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TEREZA CRISTINA BERTONCINI GONÇALEZ
A IMAGEM INDECIDÍVEL:
um viés sobre o papel da fotografia na arte contemporânea
Tese de doutorado apresentada ao Departamento
de Multimeios do Instituto de Artes da
Universidade Estadual de Campinas.
Orientador: Prof. Dr. Roberto Berton de Ângelo
CAMPINAS
2006
iii
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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ARTES DA UNICAMP
Gonçalez, Tereza Cristina Bertoncini.
G586i A imagem indecidível – um viés sobre o papel da fotografia na
arte contemporânea. / Tereza Cristina Bertoncini Gonçalez. –
Campinas, SP: [s.n.], 2006.
Orientador: Roberto Berton de Ângelo.
Tese(doutorado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Artes.
1. Arte. 2. Arte contemporânea. 3. Artistas brasileiros.
4. Fotografia. I. Ângelo, Roberto Berton de. II. Universidade
Estadual de Campinas.Instituto de Artes. III. Título.
(lf/ia)
Título em inglês: “The indecidible image - a bias in the role of the
photography in the contemporary art.”
Palavras-chave em inglês (Keywords): Art – Contemporary art –
Photography - Brazilian artists
Titulação: Doutor em Multimeios
Banca examinadora:
Prof. Dr. Roberto Berton de Ângelo
Prof Dr. Marcius César Pereira Freire
Prof Dr. Nuno César Pereira de Abreu
Prof Drª Maria de Fátima Morethy Couto
Prof. Dr. Euzébio Lobo da Silva
Prof. Drª Elisabeth Bauch Zimmermann
Prof. Drª Maria Laura Trindade Mayrink Sabinson
Data da defesa: 14 de Dezembro de 2006
Programa de Pós-Graduação: Multimeios – Cinema e fotografia
iv
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Instituto de Artes
Comissão de Pós-Graduação
Defesa de Tese de Doutorado em Multimeios, apresentada peJa
Doutorando(a) Tereza Cristina Bertoncini Gonçalez
- RA 945336, como parte dos
requisitos para a obtenção do título de DOUTOR EM MULTIMEIOS, apresentada perante a
Banca Examinadora:
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Prof.D =
Presidente/Orientador f\~
Prof. Dr. Marcius CesaiSoar
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Prof. Dr. Eusébio Lobo da Silva -DACO
Membro Titular
Ao Gato
vii
AGRADECIMENTOS
Quero, neste momento, agradecer às pessoas que contribuíram direta e
indiretamente para a realização desta pesquisa.
Gostaria, em primeiro lugar, de lembrar do apoio dado pela minha família e
amigos, e, em especial, a Ailton José Roncato, pela paciência e companheirismo a mim
dedicados durante todo o percurso deste trabalho.
A Carlos Fajardo, por sua generosa amizade e observações precisas, que tanto
me orientaram no campo da arte.
À Olívia Niemeyer dos Santos, parceira e amiga, que me auxiliou nas
descobertas e encaminhamentos realizados no campo da Filosofia.
À amiga e também parceira na arte, Maria Laura Mayrink Sabinson, pelas
observações pontuais sobre o texto.
À Carmenlícia Bertoncini Gonçalez, pelas traduções.
Ao José Augusto Bertoncini Gonçalez pela preciosa colaboração técnica.
A Paulo Ottoni, pela disponibilidade e acolhimento.
À Maria Lygia Köpke, pela revisão textual.
À Carla Lopes Rodriguez que me guiou nos caminhos insondáveis da
informática.
Aos colegas da Escola Comunitária de Campinas, pela amizade, estímulo e
incentivo.
Às parceiras do grupo Antropoantro, pela compreensão e disponibilidade que
tiveram.
Finalmente, um agradecimento especial ao meu orientador, Roberto Berton De
Ângelo, que, no decorrer de todos estes anos, contribuiu de maneira decisiva para que este
trabalho se concretizasse.
ix
Os indecidíveis colocam o exterior dentro e
envenenam o conforto da ordem com a suspeita
do caos.
Zygmunt Bauman
xi
RESUMO
O objetivo central desta pesquisa está voltado para a observação da fotografia no
campo da arte contemporânea sob o viés da indecidibilidade. A partir da reflexão sobre o
phármakon, um dos indecidíveis pensados por Jacques Derrida, é que o caminho para esta
análise é traçado, levando em consideração as mudanças operadas na sociedade atual, mais
precisamente na arte contemporânea. Para atingir o objetivo proposto, ela examina aspectos
das obras de cinco artistas brasileiros, que estão divididos em dois blocos distintos. No
primeiro bloco, o enfoque é dado para os artistas que atuam na arte contemporânea como
fotógrafos: Arthur Omar, Rosângela Rennó, Rochelle Costi e Rubens Mano. Com especial
atenção, a obra de Carlos Fajardo, que compreende todo o segundo bloco, amplia essa
discussão, colocando a apreciação da imagem fotográfica como um dos componentes
integrantes da arte contemporânea.
Palavras-chave: Arte, Arte Contemporânea, Fotografia, Artistas Brasileiros.
xiii
ABSTRACT
The purpose of this work is to carry out a research on the photography role in the
Contemporary Art through the bias of
undecidability. The way to fulfill this study had its
starting point on the word
phármakon, considered one of the undecidables thought by
Jacques Derrida, taking into account the changes which have taken place into the present-
day society, more precisely into the Contemporary Art. To achieve this research purpose,
the work aspects of five Brazilian artists were analysed and put into two different parts. In
the first part, the study is directed to the artists who have worked as photographers: Arthur
Omar, Rosângela Rennó, Rochelle Costi e Rubens Mano. With especial treatment, the
whole second part is dedicated to Carlos Fajardo's work which makes this discussion wider
by considering the photographic image contemplation as one of the elements of which the
Contemporary Art is consisted.
Key words: Art - Contemporary Art - Photography - Brazilian Artists
xv
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 Ricking the reed, 1885.
Peter Henry Emerson ……………………………………………………..…8
Figura 2 A estrela, 1878.
Edgar Degas …………………………………………………………………9
Figura 3 In the fields, 1910.
Robert Demachy…………………………………………………...........…10
Figura 4 Geogia O’Keeffe, 1933.
Alfred Stieglitz………………………………………............………..……12
Figura 5 Criação de poeira, 1920.
Marcel Duchamp…………………………………….........……………..…13
Figura 6 Secador de garrafas, 1914.
Marcel Ducahmp………………………………….........…………………..15
Figura 7 Monogram – 1955 -1959.
Robert Rauschenberg ………………………………………..……..………69
Figura 8 Acidente de automóvel na cor branca, 19 vezes, 1963.
Andy Warhol………………………………………….................…………70
Figura 9 Fotografia da série Antrophometries ( nº 74, 64, 13) e manifestação no
atelier do artista (mulher pincel), 1960.
Yves Klein…………………………………………………….....................72
Figura 10 Uma e três cadeiras, 1965.
xvii
Joseph Kosuth………………………………….............…..………………75
Figura 11 Tipologias de caixas d’água, 1972.
Bernhard e Hilla Becher …………………………………..……………….77
Figura 12 Spiral jetty, 1970.
Robert Smithson …………………………….........…………..……………78
Figura 13 Caminhando por uma linha no Peru, 1972.
Richard Long ……………………………………………................………79
Figura 14 Auto-retrato como fonte, 1966-70.
Bruce Nauman …………………............……………..……………………80
Figura 15 Arco inclinado, 1981.
Richard Serra ……………………………………................………………85
Figura 16 Os trinta Valérios, 1906.
Valério Vieira ……………………………………………....….............…102
Figura 17 Abstraction, 1950.
Geraldo de Barros …………………………………....………….......……104
Figura 18 Não te vejo com a pupila, mas com o branco dos olhos
Série: Antropologia da face gloriosa, 1973-1998.
Arhur Omar……………………………..................…....…………………110
Figura 19 Antroplogia da face gloriosa.
Série: Antropologia da face gloriosa, 1973 – 1998.
Arhur Omar………………………………………..................……………113
xix
Figura 20 Foto de Arthur Omar com as obras ao seu redor, 2000. …………....……120
Figura 21 Abismo elástico
Série: Antropologia da face gloriosa, 1973-1998.
Arhur Omar……………….................……………………………………122
Figura 22 Fotografia da obra Átila compacto recebendo de volta o próprio olhar
inserida no ambiente, 2000.
Arthur Omar…………………………………………................…………123
Figura 23-A Fotografia (plano geral) da série Antropologia da face gloriosa exposta na
24ª Bienal de São Paulo, 1997.
Arthur Omar……………………………………………................………124
Figura 23-B Fotografia (detalhe) da série Antropologia da face gloriosa exposta na 24ª
Bienal de São Paulo, 1997.
Arthur Omar……………….……………...............………………………125
Figura 24 O sacrifício IV, 1989.
Mário Cravo Neto…………........…………………………………………129
Figura 25 Duas visões de realismo fantástico,1991.
Rosângela Rennó………………………………………….........…………132
Figura 26 Sem título – Série Vermelha (Militares), 1996.
Rosângela Rennó………………………………………….........…………134
Figura 27 Sem título, 1983.
Cindy Sherman …………………………………...........…………………136
Figura 28 Sem título (Segundo Walker Evans #3 1936), 1981.
Sherrie Levine……………………………………………..............………137
xxi
Figura 29 A casa, 1993/1997.
Rochelle Costi…………………………………..............…………………142
Figura 30 Toalhas – flores mortas, 1996/97.
Rochelle Costi…………………………………………..............…………145
Figura 31 Toalhas – cinzeiros sujos, 1996/97.
Rochelle Costi…………………………………………………..............…146
Figura 32 Toalhas – frutas podres, 1996/97.
Rochelle Costi………………………………………………………..........147
Figura 33 A Fotografia da instalação - Vazadores (vista externa), 2002.
Rubens Mano ………………………………….………………….............150
Figura 33 B Fotografia da instalação -Vazadores (vista interna), 2002.
Rubens Mano……………………………………………………...............154
Figura 34 Sem título (Série Puzzles), 1997 - 2002 .
Rubens Mano………………………………………………………...........155
Figura 35 Casa Verde, 1997.
Rubens Mano……………………………………………………...............157
Figura 36 Sem título (Neutral).Instruções para a feitura de um trabalho impressas em
papel 1967/1968.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……164
Figura 37 Sem título (El sapateador). Versão em Colagem, lápis grafite e lápis de cor
sobre papel, 1969.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……172
xxiii
Figura 38 Sem título (El sapateador). Fórmica montada em madeira, 1969.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……172
Figura 39 Sem título (República do Líbano). Fórmica montada em madeira 1971.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……173
Figura 40 Sem título (República do Líbano). Pastel seco sobre papel, 1971.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……173
Figura 41 Sem título. Fórmica sobre madeira, 1988.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……174
Figura 42 Sem título. Plásticos infláveis e chapa de ferro, 1982.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……175
Figura 43 Sem título. Esmalte sintético, tinta automotiva e laca industrial sobre
duraplac e madeira, 1981.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……176
Figura 44 Sem título. Tinta automotiva sobre ferro, lousa de madeira, 1982.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……177
Figura 45 Sem título. Fotografia (1), 1998.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……178
Figura 46 Sem título. Fotografia (2), 1998.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……179
Figura 47 Sem titulo. Costaneira de mármore, 1991.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……181
Figura 48 Sem titulo. Espuma de poliuretano, 1984.
xxv
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……182
Figura 49 Sem título. Borracha vulcanizada, placa de madeira e motor, 1984.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……183
Figura 50 Sem título. Cartão colorido sobre madeira, 1971.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……184
Figura 51 Sem título. Tijolos montados, 1989.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……185
Figura 52 Sem título. Fotografia (3), 1998.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……187
Figura 53 Sem título. Fotografia (4), 1998.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……188
Figura 54 Sem título. Instalação, 1997.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……191
Figura 55 Sem título. Lâmpadas de néon, placas de fibra de vidro, montados sobre
madeira, 1983.
Carlos Fajardo……………...……………………............…………..……191
Figura 56 Sem título. Fotografia (5), 1998.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……192
Figura 57 Sem título. Fotografia (6), 1998.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……193
Figura 58 Sem título. Carvão sobre papel, 1966.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……195
xxvii
Figura 59 Sem título. Tijolos montados, versão de 1989.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……196
Figura 60 Sem título. Fotografia (7), 1998.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……197
Figura 61 Sem título. Fotografia (8), 1998.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……198
Figura 62 Sem título. Tinta látex e verniz sintético sobre tela, 1981.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……199
Figura 63 Sem título. Instalação - vista parcial (em primeiro plano, argila moldada),
1987.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……200
Figura 64 Sem título. Instalação (detalhe) – 24ª bienal de São Paulo – vidro, ferro,
mármore, malha de aço inoxidável, 2002.
Carlos Fajardo…………………………………...........……………..……201
Figura 65 Sem título. Fotografia (9), 1998.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……202
Figura 66 Sem título. Fotografia (10), 1998.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……203
Figura 67 Sem título. Vidros coloridos e véus, 2005.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……207
Figura 68 Sem título. Cone de madeira, vidro e véu, 2005.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……208
Figura 69 Sem título. Fotografia (11), 1998.
xxix
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……209
Figura 70 Sem título. Fotografia (12), 1998.
Carlos Fajardo…………………………………............……………..……210
xxxi
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 1
I - CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES: do vinho ao vinagre e do
vinagre ao vinho
. 5
1 - arte diante dos desafios 16
II - NO TERRENO DAS CERTEZAS 23
1- A imagem: caminhos para uma significação abrangente 24
1.1 – Imagens visuais e imagens mentais 27
2- Diferenças e aproximações: a natureza da imagem pictórica e
fotográfica 29
2.1 – A imagem pictórica e a arte com “A” maiúsculo 30
2.1.1 –A imagem e o conceito de “belas-artes” 34
2.2 – Entre parênteses: a fotografia – um desvio no caminho da arte. 36
III - NO TERRENO DAS INCERTEZAS 40
1- Entre dois pólos: no mundo dos paradoxos 40
2- O indecidível: pausa para uma reflexão 42
2.1 - A gênese do indecidível 43
2.2 – Um outro indecidível 45
2.3 - Dentro da Farmácia 58
3 - Um salto no abismo: a imagem na arte contemporânea ou entrando
no terreno do indecidível 65
4- Um viés sobre a presença da fotografia na arte contemporânea 87
4.1 - Em busca de um léxico 91
4.2 – A imagem fotográfica no papel de phármakon imagético 94
xxxiii
IV - MORADA DOS INDECIDÍVEIS 100
1- A fotografia na arte contemporânea brasileira I : abrindo os portões 104
1.1 – Arthur Omar e a fotografia como obra documental 106
1.2 – Rosângela Rennó e a questão da autoria 128
1.3 – Rochelle Costi e o esvaziamento do sujeito 138
1.4 – Rubens Mano e o espaço transitivo 148
2 – A fotografia na arte contemporânea brasileira II: derrubando
os muros 159
2.1 - Carlos Fajardo e a poética da superfície 160
2.2 – A constituição de uma poética 161
2.3 – No entrelaçamento das obras de Fajardo com indecidível 166
2.4 – Território de análises 168
2.4.1 – A superfície através da cor 169
2.4.2 – A superfície como textura 180
2.4.3 – O desenho: um rastro na superfície 188
2.4.4 – Opacidade e transparência 214
V - CONSIDERAÇÕES FINAIS
212
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 216
REFERÊNCIAS ICONOGRÁFICAS 229
xxxv
INTRODUÇÃO
A pesquisa aqui apresentada nasceu da necessidade de entender algumas
situações inerentes à fotografia em relação à arte contemporânea. Esta não é uma situação
recente ou pouco discutida, o assunto já vem sendo explorado, tanto por artistas como por
teóricos que tentam dar uma conformidade ao tema. Pela ampla possibilidade de caminhos
e pela dificuldade de se chegar a uma conclusão definitiva, é que a pesquisa foi
desenvolvida. O que se percebe é que alguns pontos deste assunto permanecem abertos,
permitindo que surjam novas interpretações.
Diante do argumento apresentado é que foi pensado como o papel da fotografia
na arte contemporânea, mais precisamente, um viés sobre este papel, pode ser enfocado
mediante um outro olhar. Não se tem a pretensão de seguir uma trilha que tenha sido
construída apenas sobre a questão das experimentações imagéticas como recurso estético e
sim como a imagem fotográfica se insere no universo da arte contemporânea como parte
integrante de uma apreciação.
O percurso para este intento, no entanto, não é fácil, porque não expõe somente
a obra, mas o artista, o universo circundante e o momento em que a obra foi pensada,
levando em conta o que antecedeu para que aquele momento pudesse existir. Este caminho,
no entanto, pode se ramificar em várias vertentes possíveis. Neste amplo leque de
possibilidades, a idéia principal é tentar desenvolvê-lo dentro de um recorte que concentre
as reflexões pretendidas.
É importante esclarecer que esta pesquisa está voltada a uma parcela da
produção de fotografias na arte contemporânea, mais precisamente dentro da arte brasileira.
Esta é uma questão que tanto comporta escolhas como renúncias. Mas, como selecionar
alguns artistas ou algumas obras em detrimento de outras? O que se pode dizer é que não se
trata de uma eleição classificatória ou que implique numa eleição por mérito. O caráter
desta seleção não é pela exclusão pura e simples, e sim pela necessidade de se estabelecer
um fio condutor que mantenha uma coerência com o discurso pretendido.
1
Dentre as diversas obras fotográficas que pertencem ao campo da arte
contemporânea, existem aquelas cujo principal interesse não está pautado apenas na
imagem fotográfica. O sentido múltiplo, tanto nos significados como nas formas de
apresentação, são os subsídios indicadores para que haja outros tipos de interpretações. Este
é o mote pretendido para o estudo.
A imagem indecidível – um viés sobre o papel da fotografia na arte
contemporânea, denota o propósito desta reflexão: como a imagem fotográfica pode ser
inserida na arte contemporânea e sob qual ângulo isto pode ser observado.
O termo indecidível, trazido das formulações de Jacques Derrida, servirá de
base para a análise das obras escolhidas mediante o eixo mencionado. Esclareço, no
entanto, que não é a intenção aprofundar-me no campo filosófico e nem me estender no
pensamento do autor, além do que penso ser necessário. O objetivo não é fazer uma
apreciação exaustiva da indecidibilidade no campo da arte ou da fotografia, mas o de tentar
demonstrar um eixo de sintonia entre a reflexão de Derrida e a condição da imagem
fotográfica no campo mencionado, retomando que, dentre o leque de escolhas possíveis, foi
necessário restringir a alguns representantes e a algumas de suas obras. Sei que estes e estas
não encerram outras interpretações, é apenas um viés neste vasto território. A concentração
em um objetivo menor evidencia um resultado mais preciso, ao contrário de vários
objetivos que podem dispersar o foco principal do estudo.
Ao todo, cinco artistas contemporâneos brasileiros foram escolhidos para esta
reflexão. Para tanto, este capítulo foi dividido em dois blocos distintos: o bloco dos artistas
que trabalham diretamente com a fotografia e o outro, no qual a fotografia é uma parte
integrante do discurso conceitual do artista.
O primeiro bloco, que abre os portões para a análise, estará voltado para os
fotógrafos que integram o cenário da arte contemporânea: Arthur Omar, Rosângela Rennó,
Rochelle Costi e Rubens Mano. Arthur Omar foi escolhido como o foco principal deste
item, merecendo uma atenção mais abrangente e particularizada que os demais artistas. A
relação entre a fotografia e a arte contemporânea será traçada mediante a observação de
uma parcela das obras destes artistas, que complementarão a intenção desejada
2
exemplificando, com alguns de seus trabalhos, questões que são inerentes à temática
proposta por este estudo.
O segundo bloco estará voltado exclusivamente para a obra de Carlos Fajardo.
Pelo fato de este artista reunir nas suas obras as características que impelem para um
raciocínio mais amplo sobre a questão da indecidibilidade é que o discurso deste trabalho
não se fixará apenas na análise das suas imagens fotográficas e se estenderá às demais
obras que compõem sua produção. A intenção é que, com este ponto de vista, a fotografia
seja vista dentro de um campo mais dilatado e não somente como uma modalidade isolada.
É neste bloco que os vestígios da existência de um possível muro entre as modalidades
deixa de existir.
Partindo da questão de que a presença da fotografia na arte foi construída a
partir de um tensionamento da sua relação com a pintura, o enfoque desse trabalho, mesmo
que respaldado pela filosofia, passará também por uma revisão histórica que ajuda a
estabelecer um eixo de concordância com a própria arte. Uma vez que seus pressupostos
estão fincados numa etapa anterior, há a necessidade de se fazer um pequeno recuo, para
que esta relação seja entendida.
É importante esclarecer que o cunho do trabalho seguirá uma linha mais
ensaísta que historicista. No entanto, esta visão não exclui a utilização desta linha
historicista, já que ela auxiliará no embasamento para a explanação das idéias pretendidas,
abarcando as relações existentes entre a arte e a fotografia, e, conseqüentemente, na forma
como esta arte se apresenta no mundo contemporâneo.
Durante muito tempo a palavra arte esteve associada à pintura, muito mais
fortemente que à escultura ou a qualquer outra modalidade artística. Havia, até o início do
século XX, uma aura que circundava a arte e a sua modalidade mais conceituada. A perda
desta aura com os questionamentos feitos, em um primeiro momento pelo futurismo e pelo
dadaísmo e, posteriormente, pelos movimentos surgidos na década de 60, está relacionada
aos processos modificadores da imagem e à inserção de novos elementos ao universo
artístico. A fotografia é apenas um dos elementos modificadores desta relação, ou seja, a
arte como equivalente da pintura.
3
Em razão da proximidade constitutiva das duas imagens, a pictórica e a
fotográfica, o paralelo criado entre as duas foi o que acompanhou o percurso da fotografia
no campo da arte durante grande parte da sua existência. O rompimento dessa relação veio
com a quebra dos vínculos modais da própria arte, caso que será abordado mais adiante.
Se houve um tempo em que a própria arte moderna era marcada pela
transgressão e exibia uma linguagem vanguardista que afrontava as instituições, esse tempo
é passado. Hoje, a arte como um todo, quase sem divisões, sem demarcações de território,
faz esse papel.
Plural, multiforme, a imagem fotográfica na arte contemporânea merece
algumas considerações preliminares, que ajudam a situar o universo deste discurso. Tais
considerações são propostas como forma de ajudar a estabelecer o foco deste trabalho,
reservando um espaço inicial para a apresentação da idéia central, a base para a
fundamentação das opiniões e o corpo deste estudo.
4
I - CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES:
DO VINHO AO VINAGRE E DO VINAGRE AO VINHO
(...) ficou moderno o milagre
a água já não vira vinho
vira direto vinagre.
(Cacaso - Jogos florais)
Essas considerações foram feitas a partir da necessidade de se construir um
pequeno panorama sobre a relação da fotografia com a arte. Como o primeiro parâmetro
desta relação envolve a pintura, o ponto de partida será esse.
Desde a invenção da fotografia, a relação pintura/fotografia mantém-se
concomitantemente próxima e distante. Considerada nos primórdios como uma arte de
segunda grandeza, observamos a fotografia avançar cada vez mais no campo da arte,
equiparar-se e, até, suplantar o papel da pintura na arte contemporânea – isto dentro de um
contexto modal. Esse processo de aceitação, ou mesmo de substituição da pintura pela
fotografia, situação observada no decorrer da própria existência da fotografia, estaria
ocorrendo de forma gradual e crescente, acentuando as modificações operadas no conceito
do que é arte? Assunto, diga-se, ainda recorrente na atualidade pelos artistas e teóricos da
imagem
1
.
Verificamos que a participação da fotografia na arte contemporânea não ocorre
como uma forma pura de evolução da modalidade, e sim de modificação da própria
imagem contemporânea - cerne principal deste estudo -, fato que teve início na modificação
do conceito da arte e, que, de certa forma, foi desencadeada pela fotografia.
Do mesmo modo que a pintura, forma mais antiga de representação, encontrou
na fotografia o elemento libertador e responsável (junto com outros fatores) pelo
1
- O assunto é abordado, entre outros, por Philippe Dubois (1994), que dedica um dos capítulos do livro O ato
fotográfico para comentar as relações entre a arte contemporânea e a fotografia no século XX. DUBOIS,
Philippe. A arte é (tornou-se) fotográfica? In O ato fotográfico e outros ensaios. Campinas, SP: Papirus,
1994. Esse mesmo questionamento também é feito por Alice Brill quando aborda A função da fotografia na
arte contemporânea, um dos capítulos do livro Da arte e da linguagem. BRILL, Alice. Da arte e da
linguagem. São Paulo, Editora Perspectiva S.A., 1988.
5
desencadeamento de uma nova postura da arte pictórica, ocorrida a partir da metade do
século XIX, iniciada com o movimento impressionista; a fotografia, por sua vez, tem
avançado cada vez mais no terreno das artes plásticas, sofrendo um hibridismo que a
transforma em uma nova forma imagética. O impressionismo, como veremos adiante, foi o
movimento que serviu de start para que todas as mudanças estéticas no plano pictórico
pudessem ser desenvolvidas. A fotografia foi o agente responsável por esta ação,
possibilitando que a pintura não se prendesse mais à tradição canônica advinda do
Renascimento. Por outro lado, a fotografia tornou-se, até um passado recente, uma
concorrente da pintura, coisa que só foi quebrada com as novas posturas assumidas pela
imagem mecânica.
No entanto, é importante observar que a fotografia não traz apenas este caráter
visual de proximidade pictórica. Seus tentáculos vão mais além, estendendo-se em outros
setores, como na antropologia, na sociedade funcional
2
, na publicidade, nos registros
familiares, enfim, em todas as áreas em que a imagem se faz presente. E é justamente por
ser múltipla que a sua participação na arte assume também aspectos dúbios, embora a
própria arte atual traga esta mesma característica – e é este o centro da questão.
A contenda entre a imagem pictórica e a imagem fotográfica pode ser
compreendida melhor através do percurso histórico ocorrido entre a pintura e a fotografia.
Elas se aproximam pela sua natureza bidimensional, mas se distanciam pelo processo
técnico - enquanto uma é manual, a outra é mecânica.
Esta altercação remonta ao movimento pictórico surgido após a invenção da
fotografia, o impressionismo - o primeiro movimento artístico que rompe com a ditadura
perspéctica, iniciada no Renascimento, responsável pelo caráter reportador da realidade
visível. A relação entre essas duas formas de registro da realidade, pintura e fotografia,
resultou no declínio da pintura figurativa, e, conseqüentemente, na rejeição da fotografia
por grande parte dos pintores.
2
- A expressão sociedade funcional está ligada ao controle disciplinar que a própria sociedade exerce sobre
seus cidadãos. A fotografia, além de servir de testemunho de uma época, em relação aos registros das
transformações ambientais, assume também a função de instrumento fiscalizador e controlador da sociedade.
Ver FOUCAULT, Michael. Vigiar e Punir. Petrópolis: Vozes, 1977.
6
Apesar da especulação gerada pelos pintores, fotógrafos e críticos da época, em
torno de que a pintura perderia sua função, e que obviamente morreria, mostrou que o
apartheid criado entre a fotografia e a pintura, cada uma em busca da sua própria
autonomia, não se sustentaria. Esta é uma especulação que circundou as duas modalidades
desde os primeiros momentos, avançando paralelamente até os dias de hoje. No entanto,
através da observação do trajeto entre as duas áreas, percebemos que a aproximação tornou-
se inevitável. Como um namoro mal correspondido, a relação fotografia-pintura emergiu da
atração e da repulsa, competindo cada uma pela sua própria legitimidade. A exemplificação
retoma a figura do inglês Peter Henry Emerson (fig.1) - um dos primeiros pintores a apoiar
a fotografia – que, da mesma forma que emigrou da pintura para a fotografia, reverteu
posteriormente o processo, passando a apoiar a pintura contra a fotografia. Por outro lado,
pintores como Eugène Delacroix, Georges Seurat e Edgar Degas
3
(fig.2), sem abdicar da
pintura, utilizaram-se da fotografia como recurso para as suas obras.
A inversão também se faz presente no movimento Pictorialista liderado por
Robert Demachy (fig.3), basicamente uma apropriação das composições do domínio da
pintura, mais precisamente do impressionismo, pela fotografia.
De certa forma, a utilização da fotografia, tanto como recurso para a pintura ou
como cópia da própria pintura, restringia a sua autonomia, impedindo-a que se firmasse
como uma modalidade autêntica.
Seguindo as mudanças operadas no campo da cultura, no início do século XX, a
fotografia alinhou-se aos movimentos modernistas, redefinindo as suas bases estéticas.
Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva apontam “que esse amplo movimento de
renovação teve historicamente dois pólos principais de agenciamento: Europa e Estados
Unidos” (COSTA & SILVA, 2004, p. 28).
3
- Eugène Delacroix achava mais fácil trabalhar com imagens fotográficas do que com modelo vivo. Georges
Seurat, criador do Pontilhismo, iniciou seu estilo baseado nas observações de fotografias granuladas e nas
pesquisas científicas da cor. Edgar Degas utiliza-se das fotos para compor sua série sobre as bailarinas.
7
Figura 1 - Peter Henry Emerson - Ricking the reed. Fotografia. 1885.
8
Figura 2 – Edgar Degas. A estrela. Pastel, 1878.
9
Figura 3 – Robert Demachy. In the fields. Pintura à oleo, 1910.
10
Diversos movimentos vanguardistas europeus utilizaram-se da fotografia como
recurso criativo. No entanto, isso ocorreu de forma isolada, não permitindo que houvesse
uma transformação radical de linguagem. Dizem Costa e Silva que “após o trabalho
precursor de Eugène Atget, verificou-se uma ampla renovação que se estendeu até o
começo da década de 30”
4
. Neste rastro despontam vários artistas-fotógrafos que
possibilitaram que a fotografia se libertasse dos cânones que haviam sido impostos a ela,
como: Láslo-Moholy Nagy, Man Ray, Alexander Rodchenko, Kasimir Malevich, El
Lissitzky, Renné Magritte, Max Ernst, Giacomo Balla, entre outros.
No entanto, a libertação da fotografia dá-se, principalmente, a partir do
movimento fotossecessionista, desenvolvido, em grande parte, pelo trabalho de Alfred
Stieglitz (fig.4). Contrário ao Pictorialismo, o Fotossecessionismo emerge nos Estados
Unidos lançando uma nova estética fotográfica, que se tornou responsável pelo ingresso da
fotografia no século XX, da forma como a reconhecemos hoje. Camera Work, revista
publicada por Stieglitz, após firmar-se como uma revista voltada à fotografia, tornou-se
responsável pelas divulgações das vanguardas artísticas européias. De certo modo, foi a
fotografia que apresentou à América a chamada Arte Moderna.
Dessa forma, o embate fotografia-pintura, como aconteceu no século XIX,
esmorece diante das novas estéticas
5
artísticas surgidas no início do século XX. Os novos
dispositivos tecnológicos do século XX permitiram que a própria arte seguisse um caminho
totalmente inovador. Dentro deste contexto, a imagem, seja ela pictural ou fotográfica,
passa a ter sentido como arte na amplitude de seu significado, em que a técnica processual
é apenas um meio. O que importa mesmo é a mensagem, o conceito, a própria arte. A
inauguração dessa postura rompe com o sectarismo modal, passando a abrigar a semente da
4
- Op.cit.loc.cit.
5
- É importante lembrar que a estética não faz parte do universo exclusivo da arte. No âmbito usado, o termo
estéticas artísticas refere-se às modificações ocorridas no campo da imagem. Jacques Rancière em sua
conferência Política da Arte, aponta que “esta palavra designa, antes de tudo, um novo regime de
identificação da arte que se construiu na virada do século XVIII e XIX: um determinado regime de liberdade
e de igualdade das obras de arte, em que estas são qualificadas como tais, não mais segundo as regras de sua
produção ou a hierarquia de sua destinação, mas como habitantes iguais de um novo tipo de sensorium
comum (...)”. Conferência São Paulo S.A – práticas estéticas, sociais e políticas em debate. Situações 3#
estética e política - realizada no período de 17 a 19 de abril de abril de 2005 no Sesc Belenzinho – São Paulo.
RANCIÈRE, Jacques. Política da Arte. Tradução Mônica Costa Netto. Disponível em: www.
Sescsp.org.br/sesc/images/upload/conferências/206. Acesso em: 11/10/2005.
11
arte contemporânea. É neste momento, para falar mais precisamente de fotografia e pintura,
que surgem duas figuras emblemáticas, não únicas, mas especiais: Marcel Duchamp e Man
Ray, que rompem definitivamente com as linhas divisórias que separam a fotografia e a
pintura.
Figura 4 – Alfred Stieglitz. Geórgia O’Keeffe. Fotografia, 1933.
12
A partir de uma visão especificamente fotográfica, as especulações sobre a
imagem fotográfica já haviam sido feitas por Man Ray e Moholy-Nagy. Mas com
Duchamp
6
(fig.5), não só a imagem reprodutível alcança uma outra dimensão e passa a
agregar valores que não pertencem à própria arte, como também os diversos objetos que o
circundam passam a valer como arte.
Figura 5 – Man Ray/Marcel Duchamp. Criação de Poeira. Fotografia, 1920.
O artista francês Marcel Duchamp, após transitar por alguns movimentos da
arte moderna, desenvolveu a sua própria concepção de arte quando criou o ready-made
(fig.6) - que se transformou no grande salto para o abismo, não no sentido da queda, mas no
6
“Fotografo o que não quero pintar e pinto o que não consigo fotografar” traduz a real relação da fotografia e
a pintura na obra de Man Ray. SONTAG, Susan. Ensaios sobre a fotografia. . Rio de Janeiro. Editora Arbor
Ltda, 1981, p. 178.
Trabalhando em conjunto, Man Ray e Marcel Duchamp montaram uma parceria em que o conceito e a obra se
mesclaram. Sem fotografar, no sentido restrito da palavra, Duchamp se utilizou das imagens fotográficas de
Man Ray para a criação de algumas de suas obras (Criação de Poeira, With My Tongue In May Cheek, entre
outros). Este aspecto é levantado por Philippe Dubois em O ato fotográfico, p.257.
13
sentido do desconhecido, da abrangência, das incertezas do futuro. O vanguardismo
duchampiano introduziu na arte elementos do cotidiano que não foram feitos pela mão do
artista. Porém, é interessante notar que ele não se restringiu apenas aos objetos; o uso da
imagem pronta, incluindo a fotografia, demonstra que a arte está a serviço da mente e de
tudo aquilo de que dispomos ao nosso redor
7
.
Um dos mais inovadores artistas do período moderno, Duchamp foi um dos
responsáveis pela presença do conceito na obra de arte e pelo uso da imagem feita pela
máquina. O abandono da arte retiniana em prol da lógica do ato, segundo Dubois (1994, p.
254-255), fez com que a arte de Duchamp e a fotografia funcionassem “no seu princípio
constitutivo, não tanto como uma imagem mimética, analógica, mas, em primeiro lugar,
como simples impressão de uma presença (...)”.
Inovador nas ações e nos conceitos artísticos, Marcel Duchamp não queria
agradar o público imediato e sim esperar o tempo necessário para alcançar seu público
verdadeiro, era o que interessava a ele. E esse é o gatilho acionado por Duchamp: a arte do
pós-agora, a arte que estava por vir.
A imagem na arte contemporânea aciona o processo duchampiano e confirma a
sua teoria de artista do futuro; a obra não realizada pela mão do artista aumenta na
proporção que a sociedade evolui tecnicamente. A frase de Duchamp (apud MORAES,
1998, 53) “(...) a pintura acabou. Quem faz melhor esta hélice?”, significa, na melhor das
concepções, que a arte caminha de acordo com a mente do artista e não somente com a sua
capacidade técnica em reproduzir alguma imagem. O artista contemporâneo capta e
constrói a imagem de acordo com a sua reflexão, utilizando-se dos meios tecnológicos de
que dispõe, contribuindo, coerentemente, para a integração e unificação das modalidades
artísticas.
7
- Seus ready-made, além dos objetos, também alcançam a imagem, e como diz Jacques Leenhardt: “sabemos
que Duchamp inventou o ‘ready-made’. Esquecemos, porém, que ele inventou a imagem ‘ready-made’, quer
dizer, a apresentação de uma imagem impressa como uma obra de arte.” LEENHARDT, Jacques. Duchamp -
Crítica da razão visual. In NOVAES, Adauto (org.) Arte Pensamento. Companhia das Letras, São Paulo,
1994. pg.344.
14
Figura 6 – Marcel Duchamp. Secador de garrafas (versão de 1964). Objeto ready-made, 1914.
15
A postura de Duchamp, iniciada em meados dos anos 10 do século XX,
desemboca nos movimentos artísticos dos anos 60 e 70 do mesmo século – a Pop Art, o
Hiper Realismo e a arte de eventos
8
, entre outras - que ajudam a consolidar a presença da
imagem fotográfica na arte, projetando-a como uma das participantes mais importantes da
arte contemporânea atual.
Continuando na trilha duchampiana e pós-duchampina, a arte contemporânea
sai do que estava estabelecido como estrada principal e depara-se com uma encruzilhada.
Assim como a própria sociedade frente às indefinições e às incertezas nos diversos setores,
a arte contemporânea opta por uma via de múltiplos acessos. As regras, os valores e as
divisões modais, advindos de uma postura estética, formatada no século XIX e repensada
no século XX, foram deixados para trás.
1- A arte diante dos desafios
No mundo contemporâneo, a arte está construída sobre uma vida de paradoxos
e contradições. Esta afirmação, baseada em Marshall Berman (2000), aponta o quanto a
vida pode ser transformada, desintegrada e modificada, confirmando que não só a arte, mas
todas as suas modalidades, incluindo a fotografia, encontram-se neste patamar.
Diante disto, torna-se quase impossível fazer uma classificação do contexto da
fotografia seguindo um único critério, uma linearidade histórica ou uma conformação
constitutiva. E esta premissa, como se pode analisar, não é exclusiva de uma única área, da
arte ou de qualquer outra. Não se restringe a um saber específico, já que o próprio mundo
tornou-se um desafio de complexidade. Os questionamentos e as modificações impetradas
no século XXI transformaram o que era considerado um mundo de certezas em um mundo
antagônico e sem definições claras.
8
Entende-se como arte de eventos especialmente os happenings, as performances e outras artes que se
enquadram na questão relacionada à efemeridade da arte, marcada por um tempo de duração – a arte que
acontece apenas no momento da sua realização.
16
No entanto, este mundo de certezas, até um passado considerado recente, era
comandado pelas certezas científicas. Havia uma distinção clara entre a área científica e a
humanista, que trazia a primeira como certa e coerente para a sociedade ocidental.
Conforme aponta Edgar Morin “defrontamo-nos desde o século XVI, mas sobretudo no
XX, com o desafio da ruptura cultural entre a cultura das humanidades e a cultura
científica. Estas duas culturas possuem natureza inteiramente diferente”(MORIN, 2002, p.
57). A ruptura entre o mundo cultural – as culturas das humanidades e a científica –
evidenciava que a cultura científica, além de estar acima da cultural, vinha impregnada de
certezas que foram construídas ao longo dos séculos, e, por esta mesma razão, era a que
ditava as leis e a ordem de uma sociedade sem risco e sem deformações.
Edgar Morin questiona as certezas absolutas advindas do século XIX, em
contraposição ao desafio que desponta no século XXI – o abalo das certezas. O que se vê é
que o que se considerava como um terreno das certezas transforma-se em um terreno das
incertezas. Em seu desafio da complexidade
9
, Morin demonstra que as estruturas, erguidas
nos séculos anteriores e traçadas dentro de um perfil cartesiano, deixam de existir, ao
mesmo tempo em que assumem um papel não definido e nem definitivo. Todos os aspectos
da sociedade são, de certa forma, colocados em cheque, ou tirados do pedestal. Desta
maneira, a certeza maior da sociedade moderna, a ciência, não repousa mais nos três pilares
da certeza plena.
Os três pilares de certeza, segundo Morin,
(...) encontram-se em estado de desintegração não porque a desordem substituiu a
ordem, mas porque se começou a admitir que, mesmo no mundo físico em que a
ordem reinava soberana,existia na realidade um jogo dialógico entre a ordem e
desordem simultaneamente complementar e antagônico
10
.
O autor descreve-os, observando as seguintes considerações, que aqui foram
resumidas na seqüência abaixo:
9
- Id. Ibidem..O autor trata neste livro a questão da educação no século XXI. Ele aborda as mudanças
ocorridas a partir do terceiro milênio, principalmente em relação à certeza máxima, o campo da ciência. p.58-
59.
10
- Morin esclarece, nas notas de rodapé, que a dialógica “significa que duas ou várias ‘lógicas’ diferentes
estão ligadas em uma unidade de forma complexa - complementar, concorrente e antagônica - sem que a
dualidade se perca na unidade”. Id. Ibidem. p. 59.
17
1- O pilar da ordem, da regularidade, da constância e, sobretudo, o
determinismo absoluto;
2- O pilar da separabilidade, a exemplo de um objeto e um corpo – “para
conhecê-lo, basta isolá-lo conceitual ou experimentalmente, extraindo-o de seu
meio de origem para examiná-lo num meio artificial”
11
;
3- O pilar de valor de prova absoluta “fornecida pela indução e pela dedução, e
pelos princípios aristotélicos que estabelecem a unidade da identidade e a recusa
da contradição”
12
.
Os três pilares que formam o corpo de certezas encontram-se abalados pelos
paradoxos encontrados nas diversas áreas científicas, como a Física e a Macrofísica, e
também, em relação ao paradoxo do indivíduo e da espécie. Esta constatação não era válida
apenas para a Física, mas também para a história da Terra e da Vida. Na Física, o autor
afirma que o mesmo elemento, “a partícula, pode comportar-se de modo contraditório,
segundo o experimento, tanto como uma onda como corpúsculo”
13
. Este paradoxo também
possibilita reencontrar o paradoxo do outro assunto mencionado:
(...) se vemos apenas os indivíduos, não vemos a espécie que encarna a
continuidade. Mas se paramos de ver os indivíduos e olhamos para um espaço
mais vasto do tempo, não há mais indivíduos, só espécies
14
.
Reforçando a fala de Morin, e fazendo uma pequena comparação entre este
mundo de incertezas em que se transformou a sociedade do terceiro milênio e a presença
dos novos posicionamentos e procedimentos na arte contemporânea, percebemos que esta
realidade não se restringe apenas ao mundo científico. As linhas que dividem o universo
entre o certo e o errado, o convicto e o não convicto, o real e o virtual, são apenas traços
demarcatórios de um novo saber e de uma nova forma de pensar. Pode-se dizer que, na arte,
um dos exemplos mais exemplares e emblemáticos é o ready-made. Onde está a linha
11
- op. cit. loc. cit.
12
- op.cit.loc.cit.
13
- Id.Ibidem.p.61.
14
- Op.cit.loc.cit.
18
demarcatória que determina que o objeto apresentado seja nomeado como tal? Onde
começa o objeto artístico e onde termina o objeto industrial? E esta não é uma indagação
nova e nem recente, mas é exemplar por indicar uma das posturas que desencadeou a arte
contemporânea e a sua inserção neste “mundo de incertezas”.
Na citação que Morin faz de Marcel Proust, “uma verdadeira viagem de
descoberta não é de pesquisar novas terras, mas de ter um novo olhar”
15
, indica o caminho
que devemos seguir para iniciar a pesquisa pretendida. É essa a condição que se deve
observar quando nos voltamos para a análise desse novo mundo que se apresenta, nas suas
diversas áreas e situações, entendendo que é preciso religar o que era considerado separado,
ao mesmo tempo aprender a fazer com que as certezas interajam com a incerteza. Ele
complementa dizendo que o “conhecimento é, com efeito, uma navegação que se efetiva
num oceano de incerteza salpicado de arquipélagos de certeza.”
16
O que cabe dizer é que se tornou um desafio, neste mundo de incerteza, ir
contra os pilares de certeza. Somente através do exercício de observação das mudanças
operadas no mundo é que se reestruturam as novas reflexões. Esse desafio, baseado em
Morin (2002), se desenvolve paralelamente em todos os domínios técnicos e especializados
dos conhecimentos compartimentados e das práticas fragmentárias.
A crítica contrária, aquela que não se satisfaz com a ruptura do pensamento
formativo, e que resume toda possibilidade às normas pré-estabelecidas, não aceita, nem
compactua, principalmente com a quebra do pilar de valor de prova absoluta, dado pela
unicidade da identidade e recusa da contradição, citado por Morin (2002, p. 59).
Ora, se a própria Física e a Matemática reviram suas ações e seus conceitos, por
que a arte - área precursora de inovações - não faria o mesmo? Se houve, em um passado
recente, uma revisão das formalizações pictóricas renascentistas, que foram rompidas no
Impressionismo e rompidas no Cubismo, não seria apenas a fotografia ou a pintura que
15
- Id. Ibidem.p.39.
16
Op.cit.loc.cit.
19
manteriam este pilar, definindo, nomeando e traçando seus territórios em um eixo linear,
designando o lugar certo que determinada imagem possa ser inserida
17
.
Nesta quebra dos pilares de certeza, em que a estabilidade é questionada,
enquanto a ambivalência se instala confortavelmente na sala da pós-modernidade
18
, a busca
pela ordem e classificação leva ao desconforto e à desordem.
E é, no contexto relacionado à quebra dos pilares de certeza, que pode ser
encaixado o indecidível, elemento indefinível e sem polaridade, uma das reflexões
desenvolvidas por Jacques Derrida no conjunto de sua obra..
Seguindo a linha de raciocínio apresentada, pode-se dizer que o terreno das
certezas não existe em contraposição ao terreno das incertezas, mas sim por uma terceira
via, que não exclui e nem compartimenta, mas abarca uma outra vertente, mais globalizada
e abrangente.
A finalidade da minha pesquisa não se resume em encontrar um princípio
unitário que valorize apenas um dos lados da questão, a fotografia como fotografia ou a
fotografia como paralelo da pintura. Isto representaria uma redução a um princípio-chave,
que apagaria toda diversidade do real, ignoraria os vazios, as incertezas, as aporias
existentes no assunto escolhido. Trata-se de estabelecer uma comunicação com base em um
sistema amplo que não direcione para um ponto único.
Dentro desta lógica é que será analisada a presença da fotografia na arte
contemporânea e sua atuação como uma imagem indecidível.
17
- Fazendo um pequeno aparte: quando falamos sobre pintura e fotografia, referimo-nos à imagem
bidimensional. Lembramos, porém, que a arte não se limita apenas a este universo, a modificação operada
pela imagem tridimensional, bem como a inclusão do espaço nesta imagem é um item a mais neste debate,
isto sem mencionar o tempo e a transitoriedade da própria arte. Na verdade, a arte contemporânea provou
bastante da sua capacidade e elasticidade nominativa. O ready-made, o site-specificy, a body art, a land art,
entre outras denominações que pontuam este universo artístico, ajudam a perceber que, em muitos casos, do
que se precisa é de uma ampliação das reflexões. Estas questões serão abordadas no III capítulo que trata da
arte contemporânea.
