desatando a fita
inaugural da Agência Boqueirão-
Santos
Figura 38
Em sua mesa na
Caixa Econômica Federal
Figura 39
Voluntária da Rede Feminina de
Combate ao Câncer, promovendo um
bazar em prol do Hospital do Câncer
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
84
Aiko (Tabata) Fujita (formanda de 51)
Figura 40
Nasceu em treze
de julho de 1929, em
Ribeirão Preto, interior
de São Paulo. Filha
primogênita do casal de
imigrantes japoneses
Jokichi e Shinae Tabata,
cursou o internato por
seis anos (de 1945 a
1951), dos quinze aos
vinte e um anos de idade,
quando diplomou-se tanto no curso de corte e costura quanto no Jogaku-bu.
Formada, retornou para Londrina (Paraná) onde residia com seus familiares. Já
em 1951 inicia-se na alta costura, confeccionando principalmente vestidos de
noivas. Devido ao aprendizado adquirido na instituição, apresentava pronúncia e
escrita no idioma japonês de forma fluente e culta, casando-se com Shigeru Fujita
e constituindo uma família com três filhos engenheiros formados pela
Universidade de São Paulo e três netas. Todos falam e escrevem o idioma
japonês fluentemente, algo que Aiko descreve com muito orgulho.
Profissionalmente, sempre teve seu espaço reservado em uma sala em sua
própria casa para dedicar-se ao corte e costura e receber suas clientes. Adquiriu
um imóvel comercial na década de 80, onde instalou seu próprio ateliê de alta
costura em São Bernardo do Campo, no qual permanece trabalhando até os dias
atuais.
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
85
Figura 41
Época em que Aiko,
a terceira aluna em pé,
cursou o Corte e Costura
com a sensei
Sumiko Akiyoshi
Figura 42
encontro “Dousoukai” por
ocasião do aniversário da
mentora Michie Akama em sua
própria residência em 2004, um
dos últimos encontros com a
presença de Michie Akama
Figura 43
Reencontro de Aiko
com a ex-professora
Sumiko Akiyoshi,
no dousoukai promovido
em 2007
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
86
Mayumi Mizikami (formanda de 51)
Figura 44
Mayumi Mizikami é filha de imigrantes
japoneses e casada com Nobuo
Mizikami, com quem constituiu família
com quatro filhos (Eliza, Roberto,
Celina e Otávio). Hoje, é avó de
quatro netos (Maurício, nica,
Leonardo e Diego). Após freqüentar
os diversos cursos disponíveis,
enquanto trabalhava na cozinha da
escola, foi aprovada no concurso
para professor de ngua japonesa do
Estado de São Paulo e, sempre
incentivada pela educadora Michie
Akama, foi convidada para lecionar
na Colônia Japonesa Paineiras. Em
1953, após concluir o curso de Culinária, em meados de abril, foi ministrar aulas
em Clementina, SP. Ali permaneceu por três anos onde pôde contribuir ativamente
com uma associação de moças. Após o casamento, dedicou-se plenamente ao
papel de mãe e esposa, utilizando todos os conhecimentos adquiridos no internato
em sua prática diária. Hoje pode traçar vários paralelos sobre a importância dos
ensinamentos de economia doméstica (ajudando a “construir um lar”, uma vez que,
em suas palavras, “começaram a vida de casal sem nada, nadacomeçaram na
estaca zero!”). O que aprendeu em corte, costura e bordado foi de grande
valia(costurou todas as roupas de seus filhos), em culinária e conservas (soube
evitar o desperdício), em música e conhecimentos gerais (sempre necessários e
presentes em seu papel social), os conceitos também foram eficientes. É uma
professora muito querida, sempre lembrada e convidada a participar de encontros
com os ex-alunos de Clementina.
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
87
Figura 45
Aula de ginástica orientada
pela professora Kimura,
todas as manhãs,
no terreno preparado pelas
próprias alunas
Figura 46
Recepção organizada em
Birigui para comemorar a
visita de Michie Akama,
que viajava pelo Brasil
encontrando as ex-alunas
praticando Takuhatsu,
recolhendo donativos para a
construção da sede própria
Figura 47
Recepção preparada
pelos
ex-alunos de Clementina,
para homenagear a
professora
querida, Mayumi Yoshioka
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
88
Tyoko Shimano (formanda de 51)
Figura 48
Tyoko Shimano, nascida em
Yamagata, chegou ao Brasil em
1938, com apenas três anos de
idade. É filha do professor
Hayasi (que permaneceu na
escola de Michie Akama por
aproximadamente vinte anos),
freqüentou quase todos os
cursos oferecidos na escola,
com exceção de algumas
disciplinas regulares do Liceu
Pasteur. O curso de japonês era a prioridade exigida pelo pai, Hayasi-sensei, que
fazia questão da fluência no idioma de origem. Devido ao bom conhecimento da
língua e costumes japoneses, foi convidada à trabalhar em pesquisas por ocasião
do Cinqüentenário da Imigração Japonesa no Brasil pelo professor Teiiti Suzuki,
fundador do Instituto de Cultura Japonesa (línguas orientais) da Universidade de
São Paulo. Em função das pesquisas para o Cinqüentenário, conheceu o esposo,
zootecnista formado no Japão e que havia imigrado com o sonho de ser
fazendeiro pecuarista no Brasil. Tyoko desenvolveu um trabalho acadêmico sobre
o Urbanismo em São Paulo com o professor de pesquisas sociais Frank Goldman.
De 1960 a 1962, atuou como orientadora dos programas agrícolas de jovens
rurais (4H - head, heart, hand e health cabeça, coração, mão e saúde,
respectivamente). Após o casamento e o nascimentos dos filhos passa a dedicar o
seu tempo para a criação e educação dos mesmos. Em 1965, iniciou o
aprendizado no estilo Koguetsu-ryu de ikebana com a professora Fujiwara. Em
1987, partiu para o estilo Ikenobo com a professora Mine Uchida. Atualmente,
dedica-se à função de professora desta arte de arranjos e é a presidenta da
Associação de Arte Floral Ikenobo.
Vivências e reminiscências A formação da identidade feminina
89
Figura 49 Figura 50
Os passeios para estudo do meio são lembrados carinhosamente, “as belas palmeiras imperiais”
Promoviam a integração entre as alunas dos diversos cursos e criavam laços afetivos por toda vida
Figura 51
O álbum A formação da identidade feminina
91
3.4 “O álbum
Esse item surgiu após o “aquecimento” dos encontros com as
depoentes. Inicialmente, atendendo às solicitações de resgatar fotografias de seu
afeto, traziam em mãos, três ou quatro imagens escolhidas entre seus pertences
pessoais. Algumas, recuperadas de um lugar especial de seu armário, outras, de
suas gavetas de objetos preciosos, aqueles que jamais podem ser perdidos.
Eram estas as primeiras imagens a serem compartilhadas, juntamente com suas
histórias, que “saltavam” do papel. Num segundo momento porém, ofereciam um
outro material imagético, mais denso e organizado, “o álbum”. O álbum recebe
esta ênfase na grafia por não ser apenas o “livro de folhas de cartolina ou de papel
grosso, por vezes luxuosamente encadernado, próprio para colagem de
fotografias (…)” como descreve o dicionário Houaiss
47
, mas sim, O álbum do
internato. O que contém então esse tão sistematizado álbum?
A primeira vez que um deles apareceu foi no encontro inicial com
Mayumi Yoshioka. Esta entrevista, sendo a primeira de uma série, foi um
momento de apresentação, não apenas da proposta do projeto, mas
principalmente, da própria entrevistada e sua trajetória de vida. Apesar de serem
tecidos alguns percursos fotográficos nesse dia, para não prolongar demais a
entrevista que passava das duas horas de gravação, o que podia tornar
exaustivo o momento, deixou-se um maior aprofundamento no material imagético
para um novo encontro. No segundo encontro, com todos mais íntimos e à
vontade, as fotografias ganharam voz e tornaram-se as protagonistas da cena.
Após as fotografias favoritas de Mayumi “pensarem”, surge imponente, ele, o
álbum. Era ele quem queria falar agora por meio da depoente, queria contar a sua
história. É Mayumi quem toma o álbum em suas mãos, acariciando-o enquanto
folheia suas páginas. Tomada pela emoção, mergulha no álbum e nas lembranças
de um tempo distante que, por hora, ressurge vibrante, vivo. o salas de aula,
47
HOUAISS, Antonio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Instituto Antonio Houaiss de
Lexicografia, 2001.
O álbum A formação da identidade feminina
92
senseis, passeios e memórias, divertidas na sua maioria. Sensivelmente percorre
todas as imagens do álbum, uma a uma. Todas têm a sua importância e
significação e a sua montagem seqüencial sugere um roteiro que não pretende ser
interrompido.
Novo encontro, o segundo, agora com outra depoente, Tyoko. Após
descrever as suas fotos previamente eleitas e apresentadas no primeiro
encontro, retira de seus pertences um material “novo” para a conversa… Ele, O
Álbum. Novamente ele ganha a cena, disposto a brilhar. Como Mayumi, Tyoko
debruça-se sobre o material disposta a percorrê-lo, levando os ouvintes a viajar
com ela pelas lembranças e tentar compreender melhor o funcionamento da
escola pelas histórias que “saltam” de cada imagem.
Por meio de suas memórias faz um convite aos espectadores
silenciosos a penetrar no quotidiano vivenciado pelas alunas no internato, sejam
pelos passeios, sejam pelas aulas em sala, pelos momentos de lazer e de trabalho.
São fotografias que trazem histórias, reminiscências que buscam as imagens, num
harmonioso “passeio” pela formação de uma identidade feminina.
Figura 52
O álbum A formação da identidade feminina
93
Esse reaparecimento do álbum leva a alguns questionamentos. Qual a
sua importância? Quem o “construiu”? Quantos álbuns existem e se exibem pelas
mãos de ex-alunas?
Uma descrição. Capa-dura em tom verde-escuro, vinte e quatro
centímetros e meio de altura por trinta e três centímetros e meio de largura, com
inscrições em dourado: o logotipo da escola; um título: Escola de Corte e Costura
Vergueiro São Paulo; San Pauro Saihou Jogakuin (em ideogramas japoneses).
Dentro a inscrição: Graduandos de 1951. As fotografias, elaboradas por um
fotógrafo profissional contratado, seguem uma seqüência padrão em todos os
álbuns montados provavelmente pela própria instituição. Das vinte e cinco folhas
(utilizadas em frente e verso), as quatro últimas o as que diferem de um álbum
para outro, tendo sido deixadas livres para as escolhas pessoais de cada aluna.
As imagens eleitas para a montagem “padrão” da instituição
apresentam algo que transcende o espaço físico da escola, pois buscam, em sua
construção, abordar o aspecto filosófico e conceitual das disciplinas, cursos e
quotidiano das alunas. A montagem não foi atribuída à uma autoria identificada,
porém segue alguns padrões similares aos da escola de origem da fundadora. A
quantidade de álbuns produzidos também permanece indefinida, mas todos os
encontrados datam do ano de 1951. Talvez o único ano de sua produção.
Percorrer o discurso imagético proposto pelo álbum, em consonância
com os depoimentos orais oferecidos pelas ex-alunas na atualidade, com os
artigos das alunas enquanto internas para o Boletim Ayumi e com os escritos
(livros da mentora Michie Akama), juntamente com a ementa proposta
informalmente pela escola, possibilitará a melhor compreensão destes valores que
permeavam o funcionamento do internato e lhe garantiam grande reconhecimento
junto à colônia nipo-brasileira.
O álbum A formação da identidade feminina
94
Estabelecemos para tanto, três diferentes níveis
48
de relação entre a
imagem e a palavra:
a. a relação explícita com a legenda e informações
catalográficas, direta e objetiva, numa leitura mais burocrática;
b. a relação entre a imagem e os textos selecionados, onde
ambos fazem parte de um discurso construído ao longo do tempo, por arquivos,
registros e publicações que pretendiam dar conta de uma “identidade” dessa
instituição e de seu papel social;
c. a relação entre as imagens e os relatos orais colhidos ao
longo da pesquisa, onde a palavra existe como performance, repleta de
sentimento e visualidade, com pausas, alternância de tom e até mesmo, de língua,
pertencendo a uma memória individual, e não, uma memória oficial da instituição.
48
Esses três níveis em meu trabalho, foram generosamente identificados pelo Professor Doutor Ronaldo
Entler, coordenador da mesa em que participamos por ocasião do I Seminário Imagem e Pensamento,
ocorrido entre os dias 28 e 30 de maio de 2008, evento promovido pelo GRIP - Grupo de Reflexão Imagem e
Pensamento (coordenado pelo Prof. Dr. Etienne Samain, Departamento de Multimeios do Instituto de
Artes/UNICAMP) , numa parceria UNICAMP-SESC.
O álbum A formação da identidade feminina
95
Para percorrer este roteiro fotográfico proposto pelo álbum contaremos
com as devidas referências, comuns a todas as fotos:
Data: 1951
Fotógrafo: profissional contratado do “Foto Studio Líder”
Quantidade de fotos: indeterminada
Características: preto e branco
Armazenamento: álbuns particulares de ex-alunas do internato “São
Paulo Saihou Jogakuin”
O que as diferem é o tamanho original e a legenda colocada logo após
cada imagem, em caracteres japoneses, devidamente traduzidos para essa
análise. Por esse motivo, serão as únicas informações apresentadas junto às
fotografias.
O álbum A formação da identidade feminina
96
A sede da escola mudou de endereço várias vezes, sendo que, o mais
marcante foi o da Rua Vergueiro, 2625, Vila Mariana em São Paulo. Não apenas
para a escola, como também na vida das ex-alunas. Neste local, o internato
permaneceu por quase trinta anos, onde viveu o período de mais intensa atividade,
chegando a possuir cento e setenta e uma alunas.
A fachada mostra uma arquitetura exuberante e imponente, logo na
primeira fotografia do álbum das ex-alunas. A mesma imagem mereceu uma
representação pictórica de um dos mais famosos artistas plásticos da colônia
japonesa no Brasil, Tomoo Handa, que também fez parte do corpo docente do
internato. A edificação se exibe como uma fortaleza, com árvores frondosas à
frente, estruturas e paredes resistentes, um ar misterioso de impenetrabilidade
que se impõe aos olhos que o observam de baixo para cima.
Por trás da marcante presença imposta por esse imenso sobrado existe
uma história. O local onde se situava era bastante conhecido, na época, por ter,
em seu passado, servido como “parada dos tropeiros”. Os cavalos que voltavam
da baixada santista, pelo Caminho do Mar, paravam ali para descansar e beber
água. Com o decorrer do tempo e mudanças no cenário por conta da evolução e
novos planejamentos arquitetônicos, passou a existir no lugar do bebedouro, uma
imensa árvore.
Ao fundo, o sobrado onde passou a funcionar um internato, o “São
Paulo Saihou Jogakuin”. Atualmente, não existe mais a árvore, não existe mais o
sobrado. Tudo foi demolido. No lugar, um prédio de apartamentos numa
“excelente localização”, como descrito comercialmente, ao lado da estação de
metrô Ana Rosa. Em lugar do casarão que ali existia, ficaram apenas as histórias
e, felizmente, os registros imagéticos. Esse ícone faz-se presente em inúmeras
reproduções que sobrevivem, resistentes e intactas, como a “primeira imagem
dos incontáveis álbuns distribuídos pelos lares das ex-alunas do internato.
O álbum A formação da identidade feminina
97
22,5 x 17cm Figura 53
Fachada
O álbum A formação da identidade feminina
98
Duas fotos, duas personalidades. Mãe e filho, uma dupla que edifica,
em sua cumplicidade e parceria, uma instituição que marca as trajetórias de vida
de uma geração de mulheres consideradas “a elite feminina” na colônia nipo-
brasileira. Acima da foto, o cargo ocupado: Diretora Superintendente. Abaixo, o
nome: Michie Akama. O mesmo acontece com a foto ao lado: Diretor; Antonio
Akama.
Viúva aos trinta e seis anos de idade, teve em seu único filho, Antonio,
o maior e melhor companheiro. Mais que isso, encontrou nele a motivação e força
para perseverar sua luta e ideal. Com a intenção de oferecer-lhe a fina educação
japonesa, viajou ao Japão, em 1939, onde o matriculou na escola em Tokyo. Por
ocasião do falecimento do esposo Jiuji, regressou imediatamente ao Brasil,
trazendo consigo seu primogênito. A alternativa então, era procurar por algo
similar e que pudesse trazer a formação pretendida ao filho aqui mesmo no país.
Michie podia ter abandonado tudo e permanecer com sua família, uma vez que
estava no seu país de origem, porém, seu senso de responsabilidade e respeito,
não permitiram deixar seu ideal e suas alunas, que tanto confiavam em sua
pessoa, sem a sua orientação. Em sua imagem, em seu olhar, a força e
determinação é algo realmente notável.
Antonio Akama, de seu lado, encontrou em Michie, não apenas a e,
mas principalmente, a mestra. Ele freqüentou o Colégio São Francisco, onde além
da grade curricular de ensino regular, praticava os estudos em japonês. Com
fluência nos dois idiomas, português e japonês, teve seus valores regrados pela
rígida educadora. Como o “braço direito” de Michie Akama, seguiu seus estudos
paralelamente às responsabilidades junto ao internato. Formou-se arquiteto, com
amplos conhecimentos artísticos, musicais, morais e ambientais. Seu retrato
expõe uma imagem bastante jovem, porém, mostra os traços do
amadurecimento, a responsabilidade que se firma em seu caráter. O cabelo bem
cortado, a parafina que mantém os fios sem possibilidade de rebeldia, o terno
alinhado. Jovem e sério, o diretor.
O álbum A formação da identidade feminina
99
Figura 54
Diretora Superintendente
Michie Akama
Tamanho original: 14,5 x 9,5cm
Diretor
Antonio Akama
Figura 55
O álbum A formação da identidade feminina
100
O Hino
Letra: Bansui Doi
Música: Kanichi Shimosa
Bansui Doi foi um poeta muito famoso de Sendai Japão. Escreveu o
hino para a escola, no ano de 1939, após o encontro com a educadora Michie
Akama, em sua viagem ao Japão. Kanichi Shimosa, professor na Faculdade de
Música, fez a musicalização do hino. Sempre presente em ocasiões especiais, o
hino eterniza a memória e renova as emoções de alunos e ex-alunos da instituição.
Exibido, logo no início do álbum, sacraliza, de certa forma, as intenções
de glória e louvor para as quais foram compostas suas estrofes. Em sentido
figurado, hino significa “louvor, elogio, canto ou poema lírico que é a expressão de
alegria, de entusiasmo, ao celebrar alguém ou algo”. Por essas definições é
possível perceber a importância dada a esse movimento de louvação e, portanto,
seu posicionamento de destaque na construção do álbum.
A seguir, a retomada de um texto do momento de elaboração do hino
da escola junto ao poeta Bansui Doi, descritos por Michie Akama como “uma das
nove histórias que mais marcaram e continuam em nossa (sua) memória” :
Qual a sua motivação ao administrar a instituição? Assim como um aluno
diante do examinador, fiquei um pouco atrapalhada diante da repentina
pergunta. Ainda me vem à mente a cena do professor magro,
aparentemente de temperamento nervoso me olhando daquela forma por
cima dos óculos. Parece que foi ontem que lhe respondia e, às vezes, até
com uma conversa mais informal, usando muitos e variados documentos
de consulta que davam uma idéia da minha motivação em fundar a
escola, a política educacional, o clima de São Paulo, meus ideais como
imigrante, religião… (…) Considerando o valor artístico de nosso hino
escolar, à parte, a verdade é que este hino composto pelo professor
Bansui, um poeta não só da Ásia, mas conhecido como um poeta do
mundo, ficará para sempre em nossa escola e para sempre será cantado
apesar da morte do professor. A vida é curta, mas a arte perdura”.
49
49
AKAMA, Michie. Visita á Bansui Doi. In: Katarigusa o otte. São Paulo: Toppan Press, 1995.
O álbum A formação da identidade feminina
101
Tamanho original: 15 x 4,5 cm Figura 56
Tamanho original: 16 x 11,5 cm Figura 57
O álbum A formação da identidade feminina
103
HINO DA SÃO PAULO SAIHOU JOGAKUIN
LETRA DE BANSUI DOI
MÚSICA DE KAN-ITI SHIMOOSA
1 2
TOOKAI TOOKI OO YAMATO SEI NARU BI NARU SAN PAULO
O Japão ao longe, do mar do leste Neste São Paulo belo e sagrado
KUNI NO TOOTOKI TAMASHII O SONO NA O OERU JOGAKUIN
Alma nobre do país A escola que leva este nome
KOKO NAMBEI NO SORA NO MOTO YAMATO NADESHIKO IRO MO KA MO
Debaixo do céu da América do Sul O espírito japonês em todos os sentidos
(cor e aroma)
UTSUSHI UETARU SAN PAULO SUGURE IMIJIKU SAKAEYO TO
Plantaremos e mandaremos para São Paulo Trabalhe e progrida
SEI NARU BI NARU SAN PAULO OSHIE HAGUKUMU JOGAKUIN
Neste São Paulo belo e sagrado Esta escola que não mede esforços
3 4
SONO GAKUIN NI ASAYUU NI TOOKAI OYOBI NAMBEI WO
Da manhã ao entardecer O mar leste e a América do Sul
MANABU YAMATO NO TANE NO KOYO MUSUBU MUKEI NO AI NO TSUNA
Descendentes japoneses se esforcem Unidos por uma corda de amor invisível
KURENAI SOMURU HOHO NO IRO DAINI NIHON O UTSUSHI EU
Enrubescendo a face Mudaremos e plantaremos o 2º Japão
AKAKI KOKORO NO HITOSUJI NI KOKO BURAJIRU O SAKAESHIMURU
E o coração em sintonia (linha reta) Fazer o Brasil prosperar
NOZOMI YUTAKA NI AA HAGUEME SHIMEI OMOITE AA FURUE
Estudem com bastante esperança Missão que nos deixa tremer de emoção
O álbum A formação da identidade feminina
104
A equipe responsável pelo bom funcionamento do estabelecimento
educacional. Atenção especial à posição central ocupada por Michie Akama,
ladeada por quatro homens à sua direita, e quatro mulheres à sua esquerda. Nos
cantos superiores, esquerdo e direito, os professores que, mesmo não estando
presentes no momento do registro, são apresentados no “documento” impresso.
Destacado à esquerda superior: Tsune Ishii
Fileira superior, em pé, da esquerda para a direita: Tomiko Kimura / Ayako Mori /
Seiko Ikawa / Hisako Okawa / Alice Suguiyama / Tomoko Narita / Takeno Araki
Destacado à esquerda superior: Tomoo Handa
Fileira intermediária, em pé, da esquerda para a direita: Shunjiro Sato / Tamotsu
Komoda / Antonio Akama / Vitoria Sugaya / Takako Kimura / n.i. / Satoko Akiyama
/ Kikue Yamanaka Shiro
Fileira inferior, sentados, da esquerda para a direita: Go Sugaya / So Yamamura /
Koiti Sato / Shigeo Hayashi / Michie Akama / Tomoe Suzuki / Kiyoshi Hamada /
Kimi Wakamatsu / Riguiko Kikuti
O posicionamento das pessoas foi aleatório, ou procura reproduzir
algum modelo previamente formatado? As posturas corporais rigidamente
estabelecidas são simples coincidências, ou pertencem a uma memória
inconsciente fixada em suas origens? Em meio aos seus pertences, encontro uma
foto da escola onde lecionou no Japão.
Homens com as mãos apoiadas nas
pernas, à esquerda. Mulheres, mãos
sobrepostas e apoiadas no colo, à direita.
Um professor destaca-se em
posicionamento central na primeira fileira,
em trajes escuros. Uma fileira especial,
sentada, demonstra a importância na
hierarquia profissional.
Figura 58
O álbum A formação da identidade feminina
105
22,5 x 17cm Figura 59
Todos os funcionários
O álbum A formação da identidade feminina
106
Um convite aos ambientes internos da escola.
O portão é visto de dentro. Visualizam-se cinco alunas que entram
felizes e conversando, pelo jardim do internato. Uma traz livros, outras, alguns
objetos que lembram panos. Ao mostrar a entrada das alunas, um convite ao leitor
para entrar, juntamente com elas, no mundo de conhecimentos a serem
apreendidos no quotidiano da escola. Às costas das alunas, o portão fechado. É a
travessia que possibilita a mudança em suas vidas. É esse mundo “de dentro” que
as qualifica e as diferencia das pessoas “de fora”, conferindo-lhes a ascensão
cultural à posição de “elite” na colônia nipo-brasileira.
Ao passear pela fotografia, vemos, à esquerda, junto às árvores, uma
placa. Provavelmente, o nome da escola. À direita, parte da parede do casarão, o
ponto de chegada das alunas, e o ponto de partida das “boas moças” para a vida,
as paredes aonde vai se inserir todo o processo ensino-aprendizagem necessário
para tal conquista. Colado ao muro, na parte inferior é possível vislumbrar um
degrau. O primeiro degrau. O primeiro passo para a escalada no conhecimento e
formação.
O álbum A formação da identidade feminina
107
17,5 x 11,2 cm Figura 60
O álbum A formação da identidade feminina
108
Visitantes ilustres foram motivo para grande movimentação cerimonial
na instituição. Nos arquivos da Fundação foram encontradas inúmeras fotografias
desse memorável dia. Nada mais apropriado do que um registro imagético como
uma tentativa de congelamento desse pequeno espaço de tempo junto às alunas,
professores e funcionários.
O lado instigante da legenda, levanta a questão: quem são os “famosos
peixes voadores”? A resposta surge na narrativa de Tyoko:
“Aqui foram os nadadores do Japão, a equipe olímpica… Furuhashi
que ganhou medalha, a primeira medalha do Japão na Olimpíada, não
era no Japão… foi em outro lugarmas ganhou medalha de ouro!... (…)
Então como foi uma visita deles na escola, foram bem homenageados
aqui na escola da Akama-san mesmo… fizemos uma homenagem, uma
festa bonita…”
“Era onde tinha a quadra de tênis!... Tinha um espaço grande pra reunir
todo mundo… quando vieram os furuhashi, os nadadores… tiramos
fotos… olha quanta gente que tinha!”
A imagem apresenta todas as alunas devidamente organizadas e
uniformizadas, é possível reconhecer a presença de uma fileira diferenciada, a
segunda de baixo para cima, em que se reconhecem os professores. Bem ao
centro dessa fileira, uma figura se destaca em roupa escura, Michie Akama.
Finalizando a disposição, como uma bela “moldura”, alunas em posicionamento
“de cócoras” com suas camisas brancas e saias pretas que se alinham,
delimitando a imagem.
O álbum A formação da identidade feminina
109
22,5 x 17cm Figura 61
Visita dos “peixes voadores”, encabeçados pelo nadador Furuhashi
O álbum A formação da identidade feminina
110
Devidamente “apresentado” o teor do álbum, uma “viagem no tempo”
seguindo um roteiro pelo quotidiano do internato, seus cursos, atividades e
exposições.
Para apresentar o curso de etiqueta, retomo a ementa:
“o curso de “sociabilidade e etiqueta” é onde adquirem conhecimentos
necessários para a boa conduta humana. De acordo com a inteligência
de cada um, construir uma vida condizente com as exigências da
sociedade, aprendendo boas maneiras e cultivando ‘maneira de pensar’,
‘maneira de sentir’ e ‘maneira de agir’.”
Embora a fotografia apresente a “maneira de agir”, no caso, os modos à
mesa, é interessante notar na ementa que a preocupação dentro do curso não era
apenas a mecanicidade da ação, mas também o conteúdo formativo necessário
para a “boa conduta humana”.
Nessa visão educacional abrangente, não bastava a beleza externa, o
simples “representar” de um papel. O “pensar” e o “sentir” o valores de suma
importância que essa educação multifacetada pretende despertar e aprimorar em
suas alunas como as verdadeiras potencialidades da condição humana.
A leitura de alguns trechos dos capítulos “Preparando a mesa” e
“Deveres de dona de casado livro “Burajiru seikatsu de no etiketto” é apropriada
para uma breve explanação da intencionalidade da educadora:
“Colocar os pratos dos convidados espaçando entre 40 a 50 cm. Garfo, à
direita, e faca à esquerda, colher de sopa à frente do prato. Os jogos de
copos serão colocados, à direita do prato. À direita, o copo para água.
Em seguida, cálice grande para vinho e na seqüência conforme o
tamanho dos cálices. O vinho caro será servido na garrafa. A água será
servida na jarra. (…) A toalha de mesa para o jantar será na cor branca e
o tamanho grande é o mais adequado.”
50
Evidencia-se, nesse texto, a adaptação necessária para a inserção
na nova cultura. Traz a montagem de mesa no estilo ocidental, com as regras e
medidas rigidamente estipuladas. Percebo nessas linhas a preocupação com a
“maneira de agir”, os aspectos de conduta social.
50
AKAMA, Michie. Preparando a mesa. In: Burajiru seikatsu de no etiketto. Tokyo: Teikoku Shoin, 1964.
O álbum A formação da identidade feminina
111
“Selecionar, com destreza, os assuntos para conversas, evitando tópicos
que causem mal estar entre os convidados, tendo isso sempre em mente;
quando surgirem assuntos que causem constrangimentos, procurar
contornar habilmente.”
51
“Deve-se preocupar em manter o ambiente agradável. A dona de casa
deve estar sempre atenta, estando sentada ou levantada da cadeira,
observando a duração do banquete, devendo terminar de comer antes
dos demais, apesar dos constantes trabalhos de “levanta” e “senta” da
cadeira, o que é o contrário do que se faz no Japão.(…) Não obrigar os
convidados a aceitarem os pratos para os quais manifestarem
indisposições. (…)As mulheres serão servidas primeiramente quando os
convidados forem mistos. Na saída, o dono da casa deverá acompanhar
o convidado até a porta e a dona de casa deverá permanecer à mesa. A
despedida do último convidado deverá ser acompanhada pelo casal.”
52
É possível notar que, além da conduta visível (maneira de agir)
identificada na fotografia, outras preocupações estavam envolvidas no ato de
receber um convidado, e para tanto, o aprimoramento individual em sua forma de
pensar e agir está contemplado nas orientações.
Nesse sentido, se uma boa ação é decorrente de bons princípios de
sentimento e pensamento, como “cuidar” desses objetivos? Caminhar pelos
cursos que a instituição chama de “complementares”, abre-nos uma possibilidade
de compreensão dos movimentos feitos para essa finalidade. Ainda na busca do
que se esperava dessas mulheres, recupero parte do texto “minhas leituras”:
“Para as mulheres atuais e jovens tendências de se acreditar que
maquiagens e acessórios vem se tornando esplêndidos, é a natureza da
sua psicologia. Não que queira julgá-las, mas quando necessitam falar
algo, todo esse esforço para com a aparência torna-se inútil, porque as
idéias são ocas e isso acaba diminuindo os pontos. Será que não são os
conhecimentos obtidos com esforço próprio e acumulados durante a
época dos estudos que iluminam as idéias e é isso o que podemos
chamar de verdadeira beleza?“
53
Recuperar essa teoria das publicações de Michie Akama dá voz à
prática executada em sala de aula e congelada pelo registro imagético. Voltando o
51
AKAMA, Michie. Deveres da dona de casa. In: Burajiru seikatsu de no etiketto. Tokyo: Teikoku Shoin, 1964.
52
AKAMA, Michie. Deveres da dona de casa. In: Burajiru seikatsu de no etiketto. Tokyo: Teikoku Shoin, 1964.
53
AKAMA, Michie. Minhas leituras. In: Katarigusa. São Paulo: Editora Paulista Bijutsu Insatsu Kabushiki
Kaisha, 1978.
O álbum A formação da identidade feminina
112
olhar para a fotografia, não encontramos apenas a imagem de uma mesa muito
bem disposta, com a professora ladeada por alunas devidamente sentadas em
momento de aprendizado e observadas atentamente pelas colegas, uma atenta
platéia.
É possível recorrer ao imaginário e, hipoteticamente viajando no tempo-
espaço, presenciar essa aula, absorvendo os ensinamentos ministrados durante
sua execução. Ao olhar essa imagem, além da gestualidade, começo a questionar
a atenção dedicada por cada aluna, aquilo que ultrapassa o visível e mergulha em
seus pensamentos. Quanto de sua “maneira de sentir” e “maneira de pensar” pode
interferir em sua “maneira de agir”? Teoria e prática caminham juntas na
orientação filosófico-educacional dessa instituição. Desta forma, faz-se necessário
tratar da cumplicidade entre os textos e as imagens na (re)construção dessa
formação.
“…nessa época, Akama-sensei dava a parte da etiqueta para as pessoas
de corte e costura que estudavam o dia inteiro e que após três meses
tiravam o diploma e iam embora. Todo mundo precisava saber o modo de
tomar chá, o modo de servir, essas coisas… todo mundo precisava fazer!
Então eu acho que quem formou lá, quem estudou lá… qualquer coisa
que aconteça, não fica afobado. Tanto corte e costura, tanto
comportamento, tudo… eu acho que não fica afobado. Pode cair mas
levanta limpo… Sabe levantar. “ (Mayumi)
O que garantia a segurança na maneira de conduzir suas vidas que
lhes permitia um convívio adequado e “sem ficar afobadas”, nas palavras de
Mayumi Mizikami, saber levantar após um revés? Provavelmente uma formação
completa, abrangendo uma gama de ensinamentos que lhes outorgava
desenvoltura e auto-estima suficientes para um desempenho social satisfatório.
A Etiqueta corresponde, no Japão antigo, ao que se designa o “Modo de
Respeitar” (Reigui Sahoo). “Reigui”, envolve o estado de espírito; “Sahoo” é a
forma de expressar aquele espírito, ou seja exteriorizá-lo. O propósito, é a
correspondência entre a intenção e a atitude. A procura da beleza da alma não é
uma tarefa fácil, requer aprimoramento constante na vida quotidiana. () Enfim, a
etiqueta serve para facilitar a relação entre as pessoas, aprimorar o ato de evitar
impressão ou desrespeito a outrem. É importante e muito difícil, porque isto
se aplica a todas as nossas atividades do dia a dia, como, em relação à
vestimenta, alimentação ou habitação.
54
54
AKAMA, M. Sobre Etiqueta .In: Kouen no tabi. São Paulo: Toppan Press, 1999.
O álbum A formação da identidade feminina
113
12 x 8cm Figura 62
Aula de boas maneiras pela Professora Akama
O álbum A formação da identidade feminina
114
O ensino de línguas. A língua portuguesa, mais do que qualquer outro
idioma, era uma necessidade essencial para a adaptação em terras brasileiras.
Mesmo com a intenção de regresso ao Japão, a comunicação é imprescindível
para se viver bem em território estrangeiro, independentemente da condição
temporária. Em Katarigusa, no artigo “O vestuário e a colônia”, as questões
relacionadas ao caráter “universal”, de “aproximação de mundos”, e as
preocupações com um ensino que corresponda às novas necessidades são,
contextualmente, esclarecidas. As diferenças aparecem, inclusive, em conflitos
decorrentes de intercâmbio cultural. A flexibilidade na assimilação de culturas e
línguas novas, torna-se então, uma necessidade essencial para a saudável
adaptação aos “tempos modernos”.
A ementa traz, devido ao objetivo maior de “formar mentalidade
suficiente para assimilar a cultura universal”, a proposta do ensino de francês,
latim e inglês. O último, inclusive, sugeria o “estudo da língua inglesa pela
necessidade, no futuro, em decorrência deste país estar situado na América e de
suas possíveis relações”, comerciais e culturais.
Fiquei sabendo que, entre as pessoas importantes que visitaram o Brasil,
depois do fim da guerra, alguns passaram muita vergonha, aqui e ali,
antes de voltar ao Japão, por não se importarem muito com sua
vestimenta. Porém, o mundo está, extraordinariamente, mais próximo
(pensando nos relacionamentos sócio-econômico e políticos entre os
países), e as preocupações com o vestuário, alimento e moradia estão se
tornando internacionais. Eu acho que, aqueles que tem condições de
viajar para outros países, deveriam, no mínimo, se informar, antes de
tudo, sobre os modos e etiquetas comuns nos mesmos. (…)Há dezessete
anos atrás, um jovem veio do Japão ao Brasil sob meus cuidados, pouco
antes do início da guerra entre o Japão e os Estados Unidos. Eu cuidei
dele por um tempo e, naquela época, em meio ao forte sentimento
militarista que prevalecia, ele trouxe seu traje de cidadão (roupa parecida
com uma farda), que, obrigatoriamente, era usado pelos japoneses. Toda
vez que ele saía usando-a, eu o advertia: “Tire esta roupa! Estamos no
Brasil!”. Mas ele retrucava, encerrando o assunto: “Esta roupa pode ser
usada em qualquer lugar, pois é a roupa do cidadão japonês!”, apesar de
ser o primogênito de uma respeitada família, e ter concluído o curso
superior. Não pude resistir e admirar o quão fortemente arraigada estava
a educação baseada no militarismo daquela época.
55
55
AKAMA, Michie. O vestuário e a colônia. In: Katarigusa. São Paulo: Editora Paulista Bijutsu Insatsu
Kabushiki Kaisha, 1978.
O álbum A formação da identidade feminina
115
12 x 8 cm Figura 63
Aulas de português, francês e latim pela Professora Oshimoto
12 x 8 cm Figura 64
Aula de inglês do Professor Sugaya
O álbum A formação da identidade feminina
116
“A eficiência do seu método de ensino é reconhecida pelas autoridades
de Ensino do Estado, pela significativa aprovação obtida pelas suas alunas nos
concursos de Habilitação ao Magistério, anualmente promovidos pelo
Departamento de Ensino Profissional do Estado de São Paulo”. A afirmação citada
foi trazida pela ementa como uma forma de reconhecimento. O peso dessa
comprovação no documento oficial da escola agrega o valor legal de autorização
para o funcionamento. O curso de corte e costura era o único registrado e que
seguia uma metodologia de ensino profissionalizante.
“[…]os pais obrigavam as filhas a estudar na costura…mas no estudo não
era tão esforçado. Na costura é que precisava aprender (…) Estava
dando aula de costura aqui… dei bastante tempo, e chegou uns tempos
que ninguém queria aprender mais costura…aí todo mundo queria
estudar, então como entraram bastante dessas roupas feitas, ninguém
quis saber de costurar, o é?... (…)naquele tempo… no começo, se as
moças não aprendiam costurar, não podiam casar…precisava aprender
cozinhar… tudo isso. Então todo mundo vinha aprender costura. No
começo tinha bastante aluna, depois chegou um tempo que todas
precisaram estudar, fazer alguma coisa, ir prá frente… agora, acho que
as moças japonesas ninguém sabe costurar mais, ninguém sabe,
né?...” (Sumiko)
O que entender como “eficiência” do método? Nas preciosidades de
Takiko Ota, uma revelação. O método. Caprichosamente armazenado, traz no
interior de suas páginas, toda a fundamentação num índice bilíngue (japonês e
português), os moldes desenhados em papéis especialmente escalonados,
cálculos e anotações em espaços reservados para essa finalidade.
Figura 65 Figura 66
O álbum A formação da identidade feminina
117
17,5 x 7,5 cm Figura 67
Parte da aula de corte e costura
O álbum A formação da identidade feminina
118
“nenhuma vez comprei roupa feita… tudo, tudo… enxovalzinho… tudo
bordado, tudo feito em casa… meus quatro filhos, ninguém usou roupa
feita… então a gente tinha a alegria de saber bordado… porque gakou
tinha curso de bordado também…” (Mayumi)
As aulas de bordado ministradas pela professora Hamada são as mais
(re)lembradas entre as ex-alunas, apesar da existência de outras modalidades,
como tricô e crochê. Essa importância deve-se talvez por ser um bordado em
estilo japonês, com fios de seda. Trata-se de um artesanato bastante refinado e
que, possivelmente, apenas as pessoas que tiveram acesso à essa arte sabem
executá-lo. Considerado como “arte de tecer”, o bordado, assim como as demais
atividades manuais, tem, segundo a ementa, a função de “enriquecimento da
existência”. São as “delicadezas” da personalidade feminina.
“Eu trouxe um bordado que eu achei lá, mas tinha um pouco mais, ma
tá velho, coitado. É essa época daí. Quer ver, olha. Já tá até meio
rasgadinho assim. Era um sensei que veio do Japão ensinar fazer esse
bordado. Era tão gostoso, eu gostava de… Manchadinho né. De seda.
Esse aqui foi o segundo bordado. Tem o primeiro, que é feita com linha
de algodão. Então está bem mais perfeito, agora esse aqui por ser de
seda meio rustidinho. Agora, tinha uns outros assim bem mais
bonitos, mas um pede, outro pede. (…) Aqui a linha estragou. Estava
na moldura né, aí um dia eu peguei, retirei pra dar uma lavada assim
porque tava muito sujo. Mas é uma delícia, até agora eu gosto de bordar.
Vale muito, assim... Olha atrás também, não deixa muita sujeira… É
gostoso bordar, nossa… Bordado gostava muito. Ikebana também
gostava, mas acho que bordado eu gostava mais. Acho que era uma vez
por semana mais ou menos.”
(Kazuco M.)
Data: 25/04/008
Formato: 1 Megapixel
Local: Fundação Michie Akama
Legenda: Kazuco Miyasaka exibe seu
bordado da época de aluna
Figura 68
O álbum A formação da identidade feminina
119
12 x 8 cm Figura 69
Aula de trabalhos manuais da Professora Hamada
O álbum A formação da identidade feminina
120
O ensino da aritmética e matemática, segundo a ementa, esperava que,
as alunas pudessem, “pelo seu conhecimento, de acordo com a inteligência de
cada uma aplicá-las na vida prática, e a melhor raciocinar”. É importante lembrar
que, considerado como complementar ao curso fundamental da escola corte e
costura, aplicar o aprendizado na vida prática era um fato real, uma vez que as
noções fundamentais da matemática, de desenho artístico e moda eram
essenciais na confecção de uma roupa (cálculos, proporção, geometria, entre
outros).
A confiança em dominar esses conceitos, fazia dessas alunas, exímias
profissionais, que podiam exercer suas profissões “sem ficarem afobadas” (na
descrição de Mayumi Mizikami), evitando os riscos de perdas ou desperdícios
(tecidos, linhas, tempo de trabalho,etc). Com excelência no aprendizado do ofício,
lançavam-se inclusive na “alta costura”, como Maria Aiko que, desde formada, foi
uma das mais requisitadas para confeccionar vestidos de noivas.
Figura 70
O álbum A formação da identidade feminina
121
12 x 8 cm Figura 71
Aula de matemática do Professor Yamamura
O álbum A formação da identidade feminina
122
“Quem incentivou pra eu ir na Akama-sensei foi meu avô…pai do meu
pai…interessante, né?... Ele que quis que eu fosse, não queria que eu
estudasse português. Ele queria que eu fosse na Akama-sensei em São
Paulo…não sei de onde que ele colheu essa idéia, mas ele queria que eu
fosse. Então todos, eu e minha irmã…. Fomos 5 ou 6 anos na Akama-
sensei. Estudamos lá… omoshiroi, né?... “ (Aiko Fujita)
O ensino de língua japonesa tem sua história dividida, segundo
Moriwaki
56
, em três períodos: pré-guerra (1908-1941), pós-guerra (1946-1979) e o
período atual (a partir de 1980, que ressurge como uma utilidade “futura” da língua
devido à melhoria sócio-econômica do Japão por alto desenvolvimento tecnológico
a partir dos anos setenta). Se, num primeiro momento, na intenção de retorno ao
país de origem (Japão), a preocupação na educação dos filhos para uma inserção
na sociedade japonesa pelo ensino da língua na transmissão de, além de um
idioma, uma formação que permitisse preservar a identidade étnica como japonês,
no pós-guerra, mais estabelecidos no Brasil, o ensino da língua passa a
objetivar a formação de bons nipo-brasileiros. Esses dois períodos são os que
mais interessam ao assunto pesquisado, pelo seu caráter de transição e
adaptação à nova condição do imigrante.
O ensino da ngua japonesa revela então, seu importante destaque na
comunidade nipo-brasileira, e se apresenta em três imagens da aula de japonês
no álbum (três professores em suas determinadas salas).
56
MORIWAKI, R. Nihongo kyôiku rinen no hensen (a mudança nos princípios de ensino de japonês). São
Paulo: Centro de estudos nipo-brasileiros, 1998.
O álbum A formação da identidade feminina
123
12 x 8 cm
Aula de Língua Japonesa
do Professor Hayashi
Figura 72
Figura 73
12 x 8 cm
Aula de língua japonesa
do nível primário
com a Professora Wakamatsu
Figura 74
12 x 8 cm
Aula de língua japonesa
do nível primário
com a professora Kimura
O álbum A formação da identidade feminina
124
Na tentativa de aprimorar a sensibilidade de cada aluna, a sua
individualidade e habilidade eram sempre respeitadas. Ofereciam-se
possibilidades diferentes para que elas pudessem manifestar em algum setor da
arte, a sua particular expressão do belo. A educação artística tinha como papel
principal, despertar esses talentos, oferecendo cnicas que eram acompanhadas
de embasamento teórico e sensível de leitura crítica. Pintor, jornalista e escritor, o
professor Tomoo Handa, que fez parte do corpo docente por mais de dez anos, foi
um dos artistas plásticos mais significativos da colônia japonesa no Brasil. Criou,
em 1935, juntamente com os artistas Tanaka, Tomioka, Manabu Mabe, Tomie
Ohtake, Fukushima, Takaoka, entre outros, o “Seibi-kai”, com a intenção de
colaborar e incentivar produções artísticas. Foi o primeiro nipo-brasileiro a ser
premiado, em 1936, com Menção Honrosa no Salão Paulista de Belas Artes. Uma
eficiente forma de ensinar é pelo exemplo e, esse professor de educação artística,
ultrapassa as paredes da sala de aula, para marcar presença em galerias e
exposições, “invade” os salões e leva consigo, as alunas do internato para “refinar”
os sentidos.
“Eu desenhava muito na época do Handa-sensei. Eu não fiquei com acho
que nenhum! Procurei mas acho que... Nenhum desenho. Fazia muito
com Handa-sensei. Gostava do estilo dele. Desenhava e a turma pedia
assim: Ai, dá um pra mim, dá um pra mim. Eu falava: ah, tem que ficar na
fila, porque não vai dar pra eu desenhar tão rápido assim, mas eu fazia
sim, vivia desenhando pra turma.” (Kazuco M.)
“Olha o Handa-san levando para exposição!... Ele levava as alunas para
ver exposição de quadros…” (Tyoko)
Não seria pelo fato das pessoas terem a oportunidade de poder sentir as
coisas, por exemplo, mesmo que seja uma coisa pequena, o fato de
poder inventar algo, que sente alegria?
57
57
AKAMA, M. A minha distração. In: Katarigusa. São Paulo: Editora Paulista Bijutsu Insatsu Kabushiki Kaisha,
1978.
O álbum A formação da identidade feminina
125
12x 8 cm Figura 75
Aula de desenho do Professor Handa
12 x 8 cm Figura 76
Visita a uma exposição de pintura
O álbum A formação da identidade feminina
126
Segundo a ementa, o curso de nutrição e fisiologia era a respeito da
adaptação da vida ao ambiente em que se vive, mediante os conhecimentos
científicos”. Uma definição bastante vaga que instiga questionamentos: do que se
tratava? Quais são os chamados “conhecimentos científicos”? O teor da disciplina
era totalmente diferente do curso de culinária? Outro professor? Na imagem,
algumas respostas. Ao retomar os jornais publicados, encontro artigos sobre a
importância de certos alimentos, suas respectivas vitaminas e valores nutricionais.
Isso demonstra, o caráter mais “fisiológico” das questões alimentares. No
depoimento de Sumiko, o nome do professor, que não consta na legenda, se
identifica, é Ishii:
“Ishii-sensei wa vitamina no sensei
58
, naquele tempo. É porque toda coisa
falava, de comer assim, falava de vitamina né. Mas ele ensinava tudo
no hatake . Plantar daikon
59
, plantar tudo as coisas né, a gente terminava
a aula e ia correndo pra lá né., plantar yasai
60
.” (Sumiko)
Saber cozinhar era fundamental. Porém, com grande importância,
surgem outros assuntos relacionados ao aproveitamento dos alimentos, inclusive
de suas sobras. O preparo de conservas com excedentes do plantio ou mesmo de
cascas e “restos” que não eram utilizados na preparação dos alimentos,
possibilitava às alunas, ao retornarem às suas famílias, repassarem os
aprendizados, tornando-se, muitas delas, líderes em suas comunidades rurais.
Mais que isso, trazia às “boas-noivas” um atributo que lhes permitia dar outra
forma de contribuição na administração da economia doméstica. Conhecimentos
que levarão para os lares e farão parte de seu quotidiano.
“Na aula do Hayashi-sensei tinha aula de culinária, nousankakou…
nousankakou é a gente fazia as coisas, fazia, aprendia e, no bazar, a
gente vendia… isso foi muito bom também… Porque quando a gente tem
bastante abóbora, sabe aproveitar… quando tem alguma coisa, sabe
aproveitar, não desperdiça nada. Isso também foi do gakkou… então
gakkou foi praticamente completo pra minha vida também… Foi muito
bom!...” (Mayumi)
58
Vitamina no sensei – professor vitamina
59
Daikon - nabo
60
Yasai - verduras
O álbum A formação da identidade feminina
127
12 x 8 cm Figura 77
Aula de nutrição
12 x 8 cm Figura 78
Aula de prática de conservação de produtos agrícolas
O álbum A formação da identidade feminina
128
Ao considerar a música como “companheira inseparável da vida”, a
proposta do curso em aprimorar a sensibilidade, um “predicado imprescindível à
vida”, disponibilizava além de audições semanais de discos de música erudita
previamente selecionados, a prática de alguns instrumentos musicais como
bandolim, piano, violino e a própria voz pelo canto-coral.
À princípio, imaginei se algumas alunas haviam se tornado grandes
concertistas. Não encontrando nenhum registro que respondesse a esses
pensamentos, deixei que repousassem. Posteriormente, ouvindo as “vozes da
memória”, ressurge a figura de um professor “bravo” mas marcante em várias
lembranças, Sato-sensei.
“ahh… não pode esquecer a aula do Sato-sensei tambémSato-sensei
foi a aula de música. Ele dava a música clássico… a gente não entendia
nada, mas ele falou que esse é do Bach, esse é do Beethoven…ele
explicava. Então parecia que, naquilo… na hora, parecia que era
besteira… encheção… mas depois que a gente sai na sociedade e
quando escuta uma coisa assim “ahhh… esse eu tinha escutado no
gakou”… lembra, né… então isso foi muito bom também!... “ (Mayumi
)
“Música, então, Sato-sensei, tocava, a gente aprendeu um pouquinho…
bandolim!... Nós aprendemos bandolim violino, bandolim piano,
também…Piano assim, não era ele que dava… bandolim e violino, ele
que dava aula”. (Tyoko
)
Mediante a fala, busco pela ementa, da qual a proposta não
era formar musicistas, mas sim, “desenvolver o sensível” como um caráter da boa-
formação. Nesse sentido, a conquista do objetivo parece alcançada.
Segundo um literário: É lamentável, quando alguém bem arrumada, com
roupas e maquiagem da moda, deixa transparecer, apenas ao abrir a
boca, que não tem nada na cabeça e é uma pessoa miseravelmente
monótona. Penso que a beleza, no verdadeiro sentido, nasce quando se
esforça em combinar os acessórios com as roupas e ao mesmo tempo se
embeleza com os acessórios da vida que são a leitura e a música”.
61
“a minha iniciação em música clássica foi com ele… por isso que meu
ouvido ficou mais apurado…” (Kazuko Baba)
61
AKAMA, M. O vestuário e a colônia. In: Katarigusa. São Paulo: Editora Paulista Bijutsu Insatsu Kabushiki
Kaisha, 1978.
O álbum A formação da identidade feminina
129
12 x 8 cm Figura 79
Aula de música com o Professor Sato
O álbum A formação da identidade feminina
130
O curso de culinária ministrava, segundo a ementa, “aulas de dietética a
fim de que, com o conhecimento teórico e prático não se encontrassem em
dificuldades na sociedade”. Essa breve apresentação não especifica as
dificuldades emergentes. As respostas surgem no discurso de Mayumi, nascido da
fotografia da aula de Arte Culinária.
“…todo mundo falava assim, “ahh… vai na escola de culinária?... mas
aqui no interior não tem material…” A primeira coisa que a pessoa fala, é
que não tem material. Não que culinária não dependa de material… você
sabe aproveitar na culinária, o que tem na sua frente, o que tem ao seu
redor. Isso é que é culinária. Não é que você compra tudo e faz, não é
assim sensei era uma pessoa que ensinava muito pra não desperdiçar
as coisas, até descascar a berinjela, cortar, deixar secar na sombra…
depois usar para fukujinzuke
62
. Fukujinzuke…agora fala fukujinzuke, mas
antigamente, falava somatsusumfuminande, somatsusumfuminazuke
que não desperdiça. Então se descascasse o pepino, a casca, as sobras,
e jogasse as coisas… (risos)… ficava bravo. Esse daí tem que usar
pra… então vai deixar pra secar!(…)“
“Então, quando vinha empregada em casa e jogava no lixo, descascava
daikon e jogava… ‘Não! Não… esse dnão é pra jogar!’... Então, toda
vez ela falava “Esse pode jogar, ou não pode jogar?!” (Mayumi)
62
Fukujinzuke – conserva de alimentos, elaborada com vegetais picados e temperados no estilo japonês.
O álbum A formação da identidade feminina
131
12 x 8 cm Figura 80
Curso de arte culinária com a Professora Araki
O álbum A formação da identidade feminina
132
Sempre voltada às questões de formação humana e suas condutas,
Michie demonstrava sua constante preocupação em desenvolver a “maneira de
sentir”, como condutor de boas ações. A ikebana
63
prioriza a relação da
“construção do belo” com o estado harmonioso de espírito, o sentimento. Por esse
motivo, o “ato” de aplicar flores é considerado uma arte capaz de embelezar a vida
pela apreensão do belo, bem como alcançar “predileções mais nobres e elevadas”.
O arranjo com flores nasce com o sentimento de respeito à natureza. O
deleite do perfume de uma flor singela agrada até um ambiente desolado
de um escritório e traz tranqüilidade aos nossos corações. O ato de
arranjar a flor com Ikebana valoriza o ambiente e ao mesmo tempo
reconforta e eleva o espírito da pessoa. O estado em que fica a
serenidade da mente com ausência de pensamentos mundanos, talvez
seja mais sagrado do que a meditação do budismo.
64
Atualmente, essa arte encontra na ex-aluna Tyoko Shimano, presidenta
da Associação de Ikebana no estilo Ikenobo do Brasil, uma multiplicadora de seus
valores.
“Sempre agradeço à Akama-sensei que, sempre, no começo… a gente,
na ocasião, falava: “Ih, ela tá falando isso!... Ih, já tá falando isso!...
assim, mas a gente, depois agradece... Porque ela falava: mulher…
porque é mulher, precisa aprender costurar , falava assim prá gente,
“precisa saber fazer essas coisas… aprender ikebana que é bom…
enfim, todas as matérias, essas matérias necessárias, não é? E ikebana,
na época nem imaginava que pudesse ser útil Hoje, passei pra
ikebana… então, nós fazemos parte da Ikebana Ikenobo do Japão
também. Além de sermos associados aqui, a gente pertence também lá.
Nós somos associados também do Japão. “(Tyoko)
63
Ikebana – estilo japonês de arranjo floral.
64
AKAMA, M. Ikebana. In: Burajiru seikatsu de no etiketto. Tokyo: Teikoku Shoin, 1964.
O álbum A formação da identidade feminina
133
12 x 8 cm Figura 81
Aula de “ikebana” com a Professora Kikuchi
O álbum A formação da identidade feminina
134
Onde comer e onde dormir. Vindas de diversas regiões do Brasil (Pará,
Rio Grande do Sul, Amazonas, interior de São Paulo, Brasília, entre outras) para a
escola na cidade de São Paulo, para cursar o Corte e Costura e demais atividades
oferecidas pelo estabelecimento, dificuldades primordiais a serem sanadas eram
onde se alimentar e repousar. A condição de internato feminino supria essa
necessidade. As imagens selecionadas para o álbum falam por si só, ao retratá-
las em um descontraído momento de refeição, algumas mais animadas, outras
entretidas em conversa, ou simplesmente saboreando o alimento. O dormitório,
muito organizado, apresenta além das camas, uma mesa alinhada e ornamentada
com uma ikebana a vivificação das flores que fará parte do hábito a ser levado
posteriormente aos lares.
“refeitório… olha os quartos, alojamento… meio assim na cama…
bicama… mas era quartinho bonito” (Tyoko)
Carinhosamente lembrado pelas alunas, os “quartinhos” carregam
também suas próprias histórias. Takiko relembra seu quarto, compartilhado com
Tomoe Suzuki, irmã caçula de Michie Akama. Kazuco Miyasaka e seu “quartinho
no sótão”, visível na foto da fachada da escola e no quadro de Tomoo Handa, se
alegra ao lembrar das aventuras:
“Aqui, esse último quartinho aqui, esse de cima. É aquele lá, em cima,
aparece um telhadico lá em cima. Naquele telhadinho que eu dormia, que
vinham os morcegos visitar a gente. No começo, a gente ficava
assustado, mas no fim, ficou amigo.” (Kazuco M.)
O álbum A formação da identidade feminina
135
17,5 x 11,5 cm Figura 82
Momento de descontração na hora da refeição
12 x 8 cm Figura 83
Uma visita ao Dormitório do internato
O álbum A formação da identidade feminina
136
Os hábitos e práticas da mentora serviam como exemplo, mesmo na
utilização dos horários “livres” de aulas. O bom aproveitamento desse períodos,
tidos como “estudo-livre”, rendeu-lhes descobertas de prazeres que se
eternizaram, e são fontes de grande alegria em suas vidas, como: a leitura para
Rutsuko, a ikebana para Tyoko, o bordado para Kazuco Miyasaka e a culinária
para Takiko. Michie mantinha rotinas que, sejam, pelas ações, ou pelos escritos,
deixaram suas marcas.
Para ter uma vida familiar plena, no futuro, é importante que todos
tenham em mente, uma maneira de aproveitar os intervalos durante o
trabalho atarefado para aprender mais sobre algo interessante, e, até
mesmo, usando isso como uma recreação para relaxar, ao fim de um dia
de trabalho.
65
Se me perguntarem “qual é sua distração?”, não terei dúvida alguma em
responder “Leitura”. Isso porque quando jovem gostava de ler e sempre
estava com um livro. (…)Para as mulheres atuais e jovens tendências
de se acreditar que maquiagens e acessórios vem se tornando
esplêndidos, é a natureza da sua psicologia. Não que eu queira julgá-las,
mas, quando necessitam falar algo, todo esse esforço para com a
aparência torna-se inútil, porque as idéias o ocas e isso acaba
diminuindo os pontos. Será que não são os conhecimentos obtidos com
esforço próprio e acumulados durante a época dos estudos que iluminam
as idéias, e é isso o que podemos chamar de verdadeira beleza?
66
Desde meus tempos de juventude, gosto de ler, tendo tempo ou o.
Para mim, essa é, também, uma grande distração. Depois de ficarem
velhas, as pessoas que tem uma distração são felizes. (…)Talvez se as
mulheres amassem mais as flores e, mesmo dentro de casa se
interessassem por flores, cozinhar, fazer trabalhos manuais como
distração, suas vidas seriam mais felizes e teriam motivação para viver.
67
A cena retrata um desses momentos de descobertas, num ambiente
tranqüilo dedicado às distrações preferidas. Podiam desenvolver as atividades em
seus quartos, mas fazê-las em grupo era, por vezes, mais agradável.
“olha a Kimura-sensei, tem bordado… é… de folga, hora de lazer, leitura,
fazia um bordado… escreviam cartas… na hora de folga.” (Tyoko)
65
AKAMA, M. O caminho a ser seguido pelas mulheres. In: Katarigusa. São Paulo: Editora Paulista Bijutsu
Insatsu Kabushiki Kaisha, 1978.
66
AKAMA, M. Minha leitura. In: Katarigusa. São Paulo: Editora Paulista Bijutsu Insatsu Kabushiki Kaisha,
1978.
67
AKAMA, M. A minha distração. In: Katarigusa. São Paulo: Editora Paulista Bijutsu Insatsu Kabushiki
Kaisha, 1978.
O álbum A formação da identidade feminina
137
12 x 8 cm Figura 84
Hora de estudo-livre das alunas internas
O álbum A formação da identidade feminina
138
A projeção de filmes cinematográficos era uma das atividades extracurriculares
desenvolvidas no estabelecimento. Ao lado de outros diferenciadores, como o grêmio, o jornal, os
serviços de alto-falantes, as competição culturais e esportivas, a biblioteca, entre outros, a “Sala de
Projeção” permitia a divulgação da Cultura Japonesa, por meio dos filmes selecionados e trazidos
do Japão, uma aproximação com os valores, hábitos e costumes do país de origem.
“Essa aqui é turma de cinema… passava filmes, projeção… tinha sala de
projeção. Tinha um grupo encarregado de projeção, tinha que, desde
escolher o filme bom, até projetar assim, na tela…” (Tyoko)
Essas atividades, embora opcionais, encontravam muitos adeptos. O
treinamento na “Sala de Projeção”, as novelas de rádio e o teatro eram
organizados com a colaboração de muitas pessoas, oferecendo um ambiente
harmonioso e divertido de interação entre as alunas dos variados cursos.
“Tinha projeção de filme japonês… acho que, uma vez ou duas por mês,
a gente entrava em contato com o Consulado e pedia emprestado filme
japonês, ou então mesmo português, filmes bons… eu participava!...”
(Tyoko)
“Rádio. Tinha novela de rádio. Eles transmitiam o som, então, lendo as
partes, cada um tinha um personagem… sensei que dirigia… Sato-sensei.
Bem animado!...” (Tyoko)
Ainda, na programação das atividades extracurriculares, as
competições culturais e esportivas, os piqueniques e as excursões.
O álbum A formação da identidade feminina
139
12 x 8 cm Figura 85
Equipe de treinamento com Projetor de Cinema
11,5 x 8,5 cm Figura 86
Momento de diversão com Pingue-pongue das alunas de Língua Japonesa
O álbum A formação da identidade feminina
140
A escola costuma realizar, em anos alternados, uma exposição dos
trabalhos manuais executados pelas alunas. Era o famoso Bazar, um momento de
grande união, onde o trabalho em equipe tornava o grupo animado em favor de
uma causa maior, no caso, a construção da sede própria da escola.
“Depois aqui, nós agíamos assim… em grupo. Sempre em grupo. (Dá
aquela sensação de fazer parte de alguma coisa…) É, do grupo. Tinha os
bazares, a gente ajudava… o que é difícil acontecer fora. Sempre a gente
ajudava, sempre. Viajava em grupo…tudo era grupo. Então pra mim foi
ótimo, que em casa era difícil ter amizade com o grupo todo. Sei que foi
muito bom mesmo. Foi muito útil porque eu vejo minhas amigas que não
puderam conhecer Akama-san, por exemplo… elas são diferentes, sabe?
Maneira de encarar as coisas são diferentes. Marcou bastante
mesmo… aquela convivência foi de três anos, mas foi marcante
mesmo! Pra mim, pelo menos, nossa!” (Tyoko)
“(…)O tempo avança e a escola cada vez mais cheia. Embaixo no pátio
onde nos dias comuns correm e brincam alunas hoje repleta de visitas,
todos sentados nos bancos saboreando udon, oshiruko, etc. É uma
alegria para todos nós vermos os nossos trabalhos compensados.(…)”
68
“Naquela época tinha bazar”. Sempre tinha, no mês de outubro, bazar.
Então fazia udon, essas coisas… tudo… mas todos colaborando… cada
um tinha sua responsabilidade. Cumprindo, no dia-a-dia, a gente adquiria,
sem sensei forçar… a gente adquiria. Eu acho que o serviço de Akama-
sensei foi de muito, muito valor pra formação humana, quer dizer… as
moças, né… eu acho.” (Mayumi)
E aula do Hayashi-sensei que tinha aula de culinária, não é
nousankakou… nousankakou é a gente fazia as coisas, fazia e aprendia
e no bazar a gente vendia né… isso foi muito bom também… (Mayumi
interview)
“(…)Neste dia nós, alunas, chegamos à escola mais radiantes que nunca.
Em seguida, com seus distintivos correm para cá e para cumprindo as
suas obrigações. Dá-se a abertura e inicia-se a luta. As alunas cada qual
nos seus determinados lugares. Eu fui escolhida para ficar na secção dos
trabalhos manuais.(…)”
69
“(…)Começam a chegar as visitas. Uns interessados em comprar algo,
outros apenas para ver e talvez para comer alguma coisa.(…)”
70
68
NIITA, K.A nossa exposição. In:”Boletim Ayumi”. São Paulo: 1956, n
o
13, p.01.
69
idem
70
idem
O álbum A formação da identidade feminina
141
11,5 x 8,5 cm Figura 87 Figura 88 11,5 x 8,5 cm
Bazar (1) Bazar (2)
11,5 x 8,5 cm Figura 89
Bazar (3)
11,5 x 8,5 cm Figura 90 Figura 91 11,5 x 8,5 cm
Bazar (4) Bazar (5)
O álbum A formação da identidade feminina
142
A exposição de trabalhos manuais das alunas era a principal atração do
“bazaa” (bazar). Motivo de grande dedicação e capricho das alunas, resultava em
importante repercussão da instituição em toda a comunidade educacional. Abaixo,
uma carta de congratulações sobre o evento, recebida pela instituição e
selecionada para publicação no boletim interno.
“Há dias tivemos a feliz oportunidade de presenciar a uma bela exposição
de trabalhos manuais neste estabelecimento. Muitos visitantes disseram-
nos que tudo lhes causou uma ótima e agradável impressão. Por
exemplo, o arranjo das flores foi comentado com admiração até no
colégio Batista. Tanto o corpo docente como o discente está de parabéns,
pois graças a êles é que a exposição se realizou com pleno êxito. A
Escola Vergueiro provou mais uma vez ser ciente do papel que lhe cabe,
pois além de ser informadora, ela é também formadora de elementos
verdadeiramente úteis à coletividade. Temos observado que ela o
ensina a moral consciente apenas através do ensino técnico, mas faz
com que as alunas vivam situações onde o ensino técnico adquire
sentido. Além de tôdas as vantagens que o bazar nos trouxe, êste
ensinou-nos também que a solidariedade é a base para conseguirmos
algo na vida. Acima de tudo, esta escola merece todo o nosso amor e
respeito porque ela não constitui uma parte separada da vida das alunas,
pelo contrário, faz parte integrante na vida de cada um. Mais uma vez
nossas sinceras congratulações `a Escola Vergueiro pela sua esplêndida
realização.”
71
71
Y. S. Que faz a nossa escola. In: Boletim Ayumi. São Paulo, 15 de dezembro de 1956 – número 13 – capa
O álbum A formação da identidade feminina
143
11,5 x 8,5 cm Figura 92
Exposição
O álbum A formação da identidade feminina
144
Após “navegar” pelos percursos desenvolvidos, no interior da instituição,
um “passeio” junto às alunas pelos conhecimentos que ultrapassavam os limites
da escola. Estes permitiam uma vivência mais abrangente de mundo por
excursões e visitas programadas. O que atualmente chamam de “estudo do meio”
na Fundação Michie Akama, fazia parte dos ensinamentos da fundadora desde
os primórdios da escola.
As visitas de estudo do meio seguem sempre uma programação
contextualizada. Dessa forma, como sugestão, uma viagem no tempo para buscar
a relevância de algumas “saídas” das alunas.
Penicilina. Segundo Ana Leonor Pereira e João Rui Pita, no artigo
“Alexander Fleming (1881-1955): da descoberta da penicilina (1928) ao Prêmio
Nobel (1945)” publicado na Revista da Faculdade de Letras História
72
“os últimos
dez anos após o Prêmio Nobel, portanto entre 1945 e 1955, o mito de Fleming
ganhou a sua máxima expressão”. A penicilina foi uma descoberta científica que
desencadeou profundas alterações no tratamento de doenças infecciosas,
estimulando novas investigações neste domínio, investimentos técnicos,
tecnológicos e econômicos em nível industrial para produção de antibióticos.
A saída retratada no álbum é datada de 1951, portanto dentro da
efervescência da descoberta que se tornara o grande assunto do momento.
Bastante significativa e contextualizada, a visita à uma fábrica de penicilina
mereceu destaque no álbum por demonstrar os conhecimentos gerais garantidos
às alunas em busca de uma formação social completa.
“[…]e tinha excursão também, à fábrica… Kengaku
73
!... esse aqui
também… fábrica de penicilina, Penishirin koju…” (Tyoko)
72 PEREIRA, A . L. & PITA, J. R. Alexander Fleming (1881-1955):da descoberta da penicilina (1928) ao
Prêmio Nobel (1945). In: Revista da Faculdade de Letras História, III série, vol. 6: Porto, 2005, p. 129-151.
