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A escuridão do Mutúm que existe em mim, o mundo sem contorno de
imensidões, é impalpável, insondável, absurdo. E, ao modo da profetiza Ísis
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, em
seu encontro com o anjo, aquilo que vi não posso contar, ao que acrescento a
segunda epígrafe do Campo Geral.
“Vede, eis a pedra brilhante dada ao contemplativo; ela traz um
nome novo, que ninguém conhece, a não ser aquele que a recebe.”
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Enquanto a experiência aconteceu, pouco li do que outros leitores tinham a
dizer sobre o Mutúm. Uma provável estratégia pra não me contaminar com
outras compreensões, mas também a própria bolha atuando em meu contato
com o mundo. O medo de perder a parte mais delicada de uma pele minha que
ainda não ganhara proteção de se expor ao sol.
Hoje, agüento um pouco mais, ganho fome de compreensão. E posso começar
a ampliar os horizontes sem tanto medo. E aí deparo, por exemplo, com Susi
Sperber
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recolhendo trechos, pequenos e grandes, beliscando os fios de
entendimento e trazendo-os à luz com carinho de quem se debruça sobre o
assunto, sem abafar o real. Não deveria ser assim, um jeito de se estudar árvore,
passarinho, montanha e Rosa, um fenômeno também eclodido de vida, no
mundo?
Para Sperber, as indefinições dos signos rosianos, a imprecisão dos elementos
constituintes da estrutura sintagmática de Rosa, seja pela inversão dos seus
elementos, o retardamento ou a enfatização do sentido, nos afastam da
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Me refiro aqui ao muito antigo texto da alquimia grega, chamado “A profetisa Ísis para seu Filho”. É uma
espécie de carta de Ísis ao seu filho Hórus, que relata o seu encontro com o anjo Amnael. Ele desejava possuí-la,
ao que ela resistiu, pedindo que contasse o seu segredo: “(...) Resisti a ele e dominei o seu desejo até que ele me mostrou o
sinal em sua cabeça e me deu a tradição dos mistérios sem esconder coisa alguma e contando toda a verdade.” Depois de repetir as
palavras do anjo, ela finaliza a carta: “(...) Depois que pronunciou esse juramento, fez-me com esse juramento prometer que nunca
contaria os mistérios que ia agora ouvir, exceto a meu filho, minha criança, e ao meu amigo mais íntimo, de modo que tu és eu e eu
sou tu.” In: Von Franz, Alquimia, São Paulo: Cultrix, 1980. p.33.
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Ruysbroek o Admirável, in: Rosa, J. G. Manuelzão e Miguilim, Nova Fronteira, 2001. p. 6.
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Sperber, Susi Frankl, Guimarães Rosa : Signo e Sentimento, São Paulo, Ática, 1982.