Download PDF
ads:
PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO
PATRÍCIA DO AMARAL COMARÚ
RELAÇÕES INTERSUBJETIVAS COMO EXPERIÊNCIAS
DE FORMAÇÃO: REVISITANDO UMA TRAJETÓRIA
DOCENTE DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Porto Alegre
2010
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
PATRÍCIA DO AMARAL COMARÚ
RELAÇÕES INTERSUBJETIVAS COMO EXPERIÊNCIAS DE FORMAÇÃO:
REVISITANDO UMA TRAJETÓRIA DOCENTE DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Tese apresentada como requisito para
obtenção do título de Doutor pelo
Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Educação da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do
Sul.
Orientadora: Profª. Drª. Marília Costa Morosini
Porto Alegre
2010
ads:
©2010 Patrícia do Amaral Comarú
Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte.
C728r Comarú, Patrícia do Amaral
Relações intersubjetivas como experiências de formação: revisitando
uma trajetória docente da educação superior. / Patrícia do Amaral
Comarú; Orientadora Marília Costa Morosini. Porto Alegre, RS, 2010.
201fl.: 30cm.
Tese (doutorado) Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul,
2010.
1. Formação docente. 2. Professores ensino superior. 3. Relações
intersubjetivas Experiências formadoras. I. Morosini, Marília Costa. II.
Título.
CDU 378.12
Ficha catalográfica elaborada por Priscila Almeida Cruz CRB 10/ 1554
RELAÇÕES INTERSUBJETIVAS COMO EXPERIÊNCIAS DE FORMAÇÃO:
REVISITANDO UMA TRAJETÓRIA DOCENTE DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Tese apresentada como requisito para
obtenção do título de Doutor pelo
Programa de Pós-Graduação da
Faculdade de Educação da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do
Sul.
Aprovada em 18 de janeiro de 2010.
BANCA EXAMINADORA
Profa. Dra. Marília Costa Morosini PUCRS
_____________________________________
Profa. Dra. Sílvia Maria de Aguiar Isaia UNIFRA
________________________________________
Profa. Dra. Valeska Maria Fortes de Oliveira UFSM
__________________________________________
Profa. Dra. Cleoni Maria Barboza Fernandes PUCRS
____________________________________________
Dedico esta tese a duas pessoas especiais,
que fizeram parte da minha trajetória vital:
Hilma Amado Comarú (avó paterna)
e Maria Aparecida Garcia Angonesi (amiga),
estrelas que me ensinaram muito
e continuam a iluminar o meu caminho.
Tal como a flor girassol,
ambas viveram para brilhar,
encantar e irradiar sua luz.
AGRADECIMENTOS
Nesse momento que marca uma etapa especial de aprendizados e
convivências, alguns registros são importantes acerca das pessoas que fazem parte
da minha trajetória de vida.
Agradeço e jamais esquecerei...
Com muito carinho, da acolhida de Girassol que se disponibilizou em
contribuir na proposta desse trabalho, ao aceitar remexer no próprio baú das
memórias pessoais-profissionais e, assim, colaborar significativamente ao meu
crescimento pessoal, ao reconhecê-la como importante nessa etapa de minha vida.
Da grande parceria e amizade da colega Graziela Escandiel de Lima,
carinhosamente chamada por Grazi, que caminhou junto comigo, rumo a mais esta
conquista, em sintonia pela alegria de conviver, força e companheirismo, em todas
as horas.
Da receptividade e confiança manifestadas pela Profa. Dra. Marília Costa
Morosini, tanto a minha pessoa quanto ao interesse investigativo, enquanto
orientadora da tese de doutoramento, em questão.
Da presença constante e amiga da Profa. Dra. Silvia Maria de Aguiar Isaia
que, desde o tempo do mestrado, acompanhou minha trajetória profissional e
contribuiu, de forma construtiva e valiosa, na banca de qualificação desta tese.
Da disponibilidade e carinho da Profa. Dra. Valeska Maria Fortes de Oliveira
e da Profa. Dra. Cleoni Maria Barboza Fernandes, quando aceitaram participar da
banca examinadora, nesse momento ímpar de minha caminhada.
Do auxílio e gentileza da Profa. Felicidade, de Aninha, Anja e Cássia, colega
e alunas de Girassol, quando se dispuseram a contribuir com essa pesquisa.
Dos momentos vivenciados no PPGEDU/PUCRS, principalmente com os
professores, colegas e funcionários na Faculdade de Educação. Dentre eles,
destaco as presenças fundamentais da Profa. Dra. Leda Lisia Franciosi Portal, do
Prof. Dr. Claus Dieter Stobäus, do Prof. Dr. Juan José Mouriño Mosquera, da Profa.
Dra. Maria Emilia Amaral Engers e da técnico-administrativa, Patrícia Xavier Botelho,
que participaram de forma significativa desse período formativo.
Em especial, dos familiares e amigos que, direta ou indiretamente,
auxiliaram-me muito no decorrer dessa construção, pela parceria efetivada ou pelo
acompanhamento silencioso e observado, ao longo desse período.
MUITO OBRIGADA!
Flor de Luz
Entre as flores que Deus criou,
na arquitetura da natureza,
existe uma com exuberante presença.
Não porque ela seja a mais linda,
ela é simples, suas folhas diferentes fazem dela
um exemplo de ser grande
e, ainda assim, manter a humildade.
Que flor é essa? É o Girassol!
Sementes escuras, fortes e que mantém seu brilho
de um amarelo dourado, sempre na busca do sol.
Seu equilíbrio é mantido, pois ela está sempre na busca da luz.
Se o Girassol tomasse a forma humana, ele seria você,
sempre na busca do aprimoramento, com um cérebro privilegiado,
um coração repleto de amor.
Com um corpo equilibrado no amor fraterno aos que sofrem,
com pés ágeis para andar no socorro aos necessitados.
Ah... e as mãos do Girassol, seriam como as suas,
prontas para o carinho, para tratar os seres pequeninos
com toda capacidade que você possui.
Nesse paralelo, encontramos em você
as sementes fortes do Girassol
e a eterna busca da luz.
No brilho do seu olhar vê-se a fonte de energia
que se irradia em todas as direções,
especialmente, na aura dourada
que você transmite ao seu redor,
deixando um caminho iluminado
e o exemplo da busca incessante
pelas luzes do Pai Celestial.
Você é luz!
Você é a flor forte e vibrante
que gira ao entorno dos seres,
transmitindo paz, segurança, iluminação interior,
por intermédio do brilho do seu sorriso.
No giro da vida, siga brilhando e espalhando
as sementes fortes do seu coração Girassol,
em busca da vida.
(Lindomar Flores de Oliveira)
RESUMO
Este estudo tem por objetivo investigar e refletir acerca das relações intersubjetivas
estabelecidas ao longo das trajetórias de formação docente, buscando inferir como
estas se configuram como experiências formativas na constituição do ser
professor(a) da Educação Superior, enquanto relações pedagógicas que norteiam e
se refletem na docência, de diferentes gerações, tendo por horizonte o processo de
desenvolvimento profissional, no contexto acadêmico de uma IES privada. Para
tanto, ressalta-se a seguinte questão norteadora central: que relações intersubjetivas
podem se constituir como experiências de formação, ao longo da trajetória docente
da professora-protagonista de uma Instituição de Ensino Superior? Como outra
questão norteadora, coloca-se a seguinte: Que elementos-chave configuram a
trajetória de formação dos professores da Educação Superior, enquanto sujeitos da
aprendizagem, a partir das relações pedagógicas experienciadas, que podem
influenciar a constituição do ser professor(a) universitário(a), ao longo do seu
processo de desenvolvimento profissional? Tal pesquisa, que integra o Centro de
Estudos em Educação Superior (CEES) direciona-se aos princípios da natureza
qualitativa, ao explorar um caminho ao encontro da abordagem biográfica, ou das
histórias de vida, pela sua visão de reconstrução, dialética e teórico-prática, da
reflexão do pensamento sobre a própria ação. Neste aspecto, o viés biográfico de
pesquisa vai além das reconstituições objetivas de uma vida, já que prioriza a
narração, o relato próprio de alguém que fala de si. A análise das narrativas centra-
se na interpretação e estabelecimento de relações teórico-práticas contextualizadas,
na busca do significado dos acontecimentos, como iniciativa de compreensão das
etapas vividas e narradas, pelo sujeito interlocutor, participante da pesquisa.
Algumas interlocuções compuseram a trama de saberes explicitada no corpo do
trabalho, baseadas em: Abraham (1986, 1987, 2000); Filloux (2004); Goodson
(1995b, 2004); Heller (1982, 1994); Huberman (1989, 1995, 1998); Josso (2004) e
Nóvoa (1992, 1995a, 1995b, 2002), entre outros. A partir das análises
empreendidas, reafirma-se a tese de que as relações intersubjetivas se constituem
como experiências de formação, ao longo da trajetória de docente da Educação
Superior, uma vez que é possível identificar que os vínculos familiares, as relações
estabelecidas no contexto escolar e acadêmico em diferentes etapas da vida, as
interações realizadas nos espaços de atuação profissional, bem como as parcerias
efetivadas em projetos socioeducativos, podem ser valorizados como experiências
de formação, por meio dessas relações intersubjetivas que, acima de tudo,
contribuem ao autoconhecimento nessa trajetória construída. As trajetórias de
formação se sustentam, dentre outros aspectos, por relações intersubjetivas,
pedagogicamente vivenciadas entre professores-alunos, professores-professores,
alunos-alunos e o contexto geral de sua IES. Ao desvelar os principais espaços,
busco reafirmar que essas relações se constituem como experiências de formação
do ser professor(a) a profissionais que, na Educação Superior, exercem a docência,
mesmo sem ter formação pedagógica e, a partir desse envolvimento, projetam o
próprio desenvolvimento profissional.
Palavras-chave: Relações Intersubjetivas. Experiências formativas. Formação
Docente. Educação Superior.
ABSTRACT
This study aims to investigate and reflect on the interpersonal relations established
along the trajectories of teacher training, trying to infer how they are configured as
formative experiences in the process of becoming a teacher (a) Higher Education as
pedagogical relationships that guide and reflect teaching, of different generations,
with the horizon the process of professional development in the academic context of
a private institution. To this end, it emphasizes the central main question: that
interpersonal relations can be constituted as training experiences, along the
trajectories of teachers from an institution of higher education? Like other leading
questions, there are the following: To what extent is the relationship between them
are in formative experiences along the trajectories of teachers? What key elements
make up the course of training of teachers of higher education, as subjects of
learning from experienced pedagogical relationships that can influence the process
of becoming a teacher (a) university (a) throughout its development process
professional? This research, which includes the Center for Studies in Higher
Education (CEES) is directed to the principles of qualitative, to explore a way to meet
the biographical approach, or life stories, for your vision of rebuilding, and dialectic
theoretical and practical reflection of the thinking about the action itself. In this
respect, the bias biographical research goes beyond the objective reconstructions of
a lifetime, since that prioritizes the narration, the story itself of someone talking to
you. The narrative analysis focuses on interpretation and relations theoretical and
practical in context, the search for the meaning of events as an effort to understand
the steps experienced and narrated by the subject party, the research participant.
Some discourse made up the fabric of knowledge outlined in the body of work, based
on: Abraham (1986, 1987, 2000); Filloux (2004), Goodson (1995b, 2004), Heller
(1982, 1994), Huberman (1989, 1995, 1998); Josso (2004) and new (1992, 1995a,
1995b, 2002), among others. From the current analysis, we emphasize the idea that
interpersonal relationships are formed and training experiences over the course of
teaching in Higher Education, since it is possible to identify which family ties, the
relations established in the school and academic at different stages of life, the
interactions in the fields of professional activities and partnerships take effect on
social and educational projects can be valued as training experiences, through these
inter-relationships that, above all, contribute to self-knowledge along the way built.
The training paths are supported, among other things, for interpersonal relations,
pedagogically experienced between student teachers, teachers, teachers, students,
alumni and the general context of the IES. When unveiling the main space, I seek to
reaffirm that these relations are as formative experiences of being a teacher (a) to
professionals in higher education, female teachers, even without teacher training,
and from that involvement, the project itself professional development.
Keywords: Interpersonal Relations. Formative Experiences. Teacher Education.
Higher Education.
SUMÁRIO
1
11
11
17
22
2
42
3
73
4
113
5
136
CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................
168
REFERÊNCIAS ....................................................................................................
178
APÊNDICE A Matriz categorial da entrevista narrativa ...............................
194
APÊNDICE B Outros momentos da trajetória de Girassol .........................
195
1 TRAJETÓRIAS REVISITADAS COMO ESPAÇO-TEMPO SIGNIFICATIVOS DE
UMA PESQUISA: PALAVRAS INTRODUTÓRIAS
Quando eu estou aqui
Eu vivo esse momento lindo
Olhando prá você
E as mesmas emoções
Sentindo...
São tantas já vividas
São momentos
Que eu não me esqueci
Detalhes de uma vida
Histórias que eu contei aqui...
Eu estou aqui
Vivendo esse momento lindo
De frente prá você
E as emoções se repetindo
Em paz com a vida
E o que ela me traz
Na fé que me faz
Otimista demais
Se chorei ou se sorri
O importante
É que emoções eu vivi...
*
Ao remexer no “baú” das minhas memórias, reencontro comigo mesma e
percebo hoje, com a maturidade das vivências experienciadas, a importância de
cada fase e relação estabelecida no devir do meu processo formativo pessoal-
profissional.
1.1 A BELEZA DE SER UMA ETERNA APRENDIZ: MOMENTOS DA TRAJETÓRIA
PESSOAL-PROFISSIONAL DESSA PESQUISADORA
A minha trajetória escolar, como não poderia ser diferente, reuniu vários
sentimentos de expectativas, receios, desafios, rupturas, ao mesmo tempo em que
se configurou num percurso rico e propício ao amadurecimento individual, a favor de
um projeto de socialização, implementado por meus pais, quando tinham os
melhores propósitos educativos, de convivência, para a vida da única filha biológica,
ao tentarem romper com todos aqueles tabus e preconceitos sociais.
*
Trecho da música “Emoções”, letra de autoria de Roberto Carlos e Erasmo Carlos.
12
Desde os quatro anos de idade, a escola começou a fazer parte da minha
história de vida, como lugar de descobertas e encantamento por estudar, aprender,
levando-me a crescer. Ao concluir a oitava série do Ensino Fundamental, nos meus
treze anos de idade, aconteceu a primeira escolha por seguir os estudos, voltando-
me ao magistério, como opção profissional de trabalho, com crianças dos primeiros
anos escolares.
O ingresso no meio universitário, no curso de Pedagogia de uma Instituição
de Ensino Superior (IES) privada do Rio Grande do Sul se deu, paralelamente, ao
término das atividades de estágio do Curso Normal, tendo em vista uma nova troca
de cidade, o que mudou radicalmente o contexto de vida, ao sairmos da fronteira
com a Argentina e rumarmos para a região do Vale dos Sinos.
Com dezessete anos, começaram a surgir os primeiros desafios, como
professora novata, frente à conquista de um espaço de ação autônoma, em busca
do respeito e credibilidade ao meu trabalho junto àquela turma de crianças dos anos
iniciais.
Terminado o segundo semestre do Curso, consegui transferência para uma
IES pública, na região central do Estado, o que propiciou maior aproximação com o
contexto escolar, ao realizar monitorias, estágios voluntários e/ou projetos de ação
com a comunidade local.
O ser professora, que estava em fase inicial de formação, inquietou-me a
buscar novos referenciais, além da habilitação prevista no curso, onde comecei a
pesquisar sobre a formação dos professores, quando me inscrevi numa ACG
(Atividade Complementar de Graduação), que tratou de questões diversas acerca da
temática “Educação e Cidadania”.
Num processo de autoformação, enquanto acadêmica, busquei a inserção
como participante em projetos de pesquisa e extensão, que propiciaram maior
reconhecimento do fazer pedagógico, ao ressignificar a identidade social dos
professores e a relevância dessa intervenção, paralelamente a outros processos
formativos.
13
Desde o período da graduação e da especialização, estudo acerca da
temática "formação de professores" (inicial e continuada), o que gerou, no curso de
Mestrado em Educação, a construção da dissertação intitulada: "Revisitando os
processos de formação dos professores em suas trajetórias de vida".
No momento em que me encontro entre as atividades da docência e da pós-
graduação no curso de Doutorado em Educação da PUCRS, manifesto interesse
particular por continuar investigando acerca das discussões pertinentes à formação
docente, enquanto temática inquietadora da pedagogia universitária, condizente com
as experiências vivenciadas há oito anos.
Compartilho, assim, com as ideias de muitos estudiosos que ressaltam esse
campo de estudo, que focaliza a formação docente para o exercício pedagógico
profissional, no sentido de maior produção de conhecimento em relação à pedagogia
que o sustenta.
Por isso, além das atividades de ensino, pesquisa e extensão, saliento a
experiência realizada no programa de capacitação didático-pedagógica, organizado
pela instituição em que trabalho, especialmente direcionado aos professores
ingressantes no contexto acadêmico.
Nele, emergem as questões teórico-práticas inerentes ao ofício do(a)
professor(a) universitário (a), constatadas a partir de pesquisa em fontes
bibliográficas e intervenção mediadora nos momentos reflexivos e de discussão
coletiva, que envolvem grupos de colegas professores ingressantes aos cursos de
bacharelado e licenciatura.
Volto-me ao resgate da perspectiva do professor como pessoa, que
explicitou marcos referenciais acerca da inter-relação entre os aspectos pessoais e
profissionais do ser professor(a).
Tal interesse se justifica pelas próprias experiências vivenciadas até aqui, a
partir das relações intersubjetivas que venho estabelecendo, nos diferentes espaços
14
formativos, como a família, a escola, a universidade e demais ambientes
socialmente constituídos, pela interação pessoal e profissional, as quais são de
extrema relevância ao processo de construção docente.
Cada vez mais tento extrapolar aquela ideia restrita de formação, junto ao
grupo de alunos em formação inicial, como se fosse apenas uma aprendizagem
formalizada, planejada objetivamente.
De acordo com Moita (1995b, p.114-115), é preciso “compreender como
cada pessoa se formou é encontrar as relações entre as pluralidades que
atravessam a vida [...] Um percurso de vida é assim um percurso de formação, no
sentido em que é um processo de formação”.
Considero um investimento próprio ao processo de autoformação
continuada, quando o sujeito, ao narrar-se, estabelece uma interlocução consigo
mesmo, ao falar de si e projetam-se na tentativa de ecoar as suas experiências
vividas, que revelam imagens, emoções, sentimentos, desejos e pensamentos
significativos.
Por isso, a mediação que venho realizando com os meus pares, a cada novo
semestre letivo, centra-se numa análise reconstrutiva das experiências que podem
ter provocado outros movimentos de produção diferenciada, de si próprios e na
coletividade, daqueles com os quais interagem.
Para tal discussão, algumas questões centrais norteiam esse momento
reflexivo, como exemplo: quais são as maiores dificuldades encontradas, que
situações desafiantes podem ser reconhecidas, nessa relação interativa? Como me
vejo professor(a)? O que representa exercer este ofício, em contribuição ao
processo formativo de outros profissionais?
Essa discussão com os colegas, professores da Educação Superior,
possibilita-me salientar, e reconhecer, que tais processos da vida humana são
permanentes e continuados, independentemente da etapa vivenciada pelo sujeito.
15
Neste sentido, busco ressaltar a premissa básica de que “ser professor
obriga a opções constantes que cruzam nossa maneira de ser com a nossa maneira
de ensinar, e que desvendam a nossa maneira de ensinar a nossa maneira de ser”
(NÓVOA, 1992, p.17).
Considero este um dos pontos-chave da construção do “ser professor(a)”,
pois na medida em que deparamo-nos com as mais inusitadas situações, é que
passamos a reconhecer o processo de construção, desconstrução e reconstrução
pessoal e profissional.
Então, proponho uma reflexão do quanto os alunos, também, têm a
oportunidade de reconhecerem, nas próprias trajetórias, o quanto evoluíram
pessoalmente, ao mesmo tempo em que contribuíram para o crescimento, tanto
do(a) próprio(a) professor(a) quanto dos seus colegas.
Como professora universitária em cursos de formação de professores,
percebo, mesmo no período inicial do ciclo de vida profissional docente
(HUBERMAN, 1989), a emergência de se continuar investigando e rediscutindo a
docência universitária, e a formação dos professores formadores, sob múltiplos
aspectos que podem contribuir para com o redimensionamento do fazer pedagógico.
Dentre as ações realizadas, saliento que abordo a temática das relações
interpessoais na doncia, especialmente no espaço acadêmico de formação inicial,
a partir das oportunidades de interação nesses breves encontros, agendados pela
IES. Tais possibilidades de diálogo acerca das questões inerentes ao contexto da
pedagogia universitária, contemplam o ser professor(a) nas discussões reflexivas em
torno das relações interpessoais, da avaliação, metodologia, dos princípios
institucionais, planejamento de ensino, entre outros.
Ressalto, portanto, a necessidade de um esforço investigativo para
reconhecer as relações intersubjetivas estabelecidas ao longo das trajetórias de
formação do ser professor(a) da Educação Superior. Tenho por fio condutor as
concepções, os elementos constitutivos da docência e as implicações conseqüentes,
16
tanto ao desenvolvimento profissional, como aos contextos de intervenção
existentes.
Além disso, entendo que a dimensão pessoal e relacional do ser
professor(a), no decorrer de suas trajetórias, pode ser relevante para compreender
as concepções de docência universitária, enquanto possibilidade de mobilização ao
processo continuado de desenvolvimento profissional.
Tanto na minha ação pedagógica, quanto no processo investigativo, procuro
vislumbrar a reconstrução dos sentidos desse trabalho docente, ao considerá-lo(a)
como protagonista das próprias práticas pedagógicas, enquanto referenciais na
construção de outras possibilidades significativas aos processos de formação e
profissionalização docente, nos contextos atuais.
Daí, o reconhecimento das questões implícitas aos processos de formação
dos professores formadores, em suas trajetórias da vida pessoal e profissional, a
partir das relações que se entrecruzam com o seu fazer pedagógico. Tal
possibilidade de desenvolvimento profissional, junto aos espaços institucionais,
configura-se pela produção dos saberes docentes com as práticas pedagógicas
instauradas, entre as gerações de professores formadores.
Os estudos de Tardif (2002) legitimam a concepção de uma epistemologia
da prática profissional, como reconhecimento aos saberes mobilizados pelos
professores nas ações pedagógicas, visto que são temporais, plurais, situados e
heterogêneos nos seus contextos de intervenção.
Assim, considero que a educação continuada resulta numa transformação
da própria realidade, potencializada a conseguir mergulhar nesse processo íntimo de
(re)construção. Os aprendizados dos novos referenciais envolvem mudanças de
mentalidade e de postura, por meio de um processo reflexivo e depurativo que
implica em (trans)formação, na busca de conhecer tanto as próprias possibilidades,
quanto às limitações na sua constituição como ser aprendiz.
17
Como pessoa em desenvolvimento, visualizo-me pelo engajamento na
busca de conquistar outros patamares de conhecimento, enquanto (re) construo-me,
na cotidianidade dos contextos vivenciais. Neste processo, enfrento forças a esse
movimento que fortalecem outras dimensões, quando encontro alternativas,
individuais e coletivas, ao exercício da docência.
Neste momento, registro o que foi possível resgatar partir das convivências e
influências, que marcaram significativamente a minha pessoa em (trans)formação,
ao longo desta trajetória vital. Marca-se o início de outra produção, por meio da
releitura própria do meu percurso, até aqui.
Tal sentimento de que, agora, estou sendo afetada, possibilita-me concluir o
que, por si só, considero inconcluso e está refletido nas palavras de um grande
compositor, que jamais deixou de dizer, a cada um(a) de nós, que é preciso...
Viver e não ter a vergonha de ser feliz
Cantar, e cantar, e cantar
A beleza de ser um eterno aprendiz [...]
Somos nós que fazemos a vida
Como der, ou puder, ou quiser,
Sempre desejada [...]
É a vida, é bonita, é bonita... Viver...”
*
1.2 PERFIL PESSOAL-PROFISSIONAL DE GIRASSOL: A PROTAGONISTA DE
UMA TRAJETÓRIA FORMATIVA COMPARTILHADA
Girassol, a menina que sempre gostou de cuidar dos outros, cresceu e
optou por ser enfermeira, logo se transformou em professora e,
consequentemente, continua o processo de sua formação, ao contribuir com a
geração de novos profissionais na Área da Saúde...
Nascida na região central do Estado do RS, Girassol é a décima sétima filha
de um casal que teve dezoito filhos, ao todo. Por ser oriunda de uma família muito
humilde, naquela época, considera que os pais foram “anjos de guerreiros” porque,
*
*
Trecho da música “O que é, o que é”, letra de autoria de Gonzaguinha.
18
juntos superaram várias dificuldades. E hoje, ao se encontrar na faixa etária entre
quarenta e cinco (45) e cinquenta (50) anos de vida, vê, pelo “espelho retrovisor de
suas memórias” aquela menina que sofreu muito, mas nunca desistiu de buscar o
sonho dela...
Na época do Ensino Médio (2º grau, naquele tempo), estudava à noite, em
casa; de tarde, no colégio e de manhã, trabalhava na lavoura. À noite, fazia os
temas sempre à luz de um lampião porque o possuíam energia elétrica,
acompanhada de uma irmã, bem mais velha, que estava no curso Normal. Ficava
encantada com aquela menina, com o capricho dela nos planos de aula que fazia.
Com quinze (15) anos decidiu fazer algum curso na Área da Saúde e, daí,
matriculou-se no Técnico de Enfermagem. Desde esse tempo, já sabia o que queria,
pois sempre gostou de ajudar, admirar qualquer atendimento. Ficou trabalhando
sete anos, como técnica e, nesse meio tempo, tentou a difícil aprovação no
vestibular, apassar no quinto concurso que fez, sempre persistente pela decisão
feita em relação ao curso de Enfermagem. Como a IES era privada, surgiu o
problema quanto ao pagamento, ainda mais porque estava casada e tinha o
primeiro dos três filhos que tem hoje.
Quando entrou na graduação era bastante puxado, trabalhava à noite e
estudava durante o dia. Chegava a emendar quarenta (40) horas sem dormir,
fazendo faculdade, cuidando da família e tudo.
Durante a minha faculdade, me chamava atenção as aulas de professoras,
que as disciplinas “fugiam” da parte técnica da Enfermagem, mas que abriam os
olhos, a mente para outros horizontes. A gente via cultura geral, que é tão
importante saber disso pra conversar com as pessoas. Eu sempre digo se não
tiverem nada pra fazer, leiam, porque a leitura enriquece muito a gente. Quanto mais
se lê, mais se enriquece o vocabulário, mais a gente aprende, e a gente não tem
medo de se manifestar com qualquer profissional.
Às vezes, eles perguntam: ler o quê? Leiam história, geografia, cultura geral,
turismo, teatro. Por que isso? Pra ti não ter aquele conhecimento técnico-científico,
específico da tua profissão, limitado. Então, eu vejo isso como uma potencialidade
muito forte, que foi a relação professor-aluno na minha formação.
19
Na época em que fazia faculdade, os filhos tinham três (3) anos, quatro (4)
anos e, quando estava no sétimo semestre, engravidou do terceiro.
O que potencializou o ser professora foi um projeto, que chama “Saúde na
Escola”, o qual começou a fazer na faculdade, como bolsista de uma pedagoga que
fez mestrado em Educação, professora de Metodologia da Pesquisa e Metodologia
Científica, durante a faculdade.
Desde aquele período, despertou em Girassol uma vontade enorme de ser
professora, mesmo que não estivesse sendo formada para tal, e sim como
enfermeira, por ter participado em escolas, com o projeto, com oficinas e palestras.
A gente começou este projeto em 98, agora está fazendo onze (11) anos em
2009; e em 98, nós adotamos uma escola, junto com a Nutrição, e toda a 5ªf. de
manhã, nós íamos na escola, eram encontros sistemáticos, organizados e
planejados, conforme o que a escola nos pedia, a necessidade dela, entende?
Então, este projeto tem me enriquecido muito, para o meu fazer e ser
professor, por que: primeiro, eu entro em contato com muitas escolas, conhecendo
diversas realidades e, outra, que entro em contato com esses adolescentes que,
depois, vão vir aqui pra nós, aqui na Universidade.
Um projeto interdisciplinar, com bolsistas da Odontologia, Fisioterapia,
Enfermagem, Nutrição, Farmácia. A gente fala da auto-medicação, depressão,
prevenção de diabetes, DSTs, AIDS, gravidez na adolescência.
Fez especialização e doutorado na área da Saúde, sendo que o mestrado foi
em Educação quando, por dois dias na semana, era aluna e, nos outros três,
professora.
Inclusive, na especialização, eu trabalhei na monografia “como que tu podes
te autoconhecer, administrar os serviços de Enfermagem, por meio do teu
autoconhecimento, entendeu? Como que tu podes conhecer as tuas atitudes e saber
como que tu vais reagir diante daquilo ali. Daí, isso foi da minha especialização,
que eu estava terminando a especialização e já fui para o mestrado em Educação. E
neste mestrado, eu já dando aula e tudo na faculdade, o que eu fiz?
20
Comecei a observar que as meninas, as alunas, no primeiro mês da
disciplina que ministrava, no semestre, quando era a primeira disciplina que elas
iriam para o hospital, no final do primeiro mês, a metade da turma já estava doente.
E aquilo começou a me intrigar, sabe? Foi um semestre, foram dois
semestres, foram três semestres, e eu pensei, assim: “Meu Deus do céu, por que
esta gente adoece desse jeito?”
Daí, nesta especialização, quem eu gostei muito foi a Profª. “Incentivo”, que
foi quem me instigou a fazer o mestrado, até me deu algumas dicas, porque eu
nunca imaginava que iria conseguir fazer mestrado... imagina!
As cenas ficavam se repetindo e eu disse: “quer saber de uma coisa? Eu
vou fazer a minha dissertação de mestrado em cima do autoconhecimento e da
autoeducação, prevenindo os transtornos psicossomáticos”.
Daí, eu fui estudar com os alunos, como é que eles, estudando Fisiologia
Humana, se autoconhecendo, poderiam prevenir a doença frente à angústia do
enfrentamento do primeiro estágio.
Quando eu fazia Mestrado, dois dias na semana eu era aluna, os outros três
dias, eu era professora. Durante o Doutorado, três dias na semana, eu era aluna,
nos outros dois dias, eu era professora. E daí, tu começas a analisar, tu és muito
mais crítica.
E isso aí, eu aprendi, porque eu tive no Mestrado, uma professora que me
bloqueou totalmente, eu não conseguia falar nos seminários, porque ela era muito
brava, muito ríspida. Mas depois, eu a conheci, e ela era outra pessoa. E daí, eu
passei a entender porque será que ela era assim, na sala de aula, por que será que
as pessoas mudam tanto, quando fecham a porta da sala.
Me Deus, na sala ela era horrível de desagradável, de brava, com a gente,
daí, tu saías da sala de aula e cumprimentava ela, nossa, era coisa mais querida,
carente, totalmente carente, te abraçava, conversava. E eu dizia, mas meu Deus,
porque que ela não era assim, lá dentro da sala de aula?
Afirma que conseguiu fazer o doutorado porque, cada vez que viajava, o
marido cuidava dos filhos. Então, tinha toda esta questão de cumplicidade, que
21
considera muito importante, pela parceria que construíram por mais de vinte anos,
como história de vida em conjunto.
Depois, eu vou ao Doutorado, passo naquela seleção, Deus me livre e
guarde, pelo amor de Deus, eu digo até hoje, que eu nem acredito que eu passei
naquela seleção, mas está ótimo! Daí, eu vou para o doutorado, surgiu a história do
stress do recém-nascido, internado em UTI, e daí eu consegui comprovar,
cientificamente, que frente a aspiração traquial, que é um procedimento que a gente
faz, os recém-nascidos chegam a aumentar, até seis vezes, a pressão arterial, a
frequência cardíaca, por stress. E aquelas crianças, que recebiam mais visitação dos
pais, as crianças que os funcionários conversavam mais com elas, se estressavam
menos, entendeu?
Eu fui coordenadora do Curso de Enfermagem e Diretora da Área de
Ciências da Saúde. Fui representante docente no Conselho Universitário. Outras
relações estabelecidas e isso aí é um lado do ser professora, que ninguém te
ensina, tu aprendes na “marra”. Porque tu não aprendes a ser professora, e tu não
aprendes a coordenar curso; porque foge, totalmente, à tua área de conhecimento,
para o que tu foste formada. Então, ali, o que acontece? Em que foi tão bom ser
coordenadora? Tu acabas te envolvendo com tudo do Curso, eu vejo isso como uma
coisa positiva porque tu vives o Curso.
Todo mundo tinha que passar pela experiência de ser coordenador de
Curso, nem que fosse por um mês. Às vezes, tem professor que não serve para ser
professor, também tem professor que não serve para ser coordenador de Curso.
A parte de poder é uma coisa, a partir do domínio de tudo; para ser
coordenador, tens que dominar tudo; não pode centralizar, não pode ser
centralizador porque, senão, tudo acaba se acontecer algum imprevisto. Eu parto de
uma filosofia de vida, que eu sempre digo: “o bom mestre é aquele que forma bons
discípulos”, então é a mesma coisa: “o bom líder é aquele que forma bons líderes!”
Desde este semestre, estamos com outro projeto que é a promoção da
saúde na comunidade universitária. Começamos com levantamento de dados sobre
HPV, nos cursos formadores de professores e eu justifico isso, porque o professor,
desde a pré-escola até o universitário, ele tem que saber promoção da saúde,
também. Então, quantas coisas ele pode auxiliar, numa sala de aula, de prevenir
22
certas doenças, não que tenha que saber tudo, mas o geral, para promover saúde,
pra ficar saudável.
Girassol desenvolve a profissão docente dezessete (17) anos, com
experiência em duas IES privadas. Atualmente, está na mesma instituição de que é
egressa, onde fez a sua formação inicial. Há treze (13) anos, exerce atividade
profissional, paralela à docência superior, na sua área de formação específica.
1.3 ENCAMINHAMENTOS METODOLÓGICOS PARA A REALIZAÇÃO DA
PESQUISA
Na continuidade dessa trajetória pessoal-profissional, especialmente na
interação com as vozes dos sujeitos dessa investigação, vislumbro a possibilidade
de resgatar as trajetórias de vida. Ao evidenciar os processos de construção
docente, identifico os elementos que fundamentam e influenciam a prática
pedagógica, nos diferentes contextos de intervenção e formação.
Para Goodson (2004), o trabalho de retomada da voz do(a) professor(a)
inclui aspectos individuais e coletivos, que distinguem o grupo docente dos demais,
pela linguagem, qualidade e sentimentos do processo de construção identitária, em
cada oportunidade registrada.
Direciono-me, então, aos princípios da natureza qualitativa em pesquisa, ao
explorar um caminho ao encontro da abordagem biográfica, ou das histórias de vida,
pela sua visão de reconstrução, dialética e teórico-prática, da reflexão do
pensamento sobre a própria ação, o que vem a confirmar sua pertinência ao objeto
dessa proposta investigativa.
É pertinente destacar, portanto, o entendimento de que
[...] a história de vida requer a revisão de uma grande variedade de
evidências. A pessoa que relata sua vida, e de outra(s), colaboram no
23
desenvolvimento desta relação mais ampla mediante entrevistas,
discussões e análises de textos e contextos
1
(GOODSON, 2004, p.50).
Nesse aspecto, o viés biográfico de pesquisa vai além das reconstituições
objetivas de uma vida, que priorizará a narração, o relato próprio de alguém que
fala de si. Como parte do processo de formação, esse trabalho biográfico auxilia no
sentido de redescoberta da própria origem de cada sujeito, ao possibilitar um
repensar da identidade construída e das relações estabelecidas, visto que tais
possibilidades são configuradas por experiências formadoras que ampliam o espaço
do sujeito consciencial
2
.
Na concepção de Poirier, Clapier-Valladon e Raybaut (1995, p.71), a
“autobiografia falada busca a autenticidade do eu, que tenta traduzir a sua vida
em palavras e transmitir o seu vivido”.
Portanto, como tema central do presente estudo, propus a investigação
acerca das relações intersubjetivas como experiências de formação do ser
professor(a) da Educação Superior. A partir daí, elegi a seguinte questão
norteadora, que se configurou nessa problemática: que relações intersubjetivas
podem se constituir como experiências de formação, ao longo da trajetória docente
da professora-protagonista?
Para a realização dessa pesquisa, colocou-se, ainda, a seguinte questão
norteadora: Que elementos-chave configuram a trajetória de formação e podem
influenciar a constituição do ser professor(a) universitário(a), ao longo do seu
processo de desenvolvimento profissional?
A partir desse propósito, pretendi investigar e refletir acerca das relações
intersubjetivas estabelecidas ao longo das trajetórias de formação docente,
buscando inferir como estas se configuram como experiências formativas na
constituição do ser professor(a) da Educação Superior. Por considerar que
representam relações pedagógicas norteadoras, refletidas na docência de diferentes
1
Tradução realizada pela autora deste estudo.
2
Josso (2004) refere-se ao sujeito capaz de auto-observar e de refletir sobre si mesmo, a respeito do
que fora formador em sua vida, para correlacionar com os seus pensamentos e ações atuais.
24
gerações, tive por horizonte o processo de desenvolvimento profissional, no contexto
acadêmico de uma IES privada.
Na interação com as “vozes” dos sujeitos dessa pesquisa, acredito ser
possível apreender o movimento construtivo da docência
3
, a partir das experiências
de formação que ocorreram no âmbito das relações intersubjetivas, no contexto da
Educação Superior, tendo por base as relações estabelecidas entre as gerações
pedagógicas. Assim como, também, identificar e compreender os saberes que foram
sendo mobilizados nas suas trajetórias pessoais e profissionais, como possíveis
repercussões na produção do ser professor(a) da Educação Superior.
Pretendi, dessa forma, reconhecer, evidenciar e contextualizar os aspectos
de influência entre os sujeitos de interação, no processo de profissionalização
docente, pelos quais a professora norteou a construção identitária docente,
enquanto formadora de outras gerações de profissionais.
Tendo como parâmetro a emergência do reconhecimento acerca da
profissionalização docente, cabe analisar e correlacionar os processos de formação,
identificando os possíveis elementos-chave que podem ser resgatados nas
trajetórias pessoais e profissionais. Ambas, fundamentam e suscitam a dinamização
das oportunidades de desenvolvimento profissional, no âmbito da IES em que cada
profissional trabalha.
Entendo, portanto, ser relevante a problemática evidenciada, no sentido de
acreditar que o processo de formação humana identifica-se em um desenrolar
complexo, um conjunto em movimento, uma globalidade própria à vida de cada
pessoa
4
.
3
Para Isaia e Bolzan (2009a), esse movimento compreende os diferentes momentos da carreira, que
envolvem a trajetória e o modo como os professores articulam o pessoal, o profissional e o
institucional. Tal movimento corresponde à ruptura e oscilação, responsáveis por novos percursos
que podem ser trilhados.
4
Ser uma pessoa, conforme Peretti (2000) envolve a identidade original e única, para empreender
aventuras espirituais e humanas, sem negações ou desprezos. Tornar-se a si mesmo, com a
condição de preservar a margem de crescimento como sinal da própria identidade.
25
Portanto, considero que as relações intersubjetivas e as experiências de
formação, no contexto desta Tese, constituem-se como conceitos-chave que
poderão ser ressignificados a partir da própria pesquisa e, também, pela releitura
dos aportes teóricos em questão.
Assim, compreendo que as relações intersubjetivas resgatam a força da
presença influente do outro, na constituição particular de cada sujeito, visto que são
amparadas por princípios de compartilhamento, na concretização de projetos
pessoais e profissionais.
De acordo com Dantas (2007, p.6), “as relações intersubjetivas constituem
uma realidade social em particular. Essa construção se dá não a partir de
relações consensuais afirmativas, mas também por meio de relações de
característica polêmica entre os membros”.
Dessa forma, convém destacar que tais relações abrangem diversos
aspectos inter-relacionados, como os cognitivos, intelectuais e emocionais. Cada ser
humano, singularmente constituído, está inter-relacionado com sua própria
particularidade e genericidade que, simultaneamente, produzem a própria
individualidade do ser.
Refiro-me, então, às ações humanas, sem a pretensão de considerá-las
exemplos universais, que todo ser humano atua em situações concretas e
particulares, tendo como base os referenciais valorativos do processo do seu viver,
como ilustra o relato abaixo da participante dessa pesquisa:
Nem todos estudaram na minha casa, mas os que estudaram, conseguiram
se formar. Tiveram três, quatro irmãos, que o conseguiram fazer
formação. Mas, por que eles não se formaram? Porque eles tiveram que
parar de estudar para trabalhar, sustentar os outros. Então, a mãe e o pai
sempre diziam, assim: “Vocês têm que valorizar o fulano, porque é graças
ao trabalho dele, que vocês estão conseguindo estudar! A gente tem um
laço familiar, um vínculo familiar muito forte, muito, muito, muito forte! De
ajuda com os outros, desse sentimento de valoração, de valorização da
vida, de valorização do ser humano, dessa força interior, dessa união, “Meu
Deus do céu, é muito forte!” (Girassol)
26
A questão dos valores permeia todo processo das vivências singulares e
ressignifica as representações de cada sujeito frente às suas ações, escolhas ou
decisões, tanto particulares quanto genérico-morais, as quais geralmente têm
motivações diferenciadas, mesmo que, cotidianamente, estejam interligadas.
É impossível concentrar todas as energias em cada decisão, que a vida
cotidiana é heterogênea e, assim, o próprio contexto solicita as capacidades em
múltiplas direções, sem intensidade especial para certa atividade específica.
A partir de um trabalho narrativo, no qual a intersubjetividade está em foco,
o estímulo à compreensão de si e dos outros, como descoberta dos lugares
ocupados de forma recíproca, na elaboração de cada ponto de vista e singularidade
dos projetos formativos (JOSSO, 2004).
Por representar, também, uma realidade social, tais relações abrangem
aspectos cognitivos, intelectuais e emocionais que, entrelaçados, configuram a
complexidade e a beleza do encontro entre os sujeitos, ainda mais na trajetória de
formação docente.
A problemática do sujeito permeia a construção das redes de formão,
sendo considerado como pessoa, com memórias e comportamentos aprendidos
para ter uma profissão digna, a qual possa ser desejada e vivida, conscientemente
(FILLOUX, 2004).
Entendo que as experiências de formação articulam ações permeadas de
significados e sentimentos, os quais denotam qualitativamente um diferencial por
contribuírem ao processo de transformação pessoal dos sujeitos e,
consequentemente, à representação dos papéis sociais.
Além disso, essas experiências evidenciam momentos relevantes, dignos de
serem reconhecidos como norteadores das oportunidades do sujeito em formação,
visto que se configuram por nculos intencionais, o que as distinguem na
diversidade das outras vivências realizadas, dinamicamente, ao longo da vida.
27
A experiência, as experiências de vida de um indivíduo são formadoras na
medida em que, a priori ou a posteriori, é possível explicitar o que foi
aprendido [...] O ponto de referência das aquisições experienciais
redimensionam o lugar e a importância dos percursos educativos
certificados na formação do aprendente, ao valorizarem um conjunto de
atividades, de situações, de relações, de acontecimentos como contextos
formadores (JOSSO, 2004, p.234-235).
O valor epistemológico da experiência
5
, enquanto ponto de partida aos
processos de aprendizagem, a ressignifica como formadora pelas situações
cotidianas e vivências diferenciadas de cada contexto, que podem ser reconhecidas
e formalizadas, essencialmente, para formação do sujeito.
Portanto, “se queremos entender como uma pensa atua, sente, ou como
conhece o que sabe, é preciso entrar na dimensão individual da vida, não somente
atual, senão retrospectiva, que tem configurado o que é, como pensa e atua”
6
(BUTT; RAYMOND; YAMAGISHI, citados por BOLÍVAR; DOMINGO; FERNÁNDEZ,
2001, p.84)
As histórias de vida
7
dos professores, sob este aspecto, contribuem para
que se produza um pensamento propriamente pedagógico, e não apenas
antropológico, histórico, psicológico ou sociológico sobre a construção da profissão
professor. A apropriação singular que cada pessoa faz do seu patrimônio existencial
se associa, principalmente numa compreensão retrospectiva, como um fator de
(trans)formação.
O investigativo e reflexivo com a memória educativa consiste na
oportunidade de auto-organização própria, no momento em que o sujeito recupera e
reavalia o que já foi vivido no passado, num processo de autorreflexão.
Huberman (1998) argumenta acerca dessa coerência retrospectiva, pois o
sujeito tende a reinventar o passado com o propósito de dar sentido ao presente,
expressando-se, coerentemente, a respeito de suas atitudes atuais.
5
Constituída pelo conhecimento adquirido via formação (JOSSO, 2004), no decorrer da vida.
6
Tradução realizada pela autora deste estudo.
7
Josso (2004) define as histórias de vida como metodologia de pesquisa-formação, ou seja, a pessoa
é concomitantemente sujeito e objeto da formação, sendo que pertence, a cada sujeito, a
responsabilidade de transformar os conhecimentos adquiridos em formação efetiva.
28
No eixo da ação desta pesquisa, busquei resgatar as trajetórias formativas
de Girassol, que aceitou o convite desafiante de assumir o seu papel como
personagem central, protagonista e narradora da própria história pessoal e
profissional, integrante dos cenários que configuram suas tramas existenciais.
O pseudônimo Girassol, escolhido pela protagonista das histórias narradas,
no ínterim desse trabalho, fora bem justificado por ela própria:
Eu amo girassol, porque, além dele ser amarelo, porque amarelo é ouro, é
luz, amarelo é sol, claridade, além disso, o girassol essempre virado
para o sol. Então, ele nunca vai virar pra sombra, e eu sempre procuro fazer
isso, sabe? Eu digo, “meu Deus do céu, eu não posso olhar pra coisas
ruins, porque eu tenho que me espelhar nas coisas boas!”. As pétalas do
girassol o todas, pra tudo que é lado, e isso, pra mim, é abertura e
flexibilidade que a gente tem que ter na vida. Tu não podes te fechar para
as pessoas! Tu não podes te fechar para o mundo! Tu tens que ser aberto,
claro que tem os limites desta tua abertura.
Por esse motivo, optei por essa colega professora, visto que se situa em
diferente etapa geracional de vida e formação, oriunda de outra área profissional,
sem formação pedagógica e atuante em cursos de bacharelado e licenciatura na
IES.
Nesse contexto, a participante da pesquisa foi escolhida por sua
disponibilidade e interesse em contribuir com o processo e compartilhar a sua
trajetória de vida pessoal e profissional, bem como pelo reconhecimento do seu
trabalho junto à comunidade.
Justifico a escolha, por tal sujeito protagonista, pelo reconhecimento da
trajetória significativa que a professora está construindo e atualizando, num processo
de (trans)formação de si própria. A partir dos aspectos que a constituem como
pessoa-profissional e a consequente relevância ao processo de socialização, os
conhecimentos, valores e as experiências vêm sendo ressignificados, ao longo do
próprio percurso vital.
A priori, após consulta em arquivos institucionais, averiguação em
formulários on line do Currículo Lattes e discussão dos dados com a orientadora
29
desta pesquisa, selecionei uma colega professora que poderia contribuir,
enriquecendo essa discussão, a partir de seu perfil pessoal-profissional. Escolhi para
melhor compreender e analisar, em profundidade, o perfil de Girassol
8
.
Então, é pertinente referenciar a importância do processo de triangulação e
cruzamento das informações (MARRE, 1989) de outras pessoas, sobre a vida
pessoal e profissional da professora entrevistada, quando as trajetórias são
trabalhadas.
Como bem sinaliza Filloux (2004), o referencial está no reconhecimento do
outro como sujeito para, então, reconhecer-me na mesma condição e lutar por essa
reciprocidade, nas relações humanas.
O que eu entendo por ser recíproco? É estar com a pessoa. A
reciprocidade, além de tu transmitires, tu também tem que aceitares o que
vem do outro. É um feedback, uma troca. Agora, e as relações humanas?
Isso é berço, família, valorização do ser humano. Vejo que isso é que faz a
diferença! (Girassol).
Partindo, pois, desse pressuposto, as relações humanas compõem um
instrumento metodológico importante para o processo qualitativo de investigação,
assim como possibilita outras representações da presença do sujeito nos contextos
de intervenção, indo além da própria ótica da percepção de si.
Conforme Goodson, Measor e Sikes (2004) é pertinente obter relatos de
outras pessoas a fim de desenvolver um modelo de análise intertextual e
intercontextual, mais amplo, em relação ao sujeito de pesquisa e suas
representações nos ambientes de interação.