73
Kengaku – estudo do meio
O álbum A formação da identidade feminina
145
11 x 8 cm Figura 93
Visita de Estudo na fábrica de Penicilina
O álbum A formação da identidade feminina
146
Os momentos de lazer e confraternização não poderiam ser deixados
fora do quotidiano “retratado” das alunas. Os passeios e piqueniques, além do
agradável convívio social em atividades mais descontraídas, permitiam um olhar
sobre as origens como parte importante de suas existências. Visitar um navio
japonês, permite lembrar seus laços de imigração. Santos, o porto onde
desembarcavam os imigrantes. Algumas alunas, nascidas no Brasil, podem
imaginar os traçados de coragem de seus pais ao navegar por quarenta dias para
vir do Japão. Um parque temático por sua vez, pode transportá-las a um mundo
distante, respirar “ares de Japão”, mesmo sem nunca ter vivido isso. Trata-se da
valorização de um sentir-se japonês, ser um japonês em sua origem.
“Olha o piquenique em Santos, olha… piquenique em Santos… esse
daí é kengaku do primário, do curso primário de japonês… nossa, olha!...
Acampamento, até acampamento fazíamos, olha! Esse daqui também é
piquenique da turma em Santos… ia todo mundo!... Não sei se era de
ônibus ou de tremquando para Santos… de ônibus?... Acho que devia
ir de trem também. Kore saiho no pikuniku… do corte e costura, o
piquenique da turma de corte e costura… não sei onde é que foi isso aí…
Ah! Nihon-so, em Santo André tinha um jardim japonês, é que… jardim
japonês… em Santo André que tinha nihon-so… um jardim japonês onde
tinha casa assim, de casa japonesa, onde ensinava, fazia cerimônia de
chá… Esse aqui é visita de navio… escola… marinha japonesa, essa
aqui é visita que fizeram ao navio, escrito assim… tinham bastante
atividades assim mesmo, estando assim, internas, também tinham
bastante assim, visitas, passeios, Jogaku-bu no shugaku... é, viagem de
término do curso, formatura, Rio, esse daí é Rio…” (Tyoko)
O álbum A formação da identidade feminina
147
8,5 x 6 cm Figura 94
Visita de Estudos das alunas do curso de Língua Japonesa
8,5 x 6 cm Figura 95 Figura 96 11,5 x 8,5 cm
“Camping” dos professores funcionários Piquenique das alunas internas
no parque da Cantareira
22,5 x 9 cm Figura 97
Piquenique a Santos das alunas do curso de corte e costura
O álbum A formação da identidade feminina
149
Figura 98
11,5 x 8,5 cm
Piquenique ao Parque Japonês
das alunas do curso de corte e
costura
Figura 99
11,5 x 8,5 cm
Viagem das alunas do curso de
corte e costura a um navio japonês
Figura 100
12 x 8 cm
Viagem de estudos do curso de
língua japonesa do nível
secundário - Rio de Janeiro
O álbum A formação da identidade feminina
150
As festividades eram momentos de descontração entre as alunas, numa
possibilidade de convivência mais livre de formalidades. Apesar do
descompromisso curricular, pode-se perceber pelo esmero e métrica na
montagem da mesa e arranjos florais que os ensinamentos são vivenciados na
prática, remetendo respectivamente às aulas de etiqueta e de ikebana. Os laços
de relacionamento professor-aluno se estreitam dando às alunas a possibilidade
de relaxar e esboçar seus sorrisos sem maiores preocupações. Diferentemente da
fotografia posada de formatura, a data festiva a liberdade de exibir alegria e
despojamento. A comemoração de um aniversário representada no álbum pela
fotografia, traz ainda uma forte mensagem de convivência familiar. Se as alunas
internas viviam, moravam, comiam, dormiam, estudavam e usufruíam de todas as
dependências do internato, pode-se considerá-lo como seu “segundo lar”. O
aniversário é, nesse caso, comemorado em “família”, um segundo núcleo familiar
que estabelecerá importantes laços de amizade pelo resto de suas vidas.
“[...]festa de aniversário das internas… tinha festinha de aniversário
também. Eram festinhas pras aniversariantes do mês!... Cada mês, festa
assim, conjunta… festa conjunta.” (Tyoko)
“Terminei Akama aqui quando estava no segundo colegial… Foi muito
bom, porque convivi, aprendi a conviver, com as pessoas do interior
né… conheci muita gente, foi uma experiência que valeu a vida inteira
viu… até hoje a gente tem amizade com a turma antiga, as minhas
amigas… a turma de Akama-san eu tenho… com os professores. Da
escola assim, do ginásio a gente não… não ficou ninguém, do colégio
também acho que não… uma pessoa ou outraque tenho contato… da
faculdade então tudo espalhado, a turma do Akama-san não, sempre
temos relação, temos convívio assim, familiarmente, ?... Convívio
assim, além da gente, a família toda, ? Nós temos relações assim,
familiares com as pessoas!”(Tyoko)
O álbum A formação da identidade feminina
151
12 x 8 cm Figura 101
Festa para aniversariante do curso de língua japonesa do nível primário
O álbum A formação da identidade feminina
152
As atividades esportivas, em horários de lazer, eram sempre
privilegiadas. Permitiam momentos de distração e integração entre os diferentes
cursos e turmas. Com a preocupação em manter mente e corpos sadios,
estimulando o caminhar e atividades físicas, Michie apoiava a descontração com
jogos esportivos e exercícios.
“Quando ficamos velhos, as pernas começam a ficar fracas e, é, à partir
das pernas que começamos a morrer.
Dentro do pátio da Escola Akama, praticavam exercícios logo de manhã
cedo, e havia encontros, onde nós e os alunos, juntos, subíamos a
ladeira, aqui e ali, andando juntos com o professor, no “encontro de
andar”. Naquela época, as pessoas que vinham, não tinham a facilidade
de adquirir um carro e muitas vinham de muito longe andando.”
74
Embora a diversão tivesse sem espaço contemplado, a preocupação
com os estudos e os rumos profissionais que poderiam dar às suas vidas estava
sempre presente em suas mentes. No artigo publicado no Ayumi, as regras e
desafios dos jogos e brinquedos ganham uma nova conotação de luta pela vitória
na vida.
“É hora do recreio; no jardim brincam alegres as meninas e suas vozes
argênteas se espalham pelo azul da manhã. No brinquedo como no jôgo
regras e normas que observar, e estão as gentis garotinhas,
resolutas e delicadas ao mesmo tempo, sabendo vencer e sabendo
perder.
(…)Nesses dias, várias de nossas alunas estão fazendo o exame de
habilitação de Corte e Costura. Após mêses de preparo em que nos foi
dado ver sua dedicação e esforço nos estudos, ei-las que voltam alegres
umas, outras um tanto preocupadas. Os dirigentes certamente esperam o
êxito de suas alunas às quais dedicou o melhor de seus esforços. Mas
também aptos estão para receber toda e qualquer surpresa. E assim,
todos nós, em cada dia que passa vamos provando do cálice da vida, às
vêzes muito amargo, mas mesmo assim muito útil.
(…)Hoje que vocês estudam alegres e despreocupadas, procurem, boas
amiguinhas, formar suas mentes e corações para que no dia de amanhã
não venham a sucumbir ante a injustiça, a mentira e todo mal. A vitória é
para os que sabem lutar.”
75
74
AKAMA, M. Vamos caminhar a favor da mente e do corpo. In: Katarigusa. São Paulo: Editora Paulista
Bijutsu Insatsu Kabushiki Kaisha, 1978.
75
IKAWA, Seiko. Saber Vencer. In:”Boletim Ayumi”. São Paulo: 1953, n
o
53, p.01.
O álbum A formação da identidade feminina
153
11,5 x 8,5 cm Figura 102
Hora de lazer das alunas no pátio da escola
11,5 x 8,5 cm Figura 103
Uma cena do campo de jogo de tênis
O álbum A formação da identidade feminina
154
A ginástica coletiva era uma prática habitual que pretendia, pela música
ritmada, “dotar as pessoas de saúde, perspicácia, decisão e força de vontade”.
O “taissô” priorizava a disciplina e determinação, uma vez que tinham
que se preparar para, pontualmente, se exercitarem junto ao grupo, num espírito
coletivo de cooperação e dedicação. Vivências que deixam boas lembranças às
privilegiadas participantes. Pela imagem percorrida e acariciada pelas alunas,
além da aula especificamente dita, o espaço-cenário é relembrado, com seus
cheiros e sensações.
“Kimura-sensei dava aula de manhã de taissô. Então todo mundo
precisava sair, fazer o taissô embaixo, perto daquela árvore chamada
de Ibitinga… Então ao redor… Kimura-sensei que era a chefona lá… do
taissô… (…) Esse lugar é Vergueiro, mas onde tinha esse campo, a
gente que… nós que fizemos… era terra. Então, no barranco, nós
quebramos, fizemos o campo de tênis, quadra de tênis… e, no lado,
tinha uma casa velha e é que fazíamos ofurô
76
. Ofurô, aquele ofurô
grande, fazia com carvão. que… numa casinha assim que não tinha
forro. Tinha teto, mas não tinha… e no lado, tinha um abacateiro grande,
sabe? Aí… diz que um dia, não sei quem que estava tomando banho e
disse que tinha uma telha quebrada. Disse que olhou assim, lavando
assim, olhou pra telha, disse que viu dois olhos lá no, do quebrado.
Um brasileiro estava espiando. Subiu no telhado, né… espiando. Aí, o
sei quem que jogou água com bacia, aí… a partir daí, até consertar
telhado, o Komoda-ojisan ficou em cima tomando conta, pra ninguém
subir. Komoda…, ele ficou resfriado, e a turma deu risada. Então,
nesse campo, que foi tirada a foto. Ano Vergueiro no gakou,ne… Atrás…
no lado. Fazia taisso… primeiro, fazia taisso então esse daqui, todo
mundo carregou terra…”(Mayumi)
76
Ofurô – espécie de banheira com água em temperatura muito elevada, antigamente, aquecida pelo carvão
O álbum A formação da identidade feminina
155
23 x 17 cm Figura 104
Vida da interna – execução coletiva de ginástica
O álbum A formação da identidade feminina
156
As conferências e palestras trazidas ao espaço educacional
demonstra a proposta abrangente de ensino-aprendizagem aberta aos
conhecimentos gerais essenciais ao crescimento humano. A educadora Michie
Akama, que por inúmeras vezes descreveu em seus escritos a preocupação com
a formação de “mentes saudáveis” e tendo na leitura o principal lazer, deu grande
ênfase ao que se pode (e deve) apreender do meio. Para isso, aprender “do”
mundo, ouvindo suas múltiplas vozes sempre foi prioridade. Essa atitude manteve-
se viva mesmo após o encerramento das atividades do internato quando, por
ocasião do “doosookai”, aproveitava a reunião para “ofertar” algum novo
ensinamento às ex-alunas, por meio de alguma atividade ou palestra. O espírito
de quem nasceu com a missão de educar.
“[…]veio conferencista, às vezes convidava professores vindos do Japão,
ou de algum lugar assim importante pra fazer Conferência…[…]” (Tyoko)
Sobre o “dousoukai”, algumas considerações levantadas pelas ex-
alunas:
“Kazuko: Akama-sensei Sempre queria alguma coisa que fosse
proveitosa na reunião… Não era só pra comer e bater papo, ela queria…
Rutsuko: Uma vez por ano, mais anos sem encontrar… Akama-sensei foi
professora mesmo até o fim! Mesmo nessas reuniões ela procurava
incluir alguma coisa que fosse de proveito para todas as pessoas…
Nossa mas... Sensei realmente não existe… não existiu…
Kazuko: Como ela, nunca vai existir! Aquele idealismo dela ? Era uma
coisa…
Rutsuko: Até o fim… Mesmo…
Kikuko: Porque ela era muito à frente de todo mundo…”
O álbum A formação da identidade feminina
157
12 x 8 cm Figura 105
Conferência do Professor Nagata
12 x 8 cm Figura 106
Conferência do Dr. Tamiya
O álbum A formação da identidade feminina
158
A formatura. Conclusão de uma jornada, início de outra. “Missão
cumprida” para umas, ou apenas uma etapa vencida para outras. Mescla de
sentimentos o tom em seu “ritual de passagem”. De três meses a três anos (ou
mais) de “São Paulo Saihou Jogakuin”… não importa o tempo de estadia nessa
instituição. Em todas, um recorte em suas vidas é bastante claro, o “antes” e o
“depois” de seus estudos no internato. Nada mais justo e representativo do que o
registro imagético pela câmera fotográfica da formalidade do evento. A formatura,
em uma “forma dura” já tradicionalmente posicionada, dispõe os professores
assentados em suas cadeiras. As alunas, em e enfileiradas atrás dos mestres,
exibindo (ou não) seus diplomas que representam muito mais do que um simples
papel, o reconhecimento de aptidões que as qualificam como uma elite dentro da
sociedade nipo-brasileira. Embora algumas esbocem um leve sorriso (talvez difícil
de ser contido), a maioria exibe a seriedade que a formalidade requer. Se a “pose”
é previamente determinada, as faces carregam a individualidade da expressão.
Olhá-las instiga nossa curiosidade. Buscar alguma referência nas publicações
ajuda a elucidar em parte essas interrogações visuais.
“Após uma longa e penosa caminhada, vejo finalmente no horizonte o fim
da estrada, e com ela, a nossa formatura. Como esperei ansiosa por êsse
dia festivo. Porém agora o vejo frente a frente, a alegria cede lugar à
tristeza. Sim, dôr e tristeza, pois no fim da estrada defrontaremos com
uma encruzilhada, onde cada uma de nós seguirá o seu caminho,
havendo assim a separação mútua entre colegas e professôres. Porém,
por outro lado, a alegria não deixa de se manifestar porque o fim desta
estrada será como o Ano Bom, isto é, o começo de nova estrada…”
77
77
ISHIBUYA, C. O fim do ano. In: Boletim Ayumi. São Paulo, 28 de novembro de 1957, n. 17
O álbum A formação da identidade feminina
159
Figura 107
22,5 x 17,5 cm
Formatura do curso de corte e costura
(março de 1951)
Figura 108
22,5 x 17,5 cm
Formatura do curso de corte e costura
(setembro de 1951)
Figura 109
22,5 x 17 cm
Formatura do curso de corte e
costura (setembro de 1951)
O álbum A formação da identidade feminina
161
Figura 110
23 x 17,5 cm
Formatura do curso de corte e costura
(dezembro de 1951)
Figura 111
22,5 x 17 cm
Formatura do curso de língua
japonesa – nível secundário
(dezembro de 1951)
Figura 112
22,5 x 17 cm
Formatura do curso de língua
japonesa – nível primário
(dezembro de 1951)
O álbum A formação da identidade feminina
162
Além do cerimonial, um grande momento relembrado por todas, era o
famoso “Festival”. Ensaios, organizações… o espetáculo. É hora de “mostrar
serviços” e “apresentar para a sociedade”, os resultados. Anualmente, a escola
realizava um tradicional Festival Lítero-Musical no Teatro João Caetano, em São
Paulo. Era um evento dividido em dois dias nos quais eram apresentadas peças
teatrais, musicais e desfile de modas com a participação de todas as alunas do
São Paulo Saihou Jogakuin. Para esse Festival eram convidadas todas famílias do
corpo discente. A seguir, impressões da época.
“Antes da hora marcada para início do espetáculo (20h), o teatro se
achava repleto. O Festival teve início com a apresentação do Hino
Nacional Brasileiro. Logo em seguida foi cantado o Hino desta escola,
pelas alunas, sob a regência do Prof. Koiti Sato, com acompanhamento
ao piano pela nossa colega Taeji Ishibiya. O programa propriamente dito
constava de cinco números: 1. teatro Yume no Mati; 2. coro Danúbio
Azul, de Strauss; 3. teatro Fausto; 4. Desfile de modas e 5. teatro
Yuzuru (Cegonha do Crepúsculo). (…) Foram apresentadas às pessoas
presentes 30 diferentes modêlos, todos bastante originais e muito bem
confeccionados. Destacou-se o vestido de noiva, sendo a modêlo Srta.
Fusako Akiyama. A música executada durante o desfile foi “Children’s
Corner Suite” de Debussy. (…) Enfim, as duas noites do espetáculo,
embora cansativas, foram bastante alegres e divertidas e, tenho certeza,
ficarão na memória de tôdas, sendo uma das noites inesquecíveis da
nossa época de estudante, nesse educandário, que é “São Paulo
Jogakuin”.”
78
(grifo nosso)
“Kikuko: e tinha também teatro! Eram famosas as apresentações de
teatro!...
Tyoko: Uma vez por ano né? Que tinha apresentação dos trabalhos dos
alunos… então tinha teatro, música, é… desfile de moda!...
Kazuko: Desfile de modas!...
R: Todo mundo desfilou aqui?
Kazuko: Eu desfilei! Que tinha o meu vestido de formatura, né, da Álvares
Penteado, foi feito pela aluna dela…
Kikuko: Eu desfilei de Maiko-san!... Maiko-san… (…)
Tyoko: Desfile de moda, apresentação de coral, apresentação de
teatrinhos, de teatros e…
Kikuko: Teatro era famoso! (…)
Kikuko: Nós fizemos o “mercador de Veneza”… Eu fui advogada, quase
me esfaquearam!... (risos) É! Eu fui aquela merca… aquela advogada e…
a Neguinha que era o bandidão lá, me esfaqueou lá no palco!... (risos)
Tyoko: …é verdade!... e a gente fez aquele outro… de William Tell…
Rutsuko: Da maçã? Na cabeça?
Tyoko: É mesmo… Se continuasse, acho que ia gostar do
teatro…atuar”
79
78
NOMURA, M. Impressões do festival. In: Boletim Ayumi. São Paulo, 10 de dezembro de 1955 – número 10
79
Transcrição de parte da conversa no encontro do dousoukai
O álbum A formação da identidade feminina
163
Figura 113
11,5 x 8,5 cm
Festival lítero-musical (01)
Figura 114
11,5 x 8,5 cm
Festival lítero-musical 02
Figura 115
11,5 x 8,5 cm
Festival lítero-musical 03
Figura 116
11,5 x 8,5 cm
Festival lítero-musical 04
O álbum A formação da identidade feminina
164
Após percorrer os espaços do internato pelo mundo da fotografia é
possível notar a potencialidade viva que se abre (revela) a cada imagem
(re)visitada. Foram caprichosamente escolhidas para pertencer ao “álbum” das
graduandas. Pelo mergulho em cada fotografia, percebe-se a importância e a
intencionalidade intrínsecas na minuciosa seleção.
Primeiras considerações, desatando alguns nós
Quando as imagens “falam”. Durante o roteiro imagético narrado por
Kazuco Miyasaka, existem vários “brancos”. Aguardo durante a entrevista que
suas falas brotem das imagens que, segundo ela, foram montadas para ajudá-la a
pensar e o esquecer de nada importante, mais que isso, não se perder na
história. Porém, uma vez iniciado o “passeio” pelas imagens, sua oralidade (tão
fluida ao contar sua história de vida) espaço para a visualidade. Aquilo que se
pretendia como um guia, toma o lugar principal da cena. É como se, frente às suas
imagens organizadas, não houvesse mais a necessidade de suas explicações.
Kazuco deixa as imagens e suas delicadas observações particulares falarem por
si só.
As imagens remetem a uma determinada temporalidade. Esse tempo
(re)descoberto apresenta suas marcas num passado vivido intensamente. As
fotografias enquanto “detonadoras” de memórias, permitem a ultrapassagem de
sua bidimensionalidade, recuperando referenciais históricos universais e pessoais.
Os fatos que reaparecem, de forma marcante, denotam as impressões das
depoentes nas narrativas. A Segunda Guerra foi um desses momentos relevantes
e que merece uma breve contextualização.
Na gestão de Getúlio Vargas (1930 a 1954), durante o período em que
as informantes se referem como a “Segunda Guerra” (1939 a 1945), foram
tomadas algumas medidas nacionalistas, que repercutiram na educação nipo-
brasileira. Em 1938, foi proibido o ensino de língua estrangeira para menores de
quatorze anos nas zonas rurais e a aprendizagem do idioma e valores nipônicos
O álbum A formação da identidade feminina
165
passou a ocorrer “às escondidas”. Com o fechamento de todas as escolas de
língua estrangeira em dezembro do mesmo ano, o internato permaneceu de
portas abertas, por ser considerado apenas como um educandário feminino de
corte e costura, continuando a ministrar os valores japoneses, o que hoje, na voz
das depoentes, ganha ares de grande emoção. As mudanças de “cenário” por
ocasião de revistas militares na escola são momentos de agitação marcante em
suas memórias.
“[…]O tempo em que eu estava estudando era o tempo que tinha mais
aluna… Acho que naquele tempo tinha cento e cinquenta alunas
internas… vinha do Mato Grosso, tudo de longe… bastante… Depois
entrou a guerra, aí foi mudando um pouco…(…)
Depois voltei para casa(…), mas a guerra ficou feia, os camaradas
queriam matar, andar com revólver, tudo… a minha casa ficava bem
perto da rua… então esses camaradas que eram muito perigosose eu
era única filha… Então minha mãe mandou ir pra ficar em São Paulo, por
isso que entrei na Akama-sandesde esse tempo aí. Então comecei a
estudar nihongo, e também lá, foi tudo escondido por causa da guerra.
(…)Na Vergueiro (matriz), começou aquela guerra…nossa!...era de
esconder livro, corre pra cá, corre pra lá… veio a polícia, tudo… naquela
vez eu saí por trás pra avisar Akama sensei, porque Akama sensei
estava na outra escola né…na Vergueiro (filial)… quando eu saí, os
soldados estavam todos ali na frente. Depois eu, Akama sensei, Sugano
sensei, passamos de bonde, de ônibus…Aí vimos, nossa, ali na frente
todos aqueles soldados. Akama sensei foi falar com a inspetora, não sei
o quê… veio, foi tudo calmo… até uma menina ficou segurando rádio
deitada, falando que ela estava doente, escondendo o rádio, se pegasse
né…sei que, no dia estavam todos levando livro na Ogasawara san para
esconder… pra levar pra lá, por isso que descobriramde noite estava
levando pra… deixando ali, pra não descobrir… foi naquele tempo né… o
tempo passou, não é?...é… (…)
Até ali na Vergueiro de baixo, pra estudar, a gente estava estudando,
colocava o piano na porta para o soldado não entrar, e, de repente, se o
guarda…da polícia entrasse, a gente tirava tricô, trabalho, bordado...[…]”
(Sumiko)
“[…] 45, época da guerra, foi muito rigoroso o negócio japonês… então,
logo que eu cheguei, não tinha passado uns dez diasa gente estudava
no dormitório… na mesa pequena… cada um escrevia no colo… nihongo,
a turma estava estudando assim, então de repente, veio uma amiga,
pegou minhas coisas e colocou tudo, pegou e levou tudo embaixo da
cama… eu não sabia por que que estava acontecendo isso, mas tocou a
campainha de emergência, porque quando vem o policial, toca a
campainha… no quarto… então quando vem, imediatamente a gente tem
que guardar as coisas escritas em nihongo e precisava logo, precisava
O álbum A formação da identidade feminina
166
pegar material de corte e costura. E a gente fica chuleando, fazendo
alguma coisa… tem que ficar… é, tem que disfarçar. Eu não sabia.
Depois que a bagunça acabou, essa amiga contou. Não é que eu fiz
mal… agora, é assim, assimeu, como uma caipira que, primeira vez,
que nasceu na Aliança, primeira vez que saiu pra São Paulo, né… uma
caipirona que não sabia fazer nada… então eu fiquei assustada…
aconteceu isso. A partir daí, a gente ficou sabendo, né? Então,
imediatamente, precisava pegar o material de corte e costura… e a gente
faz assim, ou disfarça e volta pra sala de costuraCorte costura, tudo
bem. Escrita, nihongo não podia. Então, o que estudava na escola, a
gente rasgava a folha, levava em casa… em casa tinha um caderno… e
era assim. Porque folha rasgada, a gente levava dentro do material,
hassami
80
, tesoura, essas coisas… coloca no machibari
81
, depois
colocava na lata de biscoito, então a gente colocava embaixo, dobrava e
em casa fazia tudo, passava a limpo, fazia isso pra poder estudar… era
muito, muito… Akama-sensei deve ter sofrido muito… Porque naquela
época a gente o entendia, mas depois que a gente saiu na
sociedade… quanto que ela sofreu… pra manter aulas, e… esconder da
polícia e… outros professores, tudo… então foi assim.” (Mayumi)
Nos relatos orais, em vários momentos, brotam palavras e expressões
japonesas. Pensamentos que se descobrem “em voz alta”, algumas vezes,
posteriormente traduzidos. É mais fácil “pensar em japonês”, a sua língua mãe.
Podemos perceber a profundidade de sentimentos que conseguimos alcançar ao
mergulhar nas imagens e suas histórias, quando as lembranças guardadas em
seu âmago carregam o registro nipônico ao submergir de suas memórias. Elas
surgem carregadas de emoções que se refletem no manuseio trêmulo das
fotografias, na gestualidade, nas pausas da fala, no brilho jovial dos olhos e, por
vezes, na lágrima que, teimosamente, passeia pela face corada.
Importante ressaltar que, essas fotografias podem ser consideradas
uma espécie de aityaku. Aityaku é um sentimento de apego em relação a algo ou
alguém. É comum ouvir comentários em relação ao hábito (ou mania) de “guardar
tudo” do japonês. Na verdade, o oriental tem o costume de guardar os objetos,
não por seu valor material, mas principalmente, pela carga sentimental especial da
qual o portadores. É provável que, por esse motivo, encontre no ato de
fotografar, uma forma de materializar os momentos ou valores, que não teriam
80
Hassami - tesoura
81
Machibari – cesto onde as alunas depositavam os bordados
O álbum A formação da identidade feminina
167
outra forma concreta de serem armazenados entre suas “preciosidades”. Daí
surge outra fama generalizada de que o japonês está sempre com uma câmara
fotográfica na mão, registrando tudo, o tempo todo. Uma grande possibilidade
decorrente do invento da fotografia. Mergulhamos então, em verdadeiros aityaku.
169
“Minha alma é um bolso onde guardo minhas memórias.
Memórias vivas são aquelas que continuam presentes no corpo.
Uma vez lembradas, o corpo ri, chora, comove-se, dança”
Rubem Alves
Considerações finais A formação da identidade feminina
171
CONSIDERAÇÕES FINAIS
E pensar as imagens. E deixá-las pensar. Ouvir as vozes… ler. Para
então, “confiar à caneta” tomando emprestada a expressão utilizada por Michie
ao deixar seus pensamentos fluírem livremente da caneta ao papel.
Dos “retalhos” recolhidos ao longo desses dois anos, tomo a liberdade
de tecer minha própria “colcha”.
Primeiros alinhavos
As intenções. Acompanhar os movimentos sócio-econômicos, na época
em que se buscava a instituição que formava as “boas moças”, não seria tão vivo
quanto ouvir, de suas memórias, as expectativas de alunas.
A importância da profissão, bem como do curso técnico
profissionalizante ministrado na instituição era tão clara nas mentes das alunas
que a elegiam a um ideal de vida. A formação técnica era tratada com nobreza e
dignidade, como a grande possibilidade de suas vidas, uma habilidade que
poderia “abrir muitas portas”. Em uma das entrevistas com a Sra. Sumiko, o ato de
costurar foi colocado como algo indispensável para uma boa esposa e e
(“como pode uma moça que não sabe costurar nem cozinhar se casar? Acho que
é por isso que os casamentos não dão muito certo hoje…”).
Para trazer à memória essa época que alimentava sonhos de
professores e alunas do internato, partimos, inicialmente, de uma imagem e suas
identificações, para buscar aquilo que saltava aos olhos, dando dicas de um lugar
e um tempo na história pelos encontros poéticos com os documentos escritos
pelas moças enquanto alunas.
Considerações finais A formação da identidade feminina
172
Figura 117
Local: sala de corte e costura do internato
Fotógrafo: não-identificado
Quantidade de fotos: 01
Características: preto e branco
Tamanho original 12X18 cm; papel fosco; conservada; bom contraste
Armazenamento: avulso (arquivos da instituição)
Legenda (descrição): Suzuki-sensei com as alunas em aula de corte e costura
Se as mudanças na sociedade da época decorriam da necessidade de
uma contribuição feminina no orçamento familiar, a possibilidade de trabalhar
profissionalmente com o corte e costura, permitia a essas moças aumentar a
renda sem deixar de cumprir seu papel de mãe e esposa, reafirmando o que
Campos (1996: 187) salienta, “desempenhar (…) uma atividade profissional,
desde que esta não prejudique sua função principal”. Mais que isso, o curso de
Considerações finais A formação da identidade feminina
173
corte e costura era um ideal de vida, como pode ser percebido em uma matéria
redigida por uma aluna para o Boletim Ayumi, intitulada “Meu ideal”.
“Tôda profissão é nobre, desde que seja digna. Muitas existem, mas é
bem certo que médico porque existe doente. Portanto, uma
profissão existe em função de uma necessidade. Na escolha da
profissão que seguiremos, fatores importantíssimos, como sejam: a
inclinação e o ideal. O ideal que acalento desde muito, vejo-o agora
próximo a se tornar realidade. Esse sonho é o de me tornar professora de
corte e costura. Deste diploma, não usarei apenas como uma arma
profissional, mas sim para orientar centenas de jovens, para os místeres
do lar. Estou certa, a recompensa será a satisfação de ensinar e ser útil
ao próximo. Na conquista deste ideal, armo-me da mais firme energia
para vencer todos os obstáculos que se me depararem. Vejo quão árduo
é o caminho a percorrer mas é na conquista pelo esforço que repousa a
verdadeira glória. Lá, no fim do caminho pedregoso, rebrilha a moeda de
ouro que pagará todo o sacrifício que eu fizer para que meu sonho se
transforme em realidade.”
82
(grifo nosso)
O texto reforça novamente a idéia da profissão como uma necessidade.
No caso das ex-alunas desse internato, o fator inclinação é um dos facilitadores.
Que inclinação seria essa? Poderia ser a da própria condição de mulher, que
cuida de casa e da família, sendo que para isso, o corte e costura fosse uma
característica intrínseca da identidade feminina? É bem provável que sim, visto
que na voz de uma das depoentes, era uma tarefa a ser cumprida naturalmente
pela mulher.
“[…] naquele tempo, no começo, se as moças não aprendiam costurar,
não podiam casar… precisavam aprender a cozinhartudo isso… Então
todo mundo vinha aprender a costurar. (…) Naquele tempo, sabendo
costurar, sabendo cozinhar era uma boa esposa. Acho que naquele
tempo a família era mais unida. Os casais também se davam bem. Agora
nem casamento tem!... Todo mundo “junta”... Então esmudando tudo,
não acha? (Sumiko)
Ainda em relação ao artigo, o ideal entrelaça tanto a possibilidade de
fazer dessa atividade quotidiana uma realização profissional como levanta a
questão de eventuais dificuldades para chegar a tais conquistas. Quais os
obstáculos a serem vencidos colocados pela autora? Se a recompensa é a
atuação como professora, o “caminho pedregoso” como coloca Watanabe (1954:
82
WATANABE, H. Meu ideal.In:”Boletim Ayumi”. São Paulo: 1954, n
o
5.
Considerações finais A formação da identidade feminina
174
1) está durante a formação profissional. Seriam financeiros? Familiares? Numa
época e numa sociedade onde a competência da mulher ainda se restringia muito
às tarefas do lar, a idéia de uma profissão, mesmo que ainda bastante feminina,
era, por vezes, mal recebida.
Porém, essas fortes mulheres encontraram seus meios e conquistaram
seu espaço tanto pessoal quanto profissional. Em sua maioria, edificaram famílias
e, não apenas contribuíram no orçamento familiar, como também, por vezes,
foram responsáveis pela principal fonte de renda.
Nesse ponto, convido o leitor para retornar à fotografia da página cento
e setenta e dois, e buscar as histórias que cada uma das alunas pode contar em
suas expressões faciais repletas de esperanças e objetivos profissionais,
ansiedades e dúvidas em relação às conquistas futuras. Nessas máquinas que
costuravam além de roupas, o traçado de vidas apenas alinhavadas. Na alegria
expressa no sorriso de Suzuki sensei
83
(figura central), a certeza de recompensa,
podendo, nas palavras de Watanabe (1954: 1) “ensinar e ser útil ao próximo”.
Condição sine qua non para ser uma boa esposa, saber costurar e
cozinhar, encontramos na história de Takiko Ota, a confirmação de sua relevância.
com data marcada para o enlace matrimonial, é levada, pelo próprio noivo, à
São Paulo para cursar o “Saihou Jogakuin”, onde permanece em regime interno
por três meses, para aprender, principalmente, os “ofícios” de corte, costura e
culinária. Formanda na turma de trinta e nove, casa-se em novembro do mesmo
ano.
A seguir, parte da entrevista cedida por Takiko, com o apoio de sua filha
Tomoko nas narrativas e tradução simultânea. Edson, meu esposo, também
colaborou na entrevista e traduções.
83
Sensei professor, mestre. Para o japonês, essa representação tem o poder de autoridade
maior.
Considerações finais A formação da identidade feminina
175
“Edson: Saiu de Aliança pra fazer o curso, se formar e voltar pra casar.
Ela estava contando que se formou em setembro para voltar e casar
em novembro. Tinha data pra fazer tudo.
Setembro de kaete kara novembro ni mo casa shita no. Pelo que falou,
parece que o marido dela, o futuro marido já tinha escolhido a escola. (...)
Jyu hati, dezessete anos ela tinha.
Takiko: casei com dezoito anos.
Tomoko: Tinha dezoito anos, dezenove ela já era mãe!
Regina: Aí ele levou ela para se preparar pra aprender a cozinhar e saber
costurar…
Tomoko: Para saber cozinhar porque o fato é que a minha mãe era
louca, imagina… Ela casou com um homem que era o primogênito de um
viúvo e tinha três cunhados mais velhos que ela. Você imagina naquela
época, né? E foi morar tudo junto. Você imagina o que ela não passou…”
Esses requisitos vinham acompanhados de um aprendizado no sentido
humano de “ser esposa” e “ser mãe”. Esses potenciais eram estimulados para
serem executados com sabedoria.
Embora o enfoque maior dado pelas ex-alunas tenha sido ao fato de
saber costurar e cozinhar, uma peculiaridade que também servia como grande
atrativo pela busca do internato era o ensino de língua japonesa. Mais que isso,
encontramos entre os artigos do Boletim Ayumi, a aprendizagem do idioma
japonês como uma “necessidade”:
“Se me perguntassem ‘o por que’ de estudar o japonês… talvez se fôsse
pouco tempo atrás, o poderia responder prontamente. Depois de
pensar muito, cheguei a conclusão de que nós nisseis, temos uma
grande parte a cumprir para a união mútua dos dois países. Para isso,
em primeiro lugar, sem dúvida nenhuma o português é indispensável,
pois nascemos e vivemos aqui. É uma ‘obrigação’ nossa, pois é a língua
mãe. Mas se somos filhos de japoneses, por que o saber também a
língua japonesa, a língua dos nossos pais, que nêsses últimos tempos
vem se destacando sobremaneira. Às vezes, por o sabê-la, perdemos
oportunidade de fazermos amizade com pessoas japonesas; mesmo com
os nossos pais que quase não sabem o português, não haveria
intimidade, confiança, tão indispensável para que a família seja feliz,
poderia ocasionar talvez, a separação entre pais e filhos, na dificuldade
de relação entre eles. Ainda mais, com a vinda nesses dias de japoneses
cultos, é necessário sabermos o português e o japonês para maior
compreensão de ambos; eles e nós nisseis. Para continuarmos o que
nossos pais fizeram até hoje com sacrifícios, para o bem dos dois países,
a fim de elevar a cultura, tanto do Brasil, quanto a do Japão.”
84
84
OSHIDA, Y.A necessidade da aprendizagem da língua japonesa. In: Boletim Ayumi, São Paulo, 1 jun. 1961,
n. 22, p.1
Considerações finais A formação da identidade feminina
176
Em relatos atuais, as ex-alunas relembram o motivo da escolha:
“[…] nós mudamos para São Paulo por causa do meu pai que começou
dar aula na Akama-san… então eu também larguei nihongo
85
e fiquei
alguns anos sem estudar nihongo estava esquecendo, perdendo…
meu pai falou “ah, não! Tem que aprender a falar nihongo! então tem
que falar nihongo, aprender mesmo, vai no Akama-san, que sozinho,
santo de casa não faz milagre!... (risos)… entrei nesse curso, Jogaku-
bu
86
, por três anos…” (Tyoko)
“Quem incentivou pra mim ir na Akama-sensei foi meu avôpai do meu
pai… interessante, né?... Ele que quis que eu fosse, não queria que eu
estudasse português. Ele queria que eu fosse na Akama-sensei em São
Paulo…não sei de onde que ele colheu essa idéia, mas ele queria que eu
fosse. Então todas, eu e minha irmã... Ficamos 5 ou 6 anos na Akama-
sensei. Estudamos lá… omoshiroi
87
, né?” (Aiko)
Corte e costura, japonês, formador de boas noivas… quais motivos
levavam essas moças a se matricularem (ou serem matriculadas por outrem) no
“Saiho Jogakuin”? Por que a escola exercia tamanho magnetismo nas
descendentes nikkeis espalhadas por todo o Brasil, concentrando esse específico
grupo de representantes nipo-brasileiros em um cleo tão peculiar? Ao oferecer
serviços para atender uma demanda carente de atenção, a escola se formou,
cresceu e ganhou fama entre os imigrantes japoneses e seus descendentes.
A continuidade nos estudos era também uma oportunidade para as
alunas que buscavam a instituição. A possibilidade de completar seus estudos no
Jogaku-bu, equivalente ao curso ginasial nos moldes da educação japonesa era “o
máximo”, na descrição de Rutsuko.
“[…] aos quatro anos e meio, vim para cá. Depois, acho que eu tinha uns
doze anos vim pela segunda vez para São Paulo com a minha irmã.
Terminei o grupo escolar e a minha irmã achou que eu deveria cursar o
Akama Jogakuin, porque a escola era já famosa, sabe? … É… era
conhecido por hannainogakou, escola para futuras noivas… A escola era
famosa… e esse Jogaku-bu, que era o curso ginasial, se chamava
também Onnadaigaku
88
No Japão existiu… não sei se na idade de
Meiji, tinha uma escola Onnadaigaku. Mas deveria ser totalmente
85
Nihongo – língua japonesa
86
Jogaku bu equivalente ao ginasial japonês
87
Omoshiroi - divertido
88
Onnadaigaku – faculdade para mulheres
Considerações finais A formação da identidade feminina
177
diferente da nossa aqui. que, como, na colônia, era uma escola sui-
generis , as meninas iam estudar essa parte que realmente era para
meninos… então diziam também que ali, o Jogaku-bu era Onnadaigaku.
Ah!... era o máximo!... Para estudo de meninas, era o máximo! Nihongo,
né… é!...” (Rutsuko)
O regime de internato, no qual as moças podiam estudar e residir,
oferecia facilidades na aceitação dos familiares. Ao imaginarmos a situação de
uma filha “mulher” de pais “japoneses” dar seqüência nos estudos em locais
longínquos, podemos sentir as barreiras e preconceitos a serem vencidos na
época. A imagem conceituada e reconhecida na comunidade nipo-brasileira do
internato e da responsável Michie Akama, era uma condição facilitadora para que
essas famílias confiassem na instituição e delegassem a ela, os cuidados e
educação de suas filhas.
“[…] Foi o seguinte, eu conheci através de uma parente, com quem eu
morei em Pinheiros mesmo. Na época, eu fazia ginásio e a outra
estava na Akama gakuin Furukawa, Furukawa… hoje Kawamata,
Kinoko. que eu fiquei sabendo da existência do Akama gakuin, né.
Depois que eu terminei o ginásio… eu gostava muito de estudar… mas
meus pais não tinham condições de continuar pagando os estudos pra
mim. Aí, na época, eu acho que deu pra pagar o corte costura na
Akama gakuin. Então eu fiz o curso de seis meses e terminei… eu
queria estudar… queria estudar… e aí eu tive conhecimento, nem sei
como, de que Akama-sensei precisava de uma tesoureira. Então eu
pensei, eu posso trabalhar, porque meu pai não deixava que eu
trabalhasse fora, que…sabe aquele orgulho de japonês que filha não
podia trabalhar fora, né? (…) Bom… mas eu sabia que ele deixava,
porque eu fiquei interna lá…(…) então, logo no ano seguinte eu
comecei no Jogakuin, né?...Jogakubu. Então é… 49, 48, 47…46!... 1946,
é!...Fiquei como tesoureira e meio que secretariando Akama-sensei
também. Então eu tive muito contato com a sensei, é. (…) eu fiquei
interna, trabalhando e estudando, até quando a gente se formou… seria
até curso ginasial… todinho em japonês. Foi quando eu tive assim, um
conhecimento total, porque o curso era assim como o ginásio que teria
geografia, história, enfim tudo, um curso completo… e tinha aula de moral
e ética de Akama-sensei… (…) shushin… moral e cívica… é moral...
shushin… (Kazuko Baba)
Considerações finais A formação da identidade feminina
178
Costurando os caminhos
“As inteligências dormem. Inúteis são todas as tentativas
de acordá-las por meio da força e das ameaças.
As inteligências só entendem os argumentos do desejo:
elas são ferramentas e brinquedos do desejo”
Rubem Alves
Nas reconstruções das memórias desse seleto grupo de descendentes
nikkeis pelas imagens e depoimentos orais, em suas histórias de vida e as
relações que se identificam entre as expectativas de alunas e as trajetórias
percorridas em sua constituição hoje edificada, trago os fechamentos. A presença
de Michie Akama e seus ensinamentos deixam marcas que se evidenciam nas
diversificadas construções de vida.
Sumiko, ex-aluna e ex-professora do internato, ao retornar para Atibaia
monta sua própria escola que, pela necessidade da época, com as alunas vindas
de lugares longínquos, reproduz o modelo de Michie.
“Montei aqui embaixo. O pai comprou uma casa e, na garagem, eu
dava aula… foram aumentando os alunos. Como ficou um pouco
apertado, alugamos uma casa lá em cima que era pensão, antiga pensão.
Tinha mais de dez quartos assim. Naquele tempo, como não tinha ônibus,
a turma do sítio queria estudar, mas não podia vir, então pousava tudo
em casa. Tinha mais de, tinha umas quinze pessoas assim, que ia no
Ginásio estudar, e tudo. Acabou ficando interna, por causa que não tinha
condução. Não é como agora, que todo mundo tem carro. Naquele tempo,
ninguém tinha carro, nem ônibus passava, então elas vinham em casa,
como gaijin
89
, nihonjin
90
ficava. Ficou como uma pensão e tinha duas
salas, eu dava aula de costura. Naquele tempo, tinha bastante aluna,
todo mundo queria aprender costurar, nihonjin então, se não soubesse
costurar não podia casar né? (risos) e elas estudavam costura, depois ia
no ginásio, tudo... Funcionou bastante tempo. Trinta anos.
Depois começou, quer dizer, entrar muitas dessas roupas feitas, elas
já… os japoneses também estavam mais folgados, então deixavam as
meninas estudar e não mandava mais. Depois todos compram carro
então fica mais fácil. ficaram poucas alunas, como tinha roupa, tudo
comprado, assim, mais fácil… aí fechou, aí eu fechei.” (Sumiko)
89
Gaijin – estrangeiro (pessoa que nasceu fora do país, no caso, do Japão)
90
Nihonjin – japoneses (descendentes de forma geral)
Considerações finais A formação da identidade feminina
179
Porém, em seu plantio, deixou uma semente que, ao amadurecer em
outra época e lugar, se adaptou às novas condições e ganhou a beleza de um
fruto resistente, sua filha Yurika, que fez da costura a sua arte:
Ela aprendeu comigo... É, no tempo que ela aprendeu comigo, ela
queria ir no baile, eu falei, assim, cortar eu corto só que você costura. Ela
costurava até terminar pra depois ir no baile, ia no baile com vestido,
precisava sempre é vestido novo pra ir no baile. Assim ela foi aprendendo.
Ela, agora também fazendo um trabalho na Globo né, esses dias es
meio parada, mas ela fazia novela, minissérie assim, o figurino, cenário,
tudo é ela… Todo filme que a Tizuka faz ela ajuda né, faz o figurino e
cenário, tudo.Na primeira vez, quando ela foi lá no Norte, a Tizuka estava
filmando e chamou, ela ficou vendo e gostou. Depois, bem, primeiro a
Tizuka falou assim, você faz assim, desenha propaganda, diversos
desenhos… ela desenhava e fazia propaganda. Assim foi pegando
Agora ela é Diretora de Arte (risos). Também estudou arte em São Paulo,
como é que chama? Ali, ... esqueci.
(...) Aquele do Haru Natsu”, aquele ela também fez, ajudou. Figurino e
cenário, tudo. É… o lado de cá, em Campinas. Ela mostrou o que ela é, e
eles assustaram né, aí, japonês vem aqui, o que é que sabe? Não sabe
nada de Japão… Lá do Japão vem aqui, costume tudo, na lavoura,
tudo… ela fez de tudo. Tudo, casa, aquela casa velha foi tudo, desde o
começo, ela fez. Quando eu fui ver, pensei que era construído faz
tempo. Não, ela fez igualzinho daquele tempo. Por dentro, tudo, fogão,
onde colocam os porcos, galinhas, fogão de dentro de casa, tudo, tudo, é
tudo fez tudo, ela faz mesmo.” (Sumiko)
Não apenas do Corte e Costura se fez a fama da escola. O Curso de
Língua Japonesa, altamente qualificado, foi o grande diferencial na vida de muitas
ex-alunas que, como Aiko ou Tyoko, puderam escolher (ou serem escolhidas por)
seus esposos de uma elite japonesa, recém-chegada no Brasil e altamente
qualificada.
Para Shigeru Fujita, esposo de Aiko, o conhecimento fluente da língua
japonesa foi um dos principais quesitos que a colocavam numa condição de “boa-
noiva” para um imigrante japonês.
“Colegas do trabalho sempre falavam que para nós japoneses, a esposa
tem que ser japonesa ou nissei. Qual é melhor? Então surgiu uma idéia.
Para nós japoneses, a esposa, se fosse nissei tinha que ser formada no
Akama gakkou. Quando é formada no Akama gakkou, fala direitinho o
japonês e às vezes e escreve também, mais ou menos igual à
Considerações finais A formação da identidade feminina
180
japonesa… é uma idéia né?... esposa ideal… para nós, Japão novos… e
trabalhei. Trabalhei cinco, seis anos em São Paulo. Tive transferência,
fui trabalhar em Londrina e uma pessoa me apresentou… (aponta a
esposa Maria, sorridente) E ela estava pensando que marido tinha que
ser de Tokyo, porque pessoa de Tokyo fala nihongo standado e eu
sou de Tokyo!”
Ela, por sua vez, numa condição de pertencimento a uma “elite” dentro
da colônia japonesa, tinha o “poder” da escolha:
“Tinha muitos pretendentes… e eu…(Aiko gesticula indicando escolha,
separação com a mão direita espalmada para fora, fazendo
movimentos de exclusão…).
Hoje, com sua família solidamente constituída e mantendo seu ateliê
em pleno funcionamento em São Bernardo do Campo, Aiko repassa os valores de
seus ancestrais, orgulhando-se de manter a língua de sua origem, viva em sua
família por meio de seus descendentes.
“Todos falam japonês… Minha filha mais do que eu, porque ela mora no
Japão… melhor do que eu… nihongo em casa, os meus filhos, os
meus netos falam em nihongo, eu exijo. Fora… Saiu fora da porta…
Então em casa, a gente fala em nihongoeu queria assimeu
acho tão bonito meus filhos todos falando em nihongo comigo, né?..
quando precisa já fala em nihongo. Quando a minha filha, quando foi para,
como é que é… (Bolsa de estudo…) Todos se admiraram, um sansei
falando em nihongo porque eu insistia em casa. Depois casou lá.”
(Aiko)
Numa primeira instância, podemos perceber a fluência no idioma
japonês como uma necessidade até relacional no núcleo familiar, ou mesmo, uma
ligação com suas origens culturais, porém, mergulhando em memórias escritas ou
narradas, o aprendizado da língua japonesa ganha âmbitos de um nobre ideal
como o de “elevar a cultura, tanto do Brasil quanto do Japão para o bem dos dois
países”. Nesse contexto, encontramos Rutsuko Mochizuki, professora da Rede
Estadual de Ensino, atuou paralelamente em traduções e legendas para cinema e
televisão (qualificada no idioma japonês pelo “São Paulo Saiho Jogakuin” e
português pela graduação em Letras na “Universidade de São Paulo”) devido ao
seu alto desempenho profissional.
Considerações finais A formação da identidade feminina
181
“Tem uma firma chamada Marubeni, eu entrei porque eu sabia
japonês, graças a Akama-gakuin. Lá havia todos os departamentos e ela
começou a importar filmes. Aí, no primeiro filme, eles não encontraram
alguém que traduzisse. Alguém falou: Você o quer começar a
traduzir? deu o primeiro filme e falou: Acho que funciona. E a partir
daí, eu comecei a traduzir filmesnão parei mais de traduzir filmes
fiquei uns trinta anos, até os cinemas fecharem eu continuei traduzindo
filmes… legendas. Fiz concurso e me tornei funcionária pública, me
aposentei. Continuo dando aulas de português para japoneses. Ah!
Ajudei na confecção do Dicionário do japonês para português do padre
Coelho e de português para japonês, pela Aliança.” (Rutsuko)
A dupla jornada ocorre em função da mulher trabalhar dentro e fora do
ambiente doméstico. O modelo de Akama-san, muitas vezes, seguido por suas ex-
alunas, traçou o perfil de inúmeras líderes, dentro e fora das comunidades nipo-
brasileiras. A conciliação dos papéis de esposa, mãe e profissional bem sucedida
não era tarefa fácil para se cumprir, mas, nem por isso, impossível. Existiam
algumas variáveis sociais, na época, que as ajudavam no desempenho de suas
funções, como por exemplo, avós residindo no mesmo lar, e moças que, para dar
continuidade aos estudos, necessitavam morar fora de suas cidades interioranas,
atuando como babás para poder se manter. Com a devida retaguarda nos papéis
femininos, podiam se empenhar profissionalmente, conquistando posições de
chefia. Apresento aqui, o caso de Kazuco Miyasaka que, coincidentemente ou não,
foi professora e coordenadora de atividades bastante similares às de sua
professora Michie Akama:
“Tudo em Campinas. Eu trabalhei 30 anos, no Serviço Social da
Indústria, no SESI, que é um tipo de uma escola, não como a atual
Akama-san, mas como a antiga… ensinava corte e costura, ensinava
bordado, ensinava economia doméstica, tinha aula de puericultura, tinha
aula de educação sanitária, educação sexual, tudinho assim, curso de
noivos… o noivo aprendia a parte de conserto de ferro, essas coisas
miúdas. Curso de noivos ensinava também a dar banho no neném,
davam os dois, sabe? era uma escola pra noivos mesmo Era pras
senhoras da indústria, industriários é que tinham direito a freqüentar os
cursos, então tinham crianças de três até noventa anos. Tinha avó e neto
freqüentando, tinha de todas faixas etárias, diversos grupos. Era bem
agitado, tinham umas oitocentas alunas, eu fiquei trinta anos nesse
serviço. Aposentei lá. Entrei solteira, s avó. Você acredita? E é uma
delícia. Era um lugar onde me realizei bastante, fazia tudo o que eu
queria, era encarregada de lá, era chefe lá.”
“Tinha assim o prêmio de não faltar ao serviço assim também. Sempre
chegava meia hora antes, ou uma hora antes, saía sempre mais tarde,
Considerações finais A formação da identidade feminina
182
uma hora mais tarde do serviço e, nesse meio tempo, ainda, fiz uma
faculdade de educação artística à noite. Depois que eu saía do serviço,
oito horas, nove horas eu ia pegar aula na PUCC de Educação Artística,
gostava muito dessa parte da arte também, fiz a faculdade de 4 anos
ainda. Acordar cedo, dormir pouco… Com esposo também é difícil, você
tem que controlar melhor ainda as coisas, pra não dar atrito nas coisas,
tem que se desdobrar. Em geral, o homem não quer saber muito, ele
quer mais é agrado e só...
Eu tinha o Lincoln, primogênito, fazia pouco tempo, aí minha mãe ajudava
muito, quando precisava, ela vinha e ajudava… pra amamentar, ela
levava até a escola, tomava um bondinho, morava em Campinas nessa
época. Tomava o bondinho, levava lá, amamentava, voltava. pra não
perder o tempo de sair, porque tem uma hora de amamentação, mas ela
que ia, levava e trazia assim pra casa… de bonde, tomava o bonde com
a sacolinha, vinha. Me ajudou bastante. Ela faleceu com noventa anos, e
depois que já estava tudo mais ou menos crescido que ela faleceu, e meu
pai faleceu com noventa e três anos e sempre os dois colaboraram
bastante... Mas eu tinha babás. Era assim: eu pegava uma pessoa que
queria estudar, do interior, inclusive teve uma que ficou, quantos anos…
Ela fez o ginásio em casa 4 anos, fez colegial mais 3 anos, mais 5 de
faculdade. Ela fazia um período e uma outra fazia outro período, fazia
uma troca.” (Kazuco Miyasaka)
Michie Akama, educadora em seu sentido mais amplo, ao ofertar
grande variedade de cursos, onde tentava descobrir, ou melhor, permitir às alunas
a descoberta de interesses, que pudessem fazer delas, mulheres plenamente
realizadas em sua vida futura, respeitando as características e inclinações
pessoais, individualmente, atingiu, sem o perceber, um objetivo maior.
Temos então, na diversidade das formandas:
Takiko Otta, formanda de trinta e nove, uma das primeiras turmas do
internato, que constituiu numerosa família, administrando as funções do lar e
sempre trabalhando ao lado do esposo em seus negócios próprios (hotel, granja e
relojoaria).
Mayumi Yoshioka, que, após formar-se no “São Paulo Saiho Jogakuin”,
foi lecionar no interior de São Paulo por aprovação em concurso público,
encerrando as atividades profissionais ao contrair matrimônio para ser uma
esposa e mãe exemplar.
Considerações finais A formação da identidade feminina
183
Tyoko Shimano que, formada em Ciências Sociais na Universidade de
São Paulo, deixou seu trabalho como pesquisadora para dedicar-se à criação e
educação dos filhos.
Sumiko Akiyoshi, aprovada no curso de Habilitação ao Magistério,
também viúva, fundou sua própria escola de Corte e Costura no interior de São
Paulo, portanto, uma multiplicadora dos moldes de Michie Akama.
Aiko Fujita, que mantém ainda hoje, seu atelier de costura em atividade
na cidade de o Bernardo do Campo, atividade que conciliou com seu papel de
esposa e mãe, por toda trajetória pessoal.
Kazuco Sakiara Miyasaka, nutricionista pela Faculdade de Higiene e
Saúde Pública da Universidade de São Paulo.
Rutsuko Mochizuki e Kazuko Baba, que dedicaram-se ao lado
profissional onde obtiveram grande êxito.
Considerações finais A formação da identidade feminina
184
Os arremates
“A tarefa do professor: mostrar a frutinha. Comê-las diante dos alunos.
Provocar a fome. Erotizar os olhos, fazê-los babar de desejo.
Acordar a inteligência adormecida.
Aí a cabeça fica grávida: engordar com idéias.
E quando a cabeça engravida não há nada que segue o corpo.”
Rubem Alves
Casadas e do lar, mães e esposas. Casadas e “trabalhando fora”, mães
e avós. Solteiras, por opção, e com destaque na carreira profissional edificada de
forma brilhante. Acima de tudo, guerreiras. Embora a escola tenha ficado famosa
como formadora de “boas-noivas”, Michie Akama, intencionalmente ou não,
conseguiu mais que isso, formou líderes. Meninas que, ao regressarem às suas
famílias, tornaram-se mulheres multiplicadoras dos ensinamentos ministrados na
instituição. Educaram filhos, ajudaram os esposos na administração do lar,
ganharam o mercado de trabalho, competiram, venceram. Escreveram livros,
viraram empresárias e sustentaram famílias.
Pensar na verdadeira intenção de Michie, camuflada ou não pela
simplicidade da denominação “Escola Feminina de Corte e Costura”, se perderia
em vagas suposições. A verdade “revelada” por essas reconstruções de vida pode
trazer alguma concretude a esses “objetivos” conquistados. Ou o. Ainda que,
em seus escritos e palestras, em suas aulas e doutrinas, Michie oferecesse
padrões de conduta a serem seguidos para ser uma “esposa ideal”, comprometida
com os afazeres do lar, sua trajetória de vida faz dela um modelo diferente de
mulher. Viúva ainda jovem, com um filho de apenas nove anos de idade, residindo
num país de língua e costumes distintos de sua origem, e “mulher japonesa”…
Guerreira no exemplo.
O lado frágil e servil de conduta feminina que “segue” o marido, no
sentido de apoiar e ser boa companheira, por ocasião da viuvez, é substituído pela
garra de uma batalhadora que, me permito um trocadilho, necessita “sobreviver no
Considerações finais A formação da identidade feminina
185
Brasil”. Chamada a retornar ao seio de sua família no Japão, possui enquanto
sensei (professora), um compromisso maior, assumido junto às alunas e
respectivas famílias que confiaram suas vidas para serem lapidadas em sua
instituição.
Os ensinamentos ministrados ofereciam o conjunto de qualidades e
atributos que aprimoravam, além das práticas femininas do quotidiano, a
delicadeza e sensibilidade do ser humano. O modelo da “brava” mulher guerreira,
detentora de grande conhecimento cultural e habilidades administrativas de uma
empresária, por sua vez, se abriu a seguidoras. Aquilo que “se faz”, geralmente
fala mais alto do que aquilo que “se diz”. Por meio dessas interações, cada
menina, moça ou mulher que por ali passou, pôde encontrar seu próprio caminho,
sua própria identidade. Feminina.
Não sou antropóloga nem artista. Sei costurar, sei cozinhar… e o.
Não fui aluna do “São Paulo Saihou Jogakuin”. A última turma se formou em 1981.
Nasci em setenta. Não foi possível pertencer a essa reconhecida elite de moças.
Porém, tive o privilégio de conhecer a mentora, no alto de seus noventa anos de
idade e respirar parte desse ar que me serviu de inspiração. No contato com as
ex-alunas e nas relações carinhosamente estabelecidas com essas então
senhoras, realizadas em sua vida pessoal e profissional, a possibilidade de
recuperar uma história não mais perdida no tempo e espaço, mas agora,
registrada. “Moças” que me permitiram entrar em suas vidas e “beber” de suas
histórias. Delicadas, guerreiras, vitoriosas. Meu maior aprendizado para a vida.
Sempre.
Sou filha, sou nora, sou neta. Sou esposa, sou mãe… querendo
aprender a sê-lo.
Considerações finais A formação da identidade feminina
186
À guisa de conclusão:
Tínhamos, ao iniciar esta dissertação, como propósito maior o de poder
aprofundar a questão da etiqueta para bem viver no Brasil, apontando, em
especial, para esta temática quando relacionada aos comportamentos requeridos
por ocasião do casamento.
Numa primeira parte, fizemos uma breve retrospectiva da imigração
japonesa, o reposicionamento do imigrante em nova terra, para então debruçar o
olhar no contingente feminino, em direção à mulher nikkei e da situação
educacional nipo-brasileira, a absorção de novas funções dentro e fora do
ambiente doméstico.
Depois, afunilando nossa pesquisa, além de encarar o mundo feminino
presente no Brasil, apontamos, em especial, para o Internato São Paulo Saihou
Jogakuin, escola que se propunha a dar uma formação completa no que tange à
educação feminina, abordando desde saberes domésticos necessários a uma boa
esposa, que partem desde a culinária, o corte e costura, até normatizações de
etiqueta e refinamento intelectual.
Chegando , descobrimos que nossa tarefa se tornava cada vez mais
complexa na medida em que, além de (re)situar a Fundação e as diferentes
etapas pelas quais passou a instituição, com inclusões de novos cursos,
adquirindo maior abrangência curricular, tínhamos uma riqueza de relatos
advindos de um grupo seleto de informantes, ex-alunas do Internato, com suas
fotografias e memórias de seu quotidiano no educandário que remontavam
verdadeiros documentos que deveriam ser recuperados para uma reconstituição
histórica e social.
A aproximação junto a essas informantes, as quais encontramos por
conseguirmos a localização atualizada de sua moradia, proporcionou a esta
Considerações finais A formação da identidade feminina
187
pesquisa a reconstrução específica de um tempo e espaço que, não fosse por
esses meios, talvez não teríamos acesso.
Isto sendo, reconhecemos que não chegamos a mergulhar no que,
decerto, será o elemento central de futuras pesquisas: a saber, o esboço matizado
dos comportamentos da mulher japonesa vivendo no Brasil, no que diz respeito a
sua função de esposa.
Apesar dessa delimitação, concentramos na parte final da dissertação
alguns textos retirados de quatro livros (Burajiru seikatsu de no etiketto,
Katarigusa, Katarigusa o otte, Kouen no tabi), traduzidos diretamente do japonês
para o português e que giram em torno da temática acima referida.
Glossário A formação da identidade feminina
189
GLOSSÁRIO
Batyan – tia
Bonsai árvore mantida em tamanhos reduzidos, por meio de podas e
amarrações.
Burajiru seikatsu de no etiketto etiqueta para viver bem no Brasil. Burajiru é
“Brasil”. Seikatsu seria o próprio sentido de “viver”, e etiketto, “etiqueta”.
Butsumetsu – morte de Buda
Butsuzen kekkon – casamento budista
Dousoukai dou é “igual”, sou, “janela” e kai é associação. Seria uma espécie de
associação de colegas de turma, “alunos de mesma sala, mesma janela”.
Gaijin estrangeiro (pessoa que nasceu fora do país, no caso, do Japão), não-
descendentes, os brasileiros. Trata-se de uma indicação lingüística do outro, do
que não pertence ao grupo.
Gambarou - continue dando o seu melhor, não desista.
Gakuin – instituto educacional
Gofukuji – pano
Gohan - arroz cozido sem tempero nenhum
Gueza – situação definida como de posição inferior.
Hakama – calça no estilo japonês
Hashi – palitos de madeira
Hiragana - é a variedade de fonogramas, empregada na grafia de quase todos os
elementos da língua japonesa, exceto os de origem estrangeira, que não a
chinesa.
Ikebana espécie de arranjo floral japonês onde se busca a beleza no equilíbrio e
a harmonia da colocação das flores
Issei - imigrantes japoneses natos, da primeira geração.
Glossário A formação da identidade feminina
190
Itijyuu sansai - cardápio básico da culinária japonesa, consiste em 1 sopa e 3 tipos
de pratos diferentes; a sopa, comumente é de “missoshiru”, caldo de soja
Jouza – local principal do zashiki, sala no estilo de construção japonesa.
Jumbi - significa “preparatório”. Era o curso intermediário entre Jogaku-bu e Katei-
ka, ou seja, o curso admissional ao Jogaku-bu.
Kaishi – lenço de papel
Kanjiideograma japonês
Kasato Maru todos os navios comerciais apresentam a terminação maru. Kasato
é o nome da embarcação, que, se fosse traduzida literalmente, seria algo como
“porta”, “abertura”, mas não é usual fazê-la.
Katarigusa katari: “contar” (contos); kusa: “planta”, “capim”; porém o existe
uma tradução literal para a palavra, pois a intenção da autora é dar um sentido
poético ao título. Deve-se para tanto, levar em consideração a origem japonesa da
autora, o que pode ajudar a compreender melhor a alusão à natureza, algo natural
da formação nipônica.
Katei significa “família”; ka significa “setor”, “seção”, “curso”, etc. Era o curso
equivalente ao primário do Japão, com seis anos de duração e dividido em
Hanagumi – “Flor” e Hoshigumi – “Estrela”.
Katei kekkon – casamento doméstico
Katsuobushi – peixe seco, “bonito”.
Kayoi-zen - bandejas destinadas individualmente
Kirisuto kekkon – casamento cristão
Kobachi - variedades de comidas em pratinhos
Kokoro - coração
Kombu (Alga) sendo planta aquática vigorosa e procriadora significa ter muitos
filhos, garantindo a perpetuação da descendência.
Kouen no tabi Kouen significa “palestras”, “conferências”; tabi quer dizer
“viagens”. Portanto, no título do livro, “viagens de conferências”.
Glossário A formação da identidade feminina
191
Kou no mono - conservas e verduras ou legumes
Mayoi hashi - quando a pessoa vacila para buscar quais pratos escolher.
Miai-kekkon - arranjo
Missoshiro – sopa à base de soja
Mokuroku lista
Muko youshi para manter o nome da família da noiva, quando essa é filha única,
ou o possui nenhum irmão homem, o noivo recebe o nome familiar da noiva
para dar continuidade.
Nakoudo - padrinhos
Nihongakou – escola de língua japonesa
Nihongo – língua japonesa
Nihonjin – japoneses (descendentes de forma geral)
Nikkei: todos os descendentes de japoneses que não nasceram no Japão
(segunda, terceira e demais gerações).
Nimono - cozidos em geral
Nissei: ni-“dois”, sei-“nascimento”: “segunda geração”
Ochazuke - prato de arroz com chá como elemento principal
Omiai - apresentação de uma jovem a um jovem e vice-versa com objetivo
matrimonial, é um tipo de casamento “arranjado”, no estilo japonês
Omoshiroi - divertido
Onnadaigaku faculdade para mulheres
Oshibori toalhinha úmida, que é oferecida antes do início da refeição, para
higienização da mão.
Otte “continuar”. Dependendo do contexto, é utilizado no sentido de
“continuação”
Glossário A formação da identidade feminina
192
Otyou e metyou pequenas garrafas de cerâmica com enfeites simbolizando,
respectivamente, borboletas masculina e feminina.
Owan – tigela de madeira, com intenção de manter a temperatura do alimento
Quimono vestimenta japonesa
Ren-ai kekkon – escolha livre
SaihouCorte e Costura; Jogakuin – Escola Feminina
Sakazuki – taça adequada para o ritual san san kudo
Sanrinbo – mau agouro
Senkou-ka - significa especialização. Com quatro anos de duração, era o curso de
extensão do Shihan-ka
Sensei professor, mestre. Para o japonês, essa representação tem o poder de
autoridade maior
Shihan - significa “mestre”, “professor”, “instrutor”. Era o curso de extensão ao
curso Jogaku-bu (equivalente ao curso médio do Japão)
1
Shogun governante, chefe de estado no Shogunato - que mantinha o país em
uma forma de governo sob o comando ditatorial e praticamente mergulhado em
um sistema feudal - para a abertura do Japão para o mundo.
Shujin - é a maneira como a ‘boa-esposa’ deve apresentar seu esposo e tem o
sentido de “meu senhor”, ou ainda, “meu dono”. O esposo, por sua vez,
apresentava a esposa como kannai, traduzido como “esposa” mas com a
característica de pessoa “de dentro”, ou seja, de casa, do lar, “a que fica dentro”
“Suehiro” (Leque) significa o sucesso progressivo como a abertura de leque de um
extremo a outro extremo.
Sake – bebida com alto teor alcoólico
Sashimi – fatias de peixe cru
Shakunin - noivos
Shinshu – sake sagrado, à base de arroz
Glossário A formação da identidade feminina
193
Shinzen kekkon – casamento xintoísta
Soba – macarrão japonês
Sunomono prato ao molho “vinagrete”
Tai – pargo, peixe
Takuhatsu - Uma forma de provação de sacerdotes das religiões indianas,
adotada também pelo budismo, que consiste em pedir esmolas, para obter o
mínimo de subsistência, com o objetivo de atingir o aperfeiçoamento mental e
físico.
Tatami - colchão de palha
Tomoshiraga – feixe de linho
Tokonoma - nicho na parede com nível de piso um pouco mais alto, onde se
expõe uma pintura, ikebana – arranjo floral, ou alguma obra de arte japonesa
Tsukemono - conservas de verduras ou legumes
Tyawan - tigela de cerâmica que serve arroz
Utsuri hashi - pessoa que escolhe os pratos complementares, de prato em prato,
sem comer o principal, que é o arroz
Yakimono - grelhado de peixe ou de fatias de peixe
Youkyoku ou utai – canto bravo, que advém do tradicional teatro Nô
Youtien – jardim da infância ministrado em língua japonesa.
Yuino – cerimônia de troca, oferta de presentes
Os principais objetos que constituem a lista de “Yuino” têm significado simbólico.
“Surume” (Lula seca) é alimento de longa duração. Tem propriedade de que
quanto mais mastigar mais gosto tem, sendo assim, representa relação longa de
afeto entre o casal.
“Katsuobushi” (Peixe seco - Bonito) alimento de longa duração. Antigamente, era
levado pelos guerreiros na guerra. Significa a sorte no combate, representa
virilidade do homem.
Glossário A formação da identidade feminina
194
“Tomoshiraga(feixe de linhos) seus fios tem cor branca, significa longevidade do
casal até que os cabelos fiquem brancos.
Zashiki - sala no estilo da construção japonesa, cujo piso é forrado de tatami
Zenbu – bandeja com pratos completos, montados como antigamente
Apêndice A formação da identidade feminina
195
APÊNDICE
1. O Sistema fonético da língua japonesa caracteriza-se pelo número reduzido de
fonemas. A língua japonesa é grafada por meio de três variedades de símbolos
gráficos: kanji ideograma, e duas variedades de kana fonograma. Kanji é a
escrita de origem chinesa, que representa diretamente uma idéia, ou seja, é
provida de significado. Hiragana é a variedade de kana criada através de
deformação de certos kanji, e é empregado na grafia de quase todos os elementos
da língua japonesa, exceto os de origem estrangeira, que não a chinesa. Katakana
é a variedade de kana criada pela extração de uma parte do kanji e é utilizada,
quase que exclusivamente, na grafia de vocábulos de origem estrangeira, exceto
chinesa e onomatopéias.