18
- “A história da modernidade é uma história de tensão entre a existência social e sua cultura. A existência
moderna força sua cultura à oposição de si mesma. Essa desarmonia é precisamente a harmonia que a
sociedade precisa.”BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed.,
1999. p.17.
20
Através da indecidibilidade é que se tentará demonstrar que esta imagem
fotográfica está além da mera questão classificatória e nominativa de ser apenas fotografia.
A certeza fotográfica pauta-se, em um primeiro momento, na reflexão de que o índice é o
determinante de uma ação; portanto, seria dizer que existe a certeza de que uma fotografia
sempre será uma fotografia. Esta certeza seria a mesma quando se diz que um objeto
industrial sempre será um objeto industrial, jamais uma obra de arte. Pelo raciocínio das
certezas, a própria confecção do objeto e seu caráter de uso no mundo depõem contra a
aceitação de que aquele objeto terá uma outra função diferente da que foi prevista. Como
aceitar esta nova postura?
A certeza fotográfica segue o mesmo caminho delineado por estas questões:
como aceitar que, em alguns momentos, a fotografia não seja só fotografia? O que
aconteceu? A resposta para esta pergunta vai ao encontro da quebra dos pilares de certezas
e à percepção de que o que houve foi uma mutação de conceitos e não necessariamente de
constituição. As modificações tecnológicas da imagem, como exemplo a fotografia digital -
para mantermo-nos no próprio terreno da fotografia e não nas suas ramificações, como o
cinema, vídeo, televisão, etc. -, foram importantes para a quebra dos pilares de certeza,
ajudando a impulsionar esta ruptura, e a pesquisa conceitual do artista caminha junto com
este processo, muitas vezes impulsionando esta trajetória.
Para analisar esta questão, esta pesquisa se pautou em três pontos. O primeiro,
“No terreno das certezas”, o estudo será feito sobre questões já existentes, que serão
observadas sob um prisma historicista já consolidado. Iniciando com uma pequena
introdução sobre a Imagem, o trabalho abordará também a arte com “A” maiúsculo, ou
como a imagem pictórica assumiu a condição de arte, além de um pequeno panorama sobre
a imagem fotográfica.
“No terreno das incertezas”, ou o segundo ponto do trabalho, a imagem
fotográfica é enfocada dentro da reflexão filosófica de Jacques Derrida sobre o indecidível,
mais precisamente sobre o phármakon, assunto que será abordado com mais ênfase em um
dos itens desse trabalho.
O terceiro capítulo ou a “Morada dos indecidíveis” abrangerá as obras e os
artistas escolhidos. Este último capítulo está voltado especificamente para a arte
21
contemporânea brasileira e análise das obras dos artistas já citados - Arthur Omar,
Rosângela Rennó, Rochelle Costi, Rubens Mano e Carlos Fajardo - em sintonia com o tema
apresentado.
A escolha destes artistas está relacionada à própria arte brasileira e como ela
se integra na arte internacional. A arte contemporânea brasileira, assim como a arte
contemporânea internacional, traduz muito das incertezas do mundo contemporâneo.
22
II – NO TERRENO DAS CERTEZAS
E vós, ó bem nascida segurança
(Camões - Os Lusíadas – Canto I, verso 6)
O terreno das certezas abarca questões definidas e dadas como certas, tanto na
história da arte como nas definições modais, dentro de uma visão formativa que imperava
até um passado recente e que ainda não foi totalmente redefinido. É o que podia ser dito
com a certeza de que algo seguiria indefinidamente sem modificações, embora isso não
signifique que tudo que tenha sido escrito tenha que ser descartado; algumas considerações
continuam válidas e pertinentes. As definições léxicas, no entanto, são um indicativo de que
alguns conceitos foram compartimentados e acondicionados em setores, regras e normas
vistas como resolvidas.
O retorno a tais definições, neste capítulo, ajuda a fornecer subsídios para que
as questões posteriores possam ser observadas dentro de um prisma abrangente. As
definições da imagem (em seu sentido global), da pintura e da fotografia, além das relações
destas com o universo da Arte, fundamentarão o segundo capítulo.
Antes de adentrarmos no terreno principal, apesar do objeto prioritário do
trabalho estar centrado na presença da fotografia na arte contemporânea, optamos por
algumas explanações que permitam situar o terreno que será analisado. A necessidade desse
recuo é tentar demonstrar que as incertezas, os paradoxos e os indecidíveis são observados
a partir de um terreno dado como estável. Não se trata de reconstruir um tratado histórico,
mas de situar o campo de onde surgiu a reflexão pretendida.
Como o paralelo da fotografia no campo da arte durante muito tempo foi a
pintura, é que o recuo à gênese das modalidades e da própria arte fez-se necessário. As
implicações dessa postura devem-se às aproximações e às diferenças existentes na natureza
das duas imagens – a fotográfica e a pictórica.
Para se falar de uma determinada imagem e como ela atua nos diversos campos,
percebe-se que há a necessidade de entender a imagem como um todo. Em um contexto em
23
que há uma mistura de intenções e modos de produção, a questão “imagem”, apesar de se
mostrar muito ampla, prepara o terreno para que as questões posteriores possam ser
apresentadas com muito mais segurança.
1 - A imagem: caminhos para uma significação abrangente
O estudo da imagem em um sentido mais global e abrangente já foi analisado
por diversos autores que souberam destrinchar os diversos aspectos desta área de amplos
significados, dedicando alguns capítulos ou mesmo livros inteiros a este assunto. A idéia
inicial do projeto foi formatada, considerando a necessidade de entender a imagem como
um todo, antes de detalhar as variações mencionadas.
É necessário, no entanto, fazer uma observação: não há aqui a intenção de
repetir o que já foi levantado sobre o assunto imagem, e sim enfocar algumas pontuações
que são relevantes para a pesquisa.
A pergunta fundamental e generalizante “o que é uma imagem?” parte do
próprio questionamento inicial em que se observa a fotografia como imagem e a pintura
como imagem. Embora não pertencentes ao mesmo universo procedimental, tais imagens
mantêm uma aproximação de significados e análises e, principalmente, ambas
compartilham a mesma natureza bidimensional
19
.
A imagem, no sentido geral, é definida pelo Dicionário Aurélio (FERREIRA,
A. B. H., 1975) como:
(...) uma representação exata (sic) ou analógica de um ser, de uma coisa: cópia.
Aquilo que evoca determinada coisa, por ter com ela semelhança ou relação
simbólica. Representação mental de um objeto, de uma impressão: lembrança,
recordação. Produto da imaginação, consciente ou inconsciente. Manifestação
19
- A arte contemporânea não é construída apenas por imagens bidimensionais ou tridimensionais, o próprio
espaço, a arquitetura e o tempo fazem parte deste universo artístico. Neste primeiro momento, a intenção é
estabelecer uma relação entre as duas formas mais próximas da imagem.
24
sensível do abstrato ou do invisível. (...) representação gráfica, plástica ou
fotográfica de pessoa ou objeto (...).
20
De acordo com a intenção, cada autor procura a definição que melhor atende à
significação almejada. Vilém Flusser, quando traça o seu posicionamento na análise da
imagem, acrescenta um diferencial poético de definibilidade: “a imagem é uma superfície
na qual as idéias se relacionam magicamente” (FLÜSSER, 2002, p. 2). A mágica, este novo
ingrediente acrescentado por Flüsser, vem justificar a natureza da imagem fotográfica,
explicitando que ela, assim como a imagem pictórica, é uma superfície que tem a pretensão
de representar algo. E o mais importante é que a imagem planificada é o resultado de um
esforço de abstrair duas das quatro dimensões espaço/temporais, para poder conservar
apenas as dimensões do plano: altura/largura, abstendo-se da espessura e do tempo.
Seguindo a linha de raciocínio de Flüsser, a imagem dá origem ao termo
imaginação que, por definição, é a capacidade de codificar fenômenos das quatro
dimensões em símbolos planos. Resumindo: a imaginação nada mais é que a condição de
fazer e decifrar imagens. Portanto, se a imaginação é o impulso necessário para que a
realização de imagens seja efetuada, uma nova pergunta surge como seguimento a esta
análise, remetendo-a à sua própria gênese: quando surgiu a imagem, ou quando apareceram
seus primeiros registros? Se a imagem, neste caso, é uma presença real, uma parte do
mundo visual, esta pergunta foge do caráter da questão léxica e recai no quando, o aspecto
histórico do termo.
A imagem, presença significativa na história do homem a partir de uma
determinada época, foi sendo modificada de acordo com a evolução social, cultural e
tecnológica deste homem. À medida que esta evolução foi se tornando cada vez mais
tecnológica - mais precisamente a partir da invenção da fotografia -, a produção de imagens
foi avançando numa progressão geométrica, ao contrário da progressão aritmética pré-
fotografia.
20
- Esta não é uma definição que pode ser considerada sem ressalvas, já que uma imagem não é uma
representação exata, ela é sempre analógica. Mas não é minha intenção observar os possíveis erros ou acertos
contidos nesta definição léxica, o interesse maior é perceber que algumas definições tendem a generalizar o
assunto de forma a atender uma ampla gama de significações.
25
É interessante notar e fazer uma pequena ressalva. A imagem no espaço socio-
cultural – e aqui não se limita a um único campo da cultura, não apenas em relação à
sociedade culta, mas também à de massas -, tornou-se um dos elos principais desta
sociedade global, tanto que é possível afirmar que o cotidiano contemporâneo está cada vez
mais dominado por ela, envolvendo todas as suas áreas. O mundo está se tornando cada vez
mais visual.
A produção e a apreensão da imagem pelo ser humano invadem territórios que
não fazem parte das áreas do conhecimento formal ou institucional, preenchendo uma
lacuna deixada por eles
21
.
O termo imagem, na atualidade, torna-se tão diversificado e assume tantas
funções, que embute uma significação múltipla na sociedade: é o que se pode denominar
como um mundo das imagens. Este mundo tenta trazer especificações classificatórias para
tentar direcionar a sua real compreensão, isto tanto em relação às imagens artísticas quanto
às de outra natureza, mas tais classificações, muitas vezes, transformam-se em paradoxos
não classificáveis e não compartimentáveis.
Deste mundo de imagens surgem novos mundos de imagens, que só conseguem
ser legitimados pelo espaço em que estas imagens estão contidas, pela função que exercem
e pelo conceito que embutem.
Uma imagem artística é apresentada nas instituições culturais que a legitima - o
museu, a galeria ou outros espaços institucionais; já, por exemplo, a imagem publicitária,
uma parte da cultura de massa, expande-se através dos veículos de divulgação específicos e
está presente de forma mais visível. Independente da questão relacionada a uma possível
21
- Ana Mae Tavares Barbosa, pesquisadora brasileira em arte-educação, aponta, através de uma pesquisa
desenvolvida na França, que 82% da aprendizagem informal se faz através da imagem e 55% desta
aprendizagem é feita inconscientemente, o que atesta fortemente a sua presença no momento atual.
BARBOSA, Ana Mae. A imagem no ensino da arte. São Paulo. Editora Perspectiva, 1998. p. 34. Este fato
também é destacado por Alfredo Bosi que afirma que o homem de hoje é predominantemente visual, e que,
80% dos estímulos são visuais. BOSI, Alfredo. Fenomenologia do Olhar. In NOVAES, Adalto (org.). O
olhar. São Paulo. Companhia das Letras, 2000. Jacques Aumont, por sua vez, ratifica esta afirmação quando
se refere a esta época como “civilização da imagem”, termo por ele considerado banal, mas que revela o
“sentimento generalizado de se viver em um mundo onde as imagens são cada vez mais numerosas, mas
também cada vez mais diversificadas e mais intercambiáveis”. AUMONT, Jacques. A imagem. Campinas.
Papirus, 1993. p. 14. É justamente esta constatação que iremos avaliar como um dos pontos deste estudo: a
condição de intercambialidade que a imagem possui e de que forma ela atua e se faz presente na arte atual.
26
contaminação ou uma transmutação na forma ou na estética destas imagens, o significado e
a função são o termômetro de diferenciação. É importante deixar claro que esta explanação
não está abarcando o mercado e nem as políticas culturais.
Diz Martine Joly (1996, p. 17) que “para onde quer que nos voltemos, há uma
imagem”, e que no começo havia a imagem, a que deu origem a todos os demais
significados e funções.
1.1 - Imagens visuais e imagens mentais
Todas estas imagens têm uma origem que as classificam e determinam a sua
função ou forma de atuação no mundo. Na tentativa de se fazer uma catalogação entre as
imagens físicas - no sentido de existência visual - e as não-físicas, Lúcia Santaella e
Winfried Nöth (1999) classificam que este mundo de imagens está dividido em domínios,
ou seja, como estas imagens se apresentam para o ser humano. Os autores expõem muito
bem a questão dos domínios, nomeando-os como: representações visuais e representações
mentais. As representações visuais, ou seja, as imagens que representam o ambiente visual
podem ser definidas como: desenhos, pinturas, gravuras, fotografias e as imagens
cinematográficas, televisivas, holo e infográficas; enquanto que as representações mentais
englobam as visões, fantasias, imaginações, tudo que faz parte do domínio do imaterial.
Apesar das classificações, estes dois domínios não existem e nem podem ser
observados separadamente, já que estão juntos desde a sua gênese, e, como dizem os
autores – “não há imagens como representações visuais que não tenham surgido de imagens
na mente daqueles que as produziram, do mesmo modo que não há imagens mentais que
não tenham alguma origem no mundo concreto dos objetos visuais.”(SANTAELLA &
NÖTH, 1999, p. 15)
22
Complementando ainda as afirmações de Santaella e Nöth, Jacques Aumont
(1993) explicita que a imagem tem inúmeras atualizações potenciais, e que parte delas se
22
- Estas imagens no plano real – as representações visuais - começaram a ser analisadas através da sua
estrutura e símbolos nos estudos iconográficos desenvolvidos por Aby Warburg e posteriormente por Fritz
Saxl, Erwin Panofsky, Ernst Cassirer, dando origem a uma nova área de estudo, a iconologia, terceiro passo
da iconografia. Nos Estados Unidos, Charles Sanders Peirce dá início à semiótica.
27
dirige ao intelecto e outras ao sentido. Entretanto, algumas variações nas denominações vão
surgir entre estes autores para a terminologia representações visuais. Aumont,
simplesmente, denomina-as como imagens visuais
23
. Já as imagens das representações
mentais, um campo ligado à imaginação, podem ser classificadas em função de vários
critérios, dentre eles as de ordem sensorial de origem, como as imagens consecutivas e as
eidéticas
24
. Esta, porém, é uma área de domínio da psicologia e as suas especificações serão
abrangidas quando for necessário.
A explanação deste assunto pode parecer desnecessária diante de uma análise
tão específica como a imagem fotográfica na arte contemporânea, mas no momento em que
a imagem (como um todo) se apresenta na arte contemporânea, vemos que os domínios, as
representações mentais e visuais, transformam-se em mote conceitual na criação de uma
obra. O mecanismo de pensamento de um artista-produtor muitas vezes está alicerçado,
mesmo que inconscientemente, na gênese imagética.
Dois caminhos apontam para esta possível gênese imagética: um que advém da
própria formação do ser humano como indivíduo, e o outro que se relaciona à história da
imagem no mundo. De forma resumida e sem a intenção de abordá-los com a intensidade
que merecem, as duas formas exemplificam a idéia da uma construção de uma imagem. A
idéia de identificação do indivíduo com a imagem, traçada por Lacan a partir de uma
reflexão de Freud, leva-nos a perceber como ocorre a construção da imagem pelo prisma da
23
Cabe aqui um parêntese. O estudo desta representação pertence ao campo da semiótica e da ciência
cognitiva, não é nossa intenção adentrarmos neste terreno, mas em alguns momentos nos utilizaremos desta
linha de estudo.
24
-Ë interessante ampliar o esclarecimento sobre as imagens sensoriais, já que a arte contemporânea se
expande para o campo da percepção e se apropria destas imagens como forma de integrar o espectador com a
obra. No caso das imagens consecutivas, há uma relação direta com a imagem real, quando um indivíduo olha
atentamente uma imagem e desvia rapidamente o olhar para uma superfície branca, a imagem vista
anteriormente é projetada fugazmente na nova superfície. A imagem consecutiva pode ser produzida tanto na
forma negativa, inversão das cores complementares, como na forma positiva, que são produzidas em
seqüência ao esmaecimento da imagem negativa. Um outro fenômeno, conhecido como Lei de Emmert,
observável apenas nas imagens consecutivas, acontece quando se afasta o campo ou a superfície sobre o qual
se procura projetar a imagem consecutiva. O resultado é o aumento exato da proporção do afastamento do
quadro de referência. As imagens eidéticas, também chamadas como mnêmicas, relacionadas à memória,
situam-se entre as imagens consecutivas, de curta duração, e as imagens representativas, evocadas pela
memória. As imagens eidéticas também foram denominadas por Erich Jaensch como imagens intuitivas, que
estão presentes particularmente na infância, enquanto no adulto a sua manifestação pode ser classificada pela
expressão “disposição eidética”. Elas podem ser definidas como algo relativo à essência das coisas e não à
sua existência ou função. Imaginação: Mirador Internacional – vol.11.
28
criança. Através do que Lacan denominou como estágio do espelho, pelo qual ele analisa o
que a criança demonstra ao ser confrontada com a própria imagem no espelho, três estágios
são apontados como pertencentes à construção da imagem pela criança: quando ela se
reconhece a si própria; quando ela se reconhece igual aos outros; e, finalmente, quando ela
percebe que ao retirar o corpo do espelho, a imagem ausente dá lugar à imaginação (Cf.
LACAN, 1997).
Transpondo para um lado mais transcendental, Alberto Manguel (2001)
escreve, baseado em Aristóteles, que as imagens tomam o lugar das percepções diretas;
portanto, a alma nunca pensa sem uma imagem mental, que é o caso da imaginação
apontado por Flüsser (2002).
“O mundo em que vivemos”, escreve Ferreira Gullar, “não está constituído
apenas de coisas materiais e fatos reais, mas também de símbolos e cenários que os artistas
inventam”
25
.
Analisando que as imagens que formam nosso mundo são símbolos, sinais,
mensagens e alegorias, o estudo sobre a imagem permite que diversas áreas conceituais
possam estar interligadas, como a história da arte, a estética, a sociologia, a filosofia, a
psicologia, a psicanálise e a lingüística. Observa-se, porém, que todas estas áreas podem se
integrar quando o assunto é a imagem na arte, e mais precisamente, na arte contemporânea.
Portanto, nos utilizaremos delas, quando o desenvolvimento da pesquisa assim requisitar.
2 - Diferenças e aproximações: a natureza da imagem pictórica e
fotográfica
Separadamente, a análise da imagem pictórica ou da imagem fotográfica traz
especificações próprias inerentes à natureza de cada uma. Mas estas imagens são
observadas sob o prisma da arte contemporânea, fundem-se em um (suposto) feixe de luz.
Vistas do ponto de vista da contemporaneidade, as diferenças entre imagem pictórica e
imagem fotográfica deixam de ser consideradas diferentes.
25
- GULLAR, Ferreira. Um visionário. Caderno: “Ilustrada”. Jornal Folha de São Paulo. 27/08/2006.
29
No entanto, o percurso, a gênese e a natureza técnica e procedimental de cada
imagem - itens responsáveis pela formação e divisão em modalidades – traziam, em um
passado recente, um caráter diferenciador e redutor em relação à fotografia. Pelo patamar
de valoração, a fotografia estava aquém da pintura
26
. A equiparação valorativa só foi
possível com a conformidade trazida pela arte contemporânea em relação à imagem.
2.1 - A imagem pictórica e a arte com “A” maiúsculo.
Por constar como uma das formas mais antigas de representação, a pintura
reserva um caráter bem específico no universo das imagens. Entretanto, antes de iniciarmos
qualquer comentário sobre a imagem pictórica, é importante fazer uma ressalva, já que falar
de pintura como forma de representação implica também falar do desenho.
Apesar de haver um distanciamento nas definições destas duas linguagens,
tanto desenho como pintura atuam no mesmo campo de ação, ou seja, são obras realizadas
pelas mãos do artista com a intenção de marcar uma determinada superfície. O fato de a
pintura ser definida como a “arte e a técnica de aplicar tintas sobre uma superfície plana,
com o intuito de representar figuras ou formas em quadros ou outras composições, e de ter
a cor como elemento básico” (FERREIRA, 1975), não significa que a pintura, no campo da
arte, não seja um componente isolado do desenho.
O desenho, por sua vez, também é definido como sinônimo de representação de
formas sobre uma superfície por meio de linhas, pontos e manchas, com objetivo lúdico,
artístico, científico ou técnico, ou a arte e a técnica de representar, com lápis, pincel, pena,
etc., um tema real ou imaginário, expressando a forma e abandonando a cor. A dissociação
entre uma modalidade e outra é apoiada na idéia de que o desenho tende a representar o
tema racionalmente, configurando ou sugerindo seus limites; enquanto a cor tende a
26
- Apesar de que a própria pintura foi e ainda é vista no patamar de valoração. A ausência da pintura nas
grandes exposições é colocada em cheque. Surgiram novas discussões sobre esta ausência. O problema está
relacionado ao fetiche, ao mercado e fenômenos de moda. A curadora Catherine David, em recente entrevista
com Lisette Lagnado, comenta que “qualquer besteira que você coloca sobre uma superfície plana e põe na
parede não faz disso uma pintura”, complementa ela que o dispositivo mudou, não precisa ser o objeto
tradicional, pintura sobre tela para ser uma obra. O jogo do belo e da razão, Suplemento “Mais”, Folha de São
Paulo – 16/10/05.
30
complementar o desenho ou a transmitir valores de ordem emotiva. No entanto, para o
nosso trabalho, tanto pintura como desenho não podem ser observados separadamente, já
que pertencem à mesma área de representação. Portanto, quando dissermos imagem
pictórica, estaremos nos referindo a estas duas modalidades – pintura e desenho – da
mesma forma que a palavra pintura será muitas vezes mencionada apenas como arte.
Diante do tema proposto para a pesquisa, a imagem pictórica reserva um caráter
específico de análise. Para tanto, faremos uma pequena retrospectiva da sua presença no
mundo – é importante abrir um parêntese para esclarecer que não é nosso interesse recontar
a história da arte e muito menos nos atermos a detalhes, mas este pequeno retrocesso torna-
se necessário para a explanação do assunto.
A relação pintura e arte, dentro da história ocidental, segue um caminho
paralelo e estreito, muitas vezes misturando-se dentro de uma mesma significação. Neste
contexto, há a possibilidade de se fazer um outro aparte elucidativo: a história da arte
ocidental é contada quase que exclusivamente através da história da pintura, a técnica
mágica de reconstruir o universo visível como um espelho, onde a imagem refletida refaz
bidimensionalmente a imagem projetada. Eliminando o volume e o espaço, o que vemos é
uma ilusão do real. No dizer de Gombrich (1995, p. 6), as “obras de arte não são espelhos,
mas, como espelhos, participam dessa ardilosa mágica de transformação”.
A pintura, como resultado das representações visuais e mentais, surge na pré-
história como uma necessidade de comunicação do homem primitivo, sem a consciência ou
a intenção inicial de criar uma obra estética, mas sim de projetar uma idéia
27
. É difícil
afirmar o que levou este homem a produzir esta imagem ou como isto aconteceu. O que
pode ser apresentado são hipóteses interpretativas do fato.
Alberto Manguel exemplifica hipoteticamente a criação desta primeira imagem
em um trecho do livro “Lendo imagens”. A idéia é narrada a partir de uma experiência
27
- Martine Joly afirma que muitos desenhos produzidos na pré–história podem ser considerados como
precursores da escrita – “utilizando processos de descrição-representação que só conservavam um
desenvolvimento esquemático de representações de coisas reais . ‘Petrogramas’, se desenhadas ou pintadas,
‘petróglifos’se gravadas ou talhadas – essas figuras representam os primeiros meios de comunicação humana.
São consideradas imagens porque imitam, esquematizando visualmente as pessoas e os objetos do mundo
real”. Introdução à análise da
imagem . p.18.
31
pessoal dele, quando tinha entre quinze e dezesseis anos, durante uma aula sobre pré-
história. Nesta aula, seu professor pediu-lhes que imaginassem a seguinte cena:
(...) durante toda a sua vida, um homem vê o sol se pôr, ciente de que isso
assinala o fim cíclico de um deus cujo nome sua tribo não pronuncia. Certo dia,
pela primeira vez, o homem ergue a cabeça, e subitamente, com toda clareza, vê
o sol de fato mergulhar em um lago em chamas. Em resposta (e por razões que
ele não sabe explicar), o homem afunda as mãos na lama vermelha e pressiona
as palmas das mãos de encontro à parede de sua caverna. Após um tempo, outro
homem vê as marcas das mãos e sente-se atemorizado, ou comovido, ou
simplesmente curioso e, em resposta (e por razões que ele não tenta explicar), se
põe a contar uma história. (MANGUEL, 2001, p. 24).
Manguel finaliza: “(...) em algum lugar dessa narrativa não mencionado, mas
presente, encontra-se antes de tudo o pôr-do-sol contemplado e o deus que morre todo dia
antes de cair a noite, e o sangue do deus derramado pelo céu ocidental”
28
.
A pequena história contada por Manguel relata de um jeito muito especial
como seria o início da representação do mundo pelas imagens. Apesar de ser um fato
absolutamente hipotético, já que grande parte da história não tenha chegado até nós
29
, faz
sentido no contexto histórico pela tentativa de criar uma história que tenha lógica, não
importa sua veracidade real, importa que o caráter da produção desta imagem transmita
uma alusão à autenticidade e à coerência de uma possível gênese imagética. E, se uma
imagem foi criada, conseqüentemente outras imagens também surgiram e deram
continuidade a esta gênese, é o que conclui Manguel (2001, p. 18), quando diz que “a
imagem dá origem a uma história, que por sua vez, dá origem a uma imagem”.
Desta maneira, a imagem pictórica surgiu como uma forma de representação do
mundo real, do universo visível aliado ao simbólico. Este é um conceito em que a
representação tinha uma continuidade direta com a realidade presente. Quando o homem
pré-histórico pintava um animal na rocha, ele recriava este animal, acreditando adquirir um
poder sobre ele, tanto como forma de dominação como em sentido ritualístico. A questão
28
- Op.cit.loc.cit.
29
- Michael Cook, em seu recente livro Uma breve história do homem, afirma que a maior parte da história
que já foi feita por nossos ancestrais está irrecuperavelmente perdida para nós. Primeiro, porque há tanta
história e, segundo, porque essa mesma história foi construída por fragmentos deixados como pistas, muitas
vezes tão imprecisas. COOK, Michael. Uma breve história do homem . Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
2005.
32
era que essa imagem representativa surgia do espaço real, passava pelo campo mental e
retornava para o campo do real. O que, segundo Arnold Hauser (1982), constituía,
simultaneamente, a representação e a coisa representada, o desejo e a realização do desejo.
Este processo de representação sofreu alterações no período subseqüente, o
neolítico, em que as imagens não mais representam a imagem fiel, uma imagem figurativa
realista, mas inicia-se um novo código de representação, que sintetiza as formas vistas,
geometrizando-as e simplificando-as num enfoque estilístico formalista. O artista, como diz
Hauser, coloca-se à margem da realidade empírica, em que sinais esquemáticos mais
sugerem do que representam, e em lugar da concretização da experiência cotidiana, a arte
inicia uma nova pretensão: a tradução da idéia em bloco, o conceito, a essência íntima das
coisas. Percebe-se neste momento que a imagem do mundo perde dimensão frente a este
abstracionismo geométrico, que também é transposto para novos suportes; não só pedras,
ossos e paredes das cavernas, mas a cestaria, a cerâmica e outros utensílios confeccionados
pelo homem passam a receber estas novas imagens.
Esta visão historicista da produção da imagem não é estanque a um espaço-
tempo determinado; durante todo o período de evolução da história do homem, esta
produção esteve vinculada às modificações impetradas pelo momento cultural e político da
sociedade. Analisando que estes momentos são, muitas vezes, retomados em outros
momentos históricos, quase como um fenômeno cíclico de se re-visitar e se re-inventar,
percebemos a importância de tornar a observá-los.
Se o processo de transformação na realização destas imagens foi possível em
um período em que o ser humano pouco se comunicava graficamente, então as
modificações operadas no campo da representação pictórica, conforme sua evolução, foram
mais que o esperado. Incluem-se, neste campo, a função, a potencialidade estética e a
própria condição da palavra arte. Surgem também, neste campo, novas conotações para o
uso da imagem e o seu produtor, bem como para a temática das obras que avançam em um
terreno mais religioso e social que propriamente individual.
A história da humanidade reserva um espaço altamente complexo para o estudo
da arte e da estética, avaliando as suas implicações com o tipo de evolução sócio-cultural.
33
Cada período acabou sendo responsável pelas variações de estilo e temas, contribuindo para
a conscientização e especificidade do termo artista para o produtor de arte.
2.1.1 - A imagem e o conceito de “belas-artes”
No entanto, a noção de belas-artes ou da arte com “A” maiúsculo, só veio se
firmar, segundo Harold Osborne (1978, p. 29), a partir do final do século XVIII, até então
as obras de arte eram “(...) artefatos fabricados para promover algum valor ulterior e não,
como agora, feitos precipuamente para serem obras de arte”. A arte, até esse momento,
pertencia à área dos ofícios utilitários, como os têxteis, a cerâmica, a cestaria, a metalurgia,
o entalhe na pedra ou na madeira, sem uma função estética autônoma. Muito embora este
conceito tenha sido estabelecido no século XVIII, tem seu princípio moldado no
Renascimento, fator que será considerado mais adiante.
Osborne leva-nos a perceber que a diferença que se faz hoje entre belas-artes e
artes úteis significou um avanço na qualificação da arte como algo indubitavelmente
estético, não no sentido da beleza estética, mas da obra pertencente à teoria estética, da
criação de uma obra de arte para ser apenas obra de arte, o que no conceito dito por E. E.
Sikes
30
significa L’art pour l’art, fator que teria sido, segundo o próprio Sikes, ininteligível
na Grécia Clássica. Da mesma forma que isto significou uma autonomia da própria arte,
aponta Osborne (1978), este também foi um dos fatores da expulsão da arte da estrutura
integrada da sociedade, dilatando a distância entre o gosto inculto da maioria e o que pode
ser denominado como gosto requintado de uma minoria apreciadora da arte.
Entretanto, a própria obra de arte, quando analisada, assume critérios que foram
desenvolvidos pela teoria estética, o que nos permite tomar consciência de outras questões:
o porquê e o como tal obra foi realizada e de que maneira ela pode ser compreendida. A
realização de uma obra implica necessariamente em uma intenção, que por sua vez, está
ligada à história da cultura e aos interesses da produção artística.
30
- Apud. Id.Ibidem.
34
De acordo com a análise de Osborne (1978), há três categorias básicas de
interesse, que dimensionam o fazer artístico dentro de uma consciência analítica: o
interesse pragmático, o interesse pela arte como reflexo ou cópia e o interesse estético. A
primeira categoria, do interesse pragmático, dá origem ao grupo de teorias instrumentais da
arte: a arte como manufatura, como instrumento de educação ou aprimoramento, de
doutrinação religiosa ou moral, e como instrumento da expressão e da comunicação da
emoção. A segunda visa ao interesse pela obra de arte como reflexo de uma realidade além
da sua, o que indicam as teorias naturalistas da arte como realismo (a arte como reflexo do
real), idealismo (a arte como reflexo do ideal) e a ficção (a arte como reflexo da realidade
imaginativa ou do ideal inatingível). E a terceira categoria, que é o interesse estético
demonstrado pelas obras antigas e modernas, como promotoras de aprimoramento e gozo
deliberados da experiência estética, de onde derivam as teorias formalistas da arte,
implicando na arte como criação autônoma e como unidade orgânica.
Não cabe aqui dizer que estas teorias sejam definitivas ou únicas, mas elas
agregam definições que vão ao encontro das questões básicas da pintura como arte e à sua
significação dentro da própria história da arte e da estética, além de evidenciar a existência
de uma classificação própria do mundo das certezas e a gênese de um mundo da arte.
Falar da pintura como produção artística implica falar do produtor como artista.
Da mesma forma que a pintura alcançou o patamar de arte de primeira grandeza, o produtor
desta arte também passou de artífice a artista.
Anteriormente, a pintura, por ser uma arte manual, não recebia a mesma
importância que a poesia e a música, consideradas artes mentais, reminiscência do
pensamento aristotélico. Somente com o Renascimento, momento profícuo do universo
artístico, é que o artista-pintor consegue mudar tal tratamento. Isto se deve, em grande
parte, às pesquisas desenvolvidas durante este período que transformaram não só a forma
de ver o artista, mas a forma como o artista vê o mundo. Com Brunelleschi e a invenção da
perspectiva, a pintura abandona seu caráter manufaturável e é alçada ao status de ciência. A
perspectiva, a grande invenção do período renascentista, tem a capacidade de trazer a
realidade para um espaço recortado, criando uma ilusão do mundo, tal qual é percebida pelo
olho humano, é a janela do real. A modificação operada em relação ao artista vem somada
35
à conquista da sua autonomia e ao domínio de sua própria obra. Junto com as pesquisas
científicas do desenvolvimento do desenho, a modificação do material, mais precisamente a
invenção da tela e da tinta a óleo, propiciaram ao artista comercializar sua própria obra e se
libertar do jugo do seu contratante.
Tais conquistas tornaram-se extremamente importantes para o artista e para o
desenvolvimento da pintura; no entanto, este estudo científico de recriar a realidade visível
dentro de um espaço bidimensional encaminhou-se de uma maneira considerada perversa
para a arte como um todo. Baseada em normas e regras, a perspectiva ditou, durante quase
quatro séculos, o conceito da boa pintura. Alberti (1989), em seu livro Da pintura, o
primeiro na literatura artística, transmite bem esses preceitos em que constitui a pintura
como objeto de teoria e doutrina sistematizada. A idéia de que o pintor seja instruído nas
artes liberais, mas que antes de tudo saiba geometria, explicita o pensamento renascentista e
o impulso normativo que se deu no campo da pintura para as épocas posteriores,
constituindo um verdadeiro cânone da representação pictórica.
A partir do Renascimento, segundo Flávio Conti, a pintura “tornou-se o banco
de ensaios de todas as mudanças artísticas” (CONTI, 1986, p. 42). Se nas épocas
posteriores as mudanças não foram de ordem formal, apenas em relação ao conteúdo, a
representação do mundo perspéctico só pôde ser rompida com a invenção de uma nova
forma de captar a realidade visível: a fotografia.
Desta forma, a fotografia tornou-se a mola propulsora para grande parte da
transformação ocorrida no campo da pintura, a partir de meados do século XIX. Neste
sentido, a trajetória percorrida pela pintura após a invenção da fotografia compõe um
capítulo à parte da história da arte. A transformação da imagem foi o primeiro passo para a
transformação da própria arte.
2.2 - Entre parênteses; a fotografia: um desvio no caminho da arte
36
Já a fotografia, na sua concepção tradicional, ou seja, a analógica
31
, é o
procedimento que permite registrar com a ajuda da luz e de produtos químicos a imagem de
um objeto. Do grego Phos, photos, luz + graphein, fotografar significa descrever. Foi, desta
maneira, que a pequena caixa preta criada por Louis Mande Daguèrre em 1839 conseguiu
realizar um sonho da humanidade: a dinâmica da reprodução do real.
Desde a Renascença, o estudo originado da câmera escura e mais tarde a
própria fotografia, constituída como uma pequena fenda na escuridão medieval, trouxeram
para a Europa do século XIX a chance de uma nova concepção do mundo europeu.
De todas as manifestações artísticas, a fotografia foi a primeira a surgir dentro
de um sistema industrial. Seu nascimento só é imaginável frente à possibilidade da
reprodução. Pode-se afirmar que a fotografia não existiria, como a conhecemos, sem o
advento da indústria. Buscando atingir a todos por meio de novos produtos culturais, ela
possibilitou a maior democratização do saber.
A questão do registro da imagem como imagem é apenas uma das vertentes
iniciais da fotografia. Ela se ramificou em diversos setores da sociedade, assumindo as mais
diferentes funções. Prática que se estende até hoje na sociedade atual.
Como uma aranha tecendo sua teia, a fotografia expandiu-se na sua forma e
função, ajudando a criar novos territórios imagéticos, tais como o cinema, dando origem a
todas as tecnologias imagéticas
32
. Ao mesmo tempo em que avançou em diversos setores da
sociedade, permitindo não só que houvesse uma ampliação e socialização da arte através
das reproduções das imagens artísticas, até então restritas a um público selecionado,
também possibilitou o controle da própria sociedade, através do registro das imagens das
pessoas.
Mas foi como participante ativa da arte que a fotografia sentiu maior resistência
de aceitação. Coadjuvante das experimentações artísticas, sem exercer o papel principal, a
fotografia foi, durante grande parte da sua existência, uma participante discreta que
31
- A diferenciação entre a captação da imagem pelo meio digital ou pelo meio analógico não alteram a
concepção deste estudo.
32
- A fotografia “(...) é a base tecnológica, conceitual e ideológica de todas mídias contemporâneas (...)”
MACHADO, Arlindo. A fotografia como expressão do conceito. Revista Studium, n.2.
37
acompanhou as experiências modificadoras do plano imagético realizadas no modernismo.
Entretanto, na arte contemporânea houve uma reversão de todo este processo. Os
fundamentos que diferenciavam as duas modalidades bidimensionais – pintura e fotografia
- são colocados em segundo plano, abrindo espaço para um novo discurso. É, neste
momento, que se inicia o terreno das incertezas, que abriga a semente do indecidível.
Se a fotografia representou a possibilidade de reprodução da imagem pela
técnica, isso não significou que a questão da reprodutibilidade nunca tivesse existido.
Walter Benjamin (1985, p.166) diz que “em sua essência, a obra de arte sempre foi
reprodutível. O que os homens faziam sempre podiam ser imitados por outros homens”
.
Dessa maneira, Benjamin expõe as demais técnicas de reprodução da imagem como a
xilogravura, a litografia, a imprensa, e outras tantas técnicas que se desenvolveram ao longo
da história.
A fotografia, no entanto, gerou a primeira revolução que tange à criação
artística; perdeu, ao mesmo tempo, os valores que repousavam nos fundamentos da estética
clássica: a aura, o valor de culto e a autenticidade. O que, segundo Benjamin, está ligado à
metamorfose operada nos meios de produção da imagem. Diz ele que, com a fotografia, “a
mão foi liberada das responsabilidades artísticas mais importantes, que agora cabiam
unicamente ao olho”
33
.
Dessa forma, o autor expõe que a aceleração da produção das imagens alcançou
o mesmo nível da palavra. “Como o olho aprende mais depressa do que a mão desenha, o
processo de reprodução das imagens experimentou tal aceleração que começou a situar-se
no mesmo nível que a palavra oral”
34
.
Segundo Benjamin, a reprodução técnica, mesmo a mais perfeita, denuncia que
um elemento está ausente, que constitui o conteúdo da sua autenticidade. “O aqui e agora
da obra de arte, sua existência única, no lugar que ela se encontra”
35
está enraizado em uma
tradição que identifica o objeto, como sendo igual e idêntico a si mesmo.
33
- Id.Ibidem, p. 167.
34
- Op.cit.loc.cit.
35
- op.cit.loc.cit.
38
Dessa forma, o conceito de aura é atrofiado pelo processo de substituição de
uma existência única por uma existência serial. Essa existência promove que essa discussão
seja estendida para o campo da arte contemporânea, assunto que será abordado em seguida.
No cerne desta questão, a discussão sobre a natureza da fotografia e a sua
relação com o campo da imagem artística vem à tona com muita freqüência, e é analisada
por muitos ângulos. Diversos autores como Roland Barthes, Rosalind Krauss, Raul
Beceyros, procuraram refletir sobre a imagem fotográfica, situando-a dentro de uma análise
que não visava apenas à compreensão da linguagem fotográfica por um viés semiótico ou
semiológico, mas possibilitavam uma conexão com o sujeito que olha tais imagens e como
ele as interpreta, dentro do contexto mundo.
Refletindo por um prisma mais próximo desses autores e desviando do
caminho pautado apenas na iconicidade, que normalmente a fotografia tem sido explicada,
a pretensão deste estudo é seguir por uma linha consoante a própria arte, observando os
aspectos ambivalentes que a sociedade contemporânea proporciona.
39
III – NO TERRENO DAS INCERTEZAS
(...) um só pedal mil fios move,
nas lançadeiras que vão e vêm,
urdem-se fios despercebidos.
E a trama infinda vai indo além.
(Goethe - Fausto - parte 1, cena 4)
O terreno das certezas, movido pelas definições compartimentadas, é rompido
pelas novas posturas que se delineiam no horizonte da arte. É, neste momento, que se
adentra em um terreno não tão estável, em que estas certezas não mais se mantêm.
Junto com a própria arte, a fotografia desloca-se das suas definições e certezas
tradicionais e penetra num universo que ainda está sendo construído, onde os paradoxos e
as dicotomias sinalizam para uma outra maneira de pensar.
1- Entre dois pólos: no mundo dos paradoxos
Enfatizando o que foi abordado anteriormente e dando um direcionamento
específico às dualidades, tanto na arte contemporânea quanto no mundo contemporâneo, as
dicotomias estão sendo analisadas por um outro viés, que nem sempre as individualiza e as
classifica. As situações pós-ready-made estão cada vez mais permeáveis, intercomunicáveis
e mais inclassificáveis. A distinção existente entre a fotografia, que atua no campo da arte
ou em outro campo, não pode ser entendida como uma exclusão, ou uma crença de
oposição total de valores.
No período pré-ready-made, a arte existia num campo estável e passível de
classificação. Essa é uma teoria que não se atém apenas à arte, mas que advém, como já foi
mencionado, da própria filosofia ocidental, em que o mundo era regido por uma lógica
cartesiana, difícil de ser rompida ou revista. No mundo contemporâneo, esta lógica seguiu
um outro percurso que resiste e se contrapõe ao que já existia, e é dentro deste que a arte
caminha.
40
Diante das encruzilhadas de opções, fragmentações e verdades absolutas, o
mundo contemporâneo se viu tomado por paradoxos em contrapartida aos axiomas, ou seja,
princípios indemonstráveis, mas evidentes da ciência matemática. Originariamente, a
palavra axioma significava dignidade ou valor, conforme aponta Nicola Abbagnano
36
. “No
mundo contemporâneo, diz ele, a noção de axioma sofreu a transformação mais radical. A
característica que o definia, ou seja, a imediação da sua verdade, a certeza, a evidência, foi
negada”. Isso ocorreu muito em função do formalismo matemático, ponto de vista que é o
mais difundido hoje, segundo o qual “os axiomas da matemática não são falsos, nem
verdadeiros, mas são assumidos por convenção, com base em motivos de oportunidade,
como fundamentos ou premissas do discurso matemático” (Cf. ABBAGNANO, 2000). Já,
segundo consta no Aurélio, o axioma pode ser definido como:
(...) uma premissa imediatamente evidente que se admite como universalmente
verdadeira sem exigência de demonstração ou ainda como uma proposição que se
admite como verdadeira, porque dela se podem deduzir as proposições de uma
teoria ou de um sistema lógico ou matemático (FERREIRA, 1975).
Assim como os axiomas, há na filosofia ocidental a impregnação de que a
verdade se apóia em uma premissa estabelecida como correta, verdadeira. Os determinantes
dessa verdade geralmente se encontram nos pólos de oposição, direcionando uma opinião
contrária à outra – ou isto ou aquilo.
Dentro da tradição desta filosofia, considera-se que cada termo de oposições é
separado e exterior ao outro, ou seja, eles não interagem e nem se mesclam. Eles são vistos
como se fossem categorias estáveis, claras e permanentes, tanto em relação à organização
dos objetos, como dos acontecimentos e das suas relações com o mundo. Essa noção surgiu
como um pressuposto da filosofia, na qual se construiria um saber hierarquizando um dos
pólos em detrimento do outro. Nessas oposições, cada termo depende do outro para sua
36
- Abbagnano traça uma pequena trajetória sobre a significação da palavra axioma, desde as suas primeiras
explicações até os dias atuais, demonstrando as modificações de significado ocorridas desde então. Diz ele
que os escolásticos e Vico usavam o Axioma por dignidade, e foi empregada pelos estóicos para indicar o
enunciado declarativo que Aristóleles chamava de apofânico. Os matemáticos usaram-na para designar os
princípios indemonstráveis, mas evidentes, da sua ciência. Verbete : axioma. ABBAGNANO, 2000.
41
significação; além disso, cada termo exclui o outro: ou é falso, ou é verdadeiro, ou é interno
ou é externo, ou é central ou é marginal, ou é sadio ou é louco, ou é arte ou não é arte, e
assim segue indefinidamente. A partir dessa crença, de que o mundo seria regido de uma
forma dicotômica indefinidamente, é que o termo verdade, batizado pela filosofia como
algo incontestável, é posto entre aspas.
No entanto, quando duas classificações que se opõem são colocadas diante da
situação de uma não-verdade, ou seja, quando alguma coisa se encontra no patamar de nem
isto nem aquilo, cria-se um paradoxo, um confronto de opiniões que não se definem. O que
era considerado como algo impossível de classificação, passa a ser visto por um prisma não
definível.
2- Indecidível : pausa para uma reflexão
Para Jacques Derrida, há os indecidíveis, aqueles que não pertencem
exatamente a nenhum dos pólos dessas dicotomias; deslocam essas oposições, colocando
em foco a questão das próprias oposições. Derrida usa o termo indecidível para designar as
coisas que podem ter o mesmo significante, mas deslizam entre significados opostos, aquilo
que pode não ser uma coisa, nem outra.
A fotografia na arte contemporânea traz este caráter indecidível, e, por esta
mesma razão, faz-se necessário compreender a genealogia do termo. O termo indecidível ou
indecidible (no Francês)
37
, referência fundamental para a elaboração deste trabalho, foi
trazido das reflexões desenvolvidas por Jacques Derrida, que por sua vez, foram
emprestadas da teoria levantada pelo matemático Kurt Gödel.
No entanto, a reflexão sobre o indecidível desenvolvida, primeiramente por
Gödel, e, posteriormente, por Derrida, não é simples para uma pessoa não especializada em
37
- Neste estudo, optou-se pelo uso da palavra indecidível em português , conforme aparece publicada no
livro A farmácia de Platão.
42
nenhuma das duas áreas. Por esse mesmo motivo, percebo a necessidade de um pequeno
retrocesso histórico, para que se tenha uma visão mais ampla sobre tal reflexão.