Essa proximidade com a triangulação das fontes - dos dados autonarrados -
não se deu por objetivo limitado de preocupar-me somente quanto à veracidade dos
depoimentos, pois o que importa, realmente, é o encontro das representações dos
8
Após a interlocução às demais narrativas desta tese, alguns momentos significativos da trajetória de
vida da professora em questão, a partir dos seus próprios relatos, serão apresentados como apêndice
a esse trabalho de pesquisa (APÊNDICE B).
30
sentidos, manifestos por outros informantes acerca da professora e sua trajetória
formativa.
Nesse caminho, consegui aproximar-me dessa triangulação dos relatos,
interagindo com uma professora, colega de trabalho (Felicidade) e três alunas de
Girassol (Aninha, Anja e Cássia) que escolheram ser referenciadas, por esses
pseudônimos, enquanto pessoas de convivência há pouco ou muito tempo, na
parceria dessa trajetória em construção, junto à professora em foco.
Propus algumas questões-chave para que tais informantes comentassem
sobre aspectos relevantes da vida pessoal e profissional da professora investigada.
Como, por exemplo, tanto para Felicidade que é enfermeira, ex-professora e atual
colega de trabalho docente, quanto para suas alunas, o roteiro para orientação da
narrativa foi o mesmo:
Que características são bem marcantes de Girassol, em suas relações pessoais e
profissionais?
Como você reconhece a enfermeira e a professora Girassol?
Vamos supor que você tenha um espelho a sua frente, neste momento: quem, ou o
que, está refletido?
Alguma relação com a presença de Girassol, em sua trajetória?
Se você pudesse dar um “conselho”, uma recomendação, ou dizer algo, para ela, o
que você destacaria?
Há quanto tempo, você a conhece?
Pode citar algum momento especial vivido com ela?
Dessa maneira, o momento da coleta dos dados dinamizou-se face às
grandes linhas orientadoras da problemática em evidência, a partir da categorização
destas em dois eixos de investigação:
1. Percurso de vida e de formação
Contexto(s) familiar e comunitário
Vida escolar (diferentes etapas)
Vida acadêmica (inicial e continuada)
Relações intersubjetivas e experiências relevantes
2. Saberes e desenvolvimento profissional
Contexto(s) de atuação e experiências profissionais
31
Vida profissional (saberes mobilizados e necessidades formativas da carreira)
Estratégias de desenvolvimento profissional (individual e coletivo)
Relações intersubjetivas e formação profissional
Os momentos de cada narrativa oral proporcionaram reconstrução do
passado, por suscitar reflexões acerca de si a partir do incentivo à rememoração,
para devolver-lhe sentidos e/ou outra compreensão sobre a experiência profissional.
Considerar a complexidade dos processos de formação dos professores
com a recuperação das narrativas do passado, existentes no “baú de memórias” de
cada um(a), consiste em permitir o reconhecimento da instauração dessa cultura
reflexiva diante do processo da construção coletiva de si próprio(a).
As narrativas entrelaçam fontes diversas de experiências vivenciais e, assim,
tornam possível a reflexão sobre escolhas e movimentos que produzem as ações, tal
como sinalizou Girassol a respeito de sua profissão e as relações possíveis, por
meio de significados correlatos:
[...] a gente não escolhe com quem vai trabalhar, ensinar e cuidar. Então,
sempre é um desafio! É muito desafiador, cuidar e educar. Eu posso não ter
filhos, mas ter o sentimento de maternagem. É o cuidado, maternar é cuidar!
E quando ensinas, estás cuidando. Se eu não fosse enfermeira, era para
ser pedagoga, porque eu acho a coisa mais linda ensinar e, quando a gente
ensina, a gente cuida! Educar e cuidar: tu educas, cuidando! Em todos os
ciclos da humanidade, a gente emprega isso, e é fundamental.
A construção de uma narrativa nasce do paradoxo existente entre o pretérito
e o futuro, a favor das indagações que se configuram no presente, pois intensa
identificação com as experiências realizadas, as quais são escolhidas como
referenciais de forma significativa.
Por meio da narrativa, entendida como elemento básico para que o
pensamento evolua, a produção desse conhecimento biográfico auxilia o
autoconhecimento e, também, possibilita a valorização da trajetória percorrida, a
partir de suas relações intersubjetivas.
32
Cabe evidenciar que a narrativa e o próprio ato de narrar, em suas origens
latinas, apresentam vínculos estreitos com o conhecimento e a prática profissional.
Então, “independentemente da disciplina ou da tradição acadêmica de que se trate,
a narrativa se refere à estrutura, o conhecimento e as habilidades necessárias para
construir uma história”
9
(GUDMUNDSDOTTIR, 1998, p.52).
A narrativa pode ser considerada como meio mais adequado, seja para
captar o modo que as pessoas produzem o autoconhecimento (HUBERMAN, 1998),
seja para compreender como organizam essa experiência, com sentido próprio, ao
longo do tempo vivido. Exemplo disso pode ser encontrado na manifestação de
Girassol, ao reportar-se à importância do cultivo humano das relações:
Eu admiro muito o milagre da vida. Coisa mais linda, que supera qualquer
natureza humana, é o milagre da vida! O que faz a gente crescer e a gente
ser o que é hoje, toda essa complexidade de formação humana que a gente
é. É uma coisa muito forte na minha vida, tanto é que eu nunca quis
trabalhar com máquinas. Eu sempre, na minha vida profissional, quando eu
tinha que optar, eu sempre pensava que eu tinha que trabalhar com
pessoas, eu adoro pessoas, conviver com pessoas. Eu o me sento à
mesa sozinha, por nada! Eu acho a coisa mais linda sentar à mesa, a hora
de almoço, a hora de janta, a hora de família, sabe? A hora de sentar, pra
conversar, se olhar, trocar uma ideia, eu acho maravilhoso.
Josso (2004) considera que a narrativa se fundamenta na capacidade de
reconstituição dos aspectos fundamentais da vida do sujeito, com autenticidade, por
meio de fontes variadas que, simbólica e culturalmente, o constituem nas relações
vivenciadas durante o seu tempo vital.
De acordo com essa premissa, antes de um pensamento racional, lógico-
matemático, Ortega y Gasset (citado por BOLÍVAR; DOMINGO; FERNÁNDEZ,
2001) reafirma a existência de uma razão narrativa, que se propõe à compreensão
humana, tanto pessoal quanto coletiva, a partir do conto de uma história.
Por tal entendimento, busco olhar para a globalidade da vida de cada
professor(a), para salientar as influências recíprocas entre os vários espaços
formativos, que aparecem nesse movimento singular e complexo, o qual está
envolvido por múltiplas contradições e ambiguidades.
9
Tradução realizada pela autora deste estudo.
33
A partir da própria existência de cada professor(a), é que procuro pontuar a
discussão de seus processos (trans)formativos, enquanto pessoa-profissional, pelas
condições necessárias e desejadas em direção ao desenvolvimento singular de si
próprias, em coletividade.
Tendo em vista os objetivos destacados, que nortearam os procedimentos
conseqüentes, como instrumentos de pesquisa dos dados, priorizei os dados de
arquivo e a entrevista narrativa.
Os dados de arquivo foram utilizados para subsidiar informações
necessárias à seleção da professora ou complementação de referências a respeito
da mesma, que envolvem fichas administrativas, materiais digitais e impressos
disponíveis, bem como o projeto pedagógico do Curso de sua formação e atuação,
na maior parte dos seus encargos na IES, entre outros.
A entrevista narrativa envolve o fluxo de recordações da professora,
orientado pela autorreconstrução biográfica, e não apenas por questões prévias da
entrevistadora, mas, em forma do diálogo revelador de ideias, concepções e
sentimentos, respaldado e impulsionado por matriz categorial
10
, baseada na
elaboração de Isaia (1992). Tal instrumento possibilitou a flexibilidade do
pensamento para buscar elementos indispensáveis à pesquisa, assim como,
também, viabilizou melhor interação com a entrevistada.
Cabe, no entanto, captar o percurso de vida, tal como é apresentado pela
narradora e, a partir daí, avançar para a contextualização teórica dessas
experiências, sempre com o cuidado de preservar a singularidade da vida, que brota
a cada narrativa original.
A entrevistadora se parece, nesse caso, muito a uma leitora, ouvinte e
escritora atenta às representações que, por sua vez, permitem à narradora
10
Possibilita o surgimento de questões emergentes, que incitaram Girassol a rememorar e construir a
própria narrativa, à medida que atribuía significados a cada tempo vivido, ao longo de sua trajetória
(APÊNDICE A).
34
ressignificar, profundamente, a sua própria trajetória (HUBERMAN, 1998). Baseado
num entendimento mútuo e na intersubjetividade, segundo Measor e Sikes (2004,
p.274), esse momento requer escuta atenta, envolvendo um processo chamado
“ouvir além de”, isto é, ouvir mais além do que se diz na superfície
11
”.
Numa perspectiva biográfico-narrativa, a entrevista contribui para
compreender o desenvolvimento profissional docente, ao considerar a própria vida
construída como temática a ser expressa, genuinamente, pelo incentivo de que cada
professor(a) repense os momentos da trajetória e as influências significativas, no
decorrer da carreira profissional.
Por se tratar de investigação qualitativa, a análise das narrativas está
centrada na interpretação e no estabelecimento de relações teórico-práticas
contextualizadas, na busca do significado
12
dos acontecimentos, como iniciativa de
compreensão das etapas vividas e narradas, pelo sujeito interlocutor, participante da
pesquisa.
Quanto aos procedimentos dessa análise, no âmbito desta pesquisa, é
preciso afirmar que procurei tratá-las na perspectiva de um contexto fluente de
relações, numa tentativa de reencontro com as influências recíprocas entre os vários
espaços da vida da professora. Neles, pode aparecer o movimento singular e
complexo de inter-relações sociais que, acima de tudo, situam o cotidiano e a
trajetória docente, quando numa interpretação de contexto mais ampla.
Ao citar Chizzotti (1991, p.84), ressalto a compreensão de que os dados de
uma pesquisa, também, se revelam num cenário complexo, repleto “de oposições,
de revelações e de ocultamentos”. Seguindo as orientações de Jovchelovitch e
Bauer (2003), a análise interpretativa partiu da transcrição das narrativas a uma
redução gradativa do texto.
11
Tradução realizada pela autora deste estudo.
12
Tal como salientam Measor e Sikes (2004), destaco que o sentido fundante da vida como algo
emergente e contextualizado, na consideração de que a história narrada tem elementos de mudança,
por ser construída constantemente.
35
Tal procedimento foi caracterizado pela transcrição das narrativas com
apreensão do material, mesmo que superficialmente, como primeira análise e fluxo
das ideias básicas para interpretação do texto; síntese de passagens narradas para
revisão, identificação do foco temático e busca de entrelaçamento dos significados
encontrados para tais narrativas.
Preocupei-me com vocês, leitores e leitoras deste trabalho, no que se refere
à organização das narrativas da entrevistada, pois reconheço que os registros de
cada relato se formam e se entretecem, conjuntamente.
Assim, para que a leitura de tais registros seja prazerosa e melhor
compreensível, optei por maior clarificação das falas, quando as organizei
textualmente, com mínimas intervenções sobre o que foi narrado pela professora
(apenas, revisão da pontuação e eliminação de dizeres muito repetitivos,
dispensáveis à significação do relato).
Para Poirier, Clapier-Valladon e Raybaut (1995, p.66) “há, aqui,
necessariamente, um trabalho sobre o texto, para além da sua transcrição fiel, feito
com a preocupação de pôr à disposição do leitor entrevistas autênticas e a sua
significação”.
É importante considerar, também, o processo de validação dos dados para
resguardar a questão ética, por parte da entrevistada. Assim, uma vez processados,
os relatos foram devolvidos a ela para que os reconheçam e possam comprovar a
exatidão dos dados transcritos: “os professores e professoras têm direito de veto
final de todos aqueles elementos nos que eles ou elas aparecem”
13
(GOODSON;
MEASOR; SIKES, 2004, p.308).
Desse modo, após o trabalho de coleta e análise dos dados da investigação,
o trabalho de escrita prosseguiu, tendo por consideração o problema e os objetivos
propostos inicialmente, ao demonstrar a influência das relações intersubjetivas no
processo de desenvolvimento profissional dos professores da Educação Superior.
13
Tradução realizada pela autora deste estudo.
36
Num movimento de reconstrução, aponto caminhos para ser possível
apreender, cada vez com mais intensidade, os elementos da vida cotidiana de tal
professora, no transcorrer do próprio percurso de investigação. Por ser considerada
pessoa em desenvolvimento, visualizo-a pelo engajamento na busca de conquistar a
própria cidadania, enquanto constrói a si mesma, na cotidianidade dos contextos
vivenciais.
Nesse primeiro eixo de investigação, preocupei-me em resgatar o contexto
familiar da professora, as peculiaridades do grupo geracional a que vem
pertencendo e as experiências tanto pessoais, quanto comunitárias, marcantes do
cotidiano.
A professora investigada, enquanto sujeito social faz referências às relações
parentais que as envolve e que, assim, acabam por instituir outras formas de
reconhecimento do próprio vínculo com as gerações anteriores:
Sempre, nas brincadeiras em casa, nas brincadeiras de escola, embora que
eu era rechaçada, muitas vezes, nas turmas, por decidir as coisas, de
batalhar, ter iniciativa. Sempre fui muito crítica das coisas, acho que isso
devo ao meu pai, porque ele sempre foi muito crítico de tudo. A minha mãe
era mais calma. E durante todo esse período de formação, de educação
(ah, eu adoro esta palavra “EDUCAR PARA A AÇÃO”, até porque é muito
mais do que isso), uma das coisas que sempre me recordo da minha
infância, da adolescência, são os valores que me eram passados na família:
solidariedade, amor, educação, respeito. “Deus do céu, o quanto que isso
foi forte, na nossa educação, de todos da família, mesmo com os dezoito
filhos”! Pra teres uma ideia, do quanto minha mãe era solidária, que quando
os filhos se formaram, a casa ficou enorme, vazia. Ela pegava alunos,
pessoas que vinham de fora e o cobrava nada, pra ajudar porque
sempre dizia, assim: “Eu ajudo, pra que sempre tenha quem ajude os meus
filhos, quando eu não estiver por perto! Então, foi uma lição de vida da
minha mãe e que, hoje, até falo isso com os meus dois filhos que estão
longe, porque fico me lembrando, cada vez que ajudo um aluno, cada vez
que eu escuto um aluno, eu digo: “Ai, Jesus, faço tudo isso com tanto amor,
espero que um dia, se meus filhos precisarem, que tenha alguém que faça
por eles”! E isso é muito forte, o que nossa mãe passou pra nós, tem a ver
sempre.
Consiste, assim, num processo integrador de aprendizagens e reconstrução
das vivências, como alternativa da produção diferenciada de si e dos outros, por
meio dessas experiências referenciais com a outra geração.
37
Diante desses aspectos, tanto a interiorização do saber das gerações
anteriores quanto à possibilidade de construção de um novo, é primordial que se
aprenda a perceber, a sentir e a pensar. Desse modo, Girassol relembra os
primeiros momentos de encantamento com a docência, o ser professora, mediante
convívio com pessoa da família, o que se faz presente até hoje, em sua memória:
Uma irmã minha, uns dez, doze anos mais velha, estava fazendo curso
Normal. Eu me lembro que ela dizia: “Sempre tem que iniciar a aula,
recapitulando a aula anterior, sabe? Nossa, me lembro como se fosse hoje,
eu devia ter uns onze, doze, treze anos de idade. Nesse meio tempo, eu
tenho várias irmãs, mas com quem eu tinha mais relação era com a
professora. Que interessante! Outra coisa que marcou bastante foi a
maneira como as professoras eram comigo, no início, na forma
discriminatória, e muitas vezes eu relacionava aquilo que eu via lá, com o
que a minha irmã fazia em casa, que era totalmente o contrário, parece até
que eu queria que a minha irmã estivesse lá no lugar delas.
Mesmo que, no plano teórico, tais fatores estejam separados, no viver
cotidiano as manifestações perceptivas, sentimentais e cognitivas aparecem
indissociáveis, já que todo saber cotidiano se baseia nos saberes particulares de um
sujeito que pretende encontrar o seu posto, ao deixar suas marcas no contexto
vivenciado.
Josso (2004) compreende que esse espaço-tempo, no qual cada pessoa é
convidada a produzir pensamentos tanto sobre si própria, quanto aos outros, agrega
elementos formativos essenciais, a respeito de: formação, conhecimento,
aprendizagem, tomada de consciência, experiência e subjetividade, em cada etapa
da vida relatada.
No contexto dessa investigação, trabalhei com os trajetos da professora, no
contexto das relações intersubjetivas, que se definem como relatos práticos das
relações sociais (NÓVOA, 1995). Nesse aspecto, um estudo sobre a vida, os
percursos profissionais e o desenvolvimento pessoal dos professores destaca uma
produção heterogênea com rito indiscutível, ao recolocar os professores no
centro dos debates educativos e das problemáticas da investigação.
Ouvir a voz do professor devia ensinar-nos que o autobiográfico, a “vida” é
de grande interesse quando os professores falam do seu trabalho [...] O que
considero surpreendente, se não francamente injusto, é que durante tanto
tempo os investigadores tenham considerado as narrativas dos professores
como dados irrelevantes (GOODSON, 1995b, p.71).
38
Por esse motivo, o presente trabalho está organizado para destacar os
relatos e as (re)construções que o pensamento da professora revela, não apenas
como um apêndice aos principais referenciais. As vozes estão presentificadas, no
sentido de iluminar a discussão teórica a que me proponho, ao caracterizar a
construção dos percursos e processos da professora, sem preocupar-me com a
rigidez de sequências dos acontecimentos.
A oportunidade de ouvir a voz docente, por outro lado, resgata uma
perspectiva autêntica de entendimento quanto à pesquisa em educação, quando se
propõe a escutá-la, intensa e articuladamente. Essa voz passa a ser reconhecida
nas relações, por isso que é essencialmente dialógica, tendo por base que o relato
narrativo favorece com que o sujeito se comprometa com outros interlocutores,
assumindo, também, a responsabilidade da coprodução de sentimentos,
pensamento e ações (BOLÍVAR; DOMINGO; FERNÁNDEZ, 2001).
Ao longo da investigação, a professora, como sujeito da pesquisa, contribui
para com outros processos formativos, por meio de suas manifestações; ao mesmo
tempo em que tem a possibilidade de rever os caminhos percorridos, como
elementos essenciais ao processo de autoformação pessoal e profissional.
Ao desenvolver-se, reconstrói as significações e representações do ser
professora, marcantes no decorrer de sua vida, como fez Girassol ao refletir acerca
das habilidades necessárias ao processo de construção de um(a) professor(a)
enfermeiro(a), e vice-versa:
Pelo fato da gente não ser preparado(a) para ser professor(a), porque se
forma enfermeiro(a), não se forma professor(a), mas como se é colocado
para dar aula, o que isso implica? O que tu vais buscar, pra ti completares
aquele ser professor(a)? Como é que a gente se constrói professor(a)?
Como valorizo muito as mãos, posso indicar, até, dez aspectos que
considero importantes: sabedoria, conhecimento técnico-científico,
interação, reciprocidade, humildade, gostar de ensinar, amor como
valor maior, construção de uma ambiência, relação teoria-prática e ter
espírito de inovação.
Tendo em vista que o contexto é complexo, porque os enunciados narrados
vão além de uma sequência de frases ditas e são tonalizados quando a própria
39
narradora gera os efeitos, acentuando tom e ritmo, faz suas pausas que, tão
significantes quanto os seus dizeres, são configurados por discursos silenciosos.
O enunciado é gestualizado, por meio de diferentes modalidades da
expressão corporal da narradora, sendo que esse conjunto de manifestações está
associado, geralmente, aos significados intrínsecos do discurso.
As formas de discurso, de cada época e grupo, funcionam como espelhos ao
refletirem e retratarem o cotidiano das relações sociais. Por isso, é preciso
compreender que, “qualquer enunciado se realiza na interdependência da
experiência individual com a pressão permanente de valores sociais que circulam no
contexto do sujeito falante” (KRAMER; SOUZA, 1996, p.26).
No primeiro contato com Girassol, a fim de perceber como se encontrava,
naquele momento, bem como para dar início às suas narrativas, entreguei em suas
mãos um espelho para que, nele, refletisse a sua imagem e expressasse os
sentimentos interiorizados:
Eu adoro espelhos! E eu penso que o espelho também mostra o que, às
vezes, a gente esconde. O espelho não omite nada, o espelho mostra tudo!
Hoje, eu me vejo no espelho, muito preocupada, sofrida com algumas
coisas, porque estou enfrentando problemas de saúde na minha família, eu
me vejo um pouco envelhecida, porque emagreci muito nesses últimos
meses, mas assim, sem problema nenhum de me olhar no espelho. É pra
enfrentar a realidade mesmo, do que está acontecendo comigo, agora.
No momento em que a narrativa está sendo produzida, percebo que cada
elemento da linguagem gestual sublinha o da linguagem falada, como meio
primordial da comunicação entre quem narra e quem acompanha os relatos
narrados.
Na dinamicidade dessa relação, a dramatização também está inserida nos
enunciados, tendo em vista os diálogos instituídos entre locutora-narradora e a
auditora-assistente. Esta, por sua presença, suas reações e intervenções, pode
institucionalizar-se em coautor(a) do enunciado produzido, uma vez que apenas
aparentemente pode ser considerado um monólogo.
40
Portanto, cabe salientar o reconhecimento desses momentos das narrativas
de Girassol, tal como menciona Benveniste (1988, p.40), quando trata dos
pronomes “eue “tu” como sendo pessoas que se caracterizam pela sua „unicidade
específica o “eu” que enuncia, o “tu” ao qual o “euse dirige [e que] são cada vez
únicos‟”, numa correlação em que a intersubjetividade aparece como categoria
constitutiva do diálogo.
O processo metodológico das histórias de vida contempla os processos de
formação do sujeito, como longa viagem ao interior de si própria, o que possibilita o
encontro de outro patamar na sua trajetória. Assim, no contexto de pesquisa, o papel
da investigadora é fazer com que reapareça(m) o(s) sentido(s) que cada pessoa
pode encontrar e reconhecer, nas próprias relações, as várias dimensões de sua
vida.
Essa tese está, portanto, assim constituída:
Neste capítulo introdutório, registro alguns aspectos significativos da
trajetória pessoal-profissional, enquanto professora-pesquisadora na área de
formação docente, assim como da professora participante, Girassol, que foram
expressivos para a continuidade desse movimento investigativo acerca dessa
temática central, ora em apreciação. Assim, ao destacar o problema, as questões
afins e os objetivos da pesquisa, apresento a opção metodológica condizente com
tal investigação.
No segundo capítulo, contextualizo a questão da qualidade na Educação
Superior, a partir de estudos e pesquisas que se voltam à problemática do processo
formativo docente brasileiro. Em continuidade, destaco as concepções, experiências
e perspectivas de desenvolvimento profissional que, no processo de constituição
docente, podem ser identificadas por profissionais que se tornam professores, no
contexto da Educação Superior.
A constituição do ser professor(a) da Educação Superior, em paralelo ao
resgate histórico e conceitual da formação e profissão docente, consiste no foco de
41
discussão do terceiro capítulo, enquanto desafio ao processo de aprendizagem
dessa pessoa-profissional.
Numa perspectiva (auto)biográfica de formação docente, o quarto capítulo
apresenta a releitura dos aportes teóricos que tratam dos saberes dos professores,
reconhecidos pelas trajetórias construídas, e que fundamentam a construção
identitária profissional.
Neste sentido, em consonância com as questões emergentes, os propósitos
de investigação e a tese inicial dessa pesquisa, no quinto capítulo, a ênfase da
temática das relações intersubjetivas focaliza o possível reconhecimento como
experiências de formação aos professores da Educação Superior, oriundos de
cursos sem formação pedagógica.
Por fim, após ter realizado a pesquisa junto à professora, e analisado com
profundidade as narrativas de sua trajetória, apresento as considerações conclusivas
que, por si só, são inconclusas no sentido de que despertam outras possibilidades,
outros movimentos, em busca de novos olhares, pensamentos e sentimentos, nessa
dinâmica que constitui o nosso processo de viver, aprendendo.
Relembro, então, a analogia que fiz, naquele momento de qualificação da
proposta de tese, ao voltar-me à criação de uma obra de arte, com todas suas
pinceladas incertas e cores vibrantes, ou muitas vezes opacas, para tentar
referenciar o processo criador desse trabalho, num atelier que reúne vários
contextos, nos quais cada artista-autor(a) se encontra e projeta sua própria
vernissage.
Em várias etapas, outros modos de ser vão se configurando, diferentemente,
ao compreender que o ato de criar não se traduz, não se conclui e não se fecha,
exatamente porque é verbo, é palavra. Esta, somente cria e age, sendo considerada
como diálogo que representa o seu fim na criação permanente de outro começo...
2 QUALIDADE NA EDUCAÇÃO SUPERIOR EM DEBATE: REFLEXÕES ACERCA
DO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOCENTE
O mundo vai girando
Cada vez mais veloz
A gente espera do mundo
E o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência
Será que é tempo
Que lhe falta prá perceber?
E quem quer saber?
A vida não pára!
A vida é tão rara!
*
Desde o início da década de noventa, o registro de que as discussões
sobre a qualidade da Educação Superior começaram a ocupar mais espaço nas
pautas institucionais (BAZZO, 2005), tendo em vista que muitos estudos e trabalhos
investigativos acerca dessa questão vieram a público.
A qualidade, enquanto processo multifacetário, abrange “questões de ordem
teórica, profissional, atitudinal, valorativa, contextual, sociocultural e política” (ISAIA
e BOLZAN, 2008, p.1). A partir de uma dimensão iluminativa, defendida por Aquino y
Puentes (2004), tal conceito indica possibilidades à construção de indicadores de
qualidade, sem priorizar aquela aquisição estática de indicadores vistos como
produto.
A partir da inquietação de Morosini (2008, p.4), sinto-me provocada à
seguinte questão reflexiva: o que é, portanto, educação de qualidade? Educação de
qualidade, segundo constata a autora, é a que “apóia todos os direitos humanos [...]
é localmente importante e culturalmente adequada [...] constrói conhecimentos,
habilidades vitais, perspectivas, atitudes e valores”.
Então, aproximar o conceito de qualidade à área de educação, num sentido
amplo, representa reconhecer que ela pode consistir num significante, com múltiplos
sentidos importantes, por meio de conceituações fundamentais, como a de sujeito,
sociedade, vida e educação, inter-relacionadas com ideias afins, de caráter mais
global.
*
Trecho da música “Paciência”, letra de autoria de Lenine e Dudu Falcão.
43
Dentre outras concepções significativas, Brandão (1981) identifica a
educação como processo vital que contempla forças conjugadas pela ação
consciente e de livre-arbítrio dos sujeitos envolvidos, enquanto atividade criadora
que visa à realização de potencialidades próprias (físicas, morais, espirituais e
intelectuais).
Por isso, a educação se constitui no principal agente da transição para o
desenvolvimento sustentável, segundo os documentos da Organização das Nações
Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), visto que incentiva e aprimora
a capacidade humana para fazer, de suas próprias concepções sociais, a realidade
a ser vivida.
Tal realidade, para ser compreendida, requer um pensamento mutável
acerca das partes e do todo, entre si, por consistir em uma rede de laços e
interações, constantemente. Segundo Pérez Gómez (citado por MACIEL, 2009a),
“necessidade de ter acesso aos significados, já que estes só podem ser captados de
modo situacional, no contexto dos indivíduos que os produzem e trocam”.
Tendo por fim o desenvolvimento sustentável, a educação é percebida como
um processo de aprendizagem para tomada decisões, tendo por consideração, a
largo prazo, o futuro da economia, ecologia e equidade de todas as comunidades
representadas.
Considero, então, que a IES com responsabilidade social passa a ser aquela
que potencializa a difusão e operacionalização de princípios e valores qualitativos,
tanto no plano pessoal (dignidade da pessoa, liberdade, integridade), no plano social
(bem comum, desenvolvimento sustentável e meio ambiente, solidariedade,
aceitação e apreço à diversidade, cidadania, democracia, participação) e no plano
universitário (compromisso com a verdade, excelência, interdependência e
transdisciplinaridade).
44
A UNESCO considera qualidade e diversidade como eixos das políticas
educativas. No documento, intitulado “Declaração Mundial sobre Educação Superior
no Século XXI: visão e ação
14
”, consta o que destaca Morosoni (2008, p.2):
[...] é um conceito multidimensional que deve envolver todas as funções e
atividades: ensino, programas acadêmicos, pesquisa e fomento da ciência,
ambiente acadêmico em geral. [...] Visando a levar em conta a diversidade e
evitar a uniformidade, deve-se dar atenção aos contextos institucionais,
nacionais e regionais específicos. Os protagonistas devem fazer parte
integrante do processo de avaliação institucional (art.11, alínea a).
Por isso, cabe evidenciar que a qualidade está para além da simples
padronização de indicadores, tendo em vista a equidade inseparavelmente a ela,
pois engloba estudos quantitativos e qualitativos. Nesse sentido, fortalece o prisma
da igualdade, entre as diferenças de perspectivas e possibilidades.
Segundo Morosini (2008), dentre as noções de qualidade existentes na
Educação Superior, aquelas que, ainda, estão sob as diretrizes da qualidade
isomórfica, orientadas por princípios financeiros, envolvendo avaliações para
credenciamento e mantendo o isomorfismo e a padronização, voltados ao mercado.
Na releitura dos últimos tempos, acerca desta temática, a autora declara que
as fronteiras estão mais tênues, entre as diferentes categorias de qualidade,
especialmente na perspectiva de construção do conceito de qualidade como
equidade.
Se, antes, havia a necessidade de programas institucionais de
formação/profissionalização docente, na Educação Superior, agora se constata
como emergencial a implementação de oportunidades para o aprofundamento
teórico-prático, diante dos desafios postos.
A certeza que temos é que qualidade é um construto imbricado ao contexto
das sociedades e consequentemente aos paradigmas de entendimento da
sociedade e do papel da educação superior na construção de uma
sociedade melhor e, eu me atreveria a dizer, sustentável. Cumpre também
pensarmos na concepção de qualidade como igualdade (MOROSINI, 2008,
p.9).
14
Documento resultante da Conferência Mundial sobre Ensino Superior (1998).
45
Entre as facetas do conceito de qualidade, busco contemplar aquela que se
relaciona com o próprio ensino universitário, como instrumento de construção de um
profissional cidadão, por sua responsabilidade e comprometimento para com as
mudanças sociais, que se impõem nacional e internacionalmente.
Os novos significados sobre o ensinar e o aprender na universidade e sobre
a importância de ser profissional professor ou um professor profissional não
podem, evidentemente, ser construídos sem que os professores
universitários reflitam sobre a pertinência social da educação superior e
sobre seu próprio compromisso a partir da compreensão das intrínsecas
relações entre educação e sociedade (BORDAS, 2005, p.16).
Para tanto, é preciso estar focado numa visão de conjunto, que integra
diversos sinais que, também, apresentam dimensão subjetiva e, portanto qualitativa,
ao se refletir acerca de certa realidade.
Assim, valorizo a expressão interpretativa de tais indicadores, sem ignorar a
dimensão objetiva e quantitativa dos mesmos. Alguns balizadores o apontados à
Educação Superior, por Isaia e Bolzan (2008, p.2), como importantes ao conceito de
qualidade:
seu caráter interpretativo e valorativo, ambos ligados às dimensões sociais,
políticas e históricas; sua dimensão docente, na medida em que são
consideradas as estratégias voltadas para o desenvolvimento do processo
de formação de alunos e professores, envolvendo empenho docente e
discente nas tarefas acadêmicas, tendo em vista a relevância do que se
aprende; seu caráter transformativo, levando em conta as demandas da
sociedade; sua vinculação a decisões políticas, na medida em que o Estado
participa da gestão educacional; sua dimensão micro englobando a
trajetória institucional em todas suas instâncias e o processo
especificamente pedagógico ou formativo dos professores.
Compreendo, então, o processo sistemático, organizado e autorreflexivo que
envolve todo o percurso, desde a formação inicial, que abrange o exercício
continuado da docência nos diversos espaços institucionais em que se desenrola.
Dentre várias concepções, o reconhecimento de que os indicadores são
46
correspondentes a sinais ou marcas
15
, ao longo de determinado processo que se
deseja avaliar.
Quanto às marcas da vida e da profissão nas diversas fases, resgato o
conceito de trajetória (ORTEGA Y GASSET, citado por ISAIA, 2009, p.97),
evidenciando que a vida ocorre em fases, etapas que não se sucedem, mas,
principalmente, enlaçam-se e convivem em uma mesma duração histórica.
Nesse ínterim, cabe ressaltar as palavras de Girassol, quando traz à tona,
de suas memórias existenciais, situações que permitem entrelaçar o passado e o
presente como novas oportunidades de reelaboração dos sentimentos, ao aproximar
o contexto pessoal do profissional, mesmo que em tempos cronológicos diferentes.
A seguir, o exemplo, em forma de palavras, de uma situação pretérita
sobre a qual o presente permite um reencontro entre sujeitos que se entrecruzam
numa nova situação, em pelo espaço profissional e formativo:
Eu pensei o que eu podia fazer por ela ali, enquanto profissional, né? E as
minhas alunas perguntavam: Professora, por que ela tão amiga sua,
assim?Mas eu não falei nada; depois que passou um tempo, contei a elas:
Como é que a senhora conseguiu?” Não é questão de conseguir, porque
eu consegui elaborar bem isso, na minha vida. A gente não tem que ficar
com rancor das pessoas, porque rancor machuca muito a gente. Ficou essa
lembrança de dor, mas é uma marca, mas não é aquele rancor, aquela
coisa horrível de vingança, entende? Então, eu digo assim: “O que eu posso
fazer? Já pensou se fosse a minha irmã, se fosse um filho, alguém da minha
família? Eu não estou livre, de algum dia acontecer isso”. Então, são
situações que eu tenho na minha vida profissional, que eu trago muito do
pessoal, junto com isso.
Em acordo com esse entendimento, toda proposta de formação do(a)
professor(a) necessita recuperar o sujeito adulto, prioritariamente por aspectos
biográficos contextualizados, tendo por parâmetro a ressignificação das próprias
experiências em novas situações e da reapropriação dos saberes já adquiridos.
15
Marcas não são rótulos externos e, sim, o resultado de relações humanas, cuja composição dos
fluxos se faz e se refaz, somando-se e esboçando novas composições. Contam uma história dos
modos de constituição do sujeito, resultam de processo em que o externo e o interno são
inseparáveis (COLLA, 1999).
47
Nessa perspectiva, as histórias de vida são potencializadas pela valorização
das experiências que se transformam em aprendizagens, num processo
autoformativo. A partir desse pressuposto, entre tantas coisas, o que se poderia
considerar como qualitativo na formação de um professor universitário? Nesse caso,
Girassol, enquanto professora e enfermeira define que é necessário
[...] ter bom relacionamento interpessoal; estar continuamente se
atualizando, porque está sempre mudando tudo, ainda mais na área da
Saúde; conseguir estabelecer uma interação aluno-professor, porque as
relações humanas são super importantes; o conhecimento, a parte
cognitiva, técnico-científica; o querer aprender e não o querer ensinar;
estar aberto; flexibilidade, pois é muito importante também ser flexível, não
autoritário; outra coisa, muito legal, é a valorização humana, de tu saberes
valorizar: porque estás contribuindo com humanos, não só ensinando, estás
aprendendo, instigando conhecimento, mas tu estás convivendo na relação
como professor e o profissional enfermeiro também lida com humanos;
então, a parte da humanização, da valorização do ser humano é muito
importante.
Cabe salientar, então, que este processo autoformativo não implica em uma
espécie de aprendizado individualista e solitário. Pelo contrário, explicita a
importância de “caminhar com” (JOSSO, 2004) no sentido de que se aprende na
interação
16
com o entorno, na tomada de consciência da gama de experiências que
cada ser humano vivencia e de onde provêm inúmeras lições e aprendizados.
Nessa ótica, o processo formativo se constitui a partir de ações
autoformativas, desenvolvidas pelos docentes em suas relações interpessoais,
envolvendo todos os sujeitos e o contexto universitário, no qual estão inseridos.
Filloux (2004) destaca a importância de cada pessoa, em formação, pensar
sobre o que faz e, consequentemente, identificar que significações têm essa ão
para, a partir dessa reflexão, autoformar-se, no momento em que auxilia o outro,
para além da simples absorção de conhecimentos.
Desta forma, “as trajetórias pessoais e profissionais são fatores definidores
dos modos de atuação do professor, revelando suas concepções sobre o seu fazer
pedagógico” (ISAIA e BOLZAN, 2008, p.4).
16
Considerada por Ardoino (2005) como intercâmbio entre duas pessoas, dois ou mais sujeitos,
enquanto interações repletas de sentido, desejo, projetos e ambições, tendo em vista que a
intersubjetividade supõe a interatividade.
48
Reconhecer a pertinência das concepções do conhecimento pedagógico
compartilhado
17
e das redes de interações se torna imprescindível, quando se
investiga acerca do processo de desenvolvimento pessoal e profissional dos
professores.
Ao conceber o professor como ser unitário, no entrecruzamento dos
percursos de vida, é reforçado a premissa de que a formação se constitui a partir de
relações marcantes que configuram a história pessoal e a da própria geração.
Assim como Girassol manifesta acerca dos elos significativos com as
pessoas que foram marcantes ao seu percurso e projeto de vida, no cruzamento que
fiz com as representações de Felicidade, sua colega de trabalho e ex-professora,
pude perceber que também, reciprocamente, a sua presença vem representando
uma interlocução:
Reconheço Girassol como uma profissional competente, que abraça a
“causa” que acredita e defende. Professora amiga dos alunos, que se
esforça para desenvolver senso de responsabilidade, criticidade e postura
ético-profissional nos mesmos. Enfermeira que se doa aos “pequenos”
pacientes sob sua responsabilidade, que não mede esforços para
proporcionar uma assistência de qualidade aos mesmos, carinhosa, exerce
com atenção, ternura e amor os cuidados. Acima de enfermeira, ela é uma
educadora. E, faz esse papel divinamente, tanto a nível assistencial, como
na docência.
Com isso, a trajetória vivida passa a ser considerada como ponto de partida
aos estudos que abordam essa articulação, necessária entre o pessoal e o
profissional, problematizando as situações e conquistas do sujeito, nesse movimento
de (trans)formação, no decorrer do tempo (ISAIA, 2009).
A partir da premissa de que o estudo acerca da trama vivencial e de suas
inter-relações revela o percurso trilhado por uma rede coletiva de professores, em
espaços e tempos diferenciados, entendo que a multiplicidade das gerações
17
Sistema de ideias com distintos níveis de concretude e articulação, que apresenta dimensões
dinâmicas de caráter processual. Implica numa rede de relações interpessoais, por quatro dimensões:
o conhecimento teórico e conceitual, a experiência prática do professor, a reflexão sobre a ação
docente e a transformação da ação pedagógica (BOLZAN, 2006).
49
pedagógicas representa os modos diferenciados de participação, interação e
compreensão dos processos e trajetórias formativas a serem empreendidas (ISAIA e
BOLZAN, 2007).
O conhecimento do professor se dinamiza pela conjunção da história
pessoal junto às interações possíveis com o contexto. Girassol faz alusão ao seu
entorno, considerando a realidade emergente como desafio a ser enfrentado no
processo de formação profissional, quando mencionou a necessidade de que
a gente tem que promover saúde, sim! Só que não dá pra potencializar isso,
em detrimento da saúde curativa, de hospital [...] a nossa saúde, toda, está
na UTI. A barbárie humana, que envolve a saúde, neste País, é de UTI;
então, teria que resolver isso primeiro, pra depois formar esses profissionais
generalistas e que fossem, até, atuar na promoção de saúde [...] é que
está o desafio hoje, porque tu formas os profissionais de acordo com as
diretrizes nacionais, de promoção de saúde e, às vezes, aonde estes
profissionais vão “cair”? Num hospital, numa UTI, para trabalhar, que é onde
tem bastante demanda; mas a gente não tem que só pensar nisso, vejo que
isto está posto, essas diretrizes vêm justamente para atender uma
demanda.
Assim, no momento em interligação entre o mundo pessoal e o âmbito
social de intervenção, em conjunto com o cenário profissional, outros conhecimentos
do(a) professor(a) poderão emergir mediante as representações das experiências
pedagógicas, tanto pessoais quanto coletivas.
A continuidade do processo formativo, entre outras, centra-se por demandas
integradoras de suas dimensões (sociais, culturais e políticas), que são importantes
à constituição de espaços interdiscursivos e intersubjetivos
18
para discussões
pertinentes acerca de questões pedagógicas.
Por isso, as ações formativas precisam vincular-se à consciência dos
professores como formadores de outros profissionais, o que, também, está vinculado
à continuidade da aprendizagem no processo reflexivo do porquê, o como e o para
quê dessas oportunidades.
18
Relacionados à aprendizagem docente colaborativa: processo plural, interativo e mediacional, que
envolve movimento de construção e reconstrução de ideias, e premissas, advindas do processo de
compartilhamento (ISAIA, 2007; BOLZAN, 2007; BOLZAN e ISAIA, 2007a, 2007b).
50
Isaia (2006) refere-se à aprendizagem docente como processo inter e
intrapessoal que envolve a apropriação de conhecimentos, saberes e fazeres
próprios, associados à realidade concreta da docência nos diversos campos de
atuação. O importante não é apenas compreender o ser professor(a), mas entendê-
lo a partir de cada contexto, no qual as trajetórias formativas são consideradas em
relação às ações correspondentes da prática profissional.
Compartilho, então, com o entendimento expresso por Girassol, de que
não é qualquer enfermeiro, que pode virar professor. Têm profissionais da
Enfermagem, que se formam somente para a parte técnica, para o fazer:
cuidar o ser humano doente, ou o ser humano saudável, para promover
saúde. Então, o que diferencia o ser enfermeiro professor? Tem que ter
mais leitura, mais conhecimento, domínio da ciência, tem que trocar muito
mais vezes, o mundo colorido e barulhento pelo mundo preto-e-branco das
páginas dos livros. [...] sendo professor, tendo vínculo com pessoas que tu
tens que ensinar, é diferente. Tens que ter boa capacidade de
relacionamento, ser flexível, aberto para várias situações. [...] Então, vejo a
diferença assim, do ser professor, porque o conhecimento técnico-científico
é mais aguçado, e tu tens que estar sempre te atualizando, buscando saber
mais, é diferente. E tendo esta abertura de relações para conseguir,
paciência para ensinar, embora, para ser enfermeiro tem que ter paciência
para cuidar, porque aparecem várias situações, então, eu vejo assim, de
uma maneira bastante complexa.
Nessa perspectiva, Rogers (citado por JOSSO, 2004) menciona a
necessidade de o sujeito tornar-se formador, o que implica em reflexão sobre as
próprias subjetividades e práticas, num processo de formação contínua para
aperfeiçoar conhecimentos e a qualidade das competências desenvolvidas.
A pessoa deve concentrar-se em si, como figura-chave à evolução, sendo
original, expressando-se com sinceridade transparente (PERETTI, 2000). Esse
movimento em direção à coerência, de modo autêntico para assunção da própria
identidade, entretanto, apresenta certo risco à inércia de corromper-se, numa
postura isolada, narcisista e fechada aos outros interlocutores.
A partir desse olhar cuidadoso, os professores que investem nessa postura
reflexiva precisam, à medida que estabelecem uma interlocução intra e interpessoal,
expressar as próprias concepções acerca do processo de ensinar e de aprender, por
51
adesão ao movimento construtivo de saberes e fazeres pedagógicos, situados e
pertinentes ao respectivo grupo envolvido.
[...] o que é cuidado, então? E se tu fores transportar isso para a sala de
aula, eu me reporto muito à graduação: quantos alunos estão há dias,
meses, longe da família? E que chegam, às vezes, sedentos por um abraço,
por aquele sentimento de acolhida? Então, eu fico pensando: meu Deus,
não custa nada e é tão fácil, mas as pessoas acham tão difícil. Isso aí, eu
relaciono muito isso pra uma questão cultural, porque as pessoas não foram
ensinadas a elogiar e a dizer eu te amo!”, mas a gente tem que construir
isso. Eu não deixo de dizer, é importante, isso aí é um alimento vital,
energético, emocional! Eu defendo muito isso. Parece não ser tema de sala
de aula nenhuma, mas considero isso tema transversal, porque tem que
abranger desde a pré-escola até a senilidade, entendeu? (Girassol)
Em se tratando de docência, a questão do cuidado emerge a partir daquilo
que se descobre no outro (ZAMBERLAN; COSTENARO, 2001), ao agregar
referenciais de conhecimentos e atitudes próprias que desvelam a humanização nas
ações concretas, pelo viés da dimensão afetiva e expressiva do cuidado.
Isto posto, Isaia e Bolzan (2009b) argumentam que a profissão docente
compreende a trajetória pessoal e profissional, desde os anos iniciais de formação
até o exercício continuado da docência, em cada espaço de atuação.
Como rede de relações, tal trajetória contribui à reflexão, ao
compartilhamento e à reconstrução de experiências e conhecimentos, que
possibilitam o desenvolvimento profissional
19
.
Na Educação Superior, vislumbro a necessidade de que o cotidiano da aula
universitária seja reconsiderado, como atividade prática deliberativa e ética
(BOLZAN, 2009), que pode mobilizar processos e estratégias de reflexão do(a)
professor(a) acerca de sua prática. Isso possibilitará o desenvolvimento da
capacidade de aprender por meio das experiências vivenciais e, portanto, gerar
novos conhecimentos pedagógicos.
19
Processo contínuo, sistemático, organizado, envolvendo tanto os esforços dos professores em sua
dimensão pessoal e interpessoal, como a intenção concreta, por parte das instituições nas quais
trabalham, de criarem condições para que esse processo se efetive.
52
Ressalto, pois, a concepção de Girassol quando se refere ao espaço
redimensionado da aula universitária, como sendo
o momento, o ato de troca de experiências, de ensino-aprendizagem que
acontece entre o grupo. O professor sabe mais, até porque, foi preparado
para aquilo ali, mas isso não significa que não vão surgir novidades, com as
quais, talvez, ele nunca se deparou. E, daí, entra humildade de reconhecer
que o outro, também, é capaz! A gente um potencial enorme, quando faz
esses trabalhos em grupos e permite que o aluno expresse a sua
criatividade! O quanto tu podes ensinar por meio de um teatro, numa
brincadeira, noutra linguagem, na expressão corporal, o quanto podes
ensinar e aprender, observando. Então, é um ambiente riquíssimo e,
acredito eu, tem que ser muito mais explorado.
Portanto, os espaços educacionais auxiliam na construção e
desenvolvimento da professoralidade
20
, por ser um processo que orienta para
constante apropriação de conhecimentos, saberes e fazeres próprios, a cada área
profissional, ao longo de um percurso que integra as ações como trajetórias
formativas.
Em acordo com Isaia e Bolzan (2008), penso que a professoralidade emerge
como indicador de qualidade na Educação Superior, a partir do resgate de trajetórias
pessoais e profissionais, as quais entrelaçam espaços e tempos que possibilitam a
reconfiguração da prática pedagógica universitária.
É necessário o reconhecimento da docência como profissão, tendo como
premissa a busca constante e integrada entre os conhecimentos específico e
pedagógico, de forma compartilhada, os quais qualificam a aprendizagem docente.
Ao partir dessa perspectiva de professoralidade, cabe evidenciar que a
subjetividade marca o percurso formativo docente, porque reconhece, por meio da
interdiscursividade e da intersubjetividade
21
, o processo plural, interativo e
mediacional que se configura como indicador de qualidade na Educação Superior.
20
Marca produzida no sujeito e um estado, que faz diferença na organização da prática subjetiva,
pela diferença que o sujeito produz em si. Identifica-se com o espaço da docência. É uma diferença
produzida no sujeito, um estado em risco de desequilíbrio permanente (OLIVEIRA, 2009).
21
Permite descobrir o conceito de abertura à experiência (JOSSO, 2004), que designa a dimensão
transformadora do autoconhecimento pela produção de novos saberes.
53
É pertinente retomar, então, o marco reflexivo de uma intersubjetividade, que
envolve o(s) sujeito(s), principalmente na relação formativa, seja consigo próprio,
seja com o(s) outro(s). Em decorrência, ressurge a questão do retorno sobre si
22
,
pelo formador.
Considerando como ponto de partida a singularidade de cada sujeito, que
resulta de auto-afirmação existencial, evidencio o sentido da produção da
subjetividade pela orquestração de forças, visíveis e invisíveis, que compõem e
correspondem ao mundo de cada sujeito.