Os sistemas de romanização do japonês usados atualmente foram
desenvolvidos na segunda metade do século XIX. O primeiro sistema a ser
desenvolvido foi o sistema Hepburn, desenvolvido para o dicionário japonês do
autor e destinado ao uso por parte dos estrangeiros.
Tabela do Sistema Hepburn
(拗音
拗音拗音
拗音 - sons contraídos
a i u e o
ka ki ku ke ko kya kyu kyo
sa shi su se so sha shu sho
ta chi tsu te to cha chu cho
na ni nu ne no nya nyu nyo
ha hi fu he ho hya hyu hyo
ma mi mu me mo mya myu myo
ya (i) yu (e) yo
ra ri ru re ro rya ryu ryo
wa (wi)
(we) o(wo)
n
ga gi gu ge go gya gyu gyo
za ji zu ze zo ja ju jo
da (ji) (zu) de do (ja) (ju) (jo)
ba bi bu be bo bya byu byo
pa pi pu pe po pya pyu pyo
Bibliografia A formação da identidade feminina
196
BIBLIOGRAFIA
AKAMA, M. Burajiru seikatsu de no etiketto. Tokyo: Teikoku Shoin, 1964.
AKAMA, M. Katarigusa. São Paulo: Editora Paulista Bijutsu Insatsu Kabushiki
Kaisha, 1978.
AKAMA, M. Katarigusa o otte. São Paulo: Toppan Press, 1995.
AKAMA, M. Kouen no tabi. São Paulo: Toppan Press, 1999.
ALVES, R. Cenas da vida. Campinas: Editora Papirus.
BARTHES, R. A câmara clara: nota sobre a fotografia. Trad. Júlio Castañon
Guimarães. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1984.
BOSI, E. Memórias e sociedade: lembranças de velhos. São Paulo: T. A. Queiroz
Editor, 1979.
BOURDIEU, P. Coisas ditas. Trad. Cássia R. da Silveira e Denise M. Pegorim.
São Paulo: Brasiliense, 2004.
BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. Trad. Mariza Corrêa.
Campinas, SP: Papirus, 1996.
BRUNO, F. Retratos da velhice, um duplo percurso: metodológico e cognitivo.
Dissertação de mestrado Campinas, SP Departamento de Multimeios /
Instituto de Artes / UNICAMP, 2003.
CAMPOS, M. C. S. S. Histórias de famílias (mulheres de diferentes classes sociais
em São Paulo; a família e a penetração no mercado de trabalho). In: SIMSON, O.
M. Von (org.). (Re)introduzindo a história oral no Brasil. São Paulo: Editora USP,
1996. p.179-196.
CATANI, D. B. et. al. O que eu sei de mim – narrativas autobiográficas, história da
educação e procedimentos de formação. In: Educação & Linguagem. São
Bernardo do Campo, SP: UMESP, ano 8, n.11, jan.- jun. 2005. p. 31-50.
COLLIER, J. Antropologia visual: a fotografia como método de pesquisa. Trad. Iara
Ferraz e Solange Martins Couceiro. São Paulo: EPU, EDUSP, 1973.
CONORD, S. Da imagem ao texto em antropologia. In: Cadernos de antropologia
e imagem. Rio de Janeiro: 15 (2): 135-140, 2002.
Bibliografia A formação da identidade feminina
197
DALBY, L. Gueixa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2003
DEMARTINI, Z. B. F.et al. Dilemas da vivência em nova terra: a educação, o lazer
e o consumo cultural entre japoneses em SP na primeira metade deste século. In:
SIMSON, Olga R. M. Von. (org.). (Re)introduzindo a história oral no Brasil. São
Paulo: Editora USP, 1996. p.296-305.
DEMARTINI, Z. B. F. Memórias na educação. In: Educação & Linguagem. São
Bernardo do Campo, SP: UMESP, ano 8, n.11, jan.-jun. 2005. p. 18-30.
DEMARTINI, Z. B. F. Relatos orais de famílias de imigrantes japoneses:
elementos para a história da educação brasileira. In: Educ. Soc., Aug. 2000, vol.
21, n. 72, p. 43-72.
DEMARTINI, Z. B. F. São Paulo no início do século e suas escolas diferenciadas.
In: Ciência e Cultura (Revista da Sociedade Brasileira para o Progresso da
Ciência). São Paulo: 41 (10): 981-995, outubro, 1989.
DOI, E. T. O ensino de japonês no Brasil como língua de imigração. In: Estudos
Lingüísticos, XXXV, p.66-75, 2006.
FELDMAN-BIANCO, B. & HUSE, D. Entre a suada de da Terra e a América:
memória cultural, trajetórias de vida e (re)construções de identidade feminina na
intersecção de culturas. . In: MENESES, A. B. et al. As faces da memória.
Campinas: UNICAMP, p. 61-84.
FELICIANO, L. A. Álbuns de casamento em dois movimentos: fragmentos visuais
de um ritual. Dissertação de mestrado Campinas, SP Departamento de
Multimeios / Instituto de Artes / UNICAMP, 2005.
FREUND, G. A fotografia como documento social. Barcelona: Gustavo Gilli S. A.,
1976.
GARDNER, H. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artes
Médicas, 1995.
GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan,
1989.
GURAN, M. Linguagem fotográfica e informação. Rio de Janeiro: Rio Fundo, 1992.
HANDA, T. O imigrante japonês: história de sua vida no Brasil. São Paulo: T. A.
Queiroz, 1987, p. 16.
Bibliografia A formação da identidade feminina
198
HARADA, K. Entrevistas com personalidades da comunidade nikkei. In: HARADA,
K. (org.). O nikkei no Brasil. São Paulo: Atlas, 2008. p. 34-95.
HARADA, K. O processo de evolução e integração dos nikkeis. In: HARADA, K.
(org.). O nikkei no Brasil. São Paulo: Atlas, 2008. p. 454-455.
HELLER, A. O cotidiano e a história. Trad. Carlos Nelson Coutinho e Leandro
Konder. São Paulo: Paz e Terra, 1972.
HINATA, N. Dicionário japonês português romanizado. Japão: Prost Corporation
SA, 1992.
ILELIS, N. Arroz e café: o menino japonês. São Paulo: Ilelis Editora, 2007.
KODAMA, K. & SAKURAI, C. Episódios da imigração: um balanço de 100 anos. In:
Resistência e integração: 100 anos de imigração japonesa no Brasil. IBGE, Centro
de Documentação e Disseminação de Informações. Org. SAKURAI, C & COELHO,
M. P. Rio de Janeiro: IBGE, 2008. p. 17-29.
KOSSOY, B. Fotografia e história. São Paulo: Ática, 1989.
KOSSOY, B. Realidades e ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê editorial,
1999.
LEAL, H. A. T. Amélias de ontem: a educação feminina na concepção de
intelectuais da década de 20. Tese de Doutorado São Paulo
Educação/PUCSP, 1997.
LEITE, M. M. Retratos de família: leitura da fotografia histórica. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo, 2000.
LEITE, M. M. Texto visual e texto verbal. In: Desafios da imagem. Campinas:
Papirus, 1998.
MANACORDA, M . A. História da Educação: da antiguidade aos nossos dias. São
Paulo: Cortez, 1992.
MENESES, A. B. Memória: matéria de mimese. In: MENESES, A. B. et al. As
faces da memória. Campinas: UNICAMP, p. 11-24.
MILL, J. S. A sujeição das mulheres. Trad. GINZA, D. São Paulo: Editora Escala,
2006.
Bibliografia A formação da identidade feminina
199
MORIWAKI, R. Nihongo kyôiku rinen no hensen (a mudança nos princípios de
ensino de japonês). São Paulo: Centro de estudos nipo-brasileiros, 1998.
NAKAMURA, H. Ipê e sakura: em busca da identidade. São Paulo: João Scortecci
Editora, 1988.
NOGUEIRA, A. R. Imigração japonesa para a lavoura cafeeira paulista (1908-
1922). Tese de doutorado: FFLCH-USP. São Paulo, 1971.
NOMURA, T. Universo em segredo – a mulher nikkei no Brasil. São Paulo: Aliança
Cultural Brasil-Japão.
NOVAES, S.C. O uso da imagem na antropologia. In: SAMAIN, E. (org.) O
fotográfico. São Paulo: Hucitec/CNPq, 1998.
PEREIRA, L. M. L. Algumas reflexões sobre histórias de vida, biografias e
autobiografias. Mesa redonda Mariana, MG III Encontro Regional Sudeste de
História Oral. In: História oral, 3, 2000, p. 117-127.
OLIVEIRA, J. L. de.Texto acadêmico: técnicas de redação e de pesquisa científica
conforme normas atuais da ABNT. Rio de Janeiro: Vozes, 2007.
QUEIROZ, M. I. P. de. Identidade cultural, identidade nacional no Brasil. 1989.
QUINTANEIRO, T. Plantando nos campos do inimigo: japoneses no Brasil na
Segunda Guerra Mundial. In: Estudos Ibero-americanos. RS: PUCRS, v. XXXII,
n.2, p. 155-169, 2006.
RIBEIRO, A. I. M. A educação feminina durante o século XIX: o Colégio Florence
de Campinas 1863-1889. Campinas, SP: UNICAMP/CMU, 2006.
SACKS, Oliver. Um antropólogo em marte. São Paulo: Cia. das letras, 1997.
SAKURAI, C. e COELHO, M. P. Resistência & integração: 100 anos de imigração
japonesa no Brasil / IBGE, Centro de Documentação e Disseminação de
Informações. Rio de Janeiro: IBGE, 2008.
SAMAIN, E. (org.) O fotográfico. São Paulo: Hucitec/ CNPq, 1998.
SAMAIN, E. & SOLHA, H. L. Antropologia visual, mito e tabu. In: Caderno de
textos: antropologia visual. Rio de Janeiro: Museu do Índio, 1987. p. 5-6.
SAMAIN, E. Para que a antropologia consiga tornar-se visual. In: NETO, A . F.
(org.).Brasil, comunicação e política. Rio de Janeiro: Diadorim. 1994. p.32-46.
Bibliografia A formação da identidade feminina
200
SAMAIN, E. Ver e dizer na tradição etnográfica: Bronislaw Malinowski e a
fotografia. In: Horizontes antropológicos. n
o
2. Porto Alegre: UFRGS, 1995. p.19-
37.
SAITO, H. O japonês no Brasil: estudo de mobilidade e fixação. São Paulo:
Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, 1961.
SCHPUN, M. R. Imigração japonesa no Brasil. In: Resistência e integração: 100
anos de imigração japonesa no Brasil. IBGE, Centro de Documentação e
Disseminação de Informações. Org. SAKURAI, C & COELHO, M. P. Rio de
Janeiro: IBGE, 2008. p. 137-149.
SIMSON, O. R. M. Som e Imagem na pesquisa qualitativa em ciências sociais:
reflexões de pesquisa. In: Pedagogia da imagem, imagem da pedagogia. Anais do
Seminário. Rio de Janeiro: CNPq, 1995. p. 88-101.
SIMSON, O. R. M. e GIGLIO, Z. G. A arte de recriar o passado: história oral e
velhice bem sucedida. In: NERI, A. L. (org.). Desenvolvimento e envelhecimento.
Campinas, SP: Papirus, 2001. p . 141-160.
SUZUKI, T. Pioneiros dos imigrantes japoneses no Brasil. (transl. Hakoku Nippon
Imin no Kusawake), São Paulo, 1968.
TACCA, F. C. Sapateiro: o retrato da casa representação da casa do operário
francano através de seu próprio olhar fotográfico. Dissertação de mestrado –
Campinas, SPDepartamento de Multimeios / Instituto de Artes / UNICAMP,1990.
VASQUEZ, P. Fotografia, reflexos e reflexões. São Paulo: L&PM, 1986.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.
WEIL, P. e TOMPAKOW, R. O corpo fala: a linguagem silenciosa da comunicação
não-verbal. Petrópolis: Vozes, 2007.
YAMASHIRO, J. Pequena história do Japão. São Paulo: Editora Herder, 1964.
YOSHIOKA, R. Síntese histórico-evolutiva da emigração japonesa no mundo. In:
HARADA, K. (org.). O nikkei no Brasil. São Paulo: Atlas, 2008. p.1-33.
Bibliografia A formação da identidade feminina
201
Outros:
Vídeo / documentário:
CAMINHO DA MEMÓRIA elaborado pela Comissão Organizadora das
Comemorações do 80
o
Aniversário da Imigração Japonesa / Comissão de Registro
de Imagem e Som dos Imigrantes Japoneses, sob a coordenação de Iossume
Tanaka e direção de Olga Futemina
Fotos:
COLEÇÃO DE FOTOS. Acervo da Fundação Instituto Educacional D. Michie
Akama, sito à Av. Dr. Altino Arantes, 1098 – Vila Clementino – São Paulo.
ÁLBUNS FOTOGRÁFICOS. Memórias de ex-alunas do Internato São Paulo Saiho
Jogakuin.
Jornais:
BOLETIM AYUMI. Publicações no período compreendido entre 20 de dezembro
de 1952 e 15 de novembro de 1973.
203
ANEXO 01
Transcrições das entrevistas
Transcrições A formação da identidade feminina
205
Informante: Sumiko Akiyoshi Yamasaki (S) - 01
Pesquisadora: Regina Chiga Akama (R)
Data: 04/11/2006
Horário: 14h
Local: Residência da entrevistada em Atibaia – São Paulo
Duração da entrevista: 53 minutos
Pais: Minoru Akiyoshi
Titoe Akiyoshi (Nishi)
Esposo: Toshio Yamasaki
Filhas: Tizuka Yamasaki
Netos: Elia Yamasaki Akiyoshi
Naina Akiyoshi Yamasaki
Fabio Yamasaki
Yurika Akiyoshi Yamasaki e Carlos Alberto De Niz
Netos: Lissa Akiyoshi Yamasaki De Niz
Pedro Akiyoshi Yamasaki De Niz
S: depois voltei para casa e aí fui pra São Paulo aprender tricô, aí que eu fui na
Akama-san…aí fiquei lá, voltei na casa, mas a guerra ficou feia né…os
camarada queria matar, andar com revólver, tudo né… a minha casa fica bem
perto da rua né, então esses camaradas que eram muito perigoso e eu era única
filha né? Então minha e mandou pra ir São Paulo, pra ficar em São Paulo, por
isso que entrei na Akama-san… desde esse tempo aí…ahhh então comecei
estudar nihongo, também lá foi tudo escondido…ahã… por causa da guerra.
R: Quem já conhecia a Fundação… a Akama-sensei?
S: Akama sensei…não… eu fui …assim conhecendo por pessoal que falava, eu
fui lá… ali na… como chama?... Joaquim…assim, São Joaquim parece…é
naquela esquina…fomos e ficamos ali… depois foi na Tamandaré, depois
Vergueiro, néé
R: Ah! Passou por todas…
S: Todas… então… Tempo de Tamandaré, até ali tinha Tênis spoto… jogava
tênis… Depois no Vergueiro, começou aquela guerra… nossa!...era de esconder
livro, corre pra cá, corre pra lá… veio a polícia tudo né…naquela vez eu saí por
trás pra avisar Akama sensei, porque Akama-sensei tava na outra escola
né…no Vergueiro…quando eu saí os soldados tava tudo ali na frente,depois eu,
akama sensei, Sugano sensei passamos de bonde, de ônibus que…aí vimos
nossa ali na frente tudo aquele soldado, mas ai akama sensei foi falar com a
inspetora, não sei que…aí veio, aí foi tudo calmo né…até uma menina ficou
segurando rádio deitado, falando que ela tava doente… escondendo o rádio, se
pegasse né…sei que, no dia tava tudo levando livro na Ogasawara san para
esconder… pra levar pra lá, por isso que descobriram…né ? de noite tava levando
Transcrições A formação da identidade feminina
206
pra… deixando ali pra não descobrir… e descobrir… foi naquele tempo né…tempo
passou né?...é…
R: Na verdade, naquela época chegou a terminar, a concluir o curso lá mesmo?
S: Não… eu continuei entrei no Jogaku-bu, depois terminei no Vergueiro
em cima… na outra escola em cima…Depois akama san pediu pra ficar, pra
ajudar na costura, né…aí fiquei pra estudar…
R: é que tinham muitas escolas que tinham problemas mesmo, mas a Akama não
teve tanto problema legal, né…
S: Até ali na Vergueiro de baixo, pra estudar, a gente estava estudando, colocava
o piano na porta para o soldado o entrar, de repente se guarda, né…da polícia
entrar, a gente tirava tricô, trabalho, bordado… assim, isso né?...
R: Pra estudar nihongo…
Mas dá pra estudar… continuou estudando, assim né…ahã...hãhã… então tudo…
os pais obrigava as filhas estudar na costura,…mas no estudo não era tão
esforçado, né…mas na costura que precisava aprender, né…depois com muito
tempo que agora… porque,tava dando aula de costura aqui né…dei bastante
tempo, e chegou uns tempos que ninguém queria aprender mais costura…aí todo
mundo queria estudar, então como entraram bastante essa roupa feita né…então
ninguém quis saber de costurar, não é?...
É… aí… naquele tempo… no começo, se as moças o aprendiam costurar, não
podiam casar…precisava aprender cozinhar… tudo isso né?...Então todo mundo
vinha aprender costura. No começo tinha bastante aluna, né…depois chegou um
tempo que tudo precisou estudar, né… fazer alguma coisa, ne…ir pra frente né…
agora acho que as moças japonesas ninguém sabe costurar mais, ninguém sabe,
né?...hahaha….
Naquele tempo, sabendo costurar, sabendo cozinhar era uma boa esposa
né? E acho que naquele tempo a família era mais unida não é?...E os maridos
também se davam bem. Agora nem casamento tem!... Tudo ajunta, né?... Então
assim, não é… mudando tudo, não acha?... Agora porque as meninas, não
sei… estuda, estuda… agora eu posso viver sozinha, não precisa ter marido, né?...
para viver assimMaioria desse jeito… eu acho que é isso que …. Ah…
por isso agora procura não casar…se casa, não vai bem…melhor então não
casar…separa, né…É porque naquele tempo as moças não tinham estudoera
obrigada saber cozinhar, costurando, cuidar do marido, das crianças tudo né,
tudo…e agora não sei… isso que tá fazendo a diferença, não é?
…..
O tempo que tava estudando era o tempo que tinha mais aluna
Acho que aquele tempo tinha cento e cinquenta alunas internas…né….então vinha
do Mato Grosso, tudo…de longe, …bastante… Depois entrou a guerra foi
mudando um pouco…
Mas faleceu… ela tá viva né…ela tá morta… tambémmorta…ela viva…ela tá
morta… tá morta…né… É a turma da professora da costura…
Depois Oriori no sensei, depois Okara san, o… Ogasawara san…é irmã da
Akama sensei, né…É depois de cinquenta anos… todo mundo já….hãhãhã….
Transcrições A formação da identidade feminina
207
Maruyama sensei parece que viva… conhece Marcos? Ele parece que vivo,
né… Maruyama sensei…
Ai… já bem… acho que tem mais de 90, não?...haha…acho q sim…
É… eu tô achando esses dois…
Handa sensei…também morreu… E Sugano sensei… como está?...
Sugano?...
S: Isso aqui é tudo professora de corte costura… não sei… tem muitos que
faleceu…ela faleceu, ela faleceu… ela não conheço…
Ogawa san também faleceu…faleceu…faleceu… acho que tem só…uma, duas,
três…, não, uma, duas, três…..acho que três, hein?... O resto tudo faleceu
né…Uma lembrança mesmo, né?...
Essa aqui é… essa turminha é quando eu logo saí de né…eu fui para o Rio
Grande do Sul, né…aí teve menina… Tizuka….elas mandaram uma roupinha de
nenê, sabe…essa…e acho q é essa turma…hmmm…..
R. Colegas né…colegas de turma de internato, né?... Bom…
Desculpa…
R. Não, tudo bem…desculpa por trazer esse momento…
Anotações: S.A. trouxe a história que “a fotografia contava”: Tratava-se de uma de
suas queridas turmas do Akama gakuin, que por motivo do nascimento de sua
primeira filha Tizuka, resolveram presenteá-la com roupinhas por elas
confeccionadas e enviou para Sumiko. Ela nunca mais pôde revê-las, então não
pôde agradecer o carinho dessa ação. Queria muito ter agradecido por isso.
Obs: esta foi sua foto preferida, desde o princípio da entrevista.
A partir desse ponto, continuamos a conversa, informalmente, sem o uso do
gravador.
Informante: Sumiko Akiyoshi Yamasaki (SAY) - 02
Pesquisadora: Regina Chiga Akama (RA)
Participantes: Edson Akama (E)
Data: 07/12/2007
Horário: 14h
Local: Residência da entrevistada em Atibaia – São Paulo
Duração da entrevista: 2 horas
S: ... tudo nascido no Japão né, não tinha nissei né, então única acho que era
nissei, naquele tempo. Por isso que pôs no meu nome né, pra ser diretora.
R: Naquela época...
S: É naquela época, porque era tempo de guerra né.
R: Então, a senhora me contou uma passagem também da guerra, desse
momento...
S: Da guerra, então. O (...) ficava ali na Vergueiro, embaixo, perto da Liberdade,
depois tinha outro lá em cima na Vergueiro. Naqueles tempo né.
Transcrições A formação da identidade feminina
208
R: E como é que foi esse período, que a senhora contou uma época, como é que
aconteceu essa época do...
S: Então, quando tava embaixo, quer dizer, tava começando dava aula né, mas
mais eu tava estudando aquele tempo né, quando começou a guerra. Aquele
tempo quem tava era Abe-sensei. Nossa de repente tava levando tudo livro
coisa pra esconder na casa do ano Ogasawara-san né ali. Então todo mundo com
aquele embrulho levando acho que viram né, aí vieram de repente lá na escola né,
ai, aquela confusão, eu peguei saí por baixo, saí no portão de baixo pra avisar
Akama-sensei, Akama-sensei tava em cima, aqui embaixo só tava uma, duas
sensei e o pessoal né. Então eu saí, quando saí depois eu falei Akama-sensei
descemos, com Sugano-sensei né, sensei tudo assim com ônibus a gente viu
ali na frente tava cheio de polícia, aí de lá Akama-sensei foi chamar, como
chama? Não sei se é inspetora não sei nem lembro como chama, não é inspetora,
é outro em cima da inspetora.
R: Supervisora?
S: Não sei, uma coisa assim. vai chamar ela, veio depois aí acalmou a polícia
foi tudo embora. É porque tava levando os livros tudo, né, pra esconder (risos).
R: Isso era na Vergueiro?
S: Na Vergueiro de baixo, é.
R: A de baixo que a senhora fala é...
S: Ali perto da Liberdade.
R: A menor.
S: A menor, de baixo né. Depois tinha Bunkyo que era em cima né, ali perto da
caixa d´água. Então quando tava em baixo eu tava lá, no tempo que tava
estudando.
R: Que ano que era?
S: Primeiro era na Tambaré, Tamandaré né, depois foi na Vergueiro, na Liberdade
ali né.
R: E depois ele foi pra aquela outra Vergueiro.
S: Quer dizer, continuava duas escolas né, naquele tempo.
R:Que ano que foi isso?
S:Ah, nem sei. Nem sei viu, nem lembro.
R: Que turma que a senhora fez? Porque a senhora se formou lá...
S: Naquele tempo junto Kimura-sensei, no tempo acho que o mesmo tempo que
ela entrou tava lá.
R:Como aluna?
S: É. Naquele tempo tinha Yamane-san ainda ela não era sensei. Kato-sensei,
eu estudava com Kato-sensei né, Hatiya-san né aí como não tinha ninguém assim,
eu costurava tudo a roupa dela, Akama-sensei, tudo maioria eu que costurava.
Costurei bastante porque eu não tinha pra quem costurar né, precisava aprender.
S: Depois eu fiquei, por causa que tava em guerra né, não podia ir embora em
casa porque minha mãe ficou com medo né, camarada tava em cima.
R: Aí a senhora ficou nesse da Vergueiro grande.
S: o, embaixo depois subi em cima. quando subi em cima que tinha acho
que mais aluno né, naquele tempo internado né, tinha mais de 150 acho que mais
Transcrições A formação da identidade feminina
209
ou menos né, naquele tempo. Aquele tempo então, Namatomi-san, Uchida-san né,
Uchida-san, então, Kimura-sensei, Kato-sensei, depois, ai...nem lembro mais
(risos)...Obasan muito tempo né.
R: Também tinham muitos professores lá né.
S: Aquele tempo é... mas Kato-sensei, Hachiya-san, quando tava embaixo que
ela casou né, parece. Aquele tempo. E ela tava dando aula pra turma que ia fazer
exame de costura né.
R: De habilitação, né, tinha né, magistério. A senhora fez também né, passou
nessa turma.
S: Fez antes, bem antes
R: Aí deu aula bastante tempo né, depois do...
S: Eu fiquei bastante tempo lá sim, até 46 acho que mais ou menos.
R: Desde que formou já ficou?
S: fiquei direto. Naquele tempo, nossa, até na Vergueiro de baixo na
Liberdade eu dava aula à noite também, costura né, e de dia também.
R: A senhora dava aula em outro lugar ?
S: Não, não lá mesmo.
R: Tinha à noite também?
S: Tinha à noite, dava aula à noite também..
S: Aí eu saí de lá, quando casei e fiquei uns tempo, acho que pouco tempo assim...
R: Qual que era a cidade mesmo?
S: Atibaia mesmo. Depois eu fui pro Rio Grande do Sul.
R: Isso. A Tizuka foi nascida lá né?
S: Nascida lá.
R: E depois retornou pra cá.
S: Aí eu retornei.
R: E a época da escola...
S: Naquele tempo lá, nossa, naquele tempo não tinha nada lá, gado, campo,
não tinha nada, plantava verdura, nem verdura ninguém sabia estaquear verdura,
nada, tomate era tudo assim no chão, ninguém conhecia verdura, tomate ninguém
conhecia, pessoal de lá. era só aipim, aipim é mandioca. Vinha de longe,
aquele carro de boi cheio de mandioca né, trazer na cidade, viajava não sei
quantos dias assim, naquele tempo. Ah, quando tava lá, então, os, eles eram
assim, usavam aquela facona grande, todos os homens assim, quando queria
brigar eles cortavam o chão assim, começa a brigar. Então a gente não podia falar
quase nada né. Se falasse já procurava briga, o pessoal de lá.
R: Que ano que foi isso?
S: Naquele tempo né, então antes de , quando a Tizuka nasceu. Então, 58 ka?
Era bem mais atrasado que aqui, São Paulo né.
R: tanto é que muitas coisas parece que foram introduzidas pelos japoneses
mesmo né, na agricultura praticamente muita coisa foi trazida de lá. Inclusive elas
falaram um pouco sobre a questão do sensei que ensinava também né, era
Hayashi né?
S: Hayashi-sensei? Ah é , ele que ensinava, fazer tsukemono, plantava verdura ali,
a gente ia lá na Vergueiro ali na...
Transcrições A formação da identidade feminina
210
R: Isso, era ele que tinha um terreno né?
S: É, tinha um sítio. E aí fazia missô tudo lá com Hayashi-sensei.
R E aí quando foi pro Rio grande do Sul, tudo diferente.
S: É, tudo diferente.
R: Então, aí depois a senhora retorna, e como é que surgiu a iniciativa de montar
uma escola, como que foi isso?
S: Então, montei aqui embaixo, o pai comprou uma casa ai na garagem eu dava
aula. foi aumentando os alunos, como ficou um pouco apertado alugamos
uma casa em cima que era pensão, antiga pensão, então tinha mais de dez
quarto assim. aquele tempo, como não tinha ônibus a turma do sítio queria
estudar, não podia vir né, então pousava tudo em casa. Tinha mais de, tinha umas
quinze pessoas assim, que ia no Ginásio estudar assim, e tudo. Acabou ficando
assim internando assim, por causa que não tinha condução. Não é que nem agora
que todo mundo tem carro. Naquele tempo ninguém tinha carro né, nem ônibus
não passava, então elas vinha em casa, como gaijin, nihonjin ficava, é ficou que
nem uma pensão e tinha duas salas, eu dava aula de costura. Aí aquele tempo né,
tinha bastante aluna, todo mundo queria aprender costurar, nihonjin então se não
sabe costurar não podia casar (risos) e elas estudavam costura depois ela ia
no ginásio tudo né.
R: Funcionou quanto tempo, bastante tempo né, ficou... 50, 60, 70, trinta anos
funcionando.
S: Bastante tempo. Trinta ano então.
R: Como escola, e acabou ficando uma escola separada então.
S: foi, depois começou, quer dizer, entrar muita essas roupas feitas, né, elas
né, os japonês também tava mais folgado, então deixava as meninas estudar
e não mandava mais né, depois tudo compra carro então era mais fácil né, aí ficou
poucas alunas, como tinha roupa tudo comprado assim mais fácil né, fechou,
eu fechei. eu tava dando, precisava viver né, e como as criançada tava no
Rio, então eu peguei e fui no Nihon trabalhar. Fiquei acho que uns oito anos mais
ou menos. 91...
R: Que lugar que a senhora ficou?
S: Fui no Atami. Atami, la no hospital, né. Aprende muita coisa. A gente vai mais
pra aprender né, passear, aproveitou
R: Isso foi que ano?
S: 1991, acho que 91 né, acho que voltei... acho que já, parece que foi outro dia,
já faz não sei quantos anos (risos), nossa o tempo passa né então.
(...)
R: Então, inclusive aquele dia que a gente veio né, quando s saímos o Marcos
falou assim, da Yurika. Disse que ela mexe, ela gosta muito dessas coisas de
detalhes. falei, nossa, se essa relação que a senhora teve com ela, isso é
influência não é?
S: Ela, agora também fazendo um trabalho na Globo né, esses dias ta meio
parada, mas ela fazia novela da, minissérie assim figurino, cenário, tudo é ela.
R: Mas ela gosta dessa coisa da costura não é?
S: Ela gosta, gosta.
Transcrições A formação da identidade feminina
211
R: Mas começou de casa então?
S: Ah, é, ela aprendeu comigo né. É , ah, o tempo que ela aprendeu comigo, ela
queria ir no baile, eu falei, assim, cortar eu corto que você costura. Ela
costurava até terminar pra depois ir no baile, ia no baile com vestido, precisava
sempre é vestido novo pra ir no baile. Assim ela foi aprendendo né.
R: Tudo aqui, sempre Atibaia.
S: Sempre Atibaia.
R: E a Tizuka? Ela aprendeu mas não...
S: Não, ela não aprendeu, ela saiu muito cedo né, foi pra São Paulo, estudava
decoração, depois começou dar aula ali, depois foi pra Brasília. Ela é já, assim,
gosta de sair fora né. Foi em Brasília, tava estudando Arquitetura mas ai deixou foi
estudar Cinema. Até formar ela o falou que tava estudando Cinema. Ela falava
que tava estudando Arquitetura. Aí se formou, depois que ela falou né.
R: É mas também acho que pra falar que ia fazer Cinema, pra Colônia né...
S: - Naquele tempo, quem, a mulher fazer Cinema...
(...)
R: Agora, a Yurika tem esse jeito dos detalhes.
S: Todo filme que a Tizuka faz ela ajuda né, faz o figurino e cenário, tudo né.
R: Quer dizer que ela tem o gosto mesmo pela..
S: Tem, primeira vez quando ela, foi no Norte, Tizuka tava filmando e aí a
Yurika foi, ela chamou, ai ela ficou vendo e ela gostou. Depois, bem primeiro a
Tizuka falou assim, você faz assim, desenha propaganda né, diversos desenhos,
assim ela desenhava fazia propaganda . Assim foi pegando né. Agora ela é
Diretora de Arte (risos). Também estudou, arte né, em São Paulo, como é que
chama? Ali, ... esqueci.
(...)
S: Aquele do Haru Natsuné, aquele ela também fez, ajudou. É figurino e cenário
tudo.
R: Porque teve uma filmagem no Japão e teve uma parte aqui né, do Haru to
Natsu. Na Tozan.
S: É, o lado de cá, em Campinas né. o japonês fez de boba ela pensando
que coisa . Eles achavam que coisa. Que ela mostrou o que ela é, e eles
assustaram né, aí, japonês vem aqui, o que é que sabe? Não sabe nada de Japão,
né! do Japão vem aqui, costume tudo né, na lavoura tudo coisa, tem nada, ela
fez de tudo né.
R: Ah então aquele cenário...
S: Tudo, casa assim, aquela casa velha foi tudo desde o começo ela fez. Quando
eu fui assim ver, pensava que era construído faz tempo. Não, ela fez
igualzinho daquele tempo. Por dentro tudo, fogão , onde coloca os porcos,
galinha, fogão de dentro de casa, tudo, tudo, é tudo fez tudo, ela faz mesmo.
(...)
S: Ishii-sensei wa vitamina no sensei, naquele tempo. É porque toda coisa falava,
de comer assim, falava de vitamina né. Mas ele ensinava tudo no hatake .
Transcrições A formação da identidade feminina
212
Plantar daikon, plantar tudo as coisas né, a gente terminava a aula e ia correndo
pra lá né., plantar yasai.
Transcrições A formação da identidade feminina
213
Informante: Mayumi Yoshioka Mizikami (MM) - 01
Pesquisadora: Regina Chiga Akama (RA)
Participantes: Nobuo Mizikami (N), Edson Akama (E)
Data: 10/07/2007
Horário: 14h
Local: Residência da entrevistada em São Paulo
Duração da entrevista: 2 horas
Pais: Matsukichi Yoshioka (1927/28) e Yoshiko (Miao) Yoshioka
Esposo: Nobuo Mizikami
Filhos: - Eliza Megumi Mizikami casada com Rolando André Eitler
Netos: Maurício / Mônica / Leonardo
- Roberto Shinji Mizikami casado com Raquel
- Celina Hitomi Mizikami casada com Walmir
Neto: Diego
- Otávio Kiyoshi Mizikami casado com Li Lilian Koe
Pais: Matsukichi Yoshioka (1927/28) e Yoshiko (Miao) Yoshioka (segundo nome,
ficou adotiva quando veio ao Brasil, porque solteira não podia vir, então para
poder entrar, veio como filha adotiva da família Miao 1927, formando família de
imigrantes para vir para cá)
MM: Esse daqui é Birigüi… Birigüi cidade mais de calçados né… acho que
Akama-san, quando foi no noroeste, acho que reuniu na casa do… dessa
professora de corte e costura… acho que é corte e costura… Mori-san, reuniu né?
Reuniu na casa dela, então foi convidado todas essas pessoas, pessoas que
formandos, essas aqui… não marcado aqui… não sei que ano que foi…
Birigüi… deve ser cinqüenta…
RA: A senhora foi junto nessa viagem?
MM: Não. Eu morava no Birigüi. que… é… Eu morava no Birigüi…
estava dando aula… mais… essa daqui… estava dando aula lá. Não, o estava
dando aula não… É que deve ser mil novecentos e cinqüenta e…cinqüenta e
três… cinqüenta ou quarenta e nove… por aí… então essa turma… esse
formando do Birigüi.
RA: Gostaria que a senhora contasse pra gente um pouco dessa trajetória da
senhora… a senhora também era do interior, não é? A senhora era do interior e
veio direto para o internato?
MM: Não. Primeiro eu fui… no 1945… eu vim duas vezes na escola. 1945 até
meados de 46, estava… 45 eu formei katei-kakatei-ka até sexta série…sexto
Transcrições A formação da identidade feminina
214
ano né?... Depois foi para Jogaku-bu, primeiro Vergueiro 235, no começo do
Vergueiro. Depois 46 eu vim no Vergueiro 2625, nessa escola… fiquei seis
meses. Éaí… hum, meu pai começou a trabalhar na Cooperativa e não tinha
quem tomar conta do gado, então meu pai me chamou e eu voltei para o interior.
Nessa época gakkou teve, teve a… não é bem briga… discussão do Tsikuchi-
sensei e Shibuya-sensei, porque um ganhava… acreditava na vitória, outro
acreditava na derrota. Tsikuchi-sensei era da derrota. Shibuya sensei era do…
então alunos também… ficou assim, meio separado… Então nessa época,
Akama-sensei deve ter sofrido bastante. Então nesse momento a senhora
estava… É, nesse momento eu afastei… 47 eu afastei… voltei para o interior.
eu passei no interior até cinqüenta. Então… é… Depois… 50… então voltando um
pouquinho pra trás… 45, época da guerra, foi muito rigoroso o negócio japonês,
né… então, logo que eu cheguei, não tinha passado uns dez dias… a gente
estudava assim no dormitório né… na mesa pequena… assim cada um escrevia
no colo assim… nihongo, né… então… eu tava… a turma estava estudando assim,
então de repente… veio uma amiga… eu não tinha nem amigo direito… pegou
minhas coisas e colocou tudo, pegou e levou tudo embaixo da cama… eu não
sabia por que que estava acontecendo isso, mas tocou a campainha de
emergência que quando vem o policial, toca a campainha… quarto… então
quando vem, imediatamente a gente tem que guardar coisa escrita em nihongo e
precisava logo, precisava pegar material de corte e costura. E a gente fica
chuleando, fazendo alguma coisa… tem que ficar… é tem que disfarçar. Eu não
sabia. Depois é que bagunça acabou, aí essa amiga contou. Não é que eu fiz
mal… agora é assim, assim… eu, como uma caipira que primeira vez que nasceu
na Aliança, primeira vez que saiu no o Paulo, né… é uma caipirona que não
sabia fazer nada… então eu fiquei assustada, né… aconteceu isso. Partiu daí, a
gente ficou sabendo, né? Então imediatamente precisava pegar o material de
corte e costura e… e a gente faz assim, ou disfarça e volta na sala de costura…
RA: o corte costura não teria problema, mas a escrita…
MM: Corte costura tudo bemescrita assim, nihongo não podia. Então a gente, o
que estudava na escola, a gente rasgava a folha, levava em casa… em casa tinha
um caderno… e era assim. Porque folha rasgado, a gente levava dentro do
material, hassami, tesoura, essas coisas… coloca no machibari depois colocava
na lata de biscoito, então a gente colocava embaixo, dobrava e em casa fazia tudo
passar a limpo, fazia pra poder, poder estudar em casa era… muito, muito…
Akama-sensei deve ter sofrido muito… Porque naquela época a gente não
entende, né… mas depois que a gente saiu na sociedade… quanto que ela
sofreu… pra manter aula, e… esconder da polícia e outros professores, tudo
né… então foi assim. Então 46, então nessa época, eu não conheço muito bem a
interna. Porque eu ia na casa do (...) toraiba (...) no Jabaquara, atual quase é…
ponto final do metrô, né… de eu ia de ônibus e voltava à noite. Então nessa
época eu não conheço como é que era… nos 50, eu tinha formado nihongo,
mas não tinha formado costura, quando foi embora… aí eu fui embora mas,
aquela amiga… minha amiga… a Yojo-sensei, Yojo Tikue… mora no São Miguel,
ela é da Aliança também, e ela dava aula de corte e costura no gakkou, no
Transcrições A formação da identidade feminina
215
Vergueiro, eu escrevi carta pra ela, eu não tenho diploma de corte e
costura… tem do primário o diploma, né?... Então eu falei… eu quero estudar
mais… quero estudar em São Paulo, quero estudar em São Paulo… meu pai falou
“é… já tem vinte anos, que precisa ir pra São Paulo o que?!...” e não quis deixar…
eu escrevi carta pra ela dizendo não tem algum serviço pra mim trabalhar? ela
acho que conversou com Akama-sensei, Akama-sensei falou… “na cozinheira que
é encarregada do gohan, , é Harutian vai sair…” Haru, Haruko Ishihara… falou
que ia sair então precisava alguém pra ficar no lugar dela… Olha! Dentro de, nem
uma semana, eu recebi carta do Yamanaka-san, atual Yojo-san, né… Tikue… ela
mandou carta falando “olha, Akama-san tá falando assim, assim… você tem
emprego dentro da escola!”que bom! Aí que eu contei pra pai… os pais que eu
queria ir que tinha emprego… aí meu pai ficou bravo. Ele falou que “não tenho
em casa… não tenho o dinheiro pra mandar pra você…” dinheiro eu não quero
não… é só deixar ir… aí… assim eu saí de casa, né. Porque eu tenho três irmãos,
mas entre eu e o irmão mais velho tem diferença de seis anos. Então… sempre
serviço de homem, não tinha quem fazer, então eu fiz tudo serviço do homem
quando morava no sítio, então cavalo, arar terra, tocar boi, tudo isso eu fiz, né…
então quando saiu pra… veio pra Araçatuba, depois veio para Birigüi. Araçatuba
não tinha emprego do meu pai, e foi para Birigüi e quando surgiu essa oferta, de
eu resolver de ir pra escola, meus pais moravam no Birigüi… tinha uma peixaria.
eu saí… 50 eu saí é… de janeiro… ainda gakkou estava de férias quando eu…
aí fiquei no lugar dela. Fiquei dois anos cozinhando, cuidando do gohan…
RA: Podendo também estudar…
MM: É… eu estudei… tirei primeiro de três meses… nihongo e português…
primeiro fez corte e costura, depois eu fiz o primeiro exame… acho que era abril
que tinha o primeiro exame do corte e costura, eu tirei o diploma do corte e
costura, depois eu comecei Jogaku-bu né?... Jogaku-bue Akama-sensei que…
é… como pessoa que morou na Aliança, falava muito bem japonês… muito…
então Akama-sensei disse que não precisa ser no primeiro ano entra no
segundo… que você vai dar… aí eu entrei no segundo, Jogaku-ninen… né?
Porque Jogaku-bu eram três anos… fiquei na cozinha… depois fui estudando o
japonês, no… nesse ano… não… ano seguinte, 51, passou fazendo isso, no
gakkou cozinhando e Jogaku-bu junto, né… nessa época Kikutyan tava junto…
Kikutyan entrou também. Kikutyan depois é… filho do (...)-sensei, depois a… irmã
do Getúlio… aquele (…).
RA: Quando foi no segundo…
MM: É, segundo… segundo ano, né… quando foi no segundo ano, 51… 52 eu
continuei no nihongo e cozinha, né. Cozinha… trabalhando… aí no s de férias,
julho, surgiu um concurso de é… professor de língua japonesa do Estado.
Akama-san falou assim “vai prestar o exame… vai prestar o exame…”, mas como
eu o tinha o primeiro grau, atual do primeiro grau do português então primeiro
precisava fazer o exame do português… quem passava podia fazer o nihongo, né.
no mês de férias, tinha uma pessoa, professora que ‘tava interno, aí ela falou
“não, eu vou te dar aula” e eu fiquei, estudei com ela todo dia, eu fiz primeiro o
português, raspando, mas eu passei! eu fiz o nihongo, né… depois o nihogo…
Transcrições A formação da identidade feminina
216
nihongo o foi muito difícil, passei… acho que aí… tinha vinte e quatro
candidato, inclusive quem fez junto a Kushiyama… da… aquele presidente do
Bunkyo, né… ele fez junto também. Parece que dentro do vinte e quatro passou
metade… e eu passei. saiu no jornal japonês que foi aprovado tal… saiu
nome, então no fundo do Birigüi, tem lugar que tem uma colônia que chama
Paineiras, né… tinha colônia japonesa e chefe de veio na casa do meu pai
que era Birigüi, então queria como professora na fazenda… isso foi no 52, né…
como era perto… perto, mas quarenta quilômetros, né, então meus pais
acharam que mais cil, que mais perto de casa, então eu fui, né? no 53, eu
fiz curso de culinária na primeira turma, terminou abril e nos meandros de abril eu
fui pra Clementina. Fui dá aula. Primeira vez que eu fui dar aula… (risos) Corajoso
né? (risos) Não sabia de nada, não tinha nenhum conhecido, foi… foi pegar…
cheguei lá, não sabia que tinha, também tinha katigumi, makegumi da pessoa,
né… e quem contratou, tal de Takumi… Takumi Massaka, acho que é…
Matsuyamasobrenome Takumi, ele que era chefão da fazenda e contratou eu,
né… aí eu fui… primeiro contato com a turma foi no dia 29 de abril, dia do
aniversário do Imperador Showa , né? Então, nesse dia, no interior sempre faz
undokai, tipo undokai tinha… mas antes do undokai tem a comemoração da
festa… tudo. Aí… (risos)… Professora de primeira viagem, precisava fazer o
aisatsu, aisatsu koosu era à frente de tudo. Era um kaikan tão grande… kaikan,
kaikan era uma… acho que tinha uns trinta metros… não sei… largura de vinte…
não sei… era um kaikan enorme! Que era o primeiro do noroeste, kaikan maior do
noroeste, não é… aí eu subi no palco… (risos)… mas eu tremia tanto, eu tremia
tanto que, acho que se pessoa visse de trás… bumbum estava fazendo assim!
(gesticula movimentos de balanços com as mãos) (risos) Primeira vez, ainda! E
tem tudo mundo ainda, criança, aluno e tem seinenkai tudo sentado na frente,
tudo desconhecido, não conheço ninguém! eu preciso falar… eu falei no meio
do discurso, eu falei do Imperador atual, é… sofreu muito na guerra, né… e, mas
depois da guerra, como ele partiu junto com o povo, ninguém tem nó… eu escrevi,
usei essa palavra… ninguém tem nó… porque antigamente, a gente usava como
Deus, né?... Mas a partir daí, ele queria andar junto com o povo e tal… então eu
escrevi isso… depois eu desci, daí passou um pouco, esse tal de Takumi-san veio,
ele falou assim “agora pouco, a professora nova falou: ninguém tem nó, mas
não pode usar essa palavra!” Olha!... Ele…pá… deu cacetada! Mas eu tremia
tanto, tremia tanto… depois eu voltei na casa onde eu hospedava, tinha pensão
também, mas pensão no interior, vem muito viajante, tudo… eu não queria ficar na
pensão. Então uma família do Nagano, porque minha mãe é do Nagano-ken, né…
então essa pessoa do Nagano-ken falou “a mãe dela é do Nagano, eu vou ficar
com ela!E eu fiquei hospedada numa família de fazendeiro, sabe? Aí na hora do
almoço, eu voltei pra casa, mas… faltava chorar, mas eu fiquei segurando,
segurandovoltei pra casa, mas eu chorei tanto, chorei tanto… eu falei, não! Eu
acho que não posso ficar aqui. Vou embora. Eu vou pedir demissão, eu vou
embora, né? nessa casa, tinha ojityan, obatyan e o filho mais velho era muito
assim decidido, né… falou “mas como que vai embora? Você falou verdade! Não
fica perdendo pra aquele ojisan, não vai perder não! A gente vai torcer por você!
Transcrições A formação da identidade feminina
217
Fica, fica, fica! Nós vamos ajudar você!” Foi assim, sabe?! eu criei coragem, eu
fiquei.
R: Tinha apoio né
Tinha apoio. Qualquer coisa, eles apoiavam. Então tinha apoio e eu acabei
ficando, acabei ficando três anos, toda hora gambarê, gambarê!... (risos) Fiquei
três anos… aí nisso, né… tem shojyokai, shojyokai é associação das moças, né?...
Tinha associação dos moços também. E associação das moças tinha uma
senhora de sessenta e poucos anos que tomava conta, então ela falava assim
que… é… mulher tem que ficar assim quietinha, comportar daquele jeito,
jeito antigo do nihonjin, né? Ou então, pra rapazes, que não deve conversar assim,
que o então tinha um regulamento do sho… associação das moças, um dos
itens tinha, quando está junto com os rapazes, você não pode sorrir, não pode dar
sorriso, pra pessoa… eu falei “absurdo, né?!essas coisas… eu falei, mas
que negócio é esse? Então eles conversar assim… no namoro, era uma coisa
proibido mesmo, né?... então todo mês… cada quantos meses, tinha fugitivos de
casal. Porque os pais não deixam namorar, então eles fogem! Tem um que fugiu
descalço até no Tupã! De Clementino até Tupã tinha não sei se tinha vinte ou
trinta quilômetros... Mas sabe por quê? Os pais guardaram o sapato dela no
quarto pra não fugir. pulou a janela e fugiu descalço. (…) Então eu falei, não é
possível! Não pode ficar assim… fugindo, né? Como quando estava no gakkou
tinha… é… 4H… o sei se ouviu… yon iti…que veio Nakata sensei… pai, veio
entrando aqui no Brasil… 4 H é acho que… (…) coração e mão e… tudo em
inglês… coração, braço e a cabeça… e mais um o que que era mesmo?! Eu
esqueci… então, tinha esse curso e quando a pessoa estava no jogaku-bu, fazia
também, gakô-ni… gakô-de… Então no meio desse ensinamento tinha kage de
kotokoto shinaide ikou, né… escondido, faz escondido, faz kosokoso com gesto de
ladrão, não pode fazer, tinha esse… essa regra. Na época do gakkou, então eu na
hora, quando eu comecei participar com mocinhas, eu falava, olha gente, kage de
kotokoto shinaide ikou, se tem alguma coisa, quer falar alguma coisa, você não faz
coisa escondido não… conversa com alguém, né? Conversa com alguém que tem
confiança. Fez assim, né? Aí… (risos) na minha gestão, ninguém fugiu! (Olha! Um
valor, né?Foi passado um valor…) Né?! Então as moças ficaram contentes, né…
todo mundo ficou contenteum dia, fim do ano, no Natal as moças queriam
fazer baile e eu tinha a chave da escola. A escola era grande, né… mas não tem
luz, então tinha que fazer com lampião… baile, né… o seinenkai falou assim,
“será que pode fazer baile na escola? Sensei empresta a chave?” , eu falei… pode
sim!... (risos) Eu deixei a chave lá, voltei pra casa…(risos) Quando eu voltei na
aula, tomei a maior bronca da associação dos japoneses, “o que você fez? Escola
é um lugar muito sagrado…você emprestou pra fazer baile? Sem licença de
ninguém?” aheu fiquei… nem tinha pensado nisso… que eu tinha 23 anos, a
gente não pensa muitas coisas, né?... (risos) tomei bronca outra vez. Mas aí, a
pessoa da casa, né, fazendeiro falou assim, “não!… deixa isso pra porque baile
não é coisa crime, nem nada… pode deixar!... deixa aí, não liga não e vai…” e foi
assim que eu fiquei batalhando né… então, os alunos, alunos e as alunas ficaram
muito agarrados comigo… então, pra essa prova eu tenho três alunos que moram
Transcrições A formação da identidade feminina
218
no Hokkaido, agora… três. Menina, menino, depois tem outra menina… três.
Que estavam comigo… Olha quando for no Japão, telefona… ela falou assim
“olha, eu vou tirar férias, quando que a senhora vem?” Hospeda na casa dela… eu
no tratamento assim, ela faz tudo, tudo pra mim!... Dois dias livres, marido e tudo,
carro livre pra gente fazer o kanko pra pra cá!... Hokkaido… ?! Tem assim…
e aqui, aqui também tem aluno que, aqui tem fotografia do depois do 48 anos do…
48, 49 anos, eu tive uma vez aqui reunião no… aqui do escoteiro. Olha, tem aluno
que morreu, aluno que foi assassinado, têm muitos assim… mas a gente se reuniu,
a reunião foi muito gostosa… a gente não sabia quem é quem né… porque era
criança assim, né… olha, nessa reunião veio… primo seu…Mitchan,… Mitsuro-
san veio, mas eu não sabia que era Mitsuro-san. Depois que uma das meninas…
uma das moças que vieram, falou assim, “meu marido é do… sobrinho da Akama-
sensei”, eu falei, sobrinho da Akama-sensei… mas quem será?, né… Aí eu
pensei… Kohei-sensei foi sozinho… eu sei que tem quatro filhos, né… agora…
sobrinhoentão o Kikutyan e Mityan… então falei Mityan! Por acaso Mitsuro-
san? falou “é”!... Olha levou susto também! foi encontrado com Mitsuro-san
na reunião… Ela chama Kinutyan, né?... Kinuko que chama? “Marta, né?” Não
sei… português não sei… Ela, quando eu estava lá, acho que era nenê ou não
tinha nascido… Então… quem deu coisa em mim foi ojityan dela!... Esse que falou
que eu falei coisa errado… Esse de quarenta anos atrás!... Olha como que esse
mundo vira… olha o que é que acontece! Então eu fiquei, fiquei assim falei,
então sua cunhada é Kikutyan? “É!” Então eu voltei pra casa, telefonei pra
Kikutyan Olha, eu não sabia que Mitsuro-san tava… ah… outra esposa, né…
Assim que era conhecida do interior… Então o mundo é muito misterioso, né?
Foi assim… então eu encontrei aqui… é… depois né… tem alguns alunos que não
sabia onde que estava e tudo, que só tem um rapaz que ficou tenente da
salvação da aeronáutica… no Estado saiu: “capitão Teramoto”meu marido
estava vendo fotografia, falou: “esse não é seu aluno?olhei assim, que tava
de farda, com chapéu, tudo… Uai!... Esse aqui é ? onde é que está? Telefonei pra
aeroporto, aí falou que vinha à tarde… à tarde eu liguei, falei Washitachi-san
adivinha quem que está falando… aí ele pensou, pensou… essa voz não é
estranho… Pensou, pensou… “não vai dizer que é Mayumi-sensei?” eu falei, sou
Mayumi…aí ele falou que domingo ia visitar em casa, né… mas ele o passou,
não chegou até domingo não… antes ele veio… disse que saudades era muito,
ele veio visitar, né… então ele mora na cidade Ademar agora, né… e a esposa
dele é formada em Londrina, é professor de Química, né… e dava aula junto
com minha filha no estadual… Dom Duarte, no Socorro. Olha então ficatudo
assim parece que é longe, mas não sabe onde que trançado, que volta, né… é
muito, muito… vida da gente é muito engraçado… (risos)
RA: Mayumi-san, sobre essa época, esse momento da senhora no internato,
tinham vários saberes, conhecimentos que Akama-san privilegiava, né… de
ensinar e passar para uma boa formação das moças… o que a senhora tem de
recordação dessa época?
MM: Porque… então é… nessa época, Akama-sensei dava… porque pessoa de
corte e costura… três meses, estuda dia inteiro, três meses tira diploma e vai
Transcrições A formação da identidade feminina
219
embora, né… mas Akama-sensei, sempre… ela precisava ter a parte da etiqueta,
né?... Então todo mundo precisava modo de tomar chá, modo de servir, essas
coisas… todo mundo precisava fazer! Então eu acho que quem formou lá, quem
estudou lá… nesse ponto assim, é… saindo pra fora… qualquer coisa, não fica
afobado. Esse eu acho que garanto… tanto como corte e costura, tanto como
comportamento, né… tudo… eu acho que não fica afobado. Pode cair tudo… mas
levanta… levanta limpo… Sabe levantar. Eu acho que… acho que tem…
importância tudo, é.
RA: Ela passava também vários valores morais… o que era bom… como essa
associação que a senhora tinha… que a senhora participava no interior, tinha essa
associação feminina, tinha alguma coisa um pouco mais rigorosa até… tinham
alguns valores femininos…
M: É… então
RA: do que ficava bom, do que ficava bem… isso tudo era envolvido na etiqueta?
M: É… acho que o modo de… como é que fala… bastante assim negócio
de…sobre consciência, é, pessoa pouco a pouco, com ensinamento de Akama-
sensei, do modo de servir, essas coisas… dentro a gente vai percebendo que…
é… sempre terá a consciência limpa… esse daí eu sempre falei pros meus alunos
também, pode… falei, vocês não faz coisas que pode pesar na consciência.
Porque outras pessoas o estão vendo, mas por dentro cutuca, você fez coisa
errado, coisa errado… Então não faz a coisa que pesa na consciência… Essas
coisas, acho que dia-a-dia, com próprio comportamento da Akama-sensei, as
professoras… né… tudo. Naquela época tinha “bazar”, Sempre tinha no mês de
outubro, bazar. Então fazia udon, essas coisas… tudo, né… mas tudo hummm…
colaborando, né… cada um tem sua responsabilidade, cumprindo, acho que… no
dia-a-dia a gente adquiria sem sensei forçar… a gente adquiria. Eu acho que
serviço de Akama-sensei foi muito, muito é… valor pra formação humano, quer
dizer… as moças, né… eu acho. Porque hoje em dia também… eu acho… (risos)
não sei. (risos)
RA: Qual é o seu comparativo?
M: Acho um pouquinho diferente das outras pessoas… não sei se a gente puxa
mais pra… (risos) Mas eu sinto que tudo… tudo mundo tem diferença, saiu na
sociedade também, acho que tem muita gente assim que servindo na
sociedade… em serviço tudo… São Bernardo tem uma que lida com o Fujinkai do
nihongo… ela também é uma delas… então tem, nesse ponto eu acho que tem
bastante força da Akama-sensei.
RA: E pra senhora… família, profissionalmente… como é que isso aconteceu?...
Teve importância? Como isso pode ser visto, como isso refletiu na sua vida
pessoal, na sua formação de família? Esses valores pra formação da sua família…
M: Não sei… (risos)
RA: Foi realmente uma boa-noiva? (pergunta dirigida ao casal)
M: (risos) boa-noiva… acho que não… (risos) acho que bravo né?!
E: Eu só trabalhava (risos)… não sei nem
M: Não sei… eu… acho que, é… por causa das coisas que aprendeu no gakkou
né… agora, todo mundo compra roupa feita… mas eu nem, nenhuma vez comrei
Transcrições A formação da identidade feminina
220
roupa feita… tudo, tudo… enxovalzinho… tudo bordado, tudo feito em casa…
meus quatro filhos, ninguém usou roupa feita… então a gente tinha a alegria de
saber bordadoporque gakkou tinha curso de bordado também… depois… ah…
não pode esquecer a aula do Sato-sensei também… Sato-sensei foi a… música,
né… Então ele dava a música clássico… a gente não entendia nada, mas ele
falou que esse é do Bach, esse é do Beethoven… não sei o quêele explicava,
né… Então parece que naquilo… na hora parece que era besteira… encheção…
mas depois que a gente sai na sociedade… quando escuta uma coisa assim…
“ahhh… esse eu tinha escutado no gakkou”… lembra, né… então isso foi muito
bom também!... E aula do Hayashi-sensei que tinha aula de culinária, não é…
noosankakou… noosankakou é a gente fazia as coisas, fazia e aprendia e no
bazar a gente vendia né… isso foi muito bom também… Porque a gente sabe…
sabe quando tem bastante abóbora… sabe aproveitar… quando em alguma
coisa… sabe aproveitar… não desperdiça nada, né? Então esse também foi do
gakkouentão gakkou foi praticamente completo pra minha vida também… Foi
muito bom!... Agora Sato-sensei… Sato-sensei que vai… deslocar um pouco na…
professora de culinária, né, mas ela também é muito assim… ensinava comida…
todo mundo falava assim, “ahh… vai na escola de culinária?... mas aqui no interior
não tem material…Pessoa fala, primeira coisa, que não tem material. o é que
culinária não é material… você sabe aproveitar na culinária, o que sabe aproveitar
o que tem na sua frente, o que tem ao seu redor. Esse é que é culinária. Não é
que você compra tudo e faz o… não é assim… Então Sato-sensei era uma pessoa
que ensinava muito… pra não desperdiçar as coisas, então até descascar a
berinjela, então corta esse daí, deixa secar na sombra… depois usa para
fukujinzuke, né… Fukujinzuke…agora fala fukujinzuke, mas antigamente, fala que
somatsusumfuminande, somatsusumfuminazuke, né…que não, não desperdiça.
Então casca pepino, casca de é… sobras, né? Então, a gente jogava as
coisas… (risos)… ela ficava bravo. Não é… esse daí tem que usar pra… então vai
deixar pra secar! Sato-sensei dava… (gesto de bronca)… então… e ela falou
assim: vocês ficam sabendo que aquele ministro que tem bigode assim… assim…
(gesticula na frente do rosto formando o desenho de um bigode)…perante a
comida é kodomo, kodomo… igual criança… então vocês têm que saber cativar o
marido pela comida!... (risos)
RA: Pegar pelo estômago?...
M: é… Pegar pelo estômago. Então você saiba… saiba fazer… cozinhar, né? Ela
é…a gente dava risada, mas realmente… Sato-sensei não deixava desperdiçar
nada… Então Akama-sensei no ensinamento, Sato-sensei no ensinamento… os
dois, acho que ajudou muito a gente, né? Então, em casa quando vinha
empregada, empregada jogava lixo, descascava daikon jogava… Não! Não…
esse daí não é pra jogar!... Então toda vez ela falava Esse pode jogar, ou não
pode jogar?! … (risos)
RA: Ajuda na economia doméstica, né?
M: É… na economia doméstica também… ? É porque eu comecei a vida de
casal, sem nada, sem nada… nós começamos… quando começamos… na estaca
zero! Se fosse jovem de agora, não tinha casado não… Não tinha casado…
Transcrições A formação da identidade feminina
221
Porque ele tinha… ele tinha uma indústria né… essa indústria foi tocado com o
irmão dele, mas o nome… tava no nome dele. Ele estudava aqui em São Paulo e
irmão tocava a indústria no interior, né… e na maior… na época de maior
dificuldade, veio geada no Paraná, o banco não emprestou dinheiro né, banco
fechou e não emprestou dinheiro…
E: É que teve crise… negócio de café… com a geada teve crise então o banco
echou tudo.
M: a firma… foi pra fundo, né… E nessa época que tava a maior dificuldade,
irmão que tocava a firma, com trinta e sete?... Trinta e sete anos morreu de câncer
de estômago. Aí como é que fica? Nome dele! (aponta para o esposo),
irmão morreu. Agora quem que tem que tocar? Ele tava com vinte e três anos!
E: Vinte e cinco anos…
M: Vinte e cinco anos… é… ele precisou de largar, serviço de São Paulo e foi
pro interior pra resolver. E tinha quase… firma, fábrica era grande… tinha bastante,
quase cem funcionários, tinha funcionário… e cada funcionário tinha cinco, seis
filhos… então tudo isso ia passar fome!... Então tinha que tocar… mas só dívida…
um atrás do outro… e ele não conseguia fazer nada… no fim, ele negociou com
um terreno em troca, mas ele entregou tudo pra… como é que é? Saikencho…
como é que fala… saikencho… Financiador? Financiador não…
E: Esse que tem empréstimo né…
M: Tem preçoé… pessoa que tinha empréstimo maior pra firma… então eles
ficaram com o terreno e ele saiu. Ele saiu sem nada, né… deixou emprego, tudo
pra eles e saiu sem nada. Isso foi no cinquenta e cinco, né… Cinquenta e cinco.
Então pra isso… porque eles têm família grande… Então ele pouco a pouco, foi
tirando um irmão pra , outro pra cá… assim vai tirando um por um pra São
Paulo, mandando pra São Paulo, cada um arrumar um emprego, né… e ele ficou
sozinho… nissan tava né?... Ele e irmão mais… mais...segundo irmão, ficou
no interior, isso foi no cinquenta e cinco…
E: Então, nessa época, ela era ainda noiva, né? Ficou três anos noiva… (risos)
M: Mas o… não tem dinheiro, não tem nada, então é… nós ficamos… eu ficava no
Clementina, quarenta minutos no fundo do Birigüi, e ele morava no Mirandópolis,
né… Aliança, aliança ele trouxe e deixou na casa da minha mãe! minha mãe
falou, aliança aqui, volta aqui que aliança aqui!... (risos) Três anos?... Três
anos!... Turma fala que sou doida, né?... Se fosse agora, acho que ninguém casa,
não… dá pontapé! (risos) Mas eu agradeço meus pais… meus pais falavam
assim… a gente tem que ver a pessoa. Não vai casar com dinheiro. Então se
pessoa for direito, esse negócio do aperto, do serviço… da coisa, né… é… isso
acontece pra todo mundo. Então precisa ver, é… vendo a pessoa, né… Então tem
muita gente que veio falar pros meus pais que… é… você jogando… porque de
mulher eu sou única né… Tem três irmãos mas mulher, única… é você não vai
deixar… única filhar jogar dentro do fogo, e tal, né… meus pais falou, minha
filha não vai casar com dinheiro. Então meus pais falaram assim, olha, você vai no
casamento,que não pode pensar nada de luxo não!... Não tem nada de… você
tem que batalhar! Então ficou assim(risos) não tinha nada, mas… meus pais
tavam firme, por isso que casamento não quebrou também. Aí, no cinqüenta e
Transcrições A formação da identidade feminina
222
cinco, meus pais mudaram pra… do Birigüi mudou pra São Paulo no Itaim, eu
dei aula até dezembro e eu vim pra (São Paulo), no mês de dezembro eu vim
com a família pra . ele ficou no Mirandópolis (aponta para o esposo) e ele
veio pra cá. Aí meus pais já estavam cansados, porque antigamente quando
ficava noivo, dentro de dois, três meses, casava… casava… meus pais já
estavam cansados de deixar noivado de muito tempo… nesse cinqüenta e seis,
no Ano Novo, meu pai foi cumprimentar os pais dele e os pais combinaram, dia
vinte e oito vamos fazer casamento!... (risos) Mas… ele tava no interior e eu tava
sozinha pra cá! Pra marcar no cartório não podia marcar… pra marcar na igreja
não podia marcar… eu não podia fazer nada sozinha! meu pai falou assim,
manda telegrama, manda sair Nobuo do interior, vim pra ! Mas ele precisava
fazer o resto… retoque do resto das dívidas tudo né… e ele ficou lá. mandou
telegrama dia vinte e oito pra marcar… marcou casamento, os pais marcou o
casamento e dia quatorze que ele veio pra cá. tinha quatorze… duas semanas
né… eu fui no cartório, fala não!... sem noivo não pra marcar!... Tá bom.
foi na igreja… igreja era do Frei Bonifácio. Frei Bonifácio eu batizei, primeira
comunhão, tudo. Então ele falou assim, eu conheço você, então eu posso fazer o
casamento antes do cartório!... (risos) Faz o contrário, né?... Aí ele (o esposo),
morava no Colégio São Francisco, então o padre Takeuchi conhecia muito bem.
São Francisco do Ipiranga, né? Ele morava lá… colégio, né… Ele tava no
interno do Colégio São Francisco, então conhecia tudo padre e tinha um padre
que chamava Yochiura, atualmente acho que no Faculdade do… Faculdade da
Sofia… lá do nihon, ele tá lá… não sei se tá vivo… não sei… aí eu fui lá no colégio
sem ele… ele falou ah! Eu conheço Nobuo desde pequeno… pode casar hein!
Então ele deu atestado e nós casamos no dia vinte e oito! Casamos no… o
negócio do convite! Não tinha dinheiro nem pra fazer festa, né… obasan que
ficou madrinha, doou tudo prato de coxinha pra gente… Mas meu pai falou
assim, pessoa convida, não tem nem festa!... Naquela época, sem festa, ninguém
fazia, né… Então como é que vamos fazer?! no jornal Paulista tinha o
conhecido, tal de Kono, era presidente do Jornal Paulista, ele falou assim, faz um
convite, escreve o nome do padrinho, né, fala assim, tal, tal dia, fulano casou… faz
esse tipo de cartão e manda pra pessoa, e convida algumas pessoas… e ficou
assim, fez-se o casamento, mas cadê o dinheiro pra fazer o bolo? Não tem!
Kikutyan falou que ia fazer pra mim. Aí Kikutyan fez… eu paguei material
(risos)… ovo e açúcar… Kikutyan fez o bolo pra mim, né… e nós casamos…
então, colega do gakkou então eu convidei Akama-sensei e Hayashi-sensei e
depois Hayashi-sensei no filha, Kikutyan, colegas foi… acho que convidei
duas… e o resto algumas parentes… dele, né… Nós casamos no dia vinte e
oito de janeiro de cinqüenta e…
N: Pior seu irmão, né?
M: É! Meu irmão tinha vindo do interior, né… dezembro que tinha vindo pra cá,
morou no Itaim mas vinha na festa, mas ele não conseguiu achar a casa e foi
embora! Aí depois do casamento, a gente não tinha dinheiro, então não ia nem pra
lua-de-mel, nem nada… aí irmã dele falou: Vai! Nem que for até Santos!... Vai, vai,
vai, vai… Aí, até onde que vamos? quando estava no gakkou turma foi
Transcrições A formação da identidade feminina
223
passeando no Itanhaém, falou que Itanhaém estava muito bom, então eu o
conhecia, quando estava no gakkou, como eu era encarregada do gohan, então
alunas viajavam, passeava, piquenique, essas coisas… eu nunca fui… Isso
Akama-sensei depois falou assim: Puxa vida, devia ter pensado um pouco mais
em você… mas eu nunca fui… turma foi no Rio, Santos…foi Itanhaém, tudo…
mas eu nunca fui… nenhum lugar… mas a turma falava que Itanhaém tava o
bom, tão bom, que então eu falei, invés de ser Santos, eu vou Itanhaém e a gente
foi sem conhecer nada, nada… andamos quase dois quilômetros, areião…(risos)
N: Ah, mas você que falou… ela falou que conhecia tudo lá!
M: Conhecia nada (risos)… falou que turma falou que Itanhaém é bom… então…
vamos lá! No ponto final do ônibus, hotel o tinha lugar lá… então a gente
precisava voltar, mas não tinha condução nenhuma…ele carregou a mala e eu…
(risos) tirou o sapato e… andando descalço e… até no hotel…da cidade né?
ficamos, uma ou duas noites lá… foi assim, então nosso… casamento tudo…
R: e shashin?