Como o recuo histórico que deflagra o conceito
38
desenvolvido por Derrida
advém de Gödel, nada mais lógico que iniciar pelas noções desenvolvidas por este
matemático.
2.1 - A gênese do indecidível
Kurt Gödel (1906-1978), matemático tcheco, ligado à área da Lógica, mais
tarde naturalizado americano, tornou-se conhecido em virtude de suas enormes
contribuições para a Lógica e os Fundamentos da Matemática, e, em especial, a questão da
indecidibilidade
39
.
Na Lógica existem fórmulas universalmente aceitas verdadeiras, em qualquer
interpretação. Isto é o mesmo que dizer que qualquer que seja o universo do discurso, as
fórmulas são consideradas válidas, são as verdades lógicas. Estas verdades, no cálculo
sentencial, são denominadas tautológicas, ou seja, a repetição de um conceito já
demonstrado.
O Teorema da incompletude lançado por Gödel, em 1931, traz à luz a questão
do indecidível, provando que este teorema demonstra a inexorabilidade dos indecidíveis, a
sua condição inabalável e a impossibilidade de redução a um significado mínimo.
Considerado como o mais comentado resultado matemático do século, este teorema é visto
como o mais incompreendido e também o que mais se aproxima das discussões filosóficas
inflamadas recentes.
38
- É importante explicitar que a palavra conceito vem carregada de um peso de decisão e de verdade - de
abranger um significado definitivo e estável , coisa que Jacques Derrida não aprova, coloca sob rasura. Por
esta razão, é que esta e as demais palavras que também se encontram na mesma condição, serão colocadas em
itálico, sempre que forem associadas ao pensamento deste filósofo.
39
- Neologismo que se refere ao campo do indecidível, já foi usado anteriormente neste mesmo texto.
43
Vista como uma área de certezas, a Matemática carregou até o final do século
XIX a aura da infalibilidade e da consistência, responsável pela articulação das verdades
auto–existentes, um verdadeiro triunfo absoluto da razão, uma área livre das contradições.
No entanto, nos primeiros trinta anos do século XX, a Matemática deparou-se com a fenda
obscura dos paradoxos
40
- não como uma situação nova, mas como uma situação existente
que não possibilita mais desvios - escancarando aquilo que é demonstrável e o que não é,
deixando cair por terra uma tradição de séculos de percurso, que se dizia explicativa e
conclusiva. Surgiu daí a necessidade de optar por uma outra via, não utilizável até então.
Este foi um dos caminhos indicativos para Gödel demonstrar, com seu teorema,
que a aparição dos paradoxos na Matemática é fatal, não tem escapatória. Para se livrar dos
paradoxos, há a necessidade de reconhecer, através do próprio sistema, as suas próprias
limitações, verificar também que as afirmações nos paradoxos são inevitáveis e se tornarão
indecidíveis, e serão responsáveis pela consistência do sistema matemático. Desta maneira,
ele propõe uma explicação para as antinomias, contradições entre duas leis e princípios, em
que as possibilidades não são falsas e nem verdadeiras. É o surgimento de uma terceira via
e a obtenção de uma lógica paracompleta
41
, que não é caracterizada pela dicotomia falso
ou verdadeiro, em que não há esperanças de que verdades surjam para dar sentido; é o que
se pode chamar como Morada dos indecidíveis
42
.
A teoria de Gödel é exposta no artigo Sobre a indecisão formal dos axiomas
dos principia mathematica e dos sistemas correlatos
43
. Neste artigo, ele mostra que, nos
sistemas de maior interesse, a completude é incompatível com a consistência, revelando
que tais sistemas não podem alcançar todas as verdades. Posteriormente, Gödel chega a
resultados importantes, lançando uma teoria axiomática dos conjuntos, chamada de Teoria
40
- O paradoxo - uma reflexão existente desde os primórdios da Filosofia - foi consolidado como assunto
matemático por G.Cantor, entre 1878 e 1883, e Dediking, em 1872. Eles enunciaram um novo conceito de
infinito após o canal ter sido aberto por Bernhard Bolzano, em 1851, no livro intitulado Paradoxos do infinito.
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. São Paulo: Martins Fontes. 2000.
41
- Kubrusly, Ricardo S. – Uma viagem informal ao teorema de Gödel ou (o preço da Matemática é o eterno
matemático). IM/URFJ.
www.dmm.im.ufrj.br/projeto/diversos/godel.html. 11/10/2005.
42
. – O termo Morada dos Indecidíveis consta no artigo Uma viagem informal ao teorema de Gödel ou (o
preço da Matemática é o eterno matemático), produzido por Ricardo S. Kubrusly , Prof. Dr. do Instituto de
Matemática da URFJ. Este termo serviu como fonte inspiradora para nomear o terceiro capítulo deste
trabalho.
43
- GÖDEL, KURT (verbete)- Mirador Internacional – vol. 10.
44
restrita dos conjuntos. A escolha dos axiomas é a sua coerência ou compatibilidade. No
entanto, o teorema de Gödel estabelece que uma matemática não contraditória comporta
enunciados não decididos. O princípio de um axioma é que ele não necessita de
demonstração porque sua verdade é evidente, o que o torna indemonstrável. O que Gödel
aponta é que as proposições indecidíveis, as proposições que não podem ser consideradas
nem falsas e nem verdadeiras em um dado sistema simbólico, podem ser decididas em um
sistema mais amplo, onde, porém, se apresentam com outra forma.
A partir da questão levantada, verifica-se que a semente do indecidível não se
restringe apenas ao terreno matemático; o indecidível está na vida, está no mundo,
principalmente no mundo pós-moderno, no qual a ambigüidade caminha junto com a
modernidade. Os indecidíveis, dessa maneira, ultrapassaram as fronteiras da Matemática e
alcançaram outros universos, estendendo seus tentáculos para setores menos exatos, mas
também conflituosos.
2.2 - Um outro indecidível
Por volta dos anos 60, surgiu no mundo ocidental uma nova maneira de pensar,
que investiga questões que se tornaram problemáticas na nossa cultura, sem recorrer ao
pensamento linear, hierárquico, dicotômico, holístico e teleológico do Iluminismo.
Jacques Derrida é um filósofo judeu-argelino-francês que parte ao encontro de
outros filósofos em sua reflexão sobre arte, poesia, literatura, psicanálise, tradução, política,
sempre contando com a parceria ou a cumplicidade de seus leitores. Teve seus primeiros
livros publicados nos anos 60, incluindo-se na mesma geração de Michel Foucault, Giles
Deleuze, Roland Barthes, Jürgen Habermas e Jean-François Lyotard. Derrida tornou-se,
dessa forma, um dos filósofos franceses mais conhecidos no estrangeiro e, particularmente,
nos Estados Unidos, chegando hoje, inclusive, a países não-ocidentais, como o Japão, a
China e a Índia.
A trajetória biográfica de Derrida aponta que ele nasceu em El-Biar, na Argélia,
em 15 de julho de 1930 e faleceu em 9 de outubro de 2004. Ingressou na Escola Superior
de Paris, em 1950, onde estudou a filosofia alemã de Edmund Hurssel e Martin Heidegger.
45
Lecionou, a partir de 1956, nos EUA e na França, nas prestigiadas universidades
americanas de Havard, Yale e John Hopkins, e nas francesas Sorbonne e Escola Normal
Superior. Criou o Colégio Internacional de Filosofia em 1983, que presidiu até 1985.
Posteriormente, ensinou na Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais.
Quando Jacques Derrida começou a publicar, nos anos 60, imperava o
pensamento estruturalista que, no Brasil, vigorou até os anos 70. Segundo Evandro
Nascimento
44
, Derrida percebeu que este pensamento representava um “último sopro de
cientificismo positivista do século XIX em pleno século XX
”45
. A conferência de 1966,
realizada na Universidade de John Hopkins, em Baltimore, nos Estados Unidos, na qual ele
fala sobre Claude Lévi-Staruss e o estruturalismo, promoveu a apresentação de suas idéias
ao mundo, dando mostras de que o estruturalismo estava com seus dias contados. Nesta
famosa conferência, Derrida mostrou que o pensamento de Lévi-Strauss tinha uma dívida
com a tradição metafísica e etnocêntrica – que em princípio, segundo Nascimento, a
etnologia viera para abalar - que não compactuavam com a abertura ao jogo incontrolável
das diferenças
46
. Dessa forma, Derrida questionava a estruturalidade da estrutura
ou a
idéia de centro, que pode ser definida, segundo Peters, como “o ‘descentramento’ da
estrutura, do significado transcendental e do sujeito soberano”.
47
Durante sua vida, Jacques Derrida mostrou a sua capacidade de produção, tanto
na quantidade de textos, como nos assuntos escolhidos. Pode-se dizer que os estudos
literários e filosóficos pós-Derrida nunca mais foram os mesmos, da mesma forma que o
pensamento ocidental também não permaneceu da mesma maneira. A obra de Derrida,
44
- Evandro Nascimento foi aluno de Jacques Derrida na França, é doutor em Literatura com obra sobre o
filósofo.
45
- RODRIGUES, Carla. Resistir para afirmar a vida. Entrevista com Evandro Nascimento. Revista
eletrônica No Mínimo- 11/10/2005.
46
- A filosofia da diferença é citada por Michael Peters como uma rejeição aos pressupostos da filosofia da
consciência e da dialética. É uma renovação do discurso filosófico, que se insere no pós-estruturalismo.
PETERS, Michael. Pós–estruturalismo e filosofia da diferença – uma introdução. Belo Horizonte: Autêntica,
2000.
47
-. Id. Ibidem. Peters acrescenta a citação de Derrida, dizendo que a idéia de centro operava para limitar o
jogo da estrutura –“(...) toda história do conceito de estrutura (...) tem de ser pensada como uma série de
substituições de centro para centro, um encadeamento de determinações do centro. O centro recebe, sucessiva
e regularmente, formas ou nomes diferentes. A história da metafísica, como história do Ocidente, seria a
história dessas metáforas e metonímias”. DERRIDA, Jacques. A estrutura, o signo e o jogo no discurso das
ciências humanas (1978), Apud PETERS, Michael. Pós–estruturalismo e filosofia da diferença – uma
introdução. Belo Horizonte: Autêntica, 2000. p.30.
46
segundo Nascimento, pode ser separada em dois grandes períodos: antes e depois dos anos
oitenta.
Em sua primeira fase, nos anos 60 e 70, Derrida desenvolveu trabalhos de
natureza essencialmente acadêmica. A partir dos anos 80, no entanto, a obra do filósofo
refletiu mais sua intervenção política, através de textos que se debruçavam sobre questões
da ética e da política, propondo um enfoque diferencial em relação a abordagens
tradicionais dessa problemática, em livros como Espectros de Marx, Politiques de l’amitié,
De l’Hospitalité e Fé e Saber.
Deste período acadêmico, sua reflexão gira em torno de conceitos
48
nomeados
como desconstrução e indecidibilidade. No entanto, estes conceitos que se sobressaem ao
longo do período aludido não se apresentam separadamente, sistematizados por definições
claras, muitas vezes eles se mesclam junto a outras reflexões. Essa maneira de construir seu
pensamento faz parte da composição da sua trama filosófica.
É lógico que o entendimento completo destas reflexões implicaria numa
abordagem muito mais complexa do que a simples tentativa de resumi-las. Como não
poderia analisar aqui e agora todas as nuances das questões suscitadas pelas leituras de
Derrida, uma pequena apresentação sobre estas duas reflexões – a desconstrução e a
indecidibilidade - será feita, como forma de compreender melhor o filósofo.
Como introdução à tradução da Origem da Geometria de E. Hurssel, a noção de
desconstrução vai surgir pela primeira vez em 1962. Através, principalmente, desta
reflexão, é que Derrida vai delineando seu pensamento principal, o qual o notabilizou.
Derrida apontava que o sentido deste pensamento se posicionava como uma
crítica aos conceitos filosóficos, que não era para ser entendida como uma destruição, mas
como uma desmontagem, uma decomposição dos elementos da escrita, explicitando que
esta consideração servia para descobrir partes do texto que estavam dissimuladas ou que
interditavam certas condutas. O efeito da desconstrução, como atesta Jonathan Culler
(1997, p. 212),
48
- Segue a intenção anterior que coloca a palavra conceito destacada das demais palavras, refletindo o
pensamento de Derrida.
47
(...) é romper com a relação hierárquica, que previamente determinava o conceito
de literatura, reinscrevendo a distinção entre obras literárias e não-literárias
dentro de uma literatura ou textualidade geral e assim encorajar projetos como a
leitura literária de textos filosóficos e a leitura filosófica de textos literários, que
permitem que esses discursos se comuniquem um com o outro.
Dessa maneira, a desconstrução, segundo Evandro Nascimento, “tem sido a
categoria que os críticos mais identificam ao pensamento derridiano, comparecendo já em
seus primeiros textos, tais como ‘A escritura e a diferença’ e ‘La dissémination’”
49
.
Nascimento faz uma ressalva importante que atesta as diversas ponderações que Derrida
previa para as suas reflexões. A partir de um certo momento, esta nomenclatura passou a se
chamar de desconstrução, termo que jamais o filósofo privilegiou do modo como seus
leitores o fizeram. Quando ele mesmo o utilizava, falava desconstruções, assim mesmo, no
plural. O próprio Derrida, aponta Nascimento, “(...) jamais subscreveu o abuso da palavra,
preferindo utilizá-la entre aspas e no plural, para indicar o modo especial como desloca
alguns dos pressupostos da chamada metafísica ocidental”.
50
Já, a fluidez entre as fronteiras, o caráter permeável entre os diferentes
elementos do texto, a impossibilidade de determinar aquilo que é forma ou fundo, onde está
o dentro e o fora, a linha demarcatória entre o bem e o mal e outros princípios, são algumas
das questões que sinalizam para a indecidibilidade e remetem ao termo, digamos que
assoprado, pelo teorema de Gödel. A referência que Derrida faz ao teorema de Gödel,
como fonte inspiradora, pode ser comprovada através do trecho selecionado por Evandro
Nascimento:
Uma proposição indecidível, Gödel demonstrou sua possilibilidade em 1931, é
uma proposição que, dado um sistema de axiomas dominante numa
multiplicidade, não é nem uma conseqüência analítica ou dedutiva dos axiomas,
nem está em contradição com eles, nem verdadeira nem falsa do ponto de vista
desses axiomas. Tertium datur, sem síntese. (DERRIDA apud NASCIMENTO,
1999, p. 91-92).
51
49
- NASCIMENTO, Evandro. A solidariedade dos seres vivos. Entrevista com Jacques Derrida. Revisão de
Eurídice Figueiredo. Versão completa da entrevista publicada no suplemento “Mais” da Folha de São Paulo,
em 27 .05.2001.
50
Op.cit.
51
- DERRIDA, Jacques. La Dissémination. p.248-249. APUD. NASCIMENTO, Evandro. Derrida e a
Literatura – notas de literatura e filosofia nos textos da desconstrução. Editora da Universidade Federal
48
Das duas reflexões mencionadas, a indecidiblidade é a que terá uma abordagem
mais próxima, visto que é a que fundamenta a questão levantada por este estudo e será
observada com maior ênfase que as demais. No entanto, como há, muitas vezes, uma
mestiçagem destes conceitos nos próprios textos do filósofo, as demais reflexões também
irão aparecer embutidas nas explanações pretendidas.
Derrida, quando se apropria do que fala Gödel, não repete a fala do matemático,
ele modifica um pouco o sentido e o significado do indecidível, não é exatamente a mesma
coisa. Ele faz um enxerto
52
- termo que o próprio Derrida utiliza - mudando de um lugar
para outro, o texto da Matemática para a Filosofia. Esse deslocamento altera o significado
do termo como foi pretendido pelo matemático, ele não recupera o querer dizer de Gödel.
Como conseqüência, o indecidível, em Derrida, fortalece a questão emblemática
vivida na pós-modernidade
53
, em que as fronteiras tornam-se fluidas e muitas vezes
indistinguíveis. O mesmo pode-se dizer sobre o pós-estruturalismo. Faz-se aqui uma
ressalva que é importante para o debate crítico, o estruturalismo toma a lingüística como
modelo e tenta desenvolver a gramática, enquanto os pós-estruturalistas, segundo Culler
(1997), investigam o modo como esse projeto é subvertido pelas operações dos próprios
textos.
Diz Culler que “os estruturalistas estão convencidos de que o conhecimento
sistemático é possível, os pós-estruturalistas afirmam saber apenas das impossibilidades
desse conhecimento (CULLER, 1997, p.27). Segundo Peters (2000), o pós-estruturalismo
tem filiações com o pensamento de Nietzsche, Martin Heidegger e outros. Toma como
objeto teórico o próprio estruturalismo, numa tentativa de superar o que o precedeu.
O pós-estruturalismo, comenta Peters (2000, p.10),
Fluminense. Niterói, Rj – 1999. p.91-92. A referência a Gödel foi observada, primeiramente, no texto de
Nascimento e conferida no original.
52
- Tal como acontece nos enxertos vegetais, a palavra “enxerto”, aqui, é utilizada analogicamente como o ato
de inserir conceitos já existentes de uma área para a outra.
53
- O termo “pós-modernidade”, embora contestado por alguns teóricos, será usado para nomear a época
atual. Alguns questionamentos foram feitos a respeito do pós-modernismo e da pós-modernidade. Diz Peters
que “o pós-modernismo como um movimento nas artes é uma continuação do modernismo por outros meios –
a busca por um experimentalismo novo e a idéia de ‘avant-garde’ continuam. Isto é, o pós-modernismo
mantém uma relação ambivalente com o modernismo, considerado como uma categoria estética”. PETERS,
Michael. Pós–estruturalismo e filosofia da diferença – uma introdução. Belo Horizonte: Autêntica,
2000.p.19. Este assunto será mencionado novamente, em um momento posterior a este.
49
(...) buscou descentrar as estruturas, a sistematicidade e a pretensão científica do
estruturalismo, criticando a metafísica que lhe estava subjacente e estendendo-o
em uma série de diferentes direções, preservando, ao mesmo tempo, os elementos
centrais da crítica que o estruturalismo fazia ao sujeito humanista.
O autor complementa dizendo que:
(...) o pós-estruturalismo não pode ser reduzido a um conjunto de pressupostos
compartilhados a um método, a uma teoria ou a uma escola. É melhor referir-se a
ele como um movimento de pensamento – uma complexa rede de pensamento –
que corporifica diferentes formas de prática crítica.
54
Derrida, que se insere na primeira geração dos pós-estruturalistas, escreve no
rastro de textos incontornáveis da filosofia, nas entrelinhas do texto de Platão, René
Descartes, Edmund Hurssel, Martin Heidegger, Sigmund Freud, Georg Wilhelm Friedrich
Hegel, Emmanuel Lévinas, Ferdinand de Saussure, entre outros; dos quais ele faz “uma
reflexão meditada e não uma opinião imediatista
55
, comentário empregado por Evandro
Nascimento, quando fala do filósofo em relação ao tempo que a própria filosofia exige para
ser absorvida.
Nascimento acrescenta que três pensadores, no entanto, “foram fundamentais
para Derrida, no sentido de colocar a ética em outros termos: Friedrich Nietzche, Lévinas e
Freud”
56
. Ele considera que Nietzsche foi o primeiro pensador a demonstrar as oposições
metafísicas entre o bem e o mal, presente e ausente, alto e baixo, interior e exterior, que
regem e orientam o conceito filosófico de verdade. Muitos dos fundamentos metafísicos da
ética dependem desse tipo de binarismo, em que um pólo vale mais que o outro, conforme
foi abordado anteriormente. É também nesse binarismo que se apóia a questão da
indecidibilidade.
54
- Idem, p.19.
55
- RODRIGUES, Carla. Resistir para afirmar a vida. Entrevista com Evandro Nascimento. Revista
eletrônica No Mínimo- 11/10/2005.
56
- NASCIMENTO, Evandro. A solidariedade dos seres vivos. Entrevista com Jacques Derrida. Revisão de
Eurídice Figueiredo. Versão completa da entrevista publicada no suplemento “Mais” da Folha de São Paulo,
em 27 .05.2001.
50
Outros pensadores também são marcantes para Derrida. Hegel é, segundo o
filósofo francês, o pensador da diferença irredutível, conforme cita Seyla Benhabib
57
e é
considerado o “último filósofo do livro e o primeiro pensador da escritura”. Benhabib
afirma que isso ocorre na medida em que Hegel, de acordo com a citação de Derrida,
“reabilitou o pensamento como memória produtiva de signos e reintroduziu a essencial
necessidade do rastro (la trace) escrito no discurso filosófico
”58
. A questão do rastro, além
de fazer parte do próprio discurso filosófico, é um dado importante que irá marcar a ação
do pensador franco-argelino, que se inspira nos filósofos antecessores e constrói seu
pensamento no rastro destes.
Na continuação da explanação desta linha de pensamento, Seyla Benhabib,
demonstra que:
(...) assim como a fenomenologia do significado em Hurssel inspira a
gramatologia derridiana sob o signo de uma écriture originária capaz de subverter
o domínio fonocêntrico da racionalidade ocidental, a semiologia hegeliana
conduz Derrida em sua investida programática contra o logocentrismo. Se
Nietzsche, Heidegger e Freud determinam o espaçamento derridiano da
desconstrução, é sobretudo a partir das leituras de Hegel que Derrida nos guia
através de tradições da “metafísica de presença” a serem desconstruídas
59
.
Percebe-se, assim, que o rastro que Derrida segue a partir desses filósofos não é
o da continuidade pura e simples. Derrida lê seus antecessores fazendo uma leitura
detalhada, insistente e demorada dos textos destes autores inspiradores, até encontrar uma
aporia, algo que o autor original não viu e que possibilitou o seu texto.
Diante disto, percebe-se que não há texto sem essa aporia, sem essa
contradição, já que todo texto esconde sua trama, algo que não aparece, como os
pressupostos que dão base ao pensamento do autor. Por exemplo, no caso de Platão e do
texto em que o phármakon é apresentado – assunto que será abordado adiante quando
adentrarmos no texto A farmácia de Platão -, um dos pressupostos é a possibilidade de se
separar bem a escrita da fala. Derrida vai lançar um foco sobre o momento em que a escrita
57
- Derrida apud Benhabib. Disponível em: http://www.geocities.com/nythamar/PM2.html. Hegel,
Heidegger, Derrida: desconstruindo a Mitologia Branca. Veritas – 47/1 2002: 81-97. Acesso em:
11/10/2005.
58
- Apud. Id. Ibidem.
59
- Id.Ibidem. p.3
51
é mostrada como um phármakon, um remédio. E logo depois é mostrada como um veneno.
Aqui há uma contradição, esse ponto (o phármakon) é o lugar que Derrida vai escolher para
abalar a dicotomia fala-escrita.
Derrida levanta, nos textos fundadores da filosofia, uma série de termos que
não se situam exatamente em um pólo ou outro da dicotomia, da qual escapam, vacilando
entre classificações. Mas, não é destruir as diferenças, é enfrentá-las, abrir-se ao outro,
circular entre as diferenças, entender que elas não são absolutas, e, nesse passeio, tentar
produzir novas formas de entender as coisas. É aí que ele trabalha certas marcas, as quais
ele denomina indecidíveis. No entanto, é importante ressaltar que não há um único
indecidível no texto de Derrida, há vários indecidíveis, que vão sendo observados no
decorrer da sua obra, e que ele denomina de acordo com os textos analisados, que se
ajustam a cada uma das situações ajuizadas pelo filósofo.
Desta maneira e de forma geral, os indecidíveis não são pensados segundo uma
oposição, o que também não apaga a possibilidade de ser o seu contrário; eles
desestabilizam o conceito, a definição, mantendo o conflito e a tensão entre os termos. Os
indecidíveis funcionam fora das oposições binárias. Não resolvem a contradição entre os
dois termos e nem a neutralizam, escolhendo o caminho do meio ou a zona cinza. Eles não
se deixam domesticar por uma definição que institua um sentido de estabilidade, ao
contrário, eles desorganizam, sem criar uma solução. Como eles não podem ser decididos
por alguma coisa ou outra, eles produzem um efeito infinito de significado.
Derrida identifica-os em um texto como:
“(...) unidades de simulacro, falsas propriedades verbais, nominais e semânticas
que não se deixam compreender na oposição filosófica (binária) e que, no
entanto, habitam-na, resistem-lhe e a desorganizam, sem jamais instituir um
terceiro termo, sem jamais dar lugar a uma solução na forma dialética
especulativa”.
60
Para cada indecidível levantado por Derrida estende-se uma gama extensa de
análises, o que implicaria em um esforço enorme de pesquisa. Como forma de concentrar
60
- Apud SILVIANO, Santiago (supervisão geral). Glossário de Derrida. Rio de Janeiro: Pontifícia
Universidade Católica. Departamento de Letras, 1976.
52
em um foco mais preciso, é importante reforçar que este trabalho se utilizará apenas do
elemento phármakon.
Resumindo o que já foi exposto, pode-se dizer que Jacques Derrida foi um dos
autores que mais se aproveitou, no bom sentido, da questão ambivalente ligada ao
indecidível, já que ele próprio é um autor que não se enquadra a um padrão dito cartesiano,
ou que constrói seus conceitos numa linearidade crescente. Ele é um autor que desliza na
apresentação das suas reflexões. O termo deslizar é aplicado aqui em relação à trajetória
que o filósofo escolhe para a apresentação das suas idéias: estas não são expostas em uma
única vez, ele as apresenta em uma primeira vez e as relança em outro texto posterior sem,
muitas vezes, redefini-las. Isto não significa que elas não foram apresentadas em alguns dos
seus textos, elas já estão lá, participando da sua trama filosófica.
Porém, para o entendimento de uma das questões apresentadas pelo filósofo,
não há necessidade de o leitor percorrer toda obra deste autor exaustivamente. Não é a
intenção desta pesquisa expandir o horizonte teórico derridiano além do necessário. É
importante esclarecer novamente que, para ser mais didática e clara na elaboração deste
trabalho, a escolha bibliográfica de Jacques Derrida está mais focada no texto A farmácia
de Platão. Este texto, além de funcionar como norteador da pesquisa, permite que o que
está sendo examinado seja direcionado à leitura que Derrida faz de Platão em conjunção
com o termo desenvolvido por Gödel. Estas são questões importantes para que o perfil do
estudo seja traçado.
Desta forma, a apropriação dos termos indecidível e phármakon, neste
trabalho, é também repetir a ação de Derrida, ou seja, também fazer um enxerto do texto
filosófico para falar da arte. A pretensão segue a mesma lógica derridiana, ou seja, não é
repetir exatamente o que Derrida quis dizer, mas buscar uma nova interpretação para uma
outra situação, respaldando-me nas suas reflexões. A intenção não é a modificação do
termo phármakon, mas a adaptação deste à análise proposta, através do enxerto
mencionado e das mudanças ocorridas com o deslocamento do termo.
A autorização para esta ação está pautada na própria reflexão desconstrutivista.
Derrida também permite que a sua obra sofra as interpretações do leitor e que ele as re-
interprete de acordo com a sua lógica. No último encontro ocorrido com Jacques Derrida no
53
Brasil
61
, uma das suas afirmativas foi que ele sentia dificuldades em reconhecer-se nos
textos que falavam sobre ele, mas que isso não o incomodava, já que esta era uma ação que
também o interessava.
É importante lembrar que a interpretação que se faz dos textos de Derrida não
tem base segura, já que a sua intenção é, justamente, colocar esse chão sob suspeita.
Percebemos, então, que um entendimento simples, uma interpretação reconfortante do
phármakon não vai acontecer. A interpretação de todo texto é uma apropriação, e no texto
de Derrida isto fica mais explícito, porque possibilita que o leitor o re-interprete dentro de
uma ação autorizada pelo próprio Derrida; não que isto signifique um vale-tudo.
Toda interpretação é uma transformação regrada do texto original, Derrida não
autoriza interpretações abusivas. É claro que é difícil traçar a linha que vai separar a
interpretação abusiva da não-abusiva, é também uma dicotomia, por isso toda interpretação
deve ser feita cuidadosamente, com detalhes, como esta que se pretende fazer. Como toda
dicotomia, a questão não é dizer que não há interpretação abusiva ou que toda
interpretação é abusiva, mas que a separação nítida entre abusiva e não-abusiva, ou séria e
não-séria pode ser problematizada, discutida, colocada sob suspeita. Assim como a
dicotomia arte e não-arte, depois de discutida, continua sendo válida.
Depois que são abaladas, as dicotomias continuam sendo usadas com proveito,
mas serão vistas por outro ponto de vista, serão entendidas de outra forma, sob novos
aspectos.
Não pode ser dito, no entanto, que o texto de Derrida proporcione uma leitura
tranqüila. E ele sabe disso. Em Posições, temos um comentário sobre seu próprio discurso:
segundo o filósofo, ele se permite dizer as coisas simplesmente para se fazer ouvir, sem
estar querendo dizer nada. Nada que seja simplesmente uma questão de entendimento. E
continua:
61
- Colóquio Internacional Jacques Derrida: pensar a desconstrução. Maison de France. Rio de Janeiro,
2004.
54
Enredar-se em centenas de páginas de uma escrita ao mesmo tempo insistente e
elíptica, imprimindo (...) até suas rasuras, arrastando cada conceito em uma
cadeia interminável de diferenças, cercando-se ou sobrecarregando-se com uma
grande quantidade de precauções, de referências, de notas, de citações, de
colagens, de suplementos. (DERRIDA, 2001, p.21)
E Derrida completa: “essenada-querer-dizer’ não é (...) um exercício
tranqüilizante”.
62
Com razão, a não-tranqüilidade desta leitura impele para a dificuldade da
própria reflexão deste filósofo. Além disso, ele entra em diálogo com os demais filósofos, o
que leva à necessidade de criar uma proximidade, ou pelo menos um pequeno contato com
estes, para poder apreciar a reflexão derridiana. Não há palavras-chaves para organizar o
pensamento de forma racional. O que se vê é que desconstrução e indecidibilidade não são
um sistema, não têm conceitos estabelecidos, não têm ponto de partida, primeiros
princípios, centro, nada que possa fazer o leitor penetrar no fundo do texto, revelar a
verdade do querer dizer do autor. O que Derrida faz é uma reflexão em cascata,
dificultando a aproximação segura do leitor.
Esta forma de pensar promove algumas críticas recorrentes ao filósofo, que é
considerado, por alguns, como obscuro, incompreensível e niilista. Derrida, por sua vez,
renuncia a compreensão fácil.
Dessa maneira, muitas pessoas, segundo Evandro Nascimento, confundem
algumas reflexões derridianas, associando-as a significados que não são sinônimos, como
por exemplo, desconstrução com destruição. Mas, Derrida, continua ele, jamais foi contra a
filosofia, ele simplesmente propôs a desconstrução de certos aspectos tradicionais do
pensamento metafísico. “Ele não era um demolidor, ele jamais mandou queimar as obras de
Descartes, Kant ou de Hegel, apenas defendia que pudesse lê-los com novos critérios,
revendo diversos pressupostos de seus textos”
63
. Ele, afirma Nascimento,
(...) certamente se inspirou em Nietzsche, em Heidegger e em Emmanuel
Lévinas, dentre outros, mas também propôs uma crítica desses pensadores,
62
- Op.cit.loc.cit.
63
- RODRIGUES, Carla. Resistir para afirmar a vida. Entrevista com Evandro Nascimento. Revista
eletrônica. No Mínimo - 11/10/2005.p.2.
55
naquilo que eles ainda tinham de devedores da tradição metafísica, no momento
em que a negavam. Aliás, ele declarou que nunca se sai completamente da
metafísica, apenas se busca uma forma de reverter e deslocar suas teses
principais
64
.
Dessa forma, Nascimento crê que “a filosofia com pretensões a um pensamento
unificador, totalizante, e, no pior dos casos, totalitário, acabou. Derrida, continua ele, “deu
uma contribuição fundamental para isso, na medida em que questionou certos dogmas da
tradição platônica”
65
. Evandro Nascimento faz uma observação interessante do sistema
filosófico, dizendo que:
(...) se algum sistema filosófico pudesse dispor de uma verdade absoluta, a
própria filosofia teria deixado de existir, pois os filósofos nada mais fazem do que
sucessivamente retomarem uns aos outros, negando mutuamente suas teses e
acusando suas “inverdades” respectivas
66
.
De acordo com a maneira de pensar de Nascimento, “uma vez que essa crença
na totalização veio abaixo, a filosofia”, diz ele, ganhou uma dimensão até mais interessante,
“porque ela pode mais do que nunca refletir sobre os problemas, imediatos ou não, do
mundo, sem ter o compromisso de chegar a uma verdade final, disposta no fim do
percurso.”
67
Geoffrey Bennington, no início do livro sobre Derrida, imagina o filósofo muito
modesto, relendo com minuciosa atenção os seus predecessores, o guardião dos velhos
textos, e, ao mesmo tempo, a própria imodéstia, forçando esses mesmos velhos textos a
dizerem coisas diferentes do que pareciam dizer até então.
É dessa forma que precisamos ler e interpretar Derrida, com modéstia e
ousadia, e é bem o texto derridiano que pode nos fazer apreciar essa situação, esse
paradoxo, essa indecisão, esse deslocamento entre modéstia e ousadia.
Observa-se, ainda, que o estudo pretendido não é exclusivo e nem tem a
pretensão de ser conclusivo, visto que o assunto levantado, por si só, não se esgota. Não se
trata de uma questão de uma busca pela originalidade, já que outros teóricos se respaldaram
64
-Id.Ibidem.p.2.
65
- id.Ibidem.p.2
66
- Id. Ibidem.
67
-Id.Ibidem.
56
nessas mesmas teorias para assuntos diferenciados, ou próximos deste trabalho. Também
não se pretende utilizá-lo simplesmente como um suporte de apoio, mas sim conseguir
demonstrar a fundamentação do argumento através de uma linha filosófica consistente e
integrada com a questão levantada.
Dos diversos autores que ligaram os indecidíveis com arte, procurando traçar
um pensamento pautado nas reflexões de Derrida, destacam-se o livro Deconstruction in
the visual arts de Peter Brunette e David Wills, e os artigos de Sarat Maharaj - Pop art´s
Paharmacies - e Fred Orton - On being bent ‘blue’
68
.
Para Sarat Maharaj, a Pop Art é um phármakon, é indecidível, já que se instala
entre as imagens populares e artísticas. Localiza-se entre o sério e o não-sério, a arte e o
cotidiano, o sagrado e o profano. É cultura de massa ou arte?
O historiador Fred Orton sugere que os trabalhos de Jasper Johns também
possam ser vistos pelo viés da desconstrução. Por exemplo , os títulos das obras situam-se
entre a obra que eles parecem nomear e outros trabalhos. Passage é também o nome de um
poema de Hart Cranes. Between the clock and the bed é também o título de um trabalho de
Munch. Esses títulos trabalham como brisure (hinges, dobradiças), juntando e separando,
operando através de uma divisão (além da fronteira), mas não pertencendo inteiramente ao
outro lado. Em outra obra, Johns coloca sua assinatura sob rasura, como Derrida faz
emprestando esse procedimento de Heidegger. A assinatura não é negada. Mas, ao mesmo
tempo em que afirma, ela nega, continuando visível por trás do risco. Por meio de uma
operação dúbia, fica intranqüila, problemática, levanta questões sobre a obra.
68
- BRUNETTE, Peter. WILLS, David. Desconstructions and visual Arts – art, media, architecture.
Cambridge University Press. 1994
Há também dois artigos produzidos por Brunette e Wills Las artes espaciales. Uma entrevista com Jacques
Derrida ( 1 e 2), publicados em 1995 e 1996 .
MAHARAJ, Sarat. Pop art’s pharmacies, p.134 da revista Art History , volume 15, número 3, 1992.
ORTON, Fred. On being bent “blue”. Oxford Art Journal. Volume 12, número 1, página 135.
57
2.3 - Dentro da Farmácia
Como a reflexão que dá respaldo à pesquisa centra-se no texto A farmácia de
Platão, tentaremos expor o conteúdo da análise de Derrida, ao mesmo tempo em que o
phármakon passa a ser apresentado como o indecidível escolhido.
O modo como as relações hierárquicas de poder comparecem em textos, em
princípio estritamente conceituais, são demonstrados através deste texto. Os diálogos de
Platão, nos quais Sócrates assume o lugar do mestre, daquele que detém o poder da fala,
são expostos nesta obra. Derrida faz uma reflexão sobre o diálogo Fedro, combinando-o
com uma análise particularizada em que ele, ao mesmo tempo em que expõe o pensamento
de Platão, aponta as aporias do texto, enxertando-as com suas próprias reflexões.
Nesse diálogo, Sócrates convence Fedro, um jovem ateniense, de que a fala é
melhor do que a escrita e narra um mito, no qual dois personagens participam da história:
Thamous é o rei-Deus, aquele que decide sobre todas as invenções; Theuth é um semideus,
que apresenta a escrita a Thamous.
Thamous representa Amon, o rei dos deuses , o rei dos reis e o deus dos deuses.
O Theuth grego de Platão está para Thot egípcio, deus da escritura. Diz Derrida que Platão
não descreve o personagem de Theuth, mas reconhece-se nele o Thot egípcio – “não pode
ser o efeito de um empréstimo parcial ou total, nem do acaso ou da imaginação de Platão”
(DERRIDA, 1997, p. 32). Thot é o deus da escritura, é um deus engendrado, filho mais
velho de Ra (Amon).
Theuth, que tinha inventado os números, o cálculo, a astronomia, apresentou ao
rei-Deus, Thamous, uma nova invenção, a escrita. Toda invenção só teria valor se aprovada
por Thamous. A escrita foi apresentada como um phármakon, que aumentaria a memória e
a sabedoria dos homens, mas Thamous não aceita a escrita porque vai ser um phármakon
que vai deixar os homens mais fracos, com menos memória, é somente uma aparência de
sabedoria, não é a sabedoria verdadeira, a verdade está na fala, e não na escrita.
O phármakon seria, então, o elemento indecidível que, tal como a palavra droga
em português, pode significar tanto remédio quanto veneno. É, portanto, um termo
ambíguo, não é lógico, ele desliza entre os dois pólos das oposições como: bom/mau;
58
dentro (fala, pensamento) / fora (escrita); essência/aparência; cura/morte, etc. Não pode ser
totalmente dominado, é instável, polivalente, com significados flutuantes, não é nem isso
nem aquilo, não dá para decidir o que ele é. Já Platão, quer sua farmácia com rótulos bem
claros, lógicos, verdadeiros e permanentes e é nesta definibilidade que Derrida vai
encontrar a aporia e questionar o que Platão pretende dizer.
O resumo exposto acima dá um panorama geral do texto de Derrida, permitindo
que o assunto seja esboçado, traçando um contorno do que se pretende apresentar.
Dessa maneira, baseado em Fedro, Derrida apresenta o phármakon no livro A
farmácia de Platão, como um elemento indecidível. O phármakon, para Platão, não é um
elemento simples, é tomado de uma cadeia de significações, em que as possibilidades de
deslocamento são mostradas. Da pharmácia, surge o termo pharmakéia, que compõe com o
phármakon e o pharmakéus. O phármakon é o elo que comunica com todas as palavras da
mesma família.
Assim, a farmácia platônica constitui o meio onde se desenvolvem todas as
operações e onde se encontram os opostos. É mostrada também como o lugar do
indecidível.
Diz Derrida que a farmácia é um teatro. Há um jogo de forças, há um espaço, a
lei, um parentesco, o humano e o divino, o jogo, a morte, a festa
69
, onde a escritura é
colocada em contraposição à oralidade. Ela é criada por uma questão de poder, por uma
atitude política. Cada um dos personagens decide o pólo de significação pelo viés que
melhor lhe convém.
O que Platão estabelece é a validade e a origem da escritura. Platão condena a
escritura em Fedro, ele apóia a oralidade. A questão que se abre é que a escritura é uma
encenação, uma não-verdade, uma não-presença. A oralidade precisa de um pai presente,
enquanto o autor do discurso escrito dispensa essa possibilidade. A escritura, dessa
maneira, repete o que já foi dito, perdendo em sua essência a verdade, presente na
oralidade. A escritura não é objeto da ciência, apenas uma história recitada, de uma fábula
repetida. Começa-se a repetir sem saber – por um mito – a história da escritura.
69
- No capítulo em que Derrida fala sobre a “herança do phármakon: a cena de família”, ele expõe esta idéia.
DERRIDA , Jacques. A Farmácia de Platão. São Paulo: Iluminuras. 1997. p.95.
59
No Egito próximo a Neucrates, uma das antigas divindades de lá, Theuth, cujo
signo é o pássaro (Íbis), deus descobridor da ciência do número como cálculo, da geometria
e da astronomia, dos jogos do gamão e os dados, é também o descobridor da grámmata, os
caracteres da escritura. Já na região de Tebas, há Thamous (Amon), deus-mor, rei dos
deuses, que tem o poder de decisão sobre os demais deuses.
Theuth que é um semideus, é também um personagem subordinado, um
tecnocrata, sem poder de decisão, que apresenta a escritura a Thamous como uma espécie
de presente, uma homenagem, mas acima de tudo, como uma obra submetida a sua
apreciação.
A escritura é um phármakon, um artefato de valor incerto, porque da mesma
maneira que ela é boa para a memória, também pode enfraquecê-la. A escritura necessita
ser aprovada por Thamous, é o rei que dará o seu valor, já que ela não tem valor em si
mesma. A escritura é um produto que chega de fora e de baixo.
Thamous como rei, não necessita da escritura, sua fala é suficiente. Platão
evoca que a escritura funciona como um saber morto. Os livros (os bíblias) encerram
rigidamente, tanto as histórias acumuladas, como as nomenclaturas e todas as fórmulas
aprendidas de cor. Não é isso que Thamous quer para si. Ele é o deus-rei-que-fala, e
recusando a escritura age como um pai, que recusa, rejeita, diminui, abandona e
desconsidera aquilo que irá enfraquecê-lo.
A especificidade da escritura se relacionaria com a ausência do pai, morte de
forma natural ou violenta, até mesmo um parricídio. Derrida (1997, p.23) pergunta: “não
seria o phármakon um criminoso, um presente envenenado?”.
Derrida (1997, p. 34) aponta que Thot/Theuth só pode se tornar o deus da fala
criadora pela “substituição metonímica, por deslocamento histórico e, por vezes, por
subversão violenta.”
Assim, a substituição coloca Thot no lugar de Ra como a lua no lugar do sol. O
deus da escritura torna-se, dessa forma, o suplente de Ra, reunindo-se a ela e
substituindo-o em sua ausência e em sua essencial desaparição. Tal é a origem da
lua como suplemento do sol, da luz noturna como suplemento da diurna. A
escritura como suplemento da fala.
70
70
- Op.cit.loc.cit.
60
Mas essa substituição que Thot/Theuth ocupa, enquanto substituto de Ra, por
pouco que seja, é subalterna. O phármakon da escritura era bom para a re-memoração
(hipómnésis) e não para a memória viva e conhecedora (mnéme). O suplemento para suprir
a memória, sugerido por Thot a Thamous é como se fosse o próprio Thot suprindo o sol.
Diz Derrida que Thot:
repete tudo na adição do suplemento: suprindo o sol, ele é outro que o sol e o
mesmo que ele; outro que o bem e o mesmo que ele. Tomando sempre um lugar
que não é seu, e que se pode chamar também o lugar do morto, ele não tem lugar
nem nome próprios (1997, p.38).
“Thot,” complementa Derrida, “nunca está presente. Em nenhuma parte ele
aparece em pessoa. Nenhum ser-aí lhe pertence ‘propriamente’”
71
. Derrida afirma que
todos os atos de Thot são marcados pela ambivalência – e uma ambivalência instável.
A questão que é apresentada é que Thot opta pela escrita, vista como um
remédio – auxiliar da memória -, enquanto Thamous é a favor da phoné – ou a ineficácia
deste remédio à fala plena do Deus-rei-sol-pai. Na verdade, o que se revela é que a decisão
é ilusória, já que a propriedade do phármakon - remédio ou veneno - é indecidível.
A tradução de phármakon por remédio, segundo Derrida, não é totalmente
inexata. Como um bom vendedor que oferece seu produto, Thot a usa como remédio e a
vende como produto. No entanto, o próprio Platão desconfia do phármakon, já que não há
remédio inofensivo. O phármakon jamais pode ser simplesmente benéfico
72
.
Mas há uma nocividade no phármakon que é apontada sempre que todo o
contexto autorizar sua tradução por remédio em vez de veneno. Há uma desconfiança
gerada em torno de que a doença natural do vivo é uma alergia, uma agressão a um
elemento estranho ao organismo. Dessa maneira, o phármakon é remédio que irá combater
esta alergia, e, portanto, ele é um veneno.
Por isso é que, segundo o rei e sob o sol, o phármakon é nefasto. Ele é exterior,
e estrangeiro, ele não é daqui. Essa exterioridade implica que o phármakon é um
71
- Op.cit.loc.cit.
72
-“Se desviar do curso normal e natural da doença, o phármakon, é portanto, o inimigo do vivo em geral,
seja ele são ou doente.”. Id.Ibidem. p.47
61
suplemento perigoso. Derrida explica que ele entra por arrombamento justamente naquilo
em que não gostaria de precisar dele, como a memória. A memória, segundo ele, é por
essência finita, ela precisa de signos para lembrar-se do não-presente. É precisamente nesta
questão que se observa que o phármakon entra em ação, mesmo que Platão
73
aspire a uma
memória signo, sem suplemento. Mesmo que a escritura seja exterior à memória, ela a afeta
e a enfraquece.
Neste jogo armado no âmago da Farmácia, a pharmacéia
74
é a primeira malha
do texto platônico. Significa a administração do phármakon, ou seja, da droga e/ou veneno,
que remete ao phármakon e vice-versa, antecipando o phármakon e instaurando a
ambivalência. “Sua presença não é fruto do acaso (...) nome que designava a administração
do phármakon, da droga (remédio e/ou veneno), era empregado corretamente como
envenenamento”. (SANTIAGO,1976, p.63).
Reforçando o que já foi dito, o phármakon é visto como uma não-substância e
uma não-essência, sem origem presente, tanto pode ser veneno como remédio. Não existe
um sentido fixo, o que também lhe confere uma não-identidade. É o elemento indecidível
que não pode ser apreendido pelas oposições binárias. Funciona como um filtro do
conhecimento, pela sua capacidade de passar de um significado a outro, por sua
reversibilidade original. Na arte, por exemplo, Platão refere-se a ele como um sinônimo da
pintura, em que a cor artificial opõe-se ao desenho natural e vivo
75
.
O pharmakeus, em grego, designava simultaneamente, mágico, feiticeiro,
envenenador. É o papel de Sócrates nos diálogos platônicos, é o filósofo quem designa o
próprio método dialético. Ele volta para o significado privilegiado do phármakon
76
. Derrida
73
- “A escritura aparece a Platão como essa sedução fatal da reduplicação: suplemento do suplemento,
significante de um significante, representante de um representante.” Id. Ibidem. p.56.