Para Josso (2004), esse campo é explorado no transcorrer do percurso
evolutivo, pelas trocas que incitam a responsabilidade de usufruir, conscientemente,
dos indícios de observação, dos elementos teóricos e das experiências de
referência, servem de parâmetros referenciais aos pensamentos, ações e escolhas.
A produção de subjetividade é vitalizada ao ressignificarem-se as formas do
sujeito constituir-se, isto é, ser sujeito não é trabalhar pela conservação de
uma identidade que lhe é prescrita pelas diversas instituições que lhe
antecedem ou, mesmo, que ele ajuda a constituir (PEREIRA, 1996, p.20).
Tal processo exige ações auto, hétero e interformativas, pela construção e
reconstrução conceitual, advindas do processo de compartilhamento. Então, o
desenvolvimento profissional docente se delineia por demarcações de caminhos,
considerando a sua finalidade formativa e as respectivas trajetórias pessoais,
profissionais e institucionais, imbricadas nesse processo (ISAIA e BOLZAN, 2008).
Na perspectiva da qualidade do processo formativo docente, na Educação
Superior (MACIEL, 2009a), cada profissional deve ter em mente a própria
perspectiva qualitativa de docência, bem como os princípios de referência da
instituição em que atua.
O conceito de desenvolvimento profissional, portanto, está vinculado à
necessidade de visão alargada da aprendizagem profissional, incluindo a questão
22
Engloba a análise de como se sente, a rejeição de defesa contra o que sentem e pensam sobre as
próprias experiências, de maneira mais sincera possível (FILLOUX, 2004).
54
eminentemente pessoal e as oportunidades informais do contexto de trabalho
pedagógico.
O desenvolvimento profissional envolve todas as experiências espontâneas
de aprendizagem e as atividades conscientemente planificadas [...] É o
processo através do qual os professores, enquanto agentes de mudança,
revêem, renovam e ampliam, individual ou coletivamente, o seu
compromisso com os propósitos morais do ensino (DAY, 2001, p.20-21).
Reconhecer as trajetórias formativas, a criação de espaços de interlocução
pedagógica e a aceitação dos desafios, postos à docência, via redes de relações
23
e
mediações, torna necessário considerar tais relações como componentes intrínsecos
aos processos de partilha no âmbito de ensino e aprendizagem, na formação
profissional.
De um modo geral, conforme Huberman e Schapira (2000), as relações
entre as pessoas têm dimensão fundamental na relação pedagógica, a partir de
alguns indicadores, como a manutenção de bons contatos, sem chegar a uma
dependência mútua, pois isso dificulta a satisfação pessoal, tendo em vista que não
se experimenta, de fato, tais relações, quando um dos sujeitos envolvidos se limita
meramente às formalidades.
Talvez, por isso, os primeiros anos de docência envolvem uma série de
dificuldades que o professor precisa resolver, antes de alcançar a segurança
pessoal, a qual consiste em fonte de evolução para si e aos alunos.
Então, isso aí, foi um impacto maior, mas penso assim: eu não quero que
soe como crítica, mas eu pensava, por exemplo: eu não dou a disciplina “X”,
como eu aprendi! Nem perto do que eu aprendi! Então, isso era um
desafio pra mim. Por que eu pensei nisso? Porque, quando eu entrei pra ser
professora, com aqueles meus alunos que, um mês, eu estava no lugar
deles, pensava assim: mas o que eu não gostava, entendeu? E o que eu
gostava? De que jeito, eu mais aprendia? E daí, fui transportando isso pra
minha realidade. Aí, ficava pensando, assim: será que estou ensinando,
como eu gostaria de ter aprendido? (Girassol)
23
Processo de troca entre pares, implicando no compartilhamento de significados e ideias acerca do
conhecimento pedagógico. A partir da atividade discursiva, permite a construção conjunta de saberes
e fazeres de forma compartilhada (BOLZAN, 2002).
55
Assim, em relação à qualidade do processo formativo docente, é
fundamental compreender as trajetórias percorridas pelos professores como marcas
significativas deste processo, ao valorizar a intrínseca relação entre trajetória
pessoal, profissional e percurso formativo.
Tal percurso, ao longo da vida, afeta qualitativamente o que somos, ao
nortear as próprias aprendizagens, considerando que o sujeito estabelece esquemas
relacionais, exercidos pelo viés do comportamento sociocullural, nas trocas
cotidianas com o entorno, enquanto experiências vivenciais em forma de rituais
originados das próprias relações.
Diante dessa constatação, Josso (2004, p.231) evidencia que “a
temporalidade das aprendizagens relacionais varia segundo a sua articulação ou a
sua independência face às aprendizagens existenciais ou reflexivas”. Tendo por
expectativa um novo horizonte, os contextos formadores servem de referência para
os professores reconhecerem, compreenderem e interpretarem as realidades da
vida, que se constituem por escolhas e oportunidades do cotidiano vivenciado.
O desenvolvimento profissional, entre outros significados, pode ser
compreendido por um estado de orientação e formação para a educação do sujeito,
e não como estado condicionado a ações de formação específica, no decorrer da
prática profissional (BOLÍVAR; DOMINGO; FERNÁNDEZ, 2001).
A partir dessa perspectiva, Girassol refere-se às questões inerentes à
formação do profissional enfermeiro como sujeito de sua trajetória e prática
profissional:
Hoje, vejo que a formação do enfermeiro é bem mais complexa, do que se a
gente for pensar de décadas passadas [...] a gente objetiva, no Projeto
Pedagógico do Curso, formar o enfermeiro generalista. E se ele é o
enfermeiro generalista, tem que saber de tudo, um pouco. Hoje, não cabe
mais especialidade. Se tu queres fazer uma especialidade, vais fazer depois
que te formares [...] mais comprometimento com um ser humano doente e
um ser humano saudável, te muito mais comprometimento na formação,
na promoção de saúde. O enfermeiro, hoje, trabalha muito mais na parte de
prevenção, não de prevenir doenças, mas de promover saúde nas
comunidades.
56
A orientação feita recorre a modelos e roteiros de ação que foram
construídos desde as primeiras experiências de formação de cada profissional, em
sua área. Portanto, Veiga (2006) salienta a realidade dinâmica e contingencial da
profissão, tendo como alicerce as ações grupais que auxiliam a construção
identitária pelas interações sociais.
Em decorrência, por o ser constituída de atributos fixos ou pré-
determinados, a profissão é entendida como construção social, mobilizada por ações
coletivas, numa realidade sócio-histórica em mutação. A partir dessas premissas,
principalmente em relação ao contexto universitário, urge destacar a diferenciação
entre ocupação e profissão, como bem ressalta Anastasiou (2009, p.191):
[...] se temos um predomínio de profissionais de diversas áreas ocupantes
da docência, é necessário possibilitar que se tornem profissionais docentes.
Para isso, é preciso um domínio progressivo dos saberes da área, que
incluem um saber que, um saber como, um saber para que, um saber por
que e que vão, gradativamente, se sistematizando, favorecendo a
construção de um desempenho autônomo e competente, necessário ao
exercício da docência.
Então, as características e capacidades específicas da profissão constituem
integradamente a busca pelo profissionalismo
24
, visto que uma complexa
variedade de exigências, ao profissional, para o exercício do trabalho com valores
supremos, como a dignidade, justiça e responsabilidade.
O processo socializador de aquisição das características e capacidades, por
outra derivação terminológica de profissão, consiste na denominada
profissionalização
25
. De acordo com o resultado de pesquisas científicas, há o
reconhecimento em prol da necessidade de instaurar um processo de
profissionalização docente nas IES.
Em decorrência do pressuposto que a profissionalização possibilita a
sistematização dos saberes necessários à docência (ANASTASIOU, 2009) reafirmo
a compreensão da mesma pelo caráter de continuidade, pois os profissionais
24
Segundo Veiga (2006), tem de alicerçar-se em orientações éticas, de acordo com as ideias
educativas democráticas, que respeite os valores dos profissionais.
25
Não é um processo simplificado. Possibilidade de construção coletiva do professor e seus alunos,
que contempla a subjetividade docente inserida na prática (VEIGA, 2006, p.3).
57
oriundos de várias áreas ocupam os espaços da docência, com saberes prévios de
outras experiências.
Cabe ressaltar a constatação de Girassol, quando menciona o seguinte:
[...] eu vejo a importância de nossa prática, porque na formação profissional,
a gente tem muita aula prática. E nesta aula, tu trazes o teu conhecimento
técnico-científico, da realidade, com o trabalho que estás exercendo, com
a função que és incumbida, ali. Isso instrumentaliza muito, pois enriqueço as
minhas aulas com práticas, histórias e situações vivenciadas. Os alunos,
também, conseguem ver as coisas de forma diferente e começam a
relacionar; então, não esquecem mais, ressignificam.
Por isso, o processo de profissionalização o contempla apenas os
professores que ingressam nas IES, mas consiste em horizontes de possibilidades
26
continuadas de reflexão, sistematização de estudos e busca coletiva de alternativas
e estratégias de mediação ao fazer pedagógico, independente da área de atuação e
formação profissional dos professores.
Entretanto, registra-se a inexistência, no Brasil, de amparo legal em âmbito
nacional que estimule a formação pedagógica dos professores universitários
(PACHANE, 2003). A opção por oferecer, ou não, esta formação fica a cargo dos
regimentos de cada IES, mesmo que seja responsável, por meio da política
institucional, pelo oferecimento ou apoio de discussões reflexivas e propostas
incentivadoras, que regulamentem e confirmem a necessidade da mesma.
Alguns trabalhos investigativos consideram diferentes aspectos do início da
profissão (CORSI, 2002; GUARNIERI, 1996; PIZZO, 2004; VIEIRA, 2002, entre
outros): as dificuldades encontradas, a relação teoria e prática, o modo como os
professores desenvolvem seus conhecimentos, como lidam com os problemas, entre
outros.
A maioria desses autores retoma o conceito de desenvolvimento profissional
e da noção de ciclos profissionais, ao buscar articular a sua pesquisa com
26
Contribuem à mediação desenvolvente que, para Maciel (2009a), abrange a apreensão de ideias
evidentes, como motivação do professor, redes de significados, atuação pedagógica, condições
objetivas e subjetivas à construção de práticas (trans)formadoras.
58
pesquisadores, que estudaram o desenvolvimento da profissão, tais como
Huberman, Marcelo García, entre outros.
Após ter realizado uma pesquisa qualitativa no acervo virtual da Associação
Nacional de Pesquisadores em Educação ANPEd, entre o período das Reuniões
Anuais (RA), realizadas de 2000 a 2006, respectivamente, da 23ª a 29ª RA.
A pesquisa, no referido acervo, centrou-se em quatro Grupos de Trabalho
(GTs): Didática (GT04), Formação de Professores (GT08), Política de Educação
Superior (GT11) e o de Psicologia da Educação (GT20), a partir da busca por
trabalhos que contemplassem a discussão conceitual acerca da formação docente,
relacionada ao processo de construção identitária e desenvolvimento profissional,
especialmente na Educação Superior.
Por considerar os quatro GTs selecionados, grifo o seguinte: no GT08
(Formação de Professores), a maioria dos trabalhos se refere à formação e
desenvolvimento profissional dos professores da Educação Básica, tal como no
GT04 (Psicologia da Educação), o que sinaliza maior aceitação, abertura quanto a
esta discussão.
Quanto à formação continuada dos professores universitários, a maioria dos
trabalhos está vinculada ao GT11 (Política de Educação Superior), que discute a
complexidade deste nível de ensino, de forma ampla e contextual. Entretanto, no
GT08, quase nem se encontra contemplada tal discussão, o que se considera uma
falta de oportunidade para aprofundamento teórico-prático acerca da docência nas
Instituições de Educação Superior.
Por outro lado, a defesa de superação da concepção individualista de
formação centra-se no professor e, como tal, organizada à margem do seu
desenvolvimento profissional. Assim, a mudança da profissionalidade e o
aperfeiçoamento dos professores devem ser entendidos como um modelo de
desenvolvimento profissional e pessoal, evolutivo e continuado, que precisa estar
referenciado nos contextos que determinam a prática.
59
O desenvolvimento profissional dos professores tem sido objeto de
propostas educacionais que valorizam uma formação docente não mais baseada na
racionalidade técnica, mas em uma perspectiva que reconhece a capacidade
desses profissionais de decidir, de confrontar suas ações cotidianas com as
produções teóricas” (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002, p.264).
A literatura pedagógica existente prospera com significativa relevância
acerca de dimensões relativas ao desenvolvimento profissional, que envolvem: os
modelos e estratégias utilizados para compreensão de tal desenvolvimento; os ciclos
da carreira; o conhecimento específico do professor; as etapas de desenvolvimento
cognitivo da aprendizagem do adulto e, por consequência, os diversos fatores e
contextos que influenciam esses processos.
Tais estudos, embora apresentem diferentes perspectivas, pois seus
pressupostos possuem divergências e ambiguidades, têm contribuído para com esse
novo enfoque de desenvolvimento profissional, quando se constata que a formação
envolve toda carreira docente.
Nesse sentido, Marcelo García (1999, p.144) conceitua o desenvolvimento
profissional
como o conjunto de processos e estratégias que facilitam a reflexão dos
professores sobre a sua prática, que contribui para que os professores
gerem conhecimento prático, estratégico e sejam capazes de aprender com
sua experiência.
Defende ainda, o referido autor, que tal desenvolvimento deve estar
intimamente relacionado com a instituição educativa, na possibilidade de inovação
curricular, para melhor qualificação do ensino e da profissionalidade docente. Assim,
necessidade de se compreender a natureza e os diferentes contextos em que
ocorrem os processos de aprendizagem da docência
27
.
27
Requer uma capacidade de pensamento mais ampla, como também a capacidade de construir
sentido e de interpretar sentido aos outros (McEWAN, 1998).
60
As investigações acerca dos processos de desenvolvimento profissional têm
apontado diversas estratégias, em que se destaca a reflexão e a investigação como
componentes na construção desse desenvolvimento, tendo como referências as
experiências pessoais-profissionais e o enfrentamento das relações estabelecidas
entre as situações práticas incertas e os valores considerados educativos.
Isso remete à explicação a respeito das teorias de aprendizagens dos
adultos, referendadas por Marcelo García (1999), em que se tratando de mudanças
maiores, os professores reorganizam suas crenças ou concepções sobre o ensino-
aprendizagem, o contexto institucional, entre outros para, depois, adotarem
mudanças na prática.
Cabe ressaltar, também, que o desenvolvimento profissional implica não
indivíduos, mas essencialmente grupos: os professores como coletivo, os
formadores dos professores, os responsáveis pelas instituições formadoras e os
responsáveis pelas políticas de formação.
Todos esses grupos que influenciam, direta ou indiretamente, nos processos
de desenvolvimento docente deveriam contribuir na implementação de propostas
que tivessem como foco central um trabalho colaborativo
28
mais amplo, em que este
passe a constituir-se no próprio processo de desenvolvimento e aprendizagem
profissional, propiciando mudanças significativas a todos os envolvidos nesse
processo.
A palavra profissionalidade não está ainda dicionarizada; mas referindo-se à
questão da profissão professor, Gimeno Sacristán (1995a, p. 65) entende “por
profissionalidade a afirmação do que é específico na ação docente, isto é, o conjunto
de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a
especificidade de ser professor”.
Os profissionais, nas diferentes profissões, desenvolvem determinados
comportamentos, destrezas, valores, atitudes, constroem conhecimentos que
28
Proporciona tempo para investigação reflexiva e educativa, relativamente inexplorada ao
desenvolvimento docente (GOODSON, MEASOR e SIKES, 2004).
61
constituem o que é específico da profissão, ao que se chama de profissionalidade
(GIMENO SACRISTÁN, 1995a, p.65). No que diz respeito ao professor, refletir sobre
ela, segundo esse autor, remete ao “tipo de desempenho e de conhecimento
específicos da profissão docente”.
De acordo com as análises de Libâneo (2001, p. 63), a profissionalidade
docente pode ser definida como o “conjunto de requisitos profissionais que tornam
alguém um professor, uma professora”. Tais requisitos encontram relações com os
conhecimentos, as habilidades e atitudes necessárias ao exercício profissional que
diferem os professores dos profissionais, entre as mais diversas áreas.
Ao lado do desenvolvimento da profissionalidade, assume relevante papel
na profissionalização docente o enfoque cultural, que tem merecido destaque
singular no âmbito educacional, tendo em vista a complexidade da realidade e a
busca da sua compreensão. O conceito do que é profissionalidade docente não é
estático, sendo, portanto, constantemente elaborado.
E se tratando dos processos formativos, os dados sinalizam como
perspectiva para a formação inicial e continuada uma concepção da relação teórico-
prática que parte da realidade, a ser enfrentada, e do princípio de construção
coletiva do conhecimento profissional, junto à necessidade de considerar as
diferentes fases da carreira.
O conceito de desenvolvimento profissional, ressaltado por Almeida (2000),
pressupõe a ideia de crescimento, evolução e ampliação das possibilidades de
atuação dos professores. Nesse sentido, as duas dimensões da prática docente são
compatibilizadas, inseparavelmente: a qualificação do professor e as condições
concretas em que ele atua.
De acordo com Pachane (2004, p.8), convém destacar que
[...] a formação pedagógica do professor deve ser compreendida a partir da
concepção de práxis educativa, concebendo o ensino como uma atividade
complexa que demanda dos professores uma formação que supere o
desenvolvimento de habilidades técnicas, ou o conhecimento aprofundado
de um conteúdo específico. Dessa maneira, a formação pedagógica não se
62
limita ao desenvolvimento dos aspectos práticos (didáticos ou
metodológicos) do fazer docente, porém, engloba dimensões relativas a
questões éticas, afetivas e político-sociais envolvidas na docência.
O estudo sobre os processos de desenvolvimento profissional se concretiza
pela análise singular da construção de cada percurso, a partir das significações
próprias de cada professor, contemplando as dimensões (pessoal, profissional,
curricular, cultural e a de impacto) do seu trabalho, que são constituídas na inter-
relação.
Nesse entendimento, o desenvolvimento profissional abrange situações de
aprendizagens que afetam o processo de aprender a ensinar, tendo em vista o
crescimento intelectual e profissional docente, o qual pressupõe evolução e
continuidade (MONTEIRO; MIZUKAMI, 2001).
Assim, ao reconhecer o professor como profissional
29
, enquanto agente
dinâmico cultural, social e curricular (RAMALHO, 2003), o conceito de
profissionalização apresenta-se como o desenvolvimento sistemático da profissão,
fundamentado na prática e mobilização de conhecimentos especializados, que
favorecem o aperfeiçoamento das competências profissionais.
Constitui-se, pois, num processo de combinação entre as necessidades de
formação da IES com as necessidades e interesses pessoais formativos,
permanentemente revisados pelas ênfases pertinentes aos contextos de interação
pessoal e profissional.
Girassol, por ser professora de um curso de formação superior de outros
profissionais da sua área, simultaneamente, no mesmo tempo em que atua num
espaço de intervenção, considera fundamental que a relação entre teoria e prática
seja cada vez mais intensa, pelos resultados obtidos e resgate positivo das próprias
experiências:
29
Montero (2005) ressalta que a consideração do professor como profissional se baseia na sua
dedicação ao processo de ensino-aprendizagem, e não domínio de uma(s) disciplina(s), embora isso
seja conhecimento essencial no processo de profissionalização.
63
A bagagem prática que a gente tem, e quando estás ensinando relacionar
isso com a prática, contribui muito e os alunos, com frequência, dizem isso
pra mim: “Professora, a gente aprende tanto nas suas aulas, porque a
senhora traz casos clínicos, a senhora traz situações da prática e, daí, a
gente o esquece mais!” Eu acredito muito na prática diária, de trazer o
que está acontecendo na realidade, para dentro da sala de aula. Pra não
deixar aquilo que estás ensinando, não-palpável, muito longe do que es
acontecendo. Esta interação do conhecimento, no processo ensino-
aprendizagem, com a prática, vivência atual, acho que é super importante
para construir, para o professor conseguir tornar mais prazerosa esta sala
de aula. Sempre trago situações da minha vida, que eu nunca mais esqueci!
As doenças que a minha família teve, que os meus irmãos tiveram, eu fico
trazendo isso de acordo com o que eu vivi mesmo. Vou ser bem sincera,
nunca pensei em contar casos, que me contaram: aproveito as fontes
genuínas, com as experiências que eu vivencio (Girassol).
Assim, evidencio que a concepção de desenvolvimento profissional dos
professores pressupõe uma perspectiva de formação que prioriza o caráter
contextual e organizacional, direcionado para a mudança (MARCELO GARCÍA,
1999), a qual supera a visão individualista das ações de aperfeiçoamento docente
porque se desenvolve, sobretudo, nas relações consigo próprio em inter-relação com
os outros.
Cabe salientar, então, o entendimento de Bertrand (2001, p.203), quando
afirma que “[...] a formação deve desenvolver o espírito crítico, dar uma certa
abertura, um gosto pela pesquisa, a curiosidade, um modo de resolver problemas
numa sociedade democrática e competência polivalentes”.
Partindo dessa ótica, entendo que o processo de desenvolvimento
profissional defende a inter-relação da trajetória pessoal e profissional docente com
o da IES. Fernández Pérez (citado por MARCELO GARCÍA, 1999) salienta a
exigência, no processo, de promover a construção do saber específico, não trivial,
como fundamentação crítico-científica e autopercepção positiva do professor
universitário.
Em defesa de um ensino universitário, cada vez mais qualificado, Zabalza
(2004) sustenta a premissa de que a docência superior perpassa pela ideia do
profissionalismo, enquanto se constitui num exercício profissional complexo, que
exige formação específica.
64
Tal formação, muitas vezes considerada como dispensável em virtude da
“prontidão” dos profissionais em termos de preparação específica de sua área,
configura-se como necessária, tanto aos desafios pessoais quanto institucionais na
Educação Superior. Portanto,
[...] está claro que o desenvolvimento do pessoal deve estar intimamente
relacionado com as estruturas institucionais: mudanças estruturais podem
demandar uma formação suplementar, e certas estruturas universitárias
colaboram com a eliminação de desajustes e necessidades de formação
(ZABALZA, 2004, p.148).
Em prol de uma formação na perspectiva generalista, em relação aos
processos de ensinar e aprender, contrapondo-se à formação específica da própria
área do conhecimento, destaco as relações intersubjetivas que, dentre as questões
comuns à docência superior, são baseadas por princípios éticos e de
responsabilidade social, na construção do seu projeto de vida pessoal e profissional.
Veiga (2006) alerta para a necessidade de promover um projeto ético
profissional do magistério, sem desconsiderar a historicidade e a perspectiva social.
O foco central da dimensão ética do magistério está direcionado para um
questionamento mais aprofundado, democrático e responsável, como inerente ao
exercício da autonomia.
A partir do levantamento das necessidades formativas de cada IES, planeja-
se e propõe uma política de formação institucional que dinamize estratégias mais
adequadas às diferentes áreas do conhecimento, que integram o contexto da
pedagogia universitária.
Em relação ao desenvolvimento profissional, Nóvoa (1995, p.27) enfatiza
que práticas individuais de formação de professores “favorecem o isolamento e
reforçam uma imagem dos professores como transmissores de um saber produzido
no exterior da profissão”.
Nessa perspectiva, vale destacar o que afirma Day (2001, p.313):
Os conceitos e as abordagens tradicionais do desenvolvimento profissional
são redutores na sua capacidade de se articularem com as necessidades
65
individuais e com as necessidades do sistema, uma vez que não se
baseiam no entendimento das complexidades da vida e das condições de
trabalho dos professores, nem no entendimento de como os professores
aprendem e porque mudam (ou não).
as práticas voltadas para o coletivo, contribuem para a emancipação
profissional e consolidação de uma profissão que é autônoma, na produção dos
seus saberes e dos seus valores. Daí, a importância da constante reflexão acerca
das concepções, pois a escolha (nem sempre consciente), por alguma epistemologia
da prática, direcionar-se-á proporcionalmente ao modo de encaminhar o processo
coletivo de formação.
Consequentemente, qualquer tomada de decisão traz consigo um conjunto
de conhecimentos, que expressam valores e levam em conta uma série de questões
implícitas e explícitas, as quais tornam possível a realização de tarefas
diversificadas, por meio da comparação entre similaridades e discrepâncias das
situações que se apresentam.
Diante disso, Girassol contribui com essa reflexão, ao problematizar em
torno de questões desafiadoras e inquietantes que, geralmente, atravessam o
cotidiano de vida pessoal e profissional:
Por que o negativo aparece tão forte, assim, em detrimento do positivo nas
relações, até na educação, no cotidiano de vida das pessoas, na formação
profissional, na formação de valores, em tudo? Por que o ser humano, que
foi criado, por Deus, para viver de bem, pra viver em harmonia? Quando
algo acontece, que desestabiliza, isso se choca com a nossa natureza
humana de viver de bem. Por isso, às vezes, que um minuto de tristeza
estraga às 24h de felicidade. Então, é um valor de vida, que não eu,
como enfermeira e docente da Enfermagem, mas todos os professores
deveriam passar para os alunos, desde a pré-escola, entende? O que são
os valores de vida? E como a gente defende os valores de vida? Como a
gente pode amenizar os sofrimentos do cotidiano? Como a gente busca
força para amenizar isso? Nossa, por isso que eu disse da outra vez, o que
a gente tem, dentro de uma sala de aula, de poder para construir,
reconstruir ou desconstruir, né?
que se pensar, portanto, numa proposta curricular que vise articular um
projeto coeso, o qual necessita da coletividade, do querer diálogo, planejamento e
discussão sobre as condições de ensino e aprendizagem dos alunos, além da
própria formação docente, a qual não é, e tampouco pode ser estanque.
66
Neste novo século defende-se que o professor se constitui na prática. Em
consequência de esta postura epistemológica os saberes docentes,
advindos da pessoa, da formação profissional, da área de conhecimento
específica, da pedagogia curricular e da experiência passam a ocupar lugar
de destaque no estudo do professorado. Subjaz a epistemologia da prática
educativa a relação com a sociedade a qual o docente pertence, a relação
com a(s) instituição(ões) onde ele exerce o seu trabalho e não menos
importante a relação com seu eu pessoal e profissional (MOROSINI, 2006,
p.85-86).
Na busca de uma nova configuração ao processo de desenvolvimento
profissional docente, aliado a construção de redes de relacionamentos articulados,
Portal e Duhá (2005) enfatizam a emergência de se investir na capacitação de um
docente empreendedor íntegro e consciente. Em especial, destacam a necessidade
de articulação equilibrada entre o sentir, o pensar e o agir na ressignificação de
vivências, bem como na concretização dos propósitos educacionais.
Segundo Maciel (2009b, p.160-161), um programa de desenvolvimento
profissional voltado aos princípios humanizadores das relações, requer a implicação
de:
- autoconhecimento, permitindo a ecologia mental, na busca da qualidade
dos pensamentos e sentimentos;
- construção das bases práticas para a solidariedade profissional
30
, com
todos os copartícipes no contexto laboral;
- estímulo à reciprocidade das relações humanas, derrubando as barreiras
comunicacionais, cultivando a autenticidade na fuga da manipulação
psicológica, ideológica e emocional.
A formação pode favorecer o desenvolvimento profissional dos docentes à
medida que se constituam professores reflexivos, capazes de assumirem a
responsabilidade pelo próprio desenvolvimento profissional e de participarem, com
empenho e competência, na definição e implementação de políticas educativas
crítico-reflexivas.
Urge, pois, reconhecer que a trajetória de formação de professores como um
ato contínuo, sendo processo composto por várias fases distintas, que possui seus
30
Maciel (2009b) sinaliza que, ao conseguir essa solidariedade, o sujeito desenvolve a arte de educar
para a vida. Tal aspiração exige contexto humano, que privilegia a qualidade das relações, rompendo
os bloqueios da separatividade.
67
respectivos princípios éticos, didáticos e pedagógicos, independentemente dos
níveis de formação.
Portanto, no campo profissional, o desenvolvimento de uma carreira é
caracterizado como um processo e não por uma série de acontecimentos. Numa
abordagem sociopsicológica, trata-se de um estudo sobre o percurso de uma
pessoa-profissional numa série de organizações, compreendendo como a
singularidade desse sujeito e tais organizações influenciam-se entre si.
Nesse contexto, ao rever cada trajetória em sua universalidade, aponto a
importância da experiência pessoal na aprendizagem profissional
31
e da significação
pessoal de tal atividade. Esse processo investigativo sobre as concepções,
experiências e necessidades ao processo de formação docente ressignifica, como
fundamental, o compromisso para com o envolvimento, principalmente numa
sociedade em transição, em que mudança de paradigmas e a instauração
imediata de novas tecnologias.
Hoje, com esse novo paradigma de comunicação, principalmente quanto ao
veloz acesso às informações, vejo que as novas gerações têm outra relação com
seus próprios aprendizados: aprendem sobre o mundo, enquanto são estimulados a
serem espontâneos e autônomos.
E a trajetória profissional, construída também pelo entrelaçamento de
gerações, está associada à luta que se estabelece entre aqueles que se consideram
donos do mundo sociopedagógico e os que querem temporariamente atingí-lo, nas
vivências situacionais.
Vejo, então, em Levinson (1986, p.398) apoiado às ideias de Ortega y
Gasset, como primordial o destaque, nesse processo, frente a que somos
responsáveis não somente de nosso próprio trabalho e, talvez, do trabalho dos
31
Compreendida, segundo Maciel (2009c), como processo simultâneo, de desenvolvimento das
múltiplas possibilidades instauradas a partir da ambiência (interior e exterior) e de permanentes
avanços enquanto sujeito que se autorrealiza ao longo da vida.
68
outros, mas também da evolução da atual geração de jovens adultos que, em breve,
entrarão na geração dominante
32
.
Entendo os professores como uma geração pedagógica (ISAIA, 2006)
33
que,
cada vez mais, clama por reflexões fundamentadas acerca da profissão e trajetória
docente. Assim, a partir do estudo acerca das exigências e implicações à vida dos
professores, poderá emergir a reconstrução significativa dessa profissão, quando se
almeja um movimento de (re)organização social para os novos tempos.
Além disso, não posso deixar de considerar os possíveis processos de
emancipação dos sujeitos sociais, que fundamentam a trajetória de cada processo
vital. Ao processo de formação politizada dos professores (KINCHELOE, 1997)
destacam-se, entre outros, o questionamento de seus sistemas de crença, suas
tentativas para desacomodar de uma cultura validada e os seus esforços para
transcender, ao encontrarem alternativas de pensamento diferenciado.
A formação dos professores é concebida enquanto compromisso político,
pois os sujeitos de intervenção [...] agem de maneira a levar à manutenção ou à
transformação dos arranjos institucionais dominantes da escolarização e das
atitudes sociais, econômicas e políticas que os acompanham”, conforme argumenta
Kincheloe (1997, p.200).
A educação na sua diretividade, enquanto ação especificamente humana,
reflete a sua politicidade inerente à concepção freireana. A qualidade de ser política
está enraizada na própria educabilidade do ser humano, por sua condição histórica,
inconclusa, que necessita eticamente fazer opções e tomar decisões em sua
trajetória vital.
A universidade e seu professor, nas ações de interação com significado, têm
o importante papel de ser fator chave para o desenvolvimento humano e social, na
32
Tradução realizada pela autora deste estudo.
33
Situam-se na mesma dimensão temporal e compartilham, entre si, valores, crenças, convicções e
estilos próprios de compreender e experienciar a docência, como modos diferenciados de interação
na trajetória formativa, a ser empreendida pelos professores e a instituição em que atuam (ISAIA,
2006).
69
formação das próximas gerações. Portanto, pela consideração das perspectivas
regional e global emerge como desafio da Educação Superior o compromisso
colaborativo para com o desenvolvimento humano e social.
Measor e Sikes (2004) defendem, então, a necessidade de priorizar a
abordagem interacionista na formação, que contemple o mundo de significados
subjetivos, as realidades e intenções dos envolvidos. Portanto, a fim de que os
professores possam desenvolver-se profissionalmente (DAY, 2001), faz-se
necessário atentar ao pensamento crítico-reflexivo aos propósitos morais, bem como
às suas destrezas pedagógicas e de gestão, pela via dos contextos culturais e de
liderança em que trabalham.
Além das influências do contexto, no qual se encontra inserido(a), cada
professor(a) pode ser capacitado ao enfrentamento dos desafios postos, também por
suas próprias visões de mundo.
Nessa perspectiva, Girassol se posiciona de forma inquieta, mas reflexiva,
ao propor a seguinte discussão:
E como estar aberta a este desafio? Porque, aí, vem uma das habilidades
que eu vejo muito forte, no fazer docente, na Área da Saúde, que é a nossa
flexibilidade nessa receptividade com o novo. Acho que isso é muito forte, a
gente tem que estar sempre aberto. Ter a humildade de saber, que a gente
sempre tem coisa para aprender. Eu sempre digo: Eu não sei nada, a cada
dia, quanto mais eu leio, parece que menos eu sei! Relacionado ao fato de
que não é, por ser professor(a), de que tu não tens mais nada para
aprender, que só tens para ensinar, porque a gente aprende muito,
ensinando. que a gente sabe que existem professores e professores,
assim como enfermeiros e enfermeiros. No momento em que o professor é
humilde, ele quebra a barreira do medo e, daí, acontece esta reciprocidade.
Entretanto, Goodson, Measor e Sikes (2004) ressaltam o entendimento de
que é preciso ter ciência dos incidentes críticos da vida, assim como as fases
importantes da carreira, pois ambos afetam as percepções e práticas cotidianas,
especialmente quanto ao desempenho profissional docente.
Nesse sentido, algumas qualidades são fundamentais a esse processo,
segundo Caine e Caine (citado por DAY, 2001, p.309):
70
- o sentido de autoeficácia fundado na autenticidade;
- a capacidade de construir relações que facilitam a auto-organização;
- a capacidade de estabelecer ligações entre sujeitos, disciplina e vida;
- a capacidade de se envolver num processo reflexivo, de crescer e de se
adaptar.
Quanto à promoção e incentivo ao desenvolvimento profissional docente,
faz-se necessário a realização de levantamento e análise sistemática das
necessidades formativas, possibilitando reflexão conjunta e pertinente às prioridades
elencadas.
Conforme Moyne (2000) é próprio da formação do professor(a), como
pessoa, o reconhecimento consciente do quanto as interações continuadas entre o
sujeito, suas emoções e representações do próprio papel social colaboram diante de
diferentes necessidades dos alunos e dos propósitos a serem alcançados, por cada
professor(a).
Porém, a formação do desenvolvimento profissional docente, quando
configurado na forma de uma construção técnica, não produzirá profissionais
reflexivos e autônomos, que assumam a responsabilidade do próprio
desenvolvimento profissional, por meio de uma autoconscientização.
Assim, muito além de uma proposta concebida como treinamento prévio, o
desenvolvimento profissional é pautado por princípios em forma de compromisso
reflexivo
34
entre sujeitos, que gera a mobilização intencional do processo da própria
formação, a partir das contribuições representativas e de competências já existentes.
Portal (2006, p. 116), corrobora que
a nós professores cabe investir nos processos de autoconhecimento e
autodesenvolvimento, que implica responsabilizarmos pelo projeto do nosso
crescimento, tornando-nos sujeitos/agentes transformadores, criadores e
diretores do nosso próprio projeto de vida.
O autoconhecimento, nessa perspectiva, possibilita o surgimento do eu mais
consciente e proativo para orientar ações futuras e, com isso, reexaminar as opções
34
Permite adotar postura crítica que possa contribuir ao desenvolvimento de uma explicação mais
detalhada de nossas práticas. É frutífero, se amplia a compreensão e produz melhores
consequências, ao expressar o que se faz e porque o faz (McEWAN, 1998).
71
feitas, ao longo da caminhada. A partir desse reconhecimento essencial, em busca
de mais equilíbrio interno e externo, o sujeito está disposto livremente à vida, muito
além de si próprio.
Maciel (2009b) enfatiza que, num processo de autoconhecimento e
autocura, a própria pessoa permite-se a encontrar alternativas favoráveis como
medidas de prevenção e de cuidado
35
.
Para além do cunho pessoal, Girassol relaciona essas questões com a
própria escolha profissional na Área da Saúde, que se baseia por tais alternativas e,
no desenvolvimento da docência, revela outras dimensões mais contextuais,
repletas de significados.
Isso ajudou muito na minha escolha profissional, porque vejo enfermagem
como profissão de gente que cuida de gente, mas é um cuidado diferente
do que a gente cuidava antigamente. Hoje, o cuidado é tu enxergares além
do que os olhos estão vendo, tu não tens que olhar para aquela pessoa
na parte externa, no biológico dela, mas o quê aquele olhar diz, o quê
aquele sorriso diz, o quê aquela postura diz. Eu consigo trazer muito disso
pra sala de aula, quando eu estou ensinando enfermagem, relaciono muito
com a prática. Até na disciplina, que ministro, sempre digo a eles: “pra
vocês entenderem a doença, vocês têm que saber o normal”, né? Então,
muitas vezes, eu ensino o que é o normal, por meio da patologia; porque,
por meio da patologia, o ser humano é acostumado, nós fomos educados a
valorizar mais o lado patológico. Podes ver assim, quando tudo está bom,
ninguém faz nada. Relaciono muito o estudar enfermagem, o cuidar em
enfermagem, hoje, o patológico, porque as pessoas potencializam mais o
patológico, e a gente tem que saber agradecer, todos os dias, a nossa
normalidade.
O sujeito professor(a), ao observar o cotidiano de suas relações reserva,
nele, momentos para si e reconhece o quanto estes são favoráveis à revitalização de
sua energia produtiva, especialmente no âmbito do trabalho. Assim sendo, a
formação deve favorecer o desenvolvimento profissional dos professores, a partir de
uma prática reflexiva, haja vista que nas diversas situações cotidianas enfrentadas
pelos professores, no universo acadêmico, a cada situação necessita-se de uma
ação única, mas globalizada e contextualizada nesse universo.
A gente tem um compromisso com a verdade
Não dá mais pra ficar brincando de viver
Tô muito a fim da minha verdadeira identidade
35
Maciel (2009b) destaca, ainda, a premissa de que tendo cuidado e consideração para si,
consequentemente, esse cultivo transfere-se à relação com o outro.
72
Bateu em mim uma vontade de me conhecer
A gente tem um compromisso com a vida
Não posso passar pela vida sem saber quem sou
Quero sentir dentro de mim
Todo universo em ação
Quero sentir o amor profundo no meu coração
*
*
Trecho da música “Compromisso”, letra de autoria de Fábio Jr.
3 SER PROFESSOR(A) DA EDUCAÇÃO SUPERIOR: DESAFIOS NO PROCESSO
DE APRENDIZAGEM
Eu quero apenas um vento forte,
Levar meu barco no rumo norte
E no caminho o que eu pescar
Quero dividir quando lá chegar
Quero levar o meu canto amigo
A qualquer amigo que precisar
[...]
Venha comigo olhar os campos,
Cante comigo também meu canto
Eu só não quero cantar sozinho,
Eu quero um coro de passarinhos
Quero levar o meu canto amigo
A qualquer amigo que precisar
*
Ao pensar na produção histórica da formação e profissão docente, posso
compreender que as necessidades e as exigências colocadas, aos professores, não
são sempre as mesmas. No Brasil, alterações significativas ocorreram no campo
político-pedagógico nas últimas décadas, consequentes de reflexos e orientações
internacionais, por meio de variadas normatizações que atribuem caráter
determinante às relações Estado/Universidade (MOROSINI, 2000).
A legislação educacional brasileira vigente, de maior importância, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN (Lei 9.394/96), não
caracteriza quem é o professor universitário, no âmbito de sua formação didática,
pois isso fica subentendido, quase omisso no registro legal. Diferentemente dos
outros níveis de ensino, quando o professor é bem melhor referenciado, no ensino
superior, a competência docente está atrelada ao domínio da área de conhecimento,
em que atua.
Questões novas passam a ocupar lugar comum: quem é o docente
universitário? Ele es preparado para acompanhar as mudanças do
terceiro milênio? A complexidade da resposta pode ser vista de diversos
ângulos. Se nos reportarmos à formação docente, não uma unidade.
Exige-se, cada vez mais, capacitação permanente em cursos de pós-
graduação da área de conhecimento. Mas o docente está preparado
didaticamente para o exercício acadêmico? Por premissa, considerando o
*
Trecho da música “Eu quero apenas”, letra de autoria de Roberto Carlos e Erasmo Carlos.
74
tipo de graduação realizada, encontramos, exercendo a docência
universitária, professores com formação didática obtida em cursos de
licenciatura; outros, que trazem sua experiência profissional para a sala de
aula; e, outros ainda, sem experiência profissional ou didática, oriundos de
curso de especialização e/ou stricto sensu (MOROSINI, 2000, p.11).
Alguns estudos não enfocam especificamente o início da profissão, mas
partem de uma perspectiva sociocultural e da análise dos professores sobre sua
prática, considerando a sua constituição.
Tais estudos refletem sobre a etapa inicial da carreira, sobre a passagem de
estudantes a profissionais (FONTANA, 2000a; ROSEMBERG, 2003; PEREIRA,
2003, entre outros), concebendo tal constituição como uma trama, construída
cotidianamente pelos próprios professores, que não depende, exclusiva ou
necessariamente, dos anos de experiência.
Vale ressaltar que a ênfase na produção acadêmica bem como o maior
estímulo à pesquisa não ocorre apenas no Brasil, podendo ser observada no
contexto internacional através do trabalho de Benedito, Ferrer e Ferreres (1995),
Kennedy (1997, citado por PACHANE, 2004) e Marcelo García (1999), que
enfatizam a necessidade de que esta situação, como também a falta de formação
para o magistério superior, seja revertida.
A formação exigida para docência no ensino superior tem se concentrado
no conhecimento aprofundado de determinado conteúdo, seja ele prático
(decorrente do exercício profissional) ou teórico/epistemológico (decorrente
do exercício acadêmico). Pouco, ou nada, tem sido exigido em termos
pedagógicos [...] Iniciativas no sentido de oferecer ao (futuro) professor
universitário maior preparo em relação à atividade docente, embora
existentes, são ainda esparsas e carecem, a nosso ver, de maior
aprofundamento teórico, bem como de estudos que procurem conhecer, de
modo mais sistematizado, seus resultados (PACHANE, 2004, p.1).
Segundo Cunha, Brito e Cicillini (2006), o desafio que se impõe é o de
colaborar no processo de passagem de professores, que se percebem como ex-
alunos da Universidade, para ver-se como professor na própria IES.
Quando eu comecei a dar aula, claro, o que aconteceu? Olha, então, é
assim: me formei, que no ano anterior, quando eu era aluna ainda, tinha
alunos do 1º, sem. que eram meus colegas de faculdade. E o que
acontece: em março, eu entro e tenho que dar aula pra eles, entendeu? Isso
foi um desafio! Lembro-me até hoje, dos alunos que iam com os livros,
75
debaixo da classe, pra me questionar, eu quase morria! (voz mais baixa)
Mas eu, sempre dizia: “Eu vou agradecer, cada vez, que vocês fizerem uma
pergunta pra mim, que eu não souber responder. Sabem por quê? Porque é
sinal que vocês estão me fazendo enxergar as coisas de outro jeito, e isso
aumenta o conhecimento da gente!” e, até hoje, eu digo: Podem me
perguntar o que vocês quiserem: se eu não souber, eu vou atrás e vou dizer
que não sei, com a maior humildade do mundo! Tu não tens noção de
como estudei! (Girassol)
Este é o desafio de construir a sua identidade de professor universitário,
para o qual os saberes da experiência são insuficientes. Além das variáveis do
contexto, nesse processo de converter-se em professor, entram em cena as
experiências vivenciadas na sua trajetória como aluno e as aprendizagens que, por
observação, acumulou e serão referenciais, por um momento, para constituir a
própria postura nesse perfil profissional.
Sobre o rito de passagem de aluno a professor da Universidade, Tardif,
Lessard e Lahye (1991) consideram que, no exercício cotidiano de sua função, o
professor defronta-se com vários limites concretos que não são previsíveis e
passíveis de uma definição acabada.
Dentre as linhas básicas de desenvolvimento dos programas de formação
dos professores universitários, elencadas por Zabalza (2004), evidencio o
entendimento dos docentes como profissionais da aprendizagem, quando exercem o
próprio ofício a partir do desenvolvimento das competências (científica e
pedagógica), enquanto conhecedores do seu universo científico e engajadas,
comprometidamente, com a formação de outros sujeitos aprendizes.
Esses programas balizam-se pela concepção de que a formação docente
ocorre num processo em continuidade e que a fase inicial da carreira do professor
apresenta necessidades específicas. São importantes na medida em que podem
proporcionar uma assessoria aos docentes iniciantes, possibilitando a construção de
uma rede de apoio e um elo entre a formação inicial e o desenvolvimento
profissional, ao longo da carreira.
76
Mais recentemente, as pesquisas e teorias sobre o ensino superior vêm
colocando o seu foco na aprendizagem, ou melhor, nas categorias de interação e
significação do processo de ensino e aprendizagem.
A partir dessa perspectiva, Huberman e Schapira (2000) reafirmam que os
primeiros anos de docência implicam, ao professor, inúmeras dificuldades que ele
precisa resolver sozinho, antes de obter segurança pessoal, a qual é fonte de
evolução para si e para os alunos.
Uma das minhas preocupações era ensinar da melhor maneira, que eu
aprendia, me transportando para o lugar do aluno. E do que eu não gostava
que fizessem nas aulas, eu procurava não fazer. Às vezes, pensando nisso,
que a gente se bem! Isso é empatia, né? É tu te “colocares no lugar de”,
aliás, não é nem “se colocar no lugar de”, é “estar com [...] Tu ficas com um
na tua realidade, e outro na realidade dele, pra ajudá-lo a levantar [...]
Então, acho que a gente, como professor(a) tem que ter isso, a gente tem
que estar com o aluno (Girassol).
Esse período de iniciação profissional passa a ser ressignificado, como
indicou a Profª. Girassol, pois envolve momentos em que os professores não
ensinam, mas aprendem com seus interlocutores. Tal período se estende desde a
formação inicial até as primeiras experiências como docentes, quando “se voltam
para a construção de novas ideias necessárias à gestação e à criação de um novo
mundo profissional/pedagógico” (ISAIA, 2009, p.97-98).
Entretanto, por um processo contínuo, compreendo que a formação dos
professores universitários não se encerra na sua qualificação profissional,
predominantemente nos cursos de pós-graduação. Porém, começa antes mesmo do
início de sua carreira docente, nos contextos escolares ou acadêmicos enquanto
alunos, tal como sinaliza Girassol:
Eu chamo a atenção para o seguinte: tu achas que o mestrado ou o
doutorado, hoje, prepara para ser professor(a)? Não, prepara para a
docência! Pra ser pesquisador(a), entendeu? Eu fiz doutorado e nunca, no
doutorado, fui aprender a ser professora. E a instituição exige que tu tenhas
doutorado, pra ser professor(a); olha, parece uma incoerência, né? Ensinam
pra ser pesquisadora e, mesmo assim, tu não vais ensinar pesquisa, às
vezes vai ensinar outras disciplinas, que não é o teu foco. Eu vejo que o
doutorado e o mestrado não me ensinaram a dar aula, mas abriram os
olhos, para eu ser mais crítica, com as atitudes de ser professora. Por
exemplo, quando tu vias uma professora que te ensinava de um jeito, que
administrava a sala de aula de um modo especial. O professor tem que ser
líder, e como tem que ser líder! Então, aprendi tudo isso no doutorado e no
77
mestrado, o que é um professor saber liderar uma sala de aula, e um
professor que não sabe liderar uma sala de aula? Um professor que te
chama à atenção, que te prende à sala de aula, e aquele que não te
desperta. Aquele que te intimida, e aquele que te potencializa, que te
desinibe.
Entretanto, reconhecer essa coerência corresponde a uma necessidade
frente às opções feitas (FREIRE, 1995), que não pode ser absoluta, tendo em vista
que evolui no aprendizado pela percepção e identificação das incoerências, de
forma surpreendente no decorrer das vivências.
Ainda como aluno, o sujeito aprendiz toma contato com seus primeiros
exemplos de conduta docente, os quais podem se estender ao longo de todo
período de atuação, como processo de constante aperfeiçoamento (MARCELO
GARCÍA, 1999; BENEDITO; FERRER; FERRERES, 1995; PIMENTA;
ANASTASIOU, 2002).
Ainda, o poucos os estudos que têm sido feitos sobre a formação
pedagógica e a prática cotidiana do professor universitário. Conforme os estudos de
Cunha, Brito e Cicillini (2006), isso revela o pouco valor dado à formação pedagógica
desse professor.
