O manuscrito do romance de Duarte que está depositado nos arquivos da
Academia de Letras da Bahia registra sua conclusão em 23-06-1936. O texto que tinha o
título Santo Afonso – romance do eito e do ermo rasurado se converterá logo depois em
mais um dos inúmeros romances “sociais” que apareceriam naqueles anos trinta.
A primeira crítica que encontramos de Gado Humano é a já referida resenha
feita por Carlos Chiacchio, publicada em sua coluna Homens & Obras no dia 9 de
dezembro de 1936.
Chiacchio, como dissemos, era o guru da crítica literária na Bahia dos anos
1930. Defensor de um “modernismo tradicionista”
, o crítico depois ficaria conhecido
por fazer uma “crítica da simpatia”.
É este nome mais que conhecido no cenário da
crítica literária de então que logo recepcionou o romance de Duarte. Como ressalta
Chiacchio, o autor de Gado Humano não era um desconhecido das letras da Bahia.
Além de alguns artigos em periódicos da capital baiana, havia lançado três anos antes O
Direito: Noção e Norma, sua tese para ingresso como catedrático de Introdução à
Ciência do Direito na Faculdade de Direito da Bahia
. Com efeito, à altura da
publicação Duarte era figura já conhecida nos círculos intelectuais e políticos, uma vez
que estava em pleno desenrolar-se a curta experiência do Legislativo baiano iniciada em
abril de 1935 - e que seria encerrada em novembro de 1937- e na qual Duarte foi uma
das figuras mais atuantes. No entanto, de acordo com Chiacchio, a atuação política
(institucional) não pesaria de forma negativa na composição literária de nosso autor. De
acordo com o crítico literário, “a político, em geral, infla, engorda, hipertrofia o estilo
dos homens. Em Nestor Duarte o fenômeno não se observa com a mesma
Modernismo Tradicionista, aliás, era como se chamava os rodapés que Chiacchio escrevia todas as
quartas-feiras no jornal A Tarde. Depois dos oito primeiros números em 1928 ele passou a chamar-se
“Homens & Obras”, mas não perdeu seu caráter cauteloso quanto às mudanças que vinham se
processando na cena literária. Esta “cautela” pode ser vista na nota que aparece no primeiro número da
Revista da Academia de Letras da Bahia em 1930. Na nota, diz Chiacchio, “A nossa revista chega
justamente num período de lutas magníficas no scenario das letras. Atravessamos uma época de
renovação. O insticto do novo, que é o característico de todos os movimentos literários, lavra, intenso,
largo e fundo, no campo das competições entre o passado e o presente. Não podemos participar, a gritos
de escândalo, dessa trepidação confusa de idéias ainda mal definidas. A nossa atitude é espectante, sem
ser indifferente. É totalmente, sem ser passiva. Queremos o novo, o melhor, o mais de possibilidade
efficazes. O typo de conservantismo, em função de melhoria, é o que nos convem... A nossa Revista está
cheia de propósitos tolerantes que alimentam os seus responsáveis acadêmicos. Queremos que a
Academia de Letras da Bahia seja uma verdade palpitante, dentro dos moldes conservadores, mas activos,
da nossa mentalidade contemporânea. In. Revista da Academia de Letras da Bahia. Anno I, agosto de
1930. nº. I, Vol. I. Grifos nossos.
Cf. Dulce Mascarenhas. Carlos Chiacchio: “Homens & Obras” - itinerário de dezoito anos de
rodapés semanais em A Tarde. Salvador: Academia de Letras da Bahia, 1979.
Interessante notar como Chiacchio ao dizer que Duarte não é um desconhecido nas letras locais está
mais uma vez demonstrando aquela identificação apontada no capítulo anterior entre os bacharéis, o
jornalismo e o mundo das letras.