74
- Narra o mito, no momento que Pharmacéia (Pharmakéia) brincava com o vento boreal, empurrou a virgem
Orítia, precipitando-a no abismo. Das próprias circunstâncias da sua morte nasceu a lenda de seu rapto por
Boreás. Derrida descreve que Sócrates conta o mito com escárnio: por seu jogo Farmacéia levou à morte uma
pureza virginal e um íntimo impenetrado. Id.Ibidem. p.14.
75
- SANTIAGO, Silviano (Supervisão). Glossário de Derrida. Rio de Janeiro, Livraria Francisco Alves
S.A.,1976. p. 65. No jogo platônico, o phármakon tem o caráter de uma “decisão” – opção por um dos pólos
de significação – o que melhor lhe convém.
76
- A significação do phármakon pode ser decidida por uma questão de poder, o que melhor convém. Derrida
coloca sob rasura as dicotomias hierarquizadas - Há uma hierarquização quando um dos pólos foi
marginalizado. Ex. o bem sobre o mal.
62
afirma que o phármakon socrático age “como um veneno, um tóxico, uma picada de
víbora”. (DERRIDA, 1997, p.40).
Derrida (1997, p. 66) complementa que “o que há de comum, em todo caso,
entre a fala socrática e a poção venenosa é que elas penetram, para se apossar , na
interioridade, a mais oculta da alma e do corpo (...) e quando não age como o veneno da
víbora, o sortilégio farmacêutico de Sócrates provoca uma espécie de narcose, entorpece e
paralisa na aporia
77
como a descarga do torpedo”.
Há um jogo, um movimento de opostos, que autorizado pela ambivalência do
phármakon reverte-os e os faz passar de um para o outro – corpo/alma, bem/mal,
dentro/fora, memória/esquecimento, fala/escrita. É dessa forma que a escritura, como
suplente do sensível, visível e espacial da mnéme, verifica-se benéfica para a alma.
Apreendido como mistura e impureza, o phármakon comanda o movimento, o
lugar e o jogo. Ele ameaça a pureza e a segurança interior, que só podem ser restauradas
acusando a exterioridade, sob a categoria de um suplemento que não é essencial, mas é
nocivo à essência.
Dessa maneira, o verdadeiro e o não-verdadeiro são espécies de repetição, em
que “a não-verdade é a verdade, e a não-presença é a presença”.
78
Essa explicação é dada
através da questão em que a desaparição da verdade, como presença originária, é, segundo
Derrida, “ao mesmo tempo, a condição de possibilidade e a condição de impossibilidade da
verdade”
79
.
A oposição do verdadeiro e do não-verdadeiro são tautológicas, porque elas se
fundem numa mesma estrutura, na qual “na falta de uma unidade plena, uma outra unidade
vem supri-la, sendo ao mesmo tempo a mesma o bastante e a outra o bastante para
substituir acrescentando”
80
, como acentua a questão da suplementaridade. Isso significa,
conforme aponta Derrida, que não se pode separar uma repetição da outra, pensá-las à parte
uma da outra. É dentro desta reversibilidade que o phármakon é pensado, porque não tem
identidade.
77
-A significação da aporia dá o tom exato do phármakon socrático.
78
- Idem, p.121.
79
- Op.cit.loc.cit.
80
- Op.cit.loc.cit.
63
Observa-se que no mito, sem conseguir ter querido-dizer a Thamous que o
phármakon era um presente singular, Theuth não retoma a palavra, e a sentença dada pelo
grande rei fica sem resposta.
Derrida completa seu texto evocando a figura de Platão, que após ter fechado a
farmácia, retira-se ao abrigo do sol, em direção ao fundo da reserva, refletindo sobre o
phármakon. Diz Derrida que Platão queria distinguir duas repetições, isolar a boa da má, a
verdadeira da falsa; no entanto, ele verifica que elas se repetem mutuamente, substituem
uma à outra. Mas, observa ele, “elas não se substituem, uma vez que se acrescentam (...)”
81
.
A citação que Derrida faz de Platão transcreve a preocupação que o filósofo
grego tinha em relação a este phármakon. A escrita, para seus futuros leitores, poderia
supor significados diferentes dos que ele apontou. A única coisa que protegeria a escrita de
ser entendida como um pharmakon-veneno seria saber de cor, não escrever, ter a escrita na
alma e não no papel. Diz Platão que:
(...) a maior preocupação será não escrever, mas aprender de cor, pois é
impossível que os escritos não acabem por cair em domínio público. Por isso para
a posteridade, eu mesmo não escrevi sobre tais questões. Não há obra de Platão e
jamais haverá uma. O que atualmente designa-se sob esse nome é de Sócrates, no
tempo da sua bela juventude. Adeus e obedece-me. Tão logo tenhas lido e relido
esta carta, queime-a.
82
Platão reconhece que a autoria de uma coisa escrita é problemática, ele precisa
afirmar que a autoria é de Sócrates. Essa afirmação terá que ser escrita, correndo o risco de
também ser compreendida de forma diferente.
Derrida analisa esta relação existente entre os diálogos socráticos e a
interpretação que Platão dá a eles (lembrando mais uma vez que os diálogos são conhecidos
apenas por intermédio de Platão). Dessa maneira, observando os significados contidos na
Farmácia e nas suas derivações, Derrida acrescenta um termo que Platão não utilizou, o
pharmakós.
Ele faz um enxerto do termo no texto do filósofo grego que não está ‘presente’
no texto Fedro. Pharmakós, que também significa feiticeiro, mágico, envenenador, é
81
- Idem, p. 124.
82
- Op.cit.loc.cit.
64
sinônimo de pharmakéus, utilizado por Platão quando se refere a Sócrates. O pharmakós,
segundo Derrida, representa o mal introjetado e projetado, é o bode expiatório, o mal e o
fora do corpo e da cidade. Benéfico enquanto cura, maléfico enquanto encarna as potências
do mal. É aquele que vem de fora, que está presente justamente por estar ausente. A
ausência passa a ter valor de presença, por ser significativa.
O bode expiatório, embora não presente no texto Fedro, é importante porque
ser bode expiatório é o papel da escritura (e de Sócrates): a escrita foi rebaixada ou deixada
de fora da filosofia porque denuncia que os significados não são tão certinhos assim, que as
pessoas entendem as coisas de forma diferente, que o querer dizer do autor não pode ser
recuperado exatamente como ele quer, que as verdades eternas mudam.
Derrida acrescenta o termo pharmakós no texto de Platão, da mesma maneira
como será feito aqui - o enxerto do indecidível nas obras dos artistas.
Com o olhar emergido da farmácia platônica, segue o discurso em que se
analisa a arte contemporânea, e como a fotografia pode se inserir neste terreno.
3- Um salto no abismo: a imagem na arte contemporânea, ou entrando no
terreno do indecidível
Antes de iniciar a observação da presença da fotografia na arte contemporânea,
é necessário traçar um pequeno panorama para tentar entender a significação da própria arte
no momento presente.
As primeiras implicações referem-se à nomenclatura da arte atual e ao período
no qual ela se insere. Há divergências quanto às nominações dadas à arte atual como
contemporânea e ao período atual como pós-moderno. Segundo a definição mais comum
(FERREIRA, 1975), a palavra contemporâneo, é “(...) aquilo que é do mesmo tempo, que
vive na mesma época, portanto, quando falamos de arte contemporânea (...)”, estamos nos
referindo à arte do momento atual, aquela que é realizada nos dias de hoje. Esta
denominação foi utilizada como forma de diferenciação entre a arte realizada a partir da
década de 1950 e o período anterior próximo, o da arte moderna.
65
A palavra moderno também embute em seu significado o que é mais novo e
atual. Quase um sinônimo da palavra contemporâneo. Em relação à arte, a distinção é clara
e específica: moderno ou modernismo é o período artístico que antecede o período artístico
contemporâneo e que engloba vários movimentos de vanguarda, abrangendo desde a
metade final do século XIX até meados do século XX. Já contemporâneo refere-se à arte
realizada a partir deste período até os nossos dias.
Diante das possíveis abrangências nominais, Agnaldo Farias (2002) sugere-nos
que a palavra contemporâneo foi dada para a arte desta época por falta de uma
nomenclatura melhor, já que este foi um período constituído por um conjunto de
manifestações dotadas de particularidades, reunidas sob a etiqueta simples e genérica de
arte contemporânea.
No entanto, as relações existentes neste conjunto de manifestações estão
alicerçadas em alguns pontos emblemáticos da arte moderna, responsáveis pelo formato
atual da arte. Na verdade, toda modificação artística, nos diversos períodos históricos, está
ligada, de alguma forma, a um percurso, que em alguns momentos mostra-se linear e, em
outros, extremamente sinuoso. Com a passagem da arte moderna e da arte contemporânea,
isso não foi diferente. A arte contemporânea foi e está sendo construída sobre patamares
que ajudaram, tanto a formatar alguns conceitos inovadores, como a romper com algumas
normas e valores.
Falar de arte contemporânea é também falar de artistas e de momentos de
ruptura; no entanto, esta não é uma tarefa fácil, e muito menos simples. Refletir sobre a arte
atual é pensar sobre um conjunto de situações que ainda estão acontecendo, ao contrário de
um momento já vivido e refletido. Esta questão já foi levantada na apresentação deste
trabalho, mas, nas considerações iniciais, alguns pontos já comentados serão retomados
como forma de elucidação do capítulo.
Além da própria nomenclatura, o que mudou na arte contemporânea em relação
à arte moderna foi o caráter da própria arte. Se havia um duopólio
83
nas artes visuais, ele
começou a ser rompido durante as vanguardas modernistas, possibilitando que uma nova
83
- Termo empregado por Michel Archer em Arte Contemporânea – uma história concisa, para definir o
domínio da pintura e da escultura no campo das artes visuais.
66
postura fosse surgindo neste campo. Elementos que não pertenciam ao campo da pintura e
da escultura foram adicionados a estes, permitindo que outros tipos de manifestações
surgissem. As colagens cubistas, acrescentadas à pintura como um pedaço do real e os
objetos tridimensionais fabricados industrialmente, que adentraram no campo da escultura -
o ready-made -, são exemplos de um processo modificador que não se fixou apenas neste
duopólio. A imagem não-manufaturada, como a fotografia, o cinema e o vídeo, passaram a
invadir este território dual. A estes elementos somaram-se as novas posturas dos próprios
artistas, tais como os eventos dadaístas, a performance futurista e os estudos da mente
humana, refletidos no movimento surrealista.
A arte deixou de ser narrativa, saiu do ambiente privado do artista e entrou no
mundo. Houve um afrouxamento das categorias artísticas e uma miscigenação na arte, em
que as fronteiras foram desmanteladas em prol de uma arte que se ramificou em formas e
nomes diferentes – todas elas sob a égide da arte contemporânea.
Pode-se fazer aqui uma pequena ponderação: nem toda arte que é produzida
agora pode ser chamada de arte contemporânea. Muitos artistas ainda se manifestam dentro
de um estilo que se aproxima mais da arte moderna ou da arte de um período anterior. A
arte contemporânea não se fixa dentro de um fazer tradicional que permita que a
compreensão da obra seja estabelecida pelo prisma da transcendentalidade. Diz Michael
Archer (2001, p. 9) que na arte contemporânea “existem poucas técnicas e métodos de
trabalho, se é que existem, que podem garantir ao objeto acabado a sua aceitação como
arte”.
Porém, da mesma maneira que a arte moderna não se pautou em um único
movimento artístico, a arte contemporânea também não se condensa em um único
momento; podemos dizer que a arte contemporânea é composta por três momentos
específicos: o de transição, o de formação e o de afirmação. Aqui, estes três momentos
estão divididos mais pela mudança de estilo da arte que pelos fatos históricos que
culminaram com esta mudança. Não que estes não sejam importantes ou determinantes para
que houvesse esta mudança de estilo, mas seria adentrar em um terreno que exigiria maior
complexidade histórica, e não é esta a preocupação principal deste trabalho.
67
No entanto, convém adiantar que os artistas que estiveram à frente deste
primeiro momento da arte contemporânea tinham a preocupação de retomar o percurso
iniciado por Marcel Duchamp e colocar em discussão se o que eles estavam fazendo era ou
não era uma ação de vanguarda, visto como algo que estava à frente do campo institucional
da arte. Eles não tinham o comportamento típico de outras tendências da História da Arte.
Neste momento, nos anos 60 e 70, ainda não se trabalha com a noção de
circuito ou sistema de arte. Para transformar o trabalho realizado no atelier em arte, o artista
tem que se relacionar com o circuito, o que hoje é mais claro.
O trabalho no atelier é apenas uma parcela, um embrião, que só se tornará obra
quando transitar pelo circuito. A idéia de tornar claro o que se propõe é um circuito que
legitime esta idéia.
A vanguarda, neste sentido, não atendia somente aos campos do circuito
institucionalizado. A vanguarda e o experimentalismo vão trabalhar um campo da
linguagem avançada da arte, à frente das instituições e fora dos padrões tradicionalistas do
mercado de arte.
É neste paralelo que os contornos da arte contemporânea vão sendo delineados.
O primeiro momento, ou o de transição, corresponde ao final da arte moderna, ou seja, a
passagem do Expressionismo Abstrato para a Pop Art, nos anos 50/60; este último,
considerado como primeiro movimento da arte contemporânea. Nesse período, ainda foi
possível pensar nas obras de arte como parte do duopólio pintura/escultura, no qual a
fotografia reivindicava, cada vez mais, seu reconhecimento como expressão artística.
Artistas como Robert Rauschenberg, Jasper Johns, Andy Warhol, Roy Lichetenstein, Claes
Oldenburg, James Rosenquist, entre outros, traziam para a galeria objetos e imagens do
cotidiano, extraídos da banalidade urbana dos Estados Unidos.
As combinações de Rauschenberg (fig.7), nas quais ele mescla objetos do
cotidiano com a pintura, são exemplos de que este duopólio ainda é dominante neste
momento. As imagens advindas, não só da história da arte, mas também dos meios de
comunicação, servem de mote para a criação de suas obras e das dos demais artistas.
68
As fotografias de Warhol (fig. 8), associadas à morte, marcaram um novo
parâmetro do uso da imagem fotográfica na arte.
Figura 7 – Robert Rauschenberg – Monogram, 1955 – 1959
69
Figura 8 – Andy Warhol. Acidente de automóvel na cor branca, 19 vezes,
1963.
70
Fotos de desastres nos tablóides, vítimas de acidentes nas estradas, a cadeira
elétrica, distúrbios raciais, os criminosos mais procurados da América do Norte, o
suicídio de Marilyn Monroe, a consternação de Jackie Kennedy e Elisabeth
Taylor (que, segundo se noticiou, estaria muito doente na época que ele começou
a usar sua face) eram todas imagens que tratavam do tema da morte (ARCHER,
2001, p. 10).
Essa postura de Warhol ligava a imagem fotográfica a um processo de
banalização, impetrado pela própria mídia, conforme relata o próprio Warhol.
Era Natal ou Dia do Trabalho – algum feriado - e, toda vez que você ligava o
rádio, eles diziam algo como ‘quatro milhões de pessoas vão morrer’. Foi aí que
tudo começou. Mas quando você vê uma figura medonha repetidas vezes, ela não
produz nenhum efeito
84
.
A imagem fotográfica passou a ser utilizada por Warhol dentro de um processo
modificador, que não alterava apenas a sua superfície, mas também a forma como era
exposta. A imagem reproduzida inúmeras vezes reforçava a idéia de banalização pretendida
por Warhol, ao mesmo tempo em que inseria um novo questionamento sobre a presença da
fotografia na arte.
O uso da imagem fotográfica, como participante ativa deste momento da arte
contemporânea, também é detectada nas ações artísticas de Yves Klein, que se utiliza da
fotografia para registrar suas apresentações ao público. Ao contrário das imagens de
Warhol, tais imagens não registros jornalísticos trazidos para a arte, são imagens que
registram o processo criativo do artista, que, por sua vez, também passam a valer como
obras.
Pertencente ao movimento Nouveau Réalisme, Klein denominou um
determinado pigmento azul como sendo seu – Internacional Klein Blue. Lambuzando
modelos femininos nus com o tal pigmento, Klein dirigia-as tal como se fossem pincéis
vivos sobre a tela. A série Anthropométries é apenas um exemplo da ação deste artista,
realizada na década de 60 (fig. 9).
84
- Apud op.cit., loc.cit. Entrevista dada por Andy Warhol, em 1963.
71
Figura 9 – Yves Klein. Fotografias da série Antrophometries (no. 74, 64 e 13) e foto de uma
manifestação no atelier do artista (mulher pincel), 1960.
72
Michael Archer (2001) aponta que o movimento francês Nouveau Réalisme era
aparentado com o Happening americano. Enquanto o Nouveau Réalisme trazia um
elemento de espetacularidade pessoal do artista, o Happening indicava apenas a ampliação
dos gestos do Expressionismo Abstrato para o ambiente, grandemente influenciado pela
figura de Jackson Pollock.
Tais exemplos são apenas indicativos da ampla participação de diversos artistas
importantes nesta primeira fase da arte contemporânea, apontando para a modificação
ocorrida tanto no campo da pintura e da escultura, como também na inserção da fotografia
dentro de uma outra visualidade.
Este percurso, que inclui o período de transição e o de formação da arte
contemporânea, é atravessado por posturas diferenciadas, tanto em relação ao objeto-arte,
como ao próprio artista. Movimentos concomitantes e subseqüentes à Pop Art, como o
Minimalismo, a Arte Conceitual, a Arte de Eventos, a Body Art, entre outros, inseriram
outros elementos inovadores que ajudaram a traçar os contornos da arte contemporânea
com mais definição.
O grande questionamento era em relação à pintura e à forma de representá-la.
“Se a pintura alcançou uma realização de suas qualidades essenciais, o que resta para ela
fazer?”
85
. Uma solução, segundo expõe Archer, seria a pintura estender-se à terceira
dimensão, até então campo exclusivo da escultura. Na opinião crítica da época, na voz de
Clement Greenberg, a sucessão de fases desde o Impressionismo, passando pelo Cubismo,
Matisse e Mondrian até o Expressionismo Abstrato, podia ser vista como um
desenvolvimento interno dos meios e possibilidades da própria pintura.
Desta forma, o Minimalismo, quando surge, torna-se, de acordo com Archer,
“um movimento mais usualmente identificado com a atividade escultural, pode ser
entendido, pelo menos em parte, como uma continuação da pintura por outros meios”
86
. No
entanto, o Minimalismo não é visto como um movimento artístico e sim como um
85
- Idem, p. 34.
86
- Op.cit.loc.cit.
73
movimento de conceitos e de ações que caminha no esteio deixado por Duchamp e
Malevich.
Diz a crítica Bárbara Rose (ARCHER apud ROSE, 2001, p. 43) que, tanto a
decisão de Duchamp, com o ready-made, quanto à decisão de Malevich, com o quadrado
preto sobre fundo branco, constituem uma decisão de renúncia. Malevich renuncia a noção
de que a arte precisava ser complexa, e Duchamp renuncia a noção de unicidade do objeto
de arte e sua diferenciação dos objetos comuns.
Donald Judd, quando escreveu seu ensaio Objetos específicos, em 1965, fala
que muito da arte que estava sendo feita não pode mais ser classificada de pintura ou
escultura. Para designar tais obras, ele aplica o termo obra tridimensional.
A famosa frase de Frank Stella, “você vê o que você vê”, resume a condição da
arte minimalista, que não tem a pretensão de representar e nem se referir diretamente à
coisa nenhuma. “Ela não era metafórica, nem se oferecia como símbolo de nenhuma
verdade espiritual ou metafísica”, aponta Archer (2001, p. 41).
A conseqüência do afrouxamento das categorias e do desmantelamento das
fronteiras interdisciplinares, em meados dos anos 70, possibilitou que a arte assumisse
muitas formas e nomes diferentes. Posteriormente, alguns movimentos artísticos, num
exercício de continuidade, receberam o adicional pós, como o Pós-Minimalismo, uma
expressão alternativa de Arte Processo ou Antiforma. Segundo Archer, estes movimentos
sucediam cronologicamente o Minimalismo, apoderando-se das liberdades que ele trouxera
e, no entanto, reagindo contra a sua rigidez formal.
A arte, como idéia, é lançada por Joseph Kosuth, exemplificada na obra Uma e
três cadeiras, de 1965 (fig. 10). A obra compreende uma cadeira de madeira, uma grande
fotografia em preto-e-branco de uma cadeira e uma fotocópia da definição léxica da palavra
cadeira. O questionamento que Kosuth propunha era pensar no jogo recíproco entre
realidade, idéia e representação, numa analogia à filosofia de Ludwig Wittgenstein sobre a
natureza tautológica das proposições matemáticas. Em 1969, Kosuth (apud ARCHER,
2001, p. 62) escreveu dizendo que:
74
(...) uma obra de arte é uma tautologia na medida em que é uma apresentação da
intenção do artista, isto é, ele está dizendo que aquela obra particular é arte, o que
significa que ela é uma definição de arte. Assim, o fato de ela ser arte é
verdadeiro a priori (é o que Judd quer dizer quando afirma que se alguém chama
algo de arte, isso é arte).
Figura 10 – Joseph Kosuth. Uma e três cadeiras, 1965
A interessante observação de Paul Wood (2002) sobre a arte Conceitual
explicita, em outras palavras, a idéia de Joseph Kosuth. Wood associa a arte conceitual a
um símbolo da literatura infantil, Alice no país das Maravilhas , de Lewis Carroll. Ele
analisa que a partir de determinado ângulo, a arte Conceitual assemelha-se um pouco ao
75
gato Cheshire, personagem do livro, dizendo que este aos poucos se dissolve, até que nada
mais reste a não ser um sorriso. Esse é um dos ângulos em que a arte Conceitual mais se
pauta, a dissolução da imagem em prol da linguagem.
A arte Conceitual, por sua vez, carrega uma variedade de significados, mas
pode-se dizer que constitui o terreno “sobre o qual quase toda arte contemporânea adquiriu
sua existência”
87
. A obra de arte pautada na idéia apresenta uma face mutante, não há uma
forma pré-definida que cubra todas as exigências e circunstâncias, e muito menos a questão
de que o artista tem que ter um estilo próprio. A idéia vem em primeiro plano, o resto é
conseqüência do fazer.
Na arte conceitual, a idéia ou conceito é o aspecto mais importante da obra.
Quando um artista utiliza uma forma conceitual de arte, isto significa que todo o
planejamento e as decisões são feitas de antemão, e a execução é uma questão de
procedimento rotineiro. A idéia se torna uma máquina que faz a arte, escreve Sol
Le Witt, em “Tópicos da Arte Conceitual”
88
.
Neste processo do fazer artístico, as idéias vão se concretizando através de
modos diversos. A fotografia torna-se um dos dispositivos que melhor consegue dialogar
com o espaço ambiental, urbano ou não, propiciando que tais espaços sejam vistos como
parte de uma obra. Tipologia de caixas d’água, obra fotográfica realizada em 1972 por
Bernhard e Hilla Becher (fig. 11), que mostra as torres de água e boca de minas, desde o
final dos anos 50, é um exemplo desta explanação. A questão colocada em pauta pelos
autores refere-se ao reconhecimento das estruturas industriais como verdadeiros
monumentos pertencentes à cultura e à civilização do século XX, que funcionam como
esculturas anônimas.
87
- Comentário retirado da compilação de ensaios Rewriting Conceptual Art In WOOD, Paul. Arte
Conceitual. São Paulo: Cosac & Naify, 2002.
88
- Observação comentada por Michael Archer. Arte contemporâmea – uma história concisa. São Paulo:
Martins Fontes, 2000, p.56.
76
Figura 11 – Bernhard e Hilla Becher. Tipologias de caixas d’água, 1972.
Neste viés, situam-se as obras de Robert Smithson - Spiral Jetty (1970)
(fig.12)-, e Richard Long, Caminhando por uma linha no Peru (1972) (fig.13). Quando
Smithson criou esta obra, ele estava preocupado em desenvolver uma teoria da relação
entre um determinado local particular no meio ambiente. Enormes quantidades de rocha e
77
terra foram deslocadas, desde a margem do Grande Lago Salgado em direção ao centro,
formando uma grande espiral. Esta obra, que foi submersa após seis meses de sua
construção, só poderia ser vista caso se sobrevoasse sobre ela ou através das fotos que
registraram sua imagem. Recentemente, os níveis das águas baixaram e revelaram
novamente a obra inteira.
Figura 12 – Robert Smithson. Spiral Jetty. Land Art, 1970.
Já Long mostra uma fotografia tirada durante o curso de uma das suas
caminhadas. Com uma lógica pré-planejada, o trabalho de Long consistia em traçar uma
linha ou um círculo no solo por onde estava caminhando, e fotografá-los. O questionamento
78
surgido com esta obra de Long recai na pergunta sobre onde repousa a arte. O
desdobramento desta indagação recai em uma outra pergunta lançada por Archer (2001, p.
94): “ (...) esta é uma obra em si mesma, ou é lá, em algum lugar dos Andes, que está a obra
real de Long da qual nós, na galeria, vemos apenas a evidência documental?”. A
pertinência desta pergunta de Archer aponta para uma questão que não se restringia apenas
àquele momento, mas que se estende a muitas obras feitas na atualidade.
Figura 13 – Richard Long. Caminhando por uma linha no Peru. Fotografia, 1972.
Tanto Smithson quanto Richard Long, que atuaram na Land Art, perpetuaram
suas obras através da fotografia. Da mesma maneira que a arte de eventos - como o
Happening e a Perfomance -, a Land Art necessita da fotografia para registrar o processo ou
resultado da obra. A fotografia, além de assumir o papel de documento, faz também o
79
papel de obra. A efemeridade das obras destes artistas, que muitas vezes eram deixadas
para se desintegrarem pelas forças da natureza, é uma marca que passa a existir como obras
na parede da galeria, somente como fotografias.
É neste período que a fotografia e o vídeo ampliam seu espaço no campo da
arte, alcançando um novo status. As obras de Bruce Nauman, com circuitos de câmeras ou
fotografias, é uma reiteração de que o processo artístico não se limita a um fazer modal.
Auto-retrato como fonte (1966-70) expõe as relações que o artista quer estabelecer com o
espectador, e ao mesmo tempo com a história da arte (fig.14). Reprisando a obra de
Duchamp, a Fonte (1917), Nauman fotografou a parte superior de seu corpo esguichando
água pela boca.
Figura 14 – Bruce Nauman. Auto-retrato como fonte. Fotografia, 1966-70.
80
Dessa proliferação de ações é que a arte adentra num local que é considerado
como um campo expandido, idéia tomada de Robert Morris por Rosalind Krauss, em 1979,
para falar das formas de arte que continuavam sendo agrupadas sob o título geral de
escultura. A nominação da arte é uma questão problemática, mas é somente a partir dos
anos 70 que a Land Art, Arte Ambiental e Instalação, tornam-se rótulos correntes.
O que se observa é que, nesta ampla conjunção de manifestações artísticas, as
reflexões sobre o período no qual estas estão inseridas refletem os questionamentos
próprios de uma época que ainda não se definiu historicamente. É nesse esteio que brotam
novas nominações que tentam conjeturar o pensamento cultural do momento. As reflexões
sobre o modernismo, a vanguarda, a pós-modernidade e a transvanguarda vão surgir como
uma forma de traçar um contorno para este cenário artístico e cultural.
Diversos autores como Jean-François Lyotard, Jürgen Habermas, Michael
Foucault entre outros, tentam pensar, principalmente, sobre a questão do modernismo e do
pós modernismo.
A questão do modernismo e do pós-modernismo foi muito bem explicitada por
Peters, que aponta o pós-modernismo como uma conseqüência do modernismo. Diz Peters
(2000, p. 19) que:
(...) o pós-modernismo, como um movimento nas artes, é uma continuação do
modernismo por outros meios – a busca por um experimentalismo novo e a idéia
de ‘avant-garde’ continuam. Isto é, o pós-modernismo mantém uma relação
ambivalente com o modernismo, considerado como uma categoria estética.
Segundo Jean-Francois Lyotard (1988, p. 15), o pós-modernismo pretende
designar o conjunto das transformações ocorridas nas regras do jogo da produção cultural e
que marcam o advento das sociedades industriais, ou seja, “as transformações que afetaram
as regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes a partir do século XIX”. Este
conceito foi tornado público por H. Klotz e C. Jenks na discussão sobre arquitetura em
1970, conforme aponta Hans Belting (2006).
81
Habermas, de acordo com Peters (2000, p. 72), “atribui o termo pós-
modernidade à corrente francesa de pensamento, à tradição, como ele diz, que ‘conduz de
Bataille a Derrida, via Foulcault’”. No entanto, Foulcault, que diz não entender da questão
da pós-modernidade, é incluído nela, pelos críticos, pela análise que faz da filosofia do
sujeito.
Em uma entrevista dada a Gérard Raulet, em 1983, explica o que ele entende
por pós-modernidade:
É a idéia de modernidade, de razão, que encontramos em Lyotard: uma “grande
narrativa”, da qual fomos finalmente libertados por uma espécie de despertar
profético. A pós-modernidade é uma ruptura com a razão; uma esquizofrenia
deleuziana. A pós-modernidade revela, finalmente, que a razão foi apenas uma
das narrativas, entre outras, da história; uma grande narrativa, certamente, mas
apenas uma das muitas, que pode agora ser sucedida por outras narrativas
89
.
No entanto, segundo Teixeira Coelho (1995), a própria noção de pós-moderno,
nos dias atuais, não se assenta mais sob o signo do novo.
No decorrer dessa discussão entre modernismo e pós-modernismo, novos
termos são criados em uma tentativa de situar a arte realizada neste período. Do termo
vanguarda, relacionado aos movimentos artísticos do modernismo, surge o termo
transvanguarda. Lançado pelo crítico italiano Achille Bonito Oliva, a Transvanguarda
Internacional proclamava o ressurgimento da pintura nos anos 80.
Diz Oliva (apud ARCHER, 2001, p. 155) que:
(...) a desmaterialização da obra e a impessoalidade da execução que caracterizou
a arte dos anos 70, seguindo linhas estritamente duchampianas, estão sendo
suplantadas pelo restabelecimento da habilidade manual, por meio do prazer da
execução que traz de volta à arte a tradição da pintura.
Oliva quer com isso apontar que a arte não precisa se restringir ao universo das
artes elevadas, ela podia citar qualquer período que quisesse. Tudo em arte já havia sido
feito, restava juntar fragmentos, combiná-los, recombiná-los de maneiras significativas.
Para ele isto significava a morte da idéia do progresso em arte.
89
- Apud op.cit.loc.cit.
82
Conforme aponta Teixeira Coelho (1995), a denominação de Transvanguarda
dada por Oliva, na Itália, recebeu o nome de Neo-Expressionismo na Alemanha, Bad
Painting nos Estados Unidos e Nouveaux Fauves na França, favorecendo que esta
vanguarda da pós-modernidade assumisse roupagens diversas.
Hans Belting (2006, p. 281) adiciona uma observação, ao dizer que o emprego
do fim de alguma coisa, como o fim da vanguarda ou fim do modernismo, muitas vezes é
precedida pelo prefixo pós em um processo contínuo, que não é determinado por um ponto
final, mas por uma vírgula.
É neste cenário que se inscreve o terceiro momento da arte contemporânea, ou
como a arte se faz presente na atualidade do agora-agora. As estruturas se apresentam
mais definidas e seus componentes são mais visíveis; no entanto, como todo momento
presente, algumas observações necessitam de certo distanciamento histórico para serem
melhores percebidas e organizadas.
As experiências realizadas e os caminhos que foram traçados na formação e na
estruturação da arte contemporânea encontram-se mais nítidos. Entretanto, isso não
significa que ela esteja isenta das críticas e da possibilidade de modificar seu percurso.
Comparando-se com a afirmação de Peters (2000, p. 46) sobre o pós-estruturalismo, a arte
contemporânea, tal qual o pensamento pós-estruturalista, é uma obra em andamento.
Dessa forma, o que podia ser considerado um epílogo da história da arte, passa
a ser visto como parte da diferença do pensamento contemporâneo. Não obstante, diz
Belting (2006, p. 275): “a inovação permanece um desejo que hoje se realiza pela mudança
do médium e da técnica”, já que a novidade pode ser alcançada às custas da dessemelhança
com os modelos existentes, completa ele.
Segundo Belting, o novo na vanguarda artística era sempre produzido a partir
dos meios antigos. Hoje o novo está na escolha dos meios, mais do que no conteúdo da
obra. Mas a questão ainda tem um outro lado, continua Belting: “a decisão sobre a arte na
pós-história é tomada ali onde se quer transformar a própria técnica em arte: no produto de
uma fantasia já metatécnica”
90
.
90
- Op.cit. loc.cit.
83
Neste través, a vídeo-instalação de Nam June Paik pode ser considerada
arqueológica, diante das novas obras que trabalham com as novas tecnologias. Mas é
justamente pelo rastro deixado por obras deste calibre que as instalações de Damien Hirst,
os vídeos de Mathew Barney e Bill Viola, realizados desde a década de 90 até agora,
constroem-se dentro de uma primazia técnica que não abandona a busca do novo.
A arte contemporânea, dessa maneira, afirma-se cada vez mais pelas indagações
que causam no espectador e pelo grau de estranhamento que a acompanha. As
interferências urbanas, como o Arco Inclinado (1981) de Richard Serra (fig.15), são apenas
demonstrativos de que a arte não quer se limitar ao espaço da galeria, e muito menos se
resguardar dos olhos incomodados da sociedade. Esta questão é complementada pela
reflexão de Michael Archer (2000, p.46), na qual ele aponta que “(...) a ausência de um
objeto da galeria claramente identificável com ‘obra de arte’ incentiva a noção de que o que
nós, observadores, deveríamos fazer é decidir olhar os fenômenos do mundo de um modo
‘artístico’”.
As dificuldades de apreciação da arte contemporânea por parte do espectador
estão relacionadas com própria obra. Segundo Ricardo Basbaum
91
, a arte contemporânea é
constituída por quatro características.
O conceito de uma autonomia aberta da obra; a instauração de uma nova
subjetividade revelada pela nova relação artista/obra; a intervenção como
condição de atuação da obra contemporânea; e a participação ativa do espectador
(...)
Para Basbaum, o campo ampliado da contemporaneidade é sinalizado por
alguns aspectos da arte contemporânea que indicam “a sua vocação intermídia e
transdisciplinar, remetendo a questões específicas da arte quanto a problemas do campo da
cultura”
92
. O artista não é mais visto apenas como artista, mas como um operador cultural.
91
- BASBAUM, Ricardo. Encontros sobre arte contemporânea e a XXIII Bienal Internacional de São
Paulo”. Ciclo de palestras realizadas no SESC Campinas. 17/10/1996.
92
- Id.ibidem.
84
Figura 15 – Richard Serra. Arco Inclinado, 1981.
85
Esta nova relação do artista com a obra permite que uma nova subjetividade
seja trazida do campo vivencial do artista, em correspondência com os meios tecnológicos
fornecidos pela sociedade contemporânea.
É neste sentido que a fotografia, como um dos elementos deste meio
tecnológico, não é mais vista de forma isolada, mas sim como uma participante ativa de
todo este processo transformador que o universo da arte contemporânea propicia. Ela vai se
transformando à medida que toda sociedade vai se transformando e abrindo as fronteiras
para outras interpretações.
Antes de iniciar o estudo que analisa a fotografia como integrante da arte
contemporânea é importante observar que este pequeno panorama, que foi traçado como
forma de apresentação desta arte, não teve a pretensão de elaborar um tratado sobre este
período, e sim fazer um resumo, no qual nem todos os artistas e nem todos os movimentos
artísticos foram incluídos. Esta é uma discussão que não teve a ambição de ser extensa e
nem conclusiva, apenas é um indicativo de uma situação que engloba um período artístico
e, que, conseqüentemente, apresenta determinadas características que irão dar suporte ao
assunto seguinte. A idéia principal era situar o terreno no qual a fotografia passa a ser vista
como uma obra indecidível.
É importante ressaltar que os momentos assinalados não foram os únicos
determinantes para que essa mudança operada no campo da arte ocorresse. Não podemos
esquecer dos demais tópicos que envolvem o processo modificador, seja ele no campo
social, cultural ou artístico, e que está atrelado, de certa forma, às questões geopolíticas
93
.
A partir da segunda Grande Guerra Mundial, o novo arranjo político foi
institucionalizado, possibilitando que houvesse uma alteração de mercado que também
incidiria sobre a política cultural. O “centro da arte”, que antes pertencia aos países, foi
deslocado para as cidades, em função do crescimento econômico e da “importação” do
produto artístico. Se durante o modernismo este centro localizava-se na Europa, mais
precisamente na França, ele foi deslocado para Nova York. Este deslocamento está
93
- Ver BUENO, Maria Lúcia. Artes plásticas no século XX – modernidade e globalização. Campinas:
Editora da Unicamp, 1999.
86
acoplado ao florescimento econômico e político dos Estados Unidos e à efervescência
cultural desta cidade. Foi neste cenário que a arte contemporânea deu seus primeiros
passos.
4-Um viés sobre a presença da fotografia na arte contemporânea
Falar sobre a presença da fotografia na arte contemporânea é também retomar o
discurso anterior, adicionando a observação sobre a mudança no status das modalidades
que eram consideradas como arte de primeira e segunda grandeza. Tanto a fotografia como
o cinema (incluindo também o vídeo) transpõem o patamar de arte de segunda grandeza
para se equivalerem às categorias que eram consideradas como de primeira grandeza,
como a pintura e a escultura. No entanto, é importante lembrar mais uma vez que, nesse
processo de passagem do moderno para o contemporâneo, os diferentes territórios artísticos
que integram a arte contemporânea acabaram se mesclando em um processo que integra as
diferentes modalidades e impossibilita que haja uma nomenclatura precisa.
Desse modo, da mesma maneira que a pintura e a escultura mesclaram-se,
permitindo que houvesse um deslizamento entre as fronteiras, a fotografia, dentro de uma
outra roupagem, também se deslocou do seu papel tradicional e invadiu outros territórios.
A questão principal deste trabalho incide justamente sobre esta observação: há
algo nesta roupagem que sinalize para a existência de uma nova modalidade que exclui a
fotografia tradicional? Normalmente, a resposta a esta pergunta resultaria em uma escolha
que criaria uma nova categoria ou apontaria para uma solução que resolveria esta questão.
De certa forma, esta seria uma escolha que reconduziria a arte atual ao pensamento
dicotômico do século XIX e não é este o intuito.
Logicamente que a sociedade, de uma forma geral, ainda mantém o pensamento
dicotômico, próprio da herança deixada pela filosofia ocidental. A questão que se pretende,
no entanto, não é negar a existência da dicotomia, excluindo-a como uma possibilidade,
87
mas é fazer o movimento contrário, evidenciando que as possibilidades da multiplicidade
compactuam melhor com a contemporaneidade.
Esta questão é observada pelos pensadores atuais, como o próprio Jacques
Derrida, Zygmunt Bauman e Marshall Berman, entre outros, que preferem avançar em uma
multiplicidade de aspectos, tratando-os como se fizessem parte de um arquipélago, de uma
constelação; sem, no entanto, descartar que as dicotomias e outras tantas relações de
oposição sempre fizeram parte do pensamento da civilização ocidental, e conservam sua
importância e pertinência perante a questão, que elas traduzem numa visão ou teoria do
mundo.
Não se trata, portanto, de apagar a fronteira entre as oposições, mas de
examinar a possibilidade de haver um deslocamento destas oposições. Existe a necessidade
de utilizar a oposição como forma de demonstração das dicotomias existentes, mas também
há a impossibilidade de lhe fazer crédito, já que a investigação se pauta, justamente, na
indecidibilidade mostrada por algumas situações.
É importante sublinhar mais uma vez que indecidibilidade não é sinônimo de
indeterminação, e sim uma oscilação entre possibilidades em que uma não apaga a outra; o
que ocorre é um jogo duplo de possibilidade e impossibilidade.
O que precisa ser reforçado é que não há a intenção de se decidir entre um pólo
e outro, ou criar um espaço para discussão apoiado apenas nestas polaridades. Não se trata
de extinguir as possíveis diferenças existentes entre a pintura, fotografia, objeto, ou
qualquer outra modalidade artística, e sim problematizar, lançar um olhar diferente, buscar
uma outra maneira de observar as dicotomias, sem se apoiar em divisões.
Diante desta questão, como parte da estratégia para discutir o assunto, o uso da
dicotomia poderá aparecer como um demonstrativo que perfaz a análise da relação da
fotografia com a arte contemporânea, pelo viés da indecidibilidade.
Partindo do princípio de que a fotografia, desde o momento da sua invenção,
trata, de alguma forma, de várias questões que sinalizam para a indecidibilidade, é que a
discussão sobre este assunto passa a ser visto, não como uma novidade, mas como uma
condição inerente à própria fotografia. Como exemplo, podemos retomar o discurso sobre
a cor que compõe a imagem fotográfica. Se na origem da foto, o preto-e-branco já
88
possibilitava um discurso que questionava a realidade da imagem; o colorido de algumas
fotos, em momento posterior, continua a fazer o mesmo questionamento. Esta observação
que coloca em pauta a questão do real e do não-real, permitindo que haja um deslizamento
entre as duas questões, coloca a fotografia no terreno do indecidível. Dessa maneira, a
fotografia adquire um fundo de resistência, que sempre marcará um dos pólos de análise.
Neste rumo, a análise da fotografia no campo da indecidibilidade não abandona
a sintaxe fotográfica, apenas amplia seu propósito. Há, no entanto, um efeito de
contaminação que não pode ser evitado ou desviado. Portanto, para a discussão sobre a
indecidibilidade fazer sentido, há a necessidade de se ter uma abundância de sentidos.
Esta abundância de sentidos é o que faz com que o discurso sobre a fotografia
na arte contemporânea não se reduza a um único ângulo de análise.
Discutir a fotografia como fotografia ou como uma outra imagem, na arte
contemporânea, não é uma situação tão nova dentre os teóricos que enfatizam a situação
que mais lhes parece relevante no momento.
Um dos aspectos levantados considera a condição na qual esta imagem é
captada e por que ela se tornou arte. A discussão para esta observação situa-se em dois
níveis que se alternam e, que, ao mesmo tempo, se aproximam: a imagem que é captada por
um instrumento mecânico (analógico ou digital) que reproduz a realidade visível com o
intuito de documentá-la; e a captação desta imagem através do mesmo instrumento
mecânico, como meio de criação. Neste último caso, o que se vê é que a imagem
fotográfica é a desencadeadora de um processo artístico
94
, cujo produto agrega valores
ligados à auto-referência ou à imanência da imagem.
Já a fotografia, em seu discurso tradicional, traz embutida uma intenção: ela
documenta, registra, retém uma parte do mundo, mantém uma remetência
95
ao referente,
portanto, ela tem transcendência, ela estabelece relações entre o espectador e a imagem.
94
- É importante frisar outra vez que os dois processos mencionados estão sendo observados dentro do campo
da arte, não estamos falando das demais funções da fotografia, como a fotografia antropológica, a fotografia
de identificação, a fotografia de família, entre outras.
95
- O vocábulo remetência, por ser um neologismo que ainda não foi dicionarizado, será usado em itálico.
Subentende a condição que algumas obras, imagens ou objetos, mantêm com o referente.
89
A questão da transcendência fica bem explicitada quando John Berger, citado
por Leite (2001, p. 30) diz que normalmente “nunca olhamos apenas uma coisa, estamos
sempre olhando para as relações entre as coisas e nós mesmos”. Este é o ponto chave da
significação artística, fato que perdurou na arte até o período moderno - nunca olhamos
alguma coisa sem estabelecermos as devidas relações.
No entanto, se o sentido da transcendência for eliminado, as relações entre o
espectador e a obra não se estabelecerão. A arte contemporânea abdicou deste sentido e
assumiu a sua condição com o real, ela não explica ou remete a nada, ela é. Isto é o que
podemos apontar como caráter da imanência.
O sentido de imanência pode ser exemplificado mais claramente com o
Minimalismo, no momento em que ele rompe com a arte da significação ou da remetência,
assumindo a sua presença no mundo. A obra cúbica de Tony Smith é apenas um cubo, mas,
ao mesmo tempo, também é arte, por estar no espaço da arte - a galeria - e ter sido pensada
como arte.
Esta obra, que dá início a este movimento, não traz nenhuma imagem
simbólica, nenhuma contestação, ela é o que ela é, na sua própria significação – ela é
imanente -, portanto, ela está na vida, ela está no mundo; e, segundo Colpit apud Batchelor
(1999, p. 8), este “é um mundo sem fragmentação, um mundo de unidade sem costura”,
conceito complementado por Rosalind Krauss conforme o mesmo autor (1999, p.8), quando
se refere ao minimalismo como “um mundo sem centro, um mundo de substituições e
transposições em parte alguma legitimado pelas revelações de um tema transcendental”.
A arte contemporânea traz na sua bagagem este novo valor, a imanência. A
condição imanente não permite que o espectador estabeleça relações com a obra ou que
traga significações que não pertençam à própria obra. É, dentro deste quadro, que a
fotografia se insere na arte contemporânea, como parte de uma imagem que carrega esta
condição, mas que não se fecha a ela.
Desta forma, a fotografia pertencente a este campo vem demonstrar que o que
está em jogo é o conceito da obra e não só a representação. O caráter de confecção da
imagem, em uma relação com a pintura – feita à mão ou feita mecanicamente – não
90
determina o seu valor; na verdade, o principal é a própria imagem, e, conseqüentemente,
como a sua presença se concretiza no campo da arte.
Diante destas observações, não se pode estudar a fotografia utilizando-se o
campo de análise da própria fotografia, como também não se pode observá-la como
concorrente da pintura ou de outra modalidade. É necessário trilhar um caminho que não a
compartimente como modalidade, em um processo de isolamento ou exclusão, e sim que
ela seja observada como uma das células que compõem este corpo chamado arte.
O respaldo principal para o desenvolvimento do trabalho está contido na
própria significação do que é a arte contemporânea, e na sua própria filosofia.
4.1 Em busca de um léxico
Percebe-se, porém, que esta imagem integrante da arte contemporânea traz um
fator de dúvida: há como denominá-la adequadamente? Criar uma nomenclatura que a
especifique não seria compartimentá-la, segregá-la? Mas, por outro lado, como reconhecê-
la? São questões como estas que levam esta discussão para um caminho que,
possivelmente, não forneça respostas.