Nessa lógica, o(a) professor(a) vem construindo uma competência técnico-
científica, reconhecida e legitimada pelos seus pares e alunos e, no âmbito
institucional, a formação pedagógica, muitas vezes, está relegada a um curso de
pós-graduação, no qual consta alguma disciplina afim.
É notório que os programas de doutorado e mestrado são configurados
numa forma que privilegia a especialização, com ênfase ao conhecimento e numa
preparação de pesquisadores na determinada área. Por isso, quando
supervalorização das titulações acadêmicas, isso não garante competência
pedagógica
36
, até porque, como enfatiza Morosini (2000, p.19):
36
Construída na ocupação do espaço pedagógico e científico próprio, na originalidade das
produções, trajetória evolutiva e de méritos reconhecidos. Como dinamizadora de nova cultura
acadêmica, produz a vida, profissão docente e instituição (MACIEL, 2009a).
78
A pedagogia universitária no Brasil é exercida por professores que não têm
uma identidade única. Suas características são extremamente complexas,
como complexo e variado é o sistema de educação superior brasileiro [...]
Na base desta realidade, a política de formação de professores para o
ensino superior é realizada de forma indireta. [...] A formação docente
especifica diretamente cursos de capacitação em pós-graduação, mestrado,
doutorado e inclusive cria índices avaliativos e estabelece prazos [...]
diretamente, o governo não estabelece normas de capacitação didática do
docente. [...] Até então, a formação docente baseava-se no princípio do
laissez-faire, entretanto, com a chegada do Estado Avaliativo, as
instituições, inicialmente, elaboraram políticas de capacitação em cursos de
pós-graduação. Mais recentemente, verifica-se um movimento nas políticas
de buscar a qualificação didática de seus professores, tendo em vista que
medidas avaliativas, de forte resultado, foram implantadas avaliando o
desempenho dos alunos da instituição.
Entretanto, não se trata de negar a importância da pesquisa para o
aprofundamento de seu campo científico (FERNANDES, 1998), mas de situá-la em
sintonia e interpenetração com outras dimensões, tão necessárias e complexas para
construção da identidade do ser professor(a), ainda mais no contexto da Educação
Superior.
Ao tratar sobre a Educação Superior, a partir do domínio da educação de
adultos, Josso (2004) menciona o surgimento do termo formação e autoformação, os
quais são indissociáveis e estão imbricados ao processo socioantropológico do
aprendente. Ambos permeiam a relação pedagógica no processamento das
interações influentes entre si que, enfrentadas como desafios, requalificam a
aprendizagem dos sujeitos adultos.
Quando entrei para trabalhar no hospital, isso é uma coisa que eu sempre
conto para os alunos em sala de aula, o que é a gente ter medo do
desconhecido? Entrei e a gente preenchia uma ficha, que dizia aonde,
quais os locais possíveis, que a gente gostaria de trabalhar. Eu escrevi dois
locais que eu não queria trabalhar, e aonde me colocaram? Num desses
dois, mas hoje agradeço a Deus. Sempre falo, aos alunos, por que eu o
queria trabalhar lá? Porque eu não conhecia, e isso é um desafio, o
desconhecido sempre é um desafio pra nós, independente de onde a gente
está, de como se apresenta, ele é um desafio! (Girassol)
O transcorrer da vida adulta, por si só, constitui-se por momentos marcantes
dos sujeitos, instigados pela abertura a mudanças, transformações e sensibilidade
às variadas fontes de influência (ISAIA, 2009). Nesse processo de aprendizagem
79
cotidiana e permanente, acontecem perdas, aquisições e reorganizações
importantes à evolução necessária como aprendizes, ao longo da vida.
Tendo em vista que a formação, pelo viés do aprendente, emerge um
conceito gerador, este advém de observações em termos de:
processos, temporalidade, experiência, aprendizagem, conhecimento e
saber-fazer, temática, tensão dialética, consciência, subjetividade,
identidade. Pensar a formação do ponto de vista do aprendente é,
evidentemente, não ignorar o que dizem as disciplinas das ciências do
humano (JOSSO, 2004, p.38).
Por isso, pensar a formação partindo deste pressuposto, pelo foco de
observação do aprendente, contempla, acima de tudo, os estudos problematizados
pelas ciências humanas. É preciso, portanto, buscar a interpretação dos processos
formativos e suas articulações relevantes no devir do cotidiano.
Na perspectiva do aprendente, os processos de formação ocorrem na
interação com o meio, em contato com outras subjetividades, o que configura uma
aprendizagem de cunho experiencial. Por reconhecer que o sujeito professor(a)
precisa saber interagir, Girassol retoma essa necessidade, ao apontar sua
compreensão:
O que é esta interação? O que eu entendo e o que eu defendo como
interação? É tu lançares a idéia, o conhecimento, e perceberes, pela
percepção, que as pessoas estão te entendendo. Então, passas a interagir
com essas pessoas. A interação vai muito mais além do que a dicção, a
oratória e, também, está muito ligada à ambiência. O quanto que, no
momento em que ensinas algo, tu instigas quem está aprendendo a
construir aquele conhecimento, de forma diferente ou não; o quanto que tu
instigas esta pessoa, este aluno, a relacionar aquele conhecimento com a
prática, ou não.
Como salienta Josso (2004, p.38), “os processos de formação dão-se a
conhecer, do ponto de vista do aprendente, em interações com outras
subjetividades”.
Em relação ao conhecimento próprio da profissão docente, destaco a
necessidade de articulação entre os conhecimentos disciplinares e os pedagógicos,
80
visto que ambos constituem, e se repercutem, na formação inicial e continuada dos
professores.
Para Santos (1996), a crise que hoje se vive inclui condições sociais e
teóricas, ao recuperar ideias que, embora inconcebíveis dentro do paradigma
dominante, foram sobrevivendo em discursos marginais. No estudo que desenvolve
acerca do novo paradigma, o referido autor acredita que deixarão de existir as
distinções básicas em que se assenta o paradigma dominante, ao evidenciar que o
paradigma científico, o qual deverá emergir, atenderá os preceitos de um paradigma
social para além da cientificidade.
Configura-se, então, em nova aprendizagem que substitui a evolução-a-partir-
do que sabemos pela evolução-em direção-ao que queremos saber; desta maneira,
toda a caracterização da crise do paradigma dominante (SANTOS, 1996), traz
consigo o perfil do paradigma emergente, onde o processo de conhecimento pode
ser entendido como uma aventura encantada.
Tal consciência pode ser percebida nas palavras de Girassol, quando revela
sua concepção ao reconhecer a relevância da apropriação do conhecimento como
melhor subsídio à prática profissional:
[...] no momento que tu tens conhecimento técnico-científico, considero isso
uma bagagem pra conseguires instigar as pessoas a construírem o
conhecimento. Tu não vais repassar conhecimento, porque ser professor
não é repassar conhecimento, é tu instigares as pessoas a pensar no que já
existe, e se aquilo está bom assim e se tem que melhorar. Como que as
pessoas podem melhorar? Vejo conhecimento técnico-científico como
processo dinâmico, não é estanque, o qual tem que se adaptar a realidade
de acordo com a evolução dos serviços, da humanidade e dos cenários de
trabalho; no momento que tu tens conhecimento, ficas com uma habilidade
de flexibilidade.
Santos (1988) enfatiza que a concepção humanística das ciências sociais, a
partir da progressiva fusão com as ciências naturais, coloca o sujeito enquanto autor
do mundo no centro do conhecimento, ao declarar que não natureza humana
porque toda a natureza é humana, e que o ato de conhecimento e o produto do
conhecimento não são inseparáveis.
81
Nesse paradigma emergente, a professora e o professor não se constituem
mais naqueles idealizados profissionais que deveriam separar seus interesses,
desejos, vontades, angústias e sonhos, enfim, sua vida pessoal da profissional.
Consequentemente, vale ressaltar que a ideia-chave do processo de autoformação
humana requer a compreensão do conhecimento, por sua ressignificação
fundamental em autoconhecimento.
Bertrand (1994) evidencia que modelos epistemológicos referentes ao
sujeito que desvelam a contínua interação entre a forma como se compreende o
mundo e quem se é. O foco de análise, portanto, implica reconhecer a pessoa como
agente de sua aprendizagem, com prioridade no desenvolvimento de competências
potencializadoras de significados para a totalidade da vida:
A Girassol, para mim, é mais do que uma professora, ela é amiga e
companheira. Sempre disposta a auxiliar, mesmo com seu escasso tempo,
ela arruma meios de se comunicar e se fazer presente. É super profissional,
consegue prender a atenção com sua matéria, mesmo nos dias em que me
sinto dispersa. A enfermeira Girassol, bom, ainda, quero ter a sorte de poder
fazer parte de sua equipe, pois, com ela, sinto que posso aprender muito
além da didática que estou habituada no campo acadêmico (Cássia, aluna
de Girassol, com quem conviveu por um semestre letivo).
Girassol é uma pessoa extremamente humana que soube me ajudar num
momento muito difícil (quando perdi o meu filho) e me motivar. Uma
excelente enfermeira, acima de tudo humana, carinhosa; como professora,
amiga e de um saber inexplicável (Anja, aluna de Girassol, que a conhece
por sete anos).
A prática da reflexão sobre o explicar científico acontece por proposições
gerativas (MATURANA; VARELA, 1995), no âmbito das experiências dos
pesquisadores, sem suposições prévias de um mundo objetivo e independente do
contexto da investigação. Segundo esses autores, um pensar consciente, perceptivo
do fenômeno estudado configura, por meio da descrição e conclusão reflexivas, uma
nova percepção para olhar o mundo, pelo que afeta a dinâmica contextual, interna e
externamente.
Nesta ótica, vislumbro a proposta de interpretação de mundo e dos
fenômenos que nele ocorrem, reconhecida pelo pensamento complexo (MORIN,
1998), sem a existência de uma lógica para relações aparentemente sistêmicas, no
82
sentido de uma complexidade da "ordem dentro da desordem", ou a "certeza da
incerteza".
O enfoque sistêmico das relações considera o grupo de interação como
sistema vivo complexo e, por isso, toda relação pedagógica precisa ser
compreendida num sistema não linear, independente de causalidade (DUCROS,
2000). Cada palavra, gesto, atitude e comportamento, também, são estímulos e
reforço de respostas nesse processo interativo.
A ciência, a partir desse novo paradigma, confirma que o ser humano não é
mecânico, pois vive de incertezas e desordem, visto que sua mente não pode
conceber o mundo que o circunda por estruturas fixas. Estas podem ser mutantes,
imprevisíveis e auto-organizáveis, pertencentes a um sistema aparentemente
caótico, por onde o mundo se autorregula e se auto-organiza (MORIN, 1998).
Em decorrência, na prática pedagógica universitária, direcionada à formação
de profissionais, emerge a discussão da ação interdisciplinar que ressignifica o
trabalho docente pela necessidade de outra percepção dos conhecimentos, nos
processos de aprendizagem tanto do professor na docência, quanto dos alunos em
formação.
Girassol, enquanto formadora de outros profissionais de sua própria área,
repensa o próprio contexto:
Hoje, a gente prima muito pela interdisciplinaridade e, por isso, tem que
aprender a relacionar as diferentes ciências, porque se complementam, se
completam e nunca, és tu o dono da verdade, nem é a tua verdade que vai
prevalecer. Por que falo isso? Hoje, o ensino em Saúde é interdisciplinar, tu
tens que saber relacionar aquele conhecimento com as outras ciências,
senão ele, por si só, não tem valor! Tu não vais te formar enfermeiro
fisiologista, e sim enfermeiro. E por isso, tem que saber de anatomia,
fisiologia, biofísica, bioquímica, de tudo. que pra aprender fisiologia, tu
tens que ter anatomia, saber bioquímica, citologia, embriologia, entendeu?
É esta conexão com as diferentes ciências, quando se está ministrando
aula, a gente tem que “puxar” isso para os alunos porque, às vezes, eles
não se dão conta. Como é que as pessoas estão ensinando? O que as
pessoas estão ensinando? Então, vejo isso muito forte, não na
Enfermagem, em todos os Cursos da área da Saúde prima-se pelo ensino,
pela atenção e pelo cuidado interdisciplinar. A tua ciência vale muito mais,
quando ela consegue se relacionar com as demais. É preciso ser humilde,
porque precisas delas!
83
No acompanhamento do novo paradigma que se descortina, por meio de
uma visão ecossistêmica, complexa, interdisciplinar ou empreendedora, entre outras
denominações, destaco outro movimento, por si diferenciado, de pensamento e
compreensão da realidade vivida, multidimensional e em constante configuração.
A perspectiva teórica de pensar a profissão docente, como um lugar de
constituição do sujeito (FONTANA, 2000b), problematiza as noções de ciclos e
desenvolvimento profissional, ao colocar em pauta alguns sentidos que perpassam
esses conceitos.
O comportamento profissional dos professores se guia por um complexo
sistema de conhecimentos, crenças, valores, teorias, princípios, os quais norteiam a
sua atividade. Assim, ao revisitar os próprios processos de formação, o(a)
professor(a)
[...] se refere ao campo presente, isso não significa que a matriz não fornece
informações sobre as outras dimensões do tempo vivido. O professor refere-
se ao seu passado e presente e se imagina no futuro em função das
necessidades de seu eu profissional
37
(ABRAHAM, 1987, p.111).
A noção de “eu” abrange um complexo subjetivo
38
, constituído pelas
relações inter e intrapessoais, que envolve marcas significativas que dizem respeito
às caracterizações pessoais e do grupo (ISAIA, 2009). Como sistema
multidimensional, o eu profissional
39
compreende as relações do professor, a partir
de si próprio, com a comunidade da qual faz parte, enquanto sistema dinâmico que
está representado por imagens, atitudes, valores e sentimentos.
Nessa perspectiva de entendimento, ressalto a concepção de Josso (2004,
p.165):
37
Tradução realizada pela autora deste estudo.
38
Busca a unidade multidimensional, diversificada e multidirecional, que valoriza o subjetivo e
qualitativo. O progresso como evolução do ser humano, no processo de tornar-se humano, que
constitui a subjetividade na alteridade (COLLA, 1999).
39
Compreende as relações do sujeito consigo mesmo e com os outros significantes de seu campo
profissional, tanto em nível consciente quanto inconsciente, por imagens, atitudes, valores, desejos,
sentimentos e tensões (ABRAHAM, 2000).
84
[...] Caminhar com os outros passa, pois, tanto por um saber-caminhar
consigo, em busca do seu saber-viver, sabendo que cada encontro será
uma ocasião para se aperfeiçoar ou de infletir, até mesmo de transformar o
que orienta o nosso ser-no-mundo, o nosso-ser-dentro-do-mundo, o nosso
ser-com-o-mundo num paradigma da fragmentação, de uma abertura ao
desconhecido, na convivência consigo, com os outros e com os universos
que nos são acessíveis.
Os processos de formação configuram, fundamentalmente, o
desenvolvimento singular dos professores enquanto cidadãos e profissionais que
estão assumindo e responsabilizando-se como protagonistas do próprio transcurso,
num contexto de produção cada vez mais autônoma de sua profissão.
Por considerar tal argumento, a autonomia profissional docente se constitui
num dos aspectos fundamentais da condição de cada professor(a), pela capacidade
de gestão das próprias decisões profissionais, na perspectiva de autorregulação no
âmbito dessa atividade profissional.
O sujeito é constituído pelo atravessamento de tantos valores e, ao mesmo
tempo, resulta em uma unicidade através de um eterno movimento entre um
processo de subjetividade individual e coletivo
40
, que não é apenas decorrência
natural de um somatório de experiências vividas.
Goodson, Measor e Sikes (2004) defendem que estudos sobre a vida do
professorado permitem reconhecer as pessoas, em conexão com a história do seu
tempo. Além disso, é possível ter maior visibilidade da intersecção entre a história de
vida e a da sociedade em geral, o que facilita melhor compreensão de
possibilidades, contingências e opções que se abrem ao sujeito.
É necessário ter, pois, profissionais da educação com identidade própria,
o para se ater rigidamente a essa identidade e se fechar à dialeticidade e
provisoriedade de todo paradigma, mas, sobretudo, para que possa ter um
referencial coletivo que possa ser inclusive debatido e superado, quando necessário.
40
O eu individual envolve um complexo subjetivo. Assim como o eu individual, o eu grupal é
influenciado pelo contexto educativo, no qual o grupo atua e envolve suas diversas forças
construtivas (ISAIA, 2009).
85
Como bem afirma Colla (1999, p.125), o professor deve partir de si mesmo
e não do outro para decidir o que fazer na sua ação docente, e deve considerar o
fato de que as relações de poder interseccionam a constituição da subjetividade, em
um processo de influência mútua.
Entretanto, segundo Girassol, tem professoras que não transcendem, pois
fazem o jogo do poder, centralizador e com relações verticalizadas, numa
perspectiva mais autoritária: tudo isso traz lição, alerta, até porque o conflitos,
que só ajudam a gente a crescer.
Num processo de pesquisa, sustentado pelo paradigma emergente, os
sujeitos poderão contribuir para com outros processos formativos, por meio de suas
manifestações, ao mesmo tempo em que têm a possibilidade de rever os caminhos
percorridos, como elementos essenciais aos processos de interformação
41
e
autoformação
42
pessoal e profissional.
O propósito é a construção de um conhecimento que privilegie a
profissionalização docente, a partir de suas vivências contextualizadas tanto pela
dimensão pessoal, quanto profissional e sócio-política, que se entrecruzam em cada
percurso formativo trilhado.
Nessa ótica, Girassol revela um movimento diferenciado em suas atitudes,
inclusive, pela nova concepção da própria aprendizagem, a partir da experiência
como professora formadora:
Hoje procuro, sempre nas minhas aulas, relacionar muito com a atualidade,
no ensinar enfermagem hoje. Então, procuro trazer o cotidiano, o
contemporâneo, o atual, que é para os alunos conseguirem relacionar
aquilo, ali, com as doenças e com o que a gente cuida. Tu enxergas, muito
mais, o lado do ser humano, do que o do fazer humano nas relações do
cuidado, no processo saúde-doença. E isso tem que ser discutido com eles.
41
Constitui o professor por meio de atividades interpessoais. Envolve ações formativas com
professores conscientes de sua atuação como formadores de outros profissionais (ISAIA, 2006).
42
Os professores são considerados responsáveis por sua formação. Há movimento interno de
implicação com a própria formação, o que é imprescindível para tal.
86
No âmbito da sociologia das profissões, Montero (2005) evidencia que o
conceito de profissão (e seus verbetes associados) simboliza uma concepção
coerente com o próprio trabalho e do sujeito que a constrói, por ser repleta de
repercussões valorativas, positivas ou negativas.
Muito além de somente voltar ao passado, percebo a reconstrução dos
sentidos desse trabalho da professora, sendo que ela própria se constitui como
protagonista ao narrar, refletir e repensar as próprias práticas pedagógicas.
No contexto atualizado, busca afirmar-se pela trajetória individual e coletiva,
como referencial na construção de outras possibilidades significativas aos processos
de formação e, também, quanto à própria profissionalização docente.
Acima de tudo, tenho a intenção de projetar o desenvolvimento de estudos
reflexivos acerca da pedagogia universitária, ao focalizar os significados do cotidiano
dos sujeitos protagonistas. Reconheço, portanto, a necessidade de uma interligação
entre a formação inicial e a continuada docente, num movimento a favor dos
processos de mudança, inovação e desenvolvimento curricular.
Para fundamentar esse princípio, Escudeiro (citado por MARCELO GARCÍA,
1999, p.27) ressalta que
[...] Hoje é pouco defensável uma perspectiva sobre a mudança para a
melhoria da educação que não seja, em si mesma, capacitadora, geradora
de sonho e compromisso, estimuladora de novas aprendizagens e, em
suma, formativa para os agentes que têm de desenvolver na prática as
reformas. [...] a formação, se bem entendida, deve estar preferencialmente
orientada para a mudança, ativando reaprendizagens nos sujeitos e na sua
prática docente que deve ser, por sua vez, facilitadora de processos de
ensino e de aprendizagem dos alunos.
Por outro lado, o referido autor alerta para o fato de que maior
preocupação, nas IES, por indicadores de produção científica ou técnica, que
minorizam o reconhecimento do nível de formação oferecida aos alunos, numa
variável de menor grau.
87
É necessário enfatizar, portanto, que a docência engloba uma diversidade
de ações desenvolvidas pelos professores, além do espaço da sala de aula,
voltadas prioritariamente à formação de futuros profissionais, sustentadas por
conhecimentos e saberes próprios.
Será que as pessoas pensam que, ser professor, é dar uma aula? É
muito mais do que isso! Será que ser professor é só ensinar “isso”? Então,
às vezes quando escuto isso, eu digo: “Não, não é bem assim! Ser
professor não é só dar essa aula, ser professor é tu preparares esta aula, as
outras aulas que tu tens ao longo do semestre, é estar atualizado num livro,
é ires pra casa e pensar no que vais fazer amanhã”; porque, mesmo que tu
estiveres ministrando a mesma disciplina, dois, três anos, eu não sei, não
consigo ficar parada, mas em todos os semestres tenho que rever,
entendeu? Então, ser professor não é dar uma aula, o é sala de
aula, é muito mais do que isso! Sou muito de questionar, saber o porq
das coisas, e não fazer por fazer, não ser um tarefeiro, mas teres o
conhecimento científico, por trás disso, entende? Isso é que instiga os
alunos a buscar mais, a querer saber mais. E eu acho isso fundamental, nas
relações de professor (Girassol).
Outrossim, tais ações são alicerçadas “em relações interpessoais e
vivências de cunho afetivo, valorativo e ético, indicando que a atividade docente não
se esgota na dimensão técnica, mas remete aos que de mais pessoal existe em
cada professor” (ISAIA, 2003, p.245).
Os espaços da ação docente, e suas ltiplas dimensões e/ou
componentes inter-relacionados, para Zabalza (2004, p.106) indicam a diferenciação
de três grandes categorias, que o são excludentes e podem caracterizar,
qualitativamente, o papel docente a ser desempenhado, no contexto atual:
- Dimensão profissional: componentes essenciais que definem essa
profissão de professor(a) (exigências e/ou expectativas quanto à atuação;
parâmetros de construção identitária como professor(a); dilemas inerentes,
necessidades formativas, entre outras);
- Dimensão pessoal: aspectos importantes no mundo da docência
(envolvimento e compromisso pessoal; constituição dos ciclos de vida
docente; situações de mal-estar, paralelas e consequentes ao exercício
profissional);
- Dimensão administrativa: questões relacionadas às condições
contratuais e operacionalização de estratégias de permanência, qualitativa,
do vínculo institucional.
Nesse sentido, posso compreender que a dimensão profissional e
pedagógica da docência envolve a questão do conhecimento específico e do
88
conhecimento pedagógico, na medida em que a integração de ambos compõe a
especificidade da profissão docente.
Entendo que o conhecimento específico refere-se aos conhecimentos acerca
da matéria a ser ensinada pelo professor (MARCELO GARCÍA, 1999). O
conhecimento pedagógico, por outro lado, caracteriza-se pelo saber teórico e
conceitual, bem como do conhecimento dos esquemas práticos do ensino, por
estratégias pedagógicas, rotinas de funcionamento das intervenções didáticas e os
esquemas experienciais dos professores.
A dimensão profissional da docência baseia-se na interação entre
conhecimento específico e pedagógico. Consequentemente, a produção pedagógica
precisa ser considerada, apesar de a cultura acadêmica entender e valorizar apenas
a produção acadêmico-científica.
O desenvolvimento profissional reporta-se, de uma forma mais específica,
ao domínio de conhecimentos sobre o ensino, às atitudes face ao acto
educativo, ao papel do professor e do aluno, às suas relações interpessoais,
às competências envolvidas no processo pedagógico e ao processo
reflexivo sobre as práticas do professor (OLIVEIRA, 1997, p.95)
Entretanto, geralmente ocorre que, em qualquer nível de ensino, muitos
professores têm uma identidade profissional indefinida (ZABALZA, 2004), que
priorizam uma prática voltada ao domínio científico, bem específico, onde se
constata a dificuldade em construir uma identidade profissional vinculada à
docência.
Constitui, pois, num processo de combinação entre as necessidades de
formação da IES com as necessidades e interesses pessoais, permanentemente
revisados pelas ênfases pertinentes aos contextos de interação pessoal e
profissional.
O processo identitário docente envolve o processo formativo, construído na
inter-relação da dimensão pessoal com a profissional (CUNHA; ISAIA, 2006), ainda
mais considerando que “é mais adequado falar em processo identitário, realçando a
89
mescla que caracteriza a maneira como cada um sente e se diz professor (NÓVOA,
1992, p.16).
Compartilho, então, o entendimento de que
[...] o centro da identidade de um professor será sempre o mesmo: pensar e
sentir os nossos alunos para formar neles, a partir desse patrimônio de
ciência e de cultura, uma base sólida para encontrar suas próprias
respostas, coerentes, inteligentes e sensíveis, ante as urgentes perguntas
desconhecidas que sem dúvida os elevarão à sociedade do futuro
43
(ESTEVE, 2006, p.66).
Assim, a concepção do desenvolvimento docente resgata as dimensões de
evolução e continuidade, o que pressupõe um reconhecimento dos aspectos
contextuais, organizativos e orientados qualitativamente, para que ocorram
mudanças significativas na vida dos professores (MARCELO GARCÍA, 1992).
Se o processo de formação da identidade do ser professor, em termos
individuais, se realiza ao longo de toda a carreira e requer um acompanhamento em
longo prazo. Por outro lado, em termos de grupo, ela consubstancia-se
historicamente na cultura profissional, como patrimônio que assegura a
sobrevivência do grupo e permite a definição de estratégias identitárias, adaptadas a
cada realidade histórica e social.
Sendo assim, a identidade profissional requer um processo de construção,
reconstrução e transformação de referenciais, que dinamizam a profissão de
professor, a partir dos próprios significados sociais.
Além da reafirmação de práticas consagradas culturalmente, que
permanecem significativas e resistem a certas inovações, por conterem saberes
válidos às necessidades atuais, também estabelecem o confronto entre as teorias e
as práticas (PIMENTA; ANASTASIOU, 2002).
Assim sendo, ao relembrar e narrar etapas cronológicas da vida e os
estados significativos de sua formação (BOLÍVAR; DOMINGO; FERNÁNDEZ, 2001),
43
Tradução realizada pela autora deste estudo.
90
o(a) professor(a) descobre referências que o auxiliam para compreender a si
próprio(a), especialmente, em relação ao que tem chegado a ser.
Nesse sentido, cabe resgatar que tal processo formativo “é um processo de
natureza social, pois os professores se constituem como tal em atividades
interpessoais, seja em seu período de preparação, seja ao longo da carreira” (ISAIA,
2006, p.351).
Isto posto, não pode ser dissociado do desenvolvimento pessoal, ou seja, da
história de vida
44
do(a) professor(a), visto que a partir do seu processo de formação
contínuo, as dimensões coletivas e participativas de trabalho devem ser tomadas
como referência, a fim de que, das novas práticas dessa formação, surjam as
necessidades de conscientização, consolidação e autonomia da classe docente.
Portanto, há que redefinir a estrutura do acompanhamento à formação e
prática docente, por considerar as especificidades dos contextos, a favor de um
desenvolvimento social e político. Nessa proposta formativa, os sujeitos
protagonistas poderão compartilhar significados e experiências, no sentido de
estreitar relações de parcerias interinstitucionais como fortalecimento do vínculo
entre as IES e suas respectivas comunidades.
Quanto à promoção e incentivo ao desenvolvimento profissional docente, é
imprescindível a realização de levantamento e análise sistemática das necessidades
formativas, as quais possibilitam reflexão conjunta, pertinente às prioridades
elencadas.
Jesus e Santos (2004) salientam que uma das investigações mais
referenciadas no estudo do desenvolvimento profissional docente foi a de
Huberman, que procurou analisar a existência de fases comuns aos diversos
professores, os momentos do ciclo profissional e a influência dos acontecimentos da
vida pessoal sobre a vida profissional.
44
Baseia-se, segundo Measor e Sikes (2004), em materiais íntimos e, em consequência, carrega
consigo uma enorme carga ética, importante na reorganização do passado, na elaboração do
presente e o planejamento do futuro.
91
Tal pesquisa referenciada, que apresentou dados referentes a professores
secundários, aponta a existência de diversos e constantes itinerários, que
caracterizam o percurso profissional de certos grupos de professores, visto que
define as vivências e percursos de forma muita próxima.
Cada um desses grupos foi caracterizado por sequências específicas de
desenvolvimento profissional, ao longo de fases da carreira docente (exploração,
estabilização, diversificação, conservadorismo e desinvestimento). O trabalho de
Huberman constitui-se numa referência central nesse campo de investigação, ao
caracterizar essas fases na profissão docente: “[...] não quer dizer que tais
sequências sejam vividas sempre pela mesma ordem, nem que todos os elementos
de uma dada profissão as vivam todas” (HUBERMAN, 1995, p.37).
O conceito de ciclo
45
parece amenizar alguns significados implicados no
conceito de desenvolvimento, ao reconhecer noções como regularidade, completude
e repetição. Quando o autor, acima referido, traça uma descrição de tendências, que
caracterizam o ciclo de vida dos professores surge o reconhecimento de que o
professor passa por uma fase de sobrevivência e descoberta, no início do seu
percurso profissional.
Nessa perspectiva, vale mencionar como Girassol compreende esse
período, por relembrar de questões iniciais que, com o tempo, foram alteradas pela
própria evolução da carreira docente:
Os maiores desafios iniciais, para ensinar, que hoje eu percebo [...] foi saber
até quando estava conseguindo atingir os alunos, o quanto eu estava
proporcionando, para aqueles alunos aprenderem. Se tivesse como medir,
sabe? Porque a prova não mede tudo isso, não é a prova que vai te dizer se
tu és um bom ou mau professor. [...] Até onde que estou conseguindo atingir
os alunos? Será que eles estão entendendo o que estou falando? Isso era a
minha maior preocupação! E outra preocupação, que eu tinha, era de
dominar o conteúdo. Eu me preocupava muito com o quanto dominava de
conteúdo, pra eles aprenderem.
45
Não se constitui em etapas fixas, mas sim num processo dinâmico e peculiar ao percurso pessoal
de cada professor (HUBERMAN, 1995).
92
Depois, com o avanço gradativo à fase de estabilização, na qual começa a
tomar maior consciência do seu papel e responsabilidade profissional, é pertinente
entender que, para a maioria, acontecem progressos, regressões, pontos finais e
mudanças de direção imprevisíveis, provocadas por novos empreendimentos que
reforçam o patamar das descontinuidades.
Entretanto, mesmo que seja útil organizar conceitualmente as fases da
carreira, por etapas, ao mesmo tempo, estas têm limitações (BOLÍVAR; DOMINGO;
FERNÁNDEZ, 2001). A noção de constituição traz implicada a ideia de formação,
composição, criação e organização, relacionada, também, ao status e posição; trata-
se de um fazer(se) sempre contextualizado, numa constante atualização.
Se as categorias, colocadas por Huberman (1995), apontam para algumas
possibilidades de compreensão da profissão docente, estas podem levar a uma
naturalização do desenvolvimento profissional, sem proporcionar um instrumental
que auxilie na compreensão dessa profissão articulada às condições concretas e
histórico-culturais de vida.
Conforme evidencia Bolívar, Domingo e Fernández (2001, p.243), Huberman
reúne os professores em quatro grupos, a partir de questões e características
comuns no decorrer da carreira profissional:
- Carreira harmoniosa: princípios fáceis, estabilização, diversificação e
desapego sereno;
- Harmonia recuperada: começos difíceis, resolução, estabilização,
diversificação e serenidade;
- Reformulação: princípios fáceis, estabilização, reformulação ante o
sentimento de rotina ou de tédio. Também, os começos fáceis podem
facilmente levar a uma reformulação;
- Carreira difícil: princípios difíceis, resolução parcial, estabilização,
conservadorismo, momento amargo.
Aliado a tais perspectivas, a promoção do desenvolvimento pessoal dos
professores, a favor da política de formação cultural, propõe a ampliação das
estratégias formativas, ao oferecer espaços apropriados de discussão e
possibilidades de escolha, conforme as próprias motivações, necessidades e etapas
do ciclo de vida profissional.
93
Em defesa de um ensino universitário, cada vez mais qualificado, Zabalza
(2004) sustenta a premissa de que a docência superior perpassa pela ideia do
profissionalismo, enquanto exercício profissional complexo, que exige formação
específica. Para tanto, emerge uma questão-chave, a qual vem suscitando os
pesquisadores da Pedagogia Universitária: Quem, quando e onde se forma o
professor do Ensino Superior?
A maioria dos estudiosos, como Maciel (2009a, p.64), procura responder a
essa questão, ao situar a trajetória acadêmica docente, o que ainda não garante a
qualidade de sua formação, nem uma pedagogia específica, cuja intencionalidade
conduzida à inovação da docência universitária como propulsão para uma educação
emancipatória.
Em sintonia com a questão problematizada, encontro nas palavras de
Girassol, por meio de suas reflexões acerca da própria experiência, a valorização da
necessidade do(a) professor(a) ter espírito de inovação, como elemento formativo no
contexto universitário:
[...] significa permitir a criatividade em sala de aula, estar aberto para o
novo, inovar, usar novas metodologias para ensinar, instigar a produção do
conhecimento. E quando deixas, estás aberta ao espírito de inovação, para
inovar, isso também permite um crescimento individual enorme, porque não
és fechada. Esse espírito de inovação não é contigo e com os alunos,
em sala de aula, também é contigo e com os colegas, é participar de
seminários e congressos, buscar novas metodologias e novos livros, ler
novas revistas, entendeu? Tudo isso é fundamental para a sala de aula!
Frente a tal ideia, ressurge a questão da formação na docência universitária
enquanto elemento significativo para ser colocado em pauta, porque nela tem
espaço para (trans)formação, engajada numa contínua produção do conhecimento e
desenvolvimento de competências.
o reconhecimento, portanto, do processo de construção identitária do
profissional professor, o qual substitui aquele da sua área específica de atuação, na
ênfase do profissional que repensa o modo de ensinar o que sabe de sua área, ao
selecionar os conhecimentos que julga essenciais à formação da nova geração de
profissionais, num determinado espaço-tempo.
94
Hoje, não culpo muito a humanidade, porque acho que a gente está
reconstruindo valores. Então, a gente tem que ficar plantando uma semente
nesses adolescentes que estão aí, que é pra ver se eles mudam como
geração, porque às vezes a gente pensa, porque pensam assim? Às vezes,
a gente até critica nossos pais, nossos avós, mas eu sempre digo que não
pra criticar, porque nos ensinaram o melhor, o que eles aprenderam. Se
hoje a gente tem a oportunidade de pensar diferente, então que, pelo
menos, a gente ensine diferente. E que façamos esta gente ser mais crítica,
mais reflexiva sobre todas as situações do cotidiano, quanto a essa barbárie
humana que a gente aí, e não podemos cruzar os braços frente a isso,
sem ignorar! (Girassol).
Isaia e Bolzan (2009b) ressaltam a importância desse movimento de
passagem de especialista, pesquisador(a) de uma área do conhecimento, num
determinado tempo geracional, para ser professor de uma disciplina, na qual
consegue articular conhecimento específico e pedagógico. Assim, o foco
determinante está direcionado à aprendizagem discente, com ênfase na apropriação
contextualizada de saberes na área de formação, correspondente ao exercício
profissional.
No ensejo de contribuir para com o processo de tornar o(a) professor(a)
universitário(a) num profissional do ensino e da aprendizagem, o desafio posto é
para que o(a) mesmo(a) se envolva, comprometidamente. Isso, a partir da mudança
do entendimento tradicional acerca dos significados desses processos, articulados
entre si, além de aprimorar a percepção das relações entre os sujeitos em
convivência.
Aprendo muito com os alunos. Eles passam a maior parte do tempo,
convivendo com os colegas, mais do que com pai e mãe, então sempre
digo: “Vocês têm que fazer da sala de aula, o ambiente mais fraterno
possível! Tem panelinha, tem; afinidades, têm; eu não sou contra isso, mas
sou contra quando uma panelinha quer comer outra panelinha; então, que
as panelinhas se ajudem, mas não que fiquem na concorrência de
destruição, mas na concorrência de se potencializar, entende!?” Eu sempre
falo isso, na sala de aula: “Se estou num grupo, não vou querer que aquele
outro grupo se fragilize, então, vamos mostrar que o nosso grupo é bom,
ajudando aquele grupo também! A gente vai estar se potencializando,
assim”. Então, também aprendo muito, em sala de aula, com os alunos. É o
cenário de aprender ensinando! (Girassol)
A partir de aspectos do debate acerca das competências dos formadores,
Zabalza (2004) reafirma o seu entendimento quanto ao ponto de equilíbrio
necessário entre aqueles que têm formação pedagógica e os que ministram
95
disciplinas específicas, ao longo do processo de profissionalização da docência
universitária.
Assim, ambos “[...] melhorariam suas condições de trabalho, reforçariam sua
identidade profissional e estariam em condições mais favoráveis para se unir, para
trocar experiências” (ZABALZA, 2004, p.163), de modo a obter os melhores
resultados nas suas práticas, em busca continuada e qualitativa do
redimensionamento da docência.
Hargreaves (2004) destaca que, antes da tentativa de conhecimento e
compreensão da sociedade do conhecimento pelos professores, cabe repensar
acerca desta expressão porque, também se constitui numa sociedade da
aprendizagem.
A aprendizagem docente, portanto, contempla o resultado de um processo
complexo que depende de investigação da própria cultura experiencial, das
inovações produzidas no fazer pedagógico e, acima de tudo, pelo reconhecimento
dos recursos disponibilizados para aprender a ensinar (ENRICONE, 2005).
Nessa direção, a prática pedagógica pode ser concretizada por dilemas e
tensões, entendidos por desafios constantes nas relações interativas, pela
necessidade de se fazer escolhas, associadas às experiências dos sujeitos
(TARDIF, 2002). Nelas, os contextos, as percepções e os sentimentos são incluídos,
visto que sustentam a singularidade das vivências e, consequentemente, exigem
necessidades diferenciadas, únicas, em meio à diversidade social.
O trabalho docente, portanto, é um conjunto de interações personalizadas
com os alunos, a fim de participar em seu próprio processo de formação e atender
às diferentes particularidades dos sujeitos aprendizes (TARDIF; LESSARD, 2005).
Portanto, outra concepção dos processos de ensinar e aprender se instaura, na
medida em que, como enfatiza Girassol,
a gente aprende junto! É isso aí, o “estar com é aprender com eles. Eu
digo: “estou aprendendo com vocês, a cada semestre, aprendo coisas
novas!” Com as perguntas que surgem, as colocações que fazem, às vezes,
perguntam algo e eu penso: “nunca, ninguém me perguntou isso!” Olha, que
96
legal! Se um professor afirma que só aprende gírias com os seus alunos, ele
enxerga o fazer professor, ele não enxerga o ser professor! Porque, se
enxergasse o ser professor, aprendia muito, até, com o sorriso e o
comportamento dos alunos, a maneira que chegam na sala de aula. é
que está, o ser professor, lidando com o que não é verbal. Eles vêm com
suas histórias de vida, e isso não pode ser ignorado.
Então, há o reconhecimento de categorias fundamentais, no ensino superior,
que envolvem a historicidade, multiplicidade, visibilidade, imprevisibilidade, imediatez
e rapidez, além da própria interferência destas na prática do(a) professor(a) quanto à
interatividade e significação de cada situação. Tais categorias têm sentido se
forem fundamentadas pelas tramas de interações relevantes, que contemplam a
realidade própria do trabalho docente.
Convém, nesse sentido, evidenciar o que afirma Cunha (2005, p.75):
Tais escolhas são dependentes da experiência dos atores, do contexto de
tempo e território do ensino, das convicções e crenças que suportam o
trabalho e, consequentemente de situações que, sendo únicas, exigem
respostas diferenciadas.
Portanto, é de suma importância a compreensão da essência do trabalho
docente, que consiste em disponibilizar-se atentamente à aprendizagem dos alunos.
Por entender que o(a) professor(a) universitário(a) é pessoa profissionalmente
dedicada à educação, como sujeito da própria aprendizagem, reconheço a
necessidade de compartilhamento com seus pares, inclusive de outros níveis, tendo
em vista que sua prática está relacionada aos contextos de aprendizagem de si e
dos outros sujeitos.
A partir dessas interações construtivas, os significados podem ser revelados
com sensibilidade entre os interlocutores, como mencionou a Profa. Felicidade, ao
rever-se e perceber a influência de Girassol, na sua trajetória de vida, diante do que
o espelho autorreflete no atual momento: a vontade de vencer, de lutar por ideais
que acredito (como ela). Que ainda vale a pena ensinar, educar, transmitir
conhecimentos, trocar experiências e que, acima de tudo, ainda é tempo de
aprender!
97
No momento em que reconheço o exercício da docência como atividade
profissional, o equilíbrio necessário passa a ser confirmado como exigência, tanto à
prática, quanto ao domínio da especialidade, visto que requer uma preparação
direcionada a esse exercício, tendo em vista os conhecimentos e as habilidades,
vinculados ao desempenho adequado de suas competências.
Evidencio, então, que o desenvolvimento da docência universitária,
fundamentalmente, se por meio da ação dos professores, que exercem papel
primordial na qualidade da formação de cada IES, tendo em vista que é na docência
que reside e se concentra a tarefa formativa das instituições.
No Brasil, variedade de tipos de IES, a partir da LDB/96, que inclui o
centro universitário, espaço de atuação da Profa. Girassol. Exercer atividade
docente, nele, significa trabalhar em instituição que desenvolva ensino de excelência
(MOROSINI, 2000), que atue em uma ou mais áreas do conhecimento e que tenha
autonomia, inclusive, para iniciar e encerrar cursos e vagas de graduação.
No caso da Educação Superior, um dos condicionantes mais fortes da
docência universitária é o estabelecimento em que o professor exerce sua
atividade. Dependendo da missão da instituição e das conseqüentes
funções priorizadas, o tipo de atividade do professor será diferente.
Dependendo da mantenedora, governamental ou privada, com
administração federal, estadual ou municipal, o pensar e o exercer a
docência serão diferentes, com condicionantes diferenciados também. [...]
sua docência sofrerá diferentes pressões. [...] se ele atua num centro
universitário, sua visão de docência terá um forte condicionante de ensino
sem pesquisa, ou, quando muito, do ensino com a pesquisa. A cultura da
instituição e daí decorrente a política que ela desenvolve terão seus reflexos
na docência universitária (MOROSINI, 2000, p.14).
Reconheço o potencial desse processo identitário, a partir do entendimento
de que a interação dos sujeitos, assim como ressalta Moita (1995b), corresponde à
relação que intervém, modifica ou perturba, de certa maneira, os elementos da vida
pessoal nas suas múltiplas dimensões.
Tendo como princípio de que exercer o ofício docente é uma atividade
interativa, realizada entre sujeitos, faço referência à profissionalidade da docência,
que esta se volta às possíveis aprendizagens dos alunos, a partir da própria
mediação enquanto professores.
98
Assim, Pozo (2002) enfatiza que mudar as formas de aprender dos alunos
requer, também, mudar as formas de ensinar de seus professores. Por isso, a nova
cultura da aprendizagem exige outro perfil de aluno(a) e professor(a), novas funções
discentes e docentes, as quais se tornarão possíveis se houver uma mudança de
mentalidade.
Mudança esta, nas concepções profundamente arraigadas, de uns e de
outros, acerca da aprendizagem e do ensino para, então, encarar essa nova cultura
da aprendizagem. Em alguns casos, os alunos são encarados como “sujeitos
invisíveis”, por seus professores, que nem geram expectativas quanto às suas
aprendizagens, pois não existe relação estabelecida, como se a docência fosse uma
atividade profissional neutra, sem valorização do contexto interativo.
Faustini, Ramos e Moraes (2005), apesar disso, defendem que a relação
com os alunos precisa ser pautada na compreensão de que os conteúdos
acadêmicos, também, são assimilados por disposições afetivas.
Logo, o processo de aprendizagem está relacionado às formas de
envolvimento do sujeito com o conhecimento, em termos de interesse, desejo de
aprender e comportamentos nem sempre conscientes, que emanam do
inconsciente.
Dentre as atitudes que podem ser priorizadas nas relações, Rogers (2000,
p.16) indica três delas que merecem destaque:
- A faculdade que tem um professor para compreender a significância da
experiência vivida pelo aluno em sala de aula, e, claro está, a faculdade de
expressar aquela compreensão;
- O respeito que o professor manifesta por aluno considerado isoladamente;
- A autenticidade do professor em seu relacionamento com os alunos
46
.
A importância da formação autônoma do profissional faz a diferença diante
das situações, nas quais ele deve decidir o que, o como, o quando e qual atitude
46
Tradução realizada pela autora deste estudo.
99
tomar. Uma formação que não vise à autonomia faz com que a atividade profissional
se desvalorize, pois, abre-se espaço para aqueles que não possuindo formação
específica, penetrem e ganhem este espaço dizendo o que deve ser feito.
Assim, a autonomia, além de um direito trabalhista, passa a ser reconhecida
como necessidade educativa e formativa. Objetiva-se, a partir dessas novas
necessidades e da produção de saberes e valores, uma ação responsável que
favoreça a uma transformação desse profissional comprometido com a sua própria
formação.
A autonomia é construção. É construída em interação, não é um status de
separação e sim uma dinâmica de relação. É caracterizada pela
independência de juízo, para a constituição da identidade no contexto das
relações [...] É um processo dinâmico de definição e constituição pessoal de
quem somos como profissionais e a consciência e realidade que esta
definição e constituição não pode ser realizada senão no seio da própria
realidade profissional (MOROSINI, 2006, p.97).
Essa relação entre autonomia e profissionalidade é uma reivindicação da
dignidade humana frente às condições do trabalho docente, enquanto oportunidade
para que a prática pedagógica possa se desenvolver conforme valores internos
próprios, que se configuram como elementos constitutivos e orientadores dessa
respectiva prática.
O termo profissionalidade, na concepção defendida por Contreras (2002,
p.73-74), resgata o positivo da ideia de profissional, já que é definida como “a
expressão da especificidade de atuação dos professores na prática, ou seja, o
conjunto de atuações, habilidades, conhecimentos, atitudes e valores ligados à
prática específica do professor”.
Nesse sentido, destaco a pertinente indagação: Em que consiste a prática
educativa? Segundo Carr (1988), passa a ser reconhecida como uma atividade
intencional e desenvolvida de maneira consciente. A partir dessa concepção de
prática, enquanto algo social, ressalto que o esquema teórico de um profissional não
é adquirido, nem construído de forma isolada.
100
Faço alusão à qualidade da prática profissional dos professores, em função
do que exige o trabalho pedagógico. Diante desta concepção, Zabalza (2004, p.112)
defende que:
A docência mantém determinadas competências e uma estrutura comuns
aos seus aspectos formadores, apesar de ser desempenhada em diferentes
contextos e em relação a diferentes indivíduos e de envolver diferentes
conteúdos e diferentes propósitos formativos.
A produção de uma cultura profissional docente, nesta ótica, está vinculada
ao interior e exterior da vida profissional, na intensidade das interações entre os
sujeitos em (trans)formação e, entre os aspectos, na produção qualitativa de novos
significados às concepções sobre a própria prática enquanto pessoa-profissional.
Aponto, então, para a importância de uma nova cultura profissional para os
professores, a qual conforme Imbernón (1994) precisa ser construída como um
processo de aprendizagem constante, em que aproximação das atividades
profissionais com a prática de formação, na qual se integre a compreensão do
contexto ocupacional e dos fatores que o determinam.
Portanto, a cultura profissional, enquanto "[...] contexto em que os
professores e professoras formam sua própria identidade, configuram sua
concepção do conhecimento e do ensino, e firmam seus modos de ver e fazer"
(BOLÍVAR, 2002, p. 69), está, pois, diretamente relacionada à prática profissional e
profissionalização.
Dessa forma, é preciso desenvolver uma visão dos professores como
elementos ativos, por serem considerados agentes profissionais críticos que
colaboram e interagem com outros profissionais (IMBERNÓN, 2001), para atribuir, a
eles próprios, os papéis de atores das realizações e mudanças na profissão.
Diante de tal necessidade, a ação formativa se reveste de princípios
integrados qualitativamente, os quais fortalecem o reconhecimento indissociável do
101
profissional com sua respectiva área de formação no momento da docência superior,
como ressalta Girassol:
Daí, tu pegas as três esferas: a biológica, a emocional e a espiritual.