M: Shashin?... Shashin ésabe o que é que foi? Foi no fotógrafo Katayama-san,
o fotógrafo falou assim: olha, depois do horário da igreja, não tem vaga. nós
tiramos fotografia… tudo ao contrário! fomos pra igreja… Kikutyan que fez o
cabelo… Kikutyan que enrolou bobs, depois que penteou… eu fui… primeiro eu
fui no fotógrafo, depois foi na igreja, depois de duas semanas que nós casamos no
cartório. Foi assim… então tudo contrário. Então fotografia também, tem uma
fotografia do casamento… depois veio aquele que vem tirar… sem, sem…
convidar… tem gente que tira, né… esse fotografia que ficou… o resto não tem
nada… (risos) tem o que tirou no Katayama e o resto é Katayama
atualmente no Koi-no-sono, né… depois que faleceu a esposa… ele falou que
não quer dar trabalho pro filho… ele tá lá… mas ele tá bem né?
I: Há pouco tempo atrás ele ia lá na escola tirar foto
M: Ele sempre vinha tirar fotografia no gakkou também… mas depois que perdeu
esposa, ele falou que dar trabalho pra filho… e Koi-no-sono também, não tem
vaga… depois que fica de cadeira de rodas, não tem vaga… então Katayama
falou que antes que fica isso eu vou lá… e ele tá lá.
Então… minha vida é… isso… mas eu devo, sorte que tinha Akama-sensei e
Sato-sensei… depois ajudou bastante foi a Aida-san, a esposa também… do
banco América do Sul, né… cunhado do Tachibana-san… ajudou bastante… ficou
um ano e meio hospedado na casa dela… comia, dormiae foi assim… então,
mas… égakkou enquanto estava no gakkou era muito divertido, porque eu fazia
gohan com aquela panela grande, né? Cada vez, usava duas latas de vinte litros
de carvão, carvão né… naquela época não tinha gás… então tinha um fogão
grande… dois… um feijão, e outro, gohana gente, depois que acaba de comer
gohan a gente pegava duas latas de carvão, jogava , né… e fazia gohan. Então
a brasa… como não dá pra diminuir o fogo, enquanto o gohan tá fervendo, a gente
precisa tirar a brasa. Pra tirar a brasa, aquele pá de pedreiro, que tinha um gancho
bem comprido, então meu aqui… pelo… não ficava nadatodo dia queima…
Então aqui tira a brasa e põe no lugar do feijão e da sopa, pra
cozinha…
(durante
Transcrições A formação da identidade feminina
224
a narrativa, Mayumi gesticula, como se estivesse com os objetos à sua frente,
cozinhando, tirando e colocando o carvão…) Nesse instante, cabe uma reflexão
a narrativa pede uma imagem, quando a depoente fala “aqui tira a brasa” por
exemplo. Aqui onde? o uso da imagem pode revelar. Do seu lado, a imagem
muitas vezes instiga o verbal, como por exemplo, quando Mayumi demonstra o
tamanho da panela de “gohan”… o que será que ela conta com esse gestual?
Dessa forma a transcrição da oralidade nesse instante congelado pelo registro
imagético, dá voz à fotografia que pode, então, “contar” a sua história.
Então foi assim… vai na sala de aula, todo mundo fala assim…ai! Você tem
carvão no narizou aqui… sempre tinha carvão em algum lugar, né… era assim.
Depois quando tira gohan, no fundo, mais ou menos tem dessa área né? No
fundo da panela… então fica queimado… Então pessoa que interna… fica com
fome à tarde, né? E fala assimOh… Mayumi-san… tem
gohan…okogue… tem
okogue? Então todo mundo vem comer… então na hora de descer pra lavar a
panela, eu pegava um punhado de sal. Colocava dentro doQuem quer oniguiri
vem aqui… quem quer okogue vem aqui! Então tem muita gente que comeu
okogue de mim… ainda encontra a gente e fala ah! Eu comi o… Saudade. Então
essas coisas também foi muito é… gostoso também. E eu éuma vez, cozinha
tinha plantão, quem tinha plantão, uma vez por semana, tinha que acordar quatro,
quatro e meia, pra receber padeiro, ferver leite, arrumar mesa… sozinho, né… tem
que arrumar… aí… eu tava no plantão, mas tinha um gato, que enchia a
paciênciaentrava no onde guardava arroz, né… então tinha dois cachorros,
eu mandei cachorro correr atrás do gato. Aí, belo dia, cachorro matou o gato. Mas
ele queria… queria acho que eu visse né… Eu tava acordando, atendendo padeiro,
depois quando eu saí na porta, gato tava esticado assim na porta! E dois
cachorros abanando assim… rabo assim… Então queria que eu… (risos) Porque
eu mandei correr atrás do gato, né? matou… Kimura-sensei falou assim,
quem fez? Quem mandou correr atrás do gato?, né… cachorro ficou contente que
matou o gato. Essas coisas que… Kimura-sensei dava aula lá? Kimura-sensei
dava aula Kimura-sensei dava aula e de manhã tinha a… como é que fala…
taissô né? Então todo mundo precisava sair, fazer o taissô lá embaixo, perto
daquela árvore… árvore Ibitinga… que tinha, né… Então ao redor… Kimura-
sensei que era a chefona lá… do taissô… E depois tinha… esqueci de falar, quem
era interno tinha no toban , plantão de cozinha... plantão de banheiro… né?
Quintal, todo mundo varria. Bem… é… fica conversando… vamos tomar ochá ,
né?
Transcrições A formação da identidade feminina
225
Informante: Mayumi Yoshioka Mizikami (MM) - 02
Pesquisadora: Regina Chiga Akama (RA)
Participantes: Nobuo Mizikami (N), Edson Akama (E)
Data: 27/09/2007
Horário: 14h
Local: Residência da entrevistada em São Paulo
Duração da entrevista: 85 minutos
Faleceu… acho que viva… ela, ela, acho que viva… esse não sei. Ela casou
com ele… não sei… Vitório Oshiman… Kohei-sensei, Kumada-sensei, Sato-no-
ojisan, Kimura-sensei… tá vivo, né? (…)
Sato foi pra Guaraçaí, foi na comunidade que fala shinse. foi, no shinse?...
Fui… eu fui (E.Akama) Então… Sato-no-ojisan foi lá… Esse daqui Kimura-
sensei… esse daqui… acho que vivo sim. Esse daqui é Ikawa-sensei. Esse
no Mairiporã. Ela faleceu, agora Sugiyama-san vivo. Ela também acho que
bem, Narita-sensei, acho que vivo né?... Não ouvi que faleceu. (…) Agora
obasan faleceu, Araki-san… esse daqui. acho que faleceu depois… acho que deu
trabalho no Kohei-sensei, né?... filho… então aqui faleceu… acho que metade
tá falecido, viu?...
Ai… Inomi –san… não, Terutyan… conheceu eu… eu trabalhava na cozinha,
Tsutsumi-san conheceu eu por causa que eu confundi Sato-sensei com
Hiromityan, filho do Araki-san, cozinheira. Porque eu ia sair do Jogaku, aula à
tarde , eu saía, logo eu precisava ir colocar carvão no… fogo no que cozinha
gohan e tinha… não sei… acho que anatatati não deve lembrar… não viu né… era
um assim… feito de cimento assim grande, tinha dois, e dentro tem um vazio pra
colocar dois latas de carvão. Depois colocar brasa e a gente colocava panela
grande, que nem ofurô grande né, e colocava lá, então lá, o arroz no balde,
carregava e despejava e depois a gente colocava água. Então, quando eu
terminava a aula, eu preciso correr pra colocar, pegar fogo, na manhã, não
tempo, né… então eu terminava aula e eu já, primeira coisa, deixava o material
pra colocar o avental e corria pra cozinha pra… obasan deixava em cima da pá,
deixava brasa pronto, né. Então eu coloco brasa, e… quando eu subi, Sato-
sensei tava acendendo cigarro no… com brasa. Aí eu confundi com Hiromityan, foi
detrás… Sato-sensei era bravo, ninguém chegava perto… eu peguei assim no
ombro, falei “korakorakorakora…” obasan falou nanni o ela ficou brava né?
Ficou brava e deu risada. eu tinha… fiquei lá e até Sato-sensei ir embora… não
saí. Todo mundo falou, aquela cozinheira, diz que corajoso, Sato sensei ni
korakorakora te né? Foi ver quem que era, nessa hora, Teru-tyan disse que
conheceu eu. Isso ela lembra… mas ela… (…) Ele era pequenininho mas era
bravo… Uma vez tava treinando coral, acho que aquela música do Mendelson…
o otte barito… disse que não cantava direito. Ele tirou o guarda e tacou no
Transcrições A formação da identidade feminina
226
chão e foi embora. Todo mundo ficou… por isso que todo mundo tinha medo do
Sato-sensei. (…)
Handa-sensei era boa pessoa… e Yamamura-sensei também. Esse filho dele,
estudou junto com ele… Getúlio Vargas… esse, Ishii. Ele deu aula de… essa
época eu não estava no gakkou. Quando veio Furuhashi e o… aquele nadador…
Furuhashi é que era famoso. Esse é no Vergueiro. Outro era… Hashizume, né?...
Esse é… Vergueiro, mas onde tinha esse campo, a gente que nós que
fizemos era terra. Então no barranco nós quebramos, fez o campo de tênis,
quadra de tênis… e no lado tinha casa velha e que fazia ofurô. Ofu, aquele
ofurô grande, fazia com carvão, ? que numa casinha assim que não
tinha forro, casinha. Tinha teto, mas não tinha… e no lado, tinha um abacateiro
grande, sabe? Aí… diz que um dia, não sei quem que tava tomando banho e disse
que tinha uma telha quebrado, diz que olhou assim, lavando assim, olhou pra telha,
diz que viu dois olhos no, lá do quebrado. Um brasileiro tava espiando. Subiu
no telhado, né… espiando. Aí, não sei quem que tacou água com bacia, aí… partir
daí, até consertar telhado, o Komoda-ojisan ficou em cima tomando conta, pra
ninguém subir, né? Komoda… aí, ele ficou resfriado, turma deu risada. Então
nesse campo que foi tirado. Ano Vergueiro no gakkou,ne… Atrás… no lado. Fazia
taissôprimeiro né, fazia taissôentão esse daqui, todo mundo carregou terra e
fazia…
Esse português do Toshinobu-sensei. Esse Akama-sensei… etiqueta, né… Então
como… modo de comer… pessoa não do Jogakubu, quem estudava japonês…
esse quem estudava corte costura… né… Akama-sensei ensinava como usar o
garfo, como usar a faca, assim, né…
Esse daqui, aula de português. Esse daqui faleceu. Esse… ah… ela tem hotel
na Curitiba. Ohara’s Hotel. Tem dois, Ohara Palace tem lá… perto da… Hara’s
Palace Hotel, acho que. De esquina. Bem no centrão, onde tinha praça de frente.
Agora tem outro… esse Ohara’s Hotel. Kadomoto. Kadomoto o ima wa Hara,
sobrenome Hara. E esse daqui, esse daqui tá no Curitiba também. Ela virou
aquele religiosa do… como é que fala, na Vila Mariana, onde tem o… budista do
Ramen no Rorengekyo, Klabin… asoko no arengekyo. Tem igreja. Ela é prima
do… prima do marido da Terutyan. Hirai-san dake do ne. Etoooima na dakedo.
Como é que era o sobrenome dela, Hirai-san? Hirai-san no
sobrenome…nandata… Hirai é antigo, agora é… Komatsu djanai… Komatsu é…
Hirai-san…como é que é? Sobrenome dela? Mas esqueço…depois se lembrar eu
falo… ela tem… ela como fez o curso no Japão, ficou bonza mesmo…
disse que está cabelo tudo raspado! Porque ficou… budista… não do
Namibutsuda é do namiohorengikyoé… nitiren… nitirenshyodo… separou
do nitirenshyo. eu não sei como que fala. (…)
Fica numa esquina assim… tem bastante coisa… ele sai de vez em quando no
jornal, eles fazem bazar assim… doa pra vários entidades né? (…) e estudei
junto… que nessa aula, eu não estou porque trabalhava na cozinhanão deu
pra pegar… ela é Shibuya-sanainda tá… toda semana quase, eu falo com ela.
Esse aqui casou com aquele agrônomo… Hiroshi Ikuta, do Mogi das Cruzes,
famoso… Ikuta casou com ela… Esse daqui chamava Negishi, mas a gente
Transcrições A formação da identidade feminina
227
chamava de Neguinha… Ela faleceu já… tempoagora esse aqui é o Hirai-san,
Arai-san… esse daqui mora na Vila Mariana mesmo. Arai… marido é agrônomo
e filho também é agrônomo. Arai mora no… perto do Afonso Celso… Descendo
da Afonso Celso, aquela deshita tokoroni ela mora… Arai-san Terutyan acho
que conhece. E esse daqui tem… ah… nihon no gakkou… Nova Andradina…
Mato Grosso. Nova Andradina… Fez o curso de professora, um ano depois de
mim. Eu fiz no primeiro ano, depois, ano seguinte, ela foi. Ela… depois lecionou
um tempo em Marília, depois casou e foi pra Nova Andradina. Porque marido
dela é como que chama… ah. fala… Sokurioshi como é que fala? De
Andradina… (Topografia?) É… ele está… Andradina… foi no Mato Grosso,
trabalhar com… e foi, Nova Andradina. E o marido dela foi, e ela foi também.
Essa… nome antigo é Akama. Ima wa é Shi… Shiroma djanai… Shirota! Shirota
Miyoko!... Esse daqui é Aki Sereiko… ela deu aula de corte e costura também no
gakkou um pouquinho… ela não deu, não deu muito tempo não… Esse daqui é
uma inteligente… (Eu cresci vendo ela…). Estava trabalhando no nihon depois
tinha voltado. em noventa e cinco eu falei que ia pro nihon né… Eu falei pra
Shibuya-san, “Vamos passear junto comigo?” Ela falou… “ah… vocês vão de
casal… eu vou junto casal… fica chato!” Eu falei, “não somos casado novo!
Vamos junto!”… né? nós viajamos dois meses junto! Ela falou, olha, se não
tivesse aquela viagem…
E: O interessante foi a… ida…
M: Ida? Ida… eu dava aula de nihongo, eu tava muito ocupada, por que pra sair
pra viagem, eu precisava preparar muita coisa, ela telefonava, eu não estava, aí…
não deu pra combinar, não é?... ela falou, “então tal dia você vai?”, “Vou!”… “E
como é que vai fazer o itinerário, né…” , “A gente combina dentro do avião…”, eu
falei assim. “Mas dentro do avião é grande, não pra encontrar, não é?”… Mas
no dia, choveu… nós saímos sete horas daqui… era meia noite, meia noite e
pouco no Guarulhos, não é Nós chegamos quase uma hora no
Guarulhos… porque Rio Tietê tava inundado… tudo, tudo parado… que ela,
pegou radial, ela foi… diz que no aeroporto procurou, procurou… disse que não
achou, aí ela pegou, né?... Pegou o avião e foi… então se… ela chegou no Japão,
se eu não tô, né… ela fica apavorada, né? Então eu mandei… ela tinha deixado o
endereço do nihon né, eu mandei um fax pra lá, “eu atrasei mas dois dias
depois eu vou!”. deu quase cinqüenta pessoas que perdeu o avião. nós não
perdemos passagem, dia seguinte… vôo seguinte nós fomos. atrasou
dois dias… em noventa e cinco… é… e foi, depois encontrou no nihon, aí ela
viajou comigo, né… então… nós dois e ela… porque meu filho falou pra pai ir
passear porque eu tinha ido uma vez, mas ele nunca tinha ido, então meu filho
falou, “vai passear…”, e ele deu dinheiro, então nós fomos. que fomos na
época… pior época. O dólar estava… nihon no okane estava muito caro. Às vezes
era oitenta… um dólar era oitenta yenes, assim né… trocava dólar, chegava
pouquinho só. E nós fomos, encontramos no Tokyo, depois nós fomos viajar
pra lado do sul, né… junta até… achou assim, Kumamoto assimnós fomos
junto. Passou Hiroshimatudo, ela andou junto. Depois quando… eu tenho aluno
no Hokkaidono Sapporo né… tem três alunos que lá. esse aluno falou pra
Transcrições A formação da identidade feminina
228
vim, né. Shibuya-san falou “ah… mas vai na casa de seu aluno… não, eu não
quero incomodar…”… “Mas elas são nissei não tem importânciavamos lá!”… E
ela falou que não ia, não ia… aum dia antes, né… Ela ficou falando que vai ou
não vai… e depois ela foi. E ela gostou… Hokkaidoela… minha aluna, deu dois
dias de tudo carro à disposição e passeamos bastante…
Esse daqui era horário do bordado. Ah… essa sensei ensinava bordado… Essa
aula também eu… participei muito pouco. Essa aula, o português e o bandolim, eu
participei muito pouco… quem trabalhava não dava tempo de fazer essas coisas…
Essa aula do Suzuki sensei. Esse, Ito-san… Maria. Formou advogado, mas o
na Avenida Indianópolis, pegou a “racha”… Dois rapazes… ela tava no meio,
pegou ela… matou na hora… Esse faz… quantos anos… cinco, seis anos… né…
ela morreu. eu fui, fui quase meia noite, tava chovendo, ela tava coberto… tava
jogado na Avenida Indianópolis. Esse corte e costura da aula da Suzuki sensei…
Então algumas pessoas eu lembro, mas… não lembro muita gente aqui… Tinham
muitas máquinas… mas cada vez que uma pessoa costura, tem que tirar a linha,
cada um tem seu material… tem que tirar, né… Agulha e tudo é do gakkou né,
mas… (…)
Esse daqui… Sugai no sensei…
E: No Tokyo, nós fomos no Yoichi daigaku né?
M: Ah! Nós fomos na faculdade do… Sofia, né, do…
E: Um padre que é conhecido meu… era interno do Colégio São Francisco… e ele
estava lá né… depois ele foi pra Roma, tinha um moço aqui do Hokkaido… kumon
né… e já tá velho né… (risos)… ele andava com “ponto”…
M: com garrafa térmica, ele andava… “esse café é igual do Brasil, não é igual do
Japão!” Ele coava café e andava segurando… quando vem visita do Brasil, ele
servia!... E encontrei com bispo de Aparecida. Rochaves. nani?... Roko
syders… Lorscheiter (…) esse padre… nós encontramos no nihon. A gente
sabia que ele estava lá, né… esse também… Esse não é da nossa turma… Esse
Terutyan! Turma Terutyan… (…) Esse daqui é esposa do Nagao, do Mogi…
Granja Nagao. Agora tá… fazendo negócio do centenário do Mogi, tava
trabalhando junto com… Esse daqui morreu… Então, né, irmã dela, que morava
interna, então falou pra conversar com irmã dela… esse morreu… outro nesan,
né… ela falou “eu gagá, não pode…” (risos) Esse daqui… não sei onde
que tá…
M: Solteiro podia vir solteiro, mas a mulher não podia vir solteira, então precisava
ser adotiva de alguma casa.
R: Então conheceu seu pai aqui?
M: Aqui… Pode ser que conhecia… porque no Japão estudou rikokai… Rikokai é
uma associação que prepara imigrante, ensina português… assim então minha
mãe sabia “gato”, neko…”cachorro” , inu essas coisas… veio sabendo,
né… sabendo ler português também, né… acho que tem curso pido desses
de seis meses, então quem candidata, entra lá e estuda e depois vem pra cá, né.
R: Em que ano que eles vieram pra cá?
Transcrições A formação da identidade feminina
229
M: Ele veio no mil novecentos e vinte… não sei se vinte e sete ou vinte e oito. Meu
pai veio depois… pode ser mesmo ano… um ou dois navios depois, meu pai veio.
Minha mãe veio antes… acho que vinte e oito… eu acho.
(…)
R: Seus pais fizeram todo aquele trajeto? Foram para o interior… na agricultura…
a senhora nasceu aqui?
M: Nasceu aqui, mas na Aliança… aqui no Brasil mesmo. Aqui no Brasil. Ele
também (o esposo), que ele… registro está errado, então, está um ano mais
velho… Porque casa dele, registro está tudo bagunçado! Registro da família dele
e em casa não tem nenhum bagunçado. Porque a família dele, veio bastante
gente, né… depois ficou sem registrar e quando acho que a prefeitura, prefeitura,
né?... no cartório…
Nobuo: É cartório. Veio tudo que estava lá registrou 1933, né… então até isso tava
sem registro… quem nasceu… porque não tinha cartório lá, né.O cartório era Alto
Pimenta.
M: Alto Pimenta… Eu sou do cartório de Araçatuba, mas Aliança como tinha,
nosso lugar tinha cooperativa, cooperativa ou assim, registro… tava tudo certinho.
Não tem nome errado. Também difícil. Mas lá onde eles moravam… acho que não
tinha cooperativa… Ka… Não sei… Não tinha né? (pergunta ao esposo) Acho que
casa dele veio com bastante gente… família grande, né? Então e depois essa
segunda mãeé da primeira mãe… filho tinha… Porque meu sogro era viúvo,
né… e minha sogra casou, foi no lugar da irmã… e ele foi marido da irmã mais
velha e ela é irmã caçula, então casou com diferença de muita idade. É… minha
sogra sofreu bastante… Por isso que tem, com irmã mais velha com minha sogra,
diferença é muito pouca. Porque irmã mais velha que, acho que morreu no parto,
depois a minha sogra… acho que com dezesseis anos assumiu… Tinha muito
disso… Quando homem fica viúvo era… assim antigamente. Minha sogra foi
assim… Então minha sogra acho que tinha quinze ou dezesseis anos, já foi lugar
que tem quatro, cinco filhos… então acho que… ela sempre fala… eu queria
estudar mais… ela teve mais. Tem… ao todo tem… treze irmãos. Da minha
sogra, acho que tem oito! Antes tem… um ficou no nihon eu fiquei com dó
desse que ficou no Japão… sozinho…porque ele falou assim que se militar
chamar… ele quer candidatar na marinha… mas se candidatar na marinha, pode
ser que navio perde o rumo, chega no Brasil pra gente poder encontrar com meus
pais… né?... disse que falava isso, né… né? E ele morreu… Ele morreu…
Quando eu fui no Japão, a mãe de criação, obatyan tava vivo… ela contou pra
mim. Kawaisoo né?!
(…)
M: Aquele tracoma, antigamente era muito rigoroso, né? Tem um vizinho também
que mulher tinha tracoma e o filho com a mulher ficou no nihon, depois de sete
anos, ela veio pra cá.
N: Aquele filme…
M: Menina tinha tracoma. Meu neto, menino… no Japão, disse que gravou
todinho… depois vai mandar pra mim.
Transcrições A formação da identidade feminina
230
(referência à novela “Haru to Natsu”, gravada tanto no Japão quanto aqui no Brasil,
utilizando as estruturas da Fazenda Tozan em Campinas, como acomodações dos
imigrantes japoneses no Brasil. A novela conta a história de duas irmãs, Haru e
Natsu, que, devido à imigração, são separadas, pois a onetyan irmã mais velha
– não podia viajar por motivo da presença de tracoma – doença ocular. Separadas
por vários anos, somente se reencontram em idade avançada, com a vida e a
família constituída, netos, etc. No decorrer da novela, vão sendo mostradas as
trajetórias de vida seguidas por cada uma das irmãs, uma no Japão e a outra no
Brasil.)
M: Mas acho que tem muitos assim… casos… Tinha uma moça… eu não sei
direito, mas, tinha minha mãe, quando a gente era pequeno, sempre contratava
uma moça como… tomar conta de criança, tudo, né, e ela disse que era de uma
família rica do Tokyo. Tinha comércio grande e Tokyo teve terremoto bem… e
quebrou toda a loja e eles ficaram a zero… e parece que pai vendeu essa filha pra
pessoa que vinha pra Brasil, né. E a gente chamava onetyan, onetyan… Quando
mamãe passava muito apuro ela chamava…
(...)
M: Conheceu nihon? No Sendai? Akama-san falava muito no Sendai… quando
Akama-sensei voltou, falou Ah!... Sendai… (ouvir novamente…) Nós fomos
geralmente cheio de estudante, s fomos ver no… lá… Aquele homem que… ela
tem… ah… esqueço o nome… datemasan e só enxergava um lado… tem
estátua no…Sendai… depois foi ver a música que fez a música do Goka… Nós
fomos. eu fui, depois eu comprei um doce do Sendai. Doce dali… eu levei pra
Akama-sensei…deki masu dayouela ficou contente… Cidade de estudante
né… tá cheio de estudante!
Matsushima eu o fui… Eu fui Sendai… fez turismo no centro e depois…
Shibuya-san no tanka, ne…
N: Dokoê… Sendai?
M: Sendai. Não sei se foi Shibuya-san are wa… Fukushima no tanka ne…
Fukushima… acho que Shibuya-san foi também. s fomos, depois de
Sendai… Fukushima… Hokkaido… Nagano… depois Akita, eu fui também. Akita
no Tokyo, estação Shibuya, tem aquele cachorro do Hati. No Hati mare ta falou
cidade o date. No Akita-ken. Akita-ni. Estado do Akita, né. E Hati nasceu na cidade
que chama Oodate. E na estação, saindo da estação, estação tem uma cadela
com filho e amamentando. Tem a estátua lá. Então mãe do Hati, essa cidade.
Aquele cachorro que tá no Shibuya, né…
Cachorro que morreu esperando o dono não sei quantos anos…
E: Dez anos!
M: Então tem umpequeno assim, mais pra interior, tem um lugar que chama
Komachi. Sokoni, tem a irmã de um professor no São Bernardo, mora lá…
Então ela falou assim… ah! O onityan… iko, ikoEu fui. Eu fui duas vezes na
casa dele. Mas fizeram um banquete! Nossa! Gochisou não cabia naquela mesa,
nihon no zen né? Gohan, sopa, ficou tudo assim, embaixo… a gente comeu
Transcrições A formação da identidade feminina
231
sentado mas acho que nem um terço… tinha um monte de gochisou e nunca vi
tanto gochisou …
M: ela levou. Primeira vez que eu fui, foi na represa Toada. Acho que tinha
quatro ou cinco pessoas, mas saiu aquele barco grande de passeio pra s.
Fez uma volta na represa Toada, né!. Tava muito bonito, mas, segunda vez wa
sangatsu shigati data, acho que foi abril, então toada… não tem graça… ela
levou que firma?... Mistubishi, isso… lugar turismo, buraco onde escavou…
escavou ouro e o bronze. Aquele Buda grande do Nara, disse que o bronze que foi
tirado lá, né? Então dentro do buraco assim, ano… tem… como é que chama
aquele negócio?... Aquele trem djanai ano senta… Carrinho… parece que
pendurado, a gente senta e coloca o… (fone) no ouvido então conforme vai
andando, vai andando… conta… aqui tinha isso, conta tudo… é muito bacana,
né… então a gente vai… vai indo assim… tem lugar que andou com aquilo, depois
andou a também, né? (primeiro nós andamos a pé) Depois soreni no te ashi
te… arui te tokana no nanta imo zaru oro to takana no… fiscal na zembu… fiscal
pra não levar… tem posto de fiscalização, tudo essas coisas… é.
E: também tem… lugar que fica trabalhando com solda e quando a gente
passa lá, começa a movimentar…
M: Então solda sai faísca… tem boneco, massa, quando chega gente, tchi, tchi,
tchi… daquele sai faísca, parece que tá… boneco faz assim… então parece que…
boneco tem tamanho do homem, parece que homem que trabalhando. Passou
na frente do refeitório, onde servindo chá assim, com chaleira assim… outro
tá sentado, um tá comendo… parece que todo mundo tá sentado lá… muito
interessante, depois tinha um lugar que tinha pequeno cruz na frente do buraco,
né… disse que esse daí é… aquele fugitivo da Nagasaki, Nagasaki…
perseguição cristã, família fugiu, foi até Nakita, trabalhou na escavação a família,
né… então soko no hairuma toentão colocou pequeno cruz, antes de entrar no
buraco, família reunia, rezava e entrava. Então eles tem kokoni coloca um hano…
bolsa assim amarrado na cintura, né… e no… quando antes de entrar, esse daí,
bolsa, coloca o nandanomi wanata mo, nome nante yu… formão?
E: Não é formão… este que o pedreiro usa…
M: usa pra fazer o buraco na terra, né… então eles coloca aqui, trás tudo
ferramenta. Quando chega no buraco, eles tiram a ferramenta e esse daí fica
assim, ó!... Embaixo do oshirifica zabuton e sentado e coisa… falou que
era com trinta centímetros quadrados né? Mais ou menos… é um lugar pequeno!
Eles entram assim, cava e tira… buraco pequeno. Soko de dote… então tem
essas coisas… Tokyo ni… doko kara Tokyo made iku distância… é uma
distância muito comprida esse buraco. Diz que tem bastante e… época que tirava
bronze assim, diz que ao redor de onde tirava… (E: bronze nãocobre…) Cobre
né… ao redor desse lugar, formou uma cidade e as meninas diz que eram muito
ricas… tudo mundo vestia roupa bom… muito bom. Depois diz que acabou né…
Ni tara soko ni tara… Eles vendem kinotya, kynotya wakani… coloca pouquinho
assim… então fundo nifica um pouquinho de ouro assim… Kinotya… tinha…
sonande… sokoni nós fomos, né… à noite tomar, fomos até lá, né…
(…)
Transcrições A formação da identidade feminina
232
M: Essa amiga aqui mora no o Bernardo, mas daqui a pouco diz que vai morar
na Vila Mariana… metrô… metVila Mariana ela vai mudar e essa amiga, como
morou no Japão muito tempo e marido dela é químico, trabalhou numa firma
italiano e ele falou que sessenta e cinco anos eu aposento, eu vou para toda a
atividade… falou né… chegou no ano passado, acho que ficou… aposentou,
agora eles… outra vez eles foram no… não sei se foi… aonde que foi? Viajou
casal. Combina com amigo do Japão, aruko-kai… aruko-kai aquele aruko aruko…
da no… andani… caminhada soronande shyou? Nihon ni… agora vai pra África.
Dia oito elas vão encontrar… vai sair oito daqui, dia oito sai daqui, vai encontrar na
África, vai pra África encontrar com a turma do Japão. E kono mai wa, não sei se
Chile… acho que foi pra Chile… acho que foi então agora só, parou tamm
com toda atividade, só… eles tem… muito rico né… então tá… tá assim… Bom!
R: A senhora havia escolhido essas fotos aqui… gostaria que falasse um pouco
sobre essa que escolheu… porque eu vi algumas delas até no Boletim Ayumi. E
como a senhora havia escolhido essa foto, eu gostaria que a senhora falasse um
pouco dela pra mim…
M: Aqui foi quando Akama-sensei visitou… é… porque Birigüi tinha família dela
Awase… né? Um fazendeiro que tinha fazenda de gado né, eles tinham acho que
três pessoas estudando no gakkou. (Kawase?) Kawase itiban chama Teiko,
faleceu acho que ano passado no Jacareí, ela amputou perna e diabético-te…
Kawase Teiko faleceu… Sore kara… ela é Mariko… Esse daqui Kawase Mariko, o
segundo esse daqui. Tá aí… Teiko o está aí… Eagora esse daqui eu não
conheço quem que é… não lembro quem era… agora esse… Maria Ito… Maria Ito
é… e essa senhora eu não sei também quem que é não… Essa pessoa é Goto. É
esposa do gerente Banco América do Sul, foi…
Agora esse daqui, Mori-san. Esse daqui tinha escola de corte e costura no
Birigüi. (…) É. Ela tinha escola de corte. Esse foi na casa dela, Mori-san, né… E,
agora, essa esposa do Banco América do Sul era formado, mas eu não sei que
época que se formou… e como é que ela chama, eu não sei… eu sei o nome
do marido, Goto, né… Agora esse daqui… não lembro… Depois eu e… essa
daqui é Nomakura Aiko. Bom ela tinha escola de corte e costura também.
Baixinha… gordinha… ela mora em Santos agora. Essa daqui era prima… Maria
Ito era prima dela. Esse que morreu no desastre, né… (…) Pra falar a verdade,
Birigüi, eu morei… era pra ficar seis anos, mas eu fiquei muito pouco tempo…
depois eu mudei pra Birigüi fim do ano, e começo do ano, eu vim pra gakkou, né,
cinquenta e um. No interior do Birigüi, quarenta quilômetros mais ou menos, tem
um lugar que chama Clementina, né? Esse daqui é cidade do Birigüi. Da
Clementina, essas pessoas é da Clementina. É onde eu dei aula, né? Clementina
foi primeiro lugar que trabalhou… Aula era aqui… Pra mim foi da aula de
nihongo. Clementina, né? Clementina, agora, estrada é asfaltada, vai num
instante… mas naquela época demorava duas horas e meia… porque caminho de
terra, no meio do cafezal… vira pra cá, vira pra lá… cheio daquela poeira
vermelho … então eu o voltava… voltava uma vez por semana… uma vez
por mês… ou cada duas vezes por mês que eu voltava pra Birigüi, né?
Transcrições A formação da identidade feminina
233
(foto birigüi) Essa reunião da Akama-sensei… visitou, acho que foi… visitou os
formandos… eu não sei… ima-no escola tateru mae datakaeu não lembro não,
esse detalhe… ela foi visitar, de visitar ou… tinha objetivo de construção…
porque Akama-sensei andou muito pra pedir ajuda, donativo né?... da construção.
Ela andou, foi pra Mato Grosso, foi pra Campo Grande… ahhh, andou muito!...
agora, essa vez, eu não lembro pra que, que reuniu. Esse (da foto), todo mundo
mora em Birigüi. Essa daqui mora no… eu dava aula no Clementina, e esse daqui
é do, morava no Fazenda seguinte, Santópolis… Eu nunca foi até Santópolis, mas
Santópolis depois, acho que saía pra Tupã. Entre mais ou menos, Araçatuba e o
Tupã, mais ou menos no meio, ficava Clementina e o Santópolis. Agora outras
pessoas, eu não sei quem que é…
Ninguém ainda estava casada… essa daqui passou solteira né… Esse daqui
casou com… é… Elas eram senseis? Acho que dava aula de corte e costura.
Mori-san também dava aula de costura… e agora elas… não sei não. Esse que
com criança, eu não sei quem que era. Não lembro quem era… Não lembro esse
daqui…
(…) Esse daqui Clementina… Esse aqui acho que morreu depois da reunião.
Alunos. Alunos e tem alguns que não é aluno. Esse senhor não é aluno, esse é o
alfaiate que eu trabalhei. Porque terminava três horas, eu terminava aula, né…
porque quatro horas made atara porque quem mora cinco quilômetros assim
longe, fica escuro, então três horas precisava encerrar a aula. Então depois de
três horas, eu ficava livre. eu fui trabalhar nesse alfaiate até sete horas mais ou
menos… era perto. Então eu trabalhei… primeiro fiz arremate, essas coisas,
ajudando, né? E depois ele ensinou cortar… não ensinou paletó, não aprendi, mas
calça, cortar no tecido, eu aprendi. Esse daqui tá morando no São Bernardo agora.
E… o restoesse também não foi aluno. Casado com meu aluno… né… agora o
resto… o resto tuuuudooo… (…)
Esse daqui trabalha numa agência de carro… é… daita… trabalha no Honda.
Esse Mitchan-né… esse Mitchan desho?... Esse daqui, esposa não veio… né…
é… então o resto, ah. Esse daqui também não foi… filha dele. Agora esse daqui,
esse daqui mora perto do, perto do Pereira Barreto, veio pra reunião! Yaiko
Suzuki, agora não sei que nome que é. Ela depois deu aula de escola estadual, né,
aposentou… ela veio só pra… então resto é tudo, tudo… Ela era muito brincalhão,
então até hoje, casada com brasileiro, mas ela é muito brincalhão até hoje. Esse
morando no Bauru. E… esse daqui que coordena sempre. Esse morando no
Santo Amaro. Esse em Campinas… e… esse daqui, esse era o aluno mais de
idade… e eu tinha vergonha de dar aula pra ele, que era grandão, moço, né…
esse é… capitão. Capitão de salvamento da aeronáutica. Aposentou e a… assim
tudo, o resto tudo, tudo aluno. Só tem três, quatro que não é aluno.
Transcrições A formação da identidade feminina
234
Dousoukai
Informantes: Kazuko Baba (KB), Kikuko Ogasawara (KO), Aiko Fujita (A) e
Shigeru Fujita (S), Mine Uchida (M), Rutsuko Mochizuki (RM), Tyoko Hayasi
Shimano (Ty), Tomoe Suzuki (To)
Pesquisadora: Regina Chiga Akama (R)
Data: 06 de outubro de 2007
Horário: 14h
Local: Residência de Mine Namatame Uchida
Duração da entrevista: 2 horas
Aiko Fujita
Pais: Jokichi Tabata e Shinae Tabata
Esposo: Shigeru Fujita
Filhos: Satoro Fujita
Neta: Eri Fujita
Emi Fujita
Kaoru Fujita
Netas: Rumi
Tamy
A: Quem incentivou pra mim ir na Akama-sensei foi meu avô…pai do meu
pai…interessante, né?... Ele que quis que eu fosse, não queria que eu estudasse
português. Ele queria que eu fosse na Akama-sensei em São Paulo…não sei de
onde que ele colheu essa idéia, mas ele queria que eu fosse. Então todos, eu e
minha irmã... Somos 5 ou 6 anos na Akama-sensei. Estudamos lá… omoshiroi,
né?...
R: Em que ano que foi isso?
A:45.
R: 45, então ficou até 50?...
A: 6 anos eu fiquei.
R: Então 51. A turma que se formou em 51. Então era… em qual unidade que
estava nessa época, na Vergueiro?...
A: Eu entrei lá no Vergueiro, …(…)
Kaikote…kaikote…aí eu passei…
(…)
E eu mudei para … porque eu estava na Vergueiro de cá, porque eu passei para
lá e fiquei 6 anos.
26…
A: dois mil e pouco, ne…
R: 2625. que era grande…
Transcrições A formação da identidade feminina
235
A: Agora estão demolindo…
R: Sim…que é uma pena, é…
A: fiquei seis anos lá, estudei…(…)
A: Aí formei Jogaku-bu, né… formei o saiho (S: corte costura) profissional.
Professora… corte e costura, curso profissional. Prestei exame.
R: Habilitação?
A: Hummm…
R: Que bacana…
A: Tudo certocontinuando até hoje, costurando… houve uma época que
eu lecionei um pouquinho na fazenda, né… tinha 6 moças mas foi por
pouco...porquea gente voltou pra São Paulo, e é isso aí… e hoje ajustando
roupas para o pessoal… muito contente. Gosto do que eu fazendo…muito bom,
acho que na verdade, porque tenho 78 né…esqueço a minha idade,
feliz… até hoje…
Kazuko Baba, nasceu em São Paulo, Brasil
Pais: Matazo Baba (Osaka, Japão)
Rito Baba (Tokyo, Japão)
Irmãos: Jorge Baba
Eije Baba
KB: EU…
Como eu entrei na Akama-gakuin? É isso? É por aí que eu começo?...
R: É a sua história…a senhora se apresenta… pra mim vai ser bom porque eu não
conheço e eu vou estar conhecendo Kazuko-san
KB: A influência que eu tive pra entrar na escola (a Akama-gakuin) é a gente
falava… Foi o seguinte, eu conheci através de uma, era parente, com quem eu
morei na em Pinheiros mesmo né, na época eu fazia ginásio e a outra
estava na Akama-gakuin… Furukawa, Furukawa… hoje Kawamata, Kinoko, né…e
ela… ahhh... que eu fiquei sabendo da existência do Akama-gakuin, né?...
Depois que eu terminei o ginásio… eu gostava muito de estudar… mas meus pais
não tinham condições de continuar pagando os estudos pra mim. Aí… é… pera
aí… na época, eu acho que deu pra pagar o corte costura na Akama-gakuin.
Então eu fiz o curso de seis meses terminei… aí eu queria estudar… queria
estudar…e eu tive conhecimento, nem sei como, do Akama-sensei e
precisava de uma tesoureira. Então eu pensei, eu posso trabalhar, porque meu
pai não deixava que eu trabalhasse fora, que…sabe aquele orgulho de japonês
que filha não podia trabalhar fora, né? Era uma vergonha pra ele né? Bom… mas
lá eu sabia que ele deixava, porque eu fiquei interna lá…
R: Que ano que era isso?
KB: Deixa eu ver…agora sim… quantos anos…
Rutsuko: Depois de guerra, né?
KB: Não, mais… aí depois eu entrei lá no…
Rutsuko: Mil novecentos e quarenta e pouco…
KB: então, logo no ano seguinte eu comecei no Jogakuin, né?...Jogakubu.
Então é… 49, 48, 47…46!... 1946, é!...Fiquei como tesoureira e meio que
Transcrições A formação da identidade feminina
236
secretariando Akama-sensei também. Então eu tive muito contato com a sensei, é.
Quando ela era internada, eu ia com ela lá no hospital.
RM: ah!... então ficou interna…
KB: Não… eu fiquei interna, trabalhando e estudando…
Mas antes, também tinha sido como interna?
KB: Não foi naquela casa onde eu morei… parente,nédepois que eu entrei
como interna, até quando a gente se formou… seria até curso ginasial… todinho
em japonês. Foi quando eu tive assim, um conhecimento total, não é…é porque
ah… o curso era assim como o ginásio que teria geografia, história, enfim tudo
que… assim um curso completo, né… e tinha aula de, seria moral e ética de
Akama-sensei… como seria, Maria?... shushin…moral e cívica… é moral...
shushin…que era da Akama-sensei, ah e a mãe da Kikutyan foi nossa
professora de arte culinária, foi com ela que aprendi o primeiro bolo que eu fiz,
aprendi com ela…(risos)…
Precisa ver se era bom… porque a Kazuko faz um bolo tão …
R: e a Margarida então?... (kikutyan)
KO: Zero à esquerda!...
KB: até me lembro do nome do bolo…Shibakeki... Laranja…de laranja…sô
A minha professora de corte e costura foi uma senhora que faleceu. Era Kanto-
sensei… Hatiya-sensei… ela que foi minha professora de corte.
R: (Hatiya-sensei) Ficou bastante tempo né?
KB: Ficou bastante. Era exigente na costura… era a mais exigente.
RM: Tako… Noriyoku…
KB: elas eram da mesma época. Ali na Luís Góes… fiquei três anos, três anos
trabalhando e tudo o que eu sou hoje, eu devo a Akama-sensei, sabe?... Em
tudo, tudo, tudo… em coisa de etiqueta também… enfimo meu modo de ser…
eu acho que tem uma influência muito grande da Akama-sensei.
R: Maneira de pensar…
KB: TUDO. Foi assim um aprendizado muito grande, né?... Bonito, né…
R: Aí depois, saindo de lá…
KB: Aquela vontade sempre de estudar, sempre tive essa mania de querer estudar,
entrei no curso técnico de contabilidade na Álvares Penteado, me formei no
último ano e prestei concurso na Caixa Econômica Federal e comecei a
trabalhar… cursando ainda o último ano e comecei a trabalhar na caixa
Econômica Federal, onde trabalhei 31 anos e me aposentei…
R: Já trabalhava e já tinha esse gosto pela contabilidade… a tesouraria…
KB: isso… a tesouraria, é isso. E sempre gostei de números, né… então para mim,
a escolha foi essa também.
Obrigada…
RM: Rutsuko, Rute. Rute… sou mais conhecida por Rute. É que o meu nome, ele
é ajaponesado, porque é do Velho Testamento, Rute, né? Meu pai foi uma pessoa
evangélica muito… de Rute… e ajaponesado…Rutsu…ko (ko é geralmente
utilizado em terminações de nomes femininos).
(…)
Transcrições A formação da identidade feminina
237
RM: Existe também uma outra, filha de um pastor. (…)
Então aos quatro anos e meio, vim para cá. Depois… acho que eu tinha uns doze
anos vim pela segunda vez para São Paulo com a minha irmã e ali eu terminei o
grupo escolar e depois a minha irmã achou que eu deveria cursar o Akama
Jogakuin, porque a escola era famosa, sabe? É era conhecido por
hannainogako, escola para futuras noivas…
R: Já estava com essa fama?
RM: Ah já!... A escola era famosa…
KB: Conhecidíssima!
RM: e esse Jogakubu, que era o curso ginasial, se chamava também
Onnadaigako
KB: Ah é?!... Isso não sabia não…
RB: No Japão existiu… não sei se na idade de Meiji, não sei, né, tinha uma escola
Onnadaigako, né…
S: Ah… antes, né…
RM: Mas era assim… deveria ser totalmente diferente da nossa aqui. que,
como, na colônia, era uma escola sui-generis , né… as meninas iam estudar, não
é… essa parte que realmente era para meninos, né… então diziam também
que ali, o Jogakubu era Onnadaigako. Assim, no sentido também de gozação, não
é? É.
KB: Porque era o máximo!...
RM: Ah!... era o máximo!... Para estudo de meninas, era o máximo! Nihongo, né.
é!... então, e ali…
Isso foi que ano?
RM: Foi… olha… entrei, eu fiz um exame, entrei no segundo ano, 48. Porque 49
terminamos…
KB: A ... Foi minha colega de turma…
A: Ah…soooo
RM: uma espécie de monitora?...
Preceptora?...
RM: não, não, não… chefe da equipe. Líder.
E nós terminamos o curso, depois eu voltei para casa. Voltei na agricultura, fiquei
acho que uns dois anos.
R: que cidade?
RM: 48, 49… lá em Campinas. Na Fazenda Tozan.
(Admiração geral: “ah… Tozan!…” - a fazenda Tozan é fortemente conhecida no
meio da Colônia nipônica)
RM: porque nós viemos diretamente do Japão e quando chegamos em Santos,
havia um senhor chamado Sr. Nishimura que tinha vindo da Tozan buscar a
gente, a família.
R: então veio, estudou e retornou para lá… na Tozan mesmo…
RM: ée meu pai trabalhou um pouco na lavoura, mas ele trabalhou mais em
apicultura. E ali realmente o negócio desenvolveu-se e através da Cooperativa de
Cotia, o meu pai exportava para o Japão , mel. Para aquele Mori… não tinha
Transcrições A formação da identidade feminina
238
aquele Mori… (Kazuko: própolis…) nantoka… Mori…teyu doce nata deshyo, ame
no…Mori…
(S: Morinaga)…
KO: Interessante…
RM: então… que exportava pra lá…
S: Morinaga to Meizi to…
KO: Morinaga deshita.
RM: e depois de um tempo, eu voltei e entrei na Marubene. Tem uma firma
chamada Marubene, eu entrei porque eu sabia japonês, graças a Akama-
gakuin…
R: Marubene, lá também na região (campineira)?
RM: Não… aqui na Boa Vista, São Paulo. Na Rua Boa Vista…
S: Continua Marubene?
KB: grande ainda…
RM: Grande…e havia todos os departamentos, e ela começou a importar filmes
e o primeiro filme, eles não encontraram alguém que traduzisse e eu como
tinha entrado na USP, né…falou: Você não quer começar a traduzir? … aí me deu
o primeiro filme e falou acho que funciona e a partir daí eu comecei a traduzir os
filmes…aí não parei mais de traduzir filmes, né… é eu fiquei acho que uns trinta
anos, até os cinemas fecharem eu continuei traduzindo, né filmes…
KO: Você fazia aquelas legendas?...
RM: É… as legendas.
R: Cursou japonês na USP, então?
RM: Não, na USP era português. depois que eu terminei o curso de português
que eu… porque o curso de japonês era incipiente… então entrei no curso de
japonês e fiz o japonês também… mas no começo não era grande coisa nãoo
curso lá da USP…
KO: no começo, né?...
RM: é… não era grande coisa. Agora parece que está bom… mas no começo não
era grande coisa não. eu fiz o concurso na parte de português e me tornei
funcionária pública, né… me aposentei. Continuo dando aula de português para
japoneses.
R: E de japonês pra brasileiros? Era bom… porque eu estava precisando…
Ainda tá dando aula?
RM: Tô… eu tenho aluno no Jornal Nikkey e tenho uma professora da Aliança que
está estudando comigo.
A: Bunkyo demo?
RM: Não, ela vem em casa. Eu dou aulas particulares.
(…)
KB: Você ajudou na confecção do Dicionário…
RM: Ah!... ajudei na confecção do Dicionário do japonês pro português, do padre
Coelho e do português pro japonês, pela Aliança. Obrigada pela lembrança
(agradece à Kazuko).
(…)
Transcrições A formação da identidade feminina
239
RM: Sou de Hokkaido.
(…)
Ty: então eu… entrei para Akama… vim com três anos , né… então… é foi um
pouquinho antes da guerra… logo depois começou a guerra… era um dos
últimos… é, eu cheguei em 38. 40 começou guerra, né… então… assim, um
pouco antes da guerra, vim com meus pais, meu pai veio… bom como era
professor no Japão, ele veio pra fazenda mas ele não tinha experiência né de
café… nós fomos pra Aliança, interior, é de Mirandópolis. Aí, a família que acolheu
meu pai, né… mas ele não sabia fazer nada e aí, falava… Você melhor ser
professor mesmo!... Daí continuou sendo… é trabalhou pouquinho na lavoura, né,
um pouquinho, no café, no cafezal…mas como ele também, não tinha muita
experiência assim da… já era professor lá no Japão, não é, então continuou sendo
professor de nihongo no interior, na Aliança,né… por isso nós viemos para São
Paulo porque era muito quente e minha avó não se dava com o clima né… vivia
doente, então ele achou que ela ia morrer se ficasse no interior… veio para São
Paulo, que era mais fresquinho e… (…) 38, 39, por aí…39 estávamos por aqui
em São Paulo, aí estudei no grupo escolar, como era na ocasião, depois eu
pouco antes da guerra terminar, meu pai tava dando aula na Akama-san.
KB: Foi nosso professor!...
Ty: Ele começou a dar aula na Akama-san. Terminei o primário, depois tava no
ginásio… acho que segunda ou terceira série, se não me engano, meu pai: Ai,
você tem que aprender japonêsA gente fazia japonês no interior né, no interior,
tinha como obrigação fazer né, mas… ele falava, Ai precisa aprender japonês,
senão vai ficar falando português… que eu tava no ginásio, comecei falar
português, meus irmãos, tudo… falava: Não, vai na Akama-san… eu fui
também na Akama-san, né.
Não ficava com interna, então…
Ty: Não. Ia e voltava, que eu fazia o ginásio também, aí ia na escola da Akama-
san estudar nihongo e mais nihongo, porque a parte de português eu não
precisava muito… aí, mal ou bem. eu… me formei, né com a turma da Kikutyan!...
R: Essa turma. né Uchida sensei… acho que essa turma…
Ty: … não é grande coisa…
KO: turma brava!...
Ty: a gente era muito levada. né? Sensei vivia brava, além de que meu pai era
também, ficava bravo, Sato sensei era outro professor, música, que iniciamos…
vivia implicando comigo… danada, eu era muito levada, né… de quatorze, quinze
anos… corte costura aprendi um pouquinho… alguma coisa… (risos) Minha mãe é
que botava lá, né… “vai aprender corte e costura…” Mas eu era meio rebelde…
não aprendi nada de corte e costura… nem… (risos) Então, aí… mas agora…
pensando… foi bastante útil mesmo… o Akama-san… o pouco que eu aprendia
né… (risos) ajudou bastante na minha formação também. Que depois que eu saí
da Akama-san era uma das… mesmo entrando na faculdade depois… era
uma das poucas que falava nihongo…então acho que por “prensa” do pai não
adiantava, né… Tinha que conviver… conviver com as pessoas né? A convivência
Transcrições A formação da identidade feminina
240
com colegas, com amigas, que ajuda na formação né, de falar a língua, essas
coisas… Sabe… era um por… era unido, né? Grupo, era unido e a gente fazia
tudo junto, participava de músicas ou coral, ou então o bazar que tinha… sabe,
tinha bazar uma vez por ano, a gente ajudava, tudo em grupo assim. Aquilo foi
formando assim, é uma mentalidade assim de que tem que participar sempre das
atividades da escola, equipe. Equipe também era muito importante. Então a gente
fazia as coisas em equipe. Sabe, assim… é… viajar, também tinha viagem uma
vez por ano praRio, Poços de Caldas… a gente fazia sempre em grupo, então
aquela mentalidade de fazer as coisas em grupo ajudou bastante na minha
formação. Senão, a gente ia ficar individualista ou egoísta… talvez… mas como fiz
essas atividades juntamente com outras amigas, colegas… a gente foi vendo
como é convivência em grupo. E acho que ajudou… pra minha formação, foi
ótima! Se eu não tivesse feito Akama-san acho que… essa hora eu não seria a
mesma… então eu agradeço… quer dizer, no início, fui obrigada freqüentar, né…
porque meu pai, como estava lá… mas depois… é… eu agradeço esse momento
que entrei na Akama-san e que fiz aprendizagem ‘forçada’… (risos)
(…) Tenho dois filhos. Um filho e uma filha. E eu incentivo eles também a fazer
nihongo também, quando eles estavam no ginásio, eu incentivei muito a eles
formarem… fazer nihongo né… tanto que o mais velho estudou jardim da infância
no Akama-san… Depois né… é! Também ajudou porque mais tarde, ele quis,
ele mesmo quis aprender nihongo, sabe? Meu filho… entrou no Bunka pra
aprender nihongo. Quer dizer… (risos) não aprendeu muito, mas, pelo menos ele
entrou, terminou né? No Bunka…e minha filha também. E mais tarde ela foi
no… ela foi adiante, né?... (…) Até ganhou bolsa de estudo… estudou no Japão
tudo, né… porque eu queria que fizesse nihongo né…
RM: Deixa eu fazer uma parte aí… Bunka você quer dizer… Aliança-cultural, né?
Ty: É! Aliança-cultural…
RM: Porque Aliança é da Aliança… e o Bunka não tem nada a ver com Aliança…
Uma parte da Aliança funciona dentro do Bunka… mas é Aliança-cultural.
Ty: É que antigamente ficava na São Joaquim…
RM: Continua… continua… tem na São Joaquim, tem na Vergueiro e tem em
Pinheiros.
Ty: É… eles fizeram curso assim, básico né… Não fizeram Akama-san nem…
foram pra frente… mas fizeram básico na Aliança, né. então acho que a
gente passa isso pros filhos né? Como a gente aprendeu nihongo quer que os
filhos também aprendam. (R: A senhora trabalhou fora também?) Eu trabalhei
antes de casar, um pouquinho, né… dei aulas, essas coisas… mas depois que
casei não dei mais. Até… agora pouco que estou dando aula de ikebana… outra
coisa, né, mas… também ajudou bastante… (R: no internato tinha curso de
ikebana também… na época, não é?)
RM: Tinha!... Tinha sim… Tinha ikebana
A: Eu fiz seis anos… eu fiz seis anos de ikebana
KB: Seis anos? Nossa… lá no gakkou, é?...
R: Então tem sempre uma ikebana… sempre monta?
RM: às vezes… (risos)
Transcrições A formação da identidade feminina
241
KB: Ás vezes… (risos)
KO: Fujiwara-sensei?
A: Fujiwara-sensei (reminiscências)… Kikuchi-sensei! (afirma)
Todas: Ahhhh…
RM: Kikuchi-sensei não era de… Kikuchi-sensei era de bordado.
KB: Não… de bordado era homem… Utsumi-sensei era de bordado.
KO: ah! Utsumi-sensei…
KB: Utsumi-sensei era de bordado. Bordado japonês.
R: Aquele de seda?
Kazuko: Isso!
R: Nossa! Tinha isso?
KB: Nossa! Tinha tanta coisa…
RM: Mas era mulher… Kikuchi-sensei…
KO: Kikuchi-sensei era do…
M: Maini ano Akama-san nekiteta…
RM: Tinha uma senhora sim professora… Kikuchi-sensei
KO: Nani…
M: Nanemo uchiga…uchiga…vinte e dois anos datakara…ahhh…
To: quantos anos tem, né?
RM: Eu não aprendi com ela não…
To: Gakkou ni chyoto dake…
Ty: Ah… depois é Fujiwara-sensei né?
To: Depois Fujiwara-sensei! É soka!...
KO: eu aprendi com Fujiwara-sensei… mas… era farra… não aprendi nada…
(risos)… e… como sempre… (risos)
Ty: a gente só fazia farra mesmo. na Akama-san
R: essa turminha… (referia-me a turma da Kikuko e Tyoko-san, mesma sala)
KO: …era brava! (…)
RM: Diz que houve uma turma que fez greve… jogaku-bu…
Regina: e… então deve ter sido a da… (referia-me novamente a Kikuko)
(risos)
KB: Tá com cara!...
(risos)
RM: acho que foi muito antes da gente…
KO: Ah é?
RM: antes… muito antes…
KB: eu nunca soube…
RM: Houve… não é turma do Naotyan?
KB: Pode ser…
KO e KB: Só pode ser… turma do Naotyan
KO: Turma brava…
KB: Brava sim
RM: Mas não ouvi da Naotyan… ouvi de uma amiga da Naotyan.
Ty: Puxa vida… era turma brava mesmo…
RM: Eram “paraíbas”…
Transcrições A formação da identidade feminina
242
(risos)
KO: …naquele tempo…
R: BemUchida-sensei… agora vou precisar da tradutora oficial… (referência à
Rutsuko)
RM: Todo mundo ajuda…
KB: especializada!...
RM: ela também ajuda… (aponta para Kazuko)
M: ano… vinte anos no ni ne… vinte e dois anos… (…) ano vinte e dois anos de
São Paulo detekitano ne… yu koto wa osaigo narai oboetai to onaote kitandesu
keredo shiranaide ano saicho ano São Francisco gakuin de ni Jyosei gakkou ga
atan desu ne… demo ano… soko sotsugyo, forma shitandesu kedo ne… mo
Akama-san ni ano… Tamandaré no gakkou ni, nanika, tomodati issho ni itta toki ni
ne, mo Akama-san no, ano Nera-san gakkou no né, kirizu tadashii no sore desu
sukani soko ni hairitaku natte muri shite mata Akama-san ni haitan desu.
Osaiho naraou te né.
Sore ga (…) Akama-san nine.
Sorekara osewa ni natte zutto ima made naterun desu kedo ne.
Yota no wa quatro ano ne.
(Ela ficou 4 anos até casar.)
Ano kasa-suru, kekkon suru no de yamemashita kara.
Demo zutto mate Akama-san ni osewani natari Doo soo kai ni né. Mina san to
issho ni suru you ni natte. Zutto mate, ima made, ano, Akama-san to ne.
(E continua sempre em contato com a escola da Akama-sensei porque ela, até
hoje, continua sendo a presidente da comissão do Doo soo kai. Nunca terminou o
elo, com a escola, apesar de ter saído, nunca… sempre continuou o
contato.)
R: Qual o ano que entrou como aluna e permaneceu até quando como
professora?
RM: Nyugaku shita ano, nan nen ni nyugaku saretandesuka?
M: nan nen deshitakara…conta shinai to kya, vinte e dois anos datanda ne…
(Vinte e dois anos ela entrou como aluna…) Mil, novecentos e vinte e um.
Todas: 1921 ela entrou com vinte e dois…
Ty: então vinte e um mais vinte e dois...
RM: sorede sotsugyo sarete kara sugu sensei ni zuuto … datan deshyou? Yon nen
kan desu ne?
KO: quarenta e três… yon nen kan desu ne… nan nen ka gakkou oitan
desuka… nani gakkou ni ikimashita, yon nen to… saihou…
M: Sotsugyou shite sore kara mata hatarakashite moratte ne, dakara…
KO: gokei yonen kai imashita ne?
M: Gokei ne? Soku sei kai ni haitte sotsugyou shite Kato sensei ni oshiete moratte.
KB: Mas ela saiu em 47?
RM: Mas eu estava estudando em 48, ela estava.
KB: Estava…
RM: Sensei arimashita 48. watashi wa… sensei danno nishi sensei…
(…)
Transcrições A formação da identidade feminina
243
KO: Ela era parte dos “móveis e utensílios” da escola… Ela ficou cinqüenta anos
na escola…
Ty: era patrimônio da escola.
KO: “móveis e utensílios”… já tinha até etiqueta na perna! (risos)
KB: 48, 49… ela estava lá né?… então eu me lembro disso…
RM: eu saí… 48… 47, 46…
KB: Yon dju ku, ne…
RM: então 46 a 49… eu sei que eu estava lá, ela estava!... Kato-sensei… Kato-
sensei era nova ne…
KB: Kato-sensei… Ela foi nossa professora… Ela era a mais brava… nossa!...
Kato-sensei… que depois se tornou Hatiya.
Ty: Ah! Hatiya-san ne…
KB: Ela era brava… nossa senhora…
Ty: Eu aprendi um pouquinho o saihou com Uchida-sensei e ano Suzuki-sensei.
Uchida-sensei ne utini então ne… narai, narai… uti no narai, narai, dekikanai
kara… fui até na casa dela. Mokazu oshite ta ne sensei…
Minha mãe é que me botou lá… bri… não aprendi nada… (risos) mas sensei
fazia… sensei minashite kurete ne… eu ficava brincando com o gatinho dela.
RM: e sua mãe não sabia, né?
Ty: Minha mãe não sabia… ah jozo…
To: Minna so nano…
(…)
Ty: Hontoyo! Verdade… Isso é verdade… falo agora é verdade.
R: Tá registrando… (risos)
Ty: Ih! Tá registrando, nossa senhora… (risos)
Costura era uma negação!
KO: O que você quer saber dela? (Tomoe)
To: 1936 ni ne, tira diploma de corte e costura. Professora. Sore kara mo zutto
gakkou no sensei! 39 ni yamete eu casei! 40 ni kazashite… 40 ni soni natte eu
voltei São Paulo, sore kara mata… não tem filho… então até quanto… professora?
Quantos anos? Quanto?
To: 36 tira diploma, 39 yamete, casou. Rio dois anos eu mora lá… guerra, eu
voltei São Paulo então outra vez, professora! Até agora… viu?
KO: nannen… nannen Saiho no sensei… nannen ka?
To: nannen naru no. 36 to, 39 sore kara, mada 42 até
KO: 42… nannen yameta no?
To: Yameta no? Kore wo totekkara…
KO: Ah… ela fez mastectomia. Itiagashira… dakara mo… 60 ano gurai… mo
sensei shu teru deshou
Ty: 40 keredomo ne… 42 que ela… 95… 90. Mais de 50 anos ne…
To: mais… sessenta anos gurai. Sessenta anos professora eu. Kore tottekara…
mo minna yametya da desho… Kohei ga mo… titia mo yatenasai seito gamo
bakari kitte assudero nakara… titia wa genki harai ne? (risos) Então eu
KO: o curso de corte e costura decaiu ne…
Transcrições A formação da identidade feminina
244
Quando começaram as confecções, roupas feitas, boas, feitas pelos coreanos,
pelas coreanas, decaiu o corte e costura… curso.
Ty: aprender… ne… mas acho quenessa época, ninguém acho que comprava
pronto, ne… Tudo feito assim em costureira. Então é… uma coisa…
KO: gakkou?
To: Sabe… aluna, 5000, quase 6000 eu ensinei. Cinco mil… acho que seis mil.
Aluna… Eu ensinei… tudo…
(…)
R: Aluno não teve… nenhum homem…
Ty: Se fosse hoje, ia ter né…
RM: Naquela época não tinha “costureiros” homens né? (risos)
KO: Nããão! Não tinha… (risos)
To: Babá san ta ga neru no te gakkou ni hora… de manhã ata desho… de
manhã…
KO: Eu nasci em São Paulo, fiz todo grupo, ginásio e quando eu fui na escola, no
Akama, eu fui obrigada, porque minha tia me obrigou.
Ty: Era da turma que era obrigada! Porque eu não tinha amiga nissei… tinha
amiga brasileira. Não tinha amiga nissei… então minha tia estava com medo que
eu casasse com gaijin. Então ela foi lá e me obrigou a entrar na escola. Mas eu
aprendia japonês em casa, particular. Eu sabia… falava japonês, tudo. sabia
escrita e tudo… tanto é que quando eu fiz exame com Hayashi sensei, eu entrei
no terceiro ano. Então eu fiquei um ano no gakou, dos quais eu… vira e mexe
estava em casa… (risos) Pegava meus livros e ia embora… ah… não gostei do…
que ano que foi hein?
Ty: 52…
KO: É…
Ty: nós terminamos em 52.
KO: depois disso eu vi o valor da nissei, da amiga nissei. que eu me
despertei pra amizade de nissei. Até eu falava português, o gostava de
nissei… eu aprendia japonês porque era obrigada em casa. Mas assim, convívio…
convívio de nissei eu não tinha… professores nisseis, japoneses eu não tinha…
e… matéria escolar de era completamente diferente. Nós tínhamos é… a gente
fazia yuko, né… licor… a gente tinha, a gente … ia plantar daikon
KB: Beterraba com o pai dela! (apontam para Tyoko-san)
Ty: Conservas e verduras…
KO: verduras… tinhas essas coisas também, né? Professor de nutri… professor
de nutrição em japonês, sabe?
KB: Eram muitas matérias…
R: Batyan
91
fazia muito, não era? Essas conservas…
KO: Minha mãe fazia…
Ty: Em vidro né… porque pessoal tinha vindo do interior, da lavoura, então,
precisava né, quando voltasse lá na terra, cada uma né… fazer assim… aproveitar
91
Batyantia. No caso específico, trata-se de referência à mãe de Kikuko.
Transcrições A formação da identidade feminina
245
verduras na época… ou frutas da estação, pra fazer conservas… sabe? Ainda
existia isso naquela época. Não comprava tudo prontinho, né?
RM: A economia da colônia era à base da agricultura, e nós tivemos curso de
agricultura. Nós plantávamos beterraba… nossa turma, quer dizer, aprendeu a
parte de conservas… mas foi muito interessante…
KO: A gente fazia o missô…
KB: o missô, né?
KO: O missô, o shoyu, daikon… fazia tsukemono pra vender no bazar.
Ty: Até tsukemono, quantidade grande pra vender no bazar…
Rutsuko: Realmente as meninas eram educadas para serem donas de casa,
líderes da colônia, que era à base da agricultura.
Ty: essas que formavam aqui, geralmente voltavam pra terra e elas eram, se
tornavam líderes né? Eram assim… eram mais estudadas, né…
RM: Tanto é que eu digo que eram onnadaigako, né? Chegavam na sua terra,
seriam o líder.
Ty: É. Todas, todas elas ocupavam…
RM: Havia a cooperativa também, né. Que era um centro onde reuniam as
pessoas e faziam trocas de idéias ali, né. Experiências…
Ty: Elas davam aulas… contavam…
RM: Exatamente, eram todas líderes!
Ty: Líderes da região.
R: Tinha um lado bem formativo dela também…
RM: Exatamente.
R: Tem que saber de política, tem que saber…
KO: Tudo!
RM: tanto é que tínhamos muitas matérias… muitas matérias…
Ty: Elas formavam aqui, voltava pra terra e geralmente elas eram líderes, né,
porque Akama-san era assim, conceito, né, pelo menos eram de nível mais
elevado…
RM: Formavam na escola de Akama-sensei já era um cartão.
KB: Era um cartão de visitas…
RM: Cartão de visitas!
Ty: Ô! Casamento então!... Ó, ihhh!
KO: Se falar que passou por lá…
Ty: Pretendentes não faltavam! Enchiam de pretendentes né, não era?!
KO: Porque sabiam que eram de lá.
RM: Tanto é que ficamos solteiras! Escolhemos…
RM: A escola era conhecida no Brasil inteiro, na colônia.
Ty: É. Era mesmo. Akama-san era. A gente tem orgulho né, de poder dizer isso...
RM: Porque existia outra escola, o saiho go…Gohara sensei, não é? Mas acho
que não tinha um curso, o curso de japonês, assimacho que era o corte e
costura… era outro tipo. De corte e costura tinha bastante.
Ty: Era outro tipo de escola… o existia isso. De nível… não existia ainda. Do
nível médio… até acho que superior, né? Quase superior mesmo… nível… era
mesmo assim, nível elevado mesmo.
Transcrições A formação da identidade feminina
246
KO: Porque eu fiz jyuninomaki ne…Jyuninomaki depois fiz acima desse um,
primeiro livro, segundo livro, por isso que quando eu entrei no gakou, eu ia no
terceiro… porque já tinha feito primeiro e segundo.
RM: Tinha o kotoga ga ne?
KO: É koto ga itinen, ninen, eu tinha feito em casa, particular. Mas era só…
RM: Era o ginásio no jogaku , um e dois, né?
KO: É. Então, por isso que quando eu entrei na escola eu entrei no terceiro.
Mas eu aprendia japonês… Não… japonês e geografia… história eu
aprendia, com professor particular. Mas outras matérias pra mim era assim, um
desbunde… e também uma farra!
KB: A gente podia contar como que começou Dousoukai…
R: Assunto do doo soo kaiEu queria saber sobre o que significa né, doo soo
kai… o Sr. Antonio deu uma explicação em termos de janela, dando idéia das
pessoas que estavam na sala de aula, mas eu queria saber de vocês o que
significa, quando foi criado, quem foi que idealizou…
KB: idealizou foi Akama-sensei, né, não foi? ela convocou… foram muitas ex-
alunas, não foram?
R: Quando foi isso?
