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UNIVERSIDADE DE RIBEIRÃO PRETO
FACULDADE DE DIREITO “LAUDO DE CAMARGO”
MESTRADO EM DIREITO
MÔNICA CECILIO RODRIGUES
DANO MORAL COLETIVO
RIBEIRÃO PRETO
2010
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MÔNICA CECILIO RODRIGUES
DANO MORAL COLETIVO
Dissertação apresentada à Universidade de Ribeirão Preto
UNAERP, como requisito para a obtenção do título de
Mestre em Direito. Área de Concentração: Direitos
Coletivos e Função Social do Direito.
Orientador:Prof. Dr. Luiz Rodrigues Wambier
Ribeirão Preto
2010
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Ficha catalográfica preparada pelo Centro de Processamento
Técnico da Biblioteca Central da UNAERP
- Universidade de Ribeirão Preto -
Rodrigues, Mônica Cecílio, 1969 -
R696d Dano moral coletivo / Mônica Cecílio Rodrigues. - - Ribeirão
Preto, 2010.
110 f.
Orientador: Prof. Dr. Luiz Rodrigues Wambier.
Dissertação (mestrado) - Universidade de Ribeirão Preto,
UNAERP, Direito, área de concentração: Direitos coletivos e
Função social do direito. Ribeirão Preto, 2010.
1. Direito. 2. Responsabilidade civil. 3. Dano moral coletivo.
I. Título.
CDD: 340
MÔNICA CECILIO RODRIGUES
DANO MORAL COLETIVO
Dissertação apresentada à Universidade de
Ribeirão Preto - UNAERP, como requisito
para a obtenção do título de Mestre em
Direito.
Área de Concentração: Direitos Coletivos, Cidadania e Função Social do Direito.
Data da defesa:
Resultado: _______________________
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Presidente: Prof. Dr. Luiz Rodrigues Wambier
UNAERP - Universidade de Ribeirão Preto
________________________________________________
Prof. Dr. Fernando Sacco Neto
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
_________________________________________________
Prof. Dr. Juvêncio Borges da Silva
UNAERP – Universidade de Ribeirão Preto
Dedicatória
Aos meus pais, João e Linda, exemplos de amor e fé.
Agradecimentos
Agradeço a Deus, que é sempre a minha fortaleza.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Luiz Rodrigues Wambier, pela conduta irretocável e
profissionalismo que me dedicou, tornando-se um exemplo para mim.
Nenhum saber é finito.
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo estudar e demonstrar, a possibilidade de aplicação dos
danos morais coletivos as lesões aos direitos extrapatrimoniais coletivos, amparando na
legislação pátria. Haja vista que, os nossos julgadores têm entendido não ser possível tal
ressarcimento, justificando-se no vocábulo empregado pela legislação - dano moral coletivo;
ainda, argumentam que a coletividade não tem sentimento, e que, a lesão moral não atinge a
coletividade, ficando assim os danos a ela ocorridos sem proteção jurídica. O que não deve
acontecer, pois uma vez lucrativo o ilícito e sem qualquer reprimenda, não deixa de ser ilícito,
apenas proporcionará a sua reincidência, enquanto lucrativo; sob pena de acabar destruindo
vários bens coletivos. O que o instituto da responsabilidade civil não deve permitir diante da
possibilidade irrestrita de punição ao dano moral permitida pela Constituição Federal.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Dano Moral Coletivo. Possibilidade
ABSTRACT
COLLECTIVE MORAL DAMAGE
This work aims at studying and demonstrating the possibility of applying collective
moral damages to lesions affecting extra-patrimonial collective rights, supported by the
brazilian legislation. Therewith, brazilian judges acknowledge not being possible such refund,
justifying it in the term used by the legislation collective moral damage. Moreover, they
debate that the collective action has no feeling and that moral lesion does not affect the
collective the damages occurred to the collective remain without judicial protection. Such
thing must not go on because the illicit once lucrative and without any reprehension is still
illicit and will just backslide and destroy many collective goods. The institution of civil
responsibility should not allow this to happen having unrestricted possibilities of punishing
moral damages after the Federal Constitution.
Keywords: Civil responsibility. Collective Moral Damage. Possibility.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 10
1 DELINEAMENTO HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL ........................ 11
2 RESPONSABILIDADE CIVIL ......................................................................................... 14
3 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL ................................................... 17
3.1 DA AÇÃO OU OMISSÃO ................................................................................................ 19
3.2 DA CULPA OU DOLO ..................................................................................................... 21
3.2.1 Teoria Objetiva ................................................................................................................ 23
3.2.2 Exemplos da Teoria Objetiva Aplicada aos direitos Coletivos ....................................... 25
3.3 DO NEXO DE CAUSALIDADE ...................................................................................... 30
3.4 DO DANO MORAL .......................................................................................................... 34
4 A IDENTIDADE MATERIAL DOS DIREITOS COLETIVOS .................................... 39
5 O CONCEITO DE DANO . ................................................................................................ 61
5.1 A NATUREZA E IDENTIFICAÇÃO DOS DANOS: MATERIAL E MORAL .............. 65
6 DANO MORAL NOS DIREITOS COLETIVOS. .......................................................... 74
7 LEADING CASE. ................................................................................................................ 88
8 AS FUNÇÕES DOS DANOS MORAIS AOS DIREITOS COLETIVOS. ................... 94
CONCLUSÃO. ...................................................................................................................... 104
REFERÊNCIAS . ................................................................................................................. 107
Introdução 10
INTRODUÇÃO
Quando nos dispusemos a escrever sobre dano moral coletivo verificamos que seria
uma tarefa árdua, diante da grande controvérsia sobre sua existência e o que se diga para uma
principiante. E realmente não podemos fugir desta confissão.
A proposta de defender a possibilidade do dano moral coletivo é um desafio, em razão
das teorias que bipartem a identificação do dano, pressuposto da responsabilidade civil; resta
a celeuma de sua existência ou não. Todavia, iniciamos o presente trabalho com o estudo da
responsabilidade civil em cada um dos pressupostos, tendendo para a explicação de que a
identificação do dano é feita através do direito atingido; foi necessário a explicação de
identificação também dos direitos coletivos. Direitos estes diferenciadores de todo este
trabalho, pois o instituto da responsabilidade civil é muito bem aceito quando se trata de
direitos individuais; então a provocação é direcionar a conclusão para a existência da
responsabilidade civil aos danos ocasionados aos direitos coletivos. E não satisfeita ainda, aos
direitos coletivos extrapatrimoniais. O que foi denominado pela legislação de dano moral
coletivo, dificultando ainda mais o convencimento proposto.
O texto é desenvolvido primeiro sobre o instituto da responsabilidade civil, depois a
conceituação dos direitos coletivos e finalmente a conceituação precisa da identificação do
mais importante pressuposto do instituto o dano moral. Para eclodir no convencimento da
função do dano moral frente às lesões ocorridas nos direitos coletivos imensuráveis.
Assim, verifica-se ao longo deste trabalho que não resta outra conclusão para o
instituto da responsabilidade civil do que o seu dever de punir civilmente os ilícitos causados
aos direitos inalienáveis, vez que a sua não punição acarretaria na repetição destes ilícitos,
enquanto for benéfico ao ofensor; o que jamais pode ser tolerado pelo direito ou pela justiça.
Delineamento histórico da responsabilidade civil 11
1 DELINEAMENTO HISTÓRICO DA RESPONSABILIDADE CIVIL
O instituto da responsabilidade civil foi um dos que mais evoluíram. Na visão de Luiz
Rodrigues Wambier
1
e de Maria Helena Diniz
2
o progresso foi “pluridimensional”. E assim
explicam a expressão citando os aspectos que compõem esta evolução até chegar ao estágio
atual. Como primeiro aspecto tem-se a própria história, que provocou relevantes modificações
no dever ressarcitório, pois “a evolução do instituto acontece em função do aumento das
razões suficientes ao nascimento do dever ressarcitório”
3
. Inicialmente a pena chegava a ser
de uma truculência desmedida, para nos dias de hoje haver a busca pela exata mensuração do
valor do bem atingindo. O segundo aspecto da fundamentação tem como escopo avaliar a
ação ou omissão do agente; depois, o terceiro aspecto, a extensão ou área de incidência, ou
seja, quais os sujeitos ativos e passivos da relação e as suas respectivas responsabilidades e,
finalmente, como quarto a fixação do valor ressarcitório, tentando proporcionar a vítima uma
reparação que ao menos equivalha à situação anterior a lesão.
Refazer o caminho percorrido por este instituto é necessário, pois é com a consciência
do passado que enriquecemos o entendimento do presente, tendo uma visão crítica e não
deixando que as normas vigentes nos impregnem sem nada questionarmos, como dogmas,
pois só assim poderemos melhorar o futuro.
Hironaka
4
aceita com reservas a visão de alguns juristas que estudam a
responsabilidade civil e dizem que o instituto é “tão antigo quanto o direito”. Relata a autora
ser “um instituto contemporâneo”, conferindo ao sistema jurídico francês a sua primeira
aparição expressa. Ainda revela que a responsabilidade civil, que hoje conhecemos, nasceu
nos dois últimos séculos.
1
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liquidação do dano. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1988, p. 17.
2
DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade civil. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 10.
3
WAMBIER, op. cit., p. 17.
4
HIRONAKA, Giselda. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 28.
Delineamento histórico da responsabilidade civil 12
No início dos tempos, se ocorrida uma lesão a um dos componentes do grupo, este se
arrogando defensor, buscava o direito ao ressarcimento contra o agressor; sem qualquer
interferência do Estado.
Em seguida veio a fase da perseguição privada, “como forma de compensação por
danos causados por outrem”, complementa Hironaka
5
. Ou também chamada de autotutela, na
explicação de Wambier
6
. Escorada na Lei de Talião, que popularmente conhecemos como
“olho por olho, dente por dente”; ou seja, a reparação será nas mesmas proporções da lesão ou
quando não equivalente à lesão; tudo com o consentimento das entidades sociais e religiosas;
não perquirindo a culpa, pode-se dizer que a responsabilidade era objetiva.
o Código de Hammurabi, apesar da similitude com a Lei de Talião, trouxe expresso
o correspondente a cada lesão, eliminando do particular a mensuração do dano. Conforme nos
explica Hironaka, os ânimos, outrora acirrados, agora estavam contidos pelas disposições
expressas da forma de vingança e sua medida, todavia, esse Código “ainda era de uma
crueldade absoluta”
7
.
Após este período nasce o “mais civilizado” com a “intervenção da autoridade estatal,
prevalecendo à composição do dano, de formas mais diversas possíveis”, como escreve
Wambier
8
, mas já surgindo à reparação na modalidade de prestação da “poena”, interferindo o
Estado quando o delito fosse público.
Com o surgimento da Lei Aquilia, concebida pelo direito romano, através de um
plebiscito
9
de 286 a.C, a qual é mencionada por Wambier como um “precioso marco histórico
no desenvolvimento da matéria
10
”, nasce então, a concepção aquiliana. A Lei regulamentava
a “idéia de reparação pecuniária do dano, impondo que o patrimônio do lesante suportasse os
ônus da reparação”
11
, trazendo também a idéia de culpa como pressuposto da
responsabilidade. Agora surge o Estado como interveniente quando os conflitos fossem
privados, obrigando uma compensação.
5
HIRONAKA, Giselda. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 45.
6
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liquidação do dano. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1988, p. 15.
7
HIRONAKA, op. cit., p. 47.
8
WAMBIER, op. cit., p. 16.
9
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – Responsabilidade civil. 3.ed. São Paulo: Atlas,2003, p. 19.
10
WAMBIER, op. cit., p. 16.
11
DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade civil. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 11.
Delineamento histórico da responsabilidade civil 13
“A concepção da causalidade fundamental do dano é uma criação, sem dúvida, da lex
Aquilia”, escreve Hironaka
12
; apesar desta autora esclarecer que não existe relação com a
culpa contemporânea como elemento essencial para a responsabilidade, como é hoje por nós
conhecida.
Foi através do jurista Jean Domat, um dos principais inspiradores do Código Civil
francês de 1804, e frente às exigências do próprio desenvolvimento social, que surgiu a teoria
da responsabilidade civil na modalidade atual; apontando a regra de que não existe
responsabilidade sem culpa, desenvolvendo a partir de então o seu fundamento.
Posteriormente surgiu a responsabilidade objetiva.
Hironaka
13
, enfaticamente, pergunta: “Qual é a efetiva razão de ressarcir? Qual é o
verdadeiro pressuposto do dever de indenizar? Quais são os novos contornos e conteúdo da
reparação? Qual é, então, o marco teórico da responsabilidade civil, neste tempo das primeiras
pegadas do novo milênio?”.
Percebe-se que a própria história vai direcionando as perguntas e caberá ao direito,
sabiamente, trazer as respostas. Não as questões pertinentes acima, mas as outras que
surgirem em razão das relações hoje existentes e que também abranjam a coletividade. O
nosso tempo exige respostas para problemas não apenas individuais, como está acostumado o
instituto da responsabilidade civil, mas sim para questões de alcance maior, onde envolvem
inúmeras pessoas, indefinidas pessoas.
12
HIRONAKA, Giselda. Responsabilidade pressuposta. Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 56.
13
Ibid., p. 04.
Responsabilidade civil 14
2 RESPONSABILIDADE CIVIL
Vários foram os autores que escreveram sobre a responsabilidade civil, alguns com
mais precisão e preocupação didática procuraram dissecar o instituto, que faz parte do direito
obrigacional. Reconhecendo a responsabilidade civil como um acontecimento social, foi se
formando, “ante a grande imprecisão doutrinária a respeito”
14
, conceitos, pressupostos e
conclusões, que muitas das vezes não é partilhada igualmente por todos. Henri Mazeaud,
Léon Mazeaud e Tunc, autores da obra Traité de La Responsabilité Civile, citados por Rui
Stoco
15
, também reconhecem a dificuldade da conceituação do vocábulo responsabilidade
civil.
Portanto, escorando na velha máxima de que todo direito corresponde a um
dever/obrigação, numa verdadeira coexistência e via de mão dupla, tentamos conceituar a
responsabilidade civil, derivada da palavra respondere, ou seja, responder por alguma coisa.
Violado um direito ou desobedecido o dever de respeito a este direito, ocorre um
ilícito, e este ilícito gera direito a uma reparação, no caso em tela, reparação civil. Instituto
civil este originário de dois princípios neminem laedere e do alterum non laedere, estatuídos
no artigo 186 do Código Civil.
Assim, quando ocorre a violação do dever jurídico originário (dever de respeito) gera
um dever jurídico secundário ou sucessivo
16
, “que é o de indenizar o prejuízo”
17
ocasionado.
Portanto, responsabilidade civil é: “o dever que alguém tem de reparar o prejuízo decorrente
14
DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade civil. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 37.
15
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 113.
16
Por dever jurídico originário também denominado de primário, entende-se como a obrigação que existe de
respeito a um direito subjetivo ou objetivo, na própria acepção da palavra. Impondo-se a velha xima: a
todo direito corresponde uma obrigação. Exemplificando: o cidadão tem o direito de possuir bens, e, em
contra partida, os outros cidadãos tem o dever/obrigação, de em respeitando este direito não causar danos a
estes bens. Se este dever/obrigação de respeito ao direito de possuir que o cidadão tem for descumprido ou até
mesmo lesar diretamente estes bens, gera uma segunda obrigação, chamada de secundária, ao descumpridor;
que é indenizar o desrespeito ao direito primário. Donde se conclui: o dever jurídico originário de respeito
uma vez descumprido gera o dever jurídico secundário de ressarcimento.
17
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 2.
Responsabilidade civil 15
da violação de outro dever jurídico”, para Cavalieri
18
. E repetindo a explicação deste autor
citado: “tudo acaba em responsabilidade”.
Lembrados por Maria Helena Diniz
19
, Pirson e Villé, in Traité de la responsabilité
civile extracontractuellle, “conceituam a responsabilidade como a obrigação imposta pelas
normas às pessoas no sentido de responder pelas consequências prejudiciais de suas ações”.
Responsabilidade é o consequente do desrespeito a uma obrigação, pois não há
responsabilidade sem obrigação correspondente e antecedente. Pura questão de bom senso.
Não podemos esquecer que, somente quando ocorrido prejuízo em razão da violação do dever
originário é que nasceria o direito ressarcitório, como dever secundário. Sem existência de
prejuízo, deverá haver máxima cautela para imputar a alguém a responsabilidade de
ressarcimento.
Amparando na doutrina, Wambier
20
cita que duas são as matizes da responsabilidade
civil: a moral e a jurídica. Sendo que a segunda, apesar de reconhecer ser mais restrita, não se
distancia do seu objetivo, ou seja, solucionar os prejuízos que por ventura ocorrerem à pessoa
ou ao seu patrimônio, assim como ao patrimônio social, representado pelos interesses
coletivos e pelos difusos.
E como modalidade obrigacional que é, surge o dever de indenizar, onde tenta
recolocar a vítima na situação anterior à lesão, haja vista que a idéia de reparação é muito
mais ampla do que a de ato ilícito. Indenizar pela metade é responsabilizar a vítima pelo
resto.
21
É nesta linha de entendimento que o Código Civil define a responsabilidade civil
precisamente, quando utiliza em seu artigo 186 a expressão “viola direito”. Que por ser
direito, logicamente, tem proteção legal.
O nosso sistema de reconhecimento ao direito indenizatório é considerado
ordenamento atípico ou aberto, seguindo a codificação francesa, pois não existe taxação dos
interesses que ensejariam reparação, apenas cláusulas gerais. Apesar de que, na França
18
CAVALIERI FILHO, Sergio. Responsabilidade civil no novo digo civil. Revista da EMERJ, Rio de
Janeiro,v. 6, n. 24, 2003, p. 30-47.
19
DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade civil. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 34.
20
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liquidação do dano. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1988, p. 20.
21
PIZARRO, Ramón Daniel. Responsabilidad Civil de los Médios Masivos de Comunicación. Daños por
noticias inexactas o agraviantes. Buenos Aires: Hammurabi,1999, p. 184.
Responsabilidade civil 16
ocorreu à limitação pela jurisprudência, o que não pode ser esquecido. em contrapartida
existem os ordenamentos típicos ou fechados que enumeram taxativamente os interesses
protegidos de violação. Portanto, em nosso ordenamento jurídico “o legislador não indica os
interesses cuja violação origina um dano ressarcível, limitando-se a prever uma cláusula geral
de ressarcimento pelos danos patrimoniais ou morais”, conforme nos explica Anderson
Schreiber
22
, em seu livro fruto da defesa do doutorado, defendida na Università degli studi
Del Molise, Itália, em 2006. E como ordenamentos típicos, temos o italiano e o alemão,
apesar de que este último possui “válvulas abertas a novos interesses”.
22
SCHEREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. São Paulo: Atlas Jurídico, 2007,
p. 95.
Pressupostos da responsabilidade civil 17
3 PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL
Pela teoria clássica são quatro os pressupostos da responsabilidade civil: ação ou
omissão, a culpa ou dolo, o nexo de causalidade e o dano. A culpa e o nexo causal são
chamados de filtros da responsabilidade civil ou filtros da reparação
23
. Contudo, no início dos
tempos, não se preocupavam com a existência da culpa, pois esta era deixada de lado e
sobrevinha o interesse primordial de ressarcir o dano, portanto, a responsabilidade era sempre
objetiva. Posteriormente, o direito francês elege a culpa com base no princípio aquiliano,
ainda que levíssima, gera a obrigação de indenizar. E assim, a culpa foi inserida na legislação.
Todavia, este não é o entendimento pacífico entre os doutrinadores franceses. Capitant
define culpa como sendo o desrespeito a uma obrigação de respeito para com o seu
semelhante. Ripert acha que culpa não tem definição legal. Já Savatier conceitua a culpa
como sendo a “inexecução de um dever que o agente podia conhecer e observar”
24
.
Mazeuad e Mazeaud, também franceses, não qualificam a culpa como sendo
desrespeito, mas sim, um “erro de conduta”
25
.
Muitos dos doutrinadores ao estudarem a responsabilidade civil preocupam em
encontrar qual seria a melhor solução para atender a necessidade da vítima em ser ressarcida
no seu prejuízo, assim, fazendo uma sintética digressão histórica do mencionado instituto
temos, de início, a prova da culpa era facilitada de sobremaneira em nosso direito pátrio;
posteriormente, no Código Civil de 1916, reprimiam o abuso de direito, quando lesionava
terceiros, e pecava ao utilizar alternativamente os pressupostos “violar direito, ou causar
prejuízo a outrem” (artigo 159). Depois a nossa legislação adota, brandamente, a teoria do
risco, como o Código de Menores, Súmula 341 do STF, responsabilidade das vítimas em
estrada de ferro; uma vez satisfeito o liame de causa e efeito seria reconhecida a culpa. Em
seguida, sobreveio, a teoria da culpa in vigilando, no direito francês. Surge também, a teoria
23
SCHEREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. São Paulo: Atlas Jurídico, 2007,
p. 11.
24
Traité de La Responsabilité Civile, tomo I, nº. 4, p. 5. In: DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade
Civil. 4 ed. São Paulo: Forense, 1960, tomo I, p. 137.
25
Ibid., p. 137.
Pressupostos da Responsabilidade civil 18
da culpa contratual. E atualmente, não considerando como fechamento do circulo histórico,
adota-se a teoria do risco, no início do século passado e fim do anterior.
Com a evolução das relações sociais, a responsabilidade civil foi obrigada a vivificar a
proteção à vítima, uma vez que em muitas das hipóteses tornavam insuficientes as teorias até
então apresentadas, pois de nada cumpriam o papel protecionista e de ressarcimento ao
prejudicado.
Assim, ganhou força a dicotomia no que diz respeito à responsabilidade civil, levando
em conta um de seus pressupostos a culpa (assemelha faute em francês). Ficando então a
responsabilidade civil dividida em subjetiva ou objetiva, ou seja, a inexistência ou existência
da culpa, sendo esta definida como a previsibilidade de evitar o dano. O que vai dando outro
tom à legislação, estudos e julgados, esclarecendo que mesmo sem culpa, aqui no sentido lato
sensu, existe a responsabilidade do agente. Como veremos mais a frente, ao se falar
especificamente deste pressuposto da responsabilidade civil - a culpa, a sua inexistência não
frustra o dever obrigacional secundário. Tratando de uma grande inovação em nosso direito
pátrio a aceitação da teoria do risco, que ampara a responsabilidade sem culpa. Pois como
dito, a teoria da responsabilidade subjetiva não respondia aos anseios de um verdadeiro
ressarcimento ao lesado.
Voltemos, então, aos pressupostos do instituto.
Nosso sistema jurídico prevê quatro pressupostos da responsabilidade civil, nos artigos
186 e 927, parágrafo único assim fixados: ação ou omissão, culpa ou dolo, nexo causal e
dano. Apesar de autores renomados e que tratam especificamente do tema, como Maria
Helena Diniz e Cavalieri, unificarem alguns dos pressupostos, tais como, a ação ou omissão
com a culpa e o dolo, aqui faremos a partição em razão do objetivo do presente trabalho estar
ligado a dois destes pressupostos: o dolo, como responsabilidade objetiva e o dano
extrapatrimonial aos direitos materiais coletivos lato sensu.
Merece destacar que todos os pressupostos devem estar presentes para ensejar o
ressarcimento, ressalvada a exceção quando estivermos diante de atividade de risco ou de
responsabilidade civil objetiva, elencada pela lei, não que se exigir a presença de culpa,
mas, de antemão, reconhece a existência do dolo nestes casos, excluindo apenas se
comprovada a existência de atitudes tomadas para evitá-lo terminantemente ou se fora caso de
culpa exclusiva da vítima.
Pressupostos da Responsabilidade civil 19
3.1 DA AÇÃO OU OMISSÃO
A ação compreende positividade, atitude. Já omissão negatividade, passividade,
inação. A ação pressupõe infringência a um dever de respeito, já a omissão implica
inatividade frente a uma imposição, a um dever jurídico de ação respeitosa. Cavalieri
26
denomina conduta, o ato comissivo ou omissivo, justificando-se para fins didáticos.
A responsabilidade civil, quando ocorre, imputada ao agente por ato próprio é assim
chamada de direta. A indireta acontece quando por ato de terceiros o agente responda, tais
como, filhos, tutelados, curatelados, empregados, educandos, hóspedes, prepostos, agentes do
direito público e, também, pelos atos causados pelas coisas ou animais que estejam sob sua
guarda, diferenciando aqui que a responsabilidade neste caso é objetiva, não comportando a
exigência de provar a ocorrência de culpa. Uma vez que o responsável está ligado ao agente
causador do dano, a exemplo do artigo 932 do Código Civil, não pelo ato em si, mas pelo
dever de guarda, vigilância e cuidado e se omitiram a este dever.
Tanto a ação quanto a omissão deve ser voluntária, deliberada, uma vez que, ficam
excluídos os atos praticados ou não praticados (omissão) sob coação absoluta, inconsciente,
sob efeito hipnótico, delírio febril, ataque epilético, sonambulismo etc., como muito bem
exemplifica Maria Helena Diniz
27
.
Aqui se fala em conduta, em sentido amplo, atitude positiva ou também omissão,
atitude negativa; as duas em desrespeito a um dever, conforme determina o Código Civil, em
seu artigo 186, quando utiliza a expressão “viola direito”; assim, adere à tese de que a ação ou
omissão que desencadeia a responsabilidade civil é caracterizada por um desrespeito a um
direito, ou melhor é a violação do dever de respeito a um direito. Ipso facto, ipso jure, a todo
direito corresponde a um dever de respeito. “A obrigação preexistente é a verdadeira fonte da
responsabilidade e deriva, por sua vez, de qualquer fator social capaz de criar normas de
conduta”, in Les fondements de La responsabilité civile, Paris, 1938, n. 84, p. 84, citação feita
por Carlos Roberto Gonçalves
28
.
26
CAVALIERE FILHO, Sérgio. Responsabilidade Civil no novo Código Civil. Revista da EMERJ, Rio de
Janeiro, v. 6, n. 24, 2003, p. 24.
27
DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade civil. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 39.
28
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 38.
Pressupostos da Responsabilidade civil 20
Silvio Rodrigues
29
também foi adepto desta teoria de que a responsabilidade civil se
origina quando ocorrer à violação a um dever.
Quanto à origem ou natureza, como quer alguns autores, este desrespeito ao dever
jurídico pode-se dar de duas maneiras, a contratual ou a extracontratual ou aquiliana; sendo a
primeira originária de uma liberalidade e a segunda imposição de lei. Não podendo esquecer
que também haverá responsabilidade civil quando houver abuso de direito (RT, 167:269,
171:141), como determina o artigo 187 do novo estatuto civil. Entretanto, encontramos
doutrinadores que não fazem esta distinção, como Silvio de Salvo Venosa
30
, considerando que
as duas responsabilidades, com frequência, se interpenetram, ou no dizer de Cavalieri
31
“há
uma verdadeira simbiose entre esse dois tipos”. Porém, independentemente de sua origem, a
diferenciação ficará somente no tocante a prova da culpa (exigência da aquiliana), de sorte
que se verificar o dano deverá ser indenizado.
Não podemos taxar aqui a ação com um significado de atitude que ocasionará a
indenização como sendo sempre um ato ilícito. Assim estaríamos esquecendo de que pode ser
também lícita a atividade nos casos expressamente estatuídos no artigo 188, inciso II, c/c
artigos 929 e 930, 1.285, 1.289, 1.293, 1.385, parágrafo 3º etc. Todavia, se ocorrer o abuso de
direito ou excesso no exercício regular desta atividade, caberá sim indenização e, Xisto
Neto
32
, se escora em Gustavo Tepedino , para explicar o abuso de direito, em destaque:
A categoria do abuso de direito surgiu justamente no intuito de reprimir os atos que,
embora praticados com estrita observância da lei, violavam o seu espírito, e
continua: uma conduta que, embora lícita, mostra-se desconforme com a finalidade
que o ordenamento pretende naquela circunstância fática alcançar e promover.
Portanto, atualmente, o podemos falar que somente o ato ilícito é indenizável, haja
vista que, atos lícitos também podem ser indenizáveis, quando ferem ou excedem o espírito
do direito protegido.
Orlando Gomes acredita existir responsabilidade derivada de ato lícito, e exemplifica
quando a obrigação de indenizar ocorre sem existência de culpa, não se considerado ato
29
RODRIGUES, Silvio. Direito civil.v. 4. São Paulo: Saraiva, 1975, p. 22.
30
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – Responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 21.
31
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Responsabilidade civil no novo código civil. Revista da EMERJ, Rio de
Janeiro, v. 6, n. 24, 2003, 32.
32
MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 2. ed. São Paulo: LTR,2007, p.30.
Pressupostos da Responsabilidade civil 21
ilícito; neste mesmo diapasão Sergio Cavalieri
33
e outros autores chegam a concluir que o ato
ilícito seria responsabilidade subjetiva e quando é ato lícito é responsabilidade objetiva.
Apesar de citar esta corrente, Cavalieri
34
rebate, veementemente, não abandonando a
sua opinião de que para haver responsabilidade deverá ocorrer a violação de um dever
jurídico pré-existente, o que desenha ilicitude “com o descumprimento de uma obrigação
originária”.