E o profissional, o professor enfermeiro, ele tem que saber destacar
isso, na hora que ele ensina, na hora em que instiga conhecimento,
na hora em que está formando profissionais para serem enfermeiros.
Estudar o professor possibilita, entre outros, identificar as condições sócio-
histórico-culturais da prática pedagógica e suas contingências, tendo como
pressuposto a viabilidade de reconstruir a reflexividade do aluno consigo mesmo
(CUNHA, 1998).
Desse modo, uma mudança profunda revela-se no pensamento e na
percepção dos valores, que constituem determinada visão da realidade vivida, por
meio da qual se contextualiza o universo de pesquisa. Mesmo assim, Capra (1982)
sinalizou dois modos complementares de operacionalização mental, que persistem
nas posturas investigativas:
- O pensamento racional, totalmente linear, analítico e fragmentado, que
mobiliza o intelecto, apenas pela via da discriminação, mensuração e
classificação;
- O conhecimento intuitivo, proveniente da experiência direta da realidade,
não-linear, sintetizador e holístico, enquanto estado ampliado de percepção
consciente do que se investiga, transcendendo aos modelos clássicos
(mecânicos e reducionistas) sem receio ao anticientífico.
A partir desse conhecimento experiencial, que amplia a percepção
consciente, posso compreender a dimensão holística do ser humano como
diferencial, no reconhecimento das potencialidades e habilidades. Assim, [...] vários
aspectos que se conjugam e integram, de modo a oferecer a possibilidade de
autoconhecimento e de auto-afirmação e, sobretudo, de autorrealização
(MOSQUERA, 2005, p.58).
A visão holística interconecta o todo e as partes, como dinamizadores de um
processo harmônico e dinâmico que pode, entretanto, apresentar contradições para
serem superadas e, com isso, impulsionar o avanço qualitativo.
102
Conforme os estudos acerca da resiliência dos sujeitos aprendizes, o
comprometimento para com a aprendizagem tem como ponto de intersecção entre
as pessoas e as necessidades de formação, enquanto desafios a serem
enfrentados. A formação dos professores precisa basear-se na capacidade de
transformar, em experiências significativas, os acontecimentos cotidianos, seja numa
perspectiva pessoal seja numa coletiva.
Ao parafrasear Bertrand (2001, p.197), ressalto que o processo educativo
deveria estar/ser orientado “para a aquisição de uma cultura evolutiva consciente”,
no sentido de uma “formação que favoreça uma verdadeira consciência ecológica e
social”, haja vista a emergência em aprender a ver os conhecimentos pertinentes em
relação à resolução dos problemas cotidianos, pessoais e profissionais.
Na Educação Superior, portanto, urge repensar a dimensão formativa
docente, visto que os professores podem estar atrelados à própria identidade de
pesquisadores e/ou profissionais liberais da sua área de atuação, sem envolvimento
e assunção das questões intrínsecas à docência, especialmente no desempenho do
papel de professor(a) formador(a).
Reconheço, cada vez mais, a pertinência da docência e, mais ainda, das
suas consequentes implicações, de maneira que venha ao encontro da formação de
outros seres humanos. Unindo conhecimentos e emoção
47
, a favor da construção de
habilidades e competências mútuas, entre os professores e seus interlocutores que,
acima de tudo, são pessoas em constante formação.
Mesmo que a dimensão pessoal do(a) professor(a) possa ficar à margem
das discussões, acerca do exercício profissional, é preciso resgatar as variáveis das
modalidades das relações interpessoais estabelecidas ao longo da carreira
profissional e dos contextos da vida cotidiana.
A partir das ideias de Huberman (citado por ZABALZA, 2004, p.141),
constato que
47
Vale relembrar que a disposição emocional, segundo Heller (1982), é descrita como estado de
auto-ignição, que envolve vários eventos e comportamentos emocionais, simultâneos e sucessivos.
103
[...] o progresso profissional não é algo que se produza “sobre nós”. Não
somos marionetes que se movimentam em função de um relógio social ou
institucional predeterminado. Muito de nosso desenvolvimento profissional é
conduzido por nós mesmos.
A teia de relações entre docência e sentimentos, que se configura pela
dimensão pessoal da docência, reafirma as discussões propostas por Abraham
(1987), ao considerar prioritário o entendimento do(a) professor(a),
indissociavelmente da sua pessoa. Ambos não podem ser desvinculados, caso
contrário, a compreensão passa a ser fragmentada, que considero a
interdependência e influência mútuas entre o modo de ser e exercer a profissão.
Entretanto, Rogers (2000, p.20) problematiza quanto à resistência de certos
professores, quanto à assunção do seu exercício profissional, a partir de sua
identidade fidedigna:
[...] Na maioria dos casos, o professor mostra uma máscara profissional
desde o início da jornada de trabalho, uma máscara que é, então, removida
quando terminam as aulas. Parece mais confortável e seguro esconder-se
atrás do papel que enfrentar o aluno como uma pessoa verdadeira,
humana, que experimenta sentimentos, que pensa, que manifesta defeitos,
mas também qualidades
48
.
Nessa perspectiva, concebo que o processo educativo tanto para
professores quanto para alunos, na sua essência, emerge do interior de cada
pessoa. É correspondente às experiências de vida da pessoa, enquanto esta estiver
mobilizada a continuar aprendendo, conscientemente.
Esteve (2006) ressalta que a docência recupera, a cada momento, o sentido
de uma aventura na qual se possibilita estar ativo para desenvolver o pensamento e
o sentimento, de forma articulada.
Portanto, no contexto dos processos formativos dos professores do ensino
superior, fica evidente que “a dimensão pessoal, entretecida pelos sentimentos,
parece ser o lugar privilegiado, a partir do qual é possível a tessitura dos fios da
trajetória institucional e da vivência da docência” (ISAIA, 2003, p.248).
48
Tradução realizada pela autora deste estudo.
104
A formação do professor, enquanto profissional, e as competências
profissionais num processo formativo contínuo, entre outros aspectos, necessita
reconhecer os alunos do curso de formação inicial.
Referente a isso, Girassol sinaliza a valorização desse processo formativo,
quando tem por hábito o estabelecimento de diálogo prospectivo, ao inserir o(a)
aluno(a) na atuação profissional, desde os momentos reflexivos na graduação: “Tu
sabes que, na sala de aula, mesmo no semestre, eu chamo eles de enfermeiros?
E daí, enfermeira, me diz, o que tu fazes nesta situação? Sim, contigo, e daí?
Vamos lá?
Como futuros profissionais, reconhecê-los dessa maneira, como sujeitos
ativos, contribui às ações realizadas no contexto de sua formação profissional, assim
como as necessidades de aprendizagem são revisadas, mediante os interesses
individuais e coletivos, em cada intervenção.
Ao considerar a importância dessa relação entre formadores e formandos da
mesma área, como profissionais de outra geração, Girassol destaca o que acontece
em atividades comuns, por exemplo, para além da sala de aula, como em projetos
socioeducacionais, que fazem parte do percurso formativo:
A gente, sendo enfermeira e se vendo na condição de professora, mas eles,
sendo formados para serem enfermeiros, mas também tendo esta
experiência como educadores, disseminadores do conhecimento, de
promoção da saúde, de tantas outras temáticas que a gente tem e que pode
abordar em diversos segmentos e clientelas, entende?
Portanto, a eficácia do trabalho de um(a) professor(a) está fundamentada
num processo de autorreconhecimento, antes de tudo, como pessoa que vive
aprendendo com suas possibilidades (MOSQUERA, 1976). A partir disso, o
profissional tem a oportunidade de ver, na própria trajetória, o quanto cresceu
pessoalmente e, ao mesmo tempo, contribuiu para o crescimento dos outros
sujeitos.
105
Em algumas situações cotidianas, ainda, a formação docente é entendida
como “um conjunto de atividades, caracterizadas pela sua brevidade e
concretização, nas quais os professores se implicam antes de começarem a
ensinar, uma vez que tenham sido selecionados
49
(MARCELO GARCÍA, 1999,
p.248).
O reconhecimento social do outro é um elemento essencial e intrínseco ao
processo de formação e aprendizagem docente. Nesse caso, valorizo as
representações à professora protagonista das narrativas, destacadas nessa
pesquisa, a partir do olhar de quem, com ela, interage:
Pessoalmente acho Girassol uma pessoa muito querida, simpática,
brincalhona, com um carisma brilhante e profissionalmente admiro muito
seu conhecimento, sua postura, ética, a forma com que defende e se doa à
Enfermagem, sua didática em aula, a forma esplêndida que ministra suas
aulas, sempre de uma maneira clara, concisa e o seu comprometimento em
sempre dar o melhor. Como enfermeira e professora competente, dedicada,
é habilitada de conhecimento, humilde e, realmente, ama o que faz (Aninha,
aluna de Girassol, que a conhece há um ano).
Na reciprocidade das relações, a intersubjetividade está sempre relacionada
ao diálogo e experiências (FILLOUX, 2004) que, dialeticamente, favorecem o olhar
sobre si próprio, na luta por esse reconhecimento. Configura-se numa via de mão
dupla em interconexão, por uma conquista individual e coletiva que, por si só, é
árdua e muito desafiadora.
Nessa direção, Girassol pauta o seu relato, referente a alguns desafios
colocados pela diversidade das situações, como princípios e sentimentos a serem
considerados nas relações consigo própria e com os demais interlocutores:
Aquele aluno deixado de lado, é o aluno que mais vai se estressar! É o
aluno que é “problema” e vai continuar sendo “problema”, apresentar
incompatibilidade, que vai incomodar”, se tu não olhares diferente pra ele,
porque ali é que entra a equidade. Até os princípios do SUS, o:
universalidade, integralidade e equidade. É tu tratares as pessoas nas
diferenças. o é que vais tratar o aluno diferente das outras pessoas, mas
é porque ele precisa ser atendido de forma diferente naquela situação. Vejo
muito isso na aula, no ensino da Enfermagem, o quanto que, às vezes, a
gente pode amenizar o sofrimento, a dor e as preocupações, prevenindo os
transtornos e doenças, até potencializando e promovendo a saúde.
49
Tradução realizada pela autora deste estudo.
106
Como sujeitos que lutam pela própria autonomia, os professores são
reconhecidos como coresponsáveis pelo melhoramento de si e do outro, no contexto
social em que está inserido, conjuntamente com o processo de ressignificação global
que vêm realizando ao longo de suas vivências.
O professor-cidadão se constitui num processo de rompimento com suas
autolimitações, conquistando, paulatinamente, a sua autonomia. É nesse processo
de obtenção com intencionalidade, ao mesmo tempo existencial e profissional, que o
sujeito elabora a sua identidade referencial (MACIEL, 1995), fundamentada em seu
projeto de vida.
Num processo de construção complexa, a autonomia se traduz na
responsabilidade assumida pelo próprio sujeito, na qual a liberdade preenche o
espaço, antes “habitado” por sua dependência. O sujeito aprendiz, ao exercer sua
liberdade tanto mais livre será, quanto mais eticamente for assumindo com
responsabilidade as suas ações.
O essencial nas relações entre professor e aluno, entre autoridade
50
e
liberdade, encontra-se na possibilidade de reinvenção do ser humano, pelo
aprendizado de sua autonomia. Dada a essa circunstância, surge a necessária
mudança de percepção quanto ao poder nas relações vivenciadas, considerado
como empoderamento (COLLA, 1999), desejável a todos como direito, num
exercício descentrado pelo envolvimento interpessoal.
Vejo o empoderamento como autonomia. Quando te empoderas, na
condição de professor, ensinando, instigando o aluno para produzir
conhecimento, tu estás instigando para transformar uma realidade, mas ele
tem que se empoderar daquilo ali. Ele tem que viver aquilo e, no momento
em que ele se empodera, também favorece a autonomia dele. E daí,
favorecendo a autonomia, ele tem reconhecimento profissional. Essa
questão do empoderamento, a questão da autonomia profissional, que nós,
enquanto professores que instigamos os alunos, só vem potencializar o lado
deles. Agora é claro, que para gente atingir isso, nós também temos que ter
autonomia em relação a nossa profissão, ao nosso saber e temos que estar
50
De acordo com Moyne (2000), a relação que prioriza a autoridade se define como cíclica,
temporária, pois os papéis podem ser modificados, ou até mesmo invertidos, quando se trata de
relações recíprocas (pode acontecer que o professor aprende com seus alunos).
107
empoderadas com aquilo que a gente diz, e acreditar! É uma questão de
coerência (Girassol).
Quando a maioria dos professores, ou todos, reconhecerem a satisfação de
encaminhar os alunos aos seus processos de formação, constatar-se-á tal
orientação com sentido de geratividade
51
, peculiar da vida adulta (ERIKSON, 1985),
quando se tornam maduros e responsáveis pelo crescimento das gerações
posteriores.
Nesse período, o cuidado emerge como qualidade emergente, vinculado a
uma necessidade psicológica, em termos de aperfeiçoamento crescente próprio e
dos outros parceiros.
Isaia (2006) destaca o termo conceitual “professor gerativo”
52
, como
fundamental ao processo de desenvolvimento docente, visto que inclui aspectos
necessários (procriatividade, produtividade e criatividade) para a geração do novo e
do desenvolvimento identitário, no seu fazer pedagógico diferenciado, pautado pelo
cuidar como compromisso responsável.
No entanto, mesmo que geralmente se perceba ausência de um espaço
voltado ao debate coletivo, acerca das questões intrínsecas à docência nas IES,
emerge a necessidade da construção e a instauração da pedagogia universitária.
Por contemplar os cenários específicos desse nível de ensino, acima de tudo, os
professores são reconhecidos como formadores de futuras gerações na inter-relação
entre dimensão pessoal, sentimentos e vida profissional.
As noções de trajetória, percurso, ciclo de vida, de alguma maneira
encontram como precursor Ortega y Gasset (1970), que denomina de geração, ou
seja, um conjunto de anos vivenciados por um grupo de pessoas que compartilham
entre si valores, crenças e estilos de vida. Para esse autor, a vida é considerada
tempo e, na trajetória humana, a idade corresponde a certo modo de viver.
51
Tem a finalidade de auxiliar ao longo da preparação e aperfeiçoamento profissional, o que indica,
para Isaia (2003), o sentido ético da implicação com a docência.
52
Inspirado em Erikson (1981, 1998), representa uma imagem que desponta, ao identificar a tomada
de decisões individual e coletiva.
108
Cada professor(a), em sua fase geracional, se dispõe a integrar os
acontecimentos da vida e da carreira profissional de determinada maneira, a partir
de sua disposição interior. Estudos sobre percurso profissional dos professores
como os de Huberman (1989), Cavaco (1995a) e Nóvoa (1992; 1995), seguem de
algum modo essa concepção de geração, transpondo-a para o que se pode
denominar de geração pedagógica.
Assim, a trajetória profissional dos professores envolve não uma
sucessão de gerações, mas o entrelaçamento de várias em um mesmo momento
histórico. Nesse sentido, a compreensão dessa trajetória precisa levar em conta
como diferentes gerações produzem eco ou dissonância ao longo de seu
transcorrer.
Na área da formação docente, várias pesquisas focalizam que ex-
professores são reconhecidos como inspiração e referência ao processo iniciado à
profissão (CUNHA, 2005), de modo personalizado e criterioso, ainda mais, por
professores da Educação Superior que, geralmente, não possuem uma trajetória no
âmbito da docência.
Portanto, Girassol aponta como fundamental as referências oriundas dos
seus professores, tanto da Educação Básica, quanto da Educação Superior, as
quais deram significância à própria construção do ser professor(a):
Foram professoras que tiveram e têm um significado muito grande para
mim, para hoje eu ser professora. Utilizo muito do que as via fazer, de
conversar, se aproximar, eu vejo muito disso hoje, me lembro muito delas. E
olha quanto tempo faz! Essas pessoas me ensinaram muitas coisas,
inclusive, de relacionamento, embora eu sempre tenha me considerado
muito humana; quando estudei no mestrado Rogers, me considerava muito
rogeriana. Isso é para a vida, não é o ensino da ciência, matemática, do
português, da história, da geografia. Então, esses professores que me
marcaram, são os que mais deram lição de vida e considero isso muito
importante! Como que as pessoas entendem, o que a gente está falando? E
daí, puxa isso para uma sala de aula: o porquê que tu tens que falar uma
linguagem legal, que as pessoas te entendam. Ou, quanta coisa que tu não
aprendes por dificuldade, por quebra na comunicação, por não conseguires
transmitir o conhecimento? Assim como, podem acontecer calúnias, coisas
horríveis, entende?
109
O percurso docente é, aqui, concebido como um processo complexo em que
fases da vida e da profissão se entrelaçam, envolvendo momentos de crises, recuos,
avanços, descontinuidades e relativa estabilidade, representativos das mudanças
ocorridas (ERIKSON, 1985; LEVINSON, 1986; HUBERMAN, 1989).
Compreende um contínuo movimento que vai desde a fase de opção pela
profissão, passando pela formação inicial e pelos diferentes espaços institucionais
onde a profissão se desenrola (MARCELO GARCÍA, 1999). Tal processo de
(trans)formação permanente revela-se como uma modalidade de formação
continuada, ao se refletir como desafio à autosuperação permanente.
Nesse âmbito, os investimentos são diversos à melhoria da atuação
docente. Certos programas e projetos têm se voltado a esse espaço formativo,
pautando-se na ideia do professor como sujeito aprendente
53
e ativo na
consolidação da própria aprendizagem e pelo entendimento do ensino, como prática
reflexiva, não espontaneísta e automática.
Girassol reconhece, então, a relevância de ter participado de projetos,
simultaneamente à construção do ser professora, o que evidenciou, de forma
significativa, os saberes da própria profissão nas suas intervenções e, também, a
fortaleceu como pessoa-profissional.
O que potencializou o ser professora foi um projeto de extensão na escola.
Foi uma coisa muito importante, que me coloca, potencializa, fortifica e
qualifica, me instiga, mais ainda, para educar, ensinar, disseminar
conhecimento, para aprender com os alunos, porque eu não fico na
Universidade, que este projeto se vincula às escolas municipais e
estaduais da minha cidade. Eu amo este trabalho de ir às escolas, nessa
relação com os professores, alunos e pais. A gente tem organizado várias
oficinas, e isso é uma coisa que enriqueceu tanto o meu lado de ser
professora, não de ser enfermeira, embora, muitas vezes, eu e ensine
promoção da saúde. Trato de autoestima, motivação profissional,
relacionamento pais e filhos, do ser mulher para mães, do ser adolescente
para os pais, de como administrar isso em casa, dessa conversa entre pais
e filhos. Isso me potencializou o lado de ser professora. Quantas
experiências que eu tive, nessas oportunidades do projeto, que me deram
lições de vida!
53
Aprendente, a partir da reconstrução reflexiva da sua experiência docente. necessidade de
pensar a formação como processo inconcluso, permanente e, também, de uma postura pessoal e
profissional mais complexa, enquanto reforma de pensamento (OLIVEIRA, 2006).
110
Sendo assim, compartilho com Behrens (1996, p.229), pela valorização
consciente de quando os professores conseguem teorizar a própria prática, para
poder reno-la, com esses momentos reflexivos e de produção compartilhada com
o seu grupo de intervenção, enquanto projeto formativo continuado. O desafio,
portanto, está em aproveitar oportunidades processuais de capacitação, mais
dinâmicas do que aqueles cursos imediatistas, específicos quanto à abrangência ou
temática.
Considero que a formação, numa perspectiva de (trans)formação no
exercício da docência, amplia o significado das aprendizagens construídas, que o
centro do processo investigativo intenciona abordar o campo experiencial do(a)
professor(a), ao partir para concepção unificadora, que o apreende como pessoa e
profissional.
Deste modo, o processo formativo continuado possibilitará que o professor
reaprenda a aprender, ao viver novas situações enriquecedoras e, ao mesmo tempo,
oportunizar experiências significativas para aqueles com quem se relaciona.
Reafirmar a unificação do sujeito requer que o conhecimento seja reconstruído,
permanentemente, em novos modos de experienciação, apreendendo o mundo
dinamicamente.
Considerar, então, a importância desse aprendizado consciente, do qual faz
parte o comprometimento do sujeito em assumir as possíveis consequências de
suas atitudes, propicia o reconhecimento para com o grau de responsabilidade que
constitui e requer um processo de decisão e escolhas próprias.
Frente às escolhas e decisões, cada professor(a) pode assumir
responsavelmente suas posições, começando a assentar os alicerces do próprio
processo de autonomia, tendo em vista que “ninguém é autônomo primeiro para
depois decidir; a autonomia vai se constituindo na experiência de várias, inúmeras
decisões, que vão sendo tomadas (FREIRE, 1997, p.120).
Alguns estudos apresentam propostas de programas e ações de formação
continuada, tomando por base a concepção de desenvolvimento docente, por
111
considerá-lo mais amplo que o desenvolvimento profissional. Tal premissa justifica-
se pelo processo vinculado ao percurso individual e coletivo (NUNES, 2005), em que
o professor se constitui, por sua autonomia, reflexividade e criticidade, enquanto
colaborador da formação de outros sujeitos.
Nessa ótica, é necessário entender como elemento essencial, segundo
Anastasiou (2001, p.8),
[...] o principio do professor como sujeito de sua própria história, o que inclui
consciência, competência e reflexão/revisão de seu desempenho como
docente, processo reflexivo, iniciado quando realizamos coletivamente o
diagnóstico das dificuldades institucionais.
Toda aprendizagem contínua do(a) professor(a), como profissional da
educação, corresponde a um processo simultâneo de desenvolvimento das suas
múltiplas possibilidades, enquanto pessoa humana, e de permanente reafirmação da
sua cognoscência, como sujeito que se (re)constrói ao longo da vida.
Na perspectiva de que o ser humano aprende por toda sua vida, Mosquera
(2005) defende que o estudo aprofundado acerca do desenvolvimento se faz
pertinente, em especial, porque cada um desenvolve habilidades próprias, ao
aprofundar conceitos cada vez mais elaborados, a partir das influências de
estimulações sociais e manifestações afetivas.
Com esse entendimento, os professores
[...] são potencialmente o trunfo primordial para a realização da visão de
uma sociedade de aprendizagem. São os tipos e a qualidade das
oportunidades de formação e de desenvolvimento, ao longo das suas
carreiras, e a cultura onde trabalham que irão influenciar a promoção dos
valores da aprendizagem permanente e a sua capacidade de ajudar os
alunos “a aprender a aprender” de forma positiva (DAY, 2001, p.319).
Na condição de ser aprendiz e estar aprendendo continuamente, o(a)
professor(a) tende a desenvolver o seu potencial humano e a sua cidadania, não
como essências dadas a priori, mas como autoconstrução permanente.
112
Acredito, portanto, na contribuição essencial dos valores humanos para o
desenvolvimento, ao integrar talento, cultura, criatividade e formação, especialmente
quanto aos princípios de construção identitária autônoma, que são ressignificados
por cada aprendiz em processo evolutivo de crescimento pessoal e profissional.
3 SABERES DOCENTES NAS TRAJETÓRIAS DE VIDA: PERSPECTIVA (AUTO)
BIOGRÁFICA DO PROCESSO DE FORMAÇÃO
Quem espera que a vida
Seja feita de ilusão
Pode até ficar maluco
Ou viver na solidão
É preciso ter cuidado
Prá mais tarde não sofrer
É preciso saber viver...
Toda pedra no caminho
Você pode retirar
Numa flor que tem espinhos
Você pode se arranhar
Se o bem e o mau existem
Você pode escolher
É preciso saber viver!
*
A docência, muitas vezes, está configurada como atividade a ser exercida,
sem que os saberes inerentes a ela sejam revelados (GAUTHIER, 1998), como se
fosse um ofício sem saberes
54
, onde bastaria ter o domínio do conhecimento
específico, talento para ensinar, intuição e experiência.
Nesse sentido, cabe enfatizar que
[...] a maioria dos que atuam na docência universitária, tornou-se professor
da noite para o dia: dormiram profissionais e pesquisadores de diferentes
áreas e acordaram professores. Por mais excelência que tragam das
diferentes áreas de atuação, não garantia de que a mesma tenha igual
peso na construção do significado, dos saberes, das competências, dos
compromissos e das habilidades referentes à docência (ANASTASIOU,
citado por OLIVEIRA, 2003, p.258).
Tradicionalmente, bastava aos professores realizar sua formação e construir
sua identidade profissional, alicerçada apenas nos conteúdos específicos de cada
disciplina curricular. Além disso, se fosse bom profissional, isso garantiria que
soubesse ensinar; entretanto, é fundamental o entendimento de que o(a)
*
Trecho da música “É preciso saber viver”, letra de autoria de Roberto Carlos.
54
Vários pesquisadores, dentre eles Maciel (2009), têm demonstrado que a formação do professor de
ensino superior carece de uma pedagogia específica. A qualificão em de pós-graduação não
envolve a problemática da docência universitária, nem tampouco valoriza as percepções e
experiências do professorado atuante nesse contexto, para impulsionar avanços e inovações.
114
professor(a) universitário(a) está se formando e, por isso, precisa de formação
consistente, reflexiva e contextualizada para atuar no espaço acadêmico.
Além disso, como salientam Grillo e Fernandes (2003, p.229-230), fica
evidente, por um lado, que “a incerteza do aluno de formação inicial sobre o que
constitui o saber profissional docente o leva a considerar, prioritariamente, a
necessidade de ser um especialista na sua área de conhecimento”.
Por outro, é nesse período que as primeiras representações começam a se
fortalecer, para uma prática mais articulada e autônoma, como relembra Girassol:
Eu me lembro do que a gente aprendeu na graduação: falavam que o
conhecimento nos poder! E quando a gente tem conhecimento, discute
aquele assunto com qualquer um, porque não tem medo de nada. Então, o
quanto vejo a questão educacional hoje, o saber, do cognitivo, do quanto
que ele pode dar tranquilidade para as pessoas. Se tu o tens
conhecimento exato da tua profissão, ficas inseguro. O saber te poder,
até na tomada de decisão, na liderança. Este aspecto de liderar do
enfermeiro foi um aspecto muito forte porque, na verdade, uma das
principais funções do enfermeiro é ser líder, pois tem que ter a habilidade de
liderar, porque dele deve partir a tomada de decisão frente a uma equipe. O
paciente adoece, fica mal, tu estás cuidando, tens que saber o que tem que
fazer, não pode ligar e pedir pra alguém vir, fazer alguma coisa. Tu que tens
que decidir, na hora!
Nessa perspectiva, apóio-me em Oliveira (2009) para enfatizar que a
organização da docência incorpora conhecimentos de várias áreas, ao reafirmá-la
como cultura docente em ação. A partir da escolha consciente pela profissão e do
reconhecimento dos processos formativos, por meio dos saberes mobilizados
durante a trajetória.
Os saberes são atualizados no cotidiano vivido atualmente, visto que
caracterizam o profissional e consolidam os processos diferenciados de formação e
atuação, a partir de atitudes, crenças, percepções singulares e significados inerentes
ao saber social da profissão, durante a carreira de cada sujeito-professor(a).
Saber que ensinar não é transferir conhecimento é um dos saberes básicos
à formação de professores, pois, numa visão progressista, corresponde à criação de
possibilidades para a sua própria produção e/ou construção. É o reconhecimento à
115
boniteza de ser gente (FREIRE, 1997) de cada professor(a) que possibilita e exige
uma ação educativa coerente com esse saber, relativo ao respeito da autonomia e
do processo de construção identitária dos alunos.
[...] e a gente aborda isso numa visão freireana, dando autonomia pro
adolescente saber que ele tem que se cuidar. Ele tem que se cuidar, com
autonomia, pra sentir-se bem, por prazer, e o por obrigação. A gente não
impõe, dizendo que tem que fazer algo, porque dizem que eles têm que
fazer. Não, a gente diz porque vocês têm que despertar, pra autonomia de
se autocuidar, estar saudável e promover saúde em ti (Girassol).
Ao tratar sobre os processos de formação docente, é fundamental a
interconexão da vida cotidiana do professor com o conjunto dos agires
representativos de suas ações, como docentes, a partir dos respectivos saberes. No
âmbito da Educação Superior, quanto ao espaço de formação do professor
universitário, Oliveira (2009) esclarece que o início pode ter sido marcado nas
representações docentes dos primeiros processos de escolarização.
Ao revisitá-los, pela memória, outros perfis profissionais e pessoais
emergem, ao serem reconhecidos como possíveis repertórios de referenciais. Tais
repertórios são atualizados no presente, visto que, conjuntamente, caracterizam o
profissional que se é, consolidando processos diferenciados, atitudes, crenças,
percepções singulares e significados inerentes ao saber profissional e social durante
a carreira de cada sujeito professor(a).
Compreendo essa dimensão profissional, tal como Isaia (2006), quando
ressalta que a apropriação de atividades específicas se por um repertório de
conhecimentos, saberes e fazeres voltados ao exercício da doncia, que são da
área de atuação específica, pedagógica e da experiência docente.
O nosso saber é sempre provisório, não tem fim. [...] Nomeadamente, em
relação à formação de adultos, esta visão reveste-se de uma especial
importância. [...] é o sentido que damos à realidade observada e sentida,
num dado momento. [...] Está em constante transformação, em perpétuo
movimento, tal como uma sinfonia inacabada (BARTH, 1997, p.65-66).
116
Esse autor defende o processo formativo docente por uma pedagogia da
compreensão, enquanto a aprendizagem para ser prioritária, nas múltiplas
dimensões. Dentre elas, situam-se as dimensões cognitiva, afetiva e social, muito
ligadas à compreensão dos significados que envolvem a elaboração e mediação de
cada saber.
Nesse sentido, constato a possibilidade de qualificar o saber,
simultaneamente, como estruturado, evolutivo, cultural, contextualizado e afetivo. O
saber, por sua estrutura complexa, precisa ser comunicado, tendo como foco
principal a questão do sentido, quando se compreende o interlocutor pelo significado
produzido.
Dessa forma, os elementos interdependentes, que emergem do conceito e
do significado, podem ser refletidos com consciência, principalmente ao se ter
atenção aos desejos do outro. Filloux (2004) reforça a necessidade de
reconhecimento da autoconsciência, a partir das repercussões do desejo do outro
para si próprio, que o constitui, também, como ser pessoa, e vice-versa.
Por ser cultural, o saber pessoal evolui com o tempo e com a experiência,
pela interação com outros integrantes da própria cultura, com quem ajusto a minha
compreensão, com o passar do tempo. O saber, quando partilhado, pode mudar e
transformar-se, pois se origina no coletivo e não existe isoladamente, num único
sujeito.
Por estar associado ao próprio contexto, o primeiro encontro com
determinado saber surge em circunstâncias, concomitantemente afetivas, cognitivas
e sociais que poderão influenciá-lo, ou não. O saber em construção, também, pode
ser sustentado pela dimensão afetiva, quando a interpretação da realidade acontece
de modo subjetivo (BARTH, 1997).
A relação com o saber é fator essencial para a aprendizagem, ao longo da
vida, mas nem sempre foco de análise nas reflexões pedagógicas, mesmo que faça
parte do currículo oculto de formação. Heller (1982) alerta, pois, que a
desvalorização cultural dos sentimentos, apesar de que estes sejam fundamentais,
117
pode levar a um esfacelamento da unidade pessoal, provocando consequente
alienação.
Por isso, os afetos
55
precisam ser valorizados, porque são autoexpressivos e
comunicativos, como sinais ao outro sujeito; constituem-se do caráter social, visto
que pertencem à espécie humana em geral e sua expressão pode modificar-se, de
maneira idiossincrática, mesmo com a universalidade dos sentimentos
No espaço acadêmico, isso se repercute numa docência alienada frente à
dimensão humana de cada um, quando valoriza basicamente os processos
cognitivos e técnicos, em detrimento dos sentimentos, suscitando o empobrecimento
dos sujeitos. Entretanto, reconheço a responsabilidade do(a) professor(a) que, como
ser humano, possui uma trama de identificações que remete a vivências afetivas,
julgamentos e resgate de valores.
Além disso, “o estado de adulto supõe reflexão, liberdade de ser ele mesmo
e, nesses momentos, o professor se encontra num processo alcançado de
adaptação à realidade: vive o presente
56
” (ABRAHAM, 2000, p.28).
Nesse sentido, o saber é considerado como busca conjunta de
conhecimento comum, num processo dialógico a partir de questões problematizadas
e de respostas, a serem discutidas como encaminhamento pertinente em direção à
pedagogia da compreensão, que percebe o saber como processo, e não mero
produto.
Ainda que os saberes sejam frutos de crenças e representações anteriores,
de suas experiências enquanto alunos e professores sobre o que é ser um bom
professor, são muito próximos daqueles denominados por saberes profissionais.
Para Gauthier (1998), é ao longo de uma carreira profissional que estes saberes se
55
Os afetos, para Heller (1982) não são necessidades inevitáveis e ocupam lugar depois dos
impulsos biológicos. as emoções são sentimentos situacionais e cognitivos, construídos pelas
pessoas, de forma mais complexa.
56
Tradução realizada pela autora deste estudo.
118
desenvolvem, adquirem maior refinamento e têm raízes em culturas diversas, sendo
dependentes do contexto interativo.
Na busca de compreensão acerca do processo construtivo da experiência,
cabe, então, retomar as palavras de Josso (2004, p.51), ao destacar que:
a) “ter experiências” é viver situações e acontecimentos durante a vida, que
se tornaram significativos, mas sem tê-los provocado.
b) “fazer experiências” são as vivências de situações e acontecimentos que
nós próprios provocamos.
c) “pensar sobre as experiências”, tanto aquelas que tivemos sem procurá-
las, quanto aquelas que nós mesmos criamos.
Cada experiência, portanto, pode tornar-se um consequente acontecimento
ou situação, por meio da interação e no trabalho reflexivo acerca da vivência
realizada.
Uma atividade qualquer passa a ser entendida como experiência, desde que
o sujeito conceda os meios de observação, ao longo da experiência, acerca do que
isso gerou em sua vida, enquanto ação empreendida e refletida, a priori ou a
posteriori
57
.
A construção pessoal se expressa via experiências singulares, quando o
sujeito, também no âmbito profissional, revela-se numa dinâmica de intra e
interpessoalidade enquanto continua o processo de autocriação diante das
oportunidades de crescimento, tanto convergentes quanto divergentes.
Na interlocução de saberes gerados, a experiência é constituída por
interações mútuas e reflexões compartilhadas, nas quais encontram a valorização do
resgate das posturas crítico-reflexivas sobre as práticas, que os professores vêm
realizando.
57
A experiência se constitui enquanto tal, a partir da apreensão do sujeito (BRANDÃO, 2009), capaz
de ir além da vivência imediata, de avaliar, compreender e descobrir o sentido do que vive. Além do
autoconhecimento, possibilita a orientação no próprio contexto em que interatua.
119
Assim, destaco a constatação de que “o estudo da construção da identidade
do professor aponta como um dos seus aspectos essenciais à questão dos saberes
constitutivos da docência, que inclui a experiência, o conhecimento específico e os
saberes pedagógicos” (GRILLO, 2006, p.370).
Dessa maneira, os saberes pedagógicos e didáticos se fazem necessários,
além da experiência e dos conhecimentos específicos (PIMENTA, 2002). Consiste,
pois, em tomar a prática como o ponto de partida (e de chegada), reinventando tais
saberes, a partir da prática social da educação.
Os saberes provêm de diversas fontes e se desenvolvem no âmbito de uma
carreira, de um processo vital no qual se interconectam as dimensões identitárias e
de socialização profissional
58
. Na carreira, ou seja, num processo de vida de longa
duração, os professores precisam mobilizar um vasto cabedal de saberes e
habilidades.
[...] A socialização dos professores, pois, se produz através da observação e
interiorização de determinados modelos educativos, tal como os
experimentou em sua época como estudante. [...] Uma maneira de retomar
esta tradição alternativa da socialização docente consiste em examinar as
influências socializadoras que afetam a formação do professorado ao longo
da sua experiência
59
(GOODSON, 2004, p.58).
As práticas docentes são orientadas, entre outros, por objetivos sociais,
emocionais, cognitivos e coletivos, o que mostra que, mais do um saber teórico ou
técnico, têm um saber narrativo sobre suas intervenções que, além do espaço de
realização, a profissão também parece ser um modo de afirmação de si próprios.
É importante admitir que as histórias sobre práticas possam auxiliar a
definição de propósitos, a localizar valores e redirecionar a orientação afetiva,
especialmente para com as pessoas e situações vivenciadas. Girassol, como
enfermeira experiente, aponta como valor referencial ao ser professora, em qualquer
área, o reconhecimento supremo do amor como valor maior.
58
Na perspectiva de estudá-la pelo viés da vida do professorado, indica-se o período de formação
inicial e os primeiros anos da vida profissional como a influência socializadora mais formativa
(GOODSON, 2004).
59
Tradução realizada pela autora deste estudo.
120
Quando a gente fala em amor, como valor maior, não é banalizar o amor.
Eu amo o que eu faço, amo as pessoas que participam dos meus cenários
de trabalho. Tenho que amar o ambiente de sala de aula. Isso parece
profundo, mas é verdadeiro, é a essência; então, eu acho que o amor como
valor maior deveria fazer parte de qualquer profissão, de qualquer trabalho;
não é emprego, até porque eu digo que ser professor não é ter um
emprego, mas sim ter um trabalho, porque tu tens que viver aquilo, te
envolves e, aí, tem uma grande diferença. Os professores têm que estar
melhores instrumentalizados para entender a diferença, até porque, sabe no
que preocupo (voz mais baixa)... eu não sei como será a aula do futuro,
entendeu? E daí, tu ficas pensando: tens que dar uma novidade, tens que
fazer a diferença! Senão, não tem razão de existires, como professor. Acho
que, ali, é que entra a nossa bagagem prática, em que a gente pode fazer a
diferença, na discussão, interação e com o que os alunos estão trazendo.
Hoje em dia, está se tornando cada vez mais complexo ser professor.
Mesmo que sejam consideradas as particularidades dos vários estudos
acerca dos saberes docentes, Bocchese (2002) reafirma que estes são plurais, a
partir da tríade de eixos que os constituem: o científico, o empírico e o pedagógico.
O eixo científico direciona-se aos saberes das áreas de conhecimento, que
sinalizam as especialidades dos professores quanto à formação universitária e
profissional. Muitos priorizam tal eixo, como premissa básica à docência; entretanto,
Zabalza (2004, p.105) faz a sua crítica, quando afirma que:
[...] muitos docentes universitários se autodefinem mais sob a dimensão
científica (como médico, matemático, químico), do que como docente (como
professor de...) e sua identidade profissional (suas participações em
congressos, produções, seu grupo de estudo), está ligada menos à
docência do que ao conhecimento da área científica.
No entanto, a profissão professor é caracterizada pelo eixo pedagógico, a
partir do estudo das Ciências da Educação, porque agrega um conjunto de saberes
próprios à atividade profissional (GRILLO; MATTEI, 2005).
Além disso, focaliza um estudo das ideias pedagógicas e de questões
específicas, associadas às visões de homem, mundo e sociedade, que auxiliam na
compreensão crítica dos referenciais e paradigmas fundantes das práticas docentes.
o terceiro eixo, o empírico, aborda o saber da experiência do professor,
desde enquanto aluno, a partir das vivências coletivas da trajetória formativa. As
crenças, as pré-concepções e os conhecimentos produzidos são colocados em
121
destaque (BOCCHESE, 2002), nas experiências
60
vinculadas aos contextos da
docência.
De acordo com Josso (2004, p.41), “se a aprendizagem experiencial é um
meio poderoso de elaboração e de integração do saber-fazer e dos conhecimentos,
o seu domínio pode tornar-se um suporte eficaz de transformações”. Portanto, toda
aprendizagem experiencial fomenta a compreensão dos processos formativos de
conhecimentos, o que faz da experiência um agente formador.
A experiência docente, entendida pela reflexão com ênfase nas relações
intersubjetivas, requer a sensibilidade do profissional e faz parte do cerne dos
processos de ensinar, aprender e formar-se.
Diante dessa concepção, sinalizo o entendimento de que os sujeitos fazem
parte de um mundo de sentimentos humanos, o qual se ressignifica por meio das
interações (HELLER, 1982, p.151), tendo em vista que não há, realmente,
conhecimento sem sentimento, nem ação sem sentido, nem memória sem
sentimento
61
”.
O professor aprende, ao ensinar, sendo coresponsável por seu processo
formativo e identificado como sujeito gerativo de si mesmo e de seus alunos (ISAIA e
BOLZAN, 2009a).
Girassol, por sua vez, revela essa necessidade de pensamento e atitude
para com a geração posterior, mesmo que outras pessoas a critiquem, como
aconteceu em situações problemáticas em que reafirmou a sua responsabilidade:
Tem uma coisa que eu vejo diferente, porque trabalho com alunos do
primeiro e segundo semestres, recém-chegados, alunos de dezesseis,
dezessete anos, que não são eles que se sustentam, mas os pais; e eu
posso até estar errada, e se estiver mesmo errada, estou tentando me
corrigir, mas, de certa forma, me sinto responsável, porque tenho filhos
nesta idade. Então, muitas vezes, tenho certas atitudes que eu gostaria que
tivessem comigo, na mesma situação, se estivesse vivenciando, de que as
60
Evidenciam a diversidade dos contextos, registros e acontecimentos, por meio dos quais emana
uma intencionalidade do sujeito. É por isso que a qualificação dos processos de formação está
centrada acerca da dinâmica entre as experiências consideradas formadoras (JOSSO, 2004).
61
Tradução realizada pela autora deste estudo.
122
pessoas me alertassem pra isso, e não que passasse em branco. Uma
coisa, eu sempre digo, é trabalhares com aluno no início da faculdade, outra
coisa, bem diferente, é com o formando. É diferente e gratificante, ao
mesmo tempo, pois tu vês a evolução!
Em decorrência, as trajetórias de vida dos professores, que narram sobre si
próprios, possibilitam o reconhecimento dos percursos desses aprendizes e dos
seus próprios saberes, a partir das biografias educativas.
Por isso, Oliveira (1997, p.95-96) parte da premissa de que o
desenvolvimento pessoal do professor envolve processos reflexivos sobre si próprio,
no contexto profissional, com previsíveis implicações ao nível do seu
autoconhecimento, como pessoa e como profissional.
A partir dessa concepção, evidencio tal desenvolvimento como um “processo
em contínuo evoluir”, a partir da articulação entre três dimensões fundamentais à
melhoria qualitativa da docência, ressaltada pela referida autora
62
:
- uma vertente do saber, que se prende com a aquisição e organização de
conhecimentos específicos da área das ciências da educação e da área da
especialidade de ensino;
- uma vertente do saber-fazer, associado ao seu desempenho profissional e
que tem a ver com as atitudes face ao ato educativo, com o papel do
professor e do aluno e com a implementação das atividades e estratégias
de ensino;
- uma vertente do saber ser e saber tornar-se, ou seja, a dimensão afetiva
que engloba as percepções sobre o próprio professor e a sua atuação
profissional, que envolve um componente de relações interpessoais, bem
como as suas expectativas e motivações associadas ao desempenho das
suas funções docentes e à sua formação.
Toda a trajetória percorrida, pela pessoa adulta, pode estar sendo
sustentada e atualizada por repertórios trazidos das memórias educativas, a partir
das experiências formativas de cada sujeito. Cabe salientar, então, o que define
Josso (2004, p.48):
O conceito de experiência formadora implica uma articulação
conscientemente elaborada entre atividade, sensibilidade, afetividade e
ideação. Articulação que se objetiva numa representação e numa
competência. [...] Assim, por definição, a formação é experiencial ou então
não é formação, mas a sua incidência nas transformações da nossa
62
Tradução realizada pela autora deste estudo.
123
subjetividade e das nossas identidades pode ser mais ou menos
significativa.
A partir da necessidade de articular a produção de saberes e valores, o foco
de análise clama por ações responsáveis que favoreçam a transformação desse
profissional, melhor comprometido com a sua própria formação.
Na perspectiva de construção de conhecimento e produção de saberes, o
percurso formativo pode ser compreendido por um processo que resgata as
concepções interativas e colaborativas de desenvolvimento dos sujeitos, em busca
de equilíbrio na conquista evolutiva da própria autonomia.
Por ser portadora de identidade pessoal, a docência é reflexo dessa
constituição autônoma na trajetória do professor. É fundamental, portanto, a
mentalidade aberta e envolvida numa perspectiva subjetiva, para torná-lo ímpar em
suas ações pedagógicas e constante aprendiz em seus saberes (SANTOS,
ANTUNES e BERNARDI, 2008), ao perceber o papel social e suas representações
na contribuição para com o cotidiano do outro.
Dentre as competências, a serem desenvolvidas no processo de formação
docente, ao longo de sua vida, destaco as competências pedagógica e a pessoal,
que foram sinalizadas por Tavares (1997): a primeira refere-se ao saber-fazer e
propagar os conhecimentos de diferentes especialidades, adaptando-os às
capacidades dos aprendentes.
E a segunda, vincula-se diretamente ao desenvolvimento intra e interpessoal
do professor, por ser potencializadora às demais e, também, imprescindível ao
desempenho de todo profissional da educação.
Além do vínculo com os saberes das gerações precedentes, a sociedade
pode orientar-se ao futuro e começar uma apropriação do novo saber cotidiano.
Este, diferentemente caracterizado pelo desenvolvimento dos meios de produção,
pela mudança das relações sociais e pelo interesse na formação de uma nova
cultura.
124
Ao fazer referência às relações construídas, a professora Girassol pode
instituir outras formas de reconhecimento do próprio vínculo com as gerações
anteriores. Consiste num processo integrador de aprendizagens e reconstrução das
vivências, como alternativa de produção diferenciada de si e dos outros, por meio
dessas experiências referenciais com a outra geração:
A função, tanto de mãe quanto de professora, é educar. É o sentimento de
maternar e que não, necessariamente, eu deva ter filhos biológicos pra
desenvolver esse sentimento. Ótimas professoras têm sentimento, vínculo,
um elo de maternar, de cuidar, com muito zelo, desvelo, com ternura de ser
terno [...] Tu podes não ser mãe e ser uma excelente professora, mas por
quê? Tu não és mãe, de repente, porque não tiveste oportunidade, ou não
quis gerar filhos, mas tu podes ser mãe dos filhos dos outros, entende? É no
sentido do cuidado, do respeito, zelo, de passar segurança [...] gerar
confiança.
Volto-me, nesse processo investigativo, à preocupação explicitada por
Mosquera (1976) em considerar, antes de tudo, o(a) professor(a) como pessoa única
que pode resgatar o seu processo histórico, desenvolvido por experiências e ações
desencadeadas através das vivências sucessivas, ao longo da sua trajetória.
A pessoa do(a) professor(a), que não está dissociada do profissional, vem
se constituindo e é reconhecida desde os seus potenciais peculiares, suas
concepções, dificuldades e formas de manifestar-se no contexto vivido. Os trajetos
da sua história vital são compreendidos, através do relato subjetivo, além do olhar
saudosista ao passado.
O que interessa, portanto, é a proposta de uma reconstrução das
experiências realizadas que podem ter provocado outros movimentos de produção
diferenciada de si próprio e, na coletividade, daqueles com os quais interage.
A partir dos relatos, o cenário social vivido no passado não ressurge por
suas significações, mas também vem a impulsionar outros posicionamentos,
enquanto movimento de autosuperação de si frente às marcas representativas de
uma época. Consequentemente, cada pessoa pode projetar-se qualitativa e
evolutivamente para os novos tempos, a partir dessa retrospectiva das trajetórias
pessoais.
125
Portanto, a reflexão é necessária, por parte dos próprios professores, acerca
do que os vêm constituindo, enquanto profissionais da educação; inclusive, pelo viés
das trajetórias formativas e continuadas, na troca constante de experiências vitais e
compartilhamento de saberes de vida.
Com certeza, é socializar experiências, porque cada um tem a sua maneira
de ser, tem a especificidade de cada situação, de cada ser humano, de
ideias, princípios e valores que as pessoas defendem. E daí, é que entra a
especificidade de ensinar na sala de aula, o quanto que a gente tem que se
ligar para aqueles alunos que, às vezes, estão se comportando de uma
maneira diferente, se a gente não está conseguindo atingí-los (Girassol).
Entendo o transcurso existencial humano pela sua configuração em etapas
inter-relacionadas, que comportam momentos de crise como ruptura com o
estabelecido, é provocado o salto para construção do novo patamar de referência.