Diversos autores perseguiram este intento, demonstrando um esforço de
conceituar e contextualizar tal imagem. Jacques Rancière, na conferência proferida no Sesc
Belenzinho em 2005, denominada Política da Arte, trata deste assunto quando se refere à
fotografia dentro do contexto da arte como Fotografia objetiva: “[..]Trata-se do privilégio
concedido em várias exposições contemporâneas à chamada fotografia objetiva”.
96
Na tentativa de interpretar o que Rancière diz, observa-se que esta fotografia
objetiva é uma imagem, em sua maior parte, que não tem transcendência, é uma imagem
que se volta para si mesma, para si própria. Pode-se dizer que ela é tautológica, fato que
também se aproxima de Carlos Fajardo, quando se refere a este tipo de imagem fotográfica,
96
- Jacques Rancière – A Política da Arte . Texto publicado em razão do encontro internacional sobre estética
e política - SESC/Belenzinho – São Paulo – abril de 2005.
91
como uma fotografia imagética
97
. Tais observações tentam explicar o caráter imanente da
imagem fotográfica na arte contemporânea e a necessidade de diferenciá-la da fotografia
tradicional.
Já Rubens Fernandes Jr. utiliza o termo fotografia expandida
98
, baseado no
termo análogo, aplicado à escultura por Rosalind Krauss. Outros autores, segundo
Fernandes, também buscaram uma terminologia que nomeasse esta imagem, como
fotografia contaminada, fotografia precária, entre outros. Jean-Marie Schaeffer (1996)
intitula um dos seus livros como A imagem precária, entretanto, a abordagem deste livro
segue uma análise mais semiótica, distinta das considerações levantadas aqui neste
trabalho.
Todas estas possíveis nomeações são formas válidas para criar um diferencial
para a fotografia no campo da arte contemporânea. Porém, encontrar um novo léxico que
possa ser adequado completamente a esta fotografia tornou-se um desafio desnecessário.
Esta imagem considerada sem léxico ou com muitos, que transita entre a
fotografia tradicional e esta nova forma, traz um caráter ambivalente de difícil nominação,
porque ao mesmo tempo em que ela é uma nova obra, também não deixou de ser uma
fotografia. Há, como já se observou, uma resistência própria da imagem que faz com que
ela não abandone sua condição. Por outro lado, esta condição se assemelha a uma roupa
emprestada que não se amolda muito bem ao corpo de quem a usa. Fica a impressão de que
houve um arranjo para que um se adequasse ao outro. A indefinição e a ambigüidade
provocadas por esta imagem colocam-na no campo da indecidibilidade, como uma imagem
adjetivada como indecidível. É importante ponderar que esta adjetivação não implica uma
denominação, é apenas a constatação de que esta imagem desliza entre vários significados.
Cabe aqui uma nova ressalva, que julgo ser relevante para o assunto e para esta
situação nominativa. Como forma de diferenciação da fotografia tradicional, em alguns
momentos, esta imagem indecidível será mencionada apenas como imagem fotográfica e
97
- A mesma questão também foi levantada por Carlos Fajardo – artista plástico e professor de Poéticas
Visuais, da ECA/USP - durante um dos seus seminários realizados em Campinas, entre 2000 e 2004.
98
- No colóquio Convergências na Arte Contemporânea, realizado entre 7 e 9 de junho de 2006, no Auditório
do Instituto de Artes da Unicamp, Rubens Fernandes empregou o termo fotografia expandida como referência
a esta imagem que pertence ao campo da arte contemporânea advinda do campo da fotografia - tema de sua
pesquisa.
92
não como fotografia. Esta indicação é para não criar um peso de decisão que privilegiaria
um dos pólos desta análise.
É relevante, aqui, fazermos uma pequena advertência que facilitará o
entendimento da proposta: neste caso, esta imagem fotográfica não corresponde
necessariamente à arte fotográfica e nem à fotografia artística – o sentido dado à arte
fotográfica, a meu ver, está mais ligado ao bom uso da técnica fotográfica; enquanto o
termo fotografia artística alude a uma imagem com pretensões estéticas, mas que passa ao
largo da arte. Este termo, apesar de ser utilizado até hoje para designar a fotografia que
pertence ao campo da arte, sofreu um desgaste devido ao uso indiscriminado, o que lhe deu
um caráter pejorativo, transformando qualquer imagem considerada bonitinha em
fotografia artística.
Outra situação de conflito percebida é a distinção que se faz entre fotografia
contemporânea e esta imagem fotográfica. Normalmente pode haver uma confusão entre
estas duas atuações da fotografia, já que esta distinção é construída sobre uma linha tênue,
que não é definida apenas pela imagem, mas sim pelo caráter da obra. Desta forma, nem
sempre a fotografia contemporânea insere-se no campo da arte contemporânea; o que
ocorre é um deslizamento de conceito e de proposta que afeta o caráter da obra. Uma
mesma fotografia, por exemplo, pode tanto servir para uma campanha publicitária como
para uma galeria de arte; o que vai decidir em qual setor ela se encaixará é a função e a
valoração que lhe é atribuída. Não que uma possibilidade exclua a outra, novamente é bom
ressaltar que as invasões de territórios fazem parte de uma prática comum na pós-
modernidade.
A questão da plasticidade da imagem é um outro fator que distingue o fotógrafo
comum do fotógrafo artista. Geralmente esta é uma diferença que ocorre entre o fotógrafo
que produz apenas fotografias dentro de um maneirismo estético, e o artista que gera
imagens fotográficas, como parte da produção de uma obra artística. Enquanto o primeiro
pode enfatizar somente o produto através da técnica, do domínio da máquina, da construção
plástica da imagem, o segundo está voltado para as duas situações: processo e produto. A
idéia, o conceito, que desencadeou a imagem e que irá nortear a produção da obra é tão
importante quanto a obra final.
93
Em muitos casos, o artista contemporâneo nem sempre se importa em obter um
resultado presumido, ou em ser o autor efetivo da imagem; às vezes, até um resultado
considerado infeliz para um fotógrafo, serve ao artista; não há, necessariamente, uma
preocupação estrita com a imagem no sentido de perfeição técnica. Um acidente
fotográfico, por exemplo, pode ser a mola propulsora para a construção de uma obra, o que,
no entanto, não invalida o processo técnico bem acabado. O artista, neste caso, usa a
fotografia como um recurso e não como um fim.
A imagem fotográfica na arte contemporânea agrega todas estas questões, ao
mesmo tempo em que gera novas indagações quando atrela outros fatores, como a
apropriação e o hibridismo.
O que se percebe é que a elasticidade, tanto conceitual como procedimental
desta imagem nesta área, dificulta que haja uma nominação única que seja sintetizada em
uma única palavra ou numa única idéia, já que esta dificuldade classificatória advém da
mistura de fronteiras que acontece em todos os níveis e etapas, tanto de produção quanto de
apresentação. Para Rubens Fernandes Jr.
99
, é a transgressão do fazer que define esta
fotografia instável, possibilitando que o hibridismo ou a mestiçagem da arte contemporânea
dêem o tom adequado a esse discurso. Entretanto, há um pêndulo que oscila entre estas
fotografias, promovendo que todas as abordagens sejam consideradas válidas,
impossibilitando que ele se fixe em um único ponto ou que incite a uma denominação. A
partir desta questão, que permite novas contextualizações, esta imagem fotográfica segue
sem um léxico definitivo.
4.2 – A imagem fotográfica no papel de phármakon imagético
Como já foi observado, o phármakon é uma droga que tem o poder de curar ou
de matar, de acordo com a dosagem utilizada. O phármakon imagético foi pensado numa
relação analógica com as reflexões deste filósofo, a partir das considerações observadas na
99
- Idem.
94
própria arte contemporânea. O deslizamento das significações das obras contemporâneas
permite que esta transposição ocorra mediante um viés interpretativo de quase equivalência.
Logicamente que esta transposição não irá ocorrer em paralelo com as idéias de
Derrida. Elas servirão de esteio que ajudarão a sustentar a hipótese levantada neste estudo,
dentro do enfoque pretendido, que é analisar a imagem fotográfica como um indecidível. O
papel de phármakon imagético passa a ser atribuído, à medida que esta imagem funcione
como uma droga (remédio ou veneno) no território da arte.
O primeiro encontro do espectador com esta imagem indecidível promove que o
pêndulo de análise funcione como um ímã, indicando uma polaridade como sendo a
verdadeira. A aparência externa desta imagem, a parte mais visível que constitui a primeira
camada, leva o espectador a observar esta imagem apenas como uma fotografia. Neste
primeiro momento, toda a análise estaria voltada apenas para o estudo da sintaxe
fotográfica, já que a sua outra, ou outras significações, ainda não haviam sido detectadas.
Há uma pré-disposição do espectador incauto para que esta imagem seja
percebida apenas pela polaridade dominante, aquela que está ligada à hierarquização. A
imagem fotográfica traz na sua essência, no seu âmago, o traço de ser fotografia, o que lhe
impele dar o tom hierárquico para esta imagem. No entanto, a imagem fotográfica, quando
observada na arte contemporânea, não se atém a esta polaridade. A dicotomia ser/não ser é
colocada sob suspeição, o que promove que esta imagem não se fixe em nenhum dos dois
pólos – fotografia ou não-fotografia. Esta imagem desliza entre um significado e outro, de
acordo com a intenção ou a significação que lhe é atribuída. Por outro lado, não existe um é
que se reduza à aparência ou que esteja encoberto por outras camadas que camuflem seu
verdadeiro significado.
Na linha desta análise, Derrida faz uma observação entre a leitura e a escritura,
na qual ele salienta que
(...) se há uma unidade da leitura e da escritura, como hoje se pensa facilmente, se
a leitura é a escritura, esta unidade não designa nem a confusão indiferenciada
nem a identidade de todo repouso; o é que une a leitura à escritura deve descosê-
las. (DERRIDA, 1997, p. 7)
95
Portanto, não existe um ponto que permita uma interpretação segura do leitor
desta imagem.
Derrida aponta que a pintura também é vista como um phármakon. Platão
compara a escritura à pintura, explicando que a cor não natural, mas a tinta artificial, a
tintura química que imita o cromático dado nas coisas faz da pintura um phármakon,
condenada como uma arte da imitação, porque está distanciada da verdade, tal como a
escritura. No entanto, tanto a escultura como a pintura são artes silenciosas, diferente da
poesia que imita a voz de viva voz, considerada mais distanciada ainda da verdade. O pintor
ou o zoógrafo, aquele que faz a pintura representativa de acordo com o modelo vivo, não é
o autor (gerador) e nem o artífice, é o imitador que está distante três graus da verdade
original. O primeiro grau é a idéia do objeto (ex.a idéia de cadeira), o segundo grau é a obra
do artífice (a cadeira feita pelo marceneiro), o pintor distancia-se mais um grau porque sua
obra só representa algo que está presente na realidade, mas está destituída de uma função e
de uma idéia.
Derrida evoca Platão dizendo que “o pintor, sabe-se, não produz o ente-
verdadeiro, mas a aparência, o fantasma” (DERRIDA, 1997, p. 78). Dessa maneira, a
imitação é o que ela é. A fotografia assemelha-se à pintura na medida em que ela reproduz
o real, mas isso não a torna parte da realidade, já que ela não reproduz o ente verdadeiro,
apenas o seu fantasma.
Em uma transposição de significados com A farmácia de Platão, podemos
dizer que a escritura está para a imagem fotográfica assim como a oralidade está para a
fotografia tradicional. A fotografia no sentido tradicional aproxima-se mais do discurso,
em que ela é vista como um recorte de uma realidade. A imagem fotográfica distancia-se
desta pretensão quando se volta para um discurso centrado na própria imagem e no
universo no qual ela está inserida como obra. No que concerne ao território onde acontece
este embate, local onde se desenvolve o jogo e ocorrem os opostos, a arte contemporânea
pode ser colocada como um equivalente da Farmácia, no qual, tanto a fotografia, como a
imagem fotográfica, passam a ser observadas como pólos deste jogo.
É neste território que se articula toda a encenação do phármakon. A imagem
fotográfica é oferecida como um remédio que irá ampliar a contextualização da própria
96
fotografia no campo da arte, alçando-a a um patamar mais elevado. Mas é também um
veneno, na medida em que pode aniquilar a sua existência como uma modalidade
individual.
Dessa forma, a imagem fotográfica age como um phármakon, que funcionará
como um suplemento da fotografia. Ele apresenta-se à arte como um elemento que irá
acrescentar significados a esta imagem, num processo metonímico de substituição.
Neste jogo promovido por este phármakon, cabe a esta imagem fotográfica o
papel de suprir, e não suprimir, na arte contemporânea, a fotografia. Não é um processo de
substituição ou de negação. Este phármakon imagético beneficia a fotografia tradicional
quando aponta para um caminho que pode ser lido como uma evolução, ou uma forma de
presença na arte contemporânea. Mas, por outro lado, passa a ser visto como um veneno
que pode matar sua condição anterior, a de ser só fotografia. Neste segundo caso, ela deixa
de ser a portadora de uma verdade, na medida em que se distancia do seu significante. Esta
seria a nocividade que este phármakon imagético apresenta, no qual a dosagem da droga
levaria o paciente à morte.
Quando Derrida (1997, p. 50) diz que o phármakon produz o jogo da aparência
a favor da qual ele se faz passar por verdade, ele aponta a possibilidade de, a partir da
detecção da presença do phármakon , optar-se por uma das polaridades e cair justamente na
dicotomia.
A imagem fotográfica, vista pela sua aparência externa, faz-se passar pela
verdade, que seria a fotografia tradicional. Esta, no entanto, é uma situação que se atém à
exterioridade da imagem e que está atrelada ao resíduo fotográfico que esta imagem
mantém.
Seguindo ainda a lógica do phármakon, a imagem fotográfica não pertence ao
universo exclusivo da fotografia, ela é estrangeira neste universo, e, portanto, nefasta à sua
essência.
Diante disso, a fotografia, como portadora de uma verdade – a de ser fotografia
- sente-se agredida por este phármakon, que vem de fora. Mas esta imagem phármakon, por
outro lado, precisa de legitimação. Ela precisa ser aceita no cenário da arte, pelo deus–pai
97
que a rege (os mecanismos culturais que favorecem esta legitimação), já que não é vista
apenas como um complemento da fotografia, e sim como uma nova obra.
Derrida, quando observa que Platão desconfia do phármakon (já que não há
nenhum remédio inofensivo, e, portanto, jamais pode ser simplesmente benéfico) promove
que esta mesma desconfiança seja deslocada para este phármakon imagético. De certa
maneira, ele também não é inofensivo, já que promove uma mudança na percepção do
espectador de como esta imagem se insere no campo da arte contemporânea e o que ela
pode representar nesse processo de inclusão. Ainda este phármakon, tal como a escritura,
coloca em dúvida a questão da mnéme, da referência, do transcendente - tudo que diz
respeito à semântica fotográfica, no qual ela se apóia.
No entanto, se toda imagem fotográfica for vista apenas como uma obra
autóctone, que reduz a fotografia a nada, valendo apenas como uma outra obra, a
nocividade do phármakon imagético é novamente ativada, indicando que o pêndulo se
direcionou ao outro pólo da dicotomia. De acordo com esta posição, a imagem fotográfica
agiria como uma agressora ao status alcançado pela fotografia, o que, de certa forma,
assemelha-se à reação da pintura frente à fotografia nos seus primórdios.
O benefício promovido pelo phármakon imagético é que a imagem fotográfica
pode ser dada como suplente do sensível e do visível. Ela acopla outros significados que a
fotografia tradicional não oferece, portanto, nesta situação, ela é benéfica à alma e benéfica
à arte. E é, por esta razão, que a observação desta imagem também se desprende das
análises exclusivamente centradas apenas nos signos, no referente e na referência,
pautando-se em outras observações. Não se trata de descobrir a polaridade certa, mas de
observar o deslizamento que as suas situações podem promover, desconstruindo as
oposições.
É importante lembrar que desconstruir as oposições não é neutralizá-las ou
apagá-las. É preciso um gesto duplo, em que a inversão das polaridades e a criação de algo
novo façam parte da análise pretendida.
Na primeira fase deste gesto duplo, não se pode fiar nas oposições bem
demarcadas, como também não se pode extingui-las. As oposições não estão em uma
relação pacífica, ou em pé de igualdade de uma com a outra. Há uma violenta
98
hierarquização, na qual um dos termos comanda o outro do alto, de cima, dizendo qual
caminho seguir.
Também não há como esquecer que a antecâmara da imagem fotográfica é a
própria fotografia, ou seja, a fotografia é a imagem geradora que antecedeu e possibilitou a
criação desta outra imagem: a imagem fotográfica.
É no entrelaçamento das significações entre a fotografia tradicional e a imagem
fotográfica que as análises das obras dos artistas será traçada. O novo, fornecido por esta
análise, faz parte da segunda fase deste gesto desconstruidor, ou seja, a observação dos
artistas e suas obras.
Quando Derrida (1997, p. 7) afirma que “um texto só é um texto se ele oculta
ao primeiro olhar, ao primeiro encontro, a lei da sua composição e a regra de seu jogo”, ele
se refere à escritura. Na transposição das reflexões, apontadas neste estudo, o mesmo pode
ser dito em relação à imagem e, mais precisamente, àquela que pertence ao campo da arte
contemporânea. Não há como fazer um desvendamento dessa imagem para que suas
camadas significativas sejam removidas e essa verdade seja revelada, já que não há uma
verdade a ser descoberta. Esse movimento só será permitido desde que as camadas
removidas permitam que se encontrem novas camadas. Não há algo por trás do pano, há
sim um pano envolvendo um pano, envolvendo um pano, indefinidamente. “A única chance
de entrar no jogo”, segundo Derrida, “é acrescentar um fio novo”
100
. É justamente este fio
que se pretende adicionar.
100
- Op.cit.loc.cit..
99
IV - MORADA DOS INDECIDÍVEIS
Com a chave na mão
quer abrir a porta
não existe porta
(Carlos Drummond de Andrade – José)
Morada dos indecidíveis é o lugar onde a imagem fotográfica encontrou seu
endereço. Vizinha do Teorema de Gödel e do pensamento de Derrida, ela complementa
com a sua indecidibilidade este território, ocupado primeiramente pela Matemática,
posteriormente pela Filosofia e também pela Arte.
Diante das condições que foram apontadas, não se pode mais encarar as
modificações ocorridas na fotografia como uma mera conjuntura de momentos específicos
que levaram às experimentações da imagem, dentro do campo exclusivo da fotografia.
Conforme o que já vem sendo apontado neste trabalho, há a necessidade de se seguir uma
nova trilha, que demonstre um outro posicionamento de análise, que leve ao encontro da
questão que trata a imagem como um indecidível.
Desta forma, a trilha que leva ao contato com este indecidível é traçada pela
própria obra. A melhor condição para observarmos o deslizamento que ocorre entre a
fotografia e a imagem fotográfica é realizada através da observação do produto e do
produtor de arte. Somente desta maneira será possível redimensionar a percepção que se
tem da fotografia no campo mencionado, o da arte contemporânea.
Neste momento, faz-se necessário fazer uma interrupção para que uma
observação seja feita. A idéia deste estudo não é fazer uma transmutação pura e simples de
formatos, a passagem dos problemas da escrita para a imagem, mas a de fazer uma analogia
de idéias, mediada por um olhar particularizado. Sem a pretensão de equiparação com
Derrida, a intenção é que esta transmutação ocorra de modo semelhante à que Derrida se
baseou em uma reflexão de Gödel, trazendo-a da matemática para a escrita, em conjunção
com a leitura que fez de Platão
101
. Estou observando as obras dos artistas escolhidos pela
101
- Derrida fala abertamente que não está analisando as obras de Platão, mas a leitura que ele faz do filósofo.
100
leitura que faço destes, em combinação com a leitura que faço de Derrida contida na obra já
mencionada. É importante esclarecer que esta é a visão de um intérprete que busca uma
outra forma de observação, mediada por um olhar particularizado.
Para haver uma apreciação mais circunstanciada das obras escolhidas, este
estudo está dividido em dois blocos distintos. Essa estratégia, que já foi anunciada logo na
abertura deste trabalho, será novamente repetida aqui para evidenciar a forma como ela foi
dividida e pensada.
No primeiro bloco, ou o bloco dos artistas que são fotógrafos, esta abordagem
tratará com maior ênfase a obra de Arthur Omar, que será complementada pela análise das
obras de Rosângela Rennó, Rochelle Costi e Rubens Mano. Em uma tentativa de
demonstrar certas questões inerentes ao papel da fotografia na arte contemporânea, as
obras
102
serão apresentadas de acordo com o viés pretendido pela pesquisa.
O segundo bloco é composto por um único artista, Carlos Fajardo. Pelo fato de
este artista não ser um fotógrafo, dentro da questão técnica do termo, e sua obra situar-se
dentro de uma ambigüidade modal que permite uma reflexão de múltiplos aspectos, é que a
análise sobre a fotografia como uma imagem indecidível torna-se mais consistente.
O assunto é concluído com este artista, em uma tentativa de demonstrar que a
fotografia na arte contemporânea segue a mesma trajetória das demais modalidades que
antes se isolavam nas polaridades determinadas pelo terreno das certezas. Da mesma
maneira estas se deslocaram do campo das certezas para o das incertezas; a fotografia como
modalidade isolada, passa a ser vista dentro de um contexto mais amplo, favorecido pela
multiplicidade e abrangência que a arte contemporânea proporciona.
1- A fotografia na arte contemporânea brasileira I: abrindo os portões
Antes de iniciar a análise pretendida, é importante fazer um pequeno retrocesso
histórico, como forma de situar a relação da fotografia na arte brasileira. Não é do interesse
102
- Em vários momentos, a palavra obra aparece neste trabalho atendendo dois significados: como conjunto
da produção artística de um autor e também como uma produção artística específica. A significação de um
sentido e de outro varia de acordo como o assunto é abordado.
101
deste estudo aprofundar os horizontes históricos além do que se julga necessário. Este é
apenas um perfil desta relação.
A fotografia na arte contemporânea brasileira remete a um passado que foi
traçado por fotógrafos importantes, que ajudaram a construir um caminho consistente
pautado na pesquisa e na experimentação da imagem.
O percurso deste caminho é pontilhado por nomes representativos que cobrem
todo o século XX e avançam no século XXI. Já nas primeiras experimentações de
fotomontagem, realizadas em 1906 por Valério Vieira (fig.16), a fotografia brasileira pode
ser colocada dentro de um discurso inovador compatível com o pensamento vanguardista
da arte européia. Se este é um exemplo isolado que não reproduz a consciência coletiva dos
fotógrafos brasileiros da época, não deixa de ser um demonstrativo do potencial criativo
dos fotógrafos futuros.
Figura 16 – Valério Vieira. Os trinta Valérios. Fotomontagem, 1906.
102
Junto com Valério Vieira, Militão Azevedo, segundo Tadeu Chiarelli (2002,
p.115), “foram os pioneiros do Brasil no uso da fotografia como teatro de suas
individualidades”. Vieira, com a sua obra Os trinta Valérios, desdobra a própria imagem
em trinta personagens; já Azevedo fotografa a cidade de São Paulo como um palco de
transformação, no qual ele se inclui como testemunha ocular deste processo.
Durante as três primeiras décadas do século XX, a fotografia brasileira seguiu o projeto
estético pictorialista, que intentava dar à foto o estatuto de obra de arte. Essa influência
advinda do pictorialismo europeu, movimento que teve início em 1892, estabeleceu as
bases do fotopictorialismo internacional para o movimento clubista, uniformizando sua
produção e definindo-lhe sua identidade. O grupo Linked Ring liderado por George
Davison em Londres, e o Photo Club de Paris, representadado por Robert Demachy,
propunham como modelo a pintura do século XIX. O fotoclubismo brasileiro nasceu
vinculado a essa estética, que só foi rompida em meados do século XX, com as novas
experiências estéticas desenvolvidas no Foto Cine Clube Bandeirante.
Foi através do pioneirismo de fotógrafos como José Yalenti, Thomaz Farkas,
Geraldo de Barros (fig.17) e German Lorca, nos anos 40, que a fotografia brasileira
encontrou sua verdadeira vocação artística, adentrando na modernidade. A fotografia
moderna no Brasil surgida no Foto Clube Bandeirante provocou uma profunda renovação
na prática fotográfica. Dizem Helouise Costa e Renato Rodrigues da Silva (2004, p.37) que
“o pioneirismo desses fotógrafos centrou-se justamente na busca de uma visão pessoal,
desenvolvida intuitivamente, sem um projeto explícito de modernidade”, muito embora
essa experiência representasse o mais puro radicalismo moderno.
As produções não-figurativas de Geraldo de Barros e José Oiticica Filho
chegaram à expressão máxima explorando os limites da própria imagem. Com esta nova
fotografia, pode-se dizer que este foi um dos momentos mais marcantes nesse processo de
ruptura da fotografia que era produzida até então no Brasil. Este novo olhar, vinculado ao
construtivismo e ao concretismo, alçou a fotografia brasileira a um novo patamar,
permitindo que ela seguisse um caminho paralelo à arte que estava sendo realizada neste
momento histórico. O alvo do objeto fotografado desloca-se da figura humana para a
arquitetura, um dos temas favoritos para a exploração dessa não-figuração.
103
Figura 17 – Geraldo de Barros. Abstraction. Fotoformas, 1950.
104
Isto, no entanto, não significa o abandono do elemento humano como tema
fotográfico. Da herança deixada pelos pintores modernistas como Cândido Portinari e Di
Cavalcanti, entre outros que utilizaram o brasileiro como tema de suas obras, a fotografia
dá continuidade a este papel assumindo a função de criar uma nova identidade do povo
brasileiro, através de imagens que não só documentam, mas sinalizam um exercício de
construção de uma linguagem. Seguindo este foco, entre os anos 50 e 60, diversos
fotógrafos com diferentes abordagens, como José Medeiros, Pierre Verger, Maureen
Bisilliat, entre outros, buscaram definir uma representação da identidade nacional.
Foi na década de 80 que a fotografia brasileira foi consagrada no cenário
internacional, com fotógrafos como Miguel Rio Branco, Mário Cravo Netto, Arthur Omar,
Kenji Ota, Sebastião Salgado, que até hoje desenvolvem suas atividades com grande afinco.
Diz Rubens Fernandes Junior (2003) que isso se deveu “à independência política no
fotojornalismo e singularidade na reconstrução do olhar e da imagem brasileira”.
De acordo com Tadeu Chiarelli (2002), a maioridade internacional da fotografia
brasileira, no entanto, foi alcançada a partir nos anos 90, com a visibilidade de obras de
artistas como Rosângela Rennó, Rubens Mano, Rochelle Costi, Vik Muniz, Gal Opido,
Cássio Vasconcelos, e um número considerável de artistas que injetaram na produção
contemporânea um olhar mais expressivo e uma nova atitude experimental.
A fotografia brasileira, dessa forma, integrou-se ao panorama artístico
internacional, igualando-se qualitativamente às produções dos demais países, que antes
comandavam o cenário da arte.
Diante da extensa lista de fotógrafos que trabalham dentro da arte
contemporânea, a escolha dos artistas-fotógrafos para este estudo constituiu um verdadeiro
exercício de dificuldade. Em razão da amplitude de opções, unido ao imperativo de focar os
interesses deste estudo em apenas alguns deles, é que esta escolha assumiu uma condição
seletiva, que não foi pautada pelo mérito do artista, mas sim pela necessidade de reduzir o
foco de análise.
A obra de Omar abrirá este tópico de uma forma mais ampla que os demais,
abrangendo o perfil biográfico do artista, em conjunção com a elaboração das obras que
foram escolhidas. As imagens selecionadas compõem os livros Antropologia da face
105
gloriosa e O zen e a arte gloriosa da fotografia. Duas imagens fotográficas de Rosângela
Rennó - uma pertencente à instalação Duas visões de realismo fantástico e a outra
pertencente à Série Vermelha -, serão incluídas como parte do assunto que abordam as
questões da autoria e do hibridismo que a imagem fotográfica na arte contemporânea está
sujeita. A análise da obra de Rochelle Costi complementa o discurso de Rennó, com as
obras denominadas Toalhas, que foram expostas na Mostra do Descobrimento em 2000 e
uma imagem que foi tirada do catálogo da mostra Más Allá Del Documento, realizada em
Madrid no mesmo ano. Rubens Mano encerra este bloco com três das imagens que fazem
parte da sua dissertação de mestrado, defendida na Universidade de São Paulo em 2001.
1.1 - Arthur Omar e a fotografia antropológica
Conforme escreve Carlos Alberto Mattos
103
, Arthur Omar é um “artista de
estirpe davinciana, que filma, fotografa, desenha e compõe música, praticamente sozinho
(...), resiste bravamente às tentativas de categorizar o seu lugar na cultura brasileira”.
Dentre as classificações mais freqüentes, a de fotógrafo e artista multimídia são as que
estão no topo da lista. No entanto, Omar prefere ser classificado apenas como um artista
amador. Segundo Mattos, esta classificação não está associada a um desmerecimento da
condição de artista ou uma atitude de modéstia, e sim à condição de ser, entre os amadores,
o melhor deles.
Mas as denominações são redutivas diante da inquietude deste artista que
trabalha com diversas linguagens como cinema, vídeo, fotografia, instalações, música,
poesia e desenho. Além da sua produção imagética, escreve ensaios poéticos e reflexões
estéticas sobre arte.
Arthur Omar de Noronha Squeff nasceu em Poços de Caldas, Minas Gerais, no
dia 12 de março de 1948. Aos 12 anos, na década de 60, Omar iniciou sua inscrição no
mundo da arte, com a fotografia; e aos 16 anos já havia participado de vários concursos e
ganhara algumas medalhas. “Durante muitos anos, relata ele, só pensava em fotografia, era
103
- MATTOS, Carlos Alberto. Arthur Omar. Caderno 2 do jornal Estado de São Paulo. 5/11/1997.
106
arte pela arte, puro prazer
”104
. Formado em Sociologia, fez aulas de cinema no Museu de
Arte Moderna do Rio de Janeiro, em 1971. A partir desse momento é que começou sua
trajetória artística propriamente dita, iniciada como diretor de cinema, produzindo diversos
curtas-metragens e um longa-metragem.
Da sua produção cinematográfica, iniciada na década de 70, com os curtas-
metragens Serafim Ponte Grande e Sumidades Carnavalescas e Congo, destaca-se o longa-
metragem Triste Trópico, realizado em 1974, filme selecionado para o Festival dos Três
Continentes, em Nantes, na França, em 1982, em uma mostra retrospectiva do cinema
brasileiro. Os vídeos Nervo de Prata, de 1987, sobre Tunga (1952) e Derrapagem no Éden,
em 1997, sobre Cildo Meirelles (1948), fazem parte da produção de vídeos sobre diversos
artistas.
Na área de vídeo-instalação, fez diversos trabalhos como Tristão e Isolda
(1983), Silêncios do Brasil (1992), Inferno (1994) e Atos de Diamante (1998). São
instalações que podem envolver materiais diversos como monitores de TV, projetores de
slides, objetos, material sonoro documental, música eletrônica e técnicas eletroacústicas.
Dentro do conjunto da obra de Arthur Omar, a instalação, segundo Lígia Canongia (1998,
p.24-25), é considerada “um momento síntese, lugar onde condensa cinema, vídeo,
fotografia e o mundo real, onde insere a experiência na ‘antropologia’ do espectador,
desencadeando aí emoções e sentidos”.
Dos prêmios obtidos constam, entre outros, a Bolsa Vitae das Artes, na área de
cinema, com o projeto Rosa Mística, recebido em São Paulo em 1989 e o prêmio da
Associação Paulista dos Críticos de Arte (APCA), pelas exposições individuais O
Esplendor dos Contrários e Fracções de Luz, ambas em 2001. Em Esplendor dos
Contrários, realizada no centro Cultural do Banco do Brasil, em São Paulo, Omar
apresentou uma série de fotografias de paisagens amazônicas, nas quais o espaço e a luz são
reinventados dentro de uma construção compositiva, que trabalha os efeitos em três
dimensões. Já Fracções da Luz, exposta na Galeria Nara Roesler, uma série de caixas de
104
- GOMES, Alice. Arthur Omar. Disponível em: http://www.estacaovirtual.com/arquivo/
mat1998/omar.html, p.1. Acesso em: 29/08/2006.
107
luz eram mostradas, nas quais a serialidade e a luminosidade de imagens internas dos
suportes eram exploradas.
Participou de diversas exposições individuais e coletivas no Brasil e no
exterior. Em 1997, apresentou na 24ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo, o painel
com noventa e nove fotografias em preto e branco, intitulado Antropologia da Face
Gloriosa, realizadas desde 1973. Algumas imagens deste conjunto foram re-trabalhadas em
2003, para compor a série colorida A Pele Mecânica. Em 2002, foi destaque na 25ª Bienal
Internacional de Arte de São Paulo, com a série Viagem ao Afeganistão, conjunto de 30
fotografias de grandes dimensões compondo “paisagens paradoxais e perspectivas
impossíveis, onde as imagens realizadas na zona de catástrofe, entre Cabul e Bamyan,
desconstroem o olhar jornalístico, apontando para um realismo pós-contemporâneo
”105
.
Em 1997, Omar publicou, pela Cosac & Naify, o livro de fotografia
Antropologia da face gloriosa, e em 2000, pela mesma editora, O zen e a arte gloriosa da
fotografia. Esplendor dos contrários foi, até agora, sua última publicação em livro na área
da fotografia. As referências sobre suas obras em filme e vídeo estão contidas no livro A
lógica do êxtase.
Dessa extensa e multifacetada obra, a análise proposta aqui neste estudo está
centrada nas fotografias e nos textos presentes nos livros Antropologia da face gloriosa e O
zen e a arte gloriosa da fotografia.
Das imagens contidas nos dois livros, algumas delas foram selecionadas para
comporem este trabalho, e serão apresentadas de acordo com a elaboração do mesmo. É
importante elucidar que a abordagem desta análise também se apoiará nos textos
explicativos contidos nos dois livros, como forma de alicerçar a análise pretendida.
Falar da série Antropologia da face gloriosa é também fazer uma retrospectiva
de seu trajeto e de suas ramificações. Esta série faz parte de uma coletânea de imagens,
colhidas ao longo de 25 anos por Omar, mais precisamente entre 1973 a 1998. O êxtase
promovido pela festa carnavalesca carioca é mostrado na sua essência estética, tornando-se
a temática central da série. Durante este período, o fotógrafo saiu pelas ruas do Rio de
105
- Disponível em: http://pt.wikipédia.org/wiki/Arthur_Omar, acesso em: 09/04/2006.
108
Janeiro à procura de suas personagens anônimas, colhendo as experiências fulminantes do
transe carnavalesco
106
.
A imagem intitulada Não te vejo com a pupila, mas com o branco dos olhos
(fig.18) é, segundo Omar, o ponto de partida para a elaboração da série. Foi este auto-
retrato que provocou o conceito que gerou todo o procedimento de captação das imagens.
Diz Omar (2000, p.41) que “mais que um auto–retrato, é quase um programa teórico do
resto do trabalho. (...) Foi alguma coisa física que fiz com meu rosto, que disparou o
conceito”.
Esta série fotográfica que gerou o livro e as exposições correlatas foi
organizada de maneira diferente em cada uma das situações, modificando a forma de serem
mostradas e percebidas pelo espectador. Na 24ª Bienal de São Paulo, as imagens foram
expostas em um único painel, no qual as 99 fotos (de 1mx1m) estavam dispostas em três
fileiras, formando uma única imagem. Dessa maneira, não havia uma particularização de
cada uma e nem uma nominação que as individualizassem. Na exposição do Centro
Cultural do Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, realizada um ano depois da Bienal, as 76
fotos que compunham a exposição estavam organizadas em uma sala branca, de maneira
que o espectador pudesse observar cada imagem separadamente. No livro, as fotos podem
ser apreciadas na sua totalidade e na sua particularidade, uma por página, de acordo com o
tempo do espectador, e mereceram nominações próprias. Sobre esta última questão, disse
Omar que “um bom título tem que valer por si mesmo, e não se referir a nenhuma outra
imagem, a não ser as imagens verbais que ele mesmo carrega dentro de si
”107
.
Duas outras obras complementam a série fotográfica Antropologia da face
gloriosa, o vídeo Infinito contínuo
108
- quase um makking-off da série, em que mostra
Arthur Omar em ação no seu laboratório - e o livro O zen e a arte gloriosa da fotografia.
106
- OMAR, Arthur. Apud. GOMES, Alice. Disponível em: http://www.estacaovirtual.com/arquivo/
mat1998/omar.html. Acesso em: 29/08/2006.
107
- GOMES, Alice. Disponível em: http://www.estacaovirtual.com/arquivo/mat1998/omar.html. Acesso em:
29/08/2006.
108
- É válido esclarecer que o vídeo não integra a análise proposta por este trabalho.
109
Figura 18 – Arthur Omar. Não te vejo com a pupila, mas com o branco dos olhos. Fotografia, série:
Antropologia da face gloriosa, 1973-1988.
110
“O zen e a arte gloriosa da fotografia”, diz Omar, “é companheiro do
anterior”, é o que se pode dizer de um livro de trabalho. É uma rememoração das mesmas
imagens contidas na série Antropologia da face gloriosa, não como reprodução idêntica,
mas com um novo olhar. “As faces gloriosas, que compunham o livro anterior, foram agora
re-fotografadas em locais bem específicos e surgem em situação” (OMAR, 2000, p.5). As
imagens não estão lá em estado puro, há uma interação com o lugar, tanto de produção
quanto de montagem. É nesse momento que se dá o Zen da fotografia, explica Omar. Ao
mesmo tempo em que contextualiza a intenção desta publicação, ele expõe o seu processo
criativo e as suas relações com o objeto fotografado. A visão que Omar tem sobre a sua
própria obra amplia o campo da imagem e se estende aos domínios do antes, durante e após
as construções destas imagens.
O direcionamento de como se olha uma fotografia, como se dá o embate entre
autor e espectador - ou mesmo do autor com ele mesmo - é descrito por Omar neste
segundo livro. A idéia geradora é explicitada textualmente, demonstrando o raciocínio que
comandou o artista no momento da captação, execução e apresentação das imagens. Ele
não renega a questão documental e antropológica que as imagens carregam, mas também
não as compartimenta neste setor. A condição é inseri-las em um espaço mais amplo - a
arte - para que elas não sejam reduzidas a um olhar único e direcionado. Agregar valores
que pertençam a este universo é o pêndulo que faz com que a imagem deslize de um campo
ao outro, sem se fixar numa única vertente. Dessa maneira, a afirmação de Omar confirma
o status dessa imagem: “que tudo o que faço é também uma certa antropologia”
109
. O é
também, professado pelo fotógrafo, é a autorização autoral de uma possível ambigüidade.
Dentro de um dos aspectos possíveis, o formato livro, exclusivo da segunda
publicação, reforça a tese de que as imagens publicadas podem servir como fontes de
pesquisa histórico-antropológica de um determinado povo e cultura. Mas é dentro do outro
aspecto, o artístico, que a condição principal do livro é contemplada e modificada. A
inserção das imagens no ambiente de trabalho do artista e no espaço expositivo promove
um novo registro das imagens originais - são novas imagens das mesmas imagens.
Esta situação é explicada por Omar, que aponta que
109
- Op.cit.loc.cit.
111
“(...) quando olhamos uma foto tomamos consciência de tudo que ocorre em volta
dela, inclusive nós mesmos. Olhar uma foto cria uma espécie de nova foto
daquela foto, que inclui uma foto do olhar daquela foto
”110
.
Dessa maneira, o exercício que o artista demonstra em ver, rever, modificar,
incluir situações e observações sobre o seu próprio produto e o seu fazer, amplia a
perspectiva de observação da obra e do autor pelo espectador.
Sabendo da existência dos dois livros, olhar este segundo livro é retomar o
anterior, em um processo circular contínuo de remetência – no qual o segundo remete ao
primeiro, que, por sua vez, remete ao segundo, e assim por diante. O adicional do segundo
livro e que complementa o primeiro é o enfoque textual dado por Omar, que faz com que
retornemos ao primeiro livro para analisar as imagens puras, deslocadas das situações
ambientais.
No segundo livro, composto basicamente de matéria oral, no qual o artista
reflete sobre a sua busca pessoal no campo da fotografia, é complementado por entrevistas,
conversas, anotações e material bruto surgido durante o trabalho. É a necessidade de Omar
em expor as suas imagens dentro do contexto em que elas se apresentam, analisando-as de
acordo com as suas reflexões. Ele argumenta que a “cada olhar nunca vemos o que está
representado de uma vez para sempre na superfície da imagem. Há sempre o presente da
nossa percepção diante dela e ali tudo é único e singular: Zen é viver no presente
111
. Eis a
razão da denominação desta publicação.
Na construção da série Antropologia da face gloriosa, Omar procurou captar as
expressões faciais detectadas como desvarios, alegria ou tristeza. O titulo que denomina a
imagem Antropologia da face gloriosa (OMAR,1997, p.41), (fig.19), também nomeia a
série. Além da conceituação artística da fotografia, a imagem transfigurada deste
personagem anônimo registra o instante em que o êxtase é visto na sua plenitude,
propiciando que a análise se volte para o momento cultural que o gerou.
110
- Id. Ibidem.
111
- Id.ibidem.
112
Figura 19 - Arthur Omar. Antropologia da face gloriosa. Fotografia, série: Antropologia da face gloriosa,
1973-1988.
113
Lígia Canongia (1998, p.24-25) diz que esta série, “uma verdadeira obsessão
pelo rosto humano, tomada no transe carnavalesco, orienta o artista na criação das faces
gloriosas em pleno êxtase, faces que transformam a visão antropológica à luz da poesia”.
Omar complementa este pensamento, dizendo que:
(....) a face gloriosa é a expressão de alguém que está passando por um momento
de transe, por uma experiência alterada da consciência, por um estado superior ao
seu estado normal, isto pode acontecer com qualquer um a qualquer momento,
despercebidamente. A diferença é que no Carnaval as pessoas estão pré-dispostas
a passar por estes momentos, o que torna a captura de faces gloriosas, mais fácil
nesta época
112
.
Nesta questão, Omar remete às faces gloriosas presentes na religiosidade e na
arte, conforme aponta João Martinho de Mendonça
113
, referindo-se à Santa Teresa d’Ávila,
como especialista das faces gloriosas.
Diz Mendonça que:
(....) trata-se de pensar a galeria de retratos da “antropologia da face gloriosa”
como se fosse uma das moradas da alma (comparada pela santa a um castelo com
vários aposentos ou moradas cuja sucessão indica aperfeiçoamento espiritual)
onde as imagens fotográficas representariam estados ancestrais perdidos (...)
114
.
Neste ínterim, a Antropologia da face gloriosa também promove o diálogo com
o carnaval pelo viés etnográfico, observado por Omar quando aponta que no período em
que captou as imagens houve uma mudança nas expressões, nas roupas, nas maquiagens e
na própria atitude dos foliões, permitindo que este trabalho fotográfico, além da própria
questão estética, fizesse parte de um estudo antropológico destas personagens.
Diferentemente dos fotógrafos que estão à espera do momento perfeito, Omar
se deixou levar pelo acaso e pela liberdade da ação. “No momento que sinto estar em
perfeita harmonia com o outro, meu olho fica imóvel, e é minha mão que entra em ação.
112
- OMAR, Arthur. Apud. GOMES, Alice. Disponível em: http://www.estacaovirtual.com/arquivo/mat1998/
omar.html. Acesso em: 29/08/2006.
113
- MENDONÇA, João Martinho de. Carnaval, etnografia e fotografia: dimensões rituais na obra de Arthur
Omar. Studium 9- Disponível em:
www.studium.iar.unicamp.br. Acesso em: 02/10/2006.
114
- Idem. p.2.
114
Não mudo a velocidade nem o obturador, disparo o botão e aguardo para ver o
resultado”
115
.
É este acaso que acompanha o processo de produção da imagem que reflete sua
alma de artista. “Só quem domina a técnica é capaz de burlá-la”, diz Alice Gomes
116
.
Complementa Omar
117
:
Não adianta você usar um filtro especial, um filme granulado e uma velocidade
lenta para tirar uma foto igual a uma que obtenho por acaso, o que você vai
conseguir é uma caricatura daquilo que eu faço, a diferença é que quando faço
estou me entregando completamente.
Já que elas estão predispostas a serem fotografadas, Omar trabalha com as
lentes normais, sem a necessidade de usar nenhum apetrecho fotográfico especial. Nesta
abordagem natural que ele tem com as pessoas, não há a obrigação de manter-se afastado
ou disfarçado. Há, no entanto, naturalmente, uma tendência a poses. Desmontar as poses
artificiais, diz Omar, faz parte do seu ofício laboratorial, que segue uma relação mais
próxima com o seu estado de espírito do que com a técnica.
O método de revelação do negativo por música, descrito por Omar, demonstra
que o mesmo desprendimento técnico que ele tem na captura dessa imagem, também
acontece no processamento da imagem. “Escolho uma música ao acaso, aquela que tem a
ver com meu estado de espírito no momento, e enquanto durar a música o filme fica no
revelador sendo mexido de acordo com o ritmo da melodia”.
118
É assim que Omar (2000, p.8) explica que as fotos que compõem a coleção da
“‘Antropologia da face gloriosa’ foram capturadas exatamente como as imagens de meus
vídeos: nenhum roteiro, nenhum projeto. No início, é apenas o tema, e nada mais”. Desta
forma, o artista vai descrevendo o processo criativo do seu trabalho. Não há uma pré-ação
ou uma previsão. A questão do ato é o que comanda a ação que vai sendo construída pelo
processo de interação do gesto e pelo processo de interação com o tema. “É o instante em
115
-GOMES, Alice. Arhur Omar. Disponível em: http://www.estacaovirtual.com/arquivo/ mat1998/omar.html.
Acesso em: 29/08/2006.p.1.
116
- OMAR, Arthur. Apud op,cit, loc.cit.
117
- Id. Ibidem. p.2.
118
- Op.cit.loc.cit.
115
que eu e o outro entramos juntos naquilo que chamo de êxtase”, descreve Omar
119
. Este é o
fio condutor para a elaboração inicial do trabalho, que depende das ações posteriores do
artista e da legitimação do espaço expositivo para serem firmadas como obra.
Neste processo de feitura da obra, o artista não está impassível ao meio do qual
esta imagem é captada. Não trabalha como um documentarista que busca de forma
calculada o melhor ângulo, ou a melhor tomada para captar a imagem pretendida. Para ele,
o elemento surpresa, esta centelha infinitesimal que une o fotógrafo ao fotografado no
momento da captação da imagem só pode ser apreendida no momento em que a matéria
bruta será transformada pela granulação, rebaixamento, seleção de fragmentos, ampliação,
corte, recorte, enquadramento. “Uma retrospecção ativa e às cegas de um estado superior
que não deixou traço em mim
120
, diz Omar, já que no momento que a fotografia é
disparada ele não vê nada e não se recorda de nada, tal é o estado de transcendência
atingido por ele, em empatia com a transcendência dos fotografados.
Dessa maneira, a obra Antropologia da face gloriosa denota um sentido de
busca do próprio ser humano, que pode ser relacionado ao sentido do notável falado por
Barthes. Segundo Barthes (1984, p.57), este é um dos papéis da fotografia, ou seja, “em um
primeiro tempo, a Fotografia, para surpreender, fotografa o notável; mas logo, por uma
inversão conhecida, ela decreta notável aquilo que ela fotografa”.
O notável, na fotografia de Arthur Omar, é que ele recoloca o sujeito no centro
substancial da arte, transcendendo a mera questão do registro documental. O registro para
ele está naquilo que desponta nas entrelinhas de uma ação. É a rapidez do flagrante, do
momento-síntese, em que se funde o gesto de quem fotografa e de quem é fotografado. A
perpetuação deste gesto é a tradução de um momento extático próprio. É a transformação
de uma emoção em algo surpreendente, constituída por esta imagem fotográfica.
Na contramão do dizer de Barthes, no qual “a foto se torna ‘surpreendente’ a
partir do momento em que não se sabe porque ela foi tirada
”121
, a fotografia de Omar se
firma como surpreendente pela abrangência conceitual que ela comporta.
119
- Op.cit.loc.cit..
120
- Id.Ibidem. p.10.
121
- Op.cit.loc.cit.
116
Resumindo as questões apresentadas, a preocupação de Omar é estabelecer uma
conexão entre o indivíduo fotografado neste momento de êxtase e o próprio fotógrafo. Não
é simplesmente colher um momento qualquer. É um flagrante mediado pela fagulha deste
êxtase, que foge do intencional. Sua ação, não pautada em uma programação previamente
estipulada, desafia o contexto do fenômeno puramente antropológico que o conceito
homem-mundo traduz, enquanto mergulha nos fragmentos sensoriais desta ligação.
Diante disto, pode-se afirmar que em Arthur Omar não apenas o produto final
tem relevância como obra. O processo que marca toda a sua ação assume uma distinção
valorativa desde o momento inicial quando a imagem é colhida, até o momento final,
quando é exposta, tangenciada pela emoção.
Na interação do instrumento fotográfico com o fotógrafo, a emoção-poética é
traduzida por Omar (2000, p.14) que diz que:
(...) só existem duas formas de arte que utilizam o instrumento de trabalho contra
o rosto. Uma é a arte do violino, a outra é a da câmera fotográfica. Que são
provavelmente instrumentos de uma intensa emoção, de uma intensa vibração
emocional, que executamos com as pontas dos dedos.
A obra, neste sentido, não tem significância apenas no depois, mas também no
ato. Conclui-se assim, que a arte e o artista se constroem mutuamente, numa interligação
que transcende a razão.
Apesar da intenção de Arthur Omar de se distanciar da antropologia pensada
apenas como forma documental de uma ação de um determinado povo, ele traduz a síntese
desta ação, interposta pela sua percepção e imaginação. A forma como reporta à arte se dá
no momento em que estabelece que suas imagens trazem o conceito que foge ao raciocínio
lógico e cai no expressionismo da forma e da cor. Como diz Lígia Canongia (Apud OMAR,
2000)
122
: “a questão ainda é buscar abstrair a realidade, abstrair a forma, tendo em vista a
sua expressividade, a sua passagem de ‘coisa’ a ‘símbolo’”. O objeto da arte emerge do
embate entre o artista e a realidade mundana, transformado pela percepção poética.
Omar (2000, p.10) descreve esta percepção resumindo a sua ação em três
pontos básicos:
122
- Prefácio do livro de Arthur Omar – O Zen e a arte gloriosa da fotografia. p.7.
117
Trabalhar, na “Antropologia da face gloriosa”, diz Arthur Omar, mais que o
refinamento de um determinado estilo, foi o aperfeiçoamento de uma técnica
mental. Tudo isso se afunilou em três idéias clássicas de meu trabalho em
fotografia e principalmente em vídeo:
1- a idéia do ÊXTASE, baseada na vertiginosidade, inconsciência e fugacidade do
estado superior, mas que permite uma conexão entre indivíduos vibrando em
fase;
2- a idéia da INVESTIGAÇÃO LIVRE, em que, muitas vezes, esquecer o que se
sabe é o mais importante do que ter um conhecimento prévio;
3- a idéia da PRIMEIRA VISÃO, o primeiro contato virgem com cada objeto,
condição necessária para a gerar sensorialmente – através do jogo das imagens
que se superpõem ou se sucedem – conceitos, idéias não verbalizadas, sensações
ideativas novas, que só poderiam surgir do trabalho daquela obra em particular.
As três idéias descritas são observadas sob o prisma conceitual que caracteriza a
ação do artista, que utiliza o instrumento fotográfico para realizá-las. A condição de
fotógrafo não é colocada em cheque, é apenas o veículo por onde suas idéias transitam.
A manipulação das imagens em laboratório transfigura a proposição da tomada,
indicando que o processo não se resume ao ato, mas que se estende após este processo –
tanto na manipulação da imagem, como na montagem e na apresentação ao público.
A titulação da série, quase que intencionalmente, indica a outra área de análise
que não se restringe ao universo artístico. A relação imagem e título (Antropologia da face
gloriosa) propicia que as significações entre antropologia e arte possam ser vistas de forma
entrelaçada. O que se vê é que o tema carnaval que dá origem a esse discurso não aparece
explícito, é literário, mas não literal. É a partir daí que se detecta que não há um interesse
por parte do artista, de fazer um registro que siga a linha fotojornalística. O que há é uma
intenção subtendida que conduz o espectador a observar o “estado alterado de
consciência”
123
do ser humano, presente neste momento social específico, pelo mesmo
canal de sensibilidade que guiou Omar.
O próprio Omar (2000, p.58-59) diz que “o carnaval é uma espécie de estado
alterado da sociedade. É a mesma sociedade todos os dias, só que filtrada numa espécie de
Mellita divino”. Portanto, não é o registro antropológico de uma festa popular que é
123
- Id. Ibidem.
118
mostrado, o que aparece é o filtro, é este Mellita divino exposto por Omar que distingue o
trabalho da arte, do trabalho puramente documental.
A arte abre esta possibilidade ambígua. Da mesma maneira que ela invade
outros territórios em busca de repertórios, ela não impossibilita que outros territórios
invadam o seu campo em busca de análises. Neste caso, a antropologia se coloca a serviço
da arte como mote do processo criativo, da mesma forma que a arte devolve à sociedade
suas imagens embaladas diferencialmente.
A possibilidade de se deslizar de uma área a outra, de não compartimentar
significados, faz, desta, uma das características da arte contemporânea, sinalizando para o
comparecimento do phármakon imagético. Se a obra de Omar comporta essa possibilidade
dupla de análise, na qual uma coisa não impossibilita a outra, o phármakon é apontado
como participante deste processo analítico.
Neste momento, a análise encaminha-se para o setor em que ela deixa de ser
examinada pela sua conceituação e passa a ser examinada pelo ângulo do espectador, que
deixa de ser passivo e passa a atuar como um participante da obra (fig.20)
Como já foi mencionado, o processo de feitura das imagens traz, segundo
Omar, o caráter do acaso, mas convém salientar que este acaso não seja confundido com
desordem. Segundo ele, é preciso descobrir a hora certa da ordem, para que este acaso seja
transformado em algo palpável. A captação da imagem pela objetiva, a modificação
ocorrida pelo processo laboratorial, a alteração em obra, a titulação e a montagem, vêm
impregnadas desta sintonia de acaso e ordem. Estes são pontos definidos pelo autor. A
desordem, segundo ele, é dada pelo espectador que, na tentativa de construir uma lógica
interpretativa, se desloca junto com a imagem, desconstruindo uma leitura dada como
provável.
Dessa maneira, dois pontos que comandam a desordem podem ser
estabelecidos: a própria imagem, a ambientação na qual ela está inserida e o caráter da
obra.
119
Figura 20 – Foto de Arthur Omar com as obras ao redor, 2000.
120
Ao primeiro contato, a desordem é comandada pela própria imagem que
provoca o desconforto visual. Não há placidez nas obras de Omar, tampouco há quietude ou
aconchego. As imagens vertiginosas não permitem que o olhar do espectador se fixe em um
único ponto, ele é arremessado fora da relação imagem-espectador. É o que pode ser dito
como uma imagem centrífuga, que joga o olhar do espectador para fora do quadro. É esta
desordem provocada no olhar de quem vê a obra que comanda esse deslocamento (fig.21).
A obra Abismo elástico é um exemplo deste deslocamento. A percepção de
movimento provocada pela imagem faz com que o olho do espectador não fique parado,
seguindo o mesmo ritmo imposto pela imagem. Neste ínterim, o título da obra ratifica a
sensação que ela provoca.
Outro item que comanda a desordem é a inserção do espaço arquitetônico na
apresentação da obra - o espectador perde o domínio da sua visão quando se aproxima da
obra ampliada, o que ele vê são pontos negros e brancos que impossibilitam a definição
precisa desta imagem. Há a necessidade de dar um distanciamento para que se tenha noção
da totalidade da imagem. Neste viés, a organização visual concretiza-se, colocando ordem
na desordem (fig.22).
A imagem que exemplifica esta questão, e que também constitui uma outra
obra, traz uma nova profundidade de análise. Existe um processo de remetência contínuo,
que envolve a imagem original, o autor e o espaço no qual ela está inserida. Esta imagem
por si só possibilitaria uma ampla análise.
Uma outra ponderação sobre a inserção do espaço arquitetônico comandar a
desordem é a contaminação visual que as demais imagens, que fazem parte da obra como
um todo, propiciam. No momento em que o espectador se afasta para perceber determinada
imagem, as imagens de entorno passam a interferir nesta percepção (fig.23 A e 23 B).
Neste quadro, a participação ativa do espectador com a obra corresponde a uma
das características que perfazem a arte contemporânea.
121
Figura 21 - Arthur Omar. Abismo elástico. Fotografia, série: Antropologia da face gloriosa, 1973-1988.
122
Figura 22 - Arthur Omar. Fotografia da obra Átila compacto recebendo de volta o próprio olhar. Obra
inserida no ambiente, s/d.
123
Figura 23 A – Fotografia (plano geral) da exposição série Antropologia da face gloriosa - 24ª. Bienal de São
Paulo, 1997.
124
Figura 23 B - Fotografia (detalhe) da exposição série Antropologia da face gloriosa - 24ª. Bienal de São
Paulo, 1997.
125
Desta forma, a correspondência das fotografias de Omar com alguns
movimentos da arte contemporânea torna-se uma referência natural. A aproximação com a
Pop Art é revelada tanto pela proposta de exposição seriada, quanto pela perda de foco
temático. As imagens, quando apresentadas em conjunto, deslocam o eixo temático que
direcionou a produção das imagens e centram-se no próprio objeto foto.
Isto, no entanto, não impossibilita que a leitura desta imagem seja feita
enfocando dois aspectos: como imagem fotográfica e como documento antropológico.
O segundo aspecto, que se volta para a temática calcada em uma festa de
grande apelo popular, torna possível que se faça uma leitura destas obras pelo olhar da
antropologia, como é o caso do caminho apontado por João Martinho de Mendonça
124
.
Mendonça traça um paralelo entre a fotografia de Omar e a antropologia, que é
construído à luz das reflexões de Roberto da Matta - que vê o carnaval como um rito de
passagem - concomitante com as observações de Vilém Flusser (2002) sobre fotografia
125
.
Dessa forma, as imagens fotográficas de Arthur Omar abrem-se para outras
interpretações, que não se situam apenas no campo da Arte, enfatizando que, na arte
contemporânea, a estética plural está adequada ao desejo da imagem de sair de posições
maniqueístas que a encerram em nichos pré-determinados. Não limitar a imagem a uma
única leitura ou a um único setor faz das obras deste fotógrafo um dos exemplos possíveis
dessa imagem indecidível.
A fotografia de Omar na arte contemporânea não renuncia à condição de ser
fotografia. O que se percebe é que existe uma amplitude conceitual que não se restringe a
um único setor, ou que se fixe apenas na análise da sintaxe fotográfica. Há um jogo em que
vários elementos deslizam de um significado a outro.
124
MENDONÇA, João Martinho de. Carnaval, etnografia e fotografia: dimensões rituais na obra de Arthur
Omar. Studium 9- Disponível em:
www.studium.iar.unicamp.br. Acesso em: 02/10/2006.
125
- Dentre os autores que se basearam em Omar para traçar um estudo antropológico, ver o texto de João
Martinho de Mendonça “Carnaval, etnografia e fotografia: Dimensões rituais na obra de Arthur Omar”, que
escreveu sobre os ritos de passagem, como o Carnaval, no qual ele relaciona as imagens de Omar,
contextualizando-as com as idéias de David Tomas, Roberto da Matta e Vilém Flusser. Revista Studium , n.9.
Pelo viés estético, há também o texto de Ivana Bentes “Arthur Omar: o êxtase da imagem”
125
, na qual ela tece
observações sobre esta e outras obras do artista. - BENTES, Ivana. Arthur Omar. O êxtase da imagem IN:
Antropologia da face gloriosa. São Paulo: Cosac & Naify, 1998. p. 9-18.
126
O jogo pode ser exemplificado pela imagem Não te vejo com a pupila, mas com
o branco dos olhos, no qual dois pontos importantes são revelados. Ao mesmo tempo em
que esta imagem desvenda o início procedimental da série Antropologia da face gloriosa,
agindo como um documento, ela também se torna uma obra por ela mesma.
Desta forma, a imagem fotográfica, como documento, situa-se no mesmo
patamar da arte. A imagem fotográfica age como um phármakon que desestabiliza qualquer
ação que se fixe em um dos pólos. Tal como a Farmácia, o palco para esta observação foi
montado. Os acréscimos seguem por conta das novas observações que serão feitas por
outros intérpretes.
Diz Manguel (2001, p.291) que:
(...) uma imagem pintada, fotografada, construída e emoldurada é também um
palco, um local para representação. O que o artista põe naquele palco e o que o
espectador vê nele como representação confere à imagem um valor dramático,
como que capaz de prolongar a sua existência por meio de uma história cujo
começo foi perdido pelo espectador e cujo final o artista não tem como conhecer.
Na linha de Arthur Omar, outros fotógrafos-artistas, como Miguel Rio Branco,
Eustáquio Neves e Mário Cravo Netto, entre outros, constroem trajetórias semelhantes, nas
quais a imagem fotográfica atua como arte, mas, ao mesmo tempo, não abandona a sua
condição documental. São fotógrafos que trabalham com a arte contemporânea como
artistas, mas que também não deixaram a sua condição de fotógrafos.
Embora eles trilhem caminhos próprios individuais, suas obras seguem um
trabalho de progressão da linguagem fotográfica em relação às artes. A similaridade entre
as suas obras, que trabalham com o elemento humano dentro da questão social, permitem
que a própria fotografia mantenha os elementos que compõem a sua sintaxe, como o caráter
de remetência, o signo. São obras que reproduzem um pedaço do mundo como um recorte
particularizado da sociedade, concretizado através da ótica desses artistas.
127
1.2 – Rosângela Rennó e a imagem do outro
A questão da autoria que dá início a esta discussão, de certa forma, foi
antecipada pelo título que apresenta a artista. Este é um assunto que se tornou uma das
marcas da arte contemporânea, e que também constitui uma das reflexões compatíveis com
a indecidibilidade.
Em comparação com fotógrafos, que produzem obras notadamente autorais,
como Mário Cravo Neto (fig.24) e Sebastião Salgado; Rosângela Rennó segue o caminho
oposto ao deles. Segundo Tadeu Chiarelli (2000), esta é uma relação que escancara as
diferentes posturas da imagem fotográfica na arte contemporânea. Enquanto em Rennó a
questão autoral é colocada em cheque pelo suposto distanciamento proposto pela artista e o
objeto de sua investigação, as obras de Mário Cravo Neto invocam uma personalidade
imagética própria, também observada em Sebastião Salgado, que advém de uma tradição
fotojornalística que explora a sofisticação estilística e técnica, reportando a uma visão
social de uma camada desfavorecida pela sociedade.
Estas diferenças, no entanto, não são redutivas ou seletivas. O foco principal é
observar que há uma amplitude de terreno que pode abarcar as diferentes posturas que a
fotografia pode ter na arte contemporânea, na qual inclui-se a questão da autoria efetiva de
uma obra que trabalha no campo da reprodutibilidade técnica.
A questão da autoria, no entanto, é um assunto que esbarra em diversos
caminhos, como os que são apontados por autores como Foucault
126
e Derrida
127
. Se
Foucault e Derrida tratam, mais proximamente, da autoria ligada à escritura, este é um
questionamento que não se atém a esta área. O autor de uma obra de arte contemporânea
extrapola a noção de autor individualizado advindo da moderna cultura ocidental, prática já
iniciada no modernismo, com Marcel Duchamp. A função de autor é ampliada da sua
função inicial que trata a obra como uma propriedade exclusiva. Quem fala sobre a obra, no
126
- FOUCAULT, Michel. O que é um autor? 2ª ed. Lisboa: Veja, 1992.
127
- Derrida, quando aborda a questão da tradução, reflete sobre a questão da autoria. No seu discurso sobre a
desconstrução, o indecidível vai, justamente, incidir sobre este ponto que examina quem seria o verdadeiro
autor do texto, ou se esta autoria pode ser deslocada da sua polaridade.
128
sentido de quem a assume em um momento posterior à sua realização, passa a ter um valor
de autoria. É nessa linha que as fotografias que deram início às obras de Rosângela Rennó
são despojadas de uma autoria anterior e ganham um novo autor.
Figura 24 – Mário Cravo Neto. O sacrifício IV. Fotografia, 1989.
129
Rosângela Rennó Gomes nasceu em Belo Horizonte, MG, em 1962. Em 1986,
concluiu a graduação em Arquitetura e Urbanismo pela Escola de Arquitetura da
Universidade Federal de Minas Gerais e o curso de Artes Plásticas pela Escola Guignard,
em 1987. Recebeu o título de Doutora em Artes pela Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo em 1997.
Da mesma geração de Rochelle Costi e Rubens Mano, Rennó trabalha dentro de
uma lógica que remete a Marcel Duchamp, na qual a foto é apropriada ou mesclada com a
escultura. É considerada uma das artistas de maior prestígio de sua geração, tanto no
cenário da arte contemporânea brasileira, quanto no cenário internacional de arte. Foi a
única brasileira convidada a integrar a mostra Aperto (1993), paralela à Bienal de Veneza,
para talentos em ascensão. Participou também de diversas exposições coletivas importantes
que ajudaram a fortalecer a sua trajetória artística. Dentre elas, destacam-se as seguintes
exposições: Ultramodern, realizada em Washington, nos Estados Unidos, em 1993; Cocido
y Crudo, no Centro Reina Sofia, em Madrid, na Espanha, em 1994; as bienais
internacionais de São Paulo (1994 e 1998), Havana (Cuba, 1994), Johannesburgo (África
do Sul, 1997) e Kwandju (Coréia do Sul, 1997). Junto com Rubens Mano, fez parte dos
artistas homenageados pelo Prêmio Multicultural Estadão 2000
128
, na exposição Território
Expandido II, realizado no SESC Pompéia - São Paulo.
De acordo com Tadeu Chiarelli (2000), Rosângela Rennó é uma artista que não
fotografa, mas que utiliza imagens pré-existentes para realizar suas obras. As imagens
colhidas através dos negativos descartados pelo autor, ou mesmo através de outras fontes,
funcionam como um fator desencadeador para a elaboração de suas obras.
Dessa maneira, Rennó não se apropria apenas da imagem, ela a modifica,
interfere no seu decurso de marginalidade e de abandono – são imagens que transitam à
margem das significações cotidianas. Como é o caso da instalação: Duas visões de realismo
fantástico, apresentado no Paço das Artes, na cidade de São Paulo, em 1991 (fig.25). A
seqüência de retratos ampliados mostrando rostos anônimos da população brasileira
128
- Território Exapandido II – Prêmio Multicultural Estadão 2000. São Paulo: Catálogo do SESC Pompéia –
2000.
130
provocava um estranhamento entre o público que freqüentava a galeria e as imagens
apresentadas, estabelecendo uma distinção entre estes dois mundos sociais.
As imagens que compõem a obra são dejetos visuais de uma sociedade,
colhidas acidentalmente numa das peregrinações da artista à procura de material de
trabalho. Os milhares de negativos de fotografias 3x4, que pertenciam a antigos fotógrafos
do centro do Rio de Janeiro, atestavam para a existência de uma população anônima que se
tornou visível com a obra.
A partir das imagens que representam o elemento primeiro de identidade da
população, Rosângela Rennó trabalhou inicialmente com algumas delas, em objetos que ela
denominou Obituários. Relacionando com a morte das imagens pelos negativos
deteriorados, este trabalho consistia em demonstrar a perda que o processo de deterioração
significava.
O mesmo arquivo possibilitou que as inquietações pessoais da artista fossem
projetadas como parte de uma conversa entre as imagens e a própria artista. Aos poucos,
estas inquietações foram sendo reveladas e repartidas em outras obras, que surgiram como
parte do desdobramento desse encontro inicial com tais imagens.
Diferentes idades da mulher é outra instalação que consiste em uma série de
retratos de mulheres de diversas idades, que foram selecionados de alguns dos negativos
deste arquivo. Com a sala exalando o perfume de rosas e jasmins, os retratos foram
colocados sobre uma parede pintada em cor rosa e emoldurada com uma fita de papel de
parede com motivos florais, tendo ao lado poemas anônimos que enalteciam os diferentes
papéis que a mulher deveria assumir no decorrer da sua vida. Essa obra ainda reproduz a
tônica dos primeiros trabalhos de Rennó, que vê a mulher como fonte de referência na
criação dos seus trabalhos.
Desta forma, a fotografia de Rennó sai da sua expressividade plana, identificada
pelo uso do papel, e ganha uma nova dimensão ao agregar o espaço às obras. As
combinações entre imagens fotográficas e objetos já indicavam uma predisposição para
essa expansão de território.
131
Figura 25 – Rosângela Rennó. Duas visões de realismo fantástico. Fotografia-instalação, 1991.
Neste percurso, não só há uma modificação no caráter das obras, como também
se abre a possibilidade de dilatação deste campo de análise. A fotografia é um dos focos
que permite a interpretação da imagem, mas não o único. Pelo prisma das apropriações das
imagens acoplado ao caráter significativo das obras é que o discurso analítico é traçado
neste estudo.
Chiarelli (2000, p.137) expõe que:
(...) quando surge essa nova fotografia preocupada em desmascarar a função
identificadora de sua predecessora, ela se explicita, não apenas insatisfeita em se
132
confundir com seu objeto, mas também em se mostrar apenas como fotografia
‘pura’, no sentido convencional.
Junto com outros fotógrafos, Rosângela Rennó compõe o quadro de artistas
brasileiros que buscam, a partir dos anos 80, uma nova maneira de mostrar o brasileiro.
Diz Chiarelli que
(...) se a fotografia brasileira até os anos 80 caracterizou-se, portanto, e, em
grande parte, pelo desejo – ou obrigação – de buscar a identidade do ‘brasileiro’,
ou dos diversos brasileiros espalhados pelas mais variadas regiões do país, uma
nova geração de artistas, surgida no final da década passada, tentou demonstrar
por esse mesmo meio (sempre tão preso à captação do “real”) a própria negação
da possibilidade de caracterizar o brasileiro como ser social e individual (Idem, p.
133).
A proposta da artista esbarra no discurso sobre a identidade, mais precisamente
sobre a perda da identidade do sujeito contemporâneo, conforme atestam as imagens da
Série Vermelha (Militares) (fig.26), realizada entre 1996 e 2003. As fotografias digitais que
compõem essa série retratam as pessoas em poses eretas. Foram realizadas a partir de
originais fotográficos adquiridos em feiras de artigos de segunda mão ou doados por
familiares e amigos, recurso usado para a produção de outras obras como Parede cega
(1998-2000) e Bibliotheca (1992-2002).
Pela apropriação de fotos descartadas dos álbuns de família, por não se
adaptarem ao padrão técnico almejado, Rosângela Rennó constrói a Série Vermelha ,
remetendo às reflexões que falam sobre o apagamento do sujeito contemporâneo e às
distorções do cotidiano. Tais imagens, destituídas das referências emocionais, são também
deslocadas da sua condição documental pela perda da aparência estética. Rennó reforça as
duas situações quando reformula a imagem processando-a em outra cor e inserindo-a em
outro contexto.
133
Figura 26 – Rosângela Rennó. Sem títuloSérie Vermelha (militares).
Fotografia digital em cor, 1996.
134
Dessa forma, o apagamento do sujeito não é enfatizado apenas pela questão
social, mas pelo seu grau de presença deste sujeito como indivíduo na sociedade
contemporânea. Este é um assunto que também vai despontar em obras de outros artistas
como Rubens Mano, Rochelle Costi, Márcia Xavier, Claudia Jaguaribe, entre outros, que
discutem o aniquilamento do indivíduo numa sociedade de massas.
O que Rosângela Rennó faz é colocar esta discussão em pauta, ao mesmo
tempo em que retoma a questão da não-autoria como um processo típico da sociedade de
massas.
Desse modo, as reflexões de Jean Baudrillard possibilitam uma confabulação
com as experiências artísticas de Rennó. As idéias de hiper-realidade apresentadas por este
autor descrevem um mundo em que as imagens não representam mais um objeto real, mas
que remetem o espectador a uma outra imagem, e sucessivamente a outras, numa seqüência
interminável. “Tratava-se de um mundo em que a simulação não era a pretensão de uma
‘experiência real’, mas era em si mesma o único tipo de realidade que poderíamos
esperar
”129
. Pode-se dizer que Archer complementa o pensamento de Baudrillard quando
diz que a perda da originalidade significava que tudo era uma cópia. Essa teoria é baseada
no fato de que as idéias são copiadas – as imagens publicitárias que roubam imagens de
outras imagens, os filmes que copiam outros filmes, as músicas que pirateiam outros
elementos musicais. Tudo isto é revolvido no plano cotidiano, apagando os limites entre o
fato e a fantasia.
Essa postura, no entanto, não significa uma diminuição de conceito; o
apagamento entre o fato e a fantasia inclui, neste setor, a questão da autoria, um dos
discursos da arte contemporânea. Esta atitude, percebida em diversos artistas que transitam
na arte contemporânea, reflete na obra de duas artistas, que podem ser mencionadas dentro
deste contexto: Cindy Sherman (fig.27) e Sherrie Levine (fig.28). A pergunta que se faz é:
onde se situa a fotografia como modalidade e onde começa o discurso da obra
contemporânea?
129
- BAUDRILLARD apud ARCHER, 2001, p.182.
135
Figura 27 – Cindy Sherman. Sem título. Fotografia colorida, 1983.
136
Figura 28 – Sherrie Levine. Sem título (Segundo Walker Evans #3 1936). Fotografia, 1981.
O que se percebe é que não há uma resposta que esclareça tais questões. O que
há é uma conjunção de conceitos que apontam para um fazer.
Cindy Sherman reconstrói o imaginário coletivo a partir da leitura cultural que
a sociedade oferece. Em diversas fotos que ela realiza, como em Cenas de um filme sem
título, obra auto-retratável, a narrativa cinematográfica é completada pela memória de uma
137
cena imaginária com enredo e caracterização. É o dejá-vu da memória coletiva que faz a
sintonia entre a obra e o espectador. Já que o que se vê na obra de Sherrie Levine é a recusa
do pai, do autor original da obra. Pontuada apenas pela cópia da imagem, a partir de um
referencial coletivo de identificação – a foto de um fotógrafo expoente - Levine transfere a
autoria da obra para si própria.
Diferentemente de Levine, Rennó mantém o autor no anonimato, assumindo a
autoria da obra e tornando-a exclusivamente sua. Por outro lado, Rennó escolhe imagens
que foram descartadas, por razões técnicas ou ideológicas, por seus autores. Isso
corresponde a um recondicionamento de tais imagens-dejetos a uma nova identificação.
Tais imagens, que significam a renúncia de seus autores primeiros, tornam-se as escolhas
de Rennó, num contraponto entre escolhas e renúncias.
Interferindo laboratorialmente na imagem apropriada, Rennó cria uma
simulação de verdade. Esta simulação, no entanto, dá-se no campo da irrealidade - a
imagem perdeu seu poder icônico, ela é a própria matriz, não é mais só fotografia. É desta
maneira que a sua obra desliza entre um significado e outro, o de ser fotografia ou de ser
uma outra obra.
Rosângela Rennó deflagra na arte contemporânea brasileira o seu ready-made
imagético. Ela acrescenta bigodes nas suas monalisas duchampianas, com a diferença
apenas de que os autores originais não são reconhecidos e muito menos mitificados.
Dessa maneira, Rennó se distingue no cenário artístico internacional junto com
outros artistas que trabalham com a fotografia dentro da arte contemporânea.
1.3 – Rochelle Costi e o esvaziamento do sujeito
Fortemente apoiada no conceitual, Rochelle Costi é uma artista que usa a
fotografia como suporte de um discurso, no qual o indivíduo é observado dentro de um
contexto de esvaziamento existencial. Projetada no cenário da arte nos anos 80, Rochelle
iniciou sua formação no Rio Grande do Sul, na área de Comunicação Social, pela Pontifícia
Universidade Católica, em Porto Alegre, em 1981.
138
Nascida em 1961, em Caxias do Sul, Rochelle complementou sua formação
freqüentando a Escola Guignard, em Belo Horizonte, em 1982, por seis meses, e um curso
de extensão na Universidade Federal de Minas Gerais sobre processos fotográficos do
século XIX.
De volta a Porta Alegre, realizou instalações utilizando fotografias e objetos
colecionados por ela, tais como cinzeiros, malas, vidros e lâmpadas. Em 1988, mudou-se
para São Paulo, onde trabalhou com fotografia editorial, o que possibilitou o contato com
ambientes diversos e estimulou a produção de obras que se voltavam para o registro de
fachadas e interiores de casas. Entre 1991 e 1992 viveu em Londres, período em que
estudou na Saint Martin School of Art e na Câmera Work.
Das diversas participações em exposições e a obtenção de prêmios, constam: a
24ª Bienal Internacional de São Paulo (1988); a sexta e sétima Bienais de Havana (1997 e
1999); a mostra Brasil + 500-Mostra do Redescobrimento (2000); Versiones Del surMás
allá del documento, mostra realizada no Museo Nacional Centro de Arte Reina Sofia, em
Madrid, na Espanha (2000); o Prêmio Marc Ferrez de Fotografia (FUNARTE – 1997) e a
Bolsa de Artes da Fundação Vitae (2000).
A trajetória de Rochelle Costi como fotógrafa remete à sua infância e à
necessidade de exercitar o olho para a correção do estrabismo. “Aos dois anos de idade”,
disse ela, “acordei vesga”, conforme cita Felipe Soeiro Chaimovich (1995, p.26). Rochelle
Costi, por necessidade, aprendeu desde cedo que a visão do mundo não ocorre
passivamente. Dependia da junção de informações dos olhos, através de exercícios
oftalmológicos difíceis e demorados para poder construir nexos visuais comuns, como a
tridimensionalidade.
Dessa maneira, Costi foi construindo o seu mundo como construíra a sua visão.
“O mundo também é o trabalho associativo de pedaços descontínuos”, disse Chaimovich,
explicando as ações de Rochelle, que colecionava objetos e imagens abandonadas pelas
ruas, e que se tornaram verdadeiros estímulos para as suas criações futuras.
“Trabalhando com a apropriação de imagens impressas, de objetos e materiais
banais, de auto-retratos e fotografias, estereótipos e dejetos da cultura material, coletados e
colecionados ao acaso”, diz Ivo Mesquita (1995), Rochelle Costi pretende criar uma
139
“intervenção direta e deslocadora no código e na materialidade da fotografia e da
representação”.
É neste viés que dois momentos específicos da obra de Rochelle Costi serão
destacados neste estudo, ajudando a compor um panorama sobre a fotografia na arte
contemporânea.
Algumas imagens da Mostra Brasil + 500 (São Paulo: 2000) e da mostra
Versiones del sur – Más allá del documento (Madrid: 2000) servirão de mote para a
explanação do assunto pretendido.
Pode-se dizer que a obra de Rochelle Costi se nutre da casa, o determinante da
sua ação. “Ela”, define Tadeu Chiarelli (2002, p.136), “subverte os limites entre o espaço
ideal da obra de arte e o espaço da realidade cotidiana”. O interior e o exterior da casa
constituem a tônica da ocupação do espaço, e como ela estabelece uma relação de exclusão
com o indivíduo, conforme é percebida na imagem (fig. 29).
Esta fotografia denominada A casa faz parte das imagens que estiveram
presentes na mostra coletiva realizada em Madrid e que estão publicadas nos dois livros
consultados que tratam da obra de Rochelle Costi
130
.
A imagem que mostra o interior de uma casa, organizada com seus móveis e
objetos decorativos, denota
131
um espaço que corresponde a uma habitação.
A imagem é captada dentro de um ângulo que permite a profundidade de
campo, possibilitando que um outro cômodo da casa, além da sala de jantar, torne-se
visível. A identificação com um espaço de refeição, em primeiro plano, centraliza-se nos
objetos que compõem este espaço, como a mesa, cadeiras e um armário. O segundo
cômodo visível mostra uma cadeira, uma parte de uma cama, uma parte de um armário de
roupas, uma pequena estante, e alguns outros pequenos objetos que complementam o
130
- MUSEO NACIONAL CENTRO DE ARTE REINA SOFIA. Catálogo da exposição Versiones del sur –
más allá del documento. 2/12/00 – 12/11/01. Madrid, 2000.
GALERIA BRITO CIMINO. Rochelle Costi- sem título/ untitled/sin título. São Paulo: Metalivros, 2005.
131
- Roland Barthes aponta dois caminhos para a análise da imagem: a denotação e a conotação. A denotação
corresponde à análise no seu grau zero de significação, ela só oferece as informações mais elementares que
são mostradas na imagem. Já a conotação se eleva ao terreno do significado simbólico e recorre aos códigos
e convenções culturais, para que o sentido da imagem seja percebido (BARTHES, 1984).
140
espaço. Como parte do espaço que está em primeiro plano, um grande lustre vermelho e
branco ocupa a parte superior da imagem.
Os dois ambientes apresentam-se extremamente organizados, tanto em relação à
ordem dos objetos, quanto à distribuição das cores. Há um jogo de cores que remete a uma
possível intencionalidade premeditada, que contribui para que haja esta organização
cromática.
No entanto, essa assepsia visual conota uma ausência. Não há um morador
detectável. A casa mostra-se vazia do elemento humano. Há, no entanto, traços de uma
plausível presença humana, como as roupas penduradas em um canto de um dos cômodos.
Mas não há comprovação, há indícios. O ambiente é apresentado como acolhedor, mas
mostra-se falso. Há certo quê de impessoalidade, tal qual as imagens que compõem as
revistas de decoração - com a diferença da presença de objetos de gosto duvidoso que estão
distribuídos pelo ambiente fotografado nesta imagem.
No entanto, uma das características mais marcantes desta obra discorre sobre o
apagamento do indivíduo na sociedade contemporânea. Esta é a tônica que indica que o
espaço construído pelo próprio ser humano, sem a sua presença, é apenas um local. Dessa
forma, o discurso de Rochelle Costi é ampliado para as outras obras, demonstrando um
caminho conceitual que atenta para a utilização da fotografia como um meio que expande a
intenção de ser um documento. Diz Margaret Sundell (2000, p.51),
se o documento fotográfico tradicional ameaça mistificar a realidade, a fotografia
sofre a influência da “duplicação” desmistificada duplamente, porque põe à prova
simultaneamente a realidade da imagem e a imagem da realidade, tal como se
conhece normalmente.
Rochelle Costi cria metáforas como se fizesse parte de um inventário da
ausência do indivíduo na sociedade contemporânea. Observando que o homem brasileiro
sempre fez parte do enorme arsenal de fotos que pontuam sobre a cultura do país; esse novo
olhar, em contrapartida crítica, não abriga mais uma relação entre o homem e a cultura, e
sim, o isolamento deste homem em um mundo não identificado; é o esvaziamento da
condição humana.
141
Figura 29 – Rochelle Costi. A casa. Fotografia, 1993 /1997.
142
Este esvaziamento, quando observado, faz crescer a necessidade da inclusão de
algo, uma carência de alguma coisa que é impossível de ser dada, oferecida. Esse carecer
do impossível, que aparece na obra de Costi, é a significação de que tudo se tornou para nós
necessidade ou banalidade.
A condição humana sustenta-se no equilíbrio, mas antes de tudo sustenta-se na
memória e nas pequenas referências. Se o esvaziamento dessas referências ocorre, não resta
mais nada, a não ser a contemplação. Rochelle Costi esvazia estas referências a partir de
pequenas reconstruções. Esta é outra característica da sua obra que acentua a perda da
identidade, mostrada na forma de condicionamento, gerada pela fragmentação das imagens.
Diz Mesquita (1995) que:
(...) as possibilidades de dar a reconstruir uma história através das lembranças que o
espectador pode ter dos objetos e imagens, ou do que eles podem conter de
autobiográfico, são um esforço de interromper a amnésia social e cultural a que o
homem contemporâneo está exposto pela produção e circulação maciça de
imagens.
Este é um dos pontos em que as imagens de Rochelle Costi tocam mais
profundamente no espectador. As relações não são claras, elas são estabelecidas pela
memória ou pela bagagem cultural que a própria sociedade fornece ao indivíduo.
Na Mostra do Redescobrimento realizada em São Paulo, promovida pela
Fundação Bienal de São Paulo e Associação Brasil 500 anos em 2000, Costi apresentou, no
Pavilhão de Arte Contemporânea, uma série de imagens prosaicas, trazidas do interior da
casa. Vegetais mofados, flores mortas, frutas podres e cinzeiros sujos se transformaram em
imagens montadas em grandes painéis coloridos, com forte impacto visual. (fig.30, fig. 31,
fig.32).
As Toalhas, estampadas com tais motivos, mostravam uma padronagem que
remetiam não ao objeto de origem, mas sim à memória do espectador. Expostas como
aquelas velhas toalhas de vinil, que foram retiradas da casa de alguma tia idosa, elas
recebiam o espectador. Camuflados pela composição, esses dejetos da casa, à primeira
143
vista, podiam ser admirados pela sua delicadeza poética e pelo retorno da memória
ancestral do interior da casa. Mas o efeito decorativo e aparentemente banal era quebrado
logo após a percepção do motivo fotografado.
O processo de recepção da obra pelo espectador alternava entre a aproximação
e a repulsa. Em um primeiro momento, a aproximação propiciada pela contemplação do
espectador levava-o a ver a obra dentro de um encantamento estético e poético. No
momento seguinte, a partir de uma observação mais aprofundada, este encantamento
desfazia dando lugar à aversão e à renúncia.
É o que podemos dizer de um espaço em que a memória reserva lembranças
ancestrais, tanto as boas como as ruins. Dessa maneira, Rochelle Costi reveste a obra de
aparente despretensão, numa singeleza visual que camufla o objeto real de sua observação.
Mas ela não os esconde, apenas os articula fora de seu contexto, remetendo-os a uma outra
referência, permitindo que as lembranças do espectador funcionem como armadilhas do
olhar. No entanto, a artista rompe estes laços e esvazia seu conteúdo quando mostra, como
uma ferida aberta, o teor da sua inspiração. A renúncia então, torna-se imediata.
Bachelard (1988) diz que as imagens são metafóricas, que são imagens
fabricadas, sem verdade, sem realidade. Externamente, as imagens mostradas por Rochelle
Costi demonstram esta lógica, elas realmente são metafóricas e destituídas de uma
realidade aparente, há uma falsa impressão de realidade. A realidade, no entanto, esconde-
se, e só se deixa vislumbrar após o momento de uma intercomunicação entre a obra e o
espectador, quando há um esvaziamento memorial e a comunicação torna-se crua, apenas
visual. É nesta hora que a relação, observador/obra, se dá por um outro viés – o da negação.
E, é, neste momento, que o diálogo entre a imagem fotográfica e a arte
contemporânea se fortalece.
144
Figura 30 – Rochelle Costi. Toalhas – flores mortas. Plotter sobre vinil, 1996 /1997.
145
Figura 31 - Rochelle Costi. Toalhas – cinzeiros sujos. Plotter sobre vinil, 1996 /1997.
146
Figura 32 - Rochelle Costi. Toalhas – frutas podres. Plotter sobre vinil, 1996 /1997.
147
1.4 Rubens Mano e o espaço transitivo.
132
Definido por Rubens Fernandes Junior (2003, p.219) como um “artista visual,
inquieto e refinado, trabalhando nos limites e na expansão dos conceitos e do uso da
fotografia”, o paulistano Rubens da Silva Mano, nascido em 1960, integra uma geração de
artistas visuais que trabalham com a fotografia dentro de um contexto mais amplo, que não
se encerra no universo da própria fotografia. Além das fotografias, Mano também realiza
projetos que utilizam objetos tridimensionais como parte de um discurso artístico que
aponta para a reflexão do espaço urbano.
Formado em arquitetura e fotografia pela Faculdade de Arquitetura e
Urbanismo de Santos (SP) em 1984, ele complementou seu estudo, no ano seguinte, na
Universidade de Campinas, com uma extensão universitária em Fotografia. Em 1986,
recebeu, pela FAPESP
133
, uma bolsa de aperfeiçoamento em Fotografia. Concluiu seu
mestrado em artes, em 2003, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São
Paulo, sob orientação de Carlos Fajardo.
Com um currículo que perpassa exposições importantes, tanto individuais
quanto coletivas, nacionais e internacionais, Mano se destaca como um artista inovador que
busca uma nova relação com a arte, procurando demover qualquer gesto que implique um
fazer tradicional. Sua obra, que abrange de fotografias a instalações, promove que se
estabeleça um diálogo da arte com o espaço, a partir das investigações que ele realiza no
ambiente urbano, no qual a arquitetura é foco das suas ações, o território onde tais ações
acontecem. Como parte da sua práxis, a fotografia é a materialização das suas experiências
visuais por meio de uma ação indireta na paisagem urbana; já as instalações, através das
interferências feitas na arquitetura, fazem parte das ações diretas.
A trama conceitual do seu trabalho, que foi iniciado no final da década de 80,
está voltada para as questões apontadas acima. A princípio, a fotografia foi o único canal
para que tais reflexões pudessem ser concretizadas. As intervenções urbanas só
132
- O termo espaço transitivo é uma alusão do título da Dissertação de Mestrado de Rubens Mano, Intervalo
transitivo defendida na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, em 2003.
133
- Sigla da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.
148
aconteceram após o início dos anos 90, quando as imagens fotográficas apontaram para a
construção de novos espaços. A expansão das obras para o campo da tridimensionalidade
ocorreu dentro de um processo natural de mudança de procedimento e busca por uma nova
forma de expressão.
A alteração do espaço urbano e a maneira como esse ambiente é percebido pelo
indivíduo tornou-se o mote principal dos trabalhos realizados por Mano. Reflexivas e
provocativas, as obras deste artista promovem que as articulações entre imagem e espaço
sejam intensificadas.
Se a fotografia já funcionava como dilatadora da experiência visual, as
instalações promulgaram a consolidação desta experiência por meio de uma ação, que
muitas vezes esbarra nas regras institucionais.
A instalação Vazadores (fig.33-A), realizada em 2002, considerada como a
mais polêmica da XXV Bienal de Arte de São Paulo, é um exemplo desta produção que, em
alguns momentos, mostra-se provocativa, não se curvando às regras institucionais.
A obra Vazadores instituía simultaneamente uma aproximação e uma crítica à
Bienal de São Paulo. Por meio de uma outra passagem, ela permitia que um acesso não-
oficial fosse aberto ao interior da Bienal pelos freqüentadores do Parque Ibirapuera e vice-
versa, pondo à prova o tema da própria Bienal, Iconografias Metropolitanas. Esta obra
pretendia promover um debate que questionava as fronteiras da instituição tradicional. A
Fundação Bienal, preocupada com a segurança do local, instalou mecanismos de controle
do fluxo das pessoas, o que gerou uma discussão entre a instituição e o artista. Quinze dias
antes do final da mostra, Mano pediu para sair da mostra. Isto, no entanto, não significou
que houve um enfraquecimento da obra; ao contrário, ela se tornou um marco importante
na trajetória deste artista, e, conseqüentemente, um acréscimo à história da arte brasileira.
Disse Mano (2003, p.63) que esta obra foi “pensada como uma ação que
pudesse se ‘apropriar’ do local da mostra”, ao mesmo tempo em que constituiria a
construção de uma passagem mimética à passagem principal do prédio. “A estrutura,
149
sugere, na ‘mímese’ (sic) com a arquitetura, uma reflexão sobre os limites da ação artística
que se insere no corpo da cidade”.
134
Figura 33 A– Rubens Mano. Vazadores (vista externa). Instalação, 2002.
134
- Op. cit.loc.cit.
150
A intenção do artista com esta obra era propiciar um alargamento das reflexões
propostas pela mostra, “facilitando um real enfrentamento entre a cidade e suas
representações
”135
- uma forma de transposição entre o exterior e o interior do prédio. Unida
a este objetivo, a percepção do espectador complementava esta idéia, na medida em que a
projeção do próprio corpo estava vinculada a esta percepção.
Esta obra também reflete uma preocupação do artista com a época em que
vivemos e com as regras que são estabelecidas. A questão da obra feita especificamente
para aquele lugar discorre sobre o tema que aborda o trabalho de arte dentro da concepção
chamada de site-specificity
136
, ou seja, a inserção da arte no espaço das cidades.
Este também foi o tema gerador para a elaboração da sua dissertação de
mestrado intitulada Intervalo transitivo. Nessa pesquisa, ele procura propor uma reflexão
relacionada a esse conceito, através de um conjunto de trabalhos realizados entre 1997 e
2002, nos quais a noção de site-specificity é observada através das imagens que registram
determinadas intervenções que ele realiza ou capta no ambiente urbano.
Nesse trabalho, Mano se preocupou com a reflexão sobre as possibilidades da
inserção da arte no espaço das cidades, em que o conceito de site-specificity é explorado
numa conjunção da imagem com o espaço. É, segundo Mano:
(...) uma ação que se instala nas fissuras dos processos de alteração e
transformação da paisagem urbana, ao mesmo tempo, incide sobre os nossos
códigos perceptivos já disciplinados, operando a re-significação das dimensões
constitutivas do “lugar da ação” e a construção de um lugar dentro de outro.
137
Dessa forma, Vazadores, obra documentada pela imagem fotográfica, trabalha
com as noções pertinentes à arte contemporânea, como o site–specificity, promovendo que
135
- Op.cit.loc.cit.
136
- Este assunto é tratado nos seguintes textos, abordando os diferentes aspectos que tratam do site-
specificifty: KAYE, Nike. Site-specific art- performance, place and documentation. Londres: Routledge,
2000. Este texto faz uma abordagem entre lugar e local como o espaço de ocupação da arte . O termo local é
colocado como uma abstração, faz parte do sistema da linguagem. Já lugar refere-se ao espaço físico.
CRIMP. Douglas. Redefining site specificity. New York: Museum of Modern Art. 1986. Este texto demonstra
que o site-specific é considerado um lugar político. Não existe arte privada, é sempre pública.
KRAUSS, ROSALIND Richard Serra – sculpture. New York: Museum of Modern Art. 1986.
KWON, Miwon. . One place after another: notes on site specificity. IN SUDERBURG, Erika (org). Space,
site, intervention – situating, installation art. University of Minnesota Press, 2000. Este texto aponta que há
uma nova lógica com o site-specificity, na qual remover o trabalho significa a dissolução da obra.
137
- MANO, Rubens. Intervalo Transitivo. 2003. Resumo da dissertação.
151
o discurso sobre a indecidibilidade seja observado por este prisma em conjunção com a
própria fotografia.
Diz Mano que “as fotografias geradas pelos projetos não funcionam apenas
como apresentação ou representação dos lugares e das ações realizadas no espaço das
cidades”
138
. Há um outro interesse que não se atém ao papel documental que lhes é
reservado, incidindo como repertório dos projetos. Segundo ele, “são imagens que fazem
parte da ação e que mantêm com o local uma dialética muito eficaz, fazendo com que, na
maioria dos casos, uma não possa ser entendida sem a outra”.
139
As imagens e os projetos tridimensionais remetem à experiência da construção
de espaços dentro de outros espaços, deixando revelar um pequeno desvio na estrutura
narrativa destes lugares, como se fosse uma suspensão dessa estrutura.
As fotografias propõem uma espécie de dilatação do espaço-temporal,
disponibilizando um segundo momento da construção espacial. É um intervalo que é
captado entre uma ação e outra.
Este intervalo, ou o entre que se forma entre um momento e outro, é a tônica
para que a imagem fotográfica seja analisada pelo prisma do phármakon imagético,
observando a condição espaço-tempo como o determinante de toda ação.
Em Ensaio sobre o homem, Ernst Cassirer (1997) diz que o espaço e o tempo
são a estrutura em que toda a realidade está contida. Se as imagens estão no tempo real e no
espaço real, podem ser consideradas como a própria realidade, mas uma realidade sem
transcendência que é formada pelos elementos presentes na obra.
Reinterpretando Cassirer, quando diz que a linguagem e a ciência são uma
abreviação da realidade e a arte é o que se pode chamar de intensificação dessa realidade,
observa-se que a arte feita de elementos reais não traduz uma simbologia e não remete a
nada, ela é apenas o que ela é. Neste contexto, observamos que as imagens de Mano não
dispensam estes critérios, ao contrário, este é o mote das reflexões deste artista.
138
- Id.Ibidem. p. 22.
139
- Op.cit.loc.cit.
152
Rubens Mano, de acordo com uma reflexão que ele faz de Paul Virílio
140
,
relaciona o ambiente urbano que é trazido para dentro dos trabalhos de arte, dizendo que:
(...) vivemos sob a lógica da velocidade absoluta, reduzimos a um campo de
decisões que se afasta cada vez mais do plano físico e onde a transformação do
real passa a ser operada virtualmente, impulsionada pela introdução de novas
tecnologias.
141
Mais que falar da imagem como forma, Rubens Mano fala da imagem inserida
em um espaço, ou seja, da mediação entre o que ele chama de “implicações entre imagem e
espaço, fotografia e arquitetura
”142
(fig.33 B). Esta é a trama conceitual sobre a qual seu
trabalho se instala. Retomar a sua própria análise é ir direto ao cerne da questão levantado
pelo estudo aqui proposto: o uso da fotografia em um trabalho conceitual, que trata a
imagem como elemento integrante da obra.
Como já foi dito, o discurso pretendido por Mano não se restringe ao registro
documental de uma intervenção urbana. A questão inicial que eclode com a sua ação
perpassa pela reflexão da significação do uso do espaço urbano pelo artista, abrangendo
noções entre lugar e local
143
, paisagem e não-paisagem.
A arte conceitual foi o gatilho para as intervenções iniciadas a partir dos anos
60. A relação entre o artista e o espaço foi um indicativo de um novo desdobramento das
Artes Visuais, em que a ação visava à transformação da paisagem urbana em matéria
artística.
Esta prática cultural híbrida surgida com o redescobrimento do tecido urbano
foi influenciada, em primeiro plano, por vários fatores que se inter-relacionavam. Os
aspectos cotidianos e políticos, a tecnologia e a comunicação de massa, em conjugação com
o conceitualismo e o pós-modernismo crítico, foram os ingredientes que propiciaram esta
140
- A obra mencionada por Rubens Mano também fez parte da bibliografia deste trabalho. VIRILIO, Paul. O
espaço crítico. Tradução Paulo Roberto Pires. São Paulo: Editora 34, 2ª reimpressão. 1999.
141
- MANO, Rubens. White Cue. Rio de Janeiro, RJ, Capapcete Projects. Entrevista com Helmut Batista em
janeiro-fevereiro de 1999. In: Intervalo transitivo. São Paulo, 2003.
142
. Estas observações são dadas através da sua dissertação de mestrado, Intervalo transitivo, que traça um
importante registro do seu processo conceitual e operacional. Os trabalhos analisados foram realizados entre
1997 e 2002.
143
- SANTOS, Milton. A Natureza do espaço. Apud MANO, Rubens. Intervalo transitivo. São Paulo, 2003.
p.13.
153
prática. A intenção era superar a dicotomia existente entre a ação artística e os momentos
banais do dia-a-dia, provocando uma distensão entre o público e a arte.
Mano reforça a discussão sobre o conceito de site-specificity e as ações
realizadas no interior do corpo das cidades, por meio de experiências que ampliam o
universo da arte e são contaminadas por outros campos do conhecimento - antropologia,
sociologia, história, filosofia, arquitetura, urbanismo.
É neste universo que Rubens Mano atua. No entanto, esta análise está
focalizada com maior ênfase apenas na intervenção da paisagem urbana pelo viés
propiciado pela fotografia. A fotografia, dessa forma, é a materialização de uma ação, ao
mesmo tempo em que se concretiza como um objeto-arte.
Figura 33 B– Rubens Mano. Vazadores (vista interna). Instalação, 2002.
154
Neste sentido, a fotografia é o registro de um intervalo de tempo, não só no
sentido da documentação, mas na concretização de um conceito que trabalha com a ação. A
significação da obra não reside no objeto apenas, mas também no gesto que comandou a
ação.
A fotografia de Mano não recorta apenas um pedaço do mundo, recorta,
principalmente, um pedaço do tempo. É o que Leibniz distingue como um ponto de
passagem, quando ele observa o momento presente
144
, em relação ao passado e ao futuro.
Mano reflete sobre esse momento de passagem de maneira inversa, o presente não foi
trazido do passado e nem ajuda a construir o futuro, o presente é o instante que não voltará
mais e que também não tem descendência e nem ascendência, ele é apenas um hiato. Uma
das imagens da série Puzzles é exemplificativa desta questão (fig.34).
Figura 34 – Rubens Mano. Sem título (série Puzzles). Fotografia, 1997/2002.
144
- Apud CASSIRER, Ernst. Ensaio sobre o homem. São Paulo: Martins Fontes, 1997. Cassirer menciona
Leibniz quando fala do tempo e das artes temporais.
155
Esta série, iniciada em 1997 e concluída em 2002, foi realizada utilizando como
temática as estruturas ligadas à comunicação de massa. As ampliações fotográficas com
dimensões variadas foram feitas a partir das fotografias tiradas de vários lugares de são
Paulo, mostrando outdoors em branco.
Os outdoors vazios, espalhados pela cidade, destituídos da sua função original,
correspondem a um hiato entre uma imagem e outra. No dizer de Mano (2003, p.40), “esses
painéis em branco foram flagrados como subtrações, como ‘intervalos’ instalados na
caótica paisagem das metrópoles”
.
O subtítulo puzzles reflete a conversão da imagem em um espaço construído
como se fosse um quebra-cabeça, onde o branco dos out-doors sugere a ausência da peça
necessária para completar o todo da imagem.
Pelo viés sugerido por Mano, a fotografia se revela de duas maneiras. De um
lado, pelas áreas em branco, na qual há a subtração da imagem; de outro lado, ela “elabora
o argumento de que os meios de comunicação se sobrepõem a essa mesma paisagem,
anunciando a construção de estruturas simbólicas em camadas”
145
Esta obra exemplifica um dos procedimentos dos artistas que trabalham com a
efemeridade da arte dentro do contexto da transitoriedade. Mesmo que a obra não tenha
sido concebida especificamente para aquele lugar, como o caso da fotografia, ela só foi
possível de ser realizada por estar naquele determinado lugar e ser fotografada naquele
determinado momento.
Realizada em 1997, Casa Verde é uma outra obra que se insere no campo da
fotografia. Ampliada em grande formato (125x125 cm), esta fotografia mostra basicamente
a demolição de uma casa (fig. 35). Este projeto é um outro demonstrativo da versatilidade
do discurso que expõe a fissura existente na paisagem urbana como um elemento de
estranhamento desta mesma paisagem.
Rubens Mano faz uma citação de Michel Maffesoli, na qual ele demonstra a
idéia das ligações que as pessoas têm com o lugar em que elas vivem:
145
- Op.cit.loc.cit.
156
Figura 35 – Rubens Mano. Casa Verde. Fotografia, 1997.
Todo mundo é de um lugar, e crê, a partir desse lugar, ter ligações, mas para que
esse lugar e essas ligações assumam todo o significado, é preciso que sejam,
realmente ou fantasiosamente, negados, superados, transgredidos. É uma marca
do sentimento trágico da existência: nada se resolve numa superação sintética,
tudo é vivido em tensão, na incompletude permanente.
146
O estranhamento do espaço físico e urbano, pelo habitante do lugar, reflete-se
nas demolições e conseqüente alteração dessa paisagem. Trabalhando em conjunto com
146
- MAFFESOLI, Michel, apud MANO, Rubens, 2003, p. 75.
157
uma firma de demolições, Rubens Mano propôs um desvio dos habituais processos e
métodos de demolição, consistindo na alteração do conteúdo simbólico da paisagem
urbana. Este projeto significou a materialização de um discurso que discorria sobre a
realidade do espaço arquitetônico e da paisagem modificada.
A idéia consistia, basicamente, na remoção de três paredes (no sentido
longitudinal) que dividiam o espaço interno da casa. Dessa maneira, o eixo visual, que
normalmente é orientado por ruas e avenidas, foi deslocado para o espaço que foi aberto
pela demolição, revelando uma nova configuração.
Esta obra expõe a idéia de que, ao conectar o dentro e o fora dos dois espaços –
o arquitetônico e o urbano –, a ação procurou enfatizar a interdependência das partes
relacionadas a esta intervenção. Segundo Mano, esta foi uma ação libertadora de outras
imagens que pertenciam à paisagem, mas que estavam encerradas pelas barreiras visuais
das paredes que as conformavam.
A concretização do discurso conceitual de Rubens Mano só se tornou possível
pelo registro fotográfico. Dessa maneira, a fotografia assumiu tanto a condição de ser um
suporte documental, como a condição de ser uma obra.
Em sua ação, Rubens Mano detecta uma trajetória marcada pela inspiração
advinda de artistas do porte de Richard Long, Robert Smithson, Gordon Matta-Clark,
Richard Serra, entre outros que trabalharam com a noção de site-specificity. Apesar das
concepções diferenciadas das obras destes artistas, a fotografia tornou-se um dispositivo
importante para o registro das suas ações, em que o espaço urbano e o não-urbano, a
paisagem e a não-paisagem aparecem como temas centrais. No entanto, se a obra de
Smithson exemplifica a noção de site-specificity aplicada à questão ambiental, no qual o
deslocamento estava no próprio terreno e não sobre ele; as obras de Serra funcionam ao
contrário, os deslocamentos estão sobre o terreno provocando interferências no fluxo
urbano.
Seguindo essa linha de raciocínio, as fotografias de Mano espelham essa
relação com o site-specificity, traçando uma relação da paisagem urbana – entre o
construído e o não-construído - como uma metáfora da impermanência. A fotografia,
158
dessa forma, marca uma ação, ao mesmo tempo em que propõe uma imersão ao interior da
imagem, e um acesso aos seus conceitos suplementares.
Mano imprime uma identidade às suas imagens que não se atêm só ao caráter
documental da obra. Desta forma, as obras de Rubens Mano são inscritas no mesmo terreno
das demais obras que não são reduzidas a uma única polaridade.
2 – A fotografia na arte contemporânea brasileira II: derrubando os
muros
A razão de ter escolhido o artista Carlos Fajardo como um dos artistas
analisados, deve-se, justamente, à diversidade de ângulos que sua obra permite ser
observada e interpretada. Independentemente de que a sua classificação recaia na condição
de pintor, escultor, ou qualquer outra denominação, Fajardo é um artista múltiplo que
trabalha dentro de uma lógica que não se restringe a um fazer técnico que institua uma
categorização modal às suas obras. Para Fajardo, o conceito que norteia a sua produção vai
além das implicações técnicas que as modalidades possam ter.
Pelo fato de sua obra abarcar várias possibilidades de análise, a imagem
fotográfica passa a ser analisada em conjunção com a pintura e a escultura, como parte
integrante de um território sem fronteiras, que caminha cada vez mais para a
indecidibilidade.
Dessa maneira, a imagem fotográfica insere-se na arte contemporânea, não
como uma negação da sua condição de ser fotografia, ou como uma escolha única que a
compartimente em um outro setor, mas que seja vista por um outro prisma que permita um
deslizamento entre as fronteiras modais.
Por esta razão é que a obra de Fajardo não será observada dentro do campo
exclusivo da pintura, da escultura ou da fotografia, mas através de um elemento comum a
todas. Diante disso, verifica-se que a superfície é o elemento que permite encetar um
diálogo com todas elas, e será através dela que o discurso sobre a imagem fotográfica será
visto em conjunto com as demais obras do artista.
159
2.1 - Carlos Fajardo e a poética da superfície
Falar de Carlos Fajardo é adentrar em um terreno elevado, de onde se avistam,
não só a participação do artista no cenário artístico nacional, mas também o próprio
cenário.
Paulistano, nascido em 1941, Carlos Alberto Fajardo traz uma ampla bagagem
de conhecimentos, além do específico da sua área, a arte. Estudos não formais também
foram fundamentais para a construção desta bagagem que inclui, além dos assuntos
pertinentes ao campo da arte, música, cinema e fotografia.
A formação profissional propriamente dita foi iniciada em 1963, quando
ingressou na Faculdade de Arquitetura da Universidade Mackenzie - curso não concluído,
mas que lhe daria uma diretriz profissional. No mesmo ano, junto com Frederico Nasser,
José Resende e Luiz Paulo Baravelli, foi aluno de Wesley Duke Lee. Deste contato, surgiu
uma relação de cumplicidade produtiva que permitiu que novas experiências criativas
fossem acrescentadas à história da arte contemporânea brasileira.
Na condição de mestre, Duke Lee não foi somente o professor-orientador, mas
o professor-aglutinador, que transformou uma relação de orientação em parceria. Da
experiência passada em Nova Iorque, onde viveu e estudou na juventude, Duke Lee trouxe
a influência do contato com artistas que se tornaram referências mundiais, como Allan
Kaprow, Robert Rauschenberg, Jasper Johns, entre outros. Isso para não falar de Marcel
Duchamp, que conheceu pessoalmente - uma das figuras mais emblemáticas e significativas
da arte contemporânea – tornando-se, por tabela e convicção, uma referência marcante na
produção de Fajardo.
O contato de Carlos Fajardo com o Wesley Duke Lee resultou em duas
vertentes produtivas e definitivas: a de artista e a de educador. As duas com sucesso.
Junho de 1966 é a data inicial da trajetória artística de Carlos Fajardo, com a
exposição Descoberta da América, realizada na Rex Gallery & Sons. Junto com Frederico
Nasser e José Resende, o start foi dado com o convite para participar do Grupo Rex,
formado pelo trio peso-pesado, composto por: Geraldo de Barros, Wesley Duke Lee e
Nelson Leirner. Além da criação da galeria, o grupo era responsável pela publicação do
160
jornal Rex Time. De duração curta e bombástica, um ano apenas, a Rex Gallery & Sons
revolucionou o cenário artístico com um grande happening de encerramento. A quinta e
última publicação do Rex Time anunciava o tal happening – o público podia levar
gratuitamente para casa as obras que quisesse. A Galeria foi depredada pelo público que se
aglomerava na porta à espera da abertura. Oito minutos foi o tempo de duração do
“happening, um dos mais perfeitos que fizemos”, segundo Wesley Duke Lee
147
. Descoberta
da América e Flash Back foram as duas únicas exposições realizadas na galeria.
Este começo explosivo deu origem a uma série de participações em espaços
expositivos públicos e privados, nacionais e internacionais. Foi artista convidado e
participante das Bienais de São Paulo (1967, 1972, 1981, 1987, 1993 e 2002) e das Bienais
de Veneza (1978 e 1993).
Na área do ensino, junto com Baravelli, Resende e Nasser, formou, em 1970, a
Escola de Arte Brasil, ponto de partida para a outra vertente que também não foi rompida.
Além dos constantes seminários e cursos sobre arte, realizados em espaços públicos ou
privados, Fajardo também é professor da Escola de Comunicação e Arte da Universidade
de São Paulo, onde atua desde 1980.
2.2 - A constituição de uma poética
Um dos maiores representantes da geração de artistas surgidos nos anos 60,
Carlos Fajardo é um artista que sempre se preocupou com as proposições que a superfície
pode assumir. Esta é uma afirmação comprovada nas diversas entrevistas dadas
148
e que
pode ser reafirmada no tema de sua tese de doutoramento. Poéticas visuais: a profundidade
e superfície, tese defendida em 1998 na USP, trata da passagem da obra plana para a
tridimensionalidade, tendo a superfície como eixo comum.
Na entrevista realizada com Sonia Salsztein (2003), Fajardo aponta que o
desenho foi a base para seu raciocínio plástico, afirmando que ele viu esta preocupação
evoluir como um ato preparatório para um modo de produzir raciocínios visuais. Foi neste
147
- Apud MOLINA, Fúlvia (2003).
148
- Sonia Salsztein (2003), Fúlvia Molina (2003), Silvana Rea (1988).
161
momento que ele começou a se interessar pela materialidade do suporte, um objeto-pintura,
no dizer do próprio artista
149
.
Com um trabalho que esbarra nos conceitos do Minimalismo, associado ao
Neoconcretismo, pode-se dizer que sua fundamentação aproxima-se da fenomenologia do
sujeito, em que os raciocínios sobre a superfície são complementados pelo pressuposto da
materialidade.
O interesse pela bidimensionalidade ou tridimensionalidade como escolhas
específicas para a obra de Fajardo, se dá, como já foi falado, no campo da superfície,
encostando em uma zona fronteiriça com o espaço. As suas escolhas, no dizer do artista
(SALZSTEIN, 2003; MOLINA, 2003), estão no mundo, no seu próprio elemento formador.
Ele as retira do espaço original e as transporta para o espaço da arte, interferindo o mínimo
possível na sua condição material.
Com o aumento significativo da escala dos trabalhos – principalmente nos mais
recentes - e a priorização de materiais mais comuns, de cunho industrial, sem uma
preocupação voltada para a plasticidade, observa-se um distanciamento paulatino da
tradição pintura ou escultura nas obras do artista - o que não quer dizer um rompimento
efetivo com essa tradição.
A linha seguida por Fajardo também tem origem na década de 60, e nas
modificações impetradas pelas novas posturas da arte a partir desse período. Movimentos
como o Concretismo, a Arte Conceitual e a Pop Art podem ser colocados como
influenciadores, que ajudaram a nortear a sua produção. Já o caráter minimalista, que
também está presente em sua obra, não surgiu como uma influência direta do movimento
minimalista, mas adveio, segundo o artista, como conseqüência de um pensamento
existente na própria época. Este pensamento aproxima-se do conceito de Kunstwollen,
criado pelo historiador da arte, o austríaco Alois Riegl. A palavra que, em alemão, significa
literalmente vontade da arte, é entendida como “uma força do espírito humano que faz
149
- A entrevista com Sonia Salsztein, publicada no Catálogo da Petrobrás, bem como as Dissertações e Tese
de Fúlvia Molina, Silvana Rea e Aguinaldo Farias, foram fundamentais para a construção deste trabalho.
Somo a isto, os seminários dados por Carlos Fajardo entre 2000 a 2004, dos quais participei. As informações
anotadas, durantes estes seminários, puderam ser complementadas pelos autores acima.
162
nascer afinidades formais dentro de uma mesma época
”150
, corresponde ao fato de que
Fajardo trabalhou com as mesmas questões minimalistas, concomitantes com este
movimento, sem, no entanto, conhecê-lo. A obra realizada por Fajardo entre 1967 e 1968,
que consistia apenas nas instruções para a feitura de uma caixa em acrílico - Neutral
151
(fig.
36) -, assemelha-se à obra da artista Larry Bell
152
, e é um demonstrativo deste conceito.
Na tentativa de investigar um espaço que não se referisse às coisas, e tentando
superar a narração, Fajardo
153
, por volta de 1977, desloca o caráter da sua obra, deixando de
lado uma postura mais figurativa para uma postura mais matérica.
Desta postura, o espaço vai surgir como um componente de investigação, não
como uma forma pertencente às coisas, mas dentro de um entrelaçamento de interesses
entre os elementos da obra e o seu entorno. Nesta relação, a obra não se reduz ao espaço em
que ela está confinada, não existe um percurso pré-estabelecido ou único para o olho. O
estranhamento do material empregado ou a forma de apresentação da obra deslocam o seu
significado, questionando o modelo tradicional. E é dentro deste método que os trabalhos
tridimensionais surgem, não tanto como intenção, mas como conseqüência de um fazer que
não está ligado ao simbólico.
Operando com a instalação, Fajardo permite que o discurso da sua obra transite
entre dois pólos - o bidimensional e o tridimensional. Não há um único método que a
defina. Dessa forma, a percepção do espectador, o material empregado e o gesto que
comanda a ação do artista também são colocados em cheque.
Quando Agnaldo Farias (1997, p.132) adverte que na poética de Carlos Fajardo
três lógicas confluem, ele reafirma a postura de artista contemporâneo que não se fixa em
um único modelo e não se determina pela previsibilidade. A noção de deslocamento do
150
- O conceito de Kunstwollen, criado por Riegl , permite uma nova interpretação da história da arte, a partir
de sua relação com a concepção de mundo. Conforme consta na resenha do livro Le culte moderne des
monuments. Son essence et sa genèse, de Alois Riegl, este conceito “dota a arte de uma certa autonomia
relativamente à história material, coincidindo tão somente com as manifestações concretas do espírito. A
história da arte, portanto, é entendida pela variação de estilos em função de estruturas simbólicas, de seu uso
dentro da coletividade, ou de sua função estética ligada à questão do conhecimento. Dsiponível em:
http://pt.wikipedia.or/wuiki/kunstwollen. Acesso em: 21/10/2006.
151
- O Neutral constituía um cubo feito de acrílico medindo 30cmx30cm. No entanto, o comprador da obra
não adquiria a obra, apenas as instruções de montagem do cubo.
152
- A obra da artista Larry Bell, realizada em 1967, traz as seguintes conformações (Caixa de vidro: 30.8 x
31 x 31 cm / Base: 120.6 x 30,5 x 30,3 cm).
153
- Conforme Fajardo aponta na sua Tese de doutorado, 1998.
163
olhar, a valorização da superfície das obras e o destaque que o artista dá ao gesto de
formalização, que engendra a obra de arte, são as três lógicas de observação construídas por
Agnaldo Farias.
Figura 36 – Carlos Fajardo. Sem título (Neutral). Instruções para a feitura
de um trabalho impressas em papel, 1967/1968.
164
A primeira lógica refere-se ao espectador, suas obras nunca estão onde se
espera que estejam; a segunda aponta para o material, ou seja, o realce da qualidade da
matéria empregada: cor, textura, opacidade ou transparência, assim como as propriedades
inerentes a elas, tais como a dureza, o peso, a densidade; e a terceira engloba o próprio
pensamento criador que aponta para um fazer de cunho minimalista, no sentido de que os
objetos apropriados - ready-mades industriais ou objetos de formas elementares – são
apresentados sem disfarces, deixando claro o procedimento que os concebeu.
Destes três aspectos, o segundo é o que convoca uma herança de sua trajetória
como pintor - fato que prevaleceu até o início dos anos 80, e que ainda permite ao artista se
autodenominar como tal.
Da mesma maneira que essas três lógicas de ação foram traçadas, supõem-se
três momentos não-lineares do processo criativo. Pode-se dizer que, se em um primeiro
momento, o desenho e a pintura comandaram a cena, isto dentro de um pensamento
construtivo; em um momento posterior, a tridimensionalidade foi quem assumiu o
comando, mas ainda reafirmando o pensamento anterior. O terceiro momento, se é que
pode ser classificado como tal, não abandona o discurso traçado neste percurso, ao
contrário, ele surge como prova comprobatória de uma unidade de ação, em que o discurso
modal torna-se desnecessário. Há um entrelaçamento entre os dois primeiros momentos que
são definidos pelo último, o ensaio fotográfico
154
.
O ensaio fotográfico, obra realizada para a tese de doutoramento, vem
demonstrar e reafirmar que o eixo da obra de Fajardo não está pautado pelo caráter bi ou
tridimensional, e sim por um dos elementos formativos da imagem que é a superfície, idéia
já traçada anteriormente. Este elemento é o que precede a obra e não deixa que ela se fixe
nos territórios modais.
A afirmação do discurso sobre a passagem da representação bidimensional,
relacionada com as questões da superfície pictórica para a tridimensionalidade, passa,
necessariamente, por este ensaio. E é, neste seguimento, que se constrói o mote desse
154
- As incursões de Fajardo na área da fotografia não se resumem a este ensaio. Há um livro, ainda não
editado, que integra sua produção fotográfica.
165
estudo, e de onde se extrai a essência da similitude com o indecidível. A relação entre o
ensaio fotográfico e as outras obras é o que permite a articulação com esse termo.
Cumpre esclarecer que esta é uma visão que não se fecha neste assunto, mas
que possibilita novas interações e interpretações.
2.3 - No entrelaçamento das obras de Fajardo com o indecidível
As obras de Fajardo nunca se entregam perceptivamente em um primeiro
momento, mas também não extinguem a possibilidade de remoção das primeiras camadas
perceptivas, para que se encontrem outras camadas que, por sua vez, não impossibilitam as
anteriores. Não existe uma lei ou uma regra que as determine ou as direcione, mas também
não há um segredo que as resguarde ou que as confine em um recanto pré-estabelecido. Há
sim, algo que ultrapassa o sentido comum de uma obra, que requer um desvendamento, uma
apreciação com maior acuidade que permita, ao se remover a primeira camada perceptiva,
que as demais possam ser reveladas.
Já foi dito sobre a dificuldade de classificar a obra de Fajardo dentro de um
campo específico. Elas fazem parte daquele grupo de obras que não se ajeitam dentro das
nominações redutivas do ou isto ou aquilo, ou melhor, não são nem isso e nem aquilo.
A indecidibilidade na arte, observada pela lógica do phármakon, fortalece e ao
mesmo tempo enfraquece aquilo que a própria arte considera como estável e
compartimentada. Dessa maneira, a arte, quando questionada dentro do seu valor intrínseco
das normatizações proclamadas como imutáveis, por algo que vem de fora do universo
dela, que seja exterior à sua constituição – tal como o ready-made –, sofre as alterações que
esta indecidibilidade irá provocar, ou para o seu bem ou para o seu mal. O que se pode
dizer é que, de uma maneira ou de outra, ela não seguirá impassível e imutável.
Pela lógica do phármakon, as obras de Fajardo também não comportam as
relações binárias de oposição, exemplificadas na arte como pintura ou escultura, pintura ou
fotografia, ou qualquer outra questão que estabeleça vínculos modais específicos. Uma
outra questão colocada em cheque pelo phármakon é o princípio de discernibilidade, ou
seja, a possibilidade de se distinguir o falso do verdadeiro. Esta é uma condição que está
166
fora de alcance quando se observa uma obra que transita da fonte original, da matéria que
deu origem à obra, e o que está instituído como a própria obra.
Fajardo, quando diz que a escolha é o que define sua obra, recai no pensamento
duchampiano da apropriação, e, por conseqüência, da indiscernibilidade, promulgando dois
sentidos pertencentes ao phármakon: o gesto e a quebra dos pólos de significação.
O gesto, que aqui significa ação, remete à própria palavra phármakon, que em
grego também traduz esse significado. Na arte deve-se observar que esta significação é
extremamente relevante quando olhamos sob o viés fajardiano e como esta ação é
importante na concepção e construção da obra deste artista.
Neste ângulo, o gesto não é visto como um fazer, que decorre da ação física
mecânica, mas de um pensar, aquele que coordena e direciona a obra. No segundo sentido
dado para que se faça uma analogia ao phármakon, à quebra dos pólos de significação,
constata-se que as obras de Fajardo não se apresentam dentro de um padrão pré-
estabelecido de significação que se fixe nas dicotomias artísticas. Dessa forma, há um
deslocamento de significação que desliza entre os dois termos em que se situam, sem se
fixar em nenhum dos dois.
No seu conjunto de obras, Fajardo reúne, a meu ver, as características que
melhor correspondem a um indecidível visual, já que sua obra transita nas diversas
modalidades artísticas, sem se fixar em um único setor. Há um deslizamento entre as
fronteiras que impedem que haja uma classificação que determine que uma obra
bidimensional não possa ser vista dentro do campo tridimensional, ou vice-versa.
A não-denominação classificatória da sua obra indica que todas as
possibilidades são válidas. Diante desta questão, convém estabelecer um ponto em que a
ambivalência se faz notar com mais força. O ponto de concordância para se observar esta
possível ambivalência, como já foi apontado, recai, em primeiro lugar, sobre a questão da
superfície, denominador comum de todo este assunto, e, em segundo lugar, sobre a imagem
fotográfica.
Diferentemente das obras dos demais artistas analisados, a obra deste artista
não está pautada apenas na análise da imagem fotográfica como um indecidível, mas na sua
obra como um todo.
167
Diante disto, a superfície passará a ser um dos focos principais desta análise, na
qual temos a pretensão de traçar uma analogia entre a arte e o indecidível. A fotografia será
incluída nesta análise como coadjuvante desta explanação.
A análise da superfície estará pautada no exame comparativo que se pretende
fazer da superfície tridimensional em contraposição ao pensamento bidimensional que a
gerou. Esta questão também permitirá que se abra caminho para que a imagem fotográfica
seja observada como participante deste processo, ao mesmo tempo em que se coloca como
outra obra.
Sob o ângulo da indecidibilidade, a superfície assume o papel de complicador
ou problematizador, aquele que não está nem de um lado e nem de outro, aquele que
desliza entre as fronteiras da escultura e da pintura. É neste perfil que será traçada a ligação
entre os dois termos. Já a fotografia, na condição de coadjuvante desta análise, evoca a
função de ser a estratégia, o explicitador , o operador, que possibilita que o discurso sobre
a superfície ocorra num terreno sem fronteiras. Ela é a prova comprobatória da existência
do primeiro indecidível, porém, ao mesmo tempo em que assume a posição de prova, ela
também se torna uma outra obra, a de ser fotografia. E, dentro desta questão, surgirá este
segundo indecidível, que irá compatibilizar com os demais artistas analisados.
Dessa maneira, a fotografia passa a integrar um discurso que transcende as
fronteiras da própria fotografia, compatibilizando-a com as demais obras de Fajardo.
2.4 - Território de análises
Cumpre esclarecer que as obras que compõem este tópico abrangem diversos
períodos da produção deste artista. Elas entrarão em consonância com a análise pretendida,
mediadas pelas observações que serão levantadas das imagens do ensaio fotográfico.
É importante reafirmar que a lógica do phármakon abala a hierarquização, não
permitindo que haja dicotomia. Apesar de os elementos que compõem a análise da
superfície estarem mais próximos do universo da pintura que da escultura, o que poderia
levar a um pensamento dicotômico, a idéia é justamente outra, é tentar demonstrar que não
houve uma escolha por um dos pólos. A intenção é tentar demonstrar a possibilidade de
168
deslizamento das mesmas observações para as duas modalidades. Dessa maneira, os
elementos que tradicionalmente seriam observados como exclusivos do território da pintura
ou do desenho, deslocam-se para o território da escultura e da fotografia, rompendo com as
regras que foram estabelecidas no terreno das certezas e que agora se inserem no terreno
das incertezas.
Para uma melhor observação e análise da superfície das obras escolhidas, foram
organizados quatro grupos distintos que evocam questões como: cor, textura, desenho,
transparência e opacidade. Apesar de serem observadas separadamente, estas quatro
questões relacionam-se mutuamente, uma complementando o discurso da outra.
As obras apresentadas não estão dispostas dentro de uma linearidade histórica,
que marque uma trajetória artística específica. As escolhas foram feitas de acordo com a
própria obra, mediante os itens levantados.
É importante lembrar que esta análise segue um caminho próprio, que muitas
vezes se diferencia da intenção do artista.
2.4.1- A superfície através da cor
“A ordem de uma composição pictórica estabiliza o caráter de cada cor,
tornando-a tão inequívoca quanto necessário para a proposição artística ser válida”, afirma
Rudolf Arnheim (1997, p.351) quando aborda a questão da cor. Ele segue enfatizando que
“a identidade da cor não reside na cor em si, mas é estabelecida por relação”
155
. Observada
como parte de um processo aditivo que cobre determinada superfície, a cor pode ser vista
como um complemento do trabalho, na qual sua identidade é estabelecida pela relação que
ela tem com as demais cores ou matizes que recobrem a obra.
Esta é uma afirmação válida dentro de uma proposição de análise dos elementos
perceptivos que compõem uma determinada obra, mas se afasta quando o que vemos na
produção de Fajardo é justamente o contrário. A cor, nos trabalhos deste artista, segue um
caminho que não necessita de uma relação compositiva com outros elementos cromáticos
que são adicionados ao produto como pertencentes a uma condição pictórica. Aqui, a
155
- Op.cit.loc.cit.
169
identidade da cor reside na cor em si. Ela está mais próxima da fala de Cézanne quando
explica que a cor é aquilo que existe entre ele e o mundo. Pode-se afirmar que o
pensamento cromático de Fajardo foi propiciado pela própria pintura, e esta é, por sua vez,
uma arte da cor, nada mais justo que iniciar a análise por este elemento.
A tentativa é observar que a cor é um componente importante na produção de
Fajardo, não só como um dos elementos que compõem a superfície, tanto na condição
bidimensional como da tridimensional, mas como um dos vetores primordiais para as
realizações de tais obras.
Observando a trajetória criativa de Fajardo, mas sem a intenção de refazer o seu
percurso artístico, ou mesmo de seguir uma trajetória cronológica, observa-se que houve
uma preocupação do artista em buscar novas maneiras de traduzir seus raciocínios visuais.
A solução encontrada para as suas pinturas com chapas acrílicas (1967/1968) e depois
fórmica (1971), advém de uma proximidade explícita com Marcel Duchamp, como já foi
observado anteriormente, e a inclinação para uma arte em que a materialidade assume um
peso construtivo.
Fajardo (1998, p.23) aponta que a “materialidade são todas as ocorrências
intencionais na superfície de um trabalho de arte, dando-lhe uma nova pele”. Essa nova
pele, que não foi moldada pelos artefatos pictóricos tradicionais, já prenunciava um dos
fatores de deslocamento da condição modal da sua obra.
Um dos exemplos desta questão pode ser verificado tanto em El sapateador, de
1969 – versão gráfica e a versão sem legenda, montada em fórmica (fig. 37 e fig.38), como
em República do Líbano
156
, de 1971, e também nas duas versões (fig.39 e 40). Nas versões
em fórmica, o elemento pictórico vem sob a forma de cores intensas, emprestadas do
mundo, do universo industrial. Não há a tentativa de resolver a questão pictórica através de
um processo de criação da cor ou da adição de pigmentos à superfície, a idéia é trazê-la
junto com a materialidade. Este é o primeiro passo para uma produção indissociável que
156
- É importante esclarecer que a designação dada às obras, como El sapateador ou República do Líbano,
não remetem a um possível título, mas a uma legenda. Segundo o artista, El sapateador é uma referência ao
amigo e artista Dudi Maia Rosa. Já República do Líbano subtende os quarenta trabalhos que foram realizados
a partir das quarenta horas noturnas passadas pela República do Líbano.
170
relaciona a cor ao material empregado, uma verdadeira cor-matéria
157
. A intenção de
Fajardo não era criar uma referência direta com a cultura urbana; o uso da fórmica, segundo
ele próprio, era a realização mais estrita da idéia de superfície e de cor (2003)
158
.
O fato de poder pensar qual é a cor desejável dentro de um catálogo industrial,
articular o traçado do trabalho e encomendá-lo a um marceneiro, sem a necessidade de
realizá-lo manualmente, reproduz o pensamento duchampiano sobre a produção da obra de
arte. A própria concretização da obra em série, em que a idéia é mantida, modificando
apenas as combinações cromáticas (fig. 41), remete ao universo da Pop Art e ao discurso da
massificação da imagem.
A busca de uma obra não-narrativa é confirmada pela ausência de uma lógica
construtiva que possa permitir uma ligação simbólica da obra com o mundo. Há um
esvaziamento de qualquer tipo de carga emocional ou semântica que determine um
caminho que não seja o da materialidade. É nesse caminho que a obra tridimensional se
apresenta como uma conseqüência de um mesmo pensar.
A obra construída com plásticos infláveis e chapa de ferro, de 1982 (fig.42.),
reconstrói em outra versão o mesmo universo cromático das obras em fórmica. A cor não é
mais composta por chapas coladas em madeira, mas por objetos que se apóiam na parede e
no chão. O suporte não é mais delimitado pelo recorte da madeira, ele alcança o espaço e a
fisicalidade do ambiente.
157
- O termo cor-matéria foi empregado por Fúlvia Molina na análise feita sobre a obra de Fajardo. Por
resumir muito bem a questão, o termo foi emprestado para este trabalho. Ela acrescenta também que “por
mais ousada que possa ser a escolha da cor, ela é sempre característica dos materiais empregados(...). As
pesquisas de cor e de matéria andam juntas. O conjunto cor-matéria guarda uma autonomia em relação à
figuração. O uso da figuração, que desde o início já trazia uma descrença do seu poder narrativo, é, aos
poucos abandonado”. (2003, p.58).
158
- Sonia Salztein. Catálogo - Poética da distância, entrevista com Carlos Fajardo, p.16.
171
Figura 37 – Carlos Fajardo. Sem título (El sapateador). Versão em colagem,
lápis grafite e lápis de cor sobre papel, 1969.
Figura 38 – Carlos Fajardo. Sem título (El sapateador). Fórmica montada
em madeira, 1969.
172
Figura 39 – Carlos Fajardo. Sem título (República do Líbano). Fórmica montada
em madeira, 1971.
Figura 40 - Carlos Fajardo. Sem título (República do Líbano). Pastel seco sobre
papel, 1971.
173
Figura 41 - Carlos Fajardo. Sem título. Fórmica sobre madeira, 1988.
Em outro momento, esse cromatismo se apresenta num processo aditivo, de
natureza mais pictórica, criando um deslocamento de percepção: ao mesmo tempo em que a
pintura agrega uma condição bidimensional, a obra de Fajardo nega esta condição e se
insere no espaço. As chapas de duraplac ou madeira, recobertas por esmalte sintético, tinta
automotiva e laca industrial (fig.43)
159
, apóiam-se na parede, formando uma pintura
espacial, em que o olhar do espectador não se atém ao recorte pictórico, ele vaza pelo
entorno da obra. É o mesmo caso da obra realizada com três chapas compostas por uma de
ferro recoberta com tinta automotiva, e outras duas lousas de madeira (fig.44).
159
- 26ª Bienal de São Paulo, 1981.
174
Figura 42 - Carlos Fajardo. Sem título. Plásticos infláveis e placa de ferro, 1982.
Nesta obra há um espaçamento entre estas três partes que compõem com o
entorno da obra, que é a própria parede. Dessa maneira, este espaçamento integra-se à obra,
ampliando o campo visual da mesma
160
.
O pensamento pictórico que permitiu a construção destas obras é confirmado
pelas imagens apresentadas no ensaio fotográfico, possibilitando a verificação da
observação levantada, em que a superfície se mostra como um phármakon.
Próprio da arte minimalista, o caráter imanente da obra de Fajardo é reforçado
frente à ausência de um significado transcendente. Este caráter também é explicitado nas
imagens fotográficas, que se despem das transcendências e se constroem na imanência.
160
- É importante apontar que as relações estabelecidas entre as obras bi e tridimensionais não estão sendo
analisadas segundo uma ordem cronológica de produção.
175
Figura 43 - Carlos Fajardo. Sem título. Esmalte sintético, tinta automotiva e laca industrial sobre duraplac e
madeira, 1981.
176
Figura 44 - Carlos Fajardo. Sem título. Tinta automotiva sobre ferro, lousa de madeira, 1982.
Independente da possibilidade do referente ser parcialmente reconhecível, a
imagem apresentada - cadeiras brancas sobre fundo azul, (fig. 45) - está calcada no discurso
da cor. Ela convoca o espectador a estabelecer uma relação com as outras obras de Fajardo,
tanto as bidimensionais como as tridimensionais. Na imagem fotográfica, o tridimensional
não se sobrepõe ao bidimensional, ou vice-versa, eles se integram, se confundem, enquanto
uma outra imagem, em que a natureza da forma é colocada em um plano secundário, é
construída. Desta maneira, ela confirma o papel de operador, ao mesmo tempo em que cria
um novo phármakon – a imagem fotográfica como obra própria.
A possibilidade de ambas as funções é deflagrada pelo discurso proposto: a
análise da superfície e dos elementos que a compõem. Como a cor é uma condição que
percorre todas as demais imagens do ensaio, me aterei a duas delas: a imagem da fig. 45 e a
imagem da figura n.46.
As imagens dessas duas fotografias diferem entre si. Enquanto a primeira
aponta para um referente identificável, as cadeiras; a segunda imagem, composta por três
faixas amarelas intercaladas por duas faixas violetas e outra cinza, não remetem a nenhum
objeto detectável.
177
Figura 45 - Carlos Fajardo. Sem título. Fotografia (1), 1998.
Estas duas imagens permitem que a superfície–cor seja observada, tanto pelo
prisma da tridimensionalidade quanto da bidimensionalidade, num contexto único, o
discurso da cor.
178
Figura 46 - Carlos Fajardo. Sem título. Fotografia (2), 1998.
Elas remetem ao universo da pintura, mas ao mesmo tempo não se fixam nele,
apenas se apropriam de alguns de seus preceitos, como a figura e fundo, proporcionados,
não só pelas formas, mas principalmente pelo contraste que se dá entre as cores. Diante
disso, há uma outra profundidade de análise, em que a lembrança primária do uso da cor,
aquela que deu origem ao pensamento constitutivo das obras anteriores – pintura e
escultura -, dá espaço para uma outra forma de percepção, a fotografia.
179
Trabalhando não com a questão da imitação ou da transcendência, a cor, na
obra de Fajardo, não tem a intenção de ser uma cópia do real, já que a própria matéria vem
acompanhada pela cor. Esse também é o mecanismo conceitual que propicia a captação das
imagens fotográficas, ou seja, Fajardo, na construção de suas obras, trabalha a cor como
parte pertencente ao próprio material, ele não a adiciona à matéria, esta sim é que traz a cor.
Não há um artificialismo cromático fabricado pelo próprio artista, dentro de um processo
aditivo manual de cobrir uma determinada superfície com a cor. Como forma de projetar
um pensamento consoante com as demais obras, pode-se dizer que esta é uma intenção que
também se reflete nas suas imagens fotográficas.
Por outro lado, na tentativa de reproduzir o pensamento visual do artista, a
imagem fotográfica capta a cor natural dos objetos fotografados num processo imitativo do
real. Este é um discurso que coloca a própria fotografia no terreno da indecidibilidade,
refletindo que as observações entre o real e o não-real sejam colocadas em pauta, como
parte da observação do segundo indecidível na obra de Fajardo.
A superfície-cor, dessa maneira, circunscreve-se como um elemento
indecidível, que desliza entre as obras bidimensionais e tridimensionais, acoplando em um
só território a pintura, a escultura e a fotografia.
2.4.2 – A superfície como textura
Fajardo (1998, p. 58) diz que, na “pintura, a superfície é uma espécie de
armadilha para a cor e a cor se desloca, na seqüência dos meus trabalhos, do pigmento para
a textura dos materiais”.
A textura se dá, neste contexto, quase como uma continuação da cor-matéria,
em um processo que demonstra um desdobramento do discurso anterior. A textura é
mostrada através da materialidade do material empregado, que surge impregnada tanto pela
cor como pela própria matéria escolhida. Dessa forma, a textura é agregada à cor como um
dos elementos que compõem a superfície, pelo codinome de cor-textura.
180
É desta maneira que se destacam as obras formadas pelas costaneiras de
mármore (fig.47), pelas espumas (fig.48), pelo madeirite, pela borracha vulcanizada
(fig.49), pelo ferro galvanizado.
Figura 47 – Carlos Fajardo. Sem título. Costaneira de mármore, 1991.
181
Figura 48- Carlos Fajardo. Sem título. Espuma de poliuretano, 1984.
Não há, nestas obras, uma dissociação entre textura e cor, muito pelo contrário.
Só que a cor, neste contexto, é comandada pela matéria em estado bruto que, quando
agregada ao ambiente em que está instalada, destaca a natureza perceptiva do material.
Enquanto a cor se relaciona apenas com a percepção ótica, a textura se relaciona com a
táctil e com a ótica.
182
Figura 49 - Carlos Fajardo. Sem título. Borracha vulcanizada, placa de madeira e motor, 1984.
Neste viés, a obra pictórica de 1971 (fig.50), realizada em cartão pintado sobre
madeira, fornece os elementos que indicam o pensamento cromático do início da carreira de
Fajardo, na qual a cor era adicionada à superfície matérica do cartão, dando–lhe uma
aparência texturável. Esta obra preconizava um caminho que se dirigia à pureza da cor. A
sobreposição do pigmento sobre o suporte pode ser considerada como um dos indícios da
relação cor-textura.
183
Figura 50 - Carlos Fajardo. Sem título. Cartão colorido sobre madeira, 1971.
No âmbito da tridimensionalidade, a obra realizada com tijolos (fig.51)
possibilita que se faça uma análise centrada no discurso da cor-textura. A própria aparência
matérica do tijolo, unida à disposição compositiva, fornece os elementos necessários para
que se estabeleça um diálogo com o assunto tratado. Há um jogo imagético criado pelo
espaço cheio e pelo espaço vazio que compõem a obra.
184
Figura 51- Carlos Fajardo. Sem título. Tijolos montados, 1989.
185
Trata-se de uma obra que não se resume ao objeto em si, mas que utiliza o
espaço de entorno, permitindo que seu discurso não fique restrito à própria matéria, mas
sim ao como essa matéria dialoga com esse espaço.
Neste caso, o ponto principal desta obra reside em como essa superfície
texturável é complementada pela fresta vazia, que lhe dá uma nova conformação, ao
mesmo tempo em que cria um paralelismo antagônico das superfícies apresentadas. De
certa forma, a verificação que se dá é como essa superfície como um todo assume uma
nova capa, que não é formada apenas pela tessitura do tijolo ou pelo desenho que a
organizou, mas pela agregação do espaço liso em que está inserida.
A imagem fotográfica (fig.52) traduz a questão desta relação de aproximação
entre o espaço de entorno e os objetos presentes na obtenção desta imagem, quase como um
retorno à colagem cubista.
Esta imagem mostra um recorte de um ambiente composto por duas cadeiras
aramadas sobre um tapete de estampa de animal, ao lado de uma mesa de tampo branco. Os
objetos são mostrados de forma fragmentada, sem a intenção de que sejam vistos na sua
totalidade, mas sim como partes de uma composição montada com diferentes superfícies.
No diálogo que se dá entre a variedade dos materiais utilizados e a sobreposição de um
objeto com o outro, a superfície passa a ser vista como pertencente ao discurso que aborda
a visualidade pelo prisma de sua aparência matérica.
Na imagem fotográfica, a superfície-textura não se dá pelo objeto real, mas pela
memória. Ao olhar tais objetos, o espectador é remetido às sensações táteis que tais objetos
promovem. As analogias com as obras bidimensionais e tridimensionais ocorrem da mesma
maneira, pela associação de relações.
A cor-textura passa a integrar o discurso sobre a superfície como um
indecidível, na medida em que ela não se condensa às questões modais, mas que permite
que haja uma oscilação entre as diferentes obras do artista.
Um outro exemplo que complementa o anterior traz a cor-textura, advinda da
matéria in natura, conforme é mostrada na imagem fotográfica (fig. 53). Nesta imagem, o
chão serve de mote para o ensaio fotográfico. A referência, para uma fotografia tradicional,
é clara. No entanto, o phármakon imagético acionado pela intenção do artista demonstra
186
que não importa esta remetência, importa, sim, a obtenção de uma imagem que comprove a
busca por uma superfície texturável.
Figura 52- Carlos Fajardo. Sem título. Fotografia (3), 1998.
O phármakon promove no espectador uma alusão a uma memória visual que
ele julga ser correta, mas que se mostra ilusória e enganadora. Ao mesmo tempo ele
enfraquece esta memória, desvelando uma nova referência que se fecha na própria imagem
e no que ela se propõe: o estudo da superfície.
187
Figura 53- Carlos Fajardo. Sem título. Fotografia (4), 1998
2.4.3– O desenho: um rastro na superfície
“Se o desenho pertence ao espírito e a cor aos sentidos, deve-se desenhar
primeiro para cultivar o espírito e ser capaz de conduzir a cor ao caminho do espiritual”,
afirma Matisse. Arnheim (1997, p. 327), quando cita essa frase de Matisse, complementa
dizendo que o artista interpreta a tradição segundo a qual “a forma é mais importante e mais
dignificada que a cor”.
Retomando a definição léxica do Aurélio (FERREIRA, 1975), o desenho pode
ser entendido como sinônimo de “representação de formas sobre uma superfície, por meio
de pontos, linhas, e manchas, expressando a forma e abandonando a cor”.
188
De maneira simplista e dentro de uma lógica que foi estabelecida no terreno das
certezas, o desenho pode ser adotado como um antecessor da cor, como algo que marca a
superfície delimitando o espaço que será ocupado por esta. De acordo com esta premissa,
ele está presente como um rastro deixado sobre a superfície, organizando-a em formas e
planos, como modo de reproduzir um raciocínio bidimensional.
Dessa maneira, a linha é vista como o elemento essencial do desenho. Ela é o
elemento visual que se constrói a partir da existência de um ponto, ou um ponto em
movimento, conforme a definição dada por Dônis A. Dondis.
Dondis (2003, p. 56) também afirma que a linha é um instrumento nos sistemas
de notação, mas que na arte ela é “um sistema de notação que, simbolicamente, não
representa outra coisa, mas captura a informação visual e a reduz a um estado em que toda
informação visual supérflua é eliminada, e apenas o essencial permanece”. Imprecisa,
indisciplinada, hesitante, ondulante, delicada, nítida, grosseira, e tantos outros predicados; a
linha, segundo o autor, pode assumir formas muito diversas, de acordo com o que o artista
quer expressar.
Pode-se dizer que a linha, nas obras de Fajardo, assume essa relação direta com
o desenho, não se resumindo apenas ao traço gráfico sobre uma superfície, mas
incorporando todas as possíveis nuances que ela possa assumir. É dessa maneira que, junto
a essa linha gráfica, incorporam-se outras linhas formadas pelo próprio material, como a
dobra e a marca – nomenclaturas utilizadas neste trabalho para designar, tanto o ato de
dobrar, vincar uma superfície, quanto o processo de amassá-la. Na verdade, uma pode
corresponder à outra, como a marca ser um sinônimo da dobra, mas aqui seguem rumos
diferentes. Enquanto a primeira aponta para o gesto construtivo do artista, ou seja, vincar
uma superfície de forma ordenada; a segunda é o resultado de uma ação de resultado não
premeditado, que o próprio suporte possibilita.
Advindo de uma trajetória longínqua que remonta às primeiras marcas gráficas
deixadas pelo homem nas paredes das cavernas, o desenho feito pelo artista deixa, na arte
contemporânea, de ser manual, e passa a ser realizado através de outros materiais não-
gráficos. No pensamento construtivo de Fajardo, nada mais lógico que esse processo de
substituição ocorresse naturalmente.
189
A substituição dos materiais gráficos pelos não-gráficos não interrompe o
processo construtivo da obra, apenas modifica seu resultado. Desde o início da sua carreira
artística, Fajardo pautou-se pela ruptura das tradições formais, optando pela lógica do ato.
Do mesmo modo que o uso da fórmica na década de 70 inaugura o uso da cor-matéria, este
mesmo material traz um posicionamento anterior a este uso, que é a construção do próprio
desenho, ou seja, o uso da linha e da forma. Diz Fajardo que:
Os desenhos desse período, à maneira do modo construtivo utilizado nas
fórmicas, abandonam o lápis para serem feitos de materiais diversos colados à
superfície do papel. Não são, porém, colagens; substituem a linha por um
contorno recortado (FAJARDO, 1998, p. 30).
Os desenhos abriram a possibilidade de multiplicação, já que podiam ser
criados e encomendados a partir de um croqui. É o caso da obra já citada, legendada como
República do Líbano. “Os croquis”, segundo o artista, “indicavam as proporções exatas
para a sua execução, que é encomendada a uma marcenaria” (FAJARDO, 1998, p.26). Ele
relata que, em 1971, foram feitas quarenta versões de um mesmo desenho, nas quais foram
usadas sete cores que se alternavam entre si.
A obra, que já foi mostrada na fig. 39, exemplifica a questão do uso da linha
como elemento básico do desenho, que é retomada posteriormente na instalação realizada
em 1994 (fig.54). Esta obra, montada na Cinemateca Brasileira para o projeto Arte/Cidade
– Cidade Sem Janelas, não tem o intuito de fazer uma analogia direta com a linha e com o
desenho, está mais ligada à percepção do espectador, que transita em uma sala escura, onde
lâmpadas fluorescentes instaladas dentro de grandes caixotes deixam vazar luz por suas
frestas.
Mesmo que a intenção seja outra, a visualidade estética da linha e,
conseqüentemente, do desenho, estão lá, presentes em essência. Alusão semelhante é dada
pela obra (fig, 55), que instaura o discurso pelo espaço entre, ou seja, o vão que se forma
entre as chapas. Nesta obra continua o jogo de linhas verticais que ultrapassam a fronteira
demarcada pela superfície das chapas, apontando para o universo do desenho.
As imagens fotográficas (fig. 56 e 57) retomam o discurso deste pensamento
visual, embasado pelas obras bi e tridimensionais.
190
Figura 54- Carlos Fajardo. Sem título. Instalação, 1991
Figura 55 - Carlos Fajardo. Sem título. Lâmpadas de néon, placas de fibra de vidro, montados sobre madeira,
1983.
191
Figura 56 - Carlos Fajardo. Sem título. Fotografia (5), 1998.
192
Figura 57- Carlos Fajardo. Sem título. Fotografia (6), 1998.
193
A primeira imagem é construída por um jogo de linhas sobre um fundo azul
dégradé de cima para baixo. Há, neste fundo, duas modulações básicas de azul: um mais
claro e um mais escuro. O mais claro, que cobre os dois terços esquerdos que compõem a
imagem, é dividido em duas partes - a primeira é constituída por um azul quase chapado,
enquanto a metade seguinte é recoberta por listras horizontais de tonalidade mais clara. O
outro terço restante da imagem é formado por um azul mais intenso, que também é coberto
por listras finas de um tom mais claro de azul. Em primeiro plano, uma barra cinza em
formato de um “T” horizontal corta o fundo azul, impondo um ritmo que quebra o jogo de
linhas horizontais e intensifica a separação cromática do fundo nos dois tons de azul (talvez
um corrimão em uma parede azul?).
Na segunda imagem, o jogo de linhas é construído pelo reflexo de outras
imagens na lataria de um carro – que é identificado pelo detalhe da roda. O azul, que
corresponde quase à totalidade da cor nesta imagem, é complementado por outras cores,
como o preto, o cinza, o amarelo e o prata, que organizam as linhas em um desenho.
Em um outro momento, essa linha que demarca a superfície, advinda de um
raciocínio próprio do desenho gráfico, desdobra-se em outras duas concepções: a dobra e a
marca. A linha, neste caso, torna-se sinônimo de gesto.
Vistas por este ângulo, tanto a dobra quanto a marca nada mais são que uma
outra maneira de se falar das linhas. Enquanto a dobra é provocada por um gesto
organizado e quase geométrico, a marca é resultado de linhas desconexas e desordenadas.
A dobra, que pode ser visualizada como parte de um desenho (fig.58), sinaliza
para uma mudança na forma de representação, incluindo o próprio material como
participante gráfico da obra. Não com este propósito, mas com uma aparência semelhante,
essa dobra que vinca a superfície do próprio papel, surgida em 1966, reaparece na
instalação realizada com tijolos, de 1989 (fig 59), como se fosse um desenho
tridimensional.
As imagens fotográficas (fig. 60 e 61) assumem a função de prova quando
reproduzem este pensamento visual de forma mais clara e direta.
194
Os degraus de uma escada e o canto de uma parede, que servem de mote para a
captação das imagens, transcendem a mera condição de fazerem parte de uma arquitetura e
passam a abrigar um discurso sobre o desenho.
Figura 58 - Carlos Fajardo. Sem título. Carvão sobre papel, 1966.
195
Figura 59 - Carlos Fajardo. Sem título. Tijolos montados, versão de 1989.
196
Figura 60 - Carlos Fajardo. Sem título. Fotografia (7), 1998.
197
Figura 61 - Carlos Fajardo. Sem título. Fotografia (8), 1998.
198
No entanto, se a dobra é o resultado de um gesto intencional, a marca é vista
aqui como um gesto de amassadura do material. Simboliza a existência de algo que passou
e deixou seu rastro displicentemente sobre determinada superfície. A marca prenuncia uma
relação existente entre o desenho e a matéria, antes mesmo de ele ter sido feito ou sido
pensado como tal. A marca pode ser vista como o rastro deixado pelo pincel, (fig.62), que
registra o movimento do gesto; o negativo da mão quando apalpa o material, na obra
realizada em argila (fig. 63) e as ondulações do material, provocadas pelo manuseio
(fig.64).
Figura 62- Carlos Fajardo. Sem título. Tinta látex e verniz sintético sobre tela, 1981.
199
Figura 63 - Carlos Fajardo. Sem título. Instalação – vista parcial (em primeiro plano – argila modada), 1987.
200
Figura 64 - Carlos Fajardo. Sem título. Instalação (detalhe – malha de aço inoxidável) – 24ª Bienal de São
Paulo, 2002.
201
Figura 65 - Carlos Fajardo. Sem título. Fotografia (9), 1998.
O desenho, formado pela marcas de manuseio do material, pode ser percebido
através das imagens fotográficas (fig.65 e 66).
Trabalhando com o contraste de luz e sombra, a primeira imagem fotográfica
expõe, em primeiro plano, o material de onde se origina a idéia do desenho com uma
marca. Os reflexos formados pela luz e pela sombra, que o próprio material propicia,
ampliam a concepção da existência de uma imagem que se constrói pela temática do
desenho.
Sem ter uma remetência direta com um material específico, a análise se pauta
na especulação. Baseada na observação das demais obras, pode-se criar uma alusão a um
material específico: uma malha de aço.
A segunda imagem é mais direta, mas não menos representativa. Pode-se dizer
que o pano (ou uma colcha) que recobre uma cadeira (ou uma poltrona) propicia que se
202
forme uma ondulação mais suave em função de o material ser mais mole, criando um
desenho mais delicado. No entanto, este desenho formado pelo material não está isento do
efeito de dramaticidade, produzido pela luz. Incidindo sobre a superfície como um fator
externo, esta luz é adicionada à imagem pela fotografia.
Figura 66 - Carlos Fajardo. Sem título. Fotografia (10), 1998.
Com isto, a mão é capaz de gestos múltiplos, o que ela toca é real: é traço, é
marca, é linha, é desenho. Segundo Jean-Michel Rey, “o desenho mobiliza o olho e o
espírito: ele é o lugar por excelência em que se opera uma transição do visível ao
inteligível, fornece um esquema dessa passagem ao torná-la manifesta”
161
. A imagem
fotográfica reforça esta relação na obra de Fajardo.
161
- REY , Jean-Michel. Valéry – os exercícios do espírito. in NOVAES, Adalto (org.) Artepensamento. Cia
das Letras: São Paulo, 1ª reimpressão, 2006. p.152.
203
2.4.4 – Opacidade e transparência
No posfácio desta análise sobre a superfície como um indecidível é que a obra
de Fajardo será observada pelo prisma de dois outros elementos que compõem a superfície:
a opacidade e a transparência.
Este discurso, no entanto, situa-se em um campo que condiz mais com a
linguagem propiciada pela materialidade do suporte, a condição ou propriedade que alguns
materiais têm em bloquear ou deixar a luz passar. Neste âmbito, a abordagem sobre a
opacidade e a transparência não será dada pela diferenciação de uma condição com a outra,
mas pela complementaridade de um significado com o outro.
As polaridades técnicas de transparência e opacidade definem-se mutuamente
em termos físicos. Segundo Dondis (2003, p. 152):
(...) a transparência envolve detalhes visuais dos quais se pode ver, de tal
modo que o que fica atrás também nos é revelado aos olhos; enquanto a
opacidade é justamente o contrário, é o bloqueio total, o ocultamento dos
elementos que são visualmente substituídos.
No entanto, Rudolf Arnheim (1997, p.242) faz uma observação, dizendo que
um caso especial de justaposição é a transparência, mas que é necessário distinguir a
transparência física da perceptiva, já que não é toda transparência física que se torna
perceptiva. Uma superfície, que deixa passar luz suficiente para manter o padrão de baixo
visível, tem transparência, mas se há uma modificação cromática ou luminosa em todo o
campo visual, isso não é transparência. Como exemplo, ele fala que se uma pessoa colocar
um par de óculos de lentes coloridas que cubram o campo visual por inteiro, isto não
significa que se criou uma transparência, e sim que houve uma modificação de todo o
campo visual, tornando-o de uma outra cor.
É neste contexto que a superfície deixa de ser vista na sua singularidade, como
um suporte que acolhe determinados elementos que são adicionados a ela. Há uma
ampliação no discurso que envolve a própria superfície, permitindo que se façam novas
observações.
204
Nas obras de Fajardo, a transparência e a opacidade vêm revestidas de filosofia.
É esta conjunção que irá direcionar o engajamento entre o sujeito que olha a sua obra e
como ele as concebe, traçando um fio filosófico de aproximação entre o autor, a obra e o
espectador.
Não há uma escolha aleatória pelo material, ao contrário, há uma consonância
entre estas duas polaridades – luz e opacidade. A opacidade se faz presente como uma
negação à luz, como um bloqueio visual pela densidade dos materiais utilizados, como a
pedra, o madeirite, a borracha ou a resina, - o oposto dos véus e da fluidez dos materiais
transparentes. A opacidade, no entanto, já foi discutida indiretamente nas obras anteriores.
Dessa forma, a transparência torna-se o mote central deste item, pela contraposição à
própria opacidade. Cabe agora voltarmo-nos para as reflexões que a transparência, como
um dos elementos da superfície pictórica, deixa vislumbrar.
Fajardo trabalha esta transparência num jogo duplo de significados, seguindo o
mesmo raciocínio pictórico que norteou a maior parte de sua obra. Neste viés, a concepção
pictórica não se dá pelos mecanismos tradicionais do fazer, mas pelo processo de
conceituação da obra.
Traçando uma relação entre a transparência das superfícies dos materiais
empregados e a pintura é que as noções de velatura e pentimento
162
vão aparecer como um
retorno aos procedimentos clássicos da própria pintura. A questão pictórica evidencia-se na
alusão às camadas de tintas que estavam encobertas e começam a aparecer, não pelo uso do
pincel e tinta, mas pelo próprio material. Esta questão é elaborada pelo próprio artista.
Como parte da sua produção mais recente na exposição realizada no segundo
semestre de 2005, no Gabinete de Arte Raquel Arnaud, a transparência aparece como o
mote principal dos seus trabalhos, em um movimento de reafirmação da própria pintura. A
162
- Como demonstrativo dessa linha de pensamento, segue a citação do prefácio do livro Pentimento de
Lílian Hellman (1973). “À medida que o tempo passa, a tinta velha em tela muitas vezes se torna transparente.
Quando isso acontece, é possível ver, em alguns quadros, as linhas originais: através de um vestido de mulher
surge uma árvore, uma criança dá lugar a um cachorro e um grande barco não está mais a céu aberto. Isso se
chama pentimento, porque o pintor se arrependeu, mudou de idéia. Talvez se possa dizer que a antiga
concepção, substituída por uma imagem ulterior, é uma forma de ver, e, mais tarde, ver de novo”.
205
mostra é composta por três momentos que se complementam nesta ação, evidenciando esta
linha de pensamento.
O primeiro mostra uma série de vidros com véus de seda sobre os mesmos. São
dois vidros de cores diferentes, postos lado a lado, recobertos por um tecido de seda que
altera a qualidade luminosa do vidro com a matéria translúcida da seda (fig.67).
O segundo apresenta uma série de quadros de vidros, nos quais uma malha de
chumbo é prensada provocando deformações no metal. A malha de chumbo apresenta
ondulações que refletem a luz e cria formas luminosas.
A terceira obra é uma escultura, que é uma síntese das duas outras séries.
Montada com um cone de madeira sobre um vidro, esta obra é completada por um véu de
seda rosado apoiado sobre o cone (fig.68).
As três séries trabalham questões emblemáticas da pintura através de uma ação
que condiz com a arte contemporânea, mas não renega o seu passado.
Dessa maneira, a coerência conceitual de Fajardo também é salientada pelas
imagens fotográficas (fig.69 e 70).
Tais imagens evocam a questão da transparência pela justaposição de dois
elementos que modificam a superfície, ou pela cor, ou pelo desenho. As imagens não são
claras a ponto de afirmar qual é o objeto de referência da foto. O foco central da primeira
imagem parece mostrar um utensílio de cor azul (um balde?), ocupado por líquido de um
azul mais escuro que intensifica a cor do fundo. Este utensílio, fotografado de topo, está
sobreposto sobre duas outras superfícies – uma bem escura sobreposta sobre outra
superfície amarelo-esverdeada.
A segunda imagem é mais surpreendente, não é possível afirmar se o que é
mostrado pode ser observado como uma janela vista do lado de fora. Há grande massa
branca que cobre quase toda a superfície da imagem. No centro, encontra-se uma moldura
amarelada que recorta essa massa branca, adicionando um novo branco a esta superfície.
Este enquadramento envidraçado revela uma outra superfície branca levemente franzida.
Percebe-se que ela não pertence à primeira superfície, mas a complementa. Como uma
sombra mais clara, um contorno formado no canto esquerdo deste enquadramento promove
206
um outro questionamento: há uma terceira superfície ou este é um reflexo-fantasma de algo
que se encontra fora da foto?
Figura 67 - Carlos Fajardo. Sem título. Vidro laminado e seda indiana, 2005.
207
Figura 68 - Carlos Fajardo. Sem título. Cone de madeira,vidro temperado e seda indiana, 2005.
208
Figura 69 - Carlos Fajardo. Sem título. Fotografia (11), 1998.
209
Figura 70 - Carlos Fajardo. Sem título. Fotografia (12), 1998.
210
Não se tem a intenção de refletir sobre estes questionamentos, apenas observar
que a transparência mantém um diálogo com a obra, da mesma maneira que fazem as obras
tridimensionais que trabalham com a pintura dentro da noção de pentimento.
A transparência dada pela noção de pentimento está mais ligada à questão do
abandono, do arrependimento, da memória escondida pelas camadas de tinta. Na obra de
Fajardo, no entanto, não há abandono, não há arrependimento, há acréscimo. As
transparências das camadas de tintas são transpostas para as obras tridimensionais, em um
movimento combinatório de retorno ao passado pictórico, unido a um pensamento
contemporâneo. Nesse caso, a produção do artista em questão está mais ligada à percepção
daquilo que não estava aparente na sua obra, das possibilidades do que não se via a um
primeiro olhar, mas que vai sendo revelado aos poucos, com as observações das demais
camadas significativas.
Abre-se aqui um parêntese. Realizadas anteriormente, as imagens fotográficas
não agem aqui como a comprovação de um pensamento que já foi efetuado, ao contrário,
elas são precursoras de uma obra futura.
Novamente, o reencontro das noções tradicionalistas da pintura com a arte
contemporânea pode ser percebido. Fajardo não renuncia às noções pictóricas clássicas para
criar uma obra que aparentemente se mostra desconectada com esta tradição. Não há um
abandono da pintura porque seu procedimento mudou. O conceito que gerou a obra
continua sendo o mesmo, apesar de os materiais serem diferentes, e motivarem uma
percepção que deslize de uma modalidade a outra, excluindo qualquer intenção que
estabeleça uma fronteira entre a pintura, a escultura ou a fotografia. É diante desta questão
que, justamente, a polaridade modal deixa de fazer sentido na arte contemporânea,
rechaçando qualquer tentativa de reduzi-la a um único significado.
211
V- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ou se tem chuva e não se tem sol,
ou se tem sol e não se tem chuva!
Ou se calça a luva e não se põe o anel,
ou se põe o anel e não se calça a luva!
Quem sobe nos ares não fica no chão,
Quem fica no chão não sobe nos ares.
É uma grande pena que não se possa
Estar ao mesmo tempo nos dois lugares!
Ou guardo o dinheiro e não compro o doce,
Ou compro o doce e gasto o dinheiro.
Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!
Não sei se brinco, não sei se estudo,
Se saio correndo ou fico tranqüilo.
Mas não consegui entender ainda
Qual é melhor: se isto ou aquilo.
(Cecília Meireles - Ou isto ou aquilo)
Cecília Meirelles condensa neste pequeno poema uma dúvida que se instaura a
partir de uma escolha que se mostra dicotômica: ou isto ou aquilo. A existência das
polaridades que são apresentadas no poema reflete uma parcela do pensamento da filosofia
ocidental calcada na tradição, em que a possibilidade de se optar por um dos lados implica
212
o abandono do outro. A escolha por uma das polaridades, em detrimento da outra, exprime
uma certeza, que o mundo contemporâneo não é mais capaz de oferecer.
Chegar, neste trabalho, a uma conclusão que elucidaria as questões
apresentadas, como a fotografia se insere no terreno da arte contemporânea, sugeriria que
uma resposta foi encontrada e que houve um encerramento categórico do assunto. Isto seria
retornar ao pensamento dicotômico traçado pelas certezas. Em parte, este poema reflete as
intenções pretendidas com este estudo, que observa a presença da fotografia na arte
contemporânea sob o prisma da indecidibilidade. Há um jogo entre a fotografia e a arte
contemporânea, que promove o deslizamento de significados entre as duas partes. Este é
um jogo que não se fecha e não se conclui. A indecidibilidade não é vista como uma
indecisão, já que não há o melhor lado que indique a escolha correta, ela é vista como uma
abertura, na qual todas as possibilidades são válidas.
No entanto, esta não é uma situação tranqüila ou acalentadora. Falar sobre arte
contemporânea e sobre as imagens que fazem parte deste campo é avançar em um terreno
pantanoso. Em primeiro lugar, porque não há definições estabelecidas e definitivas, já que a
arte contemporânea é feita de uma mescla de ações modais que avançam em diversas
direções, embora ainda seja comum, dentro de uma visão cartesiana da arte, haver a
tentativa de encaixá-la dentro de determinados moldes. Não há como encontrar os rótulos
específicos ou acondicionar algumas obras em compartimentos próprios. Como os líquidos
quando são encaixotados, grande parte das obras vaza pelas frestas dos caixotes. Elas
anseiam por um mundo sem obstáculos, sem paredes, sem cercas, sem amarras. Neste
processo, as tentativas de definições tornam-se inconclusas, inexatas ou inclassificáveis.
O que serve de modelo, em um dado momento, para nomear ou definir uma
determinada forma de expressão artística, deixa de servir em outro. As modificações
ocorridas no campo da imagem, a partir do século XX, promoveram a agregação de outros
valores à obra, permitindo que novas significações fossem incorporadas a esta.
Diz Hans Belting (2006, p. 7) que “o ambiente atual, no qual as imagens
técnicas instituem uma nova confusão, altera a imagem da história da arte”. Dessa maneira,
as reflexões sobre a presença da fotografia no campo da arte contemporânea podem surgir
213
sob a forma de diferentes interpretações, que, por sua vez, se respaldam em outras áreas
afins. Estas áreas funcionam como uma base de fundamentação teórica incidindo
diretamente no teor da reflexão pretendida.
Muito já foi falado sobre a relação fotografia-arte contemporânea. Isso não
constitui uma novidade e nem se trata de discutir o óbvio. Não foi intenção desta pesquisa
desvendar o mapa do tesouro ou achar o caminho certo de uma encruzilhada, que
conduzisse a um local específico. Não há um desvendamento de um enigma que precisa ser
elucidado, senão será devorado. Antes de tudo, foi observar que existem alternativas
válidas, e que estas, por sua vez, estão abertas às novas interpretações.
A partir da observação de Belting
163
, de que “não é mais possível assumir
absolutamente nenhum ponto de vista que já não tenha sido defendido de uma forma ou de
outra”, é que as ponderações realizadas neste estudo se voltaram para a análise da
fotografia na arte contemporânea, respaldadas nas reflexões de Derrida.
A possibilidade de transportar as reflexões deste filósofo para uma outra área
permitiu que um outro panorama analítico sobre a fotografia pudesse ser traçado. Esta
reorientação conduziu uma outra maneira de pensar as obras, deixando-as seguirem a favor
de suas potencialidade e possibilidades. Trata-se de uma outra forma de abordagem, que
visa ampliar o campo de análise, inserindo novos elementos que irão contribuir para um
aprofundamento teórico. Mas ele não se esgota aí.
Quando Agnaldo Farias (1997, p.6) diz que “em arte não há demarcação de
território que não seja violada”, não se refere apenas ao processo criativo do artista e à
busca deste por novas experiências que deflagrem um produto não-convencional. Esta
observação embute a necessidade de haver uma expansão da análise dessa obra para outros
territórios que estão fora do universo da arte. Observar uma obra de arte não exige,
necessariamente, que a apreciação desta obra se restrinja a um único campo teórico, ou que
tenha a pretensão de ser conclusiva. Neste trabalho, não há a ambição de mostrar uma
análise que se isente de outros argumentos que possam contradizê-la. Assim como na
sociedade atual, a arte não se fecha em uma única teoria que não permita revisões ou
inclusão de outros pontos de vista.
163
- Op.cit.loc.cit.
214
Há, no entanto, algumas delimitações que são necessárias, como forma de
fechar o foco de análise. Tal como faz Belting (2006), quando delimita o território da arte
contemporânea em oposição ao modernismo, e analisa seu lugar no interior das estruturas
de produção, circulação e interpretação, assinalando o desafio que a cultura globalizada
impõe às definições ocidentais da arte, particularmente no que tange à vigente proliferação
das imagens técnicas. Porém, a ação aqui proposta não constitui a existência de um epílogo
que marque uma ruptura ou algo que se concretize como um modelo que definiria o quadro
atual da arte, ou que indicaria o rumo de uma postura futura.
Na arte, na cultura e na história, os epílogos, normalmente, são pensados a
partir de algo que marque o fim de uma época ou modalidade artística. Segundo Belting
(2006, p.18), “um epílogo de algo pelo qual nos orientamos certa vez mede o presente
segundo modelos que o presente não pode satisfazer”.
Neste estudo, no entanto, não há a indicação para um epílogo no sentido de
finalização de uma idéia, há a observação de um presente que ainda se mostra inacabado.
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Metalivros, 2005. s/p.
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GALERIA BRITO CIMINO. Rochelle Costi- sem título/ untitled/sin título. São Paulo:
Metalivros, 2005. s/p.
165
- As imagens das obras que foram utilizadas foram retiradas das publicações mencionadas.
234
CRAVO NETO, Mário. “O sacrifício IV”. Fotografia: cópia em gelatina e prata, 55,7 x
45,7 cm, 1989. In PAIVA, Joaquim (org.) Visões e alumbramentos: fotografia
contemporânea brasileira na coleção de Joaquim Paiva. São Paulo: BrasilConnects, 2002.
p.110.
DEGAS, Edgar. “A estrela (bailarina em cena)”. Pastel: 58 X 42 cm, 1878. In BOURET,
Jean. Degas. Barcelona: Daimon. 1966. p.79.
DEMACHY, Robert. “In the fields”. Plumarch A. Breton Landscape, ca. Pintura à óleo,
1910. In Photography from 1839 to today George Eastman House, Rochester, NY. Köln:
Taschen. 2000. p.383.
DUCHAMP, Marcel/ Man Ray. “Criação de Poeira”. Fotografia em preto e branco, 24 x
30,5 cm, 1920. In MINK, Janis. Marcel Duchamp – a arte como contra-arte. Köln:
Taschen, 1996.p.81.
DUCHAMP, Marcel. “Secador de garrafas” (versão de 1964). Objeto - ready-made, 1914.
In MINK, Janis. Marcel Duchamp – a arte como contra-arte. Köln: Taschen, 1996. p.51.
EMERSON, Peter Henry. “Ricking The Reed”. Fotografia (platinum print. ca.), 1885. In
Photography from 1839 to today George Eastman House, Rochester, NY. Köln: Taschen.
2000. p.373.
*FAJARDO, Carlos – pela grande quantidade de obras mencionadas, as observações deste
artista serão colocadas no final deste tópico. Diferentemente dos demais artistas citados, as
referências seguirão o número das imagens, conforme aparece no texto.
235
KLEIN, Yves. Conjunto de fotografias da série Antrophometries: nº 74, 64, 13 e
manifestação no atelier do artista (mulher pincel), 1960. In WEITEMEIR, Hannah. Yves
Klein. Köln: Taschen, 2001. p.56.
KOSUTH, Joseph. “Uma e três cadeiras”. Cadeira dobrável de madeira (82 x 37,8 x 53
cm), cópia fotográfica de uma cadeira (91,5 x 63,1cm) e ampliações fotográficas de uma
definição de dicionário para a palavra cadeira (61 x 61,3 cm), 1965. In ARCHER, Michael.
Arte contemporânea – uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001.p.81.
LEVINE, Sherrie. “Sem título (Segundo Walker Evans #3 1936)”. Fotografia, 25,4 x 20,3
cm, 1981. In ARCHER, Michael. Arte contemporânea – uma história concisa. São Paulo:
Martins Fontes, 2001. p.192.
LONG, Richard. “Caminhando por uma linha no Peru”. Fotografia, 1972. In ARCHER,
Michael. Arte contemporânea – uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes,
2001.p.94.
MANO, Rubens. “Vazadores” (vista externa). Instalação: estrutura de ferro, vidro
temperado, câmera de segurança, monitor, mesa, cadeiras, rádio comunicadores, segurança.
25ª Bienal Internacional de São Paulo, pavilhão das indústrias, Ibirapuera, 2002- In
Intervalo transitivo. São Paulo: Dissertação de mestrado, 2003.p.65.
MANO, Rubens. “Vazadores” (vista interna). Instalação, estrutura de ferro, vidro
temperado, câmera de segurança, monitor, mesa, cadeiras, rádio comunicadores, segurança.
25ª Bienal Internacional de São Paulo, pavilhão das indústrias, Ibirapuera, 2002 In
. Intervalo transitivo. São Paulo: Dissertação de mestrado, 2003.p.68.
236
MANO, Rubens. “s/ título – (da série puzzles)”. Fotografia: (dimensões variadas), 1997. In
Intervalo transitivo. São Paulo: Dissertação de mestrado, 2003. p.41.
MANO, Rubens. “Casa Verde”. Fotografia: 125 x 125 cm, 1997. In
Intervalo
transitivo. São Paulo: Dissertação de mestrado, 2003. p.31
NAUMAN, Bruce. “Auto-retrato como fonte”. Fotografia 50,2 x 57,8 cm, 1966-70. In
ARCHER, Michael. Arte contemporânea – uma história concisa. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.p.104.
OMAR, Arhur. Não te vejo com a pupila, mas com o branco dos olhos”. 100 x 100cm.
Fotografia. Série: Antropologia da face gloriosa, 1973-1998. In
Antropologia da
face gloriosa. São Paulo: Cosac Naify, 1987. p. 197.
OMAR, Arhur. Antropologia da face gloriosa” 100 x 100cm. Fotografia. Série:
Antropologia da face gloriosa, 1973 – 1998. In
Antropologia da face gloriosa.
São Paulo: Cosac Naify, 199. p.41.
OMAR, Arhur. Abismo elástico”. 100 x 100cm. Fotografia. Série: Antropologia da face
gloriosa, 1997. In
Antropologia da face gloriosa. São Paulo: Cosac Naify,
1997. p.96.
OMAR, Arhur. O zen e a arte gloriosa da fotografia. São Paulo: Cosac & Naify. 2000.
Contracapa do livro com foto de Arthur Omar com as obras ao seu redor, segurando um
protótipo da exposição das obras. As fotografias adicionais deste livro foram feitas por
Gisela Marostica, Marcela Rangel e Marcelo Monteiro.
237
OMAR, Arhur. Fotografia da obra Átila compacto recebendo de volta o próprio olhar,
inserida no ambiente, s/d. In
O zen e a arte gloriosa da fotografia. São Paulo:
Cosac & Naify. 2000. p.39.
OMAR, Arhur. Fotografia geral da série Antropologia da face gloriosa exposta na 24ª
Bienal de São Paulo, 1997. In
O zen e a arte gloriosa da fotografia. São
Paulo: Cosac & Naify. 2000. p.90.
OMAR, Arhur. Fotografia (detalhe) da série Antropologia da face gloriosa exposta na 24ª
Bienal de são Paulo, 1997. In
O zen e a arte gloriosa da fotografia. São Paulo:
Cosac & Naify. 2000. p.24.
RAUSCHENBERG, Robert. “Monogram”. Combinado: tinta óleo, papel, papel impresso,
reproduções impressas, metal, madeira, pneu, plataforma e animal empalhado (bode), 106,7
x 160,7 x 163, 8 cm, 1955/1959. In GUGGENHEIM MUSEUM: catálogo. New York,
1997.Catálogo da exposição Robert Rauschenbeg, a retrospective. p. 137.
RENNÓ, Rosângela. “Sem título - Série vermelha (militares)”. Fotografia digital em cor,
185 x 105 cm. In
Rosângela Rennó: o arquivo universal e outros arquivos. São Paulo:
Cosac & naify, 2003. s/p.
RENNÓ, Rosângela. “Duas lições de realismo fantástico”. Instalação, 1991. In GALERIA
CAMARGO VILAÇA: catálogo. São Paulo:1995. Catálogo da exposição Rosângela
Rennó. s/p.
238
SERRA, Richard. “Arco inclinado”. Aço –cortem, 3,66 x 36,58 x 0,06 m, instalado na
Feral Plaza, Nova York, 1981. In ARCHER, Michael. Arte contemporânea – uma história
concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001. p.196.
SHERMAN, Cindy. “Sem título”. Fotografia colorida, 184,2 x 125 cm, 1983. In HONNEF,
Klaus. Arte contemporânea. Köln, Benedikt Taschen, 1994. p.175.
SMITHSON, Robert. “Spiral Jetty”. Instalação ambiental. Rolo de 457,2 m de
comprimento e aproximadamente 4,57 m de largura. Rocha negra, cristais de sal, terra,
água vermelha (algas), 1970. In HUNTER, Sam e JACOBUS, John. Modern art. New
York: Harry N. Abrams, Incorporated, 1985. p.365.
STIEGLITZ, Alfred. “Geogia O’Keeffe“. Fotografia (gelatin silver print), 1933. In
Photography from 1839 to today George Eastman House, Rochester, NY. Köln: Taschen.
2000.p.483.
VIEIRA, Valério. “Os trinta Valérios”. Fotomontagem, 1906. In BARDI, Pietro Maria. Em
torno da fotografia no Brasil. São Paulo: Banco Sudameris, 1987. p.11.
WARHOL, Andy. “Acidente de automóvel na cor branca, 19 vezes”. Polímero sintético,
serigrafia sobre tela, 368x211,5 cm, 1963. In HONNEF, Klaus. Andy Warhol (1928-1987)
– a comercialização da arte. Köln, Benedikt Taschen, 1992. p.51.
* FAJARDO, Carlos:
Fig. 36 - “Sem título” (Neutral). Instruções para a feitura de um trabalho, impressas em
papel brilhante, 21 x 16 cm, 1967/1968. In MOLINA, Fulvia. Carlos Fajardo: uma poética
239
da fisicalidade. Dissertação de Mestrado. São Paulo: Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, 2003. p.52.
Fig. 37 - “Sem título” (El sapateador). Colagem, lápis grafite e lápis de cor sobre papel, 16
x 22 cm, 1969. In
. Poéticas visuais: a profundidade e a superfície. Tese de
Doutorado. São Paulo, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo,
1998. p.28.
Fig.38 - “Sem título” (El sapateador). Fórmica montada em madeira 70x 220 x 3 cm, 1969.
In
. Poéticas visuais: a profundidade e a superfície. Tese de Doutorado. São
Paulo, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 1998.p.28.
Fig.39 - “Sem título” (República do Líbano). Fórmica montada em madeira, 18 x 30cm,
1971. In
. Poéticas visuais: a profundidade e a superfície. Tese de Doutorado.
São Paulo, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 1998. p.29.
Fig.40 - “Sem título” (República do Líbano). Pastel seco sobre papel, 21 x 30cm, 1971. In
. Poéticas visuais: a profundidade e a superfície. Tese de Doutorado. São
Paulo, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 1998. p.29.
Fig.41- “Sem título”. Fórmica sobre madeira, 72 x 180 cm, 1988. In
. Carlos
Fajardo. Catálogo I da exposição Poética da distância. São Paulo, Petrobrás, 2003.p.51.
Fig.42 - “Sem título”. Plásticos infláveis e chapa de ferro, 200 x 490 x 6 cm, 1982. In
Carlos Fajardo. Catálogo I da exposição Poética da distância. São Paulo,
Petrobrás, 2003.p.53.
240
Fig. 43 - “Sem título”. Esmalte sintético, tinta automotiva e laca industrial sobre duraplac e
madeira, 275 x 545 cm, 1981. In
. Carlos Fajardo. Catálogo I da exposição
Poética da distância. São Paulo, Petrobrás, 2003.p.55.
Fig. 44 - “Sem título”. Tinta automotiva sobre ferro, lousa de madeira, 201 x 400 cm, 1982.
In
. Carlos Fajardo. Catálogo I da exposição Poética da distância. São Paulo,
Petrobrás, 2003.p.52.
Fig. 45 - “Sem título”. Fotografia (1), 1998. In
. Poéticas visuais: a
profundidade e a superfície. Tese de Doutorado. São Paulo, Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo, 1998.Ensaio fotográfico s/p.
Fig. 46 - “Sem título”. Fotografia (2), 1998. In
. Poéticas visuais: a
profundidade e a superfície. Tese de Doutorado. São Paulo, Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo, 1998. Ensaio fotográfico s/p.
Fig. 47 - “Sem título”. Costaneira de mármore, 12 x 100 x 120 cm, 1991. In
.
Carlos Fajardo. Catálogo I da exposição Poética da distância. São Paulo, Petrobrás,
2003.p.71.
Fig. 48 - “Sem título”. Espuma de poliuretano, 90 x 90 x 10 cm, 1984. In
. Carlos
Fajardo. Catálogo I da exposição Poética da distância. São Paulo, Petrobrás, 2003.p.45.
241
Fig. 49 – “Sem título”. Borracha vulcanizada, placa de madeira e motor, 90 x 90 x 2,5 cm,
1984. In . Carlos Fajardo. Catálogo I da exposição Poética da distância. São
Paulo, Petrobrás, 2003.p.47.
Fig. 50 – “Sem título”. Cartão colorido sobre madeira, 23 x 30 cm, 1971. In
.
Poéticas visuais: a profundidade e a superfície. Tese de Doutorado. São Paulo, Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 1998. p.20.
Fig. 51 – “Sem título”. Tijolos montados, 220 x 220 x 220 cm, 1989. In
. Poéticas
visuais: a profundidade e a superfície. Tese de Doutorado. São Paulo, Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 1998. p.45.
Fig. 52 – “Sem título”. Fotografia (3), 1998. In
. Poéticas visuais: a
profundidade e a superfície. Tese de Doutorado. São Paulo, Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo, 1998. Ensaio fotográfico s/p.
Fig. 53 – “Sem título”. Fotografia (4), 1998. In
. Poéticas visuais: a
profundidade e a superfície. Tese de Doutorado. São Paulo, Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo, 1998. Ensaio fotográfico s/p.
Fig. 54 – “Sem título”. Instalação, 1997. In
. Poéticas visuais: a profundidade e a
superfície. Tese de Doutorado. São Paulo, Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, 1998. p.48.
Fig. 55 – “Sem título”. Lâmpadas de néon, placas de fibra de vidro, montados sobre
madeira, 250 x 515 cm, 1983. In
. Poéticas visuais: a profundidade e a
242
superfície. Tese de Doutorado. São Paulo, Escola de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo, 1998. p.40.
Fig. 56 – “Sem título”. Fotografia (5), 1998. In
. Poéticas visuais: a
profundidade e a superfície. Tese de Doutorado. São Paulo, Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo, 1998. Ensaio fotográfico s/p.
Fig. 57 – “Sem título”. Fotografia (6), 1998. In
. Poéticas visuais: a
profundidade e a superfície. Tese de Doutorado. São Paulo, Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo, 1998. Ensaio fotográfico s/p.
Fig. 58 – “Sem título”. – Carvão sobre papel, 1966. In
. Poéticas visuais: a
profundidade e a superfície. Tese de Doutorado. São Paulo, Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo, 1998. p.12.
Fig. 59 – “Sem título”. Tijolos montados, versão de 1989. In
. Carlos Fajardo.
Catálogo I da exposição Poética da distância. São Paulo, Petrobrás, 2003.p. 67.
Fig. 60 – “Sem título”. Fotografia (7), 1998. In
. Poéticas visuais: a
profundidade e a superfície. Tese de Doutorado. São Paulo, Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo, 1998. Ensaio fotográfico s/p.
Fig. 61 – “Sem título”. Fotografia (8), 1998. In
. Poéticas visuais: a
profundidade e a superfície. Tese de Doutorado. São Paulo, Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo, 1998. Ensaio fotográfico s/p.
243
Fig. 62 – “Sem título”. Tinta látex e verniz sintético sobre tela, 310 x 456 cm, 1981. In
. Poéticas visuais: a profundidade e a superfície. Tese de Doutorado. São Paulo,
Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, 1998. p.33.
Fig. 63 – “Sem título”. Instalação - vista parcial (em primeiro plano, argila moldada), 1987.
In Fotografia, 1998. In
. Poéticas visuais: a profundidade e a superfície. Tese
de Doutorado. São Paulo, Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo,
1998. p.43.
Fig. 64 – “Sem título”. Instalação (detalhe) – 24ª Bienal de São Paulo – vidro, ferro,
mármore, malha de aço inoxidável, 220 x 600 x 700 cm, 2002. In
. Carlos Fajardo.
Catálogo I da exposição Poética da distância. São Paulo, Petrobrás, 2003.p.76.
Fig. 65 – “Sem título”. Fotografia (9), 1998. In
. Poéticas visuais: a
profundidade e a superfície. Tese de Doutorado. São Paulo, Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo, 1998. Ensaio fotográfico s/p.
Fig. 66 – “Sem título”. Fotografia (10), 1998. In
. Poéticas visuais: a
profundidade e a superfície. Tese de Doutorado. São Paulo, Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo, 1998. Ensaio fotográfico s/p.
Fig. 67 – “Sem título”. Vidro laminado e seda indiana, 200 x 240 x 34 cm, 2005. Imagens
da exposição realizada no Gabinete de arte Rachel Arnaud, São Paulo, 2005. Disponível em
<http:
www.raquelarnaud.com.> Imagens cedidas pelo artista.
244
Fig. 68 – “Sem título”. Cone de madeira, vidro temperado e seda indiana, 7 x 145 x 210,
2005. Imagens da exposição realizada no Gabinete de arte Rachel Arnaud, São Paulo, 2005.
Dsiponível em: <http://
www.raquelarnaud.com>. Imagens cedidas pelo artista.
Fig. 69 – “Sem título”. Fotografia (11), 1998. In
. Poéticas visuais: a
profundidade e a superfície. Tese de Doutorado. São Paulo, Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo, 1998. Ensaio fotográfico s/p.
Fig. 70 – “Sem título”. Fotografia (12), 1998. In
. Poéticas visuais: a
profundidade e a superfície. Tese de Doutorado. São Paulo, Escola de Comunicações e
Artes da Universidade de São Paulo, 1998. Ensaio fotográfico s/p.
245
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