3.2 DA CULPA OU DOLO
Quando os doutrinadores falam em culpa lato sensu não podemos esquecer da
dualidade que a encampa: culpa e dolo. A distinção entre a culpa, stricto sensu, e dolo, far-se-
á na conduta; no dolo a conduta incide desde o início, já na culpa a conduta aparece apenas no
resultado do evento. Na culpa não existe o querer, apenas o descuido e com isto chega-se ao
resultado. Já no dolo tem-se a intenção, consciência do ilícito e o querer do resultado.
Para Caio Mário
35
basta que o agente tenha a consciência do resultado para se tornar
responsável, não sendo exigível a prova da culpa ou dolo e justifica seu raciocínio em razão
da dificuldade de encontrar e provar a verdadeira intenção do agente. Agostinho Alvim
36
,
socorrendo em Karl Larenz, partilha igualmente do pensamento de ser difícil a verificação da
intenção do agente, podendo assim ser determinada a responsabilidade pelas atitudes do
agente, as quais foram determinantes para o resultado danoso.
Apresentada a culpa como pressuposto da responsabilidade, mesmo que exteriorizada
como ação (+) ou omissão (-), tem-se a obrigação de indenizar. Cavalieri define a questão
muito bem: “A vontade é o elemento subjetivo da conduta, sua carga de energia psíquica que
impele o agente; é o impulso causal do comportamento humano”
37
. E para que seja
reconhecida a responsabilidade subjetiva basta à manifestação desta vontade, um mínimo que
seja, livre.
33
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Responsabilidade civil no novo código civil. Revista da EMERJ, Rio de
Janeiro,v. 6, n. 24, 2003, p. 08.
34
Ibid., p. 08.
35
MARIO, Caio. Instituições de direito civil. IV v. 12. ed. São Paulo: Forense, 2002, p. 33.
36
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 227.
37
CAVALIERI FILHO, op. cit., p. 29.
Pressupostos da Responsabilidade civil 22
Certos doutrinadores não se preocupam com a distinção entre culpa e dolo; eles se
justificam dizendo que no nosso sistema legal, independentemente dessa identificação (culpa
ou dolo), o agente responderá de igual forma pelas consequências de sua atitude. Todavia,
num exame mais acurado, percebe-se que, para mensurar o quantum a ser ressarcido quando a
conduta for culposa, tem-se de utilizar uma inovação trazida pelo Código Civil, no artigo
944, parágrafo único, que permite ao juiz reduzir, equitativamente, a indenização se houver
excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano. Portanto, passa a reconhecer a
necessidade de mensurar o grau da culpa, o que leva a seguinte conclusão: de um lado,
quando culposa, a ação do agente e o valor a ser ressarcido poderão ser calculados pelo grau
da culpa, não ficando necessariamente atrelados ao valor do dano; por outro lado, quando
dolosa, a ação do agente deverá ser o ressarcimento de valor correspondente ao valor do dano,
ficando o juiz impedido de determinar valor menor.
Para a configuração da culpa exigem-se os três elementos: voluntariedade, mas sem
intenção; previsibilidade e falta de cuidado.
Na culpa a conduta é voluntária e involuntário é o resultado, não existe desejo do
resultado. Mas a ação ou a omissão deve ser sempre uma liberalidade.
Quanto à previsibilidade entende-se pela possibilidade do reconhecimento anterior ao
resultado. É o exercício mental que antevê o resultado. Apesar de ser previsível, o resultado
não é desejado.
A falta de cuidado é núcleo da culpa, pois o cuidado é um dever; dever este que poderá
ser imprudência, negligência ou imperícia. A imprudência é comissiva, a negligência é
omissiva e a imperícia é a falta da capacidade técnica para o ato.
A culpa poderá ser grave, leve ou levíssima. O que faz distinção entre os graus de
culpa será o elemento previsibilidade, ou seja, a antecipação do resultado; reconhece como
culpa grave quando exige o discernimento do homem comum, aproximando às vezes do dolo;
com relação a culpa leve caracteriza-se pela falta de atenção ordinária, do homem médio. E na
culpa levíssima constata a falta de uma atenção especial, de um expert.
Pressupostos da Responsabilidade civil 23
Existe ainda a culpa concorrente, denominada pela doutrina atual como concorrência
de causas ou de responsabilidade, como relata Cavalieri
38
, onde ocorre a divisão da
responsabilidade, pois tanto a vítima quanto o agente contribuíram para o evento danoso; não
existindo um único causador do dano reparte-se a culpa.
3.2.1 Teoria Objetiva
Apesar do direito indenizatório estar ligado à existência da culpa, podemos encontrar a
responsabilidade sem culpa, o que soaria a princípio como incoerência. Todavia, o fato é que
não se está dispensando a existência da culpa, mas sim, de antemão, presumindo sua
existência em razão da atividade exercida, ou seja, quando a atividade exercida eleva o risco
de dano não se irá perquirir a culpa, mas sim, atribuir a responsabilidade pela atividade
perigosa, mas lícita, a que está ligada o resultado danoso. Ficando clara a obrigatoriedade da
existência do nexo causal e do dano.
O marco inicial da teoria objetiva foi o livro de Raymond Saleilles, Les accidents de
travail el la responsabilité civile; como proposta inovadora, defendia a tese da desnecessidade
de “avaliação do comportamento do sujeito causador do dano”
39
.
Denominada como responsabilidade objetiva, reside no brocado latino: ubi
emolumentum, ibis onus; ubi commoda, ibi incommoda, que equanimente atribui o risco ou a
desvantagem a quem lucra com atividade de perigo, pois é ela que detém “potencialidade
danosa”. Notando que a responsabilidade é conferida em razão da atividade exercida,
independentemente do comportamento do agente, desta forma, na responsabilidade objetiva,
uma vez encontrada a autoria do fato lesivo nasce o dever ressarcitório.
Na visão de Carlos Roberto Gonçalves
40
são duas as faces da responsabilidade
objetiva: teoria do risco e teoria do dano objetivo. Ambas trazendo a responsabilidade sem
culpa, a primeira motivada pelo dever de indenizar pela simples prática de atividade de risco,
38
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Responsabilidade civil no novo código civil. Revista da EMERJ, Rio de
Janeiro, v. 6, n. 24, 2003, p. 41.
39
SCHEREIBER, Anderson. Novos paradigmas da responsabilidade civil. São Paulo: Atlas Jurídico, 2007,
p. 19.
40
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009,
p. 7.
Pressupostos da Responsabilidade civil 24
de onde se subtrai a culpa, quanto a segunda, comprovado o dano ocorre a indenização. Aqui
o dever de responsabilizar, existindo o dano e o nexo causal, prescinde a prova da culpa.
Independentemente das nomenclaturas existentes para caracterizar as teorias da
responsabilidade, o importante é que derivam da idéia da lei dispensar a prova da culpa, em
razão da sua dificuldade.
Ocorrerá a responsabilidade objetiva quando a lei expressamente a autorizar, seja pela
dificuldade de comprovação da culpa pela parte mais vulnerável ou pela atividade exercida,
que comporta danos a direitos de outrem que devem ser assumidos, conforme podemos
conferir no artigo 927, parágrafo único, do Código Civil: “Haverá obrigação de reparar o
dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo auto do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos
de outrem”. As expressões legais são precisas e merecem ser reparadas, anotadas. Posto que, a
regra geral é a responsabilidade com culpa, ou seja, a teoria subjetiva, artigo 186 do Código
Civil. Este tipo de responsabilidade é extracontratual, derivada da lei
41
.
Percebemos que o nosso Código Civil, em seu artigo 927, adotou uma solução mais
progressista do que a do direito italiano; é taxativo quando determina que independentemente
de culpa, mas nos casos especificados em lei ou quando a atividade for de risco (teoria do
risco), deverá ocorrer reparação do dano, independente de culpa, mas desde que tenha nexo
causal entre o ato e o dano.
Para tentar explicar a responsabilidade objetiva existem diversas teorias, uma delas é a
teoria do risco. Conforme explica Carlos Roberto Gonçalves
42
:
Para esta teoria, toda pessoa que exerce alguma atividade cria um risco de dano para
terceiros. E deve ser obrigada a repará-lo, ainda que sua conduta seja isenta de culpa.
A responsabilidade civil desloca-se da noção de culpa para a idéia de risco, ora
41
A exemplo do artigo 927, parágrafo único, 933, 936, 937, 938 e 1.299, todos do Código Civil. E leis
especiais, a exemplo: Decreto nº. 2.681/12 (Estradas de Ferro); Lei de Acidentes de Trabalho de 1934;
Decreto nº. 483/1938 (Código Brasileiro do Ar); Lei nº. 7.565/86 (Código Brasileiro de Aeronáutica); Decreto
Lei nº. 277/67 (Código de Mineração); Decreto Lei n°. 116/67 (Transporte marítimo); Lei nº. 6.453/97
(Atividades nucleares); Lei n°. 6.938/81 (Meio ambiente); Lei nº. 7.347/85 (Ação Civil Pública); Lei n°.
7.913/89 (mercado de valores mobiliários); Lei nº. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor); e na
Constituição Federal, artigos 7º, inciso XXVIII, artigo 21, inciso XXIII, letra “d” e artigo 37, parágrafo 6°.
Dentre outras legislações que adotaram a teoria do risco. Ocorrendo a inversão probandi, que então recai
sobre o agente que deverá, para se exonerar, provar que tomou todas as medidas necessárias para se evitar a
lesão ou dano ocorrido.
42
GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 23.
Pressupostos da Responsabilidade civil 25
encarada como “risco-proveito”, que se funda no princípio segundo o qual é
reparável o dano causado a outrem em consequência de uma atividade realizada em
benefício do responsável; ora mais genericamente como “risco criado”, a que se
subordina todo aquele que, sem indagação de culpa, expuser alguém a suportá-lo.
Seguindo a teoria do risco criado, como ramificação da responsabilidade civil objetiva,
tem-se a obrigação de indenizar simplesmente porque ocorreu o fato, pelo nexo de
causalidade ou ligação com a atividade do agente. Vislumbra com clareza tais danos quando
referimos ao potencial de risco de certas atividades, tais como: trabalhadores de minas
confeccionam ou utilizam explosivos, extraem petróleo, foguetes, navegação e etc.
Ari Brandão de Oliveira
43
resume com precisão: “qualquer atividade criadora de risco
para outrem faz o seu autor responsável pelo prejuízo causado, sem a necessidade de se apurar
ou não com culpa”.
3.2.2 Exemplos da Teoria Objetiva Aplicada aos Direitos Coletivos
44
Rui Stoco transcreve a explicação brilhante que Calmon de Passos fez em seu artigo,
O Imoral no Dano Moral, sobre a Teoria do Risco
45
, vislumbrando seu reflexo nos direitos
coletivos:
Sem esquecer que, em seu núcleo, a teoria do risco, a mais objetiva das teorias
objetivas, apenas atende ao fato de haver-se tornado, em si mesmo, perigoso, em
nossos dias, viver e conviver. E se, todos somos coletivamente culpados pela
adesão emprestada a esse estilo de vida, que legitimamos com o nome do
progresso, tornamo-nos todos também coletivamente responsáveis.
Portanto, nos direitos coletivos, fica bem claro e definido que a responsabilidade
objetiva somente surgirá em razão de determinação legal, levando-se em conta as definições
que lhe são peculiares, todavia, merece destaque aqui que, somente aos direitos coletivos lato
sensu é que serão abordados, dado o enfoque do presente trabalho.
43
OLIVEIRA, Ary Brandão de. A responsabilidade civil das pessoas jurídica de direito. Revista de Direito
Civil, São Paulo, nº. 41, p. 34.
44
A expressão direitos coletivos é utilizada aqui para se referir aos dois tipos de direitos transindividuais:
direitos difusos e coletivos stricto sensu. São direitos que pertencem a um grupo de pessoas, sem titularidade
individualizada e materialmente indivisíveis.
45
STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 159.
Pressupostos da Responsabilidade civil 26
Como exemplo de legislação especial que adotou a teoria da responsabilidade objetiva
na ocorrência de prejuízos temos o Código de Defesa do Consumidor, expressado nos artigos
12 e 14, o primeiro diz respeito ao produto e o segundo a serviços prestados, utiliza a
expressão “independentemente da existência de culpa”. Todavia, não dispensando os demais
pressupostos para a aferição da responsabilidade civil. No entanto, podem-se utilizar as
excludentes da responsabilidade mencionadas no parágrafo terceiro dos artigos 12 e 14 do
mencionado Código.
Para alguns autores ocorreu uma subdivisão na responsabilidade objetiva
consumeirista, ou seja, no artigo 12, a proteção é voltada para a incolumidade físico-psíquica,
já no artigo 14, resguarda a incolumidade econômica do consumidor.
Mesmo no Código de Defesa do Consumidor podemos encontrar mais direitos
coletivos protegidos se repararmos nos princípios básicos e norteadores das relações de
consumo, que não são taxativos, tais como: necessidades dos consumidores, respeito à sua
dignidade, proteção de seus interesses econômicos, respeito à melhoria da qualidade de vida,
à sua saúde, à sua segurança, transparência das informações, educação e divulgação sobre o
consumo adequado, respeito no cumprimento do acordado; citando os artigos 4º, 5º, e 7º,
do citado Código protecionista, que acresce os tratados ou convenções internacionais, dos
quais o Brasil seja signatário, os regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas,
além dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade. Não podendo deixar,
também, de mencionar o artigo 39 que traz especificamente a vedação comportamental aos
fornecedores de produto ou serviços. A relação acima nos auxiliará quando formos tecer os
comentários sobre a possibilidade do dano extrapatrimonial, quando afetados os direitos
coletivos lato sensu, haja vista que seprovado o direito da coletividade em ser indenizada,
sob pena de, quando não ser reconhecida, pungir ainda mais o agredido.
Como ensina Nelson Nery Júnior
46
, “não é necessário que o fornecedor tenha agido
com culpa, tampouco que sua atividade esteja autorizada pelo órgão competente do poder
público, ou, ainda, que tenha havido caso fortuito ou força maior”, ele seresponsabilizado
objetivamente sempre, prescindindo a culpa.
Como exemplo de direitos difusos protegidos, temos a informação ao consumidor
através da publicidade, que não poderá ser abusiva, enganosa, enfim, respeitando o
46
NERY JUNIOR, Nelson. Os princípios gerais do código brasileiro de defesa do consumidor. Revista do
Direito do Consumidor, n. 03, set/dez 1992, p. 44-77.
Pressupostos da Responsabilidade civil 27
consumidor e sem qualquer intenção de persuadir, haja vista que o fito da propaganda é
informar não induzir erroneamente ao consumo. Para Antônio Herman de Vasconcellos e
Benjamin
47
quando a publicidade causar danos estes serão na forma difusa e coletiva,
independentemente de atingir direitos individuais e acresce: “com seu crescente requinte, a
publicidade deixa de ser mera arte e informação e se transforma em ciência da persuasão”,
atingindo a coletividade sempre, dado que o alcance dela (a propaganda) é ilimitado.
A preocupação cresce à medida que é percebida a influência nociva da publicidade
enganosa à população. De acordo com Isabella Vieira Machado Henriques
48
, três esferas
de proteção que o Código de Defesa do Consumidor atua: a) possibilidade de o consumidor
receber indenização patrimonial e moral pelos danos sofridos; b) aplicação de penalidades
administrativas; c) aplicação de sanções penais. Tanto isto é legal que existe a previsão
constitucional no artigo 220, parágrafo 4º, do direito à informação pelos danos que lhe
possam ser causados certos produtos anunciados.
Levando em consideração que as expressões políticas, ideológicas e artísticas, apesar
de resguardada a sua livre manifestação pela Constituição Federal, deverão ser controladas
frente a uma interpretação sistemática dos princípios constitucionais e fundamentalmente
pelos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana, da Administração Pública e também pelo
próprio artigo 220, parágrafo 3°, inciso II e parágrafo 4°, também.
Como explica Celso Antonio Pacheco Fiorillo
49
:
A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer
forma, processo ou veículo, sofrerão tão-somente as restrições impostas pela
Constituição Federal. Isso significa dizer que a vedação de censura de natureza
política, ideológica e artística poderá ocorrer em face de uma interpretação
sistemática dos dispositivos da Lei Maior, tomando-se como paradigma seu art. 1°.
Mazzilli
50
esclarece que a ofensa, culminando na responsabilidade objetiva, quanto à
propaganda enganosa ou abusiva não atinge somente aos que adquiriram o produto
(individuais homogêneos), mas também “as pessoas indeterminadas e indetermináveis que
47
BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos e. O controle jurídico da publicidade. Revista de Direito do
Consumidor, São Paulo, n. 09, jan/mar. 1994, p. 25-57.
48
HENRIQUES, Isabella Vieira Machado. Publicidade abusiva dirigida à criança. 1. ed. Paraná: Juruá, 2008,
p. 98
49
FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Princípios do direito processual ambiental. 2. ed. São Paulo: Saraiva,
p. 24.
50
MAZZILI, Hugo Nigro. Direito material coletivo. Belo Horizonte: Del Rey. 2008, p. 174.
Pressupostos da Responsabilidade civil 28
tiveram acesso à publicidade (interesses difusos), tenham ou não adquirido o produto, mas
que têm direito à informação correta sobre ele”.
Na defesa dos direitos atinentes aos danos ambientais, a Lei nº. 6.938/81 é clara e
taxativa, a exemplo do seu artigo 14, parágrafo primeiro, adotando também a teoria do risco:
ART. 14.
§ - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor
obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os
danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O
Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de
responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.
Induvidosamente, quando a legislação ampara o direito ambiental, pela teoria do risco,
José Rubens Morato Leite e Patrick Ayala
51
, esclarecem que tal risco poderá ser concreto ou
abstrato.
O primeiro deles refere-se ao perigo produzido pelos efeitos nocivos da atividade
perigosa. O segundo, por sua vez, guarda relação com o perigo da própria atividade
desenvolvida. Em ambos os casos, todavia, o legislador viabilizou a tutela
jurisdicional do meio ambiente.
Morato atenta que, em razão da falta de conteúdo normativo para a definição do que
seja o risco, ele receberá um tratamento superficial, todavia tendo aplicabilidade imediata;
ainda tece comentários que o digo Civil não atendeu as “transformações ocorridas a partir
da revolução industrial e principalmente da tutela difusa do bem ambiental”
52
.
Além da teoria da responsabilização objetiva quando o dano for ambiental, existe
também a reparação integral, ou seja, o prejuízo ambiental deve ser recomposto na sua
totalidade, não havendo restrição e com isto ocorrendo uma proteção mais efetiva e
verdadeira ao meio ambiente, quando a Constituição recepcionando a Lei nº. 6.938/81,
precisamente no artigo 225, parágrafo 3º, não limitou a reparação do dano, “o que conduz a
reparação integral”
53
54
.
51
AYALA, Patrick; LEITE, José Rubens Morato. Direito ambiental na sociedade de risco. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2002, p. 11.
52
LEITE, José Rubens Morato. Dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. 2. ed. São Paulo:
RT, 2003. p. 125.
53
Ibid., p. 130.
54
E ainda, podemos citar como legislações especiais que também trazem a responsabilidade objetiva, a Lei nº.
7.092/1983 (Transporte rodoviário de produtos perigosos); Lei . 7.542/1986 (Segurança de navegações, a
Pressupostos da Responsabilidade civil 29
Comungando com a opinião de Mazzilli
55
, que claramente explica a adoção do
Princípio da Responsabilidade Objetiva como proteção ao meio ambiente; citando a Súmula
n°. 18 do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo:
Em matéria de dano ambiental, a Lei n°. 6.938/81 estabelece a responsabilidade
objetiva, o que afasta a investigação e a discussão da culpa, mas não se prescinde do
nexo causal entre o dano havido e a ação ou omissão de quem cause o dano. Se o
nexo não é estabelecido, é caso de arquivamento do inquérito civil ou das peças de
informação.
Para Nelson Nery Junior
56
essa responsabilidade é fundada na teoria do risco integral.
Ainda temos o Enunciado n°. 38, aprovado na Jornada de Direito Civil, promovida
pelo Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, em setembro de 2002,
com o seguinte teor:
A responsabilidade fundada no risco da atividade, como prevista na segunda parte
do parágrafo único do art. 927 do novo Código Civil, configura-se quando a
atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano causar a pessoa
determinada um ônus maior do que aos demais membros da coletividade.
A finalidade da responsabilidade objetiva é contrabalançar as partes, uma sempre mais
vulnerável do que a outra, evidentemente, restabelecendo o equilíbrio na relação jurídica.
os danos nucleares, com a entrada em vigor da Constituição a partir de 1988, a
responsabilidade determinada pela Lei nº. 6.453/1977, passou a ser do artigo 21, inciso
XXIII, letra “d”, não comportando exceção alguma; tornando assim responsabilidade objetiva
e ilimitada do Estado. Uma vez que nenhuma lei infraconstitucional poderá opor à regra
constitucional.
No âmbito da proteção ao patrimônio cultural a responsabilidade poderá ser objetiva
ou não, no dizer de Hugo Mazzilli
57
, se a lesão “coincidir com ofensa ao meio ambiente, na
sua ampla conceituação legal” será objetiva. “Contudo, lesões ao patrimônio cultural que
não atingem o meio ambiente natural (a destruição de peças raras em museu, p. ex.). Mas a
terceiros e ao meio ambiente); Lei nº. 7.661/1988 (recursos naturais e culturais da zona costeira); Lei n°.
7.802/1989 (saúde das pessoas e ao meio ambiente, decorrentes de atividades relacionadas com agrotóxicos e
afins); Lei n°. 7.805/1989 (danos ao meio ambiente decorrente de atividades mineradoras); Lei n°. 8.171/1991
(danos ao meio ambiente decorrentes de atividades agrícolas); Lei n°. 8.974/1995 (atividades da biogenética);
Lei n°. 10.308/2001 (dos rejeitos radioativos); dentre outras.
55
MAZZILI, Hugo Nigro. Direito material coletivo. Belo Horizonte: Del Rey. 2008, p. 149.
56
NERY JUNIOR, Nelson. Os princípios gerais do código brasileiro de defesa do consumidor. Revista do
Direito do Consumidor, n. 03, set/dez 1992, 44-77.
57
MAZZILI, op. cit., p. 569.
Pressupostos da Responsabilidade civil 30
destruição ou o dano a uma obra de arte, integrada ao meio ambiente, ou ao chamado meio
ambiente artificial, também poderão coincidir com a lesão ambiental”.
E conclui acertadamente: “a responsabilidade por lesão aos demais interesses coletivos
e difusos dependerá ou não da apuração de culpa, conforme o regime de direito material a
respeito”, o que implica necessariamente em concluirmos que, a regulamentação do direito
material coletivo é que determinará ser ou não a sua ofensa responsabilidade objetiva, que
esta responsabilidade, algumas vezes, é extracontratual.
3.3 DO NEXO DE CAUSALIDADE
Mesmo que pelas fortes justificativas e circunstâncias que cercam a responsabilidade
civil e vendo-se obrigado a apoiar-se na teoria do risco, dispensando a prova da culpa, o
legislador jamais poderia deixar de exigir o nexo de causalidade, ou seja, o elo, a ligação
entre a ação antecedente e o dano consequente. Isso é a linha que prende o dano à ação. É uma
relação necessária para a existência do responsável e uma via de consequência em sua
obrigação de indenizar.
O conto de James Baldwin
58
consegue demonstrar claramente o que a falta de desvelo
num raciocínio poderia ocasionar para se encontrar a causa do dano, no caso da historieta
acabam por debitar a causa da perda do reino no prego. Tal regressão, para se achar o
responsável, torna-se hilária e serve de referência sempre para explicar o nexo causal. O que
nos faz concluir que o nexo causal é o calcanhar de Aquiles da responsabilidade civil, no
sentido de delicadeza e dificuldade de sua determinação.
Este pressuposto é apontado por Caio Mario como o mais complexo para aferição da
existência, dentro do instituto da responsabilidade civil.
Por muitas vezes o instituto da responsabilidade civil, juntamente com seus
elementos, são mais “escolhas políticas-filosóficas do que as evidências lógico-racionais”,
58
Meu reino por um cavalo, de James Baldwin.
Pressupostos da Responsabilidade civil 31
isto no dizer de Maria Celina Bodin de Moraes
59
. As questiúnculas existentes para aferição do
nexo estão longe de serem discipadas.
Gisela Sampaio da Cruz
60
, em seu livro, originário da tese de mestrado, aborda com
maestria a função do nexo causal, amparando em Luis Díez-Picazo:
Cumpre dupla função: por um lado, permite determinar a quem se deve atribuir um
resultado danoso, por outro, é indispensável na verificação da extensão do dano a se
indenizar, pois serve como medida da indenização.
Em razão de o Código Civil Brasileiro adotar a responsabilidade objetiva, no art. 927,
parágrafo único, o nexo causal despertou e atraiu toda a atenção dos civilistas.
Maria Helena Diniz
61
identifica o nexo causal como “uma relação necessária entre o
evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa”.
E, para que se chegue à conclusão desta ligação, é necessária a abstração do fato, e,
posteriormente, verificar se a ocorrência do dano, caso a resposta seja negativa o fato não
tem qualquer ligação com o dano, numa primeira e simplista visão. A operação deverá ser
feita no caso concreto, pois não se tem uma regra geral para determinar a causa e por via de
consequência o nexo.
Para Cavalieri o nexo de causalidade é a primeira questão a ser enfrentada na busca
pela responsabilidade, “é o elemento indispensável”
62
e coberto de razão está, simplesmente
porque despicienda a busca pelos outros pressupostos se não ligação entre o dano e o fato
ocorrido, haja vista que deve primeiro encontrar o fato causador do dano para existir a
imputação da responsabilidade. Não responsabilidade lato sensu, se não houver agente
causador. E só existirá agente causador se houver ligação entre o dano e a ação deste.
Tanto é correto o raciocínio de que um dos pressupostos mais importante é o nexo
causal, por que poderá haver responsabilidade sem culpa (responsabilidade objetiva), mas
nunca não poderá haver responsabilidade sem nexo causal.
59
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 21.
60
CRUZ, Gisela Sampaio da Cruz. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005p. 108.
61
Ibid., p. 108.
62
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – Responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 29.
Pressupostos da Responsabilidade civil 32
Apesar da existência de algumas teorias a respeito do nexo da causalidade, o nosso
direito civil pátrio adota a teoria da causalidade adequada, afirma Cavalieri
63
. Tal teoria fora
criada na Alemanha em oposição a Teoria da Equivalência dos Antecedentes Causais e
desenvolvida por Johannes Von Kries. Nesta teoria “somente aquela que foi a mais adequada
a produzir concretamente o resultado”
64
é a causa, a chamada de “interferência decisiva”.
Contudo, para Rui Stoco
65
, o nosso ordenamento civil não adotou a teoria da causa
adequada, mas sim a teoria da causa eficiente, pela redação do artigo 186 do Código Civil e
pondera o autor citado que independe a escolha da teoria, mas o que vale é a análise do caso
concreto feita pelo Juiz, onde encontrado o direito violado e a sua ligação com o agente, tem-
se a obrigação de indenizar.
A operação para se chegar à resposta de ter ou não ligação com o resultado parte da
seguinte pergunta: “A ação ou omissão que se julga é apta e adequada para produzir
normalmente esta consequência?”
Caio Mario
66
é enfático afirmando que “em linhas gerais, e sucintas, a teoria pode ser
assim resumida: o problema da relação de causalidade é uma questão científica de
probabilidade. Dentre os antecedentes do dano, há que destacar aquele que está em condições
de necessariamente tê-lo produzido”.
Denominado pelo próprio Caio Mario de expurgo o resultado da operação para se
encontrar a causalidade adequada, muitas vezes nos encontramos diante da multiplicidade de
fatores causais. Todavia, devemos ter o cuidado de quando perquirir a causa não irmos além
da causa diretamente ligada ao dano, senão seria infindável esta busca, “limitando à causa
imediata e direta, sem remontar mais além”
67
, pois se não houver cautela poderá ser atribuída
responsabilidade a quem não tem.
Também chamado por alguns como juízo retrospectivo de probabilidade ou “prognose
póstuma”.
63
CAVALIERI, Sérgio. Responsabilidade Civil no novo Código Civil. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro,v. 6,
n. 24, 2003, p. 50.
64
CAVALIERI, Sérgio. Responsabilidade Civil no novo Código Civil. Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v.
6, n. 24, 2003, p 49.
65
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: RT, 2007
,
p. 52.
66
MARIO, Caio. Responsabilidade civil, 9. ed. São Paulo: Forense,2002, p. 79.
67
Ibid., p. 51.
Pressupostos da Responsabilidade civil 33
Canotilho, logo nos idos de 1970, identificou a fragilidade da Teoria da Causalidade
Adequada, quando punha à prova a eficiência desta teoria, sempre frente a atividades estatais,
quando o Estado seria responsável por danos causados aos cidadãos. Todavia, seria necessário
o reconhecimento da responsabilidade objetiva estatal a fim de concluir o direito deste ao
dano sofrido. Portanto, estamos à mercê de uma solução muitas vezes contrárias à verdadeira
justiça em razão das normas garantidoras da ordem jurídica.
Conforme cita Gisela
68
, o constitucionalista português acha que “muitas vezes a Teoria
da Causalidade Adequada nega a existência do liame causal para certos danos que deveriam
ser reparados pelo Estado”. Entretanto, a nossa Constituição vigente nos ampara quando faz
de algumas tutelas de direitos coletivos direitos fundamentais, e que assim, poderíamos exigir
severamente do Estado o cumprimento de sua responsabilidade frente aos Princípios
norteadores do Estado Democrático de Direito.
Ora, não podemos esquecer também que não só a ação é causa, quando existe um
dever de agir e este não for cumprido ocorrerá à omissão e esta também será causa do dano.
Haja vista que se não houve um dever antecedente a omissão não terá relevância causal.
Ainda se vislumbra a existência de concausas. Que é vista como auxiliar da causa,
“aumentando-lhe o caudal”
69
.
Nelson Nery Junior ao comentar a responsabilidade civil ambiental, na Ação Civil
Pública
70
, foi enfático em concluir:
Relativamente ao nexo causal, para que tenha esse requisito como preenchido, basta
que o dano tenha advindo da atividade do poluidor, independentemente de culpa ou
intenção de causar prejuízo ao meio ambiente. Prescinde-se, aqui, da licitude da
atividade.
Morato Leite
71
relembra a lição clara de Custódio Helita, que esclarece ser a teoria do
risco adotada pela legislação protetora do ambiente, e não caberá ao Judiciário examinar se é
ato lícito ou ilícito, se amparado ou não por licença administrativa, basta verificar o nexo de
68
CRUZ, Gisela Sampaio da Cruz. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro:
Renovar, 2005
,
p. 81.
69
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Responsabilidade civil no novo código civil. Revista da EMERJ, Rio de
Janeiro, v. 6, n. 24, 2003, p. 58.
70
NERY JUNIOR, Nelson. Responsabilidade civil por dano ecológico e a ação civil pública. Revista Justitia.
São Paulo. n. 126, p. 126:168.
71
LEITE, José Rubens Morato . O nexo da causalidade na responsabilidade civil por danos ambientais. Revista
de Direito Ambiental, São Paulo, Julho/setembro 2007, n. 47,, p.130.
Pressupostos da Responsabilidade civil 34
causalidade entre o ato e a lesão para objetivamente o agente ser responsabilizado. E
censurando alega que a legislação deveria trazer “hipóteses exemplificativas” que vinculariam
o juiz a inversão do ônus da prova do nexo para o degradador, podendo até mesmo requisitar
provas antes desta decisão de inversão.
Além disso, Morato Leite criticando a teoria da causa adequada não diz que seria
melhor a teoria da equivalência das condições, muito pelo contrário, conclui: “por estarem
fundadas na avaliação de elementos eminentes fáticos, dificultam a prova do nexo causal para
eventos ocorridos em setores em que a atividade esteja estreitamente vinculada ao
desenvolvimento científico”
72
.
Da mesma forma, o Código de Defesa do Consumidor exclui a responsabilidade
quando ausente o nexo casual, mesmo adotando a teoria da responsabilidade objetiva,
conforme expressão do artigo 12, parágrafo 3º.
Restou demonstrado ser mesmo um dos pressupostos mais difíceis de verificação, o
nexo de causalidade, porque constitui a preocupação de vários doutrinadores, posto que,
quando da sua verificação, não muito incomum o juiz, dado a normatização ser tão aberta e
utilizar da “sua discricionariedade”, ignora excludentes de causalidade ou acaba por aplicar
teorias, que em nada explicam ou aplicam o liame fático, flexibilizam o nexo, aumentando
mais o prejuízo do lesado, e em se tratando da coletividade poder-se-á tornar irreparável o
dano para a humanidade.
3.4 DO DANO MORAL
O dano, em sentido genérico, é também um dos quatro elementos que compõe o
instituto da responsabilidade civil, é o prejuízo causado pelo agente, contra a vontade do
lesado.
72
LEITE, José Rubens Morato . O nexo da causalidade na responsabilidade civil por danos ambientais. Revista
de Direito Ambiental, São Paulo, Julho/setembro 2007, n. 47, p.76-95.
Pressupostos da Responsabilidade civil 35
Cavalieri
73
destaca que o dano pode ser considerado o pressuposto mais complexo, do
instituto da responsabilidade civil, em razão, muitas vezes, de sua dificuldade de mensuração.
É necessária a existência do dano para que ocorra o ressarcimento, pois não se reconhece o
dever de indenizar se o houver dano, “dano o é somente fato constitutivo, mas, também,
determinante do dever de indenizar”. Mesmo na responsabilidade objetiva haverá a
necessidade de existência do dano. O civilista citado traz o exemplo de um prédio que
desmorona, por falta de conservação do proprietário, mas não atinge nenhuma pessoa, não
causando nenhum prejuízo; portanto, não há que se falar em indenização.
E esmiúça a explicação: “Não haveria que se falar em indenização, nem em
ressarcimento, se não houvesse o dano. Pode haver responsabilidade sem culpa, mas não pode
haver responsabilidade sem dano”
74
.
E indo mais além, pode até existir ato ilícito (art. 186 do CC), todavia seo
comprovado o dano não existirá a obrigação de indenizar é a conclusão que se tem com a
conjugação do artigo citado com o artigo 927 do mesmo Código.
Num primeiro momento o ressarcimento surge da impossibilidade de restituição ao
“status quo” convertendo esta (impossibilidade) em pecúnia, o que caracteriza compensação,
ou seja, a monetarização em razão desta pré-falada impossibilidade do retorno ao estado
anterior, e em outro momento poderá ser uma sanção ao agente, em razão da desobediência ao
dever de respeito ao bem protegido, por isso pode também caracterizar pena, punição, vista
como função pedagógica.
De início percebe-se a necessidade de quatro características básicas para a ocorrência
do dano: a existência de um bem juridicamente protegido; sua diminuição, destruição ou
desrespeito; titularidade do bem; ocorrência do dano; causalidade do dano.
Por obvio, esclarece que só caberá direito ressarcitório ao bem reconhecido e valorado
legalmente, independentemente de sua natureza, não havendo ressarcimento quando não
ocorrer a diminuição, entendida também como desrespeito do bem juridicamente protegido,
pura questão de lógica. Se o agente causou uma valorização não que se falar em
73
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Responsabilidade civil no novo código civil. Revista da EMERJ, Rio de
Janeiro, v. 6, n. 24, 2003, p. 71.
74
Ibid., p. 71.
Pressupostos da Responsabilidade civil 36
desrespeito. Anteriormente não havia reconhecimento do dano na esfera moral, portanto,
identificava-se o dano apenas com a diminuição do patrimônio material do lesado.
Também necessita que este bem tenha titular, pois não existe prejuízo a coisa de
ninguém, res nullius. Pois, se não tem titular nãocomo legitimar o pleito ao ressarcimento.
Em linhas gerais todo bem protegido reclama o dono e o dano. Podendo esta titularidade ser
direta ou indireta. Quanto à existência do dano, que deverá ser real e efetiva, a legislação irá
elencar a presunção de dano (art. 404, 407, 416 e 940 todos do Código Civil).
Com respeito à causalidade, entende-se que “o dano deveestar encadeado com a
causa produzida pelo lesante”
75
, que será explicado mais detalhadamente à frente.
Outra divisão que ocorre é quanto ao tipo de dano ocorrido, se material ou imaterial,
para Rui Stoco
76
, também denominado de moral. Para este doutrinador é através da natureza
do bem atingido que se classifica o dano.
Quando fala em dano patrimonial, o que os romanos denominavam de damnum
factum, atenta-se para efeitos de diminuição material; que pode vir a ser o próprio patrimônio
do lesado ou do que ele deixou de ganhar. Sendo mais fácil contabilmente chegar ao seu
resultado, mesmo que o dano provoque diminuição, redução ou impeça futuro ganho.
Denomina-se dano emergente a situação de imediata diminuição do patrimônio da vítima. E já
lucros cessantes é a repercussão econômica que o lesado deixou de aferir, lucrar em razão do
dano ocorrido.
Rui Stoco
77
conclui:
S
e avaliar o dano tendo em vista a diminuição ocorrida no patrimônio, de modo
que a questão relativa ao dano prende-se à da indenização, dando-se relevo, pois ao
dano indenizável, que é, segundo a própria lei, o que se efetivamente perdeu e o
que se deixou de ganhar (dano emergente e lucros cessantes).
Levando-se em conta a preocupação de que o ressarcimento quanto ao dano material
segue a regra da restituiu in integrum, preconizada no artigo 944 do Código Civil, pois o valor
da indenização mede-se pela extensão do dano.
75
DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade civil. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 64.
76
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 1232.
77
Ibid., p. 1233.
Pressupostos da Responsabilidade civil 37
Quanto à reparação pela ocorrência do dano material, algumas modificações foram
trazidas pelo novo Código Civil; é o que se nota pela exclusão do artigo 948 do Código Civil
de 1916, que dispunha prevalecer “um valor mais favorável ao lesado”, ficando então
expressamente consignado que haverá redução quando ocorrer “desproporção entre a
gravidade da culpa e o dano”, como anteriormente explicado no pressuposto da culpa.
quanto ao dano moral, este diz respeito ao ressarcimento pecuniário a uma lesão
incorpórea, sofrida no bem juridicamente protegido de ordem imaterial.
Na aferição do “quantum” do dano material podemos dizer que transcorre com maior
tranquilidade e facilidade. Por uma simples operação chega-se a sua quantificação, uma vez
comprovado o dano material, subtrai o valor atual do patrimônio pelo valor que teria se não
tivesse ocorrido o dano, não havendo celeuma alguma que reclama atenção. Por ser
considerada uma lesão concreta, conforme ensinamentos de Maria Helena Diniz
78
, facilmente
“sendo suscetível de avaliação pecuniária e de indenização pelo responsável”. Devendo ao
máximo aproximar do estado anterior, como se não tivesse ocorrido o evento, quando a
reparação for natural ou senão a conversão em dinheiro dada impossibilidade desta restituição
à situação pretérita.
Além do que, temos também os danos patrimoniais direto e o indireto. Ocorrerá dano
indireto como “uma consequência possível, porém não necessária, do evento prejudicial a um
interesse extrapatrimonial, constituindo um dano moral, que produz reflexos prejudiciais à
economia do ofendido”
79
, assim explicado por Maria Helena Diniz.
Dano direto é a consequência imediata e dano patrimonial indireto é a mediata.
Todavia, quanto ao dano moral, este sim, inquieta tanto os doutrinadores, legisladores
e juristas, pensando em dano individual, dizer o que, quando o dano for coletivo. Razão de ser
da presente dissertação, achar “in medium virtus”, isto é, não deixar de punir pela dificuldade
que se pensa existir na sua quantificação.
Deve o direito, podendo amparar na existência da legislação sobre dano moral
coletivo, solucionar este dilema com vistas à punição para coibir o lucro do agente causador
quando só é penalizado em restituir o dano material.
78
DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade Civil. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 66.
79
Ibid., p. 71.
Pressupostos da Responsabilidade civil 38
Dizer que ocorre o dano moral quando afetada a psique do titular do bem agasalhado,
traduzindo em miúdos, reconhecer que o dano moral atinge o estado anímico é estar
desconsiderando o bem imaterial protegido, é estar considerando apenas o reflexo da lesão.
Por isso as divergências doutrinárias existentes, que serão mostradas, sendo defendida a
corrente que adapta melhor ao tema do presente trabalho, dano moral aos direitos coletivos
lato sensu, e, enfim, comprovando que acaba sendo acolhido pela jurisprudência o seguimento
do bem imaterial protegido.
Não é a modificação anímica do sujeito que fará prova do dano ocorrido, diante do
aspecto imaterial que lhe é peculiar, mas o simples desrespeito ao bem juridicamente
protegido. E em razão da inexistência desta proteção ao dano moral, que no passado ocorria
objeções para o seu reconhecimento.
A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, é clara em dizer da existência do
direito à indenização material ou moral quando violados os direitos da personalidade, da
honra, do direito à imagem, ao nome, da privacidade, ao próprio corpo; como muito bem
lembrado por Silvio de Sávio Venosa
80
.
Quando falamos de dano fica claro que o ressarcimento ocorre em razão de se ter
atingido um bem juridicamente protegido, seja este individual ou coletivo, presumível ou real
e futuro ou atual.
O tema afeto a este trabalho é o cabimento do dano moral quando ocorrida lesão aos
direitos coletivos lato sensu, portanto, o dano aqui se prenderá na conceituação para os
direitos difusos ou coletivos, dependendo da determinação/identificação ou não dos titulares,
indivisibilidade do objeto lesionado, por isso, insuscetíveis o ressarcimento de apropriação
individual; da impossibilidade de transmissão causa mortis do valor do ressarcimento ou por
ato entre vivos; da impossibilidade de renúncia ou transação deste direito ao ressarcimento,
dentre outras características.
80
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 34.
A identidade material dos direitos coletivos 39
4 A IDENTIDADE MATERIAL DOS DIREITOS COLETIVOS
O raciocínio do direito ao ressarcimento desenvolvido até agora se aplica a todos os
direitos existentes no Brasil, sejam eles de que natureza for, todavia, com a modernização,
industrialização e exigências ocorridas no mundo, surgiu à necessidade de amparo a direitos
mais abrangentes sob a ótica da titularidade, os transindividuais coletivos, e como a temática
do presente trabalho trata do direito ao dano à ofensa a estes típicos direitos, passaremos a
desenvolver a exposição sobre este diapasão.
Assim, uma regressão se impõe a origem da tutela coletiva para entendermos a sua
extensa proteção legal, pelo instituto da responsabilidade civil.
Um dos antecedentes históricos conhecidos como meios de proteção aos direitos
coletivos foi a ação popular que visava a defesa dos bens públicos, de origem grega,
antecedente a romana, como explicou Fredie Didier
81
. Pois esta ação acabava por reconhecer
o liame existente entre o cidadão e a res publica, dando status ao cidadão de dono do erário e,
conseguinte protetor. Mancuso entende que o objeto da actio popularis não residia nem no
interesse privado, manejado pelo cives, nem propriamente no interesse blico”, “mas situava
num campo intermediário, que hoje se diria ocupado pelos chamados interesses difusos,
concernentes a sujeitos indeterminados, incidindo sobre um objeto indivisível”
82
. O que leva a
concluir que a ação popular pode ter sido o nascedouro da tutela aos interesses supra-
individuais.
a tutela coletiva, propriamente dita, teve como fonte originária o sistema da
common law, não fazendo vista grossa a contribuição inglesa com as “group litigations”. Nos
países do direito anglo-saxão, os tribunais de equidade (Courts of Chancery) aceitavam a
legitimação de um representante de vários indivíduos que perquirir o mesmo direito, surgindo
a class action.
81
DIDIER, Fredie. Curso de direito processual civil. 3. ed. Bahia: Editora Podivm. 2008, p. 25.
82
MANCUSO, Rodolfo. Ação popular. 6. ed. São Paulo: RT, 2008, p. 48.
A identidade material dos direitos coletivos 40
E a partir de 1938, com a Rule 23 da Federal Rules of Civil Procedure e seguida da
reforma em 1966, como leciona Teori
83
, admite-se a propositura da ação por uma classe com
direito coincidentes (de fato ou de direito) se fazendo representar por um substituto, onde
acautelaria que a sentença seria una; não tendo o perigo de ocorrer sentenças diversas para
casos idênticos.
Zavascki destaca que as legislações de alguns países da Europa Continental, apesar de
nortearem outros países, a exemplo do próprio Brasil, quando na exposição de motivos da Lei
da Ação Civil Pública cita a lei francesa “não obtiveram a dimensão e a profundidade que a
class action experimentou no sistema norte-americano”
84
.
Foi desenvolvido por Ada Pellegrini Grinover
85
, um relatório, como ela mesma
nomina, onde traça o perfil do processo coletivo de vários países, em matéria civil, excluindo
expressamente as relações trabalhistas. Reconhecendo a Colômbia, Israel, Noruega, Portugal
e Suécia como “países que apresentam um verdadeiro sistema de processos coletivos”. Outros
identificados pela autora citada, tais como: Argentina, Bélgica, Costa Rica, Dinamarca,
Holanda, Japão, Peru, Rússia, Venezuela e Uruguai, “embora não contém um verdadeiro
sistema de processos coletivos, fundamentam esses processos para toda e qualquer matéria,
em dispositivos constitucionais e/ou legais, ou até mesmo se servem do litisconsórcio ativo
e passivo para abrigar demandas coletivas”. E a exemplo da Alemanha, Áustria, Espanha,
França, Itália, Suíça, Chile, México e Venezuela “não existe um sistema ou disposições
esparsas sobre os processos coletivos, mas sim leis ou dispositivos setoriais que prevêem
processos coletivos em matérias determinadas”.
Verificamos que Grinover e Zavascki têm pontos de vista comuns, quando concluem
que os processos coletivos nos países da civil law “não alcançaram o estágio de
amadurecimento e evolução das class actions norte-americanas”
86
.
No início da década de 70, com influência da segunda onda processual que havia se
espalhado pela Europa, visando garantir o acesso à justiça, a fase instrumentalista foi
expandida, objetivando a denominada “representação jurídica para a defesa em juízo dos
83
ZAVASCKI, Teori Albino. Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 3.ed. São Paulo: RT,
2006, p. 30.
84
Ibid., p. 35.
85
GRINOVER, Ada Pellegrini. Os processos coletivos nos países de Civil Law e Common Law. São Paulo:
RT, 2008, p. 31.
86
Ibid., p. 249.
A identidade material dos direitos coletivos 41
interesses difusos”, no dizer de Cappelletti. E, no Brasil, apesar de haver sido modificado o
artigo 1º, parágrafo primeiro, da Lei de ão Popular, através da Lei nº. 6.513/77,
proporcionando a tutela de direitos difusos, o termo inicial, quanto ao reconhecimento de
existência dos direitos transindividuais, foi mesmo nos idos de 1985, através da Lei de Ação
Civil Pública (Lei nº. 7.347/85)
87
. “Tanto que a doutrina fala antes e depois da LACP”
88
.
Esta onda reformadora fora desenvolvida pela insuficiência das concepções
tradicionalistas processuais que não conseguiam atingir a necessidade de proteção aos direitos
transindividuais, até então relegados ao abandono. Teori Zavascki
89
relata que foram inseridos
no sistema processual vigente instrumentos que proporcionariam o andamento das demandas
coletivas e bem como a tutela dos direitos e interesses transindividuais.
E sem sombra de dúvida foram as class actions for damages norte-americanas
inspiradoras do nosso Código de Proteção ao Consumidor, diferenciando em algumas
características (opt out, fluid recovery, efeitos da sentença).
Não levando em conta o grau hierárquico temos, como alguns exemplos, para a
proteção dos direitos transindividuais a Lei de Ação Civil Pública (Lei nº. 7.347/85), que cria
a responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de
valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, portanto, de um modo geral a direito
e interesses difusos coletivos. O artigo 5°, incisos XVI a XX, XXI, XXXIII, XXXIV, LXIX,
LXXI e LXXIII (amplia o objeto da Ação Popular), parágrafos 1° e 2º, e os artigos 6º, 12, 14,
103, 125, parágrafo 2°, 129, inciso III (avança para outros direitos difusos e coletivos
princípio da não taxatividade do objeto material da ação coletiva) e seu parágrafo
(princípio da legitimidade ativa coletiva concorrente ou pluralista), 196, 205, 208, 215, 225
(reconhece mais um direito coletivo) e 231, todos da Carta Magna trazem direitos de
expressão coletiva e direitos tipicamente coletivos, Lei nº. 7.853/89 (pessoas portadoras de
deficiências), Lei n°. 7.913/89 (ação de responsabilidade civil para os investidores no
mercado de valores mobiliários), Lei nº. 8.069/90 (de crianças e adolescentes), Lei nº.
8.078/90 (dos consumidores), Lei n°. 8.429/92 (regulamenta as sanções aplicáveis aos agentes
públicos no exercício de cargo público na administração pública), Lei nº. 8.429/92 (da
87
ASSAGRA, Gregório. Codificação do direito processual coletivo brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey,
2007, p. 130.
88
Ibid., p. 424.
89
ZAVASCKI, Teori Albino. Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 3.ed. São Paulo: RT,
2006, p.19.
A identidade material dos direitos coletivos 42
improbidade na administração pública), Lei nº. 8.884/94 (da ordem econômica), Lei n°.
10.527/2001 (estabelece diretrizes de política urbana) e Lei nº. 10.741/2003 (das pessoas
idosas). Mais recentemente a Lei do Mandado de Segurança Coletivo, nº. 12.016/2009.
Com exceção da última lei citada, Zavascki
90
, em obra já mencionada de 2006,
denomina o restante como ações civis públicas, pois visam proteger direitos e interesses
transindividuais, em que a titularidade é subjetivamente indeterminada, não confundindo com
a legitimação ativa, que geralmente é feita por um substituto processual e também tendo o
diferencial no resultado da coisa julgada e seu alcance.
Vislumbrando as reformas ocorridas em nosso sistema processual, o referido autor
91
,
pontua os três grandes grupos atualmente existentes para a tutela jurisdicional, a saber: a)
direitos individuais subdivididos: a.1) tutelados pelo próprio titular; a.2) tutela dos direitos
individuais coletivamente, por meio da substituição processual; b) direitos transindividuais
pessoas indeterminadas e c) tutela da ordem jurídica.
Voltemos, então, a nossa realidade, que também, como os outros países, veio nos idos
de 70 a enfrentar o problema e juntamente com a necessidade de aperfeiçoar os sistemas
processuais para atender a demanda dos direitos coletivos. De início, os direitos
transindividuais eram relativos ao meio ambiente e depois aos consumidores.
Conforme foi demonstrado tivemos modificações significativas em 80, mas a
chancela foi mesmo a Constituição Federal, reconhecendo e recepcionando a tutela dos
direitos coletivos. O que foi reconhecido por renomados doutrinadores.
Gregório Assagra
92
diz que a nossa atual Constituição Federal não adotou a clássica
divisão por nós conhecida como: direitos públicos e direitos privados, própria de Estado com
espírito autoritário, mas sim em direitos coletivos e direitos individuais, denominada por ele
de summa divisio constitucionalizada.
E continua o autor citado:
Faz-se necessário ressaltar que a summa divisio clássica Direito Público e Direito
Privado fundamenta-se em uma visão equivocada em torno do Direito incompatível
90
ZAVASCKI, Teori Albino. Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 3.ed. São Paulo: RT,
2006, p. 27..
91
Ibid., p. 27.
92
ASSAGRA, Gregório. Direito material coletivo. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 9.
A identidade material dos direitos coletivos 43
com o Estado Democrático de Direito, pois pressupõe uma situação de desigualdade
entre o Poder Público, revestido de imperium, e de outro, os particulares, que
ocupariam uma posição inferior subordinada
93
.
Mencionando Mauro Cappelletti, Luiz Rodrigues Wambier
94
, nos relata a crítica feita
por aquele em meados de 1975, sobre a divisão existente entre direitos: privados e públicos e
identificando uma “categoria intermediária”, que pertenceriam a todos, mas não seriam
públicos, no exato sentindo do vernáculo, seriam os transindividuais.
Apesar disso, Ada Pellegrini Grinover
95
, muito após a entrada em vigor da
Constituição Federal, ainda escreve que a classificação seria tripartite: privados, públicos e
transindividuais. Todavia, não fora desta forma que a nossa Carta Republicana reconheceu.
Mas sim, apenas bipartiu o direito: em individual e coletivo. Como exemplo os artigos citados
por Assagra, para rebater a tese de Grinover: 5°, inciso LXXIII e 129, inciso III.
Esta divisão em individual e coletivo é o reconhecimento dos fatos presentes, da
realidade concreta de seu tempo, pela nossa Carta. A normatização da realidade é objetivo
precípuo do direito. Pois, conforme nos ensinou Konrad Hesse
96
“a Constituição jurídica logra
conferir forma e modificação à realidade” e quanto mais o conteúdo da constituição
corresponder à realidade maior será a sua força normativa, restando demonstrada a vontade da
constituição. Assim, a nossa Constituição, moldando-se a necessidade do seu tempo e do qual
não pode se desvincular reconhece a existência dos direitos e deveres individuais e coletivos,
como expressamente denominada o Capítulo I, do Título II.
Outra questão também suscitada foi o Título II quanto a expressão “direitos e garantias
fundamentais”. Rui Barbosa fazia a distinção dos vocábulos. E os doutrinadores explicando
a diferença para que não ocorra confusão ou veja similitude onde não existe explicam: os
direitos são declarações e normas de poder. as garantias, são meios de defesas destes
direitos declarados e com característica instrumental, que visam assegurar, o exercício deste
direito. O que independentemente desta dicotomia a garantia seria também direito
97
.
93
ASSAGRA, Gregório. Direito material coletivo. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 432.
94
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sentença civil, liquidação e cumprimento. 3. ed. São Paulo: RT, p. 294.
95
GRINOVER, Ada Pellegrini. Significado social, político e jurídico da tutela dos interesses difusos. Revista
de Processo, São Paulo, n.97, 2000, p. 9.
96
HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Porto Alegre: Editor Fabris, 1991, p. 24.
97
Carl Schmitt, citado por BONAVIDES, Paulo. Curso de direito constitucional. 18. ed. p. 561.
A identidade material dos direitos coletivos 44
Jorge Miranda
98
pontifica: “os direitos declaram-se, as garantias estabelecem-se”.
José Afonso da Silva
99
, respondendo a indignação dos “constituintes conservadores”,
que pediam mais os deveres do que os direitos e que, portanto, deveriam existir os deveres
coletivos; foi categórico em utilizar o mesmo raciocínio retro para explicar que bastasse a
existência do direito coletivo que, concomitantemente, surgiria o dever a este direito.
Silva critica que apesar do Capítulo I ser nominado “Dos direitos e deveres individuais
e coletivos”, “não menciona as garantias, mas boa parte dele constitui-se de garantias. Ela se
vale de verbos para declarar direito que são mais apropriados para enunciar garantias. Ou,
talvez, melhor diríamos, ela reconhece alguns direitos garantindo-os”
100
. Exemplifica com o
artigo 5º, inciso V, VII, XXII, XXX.
Destarte, Assagra
101
e José Afonso da Silva, levando em conta que o Capítulo I está
contido no Título II da Constituição, reconhecem ser a categoria dos direitos coletivos como
espécie dos direitos fundamentais do homem”
102
, enquanto “homem-membro de uma
coletividade”
103
. Assim, na interpretação destes autores citados, o direito coletivo teria
natureza jurídica de direito constitucional fundamental, dentre outras razões, pela sua posição
topográfica na Constituição Federal, ou seja, encontra-se inserido (direito coletivo) no título
dos direitos e garantias fundamentais (Título II, Capítulo I e II, da CF/88).
Apesar de esta norma constitucional sofrer crítica do próprio jurista José Afonso da
Silva
104
quando questiona:
A rubrica do Capítulo I do Titulo II anuncia uma especial categoria dos direitos
fundamentais: os coletivos, mas nada mais diz a seu respeito. Onde estão, nos
incisos 5°, esses direitos coletivos?
Todavia, não podemos perfilar com a censura exposta acima, haja vista que o próprio
artigo 5°, parágrafo segundo da Constituição Federal, traz a cláusula geral aberta dos direitos
e garantias constitucionais, assim, podemos atribuir no corpo do texto constitucional alguns
direitos coletivos, seja de expressão ou de titularidade coletiva, a saber: artigos 8°, 9º, 10, 11,
98
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, t. IV, 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008.
99
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 32. ed. São Paulo: Malheiros, p. 196.
100
Ibid, p. 186.
101
ASSAGRA, Gregório. Direito material coletivo. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 14.
102
Ibid, p. 258.
103
Ibid, p. 184.
104
Ibid., p. 195
A identidade material dos direitos coletivos 45
37, incisos VI e VII (direito sociais coletivos referentes ao trabalho), artigos 225 (meio
ambiente), artigo 14, I, II e III, 27, parágrafo 4°, 29, inciso XIII e 61, parágrafo 2º
(democracia direta); artigo 31, parágrafo 3º (fiscalização financeira), dentre outros.
E o artigo da Constituição Federal traz direitos de expressão coletiva nos incisos
XVI a XX, XXI; e de titularidade coletiva: XXXII, XXXIII, XXXIV, LXX, LXXI e LXXIII.
Ainda, quanto às garantias a estes direitos coletivos podemos encontrar no mesmo
artigo 5°, incisos LXX, LXXI (quando impetrado por sindicado – artigo 8º, inciso III),
LXXIII. Já que a nossa Constituição é modelo misto (procedimental e material).
Gregório Assagra enfatiza, em obra já mencionada
105
, que não é a forma mais acertada
de interpretação esta feita por José Afonso da Silva, todavia, estes dois autores entendem ser o
direito coletivo direito fundamental.
Então vejamos o que seriam os direitos fundamentais.
A denominação “direitos fundamentais” surgiu na França, por volta de 1780,
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Apesar de haver o
reconhecimento de sua existência na Inglaterra, na Magna Charta Libertatum, de 1215,
também conhecida pela Carta do João Sem Terra.
Para explicar o que são os direitos fundamentais, Karel Vasak
106
, nos idos de 1979, em
uma aula inaugural no Curso do Instituto dos Direitos do Homem, em Estraburgo, socorreu as
cores da bandeira francesa, desenvolvendo a “teoria das gerações dos direitos”. A liberdade
representada pela cor azul, igualdade pela cor branca e a fraternidade pela cor vermelha. E
foram cunhados os direitos fundamentais por gerações ou dimensões, conforme o tempo de
surgimento deles. Alguns estudiosos do tema discordam desta nomenclatura - gerações ou
dimensões, pois, a primeira refletiria a perda dos direitos antecedentes, a segunda cogitaria
grau de importância, o que não corresponde a verdade jurídica, portanto, o mais adequado
seria adotar a expressão camadas ou nese, antecedida do número; desta forma não se retira
o valor que cada direito fundamental tem, uma vez que eles se interpenetram, ficando
reconhecida a existência até da quinta “camada”, assim discriminados:
105
ASSAGRA, Gregório. Direito material coletivo. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 360.
106
MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. 2009. São Paulo: Atlas, p. 40.
A identidade material dos direitos coletivos 46
a) direitos de primeira dimensão: tratam dos direitos políticos e civis,
exemplificando; direito à liberdade, à igualdade, à propriedade, à segurança e a resistência às
formas de pressão, ilegítimas. Não havendo qualquer preocupação com desigualdade social,
considerando somente a individualidade do homem
107
.
b) direitos de segunda dimensão: também denominados de sociais, que deu
origem ao Estado Social de Direito. Visam uma melhor qualidade de vida e de trabalho para o
cidadão. Tais como: direitos à saúde, à educação, trabalhistas, previdenciários etc. Ainda não
legados a coletividade, apesar de denominados sociais, esta denominação vincula sim a justiça
social, não a um grupo.
c) direitos de terceira dimensão: que valoram o lema difundido pela Revolução
Francesa: fraternidade
108
. Diz respeito ao meio ambiente sadio, qualidade de vida,
comunicação, direito do consumidor. Iniciando aqui os direitos transindividuais,
propriamente chamados. Onde alcançam pessoas indetermináveis ou determináveis
(individuais homogêneos). Ocorre aqui a ruptura com a titularidade individual. Com o
surgimento dos chamados direitos metaindividuais.
Com clareza Gilmar Mendes explica que o nascedouro de cada uma destas gerações
não extingue a outra, mas sim, faz-se um complemento que o momento jurídico exige:
“Essa distinção entre gerações dos direitos fundamentais é estabelecida apenas com o
propósito de situar os diferentes momentos em que esses grupos de direitos surgem como
reivindicações acolhidas pela ordem jurídica”
109
.
O que significa dizer que em momento algum uma geração de direito fora sobreposta à
outra, cada direito sobrevive, paralelamente, ao direito da geração que lhe é anterior. Havendo
sim uma interação entre direitos
110
, no concluir do próprio Gilmar Mendes.
d) direitos de quarta geração: para suprir a carência ocasionada pelos direitos de
terceira geração, segundo Noberto Bobbio
111
, começam surgir estes direitos, ligados a
biotecnologia, bioética, engenharia genética. Percebe-se uma estreita relação com a vida
107
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva. 2008, p. 233.
108
JUNIOR GOMES, Luiz Manoel. Curso de direito processual civil coletivo. 2. ed. São Paulo: SRS, p. 2.
109
MARMELSTEIN, George. Curso de direitos fundamentais. São Paulo: Atlas. 2000, p. 234.
110
Ibid., p. 234.
111
BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. 2ª Tiragem, São Paulo: Campus, 2004, p. 37.
A identidade material dos direitos coletivos 47
humana. Todavia, para Paulo Bonavides citado pelo próprio Assagra
112
, reconhece também
os direitos a democracia, à informação ao pluralismo como direitos de quarta geração. E
segundo o próprio Bonavides seria “globalização dos direitos fundamentais”.
e) direitos de quinta dimensão: seriam os que tratam da informação, mas da nova
forma de informação, internet, ciberespaço, realidade virtual na conceituação de Assagra.
Sarlet se reporta a divisão doutrinária das gerações dos direitos reconhecendo que a
nossa Constituição Federal contempla diversos deles, explicitando:
No que concerne aos direitos das duas primeiras dimensões, não se encontram
dificuldades para a confirmação desta hipótese, bastando uma simples leitura
superficial dos dispositivos integrantes do catálogo, que acolheu tanto os direitos
tradicionais da vida, liberdade e propriedade, quanto o princípio da igualdade e os
direitos e garantias políticos, consagrado, por igual, os direitos sociais da segunda
dimensão
113
.
Os direitos fundamentais são designados constitucionalizados, uma vez que estão no
cimeiro das fontes de direito. Vulgarmente chamados de bússola da Constituição. Também
gozam de proteção formal e material. Como formal seria possuir procedimentos próprios de
revisão e limites desta revisão (cláusulas pétreas) e o material é em razão destes direitos
serem a estrutura básica do Estado e da sociedade; mesmo que na Constituição contenha a
cláusula de abertura ou princípio da não tipicidade dos direitos fundamentais, para a
possibilidade de receber novos direitos fundamentais, apesar de não constitucionalizados
(artigo 5º, parágrafo da nossa Carta Cidadã), portanto, não excluem outros direitos
extraconstitucionais, que vierem a ser adotados. Assim, os constitucionalmente garantidos são
denominados de direitos fundamentais formalmente constitucionais e os que vierem a ser
reconhecidos como tais são denominados como direitos materiais fundamentais ou dispersos
na explicação de Canotilho
114
e de Marinoni
115
.
Os direitos fundamentais são amplamente estudados através de suas características.
Têm natureza histórica-evolutiva, revela os princípios objetivos básicos do ordenamento
jurídico, é de aplicabilidade imediata, por serem normas preceptivas; o que afasta, a priori, o
cunho programático, respeitando honrosas exceções, tendo como ponto de apoio a
112
ASSAGRA, Gregório. Direito material coletivo. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 331.
113
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. Porto Alegre: Livr. Do
Advogado, 2009, p. 67.
114
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Portugal:
Almedina, 2000, p. 403.
115
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo: RT. 2006, p. 64.
A identidade material dos direitos coletivos 48
determinação contida na Constituição Federal, artigo 5º, parágrafo primeiro; devendo ser
interpretado extensivamente, de modo aberto e flexível. Ficando, em princípio, os juízes
autorizados a efetivar os direitos fundamentais por interpretação aberta e flexível, entretanto,
“não existe (ainda) consenso a respeito do alcance deste dispositivo”
116
. Portanto, não se deve
levar ao da letra esta característica. Gonet
117
menciona a existência de normas
constitucionais que apesar de serem direitos fundamentais não são auto-aplicáveis, caso do
artigo 205 da Constituição Federal.
Outras características dos direitos fundamentais apontadas, a exemplo da
inalienabilidade, acolhida por José Afonso da Silva
118
, “por que não são de conteúdo
econômico-patrimonial”, são intransferíveis, inegociáveis, e, portanto, indisponíveis; são
imprescritíveis, novamente em razão do conteúdo não ser patrimonial; irrenunciáveis,
podendo não ser exercido, mas não se pode renunciá-los; imutáveis ou de modificação mais
difícil, imunes em relação ao legislador infraconstitucional; de caráter pétreo (artigo 60,
parágrafo da CF), não nos esquecendo que esta garantia de eternidade” se refere aos
direitos e garantias individuais, não sendo esta a opinião de Sarlet, são de interpretação aberta
e extensiva, de proteção integral etc.
Os direitos fundamentais têm caráter duplo, podendo ser subjetivos ou objetivos. Os
primeiros dizem respeito aos titulares do direito, característica importante para a diferenciação
de que sejam individuais ou coletivos e, os segundos, tratam da efetivação do Estado
Democrático de Direito.
Para José Afonso da Silva
119
e Gonet
120
, a discordância outrora existente sobre a
titularidade dos direitos fundamentais, se encontra solucionada, com a aceitação de que os
direitos fundamentais são suscetíveis de serem exercidos por pessoas jurídicas também. E
excetuam aqueles com características peculiares das pessoas físicas, direitos políticos,
respeito à prisão, direito ao voto, direitos sociais etc.
116
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed.. Porto Alegre: Livr. Do Advogado,
p. 66.
117
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de
direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 271.
118
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009
,
p. 181.
119
Ibid., p. 175.
120
MENDES; COELHO; GONET BRANCO, op. cit., p. 271.
A identidade material dos direitos coletivos 49
Estudando também esta questão da titularidade, Sarlet
121
reconhece que os direitos
fundamentais, mesmo que de expressão coletiva, tais como os sociais, poderiam trazer uma
confusão quanto a titularidade ser coletiva, todavia, são ainda considerados de titularidade
individual. Pois, a titularidade individual não restou afastada mesmo podendo ocorrer o
exercício do direito na esfera coletiva.
Classificar os direitos fundamentais através de suas funções, Sarlet conclui que se não
é a melhor das opções ao menos estaríamos em boa companhia; baseando-se na teoria de
Jellinek, dos quatro status (que é uma “espécie de estado (uma situação) no qual se encontra o
indivíduo e que qualificaria sua relação com o Estado”
122
), encontramos as funções dos
direitos fundamentais, apesar de diversas enumerações entre os doutrinadores, prima facie, é a
defesa dos cidadãos; vislumbrado em dois patamares: (1) a proteção individual do cidadão,
em sua liberdade pessoal e propriedade, da ingerência e imunidade do poder público (status
negativo) e (2) do reconhecimento a este cidadão de “poder exercer positivamente direitos
fundamentais (liberdade positiva)” e “de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a
evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)”
123
a estes direitos.
Citando Canotilho, Jellinek, Alexy e Vieira de Andrade, Sarlet faz uma releitura dos
status, onde subdivide as funções dos direitos fundamentais em: direitos de defesa; direitos a
prestações, estes subdivididos em: prestações em sentido amplo (direitos de proteção, direitos
à participação na organização e procedimentos) e prestações em sentido estrito (direitos a
prestações materiais sociais)
124
.
Canotilho reconhece como funções dos direitos fundamentais, a saber: a prestação
social, a proteção perante terceiros, de não discriminação
125
.
Para Miranda
126
, numa divisão mais minuciosa classifica os direitos fundamentais
como: direito de agir, de exigir, existência, liberdade, participação, prestações e de defesa.
Os direitos de defesa, caracterizados pela proteção a liberdade pessoal e patrimonial
contra o Estado, podem ser encontrados em nossa Constituição no artigo 5º, incisos II, III, IV,
121
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. Porto Alegre: Livr. Do Advogado,
2009, p. 215.
122
Ibid., p. 156.
123
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Portugal:
Almedina, 2000, p. 408.
124
SARLET, op. cit., p. 167.
125
Ibid., p. 409.
126
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional. 4. ed. Portugal: Coimbra, p. 90.
A identidade material dos direitos coletivos 50
VI, IX, X, XII, XIII, XV, XVII, XLVII, entre outros, todavia, sempre visto como interesses
individuais.
Alguns direitos de defesa podem ser enganosamente identificados como direitos
coletivos (típicos), no dizer de Sarlet
127
. E partindo desta confusão os constitucionalistas
procuram diferenciar os referidos direitos coletivos que se encontram na Constituição. Uma
vez, que os direitos coletivos, típicos no direito constitucional; não ficaram bem explicados.
Com clareza, Dimitri e Leonardo Martins
128
, estabelecem uma distinção para estes
direitos (coletivos), deixando de lado a visão liberal-individualista pura; distinguindo-os em
razão do seu exercício: em direitos coletivos tradicionais (de exercício individual e de
expressão coletiva) e novos direitos coletivos (de exercício coletivo e titularidade difusa).
Os primeiros, também denominados de tradicionais, são direitos de resistência,
direitos políticos (participação) ou sociais (prestacionais) poderão ser exercidos (não se
refere aqui a ajuizamento da ação) por um grupo de pessoas. Conforme referido por José
Afonso da Silva são direitos fundamentais do homem-membro de uma coletividade.
Reconhecendo que os enunciados no artigo 5º, inciso XVI e XVII e artigo 17 da CF, seriam
“direitos individuais de expressão coletiva”
129
. Pois o seu acontecimento só poderá ocorrer em
conjunto. “É impossível uma única pessoa criar um partido político”
130
, ou uma pessoa
fazer uma reunião ou associação.
Para a realização destes direitos, apesar de fundamentais demandam mais de uma
pessoa, o que equivale a dizer: continua sendo de titularidade individual, mas de “expressão
coletiva”.
O que se depreende da explicação acima é que existem direitos coletivos típicos. Pois
os direitos individuais de expressão coletiva são direitos fundamentais de primeira geração,
portanto de titularidade divisível. E a coletividade passa a ser apenas o instrumento para a sua
composição ou formação, mesmo assim não descaracterizando ser direito individual.
127
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. Porto Alegre: Livr. Do
Advogado, 2009, p. 215.Sarlet, op. cit., p. 170.
128
DIMITRI, Dimoulis; MARTINS, Leonardo. Comentários à constituição federal de 1988. Rio de Janeiro:
Forense, 2009, p. 70.
129
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo, 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p.
174.
130
DIMITRI, op. cit., 71.
A identidade material dos direitos coletivos 51
os direitos coletivos são identificáveis, ao menos na doutrina, como direitos
fundamentais de terceira dimensão, de titularidade coletiva. O direito à paz, ao
desenvolvimento, ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado (artigo 225 da CF),
direito de greve (artigo 9º), direito às informações prestadas pelos órgãos públicos (artigo 5º,
inciso XXXIII da CF), a tutela do consumidor (artigo 5º, inciso XXXII da CF), todos,
pertencem a uma categoria social sem individualização das pessoas que o compõem e todos
que se enquadram nesta categoria têm o direito coletivamente assegurado.
Importa também trazer a classificação dos direitos fundamentais, feita por Miranda
131
,
em razão do exercício, apesar de divergência na nomenclatura retro explicitada, acaba por
chegar à mesma conclusão. Seriam então: direito de exercício individual, de exercício
coletivo e de exercício individual e coletivo simultaneamente.
Alguns doutrinadores são taxativos em dizer que os direitos coletivos, ou seja, os
direitos de terceira geração podem ser encontrados, fora do título específico sobre os direitos
fundamentais, mas no tulo dos princípios fundamentais, precisamente, artigo 4º, incisos I,
III, IV, VI e VII da nossa Carta Cidadã, na explicação de Sarlet
132
, nos permissivos do artigo
5º, parágrafo 2º, materialmente considerados. Não se esquecendo, que também são direitos
coletivos os direitos reconhecidos aos índios (artigos 231 e 232 da CF), pois não se admite o
exercício individual – preservação da sociedade e cultura indígena, posse permanente e
coletiva das terras.
Assim, com clareza, percebemos que apesar da Constituição Federal trazer
formalmente direitos individuais e de exercício coletivos, com exceção dos direitos que
compõem a terceira dimensão que são materialmente reconhecidos (art. 5º, parágrafo
segundo); estes direitos não se diferenciam da clássica característica de direitos de defesa para
com o Estado, ou seja, a sua natureza individual. Lembrando-se os direitos individuais de
expressão coletiva ou de cunho social. Não podemos confundir os direitos sociais com
direitos coletivos, pois os direitos sociais são de titularidade individual, apesar de referidos a
indivíduos como membros daquela coletividade.
131
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, t. IV, 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 104.
132
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. Porto Alegre: Livr. Do
Advogado, 2009, p. 171.
A identidade material dos direitos coletivos 52
Quanto aos direitos de prestação podem se dividir em prestação material e prestação
jurídica. E como exemplo dos primeiros: artigo 5º, inciso XLI, XLII e XLIII. Quanto aos
segundo podem ser enumerado no artigo 6º da Carta Magna
133
.
Os direitos coletivos, ou seja, de titularidade coletiva, estes sim poderiam ser
reconhecidos como direitos fundamentais (no sentido material) à tutela, ao exercício na busca
por este direito individual garantido. Podendo se enquadrar no segundo grupo (função) dos
direitos fundamentais, direito a prestações. Uma vez que o Estado quando assegura o direito
ao cidadão cria para si a responsabilidade do tratamento igualitário entre estes (cidadãos):
igual acesso às instituições de ensino, igual acesso aos serviços de saúde, igual acesso à
utilização das vias e transportes públicos etc.
Frente à ambivalência que alguns dos direitos fundamentais reconhecidamente trazem
em sua função, Gonet explica que:
Uma observação deve ser feita. A distinção entre direitos de defesa e direitos a
prestação não se faz sem alguns matizes. É possível extrair direitos a prestação de
direitos de defesa e direitos de defesa dos direitos a prestação. ... Vale referir,
também, que direitos essencialmente de defesa apresentam aspectos, ainda que
subsidiários, de direito a prestação
134
.
Portanto, talvez enrijecer a conceituação através das funções dos direitos fundamentais
seria restringir a percepção da verdadeira utilidade (prática) destes.
Quanto à preocupação de um confronto entre direitos fundamentais com direitos
coletivos, percebe-se que os primeiros podem sofrer limitação constitucional, não sendo, pois,
absolutos
135
. E na própria Constituição Federal encontramos o artigo 5º, inciso XLVII, letra
“a”, onde se observa o direito fundamental à vida ser relegado a segunda ordem frente à
guerra declarada.
Relatam, os estudiosos, outra característica dos direitos fundamentais que estaria, de
uma forma geral, umbilicalmente ligados ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana
136
,
princípio este que visa a efetividade dos direitos da pessoa humana e sua proteção contra o
133
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de
Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 259.
134
Ibid., p. 265
135
Ibid., p. 240.
136
SARLET, Ingo Wonfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10. ed. Porto Alegre: Livr. Do Advogado,
1998, p. 109.
A identidade material dos direitos coletivos 53
arbítrio do poder estatal, têm também este entendimento Alexandre de Moraes
137
e Jorge
Miranda
138
. Este princípio contém peculiaridades de cada época específica, revelando assim
um caráter de historicidade e índole evolutiva também própria dos direitos fundamentais.
Esta ligação dos direitos fundamentais ao princípio da dignidade humana também é
utilizada pelos estudiosos como argumentação contra a afirmação de que os direitos coletivos
não podem ser direitos fundamentais, pois, apesar da posição topográfica que se encontra na
Constituição Federal Brasileira (Capitulo I, Título II), Paulo Gustavo Gonet Branco
139
diz que
ficaria “difícil ver nos incisos XXI, XXV, XXVIII e XXIX do artigo 5°, direitos que tenha
como fundamento precípuo e imediato o princípio da dignidade humana”, pois, nem todos os
direitos fundamentais são aplicáveis ao ente coletivo.
Explicando com maior adequação os argumentos de inaplicabilidade dos direitos
fundamentais para as pessoas coletivas, o renomado constitucionalista Canotilho
140
diz que
“os direitos postulados de uma referência humana não podem, em virtude de sua natureza, ser
extensivos a pessoas coletivas: direito à vida, direito de constituir família”; portanto, as
pessoas coletivas podem sim gozar de direitos fundamentais e, obviamente, direitos estes que
não tragam características inerentes ao homem, tais como a proteção ao corpo ou a “bens
espirituais”, devendo sempre esses direitos fundamentais ser compatíveis com a natureza do
ente coletivo.
Destarte, ficou claro que alguns estudiosos não aceitam que formalmente a nossa
Constituição tenha direitos coletivos típicos, e que a posição “geográfica” do Capitulo I, no
Título II estaria se referindo aos direitos de expressão coletiva e utilizando os critérios da
função, exercício ou titularidade para a classificação dos direitos fundamentais, chegam a
conclusão que apenas seria direito coletivo a tutela dos direitos fundamentais de primeira e
segunda geração e quanto aos de terceira geração estariam tratados nos princípios ou em
outros artigos que não os dos direitos fundamentais. na doutrina, podemos encontrar os
direitos de terceira e quarta geração podendo ser identificados como direitos fundamentais,
mas só doutrinariamente falando, não existindo previsão legal.
137
MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 3.
138
MIRANDA, Jorge. Manual de direito constitucional, t. IV, 3. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2008, p. 58.
139
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de
Direito Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008 p. 236.
140
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Portugal:
Almedina, 2000, p. 421.
A identidade material dos direitos coletivos 54
Ainda é necessário esclarecer de que não temos, muitas das vezes, a relação
metodologicamente conceituada e nominada do que seriam materialmente considerados como
direitos coletivos na legislação vigente, como nos acostumamos a ver com os direitos
individuais. E então para identificá-los utilizamos não a natureza da norma jurídica, mas
também a relação jurídica ou sua identidade, a titularidade, as formas de proteção e a
efetivação material e assim encontraríamos o direito coletivo propriamente dito. Como fez o
Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 81.
Abandonando um olhar ultrapassado dos direitos materiais, onde predominava os
direitos individuais, para construir uma visão holística, sem qualquer cunho de misticismo,
baseando-se numa dimensão maior, sendo o mesmo cidadão sujeito ativo ou passivo de
direito, mas inserido num contexto mais amplo - a coletividade, onde Assagra culmina por
desenvolver uma nova Teoria Geral da Cidadania Coletiva Solidarista do tipo biocentrista,
prevendo que “o desafio exige ir muito além da conceituação legal do CDC”
141
, para
encontrarmos o verdadeiro conceito dos direitos coletivos lato sensu.
Mas Wambier
142
, com a prudência que lhe é característica, explica:
Em nosso entender, a extrema modernidade dos novos direitos e seu visível
contraste com a clareza de determinação dos direitos “antigos”, representado, entre
outros fatores, pela disseminação dos efeitos da coisa julgada, pelo alargamento da
legitimação para agir e pela indeterminação de seus titulares (ao menos sob o ponto
de vista dos padrões clássicos); certamente contribui para que sejam vistos com
doses de reserva ou com muita precaução.
Para os clássicos, a expressão mais correta não seria o direito, mas sim, interesse, haja
vista que, direito é quando o sujeito dele é identificável, individualizado e interesse é quando
os titulares são indeterminados ou indetermináveis. Utilizando assim a expressão interesse
difuso e interesse coletivo. Todavia, a nossa Constituição não adotou esta distinção quando
denominou o direito coletivo e o direito individual; apesar do digo de Defesa do
Consumidor fazer.
Pedro Lenza
143
, citando Barbosa Moreira, que por sua vez concorda com Kazuo
Watanabe
144
concluem que se o “interesse” é juridicamente protegido ele assume condição de
141
ASSAGRA, Gregório. Direito material coletivo. Belo Horizonte: Del Rey, 2008, p. 03.
142
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liquidação do dano. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1988, p. 296.
143
LENZA, Pedro. Teoria da ação civil pública. 2. ed. São Paulo: RT, p. 54.
144
WATANABE, Kazuo. Código brasileiro de defesa do consumidor comentado. 7. ed. São Paulo: Forense
Universitária, 2001, p. 623.
A identidade material dos direitos coletivos 55
direito, não devendo dar importância (a distinção) que não tem razão de existir. Trazendo a
definição de Rodolfo Mancuso
145
para o que seja direito coletivo:
a) “um mínimo de organização, a fim de que se tenha a coesão necessária à
formação e identificação do interesse em causa”; b) “a afetação desse interesse a
grupos determinados (ou ao menos determináveis) que serão os seus portadores”; c)
“um vínculo jurídico básico, comum a todos os aderentes, conferindo-lhes unidade
de atuação e situação jurídica diferenciada”.
Ficando assim definidos: a) se os interessados são determináveis e quantificavel o
dano, com origem comum, são interesses individuais homogêneos; b) se os interessados são
determináveis, mas o objeto perquirido é indivisível são interesses coletivos e c) se os
interessados são indetermináveis, numa mesma situação de fato e o dano é indivisível,
estamos diante de interesse difusos.
Apesar de muito criticada e considerada “rudimentar” por Antonio Gidi
146
, esta
conhecida tripartição do direito coletivo feita por nossa legislação (artigo 81 do CDC) não é
utilizada em vários países da common law, como Canadá, Estados Unidos, Austrália e países
de tradição romano-germânica, a exemplo da França.
Além do artigo 81, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor que tipificam os
interesses difusos quando um número de pessoas que não podem ser identificadas está
vinculado jurídico ou faticamente a este interesse ou direito. “São como um feixe ou conjunto
de interesses individuais de objeto indivisível, compartilhada por pessoas indetermináveis,
que se encontram unidas por circunstâncias de fato conexas”, no dizer de Mazzilli
147
. Temos
também o artigo 117 do mencionado CDC, que elencou proteção aos direitos da Lei de Ação
Civil Pública também.
Como exemplo de interesse difuso tem-se a proteção ao meio ambiente, patrimônio
histórico, onde não é possível identificar quais são as pessoas que sofreram a lesão, mas estão
ligados pela mesma circunstância jurídica, outro exemplo são os telespectadores
desrespeitados com propaganda enganosa. Encontram-se ligados pela situação jurídica, mas
não podemos precisar quantos e nem quais foram lesados. E nos esclarece Wambier
148
,
145
MANCUSO, Rodolfo. O município enquanto co-legitimado para a tutela dos interesses difusos. São Paulo:
RT, 197. Revista de Processo, n.48, p. 47.
146
GIDI, Antonio. Rumo a um código de processo civil coletivo. 1. ed. Rio de Janeiro: Cia Editora Forense,
2008, p. 202.
147
MAZZILI, Hugo Nigro. Direito material coletivo. Belo Horizonte: Del Rey. 2008, p. 50.
148
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liquidação do dano. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1988, p. 300.
A identidade material dos direitos coletivos 56
citando outros nomes também de escol, que quando estamos diante de um direito coletivo, ele
poderá ser pleiteado coletivamente; o que considera um engessamento no exercício deste
direito, uma vez que o direito de defesa é garantia constitucional.
Mazzilli escreve que o interesse difuso pode conflitar com o interesse público, mas ser
menos abrangente que este, variando de acordo com o objeto de conflito. Pois não se trata de
“subespécie de interesse público”, apenas podem não ser compartilhados pela coletividade,
mas pelo grupo, mesmo que indetermináveis as pessoas.
Quanto aos direitos coletivos, estes estão conceituados no mesmo artigo 81, inciso II
do Código de Defesa do Consumidor. Também utilizada lato sensu para denominar interesses
transindividuais, foram referidos na Constituição Federal, no Título II, Capítulo I. Fazendo
uma distinção entre os difusos e coletivos, os primeiros se agregam por uma relação
jurídica, os segundos se agregam por coincidentemente serem sujeitos de igual relação
jurídica, mas cada um tem a sua. Por exemplo, quando um rio é assoreado a população
ribeirinha sofrerá o dano, mas o fato jurídico é um só que os uniu, isto sim é direito difuso. Já
se os advogados requerem na justiça a inconstitucionalidade de uma lei que extingue o direito
dos advogados em retirar do cartório os autos, a relação jurídica básica é que lhes é comum e
a solução deverá ser igual para todos os membros do grupo, porque mesmo sendo divisível a
solução não poderá ser diferente, já que o fato que lhes dá o direito é igual.
Os interesses difusos e coletivos se distinguem pela origem da lesão, reflete Mazzilli.
Todavia os coletivos as pessoas são identificáveis, mas não individualizadas, os difusos não
podem ser individualizados.
O inciso III, do mencionado artigo 81, determina o que será interesse individual
homogêneo. Aqui o sujeito é determinado e o quantum identificável, mensurável, mas, estão
apenas ligados pela mesma circunstância de fato, que lhe dão o direito. A exemplo trazemos
um grupo de pessoas, que consumiram um remédio e que posteriormente perquirem os danos
que este remédio causou. Os danos podem ser diferentes a cada uma destas pessoas e estas
pessoas podem ser identificáveis, apesar da origem comum.
A identidade material dos direitos coletivos 57
Estes direitos individuais homogêneos são nossos velhos conhecidos, leciona
Wambier
149
, podemos identificá-los como sendo os direitos subjetivos individuais. Todavia, a
diferença que se faz é com relação ao tratamento processual que está recebendo.
A nossa legislação está dando tratamento processual coletivo aos direitos individuais
homogêneos, como nos conta o autor acima citado
150
, reconhecendo ser “a maior inovação
trazida nas duas últimas décadas, em que tanto se desenvolveu o trabalho legislativo em torno
dos direitos da chamada sociedade de massa”. Anunciando assim mais uma forma de proteção
aos velhos direitos individuais, já por nós tão reconhecidos.
Mas a preocupação do destacado jurista retro citado que deve ser valorada por razões,
eminentemente, de ordem processual e, portanto, de ordem prática, diz respeito a
identificação/liquidação do valor a ser recebido, quando se tratar de sentença em ação
coletiva, na persecução individual.
Segundo Wambier
151
, os “direitos novos”, estão representados pela consagração de
posturas e comportamentos em relação a alguns novos tipos de bens juridicamente relevantes;
e que, a sociedade, somente agora, neste tempo da história, a necessária proteção, assim,
como por alguns direitos “antigos” (porque estão reconhecidos pelo sistema jurídicos de
direito material), estes estão revestidos, de nova roupagem” e que, por isto, devemos criticar e
minuciosamente estudá-los, sob pena de não estarmos fazendo a verdadeira Justiça acontecer.
Desta forma, a primeira preocupação aqui é identificar que tipo de direito
transindividual, direito que transcendem a esfera individual, será amparado pela reparação
civil, na nuance extrapatrimonial.
Mesmo com vigor do artigo 186 do Código Civil, que regulamenta o direito a
reparação civil genericamente se referindo a violação de direito, em uma ótica individualista,
não podemos nos esquecer da legislação esparsa, em diversas leis ordinárias, que aufere
proteção especifica aos direitos coletivos (lato sensu), categoria especial de direito material, o
que por via de consequência, como vimos alhures, o desrespeito a estes direitos protegidos,
também, geram responsabilidade civil.
149
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liquidação do dano. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1988, p. 311.
150
Ibid., p. 309.
151
Ibid., p. 303.
A identidade material dos direitos coletivos 58
Portanto, inquieta-nos fazer a distinção entre direitos difusos e direitos coletivos
stricto sensu.
Talvez a melhor maneira de identificá-los, com vistas à diferenciação, seria sob os
aspectos subjetivo (titularidade do direito material), os objetivos (divisibilidade deste direito)
e os de natureza (origem deste direito). O subjetivo seria a identificação dos titulares, que no
direito difuso é absolutamente indeterminável, sendo unida pela mera circunstância do fato, já
no coletivo, esta determinação é relativa, mas a ligação decorre da relação jurídica base,
formando o grupo.
No aspecto objetivo, ou seja, do objeto perquirido, tanto no direito difuso quanto no
coletivo é indivisível, melhor dizendo; a correção do direito lesado alcança a todos
igualmente, tanto os indetermináveis (difuso), quanto os identificáveis (coletivo).
Agora, chama a atenção quanto à classificação por sua natureza, pois o que se nota são
características intrínsecas dos direitos fundamentais, pelo que vejamos: os dois direitos
transindividuais, propriamente denominados, não são passível de apropriação individual, de
transmissão por ato entre vivos ou mortis causa, de renúncia e transação, dentre outras
nuances existentes, não menos importantes.
Zavascki
152
, concordando com Antonio Gidi
153
, critica muito a classificação legal para
a conceituação dos direitos transindividuais, justificando que na prática nem sempre esta
definição irá se adequar, pois, muitas vezes, dependendo da proteção que se quer, pode ser
coletiva e depois passando para a individual, um exemplo significativo disto é a propaganda
da televisão que, quando desejosa a tutela preventiva seria coletiva, quanto ao dano (tutela
reparativa) pode ser individual homogênea, acrescendo que poderá ser cumulada as duas
tutelas, sem qualquer prejuízo de proteção. Sendo que a rigidez da definição de quadros
conceituais muitas vezes será abandonada pelo aplicador da lei, para que se cumpra a justiça,
pelo princípio de adequação das formas.
Gidi diz que o direito subjetivo especificamente violado é que irá definir o tipo de
direito lesado. E, discordando de Nelson Nery Júnior, cita-o, dizendo que a “tutela
152
ZAVASCKI, Teori Albino. Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 3.ed. São Paulo:
RT, 2006, p. 46.
153
GIDI, Antonio
.
Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 20 e
21.
A identidade material dos direitos coletivos 59
jurisdicional que se pretende obter em juízo”
154
é que definirá o tipo de direito. Assim, para o
primeiro autor é o direito material que definirá, para o segundo o direito processual que
dirá.
E, arrazoando sua discordância, Gidi cita, como exemplo, o caso do pedido de tutela
preventiva para a retirada de publicidade do ar e a imposição de contrapropaganda obtida
através da tutela coletiva, em razão do direito material ser difuso, mas, também poderá ser
pleiteada a retirada da mesma propaganda por outra firma concorrente, com base em direito
material individual, portanto, qual seria o melhor critério então?
Sem dúvida faríamos a opção pelo direito material, seguindo a explicação do professor
Gidi, em oposição a Nelson Nery, pois, verificamos que “muito embora propostas uma e outra
com fundamentos de direito material diversos” a diferenciação veio pelo próprio direito
material.
Quanto aos direitos individuais homogêneos, por óbvio, receberão proteção igual
quando também desrespeitados, mas aqui não merecem (direitos individuais homogêneos)
destaque por não fazer parte do estudo do dano extrapatrimonial coletivo, não existindo
dificuldade alguma em caracterizá-los (o direito). A sua identificação parte do próprio direito
subjetivo individual e a sua “coletivização tem um sentido meramente instrumental, como
estratégia para permitir sua mais efetiva tutela em juízo”.
155
Posto que, o direito individual
homogêneo não possui natureza de indivisibilidade, mas sim considerado acidentalmente
coletivo, por Barbosa Moreira; é uma ficção esta sua coletivização, uma estrutura criada para
a obtenção de uma melhor prestação jurisdicional, facilitando o acesso à justiça, conseguir
maior efetividade e, consequentemente, economia processual também. Zavascki esclarece que
estes direitos não são “coletivos”, “mas sim o modo de tutelá-lo, o instrumento de sua
defesa”
156
, denominado, por muitas vezes, de “proteção coletiva de direitos”.
154
NERY JUNIOR, Nelson. Os princípios gerais do código brasileiro de defesa do consumidor. Revista do
Direito do Consumidor, São Paulo, n. 03, set/dez 1992, p. 21.
155
ZAVASCKI, Teori Albino. Tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 3.ed. São Paulo: RT,
2006, p. 43.
156
Ibid., p. 43.
A identidade material dos direitos coletivos 60
Tanto que estes direitos individuais homogêneos podem ser pleiteados
individualmente, sem qualquer prejuízo, no dizer de Wambier
157
, portanto, a melhor opção
para a identificação de qual classe pertence seria mesmo pela via do direito material.
E junto a Wambier está Marinoni
158
, que taxativamente diz que “tais direitos
(individuais homogêneos), podem ser reivindicados isoladamente ou por meio das
tradicionais ações em que se colocam, no pólo ativo da relação processual, várias pessoas em
litisconsórcio”.
Pontofinalizando, a preocupação do presente trabalho é encontrar a possibilidade de
ressarcimento moral ou prevenção de dano os direitos coletivos (lato sensu), pois com a
chegada destes “novos direitos”
159
a atmosfera jurídica ainda está dividida, alguns entendendo
não caber, outros, taxativamente, afirmando que sim, todavia, busquemos a proteção que têm
estes direitos, para que não seja atribuído o ônus do prejuízo a quem o é responsável, pois
se isto ocorrer estaríamos imputando o prejuízo ao próprio lesado.
157
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Liquidação do dano. Porto Alegre: Sergio Fabris, 1988, p. 315.
158
MARINONI, Luiz Guilherme Técnica processual e tutela dos direitos. 2. ed. São Paulo: RT. 2008, p. 77.
159
WAMBIER, op. cit., p. 306.
O conceito de dano 61
5. O CONCEITO DE DANO
Com vimos no item 3.4 deste trabalho, um dos pressupostos para a existência da
responsabilidade civil é o dano. A princípio podemos alegar que somente com a prova do
prejuízo, até mesmo por via reflexa, é que podemos falar em responsabilidade civil. E o
objetivo do instituto é recompensar ao titular do bem protegido e agora lesado, no mínimo, o
seu valor correspondente, o que foi nominada de função reparatória, e, com olhos voltados
para coibir o desrespeito, como função punitiva, precavendo a repetição deste desrespeito;
tudo isto diante da impossibilidade de retorno ao “status quo” ou até mesmo da reparação “in
natura” do prejuízo material ou moral.
A combinação dos artigos 186 e 927 do Código Civil
160
nos faz concluir que para a
existência da responsabilidade civil exige-se que além da violação ao direito deve-se também
ocorrer o dano, todavia, o nosso legislador não conceitua o que seria o dano. Por isso, este
pressuposto traz divergências enormes entre os estudiosos do tema, tornando complexa não só
a sua compreensão, mas também a sua definição, a distinção entre os tipos de danos existentes
(material e moral), a sua identificação (por onde se identifica qual é o dano) e quais as suas
características e funções (ressarcitória e punitiva).
O dano lato sensu tem divisão binária; dano fático e dano com consequências
jurídicas. No primeiro, poderíamos exemplificar como sendo o dano em sentido vulgar, o
sofrido por alguém em sua alma, corpo ou bens, não se indagando quem seria o autor do dano;
quanto ao segundo tipo de dano, como fenômeno jurídico, este sim, importa ao Direito
Civil, e partindo da mesma conceituação do dano vulgar, apesar da oposição de alguns
autores
161
, nasce o dever de pena ou o direito ao ressarcimento ao sujeito que sofreu este
dano.
160
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar
dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187); causar dano à outrem, fica obrigada a repará-lo.
161
CASTILHO, João. Dano à pessoa e a sua indenização. 2. ed. São Paulo: RT. 1987, p. 42.
O conceito de dano 62
Esta discordância da utilização do significado de dano no sentido vulgar para a
conceituação de dano no sentido jurídico se justifica no seguinte exemplo: se o próprio
possuidor danifica o seu bem não haverá qualquer reflexo jurídico, este fato isolado, apesar de
ter ocorrido uma perda patrimonial. E o artigo 927 do Diploma Civil traz expressamente a
necessidade de que o dano seria a “outrem”, portanto, não cuida a responsabilidade civil de
dano causado a si mesmo, por isso divergência que não podemos partir do sentido vulgar
para conceituar o jurídico. Todavia, se ocasionado por outra pessoa (terceiro), que não o
proprietário, poderá haver consequência civil, na ordem da responsabilidade, onde se
imputará a titularidade do evento danoso.
Agostinho Alvim citando vários autores
162
, dentre eles Carvalho Mendonça, Espínola,
Enneccerus, Polacco etc. traz a clássica definição de dano; como sendo a diminuição do
patrimônio e que hoje não é a mais adequada, pois estaria excluindo o dano moral. A vista
que, quando da sua ocorrência poderá inexistir decréscimo material. Então, procura-se,
atualmente uma definição mais ampla, com vistas a atingir os dois tipos reconhecidos
legalmente de dano, dano material e dano moral.
E para tanto começaram a definir que dano seria a diminuição ou subtração de um bem
jurídico, o que significaria que tal bem goza de proteção legal. E o próprio Agostinho
Alvim
163
, conclui que este bem jurídico pode ser tanto o patrimônio, como a honra, saúde,
vida e outros bens, que hoje o mundo civilizado protege. E vai mais além o autor citado,
quando completa que dano “é o prejuízo que alguém sofre na sua alma, corpo ou bens”.
Portanto, qualquer bem, tanto material como imaterial, que seja objeto de proteção de um
direito e que sobre ele recaia uma ação que venha a modificá-lo, no caso esta modificação terá
caráter de diminuição, só assim surge o direito ao ressarcimento.
Esta modificação poderá também ser considerada como diminuição, impedimento no
desfrute ou desrespeito ao respectivo objeto protegido por um direito.
Como a conceituação clássica da doutrina sobre o que seria o dano não estava
atendendo a exigência legal, Cavalieri
164
ampliou a conceituação do dano para ficar assim:
162
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1980., p. 170.
163
Ibid., p. 171.
164
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007,
p. 71.
O conceito de dano 63
É a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja a sua natureza,
quer se trate de um bem patrimonial, quer se trate de um bem integrante da própria
personalidade da vítima, como a sua honra, a imagem, a liberdade etc. Em suma,
dano é a lesão de um bem jurídico, tanto patrimonial como moral, vindo d a
conhecida divisão do dano em patrimonial e moral.
O que seria então bem?
José Cirilo de Vargas
165
conceitua da seguinte forma:
Bem é tudo aquilo que possui utilidade ou é vantajoso para a pessoa ou para a
coletividade: a casa onde moramos, o dinheiro, os nossos livros, o nome do cidadão,
a condição de filho ou de pai, o direito à integridade física e moral, etc.
Nem todos os bens, contudo, são bens jurídicos, nesta categoria inscrevemos apenas
o que está amparado pela ordem jurídica.
Sendo que, todos estes bens possuem valores, valores sociais que precedem a tutela
jurídica, ou seja, somente com a existência da valoração social é que ensejo a criação da
proteção legal.
No dizer de Ihering, mencionado por Vargas
166
, bem é todo conteúdo de utilidade,
mesmo que não seja pecuniariamente apreciável, constitui um bem para um sujeito ou tudo o
que nos pode servir, mesmo que seja coletivamente, portanto, a proteção seria para os bens
individuais e coletivos, também. E Ihering não distingue as duas expressões bem e interesse,
mas as interliga, explicando que o Direito consagra a vontade individual, que deságua em um
objeto determinado, assim considerado um bem, e, na visão do sujeito que o deseja é um
interesse. O bem jurídico tutelado pode ser uma coisa ou uma pessoa; pode ser um
acontecimento natural ou uma ação ou omissão humana; uma ação própria ou uma ação
alheia; um serviço pessoal ou qualquer relação de fato; um estado individual (físico ou moral),
da pessoa ou de uma pluralidade de pessoas (vida, saúde, liberdade, etc.); pode ser um estado
de fato (o silêncio noturno) ou o estado de uma coisa (o estado de uma carta em envelope
fechado); pode ser um sentimento (piedade), uma idéia ou, em geral, um estado do mundo
interior. Pode ser ainda um direito ou uma relação jurídica. Na clássica partição dos bens
podem ser classificados em bens materiais ou físicos e imateriais ou morais; individuais ou
coletivos.
165
VARGAS, José Cirilo de. Do tipo penal. Belo Horizonte: UFMG, 1987, p. 11.
166
Ibid., p. 13.
O conceito de dano 64
E contra a ampla conceituação surgiu a teoria do bem jurídico, que preconiza ser o
bem jurídico uma conservação do estado da coisa protegida, estado este que se forma da
relação entre o bem e o titular, com vistas à estabilização da ordem jurídica e social. Mesmo
que seja um bem individual o empenho para a conservação e preservação da ordem é de
cunho maior, ou seja, a ordem social.
No entanto, José de Aguiar Dias
167
rebate o uso do vocábulo bem, justificando-se:
A idéia de bem geralmente aparece vagamente expressa e é assim imprestável para o
fim de uma exata construção jurídica. Dizer que bem é tudo quanto satisfaça a uma
necessidade humana é certo; mas alongar a definição e assentar que bem é tanto o
objeto do mundo exterior, como o acontecimento natural, ação ou omissão humana
ou, ainda, o estado individual da pessoa, como a vida, a saúde ou a liberdade, o
estado de fato, como o silêncio noturno, ou o estado de uma coisa, como o da carta
fechada, não satisfaz; porque tais atributos não são bens em si, mas modos de ser do
bem. Este é, por exemplo, o corpo humano e não a beleza ou a saúde que o
qualificam.
Mas também não deixa de criticar Carnelutti, o mesmo autor citado
168
, que faz a
utilização e consequente substituição da palavra bem pela palavra interesse, para qualificar a
ocorrência de dano; mas desde que esta lesão tenha provocado um dano antijurídico e justifica
a sua critica afirmando que seria subjetiva a avaliação feita pelo sujeito, titular do bem, “da
aptidão de um objeto para satisfazer a sua necessidade”; pois a significação de interesse
precisa atender um critério objetivo e não subjetivo, e, finalmente, Dias define que a melhor
utilização seria a relação entre o homem e o bem, para empregar na satisfação de uma
necessidade.
Venosa
169
é também adepto desta conceituação. Maria Helena Diniz
170
não se
preocupou com a diferença conceitual de bem e interesse, ora utiliza um, ora outro, mas
sempre repete que é necessário ocorrer o dano. Cavalieri
171
se refere a bem jurídico.
Portanto, o bem ou o interesse legalmente tutelado considera-se protegido, pelo
instituto da responsabilidade civil, quando atingido por conduta antijurídica.
Mesmo com a existência de diversas opiniões sobre qual seria a melhor palavra para a
conceituação da ocorrência do dano, se quando atinge o bem ou ao interesse entre ser a lesão
167
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 970.
168
CARNELLUTTI, Francesco. Teoria geral do direito. 1. ed. São Paulo: Lejus, 1999, p. 970.
169
VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil – responsabilidade civil. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 28.
170
DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade civil. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007
,
p. 61.
171
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007,
p. 71.
O conceito de dano 65
ao bem ou ao interesse, nos faz compreender é que, a modificação tem que ocorrer no bem,
que uma vez tutelado perde a subjetividade que possa ter como interesse. Este embate sobre
qual a palavra correta pode se tornar estéril se não partimos da análise de idêntica significação
das palavras entre as teses divergentes.
Ao que parece seria mais adequado à conceituação de dano levando em conta o bem,
uma vez que, a palavra interesse poderia significar, usualmente, subjetividade, e o instituto da
responsabilidade civil não poderá jamais conceber o ressarcimento a valores partindo de
atribuições pessoais; sob pena de estar dando guarida a um verdadeiro caos social, onde, cada
um, infelizmente, atribui valores subjetivos e protetivos a seus “bens”, aqui no sentido vulgar
de pertences. E é verdade que em razão da prioridade de cada ser humano, ele pode atribuir
valores completamente diferentes aos que realmente deve ter e deve ser protegidos
legalmente, tudo isto, em uma visão lógica-jurídica, respeitando a valoração de determinada
época e de determinado povo.
5.1 A NATUREZA E IDENTIFICAÇÃO DOS DANOS: MATERIAL E MORAL
haverá direito ao ressarcimento quando ocorrer uma ofensa a um bem legalmente
protegido. O direito existe para a proteção do bem, e quando se fala em bem não está se
referindo somente ao bem material ou a um bem corpóreo; entende por bem tudo o que é
existente e protegido por um direito. Num mesmo direito estão contidos vários bens
protegidos, podendo ser de natureza material ou imaterial, logo, o direito é sempre mais
amplo do que o bem. Muitas vezes para se compor o direito precisa-se da existência de vários
bens, ou seja, temos o direito à saúde, e este direito protege todo o bem que significa ter
saúde, desde os bens que compõem a saúde mental, como os bens que compõem a saúde
corporal e física. Utilizando o mesmo raciocínio retro exposto, no direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado está contida a proteção aos bens que compõem este direito, tais
como, a água, os rios, as florestas, os animais, o silêncio etc. Como o direito contém a
proteção a vários bens e estes bens, geralmente, são afins entre si, reprisando, mesmo que
bens materiais ou imateriais.
O conceito de dano 66
E como vimos, quando sofremos a privação deste bem ou este bem é lesionado por um
ato ilícito nasce à responsabilidade civil, que nada mais é do que o direito ao ressarcimento
pelo dano ocasionado. Os tipos de dano reconhecidos legalmente no direito individual são de
natureza material e moral
172
.
Para os direitos coletivos lato sensu, o legislador também reconhece a existência da
responsabilidade civil quando da ocorrência da lesão a um bem protegido e elenca dois tipos
de danos: os materiais e os morais
173
. Este último identificado também como dano imaterial,
não patrimonial ou extrapatrimonial.
Os doutrinadores definiam dano material, quando ainda a legislação não acatava a
existência do dano moral, como sendo a diminuição do patrimônio físico, entretanto, tal
acepção não atendia toda a definição, uma vez que poderia ocorrer a perda total deste
patrimônio protegido, o que significa ser mais do que a diminuição.
Pontes de Miranda explica que “dano patrimonial é o dano que atinge o patrimônio do
ofendido e dano o patrimonial é o que é, atingindo o devedor como ser humano, não lhe
atinge o patrimônio”
174
.
Antes de qualquer definição que se faça, temos que partir do pressuposto de que para a
distinção entre dois tipos de dano existe duas correntes, a que se escora no bem protegido e a
outra nos efeitos da lesão.
Para Aguiar
175
“deve-se concluir desde logo pela aplicação da noção de dano ao
prejuízo consumado”, e, elucidando de vez a questão, cita Fischer para a identificação do que
seja dano material, partindo da definição de patrimônio: é a totalidade dos bens
economicamente úteis que se acham dentro do poder de disposição de uma pessoa”, então,
dano patrimonial seria a diminuição ou perda destes bens disponíveis economicamente.
Desta forma, ao dano moral sobra a definição do que não seja de índole patrimonial.
Tal conceituação não recebe a concordância de Yussef
176
, que defende não ser a melhor forma
172
BRASIL: Constituição Federal, artigo 5º, inciso V; Súmulas nºs. 37 e 227 do STJ.
173
BRASIL: Constituição Federal, artigo 37, parágrafo 6º; Lei da Ação Civil Pública, artigo 1º, Código de
Defesa do Consumidor, art. 6°, inciso VI e VII etc.
174
Tratado de Direito Privado, XXVI, parágrafo 3.108, p. 30.
175
DIAS, José de Aguiar. Da Responsabilidade Civil. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, tomo I, 1960, p. 975.
176
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2. ed. São Paulo: RT, 2005, p. 20.
O conceito de dano 67
a contraposição, mas sim deveria ser caracterizado o dano moral pelos seus próprios
fundamentos.
O dano material é mais fácil de definição e quantificação, haja vista que tanto a
identificação e o quantum cingem-se ao prejuízo físico, prejuízo material, do bem protegido.
com relação a identificação do dano nominado moral, provoca uma grande celeuma tanto
na doutrina como na jurisprudência, uma vez que trata de bem incalculável economicamente,
chegando alguns juristas a negarem a existência quando se trata do dano moral coletivo.
Quando um ato ilícito ocasiona um dano concluímos que nasce um dever de
ressarcimento, de natureza material ou moral.
Convém esclarecer as duas correntes doutrinárias que explicam como e onde
identificar o tipo do dano.
Uma utiliza o direito protegido e outra os efeitos da lesão jurídica. A primeira corrente
seguida por Cavalieri
177
entende que é o bem protegido que distinguirá a espécie do dano, in
litteris:
Enquanto o dano material, como atrás assinalado, importa em lesão de bem
patrimonial, gerando prejuízo econômico passível de reparação, o dano moral é
lesão de bem integrante da personalidade, tal como a honra, a liberdade, a saúde, a
integridade psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à
vitima.
Concluímos que Agostinho Alvim
178
é adepto a linha de raciocínio de que é a natureza
do bem protegido que denomina qual o tipo de dano, se moral ou material, tal entendimento
foi esposado quando a legislação pátria não reconhecia a existência do dano moral puro, mas
apenas como reflexo do dano ao bem material.
Para fazer a distinção Rui Stoco
179
também leva em conta a natureza do bem atingido
que classifica o tipo do dano.
a segunda corrente defendida por José Aguiar Dias
180
e Maria Helena Diniz
181
,
explica que são os efeitos das lesões ocorridas é que determinará se o dano é material ou
moral.
177
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007.
p. 71.
178
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 171.
179
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: RT, 2007
,
p. 1232.
O conceito de dano 68
Destacando a explicação de Maria Helena Diniz
182
:
Quando se distingue o dano patrimonial do moral, o critério da distinção não poderá
ater-se à natureza ou índole do direito subjetivo atingido, mas ao interesse, que é
pressuposto desse direito, ou ao efeito da lesão jurídica, isto é, ao caráter de sua
repercussão sobre o lesado; pois somente desse modo se poderia falar em dano
moral, oriundo de uma ofensa a um bem material, ou em dano patrimonial indireto,
que decorre de evento que lesa direito extrapatrimonial. Deveras, o caráter
patrimonial ou moral do dano não advém da natureza do direito subjetivo
danificado, mas dos efeitos da lesão jurídica, pois do prejuízo causado a um bem
jurídico econômico pode resultar perda de ordem moral, e da ofensa a um bem
jurídico extrapatrimonial pode originar dano material.
Xisto
183
segue o clássico autor italiano Alfredo Minozzi que ensina ser os efeitos da
lesão jurídica que classifica a natureza do dano, justificando que somente assim poderíamos
reconhecer a existência do dano moral como reflexo de um dano material, ou seja, a
existência de dano patrimonial indireto.
Assim, para a primeira corrente encontra-se o bem (protegido) atingido, se o bem for
material, estaremos diante de um dano material e se o bem for moral, identificaremos como
dano moral; no segundo posicionamento verifica-se a lesão ocorrida, se de existência material
disponível, o direito ao ressarcimento será de natureza material dano material. Se a lesão
ocorrida for de ordem moral o dano será moral.
Para a responsabilidade do dano material não teremos grandes problemas, pois tanto o
direito lesionado quanto a própria lesão são objetiva e facilmente apuráveis, assim, a operação
matemática utilizada pela responsabilidade civil individual para se encontrar o dano material
também poderá, em certos casos, ser utilizada para os interesses coletivos, e é feita por um
simples cálculo matemático, apenas tomando o cuidado, ao levantar o valor pecuniário do
bem coletivo, operação esta também chamada de teoria da diferença; a exemplo da destruição
de um bem coletivo ou de interesse coletivo, calcula-se o valor da lesão pela diminuição
econômica que esta ocasionou ou pelo valor total do bem destruído, se a lesão for a destruição
total do bem.
Alguns civilistas, quando se referem ao dano moral, na ótica individual, aderem a
corrente de que a distinção se faz pelos efeitos, falam que consiste na reparação da dor, da
180
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 729.
181
DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade Civil. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007
,
60 e 89.
182
Ibid., p. 67.
183
MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 2. ed. São Paulo: LTR, 2007, p. 51.
O conceito de dano 69
angústia, do desgosto, da humilhação, eles se equivocam porque estes sentimentos são, em
realidade, o resultado da lesão, a consequência da lesão e não a lesão propriamente dita. A
lesão é que provoca a dor, a angústia, a tristeza, consequentemente, a lesão antecede a dor, a
angústia. Um exemplo do direito a integridade corporal que está contida no direito à
personalidade
184
é se acontecer um acidente e a pessoa perde as pernas, teoricamente,
estaremos diante de um dano moral e um dano material.
Para a primeira corrente, o exemplo acima exposto, seria dano moral porque foi
desrespeitada à integridade física de um ser humano, que é um direito protegido. Analisando o
mesmo exemplo, conclui-se que não se mede a angústia, a dor, o desgosto que são
extremamente subjetivos, sendo sentidos individualmente por cada um ao seu modo e,
portanto, impossíveis de aferição jurídica-objetiva, mas ressarcimento é em razão do
desrespeito ao direito à incolumidade física, pois a tima possui um interesse reconhecido e
protegido juridicamente, dentro do direito à personalidade. E, se a pessoa era um atleta
profissional e não poderá mais exercer a sua profissão, então ocorrerá também uma perda
material, pela incapacidade laborativa (lucros cessantes), como reflexo do respeito ao bem
imaterial, mesmo com a ocorrência de um ato ilícito, houve desrespeito a direitos opostos,
material e moral.
A nosso sentir, para se identificar o tipo de dano devemos perquirir qual é o bem
protegido que foi desrespeitado, pois não é qualquer sofrimento, tristeza ou dor que merece
reparo civil, completa Maria Celina Bodin de Moraes
185
. No âmbito da responsabilidade civil,
a dor física ou moral, são os estados psicológicos resultantes do dano. Mas não são danos.
Estão confundindo o dano com o resultado do dano. Este pressupõe aquele.
“A noção de dano moral como lesão a direito da personalidade é difundida por grande
parte da doutrina”, nos esclarece André Gustavo Corrêa de Andrade
186
citando Sérgio
Cavalieri Filho
187
, Carlos Alberto Bittar
188
, Yussef Said Cahali
189
, dentre outros.
184
A expressão mais adequada é direito à personalidade e não direito da personalidade, pois quem tem direito
não é a personalidade mas o ser humano.
185
MORAES, Maria Celina Bodin de. Danos à pessoa hmana. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 188.
186
ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,
2009, página 38.
187
“O dano moral é lesão de bem integrante da personalidade, tal como a honra, a liberdade, a saúde, a
integridade psicológica, Causando dor, sofrimento, tristeza, vexam e humilhação à vitima”. P. 74.
188
“Qualificam-se como morais os danos em razão da esfera da subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa
na sociedade em que repercute o fato violador, havendo-se, portanto, como tais aqueles que atingem os
aspectos mais íntimos da personalidade humana (o da intimidade e da consideração pessoal), ou o da própria
O conceito de dano 70
No entanto, os estudiosos da segunda corrente, defendem a tese contrária a esta,
dizendo ser o dano o efeito da lesão, em nada acrescentando qual a natureza ou a índole dos
direitos lesionados, a exemplo, Aguiar Dias
190
, nos traz a diferença entre dano moral e
material:
A distinção, ao contrário do que parece, não decorre da natureza do direito, bem ou
interesse lesado, mas do efeito da lesão, do caráter da sua repercussão sobre o
lesado. De forma que tanto é possível ocorrer dano patrimonial em consequência de
lesão a um bem não patrimonial como dano moral em resultado de ofensa a bem
material.
Como dito, não parece mais acertada a corrente que opta pela identificação
do tipo de dano através da lesão ocorrida; pois estamos tratando de danos de significado,
diametralmente opostos e de naturezas diversas (material e moral), até no que diz respeito a
sua prova. O dano material evoca modificação no mundo físico, de fácil e objetiva
comprovação. E o dano moral, muitas vezes, não é mensurável e sua prova ao direito torna-se
inexequível por ser subjetiva, assim, os tribunais têm entendido pela dispensa da prova em
concreto
191
. Como exemplo, temos o voto do Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, de
onde se extrai:
assentou a Corte que não falar em prova do dano moral, mas, sim, na prova
do fato que gerou a dor, o sofrimento, sentimentos íntimos que o ensejam. Provado
assim o fato, impõe-se a condenação, sob pena de violação ao art. 334 do digo
de Processo Civil
192
.
E não poderia ser de outra forma, por pura questão de bom senso, pois não
existe como provar o resultado de tais violações que se passam no íntimo do ofendido.
Portanto, não resta outra forma ao ordenamento jurídico do que conceber que o ser humano
sentir-se-á ofendido em seu intimo com o desrespeito a qualquer bem que componha o seu
direito à personalidade, uma vez protegido.
valoração da pessoa no meio em que vive e atua (o da reputação ou da consideração social)”. P. 41.
189
“Como a privação ou diminuição daqueles bens que tem um valor precípuo na vida do homem e que são a
paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade individual, a integridade física, a honra
e os demais sagrado afetos”. P. 20.
190
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 852.
191
ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,
2009
,
p. 103.
192
BRASIL: STJ, REsp. 318099/SP, 3ª Turma, Rel. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito, DJU 8.4.2002.
O conceito de dano 71
outro julgado do Superior Tribunal de Justiça, de relatoria do Ministro Sálvio de
Figueiredo Teixeira
193
, em que parte da emenda é a seguinte: “A prova do dano (moral) se
satisfaz, na espécie, com a demonstração do fato que o ensejou e pela experiência comum”.
Teresa Arrruda Alvim Wambier e Luiz Rodrigues Wambier
194
, ao comentarem sobre o
dano moral, aceitam a desnecessidade de prova quando atingida pessoa física, por
compreenderem ser neste caso o dano in re ipsa:
(...) Os danos morais, em si mesmos, não se provam. Trata-se de um dano in re ipsa,
ou seja, é o dano que se compreende, de certo modo, em sua própria causa. O que se
de comprovar é a ocorrência de acontecimento que prova dano moral, mas não
atributos, dimensão ou qualidade deste. Vale dizer, provado o fato caracterizador do
dano moral, ipso facto haver-se-á de estimar ou quantificar o dano moral. A
reparabilidade do dano moral decorre do simples fato da violação, e não da
comprovação do dano em si mesmo. Dor, vergonha, perturbação, intranquilidade,
angústia e outros estados de alma não são objetos de prova em ação em que se
pleiteia indenização por dano moral.
Deste modo, a conclusão que se chega é que violado o direito, quando protegido, deve
existir punição, pois tal ato não pode ficar impune. Não exigindo que para tanto ocorra
reações intimas de insatisfação do ofendido e constata-se o acerto desta corrente através
daquelas pessoas impossibilitadas de qualquer emoção, de qualquer sentimento, citando os
doentes mentais ou pessoas em estado comatoso que, infelizmente e muitas vezes, não têm
qualquer condição mental de sentir a ofensa ou não tem manifestação psíquica ou sensorial
negativa frente à ofensa, mas têm o direito a indenização por dano moral
195
. Se retirarmos o
direito ao ressarcimento, quando ocorrer um desrespeito do direito à personalidade,
justificando-o pela inconsciência do ofendido ao ato, seria desconsiderá-lo em sua
característica principal ser humano. Sendo um ser humano, é sujeito de direito, portanto,
digno de respeito. Devemos a esta pessoa igual respeito àquelas que têm consciência, senão
maior. Pois são pessoas totalmente indefesas e que o Direito deve proteger ao máximo.
O dano moral caracteriza-se pelo ataque e não pela repercussão que se tem e
independentemente da falta de discernimento do atacado para senti-lo. Comungando desta
linha de raciocínio o Superior Tribunal de Justiça reconheceu o direito ao ressarcimento por
193
BRASIL: STJ, REsp. 304738/SP, 4ª Turma, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 13.8.2001.
194
WAMBIER, Tereza Aruda Alvim;WAMBIER, Luiz Rodrigues. Estudos em homenagem à professora Ada
Pellegrini Grinover. São Paulo: DPJ, 2005, p. 803.
195
ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,
2009, p. 49.
O conceito de dano 72
dano moral ao nascituro
196
, haja vista que provado o ato desrespeitoso resta buscar a
indenização. Para Bittar
197
o dano moral goza de presunção iuris et de iure.
Verificamos que um dano ocorrido em um bem material pode ocasionar, por via
reflexa, um dano de natureza material ou de ordem moral ou os dois concomitantemente. E,
um bem imaterial protegido pode, quando atingido, resultar dano material ou moral, haja vista
o desrespeito a bens materiais ou bens de ordem moral e igualmente as duas juntas.
Se o bem desrespeitado for de natureza indisponível economicamente será de ordem
moral a indenização. E se mensurável o dano será material.
No entendimento do Superior Tribunal de Justiça, esposado pela Súmula nº. 37, que
diz: “são cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo
fato”. Donde se conclui que o mesmo fato poderá criar direitos ao ressarcimento moral e
material, concomitantemente.
Exemplificando no direito coletivo, a Constituição Federal garante, em seu artigo 225,
que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, objetivando o seu
desfrute, o uso e gozo, denominado direito difuso, deste modo, se uma indústria resolve jogar
os seus dejetos em uma praia, tornando-a imprópria para o uso da população estará cometendo
um ato ilícito, pois, violou além do direito de uso e gozo, o direito do desfrute de um bem
comum em razão de ter poluído a praia, causando um dano, sendo que o desrespeito a este
direito é dano moral, pois restringiu, ofendeu e privou o direito garantido de utilização
daquela praia como meio ambiente ecologicamente equilibrado, além do mais, os indivíduos
que utilizavam aquela praia para o trabalho, v.g., pescadores, vendedores, também se viram
prejudicados, economicamente, dai se infere o dano de natureza material (lucros cessantes), só
que recepcionado como direito individual homogêneo. Outro exemplo, o Código de Defesa ao
Consumidor, em seu artigo 6º, inciso IV, cria o direito de proteção contra a publicidade
enganosa e abusiva aos consumidores. Portanto, aquele que desrespeitar este direito estará
cometendo um ilícito civil e a lei ao criar o direito de proteção, a favor do consumidor, acaba
por tipificar a ação de desrespeito como dano; pois está ínsita na própria ação a desobediência
196
BRASIL: RESp. 399028/SP, 4ª Turma, Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJU 15.4.2002 e RESp.
931556/RS, 3ª Turma, Ministra Nancy Andrighi, DJU 05.08.2008.
197
BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Dano moral coletivo no atual contexto brasileiro. Revista de Direito do
Consumidor, São Paulo:RT, n. 12 , out-dez, 1994, p. 204.
O conceito de dano 73
e, portanto, o prejuízo, baseado no princípio da boa-fé do consumidor e da função social da
propaganda, que deve ser educativa e não enganosa ou abusiva. Num primeiro momento a
atitude desrespeitosa enseja um dano de natureza moral, e em razão do tipo de veiculação
publicitária (televisão, jornal ou internet) não poderíamos aferir quais seriam as pessoas
atingidas em seu objeto protegido, por isso denominamos de interesse difuso. E a lesão é de
cunho moral, pois ofendeu o objeto imaterial protegido pertencente à coletividade, que é
informação verdadeira sobre o produto e a boa-fé. Agora, se posteriormente, os consumidores
chegarem a comprar o produto, levados pela propaganda ludibriosa, terão o direito ao
ressarcimento do dano material, individualmente, calculado.
Dano moral ao direito coletivo 74
6. DANO MORAL AO DIREITO COLETIVO
Atendendo a expectativa atual e menos individualista, que foi a marca do século XIX,
o instituto da responsabilidade civil volta os seus olhos para proteger os interesses coletivos,
frente às concepções solidárias e humanistas. Haja vista que, o direito de cada um acaba se
limitando ao direito de todos, levando em conta que vivemos em sociedade, e só assim,
respeitando também o coletivo é que iremos atingir a tão buscada harmonia social.
A coletividade possui um patrimônio ideal, composto por interesses difusos e
coletivos, cuja titularidade é exercida pela classe ou grupo. E o pensamento atual do instituto
de responsabilidade civil é a proteção deste patrimônio, que sendo desrespeitado pode
ocasionar dano.
A legislação pertinente aos direitos coletivos assegura o ressarcimento ao dano moral
coletivo
198
. Inicialmente partindo do bem atingido (pois adotamos a corrente que identifica a
natureza do dano pelo bem atingido), encontra-se o dano, através do raciocínio de caracterizá-
lo, como material ou senão moral. Identificada a sua natureza, posteriormente, verifica-se se
este bem é protegido por um direito. Porquanto se não existir proteção jurídica ao bem,
através de um direito, não que se falar em lesão. Como estamos tratando aqui de lesão
moral a um bem, protegido pelo direito coletivo, a lesão deverá ser de ordem coletiva e moral,
ou melhor, deverá ser indivisível, pertencente a uma coletividade identificada ou não (difusa
ou coletiva), mas não podem ser individualizados os titulares, e referida lesão não deverá ser
disponível economicamente, ou seja, não é possível a sua mercancia, pois, uma vez não
adequada (a lesão) a qualquer uma destas duas características (difusa e indisponível)
estaremos tratando de dano moral individual ou dano material coletivo ou até mesmo
individual.
Como modelos dessa categoria estão os direitos à qualidade de vida, à saúde, bem
estar, meio ambiente equilibrado, dentre outros, trazidos pela Constituição Federal como
198
BRASIL: Lei da Ação Civil Pública (Lei nº. 7.347/85) artigo 1º; Código de Defesa ao Consumidor (Lei nº.
8.078/90) artigo 6º, inciso VI.
Dano moral ao direito coletivo 75
direitos fundamentais, que acabam integrando à proteção da vida humana, nos importando
aqui os direitos coletivos lato sensu.
A palavra moral é um resquício ou vício de linguagem que foi trazida do instituto da
responsabilidade civil individual e acabou sendo também utilizada pela nossa legislação para
distinguir os prejuízos não materiais ocorridos aos direitos coletivos, na explicação de
Leonardo Roscoe Bessa
199
:
A indefinição doutrinária e jurisprudencial concernente à matéria decorre da
absoluta impropriedade da denominação dano moral coletivo, o qual traz consigo
indevidamente discussões relativas à própria concepção do dano moral no seu
aspecto individual.
Talvez não seja mesmo a melhor opção tal denominação, pois recebeu muitas críticas;
no entanto, a nossa legislação tem tratado como moral aquele dano, mesmo que coletivo, para
diferenciar do material, como exemplifica Agostinho Alvim
200
, o vocábulo moral, como foi
empregado, não se contrapõe a físico e sim a não patrimonial (invendável, indisponível
economicamente), surgindo, assim, outras denominações para tal, a exemplo; dano não
patrimonial, dano extrapatrimonial, direito imaterial
201
, dano ideal. Como os direitos
metaindividuais não têm uma definição como estamos acostumados a ver no direito
individual, pois são direitos muito diferentes destes, por isso não deveríamos utilizar os
mesmos conceitos para responsabilizar o seu desrespeito.
O que fora observado por Yussef
202
, mesmo quando referindo a dano moral
individual:
A questão pertinente à melhor expressão nominal do instituto, questão, aliás, sem
maior interesse prático, merecendo a opção, desde logo, pela nomenclatura dano
moral, denominação que se impôs, pela força de sua expressividade, à tradição do
nosso direito, ainda que não incólume de crítica devido à polissemia da palavra
moral.
E, com a preocupação do significado moral, André Carvalho Ramos
203
expõe que
também a expressão dano moral restringe a sua própria aceitação ao direito coletivo, “o
ponto-chave para a aceitação do chamado dano moral coletivo está na ampliação de seu
199
BESSA, Leonardo Roscoe. Dano Moral Coletivo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 59, p.
78-108, 2006, p. 79.
200
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1980.p. 216.
201
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007,
p. 73.
202
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2. ed. São Paulo: RT, 2005YUSSEF, p. 21.
203
RAMOS, André Carvalho. A Ação Civil Publica e o Dano Moral Coletivo. Revista de Direito do
Consumidor, São Paulo, n. 25, 1998 p. 82.
Dano moral ao direito coletivo 76
conceito, deixando de ser dano moral um equivalente da dor psíquica, que seria exclusividade
de pessoas físicas”, dano individual.
Se continuar o apego ao conceito de moral do direito individual que ainda para alguns
se traduz, erroneamente, na dor física e psíquica do individuo, iremos fazer tabula rasa da
determinação de ressarcimento ao dano moral coletivo, na legislação em vigor
204
.
que, “com a aceitação da reparabilidade do dano moral, verifica-se a possibilidade
de sua extensão ao campo dos chamados interesses difusos e coletivos”, pois, a pessoa física
não possui “um monopólio sobre a reparação do dano moral”.
205
O dano coletivo não é a soma de danos individuais, mas sim o prejuízo conjunto
daquele grupo de pessoas não identificadas ou daquele agrupamento identificado pelo direito
comum, dano este indivisível. André de Carvalho Ramos
206
conclui que:
(...) a coletividade é passível de ser indenizada pelo abalo moral, o qual por sua vez,
não necessita ser a dor subjetiva ou estado anímico negativo, que caracterizariam o
dano moral na pessoa física, podendo ser o desprestígio do serviço público, do nome
social, a boa-imagem de nossas leis. Ou mesmo o desconforto da moral pública, que
existe no meio social.
Então, devemos utilizar as regras de interpretação.
A interpretação do direito, no dizer de Eros Grau “é constitutiva, e não simplesmente
declaratória”
207
, pois tentamos descobrir a sua potencialidade. E que se finaliza e sobrepõe
com a interpretação autêntica, que seria a também chamada norma de decisão, passando a
vigorar entre aquelas partes do processo, pondo fim a lide.
Não temos uma interpretação autêntica do vocábulo dano moral, nem para o direito
individual, nem para as normas de direito coletivo, apenas o legislador enumerou ser
indenizável os danos morais coletivos. Em verdade o nosso legislador utilizou os mesmos
parâmetros da responsabilidade individual para distinguir as espécies de danos (materiais e
morais) dos direitos coletivos. O que tem servido aos nossos julgadores como abono de
204
Ação civil pública. Dano mabiental moral e coletivo. Indenização. Tanto o dano ambiental, quanto o moral e
o material são de lege lata indenizáveis”. TJMG, Apelação Cível n. 1.0024.05.705147-6/0012, julgado em
02.09.2008, Relator Belizário de Lacerda.
205
RAMOS, André de Carvalho. A ação civil pública e o dano moral coletivo. Revista do Direito do
Consumidor. v. 25, São Paulo: RT. 1998, p. 81.
206
Ibid., p. 51.
207
GRAUS, Eros. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5.ed. São Paulo: Malheiros,
p. 26.
Dano moral ao direito coletivo 77
inexistência do dano moral coletivo para justificar que a coletividade não tem a moral de
característica individual, portanto não goza de moral tomada por este sentido.
E tal comportamento tem trazido enorme prejuízo para os titulares dos direitos
coletivos, pois, o não reconhecimento da moral coletiva pelos aplicadores do direito acaba
por contrariar todo o espírito da responsabilidade civil sobre os direitos coletivos, quando as
lesões não são de ordem material.
A interpretação da linguagem jurídica deve tomar sentido mais preciso do que os
sentidos usuais atribuídos à linguagem vulgar, tudo na tentativa da correta aplicação da
intenção do legislador, para que seja atingida a realidade social vigente.
Eros Grau é bastante claro quando afirma a necessidade de compreensão, mesmo
quando ocorre algumas oposições que se manifestam no texto normativo”
208
, o que rechaça
de vez com os argumentos dos julgadores que dizem não existir a moral coletiva utilizando os
mesmos moldes da individual. A princípio pode parecer correto tal argumento, de que a
coletividade não tem moral, mas devemos atentar que para a moral coletiva as regras e
princípios aplicáveis são os de direito coletivo e não os individuais.
O dano moral coletivo atinge um patrimônio valorizado pela coletividade e por via de
consequência protegido legalmente, e, como exemplos, temos o direito à usufruir do meio
ambiente sadio, o direito a proteção contra a publicidade enganosa, abusiva e prejudicial aos
consumidores, direito a informação verdadeira, o direito contra a divulgação ofensiva à honra,
à imagem de uma classe ou de uma comunidade, o direito de preservação do patrimônio
público e cultural, o direito ao cumprimento de normas coletivas trabalhistas, o direito contra
irregularidades na prestação de serviços de um certo grupo, o direito ao pleno exercício dos
direitos culturais, o respeito à moralidade pública, o respeito e equidade as relações
consumeiristas, a boa-fé nestas mesmas relações, o direito de exigir a redução do risco de
doenças, o direito de exigir o incentivo à cultura, alguns direitos trabalhistas, dentre outros
tantos direitos coletivos existentes.
À coletividade é garantida a participação ativa contra o Estado, denominada de
liberdade positiva
209
, onde o grupo favorecido por um direito pode exigir judicialmente a
208
GRAUS, Eros. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5.ed. São Paulo: Malheiros,
p. 26, p. 79.
209
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Martires; GONET BRANCO, Paulo Gustavo. Curso de
direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
Dano moral ao direito coletivo 78
prestação do Estado, quando para este direito não couber o ajuizamento individual, como
direito individual homogêneo, é claro. Não podemos confundir os interesses coletivos com a
somatória dos interesses de cada indivíduo que formam o grupo. Isso porque, quando é
interesse coletivo não existe titular individualizado, mas o próprio grupo é o legitimo titular.
Assim, quando o Estado é responsável pelo cumprimento e se furta a responsabilidade em
oferecer ou zelar por direitos coletivos responde pelo dano moral coletivo que causou.
Enfim, é lesão quando o Estado não garante coletivamente o direito à saúde, aos
transportes, ao ensino e outros a estes assemelhados de titularidade coletiva.
Estes bens de conteúdo imaterial trazem como característica principal a
indivisibilidade. E afirma Tatiana Magalhães Florence
210
:
De fato, os bens jurídicos tutelados por essa categoria de interesses e direito dizem
respeito a valores sociais, tais como a cultura, o bem-estar, o meio ambiente e a
qualidade de vida da coletividade, indispensáveis ao desenvolvimento e à dignidade
humana.
Continuando a explicação, a autora citada, exemplifica:
Tais bens são, por natureza, insuscetíveis de valoração econômica. Como mensurar a
contaminação do ar com gases tóxicos, a poluição de rios e mares com óleo que vaza
dos navios, a queimada das áreas de proteção permanente, ou, sob a ótica
consumeirista, a veiculação de propaganda enganosa ou discriminatória.
Todavia, faz-se necessário enfatizar que tais bens, mesmo que insuscetíveis de
mensuração econômica podem causar danos de natureza moral coletiva.
Espelhando no direito ao meio ambiente saudável, que constitui prerrogativa jurídica
de titularidade coletiva
211
, o silêncio é um dos bens protegidos que integra este direito. E uma
vez desrespeitado o silêncio causa um dano moral coletivo, e não podemos excluir a
possibilidade de tal desrespeito chegar a causar também um dano material de vultosa
proporção a pessoas individuais. Por exemplo, abre-se uma casa de shows em um bairro e o
barulho proveniente dos shows tornou-se insuportável a vida naquele bairro. O silêncio e a
tranquilidade existente no ambiente foi desrespeitado dano moral coletivo desrespeito ao
210
FLORENCE, Tatiana Magalhães. Danos extrapatrimoniais coletivos. Porto Alegre: Sergio Fabris, 2009,
p. 122.
211
BRASIL: TRF – 1ª Região, Apelação Cível n. 200137000060576, Relator Des. Federal Maria Isabel Gallotti
Rodrigues, j. 31.08.2007.
Dano moral ao direito coletivo 79
silêncio que é bem que compõe o meio ambiente saudável, e, se neste mesmo bairro, tinha
uma creche, e com o barulho prejudicou o funcionamento, precisando ser fechada, o que, por
certo, ocasionará danos materiais individuais. O Superior Tribunal de Justiça já concluiu que é
caracterizada ação danosa ao meio ambiente, a poluição sonora, na medida em que os decibéis
utilizados na atividade publicitária foram, comprovadamente, excessivos. Por essa razão,
restou condenada na obrigação, a empresa, de reparar o prejuízo provocado à população
212
.
Pela mesma forma o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul afirma ser a poluição
sonora no meio ambiente ensejadora de danos morais difusos à coletividade
213
.
A ocorrência do dano moral coletivo reflete “uma violação intolerável de direitos
coletivos e difusos, cuja essência é tipicamente extrapatrimonial”
214
; devendo tal lesão ser de
real valor a tais interesses, como explica Leonardo Roscoe:
O dano extrapatrimonial, na área de direitos metaindividuais, decorre da lesão em si
a tais interesses, independentemente de afetação paralela de patrimônio ou de
higidez psicofísica. A noção se aproxima da ofensa ao bem jurídico do direito penal
que, invariavelmente, dispensa resultado naturalístico, daí a distinção de crimes
material, formal e de mera conduta bem como se falar em crime de perigo. Em
outros termos, há que se perquirir, analisando a conduta lesiva em concreto, se o
interesse que se buscou proteger foi atingido. Para ilustrar, a mera veiculação de
publicidade enganosa ou abusiva (art. 37 do CDC), independentemente de qualquer
aquisição de produto ou serviço ou ocorrência de danos materiais ou moral
(individual), configura lesão a direitos difusos e enseja, portanto, a condenação por
dano moral coletivo que, repita-se, possui exclusivo caráter punitivo
215
.
Assim, conclui que a lesão ao bem coletivo juridicamente protegido não exige
resultado naturalístico, modificação física. E continua o autor retro citado:
... a dor psíquica ou, de modo mais genérico, a afetação da integridade psicofísica da
pessoa ou da coletividade não é pressuposto para caracterização do dano moral
coletivo. Não que se falar nem mesmo em “sentimento de desapreço e de perda
de valores essenciais que afetam negativamente toda uma coletividade! (André
Carvalho Ramos) “diminuição da estima, infligidos e apreendidos em dimensão
coletiva” ou “modificação desvaliosa do espírito coletivo (Xisto Tiago). Embora a
afetação negativa do estado anímico (individual ou coletivo) possa ocorrer, em face
dos mais diversos meios de ofensa a direitos difusos e coletivos, a configuração do
denominado dano moral coletivo é absolutamente independente desse
pressuposto
216
.
212
BRASIL: STJ, 1ª Turma, Recurso Especial nº. 791,653, Rel. Ministro José Delgado, j. em 06.02.2007, DJ
15.02.2007.
213
BRASIL: TJRS, Apelação Cível Nº 70005093406, 10ª Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS,
Relator: Luiz Ary Vessini de Lima, j. em 19/02/2004.
214
MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano Moral Coletivo. 2. ed. São Paulo: LTR, 2007, p. 130.
215
BESSA, Leonardo Roscoe. Dano Moral Coletivo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n.
59,2006, p. 78-108, p. 103.
216
BESSA, Leonardo Roscoe. Dano Moral Coletivo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n.
Dano moral ao direito coletivo 80
Alguns direitos que protegem os bens coletivos não exigem a modificação física, para
que ocorra o direito ao ressarcimento, apenas a desobediência a este direito já ensejaria o
ressarcimento, pois a lesão é um desrespeito por si só, sem exigência de qualquer afetação
negativa no estado anímico coletivo. E seguindo o mesmo raciocínio, a doutrina e o Superior
Tribunal de Justiça
217
, em casos de danos morais individuais, não têm exigido a prova da dor,
da afetação emocional, mas apenas a ofensa ou violação do direito protegido. Nada mais
lógico do que este raciocínio, pois o que se indeniza não é a dor, a angústia, a aflição
espiritual, a humilhação, pelo que vejamos; se alguém é agredido com palavras, sendo-lhe
diminuída a honra, protegida pelo direito à personalidade, este alguém com certeza terá dor,
angústia, sentimento de humilhação. E podemos também sentir dor, angústia, até sentir
humilhado por este mesmo alguém, em razão da estima que temos por aquela pessoa.
Todavia, somente àquela pessoa é reconhecido o direito de ser reparado pelas ofensas. Daí
não temos o direito de sermos indenizados pelo que sentimos. Porque, não se indeniza a dor, a
angústia, mas, indeniza o desrespeito para com o bem protegido que aquela pessoa tem,
através do direito à personalidade. Não houve qualquer desrespeito ao “nosso direito”, mas
sim ao direito à personalidade da pessoa ofendida, apesar do nosso sentimento também.
O dano moral coletivo pode ser traduzido como um desrespeito a direito
transindividual protegido de uma coletividade e esta coletividade tem moral, não com o
mesmo significado individual, mas, como acepção de dever de respeito àquele direito
imaterial.
Deve-se registrar a conclusão lógica de Medeiros Neto
218
, quando explica que prova
da lesão não é pressuposto para a existência do dano moral, in litteris:
Todavia, é de absoluta importância ressaltar que a caracterização do dano moral
coletivo não se vincula nem se condiciona diretamente à observação ou
demonstração efetiva de tais efeitos negativos, visto que constituem eles, quando
perceptíveis coletivamente, mera consequência do dano produzido pela conduta do
agente, não se apresentando, evidentemente, como pressuposto para a sua
configuração.
Portanto, o dano moral coletivo pode acontecer com o próprio fato da violação do bem
protegido, caracterizando damnum in re ipsa, ou seja, a lesão por si quando moral, não se
59,2006, p. 78-108, p. 104.
217
BRASIL: STJ, Recurso Especial n. 267.529-RJ, publicado em 18/12/2000.
218
MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 2. ed. São Paulo: LTR, 2007, p. 127.
Dano moral ao direito coletivo 81
exigindo a prova do desconforto, utilizando este entendimento esposado em julgados sobre
dano moral individual
219
. Em razão de suas próprias características seria impossível a
exigência de se buscar tal prova, diante de sua subjetivação. Pois, a característica que é
peculiar ao dano moral não necessita de prova de seu reflexo, bastando a demonstração do
fato desrespeitoso ao bem, em conclusão; “na concepção moderna da reparação do dano
moral prevalece a orientação de que a responsabilização do agente se opera por força do
simples fato da violação, de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em
concreto”
220
.
Cavalieri ilustra muito bem: “como a febre é efeito de uma agressão orgânica”; a dor,
vexame, sofrimento e humilhação “poderão ser considerados dano moral quando tiverem
por causa uma agressão à dignidade de alguém”
221
. Portanto, independentemente da
repercussão do ilícito, se houver um desrespeito a um direito moral protegido ocorrerá um
dano moral e o autor mencionado conclui que o dano moral existe in re ipsa e vai mais além:
[...]
deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a
ofensa, ipso facto está demonstrado o dano moral à guisa de uma presunção natural,
uma presenção hominis ou facti, que decorre das regras da experiência comum
222
.
Justificando estar correto este pensamento, em razão das características da moral,
Medeiros Neto
223
elenca que os efeitos dos danos causados se encontram ínsitos no
desrespeito aos interesses transindividuais quando de índole moral, que, por ser
transindividuais, o desrespeito também ocorre coletivamente e em razão de sua extensão tem-
se importância a sua reparação para o equilíbrio social.
“A responsabilidade do ofensor origina-se do fato da violação do neminem
laedere
224
; sendo dispensável a prova do prejuízo. A prova da existência da transgressão é
219
BRASIL: STJ, 4ª turma, REsp. nº. 23.575-DF. Onde se destaca da ementa: “A concepção atual da doutrina
orienta-se no sentido de que a responsabilização do agente causador do dano moral opera-se por força do
simples fato da violação (danum in re ipsa). Verificado o evento danoso, surge a necessidade da reparação,
não havendo que se cogitar da prova do prejuízo, se presentes os pressupostos legais para que haja a
responsabilidade civil (nexo de causalidade e culpa)”.
220
BRASIL: STJ, REsp. 331.517-GO, 4ª T., DJ 25.3.2002.
221
MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 2. ed. São Paulo: LTR, 2007, p. 80.
222
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de Responsabilidade Civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007,
p. 83.
223
MEDEIROS NETO, op. cit., p. 152.
224
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 1715.
Dano moral ao direito coletivo 82
prova da existência do dano. Gabriel A. Stiglitz fala que pelo dano moral ser in re ipsa “não
enseja um prova direta”
225
Para a prova do dano moral coletivo, entende Souza Miranda
226
, que “... não deve
haver critérios rígidos ou ritualísticos para se deduzir a existência”.
No Tribunal Superior do Trabalho, encontramos na relatoria do ministro Walmir
Oliveira da Costa, apoio a esta corrente da desnecessidade da prova do dano:
O dano moral coletivo não decorre necessariamente de repercussão de um ato no
mundo físico ou psicológico, podendo a ofensa a um bem jurídico ocorrer tão
somente por um incremento desproporcional do risco com grave repercussão entre
os empregados e a clientela
227
.
O Superior Tribunal de Justiça aplica, ao dano moral individual a corrente de
presunção do dano, “o dano moral não depende de prova; ache-se in re ipsa
228
”; a simples
violação pressupõe a responsabilidade do agente, tornando-se desnecessária a prova do
prejuízo “em concreto, ao contrário do que se dá quanto ao dano material
229
.
E como esclarece Xisto
230
que para a proteção aos bens coletivos:
Ressalte-se, então, que, na seara peculiar dos interesses transindividuais, a reparação
relaciona-se diretamente com a tutela e preservação de bens e valores fundamentais,
de natureza essencialmente não-patrimonial, titularizados pela coletividade, e que
forma violados de maneira intolerável, não se exigindo, pois, nenhuma vinculação
com elementos de foro subjetivo (aflição, consternação, constrangimento,
indignação, humilhação, abalo espiritual etc) referidos ao conjunto de pessoas
atingidas.
Dessa forma, verifica conduta que origina o ressarcimento quando atinge um bem
coletivo protegido, não de ordem material.
O dano moral não se materializa no mundo físico, todavia, não podemos vulgarizar o
dano moral, aceitando que qualquer incômodo ou desconforto como indenizável. O
225
STIGLITZ, Gabriel .Daño moral individual y colectivo: medioambiente, consumidor y dañosidad colectiva.
Revista de Direito do Consumidor. São Paulo: RT., n. 19,2006, p73.
226
MIRANDA, Marcos Paulo de Souza. Configuração e indenizabilidade de danos morais coletivos decorrentes
de lesões a bens integrantes do patrimônio cultural brasileiro. Revista de Direito Ambiental, volume 14, n.
54, p. 229-253, abr/mai.2009, p. 244.
227
BRASIL: AIRR - 20440-52.2004.5.18.0001 Data de Julgamento: 10/03/2010, Relator Ministro: Walmir
Oliveira da Costa, 1ª Turma, publicado em 19/03/2010.
228
BRASIL: STJ, Recurso Especial n. 721.137, publicado em 03.10.2005.
229
BRASIL: STJ, Recurso Especial n. 611.973, publicado em 13.09.2004.
230
MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 2. ed. São Paulo: LTR, 2007, p. 124.
Dano moral ao direito coletivo 83
desrespeito ao direito protegido deverá ter valiosa significação ou extrapolar os limites de
tolerância, para haver o ressarcimento, sob pena de ridicularizar com o instituto. No entanto,
verifica-se que a doutrina exige a prova do dano apenas quando não esteja in re ipsa;
atribuindo ao senso comum, ao homem de mediana clareza
231
a sua aferição.
Adepto também a teoria de que o dano moral não exige prova do dano, devendo ser
responsabilizado o agente pelo simples fato da violação, Carlos Alberto Bittar Filho
232
pontifica que:
Quando se fala em dano moral coletivo, está-se fazendo menção ao fato de que o
patrimônio valorativo de uma certa comunidade (maior ou menor), idealmente
considerado, foi agredido de maneira absolutamente injustificável do ponto de vista
jurídico: quer isso dizer, em última instância, que se feriu a própria cultura, em seu
aspecto imaterial.
Tem-se que o dano moral coletivo é conduta antijurídica do autor, é ofensa grave e
intolerável a bem moral protegido coletivamente, que uma vez atingido causa repulsa,
devendo haver o liame entre a conduta e o desrespeito socialmente não aceito. Assim sendo,
se o bem protegido não é material e é coletivo a sua molestação precipitará em ressarcimento
de mesma ordem, como transparece pelo Recurso Ordinário do Tribunal Regional do
Trabalho da 10ª Região, 3ª Turma, onde foi Relator Juiz Braz Henrique de Oliveira, de
3.05.2006, com a seguinte ementa:
Ação civil pública. Legitimidade ativa do Ministério Público. Dano moral coletivo.
Caracterização.
A caracterização do dano moral decorre da mera constatação da lesão, não havendo
necessidade de que seja produzida prova do sentimento que ela desencadeou.
Noutros termos, uma vez presente a lesão, o dano é presumível, pois não se pode
cogitar a produção de provas de valores intangíveis como dor, angústia, tristeza,
sofrimento psíquico e outros do gênero.
O posicionamento que a Ministra Eliana Calmon do Superior Tribunal de Justiça,
como relatora no Recurso Especial nº. 260.821/SP
233
expõe, de que os bens públicos
reconhecidamente bens coletivos podem ser lesados moralmente, quando afetar a moralidade
administrativa, não necessitando de prova quantitativa desta lesão. Sob pena de, em se
fazendo exigência de tal prova, tornar-se inócua a ação popular diante da dificuldade de
mensuração do prejuízo moral coletivo. Destacando então em seu relatório o conteúdo:
231
WAMBIER, Tereza Arruda Alvim; WAMBIER, Luis Rodrigues. A prova do dano moral da pessoa jurídica.
Revista Jurídica, Porto Alegre: Notadez, n. 317, ano 52, p. 7-13.
232
BITTAR FILHO, Carlos Alberto. Dano Moral Coletivo no Atual Contexto Brasileiro. Revista de Direito do
Consumidor, São Paulo:RT, n. 12 , out-dez, 1994, p. 55.
233
BRASIL: STJ, Recurso Especial n. 260.821/SP, publicado em 19/05/2003.
Dano moral ao direito coletivo 84
Em verdade, desenvolveu-se, entre os juristas e magistrado, o errôneo entendimento
de que a ação popular só se fazia pertinente quando provada lesão econômica
(desfalque patrimonial).
O entendimento pretoriano foi, aliás, uma das razões de ter sido a ação popular,
durante anos, inútil instrumento de cidadania, diante das dificuldades para chegar-se
até o quantitativo da lesão.
Este posicionamento hoje está inteiramente superado, de forma que,
independentemente de não ter o ato impugnado conteúdo econômico, se de alguma
forma, causa lesão ao patrimônio estatal, inclusive à moralidade administrativa, ao
patrimônio artístico e paisagístico pode sofrer a reprimenda por via da ação popular,
já que não se pode medir, pesar ou contar em termos quantitativos o prejuízo.
A certeza da ilegalidade de um ato administrativo leva a uma consequência:
prejuízo ao patrimônio por falta de moralidade, requisito que hoje está explicitado
na CF/1988 como princípio da administração pública
.
Como dano moral coletivo compreende também o desrespeito aos símbolos nacionais,
que são bens coletivos e em razão de sua função representativa, os símbolos quando atingidos
refletem desrespeito a nação, não havendo necessidade de comprovação da dor, da tristeza,
ocasionado pelo desrespeito, que por si (o desrespeito) pressupõe dano moral. Proteção
também goza o patrimônio histórico e artístico de uma nação, que ao ser desrespeitado caberá
indenização moral coletiva
234
. É inato quando ocorrer o desrespeito a um bem moral coletivo
o dano moral coletivo. Podendo ser encontrado este posicionamento no acórdão nº.
1.0132.05.002117-0/001, do Tribunal de Justiça de Minas
235
, nas palavras do relator:
O dano extrapatrimonial não surge apenas em consequência da dor, em seu sentido
moral de mágoa, mas também do desrespeito a valores que afetam negativamente a
coletividade. A dor, em sua acepção coletiva, é ligada a um valor equiparado ao
sentimento moral individual e a um bem ambiental indivisível, de interesse comum,
solidário, e relativo a um direito fundamental da coletividade.
O Código de Defesa ao Consumidor traz em seu artigo 6º, inciso III e IV, o direito a
informação correta, adequada e verdadeira para o consumidor. Porque a simples atitude
contrária a este dever de respeito enseja o dano, e no caso dano moral, pois, o bem lesionado
não é material. Assim, acertadamente, o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios
decidiram, na Apelação nº. 2004011102028-0, que a propaganda enganosa, portanto ilícita,
enseja reparação por dano moral coletivo, uma vez que não é possível identificar quais são os
lesados moralmente:
Ação Civil Pública. Dano moral coletivo. Propaganda ilícita. Indenização.
234
BRASIL: TJMG, Apelação nº. 1.0024.04.301053-7/001(1), Relator Gouvêa Rios, publicado 27/08/2004.
235
BRASIL: TJMG, Apelação nº. 1.0132.05.002117-0/0001, da Relatoria de Carreira Machado, publicado em
22/10/2008.
Dano moral ao direito coletivo 85
VII – Constatada a ilicitude da propaganda, impõe-se às rés a responsabilidade
solidária de indenizar os danos morais coletivos dela decorrentes.
IX O dano moral coletivo ocorre quando a violação a direito metaindividual causa
lesão extrapatrimonial, como a que decorre da propaganda ilícita, que lesiona a
sociedade em seus valores coletivos.
O fabricante tem o direito de veicular à existência de seu produto, através da
publicidade e, em contra partida, o consumidor tem o direito, pelo princípio da veracidade,
que as mensagens publicitárias sejam verdadeiras e fidedignas quando dizem respeito ao
produto. Sendo proibidas as propagandas simuladas, enganosas ou abusivas
236
. Tudo em
respeito à boa-fé e da vulnerabilidade do consumidor, protegido legalmente pelo artigo 4,
inciso III, fine do Código de Defesa do Consumidor. Se constatar o dano moral por
desrespeito a este direito do consumidor, a sociedade estará cada vez mais desprotegida,
ficando “influenciável e sujeita a uma invasão de todo tipo de exposição de produtos para
consumo, as lesões aos direitos frequentemente atingem grande parcela da coletividade,
impondo sua defesa em conjunto”
237
.
Outro julgado, também no mesmo sentido de condenar o simples ato de propaganda
enganosa feita aos consumidores, é originário do Tribunal de Justiça do Estado de Minas
Gerais
238
:
Ação civil pública. Ministério Público. Legitimidade. Direito difuso. Propaganda
enganosa. Viagens para qualquer lugar do país. Dano moral coletivo.
A propaganda enganosa consiste na falsa promessa a consumidores, de que teriam
direito de se hospedar em rede de hotéis durante vários dias do ano, sem nada pagar,
mediante a única aquisição de título da empresa; legitima o Ministério Público a
propor a ação civil pública, na defesa coletiva de direito difuso, para que a seja
condenada, em caráter pedagógico, a indenizar pelo dano moral coletivo, valor a ser
recolhido ao Fundo de Defesa de Direitos Difusos, nos termos do art. 13 da Lei n.
7.347/85.
Pela mesma forma tem decidido o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, coibindo
a propaganda enganosa à coletividade, baseando-se que a comprovação do dano moral
coletivo cinge-se “à verificação da antijuridicidade da conduta, conjugada com a ofensa ao
236
Art. 37 do Código de Defesa do Consumidor.
237
BRASIL: STJ – 3ª Turma, Recurso Especial nº. 332.331/SP., Rel. Minstro Castro filho – j. 20.11.2002.
238
BRASIL: TJMG, Apelação Civel n. 1.702.02.029297-6/001, Relatoria Des. Guilherme Luciano Baeta Nunes,
julgado em 23.06.2006.
Dano moral ao direito coletivo 86
bem jurídico por ela protegido, exsurgindo a constatação do dano moral a partir dessa lesão,
porquanto é da ofensa ao bem jurídico “coletivo” que se detecta o dano moral coletivo”
239
.
Os veículos de informações atingem a coletividade e são os responsáveis pelos
conteúdos que fazem veicular, e, como não são identificáveis os lesados e consequentemente
imensuráveis o dano, com muito acerto o Tribunal de Justiça de São Paulo, na Apelação n.
139.525-0/5-00, avaliando a responsabilidade civil aos danos coletivos lato sensu, acordou:
Ação civil pública – Danos morais à coletividade – A violação a direitos difusos não
é, via de regra, patrimonial, mas sim, moral; por atuar na esfera das convicções e
impressões subjetivas de um número indeterminável de pessoas acerca dos fatos,
bem como estas pessoas reagem a esses fatos. De fato, constatou-se que a
coletividade foi prejudicada, por meio da veiculação de publicação obscena,
gerando, portanto, o dano difuso a ser indenizado
240
.
De outro norte, os Tribunais punem os fornecedores quando em razão do produto
fornecido fica de difícil ou impossível reparação a averiguação das pessoas individualizadas
que foram lesadas moralmente, pelo oferecimento de produto impróprio para o consumo,
onde somente a prova da adulteração do produto basta para a reparação moral coletiva, pois
não punir tal atitude lesiva ao ente coletivo “resultaria em degradação daquilo que se visa
proteger”
241
; na citação abaixo o julgado sobre adulteração de combustível onde houve a
condenação por dano moral coletivo:
Direito privado não-especificado. Ação coletiva de consumo. Distribuição de
combustíveis a postos revendedores em desacordo com a legislação aplicável à
espécie. Dano moral coletivo. Verificação. Publicação do dispositivo da sentença
em jornais de grande circulação. Cabimento, nas circunstâncias
242
.
E no Estado de Minas Gerais, o Tribunal em Apelação Cível, confirmou o dano moral
coletivo em razão da adulteração, também de combustível, reconhecendo a impropriedade
para o consumo, onde a prova se ateve somente para a adulteração do produto, não se
exigindo do dano, ficando a ementa assim:
239
BRASIL:TJRS, Apelação Cível nº 70032241317, 17ª Décima Sétima Câmara Cível, Relatora Des.ª Elaine
Harzheim Macedo. Dj 11/12/2009 e Apelação Cível nº 70018714857, 3ª, Relator: Paulo de Tarso Vieira
Sanseverino, Julgado em 12/07/2007.
240
BRASIL: TJSP, Apelação Cível nº. 139.525-0/5-00, Rel. Ademir Benedito, j. 11.06.2007.
241
BRASIL: STJ , Recurso Especial nº. 1.604/SP., voto do Ministro Athos Carneiro, RSTJ 33/521.
242
BRASIL: TJRS, Apelação Cível nº. 70027429422, 17ª Câmara Cível, Relator Des. Paulo Sergio Scarparo.
Dano moral ao direito coletivo 87
Ação civil pública - Apelação cível - Combustível impróprio para o consumo - Vício
comprovado em laudo oriundo de procedimento administrativo - Utilização desta
prova em processo judicial - Possibilidade - Produto com coloração fora das
especificações da ANP - Verificação - Dano moral coletivo - Existência - Quantum -
Fixação
243
.
Em conclusão a este item, cita um dos julgados precursores sobre o dano moral
ambiental, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
244
. O Município ajuizou a Ação Civil
Pública contra o réu que em razão de uma construção desmatou um imóvel, sem autorização
municipal para o desmatamento e para a construção. Ação esta que feriu o ecossistema,
ocasionando dano à coletividade. Sendo que a sentença monocrática condenou em danos
materiais consistentes no plantio de 2.800 árvores, e ao desfazimento das obras. Já no
Tribunal além da confirmação do dano material incluiu o dano moral coletivo.
Visto também como dano moral coletivo a lesão ao meio ambiente, o Tribunal de
Justiça de Goiás
245
, condenou pelos atos que desrespeitam as normas ambientais e objetivas,
não perquirindo quanto à culpa. Conclui que o poluidor é obrigado, independentemente da
existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos morais causados ao meio ambiente e a
terceiros, afetados por sua atividade. Sendo o evento danoso incontroverso, decorrente de
degradação ambiental consistente em poluição atmosférica e do solo, a restituição é
indiscutível, ou seja, lesão ao patrimônio ambiental enseja a reparação moral ambiental, sem
qualquer necessidade de prova de sentimento, de dor, angústia ou tristeza.
O emblemático julgado do Superior Tribunal de Justiça nº. 598.281, que concluiu pela
não aceitação do dano moral ambiental será destaque no próximo item, em razão da enorme
repercussão.
243
BRASIL: TJMG, Apelação Cível n°. 1.702.03.089917-4/001, julgado em 05/04/2008.
244
BRASIL: TJRJ, Apelação Cível º. 2001.001.14586, Relatora Des. Maria Raimunda T. de Azevedo. Julgado
em 07.08.2002.
245
BRASIL: TJGO, Apelação vel nº. 108156-4/188, Relator Juiz G. Leandro S. Crispim, julgado em
28.06.2007.
Leading case 88
7. LEADING CASE
Como o presente trabalho é sobre dano moral coletivo não poderíamos deixar de
analisar o julgado do Superior Tribunal de Justiça, em sede de Recurso Especial .
598.281/MG., que considerado leading case, entendeu que não havia dano moral coletivo
mesmo que comprovado o desrespeito ao meio ambiente.
Fazendo uma regressão dos fatos ocorridos que dizem respeito a direito pleiteado -
dano moral coletivo, verifica-se que a sentença de primeiro grau condenou, na Ação Civil
Pública interposta pelo Ministério Público, o Município de Uberlândia e a firma
Empreendimentos Imobiliários Cannã Ltda., ao pagamento de R$50.000,00 a título de danos
morais coletivos. Houve a interposição da apelação, onde o Ministério Público buscava o
aumento da condenação por danos morais coletivos, para R$250.000,00, sendo que
interpuseram também recurso o Município e a firma condenada, visando a modificação da
sentença quanto a condenação de danos morais no importe de R$50.000,00, alegando não
haver prova do dano moral e ainda que a responsabilidade pelos estragos são da própria
comunidade.
Em grau de recurso, no Tribunal de Justiça do Estado
246
, foi reconhecida a titularidade
e responsabilidade dos danos causados ao meio ambiente, pelos réus, amparado no Laudo
Pericial. Chegando a concluir que os réus foram omissos no dever de preservar o meio
ambiente, tanto o Município quanto a firma condenada, pois não adotaram medidas
suficientes para a contenção do processo erosivo, e, também omisso, o Município no dever de
fiscalizar as atitudes lesivas por parte da firma ré, o que sem sombra de dúvida motivou os
danos.
E, confirmando a sentença monocrática, responsabilizou os réus, por ação e omissão,
uma vez que ficou comprovado o dano ao meio ambiente, devendo então ser reparado este
dano.
246
BRASIL: TJMG, Apelação nº. 1.0000.00.228251-5/000(1), Relator Antônio Hélio Silva, julgado 19.02.2002.
Leading case 89
Todavia, cassou a condenação dos réus, no tocante aos danos morais coletivos,
justificando que:
D
ano moral é todo o sofrimento causado ao indivíduo em decorrência de qualquer
agressão aos atributos da personalidade ou aos seus valores pessoais, portando de
caráter individual, inexistindo qualquer previsão de que a coletividade possa ser
sujeito passivo do dano moral
.
Percebe-se que o Tribunal de Justiça, primeiramente, fez uma interpretação errônea da
palavra moral, para o direito coletivo, considerando sinônimo da moral individual e como
foi demonstrado; a moral coletiva não é a mesma da moral individual, independentemente de
qual corrente é utilizada para se identificar o tipo de dano ocorrido. O nosso legislador apenas
utilizou a expressão dano moral, nos direitos coletivos, para diferenciar do dano material, e,
no voto do relator do recurso interposto em segunda instância, quando diz que o dano moral é
todo o sofrimento causado, fica claro que opta pela corrente que preconiza serem os danos
identificados pela lesão e não pelo desrespeito ao direito protegido. Configurando ai, os dois
erros havidos quando do julgamento do recurso de apelação. Mais uma vez, vale ressaltar,
que os direitos coletivos, têm características que são próprias e que as lesões coletivas jamais
podem ser igualadas as individuais, bem como, os direitos coletivos protegidos não são iguais
aos direitos individuais protegidos, principalmente quando se referem a direitos morais
coletivos. E se tentarmos utilizar para estes direitos as propriedades dos direitos individuais
não iremos conseguir protegê-los.
Quanto à justificação, em seu relatório, de que os danos morais e patrimoniais
causados “nas hipóteses relacionadas” no artigo da Lei da Ação Civil Pública regem-se
pela referida Lei, não cabendo interpretação inversa, não afasta o reconhecimento da
existência de dano moral coletivo, simplesmente porque, quando ocorrer desrespeito a direitos
extrapatrimoniais que compõem o meio ambiente, a bens históricos, a interesses difusos e
coletivos etc, tais como; o direito ao ar sadio, o direito a proteção da boa-fé do consumidor, o
direito ao exercício da seguridade social, o direito ao acesso universal às ações para a
promoção da saúde, dentre outros, não podemos individualizar esta lesão, pois dado o caráter
coletivo não é passível de identificação os possuidores, razão de ser reconhecido que o
desrespeito a este direito é dano moral coletivo. Caso contrário, como ficaria a punição civil a
estes desrespeitos que são prejuízos de ordem material, são indivisíveis e ainda não
comportam tutela individual?
Leading case 90
E a contradição revela-se ainda mais quando o próprio Tribunal suspende a venda do
imóvel, como forma de tutela preventiva a maiores danos ambientais dos que ocorreram,
determinando que seja toda a área devidamente recuperada do dano ambiental sofrido. Por
conseguinte, o que se revela, por parte dos julgadores é mesmo o total desconhecimento da
conceituação de direito difusos, pois nenhum cidadão poderia pleitear individualmente os
danos ocorridos ao meio ambiente, neste caso, lhe faltaria legitimidade. O ambiente é direito
difuso e por esta razão tanto o sua proteção, quanto o dano, podem ser tutelados como
direitos transindividuais.
Assim, inconformados com o resultado o Ministério Público corretamente interpôs o
Recurso Especial
247
; tendo como relator Ministro Luiz Fux.
Nas razões recursais do parquet procurou demonstrar a existência da indenização
punitiva, ou seja, a função reconhecida do dano moral, através da Lei nº. 6.938/81,
especificamente, em seu artigo 14, inciso I e parágrafo primeiro, que é claro em determinar a
indenização aos danos causados ao meio ambiente, uma vez que é imensurável a sua
ocorrência.
E incidindo no mesmo erro do Tribunal, o Município recorrido, ampara,
convenientemente, os seus argumentos recursais.
O Ministro Fux trazendo doutrinas sobre o direito ambiental, reconhece como direito
transindividual protegido. Valendo-se do artigo 225 da Constituição Federal acerta ao citá-lo
como regra para a possibilidade da condenação ao pagamento de danos morais coletivos em
sede de ação civil pública. Menciona vários autores, dentre eles: Hugo Nigro Mazzilli e
Eduardo Lima de Matos, que elenca a prevenção como mais importante que a punição. Ainda,
diz que a responsabilidade é objetiva quando se trata de proteção ao meio ambiente, portanto,
não existe excludente da responsabilidade.
Traz a explicação de Artur Oscar de Oliveira Deda, que a distinção dos danos se
pelos efeitos da lesão jurídica ocorrida, tese sustentada por Minozzi e citada por Aguiar Dias.
Reconhecendo, o mesmo, que “essa compreensão, entretanto, não é predominante hoje, na
doutrina e na jurisprudência”
248
. E mais menciona PACAGNELLA, que explica a ocorrência
247
Recurso Especial nº. 598.281, p. 10.
248
Recurso Especial nº. 598.281, p. 15.
Leading case 91
de dano moral independentemente do dano físico, mas a simples ofensa ao sentimento difuso
e coletivo
249
. O que sem sombra de dúvida é a melhor e mais segura corrente.
Não podendo deixar de mencionar que escora-se em Lorenzetti
250
que diz “a
titularidade da pretensão ressarcitória não é individual porque o bem afetado não o é”. E
utilizando destes autores citados o relator conceitua o dano moral ambiental como uma ofensa
ao sentimento difuso ou coletivo, caracterizando estas lesões como diminuição da qualidade
de vida da população, pelo desequilíbrio ecológico, pela lesão a um determinado espaço
protegido, acarreta incômodos físicos ou lesões à saúde da coletividade
251
. Finalmente,
condena os recorridos ao pagamento do dano moral coletivo, identificando o dano pelas
lesões ocorridas, no sentimento coletivo.
Infelizmente e apesar do esforço do Ministro Relator, Luiz Fux, não foi a melhor
opção que escolheu, quando finalizou o seu voto, mesmo que tenha acolhido o recurso
interposto, quando reporta a sentimento coletivo como identificação do dano, macula todo o
voto e argumentação doutrinária que trouxe. Melhor sorte seria se acolhesse a doutrina
Minozzi
252
; e que sabemos ser também o posicionamento de vários outros autores a exemplo
de Xisto
253
, Pontes de Miranda
254
, Cavalieri
255
, Agostinho Alvim
256
, Stoco
257
, dentre outros, a
qual identifica o dano levando-se em conta a natureza do direito ofendido e não a lesão
ocorrida, pois assim, seguramente estaria seu voto menos exposto ao argumento de que a
coletividade não tem sentimento. O que obviamente está correta tal assertiva, por isso, se
comungasse da corrente que identifica o dano pelo direito ofendido seria claro o raciocínio:
direito moral ofendido dano moral reconhecido.
em seu voto, o Ministro Teori Albino Zavascki, defende que o dano moral tem
sempre como vítima uma pessoa. E continua: a dor moral envolve sentimento, dor, lesão
psíquica e que tais ocorrências só dizem respeito ao ser humano individual. Assim conclui que
“não parece ser compatível com o dano moral a idéia da “transindividualidade”
258
.
249
Recurso Especial nº. 598.281, p. 16.
250
Recurso Especial nº. 598.281, p. 21.
251
Recurso Especial nº. 598.281, p. 26.
252
Recurso Especial nº. 598.281, p. 15.
253
MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 2. ed. São Paulo: LTR, 2007, p. 51.
254
MIRANDA, Pontes. Tratado de direito privado, XXVI. 1. ed. São Paulo: Bookseller, 2002, p. 30.
255
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007,
p. 71.
256
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1980,p. 171.
257
STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: RT, 2007, p. 1232.
258
Recurso Especial nº. 598.281, p. 3.
Leading case 92
Reconhecendo ser o dano moral personalíssimo, pois são os bens morais inerentes à pessoa,
ao incapaz, podendo ser apenas individual.
Apesar de, em seu voto, reconhecer o dano ambiental ocorrido e a sua necessidade de
restauração, afirma não ter qualquer “referência a um dano moral”
259
. E assim, nega
provimento ao recurso aviado.
O que irrefutavelmente trouxe para a vida jurídica do país reflexos outros da
continuidade de vários ilícitos de ordem extrapatrimonial aos direitos coletivos, ao invés a
condenação como prevenção, ou quiçá dissuasão a pretensão ilícita de tantos outros ofensores.
O Ministro José Delgado acompanhando o voto do relator, engrossa os seus
argumentos com vários exemplos ocorridos e definindo que dano moral é um sentimento
psicológico negativo junto à comunidade. O que podemos perceber que é também adepto a
corrente de identificação do dano pelas lesões ocorridas, considerando elas mais fáceis de
verificação do que as lesões morais individuais. Todavia, como dantes comentado, frágil e
tênue a corrente ficando fatalmente exposta ao argumento de que a coletividade não tem
sentimento.
A Sra. Ministra Denise Arruda, pedindo vista dos autos, proferiu o voto, destacando
que a sentença de primeiro grau reconheceu o “descaso e ilicitude da conduta dos recorridos”,
o que foi o fundamento para a condenação, todavia, esta mesma sentença se omitiu em
fundamentar o porque da condenação moral. Vindo então o tribunal a modificá-la
argumentando não caber dano moral coletivo. E, seguindo o seu voto, a Ministra até admite a
existência do dano moral coletivo ou difuso, como indenização, mas afirma que no caso sub
judice não houve a comprovação do dano coletivo ou difuso, ficando “indefinida pelas
instâncias ordinárias”, mesmo que a r. sentença tenha responsabilizado pelo descaso e
ilicitude das condutas dos recorridos, em seu voto fica claro que estas atitudes ensejariam
danos materiais e que, não poderiam ser também condenados em danos morais. E, para
finalizar, volta a utilizar a mesma linha de raciocínio dos outros dois votos contrários ao
conhecimento do recurso, de que “não vislumbro nos autos qualquer evidência de violação do
sentimento coletivo da comunidade local”
260
, e conclui negando provimento ao recurso
especial.
259
Recurso Especial nº. 598.281, p. 4 – voto do Ministro Teori Albino Zavascki.
260
Recurso Especial nº. 598.281, p. 5, do voto da Ministra Denise Arruda.
Leading case 93
Em suscinto voto, o Ministro Francisco Falcão, acompanha os votos de improvimento,
se justificando diante da inexistência de comprovação de que o ilícito tenha alcançado as
pessoas, singularmente, posto que, a moral é individual e não coletiva.
Lastimável e até mesmo inconcebível o posicionamento dos Ministros pela tese de que
não se vislumbraram qualquer ato ilícito de natureza moral neste julgamento. Pois sem a
menor sombra de dúvida resta patenteado que houve sim um ilícito de natureza moral, pois o
dano moral coletivo nada tem a ver com o dano moral individual.
Faz se necessário uma correção na tese escolhida pelos Ministros que entenderam não
existir o dano moral coletivo; pois se a corrente para identificar o dano moral for sempre a da
natureza da lesão jamais iremos encontrar o dano moral coletivo. Pois está correta a afirmação
de que a coletividade não tem sentimento, e neste diapasão nunca haverá condenação por
desrespeito a um fato que não tem como existir coletivamente. Não existe desrespeito ao que
não é concebível, aceitável no ambiente jurídico coletivo.
Então, primeiramente, deve-se perceber que melhor seria a aceitação da corrente que
preconiza ser o ilícito caracterizado pelo direito ofendido. Assim, ocorre o dano moral quando
afetado direitos extrapatrimonial, e quando for direitos coletivos estar-se-ia frente a dano
moral coletivo.
Ainda, a função do dano moral é punitiva, não indenizatória, como parece entendido
nos votos divergentes e é punitiva por violação a direitos coletivos e difusos, tendo como
objetivo “reprimir a conduta daquele que ofende direitos coletivos e difusos”
261
, visando a
importância social destes direitos.
261
Ainda, a função do dano moral é punitiva, não indenizatória, como parece entendido nos votos divergentes e é
punitiva por violação a direitos coletivos e difusos, tendo como objetivo, segundo Roscoe, “reprimir a conduta
daquele que ofende direitos coletivos e difusos, visando a importância social destes direitos.
BESSA,
Leonardo Roscoe. Dano Moral Coletivo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n. 59,2006, p. 78-
108.
As funções dos danos morais para os direitos coletivos 94
8.
AS
FUNÇÕES
DOS
DANOS
MORAIS
PARA
OS
DIREITOS
COLETIVOS
Ao escrever sobre dano moral coletivo buscamos respostas sobre inúmeras questões
que cercam este pressuposto da responsabilidade civil.
E dentre as intrigantes perguntas uma resiste: qual é função do dano moral coletivo?
Todavia, num olhar mais acurado vê-se que a função clássica, que o dano tem função
reparatória, não está sendo eficaz para impedir novos e repetidos ilícitos. Principalmente
quando se diz respeito aos direitos coletivos, pois o agente responsável paga o valor atribuído
ao dano moral, mas continua a repetir a atitude lesiva porque mesmo assim ainda lhe é
lucrativo.
O exemplo de uma indústria poluidora que despeja os dejetos, chegando a assorear um
rio. Apesar da condenação que possa sofrer para reparar os danos causados ao rio, repetirá o
ilícito em quantas vezes ainda lhe for lucrativo, mesmo arcando com o valor da indenização,
e, infelizmente, chegará à época que não haverá quantia que repare o dano ambiental.
Assim, cabe aos doutrinadores criar mecanismos que visem não só coibir, não só inibir
a repetição, mas funcionando também punitivamente, o que a um longo prazo serviria
preventivamente, sendo a melhor solução e não apenas deixar perpetuar somente o cunho
reparatório nas indenizações coletivas.
E sabemos muito bem que quando se trata de direitos coletivos o prejuízo pode ter
proporções muito maiores do que os individuais, e até mesmo irreparáveis, dado as
características destes direitos, além do que tais direitos são de titularidade coletiva, o que
avolumaria muito mais os lesados.
Assim, atualmente, apesar do instituto da responsabilidade civil estar fundado na idéia
de reparação pelo desrespeito ocorrido, são aceitas outras funções, tais como, a função
preventiva ou dissuasão, reparação ou compensação e a punição. E em nosso entendimento a
prevenção difere da dissuasão, conforme explicação que virá a frente. Yussef
262
é categórico
262
CAHALI, Yussef Said. Dano moral. 2. ed. São Paulo: RT, 2005, p. 42.
As funções dos danos morais para os direitos coletivos 95
em afirmar que a função do dano moral é compensatória, visando à reparação do dano moral,
e apoiando-se em Carnelutti
263
, explica que a reparação resolve no sacrifício compensativo
desse mesmo interesse e não ao seu equivalente, como ocorre no dano material. Já Humberto
Theodoro Júnior
264
, criticando Yussef, admite que é uma sanção, mas de finalidade diversa da
pena-castigo, apenas para restaurar a situação do ofendido. Defendendo que ante a
inexistência de normatividade no sentido de punir civilmente o ofensor, não poderá então ser
imposto judicialmente o dano com tal função, à vista de que, para alguns a responsabilidade
civil não é hábil para impor pena ao culpado pelo dano privado. Apesar de Roscoe
265
admitir a
dupla função do dano moral: compensatória para a coletividade e punitiva para o ofensor, não
deixa de aceitar também o caráter preventivo, quando explica que:
A condenação judicial por dano moral coletivo é sanção pecuniária, com caráter
eminentemente punitivo, em face da ofensa a direitos coletivos ou difusos nas mais
diversas áreas (...)
Especificamente em relação à positivação do denominado dano moral coletivo, a
função é mediante a imposição de novas e graves sanções jurídicas para
determinadas condutas, atender ao princípio da prevenção e precaução, de modo a
conferir real e efetiva tutela ao meio ambiente, patrimônio cultural, ordem
urbanística, relações de consumo e a outros bens que extrapolam o interesse
individual.
Em obra especifica sobre o tema, Victor Fernandes Gonçalves
266
, mostra a
necessidade da função punitiva no dano moral coletivo, entregando ao Poder Judiciário a
possibilidade de imputar a pena, destinada ao fundo, como reação punitiva, com finalidade
pedagógico-preventiva.
Argumentando que o dano moral não constitui uma restituição “integrum”,
Cavalieri
267
, defende que é mais um modo de satisfação, de amenização do dano ocorrido, não
podendo ser utilizado o princípio da equivalência, característica do dano material, não
deixando o autor de aceitar também que a indenização funcionará também como uma “espécie
de pena privada”. Para Maria Helena Diniz as funções do dano moral são: penalizar e
satisfazer, compensado
268
. Como satisfatória, ou também chamada compensatória
(amenizatória), caracteriza não pela indenização pecuniária, que o bem lesionado é
263
CARNELLUTTI, Francesco. Teoria geral do direito. 1. ed. São Paulo: Lejus, 1999, p. 38.
264
THEODORO JUNIOR. Humberto. Dano moral coletivo. 6. ed. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2009, p. 74.
265
BESSA, Leonardo Roscoe. Dano Moral Coletivo. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, n.
59,2006, p. 78-108, p. 78-79 e 91.
266
GONÇALVES, Vitor Fernandes. A punição na responsabilidade civil. 2005. Brasília Jurídica, p. 18.
267
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2007,
p. 78.
268
DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade civil. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 60.
As funções dos danos morais para os direitos coletivos 96
insuscetível de avaliação monetária, por ser indisponível. Mas quer compensar o desrespeito
sofrido, atenuando o prejuízo de ordem moral. Explicando o seu entendimento, da existência
destas duas funções, Maria Helena Diniz preleciona:
A reparação do dano moral cumpre, portanto, uma função de justiça corretiva ou
sinalagmática, por conjugar, de uma só vez, a natureza satisfatória da indenização do
dano moral para o lesado; tendo em vista o bem jurídico danificado, sua posição
social, a repercussão do agravo em sua vida privada e social e a natureza penal da
reparação para o causador do dano; atendendo a sua situação econômica, a sua
intenção de lesar (dolo e culpa), a sua imputabilidade etc
269
.
A falta de harmonia na doutrina não deverá persistir diante do raciocínio lógico de que
o dano moral ocorre quando o desrespeito a um bem protegido, de natureza
extrapatrimonial coletiva e este bem não poder ser monetariamente valorado, o bem é
indisponível, inalienável e não quantificável economicamente. Por conseguinte, não de se
falar em indenização. Como falar em indenização pecuniária do que não é mensurável
monetariamente?
Por esta razão, concluímos que o dano moral não tem características de restituição ao
valor do bem lesionado, todavia, jamais poderá o bem protegido ser violado e ficar impune o
ofensor, sob pena de haver repetição da violação enquanto for benéfica ou lucrativa ao
causador.
Assim, em que pese as doutrinas existentes devemos reconhecer mesmo que a função
do dano moral coletivo é diferente do dano material transindividual, em razão da própria
natureza do bem atingido. Deste modo, a condenação a dano moral coletivo poderá ter papel
preventivo, compensatório ou amenizatório, pela ofensa ocorrida, para a coletividade lesada, e
dissuasivo e punitivo para o ofensor.
Nos dias de hoje, devemos ampliar a visão da função da responsabilidade civil, pois
os conflitos atingem não a esfera individual, como também conflitos de grupos sociais, tais
como consumidores, trabalhadores, logo, a tradicional concepção de que a função da
responsabilidade civil no dano moral seria apenas compensatória não alcança a verdadeira
necessidade da justiça atual, principalmente em se tratando de direitos transindividuais. A
teoria da “indenização punitiva não constitui uma novidade no âmbito da responsabilidade
269
DINIZ, Maria Helena. Responsabilidade civil. 22. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 106.
As funções dos danos morais para os direitos coletivos 97
civil, senão uma tendência, outrora universal, que foi retomada”, no dizer de Victor Fernandes
Gonçalves
270
.
Quando ocorrer o desrespeito a um direito coletivo, de índole imaterial, a função pode
ser preventiva. Roscoe explica que, especialmente nos direitos coletivos e difusos, a tutela
deverá ser preventiva. Com a intenção de impedir a realização do dano, interromper a sua
continuação ou as repetições ou reiterações do ato ofensivo, neste caso prevenindo outros
danos morais de características iguais que, sequencialmente, possam ocorrer ou até mesmo
prevenir, em continuidade do dano moral, um dano material, seja individual ou coletivo, a
exemplo: uma propaganda de televisão anunciando falsamente os benefícios de um alimento.
Enquanto se persistir na veiculação desta propaganda o consumidor, não podendo ser
identificado o lesado, em razão de inúmeras pessoas que assistem a propaganda enganosa,
está sendo desrespeitado em sua boa-fé (artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do
Consumidor), logo, dano moral coletivo, e, sequencialmente, se vierem a adquirir o produto,
estes consumidores, individualmente, terão o direito ao ressarcimento material.
Amparando no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, garantidor da
proteção judiciária contra a ameaça de direito, e no artigo 6, inciso VI e VII do Código de
Defesa do Consumidor; que preceitua ao consumidor o direito de se prevenir dos danos
morais coletivos e difusos, Marinoni
271
, ensina que a tutela inibitória, previne a prática, a
continuação ou repetição do ilícito, diferenciando da ressarcitória, que se preocupa com
quem deverá assumir o dano. O principio da prevenção, para Aguiar Dias
272
, deveria ser
primeiro princípio na repressão civil também, não só na penal, tudo visando à ordem social.
Assim, verificamos que prevenir o dano moral coletivo é também função da responsabilidade
civil.
Matilde Zavala Gonçalvez, citada por Andrade
273
, conclui que a responsabilidade civil
“não se circunscreve a puras técnicas de remédio, mas inclui a análise do que e como deve ser
protegido contra os males injustos, é um Direito de preservação e não unicamente um Direito
de reparação”.
270
GONÇALVES, Vitor Fernandes. A Punição na responsabilidade civil. Brasília: Brasília Jurídica, 2005,
p. 183-184.
271
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. São Paulo: RT. 2006, p. 26.
272
DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade civil. 11 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 115.
273
ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,
2009, p. 226.
As funções dos danos morais para os direitos coletivos 98
A prioridade deve ser a preservação do direito e não a reparação do dano causado, em
razão do desrespeito ao direito. Jamais a reparação deve ser mais importante do que a
prevenção. A reparação existe porque o bem foi lesionado, a nova responsabilidade civil
deve funcionar para evitar a lesão.
Pizarro
274
acha que a função preventiva aumentou de importância nos últimos tempos,
principalmente em se tratando de “direito das massas”, levando-se em conta os danos
sofridos e a necessidade de coibir a repetição.
Reforçando a imperatividade do ordenamento jurídico e consequentemente o seu
respeito, se não pela consciência moral, Andrade
275
enfatiza que seja então “ao menos pelo
temor da imposição de sanções efetivamente desconfortáveis em caso de descumprimento”.
a função dissuasiva, age no intelecto do pretenso ofensor, atuando para modificar a
intenção de agir desrespeitosamente. Portanto, a dissuasão é feita intelectivamente,
interrompendo a volição, a função preventiva objetiva interrompe o caminho já iniciado
para a concretização do dano, ceifar a ocorrência de um dano primeiro ou inicial, coibindo a
continuidade do dano ou o possível aumento do prejuízo. Ou ainda, prevenir que em
continuidade ao dano moral ocorrido venha a acontecer um dano material. Se um jornal
anuncia uma gincana que fere um direito coletivo, a exemplo, o direito à proteção à saúde,
uma tutela requerida e concedida liminarmente barrando a referida competição que esta
prestes a ocorrer, estaria fundada na prevenção ao dano moral coletivo ou difuso, como
permite o artigo 6º, inciso VI, do CDC, pois os possíveis prejudicados não podem ainda
serem identificados.
Por esta razão o nosso entendimento é de que a dissuasão difere da prevenção. A
dissuasão atinge o intelecto do ofensor não havendo ainda qualquer ato preparatório, já a
prevenção é a interrupção da continuidade do agir, pois o dano já esta em vias de acontecer ou
já aconteceu e estará se reprimindo a finalização ou a repetição. Logo não podemos desprezar
que na prevenção houve a concretude da vontade e na dissuasão pretende se atingir ainda o
querer do ofensor. A dissuasão antecipa e interrompe a atitude, intercede o “iter”.
274
PIZARRO, Ramón Daniel. Responsabilidad civil de los médios masivos de comunicación. Daños por
noticias inexactas o agraviantes. Buenos Aires: Hammurabi
,
1999. p. 184.
275
ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,
2009, p. 244.
As funções dos danos morais para os direitos coletivos 99
A função compensatória não alcança todo o instituto da responsabilidade civil, no
dizer de Alejandro Atílio Taraborreli e Eduardo Omar Magri
276
, pois esta função não
garantidora de que o ofensor não reincidirá o ato danoso, a dissuasão deve ser exemplo para
modificar a intenção de outros agentes a causar o dano.
O dano moral não visa à reparação da ofensa sofrida pela vítima, como já foi dito, pois
a ofensa no caso de ter atingido bens extrapatrimoniais é imensurável, mas apenas uma
compensação/amenização do desrespeito ocorrido, sendo prioridade a punição do autor.
Assim, é caracterizada como pena privada e modelo de repressão, na visão de Andrade
277
que
se ampara em Ripert.
A natureza sancionatória da reparação está implícita nas normas e nos princípios que
regem os direitos coletivos, “do mesmo modo que o interesse tutelado não precisa
necessariamente estar expresso no ordenamento jurídico”, leciona Carvalho
278
, se deduzindo
das normas e princípios, com destaque aos trazidos pela Constituição, quando regem esse tipo
de interesse. Para o autor citado existe certa fungibilidade entre as funções sancionatória e
reparatória.
Em se tratando de direitos coletivos, mesmo que inexista a tipificação (penal)
incriminando as condutas violadoras não se exclui o direito a tutela civil como a reparação,
implicitamente, sancionatória, exceto no caso de dano não antijurídico, a exemplo da
desapropriação.
Quando a condenação a dano moral age como sanção acaba assumindo o papel de
prevenção a outras possíveis repetições do mesmo autor ou a outros possíveis danos que
pudessem ocorrer, inibindo-os, o que não resta menor dúvida também ser de índole
pedagógica. Porque, muitas vezes, diante da impossibilidade reparatória do dano moral
coletivo a sua feição seria mesmo a sanção. O que conclui ser ineficaz como satisfação
sobreleva a necessidade da sanção, para que não fique sem punição o desrespeito ao direito,
ou até mesmo não incite a repetição, dada a lucratividade econômica que o desrespeito pode
trazer ao ofensor.
276
TARABORRELI, A. A.; MAGRI, E. O. Acerca de los Punitive Damages. Análisis Econômico del Instituto.
Disponível em<: http://www.bilgieri.org/publicaciones/castellano/catedra/acerca_de_los_punitive_damages
.htm>. Acesso em: 28 mai 2003.
277
ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,
2009, p. 148.
278
CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. Responsabilidade por Dano Não-patrimonial a
Interesse Difuso (dano moral coletivo). Revista da EMERJ, Rio de Janeiro, v. 3. n. 9, 2000, p. 24-31.
As funções dos danos morais para os direitos coletivos 100
Obvio que mais eficaz seria a prevenção do dano. A sanção é secundária, primário é o
dever de respeito.
A sanção não deve ser recebida pelo ofensor como um valor a ser pago caso esteja
disposto a violar os direitos protegidos, ou seja, uma verdadeira moeda de troca. Jamais a
sanção deve manchar o bem protegido, deve sim transformar o direito protegido em sagrado,
inviolável na lição de Carnelutti
279
.
E Xisto é também adepto a teoria da função punitiva do dano moral, quando defende:
Em síntese, a lesão a interesses coletivos, à vista do nosso ordenamento, enseja
reação e resposta equivalente a uma reparação adequada à tutela almejada,
traduzida essencialmente por uma condenação pecuniária, a ser arbitrada pelo juiz
e que terá destinação específica (art. 13, da Lei de Ação Civil Pública).
280
E civilista de escol, como Caio Mario
281
, expressa:
I) punição ao infrator pelo fato de haver ofendido um bem jurídico da vítima,
posto que, imaterial; II) pôr nas mãos do ofendido uma soma que não é o pretium
doloris, porém o meio de lhe oferecer a oportunidade de conseguir uma satisfação
de qualquer espécie, seja de ordem intelectual ou moral, seja mesmo de cunho
material o que pode ser obtido ‘no fato’ de saber que esta soma em dinheiro pode
amenizar a amargura da ofensa e de qualquer maneira o desejo de vingança. A
isso é de acrescer que na reparação por dano moral insere-se a solidariedade social
à vítima.
Encontramos no Superior Tribunal de Justiça o reconhecimento da dúplice função do
instituto, sancionatória e punitiva, mesmo que ainda no direito individual, na ementa destes
julgados da lavra do Superior Tribunal de Justiça, in verbis:
Cabe ao Superior Tribunal de Justiça o controle do valor fixado a título de
indenização por dano moral, que não pode ser ínfimo ou abusivo, diante das
peculiaridades de cada caso, mas sim proporcional à dúplice função deste instituto:
reparação do dano, buscando minimizar a dor da vítima, e punição do ofensor, para
que não volte a reincidir
282
E mais estes outros dois julgados também do Superior Tribuna de Justiça:
279
CARNELLUTTI, Francesco. Teoria geral do direito. 1. ed. São Paulo: Lejus, 1999, p. 114.
280
MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 2. ed. São Paulo: LTR, 2007, p. 160.
281
MARIO, Caio. Instituições de direito civil. IV v. 12. ed. São Paulo: Forense, 2002, p. 338.
282
BRASIL: Recurso Especial nº. 487749/RS, 2ª Turma, Ministra Eliana Calmon, 03/04/2003; e de igual teor a
ementa do Recurso Especial nº. 575023/RS, mesma turma e relatoria, j. 27/04/2004.
As funções dos danos morais para os direitos coletivos 101
A indenização pelo protesto indevido de título cambiariforme deve representar
punição a quem indevidamente promoveu o ato e eficácia ressarcitória à parte
atingida
283
.
A indenização por dano moral deve atender a uma relação de proporcionalidade, não
podendo ser insignificante a ponto de não cumprir com sua função penalizante, nem
ser excessiva a ponto de desbordar da razão compensatória para a qual foi
predisposta
284
.
Encontramos o reconhecimento do caráter duplo da função por dano moral, em
julgado no Supremo Tribunal Federal, que decide afirmando ser punitivo e inibitório, de cuja
ementa extrai:
Responsabilidade civil objetiva do poder público. Elementos estruturais.
Pressupostos legitimadores da incidência do art. 37, § , da constituição da
república. Teoria do risco administrativo. Fato danoso para o ofendido, resultante de
atuação de servidor público no desempenho de atividade médica, procedimento
executado em hospital público. Dano moral. Ressarcibilidade. Dupla função da
indenização civil por dano moral (reparação-sanção): (a) caráter punitivo ou
inibitório ("exemplary or punitive damages") e (b) natureza compensatória ou
reparatória. Doutrina. Jurisprudência. Agravo.
285
Deve ser quebrado este modelo de que a responsabilidade civil o comporta a função
punitiva, porque a sociedade moderna exige do instituto da responsabilidade civil não o
ressarcimento, mas também a prevenção, quiçá a dissuasão, principalmente em se tratando de
direitos coletivos lato sensu.
Mesmo que teoricamente a pena deve funcionar como desencorajadora do ilícito, o
que acaba interligando as duas funções, preventiva e punitiva. “Quando se impõe uma sanção
pecuniária não relacionada diretamente com a extensão do dano, está assinalando para o
ofensor em particular e para a sociedade em geral que aquela conduta é inaceitável,
reprovável, intolerável e não se deve repetir”, conclui André Gustavo Corrêa de Andrade
286
.
A pena dever ter o condão de prevenir, sob pena de desmerecer o instituto em caso de
ineficácia. O que acaba por se tornar uma função mista. Compensatória para a coletividade ou
grupo ofendido e pena para o ofensor.
283
Recurso Especial. nº. 389879/MG, 4ª Turma, Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, j. 16.04.2002.
284
Recurso Especial nº. 318379/MG, 3ª Turma,Ministra Nancy Andrighi, j. 20/09/2001.
285
Recurso Extraordinário nº. 455846, Min. Celso de Mello, j. 11/10/2004.
286
ANDRADE, André Gustavo Corrêa de. Dano moral e indenização punitiva. Rio de Janeiro: Lúmen Juris,
2009, p. 228.
As funções dos danos morais para os direitos coletivos 102
Não poderia ser mesmo de outra forma o pensamento de Luiz Gustavo Grandinetti
Castanho de Carvalho, ao reconhecer a possibilidade da imposição de reparação civil com
caráter marcadamente sancionatório sob forma de dano punitivo”
287
, ressaltando, o autor
citado, não é necessário que para tal condenação tenha ocorrido dor ou sofrimento, bastando o
desrespeito ao direito extrapatrimonial coletivo.
Concluindo pela necessidade da imposição do dano punitivo, quando da ocorrência do
desrespeito a interesses extrapatrimoniais coletivos, Xisto é taxativo:
de ser exemplarmente rechaçada por meio de mecanismo legal e adequado e
hábil à proteção e tutela a esses direitos fundamentais, o que se concretiza, no
particular, mediante a fixação de uma parcela pecuniária equivalente a uma
reparação imposta e arbitrada de maneira suficiente a sancionar o autor e inibir
novas violações da mesma natureza, podendo-se conceber, ainda, nessa condenação,
o delineamento de uma espécie de compensação indireta pelo dano, em face da
destinação daquela quantia ao fundo criado por lei, que tem por objetivo exatamente
a reconstituição dos bens lesados.
288
Restou demonstrado a necessidade e, consequentemente, a existência legal da função
punitiva do dano moral coletivo, todavia, não são poucos os que ainda levantam
impossibilidades de tal condenação, enumerando os seguintes motivos: a) excesso do valor
das indenizações; b) seria um “bis in idem”, quando condenado civil e penalmente; c) não
existe previsão legal para a punição civil; d) poderia ocorrer um enriquecimento sem causa.
Enfrentando um a um, verifica-se que quanto ao primeiro motivo, não merece qualquer
consideração, simplesmente porque, cabe aos Tribunais e as nossas Cortes decotarem o valor
quando vislumbrar valor excedente, como muitas vezes fazem no próprio dano material
coletivo, assim este argumento não é razoável para impedir a existência da função punitiva.
Quanto à alegação de duplicidade de condenação, não prospera porque a pena criminal atinge
a liberdade e a pena civil atinge ao patrimônio, portanto “bens”, direitos, distintos do ofensor.
Aqueles mais legalistas que argumentam não existir em nosso ordenamento jurídico previsão
legal de pena (privada) civil, esquecem dos artigos 416, 418, 420, 608, 773, 939, 940, 1.992
do Código Civil e artigo 42, parágrafo único do CDC
289
; além do que, quando falamos em
direito transindividuais é conveniente salientar a força dos princípios que norteiam a sua
proteção, portanto, não estará investido o julgador da armadura (positivismo) que usa para os
287
CARVALHO, Luiz Gustavo Grandinetti Castanho de. Responsabilidade por dano não-patrimonial a
interesse difuso (dano moral coletivo). In: Revista da EMERJ, v. 3. n. 9, 2000, p. 37.
288
MEDEIROS NETO, Xisto Tiago de. Dano moral coletivo. 2. ed. São Paulo: LTR, 2007, p. 163.
289
ARTIGO 416.
As funções dos danos morais para os direitos coletivos 103
direitos individuais. E, finalmente, o tal propalado enriquecimento sem causa que pode trazer
algum receio, não acontecerá no dano moral coletivo, pois, a destinação do valor em
condenação irá para o fundo, conforme preceitua o artigo 13, da Lei n
. 7.347/85, tornando-
se coletiva a
sua utilização, além do mais a decisão judicial legitima o recebimento da
condenação, não se cunhando de ilegal o valor a título de punição.
Poderia ainda, surgir como feixe do argumento da impossibilidade de reconhecimento
da função punitiva do dano moral coletivo o artigo 944 do Código Civil que trata do dano. O
que não estaria correto, pois este artigo trata apenas da equivalência do dano material, o que
não exclui o direito ao dano moral, consoante o artigo 186, cuja expressão é bem clara quando
reconhece ser ato ilícito aquele que causar dano; “ainda que exclusivamente moral”,
combinado com o artigo 927 do mesmo Código, que prevê a indenização. Por isso, os
julgadores têm entendido ser imprópria, na condenação do dano moral, a função ressarcitória,
diante da condição imensurável do dano moral, a sua função é sim punitiva, de pena privada
mesmo
290
.
Restando esclarecido aqui que, “não é preciso invocação aos punitive damages para
lograr, na responsabilidade extrapatrimonial, o caráter “exemplar” que, em certas hipóteses,
faz-se necessário”, conforme preleciona Martins-Costa
291
, pois o surgimento entre a teoria
punitiva e os punitive damages, da doutrina anglo-saxônica, foi apenas coincidente. A
doutrina e a jurisprudência brasileira reconhecem ser próprio dos danos morais os aspectos
punitivos, em razão da teoria punitiva que foi aceita na Constituição de 1.988, quando traz a
indenização integral do dano moral.
290
MARTINS-COSTA, Judith; PARGENDLER, Mariana Souza. Usos e abusos da função punitiva.
Brasília: R. CEJ, n.. 28, Jan/Mar 2005, p. 23.
291
Ibid., p. 22.
Conclusão 104
CONCLUSÃO
1. A digressão histórica se fez necessária para que pudéssemos ao final alcançar a
dimensão do instituto da responsabilidade civil, sua evolução e aonde nós chegamos, pois
antes apenas vislumbrava o direito individual e hoje, dada a exigência das novas relações,
deve também responder pelos danos causados aos direitos coletivos.
2 . Um dos mais estudados institutos do direito civil dada a sua complexidade, a
responsabilidade civil procura amparar os ilícitos ocorridos. Primeiro determinando qual é o
dever jurídico originário, e, em caso de desrespeito ou violação, surge o dever jurídico
secundário.
3 . Para que ocorra o direito ao ressarcimento foram criados os seus pressupostos. O
primeiro como sendo a ação ou a omissão, trata da conduta do ofensor, podendo ser aquiliana
ou extracontratual. Como segundo pressuposto tem-se a culpa lato sensu, encampando a culpa
propriamente dita e o dolo. Surgindo a inexigibilidade da culpa com a teoria objetiva, seja em
razão da atividade ou em razão dos sujeitos que se relacionam. Para os direitos coletivos
muita vezes aplica-se a teoria do risco, que também não exige a culpa. como terceiro
pressuposto aparece o nexo de causalidade, que é o elo entre a ação ou omissão e o resultado,
adotando a teoria da causa eficiente (art. 186 do CC), apesar da existência da teoria da
causalidade adequada. Como último pressuposto encontra o dano moral, não que seja de
somenos importância, muito pelo contrário, é um dos mais importantes e contraditórios. Uma
vez que alguns autores defendem a corrente de que uma vez inexistente o dano não que se
falar em responsabilidade.
4 . Como o presente trabalho diz respeito ao dano moral coletivo e a teoria aqui
adotada para identificação deste dano é a da natureza do direito protegido, necessário tornou
demonstrar quais são os direitos coletivos. Demonstrando o seu surgimento nas gêneses, hoje
se acham identificados em várias legislações pátrias, desde o Código de Defesa do
Consumidor e até em Leis esparsas. O mais importante é a diferenciação existente entre o
direito coletivo lato sensu e o individual. Pois existem ainda direitos de expressão coletiva e
Conclusão 105
que não são coletivos, mas sim de exercício coletivo. Não podendo confundir os direitos
coletivos com direitos fundamentais, que muitas das vezes são doutrinariamente aceitos.
Podendo um ser mais amplo que o outro. Quanto a identificar ser direito, coletivo ou
individual, a melhor opção para se fazer esta identificação é pelo direito material.
5 . Apesar de não haver interpretação autêntica para o dano, os doutrinadores e os
juristas cuidam de identificá-lo, servindo desta para a sua conceituação. Portanto, dano é a
modificação ocorrida a um bem legalmente protegido, desde que tal modificação tenha caráter
de diminuição.
6 . O direito é composto por vários bens, podendo ser eles de natureza moral ou
material, mas sempre afins entre si. Quando se desrespeita o direito é provocado um dano.
Para identificar qual o tipo de dano leva-se em conta a natureza do direito protegido. Portanto,
para que se configure o dano moral é necessário o desrespeito ao direito extrapatrimonial, não
podendo desprezar que o mesmo fato pode ter ocasionado desrespeito a um direito material e
moral, mas sempre levando em conta a natureza do direito.
7 . A legislação acolhe a proteção ao direito moral coletivo, quando cria a figura do
dano moral coletivo. E esta ocorre quando o desrespeito acontece a um bem que seja
extrapatrimonial ou imensurável, e o dano não possa ser individualizado. O vocábulo
utilizado dano moral coletivo é em respeito à nomenclatura da própria legislação, todavia,
recebendo criticas e muitas das vezes dificultando o enquadramento ao fato ocorrido, trazendo
confusão para os interpretes de que a coletividade não tem sentimento. Mas o que o direito
quer proteger é o direito imensurável coletivo, através do instituto da responsabilidade civil.
Elevando a categoria de dano o seu desrespeito. Não exigindo a modificação física de
diminuição a este direito, mas apenas o desrespeito se considera um ilícito punível,
caracterizando damnum in re ipsa, ou seja, a lesão por si só já se prova.
8 . O Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial nº. 598.281/MG, não utiliza da
melhor tese para improver o referido apelo. Pois diante do raciocínio desenvolvido, e se nesta
mesma linha seguirem outros, jamais teremos reconhecida a existência do dano moral
coletivo. Simplesmente porque, para que se conclua pela sua existência é preciso acolher a
tese de buscar o dano tomando-se por base o direito desrespeitado. Se desrespeitado o direito
extrapatrimonial o dano é moral. Porque caso contrário se escolhermos encontrar o dano na
Conclusão 106
lesão que o existe para a coletividade (sentimento, dor, moral) nunca será reconhecido e
muito menos punido o dano moral coletivo.
9. Finalizando, este trabalho denota-se que temos que nos preocupar com a função do
dano. o nos preocupar, mas entender também, que o nosso ordenamento jurídico o
permite diante da teoria irrestrita da punição quando da ocorrência do dano moral, pela
Constituição Federal, que seja punido o ofensor, com vistas a não repetição do ilícito moral, e
não repetição, mas também prevenção e melhor seria a dissuasão. O que induvidosamente
é o estágio mais avançado do ordenamento jurídico, quando a lei modificar o desejo ilícito
apenas diante da suposta punição.
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