De acordo com Isaia (2009, p.104), quem está na vida adulta se preocupa
tanto com questões relacionadas às gerações mais jovens, quanto aos problemas
da geração anterior. Na perspectiva de que o sujeito se encontra no centro da luta
geracional, com múltiplas responsabilidades e sentimentos, conforme as situações
enfrentadas, como bem sinaliza Girassol:
Desde menina, se alguém adoecia, caía na minha casa, quem corria,
mesmo tendo meus irmãos mais velhos, era eu. Eu gostava muito desse
cuidado, de ficar perto, acarinhar e fortalecer as pessoas. E depois, tive
outras oportunidades, que eu lembro, até com os meus irmãos mais velhos,
e vejo que ainda faço isso hoje, de cuidar da minha família, dos meus
irmãos; uma, porque eu fortifico muito, potencializo muito o valor familiar e
outra, porque foi o que a minha mãe e o meu pai me ensinaram, a cuidar, a
zelar e ter respeito pelas pessoas. Eu me criei com a visão de um pai muito
doente, desde criança, e aquilo me machucava muito, quando eu ouvia meu
pai gemer. As dores, tristezas e os choramingos do meu pai, eram dores
biológicas e da alma. O biológico por causa das pernas, porque tinha
úlceras varicosas e a dor da alma, porque tinha a preocupação de não
conseguir sustentar direito aquele monte de filhos que nós éramos, toda
aquela família. Então, vejo a escolha da minha profissão muito relacionada
ao meu convívio familiar, a ter convivido com doença.
Tal inter-relação entre os ciclos existenciais e singulares enfatiza a
concepção dialética do desenvolvimento, correspondente à integração das duas
dimensões: a continuidade e a descontinuidade.
126
A primeira, representada pela sucessão em série dos círculos existenciais e
a segunda, por meio dos momentos de crise, pela superação do padrão existente
com o surgimento de outras demandas internas e externas, o que contribui, de fato,
para o estabelecimento de diferentes referenciais e sua consequente renovação à
trajetória vital humana.
Um salto qualitativo vinculado às metas particulares, sem precisão, que são
delineadas a partir dos próprios projetos da vida de cada pessoa, por abranger
desde a origem dos ciclos da vida infanto-juvenil até os anos da vida adulta do
sujeito em (trans)formação.
Nesse sentido, Girassol inter-relaciona as suas aprendizagens com
experiências que considera relevantes, pelo simbolismo redimensionado à própria
trajetória formativa, como crescimento e superação:
O que eu consigo aprender com crianças? Que, às vezes, a gente nunca
sabe o quanto a gente tem de força interior, porque só depois que tu passas
por um problema, por uma dificuldade, e que tu passaste por ela, ficas
pensando: Como é que eu superei?” Parece que é, nisso aí, que vem o
aprendizado, entendeu? Viu, como és capaz de fazer isso que, até então,
achavas que não podia? E por que, eu falo muito nas crianças? Porque elas
têm tanta inocência, tanta ingenuidade... são ingênuas, inocentes, puras e
que te mostram tanta lição de vida, e que, às vezes, precisam de tão pouco
para ficarem bem! Às vezes, tu vês um nenê doente, assim, e de tu
colocares a mão nele, ele se acalma, né? Tu não tens uma mão em ti, tu
tens o corpo inteiro e isso não está sendo suficiente para ti. Então, o quanto
que o ser humano, embora ele seja vulnerável, é capaz de suportar certas
situações.
Outrossim, cabe destacar que a subjetividade é reconhecida por intermédio
das ações, oriundas de ideias, encadeamentos que fomentam a tessitura das
circunstâncias vitais, tendo em vista que acabam por revelar a forma de cada um(a)
lidar com constâncias e inconstâncias, no devir dos dias.
Um trabalho acerca das trajetórias de vida, como este, resgata componentes
significativos de cada viver, ao procurar ressaltar o que foi e ainda é marcante na
vida da pessoa protagonista.
127
Measor e Sikes (2004) referenciam a importância da forma procedimental
escolhida, na qual o pesquisador proporciona a possibilidade de abordar temas
significativos para o sujeito participante, por meio da construção de relação, situação
e atmosfera apropriadas.
Nesse momento, a perspectiva do interacionismo simbólico reafirma que a
pessoa entrevistada, também, tem poder de decisão acerca do que seleciona, ou
não, para contar em suas narrativas.
Baseio-me na concepção de Levinson (1986), ao destacar que os períodos
evolutivos configuram um mapa mais específico do curso de vida, pois estimulam
passagem entre as eras e geram modificações no interior de cada uma. O
desenvolvimento cíclico da vida humana é compreendido pela organização
sequencial e transitória em que o sujeito dá forma ao próprio percurso existencial.
Além disso, o autor referido apresenta a metáfora das estações, a qual vem
explicitar que, ao longo do ciclo vital, existem fases ou estações diferenciadas,
ignorando a ideia simplista de que o ciclo de vida seja um processo meramente
contínuo.
No interior de cada estação, transformações e/ou mudanças qualitativas são
verificadas, ao provocarem o surgimento de outra estação, até que o ciclo seja
completado. Em acordo com Isaia (1993, p.12), entendo que, nesta visão do ciclo
vital humano
[...] o mais significativo da metáfora da estação esno fato de que ela
evidencia a ideia de cada época, embora diferente da anterior, não nem
melhor nem mais importante que aquela. Cada uma é necessária e
contribui, com sua especificação própria, para o ciclo vital como um todo.
Para reconhecer as representações de cada sujeito, há necessidade de
compreensão que é, para si, autofinalidade por ter a oportunidade de recriar o seu
mundo próprio; um mundo repleto de representações, afetos e intenções, que são
próprias ao ser social que o caracteriza e, ao mesmo tempo, o diferencia dos demais
sujeitos.
128
Nesse sentido, Josso (2004) menciona a necessidade de buscar o
autoconhecimento, como se fosse um caminhar para si
63
, que fomenta um processo
formativo melhor alicerçado, ao compartilhar conhecimentos. Assim, num projeto de
vida, o sujeito aprende acerca do que é, pensa, faz, valoriza e deseja para si e para
a coletividade, na qual está inserido e se projeta.
Nesse processo, pela perspectiva do conhecimento de si próprio, Portal
(2007) indica a necessidade de atenção a aspectos fundamentais, como a
autorreflexão dos professores formadores, para que contemplem suas histórias de
vida e se inspirem numa proposta de conhecimento de si, que norteie novos rumos
para suas práticas.
Também, faz o alerta às universidades, para que haja reflexão criteriosa e
crítica em seus currículos de formação, a fim de transcendê-los, rumo à proposta de
uma educação para a inteireza. Assim, o conjunto de elementos que norteia as
representações do sujeito-professor(a), no decurso de sua vida, contribui para com o
fluxo representativo do próprio processo (complexo e desafiante) da construção
identitária de sua professoralidade
64
.
Essas características particulares do indivíduo ao mesmo tempo que o
singulariza, o distingue e diferencia, não enquanto membro de uma
categoria pertencente à espécie, mas como autor de seu processo
organizador, que o torna sujeito (MORIN, citado por PETRAGLIA, 1995,
p.57).
No aspecto subjetivo, o ser humano é considerado um ser único e ímpar,
muito além do reconhecimento apenas das diferenças genéticas, fisiológicas e
psicológicas. É um ser vivente que constrói seu próprio processo identitário, como
autor-organizador do seu percurso vital na coletividade: “o sujeito é único para si
mesmo e age como centro de referência” (PETRAGLIA, 1995, p.62).
63
Projeto a ser construído no decorrer da vida, cuja atualização consciente se faz pelo
autoconhecimento, por suas representações, pensamentos, ações e desejos, diante da valorização
das relações com os contextos (PORTAL, 2007).
64
Sinaliza a concepção de que o profissional e a pessoa formam uma unidade dinâmica, a partir da
qual suas trajetórias estão interligadas, para atribuir significados especiais aos acontecimentos que
marcam os percursos (ISAIA; BOLZAN, 2009b).
129
Portanto, estar em formação implica um envolvimento pessoal, um trabalho
reflexivo sobre os percursos trilhados e projetos em andamento, tendo em vista a
construção identitária profissional de cada professor(a). Dessa forma, a partir do
reconhecimento da pessoa do profissional, a apropriação dos próprios processos de
formação passa a ser incentivada, ao mesmo tempo em que contribui para a
ressignificação das trajetórias vitais.
Os processos de formação configuram, fundamentalmente, o
desenvolvimento singular dos professores enquanto cidadãos e profissionais que
estão assumindo e responsabilizando-se como protagonistas do próprio transcurso,
num contexto de produção cada vez mais autônoma de sua profissão.
Esse caráter processual simboliza que a formação transita, construindo-se
em processos recíprocos em relação aos saberes e conhecimentos que se
encontram no cerne da identidade pessoal, o que possibilita aos professores
assumirem-se como produtores de si e da profissão na busca de percursos
alternativos de (trans)formação.
Neste ínterim, penso ser possível constatar que os professores necessitam
assumirem-se como gestores de sua profissão, e que tanto suas ações refletem em
seu entorno, quanto o entorno em suas ações, num processo dialético, em que os
contextos se desenvolvem promovendo mudança, maturação de ideias, que
ultrapassam os muros da academia.
A vida é o lugar, a educação e a história de vida o terreno no qual se
constrói a formação. Por isso, a prática da educação define o espaço de
toda a reflexão teórica. [...] Dito doutro modo, o saber sobre a formação
provém da própria reflexão daqueles que se formam. [...] No entanto, a
análise dos processos de formação, entendidos numa perspectiva de
aprendizagem e de mudança, não se pode fazer sem uma referência
explícita ao modo como um adulto viveu as situações concretas do seu
próprio percurso educativo (DOMINICÉ, citado por NÓVOA, 1995b, p.24).
Portanto, as dimensões simbólicas do contexto social vivido são reveladas e
podem estar sendo atualizadas e reconstruídas, como processo alternativo de
mudança pessoal dos professores.
130
Tendo a compreensão de que toda a memória pessoal é também a memória
de um tempo, os sentidos e os significados singularizam à própria vida, ao mesmo
tempo em que contextualizam o cenário sociocultural da época, que hoje está sendo
narrada.
Assim, progressivamente, vão reconstruindo como vêm se relacionando com
os processos formativos e singulares da trajetória escolar e acadêmica, a partir do
trabalho com a sua memória educativa que, segundo Kenski (1997, p.94-95),
possibilita o entendimento de que
[...] o professor forma a si mesmo através das suas inúmeras interações,
não apenas com o conhecimento e as teorias aprendidas nas escolas, mas
com a prática didática de todos os seus antigos mestres e outras pessoas,
coisas e situações com as quais interagiu em situações de ensino durante
toda a sua vida.
Por considerar fundamental o estudo acerca da biografia docente, entendo
que, a partir dela, podem ser desvendados os significados importantes dessa
trajetória construída, fundamentalmente frente ao equilíbrio desejado entre a
docência e vida pessoal.
Assim, “devemos ouvir atentamente seu ponto sobre a relação entre a vida
escolar e a vida em geral, posto que nesta dialética se narram histórias que são
fundamentais para compreender sua vida e compromissos profissionais
65
(GOODSON, 2004, p.61).
A partir dessa ótica, cabe salientar que se faz necessário levar em conta as
referências que os docentes possuem de si próprios, bem como de suas vivências
formativas, no sentido de verificar como sua professoralidade vem sendo construída.
Isto posto, no sentido de evidenciar o que pode ser considerado como o início de
uma trajetória, no campo do desenvolvimento profissional.
A produção de uma cultura profissional docente, nessa perspectiva, está
vinculada ao interior e exterior da vida profissional, na intensidade das interações
entre os sujeitos em (trans)formação e, entre os aspectos, na produção qualitativa
65
Tradução realizada pela autora deste estudo.
131
de novos significados às concepções sobre a própria prática enquanto pessoa-
profissional.
Ao longo da história da profissão docente, muito se vem discutindo a relação
dos professores com os saberes; de um lado, enquanto portadores e produtores de
um saber próprio e, por outro, como meros transmissores, reprodutores de saberes
alheios. Compartilho e busco, então, reconhecer a primeira compreensão, na qual os
professores são potencializados a partir da ação concreta e dos pensamentos
próprios, singulares.
Gauthier (1998) retrata o processo educativo ao enfatizar a mobilização de
vários saberes pelos professores, que formam uma espécie de reservatório no qual
cada professor se abastece ao longo do tempo, quando sentir necessidade frente às
exigências de cada situação concreta. Para o autor, há delimitação dos saberes
fundamentais desse reservatório que, a seguir, resumidamente os apresento pela
diferenciação de como são mobilizados pelos professores:
Saber disciplinar: não é produzido pelo(a) professor(a), mas este(a) o extrai
da produção de outros pesquisadores sobre o conhecimento, em diversas disciplinas
científicas. Este saber não representa sozinho “o” saber docente, apenas faz parte
do reservatório de saberes disponíveis.
Saber curricular: a instituição escolar seleciona e organiza certos saberes
produzidos, que estão colocados nos programas escolares. “Conhecer o programa”
constitui outro saber do reservatório, o qual serve de guia para o professor fazer os
seus planejamentos e avaliações.
Saber das ciências da educação: ao longo da formação, ou em seu trabalho,
o professor adquire conhecimentos profissionais que os informam a respeito do seu
ofício e da educação em geral. Este saber serve como pano de fundo, porque
permeia o modo como o(a) professor(a) existem, profissionalmente.
132
Saber da tradição pedagógica: envolve todas as representações sobre a
profissão, desde a infância até o cotidiano atual, que se cristalizam e servem de
molde para os comportamentos dos professores.
Saber experiencial: a aprendizagem, por suas experiências, leva o(a)
professor(a) a viver um momento especial, único e diferente de tudo o que vem
sendo registrado em cada conjunto de saberes. É limitado, no sentido de que é feito
por pressupostos e argumentos que não são, publicamente, conhecidos.
Nesse sentido, os saberes da experiência são mobilizados e os saberes
específicos são percebidos como conhecimentos inacabados que, geralmente,
abrangem situações problemáticas, as quais requerem decisões.
Conforme Grillo (2000, p.76), “estamos valorizando o profissional racional,
que faz julgamentos, toma decisões num contexto incerto e as executa com a
emoção e a paixão que sustentam a sensibilidade para identificar situações novas”.
Os professores precisam desenvolver essa sensibilidade humana, que
envolve a articulação do componente ético, cognitivo e emocional desse saber
profissional docente, a favor de aprendizagens que promovam a autonomia com
responsabilidade.
A partir das concepções frente à criação de nova cultura de formação
docente, ressalto a luta pela legitimação de práticas formativas que tomem como
referência as dimensões coletivas, ao contribuírem para a emancipação profissional
e consolidação de uma profissão que é autônoma, na produção dos seus saberes e
valores.
A partir da constante reelaboração dos saberes que realizam em suas
práticas, os professores confrontam suas experiências nos contextos institucionais
de que fazem parte: “[...] os professores têm de se assumir como produtores da
“sua” profissão [...] não basta mudar o profissional; é preciso mudar também os
contextos em que ele intervém” (NÓVOA, 1995, p.28).
133
que ser observada, a partir desse pressuposto, uma construção mais
qualitativa de pensamento, no sentido de que os atores envolvidos possam sentir-se
em condições de estabelecer equilíbrio nas situações dialógicas. Assim, o saber
oriundo da experiência torna-se importante no viés do conhecimento de cunho
profissional.
Então, ressalto o saber da ação pedagógica dos professores, como
experiencial, a partir do momento em que se torna vivência reflexiva. É o tipo de
saber menos desenvolvido do reservatório, ao mesmo tempo em que faz parte dos
fundamentos da identidade profissional docente.
Nesse sentido, o repertório de conhecimentos deve ser retirado da prática
docente como subconjunto do reservatório geral de conhecimentos do(a)
professor(a), a partir da identificação dos saberes que mobiliza para exercer sua
atividade.
A definição da epistemologia da prática profissional sustenta a necessidade
de estudar o conjunto dos saberes utilizados realmente pelos profissionais, no seu
espaço de trabalho cotidiano, em todas suas tarefas. Deste ponto de vista, a prática
profissional
[...] nunca é um espaço de aplicação dos conhecimentos universitários. Ela
é, na melhor das hipóteses, um processo de filtração que os dilui e os
transforma em função das exigências do trabalho; ela é, na pior das
hipóteses, um muro contra o qual vêm se quebrar e morrer conhecimentos
universitários considerados inúteis, sem relação com a realidade do trabalho
docente diário e com os contextos concretos de exercício da função docente
(TARDIF, 1999, p.16).
Então, tal prática implica uma reflexão sobre os fins perseguidos em
oposição a um pensamento tecnoprofissional; o trabalho não é antes um objeto que
se olha, mas uma atividade que se faz. O profissional, a sua prática e os seus
saberes não são entidades separadas, mas copertencem a uma situação de
trabalho, na qual coevoluem e se transformam.
134
A noção de saber, num sentido amplo, engloba os conhecimentos, as
competências, habilidades e atitudes que os próprios sujeitos práticos (TARDIF,
1999) dizem a respeito dos próprios saberes.
Quer dizer, numa perspectiva ampliada, os saberes profissionais são
saberes trabalhados, laborados e incorporados ao processo do trabalho docente.
Somente têm sentido em relação às situações de trabalho, porque nelas são
mobilizados, construídos, modelados e utilizados de maneira significativa.
Reflexões, a partir das imagens, representações, dos valores, significados e
saberes que estão constantemente atualizando e permeando a dinâmica do viver, e
reviver, de cada professor(a). Dessa forma, Zayas (1996) ressalta a relevância do
adulto ao falar acerca de sua formação, que envolve as experiências feitas, porque
melhor permite compreender os dinamismos dos papéis desenvolvidos nesse
processo existencial.
Essa interação mútua, intensamente, possibilita estabelecer um ponto de
intercâmbio mais viável, o qual, ao focalizar a respeito da vida do sujeito no seu
contexto, oferece outro enfoque ao desenvolvimento de uma compreensão conjunta
do processo educativo.
Por isso, na proposta dessa pesquisa, referencio o que o sujeito tem sido,
demarcando como prioritário esse subsídio para a produção da diferença, resultante
do movimento de (re)organização das próprias marcas que geram diferentes estados
de ser.
Durante suas narrativas, Girassol explicita esses momentos formativos, que
julga marcantes ao reconhecimento pessoal e profissional, a partir das
representações qualitativas ao ser professora e enfermeira:
Muitas vezes, reporto isso à sala de aula. Sabe, quantas vezes que tu estás
ensinando, nas relações e podes fazer a diferença, num mínimo detalhe
que, para muitas outras pessoas, isso não é nada, passa despercebido, ou
o faz parte, ou pensam assim: Isso não adianta”, entendeu? Então,
sempre digo para as pessoas, para os alunos: Vocês têm que procurar, no
cotidiano de vida de vocês, fazer a diferença para as pessoas que convivem
135
com vocês, porque senão vão ser mais um. Tem coisa pior, do que a gente
ser tratado com indiferença?Às vezes, eles não sabem o que é ser tratado
com indiferença, e eu pergunto: O que é isso? É tu chegares num lugar e
ninguém perceber que tu chegaste. Agora, quando tu chegas num lugar e
as pessoas dizem, assim: Que bom, que tu estás aqui”, é bom porque
fazes diferença para esta pessoa! Quando chegas para um paciente e ele,
ou o acompanhante, diz: Nossa, que bom que tu estás de plantão! É
porque tu fizeste a diferença na vida desta pessoa, e daí me perguntam:
Como é que tu vais saber?” Vocês o precisam perguntar, a resposta
disso está nos atos de vocês, na sinceridade, no respeito, no cotidiano e no
fazer profissional de vocês.
No âmbito desse referencial teórico, discuto o processo de formação por
meio de um trabalho em torno da reflexividade crítica dos professores acerca de
suas práticas e de (re)construção permanente da própria identidade pessoal
(NÓVOA, 1992).
Entendo que, mais do que um lugar de aquisição de técnicas e
conhecimentos, a formação de professores é o momento-chave da socialização e da
configuração profissional, que não se constrói por acumulação visto que implica num
investimento pessoal sobre os percursos e projetos próprios.
A reflexão implica a imersão consciente do homem no mundo da sua
experiência, um mundo carregado de conotações, valores, intercâmbios
simbólicos, correspondências afectivas, interesses sociais e cenários
políticos [...] A reflexão não é um conhecimento “puro”, mas sim um
conhecimento contaminado pelas contingências que rodeiam e impregnam
a própria experiência vital (PÉREZ GÓMEZ, 1992, p.103).
Nessa perspectiva de entendimento, considero relevante a criação de redes
de (auto)formação participada que possibilitem a compreensão da globalidade dos
sujeitos. O processo de formação é assumido por sua interatividade e dinamicidade,
ao basear-se pela construção humana e social do sujeito professor em
(trans)formação.
Vejo o potencial desse processo identitário, a partir do entendimento de que
a interação dos sujeitos, assim como ressalta Moita (1995b), corresponde à relação
que intervém, que modifica e/ou perturba, de certa maneira, os elementos da vida
pessoal nas suas múltiplas dimensões.
4 RELAÇÕES INTERSUBJETIVAS COMO EXPERIÊNCIAS DE FORMAÇÃO NA
CONSTRUÇÃO DO SER PROFESSOR(A) DA EDUCAÇÃO SUPERIOR
Há que se cuidar da vida
Há que se cuidar do mundo
Tomar conta da amizade
Alegria e muito sonho
Espalhados no caminho
Verdes, planta e sentimento
Folhas, coração,
Juventude e fé.
*
O potencial empreendedor de um(a) professor(a) não está relacionado à
própria titulação, mas sim, ao seu grau de comprometimento com o processo de
ensino-aprendizagem, o próprio cuidado e a forma como se importa com seu
entorno, cotidianamente.
No sentido de fomentar, em seus alunos, a busca pela transcendência, a
professora Girassol faz com que os seus interlocutores sejam capazes de
movimentar os próprios pensamentos de forma crítica e reflexiva, ao construírem
suas histórias em sintonia com a realidade vivida.
A Universidade, por si só, entre as quatro paredes, não tem sentido maior. E
daí, na história dos bolsistas, tu colocas eles frente a outro mundo, novas
experiências que acabam enriquecendo para a sala de aula, na formação
profissional deles, também. É a questão do empoderamento como
autonomia. Muitas vezes, nessas discussões, tu vês diferentes cenários que
os alunos podem atuar e que não fica tão limitado, às vezes, ao que a
sociedade está impondo.
Cabe salientar, nessa ótica, que
[...] a ênfase na dimensão ética da profissão docente, no dizer de Isaia
(2003a, 2003b), envolve a implicação com a docência, na medida em que
se compromete em cuidar gerativamente (desenvolver) de seus alunos, do
grupo com o qual trabalha e da instituição a qual pertence, e das produções
acadêmicas e pedagógicas que elabora individualmente ou de forma
coletiva. É função específica da docência a condução do processo de
ensinagem e de aprendizagem [...] (ISAIA e BOLZAN, 2009b, p.167).
**
Trecho da música “Coração de Estudante”, letra de autoria de Milton Nascimento e Wagner Tiso.
137
Na perspectiva do estudo dos professores como pessoas, considero como
fundamental o reconhecimento multidimensional da docência, em especial por
ressaltar o caráter de relação intersubjetiva.
Segundo Heller (1982), as manifestações humanas são descritas pela
unificação da ação, pensamento e sentimento
66
, bem como caracterizam todas
essas manifestações, que apenas podem ser separadas, funcionalmente. Em busca
de entendimento do que significa relacionar-se, a autora reafirma que os
sentimentos das capacidades humanas precisam ser considerados num sistema
integrado de relações intersubjetivas.
As interações configuram a realidade social como processo continuado de
renegociação, conforme Huberman (1998), quanto ao entendimento da identidade
do sujeito e como ele se relaciona, no decorrer de sua vida.
Por ser tratada como interação comunicativa, a realidade social deveria ser
considerada como intersubjetiva, visto que se origina do retorno do sujeito à atitude
que o outro manifesta, em relação a si. Por consequência, a reflexão sobre si,
também, contempla a manifestação do outro.
Para que aconteça a materialização dessa rede de relações intra e
interindividuais, Abraham (2000) evidencia a necessidade de o espaço educativo ser
reorganizado, para propiciar o desenvolvimento da coletividade, a partir da mudança
dessas relações pelo simbolismo de como as percebe e trabalha, no âmbito social, a
plena realização do eu pessoal e profissional.
Nessa reorganização emergente, o espaço precisa ser redimensionado
desde sua concepção, para além da estrutura física, como menciona Girassol em
sua construção narrativa de significados:
E o que é a ambiência? Inclusive, o programa de humanização do Ministério
da Saúde traz o conceito de ambiência. Ambiência, hoje, é muito mais do
que espaço físico, não é ambiente. É o espaço físico, a temperatura, a
luminosidade, mas são as inter-relações, a troca energética que existe no
66
A expressão do sentimento é uma das fontes principais de informação que temos a respeito da
outra pessoa. “Os olhos são o espelho da alma” (HELLER, 1982, p.75).
138
ambiente e cenários de trabalho. Isso é ambiência, é a troca de relação. É o
sentimento, a significância!
O trabalho profissional docente, entendido por uma interação
qualitativamente satisfatória, possibilita a autorrealização pessoal, transformada em
recompensas intrínsecas. Em decorrência, reconsideração quanto ao afeto dos
alunos, à satisfação com a própria aprendizagem de ser professor, à escolha da
carreira profissional e, também, aos vínculos com os colegas.
O papel do professor é, na atualidade, extremamente amplo e complexo.
Dificilmente um professor poderia, durante a sua vida profissional, adquirir a
variada gama de competências que se esperam dele. É o reconhecimento
desta complexidade que reforça o papel da formação como um suporte
contínuo e diferenciado para o desenvolvimento profissional dos
professores (MONTERO, 2005, p.137).
A partir do entendimento de que consiste num ser humano ímpar em
subjetividades, inter-relações e construções de saberes, o(a) professor(a) compõe
em si valores, hábitos, concepções e ações educativas que o identificam como tal
(ANTUNES, 2007), em qualquer instância ou representação de ensino formal ou
não-formal.
Nessa perspectiva, cabe evidenciar o entendimento de Girassol, seja como
enfermeira professora ou professora enfermeira, em relação às representações
significativas docentes, dentre as experiências realizadas e observadas na sua
trajetória:
O que acontece, como vejo o professor? Não um professor no pedestal e
um aluno, embaixo. É uma relação de horizontalidade, embora o
professor, ali, tenha uma autoridade máxima. É outro papel, porque é troca
e nessas trocas de relações, o aluno aprende com o professor e este,
também, aprende com os alunos. Vejo que, com a autoridade que o
professor tem, ele pode mudar tantas coisas, até, o perfil profissional de
alguém, dependendo da atitude que ele tem. Pode fazer querer viver, ou
não viver mais! Pode fazer desistir da profissão, ou não desistir! E por isso,
os professores devem ser bem preparados para isso! Além de ter, aquele
carismático dele, aquela vontade de ensinar, porque ensinar não é fácil e
não é qualquer um que ensina. Às vezes, as pessoas pensam “é bem fácil
ser professor”, mas não é fácil ser professor! Pelo contrário, uma das
profissões, mais complexas, porque tu conseguires fazer alguém aprender,
se os pais não conseguem fazer os filhos aprenderem as coisas e, às
vezes, põem a responsabilidade na escola, então, ali entra o papel do
professor.
139
Entretanto, por muito tempo, o conhecimento humano se limitou ao conceito
de realidade objetiva, ao desprezar o contexto dos sentimentos, dos valores e das
emoções, que constituem a subjetividade.
Conforme Damásio (2004), toda a realidade perpassa o conhecimento que
se tem dela, enquanto combinação de sinais, signos e símbolos, aliados aos
sentimentos, valores e às emoções, o que vem a desconfigurar a divisão entre
objetivo e subjetivo que, para o autor, é falsa e infrutífera.
A objetividade e a subjetividade constituem, portanto, dois modos através
dos quais o nosso pensamento funciona, de modo funcional e integrado, na
construção do pensamento e devem estar ligadas para facilitar a
aprendizagem do sujeito (BEAUCLAIR, 2007, p.21).
Em relação aos modelos contextuais de desenvolvimento, que se
evidenciar a necessidade de que o ser humano tem o compromisso de escrever sua
própria narrativa pessoal, no sentido de melhor contextualizar sua história e,
portanto, poder fazer uso de caminhos ao encontro do conhecimento e da
afetividade, como meios para estruturar o sentido do devir dos seus dias.
O estudo do comportamento cognitivo se refere a um fenômeno vital,
enquanto processo do desenvolvimento humano, em torno da cognição e suas
potencialidades, que está intimamente relacionado ao contexto social e às
manifestações afetivas.
Ao considerar que, ainda, o processo de aprendizagem não é compreendido
em sua totalidade, por ser complexo, Mosquera (2005, p.61) enfatiza que “aprender
é também reestruturar o conhecimento, reformular a base da compreensão de um
tema através de novas experiências, formular novos conceitos e redes mentais,
especialmente, dando valor à elaboração de significados”.
Saliento, pois, nesse sentido, que o processo de conhecimento tem origem
nas relações sociais, sendo alicerçado pela intersubjetividade e permeado por uma
teia complexa de situações, oriundas da cultura dos atores imbricados no processo
140
vivencial. Daí justifica-se a atenção deslocada para tais relações, em que os sujeitos
estão inseridos como partícipes do processo, de maneira totalmente singular.
Dentre os pressupostos de orientação para o enfrentamento dos desafios
pedagógicos, Nicolescu (2001) indica a relevância da intersubjetividade, enquanto
relação entre sujeitos, e da interatividade, entendida por ações mútuas ou
recíprocas. O autor, também, refere-se à necessidade de auto-organização, por
considerar imprescindível a capacidade potencial de autotransformação contínua, ao
longo da vida de um(a) aprendiz.
Filloux (2004) apresenta outra ideia, mais complexa, quanto à
intersubjetividade, compreendida como coexperiência, por esta ser uma aventura
conjunta, em comum, consigo próprio e com os outros.
Uma das coisas que eu consigo aprender com os outros é que, às vezes, a
gente acha que o problema da gente é enorme e quando a gente que
outras pessoas, com problemas piores, estão superando e dando a volta
por cima! Estou com uma irmã em estágio final de câncer
67
, e isso está
abalando muito a nossa família, e o que acontece? Estou acompanhando,
de perto, esta luta dela pra viver, e ela diz assim, pra mim: “‟Girassol‟, eu
quero a quimioterapia mais forte!” E, às vezes, tu reclamas pra tomar um
comprimido, uma injeção que é necessária, que até tu podias ficar sem ela,
mas tu reclamas por receber, pra fazer uma vacina, que é uma coisa tão
trivial, e daí, tu vês essas pessoas com uma força de vontade enorme e
dando cada lição de vida... (Girassol)
Atribuo, então, valor imensurável à intimidade própria dos professores,
desenvolvida em suas relações interpessoais, e às suas competências, construídas
em interação com o conhecimento. Nessa construção, qualitativamente, “pressupõe-
se o caráter ativo do sujeito [...], ao passo que o meio social é concebido como fonte
de influência no processo (GÓES, 1997, p.12).
Portanto, vem à tona a questão da implicação
68
que, nas relações
intersubjetivas, desempenha papel importante em relação à consciência humana.
Somente podem ser consideradas implicações (positivas ou negativas) no outro ser
67
Registro que a irmã de Girassol faleceu após quase dois meses, a contar do dia desse relato.
68
A implicação em algo, que pode ser outro ser humano, conceito, um processo, uma situação ou a si
próprio, significa o envolvimento por tempo indeterminado, seja de forma positiva, negativa, ativa,
reativa, direta ou indiretamente (HELLER, 1982).
141
humano, segundo Heller (1982), as disposições emotivas que aparecem nas
profundezas da consciência e que poderão se converter, depois, em sentimentos de
referência.
Assim, destaco as palavras de Girassol, quando demonstra atitude perante
situações adversas que, noutro momento, revertem em sentimentos e percepções
como aprendizados para a vida:
Tu tens que avaliar a situação negativa, que pelo menos siga de exemplo,
pra ti o seguires esse caminho. Tens que fazer o contrário daquilo. A
gente tira lição do positivo e do negativo; aliás, às vezes, o negativo mexe
muito mais, porque faz refletires sobre diversas coisas e o positivo, te deixas
no cômodo. Marca muito mais o negativo, então, tens que ver o que estás
trazendo, aquilo ali, de benefícios, para tua aprendizagem, pro teu ser
profissional, o que está te trazendo de crescimento profissional.
Nesse sentido, a revigoração de suas aprendizagens consiste,
significativamente, numa conquista progressiva aos processos alternativos de
formação continuada docente. Sob esse viés de compreensão, como descreve
Mosquera (1976, p.91), é pertinente destacar que
todo o relacionamento o nos aparece apenas como ligação de afetos,
interesses ou intercâmbios [...] toda e qualquer relação humana possui um
sentimento profundo de inquietação que leva à procura de significado e
valor.
Desse modo, diversos sentimentos orientam a respeito de qualquer aspecto
da vida, desde a própria ação, o pensamento e juízo de valor. Quanto ao
desenvolvimento de quaisquer sentimentos de orientação
69
, é imprescindível
compreender a exigência qualitativa dos conhecimentos prévios acumulados.
Conforme Heller (1982, p.115-116), “quanto mais evolui a individualidade,
mais variados são os tipos de sentimentos que desempenham um papel orientador
na vida de uma pessoa. É desnecessário insistir sobre a importância, neste contexto
da fé e da dúvida.
69
No relacionamento interpessoal, os sentimentos de orientação evoluem, proporcionalmente, à
ampliação dos contatos com a multiplicação dos respectivos interlocutores (HELLER, 1982).
142
Dessa maneira, evidencio o processo de reconhecimento do próprio sentido
de estar vivo(a) para este ser professor(a), que (re)dimensiona suas aprendizagens
e potencialidades, por meio das interações pessoais e do seu desenvolvimento.
Progressivamente, tais influências podem ter contribuído à conquista da própria
cidadania e de um processo vital, cada vez mais autônomo.
Por isso que a fé e a esperança, entre outros, são fundamentais para auxiliar
no prosseguimento da vida cotidiana, tendo por cultivo a sensibilidade compartilhada
(COSTENARO, 2001), a partir da conduta própria, o que favorece a execução do
cuidado autêntico, como evidencia Girassol.
Tu vês o reconhecimento das pessoas. Eu chamo a atenção que a gente
não pode ser tarefeira, o pode ser técnica nas coisas, que a gente não
tem que fazer, a gente tem que “ser enfermagem”! Tu “fazeres
enfermagem” é tu ires, fazeres o curativo, e o curativo ficar bem feito. Agora,
“ser enfermagem” é tu ires, fazeres o curativo e saber que, por detrás
daquele curativo tem um braço, que aquele braço tem um dono, que aquele
dono tem um sentimento, e que é um ser humano. Crias vínculo! Lembro
muito disso, na época do técnico, tu não podias te envolver, mas o que era
o se envolver: tinha conotação social, e tu não podias saber da vida do
paciente, nessa época. Hoje, o que acontece? Tem que ter vínculo, que
trocou de nome, porque é envolvimento, comprometimento, reciprocidade,
solidariedade e sentimento de responsabilidade por aquilo que estás
fazendo por aquela pessoa. Então, sempre foi uma coisa muito forte, o
reconhecimento das pessoas, o fato da gente fazer pequenas coisas e ser
tão bem valorizada! Às vezes, a gente escuta pessoas falarem que, para
serem felizes, precisam de muita coisa. Não é isso. Às vezes, o que é muito
pequeno pra ti, pode ser muito grande para outra pessoa.
É possível compreender, no entanto, que os professores em suas relações
sociais são afetados por discursos, representações simbólicas e práticas
diferenciadas. Num processo transitório de (re)construção dos próprios arranjos de
ser e estar no mundo, cada um pode transformar-se em articulação com as
respectivas histórias e percursos pessoais, por meio da trajetória vital.
Nesse sentido, ressalto que o espaço de interlocução se constitui por
múltiplos significados, que retratam e instigam o reconhecimento de
[...] uma experiência produtora de aprendizagens, [...] alguém que está
aprendendo sempre [...] que saberes e representações nós, professores,
trazemos para o exercício da docência no espaço e tempo da universidade?
[...] movimentos propostos têm como referência o encontro/desencontro de
gerações de professores em formação e em processo de desenvolvimento
143
pessoal e profissional. Que espelhos são esses onde nos refletimos e que
nos refletem? (OLIVEIRA, 2009, p.107)
Cabe, portanto, salientar que a abordagem biográfica relacionada à
formação docente é centrada no aprendente, ao permitir a compreensão do que
integra uma experiência formadora. As ações realizadas que, entendidas por essa
metodologia, continuarão a exigir aproximação com a dinâmica formativa e, por
conseguinte, o próprio processo experiencial.
Nos espaços de convivência é que o objeto de conhecimento poderá ser
intenso e efetivamente apreendido, sendo o(a) professor(a) um(a) líder para
desencadear a relação pedagógica (ANASTASIOU e ALVES, 2003). Além dessa
postura, vem à tona o desafio da aprendizagem pela compreensão, acima de tudo,
de reconhecimento do sujeito com quem se interage.
Diante desse entendimento, Girassol constata a pertinência de compreender
a relação pedagógica como espaço-tempo desafiador, no sentido de que cada
situação, por si só, contribui ao processo formativo dos profissionais envolvidos.
Até ajuda a gente a se conhecer melhor e a conhecer melhor as pessoas,
porque têm situações muito conflitantes, quando tu passas a lidar com
grupos de adversidades das pessoas, do quanto que as pessoas são
diferentes, umas das outras. E isso, também é uma coisa da Enfermagem.
Tu não escolhes quem é que tu vais cuidar, assim como a gente, na sala de
aula, não escolhe o aluno que vem pra gente!
O contexto da sociedade do conhecimento exige uma cultura de convivência
que possibilite a aprendizagem, acerca de si próprio e das suas relações, bem como
reconheça que o professor necessita apropriar-se de conhecimento evolutivo
(GRILLO, 2006), para aprimorar suas competências.
Nesse sentido, tal relação intersubjetiva integra o processo de intervenção
pedagógica que, por si só, é relacional e dinâmico, para além de conteúdos
pretensamente consolidados. Por isso, Gudmundsdottir (1998) enfatiza a
importância do estudo das histórias e narrativas do profissional docente, pois resgata
144
significados variados e ricos que podem ser relacionados, diretamente, com o cerne
do saber pedagógico sobre os conteúdos.
Por isso, é preciso concentrar-se nas quatro dimensões das narrativas que,
articuladas, representam os aspectos fundamentais da experiência prática,
interpretação, reflexão e transformação.
O ofício profissional do professor está associado à possibilidade de criação e
relação em ltiplas dimensões, muito além da exigência restrita de domínio do
conteúdo específico (FAUSTINI; RAMOS; MORAES, 2005).
É pertinente a construção de espaço reflexivo para que o sujeito possa, em
continuidade, projetar alternativas com seus parceiros de interlocução e desenvolver
a curiosidade crítica na elucidação dos sentidos emocional, ético e social do
conhecimento a ser ensinado e aprendido.
De acordo com essa concepção, Girassol esclarece o seu posicionamento
frente à necessária construção de uma ambiência, a favor de relações pedagógicas
mais intensas e qualitativas:
A ambiência de sala de aula vai além do espaço físico, é realmente tu
criares, construíres junto com os alunos um cenário de aprendizagem que
seja bastante gostoso, bastante prazeroso. Que as pessoas não venham
para sala de aula, como um castigo, como um fardo pra carregar. Que as
pessoas tenham prazer em vir para sala de aula, ou de vir para o cenário de
aprendizagem, ao espaço aonde isso acontece que, não necessariamente,
às vezes, é a sala de aula.
Compreendo, então, o processo educativo pelo viés do entendimento
freireano, visto que não encontro-me diante de uma pedagogia associada à outra
tecnologia educativa; como bem coloca Pintasilgo (1998, p.14), quando referencia
que “trata-se da pessoa, das relações entre os que socialmente são tidos como
ensinando e aprendendo. Se método existe, ele é o resultado de uma vivência e a
procura de um caminho de liberdade para cada pessoa”.
145
Não é possível alguém exercer, construir suas atividades no magistério,
como se nada ocorresse com a sua pessoa. Portanto, é fundamental a busca por
aproximação maior, entre o que esse sujeito diz e faz, entre o que parece ser e o
que, realmente, está sendo.
É premissa básica da constituição docente da Educação Superior o cultivo
permanente do gostar de ensinar, que pode ser encontrado nas palavras de
Girassol, quando salienta que
[...] não é fácil ser professor. Não é qualquer um, que pode ser professor! A
gente escuta, assim: “Ah, não passou em curso nenhum, vai fazer tal
curso e vai ser professor”! Tu tens que gostar de ensinar. Fico pensando:
Meu Deus, o que adianta saber tanto e não saber transmitir, não gostar de
ensinar, deste compartilhar? Penso, às vezes, em colegas que não m
condição, nem de ser professor; mas estão professores pela titulação, por
algum destaque; na maioria dos cursos, isso existe.
Desse modo, cabe identificar que a noção de sujeito e a constituição da
subjetividade surgiram na modernidade, no momento histórico em que a psicologia
se constituía como ciência (GONÇALVES, 2001).
Esse momento foi marcado por grandes transformações econômicas,
políticas e sociais, resultado da mudança que trouxe, ao pensamento moderno, nova
concepção de mundo e de homem, que passa a ser compreendido como indivíduo
livre, sujeito de sua vida e capaz de livre-arbítrio.
Assim, considero que uma das expressões do princípio da subjetividade é
que as criações humanas são produções de sentido, porque expressam a forma
singular dos complexos processos da realidade, nos quais o sujeito humano
encontra-se envolvido.
Tais processos integram os diferentes aspectos do mundo em que o sujeito
vive e, assim, constituem o espaço social de forma única, pelo caráter subjetivo da
história de cada protagonista.
É importante, também, concentrar atenção às leituras feitas desse processo
interativo de aprendizagens mútuas, pelos sujeitos aprendizes, visto que “o espaço
146
pedagógico é um texto, para ser constantemente “lido”, interpretado, “escrito” e
“reescrito” (FREIRE, 1997, p.109).
Tal espaço é um ambiente de representações sociais, enquanto lugar para o
estabelecimento de interações entre as pessoas, mas, acima de tudo, constitui-se
em um marco de relações sociais, pelas trocas afetivas e cognitivas, com
importantes e decisivas transformações pessoais. Essas relações de
interpessoalidades são constituídas nas e pelas interações de indivíduos entre si,
por meio das atividades diversificadas compartilhadas no cotidiano.
As reflexões de Vygotsky (1989) permitem o aprofundamento das questões
que se referem ao sujeito e a subjetividade, a partir da linguagem, por reconhecê-lo
na perspectiva social e dos processos psicológicos que sustentam o percurso de
individuação humana, ao considerá-lo inserido social e historicamente, numa cultura.
Cada sujeito não é reconhecido somente como ativo, mas também interativo,
ao considerar que constrói conhecimentos a partir de relações intra e interpessoais.
É na troca com os outros e na intrapessoalidade, que internalizamos informações,
papéis e funções sociais, segundo a perspectiva vygotskyana de educação
(SANTOS; ANTUNES; BERNARDI, 2008, p.48).
Dessa forma, a essência da qualidade de um sujeito em formação está
centrada na sua capacidade de fazer interagir, entre si, várias dimensões do ser pelo
conhecimento, tais como: a sua própria essência e de como saber-fazer na relação
consigo mesmo; as condições de convivência, relação, maneira de ser, tendo em
vista o que tem para oferecer, em se tratando de essência; o como saber-fazer com
os recursos existentes e, também, as capacidades de compreensão, de como
direciona o rumo dos pensamentos, em direção a um pensar consciente e
comprometido.
147
Por isso, considero como questão desafiadora, no que tange à formação,
esse cultivar, de forma criativa e contextualizada, os quesitos mencionados em
epígrafe, no movimento cotidiano de individuação
70
.
Como alerta Góes (1997), necessidade de o(a) professor(a) assumir-se no
papel de encorajador(a) e facilitador(a) enquanto mediador(a) do contexto
pedagógico, que contribui à intensificação de experiências cooperativas entre
parceiros, também, a partir do redimensionamento do processo de construção
individual do sujeito.
Entretanto, quando o(a) professor(a) não possui atitudes de facilitação, se
não tem confiança fundamental na outra pessoa para contribuir na criação de um
clima humano favorável, algumas dificuldades podem ser identificadas no contexto
das relações estabelecidas.
O trabalho docente, ainda mais na formação de outros profissionais, não se
reduz a uma relação instrumental do tipo meio-fim. A interatividade do trabalho
docente não se limita a ações físicas e comportamentos materialmente observáveis.
Rogers (2000) destaca a opção de reconhecer aqueles que são capazes de
escutar bem, compreender facilmente o mundo percebido pelo outro e, de forma
empática, respeitar o(a) aluno(a) como pessoa única na relação pedagógica.
Resgato, então, o modo que Cássia, aluna de Girassol, percebe e
compreende os movimentos perceptivos de sua autoimagem, no decorrer do
processo formativo, quando reflete acerca dessa experiência tanto de maneira
retrospectiva, quanto prospectiva:
O espelho, à minha frente, reflete uma pessoa batalhadora, ansiosa por
conhecimento e pela vivência na área da saúde que, aos poucos, vai se
desvendando, com firme propósito de ser uma pessoa e uma profissional
que faça a diferença. Como referi, apesar de ser pouca a convivência
com Girassol, com certeza, ela é um modelo de profissional e de pessoa
humana, a ser utilizado como referência em minha trajetória.
70
Significa tornar o ser único, singular, que cada pessoa é, o que não significa egoísmo ou
individualismo, mas sim, procurar compreender as peculiaridades de cada ser humano (JOSSO,
2004).
148
Diante disso, saliento que o trabalho formativo “é um conjunto de atitudes,
maneiras de ser, de experiência de formação que lhe permite colocar em uma
situação feita para pensar, refletir e de não apenas ser alguém passivo (FILLOUX,
2004, p.91), que se traduz em responsabilidade para fazer, em primeira instância
que alguém pense, essencialmente, sobre si próprio e suas representações
pertinentes.
Segundo Tardif e Lessard (2005), a significação é social porque ela é
interpretada e partilhada por diversos atores, referindo-se a um contexto comum,
porque mobiliza recursos simbólicos e linguísticos coletivos. Na postulação das
categorias do processo de interação com significado, os autores utilizam os
fundamentos do sociólogo Max Weber, cujo cerne do entendimento das relações
sociais é a ação com significado.
No plano da educação
71
, enfatizo que a situação de convivência pedagógica
é criada a partir de uma base de significações, que são familiares, comuns,
partilhadas e, acima de tudo vividas, pelas quais o produzidas as novas
interpretações entre os partícipes de cada interação.
Dentre essas, as situações conflituosas que envolvem tanto professores e
alunos, quanto o entorno de suas relações, exigem a necessidade de assumir o
compromisso coerente nas intervenções formativas, tal como sinaliza Girassol:
que isso é visto, por vários colegas, como se a gente não tivesse nada
com isso, é com a família. Daí, eu digo: “Cadê o vínculo? Que vínculo nós
temos? A gente ensina, o quê? A gente não tem, aqui, os princípios, não
fala tanto, hoje, em paz, amor ao próximo e solidariedade, que o valores
de vida, os quais devem ser transversais? A gente não fala tanto em
valorização da família? Então, como é que, numa hora, eu posso falar em
família, e como que em outra, que seria, talvez, tão importante quanto, eu
não vou chamar a família, ser indiferente? Será que é porque eu quero
fechar os olhos para os problemas, e não quero me envolver? Eu sofro
muito por isso, e já fui altamente criticada, na minha profissão de ser
professora, por ser assim, mas é uma questão de comprometimento. São
situações assim, maravilhosas, não é porque que esteja sendo super mãe.
71
Brandão (1981) destaca que a educação abrange a integralidade humana, em todos os aspectos
de seu corpo e de sua alma, na extensão de sua vida sensível, espiritual, intelectual, moral, individual,
doméstica e social, ao próprio aperfeiçoamente evolutivo.
149
Para mim, isso é comprometimento profissional, é coerência entre o que eu
acredito e a forma que eu ajo.
Neste ínterim, a subjetividade marca o processo formativo docente em prol
da professoralidade, em especial pela consciência do envolvimento da pessoa com
suas atividades profissionais (ISAIA e BOLZAN, 2009b), na busca de qualificação e
mudança como docente. As autoras mencionam que a ideia de intersubjetividade
reside no contexto em que se constrói a professoralidade, por este ser
multidimensional e interativo, a partir das possibilidades de mediação.
Por ser reconhecido(a) como mediador(a) entre os segmentos da instituição
educativa, o(a) professor(a) interioriza subjetivamente as exigências objetivas e as
vivem como desafios, ou dilemas, diante dos quais desenvolverão estratégias de
superinvestimento, fuga, desinteresse, renúncia ou procura do equilíbrio entre a vida
privada e o seu trabalho.