KO: 1980. Eu me lembro muito bem, foi no dia do meu aniversário, a primeira,
nossa primeira reunião e no mês seguinte, eu fui mastectomizada, então gravei
muito essa época. Era meu, dia do meu aniversário a reunião…
KO: Nossa… Então que dia que foi?
KB: 15 de julho.
KO: 15 de julho de 1984?...
KB: 84, isso
KO: AhhhShitigatsu…
RM: Não era no Akama-sensei… no aniversário?
KO: Depois é que virou no aniversário…
R: Isso é na época da formação, não é?
K: Depois que virou aniversário… No ano seguinte,…
A formação foi em julho,
(R: a primeira reunião, não é?) é,
que que eu não
sei como é que foi a indicação da Comissão… quem teria… não me lembro…
KO: sensei… dousoukai ga dekkita no…doo yuu imi de dekitan desuka? Dare
ga… (professora...a criação do dousoukai - qual a razão da criação do
“doosookai”? Quem foi…)
RM: Do yuu do doki dedekkittan desuka?
(
Qual foi a motivo da criação?
)
M: Are waano… Akama-sensei ano…Sato Koichi sensei ga…shu ni natte are
shite hokken n… shite moratta no ne. Sato Koichi sensei . Ano shito ga daitai
shito shirabete, yoi shite kudassatan no yo ne. Sorede renraku toka aiu koto
yappari ano Sato Koichi sensei ga Nihon ni gakkou ni irashitakara sore de iron
na renraku wo shite moratandesuyo. Ishokenmei …sono tame ni ne. Moo
nakunarareta kedo. (…)(Aquilo foi... Professora Akama… Professor Kochii Sato,
idéia encabeçada e concretizada por iniciativa do Professor Koichi Sato. Foi por
ele, feito o estudo e elaborado o texto básico. A coordenação ou coisas para isso
Transcrições A formação da identidade feminina
247
o Professor Koichi Sato quando estava na escola no Japão... por isso deixamos a
cargo dele a coordenação e outras providencias.
para isso dedicou-se muito. Já falecido. (...)
To: Dare? (Quem?)
M: Sato Koichi sensei. (Professor Koichi Sato)
KO: Sato sensei (Professor Sato)
M: Ongaku wo yatte ita. (Dedicou a atividade musical.)
RM:musica no sensei. (Professor de música.)
M: Oboete inai sensei? (Não se lembra disso, professora?)
KB:Moriyama-sensei no ato de...Moriyama-sensei no ato de... (Depois do
Professor Maruyama...depois do Professor Maruyama)
M:Sato Koichi-sensei.
To: Sato sensei?
RM:consaato ga arimashita yo ne, Sato-sensei to ne? (Houve “consaato” (Audição
de Discos) Com Professor Sato não é?)
M:Ano gojyunen shi mo, gojyu nen shi mo are... (Também na redação da obra de
comemoração do cincoentenário, sim da redação da obra do cinqüentenário...)
To:Minna Sato-sensei... Isso mesmo! (Isso mesmo...foi todo trabalho do Professor
Sato!)
RM:Sato-sensei que fazia isso.
To:Ano sensei ga hotonto (...) nate yata no. Ano gojyunen mo ano sensei ga
hotonto ... (Quase pelo professor (...) foi feito. A obra do cinqüentenário também
quase tudo...)
KO: Minha tia que teve a idéia e o Sato-sensei ajudou a organizar…
RM: coordenou…
To: Sato-sensei é músico…
R: I… Ficou muitos anos…
KB: Nós tivemos aula com ele também…
RM: … eu não tive… (meio em dúvida)… com Sato-sensei… eu não tive…
Ele era nosso professor de música e…bandolim…
RM: eu não tive… eu estudei com Mayumi-sensei…
KB: a minha iniciação em música clássica foi com ele… por isso que meu ouvido
ficou mais apurado…
Ty: fomos apresentar novela, novela na rádio, era rádio… teatrinho, teatro!...
R: não era radionovela?
Ty: Radionovela! Que tinha naquela ocasião.
R: Que pena que não tem isso gravado! Puxa…
Ty: Puxa! Nossa… devia na rádio… gravar as coisas lá…
KO: e tinha também teatro! Eram famosas as apresentações de teatro!...
R: Que era o festival, não é?
Transcrições A formação da identidade feminina
248
Ty: Uma vez por ano né? Que tinha apresentação dos trabalhos dos alunos…
então tinha teatro, música, é… desfile de moda!... Desfile né, sensei?
KB: Desfile de modas!...
R: Todo mundo desfilou aqui?
KB: Eu desfilei! Que tinha o meu vestido de formatura, , da Álvares Penteado,
foi feito pela aluna dela… namae-wa… dakedo… E eu desfilei com aquele vestido
na formatura!... Que eu já estava fora da Akama-gakuin na época…
Tyoko para Kikuko: Que você formou no Colegial naquela época…
KO: Então!... Eu desfilei de Maiko-san!... Maiko-sanVeio nihon karakitatta no
ne, wazawaza… ano Maiko-san né, né… de ano zembu, honto no Maiko-san no
fuku wo kite (“Então!...” Eu desfilei de Maiko-san!...” (aprendiz de gueisha)
“Maiko-san!...” Veio do Japão… especialmente... Maiko-san... sim tudo,
vesti com roupa de verdade de Maiko-san )
To: Hotonto watashi ga yattano, desfile. (Quase todo o desfile foi preparado por
mim.)
Ty: Desfile de moda tinha, nessa apresentação dos alunos, das alunas, no fim do
ano sempre tinha, a gente fazia no teatro…
R: Ah!... Tinha coral, não tinha?
Ty: Desfile de moda, apresentação de coral, apresentação de teatrinhos, de
teatros e…
KO: Teatro era famoso! Aquele yuzuru ne, noossa!
Ty: Yuzuru… era do Miao-san…
KO: Nós fizemos o “mercador de Veneza”…
Ty: É mesmo!
KO: Eu fui advogada, quase me esfaquearam!... (risos)
Ty: É… isso mesmo!
RM: Mercador de Veneza é?
KO: É! Eu fui coxa… aquela merca… aquela advogada e… a Negona que era o
bandidão lá me esfaqueou lá no palco!... (risos)
Ty: …é verdade!... e a gente fez aquele outro… de William Tell…
RM: Da maçã? Na cabeça?
Ty: É mesmo… Se continuasse, acho que ia gostar do teatro… (no sentido de
atuar…)
RM: Mas voltando ao doosookai, a partir de então é que em todos os
anos…né…
R: Tá… de 84 para frente, anualmente fazia…
RM: e até hoje…
KB: e nessa primeira reunião é que houve a indicação da Comissão que até
hoje…
R: Sim… e além de vocês, quem mais… porque eu sei que vocês são da
Comissão
KO: Somos… da “começão”… (risos)
R:… e aí quem mais? Mayumi-san…
KB: Hatiya-sensei estava… me parece que faleceu…quem mais…
R: Mayumi-san também?
Transcrições A formação da identidade feminina
249
KB: Mayumi-san também era, Naotyan também era… Naotyan era, …
R: Dona Teruko?
KB: Não… Terukotyan também! Teruko também era da Comissão, Naotyan,
Não…como é que era mesmo o sobrenome dela?
RM: Sugui… Uesugui
KB: Uesugui, Naoko Uesugui né?
R: Naoko Uesugui
KB: Quem mais que tinha?... Alice Suguiama, né
KO: Alice Sugiama
RM: Que trabalhou no Consulado…
KB: É! Trabalhou no Consulado depois. É que infelizmente ela não pode deixar a
mãe sozinha, senão teria pedido pra ela vir hoje… que ela também trabalhou
depois de mim… depois de mim acho que ela ficou na tesouraria… foi, foi depois
de mim que ficou na tesouraria da escola.
R: E assim, essa Comissão ficava encarregada de reunir as outras ex-alunas?
KB: Isso!...
R: Que faziam contatos… porque eu sei que chegavam a ter umas reuniões
enormes lá… com cem pessoas, às vezes até mais!...
KO: Mais de cem!...
KB: Aí é que começamos a visar o aniversário da Akama-sensei, não foi? Sempre
nessa época do aniversário dela… dificilmente coincidia porque era de domingo a
reunião
R: É… (olhando anotações) chegaram a ter mais de cem alunas…
KO: Sempre a gente convidava alguém pra dançar, cantar, fazer palestra…
KB: Akama-sensei Sempre queria alguma coisa que fosse proveitosa na
reunião… Não era só pra comer e bater papo, ela queria…
R: Então sempre tinha…
Kazuko: Sempre!... Sempre havia…
R: Esse era um intuito então desses encontros…
KB: Isso, isso.
KO: Mas era pra encontrar também, às vezes vinha gente que…
RM: Uma vez por ano, mais anos sem encontrar… Akama-sensei foi professora
mesmo até o fim! Mesmo nessas reuniões ela procurava incluir alguma coisa que
fosse de proveito para todas as pessoas… Nossa mas... Sensei realmente não
existe… não existiu…
KB: Como ela, nunca vai existir! Aquele idealismo dela né? Era uma coisa
RM: Até o fim… Mesmo…
KO: Porque ela era muito à frente de todo mundo…
R: É, realmente tenho lido muitas coisas que ela escrevia… e nossa! Ela escreveu
isso em mil novecentos e… e vale pra hoje!...
KB: Vale!
RM: E eu ainda estava lendo ontem!... (mostra o livro de conferências de Michie
Akama) Ela era uma ótima palestrista… e aqui (mostra o livro) todas as palestras
dela estão aqui! Estão…
KB: Estão aqui?!!... Ah é, Kouen no tabi… eu tenho…
Transcrições A formação da identidade feminina
250
KO: Depois a biblioteca dela, tinha mais de dois mil livros lidos!... Isso é que era…
KB: Puxa…
KO: Né?! Akama no ban ni toshokai nisen ijyou arimashita, nisen ijyou satsu, hon,
zembu yonda mondes. Watashi shitotsu shitotsu are ni shimashita, dakara zembu
yondeimasu. (Não é?! Akama,…dez volumes, li todos. “Eu, um a um, separei, por
isso li tudo.)
M: Ano hon donatte shitano? (Como foi feito com aqueles livros?)
KO: Ano Kifu shimashita. (Foi feita doação.)
R: Mas os valores que ela trabalhava… porque eu tive acesso também àqueles
boletins Ayumi
Kazuko: Ah! Sim…
R: e esse Ayumi tem muitas referências dela e, por a gente percebe que a
maneira que pensava era muito atual (muitas vezes…) Uma vida…
RM: Que pena… (no sentido de perda da pessoa)
KO: eu demorava pra ler…
Ty: Começava a folhear, né…
R: Como é que ficou… esses encontros hoje, como é que eles funcionam, eles
continuam?
KB Não… “O encontro” anual não existe mais… Akama-sensei era que era o
elo quer dizer, sem ela nós também achamos que nós não íamos nos reunir
também… mas ela pediu né? Lembra-se? Olha, mesmo depois que eu não esteja
mais aqui… eu quero que vocês continuem essa reunião… né… e talvez por ela,
quisesse fazer com todas as ex-alunas, mas, eu acho que sem Akama-sensei a
turma não viria… né Kikutyan?
RM Eu acho que não… sem ela não haveria a reunião…
KO: Ela quando fez cem anos, veio uma aluna de Brasília!...
R: Vieram quantas alunas pro Centenário?
RM: Centenário tinha um monte!!!...
KO: Veio do Rio, Brasília… veio gente de Brasília!...
RM: Paraná
KB: Ah, mas eu chorei tanto, naquele dia… porque ela não estava presente… todo
mundo… nesse dia… ela não tava… eu chorei…
KO: Ela estava assim, muito irritada, sabe…
R: Ela meio que percebeu… então eu acho que…
KO: Muito irritada
RM: Mas ela foi… apareceu…
KO: Foi!... Apareceu…
KB: … Houve um momento que Kikutyan conseguiu!...
KO: …mas ela estava muito irritada pra vesti-la, pentear… minna irashite ne.
RM: Como ela percebia…
KO: E depois queriam que entrasse de cadeira de rodas, trouxeram até uma
rampa… falei assim: Não! Ela vai entrar de bengala! Deixei a cadeira de rodas…
quando ela pegou a bengala, entrou!...
KB: Ela foi!...
Transcrições A formação da identidade feminina
251
R: Olha!...
KO: Entrou
KO: Se ela entrasse de carrinho ela não iria… Não! Ela vai entrar de bengala!
Porque eu sei… orgulhosa do jeito que ela é… ela pegou bengala… ano irai
iraishitte minna ga irashiteiru no ni. Festa ga dekiruka shirato omote. Unto shimpai
shitandesu, watashi. Soshite ano kurumaisu de porta made itte, kurumaisu de
hairu tsumorideshitano. Sorede watashi, não jibun de iku you ni shimashoute sono
tsuyuwo tsuitara mou tyanto shitanone. (Todas vieram, todas estavam presentes.
Pensei se era possível realizar a festa. Fiquei muito preocupada. Fui até a porta
com a cadeira de roda para entrar com cadeira de roda. Pois eu, não…)
KO: Foi ótima a minha idéia!
KB: Foi mesmo! Iluminada!
KO: Depois ela sentou… mina né…
KB: Todo mundo foi cumprimentar…
KO: Né… saicho mo hyaku sai de minna ga soba ni yottara, byoukiga dato omote,
yagateitandesuyou ne, kazoku ga. (Não é... reunindo todas, cem anos, e
pensando na doença...)
Né Kazuko-san? No começo não queriam que ficassem perto…
KB: Não queriam é…
KO: Eu falei, mas minna tooku kara kiteru kara não pode fazer isso ne? Tooku
kara wazawaza irashiteirunoni, obatyan no te o ne toritakata desuyo, ne,
tanjyoubide (Eu falei, mas todas vem de longe, não pode fazer isso não é?
Todas vem especialmente de longe, quer cumprimentar não é...aniversário...)
Não pode fazer isso, né? Até
Eu falei, Não! Vamos fazer, aí…
Ty: Todo mundo deu abraço, né?!
R: Foi…foi importante pra…
KO: e ela assim, cumprimentou todo mundo numa boa… que depois ela ficou
com pneumonia… mas… tudo bem…
Ty: Será que pegou de alguém…
Sorekara tyotto haien ni narimashita kedo mo ne. … (Depois teve pneumonia não
é…)
KB: Cansou né…
16’10’’(neste ponto a conversa fica muito agitada, e é possível entender
algumas palavras entrecortadas, mas me deixam a impressão de estarem falando
de suas participações pessoais (das depoentes) quanto aos preparativos de D.
Michie Akama no dia do seu centenário, como por exemplo a confecção ou
montagem do vestido por Tomoe Suzuki, entre outros).16’26’’
Ty: É ela ficava brava… mas… homenagem né…
R: depois da cirurgia também, quando começava a dar bronca… falava assim: não,
começou a dar bronca, tá ótimo!
KB: Tá ótimo!
R: Enquanto ela estava lá… (parada) a gente falava, não é a obatyan!... Quando
começava a dar bronca, tá reagindo, é ela!...
KB: Verdade!...
Transcrições A formação da identidade feminina
252
KO: Normal dela era dar bengalada, mordida. Tá ótimasss!
R: Quem que escolheu o nome de doosookai?
RM: Significa em frente …
R: Já tinha esse nome mesmo…
Ty: No Japão era… doosookai “reunião da turma”, que estudou juntoque na
Akama-san não era só da turma, da mesma turma, era de várias turmas…
R: O seo Antonio brincava que era o Madadayo da obatyan, do filme Madadayo,
do Akira Kurosawa…
Ty: É!!! Madadayo!...
(algumas ex-alunas ficam tentando lembrar…)
R: Precisa assistir… é uma reunião anual em torno do sensei e todos os ex-
alunos se mobilizavam… se alguma coisa acontecia com o sensei eles paravam o
que estavam fazendo, “o gatinho do sensei subiu na árvore”… todo mundo vai
procurar… no escritório, no banco, todos os ex-alunos se mobilizam e vão
procurar o gatinho do sensei que sumiu… e eles se reuniam e tinha um brinde,
com a brincadeira do Madadayo, que no sentido de…
RM: Tinha um jogo… moi kai Madadayo!...
R: Ainda é cedo…
KO: Ainda é…
R: No caso dela, era bem isso, né… que a gente falava… Informalmente falava,
quando é que é o Madadayo da obatyan, que sabia que ia ter todo o doosookai
reunido aqui (referência à sede própria da escola que fica próxima à residência da
entrevista)… Por isso que estava perguntando, que isso tinha essa conotação
mesmo do Japão…
KB: É sim…
RM: O japonês leva muito a sério essa turma doosookai…
Ty: que se reúne uma vez por ano, quase…
RM: Desde o primário tem!... né? Shogakusei kara arimasuyo ne, doosookai te
yuu no wa…até no primário né, tem. (Dousoukai tem desde o primário não é…)
Desde o primário tem!... não é? Mesmo depois de cinquenta anos.
KB: Nossa turma se reúne ainda, todos os anos…
Ty: Ainda reúne é? ah! Que bom…
KB: As seis… somos seis! Mas todos os anos a gente se reúne num almoço em
restaurante… todos os anos nós fazemos…
Ty:É gostoso né…
KO: Vocês são em quantas?
KB: Hoje seis.
RM: A reunião geral e a da turma da gente!...
KB: Isso é por nossa conta, né…
RM: Mas isso tudo por causa da… da escola Akama jyogakuin!
KB: É! Verdade…
R: Vocês gostariam de deixar alguma mensagem, alguma coisa…
KO: Anooo… sensei…
M:...Jyosei gakuin, ne?. Sore wa, ano burajiru de wo itiban, yumeinagako to natta
wake desuyo ne, sorede sono rippa na gakkou no sono Akama Gakuin te namae
Transcrições A formação da identidade feminina
253
wo ii kyuu ni nokoshiteikitai sorede nenashitara, jya doosookai wo tsukurou, ne
sorewa, ima nakurareta, ano Sato Koichi sensei mo hokenito natte ano
doosookaiga dekitawake nandesu. Dakara ma, imawa mo nezumo
sukunakunarimashita kedo, senden wa moo gakkouwa ne, moo seitode moo
kushikusha mo eireru bashoo ga nai gurai deshitano. De kotowate ne, ano Campo
Grande atarikara meiru shito ga moo takusan irashite doko demo ii kara,
tomesashite kudasai. Ano koro wa senden ano Akama gakuin mo are deshita,
“deanseide erishita(?)” ne, sorede shyusen ni natte, sensou, guerra ga sunde
desu , ano segunda guerra ga sunde, nenasan no kangae ga kawatte kita, ne,
itiyou nihon ni kaeru, te yuu, areyori mo, dakara burajiru de yappari shyoushite
ikanakya ikenai te yuu kangae momotoni yahari ano osaihoo dake dewa ma
korekara derukoto(?) minna kangaeru natta wake desuyo ne. Sorede ryosai ga
dandan ma shita ni narimashitayo ne. Dakara, sorewa jidai totomo ni soo
natandarou to omoimasu. Demo ano Akama gakuin te yuu no wa ano yobusai
sono mono wa ma nakunarimashita kedo, Pioneiro toshite ne, Akama gakuin
toshite, nokote itte honto ni, Akama-sensei mou hontouni ureshii koto da to omotte
imasu. Sore wa minasan, watashiga yuu mademo nai desukedo ne, desukara
watashi mo sono ikuraga demo ano Akama-sensei wo shita ano kugatsu te yuu
tsuki wa Akama-sensei no tanjyou no suki nandesuyo ne. Sore de sono tsukini
itinen nikai doosookai mo kanete atsumaru koto ni natterundesuyo ne. Mae wa
seidai ga dekimashita kedo, dandan taiin mo nakunate, sukunakunarimashite ne
jidai totomoni ma maikukureta(?) koishite minasan ano soo yuu kimoti ga aru
shitotati ni atsumate itadaite zuuto itinen nikai dousoukai te “motsudake
torimasu(?)”.Dakara Akama-sensei no kokoro zashi wo wasureru koto naku ne,
tsuzukete iku te mon date omoteorimasu. Sore de minasan itinen nikai ano iron na
hanashi mo shitari, Akama-sensei wo “shiandari (?)” shite, atsumari koto wo yatte
orimasu. (…Isto é, tornou-se escola famosa no Brasil. Preservar o nome Akama
Gakuin para sempre, deixar para eternidade… então criaremos o doossokai.
Encabeçado pelo professor Koichi Sato foi criado o doossokai. Hoje, diminuiu o
número de alunas. Porém, naquela época, como o nome da escola era conhecido,
para o internato estava cheio, e, não havendo vagas, tinha que recusar, vinha
muita gente de Campo Grande para conhecer e pedir para poder ficar em
qualquer canto. A fama, naquela época, da Escola Akama era grande, e, quando
terminou a guerra, terminou a guerra, todos tiveram que mudar de idéia e, ao
invés da volta para o Japão, no Brasil, o pensamento de que era preciso estudar,
não bastava aprender somente corte e costura… todos pensaram assim não é.
Por isso a aprendizagem de corte e costura ficou no plano mais baixo, penso que
foi provocado pela mudança de época. Porém a Escola Akama, apesar de não
existir como escola de corte e costura, permaneceu como Pioneiro. Penso que a
professora Akama deve ter ficado satisfeita. Este fato nem é preciso eu dizer. Por
isso eu gostaria… mês de setembro é s do aniversário da professora Akama,
não é? Estabelecemos a reunião do doossookai duas vezes, anualmente. Antes
comemorávamos majestosamente, porém, com diminuição de associadas, em
decorrência do passar do tempo, reunimos somente entre pessoas de sentimento
comum, reunimos por duas vezes ao ano para realizarmos o doossookai, para
Transcrições A formação da identidade feminina
254
não esquecer o ideal da professora Akama, damos continuidade, penso assim.
Portanto, reunimos duas vezes ao ano para conversamos para lembrar da
professora Akama.)
KO: Você quer tradução?
Ty:Ela falando pra o esquecer o espírito dela…Que nós temos que continuar
nos reunindo pra poder assim, sempre estar… com o objetivo que ela tinha e que
nos ensinou… pra não esmorecer… perder.
R: Manter vivo né? Acho que essa é uma maneira…
Ty: Então ela quer que continue existindo essa reunião uma vez por ano no
doosookai, (com certeza…) Isso que sensei está falando… não esquecer o
espírito da Akama-sensei né, que nos transmitiu que continue pras futuras
gerações… quer dizer, agora como escola Pioneira… escola… alunos da escola
Pioneira… não existe mais assim, corte e costura, mas, não era só corte e costura
né? Jogakubu que fez sucesso também
KO: Como ela disse antes… corte e costura é que era o boom da coisa, mas após
guerra, só isso não era suficiente, aí veio Jogaku bu essas coisas…
KB: Quando será que começou…
RM: Acho que era antes…
KO: Antes da guerra, porque durante a guerra, enterrou livros… eu me lembro,
enterrou livros e o pessoal…
R: o podia aprender a escrever… mas podia bordar… então escondia os
livros…
KO: Os livros! É isso… estudava escondido… eu me lembro!...
R: Escondia pra pegar os bordados…
KO: É! Eu me lembro dessa época… porque eu estava sempre na escola né?
Fazendo arte… (risos…)
R: Está costurando então tudo bem… agora se estivesse lendo ou aprendendo
japonês alguma coisa acho que era visto como subversivo, né?... Uma língua que
“não pode”…
KO: Lógico… inimigo né do eixo!...
Ty: Verdade… mas...
KO: Bom você...
Participação especial de Shigeru Fujita (esposo de Aiko Fujita)
S: Eu, quando cheguei aqui no Brasil, tinha 25 anos,né...é... na época de
procurar noiva ...é mas demorei alguns anos porque não tinha nada aqui no
Brasil e...e...esse passado de tempo eu tive uma idéia...para nós japoneses,
aquela época tinha chamado Japão Novo, né... Japão novo...isso significa,
ahhh...não dá para falar direitinho em português e...básica da educação do Japão
tinha, mas aqui no Brasil, não é...pessoa culta, completa, por causa de português
fraco, hummm....então, é...colegas de trabalho, etc. sempre falava para nós,
esposa tem que ser japonesa ou nissei, né... qual é melhor? Etc., etc...Então
surgiu uma idéia né?...é... para nós japoneses, esposa, se fosse nissei tem que
ser formada de Akama gakou... quando é formada de Akama gakkou, fala
Transcrições A formação da identidade feminina
255
direitinho japonês, e às vezes lê, escreve também, né... mais ou menos igual a
japonesa...é uma ideal né?... esposa ideal... pra nós Japão novos, né... é... e
trabalhei... trabalhei é cinco, seis anos em São Paulo...depois tive transferência e
eu fui trabalhar em Londrina... aí uma pessoa apresentou essa... (aponta a esposa
Aiko, sorridente.) É... a idade aquela época, quase oldo miss, já... Porque já
passou 30 e eu também 30, mas é... quando vim para aqui foi citado Akama
gakkou... acho melhor pegar essa moça...
(risos)
A: até hoje está aguentando...(risos)...
R. é mas aí, não é “está aguentando”... aí correspondeu...
S: Sim!!!... e ela 'tava pensando que marido tem que ser de Tokyo. Porque pessoa
de Tokyo fala nihongo...é...nande... standado... ééé...
R: Polido?...
S. Não, não... é, olha... nihongo....
R. Porque no Japão tem muito dialeto... é isso?...
S: Mas cada região tem sotaque... mas de Tokyo...
R: É como falar do sotaque de São Paulo, por exemplo?...
S: Isso!....é,é... e, nos livros aparece mais ou menos, conversação de pessoa de
Tokyo...livros, é...é standado, né... em inglês.... ela pensava assim... e eu pensava
assim... (gestual indicando um – ela, e outro – ele)...aí... deu certo né, deu certo...
R: Ela queria de Tokyo ainda!... exigente...
S: e EU SOU DE TOKYO!...
R: Nasceu em Tokyo...
A: Tinha muito pretendente...E eu... (gestual indicando escolha, separação... com
a mão direita espalmada para fora, fazendo movimentos de exclusão...)
R: Exigente...
A: Eu era... e tinha só seis anos no Brasil...
R: Então foi ela que escolheu...
S: Coincidiu, né... coincidiu idéia...
A: Casamento a gente tem que pensar muito bem... é pra vida toda...
R: A gente pensa nisso como pra vida toda...
A: tem gente que casa e separa...por quê?...
R: Vocês tem quantos filhos?
A: Três... USPIANOS...
Ah é?!... Os 3 na USP... Algum casado já?.... Alguém já casou?...
S: Todos.
A: os 3 casados, tem 3 netos... uma não tem, a menina né... o primeiro filho
tem uma só e o segundo filho tem duas filhas, então três netas... uma belezinha...
R: E eles escolheram bem? Vocês ensinaram a escolher também?...
A:... Todos... porque não escolheram gaijin
92
... não que eu queira...
R: ... é que é diferente um pouco?...
A: É diferente!!!... não pode ficar convivendo no meio... gaijin, você não acha...
92
Gaijin – não-descendentes, os brasileiros. Trata-se de uma indicação lingüística do outro, do que
não pertence ao grupo.
Transcrições A formação da identidade feminina
256
R: acho que assim... a convivência seja talvez um pouco diferente...
A: a gente tem que pensar... ah... tem que falar em português... não tem disso,
graças a Deus!... entendeu?... Todos eles formados, felizes... minha parte eu fiz...
Eles estudaram aqui?...
A: não... mas nihongo eles falam muito correto porque eu sou muito exigente...
Tudo fala japonês…. Minha filha mais do que eu, porque ela mora no Japão… tá
melhor do que eu… nihongo… lá em casa, os meus filhos, os meus netos só falam
em nihongo, eu exijo. Fora… Saiu fora da portaEntão em casa, a gente
fala em nihongo… eu queria assim… eu acho tão bonito meus filhos tudo falando
em nihongo comigo, né?.. quando precisa fala em nihongo. Quando a minha
filha, quando foi para, como é que é… (….)
S: Bolsa de estudo…
A: HummmTudo admirou, porque um sansei falando em nihongo… porque eu
insistia lá em casa.
R: Ela foi estudar lá?
A: huhum… depois casou lá, né…
Transcrições A formação da identidade feminina
257
Informante: Tyoko (Hayasi) Shimano (T)
Pesquisadora: Regina Chiga Akama (R)
Data: 07/11/2007
Horário: 14h
Local: Fundação Instituto Educacional D. Michie Akama
Duração da entrevista: 2 horas
Nascida em Yamagata (próximo a Miyagui), imigrou ao Brasil ao 03 anos de idade,
1938
Pais: Sigeo Hayasi
Takeyo Hayasi
Esposo: Toshiya Shimano
Filhos: Cícero Kazutoshi Shimano & Cynthia Kuramochi Shimano
Netos: Júlia Shimano
Sofia Shimano
Clara Shimano
Alina Shimano
Ele trabalhava em Cotia. Cooperativa agrícola de Cotia, porque meu marido
é agrônomo… não é agrônomo, ele é Zootecnia, zootecnista no Japão. Tem
especialidade. Aqui se forma agronomia, dentro da agronomia, separa assim,
Engenheiro Agrônomo e zootecnia… No Japão, já desde o início, são cursos
separados, agronomia e por exemplo, zootecnia é área de veterinária, então como
meu marido era zootecnista, na parte de criação de animais domésticos, gado,
vaca leiteira, suínos…então ele trabalhou na Cooperativa de Cotia. Aí ele foi
ajudar… naquela época a gente estava fazendo uma pesquisa pra cinqüentenário
da imigração japonesa. Na época… isso no ano de 1958, que meu marido chegou
em 58 e foi assim, ajudar um amigo que trabalhava na mesma seção que eu… um
dia que ele ficou doente, ele foi ajudar, assim por ajudar… fazer… que a gente
fazia pesquisa, então tinha que formular perguntas, essas coisas… então foi
ajudar e foi que conheceu… estava trabalhando justamente nessa pesquisa.
Essa pesquisa tem todos , dados… tem dados num livro do cinquentenário da
imigração japonesa. Quem fez essa pesquisa foi Dr. Suzuki, aquele fundador da
escola japonesa da USP. Instituto da Cultura Japonesa, né… línguas orientais.
Então esse meu chefe, era ele que formou aquele curso… então depois do
cinqüentenário da imigração que ele fez isso… criou aquela escola… aquele
instituto pra línguas orientais… esse Dr. Suzuki era advogado e era formado
também na Sociologia, em Ciências Sociais. Eu como justamente na ocasião fazia
Ciências Sociais, ele pediu pra trabalhar com ele e estava trabalhando, fazendo
um levantamento da colônia japonesa… qual a população, nissei, sansei, yonsei…
um dia… a gente empregava na comissão, empregava muita gente que veio do
Japão pra poder… é que ainda naquela ocasião, a língua dos mais velhos, era
Transcrições A formação da identidade feminina
258
japonês, não é como agora que o pessoal de mais idade entende
português, né… então tinha que… todo o formulário tinha que ser feito em nihongo
pra poder pesquisar assim… levantamento… Então os japoneses procuravam,
vinham procurar trabalho na comissão. Inclusive esse que trabalhava, que era
amigo do meu marido, trabalhando ali… um dia precisou faltar, ele veio ajudar
no lugar dele. Falou assim… como a gente tinha que tabular dados, respostas que
vinham assim… a gente tinha que tabular tudo, naquele tempo a mão… não tinha
computador… tinha que ler e tabular resposta: sim… então quantos sim tem,
quantos “não” tem… quantos… tudo tinha que tabular… Tem livro. Estatística,
mais estatística, mas tem. Conheci, meu amigo apresentou, ficamos amigos, aí ele
estava querendo… falava muito pouco português… aí saiu da cooperativa de
Cotia, né, que ele não via muito futuro na Cooperativa… não pra ele, que
tinha grande sonho de ser aquele criador de gado… ele acho que sonhava sabe,
esse “cowboy”, queria ser “cowboy”, andar montando num cavalo e tocando
gado… o sonho dele era… (risos) então por isso que veio. não dá, não é?
ele veio com aquele sonho e viu que na Cooperativa… Cotia era muito pequeno
assim… saiu e foi procurar emprego, né… outros lugares. Daí, como a gente tinha
casado, logo em seguida, também era um absurdo… que mau emprego ele tinha,
e a gente estava casando, né… Aí ele foi procurar emprego na indústria
farmacêutica, acho que Squib… antigamente tinha uma indústria farmacêutica
chamada Squib… ainda existe? Acho que não tem mais divisão veterinária mais…
acho que a parte de veterinária nem existe mais, meu marido estava falando… Ele
estava na parte veterinária, zootecnia, não parte humana, produtos veterinários,
não produtos humanos, remédios humanos… era mais pra gados, assim, criação.
ele foi trabalhar nessa divisão, que não precisava falar muito português, então
entendendo assim, japonês e um pouco de inglês, dava pra… então ele trabalhou
e… a ele se tornar independente. Depois de cinco, seis anos, ele saiu de
também e quis montar uma firma pequena de veterinária. Queria fazer rações pra
gado, pra suínos, avi… mais pra avicultura. E até hoje, então está com essa firma.
Não foi tocar gado… não dele… tocava o dos outros!... (risos) É de produtos
veterinários mesmo… vacinas… faz também ração… quer dizer, complemento pra
ração, né, não ração em si mas complemento, vitaminas…
A gente tinha mais facilidade por causa da língua, senão era difícil poder…
comunicação… A gente se deu bem acho que por causa da facilidade da língua.
Aí nós nos conhecemos e depois de dois anos… 60 que nos casamos… é, depois
de dois anos que nos casamos… Meu padrinho, o amigo do pai dele aqui no Brasil
foi padrinho… falou “imaginaonde se viu casar… mal chegou… não pode!”…
ele ficou tão bravo.
R: Tanto a senhora quanto a Kikuko tinham um nculo com a escola e fez mas
não por opção… era filha de um sensei…
T: Meu pai dava aula de nihongo pra nível médio… que tinha naquela ocasião, era
Jogaku-bu, tinha a parte primária, nível primário que era 1, 2, 3, 4, 5… não sei…
tinha números… depois tinha a parte de ginásio, seria… português… nível
médio… meu pai dava no nível médioNão sei quantos anos… acho que deu
Transcrições A formação da identidade feminina
259
bastante… Entrou em… deixa eu ver… 47… acho que mais de dez… mais… acho
que vinte anos… acho que ele deu…
R: Tyoko-san falou que ele foi pra agricultura um tempo, mas acharam que ele…
T: Ah, é! Nós viemos também como imigrantes, né… quer dizer…pra fazenda…
Aliança, no interior, o é… no interior de o Pauloaí… Chegamos lá, meu
pai… na verdade como era professor no Japão também, ele dava aula na
escola, ele não tinha muita prática de agricultura mas acho que trabalhou um
pouco. Aí… “não… melhor você aula’, né… no interior sempre tem escola,
associação de nihonjin kaikan… associação japonesa, na Aliança então… tinha
mais ainda que lá era uma comunidade mesmo, Aliança. Mayumi-san era de
Aliança… veio pra escola meu pai conheceu o pai dela no interior, Aida,
Mayumi-san, as primas… Aí fiquei… daí quando eu vim pra São Paulo, nós
mudamos pra São Paulo por causa do meu pai que começou dar aula na Akama-
san… então eu também larguei nihongo e… fiquei alguns anos sem estudar
nihongo né… aí estava esquecendo já… perdendo… meu pai falou “ah, não! Tem
que aprender a falar nihongo!então tem que falar nihongo, aprender mesmo,
eu… vai no Akama-san, que sozinho, santo de casa não faz milagre!...(risos)…
Aí entrei nesse curso, Jogaku-bu, três anos…
(…)
Trajetória diferente, puderam estudar
T: Porque eu pude estudar, não é… essas amigas, elas vinham do interior pra
estudar japonês, português ficava… português, quase que ficava no primário,
não é… em geral faziam primário, depois paravam, ficavam mocinhas 15, 16
anos… vinham pra estudar… curso completo, assim, costura, arte culinária,
nihongo, bordado, ikebana, todas essas matérias necessárias para preparo para o
casamento, né?... que falavam… (risos)
Então como eu fui fazer esse curso, só que eu não tinha muito tempo que eu tinha
o colégio de manhã… e à tarde eu ia lá no Akama-san pra estudar só o nihongo
porque eu não precisava fazer matemática, geografia, história… história até eu
fazia, história do Japão até eu fazia mas a Universal… eu gostava de assistir
quando era de história do Japão, alguma coisa assim…
Tinha projeção de filme japonês… acho que uma vez ou duas por mês a gente
entrava em contato com o Consulado e pedia emprestado filme japonês, ou então
mesmo português, filmes bons… participava!... (risos) Eu fazia com a turma a
parte de japonês, de etiqueta, essas coisas… não fazia português, porque
estudava na escola, matemática também não, geografia, essas matérias também
não fazia não… que tinha também geografia, história… na Akama-san… e fui
ficando com elas e comecei a gostar… ambiente diferente… então eu fiquei
apegada a elas, as minhas amigas… até hoje somos amigas… A kikutyan porque
é sobrinha de Akama-sensei… né, então… a gente tinha mais contato, né…
ficamos amigas e até hoje continuamos amigas mas nós, Kikutyan e eu, tivemos
uma trajetória diferente mesmo… realmente, porque s pudemos estudar
português… naquela ocasião geralmente, moças não faziam… e nem curso médio
assim… ginásio nem colégio… como meu pai tinha perdido a esperança de
voltar pra Japão, né… como todo mundo que vem com aquele ideal de sei lá…
Transcrições A formação da identidade feminina
260
meu pai era um pouco diferente… ele não veio assim… ganhar dinheiro e ir
embora… porque meu pai queria era conhecer países novos, diferentes… assim
pra poder… mas ele tinha essa missão de ensinar nihongo Nós fomos pra
Aliança… ele deu aula lá… veio a guerra e ele não pôde mais exercer
nihongoporque não podia nem falar japonês naquela altura, quando começou a
guerra… Segunda Guerra… Japão com Estados Unidos… aula que ele fazia…
que dava, era escondido, era assim, de noite, geralmente à noite, dava assim em
Suzano, a gente reunia um grupo de jovens que queriam aprender e vinham
assim… faziam nas casas, geralmente… ou em casa, ou na casa de outras
pessoas, de noite, que reuniam assim pra estudar… mas tudo escondido… tudo
escondido assim, que não podia nem falar a língua que eles prendiam, não é?...
nós mudamos pra São Bernardo que estava precisando de professor e s
mudamos pra São Bernardo naquela colônia japonesa, mizuho…chama onde
aquela Ikuko- san… não sei se esta aqui (aponta para as fotografias) uma delas
sempre está na reunião turma de Kikutyan… Matsumoto! Ikuko Matsumoto…
era Aihara o sobrenome… Aihara… depois casou com Matsumoto… cuidava de
uma associação lá… Mizuho, era uma colônia japonesa, umas cem famílias…
tinha escola, assim pra primário, depois tinha do médio, meu pai dava aula de
noite… que de dia, eles trabalham… na lavoura… então de noite, dava pra esses
jovens…
Ainda existe, mas não é mais aquela colônia fechada… naquele tempo era de
nihonjin, então ano novo… reuniam… tinha festa… então só tinha nihonjin…
Matsumoto-san que era… como um prefeito da comunidade local… sogro da
Ikuko-san, ele juntava todo mundo pra festas e assim… Undokai e bazar… reunia
muito nihonjin, né… ele falava só nihongo também, né… meu pai foi
chamado pra dar aula lá, mas como, devido a guerra, ainda não podia dar assim…
oficialmente, né?... Então dava aula escondido de noite… Akama-sensei ficou
sabendo que meu pai estava lá… foi falar pra ele se não queria dar aula, ele
vinha assim… no início vinha umas duas vezes por semana só. depois como
precisava pra todos os cursos, então não dava pra ele vir só duas vezes, tinha que
vir todos os dias, aí que nós mudamos pra Bom eu estava aqui porque
fazia ginásio, Liceu faz tempo, eu ficava na casa de uma prima, estudava aqui.
meus pais mudaram pra eu fiquei em casa. quando estava na terceira
série do ginásio né, naquele tempo chamava, depois do primário era o ginásio,
então entrei aqui foi até colegial né. Terminei Akama aqui quando estava no
segundo colegial… Foi muito bom, porque convivi, aprendi a conviver, com as
pessoas do interior né… conheci muita gente, foi uma experiência que valeu a
vida inteira viu… até hoje a gente tem amizade com a turma antiga, as minhas
amigas… a turma de Akama-san eu tenho… com os professores. Da escola assim,
do ginásio a gente não… não ficou ninguém, do colégio também acho que o…
uma pessoa ou outra que tenho contato… da faculdade então tudo espalhado,
a turma do Akama-san não, sempre temos relação, temos convívio assim,
familiarmente, né?... Convívio assim, além da gente, a família toda, né? Nós
temos relações assim, familiares com as pessoas!
R: Os valores que foram passados também são os mesmos…
Transcrições A formação da identidade feminina
261
T: ÉAgora que eu convivi também com os brasileiros, quer dizer, maneira de
falar brasileiros, nisseis que brasileiros… Mas é… não ficou aquela amizade,
né? Não sei por que… será que é por que… costumes, maneira de pensar
diferente, então… não é racismo nem nada, mas…
Depois aqui, nós agíamos assim… em grupo. Sempre em grupo. (Dá aquela
sensação de fazer parte de alguma coisa…) É, do grupo. Tinha os bazares, a
gente ajudava assim… o que é difícil acontecer fora. Sempre a gente ajudava,
sempre. Viajava em grupo…tudo era grupo. Então pra mim foi ótimo, que em casa
era difícil ter amizade com o grupo todo. Sei que foi muito bom mesmo. Foi muito
útil porque eu vejo minhas amigas que não puderam conhecer Akama-san, por
exemplo… elas são diferentes, sabe? Maneira de encarar as coisas… o
diferentes. Marcou bastante mesmo… aquela convivência de três anos, mas foi
marcante mesmo! Pra mim, pelo menos, nossa! Sempre agradeço à Akama-
sensei que sempre no começo… sempre a gente na ocasião fala: “Ih, ela tá
falando isso!... Ih, falando isso!... assim, mas a gente, depois agradece,
né?... Porque ela falava: “mulher…; porque é mulher, precisa aprender costurar” ,
falava assim pra gente, “precisa saber fazer essas coisas… aprender ikebana que
é bom… “ enfim, todas as matérias, essas matérias necessárias não é?
R: E hoje a ikebana faz parte da vida da senhora!...
T: Então? E ikebana, na época nem imaginava que pudesse ser útil, né?
R: E hoje a senhora é presidente de ikebana aqui do Brasil…
T: É passei pra ikebana então nós fazemos parte da Ikebana Ikenobo do
Japão também. Além de… quer dizer, associados aqui, a gente pertence também
lá. Nós somos associados também do Japão.
(…)
R: Na reunião, a senhora levou algumas fotos que a senhora havia escolhido.
Foram algumas que a senhora separou pra lá… eu queria que a senhora
colocasse pra mim, por escolha que falasse um pouco delas, suas preferidas…
T: Essa aqui é interessante porque nós fomos ao Rio… esse aqui eu achei lindo…
o Corcovado!... que não aparece a paisagem, parece que aqui… (outra foto) tudo
bem. (Volta à foto de escolha) Essa aqui… eu fiquei impressionada! Primeira vez
que eu vi o Corcovado, gostei muito de lá…
Mas essa aqui também eu achei muito bonita, essa foto aqui… É assim, uma rua
ladeada pelos coqueiros… palmeiras. Palmeiras imperiais, não é? Como que
chama? Aqui é lindo!... Esse grupo, não era nossa turma, foi toda a turma de
primeiro, de segundo, de terceiro ano… aqui… todos juntos! Aqui tem a nossa
turma… mas é uma turma mais adiantada, acho que nós éramos do primeiro ano.
Tem segundo e terceiro… Esse sensei que é Sato-sensei, de música. (…) Era
bravo… mas era bom. Ele era bom. Ele era bravo, né? Achava ruim quando…
nossa, o coral, se a gente errava, ficava bravo, ele ia embora!
Esse aqui é Zoológico… kikutyan será que estava aqui… ah… ela entrou no
segundo ano, acho que… kikutyan, a Margarida… a gente andava em grupo no
Rio, eram poucos japoneses no Rio e andar assim em grupoIh! Nossa! Eles
ficavam olhando, olhando… Perguntavam de onde que nós éramos, se éramos
chineses, se éramos japoneses, nem sabiam distinguir, claro! Ver assim um
Transcrições A formação da identidade feminina
262
grupo… e foi essa professora… acho que… não sei… que era essa sensei… acho
que o era da Akama-san, era amiga da Akama-sensei, acho. (…) Essa aqui era
uma pessoa que morava no Rio, levou a gente pra visitar certos lugares, assim,
turismo. Fez um pouco de turismo, porque nós fomos conhecer o Jardim Botânico,
o Zoológico, depois fomos pra Ilha de Paquetá… nossa! O grupo todo, andando
assim em grupo, nossa… chamava atenção!... Incrível viu, a viagem… marcou
mesmo!... Essa é do Jardim Zoológico… foi bem… é Jardim Zoológico não tinha
muita diferença que, do Rio e de São Paulo, mas assim mesmo é… o Parque
dentro é muito bonito, nós levamos lanche, comemos lanche na beira do lago que
era lá dentro, então foi muito interessante.
R: Aqui?
T: Aqui é Jardim Botânico, outro lugar… mas essas palmeiras imperiais são
impressionantes! São altas… eu achava tudo uma maravilha porque não conhecia
naquela ocasião não conhecia nada assim do Rio, nossa… achei uma maravilha!
Essa aqui era… havia entre… na escola, interno assim, havia competição, um
jogava mal… mas gente competia, nossa turma ganhou, nossa turma ganhou a
taça… foi a turma melhor, então nós fomos tirar foto na… tinha uma foto perto
da Akama-san, tinha uma foto… nós fomos, todo o grupo, tirar foto!...
Campeonato interno, né, mas a gente competia uma série com a outra… então,
nossa turma ganhou mas… algumas jogavam muito bem… essa, essa… essa
aqui, exímia jogadora,… eu não era muito mas… Essa faleceu… (senhora lembra
os nomes delas?) Lembro sim… essa chamava Tieko Ueno, jogava muito bem
tênis, Tieko Ueno… essa aqui era Fussano… Fussano Matsumoto, irmã
daquela… parece que esteve na reunião, na outra reunião. Essa aqui é a
Rosinha!... Rosinha Sassaki, lembro dela, encontrei quando teve festa pra Akama-
sensei, cem anos. Encontrei com ela depois de cinquenta anos… Ela não me
reconheceu, mas eu a vi assim, ela ficou um pouco diferente, um pouco mais
cheinha mas eu reconheci depois de cinquenta anos. Essa tem mesmo
sobrenome que Akama-san, Myoko Akama, chama-se. Não é parente nem nada.
Ela é também professora, aula de nihongo no Mato Grosso. Que lugar?
Dourados… Dourados, acho que… Suga, essa aqui é Suga Negishi… essa aqui
não lembro o nome… nunca mais encontrei com ela… essa conhece acho… filho
dela estudou aqui (Fundação Akama), é Alice Tarama. Alfredo!... Né? Ele
estudou… casou com um parente do príncipe, Alice, né? Alice que casou com um
príncipe, Tarao.
Alice Tarama… é Hanashiro, sobrenome dela de solteira. Hanashiro… Alice
Hanashiro. Essa aqui em Curitiba, ela tem hotel, é Tamako Kadomoto. (Então
ela é mãe do Alfredo?) Alfredo? Ah, sim… Ela era da minha turma do Jogaku-bu.
(…) Curitiba… Plaza Hotel, acho que é da irmã… elas casaram com dois irmãos
de Curitiba, né? Que chama… esqueci… Tinha uma irmã, a irmã dela, onessan
(irmã mais velha), tem hotel bonito, turístico, cinco estrelas. Dela é mais simples…
não tem nem estrela… (…)
Elza: Tem uma coisa diferente… Hoje é missa de Narita-sensei, sétimo dia.
T: Narita-sensei faleceu? Ah, é… eu nem sabia…
Transcrições A formação da identidade feminina
263
Elza: Saiu no jornal de hoje.
T: Sétimo dia? Aonde vai ser? Nossa, nem sabia… São Francisco?
(…)
T: Kadomoto… essa aqui eu lembro… eu não encontro muito com ela, mas…
essa é Tsuyako, Hirai Hirai-san, pai dela parece que trabalhou aqui também,
de motorista… Hirai… irmão… não sei se é irmão dela… pai e o irmão. (…)
essa que eu não lembro o nome dela… nossa, ela era bem alta… diferente
assim, nihonjin (pessoa japonesa)… a gente era alta… assim, das altas, né…
Alice, eu, ela… nós éramos mais altas… E, só dela que não lembro…
(… retomada do assunto Narita-sensei)
Ela dava aula de nihongo também, pra nível primário… (…)
Dava aula de desenho também, pintava… (…)
Meu filho também estudou aqui… youtien… Desde o jardim da infância, ficou três
anos no jardim da infância. Com Kimura-sensei. Depois ele foi no Pasteur que
eu estudei também… ele sentiu muito quando teve que deixar aqui… mas só tinha
jardim… naquela ocasião… né? Quando mudou pra (Altino Arantes) é que
começou a ter… porque na Vergueiro tinha Jardim… ele tava na Vergueiro,
fez três anos. eu levei pro Pasteur onde eu tinha estudado, conhecia né,
então eu pus lá. ele falava assim… “Ah! Professoras… são diferentes…”. Aqui
ele aprendeu a falar alto… no primário, a professora falou assim: “não precisa
gritar assim que nem feirante!”…
Aqui tinha que falar alto, levantar ainda pra falar, responder, né? Quando faz
chamada, então… “Ah, eu falei alto, então professora disse que não é pra falar tão
alto…"
R: Aqui tem uma mensagem…
T: Assinatura das pessoas… ah!...
R: Então aqui dá pra saber…
T: É, é… Matsuno, é, Matsuno.
Tinha assim… rádio, né? Rádio… fazia novela de rádio. Eles transmitiam assim,
som… também tinha som, estão lendo as partes… cada uma tinha um
personagem… esse sensei que dirigia… Sato-sensei. Bem animado!...
Então a gente ia na rádio também, fazer programas… esse aqui não...(aponta
para a foto) de professoras, Kimura-sensei, esse aqui que faleceu, Fujimura-
sensei, Narita-senseiesse aqui é Okawa-senseiessa aqui é outra professora
de corte e costura, néKohei-sensei… esse aqui, meu pai… Pessoal fazia
programa de rádio, assim, transmissão… rádio… Liam, né, cada um…
R: Essa sala era onde?
T: Tinha uma sala kosotsu… sala de transmissão, o é?... Acho que é rádio que
vocês faziam, não é Kohei-san (direcionando a pergunta para Antonio Akama, que
acaba de entrar na sala)… lembra dessa foto? Que vocês faziam… novela…
Então… tinham essas coisas…
Esses aqui são funcionários da Akama-san, na época de 1954, 55, por aí… anos
50… Olha! Akama-sensei
Sumiko Yamasaki a mãe da Tizuka olha como era nova… todos os
funcionários…
Transcrições A formação da identidade feminina
264
Kimura-sensei… tinham várias… aquela… Margarida também não tá aí? Acho que
é ela não, não… o aí… Tomoe-sensei tá. Ela era a cozinheira…
encarregada da cozinha… ela já faleceu… Mayumi-san ajudou também, mas ela é
que era encarregada da cozinha. (…)
Essa aqui eu trouxe, por causa dos pais da Kikutyania mostrar pra ela… pai e a
mãe. Pai e a mãe, acho que era na casa dela, era uma reunião, alguma reunião
de alunas e mais membros, uma turma acho que de botânica, de grupos de
botânica… estudantes de ciências naturais… iam estudar assim, no sítio, então
era membro de… tinham muitos… essa aqui… não está mais… essa aqui também
era da aluna… foram fazer visita na casa da Kikutyan, ela morou no Jabaquara,
onde tem… acho que ponto final do ônibus, Jabaquara… era sítio ainda… ela
foi morar no sítio, numa certa ocasião, aí acho que foram lá, estudar botânica
(…)
Hakubutsu-ken kiyoukai… e tinha uma turminha que tava no meio, meu pai
sempre levava pra… Hashimoto-san, aqui esse senhor… era novo… mais novo
que meu pai. Ainda é vivo, não é?... A data é de 1953, 4… Eu lembro que tinha
um grupinho assim… Naotyan, irmã… aquela que casou e foi morar no Nihon,
Kohei-san sabe, Kohei-san conhece… Naotyan no irmã… como é que é?
A: Sumiko-san?
T: Não, outra mais nova… não foi pro nihon?...
A: Foi… casou com jornalista japonêsOtachi
T: Otta-san?... Ah é! Acho que era… (…)
T: Aqui foram os nadadores do Japão, equipe… Furuhashi, olímpico… que
ganhou medalha, primeira medalha do Japão na Olimpíada, não era no Japão…
foi em outro lugar… mas ganhou medalha de ouro!... (…) Então como foi uma
visita assim deles na escola, eles foram bem homenageados aqui na Akama-san
mesmo… fizemos uma homenagem, uma festa bonita… Eles estavam chegando,
aqui… estavam andando, não é? (Não sei por que tem tantas fotos deles viu,
Kohei-san… kono sashin… kore? Esse álbum era do Akama-san!... daqui!...)
Essa aqui, escola, olha!... como era bonita… Essa aqui é uma pena que não
existe mais… Era um casarão de pedras… olha que bonito!
R: Que pátio, hein?
T: Era no… onde tinha quadra de nis!... tinha um espaço grande pra reunir
todo mundo… quando vieram o furuhashi, os nadadores… tirar foto… olha quanta
gente que tinha! 1950, quando veio… é isso, 50.
T: Olha como era naquela ocasião os cursos… Esse aqui é de etiqueta, etiqueta
que Akama-sensei dava, pegar, como usar garfo, faca, que o pessoal vinha do
interior, muitas vezes não sabia como usar direito… comia com ohashi, né?
Então, na prática…
Essa aqui era aula de português, de Oshimoto-sensei, essa… ela era advogada,
veio dar aula de português pra turma… curso de português… aqui bordado… olha
aqui, bordados!... pessoal fazendo bordados, esse daqui era… corte e costura
esse daqui!... máquinas, saiho…I essa é aula de inglês, essa aqui é aula de
matemática, essa aqui é aula de nihongo, meu pai… que dava aula… aqui é de
pintura, de desenho, Handa-sensei, pintor Handa… famoso!... também aprendi um
Transcrições A formação da identidade feminina
265
pouquinho, Handa-sensei,… ciências…no Ishii-sensei, ciências… aqui é
conservas… meu pai que dava aula!... conservas de legumes, verduras, frutas,
coisas pra elas, quando elas voltassem pra interior, poderem guardar comida…
pra não perder, porque às vezes tem em casa um monte de verduras, frutas e não
aproveita muito, né? na ocasião que tem, depois acaba, não é? Então faz
conservas de verduras, legumes, essas coisas assim em casa… caseira, , mas,
maneira de conservar.
Essa aqui era professora de nihongo mas no curso primário né? Parece que é…
katei-ka… katei-ka era iniciantes… a Kimura-sensei aqui… não é Kimura-sensei
aqui? É! Kimura-sensei! Principiantes e aqui acho que énível mais alto, mais…
primário, depois ginásio… sica, então, Sato-sensei, tocava, a gente aprendeu
um pouquinho… bandolim!... Nós aprendemos bandolim… violino, bandolim
piano, também (R: Tudo com ele?) Piano assim, não era ele que dava…
bandolim e violino, ele que dava aula.
Essa aqui é turma de cinema… de cinema, passava filmes né? Projeção… tinha
sala de projeção, né, Kohei-san? Tinha um grupo encarregado de projeção, tinha
que, desde escolher o filme bom, até projetar assim, na tela…
Essa é de culinária…nandatacomo era mesmo o nome? Araki-san… Araki-san,
o curso de arte culinária… Olha o de ikebana Kikuchi-sensei acho que era
outra, sensei-noantes de Fujiwara-san, Fujiwara-senseitem outra… Kikuchi-
sensei, refeitório… olha os quartos, alojamento… meio assim na cama… bicama,
né… mas era quartinho bonito, assim, olha a Kimura-sensei, tem bordado… é…
de folga, hora de lazer, leitura… fazia um bordado… escreviam cartas… na hora
de folga.
Ah, um piquenique também!... que era tênis de mesa, ping-pong… bazar! A
gente vendia as coisas no bazar!... Olha quanta gente que reunia!... Naquela
ocasião, tudo a gente fazia, né, Kohei-san? Missoshiro, udon, sabe? Oshiruko
era feito assim pelas alunas e professoras… tudo a gente fazia naquela ocasião. A
gente fazia até shoyu, missô(R: até isso era caseiro?) Fizemos algumas vezes
o shoyu, vendemos bem. também a gente viajava, tinham as excursões, ia
juntando assim… Olha o Handa-san levando para exposição!... Ele levava as
alunas para ver exposição de quadros… e tinha excursão também, à fábrica… (R:
estudo do meio?)… Kengaku!... esse aqui também… brica de penicilina,
Penishirin koojo… Olha o piquenique em Santos, olha… piquenique em
Santos… esse daí é kengaku do primário, do curso primário de japonês… nossa,
olha!... Acampamento, a acampamento fazíamos, olha! Esse daqui também é
piquenique da turma em Santos… ia todo mundo!... Não sei se era de ônibus ou
de trem… quando para Santos… de ônibus?... Acho que devia ir de trem também.
Kore saiho no pikuniku… do corte e costura, o piquenique da turma de corte e
costura… não sei onde é que foi isso aí… Ah! Nihon-so, em Santo André tinha um
jardim japonês, é que… jardim japonês… em Santo André que tinha nihon-so…
um jardim japonês onde tinha casa assim, de casa japonesa, onde ensinava, fazia
cerimônia de chá… Esse aqui é visita de navio… escola… marinha japonesa, essa
aqui é visita que fizeram ao navio, escrito assim… tinham bastante atividades
assim mesmo, estando assim, internas, também tinham bastante assim, visitas,
Transcrições A formação da identidade feminina
266
passeios, Jogaku-bu no shugaku... é, viagem de término do curso, formatura, Rio,
esse daí é Rio, festa de aniversário das internas… tinha festinha de aniversário
também. Eram festinhas pra aniversariantes do mês!... Cada s, festa assim,
conjunta… festa conjunta. Seicho… estão brincando… essa eu não sei o que é,
governador Lucas Nogueira Garcia… tinha assim, vieram ver alguma coisa… não
sei se era bazar… acho que vieram ao bazar… autoridades aqui… não sei…
(…)
Das alunas… olha ginástica! É Kimura-sensei que orientava, acho quenão era?
Ginástica, Kimura-sensei que dava aula… olha aqui, quantas alunas tinha!...
naquela ocasião! Era atrás, num lugar que a escola alugava, e onde jogava nis.
Esse daí é… conferencistas… escrito… veio conferencista, às vezes convidava
assim, professores vindos do Japão, ou de algum lugar assim importante pra fazer
Conferência…
Essa aqui é formatura de 51. Formandos de 51. Ah! Saihou! É de costura!...
Mayumi-san aqui! Essa daqui é a Mayumi-san! Formatura de Saihou de 51. 51,
março. Março de 51. Fujimura-sensei yo… Fujimura-sensei… quem mais…
Okawa-sensei… conheceu? Okawa-sensei… Mori-sensei… Todas elas eram da
costura… kore-wa… Chi… Francisca… ela chamava Chiquinha.
R: Então todas elas eram do Saihou?
T: Ésensei do Saiho… da costura. eram várias classes aqui… olha… essa
aqui eram visitas que as alunas faziam de vez em quando no bazar, assim… ex-
alunas… essa aqui também, Saihou de 51… ah! É setembro!... Outra turma…
cada professora tinha a sua própria classe né? Então, formavam-se assim, cada
seis meses tinha formatura… Esse aqui é de Saiho também… então tudo é de
Saiho, de 51. É dezembro. Não, não é Saihou não… essa aqui é nossa turma. É
uma misturada de toda… todos juntos… de 51, sensei também. É, 51. Dezembro
de 51. Eu não fiz… não me formei… mas quem se formou aqui… estudava no
Joga… estudava no nihongo e também no Saihou, né… Aí! Todas elas são… ela
também era do Jogaku… fazia nihongo e fazia o Saihou também. É formatura
de… (as que faziam, estavam como internas, né…) faziam tudo, ? Não sei o
que é… acho que alunas… Tirou boas alunas…
T: É! Faziam curso completo!
Transcrições A formação da identidade feminina
267
Informante: Kazuco Sakiara Miyasaka (Kazuco)
Pesquisadora: Regina Chiga Akama (R)
Data: 17/04/2008
Horário: 14h
Local: Fundação Instituto Educacional D. Michie Akama
Duração da entrevista: 85 minutos
Esposo: Shiro Miyasaka
Filhos: Lincoln e Celma Myura
Elisabeth
Grace
André
Melissa e Wen Hsu
Elza Sakamoto
Karine Sakamoto
Wei Mei
Ana Clara
Noemi e Roberto Porro
Felipe
Pedro
Rosana Miyasaka e Morito Ebini
Newton e Natália Reiko Sato
Lucas
Sara
.A prefeitura requisitou, achou que tinha jeito assim… ele é muito habilidoso não
é?... Então requisitou… ao invés de deixar ele trabalhando com Kenichi aí, ele
trabalha como aplicador assim, como tratamento de saúde dos maleitosos não é,
aí ele tava longe assim, tudo quanto é canto…
R: Ele nem chegou a ir pra lavoura então?
Kazuco: Foi no comecinho, mas depois quando teve esse surto muito grande, não
tinha quem trabalhar né… então ele foi requisitado, ele foi longe, indo bem pra
longe de onde eles moravam e não tinha como assim segurar pra trabalhar na
roça…
R: Que cidade que era?
Kazuco: No começo era num lugar chamado Matão, perto de Minas Gerais, depois
ele foi indo pra Minas também, né…
R: Na imigração ele foi pra Matão?
Kazuco: É… de Matão foi pra Conquista, pra um monte de lugares e no fim foi
parar perto de Jubaí, onde eu nasci… mas isso daí faz bem bastante tempo
depois… né
R: Mas a sua mãe tava em que cidade?
Kazuco: Então, minha mãe tava no Matão… e depois o marido ficou com malária e
morreu. ela ficou sozinha lá, mas tinha as famílias que vieram junto assim no
Transcrições A formação da identidade feminina
268
navio e viu que ela tava sozinha, muito doente, tal… ela escreveu pro Japão,
eles mandaram dinheiro pra ela retornar pro Japão, porque tava viúva né… mas
por causa da doença não podia viajar, aí foi gastando, gastando o dinheiro e tal, aí
os amigos do mesmo navio… falou assim: olha, eu vou procurar o Shigeru né, que
tava longe assim… trabalhando assim pro Estado, assim né… aí no fim encontrou.
R: Ela não tinha filhos?
Kazuco: Não tinha filhos, não tinha nenhum filho e tava bem adoentada também, o
marido morreu e ela também ficou doente, acho que pegou assim, quase todo
mundo… era um surto mesmo de malária e meu pai não, sempre foi forte…
R: E que ano que eles vieram pra cá?
Kazuco: 1922.
R: Nossa! Uns dos primeiros mesmo
Kazuco: É, quase né… é. 22, eles vieram.
R: Puxa, que bacana…
Kazuco: depois combinaram assim, “Ó, ele é mais novo do que você, você tem
mais idade do que ele, mas você é alegre, tal”… meu pai era meio sisudão, né…
então falavam, “vai combinar”, não sei o que… eles hesitaram assim por um
bom tempo e tal, mas eles ficou lá ajudando, aplicando os medicamentos… tal, em
Matão e tal… e no fim, fizeram o casamento. Casamento assim, entre eles lá, da
colônia, sem teto, sem nada… demorou… de 22, eu nasci em 28, seis anos
depois que eu fui nascer, né…
R: É onetyan então?
Kazuco: Onetyan e praticamente eu sou a primeira e a última, porque eu tive um
irmão mas ele faleceu também, né… sei que na época assim deu uma epidemia
assim de pneumonia e eu sei que as crianças todas nessa idade quase que
morreram todas… eu praticamente fiquei sozinha assim na região porque
amiguinhos assim… todos faleceram. É um surto mesmo assim que dava, assim…
de vez em quando né… e…
R: Mas a família é linda, né…
Kazuco: cinco filhos, onze netos e um bisneto.
R: Bisneto é pequenino?
Kazuco: Fez um ano agora…
R: Então fica uma família enorme quando reúne?
Kazuco: Fim de ano assim, é uma festa!
R: Delícia… agora…
(Kazuco retoma seu roteiro fotográfico particular, fio condutor de suas
memórias…)
Kazuco: Escola Industrial Carlos de Campos… depois dessa fui pra nutrição
(…)
Eu nasci no fundo… bem no meio do mato. Meu pai gostava de desbravar
florestas (…)
Começou tudo meio complicadinho assim, meu pai veio como filhado da família da
minha mãe… então teve muitos transtornos assim, pra depois quando eu nasci, foi
complicado pra registrar, porque meu pai tava assim como sendo filhado dela,
mas pela idade dá pra ver que não era filho, mas como no registro pra entrada deu
Transcrições A formação da identidade feminina
269
como filhado, então complicou assim, quando teve filhos, assim pra registrar,
complicou bastante. Pra casar também a mesma coisa né…
R: Porque a filha que ele foi adotado era do seu avô então?
Kazuco: Não… era do meu avô… é marido da minhae… então como ele vinha
sozinho, não podia vir sozinho, eles também não tinham braçal assim pra trabalhar,
então precisava dele, né…
E: Então ele era como seu irmão?
Kazuco: É, na verdade era… na verdade, meu irmão… então complicou muito
assim, no registro… então foi uma família meio complicada. Até minha filha falou
assim: “mãe, será que você é filha mesmo de verdade?” (risos) Falei, ah, não tem
importância né, o que é que tem isso… ser filha de verdade, não ser filha de
verdade… eles que me cuidaram… é de coração, me criaram assim nunca
cogitei… muita gente falava isso daí, nunca levei em conta essas coisas não,
porque o que é que vale é o amor com que eles me criaram, né?
R: Com certeza…
Kazuco: Então foi uma família meio complicada, mas eles tinham sempre assim…
ele veio sozinho do Japão, nenhum da família quis vir, né… tinha dezenove anos
né… ele veio sozinho, filhado noutra família, mas ele tinha um espírito assim de
desbravar coisas, muito arrojado, no Japão também ele tinha um tio que era
pescador, ele gostava de ir no mar, fazer aquelas pescarias… que na verdade, a
família dele era de comerciantes, o pai dele tinha lojas de quimono assim, a mãe
era alta costureira de fazer os quimonos e o pai dele queria que ele continuasse
assim, né, a loja, mas ele, como tinha o irmão mais velho, ele não quis assim…
sabe, tomar o lugar do irmão, então ele meio que já, saiu assim de casa, desde a
adolescência, ia morar com tio, ia aprender outros ofícios… sempre… então
meticuloso… era uma pessoa que fazia de tudo… marcenaria… pescaria… então
aqui no Brasil, pra ele serviu muito não é? Porque ele sempre foi assim, pra não
tirar o lugar do irmão, ele sempre foi cedendo. Aí veio pro Brasil, da mesma forma,
foi pro Triângulo Mineiro, foi desbravar as matas, plantar arroz, né… e você
vê… vindo do Japão, ainda jovem, e foi morar no meio do mato, via cobra,
cascavel, à noite assim, a gente via os olhinhos dos bichos, porque a casa não era
casa bem fechadinha, era tudo de pau, feito assim de pau-a-pique no começo,
depois é que ele fazia argamassa pra fechar os buracos, né, mas no começo
morava na casa tudo esburacada assime… era assim. Aí eu também fui criada
assim bem corajosa, no meio de mato, não tem medo de nada, era bem igual o
Mogli!... (risos) Bem selvagem!... e foi assim minha vida de pequena. (…) Bem
alegre e o único amigo que eu tinha era um cachorro porque lembra que eu falei
pra você que deu um surto de tosse comprida, pneumonia assim, na época, então
matavam… e morreram quase todos os amigos né… então quem ficou era eu
assim!... e depois as casas também não eram perto uma da outra… era bem
distante… então amiguinho mesmo, era gatinho e cachorro, não é? Não tinha
mais nada… Saía com eles e ia pras matas e tal, na lavoura do meu pai, né, e foi
uma infância assim, bem sadia, né. Aí quando chegou na idade de seis anos, meu
pai falou assim “ah, quase na idade de ir pra escola né? Melhor ir pra uma
cidade, não sei o quê…” Ai… eu comecei a ter umas alergias, sabe de…
Transcrições A formação da identidade feminina
270
(pensar…) medo de ter que ir pra escola assim, né?... Olha, de fato, ficava assim
empipocada, sabe? da preocupação de ter que ir pra escola… Não queria. Pra
mim, a vida era assim… na natureza… gostava assim, gostava sempre do
verde, das matas, dos rios… era bem apaixonada assim por essas coisas… de
plantar, em volta das casas era tudo jardim assim… eu que plantava, depois,
teve o meu irmão, ele faleceu com três anos… mas ele não era tanto… ele
gostava de arrancar o que eu plantava… eu brigava assim… eu lembro das brigas,
eu tinha um ano mais, mas eu brigava assim com ele, era temperamento
diferente… no fim, Deus me deixou sozinha… fiquei sozinha não é? fui pra
escola e começou a dar esse problema de… da urticária, ia pro médico, falava
assim, “ó… você tem que tomar banho de leite…” Minas… no Triângulo Mineiro
tinha muito leite né? Então quando era pequena, tomava banho no leite né…
imagina?... (Hummm, nossa!... chique…) Chique né? (risos)… Igual Cleópatra…
tomava banho no leite assim… mas tinha que ferver o lençol todo dia assim… deu
um bruta trabalho pra minha mãe, não é? Eu não queria ir pra escola, sabe?... Ia
pra escola e ficava assim desse jeito, tudo empipocada. Aí eu sei que no fim…
a primeira viagem que eu fiz em Santos foi nessa época que eu tava assim meio
doente, acho que pra acalmar né… meu pai levou. “Ah, ela não conhece o mar né,
vou levar pra conhecer o mar!”… fomos no mar assim… Ah! Eu adorei o mar,
comer nori essas coisas, naqueles cantos lá, não tinha nada disso… Adorei!
Falei, ah… que coisa boa! Coisa do mar, né?... Tudo que era do mar, adorei assim.
Aí, passamos assim, uma semana em Santos e depois como não tava dando a
escola, em Uberaba, próximo à cidade em que eu morava era Uberaba, não
deu certo, estudo assim, que eu ficava… assim… (empipocada?)… É…
empipocada… Santos não deu nada disso! (risos)
R: Tinha um contato maior com a natureza, né?
Kazuco: Natureza né? passou tudo… “Acho que Uberaba que ela não
gostou…” Então resolveram ir pra Bauru.
R: Mas interiorzão também!
Kazuco: É. fomos pra Bauru… lá… eu trouxe as fotografias… quiser ver…
um andei contando a história porque tudo está registrado… assim é mais fácil,
assim falo as coisas principais… Começo a delongar muito né… Não sei quanto
tempo você tem aí pra…
R: Não (se preocupe), fica à vontade
Kazuco: Esse aqui é o começo… Não deu tempo nem de grampear!... Lembra que
eu falei que a minha filha veio pra São Paulo, ser operada né… então eu fiquei
todos esses dias correndo, não deu tempo de fazer nada… isso aqui… é as
florzinhas que eu plantava assim lá… não são essas, mas o tipo né? Gostava
muito de violeta, de amor perfeito, essas coisas, assim… mais era aquela
violetinha do campo, aí a minha amiga fez uma poesia aqui pra mim, da violeta,
né… Depois se você quiser, você lê… que vai demorar muito né?...
R: Eu vou sim, vou colocando aqui… vamos caminhando…
Kazuco: Então… ela me fez essa poesia da… falando assim da minha pessoa
né… É uma escritora lá de Ilhabela, que eu tenho casa em Ilhabela…
Transcrições A formação da identidade feminina
271
R: Sim!... A senhora falou que tem algumas coisas que estão divididas né?...
Que lindo… (percebendo um certo interesse para que eu lesse a poesia, talvez
para também conhecê-la um pouco mais, uma vez que falava “da sua pessoa”,
debruço-me sobre as estrofes que seguem abaixo inscritas: )
É uma maneira de começar a conhecer…
Kazuco: Huhum…
R: Eu vou separar aqui, depois eu vou retomar…
Kazuco: Olha… aqui é quando eu nasci né… meu pai, minha mãe, eu… aqui é
quando eu fui pra Santos né? Esse vestidinho, minha mãe que fez… aqui é
quando eu fui pra Bauru, que eu tava contando agora, não é? Eu entrei num
colégio de freira… e lá então, as freiras eram muito boas, então não fiquei assim
com urticária, mesmo com tanta gente lá, não é, eu fiquei bem… depois entrei,
no mesmo tempo no nihongaku
93
também né, lá de Bauru… Isso é em 1936.
R: Aqui era o nihongaku?
Kazuco: É… aqui é o nihongaku
R: Grande…
Kazuco: Era grande né? O sensei foi preso… na época da guerra… Algumas
coisas… tristeza assim nessa época
R: Não podia nihongo não é?
Kazuco: É…
I: Lembra um pouco aquele prédio que a Mayumi mostrou, primeiro lugar que ela
foi dar aula… de nihongo… em Aliança, não é?
Kazuco: Hummmaí depois eu terminei o ginásio também e fui dar aula mista
no interior, tinha uns quarenta alunos assim… também… uma coisa que
marcou muito assim a minha vida… porque meu pai tava nessa época da guerra e
eles tinham um restaurante muito bem frequentado lá em Bauru, mas com a
guerra começaram a depredar tudo e um delegado de falou assim, é melhor
você mudar (mais) pro interior, e como não tinha dezoito anos, o podia ficar
perto… porque era perto da estação de Bauru, aí eles mudaram pro interior… mas
como ele gostava de pesca como eu falei, ele foi fazer pescaria no rio Tietê. No rio
Tietê pescava muito peixe… pescava dourado, pintado de trinta e tantos quilos
que… assim… eu ia também junto com ele, muitas vezes… e ele pegou malária…
Pegou malária das bravas mesmo… ficou adoentado, minha mãe também,
sozinha no interior… me convidaram pra dar aula na escola de… mista de…
fukuminchi
94
Um dia, encontrei colega de Akama-san que foi dormir comigo…
no sótão da Vergueiro… Então, foi nessa época, logo depois do ginásio né… Aí,
eu fui dar aula… foi a salvação assim… pra minha família, porque eu ganhava
ordenado de um conto e duzentos que a professora ganhava também… eu
ganhava igualzinho que uma professora, deu pra… o ano que eu trabalhei,
deu pra economizar, até pra eu fazer a faculdade. É… serviu bastante… foi assim,
uma providência divina mesmo… porque imagina, uma menina assim né, dando
aula, mas eu tive, o primeiro dia que eu fui dar aula, eu tive alergia e desmaiei!...
93
Nihongakkou – escola de língua japonesa
94
Fukuminchi -
Transcrições A formação da identidade feminina
272
Eu tava dando a lição assim pra quarta série, terceira rie, segunda série… eu
não conseguia ficar com o braço na lousa, escrevendo mais… eu ditava, mas
eu não ouvia a minha voz mais, quando eu vi, eu tava no chão assim caída
né… enxer… a última coisa que eu enxerguei foi o buraquinho da fresta do
chão, essa escola do sítio ficava meio alto né? A fresta era o chão assim…
enxergava lá embaixo… tinha galinha assim né…
R: Passando embaixo…
Kazuco: Né? Passando por baixo, enxerguei isso nada mais! Depois ouvia o
barulhão das crianças fugindo da classe, pápápá… assustados!
Primeiro dia de aula… Ainda eu tinha levado, tinha… levado assim, ikebana assim,
pus na mesa tudo bonitinho, né…
R: Mas chegou a desmaiar mesmo?
Kazuco: Desmaiei e não sei quantos minutos eu fiquei… que quando eu acordei,
tava com os pais tudo em volta… que vergonha!... (risos) Tudo assim em volta
eu… mas é coisa momentânea assim, sabe… esse negócio de alergia . Uns
quinze minutos assim… depois passa. E fica assim… o dedo tudo inchado… o
relógio… fica tudo encoberto de tão grosseiro que fica. eu expliquei o que que
era que eu tinha… negócio é assim… expliquei pra turma, tal né… Ah, mas… e
era uma escola famosa mas não parava nenhum professor lá, porque os alunos
eram assim revoltados, professores também, não sei se não eram assim, tão
carinhosos com os alunos… não sei o que era, mas eu sei que não parava um… e
as réguas eram todas quebradas, lousa quebrada, carteira quebrada, assim, de
revolta de alunos com professor… mas acho que eles assustaram tanto…
professor… (risos)
Kazuco: Olha… Chegavam… “Olha professora, a senhora gosta de peixe, a
senhora gosta de traíra, a senhora gosta de não sei o quê… gosta de ovos, gosta
de não sei o quê… no dia seguinte, a minha mesa tava cheia assim de frutas,
verduras, de queijo…
R: Ficaram preocupados, né?
Kazuco: Vai ver até… (risos)
R: Então a estratégia era boa, aí todos os professores no primeiro dia de aula já…
Kazuco: Olha… eu fiquei assim envergonhada. Será que eu vou fazer? Levar tudo
isso pra minha casa? Que minha mesa estava assim, repleta!
Cada um trouxe uma coisanão sei se combinaram não é? “Ah, mas nós vamos
levar pra senhora…” Da escola até minha casa são uns três quilômetros e ficava
aquela fila… parecia formiguinha carregando as coisas até minha casa, não é…
(Todos ajudando! Que lindo!!!) Nossa, mas que gratidão… que a gente não
esquece jamais, não é? E também salvou a minha família, não é… que meu pai
tava doente, não podia trabalhar, tal… e todo dia, todo dia. Mas não precisa fazer
isso… mas eles traziam, traziam, né… eram um amor assim de alunos… até entre
eles tem um que é médico, formado médico… dessa classe que eu dei. Chama-se
Tokuyuki Kanno. Não encontrei mais, mas fiquei sabendo que ele formou aqui
em São Paulo. Tenho vontade assim um dia, quando tiver uma oportunidade, de
voltar pra pra procurar os alunos, né… como a gente tem saudades também da
Transcrições A formação da identidade feminina
273
Akama-sensei que tinha as amigas assim… a gente não encontrou mais né…
Aí eu sei que aconteceu isso.
Essa aqui é a época que eu vim pra . Pra Akama-sensei. Tinha dezesseis anos
mais ou menos e essa aqui é a amiga que eu falei, que ficou doente, com
leucemia, que ficou acamada logo depois que eu saí do Akama-san, fiquei
mais com ela… Essa daqui é Toku Kassai, da família Kassai de Bauru, casou
com um senhor chamado Shimura né… até agora é amiga assim da gente, agora
ele é irmão dela…
R: Kozo…
Kazuco: Kassai, engenheiro civil casou com essa minha amiga também que
nós fomos padrinhos né, a gente que apresentou… Essa daqui trabalhava na
minha casa e também casou com engenheiro, não é… o vestido de noiva “fui eu
que fiz”…(que lindo!) a grinalda, o vestido de noiva, tudo eu que fiz… Aqui
também minha amiga, da livraria Miyamoto, não sei se é do seu tempo… É filha
também muito minha amiga, desde a infância… Essa daqui é irmã dela, também
da família Kassai… essas aqui são as colegas da USP, da Higiene… e com
elas, a gente encontra todo ano… Todo segundo sábado de dezembro, a gente
faz uma confraternização. Já fazem também… formei em cinquenta e um, então já
faz mais de cinquenta anos… cinquenta e sete anos que nós nos encontramos…
todo ano. Esse daqui eu terminei a Faculdade, depois fui trabalhar… Ah, aqui,
agora… é que entrou um pouco da faculdade, mas antes da faculdade tinha essa
passagem aqui, sessenta anos. Passaram daqui. Depois que eu saí daqui… foi
em quarenta e oito né? Sessenta anos né?
R: Sessenta anos, certinho…
Kazuco: Praia de Santos.
R: De Santos? Foi aquela excursão pra Santos…
Kazuco: pra Santos…
R: Olha!... Essa foto aqui… Tomoe… Michie…
I: duas irmãs…
R: É… e ela (Tomoe) faz essas “caras” até hoje, Kazuco-san… Essas risadas até
hoje… bem gostoso.
Kazuco: Aqui… ah, essa daqui que ele não achou também a ficha…
R: Ah, Toshiko?
Kazuco: Nakagawa…
R: Amiga do sótão… então… falou assim que dá até pra ver o quartinho na
pintura… (aponto para a pintura do prédio da Vergueiro, obra de Tomoo Handa)
Kazuco: Aqui tem… é aqui…
R: Ah, então vamos lá…
(…)
(Kazuco-san “navega” para outra imagem, agora de um passeio.)
R: Essa é tudo daquela excursão?
Kazuco: É, essa é tudo de Santos, de 1948.
R: E aqui, quem que é? Sensei?
Kazuco: É!... Não é Akama-sensei aqui? Ah, eu esqueci o nome dele, como é que
era mesmo?
Transcrições A formação da identidade feminina
274
I: Sugano?
Kazuco: É. Acho que é… Aqui tem o Frei Bonifácio, acho que é falecido, não é?
Não?
R: Frei Bonifácio…
Kazuco: Ele vinha dar aula de religião lá…
R: Tinha aula de religião? De…
Kazuco: Seiko-san que convidava, acho. Aqui não é Seiko? Ela ainda tá, bem.
Não conhece?
R: Acho que ela bem… não chegou a ir no doosookai (deste ano) mas elas
comentaram dela comigo… e ela que convidava o frei?
Kazuco: Acho que sim! Não sei muito bem, mas eu sei que a gente tinha assim,
aula…
R: de religião? Semanal?
Kazuco: o sei bem que era semanal, mensal ou tinha… todas cristãs assim,
no dia ia, né… Acho que era, não sei se uma vez por mês… não lembro muito
bem. Esse aqui é Ipiranga, aqui também, aqui também, e aqui no Pico do Jaraguá.
(nesse momento, percorro a montagem fotográfica preparada por Kazuco para o
encontro, onde a própria entrevistada elabora um percurso de imagens e legendas
para ajudá-la na reconstrução própria das memórias a serem melhor organizadas
na narrativa.)
R: Também saída, piquenique. E a subida pro Pico, parada. Também uma
paradinha
Kazuco: É…
R: Aqui o Ipiranga… era outra…
I: O jardim na frente mudou tudo.
R: Mesmo porque aqui, dependendo… é avenida, acho que não tem mais esse
jardim.
Kazuco: Era bem amplo lá…
R: Essa escadaria também é famosa.
Kazuco: É!
I: Escadaria não mudou…
R: de fotos, de imagensdas pessoas tirarem no Museu. E cadê? Kazuco-san…
deixa ver se acho…
Kazuco: Acho que estou lá atrás.
R: Aqui né? Aqui?
Kazuco: É!
R: Essa é a turma toda?
Kazuco: De católicos, né?
R: Ah, de católicos…
Kazuco: É. A turma toda da escola não ia, né… só quem tinha interesse de ouvir.
R: Seiko Ikawa. Ah! Aqui a senhora sabe os nomes de todas…
Kazuco: Eu marquei, porque estava registrado atrás da foto.
R: A senhora era da turma do tênis também? Não?
Kazuco: Fazia parte.
Transcrições A formação da identidade feminina
275
R: Tyoko também fazia, também gostava de tênis. Ah! Kazuco Baba. Aqui, né? Ela
que foi da caixa econômica federal… está sempre no doosookai.
Kazuco, Ah é?! Hummmessa daqui como é que chama? Era Mori ?... Mori.
Ela que é da daquela “termas de Agudos”? Não tem uma “termas de Agudos”?
Quilombo?... Quilombo, isso…
Não é ela que é dona de lá?
I: Não sei… não lembro o nome da dona de lá. Meu pai sabe, eu não sei não
R: Depois a gente pergunta… Yoko Mori
Kazuco: Com ela eu encontrei…
I: Era gostoso passear, passar umas férias lá…
R: Aqui era treino ou era competição?
Kazuco: Acho que era treino… Não sei se era competição, porque atrás tem um
outro que era de competição…
23’28’’
R: Essa era mais recente… aqui era…
Kazuco: Eu devo estar… porque senão acho que não ia ficar com a foto
I: 86…
Kazuco: Vinte e dois anos atrás.
R: Aqui o Sato-sensei
I: Que dava aula de coral, música…
Kazuco: Não sei se… qual poderia ser… essa daqui?
R: Aqui?
Kazuco: é, não é? Tá tão pequenininha…
I: Muita gente
R: Mas acho que é sim… parece.
Kazuco: Porque eu não ia ter a foto se não estivesse aí…
R: É aqui, não é?
I: Pode ser…
R: 86…
Kazuco: Vinte e dois anos atrás…
I: Maria… “Tabatinha”…
R: Maria… Aiko. Aiko… São Bernardo.
R:- Ah...me conta desses cantinhos.
K: - Aqui é uma...
(..)
R: - Me fala desses cantinhos aqui, que eram esses cantinhos aconchegantes.
K: - Aqui é a parte aconchegante onde cada um contava das suas histórias, de
onde veio, de onde, tinha mais contato. Depois a gente formou uma turma tal
também pra ir num passeio em Itaquera. Aqui eu catei todas fotos assim e aqui
o corte costura né, um bazar, assim exposição né… que eles faziam né?
R: - Olha, aqui tem até vestido de noiva.
K: - É...
R: - Então, tinha desde os pequenos até...
K: - A gente fazia até paletó assim, gravata, me lembro que a gente fazia gravata.
Tinha uma gravata feita, mas não sei se acabei dando para alguém, também
Transcrições A formação da identidade feminina
276
sessenta anos né? Eu trouxe um bordado que eu achei lá, mas tinha um pouco
mais, ma já tá velho, coitado.
R: - Esse era da época daqui.
K: - É essa época daí. Quer ver, olha. Já tá até meio rasgadinho assim.
R: - Nossa preciso...
K: - Era um sensei que veio do Japão ensinar fazer esse bordado. Era tão gostoso,
eu gostava de...
R: - Que lindo isso.
K: - Manchadinho né.
R: - E esse aí são bordados com fio...de seda
K: - De seda. Esse aqui foi o segundo bordado. Tem a primeira que é feita assim
com linha de algodão então bem mais perfeito, agora esse aqui por ser de seda
meia rustidinha. Agora, tinha uns outros assim bem mais bonito, mas um
pede, outro pede. Eu desenhava muito na época do Handa-sensei né. Eu não
fiquei com acho que nenhum! Procurei mas acho que...
R: - Nenhum desenho?
K: - Nenhum desenho. Fazia muito com Handa-sensei. Gostava assim de estilo
dele.
R: - É, disse que a senhora desenhava bastante.
K: - Desenhava e a turma pedia assim: - Ai dá um pra mim, dá um pra mim. Falava,
ah, tem que ficar na fila, porque não vai dar pra eu desenhar tão rápido assim,
mas eu fazia sim, vivia desenhando pra turma.
R: - E olha isso...
K: - Aqui né, a linha estragou né. Tava na moldura né, um dia eu peguei
tirei pra dar uma lavada assim porque tava muito sujo.
R: - Porque esse aqui é... são inclusive aqueles bordados, o estilo de bordados
que faziam em quimonos em roupas, não é isso.
K: - Mas é uma delícia, até agora eu gosto de bordar.
R: - Não é um bordado comum.
K: - Mas vale muito assim para fazer os bordados aqui ocidentais assim sabendo
bordar. Olha atrás também, não deixa muita sujeira né?
R: - É um estilo diferente esse, do bordado daqui .
K: - É gostoso bordar nossa. Bordado gostava muito. Ikebana também gostava,
mas acho que bordado eu gostava mais.
R: - Como que eram, esses cursos assim, era uma vez por semana, e aí vinha um
sensei pra isso?
K: - Acho que era uma vez por semana mais ou menos né.
R: - Quem dava esse aqui era só de bordado?
K: - Era de bordado, ele dava de bordado. Quem dava ikebana era
ikebana.
R: - Porque o pai da Tyoko, Hayashi, era Hayashi? Pai da Tyoko Shimano… Ele
dava aula de nihongo, mas ele também ensinava algumas coisas, fazer conservas,
não é isso?
K: - Não sei, isso eu não aprendi não. No meu tempo não tinha não.
R: - Será que foi depois? Fazer fukujin-zukê... então acho que foi depois.
Transcrições A formação da identidade feminina
277
K: - Eu aprendi a fazer mas não foi lá. Na minha época acho que era época de pós
guerra, assim não tinha muito assim né, assim fartura pra fazer . Eu sei que a
gente comprava assim uns três litros de leite pra um monte de gente tomar, eu
lembro isso daí, em vez de comer pão era oniguiri, né. Era assim. O chá, fazia
bastante chá e pingava o leite assim pra dar um colorido assim né. Era mais ou
menos assim, não tinha muita fartura assim pra comida não.
R: - Essa época da guerra estava aqui então?
K: - Não, após a guerra né. Foi 46 , então o meu era 46, então era assim bem
com economia né.
I: - As economias estavam começando a se recuperar.
K: - Não comia pão assim não, era só oniguiri.
R: - Oniguiri né?
K: - É oniguiri com chá e um pouco de leite assim.
R: - Nessa época Mayumi-san estava aqui na cozinha?
K: - Eu não sei, eu sei que a gente ajudava a cozinhar. Cada um, tinha o tooban
né, cozinhava e lavava. Tem uma parte aí de lavar louça lá. Acho que é depois
dessa.
R: - E aqui...
K: - Acho que é prêmio, né, ia dar o prêmio...
I: - Troféu do torneio de tênis...
R: - Ah esse é do tênis...
K: - Eu sei que era muito gostoso. Aqui, na cozinha aqui a gente tá. Essa aqui não
é a Tezukinha, essa da frente?
R: - Não conheço.
K: - Não sei se acho que o nome agora é diferente, porque é o nome de
solteira né.
R: - Aí o sótão....
K: - Aqui quer ver ?
R: - Dá pra ver?
K: - Aqui esse último quartinho aqui esse de cima.
R: - Que lindo! Era nesse casarão da Vergueiro.
K: - É então é aquele ali ó tá vendo? É aquele lá, lá em cima aparece um telhadico
em cima. Aquele telhadinho que eu dormia, que vinha os morcegos visitar a
gente. No começo a gente ficava assustado, mas no fim ficou amigo.
R: - ficou tão acostumado... então inclusive aquele é do Handa né. E a Sra.
tinha falado que o Handa teve uma influência muito grande pra Sra. Que a Sra.
Gostava do desenho, não é isso?
K: - Eu gostava de desenho antes de ir pra lá, com ele assim também,
sempre fixa, né.
R: - E depois ele um pintor de tanta projeção, né, na colônia.
K: - Aqui também é na casa desse moço assim, que a gente foi mas ele tinha
cultura de ssego em Itaquera, a gente foi fazer o piquenique lá, mas eu
esqueci o nome dele.
I: - E por que “sim sim”?
K: - Ele falava qualquer coisa,”sim, sim, sim” , eu só gravei isso daí, “sim, sim”.
Transcrições A formação da identidade feminina
278
R: - Então esse acabou ficando
K: - Ficou, é...
R: - Dia do tooban, dia de tooban, o que que era esse dia de tooban?
K: - Dia de limpeza, assim de lavar louça, lavar as panelas.
R: - Aí era um dia específico?
K: - É. Cada um , por exemplo, toda semana, tal dia era pra um, por exemplo, o
meu não sei se era segunda feira.
R: Tinha escala.
K: - Cozinhava e também limpava.
R: - Ajudava na cozinha...que interessante. Tem uma passagem nos escritos dela,
de uma escola visita no Japão e que assim, elas também lavavam. Mas
elas estavam querendo que contratassem alguém, e ela fala, mas não é uma
questão de uma obrigação, mas um período em que você dedica, né, como que
você vai, o aprender, depois como é que você vai ensinar se você também...
K: - Tem que fazer de tudo né?
R: - Bacana, isso mesmo.
K: - Aí depois eu casei.
R: - Ah, o casamento. E esse vestido Kazuko san?
K: - Então, esse vestido que eu tava contando pra você. Lembra que veio kimono
do Japão...
R: - Ele não conhece essa história. Conta a história desse kimono.
K: - Então, aí, como eu falei, meu avô tinha casas assim que vendia kimono, que a
minha avó era costureira, assim de mão cheia, então ele quis mandar um kimono
assim todo bordado, lindo, lindo lindo. Eu não cheguei a ver mas meu pai que viu
e contou né, disse que todo bordado, completo assim, com uns negócios de por
na cabeça, os calçados né, tudinho, leque, tudo completinho, completinho. Tinha
parece que 61 peças ao todo né. ele abriu mostrou, aí o olho cresceu né, viu
que era muito bonito, não quis entregar. Meu pai tinha levado assim na época,
acho que 20 contos, uma coisa assim, bastante dinheiro sabe, se caso precisar
algum advogado, alguma coisa ou qualquer coisa, ou passar alguma coisa pra
eles e tal, mas não, disse que não aceitava não, disse que não tinha jeito, que era
muito valor, que tinha que ir embora no malote tal tal tal.
R: - E nunca chegou lá.
K: - meu avô do Japão falou, como é que é isso, eu paguei todo imposto
que tinha que pagar aqui no Japão, aí disse que todo navio que chegava do Brasil
ele ia no porto esperar, até ele morrer ele tava indignado. minhas colegas
que correram fazer o vestido né...
R: - Ah, era pessoal do...
K: - Do meu serviço, né, que eu trabalhava no SESI na ocasião já né, trabalhava lá
e as professoras reuniram, e tal, trabalhavam fora do expediente e ficava
trabalhando trabalhando pra aprontar o vestido, aí...
R: - Aí não fez nem a cerimônia do...
K: - Não , fez cerimônia.
R: - Não, mas não do ritual, sansan
K: - Japonês, não não, fez assim só na igreja né e...
Transcrições A formação da identidade feminina
279
R: - Por que antes teria né, com as roupas era pro cerimonial?
K: - Porque minha prima também era filha única, quer dizer eu era também filha
única, então como fez pro outro filho, então ia fazer também pro meu pai, ia dar.
Agora deu pra minha filha, o kimono. Mas no fim ela não casou com kimono
também porque chegou atrasado. Acho que eles ficam ensaiando né. Eu ganhei
uma boneca três anos depois, sabe, chegou, a boneca, acho que ficaram com
emorso alguma coisa né, devolveram né. Mas assim naquela época, pra vir do
Japão demorava né? o vestido da minha filha eu que fiz pra ela, o vestido do
casamento dela. Chegou depois, ninguém casou com kimono, o kimono dela
guardado, agora o meu não chegou né.
R: - Quer dizer ele chegou e não...
K: - É, não voltou pro Japão, ficou na mão dos alfandegários lá né.
K: - a lua de mel, em Poços de Caldas, minha primeira casinha, que a gente
comprou assim, com ordenado que a gente ganhava né, o meu e do meu
marido, foi a primeira casa, depois de um ano eu tive um sorteio no SESI, eu
ganhei, naquela época era um milhão, agora mil reais, deu pra fazer uma boa
reforma na casa, tive sorte.
R: - E aqui?
K: - é a charretinha em Poços e Caldas, aí tem essa fonte dos amores, onde
a gente tem uma torneirinha que bebe água pra, tem uma his...
R: - Tem uma história?
K: - Tem uma história que fala que se beber água e tal fica feliz pra sempre, uma
coisa assim né?
R: - Então acho que funciona. Vamos ter que ir lá beber.
K: - Não é à toa que todo mundo que vai fazer lua-de-mel vai bebe água da
fonte dos amores aí.
R: - Então tem que... e tá registrado aí, tem que ficar feliz pra sempre.
R: - Olha!
K: - este aqui é nosso primeiro filho, Lincoln né. Do primeiro, aqui da segunda,
aqui a terceira Noemi, quarta..., aqui o último.
R: - Tudo bem perto né?
K: - Mais ou menos. Fiquei dez anos assim. Até o mais velho ao mais novo.
R: - Quase dois anos né?
K: - É, quase dois anos de diferença.
I: - Esse período todo foi em Campinas?
K: - Tudo em Campinas. Eu trabalhei lá 30 anos, no Serviço Social da Indústria né,
no SESI, que é um tipo de uma escola, assim, não como a atual Akama-san, mas
antigo assim, ensinava corte e costura, ensinava bordado, ensinava economia
doméstica, tinha aula de puericultura, tinha aula de educação sanitária, educação
sexual, tudinho assim, curso de noivos né, o noivo aprendia a parte assim,
conserta ferro , essas coisas miúdas.
R: - Tinha pra ele e pra ela.
K: - Curso de noivos, assim também dar banho no neném dava os dois assim
sabe, era uma escola assim, pra noivos mesmo né, era pra senhoras da indústria,
industriários é que tinham direito a freqüentar os cursos, então tinha crianças de
Transcrições A formação da identidade feminina
280
três até noventa anos. Tinha , neto assim freqüentando, tinha de todas faixas
etárias, diversos grupos né. Era bem agitado, tinha umas oitocentas alunas, eu
fiquei trinta anos nesse serviço.
R: - Nossa, e aposentou lá.
K: - Aposentei lá. Entrei solteira, saí avó. Você acredita?
R: - Que delícia !
K: - É é uma delícia. Era um lugar assim que me realizei bastante assim, fazia
tudo o que eu queria, era encarregada de lá né, era chefe lá.
R: - Saiu daqui e foi direto pra lá?
K: - Não. Saí do Akama-san depois fui fazer colégio técnico depois fui pra USP,
depois da USP é que eu fui trabalhar no SESI. a gente quando saía da USP
naquela época , tinha fila esperando os alunos . tinha umas duas três
ofertas e eu escolhi o que era mais ou menos assim ligado assim coisa não era de
indústria assim mais ligado com pessoas né, com ser humano assim, aceitei o
SESI que era , tava no terceiro lugar assim mais ou menos.
R: - E lá quais eram os cursos que a senhora dava?
K: - Não. Eu era encarregada né. Era chefe de tudo. Tinha oito professoras e duas
serventes, e tudo o dinheiro vinha pra mim , por exemplo, não sei se era
quatro mil reais na época mais ou menos né, aí tinha que distribuir tudo pra todos
os cursos, pra todas as compras, todas as coisas né, então era encarregada disso,
e na falta de uma professora assim, também eu substituía né, na parte de nutrição,
de culinária, do que era possível assim né.
R: - Ah, então cuidava da coordenação.
K: - Da coordenação. Quer dizer, a gente era encarregada mas também tinha
função de orientar os professores né. Assim, foi uma época bem gostosa, trabalhei
trinta anos e quase todas as funcionárias ficaram durante o tempo que eu fiquei
também.
R: - Que bacana...
K: - E tinha em média oitocentas alunas, não o período inteiro, porque a aula era
assim de suas horas cada grupo então começava um grupo numa hora daqui duas
horas outro grupo, outro grupo, eram umas quatro ou cinco salas só, e tinha que
fazer aquele jogo de xadrez, quer dizer era minha função, de professor, de aula,
com salas de aula né. Não tinha à vontade assim, cada professor uma sala né.
Então tinha que remanejar assim, que é um joguinho de xadrez né?
I: - A Sra. era Diretora então.
K: - Era Diretora desse setor aí né.
I: - Tinha que organizar toda essa parte.
K: - É, toda essa parte.
R: - Mas acho que também essa vivência ajudava né, ou não, de saber esse
funcionamento todo porque de certa forma também tinha toda essa dinâmica é,
na...
: - Ah, mesmo não só na parte profissional , mas na parte de formação, né, eu
acho que ajudou bastante né. Pra ter assim compreensão com dez funcionários
sob né, a orientação tudo mais né. Não foi fácil, mas foi muito gostoso, assim
bem...bem gratificante , de trabalhar com criança pequena assim
Transcrições A formação da identidade feminina
281
principalmente assim, achava muito...muito gratificante o que os adultos não
aprendiam, as crianças aprendiam e ensinavam os adultos, principalmente na
comida, assim por exemplo né, que adulto assim tem muito tabu, que não quer
isso o quer aquilo né, isso com aquilo faz mal, mas a gente ensinando as
crianças, as crianças chegavam e ensinavam os pais né. Não na escola agente
experimentou e fez isso. E com três anos a gente ensinava a fazer sabe,
diversos pratinhos que eles eram capazes de fazer, aí comiam sanduíche com
verdura em vez de comer né, assim com carne , com hambúrguer, essas
coisas assim, era sanduíche assim tipo vegetariano assim também né. Aí acabava
gostando né. ia pra feira e falava pra mãe Mãe compra tal verdura, tal coisa,
tal coisa” assim né. Ah, a mãe ficava assustada né? Puxa a criança o comia
verdura de jeito nenhum, como é que pedindo pra comprar agora né. É porque
chegou a gostar né, chegava a gostar assim. A gente falava, ah faz bem pra vista
né, tal alimento faz bem pra pele, faz bem pro cabelo, tal, tal, explicava, eles,
criança grava mesmo, elas são sinceras assim né, então tudo mundo quer ficar
forte, então tem que ( risos) então chegava as mães no fim do semestre assim
agradecer né. Fala “Nossa como mudou o comportamento do meu filho” , né.
R: - Que bacana.
K: - Eu acho que lidar com criança, assim, é muito gratificante. Agora estou
lidando um pouco com meus netos sabe, assim né, então nas férias, que durante
a aula um mora em Minas outro mora pros Estados Unidos outro mora em...
diversos lugares né, não mas, nas férias a gente aproveita assim, reunir, então
eu cato todos netaiada, dentro do carro a gente faz uma tourneé assim nas casas
catando um né, catando um aqui outro acolá e a gente faz assim trabalhos
manuais, comidinha assim né,
R: - Onze
K: - Onze netos, essas férias gente fazendo um negócio sobre o aquecimento
global, né, que a gente tem que também despertar as crianças desde pequeno
né? Então fiz um trabalhinho assim, agora na impressora sabe, o livro, sobre
isso. eu contei uma historinha, acho que você conhece, do beija-flor? História
do Beija Flor?
K: - Ela é famosa, essa historinha, bem meio antiguinha até né. Então o beija
flor assim, né. Deu incêndio assim numa na floresta, né. os bichos começaram,
todo mundo a descer do galho e tal, os macacos e tal, as aves também todo
mundo fugindo né. o beija-flor ficou pensativo . ele pegou e falou assim,
não é assim que deve ser feito né. Começou a ir no lago, pegou uma gotinha e vir
jogar no incêndio. E ia e voltava, ia e voltava e aí uns animais falaram, mas o
que que você está fazendo? Começou a dar risada dele. Você acha que vai
adiantar alguma coisa, né? o beija flor falou, não parece que não mas de gota
em gota eu vou fazer o que sou capaz de fazer né, não posso fazer outra coisa, só
posso fazer isso . ele juntou um monte de beija-flor e cada um jogando um
pouquinho de gotinha em gotinha né, quer dizer que , no fim a união vai fazer a
força né. Então uma historinha assim. Aí depois falei pra cada um, contei as
historias né, de que forma que a gente pode amenizar esse aquecimento global,
contei essa historinha toda tal, eu falei, agora depois dessa historia toda vocês
Transcrições A formação da identidade feminina
282
vão fazer uma historinha cada um, aí o meu netinho de 2 anos falou “ó vovó”, todo
mundo em silêncio ouvindo a historia, aí ele levantou assim e falou Vó, mas eu sei
dum bombeiro, levantou assim de pezinho assim. Os outros tem mais idade assim
né, ele é o caçulinha de todos. Eu sei o bombeiro apaga o fogo vovó, assim não
precisa de gotinha em gotinha, não dá, é mais rápido, apaga pido os incêndios.
Todo mundo ficou meio assim né, e começou a dar risada dele. o mais velho
começou a explicar, não mas o incêndio é na mata, lá não tem bombeiro assim na
hora né, aí ele ficou sossegado, mas também ele acompanha, sabe, tudo agora
ele fala, olha não pode jogar lixo porque vai sujar o rio porque vai não sei o que,
sabe ele fica falando pros outros amiguinhos também, contando as historias sabe.
Então ele gravou bem o que que é.
R: - Acho que vou levar meus filhos para ouvirem as históias da senhora, vou
juntar os netinhos, põe mais dois.
K: - Então, eu estou fazendo esse livrinho pra divulgar também , cada um
fez um desenho, mas por incrível que pareça, cada um fez um tema diferente sabe,
um fez sobre o negócio do lixo, outro falou de derrubada de árvore, outro falou
de incêndio, outro falou do esquimó, sabe, um dos netos, esse tem 11 anos
né, falou do esquimó que foi pros Estados Unidos, foi falar do que estava
acontecendo na geleira né, que tava derretendo que tinha muito peixe assim
morrendo, que tava sumindo, e caiu um bloco de gelo e foi parar lá nos Estados
Unidos, aí fez a conferência pra eles, e tal e foi apoiado né, e agora que a situação
melhorando, não sei o que, uma coisa assim. Acho que mês que vem acho
que fica pronto o livrinho, aí eu...
R: - Depois eu quero, quero ver isso sim, mas acho que é tão bacana né porque a
senhora continua mantendo essa coisa da educadora né, que sejam com os netos.
Mas eu fico imaginando assim, que a senhora teve uma vida bastante ativa né,
profissionalmente era integral também não era? E a Sra. tem uma família grande,
daí eu fico imaginando como é que a Sra. conseguiu conciliar, naquela época,
esse lado de profissão, com esse lado de mãe de cinco né?
K: - Nossa, mas não tive um tempo de descanso assim, quase. Mãe de cinco e
ainda tinha minha mãe e meu pai né, porque eles eram dependentes de mim,
porque, eu filha única né, também um ficava doente, outro tal e tal, a gente tinha
que dar todo atendimento também. Ah me desdobrei bastante na vida, bastante
mesmo...
R: - E como que a Sra. conseguia isso. Ensina isso. Como é que a Sra. conseguia,
numa época mais difícil até assim né, que hoje até é uma coisa mais normal a
gente ver as mulheres tendo esse ritmo, mas naquela época...
K: - Mas assim, tinha assim o prêmio de não faltar ao serviço assim também.
Sempre chegava meia hora antes, ou uma hora antes, saía sempre mais tarde,
uma hora mais tarde do serviço e nesse meio de tempo anda fiz uma faculdade de
educação artística à noite, depois que eu saía do serviço, oito horas, nove horas
eu ia pegar aula na PUCC de Educação Artística né, gostava muito dessa parte da
arte também né, aí fiz a faculdade de 4 anos ainda (risos).
R: - E como que era isso assim, pra senhora família e pro seu esposo também né,
como é que era isso?
Transcrições A formação da identidade feminina
283
K: - Ah, acordar cedo, dormir pouco né. Com esposo também é difícil, você tem
que controlar melhor ainda as coisas né, pra não dar atrito né, nas coisas, tem que
se desdobrar.
(...)
K: - No geral, o homem assim, não quer saber muito né, ele quer mais é agrado só
(risos).
R: - … mas me conta como é que era esse lado do seu, do Shiro-san que não tava
aqui, como é que...
K: - Bom, no começo ele foi desempregado pelo Jânio Quadros. Ele levou
aquela vassourada, agrônomo né, funcionário público. ele levou uma
vassourada e tal, ficou sem emprego, aí, por sorte, a gente tava comprando
aquela casinha que eu te mostrei né. Então o ordenado dele era todo pra casinha
e com o meu a gente levava o sustento. Mas como eu falei pra você, por graça
de Deus assim eu recebi aquele dinheirão assim que deu pra reformar a casa e tal
né, mas sempre tem uma mão de Deus assim, que ajuda sabe, sempre eu conto
assim numa hora mais difícil tem uma ajuda assim inesperada né, que ainda as
minhas colegas falaram assim, tem esse sorteio aí, você não fez? Eu tava
esperando meu filho né. Disse, não, não deu tempo de fazer. Falou hoje é o último
dia, vai fazer. Eu fiz, não é que eu ganhei! Ai eu ganhei o negócio, foi o que
ajudou também no sustento de tudo né. E antes eu tinha falado que era da época
da guerra que meu pai ficou doente e também né, meus pais estavam com
dificuldade o Estado veio me pedir para dar aula pra substituir professora, que
eu ganhava um conto e duzentos e tal que deu pra fazer minha faculdade e tudo
né. Serviu pro momento e ainda pra economizar, metade dava pra economizar, e
eu fui guardando e guardando e deu pra fazer tranqüilo sem precisar de nada , o
meu curso técnico né e o começo da faculdade. na época o meu pai tava em
Ilhabela, ele ganhava com nori, ele fazia nori lá, que ele aprendeu também quando
era mocinho assim no Japão né, ele fez o tear, ele mesmo sabe, manualmente
sem máquina sem nada, tudo no canivete, ele fez um tear pra fazer nori né,
porque tem que fazer um monte de esteiras, assim, pra secar o nori, né. É uma
esteirinha feito tear mesmo igualzinho máquina de tear perfeito assim. Vovê,
uma coisa assim de infância ele gravou né. Ele fez tudo no canivete assim, ele
tinha canivete machado e enxada. Sem aparelhagem sem nada assim, tudo no
encaixe ainda, sem parafuso, sem prego sem nada, bem estilo japonês.
Marcenaria pura. Olha mas eu fiquei boba com aquele negócio lá. E não é que um
caseiro pôs fogo depois que não fazia mais isso aí. Ai, mas eu fiquei morrendo de
dó, porque tava guardado tudo, era uma relíquia pra mim. Mas ai ai, pôs tudo
no fogo, porque não estava usando, estava acho que estorvando né. Eu fiquei
louca da vida. Bom, por que foi que eu fui falar isso daí? (risos)
(…)
R: - …então, porque aí depois a Sra. teve muita colaboração na verdade
K: - Foi uma colaboração divina mesmo, toda necessidade assim surgiu isso daí.
Aí teve esse sorteio, ganhei também, que me ajudou bastante, meu marido estava
desempregado, e arruma algum bico aqui e acolá, porque acho que 400
agrônomos foram varridos, então não achava emprego assim quase lugar nenhum
Transcrições A formação da identidade feminina
284
né. No fim depois ele foi recontratado assim por baixo assim, pra uma ajuda assim
né. Eu tinha o Lincoln pouco tempo, minha e ajudava muito também quando
precisava ela vinha e ajudava, porque filha única assim meu pai falava, vai
ajuda a sua filha que tá precisando né, na época tinha só o Lincoln, ela levava, pra
amamentar ela levava até a escola, tomava um bondinho, morava em Campinas
nessa época né. Tomava o bondinho, levava lá, amamentava, voltava assim sabe.
pra não perder o tempo de sair da minha casa, porque tem uma hora de
amamentação assim, mas ela que ia e levava assim e trazia assim pra casa né, de
bonde tomava o bonde com a sacolinha, vinha. Me ajudou bastante. Ela faleceu
com noventa anos, e depois que tava tudo mais ou menos crescido que ela
faleceu e meu pai faleceu com noventa e três anos e sempre assim , os dois
colaboraram bastante, mas ...
R: - Porque assim, depois de dois em dois anos né, são muitas crianças pequenas
né?
K: - Mas eu tinha assim babás assim. Era assim: eu pegava uma pessoa assim
que queria estudar, do interior, inclusive teve uma que ficou, quantos anos… Ela
fez o ginásio em casa 4 anos, fez colegial mais 3 anos, mais 5 de faculdade. Ela
fazia um período e uma outra fazia outro período assim, fazia uma troca.
R: -Daí estudava...que bacana. Então era nihonjin também?
K: - Nihonjin. Tive brasileira também, no meio, teve umas duas assim no meio.
(...)
Transcrições A formação da identidade feminina
285
Informante: Takiko Ota (Ta)
Pesquisadora: Regina Chiga Akama (R)
Participantes: Edson Issao Akama (I), Tomoko Otta (T)
Data: 28/05/2008
Horário: 15h
Local: residência de Takiko Ota
Duração da entrevista: 74 minutos
Nascida em Izu (Japão), em 04 de janeiro de 1922, chegou ao Brasil em 13 de
novembro de 1932
Pais: Yasuji Suzuki e Natsu Suzuki , (adotada pelos tios paternos Toyoichi e
Tokuno Suzuki, em março de 1923)
Esposo: Hajime Ota
Filhos: - Elza Ota e Hiromiti Ota
Netos: Nilton Minoru Ota
Mauro Hiromu Ota
Luiz Carlos Kaoru Ota
Ricardo Yutaka Ota
Gilberto Mitsuro Ota
- Suguko Shimaoka, viúva de Shiroshi Shimaoka
Netos: Luiz Alberto Shimaoka e Edna Akemi Kinukawa Shimaoka
Bisneto: Vitor Hiroshi Kinukawa Shimaoka
Denise Shimaoka
Carlos Alberto Shimaoka e Katia Harumi Tamae Shimaoka
Bisnetos: Lucas Hideki Shimaoka
Henry Yuji Shimaoka
- Tomoko Ota
- Yassumassa Ota e Amélia Yuliko Sawada Ota
Neto: Eric Hajime Sawada Ota
- Luiz Hirotoshi Ota e Wanda Lúcia Maia de Souza Ota
Netos: Caio Hiroyuki de Souza Ota
Liz Miyo de Souza Ota
- Lúcia Yoshiko Ota
Takiko freqüentou a escola, no Japão, até o segundo período da Quinta Série. No
Brasil, fez o Curso Primário e terminou o Ensino Básico sexto ano da escola
japonesa, em Aliança, São Paulo. Interna no “Akama gakuinde abril a setembro
de 1939, recebeu ensinamentos de Corte e Costura com Tomoe Suzuki e Tsuruko
Kuroda; Culinária com Prof. Ogasawara e Hatsue Sato; Ikebana com Kikue Suzuki.
I: - Ela tava contando que ela se formou em setembro pra voltar e já casar em
novembro. Tinha data pra fazer tudo.
Setembro de kaete kara novembro ni mo casa shita no.
I: - Saiu de Aliança pra fazer o curso, se formar e voltar pra casar.
R: - Ele tinha ouvido falar
Transcrições A formação da identidade feminina
286
I: - Pelo que ela falou, parece que o marido dela, o futuro marido já tinha escolhido
a escola.
R: - Tem como perguntar?
I: - Não sei como perguntar muito bem isso daí.
R: - Ah tem guardado né?
Ta: - Tada terno wa costura nakatan kedo outro wa minna naratan no ne.
I: - Terno ,ela só não aprendeu a fazer terno.
R: - Ah, não deu tempo?
Ta: - Não, terno no hou wa ii yutte ne, não faz muito ne.
R: - Agora de criança, kodomo ...olha...manga, manga ne, e o caderno né
(...)
Ta: - Jya, Koohei-san, san nin kodomo matareru no.
I: - Hai, Kiyoshi wa oniitian, e Tadashi é irmão mais novo.
Ta: - Minna otokono ko no?
I: -Hai.
Ta: - Onna no ko wa inai.
I: - Inai.
Ta: - Koohei-san no okusan shiranai.
I: -Shiranai?
Ta: - Ateru ka mo wakaranai kedo, shiranai no.
(...)
I: - Nan sai deshitaka?
K: - Watashi jyu hati no toki
I: - Jyu hati, desessete anos ela tinha.
T: - casei com dezoito anos.
R: - Que novinha...
R: - Aqui são as colegas, são as amigas, turma
Ta: - Kore wa Sato sensei ne. Ato wa tomodati nanno
(…)
R: - A historia do seu pai leva-la né , de Aliança...
T: - Você vê que tarado!
R: - Então, mas ela casou novinha né, ela falou dezoito anos.
T: - Tinha dezoito anos, dezenove ela já era mãe!
R: - Mas aí ele levou ela pra preparar pra saber cozinhar e saber costurar.
T: - Pra saber cozinhar porque o fato é que a minha mãe, a minha mãe era louca
né, imagina. Ela casou com um homem que era o primogênito de um viúvo e tinha
três cunhados mais velhos que ela. Você imagina naquela época né. E foi morar
tudo junto. Você imagina o que ela não pastou né.
R: - Kawaisoo.
T: - É kawaisoo mesmo! (risos)
I: - Que o primogênito cuida do pai e ainda tinha três irmãos.
R: - Tinha três irmãos.
T: - Tinha três irmãos e tinha duas cunhadas, e os três eram mais velhos que ela.
I: - Cuidou de três famílias então.
T: - Três. Então você imagina né?
Transcrições A formação da identidade feminina
287
I: - Com dezoito anos.
T: - Dezoito anos. Disse que, a minha tia que fala assim, que às vezes a obaatian
ia porque minha mãe não tinha tempo de ir visitar a obaatian né. Diz que o
cabelo da minha mãe disse que ela não conseguia nem pentear, disse que não
dava tempo. Você imagina. (...)
R: - E ainda assim, ela é issei
I: - Ela é issei.
T: -É issei
R: - Então, eles também, issei?
T: - Todo mundo issei
R: - Então, que é outra geração
T: - Parece que ojiitian defendia minha mãe, mas os cunhados eram fogo.
(...)
R: - Deixa eu te perguntar uma coisaeu queria saber um pouco dessa trajetória
dela tanto de vida, família, é, e assim esse momento do porque desse encontro
com esse espaço da Michie ... é da Akama-san, porque foram três meses de
convivência né?
T: - Mamãe oboete iru?
Ta: - Nani?
T: - Oboete iru? Dooshite, sono Akama-san ni kita ka te koto.
Ta: - Dooshite?
T: - Donna shiteka, dooyuufu ni shite kitaka?
Ta: - Yappari São Paulo ni naratta hou ga ii yo te, Tsuru nesan ga yutta no.
T: - Ah, Tsuru nesan? Tsuru nesan mo koko ni yotta no?
Ta: - Itte itteta no.
T: - A prima dela, essa Kuroda né, ela já estava aqui no Akama-san.
Ta: - Porque viúva ni nate kara, dakara São Paulo ni kita no ne. Sono Akama-san
sensi ni ittete, dava ensinando. De watashi ni São Paulo itta hou ga ii te itta no ne.
R: - Mas assim, foi ela que falou isso pra ele? Porque ele que quis trazê-la, não é?
T: - Ele também quis não é mamãe? Papai mo kite hoshikatan jyanai?
Ta: - Donna ka shira?
T: - Eu não sei. Eu juro que eu não sei. Mas acho que sim né? Porque pra ele
trazer né? Ele acompanhá-la aqui né?
I: - Ele veio de lá com ela?
R: - Já conhecia lá né? Daí ela veio já com data pra voltar pra casar.
Ta: - Primeiro conhece shita toki ne, grupo ni itte ita no yo, sore de ne, um dia ano
farmácia de hataraite ita no, de watashi ga boa tarde te yutara ne, konnichiwa no
hatsuonga ii no ne, gaijin ni yoku niteta no, gaijin to omoteta no ne. Sorekara,
gakkou ni itte ne, otomodati ni, ano gaijin nihongo jyoozu da ne, tashika hatsuon
ga ii yo yutara, are nihonjin yo te, koo yuu sityata no. Sorekara ne, ano farmácia ni
ne, um dia nanka kaimono ni itta no yo ne, sorede tyoodo ano shitori no shito ga te
wo opera surunda. Sorede ano, opera suruni ne, te wo motete moraitai no.
Watashi, mote kureru kara, te wo motsu kurai ii to omote ita no, motetara, ti wo
kittara, ti ga pon to deta no, watashi ga aoku nate, ki ga ...(risos)
Transcrições A formação da identidade feminina
288
T: - Minha mãe foi ajudar, papai disse que pediu para segurar né, pra segurar o
ferido lá, aí disse que ela que desmaiou.
Ta: - Sore kara, ano kaete kara ne, ano visita shite kureta no.
I: - Na verdade o seu pai tinha uma pronúncia em Português boa? É isso que ela
tava falando?
T: - Em Japonês. Porque papai tinha cara de estrangeiro, não tinha cara de
nihonjin. Papai tinha cara de gaijin sabe, então minha mãe pensou que fosse gaijin,
o era. Então ela achou que ele tinha um sotaque bom né. Lógico né, ele era
japonês.
Ta: - Sore kara, visita shita mon dakara, watashi ga kaete kara ne, visita shite
kureta no. Sore kara conhece shita no. Sore kara asoko no Kasuda Totoro(?) itte,
Kasuda , are wa nan nittsu(?) data ka ne, medico data no ne, sono shito ga ne,
ano nankoodo(?) wo shita no, sore de casa shita no.
R: - Mas então não foi miai, então, não foi. Foi encontro mesmo, casual.
Ta: - Então, quando casa shite ne, Mirandópolis e itta no ne, sore de wo narai
ni , ano há wo iroiro shitari ikitai, rikkou narai ni itta no ano Soire ban wo ne, de (...),
de haisha wo yatte ita no, moguri no. Totemo jyoozu atta rashii no ne, oozei kuru
no yo.
T: - Dentista prático.
R: - De lá, já.
T: - Não, lá em Aliança.
R: - Mas será que ele veio com isso do Japão?
T: - Não, não.
R: - Ah, aqui mesmo?
(...)
T: - O papai veio aqui pro Brasil porque disse que ele queria estudar. E daí, ele
sempre pensava assim, eles relacionavam América com Estados Unidos.
(...)
Ta: - Sore kara ano, gaijin to socio de yatara ne, diplomado ne, diploma no gaijin
de ikanaide, minna uti no shito ni kurun datte. Shitori de hataraite, gaijin ga
shinbun yondari, revista mite ita no. Sore kara yamete, mata yattara, outro no
onnade. Sore kara, ano sensou ni natte ne, sensou ni natara ne, doogo(?) minna
toraretyata no, haisha no.
I: - História diferente essa imigração do seu pai! Quer dizer, ele veio com um
sonho de ...
T: - Ele veio com um sonho de poder estudar.
I:- Achando que era uma coisa parecida com os Estados Unidos.
T: - Mesmo a Kuroda, Kuroda disse que ela veio pro Brasil porque disse que o
diretor da escola que ela estudava lá no Japão disse que gostava dela e disse que
perguntou pra ela se ela não vinha casar com o irmão dele que estava aqui no
Brasil. Então, disse que ela também pensou, falou assim, América , então eu
posso continuar estudando, e disse que veio. foi praquele meio, fim do mundo.
Olha, hoje Aliança é fim do mundo, você imagina aquilo setenta anos atrás.
Então era um fim de mundo mesmo assim sabe.
R: - E sem chance de muito estudo né.
Transcrições A formação da identidade feminina
289
T: - Nada! Foi se meter no meio de mato né. no caso da minha mãe, a Kuroda-
san, então a mãe dela, elas eram três irmãs, e tem aquele negócio de ser a tutora
e a quela coisarada né, de japonês. Disse que ela pensou assim, que a mãe dela
não viria pra cá, e ela se senti muito só, sabe, então ela disse que escreveu pra
mãe da minha mãe, que era segunda, que disse que era bom, que era isso que
era aquilo. E o Jityan largou tudo e veio pra cá, se estabeleceram em
Aliança né. Quer dizer, tiveram que chegar, porque eles chegavam com contrato
de trabalho né.
R: - Sim, sim, tinha que chegar como todo mundo.
T: - Eu lembro que falei pro papai, que que o papai ficou tanto tempo lá, lá naquele
fim de mundo lá, que não vinha pra cá, devia ter saído de lá né?
R: - Tinha que cumprir né.
T: - Ele falou assim, eu tava lendo num desses livros do trabalho que eu estou
fazendo, que realmente eles traziam um contrato de trabalho que eles acreditavam
que era um compromisso que o governo japonês cumpria com o governo
brasileiro, então disse que eles não podiam desonrar esse contrato. Isso daí é que
segurou eles assim sabe. E no caso assim eles se ferraram mesmo né.
Cumpriram esse contrato e saíram sem dinheiro, ele perdeu tudo. Papai disse que
quando estava acabando o contrato dele, o fulano que era dono das terras, porque
eles tinham trazido dinheiro também, e depois então eles trabalhavam como
meieiros aqui, então disse que falou assim. Porque gente, Aliança era um lugar
assim, que demorava 24 horas pra conseguir chegar no banco mais próximo,
imagina o fim de mundo que era, o banco mais próximo eles levavam 24 horas de
jardineira, a pé, de trator, de sabe, caminhando la no meio do mato disse que
demorava 24 horas. Então papai falava assim, que que eu vou fazer com dinheiro
aqui? Ainda ia ser roubado né, então disse que eles deixaram com o patrão, falou
assim, a hora que acabar o contrato a gente pega o dinheiro e eles combinaram
com ele né. E quando tava acabando o homem morreu e a mulher chegou e
vendeu tudo que tinha de terras, porque eles não podiam comprar, mesmo com
dinheiro eles não podiam comprar, porque eles tinham que ficar 5 anos
trabalhando na terra, que era o contrato né, tinham que trabalhar na terra 5 anos,
pra depois ter o direito de comprar, então quer dizer que mesmo com dinheiro eles
não podiam comprar na época. E ele vendeu para outro e disse deu uns metros
quadrados pra ele, assim que disse que ela não conseguiu vender e foi embora
pro Japão. Ela sabia que diz que tinha o dinheiro né. Você acredita, Regina, que
depois de quarenta anos que esse homem morreu ela veio aqui, sabe, essa
mulher veio aqui disse que veio buscar a ossada do marido, eu lembro que o
papai perguntou assim, disse que ela escreveu sei o que pro papai,
perguntando se podia recebê-la né, então falou eu não, eu não quero ver essa
mulher nunca mais né, porque inclusive a minha vó, a mãe dele, morreu porque o
socorro demorou porque não tinha dinheiro para tratar, e minha vó tinha um
câncer sabe, e daí então demorou para conseguir o dinheiro para poder vir pra
São Paulo pra tratar, sabe, então papai tinha uma revolta muito grande com isso
né, sentimento de culpa, de raiva, de um monte de coisas assim né, e daí essa
mulher disse que chegou e queria vir em casa. papai falou, eu não, não quero
Transcrições A formação da identidade feminina
290
receber uma pessoa dessas né. falou assim, que queria colocar osenkou pro
ojitian e obaatian, porque não sei o que, e aquela coisa toda assim sabe, você
sabe que ela cercou os tios, chegou nos meus tios e meus tios começaram a fazer
pressão pro meu pai receber a mulher né. eu lembro que, mamãe não sei nani
yutta ka ne, papai perguntou pra mim um dia ne, ele falou assim o que você acha?
(...) Eu falei pra ele assim, papai, o negócio é o seguinte, eu acho que você é
vencedor, que apesar de ter sido roubado desse jeito você sobreviveu, constituiu
sua família, você fez todo mundo estudar, você venceu ! Então apesar de tudo
você é vencedor. Ele falou, ah você pensa assim? Aí...não sei, sei que um dia
essa mulher veio aqui, ela veio aqui conversaram, depois ela estava hospedada
numa casa né, que olha por coincidência, a casa onde ela estava hospedada era
vizinha da casa do meu professor que eu trabalhava com ele. Olha que
coincidência né? eu sei que um dia minha e chegou e falou pra mim assim,
você conhece este endereço aqui? Me deu assim de manhã. Eu conheço por
que? Ah então você passa para me pegar de noite, na hora que eu vinha
embora. Por que? era a casa onde ela estava hospedada, essa obasan estava
hospedada, sabe. eu lembro que eu cheguei, toquei a campainha pra dizer que
eu tinha chegado (...), ela falou assim, ah tada Takityan no ko data no ne, ela
falou assim, então era uma pessoa que eu entrava saía, bom dia, boa tarde, mas
nosso diálogo era esse né, essa mulher era colega de escola da minha mãe,
disse que eram colegas de escola.
R: - Que coincidência né?
T: - Você vê. Mas ficou por isso né. Claro que o papai não recebeu o dinheiro
né, mas ...
R: - Que mundo né, pequeno. Tem que andar direito né.
Ta: - Sore kara, haisha yatta kedo, yoku hayatta no ne, dakedo, tem que sustentar
bastante família , ano gente ne, de shitori de hataraku dake dewa dame dayo te
ne, sore kara hoteru shita no. Eto ne, comprou hotel, ano aluga shite ne, sore de
yoku hayatta no, ano sensou no toki ne, ano no doogu(?) minna toraretyatta
no,delegacia ga, nihonjin dakara ne, sorede shikata nai kara ne, nani shiou ka
yutteta toki, tyoodo hoteru yarou te, hoteru wo uteita no, ano aluga suru you ne,
sorekara soko de yatte, hoteru yatta no. Sono toki Akama-san ga korareta no, ikkai
gohan tabete itadaita.
I: - E esse hotel ficava em Aliança?
T: - Olha gente eu fui ver esse hotel com a minha mãe, outro dia né. Gente é um
muquifo, um puteiro.
R: - Lá, em Aliança.
T: - Aqui, aqui na Silveira Martins, ali na Silveira Martins com a Tabatinguera.
Gente aquilo lá é um puteiro hoje.
R: - Ela alugou.
T: - Eles tinham alugado e ficaram um ano e pouco né mãe?
Ta: - Soo ne. Sorekara, okyakusan oozei kuru no yo ne, sorekara fiscal ga kite ne,
ano aluga shite ne, cozinha to are ga ne, cozinha taira datta no, não pode datte,
cozinha wa are shite, azulejo hakaranakya ikenai. Dakedo, azulejo, nanka, aluga
shiteru, não dá pra fazer ne.
Transcrições A formação da identidade feminina
291
(...)
Ta: - Okyakusan ga ookiku nate, ookiku mietan no yo. Então fiscal ga kite, azulejo
hatte inai kara, iti conto ano, nanka, ni conto made multa datte, dooshitara ii ka te
yutta no, kore wo kure no yuu no. Yonhyaku totta no, de yonhyaku yatta no. Jya
concordou ne. Sore kara, tsugi no hi outro fiscal ga mata onaji koto wo, Yon nin no
fiscal ga mai tsuki kuru no, yonhyaku zutsu toru no.
I: - Cada um veio tirar 400 contos.
Ta: - Então, ano refeição ga ano toki yon mil data no yo. Sorede, yonhyaku mo
toraretara, mo não lucro nada ne. Vamo vender esse hotel, sore kara motto ii
no kaou te yutta no ne, sagashi ni ittara, roka no hotel minna uti yori pior nano, uti
no medio kurai de yokata nano. Dakedo, fiscal, inaka kara deta kara baka ni shita
no ne. Sore kara vende shita no yo. Sore kara Andradina e itte, ano Bosque da
Saúde ni yonkagetsu, nanka shigoto o sagasu ni, de wa Mirandópolis ni asobi ni
itte kuru te yutta no. Mukoo de Motomiya-san ga otooto ga bazer wo utteru kara,
serraria ga aitai , dakara uritai no. Movimento ga totemo ii no, calçada mo ippai
shito ga tooru no, doyou, nichi wa ...
I: - Comprou uma loja em Mirandópolis?
T: - Em Andradina.
Ta: - Sore kara bazar wo yatta no. Yoku hayattara ne, dono da casa ga pano ya
datta no, urenai mon dakara hi tsuketa no. Sore de uti no mise ga fecha ni (...)natta
no. Jya tsuite ne, sore kara, ano tatekaita toki yatte yoku itta no ne, sorekara,
amari bazar demo mendokusai yutte, kondo granja yarou te granja 8 anos yatta no.
R: - Não, mas isso que ano que foi então já?
Ta: - Mudou muito ne.
T: - A granja foi 59.
Ta: - Sorekara, mo granja mo amari ookiku nai kara motto ookinano yaritai te.
R: - Você nasceu onde?
T: - Eu nasci em Mirandópolis, a época que papai, mamãe tinha um hotel lá.
R: - Então, são quantos?
T: - Nós somos seis. Eu sou a número três.
Ta: - Sorekara São Paulo e itte, granja no motto ooki no shitai kara. Watashi,
granja ya yutta no, porque ele sempre asma data no. Neru no ne,
I: - Com pena de granja né.
Ta: - Sore de ne, mooshi São Paulo ni itte, watashi hataraku no wa ii kedo, tamago
wo uranakya ikenai, kaimono shinakya ikenai, tada São Paulo tiri mo shiranai de
granja wa mo ya yo. Nunca ano contra shita koto nai no ne. Sore kara jya, tokeiya
yarou, eto tokeiya yatta no. Sorekara tokeiya ni natta no. Musuko ga grupo, ano
ginasio e itteru toki kara, asobanai hou de nanka oboetara ii te Tokei ga suki de
tokeiya ni natta no. Sore kara tokeiya o hajimata no.
(..)
R: - Então sua mãe sempre trabalhou também, junto. Ela nunca parou para ficar
com o lar?
T: - Sempre.
Ta: - Trabalhei muito!
R: - São sempre coisas que ela estava junto né.
Transcrições A formação da identidade feminina
292
T: - Sempre.
T: - Na granja, nossa, ela que carregava sabe, ela carregava a granja.
I: - Seu pai fazia a parte comercial de vender. Sua mãe que tocava o dia a dia.
T: - Isso, relações...então comprar ração e preparar e essa coisa, e minha mãe é
que fazia tudo.
(...)
T: - Mas a minha mãe sempre trabalhou. Sempre, sempre ela carregou...
(...)
Transcrições A formação da identidade feminina
293
Informante: Rutsuko Mochizuki
Pesquisadora: Regina Chiga Akama
Data: 15/07/2008
Depoimento escrito
Nascida em Hokkaido (Japão), imigrou ao Brasil aos 04 anos de idade, em 1933
Pais: Sossaku Mochizuki e Mura Mochizuki
Irmãos: Katsumi
Seiko
Michi
Taeko
Toshiro
Soichi
Kieko
“Poder-se-ia dizer que Akama Jogakuin foi uma escola e mais que
isso, um órgão de recursos humanos na formação da colônia japonesa em todas
as áreas da primeira metade do século vinte. Na agricultura, como líderes das
associações femininas (Fujin-kai), nos escritórios de empresas japonesas, no
consulado japonês e nas escolas de língua japonesa.
Estudei na Akama Jogakuin nos idos de 46~47, quando a derrota
sofrida pelo Japão era recente. Dada a situação dos japoneses, o estudo da língua
japonesa era feito com reservas. A escola funcionava em uma mansão na Rua
Vergueiro. O curso de corte e costura era importante pois não existia indústria de
roupas feitas. Tudo era feito nos lares. Na época a Colônia era basicamente
agrícola. Saber costurar e cozinhar eram condições essenciais para as moças,
cujo futuro era o casamento. Também não havia opção para a maioria delas. Eram
outros tempos.
Após o término do curso, retornei a casa e me dediquei à lavoura com
os outros irmãos. Sempre que podia procurava aplicar os conhecimentos
adquiridos no Jogakuin. Após 2 anos, meu pai permitiu que retornasse a São
Paulo. Uma amiga do Kinroubu (esta é outra história interessante que vivenciara
entre 13 e 14 anos, no centro de São Paulo) apresentou-me o Sr. Osamu
Shiotsuki, distribuidor de fertilizantes aos agricultores da Colônia. Procurava
alguém que pudesse trabalhar na máquina de datilografar em japonês. Fui vê-la.
Um tablado repleto de tipos em kanji. Uma alavanca capta um tipo e acerta no
papel preso a um rolo na frente. É como “catar milho”. Trabalhei nesse escritório
durante dois anos. À noite cursava o colegial. O meu conhecimento de japonês
levou-me à multinacional Marubeni. Foi ali que tive a oportunidade de traduzir o
primeiro filme em japonês “A Noviça Raptada” da Nikkatsu. cursava letras na
USP nos anos de 60~70. Após 6 anos deixei a Marubeni para dedicar-me às
traduções. Já terminara a Faculdade.
Era uma fase de expansão da educação básica em São Paulo com
muitas extensões nas escolas estaduais. Uma amiga, a Shizu, de matemática,
Transcrições A formação da identidade feminina
294
veio buscar-me e levou-me no carro do namorado para o “Brasílio Machado” que
abrira uma extensão e havia muitas aulas de Português. Até hoje sou grata a ela,
a quem devo minha carreira de professora. Mas não deixei os filmes até que a
televisão viesse a interferir no cinema. Mesmo depois, trabalhei como consultora e
revisão de alguns filmes e documentários japoneses que a Fundação Anchieta
importava. Foram mais de duas décadas servindo as empresas cinematográficas
Nikkatsu, Daiei, Shochiku e a Toei. Aposentando-me, trabalhei como voluntária da
Associação feminina de Combate ao Câncer depois na Associação Feminina
Rotariana, mas deixei-a por problema de saúde. Todavia, continuo como primeira
secretária da APN (Associação Panamericana Nikkei, uma entidade internacional)
e dou aulas particulares de Português-Japonês. Estou fazendo oitenta anos.
Posso dizer que a Akama Jogakuin norteou a minha vida. Sou imensamente grata
a Akama-sensei em especial e a todos os professores que participaram na
formação do meu caráter.
295
ANEXO 02
Traduções de textos selecionados
da bibliografia de Michie Akama
297
BURAJIRU SEIKATSU DE NO ETIKETTO
Michie Akama
299
Apresentamos, a seguir, textos [[17-22], [40-42], [43-48], [58-65], [76-79], [80],
[105-108], [108-110], [143], [146-151], todos retirados e traduzidos do livro Burajiru
seikatsu de no etiketto do qual damos o índice geral.
1 - Prefácio………………………………………………...…………………………......1
2 - Formal e Sentimento…………….…………………..………………………………4
3 - Modo de se apresentar – Vestimenta……………..……………………………… 5
4 - Asseio………………………………………………..………………………………..9
5 - Atitudes………………..…………………………..…………………………….......11
6 - Cumprimentos…………………………………..…………………………………..12
7 - Apresentação………………………………….…………………………..…..[17-22]
8 - Como dirigir as palavras………….………………………………………………..23
9 - Como sentar numa cadeira………………………………………………………..29
10 - Ato de receber ou entregar objetos………………………………………………30
11 - Modo de usar o telefone……….…………………………………………………..33
12 - Comportamento no uso dos meios de transporte……………………………... 35
13 - No hotel….…………………………………………………………………………..38
14 - Caminhada na via pública…………………………………………………………39
15 - Na biblioteca………………………………………………………………………...40
16 – Visitas …………………………………...…………….………………………[40-42]
17 - O chá ……..……………………………………………………………………[43-48]
18 - Despedida - acompanhando até a porta ………………………..………………48
19 - Teatro……………………..…………………………………………………………49
20 - Na equitação…..……………………………………………………………………50
21 - Restaurante…………………………………………………………………………51
22 - banquetes com convidados especiais, importantes ou superiores…………..54
23 - Preparando a mesa………………………………………..…………………[58-65]
24 - Tipos de frios……………………………………………………………………….66
25 - Sobremesas (frutas) ………………………………………………………………68
26 - Vinhos……………………………………………………………………………….69
27 - Dever da dona de casa……….…………………………………………………[73]
28 - Culinária chinesa…..……………………………………………………………….74
29 - Culinária japonesa…..………………………………………….……………..[76-79]
30 – Chá/festa………………………………………………………………………... ...80
31 - Bailes………………………………………………………………………………...81
32 - Coquetéis……………………………………………………………………………83
33 - “Usucha” – variedade do chá .……………………………………………………84
34 - Fumo…………………………………………………………………………………84
35 - Cartas (Estilo Brasileiro) ………………………………………………………..…85
36 - Cartas (Estilo Japonês) ……………………………………………………………88
37 - Igreja…………………………………………………………………………………90
38 - Casamentos (Estilo Brasileiro) …………………………………………………...91
39 - Casamento oficial (cartório) ………………………………………………………94
40 - Na hora de ir à igreja………………………………………………………………94
300
41 - A recepção………………………………………..………………………………101
42 - A viagem de casamento (lua de mel) ………………………………………….103
43 - Casamento entre os divorciados……………………….………………………104
44 - Casamento tradicional japonês….………………………………………..[105-108]
45 - Tipos de casamento………………………………………………………..[108-110]
46 - Aniversário de casamento……………..…………………………………………111
47 - Celebração datas especiais e aniversários…………………………………....112
48 - Visita às pessoas doentes……………………………………………………….112
49 - Visita à parturiente…………………………….…………………...……………..113
50 – Testamento……..…………………………………………………………………116
51 - Enterro………………………...……………………………………………………116
52 - Funeral budista……………………………………………………………………120
53 - Funeral cristão………………………………………………………….…………122
54 - Missa de 7
o
dia da igreja católica……………………………………….………124
55 - Presentes de senso comum (usuais) ………………………………………….126
56 - A escolha do presente……………………………………………………………133
57 – Presentes para amigos do sexo oposto……………………………………….134
58 - Etiqueta no trabalho………………………………………………………………138
59 – Ikebana - arranjos florais……………………………………………………….[143]
60 - Anéis………………………………………………………………………………..144
61 - Leituras…………………………………….……………………………………….144
62 - Sobre hasteamento de bandeiras……………………………………………….146
63 - Cerimonial do chá…………………………………………………………………146
301
Apresentação [17-22]
Como Apresentar
A apresentação é importante na vida social. Quando não há
apresentações, as pessoas se afastam sem se conhecerem. Ao ser apresentado,
surge uma relação em que pode a implicar na mudança do destino de uma
pessoa. Portanto, quando se faz apresentações sempre devemos fazê-las com as
pessoas em quem possamos confiar-lhes a responsabilidade.
Caso contrário, estas podem trazer-nos muitos aborrecimentos.
Devemos saber os pontos fundamentais sobre apresentação.
Em seguida citarei dois casos em que devemos ter cuidado para
apresentação.
1. Dirigir-se, primeiramente, às pessoas de maior idade ou pessoas
mais importantes, na apresentação de duas pessoas, tanto homem como mulher;
2. - Dirigir as palavras antes às mulheres, quando forem homem e
mulher.
Porém, se for do mesmo sexo, apresentar primeiro a pessoa de menor
idade para o de maior idade. Se for de sexos opostos, apresentar, primeiramente,
o homem para a mulher, o que é recomendado pelo bom senso.
No ato de apresentação
Pensar primeiro na ordem de apresentação e dirigir palavras de modo
natural. Por exemplo: apresentar a amiga Maria para um professor. “Professor
tal...esta é minha amiga Maria”, ou quando quer apresentar um amigo ao pai.
“Pai...este é meu amigo João”, dispensando assim, apresentação com a
expressão como “Este é o meu pai”, por ter sugerido a idéia, previamente.
Apresentar primeiramente a mulher para o homem. Dirigir palavras à
“Maria” e,logo a seguir, apresentá-la dizendo, “Este é o meu conhecido ‘Antonio’”,
em seguida “ Esta é a Maria da Silva”, repetindo o nome completo da Maria.
Para dirigir ao Presidente ou Bispo, mesmo sendo mulher, apresentar
primeiro a mulher, respeitando a hierarquia.
“Tenho a honra ou prazer de apresentar-lhe Dr.....etc.”
302
Quando for Presidente, “Sr. Presidente, Permita-me a honra de
apresentar-lhe o Sr.... etc.”
No caso do Bispo usar o tratamento “Eminência”. O marido
apresentando sua mulher, “A minha esposa.......” e não “A minha senhora”.
A resposta ao ser apresentado, diga “Muito prazer”. A mulher deve dizer
em primeiro lugar. Entre pessoas com o idoso, primeiro o idoso. É costume
brasileiro a criança dizer “Muito Obrigado(a)” quando apresentado com boas
referências.
O tratamento “Dr.” não deve ser usado entre amigos, quando
somente um deles se qualifica como tal.
Para apresentar uma pessoa para várias pessoas, por exemplo,
“noivo” ou quando se recepciona um “visitante” em uma cidade, a dona da casa ou
representante da recepção fa primeiro a apresentação da pessoa a todos os
presentes e, em seguida, apresentar um a um às pessoas sentadas.
Quando convida as pessoas em sua casa, deverão ser apresentados
a todos os presentes. Quando se apresentarem individualmente, poderá ser
através de trocas de cartões. Em todo caso, manter sempre a atitude de
naturalidade.
Procurar ressaltar sempre as características positivas da pessoa a
ser apresentada, criando ambiente de diálogo, com assunto relacionado ao
trabalho da pessoa. A melhor maneira de apresentação é ter a preocupação com
a riqueza de assuntos para incentivar as conversações. Não deve se restringir
com frases comuns como “muito prazer”, “doozo yoroshiku”, procurando sempre
variações ricas na troca de palavras, acompanhadas de sorrisos.
Sorrisos
Entre os animais, somente o homem consegue sorrir. Contudo, não
deve forçar o sorriso por causa disso. Desenvolver aptidão para que o sorriso
verdadeiro brote do coração. O sorriso da “La Gioconda” de Leonardo da Vinci é
mundialmente conhecido. Seja sempre alegre, apesar das condições sociais
tumultuadas de hoje em dia. Por meio da apresentação tornam-se conhecidos.
Doravante, deve esforçar-se para conservar a amizade, e não criar,
posteriormente, nenhum embaraço a quem apresentou.
303
Carta de Apresentação
Quando se faz apresentação escrita, deve mencionar o nome, profissão,
currículo da pessoa a ser apresentada e o tipo de relacionamento que tem com o
apresentado. Entregar a escrita ao interessado dentro do envelope aberto ou ler o
conteúdo antes do fechamento do envelope. Pode-se apresentar com cartão de
visita, quando o caso for mais simples. Neste caso, escreva o nome da pessoa e o
motivo da apresentação. Sugere-se escrever o nome da pessoa a quem está
dirigindo, com o título qualificado e tratamento merecido. Se possuir carimbo,
carimbar junto ao seu nome e entregar dentro do envelope.
No caso de envelope aberto, leia antes o conteúdo e depois apresente
o agradecimento. Aguarde a instrução da pessoa com quem está sendo
apresentado. Nunca se deve insistir a um encontro com a pessoa para quem está
sendo apresentado. Isto pode ser considerado ato descortês. Renove o pedido de
visita para outro dia. Uma vez concluída a apresentação, agradeça e relate o
resultado a pessoa que o apresentou. É correto, no caso da dispensa da carta,
devolver a mesma ao apresentador.
Cartão de Visita
Antigamente, no Brasil era comum utilizar o cartão de tamanho de
baralho como cartão de visita. Considerada como regra de boas maneiras o uso
de cartão de tamanho menor para as mulheres em relação ao cartão de uso dos
homens. Quanto a isso, pode ser conforme o gosto de cada um.
Independentemente do uso, privado ou público, é mais útil inserir o número de
telefone e endereço.
Em visita à pessoa em sua residência, entregue o cartão em estado
normal, quando for alguém da família. Dobre o canto quando for entregue à
empregada. Quando não houver ninguém na casa, coloque o cartão com o canto
dobrado na caixa de correio. Este ato serve para transmitir que o visitante esteve
pessoalmente.
O uso do cartão serve para se apresentar a alguém, quando quiser
enviar presente, ou quando, após casamento, quiser informar o endereço da nova
residência. Muitas vezes, temos casos de pessoas portadoras de cartões com
inscrições de vários títulos de modo prolixo. É o caso de duvidar das pessoas que
assim procedem.
Muitos japoneses, que aqui visitam, portam cartões que enchem com
títulos, como: ex-deputado, ex-vereador, etc. Isto denota superficialidade, apego à
aparência. As pessoas que recorrem a este artifício para se auto-promover, não
304
merecem ser respeitadas. É falta de respeito para com o interlocutor o ato da
pessoa que guarda imediatamente o cartão no bolso.
O cartão entregue deve ser visto no ato, e depois guardado
devidamente na carteira ou no porta-cartões. Caso contrário, o ato de troca de
cartão, transforma-se em ato meramente formal, sem nenhum sentimento de
afeição. As pessoas que ficam segurando o cartão na mão por muito tempo,
causam impressão. Se possível, entregue também seu cartão ao receber um
cartão de outra pessoa. Em quaisquer circunstâncias, o cartão deve ser entregue
antes pela pessoa de posição inferior. Quando, por qualquer circunstância, a
pessoa na posição superior entrega o cartão à pessoa de hierarquia inferior, esta
deve recebê-lo prontamente. O ato de entrega do cartão deve obedecer a uma
certa formalidade. As inscrições do cartão devem estar voltadas para a pessoa a
quem está sendo entregue, segurando a parte central com a mão esquerda ou
pressionando com os dedos polegar e indicador da mão direita, com o cartão na
posição horizontal. A pessoa que receber, deve fazê-lo, com a mão direita.
305
Visitas [40-42]
Quando quiser visitar pessoas, com exceção de visita às pessoas de
relações mais íntimas ou quando a visita é feita aproveitando a proximidade do
local onde for resolver algum assunto, deverá telefonar antes, consultando a
conveniência da outra parte. Isto é recomendável do ponto de vista das boas
maneiras.
Deve-se evitar visita no início da manhã, em horário muito avançado da
noite ou nos horários das refeições, salvo, em caso de emergência. Quando a
visita ocorrer pela primeira vez, deve-se evitar conversação delongada, limitar-se
em 15 a 20 minutos, é mais conveniente.
Ao se colocar na entrada ou no portão da casa, para apertar a
campainha, verifique o estado do seu traje ou aparência antes de se conduzir à
casa. Ao ser atendida, deve se apresentar com o cartão de visita ou anunciar com
clareza o seu nome, transmitindo o motivo da sua visita.
Dispense qualquer comentário sobre a pessoa que o receber, e cuidar
também da aparência ou traje quando for chamado pelo toque da campainha,
tendo cuidado ao receber, evitando olhar furtivo ou fixação em relação ao traje do
visitante.
O empregado deve pedir ao visitante para aguardar na sala de espera
até que seja anunciado ou levado o cartão do visitante ao dono da casa. O
visitante será introduzido na sala de visita quando houver a permissão do patrão.
Deve-se tomar o cuidado de evitar a condução do visitante antes de ser
anunciado ao dono da casa. Para evitar casos em que, após a visita, ocorram
sumiços de objetos coincidindo com a ausência do visitante.
- Recepção
Ao ser introduzido à sala de visita, o visitante deverá tirar o casaco e o
chapéu, entretanto, a mulher poderá mantê-lo. Deverá cumprimentar, em primeiro
lugar, a dona da casa e, em seguida, o dono da casa. Aguardar o convite para
ocupar o assento.
A conversa sobre assuntos corriqueiros deverá acontecer após o
término da conversa do assunto principal da visita, que deverá ser exposto de
maneira mais breve possível, o que é recomendável pelos bons modos. Não deixe
dúvidas para quem está recebendo, o motivo da visita.
306
- Assuntos da Conversa
Poderá ocorrer entre os homens, conversa animada quando os
assuntos envolvem economia ou política, podendo se direcionar para discussões
mais acirradas. Entretanto, é livre cada um ter sua opinião, mesmo assim, deve-se
evitar a animosidade.
A dona da casa deverá ter a preocupação em intervir nesta situação,
tentando mudar de assunto, esforçando-se para conduzir assuntos pela Cultura,
Hobby, evitando criticar pessoas ou questões religiosas. Para isso é importante
estar atualizada e estudar sobre os mais diversos assuntos.
307
O chá [43-48]
Em breves palavras, entende-se, de modo geral, como Festa do Chá no
estilo ocidental, reuniões de 5 a 6 pessoas ou reunião com muitos participantes.
Mesmo para a festa do chá mais formal, a anfitriã deve-se preocupar
em conduzir a festa num ambiente descontraído.
As convidadas, como regra geral, não deverão abusar e se servir de
comida em excesso.
O importante é que a reunião seja de diálogo franco entre amigas.
Assim sendo, escolha trajes leves e que não causem constrangimentos
aos demais participantes.
O horário a ser escolhido, em geral, deverá ser entre 3 e 5 horas da
tarde.
Uma festa de chá mais íntimo poderá reunir amigas para travar
conversas sobre assuntos mais diversos, ouvir músicas ou outras atividades
relativas a hobby.
O importante é que a anfitriã crie um ambiente que não cause nenhum
mal estar entre os participantes.
De qualquer forma, é suficiente servir chá, café, sanduíche, chocolate
ou mais dois ou três petiscos.
308
Preparando a Mesa [58-65]
(estilo ocidental)
Colocar os pratos dos convidados, espaçando entre 40 a 50cm.
Garfo à direita e faca à esquerda, colher de sopa à frente do prato.
Os jogos de copos serão colocados à direita do prato. À direita, o copo
para água. Em seguida cálice grande para vinho e, na seqüência, conforme o
tamanho dos cálices.
O vinho caro será servido na garrafa. A água será servida na jarra.
Das disposições dos pratos, talheres e copos da figura
- Sobre a toalha de mesa
Existem usos para o Jantar e para o Chá.
A Toalha de Mesa para o jantar será na cor branca e o tamanho
grande é o mais adequado. Para o chá, a toalha poderá ser um conjunto com o
guardanapo, não se utilizando o tamanho grande.
- Decoração do ambiente
Caso exista espelho na sala, deverá ser coberto com flores de forma
discreta. Em qualquer caso não se deve esquecer das flores para decorar o
ambiente. As flores da mesa não devem atrapalhar as comidas.
- Menu
duas formas de servir o prato. Uma é servindo individualmente. A
outra é servindo em recipiente maior para que cada pessoa se sirva na porção
desejada. Elaborar o cardápio procurando a harmonia, adequada à ocasião e tipos
de convidados. Por exemplo, entre os vários convidados poderão existir alguns
que não apreciam certos pratos. A anfitriã deve levar em conta este fato,
procurando diversificar com habilidade os tipos de pratos.
No Brasil, é normal servir sopa, peixe, assado; e para sobremesa, frutas,
doces e sorvetes. Quando se fala em culinária brasileira, em geral é culinária
309
francesa ou portuguesa, podendo ainda ser pratos regionais que representem a
terra natal da anfitriã. Às vezes, achamos bom incluir no cardápio produtos
brasileiros, mesmo que sejam no estilo francês ou inglês.
A comida deve destacar os produtos peculiares de cada país. Pergunta-
se neste caso, quais são os produtos brasileiros? Podemos, então, preparar sopas,
cozinhando palmito, mandioca, cará, sêmola ou agrião que é rico em propriedade
nutritiva.
Num banquete, o peru é considerado excelente. Temos ainda, peixes e
churrascos. Quando o banquete é maior, a regra é: o servir frios ou ovos.
Porém, é importante que a anfitriã escolha adequadamente, procurando
harmonizar os diversos pratos para satisfazer os convidados.
- A maneira de servir
O garçom deverá anunciar o jantar quando estiver tudo preparado.
Dirigirá palavras como “Senhora, está servida” ou “O Jantar está servido”. O nome
do convidado deve ser mencionado quando a pessoa é importante. O garçom
deverá usar sapatos de pisar silencioso. Quando o banquete é importante, deverá
trajar casaca e luva branca. Portar guardanapo no braço esquerdo, servir
discretamente e, em caso do convidado, por descuido, derramar sopa ou deixar
cair o talher, deverá imediatamente repor ou proceder na limpeza da mesa. O
garçom nunca deve tomar parte nas conversas dos convidados, nem participar
com risos. O garçom auxiliará no ato de acomodação dos convidados, ficando
atrás para puxar ou empurrar as cadeiras.
Quando o banquete for para mais de doze pessoas são necessários
dois garçons.
Ao findo de cada degustação, trocar os pratos. Neste caso, fica
dispensado esperar o término do convidado mais importante. Os pratos deverão
ser trocados pelo lado esquerdo, e todas as bebidas deverão ser servidas pelo
lado direito. O garçom deve anunciar, com voz baixa, a referência do vinho da
marca de excelência.
Deverá dizer o nome do vinho “tal”. Sempre que for aberta a garrafa, o
vinho deverá ser provado pela “dona de casa”.
duas maneiras de servir sopas. Ao convidar as pessoas à mesa, a
sopa já deve estar no prato fundo, sobre o prato raso, ou pode-se colocar a
sopeira na mesa e servir aos convidados na mesa. casos em que trocam os
pratos e talheres a cada tipo de comida. No ambiente familiar, substitui-se
somente os pratos para peixes e sobremesas.
310
- Cuidados na hora de degustação
Antigamente, comia-se usando a mão, diretamente. No século
XII surgiu o garfo, porque o punho e colarinho atrapalhavam. Por
isso, o garçom trazia bacias e toalhas para lavar as mãos.
O jantar será iniciado quando a anfitriã anunciar. Siga o modo de
degustação de outras pessoas quando for prato desconhecido.
Estando à mesa, evite apoiar os cotovelos na mesa, ou movimentar
as pernas exageradamente.
Preste atenção com antecedência, quando o prato não for do seu
agrado. Se não quiser poderá declinar. É desrespeito deixar de
comer depois de servido.
Retire de modo discreto no canto do prato, sem que o convidado ao
lado perceba, qualquer impureza que esteja presente no prato.
Nunca limpe talheres com guardanapo, antes do início. Este ato é
ofensa à anfitriã.
Num banquete, havendo convidado estrangeiro que não tem
conhecimento sobre o que está sendo servido, explique ou
pergunte sobre a comida.
Existem pessoas que têm costume de cheirar. Isso não é
conveniente.
Movimento excessivo no uso do garfo para misturar a comida no
prato, ou levar a faca à boca, causa má impressão.
Mastigar a comida com a boca aberta ou falar com a boca cheia,
também não é conveniente.
Se não gostar do tipo de sopa servida, tome apenas uma
quantidade mínima. Quando a comida é quente evite soprar ou
provocar ruídos.
Segure a faca com os dedos indicador e polegar. Após o uso,
apóie-a na borda do prato. O sal pode ser colhido com a ponta da
faca.
311
O pão não deve ser levado à boca banhado no ovo ou café.
Os detritos devem ser postos no canto do prato. A casca do ovo
deve ser amassada.
O guardanapo não deve ser dobrado e colocado sobre a mesa.
Antigamente, não era habitual escovar os dentes. Por isso, recorria-
se ao uso de palitos. Hoje, não é mais usual, por não ser muito
estético.
312
Dever da Dona de Casa [73]
O papel da Dona de Casa é muito importante em todos os banquetes.
Deve-se preocupar em manter o ambiente agradável.
A Dona de Casa deve estar sempre atenta, estando sentada ou
levantada da cadeira, observar a duração do banquete, devendo terminar de
comer antes dos demais, apesar dos constantes trabalhos de “levanta” e “senta”
da cadeira, o que é o contrário do que se faz no Japão.
Selecionar com destreza os assuntos para as conversas, evitando
temas que causem mal estar entre os convidados e, tendo isso sempre em mente,
quando surgirem assuntos que causem constrangimentos, procurar contornar
habilmente.
Orientar e treinar habilidades nas posturas dos garçons.
Não obrigar os convidados a aceitarem os pratos para os quais
manifestarem indisposição.
É inadequado atribuir a si próprio os elogios aos pratos preparados.
O garçom deve servir, inicialmente, a Dona da Casa, quando os
convidados forem exclusivamente masculinos.
Serão servidas, primeiramente, as mulheres, quando os convidados
forem mistos.
Na saída, o Dono da Casa deverá acompanhar o convidado até a porta,
a Dona de Casa deverá permanecer à mesa.
A despedida do último convidado deverá ser acompanhado pelo Casal.
313
Culinária Japonesa [76-79]
Atualmente, a comida é servida na mesa, assim sendo não é mais
usual a forma de servir como 1 “zen”, 2 “zen” 3 zen”. Não se vê mais a forma de
zenbu
95
, bandeja com pratos completos como antigamente.
Evitar se levantar ou sentar, demonstrando atitudes de intranqüilidade,
quando convidado para um jantar, a não ser no caso em que houver estrita
necessidade. Antes do início do jantar, a convidada deve ter o cuidado de ir à
toalete para refazer a maquilagem.
O anfitrião deve servir oshibori
96
frio no verão ou quente no inverno.
Possuir alternativas de guardanapos para os convidados que, muitas vezes, se
apresentam em trajes mais requintados.
Preparação da Mesa
Salvo quando os pratos estejam previamente servidos, os convidados e
anfitriões ficam em posições opostas e os pratos são servidos nas bandejas
individuais (Kayoi-zen
97
) e, naturalmente, iniciando pelo convidado principal, o lado
do anfitrião por último.
Quando o cardápio for itijyuu sansai
98
, a tigela que serve arroz,
tyawan
99
, é colocada do lado esquerdo do convidado, owan
100
, tigela de madeira
cavada para sopa, do lado direito.
Sashimi
101
, peixe cru, na dianteira do owan, nimono
102
, cozido, na frente
do tyawan, sunomono
103
, prato ao molho “vinagrete”, ou outros pratinhos
kobachi
104
são colocados diante das tigelas na posição central.
95
Zenbu – bandeja com pratos completos, montados como antigamente
96
Oshibori – toalhinha úmida, que é oferecida antes do início da refeição, para higienização da mão.
97
Kayoi-zen - bandejas destinadas individualmente
98
Itijyuu sansai - cardápio básico da culinária japonesa, consiste em 1 sopa e 3 tipos de pratos diferentes; a
sopa, comumente é de “missoshiru”, caldo de soja
99
Tyawan - tigela de cerâmica que serve arroz
100
Owan - tigela de madeira cavada para servir sopa
101
Sashimi – fatias de peixe cru
102
Nimono - cozidos em geral
103
Sunomono – prato ao molho “vinagrete”
104
Kobachi - variedades de comidas em pratinhos
314
Yakimono
105
, grelhado de peixe, será servido após degustação do
sashimi. casos em que kou no mono
106
, conservas como tsukemono
107
, são
colocadas em vasilha cheia, acompanhadas de hashi
108
, talher ou palitos de
madeira. Outros detalhes serão arranjados seguindo o modelo apresentado, mas
evitando os pratos com paladares semelhantes ou de muitas variedades. Escolher
o cardápio, cujos ingredientes sejam típicos das estações do ano.
Se o convidado for apreciador de bebidas alcoólicas, deve servir como
acompanhamento sashimi, e, não servir pratos típicos, como de tyawan ou owan.
Após servir as bebidas alcoólicas, quase no fim, escolha o momento de servir
grelhado yakimono e nimono. Em seguida, serão servidos gohan
109
, arroz cozido,
koo no mono conservas, ochazuke
110
, arroz com chá, levando-se em consideração
as circunstâncias, ambiente e gosto do convidado.
Cuidados na hora da Refeição
1. Poderá iniciar comendo arroz e tomar sopa em seguida, ou mais
recomendável seria tomar sopa primeiro para umedecer a boca e depois comer
arroz, para evitar que grude na boca e depois no hashi;
2. É inadequado segurar exageradamente a borda do tyawan ou owan
com o polegar, tomar sopa ou mastigar a comida provocando ruídos;
3. Quando quiser repetir o arroz, é considerada uma boa maneira,
deixar na tigela uma quantidade de arroz que corresponda a uma ou duas doses
possíveis, o que o hashi permite;
4. Quando quiser se servir de pratos secundários, é considerado
correto o uso do hashi para comer sempre arroz antes de tomar sopa, no caso,
por exemplo, ter antes comido o sashimi;
5. Quando quiser se servir de pratos secundários, como tsukemono,
servido, geralmente, num único prato para todos, utilize o hashi que acompanha o
prato, e nunca, se servir com o hashi de uso pessoal.
6. O modo proibido do uso do hashi, é classificado em utsuri hashi
111
e
mayoi hashi
112
. “Utsuri hashi” é quando a pessoa escolhe os pratos
105
Yakimono - grelhado de peixe ou de fatias de peixe
106
Kou no mono - conservas e verduras ou legumes
107
Tsukemono - conservas de verduras ou legumes
108
Hashi - talher que consiste em 2 palitos de madeira
109
Gohan - arroz cozido sem tempero nenhum
110
Ochazuke - prato de arroz com chá como elemento principal
111
Utsuri hashi - pessoa que escolhe os pratos complementares, de prato em prato, sem comer o principal,
que é o arroz
112
Mayoi hashi - quando a pessoa vacila, para buscar quais pratos escolher
315
complementares, de prato em prato, sem comer o principal, que é o arroz. O
“mayoi hashi” é quando a pessoa vacila para escolher de quais pratos quer se
servir ;
7. É vulgar tomar capós a refeição, provocando o ruído ou executar
ato de bochechar. Também, é assim considerado, o ato de introduzir até o fundo
da boca, lamber, ou chupar o hashi.
Recepção do Convidado
Recepcionar os convidados à sala junto ao tokonoma
113
. O casal
anfitrião sentará na posição gueza
114
.
Se a sala for ao estilo ocidental, conduzir os convidados na posição
defronte e mais afastada da porta. A anfitriã servirá o chá para que os convidados
se sintam à vontade e possam conversar com o anfitrião. Enquanto isso, a anfitriã
preparará o zenbu que poderá ser servido tanto no zashiki
115
(sala no estilo da
construção japonesa, cujo piso é forrado de tatami
116
, colchão de palha) ou sala
de jantar, no estilo ocidental.
Para quem não toma bebidas alcoólicas
No banquete, cuja predominância é a bebida alcoólica, não se serve
gohan (arroz cozido), o convidado que não beber (bebida alcoólica), poderá
beliscar petisco, mas não degustará gohan até o término da fase de bebida. A
anfitriã deve-se reservar de por na mesa o gohan e servirá bebidas que não
contenham álcool, para que o convidado não fique desconfortável.
Outras precauções
1. Quando quiser repetir arroz (gohan) ou sopa (missoshiru
117
), deposite
o hashi ao lado e entregue as tigelas (owan e tyawan) com as duas mãos. Ao
113
Tokonoma - nicho na parede com nível de piso um pouco mais alto, onde se expõe uma
pintura, ikebana – arranjo floral, ou alguma obra de arte japonesa
114
gueza – situação definida como de posição inferior.
115
Zashiki - sala no estilo da construção japonesa, cujo piso é forrado de tatami
116
Tatami – colchão de palha
117
Missoshiro – sopa à base de soja
316
receber de volta as tigelas, receba com as duas mãos e coloque sobre zenbu e,
em seguida, pegue o hashi.
2. O peixe poderá ser consumido nas duas faces, porém ao volver a
cabeça do peixe não deve estar voltado para o lado direito.
3. O arroz deve ser revolvido, para que fique fofinho, e posto num
volume de 8/10 da tigela.
4. O prato de sashimi tem suas fatias dispostas da frente para trás. Por
isso não confundir o lado frente com o lado verso.
5. Na hora do chá, após o término do banquete, deposite o hashi
depois de limpar com guardanapo ou kaishi
118
.
118
Kaishi – lenço de papel
317
Casamento tradicional japonês [105-108]
A fórmula japonesa de matrimônio consiste em “Miai Kekkon
119
e “Ren-
ai Kekkon
120
.
Para ambos os casos, pressupõem-se relacionamentos prévios, para
que possam existir sentimentos de amor e compreensão, quando, com o auxílio
dos pais, escolhem-se os padrinhos para que a condução do processo seja mais
formal.
Os padrinhos são ditos como “deuses do vínculo matrimonial”, portanto,
devem proceder com honestidade e amor. Não devem faltar com a verdade,
durante o entendimento entre as famílias, apenas visando estabelecer o
matrimônio, de qualquer maneira. As informações distorcidas poderão ser
reveladas posteriormente, desfazendo o relacionamento. Portanto, é importante,
desde o início, conhecer os dados e fatos relacionados aos candidatos e reportar
a ambas as famílias em detalhes.
“Yuino
121
Decidido o matrimônio, procede-se a cerimônia de troca de presentes
entre ambas as famílias, “Yuino”.
Antigamente, os representantes das duas famílias trocavam
cumprimentos com entregas de presentes, descritos na lista 1.
Porém, hoje, se
abrevia, cabendo este papel, aos padrinhos, que se encarregam de desempenhar,
sozinhos, as tarefas dos representantes das famílias.
Quanto às variedades do conteúdo dos presentes, atualmente,
simplifica-se, dando mais importância ao significado espiritual do que pela
formalidade. Costuma-se para isso apresentar apenas a lista escrita em caráter
formal, substituindo todos os itens da lista pela moeda. Há várias formas de
receber a lista do “Yuino”
122
. O procedimento mais comum é conforme a figura.
119
Miai-kekkon - arranjo
120
Ren-ai kekkon – escolha livre
121
Yuino – cerimônia de troca, oferta de presentes
122
Os principais objetos que constituem a lista de “Yuino” têm significado simbólico.
“Surume” (Lula seca) é alimento de longa duração. Tem propriedade de que quanto mais mastigar mais gosto
tem, sendo assim, representa relação longa de afeto entre o casal.
“Kombu” (Alga) sendo planta aquática vigorosa e procriadora, significa ter bastante filhos, garantindo a
perpetuação da descendência.
“Katsuobushi(Peixe seco - Bonito) alimento de longa duração. Antigamente, era levado pelos guerreiros na
guerra. Significa a sorte no combate, representa virilidade do homem.
“Tomoshiraga” (feixe de linhos) seus fios tem cor branca, significa longevidade do casal até que os cabelos
fiquem brancos.
“Suehiro” (Leque) significa o sucesso progressivo como a abertura de leque de um extremo a outro extremo.
318
(1)
“Mokuroku”
123
Gofukuji
124
1 peça
Tai
125
1 unidade
Surume
126
1 maço
Kombu
127
1 maço
Katsuobushi
128
1 conjunto
Tomoshiraga
129
1 feixe
Suehiro
130
1 par
Data De Mitsuo Yamada
Para Kazuko Murayama
O papel de embrulho a ser utilizado, normalmente, é do tipo
“Tyuhousho” (papel japonês, cuja dimensão é 47 x 33 cm), mas, no Brasil, utiliza-
se o papel que mais se assemelhar. Os objetos da lista e o dinheiro são
embrulhados separadamente e colocados sobre a bandeja de madeira de
acabamento natural ou sobre uma bandeja comum. Para “Suehiro” (Leque), é
mais usual a adoção do verdadeiro.
Recepção
Comemora-se o noivado somente com os familiares. Naturalmente, os
noivos são os participantes principais que, juntamente com os padrinhos e os pais
brindam com taças de “Sake
131
”. Às vezes, há casos em que, seguindo os
costumes da localidade, realizam a comemoração em âmbito familiar, somente
entre os padrinhos e o noivo, após o “Yuino”.
Todos estes objetos constituem padrão da lista de “Yuino”. Contudo, estes objetos poderão sofrer
variações, inclusive conter objetos de valor como “anel de diamante” ou mesmo valor em moeda.
123
Mokuroku - lista
124
Gofukuji – pano
125
tai – pargo, peixe
126
Surume – lula seca
127
Kombu - alga
128
Katsuobushipeixe seco, “bonito”
129
Tomoshiraga – feixe de linho
130
Suehiro - leque
131
Sake – bebida com alto teor alcoólico
319
Data de Casamento
Marca-se a data de casamento em função das condições físicas da
noiva. Não deve se levar em consideração superstições, tais como, Butsumetsu
132
e Sanrinbo
133
. Se houver pessoas de idade, que se preocupam com isso,
respeitem-nas e escolham a data que convenha a ambos. A parte do noivo deve
transmitir a decisão à parte da noiva por intermédio dos padrinhos.
Decidida a data, envie os convites aos parentes e amigos com
antecedência de, pelo menos, duas semanas, em nome conjunto dos pais dos
noivos. Os convidados devem ofertar os presentes antes da data de casamento. O
presente pode ser uma luminária, toalha de mesa, roupas de cama, jogos de chá,
jogos de talheres, utensílios domésticos, etc. cujos valores deverão ser
proporcionais ao nível de relacionamento e sentimento (de coração – kokoro
134
).
Se for possível, é melhor consultar os noivos sobre qual presente
desejariam receber. Os amigos poderão juntar dinheiro para oferecer o melhor
presente possível.
132
Butsumetsu – morte de Buda
133
Sanrinbo – mau agouro
134
Kokoro - coração
320
Tipos de Casamento [108-110]
as seguintes Cerimônias de Casamento: Shinzen Kekkon
135
, Katei
Kekkon
136
, Kirisuto Kekkon
137
e Butsuzen Kekkon
138
.
Com exceção do casamento Katei Kekkon, as cerimônias religiosas
seguem as formalidades de cada religião e o efetuados mediante as ordens do
sacerdote xintoísta, monge budista, pastor ou padre cristão. No caso de Katei
Kekkon, a cerimônia é realizada com a participação do Nakoudo
139
com o ritual de
troca de taça de cerâmica com sake (vinho à base de arroz) chamada “San San
Kudo”
140
.
San San Kudo
A cerimônia de troca de taça do San San Kudo que se realiza antes da
recepção aos convidados é realizada em ambiente reservado no qual os irmãos
ou parentes não participam. Quando realizada na mesma sala, ficarão
discretamente junto à parede.
O salão de cerimônia no estilo japonês com piso de tatami (esteira
composta de fibra vegetal), o noivo posiciona-se do lado esquerdo e a noiva do
lado direito de quem está em frente aos noivos. O padrinho da união fica ao lado
do noivo, a madrinha, por sua vez, fica ao lado da noiva. Quando houver
acompanhante, ela ficará atrás da noiva.
Serão escolhidos menino e menina de idades próximas, cujos pais
gozam de boa saúde para desempenhar a tarefa de servir o sake cerimonial para
os noivos, shakunin
141
.
Nas casas no estilo japonês, existem nichos que se chamam tokono-ma,
espaços reservados para a colocação de objetos de artes, ou arranjo floral como
ikebana, onde os noivos poderão sentar diretamente no tatami. Porém, quando o
local de cerimônia for ao estilo ocidental, deve-se providenciar uma pequena mesa
em frente aos noivos, para colocação do shinshu
142
. Na sala no estilo japonês
135
Shinzen kekkon – casamento xintoísta
136
Katei kekkon – casamento doméstico
137
Kirisuto kekkon – casamento cristão
138
Butsuzen kekkoncasamento budista
139
Nakoudo - padrinhos
140
San san kudo - san, significa 3, ku, significa 9, do, significa vezes (multiplicador). Desde antigamente, o
número significa a felicidade, portanto, San San Kudo seria 3 × 3 = 9, felicidade multiplicada a 9.
141
Shakunin - noivos
142
Shinshu – sake sagrado, à base de arroz
321
zashiki que possua tokono-ma, os noivos se posicionam no jouza
143
e os
padrinhos ficarão na posição secundária, gueza
144
. As pessoas que vão servir
sake devem se situar na posição oposta do tokono-ma.
Quando o local for ao estilo ocidental, os padrinhos tomarão assentos
no jouza e, em seqüência, sentarão os noivos. Os shakunin ficam nas posições de
gueza, para servir as taças de San San Kudo. Primeiramente, abastecem o
shinshu nas garrafas otyou e metyou
145
.
O noivo pega a taça sakazuki
146
da parte superior das taças
empilhadas, para colocar a bebida em 3 etapas e que será bebida também em 3
etapas. Em seguida, a noiva recebe a taça do noivo, bebendo da mesma forma
que o noivo bebeu.
Das taças empilhadas, a noiva toma a taça que se situava no meio,
repetindo o mesmo ritual, porém invertendo a ordem, isto é a noiva despeja a
bebida em 3 vezes e bebe em 3 vezes, o noivo recebe a taça da noiva e repete a
execução. A última taça da pilha é tomada pelo noivo e executado da mesma
forma como foi feito na primeira taça. Assim, completa o ritual de “San San Kudo”.
Quando o noivo é adotado pela família da noiva Muko Youshi
147
, a
ordem do ritual começa com a noiva.
Após o discurso de felicitação, é praxe a apresentação de canto
chamado Youkyoku ou Utai
148
, hoje pouco usual.
Terminando a cerimônia, os padrinhos dirigem formalmente o anúncio
do rmino da solenidade com êxito aos pais e parentes e oferecerão as taças de
shinshu com garrafa de metyou abastecida de bebida da garrafa de otyou para
cada um deles posicionados como no início da cerimônia, brindarem o
acontecimento. Antigamente, cada um dos parentes bebiam nas taças que
formavam um conjunto de 3. Hoje este ritual ficou abreviado. Concluída toda a
cerimônia, finalmente tiram-se as fotografias comemorativas com a participação
dos principais envolvidos.
143
Jouza – local principal do zashiki, sala no estilo de construção japonesa
144
Gueza – posição secundária no zashiki
145
Otyou e metyou – pequenas garrafas de cerâmica com enfeites simbolizando, respectivamente, borboletas
masculina e feminina.
146
Sakazuki – taça adequada para o ritual san san kudo
147
Muko youshi – para manter o nome da família da noiva, quando essa é filha única, ou não possui nenhum
irmão homem, o noivo recebe o nome familiar da noiva para dar continuidade.
148
Youkyoku ou utai – canto bravo, que advém do tradicional teatro Nô
322
Posição das pessoas na fotografia
Na primeira Fila
Mãe do Noivo Pai do Noivo Padrinho Noivo Noiva Madrinha Pai da Noiva
Na segunda Fila
Irmã mais Irmão mais Irmã mais Tio do Irmão mais Irmã mais Irmão mais
nova do velho velha Noivo velho velha novo da
Noivo do noivo do Noivo da Noiva da Noiva Noiva
Posição das pessoas na Mesa de Recepção
Parente Parente Parente Pai da Mãe da Madrinha Noiva Noivo Padrinho Pai do Mãe do Parente Parente Parente
daNoiva da Noiva da Noiva Noiva Noiva Noivo Noivo do Noivo do Noivo do Noivo
Convidados
Convidados
Idem
Idem
323
Ikebana “arranjos florais” [143]
O arranjo com flores nasceu com o sentimento de respeito à natureza.
O deleite do perfume de uma flor singela agrada até um ambiente
desolado de um escritório e traz tranqüilidade aos nossos corações.
O ato de arranjar a flor com Ikebana valoriza o ambiente e, ao mesmo
tempo, reconforta e eleva o espírito da pessoa.
O estado em que fica a serenidade da mente com a ausência de
pensamentos mundanos, talvez seja mais sagrado do que a meditação do
budismo.
As pessoas que contemplam o arranjo devem dedicar admiração ao
trabalho realizado naquela condição.
Quando estiver em frente a um Ikebana, é desejável uma atitude de
respeito, inclinando, ligeiramente, a cabeça de modo discreto.
325
KATARIGUSA
Michie Akama
327
Apresentamos, a seguir, textos [41-44], [45-48], [86-88], [88-90]],
[95-96], [119-122], [137-140], [173-176], [178-182], [189-191], [191-196], [206-212],
todos retirados e traduzidos do livro Katarigusa de que damos o índice geral.
Conferências
1 - Educação nos Estados Unidos…………………………………………...………….1
2 - Educação dos jovens…………………………………………………….……………8
3 - Por ocasião da vinda de representantes do “Rusu Kazoku” (Associação dos
familiares do Japão dos imigrantes japoneses)…………………………………..….17
4 - Situação da Mãe….………………………………………………………………….23
Publicações nos jornais e revistas
5 - Ciência para vida cotidiana………………………………………………………....34
6 - Recordação do dr. Yamamoto………..…………………………………………….37
7 - O casamento é o acontecimento mais importante da vida………………...[41-44]
8 - Minhas leituras………………………………………………………………….[45-48]
9 - Sobre problema dos idosos…..…………………………………………………….49
10 - Mensagem para o meu neto “Kiyoshi”……. …………………………………….54
11 - A viagem à cidade de Mito………………………………………………………...63
12 - Sobre desenvolvimento de inteligência infantil….………………………………69
13 - Visita às localidades históricas….………………………………………………...75
14 - Leitura sobre a vida de Bach…….………………………………………………..81
15 – A minha distração ……………………………………….…………………...[86-88]
16 - O significado de trabalho……………………………………………………..[88-90]
17 - Mona Lisa e Da Vinci…..…………………………………………………………..90
18 – Vamos caminhar a favor da mente e do corpo….………………………...[95-96]
19 - Audiência concedida pelo Imperador comenda recebida no Japão no
Palácio Imperial…………………………………………………………………………..97
20 - Viagem pela Europa verde……………………………………………………….102
21 - Ao assistir a ópera “Aida”….. ……………………………………………………106
22 - Viagem à Amsterdam………………………………………..............................110
23 - Sobre a bandeira do Japão…..………………………………………………….116
24 - Para constituir nipo-brasileiro digno……………………………………..[119-122]
Consulta sobre problema da vida pessoal
Pelo Jornal “Nippaku Mainiti”
(atual Nikkey Shimbum)
25 - Tratado como afeminado….……………………………………………………..123
26 - O casamento da filha com homem de meia-idade…………………………….125
27 - Relação no passado da minha esposa com o meu tio…..............................128
28 - A criança que recusa o relacionamento com outras crianças……................130
29 - Os filhos separados da mãe pelo sogro, após a morte do marido…………..133
328
30 - Problema entre o filho e a segunda esposa……………………………………135
31 – Sobre relação pré-matrimonial……............................ ........................[137-140]
Consulta sobre problema da vida pessoal
Pelo Rádio “Difusora”
32 - O problema da imposição de casamento com o sobrinho dos pais
adotivos.................................................................................................................141
33 - Sofrimento após violência sexual……….......................................................145
34 - Sofrimento com o relacionamento do marido com outra mulher…………….151
35 - Devo confessar sobre o namoro do passado para o novo namorado?.........155
36 - Sobre amiga que foi abandonada pelo namorado…………………………….157
37 - Casamento inter-étnico……………………….................................................161
38 - Marido com vício de jogo……........................................................................165
39 - Tristeza de uma viúva……............................................................................169
Do Jornal da Escola “Ayumi”
40 - Recordação do Bansui Doi…………………............................ .............[173-176]
41 - Caixa de Pandora……………........................................................................176
42 – O vestuário e a colônia……............................ ............................ ……[178-182]
43 - Discussão sobre Educação………................................................................182
44 – A comunicação entre pais e filhos……………............................. .......[189-191]
45 - Escolha do destino da mulher atual……………............................ …...[191-196]
46 - Meu ponto de vista sobre religião…………...................................................196
47 - Amarga recordação…………….....................................................................201
48 - Visita à boukou – minha antiga escola……............................ .............[206-212]
329
O casamento é o acontecimento mais importante da vida [41-44]
Recebi um convite da redação da revista da colônia para escrever
sobre casamento, e aceitei. Realmente, eu mesma, sou uma das pessoas que
mais se preocupou com este problema, então, resolvi escrever da maneira que
vejo.
pediram para eu gerenciar vários casamentos, por meio de várias
pessoas de contatos profissionais, e chego, até, a me cansar com tantas
apresentações.
Outro dia, um jovem inexperiente pediu-me para apresentar uma jovem
que fosse de segunda geração (nissei). Trouxe uma moça e deixei conversarem.
Porém, o casal não parecia ter muita afinidade e, por isso, o jovem pediu-me que
recusasse. Em outra ocasião, com outra pessoa, o casal até aparentava
afinidades, porém, o pai não quis aceitar o relacionamento de forma alguma.
Dessa forma, a jovem pediu para que eu recusasse. Diferentemente de tempos
atrás, sinto que, aos poucos, o casamento tem ficado cada vez mais difícil. Seria
muito bom, que a própria pessoa tivesse a liberdade de escolher um companheiro
que gostasse, e casasse logo. Porém, também o conseguem fazê-lo, e pela
falta de oportunidade em encontrar uma pessoa, o relacionamento entre homens e
mulheres vai se arrastando e acaba por acumular meses, aanos. Penso que,
com esses filhos, a preocupação dos pais vai se aprofundando a cada dia, por
isso, pela minha posição, imagino se não é possível fazer alguma coisa... e me
corta o coração quando penso nisso.
Dias atrás, alguns jovens técnicos de imigração vieram ao Brasil, e
propuseram que eu servisse de contato para um “encontro com moças (nisseis)”,
porque queriam trocar informações.
O corpo docente e eu concluímos que era uma boa sugestão. Misturar
jovens de ambos os sexos para fazer um piquenique, ou uma reunião, para se
conhecerem e, mutuamente, trocarem informações, além de haver um
entendimento mais profundo entre isseis e nisseis, também seria muito importante
para a colônia, assim como para o desenvolvimento do Brasil... logo, adorei a idéia,
e, explicando o motivo para que tivessem a autorização de seus pais, convidei as
alunas do grau mais elevado do colégio, esperançosa por uma boa resposta.
Logicamente que, para isso se tornar realidade, além de muita
responsabilidade, eu precisaria de muita ajuda de todo o corpo docente, mesmo
assim, fui em frente, mas, depois de conversas, os pais das alunas não aceitaram
muito bem a proposta.
330
As estudantes dedicavam-se, diariamente, apenas aos estudos, e, além
de serem muito jovens, a idéia sobre casamento para elas, ainda era cedo demais.
Ao aceitar o que pensavam, pensei nas alunas que estavam formadas, mas
elas também se mostraram bastante ocupadas com o trabalho, e ainda, não
conseguia entrar em contato, ou recebia respostas vagas. Tanto as moças como
seus pais aparentavam não dar muita importância para o casamento.
Antigamente, na época em que as mulheres não trabalhavam fora de
casa, elas se casavam mais cedo. Porém, a partir do momento que começaram a
ganhar seu próprio salário, não precisarem receber a mesada dos pais para
poderem comprar as coisas que gostam com seu próprio dinheiro, ir a qualquer
lugar, andar livremente, e, percebendo que podem se divertir suficientemente, não
têm pressa em pensar em casamento. Além de não ter olhos para escolher um
bom parceiro, será que pensam que, a qualquer hora, “a pessoa certa vai
aparecer”, e apenas alimentam sonhos, sem perceber?
Os pais vão observando isso e não para negar a preocupação e
comparação com outras pessoas.
Além de o casamento ser o assunto mais importante na vida, acho que
ninguém vive sem pensar nisso. Não apenas no Brasil, como também em vários
lugares do mundo, é um assunto que tem sido pesquisado.
Dentro dessas condições, em Nova Iorque, uma certa escola de apelo
sexual, ensina como seduzir um homem, cientificamente. Só para imaginar a auto-
confiança da escola, se as pessoas que se formarem, não conseguirem realizar o
casamento de seus sonhos, num espaço de três anos, a escola se responsabiliza
em devolver todo o custo do curso. Isso é excepcional, porque é formada por
casais, agências de casamentos, atendentes de bordo, motoristas de ônibus,
pastores e psicólogos. Por isso, fizeram a seguinte lista para aconselhar as
candidatas ao procurarem um marido:
1. Para você ter um bom casamento, a coisa mais importante e
possível, acima de tudo, é pensar sobre quais são os meios possíveis para
notificar outras pessoas que você está querendo se casar.
2. Buscar um relacionamento de qualquer forma. Proíba-se de
sentar ao lado de uma mulher no trem, metrô, ônibus.
3. A dica mais importante, cuidar das linhas de seu corpo, isto é,
andar sempre bem arrumada (alinhada).
São dados esses conselhos para as candidatas, para saber como estão
se empenhando para obter um bom parceiro, ao mesmo tempo em que, também,
servem como exemplo, para o lado masculino poder se empenhar em encontrar
uma boa parceira.
331
No ano passado, também na colônia japonesa, incluindo antigos e
novos imigrantes, tem aumentado o interesse no tema, cada associação das
províncias tem feito apresentações e, aos poucos, vem oferecendo consultoria
para casamentos. A Associação de Senhoras “Esperança”, também, 2 ou 3
anos, vem prestando esse tipo de consultoria, na qual esses “escritórios” entram
em contato com ambas as partes, fazendo o possível para que a relação seja
concluída. Também acho necessário que existam encontros uma vez por s
para diálogos para tirar as dúvidas dos jovens, e ficaria agradecida por isso.
Acho que os pais que têm filhos(as), devem utilizar esses órgãos, mas,
por enquanto, vejo que o número de inscrições é muito escasso. Será que os
japoneses por serem envergonhados, e, especialmente um povo orgulhoso não se
permitem tal situação? Por fim, acredito que, pela felicidade de suas filhas e filhos,
os pais deveriam agir mais favoravelmente a isso.
(Revista da Colônia - Associação da Cultura 1965)
332
Minhas Leituras [45-48]
Se me perguntarem “qual é a sua distração?”, não terei dúvida alguma
em responder “Leitura”. Isso porque quando jovem gostava de ler e sempre estava
com um livro.
Mesmo no Japão, era imprescindível ler no trem, quando voltava da
escola para casa. Certa vez, devia descer em “Akasaka Sanou Shita”, mas, estava
tão entretida lendo um livro, que fui até “Tora no Mon”, onde recebi uma
reclamação do cobrador.
Dessa maneira, desde que vim para o Brasil, ao invés de comprar
roupas, gastava a mesada com livros. Muitas pessoas dizem: “Estou tão ocupada,
que não tenho tempo para ler”. Mesmo agora, não querendo comparar com outros
tempos, dentro da família tudo está racionalmente organizado. Eu penso que, se
não é fácil achar alguns espaços de minutos de leitura por dia, é porque não se
adquiriu o hábito de ler, ou talvez, como diziam antigamente: “Além de ser mulher,
fica lendo…” ou Se tiver tempo livre para ler ...” . Em certa época, pensavam que
leitura, entre outras coisas, era algo que as mulheres não necessitavam,
entretanto, em uma parte da sociedade, as esposas ainda têm, talvez, isso em
mente.
A propósito, até hoje, sempre busquei livros relacionados à
necessidade do momento. Circulava por várias livrarias, buscando não apenas
livros sobre um mesmo assunto. Realmente, vários tipos de assuntos, na minha
jornada, eram relevantes também.
Outro dia, meu filho se casou e foi morar na casa vizinha. O quarto dele
ficou vazio. Pensei em recuperar os livros que li e os juntei até hoje.
Quando as estantes de livros ficavam lotadas, eu os depositava em
caixas e colocava no sótão, ou num canto do porão. Resolvi, então, deixar esses
livros verem a luz do sol. Procurei o Sr. Sato que começou logo a fazer a estante
para meus livros.
Juntei as caixas que estavam espalhadas por vários lugares nesse
quarto e soltei um “Ah!” quando abri e os retirei das caixas.
Os livros que estavam da metade para baixo na caixa ficaram úmidos.
Assim como tinham livros embolorados, haviam também livros com as capas
descascadas. Quando vi o estado lamentável dos livros que guardei com tanto
carinho senti que uma tristeza muito grande apertava meu coração.
333
O meu sonho era “Quando eu morrer esses livros vão ficar e o futuro
deles será a biblioteca da escola...” - eu, que sempre ficava brava com as pessoas
que não tomavam cuidado com o livro que tomavam emprestado de outrem,
mesmo que chorasse, não seria o suficiente, e nunca esqueceria o erro cometido
ao guardar os livros de qualquer jeito.
Aos olhos, os livros que o postos brilhando em uma sala de estar são
muito bonitos e tornam-se um enfeite para um lugar, na estante que guardo os
meus livros, depois de lidos por mim, vão de um para outro, e como deram
várias voltas, vendo por qualquer ângulo, não são o tipo de livros que servem para
enfeitar um lugar, uma vista diferente, reto em um canto estreito. Quando volto,
repetidas vezes por semana, e quando entro nesse quarto, meu coração fica
calmo porque parece que ganhei milhões de amigos. A leitura é a bússola que nos
leva para mundos desconhecidos.
Geralmente, as pessoas se colocam em problemas familiares, sociais,
no lugar de uma terceira pessoa, e buscam por alguém que uma razão ou
solução, mas a leitura preenche todos esses anseios.
Por exemplo, por mais que uma estória seja simples, ali estão
escondidos vários tipos de acontecimentos na sociedade. Até o pensamento sutil,
que podemos aprender de uma pessoa, ao ler uma biografia, pode tornar-se uma
força dentro de nossas vidas.
Se estudássemos histórias da sociedade ou histórias de ideologia,
socialmente, ou ideologicamente, poderíamos pensar sobre que tipo de atraso
houve nessa época?”, criticamente, podemos lê-los, se estudarmos a psicologia,
descobrindo o divertido gênio do personagem que o autor quer mostrar.
A leitura não é focada apenas para assuntos de alto nível. Volta-se para
a nossa difícil realidade, visualiza coisas corretas para vivermos, boa esperança e
busca por uma maneira de não ficarmos perturbados. Acho que é útil para tudo
isso.
Para as mulheres atuais e jovens, há tendências em se acreditar, que
maquiagens e acessórios vêm se tornando extraordinários, é a natureza da sua
psicologia. Não que eu queira julgá-las, mas quando necessitam falar algo, todo
esse esforço para com a aparência, torna-se inútil, porque as idéias são ocas e
isso acaba diminuindo os pontos.
Será que, não são os conhecimentos obtidos com esforço pprio e
acumulados durante a época dos estudos que iluminam as idéias e é isso o que
podemos chamar de verdadeira beleza?
334
O fato de gostar de ler não quer dizer que fico observando a vida de
cima, parecendo ter mais conhecimentos. Podem pensar que quero me exibir,
mas sou a mesma senhora do alojamento, que continua a ter suas necessidades e,
mesmo agora, continuo subindo, lentamente, a íngreme ladeira.
O quanto pensar em me sentir revigorada, quando, durante essa
íngreme ladeira a garganta que secar for abençoada por um copo de água pura. A
minha leitura tem o mesmo sentido que a função dessa água pura.
(1965-Jornal de Críticas)
335
A minha distração [86-88]
Conforme a idade vai avançando, vejo que o tempo de sono vai
diminuindo e todas as manhãs, é de praxe que meus olhos despertem. Isso não é
um tipo de costume?
O horário dos alunos do alojamento acordarem é 6h10, durante esse
espaço, dedico para a minha leitura, essa uma hora. Juntamente com o sinal de
despertar, por 10 anos sem falta, continuo indo à cozinha, fazendo meu suco de
verduras e bebendo-o. Graças ao suco de verduras, minha saúde e o grave
estado de anemia normalizaram.
Depois de tomar o café, vou regar as plantas e contemplá-las, é mais
uma das minhas distrações. uns três anos atrás, aprendi a ter interesse em
cultivar orquídeas e apesar de construir uma pequena estufa de vidro no jardim de
trás para o cultivo das poucas espécies, juntamente com a mudança para o novo
prédio da escola, tudo foi destruído e acabou se tornando o lugar de diversão da
pré-escola. Sem outra opção, levei tudo para uma sala que estava vaga na
cobertura da escola e, a cada treze dias, subia para regá-las, mas via que a luz do
sol aparecia de vez em quando, e com tudo isso, as orquídeas, a agora,
parecem estar apenas sobrevivendo. A coisa que mais me preocupa, é dar um lar
adequado para essas vidas. Meu filho me disse: “- Um dia desses eu vou dar um
jeito” ... mas isso será para quando?
Desde meus tempos de juventude, gosto de ler, tendo tempo ou o.
Para mim, essa é, também, uma grande distração. Depois de ficarem velhas, as
pessoas que têm uma distração são felizes.
Outro dia, fui à casa de uma das alunas formadas, em Santo Amaro,
uma pessoa de 74 anos de idade, que cuidava de dezenas de vasos de bonsai
149
e, qualquer um desses pinheiros, tinha suas formas perfeitas, realmente fiquei
com um pouco de inveja. Posso dizer, que o ambiente familiar e o jeito desse tipo
de ser humano não é visto em qualquer lugar, de maneira que não pude deixar de
reparar.
Talvez, se as mulheres amassem mais as flores e, mesmo dentro de
casa, se interessassem por flores, cozinhar, fazer trabalhos manuais como
distração, suas vidas seriam mais felizes e teriam motivação para viver.
Ultimamente, as mulheres que eram chamadas de dona de casa, juntamente com
os homens, começaram a trabalhar fora de casa, o que as levou a comprar
149
Bonsai – árvore mantida em tamanhos reduzidos, por meio de podas e amarrações.
336
roupas prontas, comidas instantâneas para as refeições, e acabar entregando as
crianças na mão de empregadas, e, mesmo que o botão da roupa da criança caia,
não pregam firmemente. Se realmente estiverem sem tempo, temos que nos
conformar mas... não seria pelo fato das pessoas terem a oportunidade de poder
sentir as coisas, por exemplo, mesmo que seja uma coisa pequena, o fato de
poder inventar algo, que sente alegria?
Com a canção “a minha visão sobre família” da profa. Motoko Hani, na
frase, “são principalmente nas pequenas coisas que me sinto estimulada quando
estou triste e sem forças”, me senti fortificada, porém, dentro da educação
escolar, construir coisas utilizando as mãos, vem se tornando um fato raro, e,
como se tornasse o cérebro, dedos e mãos lentos, no final, penso se não estamos
enviando pessoas entediadas para o mundo.
(Jornal Paulista, 1971)
337
O Significado de Trabalho [88-90]
Quando fui visitar o Japão, no ano passado, examinei várias escolas,
mas, dentro da cidade de Mito, o formato das escolas Kokumin Kootoo Gakou e
Jiyu Gakuin Seikatsu Gakou me fizeram aprender muito. Desde o tempo da
falecida professora Motoko Hani, a Jiyu Gakuin não teve mudanças, infiltrando
“Pensando, Vivendo pelo rebro e no corpo todo, foi o que fez me comover
muito a respeito da educação do ser humano. Nesta escola, não há nenhum
servente. Todos os alunos, com suas próprias os, preparam a comida, limpam
e, até mesmo, para o atendimento dos visitantes, o treinados para fazer
espontaneamente.
Fui visitar a escola exatamente no horário da manhã. Conduziram-me e
até me convidaram para o almoço, onde apreciei as delícias. Nesse tempo, uma
aluna se colocou em frente à lousa, começou a calcular as calorias e os nutrientes
da refeição do dia. Depois de ouvir “Sirvam-se”, e enquanto todos diziam com
uma voz: “Bom apetite (agradeço pelo alimento)”, começaram a levar o hashi
aos seus pratos, mas depois, me assustei um pouco, pois eram obrigados a
avaliar a refeição.
Também fui ao alojamento das alunas, e ouvi falar que foi necessário
contratar uma pessoa para lavar a louça das alunas, pois muitas delas
reclamaram em fazê-lo, e isso não é um problema apenas do ato de lavar a louça,
mas sim, o declínio do caráter humano. Estudar também é importante, mas
dedicar os cinco ou dez minutos vagos depois da refeição, é também uma forma
de mostrarmos nossos bons corações, ajudando a fazer as coisas.
Pessoas que tiveram um alto nível de educação, talvez pensem,
Deixem que eu tome conta das coisas de casa e trabalho”, mas nisso também,
o problema de limite. Uma patroa que o sabe fazer nada, não sabe
empregar bem. Ao se casar, encontrará várias complicações, que não para
entregar na mão de um empregado, isso em qualquer lar. Para resolver tudo
isso, é necessário esperar pela ordem da dona da casa. Mesmo que o nível de
educação obtida tenha sido alta, pelo estudo obtido em frente a uma escrivaninha,
não imagino que isso vá criar o caráter humano.
Através dessa visão de direcionamento de educação, a profa. Hani se
propôs a mudá-la. Não será pelo fato do Brasil ter vivido um sistema de
escravidão que, ainda hoje, isso continua a ocorrer entre nós? tempos, no
Japão, havia uma educação chamada “Trabalho junto com Educação” mas, nesse
nosso Brasil de hoje, se falarmos isso, vão nos responder: “Isso é uma coisa
antiga”, e terminam por aí. É um problema a ser pensado.
(1972, Jornal Paulista , Boteco)
338
Vamos caminhar a favor da Mente e Corpo [95-96]
Há, aproximadamente, três dias atrás, recebi uma carta da estilista Tiyo
Tanaka, de Tokyo, pela condecoração que recebi. Dentro desta: “Nós também,
sobre todas as escolas de costura, como este cartão desenhado, construímos
uma escola profissionalizante em “Midori no Oka”, e como sempre, com muita
saúde e suor. Em sua próxima visita ao Japão, venha nos visitar, sem falta.”
Ao ver o verso deste cartão desenhado, deparei-me com uma floresta,
e mais, em uma enorme floresta, uma maravilhosa e moderna escola estava
espalhada em vários pontos. “Ah, esta floresta, provavelmente deve estar afastada
do centro da cidade, e como os estudantes vão até lá?” Fiquei imaginando isso,
como se fosse eu mesma a ir até este lugar.
Quando fui visitar o Japão em 1970, tinha estudado na Bunka Fukuso
Gakuin (Escola de Cultura de Roupas), e visitado a atual Kasei Daigaku
(Faculdade de Administração Doméstica, antiga Watanabe) entre outras mais, e
seus prédios ficaram afastadas da estação de trem cerca de um quilômetro e meio,
e seus alunos necessitavam levar seus materiais, caminhando até lá. Eu também
os segui, e, como não estava acostumada com o trecho, lembro-me que me
cansei muito com a caminhada.
No Japão, os locais escolhidos para construir escolas são um pouco
afastados do centro da cidade, parecem escolher lugares calmos e, principalmente
agora, com a intensa poluição, mesmo que o trajeto escolar seja complicado,
parece que os lugares escolhidos são mais calmos, com o ar mais puro. Mesmo
antigamente nos subúrbios, interiores do Brasil, e ainda hoje, mesmo chovendo,
em tempestade, é necessário andar dois ou três quilômetros, no trajeto escolar,
sem pensar em nada.
Mas as crianças que crescem na cidade não andam nem um quilômetro.
Isso, porque em todos os lares tem um carro e não estão mais acostumadas a
andar e, devido a isso, as crianças que se matricularam nessa escola, no início
das aulas de Educação Física, apresentam pernas e mãos fracas e, acima de tudo,
aparentam um corpo fraco. Quando ficamos velhos, as pernas começam a ficar
fracas e, é, à partir das pernas que começamos a morrer.
A chamada Sra. Tiyo Okada, mesmo aos noventa anos, por conseguir
andar firmemente, foi admirada. O falecido Sr. Hidesada Okada, seu marido, por
ser professor de educação física ginasial, na época, ofereceu aulas de educação
física para os jovens da colônia.
Dentro do pátio da Escola Akama, praticavam exercícios logo de manhã
cedo, e havia encontros, onde nós e os alunos, juntos, subíamos a Taipasu, aqui e
339
ali, andando juntos com o professor, no “encontro de andar”. Naquela época, as
pessoas que vinham, não tinham a facilidade de adquirir um carro e muitas vinham
de muito longe andando.
E as pessoas de hoje como são? Existem muitas pessoas que podem
achar que, neste calor, subir a Taipasu sem saber o motivo de estar subindo é
coisa de idiota. Entre os alunos, que vários anos vêm à escola para aprender
japonês, mesmo crescendo, continuam vindo de ônibus escolar, sem nenhuma
mudança.
Outro dia, o professor Saito, da aula de japonês, incentivou os alunos
que tinham idade suficiente para isso, virem de transporte público, sem precisar
usar o ônibus escolar, “não um quilômetro do ponto de ônibus até a Altino
Arantes, venham andando, isso será algo bom para a saúde de vocês...”.
Os pais de hoje esqueceram, completamente, como foram criados, e
são permissivos com seus filhos, “nós passamos por várias dificuldades e não
queremos que os nossos filhos passem por isso”, pode ser a forma dos pais
pensarem, porém, fazer tudo o que as crianças querem, satisfazer todas as suas
vontades é, realmente, para o bem das crianças?
Isso sim será um amor cego.
(Jornal Paulista, 1974)
340
Para constituir nipo-brasileiro digno [119-122]
Desta vez, a nova iniciativa do São Paulo Shinbun, é fazer uma página
especial para escolas, porque, até hoje, o que não era bem esclarecido, tais como,
nomes, endereços e especialidades das escolas, poderá ser conhecido por meio
desta, ajudando, assim, as pessoas da colônia.
Bem, comparando com outros países, será que existem muitas escolas
de japonês como no Brasil? Dizem que os japoneses são fervorosos pela
educação. Uma prova disso é que, quando eles chegavam ao Brasil, se
houvessem vinte famílias no mesmo local, logo nascia uma escola de japonês.
Isso, porque os pais queriam passar para seus filhos, as coisas boas do
Japão, e quando os caboclos, que não sabiam nada, perguntavam: “No Japão,
locomotivas e trens?”, o havia argumentações. Ou, entre outras coisas, havia
dúvidas, em relação à situação de acúmulo de dinheiro e retorno breve ao Japão,
em como seria se os filhos não soubessem japonês? A ascensão escolar não
seria garantida, por isso, imagino que havia muita preocupação nesse sentido.
Porém,o país de origem perdeu a guerra, o sonho de voltar rico foi
demolido e, sem argumentos, acabaram optando por viver aqui para sempre.
Durante a guerra, por ser proibido falar japonês, se utilizava o português. A
segunda geração, além de não saber falar japonês, ouvi dizer, que muitos sentiam
até ódio por ter nascido com o rosto de japonês.
Mas, ultimamente, parece que explodiu um interesse exagerado pela
língua japonesa, até a imprensa explica a importância dela. Imagino que existam
vários motivos para isso. Depois do final da guerra, mesmo na América do Norte,
houve esse grande interesse para a língua japonesa e senti, fortemente, tudo isso,
quando viajei para outros países e voltei para cá. O motivo de recuperar a língua
japonesa na América era, logicamente, a leitura, escrita, e saber falar a língua.
Porém, para os dizeres de professores, pais e irmãos, o grande ideal era “Não
apenas como uma forma beneficente, e sim, ter a experiência viva na cultura e
inter-relacionar as culturas nipo-americanas, contribuindo na formação de
honrados cidadões americanos descendentes de japoneses”.
Bem, qual é a situação das escolas de japonês no Brasil? Não
rumores de ter experiência com a cultura japonesa. Mesmo indo vários anos na
escola de língua japonesa, nisseis e sanseis que ainda não falam o idioma, e
isso também, se torna uma preocupação dos professores. A causa disso, é que
dentro de seus lares, rapidamente, o uso da língua japonesa foi extinto e os
familiares só se comunicam em português.
341
Logicamente que vários motivos para que isso tenha acontecido.
Não podemos apenas criticar os lares. Mesmo assim, o lar é o plantio da
educação e não podemos esquecer que a disciplina e personalidade são criadas
dentro do lar. Os japoneses pensam que é matricular seus filhos em uma
escola e tudo se resolve, ou então, pelo fato da mãe ser muito ocupada, mesmo
não sendo sua real intenção, entrega o filho para escola e vai deixando dessa
maneira mesmo.
O apresentador Suzuki, da NHK, disse: “Estar ocupado... quando
escrevemos em japonês, explicamos o ideograma utilizado, da seguinte maneira:
à esquerda, coração, e, à direita, perda CORAÇÃO PERDIDO; por isso, se
estiver muito ocupado, a cultura não nasce, e vai perdendo a oportunidade de
formá-la”. O povo japonês é uma raça trabalhadora e, dessa forma, os brasileiros
aceitaram bem as inserções, e é por isso que, atualmente, está abençoado
economicamente. Porém, como era antigamente? Por se ocupar tanto, não teve
nem tempo de estudar a língua portuguesa, e imagino que este fato esteja ligado
ao problema dos idosos. A maioria dos netos falam português e os avós não
entendem o que eles querem dizer, mas, se não é possível se comunicar, não é
necessário dizer que os filhos e netos vão se afastando.
Então, depois de escrever a aqui, o que devemos fazer daqui pra
frente? Penso que os professores devem falar detalhadamente com os pais. Às
vezes, ouço: “Meu filho vai muitos anos na escola de japonês e até hoje não fala
nada, acho que a maneira que o professor ensina não é boa...” e onde está o
motivo disso? Será que isso não é um importante motivo para ser discutido? É
como se, por mais que nós, nascidos no Japão, aprendamos a ler e escrever em
português, se não tivermos amizade com brasileiros, não falaremos português.
Pelos japoneses, os nisseis e sanseis se tornaram a corrente que liga a
amizade nipo-brasileira, e conseguiremos provar que nós, imigrantes, não somos
apenas algo a ser descartado. É como não poder conhecer um novo eu.
(São Paulo Shinbun, 19 de março de 1977)
342
Sobre relação pré-matrimonial [137-140]
Pergunta:
Eu sou uma datilógrafa que trabalha em uma empresa dentro da cidade,
mas gostaria de fazer uma consulta sobre uma amiga, dois anos mais nova que
eu, que trabalha comigo. Há mais ou menos um ano atrás, ela começou a namorar
um moço que também trabalha conosco, porém, apesar de ele estar com 25 anos,
parece-me que eles se comprometeram em se casar daqui a uns dois ou três anos.
Porém, quase um mês atrás, os dois foram ao cinema e, na volta, passaram na
residência dele, então, ele começou a se insinuar para ela. Como ela resistiu, ele
disse que não acreditava no que estava acontecendo, então ela acabou
permitindo. Depois disso, por ele continuar insistindo terrivelmente, continuaram a
sair por mais duas ou três vezes. Ela achou que se ficasse fazendo isso, talvez em
breve, viesse a acontecer alguma coisa a seu corpo e ficou muito preocupada,
caso arruinasse o seu trabalho, e, ao falar que era melhor casar logo,
repentinamente, ele disse que queria terminar o namoro. Mesmo perguntando e
exigindo um motivo, parece que não chegou a lugar nenhum.
Juntando toda a sua história, vejo que ele não tinha o menor interesse
em casar e, desde o começo, planejou o relacionamento. Ao conseguir atingir sua
meta, podemos dizer que fugiu o mais depressa possível. Depois disso, ela está
deprimida e, às vezes, durante o serviço, segura o choro, vejo que está sofrendo.
Ele finge que não aconteceu nada e, por isso, sinto pena dela. Não me conformo
que não haja nada que se possa fazer com este tipo de homem.
(Kko, São Paulo)
A brecha do coração é responsabilidade dela.
Resposta:
Imagino que várias pessoas, neste mundo, passem pela mesma
situação, de ser enganada por um homem, sentir no corpo este tipo de dor, e
fiquem se lamentando disso.
Mas pelo fato da relação entre homem e mulher, acontecer com o
consentimento entre ambas as partes, não nada que possa ser feito,
legalmente. Digo que, em relação a este tipo de homem sem responsabilidade,
mesmo julgando pela mão humana, acima de tudo, não vai apresentar sinais de
arrependimento e nada vai acontecer. Porém, esse tipo de homem, acredito que,
em alguma circunstância, em alguma oportunidade, sentirá no corpo, esse mesmo
sofrimento como resultado.
343
Por falar nisso, em relação à sua amiga, realmente, sinto muita pena
dela. Porque ela não conseguiu ver o real valor deste homem? Passear até tarde
sozinhos, ir até a residência dele, acredito que ela mesma atraiu esta situação.
Mesmo que dizemos que o Brasil é um país liberal, nos lares mais comuns é muito
normal se prevenir o máximo possível com as relações entre homens e mulheres.
A verdadeira liberdade não é ser libertino, mas sim ter autonomia.
Ao invés de querer julgar o parceiro, primeiro você deve consolar a sua
amiga, incentivar, e por favor, ajudá-la no arrependimento deste erro para o
próprio desenvolvimento (crescimento) futuro, ensinando e mostrando outras
oportunidades. A leitura é uma forma prática, que aconselho. Lendo, com o tempo,
vai saber o que é uma boa literatura e sabendo o que é uma boa literatura, saberá
o que é ter uma boa vida ou quais são os valores de uma vida. Fazer com que ela
tenha um ideal de vida, fará com que o sofrimento dela diminua.
344
Do jornal da escola – “Ayumi”
O jornal interno de nossa escola foi criado em 1935.
No início o chamamos de “GAKUYUU”” mas como outra escola tinha
um jornal com este nome tivemos de mudar para “KAIHOU”, posteriormente,
sendo mudado para “AYUMI”, mantendo este nome até o ano passado.
Entre as histórias que foram usadas como prefácio em todas as
edições, escolhi umas nove delas, que mais marcaram e continuam em nossa
memória.
Compositor de hinos de Instituições Acadêmicas
Recordação do Bansui Doi [173-176]
Foi perto do entardecer, que recebemos, do Japão, a notícia de que, no
dia 19 de outubro do ano passado (1952), aos seus mais de noventa anos de
idade, o grande poeta revelado pela obra “Mori no Miyako” (cidade dos verdes), o
professor Bansui Doi havia falecido em seu ateliê, recebendo, em sua
homenagem, uma grande cerimônia. Não pude esconder a minha tristeza, por
conta de ter uma afinidade especial com o professor, além de sermos naturais de
Yoshimi na mesma província.
Embora o professor pudesse se sentir à vontade para viver da forma
que quisesse, em qualquer país, ele nasceu em Sendai, viveu em Sendai e
morreu em Sendai. Creio que ninguém, como ele, jamais amou tanto e viveu tão
intensamente em sua terra natal.
É certo que, a eterna obra-prima “Arashiro no tsuki”(lua de Arashiro -
castelo), composta em parceria com o genial compositor Taki Rentarou continuará
sendo estimada, e a sua sica, cantada, eternamente, como uma música do
povo japonês. Mas o nosso hino ”Toukai tooki ooyamato...” (referência ao Japão
que fica no mar do leste...), outra obra do professor Bansui, também nos lembrará
dele, sempre que cantarmos “Shunkourou no hana no utage...”. Isto tudo, me faz
lembrar quando voltei ao Japão e visitei o professor, no salão do bacharelado em
Kanda, Tokyo.
“Qual a sua motivação ao administrar a instituição?”. Assim como um
aluno diante do examinador, fiquei um pouco atrapalhada com a repentina
pergunta. Ainda me vem à mente a cena, do professor magro, aparentando um
temperamento nervoso, me olhando, daquela forma, por cima dos óculos. Parece
que foi ontem que lhe respondia, e, às vezes, até com uma conversa mais
informal, usando muitos e variados documentos de consulta que davam uma idéia
345
de minha motivação em fundar a escola, a política educacional, o clima de São
Paulo, meus ideais como imigrante, religião... Passaram-se rapidamente quatorze
anos, e os nossos destinos se separaram.
O tempo passa e nem sabemos o quanto o coração do idealista se
machucou com as mudanças no mundo. Até mesmo pensei sobre alguns
aspectos do hino de nossa escola, que, às vezes, parecem não estar tão de
acordo com a nossa época... No entanto, o professor não conhecia o Brasil, e por
meio de limitados documentos de consulta, escreveu, intuitivamente, sobre os
sentimentos do povo japonês da época. Não posso negar que gostaria de poder
ter indagado sua opinião sobre isso enquanto ele ainda vivia.
Mas, visto que, a arte é uma expressão ilimitada da própria vida do
artista, devendo ser reconhecida também como parte da história, não seria,
exatamente isto, o que significa a eternidade da vida? Motivada a mostrar uma
certa cerimônia por esse raciocínio, isso foi deixado de lado, na nossa vida
ocupada. Lembro-me das palavras de outrem, que disse : “Não é permitido discutir
sobre o novo e o antigo em relação a um grande poema”.
Considerando o valor artístico de nosso hino escolar à parte, a
realidade é, que este hino composto pelo professor Bansui, um poeta não da
Ásia, mas conhecido como um poeta do mundo, ficará para sempre em nossa
escola e para sempre será cantado, apesar da morte do professor. “A vida é curta,
mas a arte perdura”. Nós, de coração, oramos pelo descanso eterno do professor
e oferecemos nosso renovado agradecimento a ele.
346
O vestuário e a colônia [178-182]
Ultimamente, quase uma obrigação, sábado é dia de casamento.
quatro ou cinco dias atrás, fui a um casamento numa igreja católica. Faltavam dez
minutos para começar a cerimônia, e a espaçosa igreja estava lotada de
convidados. Não era para menos, pois era o casamento da filha de uma pessoa
muito influente na colônia. Entre seus convidados haviam muitos “estrangeiros”,
ou seja, não descendentes, e a beleza dos trajes japoneses era deslumbrante.
Recentemente, observando que, o estilo de vestimenta dos
“nisseis
150
tem-se mostrado bem mais simples e elegante, acho que o estilo de
roupa adotado pelos “isseis
151
também está, incomparavelmente, mais elegante
em relação à roupa que usavam antigamente.
Dizem que, a vestimenta das pessoas representa sua época. Não
posso deixar de me lembrar do que ocorreu, há uns vinte e dois ou vinte três anos
atrás. Naquela época, a nossa escola ficava na rua Conselheiro Furtado, e as
pessoas ficavam olhando os japoneses passando de manhã e à noite. Apesar de
algumas pessoas se arrumarem bem, no estilo japonês de se vestir, ou com
roupas estilo ocidental, produzidas no Japão, que pareciam ter sido compradas na
cidade de Kobe, havia também, por exemplo, um velhinho de paletó de algodão
caqui e sapatos barrentos, andando vagarosamente, típico de alguém vindo do
interior, pessoas andando de tamanco e até donas de casa, indo ao mercado no
outro lado da rua, de chinelos, carregando uma sacola. Uma maneira de se vestir
muito difícil de se ver e aceitar hoje em dia.
Acho que, naquela época, estávamos tão preocupados em, como
conseguir uma vida mais equilibrada, ou, como conseguir logo o dinheiro esperado
e regressar ao Japão, que nem conseguíamos dar atenção à nossa vestimenta.
Pode ser também que, fomos influenciados pela ideologia de que a pessoa interior
é muito mais importante do que a aparência externa, conceito enfatizado pelos
japoneses daquela época, e dando atenção ao ditado que diz: “A vergonha do
turista é passageira”
152
, tudo isso, tenha feito com que buscássemos mais, poupar
o dinheiro do que usá-lo, mesmo tendo uma situação econômica melhor.
Fiquei sabendo que, entre as pessoas importantes que visitaram o
Brasil, depois do fim da guerra, alguns passaram muita vergonha, aqui e ali, antes
de voltar ao Japão, por não se importarem muito com sua vestimenta.
150
Nissei – descendentes japoneses, da segunda geração
151
Issei- imigrantes japoneses natos, da primeira geração.
152
Este ditado que, literalmente, em japonês, se diz: “TABI NO HAJIWA KAKISUTE”, a idéia de que a
pessoa que está, temporariamente, em determinado local, onde não conhece as pessoas em sua volta, e
ciente da brevidade de sua estadia, passa por uma vergonha momentânea, sem dar muita importância. Ou
seja, não se preocupa muito com a aparência.
347
Porém, o mundo está, extraordinariamente, mais próximo (pensando
nos relacionamentos sócio-econômico e políticos entre os países), e as
preocupações com o vestuário, alimento e moradia estão se tornando
internacionais. Eu acho que, aqueles que têm condições de viajar para outros
países, deveriam, no mínimo, se informar, antes de tudo, sobre os modos e
etiquetas comuns nos mesmos.
dezessete anos atrás, um jovem veio do Japão ao Brasil sob meus
cuidados, pouco antes do início da guerra entre o Japão e os Estados Unidos. Eu
cuidei dele por um tempo e, naquela época, em meio ao forte sentimento
militarista que prevalecia, ele trouxe seu traje de cidadão (roupa parecida com
uma farda), que, obrigatoriamente, era usado pelos japoneses. Toda vez que ele
saía usando-a, eu o advertia: “Tire esta roupa! Estamos no Brasil!”. Mas ele
retrucava, encerrando o assunto: “Esta roupa pode ser usada em qualquer lugar,
pois é a roupa do cidadão japonês!”, apesar de ser o primogênito de uma
respeitada família, e ter concluído o curso superior. Não pude resistir e admirar
o quão fortemente arraigada estava a educação baseada no militarismo daquela
época.
Tem-se dito que, “a vestimenta revela a personalidade da pessoa, e é
uma expressão do modo de pensar da pessoa”. Não parece que os japoneses
tinham uma maneira um tanto presunçosa e exclusivista de agir?
Gostaria de listar, a seguir, os seguintes comentários de especialistas,
que li, recentemente, numa revista de moda:
Segundo um economista: “A beleza depende, acima de tudo, de ter
uma situação financeira avantajada, que garanta uma vida equilibrada e uma vida
com paz interior”.
Segundo um religioso: “A fonte da beleza deve ser o amor. Uma grande
beleza é fruto de um grande amor, e um amor mesquinho produz uma beleza
mesquinha”.
Segundo um dico: “Ter o nariz fino ou belos olhos, por si , não
significa ser belo. A verdadeira beleza provém da saúde interior do coração e do
corpo”.
Segundo um literário: “É lamentável, quando alguém bem arrumada,
com roupas e maquiagem da moda, deixa transparecer, apenas ao abrir a boca,
que não tem nada na cabeça e é uma pessoa miseravelmente monótona. Penso
que a beleza, no verdadeiro sentido, nasce quando se esforça em combinar os
acessórios com as roupas e ao mesmo tempo se embeleza com os acessórios da
vida que são a leitura e a música”.
348
Estes foram os comentários, do ponto de vista de cada especialista,
sobre o que realmente significa a beleza. Mas eu acho que não teremos felicidade,
caso excluamos qualquer um destes pontos de vista.
Bem, foi cinco ou seis anos atrás. Fui ao aeroporto me despedir de
minha amiga do interior que ia voltar ao Japão. O aeroporto estava muito
movimentado com outras pessoas que também voltavam. As vestimentas destas
pessoas eram as mais variadas. Entre estas, havia uma pessoa com um pomposo
casaco de pele e chapéu, carregando uma bolsinha de pele de jacaré. Entretanto,
estava de sapato esporte, com este estilo de vestimenta!
As pessoas da colônia tem conseguido uma boa situação econômica,
mas ainda tem estas incoerências em algumas facetas da vida. Eu acho que esta
era a cultura da colônia na época. Nosso único sonho era voltar para nosso país
com uma boa situação financeira, mas a reviravolta da história, com o término da
guerra, mudou drasticamente nossa disposição. A força de vontade foi cruelmente
frustrada, e a residência permanente no país de migração foi decretada. No
entanto, estes fatos foram positivos para nós, os isseis, no sentido de que, em
primeiro lugar, a vida foi se estabilizando, a administração dos negócios e as
estratégias foram bem definidas, e tratamos com uma diferente e maior seriedade
a educação de nossas crianças. Não podemos deixar de notar que estes novos
valores foram se revelando na vestimenta dos membros da colônia nipônica.
Dizem que a cultura de um país é revelada, diretamente, pela
indumentária. Por isso, concordo com o fato de que os franceses se vestem mais
elegantemente. Bem, falei muito até aqui, mas em suma, digo que, melhorar a
maneira e os costumes de vestimenta de um país é um importante trabalho
cultural em nível nacional. Eu acho que devemos encarar e reconhecer esta
realidade, nos esforçar para melhorar nossa cnica e o nível de educação de
modo geral, contribuindo para a cultura da indumentária. Deixo aqui este artigo,
confiante de que, um dia, os que trabalham nisto nos bastidores, serão altamente
valorizados.
Março de 1958.
349
A comunicação entre pais e filhos [189-191]
Muitos conseguem conversar sobre qualquer assunto, e até fazer um
certo capricho, com sua e. Porém, conversar com o pai, parece meio
embaraçoso, difícil falar sobre um assunto mais complicado. Eu era assim.
Felizmente, meu pai, quase sempre, atendeu aos meus pedidos, quando estava
ao seu alcance fazê-lo. O que teria acontecido se ele fosse um pai teimoso, que
usa, como escudo, sua autoridade parental para impor suas decisões arbitrárias?
Contam que, o pai do Yamaguchi Futaya, que assassinou o Sr.
Asanuma do partido Socialista, dizia-se liberal, mas, na verdade, sequer tinha uma
boa comunicação com sua própria família. Além de pensar “Eu sou eu, os outros
são os outros”, tinha uma obsessão por suas opiniões, o permitindo a ninguém,
ultrapassar este limite. Às vezes, quando o concordavam com sua opinião,
chegava ao ponto de interromper a conversa, bruscamente, ao levantar a mão,
dizendo “Já chega!”. Não mostra-se verdadeiro, neste caso, o ditado “Tal pai, tal
filho”?
Se a mãe dele fosse mais sensata, mais forte, quem sabe, não poderia
tê-lo protegido desta fatalidade, mas, ao invés disso, aceitava, em todos os
assuntos, as opiniões do marido e até mesmo as insensatas. Nestas
circunstâncias, acho que é até natural que um filho fique triste pela situação
embaraçosa, tendo de buscar apoio em outras fontes.
Quem tenta resolver as coisas com ordens e gritos pode parecer forte
mas, na verdade, é um fraco. Apesar de ser possível resolver qualquer assunto
pela conversa, uma importante pessoa, no Japão, foi tima deste tipo de
intolerância. As crianças, criadas em ambientes intolerantes, não apenas
apresentam dificuldades de entrosamento com os amigos, ao sair de casa, como
também são incapazes de cultivar uma boa amizade.
Uma família, entre meus parentes, era de militares. O pai, coronel de
exército, era tão rígido, que seus filhos ficavam intimidados, acanhados perante
ele. Eles não se tornaram o tipo de pessoa que o pai almejava. Um de meus
alunos também era muito teimoso. Mesmo causando um transtorno para a classe
inteira, dizia: “Não sou capaz de mudar minha personalidade, pois nasci assim.”
Nada é tão difícil, quanto ajudar este tipo de pessoa, que não consegue
aceitar ajuda. Na maioria das vezes, um pouco de esforço, como a educação
escolar, não é suficiente para mudar a pessoa. Com certeza, todos os envolvidos
nesta profissão docente, tem ampla vivência e concordam que, nesta questão, a
influência familiar é muito forte.
350
Parece que, no Japão pós-guerra, a tendência é para se resolver todos
os assuntos pelo diálogo. Devemos achar o caminho para aprofundar nossa
compreensão, da forma como expressar nossas opiniões e conversar, entre pais e
filhos, professores e alunos, jovens e idosos. Não seria isto, o mais importante,
independente do país ou época?
Nos Estados Unidos, é um costume, nas boas famílias, se reunirem
todos os dias para os filhos contarem como foi o seu dia, durante o jantar, desde o
mais novo até o mais velho. Com certeza, é uma grande alegria para estas
crianças, ter um ambiente familiar onde recebem tal atenção. Os pais ajudam seus
filhos dando conselhos apropriados e elogiando-os, ajudando no seu
desenvolvimento. Acho esta ser a verdadeira educação familiar.
Todas as plantas crescem quando são cultivadas com carinho e
recebem os nutrientes necessários. Pode-se dizer o mesmo, quanto às crianças.
Porém, não podemos confundir o carinho da liberdade com ser totalmente liberal.
A orientação consciente dos pais deve fazer parte.
Todos nós somos capazes de criar um ambiente familiar aconchegante.
Por meio de uma comunicação carinhosa com nossos filhos, devemos ganhar
seus corações e prosseguir na criação de crianças dóceis e livres.
10 de junho de 1961.
351
Escolha do destino da mulher atual [191-196]
A expressão “Ela está na flor dos seus 23 anos!” parece perfeita para a
senhorita T., que é bela e deslumbrante. Seus pais, bem sucedidos produtores de
café no interior do Paraná, estavam acostumados a uma vida economicamente
favorecida, mas, para oferecer melhor educação para a senhorita T. e seu irmão
mais novo, Paulo, compraram uma casa e vivem, os quatro, em São Paulo, há uns
cinco ou seis anos. A senhorita T. se formou no Curso Científico, em uma escola
de formação católica. Depois de se formar, passava o dia costurando, cozinhando,
fazendo arranjo de flores e praticando os afazeres da dona de casa, pois não tinha
outra ocupação específica.
Certa vez, seguindo um conselho de um conhecido, decidiu fazer
“omiai
153
”. Seu provável par, o jovem H., era muito boa indicação. Especializado
como técnico em máquinas, havia, inclusive, viajado à Europa para fazer um curso,
depois de se formar na Universidade de São Paulo.
Apesar de trabalhar em uma fábrica nos subúrbios, numa cidade do
interior, é claro que, o fato de ser um engenheiro recém chegado da Europa,
deixou a senhorita T. muito entusiasmada, e amesmo sua mãe. O omiai obteve
um ótimo resultado, chegando ao noivado, após namorarem por um certo tempo.
Apesar da fábrica ficar bem longe de São Paulo, mãe e filha, foram duas ou três
vezes visitá-lo e ao se encontrarem com ele, todo sujo de graxa, conversavam,
contavam-lhe coisas sobre São Paulo e iam embora.
O que dizer da senhorita T., nestas ocasiões?... Parecia que tinha saído
direto das passarelas de um desfile de moda, chamando a atenção dos que
trabalhavam na fábrica com suas roupas vistosas. Além disso, ao chegar em casa,
continuava sonhando acordada com seu belo futuro, e com carinho, escrevia
cartas contando detalhadamente sua opinião sobre os filmes que via no cinema, e
até assuntos mais triviais, como um vestido novo que havia feito. Ele, porém,
respondia às cartas, mas sem se referir a estes assuntos. Falava sobre as
desafios da vida de casados e, inclusive, tentou lhe dizer de maneira bem discreta,
que não é possível viver somente de sonhos. Mas parece que isto, passava
despercebido, e a senhorita T. não compreendia o que ele realmente desejava. O
pior é que, tanto a senhorita T. como sua mãe, estavam tão certas de que este
noivado daria certo, que apenas ficavam aguardando ansiosamente a resposta,
que não mais chegava. Então quando, finalmente, perderam a paciência, mãe e
filha decidiram consultar a pessoa que havia intermediado o encontro. Para sua
surpresa, o jovem decidira acabar com o noivado.
153
Omiai - apresentação de uma jovem a um jovem e vice-versa com objetivo matrimonial, é um tipo de
casamento “arranjado”, no estilo japonês
352
O motivo foi o seguinte: ”Ela é mesmo uma jovem muito atenciosa, mas
creio que não é para um técnico de fábrica do interior como eu...”
É compreensível a resposta dele, que tinha chegado à conclusão de
que, quem trabalha desde cedo até à noite, entre as máquinas, cheio de graxa por
todo o corpo, além de não poder realizar seus sonhos, não conseguiria oferecer
muito a ela, naquela pequena cidade do interior.
Para casar-se e construir uma família, é necessário entender e
enfrentar juntos muitos desafios da vida, mas, pelo visto, durante o namoro, não
houve muita compatibilidade entre eles, neste assunto, e parece que este foi o real
motivo da desistência.
Realmente, sinto muito pela senhorita T. não ter conseguido tocar o
coração do jovem H., apesar de ter escrito cartas de amor cheia de sonhos e
desejos. Chego até, a sentir uma certa antipatia pela maneira tão racional dele
agir. Mas afinal, o que faz com que uma mulher e um homem se atraiam?
Não a beleza exterior, mas não seria o verdadeiro amor, e uma atitude
responsável para com a maneira de se viver? Visto que ninguém é perfeito,
poderiam depois de se casarem, ao longo dos anos, se esforçar para
complementar um ao outro as qualidades deficientes e com certeza construir uma
família bem sucedida... Talvez, aos olhos do jovem H. que, durante seu
treinamento no exterior, viu as mulheres estrangeiras, a senhorita T. parecesse
apenas uma “boneca”.
Nos dias de hoje , acho que são poucos os que ainda têm o conceito
sentimental e acomodado de que “O homem vive pelo trabalho, e a mulher vive
pelo amor do marido”. Isto porque os acomodados ou que se acostumam a
depender dos outros não alcançam a verdadeira felicidade. Acho que a felicidade
das pessoas está exatamente em ter o coração e o corpo no mesmo ritmo, e ele
exigir isto da senhorita T., como sua futura esposa, é elogiável.
Acho que o verdadeiro amor é aquele sentimento que cresce entre
aqueles que não se concentram apenas na alegria de amar e ser amado, mas que
se preocupam em analisar a si mesmos, se estão realmente à altura de serem
amados, que durante o quotidiano se arrependem, e não medem esforços para
melhorar a sua maneira de ser, para proporcionar maior felicidade ao parceiro.
Não seria por meio deste amor, que as pessoas amadurecem e
finalmente passam a reconhecer que, realmente, estão vivas? Ao mesmo tempo
em que as pessoas têm suas fragilidades, o fracas e estão sujeitas a errar
facilmente, podem, com apenas um gesto de amor, fazer desabrochar uma bela
flor, mesmo que, para isso, causem algum ferimento. Se esse ferimento servir
353
para confirmar a sinceridade do amor entre eles, neste caso, certamente, poderão
reconhecer que amadureceram enormemente!
Apesar de perceber que, no mundo de hoje, são poucas as mulheres
que vivem em casa, por assim dizer, brincando, sem algo específico para fazer
depois de terminar os estudos, trabalhar com algo de acordo com suas aptidões é
benéfico. Em primeiro lugar, em sentido econômico, e por elevar seu nível como
pessoa, adquirindo sociabilidade, benefícios que ninguém contestaria, mesmo que,
em alguns casos, às vezes, perdendo um pouco da delicadeza feminina... Sendo
assim, ficar em casa, como a senhorita T., apenas treinando os afazeres de uma
dona de casa pra quando casar-se, já é demais.
Para ter uma vida familiar plena, no futuro, é importante que todos
tenham em mente, uma maneira de aproveitar os intervalos durante o trabalho
atarefado para aprender mais sobre algo interessante, e, até mesmo, usando isso
como uma recreação para relaxar, ao fim de um dia de trabalho.
Apesar da senhorita T. ter concluído os estudos e ser filha de pais ricos,
ainda não tinha refletido, seriamente, sobre o mundo, sobre o que significava a
vida. Infelizmente, o noivado com o jovem H. não deu certo, mas, com certeza, a
deixou com muito que pensar.
Assim, como Cristo disse: “Que todas as obras cooperem para o bem...”,
se a senhorita T., não se deixar abalar por isso, mas administrar melhor seus
sentimentos, terá uma nova chance. A vida de casados pode ser como um mar de
rosas mas isso não garante que não haverá ondas e ventos fortes.
À todas vocês, sábias! Superem, uma a uma, estas ondas e ventos.
Façam disso, uma nova alegria em sua vida. Acredito que, esta atitude para com a
vida é o caminho a ser seguido pelas mulheres.
Jornal Ayumi – Junho de 1964.
354
Visita à boukou (minha antiga escola) [206-212]
- Para o primeiro bloco de Kaga, em Itabashi por favor.
Estava aliviada por conseguir, finalmente, entrar no táxi, depois de
esperar uns dez minutos, em frente a um shopping em Ikebukuro.
- Senhora, pra que lado fica o primeiro bloco de Kaga?
- O senhor não conhece a Universidade Tokyo Kasei que fica no
primeiro bloco de Kaga?
- Eu não!
Eu fiquei abismada pela maneira como ele me respondeu, como se
fosse lógico não saber a localização. Finalmente, após percorrer pouco mais de
dois blocos, desci do táxi. Depois de ir para o lado contrário e esperar um tempão,
finalmente, peguei outro táxi.
- Para o primeiro bloco de Kaga, em Itabashi. - Então...
- Onde fica o primeiro bloco de Kaga?
- Em Itabashi! - Respondi em voz alta, já irritada.
- Eu sei onde fica Itabashi, mas o primeiro bloco de Kaga, não.
Chegando lá, tome outro táxi, por favor.
- O quê? Como não tenho escolha, farei isso.
Apesar de ter ouvido falar, que os taxistas de Tokyo não eram muito
gentis, ficava nervosa, todos os dias, por me irritar com eles.
Com o diálogo anterior, fui deixada em frente à estação Itabashi, sem
ser consultada se queria ficar ali ou não. Então, fui em direção a um táxi que
estava parado em frente à estação. Ao dizer: “Até o número 18 do primeiro bloco
de Kaga”, calado e desanimado, o motorista abriu a porta. Praticamente, me
joguei dentro do carro. Depois de observar por algum tempo, pelo lado do
motorista, que tinha muitas arvores frondosas, comecei a ver um prédio de quatro
andares nas dependências da escola. Esta era a nova aparência da minha
saudosa escola. O carro parou ali.
355
Receosa entrei pelo portão. Numa placa, estava escrito “Universidade
Tokyo Kasei”, e no jardim, havia uma proeminente estátua de bronze do professor
Watanabe Tatsugorou.
Na portaria, perguntei onde ficava a secretaria. Fui andando para o
fundo, conforme havia sido orientada. Comecei a procurar onde ficava e,
passando pela entrada, uma moça me disse:
- Por aqui, por favor.
Ela me levou à sala do diretor, o professor Arimitsu. Eu disse:
- Meu nome é Ota
154
Michie, formanda do décimo ano, da era de
Taisho.
- Ah! Vinda do Brasil? Que ótimo você ter vindo nos visitar!, e, lendo a
lista de antigos alunos...”Ah! Aqui está!” fixou os olhos em meu nome, no livro.
- Você veio em boa hora! Hoje é o sétimo aniversário da morte do ex-
diretor Watanabe, e teremos, às quatorze horas, uma reunião em sua memória
junto com os antigos alunos.
Ao ouvir isso, fiquei atônita. Na realidade, na minha programação inicial,
não iria à minha antiga escola, naquele dia. Naquele dia, depois de chegar do
Brasil, tinha programado visitar a Sra. Ozawa Aiko, que estava acamada. Na noite
anterior, depois de dar ao meu irmão mais novo, o trabalho de procurar o
endereço no mapa, decidimos que eu e minha cunhada, iríamos visitá-la, juntas.
Ao acordar de madrugada, repentinamente, senti em meu íntimo que, naquele dia,
seria melhor visitar a Universidade Tokyo Kasei.
Pela manhã, expliquei à minha cunhada e depois de combinarmos de
visitar a Sra. Ozawa no dia seguinte, saí da casa do meu irmão, às nove horas. É
claro que estava pensando em visitar, em algum momento, a minha escola
durante minha visita ao Japão, mas por uma intuição repentina, tomei a decisão...
Mas esta intuição, teria sido orientação de Deus? Orientação de Buda? Durante
minha visita ao Japão, tive muitas experiências similares ao acordar de
madrugada, e seguir estas intuições, me levaram a bons resultados. Naquele dia,
aconteceu o mesmo. Enquanto eu estava atônita, pensando no que havia
acontecido nesta manhã, o diretor falou:
- Sei que você está com uma programação apertada, mas que veio,
por favor, almoce aqui e participe do memorial.
154
Ota era o nome familiar, enquanto solteira.
356
Como fez este convite, respondi:
- Bem, assim farei. Então pedi para usar o telefone para avisar o colégio
Takehaya, minha outra escola formadora, a qual estava para visitar naquela tarde,
adiando a visita para outro dia. Depois, dei à recepcionista a missão de me
mostrar o interior e exterior da universidade.
Na sua forma anterior, quarenta e sete anos, a escola feminina
Watanabe tinha por volta de mil e duzentas, mil e trezentas alunas. Hoje, tem mais
de sete mil, com cursos de Administração Doméstica, Nutricionismo, Moda, Vida
Cotidiana, e ainda escolas anexas com ensino médio, fundamental, e infantil,
totalizando mais de trezentos professores. Tornou-se um grande grupo, a única
Universidade em Tokyo que tem o curso de Administração Doméstica.
Ocupando uma grande área como a de um bairro, tem salas para cada
curso específico, e seus jardins com árvores variadas, estavam repletos de
grupinhos de três e de cinco moças, com seus cadernos nos braços e garotas com
as bolsas em seus ombros.
Comparando com a época em que se ia à escola de hakama
155
bordô e
compridas mangas de kimono andando de modo simples, observo quão diferente
estão hoje as estudantes, que de mini-saias e roupas coloridas vão à escola com
um caminhar garboso. Porém, isso não deixa de ser apenas a aparência. E quanto
ao seu sentimento interior, o que esperam da escola, e qual a sua atitude para
com a educação? Pelo que observei e escutei, tive dúvidas e senti, profundamente,
a transição de uma época.
Como tinha tempo até as quatorze horas, fui acompanhada até o
escritório do professor Atsui, filho do professor Watanabe Shigueru e debatemos
sobre assuntos como política, educação, economia e sobre o recente problema da
disputa universitária.
Às doze horas, comi um soba
156
, na sala do diretor, e entrei no salão
memorial, dentro da escola. Ali, estavam, aproximadamente, duzentos ex-colegas
de escola. Fui convidada para ficar ao lado do diretor, o qual me apresentou às
senhoras à sua volta. Bem à frente tinha uma foto do professor Watanabe, com
muitas flores na frente da foto, adornando-a.
Começando com os cumprimentos do diretor, mais de sessenta ex-
colegas contaram suas histórias e lembranças do falecido, uma reunião agradável
que nos fez esquecer do tempo. Então, por último, eu fui apresentada a todos.
155
Hak ama – calça no estilo japonês
156
Soba – macarrão japonês
357
- Eu sou a Michie, Ota é meu sobrenome de solteira, que agora
administro uma escola no Brasil, que visto daqui, talvez, mais pareça uma
pequena casinha de templo. Em seguida, ocorreu um alvoroço, aqui e ali, na
platéia. Talvez, mesmo que por um instante, pensaram que eu havia vindo do
Brasil especialmente para a reunião de ex-colegas da escola. Então falei com
palavras similares a estas:
- o. Eu apenas vim visitar o Japão depois de trinta anos e resolvi
visitar a escola sem saber da importância deste dia. Estar presente, neste
memorial, por coincidência, é mais do que extraordinário. Entendendo que isso
talvez seja uma lição do espírito de amor educacional do falecido professor
Watanabe para com uma pessoa simples como eu, agradeço de coração, e ao
mesmo tempo fico admirada pela orientação do caráter humano.
Diante disto, vi, em vários pontos da platéia, pessoas meneando a
cabeça, concordando, “Sim, é verdade!”, e então, eu olhei mais uma vez para a
foto do professor Watanabe e levantei os olhos ao céu.
Depois disso, tiramos uma foto juntos e nos despedimos. Voltando para
a casa de meu irmão, contei o ocorrido desde a manhã, e minha cunhada ficou
muito espantada.
Pouco antes de ir embora da escola: - Todas as vezes que formandos
especiais nos visitam, gravamos sua impressão sobre a visita. Antes de você ir
embora ao Brasil, volte novamente, para gravarmos sua impressão.
Assim o professor Watanabe Atsui me solicitou. Por isso, prometi voltar,
assim que regressasse de Hokkaido, e me despedi. Mas com a correria do dia-a-
dia, não conseguia tempo para voltar à escola. Finalmente, um dia antes de dar
adeus ao Japão, no sábado, 18 de julho, visitei, novamente, minha antiga escola.
- O quê é apropriado dizer?
- Grave sua impressão sobre sua visita aqui, depois de trinta anos.
Por isso, pedindo permissão, comecei a escrever meus sentimentos e
depois os li. Então me disse:
- Está bom!
Portanto, sem preocupar-me com a rouquidão de minha voz, devido ao
cansaço do dia-a-dia corrido, pela agenda apertada, terminei a gravação.
Assim que eu disse:
358
- Como tenho outro compromisso, às onze e meia... - ele me falou:
- Então lhe levo ao lugar onde os táxis passam.
Recusar foi em vão, então fui levada aos pontos de táxi, uma rua bem
distante da escola.
- É pouco, mas use para o táxi.
Falou, ao me entregar um envelope fechado. Sentindo-me constrangida,
tentei recusar, mas o táxi chegou e acabei entrando. Dentro do carro, abri o
envelope e havia a grande quantia de seis mil ienes. Não esperava receber este
grande valor, apenas por fazer uma gravação de 10 ou 15 minutos.
Mesmo quando fui convidada pela NHK
157
e, nesta oportunidade, visitar
o Japão, onde pude falar coisas sobre o Brasil, ao receber a enorme quantia de
onze mil e quinhentos ienes, me senti muito embaraçada.
Observo o crescimento da economia e a grande soma de dinheiro que
se usa, principalmente, os investimentos de grandes quantias direcionados para a
educação. Devido à poluição do meio ambiente e outros acontecimentos, o Japão
de hoje parece, de certa forma, contraditório, porém, ao menos, todas as escolas
japonesas estão, hoje, no seu apogeu.
Então, eu pensei no Brasil, nas crianças do Brasil, e nos seus
formandos:
- Será que o Brasil pode continuar assim?
Assim, eu me peguei pensando muito mais no “meu” país, o Brasil.
Tirado do Ayumi de Dezembro de 1970.
157
Emissora de televisão japonesa
359
KATARIGUSA O OTTE
Michie Akama
361
Apresentamos, a seguir, textos [29], [43], [125-128], todos retirados e
traduzidos do livro Katarigusa o otte de que damos o índice geral.
1 – Prefácio...............................................................................................................1
2 - Ida ao Japão para educação do filho...................................................................2
3 - Chegada ao Japão como esperado.....................................................................3
4 - Viagem turística com minha mãe a “Matsushima”...............................................7
5 - Visita a Universidade de “Mishima”.....................................................................8
6 - As mudanças ocorridas na Terra Natal.............................................................11
7 - Matrícula do “Kohei” na Escola Primária de “Minami Machi Shogakko”...........12
8 - Visita à senhora Shimanuki do “Rikkokai”.........................................................14
9 - Ida à exposição de Ikebana...............................................................................16
10 - Visita a Escola “Bunka Fukusso Gakuin”.........................................................18
11 - Visita “Gakushikaikan” ....................................................................................19
12 - Vista à sra. Shigure Hasegawa ......................................................................22
13 - Visita à Escola Feminina “Dress Maker” .........................................................24
14 - Visita à “Jiyu Gakuin” ............................................................... ......................25
15 - Visita ao General Inoue...................................................................................27
16 - Vista à Escola Doméstica “Tóquio” ..............................................................[29]
17 - Visita à viuva Masaomi Saka..........................................................................30
18 - Visita à será Toshiko Matsudaira....................................................................31
19 - Visita ao sr. Bansui Doi, autor da letra do Hino da Escola..............................33
20 - O Mundo como Casa.......................................................................................35
21 - Visita à Escola de Formação de Oficiais do Exercito de Salvação.................40
22 - Visita à Escola Municipal “Saguino Miya” e visita à Escola “Wamayaki”.........41
23 - Visita à Escola Feminina “Tosaka” ...............................................................[43]
24 - Notícia triste recebida da casa do meu marido no Japão................................47
25 - Correspondência da ex-aluna..........................................................................50
26 - Hereditariedade e ambiente............................................................................52
27 - A Colônia não morre........................................................................................55
28 - Viagem solitária à América do Norte...............................................................61
29 - A mudança da época......................................................................................74
30 - Encontro de 700 pessoas no festival de “Sukiyaki” ........................................77
31 - Eu e “Yookyoku” .............................................................................................84
32 - Lembrando o passado da minha amiga..........................................................87
33 - Sobre “Festa das Regiões”..............................................................................92
34 - Viagem à Argentina.........................................................................................95
35 - Observando as crianças do curso infantil......................................................110
36 - Confiar o ideal através da caneta..................................................................117
38 - Receber a oferta...................................................................................[125-128]
39 - Considerações finais.....................................................................................129
362
Visita a Escola Doméstica “Tóquio” [29]
Na seqüência, visitei a antiga escola Watanabe, atual “Faculdade
Doméstica Tokyo”.
É a segunda vez que visito esta Escola. O saudoso e antigo prédio não
deixou nenhum vestígio, sendo substituído pelo novo edifício, suntuoso parecendo
atingir o céu.
Fui recebida pelo(a) Professor(a) Watanabe, que me acolheu com muito
entusiasmo.
Entreguei minha contribuição para Associação das Antigas Alunas ao
me despedir, ao sair pelo portão da Escola.
Visita à Escola Feminina “Tosaka” [43]
Hoje, visitei a Escola Feminina “Tosaka”. Fui recebida pelo
Administrador Escolar, Professor Kojima. Recebeu-me dizendo, “visitante vindo do
Brasil, não é?”
Acolheu-me, gentilmente, dando todas as explicações a respeito da
Escola e sobre as diretrizes educacionais. Sob suas ordens, todas as vezes que
percorremos as salas de aula, as alunas ficavam na posição de “sentido” e a
cabeça curvada.
363
Receber a oferta [125-128]
(Estado espiritual de Mendicância)
Em fevereiro deste ano, iniciamos, com a ajuda da Professora Saibara,
visitas na Capital e periferia, estendendo, mais tarde para a cidade de Assaí, no
Paraná, e mais dez localidades, deste Estado, visitando vários núcleos de
colonização japonesa. Seqüencialmente, viajamos, com o sacolejar de ônibus,
carregando grande volume de bagagens, às vezes, gripadas, ora tomando
medicamentos, ora administrando injeções. As duas nos revezando, nestas
condições, percorremos mais de dois mil quilômetros, para encontrar ex-alunas
espalhadas em várias regiões.
Não é uma tarefa cil pedir doação. O ato de pedir alguma coisa para
alguém, mesmo não sendo em benefício próprio, não deixa de ser uma situação
constrangedora. Ao mesmo tempo, ocorreu grande ansiedade, lembrando as
feições das ex-alunas com muita saudade, e imaginando o momento do
reencontro.
Muitas vezes, senti vontade de largar tudo, ocasião em que me fez
recordar, esporadicamente, do pensamento de um bonzo da seita zen, sobre o
espírito do Takuhatsu
158
, (Mendicância). “Nem sempre as pessoas recebem com
bondade, o praticante de Takuhatsu, mesmo após jornadas nas quais ele foi
submetido a um calor tórrido ou gélidos ventos. Podem acontecer casos em que,
simplesmente, nem venham a ser atendidos, ou serem recebidos com grande
desprezo. Não será um ato verdadeiro de Takuhatsu, se o praticante reagir com o
sentimento de ira. Não se pode dizer que é um verdadeiro praticante de Takuhatsu,
aquele que não suporta as ofensas, pelo contrário, deverá encarar com suave
fisionomia, com as palmas juntas num gesto de oração.
No decorrer deste ato, observando, com obstinação, as condições
sociais e da natureza humana, praticando o exercício espiritual de submissão a
qualquer injúria, conclui-se o importante ato de Takuhatsu, em busca da harmonia
de si com os demais.
Nos meus 35 anos no Brasil, convivi com muitas discípulas, porém, ao
relembrar os dias que se passaram, acho que não fui boa orientadora. Muitas
vezes, dirigi orientações com a mistura de sentimentos pessoais inadequados.
Para solucionar problemas entre alunas, reconheço que não fui a mais indicada,
partindo da posição de quem estava na condição de orientadora. Muitas vezes,
158
Takuhatsu - Um forma de provação de sacerdotes das religiões indianas , adotada também pelo budismo,
que consiste em pedir esmolas, para obter o mínimo de subsistência, com o objetivo de atingir o
aperfeiçoamento mental e físico.
364
senti instabilidade emocional na noite anterior à visita, lembrando-me de vários
momentos, com sentimento de reflexão e auto-censura.
Apesar disso, fui recebida pelas ex-alunas com alegria, pela visita
inesperada. Em certas regiões, fomos recebidas com jantar organizado pelas ex-
alunas e ficamos, à noite, confabulando sobre o passado. Até pelos maridos ou
pais dessas ex-alunas, fomos bem recebidas, facilitando-nos as locomoções com
carros à disposição. Fiquei muito gratificada com a atenção que recebi, a ponto de
juntar as palmas, num gesto de oração, em agradecimento a Deus.
“As pessoas que, mesmo que seja por um momento, deixarem de ser
avarentos, e praticando, por mais que seja insignificante, sua doação ao bonzo,
estarão praticando o Takuhatsu. Neste sentido, este ato, que o doador pratica, traz
o bem para si e para outrem (“Zenkoo Kootoku”, do budismo). O Takuhatsu
oferece a oportunidade de praticar “Zenkoo Kootoku”, isto é, o ato benevolente ao
próximo obtendo como resultado, o benefício para si.”
Com este último pensamento, somado ao anteriormente mencionado,
passou a perseverar em minha consciência, o desejo de receber benevolência, ao
longo do meu objetivo da viagem. O bonzo da seita zen praticante de Takuhatsu
tem como objetivo o aperfeiçoamento, tanto do corpo como da mente, segundo os
ensinamentos do budismo, em busca de oportunidades para poder corresponder
às pessoas que procuram a salvação espiritual.
Entretanto, sou apenas uma mulher comum, que luta por um objetivo,
com sentimento de que, ao invés de salvar, estou incomodando as pessoas. Isso
faz pesar meu coração, mesmo que, não se resuma em buscar vantagens
próprias. Prevalece o desejo de que, um dia, possa transformar a Escola em
orgulho das ex-alunas, e que esta instituição atenda os anseios dos futuros
educandos. Dedico-me neste único objetivo, mas sinto que terei ainda um extenso
caminho de dificuldades.
Quero seguir, considerando o Takuhatsu como um significado
verdadeiro do estado espiritual, que tem origem no sentimento profundo do bem.
Apenas isso.
N
o
35 do Boletim “Ayumi”
25 de novembro 1968
366
KOUEN NO TABI
Michie Akama
368
Apresentamos, a seguir, textos [52-61], [72-85], todos retirados e
traduzidos do livro Kouen no tabi de que damos o índice geral.
Índice do livro
“Kouen no tabi”
1- Palestra realizada na Associação Cultural do Bairro do Tucuruvi........................1
2 - Palestras realizadas no interior do Estado, patrocinadas pela “Sociedade
Brasileira de Cultura Japonesa”..............................................................................12
3 - Palestra realizada por ocasião do Concurso de Poesia “Tanka”, patrocinado
pelo Jornal Paulista.................................................................................................28
4 - Palestra realizada para senhoras, patrocinada pela “Sociedade Brasileira de
Cultura Japonesa”...................................................................................................38
5 - Palestra realizada por ocasião do “Segundo Seminário para Senhoras”...[52-61]
Palestra realizada por ocasião de vinda da Comitiva da “Associação dos familiares
residentes no Japão dos imigrantes japoneses” (Russu Kazoku Kai), patrocinado
pela “Federação das Associações das Províncias do Japão no Brasil”.................62
6 - Palestra realizada no Templo Budista Hompa Honganji” sobre a temática
“Situação da mãe”...........................................................................................[72-85]
7 - Palestra realizada na Colônia “Mizuho” de São Bernardo do Campo...............86
8 - Palestras realizadas no interior do Estado, sob o patrocínio do “Jornal Shukan
Nikkei”.....................................................................................................................98
9 - Miscelâneas.....................................................................................................109
10 - Palestra realizada no interior do Estado do Paraná .....................................124
369
Palestra realizada por ocasião do “Segundo Seminário Para Senhoras”
[52-61]
Sobre Etiqueta
Fui convidada a proferir uma palestra sobre um assunto de livre escolha.
Por isso, farei uma explanação sobre a etiqueta usual no Brasil e, deste modo,
espero cumprir com a responsabilidade que me coube.
A Etiqueta corresponde, no Japão antigo, ao que se designa o “Modo
de Respeitar” (Reigui Sahoo). Reigui”, envolve o estado de espírito; “Sahoo” é
a forma de expressar aquele espírito, ou seja, exteriorizá-lo. O propósito, é a
correspondência entre a intenção e a atitude. A procura da beleza da alma não é
uma tarefa fácil, requer aprimoramento constante na vida quotidiana.
Não se conquista, de um dia para outro, um comportamento, ou
maneira de agir, ideal. Eu mesma sinto, constantemente, a dificuldade na busca
por este atributo. É importante que se torne um hábito, treinando para se adquirir o
comportamento, ou maneira de agir, acompanhado de um pensamento correto e
assim, melhorar a formação da sua personalidade.
“Reigui Sahoo surgiu como um requisito necessário para o
comportamento dos vassalos, na época dos senhores feudais. Foi, inicialmente,
adotado pela nobreza da época de “Heian” (período de 794 a 1185 da História do
Japão). Posteriormente, na época de “Kamakura” (período de 1185 a 1333 da
História do Japão), “Reigui Sahoo” foi institucionalizado pelo poder civil,
representado pela nobreza, que servia o imperador. Neste mesmo período, a
política, de poder civil, passou a militar. “Reigui Sahoo” o era adequado para a
classe militar, que desejava a simplificação, o que foi feito por Enko Ogasawara,
que propôs a adoção de um novo “Reigui Sahoo”, que ganhou o nome de “Estilo
Ogasawara”. “Reigui Sahoo” também acompanhou as mudanças de época.
No ocidente, também surgiram, na corte francesa, as regras de boas
maneiras, porém de modo diferente do Japão. No Japão, nasceu do sentimento
serviçal dos vassalos para com o senhor feudal, enquanto que, no ocidente,
nasceu do espírito de cavaleiros. Os cavaleiros tinham a missão de proteger as
princesas, o respeito às damas, apreciar artes, poesias, dedicação plena às
damas eram as principais tarefas deles. No ocidente, permanece a tradição de
boas maneiras o respeito às damas, ou seja, o costume dos cavaleiros de
considerar, prioritariamente, o tratamento para com as damas, daí surgindo, a
expressão “lady first” (em primeiro, as mulheres).
370
O que difere, na regra de cerimônia entre o Japão e o Ocidente, é que,
no Japão, tem-se como centro, o senhor feudal. A preservação do nome da família
é considerada como centro, em termos de cerimônia, enquanto no ocidente, a
etiqueta preza mais os direitos individuais. Porém, parece que houveram
mudanças consideráveis no Japão, após a guerra. Pelas leituras de diversos
livros, percebo que a regra se tornou menos formal.
Os atos devem ser baseados no espírito de dedicação e respeito, em
se colocar no lugar de outrem, sem questionar se é dentro ou fora do país.
Ninguém acolhe etiqueta com base somente na fria formalidade, podendo esta
trazer apenas tristeza e desolação. A etiqueta é como um lubrificante que tem o
objetivo de manutenção da boa relação entre as pessoas, induzindo-as para o
estado de conforto e desembaraço.
O mais importante, na etiqueta social, é ser cortês, agindo de modo
natural e conforme o ambiente. O importante é, ao errar, na forma ou modo,
proceder adequadamente às circunstâncias apresentadas, com desembaraço, em
relação ao momento e ao local. Contarei o diálogo de um episódio, que aconteceu
com um vendedor que, ao visitar uma casa, foi atendido por uma jovem senhora.
Vendedor - “A dona de casa está?”
Mulher - “O que o senhor deseja”?
Vendedor - “Vim aqui, para pedir um favor para a dona da casa, por
isso, queira anunciar a minha presença ”
A jovem senhora aborreceu-se com a forma de se dirigir do vendedor,
que o mencionou o motivo da visita. O vendedor percebeu logo o erro cometido
e se apressou em corrigir, dizendo:
Vendedor - “A senhora é a dona da casa? Desculpe-me pela falta”
Mulher - “Achou que eu era a empregada?
Vendedor - “Absolutamente, achei que fosse filha da dona da casa, por
ser a senhora muito jovem, me desculpe por isso”.
Então a senhora sorriu satisfeita com a resposta do vendedor.
Talvez seja um exemplo exagerado, porém um exemplo de presença de
espírito que evitou maiores embaraços.
371
Fico sem jeito em não poder lembrar o nome de cada ex-aluna quando
encontro-as, casualmente, na rua, não poder lembrar os nomes de todas as mais
de 4000 formandas.
É difícil encontrar uma saída nesta circunstância. Fico imaginando que,
se perguntasse o nome dela, poderia causar-lhe uma decepção. Porém, muitas
vezes, na hora de me despedir, após algum tempo de conversa, consigo lembrar o
nome da aluna e resolvo chamá-la por ele.
Não lembro o nome do reitor de uma universidade, mas ele costumava
deixar sempre na mesa, o livro de nomes dos ex-alunos. Quando anunciada a
visita de um ex-aluno, depois de verificado o nome, pede para aguardar e
enquanto isso, consulta o livro para saber os dados relativos ao ano de formatura,
as características do aluno e, após isso, dirige-se à sala de visita. Surpreende
cumprimentando-o pelo nome, citando o ano de formatura e outros dados
referente a este aluno, o que muito o emociona, pelo fato de ser lembrado por um
reitor de uma universidade. Enfim, a etiqueta serve para facilitar a relação entre as
pessoas, aprimorar o ato de evitar má impressão ou desrespeito a outrem. É
importante e muito difícil, porque isto se aplica à todas as nossas atividades do dia
a dia, como, em relação à vestimenta, alimentação ou habitação. Não poderei
esgotar o assunto no tempo exíguo desta palestra, portanto, falarei sobre o que
consta no impresso que foi distribuído. Começamos com relação à vestimenta.
Antigamente, no Japão, houve uma época em que era habitual o
desprezo pelo vestir-se, alegando que o espiritual sobrepunha sobre o material,
dando preferência ao propositado modo de vestir de forma rústica e desajeitada.
No entanto, o uso adequado de vestimenta, traz prazer e confiança nas atitudes.
Caso contrário, acho que muitos de vocês passaram pela experiência de
reconhecer a falha no seu modo de vestir, gera uma preocupação que pode trazer
como conseqüência, a perda de auto-confiança. Portanto, cuidar da aparência é
muito importante. Também não significa que a roupa deva ser de valor
considerável. Mesmo sendo de menor valor, basta ter criatividade. Com poucos
recursos, poderá obter um ótimo resultado, confeccionando uma roupa de bom
gosto. Este procedimento é o que garante a importância da arte de Corte e
Costura. Mesmo que seja filha de família rica, se usar roupa com adorno
excessivo, às vezes, poderá causar aparência de inferioridade quando comparada
à uma funcionária.
Como fica, a combinação de um casaco marrom, sobre um vestido lilás
com boné vermelho, que poderá ser objeto de comentário como: “mais parece
uma almofada feita com panos pequenos multicores costuradas entre si”? O uso
do vestido ou chapéu luxuoso, perderá a importância se for ornado com broche
vistoso, mas de qualidade inferior. É também inconveniente, utilizar jóias ou
acessórios exagerados, numa reunião de chá matinal. Se motivo de ironias,
372
alguém que utilize uma roupa cheia de aparatos ou use sapatos de salto alto num
piquenique na praia ou montanha.
Houve uma época, em que era moda usar casacos de pele animal.
Depois da guerra, principalmente entre os ricos, do estado do Paraná, quando
voltavam ao Japão, era comum adquirir esses casacos. Certa vez, fui ao aeroporto
para a despedida de um conhecido e me deparei com uma senhora com “casaco
de pele” e chapéu, transitando pelo aeroporto, portando a bagagem e andando de
sandálias. O uso da sandália é restrito para dentro de casa ou quando não utilizar
meias. Deduzi então, que esta senhora de casaco de pele não está acostumada a
usar o sapato dentro de casa, conseqüentemente, não se adaptaria a usar o
sapato de salto alto. Os japoneses, ao vê-la desta maneira, comentaram que “são
“caipiras” que vieram do Brasil”. A bolsa, chapéu, luvas ou broches são
assessórios utilizados para ressaltarem o vestidos. Portanto, o devem ser
usados inadequadamente, sobressaindo mais que o vestido.
Deve apresentar um equilíbrio entre o uso de acessórios e vestidos,
principalmente, nas combinações de cores entre os mesmos, para evitar trajes
exagerados. Deve-se misturar o uso de trajes e acessórios, de acordo com as
circunstâncias, para que não cause dúvidas quanto à educação e bom senso
possuídas pelas pessoas que se apresentam, em qualquer ocasião.
Deve-se ter consciência de que, quando contrariar estes cuidados,
estará contrariando também as boas maneiras e etiquetas. Quando vejo
personalidades importantes do Japão transitando pela cidade, em trajes esquisitos,
acho que estas pessoas deveriam procurar estudar melhor os costumes e regras
de etiqueta do exterior.
Proponho que este assunto seja objeto de pesquisas por alguma
pessoa, porque a etiqueta que vigora no mundo atual apresenta-se em busca do
equilíbrio entre corpo e alma.
373
Palestra realizada no Templo Budista “Hompa Honganji” sobre a temática
“Situação da mãe” [72-85]
Por meio desta oportunidade, sinceramente, parabenizo o templo
Honganji, pelo aniversário de edificação dos 20 anos.
Sinto uma enorme felicidade, ao ver que muitas pessoas vieram de
lugares longínquos, para esta importante cerimônia. Quando, inesperadamente, a
professora Sasaki disse para que as pessoas da associação das senhoras
(mulheres casadas) fizessem as palestras, realmente, fiquei boquiaberta e confusa.
Pensei, muitas vezes, se não é, realmente, o inverso, porque sempre estamos
aprendendo lindas lições budistas pela “associação de senhoras” do budismo. O
que uma pessoa como eu, que não tem nenhuma estrutura religiosa, posso falar?
“Problemas da sociedade” - foi o que a professora solicitou, mas ela
não especificou o tema e, depois de pensar muito, enfim, percebi que não era uma
coisa difícil. Decidi falar sobre o que passei, as coisas que aconteceram ao meu
redor, o que vi e ouvi a os dias de hoje, e foi com muito sofrimento que fui
chegando até aqui.
Como todos sabem, desde que vim ao Brasil, durante 38 anos, venho
administrando uma escola. Vivi como se fosse o cavalo de uma carroça, fazendo
isso e aquilo, mesmo em condições precárias, fazendo o possível, dentro dos
limites, aplicando a língua japonesa, tendo como curso principal o corte e costura,
pretendendo sempre aperfeiçoar as mulheres.
Trinta anos atrás, pela intenção de educação, para que meu filho
tivesse o aprendizado japonês, depois de 10 anos voltei ao Japão. Durante esta
ausência, meu marido faleceu no Brasil. Meu avô, que havia se prontificado a
cuidar e educar meu filho, disse: “Não posso separar seu filho de você já que o pai
faleceu. Leve ele consigo”. Voltei ao Brasil, após apenas três meses de estadia no
Japão, com o coração triste e desapontada, que o motivo foi corrompido. Meus
pais, no Japão, disseram: “Deixe sua casa no Brasil e volte para cá, que agora
você está sozinha”. Foi com esta intenção que pisei em solo brasileiro.
Porém, as condições daqui não eram muito fáceis, e tive a necessidade
de trabalhar nesse lugar. Pensando na morte de meu marido, resolvi compensar
meus sentimentos e, deste então, por trinta anos, venho atuando em trabalhos
educacionais.
Como todos sabem, durante vinte e sete anos vivi naquela escola da R.
Vergueiro, mas, além de ser uma casa alugada, não posso instalar tudo como
pretendo. Para uma pessoa como eu, que não tinha forças para administrar uma
374
empresa privada, edificar uma escola, entre outras coisas, seria muito difícil e, por
isso, quinze anos atrás, tive a idéia de criar uma fundação e iniciar uma escola
para a sociedade.
Atualmente, estamos administrando com dezessete conselheiros e,
alguns anos atrás, iniciamos as obras do prédio da escola. Finalmente, no final de
março, conseguiremos mudar para o prédio da escola na Altino Arantes, e é por
isso, também, que fico muito agradecida às pessoas da comunidade. Durante
esse tempo, para conseguir arrecadações para as obras da construção, fui às
casas de cada uma das alunas formadas, o local mais longe foi Tomeaçú, no
Amazonas, numa viagem onde pedia a colaboração de todos. Isto é, fazer
arrecadações era o ideal da viagem, mas, passados os três anos viajando, vivi
várias situações desagradáveis, com certa dificuldade mas, para mim, acho que
aprendi muitas coisas. Além de conhecer o modo de vida das colônias que vivem
em lugares afastados, tive a oportunidade de vivenciar tudo em detalhes, mas,
entre outras coisas, problemas entre pais e filhos, e como o casamento se tornara
um grande problema.
Enquanto eu passava por um lugar chamado Santa Fé, da linha de
Araraquara, encontrei uma família que tinha uma grande plantação e criava
galinhas e porcos. Estavam abençoados comercialmente, fazendo tudo muito bem,
juntando as forças do primeiro, segundo e terceiro filhos, mas estavam com
dificuldades em encontrar uma candidata para casar. As moças das redondezas
foram criadas em escolas brasileiras e, pretendendo ir à faculdade também,
acabavam indo para fora da cidade e, por isso, faltavam mulheres para se casar
com os agricultores.
Antigamente, as moças paravam de estudar no grupo escolar, e as
pessoas que estudavam costura ou culinária na escola da cidade, que estavam
acima da média e eram apropriadas para se casar, estavam espalhadas por todos
os lugares. Aos poucos, foram diminuindo as pessoas que só se contentavam com
a costura, e as que estavam acima do nível médio, que concluíam a escola
brasileira, começavam a trabalhar em firmas e bancos, vestindo-se bem com as
roupas prontas, se alimentando com comidas instantâneas e se divertindo com a
vida da cidade grande. Em relação à isso, comecei a me preocupar com o que
fazer para melhorar essa situação. Então me perguntaram: “Professora, será que
você não conhece de algum lugar, uma moça amável e boa que queria se casar
comigo?”
Isso não era um grande problema para os agricultores que queriam se
casar? O desenvolvimento da agricultura é a base do crescimento do país, se as
cidades agricultoras estiverem em recessão, também influenciarão vários
elementos das metrópoles. As cidades agricultoras devem ter mais cultura e, caso
não se tornem um lugar bom para viver, aos poucos, as pessoas sairão para as
metrópoles. É realmente triste pensar que as cidades agricultoras estão
375
envelhecendo. Porém, entre outras coisas, a vida dos descendentes japoneses,
em lugares mais afastados, se tornou rica, em toda casa tinha um caminhão e não
faltava um carro de passeio em qualquer casa que eu fosse. Porém, as crianças,
uma atrás da outra, saíam para estudar na cidade, os pais e crianças pequenas
ficavam na casa, e os filhos que estavam estudando ficavam se preocupando com
o que se tornariam no futuro. Acredito que, aos poucos, essa será a tendência.
Essa é uma história que ouvi, mais de dois anos atrás, sobre um
casal no interior que cultivava verduras. A pessoa que era chamada de mãe, não
tinha muita escolaridade. Então dizia que, como ela não tinha muita escolaridade,
pelo menos seu filho teria a oportunidade de estudar até a faculdade, e
economizavam o possível para que seu único filho fosse para São Paulo, onde
ficaria estudando por um longo tempo. Um dia, ele trouxe uma namorada
brasileira para casa. A mãe recebeu-os com a roupa arrematada por um avental,
sem conseguir se trocar, com a visita inesperada. A namorada, além de se
assustar, sussurrou : “Porque japonês não tem vergonha de se apresentar com
essas roupas flagelas?” e, por isso, o filho também ficou incomodado. Foi para
São Paulo, casou-se sem informar aos pais e não deixou o endereço de sua nova
casa. Nesse tempo, o pai faleceu e a mãe acabou por viver sozinha.
A mãe, com uma enorme tristeza, pensava, todos os dias, no filho,
dizendo seu nome, vivendo sozinha. Essa mãe adoeceu e acabou falecendo
também. Os vizinhos, que o sabiam onde vivia o filho, começaram a procurar
aqui e ali, conseguiram achar e, depois de muito tempo, ele voltou para casa a
tempo de presenciar o velório. Assim que entrou em casa, não se sabe de onde,
“Takeo...Takeo...” ouvia uma voz que lhe chamava. Espantou-se e, prestando
mais atenção para ouvir, percebeu que era a voz do papagaio, uma história real
que fez com que ele, pela primeira vez, sentisse em seu coração, o amor que a
mãe tinha por ele.
À todos, pergunto: “Onde será que houve falha? De quem será a
culpa?”
Educação não é, simplesmente, saber ler e escrever. Acredito que seja
uma forma de cultivar amor no coração em relação às outras pessoas. Em relação
aos favores ou agrados de outras pessoas, ter o sentimento de gratidão, ajudar
idosos e pessoas fracas e, a mãe, sempre dentro de casa, tem várias chances de
ensinar tudo isso naturalmente, e obter como resultado disso, o crescimento
humano da criança. Dirigir-se à criança e, mesmo dizendo, faça isso e o faça
aquilo, fazer com que seus filhos pensem: “A minha mãe é uma pessoa admirável
(esplêndida)”. Se não for assim, a criança jamais crescerá como ser humano.
uma história de um francês, Zartusman, chamada “o livro do
caranguejo”. Certo dia, a mãe caranguejo vira-se para o filho e diz:”Você sempre
376
anda de lado, porque não anda reto?”, e o filho caranguejo, responde: ”Papai,
ande reto, por favor, assim eu também andarei...”
Os pais, assim como filhos, mesmo não conseguindo estudar muito,
pela experiência de vida adquirida por um longo período, mesmo não entrando em
uma faculdade, pelos seus próprios esforços e preparação de sua mente,
conseguem obter tudo isso de forma admirável.
Como A mãe da França”, uns anos atrás, fui descrita no “Ayumi”. É
uma história meio antiga, mas gostaria de falar sobre isso.
Assim como todos conhecem o famoso escritor do Japão, o Sr. Kohjiro
Serizawa, foi para a França como representante do Japão, do Clube de
Correspondência (Pen Club). Nesta época, com a intenção de conhecer a forma
das moças pensarem, visitou vinte e três lares, perguntando para elas: “Que tipo
de pessoa você deseja ser?” Então, unanimemente, elas respondiam: “Quero ser
como minha mãe.” Após isso, quando o Sr. Serizawa voltou ao Japão, ele teve a
oportunidade de fazer palestras para alunas colegiais, e primeiramente,
perguntou:”Que tipo de pessoa vocês desejam ser?” Porém nenhuma pessoa
respondeu à sua pergunta. Então, ele perguntou novamente: “Vocês desejam ser
como suas es?” e depois de muito rumores a resposta foi : “Não queremos
levar uma vida miserável como nossas mães!”
As mães do Japão, durante um longo tempo, não conseguiram se
desligar da vida feudal e, apesar do mundo mudar cada vez mais em seus ideais,
as coisas o mudaram. Tanto os meninos como as meninas ficam contentes
quando a mãe se embeleza. Para que, a qualquer lugar que a mãe os leve, os
filhos não se envergonhem da mãe que tem, é preciso ser o orgulho de seus filhos.
Se falar coisas estranhas, na frente das pessoas, ou for uma mãe que se veste de
qualquer jeito, por mais que encha a criança de amor, ao invés de um lugar de
respeito, aos poucos, os filhos vão se revoltando e se separando de seus pais. A
mãe deve se desenvolver juntamente com sua criança.
Isso é uma história antiga do Japão, mas, em um lugar chamado
Yonezawa na província de Yamagata, um cientista famoso, chamado Shinzoh
Kuroi. Essa pessoa perdeu seu pai ainda quando pequeno e foi criado somente
pela sua mãe.
Shinzoh, nessa época, começou a aprender difíceis gramáticas da
China em um pequeno templo. Se tivesse alguma coisa difícil nesse aprendizado,
seus amigos, quando voltavam para casa, pediam para que seus pais os
ensinassem e, no dia seguinte, voltavam com tudo aprendido e passavam para as
lições seguintes, mas Shinzoh não tinha pai.
377
Certo dia, ele sussurrou : “Ah, se meu pai estivesse aqui, também me
ensinaria tudo isso...” e sua mãe ao ouvir, soltou um “Ah...” com o coração
dolorido. Mesmo ouvindo isso, ela entendia letras mais simples. E pensava,
todos os dias, “O que fazer para melhorar essa situação?”
Depois de pensar muito, teve a idéia de que “Se eu sei hiragana
159
,
posso ensinar o que aprender ouvindo, em hiragana”. Desde então, ficava de pé,
em frente à janela da escola que o filho estudava e, com muito esforço, escutava o
que o professor e os alunos liam, escrevendo tudo em hiragana. Ventando,
chovendo, estava ela, de pé, em frente à janela, sem se importar com o que os
moradores pensariam ao vê-la correndo o lápis pelo papéis. Quando Shinzoh
voltava para casa e se colocava em frente a escrivaninha, começava a ler em voz
alta. E a mãe que, enquanto costurava ouvia isso, dizia: “Shinzoh, está errado,
se assim…” e, com uma voz delicada, consertava os erros, ensinando o
modo correto.
Shinzoh, que desconhecia que a mãe, com muito esforço, estudava
debaixo da janela, dizia:”- Minha mãe conhece de tudo!”, e cada vez mais a
respeitava. Para não perder para sua mãe, tinha que estudar, e se esforçou em
aplicar-se cada vez mais nos estudos. Por fim, foi reconhecido pelo lorde (senhor
feudal, governador), da região de Yonezawa.
Certo dia, Shinzoh viu que havia alguma coisa escrita na porta do lado
virado para a varanda. Estranhou e perguntou: “Mãe, o que está escrito naquela
porta, por quê? Quem escreveu aquilo?” Estava escrito: “Quando tu eras
pequeno....Foi a primeira vez que ela revelou que, na época em que ele estava
na escola, ela, com muito esforço ficava debaixo da janela e escrevia na porta de
seu quarto e enquanto via a porta, corrigia seus erros. Escorria lágrimas pelo
olhos de Shinzoh e comovido, pegou as os de sua mãe, agradeceu-a pelo
esforço e guardou o sentimento de gratidão dentro de seu coração.
Imagino que, desde antigamente, as mães de pessoas admiráveis (e
bem sucedidas) tinham algo de diferente das pessoas normais. Quantas
dificuldades, as pessoas queo chamadas de mãe e estão nesta posição, já não
passaram… Pessoas como eu, com o passar da idade, fazem uma auto crítica.
Em qualquer lugar, todas, seja uma boa mãe, uma boa avó, que tenha respeito
pelos filhos e netos, devem sempre ler, fazer uma auto crítica, e além de tudo, ter
uma atividade ao envelhecer, vivendo com o coração repleto de prosperidade. E,
que tal, viver sem atrapalhar a vida dos jovens? Realmente, digo que nãonada
pronto para se chegar a uma resposta.
(17 de outubro de 1971 em Oeste de Honganji (Templo Hongan))
159
Hiragana - é a variedade de fonogramas, empregada na grafia de quase todos os elementos da língua
japonesa, exceto os de origem estrangeira, que não a chinesa.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo