Afora seus poemas nos tempos em que era ainda um colegial em Marselha,
possuindo uma boa cultura poética e particular admiração por Edgar Allan Poe,
num certo sentido e, apesar do volume de suas obras editadas pela Gallimard e
reconhecida por um razoável público-leitor, a porta de entrada de Antonin Artaud
no mundo da literatura dá-se imediatamente pela censura. Tudo começou quando
– a 1º de maio de 1923 – enviou um conjunto de poemas para serem publicados
na Nouvelle Revue Française, a publicação literária periódica mais importante da
França. Jacques Rivière, então diretor da revista, agradecendo o envio dos
poemas e justificando a recusa em sua publicação, escreve a Artaud: “Senhor,
sinto muito não poder publicar seus poemas na Nouvelle Revue Française”. Na
verdade, a crítica de Jacques Rivière demonstra a mentalidade dominante da
época nos meios literários, bem como, uma certa resistência ao modo de escrever
dos surrealistas., embora havemos de convir que, nesta fase, Artaud realmente
tem uns poemas sofríveis, principalmente, os incluídos no Tric-trac du ciel.
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SOBRE UM POETA MORTO
Sua alma de poeta, ái, havia partido
Entre os sons exemplares e góticos de uma tarde
E maravilhosamente entre negras maromas
O sol inclinava sua amarelada querena
Então, tinha vindo na minha melancolia
Ver os restos deste homem divino e ver
A Beleza onde se forma como uma pousada
O Sublime Pensamento incontestável e florido.
Os órgãos do mar faziam um barulho de multidão,
Os cabos rangiam com um barulho de ondulação
Entre as chamas de ouro dos círios que choravam.
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Conforme Gérard Duruzoi, em Artaud, l’aliénation et la folie, (p. 58) nos textos deste poeta,
publicados antes da Correspondance avec Jacques Rivière, tanto no prefácio de Maeterlink (I, 244)
quanto no Tric-trac du ciel (I, 251), há uma certa preocupação em demonstrar que havia lido muito
e que podia “escrever bem”, assim como, ser capaz de tentar certas imagens “originais”, como
acontece com o prefácio de doutor Edouard Toulouse em Au fil des préjugés (I, 242).