E eu sempre digo aos meus alunos: Nunca deixem, nunca permitam que
ninguém mate os sonhos de vocês, os sorrisos, os momentos felizes de
vocês, ninguém tem o direito disso, né? E a gente tem que alimentar a
autoestima boa, que nos força para viver, que nos mobiliza e nos instiga
a sempre buscar mais (Girassol).
Diante disso, o clamor pela preservação da paz interior se instaura, no intuito
de contribuir ao equilíbrio do outro, pelo reconhecimento da intersubjetividade
(MACIEL, 2009b). Esta, configurada na busca por manter os sentimentos e ideias
positivas, a fim de conseguir um distanciamento das emoções mais negativas.
Portanto, cabe ressaltar a afirmação de Góes (1997, p.25):
Nas diferentes perspectivas, a atuação do mediador pode ser concebida
como facilitadora, coconstrutiva, reguladora, efetivamente constitutiva, etc.,
entretanto, apesar de diferenças, evidencia-se como aspecto comum a
visão de um encontro harmonioso entre sujeito e o outro.
Nesse contexto, o docente exerce um trabalho diferente dos outros
profissionais, ao se caracterizar por um trabalho investido, no qual o(a) professor(a)
deve engajar-se e investir em si próprio, como pessoa.
150
Como educadores(as) e cidadãos(ãs) em (trans)formação, é fundamental a
partir de uma concepção educativa que entretece eixos que vão se cruzando entre o
contexto social, o compromisso moral e a participação política, que fundamentam a
vida humana.
Por intermédio de uma questão paradoxal, em que a formação docente vai
além das teorias e se depara com o compromisso social inerente à profissão, talvez
possa se esclarecer, na seara pedagógica, a razão do entendimento confuso no que
tange à relação teoria e prática, uma vez que comumente se confundem as ideias
quanto ao que se reflete à identidade.
Nesse sentido, a imaginação de que se é o que se diz acaba obscurecendo
o fato de que se é o que se faz, quando, em verdade, se é um somatório de ações e
reações correlatas ao próprio entorno.
No mundo do desenvolvimento docente, é preciso ressaltar as trajetórias dos
sujeitos em permanente (trans)formação, pois estabelecem estratégias para
maximizar e surpreender as vozes subjetivas inseridas, as quais se entrecruzam nas
narrativas
72
reconstruídas por elas próprias.
As narrativas de formação são elaboradas por experiências oriundas de
recordações-referências, que expressam o que fora aprendido pelo viés das
circunstâncias vivenciais, sentido, vivido e envolvido por emoções, ao provocar
reflexões acerca dos fatos.
Segundo Josso (2004, p.43), “o processo de formação acentua o inventário
dos recursos experienciais acumulados e das transformações identitárias”. As
recordações, numa narrativa de formação, também, são fontes de experiências
formadoras, uma vez que resgatam percepções de uma dimensão invisível, que
guarda, em si, sentimentos, emoções, valores e vivências.
72
Permitem descobrir novos sentidos, assimilando as experiências a um esquema narrativo. São
ferramentas de trabalho que os profissionais usam com frequência, para organizar cada experiência
como conhecimento prático (GUDMUNDSDOTTIR, 1998).
151
A narrativa compreende os significados atribuídos, por quem relembra, das
experiências marcantes e suas representações que o construíram no decorrer de
sua evolução. Isto posto, por fazer emergir o que foi vivenciado e que pode se
transformar, ou ter se transformado em conhecimento, é compreensível que tais
referências poderão servir como força mobilizadora a outros acontecimentos,
presentes ou vindouros.
Tal como enfatiza Connelly e Clandinin (citado por MONTERO, 2005, p.177)
O estudo da narrativa é o estudo da forma como os seres humanos
experimentam o mundo. Esta noção geral transfere-se para a concepção da
educação como construção e reconstrução de histórias pessoais e sociais;
professores e alunos são narradores e personagens das suas próprias
histórias e das histórias dos outros.
A profissão professor, como bem destaca Portal (2001), diante do desafio
desse novo paradigma, incita um novo modo de pensar a trajetória vital, o qual
emerge da necessidade de reconhecer outro perfil e postura diferentes.
O profissional professor, acima de tudo, como ser espiritualizado pela
ampliação de sua consciência, revela sensibilidade com as oportunidades de
crescimento e atitudes colaborativas, ao longo do próprio desenvolvimento pessoal e
profissional, por mais simples que sejam como exemplifica Girassol:
E como que eu vivencio isso, na minha família, hoje, no meu pessoal? Bom,
todos os dias, a gente reza. E as nossas rezas é conversar com Deus; na
minha casa, a gente não sai de casa sem rezar, sem agradecer, sem pedir e
os meus filhos, da mesma forma, quando se quer alguma resposta, pra vida
da gente. Como vejo isso, no meu profissional? Na educação, na parte de
ser professor, eu peço, digo para eles rezarem, mas que a reza deles seja
conversar com Deus. Eu sempre digo que a Mãe, Nossa Senhora, tem um
braço desocupado porque ali cabem todos nós e, no outro, está Jesus. Eu
tenho isso muito forte, com eles. Espiritualidade, em sala de aula, é tu
passares a mão num aluno, se tu estás conversando. Às vezes, tu fazes
isso, porque tu gostas de fazer, porque és acolhedora e eles dizem:
Professora, que coisa boa quando a senhora me toca!”. Entende? E daí, eu
digo: Então, vem e vamos nos abraçar, para começarmos a aula!Que
coisa mais abençoada, né? Recepcionar os colegas, de manhã cedo, com
um abraço, isso é muito bom, é muito lindo! Quando eles chegam, entram
na sala, eles não passam em branco, e isso é super importante. Às vezes,
eu digo: Ai que bom, eu estava sentindo a tua falta! Que bom, que tu
vieste”. Isso, também, é espiritualidade! Acolher, o acolhimento, os vínculos
em que a gente se mantém.
152
Na busca da unidade de ser humano, o sujeito projeta as suas habilidades
de criação, enquanto ser espiritualizado, ao comprometer-se e colocar-se no
trabalho, a partir dos relacionamentos intra e interpessoais, num movimento
inquietante à transcendência.
A docência, reconhecida como estado de ser, integra-se, entre outros
aspectos, pelo desenvolvimento das próprias potencialidades. Com isso, atentos a si
próprios, os professores poderão ampliar a consciência, à espera do momento para
transgredir, positivamente.
Por essa particularidade, que é ao mesmo tempo universal, se reconhece o
processo de autoeducação, por considerar a premissa de que a busca da felicidade
é um dos principais objetivos da vida. Josso (2004) ressalta que as diversas
posições existenciais de vida (como expectativa, refúgio, intencionalidade ou
desprendimento), interligadas entre si, legitimam a procura pela felicidade.
As narrativas envolvem e são referentes às mudanças de contexto dos
sujeitos, que podem ser geográficas, socioculturais, profissionais, relacionais e
afetivas, ao encontro de melhores condições para fortalecer a própria identidade, em
construção constante.
O desenrolar da vida, por seus desafios consequentes, a partir da
concepção de Josso (2004, p.89) apresenta-se, assim, como uma sequência de
ajustamentos parciais ou globais das nossas condições de existência. Em defesa do
bem-estar humano, então, a ciência e a espiritualidade estão inter-relacionadas,
visto que ambas são fundamentais, especialmente em prol do alívio de cada
sofrimento, tanto no nível físico quanto no psicológico.
Cabe salientar, que estabelecer coerência entre a biografia pessoal e
profissional, no que tange ao processo formativo, traz à tona a grandeza dessa
perspectiva na prática, por promover os meios de transmutar a experiência de
sofrimento em situação formadora.
Quando supervisionava estágio, aparecia muito forte algo relacionado à
que as pessoas têm na cura. Isso, na Área da Saúde, é muito forte porque
153
as pessoas se apegam a tudo, entende? No hospital, costumo pedir que os
pais descansem à noite e tragam algo que signifique a eles, e isso vai ficar
cuidando do nenê, enquanto não estão . Tens que ver como isso é forte e
outra coisa muito linda, maravilhosa e profunda, que temos são os batizados
dos nenês. Tenho um ritual, mas isso começou a ficar mais presente, a
partir do meu doutorado, da pesquisa que fiz dentro da UTI. Hoje, até os
médicos perguntam, quando algum nenê esmal: foi batizado? Se não foi,
vamos batizar! Vejo esta parte espiritual em todos os estágios da minha
vida, até agora. Sempre quando estou com algum problema, entrego nas
mãos Dele, e digo: Oh, toma conta pra mim aqui, porque não estou dando
conta!”; assim como, sempre, acredito que de um conflito, ou problema, a
gente sai fortalecida. Nada acontece por acaso, na vida da gente! (Girassol)
A espiritualidade, para Solomon (2003), é apoiada e moldada pela ciência,
visto que não diferença entre o conhecimento científico e algum tipo especial de
conhecimento espiritual, embora haja na ciência problemas meramente pragmáticos
e tecnológicos.
É válido, pois, ressaltar a questão do cuidado de si, a partir de uma
abordagem moderna, de concepção contemporânea, que traz consigo algo novo, ou
seja, a própria busca para encontrar resolução aos problemas atuais.
Tendo por base tal pressuposto, ressalto que essa nova concepção rompe
as barreiras do pensamento dominante, em prol de uma visão ampla da vida e das
circunstâncias que nela se apresentam. Considero que a compreensão e o
conhecimento existentes não estão dissociados da espiritualidade, uma vez que o
caminho percorrido, rumo ao conhecimento intersubjetivo, perpassa por este viés.
Compartilho com Girassol, portanto, o entendimento ampliado quanto a essa
perspectiva de vida:
Espiritualidade, para mim, é muito mais que religião, do que crença.
Espiritualidade é escutares alguém, é uma mesa farta, é um copo de leite
que tu estás tomando. As pessoas não se dão conta de agradecer aquilo,
espiritualidade é abraçar alguém. Espiritualidade é dizeres “eu te amo”, é
dizer para as pessoas o quanto elas são importantes, pra ti. Espiritualidade
faz parte das nossas relações, 24h por dia. E daí, vai depender de como
valorizas isso. Vejo isso, muito forte, na questão de ajudar, na questão da
fé, porque espiritualidade também é ter fé, e quando falo em ter fé é
acreditares num ser superior! As pessoas têm quantas crenças, quantas
coisas que, às vezes, não é a religião.
154
O crescimento espiritual o tem como propósito a mudança de crenças,
mas permite que o sujeito confie mais e realize as atividades com intensidade
(COLLA, 1999), a favor da qualidade de vida.
Para a ciência, nenhuma conclusão é fixa e definitiva; assim, a
espiritualidade também deve propiciar atitude de abertura e autoquestionamento,
pois não precisa ser definida, mas, fundamentalmente, vivenciada por cada sujeito.
É intrínseca, à essência humana, a busca pelo crescimento; contudo, não há
como aperfeiçoar as faculdades físicas e intelectuais, se não perpassar pelo viés da
espiritualidade, cujo foco está, conforme Maciel (2009b, p.161), em abrir “[...] as
comportas do nosso ser superior, permitindo revelar-nos ao mundo, na adorável
surpresa de descobrir-nos, simplesmente, humanos”.
Ao considerar que as vivências atingem o “status” de experiência (JOSSO,
2004), é fundamental o reconhecimento de certo trabalho reflexivo porque cada
experiência de vida e a trajetória percorrida, por cada professor, contribuem para
que a concepção de docência seja contextualizada com os principais elementos de
sua prática cotidiana.
Diante dessa compreensão, Girassol manifesta o seu entendimento acerca
do processo de educar, inserindo-o à formação do professor da Educação Superior
por meio do comprometimento da pessoa do profissional, acima de tudo:
Se o professor educa, educar não é só tu ensinares o técnico-científico,
educar é ensinares para a vida! E quando tu estás vendo esse seguimento,
estás ensinando para vida e, muitas vezes, vale mais do que uma aula
porque, dependendo do que podes passar, é a maneira como o outro pode
mudar para entender a sala de aula, uma profissão e a postura profissional;
mas, infelizmente, nem todas as pessoas pensam assim.
A vivência pode ser a mesma, mas a experiência que resultará é
heterogênea, pois cada sujeito transformará essa vivência de acordo com suas
condições e disposição, no momento, de associar e integrar as inúmeras sensações
e representações, que a vivência pode despertar. Como bem indica Josso (2004,
p.48):
155
[...] vivemos uma infinidade de transações, de vivências; estas vivências
atingem o status de experiências a partir do momento que fazemos um certo
trabalho reflexivo sobre o que se passou e sobre o que foi observado,
percebido e sentido.
Tal discussão partiu do princípio da busca de sentido para a própria vida,
que objetiva ampliar a consciência para, cada vez mais, ser melhor como ser
humano, integralmente.
As histórias de vida e formação apresentam o caminho rumo ao saber-fazer,
no sentido de que cada ser humano tem a sua participação e a sua forma de
conduzir seus pensamentos e atitudes, encontrar o seu lugar social e definir suas
orientações na vida.
Por essa compreensão, Josso (2004, p.101) menciona que
[...] a busca de sentido apresenta-se como núcleo central na procura de
uma arte de viver. Formar-se nesta busca implica, pois, um
comprometimento tanto no plano reflexivo como nas práticas individuais ou
coletivas que exploram as atitudes interiores e os comportamentos que
manifestam esta procura de valores e de orientações de vida, pessoal e
social.
As narrativas permitem a compreensão de que o caminho ao encontro do
“saber-viver” vai além da busca pelo seu valor usual de narração, mas, sim, pela
busca de um sentido maior, a sabedoria.
Nesse sentido, o caminho ao encontro da sabedoria está centrado na
tentativa de integrar o que Josso (2004, p.103-104) denomina de buscas: “[...] de
felicidade, de atenção consciente de si e de nós, de conhecimento e de sentido”, que
possibilitam com que tais buscas aconteçam empaticamente entre o ser e o seu
entorno.
Por essa perspectiva, Girassol retoma a sabedoria como um dos elementos
fundamentais para a formação do ser professora, enquanto enfermeira, como
exemplo de busca para qualificar-se, ainda mais, seja como formadora de nova
156
geração de profissionais, seja para contribuir ao desenvolvimento do grupo a que
pertence, com seus pares.
Acima de tudo, que a pessoa tenha sabedoria. Não é para ser
professor(a) enfermeiro(a), que tu tens que ter sabedoria; para tudo,
sabedoria é muito mais do que ter inteligência, é tu saberes o que fazer com
a inteligência que tu tens! Na hora em que estás liderando alguma coisa,
não podes te considerar insubstituível porque, se tiveres que te ausentar, o
trabalho continua. Não podes te eufanar das coisas, pensar que só tu tens o
domínio, centralizar tudo. Daí entra a humildade, a sabedoria, o socializar, a
valorização dos colegas, entra uma série de coisas, que está tudo implícito
no ser professor(a), hoje.
Outrossim, com base em Portal (2007), faz com que tais pressupostos
ocorram de forma indissociada à integridade e autenticidade, sentimentos estes que
proporcionam a leveza de sentir a vida em sua essência.
Portanto, ao perceber a vida como grande oportunidade de aprimoramento e
crescimento intra e interpessoal, via autopercepção enquanto parte de um todo, é
notório que a mesma se integra ou desintegra, ao projetar o rumo dos pensamentos
e ações dos atores do processo vivencial.
Portanto, a busca pela sabedoria nos caminhos da vida, vai sendo
construída e lapidada no devir dos dias, ao passo em que as experiências vivenciais
permitem maior tomada de consciência e, por sua vez, possibilitam que os sujeitos
assumam a própria condição de aprendizes, em constante formação.
Ao trabalhar a própria consciência é que, realmente, se consegue fazer
diferente porque, relembrando Morin (2000), é necessário pensar de forma distinta,
para agir dessa forma variada. Como princípio norteador, nas instituições formativas,
o exercício da docência requer ações que desencadeiem a valorização unificada
entre as dimensões cognitivas e emocionais.
Fortalece, assim, o reconhecimento emergente da consciência plena de
cada sujeito, no pensar e no sentir, de sua unicidade enquanto ser uno interna e
externamente. Exemplo disso, segundo Colla (1999), é a atitude de acolhimento
ético ao outro como estado de consciência, na alteridade, em que o outro é
percebido a partir dele mesmo, e não a partir da ideia que se tem dele.
157
A interação humana se constitui pela interpenetração os sujeitos, o que, por
si só, é ilimitável; principalmente, porque a identidade, permeada pelos sentimentos,
se entrecruza com o que se projeta para a continuidade da vida.
Como forma de manifestar a compaixão e a interação entre os atores do
processo vivencial, Girassol acrescenta que:
Outra coisa maravilhosa são mãos. Eu dou um valor tremendo para a mão,
não só o valor do aperto de mão, mas a mão que serve um alimento, a mão
que prepara uma mesa, a mão que abraça, que acalenta, consola, mãos,
mãos, mãos! Oração, mão é espiritualidade, que é muito mais que religião.
Às vezes, as pessoas dizem assim: “Ah, quando tu queres ajudar alguém, tu
estendes a mão”, mas, às vezes, o estender a mão é um ato simbólico, mas
o teu estender a mão, muitas vezes é uma palavra, uma escuta, o ombro
amigo.
Com motivação sincera, baseada em compaixão, o sujeito se torna mais
realista, mais positivo e, como resultado, a sua vida fica mais feliz. Se há compaixão,
há tolerância, satisfação, abertura, consciência profunda e capacidade de perdoar.
O processo de formação (MOITA, 1995b) é tomado não como uma atitude
de aprendizagem situada em tempos e espaços limitados e precisos, mas também
como a ação vital de construção de si, onde a relação entre os vários pólos de
identificação passa a ser fundamental. A partir desse entendimento relevante,
[...] sabemos igualmente que um dos desafios da busca de si é atravessado
pela nossa capacidade de nos amarmos a nós mesmos, não no sentido
narcisista do termo, mas no sentido da nossa capacidade para manter, por
meio de sua mediação, uma relação de confiança em nós mesmos que nos
permite, ao mesmo tempo, aceitarmo-nos como somos e participar de
processos de mudança (JOSSO, 2004, p.92).
Assim sendo, essa construção de si é considerada processo de formação
que, por meio de mediações, possibilita redescobrir as dimensões intrínsecas, por
vezes ocultas. Dessa forma, o reinvestimento consciente do sujeito acontece para
viabilizar outras interpretações, com significado, acerca da existência e direção que
pretende dar à busca de uma arte de viver em ligação e partilha.
158
Em consequência, o campo profissional é considerado um sistema
multidimensional que envolve as relações do sujeito consigo próprio e com os outros
significantes do contexto profissional, a partir do entendimento de que “as ações têm
gênese no plano interpessoal e são transformadas ou reconstruídas, estabelecendo
o plano intrapessoal” (GÓES, 1997, p.24).
As manifestações individuais fazem parte do grupo social, tendo em vista o
complexo jogo das influências inter-humanas, recíprocas
73
entre si. Por isso, Bolzan
(2009) reconhece a necessidade de ajustamento e reelaboração docente para
desenvolver a capacidade de apreensão dessa experiência coletiva e compartilhada,
transformando o processo interpessoal em intrapessoal.
Toda trajetória humana é, simbolicamente, marcada por meio de um
labirinto
74
que registra o caminho difícil a ser percorrido pelo sujeito, antes de
alcançar suas metas.
Quanto aos percursos de vida dos sujeitos-professores, esse labirinto
remete ao itinerário correspondente às vivências mais atuais e autênticas, pois a
essência consiste no movimento de busca num percurso, em que cada sujeito
desempenha o seu devir.
Nesse movimento transitório, as vivências começam a registrar marcas
significativas, como as influências da religiosidade num processo desafiador da
(trans)formação, no decorrer do percurso personalizado. Por isso mesmo, é que
Abraham (2000, p.25) alerta que o labirinto não remete somente à mitologia, mas
marca o percurso correspondente às vivências atuais e autênticas docentes:
Somente nos momentos em que se sentem seguros podem os professores
reconhecer plena consciência da experiência labiríntica, de sua significação,
de seus conteúdos e dos prazeres que ela suscita e nesses momentos
podem descobrir o outro ou aventurar-se a analisá-la
75
.
73
Filloux (2004) destaca o conceito de conhecimento mútuo, a partir do qual toda aprendizagem se
encerra numa relação. Há, portanto, mais além do objeto de conhecimento, o outro a quem se dirige a
demanda do saber, mas conjuntamente se faz outra demanda que é a de reconhecê-lo como sujeito.
74
Como metáfora, procura explicar as marcas significativas da vida e da profissão docente,
expressas nos diferentes modos de ser professor.
75
Tradução realizada pela autora deste estudo.
159
Essa experiência, que representa o percurso trilhado pelos professores, tem
o foco central no movimento e na busca, visto que contribuem ao desenvolvimento
profissional diante das adversidades e contingências do cotidiano.
No centro do labirinto poderão encontrar o eu autêntico, responsável pela
motivação docente e reafirmação da sua identidade única, diferente e em
permanente construção. Tais considerações vêm confirmar o que Abraham (1986,
p.30) referenciou quanto à trama das múltiplas significações da pessoa do(a)
professor(a), ao ressaltar que
O professor vive sua vida profissional nesse espaço que ele converte com
suas próprias significações. Mas o espaço em si, em virtude da sua
capacidade de conter ou de expulsar as manifestações psicológicas,
incentiva ou vincula a plena realização do verdadeiro eu do professor.
O reconhecimento dessas significações, entrelaçadas nas múltiplas relações
dos professores, constrói e intervém nos diferentes contextos de formação, o locus
principal de investigação que abrange desde o(a) professor(a) em si, no contexto
sociopedagógico e cultural.
Contexto este, que representa uma trama de influências recíprocas,
fundamentais para o entendimento de si em sua pluralidade, como entidade de uma
sociedade, também plural. As funções integrativas do ser humano são asseguradas,
plenamente, pelo reconhecimento de si pela unidade, diferenciação, permanência e
mudanças, ressignificadas no decorrer do percurso formativo.
Então isso, consegui juntar, sabe? O biológico do emocional, eu não
consigo separar isso, tanto é que depois da minha dissertação de mestrado,
fui estudar os transtornos psicossomáticos. Parece que tem tudo a ver, o ser
da gente, com o que a gente defende. Depois, lá no doutorado, fui estudar o
stress do recém nascido, que fica internado em UTI. Então, são situações
assim, no cotidiano da vida da gente, que às vezes a pessoa para pra
valorizar a vida, quando adoece; enquanto que a gente tinha que estar
sempre promovendo essa vida saudável, que a gente tem. Essa é a grande
lição! (Girassol)
Tratar sobre o estudo de si corresponde à preocupação de investigar acerca
das experiências vivenciadas, subjetivamente por cada professor(a), por meio de
160
suas atitudes, percepções e sentimentos, associados ao próprio processo de
constituição profissional.
Quer dizer, resgatar como cada sujeito se institucionalizou enquanto
professor(a), sendo uma entidade subjetiva, permanente e unificada em níveis
diferenciados de experiências e inter-relações com os outros significantes desse
processo de (trans)formação pessoal e profissional.
Falar das próprias experiências formadoras é, pois, de certa maneira, contar
de si mesmo a própria história, as suas qualidades pessoais e sócio-
culturais, o valor que se atribui ao que é “vivido” na continuidade temporal
do nosso ser psicossomático. Contudo, é também um modo de dizermos
que, neste continuum temporal, algumas vivências têm uma intensidade
particular que se impõe à nossa consciência e delas extrairemos as
informações úteis às nossas transações conosco próprios e/ou com nosso
ambiente humano e natural (JOSSO, 2004, p.48).
A comunicação aberta, pelos relatos dos professores, é essencial para que
se tenha conhecimento da experiência, grupalmente, vivida. Para além de si, o
sujeito pode ser afetado, positivamente ou não, pela dimensão do grupo e respectiva
observação explícita dos membros, de forma transitória e mais livre.
Às vezes, na sala de aula, como a gente tem que ter sabedoria pra se
expressar, pra não ser mal interpretada, porque dissimulada é tu seres mal
interpretada, também. Eu considero a comunicação muito forte, numa sala
de aula, e o quanto que tu podes ser mal interpretada (Girassol).
Para que o ato de comunicação pedagógica seja mais afetivo, Moyne (2000)
esclarece que o conhecimento a ser transmitido não pode ser deslocado do sujeito
aprendiz, por ser internalizado entre os que se comunicam. O ato pedagógico,
portanto, se legitima pela partilha e respeito mútuos, quando os sujeitos se
encontram atraídos afetivamente, na criação participativa desse processo formativo
singular.
O marco de referência é uma concepção específica do eu profissional, como
também é o meio pelo qual o sujeito se revela como ser, como entidade altamente
subjetiva, permanente, unificada através dos seus níveis diferenciados, ativos na
estruturação das próprias experiências com os outros.
161
No convívio coletivo, o eu individual encontra apoio, como fonte primordial
de realimentação, na manifestação dos próprios aspectos que o constitui. É uma
interdependência com o que está ao entorno de si próprio, pois recebe influências
diretas, a partir do que o outro percebe, sente e interpreta nessa dinâmica
semiestruturada das relações.
Desse modo, faço menção às palavras de Felicidade, quando registra suas
percepções referentes à Girassol, sua ex-aluna e atual colega de trabalho, em suas
relações pessoais e profissionais, pelo destaque das seguintes características
marcantes:
A sinceridade, honestidade e, principalmente, a espontaneidade.
Profissional humana, caridosa, mas que possui um senso crítico bem
acentuado, sabendo distinguir prioridades e necessidades. Amiga sincera e
excelente colega. Ser humano que podemos confiar e contar. Admiro muito
a Girassol como colega, como pessoa e como profissional (enfermeira ou
docente).
Diante dos desafios colocados à educação, no processo histórico-social, é
possível destacar a necessidade das referências ético-estéticas do processo
autoconstrutivo do gênero humano, ao se refletir sobre a beleza e o sentido das
formas criadas quanto ao sentimento que, estas, despertam nos sujeitos.
Nessa perspectiva, Heller (1982) problematiza a respeito do que significa
estar implicado em algo
76
, o que repercute para além de uma experiência subjetiva,
pois trata de expressão indireta para explicar, ao outro, acerca dos próprios
sentimentos. Estes, quando expressados autenticamente, revelam a identidade
construída pelos sujeitos, enquanto seres sociais, totalmente envolvidos com o
próprio contexto de interatuação.
Percebo, então, que a pesquisa como expressão educativa volta-se,
basicamente, à capacidade de andar de olhos abertos frente ao resgate da
participação dos indivíduos na construção histórica da sociedade. Reconheço a idéia
imprescindível de que o maior poder de mudança está no conhecimento, tendo em
76
Segundo Maciel (2009a), esta implicação significa a assunção comprometida do cuidado com o que
se está envolvido. O enfrentamento de crises e conflitos permite a evolução do processo
autoconstrutivo.
162
vista a mobilização das potencialidades de cada sujeito histórico, para delinear um
futuro alternativo de inovação.
Compartilho com Josso (2004, p.219) a compreensão da significância do
trabalho investigativo, de cunho biográfico, quando encerra um ciclo, provisório, mas
remete a projetos futuros, sendo considerado como recomeço à ampliação evolutiva:
“[...] cada um retoma o seu caminho, regressa à sua história, aos seus processos de
formação, de conhecimento e de aprendizagem em devir.
Assim, na contemporaneidade, a intervenção de sujeitos interativos passa a
ser valorizada, por serem capazes de contribuírem para com a mudança social. Isto
requer, então, o fortalecimento de uma concepção que aborda “o sujeito como
interativo (nem receptivo, nem apenas ativo), que elabora conhecimentos em
processos necessariamente mediados pelo outro e constituídos pela linguagem, pelo
funcionamento dialógico” (GÓES, 1997, p.13-14).
Na área educacional, mais ainda, discussão da necessidade de rever o
processo de formação dos professores, no sentido de que estejam melhores
capacitados e sintonizados com a atualidade.
Consiste, pois, na insistência de oportunizar um processo recíproco de
vivências que envolvem ação-reflexão-ação entre os sujeitos em interação, que
dinamize, com maior abrangência, situações de aprendizado teórico-prático. A
proposta central possibilita um repensar a cada profissional, em relação a sua
prática pedagógica que precisa estar, constantemente, sendo revista.
Portanto, o contexto e a forma de interatuação dos sujeitos são levados em
consideração, por ressaltarem o modo de ser, pensar e agir de cada um, inserido na
coletividade, num processo de mudanças.
Quanto às caracterizações exigidas para os professores, nessa fase de
transição, saliento a mudança adequada de posturas (além das exteriores) por cada
profissional, como ser mais audacioso, desafiador, envolvente, tendo habilidade de
163
ler a realidade e propor mudanças na prática educativa, em seu dia-a-dia, o que
significa um processo de (re)organização pessoal.
Como ressalta Freire (1997, p.78-79), é preciso cultivar a postura da
respeitabilidade com quem se está interagindo, numa posição “de respeito à pessoa
que queira mudar, ou que recuse mudar. Não posso negar-lhe ou esconder-lhe
minha postura, mas não posso desconhecer o seu direito de rejeitá-la. Isto é muito
forte nas relações humanas, principalmente nas pedagógicas, em que ainda
resistência de mudança e preocupação com a utilização de modelos pré-
determinados.
É importante repensar sobre o próprio papel docente, pois a sociedade onde
esse(a) profissional está inserido(a) traz uma série de fatores culturais que
interferem em todos os processos de formação, tanto do(a) professor(a) quanto dos
seus interlocutores.
necessidade de reconfiguração dos papéis, historicamente atribuídos, ao
professor e aos alunos, conforme alerta Cunha (2005), no sentido de que se
efetivem relações horizontais, pautadas por responsabilidades partilhadas.
O mundo de relações constituídas entre professores, seus pares e alunos é
um aspecto de grande importância na educação da atualidade. [...] O
trabalho cooperativo entre os professores exige que os mesmos estejam
abertos para aceitar e desenvolver as ideias dos colegas, reconhecendo a
sua importância (SANTOS; ANTUNES; BERNARDI, 2008, p.52).
Quando os professores se preocupam com os significados que os alunos
atribuem às experiências de formação, expressam o próprio movimento de busca
por encontrar sentido qualitativo à docência, em construção, ainda mais quando se
legitimam, como sustentadores de autoridade, a profissão de origem e os saberes
específicos dos professores da Educação Superior.
Frente à discussão da relevância dos vínculos, nas situações de
aprendizagem, Cunha (2005, p.80) propõe a seguinte reflexão: “Por que motivos
recordamos bons professores? Certamente nossas respostas vinculam-se a
164
dimensões intelectuais e comunicativas. Mas são atravessadas por perspectivas
afetivas e de interatividade”.
Em seu relato, Aninha expressa o autoconhecimento como aluna e as
representações valorativas são conjuntamente narradas, a respeito do vínculo com a
professora Girassol, em sua trajetória acadêmico-profissional:
Se tivesse me olhando num espelho, vejo refletida uma acadêmica
esforçada, dedicada e interessada em aprender, a fim de oferecer o melhor
cuidado possível àqueles que necessitam. A Profa. Girassol sempre nos
contou em aula do seu empenho como aluna, que sempre corria atrás de
mais aprendizado e que procura oferecer o melhor cuidado àqueles que
vêm até ela, como ser humano e sensível às necessidades de cada um.
Nessa direção, a necessária formação consciente das relações afetivas com
os alunos passa a ser reafirmada, em especial com jovens adultos, por rever a
criação dessa consciência afetiva transformada em ações práticas, visto que, muitas
vezes, não há pensamento consciente em relação à importância da afetividade entre
o eu e o outro.
É pertinente evidenciar, portanto, a constatação de que, acima de tudo,
[...] a aprendizagem é um processo vincular, que acontece na relação com o
OUTRO. Para aprender é preciso conectar o desejo de ver, escutar,
capturar o novo, o desconhecido. Somos seres gregários, precisamos de
outras pessoas para viver, pensar e fantasiar (FAUSTINI; RAMOS;
MORAES, 2005, p.142).
Quando os sujeitos estão envolvidos em aprendizagens significativas, estas
possibilitam que os mesmos estejam mobilizados, integralmente, a partir do próprio
pensamento, das emoções, dos momentos de sua trajetória e de sua cultura.
Na perspectiva de compreensão dos professores como portadores de
valores culturais e políticos, Cunha (2005, p.81) evidencia que eles são “marcados
por uma história de formação que os faz reproduzir práticas, muitas vezes sem a
necessária reflexão sobre as mesmas, sem analisá-las na sua condição valorativa e
teórica”.
165
Dentre outras posturas, o próprio profissional precisa sentir a necessidade
de mudar e querer modificar-se, ao constatar que tal disposição corresponde a um
processo de reeducação, transformação e (re)construção de si, tanto a nível
individual quanto coletivo de participação.
Quando me refiro às mudanças, transformações e desafios, colocados pela
sociedade contemporânea, considero a explicitação da dinâmica complexa do
entrejogo homem-mundo (MACIEL,1995).
Ressalto a pertinência dessa relação à questão desafiadora de repensar
sobre a formação continuada dos professores, ao partir de temáticas integradoras da
pessoa humana enquanto corpo consciente, em permanente movimento
autoconstrutivo e (re)organizativo.
Catanante (2000) esclarece que, para melhor compreender a dimeno
humana, é preciso identificar os significados da integralidade do ser, na essência e
pela atuação equilibrada entre alma, coração e razão, no cotidiano interpessoal em
que vive o sujeito.
É de fundamental importância pensar a formação continuada como
reconstrução, desenvolvimento pessoal e profissional, que fundamentam a visão de
ser humano centrado na perspectiva de corpo consciente
77
.
Formar-se supõe troca, experiência, interações sociais, aprendizagens, um
sem fim de relações; ter acesso ao modo como cada pessoa se forma é ter
em conta a singularidade da sua história e, sobretudo, o modo singular
como age, reage, interage com os seus contextos. Assim, um percurso de
vida é um percurso de formação e (trans)formão [...]. Cada pessoa,
permanecendo ela própria, se autorreconhece ao longo da sua história e se
forma, se transforma, através de suas interações (COMARÚ, 2000, p.94).
Desse modo, a formação docente por experiências intersubjetivas
corresponde à atividade consciente de aprendizagem, que compreende o sujeito em
suas interações consigo mesmo, com os outros e os próprios ambientes de
convivência compartilhada.
77
O sujeito é compreendido por múltiplas dimensões e, sendo corpo consciente, marca a sua
existência nos contextos em que influencia e é influenciado (MACIEL, 2009a).
166
Com base em todos os autores nacionais e internacionais que foram
abordados no referencial teórico, volto ao ponto de partida dessa tese, ao
reconsiderar que as relações intersubjetivas se constituem como experiências de
formação, ao longo da trajetória de docente da Educação Superior.
Nesse momento, sobretudo, registro as considerações de quem se permitiu
reviver, pelo resgate da memória, os momentos significativos que a construíram
como pessoa-profissional, ainda mais no contexto da Educação Superior. Depois
dessa experiência, como sujeito central de pesquisa, eis a sua apreciação por esse
processo de conhecimento intra e interpessoal, a partir das experiências
compartilhadas:
A Girassol está diferente um pouco, até por vezes, mais cautelosa para
algumas coisas, refletindo mais e vou te dizer outra coisa: não é fácil ser
professor(a), mas, com as nossas discussões, aprofundei mais ainda esta
complexidade. Eu não desfiz esta ideia, pelo contrário, acho que
potencializei esta ideia da complexidade de ser professor(a). Então, até a
maneira de como eu entro na sala de aula, entende? Eu penso, es
entrando aqui, a enfermeira ou a professora? Então, é isso que está me
fazendo pensar, e como unir as duas, sem separar, porque não tem como
fazer isso, até porque estou trabalhando na Enfermagem. Sabe o que eu
tenho pensado bastante? Quando trabalho na Farmácia, Psicologia e
Odontologia, não deixo de ser enfermeira. Fico dizendo: Pra vocês
farmacêuticos, odontólogos e psicólogos, como é que a gente faz isso? A
gente se coloca em outro lugar, isso é um desafio! Daí, me monitoro melhor,
porque não posso ir lá, como enfermeira, e falar sobre Enfermagem, e não
transportar à Odontologia o saber que estou ensinando, por exemplo. É um
desafio maior, ainda!
As trajetórias de formação se sustentam, dentre outros aspectos relevantes,
por relações intersubjetivas, pedagogicamente vivenciadas entre professores-alunos,
professores-professores, alunos-alunos e o contexto geral de sua IES.
Ao desvelar os principais espaços, em que se dão esses processos, busco
reafirmar que tais relações se constituem como experiências de formação do ser
professor(a) a profissionais que, na Educação Superior, exercem a docência, mesmo
sem ter formação pedagógica e, a partir desse envolvimento, projetam o próprio
desenvolvimento profissional.
167
Eu sei!
Que os sonhos são pra sempre
Eu sei!
Aqui no coração
Eu vou!
Ser mais do que eu sou
Pra cumprir
As promessas que eu fiz
Porque eu sei que é assim
Que os meus sonhos
Dependem de mim...
Eu vou tentar
Sempre!
E acreditar que sou capaz
De levantar uma vez mais
Eu vou seguir
Sempre!
Saber que ao menos eu tentei
E vou tentar mais uma vez
Eu vou seguir...
Eu vou!
Correndo atrás
Aprendi!
Que nunca é demais
Vale a pena insistir
Minha guerra
É encontrar minha paz...
*
*
Trecho da música “Eu vou seguir”, letra de autoria de Marina Elali e Dudu Falcão.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ando devagar
Porque já tive pressa
Levo esse sorriso
Porque já chorei demais
Hoje me sinto mais forte,
Mais feliz quem sabe
Só levo a certeza
De que muito pouco eu sei
[...]
Cada um de nós
Compõe a sua história
Cada ser em si
Carrega o dom de ser capaz
De ser feliz
*
Por considerar que o processo formativo envolve esforço consciente por
parte dos sujeitos envolvidos, as reflexões feitas procuram evidenciar elementos que
possam contribuir para tomada de consciência acerca do conhecimento de ser
professor(a) da Educação Superior e como se constituem, paulatinamente, à medida
que envolvem atividades educativas, voltadas à formação dos alunos e de si
próprio(a).
Tendo em vista os resultados encontrados, a partir da análise das
narrativas, que contemplam as vozes da professora participante, foi possível a
compreensão de como se constituiu profissional ao longo de suas trajetórias.
*
Trecho da música “Tocando em frente”, letra de autoria de Almir Sater e Renato Teixeira.
169
Algumas marcas presentes do seu desenvolvimento foram consideradas, ao
ressaltar os propósitos de vida, sentimentos, dificuldades e desafios nas relações
intersubjetivas, ressignificadas como experiências de formação, durante esse
trabalho de pesquisa.
Com base na trajetória docente interpretada, é possível identificar que os
vínculos familiares, as relações estabelecidas no contexto escolar e acadêmico em
diferentes etapas da vida, as interações realizadas nos espaços de atuação
profissional, bem como as parcerias efetivadas em projetos socioeducativos, podem
ser valorizados como experiências de formação, por meio dessas relações
intersubjetivas que, acima de tudo, contribuem ao autoconhecimento nessa trajetória
construída por Girassol.
Explicito a relevância da valorização construtiva de um trabalho com a
memória humana, ao reconstituir vivências, sentimentos e valores para o cotidiano
atual. Quando optei por referenciar, em especial, o processo formativo docente na
trajetória da vida pessoal e profissional, muitos significados estiveram sendo
resgatados pela professora Girassol, sujeito central da pesquisa, o que facilitou a
apropriação de um conhecimento próprio do contexto socioprofissional, na
perspectiva de autoformação.
Essa pesquisa possibilitou-me conhecer os modos singulares como a
professora veio se (trans)formando e construindo a identidade profissional, em
interação com todos os contextos de vida.
Os elementos da vida profissional, social e familiar estiveram
interconectados, reciprocamente, em seus relatos, o que me proporcionou
compreender a maneira pessoal, singular e diferenciada de como foram sendo
vividas as interações e como as vêm estabelecendo, nas diferentes etapas de sua
vida.
Girassol, quando se refere aos próprios processos de formação, reconhece
os acontecimentos que considera formadores, ou seja, que tiveram impacto na sua
vida, como também consegue apontar aqueles fios condutores que a permitiram
170
compreender a articulação entre tais vivências e a pessoa que, processualmente, se
constitui enquanto cidadã e profissional.
Além de uma centralização, prioritariamente institucional, os processos de
formação são enfatizados pela trajetória dos acontecimentos de cada aprendiz em
(trans)formação, ao relacioná-los com os saberes e aprendizagens, ainda, em
processo de (re)construção.
A partir desse olhar, a singularidade de cada percurso vital alicerça os
processos únicos de formação, pelos quais a pessoa revitaliza os próprios saberes e
contextualiza, de maneira única e peculiar, suas escolhas, concepções e atitudes, ao
construir-se progressivamente, ao longo do transcurso existencial.
Com os relatos narrados, a professora recuperou suas trajetórias,
associando-as às formas de ser, circunstanciadas em teias de acontecimentos
passados, que produzem novas linhas, abrindo caminho para novos
acontecimentos.
Tais interações, durante essa pesquisa, trouxeram-me significações
importantes como oportunidades formativas, ao proporcionar para que, também,
refletisse acerca dos próprios processos formativos.
Desde a construção do contrato de confiança com a professora-protagonista,
as relações foram sendo configuradas a partir da colaboração, partilha e implicação
própria, de cada uma, no compromisso que, naquele momento, assumimos.
É preciso registrar que os momentos de interação, com tal professora,
propiciaram maior conhecimento dessa trajetória singular que, até então, nunca
havia saído do silêncio.
Os relatos de Girassol, por si só, surgem valorizados ao reconhecer e
potencializar os processos formativos em sua vida, como também contribuíram
sobremaneira para impulsionar a continuidade do estudo acerca da memória
educativa e os processos de formação profissional.
171
Em decorrência a esse processo, ressalto como fundamental, para a
professora, a existência de espaços que efetivem momentos de reflexão partilhada,
que permitam questionamentos e discussões sobre as problemáticas mais
angustiantes, numa rede de pessoas que se interligam, a fim de cooperar com o
desenvolvimento pessoal e profissional próprios.
Evidencio, portanto, a relevância de valorizar as situações inquietantes e
desafiadoras, tendo em vista o potencial destas em gerar outras produções e
representações. Assim, tais situações reconhecidas contribuem para a professora
apropriar-se do poder que tem assumido comprometidamente, nas suas
intervenções.
O diferencial, na trajetória de Girassol, está na postura acatável da
inquietação, quando aceita viver sob a utopia do possível. Mantém-se disponível
para (re)construir suas aprendizagens, ao procurar entender, gerir mudanças e ao
contextualizá-las nas experiências pessoais de cada relação interpessoal.
Além disso, a professora procura reajustar expectativas, pela conquista de
suas metas, disposta a buscar referenciais diversificados e caminhos de participação
efetiva nos espaços partilhados com outros sujeitos.
No labirinto da profissão, Girassol luta por encontrar suas múltiplas portas de
saída, a partir do envolvimento em projetos direcionados que procura dar sentido e
coerência à própria presença nos contextos vivenciais. Refiro-me ao percurso
profissional da professora, tendo como pano de fundo toda a estrutura social que
envolve as diversas passagens de sua trajetória.
É o sentido social da professoralidade que vai sendo resgatado e
reconstruído, no momento em que considera suas experiências vivenciadas como
aprendizagens fundamentais ao crescimento pessoal e profissional, num constante
refazer-se como sujeito-autor(a) da própria trajetória construída.
172
O processo identitário perpassa pela capacidade do sujeito exercer a sua
atividade profissional, por meio da busca autônoma de ressignificar,
permanentemente, os sentimentos, valores e princípios que integram a própria
carreira. Consiste, pois, na interconexão recíproca das manifestações da pessoa
do(a) professor(a) com os contextos intra e interprofissional, no intuito de valorizar a
indissociabilidade do eu pessoa e profissional docente.
O pensamento da professora, revelado por seus relatos, volta-se às
contribuições de si própria aos seus interlocutores, sendo estes potencializados e
potencializadores em interação. Preocupa-se com a trajetória dos mesmos, por
considerá-los capazes de vir a associar suas experiências de vida e o contexto
sociocultural de que são participantes ativos, como processo instituinte de outros
contextos sociais, diferentes e menos opressivos.
Tendo por referência as práticas educativas, nas quais esteve envolvida ao
longo das trajetórias, o reconhecimento das intervenções como docente está
permeado pelo e no conjunto complexo de envolvimentos, nessa realidade mutável
em que cada sujeito está (re)fazendo-se.
Há, pois, credibilidade em relação às redes intersubjetivas que são
construídas ao longo do processo vital. Ao abrir-se ao(s) outro(s), a pessoa
possibilita o próprio rever-se, bem como expande a sua participação comunitária,
comprometida, diante do movimento sociopolítico e educacional das conjunturas
vivenciadas.
A professora Girassol constrói seus saberes na ação, pelo que estes podem
ser compreendidos em relação às condições estruturais de trabalho. Em outras
palavras, os saberes profissionais docentes são temporais, adquiridos por meio do
percurso temporal. Boa parte do que sabe sobre a própria profissão provém de sua
história de vida e, sobretudo, da trajetória de vida escolar e acadêmica.
Ao longo das narrativas, consegui perceber a maneira de como Girassol
defende, preserva e cuida da dimensão profissional que vem construindo no
decorrer de sua vida, enquanto procura trilhar os próprios caminhos profissionais.
173
Os saberes provêm de diversas fontes e desenvolvem-se no âmbito de uma
carreira, de um processo vital no qual se interconexam as dimensões identitárias e
de socialização profissional. Na carreira, ou seja, num processo de vida de longa
duração, a professora precisa mobilizar um vasto cabedal de saberes e habilidades
necessárias.
As práticas são orientadas, entre outros, por objetivos sociais, emocionais,
cognitivos e coletivos, o que mostra que, mais do que um saber teórico ou técnico,
há, também, um saber narrativo sobre suas intervenções. Além do espaço de
realização, a profissão está sendo construída e configurada como modo de
afirmação de si própria.
O ofício da professora é interativo, porque considera que o relacionamento
pedagógico e humano depende, qualitativamente, do conhecimento mútuo, entre
tantas outras coisas. Dessa forma, o repertório de conhecimentos é,
constantemente, reorganizado pela mobilização de saberes, comportamentos e
práticas de situações concretas e contingenciais.
Por isso, tal repertório está associado ao estudo dos saberes profissionais e
à mobilização destes, visto que integram os diversos contextos interativos da
pessoa-profissional de Girassol. Ao resgatar a própria trajetória, enquanto agente
social, manifesta emoções, culturas, pensamentos e ações, que trazem consigo
marcas dos espaços de convivência.
Assim, os saberes docentes interligam-se ao(s) contexto(s) da vida
profissional da professora, nas suas relações intersubjetivas e no confronto ao
aspecto contingencial das interações sociais, que permeiam as respectivas práticas.
Tendo a percepção da prática pedagógica em sua complexidade, é pertinente
reconhecer a construção de sentidos e saberes, na transitoriedade das inter-
relações entre a professora e seus interlocutores.
Caminhos continuarão a ser trilhados em busca de implicações significativas
e recíprocas nas quais a professora, antes de tudo, deseja aprender e ampliar sua
174
cultura, na medida em que ressalta os valores e conhecimentos próprios, em
processo contínuo de ressignificação.
A relação emocional é inerente ao ofício da professora, principalmente com
os seus alunos e, também, na ética concreta de trabalhar com eles, no dia-a-dia, ao
fazer escolhas e tomar decisões relativas ao próprio processo pedagógico.
No contexto da vida familiar e comunitária, muito forte se fez o vínculo da
professora com seus respectivos pais, principalmente quanto às decisões a serem
tomadas. Apesar dos valores e contextos da época, retrata que, quase sempre, os
pais procuraram respeitar suas escolhas; por mais difícil que representasse o apoio,
sempre fora reforçado com liberdade, a fim de que aprendesse decidir, decidindo.
O vínculo estreito entre autonomia e responsabilidade, nos processos de
formação docente, potencializa o sujeito às significativas tomadas de decisões,
enquanto assume-se como responsável pelo desenvolvimento autônomo de si e dos
outros, por mediação ética.
Percebo que tal investimento à própria formação repercute no
reconhecimento dos trabalhos construídos, intensivamente, em busca de
cooperação e inovação, nas vivências cotidianas pessoais e profissionais.
Na concretude de tais vivências, a professora participou de contextos
externos que, fundamentalmente, enriqueceram sua presença com a própria
disposição interior, e com os elementos construtivos do seu projeto de vida, no
campo existencial e pedagógico.
Entre os elementos-chave que puderam ser resgatados nas trajetórias de
sua vida e que influenciaram a (re)construção das práticas pedagógicas, posso
destacar, entre outros, o que procurei apontar nesse trabalho: a importância da intra
e interpessoalidade, da mediação, do desenvolvimento de competências,
comprometimento, da consciência social sobre a vida, formação e profissão,
interlocução em coletividade e a conquista pelo próprio processo de autonomia.
175
Nessa ótica, consequentemente, a autonomia pedagógica passa a ser
respaldada, principalmente nesse processo reconstrutivo, pela visão alargada dos
seus papéis, a imagem positiva e crítica que tem da profissão e, em especial, da
intensidade de suas implicações na concretização dos projetos assumidos, em
andamento, ou que ainda estão por ser realizados.
Nesse entendimento, enfatizo que o aprendizado dos novos referenciais
envolve mudança de mentalidade e de postura, não de forma imediata e mecânica,
mas, por meio de um processo reflexivo e depurativo dos professores. Isso implica
em (trans)formação, na busca de conhecer tanto suas próprias possibilidades,
quanto às limitações, na permanência de sua constituição como sujeito aprendiz.
A partir da própria existência da professora, é que procurei pontuar a
discussão de seus processos (trans)formativos, enquanto pessoa-profissional, por
meio das condições necessárias e desejadas em direção ao desenvolvimento
singular de si própria, em coletividade.
Quanto ao que sentiu, ao participar como protagonista de suas trajetórias
nessa produção acadêmica, ressalto, mais uma vez, o que procurei fazer até aqui:
ouvir a voz da professora, deixá-la falar e refletir sobre as próprias experiências
vitais:
Estes momentos, que a gente teve, me fez refletir sobre coisas que
passaram na minha vida, entendeu? Eu fico pensando, assim: “Quem dera,
se todos tivessem esta oportunidade, sabe?” Eu revivi várias coisas, que me
deu vontade de chorar, que mexeram com algumas coisas que, até, na
minha psicoterapia, eu te levei (risos). Algumas coisas, inclusive, eu precisei
retomar lá: algumas, são feridas mal cicatrizadas; outras, são situações que,
às vezes, a gente passa e não valor, meio que robotiza, automatiza.
Então, esses encontros, me fizeram perceber e, até, têm momentos que,
por vezes, estou curtindo muito mais nas minhas aulas. Olha, que legal! Eu
estou me dando conta, e digo: “olha aqui, como que isso pode ser
expressivo, ou inexpressivo para os alunos, entendeu? Ou, que mensagem
eu estou passando, de boa ou ruim, para os alunos? Então, toda essa
trajetória, desde que eu comecei, olha me reportei, desde a minha primeira
série, desde a Profª. , que me ajudou a decidir sobre minha profissão.
Daí, a gente começa a ver, até se autoavalia em algumas coisas, porque tu
fizeste com que eu expressasse porque via daquela forma, mas com o
decorrer das conversas, a gente passa a enxergar o outro lado (Girassol).
176
Como não poderia deixar de ser, remexendo no baú de memórias de
Girassol, é que chego ao final desse trabalho. Na busca por concluir, mesmo tendo
consciência de que a realidade continua em seu movimento, que tais considerações
não possuem o caráter de finalização, mas, antes de tudo, impulsionam-me a
buscar, cada vez mais, outros referenciais para os meus processos formativos.
Além disso, registro que, desde o início dessa produção, mantenho o
propósito de contribuir para com outras reflexões possíveis, como pesquisas
contextualizadas que analisem e revelem questões acerca da pedagogia
universitária pelo viés da formação do(a) professor(a) da Educação Superior, a partir
da dimensão relacional e compreensão indissociável entre o sujeito pessoa-
profissional.
Nesse momento, registro o melhor de mim, o que foi possível construir a
partir das convivências e influências que marcaram o meu ser em (trans)formação.
Não poderia deixar de registrar, aqui, o quanto essa experiência foi interessante à
pesquisa, às constatações enquanto pesquisadora, especialmente de que a
limitação do número de informantes foi superada, em parte, pela qualidade dos
relatos.
Vozes que evidenciam a trajetória de Girassol, que exterioriza e ressignifica
o vivido, por meio do trabalho com a própria memória, quando aceitou, gentilmente,
a atualizar o passado no presente, ao deixar transparecer suas marcas
representativas, o que contribuiu para enriquecer tais rememorações.
Tenho a clareza de que, felizmente, não se chega ao ponto final, por mais
difícil que isso represente. Destaco, então, que tais considerações finais são, na
realidade, iniciais de outra produção, por meio da releitura própria do meu percurso,
até aqui.
É um processo de criação que, entre todas as outras dimensões, representa
a beleza de não ter fim, pois sempre acreditei e continuo acreditando no tom bonito
do recomeço.
177
É nessa perspectiva que percebo a vida, no exercício constante que o devir
dos dias me proporciona como oportunidade de aprimoramento, intra e interpessoal,
por meio do olhar atento à própria essência e ao outro. No sentido de fazer, de cada
novo amanhecer, uma possibilidade enriquecedora de experienciar situações
formativas.
Portanto, entendo a necessidade de agradecer pelo dom da vida, porque
tenho a oportunidade de transformar informações em conhecimentos, ao construir,
desconstruir e reconstruir concepções, por intermédio do movimento recíproco de
ensinar e aprender.
Dai-me, Senhor, o dom de ensinar.
Dai-me esta graça que vem do amor.
Mas antes do ensinar, Senhor,
Dai-me o dom de aprender.
Aprender a ensinar
Aprender o amor de ensinar.
Que o meu ensinar seja simples,
Humano e alegre, como o amor.
De aprender sempre.
Que eu persevere mais no aprender do que no ensinar.
Que minha sabedoria ilumine e não apenas brilhe
Que o meu saber não domine ninguém, mas leve à verdade.
Que meus conhecimentos não produzam orgulho,
Mas cresçam e se abasteçam da humildade.
Que minhas palavras não firam e nem sejam dissimuladas,
Mas animem as faces de quem procura a luz.
Que a minha voz nunca assuste,
Mas seja a pregação da esperança.
Que eu aprenda que quem não me entende
Precisa ainda mais de mim,
Que eu nunca lhe destine a presunção de ser melhor.
Dai-me, Senhor, também a sabedoria do desaprender,
Para que eu possa trazer o novo, a esperança,
E não ser um perpetuador das desilusões.
Dai-me, Senhor, a sabedoria do aprender
Deixai-me ensinar para distribuir a sabedoria do amor!
*
*
“Oração do Educador”, de autoria de Antonio Pedro Schlindwein.
REFERÊNCIAS
ABRAHAM, A. (org). El enseñante es también una persona. Barcelona: Gedisa,
1986.
______. El mundo interior de los enseñantes. Barcelona: Gedisa, 1987.
_____. El universo profesional del enseñante. In: ABRAHAM, A. (comp.) El
enseñante es también una persona: conflictos y tensiones en el trabajo docente.
Barcelona: Gedisa Editorial, 2000, p. 23-32.
ALMEIDA, M. de. Desenvolvimento Profissional Docente: uma atribuição que
também é do sindicato. 23ª Reunião da ANPed. Digitado. Caxambu: 2000, 15p.
ANASTASIOU, L. Profissionalização continuada do docente da Educação
Superior: um estudo de caso. 24ª Reunião Anual da ANPed. Digitado. Caxambu:
2001, 27p.
_____. Desafios atuais da teoria e prática na docência universitária. In: ISAIA, S.;
BOLZAN; D.; MACIEL, A. (orgs.). Pedagogia universitária: tecendo redes sobre a
educação superior. Santa Maria: Ed. da UFSM, 2009, p.179-192.
ANTUNES, D. Relatos significativos de professores e alunos e sua auto-
imagem e auto-estima. PUCRS: Porto Alegre, 2007. Dissertação (Mestrado em
Educação), Faculdade de Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul, Porto Alegre, 2007.
ARDOINO, J. Complejidad y formación: pensar la educación desde una mirada
epistemológica. Buenos Aires: Centro de Publicaciones Educativas y Material
Didáctico, 2005, p.75-97.
179
BARTH, B. O saber em construção: para uma pedagogia da compreensão. Lisboa:
Instituto Piaget, 1997.
BEAUCLAIR, J. Subjetividade e Educação. Revista Ciência e Vida Psique. Edição
Especial Psicopedagogia, v. I, n.2. São Paulo: Escala, 2007, p.18-23.
BEHRENS, M. A. Formação continuada de professores e a prática pedagógica.
Curitiba: Champagnat, 1996.
BENEDITO, A. V, FERRER, V e FERRERES, V. La Formación universitaria a
debate. Barcelona: Publicaciones Universitat de Barcelona, 1995.
BENVENISTE, E. Problemas de Linguística Geral. Campinas: Pontes, 1988.
BERTRAND, Y. Teorias contemporâneas da educação. Lisboa: Instituto Piaget,
2001.
BOCCHESE, J. Professor ou Multiplicador? Uma leitura do discurso institucional
sobre o conhecimento desejável do professor de Português. PUCRS: Porto Alegre,
2002. Tese (Doutorado em Educação), Faculdade de Educação, Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2002.
BOLÍVAR, A. Carreira e desenvolvimento profissional no curso secundário. In:
BOLÍVAR, A. (Org.). Profissão professor: o itinerário profissional e a construção da
escola. Bauru: EDUSC, 2002.
BOLÍVAR, A.; DOMINGO, J.; FERNÁNDEZ, M. La investigación biográfico-
narrativa en educación: Enfoque y metodología. Madrid: Editorial La Muralla, 2001.
BOLZAN, D. Formação permanente e conhecimento pedagógico compartilhado:
possibilidades na docência universitária. In: ISAIA, S.; BOLZAN; D.; MACIEL, A.
(orgs.). Pedagogia universitária: tecendo redes sobre a educação superior. Santa
Maria: Ed. da UFSM, 2009, p.131-147.
BORDAS, M. Formação de professores do ensino superior: aprendizagens da
experiência. 28ª Reunião Anual da ANPed. Digitado. Caxambu: 2005, 17p.
BRANDÃO, C. O que é educação. São Paulo: Brasiliense, 1981.
180
BRANDÃO, S. Trabalho biográfico e a constituição da identidade docente no
contexto contemporâneo. Notandum (USP), v. 12, 2009, p. 19-25.
CAPRA, F. O ponto de mutação. São Paulo: Cultrix, 1982.
CARR, W.; KEMMIS, S. Teoría crítica de la enseñanza. Barcelona: Martínez, 1988.
CATANANTE, B. Gestão do ser integral: como integrar alma, coração e razão no
trabalho e na vida. São Paulo: Infinito, 2000.
CAVACO, M. Ofício do professor: o tempo e as mudanças. In: NÓVOA, A. (Org.)
Profissão professor. Porto: Porto Editora, 1995a, p.155-191.
CHIZZOTTI, A. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. São Paulo: Cortez
Editora, 1991.
COLLA, A. A constituição da subjetividade docente: um jogo de luzes e sombras. In:
RAYS, O. (Org.). Trabalho pedagógico: realidades e perspectivas. Porto Alegre:
Sulina, 1999, p.118-147.
COMARÚ, P. Revisitando os processos de formação dos professores em suas
trajetórias de vida. UFSM: Santa Maria, 2000. Dissertação (Mestrado em
Educação), Faculdade de Educação, Universidade Federal de Santa Maria, 2000.
CONNELLY, M.; CLANDININ, D. Conocimiento práctico personal de los profesores:
imagen y unidad narrativa. In ANGULO, L. M. V. (Org.). Conocimiento, Creencias y
teorías de los profesores. Alcoy: Editorial Marfil, 1988, p.63-86.
CORSI, A. M. O início da construção da profissão docente: analisando
dificuldades enfrentadas por professoras de séries iniciais. UFSCar: São
Carlos, 2002. Dissertação (Mestrado em Educação), Faculdade de Educação,
Universidade Federal de São Carlos, 2002.
COSTENARO, R. Ambiente terapêutico de cuidado ao recém-nascido internado
em UTI neonatal. Santa Maria: Centro Universitário Franciscano, 2001.
181
CUNHA, A.; BRITO, T.; CICILLINI, G. Dormi aluno(a)... acordei professor(a):
interfaces da formação para o exercício do Ensino Superior. 29ª Reunião da ANPed.
Digitado. Caxambu: 2006, 15p.
CUNHA, M. I. O professor universitário na transição de paradigmas. Araraquara:
JM Editora, 1998.
______. Sala de aula: espaço de inovações e formação docente. In: ENRICONE, D.;
GRILLO, M. (Org.). Educação superior: vivências e visão de futuro. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2005, p.71-82.
_____. A Educação Superior e o campo da pedagogia universitária: legitimidades e
desafios. In: ISAIA, Silvia; BOLZAN, Dóris (Orgs.). Pedagogia universitária e
desenvolvimento profissional docente. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009, p.349-
374.
CUNHA, M.; ISAIA, S. Professor da Educação Superior. In: MOROSINI, M. C. (Org.).
Enciclopédia de Pedagogia Universitária - GLOSSÁRIO. Brasília: INEP, 2006,
p.350-405.
DAMÁSIO, A. Em busca de Espinosa. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
DANTAS, D. As relações intersubjetivas nos blogs e as práticas de letramento
digital. In: 16º Congresso de Leitura do Brasil, 2008, Campinas. Anais do 16º Cole.
Campinas: Associação de Leitura do Brasil, 2007, p.1-10. Disponível em:
<http://www.alb.com.br/anais16/sem10pdf/sm10ss19_01.pdf>. Acesso em:
30set.2008.
DAY, C. Desenvolvimento profissional de professores: os desafios da
aprendizagem permanente. Porto: Portugal, 2001.
DUCROS, P. La enseñanza: una dinámica de sistemas. In: ABRAHAM, A. (comp.) El
enseñante es también una persona: conflictos y tensiones en el trabajo docente.
Barcelona: Gedisa Editorial, 2000, p.175-181.
ELLIOTT, J. La investigación acción en educación. Madrid: Ediciones Morata,
1997.
182
ENRICONE, D. A sala de aula universitária como cenário da docência. In:
ENRICONE, D.; GRILLO, M. (Orgs.). Educação Superior: vivências e visão de
futuro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005, p.83-98.
ERIKSON, E. El ciclo vital completado. Buenos Aires: Paidós, 1985.
ESTEVE, J. Identidad y desafíos de la condición docente. In: FANFANI, E. (comp.)
El oficio de docente: vocación, trabajo y profesión en el siglo XXI. Buenos Aires:
Siglo XXI Editores Argentina, 2006, p. 19-69.
FAUSTINI, M.; RAMOS, M.; MORAES, M. Relacionamento interpessoal e
aprendizagem: alguns olhares. In: ENRICONE, D.; GRILLO, M. (Orgs.). Educação
Superior: vivências e visão de futuro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005, p.141-151.
FERNANDES, C. Formação do professor universitário: tarefa de quem? In:
MASETTO, M. (Org.). Docência na Universidade. Campinas: Papirus, 1998, p.95-
112.
FILLOUX, J. Intersubjetividad y formación: el retorno de mismo. Buenos Aires:
Centro de Publicaciones Educativas y Material Didáctico, 2004.
FONTANA, R. Trabalho e subjetividade: nos rituais de iniciação, a constituição do
ser professora. Caderno CEDES, n.50, Campinas: Cedes, 2000a.
______. Como nos tornamos professoras? Belo Horizonte, Autêntica, 2000b.
FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa.
São Paulo: Paz e Terra, 1997.
GAUTHIER, C. et al. Por uma teoria da pedagogia: pesquisas contemporâneas
sobre o saber docente. Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 1998.
GIMENO SACRISTÁN, J. Consciência e acção sobre a prática como libertação
profissional dos professores. In: NÓVOA, A. Profissão professor. Porto: Porto
Editora, 1995, p.63-92.
GÓES, M. As relações intersubjetivas na construção de conhecimentos. In: GÓES,
M.; SMOLKA, A. A significação nos espaços educacionais: interação social e
subjetivação. Campinas: Papirus, 1997, p.11-28.
183
GONÇALVES, M. A psicologia como ciência do sujeito e da subjetividade: a
historicidade como noção básica. In: BOCK, A. et al. (Org.). Psicologia sócio-
histórica: uma perspectiva crítica em Psicologia. São Paulo: Cortez, 2001.
GOODSON, I. Dar voz ao professor: as histórias de vida dos professores e o seu
desenvolvimento profissional. In: NÓVOA, A. (org) Vidas de Professores. Porto:
Porto Editora, 1995b, p.63-78.
_____. Profesorado e historias de vida: un campo de investigación emergente. In:
GOODSON, I. F. (Ed.) Historias de vida del profesorado. Barcelona: Ediciones
Octaedro, 2004, p.45-62.
GOODSON, I. F.; MEASOR, L.; SIKES, P. El estudio de las vidas del profesorado.
In: GOODSON, I. F. (Ed.) Historias de vida del profesorado. Barcelona: Ediciones
Octaedro, 2004, p.297-313.
GRILLO, M. O lugar da reflexão na construção do conhecimento profissional. In:
MOROSINI, M. (Org.) Professor do Ensino Superior: identidade, docência e
formação. Brasília: INEP, 2000, p. 75-80.
______. Percursos da constituição da docência. In: ENRICONE, D. (Org.). A
docência na educação superior: sete olhares. Porto Alegre: Evangraf, 2006, p.59-
71.
_____. Verbete. In: CUNHA, M. I.; ISAIA, S. Professor da Educação Superior. In:
MOROSINI, M. (Ed.). Enciclopédia de Pedagogia Universitária Glossário - vol.2.
Brasília/INEP, 2006, p. 370.
GRILLO, M.; FERNANDES, C. Metodologia do Ensino Superior: um olhar por dentro.
In: MOROSINI, M. (Org.). Enciclopédia de Pedagogia Universitária. Porto Alegre:
FAPERGS/RIES, 2003, p.229-240.
GRILLO, M.; MATTEI, P. Saberes docentes, identidade profissional e docência. In:
ENRICONE, D.; GRILLO, M. (Orgs.). Educação Superior: vivências e visão de
futuro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005, p.99-109.
GUARNIERI, M. R. Tornando-se professor: o início na carreira docente e a
consolidação da profissão. UFSCar: São Carlos, 1996. Tese (Doutorado em
Educação), Faculdade de Educação, Universidade Federal de São Carlos, 1996.
184
GUDMUNDSDOTTIR, S. La natureza narrativa del saber pedagógico sobre los
contenidos. In: McEWAN, H. EGAN, K. (comps.) La narrativa en la enseñanza, el
aprendizaje y la investigación. Buenos Aires: Amorrortu editores, 1998, p. 52-71.
HARGREAVES, A. O ensino na sociedade do conhecimento. Porto Alegre:
Artmed, 2004.
HELLER, A. Teoría de los sentimientos. Barcelona: Fontamara, 1982.
______. Sociología de la vida cotidiana. Barcelona: Ediciones Península, 1994.
HYPÓLITO, A. Trabalho docente e profissionalização: sonho prometido ou sonho
negado? In: VEIGA, I.; CUNHA, M. Desmistificando a profissionalização do
magistério. Campinas: Papirus, 1999. p.81-100.
HUBERMAN, M. La vie des enseignants: évolution et bilan d‟une profession. Paris:
Neuchâtel: Delachaux et Niestlé, 1989.
_____. O ciclo de vida dos professores. In: NÓVOA, A. (Org.). Vidas de
professores. Porto: Porto Editora, 1995, p.31-61.
_____. Trabajando con narrativas biográficas. In: McEWAN, H.; EGAN, K. (comps.)
La narrativa en la enseñanza, el aprendizaje y la investigación. Buenos Aires:
Amorrortu editores, 1998, p. 183-235.
HUBERMAN, M.; SCHAPIRA, A. Ciclo de vida y enseñanza. In: ABRAHAM, A.
(comp.) El enseñante es también una persona: conflictos y tensiones en el trabajo
docente. Barcelona: Gedisa Editorial, 2000, p. 43-53.
IMBERNÓN, F. Formação docente e professional: formar-se para a mudança e a
incerteza. São Paulo: Cortez, 2001.
ISAIA, S. Repercussões dos sentimentos e das cognições no fazer pedagógico
de professores de e graus: produção de conhecimento e qualidade de
ensino. Porto Alegre: UFRGS, 1992. Tese (Doutorado em Educação) Universidade
Federal do Rio Grande do Sul, 1992.
185
_____. O professor universitário e a vida adulta. Cadernos de Pesquisa, n.8.
Santa Maria: PPGE/CE/UFSM, 1993.
_____. Formação do professor de ensino superior: tramas na tessitura. In:
MOROSINI, M. (Org.). Enciclopédia de Pedagogia Universitária. Porto Alegre:
FAPERGS/RIES, 2003, p.241- 251.
______. Verbetes. In: CUNHA, M. I.; ISAIA, S. Professor da Educação Superior. In:
MOROSINI, M. (Ed.) Enciclopédia de Pedagogia Universitária Glossário.
Brasília, v.2, 2006, p.351, 352, 360, 368, 376.
_____. Na tessitura da trajetória pessoal e profissional: a constituição do professor
do ensino superior. In: ISAIA, S.; BOLZAN; D.; MACIEL, A. (orgs.). Pedagogia
universitária: tecendo redes sobre a educação superior. Santa Maria: Ed. da UFSM,
2009, p.95-106.
ISAIA, S.; BOLZAN, D. Construção da profissão docente/professoralidade em
debate: desafios para a educação superior. In: CUNHA, M. (Org.). Reflexões e
práticas em pedagogia universitária. Campinas, SP: Papirus, 2007, p.161-177.
_____. Formação docente: em busca de possíveis indicadores de qualidade.
Digitado. Porto Alegre: 2008.
_____. Trajetórias da docência: articulando estudos sobre os processos formativos e
a aprendizagem de ser professor. In: ISAIA, S.; BOLZAN; D. (Orgs.). Pedagogia
universitária e desenvolvimento profissional docente. Porto Alegre: EDIPUCRS,
2009a, p.121-144.
_____. Construção da profissão docente: possibilidades e desafios para a formação.
In: ISAIA, S.; BOLZAN; D.; MACIEL, A. (orgs.). Pedagogia universitária: tecendo
redes sobre a educação superior. Santa Maria: Ed. da UFSM, 2009b, p.163-176.
JESUS, S.; SANTOS, J. Desenvolvimento profissional e motivação dos professores.
Educação, ano XXVII, n.1 (52). Porto Alegre RS, p. 39-58, jan./abr. 2004.
JOSSO, M. Experiências de vida e formação. São Paulo: Cortez, 2004.
JOVCHELOVITCH, S.; BAUER, M. Entrevista narrativa. In: BAUER, M.W.;
GASKELL, G. (Eds.). Pesquisa qualitativa com texto, imagem e som: um manual
prático. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 90-113.
186
KENSKI, V. Memórias e formação de professores: interfaces com as novas
tecnologias de comunicação. In: CATANI, D. (Org.) Docência, memória e gênero.
São Paulo: Escrituras Editora, 1997, p.85-98.
KRAMER, S.; SOUZA, S. J. (org). Histórias de professores: leitura, escrita e
pesquisa em educação. São Paulo: Ática, 1996.
LEVINSON, D. A conception of adult development. American Psychologist. v. 41,
n. 1, 1986, p.3-13.
LIBÂNEO, J. Organização e gestão da escola: teoria e prática. Goiânia:
Alternativa, 2001.
______. Reflexividade e formação de professores: outra oscilação do pensamento
pedagógico brasileiro? In: PIMENTA, S.; GHEDIN, E. (Orgs.). Professor reflexivo
no Brasil: gênese e crítica de um conceito. São Paulo: Cortez, 2002, p.53-80.
LIMA, A. Aprendizagem da docência: dilemas profissionais dos professores
iniciantes. 28ª Reunião Anual da ANPed. Digitado. Caxambu: 2005, 8p.
MARCELO GARCÍA, C. A formação de professores. In: NÓVOA, A. Os professores
e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992, p.51-76.
______. Formação de Professores: para uma mudança educativa. Porto: Porto
Editora, 1999.
MACIEL, A. O processo formativo do professor no ensino superior: em busca de
uma ambiência (trans)formativa. In: ISAIA, S; BOLZAN; D; MACIEL, A. (orgs.).
Pedagogia universitária: tecendo redes sobre a educação superior. Santa Maria:
Ed. da UFSM, 2009a, p.63-78.
_____. Desenvolvimento e realização do profissional docente: a saúde emocional no
processo autoeducativo. In: ISAIA, S.; BOLZAN; D.; MACIEL, A. (orgs.). Pedagogia
universitária: tecendo redes sobre a educação superior. Santa Maria: Ed. da UFSM,
2009b, p.149-162.
_____ A geratividade docente na Educação Superior e os movimentos
(trans)formativos para o desenvolvimento profissional. In: ISAIA, S.; BOLZAN, D.
187
(Orgs.). Pedagogia universitária e desenvolvimento profissional docente. Porto
Alegre: EDIPUCRS, 2009c, p.281-298.
MARRE, J. História de vida e método biográfico. Porto Alegre: Cadernos de
Sociologia, v.3, n.3, 1989.
MATURANA, H.; VARELA, F. A árvore do conhecimento: as bases biológicas do
entendimento humano. Campinas: Editorial Psy II, 1995.
McEWAN, H. Las narrativas en el estudio de la docencia. In: McEWAN, H.; EGAN,
K. (comps.) La narrativa en la enseñanza, el aprendizaje y la investigación.
Buenos Aires: Amorrortu editores, 1998, p. 236-259.
MEASOR, L.; SIKES, P. Una visita a las historias de vida: ética y metodología de la
historia de vida. In: GOODSON, I. (Ed.) Historias de vida del profesorado.
Barcelona: Ediciones Octaedro, 2004, p.269-296.
MOITA, M. Percursos de formação e de trans-formação. In: NÓVOA, A. (Org.) Vidas
de Professores. Porto: Porto Editora, 1995b, p.111-140.
MONTEIRO, F.; MIZUKAMI, M. Um estudo sobre processos de desenvolvimento
profissional. 24ª Reunião Anual da ANPed. Digitado. Caxambu: 2001, 7p.
MONTERO, L. A construção do conhecimento profissional docente. Lisboa:
Instituto Piaget, 2005.
MORIN, E. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.
_____. A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 2000.
MOROSINI, M. Docência universitária e os desafios da realidade nacional. In:
MOROSINI, M. (Org.). Professor do Ensino Superior: identidade, docência e
formação. Brasília: INEP, 2000, p.11-20.
______. O professor do ensino superior na sociedade contemporânea. In:
ENRICONE, D. (Org.). A docência na educação superior: sete olhares. Porto
Alegre: Evangraf, 2006, p.85-99.
188
______. Qualidade na Educação Superior: tendências para o século XXI. Digitado.
Porto Alegre: 2008, 12p.
MOSQUERA, J. O professor como pessoa. Porto Alegre: Sulina, 1976.
______. Ciência cognitiva e educação. In: ENRICONE, D.; GRILLO, M. (Org.).
Educação superior: vivências e visão de futuro. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005,
p.47-69.
MOSQUERA, J.; STOBÄUS, C. Percurso da vida adulta e suas implicações no
educador. In: ISAIA, S; BOLZAN, D. (Orgs.). Pedagogia universitária e
desenvolvimento profissional docente. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2009, p.27-46.
MOYNE, A. La vida emocional del docente y su papel. In: ABRAHAM, A. (comp.) El
enseñante es también una persona: conflictos y tensiones en el trabajo docente.
Barcelona: Gedisa Editorial, 2000, p. 32-43.
NICOLESCU, B. Educação e transdisciplinaridade. Brasília: UNESCO, 2001.
NÓVOA, A. Formação de professores e profissão docente. In: NÓVOA, A. (Org.) Os
professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, Instituto de Inovação
Educacional, 1992, p.15-34.
______. Os professores e as histórias da sua vida. In: NÓVOA, A. (Org.) Vidas de
Professores. Porto: Porto Editora, 1995b, p.11-30.
______. Profissão Professor. Porto: Porto Editora, 1995a.
______. Formação de professores e trabalho pedagógico. Lisboa: Educa, 2002.
NUNES, A. Formação continuada para o desenvolvimento docente: entre
discursos e práticas. 28ª Reunião Anual da ANPed. Digitado. Caxambu: 2005, 20p.
OLIVEIRA, L. A acção-investigação e o desenvolvimento profissional dos
professores: um estudo no âmbito da formação contínua. In: -CHAVES, I. (Org.).
Percursos de formação e desenvolvimento profissional. Porto: Porto Editora,
1997, p.91-106.
189
OLIVEIRA, V. Professor do Ensino Superior: saberes acadêmicos e demandas
profissionais. In: MOROSINI, M. Enciclopédia de Pedagogia Universitária. Porto
Alegre; FAPERGS/RIES, 2003, p.253-262.
______. Verbete. In: CUNHA, M. I.; ISAIA, S. Professor da Educação Superior. In:
MOROSINI, M. (Ed.) Enciclopédia de Pedagogia Universitária - Glossário.
Brasília, v.2, 2006, p.360-361.
OLIVEIRA, L. A acção-investigação e o desenvolvimento profissional dos
professores: um estudo no âmbito da formação contínua. In: -CHAVES, I. (Org.).
Percursos de formação e desenvolvimento profissional. Porto: Porto Editora,
1997, p.91-106.
OLIVEIRA, V. Em que espelhos andamos nos projetando? Entre representações e
saberes o professor universitário. In: ISAIA, S.; BOLZAN; D.; MACIEL, A. (orgs.).
Pedagogia universitária: tecendo redes sobre a educação superior. Santa Maria:
Ed. da UFSM, 2009, p.107-120.
ORTEGA Y GASSET, J. Obras completas. Madrid: Revista del Occidente, v.5,
1970.
PACHANE, G. A importância da formação pedagógica para o professor
universitário: a experiência da Unicamp. Unicamp: Campinas, 2003. Tese
(Doutorado em Educação), Faculdade de Educação, Universidade de Campinas,
2003.
______. Políticas de formação pedagógica do professor universitário: reflexões
a partir de uma experiência. 2 Reunião Anual da ANPed. Digitado. Caxambu:
2004, 16p.
PEREIRA, I. A desconstituição de uma professora a partir da reflexão do
próprio trabalho pedagógico. Unicamp: Campinas, 2003. Dissertação (Mestrado
em Educação), Faculdade de Educação, Universidade de Campinas, 2003.
PEREIRA, M. V. Identidade, Diferença, e Produção de Subjetividade: uma
reflexão sobre amor e restos humanos. Anais da II Jornada de Psicologia da
Educação: Imaginário Social e Educação. Pelotas: Faculdade de Educação UFPel,
1996, p. 13-29.
190
PERETTI, A. Caminos… hacia desde un desarrollo personal. Desarrollo personal e
instrumental pedagógico. In: ABRAHAM, A. (comp.) El enseñante es también una
persona: conflictos y tensiones en el trabajo docente. Barcelona: Gedisa Editorial,
2000, p. 165-175.
PÉREZ MEZ, A. O pensamento prático do professor: a formação do professor
como profissional reflexivo. In: NÓVOA, A. Os professores e a sua formação.
Lisboa: Dom Quixote, 1992, p.93-114.
PETRAGLIA, I. Edgar Morin: a educação e a complexidade do ser e do saber. Rio
de Janeiro: Vozes, 1995.
PIMENTA, S. (Org.). Saberes pedagógicos e atividade docente. São Paulo:
Cortez, 2002.
PIMENTA, S.; ANASTASIOU, L. (Org.). Docência no Ensino Superior. São Paulo:
Cortez, 2002.
PINTASILGO, M. Prefácio. In: APPLE, M.; NÓVOA, A. (orgs.) Paulo Freire: política
e pedagogia. Porto: Porto Editora, 1998, p.09-14.
PINTO, M. A docência na Educação Superior: saberes e identidades. 28ª Reunião
Anual da ANPed. Digitado. Caxambu: 2005, 15p.
PIZZO, S. O início da docência e a trajetória profissional segundo a visão de
professoras em final de carreira. UFSCar, 2004. Dissertação (Mestrado em
Educação), Faculdade de Educação, Universidade Federal de São Carlos, 2004.
POIRIER, J.; CLAPIER-VALLADON, S.; RAYBAUT, P. Histórias de vida. Oeiras:
Celta, 1995.
PORTAL, L. O professor e o despertar de sua espiritualidade. In: ENRICONE, D.
(Org.). Ser professor. Porto Alegre: Edipucrs, 2001, p. 109-123.
_____. Educação para a Inteireza: um (re)descobrir-se, o desafio ao Ensino
Superior. In: X Congresso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de
la Administración Pública, 2005, Santiago. X Congresso Internacional del CLAD
sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública. Caracas/Venezuela:
Centro Latinoamericano de Administración para el Desarrollo, 2005, p.1-9.
191
_____. O sentido da existência humana: um olhar para cima na aventura do
encontro interior. In: ENRICONE, D. (Org.). A docência na educação superior:
sete olhares. Porto Alegre: Evangraf, 2006, p.85-99.
_____. Educação para a Inteireza: um (re)descobrir-se. Educação (Porto Alegre), v.
1, 2007, p. 285-298.
PORTAL, L.; DUHÁ, A. Empreendedorismo e Educação. In: ENRICONE, D.;
GRILLO, M. (Orgs.). Educação Superior: vivências e visão de futuro. Porto Alegre:
EDIPUCRS, 2005, p.153-168.
RAMALHO, B. Formar o professor, profissionalizar o ensino: perspectivas e
desafios. Porto Alegre: Sulina, 2003.
RIOS, T. A. Ética e competência. São Paulo: Cortez, 1997.
ROGERS, C. Docente, quien eres? Imágenes, actitudes, nudos e ilusiones la
educación, una actividad personal. In: ABRAHAM, A. (comp.) El enseñante es
también una persona: conflictos y tensiones en el trabajo docente. Barcelona:
Gedisa Editorial, 2000, p. 15-22.
ROSEMBERG, C. Lugares de experiência formativa e a produção da
necessidade de mudança no trabalho docente. Unicamp: Campinas, 2003.
Dissertação (Mestrado em Educação), Faculdade de Educação, Universidade de
Campinas, 2003.
SANTOS, B. Um discurso sobre as ciências na transição para uma ciência pós-
moderna. Scielo. Estudos Avançados, v.2, n.2. São Paulo, mai/ago. 1988, p.46-71.
______. Um discurso sobre as Ciências. Porto: Afrontamento, 1996.
SANTOS, B.; ANTUNES, D.; BERNARDI, J. O docente e sua subjetividade nos
processos motivacionais. Educação, Porto Alegre, v.31, n.1, p.46-53, jan./abr. 2008.
SCHÖN, D. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA, A. (Org.).
Os professores e a sua formação. Lisboa: Dom Quixote, 1992, p.77-92.
192
SOLOMON, R. Espiritualidade para céticos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2003.
TARDIF, M. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis: Vozes, 2002.
______. Saberes dos professores e conhecimentos universitários: elementos da
prática profissional dos professores e suas consequências em relação à formação
para o magistério. Pelotas: Digitado, 1999, 20p.
TARDIF, M.; LESSARD, C.; LAHAYE, L. Os professores face ao saber: Esboço de
uma problemática do saber docente. Teoria & Educação, n.4, Porto Alegre:
Pannônica, 1991, p. 215-233.
TARDIF, M; LESSARD, C. O trabalho docente: elementos para uma teoria da
docência como profissão de interações humanas. Petrópolis: Vozes, 2005.
TAVARES, J. A formação como construção do conhecimento científico e
pedagógico. In: -CHAVES, I. (Org.). Percursos de formação e
desenvolvimento profissional. Porto: Porto Editora, 1997, p.59-73.
TEIXEIRA, M.; COSTENARO, R.; PAVÃO, S. A história do Curso de Enfermagem
do Centro Universitário Franciscano. Santa Maria: UNIFRA, 2009.
VEIGA, I. Profissionalização docente. In: II COLÓQUIO DE FORMAÇÃO DE
EDUCADORES; 2006, Salvador. Anais... Salvador: UNEB, 2006. p.15-17.
VIEIRA, H. Como vou aprendendo a ser professora depois da formatura: análise
do tornar-se professora na prática da docência. UFSCar, 2002. Tese (Doutorado em
Educação), Faculdade de Educação, Universidade Federal de São Carlos, 2002.
VYGOTSKY, L. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
ZABALZA, M. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto
Alegre: Artmed, 2004.
ZAMBERLAN, C.; COSTENARO, R. O fortalecimento do relacionamento
interpessoal: um fator determinante da prática do cuidado em si. In: COSTENARO,
R. Cuidando em Enfermagem: pesquisas e reflexões. Santa Maria: Centro
Universitário Franciscano, 2001, p.119-129.
193
ZAYAS, E. (Coord.) Las historias de vida y la investigación biográfica:
fundamentos y metodología. Madrid: Universidad Nacional de Educación a Distancia,
1996.
194
APÊNDICE A Matriz categorial da entrevista narrativa
1º EIXO DE INVESTIGAÇÃO:
1
1
.
.
1
1
P
P
E
E
R
R
C
C
U
U
R
R
S
S
O
O
D
D
E
E
V
V
I
I
D
D
A
A
E
E
D
D
E
E
F
F
O
O
R
R
M
M
A
A
Ç
Ç
Ã
Ã
O
O
CATEGORIAS
INDICADORES
INFORMAÇÕES
APRECIAÇÃO
Contexto(s) familiar e
comunitário
Vida escolar
Vida acadêmica
Infância
- Adolescência
- Adultez
- Trajetória das
vivências escolares
e acadêmicas
(diferentes etapas)
Formação inicial e
continuada
- Qual ?
- Onde ?
- Quando ?
- Como se deu ?
- Quais características
peculiares e/ou comuns
da época?
Relações
intersubjetivas e
experiências relevantes
Sentimentos
Importância
Validade
2
2
º
º
E
E
I
I
X
X
O
O
D
D
E
E
I
I
N
N
V
V
E
E
S
S
T
T
I
I
G
G
A
A
Ç
Ç
Ã
Ã
O
O
:
:
1
1
.
.
2
2
S
S
A
A
B
B
E
E
R
R
E
E
S
S
E
E
D
D
E
E
S
S
E
E
N
N
V
V
O
O
L
L
V
V
I
I
M
M
E
E
N
N
T
T
O
O
P
P
R
R
O
O
F
F
I
I
S
S
S
S
I
I
O
O
N
N
A
A
L
L
Contexto(s) de
atuação e
experiências
profissionais
Vida profissional
Estratégias de
desenvolvimento
profissional
Ingresso
Percurso realizado
Vivências
Saberes
mobilizados e
necessidades
formativas
Experiências
individuais e
coletivas
- Quando ?
- Onde ?
- Como se deu ?
Momentos marcantes
Relações intersubjetivas e
formação profissional
Sentimentos
Importância
Validade
195
APÊNDICE B Outros momentos da trajetória de Girassol
Da minha primeira a quinta série, lembro do nome e sobrenome de todas as
professoras e colegas, se eu tiver que escrever, eu escrevo a turma inteira, de tanto
que este período marcou. E por que, este período marcou? Porque ia à aula sempre
com a mesma roupa e tinha colegas que iam bem vestidas, e as professoras as
pegavam no colo. Era a “Girassol”, simples, sempre de chinelo de dedo, inverno e
verão.
Eu me lembro, eu estava na sexta série, a professora “Conselheira”, coisa
mais maravilhosa. Tu sabes que eu sempre tive grande afinidade com aqueles
professores que eram conselheiros das turmas. Eu me lembro como eu tinha relação
boa com esses professores, eram pessoas que me inspiravam. Tinha a professora
“Fulana” também, lá no colégio.
E durante esse período, eu tive muitos professores que foram ícones, que
tem até hoje: por exemplo, tem a Profª. “Y”, que não está mais na cidade, mas
ensinou tanta coisa do lado humano, na Saúde Coletiva, de como valorizar as
pessoas, de como chegar com educação, com cuidado na hora de abordar as
pessoas.
Então, eu tinha 25 anos. Estava com três empregos, não queria pedir
demissão de nenhum; e lá no HC, não queriam me colocar pra rua, nem na CR e daí
eu queria fazer acordo, mas fiquei três meses, trabalhando em três empregos, até
que lá no HC conseguiram fazer acordo comigo; daí, eu saí do HC e fiquei só na CR
e no HUSM. Para completar, eu trabalhava fora, no HUSM, à noite na UTI, eu
começo a observar que os nenês também ficavam com úlcera, também adoeciam,
baixavam a imunidade e eu comecei a pensar assim: “se os adultos se estressam,
os nenês também se estressam!”.
Daí terminou, me formei, fui trabalhar, dar aula na faculdade e o que, eu e
uma colega (ex-professora), fizemos? Retomamos este projeto!
Fui fazer Especialização em Administração dos Serviços de Enfermagem,
também na mesma faculdade.
196
Esta relação orientando-orientador é muito forte. No mestrado, tive alguns
problemas com a questão teórica, porque uma das professoras é contra ao apego,
não admite tu amares a família, e isso me massacrou muito, porque foi totalmente
contra aos meus valores de vida!
Às vezes, a gente repete tudo que os alunos fazem na sala de aula (risos...),
a gente está noutra posição, noutro lugar. Tu sentas atrás, tu chegas atrasado, e
tu observas isso, né?
Porque eu mantenho até hoje, a imagem daquela “Girassol” que enxergou
nas revistas, as doutoras, entendeu? Tanto é, que o dia que cheguei perto dessas
doutoras, eu dizia “meu Deus, eu vou tocar nelas, porque eu leio os livros que elas
escrevem, e agora elas estão aqui, na minha frente!!! Eu digo, eu não acredito que
eu estou enxergando, que eu estou abraçando essas mulheres, impressionante!!! E
eu me reporto muito à isso, um sonho, entendeu?
[...]
Eu, desde a 5ª série, fui líder de sala de aula, entendeu? No início não, a
turma não gostava muito de mim, porque eu era pobre, mas depois, sempre fui líder.
E daí, eu entro na faculdade, fui ao técnico de enfermagem também, sou der de
turma; entro na faculdade, estou líder da associação de turma. Sempre me meti
nessas coisas, de tomada de decisão, de liderança; às vezes, a gente aprende muito
e se incomoda muito com isso.
[...]
E daí, olha só, estou na mesma UTI, 24 anos! Pra ti ver, o quanto que eu
continuei vinculada a esta Congregação. Olha só, eu estudei Técnico em
Enfermagem, eu fui fazer faculdade e fiz especialização, tudo na mesma Instituição.
Daí, fui trabalhar como Técnica de Enfermagem na mesma congregação de irmãs,
como enfermeira e como professora nesta mesma congregação e eu estou até hoje!
Então, tu vês assim, eu saí da congregação, de trabalho com as irmãs, mas eu entro
no vestibular, daí eu continuei vinculada, como aluna.
Tu sabes que eu tinha aluna, que era de Uruguaiana, ela estava no quinto
semestre, e eu comecei a observar que ela faltava horrores de aula, ela vinha para a
instituição, mas ela ficava no pátio. E um dia, eu disse pra ela, eu estava na
coordenação do curso, nesta época, eu chamei ela no pátio e disse assim: - olha,
197
assim que eu puder, eu vou falar com os teus pais, porque eles estão pagando pra
ti, e tu não estás assistindo aula, e tu estás reprovada, em “tal” disciplina (isso
porque os professores me trouxeram esta preocupação).
Eu me coloquei no lugar daquele pai e daquela mãe. Pra minha surpresa, eu
não liguei pra eles, e no final de semana, essa menina se acidentou, drogada, e foi
cair na UTI. Foi um acidente horrível, ela capotou o carro da amiga. Os pais vieram
pra Santa Maria, na segunda-feira, e uma colega dela disse para o pai: os
professores sabiam.
E o pai e a mãe, vieram na coordenação cobrar de mim, porque nós não os
tínhamos chamado. O que eu me arrependi de não ter chamado aqueles pais, na
sexta-feira, eu talvez tivesse prevenido um acidente...!!!
Mas daí, aquele dia eu disse para os pais, que o que eu tinha pra contar pra
eles iria doer, mas eu precisava falar. A mãe e o pai choraram, compulsivamente, na
coordenação, quando eles viram que a filha tinha reprovado, a filha tinha rodado um
semestre e eles não sabiam.
O que a mãe fez? Trancou o curso, levou a filha embora. E eu disse assim: -
leva, trata, cuida, e quando ela estiver boa, desintoxicada, traz de volta. Foi a coisa
mais linda, o dia que esta menina voltou, depois de um ano, quando estava bem. Ela
me encontrava no pátio, e vinha me abraçar. No dia da formatura, ela agarrada em
mim, chorava me agradecendo.
[...]
Na convivência com os bolsistas, a gente tem um nculo bem maior, tem
uma cumplicidade enorme, até porque eles torcem muito mais por ti, tem este
feedback positivo. Eles estão se beneficiando, também, mas justamente por estarem
se beneficiando, eles parecem que têm um reconhecimento tão grande, de terem
sido escolhidos como bolsistas, com afinidade e perfil para aquele trabalho, ali.
[...]
Tu não és pedagoga somente para a sala de aula. Tu o és enfermeiro
para o hospital, ou para Unidade Básica de Saúde, e sim para tantas outras coisas.
O outro projeto, que me marcou, foi o da minha tese de doutorado, mas daí foi mais
em UTI neonatal, bem no contexto profissional.
198
[...]
Como orientadora, eu sou muito mãezona, eu tenho este defeito! Eu sou
muito de ajudar, não posso ver o aluno sofrendo. Às vezes, o meu pecado é ajudar
demais e, na hora em que não posso ajudar, eles podem me ver mal e eu posso ser
mal vista, entendeu? Daí, o vai ser aquela “Girassol”, e, quanto a isso, estou me
policiando muito, pra mudar um pouco este jeito de orientar, porque eu quero
sempre ajudar, quero ver as pessoas felizes, produzindo, entende?
[...]
Depois, como diretora de Área, eu peguei toda a época da reformulação do
currículo dos Cursos da Área da Saúde. Isso me enriqueceu muito, me deu uma
visão maravilhosa dos diferentes cursos da Saúde. Nós tínhamos várias reuniões,
com os engenheiros e arquitetos, por causa dos laboratórios e eu pensava: “meu
Deus do céu, como é que vou saber participar dessas reuniões? Eu fui estudar tudo
das legislações profissionais dos Cursos, por exemplo.
Enfim, eu queria saber antes de vir o reconhecimento dos cursos, sabe?
Então, isso me abriu o horizonte. Quando eu vejo aquele prédio da Saúde, eu sei
tudo o que tem lá, naqueles andares. Meu Deus, o que ampliou a minha visão da
própria área, eu só ganhei com isso!
Isso engrandece e, daí, te oportuniza a ter contato com outros
profissionais de diferentes ciências e que isso te uma visão muito rica, do geral
das coisas, entende?
Eu tive alguns “pecados”, durante esta trajetória, porque sou muito
espontânea e, às vezes, sou mal (muito mal) interpretada por isso; então, é uma
coisa que estou me corrigindo muito. A minha espontaneidade, de ser “alegrona”,
feliz, às vezes, de falar umas bobagens, que eu não posso falar perto de certas
pessoas (não dá), então, estou me vigiando muito com isso, me protegendo.
Eu penso que, às vezes, a gente tem colega que não tem condição, nem de
ser professor; mas, eles estão professores, pela titulação, por algum destaque, eles
estão professores. Em todos os cursos existe isso, como que eu vejo? Posso até
estar bem equivocada, mas enquanto não me provarem o contrário, eu não mudo de
ideia: eu sempre penso assim, como eu tenho uma turma de alunos, que tem dois,
três que reclamam de tal professor, o problema não é o professor.
199
Tem uma turma de quarenta alunos, têm vinte, vinte e cinco reclamando do
professor, será que o problema são os alunos? Será!? Quando tu escutas, semestre
após outro, as mesmas reclamações, puxa vida, será que os problemas são os
alunos? Uma turma que tem quarenta, trinta pegam exame, às vezes, tem professor
que se sente o máximo, assim.
Será? Mas então eu fico pensando, que professor é este? O que aconteceu
que não conseguiu ensinar, a instigar esses alunos para estudar, que pegaram
exame? Eu vejo isso como uma coisa negativa. E tem gente que acha o máximo,
que isso como o poder do domínio de sala de aula, mostrando a eles que, ainda,
não sabem o que eu sei.
Fico até preocupada, quando vejo que muitos vão mal, eu fico me
perguntando: “Será que eu fui uma “merreca” de professora, que não consegui
ajudar, instigar eles a buscar conhecimento, ou pra buscar estudar mais? O que eu
fiz que não despertei neles, o estudo? Por que não entenderam o conteúdo? Penso
que a gente sempre tem que estar se perguntando isso.
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo