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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO
RODRIGO ALMEIDA BASTOS
A maravilhosa fábrica de virtudes:
o decoro na arquitetura religiosa de Vila Rica,
Minas Gerais (1711-1822)
São Paulo
2009
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RODRIGO ALMEIDA BASTOS
A maravilhosa fábrica de virtudes:
o decoro na arquitetura religiosa de Vila Rica,
Minas Gerais (1711-1822)
Tese apresentada ao Núcleo de Pós-graduação da
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo, como requisito para a
obtenção do grau de Doutor em Arquitetura e
Urbanismo.
Área de concentração: História e Fundamentos da
Arquitetura e do Urbanismo
Orientador: Prof. Dr. Mário Henrique Simão
D’Agostino
São Paulo
2009
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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR
QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA,
DESDE QUE CITADA A FONTE.
Bastos, Rodrigo Almeida
B327m A maravilhosa fábrica de virtudes: o decoro na
arquitetura religiosa de Vila Rica, Minas Gerais (1711 -
1822) / Rodrigo Almeida Bastos
437 p. : il.
Tese (Doutorado - Área de Concentração: História e
Fundamentos da Arquitetura e Urbanismo) - FAUUSP.
Orientador: Mário Henrique Simão D’Agostino
1.Edifícios religiosos – Ouro Preto (MG) 2.Arquitetura -
Brasil I.Título
CDU 726(815)O93
FOLHA DE APROVAÇÃO
Rodrigo Almeida Bastos
A maravilhosa fábrica de virtudes:
o decoro na arquitetura religiosa de Vila Rica, Minas Gerais (1711-1822)
Tese apresentada ao Núcleo de Pós-graduação
da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da
Universidade de São Paulo, como requisito para
a obtenção do grau de Doutor
Área de concentração: História e Fundamentos
da Arquitetura e do Urbanismo
Aprovado em
Prof. Dr. ________________________________________________________________
Instituição: __________________________ Assinatura: __________________________
Prof. Dr. ________________________________________________________________
Instituição: __________________________ Assinatura: __________________________
Prof. Dr. ________________________________________________________________
Instituição: __________________________ Assinatura: __________________________
Prof. Dr. ________________________________________________________________
Instituição: __________________________ Assinatura: __________________________
Prof. Dr. ________________________________________________________________
Instituição: __________________________ Assinatura: __________________________
À memória de Edgar Graeff
AGRADECIMENTOS
Ao Maique, pela orientação dedicada, presente e exemplar, exigente e amiga; pela
confiança e companheirismo nos desafios, pelo trabalho compartilhado sempre em alegria.
Aos professores membros da banca de qualificação, Beatriz Bueno e João Adolfo Hansen,
em suas valiosas observações, e aos demais professores, Caio Boschi e Marcos Tognon,
que a eles se juntaram na banca final. Aos vários estudiosos e amigos que, direta ou
indiretamente, proporcionaram possibilidades, sugeriram ou discutiram conosco aspectos
interessantes à tese: Selma Miranda, Deusa Boaventura, Carlos Brandão, Luciano Migliacio,
Guiomar de Grammont, Marcos Hill, Elisa Freixo, Sérgio Alcides, Ana Paula Giardini,
Amilcar Torrão, Daniela Viana, Marta Sollero, Joana Melo, Camila Santiago, Magno Melo,
Daniele Caetano, Fernanda Moraes, João Pinto Furtado, Frederico Toffani, Paola Dias,
Patrícia Pereira, Álvaro Drummond, Dulcyene Ribeiro. Ao caro prof. Johnny Mafra, pelas
aulas, orientação e acompanhamento nas traduções latinas.
Ao prof. Dr. Rafael Moreira, orientador do doutorado sanduíche no Departamento de História
da Arte na Universidade Nova de Lisboa; à querida amiga Giuseppina Raggi e outras caras
interlocuções em Portugal: Vitor Serrão, Luis de Moura Sobral, Miguel de Farias, Margarida
Callado, Eduardo Oliveira, Paulo Tremoceiro. Aos amigos conquistados além-mar, Cristiana
Lara, Margarida Morgado, Ana Rita, Maria Teresa Horta, Bernardo e Francine, Cátia e
Salvador Maciel, Graça e Porfírio, Luis Ortiz e sua-minha casa.
À Moema, Ju, Lúcia e mais funcionários da Biblioteca da EAUFMG, fonte de amizade e
tantos documentos importantes. Aos funcionários dos arquivos e bibliotecas pesquisados no
Brasil e no exterior; aos irmãos e funcionários das Ordens terceiras de Nossa Senhora do
Carmo e São Francisco de Assis, de Ouro Preto, com carinho especial à Dona Sinhá. Ao
“Caju” e ao Padre Simões, da Paróquia do Pilar. Ao historiador e amigo Herinaldo Oliveira. À
Luciana Assunção, Adelma dos Santos, Fabiani Moreira e Monsenhor Flávio Rodrigues, do
Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de Mariana.
À Lena e ao Ricardo, do Pouso Chico Rei, pela acomodação sempre amiga e divertida. Aos
funcionários e alunos da Puc-Minas, Fumec e IFAC/UFOP. Em nome da Cristina, secretária
da Pós-graduação, sempre tão disponível, competente e gentil, agradeço aos funcionários
da Universidade de São Paulo. Às amigas Malu Viana, Natália Salvador e Luciana Beatriz,
que se prontificaram em revisar a tese. À Fernanda, pelo apoio em tantos momentos
importantes; à Maria Luiza, sempre confiante. À Carol Vaz, pelo estímulo. Ao Robson
Godinho, pela amizade, diagramação e tratamento das imagens. À Marina, pela sempre
agradável companhia em Ouro Preto.
À FAPESP, pela bolsa de doutorado entre agosto de 2005 e março de 2009, e à CAPES,
pela bolsa de doutorado sanduíche em Portugal entre março e julho de 2008.
À minha família, pelo amor que é tudo.
“E se nós ornamos com tantos ornatos as Cazas particulares
dos moradores, com quanta mais razão o devemos fazer ás
Cazas de Deos, e dos seus Santos? E tomara eu que por
nenhum modo nelle se consentissem couzas q’ não fossem as
mais perfeitas que pudessem ser, e que toda a pessoa que
entrasse nellas ficasse dizendo logo: Isto parece Caza de
Deos”
Matheus do Couto, Tractado de Architectura, Lisboa [1631]
RESUMO
A tese é destinada a demonstrar que o decoro foi um preceito fundamental para a fábrica da
arquitetura religiosa em Vila Rica, atual cidade de Ouro Preto, entre 1711 e 1822. É
resultado de uma pesquisa mais abrangente, dedicada a compreender a fábrica artística na
capitania de Minas Gerais a partir das doutrinas e preceitos exatamente contemporâneos à
sua construção. Em detrimento, portanto, de categorias anacrônicas pós-iluministas e
românticas, como evolução, progresso, originalidade etc., pretende-se reconstituir a história
desses conjuntos arquitetônicos ao mesmo tempo em que se procura investigar e
reconstituir também historicamente os preceitos do seu presente, como o decoro, a
decência, a comodidade, a perfeição, a maravilha, a elegância, a discrição, o engenho, a
agudeza, a sutileza, o asseio, a formosura etc. O exame das obras, das fontes documentais
primárias e também dos tratados artísticos e teológicos vigentes no período evidencia uma
aplicação habitual e generalizada desses preceitos, que importa muito compreender
historicamente. À luz do decoro, essa reconstituição tem se mostrado extremamente
profícua. Concernente a um regime mimético que caracterizava não apenas as artes ainda
hoje reconhecidas pelo termo, mas todo o aparato teatral das práticas de representação
correspondentes à razão de estado católica e à sociedade de corte, o decoro ocupava um
papel central naquele tempo; em especial na invenção, disposição e ornamentação da
arquitetura religiosa, onde se investiam os maiores esforços e cabedais. Representação
permanente das virtudes cristãs, personagens e eventos das Sagradas Escrituras e do
dogma católico, a fábrica da arquitetura era destinada não apenas a encenar
decorosamente as matérias da fé, como também a conduzir virtuosamente o fiel na sua
própria edificação cristã rumo à salvação. Foram analisados os seguintes templos: a Igreja
Matriz de Nossa Senhora do Pilar e as Capelas das Ordens Terceiras de Nossa Senhora do
Carmo e São Francisco de Assis.
Palavras-chave: Decoro, Arquitetura Religiosa, Arquitetura Brasileira, Ouro Preto, Minas
Gerais, Século XVIII
ABSTRACT
This thesis aims to demonstrate that decorum was a fundamental precept to the religious
architecture fabric in Vila Rica, a town currently named Ouro Preto. It is the result of broader
research based on precepts which are contemporary with the architectural complex studied.
Instead of using anachronic post-enlightenment or post-romantic categories, such as
evolution, progress, originality etc., we intend to reconstruct the history of these architectural
complexes and at the same time investigate and reconstruct historically precepts of the time,
such as decorum, decency, perfection, wonder, elegance, discretion, skill, wit,
ingeniousness, subtlety, beauty etc. The examination of the architectural works and primary
sources, as well as artistic and theological treaties in force at the time have shown a frequent
and widespread employment of these precepts, which must be understood historically. In the
light of decorum, such reconstruction has proved to be extremely fruitful. Decorum concerns
not only a rhetorical-mimetic regime which characterizes what is currently referred to as “art”,
but also the entire theatrical apparatus of representation practices which correspond to court
society and to the Catholic “raison d’État”. At that historical period it had a central role in the
invention, disposition and ornamentation of religious architecture and the greatest efforts and
fortunes, both private and official. The fabric of architecture, which consisted of permanent
representation of Christian virtues, characters and events of the Holly Bible
and Catholic
dogma, was meant to decorously portray matters of faith, as well as to guide the believer
virtuously in his own path of Christian edification towards salvation. The following churches
were studied: Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar and Capelas das Ordens Terceiras do
Monte do Carmo and São Francisco de Assis.
Keywords: Decorum, Religious Architecture, Brazilian Architecture, Ouro Preto, Minas
Gerais, 18
th
century.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Obs. 1: Todas as ilustrações são fotos do autor, exceto naquelas em que há referência de fonte
Obs. 2: A numeração recomeça a cada capítulo
CAPÍTULO 1 – O DECORO
Figura 1 Frontispício de De Imaginibus sacris, et profanis (1594), do Cardeal Paleoti. Biblioteca
Romana Sarti, Accademia di San Lucca, Roma
Figura 2 Eliezer e Rebeca (1648), Nicolas Poussin, Museu do Louvre, Paris
Figura 3 Eliezer e Rebeca (c. 1655-7), Carlo Maratti
Figura 4 Eliezer e Rebeca (c. 1670), Murillo, Museu do Prado, Madri
Figura 5 Eliezer e Rebeca (c. 1767-8), Goya
Figura 6 Eliezer e Rebeca (c. 1800), Francesco Maggiotto, BNP, Lisboa
Figura 7 Eliezer e Rebeca (c. 1768-9), arrematação de João de Carvalhais, Forro da nave da
Matriz de Nossa Senhora do Pilar, Vila Rica
Figura 8 Alegoria ou “definição ilustrada” de “Desiderio verso Iddio”, Iconologia (1611), Cesare
Ripa, p. 116
Figura 9 Conformação (conformatio) do afeto Veneração (“La veneration”). Le Brun.
Expressions dês Passions de l’Ame, 1727
Figura 10 Os Gêneros ou Ordens de Colunas, segundo Vignola
Figura 11 Nave da Igreja dos jesuítas, Il Gesù, Roma, séculos XVI e XVII
Figura 12 Vista do forro da nave de Il Gesù
Figura 13 “Planta da Cap.ªmor, e sanchrestia da Igr.ª Matriz de St.° Antonio daCaza Branca do
Bispado deMariana. O Archyteto das Ordens Rodr.° Franco
Figura 14 “Espaçado q’ mostra atravessada a Capella mor d.ª vendose huá janela qlhehade dar
Luz, eocoredor q busca a sanchrestia”. Rodrigo Franco
Figura 15 “Retábulo p.ª a Capela Mor da Igr.ª Matriz de St.° Ant.° da Caza Branca do Bispado
deMariana tirado em petipé dobrado daplanta dad.ª Cap.ª Mor”. Rodrigo Franco
Figura 16 Igreja Matriz de Santo Antônio, Casa Branca, atual Glaura
Figura 17 Lateral da capela-mor da Igreja Matriz de Santo Antônio, Casa Branca, atual Glaura
Figura 18 “Vista exterior do lado da Cap.ª Mor da Igr.ª Matriz de St.° Ant.° daCaza branca do
Bispado de Mariana emqse mostra taobem aJanella + qdaLuz a Sanchrestia”.
Rodrigo Franco
Figura 19 Detalhe exterior da transição entre os corpos da nave e da capela-mor da Matriz de
Santo Antônio, Casa Branca. Destaque para a humilde cachorrada que arremata as
paredes da capela-mor, em contraste com a cimalha da nave em cantaria
Figura 20 Detalhe da parte final da capela-mor da Igreja Matriz de Santo Antônio, Casa Branca,
arrematada em “cachorrada” de madeira
CAPÍTULO 2 – O DECORO DA IGREJA MATRIZ DE NOSSA SENHORA DO PILAR
Figura 1 Planta da Igreja do Pilar
Figura 2 Vista da nave da Igreja do Pilar em direção à capela-mor
Figura 3 Vista da nave da Igreja do Pilar a partir da tribuna do Evangelho. Destaque para
pilastras compósitas colossais, corredores de tribunas e correspondência formal entre
os retábulos laterais da nave
Figura 3A Vista da nave da Igreja do Pilar a partir da tribuna do Evangelho. Destaque para a
correspondência formal entre retábulos laterais
Figura 4 Parte do forro da nave e “pé-direito” da Epístola
Figura 5 Painel central do forro da nave, o cordeiro crucificado
Figura 6 Painel com a “Adoração Eucarística”, acima da tarja do arco-cruzeiro
Figura 7 Tarja do arco-cruzeiro. Nossa Senhora do Pilar com o menino, a pomba do Espírito
santo e a custódia do Santíssimo Sacramento
Figura 8 Tarja do arco-cruzeiro, detalhe das junções ou ligaduras do tríptico
Figura 9 Detalhe da “Linha de Ferro”, saindo da cornija, que liga as duas “bandas” da talha que
conforma a nave
Figura 10 Paredes de adobe que reforçam a estrutura de talha da nave
Figura 11 Barriga das paredes laterais da Sé de Mariana
Figura 12 Planta oval no Livro Quinto de Arquitetura, Delli Tempii, de Sebastiano Serlio, fl. 204v.
Figura 13 Vista exterior e também da nave da Igreja de São Pedro dos Clérigos, Porto, arquiteto
Nicolau Nasoni
Figura 14 Planta e vista aérea da Capela do Rosário, Vila Rica
Figura 15 Correspondência formal entre retábulos laterais da nave
Figura 16 Capitel compósito e entablamento da nave. Atentar para as virtudes de simetria e
articulação formal entre as partes ornamentais
Figura 17 Caravela Eucarística, da Psalmodia Eucharistica (1631) de Melchior Prieto
Figura 18 Forro da nave da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar (Computação gráfica de
Robson Godinho, sobre fotos do autor)
Figura 18.1 Adoração Eucarística
Figura 18.2 Jael
Figura 18.3 Eliezer e Rebeca
Figura 18.4 Abraão e o sacrifício de Isaac
Figura 18.5 Rainha Ester
Figura 18.6 Pastora Raquel
Figura 18.7 Judite e a cabeça de Holofernes
Figura 18.8 José e a mulher de Putifar
Figura 18..9 Lot e suas filhas
Figura 18.10 Sulamita, Cântico dos cânticos
Figura 18.11 Figura não identificada
Figura 18.12 Figura não identificada
Figura 18.13 Elias
Figura 18.14 Jessé
Figura 18.15 Cordeiro crucificado
Figura 19 Capela-mor da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar
Figura 20 Painel da Santa Ceia, forro da capela-mor
Figura 21 Vista da capela-mor, lado do Evangelho
Figura 22 Painéis da capela-mor
Figura 22.1 São Mateus
Figura 22.2 São Marcos
Figura 22.3 São Lucas
Figura 22.4 São João
Figura 22.5 Vinha
Figura 22.6 Espigas de trigo
Figura 23 Vista da parede da capela-mor, lado da Epístola
Figura 24 Detalhe da parede da capela-mor, lado do Evangelho, e parte do retábulo, com
destaque para as colunas salomônicas no primeiro registro lateral
Figura 25 Parte da parede da capela-mor, lado da Epístola, com destaque para a disposição
das Virtudes, acima do entablamento
Figura 25.1
Figura 25.2 Esperança
Figura 25.3 Caridade
Figura 25.4 Prudência
Figura 25.5 Justiça
Figura 25.6 Fortaleza
Figura 25.7 Temperança
Figura 25.8 Fama
Figura 26 Simulação de imagem da capela-mor com o zimbório. (Computação gráfica de
Robson Godinho, sobre foto do autor)
Figura 27 Simulação de imagem externa da Igreja do Pilar com o zimbório acima do telhado da
capela-mor. (Computação gráfica de Robson Godinho, sobre foto do autor)
Figura 28 Retábulo-mor
Figura 29 Igreja da Misericórdia, Viana do Castelo, Portugal
Figura 30 Nave e capela-mor da Igreja da Misericórdia, Viana do Castelo
Figura 31 Retábulo-mor, abóbada e parte do zimbório da Igreja da Misericórdia, Viana do
Castelo
Figura 32 Vista interna da abóbada e zimbório oitavado, com as quatro aberturas intercaladas a
quatro paredes. Igreja da Misericórdia, Viana do Castelo
Figura 33 Vista externa do zimbório da Igreja da Misericórdia, Viana do Castelo
Figura 34 Vista detalhada do zimbório da Igreja da Misericórdia, Viana do Castelo
Figura 35 Zimbório no teto abobadado da capela-mor da Igreja de Nossa Senhora do
Monserrate, Mosteiro de São Bento, Rio de Janeiro
Figura 36 Capela-mor da Igreja do Convento de Santo Antônio, Rio de Janeiro
Figura 37 Charola octogonal da Igreja do Convento de Cristo, Tomar, Portugal
Figura 38 Imagens da Igreja do Convento de Nossa Senhora da Serra do Pilar, Vila Nova de
Gaia, Portugal. Vistas lateral, do belíssimo adro avarandado circular, da cúpula e do
zimbório oitavados
Figura 39 Sacrário com imagem do Cristo Ressurreto, retábulo-mor da Igreja Matriz de Nossa
Senhora do Pilar, Vila Rica
Figura 40 Tabernaculum octangolare. Andrea Pozzo, Perspective in architecture and painting,
1989. Figura 60
Figura 41 Retábulo da Ordem Terceira na Igreja de São Francisco de Assis, Évora
Figura 42 Detalhe ornamental do retábulo da Ordem Terceira na Igreja de São Francisco de
Assis, Évora
CAPÍTULO 3 – O DECORO DA CAPELA DA ORDEM TERCEIRA DE NOSSA SENHORA DO
CARMO
Figura 1 Planta, elevação e frontispício da Capela do Carmo
Figura 2 Vista da sacristia da Capela do Carmo, onde se divisa a parede posterior, com duas
aberturas laterais, dois bancos de jacarandá e o lavatório em pedra-sabão ao centro
Figura 2A Detalhe da Figura 2. Vista da sacristia da Capela do Carmo. Destaque para a
“represa” acima do lavabo
Figura 3 Vista da sacristia da Capela do Carmo, onde se divisa a parede anterior, com o
armário sobre um degrau, o belíssimo oratório e dois espelhos ricamente
emoldurados
Figura 4 Vista da parede lateral da capela-mor, lado do Evangelho. Atenção para a tribuna, a
rica ornamentação arquitetônica do arco-cruzeiro e a barra de azulejos decorados
Figura 5 Chanfrado que antecede o arco-cruzeiro e a passagem da nave para a capela-mor,
lado da Epístola. Atenção para as portas-sacadas rasgadas por inteiro em
correspondência com as portas dos corredores do nível inferior
Figura 6 Porta do presbitério da capela-mor, com detalhe da verga
Figura 7 Oratório da sacristia
Figura 8 Represa das “engras” da sacristia
Figura 9 Painel oval central no forro da sacristia
Figura 10 Detalhe do painel central no forro da sacristia
Figura 11 Lavabo da sacristia
Figura 12 Detalhe do frontispício da Igreja Matriz de São João, Barão de Cocais, Minas Gerais.
Nicho e imagem de São João Batista
Figura 13 Frontispício da Capela do Carmo de São João del Rei e detalhe da portada
Figura 13A Detalhe da Figura 13. Anjo acima da ombreira direita da portada apresenta tarja com
a inscrição referente ao Decor Carmeli
Figura 14 Igreja do Carmo, Calábria, Itália. Atenção para a inscrição “Decor Carmeli” que decora
o friso da fachada
Figura 15 Detalhe de painel do forro da sacristia da Capela do Carmo, Vila Rica. A visão que
teve Elias da “nuvenzinha” que prenunciava Maria
Figura 16 “Aspecto de Ouro Preto em 1821”, a partir das “cabeças”, na estrada de quem
chegava de São Paulo
Figura 17 Vista geral do Arraial de Pilar, com a Capela do Carmo altaneira em relação a todas
as demais edificações
Figura 18 Vista lateral da Capela do Carmo e frente da Casa de Câmara e cadeia. Destaque
para a elevação da Capela, com altos muramentos, em relação às construções
vizinhas
Figura 19 Vista da Capela do Carmo a partir da Praça Tiradentes
Figura 20 Vista Frontal da Capela do Carmo. Destaque para a eminência da implantação
Figura 21 Imitação do emblema de São João da Cruz: “Subida al Monte Carmelo”, gravura de
Diego Astor, 1618
Figura 22 Ruínas da Igreja do Convento do Carmo, Lisboa
Figura 23 Parte posterior da Igreja do Carmo de Lisboa vista do Castelo de São Jorge
Figura 24 Detalhe do desenho da Fig. 16, em que se divisa a rua que dá acesso ao Largo da
Capela do Carmo, e também a deflexão da escada em relação ao eixo axial do
edifício
Figura 25 Vista do alto da torre sineira do lado do Evangelho, em que se divisa a articulação
entre a escadaria da Capela do Carmo e a rua que dá acesso ao largo
Figura 26 Vista Frontal da Capela do Carmo. Destaque para a eminência da implantação e a
deflexão da escada em relação ao eixo axial do edifício
Figura 27 Capela de Santa Efigênia do alto da cruz, Vila Rica
Figura 28 Desenho, do autor, para evidenciar a diferença entre a implantação efetiva da capela
e a implantação que teria acontecido não fosse doado o terreno da Capela de Santa
Quitéria à Ordem terceira do Carmo
Figura 29 Frontispício da Capela do Carmo
Figura 29A Detalhe da Figura 29. Entablamento e capitéis do frontispício da Capela do Carmo
Figura 30 Curvas e contracurvas do frontispício
Figura 31 Portada da Capela do Carmo
Figura 31A Detalhe da Figura 31. Brasão carmelita
Figura 31B Detalhe da Figura 31. Fragmentos de frontão e ornatos que arrematam a ombreira da
portada
Figura 32 Frontispício da Capela do Carmo, Sabará, com detalhe dos anjos e brasão da portada
Figura 33 Frontispício da Capela do Carmo, Mariana, com detalhe dos anjos e brasão da
portada
Figura 34 Portada do Conjunto do Carmo, Guimarães
Figura 35 Frontispício da Capela de São Francisco, Mariana
Figura 36 Detalhe do Frontispício do Carmo, empena da frontaria e represas
Figura 37 Capela do Rosário, Vila Rica
Figura 38 Detalhe do Frontão da Capela do Rosário
Figura 39 Foto aérea da Capela e Largo do Rosário, Vila Rica
Figura 40 “Redondeza” da Capela do Rosário
Figura 41 Sutileza de desenho e giro das ombreiras e ornatos da portada do Carmo
Figura 42 Giro sutil dos quartelões e represas da empena da frontaria
Figura 43 Detalhe dos capitéis das pilastras das torres e frontispício
Figura 44 Ao centro, Ordem ou Gênero “Romano” de Scamozzi.
Figura 45 Articulação inconveniente dos capitéis nas laterais do corpo da Capela do Carmo
Figura 46 Cruz do acrotério da Capela do Carmo
Figura 47 Detalhe dos ornatos que imitam uvas na cruz do acrotério
Figura 48 Alegoria do Monte do Carmo na empena da frontaria da Capela do Carmo, Vila Rica
Figura 49 Alegoria do Monte do Carmo na empena da frontaria da Capela do Carmo, Sabará
Figura 50 Pintura no forro da nave da Capela do Carmo, Ângelo Clerici, primeira década de
1900
Figura 51 Pinturas de Ângelo Clerici no forro da capela-mor, Capela do Carmo
Figura 52 Paravento, colunas e arcos do coro da Capela do Carmo
Figura 53 Vista geral dos altares da nave, lado do Evangelho
Figura 54 Vista geral dos altares da nave, lado da Epístola
Figura 55 Seqüência de altares da nave, lado da Epístola
Figura 56 Seqüência de altares da nave, lado do Evangelho
Figura 57 Detalhe das colunas e capitéis dos arcos do coro
Figura 58 Detalhe do risco do altar na parede do consistório da Capela do Carmo
Figura 59 Púlpito do lado do Evangelho
Figura 60 Púlpito do lado da Epístola
Figura 61 Detalhe do púlpito do lado da Epístola
Figura 62 Detalhe de porta-sacada e balaustrada da tribuna da capela-mor aberta no chanfro
em direção à nave
Figura 63 Painel de azulejos na barra da capela-mor, Entrega da Regra de Santo Alberto
Figura 64 Painel de azulejos na barra da capela-mor, Entrega do escapulário a São Simão
Stock
Figura 65 Painel de azulejos na barra da capela-mor, São João da Cruz
Figura 66 Detalhe do painel de azulejos na barra da capela-mor. Arrebatamento de Santo Elias
na carruagem de fogo
Figura 67 Detalhe do painel de azulejos na barra da capela-mor. Entrega, pelo Cristo-menino,
do coração flamejante e traspassado a Santa Tereza
Figura 68 Capela-mor do Carmo, Vila Rica
Figura 69 Retábulo-mor, Capela do Carmo, Vila Rica
Figura 70 Forro da nave da Capela do Carmo de Sabará. Arrebatamento de Santo Elias
Figura 71 Forro da capela-mor do Carmo de Sabará. Entrega do escapulário a São Simão Stock
Figura 72 Risco para retábulo, de D. Joaquim Lourenço Ciais Ferrás de Acunha, com anotações
laterais do arquiteto Manoel Caetano de Souza
Figura 73 “Desenho do Borrão p.ª Retábulo da CapelaMór de N. Snr.ª da Asumpção da Vila de
Almada”, pelo “Arquiteto da Ordens Militares” Manoel Caetano de Souza
Figura 74 Arco-cruzeiro, tarja e capela-mor
Figura 75 Pilastras, capitéis e entablamento do arco-cruzeiro
CAPÍTULO 4 – O DECORO DA CAPELA DA ORDEM TERCEIRA DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS
Figura 1 Planta, elevações e vista da Capela de São Francisco de Assis, Vila Rica
Figura 2 Painéis de papas que decoram a capela-mor
Figura 3 Vista panorâmica do Arraial de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias.
Orientação variada das capelas
Figura 4 Vista da capela com a Serra e o pico do Itacolomy
Figura 5 Planta da Capela de São Francisco
Figura 6 Vista externa das varandas acima dos corredores que levam à sacristia
Figura 7 Varandas da Igreja do Senhor da Pedra, Óbidos, Portugal. Risco do arquiteto das
Ordens Militares, Rodrigo Franco
Figura 8 Risco em elevação da capela-mor de São Francisco, atribuído ao Aleijadinho.
Destaque para iluminação zenital e sombreamento. Museu da Inconfidência, Ouro
Preto
Figura 9 Vistas, interna e externa, dos dois óculos da parede lateral da capela-mor
Figura 10 Vistas do pequeno zimbório e do camarim do retábulo-mor da Capela do Carmo, Vila
Rica
Figura 11 Vistas dos púlpitos da Capela de São Francisco de Assis nas ilhargas do arco-
cruzeiro
Figura 12 Juntouro ou “artificiosa ligaduradas pedras dos púlpitos da Capela de São Francisco
para garantir solidarização das peças
Figura 13 Vista frontal do espectador ao adentrar o adro da capela
Figura 14 Pilastras no volteio das torres sineiras
Figura 15 Vista externa, com destaque para distinção de pilastras e contra-pilastras (colunas) do
frontispício
Figura 16 Detalhe do pedestal da coluna ou contra-pilastra do frontispício
Figura 17 Empena do frontão
Figura 18 Acrotério e Cruz de Lorena, ladeada com as esferas flamejantes
Figura 19 Esferas com 4 flamas
Figura 20 Alegoria da “Divindade”, Cesare Ripa, Iconologia (1611)
Figura 21 Frontispício da Igreja da Graça, Évora, Portugal
Figura 22 Detalhe da esfera flamejante no frontispício da Igreja da Graça, Évora
Figura 23 Detalhe da fachada da Igreja da Misericórdia, Leiria, Portugal
Figura 24 Detalhe de ornato com 4 flamas no arremate da fachada da Igreja da Misericórdia de
Leiria
Figura 25 “Figura LVI” do Livro Quarto de Arquitetura de Sebastiano Serlio
Figura 26 Detalhe do coroamento do retábulo-mor da Capela de São Francisco. Deus-Pai porta
o globo encimado pela Cruz
Figura 27 Vista e detalhe da fachada da Igreja de São Vicente de Fora, Lisboa, com destaque
para a ausência de capitel nas pilastras da torre sineira
Figura 27A Detalhe da torre sineira de São Vicente de Fora, Lisboa
Figura 28 Torre sineira de São Francisco, com destaque para a ausência de capitel nas
pilastras acima da cimalha real
Figura 29 Janelas correspondentes da sacristia e consistório da Capela de São Francisco
Figura 30 Forro da nave da Capela de São Francisco, com destaque para fingimento da cimalha
real
Figura 31 Óculo cegado do frontispício da Capela de São Francisco, com escultura em baixo-
relevo em pedra-sabão do recebimento dos estigmas pelo Santo
Figura 32 Recebimento dos estigmas pelo Santo, Francisco de Holanda, De Aetatibus Mundi
Imagines, Fig. CXXXII
Figura 33 Recebimento dos estigmas pelo Santo, retábulo da ante-sacristia da Igreja conventual
de São Francisco em Guimarães (Séc. XVII)
Figura 34 Recebimento dos estigmas pelo Santo, pintura em tela de Vieira Portuense, coro da
Igreja conventual de São Francisco em Guimarães (séc. XVIII)
Figura 35 Recebimento dos estigmas pelo Santo, Giotto, Museu do Louvre
Figura 36 Risco da Capela de São Francisco de São João del Rei, atribuído ao Aleijadinho.
Museu da Inconfidência, Ouro Preto
Figura 37 Frontispício da Capela de São Francisco de Assis
Figura 38 Detalhe da ombreira e entablamento interrompido da portada
Figura 39 Detalhe do capitel da ombreira da portada
Figura 40 Capitel corínthio, Vignola. Regla de las cinco ordenes de Jacome de Vignola, 1593, fl.
XXV
Figura 41 Sutileza de desenho na inflexão das molduras da portada
Figura 42 Sutileza de desenho na inflexão das molduras da portada
Figura 43 Portada e conjunto escultórico, visão do espectador já quase a alcançar a porta
principal
Figura 44 Conjunto escultórico em pedra-sabão do frontispício
Figura 45 Detalhe das asas nos brasões alegóricos, Vila Rica
Figura 46 Asas na moldura dos janelões da capela-mor da Igreja de São Martinho do Mosteiro
Beneditino de Tibães, Braga, Portugal
Figura 47 Atlante do Aleijadinho no arco do coro da Capela do Carmo de Sabará
Figura 48 Atlante de Frei Vilaça no arco do coro da Igreja de Santa Maria do Pombeiro, Portugal
Figura 49 Detalhe do brasão da portada da Capela de São Francisco, com destaque para a cruz
de espinhos e os braços entrecruzados do Cristo e do Santo
Figura 50 Detalhe ornamental da porta do sacrário da Capela de São Francisco de Assis, Vila
Rica, com destaque para engenhosa representação dos estigmas
Figura 51 Detalhe de coluna do frontispício em cantaria de itacolomy
Figura 52 Vista frontal do frontispício
Figura 53 Vista lateral das paredes côncavas que fazem articulação entre as torres e o
frontispício
Figura 54 Detalhe de capitel de pilastras na torre sineira
Figura 55 Detalhe do frontispício
Figura 56 Capitel jônico, Scamozzi
Figura 57 Detalhe de capitéis nas engras
Figura 58 Detalhe de capitel e entablamento nas colunas do frontispício
Figura 59 Detalhe de capitel jônico, Vignola.
Figura 60 Igreja de São João de Latrão, Valladolid, Espanha.
Figura 61 Igreja de Nossa Senhora da Consolação e Santos Passos, Guimarães
Figura 62 “Alçado Extrior dehum lado da Igr.ª deN. Sr.ª doSocorro do Sertão debaixo no
Arcebispado da Baya no qual se mostra hua das portaz travessas, janellaz q dão Luz
à Igr.ª, Lado Extrior daCapella Mor, Sanchrestia, evista da Torre de Figura Redonda
na forma daplanta”. Risco do Arquiteto das Ordens Militares, Rodrigo Franco
Figura 63 Simulação do frontispício avançado da Capela de São Francisco, sem as torres.
(Computação gráfica de Robson Godinho, sobre foto do autor)
Figura 64 Capela da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, Viana do Castelo, Portugal
Figura 65 Capela da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, Guimarães, Portugal
Figura 66 Igreja conventual de São Francisco de Assis, Viana do Castelo, Portugal
Figura 67 Igreja de São Lázaro, Porto, Portugal
Figura 68 Frontispício avançado da Capela de Santa Efigênia do alto da Cruz, Vila Rica
(Computação gráfica de Robson Godinho, sobre foto do autor)
Figura 68A Frontispício integral da Capela de Santa Efigênia do alto da Cruz, Vila Rica
Figura 69 Vanitas vanitatum, emblema pintado por Ataíde no forro do nártex da Capela de São
Francisco, Vila Rica
Figura 70 Vanitas vanitatum, detalhe
Figura 71 Anjos que ladeiam o emblema da vanitas, com destaque para portarem atributos de
penitência
Figura 72 Vanitas na Capela dos ossos, Igreja de São Francisco de Assis, Évora, Portugal
Figura 73 Pintura de São Francisco de Assis na nave de Vila Rica; disposta no chanfro próximo
ao nártex, lado do Evangelho, à altura do coro
Figura 74 Pintura de Santa Margarida de Cortona na nave de Vila Rica; disposta no chanfro
próximo ao nártex, lado da Epístola, à altura do coro
Figura 75 Pintura de São Pedro arrependido na nave de Vila Rica; disposta no chanfro próximo
ao arco-cruzeiro, lado da Epístola
Figura 76 Escultura de São Pedro arrependido, Frei Agostinho da Piedade, Igreja do Mosteiro
de Nossa Senhora do Monserrate, Salvador, Bahia
Figura 77 Pintura de Maria Madalena Penitente na nave de Vila Rica; disposta no chanfro
próximo ao arco-cruzeiro, lado do Evangelho
Figura 78 Madalena, Ticiano
Figura 79 Frontal do altar-mor da Capela de São Francisco
Figura 80 Vista da nave da Capela de São Francisco, de frente para o coro
Figura 81 Nossa Senhora dos Anjos. Pintura do forro abobadado da nave da Capela de São
Francisco de Assis. Mestre Ataíde
Figura 82 Detalhe do Forro da nave, com destaque para disposição dos doutores da Igreja nos
pendentes da abóbada
Figura 83 Êxtase de São Francisco de Assis: Nossa Senhora dos Anjos. Bernardino Santini, (c.
1650). Basílica de São Francisco de Assis, Arezzo.
Figura 84 Êxtase de São Francisco de Assis, Gerard Seghers (c. 1650), Museu do Louvre
Figura 85 Brasão das armas franciscanas, arco-cruzeiro
Figura 86 Púlpito na Ilharga do arco-cruzeiro, lado da Epístola
Figura 87 Detalhe do entablamento do arco-cruzeiro
Figura 88 Detalhe lateral do capitel do arco-cruzeiro
Figura 89 Vista do espectador ao se aproximar do púlpito da Epístola
Figura 90 Vista frontal do púlpito da Epístola, de quem está no púlpito do Evangelho
Figura 91 Painel central do púlpito da Epístola, refendido em pedra-sabão pelo Aleijadinho,
representando o momento em que Jonas se atira ao mar ajudado pelos tripulantes da
embarcação
Figura 92 Painel central do púlpito de Evangelho, refendido em pedra-sabão pelo Aleijadinho,
representando Cristo a pregar na barca
Figura 93 Vista lateral da parede da capela-mor de São Francisco de Assis, Vila Rica
Figura 94 Painel de madeira na barra da capela-mor, pintura de Ataíde representando a morte
de Abraão
Figura 95 Detalhe dos painéis pintados na barra da capela-mor, anjo portando elementos de fé
e penitência
Figura 96 Detalhe dos painéis pintados na barra da capela-mor, anjo portando elementos de fé
e penitência
Figura 97 Detalhe dos painéis pintados na barra da capela-mor, anjo portando elementos de fé
e penitência
Figura 98 Detalhe do Sacrifício de Isaac em painel da barra da capela-mor de São Francisco de
Assis, Mestre Ataíde
Figura 99 Detalhe do Sacrifício de Isaac na Bíblia de Demarne
Figura 100 Sacrifício de Isaac. Um dos 15 painéis do forro da nave da Igreja Matriz do Pilar, Vila
Rica. Arrematação de João de Carvalhais
Figura 101 Risco em elevação da capela-mor de São Francisco de Assis, com destaque para
delineamento da abóbada do forro em dois tramos. Atribuído ao Aleijadinho. Museu
da Inconfidência, Ouro Preto
Figura 102 Vista oblíqua da capela-mor, lado do Evangelho, em que se vê a fábrica da abóbada
em apenas um tramo e painel pintado com o recebimento da Indulgência da
Porciúncula
Figura 103 Vista oblíqua da capela-mor, lado da Epístola, em que se vê a fábrica da abóbada em
apenas um tramo e painel pintado com o recebimento da regra pelo Santo
Figura 104 Vista do coroamento do retábulo e forro da capela-mor, com medalhões contendo
quatro santos da Ordem
Figura 105 Vista do forro da capela-mor, com molduras, anjos, rocailles e o anjo porta-flores ao
centro
Figura 106 Detalhe do forro da capela-mor, anjo com o “balaio” de flores
Figura 107 Alegoria da “Abondanza”, Cesare Ripa, Iconologia (1611)
Figura 108 Coroamento escultórico do retábulo-mor, figuras da Trindade e da Senhora, mais
abaixo
Figura 109 Retábulo-mor
Figura 110 Detalhe da coluna caprichosa do retábulo-mor
Figura 111 Altare capriccioso, Andrea Pozzo. Perspectiva Pictorum et Architectorum. v. 2, Roma,
1737. Figuras 75 e 76
Figura 112 Detalhe do capitel da coluna caprichosa do retábulo-mor
Figura 113 Detalhe do coroamento do sacrário
Figura 114 Vista da abóbada do nicho do camarim, retábulo-mor
Figura 115 Vista da parede lateral do nicho do camarim, retábulo-mor
Figura 116 Detalhe de ornamentação floral pintada nas paredes do camarim
Figura 117 Painel dourado do frontal do altar-mor, com destaque para iconografia remissiva à
Ressurreição de Cristo, quando as mulheres foram levar óleos para embalsamar o
corpo
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
BRASIL
AEAM Arquivo Eclesiástico do Arcebispado de Mariana
APM Arquivo Público Mineiro
CARMO Ordem terceira de Nossa Senhora do Carmo
CECO Arquivo do Centro de Estudos do Ciclo do Ouro. Casa dos Contos, Ouro
Preto
CMOP Câmara Municipal de Ouro Preto
DPHAN Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
IAC Instituto de Artes e Cultura
IFAC Instituto de Filosofia Artes e Cultura
RAPM Revista do Arquivo Público Mineiro
PILAR Arquivo Paróquia de Nossa Senhora do Pilar
SÃO FRANCISCO Ordem terceira de São Francisco de Assis
SC Seção Colonial
Sm.° St.° Irmandade do Santíssimo Sacramento
SPHAN Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFOP Universidade Federal de Ouro Preto
USP Universidade de São Paulo
PORTUGAL
ANTT Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa
AHU Arquivo Histórico Ultramarino, Lisboa
AOTSFA Arquivo da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, Ponte de Lima
BAG Biblioteca de Arte Gulbenkian, Lisboa
BMP Biblioteca Municipal do Porto
BNA Biblioteca Nacional da Ajuda, Lisboa
BNP Biblioteca Nacional de Portugal, Lisboa
BUC Biblioteca da Universidade de Coimbra
MR Ministério do Reino
TT Torre do Tombo
ITÁLIA
BANSL Biblioteca dell’Accademia Nazionale di San Luca, Roma
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 23
CAP. 1 O DECORO 34
1.1 Preceitos fundamentais 39
1.2 O decoro e a arquitetura religiosa 51
1.3 Decoro e caráter 69
1.4 O decoro nas fontes eclesiásticas luso-brasileiras 79
CAP. 2 O DECORO DA IGREJA MATRIZ DE NOSSA SENHORA DO PILAR 102
2.1 A engenhosa invenção da Nave Eucarística 109
2.2 A fábrica da capela-mor e seu zimbório 152
2.2.1 A demolição do zimbório 168
2.2.2 O risco de José Fernandes Pinto Alpoim 172
2.2.3 Engenho e simbolismo 185
2.3 Decoro, elegância e simetrias do retábulo-mor 193
2.4 Asseio, decência e “mor decor” de pinturas e douramentos 199
CAP. 3 O DECORO DA CAPELA DA ORDEM TERCEIRA DE
NOSSA SENHORA DO CARMO 206
3.1 Decor Carmeli 220
3.2 A implantação “decente” da Capela – conveniente, cômoda, alta e vistosa 231
3.3 A perfeição carmelita como beleza decorosamente exornada nas
imitações da vida e da arquitetura 241
3.4 A Arquitetura interior: correspondência, formosura e majestade
do corpo; clareza, riqueza e brilhantismo da Senhora do Carmo 264
3.5 A distinção da capela-mor 278
CAP. 4 O DECORO DA CAPELA DA ORDEM TERCEIRA DE
SÃO FRANCISCO DE ASSIS 297
4.1 A invenção de uma implantação decente, com “melhor área”
e “melhor vista” 311
4.2 Sutilezas de risco, planta e condições 323
4.3 O frontispício e os efeitos da “nova portada 342
4.4 Teatro da penitência e do desengano 366
CONCLUSÃO 406
REFERÊNCIAS 411
INTRODUÇÃO
24
INTRODUÇÃO
muito se escreveu sobre as igrejas e capelas da antiga capitania de Minas Gerais,
especialmente as de Vila Rica, atual cidade de Ouro Preto. Poucas povoações fundadas no
período colonial foram tão reconhecidas e dentre as várias causas do elogio se destaca a
qualidade da arquitetura religiosa implantada em seu corpo urbano. Em lugares eminentes
e vistosos, uma quantidade especial de igrejas e capelas se dispôs num sítio “não muito
acomodado”
1
, mas admirável, pela teatralidade natural e oportuna.
O reconhecimento dessa conveniência espetacular de fábricas e circunstâncias é também
antigo, e já naquele tempo se tratou e bem convinha elogiar virtudes do engenho construtivo.
Para ser el à forma mentis
2
do período, ou ao conjunto de doutrinas e valores que fundamentava
o pensamento e as práticas artísticas, pode-se dizer que Vila Rica sempre foi espelho de
preceitos centro conuente, mas também difusor, de representações, pressupostos,
modelos e costumes artísticos. Especialmente nas igrejas e capelas de irmandades edifícios
destinados a persuadir e a “edicar os éis” na virtude –, interessavam muito a maravilha e
o esplendor da aparência, a ecácia da beleza e a adequação dos usos e representações,
e veremos como a doutrina do decoro foi decisiva para a materialização desses efeitos e
proveitos.
A historiograa de sua arquitetura poderia também espelhar essa relevância. Todavia,
no importante conjunto de estudos, livros e artigos escritos nos últimos 150 anos sobre a
arquitetura religiosa de Ouro Preto, um aspecto é dominante: as categorias utilizadas para
o tratamento da arquitetura e, em geral, das demais artes são de um tempo posterior às
suas fábricas. São categorias caudatárias, portanto, mais das ideologias modernas que as
produziram, nos séculos XIX e XX como a “originalidade” do autor e da obra, a “evolução”
das formas, “volumes” e “partidos arquitetônicos”, a “autonomia” da arte, o “progresso” e a
1
A expressão é de Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, Governador da capitania, no Termo
de ereção da Vila em 08 de julho de 1711. Cf. APM SC 06, . 20-21. “Termo da erecção de VRica”.
Vila Rica, 08/07/1711. Todos os documentos da tese foram pesquisados e transcritos pelo autor, salvo
referência. Manteve-se a graa de época por delidade ao registro.
2
Hansen adverte que essa forma mentis era aristotélica e neo-escolástica, adaptada às circunstâncias
coloniais. Cf. HANSEN, João Adolfo. Ler & ver: pressupostos da representação colonial. Separata de
Veredas 3-I: Revista da Associação Internacional de Lusitanistas, Porto, Fundação Eng. António de
Almeida, dez. 2000, p. 75.
25
“decadência” dos estilos, a “libertação” das regras e costumes –, do que das circunstâncias,
procedimentos, preceitos e nalidades que efetivamente fundamentaram as práticas artísticas
daquele tempo. Até mesmo os estudos de caráter historiográco em geral preferem se ancorar
nas categorias modernas da arquitetura e da história da arte, sobretudo nas classicações
dedutivas do “barroco” e corolários, e simpatizam mais, portanto, com as circunstâncias pós-
iluministas, idealistas e românticas que as justicam do que com as representações da antiga
sociedade de corte
3
que se quer compreender.
Para além do que implica o uso dessas e outras categorias anacrônicas, um outro aspecto
problematiza sobremodo a historiograa da arquitetura do século XVIII em Minas Gerais.
Orientada e alimentada pelo importante SPHAN de Rodrigo Melo Franco de Andrade e
Lúcio Costa, e por contribuições de estudiosos como Germain Bazin, durante praticamente
todo o século XX a arquitetura dessas igrejas foi objeto de uma compreensão que se
tornou responsável pela legitimação de uma suposta identidade nacional que teria aorado
teluricamente com as primeiras manifestações mestiças de uma arte então considerada como
genuinamente original o tão propalado “Barroco mineiro” –, presumidamente destacada e
diferente de tudo o que havia sido construído nas outras capitanias, nas demais colônias e
também na metrópole portuguesa. Os mitos decorrentes dessa visão ainda povoam o senso
comum, sobretudo quando o foco recai e quase sempre recai sobre os dois maiores
personagens, até aqui, dessa história, o Mestre Ataíde e o infeliz Aleijadinho objetos de
dezenas de estudos mais ou menos repetitivos, salvo algumas exceções. Com maior
3
Com Norbert Elias, pode-se denir a “sociedade de corte” como uma estrutura complexa subordinada
ao rei, composta por pessoas, conselheiros e servidores que mantinham mais ou menos rígida uma
ordem hierárquica e ecaz para a conservação e o aumento do reino. As posições e as relações entre
os vários estamentos dentro da corte e nas várias ramicações de seu “corpo” estavam fundadas e
evidenciadas em inúmeras cessões de prestígio e honra administradas prudentemente pelo monarca
não sem alguma tensão e disputa internas, eventualmente até estimuladas como forma de manutenção
de seu poder, da concórdia e da integridade da monarquia. A organização desse corpo monárquico e
social se fundamentava numa minuciosa e sutil etiqueta, que recomendava lugares, gestos, palavras e
atitudes convenientes à dignidade e à função que cada membro desempenhava. Num organismo assim
hierarquizado, em que se cultivavam, por necessidade, valores como a eloqüência e a persuasão, a
urbanidade e a discrição, a dissimulação (honesta) e as agudezas, o decoro regia praticamente todos
os atos e representações, a composição das artes e da arquitetura, os protocolos e as cerimônias
que teatralizavam todos os diferentes “aspectos exteriores da vida”. Como resume Norbert Elias: “A
diferenciação dos aspectos exteriores da vida para vincar a diferenciação social, a representação da
posição social pela forma, não são características apenas das habitações mas de todos os aspectos da
organização da vida de corte. A sensibilidade do homem desta época pelas relações entre a posição
social e a organização de todos os aspectos visíveis do seu campo de actividade, incluindo os próprios
movimentos do corpo, é simultaneamente o produto e a expressão da sua posição social. Aquilo que
nos parece hoje ‘luxo’ é na realidade, como salientou Max Weber, uma necessidade, numa sociedade
assim estruturada”. Cf. ELIAS, Norbert. A sociedade de corte. Lisboa: Editorial Estampa, 1995, p. 38.
(Nova História, 19).
26
gravidade, esses mitos e noções persistem, seja em vários escritos ainda recentes, seja no
discurso que sustenta exposições locais, nacionais e internacionais que elogiam o heroísmo
ingente de uma inventada, e incoerente, incondência mineira artística mestiça.
Na contramão das apropriações anacrônicas e dessas construções teóricas seculares, o
objetivo da presente tese é demonstrar que o decoro foi um dos preceitos mais importantes
para a fábrica da arquitetura religiosa em Vila Rica, e constitui uma chave bastante privilegiada
para o seu entendimento. Desenvolvê-la pressupõe, para além do desempenho do argumento
em si, a defesa também de uma proposta metodológica que se apresenta como alternativa
ou contribuição ao modo como se pode compreender a arquitetura e o processo de formação
dessas povoações
4
. Assim, para deslindar a história desses objetos, acredito ser bastante
proveitoso, e preferível, tentar reconstituir também historicamente alguns dos preceitos
exatamente contemporâneos à sua fábrica. Além do decoro doutrina capital da ética e das
artes daquele tempo, lei suprema da conveniência e da adequação –, evidenciam-se, nas
fontes documentais primárias de Minas Gerais, nos tratados artísticos e mais escritos do
período, um número signicativo de categorias obliteradas pela modernidade dos dois últimos
séculos, e praticamente alijadas da historiograa. São categorias e preceitos antigos como
a decência, a conveniência, a correspondência, o costume, a adequação, a comodidade, a
formosura, a elegância, a discrição, a verossimilhança, a agudeza, o engenho, a sutileza,
a graça, a perfeição, o asseio, o esplendor, a maravilha e outros mais, que podem nos
proporcionar uma compreensão mais apropriada dos princípios, meios, formas e nalidades
dessa arquitetura. Suas matérias acompanham, assim, a tese do decoro, ajudando a
desempenhá-la; no que estarão, então, minimamente desenvolvidas no corpo do texto ou em
notas explicativas, embora demandassem teses especícas. Essas categorias e preceitos
perderam sua operacionalidade no século XIX, quando a imitação e a normativa poético-
retórica das artes passaram a ser consideradas inadequadas ao gênio romântico; ao mesmo
tempo em que as novas categorias modernas da originalidade, da criatividade, da subjetividade
e da espontaneidade assumiam a função, anacrônica e comprometedora, de interpretar as
artes do chamado antigo regime. Entretanto, guiado pelo decoro, é possível reconstituir o
corpus doutrinário que sustentava todo esse arsenal de preceitos, regras e costumes antigos,
4
Desenvolvi uma tese análoga na Dissertação de Mestrado, com o objetivo de comprovar a consideração
do decoro na implantação de “novas povoações” em Minas Gerais na primeira metade do séc. XVIII.
Cf. BASTOS, Rodrigo Almeida. A arte do urbanismo conveniente: o decoro na implantação de novas
povoações em Minas Gerais na primeira metade do século XVIII. Dissertação (Mestrado em Arquitetura
e Urbanismo)-Escola de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo
Horizonte, 2003.
27
e, conseqüentemente, reconstruir melhor a história desses corpos decorosos de arquitetura.
É preciso esclarecer de imediato a metáfora, porque ela ajuda a situar o entendimento, a
justicar o método e as perspectivas da pesquisa, prenunciando doutrinas e conceitos
competentes. A tópica do corpo foi utilizada naquele tempo não apenas para denir
adequadamente a organização política, eclesiástica e social o “corpo místico” da Igreja e do
Estado –, mas também a conveniência e o decoro das obras de arte e arquitetura. Nos escritos
que fundamentaram o poder e a razão de estado católica
5
, nas regulações eclesiásticas e
jurídicas, nos tratados de retórica e poética, de arte e de arquitetura, nos próprios documentos
que evidenciam os procedimentos e preceitos da fábrica artística, a tópica do corpo bem
proporcionado, ordenado e decoroso foi o modelo excelente de conveniência, utilidade e
aparência, tornando-se um costume generalizado para referência às fábricas arquitetônicas:
o “corpo da igreja”, o “corpo da capela”, o “corpo do retábulo”, os “corpos de arquitetura”
6
etc.
A invenção do tópos é grega
7
, que a assimilação cristã tratou de autorizar mediante
5
Denomina-se razão de estado católica o conjunto de doutrinas que inuiu no aumento e na
conservação das monarquias católicas, através, sobretudo, de uma ética fundada na moral e nas
virtudes católicas, em resposta às formulações políticas de Maquiavel, baseadas no artifício e na força
do poder; consideradas, no Portugal dos séculos XVII e XVIII, como tirânicas e contrárias à lei de
Deus. Cf. HANSEN, João Adolfo. Razão de estado. In: NOVAES, Adauto (Org.). A crise da razão.
São Paulo: Cia das Letras, 1999, p. 135-156; e uma das principais obras que fundamentaram esse
pensamento nos estados católicos: BOTERO, João. Da razão de estado. Coordenação e introdução de
Luís Reis Torgal. Tradução de Raffaella Longbardi Ralha. Coimbra: Instituto Nacional de Investigação
Cientíca; Centro de História da Sociedade e da Cultura da Universidade de Coimbra, 1992; e também
ALBUQUERQUE, Martim de. A sombra de Maquiavel e a ética tradicional portuguesa. Lisboa: Faculdade
de Letras da Universidade de Lisboa; Instituto Histórico infante Dom Henrique, 1974; sobretudo o cap.
2: Maquiavelismo e antimaquiavelismo em Portugal dos ns do século XVI aos ns do século XVII,
p. 65-111. Entre várias citações coevas à razão de estado católica, Albuquerque ativa a importante
“denição cristã” de Fernando Alvia de Castro, contraponente à doutrina maquiavélica: “é, no príncipe
cristão e bom, um discurso sábio, uma disposição e uma execução ajustada à lei divina, e à razão
natural, com que, quanto alcança o saber humano, se disponham as coisas para se conseguir bons
sucessos, mas justos, tocantes ao Príncipe e seus estados”. Idem, Ibidem, p. 91.
6
Demais organizações teológicas e político-sociais também eram referidas habitualmente em seu
“corpo” ordenado e representativo: como o “corpo da irmandade”, o “corpo capitular”, “corpo de mesa”,
“corpo de câmara”. Era esta a expressão com que se denia a apresentação decorosa dos ociais
das câmaras em festas, cortejos e celebrações, “trajados e ornamentados de acordo com a posição
de mando dentro da hierarquia social”, com as varas e insígnias adequadas às suas posições e à
digna representação que efetuavam do poder reinol presente na colônia. Sobre o caráter político das
festas religiosas promovidas em Vila Rica, cf. SANTIAGO, Camila Fernanda Guimarães. A vila em ricas
festas: celebrações promovidas pela câmara de Vila Rica – 1711-1744. Belo Horizonte: C/Arte; FACE-
FUMEC, 2003, p. 66-70.
7
A tópica é recorrente nos autores antigos. No Fedro, Platão idealizou que “todo discurso deve ser
formado como um ser vivo e ter seu organismo próprio; não deve faltar-lhe a cabeça nem os pés, e
tanto os órgãos centrais como os externos devem estar dispostos de maneira que se ajustem uns aos
outros, e também ao conjunto”. PLATÃO. Diálogos. Tradução de Jorge Paleikat. Rio de Janeiro: Ediouro.
28
a doutrinação de um modelo adequado e sublime o próprio corpo de Cristo –, referido
ainda nos tempos apostólicos por São Paulo, na primeira epístola aos coríntios
8
. Num longo
processo que incluiu doutores da Igreja, autoridades eclesiásticas e complexas circunstâncias
político-teológicas, como a instituição da festa de Corpus Christi, em 1264, a doutrina do
corpo místico foi enm dogmatizada como “doutrina corporativa” da Igreja Romana pelo Papa
Bonifácio VIII, na bula Unam Sanctam, de 1302
9
. Kantorowicz
10
também demonstrou como a
expressão Corpus Mysticum havia sido assimilada inicialmente como a Eucaristia, a “hóstia
consagrada”, enquanto a Igreja e também a sociedade cristã continuavam a ser conhecidas
como Corpus Christi, “em harmonia com a terminologia de São Paulo”. Impelida pelo debate,
a partir do século XI, acerca da transubstanciação (a transformação do pão e do vinho no
corpo e no sangue de Cristo), e também por questões doutrinárias dos séculos XII e XIII,
como a necessidade da Igreja em difundir a presença efetiva, e não apenas mística, do Cristo
na Eucaristia, ocorre uma gradativa mudança no sentido dos termos. O termo paulino Corpus
Christi assimila objetivamente a hóstia sagrada, ao passo que a noção de Corpus Mysticum
passa gradualmente a designar a sociedade cristã unida no sacramento do altar. A doutrina
foi discutida por São Tomas de Aquino, especialmente na terceira parte da Summa theologica,
no tratado relativo à Encarnação, Questão VIII
11
, reelaborada pelos teólogos da chamada
Fedro, 1999, p. 168. Para Aristóteles, a beleza de qualquer coisa “composta de partes” depende de sua
“extensão” e de sua “ordem”. ARISTÓTELES, Arte poética. In: ARISTÓTELES, HORÁCIO, LONGINO.
A poética clássica; tradução de Jaime Bruna, São Paulo: Cultrix, 1997, p. 27. Na introdução à Arte
Poética, Horácio introduziu a unidade do poema como disposição adequada e coerente das partes de
um corpo, desfeita a qual não se poderia conter o riso. Cf. HORÁCIO. Arte poética; epistola ad Pisones.
In: ARISTÓTELES, HORÁCIO, LONGINO. A poética clássica. §1-9, p. 55.
8
São Paulo utilizou a doutrina do Corpus Christi em várias epístolas. A passagem mais consagrada é I
Cor, 12: 12-30: “Porque, como o corpo é um todo tendo muitos membros, e todos os membros do corpo,
embora muitos, formam um corpo, assim também é Cristo. Em um espírito fomos batizados
todos nós, para formar um só corpo, judeus ou gregos, escravos ou livres, e todos fomos impregnados
do mesmo Espírito. Assim o corpo não consiste em um membro, mas em muitos [...]”. O jesuíta
neo-escolástico Francisco Suarez se apropriou da doutrina no De Incarnatione, Q. VIII, Disp. XXIII,
apregoando que a “união moral e a ordem que a realiza faz da caótica reunião de homens um ‘corpo
místico’”, cf. GALLEGOS ROCAFULL, Jose M. La doctrina política del P. Francisco Suarez. México:
Editorial Jus, 1948, p. 35.
9
“Una, santa, católica e apostólica: esta é a Igreja que devemos crer e professar já que é isso o que a
ensina (sic) a fé. Nesta Igreja cremos com rmeza e com simplicidade testemunhamos. Fora dela não
salvação, nem remissão dos pecados […] Ela representa o único corpo místico, cuja cabeça é Cristo
e Deus é a cabeça de Cristo […].” Cf. BULA UNAM SANCTAM. Bonifácio VIII (18/11/1302). Disponível
em: <http://www.paroquias.org/documentos/index.php?vsec=BUL&vid=13>. Acesso em: 19 jul. 2007.
10
Cf. KANTOROWICZ, Ernst H. Os dois corpos do rei; um estudo sobre teologia política medieval.
Tradução de Cid Knipel Moreira. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 125-130 passim.
11
Cf. AQUINAS, Thomas. The summa theologica of saint Thomas Aquinas. Chicago: Enciclopaedia
Britannica; Willian Benton, 1952. 2 v. Part III, Q. VIII. Com João de Salisbury, Isaac de Stela e Tomás de
Aquino (nos escritos deste se consolida teologicamente a expressão corpus ecclesiae mysticum”), a
29
segunda ou neo-escolástica, como o jesuíta Francisco Suarez, cujos escritos, entre outros,
fundamentaram as doutrinas teológicas nos estados católicos.
A metáfora do corpo era “substancialista”, como no geral salienta João Adolfo Hansen
era o caráter das representações dos séculos XVII e XVIII
12
, ao pressupor que Deus era o
“princípio e o m de todas as coisas”
13
e que Cristo era, por sua “divina bondade”, o modelo
especial de corpo, o homem mais perfeito então vivido
14
. Na arquitetura, a doutrina justicou,
por exemplo, a partir do século XVI, como se no tratado de Pietro Cataneo, I quattro primi
libri di architettura, o argumento de que a planta das igrejas paroquiais deveria, justamente
em nome do “decoro da religião cristã”, imitar a cruz latina sob signo da qual o lho de Deus
morreu gloriosamente para dar aos homens “o reino dos céus”
15
.
Nas capelas de Minas Gerais templos que apresentam geralmente a planta retangular,
destituída de braços ou transepto –, o costume que autorizou a perfeição cristã da forma
preservou uma alusão retórica à parte correspondente do corpo da igreja, no costume de
se denominar de “cruzeiro” o arco construtivo sempre bem ornado que separa a nave
e a capela-mor, onde comumente se dispunham os braços da cruz. Não mais dependente
da imitação estrita e gural da forma, preservou-se, contudo, a idéia de que os atributos
proporcionais das partes e do todo que qualicavam a perfeição do corpo de Cristo ainda
haveriam de se representar, por sua memória e seu decoro. Desenvolver os modelos de
plantas de igrejas entre os séculos XVI e XVIII foge ao escopo da investigação, mas importa
reconhecer, entretanto, que na segunda metade do século XVI não havia consenso entre os
arquitetos, clérigos e tratadistas, e vários tipos de planta circular, cruz latina, retangular,
poligonal, elipses e ovais compunham repertório disponível ao engenho inventivo dos
artíces e arquitetos. Os tratados faziam referência constante a essas tópicas da arquitetura,
metáfora do corpo místico de Cristo foi denitivamente consagrada a designar a Igreja em um “sentido
espiritual”, mas também a Igreja como “organismo administrativo” e “social”. Cf. KANTOROWICZ, op.
cit., p. 125-130 passim.
12
Cf. HANSEN, João Adolfo. Ler & ver, p. 78-79.
13
Cf. HANSEN. Artes seiscentistas e teologia política. In: TIRAPELI Percival (Org.). Arte sacra colonial:
barroco, memória viva. São Paulo: Ed. Unesp, 2001, p. 189. Sobre a tópica do corpo como fundamento
da organização e da representação seis e setecentistas, cf., sobretudo, p. 186-189.
14
Cf. CATANEO, Pietro. I qvattro primi libri d’architettura. Veneza, 1554, L. III, Capitolo primo: Come
il principal tempio della cità, volendo servare il decoro della religione Cristiana, si convenga fare à
crociera & a similitudine di un bem proporzionato corpo humano, col suo disegno”, . 36. Todas as
traduções são do autor, salvo referência.
15
Idem, Ibidem, . 36.
30
elogiando as invenções mais aplaudidas. É o eloqüente exemplo do tratado do frei Laurêncio
de San Nicolas, apresentado na corte de Madri em 1631
16
, muito imitado em Portugal para além
do período da União ibérica (1580-1640)
17
. No nal do capítulo XXII, dedicado à “perfeição
da planta”, frei Laurêncio comentou a variedade das plantas de templos: redondas, ovais,
em cruz, poligonais etc.
18
Na introdução desse mesmo capítulo, ele elogiou o “engenho” do
arquiteto, aptidão pela qual, tendo-a quanto mais discreta e sutil, “formará conceitos mais
sutis e delicados”. O engenho habilita o arquiteto a formar plantas “mais avantajadas”, uma
virtude qualitativa. O frei escusou-se de oferecer uma “regra universal” para as plantas, pela
“variedade que inventam os engenhos cada dia”, mas sintetizou com a autoridade da tópica
o que deveria estar indubitavelmente satisfeito na invenção: a composição da traça deve ser
tal que não seja “outra coisa senão um corpo perfeitamente formado, com tal proporção que
todo ele seja uma perfeita formosura contínua, deleitável à vista”
19
. Em Lisboa, no mesmo
ano de 1631, o arquiteto Matheus do Couto lia o seu tratado na Aula de Arquitectura do
Paço da Ribeira. Também nele, em várias passagens, a tópica do corpo decoroso e bem
proporcionado autoriza os preceitos da arte, como na explicação da “coluna toscana”: “[…]
será razão darlhe esta medida tirada do corpo humano, como são todas as medidas famozas;
ao qual no principio lhe davão 6. comprim.tºs [comprimentos] do pé; & assi porq a baze e
capitel tenhão semelhança com o pé, e cabeça do d.º corpo humano”
20
.
A titulação da tese pela antiga alcunha “Vila Rica” sinaliza o recorte objetivo e temporal
da pesquisa algumas das fábricas mais relevantes construídas entre a ereção da vila
16
O tratado teve duas edições em Madri ainda na década de 1630, em 1633 e 1639, a primeira por Juan
de Sanchez. Cf. MORENO GARBAYO, Justa. La imprenta em Madrid (1620-1650); materiales para su
estudio y inventario. Madrid: Arco/Libros, 1999. 2 v.
17
O tratado de frei Laurêncio foi bastante citado pelo frei Ignácio da Piedade Vasconcelos, em seu
Artefactos symmetriacos, de 1733. No verbete “Tratados de arquitectura”, Rafael Moreira aludiu à
liação da autoridade, atentando para o fato de que é no tratado de Fr. Ignácio que se encontra, a
primeira vez em Portugal, uma edição “ilustrada por belas gravuras a teoria das ordens”. MOREIRA,
Rafael. Tratados de Arquitectura. In: DICIONÁRIO DE ARTE BARROCA EM PORTUGAL. (José F.
Pereira, dir.; Paulo Pereira, coord.). Lisboa: Presença, 1989, p. 492-493.
18
SAN NICOLAS, Fray Laurencio. Arte y uso de architectura;dirigid ao Sm.° Patriarcha S Ioseph.
Compuesto por Fr. Laurencio de S. Nicolas, Agustino descalço, Maestro de obras. S. l., s.f. [1639].
(Edición facsimilar. Valencia: Colección Juan de Herrera dirigida por Luis Cervera Vera, Albatros
Ediciones, 1981.) . 29-29v. Disponível em: <http://www.udc.es/etsa/biblioteca/red/tratados2.htm>.
Acesso em: 15 fev. 2008.
19
Idem, Ibidem, . 29-29v.
20
MATHEUS DO COUTO. Tractado de Architectura que leo o mestre Matheus do Couto... [1631]. L. I,
Cap. 7.º, “Sobre a Coluna Toscana”, . 7-8. (Manuscrito, Reservados da BNP, cota: COD. 946).
31
e o soerguimento da “cidade imperial”
21
. Embora muitos desses edifícios tenham sido
intermitentemente construídos até o século XX, nas freqüentes reformas empreendidas pelas
irmandades, mas também em restaurações recentes, concentrou-se no período crucial
de suas ereções, ou seja, no século XVIII e no primeiro quartel do século XIX. Ainda nesse
tempo, parte da ornamentação das capelas era concluída, e as práticas de representação
conservavam-se subordinadas a um regime mimético de invenção e ornamentação; devedoras
dos costumes, portanto, das regras e lugares-comuns ainda autorizados.
O exame da documentação primária, principalmente os livros de irmandades e mais documentos
avulsos, torna-se procedimento fundamental ao método. Além deles, urge pesquisar outros
escritos coevos, ou vigentes, alguns deles indisponíveis no Brasil, como principalmente os
tratados e manuscritos de arquitetura lidos, emulados e redigidos em Portugal a partir do
século XVI; a jurisprudência eclesiástica que regrou insistentemente o decoro das igrejas
e demais lugares sacros, e também vários outros gêneros letrados, como os epistolários
eclesiásticos e artísticos, os processos de aprovação de obras e reformas de igrejas na Mesa
de Consciência e Ordens da Coroa, as descrições encomiásticas de fábricas e efemérides
etc. Com a análise dessas fontes, torna-se possível recuperar, com as limitações que implica
toda indagação histórica, os sentidos desses termos, preceitos e costumes tão caros à forma
mentis que sustentou a construção e também o uso desses conjuntos arquitetônicos e urbanos.
A arquitetura religiosa de Minas Gerais foi mais estudada. Para não me delongar em
intermináveis citações que retrocedem ao séc. XIX, no rastro da família Vasconcellos e outras
importantes gerações de estudiosos, na década de 1950, Paulo Santos publicou Subsídios para
o estudo da arquitetura religiosa em Ouro Preto, e Carlos Del Negro apresentou, logo depois,
um importante estudo sobre a Escultura ornamental barroca do Brasil. Em meados do século
XX, e também nos anos de 1970 e 1980, eram mais freqüentes os congressos especícos,
as publicações do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional e também da importante Revista
Barroco, fundada por Affonso Ávila em 1969 e que teve 19 volumosas edições até 2007, mais
esparsas nos dois últimos decênios. Aparentemente, estudava-se e se publicava mais sobre
o tema, e geralmente se seguiam as postulações classicatórias da história da arte.
21
Vila Rica recebeu o título de “Imperial Cidade de Ouro Preto” em 1823. Agradeço a sugestão do uso
da alcunha à professora Beatriz Bueno.
32
Nos últimos anos, outras teses tiveram como objeto a arquitetura religiosa de Minas Gerais.
Em 2002, Jaelson Trindade procurou estudar as “circunstâncias sociais” de sua produção
artística
22
. Em 2003, Selma Melo Miranda defendeu tema sobre as capelas mineiras
construídas até meados do século XIX
23
, e Myriam de Oliveira publicou sua tese de doutorado,
defendida em 1990 pela Universidade de Louvain, inicialmente dedicada ao “Rococó religioso”
em Minas Gerais mas estendida em livro para todo o universo nacional
24
; em 2006, André
Dangelo concluiu análise de alguns aspectos que ele denomina de “cultura arquitetônica” nas
Minas Gerais do século XVIII
25
. Não se desenvolve o decoro nesses trabalhos. Em Portugal,
também 2006, a tese de Carlos Ruão, pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra,
intitulada O Eupalinos moderno, prometia contribuições signicativas sobre o tema do decoro
na arquitetura portuguesa entre os séculos XVI e XVII, pois nomeava, inclusive, o primeiro de
seus três volumes: Da ordinatio ao decorum
26
. Mas o desenvolvimento do preceito privilegiou,
em quatro páginas, a discussão da correção moral das imagens, embora a tese objetivasse
a arquitetura.
Em 2008, Guiomar de Grammont publicou um importante estudo sobre o Aleijadinho
27
, no
qual procura rever e criticar as construções ideológicas do maior mito do chamado Barroco
mineiro. O livro é resultado de sua tese de doutorado, orientada pelo prof. Dr. João Adolfo
Hansen (FFLCH-USP), e apresenta signicativa contribuição à temática. Algumas polêmicas
são antigas, mas já se vislumbra um campo intelectual mais receptivo à revisão dos grandes
mitos. Um dos fatores decisivos para essa importante abertura é sem dúvida o trabalho que
22
TRINDADE, Jaelson Bitran. A produção de arquitetura nas Minas Gerais na Província do Brasil. Tese
(Doutorado em História social)-Faculdade de Filosoa, Letras e Ciências Humanas da Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2002.
23
MIRANDA, Selma Melo. A arquitetura da capela mineira no séculos XVIII e XIX. Tese (Doutorado em
Arquitetura e Urbanismo)-Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São
Paulo, 2003.
24
OLIVEIRA, Myriam de Andrade Ribeiro de. O rococó religioso no Brasil e seus antecedentes europeus.
São Paulo: Cosac & Naify, 2003.
25
DANGELO, André Guilherme Dorneles. A cultura arquitetônica em Minas Gerais e seus antecedentes
em Portugal e na Europa: arquitetos, mestres-de-obras e construtores e o trânsito de cultura na produção
da arquitetura religiosa nas Minas Gerais setecentistas. Tese (Doutorado em História)- Faculdade de
Filosoa e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2006.
26
RUÃO, Carlos. O Eupalinos moderno; teoria e prática da arquitectura religiosa em Portugal (1550-
1640). Tese (Doutorado em Letras)-Universidade de Coimbra, Coimbra, 2006, v. I; 5.1.2. A imagética
tridentina e a teoria do decorum”, p. 341-344. (Disponível na Biblioteca da Universidade de Coimbra
- BUC).
27
GRAMMONT, Guiomar de. Aleijadinho e o aeroplano. São Paulo: Civilização Brasileira, 2008.
33
desenvolve anos o professor João Adolfo Hansen. Dedicando-se fundamentalmente às
Belas letras, Hansen sinaliza uma geral e necessária revisão historiográca das artes do
período colonial, sustentada justamente pela reconstituição histórica dos condicionamentos
materiais de época, dentro da qual este trabalho se vê modestamente inserido.
A tese está estruturada em quatro capítulos. No primeiro se revêem alguns dos principais
aspectos da doutrina do decoro no período competente. Nos três capítulos seguintes,
examina-se o decoro em três dos templos mais signicativos de Vila Rica: a Igreja Matriz
de Nossa Senhora do Pilar e as capelas das Ordens terceiras de Nossa Senhora do Carmo
e São Francisco de Assis, respectivamente. Além de constituírem exemplos eloqüentes das
práticas e preceitos do período, sua documentação primária se encontra disponível e bem
conservada. A análise da arquitetura e de documentos primários inéditos a ela relativos
proporcionou aberturas surpreendentes. A principal delas foi a reconstituição da história, até
então desconhecida, do zimbório da capela-mor da Igreja do Pilar, demolido em 1770, bem
como a identicação do provável inventor do risco e também da obra que lhe teria servido
de modelo, em Portugal. Mas fundamental foi sempre a interpretação decorosa dos templos:
o reconhecimento das imitações e agudezas da arte, a reconstituição das iconograas e
sentidos das partes e do todo, orientados sempre pela luz da conveniência. A análise desses
corpos de arquitetura é indissociável da compreensão das demais práticas artísticas nela
acomodadas, pintura, talha, escultura etc., porque torna a conveniá-las no fundamento mesmo
que as justicava a perfeição de todo o corpo. As representações se integravam e adquiriam
sua razão de ser nos lugares próprios e adequados da arquitetura, contribuindo cada parte ao
desempenho do teatro sacro como um todo.
CAPÍTULO 1
O DECORO
35
Capítulo 1
O DECORO
Quae culpa, sive injuria, violatioque decori, si in rebus profanis admitteretur,
esset utique reprehendenda, sed multo magis reprehendenda est, quoties in
sacra, & divina peccatur.
Aquela falta, ou prejuízo e violação do decoro, se admitida nas coisas pro-
fanas, seria de qualquer modo condenável, muito mais condenável é se se
peca tantas vezes contra as coisas sagradas e divinas.
Federico Borromeu
De pictura sacra libri duo (1625)
Na Visita pastoral de 24 de março de 1743 à Vila do Carmo, futura cidade de Mariana, D. Frei
João da Cruz, bispo da Diocese do Rio de Janeiro (que então regulava sobre a capitania de
Minas Gerais), além de exortar o vigário a mover os povos, com doutrina e exemplo, à paz
e necessária união, destinou recomendações bastante persuasivas aos moradores da vila.
Sob a recompensa de se libertarem “dos castigos merecidos por seus pecados”, porque o
Senhor haveria de lhes dirigir “os olhos de sua Divina Misericórdia”, deveria a comunidade
leiga, irmandades e mais moradores, zelar e se aplicar às obras da sua Igreja”, de modo
que se pudessem fazer nela com decência e majestade os ofícios divinos”, e tivessem lugar
decente os ornamentos”. As recomendações estavam especialmente destinadas, informa o
documento, “aqueles cuja piedade se aplica ao decoro e serviço da casa do Senhor
1
.
1
“Recomendamos tãobem muito aos Irmaons do Santissimo Sacramento mais Irmandades da dita Villa
como tãobem aos seus moradores especialmente aqueles cuja piedade se aplica ao decoro e serviço
da caza do Senhor que se apliquem às obras de sua Igreja para que se conclua de sorte que se possão
fazer nella com decência e magestade os ofcios Divinos e tenhão lugar decente os ornamentos que
por falta de sachristia e caixoins estão todos damnicados, o que esperamos com o seu zello, para que
se não diga que não querendo continuar com as obras que tenhão feito, para não continuarem com as
obras de sua Igreja que sendo a caza de Deos ou lugar de refugio deve ter o primeiro cuidado de todos
para que o mesmo Senhor ponha nelles os olhos de sua Divina Misericórdia e os livre dos castigos
merecidos por seus peccados”. Visita pastoral do Frei João da Cruz à Matriz de Nossa Senhora da
Conceição da Vila do Carmo, 24/03/1743. Esta visita pastoral foi transcrita na edição organizada pelo
Monsenhor RODRIGUES, Flávio Carneiro (organização, paleograa e tradução dos textos latinos). As
visitas pastorais do século XVIII no Bispado de Mariana. In: Cadernos históricos do Arquivo Eclesiástico
de Mariana. Mariana: AEAM, n. 1, 1998, p. 63-70. (grifo nosso). A cópia utilizada para edição está situa-
da no Livro P-15, AEAM, Paróquia de Nossa Senhora da Conceição. Os dois números correspondentes
às Visitas pastorais me foram gentilmente oferecidos pelo Monsenhor Flávio, a quem agradeço.
36
Os leigos participavam ativamente das fábricas de igrejas paroquiais e capelas, comovidos
pela devoção e persuadidos da promessa de uma salvação misericordiosa. A alguns deles
tocava a responsabilidade ocial de zelar pelo “decoro e serviço da Casa do Senhor”, e isso
certamente implicava a direção das numerosas confrarias leigas que se multiplicaram em Mi-
nas no início dos setecentos. Os documentos arquivados, os vários publicados e também
estudos, de maior ou menor pretensão, permitem conhecer vários aspectos, ainda não esgo-
tados, do processo de efetivação material dos lugares sacros na capitania de Minas Gerais,
que não possuiu ordens primeiras nem segundas mas apenas irmandades leigas, confrarias
e ordens terceiras. Além da efetiva acomodação, conservação e aumento das povoações,
os leigos participavam ativamente dessa importante fábrica eclesiástica
2
: desde a ereção de
matrizes (ao redor das quais, inclusive, poderiam surgir e se consolidar novos lugares e po-
voações), a acomodação de altares laterais nas igrejas paroquiais, até erguerem nalmente
suas próprias capelas; participavam também da administração mesma das construções (con-
tratos, arrematações, ajustes e pagamentos), da doação de esmolas e dízimos competentes
aos vastos recursos requeridos pelas obras e, obviamente, da própria execução ociosa das
partes do corpo de arquitetura.
No documento acima citado, o visitador conclama ao zelo e conclusão da “fábrica de sua
Igreja” os moradores, especialmente aqueles cuja piedade se aplica ao decoro e serviço da
casa do Senhor”. Não é demais insistir na citação. A piedade aqui destacada possui sentidos
pouco considerados na atualidade. Refere-se, esta piedade, não diretamente à benevolência
condolente ou à compaixão altruísta, sentidos também pertinentes, mas antes ao próprio sen-
timento religioso crença de fé, cumprimento devotado aos deveres religiosos, “virtude moral”
2
O termo “fábrica” exige apontamentos. Raphael Bluteau registra o primeiro sentido geral como “es-
trutura, construção, composição”, radicando-o no sentido latino do termo fabrica. Fábrica é também o
próprio “Edifício”. O exemplo de Bluteau é retirado do tratado “A arte militar”, de Vasconcelos: “O archi-
tecto, primeyro elege a traça da Fabrica, que há de fazer”. Fábrica também pode ser a “casa ou ocina
em que se fabricam alguns gêneros”; ou ainda a própria “arte” ou “artifício”, “lavor” ou “feitio”, com que
se fabricam engenhos ou obras. No gênero eclesiástico, pode-se tratar especicamente da “fábrica da
sacristia” ou da “fábrica da igreja”, constituindo essas a “renda” que se recebe para, e se gasta, com a
conservação, reparo ou aumento dos templos, e também com a preparação do “culto divino”, celebra-
ções e festas. Nos documentos eclesiásticos especialmente no “Livro da Fábrica”, que era utilizado
para anotação regular de receitas e despesas ans aparece a gura do “fabriqueiro”, o responsá-
vel pela administração dessas rendas, termo também registrado por BLUTEAU, Raphael. Vocabulário
portuguez, e latino, aulico, anatomico, architectonico, bellico, botanico…Coimbra: Real Collegio das
Artes da Companhia de Jesu, 1712, v. 4. Fabrica; Fabriqueiro, p. 3-4. Assim fundamentado, utilizo a
expressão fábrica eclesiástica como o conjunto de atividades e processos demandados para a ereção,
construção e conservação de templos. Em algumas passagens, utilizo também o termo fábrica para
designar o próprio edifício, como autorizado por Bluteau.
37
com que se tem “devoção e respeito a Deus e às coisas sagradas”
3
. Estes sentidos foram
decisivos para a Igreja Católica após o Concílio de Trento (1545-1563) em sua luta inamada
pela rearmação da “virtuosa” católica contra o luteranismo, o calvinismo, o maquiavelismo
e outras “heresias”
4
.
Piedade, decoro e esplendor. No documento, o sentimento religioso dos especialmente aptos
deveria ser responsável pela observância e aplicação do decoro na conclusão das obras da
Igreja, numa semelhança muito interessante de causa e efeito com o que pensou, no nal
do século XVI, o Bispo de Milão, Carlos Borromeu (1538-1584), o mais importante preceptor
eclesiástico a estender as regulações tridentinas à arquitetura e à ornamentação de edifícios
religiosos, igrejas e capelas. Na edição princeps de 1577 do importante tratado que objetivava
instruir a fábrica e a ornamentação eclesiástica – Instructiones fabricae et supellectilis eccle-
siasticae , Carlos Borromeu justicou sua confecção com argumentos, principalmente, de
piedade e decoro. Fundamentado na excelência dessas virtudes, nos decretos tridentinos e
nos costumes mais adequados, “oportunos e apropriados” para o “uso e ornato das igrejas”,
que ele mesmo houvera visto ou aprendido com arquitetos, Borromeu propôs que se deves-
se atender, prover e zelar pelo “esplendor” das “edicações eclesiásticas”. Para tanto, seria
sempre oportuno aconselhar-se com arquitetos e mestres que escreveram sobre a arte, bem
como “imitar” a “piedade e religião antiga dos éis”. “Excitada desde os tempos apostólicos”,
essa antiga piedade, ética e pateticamente exemplar, “brilhou magnicamente” (praeclare elu-
xit) nas construções de basílicas, templos religiosos e nos “admiráveis aparatos sacros”, em
número e preciosidade, em Roma, Jerusalém, Constantinopla e Milão, e é por isso que de-
veria, e muito, ser “inamada” novamente
5
. Em ambos os discursos, no tratado de 1577 e na
3
Cf. BLUTEAU, op. cit., v. 6, Piedade, p. 500.
4
Várias são as discussões que envolvem o reconhecimento de denominações adequadas para os pro-
cessos pelos quais passou a Igreja Católica Apostólica Romana a partir da primeira metade do século
XVI. Alguns autores advogam ter existido uma “reforma” católica, nascida dentro do seio da própria
Igreja e com intenções reformadoras, ainda no nal do século XV e início do XVI; mas também outro
movimento, este sim, reacionário às teses e aos ataques protestantes, que se convencionou chamar de
“contra-reforma”. Necessário notar que alguns desses termos surgiram em contextos críticos e cientí-
cos protestantes, no século XVIII e XIX; problemáticos, portanto, quando se trata de historiograa. Cf. o
verbete “Controriforma”, no Dizionario di Storiograa. Disponível em: <http://www.pbmstoria.it/dizionari/
storiograa/lemmi/085.htm>. Acesso em: 01 out. 2006. Preferível é ter como referência de crítica e
análise o que era proposto pelos doutrinadores que buscavam discutir os cânones, atuações e doutri-
nas da Igreja, bem como o que foi deagrado após o Saque de Roma, em 1527, e também a partir do
Concílio de Trento (1545-1563) e seus decretos. Cf. também o estudo de ROSA, Asor. La cultura della
controriforma. Roma/ Bari: Laterza, 1981.
5
Ex decreto, in concilio provinciali III per nos edito, has et fabricae et supellectilis ecclesiasticae instruc-
tiones in lucem damus; in quibus sane cum de sacris aedibus, cappellis, altaribus, oratoriis, baptisteriis,
sacrariis, ceterisque id generis extruendis, tum de vestibus etiam sacris, ornamentis, vasibus alioque
38
Visita pastoral à Vila do Carmo, de 1743, a piedade está relacionada a arquiteturas decorosas.
No tratado, a piedade seria responsável pelo elogio ao esplendor maravilhoso remanescente
dos antigos templos e basílicas
6
, uma das tópicas mais utilizadas por clérigos e artistas para
legitimar o aparato majestoso dos lugares de culto católicos
7
; na Visita pastoral, deveria re-
ecclesiastico apparatu conciendo, ea potissimum praescripsimus, quae provinciae nostrae ecclesia-
rum frequentiori usui et ornatui opportuna atque accommodata vidimus. [...] Cum enim in provinciali
illa synodo de coepiscoporum nostrorum consilio opus hoc nostra cura conciendum statuerimus, illud
tantum spectavimus, ut et aedicii et ornatus et apparatus ecclesiastici norma et forma certa, cum ratio-
nibusque patrum convenienti, per nos commostrata, provinciales nostras eo de genere constitutiones
ac decreta in executionis usum induci sedulo curaremus; et ecclesiarum simul omnium, praecipueque
parochialium, splendori et cultui in posterum prospiceremus. [...] Ad cetera vero, multa illa quidam,
quae ab architectonicae artis scriptoribus sapienter, copiose utiliterque tractata, ad augustissimam eam
sacrarum basilicarum et ad ecclesiasticae omnis aedicationibus splendorem pertinent, ut peritorum
architectorum consilium adhiberi oportere censemus, sic in iis ipsis antiquam illam, ab apostolicis usque
temporibus excitatam, delium pietatem ac religionem, quae in iis aedium sacrarum extructionibus, in
admirandoque sacrae suppellectilis apparatu praeclare eluxit, imitandam proponimus”. BORROMEO,
Carlos. Instrucciones de la fábrica y del ajuar eclesiásticos (Instructiones fabricae et supellectilis ec-
clesiasticae, 1577). Introdução, tradução e notas de Bulmaro Reyes Coria; nota preliminar de Elena
Isabel Estrada de Gerlero. Cidade do México, Universidade Nacional Autônoma do México / Imprensa
Universitária, 1985, p. 1-4.
6
O “esplendor” das antigas basílicas romanas constituía uma nalidade também política, coerente com
os propósitos do imperador Constantino. A melhor fonte são os estudos de Richard Krautheimer, nos
quais se encontram uma rica referência documental e uma acurada análise das circunstâncias que
envolviam as construções. As análises se fundamentaram também em pesquisas arqueológicas, nos
fragmentos encontrados de mármores, afrescos e revestimentos de ouro, materiais e ornatos capazes
de conferir esplendor e decoro às basílicas. Krautheimer salientou como o “esplendor do império” era
caro ao Imperador e sua gura política “divinizada”, de modo que as “basílicas públicas de Roma e
das grandes cidades de província não poderiam deixar de respeitar o esplendor do Império e de seu
soberano divinizado”. Seguindo os costumes dos templos pagãos, as basílicas eram construídas com
o mesmo “vocabulário formal” desses templos, servindo como instrumento adequado de propaganda
política. Sob o “inuxo do culto imperial”, até o início do século IV praticamente haviam “desaparecido
as distinções entre as basílicas sacras e profanas”. Cf. KRAUTHEIMER, Richard. La basilica constanti-
niana. In:____. Architettura sacra paleocristiana e medievale: e altri saggi su Rinascimento e Barocco.
Torino: Bollati Boringhieri, 1993, p. 3-39; especialmente p. 9; 12 et seq., e também KRAUTHEIMER, Ri-
chard. Tre capitali cristiane; topograa e politica. Torino: Giulio Einaudi, 1987. Ao tratar especicamente
das basílicas cristãs eretas para o culto da nova religião do Império, Constantino evidenciava uma
política de propaganda fundamentada no esplendor e no decoro dos templos. As igrejas de maior pres-
tígio, “particularmente aquelas de fundação imperial”, deveriam ser “imponentes e esplender através
de materiais preciosos e de ricas decorações”. Numa carta enviada entre 325-326 ao Bispo Macario,
de Jerusalém, Constantino recomendou que a basílica a ser construída sobre o Gólgota (Santo Sepul-
cro) demandasse os “fundos públicos”, fornecidos pelo governo da província ou pelo próprio “tesouro”
do Imperador, de tal modo que ela “superasse em esplendor os mais nobres edifícios de qualquer
outra cidade e resultasse na mais bela basílica existente”. Como será uma tópica também no período
pós-tridentino, economias deveriam ser conseguidas durante a construção da estrutura do edifício, de
modo a “poderem ser empregadas, com maior vantagem às nalidades da propaganda política, para
aumentar o fausto da decoração e dos ornatos”. Cf. KRAUTHEIMER. Architettura sacra paleocristiana
e medievale, p. 19; 21-22.
7
A legitimidade do cultus externus foi palavra de ordem de doutores, clérigos e artistas imbuídos de
catolicismo, contra a justicação protestante das doutrinas da Imanência de Deus, da Sola Fede e da
Sola Scriptura, que redundavam na simplicidade dos lugares de culto. Autores reformados como Lute-
ro, Calvino, Melanchton, Flacio, Ospiniano e outros centuriatores multiplicaram os argumentos contra
os católicos, e obtiveram respostas duras e diretas de autores como Luigi Lippomano (Conmatione,
39
dundar em decência e majestade de ofícios, lugares e ornatos, na exata matriz que viria a ser,
dois anos depois, a Catedral do Bispado da capitania; donde deveria então manar, para as
demais paróquias, as regulações e exames responsáveis pelo “decoro das Casas do Senhor”.
Pode-se perceber o imbricado feixe de relações que existia entre os termos e sentidos da
Visita pastoral. Um trecho de documentação aparentemente simples, como esse, em que a
semântica atual dos termos pode ocultar considerações pertinentes, guarda matérias de com-
plexa fundamentação e abrangência; e não apenas religiosa, mas também artística, como se
pode antever, decisivas para o aperfeiçoamento das práticas que materializavam a arte reli-
giosa na colônia. Irrevogável, pois, indagar: o que representava, em Minas Gerais no século
XVIII, o decoro da casa de Deus? No que consistia esse preceito tão relacionado às obras da
Igreja? No que consistiam suas postulações artísticas e teológicas, de sorte que se pudessem
fazer, com “decência e majestade”, os ofícios divinos e tivessem “lugar decente os ornamen-
tos”?
1.1 Preceitos fundamentais
O decoro representou, desde a antiguidade até o advento do chamado “romantismo” – quan-
do a normativa poético-retórica das artes foi considerada inadequada a uma pretensa ma-
nifestação subjetiva e autêntica do artista um dos preceitos mais importantes não apenas
da arquitetura, mas de todas as artes, as belas letras, poesia e retórica, pintura, escultura,
música, teatro etc. Apesar das diversas compreensões de que foi objeto na história, o decoro
conservou sempre a responsabilidade por orientar o artista na procura do que é adequado e
conveniente, tanto em relação aos aspectos internos e implícitos à obra (matéria, gênero, esti-
lo, proporções, ordem e disposição apropriada de elementos e partes, ornamentos e elocução
1553), Pietro Canisio (De Maria Vergine, 1577), Alberto Pio (De sanctorum cultu et reliquiarum vene-
ratione, 1531) e Roberto Bellarmino (Disputationes, 1593-1597). Esses e outros escritos formaram,
direta ou indiretamente, o pano de fundo e a base doutrinária de escritos artísticos que fundamentaram
e justicaram, com nuances, o “esplendor” e a “maravilha” das “fábricas magnícas”, como os de Pie-
tro Cataneo (I quattro primi libri di architettura, 1554), Pellegrino Pellegrini Tibaldi (1527-1596, Trattato
L’architettura), Palladio (I quattro libri dell’architettura, 1570), e sobretudo o Instructiones, de Carlos
Borromeu. Vale lembrar, também com Shoeld, que o esplendor das igrejas e os ornatos luxuosos fo-
ram legitimados, na Sessão de 17 de setembro de 1562 do Concílio de Trento, como causas ecazes
e necessárias à elevação do el para a meditação das coisas divinas. Cf. SHOFIELD, Richard. Archi-
tettura, dottrina e magnicenza nell’architettura ecclesiastica dell’età di Carlo e Federico Borromeo. In:
RESPISHTI, Francesco; SCHOFIELD, Richard. Architettura e controriforma; i dibattiti per la facciata del
duomo di Milano 1582-1682. Milano: Electa, 2004. p. 125-250.
40
característica, ética e patética, proporção de comodidades e efeitos adequados), quanto tam-
bém em relação aos aspectos externos e circunstantes a ela, a recepção que a obra deveria
ter pelos destinatários
8
.
Difundido na arquitetura por Vitrúvio, século I a.C, e sua interminável leva de êmulos e imitado-
res a partir do século XV, Alberti, Palladio, Serlio, Cataneo, Scamozzi e também portugueses,
Antônio Rodrigues, Francisco de Holanda, Lavanha, Matheus do Couto, Ignácio da Piedade
Vasconcelos, Luiz Gonzaga e outros, o decoro conservou a matéria primordial da adequação
e da conveniência. Adquiriu nuances, é claro, nas contribuições e circunstâncias particulares
de pensadores, arquitetos e artistas que sobre ele, ou através dele, escreveram: nalidades
políticas e teológicas da arte, variações do gosto, costumes locais etc., mas manteve sempre,
em seu cerne, a lei suprema da conveniência. Apesar desse sentido lato e abrangente, alguns
estudiosos modernos compreenderam o decoro sob aspectos eminentemente morais e prag-
máticos, pejorativamente até, comprometendo a importância de sua análise na melhor com-
preensão da arte situada entre os séculos XVI e XVIII. Ademais, como advertiu Eugenio Bat-
tisti, uma má fama imputada à chamada “Contra-reforma”, acusada de haver tolhido o melhor
da arte humanista proveniente do século XV em nome de uma decência moral (lugar-comum
historiográco que também exige cuidado)
9
, acabou motivando um “escasso interesse por
esses preceitos”
10
dentre eles, notavelmente, o decoro –, que fundamentaram a discussão e
a fábrica das artes não apenas a partir do século XVI, mas desde a antiguidade greco-latina.
8
Cunhada ainda na antiguidade, por Quintiliano (Institutio Oratoria), uma divisão didática facilita o tra-
tamento objetivo do preceito. Há um decoro interno, correspondente à acomodação das partes conve-
nientes entre si e ao todo da obra, que deve estar sempre orientada à satisfação da nalidade essencial
requerida pelo decoro externo: a consideração do tempo e do lugar na ecácia nal da obra, quando
esta proporciona a recepção e o desempenho apropriados à sua destinação. Ambos são interdepen-
dentes. O decoro interno está submetido necessariamente à satisfação do decoro externo a conve-
niência última –, sinalizando sempre a devida acomodação das partes. Cf. HANSEN, João Adolfo. De-
coro/Verossimilhança. São Paulo: DLCV-FFLCH-USP. Notas de Aula, [19--?], p. 1 (mimeo); e também
CAMARERO, Antonio. La teoria etico estetica del decoro en la antiguedad. Bahia Blanca: Universidad
Nacional del Sur, 2000, p. 10.
9
O termo “decência” terminou adquirindo uma conotação bastante moralizada pela crítica e também
pela historiograa das artes desse tempo. Embora tenha havido, sim, após o Concílio de Trento, um
processo complexo, determinado a resguardar a arte religiosa de tudo o que fosse profano e impudi-
co, inadequado ao lugar “sagrado” das representações, o termo decência permanece sendo utilizado,
na documentação e nos escritos coevos, com uma acepção maior de adequação e conveniência. Na
maioria das vezes, aparece como o termo mais apropriado para guardar e fazer guardar o que fosse
adequado e decoroso em relação às matérias da religião. O étimo dos termos decoro e decência é o
mesmo: o particípio decens”, que designa o que é “conveniente”, “adequado”, “apropriado”. Cf. BAS-
TOS, Rodrigo Almeida. A arte do urbanismo conveniente; 2.3. Decência e Dignidade.
10
Cf. BATTISTI, Eugenio. El concepto de imitación en el cinquecento italiano. In: ___. Renacimiento y
barroco. Madrid: Cátedra, 1990, p. 148.
41
Em sua gênese antiga, o decoro ( το πρeπον, para os gregos, assimilado pelos latinos em vários
termos: decor, decus, decorum, decorus, decens, aptum, dignum, accommodatum), designa-
va “o conveniente”, “o que convém”, o “decente”, o “adequado”, “apto”, “digno”, “acomodado”
11
.
Entre os gregos, prépon não estava restrito apenas ao âmbito das artes, estendendo-se ao
conjunto mais abrangente da ética e da poética
12
; compreendia, portanto, uma orientação
artística, mas também ético-política, destinada a guiar o homem em sua integração ao belo e
ao bem (kalokagathía) – virtudes sobre as quais deveriam repousar as nalidades e os meios
das ações e produções humanas
13
.
Distinção e esplendor. Assimilado junto à observação atenta da natureza – modelo excelente
de harmonia, conveniência, esplendor e ordem das imitações humanas –, o preceito radicou
dois atributos fundamentais da forma bela e adequada: a distinção e o esplendor. Na distin-
ção, o todo e cada uma das partes que pertencem a alguém ou algo, objeto ou obra, discurso
ou edifício, e que é decoroso, faz com que esse objeto ou ser se apresente com aparência
tal que o distinga de outro análogo do gênero, por manifestar aparentemente o que lhe é
devido, característico, digno e adequado, oportuno e circunstante. Um velho, uma mulher,
um jovem, por exemplo, possuem atributos genéricos distintos, e decididamente distintivos,
que evidenciam dignidade, virtudes, temperamento e caráter, bem como suas circunstâncias
e acidentes, por exemplo, idade ou pátria, que também fazem com que suas características
próprias, atitudes, vestimenta, comportamento e manifestação de afetos, se evidenciem com
clareza distintiva. As guras da pintura e da escultura, bem como os corpos de arquitetura,
também deveriam se distinguir por suas aparências, consolidando a união entre o decoro e a
evidenciação do caráter (éthos)
14
. Um templo não se confunde, ou não se poderia confundir,
com um palácio, assim como as guras da pintura e da escultura que representam afetos, ale-
gorias, virtudes, personicações ou personagens. A distinção resultaria dos efeitos advindos
11
Cf. CAMARERO, op. cit., p. 9.
12
Cícero destacou, no Orator, a importância do decorum, e também a diculdade em se guardá-lo, seja
na vida, na poesia, na retórica etc. Sem a sua observância, se cometem muitos erros, aditou o rétor.
Cícero recorreu às primícias gregas do prépon, fundamentando-o no labor sempre necessariamente
conveniente do orador: a correção do discurso, conceitos e palavras, do caráter, do estilo, dos gestos,
das posturas, das entonações, a atenção às circunstâncias, enm, a prudência aplicada em todos os
aspectos relativos à actio oradora. Cf. CICERONE, L’orator. (A cura di Giannicola Barone, testo origina-
le a fronte). Milano: Oscar Mondadori, 1998. 21, 70-74, p. 48-53. (Classici greci e latini, 111).
13
Cf. JAEGER apud CAMARERO, op. cit., p. 6.
14
Cf. D’AGOSTINO, Mário Henrique Simão. Arquitetura, retórica e decoro na antiguidade: a expressão
do caráter. Desígnio; revista de história da arquitetura e do urbanismo. Faculdade de Arquitetura e Ur-
banismo da Universidade de São Paulo. São Paulo: Annablume, n. 5, p. 111-134, mar. 2006.
42
de suas proporções, gestos, atributos, artifícios e ornamentos, que decorosamente deveriam
caracterizá-los “do modo que por si se dão a conhecer”
15
. A conveniência dessa manifestação
proporcional, característica e correta entre partes e todo, dimensão, quantidades, lugares e
ornamentação apropriados, deveria ser de tal dignidade, perfeição e pertinência em relação a
aquele que o manifesta que o resultado aparente e sensível, visual ou auditivo, manifestado
pelo decoroso, produziria efeitos de graça, brilho, beleza e formosura – esplendor, enm.
Esse conluio perfeito e virtuoso de conveniências entre as partes e o todo que redundam em
efeitos de graça, beleza e esplendor foi consagrado nos principais tratados de arquitetura. No
tratado De re aedicatoria (1452), mais especicamente no Livro VI, dedicado à beleza, Leon
Battista Alberti a exaltou como sendo um “resultado de grande valor e quase divino”. À guisa
de uma excelência aristotélica regulada pelo meio-termo conveniente entre excesso e falta,
Alberti defendeu a beleza ser uma espécie de “harmonia entre todos os membros, na unidade
de que fazem parte, fundada sobre uma lei precisa, de modo que não se possa ajuntar, retirar
ou mudar nada sem que haja prejuízo”
16
.
15
Na “Descrição da engenhosa máquina” fabricada por João Antonio Belline de Pádua para a “memória
dos séculos do sempre magníco Rei”, D. João V, em 1737, o autor condensou a referência discursiva
às guras da “América” e da “África” contando, é certo, com a memória partilhada da recepção que
conhecia os atributos apropriados e distintivos de cada uma delas relatando apenas que elas esta-
vam “adornadas do modo que por si se dão a conhecer”. Cf. PADUA, João A. B. de. DESCRIPÇAM
DA ENGENHOSA MAQUINA em que para memoria dos seculos se colloca a marmorea estatua do
sempre magnico Rei, e Senhor nosso D. João V. Inventada e delineada por João Antonio Belline de
Padua, esculptor, e Arquitecto. Lisboa Occidental, na Ofcina de Pedro Ferreira, Impressor da Augus-
tissima Rainha nossa Senhora, Anno 1737. Revista do IFAC, Ouro preto, UFOP, n. 2, dez. 1995, p. 51.
A Descripçamfoi objeto de análise do professor João Adolfo Hansen, no artigo: Teatro da memória:
monumento barroco e retórica (p. 40-54), que prepara, por assim dizer, a reedição fac-similar do refe-
rido texto. Num artigo dedicado ao dito “barroco”, Eugenio Battisti ressaltou a qualidade distintiva da
beleza, reconhecendo-lhe o decoro: “Aidea’ se prestava a similares transformismos. Bellori reconhece
expressamente que variava em cada caso: ‘aos casos distintos se lhes aplicam formas distintas’, posto
que a ‘beleza (não é) senão aquilo que faz as coisas tal e como são, segundo a perfeita natureza’ [sic].
Sobre este conceito, Testa reconhece como bela inclusive [a representação de] uma anciã que se de-
dica aos serviços domésticos. Cf. BATTISTI, Eugenio. Barroco y compromisso. In: ___. Renacimiento
y barroco, p. 181.
16
ALBERTI, Leon Battista. L’Architettura (De re aedicatoria). Trad. de Giovanni Orlandi. Milano: Il Poli-
lo, 1989. 2 v. (A cura di Renato Bonelli e Paolo Portoguesi), L. VI, Cap. II, p. 446. A denição de Alberti
sobre a beleza encontra respaldo no desenvolvimento de Aristóteles à noção de meio-termo apresen-
tado no livro segundo da Ética a Nicômano, no comentário do estagirita à excelência (aretê) das obras
de arte: “Sendo assim, um mestre em qualquer arte evita o excesso e a falta, buscando e preferindo o
meio-termo o meio-termo não em relação ao próprio objeto, mas em relação a nós. Se é assim, então,
que toda arte perfaz satisfatoriamente a sua função, procurando o meio-termo e julgando suas obras
segundo este padrão (por isto se arma com freqüência que nada se pode acrescentar ou tirar às boas
obras de arte, querendo signicar que o excesso e a falta destroem a excelência das obras de arte, ao
passo que o meio-termo a preserva, e os bons artistas, como dizemos, esforçam-se por isto em seu
trabalho), e se, além disto, a excelência, da mesma forma que a natureza, é mais exigente e melhor que
qualquer arte, então a excelência deve ter a qualidade de atingir o meio-termo”. Cf. ARISTÓTELES.
Ética a Nicômano. In: Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1996. L. II, 6, p. 144.
43
Visando a salvaguarda do decoro do corpo de arquitetura, adiante no mesmo livro Alberti
conciliou, além da graça, da elegância e da beleza, outros valores e virtudes igualmente fun-
damentais, por assim dizer intrínsecos à arquitetura, como a necessidade, a prática conveni-
ência e a comodidade:
Tudo deve estar disposto por ordem, número, tamanho, disposição, forma,
atentando-se para a natureza, para a prática conveniência, às especícas
funções do edifício; de modo que cada parte do edifício resulte a nós in-
dispensável, funcional e em bela harmonia com todas as outras. Porque se
a subdivisão responder exatamente a todos esses requisitos, no edifício a
graça e a elegância da ornamentação encontrarão seus lugares apropriados
e serão situados na melhor luz; se, de outro modo, isso não acontecer, a
construção certamente perderá todo o seu decoro. O corpo todo deve estar
portanto congurado e denido de modo a conciliar necessidade e comodida-
de [...] e principalmente que cada parte esteja distribuída do melhor modo e
no ponto exato e na ordem, lugar, articulação, posição, conguração que lhe
for competente
17
.
O esplendor conveniente, a formosura útil, a beleza adequada. Reunindo esses atributos
essenciais de beleza, distinção e esplendor – concentrados na famosa expressão de Hípias:
o “esplendor conveniente”
18
–, assomado ainda a outros valores de conveniência prática, co-
modidade, aptidão e utilidade
19
, o decoro foi um dos preceitos que regulou fundamentalmente,
17
ALBERTI, L’Architettura, L. VI, Cap. V, p. 468. No mesmo livro VI, Alberti legou à beleza aquele atri-V, p. 468. No mesmo livro VI, Alberti legou à beleza aquele atri-
buto de distinção característica, ao escrever que a “beleza verdadeira e própria é uma qualidade intrín-
seca e quase natural que investe a estrutura inteira do organismo que se diz belo […]”. Idem, Ibidem,
L. VI, Cap. II, p. 448.
18
Cf. CAMARERO, op. cit., p. 24.
19
O rol dos pensadores que reconheceram as relações e utilizaram a tópica ético-retórica da conveni-
ência e da beleza, da aptidão e do ornato, é numeroso. Contento-me em inserir aqui, introduzidos que
estamos no pensamento aristotélico, dois nomes fundamentais em chave platônica. No diálogo Hípias
Maior, em meio à discussão da beleza aparente dos corpos e da idéia do belo em si, Platão enalteceu
as virtudes da conveniência. Uma colher de madeira de ser considerada mais bela do que outra
feita de ouro, porque a primeira é mais adequada à arte da culinária, nalidade para a qual é feita a
colher. Cf. PLATÃO. Hípias maior. In: Diálogos, Trad. de Carlos Alberto Nunes. Belém: Ed. UFPA, 1980,
290c/291e. No Górgias um dos primeiros escritos sobre a arte da retórica e seus usos um dos ar-
gumentos de Sócrates em contraposição a Polo parte da constatação de que as guras e as cores são
belas porque nos causam prazer, e que sua utilidade provém justamente do fato de satisfazerem a isso.
Cf. PLATÃO. Górgias. In: ___. Diálogos, 474e, p. 147. Santo Agostinho chegou a escrever um tratado,
intitulado De pulchro et apto (“Sobre o belo e o adequado”) infelizmente incógnito. Pelo título e pelas re-
ferências feitas a ele pelo próprio autor nas suas Conssões, depreende-se a relação direta entre pro-
porção, aptidão, beleza e conveniência das partes e do todo: “Eu notara e via que nos mesmos corpos
se devia distinguir a beleza proveniente da união das suas partes – o todo – e a resultante da sua apta
acomodação a alguma coisa, como, por exemplo, a parte de um corpo ao seu todo, ou o calçado ao pé,
e outras semelhantes. Essas considerações borbulhavam no meu espírito desde o fundo do coração.
Escrevi, por isso, os tratados De pulchro et apto, creio que em dois ou três livros”. SANTO AGOSTI-
NHO. Conssões. Trad. de J. Oliveira Santos e A. Ambrósio de Pina. São Paulo: Nova Cultural, 1996.
L. IV, 13, p. 112. Uma outra relação, agora de diferença, entre o belo (pulchrum) e o adequado, apto
44
durante séculos, o pensamento, a análise e a fábrica artística. E mais do que isso, assumiu
também a sua própria atribuição adjetiva. Como se pode acompanhar nos vocabulários an-
tigos, em língua latina ou vulgar, e também no uso que zeram dele os tratadistas de arte e
arquitetura, o decoro constituiu não apenas a regra ou o meio ecaz, mas também a própria
qualicação ou o m a ser alcançado – a beleza adequada.
Em meados do século XVII, Baltazar Gracián deniu esta beleza adequada nos termos de
uma formosura útil, num momento chave em que estavam sendo reconsideradas as doutrinas
da invenção e da elocução. Na discussão sobre a essência da agudeza, Gracián elogiou a
relevância do ornato, ressaltando os laços entre juízo e engenho, e para tanto se serviu do
exemplo esclarecedor da arquitetura, arte em que se evidenciavam nitidamente as relações
entre ecácia e beleza, rmeza, comodidade e esplendor. A sentença é lapidar:
Não se contenta o engenho apenas com a verdade, como o juízo, mas aspira
à formosura. Pouco seria em arquitetura assegurar rmeza, se não atendes-
se ao ornato
20
.
Alguns anos depois de Gracián haver rearmado, no exemplo didático da arquitetura, o con-
luio entre rmeza e formosura, a denição do verbete “formosura” apresentada por Raphael
Bluteau no Vocabulário português e latino (1712), dedicado ao rei de Portugal, D. João V, re-
pousa essencialmente na idéia daquele esplendor conveniente, decoroso – beleza das partes
e do todo em que se ajustam as conveniências constitutivas da natureza própria, distintiva, de
um objeto ou ser. O exemplo dado pelo jesuíta foi a tromba do elefante, uma das partes do
corpo do animal que, transplantada em qualquer outro no rosto de um homem, por exem-
plo seria inconveniente e “monstruosa”, mas que no elefante se ajusta tão bem, distintiva
(aptum), no pensamento de Santo Agostinho, é desenvolvida por GINZBURG, Carlo. Estilo; Inclusão e
exclusão. In: ___. Olhos de Madeira; nove reexões sobre a distância. Trad. de Eduardo Brandão. São
Paulo: Cia das Letras, 2001, p. 139-175. Ginzburg mostra como a idéia de Santo Agostinho desenvolvi-
da numa carta endereçada a um ocial romano é fundamentada na noção de adequação desenvolvida
por Cícero, no De oratore, que por sua vez estabeleceu, na esteira de Aristóteles, e com larga difusão
posterior, uma doutrina dos gêneros e dos estilos adequados segundo a matéria, as circunstâncias de
tempo e lugar etc.
20
No se contenta el ingenio con sola la verdad, como el juicio, sino que aspira a la hermosura. Poco
fuera en la arquitectura asegurar rmeza, si no atendiera al ornato”. GRACIÁN, Baltasar. Agudeza y
arte de ingenio. México: Universidad Nacional Autónoma de México, 1996. Discurso II, p. 32. Cf. tam-
bém o prólogo de Gilberto Prado Galán, p. 11, que comenta esta passagem do tratado; e especialmente
HANSEN, João Adolfo. Juízo e engenho em preceptivas do século XVII. DLCV-FFLCH/USP, São Paulo,
[19--?]. (mimeo). (Texto gentilmente cedido pelo autor). Seria interessante empreender um estudo que
procurasse analisar as virtudes da arquitetura como exemplo didático utilizado pelos preceptistas da
retórica e da poética para desenvolver preceitos.
45
e utilmente, efetivando formosura. Esta seria, ilustrou Bluteau, uma perfeição que resulta da
symmetria (a antiga – harmonia e correspondência de proporções entre as partes e o todo
21
).
Seguindo Aristóteles, na discussão ética das várias espécies de virtude ou excelência (aretê),
Bluteau defendeu a “fermosura” compreender tanto as coisas corpóreas como as incorpóreas,
porque “até a virtude, que he toda espiritual tambem tem proporção, comparaçaõ, & comen-
suraçaõ”. Finalmente, complementa,
consiste a excellencia da fermosura na proporçaõ das partes, que realmente,
ou mentalmente cõstituem huma cousa na esphera de sua propria natureza,
porque o que num objecto he deformidade, em outro objecto he fermosura
[…] & assi a tromba do Elephante, que no rosto humano seria monstruosi-
dade, no focinho do Elephante he formosura, porque he parte conveniente,
propria, & cõstitutiva do corpo do ditto animal […] com que o Author das ar-
monias da natureza os quiz distinguir dos nossos
22
.
A “fermosura” também comparece na denição do decoro que um português, o jesuíta Luiz
Gonzaga, um contemporâneo de Raphael Bluteau e responsável pela formação intelectual do
rei D. João V, apresenta para a arquitetura:
Apparencia, decoro, e fermosura daplanta, ou praça, se equivoca tambem
m.to com Eurithmia [...], porem tem sua differença; porq a Eurithmia so trata
do decoro da boa destribuição das suas partes, emqt.º [enquanto] ao Lugar
qham de ter no risco (entre si). Mas o Decoro he apropried.e das partes da
praça per ordem aoSitio, q se tem escolhido – por ordem ao Costume Comq
se dispoem, e per ordem (aauthoridade) anatureza do (com) q se faz [.] Sirva
[?] de exemplo uma praça q se manda fazer, o engenheyro, busca este sitio,
e Lugar da Forticação a onde possa ser conveniente, (descuberto o Sitio
21
Em 1673, na tradução “corrigida” que apresentou do tratado de Vitrúvio, Perrault apresentou uma ou-
tra noção de simetria, a simmetrie”, francesa, pela qual os lados de um objeto se equivalem um ao ou-
tro, tomado como referência um eixo de espelhamento. Bluteau conhecia a referência. Cf. BLUTEAU,
op. cit., v. 7, Symmetria, p. 812-813.
22
Cf. BLUTEAU, op. cit., v. 4, Fermosura, p. 82-83. Bluteau dene assim o decoro: “O que é digno de
qualquer pessoa, & do lugar que tem, & taõ proporcionado com o seu estado, que nem exceda as suas
forças, nem seja inferior á sua calidade [qualidade]. […] Em alguns lugares diz condecentia. Idem, v. 3,
“decoro”, p. 29, (grifo do autor). Um século mais tarde, no Diccionário da Lingua Portuguesa de Antonio
Moraes Silva, de 1813, obra bem menos pretensiosa do que a de Bluteau, o termo aparece com um
tratamento mais simples, mantendo todavia a relação de conveniênciaentre características interio-
res, ações, e aparência exterior: “Decóro. s. m. Honra, respeito devido a alguem por seu nascimento,
ou dignidade […]. A conveniência das acções, e outras exterioridades com o caracter da pessoa. […]
Decóro. adj. Conforme ao decóro, honroso, decente […]”. Cf. SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario
da lingua portugueza recopilado dos vocabularios impressos ate agora, e nesta segunda edição nova-
mente emendado, e muito accrescentado (1813). Rio de Janeiro: Litho-Typographia Fluminense, 1927.
Decóro, p. 517. O termo decoro” não aparece no Elucidário das palavras, termos e frases que em
Portugal antigamente se usaram e que hoje regularmente se ignoram (1798/9), de Joaquim de Santa
Rosa de Viterbo. E seria óbvio supor, pois o termo não perdeu o uso. Cf. VITERBO, Joaquim de Santa
Rosa. Elucidário de palavras, termos e frases que em Portugal se usaram e que hoje regularmente se
ignoram: obra indispensável para entender sem erro os documentos mais raros e preciosos que entre
nos se conservam (1798/9). Porto/Lisboa: Civilização, 1962/66.
46
o fortica pello costume, ou Methodo Lusitano seguindo os seos preceytos,
mais Conforme a natureza da praça, q se pertende fazer. E esta planta tira a
determinado Sitio com determinado methodo, q tem sua certa natureza [.] Se
chama decoro da planta, ou planta decoroza.) busca este o sitio mais apto
p.ª o m q se pertende, dispoem as partes da praça seguindo hum Costume,
ou methodo de forticar, e segundo este vay dando a cada uma das partes,
oque elles per Sua natureza pedem Como escarpa ao muro, contraescarpa
ao fosso &a. e a planta, q representa tudo isto se diz decoroza
23
.
O costume. A denição do decoro em Gonzaga “pressupõe o costume”, como bem sinalizou
João Adolfo Hansen ao explicar didaticamente o preceito o que “ocorre sempre e deve ser
repetido [...] o que ocorre frequentemente e pode ou não ser representado”
24
. No decoro da
arquitetura, compunham também as prescrições do costume o uso dos materiais, técnicas
e procedimentos apropriados, cando a cargo do engenho a adequação desses aspectos e
circunstâncias às especicidades da fábrica; como quando, por exemplo, o sargento-mor e
engenheiro do Rio de Janeiro, José Fernandes Pinto Alpoim, teve que “subir às Minas” para
examinar com que materiais seria mais adequado, correto e proveitoso, construir o Palácio
dos Governadores de Vila Rica. Terminou riscando o edifício, em 1741, e também a nova
capela-mor da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar, mas isto é assunto para o próximo
capítulo.
O decoro da arquitetura de Gonzaga pressupunha essa imitação por ordem aos costumes, às
regras e também à natureza ou ao sítio de implantação que se deveria escolher “onde possa
ser conveniente”, “mais apto para o m que se pretende”. Além de ser preceito, o decoro era
também, continua Gonzaga, uma “propriedade” das partes do edifício “por ordem” a esses
fatores, condicionada à “natureza” (qualidades, caráter) de cada uma delas especicamente e
em relação ao conjunto da obra. O modelo da emulação é Vitrúvio, em cujo tratado o decoro é
denido como o aspecto correto ou perfeito da obra, qualidade a ser alcançada pela utilização
de elementos apropriados em conformidade aos três fatores regra, costume e natureza,
23
GONZAGA, Luis. Tratado da Archi[te]ctura. [Exame] Militar. [17--?). (BNA, Códice “E”, 46-VIII-23), .
40. “Praças” são as “Vilas e Cidades”, segundo comentário de BUENO, op. cit., p. 440, sobre a termi-
nologia apresentada no tratado de Serrão Pimentel. Bluteau também a traz, no início do séc. XVIII, no
sentido com o qual a entendemos hoje: “Praça. Lugar publico, plano & espaçoso, nas Cidades, Villas,
&c. Praça onde se compra, & vende […]”. BLUTEAU. Praça. op. cit., v. 6, Praça, p. 665-666.
24
DECORO: Grego prépon; latino aptum; decens; quid decet; accommodatum; decorum. O deco-
ro é uma conveniência. Pressupõe o costume, prescrições anônimas e coletivas que julgam se a obra
está adequada ao assunto, à situação etc. O decoro pressupõe o que é natural (o que ocorre sempre e
deve ser repetido); e o que é habitual (que ocorre freqüentemente e pode ou não ser representado”.
Cf. HANSEN, João Adolfo. Decoro/Verossimilhança, p. 1 (grifos do autor).
47
basicamente os mesmos arrolados por Gonzaga:
O decoro [decor] consiste na perfeição formal de uma obra, efetivado ao se
utilizar com competência elementos justos e apropriados. Realiza-o seguindo
uma regra em grego thematismoi ou segundo um costume ou conforme
a natureza
25
.
Acima de tudo, o costume pressupunha a imitação dos modelos autorizados do gênero, o
uso correto e apropriado das plantas e gêneros de arquitetura reconhecidos, e dos demais
lugares comuns e especiais da arte, requisitos com que se guardar nas fábricas o decoro. A
caracterização das tópicas da arquitetura também se acomoda na distinção desenvolvida por
Aristóteles acerca dos tipos de lugares da invenção retórica. Aristóteles classicou os tópoi em
dois tipos: os “comuns” e os “especiais”. Os lugares ditos “comuns” serviriam à produção de
conceitos, metáforas e entimemas de qualquer discurso, independente do gênero, da ciência
ou do assunto; lugares, por exemplo, que poderiam servir, ecazmente, aos discursos da Física
e da Ética, como a tópica de “mais” e de “menos”
26
. os lugares “especiais”, ou “próprios”,
derivavam das próprias ciências e dos gêneros de discurso, classicados genericamente em
Deliberativo, Judiciário e Demonstrativo. Os lugares especiais seriam mais numerosos, aditou
Aristóteles, porque relativos às próprias matérias de que faziam parte, podendo contribuir
mais facilmente para a invenção ou escolha de premissas, probabilidades, sinais e exemplos
adequados à persuasão.
A doutrina dos lugares se aplica bem à arquitetura desse tempo. A própria autoridade da
doutrina se consolidou no artifício de ordenar as partes do discurso tendo em vista os lugares
proporcionados pela arquitetura. A relação é evidente na anedota do orador Simônides de
Cós, especialmente comentada por Francis Yates em A arte da memória
27
. Nos lugares de um
edifício hipotético, o orador colocaria imagens diretamente referentes aos tópoi do discurso
(conceitos, exemplos etc.), numa disposição facilitada pela ordenação necessariamente lógica
da arquitetura, tecendo entre eles uma relação apta a, além de aprimorar a memória favorecida
pela natureza, facilitar uma rápida recuperação da memória articial que inventou e reteve as
25
VITRUVIO. De Architectura. Trad. e commento di Antonio Corso e Elisa Romano. Torino: Giulio Ei-
naudi, 1997. 2 v., (a cura di Pierre Gros), L. I, § 5, p. 28-29.
26
Cf. ARISTÓTELES. Retórica. Lisboa: Centro de Filosoa da Universidade de Lisboa/ Imprensa Na-
cional-Casa da moeda, 2005. L. I, 1358a, p. 102-103.
27
Cf. YATES, Francis. El arte de la memoria. Trad. de Ignacio Gomez de Llaño. Madrid: Taurus, 1974.
Cap. 1. Las tres fuentes latinas del arte clásica de la memoria, p. 13-41.
48
analogias entre os lugares
28
. Por ocasiões da actio, um discurso político a ser proferido de
improviso na Ágora ou no Fórum, de um oportuno encômio (como o de Simônides), ou, mais
tarde, no contexto da retórica eclesiástica ou da ratio studiorum jesuítica, de uma disputatio
acerca de uma questão dogmática ou teológica
29
, o orador poderia, refazendo ordenadamente
a memória dos lugares proporcionados pela arquitetura mental do discurso, recuperar os
lugares da oração nela colocados convenientemente.
A homologia dos preceitos desse tempo
30
nos permite pensar, então, em tópicas ou lugares
da arquitetura, a serem classicados como comuns e especiais. Os lugares comuns seriam
imitados e reinventados nos vários gêneros da arte (militar, religiosa e civil). Compô-lo-iam,
por exemplo, as cinco Ordens habituais da arquitetura (toscana, dórica, jônica, corínthia
e compósita), os costumes de plantas e fachadas, portas, pórticos e arcos triunfais, a
centralidade de cúpulas, abóbadas e zimbórios, a solenidade de percursos e caminhos axiais
etc. Correspondentes a cada um daqueles gêneros, haveria lugares ou tópicas especiais,
ou próprias, como, por exemplo, na arquitetura militar, as plantas poligonais de cidadelas e
forticações, baluartes e ameias, o arsenal de artifícios e engenhos para defesa e ataque das
praças etc.; ou as tópicas fundamentalmente especiais da arquitetura religiosa: o altar e o
retábulo como representações de Cristo, lugar simbólico do banquete eucarístico, a planta em
28
“A memória articial constitui-se de lugares e imagens. Chamo lugar aquilo que foi encerrado pelo ho-
mem ou pela natureza num espaço pequeno inteira e distintamente, de modo que possamos facilmente
percebê-lo e abarcá-lo com a memória natural: como uma casa, um vão entre colunas, um canto, um
arco e coisas semelhantes. Já as imagens são determinadas formas, marcas ou simulacros das coisas
que desejamos lembrar. Por exemplo, se queremos guardar na memória um cavalo, um leão ou uma
águia, será preciso dispor suas imagens em lugares determinados”. RETÓRICA A HERÊNIO. Trad. e
intr. de Ana Paula Celestino Faria e Adriana Seabra. São Paulo: Hedra, 2005. L. III, § 29, p. 183.
29
Cf. BARTHES, Roland. La retorica antica; alle origini del linguagio letterario e delle tecniche di comu-
nicazione. Milano: Bompiani, 2000, p. 42-43; 47-48; 74-82.
30
O professor João Adolfo Hansen vem defendendo há alguns anos a homologia entre os procedimen-
tos e preceitos das diversas artes, pintura, escultura, retórica, poesia, arquitetura etc. Vale ressaltar que
se fala, aqui, em relações de homologia, e não de identidade ou igualdade. Cf. sobretudo HANSEN,
João Adolfo. Artes seiscentistas e teologia política, p. 180-189, e também HANSEN, João Adolfo. Ler
& ver: pressupostos da representação colonial, donde cito (p. 76): “Para reconstituir os sistemas que
regulavam as representações discursivas e plásticas no século XVII, é útil estabelecer homologias
entre elas e outras práticas letradas e não-letradas não-ccionais, contemporâneas e anteriores, como
os discursos das Câmaras municipais, atas e cartas, regimentos de Governadores; ordens-régias [...];
tratados de Direito Canônico e textos apologéticos, como a Ragion di Stato, de Giovanni Botero, ou
a Defensio Fidei, de Francisco Suarez, os “espelhos de príncipe” e inúmeros outros. As homologias
funcionam como unidades de tópicas hierárquicas representadas em registros discursivos e plásticos
diversos. Por meio das homologias estabelecidas entre os vários discursos e as representações plásti-
cas, os vários meio materiais e institucionais e os vários modelos aplicados, é possível denir uma for-
ma mentis especíca do absolutismo católico português do século XVII. Ela é aristotélica e neo-esco-
lástica, devendo ter suas operações especicadas na colônia, onde evidentemente sofre adaptações”.
49
cruz latina, remissiva ao trono triunfal de Deus etc. O que os tratados de arquitetura daquele
tempo mais fazem, ao recolher, ilustrar e comentar inumeráveis exemplos de plantas antigas,
frontispícios, portas, ordens e ornatos, proporções e usos, é repropor, continuamente, a
autoridade desses usos, costumes e lugares comuns e especiais da arquitetura, oferecendo,
por vezes, emulações engenhosas que poderiam proporcionar novas autoridades.
Seria uma nalidade do engenho escolher ou inventar decorosamente esses lugares ou
tópicas da arquitetura, adequando-as às circunstâncias especícas e nalidades da fábrica.
O conceito de engenho está presente em todos os tratados de arquitetura desse tempo, e
obviamente também nos de pintura, retórica, poética etc.; seja diretamente, em denições
formais, ou indiretamente, aplicado no tratamento das matérias especícas da arte.
De um modo geral, o engenho era uma capacidade do artíce em, primeiramente,
penetrar com perspicácia as matérias da invenção, para depois, com versatilidade, aliá-
las decorosamente na produção, criando efeitos convenientes de agudeza e maravilha
31
.
Quanto mais surpreendente a relação entre as matérias, quanto mais distantes os conceitos
aproximados, quanto mais difícil o desempenho em desvelar as correspondências da forma,
mais aguda a obra e engenhoso o seu artíce. Na arquitetura, além de auxiliar na invenção
ou escolha das tópicas mais apropriadas da arte, o engenho do arquiteto deveria analisar
com perspicácia as circunstâncias relativas ao edifício: o sítio de implantação, os materiais
e costumes construtivos, o caráter requerido, os usos e destinações etc., para proporcionar,
então, com versatilidade, os aspectos da fábrica, planta, elevação, disposição de cômodos
e ornatos, com todas as virtudes capazes de satisfazer as nalidades da obra. O engenho
poderia ainda variar ou emular esses lugares autorizados, proporcionando efeitos de
novidade e maravilha à discrição da recepção que os reconhecia.
É essa “agudeza do engenho” que o frei Ignácio da Piedade Vasconcelos arma existir nos
portugueses, não inferior a que adorna os artíces das demais “nações”. A excelência legitima
a redação sistemática do tratado, como se no Prólogo de seus Artefactos Symmetríacos
tratado dedicado em 1734 à Sereníssima Rainha D. Marianna de Austria
32
. A faculdade
31
Cf. HANSEN, João Adolfo. Juízo e engenho em preceptivas poéticas do século XVIII.
32
“Leitor curioso, quem quer que sejas, ou bem, ou mal intencionado, confessote, que nenhuma outra
cousa me obrigou a sahir com este Livro à publica luz do Mundo, mais que o amor da Patria, para a
50
é elogiada também por Emanuele Tesauro em seu importante tratado Il cannocchiale
aristotelico, de 1670. Consideravam-se “engenheiros” os arquitetos assim denominados pela
engenhosidade e sutileza de suas obras evidentes pela coerência da invenção, pela graça
e delicadeza das metáforas pétreas ou talhadas, bem como pela precisão de suas armas
militares:
O engenho natural é uma maravilhosa força do intelecto, que compreende
dois naturais talentos: perspicuidade e versatilidade. [...] entre os antigos ló-
sofos, alguns chamaram o engenho partícula da mente divina e outros, dom
enviado por Deus aos seus prediletos. [...] Mas porque alguns fazem com que
a glória do engenho preceda todos os bens da fortuna, digo que os homens
mais engenhosos obtêm da natureza maior aptidão para as agudezas; aliás
tanto vale o termo “arguto” quanto “engenhoso”. Isso transparece muito cla-
ramente na pintura e na escultura: pois os que sabem imitar perfeitamente a
simetria dos corpos naturais são chamados peritos artesãos; mas somente
aqueles que pintam agudamente são chamados engenhosos. [...] Nenhuma
pintura, portanto nenhuma escultura, merece o glorioso título de engenhosa
se não for aguda e o mesmo digo eu da arquitetura, cujos estudiosos são
chamados engenheiros por causa da sutileza de suas engenhosas obras.
Isso aparece em tantos caprichos [bizzarrie] de ornatos vagamente gracejan-
tes nas fachadas de suntuosos edifícios: capitéis folheados, arabescos de fri-
sos, tríglifos, métopas, mascarões, cariátides, modilhões, todos ele metáforas
de pedra e símbolos mudos que acrescentam delicadeza à obra e mistério
à delicadeza. Não menos agudamente são fabricadas as armas de ataque e
defesa na arquitetura militar. Dragões sibilantes em trajetórias aéreas, insíg-
nias; tartarugas animadas por corpos humanos com escamas de escudos,
aríetes arremetendo muros com retorcidos cornos de bronze, porcos-espi-
nhos, escorpiões, lírios, cegonhas: todos metáforas engenhosas, mas cruéis
e mortais. Mas isso é nada em comparação com algumas agudezas dos no-
commua utilidade da nação Portugueza; porque sabendo, que todas as naçoens estrangeiras tem dado
ao prelo volumes das principaes materias de que este trata, (ainda que naõ tantos, como os que há de
outras) insinuando aquelles pelas regras mais conformes, que pertencem a semelhantes Artes, nelas
sahiraõ com as doutrinas dos Mestres, que escreveraõ, admiraveis Artices. E porque tambem vejo,
que naõ sendo os nossos Portuguezes na agudeza do engenho inferiores aos mais, para articiarem
com toda a perfeiçaõ as obras, que se lhe offerecerem, tendo livros na lingua materna, por onde façaõ
estudo da perfeita Symmetria dos corpos humanos, das medidas Geometricas, e das proporçoens mais
bem ajustadas, me determiney zeloso, a pôr por obra aquillo, a que outros estariaõ mais obrigados pe-
las suas publicas prossoens; e como a força do meu genio me arrastou sempre o gosto à inclinaçaõ
destas Artes, razaõ tivera eu para ser hum dos mais queixosos contra o descuido dos nossos naturaes,
pois não achava, para estudar estas materias, livro algum Portuguez, que dellas tratasse com funda-
mento, e diffusaõ”. VASCONCELLOS, Ignacio da Piedade. Artefactos Symmetriacos, e Geometricos,
advertidos, e descobertos pela industriosa perfeiçaõ das Artes, Esculturaria, Architectonica, e da Pin-
tura. Com certos fundamentos, e regras infalliveis para a Symmetria dos corpos humanos, Escultura, e
Pintura dos Deoses fabulosos, e noticia de suas propriedades, para as cinco ordens de Architectura, e
suas guras geometricas, e para alguns novos, e curiosissimos Artefactos de grandes utilidades. Offe-
recidos á Serenissima Senhora D. Marianna de Austria, Rainha de Portugal, Repartidos neste volume
em quatro livros, pelo Padre Ignacio da Piedade Vasconcellos, Conego secular de S. Joam Euangelis-
ta, neste Reyno de Portugal, e Prégador nesta Congregação, natural de Santarem. Dados Á estampa
pelo Reverendissimo Padre Antonio da Anunciaçam da Costa, Conego da mesma Congegaçaõ. Lisboa
Occidental, na ofcina de Joseph Antonio da Sylva, Impressor da Academia Real. MDCCXXXIII. Com
todas as licenças necessaria. “Prologo a quem ler”, . [i]” (grifo nosso). (BNP cota BA 237v. Microlme
F. 1945)
51
bres arquitetos, que enciumaram a natureza. Tal foi a do pórtico Olímpio, o
qual, devendo ser consagrado às sete artes liberais, foi harmonizado com tal
engenho que, se tivesse declamado um poema, o próprio poema voltaria a ti
a partir daquelas gargantas marmóreas [...].
33
1.2 O decoro e a arquitetura religiosa
Conquanto tenha sido sempre um preceito nuclear das artes, no gênero especíco da arte
religiosa, e principalmente após o Concílio de Trento, o decoro assumiu uma responsabilidade
sobrelevada, movida pelas controvérsias dogmáticas deagradas com a reforma protestante.
Por parte da Igreja católica, era preciso defender especialmente dois aspectos: 1º) a legitimi-
dade do uso e veneração das imagens, e 2º) a magnicência e o aparato exterior dos templos.
Para ambos os problemas, o decoro foi, indubitavelmente, uma das grandes autoridades de
que se valeram clérigos, doutores, artistas e arquitetos. O preceito deveria constituir, pois,
para o estudioso, crítico ou historiador das artes desse tempo, uma categoria praticamente
irrevogável. Todavia, a historiograa do preceito não tem considerado com justiça essa impor-
tância. Salvo raríssimas exceções, os anacronismos e a ausência de distanciamento histórico
o têm contemplado como um vilão moralizante das artes após o século XVI.
Na segunda metade desse século, intensicadas as reações católicas contra o avanço do
protestantismo, a doutrina do decoro foi utilizada com freqüência para legitimar a decência
dos lugares sagrados ou então para reclamar a falta dela, sobretudo nas imagens religiosas. A
última sessão do Concílio de Trento, em 3 de dezembro de 1563, resultada no Decreto de n.°
XXV, determinou uma série de regulações efetivas, sobretudo quanto às imagens, escultura
e pintura, alvos recorrentes dos ataques protestantes contra a idolatria. Não seria permitida
licença alguma que pudesse comprometer o decoro relativo à dignidade santa e honoríca
que as imagens representavam, licença alguma que insinuasse falta de correspondência
praticamente literal com as Sagradas Escrituras ou que movessem os éis a apetites e
paixões inadequados à contrição de fé: torpeza, obscenidade, nudez inconveniente, lascívia.
Resguardada a decência da arte religiosa, a estrita verossimilhança das imagens e o esplen-
dor conveniente da arquitetura (com ordem, aptidão, honestidade e ornato “correspondentes
à casa de Deus”), o Decreto assegurava ecácias importantes. Deste modo a arte satisfeita,
33
TESAURO, Emanuele. “Argúcias Humanas” (Excerto de Il cannocchiale aristotelico, 1670). Trad. de
Gabriella Cipollini e João Adolfo Hansen. Revista do IFAC. Ouro Preto: IFAC/UFOP, n. 4, dez. 1997, p.
4. Três eram os tipos de engenho: o natural, o exercitado e o furioso.
52
estariam colocados “diante dos olhos dos éis” os “milagres que Deus efetuou através dos
santos” e outros exemplos capazes de conduzir (movere) os homens a ordenar suas vidas
conforme santicada imitação, e pudessem ser “excitados”, sim, à “adoração, ao amor de
Deus e a cultivar a piedade”
34
.
As críticas lançadas a artistas consagrados no nal do século XVI, como Michelangelo, Ca-
ravaggio, Ticiano, Veronese e outros, que supostamente teriam contrafeito algumas dessas
determinações, ou inserido licenças consideradas inadequadas, adquiriram destaque na his-
toriograa das artes. Não preciso reativar aqui essas polêmicas, dada a profusão de trabalhos
sobre elas publicados
35
. Limito-me a identicar que o decoro, por operar no cerne argumen-
tativo dessas polêmicas, ainda no século XVI, terminou pejorativamente compreendido, por
parte da crítica e da historiograa posterior, como um preceito moralizante da arte; e que teria
prejudicado, ou comprometido, segundo vários estudiosos, um processo digníssimo da cha-
mada Arte humanista ocidental iniciado no dito “Renascimento”.
Veja-se a introdução que fez o historiador Rensselaer Lee do capítulo V, sobre “O decoro”, em
seu famoso estudo sobre a teoria humanística do ut pictura poesis na pintura:
Por último, derivada de Horácio e muito relacionada com a sua denição
da nalidade da poesia, temos essa idéia de decoro, que domina tantas
páginas tediosas da crítica dos séculos XVI e XVII, e que, pelo menos
em parte, contribuiu para a expressão articiosa e formulária de um Le
Brun [...]. A respeito do decoro, (ou conveniência), palavra-chave na história
da crítica, se advertia ao pintor que, em sua arte, cada idade, cada sexo,
cada tipo humano devia exibir seu caráter representativo, e que tinha que
ser escrupuloso em dar a cada uma de suas guras o físico, gesto, porte e
expressão facial adequados
36
.
34
Cf. SACROSANTO, ECUMÉNICO Y GENERAL- CONCILIO DE TRENTO, SESION XXV (que es la
ix y última celebrada en tiempo del sumo pontíce pío iv, principiada el día 3, y acabada en el 4 de di-
ciembre de 1563). Decreto sobre el Purgatorio. La invocación, veneración y reliquias de los santos, y de
las sagradas imágenes. Disponível em: <http://www.mercaba.org/CONCILIOS/trento13.htm>. Acesso
em: 05 nov. 2006.
35
Cf. sobretudo BLUNT, Anthony. O Concílio de Trento e a arte religiosa. In: ___. Teoria artística na Itália
1450-1600. Trad. de João Moura Jr. São Paulo: Cosac & Naify, 2001. p. 142-181; LEE, Rensselaer W.
Ut pictura poesis: la teoría humanística de la pintura. Trad. de Consuelo Luca de Tena. Madrid: Cátedra,
1982; MÂLE, Emile. L’art religieux de la n du XVI siècle, du XVII siècle et du XVIII siècle; ètude sur
l’iconographye apres le Concile de Trente. Italie-France-Espagne-Flandres. Paris: Librarie Armand Co-
lin, 1951; BATTISTI, Eugenio. El conceto de imitación en el cinquecento italiano. In: ___. Renacimiento
y barroco. Madrid: Catedra. 1990. p. 124-150; DE MAIO, Romeo. Michelangelo e la controriforma.
Firenze: Sansoni, 1990.
36
LEE, Rensselaer W. Ut pictura poesis, p. 63. (grifo nosso).
53
Assim, “pelo menos em parte”, permite o historiador, o decoro contribuiu para ter existido
a teoria de um Le Brun. Rensselaer Lee introduz um entendimento bastante pejorativo do
preceito, pelo qual “essa idéia de decoro” teria tornado “tediosas” tantas páginas da crítica
dos séculos XVI e XVII. Lee se refere aqui às polêmicas presentes nos textos críticos de au-
tores como Paleoti, Dolce, Gilio da Fabriano e outros, nos quais o decoro foi utilizado como
argumento ajuizador da correção e da decência das pinturas religiosas dispostas em lugares
sacros. Seria preciso considerar melhor as circunstâncias da controvérsia sobre a idolatria,
no século XVI, a m de compreender o alcance das polêmicas coevas contra a indecência
das imagens. Mas não é o que aparece em Lee. A sua crítica contra o preceito é de tal modo
incisiva que ele confessa se surpreender que um artista como Leonardo (Da Vinci), que ele
admira nitidamente, tenha aconselhado os pintores a “observar o decoro”. Conclui, mais uma
vez negativamente, Rensselaer Lee: “não é fácil associar as implicações de conveniência e
formalidade que sugere o termo [decoro] com o agudo interesse de Leonardo pela innita
variedade da natureza”
37
; descurando a matéria primordial do preceito que considerava justa-
mente a possibilidade, ou já a excelência, de se poder representar toda essa innita varieda-
de, os objetos e os seres, em sua correta, característica e admirável distinção.
É preciso ressalvar que aqueles textos críticos do séc. XVI, de Paleoti
38
, Gilio e outros (FIG.
1), polemistas da decência ou estrita adequação da arte religiosa, representam um aspecto
importante da assimilação do decoro. Não abarcam, todavia, a abrangência e a totalidade
do desenvolvimento que o preceito teve em sua história, inclusive nos próprios séculos XVI
e XVII. O teor moralizante do decoro, segundo Lee, estaria presente em alguns versos da
Arte poética de Horácio, e teria sido fundamental para a formalização das críticas no nal do
século XVI. Além de servir à “representação adequada dos aspectos típicos da vida huma-
na”, o decoro também signicaria “conformidade com o decente e apropriado em relação ao
37
LEE, op. cit., p. 65. As críticas também são duramente lançadas a Horácio, cuja “notável inuência”
teria segundo Lee “o funesto resultado de encaminhar a teoria aristotélica da imitação pela via do
formalismo ou do didatismo”. Idem, Ibidem, p. 63.
38
PALEOTI. De imaginibvs sacris et profanibvs. Illvstriss. et Reverendiss. D. D. Gabrielis Palaeoti Car-
dinalis. Libri Qvinqve. Quibus multiplices earum abusus, iuxta sacrosancti Concilii Tridentini decreta,
deteguntur. Ac variae cautiones ad omnium generum picturas ex Christiana Disciplina restituendas,
proponuntur. Ad usum quidam Ecclesia suae Bononiensis scripti, caeterum bono omnium Ecclesiarm
nunc primum Latine editi. Cum Pontif. Max & Caesar. Maiest. Gratia e Priuilegio. Ingolstadii, Ex Ofcina
Typographica Davidis Sartoril Anno M.D.XCIV. (Exemplar pertencente atualmente à Biblioteca Romana
Sarti, da Accademia di San Lucca, Roma, Colloc. A-296-.r-. O frontispício tem anotação lateral do anti-
go proprietário, “Sanctus Benedictus”, que informa haver recebido o volume do próprio autor, Gabriele
Paleoti, em Roma, 2 de maio de 1596, ano mesmo da Publicação).
54
gosto, e sobretudo em relação à moralidade e à religião”
39
. Ao comentar Gilio da Fabriano,
um dos críticos mais severos do Juízo nal de Michelangelo, na Capela Sistina, Lee resume
a concepção do crítico: o decoro se identicaria, então, “não apenas com o correto sentido
de reverência que se deve aos mistérios da fé, mas também com a estrita observância da
verdade narrada na Escritura”
40
.
39
Cf. LEE, op cit., p. 66.
40
LEE, op. cit., p. 68. É neste sentido de conformidade irrevogável aos textos, sobretudo às sagradas
escrituras, no caso da arte religiosa, que Lee justica um dos argumentos do capítulo seguinte, sobre o
“pintor erudito”, para quem, portanto, conhecer os textos e as escrituras, “beneciaria o decoro”. Idem,
Ibidem, p. 70.
Figura 1 – Frontispício de De Imaginibus sacris, et profanis (1594), do Carde-
al Paleoti. Biblioteca Romana Sarti, Accademia di San Lucca, Roma. (Todas
as fotos são do autor, salvo referência de fonte)
55
A segunda parte da introdução de Lee ao capítulo sobre o decoro, supracitada em destaque,
apresenta outra conseqüência interessante para a história do preceito, presente não apenas
em seu texto, mas também no de outros estudiosos e comentaristas. Ao se consagrar prio-
ritariamente a idéia, aconselhada, sim, pelo decoro, que determinado físico, gesto, porte e
expressão facial adequados correspondem a certos tipos humanos, parece ter sido dedicada
ao preceito uma compreensão de teor privilegiadamente gurativo, pragmático e didático,
aplicada sobretudo à pintura e à escultura como advertência à correção iconográca das ima-
gens e cenas históricas. Contribuía também para isso a vetusta consagração do decoro como
preceito excelente da retórica e da poética, bem como a insistente comparação entre pintura
e poesia, estimulada pela própria Poética de Horácio
41
e bastante acirrada, também com o
sentido emulativo dos paragoni, do século XV até o nal do século XVIII
42
. Assim, e isto nos
interessa bastante, a consideração crítico-historiográca do decoro na arquitetura parece ter
cado prejudicada, ou pelo menos secundária, diante das recorrentes e polêmicas discussões
morais e pragmáticas acerca do preceito, ou da falta dele, na pintura e na escultura, notada-
mente a religiosa.
As denições do preceito privilegiadamente dedicadas à correção iconográca e gurativa
aparecem também nos comentários que apresentam publicações recentes de tratados de
arquitetura antigos. A compreensão histórica da doutrina tem sido prejudicada, assim, em
sua orientação mais abrangente e primordial, ou seja, a de requerer a materialização de uma
beleza adequada e conveniente, em vários aspectos evidente, tendo em vista a recepção
também cômoda e útil das várias partes da obra em relação ao todo, proporções, matéria, as-
sunto, circunstâncias, uso etc. Reconhecer essa denição mais abrangente é indispensável,
vale ressaltar, para o tratamento da arquitetura. Bem certo que a terminação prática dessa
orientação geral do decoro uma sorte de luz, beleza ou formosura, esplendor conveniente
que agrada, instrui e comove por ser digno e característico daquilo que acomoda e represen-
ta em aparência acabaria culminando, normativamente, na correção objetiva das formas,
proporções e guras. Mas sem a consideração histórica de uma compreensão mais abran-
41
A origem da comparação entre poesia e pintura, ainda sem o peso da competitiva aemulatio retórica
(consagrada, entre outros, nos escritos de Leonardo), é atribuída por Plutarco a Simônides de Cós, no
De Gloria Atheniensium. Teria sido deste ilustre orador grego a famosa sentença: “A pintura é poesia
muda; a poesia uma pintura falante”. Cf. YATES, Francis. El arte de la memoria, p. 13-41.
42
Cf. SELIGMANN-SILVA. Márcio. Introdução/Intradução: Mimesis, tradução, enargéia e a tradição do
ut pictura poesis. In: LESSING. Laocoonte, ou sobre as fronteiras da pintura e da poesia. Introdução,
tradução e notas de Seligmann-Silva. São Paulo: Iluminuras, 1988, p. 7-72, bem como a própria obra
de Lessing, que procura situar rigorosamente os limites da histórica comparação. O estudo é enriqueci-
do pelas notas de Seligmann-Silva, num apanhado problematizado das discussões em torno do tema.
56
gente, a doutrina se resume a um conjunto de regras formais e iconográcas para aplicação
estritamente direta e positiva. Além de restringir o seu entendimento, esta aplicação de tipos e
fórmulas preestabelecidas compromete também, por conseqüência, sua consideração crítica
e historiográca a artes não estritamente gurativas. Um exemplo claro é mesmo a arquitetura
(e também a música), em que caracteres, artifícios, efeitos e afetos se manifestam, para além
dos ornatos gurativos nela dispostos, através de proporções, elementos e conceitos não
gurativos, como a “magnicência”, a “grandeza”, a “riqueza”, a “majestade” etc., freqüentes
nas condições
43
redigidas para a fábrica da arquitetura religiosa em Minas Gerais.
Veja-se por exemplo o comentário de Elena Isabel Estrada de Gerlero ao decoro na Nota
preliminar da edição castelhana do tratado de arquitetura e ornamentação de Carlos Borro-
meu, sem dúvida a fonte eclesiástica mais importante do período para o decoro da arte. Elena
adverte que duas “teorias” contidas no decreto de Trento foram “de vital importância para o
desenvolvimento da arte pós-tridentina”, o decoro e a decência:
pela primeira [decoro] se entende a aplicação de uma iconograa tradicio-
nalmente autorizada, para a clara identicação das imagens e cenas histo-
riadas, sem intromissão do supéruo, além de um estrito rigor no tratamento
dos diversos temas em relação à sua localização dentro do recinto sagrado;
pela segunda [decência], a eliminação de todo vestígio do profano, ou seja,
todas aquelas reminiscências da arte greco-romana que poderiam redundar,
não apenas em falsas interpretações, mas em transgressões conscientes ou
inconscientes, por parte do espectador
44
.
O decoro cou resumido à aplicação correta, justa e rigorosa de uma iconograa autorizada
aplicada às imagens e cenas. Adiante, dentro da mesma Nota, Elena quis ampliar a deni-
ção
45
, ao reconhecer aspectos eminentemente arquitetônicos que satisfariam ao decoro do
templo religioso, como por exemplo: a necessidade que teria sido muito importante, salienta
43
“Condições”, ou “apontamentos”, constituíam verdadeiros memoriais de construção da época. Acom-
panhavam sempre os “riscos”, nome que se dava aos desenhos inventados para a execução das
fábricas. Nas condições, especicavam-se materiais, técnicas, proporções, procedimentos, preceitos,
prazos de execução das obras e pagamentos. O arrematante das obras recebia os riscos e condições,
e através desses se lavravam escrituras de obrigação que procuravam assegurar direitos e deveres de
ambas as partes.
44
ESTRADA DE GERLERO, Elena Isabel. Nota preliminar. In: BORROMEO, Carlos. Instructiones fabri-
cae et supellectilis ecclesiasticae, 1577, p. XIX-XX.
45
Lee também tentou ampliar a denição de decoro, no capítulo exatamente posterior ao dedicado ao
próprio decoro, relativo ao “pintor erudito”. Assim, escreve, “entendido amplamente” [o decoro seria
uma] observância de certa propriedade no tratamento de qualquer tema sério ou nobre, em benefício
da verdade representativa e, num sentido ou outro, da decência e das boas maneiras”. A culminação-
repousa na verossimilhança, entendida por Lee como uma “verdade representativa”, mas a ampliação
do entendimento não é tão abrangente assim. Cf. LEE, op. cit., p. 73-74.
57
Elena, no chamado “barroco” – de haver outras capelas nas laterais da igreja, além de outros
aspectos, de teor sempre prático, didático, objetivo, como a existência de degraus e balaús-
tres que serviriam à separação e à distinção hierárquica entre lugares do templo:
O decoro encontra expressão adequada, dentro da igreja mesma, na forma
em que se acentua a separação do clero e dos éis, não apenas através do
uso de balaústres e cancelas entre as capelas e a nave [evitando-se que
entrassem cães], mas também na diferença de alturas no pavimento das
mesmas, de modo que a altura deste na capela-mor estará também direta-
mente em relação com a dignidade da igreja: seja ela episcopal, colegial ou
paroquial.
Elena procura ampliar a denição, anteriormente gurativa e iconográca, para aspectos for-
mais, elementares e espaciais também da arquitetura, mantendo, todavia, a praticidade de
sua satisfação, conforme teria desenvolvido o próprio Borromeu em seu tratado. Essa de-
nição, por assim dizer, didática, prática, resumida, convém ao decoro, mas não o abarca
totalmente. Por outro lado, também poderia ser útil pensar que esses aspectos objetivos,
construtivos, formais, presentes no senso comum ou recomendados nos tratados de arquite-
tura um degrau, por exemplo, que, como se viu, deveria distinguir convenientemente o nível
da capela-mor dos outros lugares da igreja constituíssem legítimos atributos decorosos de
beleza. O degrau, então, seria também uma espécie de ornamento, decorosamente belo e
adequado, por representar uma distinção hierárquica que convenientemente evidenciava a
dignidade de um membro ou lugar em relação ao corpo todo da arquitetura
46
.
Todavia, o preceito representa mais do que objetivamente se revela aí, em alguns tratados e
em algumas discussões de época, talvez porque aspectos importantes dessa compreensão,
46
Cf. BORROMEO, Carlos. Instructiones fabricae et supellectilis ecclesiasticae. L. I: X. De Cappella
Maiori, p. 15: “Seu pavimento [da capela-mor] se construa mais alto que o piso da Igreja, segundo a
situação do lugar e igualmente segundo o tipo de Igreja; se for paroquial, no mínimo oito polegadas
mais alto, ou um codo, no máximo; se for colegial ou catedral, ou insigne paroquial, certamente, que
esta altura não seja menor que um codo [...]” [un codo=42 cm]; p. 16: “Para a subida à capela mor se
façam degraus com mármore ou pedra sólida [...] e os mesmos em número ímpar, quer dizer, em três
ou cinco ou mais, em proporção à altura. Que a altura de cada uma delas não seja maior que oito po-
legadas, que a largura não seja menor que dezesseis, mas não maior que um codo”; A distância dos
degraus também deveria observar “o decoro”, como se na regulação do altar-mor: De Altari maiori,
p. 17: “[...] que o plano e os degraus da capela sejam ou se repartam de tal sorte que sobressaindo da
capela mesmo e por fora algo proeminentes com decoro, ofereçam forma de octógono ou hexágono”;
um dos artigos foi dedicado exclusivamente aos “degraus do altar mor” De gradibus altaris maioris
que deveriam ser feitos “com decoro segundo a magnitude do espaço”; os degraus do corpo do altar-
mor deveriam ser “confeccionados decorosamente” (decore confectis), de modo a assegurar, também
através de outros adornos religiosos, como anjos e outras sustentações, a rmeza (rmitudinem) do
tabernáculo. Cf. De tabernaculo sanctissimae eucharistiae, p. 19; “o pavimento das capelas menores
[laterais] deve[ia] construir-se oito polegadas mais alto que o solo da igreja” , resultando em no mínimo
“um degrau para subida à capela”. Cf. XIV: De capellis et altaribus minoribus, p. 24-25.
58
abrangente e geral, cunhada ainda na antiguidade e consolidada na longa e descontínua
duração da retórica das artes, estivessem presentes no senso comum dos que os liam. Um
argumento interessante para a conrmação dessa hipótese pode ser vericado na análise da
própria redação do tratado de Carlos Borromeu, importante a mais por ter sido o único que
estendeu quase que literalmente as regulações tridentinas à arquitetura
47
. Embora o preceito
justique e opere em toda a redação do tratado, não é denido, tampouco didaticamente, em
nenhuma passagem do texto.
A ausência de uma denição formal pode evidenciar que Borromeu estava consciente de que
seria compreendido ao se referir simplesmente ao decoro ou ao modo decoroso com que
deveriam ser concebidas, implantadas, dispostas e ornadas as igrejas e capelas. Ao se exa-
minar o tratado na sua redação princeps, procurando analisar o uso do termo e seus cognatos
latinos na orientação de operações artísticas decorosas, chega-se à conclusão de que Carlos
Borromeu utilizou o termo, na grande maioria das vezes, com a função de adjunto adverbial,
advérbio ou adjetivo. Concentrando-me estritamente no uso dos termos “decor”, “decorum” e
suas declinações, z uma estatística de seus usos, o que esclarece bem a hipótese acima.
Na imensa maioria das vezes, os termos aparecem no caso ablativo (vinte e duas vezes
84.6 %), algumas poucas no genitivo ou no dativo (duas vezes – 7.6 %) e no acusativo (uma
vez – 3.8 %), e nunca no nominativo (este com o qual ele poderia estar sujeito a uma deni-
ção formal). Ora, o caso ablativo, na língua latina, denota uma função adverbial qualicativa
constituindo mecanismos de expressão de lugar, tempo e, principalmente, para a nossa
questão, de modo ou instrumento com os quais são realizadas as ações
48
. Exemplico com
algumas passagens
49
:
- “... extrinsecus pingatur aut sculpatur decore religioseque imago beatissi-
47
Além das regulações de outros concílios da Igreja, como os de Cartagine, Vaison e Agde, Car-
los Borromeu localizou suas fontes principalmente em Santo Ambrósio, São Jerônimo, São Crisósto-
mo, Paulino da Nola, Baronio e Paleoti. Cf. SHOFIELD, Richard. Architettura, dottrina e magnicenza
nell’architettura ecclesiastica dell’età di Carlo e Federico Borromeo, p. 125-250.
48
Cf. MAFRA, Johnny José. Minerva; lições de morfossintaxe latina. Belo Horizonte: Puc-Minas, edição
do autor, 2006, p. 43; 109-113 (Texto gentilmente cedido pelo autor).
49
Muitas vezes, a referência ao decoro no tratado de Carlos Borromeu acontece sem o uso do termo
direto especíco – decor. Ela acontece também através de termos cognatos aptum, decens, dignum,
accommodatum etc. –; também através do verbo da ação (decere, convenire), modos indicativo e
passivo, e particípios; quando o sentido dos argumentos indica conveniência e adequação de usos e
proporções ou quando o autor regula disposições e técnicas adequadas. Para uma análise, por assim
dizer, sintática, e para a seleção de exemplos, priorizei passagens em que aparece o termo “decor”, já
que suas ocorrências, didaticamente ilustrativas, seriam sucientes para uma amostragem estatística
bem delimitada.
59
mae Mariae Virginis”.
- “... por fora, se pinte ou se esculpa com decoro e religiosamente a imagem
da beatíssima virgem Maria...”. (p. 8: decore – ablativo singular de decor)
- Cappella haec fornicata sit; musivo praeterea opere, aut alia illustri pictu-
rae structuraeve specie, pro ecclesiae, quae aedicatur, ratione ac dignitate,
decore ornata”
- Que esta capela [mor] seja abobadada; e além disso ornada com decoro
através de obra de mosaico ou outra imagem de pintura ou estrutura ilustre,
conforme a conveniência e a dignidade da igreja que é edicada”.
(p. 15: ratione, dignitate, decoretrês ablativos seguidos para qualicar con-
venientemente a fábrica e a ornamentação da capela-mor, o lugar de mais
alta hierarquia da igreja)
- “…ubi decore pro spatii ratione eri possit.”
- “…onde se possa fazer com decoro conforme a razão [proporção] do espa-
ço.”
(p. 17: decore – ablativo)
- “Sub ipso autem cappellae maioris fornicato arcu, in omnia ecclesia, prae-
sertim parochiali, crucis et Christi Domini in ea afxi imago, ligno aliove gene-
re, pie decoreque expressa, proponatur apteque colocetur.”
- “Além disso, sob o mesmo arco abobadado da capela-mor, em toda igreja,
principalmente paroquial, que se exponha e se coloque convenientemente
(apte) a imagem da cruz e de Cristo Senhor nela xado, expressa com pieda-
de e decoro, em madeira de qualquer gênero”.
(p. 18: pie decoreque – ablativos)
- “... decore confectis...”
- “... feito com decoro...”
(p. 19: decore – ablativo)
- “... capella et altare decore apteque exaedicari possit...”
- “... a capela e o altar possam ser construídos com decoro e aptidão...”
(p. 21: decore apteque – ablativos)
Os termos aparecem sempre como qualicadores das ações e operações construtivas. As
passagens relativas ao tabernáculo da Santíssima Eucaristia (De tabernaculo sanctissimae
eucharistiaep.18-20) são as mais detalhadas e recomendadas em termos de decoro, digni-
dade, preciosidade e veneração. Praticamente todo o texto é uma redação contínua de modos
e qualidades decorosas, veneráveis, dignas, acomodadas, pias, polidas, aptas, religiosas,
preciosas etc., termos todos, estes, que comparecem justicando e qualicando um dos luga-
res mais importantes na hierarquia arquitetônica e simbólica da igreja.
O decoro teve outro tipo de abordagem no tratado de Federico Borromeu (1564-1631), citado
na epígrafe deste capítulo. O preceito é formalmente denido, e constitui o próprio título e o
assunto integral do primeiro capítulo do tratado De pictura sacra libri duo, de 1625
50
. Este foi
50
No tratado de Carlos Borromeu o termo mais utilizado é decor, oris, declinação, com ablativos
60
dividido em duas partes, conforme enuncia no proêmio: Libri argumentum, et ordo (Argumento
do livro e disposição). Na primeira, o sobrinho de Carlos Borromeu trata dos preceitos compe-
tentes à arte da pintura, dentro da qual, e superlativamente importante, o decoro; na segunda
parte, ele o aplica, orientando o modo com que os “pintores e escultores sacros” pudessem
ser ensinados a “exprimir os mistérios de nossa e imagens de santos”. Esses artistas deve-
riam sempre observar o “decreto do sacro concílio tridentino, em que foi ordenado aos bispos
traduzir para o povo os mistérios da fé e as histórias sacras não apenas em palavra, mas em
imagem”
51
. O decoro é desenvolvido, então, em várias páginas do primeiro capítulo, tanto nos
sentidos da matéria quanto na importância em fundamentar a fábrica da arte religiosa pós-
tridentina
52
. Para autorizar o uso, Federico exaltou a dignidade com que os antigos o teceram,
quando então se tornara o “primeiro e mais importante preceito” (primum potissimunque
praeceptum) do engenho artístico:
Nos costumes dos homens, e acima de tudo no que agrada a contemplação
dos sentidos, procura-se principalmente aquilo que se chama decoro. Um
certo esplendor e luz, ou beleza que existe em cada movimento e ação, com
cujo esplendor e formosura a alma iluminada se renova; e ainda um encanto
e deleite, como que inerente a todas as coisas, as quais com alguma beleza
e graça feitas, desse modo levado pela arte e inserido nas imagens dessas
mesmas coisas pelas artes de tinta e pedra que de um modo ou de outro
representa imitando as ações humanas. Em nada a beleza dessas difere
daquela beleza natural e viva [...]. Foi o primeiro e mais importante preceito
dessas nobilíssimas artes antigas [...]
53
.
Segundo Federico, o decoro não apenas pressupõe, como se disse, mas também faz parte
do costume dos homens; é um habito, por assim dizer, inerente ou natural; é meio, mas tam-
bém nalidade, em tudo o que se faz para agradar os sentidos. O idealizador da importante
Pinacoteca Ambrosiana de Milão
54
ativou sinônimos importantes que consagraram o sentido
singular e plural, respectivamente, decore, decoribus. no de Federico, o termo é decorum, i, 2ª de-
clinação, ablativos decoro, decorum.
51
BORROMEU, Federico. De pictura sacra libri duo, p. 3-4. O trecho é quase que literalmente uma
cópia do Decreto n. XXV do Concílio Tridentino.
52
Na interessante seleção de trechos de tratados do chamado “Barroco”, o trecho selecionado do trata-
do de Federico Borromeu foi justamente aquele em que havia a apropriação do mesmo para uma dis-
cussão moralizante da decência, não sendo comentado o primeiro capítulo dedicado ao termo, que o
desenvolve de forma bem mais abrangente. Cf. BORROMEO, Federico. Tratado de la pintura sagrada.
In: Barroco en Europa. (org. Fernandez Arenas, José e Bassegoda i Hugas, Bonaventura). Barcelona:
Gustavo Gili, 1983, p. 146-151. (Fuentes y documentos para la historia del arte).
53
BORROMEU, Federico. De pictura sacra libri duo, p. 4-5.
54
A Pinacoteca Ambrosiana desempenhou uma função especial no programa pós-tridentino de reforma
das artes elaborado por Federico Borromeu, uma resposta única ao chamamento do Concílio de Trento
para o “uso das imagens”. A coleção de obras começou em 1593, mas o evento fundamental foi a funda-
61
atributivo do preceito. Assim, o decoro aparece como uma espécie de maravilha, luz, es-
plendor e formosura, qualidade inerente a todas as coisas feitas com graça e beleza, o que
proporciona encanto e deleite.
Um preceito passível de interpretação. Não quero armar, contudo, que o decoro possuía
uma compreensão única, uniforme, abrangente e conclusiva em todos os tratadistas, clérigos
e artistas dos séculos XVI, XVII e XVIII; seria ingenuidade supô-lo
55
. Os termos e categorias
ans se adaptavam semanticamente às circunstâncias de tempo e lugar, conformados às na-
lidades da arte, ao discernimento e ao gosto. Na sua consideração, o decoro era um preceito
passível de juízo e interpretação, sob muitas aberturas e ênfases também circunstanciais;
variações que compreendiam inclusive o próprio tratamento prático que o artista dava a um
tema tendo em mente o que fosse mais conveniente segundo gênero, estilo, caráter, dispo-
sição da obra em relação ao lugar etc.
56
Assim, por mais paradoxal que possa parecer, sob
dois juízos diversos, uma mesma obra poderia ser defendida ou acusada, de guardar ou de
quebrar o decoro.
Um exemplo dessa propriedade, por assim dizer, hermenêutica do conceito é ativado por
Rensselaer Lee, no rápido comentário à defesa que Le Brun fez do quadro de Nicolas Pous-
sin, Eliezer e Rebeca (1648), hoje no Museu do Louvre. O pintor havia sido acusado por
Philippe de Champaigne de haver “transgredido a verdade” da “narração bíblica”
57
, um juízo
diretamente relacionado à verossimilhança
58
e ao decoro. Na pintura, Poussin gura o en-
ção, em 1607, da Biblioteca Ambrosiana, uma livraria que não era exclusiva de um príncipe ou prelado
mas aberta ao público. Borromeu doou sua coleção particular de quadros, desenhos e estampas em 28
abr. 1618, colocada em separado da Biblioteca, num espaço projetado pelo arquiteto Fabio Mangone.
Nascia a Pinacoteca. Federico foi o primeiro cardeal protetor da importante Academia de São Lucas,
idealizada em 1593 por Federico Zucari. Cf. RAVASI, Gianfranco. La Pinacoteca Ambrosiana (intr.). In:
ROSSI, Marco; Rovetta, Alessandro. La pinacoteca Ambrosiana. Milano: Electa, 1998, p. 7-19.
55
Battisti adverte como até mesmo o próprio movimento denominado “Contra-reforma” não foi unitário
em regiões da Itália. Cf. BATTISTI, El concepto de imitación en el cinquecento italiano, p. 148-149.
56
Vale lembrar, aqui, de uma prescrição básica do preceito, assinalada pelo professor João Adolfo Han-
sen em suas “Notas de aula” apresentadas nos cursos da USP e na especialização em Cultura e Arte
Barroca do IFAC/UFOP: O decoro é diferencial”, ou seja, “aplicável segundo o gênero da obra e a cir-
cunstância de sua recepção”. Cf. HANSEN, João Adolfo. Decoro/Verossimilhança, p. 2 (grifo do autor).
57
Cf. LEE, op. cit., p. 61.
58
Freqüentemente aplicada nos âmbitos da poética e da retórica, da pintura e da escultura, a verossi-
milhança costuma ser entendida como o que seja semelhante à verdade. Porém, seria melhor compre-
endê-la relativa ao provável, ao plausível, ao coerente, na esteira da retórica aristotélica, adequando-se
não à suposta verdade empírica dos fatos, mas antes à opinião consagrada sobre o assunto ou ao
mais provável de se suceder. A noção tornou-se problemática devida ao costume de se traduzir o termo
grego eikós”, o “provável”, por veri similisao da letra, o que é “semelhante à verdade”. Como
62
contro de Eliezer, servo de Abraão, com Rebeca, futura mulher de Isaac (FIG. 2). A “verdade”
das Escrituras (Genesis, 24) narra a missão conada por Abraão a Eliezer: encontrar, na terra
de seus parentes, uma esposa digna do seu lho. O servo partiu com riquezas várias e uma
comitiva de dez camelos, até que chegaram ao lugar do encontro. Nas escrituras, Eliezer dei-
xou a comitiva descansando junto a um poço, próximo à cidade de Nacor, onde as mulheres
iam diariamente buscar água. Ali ele esperava encontrá-la. Na composição, no entanto, não
aparece nenhum camelo, motivo da acusação, e Le Brun defendeu Poussin sustentando que
ele havia demonstrado, por isso, “grande discernimento”, pois
ao prescindir do que era irrelevante do ponto de vista dramático, havia centra-
do a atenção do espectador no tema principal, o que não teria sido possível
com um montão de molestos camelos distraindo a vista. Ademais, uma cara-
vana inteira de camelos em tal tema havia sugerido uma mescla do cômico
com o grave, tão injusticada como uma mescla de modos contrários em
música. Por conseguinte, Poussin, ao suprimir os camelos, não só não havia
violado a verdade em nenhum aspecto importante, como seu quadro havia
ganhado em unidade e decoro.
Lee não acrescenta mais qualquer elemento à discussão, mas será útil prosseguir um pouco
mais na análise do quadro e das Escrituras. A questão dos camelos não era tão simples, ex-
salientaram Plebe e Emanuele, a responsabilidade pelo paradoxo coube à tradução latina da Rhetorica
ad Herennium. Cf. PLEBE, Armando; EMANUELE, Pietro. Manual de Retórica. Trad. de Eduardo Bran-
dão. São Paulo: Martins Fontes, 1992, p. 23.
Figura 2 – Eliezer e Rebeca (1648), Nicolas Poussin, Museu do Louvre, Paris
63
cluí-los ou não, por motivos de decoro, eloqüência ou estilo; e nesse assunto é curioso notar
a comparação estilística de Le Brun com a unidade modal na música e o caráter dela advindo.
Conforme as Escrituras, antes de chegar à terra natal de Abraão, onde haveria de encontrar
a mulher, Eliezer pede a Deus em oração que lhe ajude com um sinal a identicá-la. Aí está
a questão mais importante, na qual estão incluídos os animais; e que exigiu a interpretação
do artista, levando-o, segundo Le Brun, a privilegiar a dramaticidade do encontro humano em
detrimento das sutilezas “verídicas” da história. O sinal que Eliezer pede ao Deus de Abraão,
como conrmação de Sua bondade e evidência de estar correta a escolha, seria a mulher se
dispor a fornecer água não apenas para saciar a sede dele, Eliezer, mas também a de todos
os dez camelos. Este seria o sinal, amplicado no discurso das Escrituras – saciar a sede de
toda a comitiva! –, o que aumentaria, proporcionalmente, a grandeza e a dignidade da mu-
lher destinada a Isaac. Eis porque penso, contrariando Le Brun, que a guração dos animais
parecia decorosamente importante; necessária, até, do ponto de vista histórico e retórico, um
sinal irrefutável da presença divina na história bíblica que representava a pintura. A guração
representaria não o respeito à narratio bíblica, ou, segundo Lee, ao conceito teológico de
“verdade” contida nas Sagradas Escrituras, mas até mais do que isso: a evidente e reveladora
conrmação da intervenção divina na providencial escolha da mulher decisiva para o destino
do povo hebreu. Ademais, o pintor não precisaria inserir toda a comitiva de camelos, como ar-
gumentou Le Brun, a comprometer o gênero, o caráter ou a gravidade da pintura. Para sugerir
sua presença verossímil e decorosa, bastaria insinuar a presença dos animais ou de apenas
um deles, entre os elementos da composição. O tropo pictórico, aqui, seria a “metáfora da par-
te pelo todo”, como engenhosamente fez Timantes ao retratar o monstruoso Cíclope, tópica
do artifício comentado e consagrado por Emanuele Tesauro, Leon Battista Alberti, Plínio, o Ve-
lho, e outros. O ilustre pintor da antiguidade delineou apenas o pé do monstruoso ser, ao lado
de deuses sátiros que proporcionavam comparações com o tamanho de seu dedo polegar.
Qualquer um que visse o quadro não veria o gigante em toda a sua grandeza retratado, mas
poderia ter uma idéia de seu tamanho ao comparar uma parte de seu corpo, o dedo, propor-
cionada matematicamente ao pé e ao todo do corpo, com um elemento de medida conhecida,
um tirso de quatro palmos que carregava um dos deuses sátiros
59
. No tema que nos interessa,
59
O artifício é comentado ao nal do Livro primeiro de ALBERTI, Leon Battista. Da pintura (De Pictura,
1436). Campinas: Unicamp, 1989. L. I, § 18, p. 88; originalmente em PLÍNIO. Historia Naturalis, XXXV.
Tesauro também comentou o engenhoso artifício de Timantes, anunciando-o como uma “metáfora da
parte pelo todo” (“Metafora dalla parte dell tutto”). O pequeno sátiro possuía um tirso com o qual pro-
porcionava o tamanho do dedo polegar do do gigante. Se il pollice é lungo quanto um Tirso; Che
sarà tutto il corpo? Al certo, se il piede è lungo la settima parte del corpo: & il pollice è la settima parte
del piede: forza è Che quel corpo fosse quaranta-nove tirsi. Et essendo il Tirso quattro palmi: tutto il
corpo si estendeva cento-novantasei palmi”. Cf. TESAURO, Emanuele. Il cannocchiale aristotelico o sai
64
assim o zeram Carlo Maratti (c. 1655-7), Murilo (c. 1670), na composição em exposição no
Museu do Prado; Goya (c. 1767-1768), coleção particular, e Francesco Maggiotto (c. 1800),
em gravura pertencente ao acervo da Biblioteca Nacional de Lisboa (FIG. 3-6); ou também,
para adiantar a engenhosidade dos objetos estudados na tese, justamente o mestre pintor
dos painéis gurativos do forro da Igreja Matriz do Pilar, em Vila Rica, arrematação de João
de Carvalhais (c. 1768-9) (FIG. 7). Esses painéis e sua relação com o teatro arquitetônico da
Matriz serão comentados no próximo capítulo, mas convém oportunamente destacar aqui
como o pintor gurou Rebeca no encontro com Eliezer. Tenha sido ou não imitação de algum
modelo, a guração é eloqüente. Sem que tenha sido quebrado o decoro ou a gravidade da
representação, além de aparecer um dos grandes animais, Rebeca está literalmente montada
sobre o dito camelo, em pose lateral. Mesmo assim, ela guarda o gesto sóbrio e decente, com
a mão esquerda reclinada sobre o peito. Eliezer se dirige a ela, em movimento de braços e
atitude de quem anuncia algo grave, já o sabemos.
dell’Arguta, et ingeniosa Elocutione, Che serve à tutta l’Arte Oratoria, Lapidaria, et Simbólica. Esami-
nata co’ principii Del divino Aristotelte. Dal Conte D. Emanuele Tesauro, Cavalier Gran Croce de’ Santi
Mauritio & Lazaro. 5 ed. Torino, Zavatta, 1670, p. 83. O artifício é comentado por HANSEN, João Adolfo.
Retórica da Agudeza. Letras Clássicas, São Paulo, Humanitas/FFLCH-USP, n. 4, 2000, p. 322.
Figura 3 Eliezer e Rebeca (c. 1655-7), Carlo Maratti. Fonte: <http://www.bible-art.info/
Rebecca.htm>
65
Figura 5 - Eliezer e Rebeca (c. 1767-8), Goya, col. particular. Fonte: <http://www.l.vt.edu/
Culture-Civ/Spanish/Taller/200pm/Taller2/etapa1.html>
Figura 4 Eliezer e Rebeca (c. 1670), Murillo, Museu do Prado, Madri. Fonte: <http://
www.art-wallpaper.com/Wallpapers/Murillo+Bartolom%C3%A9>
66
Figura 6 - Eliezer e Rebeca (c. 1800), Francesco Maggiotto, BNP, Lisboa. Fonte: <http://
purl.pt/12003/1/>
Figura 7 Eliezer e Rebeca (c. 1768-9), arrematação de João de Carvalhais, Matriz de
Nossa Senhora do Pilar, Vila Rica
67
Voltemos ao quadro de Poussin. O encontro dos dois, dramático na guração do quadro,
como advogou Le Brun, está no centro da composição, isento de animais. Outras mulheres
que buscavam água, em gestual ordinário ou bem menos digno da mulher responsável pela
descendência de Isaac e Abraão, parecem observar o encontro, a notar que algo de aparen-
temente extraordinário se conforma ali. Muitas delas reconduzem o foco do olhar também do
espectador, dirigido ao centro da composição. Uma delas, à direita, observa a cena central
e dispõe seu corpo bem grosseiramente
60
, apoiando o cotovelo direito sobre o cântaro junto
ao poço, em pose de insinuação provocante ou quase masculina, evidenciando com acento,
pelo contraste ético entre seus gestos, a beleza e a sublime graça de Rebeca. Ela se distin-
guia das demais mulheres por essas qualidades e também por sua dignidade casta. É o que
nos informa São Jerônimo, na Vulgata, ao se valer dos adjetivos pulchra e decora (decorus,
a, um), ambos devidamente amplicados, para enaltecer as virtudes da mulher que era “ex-
cessivamente bela, graciosa e virgem, e nenhum homem a tivera conhecido” – puella decora
nimis virgoque pulcherrima et incognita viro”
61
. A mão direita de Rebeca se recosta suavemen-
te ao peito (como está também a mão esquerda de Rebeca na pintura de Vila Rica) numa
dupla insinuação de disposição para as coisas divinas e também de aparente surpresa, pela
revelação da profética e virtuosa submissão a que irá se subjugar, considerados os costumes
de gênero judaicos. Pode não ser uma referência alegórica direta, mas a iconograa cristã
tradicionalmente incorporou a declinação de uma das mãos sobre o peito como sinal daquela
celeste disposição da alma e dos afetos, como se pode vericar em alegorias do então muito
conhecido Iconologia, de Cesare Ripa (1593; 1611)
62
(FIG. 8), ou então no tratado sobre as
Expressions dês Passions de l’Ame, do próprio Le Brun
63
(FIG. 9). A mão esquerda de Rebeca
60
Além de compor tratados de pintura e retórica, a postura e a manifestação de gestos era algo que
interessava ao decoro da representação social. Ao analisar os gestos das pinturas, Michael Baxandall
demonstrou como nelas estavam patentes essas convenções do costume, sobretudo para mulheres.
Exemplo disso é um tratado publicado em Veneza em 1471, em que se tratava, desde o título, do “de-
coro das mulheres” Decor puellarum. Conforme as várias circunstâncias, idade, lugar e dignidade,
as prescrições eram precisas: “Caso estiverdes em pé ou andando, vossa mão direita deve sempre se
apoiar sobre a vossa esquerda, à vossa frente, no nível de vossa cintura”. Cf BAXANDALL, Michael. O
olhar renascente; pintura e experiência social na Itália da renascença. Trad. de Maria Cecília Preto R.
Almeida. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 70.
61
Genesis 24:16.
62
Cf. as iconograas de Cesare Ripa para Amore verso Iddio(p. 21), Desiderio verso Iddio(p. 116), e
também “Pietà” (p. 426): RIPA, Cesare. Iconologia o vero Descrittione d’Imagini delle Virtù, Vitii, Affetti,
passione humane, Corpi Celesti, Mondo e sue parti. Padova: Pietro Paolo Tozzi/ Pasquati, 1611. Dis-
ponível em: <http://www.bivionline.it/it/1611IconologiaTOC_authors.html>. Acesso em: 05 dez. 2006.
No dicionário das artes de Pasquinelli, a mão imposta sobre o peito representa submissão, aceitação
respeitosa, interioridade, sentimento religioso intenso e sincero. Cf. PASQUINELLI, Barbara. Guide des
arts; le geste et l’expression. Trad. de Claire Mulkai. Paris: Hazan. 2006, p. 44-46.
63
Alcançou notoriedade o tratado escrito por Le Brun premier peintre du Roy”, Luis XIV –, sobre a
68
ergue sutilmente o manto azul de seu vestido, e o cântaro dela, como digno atributo o mais
formoso entre todos os que aparecem no quadro, repousa ao dos dois. O vasilhame não
passa de instrumento, agora, do que realmente importa, mais um dos elementos sinais da
revelação.
Para Le Brun, o quadro ganhou em “unidade” e “decoro” porque foi observada a dignidade do
tratamento do tema e enfatizada a dramaticidade do encontro humano. A presença “cômica”
de camelos seria desproporcional à gravidade religiosa, conforme a argumentação do impor-
tante pintor que dominava como poucos a representação de afetos na pintura. Parece car
evidente, nesse curto desenvolvimento, como, segundo as várias nalidades e circunstâncias,
o caráter, a eloqüência e os efeitos da recepção, a interpretação dos preceitos poderia variar
na concepção e também no juízo de uma obra. Sem a menor pretensão de corrigir ou emen-
dar a invenção do quadro de Poussin, a defesa que z da presença, ou de uma possível, e
conveniente, insinuação de camelos na composição, ilustra como o argumento decoroso de
correta expressão das paixões da alma, objeto de suas conferências em 1688 na Academia Francesa
Expressions dês Passions de l’Ame”. A edição de 1727 encontra-se disponível no site da Bibliotèque
Nationale de France. Disponível em: <http://gallica.bnf.fr/ark:12148;bpt6k8496x>. Acesso em: 25 jul.
2007.
Figura 9 – Conformação (conformatio) do afeto “Ve-
neração”, Charles Le Brun, Expressions dês Pas-
sions de l’Ame, 1727. Fonte: <http://gallica.bnf.fr/>
Figura 8 – Alegoria ou “denição ilustrada” de
“Desiderio verso Iddio”, Iconologia (1611), Cesa-
re Ripa, p. 116. Fonte: <http://www.bivionline.it/
it/1611IconologiaTOC_authors.html>
69
Le Brun poderia ter sido contrariado, também adequadamente, com argumentos de decoro.
1.3 Decoro e caráter
A relação entre decoro e caráter foi problematizada ainda na antiguidade. Comparece na de-
nição apresentada por Vitrúvio justamente para o preceito, e tomou proporções interessantes
a partir do século XVI. Regulado pelo decor, um dos seis preceitos fundamentais da arquitetu-
ra denidos no primeiro dos Dez livros de Arquitetura (Ordinatio, Dispositio, Eurythmia, Sym-
metria, Decor, Distributio), o caráter da arquitetura depende necessariamente dos elementos
e proporções que conformam o aspecto de seu corpo. Os exemplos utilizados por Vitrúvio são
da arquitetura religiosa. Conforme o éthos da divindade, o aspecto do templo deve convir:
O decoro [decor] consiste na perfeição formal de uma obra, efetivado ao se
utilizar com competência elementos justos e apropriados. Realiza-o seguindo
uma regra em grego thematismoiou segundo um costume ou conforme a
natureza. Seguir-se-á uma regra quando forem erguidos edifícios a céu aber-
to, privados de teto, em honra de Júpiter Fulminante, do Céu, do Sol e da Lua;
de fato as manifestações destas divindades são visíveis aos nossos olhos a
céu aberto e à luz do sol. A Minerva, a Marte e Hércules devem ser dedicados
templos dóricos, porque, conforme seu caráter viril, em honra destes deuses
convém que se ergam edifícios privados de ornamentos. Em honra de Vênus,
de Flora, de Prosérpina [...] templos construídos segundo a ordem coríntia
evidenciarão guardar as características apropriadas, porque, conforme a de-
licadeza destas divindades, obras com certa graça, oridas e ornadas com
folhas e volutas acentuam o caráter decoroso que lhes convém. [...]
64
Vitrúvio prossegue na explicação do preceito, sendo que, dos seis princípios fundamentais
supracitados, o decor é contemplado, de longe, com a maior e mais minuciosa denição. Ao
exemplicar o segundo dos três modos (statione, consuetudine, natura), com que se perfaz
(percere) o decoro
65
, ou seja, segundo o “costume” (consuetudo), Vitrúvio exalta a necessá-
64
VITRUVIO. De Architectura, L. I, § 5, p. 28-29.
65
O uso do verbo percere por Vitrúvio ilumina os sentidos de “aperfeiçoamento” e também de estar
resguardado o “aspecto correto [perfeito, emendado] da obra” (“emendatus operis aspectus”), quando
então “é perfeito” (“Is percitur”) como conjugação da voz passiva ou particípio passado (perfectus)
do verbo percere, ou seja, o que se apresenta terminantemente feito e acabado, “perfeito”, portanto,
além da conotação adjetiva o decoro: Decor autem est emendatus operis aspectus probatis rebus
compositi cum auctoritate. Is percitur statione, quod graece temathismos dicitur, seu consuetudine
aut natura”. Cf. VITRUVIO. De Architectura. L. I, § 5. (grifo nosso). Para uma análise radical do verbo
percere, cf. SARAIVA, Antonio. Dicionário latino português. Rio de Janeiro: Garnier, 2000. (ed. fac-
símile de 1927), p. 870-871: “Percio, is, feci, fectum, cere (de per + facio): Fazer inteiramente, acabar,
terminar, perfazer; fabricar (com arte) [...] aperfeiçoar”, etc. Freqüentemente, o verbo é traduzido por
termos que, embora gramaticalmente coerentes, deixam perder sentidos bastante aportunos para o
aprofundamento dos conceitos na arquitetura. Por exemplo, a boa tradução do De Architectura, efetiva-
70
ria correspondência entre o interior do edifício e seu vestíbulo:
O decoro é expresso através do costume quando para edifícios de interiores
suntuosos [magnicis] forem construídos também vestíbulos convenientes e
elegantes. Porque se interiores de aspecto elegante tiverem ingressos humil-
des e desonestos não se respeitou o decoro
66
.
O preceito da correspondência entre as partes interna e externa de um edifício foi uma ques-
tão importante para a arquitetura religiosa, principalmente a partir do século XVI. Vários arqui-
tetos e tratadistas também consideraram o problema, mais polêmico no âmbito religioso por
envolver questões de índole ética mas também simbólica, culminantes ambas na conforma-
ção do aspecto mais adequado da arquitetura.
Assim como autorizara Vitrúvio, o costume de se dedicar gêneros convenientes ao caráter da
divindade foi assimilado, obviamente, pelos autores cristãos, quando vincularam o gênero,
o caráter das ordens à destinação, virtude e orago das igrejas. Matheus do Couto, tratadista
português do século XVII, deniu assim a conveniência das Ordens: “Sobre a Coluna Toscana
[…] Esta Coluna hé a mais humilde de molduras q há […]. A obra Toscana toda forte, e se-
não deve por senão debaixo de todas as ordens, quando as haja, hûa sobre a outra. […] Este
genero Toscano, temos dito q’ he o mais rme e forte, e assi foi necessario hevello p.ª se acco-
modar nas Fortalezas, muralhas, Portas da cidade, e nas fabricas nobres, onde haja de haver
outros generos” (p. 7-10); Da ordem Dorica”. Os antigos dedicarão este genero Dorico, à
Jupiter, Marte, Hercules, eaalguas outras deidades Robustas. Porem Serlio quer q’ esta obra
depois q’ N. Sôr [Nosso Senhor] veyo ao Mundo se dedique aquelles Santos que padecerão
pela sua Fé”. (p. 10); Da ordem Ionica”, “[…] E quando se houver de edicar Templo, havendo
de ser á Santo, que seja aquelle q’ participe de vida robusta, e branda. E havendo de ser á
Santa, q seja aquella que o veyo a ser depois de Matrona” (p. 14-15); Da ordem Corinthia”,
“Este genero Corinthio foy inventado em hua Cidade chamada Corintho, no Poloponeso, he
mais rica e ornada q’ as outras, e as colunas mais sahidas, e estriadas […]. Esta Ordem quer
da por Antonio Corso e Elisa Romano, que utilizo aqui, apresenta para o dito verbo o termo realizzata
(a concordância de gênero feminino é com a tradução do termo latino “decor” pelo italiano “convenien-
za”). A tradução certamente se justica pela nalidade da obra, destinada à divulgação do tratado no
meio disciplinar da Arquitetura. Todavia, exige do leitor a consciência do contexto retórico em que o
tratado se insere, a m de não permitir que os substantivos “realidade”, “realismo”, bem como seus
derivados, gerem entendimentos estranhos ao contexto.
66
VITRUVIO. De Architectura, L. I, § 6, p. 28-31. Continuando a explicar a perfeição pelo “costume”,
Vitrúvio arma a necessidade de se ter os devidos ornamentos mantidos em seus gêneros originais,
não sendo aconselhável transportar elementos de um gênero a outro, o que comprometeria o decoro.
71
Serlio, e com muita razão, q’ pois o Capitel foy dirivado de húa Virgem […] q’ se edique á Vir-
gem N Sr.ª e havendo de ser a Santos, ou Santas, q seja áquelles q guardarão, e tiverão vida
virginal. E havendo de ser em Edicios, seja em Mostr.ºs [mosteiros] q guardem esta virtude. E
sendo em edicios de particulares, seja aquellas pessoas de vida honesta e casta”(p. 19-20);
Da Ordem Composita. A Ordem Compozita foy invenção dos Antigos Romanos; alguns lhe
chamavão Latina, e outros Italica. Esta Ordem compuzerão da Ionica, e Corinthia, meterão no
Capitel as voltas do iônico com os ovos, eo mais tomarão do Capitel Corinthio. Nesta Ordem
poderemos variar, eainda q’ Vitr não trata della, contudo chegandonos sempre aos seus
textos; havendose de fazer as Ordês todas juntas em algúa fabrica; a primreade fundam.tº
há de ser a Toscana por mais solida: a2.ª a Dorica; a 3.ª a Ionica: a 4.ª a Corinthia:a 5.ª esta
Compozita; de modo q’ esta hade ser sobre todas; epoderemos enriquecer os seus membros
de obra de talha, mais q’ os das Ordens passadas” (p. 22-23)
67
(FIG. 10).
Cristianizados, esses gêneros de arquitetura
adequados aos caracteres e oragos consti-
tuem um bom parâmetro para o juízo decoroso
da arquitetura religiosa pós-tridentina, mas não
chegam a representar uma regra infalível da
invenção. Por exemplo, a capela franciscana
de Mariana apresenta pilastras muito simples
na fachada, com capitéis que se afeiçoam ao
gênero dórico, enquanto a mesma devoção,
em Vila Rica, emulou capitéis jônicos. O que
demonstra que outros fatores circunstancia-
vam a eleição de modelos e proporções, e não
apenas o caráter absoluto do gênero, como
deniram os tratadistas.
A conveniência dos “Aparatos de Glória”. Um
exemplo ilustra bem todas essas discussões.
Delongada a fábrica entre a primeira metade
do século XVI até principalmente a segunda
67
Cf. MATHEUS DO COUTO. Tractado de Architectura [1631], L. II, Cap. 10º, p. 38, p. 7-23 passim
(grifo nosso).
Figura 10 – Os Gêneros ou Ordens de Colunas,
segundo Vignola. Fonte: <http:/www.jornallivre.
com.br/images_enviadas/arquitetura-do-renas-
cimentocol.jpg>.
72
metade do século XVII, quando se executaram as decorações em estuque e as pinturas dos
forros, a Igreja maior dos jesuítas Il Gesù terminou autorizada como um dos modelos mais
importantes para a arquitetura religiosa dos séculos XVII e XVIII (FIG. 11 e 12).
Figura 11 – Nave da Igreja dos jesuítas, Il Gesù, Roma, séculos XVI e XVII
73
Procurando alcançar os resultados mais convenientes, os padres da companhia e os artistas
envolvidos na construção e na ornamentação do templo dialogaram, então, durante decê-
nios, em termos de conformidade, decoro e adequação. Dentre outros assuntos, como qual
planta e fachada seriam as mais adequadas, a acomodação de capelas e altares laterais, a
conveniência de forro de teto liso na nave em detrimento do abobadado (para se assegurar
efeitos acústicos ecazes para a prédica
68
), falou-se também em “conformidade” da arquitetu-
68
Apesar das recomendações adequadas à prédica, que sinalizavam a comodidade e a aptidão de for-
ros de teto lisos, um dos principais “mecenas” de Il Gesù, Alessandro Farnese, requereu do início ao m
uma cobertura abobadada; provavelmente, segundo Giovanni Sale, pela sintonia de suas idéias com
Figura 12 – Vista do forro da nave de Il Gesù
74
ra ao modo nostro
69
(jesuíta) de construir, em conformidade à piedade, à missão e à razão
de ser dos jesuítas – tudo para a “maior Glória de Deus” (ad maiorem Gloriam Dei). O padre
jesuíta Pietro Pirri esclarece que os jesuítas começaram a falar de um modo nostro ao nal
dos tempos de Santo Ignácio, signicando com isso “um tipo especial de igrejas e de habita-
ções concebidas em relação aos objetivos, usos e ministérios particulares da Companhia”, de
modo que se “adequassem perfeitamente ao escopo aos quais deveriam servir”
70
. O principal
arquiteto responsável por essa fábrica era Giovani Tristano, porque, à exceção dele, decla-
ravam, não havia quem soubesse ordenar as coisas ao modo jesuíta
71
. Um dos efeitos de tal
compreensão pode ser aferido pelo fato de que, após 1580, quando foi chamado a Roma para
diversas fábricas, outro arquiteto, o padre Giuseppe Valeriani, estaria empenhado na com-
posição de uma espécie de “manual próprio da arquitetura jesuítica”. Esta obra, infelizmente
inacabada e incógnita, seria muito útil à Companhia na construção e ornamentação decorosa
de templos e altares, conforme os costumes dos jesuítas
72
.
Inicialmente, o caráter dos templos jesuítas deveria representar uma honrosa simplicidade,
honesta e conveniente ao decoro da Companhia. Com as intenções reformistas, intensica-
das tanto pela luta contra o avanço do protestantismo quanto pelas repercussões do saque de
Roma, em 1527, e também, na segunda metade do século XVI, pelas regulações do Con-
um “decoro à antiga”. Cf. SALE, Giovanne. Pauperismo Architettonico e architettura gesuitica; dalla
chiesa ad aula al Gesù di Roma; saggio introduttivo di Sandro Benedetti. Milano: Jaca Book. 2001, p.
86. No mesmo estudo, ao comentar a fundação da igreja, Sale discute a participação do cardeal Ales-
sandro Farnese e de como, apesar de sua importância no processo, com ele também as obras cami-
nharam lentas, “sobretudo – cita Sale – porque o cardeal possuía as suas idéias acerca da ‘grandeza’
e do ‘decoro’ da obra, e além disso da orientação da igreja no contexto urbano. Ele desejava orientar
perfeitamente o edifício em harmonia com o desenvolvimento da praça defronte”. Idem, Ibidem, p. 60.
69
Desenvolvendo o “modo nostro” de construir (dos jesuítas), Giovanne Sale adverte que a expressão
não se refere tanto a um estilo formal (“partido formal” é a expressão utilizada por Sale), mas antes a
aspectos de ordem funcional e organizacional, econômica e construtiva que a companhia desempe-
nhava na fábrica de um edifício. Em nota a este parágrafo, no momento em que escrevia sobre estilo
formal, Sale reclamou sobre o decoro, dizendo que os jesuítas o consideravam, subordinado, todavia,
a uma exigência de “sobriedade”: Anche se ciò no si signica indifferenza dei gesuiti verso questioni
di decoro nella costruzione degli edici, ma semplicemente che questo aspetto deve essere sottoposto
alla regola della sobrietà, che si addice a poverti che hanno scelto di vivere in povertà”. Cf. SALE, Gio-
vanne. Pauperismo Architettonico e architettura gesuitica, p. 42, nota 42.
70
Cf. PIRRI, Pietro. Giovanni Tristano e i primordi della architettura gesuitica. Roma: Institutum histori-
cum S. J., 1955. Appendice di documenti, p. 160.
71
Cf. PIRRI, op. cit., p. 214.
72
O título da obra era Librum da ea arte (architetturae) conscribeat, quem Societati magno usui ad
templa altariaque, nostra consuetudine, decore exornanda”. Cf. PIRRI, op. cit., p. 42; p. 160-161.
75
cílio de Trento
73
, as discussões da Companhia incorporaram outros argumentos, igualmente
decorosos, de conformidade e conveniência. Pelo menos em Roma, as igrejas dos Jesuítas
deveriam dar a parecer não apenas o caráter e a dignidade da Companhia, comitente da obra,
mas também, ou necessariamente, o esplendor e a majestade de Deus e da Santíssima Trin-
dade, sua razão primeira e última. Assim se deu tanto com Il Gesù
74
, aperfeiçoada, entre ou-
tros, por Gaulli, quanto com a Capella di Sant’Ignazio, ornamentada em sua nave pelo famoso
teto em perspectiva de Andrea Pozzo. Como seria possível conciliar o rigor e a simplicidade
da Companhia de Jesus, o compromisso de resignação, a impermanência da vida missioná-
ria, catequizadora e mendicante, a solicitude e o desprendimento material determinantes de
sua formação, com a suntuosidade, a magnicência e a riqueza requeridas para os novos
templos pós-tridentinos?
É uma hipótese, apenas, mas me parece pertinente reconhecer aqui que se ajuizou entre duas
interpretações do decoro, igualmente competentes. Uma delas visava um decoro de confor-
midade à ordem comitente da obra; a outra, um decoro de conformidade à representação
triunfal, maravilhosa e eloqüente de Deus, bem adequada esta às nalidades propagandistas
tridentinas universalidade, autoridade e dignidade eternas da Igreja Romana, magnicência,
esplendor, aparato e glória – aspectos que os novos templos deveriam proporcionar. Embora
a moderação dos juízos tenha resultado na suntuosidade interior do templo, no caso para-
digmático de Il Gesù, a imprescindível necessidade de se manifestar a dignidade e o caráter
humilde da Companhia também foi satisfeita. E isto cou a cargo não da simplicidade ou da
humildade decorativa, mas de um estrito e rigoroso programa iconográco apto a evidenciar
não apenas a história da Companhia e seu caráter, como também passagens relevantes da
vida de Jesus Cristo; modelo ético de vida santicada, imitado e decantado não apenas, mas
principalmente, pelos jesuítas
75
. Ordenando e magnicando esses discursos das imagens,
73
Quem comenta essas causas das transformações no contexto católico e jesuítico é ACKERMAN, Ja-
mes. La chiesa del Gesù alla luce dell’architettura religiosa contemporanea. In: WITTKOWER, Rudolf;
JAFFE, Irma (org.). Architettura e arte dei gesuiti. Milano: Electa, 1992, p. 20. (Documenti di architet-
tura).
74
A planta de Il Gesù se caracteriza por uma nave única, com capelas laterais em toda extensão da
nave. O transepto é alargado e culmina também em duas capelas de maiores proporções que as laterais
da nave, insinuando sutilmente os braços da cruz. A capela-mor possui arremate em forma de ábside.
O cruzamento entre nave e transepto é coroado por uma majestosa cúpula, cujo tambor e pendentes
estão ricamente adornados e pintados. Ordens duplas de pilastras coríntias colossais estruturam toda
a nave, arrematadas por um entablamento monumental que se desenvolve da portada ao transepto.
75
Sobre a rica iconograa ornamental de Il Gesù, forros e altares, cf. especialmente o estudo de HIB-
BARD, Howard. Ut picturae sermones: le prime decorazioni dipinte al Gesù. In: WITTKOWER, Rudolf;
JAFFE, Irma (org.), op cit., p. 30-43.
76
das pinturas, alegorias e esculturas, a arquitetura do edifício resultou numa riqueza conjuntu-
ral conveniente à revelação de um reino em tudo sublime; eloqüente e afetivo o bastante para
comover, por meios efetivamente materiais, os sentidos exteriores tão caros às nalidades
agonísticas, teológicas e retóricas das reformas religiosas, e também ao caráter sensível e
patético dos Exercícios inacianos.
Alguns documentos da Companhia publicados evidenciam a pertinência da hipótese. Num
dos sermões de Gian Paolo Oliva Superior Geral da Companhia a partir de 1664 e amigo
particular de Gian Lorenzo Bernini –, encontram-se passagens reveladoras desse pensamen-
to em que o caráter dos templos deveria ser orientado, rica e suntuosamente
76
, em direção a
adequada correspondência à glória, à magnicência e “ao innito mérito da Trindade”:
Estas [as igrejas], como unicamente dedicadas a Deus, não podem, de qual-
quer modo, ou com a majestade ou com a riqueza, assim de muros como de
ornato, conformar-se ao innito mérito da Trindade. Onde nelas tanto Ignácio,
nosso Pai, quanto Nós todos, seus Filhinhos, procuramos corresponder à
grandeza da eterna Onipotência com aqueles aparatos de Glórias, que
podemos maiores
77
.
A primeira parte da citação repete uma tópica utilizada pelo arquiteto Pietro Cataneo para
justicar a devida conveniência da riqueza e da magnicência proporcionada à “honra de
Deus”. O modelo a ser imitado, autorizadíssimo na teologia e na arte cristã, é o Templo de
Salomão:
Tudo aquilo que foi dito [sobre a riqueza, grandeza e ornato do Templo de
Salomão] seja para a confusão daqueles que dizem que os muitos gastos e
riquezas dos templos estão sem proveito e perdidos, não considerando que
aquilo que se faz em honra de Deus não se pode fazer tão magníco e per-
feito quanto seria conveniente
78
.
76
Francis Haskell comenta um tratado de 1611 La peinture spirituele –, dedicado ao padre Claudio Ac-
quaviva pelo jesuíta francês Louis Richeome, no qual ca evidente como, no início do século XVI, pelo
menos parte dos jesuítas “atacava com energia qualquer tentativa de criar efeitos de esplendores ricos
e suntuosos”. Cf. HASKELL, Francis. Il ruolo dei mecenati: mutamenti nel barocco. In: WITTKOWER,
Rudolf; JAFFE, Irma (org.), op cit., p. 46.
77
“[...] Queste, come unicamente dedicate à Dio, non possono in alcun modo, ò con la maestà ó con
la richezza si de’ muri come dell’arredo, conformarsi all’innito merito dela Trinità. Onde in esse tanto
Ignatio nostro Padre, quanto tutti Noi suoi Figliuoli procuriamo di correspondere con quegli apparati di
Glorie, che possiamo maggiori”. OLIVA, Gian Paolo. Sermoni domestici. Parte prima. Appendice. In:
WITTKOWER, Rudolf; JAFFE, Irma (org.), op cit., p. 51. (grifo nosso).
78
CATANEO, Pietro. I qvattro primi libri d’architettura. L. III, Capitolo primo: Come il principal tempio
della cità, volendo servare il decoro della religione Cristiana, si convenga fare à crociera & a similitudine
di un bem proporzionato corpo humano, col suo disegno”, . 36 v.
77
O referido trecho está na parte nal do primeiro capítulo do Livro terceiro de Cataneo, de-
dicado a desenvolver a forma e as qualidades de um templo em que se quisesse “observar
o decoro da religião cristã”, aspecto comentado na introdução. O título do capítulo escla-
rece: Como o principal templo da cidade, devendo-se observar o decoro da religião cristã,
convém ser feito à forma de cruz e à similitude de um corpo humano bem proporcionado,
com o seu desenho”. Na primeira parte, Cataneo se dedica a justicar e autorizar o símbolo
da cruz latina para a planta, recorrendo inclusive a exemplos pagãos; na segunda, discorre
sobre vários elementos, partes e ornatos do Templo de Salomão, ilustrando-o com elogios à
grandeza da fábrica, ao esplendor das proporções e ao uso de materiais nobilíssimos, como
o ouro, a prata e pedras preciosas
79
. No segundo capítulo, Cataneo continua a desenvolver
aspectos, eleições e juízos capazes de aperfeiçoar e servir ao decoro das igrejas, argumentos
importantes para a compreensão das tópicas que autorizaram a distinção característica entre
o interior e o exterior desses edifícios. O argumento está aplicado aos templos dedicados a
Jesus, estendido aos dos demais santos por analogia. Então, assim como a alma é superior e
mais rica do que o corpo – até mesmo em Cristo, o corpo humano mais perfeito então vivido
–, não apenas uma única ordem seria apta a efetivar o caráter conveniente às várias partes
do corpo do edifício:
Esta parte de fora [o frontispício] é feita da mais forte, robusta e durável or-
dem, tendendo ao Dórico, que não é o seu interior, o que é muito convenien-
te, porque quanto às partes exteriores, Jesus Cristo nosso redentor, ao qual,
como se diz, se deve dedicar o principal templo da cidade, quis se mostrar
puro e simples em seu nascimento assim como ainda na vida, e depois na
morte foi mais do que qualquer outro constante e forte. Sendo portanto o inte-
rior desse templo de ordem Coríntia, se demonstra muito mais nobre do que
a parte de fora, que é Dórica, assim ainda sem comparação foi mais nobre
a alma e a divindade, parte interior de Jesus Cristo, que o corpo, sua parte
exterior [...] ainda a alma de cada santo, e assim de cada bom cristão, é muito
mais nobre que o corpo. Poder-se-ia fazer o seu interior de ordem Jônica, e
ainda da Compósita, que cada uma destas, por ser mais nobre que a Dórica,
caria bem dispor. É de se considerar ainda que as colunas ou pilastras ou
membros semelhantes exteriores de qualquer templo, ou outra fábrica, será
bem se for possível fazer com maior grossura do que os de seu interior, por-
que é melhor para a conrmação daquilo que foi dito, servirá ao decoro e
ainda porque se conservarão por mais tempo
80
.
Se em Vitrúvio a denição do decoro implicava, entre outras coisas, uma relação de corres-
pondência entre o interior e o exterior do edifício, a compreensão cristã de fundo platônico
sobre a nobreza da alma em relação à corruptibilidade do corpo levou Cataneo a justicar a
79
Cf. CATANEO, Pietro. I qvattro primi libri d’architettura, L. III, Capitolo primo, . 35v-36v.
80
CATANEO, Pietro. I qvattro primi libri d’architettura, L. III, Capitolo secondo, . 38. (grifo nosso).
78
permanência e a robustez dos membros exteriores em comparação ao maior requinte e no-
breza daqueles dispostos no interior. O juízo serviria não apenas atestava a autoridade de
um Molanus
81
–, à conrmação do argumento que defende a riqueza, a magnicência e a per-
feição do edifício, como também, numa apropriação retórica de efeitos visuais, ao decoro do
templo. Pois se o decoro é a conveniência da imitação, o templo como representação do cor-
po de Cristo haveria de corresponder à compreensão ético-retórica de suas partes e virtudes.
Com aquela interessante expressão “aparatos de glória” –, Gian Paolo Oliva resume de
modo bastante eloqüente a rica elocução dos templos, com os quais, podendo ainda maiores,
os jesuítas procuravam corresponder decorosamente à grandeza da onipotência divina. Oliva
escreveu serem as Igrejas dedicadas unicamente a Deus, daí, talvez, porque a busca por uma
conformação não apenas relativa ao éthos da Companhia. Sim, as lições e exemplos de vida
de Jesus inspiravam simplicidade, humildade e modéstia, modelos do comportamento jesuí-
tico, mas a sua meritíssima glória é eterna e innita, magníca, assim como a Igreja Romana
pretendia e precisava persuadir. Ao comentar esta passagem do sermão de Oliva, Haskell
alertou para o fato de que a simplicidade e a austeridade eram “essenciais nas residências
dos Jesuítas”, mas “não nas Igrejas”. No mesmo sermão, Oliva contribui para esta hipóte-
se, citando virtuosas características habituais, ou propriamente habitacionais, de “modéstia”,
“mendicidade”, “isenção de ornamentos” etc., adequadas escreve Oliva à nossa medida
(nostra misura). Logo após a passagem supracitada em destaque, o sermão de Oliva é claro
em denir que elas, sim, as residências, eram dedicadas aos jesuítas, “não a Cristo”
82
.
O exemplo instiga notar como as noções de decoro, caráter, perfeição, aparato, comodida-
de, correspondência, conformidade etc., e também as interpretações delas, inerentes a uma
discussão retórica mais abrangente relativa ao gosto e aos estilos adequados ao gênero, im-
plicaram eleições arquitetônicas e decorativas decisivas para a compreensão da arquitetura
religiosa pós-tridentina. Ademais, o processo por que passou os jesuítas é modelar, e permite
estabelecer analogias com o que se deu também nas outras ordens, franciscana, carmelita
etc., que sempre requisitaram as mesmas virtudes de simplicidade e humildade. Os “aparatos
de glória” de Oliva sintetizam bem os princípios, os meios e os ns de uma poética artística in-
amada por uma política teológica fortemente controversa, persuasiva e propagandista; uma
81
Segundo Molanus primeiro autor católico a redigir um tratado de teologia prática, o Theologiae
practicae compendium (1585) –, a igreja deveria estar “estar decorada com os mais preciosos tesouros
que existissem”. Apud WITTKOWER, Rudolf. Arte y arquitectura en Italia 1600-1750, p. 29.
82
OLIVA, Gian Paolo. Sermoni domestici. Parte prima. Appendice. In: HASKELL, Francis. Il ruolo dei
mecenati: mutamenti nel barocco, p. 51.
79
retórica da arquitetura religiosa que, difundida a todos os membros do corpo místico da Igreja
e dos Estados católicos imperialistas, como Portugal, adaptaram-se a circunstâncias locais
como estratégia de conquista e armação da fé.
1.4 O decoro nas fontes eclesiásticas luso-brasileiras
A jurisprudência católica produzida entre os séculos XVI e XVIII foi um dos meios mais efeti-
vos com que se tocar essas nalidades. Entre tantas matérias especícas, ela regulava sobre
aspectos fundamentais da aparência e da conservação de igrejas, tudo em nome do decoro
e da decência da Casa do Senhor. Sob a autoridade ética e artística desses preceitos, procu-
rava-se garantir a dignidade devida ao templo, não sendo permitido na arquitetura religiosa
nada que comprometesse a representação e o caráter de um lugar sagrado, a estar sempre
decente, limpo e perfeito.
Regulações desse tipo, como as Constituições Sinodais e Provinciais, estiveram subordina-
das ao Direito Canônico e, após 1563, estritamente conformadas aos decretos do Sagrado
Concílio Tridentino; conrmam, em muitas passagens relativas à fábrica eclesiástica, a prin-
cipal normativa arquitetônica descendente do Concílio, as autorizadíssimas Instrucciones de
Carlos Borromeu.
Apesar de logo terem sido aprovados pela Coroa portuguesa
83
, não foi fácil aplicar imedia-
tamente em Portugal os decretos tridentinos. Houve resistência interna nos Bispados por-
83
O Breve Sacri Tridentini Concilii foi dirigido a D. Sebastião pelo sumo pontíce, acompanhado de um
exemplar dos decretos do concílio. Em 3 de junho de 1564, foi emitida a Bula “Benedictus Deus”, pelo
Papa Pio IV, que conrmava todas as matérias conciliares e decretava seu cumprimento. Em Portugal,
vária legislação foi redigida com ns a efetivar os decretos: “20 de Junho de 1564: alvará régio que
concede ao impressor Francisco Correia o privilégio de imprimir e vender em Portugal os textos do con-
cílio de Trento, tanto em latim como em português; 29 de Agosto de 1564: carta patente do cardeal D.
Henrique estabelecendo que fosse dado conhecimento aos éis, em todo o reino, das determinações
conciliares, para tal efeito impressas em Português; 12 de Setembro de 1564: alvará de D. Sebastião
(ainda sob a regência do cardeal D. Henrique), ordenando às justiças régias que dessem todo o favor
e ajuda ao cumprimento dos decretos do concílio tridentino; 13 de Setembro de 1564: carta do regente
(cardeal D. Henrique) a todos os prelados do reino e império comunicando a recepção dos decretos
conciliares e recomendando a sua publicação, logo que tivessem em seu poder a versão portuguesa”.
Cf. VALLE, Teresa Leonor M. Da Igreja Combatente à Igreja Triunfante. Broteria, Cristianismo e Cultura,
Lisboa, v. 157, n. 5, nov. 2003, p. 329-330. Sobre aceitação dos decretos tridentinos, e a posterior publi-
cação de várias constituições sinodais que os difundiam, cf. também GONÇALVES, Flávio. A legislação
sinodal portuguesa da contra-reforma e a arte religiosa. In: ___. História da arte, iconograa e crítica.
Lisboa: Imprensa Nacional/ Casa da Moeda, 1990, p. 111-114. (Artes e Artistas).
80
tugueses e, para vencer este desao, foi decisiva a participação de Frei Bartolomeu dos
Mártires, Arcebispo e Senhor de Braga, Primaz das Espanhas, alcunhado como o “Borromeu
português”
84
. O renomado Frei participou ativamente do Concílio e, para além de ter sido
reconhecido durante as reuniões em Trento como um dos mais brilhantes conciliantes (elo-
giado na ocasião pelas virtudes da eloqüência e da prudência), era amigo pessoal de Carlos
Borromeu. O santo milanês teria sido um imitador de Frei Bartolomeu dos Mártires, como
confessou em carta de 1565: “[…] tenho-vos continuamente diante dos meus olhos, e tomei
como modelo da minha vida, virtuosa e louvável sob todos os aspectos”. Conforme a biograa
do santo, Carlos Borromeu tinha sempre em mãos o Stymulus pastorum, uma das obras mais
signicativas escritas pelo Arcebispo bracarense
85
.
Fr. Bartolomeu cultivava as virtudes artísticas. Para além das obras reformadas ou levantadas
pelo Frei, como a Igreja e o Colégio de São Paulo, em Braga, ou o Convento da Ordem de
São Domingos, em Viana do Castelo, onde está sepultado, Frei Bartolomeu esperava que
durante o Concílio de Trento fossem ajuizados preceitos excelentes não apenas para reformar
a doutrina, mas também a fábrica artística e edilícia. Ficou entusiasmado com os resultados
das últimas reuniões do Concílio, dentre as quais aquela que decretou a famosa normativa a
respeito das imagens:
Efectivamente chegou a hora da misericórdia e o Senhor derramou os seus te-
souros sobre o Conlio. Pois, nas três últimas sessões, celebradas de 15 de
julho a 4 de Dezembro, promulgaram-se mais e melhores decretos de reforma
do que se haviam publicado durante todo o resto do Concílio. Por isso, o Concílio
encerrou-se a 4 de dezembro por entre uma indescrivel alegria e concórdia
86
.
84
Agradeço as referências sobre Frei Bartolomeu dos Mártires feitas por Vitor Serrão e Caio Boschi.
Bartolomeu dos Mártires nasceu em maio de 1514, lho de Maria Correa e Domingos Fernandes, na
comarca de São Vicente, Lisboa, durante o reinado de D. Manuel, e faleceu em 1590. Tomou o hábito
de São Domingos, e foi lente de Artes, Teologia e Gramática. Estudou no Colégio de Artes de S. Do-
mingos de Lisboa, onde também foi graduado Mestre. Foi pregador apostólico. Tomou a divisa “ardere
et lucere”, de João 5: 35, como lema de vida, com o que Cristo signicou as obrigações do verdadeiro
pregador evangélico. Foi Prior do Convento de S. Domingos em Benca, Arcebispo de Braga e Primaz
das Espanhas, a principal gura portuguesa no Concílio de Trento. Celebrou sínodos em Braga logo
após o Concílio, como Borromeu em Milão, o maior modelo de aplicação dos decretos tridentinos. Cf.
VITA DI SAN CARLO BORROMEO. Prete Cardinale del titolo di Santa Maria Prassede Arciuescouo di
Milano. Scritta dal Dottore Gio. Pietro Giussano Nobile Milanese. Et dalla Congregatione delli Oblati di
S. Ambrogio dedicata alla santità di N. S. Papa Paolo Qvinto. In Roma Nella Stamperia della Camera
Apostolica. 1610. Com Privilegi, & Autorità de’ SS. Superiori. Libro Secondo, Cap. VI, “Dal progresso
nel gouerno della sua Chiesa”, p. 73; e também Libro Primo, Cap. VIII, “Di quello, ch’egli fece dopò
la conchiusione del sacro Concilio, e de suoi progessi nella vita spirituale”, e também ROLO, Raul de
Almeida. Venerável D. Fr. Bartolomeu dos Mártires; o arcebispo santo. Torres Novas: Almondina, 1957.
85
Cf. ROLO, Raul de Almeida. Venerável D. Fr. Bartolomeu dos Mártires; o arcebispo santo, p. 18-19.
86
BARTOLOMEU DE MARTYR. Collecta. In: Opera Omnia (ed. Inguimbert), II, 437, apud ROLO, Raul
81
Um pouco antes, ainda no último ano do Concílio, mais precisamente em 20 de fevereiro de
1563, Frei Bartolomeu redigiu de Trento uma carta bastante interessante endereçada ao Vi-
gário do Convento de São Domingos de Viana, o D. Fr. Jerônimo Borges, pela qual se verica
o discurso ponderado sobre as “habilidades para o edifício de pedra e cal”. Frei Bartolomeu
elogiou o “engenho” de Frei Jerônimo, e fez alusão ao engenho edicativo como Dom Divino,
ou Natural, o primeiro dos três tipos denidos por Emanuele Tesauro:
Vossa Reverência até agora não me quis fazer caridade de me mandar novas
suas e de Viana [da Foz do Lima, atual Viana do Castelo]. Por isso justo é
que eu comece, pois sou o que ganhei em Vossa Reverência vir pera essa
terra, com saber certo quanto há-de-ganhar as almas dessa comarca com
sua doutrina e conversação. E, além dos interesses no edifício espiritual, que
é o principal, dizem-me que também Vossa Reverência tem particular habili-
dade pera o edicio de pedra e cal. E por particular mercê de Deus tenho que
os princípios dessa casa se entregassem a pessoa que, juntamente com o
espírito e zelo de Deus, tenha engenho pera obras, porque daqui nacerá que
o espírito de Deus temperará o engenho edicativo e não permitirá que seja
supéruo, mas que se edique u[m]a casa que em algú[m]a maneira cheire à
santa probreza […]
87
.
Fr. Bartolomeu foi um dos Arcebispos mais empenhados em acionar de pronto os decretos
tridentinos, mas, como se disse, encontrou resistência em Portugal
88
. O próprio Papa Pio V
foi levado a escrever uma Carta endereçada ao Cardeal lusitano, D. Henrique, em 29 de maio
de 1570, em que nela conferia livres poderes a Fr. Bartolomeu para, apesar das insubordi-
nações locais, “proceder à execução do Concílio de Trento e urgir o cumprimento das suas
sentenças”:
Soubemos, com amargura de alma, que os nossos, aliás, amados lhos, De-
cano, Cónegos e Capítulo e outros beneciados e clérigos da Igreja e cidade
de Braga, em parte para impedirem a execução dos decretos do Concílio de
Trento, em parte para se eximirem às penas e correcção dos seus excessos,
naõ se envergonharam de recusar o nosso Venerável Irmão Bartolomeu, Ar-
cebispo de Braga […] Mandamos anular e destruir essas disposições e pe-
las presentes letras apostólicas estatuímos e mandamos que pessoa alguma
eclesiástica de qualquer estado, grau ou condição, ou Cabido, comunidade
ou Colegiada que seja, da cidade e diocese de Braga […], possa alegar ou re-
de Almeida. O papado e os papas na doutrina e na vida de Fr. Bartolomeu dos Mártires. Separata de
Didaskalia, vol. XI, 1981, p. 270.
87
SOUSA, (Frei) Luís de. A Vida de D. Frei Bartolomeu dos Mártires [1619]. Lisboa: Imprensa Nacional/
Casa da Moeda, 1984. L. II, Cap. XIV, “Que contem úa carta que o Arcebispo escreveu ao vigário do
seu Convento novo de Santa Cruz de Viana”, Trento, 20 fev. 1563, p. 205-207.
88
nas primeiras visitas que desempenhou em sua Diocese, a mando do Sagrado Concílio para re-
forma das condutas e dos costumes, Fr. Bartolomeu encontrou contenda.
82
cusar o Arcebispo como suspeito e eximir-se à sua jurisdição, de forma que,
não obstante todas as recusas e suspeitas, ele possa livre e licitamente, por
si ou pelos seus ociais, proceder à execução do Concílio de Trento e urgir o
cumprimento das suas sentenças
89
.
O âmbito, e também a ambição, dos poderes eclesiásticos era delicado, e o labor de caráter
militante contra as resistências internas da Igreja portuguesa foi fundamental para conduzir a
consolidação das regras novamente estabelecidas
90
. Nas matérias da fábrica religiosa, elas
seriam mais evidentes, entretanto, na redação e na aplicação das novas Constituições Sino-
dais, publicadas ainda no século XVI mas também depois, em várias Dioceses
91
, assim como
nas Visitas Pastorais que cotidianamente examinavam sua efetividade. Os procedimentos
eram determinados pelo concílio tridentino.
São inúmeras as Constituições publicadas na coroa, mas vamos nos ater à que nos foi mais
próxima, as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia, repetidamente citada nas Visi-
tas Pastorais da capitania de Minas Gerais
92
. Celebradas em 1707, as Constituições Primeiras
foram compiladas e acomodadas à colônia por Sebastião Monteiro da Vide, quinto arcebispo
89
Carta do Papa Pio V ao Cardeal D. Henrique, em 29 de maio de 1570, apud ROLO, Raul de Almeida.
O papado e os papas na doutrina e na vida de Fr. Bartolomeu dos Mártires, p. 275.
90
Cf. ROLO, Raul. Bartolomeu dos Mártires, obra social e educativa. Porto: Biblioteca Verdade e Vida,
1979. Diculdades foram generalizadas, para o próprio Papa Pio V e Carlos Borromeu, em Milão. Sobre
as diculdades encontradas por Fr. Bartolomeu não apenas em Braga, mas em “todo o Reino”, cf. tam-
bém o expoente e coevo relato do Fr. Luis de Sousa, seu biógrafo: “Não se pode crer as marulhadas de
litígios, de queixas, de dúvidas e controvérsias que por todo o Reino se moveram contra o Arcebispo.
Por cada igreja destas em que entrava ganhava um enemigo (sic) no que a tinha à sua conta, e muitos
enemigos nos parentes e aliados deste. Logo seguiam protestos, requerimentos e demandas pera
diante dos conservadores de cada Ordem. Ele desabafadamente respondia e acudia a tudo; e quando
de fora se lhe tinha lástima, não faltando quem cuidava que estaria afogado com a máquina de tantos
negócios, vivia em tanto repouso que de nenhum de seus acostumados exercícios perdia úa hora […]”.
In: SOUSA, Frei Luís de. A vida de D. Frei Bartolomeu dos Mártires [1619]. Cap. VIII, “Das grandes
contradições e contendas que se levantaram contra o Arcebispo por rezão destas visitas, e como se
houve nelas”, p. 351-355.
91
Cf. GONÇALVES, Flávio. A legislação sinodal portuguesa da contra-reforma e a arte religiosa, p. 111-
114. Logo em 1565, aconteceram Sínodos em Évora, Abrantes, Lamego e Lisboa; no ano seguinte em
Braga e assim por diante.
92
Leia-se esta recomendação, dentre as inúmeras, feita em 1781 pelo Visitador da capitania, Fr. Do-
mingos da Encarnação Pontevel: “Emm (sic) que todos os Parochos e por consequencia os mais
que, executando Cura de Almas, substituem por elles nas suas respectivas Capellas e Aplicaçoens,
estudem e meditem de continuo e com o maior cuidado o Livro das Const(ituiçoens) da Bahia,/ tão res-
peitaveis pela universal prática e aceitação dos Bispados Ultramarinos e deste nosso que por ellas se
tem regido e queremos e mandamos que se reja/ para nelle observarem e aprenderem destintam.te o
como devem haver no seu Ofcio as obrigaçoens que devem intimar a seus Parochianos e Applicados
e as penas em que incorrerraõ sendo transgressores”. Cf. RODRIGUES, Flávio Carneiro. As Visitas
Pastorais do século XVIII no Bispado de Mariana. In: Cadernos históricos do Arquivo Eclesiástico de
Mariana, n. 1, “Visita Pastoral de Dom Fr. Domingos da Incarnação Pontevel à Freguezia da Borda do
Campo, 20 de outubro de 1781”, p. 160.
83
da Bahia a partir de 1702, outrora iniciado na Companhia de Jesus e capitão durante a Guerra
de Restauração
93
. Em muitas passagens, essas constituições imitam literalmente as Consti-
tuições dos Sínodos portugueses, celebrados na metrópole sobretudo na segunda metade do
século XVII, aos quais farei correspondência.
Conforme as Constituições, todo empenho de edicação ou reforma de igrejas deveria ser
noticiado antes ao Bispado, que concederia “licença especial” para a fábrica. A consagração
para o rito demandava ainda uma nova permissão, condicionada ao fato de estarem, os al-
tares, em forma “conveniente”, e com o “necessário para se poder dizer missa neles”
94
. As
visitas deveriam se manter freqüentes a partir de então, destinadas à conrmação constante
da decência das igrejas, adros, lugares e “ornatos delas”, bem como da postura decorosa dos
éis em relação à Igreja e suas partes, sobretudo os altares.
Capítulo especial foi dedicado ao sítio conveniente para ereção das Igrejas paroquiais, o
que de fato acabou sendo estendido, por autoridade e costume, às capelas. Esta e outras
passagens das Constituições Primeiras da Bahia seguem ipsis litteris várias passagens das
Constituições do Bispado do Porto, editadas em 1690.
Conforme o direito Canonico, as Igrejas se devem fundar, e edicar em lu-
gares decentes, e acommodados, pelo que mandamos, que havendo-se de
edicar de novo alguma Igreja Parochial em nosso Arcebispado, se edique
em sitio alto, e lugar decente, livre da humidade, e desviado, quanto for pos-
sivel, de lugares immundos, e sordidos, e de casas particulares, e de outras
paredes, em distancia que possão andar as Procissões ao redor dellas, e que
se faça em tal proporção, que não sómente seja capaz dos freguezes todos,
mas ainda de mais gente de fora, quando concorrer ás festas, e se edique
em lugar povoado, onde estiver o maior numero de freguezes. E quando se
houver de fazer, será com licença nossa: e feita vistoria, iremos primeiro, ou
outra pessoa de nosso mando, levantar Cruz no lugar, aonde houver de estar
a Capella mayor, e demarcará o âmbito da Igreja, e adro della
95
.
93
Cf. FERREIRA, Ildefonso Xavier. Prólogo. In: CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA
BAHIA, feitas e ordenadas pelo illustrissimo, e reverendissimo senhor Sebastião Monteiro da Vide, bis-
po do dito arcebispado, e do conselho de sua magestade: propostas e aceitas em o synodo diocesano,
que o dito senhor celebrou em 12 de junho do anno de 1707. São Paulo: Tipographia 2 de Dezembro/
Antonio Louzada Antunes, 1853, p. XV-XVI.
94
CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA, L. 4, XVI: “Das Igrejas, Capellas, e
Mosteiros. Que neste Arcebispado se não edique Igreja, Capella, ou Mosteiro sem licença nossa”, §
683-686, p. 251-252 (grifo nosso).
95
CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA, L. 4, XVII, “Da Edicação, e repara-
ção das Igrejas Parochiaes”, § 687-689, p. 252-253. Cf. também CONSTITUIÇÕES SYNODAES DO
BISPADO DO PORTO, novamente feitas, e ordenadas pelo lustrissimo, e reverendissimo senhor Dom
Joam de Sousa Bispo do dito Bispado, do Conselho de Sua Magestade, e seu Sumilher de Cortina.
Propostas e aceitas em o Synodo diecesano, que o dito Senhor celebrou em 18 de Mayo do Anno de
1687. De Mandado do mesmo Senhor Bispo Impressas na cidade do Porto, em o Anno de 1690. Por
84
A elevação do terreno e da edicação, como preconizava Borromeu, obedecia a uma intenção
de “majestade” e destaque visual. Mas, nas Constituições, para além destes, a elevação
era uma garantia de que a igreja não fosse implantada em lugares “úmidos” e “sórdidos”,
arriscada a sofrer “indecências”. Dever-se-ia guardar o decoro, a decência do lugar onde
havia de se implantar a casa de Deus. A elevação era uma propriedade condigna, estendida
aos elementos sagrados e ornatos mais eloqüentes. Nenhuma imagem ou cruz poderia ser
colocada “no chão, aonde [sic] se lhe possão por os pés, nem também debaixo de alguma
janela, nem aos pés das paredes em lugares immundos, e indecentes”
96
.
A orientação do edifício era clara: “de modo que o Sacerdote no Altar que com o rosto
no Oriente, e não podendo ser, que para o Meio dia [Sul], mas nunca para o Norte, nem
para o Occidente”
97
uma regra importante mas que escritos da arquitetura, o costume de
edicar e também as circunstâncias de sítios urbanos proporcionavam variação na invenção.
Veremos isto na análise da implantação da capela de São Francisco de Assis, capítulo 4º.
O mesmo título XVII nominava as partes principais do templo: uma capela maior, cruzeiro,
pias batismais de pedra, armários para os santos óleos, pias de água benta, um púlpito,
sinos, confessionários, sacristia e, ainda no “âmbito”
98
da igreja e seu adro, a construção
de “cemitérios capazes”
99
. A “demarcação” da igreja momento importante da implantação
Joseph Ferreyra Impressor da Universidade de Coimbra. Livro Qvarto, Titulo I Da Edicação, & repa-
raçam das Igrejas, Ermidas, & Mosteiros, Constituições I e II, p. 361-363. Essas regras repousam em
várias passagens das Instrucciones de BORROMEO, op. cit., 1. De situ Ecclesiae, p. 4-6.
96
CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA, L. 4, XXI, “Que a Imagem da Cruz
se não pinte, nem levante em lugares indecentes; e que as imagens envelhecidas se reformem”, § 702,
p. 257.
97
CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA, L. 4, XVII, “Da Edicação, e repara-
ção das Igrejas Parochiaes”, § 688, p. 253.
98
A delimitação do âmbito pio, ou sagrado, composto também pelo adro, casas paroquiais e pelo
cemitério, era de importância fundamental. Representava implicações signicativas, sob albergue do
qual se poderia gozar de imunidade ou reversão de punições delituosas. Dantes seculares, poderiam
recair mais brandas sob o Direito Canônico. Cf. CODIGO PHILIPPINO ou ordenações e leis do reino
de Portugal. Rio de Janeiro: Typographia do Instituto Philomathico, 1870. L. II, V, p. 424-426, e também
CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA, L. 4, XXXII-XXXVI, § 747-773, p. 270-
277.
99
A construção de cemitérios externos às igrejas, nos adros, vai se transformar num costume em Mi-
nas apenas a partir do século XIX. Conforme carta régia de 14 de janeiro de 1801, cavam proibidos
os sepultamentos nas “campas” sob os pavimentos internos das igrejas. Cf. XAVIER DA VEIGA, José
Pedro. Efemérides Mineiras, Belo Horizonte: Fundação João Pinheiro, 1998, v. 1 e 2, “14 de janeiro de
1801”, p. 145.
85
deveria envolver necessariamente pessoas eclesiásticas, o Provisor ou Vigário geral (o
que é difícil precisar se efetivamente acontecia), e seus “Autos” deveriam ser guardados nos
cartórios do Arcebispado e das Igrejas. O título XIX do mesmo Livro 4 vigorava a estratégia
proselitista da Igreja, na excitação dos afetos piedosos, um lugar-comum do tratado de Carlos
Borromeu, recomendando, ainda, materiais nobres e de melhor solidez, como a pedra e a cal:
[…] louvavel edicarem-se capellas em honra, e louvor de Deos nosso Se-
nhor, da Virgem Senhora Nossa, e dos Santos, porque com isso se exercita,
e affervora a devoção dos éis, e se segue a utilidade de haver nas grandes
e dilitadas Parochias lugares decentes, em que commodamente se possa
celebrar; como convém muito que se ediquem com tal consideração […] e
que se obrigão a fazel-a (sic) de pedra, e cal, e não somente de madeira, ou
de barro
100
.
Era estritamente proibido tê-las indecentes, arruinadas, imperfeitas. Por isso, cava recomen-
dado também não edicá-las em lugares ermos, onde não houvesse quem pudesse zelar.
Caso houvesse alguma danicada ou arruinada, sem que houvesse pessoas ou recursos
para repará-las, os visitadores deveriam relatar ao Bispo, que mandaria derribar e profanar
101
,
mudando-se as imagens para a igreja paroquial do lugar. Títulos seguintes ainda resguarda-
vam diretrizes decorosas para os paramentos da missa, para os lugares de guarda deles, ar-
mários e mais móveis, e vários capítulos comentavam a “reverência” e a “compostura” devida
com que as pessoas se apresentassem nas igrejas e lugares sagrados
102
.
100
CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA, L. 4, XIX, “Da Edicação das Ca-
pellas, ou Ermidas, e o que se fará com as que estiverem damnicadas”, § 692, p. 254.
101
Algumas Constituições Sinodais mandavam colocar uma cruz no lugar da igreja derribada. É o caso,
por exemplo, das CONSTITUIÇÕES SYNODAES DO BISPADO DO PORTO, Livro Qvarto, Titulo I,
Constituiçam II: Da edicaçam, & reparaçam das Igrejas Parochiais, p. 363, e também das CONSTITUI-
ÇÕES SINODAIS DO ARCEBISPADO DE BRAGA, ordenadas pello Ill.mº S.ºr Arcebispo D. Sebastiaõ
de Matose Señor no Anno de 1639. E mandadas emprimir a primeira vez pelo Ill.mº Senhor D. Joaõ de
Sovsa Arsibispo e S.ºr de Braga Primas das Espanhas Em Ianeyro de 1697. Titulo XXV: Constituição I:
Que se naõ funde Mosteiro, Igreja, Ermida, nem se diga nellas Missa sem nossa especial licença,
p. 316.
102
Cf. CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA, L. 4, XXVII, “Da reverencia de-
vida ás Igrejas, e lugares sagrados”, § 728-730, p. 264-265; XXVIII, “Que nas igrejas se não assentem
em cadeiras de espaldas, ou tamboretes, nem os leigos estejão sentados na capella-mór em quanto
se fazem os ofcios divinos”, § 731-737, p. 265-267; XXIX, “Que nas igrejas e seus adros se não fação
feiras, mercados, contratos, ou escrituras, nem acto algum de jurisdição secular”, § 738-741, p. 267-
268; XXX, “Que nas Igrejas se não fação farças, e jogos profanos; nem se coma, beba, durma, baile,
ou fação novenas”, § 742-745, p. 268-269. Cf. também CONSTITUIÇÕES SYNODAIS DO ARCEBIS-
PADO DE LISBOA, novamente feitas no Synodo Diocesano, que a Se Metropolitana de Lisboa o Illus-
trissimo, e Reverendissimo Senhor D. Rodrigo da Cunha Arcebispo da mesma Cidade, do Conselho
de Estado de S. Magestade, em os 30 dias de Mayo do anno de 1640; concordadas com o Sagrado
Concilio Tridentino, e com o Direito Canonico, e com as Constituiçoens antigas, e Extravagantes pri-
86
Os parágrafos seguintes eram dedicados às Santas Imagens, “Christo Senhor nosso, a
sagrada Cruz, a Virgem Maria e os outros santos”. Concentravam aquele objetivo primordial
tridentino de remeter à recordação dos mistérios narrados nas Escrituras, recomendando que
guardassem a “honestidade”, a “decência” e a “conformidade” com os textos sagrados. Assim,
que se pintem retabolos, ou se ponhão guras dos mysterios, que obrou
Christo nosso Senhor em nossa Redempção, por quanto com ellas se con-
rma o povo el em os trazer á memória muitas vezes, e se lembrão dos
benecios, e mercês, que de sua mão recebeo, e continuamente recebe, e se
incita tambem, vendo as Imagens dos Santos, e seus milagres, a dar graças
a Deos nosso Senhor, e aos imitar; e encarrega muito aos Bispos a parti-
cular diligencia, e cuidado que nisto devem ter, e tambem em procurar, que
não haja nesta materia abusos, superstições, nem cousa alguma profana, ou
inhonesta (sic). Pelo que mandamos, que nas Igrejas, Capellas, ou Ermidas
de nosso Arcebispado não haja em retabulo, Altar, ou fóra dele Imagem que
não seja das sobreditas, e que sejão decentes, e se conformem com os mys-
terios, vida, e originaes que representão. E mandamos, que as Imagens de
vulto se fação daqui em diante de corpos inteiros, e ornados de maneira que
se escusem vestidos, por ser assim mais conveniente, e decente
103
.
Nessa matéria, as Constituições Sinodais de Lisboa alertavam explicitamente para que “na
compostura dos rostos, proporçaõ, e honestidade dos corpos, & decencia dos vestidos, &
toucados, se guarde o decóro que convem”. Em Lisboa, era necessário aprovar primeiro o
“modelo” ou a “traça” com que se faria a imagem, e que fosse feita por um “bom ocial”, perito
que domine a imitação e “faça bem conforme ao modelo”
104
.
Dando ação cotidiana a essas Constituições, as Visitas Pastorais foram a polícia eclesiástica
meiras, segundas deste Arcebispado; Accrescentadas nesta segunda impressão com hum copioso
repertorio; e dedicadas a Imperatriz dos Anjos, Maria Santissima, com o especioso e amavel Titulo da
Madre de Deos, por mãos de hum parocho seu devoto. Lisboa Oriental, Na ofcina de Filipe de Sou-
sa Villela. MDCCXXXVII [1737]. Titulo Vigesimoquinto, Constituição IX, “De como se deve estar nas
Igrejas”, p. 324-325; Constituição X, “Que nenhûa pessoa, assim Ecclesiastica, como secular, mande
levar às Igrejas cadeiras de espaldas para assentarem nellas aos Ofcios Divinos”, p. 326-328; Cons-
tituição XIII, “Que se não coma, nem beba, bem baile nas Igrejas, nem nas Ermidas, p. 329-330. Os
mesmos capítulos compunham as Constituições do século XVI. Ver por exemplo as CONSTITUIÇÕES
DO ARCEBISPADO DE BRAGA [1538]. Lisboa, por Germão Galharde, 30 de maio de 1538. [BNP cota
F. 3102]: Constituições: viii, “Do que ham de gardar os que se acolhem aas (sic) igrejas: ho tempo que
nellas ham destar”, . LI-LII; ix, “Que nam façam audiências seculares nas igrejas nem corram touros
nos adros dellas”, . LIII-LIII; x, “Que nam comã nem bebam nem bailê nas igrejas nem façam jogos
nem representações nellas nos adros, . LIIII; xii, “Que se encostê aos altares: nem ponham
nelles cousa algúa nem os leigos estê [estejam] no coro”, . LV.
103
CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA, L. 4, XX, “Das Santas Imagens”; §
696-701, p. 256-257. O texto reedita quase literalmente o Decreto XXV do Concílio Tridentino.
104
CONSTITUIÇÕES SYNODAIS DO ARCEBISPADO DE LISBOA, Titulo Vigesimoquinto, Constituição
VI, “Das Imagês, & pinturas das Igrejas”, p. 322.
87
do decoro e da decência. Nota-se claramente que foi esta a maior nalidade delas, o que
certamente contribuiu para consolidar o costume de inventar, fazer e se conservar templos
decorosos em Portugal e nas colônias.
As Visitas Pastorais da capitania de Minas Gerais são bastante acessíveis nos Livros das
Irmandades, e dezenas destes estão guardados no Arquivo Eclesiástico da Arquidiocese de
Mariana (AEAM). Em Paróquias diversas, os textos e as recomendações são muito seme-
lhantes, quando não praticamente os mesmos, o que evidencia dois aspectos: 1º) a autorida-
de do modelo que ordenava o rito das visitas – Ordo ad visitandas Parochias –, presente no
Pontical Romano dos Papas Clemente 8º e Urbano 8º, de 1726
105
, e também das Constitui-
ções que as regulavam; e 2º) o lugar-comum dos elogios e dos vitupérios, as recomendações
e exortações, as mesmas faltas e defeitos, bem como a recorrente aplicação das punições,
remédios e emendas adequados, vários deles impetrados sob multa revertida para a Fábrica
da Igreja ou até mesmo a pena de excomunhão ipso facto incurrenda.
Eram várias as matérias relatadas nas Visitas. Elogiou-se muito o zelo com as coisas divinas,
o prudente e dedicado pastoreio dos sacerdotes, a diligência na aplicação dos sacramen-
tos, a cura com que se empenhavam na fatura e no decoro da Casa do Senhor, a adequa-
da conservação dela etc. Examinava-se e provia-se no “espiritual” e também no “temporal”.
Examinavam-se a decência dos altares e retábulos, pedras de ara, santos óleos, pia batismal,
imagens, sacristia, armários, paramentos etc. Recomendava-se com freqüência a constância
dos Sacramentos, a devida veneração do Santíssimo, a presença dos ornamentos das quatro
cores em todas as igrejas e capelas, o aperfeiçoamento da Oração mental, o decoro e a cor-
reção de sacerdotes e pregadores (para edicar com o exemplo) etc. Mais freqüentes eram o
vitupério dos vícios e a correção das faltas, desde a mancebia e o concubinato, a desordem
para com o assento dos batismos, óbitos e casamentos, o desvio clerical de oblações, ofertas
e esmolas, o descuido com a administração do viático sacramental e com a extrema-unção,
as atitudes indecorosas das gentes em relação à Igreja, como a entrada de “palanquins” para
dentro dela, a postura indecente para com os altares (que “representam Cristo”), sobrepon-
do-lhes braços, chapéus e espadins. Procurava-se corrigir no material a fábrica da Igreja,
reclamando-se principalmente do estado de indecência e da ruína de várias partes, desde o
105
Cf. GONÇALVES, Flávio Carneiro, op cit., p. 9-25. “Ritual litúrgico das Visitas”, e também Ordo ad
visitandas Parochias” – texto completo em latim e tradução do Pontical Romano.
88
pavimento das campas das sepulturas até a cabeça da capela-mor
106
, a ausência de alfaias
convenientes, a inconveniência de retábulos, véus e docéis, a incomodidade nos lugares do
rito etc.
Num desses livros de Visitas Pastorais, da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de
Mariana, nomeado com o título de “P-15” pelo Arquivo Eclesiástico, foi copiada uma Carta
Encíclica do Papa Clemente XIV, escrita em 1769, primeiro ano de seu ponticado, que resu-
me bem os objetivos do pastoreio diocesano, efetivos através dessas visitas e mais procedi-
mentos de Cura. Ao lado da “promoção do culto”, da “extirpação dos vícios” e do “cultivo das
virtudes”, era igualmente destacável, e fundamental, a “amplicação do decoro das Casas de
Deus”. Sobre estas tarefas, aduziu o sumo pontíce, se devia meditar, bem como obrar con-
tinuamente; deveriam ser essas as “cobiças” de todos, concorrendo tudo para a maior glória
de todo o Corpo místico da Igreja, de que eram membros importantes:
Carta Encyclica do Sumo Pontice Clemente XIV (1705-1774) [escrita no iní-
cio do ponticado, 1769]
Exhorto vos veneraveis Irmaõs, Parochos, Primazes, Arcebispos, Bispos […]
Reconhecemos com o maior jubilo do nosso animo, q’ vós Sois os nossos
Auxiliadores […] Sois as partes mais principais do mesmo Corpo (da Igre-
ja, e a sua cabeça é Xpo-Cristo) que dimanando de Sua cabeça mystica
e difundindo sobre todos os membros com hua propensaõ de animo
tão conforme à sua dignidade [.…] Portanto sejão estas unicam.te as
Riquezas; q’ procurais: ganhares p.ª Jezu Christo [?] com o sangue de
Jezu Christo : esta seja a vossa verdadr.ª, e solida gloria: empregareis
Sempre o vosso trabalho el, e Solicito em promover o culto, amplicar
o decoro da Caza de D.s [Deus], extirpar os vicios, e cultivar as virtudes.
Isto deveis meditar; isto deveis fazer continuamente; esta deve ser a
vossa ambição, esta a vossa cobiça […] Assim vos pedimos, e Rogamos
o mais, q’ podemos, q’ encaminhay os Povos entregues á vossa Fidelid.e,
para q’ cumpraõ dignamente fé, pied.e e humild.e aquellas Santas orações,
106
Foi o caso por exemplo da Matriz de Nossa Senhora da Piedade, da Borda do Campo, atual Barba-
cena: “Recomendo ao Reverendo Parp.a que com a sua prudencia faça com os seus Parochianos
concluam as obras da Igreja, que se acha indecente, para nela se continuarem os Ofcios Divinos,
concorrendo todos com as suas esmolas e fazer adiantar os Requerimentos que tem perante Sua
Mag.de Fidelissima, para mandar concorrer como necessario para as obras da Capella-mor por estar
inteiramente arruinada […]”), “Visita Pastoral do Dr. Francisco Xavier da Rua à Matriz de N. Srda
Piedade, da Borda do Campo, em 21 de Junho de 1773”. In: RODRIGUES, Flávio Carneiro. As Visitas
Pastorais do século XVIII no Bispado de Mariana, n.1, p. 148. Na mesma Matriz, em 1781, outro visi-
tador reclamou de coisas mais, com estilo decisivo: “Recomendamos da mesma forma ao R.do Par
que empenhe todas as suas forças e zelo para compor os estragos da Igreja, fazendo que se faça de
novo e se assoalhe até a porta da Igreja, convidando a todos os seus Parochianos para concorrerem
com o que lhes for possivel para a obra de tanto agrado de Deos, pois a indecencia com que se acha
a Igreja he escandalo de todos os que entrão nella e argumento de pouco zelo e piedade que tem os
moradores desta Freguezia da Caza do Senhor, sendo certo que o corpo da Igreja deve ser reparado
a ispenças do povo”. “Visita Pastoral de Dom Fr. Domingos da Incarnação Pontevel à freguezia dea
Borda do Campo, 20 de outubro de 1781”, Idem, Ibidem, p. 155.
89
e os inamais tanto com os vossos avizos, eConselhos como com o vosso
exemplo, p.ª procurarem assim os bens da propria salvaçaõ, como da utilid.e
publica do Christianismo. E em testemunho do nosso amor p.ª convosco,
Veneraveis Irmaõs, vos damos amantíssimamente a vós, e aos apovos Fieis
das vossas Igrejas a Bençaõ Apostolica. Dada em Roma em Santa Maria
Maior aos 12 de Dezbr.º a 1769 no anno primeiro do nosso Ponticado
107
.
Em 10 de outubro de 1757, o visitador Dr. Jozé dos Santos, Cônego Penitenciário da de
Mariana, esteve em Casa Branca, atual Glaura, distrito de Ouro Preto. O segundo capítulo
da visitação é todo dedicado a dispor sobre o estado ruinoso da Matriz. Um raio “caio pela
torre abaixo”, e, segundo o relato, “circulou por toda a igreja e a deteriorou de sorte que cau-
sa lástima ver o estado em que chegou até destruir os esteios principais da mesma igreja”.
Considerada a pobreza dos fregueses, o visitador recomendou que, com a maior brevidade
possível, o pároco colado, o Dr. Alano Pires Vergueiro, recorresse à liberalidade de Sua Ma-
jestade Fidelíssima. O Grão-mestre da Ordem da Cavalaria de Nosso Senhor Jesus Cristo, e
por isso padroeiro da Igreja, certamente se dignaria a dar esmolas que ajudassem os irmãos
na reforma da edicação e também na aquisição de novos paramentos
108
.
Em 23 de julho de 1764, portanto quase sete anos depois, outra visita, desta vez desempe-
nhada pelo Dr. Francisco Ribeiro da Silva, louvou o zelo e o cuidado do pároco de então, o
Dr. Manuel Pires Vergueiro, na tarefa de bom pastor e também “no bom exemplo com que
tem concorrido para a nova e distinta Fábrica da Igreja”. Da mesma sorte, elogiou o “zello e
christandade de seus Freguezes pela despesa e zello distinto com que tem fabricado a sua
custa tam singular Igreja nova”. Como era comum na retórica teológica daquele tempo, acres-
centou que com isso os moradores poderiam esperar de Deus “a graça nal para entrarem
como justos na eternidade”
109
.
Foi possível pesquisar e encontrar todo o processo que tramitou na Mesa de Consciência
e Ordens a respeito da reconstrução da nova Igreja de Casa Branca, e por sorte também
as plantas se encontram conservadas no Arquivo Nacional da Torre do Tombo, Lisboa. São
107
Carta Encyclica do Sumo Pontice Clemente XIV, copiada no Livro P-15, AEAM, . 82-85v (grifo
nosso).
108
Cf. “Tombo Casa Branca-Glaura”, 10 de Outubro de 1757, in: RODRIGUES, Flávio Carneiro. As
Visitas Pastorais do século XVIII no Bispado de Mariana, n. 2, p. 109.
109
“Tombo Casa Branca-Glaura”, 23 de Julho de 1764. In: RODRIGUES, Flávio Carneiro. As Visitas
Pastorais do século XVIII no Bispado de Mariana, n.2, p. 121.
90
documentos de grande interesse, pois além de revelar os procedimentos internos dessas “di-
ligências” (e pude fotocopiar várias delas, para outras paróquias de Minas
110
), são permanen-
temente argumentados em razão dos preceitos que tanto nos interessam. Foram feitas muitas
“consultas” aos deputados da Mesa, ao Bispo de Mariana, ao Provedor da Fazenda Real em
Minas, bem como ao então Arquiteto das Ordens Militares, Rodrigo Franco
111
, que, além de
riscar várias plantas para a nova obra da capela-mor, teve que justicar minuciosamente suas
eleições em correspondência às proporções da Igreja e da povoação.
A súplica foi feita pelo segundo dos párocos citados, o Dr. Manuel Pires Vergueiro, Bacharel
formado nos Sagrados Cânones pela Universidade de Coimbra, Vigário colado na Igreja Ma-
triz de Casa Branca. Foi documentada em Lisboa no ano de 1758, e vinha redigida com toda a
justicativa apta a receber mercê. Era preciso fazer a obra “com toda a perfeição que se deve
a Deus”, e, a exemplo de outras Igrejas “menos necessitadas”, argumentou, com “grandeza
e liberalidade” Sua Majestade seria servido mandar provisão para a devida reconstrução da
capela-mor, retábulo e sacristia:
Sr.
Diz o P.e Manoel Pires Vergueiro, Bacharel formado nos sagrados canones
pela univercid.e de Coimbra, vigrcollado na IgrMatriz de St.º Ant.ºda Caza
branca, com.cª de V.ª Rica, Bisp.dº de Marianna, q’. caindo na sua Igreja hum
Rayo em vinte e hum deoutrproxime passado, cou a Igrmt.º aRuinada
por Ser de madeira, em.tº antiga; de cujo cou acap.ª mõr [capela-mor], e
Sanchristia m.º mais aRuinada do q’. estava, e o Retabalo da dita Capp.ª
m.tº damnicado; e vendo o supp.e este sucesso, convocou em hum dia os
seos freguezes, e lhe prepôz Se queriaõ Se consertasse a Igr.ª, ou Sezes-
se depedraria, e todos uniformem.te convieraõ Se Reedicasse depedra; e
no mesmo dia os Irmaõs do Santissimo Sacram.tº estando em Meza zeraõ
termo no l.º da dita Irmand.e com desp.º do Dr. Ouv.ºr de V.ª Rica, de se naõ
fazer Semana St.ª do Rendim.tº damesma Irmand.e- emq.tº Se naõ nalizas-
110
Casa Branca é o exemplo mais eloqüente. Os outros processos serão eventualmente citados, não
trabalhados aqui por concisão. Os processos estão situados na Torre do Tombo, Mesa de Consciência
e Ordens, Ordem de Cristo Padroados do Brasil, Bispado de Mariana, Maço 5. Além dos documentos
que fazem referência a essas “diligências” de construção, reforma, aumento e conservação de matri-
zes, participa desse “maço” uma grande parte de documentos avulsos sobre processos de nomeação
de dignidades em paróquias de Minas Gerais. Agradeço a indicação desse fundo ao historiador Álvaro
Antunes. Também agradeço aos professores Beatriz Bueno e João Adolfo Hansen que, na banca de
qualicação, recomendaram com ênfase a pesquisa aos fundos da Torre do Tombo.
111
O arquiteto Rodrigo Franco riscou e acompanhou obras importantes em Portugal, como a Igreja do
Senhor da Pedra, em Óbidos. Foi arquiteto da Mitra e das Igrejas do Patriarcado. Ingressou nas Ordens
Militares como “ajudante” de Custódio Vieira, e assumiu ocialmente o cargo em 1744, por impedi-
mento do próprio Custódio, como nos informa SOUSA VITERBO, Francisco de. Diccionario historico e
documental dos architectos, engenheiros e constructores portuguezes ou a serviço de Portugal. Lisboa:
Imprensa Nacional/Academia das Sciencias de Lisboa, 1922. v. I, p. 372-373. Cirilo Volkmar Machado
deu notícia de que Rodrigo Franco, ao lado de Negreiros e José Sanches da Silva, foram “medidores”
dos empreiteiros da Casa das Obras, em Lisboa. Idem, Ibidem, p. 372-373.
91
se aobra, cujo termo assinaraõ todos os mor.es [moradores], obrigandose por
elle assim se observar, e logo os d.ºs mor.es naõ obst.e asua m.tª pobreza,
ajustaraõ ofciais de pedreiro, e cuidaraõ com m.tº fervor, ezelo no aRancam.
da pedra p.ª o corpo da Igr.ª, como consta do Docum.tº, q’. junto offerece;
e como aCapp.ª môr, Retabalo, e Sanchristia pertence aVMag.e a sua Ree-
dicaçaõ, pela razaõ de Ser S.r dos dozimos, q.’ por dir.tº Divino foraõ insti-
tuhidos p.ª Reedicaçaõ dos Sagrados Templos, e congrua Sustentaçaõ dos
Seus Ministros, e pella razaõ de ser V. Mag.e S.r Donatrdas Igrejas destas
Minnas. Portanto S. aVMag.e em attençaõ ao Referido, seja servm.dar pas-
sar Provizaõ em q.’ ordemne ao Prov.ºr de Sua real Faz.dª de VRica dé ao
Supp.e toda a despeza q.’ for preciza fazerse com a Reedicaçaõ da dita
Capp.ª môr, Retabalo, e Sanchristia, p.ª q.’ que com toda a perfeiçaõ q.
se deve a D.s, assim como VMag.e q.e com summa Liberalid.e, e grande-
za o tem feito am.tªs Igr.ªs, m.tº menos necessitadas doq.’ esta./ RM.ce
112
Sua Majestade consultou o Provedor da Fazenda Real em Minas, que conrmou a veracidade
dos fatos e demandas relatados
113
. O mesmo informou que os fregueses haviam ajustado
por 6 mil cruzados toda a reconstrução de pedra até o arco-cruzeiro, cientes de que, como
costume, a capela-mor e a sacristia tocariam à Fazenda Real. O provedor fez alusão à ordem
régia de 02 de abril de 1739, ainda sob o reinado de D. João V, em que se mandava fazer
“planta proporcionada à necessidade”. Era este o texto da ordem:
[…] Fuy servido determinar por Rezoluçaõ de dous de Março deste prezente
anno em Consulta do meu Concelho Ultramarino q.’ os freguezes se naõ
intrometaõ a Reedicar ou amplear as ditas Igrejas Parochiais, sem primeiro
vos darem conta e ao Provedor da fazenda q,’ mandaraõ fazer planta propor-
cionada a necessidade evitando superuidades, com cominaçaõ q.’ para as
obras q.’ se zerem sem preceder a dita delligencia naõ mandarey concorrer
com a parte q.’ toca á fazenda Real [...].
114
Em Casa Branca, especialmente a nova planta da capela-mor deveria ser feita atendendo-
se à “comodidade” com que se achava reedicado o corpo da Igreja; evitando-se, todavia,
“superuidades”, termo fundamental da ordem régia. Os suplicantes deveriam solicitar a tal
“planta proporcionada” à Fazenda Real, e o preceito era fazer “correspondência” entre a ca-
pela-mor e a Igreja.
112
ANTT, Mesa de Consciência e Ordens, Ordem de Cristo Padroados do Brasil, Bispado de Mariana,
Maço 5. Consultas sobre a reforma e reconstrução da Igreja de Santo Antônio de Casa Branca (Atual
Glaura) (Documentos avulsos). (grifo nosso).
113
Também foi consultado o Bispo de Mariana, D. Fr. Manoel da Cruz, que tudo conrmou e também
relembrou o costume de Sua Majestade em contribuir com a construção das capelas-mores das Igrejas
que possuíam vigários colados. Ibidem. Mariana, 24 de março de 1759.
114
Cf. APM SC 18, f. 99. Lisboa, 02/04/1739. (grifo nosso).
92
“[…] De certo me consta q’ os mesmos Freguezes ajustaraõ esta [a igreja] de
pedra the o arco cruzeiro por seis mil cruzados fora as obras de carpintr.º; e
inda q’ pl.ª Real ordé junta por cert.ªm [certidão] devera oSupt.e Requerer a
Fazd.ª Real a planta, p.ª esta se dar em forma de se evitarê superuid.es; at-
tendendo a comod.e; comq se acha Rematado o Corpo da Igr.ª; aq deve
corresponder a Cap.ª mór, e taõ bé aq’ o Sup.te ignoraria a dª ordé, me pa-
resse estar nos tr.ºs deVMag.de lhe mandar fazer a Cap.ª mór corresponden-
te ao Corpo da d.ª Igr.ª Rematandosse a vista da planta q’ deve aprezentar;
VMag.e resolverá oq’ form mais do seo Real agrado. Rica 20 de Abril de
1759.
Provedor da Faz.dª Real das Minas Geraes Silverio Teixeira
115
À vista desta informação, o Rei D. José I mandou que o mesmo Provedor voltasse a lhe infor-
mar, já com as plantas, o quanto importaria aos cofres da Fazenda a reconstrução da capela,
segundo os costumes e custos do país
116
. Examinadas as plantas, o provedor cogitou da
quantia de 28 mil cruzados: 23 mil para o grosso da obra e 5 mil para o douramento
117
.
Ao lado dessa nova informação vinda do Provedor da Fazenda, foi anotado o comentário
muito importante a todo o processo de um dos deputados da mesa, difícil discernir quem
fosse, causado pelo exorbitante orçamento apresentado. Discutiram-se, então, a correspon-
dência, a decência e a proporcionalidade das obras. O deputado argumentou que Sua Ma-
jestade, que recebia os dízimos, tinha a obrigação, sim, de fazer a capela-mor, mas jamais
subordinada ao “arbítrio” ou ao “capricho” dos fregueses, que haviam se metido a construir,
115
ANTT, Mesa de Consciência e Ordens, Ordem de Cristo Padroados do Brasil, Bispado de Mariana,
Maço 5. Consultas sobre a reforma e reconstrução da Igreja de Santo Antônio de Casa Branca (Atual
Glaura) (Documentos avulsos). (grifo nosso).
116
“[…] Hey por bem ordenarvos, me torneiz a informar, á vista da planta da Capp.ª mór, Retabolo, e
Sanchrestia, oq’ poderá importár aSua despeza: Oq’ farei com vosso parecer, que com esta me invia-
reis em Carta fechada[…] aos vinte, edous deJulho de milSettecentos e Sessenta annos”. Ibidem.
117
“Senhor/ Foi VMag.e servido pella Real Ordem de vinte e dous de Julho do anno passado, orde-
narme torne a informar com omeu paresser, avista da planta da capela Mor, Retabolo e Sanchristia
da igreja Matriz deS. Ant.º daCaza Branca do Bispado de Marianna, Sobre oq’ poderá importar toda
adespeza das Refferidas obras. Para dar Cumprim.tº ao que VMag.e me ordena, mandei fazer planta
da Referida Capella mor, q’ Com Respondesse ao Corpo principal da mesma Igreja Retabo-
lo e Sanchristia, por profeçores practicos, q’ satisfeito mos aprezentaraõ, eavista dehua, eoutra
planta, entrando na m.ª prezença aexaminar aq’ quantia poderia chegar toda a despeza daReferida
obra, uniformem.te aSentaraõ q’ poderia chegar aq.tia de vinte etrez mil Cruzados, feito tudo naforma
daplanta, e condiçoes, q’ p.ª o dito efeito Se zeraõ, declarando mais q’ o douram.tº da Tribuna, de q’
necessariam.te Seperciza, poderia chegar aCinco mil cruzados, vindo tudo a importar a obra de vinte
eoito mil cruzados, nesta Comformid.e he o meo paresser, q’ em attençaõ as plantas das Referidas
obras, e suas Condiçoes, eoq’ a experiencia mostra Segd.º o estado do Pais, q’ se deve por empraça
Rematandose aq.m por menos ozer, naõ excedendo aq.tia aSima Referida, emque me persuado Ser
Rematará per m.tº menor quantia. o que ponho naprezença deVMag.e. VªR.ª a 6 de Fevrde 1761/
Prv.dor daFaz.dª Real Silverio Teixeira”. Ibidem (grifo nosso).
93
por desproporcionada “piedade”, um “templo magníco”. Salientou o deputado que não care-
cia tanto, pois “bastava” que fosse “decente”, porque ali servia a ordem de 1739:
Em 20 de Abril de 1759 informou o Prov.ºr da Faz.dª q’ os Freguezes tinham
arrematado o corpo da Ig.ª aos M.es pedreiros por seis mil cruzados, alem
da obra deCarpintr.º q’ naõ seria m.tº g.de; agora está inclinado a q’ V.Mag.e
dê 28 mil cruzados p.ª a Capella mor, e ornato interior dela regulandose pela
planta q aqui vem (?) e a mim me parece demasiada. S. Mag.e q’ percebe
os dizimos deve mandar fazer a Capella mor, mas naõ tem obrigaçaõ de a
mandar fazer a arbitrio dos Freguezes, nem regularse pelo seu capricho:
basta que a faça decente, e se naõ for proporcionada ao Corpo da Ig.ª
La se avenham (?) os Freguezes q’ a zeram sem planta, porq’ p.ª aqui
serve a ordem de 2 de Abril de 1739. Pelo q’ assento, q’ dando S. Mag.
de Seiz mil cruzados de esmola p.ª a Capela mor tem satisfeito: alias todos
dias aparecem com este exemplo Reqt.as (?) p.ª se fazerem Capellas mores
proporcionadas a inconsiderada pied.e dos povos q’ se metem a fabricar sem
ordem templos magnicos”.
Haja vista o dez.ºr PRoc.ºr g.al das ordenz. Meza 30 de julho de 1761
118
.
À continuação desse comentário, dá seu parecer o deputado “Castro”, que já havia sido favo-
rável aos irmãos
119
, antes, porém, do orçamento apresentado. Assim, o Tribunal da Mesa de
Consciência e Ordens, na pessoa do Deputado “Castro”, achou superlativa a quantia, e reco-
mendou que se consultasse Sua Majestade antes sobre o quanto ele poderia gastar de seus
cofres. Isto porque, foi enfaticamente declarado: à Fazenda Real tocava a obrigação de fazer
uma capela “decente”, nada mais que isso, mesmo que proporcioná-la ou correspondê-la ao
restante do corpo da Igreja, já feita, implicasse mais aos cofres da fazenda.
Taõ bem me parece grande o oam.tº q z o Proc.ºr da Real Faz. da fabrica da
Capella Mór. e nestes termos dicera Se consultasse aS.Mag.e p.ª q’ o mesmo S.r
p.la Sua Regia Pied.e mande assistir com a quantia q’ poderá gastarse na fabrica
dea Cappela r decente q he ao q’ está obrigado e naõ aproporcionala com o
corpo da Igr feito p. livre, e imprudente arbitrio dos Freguezes.
Castro [Assinatura]
120
118
ANTT, Mesa de Consciência e Ordens, Ordem de Cristo Padroados do Brasil, Bispado de Mariana,
Maço 5. Consultas sobre a reforma e reconstrução da Igreja de Santo Antônio de Casa Branca (Atual
Glaura) (Documentos avulsos). (grifo nosso).
119
“Como aVMag.e p.lª percepçaõ dos Dizimos do Ultramar toca a fabrica das Cappellas mores naõ
posso acomodarme aq’ se pratique com o Supp.e e freguezes o rigor da Provizaõ de 2 de Abril de 1739
expedida p.º Cons. do Ultramar tanto p.lª ignorq’ della selhes prezume como por q’ informa o Proc.
ºr da Fazd.ª naõ ampliaraõ o corpo da Igr.ª q’ fazem á Sua custa enestes tr.ºs (?) informasse outra vez
o Proc.ºr da fazenda a vista da planta da Capella Mor Retabulo, e Sacristia o q’ poderá importar aSua
despeza, p.ª que o Supp.e experim.te da Regia pied.e deVMag.e a mesma graça comq’ tem deferido
aoutros. Castro”. Ibidem.
120
Ibidem. (grifo nosso).
94
A seguir, no processo, se encontra o parecer do arquiteto responsável pelos riscos, Rodrigo
Franco, que recorreu, entre outros preceitos, à tópica da maior “autoridade dos templos”.
Argumentava o arquiteto que já havia “livrado” o risco vindo de Minas Gerais de muitas super-
uidades, como eram os “ornatos aéreos” e “relevos de talha”, além de “muita escultura mal
aplicada” (FIG. 13-15). Além de justicar que houvera feito tudo “baixo das regras da Arquite-
tura sólida”, o arquiteto recomendou que se determinasse a obra a ociais peritos e um enge-
nheiro. Chegou a cogitar da coroa enviar de Portugal um retábulo de pedra, a ser montado em
Casa Branca por um mestre português que também cruzaria o Atlântico com os tais desígnios:
Figura 13 “Planta da Cap.ªmor, e sanchres-
tia da Igr Matriz de St.° Antonio daCaza Bran-
ca do Bispado deMariana. O Archyteto das Or-
dens Rodr Franco”. Fonte: ANTT-PT-TT-MR/1/15.
95
Fiz, como VMag.e me mandou nodesp.º de de Agosto deste ano, a plan-
ta, e mais riscos competentes p.ª aCap.ª mor, Retabulo, e Sanchrestia da
Igr.ª Matris deSt.ºAnt.º da Caza branca do Bispado deMariana, oqual remeto,
e nasua trassa eporjecto q’ Segi [segui] a porporçioney aoCorpo da Igrq’
Sediz estar feito pellos freguezes; tao bem quartey e reformey a m.tª obra
[também cortei e reformei a obra excessiva], pois no Retabullo o risquey
com os preceytos das medidas e de baixo das regras daArchytectura Soli-
da cando assim Libre da Montiplicidade de Ornatos Aérios q’ trazia oque
de vinha riscado, tratando de m.tºs Relevados detalha, e dem.tª escultura
mal apilcada. tao bem me rezolvy afazer depoiz dos riscos fora, hum Or-
sam.tº do q’ poderaõ emportar as obras pellos ditos riscos trasados eachey
q’calculando por p.tes han de chegar ao todo a 10 ou 12, mil cruzados, nestes
tr.ºs era depareçer 2.º VMag.e me manda q’ informe, q’ esta soma total a man-
daçe V.Mag.e dar por húa vez m.te ao povo oufreguezes dad.ª Parochya
p.ª estes com elles fazerem as d.ªs obras sujeitandose porem aqué handem
por tudo, e em tudo executar ad.ª planta, emais riscos Competentes; pois naõ
justo q’ façaõ idecio publico, e de tanta auturidade como hum templo o
qual dis resp.º aVMag.e por discrusos [discursos], e arbitrioz Aerios despesas
ignorantes assim noespeculativo, como no partico modo deidecar, e Sere-
comende ao Parocho Suprintenda as d.ªs obras ebusqué algum m.e [mestre]
perito daquelles sitios, ou Sevalha de Algum Engenheyro q.e auerdadr
intilig.ª apl.ªs plantas eas faça bem executar E (?) naõ paressa aVMag.e tao-
bem melembro deqaqui se lavraõ m.tªs obras depedra etalha p.aquellas p.tes
[partes] eSepode aqui fazer desta o Retabulo, uarco Cruzeiro ealgua pedr
outra da d.ª Cap.ª mor, eneste meyo tempo alegerseá mestre q’ daqui avá
Figura 14 “Espaçado q’ mostra atravessada a Capella
mor d.ª vendose huá janela qlhehade dar Luz, eoco-
redor q busca a sanchrestia”. Rodrigo Franco. Fonte:
ANTT- PT-TT-MR/1/16
Figura 15 “Retábulo p.ª a Capela Mor da
Igr Matriz de St.° Ant.° da Caza Branca do
Bispado deMariana tirado em petipé dobrado
daplanta dad.ª Cap.ª Mor”. Rodrigo Franco.
Fonte: ANTT- PT-TT-MR/1/17
96
sentar, efaca Comprefeyçao executar omais Oq seguro aVMage q este pare-
ser naõ hade hiplicar [implicar?] mayor despesa doq’ aq’ Orsso antes se tira
certezas de melhor execucaõ, epª qualquer da q’ se lhe ouver de dar detudo
darey apontam.tºs einstrusois assim do acerto Comq’ Sedeve Servir aVMage
q’ em tudo mandara oq’ for servLx.ª 20 de 8brde 1761. OArchitecto das
Ordens Rodr.º Franco.”
121
Ao lado desta informação do Arquiteto, assim como zera antes, aquele mesmo deputado
da Mesa (que reclamou do orçamento inicial) anotou duras reprimendas. Conrmava o seu
primeiro parecer, autorizado na vigência da Ordem régia de 1739, que, pelo que ele indica, se
queria sempre “transgredir” nas Minas.
Estou peloq’ respondi, sem me fazer força, nem no corpo daIgr.ª já edicado
sem planta, nem Licença pelos Fregueses: nem a nova planta doArchitecto,
q’ com ela se conforma porq’ deste modo nunca tera execuçaõ a resolução de
2 de Abril de 739 todas as vezes q’ a quiserem transgredir
122
.
Estive em Casa Branca para vericar o que de tudo tinha resultado e, pelo que se vê, e os
pareceres indiciam, não deve ter chegado a Casa Branca o tão disputado auxílio fazendário.
É uma hipótese provável. Nada se vê, nenhum vestígio, do que poderia ter sido obrado con-
soante aos riscos de Rodrigo. Para além das incongruências de planta, e também da talha
do retábulo, no Risco do arquiteto as paredes externas da capela-mor são arrematadas, na
transição para o telhado, por uma elegante cimalha, que inclusive intercepta caprichosamente
a verga da janela superior, responsável pela iluminação da capela (FIG. 16-20). Na Matriz,
todavia, e ao contrário do que se verica também nas paredes externas do corpo da Igre-
ja, arrematado nobremente em cimalha real, os telhados da capela-mor se assentam numa
cachorrada
123
de caibros bem humilde, muito comum nas habitações mais simples daquele
tempo, mas evidentemente desproporcionada ao decoro da cabeça de uma Igreja Matriz.
No risco do arquiteto, porém, as paredes da capela-mor são arrematadas também por uma
cimalha (FIG. 18).
121
ANTT, Mesa de Consciência e Ordens, Ordem de Cristo Padroados do Brasil, Bispado de Mariana,
Maço 5. Consultas sobre a reforma e reconstrução da Igreja de Santo Antônio de Casa Branca (Atual
Glaura) (Documentos avulsos).
122
ANTT, Mesa de Consciência e Ordens, Ordem de Cristo Padroados do Brasil, Bispado de Mariana,
Maço 5. Consultas sobre a reforma e reconstrução da Igreja de Santo Antônio de Casa Branca (Atual
Glaura) (Documentos avulsos).
123
Cachorrada é o nome que se ao conjunto alinhado de caibros ou vigotas salientes do telhado
(chamados “cachorros”) que sustentam as ripas ou caibros para distribuição das telhas.
97
Figura 16 – Igreja Matriz de Santo Antônio, Casa Branca, atual Glaura
Figura 17 – Lateral da capela-mor da Igreja Matriz de Santo Antônio, Casa Branca,
atual Glaura
98
Figura 19 – Detalhe exterior da transição entre os corpos da nave e da capela-mor
da Matriz de Santo Antônio, Casa Branca. Destaque para a humilde cachorrada
que arremata as paredes da capela-mor, em contraste com a cimalha da nave em
cantaria
Figura 18 – “Vista exterior do lado da Cap.ª Mor da Igr.ª Matriz de St.° Ant.° daCaza branca do Bispado
de Mariana emqse mostra taobem aJanella + qdaLuz a Sanchrestia”. Rodrigo Franco. Fonte: ANTT-
PT-TT-MR/1/14
99
Se foi isso mesmo o que aconteceu, a polêmica levantada pela Mesa em nome da decência
que bastasse, e contra a “magnicência” ou a “superuidade” desproporcionada, acabou ten-
do um efeito contrário à nalidade, pois terminou em indecência efetiva para a Igreja. Este não
foi o único processo condenado a padecer com as polêmicas de fausto desmedido em Minas.
Nas diligências relativas à Matriz de Boa Viagem de Itabira, os termos chegaram a ser mais
duros. Os irmãos já estavam fazendo o corpo e a capela-mor, tudo pela mesma pedra, com a
intenção de tornar “correspondentes” o corpo da igreja e a capela-mor, mas faltavam recursos
para orná-la com decência e perfeição, com painéis, douramentos etc., e então recorreram
à Sua Majestade. Acrescentaram que era devido fazer-se com “asseio” a nova igreja, e para
tanto contavam com a “Liberalidade” do Rei. Argumento ainda mais persuasivo ressaltava
na idéia de que os Templos erigidos vinham sendo “publicados”
124
com notória “grandeza” e
“ornato”, pelos quais “resplandecia” o “zelo” de Sua Majestade:
124
A noção de “público”, nesse tempo, é outra. Não é o livre espaço moderno da manifestação do indiví-
duo e das instituições, mas sim um lugar da encenação interessada dos valores e princípios que regem
e sustentam o “bem comum” do corpo místico. É nesse sentido que se argumentou os templos gran-
diosos e bem ornados serem ecaz “publicação” do “zelo” de Sua Majestade. O argumento pretendia
persuadir os conselhos ultramarinos do proveito em a Fazenda Real continuar a investir pesadamente
na fábrica religiosa que também interessava aos fregueses. Sobre um melhor entendimento dessa e
outras noções coevas, cf. sobretudo os textos de HANSEN, João Adolfo. Ler & ver: pressupostos da
representação colonial, e também HANSEN. Artes seiscentistas e teologia política.
Figura 20 – Lateral da capela-mor da Igreja Matriz de Santo Antônio, Casa Branca,
atual Glaura
100
Senhor// Diz o P.e Manoel RibrSoares Vigrcollado dafreg.ª deN. Srda
BoaViagem da Itaubira, Com.cª de Villa Rica Bispad.º de Marianna, e mais
freg.ªs; q. estes tem feito aIgreja Matriz depedra, forrada de Madeira, à sua
Custa, enocorpo della, quatro Altares decentem.te Ornados, Com Retabo-
los de talha, edouradoz, edepróximo andaõ cuidando napintura do mesmo
corpo daIgr.ª; ezéraõ aCapp.ª.mor damesma pedra, correspondente ao
mesmo Corpo, tudo Comgravissimo dispendio deSuaz fazendas, nad.ª
Capp.ª mór Concervaõ Sacrario onde depozitaõ OSm.º Sacram.tº; eveneraõ
namesma collocáda N. Sr.ª da Boa Viagem, Orago damesma Matriz; e como
aTribuna, q.nella Seácha mt.º velha, eCurta, por ter sido da Capp.ª Re-
formada, e por hisso mt.º piquena, e está indecente, ornada Com paineis
Rottos, e Com imperfeição; ehé necessrnova Tribuna p.ª igualar Com a
Capp.ª Mór, esse [e se] poderem fazer os Ofcioz Devinos Com o devido
Acatam.tº [acatamento]; e decencia; ecarese deSanchrestia, eornamen-
tos das Corez deq’ uza aIgrnaz funções porq’ osq’Saõ mtº velhos,
e Rottos; e os Supp.tes naõ tem posses p.ª fazerem adita Tribuna, San-
chrestia, eornam.tºs; talha, edouram.tº da Tribuna, por Serem pobres
amayor parte dos freg.ez, eterem fallecido osq’ máis podiaõ fomentar
asdespezas, q’ trazem Semelhantez obras; porq’ no Paí[s] das Minnas
falhando as Lavouras, ecançando asterras das Rosas [roças], Cessaõ
az conveniencias dos Mineiros e Rosseiroz; Razaõ porqueRecorrem
ágrandeza de V. Mag.e; que uzando de sua piedade Sedigne mandár
Concorrer p.ª o Asseio dad.ª Capp.ª. Mor, EaSua Tribuna, Samchristia,
Eornam.tºs p.ª se fazerem oz Off.ºs Devinos Comaquella decencia, q’.
merecem, noq’ interessa m.tº avazaõ publica da Relligiaõ, ezello della,
emq’. V. Mag.de mt.º resplandece, e estaõ publicando os Templos, q’.
Com a Liberál maõ deV. Mag.de Setem erigido, e ornado Com taõ notoria
grandeza./ P. aV. Mag.de sedigne pella Sua innata piedade, atenda ájusta
Cauza expressada./ E Re.M.ce
125
O processo tinha todos os pareceres cabíveis, inclusive a aprovação do Bispo de Mariana e
a consulta do Desembargador Procurador da Fazenda do Ultramar, de 07 de abril de 1762.
Ao lado deste, anotou-se com outra letra, e rubrica ao nal, o seguinte, com que se procurava
resguardar a correspondência entre a qualidade e a grandeza da povoação e da Igreja:
Ainda q’ p.ª o culto divino toda adecencia seja divida [devida], com todo [con-
tudo] Se deve attender aqualid.e da povoaçao p.ª correspond.te a ella ser
aobra, p.lo q’ me parece q’ se deve ordemnar o prov.ºr daFaz.dª; p.ª q’ faz.
[fazendo] o Risco daobra necessr.ªp.ª aCap.ª.mor, e sanchristia ponha á
Lanços [...]
126
A consulta ao Desembargador Procurador geral das Ordens foi assinada em 19 de dezembro
de 1770, e possui as mesmas aprovações. Ao lado dela, uma outra anotação rubricada por
um deputado da Mesa declarou que nos edifícios da Conquistas costumava ser “tão sério o
excesso”, que, ultrapassando a medida do necessário, e sem regulação, chegava a ser “luxo”,
125
ANTT, Mesa de Consciência e Ordens, Ordem de Cristo Padroados do Brasil, Bispado de Mariana,
Maço 5. Consultas sobre a construção da Igreja de Boa Viagem de Itabira. (Documentos avulsos). (grifo
nosso).
126
Ibidem.
101
ou “vão”, o que deveria ser promovido, então, pela “devoção”, ou seja, sem apoio da Fa-
zenda Real.
[…] [nos] edicios das Igrejas das Conquistas costuma ser tam serio o ex-
cesso, q passando [o necessario?], e sem regulado (?), chega a ser Luxo, ou
vam [falta parte do papel], o q só devia ser promovido pela devoção […]
127
.
O cerne dessa polêmica não era novo no século XVIII. A discussão sobre o decoro dividido
entre o aparato esplendoroso das Igrejas e a humildade cristã foi recorrente na arquitetura
pós-tridentina, como vimos nas seções anteriores. Se, no campo das imagens, as polêmicas
repousaram na problemática questão da decência e da idolatria, alvo dos ataques protes-
tantes, na arquitetura o problema análogo era o decoro e a legitimidade do aparato exterior
matéria, também, de controvérsia reformada. A idéia foi amplamente debatida em termos
de decoro e conveniência, amparada por várias passagens da Bíblia que ora autorizavam a
virtude da humildade e da pobreza, ora o esplendor devido a Deus e sua glória. Em Minas
Gerais, participavam mais algumas circunstâncias especícas, como o auxílio padroeiro da
coroa e a regulação de um temperamento correspondente entre a povoação e as proporções
e ornatos da Igreja Matriz. Por mais que os deputados reclamassem uma decência que bas-
tasse, interessava muito à própria coroa a pompa e o aparato das igrejas, efeitos ecazes da
arquitetura. É exatamente isso que levou os irmãos a argumentarem que não a decência
mas também a grandeza do aparato tornavam “pública” e “resplandecente” as imagens da
Igreja e do zeloso rei.
127
ANTT, Mesa de Consciência e Ordens, Ordem de Cristo Padroados do Brasil, Bispado de Mariana,
Maço 5. Consultas sobre a reforma e reconstrução da Igreja de Santo Antônio de Casa Branca (Atual
Glaura) (Documentos avulsos).
CAPÍTULO 2
O DECORO DA IGREJA MATRIZ DE NOSSA
SENHORA DO PILAR
103
CAPÍTULO 2
O DECORO DA IGREJA MATRIZ DE NOSSA SENHORA DO PILAR
Sim; que os Templos do Santíssimo Sacramento são os mais fortes muros,
são as mais inexpugnáveis fortalezas das Cidades e dos Reinos. Edique-se,
leve-se por diante esta fábrica que ela será os mais fortes muros de Lisboa;
ela será a mais inexpugnável fortaleza de Portugal.
Padre Antônio Vieira, Sermão do Santíssimo Sacramento
Igreja de Santa Engrácia, 1645
Ainda não estudos que tenham se dedicado a desenvolver a importância capitular das
igrejas matrizes na autorização das práticas e costumes das artes luso-brasileiras na capi-
tania de Minas Gerais. Embora muitos estudos as tenham investigado sob vários aspectos,
históricos, autorais, formais e estilísticos, as capelas de irmandades leigas predominam como
objeto quando a nalidade da pesquisa é a compreensão das artes ou, mais especicamente,
da arquitetura. Dentre os motivos possíveis, atuou certamente aquele mito a sustentar que foi
nas capelas da segunda metade do XVIII em que o dito “barroco mineiro” se destacou e se
“evoluiu” “original”, em relação à arte portuguesa e demais partes da colônia. Some-se a isso
a menor quantidade de documentos remanescentes dos primeiros assentamentos minerado-
res, das primeiras ereções de igrejas, em relação ao que da segunda metade do século
XVIII, quando se multiplicam o número de irmandades leigas e capelas. Ademais, o Bispado
de Mariana se instalou denitivamente na capitania apenas no nal de 1748, com a chegada
o Bispo D. Frei Manoel da Cruz
1
. Muito se escreveu sobre a história do novo Bispado, lançan-
1
A criação das dioceses de São Paulo e Mariana, separadas da do Rio de Janeiro, foi proposta pelo rei
D. João V em 23 de abril de 1745, quando Mariana foi elevada à condição de cidade. Cf. APM SC 86,
f. 33. “Criação da cidade de Mariana”. Lisboa, 23/04/1745. A conrmação de Roma foi assinada pelo
Papa Bento XIV em 6 de dezembro do mesmo ano, pela carta apostólica (motu proprio) Candor lucis
aeternae. Um pouco antes de sua chegada a Mariana, cuja viagem demorou cerca de quinze meses
desde o Maranhão, D. Fr. Manoel da Cruz nomeou o vigário da comarca de Sabará, Dr. Lourenço José
de Queirós Coimbra, para, “em seu nome, empregar-se nas primeiras medidas e ações implantadoras
da diocese”. Cf. BOSCHI, Caio César. “Se não põe logo no princípio tudo em boa ordem, tudo para
o futuro serão desordens”. Ocina do Incondência. Ouro Preto, Ano 4, n. 3, dez. 2004, p. 186; 193.
Referenciando-se nas fontes documentais, principalmente no códice “copiador” das cartas particulares
do próprio Bispo, escritas entre 1739 e 1762, Boschi comentou as várias querelas entre D. Fr. Manoel
e seu corpo capitular, dignidades, cabido e mais ministros. Apesar de representar a idéia de um corpo
uno e coeso, a Igreja, em Portugal em vários tempos e lugares –, deu evidências de muitas dissen-
sões, disputas e jogos de poder e interesse. Conforme José Pedro Paiva, apud BOSCHI, ibidem, p.
195-196, a Igreja portuguesa “era um corpo pluricelular, encerrando diversos grupos e indivíduos com
104
do luz a um período que se carateriza, sobretudo, pela eloqüência arquitetônica das capelas.
Mas as diligências dedicadas às matrizes não diminuíram na segunda metade do século
XVIII. Os vários processos que tramitaram pela Mesa de Consciência e Ordens durante os
reinados de Dom José I (1750-1777) e Dona Maria I (1777-1792), arquivados atualmente na
Torre do Tombo e comentados no capítulo primeiro, dão uma clara e respeitável medida do
que foi a fábrica de capelas-mores de igrejas matrizes, ornamentação e douramento delas.
É sobre as pedras fundamentais dessas primeiras igrejas que inicialmente se assentaram e
se autorizaram os costumes da arte, tópicas, preceitos e artifícios difundidos na capitania. A
armação se revigora na assertiva do vereador de Mariana, Joaquim José da Silva, que em
1790 registrou os fatos notáveis da fábrica artística na capitania. Após comentar sucintamente
as duas matrizes de Vila Rica e a de Mariana, o ocial se valeu de uma tópica de emula-
ção para dizer que se deve encontrar, nessas igrejas, “os primeiros modelos em que a arte
excedeu a matéria”
2
. Já no início do povoamento, os costumes da arquitetura luso-brasileira,
fonte letrada ou não, foram adequadas às circunstâncias materiais, nalidades e costumes
do “país”, termo com que na época geralmente se denominava um lugar ou região com ca-
racterísticas e circunstâncias comuns, éticas, materiais, administrativas. Assim, nos “países”
do litoral, Salvador, Rio de Janeiro, São Paulo etc., ordens religiosas primeiras e segundas
protagonizaram as primeiras fábricas e o processo de difusão artística, imbuídas das missões
inerentes ao regime das ordens monásticas: conquista e representação eclesiástica, cateque-
se, conversão do gentio, redução índia, formação seminarista etc., nalidades diversas da-
quelas encontradas logo no início do século XVIII em Minas Gerais – que se caracterizou em
possuir apenas irmandades leigas e ordens terceiras. Seria possível proporcionar a eciência
das igrejas paroquiais em Minas Gerais àquela desempenhada pelas ordens religiosas regu-
lares no litoral, pelo menos no que concerne às matérias da arte? A resposta a esta pergunta
demanda estudos especícos e comparativos muito extensos, conquanto aguce a questão, e
comprove a necessidade de esforços coletivos de pesquisa.
Nos primeiros anos do século XVIII, algumas capelas foram reconhecidas como matrizes em
uma cultura heteróclita, uma formação moral e religiosa muito diferenciada, uma origem social profun-
damente diversicada e que competiam entre si por recursos”.
2
A referência é feita logo no início do “registro”, conforme citação parcial de Rodrigo Brêtas na biograa
do Aleijadinho. O documento, infelizmente, é incógnito em sua fonte primária. Cf. SILVA, Joaquim José
da. Registro de fatos notáveis apud BRETAS, Rodrigo. Traços biográcos relativos ao nado Antônio
Francisco Lisboa... In: VEIGA, JOSÉ Pedro Xavier da. Efemérides mineiras, Belo Horizonte: Fundação
João Pinheiro, 1998. “18 de novembro de 1814”, v. 3 e 4, p. 996.
105
vários lugares da capitania, quando então começaram a ser reformadas com a nalidade de
amplicar sua capacidade, seu ornato e seu decoro. Desse período, se notícia também dos
processos fundamentais à sua conservação e aumento, com a ereção de várias Paróquias
canônicas. Em 12 de fevereiro de 1724, foram reconhecidas as primeiras devidamente cola-
das; outorgadas, portanto, entre outras mercês padroeiras, com o auxílio côngruo da coroa
3
.
Durante grande parte do século XVIII, na primeira metade em especial, muito do fervor pie-
doso das populações mineradoras foi destinado às matrizes. As irmandades, numerosas
nesta primeira metade do século, como se pode vericar nos estudos de Caio Boschi
4
e Fritz
Teixeira de Salles
5
, em boa parte efetivavam suas práticas e ofícios nos altares laterais erigi-
dos nessas igrejas. Era um momento crucial de construção ética e física da permanência, que
implicava um asseio maior das construções, elegância e ornato, especialmente das religiosas.
As igrejas matrizes foram fundamentais para a acomodação e a crescente permanência das
povoações, arraiais, lugares e primeiras vilas erguidas a partir de 1711. Embora se deva co-
gitar da instabilidade inerente ao processo minerador e, portanto, do caráter eventualmente
provisório das primeiras catas e descobrimentos, a permanência dos povos e das povoações
passou a ser conveniente logo no início do século XVIII. A estabilidade do povoamento se
justicava não apenas em proveito da coroa, mas também dos colonos. Da coroa, porque a
permanência das vilas e lugares de seus termos proporcionava maior coesão às conquistas,
domínio e representação metropolitana nos lugares e caminhos, condições mais ecazes
3
Cf. AHU, Caixa 5, doc. 9, “Decreto de D. João V, concedendo a ereção de outras igrejas em Minas,
alem das que existiam, e ordenando o pagamento aos vigários”, Lisboa, 12/02/1724: “Sendome
prezente, que alem das treze Igrejas, que o Cabbido do Rio de Janeiro sede vacante juntamente com
o Governador das Minas gerais apontaraõ para Vigararias colladas no destricto das mesmas Minas há
nelle outras Igrejas, que pello sitio, rendimento, e numero de freguezes meressem igualmente ser erec-
tas em Vigairarias: Hey por bem ordenar, que a ditta ereçaõ se faça na forma do mapa junto assignado
pello Secretario de Estado, e que as vinte Igrejas nelle expressadas sejaõ erectas em vigairarias com
a natureza, e qualidade de Benecios manuais, e amoviveis ao meu arbítrio, posto que sejaõ dadas
em titulo collativo: e a cada hum dos Vigarios se pagaraõ em cada anno pella minha fazenda duzen-
tos milrs [mil réis] de Congrua na forma das minhas ordens; e aos mais Parochos das outras Igrejas,
que naõ seraõ colladas, mas curatos annuaes, a pagarão os Freguezes, segundo a taxa arbitrada
pello Cabido, e o estillo observado nos mais Curatos do mesmo Bispado; e com este baixa a copia do
Decreto, que fui servido mandar â Mesa da Consciencia, e Ordens assignada pello dito Secretario de
estado o Conselho Ultramarino o tenha assim entendido para passar as ordens necessarias na parte,
que lhe toca. Lisboa Occidental a doze de Fevereiro de Mil setecentos, e vinte, e quatro”. Agradeço o
envio de uma cópia fac-símile deste documento ao historiador Herinaldo Alves. As fontes documentais
primárias utilizadas na tese foram transcritas pelo próprio autor, à exceção das que estão devidamente
referenciadas.
4
BOSCHI, Caio César. Os leigos e o poder; irmandades leigas e política colonizadora em Minas Gerais.
São Paulo: Ática, 1986.
5
SALLES, Fritz Teixeira de. Associações religiosas no ciclo do ouro. ed., São Paulo: Perspectiva/
Museu da Incondência, 2007.
106
para a arrecadação de tributos como aqueles relativos ao quinto do ouro ou à passagem de
cargas e mantimentos
6
; e também dos colonos, porque, além do sucesso nas lavras, interes-
sava igualmente a consolidação do comércio
7
e da agropecuária
8
, além das benesses e mer-
cês correspondentes à participação ocial em corpos de hierarquia religiosa, política e militar.
No cerne desse processo eminentemente proselitista, colonizador e católico, as igrejas paro-
quiais cumpriram um sacro-ofício fundamental. Agregaram os povos e as primeiras irmanda-
des, integrando-os piedosamente ao corpo místico da Igreja e do Estado católico português. E
não é por acaso que as matrizes eram, conforme regra e estilo (costume), erigidas, conserva-
das e aumentadas peremptoriamente pelas irmandades do Santíssimo Sacramento. Distinta
entre as mais, a dita confraria representava a Eucharistia – a “ação de graças” pelo sacrifício
redentor do cordeiro de Deus, corpo e sangue de Jesus Cristo sacramento o mais alto
dentre os sete xados pela Igreja na Sessão VII do Concílio de Trento
9
. Além da integração
6
Sobre as indústrias e engenhos, o comércio e a tributação de mantimentos e produtos em terras mi-
neiras, cf. o imprescindível ANTONIL, João André. Cultura e opulência do Brasil, por suas drogas e
minas, com varias noticias curiosas do modo de fazer o Assucar; plantar & beneciar o Tabaco; tirar
Ouro das Minas, & descubrir as de prata; E dos grandes emolumentos, que esta Conquista da America
Meridional dá ao Reyno de Portugal... (1711). Separata do Boletim Geográco, Rio de Janeiro, n. 166-
171, 1963, p. 73-81.
7
Na satisfação do “comércio”, a ereção de Vila Rica é o melhor exemplo. Determinado pelo rei que se
instalasse a “nova povoação” no arraial de Nossa Senhora do Pilar, a prudência do então governador,
Antônio de Albuquerque Coelho de Carvalho, fez com que, apesar dele declarar que “não achava o
sítio muito acomodado”, se inventasse a dita vila na união do referido arraial com o de Nossa Senhora
da Conceição de Antônio Dias. Isto porque este, também se declarou, era “o sítio de maiores conve-
niências que os povos tinham achado para ao comércio”. Cf. APM SC 06, f. 20-21. “Termo da erecção
de V.ª Rica”. Vila Rica, 08/07/1711. Na análise da ereção de Vila Rica, avento a hipótese de que, nessa
ajuizada união dos dois arraiais em proveito da vila, o governador também previra – além de prevenir a
articulação da ordem real com as “conveniências” populares do “comércio” a hierárquica e estratégica
situação de edifícios político-administrativos (palácio dos governadores e câmara) no cume do Morro
de Santa Quitéria, que então dividia, mas passou a unir, os dois arraiais. Lembremo-nos que Albuquer-
que fora designado à capitania também para pacicar a chamada “Revolta dos emboabas”, enfurecida
entre 1707 e 1709. O bem comum, a permanência e também o decoro das povoações dependiam da
“paz”, do “sossego” e da “concórdia” entre os povos, o que tornava capital a intervenção ajuizada de
Antônio de Albuquerque. Sobre as implicações, por assim dizer, urbanísticas de sua atuação, cf. BAS-
TOS, Rodrigo Almeida. A arte do urbanismo conveniente, op. cit., especialmente a parte: “O decoro na
ereção das primeiras vilas, a invenção da permanência”, p. 78-113. Salomão de Vasconcellos publicou
os primeiros aforamentos de Vila Rica após 1712, e o número de “vendas” e “lojas” em Antônio Dias
efetivamente se destacava. Cf. VASCONCELLOS, Salomão de. Como nasceu Ouro Preto, sua forma-
ção cadastral desde 1712. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 12,
p. 171-232, 1995.
8
Cf. sobretudo FONSECA, Cláudia Damasceno. Pouvoirs, villes et territoires: genèse et representations
des espaces urbains dans le Minas Gerais (Brésil), XVIIIe début du XIXe siècle. Tese (Doctorat en
Histoire et Civilisations)-École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris, 2001.
9
A dita sessão foi celebrada a 3 de março de 1547, e canonizou os sete sacramentos: batismo, conr-
mação, eucaristia, penitência, extrema-unção, ordem e matrimônio; nos quais e pelos quais, conforme
a doutrina tomista, se encerraria a graça. Cf. O SACROSANTO, e Ecumênico Concilio de Trento, em
107
hierárquica ao corpo místico do reino, as irmandades sediadas nas matrizes proporcionavam
comodidades corporativas e assistenciais muito aptas a aumentar a “paz” e o “sossego”,
valores de que dependiam a subordinação, a concórdia e o bem comum da república cató-
lica. Sempre destinado a conduzir pela idéia da salvação, o discurso teológico amplicava
um outro tipo de permanência, ou solidez a da fé. Persuadida desta, misteriosa e sublime,
animava-se aquela, material e ordinária, dos povos e povoações, pelas disposições e efeitos,
éticos e patéticos
10
, que a retórica das artes poderia proporcionar com ecácia.
Desta feita, integrada ao exercício sacro das liturgias, festas e celebrações, ordenava-se a
participação eloqüente da arte religiosa. A persuasão nalizava o controle permanente dos
ânimos, e para isso atuou, deleitosa e didaticamente, o theatrum sacrum
11
das artes propor-
cionado pela arquitetura um corpo de fábricas artísticas destinadas a representar, mas tam-
bém a edicar, virtudes. O teatro teológico das igrejas matrizes merece um capítulo especial
no exame do decoro da arquitetura religiosa de Minas Gerais. Além dos usos e esplendores
inerentes à representação paroquial do sagrado, as matrizes se distinguiam das capelas não
apenas pela sua ética matricial e coletiva. Diferentemente das capelas, sedes de irmandades
especícas, nas matrizes se conveniavam nem sempre harmonizados –, fervores, afetos
latim e portuguez. Dedica e consagra aos Excell., e Ver. Senhores Arcebispos, e Bispos da Igreja Lusi-
tana, João Baptista Reycend. Lisboa. Na ofcina de Francisco Luis Ameno, MDCCXXXI, com Licença
da Real Mesa Censoria e Privilegio Real. Sessão VII, p. 173-175. Disponível para acesso à digitaliza-
ção da edição fac-simile arquivada na Biblioteca Nacional de Lisboa: <http://purl.pt/360/1/sc-7006-p/
sc-7006-p_item1/P1.html>.
10
Regrada por caracteres e afetos, João Adolfo Hansen alerta para o fato de que naquele tempo não
havia “nenhuma noção de subjetividade psicológica, como a conhecemos hoje”. O “pacto de sujeição”
estabelecido como quasi alienatio da comunidade, que transfere o poder para o rei, denia as três
faculdades que então constituiam o humano – memória, vontade, intelecto – como súditas ou subordi-
nadas”. Cf. HANSEN, João Adolfo. Ler & ver, p. 87. (grifo do autor).
11
Pela expressão latina “theatrum sacrum”, entenda-se como os jesuítas a conceberam no século XVI,
ou seja, a permanente encenação dos valores, fundamentos e preceitos defendidos pela Igreja através
de várias práticas de representação artística, sermões, pintura, arquitetura, poesia, retórica, escultura,
talha etc. Cf. HANSEN, João Adolfo. Artes seiscentistas e teologia política, p. 181, donde cito: “Pela
noção de ‘teatro’, que inclui todas as artes, da poesia à arquitetura, da música aos livros de emblemas,
pensa-se uma atividade de encenação, no sentido de ‘pôr em cena’, de certos princípios e preceitos
básicos da doutrina cristã em sua versão católica contra-reformista, antimaquiavélica e antiluterana. E
pelo termo ‘sacro’, propõem-se então duas coisas: a primeira, que a referência principal de toda repre-
sentação é a história sacra, tal como é exposta na Bíblia ou nos comentários dos doutores da Igreja; a
segunda é que os signicados e o sentido dados em representação são sagrados, pois evidenciam a
presença da luz divina, da luz natural da Graça, que ilumina e orienta o sentido dos efeitos como um
sentido providencial defendido e divulgado pela política católica do rei português.” Cf. também PÉCO-
RA, Alcir. Teatro do sacramento; a unidade teológico-retórico-política dos sermões de Antonio Vieira.
São Paulo: Edusp; Campinas: Unicamp, 1994. Daniele Caetano assim intitulou sua dissertação de
mestrado sobre a Igreja do Pilar. CAETANO, Daniele Nunes. Matriz de Nossa Senhora do Pilar de Ouro
Preto. Theatrum Sacrum. Dissertação (Mestrado em Arquitetura)-Escola de Arquitetura da Universida-
de Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 1999.
108
piedosos e decoros de várias confrarias cujos caracteres eram bem diversos, e eventualmen-
te “rebeldes”, para usar um termo ao tempo referido. Os interesses muitas vezes eram coni-
tuosos, gerando murmurações muito importantes para o entendimento sistemático da ética e
da retórica artística colonial. De uma preceptiva precípua, por exemplo, de decoro, harmonia
e esplendor majestosos, é possível perceber que havia limites em se manter efetivamente
a correspondência e a conveniência entre os diversos retábulos componentes de um corpo
artístico cuja harmonia deveria representar virtudes de coesão do corpo religioso e político
12
.
Perfeição, segurança, comodidade e decência eram regras muito reclamadas na documen-
tação, utilizadas para assegurar o decoro de todo e qualquer templo. Todavia, alguns efeitos
e virtudes privilegiavam hierarquias e decoros especícos. É o caso da Catedral de Mariana,
sede do Bispado, ou da Igreja de Nossa Senhora do Pilar, Vila Rica, Matriz da povoação que
“encabeçava”, politicamente, as demais da capitania. Ver-se-á como, nesta igreja, a partici-
pação ativa da Irmandade do Santíssimo Sacramento foi decisiva para a denição de vários
aspectos fundamentais de seu corpo arquitetônico. Além de se empenhar ordinariamente no
zelo administrativo da fábrica, na contratação de ociais de reconhecido louvor e cabedal, os
irmãos atuaram no próprio ajuizamento de matérias da arte freqüentemente debatidas nas
reuniões da mesa. A diligência com que se fabricou e se procurou conservar as várias partes
e elementos do templo evidencia discrição da mesa condizente à excelsa distinção do templo,
especializado na invenção e elocução de formas e iconograas decorosas ao teatro essen-
cialmente eucarístico daquela matriz.
12
O exemplo mais eloqüente dessas querelas entre irmandades a respeito da ornamentação das ma-
trizes pode ser observado no exame da documentação da Matriz de Catas Altas do Mato Dentro.
Embora não os desenvolva, Bazin publicou documentos registrados nas folhas 63, 64 e 65 do Livro de
termos da Irmandade do Santíssimo, datados de 1747, em que esta e a irmandade de São Miguel e Al-
mas discutiam arduamente a respeito não apenas da “correspondência” ou não entre os altares, como
também da decência devida de alguns elementos da Igreja. A irmandade de São Miguel havia inclusive
“lançado” o arco-cruzeiro “abaixo” do arco da sua capela, o que seria inadmissível por quebra de de-
coro e hierarquia. Ademais, a irmandade do Santíssimo não poderia permitir que São Miguel “talhasse”
no arco em seu “antigo estado”. Para dirimir prudentemente a querela, foram chamados os louvados
Francisco de Barros (pela Irmandade do Santíssimo) e Manuel Francisco Lisboa (pela Irmandade de
São Miguel). Além de declarar que pilares e ornatos se deveriam fazer todos na “milhor perfeição”, os
louvados estabeleceram uma série de preceitos ornamentais, ressalvando o respeito às virtudes de
hierarquia e correspondência “porque essa he a melhor reforma digo forma em que se pode executarse
melhor a obra para perfeição da d.ª Igreja por ser a couza mais principal que se observa […]”. Cf. a
documentação publicada em BAZIN, Germain. Arquitetura religiosa barrôca no Brasil. Rio de Janeiro:
Record, 1956, v. 2, p. 57-59.
109
2.1 A engenhosa invenção da Nave Eucarística
Em poucos templos de Minas Gerais a conveniência entre a invenção e a ornamentação
13
da
arquitetura é tão vívida, e decisiva, como na Igreja do Pilar de Ouro Preto. A outras matrizes
compete ilustrar igual nalidade do aparato Cachoeira do Campo, Antônio Dias, Sabará,
São João del Rei, essa última dedicada também à Senhora do Pilar –, mas em nenhuma
delas o modo de efetivação da eloqüência arquitetônica é tão engenhoso. Na grande maioria
das igrejas e capelas, os ornatos eram geralmente aplicados sobre as paredes e forros da
construção, e o lugar-comum das plantas era quase sempre a gura retangular, eventualmen-
te facetada em seus cantos, com altares laterais adossados paralelamente ao eixo axial do
edifício. Assim, a ornamentação costumava vestir com panos de talha o corpo da arquitetura,
aparelhando de retábulos, imagens e pinturas suas partes. Na igreja do Pilar, no entanto,
mais do que cobrir de ornato as superfícies de taipa ou madeira, a talha em gura poligonal
reformou com “novidade”
14
o corpo interno da nave – invenção do engenhoso Mestre Antonio
13
Para ser coerente com a terminologia e os preceitos de época, presentes nos documentos e nos
tratados artísticos, uso os termos “invenção” e “ornamentação” tendo em vista os sentidos do regime
retórico que orientava as práticas de representação dos séculos XVII e XVIII. Assim, invenção e orna-
mentação corresponderiam à primeira e à terceira etapas do processo compositivo de uma obra. A in-
venção era a escolha ou a descoberta da matéria, do tema ou da forma; na arquitetura, cabia sobretudo
à eleição da planta ou das Ordens das colunas. A ornamentação, por sua vez, correspondia à elocução
retórica, ou seja, ao processo de aparelhar a obra com ornatos, guras, imagens e tropos, os ornamen-
tos, enm, que ultimavam a aparência e o estilo adequado ao gênero. Entre a invenção (inventio) e a
ornamentação (elocutio), uma segunda etapa, a disposição (dispositio), era destinada à colocação das
partes da obra em seus lugares convenientes, visando sempre os efeitos e as nalidades do seu todo.
14
Novidade. O termo é adequado e pede esclarecimentos. Na segunda metade do século XVII, Tesauro
entende por “novidade” o efeito causado pelo engenho que inventa maravilhas na emulação de um
lugar-comum. A novidade é desenvolvida, então, no tratamento da “imitação”, o “último exercício” do
engenho, que pressupõe uma “sagacidade” como capacidade de criar, a partir de uma metáfora dada
[forma ou conceito], uma nova, transplantando-a em diferentes categorias [aristotélicas]. Valendo-se da
imagem das ores, Tesauro explica que a novidade seria inventar, dentro de uma mesma espécie, um
“indivíduo” diferente. A partir da tópica “prata rident”, Tesauro oferece então uma série extensa de “no-
vidades”, geradas pela imitação aguda. “Ademais, a cada parto agudo é necessária a novidade; sem
a qual a maravilha se esvai: e com a maravilha a graça, e o aplauso” (Oltreche, ad ogni parto arguto è
necessaria la Novità; senza cui la maraviglia dilegua: & con la maraviglia la gratia, & l’applauso). Cf. TE-
SAURO, Emanuele. Il canocchiale aristotelico, p. 115 et seq. A palavra “novidade” foi usada no livro de
termos da Irmandade do Santíssimo Sacramento da Matriz, no ajuste que se fez com a Irmandade de
Nossa Senhora do Pilar a respeito de obras na capela-mor e de quantas partes do pagamento tocaria
a cada uma. A Irmandade do Santíssimo era a administradora das obras da igreja, e cou determinado,
então, que se, durante as obras, houvesse alguma “novidade”, a mesa informaria a outra irmandade.
Nessa matéria, geralmente, as “novidades” eram relativas a mudanças de risco ou acréscimos de par-
tes e ornatos que, obviamente, acarretariam em ajustes dos pagamentos: “[…] enocazo q. haja nad.ª
obra alguma novid.e Se daará della p.te a Irmand.e deN. Sr.ª do Pillar; e p.ª otelhado, econcerto de pa-
redez, e Repoques eobras meudas q. precizas forém Será obrigada ad.ª Irmd.e comcorrer com aterça
p.te da dezpeza q. Sezer […]”. Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º. Filme 11, vol. 224, . 52. “Trq’ fazem os
Irmaõs q’ Servem na menza deN. Sr.ª do Pillar Padroeyra de V.ªRica aos Irmaõz da menzada Irmand.e
do Sm.° Sacram.t° damesma Matriz q’ Servem oprez.te anno de 1746”. Vila Rica, 12/04/1746.
110
da Silva. Assim, como uma máquina engenhosa, pés direi-
tos, retábulos laterais, púlpitos, tribunas, cimalha real e forro
apainelado foram integrados, e ricamente decorados, numa
planta por dentro de outra; ou melhor, como se registrou em
1751, quando estava praticamente perfeita a fábrica e sua
armação: uma gura ovada por dentro
15
de outra (FIG. 1 e
FIG. 2).
Vila Rica ocupava a “cabeça das povoações” de Minas Ge-
rais, de que resultaram representações dignamente elevadas,
em estilo e posição. Coerente com a hierarquia desse teatro
teológico, político e retórico, ressaltava-se justamente o cará-
ter grandioso e magníco da matriz. E não se trata de exaltar
grandezas de medidas ou capacidades, porque nela essas
qualidades são bastante habituais e até mais modestas, em
relação a outras matrizes, a de Catas Altas, por exemplo, ou
mesmo a Capela da Ordem terceira do Carmo, em Ouro Pre-
to, sua lial paroquial. As virtudes mais eloqüentes de Pilar
a justiça de sua magnicência, a conveniência das partes, a
articiosa ligação das peças, a continuidade das estruturas e
decorações, a maravilha do seu todo resultaram da inven-
ção, da disposição e da ornamentação de seu interior, con-
formado num importe nitidamente mais asseado
16
de aparato
15
BREVE DESCRIPÇÃO ou funebre narração do Sumptuosos Funeral e triste espetáculo Que em Villa
Rica de Ouro Preto Cabeça de todas as das Minas Celebra o Senado Dela à gloriosa memória do
Sereníssimo Rey D. João o Quinto Sendo assistentes a elle o Ouvidor geral e o Senado da mesma no
dia 7 de Janeiro de 1751, documento encontrado na Biblioteca Nacional de Lisboa pelo Pesquisador
José Manuel Tedim. O documento foi transcrito em TEDIM, José Manuel. Teatro da morte e da glória:
Francisco Xavier de Brito e as exéquias de D. João V em Ouro Preto. Revista Barroco, n. 17, Belo Ho-
rizonte, 1996, p. 245. (grifo nosso).
16
O termo “asseio” signica, no século XVIII, elegância, primor, esmero – para o qual Bluteau atualiza
dois substantivos latinos: cultus”, elegantia”. “Asseado” é aquilo que está “bem ornado”, “bem con-
certado”, feito com esmero e cuidado, elegante. Cf. BLUTEAU, op. cit., v. 1, Aceado, Aceo, p. 75-76.
Muito freqüente nos documentos referentes à arte e à arquitetura religiosa do século XVIII, o “asseio”
costuma ser interpretado como uma condição exclusiva de limpeza e higiene. Aqui, é preciso cuida-
do. Inclusive o termo “limpeza”, vale ressaltar, também aparece nos documentos, quando o sentido é
exatamente a depuração das sujidades. Aparecerá, por exemplo, nas Constituições do Arcebispado
da Bahia, a regular alguma das condições para a sacristia. A compreensão do “asseio” como categoria
requerente de limpeza pode decorrer de sua acepção moderna, que remonta ao vigor do pensamento
higienista do século XIX e que permanece durante o século XX.
Figura 1 Planta da Igreja do
Pilar. Fonte: SANTOS, Paulo.
Subsídios para o estudo da ar-
quitetura religiosa de Ouro Pre-
to, p. 142.
111
e encenação, de modo a guardar, amplicar e evidenciar o decoro de tão elevado membro na
hierarquia do corpo místico do reino português. A Matriz do Pilar constituía o teatro religioso
adequado não apenas para as cerimônias ordinárias de culto paroquial, representação ca-
pitular do povo e da povoação, como para as celebrações políticas, posse de governadores
e comemoração de efemérides reais, numa rearmação constante, em si persuasiva, da
união entre Igreja e Estado em Portugal
17
.
17
Além do famoso Triunfo Eucarístico, de 1733, e da celebração das exéquias reais de D. João V, em
1751, habitualmente a igreja do Pilar sediava a posse dos governadores da capitania.
Figura 2 - Vista da nave da Igreja do Pilar em direção à capela-mor
112
Além das sutilezas da ornamentação, a invenção da talha poligonal e sua disposição ade-
quada amplicaram o decoro da Igreja no efeito de encerrar com maravilha
18
e perfeição
19
o
corpo da nave. Cumpria-se, assim, com ecácia, a nalidade de integrar, mover e edicar o
el setecentista literalmente em meio ao teatro sacro de virtudes várias, artísticas e católicas.
Encenadas pela matéria arquitetônica e seus ornatos, as virtudes do edifício concorriam para
o bem comum do reino; louvavam, entre outros valores teológicos, discursos e representa-
ções, a ordem e a hierarquia, colunas de sustentação do pacto de sujeição. Ademais, a ecá-
cia da persuasão conformava, simpaticamente, afetos de fé, piedade, veneração, concórdia e
subordinação pacíca ao mesmo tempo em que rearmava, metaforicamente, a providência
divina atuante no desígnio triunfal da monarquia católica e na “inteligência” dos artistas a ela
dedicados
20
.
18
A “maravilha” é uma categoria fundamental para esse mundo dito “barroco”. Constituía uma das na-
lidades das artes desse tempo, condensada na máxima de Giambattista Marino: “É do artista o m a
maravilha”. Como salientou Snyder na análise de Il cannocchiale aristotelico, de Tesauro, sobretudo da
passagem (“la novità […] genera maraviglia; la maraviglia, diletto, il diletto, applauso”): “o sinal visível do
sucesso da metáfora e da novidade é a maravilha, e o sinal visível do prazer é o aplauso”. Cf. SNYDER,
Jon R. L’estetica del barocco. Bologna: Il Mulino, 2005, p. 113. Snyder ainda acrescenta que a “mara-
vilha” em Il cannocchiale aristotelico possui um duplo desenvolvimento. O efeito adviria da recepção
do efeito mas também do reconhecimento, por parte da recepção, da agudeza de engenho inerente ao
ato da invenção maravilhosa. Cf. Idem, Ibidem, p. 126. Assomado a tudo isso, no caráter especíco da
arte religiosa desse tempo, o efeito da maravilha tornava decorosas e verossímeis as espécies dignas
de evidenciar a magníca glória da Igreja Triunfante e os esplendores prometidos para a vida eterna.
19
Pelo que nos interessa aqui, a noção de “perfeição”, naquele tempo, assimila dois sentidos básicos;
para além do místico, ou seja, a perfeição espiritual como m de todo cristão. A perfeição é uma exce-
lência ou primor de execução, mas também a condição acabada, totalmente feita, da obra, em suas
partes. Este sentido, extremamente presente na documentação referente à fatura das artes, ativa a
interpretação do étimo latino (perfectus) de que derivou o termo vulgar, e que quer dizer exatamente
isso: “Acabado, terminado, concluido, consummado, completo”. Cf. SARAIVA, Antonio F. R. Dicioná-
rio latino português. 1ed. Rio de Janeiro: Garnier, 2000. Perfectus, p. 870. Cf. também BLUTEAU,
op. cit., Perfeição, v. 6, p. 419. Levar “até a última perfeição”, portanto, expressão muito comum na
documentação coeva, queria dizer fazer bem feito e com todas as partes previamente acordadas nas
condições ou escrituras de arrematação de obras. Um exemplo bastante interessante para ilustrar
esse entendimento advém da denominação, ainda antiga, dada às “capelas imperfeitas” do Mosteiro
da Batalha, em Portugal, octógono funerário começado a ser erguido no século XV por D. Duarte para
satisfazer ao testamento de D. João I. Receberam a alcunha por terem cado justamente inacabadas.
Na introdução ao estudo sobre a arquitetura e a escultura de Mafra, José Fernandes Pereira justicou
o termo “Perfeição” ser o equivalente setecentista português para a noção de “Belo”. Além do contexto
do século XVIII lusitano, o estudioso se ou nas denições presentes no Vocabulário de Raphael Blu-
teau. Cf. PEREIRA, José Fernandes. Arquitetura e escultura de Mafra; Retórica da perfeição. Lisboa:
Presença, 1994, p. 15. Cf. também, supra, Cap. 1, p. 69, nota 65.
20
A tópica letrada da inteligência dos artíces também foi aplicada em documentos relativos às arma-
ções destinadas à fábrica do Pilar; a qualicar, sobretudo, o mestre Francisco Xavier de Brito, em quem
estavam depositadas as maiores esperanças de capacidade e engenho. Em 19 de dezembro de 1750,
quando foi acordado pela Câmara do Senado de Vila Rica que se zessem todos os preparativos para
o funeral em memória da morte gloriosa do rei: “[...] Acordaraõ emmandar fazer o Risco para sefazer
huá Escia [Exéquia] naIgrejaMatriz doOuropreto.cujo Riscoseria omelhor quesepoderáfazer, pordever
ser adita Escia feita, comtoda amagniçencia devida, equeseria ornada comtoda agrandeza queater-
rapermittir para o funeral do falecimento donosso soberano, eMuyto alto epoderosoRey o Senhor Dom
113
O efeito geral de quem adentrava a igreja era o de uma composição perfeita (acabada e
correta), apta a tomar de assalto as disposições da alma e a conduzir o el ao espetáculo sa-
cramental mais importante a ser participado na Eucaristia. Os retábulos laterais tomaram, um
a um, os panos do polígono que revestiu e conformou agudamente a nave (FIG. 3). Pilastras
colossais
21
caneladas caracterizam ricamente o seu interior, ou, como decorosamente quis
Pietro Cataneo, a “alma” do templo
22
. As pilastras denem a divisão entre as faces do polígono
e também as proporções do pé-direito em talha, ordenando o ritmo e as simetrias de todo o
corpo. Seus fustes se erguem de vigorosos pedestais de madeira almofadada, culminando
em capitéis compósitos que sustentam a cimalha real muito ressaltada que emoldura o forro
apainelado, ou artesoado, ornado de pinturas com eventos e personagens das Sagradas Es-
crituras (FIG. 4).
Joaõ oquinto. Acordaraõ emque aplantado Risco paraadita Escia etodaaexecuçaõ dele thé aultima
perfeyçaõ, e decencia, como paracazo semelhante sepreciza, o zesce eexecutasce Joaõ deSouza
Costa, eFrancisco Xavier de Brito, porseconhescer nestes intelligencia, e capacidade para tudo bem
comprirem [...]”. APM CMOP 27, fot. 688. Vila Rica, 19/12/1750.
21
A ordem é “colossal” porque submete dois níveis de pavimentos, o relativo ao pé direito dos altares e
o segundo, das tribunas. Conforme o estudo de Luciana Profumo, a tópica das ordens colossais ou “gi-
gantes” muito imitadas no século XVI (e além dele) deriva, por um lado, da “reelaboração da estrutura
do arco triunfal donde uma única ordem caracteriza o conjunto [...], e, por outro, das variações inseridas
ao palácio bramantesco do palácio de uma ordem”. Cf. PROFUMO, Luciana Müller. El ornamento
iconico y la arquitectura 1400-1600. Tradução de José Luis Checa. Madrid: Cátedra, 1985, p. 90.
22
A legitimidade da ordem mais rica no interior da Igreja de Nossa Senhora do Pilar ainda poderia se
autorizar na compreensão de Sebastiano Serlio e Matheus do Couto, porque as folhas do capitel corín-
tio, da qual descende o capitel compósito, ou romano, foram inventadas, ainda na antiguidade, sobre a
honra lapidária de uma virgem. Cf. SERLIO, Sebastiano. Il Terzo Libro di Sebastiano Serlio Bolognese,
nel qval si gurano, e descrivono, lê antiqvità di Roma, e le altre che sono in Italia e fuori d’Italia. L. III,
Cap. VIII, De l’ordine corintio e de gli ornamenti svoi. Disponível em: <http://gallica.bnf.fr/ark:/12148/
btv1b2100038j>. Acesso em: 12 ago. 2007. E Matheus do Couto, na imitação autorizada do próprio
Serlio: “Esta ordem quer Serlio, e com muita razão, q’ pois o Capitel foy dirivado de hua Virgem (como
adiante diremos) q’ se edique a Virgem N. Sr.ª ehavendo de ser a Santos, ou santas, q’ seja aquelles
que guardarão, e tiverão vida virginal.” Cf. COUTO, Matheus. Tractado de Architectura, L. I, Cap. 11,
Da Ordem Corinthia, p. 20.
114
Figura 3 - Vista da nave da Igreja do Pilar a partir da tribuna do Evangelho.
Destaque para pilastras compósitas colossais, corredores de tribunas e cor-
respondência formal entre os retábulos laterais da nave
Figura 4 - Parte do forro da nave e “pé-direito” da Epístola
115
uma ordem alegórica na disposição dessas pinturas. No centro delas, ressalta-se maior
e triunfante o único dos painéis em que a moldura em “redondos” e “letes” é saliente para
baixo, em direção ao espectador, e não para dentro da espessura do forro (FIG. 5), num nítido
artifício apto a evidenciar a hierarquia e a matéria principal do theatrum sacrum com que co-
mover ecazmente os afetos da recepção. Neste grande painel central, está gurado o Agnus
Dei, o sacrifício do cordeiro entregue pelo Pai à crucicação a chave para a compreensão
da iconograa eucarística da Igreja.
Adiante, outro painel é igualmente remissivo ao Santíssimo Sacramento, situado também no
eixo central do forro, à “boca” da capela-mor e logo acima do arco-cruzeiro. Trata-se de uma
Adoração Eucarística, gurada através de uma custódia gloriosa ao centro, cercada de anjos
adoradores (FIG. 6)
23
. Abaixo deste painel, está disposta a tarja que identica o orago (FIG. 7).
23
O ocial de pintura contratado para fabricar o painel, Jozé Rodrigues da Silva, possuía um modelo
adequado para a guração, e o termo lhe fez referência de imitação, ressalvando, como de costume,
que a pintura deveria ser levada até a “melhor perfeição”: “Trque faz esta Irmand.e com Jozé Roiz
Sylva para fazer o paynel daboca da Tribuna pela quantia de 110$000 / Aos vinte enove dias do mês
deoutubro de mil eSettecentos eSincoenta equatro annos nesta casa doConcistorio da Matris do ouro
preto, estando o Provedor da Irmandade do Santissimo Sacramento da d.ª Matriz Joaõ de Souza Lis-
boa com oEscrivaõ dad.ª Matris Miguel Lopes de Araujo, eoprocurador de Joaõ Pinto de Miranda com o
Thizr.° Manoel Mor.ª Frr.ª por todos juntos foy junto com Com (sic) Joaõ Roiz da S.ª que zeci o Paynel
da boca da tribuna pella quantia decento e dez mil rs de Seu trabalho e tintas as quaes Seraõ nas das
melhorez que houverem eSerá apinturahuá Custodia Com o Sacramento emhuá Gloria com Anjos e
Seranos tudo na melhor profeiçaõ eamitaçaõ [e à imitação] de hum q’ tem od.° Jozé Roiz epara o d.°
Figura 5 - Painel central do forro da nave, o cordeiro crucicado
116
Paynel dara a Lona esta Irmand.e, e por estarmos justos eContratados zemos este tr.° ‘ todos aSina-
mos com o dito Jozé Roiz em esta VRica, eeu M.el MorThizrdesta Irmand.e e Escrivaõ eLeito para
este acto que o Escrevy eaSigney.[Assinaturas de Joaõ de Souza Lx.ª; Miguel Lopes de Ar.°; Manoel
Mor.ª Frr.ª, Jozé Roiz Silva e Joaõ Pinto de Mir.da].” Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, v. 224, . 89.
Trque faz esta Irmand.e com Jozé Roiz Sylva para fazer o paynel daboca da Tribuna pela quantia de
110$000”. Vila Rica, 09/10/1754.
Figura 6 – Painel com a “Adoração Eucarística”, acima da tarja do arco-cruzeiro
Figura 7 – Tarja do arco-cruzeiro. Nossa Senhora do Pilar com o menino, a pomba
do Espírito santo e a custódia do Santíssimo Sacramento
117
A Senhora do Pilar tem à mão direi-
ta uma custódia com a hóstia consa-
grada, e na mão esquerda o menino,
relevado num escorço muito gracioso
de pernas e de braços que seguram
a pomba do Espírito Santo (FIG. 8).
No centro do Pilar, uma referência
alegórica autorizadíssima ao corpo
místico do Estado Católico Português
a cruz-maltina
24
. A estruturação da
peça se fez em três partes de madei-
ra, como fosse um tríptico, pruden-
temente unidas por junções verticais
que isentam as guras das emendas
do material; o que deve ter sido, verossimilmente se supõe, objetivo do entalhador
25
, que es-
truturou a peça deste modo a m de ressalvar a integridade e a decência da representação
gurativa principal.
Facultado pela vista e pelo entendimento, o espectador empírico setecentista poderia des-
cobrir discretamente essas relações; facilitado pela memória coletiva das espécies da orna-
mentação, formas e matérias atualizadas continuamente pelo costume e pela emulação das
representações sacras nas várias igrejas e capelas conhecidas. Além de se maravilhar com
os efeitos, poderia o entendimento discreto
26
refazer a coerência dos procedimentos artísticos
24
É engenhosa esta guração da Senhora do Pilar, por condensar numa iconograa aspectos que
tanto remetem à autoridade santa dos relatos da visão de São Tiago como também à Eucaristia que
predomina na Matriz de Vila Rica. Assim, a imagem porta os elementos mais habituais da conformatio,
o momento da aparição da Santa a São Tiago, então rodeada de anjos e a segurar o menino, numa
alusão de que Cristo indicara o lugar para a construção do templo a ele dedicado, próximo a Saragoça.
Cf. CARVALHO, Rosário. O programa artístico da Ermida do Rei Salvador do Mundo em Castelo de
Vide. Artis, Revista do Instituto de História da Arte da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
n. 2, p. 145-180, 2003. Todavia, a Senhora traz na mão direita uma custódia, rearmando a evocação
eucarística da Matriz. Na Biblioteca Municipal do Porto, encontrei uma pequena gravura da Senhora do
Pilar também com uma custódia à mão.
25
Agradeço a Erson Bastos, meu pai, por me chamar a atenção para este detalhe das junções entre as
peças, quando comentava consigo uma foto da tarja de Pilar.
26
Os extremos da recepção nesse tempo são caracterizados pelo “discreto”, que além de apreciar sa-
bia discernir os artifícios e sentidos da representação, e pelo “néscio”, que até podia se maravilhar
com os efeitos, sem contudo discerni-los. O discreto “dene a excelência humana da racionalidade de
corte”, em que estão associados valores como o “gênio”, uma “disposição natural”, o “engenho”, “ca-
pacidade intelectual da fantasia aliada ao juízo”, a “prudência”, a “agudeza”, a “dissimulação honesta”,
Figura 8 – Tarja do arco-cruzeiro, detalhe das junções ou
ligaduras do “tríptico”
118
penetrando a sutileza do engenho e do artifício, identicando as analogias que articulavam as
partes e os detalhes ornamentais à perfeição da ordem teatral e às nalidades retóricas da
encenação; assim também se deveriam notar, pois, a excelência da execução, sempre reque-
rida nas condições de fábrica, o ajuste das proporções, os caracteres adequados ao gênero
sublime, divino e elevado, da representação – numa só expressão: o decoro da arquitetura.
De fato, essa ordem satisfeita de valores e virtudes da igreja foi discernida e louvada pela
discrição coetânea, como empenhada na ekphrasis da armação da arquitetura e do castrum
doloris memorável às exéquias de Dom João V
27
, celebradas em janeiro de 1751, mais de seis
meses depois da morte física do rei
28
. A todos, descreveu o anônimo, os efeitos da aparência
deveriam “suspender a vista”, deleite ao qual poderia se adunar, “igualmente”, a “satisfação
do entendimento”
29
, o juízo discreto capaz de avaliar o artifício e a conveniência entre as par-
artifício católico de “ocultação da verdade”, uma arte de ngir conforme a ocasião, visando um bem. Cf.
HANSEN, João Adolfo. Discreto/ Néscio. São Paulo: DLCV-FFLCH-USP. Notas de Aula, [19--?].
27
Cf. BREVE DESCRIPÇÃO ou funebre narração…, p. 245. Ekphrasis é uma “técnica” ou “gênero de
discurso epidítico feito como descrição de caracteres, paixões e obras de arte, esculturas e pinturas”.
Foi muito usado para descrevê-las, como acrescenta Hansen: “muitos textos desse gênero, principal-
mente os de Filóstrato e Luciano, foram retomados por autores como Alberti e Vasari, Blaise de Vigenè-
res, Roger de Piles, que os imitaram ou prescreveram como matéria a ser imitada por pintores e escul-
tores”. Cf. HANSEN, João Adolfo. Categorias epidíticas da ekphrasis. São Paulo: DLCV-FFLCH-USP.
[19--?]. 26 p. Várias advertências ressaltam no conhecimento do gênero e suas categorias antigas.
Talvez a principal delas – interessa muito ao historiador das artes daquele tempo –, seja saber que os
discursos de tal gênero, elogios, descrições, retratos etc., assim como outros de outros gêneros, como
as perspectivas de cidades (que, sabemos, apresentam vários elementos factualmente inexistentes
nelas), buscavam imitar e se adaptar ao “verossímil”, e não ao “verdadeiro”, conforme as nalidades do
discurso e seus destinatários. Assim, as ekphrasis ou descrições coevas das obras de arte e arquitetura
deveriam ser lidas, ou vistas, como discursos epidíticos verossímeis, e não como documentos irrestri-
tamente comprometidos com a verdade empírica dos fatos.
28
A gloriosa morte da persona physica de Dom João V foi celebrada memorável em outros lugares da
capitania. Foi recitado um discurso em Mariana, e outro monumento se ergueu em São João del Rei.
Além de reiterar a efemeridade da vida, nesse tempo, as exéquias tinham um sentido precípuo de cele-
bração dos atos virtuosos do rei em vida. A morte de sua pessoa física era uma oportunidade cumular
de exaltação da perpetuidade de sua memória virtuosa e indelével. Ernst Kantorowicz demonstrou
como a gura pública do rei, cabeça do corpo político, possuía um caráter imortal, em distinção à sua
pessoa física, mortal. A perpetuidade da “cabeça” tinha como perspectiva a perpetuidade de todo o cor-
po político, ou místico, assegurando a continuidade da dinastia. Cf. KANTOROWICZ, Ernst H. Os dois
corpos do rei, cap. 7, O rei nunca morre, p. 193 et. seq. João Adolfo Hansen sublinhou, com o mesmo
Kantorowicz, que o modelo teológico-político atualizado nessa analogia era o da “dupla pessoa de
Cristo, ao mesmo tempo homem e Deus”, que conferia autoridade e legitimidade à jurisprudência das
monarquias. Cf. HANSEN. Artes seiscentistas e teologia política, p. 186. Sobre a potência que tinham
as representações dedicadas a efetivar a presença “ausente” dos reis em Portugal, cf. MEGIANI, Ana
Paula Torres. O rei ausente; festa e cultura política nas visitas dos Felipes a Portugal (1581-1619). São
Paulo: Alameda, 2005.
29
“Adornou-se em primeiro lugar o frontespício exterior da mesma Igreja de panos negros dispostos
com certos noz e festoens feytos com admirável articio entre claro e escuro que suspendendo a vista
satisfazia igualmente o entendimento”. Cf. BREVE DESCRIPÇÃO ou funebre narração…, p. 245.
119
tes. Aditou, ainda, o autor da Descripção, que o templo se encontrava “adornado todo com
suma perfeição”
30
, excelência providente de efeitos e afetos.
O elogio à satisfação da vista e do entendimento constituía uma tópica retórica muito comum
nos discursos de gênero demonstrativo, ou epidítico, que faziam descrições encomiásticas
das artes, efemérides e espetáculos, argumento com o qual se articulavam, na recepção, os
prazeres do delectare aos juízos do docere. Na descrição da Igreja do Pilar, por duas vezes, o
anônimo das exéquias se serviu da tópica, e há que se notar que se memorava, ali, a “glorio-
sa” morte de um rei “divino”, alegórico “Sol” das ciências e das artes, “piedoso”, “magnânimo”
e “sereníssimo” D. João V. Nos estados onde a racionalidade católica justicava uma ética
baseada nas virtudes Portugal, por excelência –, a maravilha do artifício possuía também
conotações teológico-políticas. O engenho espetacular das artes dava a ver mais do que o
arranjo arguto, adequado e admirável de formas e conceitos. Com a maravilha dos efeitos, se
evidenciava também a presença de Deus no mundo, “Causa luminosa”
31
de tudo o que existe,
princípio e m das coisas, especialmente da arte religiosa. Assim, as formas da arte materia-
lizam dispositivos capazes de produzir metáforas da “presença” brilhante e invisível do Ser
Uno, “rastros fugidios da presença”
32
, como ensina Adolfo Hansen. Para além das matérias
sacras e decentes, a luminosidade aguda e adequada do ornato espelhava, como um análogo
artístico da sindérese
33
, a luz da graça inata infundida por Deus na mente do artista em juízo
das prudências e decoros da representação. Nas exéquias do mesmo D. João V, celebradas
na formosa Igreja de Santo Antônio dos Portugueses, em Roma, o autor da descrição, ciente
do efeito que fazia o encômio dos preceitos, fez questão de declarar o “decoro” com que se
havia executado a armação da igreja, algo digno de se ver como também de ler, na descrição:
[...] Daremos por tanto ao publico huma succinta e individual Relaçaõ do
modo com que se celebrou na mesma Igreja esta acçaõ funebre devida à
memoravel piedade da quelle Augusto Monarcha, e ao universal sentimento
que deixou a sua falta; e exporemos algumas couzas concernentes à mes-
ma Funçaõ, attendendo justamente a naõ occultar o decoro, comque se
30
Cf. BREVE DESCRIPÇÃO ou funebre narração…, p. 245.
31
Cf. HANSEN, Ler & ver, p. 85.
32
Idem, Ibidem, p. 86.
33
A sindérese “é a ‘centelha de consciência’ da luz da Graça que aconselha o Bem. Por ela, o homem
sabe que faz o mal mesmo quando se abandona à paixão”. Cf. HANSEN, João Adolfo. Corpo Político/
Lei. Ouro Preto, IFAC/UFOP. Notas de Aula, [19--?], p. 2, e também HANSEN, João Adolfo. Categorias
epidíticas da ekphrasis. São Paulo: DLCV-FFLCH-USP. [19--?], p. 17-18. A discussão da Sindérese é
levada a cabo por São Tomás de Aquino. Summa theologica. Parte I, Q. 79, Art. 12; e também Parte II,
Q. 94, Art. 1. (Referências nesse texto de Hansen).
120
executou, e a satisfazer o dezejo dos Eruditos, a quem naõ serà ingrata esta
noticia, digna pelo Objecto de perpertuarse nos Annaes da Fama
34
.
As reformas que aumentaram e aperfeiçoaram a Igreja do Pilar se concentraram na primeira
metade do século XVIII. Desde o seu início, o então modesto templo sempre foi a sede da
freguesia, elevada à condição de paróquia colada apenas em 1724. Despesas com a fábrica
da Igreja foram documentadas pelo menos desde 1712, com as quais se identica, também, o
gradativo aumento dos bens e paramentos relatados anualmente nos inventários
35
da Irman-
dade do Santíssimo. Em 26 de novembro de 1712, pouco mais de um ano após a ereção de
Vila Rica, dada em 8 de julho de 1711, D. João V concedeu parte dos tributos arrecadados em
proveito do “ajuste” da Matriz. Assim, para “cada barril de aguardente ou melado produzido
nos engenhos da vila”, seria destinada “meia pataca de ouro”, para que com tanto fossem se
“ajustando as obras da Igreja Matriz, que os moradores tem principiado”
36
.
Durante a década de 1720 e sobretudo ao aproximar-se da virada para a década de 1730, se
intensicam as reformas mais signicativas, quando teria nalmente impulso a fábrica apta
a torná-la efetivamente “grande”, “solene”, “rica” e “perfeita” virtudes com as quais se refe-
riam, muitas vezes, os irmãos do Santíssimo, ao caráter necessário e conveniente da “nova
igreja”. Em 1729, documentou-se circunstância curiosa advinda dessas obras. A torre do sino
34
EXEQUIAS FEITAS EM ROMA A MAGESTADE FIDELISSIMA do Senhor Rey Dom Joaõ V por ordem
do delíssimo Senhor Rey Dom Jozé I. Seu Filho, e Sucessor. Em Roma MDCCLII. Na Ofcina de An-
gelo Rotilj, e Felippe Bacchelli impressor das línguas orientais. Com licença dos superiores. (BNP cota
H.G. 1265A.), . IV (grifo nosso). Para execução da fábrica, foi destinado “o insigne Portuguez Manoel
Rodriguez dos Sanctos, que em Roma e Napoles tem granjeado applauzos de perfeito Architecto,
merecidos pelas suas admiraveis fabricas. Havendo pois o dito Architecto de entrar à premeditada in-
cumbencia, inventou a dispoziçaõ do Mauzoleo com aquella symetria da arte, que, quanto podessem
decretar os preceitos desta, qualicassem o Soberano objecto da idea”. Após a descrição da fábrica,
passou-se a tratar dos ornatos fúnebres e emblemas correspondentes. As inscrições das tarjas, ri-
quíssimas, davam notícias de feitos universais, as possessões lusitanas nos quatro cantos do mundo,
as vitórias contra gentios, buscando expressar a grandeza do Rei para com os bons feitos políticos e
religiosos, a abertura de catedrais, grandes fábricas como o aqueduto das águas livres de Lisboa ou o
convento de Mafra, os casamentos reais, o acordo de Utrech etc. Idem, Ibidem, . V-XVIII.
35
Entre as décadas de 1710 e 1750, os inventários de fábrica da Irmandade, e seus paramentos, dão
notícia de um variado e já distinto corpo de ornamentos. São cortinas, pálios e vários panos de veludo,
damasco e carmesim, lampadários, lanternas, candelabros, tocheiros, livros vários, de canto, de can-
tochão, missais, capas de aspergir, dalmáticas, pedras de ara, estolas, cortinas de sacrário, panos de
púlpito, véus de tafetá, custódias, frontais, turíbulos, navetas, âmbulas de prata, castiçais, relicários,
cálices, campainhas de prata, imagens, armários, estantes, mesas, bancos, tamboretes com ou sem
capa de damasco, um órgão, lavatórios de prata, sudários e verônicas, puricadores, sitiais de damas-
co, alvas de cambraia, com ou sem renda, candeeiro de trevas, andores, evangelhos, baús e cofres de
prata, círios de prata, “bixeiros” para o trono, archotes, “panos de papagaios”, penachos etc.
36
Parte do tributo serviria também à construção “da Camara, e Cadeia, [de] que necessitáo”. Cf. APM,
SC 3, . 3v. 26/11/1712.
121
da irmandade havia sido demolida, para a provisória acomodação do qual se levantaram,
“na rua”, dois paus “muito baixos, e tão baixos q[ue] do chão se costuma tocar”
37
. A ocasião
acaba permitindo, relata o documento, que “de noite os negros, mullatos e mais semelhante
gente o tocão com grande forsa, sem aver necessidade para isso, nem selhe poder estorvar,
com Risco de se quebrar, eCauzar grande prejuizo a Irmandade na factura de outro”
38
. O fato
é que o provedor e mais ociais determinaram, então, que se mudasse o lugar do sino para
onde apenas fosse tocado e repicado “pello irmão, q tivesse essa incumbencia”, em ato das
“funções da irmandade”: “festas das irmandades desta Matris, em q estivesse o Santíssimo
Sacramento exposto”, “Ave Marias” ou “sinais pelos nossos irmãos defuntos”. Assentaram,
então, que se “mudasse o sino para parte onde do coro da Igreja [ainda em construção] sepo-
desse tocar, cando oCampanario mais alto, q o telhado da d.ª Igreja”
39
.
Além de aparecer nos contratos, apontamentos, condições e louvações da fábrica, como
prescrições decorosas da ética e da arte, os irmãos aliavam as virtudes de “grandeza” e “apa-
rato” do templo nas petições de auxílio enviadas à câmara da vila, ao governador e à coroa.
Anal, as instituições seriam privilegiadamente representadas no dileto edifício. Diretamente
responsáveis, e interessados, pelo “decoro da Casa de Deus”, os irmãos do Santíssimo domi-
navam a prática retórica de inventar e escolher, para tanto, os melhores argumentos. Um elo-
qüente registro dessas argumentações e sua respectiva concessão de mercê foi feito em 30
de maio de 1730, quando, em “corpo de câmara”, os vereadores prometeram concordar em
contribuir para o “aperfeiçoamento”
40
da matriz. Como de costume, as determinações naliza-
vam a “devida decência” dos “ofícios divinos”, não se autonomizando, jamais, da aparência,
os devidos usos e comodidades da arquitetura, que naquela se capacitavam, inclusive. Não
deixou de se registrar, também, oportunamente, que a fábrica traria efeitos muito signicativos
para “toda a república”. Assim, em proveito da “conservação e extensão das conquistas e in-
teresses régios, e do público”, e em ação comum de “sustentar” a e a piedade, os “templos”
foram declarados alegoricamente o “mais rme e xo fundamento, como colunas que são das
repúblicas pias e cristãs, e almas delas”. A tópica era comum no mundo católico, em muitos
usos e variações. As “colunas” eram ícones habituais da solidez da fé, amplicadas na siné-
37
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 8v-9. “Termo sobre a mudansa do Sino e porquem
sedevia tocar”. Vila Rica, 13/12/1729.
38
Ibidem.
39
Ibidem.
40
Cf. APM CMOP 06, fot. 1177, “Rezisto de hua premessa feita pelos ofciaes da Camara desta Villa
p.ª a factura da nova Igreja Matriz de N. Sr.ª do Pilar desta Villa”.
122
doque exemplar do templo edifício sustentado, em idéia e matéria, por colunas de pedra e
piedade. No mundo português, em especial, o arquiteto Matheus do Couto elogiou a virtude
dos templos, na parte do Tractado de Architectura justamente dedicada a expor o decoro das
ordens e sua adequação aos diversos caracteres das igrejas uma adequação cristã da de-
nição vitruviana para o decor,emulada antes, no século XVI, por Sebastiano Serlio e Pietro
Cataneo. Armou, então, o preclaro lente da Aula de Arquitectura de Lisboa “arquiteto das
inquisições deste Reino”
41
que os templos eram “a mayor honra, autoridade e, grandeza, e
ornato, q um lugar, Villa, ou Cidade tem”, dentro das repúblicas cristãs
42
.
De imediato, os irmãos aplicaram a retórica e imitadíssima tópica da ruína
43
dos templos,
sempre referida na murmuração do corpo social da capitania ao reclamar das carestias que
impediam dignicar devidamente os edifícios mais representativos da república. As esmolas
dos éis, por mais devotas, não eram capazes de ajustar os numerosos e dispendiosos “jor-
nais” dos ociais construtores, e também os “materiais caríssimos”. Assim, sem a “ajuda do
braço superior” da coroa, seria “impossível aperfeiçoar a obra da dita igreja”, além do quê
haviam “principiado formando-lhe alicerces de extraordinária grandeza, a m de a fazerem
mais durável e grande do que estava a antiga”. A grandeza da Igreja se proporcionava, então,
ao “aumento” que prometiam os povos e o país; congruência tornada imprescindível, alguns
anos depois, na ordem régia de 1739, que exigiu a confecção “ordenada” e “regular” de “plan-
41
Assim se autorizava o arquiteto no frontispício do Livro das plantas e monteas de todas as Fábricas
das Inquisições deste Reino e India, ordenado por mandado do Illustrissimo e Reverendíssimo Senhor
Dom Francisco de Castro Bispo Inquisidor Geral e do Conselho de Estado de Sua Majestade. Anno
Domini 1634. Por Matheus do Couto, Architecto das Inquisições deste Reino. (ANTT, cota: PT-TT-TSO/
CG/470).
42
Cf. MATHEUS DO COUTO. Tractado de Architectura que leo o mestre Matheus do Couto..., L. II, Cap.
10º, p. 38. A tópica dos templos como principais ornamentos da cidade se encontra também em Leon
Battista Alberti, De re aedicatoria, 7, 3. “Con quanto ingenio, cuidado, y industria, se aya de constituyr
y adornar el têplo, a que dioses, en que lugar, y quales templos. Cap. III. En toda la arte de edicar nin-
guna cosa ay en que mayor necessidad aya de ingenio, cuidado, industria, y diligencia que en el hazer
y adornar el templo. Dexo aparte que el templo bien hecho y bien adornado es ciertamente el mayor y
mas principal ornamento dela ciudad, porque es cierto que el templo es la casa de los dioses, y si a los
reyes y grãdes varones adornamos casas em q’ hospedallos, y se las aparejamos delicadissimamête,
que haremos a los dioses immortales?”. Cf. ALBERTO, Leon Baptista. Los dez libros de architectura de
Leon Baptista Alberto. Tradvzidos de Latin en Romance [por Francisco Loçano]. Dirigidos al muy illustre
Señor Iuan Fernandez de Espinosa, Thesorero general de Su Magestady de Su, consejo de Hazienda.
Con Privilegio. En casa de Alonso Gomez Impressor de Su Magestad: Anno de 1582. L. 7, Cap. 3, .
195. (grifo nosso). Disponível em: <http://www.udc.es/etsa/biblioteca/red/tratados2.htm>. Acesso em:
fev. 2007). Fonte primordial para Alberti, Bluteau também utiliza a autoridade de Cícero para validar a
compreensão da tópica a respeito do ornamento das repúblicas. Cf. BLUTEAU. op. cit., v. 6, Ornamen-
to, p. 123.
43
Sobre os entendimentos, naquele tempo, do termo “ruína”, e que não coincidem com a noção român-
tica e moderna que temos desde o século XIX, cf. Cap. 3, p. 294, nota 153.
123
tas proporcionadas à povoação” em todas as paróquias de Minas Gerais
44
.
Ao m do registro dos vereadores, foram resumidos os efeitos distintivos da Igreja: “grande-
za”, “aparato” e “solenidade”, “para nela melhor se poderem celebrar as funções da república”.
Interessa percorrer a extensão do registro feito em nome da “mais que precisa fábrica”, “obra
tão necessária e piíssima”:
Rezisto de hua premessa feita pelos ofciaes da Camara desta Villa p.ª a
factura da nova Igreja Matriz de N. Sr.ª do Pilar desta Villa
M.t° nobres senhores do Senado
Diz o Prov.dor e mais ofciaes e Irmaos da Meza, e Irmand.e do S. S.mo
Sacram.t° da IgrMatris de N. Srdo Pilar desta Villa Rica do Ouro preto,
que por estar pequena, aRuinada, com termos de Cahir a d.ª Igracorda-
ram uniformem.te todos os seus freguezes Com autoridade do Prelado, e
do Parocho, em demolila p.ª erigirem outra de novo com mais capacidade e
Sigurança como com effeito atinha principiado formandolhe alicerçes de ex-
traordinaria grandeza am de a fazerem mais duravel e grande do que estava
a antiga em Razaõ de serem mais numerozo[s] e ate podem hirem sempre
augmentandoçe as Minas e espicialm.e [especialmente] esta Villa como Ca-
bessa dellas na coal de dia em dia se estabellecem, e vaõ multiplicando as
familias com cazas q.’ edicam e fazem nossa [?] sendo tudo em concerva-
çaõ e extenção da conquista e interesces Regios, e do publico, e particular a
que os templos servem de mais rme e xo fundam.º como colunas q.’ Saõ
das Res publiquas piaz e chistañz, e almas dellas o culto Divino e Serviço de
Deos Nosso S.r e por q.’ p.ª a Continuaçaõ da ja começada, e mais q.’ preçiza
fabrica naõ bastaõ todas as esmolas dos éis, e de pessoas particulares q.’
se tem prometido, e tirado nem as dos Spp.tes [suplicantes] juntam.te Com
ellas por ser os pagam.t°s que se devem fazer aos Rematantes Repetidos,
e gran.des e naõ poder suprir a toda adevoçaõ e Zello do povo, e sem ajuda
de brasco [braço] Superior será impossivel aprefeisoar a obra da d.ª Igr.ª p.ª
com a devida descencia Se Celebrarem nella os ofcios Divinos em Razaõ
de serem os Materiaes Cariscimos, e os jornaes dos obreiros percizam.te
violentos por grand.ez atendendo ao estado da terra onde tudo entra de fora,
e athe as Madeyras vem de distancias grandez com m.t° custo e despezas e
alem do Referido he este o unico templo q.’ como mais antigo da Villa Serve,
e Sirvio sempre de Matris onde Se Selebram as festas de Corpo de Deos e
Padroeiro da terra, e todas as mais q.’ no [discursso?] do anno tem obrigaçaõ
de Celebrar o Publico, a que deve assistir [...]
Em Corpo de Camara este nobre Senado sendo tambem a em q.’ se e deu
sempre posse eentrada aos Ex.m°s Governadores de Provincia, e a em q.’
Sua Mag.de q.’ Deos G.de manda por isso fazer [amicalm.te?] as Suas Cus-
tas [...] e liberaes ofertas, ou Donativos pelo Seu Superhintend.e g.ªl da Caza
da moeda, aSim na funçaõ da festa de Corpus christi, como na da Imaculada
Conceiçaõ da Sr.ª no q.’ tudo, e sempre foi perferida por Matris a d.ª Igrde
Ouro preto por cujos Respeitos se faz digna de q.’ o publico da Vq.’ toda
Reprezenta este grande senado comcorra tambem p.ª aSua facçaõ, Com
algúa esmola avantejada, pois Sem ella naõ poderá ter m nem subsitencia
a obra […] taõ Necesar.ª e piissima p.ª nella melhor se poderem Celebrar as
44
Cf., supra, 1.4 O decoro nas fontes eclesiásticas luso-brasileiras.
124
funçoens da Republica com a devida Solenid.e aparato egrandeza; e Rece-
berá merce.
Havendo Sua Mag.de q.’ Deos g.de [guarde] por bem, prometem doze mil
cruzados das Rendas do Concelho p.ª a d.ª IgrMatriz de N. Srdo Pillar
de ouro preto VRica em Camara de trinta de Mayo de mil e sete sentos e
trinta
45
.
Nos três anos seguintes, as obras devem ter se acelerado. Em 04 de janeiro de 1731, foi assi-
nada uma petição ao Bispo do Rio de Janeiro para que se pudessem “trasladar” e “acomodar”
o “Santíssimo” e outras “imagens” nas capelas do Rosário e São José, liais mais próximas
46
.
A intenção era demolir a capela-mor para poder se erguer a nova, obviamente mais digna,
proporcionada à nova construção que se fazia. Assim, D. Fr. Antonio Guadalupe expediu a
provisão quatro dias depois, ressaltando que a trasladação se deveria fazer em “procissão”
na “forma costumada”, “com toda aquella decencia devida”
47
. Transcorridos aproximadamente
dois anos e quatro meses, em 24 de maio de 1733, o Santíssimo foi trazido de volta à Matriz,
com decência e aparato sobremodo requintados, na famosa procissão do Triunpho Eucha-
ristico, descrita por Simão Ferreira Machado. Foram vários dias de festa, comemorações e
récitas, e a nova igreja recebeu a bênção. O templo dependia ainda da decoração interior,
mas por certo estava cômodo e decente o bastante para reter denitivamente o Santíssimo.
Logo após o Triunpho, a obra sofreu com mais de um ano de paralisação, e não parece ter
sido por motivo de repouso das festividades áureas. É o que indica um termo da Irmandade
do Santíssimo, de 3 de junho de 1734, em que se reclamou da “falta de Manoel Frz Pontes
p.ª a obrigação de todas as condiçois da escriptura p.ª a administração da obra da Igr.ª”
48
. Re-
latou o escrivão que o administrador foi “chamado tantas vezes, estando a dita obra Retida a
mais de hú anno por Sua Culpa, e com o Risco e prejuízo gr.de [grande]”. Assim, assentaram
uniformemente por tornar “M.el Frz Pontes escluido da d.ª administração, com protesto de
mais se não admitir nem se lhe satisfazer cousa algúa”
49
. No mesmo dia foi lavrado o termo
de contrato do “novo administrador”
50
, João Fernandez de Oliveira, e o documento comprova
45
APM CMOP 06, fot. 1177-1178.
46
Cf. CONSTRUÇÃO DA MATRIZ DE OURO PRETO. RAPM, Belo Horizonte, ano 7, 1902, p. 987.
47
Ibidem, p. 988.
48
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, s. 16-16v. [Termo de exclusão de Manoel Fernandez
Pontes da administração da Obra da Matriz]. Vila Rica, 03/06/1734.
49
Idem, Ibidem.
50
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, s. 17-17v. “Tr.º [trecho carcomido] asentou em Meza de
125
a preocupação da irmandade em assegurar, acima de tudo, a perfeição da obra. Se o antigo
administrador, Manoel Fernandez Pontes, faltou com o decoro devido ao cargo, do que lhe
rendeu ser “expulso da administração da obra”
51
, poderia ter também faltado em relação às
matérias práticas, igualmente decorosas, de seu ofício. Assim, antes de conar ao novo ad-
ministrador as suas “obrigações” construtivas, seria empreendida uma avaliação da obra com
“ociais peritos como louvados”, e que eles, “em suas consciências”, examinassem se ela
estava até então “feita com segurança” ou se tinha algum “defeito”. Para as “partes” eventu-
almente desditosas, foi proposto “se atalharem e [se] emmendarem á Custa de q.m [quem]
for”, para só depois, então, “qd.º não haja na d.ª obra defeitos, continuar o Rematante a obra
q. lhe faltar à sua obrigação”
52
.
O grosso das obras que tocavam ao novo administrador, e também as mais renadas, de
asseio interno, destinadas a outras arrematações e contratos, se concentraram nos quinze
anos seguintes, restando praticamente por fazer apenas a pintura e o douramento do corpo
da igreja. Em dois anos, registros indicam João Oliveira ter cumprido bem com as suas obri-
gações, estando certamente liberada a incorporação interna da igreja. Em 24 de abril de 1736,
na entrega da mesa aos novos administradores da irmandade (Provedor: Capitão Domingos
Lourenço de Sampayo, Escrivão: Antonio Gil de Araújo, Procurador: Jozé Lopes Ribeiro, e o
Tesoureiro: Simão da Rocha Pereira), foi no ato assinada a obrigação dos novos mesários
em satisfazer os pagamentos a João Fernandez de Oliveira pelo “rezto que se lhe dever da
primerezcretura”, a Antonio Ramoz da Cruz “o que se lhe reztar daz gradez da Igr.ª, como
também a Antonio Francisco Pombal “de asoalhar a dita Igre corredorez e concerto daz
cazaz do Santíssimo”
53
.
Diretamente relativos ao aperfeiçoamento interno da fábrica, foram vários os termos assina-
3 deJunho p.ª eff.º [para efeito] de se meter administrador novo á obra e Se m.dar [mandar] ver a festa
por off.es [ociais]”. Vila Rica, 3 de junho de 1734.
51
Ibidem, . 17.
52
Ibidem. Curiosamente, o novo administrador aparece em documento mais antigo da irmandade. Se-
gundo pesquisas apresentadas por DEL NEGRO, Carlos. Escultura ornamental barrôca do Brasil; por-
tadas de igrejas de Minas Gerais. Belo Horizonte: Escola de Arquitetura da Universidade Federal de
Minas Gerais, 1961, p. 53, João Fernandes de Oliveira teria assinado, em primeiro de abril de 1731,
uma obrigação para “fazer a obra da nova igreja”. Ou não teve efeito ou o dito arrematante logo foi
substituído por Manoel Pontes. No registro de fatos notáveis de 1790, o vereador de Mariana declarou
ter sido, a “matriz de Ouro Preto, arrematada por João Francisco de Oliveira pelos anos de 1720”, apud
BRETAS, Rodrigo. “Traços biográcos relativos ao nado Antônio Francisco Lisboa...”. In: VEIGA, Efe-
mérides mineiras, “18 de novembro de 1814”, v. 3 e 4, p. 996.
53
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 22 v. “Termo da entrega a nova Meza”. Vila Rica,
24/04/1736.
126
dos por este corpo de mesa, sediado entre os abris de 1736 e 1737. E não seria este um caso
isolado a ilustrar a diligência exemplar das mesas da Irmandade do Santíssimo no “Serviço
do Deus”. Trinta anos depois, a mesa do biênio 1767-1768 foi convidada pelos irmãos a per-
manecer com os mesmos cargos no biênio seguinte, porque com muito “zelo” e “devoção”
haviam se aplicado na fábrica e “ornato” do templo
54
, sobretudo na fatura da pintura e doura-
mento dele, como veremos adiante.
Cinco dias depois da posse daquela mesa, em 29 de abril de 1736, foi assentado por ela que
se deveria, além de reformar o “compromisso” para o “bom Regimen” da irmandade, “fazer o
forro desta Igreja apainelada conforme oRisco q em meza seaprezentar, e por ella for apro-
vado p.ª se proceder nafatura delle”
55
. A reunião que determinou esta aprovação aconteceu
depois de apenas seis dias, em 05 de maio de 1736, e incita a pensar se já não estavam sen-
do feitos esses riscos antes do termo anterior; alertados que poderiam estar, da iminente arre-
matação, ociais de sopesada inteligência. O documento notica claramente a apresentação
de “vários riscos”, a apontar que houve ajuizamento de conveniência para aprovação daquele
que nalmente “se acha asignado nascostas pellos mesmos irmaõs p.ª por elle se fazer aobra
do forro”
56
. Não se nomeou na ocasião o feitor do risco, mas como se no termo de declara-
ção de entrega da obra, de 24 de outubro de 1737
57
, foi escolhido aquele ideado pelo Mestre
“Antonio da Silva”, dessa vez presente. Ao nal, como de estilo, assentou-se dedicar a obra a
“q.m [quem] mais barato a zer”
58
.
54
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224,  . 128v-129. “Termo emque comveyo amesa que Se-St.º, Filme 11, vol. 224, . 128v-129. “Termo emque comveyo amesa que Se-“Termo emque comveyo amesa que Se-
fez em 2 de abril de 1768, em carem os mesmos ociaes por devoçaõ”. Vila Rica, 02/04/1768: “Ea-
tendendo os irmaons votantes, que no dito acto seachavam, que o Provedor, emais ociais damesma
Irmandade Setinhaõ empregado contanto zelo no Serviço de Deoz, e do tempo, tendo determinado e
Rematado em utilidade, e ornato domesmo Templo hua grande pintura dele, reconhecendo no seu Zelo
hum espirito de devoçaõ, e que este naõ afroxaria com a despeza deSerem Segunda vez Reeleitos;
determinaram os Referidos que cassem novamente Reeleitos para Servirem outro anno para melhor
se completar, eacabar aobra de pintura visto q os ditos eleytos por sua propria devoçaõ ezelo da mes-
ma Igreja queriaõ exercer os mesmos Cargos […]”.
55
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 23. “Termo em q se detreminou em meza [...] p.ª a Re-“Termo em q se detreminou em meza [...] p.ª a Re-
formação do Compromiço e forro da igreja”. Vila Rica, 29/04/1736.
56
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 23 v. “Termo q se fez do Risco q se aprovou em meza
do forro da Igreja”. Vila Rica, 05/05/1736. O escrivão se equivocou na primeira linha do documento,
datando-o no mês de abril, e a correção se fez no arremate do termo.
57
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 28. “Termo dedeclaracão quezeraõ edetreminaram os
louvados nomeados pelos off.es desta Irmand.e Rematante da obra do forro do teto da Igreja”. Vila
Rica, 24/10/1737.
58
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 23 v. “Termo q se fez do Risco q se aprovou em meza
do forro da Igreja”. Vila Rica, 05/05/1736.
127
No termo seguinte, assinado ao mesmo dia 05 de maio, inculcou-se uma resolução funda-
mental e muito eloqüente para conrmar o zelo e a prudência dos irmãos para a fatura decoro-
sa da igreja. Convieram uniformemente arrematar-se de uma só vez toda a fabricação interna
da nave, “forro”, “cimalha” e “pés direitos”, por ser a “arrematação destes mais cômoda à obra
sendo junta”. Assim,
[Cabeçalho ilegível]
Aos sinco dias domes demaio de mil eSetecentos e trinta e seis nesta Matris
de Nosa Sr.ª do Pilar de Villa Rica doouro preto no Comcistorio della estando
o provedor emais ociais e Irmaos da Irmandade doSanticimo Sacram.tº ahi
por todos uniformemente foy convindo e Aceito seaRematace o forro pello
Risco, na forma espreçada no termo em fr.te [frente] eoutrosim seaRemata-
ce a Simalha havendo q.m a zece junto com o forro, como tambem os pes
direitos emculcando aaRemataçaõ destes mais comodo aobra sendo junta e
de como assim o aprovaraõ e convieraõ aSinaraõ comigo escrivaõ q oescrevi
e aSigney
[Assinaturas]
59
O uso do verbo “inculcar” (no gerúndio: “emculcando”) indica, segundo os usos que lhe deu
Bluteau em 1712
60
, pelo menos duas interpretações: 1º) que alguém havia insistido “repetida-
mente” na “comodidade” da arrematação conjunta, ou 2º) que ela havia sido ajuizada durante
a reunião da mesa com o elogio consciente das vantagens. A inteligência mais apta a persua-
dir de tal proveito era certamente o ocial do risco, Antonio da Silva, sabedor das circunstân-
cias que, acomodadas num só prumo diretor, facultariam aperfeiçoar com asseio a execução
de sua invenção. Todavia, seu nome não foi citado pelo escrivão nem sua assinatura consta
no nal do termo. Ou Antonio da Silva recomendara anteriormente a comodidade da conjun-
tura ou a resolveram propriamente os irmãos. Também seria possível pensar na diligência de
outros ociais, que poderiam ter aconselhado a irmandade. O adjetivo “cômodo” pode pare-
cer, conforme a prevalência de sentido atual, que se queria apenas facilitar os serviços de
construção. Nesse tempo, contudo, e principalmente na matéria em questão – a composição
e execução dos corpos artísticos – o termo exige mais apuro na interpretação. Por certo que
a arrematação conjunta facilitaria a construção, mas os proveitos advindos ultrapassavam a
utilidade circunstante de se administrar de uma só vez a execução da talha. No regime retóri-
co, o termo “cômodo” adjetivava mais do que o proveito, ocasião ou utilidade prática, como se
59
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 24. (?). Vila Rica, 05/05/1736.
60
Cf. BLUTEAU, op. cit., Enculcar, Inculcar, v. 2 e 4, respectivamente, p. 99 e p. 99, por coincidência.
128
encontra em Bluteau
61
, concernindo também ao que está, será ou foi, acomodado, adequado,
favoravelmente à plena satisfação de seus ns. O termo corresponde ao adjetivo latino com-
modus, que designa o que está “conveniente”, “bem disposto” e em “boa ordem”, além do que
é “vantajoso”, “útil” e “benévolo”
62
. A formação do adjetivo se dá pela união das partículas cum
+ modus, ou seja, o que está feito “com medida”, com comedimento, e a qualicação corres-
ponde ao substantivo latino commoditas, de importante autoridade nos tratados de retórica
e arquitetura; por exemplo no De re aedicatoria, de Alberti
63
. Na música, o termo designa
também o caráter modal, e portanto o modo, diretamente relacionado à proporção de efeitos e
afetos conforme o ritmo, o grau de gravidade ou agudeza dos timbres de voz e instrumentos
64
.
A arrematação tocou ao mestre que havia “assoalhado” a igreja Antônio Francisco Pom-
bal, segundo termo de 11 de maio de 1737
65
. O termo especicou as matérias da arremata-
ção, requerendo que a obra se zesse conforme “espreçada noRisco eperl ecomdiçoins [...]
pello preço de doze mil cruzados”. A obra de todo o conjunto começou pelo forro, ou seja, de
cima para baixo. A razão do procedimento, aparentemente contrário ao soerguimento habitu-
al de uma obra, se encontrava, penso, no artifício apto a proporcionar uma boa ligação das
partes
66
, resultando tanto em segurança como em perfeição. Para efeito de comprovação, os
61
Cf. BLUTEAU, op. cit., Commodo, Commodidade, v. 2, p. 404-405.
62
Cf. SARAIVA, Antonio. Dicionário latino português. Commodus, p. 255.
63
Segundo Werner Szambien, a noção de “comodidade” é uma das mais ricas e variadas dentre os
princípios da arquitetura. No decorrer dos séculos XVI, XVII e XVIII a interpretação do termo oscila, por
assim dizer, entre as propriedades compositivas e as satisfações utilitárias. Cf. SZAMBIEN, Werner.
Symmétrie, goût, caractère: theorie et terminologie de l’architecture a l’âge classique 1450-1480.
Paris: Picard, 1986. Commodité, p. 85.
64
Cf. CHASIN, Ibaney. O canto dos afetos; um dizer humanista. São Paulo: Perspectiva. 2004 (Estu-
dos).
65
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 25. “Termo de aRemataçaõ q sefaz da obra desta Hir-“Termo de aRemataçaõ q sefaz da obra desta Hir-
mandade do Santicimo do forro cimalha epes direitos”. Vila Rica, 11/05/1736.
66
Na famosa Descripçam do Monumento ereto para a memória de todos os tempos, de D. João V, o
inventor da ekphrasis usou uma categoria interessante para elogiar as virtudes da arquitetura. Ao nal
do comentário sobre alguns ornatos de uma das partes do monumento, o autor concluiu escrevendo
que eles estavam “sustidos de articiozas ligaduras”. Cito: “No mais alto da frente do dito pedestal
estaõ colocadas as Reaes Armas deste Reino, com a gura da Fama, que as coroa, e a do valor com
dardos, e frechas, que as defendem, e seu necessario ornamento: Idéa toda naõ tedioza para a vista, e
ao da escrita em uma virada pelle de Leam a seguinte letra: Vivere facta sinant tibi, princeps, Nesto-
ris annos: hic populo evenient omnia fausta tuo. Sendo a compostura dos lados de sima abaixo palmas,
louros, e trofeos, como cahindo, sustidos de articiozas ligaduras”. Cf. PADUA, João Antonio Belline de.
Descripçam da Engenhosa Maquina, que para memoria dos seculos se colloca a marmorea estatua so
sempre Magnico Rei, e Senhor nosso D. Joaõ V. Inventada, e delineada por Joaõ Antonio Belline de
Padua, Escultor e Arquitecto. In: HANSEN, João Adolfo. Teatro da memória: monumento barroco e retó-
rica. Revista do IFAC, n. 2. Ouro Preto, dez. 1995, p. 53. A passagem parece informar que as ditas “arti-
ciosas ligaduras” seriam artifícios materiais necessários a “suster” os ornatos, como desempenham na
129
documentos apenas tocam os procedimentos, os preceitos e as partes do corpo, sem justicar
a ordem. Ora, as paredes externas e o telhado se encontravam prontos, e o maior desao
à fábrica seria justamente adequar a estrutura vertical dos pés-direitos em talha com o forro
horizontal, cuja articulação formal seria efetivada, como de costume, pela cimalha. Assim, era
uma solução de lógica construtiva que se impunha, requerendo começar-se a articulação das
partes justamente no seu ponto mais delicado e crucial onde evidenciar-se-ia a correção
de todo o empenho. Se a obra fosse iniciada pelo rés dos pés-direitos, no ato de marcá-los
e assentá-los primeiramente ao chão, qualquer desalinho anterior ou subseqüente de pru-
mos ou rumos da construção resultaria em desarmonia ou imperfeição nas ligações da talha.
Qualquer defeito ou assimetria na estrutura acabada do telhado e suas cambotas, onde
se arremataria o forro, resultaria em problema de articulação com os pés direitos, e o defeito
se tornaria visível, um erro ou vício de representação imperdoável. Assim, e buscando mini-
mizar qualquer defeito aparente ou permanente, se realizaram antes vistorias para vericar
as condições das “tesouras” do telhado, “cambotas” e “oliveis” do “engradamento do forro”
67
.
Quatro das tesouras estavam danicadas, para correção e fortalecimento das quais a irman-
dade se ajustou com o próprio Pombal
68
, a quem judicialmente não tocavam esses remédios.
arquitetura os juntouros, matações, grampos, argamassas, peças e matérias que solidarizam as partes
da fábrica. Teriam a nalidade precípua de garantir segurança e coesão estrutural às partes do corpo;
algo similar ao que, na dispositio dos textos (comentou comigo Hansen em conversa informal sobre o
assunto), atuam as conjunções, a m de conferir conexão entre as partes mais interessantes do discur-
so. De fato, no Sermão da Sexagésima, Vieira salientou o defeito dos sermões de partes desconexas:
“Que diferente é o estilo violento e tirânico que hoje se usa? Ver vir os tristes Passos da Escritura, como
que vem ao martírio; uns vêem acarretados, outros vêm arrastados, outros vêm estirados, outros vêm
torcidos, outros vêm despedaçados; atados não vêm”. Cf. VIEIRA, Antônio. Sermões. Alcir Pécora
(Org.). São Paulo: Hedra, 2003. Sermão da Sexagésima, V, p. 39. O termo “ligadura”, em BLUTEAU,
op cit., v. 5, p 124, também corrobora essa compreensão. Porém, numa outra passagem da mesma
Descripçam, o autor comenta novamente a virtude de estarem “ligadas” as peças do monumento, mas
desta vez se refere nitidamente à ligação entre as peças ornamentais, protagonistas do discurso plás-
tico monumental: “Formozea o dito obelisco, ou agulha sua altura em proporcionada distancia com os
seguintes ornamentos; clavas de Hercules, Palmas, e louros tudo ligado, e della está pendendo uma
medalha com a letra: Ad superos(PADUA, op. cit., p. 54). Essa aplicação do preceito aos aspectos
mais aparentes encontra espelho também no âmbito da povoação, pois se encontram várias referên-
cias documentais relativas à virtude de se haver “continuidade” dos arruamentos, continuidade entre as
“casas de morada”, “concerto” e “reticação” de “alinhamentos” etc. Assim, pode-se compreender que
artifícios de ligação ou articiosas ligaduras poderiam satisfazer tanto as necessidades mais estrutu-
rantes da fábrica, servidão de solidez e segurança, quanto os aspectos visuais e elocutivos, desempe-
nho de ornato – qualidades devidamente elogiadas pelos coevos. Comentarei esses aspectos também
na análise das capelas.
67
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 26 v. “Termo do q declararaõ os Louvados davestoria
q’ se fes aobra doforro e ttetto da Igreja”. Vila Rica, 08/02/1737.
68
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 29. “Termo do q declararaõ os Louvados davestoria q’
se fes aobra doforro e ttetto da Igreja”. Vila Rica, 30/04/1737. À . 30 do mesmo livro, se lavrou “termo
de vestoria” e aprovação da obra de correção das tesouras, com o qual se conveio estarem as tesou-
ras “seguras tanto pelo obramento como pela coalidade e gross.ª [grossura]”. Ibidem, . 30. Vila Rica,
08/05/1737.
130
A saúde do telhado era prévia condição para o cumprimento de sua obrigação, mas melhor
seria, ajuizou a irmandade, se assegurar da emenda com o próprio arrematante das futuras
obras. Na mesma vistoria, se resolveu mudar os “olivéis” do “engradamento do forro”, mas as
“cambotas” – estrutura de madeira na qual se atavam os painéis de forros e abóbadas – não
se achavam “com emperfeição algûa”.
A tal vistoria objetivava ressalvar a segurança e também a perfeição da obra, dois dos pre-
ceitos mais repetidos nas condições e termos de obras setecentistas. A segurança garantia a
conservação decente da obra, da qual dependia, também, logicamente, a sua comodidade e a
sua perfeição – os preceitos eram interdependentes. A realização da vistoria havia sido deter-
minada ainda em 19 de agosto de 1736, quando se resolveu fazer com que entrassem como
louvados “M.el Franc.º Lx.ª, João Dias tteixreAnt.º da Silva p.ª q estes declarem SeSiacha
aobra Sem aminima emperfeiçaõ ttanto de taboado a Ser deley como da manufatura”
69
. Ape-
nas em 02 de fevereiro de 1737 se encontra o termo em que parece ter-se registrado a predita
louvação. Manoel Francisco Lisboa foi impedido por alguma razão
70
, e o próprio Antonio da
Silva, o ocial do risco, encontrava-se em “Furquim”, circunstâncias pelas quais foram nomea-
dos “Henrrique Riber.º, Joaõ dias tteixer.ª, Joaõ Carve Ant.º Ramos da Crus”. Curiosamente,
os irmãos se preocuparam em justicar o lançamento de louvados para essa vistoria através
de um argumento de caráter teológico. Costumeiro era registrar-se que eles deveriam exami-
nar a obra pelo que “entenderem em suas consciências”, tudo sob o “juramento” do Evange-
lho, mas rara foi a justicativa do costume. Declararam, então, os irmãos, que sob as cons-
ciências deles, louvados, que entendiam da matéria, os irmãos literalmente “salvariam” as
suas, “pelo não entenderem”
71
. Como que aconselhada pela sindérese, a prudência habitual
possuiu um efeito retórico, ou artístico, ressalvada no juízo avaliador da perfeição da fábrica.
Foi determinado, então, “sezesse vistoria aobra daIgreja doforro, as madeiras, eascambotas
se podem com a obra, as tizouras do teto Seceacha alguá, com danecaçaõ, e aobra sece
69
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 27 v. “Termo q’ se fez de varias detreminaçoins”. Vila
Rica, 19/08/1736.
70
Germain Bazin sustenta que esse “impedimento” era devido ao grau de parentesco familiar entre
Manuel Francisco Lisboa e Antônio Francisco Pombal: “Entre os três louvados designados para esta
função um foi recusado como sendo suspeito, o que não chega a surpreender, pois era o irmão do arre-
matante, Manuel Francisco Lisboa”. BAZIN, Germain. Arquitetura religiosa barrôca no Brasil, v. 2, p. 79.
71
Assim, cou previsto que eles “debaixo do juramento digaõ oq emtenderem em Suas Conciencias em
q salvamos as nossas pello naõ entendermos”. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 28v. “Ter-CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 28v. “Ter-“Ter-
mo q se faz davestoria daobra e varias detreminaçoins”. Vila Rica, 02/02/1737.
131
continua pello risco e perl comq Se arematou tudo judicialmt.e”
72
. É provável que essa louva-
ção tenha demorado a acontecer porque, conforme inclusive insinua o trecho acima citado e
conrmou um outro termo assinado em 21 de outubro de 1736, foi colocada em questão não
apenas a segurança da fábrica, mas também a perfeição do risco. Conforme este termo de
21 de outubro, o risco padecia de defeitos, para remédio dos quais foram feitas, certamente,
algumas emendas. Ficou registrado, então, que o rematante Pombal havia “apontado [...]
alguns erros” no risco, e por isso os ociais e irmãos da irmandade “convieraõ e raticaraõ
o termo porq se arrematou a obra q se achava a . 24 deste [livro] cem (sic) q se continuace
pello Risco eperl q. se lhe deu noacto da arrematação”
73
. Portanto, os valores, termos e con-
dições da arrematação foram raticados, i.e., conrmados, com a condição expressa de que
o arrematante, não por ter apontado os erros, como certamente pelo discurso, cabedal e
condição de rematante, “suprisse” os ditos erros com invenção “debaixo do mesmo preceito”,
mantendo-se também as suas “obrigações” de “escritura e condições”
74
. Com essa determina-
ção de outubro de 1736, não está claro porque, na louvação posterior, de fevereiro de 1737,
ainda foi colocada em julgamento a continuação da obra pelo risco.
Dentre as várias resoluções que objetivaram garantir especialmente a “segurança” da fábrica,
duas delas se destacam pelo artifício. A primeira foi documentada, e se trata da inserção de
uma “linha de ferro” entre as duas “bandas” da talha; a segunda, a fatura oculta de uma pa-
rede de adobe atrás da primeira linha de pilastras dos pés-direitos, a contar do arco-cruzeiro
(FIG 4, 9 e 10).
72
Ibidem.
73
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 28. “Termo q se faz deRaticação do ttermo porq se
aRematou aobra q se acha a . 24 deste”. Vila Rica, 21/10/1736.
74
Ibidem.
132
Figura 10 – Paredes de adobe que reforçam a estrutura de talha da nave
Figura 4 – Parte do forro da nave e “pé-direito” da
Epístola. Atentar para a “linha de ferro”
Figura 9 – Detalhe do capitel e da “linha
de ferro”, saindo da cornija, que liga as
duas “bandas” da talha que conforma a
nave
133
O primeiro artifício foi determinado em 30 de junho de
1737
75
, e buscava prevenir a deformação da talha; evi-
tar sua abertura com o empuxo horizontal proveniente
do peso-próprio da estrutura e das descargas do telha-
do e do forro. Um problema de deformação semelhante
ocorreu, por exemplo, na de Mariana, evidente pela
observação da barriga que fazem para fora os alinha-
mentos das cimalhas das paredes laterais (FIG. 11). O
artifício de Pilar se destaca pela prudência, aplicado,
obviamente, no centro da nave, no ponto de maior des-
vão entre as suas laterais. Ficou determinado, ainda,
que a articiosa ligadura seria dirigida por “mestres que
entend[i]am os melhores meios da segurança”
76
.
A pequena parede de adobe foi erguida na parte da ta-
lha mais distante da parede externa e, portanto, na que
recebe maior empuxo horizontal das cargas referentes
ao piso das tribunas situadas no segundo pavimento,
logo acima dos altares. A parede de adobe vigora a
inércia da estrutura de madeira e também contribui para anular esse empuxo horizontal, que
poderia deformar a linha vertical da pilastra para o centro do templo. A parede não se da
nave, sendo possível observá-la apenas no exame do costado de toda a estrutura, entre a ta-
lha e as paredes externas, onde se aprofundam os altares laterais. O conjunto vertical se arma
com esteios duplos de madeira, seção retangular apenas desbastada, situados anteriormente
ao pano da pilastra, entremeados com a pequena parede. O artifício confere estabilidade la-
teral aos esteios, dirimindo a possibilidade de ambagem. Diminui-se, assim, a possibilidade
de deformação por esforço de momento etor ou fadiga da estrutura, e se ressalva a decência
75
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 30 v. “Termo do q seRezolveo, em meza de 30 de
junho, d.º abaixo”. Vila Rica, 30/06/1737.
76
Aos trinta dias do mês de Junho demil Setecentos etrintaesete annos, na Igreja Matriz de nossa Sr
do Pillar desta Vila do Ouro Preto […] concordaraõ que comtodo ocuidado Se zecem continuar as
obras do forro da Igreja, pés direitos e o mais que [resta?] da escritura feita pellos aRematantes dela e
que p.ª melhor Segurança dad.ª Igreja Se manda ce fazer huma linha deferro que de huma a outra Ban-
da a forticace p.ª o que se pediram as linhas, ou aRobas de ferro que alguns devotos quizecem doar
eomais Secompraçe p.ª com toda a brevid.e se por na d.ª Igreja a tal Linha por direcção de Mestres que
entendaõ os milhorez meyos da Segurança p.ª que he aplicada. Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11,
vol. 224, . 30 v. “Termo do q seRezolveo, em meza de 30 de junho, d.º abaixo”. Vila Rica, 30/06/1737.
Figura 11 Barriga das paredes late-
rais da de Mariana. Foto: Robson
Godinho
134
de sua perfeição aparente.
Antonio da Silva foi louvado e especialmente “ouvido” na entrega da obra, o que indica que
a idéia do risco permanecia apesar das prováveis emendas sugeridas por Pombal que deve-
riam estar, ademais, “debaixo do mesmo preceito”. Difícil precisar a referência. A qual “pre-
ceito” se referia o termo? Na sumária descrição que o vereador de Mariana, Joaquim José da
Silva, deu ao seu interior em 1790, registrou-se que o templo
passa por um dos edifícios mais belos, regulares e antigos da comarca [...]
construído e adornado interiormente por Antônio Francisco Pombal com
grandes colunas da ordem coríntia, que se elevam sobre nobres pedestais a
receber a cimalha real com seus capitéis e ressaltos ao gênio de Scamozi.
77
Tratam-se, entretanto, de capitéis da ordem compósita, e não coríntia, ainda que citados sob
a autoridade de Scamozzi. Os capitéis das pilastras possuem todos os elementos habituais
da ordem (FIG. 9 e 16): duas faixas de folhas de acanto, baixa e alta, entremeadas umas às
outras na colocação, volutas bem proporcionadas com listel de saliência uniforme, linha de
óvulos logo abaixo do ábaco com a cimalha de arremate e um delicado arranjo de folhas pen-
dentes no centro do coroamento do capitel, com lineamento semelhante às que guram as
chambranles muito imitadas na ornamentação de ombreiras e ilhargas da arquitetura religiosa
setecentista. Está claro que a citação foi feita para autorizar o discurso, mas o vereador se
confundiu na referência às colunas.
Outra questão problematizada pelos comentadores é a dúvida se teria ou não Antonio da Silva
feito o risco também dos pés-direitos e da cimalha
78
, hipótese que parece ser conrmada po-
sitivamente pelo fato de não haver no mesmo livro de termos documento algum que se rera
à aprovação de outro risco relativo. Ademais, arrematou-se tudo de uma vez, como vimos, e
a louvação nal registrou que uma “sacada” – ou seja, uma tribuna que era parte constitutiva
dos pés-direitos apresentava uma “moldura que a não tem a obra nem oRisco”
79
. Ora, se
foi possível aferir na louvação que a “moldura” da sacada não correspondia ao risco, parece
77
Cf. SILVA, Joaquim José da. Registro de fatos notáveis apud BRETAS, Rodrigo. “Traços biográcos
relativos ao nado Antônio Francisco Lisboa...”. In: VEIGA, JOSÉ Pedro Xavier da. Efemérides minei-
ras, “18 de novembro de 1814”, v. 3 e 4, p. 996.
78
“O adjudicatário dessa obra em madeira foi Antônio Francisco Pombal em 1736 e o autor do risco, o
ocial Antônio da Silva, se não de toda ela, ao menos do fôrro”. Cf. DEL NEGRO, op. cit., p. 52.
79
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 35. “Termo dedeclaracão quezeraõ edetreminaram os
louvados nomeados pelos off.es desta Irmand.e Rematante da obra do forro do teto da Igreja”. Vila
Rica, 24/10/1737.
135
simples aduzir que nesse havia, sim, gura de pés-direitos e sacadas. Daí, é mais que prová-
vel supor que o risco de Antonio da Silva assimilava não apenas a parte horizontal do forro,
mas todo o forrado de talha da nave poligonal. Estava a fábrica “boa no obrado” e feita em
“madeira de lei”, o que constituía uma das “obrigações” do arrematante:
Termo dedeclaracão quezeraõ edetreminaram os louvados
nomeados pelos off.es desta Irmand.e Rematante da obra do
forro do teto da Igreja
Aos vinte equatro dias do mês de outubro de mil setecentos
e trinta e sete annos nesta Igreja Matris de Nossa Sr do
Pilar de Rica do ouro Preto e na casa do Consistorio da
Irmd.e do SSmº e Sendo ahi prezentes o Provedor Procura-
dor e mais off.es de mesa da Irmd.e do SSm.º adjuntos os
Louvadoz declarados no termo em fronte; eSendo pellos d.ºs
Louvados ouvido Antonio da S.ª ofcial que fez e deo o Risco
da obra Rematada.
Uniforme.mte epor todos d.º julgado debaxo de Suas con-
siençias armando com juram.to dos q’ elles pelo exzame eo-
briguação que zeraõ no forro do teto da Igreja, estava este
comforme o risco por que foi Rematada a obra com decla-
ração deq lhe acabarão huma sacada que Se mostra no
pRele da muldura que a não tem a obra nem oRisco aapon-
ta que outroSy estava a mesma obra sem deminuissaõ do
d.º Risco nem pella Repartição e toda boa no obrado emadr
comque se devia fazer Serem as da obrig.ªm e deley, e desta
forma ouveraõ a d.ª vestoria por feita na forma [?] a dar Suas
conciençias e decomo aSim o diceraõ e detreminaõ aSinaraõ
comigo escrivaõ dad.ª Irmd.e q’ o escrevi e aSigney.
80
As virtudes de risco e execução caram notórias, efetivando aquela perfeição aprimorada que
é a Igreja do Pilar. A nave é “novidade” pela invenção, no sentido que deu Tesauro ao termo,
tendo o risco emulado adequadamente a tópica das plantas ovais ou poligonais difundidas
desde o século XVI, por exemplo, no Livro Quinto de Arquitetura, de Sebastiano Serlio
81
,
dedicado aos templos (FIG. 12). O tipo foi bastante imitado na Itália, por Bernini, Guarini e
Borromini, conquanto também em Portugal, pela ilustre planta de Nicolau Nasoni para a Igreja
de São Pedro dos Clérigos, no Porto (FIG. 13), e outros exemplos na colônia luso-brasileira,
especialmente no Rio de Janeiro: a Igreja do Outeiro da Glória e a Igreja de São Pedro dos
80
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 35.
81
SERLIO, Sebastiano. Tutte l’Opere d’Architettura di Sebastiano Serlio Bolognese; dove si trattano in
disegno, quelle cose, che sono più necessarie all’architetto et hora di nvovo aggiunto (oltre il libro delle
porte) gran numero di case priuate nella Città, & in villa et un indice copiosissimo Raccolto per via di
considerationi da M. Gio Domenico Scamozzi. In Venetia MDLXXXIIII (1584). Presso Francesco de
Franceschi Senese. Libro Quinto Delli Tempii, fólios. 204, 204v [planta oval], 205 e 208 [octogonal].
Disponível em: <http://gallica.bnf.fr/>.
Figura 12 Planta oval no Livro Quinto
de Arquitetura, Delli Tempii, de Sebas-
tiano Serlio, . 204v. Fonte: <http://
gallica.bnf.fr/>.
136
Clérigos, esta demolida em 1944 para a abertura da Avenida Presidente Vargas
82
. Estes três
exemplos luso-brasileiros antecedem em poucos anos o risco da talha de Pilar, fabricados to-
dos os quatro na década de 1730. A igreja de São Pedro no Porto foi encomendada a Nasoni
a partir de 1731; a igreja de Nossa Senhora da Glória foi terminada em 1739; São Pedro do
Rio de Janeiro teve o lançamento da pedra fundamental em 1733, pelo Bispo D. Antonio de
Guadalupe, e segundo a notícia que se tem foi terminada em cinco anos
83
. Em Minas Gerais,
dois exemplos ilustres se sucedem ao de Pilar: as capelas do Rosário em Vila Rica (FIG. 14)
e São Pedro em Mariana.
82
Cf. PEREIRA, André Luis Tavares. A constituição do programa iconográco das irmandades de cléri-
gos seculares no Brasil e em Portugal no século XVIII. Tese. (Doutorado em História)-Instituto de Filo-
soa e Ciências Humanas da Unicamp, Campinas, 2006, p. 167-177.
83
Idem, Ibidem.
Figura 13 Vista exterior e também da nave da Igreja de São Pedro dos Clérigos, Porto, Nicolau Nasoni
Figura 14 Planta e vista aérea da Capela do Rosário, Vila Rica. Fontes
respectivas: SANTOS, Paulo. Subsídios para o estudo da arquitetura reli-
giosa de Ouro Preto, p. 143; e Acervo de fotograas do IFAC/UFOP
137
Em Pilar, a disposição ordena com engenho e sutileza as hierarquias, valorizando não apenas
o costume dos lugares habituais de um templo católico, como, sobretudo, as preeminências
da iconograa eucarística que reitera as nalidades sacrical e redentora do culto. Todas
as partes da arquitetura são decentemente integradas ao corpo total do edifício, procuran-
do resguardar-se a virtude de continuidade e ligação entre elas. A disposição de elementos
estruturantes e vãos é toda ela servidão de efeito e nalidades. A ornamentação se integrou
com artifícios e ornatos que requintaram o caráter e o estilo sublimes, a contar, ainda, com a
circunstância cômoda de se haver especializado tudo com adequação de gosto e elementos
correspondentes, inclusive nos retábulos laterais, que guardam entre si uma notória seme-
lhança (FIG. 3A). Divertem-se um pouco os altares extremos do lado do Evangelho, pois são
os únicos estruturados por colunas torsas, enquanto os demais o são apenas por meio de
quartelões com conjuntos duplos de volutas nas três faces livres aparentes, com rostos de
anjinhos imediatamente abaixo dos capitéis. Todos estes são também compósitos, nas colu-
nas e quartelões de todos os altares, embora se possa identicar, num exame mais atento
deles, diferenças de proporção e versatilidade no desenho dos elementos e na junção entre
as peças.
Figura 3AVista da nave da Igreja do Pilar a partir da tribuna do Evangelho. Desta-
que para a correspondência formal entre retábulos laterais
138
Os retábulos são arrematados sempre em arquivolta a coroar como uma auréola o dossel
do camarim, com artifício de desenho a simular uma pequena meia-cúpula para dentro, que
valoriza, pelo efeito contrastante do aprofundamento, a centralidade proeminente do dossel.
As cúpulas estão profusamente ornadas de guras de anjos, querubins e pássaros, apoiados
no próprio dossel e entablamentos
84
. Acima do coroamento desses retábulos, do dossel e da
arquivolta, o pano do polígono estende a estrutura retabular com quartelões arrematados por
um novo entablamento colocado aos pés do parapeito das tribunas, ligando as estruturas que
continuam se elevando pelas ilhargas que denem seus vãos. Ainda nos retábulos, todos os
frisos e faixas são bem decorados, e as cimalhas apresentam dentículos em todos os movi-
mentos de sua extensão. Acima desses entablamentos de arremate, anjos de adoração se as-
sentam sobre entablamentos interrompidos. Coroas arrematam os orões de todos os altares,
e sobre eles se suspende o suporte dos lampadários, sustentados por um grande pássaro que
se costuma ver ora como águia ora como fênix. Os dois púlpitos foram arrematados pelo mes-
mo mestre construtor, abaixo um preceito de “correspondência” para todo o conjunto, preceito
que foi declarado nos termos da irmandade
85
. O preceito da correspondência não aparece só
aqui, como, pode-se dizer, em praticamente todas as obras fabricadas naquele tempo
86
. Três
84
No último altar do evangelho, mais próximo à porta de entrada, dedicado a Santo Antônio, a gura
que centraliza o conjunto de esculturas é a própria gura de Jesus em esplendor. De todos os altares,
este é o único em que a linha do entablamento difere por estar mais baixa.
85
“Comvieraõ outro Sy emque Semandace fazer hum pulpito detalha comRespondente ao outro que da
mesma Si acha feito namesma Igreja e porLogo Seachar prez.te que havia feito ooutro com elle se
ajustou fazereste segundo por presso equantia detrezentos eSincoenta mil rs […]”. Cf. CECO-PILAR-
Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, s. 33-33v. “Termo que Se fez em meza em que [todos?] convieraõ na
aprovaçaõ do novo Compromisso efactura dehú pulpito”. Vila Rica, 08/09/1737.
86
A “correspondência” está na base da forma mentis seis e setecentista. Vale lembrar que, nesse tem-
po, é genericamente virtuosa a operação que estabelece “correspondência” entre idéias, guras, ima-
gens ou conceitos. O procedimento é nuclear para a produção da metáfora, como diz Tesauro: é a
“mãe de todas agudezas”. Na divisão proposta por Baltazar Gracián, a Agudeza de correspondência
e proporção é o primeiro tipo comentado, consistindo numa harmônica e agradável correspondência
que dizem entre si os termos com o sujeito. Gracián realça que mais ainda interessante do que esta-
belecer harmonias é realçar as correspondências prodígio é sutilizar”. Exemplica com os versos
de Quevedo, na voz de Apolo sobre Dafne: Ya todo mi bien perdí,/ ya se acabaron mis bienes;/ pues
hoy corriendo tras ti,/ aun mi corazón, que tienes,/ alas te da contra mi”. As asas do coração amante
contribuíam para a fuga do ser amado. GRACIÁN, Baltazar. Agudeza y arte de ingenio, Discurso IV, De
la primera especie de conceptos, por correspondencia y proporción, p. 42-53. No caso das artes visu-
ais e da arquitetura, além do estabelecimento de relações simpáticas entre proporções e elementos,
o efeito era também facilmente estabelecido pela imitação ou pela semelhança direta entre partes da
arquitetura, pela similitude formal de elementos e ornatos. Com maior “mistério” e “diculdade”, todavia,
a correspondência também poderia estar inerente às metáforas visuais que davam corpo a essas artes,
na complexidade dos programas alegóricos que poderiam ou não ser desempenhados pela recepção.
Como citado nesse documento referente aos púlpitos da Igreja do Pilar, na vasta e vária documenta-
ção coeva aparece repetidamente a solicitação pela “correspondência” ou pela “respondência” entre
as partes da fábrica. Também muito comum é o uso de expressões como “dizer com”, ou “condizer”,
referindo-se a partes de uma mesma fábrica que necessariamente deveriam estar correspondentes.
139
atlantes são distribuídos na bacia, e o
tambor possui uma estrutura convencio-
nal, com desenho elegante, quartelões e
acabamento em cimalha com folhas de
acanto, festões de ores e anjos.
Exatamente acima e em correspondên-
cia proporcional aos retábulos laterais, o
vão de cada uma das tribunas permite
iluminação natural que penetra pela fe-
nestração das paredes externas, entre
si, também, correspondentes (FIG. 15).
O vão dessas tribunas é recortado pela
balaustrada e denido, no arremate su-
perior, por arcos abatidos delicadamente
concordados com a linha reta inferior da
arquitrave do entablamento ou “cima-
lha”, como chamada na documentação
coeva da igreja. No exato meio do vão,
uma aduela de fecho decorativa dialoga com as impostas de que nascem os arcos, situa-
das estas um pouco abaixo do astragalo que embasa os capitéis compósitos das pilastras
colossais. A angulação obtusa entre os panos verticais do polígono naval proporcionou um
desao de engenho ao risco e à execução das peças, exigindo que se adequassem os vários
alinhamentos e suas deexões. A agudeza euclidiana do desenho
87
resolveu a circunstância
concordando as faces de pilastras, capitéis e cimalhas paralelamente aos alinhamentos dos
panos. A deexão acontece muito sutilmente, tendo como centro de giro o eixo vertical das
pilastras, tornando notórias as virtudes de adequação e articulação entre as várias partes do
corpo da arquitetura (FIG. 16). Todas as peças estruturais receberam ngimentos de mármore
azul-esverdeado, e alguns de seus letes, todas as caneluras e todos os capitéis receberam
precioso douramento. A cor designada pelas condições era a curiosa “pérola assombrada”,
Nesse e nos outros capítulos, serão várias as referências formais e documentais.
87
A geometria é um dos fundamentos do engenho arquitetônico; o instrumento que efetiva a materiali-
dade da arquitetura em relação às circunstâncias de sítio, proporção, comodidade e conveniência entre
as partes do corpo da arquitetura. Constituía a base das Aulas de arquitetura e engenharia militar na
metrópole e na colônia, presente em praticamente todos os escritos de arquitetura desse tempo, desde
os seus fundamentos de linha, reta e plano. Cf. BUENO, Beatriz. Desenho e desígnio.
Figura 15 – Correspondência formal entre retábulos la-
terais da nave
140
que deveria ser um matiz predominantemente perolado com adequados ngimentos de som-
bra, mas a modicação para o azul foi autorizada na louvação de entrega da pintura da Igreja,
por justamente estabelecer correspondência de efeitos graciosos. Literalmente: para “condi-
zer com o teto, e ser mais vistoso” para a igreja
88
.
Para valorizar a concordante angulação dos panos e o asseio do risco, deu-se corpo a um de-
licado ressalto em todas as peças, no fuste das pilastras, nos capitéis (que adquirem, assim,
volutas duplas ressaltadas, muito próximas
89
), e em todo o desenvolvimento da cimalha real. A
adequação com o teto apainelado é admirável. Para além das correspondências evidentes de
policromia, ngimento, douramento e res-
salto entre os pés direitos e o forro, o que
em si aprimora a perfeição e o decoro,
um detalhe de desenho articiou com e-
cácia especial a relação entre as partes. A
projeção do escalonamento que se ressalta
da cimalha, bem acima da pilastra, se abre
gradativamente enquanto ascende por ela,
e alcança o último lete concordando exa-
tamente em medida com a face do primeiro
painel pintado que se encontra logo acima,
já no forro (FIG. 16). O dito painel se afunila
em direção ao centro do forro, assim como
o ressalto se afunila para baixo rumo ao ca-
pitel, evidenciando com preciosidade a con-
tínua e articiosa ligação entre as partes;
mais do que isso, amplicava-se o efeito de
88
“[…] enoque Respeita aSimalha Real dizer acondiçaõ seria cor deperola aSombrada, eestar ngida
depedra azul, eoutra cor, Responderaõ osditos Louvados estava ngida depedra azul para condizer
com oteto, e ser mais vistozo […]. Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 130. “Termo que
faz doteto daIgreja noque respeita apintura de Louvação, e emtrega”. Vila Rica, 27/02/1769.
89
Bazin deniu como “duplas” as pilastras da nave de Pilar. Todavia, são pilastras únicas, com ressal-
tos. Pilastras efetivamente duplas são encontradas, por exemplo, em Il Gesù, Roma. Cf. BAZIN, Arqui-
tetura religiosa barrôca no Brasil, v. 2, p. 79: “Em 1736, pensou-se na decoração arquitetônica interior
do corpo da igreja, cujo grosso da obra estava, portanto, concluído. Este décor, executado em
madeira, consiste em um decágono dividido por altas pilastras duplas de ordem compósita”. (grifo do
autor). Em todo o livro, Germain Bazin utiliza o termo décor” conforme os sentidos na língua francesa,
ou seja, como o conjunto da “decoração”, sem qualquer remissão à doutrina do decoro. Tanto que na
edição brasileira o termo foi mantido no original francês “décor”.
Figura 16 Capitel compósito e entablamento da
nave. Atentar para as virtudes de simetria e articu-
lação formal entre as partes ornamentais
141
articulação de todo o corpo interno. A pintura em “brutesco”
90
desse painel é decorativa que o
baste, composta de folheados e rocailles, a exemplo da que orna o friso do entablamento logo
acima do capitel. O painel serve de amparo decorativo à composição dos outros painéis mais
importantes que acomodam as pinturas bíblicas e alegóricas do forro, enquanto as pilastras
sustentam a estrutura poligonal que serve à acomodação dos retábulos laterais.
Muito já se comentou sobre os efeitos visuais das plantas ovais ou poligonais de igrejas pós-
tridentinas, inclusive de Pilar. Geralmente se alude a uma dinâmica dita “barroca” das formas
curvas e poligonais, à “inuência” “borromínica”
91
sobre a planta e ao movimento innito das
visadas que deveriam girar entre altares e ornatos sem se denir num ponto. Essas categorias
são usadas como se uma contemplação autônoma e desinteressada das formas, dos vazios
e dos volumes compusesse os modos da recepção e da nalidade dessa arte que, de outro
modo, no seu tempo, era julgada sobretudo pela ecácia de sua encenação. Assim, quero
propor uma outra interpretação para a arquitetura e a ornamentação da Igreja do Pilar, que
tente aliar a retórica dos efeitos advindos de sua causa material e o engenhoso programa
eucarístico que se deveria encenar, inclusive por meio da actio litúrgica, na distinta Matriz.
Os documentos responsáveis pela fábrica da matriz são terminados pela Irmandade do Santís-
simo Sacramento. A confraria era, como por costume, a “administradora das obras da Igreja”
92
,
e reclamava bastante, inclusive, como tal, em vários termos, da ausência de representantes
das outras irmandades em algumas reuniões destinadas a proporcionar, por exemplo, o con-
90
A palavra, análoga ao grotesco, foi utilizada num termo da irmandade do Santíssimo para designar
pinturas decorativas sem referência icônica feitas no teto apainelado da nave. Cf. CECO-PILAR-Sm.º
St.º, Filme 11, vol. 224, . 130. “Termo que faz doteto daIgreja no que Respeita a pintura deLouvação
e emtrega”. Vila Rica, 27/02/1769. Vitor Serrão publicou importante estudo acerca da assimilação dos
grotescos italianos em Portugal e da consolidação do “brutesco” em solo português, denominado
pela corrupção do termo castelhano. Segundo Serrão, o gosto por esses motivos decorativos toma, no
século XVII, um “valor essencial para a acentuação dos efeitos triunfantes da festa litúrgica, com que a
ideologia da contra-reforma tridentina procurou moldar os espaços interiores das igrejas”, uma leitura
que se adapta bem à decoração da Matriz do Pilar. Vitor Serrão cita os exemplos mineiros das Matrizes
de Tiradentes e de Cachoeira do Campo, mas não toca na Igreja do Pilar. Cf. SERRÃO, Vitor. A pintura
de brutesco do século XVII em Portugal e suas repercussões no Brasil. In: ÁVILA, Affonso. Barroco,
teoria e análise. São Paulo: Perspectiva; Belo Horizonte: Cia Brasileira de Metalurgia e Mineração,
1997, p. 94 (p. 93-126).
91
John Bury denominou de “borromínicas” algumas das igrejas de Minas que possuem plantas ovais
ou arranjos formais remissivos às obras do arquiteto italiano. Cf. BURY, John. As igrejas borromínicas
do Brasil Colonial. In: ___. Arquitetura e arte no Brasil colonial. Organização de Myriam Andrade Ribeiro
de Oliveira. Trad. de Isa Mara Lando. São Paulo: Nobel, 1991, p. 103-135.
92
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 89. “Termo por onde a mesa detremina Se comprem
120 castiçais deEstanho p.ª servirem em oTrono daCap.ª Mor em as festevid.es q’ nelle Se expuser o
Sm.° Sacramento, na forma abaixo declarada”. Vila Rica, 03/06/1759.
142
serto ou a fatura de várias partes do edifício
93
, da “talha do frontespício”
94
ou da “torre do
sino”
95
, que também acomodava outras confrarias. O programa iconográco hierarquicamente
dominante na igreja é concernente ao Santíssimo Sacramento da Eucaristia, valorizado que
foi, sobretudo, nas representações dispostas no eixo central do edifício. Na capela-mor, via
de regra, a Eucaristia era a idéia consagrada, inclusive nas capelas de irmandades e ordens
terceiras, a receber gurações e atributos relativos ao sacrifício. Em outras Igrejas de Minas
Gerais, a nave ou a capela-mor são geralmente ornadas com representações do orago que a
denomina, como na Catedral de Nossa Senhora da Assunção, em Mariana. Como comentou
Emile Mâle, “resulta estranho se o painel central não nos mostra o titular padroeiro ou a Se-
nhora se elevando a Deus em meio à luz”
96
. No forro ornado em painéis da nave do Pilar, no
entanto, e contrafazendo propositadamente o costume, não é a Senhora titular que centraliza
a composição
97
; embora ela esteja agudamente revelada pela iconograa de vários painéis. O
centro de seu forro está ocupado pelo cordeiro assentado sobre a cruz, glorioso entre festões
de nuvens e cabeças de anjos (FIG. 5).
93
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 50-50v-51. “Termo de comcordatta e aJuste q’ ze-St.º, Filme 11, vol. 224, . 50-50v-51. “Termo de comcordatta e aJuste q’ ze-“Termo de comcordatta e aJuste q’ ze-
raõ os Irmaõs actuais q’ Serven nesteprez.te anno nas Irmandades doSantiscimo Sacramento, e
denossaSr.ª do pillar destaMatris do ouro pretto”. Vila Rica, 24/02/1746. O termo reclama das irmanda-
des que faltam às suas responsabilidades fabris, chamando-as de “irmandades, e confrarias rebeldes”,
comentando que não se conseguia a presença, nas reuniões, de procuradores ou juízes de nenhuma
dessas irmandades.
94
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 48v. “Termo q’ fazem os off.es da Irmd.e de N. Sr
do Pillar a Irmd.e do Santiçimo Sacram.t° da p.e q’ lhe toqua pagar doajuste q’ zemos d.ª atalha do
fronte Espicio daporta Principal”. Vila Rica, 10/10/1745.
95
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 113-113v. “Termo que faz estaIrmd.e doSSm.° Sa-
cram.t° de ajustes queSe fez p.ª oConserto do idesmanchaõ nas torres desta Matriz aCuja Satisfaçaõ
Somos nos ditos Irmaos daMeza quedeprezt.e Servimos Com osq’ Servem (?) na Irm.de de Nossa Sr
doPillar (?) confrarias”. Vila Rica, 23/07/1758.
96
“Cuando la iglesia aparece cubierta por um plafón de casetones, resulta extraño que el panel central
no nos muestre a la Virgen o al santo titular elevándose hacia Dios em la luz”, cf. MÂLE, Emile. El arte
religioso da la contrarreforma. Madrid: Encuentro, 2001, p. 190.
97
Nossa Senhora é um aspecto central da devotio pós-tridentina, nas tantas espécies pelas quais se
difundiu, questão capitular da controvérsia católica em oposição aos ataques protestantes. Assim como
a defesa da Virgem, a iconograa pós-tridentina armou-se literalmente de argumentos teológicos e
retóricos (artísticos) para defender-se das teses protestantes: o martírio, as hierarquias celestes, a
autoridade de São Pedro apóstolo e primeiro papa, etc. Depois de Mâle, vários autores reanimaram as
mesmas temáticas em contextos especícos, como por exemplo CHECA CREMADES, Fernando; MI-
GUEL MORAN, José. El barroco. Madrid: Istmo, 2001; SEBASTIÁN LÓPEZ, Santiago. Contrarreforma
y barroco.
143
Mais do que ceder apenas a efeitos deleitosos de maravilhamento pela invenção aguda da
“gura ovada por dentro”, a Igreja do Pilar, seja pela perfeição simbólica da forma naval, seja
pela dignidade ocial de sua representação, parece condensar em si elocuções que se adap-
tam a uma idéia mais sutil, extremamente condizente com a matéria principal e o caráter da
representação. Assim, creio bastante verossímil supor que a nave da Igreja do Pilar participa
agudamente da tópica pós-tridentina da Nave Eucarística da Igreja, barco místico que conduz
a República católica e seus éis para o m divino da salvação, uma encenação bastante elo-
qüente e persuasiva das virtudes e benesses do Santíssimo Sacramento. Como destacaram
estudiosos como Santiago Sebastián e João Adolfo Hansen
98
, o lugar-comum autorizadíssimo
98
Cf. SEBASTIÁN LÓPEZ, Santiago. Contrarreforma y barroco, p. 166. Ao comentar o poema Ad repu-
blicam, de Horário, Hansen desenvolveu a tópica numa obra dedicada à compreensão da alegoria e
suas aplicações, cf. HANSEN, João Adolfo. Alegoria: construção e interpretação da metáfora. São Pau-
lo: Hedra; Campinas: Editora da Unicamp, 2006, p. 27-54. (Primeira edição em São Paulo: Atual, 1986)
Hansen também comentou a dita alegoria no prefácio à obra de PÉCORA, Alcir. Teatro do sacramento,
p. 19, alertando que sua aplicação se adunava à idéia de que a razão de estado católica oferecia uma
espécie de “condução segura” ao “navio da República por mares de sedição e precipícios de tirania”.
Figura 5 – Painel central do forro da nave, o cordeiro crucicado
144
da nave da repúblicadesde Platão, na República
99
, passando pelo poema Ad Republicam,
de Horário, entre outros
100
constituiu matéria muito adequada à emulação cristã, bastante re-
petida e adaptada a representar a condução do corpo místico da Igreja e do Estado católicos
em meio ao oceano mundano de heresias, tiranias e pecados
101
. Assim, para além da forma e
do aparato cristianamente cênicos, o eixo axial da Igreja acomoda as várias representações
eucarísticas que culminam no sacrifício glorioso do altar-mor. A adequação das tópicas incluiu
a própria colocação do cordeiro no exato centro da nave, no lugar excelso da metáfora, as-
sentado sobre o mastro principal da embarcação que – tanto em representações comuns da
alegoria, como na gravura da “caravela eucarística” de Melchior Prieto
102
, Madri, 1622 (FIG.
17), quanto também na nave da Igreja de Ouro Preto é a cruz do sacrifício. Na alegoria em-
blemática de Prieto, a nave, o mastro central e o cordeiro estão gurados como representação
pictórica, além de outros elementos remissivos ao sacramento da Eucaristia, como a distri-
buição da hóstia, uma parte da liturgia missal. Na alegoria arquitetônica da Matriz, lugar por
99
Cf. PLATÃO. A República. Introdução, tradução e notas de Maria Helena da Rocha Pereira. Lisboa:
Calouste Gulbenkian. 5ª edição. L. VI, 487e-489e. Nesta passagem de Platão, o uso da metáfora teve
a nalidade de demonstrar como as cidades estariam a sofrer calamidades antes de os lósofos assu-
mirem seu governo. O lósofo desenvolve então a tópica com a imagem de que os marinheiros todos
hão de se debater na tentativa inépcia de tomar-lhe o leme, sem sequer se darem conta de que o piloto
perfeitamente apto a fazê-la há de estar preocupado com “o ano, as estações, o céu, os astros, os ven-
tos e tudo o que diz respeito à sua arte, se quer de facto ser comandante do navio, a m de o governar”.
100
Em nota à tradução de Platão, Maria Helena da Rocha Pereira destacou a “numerosa ascendência”
dessa idéia da “nau do Estado”, identicando-lhe um “ponto de partida em Arquíloco (fr. 56 Diehl)”.
Idem, Ibidem, nota 4, p. 274.
101
A representação de uma “nave” como metáfora da Igreja estava muito autorizada na primeira cons-
trução humana revelada por Deus em prol da salvação – a Arca de Noé (Gênesis 6-9), e também nas
epístolas de Pedro (I Pe 3: 19-22; II Pe 2: 5-8). Ele se refere em ambas ao Dilúvio, autorizando, desde
os tempos apostólicos, a analogia entre a Igreja e a Nave que salva os justos das tentações e do peca-
do mundano uma metáfora essencial da Igreja Católica e especialmente para a Matriz do Pilar, que
atualizava seus sentidos na iconograa teatral de sua Nave Eucarística. Reeditada por Santo Agosti-
nho, a imagem alegórica da Arca de Noé foi também comparada à tópica do “corpo humano” de Cristo
e da Igreja. Assim, a Arca é “[…] uma gura da Cidade de Deus vivendo como peregrina neste século,
isto é, da Igreja salva pela madeiro (sic) em que foi suspenso ‘o mediador entre Deus e os homens – o
Homem Jesus Cristo’. As medidas do seu comprimento, da sua altura e da sua largura signicam o
corpo humano em cuja plenitude foi anunciado que ele viria […] o comprimento do corpo humano desde
a cabeça até os pés, vale efectivamente seis vezes a sua largura que vai de um ao outro lado, e dez
vezes a sua altura medida das costas ao ventre”. Cf. SANTO AGOSTINHO. A cidade de Deus, L. XV,
Cap. XXVI. O que Santo Agostinho viu, no séc. IV, como simplesmente o “século”, i. e., o mundano, na
temporalidade dos séculos XVI, XVII e XVIII estava circunstanciado sobretudo à “heresia” protestante.
102
A gravura foi fabricada por Alardo de Popma, e constitui a quinta estampa, após o frontispício, da
famosa obra de Prieto. Cf. PRIETO, Melchior. Psalmodia Evcharistica cõpuesta por El M. R.d° P. M.
Fr. Melchior Prieto Burgese, Vicario G.ªl del Orde de Nr.ª Senora de la Merced Redemp.rª de captiuos
en todas las Prouicias del Piru. Dirigida a La Excelentissima Señora mi Señora Dona Ana de Borja,
Princesa del Esquilache Condesa de Mayalde Virreyna que fue del Piru. En Madrid, por Luis Sanchez
Impresor. Com Privilegio real, Año de 1622. Disponível para consulta nos Fondos digitalizados de
la Universidade de Sevilla”: <http://fondosdigitales.us.es/books/digitalbook_view?oid_page=245460>.
Acesso em: 03 set. 2007.
145
excelência do culto e da liturgia, o lugar mesmo da distribuição da hóstia, a nave eucarística é
oportunamente conformada pela própria nave da Igreja em talha poligonal, enquanto o mastro
e o cordeiro foram encenados no painel mais elevado e central de seu forro.
Figura 17 – Caravela Eucarística. Psalmodia Eucharistica (1631) de Melchior Prieto. Fon-
te: <http://fondosdigitales.us.es/books/digitalbook_view?oid_page=245460>
Figura 17 Caravela Eucarística (Detalhe). Psalmo-
dia Eucharistica (1631) de Melchior Prieto. Fonte:
<http://fondosdigitales.us.es/books/digitalbook_
view?oid_page=245460>
146
O aparato da tópica se sustentava, segundo Santiago Sebastián
103
, nas palavras tomadas
de empréstimo ao ofício do Corpus Christi: “É como a nave do mercador, que de longe traz o
pão” (Provérbios 31:14). Pérez Morera
104
nos recorda que esta passagem foi comumente in-
terpretada como a própria preguração de Maria, metáfora da nave em que veio “encarnado”
o futuro Pão da Eucaristia. E acrescenta que ela também foi entendida como a preguração
da vinda de São Tiago de Jerusalém para a Espanha, a cuja lenda depende o nascimento
da devoção à Senhora do Pilar. Com efeito, tudo indicia e revigora a oportuna atualização da
alegoria na Matriz do Pilar de Ouro Preto.
Mas mais agudezas decorosas condensadas nessa arquitetura, praticamente desconsi-
deradas, até hoje, pela historiograa. Trata-se do magníco forro da nave, cuja iconograa
prepara, virtuosamente, tanto a alegoria eucarística do cordeiro como a devoção mariana que
intitula o templo (FIG. 18). Desta feita, acompanhando o cordeiro central (FIG. 18.15), foram
dispostos painéis pintados com dois tipos básicos de preguração alegórico-teológica
105
: 1º)
a de Cristo redentor e 2º) a de Nossa Senhora virtuosa, representação da Igreja Católica,
uma preguração muito adequada à ornamentação de uma Igreja que tinha como padroeira
a Senhora do Pilar. Para o primeiro tipo de preguração, comparece a autorizadíssima tópica
do sacrifício de Isaac (FIG. 18.4), e também a grande virtude de José (lho de Jacó, que foi
vendido por seus onze irmãos), resistindo à armadilha tentadora da mulher de Putifar, o gene-
103
Os “canhões” da caravela são os sete sacramentos da Igreja; a tripulação são as virtudes teologais
(fé, esperança e caridade), e os apóstolos são os vicários modelares que ajudam a distribuir o pão sa-
grado. Cf. SEBASTIÁN LÓPEZ, Santiago. Contrarreforma y barroco, p. 166.
104
Cf. PÉREZ MORERA, Jesús. La carabela eucarística de la Iglesia. Cuadernos de Arte e Iconograa/
Revista Virtual de la Fundación Universitaria Española, Tomo II-4, 1989. (Edição dedicada às Atas do
Primer Coloquio de Iconograa. Disponível em: <http://www.fuesp.com/revistas/pag/cai0411.html#>.
Acesso em: 15 out. 2008.
105
Para uma conceituação abrangente e profícua da noção de “alegoria”, cf. o importante estudo de
HANSEN, João Adolfo. Alegoria; construção e interpretação da metáfora. Segundo o professor Han-
sen, denem-se basicamente dois tipos de alegorias: uma é a alegoria criativa ou retórica, recorrente
nos textos poéticos e discursos retóricos; outra é a alegoria interpretativa, teológica, ou hermenêutica.
A primeira é uma “alegoria como expressão”, chamada também “‘alegoria dos poetas’: expressão ale-
górica, técnica metafórica de representar e personicar abstrações”; a segunda é uma “alegoria como
interpretação”, ou “alegoria dos teólogos”, utilizada pelos teólogos e padres não como modalidade de
expressão, mas antes como “interpretação religiosa de textos sagrados”. Neste tipo de alegoria, os
discursos religiosos, quaisquer que fossem os gêneros: poema sacro, sermões etc. davam corpo a
matérias de cunho sempre interessante ao dogma católico, imitando e emulando lugares-comuns das
passagens bíblicas e das teologias dos doutores, repetindo, via de regra, o Velho Testamento como tipo
e o Novo Testamento como protótipo. Ou seja, o que acontece no Velho pregura o Novo como teste-
munho, como testamento de que Deus atua continuamente na história providenciando os desígnios de
seu projeto divino. Assim, testemunhos de acontecimentos gloriosos e vitoriosos dos reinos católicos e
da Igreja romana conrmariam, como num oráculo divino, acontecimentos narrados na Escritura; auto-
rizando, de um modo sagrado, o domínio dos impérios interessados.
147
ral egípcio
106
(FIG. 18.8). Os dois painéis estão exatamente simétricos no forro, um de cada
lado do cordeiro crucicado. Na preguração do segundo tipo, mais numerosa, pinturas
de mulheres virtuosas do antigo Testamento várias “donzelas-guerreiras”
107
que perfazem
o prenúncio de Maria. Assim, comparecem no forro a pastora Raquel, segunda mulher de
Jacó
108
(FIG. 18.6); Judit, com a cabeça do general Holofernes (FIG. 18.7); a rainha Ester, no
momento da acusação do rei Assuero (FIG. 18.5); a formosa Rebeca, sendo anunciada por
Eliezer, servo de Abraão, como a futura mulher de Isaac (FIG. 18.3); Jael, que assassinou o
rei Sísara
109
(FIG. 18.2), e Sulamita, a bela esposa do Cântico dos Cânticos (cuja ornamen-
tação, aqui, acompanha sobretudo a descrição em Ct. 1: 9-11) (FIG. 18.10). Na reunião icono-
gráca de todas elas, ressaltam as virtudes de graça, beleza e pureza, e também de fortaleza,
sobretudo no combate aos perseguidores dos judeus do Antigo Testamento, uma preguração
da batalha pela defesa católica da devoção mariana contra as “heresias” protestantes enm,
o oceano de pecados e heresias sobre o qual navega a nave eucarística de Pilar. Nos quatro
painéis menores que acompanham o Cordeiro, quatro guras masculinas. Duas anciãs,
próximas à portada, remetem a dois patriarcas fundamentais: Elias, do lado da Epístola, pre-
cursor da devoção mariana, empunhando a espada de fogo (FIG. 18.13), alusão ao massacre
dos profetas de Baal
110
; e Jessé, do outro, pelo que se indica com o atributo, um ramo em que
106
A preguração de Cristo em José, o estimado lho de Jacó, é atestada na simulação de sua morte,
artifício dos irmãos, que banharam o seu manto em sangue de um cordeiro antes de vendê-lo como es-
cravo (Genesis 37). Sobre o episódio com a mulher de Putifar, cf. Genesis 39. Essas duas pinturas que
preguram Cristo no forro da Igreja – os sacrifícios de José e de Isaac imitam gravuras do arquiteto
Demarne, presentes na famosa Bíblia ilustrada que algumas décadas depois será útil ao Mestre Ataíde
na imitação dos painéis da capela-mor de São Francisco de Assis a vida de Abraão. Na década de
1940, Hannah Levy identicou a imitação. LEVY, Hannah. Modelos europeus na pintura colonial. Revis-
ta do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n.8, p. 7-65, 1944.
107
A expressão é usada por GALVÃO, Walnice Nogueira. Metamorfoses da donzela-guerreira. In: Dia-
logia. v. 1, Out. 2002, p. 21-25. Disponível em: http://www.uninove.br/ojs/index.php/dialogia/article/
viewFile/817/697. Acesso em: 15 out. 2008. Sobre a mesma temática, cf. também BORNAY, Erika.
Mujeres de la biblia en la pintura del barroco; imágenes de la ambiguedad. Madrid: Cátedra, 1998.
108
A pastora Raquel compõe o primeiro painel do forro, próximo à porta de entrada e simetricamente
colocada em relação ao altar-mor. uma razão coerente. Além de ser a gura, por excelência, da
pastora, Raquel foi a segunda esposa de Jacó, cujo famoso sonho da escada para o céu (Genesis 28:
11-22) pregura justamente o altar cristão. A pedra sobre a qual se deitou Jacó, na ocasião do sonho,
simboliza a pedra de ara no simbolismo litúrgico.
109
Jael, mulher de Heber, assassinou o rei Sísara com um prego martelado em sua fronte. São exata-
mente estes os atributos da pintura no forro de Pilar. No Velho Testamento (Juízes 5: 24), dentro ao
texto bíblico do Cântico de Débora, foi exaltada a virtude guerreira da mulher. Os termos aplicados a
Jael preguram a expressão, usada por Isabel na visitação, do messiânico rebento de Maria: “Bendita
és tu entre as mulheres”. Débora era “ama” de Rebeca (Genesis 35:8), e deve ser por isso que as duas
gurações (de Jael, decantada por Débora, e também de Rebeca) estão uma ao lado da outra, antece-
didas pela guração de Isaac, o esposo de Rebeca, num alinhamento de lógica familiar.
110
Elias é considerado o grande patriarca dos carmelitas, e também o precursor da devoção à Virgem,
148
Figura 18 – Forro da nave da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar
As imagens ampliadas, ao lado, correspondem à geometria de disposição no forro e foram giradas
para facilitar a observação do leitor.
(Computação gráca e montagem de Robson Godinho, sobre fotos do autor).
Figura 18.1 – Adoração Eucarística
Figura 18.2 – Jael
Figura 18.3 Eliezer e Rebeca
Figura 18.4 – Abraão e o sacrifício
de Isaac
Figura 18.5 – Rainha Ester
Figura 18.6 – Pastora Raquel
Figura 18.7 – Judite e a cabeça de
Holofernes
Figura 18.8 – José e a mulher
de Putifar
Figura 18.9 – Lot e suas lhas
Figura 18.10 – Sulamita, Cân-
tico dos Cânticos
Figura 18.11 – Figura mascu-
lina não identicada
Figura 18.11 – Figura mascu-
lina não identicada
Figura 18.13 – EliasFigura 18.14 – Jessé
Figura 18.15 – Cordeiro cruci-
cado
149
despontou a “or do rebento”
111
(FIG. 18.14). As duas guras mais jovens, próximas ao arco-
cruzeiro, oferecem hipóteses, mas não possuem atributos que me permitam, por ora, uma
identicação segura.
Voltemos à alegoria da Nave Eucarística. Não quero armar que a invenção interna da Matriz
do Pilar tenha sido uma imitação direta da gravura que Alardo de Popma entalhou para a obra
de Melchior Prieto, ou de qualquer outra representação correspondente a esta metáfora euca-
rística. Prero supor que a sua invenção tenha assimilado e atualizado a memória e o costu-
me que reconheciam a tópica, as formas, os lugares e as hierarquias adequados à encenação
do discurso teológico
112
. Tudo isso condensado e correspondente à nalidade de uma matriz
eminentemente eucarística representação capitular do sacramento principal da Igreja, “co-
luna” “piíssima” da “república cristã” situada na “cabeça” das povoações, como acertaram os
irmãos e os vereadores de Vila Rica no registro da promessa de auxílio material para a fábrica
em 1729. Anualmente, esses mesmos vereadores e irmãos do Santíssimo também se uniam
para preparar a festa de Corpus Christi, uma das celebrações mais importantes do calendário
religioso setecentista na colônia e em outras partes do reino. A armação da festa deveria se
dar necessariamente decente, solene e aparatosa, com toda a hierarquia aparente de corpos,
estamentos e valores aptos a celebrar a presença viva de Deus na Eucaristia, uma persuasão
para a qual também contribuía, através do asseio e da pompa, o teatro da Matriz. É o que
nos ensina Hansen, no prefácio à obra de Alcir Pécora, Teatro do sacramento. Hansen de-
monstrou, ao introduzir o sentido especular da pompa nos discursos de Vieira, que a agudeza
e o aparato do theatrum sacrum repunham a “autoridade natural da hierarquia abalada por
Lutero quando recusou o ritual visível”
113
. Analogamente, a mesma nalidade repousava na
espécie decorosa e luminar do templo, na agudeza e na pompa do teatro sacro da arquitetura,
artifícios de armação da hierarquia pelos quais se deveria “entrever”, proporcionalmente, “o
por tê-la visto nove séculos antes (III Reis 17: 22-23). Tem sua imagem no retábulo-mor da capela do
Carmo em Vila Rica, com mesma espada de fogo de Pilar. Esses e outros aspectos da devoção serão
desenvolvidos no próximo capítulo, relativo ao decoro do carmelo. Na Basílica da Estrela, em Lisboa,
há uma imagem de um Moisés que, além das tábuas da lei, empunha uma espada semelhante à esta
de Pilar, o que poderia lançar incertezas à identicação.
111
(Cf. Isaías 11). A pintura não permite identicar com facilidade a existência ou não de uma pequena
or no alto do ramo que segura o homem, mas a verossimilhança é profícua. Agradeço o lançamento
desta hipótese à pesquisadora e amiga Daniela Viana Leal, na ocasião de uma agradável conversa na
Matriz de Ouro Preto.
112
Sobre a memória coletiva do imaginário não estar centrado num local ou região, Cf. HANSEN, João
Adolfo. Teatro da memória, monumento barroco e retórica, p. 3.
113
HANSEN, João Adolfo. Prefácio. In: PÉCORA, Alcir. Teatro do sacramento, p. 20.
150
absoluto poder do Bem”
114
.
A encenação eucarística está presente em todos os templos, sobretudo em suas capelas-mo-
res; é parte substancial da representação litúrgica, mas em nenhum outro da capitania, como
na Matriz do Pilar, a materialização dessa veneração é tão engenhosa e dominante. A presen-
ça efetiva de Cristo na Eucaristia foi um tema recorrente e dileto da iconograa pós-tridentina,
assunto um dos mais controversos da disputatio entre católicos e protestantes
115
. Para além
da quaestio e suas repercussões dogmáticas, ou para até mesmo legitimar os argumentos
católicos, também a arte se autorizava no “modelo da eucaristia”, é o que demonstrou João
Adolfo Hansen em outro estudo
116
. A natureza, a arte e a história “participavam” proporcional-
mente de Deus como efeitos de sua “Causa luminosa” e primeira, luz que orientava a prudên-
cia no desígnio das ações (reta ratio agibilium) ou o disegno interno decoroso das fábricas e
faturas, correspondentes à reta ratio factibilium. A participação era pensada nos moldes da
analogia tomista, uma relação de proporção entre os efeitos e sua Causa primeira. Ordenada
e decente, portanto, e somente assim, a adequação persuasiva dos efeitos evidenciava a
participação divina como luz da graça nos atos da invenção e da disposição
117
. Assim, se era
possível a participação do Ser, que por caridade se deixava entrever como rastro de presença
e luz nas espécies encenadas pelos acidentes da forma, poderia se falar então em “perfeição”
114
Cf. HANSEN, João Adolfo. Prefácio. In: PÉCORA, Alcir. Teatro do sacramento, p. 20.
115
Cf. SEBASTIÁN LÓPEZ, Santiago. Contrarreforma y barroco, p. 172-173. Num artigo contundente
sobre a doutrina, o costume e a agudeza nas representações da Anunciação em Igrejas Portuguesas,
Luis de Moura Sobral comentou não apenas o predomínio da doutrina da Eucaristia logo após os re-
lativos decretos publicados pelo Concílio de Trento, que em 1564 foram “adoptados” em Portugal
pelo “jovem” Rei D. Sebastião, mas também, embora de passagem, como o decoro constituía um pre-
ceito fundamental para a fatura e o entendimento da correção e da agudeza de suas representações,
sobretudo naquelas em que se sobrepunham as conformações da Anunciação, da Encarnação e da
Eucaristia. Cf. SOBRAL, Luis de Moura. Do sentido das imagens. Lisboa: Estampa, 1996, p. 119-130.
116
Cf. HANSEN. Ler & ver, p. 87. Cf. também PÉCORA, Alcir. Teatro do sacramento, especialmente os
dois primeiros capítulos: de uma trindade perfeita, p. 69-108; e Razão do mistério, p. 109-136, em
que na p. 112 oferece uma síntese: “Quanto à oratória de Antonio Vieira (e a ação que ela busca exer-
cer), ela se organiza em torno desse tópos sacramental de que a presença real de Cristo na Eucaristia
fornece o modelo. O modelo, sim, porque, quando o Padre Antonio Vieira insiste tantas vezes em ar-
mar que ‘o sacramento do corpo e do sangue de Cristo é o mais levantado de todos os sacramentos’,
o que ele faz todo o tempo é ressaltar a idéia de que o sacramento desbordaria do plano litúrgico, em
que tem sua forma acabada e canônica, para indicar, sobretudo, o que seria um modo próprio de ma-
nifestação do divino em meio humano”.
117
No prefácio à obra de Alcir Pécora, Hansen comenta como, para Vieira, a ordem cultíssima e ladrilhar
dos discursos dominicanos, hiperacumulados de divisões e denições dialéticas dos argumentos por
disposição extensa de elementos simétricos e opostos, por mais que pareçam estar repletos do efeito,
evidenciam, pela perda da persuasão “no intervalo da dúvida”, o afastar-se “da Luz da sua Causa”. Cf.
HANSEN. Prefácio. In: PÉCORA, Alcir. Teatro do sacramento, p. 35-36.
151
da arte, ainda que por espelhos que tentassem especular o “Invisível”
118
. É também por meio
desse sentido místico, sob autorização do qual se procurava assegurar a ecácia das maté-
rias efetivamente técnicas e formais, perfazimento nal e adequado das proporções e efeitos
necessários, que se pode entender, naquele tempo, a “perfeição” das fábricas. E muito se es-
creveu, requerendo-a, repetidamente, nos documentos, termos e condições que orientavam a
fábrica da arquitetura e suas jurisprudências, uma comunhão de virtudes capazes de sinalizar
com maravilha, ecácia e decoro, a participação divina nos atos e nas faturas dos homens.
Por tudo o que sinalizam as doutrinas teológicas e artísticas que orientaram sua prudência e
seu engenho, penso ser bastante útil cogitar da Nave Eucarística da Igreja do Pilar. A hipóte-
se é reforçada pelas iconograas do teto que preguram adequadamente a Senhora (“Nave”
em que veio “encarnado” o Messias) e o próprio Sacramento redentor de Cristo. Pode ser útil
lembrar que, para os católicos desse mundo dito “barroco”, os sentidos da vida e da morte se
adunavam no supremo mistério do sacramento
119
. Ao comungar da hóstia consagrada, o el
aceitava a crença no pacto da nova aliança e no desígnio providencial da monarquia, que es-
tava autorizada por outro pacto também místico, o de sujeição (pactum subjectionis), denido
pela neo-escolástica de Francisco Suarez como uma quase alienatio
120
. Através da mesma
comunhão, simbolizada pela expiação do cordeiro de Deus, atado ao mastro central da nave
de Pilar, se perdoavam os pecados do homem, e o el se preparava para a salvação pos mor-
tem, o “alimento” da vida eterna proporcionado pelo corpo e pelo sangue do Ungido. Este Tea-
tro do Sacramento tomo de empréstimo o título da obra de Pécora estava metaforicamente
ancorado nas inúmeras referências alegóricas que se acumulavam decorosamente pela ico-
nograa naval, e a nalidade de todos os efeitos era Deus presente e exposto, encenado e
118
Recordo o título e as matérias do poema editado em 1714 pelo poeta português CUNHA, Troillo de
Vasconcellos. Espelho do invisivel, em que se expoem a Deos, hum, e trino, no throno da eternidade,
as divinas ideas, christo & a virgem, o ceo & a terra: poema sacro. Lisboa, na ofcina de Joseph Lo-
pes Ferreira, 1714. (BNP cota L. 2063 V.). também um exemplar na Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro.
119
Este aspecto sumular da teologia neo-escolástica (e, por conseguinte, da razão de estado católica)
é muito bem desenvolvido por Pécora na análise de várias passagens dos sermões de Vieira. Empres-
to a citação ao Sermão de São João Batista, de 1644: “E como Cristo amava tão extremamente os
homens, e via que, morrendo na cruz, se acabava a matéria a suas nezas, que fez? Inventou mila-
grosamente no Sacramento um modo de morrer sem acabar, para morrendo, poder dar a vida, e, não
acabando, poder repetir a morte. Esta é a vantagem que leva Cristo o amor que nos mostrou no Sa-
cramento ao amor que nos mostrou na cruz. Na cruz, morreu uma vez, no Sacramento morre cada dia;
na cruz deu a vida, no Sacramento perpetuou a morte”. VIEIRA, Antonio. Sermão de São João Batista
(1644), apud PÉCORA, Alcir. Teatro do sacramento, p. 90. O assunto é desenvolvido em praticamente
todo o primeiro capítulo do livro: “4° de uma trindade perfeita”, p. 69-107, com destaque para p. 90-93.
120
Cf. GALLEGOS ROCAFULL, Jose M. La doctrina política del P. Francisco Suarez, e também HAN-
SEN. Artes seiscentistas e teologia política, p. 185.
152
participado, Causa primeira, mas também o Fim, de tudo o que existe. A graça e a adoração
eucarísticas eram afetivamente ativadas tanto pelas matérias luminosas da teologia, motivos
de esperança, piedade e fé, quanto pelas matérias engenhosas das artes acomodadas no
templo, objetos de deleite, ensinamento e comoção. Ambas as matérias estavam intimamente
ligadas pela legitimação autorizada das doutrinas e pelo modelo eucarístico que justicou a
invenção da Igreja à luz da participação divina como causa dos efeitos da encenação artística.
Tudo deveria se amplicar na destinação cumular dessa arquitetura, ou seja, na actio litúrgica
do sacrifício da missa. Eventualmente musicada, cantada e predicada, esse sacrifício expu-
nha, louvava e oferecia ecazmente em cena e ceia o Sacramento do Deus vivo.
Até então permanecemos na nave, mas o ápice de todo esse theatrum sacrum estava expos-
to na capela-mor, a cabeça do corpo da Igreja. Para além das matérias habituais do lugar,
amplicadas em decoro, ornato e maravilha para condizer com a posição hierárquica do edifí-
cio, o membro principal da igreja estava coroado com um zimbório, o único do tipo construído
em Minas Gerais no século XVIII. Mais essa “novidade” da arquitetura do Pilar correspondia e
potencializava os efeitos proporcionados por todas aquelas eleições simbólicas e formais re-
ferentes à salvação prometida na Eucaristia. É o que veremos a seguir. O zimbório foi infeliz-
mente demolido em agosto de 1770, mas as fontes documentais primárias inéditas permitiram
reconstituir praticamente na íntegra a sua curta e signicativa história, e cogitar, inclusive, do
provável inventor do risco.
2.2 A fábrica da capela-mor e seu zimbório
Em 30 de abril de 1739, a nova mesa da irmandade resolveu ajustar “toda a obra que falta
fazer nesta Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar de Ouro Preto”. Seria feito um rol com o
restante da obra, e lançada a arrematação:
Termo p.ª o Ajuste detoda aoBbra q’ falta p.ª fazer nesta Igr.ª Matriz de N. Sr
do Pillar do Ouro Preto
Aos trinta dias domes de Abril demil eSetecentos e trinta e nove an.ºs nesta
Igrde N. Snrdo Pillar do ouro preto estando em meza o Provedor emais
Ir.ºs eofciais da d.ª meza da Irmandade do Santissimo Sacram.tº da d.ª Igr
Acordaram todos uniformem.te aque Seprocedesse aRemataçam de todo o
resto da obra q’ falta p.ª a Igrde que se dá Rol p.ª q.m ouver de Rematar e
decomo todos assim o disseram equerem se fez este tr.º q’ aSignaram comi-
go o escrivaõ da d.ª Irmandade Antº Gómez de Souza q’ oSobe escrevi ea
153
Signey
121
Destacavam-se, nesse “resto da obra”, a fábrica e a ornamentação da capela-mor e seu re-
tábulo. Por ser o lugar culminante do templo, o mais subido na ordem dos lugares sacros, à
capela mor e seu retábulo foram dedicados zelo e prudência diligentes. Os mesmos preceitos
que operaram na nave também foram considerados aqui, aplicados, que se ver, com ên-
fase e argumentos renovadamente adequados. As obras continuaram nas mãos de Antônio
Francisco Pombal, pois em termo de entrega da Mesa, assinado em 30 de abril de 1740, foi
noticiada a “escriptura” de obrigação do arrematante com “a nova obra da Igreja”, feita com o
tabelião Bento Araujo Pereira
122
.
A disposição é habitual (FIG. 19). O arco-cruzeiro liga a capela à nave, e o nível do altar, ergui-
do em cinco degraus, é antecedido por um pequeno presbitério em que se abrem duas portas
laterais com acesso aos corredores para a sacristia. As quatro faces do cômodo são arrema-
tadas por arcos perfeitamente simétricos: o cruzeiro, o que arremata a volta do retábulo-mor,
e os dois arcos que culminam as paredes laterais. Sobre esses quatro arcos, se levantam os
elegantes pendentes do barrete, tendo ao centro o tondo da Santa Ceia (FIG. 20). A pintura
substituiu o vazio deixado pela retirada do zimbório, mas voltaremos a isso oportunamente.
Nas paredes laterais, foi rica a talha aplicada (FIG. 21). Painéis de madeira formam um fundo
uniforme sobre o qual se aplicou um requintado repertório decorativo dourado, guirlandas
de ores, medalhões, anjos e querubins, conchas e numerosas chambranles verticais que
caracterizam a decoração, inclusive nas ilhargas do arco-cruzeiro. Afora esses elementos,
bizzarrias e brutescosque enriquecem a pompa e o aparato da glória eucarística, as
gurações, muito comuns, das quatro estações (tópicas da vida), colocadas na barra das
paredes laterais, e dos quatro evangelistas, dois em cada lado, um pouco acima da barra.
Há também duas telas bem delgadas, colocadas no centro entre as duas sacadas abertas na
tribuna superior, a representar, de um lado, a videira, e do outro, o trigo, remissivos ao vinho
e ao pão da Eucaristia (FIG. 22).
121
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 38. “Termo p.ª o Ajuste detoda aoBbra q’ falta p.ª fazer
nesta Igr.ª Matriz de N. Sr.ª do Pillar do Ouro Preto”. Vila Rica, 30/04/1739.
122
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 38. “Termo de Entrega quefazem os Ofciais que aca-
barão aos novos Eleitoz”. Vila Rica, 30/04/1740.
154
Figura 19 – Capela-mor da Igreja Matriz de Nossa Senhora do Pilar
155
Figura 21 – Vista da capela-mor, lado do Evangelho
Figura 20 – Painel da Santa Ceia, centro do forro da capela-mor
156
Toda elocução está organizada em painéis geo-
métricos de medidas várias, predominantemente
retangulares, dispostos conforme linhas horizon-
tais e verticais denidas por pilastras e cornijas. A
matriz dessa geometrização é efetivada por outra
camada de talha aplicada no meio dessas pa-
redes laterais. A talha ressaltada conforma uma
espécie de fachada arquitetônica interna mais
saliente em relação ao fundo, também entalhado
(FIG. 23). Sua distinção se amplica pelo ngi-
mento de mármore azul-esverdeado aplicado em
suas arquitraves e cornijas, e também nas guar-
nições das varandas das tribunas. Esta fachada
interna divide em panos bem proporcionados a
superfície da parede, nos quais foram aplicados
Figura 22 – Painéis da capela-mor
São Mateus São Marcos São Lucas
São João Vinha
Espigas de Trigo
Figura 23 Vista da parede da capela-mor,
lado da Epístola
157
os acidentes da decoração. A correspondência
com a espécie da talha aplicada na nave é muito
discreta e sutil, efetivada pelo caráter de pompa,
pela cor do ngimento e pelo artifício similar do
acrescentamento. O mesmo ngimento também
foi aplicado nos entablamentos do arco-cruzeiro e
do retábulo-mor, aperfeiçoando a correspondên-
cia entre as partes do corpo interno da Igreja; e
também no fuste das colunas salomônicas que
estruturam o pé-direito do retábulo-mor, em seus
dois terços superiores, que o terço inferior foi
decorosamente estriado e dourado, como o de-
senho muito autorizado
123
que zera Bernini para
as quatro colunas de sustentação do baldaquino
de São Pedro (FIG. 24). Sobre a cornija de co-
roamento dessa fachada interna, que engenho-
samente emoldura as aberturas de tribunas e as
portas laterais, foram assentadas oito personicações alegóricas, as virtudes teologais e car-
deais, acrescidas da gura da Fama, muito imitada nos teatros sacros da monarquia lusitana,
com o “pertence” característico da trombeta (FIG. 25; 25.1 até 25.8).
123
Cf. HILL, Marcos. A coluna salomônica: uma perspectiva histórica sobre um elemento ornamental.
Revista Barroco, n. 17, Belo Horizonte, p. 231-236, 1996.
Figura 24 Detalhe da parede da capela-
mor, lado do Evangelho, e parte do retábulo,
com destaque para as colunas salomônicas
no primeiro registro lateral
Figura 25 Parte da parede da capela-mor, lado da Epístola,
com destaque para a disposição das Virtudes, acima do en-
tablamento
158
Figura 25.1 – Fé Figura 25.2 – Esperança Figura 25.3 – Caridade
Figura 25.4 – Prudência Figura 25.5 – Justiça
Figura 25.6 – Fortaleza
Figura 25.7 – Temperança Figura 25.8 – Fama
159
As oito virtudes estão comodamente dispostas sobre o entablamento, tendo as pernas caídas
sobre a cornija, num movimento que dissimula o esforço de disposição do corpo com discreta
sprezzatura
124
. Estudiosos acreditaram que algumas dessas guras vieram da armação
do Castrum doloris de D. João V, hipótese de que eu discordo a partir da descrição que se
tem delas na ecfrasis encomiástica de 1751
125
. Nesta descrição, se tem notícia de quatro
virtudes, “em que mais resplandeceo o defuncto Rey, ngindo todas mármore branco”
126
: Fé,
Justiça, Prudência e Caridade. As virtudes de Pilar, no entanto, estão todas encarnadas, ou
seja, pintadas com cromatismos correspondentes à imitação de corpos e panejamentos, com
distinção entre elas. A encarnação poderia ter sido feita posteriormente, mas não é apenas
essa a divergência. A documentação indica que a gura da se encontrava “em acto devoto
olhando para hua Cruz que tinha na mão direita, com a qual se dava a conhecer a viva fé que
professou o Serenissimo Rey defuncto, e procurou dilatar por todos os seos dominios”. Já na
mão esquerda, continua a descrição, “se gurava um livro, pendendo da mesma hua tarja em
que se lia: Dabitur (?) die Fidei doum electum’”. Entretanto, a mão esquerda da que está
na capela se reclina sobre o peito, em conformatio afetiva de veneração. Voltando ao docu-
mento, a Prudência, “com a divisa das Cobras na mão [direita]” deveria ter, na esquerda, uma
“pequena tarja, em que se lia: prudentiam tuam (?)’”. Em Pilar, uma cobra apenas está na mão
esquerda, e não na direita, com disposição de dedos adequada a segurá-la, e não sinais
de que tenha havido tarja. Para a Caridade, o documento descrevia uma “chama ardente que
na mão se via e os olhos no Ceo signicando o amor com que o Serenissimo Rey defuncto se
124
Muito desenvolvida no tratado O cortesão (Il corteggiano), de Baldassare Castiglione, como virtude
cortesã capaz de enovelar o esforço técnico do artifício na dissimulação de uma naturalidade “displi-
cente” ao produzir gestos, invenções e efeitos, a sprezzatura, além de ser uma qualidade das represen-
tações, capaz de evidenciar com ecácia os movimentos “naturais” da alma, era uma qualidade muito
requerida aos cantores ditos “barrocos”, que deveriam encobrir a técnica do artifício ao cantar melodias
repletas de ornamento, cromatismos e coloraturas. Cf. CASTIGLIONE, Baldassare. O cortesão. Trad.
de Carlos Nilson Moulin Louzada. São Paulo: Martins Fontes, 1997. Livro Primeiro, XXVI, p. 41-43,
e Livro Segundo, XLIX, p. 138-139. Agradeço a informação relativa ao canto à amiga Letícia Bertelli.
Num tratado sobre poesia e pintura, Manuel Pires de Almeida emulou a tópica, ao tratar da terceira
das “condições” necessárias a pintores e poetas: “Deve a diligência ser tão disfarçada que não mostre
artifício”, pois deixa de ser arte se aparece: desinet ars esse, si aparet”. A citação latina atualizava
Quintiliano, Institutio Oratoria, L. IV, 2, 127. Cf. ALMEIDA, Manuel Pires de. Poesia e pintura ou pintura
e poesia. Transcrição e introdução de Adma Muhana. Tradução do latim de João Angelo Oliveira Neto.
São Paulo: Edusp; Fapesp, 2002, p. 130-131.
125
Marcos Hill comentou a hipótese aventada para a identidade das guras num debate entre ele e o
historiador José Manuel Tedim, durante o II Colóquio Luso-brasileiro de História da Arte, Ouro Preto,
1992. A hipótese foi levantada justamente a partir do documento que contém a ecfrasis das exéquias de
D. João V em Ouro Preto, já comentado no início deste capítulo. Cf. HILL, Marcos. Francisco Xavier de
Brito: um artista português desconhecido no Brasil e em Portugal. Revista do IFAC/UFOP, Ouro Preto,
n. 3, dez. 1996, p. 50 (nota 15).
126
Cf. BREVE DESCRIPÇÃO... In: TEDIM, José Manuel. Teatro da morte e da glória: Francisco Xavier
de Brito e as exéquias de D. João V em Ouro Preto, p. 249.
160
prostrou para com Deos na observância da sua Ley”, além da presença de um pelicano aos
seus pés. Na capela do Pilar, entretanto, a Caridade possui o olhar raso, horizontal, dirigido
à mão direita, levemente soerguida, que até poderia comportar uma chama, todavia ausente.
Assim, defendo serem outras as imagens, inventadas em acordo com as demais virtudes da
capela-mor, e especialmente para a sua ornamentação.
Na face direita da capela, uma virtude empunha um espelho. Estudiosos acreditam que se
tenha então gurado por duas vezes a prudência, pois na face direita, junto às virtudes teolo-
gais, está a gura com a serpente, representação muito comum da Prudência, autorizada por
Ripa no comentário ao Evangelho de São Mateus
127
. Na face esquerda, no entanto, o atributo
da terceira virtude, o espelho, não diria respeito à Prudência duas vezes esculpida, e sim à
Temperança, pois é desta também um atributo, embora menos usual
128
.
Em 02 de agosto de 1741, lavrou-se um termo
129
pelo qual se determinou um “acrescentamen-
to da Capela-mor” conforme o “novo risco que para ela deu o Sargento-Mor novo engenheiro”.
A arrematação tocou mais uma vez a Antônio Francisco Pombal:
Termo q’ Se fes em meza p.ª Seacrecentar a Capela mor pelo novo Risco q’
p.ª ella deu o Sarg.t° Mor novo emgenheyro
Aos dois dias domes de Agosto de mil eSetecentos ecorentae hú annos nes-
ta IgrMatris de N. Srdo Pillar do Ouro Preto estando em meza oescrivaõ
por vez do P.dor emais off.es e Irmaõs ajustaraõ uniformem.te a fazerce oa-
crescentam.t° dacapela mor pello novo Risco q’ p.ª ella deu oSargento Mor
emgenheyro eajustamos todos em q’ sedese a dita obra aAntonio Fran.c°
Pombal p.ª este afazer pelo d.° Risco e feyta ella pagarcelhe os acrecimos
127
“Eu vos envio como ovelhas no meio de lobos. Sede, pois, prudentes como as serpentes, mas sim-
ples como as pombas”. (Mateus 10:16). O conselho era dirigido por Cristo aos discípulos. Ripa ci-
tou a passagem: RIPA, Cesare. Iconologia overo Descrittione dell’Imagini universali (1593). cavate
dall’antichità et da altri luoghi da Cesare Ripa Perugino opera non meno utile che necessaria a Poeti,
Pittori, Scultori, per rappresentare le virtù, vitii, affetti, et passioni humane. In Roma, Per gli Heredi di
Gio. Gigliotti M. D.XCIII Con Privilegio Et con Licenza de’ Superiori, p. 224. Disponível em: <http://bivio.
signum.sns.it/bvInfo.php>. Acesso em: 18 fev. 2007.
128
Cf. PILLARD-VERNEVIL, Maurice. Diccionario de símbolos, emblemas y alegorías. Trad. de Almu-
dena Alfaro. Barcelona: Ediciones Obelisco, 1998, p. 206-207.
129
Os termos de entrega de mesa de abril de 1739 e abril de 1740 possuem referências a uma escritura
de obrigação feita com Pombal para a “nova obra da igreja”. O termo de 1739 foi lavrado no mesmo
dia, provavelmente na mesma reunião, em que se decidiu arrematar todo o resto da fábrica. Não é
segura, portanto, a armação de que os termos dessas entregas se reram à nova obra da capela mor,
podendo a lembrança da obrigação de pagamento ao rematante se referir a saldos devedores ainda
das obras da nave. Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º. Filme 11, vol. 224, . 40. “Termo de entrega que fazem
os ofciais que acabaraõ aos novos Eleitos”. Vila Rica, 30/04/1740; e também o termo à . 37: “Termo
de Entrega que fazem os ofciais que acabaraõ aos novos eleitos”. Vila Rica, 30/04/1739.
161
daobrigaçaõ q’ tem pagandocelhe todo o perjuizo q’ tiver das madeyras q’
tinha lavrado para forar [forrar?] a dita capela pela obrigaçaõ q’ tinha feyto p.ª
oq’ Semeterão dois Louvados porparte da meza e od.° Pombal meterá outros
dois pela avaliar oacrecimo e perjuizo q’ teve nas ditas madeyras q’ lavrado
tinha e de como assim uniformem.te seajustou s este termo q’ aSigney como
Escrivaõ da Irm.de
130
Como ca claro, Antonio Francisco Pombal havia ajustado e feito obrigação da obra antes dos
acréscimos implicados pelo “novo risco” do “sargento mor novo engenheiro”. Além de pagar
pelos acréscimos que ele teria no desempenho da obra previamente ajustada, um detalhe
parece ser muito importante. Pombal havia lavrado madeiras para “forrar a dita capela pela
obrigação que tinha feito”, mas, com o novo risco, essas madeiras não iriam mais servir, pelo
que então elas seriam avaliadas, e pagas, para sanar seu “prejuízo”. Alguma coisa no forro da
capela havia mudado signicativamente, com esse novo risco do engenheiro, para determi-
nar a inutilidade das madeiras cortadas conforme a primeira obrigação. Pombal faliu antes de
terminar a obra, e por isso foi feito um ajuste entre ele, arrematante, e o mestre Antônio dos
Santos Portugal, para que este levasse a obra até a “última perfeição”
131
. O ajuste entre Pom-
bal e Portugal teve como objeto o que faltava da obra como um todo, e não apenas a capela-
mor, pois dentre os vários recibos assinados por Portugal e os termos relatados pelo escrivão
da Irmandade
132
, referências a pequenas obras feitas, por exemplo, no consistório. O valor
total dos recibos assinados por Portugal constitui a exata soma ajustada, 339 oitavas de ouro
mais alguns quebrados em vinténs que não conferem, e que signicavam pouco diante do va-
lor total em oitavas. Outro detalhe importante de todo esse movimento fabril é que em nenhum
momento, até aqui, se fala na construção do zimbório, arrematado que foi, como veremos,
um pouco mais à frente, com as obras de talha e carpintaria na da capela-mor. A hipótese
mais provável, penso eu, obedece a uma razão de engenho construtivo. Previsto pelo risco a
se erguer no meio da abóbada, a posição da boca do zimbório (nível e marcação) teria que
concordar com o lançamento dos arcos e pendentes precisamente denidos pela construção
do retábulo e do forro da capela integrados, obras ainda a se executar pelo entalhador arre-
matante, numa precisão de detalhes, encaixes e medidas que teria que ser levada em conta
130
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 41. “Termo q’ Se fes em meza p.ª Seacrecentar a Ca-
pela mor pelo novo Risco q’ p.ª ella deu o Sarg.t° Mor novo emgenheyro”. Vila Rica, 02/08/1741.
131
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 75. “Termo de quitação e desobriga que da Antonio
Franc.° Pombal como aRematante da obra a que Se obrigou por huma escritura passada na nota e
Cartorio que em que Servio de escrivaõ Bento de ArPer.ª a Irmandade so Santissimo Sacramento da
Irg.ª (sic) de N. Snr.ª do Pilar douro preto”, . 74v – 76. Vila Rica, 08/12/1744.
132
Os recibos foram situados às folhas 78 e 79v do mesmo volume 224 da Paróquia de Nossa Senhora
do Pilar.
162
a m da perfeição. Assim, cava difícil, para Pombal, ou seu substituto, Portugal, deixar o
zimbório, por assim dizer, pendurado, à espera do delicado arremate do forro com o elemento;
ao passo que tudo seria mais simples para o arrematante da carpintaria e talha da capela (e
construtivamente coerente), que correria as linhas e os prumos aptos a marcar a justa inter-
secção das peças. Outra condição documental corrobora essa hipótese. Como veremos, no
momento decisivo para a construção do zimbório, que ainda seria modicado por louvados,
chegou a ser feito um “modelo” em madeira, uma maquete, em escala reduzida, para orientar
a construção
133
. No documento que faz referência a esse modelo, se falou na estrutura de
madeira que sustentaria ambos, a abóbada do forro e o zimbório – ou seja, eles estavam bem
cientes da necessidade em se fazer tudo conjuntamente. Ademais, o zimbório foi feito mesmo
em madeira, na continuidade material e aparente da superfície que forrava a abóbada do teto.
O tal “sargento-mor novo engenheiro” do risco, como veremos, acredito ser José Fernandes
Pinto Alpoim, mas chegaremos ainda a outros documentos igualmente competentes. Outro
nome foi sugerido. Na citação que fez a esse documento, Carlos Del Negro concluiu pelo
nome de “Pedro Gomes Chaves”
134
. Del Negro concluiu por ele baseado, provavelmente, no
fato deste nome aparecer no Registro de fatos notáveis escrito pelo vereador de Mariana,
Joaquim José da Silva. Neste registro, o vereador aliás não armava, mas conjeturava “tal-
vez” ser de Pedro Gomes Chaves o risco da Igreja (c. 1712), e não do bem posterior acres-
centamento da capela-mor, de 1741
135
. A edição de Arquitetura religiosa barroca no Brasil,
de Germain Bazin, chegou ao cúmulo de apresentar, literalmente, o nome “Pedro Gomes
Chaves” entre as aspas da citação que fez do suposto documento. Assim está: “1741, 2 de
agosto – Decidiu-se ampliar a capela-mor (isto é, demolir a antiga e construir outra maior), o
que seria realizado pelo novo risco que para ela deu o sargento-Mor novo, engenheiro Pedro
Gomes Chaves’”
136
. Costuma-se dizer que Bazin recebeu as transcrições dos documentos
de Minas Gerais dos funcionários do SPHAN, que efetivamente os pesquisaram, mas não
133
Procurei por alguma parte remanescente do zimbório, e também desta maquete, na Igreja e também
no Museu da Incondência, Ouro Preto. Segundo informações do Padre Simões, Pároco de Pilar, foram
levadas para o Museu, algumas décadas atrás, peças de madeira dos depósitos da Igreja. A busca não
ofereceu nenhum sucesso.
134
Cf. DEL NEGRO, Carlos. Escultura ornamental barrôca no Brasil, p. 54.
135
Cf. o Registro de fatos notáveis, um sumário das fábricas artísticas e arquitetônicas da capitania
escrita em 1790 pelo vereador de Mariana, Joaquim José da Silva, conforme BRETAS, Rodrigo. “Tra-
ços biográcos relativos ao nado Antônio Francisco Lisboa...”. In: VEIGA, Efemérides mineiras, “18 de
novembro de 1814”, v. 3 e 4, p. 996 et seq.
136
Cf. BAZIN, Germain, Arquitetura religiosa barrôca no Brasil, p. 78-79. (grifo nosso). Como se lê pelo
encadeamento das palavras, Bazin inseriu o nome no título mesmo do documento, e cita para ele o
mesmo fólio “41” do livro da Irmandade, onde efetivamente não se vê nome algum do engenheiro.
163
interessa agora o mérito. Para além da severa crítica a esta inserção de um nome na suposta
citação do documento, que se acrescentar que nele não nenhuma denominação para
o tal “novo engenheiro”. Terá em outro, como veremos adiante, para “Fernandes Pinto Al-
poim”. Além do mais, era pouco provável o “novo engenheiro” ter sido Pedro Gomes Chaves,
chegado que foi, a Minas Gerais, havia pelo menos 30 anos, ainda em 1711, conforme um
documento em que foi dada ordem para que o dito engenheiro zesse “um mappa de todas
estas terras”
137
. Assim, é até verossímil supor que o risco da Igreja do Pilar tenha sido mesmo
de Pedro Gomes Chaves, que estava em Vila Rica em 1711, mas não do acrescentamento
da capela-mor”, documentado em agosto de 1741. Encontrei outros documentos da presença
do importante engenheiro Gomes Chaves em Minas Gerais até 1715, pois estava neste ano
“repartindo terras” e “acomodando moradores”, na vila de Pitangui, procedimentos muito e-
cazes ao aumento e formação das povoações
138
. Seria muito estranho alcunhar ainda como
“novo engenheiro” um ocial chegado ao país havia tanto tempo. Pedro Gomes Chaves foi
enviado para a colônia conforme consulta de 11 de junho de 1709, votado em “primeiro lugar
para o posto de engenheiro da dita praça [da Bahia]”, a m de não apenas “ensinar na Aulla
publica aos que quizerem aprender”, mas também ir “a toda a parte onde for necessário”
139
.
Como se sabe, havia uma “Aulla publica” de arquitetura nessa praça a partir de 1696; e no
Rio de Janeiro a partir de 1699. Beatriz Bueno
140
registra a presença de Chaves no Rio de
janeiro, entre 1709 e 1711, como lente desta aula pública, mesmo cargo que ocupará, durante
o tempo que nos interessa, entre 1739 e 1765, José Fernandes Pinto Alpoim, que foi nomeado
em 1738 mas chegou ao Rio no ano seguinte.
As fábricas da talha e também do zimbório da capela-mor foram arrematadas conjuntamente
em 13 de abril de 1746
141
, por Francisco Xavier de Brito e Antônio Henriques Cardoso, confor-
137
Cf. APM SC 03, .3. Lisboa[?], 05 de julho de 1711.
138
Cf. BASTOS, Rodrigo Almeida. A Arte do urbanismo conveniente, “4. Constituição, conservação e
aumento do decoro das povoações”, e também BASTOS, Rodrigo Almeida. Lacunas da historiograa
da arquitetura desenvolvida no Brasil no século XVIII. Cadernos de Arquitetura e Urbanismo da PUC-
Minas. Belo Horizonte, p. 51-60, dez. 2004.
139
Cf. SOUSA VITERBO, Francisco de. Diccionario historico e documental dos architectos, engenhei-
ros e constructores portuguezes ou a serviço de Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional/Academia das
Sciencias de Lisboa, 1922, v.1, Chaves (Pedro Gomes), p. 210. (grifo nosso).
140
Cf. BUENO. Desenho e desígnio, p. 277; 498-559 (especialmente a p. 504).
141
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 53. “Termo da aRamatação que zeraõ as Irman-“Termo da aRamatação que zeraõ as Irman-
dades do S.m° Sacram.t° desta Matris e ade N. Snar. do Pillar como Padroeyra desta mesma Matriz
da obra detalha daCapela Mor ezimborio”. Vila Rica, 13/04/1746. Não neste, mas em outros termos,
aparece a gura de Antonio Henriques Cardoso como “sócio” de Brito na fatura.
164
me risco e condições assinados pelos procuradores das irmandades do Santíssimo e do Pilar.
O início das obras delongou-se um pouco, e, como se vê num termo de 01 de julho de 1749,
foi ponderada uma modicação na construção do zimbório. Além dos arrematantes, foram
nomeados dois excelentíssimos louvados, Manuel Francisco Lisboa e Ventura Alves Carneiro
(que arrematou, um pouco depois, em 19 de maio de 1750, a reforma do arco-cruzeiro
142
),
para que juntos “assentassem” vários aspectos fundamentais a respeito da “forma” e da “se-
gurança” do zimbório, “grandeza, altura e largura”
143
. Apesar da arrematação ter sido aprova-
da com as condições e Risco para o zimbório em “gura oitavada e com quatro janelas” que
se alternavam com outros “quatro vãos” “tapados com parede”, se chegou à conclusão que a
“área” da capela era “pequena”, e se assim fosse feito o zimbório não caria a “capela maior
com tão boa Lei”. Fica evidente aqui que se julgava o resultado nal da obra com preceitos
(ou “leis”) de simetria antiga boa relação entre as proporções e partes do corpo com seu
todo –, exemplar na bendita perfeição do corpo humano
144
. Determinou-se, então, fazê-lo em
“gura sextavada”, “com seis luzes sem impedimento de parede alguma”
145
. Como a seguran-
ça também era, além da perfeição, uma das preocupações dos irmãos e dos construtores,
um “modelo” em escala reduzida, certamente de madeira, estava sendo engenhado por um
dos louvados, Ventura Alves Carneiro, pelo qual se seguiria a armação do madeiramento do
barrete da capela mor, ou seja, de sua abóbada. O documento rezava ainda alguns detalhes
da forma, como por exemplo a “bola do dito zimbório” isto é, o vão circular –, que deveria ser
feita do mesmo tamanho que se via no modelo: 16 palmos (3,5 m, aproximadamente a largura
do painel da Santa Ceia). A abóbada que cobria o zimbório internamente sairia a prumo da
cimalha que “guarnecia” o zimbório, fazendo a volta redonda a partir desse alinhamento.
Ornamentando, pelo lado de fora, a estrutura do zimbório, seriam construídas seis “culunas
142
O termo de arrematação está assinado à folha 62v do Volume 224, Filme 11, CECO-PILAR-Sm.º
St.º. Em 09 de abril de 1752, Ventura pediu ajustes no preço da arrematação, ibidem, . 67v. Na mes-
ma data, foi assinado o termo de louvação da dita obra, tendo como examinadores Manuel Francisco
Lisboa e Ignácio Pinto Lima. Ibidem, . 68.
143
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 60v-61. “Termo que se fes em Meza aResp.° dao-
bra do Zimborio daCappella mor”. Vila Rica, 01/06/1749.
144
Vários tratados portugueses de pintura, escultura e arquitetura desenvolvem a “simetria” como qua-
lidade das relações entre as partes de um corpo, natural ou fabricado. Cf. p. ex., os Artefactos symme-
triacos, do Padre Ignácio da Piedade Vasconcelos, o Tractado de Architectura, de Matheus do Couto,
a Arte da Pintura, de Philipe Nunes, ou ainda o Da Pintura Antiga, de Francisco de Holanda. Todos
esses tratados se encontram disponíveis, em versão manuscrita ou publicação posterior, na Biblioteca
Nacional de Portugal, em Lisboa. O modelo fundamental de todos é Vitrúvio, De Architectura, sempre
muito imitado.
145
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 60v-61.
165
dequoartelas”, os famosos “quartelões”, que em resumo são pilastras encorpadas de volutas
salientes. No risco da gura oitavada, eram previstas quatro colunas, a mesma quantidade de
janelas. Esses pilares aquartelados e “seus ornatos” seriam intercalados pelas quatro aber-
turas, até se fechar o perímetro do cilindro ou prisma poligonal que se sobressaltaria acima
dos telhados da capela-mor – elemento singular na arquitetura religiosa da capitania. Com a
mudança do risco, no entanto, e em número correspondente as “seis luzes”, se assentou a
idéia de não se retirar uma “coluna”, a restarem três, também intercaladas com paredes, mas
em se acrescentarem duas, resultando em seis colunas de quartelas em cada um dos cunhais
do elemento. Pela parte de fora, a abóbada seria “escapulada”
146
, com seis “pirâmides” acima
das pilastras, a mesma ornamentação do risco inicial. Os arrematantes pediram acréscimo
do valor ajustado pelo Risco previamente aprovado, porque esse acréscimo de ornatos, de
4 para 6 membros ornados, demandaria mais empenho e material. Vale a pena transcrever
todo o documento:
Termo que se fez em Meza a Resp.º daobra do zimborio daCapella mor
Ao primrdia do mes de junho demil, e Sete centos, e quarenta, e nove annos
estando em Meza o Provedor, emais off.es da Irm.de do Sm.º Sacram.tº desta
Matriz de N.ª Srdo Pillar desta VManoel Roíz Coelho, o then.e [tenente]
Juaõ de Serqr.ª Domingos deSá Roíz e João Soares de Caru.º, e por p.e [par-
te] da Irm.de de N. Srdo Pillar o Procurador della Manoel da Costa Pontijo
pellosmais off.es estarem empedidos por p.e das ditas irmandades Seachou
tam bem Manoel Fr.cº Lx.ª, e ventura Alz Carn.rº, e os Rematantes da obra
de talha da Capella mor Fran.cº Xavier de Brito, e Antonio Henriques Cardozo
para SeaSentar o Como se deve fazer a obra do zimborio da Capella Mayor
no que Respeita aSeguranssa, e forma delle, grandeza, altura, eLargura, ea-
Centaraõ noque Se Segue, que sem embargo de estar detreminado pela
aprovação do Risco Ser aSua Figura otavada, e com quatro Janellas, e
os quatro vanos cavão tapadoz de parede, eatendendosse aSer a ária
[área] pequena, a naõ car aCapella Mayor Com tam boa Ley Se detremi-
nou aSer aSua gura Sextavada, cando o d.º zimborio comSeiz Luzes
Sem empedim.tº de parede alguma, eAcentarão mais que a Seguranssa do
Barrete da Cappela Mayor do Seu madeiram.tº Seobservara na forma do mo-
dello, que tem feito Ventura Alz Carn.rº, e com toda a mais Sigurança que se
lhe puder fazer, e a bola do d.º zimborio Se fará do mesmo tamanho, que se
acha no d.° modello, queSão dezaceis palmos [aproximadamente 3,5 m], ea-
146
Dá-se o nome de “escapo” ao meio-bocel, ou seja, ao lete ou moldura cuja seção é formada com
a espessura cheia de um quarto de círculo, que faz a ligação entre dois elementos da construção, por
exemplo, entre a base e a superfície de um cunhal, ou pilastra. Se, neste caso, a abóbada seria “esca-
pulada” a “cobrir” “toda a sacada da cimalha” (ou seja, o seu ressalto), como prossegue o documento,
pode signicar que entre as pilastras quarteladas das faces do zimbório e a volta da abóbada que lhe
cobria externamente estava prevista uma cimalha, o que seria extremamente verossímil quanto ao
costume da forma. O acabamento “escapulado”, além de conferir ornato, efetivaria uma transição mais
segura entre a parede do zimbório e a sua abóbada exterior, porque essa “escápula” deveria ter tam-
bém a função de proteger de inltração o encaixe entre as paredes e a superfície curva da abóbada no
exterior.
166
abobeda que cobre ozimbório pella p.e dedentroSera a prumo à Sacada que
tiver aSacada digo aSimalha (sic) que guarneçe ozimborio pella p.e dedentro,
edesse prumo pegara avolta Redonda; aábobada pella p.e de fora Sera ffeita
escapullada a lheCubrir toda aSacada daSimalha, e tera Seis piramadas em-
Sima dosSeis pillares na forma, que mostra o Risco.
E porque os Rematantes Requereraõ, que porque visto estava detremi-
nado pelo Risco, que jáse lhe tinha aprovado Levar quatro culunas de-
quartelas, eagora [?] mais delas por Ser Sextavado contados os seus orna-
tos pertencentes as duas culunas Selhe divia pagar, eSeaSentou, que Selhe
pagaria oSeu Vallor; e de como aSim se ajustou, edetreminou z este termo
emque todos aSignaraõ Comigo Escr.ªm Joaõ deSerq.rª Escr.ªm que o z
escrever, ea Signey
147
Em 08 de junho de 1750
148
, foram determinados mais alguns ajustes relativos ao zimbório. Os
arrematantes haviam preparado, conforme o risco, os “quatro” painéis para orná-lo, mas
eles não serviriam mais por causa da modicação. Assim, a pedido deles, que também ha-
viam alargado um pouco mais do que pedia a volta do zimbório, foi declarado se avaliasse por
louvados que entendessem da matéria o reajuste da arrematação. A obra foi entregue nal-
mente em 20 de janeiro de 1754
149
, por Domingos de Sá Rodriguez, ador de Xavier de Brito,
que havia falecido em 24 de dezembro de 1751
150
. Entre esta data, pelo menos, e a entrega
da obra, em janeiro de 1754, Xavier de Brito não trabalhou mais no zimbório, mas seria pre-
maturo, ou preconceituoso, armar que se deveu a isto a série de problemas que o levaram à
demolição. No primeiro exame, realizado por peritos, documento citado a seguir, os louvados
declararam que, apesar das inltrações, o zimbório não apresentava, no quesito “segurança”,
“danicação alguma”. Com a análise das condições, e também com a observação de outras
obras do gênero, foi possível intervir em fotograas atuais da Igreja do Pilar, interna e externa,
a m de esboçar os efeitos e aspectos mais gerais da forma, ilustrações bastante razoáveis
do que teria sido proporcionado pelo elemento sextavado ainda erguido (FIG. 26 e 27).
147
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 60v-61. (grifo nosso).
148
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 63v. “Respt.° a talha”. Vila Rica, 08/06/1750.
149
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 71v. “Termo de entrega daobra da tribuna, Zimbo-“Termo de entrega daobra da tribuna, Zimbo-
rio e toda a mais obra deTalha eEscultura detoda aCapella mor aqual entrega faz oAlferes Dom.°s de
Sá Roiz ador do arrematante Fran.c° X.er deBrito falecido”. Vila Rica, 20/01/1754.
150
Cf. MARTINS, Judith. Dicionário de artistas e artíces dos séculos XVIII e XIX em Minas Gerais. Rio
de Janeiro: Publicações do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, 1974. vol. I. BRITO,
Francisco Xavier de, p. 129.
167
Figura 26 – Simulação de imagem da capela-mor com
o zimbório. (Computação gráca de Robson Godinho)
Figura 27 - Simulação de imagem externa da Igreja do Pilar com o zimbório
acima do telhado da capela-mor. (Computação gráca de Robson Godinho)
168
2.2.1 A demolição do zimbório
Logo um ano e meio após a entrega da obra, foram documentados os primeiros problemas
do zimbório, conforme termo assinado pela mesa em 06 de julho de 1755. Era necessário
vericar se o dito iria “durar anos”, e ser capaz de “velar as agoaz p.ª se dourar a capella
mor”
151
. Foi quando também se iniciou a inglória missão, que durou cerca de quinze anos, de
preservá-lo da demolição, já declarada necessária neste primeiro exame, realizado dois dias
depois. Participou dele um dos responsáveis pela modicação da forma, o mestre Manuel
Francisco Lisboa:
[…] como consta do termo retro, Defery o Juram.t° dos St.°s Evang.°s aos
M.es Carpinteiros M.el Fran.c° Lx.ª, Ignacio Pinto, Ant.° Alz. de Ar.°, e Cus-
todio Alz. de Ar.°, debaixo do qual, e deSuas Conçiencias lhes encarreguey
o Exame q’ deviaõ fazer em o zimborio de Madr.ª q’ se acha sobre o telhado
da Capella Mor dad.ª Matriz, e se este hé Duravel, ou poderá Cauzar damno
ouperjuizo ad.ª Capella Mor, aonde por elle chove qd.° [quando] as agoas
Saõ m.tªs [muitas], E Se ad.ª Capella Mor e tribuna se podem dourar cando
como está em Seu lugar o d.° Zimborio, E feito por elles od.° Exame, declara-
raõ todos debayxo do d.° Juram.t° q’ od.° Zimborio Selhe naõ vedarem agoa
oq naõ façil, Se naõ pode conçervar, nem Sepode dourar a Capella Mor,
Eno q’ Respt.ª aSeguransa do do.° Zimborio noestado emq Seacha, Se acha
Sem damnicaçaõ alguma, Sem emb.° [embargo] q’ cevedar as agoas
dicultoso oq’ Senaõ pode evitar Sim botando abaixo, E de como assim
declararaõ, z este tr.°, q’ todos aSignaraõ Comigo Domingos Moraes Escri-
vaõ da Irmand.e [...]
152
Dois dias depois, em 10 de julho de 1755, chegou a ser feito um termo de “reparo dos telha-
dos” e também “desfeita” do zimbório “visto Selhe não poderem evitar as agoas q’ por elle
deçem a Capella Mor”. Pois se nem com as “diligências necessárias” seria possível atalhar
as graves ameaças, se resolveu que “neste caso Se demulice o d.° zimborio”
153
. Sem efeito.
Quatro meses depois, em 09 de novembro de 1755, a mesa assinou um termo pelo qual se
resolvia o “conserto do Zimborio da Capela Mor”, além de se fazerem “dellig.ªs [diligências]
para se evitarem as agoaz q’ por elle entraõ emd.ª Cap.ª Mor”
154
.
151
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 97. “Termo que fez ameza desta Irmandade do
Santicimo Sacram.t° em 4 ociais decarpinttr.° para exzaminarem Se o zimborio dacapella mor Se acha
m.rce de durar annos e velar as agoaz p.ª se dourar acapellamor”. Vila Rica, 06/07/1755.
152
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, .97v-98. “T.r° de Juramento deferido por mim ezcri-
vaõ da Irmand.e do Sm.° Sacram.t° aos off.es Carpintr.°s declarados no trRetro”. Vila Rica, 08/07/1755.
153
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 98v-99. “Termo feito em Meza g.l [geral] da Irmd.e
do SSm.° Sacramento desta Matriz prezentes os offeciais da Irmd.e de N. Sr.ª do Pilar Sobre a fatura
dos telhados da Capella Mor e desfeita do Zimborio”. Vila Rica, 10/07/1755. Uma curiosidade que evi-
dencia a importância da resolução deste termo. De todo esse livro da Irmandade do Santíssimo, este é
o documento que contém mais assinaturas, distribuídas em três folhas.
154
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, .100v. “Termo por onde aMeza detremina Se con-
169
As diligências devem ter sido proveitosas, mas não denitivas, porque demorou um tempo
e os irmãos tiveram que tentar remediar a “ruína” que ameaçava novamente. Assim, quinze
anos depois, em 14 de janeiro de 1770, em meio, pois, a um período de chuvas certamente
forte, quando então cou insustentável a conservação do elemento, se lavrou um novo termo
de demolição, a ser feita “com toda a brevidade”. As madeiras que “estribavam” os pés direitos
do zimbório, ou seja, que sustentavam sua estrutura vertical, estavam “podres e indignas de
reparo”. Chegou a ser cogitada a colocação, na base, de uma “trempe de ferro”, a funcionar
como uma grelha estrutural:
Termo q’ Se fez p.ª Se demolir o Zimborio q‘ Se acha nesta capellamor desta
Matriz de N. Srdo Pillar do ouro preto, p.ª cujo m Se fez Meza Redonda
comvoquando os ofeciais emais Irmaõs desta Irmd.ª, como tambem Srdo
Pillar e as mais IRmd.as q’ Se achaõ nesta Matriz com aSestençia do fabri-
qur
Aos catorze dias do mês de Janr.° de mil eSete Sentos eSetenta neste con-
cistorio dad.ª Irmd.ª do Samtissimo sacramt.° enella se fez Meza redonda em
q’ Seachou o Irmaõ Provedor, Thezre porcurador e Senaõ achou o Escrivaõ
p.r estar no R.° de Janr.°, e o Escriva de N. Sr.ª do Pillar Ignacio Joze Lopez
eos mais Irmaos damais Irmandades abaixo aSinados eestando todos juntos
em Meza, porpós o IRmaõ Procurador q’ as Instancias do R. Vigr desta
Matriz SeREqueria esta Meza p.ª nella botarem sobre o Zimborio q’ Se acha
na capela mor Se Seavia de conservar ou demulir pela grd.e Ruina q’ esta
ameaSando o q’ Sendo ouvido por todos uniformem.te determinaraõ q’ Se
chamase Mestres q’ intendese dad.ª obra p.ª a q’ afose Exzaminar eviSe Se
tinha Ruinha (sic) Se aq’ tinha Se se podia Reparar de Sorte q’ Se podese
conServar, eaSentaraõ todos uniformem.te Se chamase os m.es [mestres]
Seguintes por Serem pereticos [práticos?] na d.ª arte q’ Saõ Costodio Alz.
deArElias X.er daS.ª os coais foraõ chamados evindo a esta meza Selhe
emcarregou foSever e Exzaminar o Zimborio q’ Se acha na capella mor desta
Matriz Se Se achava com algua Ruinha (sic), eaque lhe achase Sepoderia
Remediar; o q’ com efeito foraõ ver e Exzaminaraõ miudam.te [miudamente]
evieraõ aesta meza ediseraõ o Seguinteq’ Exzaminando miudam.te as madr.
as [madeiras] emq Se estribaõ os pez direitos do Zimborio os acharaõ todos
podres emdignos [indignos] deReparo, q’ comdespeza mui grave por cau-
za da Segurança por çer preciza fazer huá trempe de ferro em q’ se poSsa
sustentar od.° Zimborio alem da mais despeza q’ Se ade fazer abeneçio da
mesma obra, eq’ naõ hera façil vedarlhe as ágoas da chuva q’ de contino
estaõ cahindo por elle abaixo, q’ he acauza da Ruinha (sic) com q’ Seacha
od.° Zimborio, epor aSim Intenderem emSuas conçiencias o declararaõ nest
termo emq’ aSinaõ edeclararaõ q’ Sedevia fazer otirallo com toda averb.e
[brevidade?] por estar cometendo Ruina.
Custodio Alz. de Ar
Elias Xavier da Silva [assinaturas]
çerte ozimborio da Cap.ª Mor, e Sefaça dellig.ªs p.ª Seevitarem as agoaz q’ por elle entraõ em d.ª Cap.ª
Mor”. Vila Rica, 09/11/1755.
170
E logo no mesmo dia mes ano estando Inda em Meza esperando q’ Se zese
od.° Exzame e (?) a determinação de q’ achavaõ depois defeito vieraõ e dise-
raõ o q’ consta do termo aSima q’ ouvido por elles, Se aSentou, uniformem.
te, por voto de todos q’ Se demolise od.° zimborio com toda a verb.e [brevi-
dade?] q’ fose poçivel pella grd.e Ruina q’ estava cometendo, eq p.ª aluz q’
se carese p.ª a capella mor se fara com milhor comonidade [comodidade?],
q’ for posivel, eq’ ad.ª obra sedeve por empraça a ver q.m mais barato a zer
ou por ajuste particular dandose aq.m mais barato a zer em utilid.e da dita
Irmd.e debaixo das condisois q. Se haõ de fazer, e q’ p.ª a despeza desta
obra Se aplicará o masame q’ Se acha neste zimborio, eno cazo q’ esta naõ
chegue o q’ faltar se Reaterá por todos as Irmd.es a Saber tres partes sera
Repartida pella Irmd.e do Santicimo Sacram.t° digo huá pagara aIrmd.e do
Santimo (sic) Sacram.t° outra a Irmd.e do Pillar e outra pagara a fabrica ea-
coarta parte pagaraõ as mais Irmandades em igual parte por se pagar esta
despeza, por Se partir em coatro partes na forma declarado, eq’ pagara Snr
do Pillar naforma dotermo q’ tem feito nesta Irmd.e, e de como aSim todos
aSim com cordaraõ em Se deitar abaixo naforma q’ foi declarado Se fez este
termo em q’ todos aSinaraõ q’ quer tenha inteiro vigor, e eu Diogo da S.ª Ribr
procurador atual q’ Sou da Irm.e do SS. Sacram.t° por auz.ea [ausência] do
escrivaõ della z este termo que o Escrevi
155
Interessante a passagem que declarou, com a iminente demolição do elemento, a necessi-
dade de se remediar a falta com a melhor comodidade possível. O efeito de luz condicionava
certamente a melhor vista da capela-mor, e também o desempenho de seu simbolismo, a que
chegaremos adiante. O termo ainda teve de ser raticado seis meses depois, antes do novo
período de chuvas, condicionado, era de se supor, pela fatura de mais um novo exame para
vericação se o zimbório poderia ou não “subsistir”. O dito aconteceu em 29 de julho de 1770,
quando parecia nalmente determinado “se botar abaixo” o zimbório:
Termo dedeclaração do exame q’ novam.te Se fez no Zimborio aResp.t° de
sebotar abaixo
Aos vinte e nove dias do mês de Julho demil eSete centos eSetenta neste
consistorio daIrmd.e do Santissimo Sacram.t° de Nosa Srdo Pilar doouro
preto estando em meza od.° Provedor, escr.ªm, emais ofesiais eos mais irma-
os abaixo aSignados, p.ª efeito de selhe declarar otermo nestes a. 131 ev
[verso] e 132 oqual sendo lhe lido por mim escr.ªm na prezença detodos eter
aSentado ad.ª Meza aq.’ novamt.e examinace od.° Zimborio cujo exame se
fez pelos Mêstres Elias X.er eM.el Fr.c° q aqui asinaõ osquaes examinaraõ
edeclararaõ q’ em Suas Consciencias achavaõ q’ od.° Zimborio naõ podia
subsistir, eq’ com toda abrevid.e sedevia deitar abaixo oque ouvido por todos
unanimem.te concordaraõ por seus votos q. fosse o Zimborio abaixo e nesta
155
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, .131-132v. “Termo q’ Se fez p.ª Se demolir o Zimbo-
rio q‘ Se acha nesta capellamor desta Matriz de N. Sr.ª do Pillar do ouro preto, p.ª cujo m Se fez Meza
Redonda comvoquando os ofeciais emais Irmaõs desta Irmd.ª, como tambem Srdo Pillar e as mais
IRmd.as q’ Se achaõ nesta Matriz com aSistençia do fabriqur.°[fabriqueiro]”. Vila Rica, 14/01/1770.
“Fabriqueiro” era a pessoa responsável por administrar a “fábrica” da Igreja. Suas atribuições incluíam
desde a providência de cera para as missas até o zelo administrativo e nanceiro das obras de reforma
e construção.
171
forma ouveraõ por Retecado o d.° termo aSima declarado Eoutro Sim Se-
aSentou que Semandace Consertar aSimalha que nofronte Espicio Seacha
aRuinada [...]
156
Então, e “inviolavelmente” este é o termo que deu o caráter mais do que denitivo à re-
solução –, o Termo de arrematação da desfeita foi assinado pela mesa e pelo arrematante,
Elias Xavier da Silva, em 12 de agosto de 1770
157
, mesma data em que foram copiadas para
o Livro de Termos as condições para a demolição do elemento, que transcrevo em nota
158
.
Este termo de desfeita expõe um fato muito curioso, que nos pode dar notícia da repercussão
156
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, .134v. “Termo dedeclaração do exame q’ novam.te
Se fez no Zimborio aResp.t° de sebotar abaixo”. Vila Rica, 29/07/1770.
157
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, .135-135v. “Termo de Rematação da desfeita, eobra
q’ manda fazer a Irmd.e no Zimborio dacapela Mor daIgreja”. Vila Rica, 12/08/1770.
158
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, .135v. “Copia das condicois da desfeita e obra q’
manda fazer aIrm.de no Zimborio daCapela Mor eRematada emfr.te”. Vila Rica, 12/08/1770:
Copia das condicois da desfeita e obra q’ manda fazer aIrm.de no Zimborio daCapela Mor eRe-
matada emfr.te
Serâ obrigado oRemat.e a botar abaixo oZimborio q’ se acha naCapellaMor daIgreja tornando outra vez
acompor o madeiram.t° com madr.ªs deCanelapreta, eboa Segur.ça naforma emq estâ aoutra eotelha-
do composto eemboçado com cal eaboca dozimborio afechará comforro Liso fazendo painel concavo-
zinho em huá das Simalhas daboca dod.° zimborio aonde car melhor feiçaõ eSerâ o d.° forro de canela
parda ou Sedro
Serâ obrigado oRemat.e afazer hú caixilho, ou grade, ou dous como melhor convier p.ª aporta traveça
docorredor daparte do Corgo [Corredor?] q’ vai p.ª a Sancrestia p.ª no d.° caixilho aSentar e embitu-
mar as vidraças q’ Levar eoasentarâ porfora da porta aonde for mais comodo comparafuzos, ou xas,
ouoq’ for milhor e serâ o d.° caixilho decanela preta com as grocuras q’ lhe forem precizas p.ª Levar o
Rebaixo p.ª as ditas vidraças edará ele Remt.e todas asferagens q’ p.ª ele forem precizas e os vidros
p.ª ocaixilho os darâ aIRmd.e, e o Remat.e darâ obatume, e telha necesr
Serâ o Remat.e obrigado adar todos os aprertos eaparelhos necessarios p.ª Servidoins p.ª Sefazer ad.ª
obra etambem todas asmadeiras, pregos eferagens etirarâ as vidraças todas com m.tª cautela p.ª se-
naõ quebrarem easgoardarâ, emais todo ochumbo q’ estâ nod.° zimborio no Consistorio p.ª aIrmd.e
fazer dele oque quizer eomais maçame carâ p.ª oRemat.e exceto agura de Sima q’ Serâ p.ª a Irmd.e.
Serâ obrigado oRemat.e apegar nad.ª obra Logo depois dafesta deN. Srdo Pilar naõ excedendo ade-
mora adois dias depois dad.ª festa enaõ Largarâ maõ dela atê acabar comapena dese meterem ociais
âSuaCusta, Sem q’ seja precizo citarçe p.ª isso ecazo haja nad.ª obra algú acressimo q’ por esquecim.
t° aqui Senaõ declare ofarâ oRemat.e Sem q’ por ele Selhe dê couza alguá Só Se exceder aovalor de
dez oitavas deouro.
Serâ o Remat.e obrigado a Receber ametade do emporte daRematação estando feita ametade daobra
eoResto nom detoda aobra que Serâ vista eexaminada p.ª selhe pagar. Sinal de Elias X.er daS.ª
Enaõ Se continha mais nas ditas condiçoins que bem elmente aqui copiei aosdoze dias domes deA-
gosto demil eSete Centos eSetenta Ant.° Franc.° de Carvalho escr.ªm actual da Irmd.e q’ oescrevy
eaSiney. [Assinatura de Fran.c° de Carvalho].
172
que teve o zimbório aparelhado na Igreja, tanto no aplauso dos efeitos, durante o tempo em
que durou, quanto na murmuração que lamentou a sua retirada. Não me lembro de ter lido
declaração como essa em outros termos tão comuns de arrematação, pois diz o documento
que estava “muita gente presente” no ato do pregão, “tanto de ociais como de outras” – isto
é, os lançadores e prováveis arrematantes, ociais interessados na obra, que haviam “visto a
obra” e as condições, mas também pessoas externas ao processo, interessadas no desfecho
dos fatos. O documento estipulava que o arrematante entrasse no desmanche até no máximo
dois dias depois da festa de Nossa Senhora do Pilar (comemorada geralmente na segunda
semana de agosto), sem largá-la até que se ndasse a desmontagem e reparos necessários
na estrutura renovada do telhado simples. Daí que se presume ter durado poucos dias mais
o luminoso engenho.
2.2.2 O risco de José Fernandes Pinto Alpoim
Para deslindar alguns detalhes fundamentais da história do zimbório, é preciso recorrer a
documentos sobre a talha do retábulo e da capela-mor, arrematados todos, se sabe, por
Francisco Xavier de Brito
159
e seu sócio, Antônio Henriques Cardoso. O primeiro ocial é bem
famoso pela fábrica do retábulo, mas houve um risco inicial, do mestre Francisco Branco de
Barros Barrigua
160
, sobre o qual modicou com novo risco o próprio Xavier de Brito; e que,
ainda depois de Brito, em 1755, outro ocial de renome, José Coelho de Noronha, interveio
no retábulo (Fig. 28). Pela Irmandade do Santíssimo Sacramento, Noronha foi chamado para
corrigir “vícios e erros de arquitetura”, além de precisar aperfeiçoar “as simetrias necessárias
e o decoro devido a semelhante lugar”
161
. É bastante comentado o tal retábulo, que, segundo
muitos, teria introduzido ou consagrado em Minas o chamado barroco “joanino”. Porém, não
quero penetrar meandros de classicação estilística dedutiva, sobretudo diante de tantos as-
pectos coevos, preceitos e procedimentos construtivos efetivamente documentados, que nos
159
Sobre Francisco Xavier de Brito, cf. HILL, Marcos. Francisco Xavier de Brito: um artista português
desconhecido no Brasil e em Portugal. Revista do IFAC, n. 3, Ouro Preto, dez. 1996, p. 46-51. Além
da talha de Ouro Preto, Hill analisa a obra e documentos do entalhador na Capela da Ordem terceira
da Penitência de São Francisco de Assis, Rio de Janeiro, primeira obra do entalhador na colônia. Não
esta, da ordem terceira, mas a Igreja franciscana do Convento de Santo Antônio, possui um zimbório de
boca circular na capela-mor; aspecto que me foi lembrado pelo próprio Hill, a quem agradeço.
160
Barrigua também inventou riscos para altares da Capela de Santa Egênia do alto da Cruz, Vila Rica.
161
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 83. “Trq faz aIrmd.e do Sant.mo Sacram.tº q
fazem a mesa redonda com ASistencia doprocurador deNosa Snr.ª do Pillar e Tizr.º”. Vila Rica,
23/06/1754.
173
informam mais do que as categorias do “barroco”
162
.
162
Sobre os problemas de anacronismo nos usos da categoria “Barroco”, cf. HANSEN. Artes seiscen-
tistas e teologia política, p. 180-189, e também HANSEN, João Adolfo. Barroco, neobarroco e outras
ruínas. Estúdios Portugueses 3. Salamanca: Luso-Española Ediciones, 2003, p. 171-218.
Figura 28 – Retábulo-mor
174
Cinco anos após ter feito o risco da talha, em 15 de maio de 1746, Francisco Barrigua teve
que reclamar seu pagamento, ainda não quitado pela Irmandade. É provável que Barrigua
tenha feito o risco, pois, em meados de 1741, seguindo é suposto pelas datas e também
pelo bom senso –, o “novo risco” que estava feito pelo “sargento mor novo engenheiro” para a
capela-mor; vestindo-a comedidamente em talha para não se repetir o que havia acontecido
na arrematação de Pombal, que teve prejuízo em cortar as madeiras para o forro da capela
antes do “novo risco” de seu corpo. Em nenhum documento posterior, há indicação de se ter
que ajustar a talha riscada por Barrigua ao “novo risco” da capela-mor, do que se conclui,
então, que ela deve ter sido inventada mesmo após o novo risco do engenheiro. Ademais, a
referência a este risco do engenheiro foi apenas documentada em 2 de agosto de 1741, no
termo em que se determinou que se zesse a arrematação da nova capela-mor, o que leva a
crer que estava feito antes.
Corroborando ainda esta hipótese, o risco de Barrigua foi alvo de uma “aprovação” bastante
importante, aonde quero chegar especialmente. Com a anuência da mesa da Irmandade do
Santíssimo, argumentava-se, após a arrematação de Xavier de Brito e a iminência das obras,
que o risco já havia sido “aprovado pelos senhores engenheiros da cidade do Rio de Janeiro
e mais revedores”
163
. Não foram nomeados os “engenheiros”, nem os “revedores”, mas em 12
de abril de 1746, quando se resolveu fazer a arrematação do retábulo e talha da capela-mor
correspondente a ele, temos a indicação de um deles, pois se assentou colocar
em prasa [praça] a obra do Retabollo, e toda amais obra da Capella mor con-
respondente a elle p.ª se Rematar aq.m por menos o zer naforma do Risco
q’ Se acha aprovado pelo engenh.° Thomas Frz’ P.t° Alpoim, e condiçoez
expresadas
164
.
Pode ser, inclusive, como se aqui, que tenha sido apenas este o engenheiro que aprovou
o risco de Barrigua, e não “os engenheiros”, no plural, como se vê no termo em que Barrigua
reclamou seu pagamento, de 15 de maio de 1746. Entremos no mérito do ocial. Não se en-
163
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 48. “Termo que fazem oprovedor emais Irmaonz da
menzado Santissimo Sacramt.º a m deq nda esteprezente ano de 1745 p.ª o de [1]746 como osqen-
trao no de 1746 p.ª ode 747 ao Sr. Mestre do Risco da Talha q se Rematou neste ano da Capellamor
Franc.º Branco de Barros Barrigua pello trab.º delle ocoal lhe foy aprovado pellos Sr.es enginhr.ºz e
revedorez”. Vila Rica, 15/05/1746. Do que lhe era devido, Barrigua se satisfazia com “40 oitavas de
ouro”, cando o resto como “esmola” de ajuda para as obras da igreja.
164
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 52. “Tr.º q. fazem os Irmaõs que servem na menza
deN. Srdo Pillar padroeyra de VRica aos Irmaõs da menzada Irmand.e do Sm.º Sacram.º da mesma
Matriz q’ servem oprez.te anno de1746”. Vila Rica, 12/04/1746.
175
contram quaisquer registros de um engenheiro chamado Thomas Fernandes Pinto Alpoim,
seja na relação levantada por Beatriz Bueno em sua tese sobre os engenheiros militares no
Brasil colônia, seja no Dicionário de Artistas e Artíces de Minas Gerais, de Judith Martins, ou
no Diccionario historico e documental dos architectos, engenheiros e constructores portugue-
zes ou a serviço de Portugal, de Souza Viterbo
165
. É muito provável que o escrivão tenha se
equivocado ao nomear quem na efetividade deveria mesmo ser o sargento-mor novo enge-
nheiro José Fernandes Pinto Alpoim, que esteve em Vila Rica justamente no ano de 1741 por
ocasião do risco e arrematação do Palácio dos Governadores. O engenheiro “subiu” do Rio de
Janeiro às Minas não apenas para riscar e apontar as condições da obra, mas também para
analisar orçamentos, materiais e costumes do “país” com que se deveria fabricá-la, deman-
dando, assim, uma estadia mais extensa em Vila Rica. O risco para o Palácio foi feito antes
de 13 de junho de 1741, data em que Alpoim assinou as condições para arrematação da obra
do Palácio
166
e, em 2 de agosto, foi documentado o novo risco da capela-mor pela Irmandade
de Pilar. Segundo a de Ofício do engenheiro
167
, redigida em 1749, ele serviu em Minas
Gerais por 6 meses e 12 dias um bom tempo, portanto, neste movimentado ano de 1741,
o suciente para também riscar a nova capela-mor do edifício mais representativo do corpo
místico português na capitania. Alpoim voltou a Minas Gerais em 1745, para examinar a obra
feita por Manuel Francisco Lisboa, retornando ao Rio na data de 27 de julho.
Assim, o documento da Irmandade que resolve colocar em praça a arrematação da talha da
capela mor ilumina uma questão bastante interessante estagnada pela atribuição a Pedro
Gomes Chaves –, pois indica, com extrema probabilidade, o nome do “sargento-mor novo
engenheiro” que efetivamente fez o “novo risco” para a capela-mor da Igreja. Também pode
ser útil saber que, além de todas essas evidências, segundo o quadro de hierarquias do Terço
165
Na Introdução à edição de Exame de Artilheiros, de José Fernandes Pinto Alpoim, Paulo Pardal
também desconhece o tal “Thomas”. O documento referenciado foi citado por Clemente Silva-Nigra,
na obra dedicada aos construtores do Mosteiro de São Bento, onde trabalhou José Fernandes Pinto
Alpoim. Pardal achou que fosse um erro de leitura do documento, mas se pode constatar que a graa é
mesmo relativa a “Thomas”, e não “Joseph”, como ele supôs. Cf. PARDAL, Paulo. Nota biográca sobre
Alpoim. In: ALPOIM, José Fernandes Pinto. Exame de artilheiros. Rio de Janeiro: Xerox, 1987, p. 27.
Agradeço o acesso a este material à amiga e pesquisadora Dulcyene Ribeiro, estudiosa de Azevedo
Fortes, que também desconhece o tal “Thomas”.
166
Cf. “Apontamentos para a obra q. se pertende fazer por conta da Real Fazenda em V.ª Rica na casa
forte”. RAPM, v. 6, ano 1901, p. 578. A arrematação da obra do Palácio tocou a Manuel Francisco Lis-
boa, e aconteceu no dia seguinte.
167
Apêndice IV – Fé de Ofício de Alpoim, 1749. In: ALPOIM, José Fernandes Pinto. Exame de artilhei-
ros, p. 65.
176
de Artilharia do Rio de Janeiro, havia apenas “um” sargento-mor designado
168
, e notoriamente
se sabe que José Fernandes Pinto Alpoim era o “sargento-mor” desde 1738, quando foi no-
meado para ir ao Rio ser o “lente” na Aula do Terço
169
. E mais, se o risco da talha da capela
e do retábulo-mor foi “aprovado” por “Fernandes Pinto Alpoim”, é muito verossímil supor que
ele estivesse ajuizando, no ato dessa aprovação, e com todo o cabedal necessário, sobre a
ornamentação em talha destinada à capela que ele havia riscado.
Ainda mais uma evidência, desta vez fundada no costume, que nesse tempo possuía a
potência prática de lei, tem demonstrado o professor Antonio Manuel Hespanha
170
. Em outro
momento decisivo da fábrica do Pilar, a Irmandade do Santíssimo teve o mesmo zelo em con-
vocar a assistência do mestre responsável pelo risco para aprovar a obra de talha aplicada
sobre sua invenção. Isso contribui bastante com a hipótese levantada, pois indica ter sido um
costume zeloso da Irmandade. É o que aconteceu uns anos antes, por exemplo, em 24 de
outubro de 1737, pois o Mestre Antonio da Silva foi “ouvido” quando da louvação da obra do
forro e da talha da nave riscada por ele:
Termo dedeclaracão quezeraõ edetreminaram os louvados nomeados pelos
off.es desta Irmand.e Rematante da obra do forro do teto da Igreja
Aos vinte equatro dias do mês de outubro de mil setecentos e trinta e sete
annos nesta Igreja Matris de Nossa Srdo Pilar de Rica do ouro Preto e
na casa do Consistorio da Irmd.e do SSmº e Sendo ahi prezentes o Provedor
Procurador e mais off.es de mesa da Irmd.e do SSm.º adjuntos os Louvadoz
declararos no termo em fronte; eSendo pellos d.ºs Louvados ouvido Antonio
da S.ª [Silva] ofcial que fez e deo o Risco da obra Rematada […]
171
Recapitulemos. O novo risco da capela-mor foi feito em 1741 por um “sargento-mor novo
168
Cf. BUENO. Desenho e desígnio, p. 531. A hierarquia era composta de 1 Mestre de Campo General,
1 sargento-mor, 1 ajudante, 10 capitães, 10 alferes e 98 praças. Ao sistematizar o quadro de ociais
que trabalharam na Igreja do Pilar, Jaelson Trindade chama a atenção para o fato de que, em 1741,
quem estava em Vila Rica era Alpoim, e não Pedro Gomes Chaves, mas não desenvolve a hipótese.
Cf. TRINDADE, Jaelson. op. cit., p. 105
169
Cf. PARDAL, op. cit., p. 35. Da análise da de ofício de Alpoim, datada em 17/01/1749, Pardal
conclui que entre a segunda metade de 1738, quando foi nomeado sargento-mor, e janeiro de 1745,
Alpoim ocupou o cargo por 3 anos e 17 dias, sendo depois nomeado Tenente de Mestre de Campo
General.
170
Cf. HESPANHA, Antônio Manuel. O direito. In: MATTOSO, José (dir.) HISTÓRIA DE PORTUGAL;
vol. 4 – Antigo Regime (1620-1807). Coord. de António Manuel Hespanha. Lisboa: Editorial Estampa,
1998, p. 173-175.
171
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 35. “Termo dedeclaracão quezeraõ edetreminaram
os louvados nomeados pelos off.es desta Irmand.e Rematante da obra do forro do teto da Igreja”. Vila
Rica, 24/10/1737.
177
engenheiro” vindo da cidade do Rio de Janeiro, onde era o lente responsável José Fernan-
des Pinto Alpoim. Nesse exato ano, Alpoim esteve em Vila Rica, em razão da construção do
Palácio dos Governadores, para o qual apresentou risco, apontamentos de obra e outros
discursos, como análises de orçamento e conveniência material. Voltou a Vila Rica em 1745
para examinar a obra do Palácio, quando provavelmente pôde aprovar também o risco que
Francisco Barrigua havia feito para a talha da capela-mor da Matriz; se é que já não o havia
aprovado em 1741. Este tipo de aprovação reeditava um costume prudente da Irmandade
responsável pelas obras. Mas as indicações ainda não param por aqui. Convoquemos a for-
mação do engenheiro.
Segundo Beatriz Bueno
172
e Paulo Pardal
173
, José Fernandes Pinto Alpoim (1700-1765) veio
para o Brasil em 1739, a m de ocupar a função de sargento mor e lente (termo que desig-
nava o mestre ou professor das “aulas”, e que “lia” as matérias e tratados) da Aula do Terço
do Rio de Janeiro
174
, no que permaneceu até a morte, em 1765. Antes de vir para a colônia,
Alpoim havia sido nomeado “lente substituto” na Academia da povoação em que nascera,
Viana da Foz do Lima, atual Viana do Castelo, a bela vila situada à foz do Rio Lima, Minho,
norte de Portugal. Antes disso, e na mesma vila, Alpoim foi certamente aluno de seu avô e
padrinho de batismo, o “prestigioso” engenheiro Manuel Pinto de Vilalobos (?-1734), e depois
seu assessor, na mesma Academia. Seguiu para Lisboa a m de completar seus estudos e,
em 1729, foi enviado à cidade do Porto para levantar o Rio Douro e sua barra, com o objetivo
de desenhar um sistema de segurança para embarcações. Segundo Bueno, Alpoim foi um
dos engenheiros mais atuantes na América portuguesa, “portador de um curriculum invejá-
vel, trajetória prossional e obra construída, que espelham o rigor de sua formação teórica e
prática”
175
. Escreveu dois tratados, o Exame de Bombeiros e o Exame de Artilheiros, ambos
na proveitosa década de 1740.
Durante a segunda e terceira décadas do século XVIII, período decisivo para a formação
de Alpoim, foi reconstruído um templo situado à Praça do Conselho de Viana do Castelo, a
algumas poucas dezenas de metros de distância, apenas, da imponente residência da fa-
172
BUENO. Desenho e desígnio, p. 504-531.
173
PARDAL, Paulo. Nota bibliográca. In: ALPOIM, José Fernandes Pinto. Exame de artilheiros.
174
A princípio, era nominada “Aula de Forticação”. Em 1738, “Aula do Terço”, e depois “Aula do regi-
mento de Artilharia”. Cf. BUENO. Desenho e desígnio, p. 523.
175
Idem, Ibidem, p. 526.
178
mília “Alpoim”
176
. A igreja é a da Misericórdia, e foi o seu avô, o engenheiro Manuel Pinto de
Vilalobos, quem riscou as plantas do edifício e redigiu as condições da obra. A formosa igreja
apresenta ainda hoje, no teto abobadado da capela-mor, um zimbório oitavado com quatro
aberturas intercaladas a quatro paredes com pilastras de quartelas culminadas em pináculos,
ou pirâmides – exatamente a mesma idéia, a mesma disposição e os mesmos ornatos da pri-
meira proposta para o zimbório da capela-mor de Vila Rica (FIG. 29 a 34). Se foi mesmo José
F. Pinto Alpoim quem inventou a nova capela-mor e também o zimbório da Pilar de Vila Rica,
o que acredito por mais esta evidência dentre as numerosas, ele tinha um modelo muito auto-
rizado para imitar; pois ainda que não tivesse acompanhado o processo de invenção da Igreja
da Misericórdia (o que acho pouco provável, pois era neto, discípulo e assessor do padrinho
Vilalobos), pôde ver e ajuizar da obra e seu zimbório durante a construção, e também depois,
nos aplausos da recepção de seus efeitos
177
. Ademais, a idéia materializada em Viana, e pen-
sada inicialmente para Vila Rica, não é tão comum. Zimbórios oitavados com quatro aberturas
e quatro pilastras são muito mais incomuns do que zimbórios octogonais com oito aberturas.
176
A residência, bastante modicada internamente, acomoda hoje parte da Câmara Municipal de Viana,
à administração da qual agradeço a possibilidade de visitá-la. Tanto a Casa dos Alpoim quanto a loggia
adiante da Igreja da Misericórdia dão frente para a mesma via, a atual Rua Candido Reis.
177
Outra circunstância curiosa aproxima o neto e o avô: ambos foram devotos da Misericórdia. Alpoim
chegou a ser “provedor” da Santa Casa da Misericórdia no Rio de Janeiro, e Vilalobos foi irmão na
Santa Casa de Viana; embora tenha sido sepultado, em 18/12/1734, na Igreja de São Domingos da
mesma cidade. Cf. ARAÚJO, José Rosa. A Igreja da Santa Casa da Misericórdia de Viana do Castelo.
2.ª edição. Viana do Castelo: Edição da Santa Casa da Misericórdia, 1983, p. 12. (Edição adquirida na
própria igreja).
zimbório
Figura 29 Igreja da Misericórdia, Viana do Caste-
lo, Portugal
Figura 30 – Nave e capela-mor da Igreja da Miseri-
córdia, Viana do Castelo
179
Figura 33 Vista externa do zimbório da Igreja da
Misericórdia, Viana do Castelo
Figura 34 Vista detalhada do zimbório da Igreja
da Misericórdia, Viana do Castelo
Figura 32 Vista interna da abóbada e zimbório
oitavado, com as quatro aberturas intercaladas a
quatro paredes. Igreja da Misericórdia, Viana do
Castelo
Figura 31 – Retábulo-mor, abóbada e parte do zim-
bório da Igreja da Misericórdia, Viana do Castelo
180
O zimbório da Misericórdia de Viana foi erguido sobre uma cúpula repartida em oito faces,
uma “abóboda de meia-laranja”, expressão do próprio Vilalobos
178
, pois também remanes-
ceram os apontamentos da obra. A abóbada ocupa todo o vão quadrado da capela-mor, as-
sentada sobre os quatro arcos da capela. Acima dela, se ergueram as paredes “em roda” do
zimbório, deixando um vão circular para a “clarabóia”, termo usado pelo engenheiro. No forro
do coroamento, engraçou-lhe uma pintura em brutesco, na mesma espécie da que orna todo
o teto da Igreja. Do lado de fora, ressaltam-se as quatro pilastras vigorosamente quarteladas,
arrematadas por uma cobertura cônico-piramidal, e entre elas se dispuseram as quatro aber-
turas, ou “frestas”, com maior vão para dentro, para facilitar a entrada de luz. Sabedor das
implicações de segurança, Vilalobos apontou cuidados irrepreensíveis para o esgotamento
das águas, como a boa preparação da cal e seu maciço, além da construção de um “rosso”,
o que chamamos, hoje, de rufo, elemento que direciona as águas da chuva para cima das
telhas da cobertura. Adiante, um trecho importante das condições do zimbório, ou “clarabóia”,
de Vilalobos, referente às plantas de número 2 e 3, ideadas para Igreja:
[…] Na planta 3.ª se ve a sua forma e rasgos destas frestas, como tambem
a forma de quoatro quartellas q. entre fresta e fresta hão de sercar esta cla-
raboya que serão refendidas, tanto nos lados como na frente com a forma
que se ve da planta 2.ª estas buscarão os angulos da capella por dentro;
levara em correspondencia destas quoartellas, quoatro pillastras por dentro
refendidas.
Rematará esta obra com uma Piramide de 20 palmos de alto entrando a sua
baze. Toda esta obra sera feita de cantaria na da melhor e mais alva mt.º
bem ajustada nas suas juntas sem q. leve mataduras de cal. O mossisso
desta obra será todo de cal e area mt.º bem argamassado por q. sobre elle se
hão de açentar as telhas na mesma cal, tanto no debaixo como no de sima
p.ª o q. em roda da cantaria levara hum rosso p.ª se meter a telha por baixo
delle p. melhor expedição das agoas. […] ; e qoando falte ao aqui exposto e
a bondade da obra a tornará a fazer a sua custa sem q. possa repetir remu-
neração algúa.
Viana 13 de 8.br.º de 1716.
179
O zimbório ainda alcantila sobre o corpo da cidade de Viana, como deveria despontar tam-
bém, sextavado, em Vila Rica, novidade na capitania. Nesta, o forro do teto da capela-mor
era diferente. Seu lançamento era o de uma abóbada de arestas, a melhor opção para a
178
VILALOBOS, Manuel Pinto de. “Apontamentos para a obra de cantaria da Capella Mor da Igreja da
Misericórdia desta Villa”. In: ARAÚJO, José Rosa, op. cit., p. 10-12.
179
VILALOBOS, Manuel Pinto. “Apontamentos para a obra de cantaria da Capella Mor da Igreja da
Misericórdia desta Villa”, p. 11.
181
gura retangular da planta, um costume na ar-
quitetura do “país” das Minas. As arestas e os
oito pendentes resultantes concorreriam para
a boca em roda do zimbório, onde hoje está
disposta a pintura da Santa Ceia, mas de onde
anteriormente se erguia o elemento em madei-
ra (FIG. 20). Com a sua demolição, em 1770,
teve que se eleger, ou inventar, uma pintura
para cobrir-lhe decorosamente o vão, e a pru-
dência “cou à eleição da mesa” da irmandade
do Santíssimo Sacramento. Pelo simbolismo devido ao lugar, e integrado ao teatro eucarístico
da Igreja, foi justicado o tema, que geralmente era pintado nas paredes laterais das capelas-
mores de igrejas e capelas da capitania, mas em Pilar houve que substituir o vazio central do
forro deixado pelo zimbório.
Assim, em 18 de outubro de 1772, “determinavam se zesse no painel do teto da Capela Mor
a Ceia do Senhor [...] e que o mestre o zesse com toda a perfeição conveniente para a vista
e segurança da dita obra”:
Termo q’ faz a meza desta Irmd.e doSS.m° Sacram.t° emq’ detremina Seja
o Painel daCapella digo do teto da Capella Mor a Seya do Senhor eomais q’
nela secontem
Aos dezoito dias domez de outubro demil sete centos, e setenta, edoiz annos
neste Consistorio daIgreja Matriz deN. Senhora do Pilar dooiro preto, estando
em meza o Provedor, e mais offeciais desta Irmand.e do Santissimo Sacra-
mento por elles doi dito q’ detreminavaõ sezesse no painel do teto daCapella
Mor a Sea do Senhor visto ter cado aeleição dameza od.° painel eque o
Mestre oFizese com toda aperfeição conveniente p.ª a vista, e Segurança
dad.ª obra, eque outro Sim fosse o Painel ngido em Pano por senaõ poder
unir amadeira, epello tempo adiente Suceder abrir e car o painel com defeito
q’ Senaõ possa Remediar sem despeza grande epor ser assim mais conve-
niente odetreminaraõ, emandaraõ Lavrar este termo [...]
180
Se não foi mesmo imperfeição de execução, talvez tenha residido na eleição do material o
problema da fábrica em Vila Rica, sem que houvesse chances para algum remédio ou emen-
da. Ainda que bem escolhida, “de lei”, seca e bem matada em suas juntas, as dilatações e
180
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 138v. “Termo q’ faz a meza desta Irmd.e doSS.m°
Sacram.t° emq’ detremina Seja o Painel daCapella digo do teto da Capella Mor a Seya do Senhor eo-
mais q’ nela secontem”. Vila Rica, 18/10/1772.
Figura 20 – Painel da Santa Ceia, centro do for-
ro da capela-mor
182
contrações da madeira geradas pela exposição direta ao sol, sereno e chuva, bem como a
variação diária de umidade e temperatura, eventualmente grande em Ouro Preto, certamente
iriam comprometer a vedação dos elementos, o que deve ter resultado nas inltrações. A obra
de Viana é toda em maciço de pedra e cal, inclusive a abóbada, mas não é possível assertar
se o zimbório foi pensado inicialmente assim para Vila Rica. Muito provavelmente não, porque
toda a estrutura de sustentação do telhado e também o forro da abóbada seriam de madeira,
pelo que era lógico continuar com o material. Deve-se lembrar também que a arrematação
da obra, ainda em 1746, bem como de toda a talha da capela, tocou direto a um entalhador:
Francisco Xavier de Brito e seu sócio. O certo é que, na modicação dos louvados, de 1749,
está declarado fazê-la em madeira.
Até hoje, tinha-se apenas uma vaga notícia da existência de um zimbório na Igreja do Pilar,
de modo que muitos nem sequer o distinguiam
181
, mas os documentos primários coligidos e
as análises permitiram refazer-lhe a história. Alpoim é um dos maiores engenheiros do século
XVIII na colônia, e a Igreja do Pilar uma das fábricas mais elogiadas da arquitetura daquele
tempo. Não se trata de querer aqui dignicar mutuamente a obra ou o engenheiro com mais
uma atribuição; a memória de nenhum dos dois precisa disso. Entre as várias obras documen-
tadas a José Fernandes Pinto Alpoim no Rio de Janeiro, estão, de caráter religioso: o Hospí-
cio dos Barbadinhos, e também o risco e a execução do demolido Convento da Ajuda, onde
atualmente é a Cinelândia. Clemente da Silva-Nigra atribuiu a Alpoim a reforma do claustro
do Mosteiro de São Bento, mas não entrarei em discussão. Conforme se no seu estudo
sobre os artistas e construtores do Mosteiro, a Igreja, dedicada a Nossa Senhora do Mon-
serrate, foi acrescentada de um zimbório ao meio da capela-mor, entre 1676 e 1679, fábri-
181
No Guia de Bens Tombados de Minas Gerais, uma importante publicação de referência, muito citada
também por quem trabalha com o patrimônio histórico, o zimbório não foi compreendido como tal.
É referido como fosse a própria abóbada do forro, que ainda remanesce no teto da capela, e não o
elemento de iluminação que se ressaltava externamente por sobre as “águas” do telhado. Assim, cito:
“Diversas questões surgiram, posteriormente, quanto a erros de construção da carpintaria do ‘zimbório’
da capela-mor, ou melhor, as abóbadas ogivais (em cruzeiro de ogivas) que formam o forro da capela”.
O problema, aqui, não é o desconhecimento do elemento em si ou dos documentos, mas também o das
matérias da arquitetura e da engenharia, ou ainda da geometria, pois aquela abóbada não é de ogivas.
Além disso, no mesmo texto, o problema da atribuição de Germain Bazin e outros fundou uma “segu-
ra” e problemática tradição. Assim, o Guia arma que “Sabemos com segurança, que [Pedro Gomes
Chaves] lhe deu o projeto da capela-mor, por documento de 2 de agosto de 1741”. Adiante, rearma:
“Cinco anos mais tarde, em 1741, Pedro Gomes Chaves apresenta um novo risco, que ampliava a
capela-mor [...]”. Cf. SOUZA, Wladimir Alves de (Coordenação e pesquisa). Guia dos bens tombados
de Minas Gerais. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1984, p. 263-264. Isto é o resultado daquela
“inserção” do nome no documento publicado, mas que o exame primário, em sua fonte, evidencia facil-
mente: não possui nele nome algum para o engenheiro. Continua a ser “seguramente” armado Pedro
Gomes Chaves porque a consulta se dá, via de regra, pelas fontes secundárias, ou nas transcrições
que possuem, por assim dizer, a “autoridade” de um documento.
183
ca do Frei Bernardo de São Bento
182
(FIG.
35). Independentemente da atribuição do
claustro beneditino proceder ou não, Alpoim
deve ter conhecido o elemento armado na
Igreja
183
, e se de todo a sua forma não lhe
ofereceu modelo (que estava radicado em
Viana, na idéia menos comum das quatro
aberturas intercaladas a quatro paredes
com colunas de quartelas), deve ter contri-
buído para rearmar-lhe a virtude dos efei-
tos luminosos, materializados na ocasião
do “novo risco” em Vila Rica (FIG. 26 e 27).
Do mesmo modo, pode-se conjeturar, a ex-
periência que teve Xavier de Brito na fabri-
cação da talha da Ordem terceira da peni-
tência, também no Rio de Janeiro, deve ter
lhe proporcionado conhecer bem o zimbório
da capela-mor da Igreja conventual de San-
to Antônio (FIG. 36), que cava bem ao lado, um juízo útil para quando foi preciso modicar e
executar, enquanto estava vivo, o zimbório em Vila Rica.
Prero acreditar que contribuo mais com a apresentação e a confrontação de novos docu-
mentos e dados pesquisados, e também com as análises da arquitetura baseadas nos pre-
ceitos e procedimentos daquele tempo. Todavia, com esses vários documentos coligidos, as
matérias deles, as circunstâncias de data e construção, e também as relações entre as obras
analisadas, penso ser bastante verossímil armar que é de José Fernandes Pinto Alpoim
a invenção do novo risco da capela mor, e muito provavelmente também do seu zimbório.
Mesmo que existisse um elemento como esse no risco inicial da Igreja, ele estaria a partir de
182
Cf. SILVA-NIGRA, Clemente Maria da. Construtores e artistas do Mosteiro de São Bento do Rio de
Janeiro. Salvador: Tipographya Beneditina, 1950, p. 96.
183
Na hipotética reconstituição da capela-mor desse tempo, feita pelo irmão Paulo Lachenmayer, o
zimbório possuía uma “boca” circular. Atualmente, se um vão quadrado abaulado nos cantos, corres-
pondente à gura dos painéis que ornam o teto. Bem depois, em 1795, Inácio Ferreira Pinto apresentou
um outro risco para a talha da capela, que não foi completamente executado, conforme Silva-Nigra.
Esse risco apresentava um zimbório hexagonal de madeira, sem pilastras de quartelas. Cf. SILVA-
NIGRA, op.cit., (gura 33: reconstituição de Lachenmayer, e gura 108: risco de Ferreira Pinto).
Figura 35 – Zimbório no teto abobadado da capela-
mor da Igreja de Nossa Senhora do Monserrate,
Mosteiro de São Bento, Rio de Janeiro
184
então, 1741, condicionado ao novo risco da capela-mor, assim como aconteceu com toda a
talha nela aplicada. Tanto é que o novo risco de Alpoim determinou a inutilidade das madeiras
cortadas antes, por Pombal, para forrá-la, e o risco de Barrigua para a talha, adequado ao
“novo”, para a capela, ainda teve que ser aprovado pelo engenheiro.
Ademais, avultam as correspondências entre a obra de Viana e o que se pôde até agora
descobrir da que foi pensada para Vila Rica; e para além da coincidência da idéia, da dispo-
sição e dos ornatos, também as circunstâncias que envolvem os engenheiros Vilalobos e
Alpoim. Todavia, o bom senso me exige conjeturar que também seria possível que o zimbório
gurasse o risco para a talha da capela-mor, feito por Barrigua no mesmo ano, em 1741,
integrando-lhe a carpintaria na do zimbório. É uma hipótese menos provável, e o encontro
de novos documentos é que poderia precisar a possibilidade. Na controvérsia dela, há todas
as evidências que analisei, além do que, é curioso observar, em 24 de fevereiro de 1746
184
,
184
“Aos vinteecoatro Dias do mesde fev.rº de mil ecetecentos, ecoarenta eSeis anos […] comcordaraõ
eajustaraõ por emprassa o Retablo daCapellamor p.ª o q Seporaõ editaes declarando nelles o Dia emq
SehadeaRematar ad.ª obra […]”.CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 48v. “Termo de ajuste q
oniformemente zeraõ os Irmaõs da Irmandade do Santissimo Sacramento q depois de (?) servem, com
os da Irmandade de Nossa Sr.ª do pillar padroeyra desta Matriz do ouro pretto”. Vila Rica, 24/02/1746.
Figura 26 Simulação de imagem da capela-mor
com o zimbório. (Computação gráca de Robson
Godinho)
Figura 36 Capela-mor da Igreja do Convento
de Santo Antônio, Rio de Janeiro. Fonte: TE-
LES. Atlas dos monumentos históricos..., p. 118
185
quando se determinou pela primeira vez “por em praça o retábulo da capela-mor”, riscado por
Barrigua, não se declarou nada acerca do zimbório. Dois meses depois, já em 12 de abril de
1746, e véspera da arrematação, foi ponderada novamente a necessidade de se colocar em
praça o retábulo, e também, atente-se, “toda a mais obra da capela-mor correspondente a
ele”. Não se fala em zimbório em nenhum documento referente a Barrigua ou à talha riscada
por ele, e além disso os documentos deixam dúvidas quanto à matéria efetivamente riscada
pelo entalhador, se foi apenas o retábulo ou muito mais da talha que vestiu o corpo da cape-
la
185
. O “zimbório” aparece apenas no documento assinado no dia seguinte, em 13 de abril de
1746, que ocializou a arrematação a Xavier de Brito, e as matérias eram: a talha do retábulo
e da capela mor, e também o zimbório, sempre referido para além da talha; unidos, por como-
didade e perfeição da fábrica, numa arrematação. E mesmo que assim fosse, ou seja, se o
zimbório estivesse no risco de Barrigua, é bastante lógico supor, como aconteceu com toda a
talha, que o ocial estivesse se adaptando à previsão de um zimbório feita antes por Alpoim,
na imitação do que estava autorizado em Viana.
2.2.3 Engenho e simbolismo
As hipóteses de invenção do risco não devem ser tratadas como o mais importante para a
historiograa das artes miméticas desse tempo, quando não uma noção de autoria como
a concebemos hoje. A reconstituição histórica ajuda a pensar, com mais proveito, que efeitos
teriam sido ideados para essa arquitetura, subordinados ou subsumidos à autoridade da for-
ma nos preceitos e costumes de se inventar e fazer.
Os zimbórios de oito faces compunham uma tópica bastante importante ao simbolismo das
igrejas cristãs, e não apenas das pós-tridentinas. O número “oito” – além de representar, com
a devida potência cosmográca, as quatro direções cardeais, acrescidas das intermédias,
ou a “oitava” como medida entre o início e o m da escala musical, o “intervalo” que susten-
ta a Harmonia Universal possuía uma forte signicação cristã, que tanto nos interessa. O
“oito” se situa após o sete, e, interpretado à luz do tempo e dos desígnios de Deus, o número
corresponderia então ao “oitavo dia”, o subseqüente aos seis dias da Criação e também ao
185
Em 24/02/1746, se fala apenas em “por em praça o retábulo da capela-mor”. em 15/05/1746,
quando Barrigua reclamou seu pagamento, a referência é a “talha q’ se rematou neste ano daCapella-
mor”.
186
sétimo, do descanso sabatino. O oitavo dia seria alusivo, portanto, à “eternidade beata”
186
, ao
tempo fora deste mundo, e o número oito seria então um símbolo numérico da Ressurreição;
um número digno da beatitude eterna prometida na Eucaristia e consumada no ressurgimento
após a morte
187
.
Assim, a forma octogonal ou oitavada, fosse o polígono mesmo ou o círculo compartido em
oito arcos, remetia simbolicamente à Ressurreição de Cristo, da qual a Igreja católica persu-
adia e excitava a participar, desde o batismo e durante a vida, pela comunhão com Cristo e
com a Igreja. É por isso que tantos batistérios antigos também foram inventados sob a forma
oitavada. Como lugar do vínculo primeiro, os batistérios deveriam aludir ao m, ou seja, à
bem-aventurança perpétua da Ressurreição, como escreveu Santo Ambrósio (340-397 d.C)
tendo em mente o Batistério de Santa Tecla, em Milão: “Seria conveniente que a sala do batis-
tério fosse construída segundo o número que conduziu o povo à verdadeira salvação, ou seja,
à luz de Cristo ressurreto”
188
. O próprio Carlos Borromeu aludiu ao “costume ambrosiano”,
autorizando a forma octogonal ou redonda para os batistérios pós-tridentinos
189
.
Lida atentamente, a inscrição de Santo Ambrósio adverte mais sobre a riqueza simbólica
dos zimbórios oitavados, porque, na aplicação decorosa desses elementos, se produziriam
adunados dois efeitos muito eloqüentes da doutrina: o número e [é] a própria luz de Cristo
Ressurreto. Tanto melhor que no zimbório se amplicavam os dois efeitos, pois para além do
simbolismo docente do número e da geometria, os efeitos luminosos proporcionados pela
abertura zenital seriam bastante aptos a evocar as primícias afetivas da vida eterna, as pr-
186
DANIELOU, Bibbia e liturgia, apud GATTI, Vincenzo. Liturgia e arte: i luoghi della celebrazione. Bo-
logna: Centro editoriale dehoniano, 2001, p. 174.
187
Concordando com o sentido geral, Chevalier ainda acrescenta que se o número sete é o número do
Velho testamento, o oito corresponde ao Novo, que anuncia a “beatitude” do “outro mundo”. Cf. CHE-
VALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. 10ª edição. Rio de Janeiro: José Olym-
pio, 1996, p. 651-653.
188
Apud GATTI, op. cit., p. 175. São Pedro lembra que foram em número de “oito” os seres humanos
salvos pela Arca – Noé com seus três lhos e as respectivas esposas; depois do primeiro, foram mais
sete os dias contados até que a pomba retornasse com a folha verde da oliveira. Na primeira Epístola,
Pedro prefere a imagem da água como salvação dos justos – e ele mesmo se refere à preguração do
rito batismal. Na segunda, é mais enfático quanto à necessária destruição proporcionada pelo Dilúvio. A
gura de Noé então é comparada à do justo Lot, que fugira, orientado por Deus, com suas duas lhas,
da destruição de Sodoma e Gomorra; a mulher restou petricada em sal, pois cedeu à tentação de atra-
sar o olhar para o desastre. Não deve ter sido por acaso que a representação foi escolhida para gurar
um dos painéis do forro de Pilar. A analogia entre os dois personagens ainda assimila a semelhança de
ambos terem se embriagado após o m das catástrofes. (Cf. FIG. 18.9).
189
BORROMEO, Carlos. Instructiones fabricae et supellectilis ecclesiasticae, 1577. XIX. De baptisterio.
De situ et forma baptisterii more ambrosiano, p. 47-48.
187
meiras evidências verossímeis e maravilhosas dos prêmios que se de experimentar, com a
“luz de Cristo ressurreto”, na ascensão ao Paraíso. E a referência não é isolada, consagrada
também no tomismo de São Tomas de Aquino
190
, a fonte principal da neo-escolástica desse
tempo.
É por isso que os zimbórios oitavados foram efetivamente consagrados a cobrir os luga-
res analogicamente remitentes à Eucaristia e à Ressurreição, gurando, seja na arquitetura
permanente, seja na efêmera, domos, cúpulas, cimo de cruzeiros, capelas-mores, cibórios,
retábulos, baldaquinos, sacrários, tabernáculos e mais paramentos digníssimos do Santís-
simo Sacramento. Assim como o Templo de Salomão foi sempre a tópica paradigmática da
arquitetura religiosa em geral, o modelo daquela matéria, em especial, foi a Anástasis
191
do
Santo Sepulcro, em Jerusalém, construída em planta circular e onde, reza a lenda, teria sido
sepultado o corpo de Cristo, o lugar lendário da Ressurreição, o sinal irrefutável da salvação.
A autoridade remonta aos tempos do Imperador Constantino e de Santa Helena, sua mãe
(séc. IV d. C.), que teria encontrado o tesouro dos indícios
192
.
Reeditando o simbolismo do “oito”, vários templos e lugares eucarísticos emularam a Anás-
tasis, conformando-se ao círculo ou ao octógono, gura inscrita ou circunscrita a ele. Assim
é, por exemplo, o Templo de Santo Estevão, em Bolonha, a “charola” da Igreja do belíssimo
Convento da Ordem de Cristo, em Tomar (FIG. 37), ou a vistosa Igreja do Mosteiro da Serra
de Nossa Senhora do Pilar, em Vila Nova de Gaia, Portugal (FIG. 38). Nesta Igreja, que nos
interessa também pela conformidade do orago, além do templo possuir uma planta circular e
uma bela cúpula compartida em oito faces, o zimbório em cantaria que a coroa é coerente-
190
Sobre a “claridade” dos corpos abençoados com a Ressurreição, cf. a questão de número 85 do
suplemento à terceira parte da Summa Theologica de São Tomas de Aquino. TOMAS AQUINAS. The
summa theologica. III, Q. LXXXV: “Of the clarity of the bodies of the blessed”, p. 989 et seq.
191
Nome dado ao lugar da Ressurreição de Cristo. O termo anástasisé grego e quer dizer exatamente
isso: ereção, ação de levantar-se, ressurreição, emigração etc. Em português, o termo “anástase”
signica, para a teosoa, “o despertar da alma”, o ressurgir após a morte”, “a existência da alma após
a morte”. Cf. HOUAISS, Antônio. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. edição. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2001. Anástase, p. 205.
192
Numa carta enviada entre 325 e 326 ao Bispo Macario, de Jerusalém, Constantino recomendou que
a basílica a ser construída sobre o Gólgota (Santo Sepulcro) demandasse os “fundos públicos”, forne-
cidos pelo governo da província ou pelo próprio “tesouro” do Imperador, de tal modo que ela “superasse
em esplendor os mais nobres edifícios de qualquer outra cidade e resultasse na mais bela basílica exis-
tente”. Ademais, economias deveriam ser conseguidas durante a construção da estrutura do edifício,
de modo a “poderem ser empregadas, com maior vantagem às nalidades da propaganda política, para
aumentar o fausto da decoração e dos ornatos”. Incluíam-se aqui não apenas os ornatos arquitetônicos
colunas, mármores, mosaicos e douramentos, mas também paramentos litúrgicos, “vasilhames de
ouro e prata”, “tecidos de seda orlados de ouro”, “lampadários”, “candelabros” etc. Cf. KRAUTHEIMER.
Architettura sacra paleocristiana e medievale: e altri saggi su rinascimento e barocco, p. 19; 21-22.
188
mente oitavado, com também oito lanternas, a idéia mais imitada.
Os tratados mais aplaudidos também autorizaram a emulação. Na parte das Instructiones
fabricae dedicada ao “Tabernáculo da Santíssima Eucaristia”, Carlos Borromeu
193
deixou re-
comendações muito claras quanto aos aspectos e à gura com que se deveria fabricá-lo. Sua
posição seria sempre no altar-mor, “brilhantemente elaborado”, do “mármore mais precioso”,
ornado em detalhes da prata e ouro e “pias imagens” da Paixão de Cristo Senhor, exibindo
um aspecto “religioso e venerável”. O tabernáculo do Santíssimo Sacramento deveria ser am-
plo conforme a dignidade e a magnitude da Igreja, a guardar a forma “octogonal ou redonda,
na medida em que pareça a mais elegante e religiosamente apropriada à forma da Igreja”
194
.
Lembremo-nos de que, para além de todo o simbolismo inerente à forma oitavada, religiosa-
mente apropriada, o zimbório de Pilar corresponderia apropriadamente à forma poligonal da
nave; de iconograa e sentidos, como disse anteriormente, essencialmente eucarísticos. Mais
um indício do “engenho” do “sargento-mor novo engenheiro”, que potencializou com versatili-
dade as várias circunstâncias materiais da fábrica.
193
Cf. BORROMEO, Carlos. Instructiones fabricae et supellectilis ecclesiasticae, 1577. L. I, XIII. De
Tabernaculo sanctissimae eucharistiae, p. 18-20.
194
Idem, Ibidem. Borromeu também permitia que a capela-mor fosse “redonda” ou “octogonal”. Idem,
Ibidem, L. I, XV. Communia cappellarum altariumve maiorum et minorum, p. 28.
Figura 37 – Vistas do Templo e da “charola” octogonal do Convento de Cristo, Tomar, Portugal
189
Figura 38 Imagens da Igreja do Convento de Nossa Senhora da Serra do Pilar,
Vila Nova de Gaia, Portugal. Vistas lateral, do belíssimo adro avarandado circular,
da cúpula e do zimbório oitavados
190
Voltando a Carlos Borromeu, o tratado rezava que na parte superior do tabernáculo deveria
estar a imagem de Cristo “ressurgindo gloriosamente ou mostrando as sagradas feridas”
195
.
Para além da luminosidade decorosamente gloriosa a ser proporcionada pelo zimbório, efeito
apropriado aos mistérios luminosos em questão, no sacrário do altar-mor da Igreja do Pilar
se vê ainda hoje exatamente a representação de Cristo Ressurreto, alçando fora do sepulcro
triunfante, tendo às mãos o estandarte com a bandeira vitoriosa da Ressurreição (FIG. 39). A
iconograa desses elementos, pictóricos e arquitetônicos, observou os costumes consagra-
dos, retóricos e simbólicos, se é que se fazia, na época, a distinção desses gêneros.
Noutro tratado também muito conhecido nos séculos XVII e XVIII, o Perspectiva pictorum et
architettorum, de Andrea Pozzo, o jesuíta desenhou e comentou a gura mais apropriada à
acomodação do Santíssimo Sacramento. Assim, a gura de número 60 foi dedicada ao Ta-
bernaculum octangolare
196
, autorizada pelo comentário de que o jesuíta havia se servido da
gura várias vezes no lineamento da arquitetura dedicada à “exposição das 40 horas” (FIG.
40). O venerável evento das “quarenta horas” constituía uma solene e ininterrupta exposição
195
CF. BORROMEO, Carlos. Instructiones fabricae et supellectilis ecclesiasticae, 1577. L. I, XIII. De
Tabernaculo sanctissimae eucharistiae, p. 18-20.
196
POZZO, Andrea. Perspectiva pictorum et architectorum Andreae Putei e societat Jesu. Pars prima.
In quâ proponitur modus expeditissimus delineandi optice omnia, quae pertinent ad architectorum Ro-
mae MDCCXXIII. Ex Tipographia Antonii de Rubeis è Foro Rotundae in via ad Seminarium Romanum.
Superiorum Facultate. Figura sexagesima (sessantesima), “Tabernaculum octangolare”.
Figura 39 – Sacrário com imagem do Cristo Ressurreto, retábulo-mor da Igre-
ja Matriz de Nossa Senhora do Pilar, Vila Rica
191
pública do Santíssimo Sacramento durante
esse período, uma analogia ao tempo em
que, se presumia, o corpo de Cristo esteve
no sepulcro antes de ressuscitar o interva-
lo de três dias incompletos entre a tarde da
sexta-feira da Paixão e a manhã do Domin-
go Pascal
197
. Não é seguro armar correla-
ção entre os fatos, mas em uma das reu-
niões no consistório da Matriz, dedicada a
denir o que poderia tocar a cada uma das
irmandades nela sediadas para terminar as
obras, se declarou que elas, para se per-
suadirem de comparecer às reuniões com
esse m, haviam sido novamente adverti-
das, “sob pena de excomunhão”, pelo “Re-
verendo padre pregador do Tríduo das Co-
arenta horas”
198
. Tudo isso aconteceu dois
meses antes da arrematação de Xavier de
Brito para nalizar a talha da capela e fabri-
car o zimbório. A fábrica estava denida,
e a autoridade do Reverendo certamente vi-
sava mesmo a convencê-las sobre a relevância das obras, obtendo seus auxílios nanceiros.
Provavelmente até se valeria da eloqüência do elemento oitavado para, como num sermão,
afetar e persuadir as irmandades em colaborar (nanceiramente) com a própria salvação.
Mas nem teve a oportunidade, pois nenhuma irmandade apareceu com seus representantes.
Não deve ter havido a tão temida excomunhão, mas à exceção das irmandades do Santíssi-
mo e de Pilar, as demais caram terminantemente proibidas de usar os paramentos e também
o órgão da Igreja.
Recordemos que em Pilar foi construído o zimbório em gura sextavada”, modicação arra-
197
A preguração teológico-simbólica das 40 horas estava em passagens bíblicas do Velho e do Novo
testamento: nos 40 dias de Jesus Cristo e de Elias no deserto, e também nos quarenta anos de pere-
grinação do povo judeu após o êxodo do Egito.
198
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 50-50v-51. “Termo de comcordatta e aJuste q’
zeraõ os Irmaõs actuais q’ Serven nesteprez.te anno nas Irmandades doSantiscimo Sacramento, e
denossaSr.ª do pillar destaMatris do ouro pretto”. Vila Rica, 24/02/1746.
Figura 40 – Tabernaculum octangolare. Fonte: PO-
ZZO, Andrea. Perspectiva pictorum et architecto-
rum. v. 1, Roma, 1737, Figura 60
192
zoada três anos depois da arrematação. Embora tenha se justicado a modicação, no docu-
mento, porque a “área” era pequena, e se resolveu fazer o zimbório em seis faces para que
casse tudo em “boa lei” (simetria antiga, enm), a gura hexagonal também era autorizada a
atualizar simbolismos eucarísticos. Segundo Gatti, estudioso das relações entre arte e liturgia
cristã, o “hexágono é a gura que sublinha o ‘tempo’, realidade durante a qual se cumpre o
sacramento”
199
, pois foram seis os dias da criação; bem como, seis dias antes do seu sacri-
fício, no jantar em Betânia, Cristo foi banhado em bálsamo por Maria Madalena. Segundo
o próprio Cristo, nos Evangelhos, isso foi uma preguração de sua morte e de seu sepulta-
mento
200
. A autoridade do número repousava também em Santo Agostinho, que no trigésimo
capítulo do livro XI de A cidade de Deus, desenvolveu a “perfeição” do número 6. Agostinho
expõe que o “6” é o primeiro número em que uma soma exata, ou perfeita, entre as suas
partes proporcionais: 1+2+3=6, e é neste número que repousa a duração da Criação, o tempo
com que Deus deixou “perfeitas” suas obras
201
.
Não é seguro armar que os artíces ponderaram sobre todos esses elementos e referências.
Prero acreditar, principalmente neste caso, a modicação para seis faces, que eles se vale-
ram do costume das tópicas formais (que se tornaram lugares-comuns da arquitetura justa-
mente por condensar essas referências autorizadas), e especialmente do exame circunstan-
cial da Igreja. Anal, foi no juízo das medidas disponíveis da capela que se resolveu adaptar
a gura que guardasse a simetria ou a “boa lei” do corpo edicado.
A Igreja caria ainda mais elegante e enobrecida com o elemento, fosse oitavado ou sex-
tavado. O teatro eucarístico da igreja se aperfeiçoava com o zimbório, que com admirável
novidade e decoro reiterava as matérias luminosas e redentoras da doutrina. E foi por isso,
seguramente, que se buscou por mais de quinze anos, insistentemente, conservar erguido o
elemento.
199
Cf. GATTI. Liturgia e arte, p. 176. Gatti se vale de vários exemplos construídos, sobretudo antigos, e
uma vastíssima citação às escrituras sagradas e aos doutores da Igreja.
200
Cf. João 12:1-8, e GATTI, op. cit., p. 177.
201
Cf. SANTO AGOSTINHO. A cidade de Deus. Livro XI, Cap. XXX, p. 1063.
193
2.3 Decoro, elegância e simetrias do retábulo-mor
Para a talha do retábulo-mor, como vimos, o arrematante Xavier de Brito apresentou modi-
cações. As mais signicativas devem ter sido as primeiras, requeridas em 04 de junho de
1747
202
, relativas a mudanças na cúpula do “remate” (com a belíssima entalha da Trindade)
203
,
“nichos das ilhargas” e “sacrário”. E Xavier de Brito se obrigou a fazer as modicações por
sua “livre vontade”, sem receber nada mais do que fora arrematado conforme o “risco primei-
ro”, de Francisco Barrigua, condição imposta pela irmandade. As modicações foram então
assentadas por se declarar “convenientes”, além de conferirem “mais elegância e perfeição
para a dita obra”
204
. Há que se ressaltar, aqui, a disposição de Xavier de Brito em aperfeiçoar
o decoro do retábulo sem que recebesse mais por isso. Para tudo constar, foi feito um termo
de ajuste entre as irmandades e o arrematante, onde se também que ele trouxe um novo
risco para dar m a essa satisfação, pelo qual se procurava emendar “alguns eRos [erros] que
Seachaõ no Rizco Primeiro por donde aRematou adita oBra como hé o Remate dodito Reta-
vollo; enichos dasilhargas eSacrario”. Por tudo visto e ponderado, se achou
conveniente o fazer Se od.° Remate niçchos eSacrario naforma que Seacha
no dito Rizco quefez od.° Franc.° Xavier deBrito por car commaiz Alegancia
e porfeição [perfeição] p.ª a dita oBra Como he dacupulla que no dito Rizco
Semostra […] Sem que por esta oBra poça pedir maiz couza alguá do que
aquillo porque fez adita aRemataçaõ; por elle deSua libre Vontade Seobriga-
raõ afazello por Ser Comveniente e major porfeiçaõ p.ª adita oBra
205
.
Em 19 de dezembro de 1751, foi assinado o primeiro termo de louvação da obra
206
. Brito
estava passando por “Prigo [perigo] de vida p.r [por] cauza de molestia de doença grande”,
e foi preciso que o escrivão da irmandade se dirigisse até sua casa para que o arrematante
202
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, .57-57v. “Termo deajuste que fazem a Irmandade do
Santisimo Sacram.t°; eade Pillar digo ade N. Srdo Pillar Comos a Rematantez das oBras de talha
dacapella Mor Fran.c° Xavier de Brito eSeu Socio Ant.° Henriquez Cardozo”. Vila Rica, 04/06/1747.
203
A representação da Trindade no coroamento de retábulos teria seu modelo de disposição na Glória
de Ticiano (Museu do Prado). Cf. HARBISON, Craig. S. Counter-Reformation iconography in Titian’s
gloria. The art bulletin. New York. The College Art Association of America September. v. 49, n. 3, p. 244-
246, sept. 1967.
204
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, .57. Sobre a “elegância”, cf. Cap. 3, p. 232, nota 64.
205
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, .57-57v.
206
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 65v. “Termo de Louvaçaõ ecomvençaõ que fazem
os off.es daIrmand.e do Santissimo Sacram.t° com os da Irmd.e de Nossa Srdo Pillar desta Matriz
doouro preto”. Vila Rica, 19/12/1751. A irmandade se ou nos louvados Ventura Alz Carnr.° (carpintaria)
e Jozé de Olivr.ª Coelho (escultura); Xavier de Brito o fez em Manuel Francisco Lx.ª (carpintaria) e An-
tonio Pereira Machado (Mestre em talha).
194
assinasse o termo de louvação e consentimento
207
, registrado no mesmo 19 de dezembro.
Um pouco mais tarde, já sob a administração de Domingos de Sá Rodrigues, ador de Brito,
falecido, outra louvação foi realizada, conforme o termo de nomeação assinado em 18 de
março de 1753
208
. Entre os louvados estava José Coelho de Noronha, que ainda teria uma
participação fundamental na nalização das obras de talha do retábulo-mor. Os termos decor-
rentes dessas louvações apreciam mais as equivalências de custo e obrigação, a correção da
fábrica e seus valores.
Não os louvados e arrematantes ajuizavam sobre as proporções, efeitos, ajustes e mo-
dicações nas obras, mas também os próprios irmãos. Nove meses depois dessa segunda
louvação, em 23 de junho de 1754
209
, foi realizada uma “Mesa redonda” muito importante no
Consistório da Matriz, na qual assistiram também o procurador e o tesoureiro da irmandade
de Nossa Senhora do Pilar. Nela, tratou-se ainda do retábulo-mor, e das dignidades e ornatos
correspondentes ao “lugar”. Mesmo após duas louvações, e da participação, nelas, de mes-
tres de reconhecida inteligência, como Manuel Francisco Lisboa, Ventura Alves Carneiro, Ig-
nácio Pinto e José Coelho de Noronha, foi declarado na dita reunião que no trono do retábulo
se achavam alguns “vícios e erros da arquitetura”, o que se deveria “emendar” para “car a
obrar (sic) com simetrias necessárias e o decoro devido a semelhante lugar”. O documento
é ainda mais importante do que parece. Não apenas faz menção literal à doutrina do decoro,
mas sobretudo porque implica uma consideração do preceito que está além do que comu-
mente se nos documentos, ou seja aquela requisição habitual e canônica da decência,
repetidamente encontrada nas fontes por assim dizer religiosas do decoro e da conveniência.
Além disso, dever-se-ia “eleger” o lugar em que “mais comodamente” se pudesse colocar a
imagem de Nossa Senhora do Pilar, uma invenção que dependia, obviamente, da relação de
proporções e simetrias do trono a se emendar. A posição e a altura da santa deveriam causar
o efeito “mais cômodo”, digno e luminoso o possível, conforme o decoro da Senhora e do lu-
gar, um juízo que certamente culminaria nos efeitos da recepção que a imagem teria no alto
lugar de seu padroado.
207
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 66-66v. “Termo de ComSentim.t° eLouvação ea-“Termo de ComSentim.t° eLouvação ea-
provação que fez o Rematante Franc.° X.er de Brito“. Vila Rica, 19/12/1751.
208
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 81-81v. “Aos dezoito dias do mês de M.ç°...”. Vila
Rica, 18/03/1753.
209
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 83. “Trq faz aIrmd.e do Sant.mo Sacram.tº q
fazem a mesa redonda com ASistencia doprocurador deNosa Snr.ª do Pillar e Tizr.º”. Vila Rica,
23/06/1754.
195
Trq faz aIrmd.e do Sant.m° Sacram.tº q fazem a mesa redonda com aSis-
tencia doprocurador deNosa Snr.ª do Pillar e Tizr
Aos vinte etres de Junho de 1754 estando emeza noConsistorio desta Ma-
tris deNossa Snrdo Pillar o Provedor procurador, e Tizreescrivaõ abaixo
no meado, eos maes Irmaos abaixo aSinados, epropondose em meza aem-
menda do trono do altar mor por alguás vicios e erros daarquitetura p.ª
haver de emmendar e car aobrar Com Semetrias nececarias eo decoro
devido a Semelhante lugar comcordaraõ os ditos provedor emaes ofeciais
eIrmaos abaixo aSinados como tambem os Irmaõs da Irmd.e de N.Snrdo
Pillar procurador e Tzr.º q. prezentes Seachavaõ aq sezece aobra necessá-
ria p.ª aemmenda dos ditos erros como tambem o nicho ou lugar q. se inlleger
maes comodam.e [comodamente] p.ª acollocaçaõ da Imagem daditta Snr
como padroeyra q. he desta matris, e tudo se sugeitaraõ aoajuste q. zer com
omestre dadita obra comcorrendo ad.ª Irmd.e daSnr.ª Pillar com metade do-
custo domesmo ajuste, enaõ podendo deprez.e comcorrer com a ditadespe-
za Satisfará a Irmand.e doSantissimo edepois ohaverá da Irmd.e dad.ª Snr
naõ excedendo aSatisfaçaõ o tr.º dequattro anos e declararaõ os dittos offe-
ciaes procurador e TizrSeobigaõ aque o Juiz e escrivão dad.ª Irmad.e por
estarem auzentes hajaõ por bem este ajuste epor todos foi ditto uniformem.e
q davaõ todo oseu poder os Irmas Ofciais [?] do Sant.mº a fazerem oditto
ajuste pelo modo maes cômodo que podem [?] e prometem haver por bem
rme evaliozo tudo oajustado debaixo das obrigações deSuas pessoas ebem
da ditta Irmd.e prezentes, efuturos, epor assim estarem comcorda[dos] man-
daraõ fazer este tr.º q aSinaraõ comigo escrivaõ Miguel Lopes de Araujo que
o mandey escrever eaSigney.
210
Essas emendas necessárias ao decoro do lugar seriam arrematadas logo depois por José Co-
elho de Noronha, que havia atuado como louvado e conhecia, portanto, circunstancialmen-
te, o retábulo, conforme termo de 26 de (junho?) de 1754
211
. No documento original e também
no microlme disponível no CECO, a parte referente ao mês está manchada e impossível de
se distinguir. Pelos termos subseqüentes e pela gravidade da matéria, acredito que o termo
tenha sido redigido ainda no mês de junho, três dias após aquele que declarava necessária a
fatura da emenda decorosa. Muitos foram os artifícios e remédios declarados no documento,
e pelo teor efetivamente técnico da redação, indica-se que o próprio Noronha a tenha feito.
Como se no documento e se percebe, também, na comparação com outros retábulos, a
cúpula e o lugar da santa foram sutilmente erguidos, amplicando a área iluminada pelo vão
do camarim e a gravidade hierárquica na exposição da imagem. Como se verá no termo
adiante, relativo à arrematação dessas emendas, também as proporções da “boca da tribuna”
do retábulo, ou seja, do camarim, foram alargadas, aumentando-se a área e o efeito de lumi-
210
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 83. (grifo nosso).
211
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 85. “Tr. quefas aIrmande do Santissimo Sacrm.to
aJose Coelho deNoronha para concertar ecompor oTrno [Trono] Levantar acupula efazer onischo deN.
Snr.a do Pillar”. Vila Rica, 23/(06?)/1754.
196
nosidade que afetava o trono e suas correspondências (FIG. 28). O trono se ergue majestoso,
conveniente à Senhora, em plantas de guras mistilíneas que acentuam a sutileza do artifício
e a “elegância” do ornato, como argumentara Xavier de Brito nas primeiras emendas ao risco
de Barrigua. O último degrau do trono onde se acomoda a santa está praticamente no mesmo
nível das cornijas do entablamento do pé-direito, relações de “simetria” que provavelmente fo-
ram imitadas por Aleijadinho no retábulo de São Francisco de Assis de Vila Rica, bem como as
guras da Trindade, no coroamento. Sabe-se também que a imagem atualmente entronada
não é a que lhe foi destinada, mais pequenina, de início, e que portanto se acomodava menos
oprimida pelos limites do dossel
212
.
Tr. quefas aIrmande do Santissimo Sacrm.
to
aJose Coelho deNoronha para
concertar ecompor oTrno [trono] Levantar acupula efazer onischo deN. Snr.
a
do Pillar (?)
Aos vinte eseis dias domes (?) de1754 sendo nacasa doconcistorio destaMa-
triz deNossaSenhora do Pilar estando junto os ofciais damesa doSantissi-
mo Sacramento aSaber Provedor, Procurador, Thizr.
o
comigo Escrivão abaixo
nomeado em virtude do Tr.
o
q. seacha visto emmesa neste L.
o
a. 83 emque
nosdá orde os dittos Irmãos para ameza mandar concertar o Trno [Trono],
eamaes obra que necessita atalha dacapela mor aqual com effeito ajustamos
212
Parece não ter sido muito habitual em Minas no XVIII, mas é importante notar, como adverte Silvia
Ferreira num artigo dedicado ao retábulo-mor da Igreja Matriz de Loures, Portugal, que após o Con-
cílio de Trento passa a ser “prática-corrente” a encenação do Santíssimo Sacramento nos tronos de
retábulos-mores de matrizes portuguesas. Segundo Ferreira, o retábulo-mor de Loures (e também o
retábulo-mor da Igreja de Nossa Senhora da Pena, hipótese de Robert Smith e Ayres de Carvalho), cuja
execução foi desempenhada pelo entalhador Bento da Fonseca Azevedo na primeira vintena do século
XVIII, é um exemplo paradigmático para a compreensão da imitação em Portugal de elementos prove-
nientes da arquitetura praticada no seiscento italiano, como as colunas salomônicas com terço interior
estriado, uma maior abertura do coroamento com fragmentos interrompidos de frontão, maior leveza
de motivos vegetais e orais etc. Cf. FERREIRA, Sílvia. O retábulo-mor da igreja matriz de Loures: uma
obra emblemática do entalhador Bento da Fonseca Azevedo. Revista de artes decorativas. Porto: Uni-
versidade Católica Portuguesa/Ed. Citar, n.1, p. 92-113, 2000. A relação de Azevedo com a arquitetura
italiana adviria, segundo Ferreira, de ilações documentais e estilísticas traçadas entre o retábulo de
Loures e retábulos de acomodação jesuítica, o da capela da Piedade em São Roque, da qual Azeve-
do foi confrade, o retábulo-mor que Ludovice teria entalhado na igreja de Santo Antão-o-novo, ambos
em Lisboa, e o retábulo da Capela de Santo Ignácio em Il Gesù, Roma, notadamente a presença de
sacrários e outros elementos em formato de globo. Curioso notar que sacrários esféricos como esses,
tratados por Ferreira, constituíram, no século XVIII, uma tópica muito comum na arquitetura dos retá-
bulos de Minas Gerais; numerosos, por exemplo, na de Mariana. Canonicamente, os sacrários ou
tabernáculos da Santíssima Eucaristia possuíam, no livro segundo do Tratado de S. Carlos Borromeu
(dedicado sobretudo aos paramentos das Igrejas, e por isso menos comentado pelos estudiosos da ar-
quitetura), uma recomendação de apresentarem um formato redondo, além das espécies de “ouro” ou
“prata” puros, com amplitudes capazes para guardar comodamente as hóstias: “De tabernaculo parulo
SS. Eucharistiae […] sit ex auro, aut argento puro puto […] Forma rotunda sit, & altitudine cubitali, aut
majori, minorive pro tabernaculi magni ratione: amplitudine, quae hostiam amplam commode capiat”.
Cf. BORROMEO, Carlos. Instructionem fabricae et supellectilis ecclesiasticae. L. II, p. 248. (BNP S.C.
4618 P.). A historiograa costuma atribuir ao retábulo da Matriz de Pilar a primeira eleição de elementos
responsáveis pelo que depois cou identicado como estilo “joanino”, ou D. João V, que são pratica-
mente os mesmos elementos identicados por Ferreira nessa renovação do estilo inserido em Portugal.
No sentido dessa imitação de novos elementos acumulados ao repertório decorativo, os retábulos de
Loures e Pilar seriam análogos.
197
asaber aLargar aboca da Tribuna Levantar amuldura dacapela eosquarto-
es misticos (?)pollos p.
r
Sima dacolluna Redonda, enoLugar emq. estavão
por hua quartelas comSeus Rapazes debaixo, o Torno desmanxa elhe todo,
epollo nagura deSeis tavo, epuxallo mais fora opossivel ea Recualo atras
meyo palmo, epor obancos com igualdade deSorte deSorteq.’ Sepassa andar
comfacelid.
e
por cimadelles eaSim maes duas cúpulas nos nichos comSuas
pianhas etambem hum nicho (?) Para nossoSnr.
a
seguindo agura dobanco
aoSacrario emSeistavo ascostas furadas de tavoado (?) etudo Sera Levadio,
eobarrete deSima easquatro quartelas servirás depillares tudoSerá em talha-
do namelhor forma q. naparaje Sepoder acomodar deSorte que não aSombre
aboca, etrno [trono], eque quedescobretaaSencora para oque Selhebotará
pra (?) osdousSerans q. estão emSima doSacrario etudo omais q. José co-
elho deNor.
a
offecial deentalhador entender enolhe dissemos aofazer deste
cuja obra ajustamos com oditto José coelho por preço equantias detrezentas
oitavas deouro demil eduzentos cuja quantia nosobrigações nosobrigamos
aSatisfazer pellos bens’ desta Irmand.
e
ev.
a
atodo otempo constar zemos este
tr.
o
quetodos asinamos eMiguel Lopes de Arayo [sic] Escrivão desta Irmd.
e
q.
esta mandey fazer easinamos. /João deSouza Lx.
a
/ManoelMor.
a
Trr.
a
/ Miguel
Lopes de Ar.
o
/JoseCoelhodeNoronha /João Pinto deMir.
da 213
213
ARQUIVO DA PARÓQUIA DE NOSSA SENHORA DO PILAR. Livro de Termos da Irmandade do
Santíssimo Sacramento. 1729 – 1777. vol. 224, . 85. (Transcrição de Herinaldo Alves).
Figura 28 – Retábulo-mor
198
O retábulo de Pilar se destaca como um dos mais formosos da capitania, inclusive pela co-
laboração que em seu favor opera o efeito de correspondência criado pela ornamentação de
toda a igreja e da capela-mor – para onde nalmente destinavam-se os olhares, os ritos e as
hierarquias. Interessa muito notar que a “gura” do sacrário em “seistavo” deveria correspon-
der à gura sextavada do zimbório, ainda erguido nesse tempo. O conjunto de brutescos do
retábulo segue o mesmo caráter da capela, e o desenho de sua arquitetura, para além do
costume que estruturava as partes e os elementos convencionais base, banco, pé-direito
e coroamento –, é de louvável elegância. Todos os elementos verticais são culminados por
elementos antropomorfos, anjos e serans, sejam na parte inferior, como atlantes (os tais
“rapazes de baixo”, como se lê no documento) abaixo das mísulas que sustentam as colunas,
seja no coroamento, acima das cornijas interrompidas, nas mísulas das “quartelas que ser-
vem de pilar” ou da cúpula do dossel, ornado com a gloriosa escultura da Trindade. Entremeio
aos quartelões que emolduram o camarim, vêem-se os anjos dourados acrescidos por Coelho
de Noronha. Parte da historiograa identicou a disposição desses anjos como característica
de seu estilo articial. A engraçada elocução não é exclusiva de Noronha, entretanto, pois
se podem encontrar gurações bastante semelhantes no retábulo da Ordem terceira de São
Francisco situada na capela lateral do arco-cruzeiro, lado do Evangelho, na Igreja conventual
dos franciscanos de Évora (FIG. 41 e 42).
Figura 41 Retábulo da Ordem Terceira na
Igreja de São Francisco de Assis, Évora
Figura 42 – Detalhe ornamental do retábulo da
Ordem Terceira na Igreja de São Francisco de
Assis, Évora
199
2.4 Asseio, decência e “mor decor” de pinturas e douramentos
Para culminar o decoro e o aparato, faltava o “douramento e pintura de toda igreja”, matéria
da “mesa redonda” de 19 de janeiro de 1755
214
. Todavia, circunstâncias parecem ter impedido
de imediato a empresa
215
, porque só em 16 de dezembro de 1767 se decidiu arrematar
aobra dapintura doCorpo da Igreja eCoro pelo milhor Risco que Sepoder
achar àmoderna, epelo milhor pintor queSe achar, com as Condiçoins q’ p.ª
isso SeLembrarem, e zerem
216
.
Nesta reunião, em que participaram as irmandades do Santíssimo e também a de Pilar, foi
exposta
a necece.de [necessidade] q’ tinha oCorpo daIgreja doArco Cruzeiro p.ª baixo
do aceio desente [asseio decente] para se fazerem as funçoins anuais, e as
mais q adevoção quiser fazer”
217
.
Prudentes quanto aos defeitos que os andaimes pudessem causar às partes de madeira
perfeitas, se salientou procurar fazer a obra “sem o incomodo deArmaçoins q’ Servem mais
p.ª Ruina das Talhas do que deûtilidade”
218
. em 02 de fevereiro de 1768 é que se no
Livro de termos da irmandade o arremate conferido ao mestre João de Carvalhais pela quan-
tia ajustada de cinco mil cruzados, e trezentos e oitenta e cinco mil réis
219
. As louvações de
214
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 92v-93-93v. “Tr°. q’ fazesta Irmand.e Santissimo
Sacramento q’ sefez emmeza redonda com aIrmand.e de N. SnrdoPillar por Requerimentos q’ esta
fez naõ poder Comcorrer com ametade p.ª a obra dodouramento daIgreja q’ tem obrigaçaõ de
comcorrer”. Vila Rica, 19/01/1755.
215
Duas razões foram notadas no termo de 19 de janeiro. 1ª) a irmandade do Santíssimo chegou a
cogitar de aplicar as esmolas primariamente dedicadas à semana santa para douramento, o que não
teve aceitação conforme termo registrado à folha seguinte do mesmo livro de termos (CECO-PILAR-
Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 94. “Tr°. q fazem os offeciais da meza do Santissimo”. Vila Rica,
26/01/1755), porque não se abriu mão de fazer a festa; 2ª) a irmandade do Pilar “seachava impossa-
blitada e multo deminuta de Irmaõs por cuja couza naõ podia Suprir com a premeça q’ tinhaõ feito por
trneste L.° [livro] a. 52 q’ hera acomcorrer com ametade dadespesa q’ zece a Irmand.e doSant.
m° Sacramento emobras q’ Sezece naCapela mor dad.ª Matris”. A Irmandade do Santíssimo acabou
aceitando que a Irmandade do Pilar concorresse com apenas a terça parte das despesas. Ibidem.
216
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 126v-127. “Termo q’ fazem oProv.°r da Irmandade
do S.m° Sacramento emais off.es della, eos da Irmand.e deN. SrdoPilar, desta Matriz doouro preto
porq’ Sedeterminou a pintura della, emmeza Redonda”. Vila Rica, 16/12/1767.
217
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 126v-127.
218
Ibidem.
219
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 127v-128. “Termo de Ajuste da pintura”. Vila Rica,
02/02/1768.
200
entrega se deram em duas partes. Uma primeira, referente à “pintura do teto”, e outra, da
“simalha para baixo”. A primeira foi realizada em 27 de fevereiro de 1769, e os louvados, Fran-
cisco Xavier e Ignacio Caetano, por parte, respectivamente, da irmandade e do arrematante,
declararam estar segura a obra, “sem vício algum no aparelho”. Alguns motivos da decoração
foram adaptados e modicados por Carvalhais, o que obteve aprovação dos louvados. Justi-
cou-se o artifício por causar efeitos de “melhor vista à obra”, ao substituir pinturas de ouro por
“brutesco de tintas”. comentei que a simalha deveria ser pintada numa interessante “cor
de pérola assombrada”, mas o pintor mudou o matiz para ngimento “de pedra azul”, a m de
decorosamente “condizer com o teto”. A nalidade era tornar tudo “mais vistoso”:
que estava aobra feita comtoda aSigurança Sem vicio algum noaparelho;
axando-se Somente demais doq pediaõ as ditas condiçoens coatro paineis
pequenos demeyo corpo ordinario, osquais avaliaraõ cada hum emoyto oita-
vas deouro; eemquanto aos ornatos que dizem as condiçoens seriaõ deouro,
eestar feito de brutesco detintas, diseraõ ser para avista milhor obra; enoque
Respeita aSimalha Real dizer acondiçaõ seria cor deperola aSombrada, ees-
tar ngida depedra azul, eoutra cor, Responderaõ osditos Louvados estava
ngida depedra azul para condizer com oteto, e ser mais vistozo; de que Se-
fez este termo queaSinaraõ os dittos ociais e provedor, esedavaõ porintre-
gues esatisfeitos da Referida obra do tteto eSimalha eassim odeziaõ os ditos
Louvados pelo assim emtenderem, eojurariaõ em juizo.
220
Destaca-se o comentário de que onde hoje há brutescos em rocailles pintadas, deveria haver
douradas, substituídas para se obter uma “melhor vista”. Os quatro painéis que acompanham
o cordeiro pareciam não estar denidos no primeiro risco, acrescentados depois.
A segunda louvação, referente à obra “da simalha para baixo”, foi registrada em 20 de maio de
1770, e contou com uma lista extensa de modicações e acréscimos prudentemente aprecia-
dos, fabricados para uma “melhor perfeição da dita obra”. Desta vez, a autoridade do exame
tocou a Francisco Xavier e Antonio Caldas, em nome da irmandade e do arrematante:
Termo q Se faz da entrega dapintura q’ fez nesta Matriz de N. Snrdo Pillar
doouro preto Joaõ de Carvalhais Mestre Pintor, eRematante da d.ª obra
Aos vinte dias do mês de Mayo demil Sete centos e Setenta annos. Estando
noConcistorio desta Matriz em meza oProvedor, emais ofciais, q’ actualm.
te Servem nesta Irmand.e doSantissimo Sacram.t°; e nelle forao prezentes
Francisco X.er de Meireles Louvado pella parte desta Irmand.e, eAntonio de
Caldas nomiado pella p.te do aRematante por elles foi vista, eExaminada a
pintura da IgrdaSimalha p.ª baixo q’ havia feito, e acabado od.° aRema-
tante, os quais depois de vista, e Examinada ad.ª obra, acharaõ estar feita
220
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 130. “Termo que faz doteto daIgreja noque respeita
apintura de Louvação, e emtrega”. Vila Rica, 27/02/1769.
201
ad.ª obra comtoda a Sigurança, e perfeiçoens naforma das Condiçois, com
q’ tinha Rematado, ep.ª milhor perfeiçaõ dad.ª obra acharaõ ter de acrescimo
q’ Saõ os 8 ordanetes (?) cada hum avaliaraõ com Sinco oitavas, q’ importaõ
quarenta oitavas; e as faces por entre os Claustiados por Serem burnidos, e
ngidos de pedra vitorina, com Seos Labios de oiro, q Saõ oito faces, e meya,
e avaliaraõ a dez oitavas cada hum q’ importaõ oitenta e Sinco oitavas.
Os regulares doCoro, e Painel domeyo de S. Francisco avaliaraõ em Trinta
oitavas
O Forro doOrgano por baixo por Ser apinturademais cará pello xaraõ deoiro
de alguns Ramos declarados naCondição, por serem inproprios os xarons
por inpedir a voz dod.° organo; e por isso ca hua couza por outra.
Os dous forros deBaixo aoSubir doCoro, e outra daporta travessa, avaliaraõ
em Seis oitavas Cada hum.
As duas Cantuneiras de xapa a mordente doiradas deTalha no Arco daCa-
pella Mor avaliaraõ em quatro oitavas cada hua.
As duas Larges (sic) pequenas deprincipio doarco aoitava emeya cada hua
Catorze regulares q’ tem os Cantos dos Arcos das Tribunas avaliaraõ cada
hum em Sete oitavas a meya oitava cada hum
Dezaseis pedestais por estarem aolio, tinta azul, or deAnil, evermilhaõ, e
não deBranco bornido a Tempera como declara aCondiçaõ, avaliaraõ a Cada
hum em tres oitavas
Os dois toxeiros de Talha grandes do Altar mor por estarem aparelhados com
quatro maos de jesso groço avaliaraõ acada hum em quatro oitavas
O regular, Branco por Sima da porta principal em quatro oitavas, digo emduas
oitavas. Os frizos deoiro q’ sezeraõ emSima dos pedestais do Arco Cruzeiro
de oiro bornido; avaliaraõ em quatro oitavas.
Os dois acrescimos da porta, q’ vai p.ª oConcistorio e outros dois, q’ vaõ p.ª
as torres por serem pintados aoleo p.ª milhor perfeição dapintura avaliaraõ
em quatro oitavas.
Deq’ sefez este termo, q’ aSignaraõ, os ditos ofciais, eProvedor, e Se deraõ
por entregues dad.ª obra dapintura, eaSim odiçeraõ os ditos Louvados por
aSim intenderem, e jurariaõ em Juizo. eu Manoel Oliveira de Souza Escrivam
da ditaIrmandadequeSubescrevy eaSiney
221
221
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 132v-133v. “Termo q Se faz da entrega dapintura
q’ fez nesta Matriz de N. Snr.ª do Pillar doouro preto Joaõ de Carvalhais Mestre Pintor, eRematante da
d.ª obra”. Vila Rica, 20/05/1770.
202
Em 15 de agosto de 1771, foi rmado o termo de douramento e pintura da capela-mor
222
(exatamente um ano após a demolição do zimbório), e em 09 de fevereiro de 1774 foram
nalmente aceitos os trabalhos, como se lê no termo de aceitação que incluía também a pin-
tura dos painéis da dita capela. A polêmica da louvação tocou, sobretudo, ao decoro desses
painéis, porque o douramento estava todo ele bem feito. Sobre esses painéis, declarou-se no
documento, uns diziam que os evangelistas estavam de mor decor – “mordecor” –, enquanto
outros ajuizassem, ao contrário, que eles estavam pintados “com ações muito impróprias”.
João de Carvalhais declarou que havia empreitado as pinturas a Bernardo Pires. Como este
estava para se ausentar, Carvalhais pediu à mesa que apontasse os “defeitos para os man-
dar aperfeiçoar”. Todavia, um dos louvados, o Reverendo D.°r Antonio de Meireles Rabelo,
declarou que entendia estarem bem feitas as pinturas, e que se podia aceitar. As únicas res-
trições dignas de correção e “emenda” caram por conta de dois painéis, o de São João e
também aquele com as espigas de trigo (FIG. 22.4 e 22.6). No de São João, argumentaram,
a cor da roupa não condizia com o horizonte atrás do evangelista, pelo que se deveria lhe dar
uma cor azul escuro, o que se emendou perfeitamente. No outro painel, se deveria “avivar
melhor umas espigas de trigo que se achavam pintadas em um largo de entremeio à talha da
capela-mor”, um persuasivo aperfeiçoamento de vividez à alegoria de encenação da hóstia
que provavelmente deveria corresponder à idéia teológico-retórica de um sacramento em cuja
espécie de pão se defendia estar “vivo” o próprio Cristo:
222
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 137. “Termo que fazem o Provedor da Irmand.e do
SS.m° Sacram.t°, e mais ofciais dela, eosda Irmandade deN. Snr.ª do Pilar destaMatris doOuro preto,
porq’ se detreminou apintura edouramento daCapelaMor dela em Meza Rendonda (sic)”. Vila Rica,
15/08/1771.
Figura 22.4 – São João Figura 22.6 – Espigas de trigo
203
Termo que fazem os off.s daIrmd.e do S.m° Sacram.t° deaceytação dos Pay-
neis edouram.t° feito naCapela Mor, como abayxo Seve
Aos 9 de Fever de 1774 Sendo noConsistorio destaMatriz deNossa Se-
nhora do Pillar de Ouro Preto, onde Seachavam prezentes oReverendo D.°r
Antonio Correa Mayrinque vigario collado namesma Matris, com os poderes,
eComiçam do Irmaõ Provedor actoal oCap.m M. Jose Alv. Maciel, eprezentes
osmais ociaes damesmaIrmandade eahi apareceram prezentes oRd.° D.or
Antonio demeyreles Rabelo e Joaõ Nepomuceno Correa, aquele por parte
destaIrmd.e, eeste pelo do Rematante Joaõ deCarvalhais, eSendo pelo Ir-
maõ Procurador actoal Antonio Jozeph Mrz’ Correa Reprezentado, quevinhaõ
convidados os ditos pinttores; paraverem, eexaminarem aobra de pintura
edouramento queSeachava feitto naditaCapelaMor, eque os paineis emque
estaõ pintados os Evangelistas, huns dizem estam demordecor, eoutros,
quecom accoenz muito improprias, eque od.° Rematante Joaõ deCarva-
lhaes, dizia que mandara fazer os ditos paineis por Bernardo Pires, eque este
estava para Seauzentar [?], e pedia a Mesa declaracem os defeitos, para
os mandar aperfeicoar; o que ouvido pelos dittos, Respondeo oReverendo
Doutor Antonio deMeyreles Rebelo, que naverdade entendia estavaõ as
d.ªs pinturas bem feitas, bem pintadas, equeSepodiaõ aceytar, comde-
claração queapintura do Evangelista S. Joaõ, naõ parecia bem comdi-
zerem as Roupas com o orizonte domesmo paynel, eque era justo See-
mendade aquele erro, dandolhe hum azul escuro, eque Sedeviaõ avivar
melhor huas Espigas deTrigo que se achavaõ pintadas em hum Largo
deentremeyo datalhadaCapelaMor, equetudo omais estavabom. Eper-
guntandoce aJoaõ NepomucenoCorrea, que tal estava o Douramento, emais
pinturadaCapela Mor, naparte quefeita estava, dipois dever as condiçoens,
Respondeo que emtudo estava comforme as ditas Condiçoens, ecomexeço
[com excesso?] demelhoria, Louvando tambem os ditos paineis naformadita.
Enesta forma edipois deemendados os defeitos Referidos, Sederaõ os ditos
ociaes porentregues dasditas pinturas, edouramentos naquela parte que fei-
tos estaõ, oquena Realidade lhe aceytaõ pelo prezente termo, cando od.°
Rematante desobrigado nadita parte dapinturaedouram.t° feito, eaIrmanda-
de correndolhe oRisco; cando outro Sim o dito Rematante obrigado afazer
amais pintura edouramento quelhe falta naformadasCondiçoens eEscriptu-
ra, epara Constar doreferido memandaraõ Lavrar oprezente termo quetodos
aCinaraõ, comdeclaracaõ quenaõ aSinou o R. D.°r Meyreles por aver pejo
deselhefalar niço, evir defavor ver as ditas pinturas a instancias do Irmaõ Pro-
curador, por naõ aver nestav[nesta vila] m.t°s damesma Arte que opodecem
fazer, mais queod.° Joaõ Nepomuceno […]
223
O exame do corpo de arquitetura da Igreja de Nossa Senhora do Pilar do Ouro Preto e das vá-
rias circunstâncias teológico-políticas e artísticas que conformaram as matérias da represen-
tação evidencia uma inconteste, e decisiva, consideração do decoro e outros preceitos a ele
integrados, como o asseio, a comodidade, a elegância, a decência, a perfeição etc. Ademais,
em todas as etapas, exames e juízos concernentes à fábrica da igreja, indicações docu-
223
Cf. CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, . 139v. “Termo que fazem os off.s daIrmd.e do S.m°
Sacram.t° deaceytação dos Payneis edouram.t° feito naCapela Mor, como abayxo Seve”. Vila Rica,
09/02/1774.
204
mentais muito eloqüentes, eventualmente literais, à doutrina. O decoro operava não apenas
na orientação pela consecução da forma, mas também nas matérias éticas concernentes à
sua fábrica; como se evidenciou, por exemplo, no processo que levou à exclusão do arrema-
tante Manuel Fernandes Pontes, em 1734.
Pela argumentação dos termos assinados pelas mesas da Irmandade do Santíssimo, como
principalmente aquele que indicou, em 1754, haver “vícios e erros de arquitetura” que deve-
riam ser sanados com “simetrias necessárias e o decoro devido a semelhante lugar”, há que
se destacar que não apenas os ociais mecânicos ajuizavam sobre a fábrica com preceitos
e doutrinas, mas também os próprios irmãos leigos, que chegaram a confessar, devia ser um
artifício retórico, “não entender da matéria”.
Na invenção das formas, na disposição das partes e na ornamentação, a administração das
obras e as práticas artísticas se pautavam pela conveniência do corpo e suas partes, o que
contribuiu para denir, com efeito, a comodidade da arrematação conjunta de toda a forração
de talha da nave, ou o engenho de artifícios que conferissem segurança, ligação e correspon-
dência entre as partes da arquitetura.
Se tivesse sido conservado o zimbório na capela-mor, a Igreja do Pilar acomodaria ainda mais
novidades formais condizentes entre si e em relação à matéria primordial de sua ornamenta-
ção. Após a demolição, a Irmandade do Santíssimo tratou de minimizar a perda do elemento
essencial à iconograa arquitetônica, deliberando por selar o vão através de uma represen-
tação pictórica adequada ao lugar: a Santa Ceia. A emenda deveria conservar dignamente
a matéria nuclear do templo, correspondendo ainda à grande nave eucarística destinada a
representar a virtuosa condução da república católica portuguesa.
Ainda que se trate, sim, de um caso especial, as remanescências formais e documentais da
Igreja do Pilar iluminam preceitos decorosos comumente considerados nas igrejas matrizes,
sedes paroquiais do Santíssimo Sacramento. Emanado para as irmandades a elas liais,
o conjunto de mistérios e preceitos compunha um grande corpus de doutrinas teológicas e
retóricas fundamentais à materialização da arquitetura religiosa setecentista, inclusive das
capelas, como veremos.
A Igreja do Pilar se destacava dentre as mais por suas circunstâncias, Matriz da cabeça das
povoações da capitania, mas também, e em congruente proporção a isso, pela condição es-
205
petacular do theatrum sacrum de sua arquitetura, a engenhosa invenção da nave eucarística,
a decência iconográca de ornatos e pinturas, a novidade do zimbório. A perfeição do templo
atingiu efeitos de maravilha, conveniência, estilo e ornato os mais elevados, encerrando com
ecácia as nalidades persuasivas da retórica arquitetônica dos setecentos. A refulgência
material do ornato ativava efeitos e afetos capazes de representar e dar a ver, amplicada
pela pintura e douramentos preciosos, a própria luminosidade divina, ali participada como
integração modelada pelo próprio Sacramento da Eucaristia. Assim, o caráter adequado da
pompa e do esplendor, a maravilha e o aparato da beleza representavam, proporcionalmente,
a legitimidade absoluta do bem divino e da Igreja católica, analogia essencial à política triden-
tina portuguesa de propaganda e expansões espirituais e territoriais da fé católica.
CAPÍTULO 3
O DECORO DA CAPELA DA ORDEM TERCEIRA
DE NOSSA SENHORA DO CARMO
207
CAPÍTULO 3
O DECORO DA CAPELA DA ORDEM TERCEIRA DE NOSSA SENHORA DO CARMO
Várias confrarias leigas, irmandades e ordens terceiras construíram suas capelas durante
o século XVIII. Finalmente erguê-las representava parte digníssima de um processo inicia-
do ocialmente na instituição dos primeiros estatutos da associação, acomodada a princípio
em altares laterais de igrejas paroquiais ou mesmo, provisoriamente, em capelas de outras
irmandades
1
. Concomitante à sua nalidade eclesiástica, esses templos constituíam corpos
privilegiados de representações dignas e eloqüentes tanto das próprias irmandades – orago,
hierarquia, ética, piedade quanto da política teológica empreendida pela coroa portuguesa
na colônia e na metrópole.
Assim, a ereção de capelas era bastante conveniente aos colonos mas também ao reino. In-
centivar política e materialmente suas construções
2
rearmava a ordem e os valores da políti-
ca monárquica inamada em pressupostos católicos continuamente encenados pelo theatrum
sacrum das edicações religiosas; pelos ritos, sacramentos e mistérios nelas desempenha-
dos, e também pelas matérias teológicas nelas representadas. As irmandades e as capelas
proporcionavam várias comodidades aos colonos que, assim reunidos e decentemente repre-
sentados, participavam a seu modo e posição hierárquica para o aumento e a conservação
do corpo místico do reino e da Igreja católica. Em Portugal, a cabeça (caput) desse corpo era
representada e exercida pela gura “pública” do rei, cujas virtudes necessariamente católi-
cas
3
deveriam capacitá-lo não apenas a justicar misticamente o pacto de sujeição (pactum
1
Foram várias as conveniências que levaram os leigos a se reunirem em associações leigas na capi-
tania de Minas Gerais logo no início do século XVIII. Dentre elas, estão principalmente a congregação
devocional e a assistência em questões de caráter espiritual, como o aprimoramento da fé e a garantia
de enterro digno em sítio sagrado, mas também a assistência de caráter secular, como o empréstimo
de dinheiro a juros. Embora se utilize geralmente o termo “irmandade”, distinções entre as várias
denominações dessas fraternidades: confrarias, arquiconfrarias, ordens terceiras. As ordens terceiras
se preocupavam fundamentalmente com “a perfeição de vida cristã de seus membros”. Geralmente, os
irmãos se reuniam em torno de um orago ou devoção conveniente antes mesmo dos deferimentos de
pedidos de licença que precisavam ser outorgados pelas autoridades próprias das ordens, na colônia e
na metrópole. Cf. BOSCHI, Caio César. Os leigos e o poder; irmandades leigas e política colonizadora
em Minas Gerais. São Paulo: Ática, 1986, p. 12 et seq; p. 23.
2
Boschi salienta o auxílio material da metrópole na construção de templos e na celebração de festivi-
dades. Cf. BOSCHI, op. cit., p. 4.
3
Além das virtudes teologais e cardeais, o rei deveria, como regulado pela teologia política católica,
apresentar outras virtudes imperiais, como a magnanimidade e a liberalidade, que o capacitavam re-
208
subjectionis)
4
, através do qual os colonos se alienaram ancestralmente do poder, como fun-
damentalmente zelar pelas nalidades precípuas desse corpo: a permanente “concórdia das
partes”, a “conveniência” e a “harmonia do todo” – o “bem comum
5
.
O decoro das capelas de irmandades leigas constitui um capítulo fundamental para o en-
tendimento dos processos de conformação da arquitetura religiosa colonial e até mesmo do
processo de formação das povoações na capitania de Minas Gerais. O caráter e o decoro das
povoações dependia, em grande medida, da decência e do ornato desses edifícios. Segundo
a teologia neo-escolástica vigente em Portugal no século XVIII, nos escritos de Francisco
Suarez ensinados na Universidade de Coimbra, onde se doutorou, entre tantos, D. Fr. Manoel
da Cruz
6
, as povoações eram consideradas as partes mais convenientes do corpo místico do
reino, lugares onde o homem encontraria as comodidades necessárias à vida. Incorporadas
a elas, as capelas serviam a propósitos ainda mais relevantes. Para além da comodidade
habitual necessária ao corpo, a causa eciente
7
dos estados católicos estabelecia que era
conveniente e devido aprimorar os “dons mais precisos da natureza humana”
8
, comentados
por São Paulo justamente na denição exemplar da “ordem” divina do corpo de Cristo (I Cor.,
12). A índole desses dons e a conveniência última da república católica se encaminhavam à
presentar a cabeça do corpo místico do reino e promover valores e nalidades interessantes ao bem
comum do todo. Cf. BOTERO, João. Da razão de estado.
4
Sobre o pacto de sujeição que delegava ao rei uma administração legitimada pela ancestralidade,
cf. GALLEGOS ROCAFULL, La doctrina política del P. Francisco Suarez, p. 75 et passim; e também
HANSEN. Artes seiscentistas e teologia política, p. 185.
5
Cf. HESPANHA, Antônio Manuel. Introdução. In: MATTOSO, José (Dir.). História de Portugal, p. 13.
6
A referência à formação doutoral dos Bispos na Universidade de Coimbra era uma tópica muito co-
mum na distinção hierárquica eclesiástica, muito apta a dignicar o éthos do orador-regulador diante
de sua audiência, composta de religiosos, mas também seculares. A tópica é muito presente nos ca-
beçalhos de Visitas pastorais de época, a autorizar as regulações destinadas a párocos e associações
leigas. Cf. p. ex., AEAM, Livro P-15, Visita pastoral à Freguesia de Nossa Senhora da Conceição Vila
do Carmo/ Mariana), . 31.
7
A doutrina das quatro causas é aristotélica (Metafísica, I, 3, 983a; V, 2, 1013a). A sua assimilação pelo
pensamento escolástico é responsável pela “tradução” às línguas latinas e neo-latinas – causae forma-
lis, materialis, efciens, nalis: causas formal, material, eciente e nal. A causa eciente é, segundo
Lalande, compreendida pela capacidade de “produção” que opera em direção a um m. Cf. LALANDE,
André. Vocabulário técnico e crítico da losoa. São Paulo: Martins Fontes, 1999. Causa, p. 142-147.
A causa nal orienta a causa eciente a atualizar a manifestação da matéria através de uma forma. No
nal do século XVII, Emanuele Tesauro muito engenhosamente organizou a exposição das metáforas
e agudezas de Il cannocchiale aristotelico a partir das quatro causas aristotélicas. Rocafull também o
fez, para organizar a exposição do pensamento e da doutrina político-teológica de Francisco Suarez.
8
Cf. GALLEGOS ROCAFULL, op. cit., p. 89.
209
conquista não apenas de terras e de corpos, mas à conquista principal do “reino do espírito”
9
;
m para o qual serviam, simpaticamente, os deleites da arte e os sacrifícios do culto, ordena-
dos por preceitos virtuosos da teologia católica que persuadia e ensinava permanentemente
a crer na nalidade mística da vida, a eterna salvação da alma após a morte, do corpo
10
.
Vários são os interesses que despertam a venerável Capela
11
da Ordem terceira de Nossa
Senhora do Monte do Carmo em Ouro Preto, um dos edifícios mais representativos da arqui-
tetura religiosa de Minas Gerais na segunda metade do século XVIII. O edifício começou a
ser ereto a partir de 1766, ano em que foi aceito pela mesa da Ordem o risco do Mestre por-
tuguês Manuel Francisco Lisboa, e também arrematada a fatura da “nova capela”
12
. Encontrei
documentos importantes que comprovam ter havido um risco anterior, de 1756. Trata-se de
uma “Escritura de obrigação” lavrada entre a Ordem terceira e o Mestre Joseph Pereira dos
Santos, que arrematou a obra pelo signicativo preço de quinhentos e cinqüenta mil réis
13
.
Não se declarou o inventor do risco no documento, que interessa muito não apenas por evi-
denciar aspectos do que teria sido a primeira invenção da capela, mas também porque a
9
Cf. GALLEGOS ROCAFULL. op cit., p. 89.
10
Cf. HESPANHA, Introdução; p. 11 e 12, e também HESPANHA. As vésperas do Leviathan; institui-
ções e poder político em Portugal, séc. XVII. Lisboa: Almedina, 1994.
11
Atualmente, se entende por “capela” uma igreja de dimensões reduzidas. No século XVIII, “capela”
é a designação usada para os templos erguidos por irmandades leigas. “Igreja” é um termo que se
aplicava sobretudo às Matrizes, templos paroquiais que sediavam várias irmandades.
12
A Ordem lavrou o Termo de aceitação do risco em reunião do dia 09 de agosto de 1766, em que
“apareceu presente Mel. Fr.co L.xª [Manuel Francisco Lisboa] com o risco a nova obra da capella
q esta detreminado fazerse, e sendo aprezentado, e visto p.r [por] todos uniformem.te oaceitarão, e
aprovarão, ordemnando sepagasse ao d.° L.xª cincoenta oitavas deouro preço emq oppos conatenção
oser p.ª esta veneravel ordem, de que elle hera Irmão, eque por isso secontentava comad.ª q.tia sup-
posto não equiparava ao trabalho q com elle tivera [...].” Tr.° de Aceytação que fes a Mesa do Risco p.ª
anovaCapela, 09/08/1766. Apud LOPES, Francisco Antonio. Historia da construção da Igreja do Carmo
de Ouro Preto. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saude, 1942 (Publicações do Serviço do Pa-
trimônio Histórico e Artístico Nacional). Anexo: Documentos, p. 109. Aos quatorze dias do mês seguinte
foi arrematada a obra em praça pública, em nome de João Alves Vianna. Cf. CECO-PILAR-CARMO.
Filme 156, vol. 2523. “Treslado doTermo eCondições e deoutroTermo de Ajuste que fez esta Meza da
Vem.el Ordem 3.ª de N. Srdo Carmo com o Remat.e danova Capela Joao Alz. Vianna”. Vila Rica,
14/09/1766. (Documento Avulso).
13
ARQUIVO DA PARÓQUIA DE NOSSA SENHORA DO PILAR, Ouro Preto. Códice 2523 (1756
1768). Ordem de Nossa Senhora do Monte do Carmo. “Escriptura deobrigação q’ fazaVeneravel
ordem 3.
a
deNossaSenhora doMonte do carmo aJoseph Per.
a
dos Sanctos eeste aquella”. Vila Rica,
29/05/1756. . 1-13v (Documento avulso). (Transcrição de Herinaldo Oliveira Alves). Este documento
está microlmado no mesmo Filme 156, vol. 2523, mas de péssima qualidade para leitura. Por isso
que se recorreu ao documento em papel, guardado no Arquivo da Paróquia do Pilar. Essa escritura é
o primeiro conjunto de papéis do maço relativo ao volume 2523, e se encontra também como primeiro
documento do mesmo volume no microlme. Curiosamente, não aparece na pesquisa de Francisco
Lopes, o que leva a crer que estava de algum modo indisponível na ocasião de sua pesquisa.
210
historiograa até então não explorou o ocorrido nesta prematura data de 1756. Pela extensão
do documento, e também pela sua importância, será mais conveniente estudá-lo em outro
trabalho (inclusive para apurar as razões de não ter sido efetivada a “Obrigação” e construída
a obra
14
), mas me contento em comentar aqui, por exemplo, que, nesse primeiro risco, as tor-
res do frontispício da Capela seriam “feitas em seistabo” [ou sextavado] e as suas abóbodas
seriam cobertas em “azulejos vidrados da cor amarelo branco e azul”
15
; um acabamento único
para os frontispícios de Minas Gerais no século XVIII, mais usado nas abóbadas das torres de
igrejas do nordeste, como a Capela do Rosário em Salvador ou o Convento de Santo Antônio,
João Pessoa. Vale lembrar, e tratarei disto adiante, que a Capela do Carmo de Ouro Preto é
a única em Minas Gerais que possui azulejos portugueses como ornamento – elegantemente
dispostos nas paredes da capela-mor. A idéia, portanto, de aformosear a capela com o distinto
material já era anterior, mas voltemos ao risco e obra efetivamente construídos.
Quero me concentrar inicialmente em sua sacristia, onde ornatos iluminam a discussão do
“decoro” de todo o corpo do edifício, do orago e da Ordem terceira. Esses ornatos atualizam
uma tópica antiga que elogia justamente o “Decoro do Carmelo” (Decor Carmeli), freqüen-
temente imitada nos templos das ordens carmelitas regulares e seculares. Um deles está
disposto na pintura central do forro do teto; o outro está no lavatório, que, embora arrematado
por Francisco de Lima Cerqueira, permanece atribuído ao Aleijadinho
16
.
14
A arrematação, como se pode ponderar, não teve efeito, o que ocasionou “demanda” do arrematan-
te e mais “empreiteiros”, que teriam feito despesas, “preparos e gastos” por ocasião da arrematação,
contra a venerável Ordem terceira do Carmo. O documento que dá notícia disto foi escrito por um “mo-
rador do Rosário”, chamado Bento Gracia, que deixou “assinada” de sua “própria mão” uma carta em
favor da Ordem, livrando-se de qualquer favorecimento derivado do litígio, porque a “sentença” havia
sido em favor dos construtores. A carta, em duas folhas, cou arquivada como documento avulso da
Ordem terceira, microlmada em CECO-PILAR-CARMO, Filme 156, vol. 2523. [Carta de Bento Gracia].
(Documento avulso).
15
“[…] capitulo sexto = quesera obrigado o Rematante afazer asabobedas dastorres de tijolo ecal aRea
esta será feita devez emeya nasuagrossura advertese que asaboedas das ditas torres pelapartedesima
serao feitas emseistabo [sextavado] preencrando operl dos cunhaes dasmesmas torres quetambem
de ser postos memesmo feita to somentecomhua face fasendoseo resa[l]to comotambem ajustará
huã piramide emsimadecadahumdos Pilares comotambem asentará nos fechadas mesmas arobe das
suas peramides eagrossura dasparedes das ditas torres tera cinco palmos advertese queassineyras
das ditas torres seporão emaltura deseis par mas as suas soleyras dosobro peito dos socos oupedras
taes dos ditoscunhaes eosseo Ladrilho por dentro dasditas torres carao nopavimento dos ditos pa-
drestaes advertese queasabobedas das torres pela parte desima seraocubertas de azolejo vidrados-
decores amarelo branco azul […]”. ARQUIVO DA PARÓQUIA DE NOSSA SENHORA DO PILAR, Ouro
Preto. Códice 2523 (1756 1768). Ordem de Nossa Senhora do Monte do Carmo. “Escriptura de-
obrigação q’ fazaVeneravel ordem 3.
a
deNossaSenhora doMonte do carmo aJoseph Per.
a
dos Sanctos
eeste aquella”. Vila Rica, 29/05/1756, . 1v-2. (Transcrição de Herinaldo Oliveira Alves).
16
Cf. LOPES, op. cit., p. 38.
211
Como de costume, nas igrejas da capitania de Minas Gerais e em outros edifícios religiosos
luso-brasileiros de planta retangular e alongada, a sacristia se localiza na parte posterior do
corpo do edifício, resguardando a capela-mor (FIG. 1). O cômodo é retangular, com a maior
dimensão em orientação transversal ao eixo principal da capela; possui um armário elegante
e bem proporcionado, fabricado em Jacarandá, mais ao feitio de “cômoda” (como é inclusive
referido nos documentos), e dois bancos bem delineados e ornados com enrolamentos, volu-
tas e rocailles
17
, dispostos ao lado do lavatório de pedra-sabão que está adossado ao centro
da parede posterior. Pinturas em tela decoram as paredes e outras foram efetuadas sobre a
própria madeira do forro de teto composto de cinco grandes painéis emoldurados, pinturas às
quais voltaremos oportunamente (FIG. 2 e 3).
17
Os bancos e o armário, ou cômoda, foram pagos a Manoel António do Sacramento como consta de
vários recibos dos anos de 1812 e 1813. Anexo, Documentos. In: LOPES, op. cit., p. 161-162.
Figura 1 Planta, elevação e frontispício da Capela do Carmo. Fonte: DANGELO, André. A cultura
arquitetônica em Minas Gerais...
212
O acesso à sacristia se por dois corredores laterais bem iluminados que orlam a capela-
mor, simetricamente dispostos. Duas portas com bandeiras isolam a sacristia dos corredores.
O acesso a esses corredores é possível, da parte exterior da capela, por duas portas que se
abrem lateralmente; da parte da nave, por duas portas adjacentes ao arco-cruzeiro, dispos-
Figura 2 Vista da sacristia da Capela do Carmo, onde se divisa a parede
posterior, com duas aberturas laterais, dois bancos de jacarandá e o lavatório
em pedra-sabão ao centro
Figura 3 - Vista da sacristia da Capela do Carmo, onde se divisa a parede
anterior, com o armário sobre um degrau, o belíssimo oratório e dois espelhos
ricamente emoldurados
213
tas em paredes oblíquas ao alinhamento
transversal do grande arco; e da parte do
presbitério da capela-mor, por duas outras
que interrompem a elegante decoração em
azulejos portugueses na barra
18
das faces
internas das paredes laterais (FIG. 4). Além
de conferir nobreza e distinção material à
representação da Ordem terceira do Car-
mo, esses azulejos guram passagens das
vidas de patriarcas e santos da história car-
melita, autoridades santas da instituição,
mas voltaremos a eles. As quatro portas de
ligação interna aos corredores da sacristia
possuem ombreiras e vergas em pedra de
itacolomy
19
, arrematadas por arcos decora-
tivos da mesma pedra, à guisa de cornijas
que as enobrecem. As duas portas acessí-
veis pela nave têm vergas delineadas em
arcos abatidos
20
, e seus arremates são
curiosamente interrompidos, invadidos que são, em sua parte central, por borlas esféricas
que arrematam o limite inferior de bacias que sustentam, à conveniência de mísulas, portas-
sacadas rasgadas por inteiro provenientes das tribunas da capela-mor, situadas exatamente
acima dos corredores laterais de acesso à sacristia (FIG. 5). Das tribunas tem-se acesso ao
consistório, lugar destinado às reuniões da Ordem terceira; disposto, também como de costu-
18
Entende-se por barra ou barrado a porção inferior de uma parede que recebe revestimento ou aca-
bamento diferentes do restante.
19
Nas várias condições relativas à obra da Capela do Carmo cou clara e enfática a orientação de se
fazerem guarnições, umbrais, ombreiras e vergas de pedra de Itacolomy, “da mais dura que houver”,
e sem “dano” ou “linha” que pudesse causar “defeito”. A pedra de Itacolomy tem formação em arenito
micáceo ou quartzito chistoso, com presença de mica, talco, ou clorita, e cristais de quartzo; coloração
característica amarelada ou rosácea, tendendo ao vermelho, sobre fundo acinzentado. A pedra era
retirada de minas situadas ao pé da Serra de mesmo nome, em Vila Rica. Cf. SANTOS, Paulo Ferreira.
Subsídios para o estudo da arquitetura religiosa em Ouro Preto. Rio de Janeiro: Kosmos, 1951, p. 80;
ÁVILA, Affonso et al. Barroco mineiro: glossário de arquitetura e ornamentação. Belo Horizonte: Fun-
dação João Pinheiro; Centro de Estudos Históricos e Culturais, 1996. (Mineiriana), p. 53; e HOUAISS,
Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva,
2001. Itacolomito, p. 1658.
20
Arcos formados pela concordância de segmentos de arcos tomados de diferentes centros.
Figura 4 Vista da parede lateral da capela-mor,
lado do Evangelho. Atenção para a tribuna, a rica
ornamentação arquitetônica do arco-cruzeiro e a
barra de azulejos decorados
214
me, no piso superior exatamente acima da sacristia.
As duas portas abertas no presbitério da capela-
mor exigiram maior elaboração, em conformidade
ornamental à dignidade do lugar (FIG. 6). Possuem
vergas alteadas em canga-de-boi e suas cornijas de
arremate são inteiriças, com ressaltos muito bem
proporcionados e escodados
21
. As cornijas apresen-
tam um ressalto sutilmente desenhado na porção
que encima a ombreira lateral da porta, no limite
inferior do qual cinco pequenas gotas engraçam o
ornato (FIG. 6). Esse ressalto se abre em curva na
medida em que ascende, causando efeitos de as-
seio, requinte e elegância que caracterizam muitos
ornatos da Capela do Carmo. Os ressaltos e inter-
rupções de entablamentos, arquitraves e cornijas
que decoram portas, portadas ou janelas-sacadas da
capela possuem, em muitas partes do edifício, essa
característica comum que é desenvolver-se em sen-
tido de abertura ascendente e sutilmente curvilínea.
Aparecem, por exemplo, nas mísulas que sustentam
as sacadas das tribunas da capela-mor, na cimalha
do lavatório, nos ornatos da portada principal, nas
janelas do frontispí-
cio etc., e veremo-los
consecutivamente.
Essa sutileza de cor-
respondência não é
uma exclusividade
da arquitetura da Ca-
pela do Carmo, mas
21
Vários documentos referenciam este tipo de acabamento para a cantaria da Capela do Carmo, so-
bretudo as duas primeiras redações de condições, a serem comentadas adiante. Escodadas, ou “lavra-
das a escoda”. As expressões signicavam que as peças haviam sido aparelhadas com o instrumento
da “escoda”, espécie de martelo utilizado para alisar e aparar pedras de cantaria. Cf. ÁVILA, Affonso et
al. Barroco mineiro: glossário de arquitetura e ornamentação, p. 40.
Figura 6 – Porta do presbitério da capela-
mor
Figura 6 - Detalhe da verga
Figura 5 Chanfrado que antecede o arco-
cruzeiro e a passagem da Nave para a Ca-
pela-mor, lado da Epístola. Atenção para as
portas-sacadas rasgadas por inteiro em cor-
respondência com as portas dos corredores
do nível inferior
215
destaca-se pela semelhança de desenho, proporção e efeitos formais presentes em várias
de suas ornamentações. As portas laterais externas apenas “imitam” as linhas estruturais
das portas do presbitério, como pediram as condições para sua fatura
22
, sem a sutileza
23
de
desenho e ornatos que descrevi acima. As ombreiras e alisares de cantaria de todas as portas
são lisos.
Voltemos à sacristia. Como se numa regulação de foro eclesiástico muito observada no
século XVIII, as Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia (1707), as sacristias de-
veriam oferecer lugar seguro e limpo aos ornamentos destinados ao culto divino prataria,
cálices, indumentárias, toalhas, missais etc., guardando-os sempre muito bem “concertados”
em móveis, armários e caixões apropriados
24
. As sacristias serviam também aos sacerdotes
para que pudessem se preparar comodamente para o ministério e mais ofícios sacros. Além
disso, e desta vez a regulação que autoriza a referência é de foro secular o Tratactus de
novorum operum aedicationibus (Lisboa, 1750), de Manoel Alvares Ferreira (1706-?) –, seria
22
Nos documentos do século XVIII vários são os termos referentes à execução ociosa das obras,
sejam elas edifícios, chafarizes, esculturas, pinturas ou ornatos; os mais comuns são: “factura”, “fatura”,
“feitio”, “fábrica”, “obra”. Estes dois últimos podem assumir o sentido da própria coisa construída, e o
termo “feitio” também aparece signicando a aparência ou a feição da dita fábrica.
23
É preciso entender o termo “sutileza” como difundido nos tratados do período. A sutileza é uma capa-
cidade intelectual análoga à agudeza. Consiste na habilidade em criar efeitos aplaudidos e admirados
pela novidade, pela maravilha da aproximação de conceitos ou gurações distantes ou aparentemente
incongruentes. A sutileza pode ser também o próprio efeito de agudeza gerado pelo engenho na inven-
ção, na disposição e ornamentação das matérias artísticas. Bluteau usa a expressão “sutileza de enge-
nho” (cf. BLUTEAU, op. cit., vol. 7, p. 806), que nos remete ao mais importante tratado de GRACIÁN,
Baltasar. Agudeza y arte de ingenio. Gracián usa a expressão em várias passagens: “Se os materiais
dizem uma certa e agradável simpatia, uma grande conformidade com suas potências inferiores, quan-
to maior alcançará uma engenhosa sutileza com a que é rainha de todas elas? Digo o engenho” (II,
29). Ao tratar das “linhas de ponderação e sutileza”, Gracián discorre sobre “causas, efeitos, atributos,
qualidades, contingências de tempo, lugar, modo etc. e qualquer outro termo correspondente”. “O poeta
vai carregando de um em um com o sujeito, uns com os outros, entre si, descobrindo alguma conformi-
dade ou conveniência, que digam respeito ao sujeito, e umas com as outras, exprimi-las, ponderá-la,
e nisto está a sutileza”. (IV, p, 42, grifo nosso). Adiante, condensa: “Prodígio é sutilizar”. (IV, p. 49).
Tesauro se vale especicamente do termo “sutileza” para se referir às agudezas da arquitetura: “Ne-
nhuma pintura, portanto nenhuma escultura, merece o glorioso título de engenhosa se não for aguda e
o mesmo digo eu da arquitetura, cujos estudiosos são chamados engenheiros por causa da sutileza de
suas engenhosas obras”. TESAURO, Emanuele. Argúcias Humanas, p. 4.
24
“[...] ordenamos, e mandamos, que os Vigarios, Coadjutores, e Curas, e todos os mais, a cuja conta
estiver o governo das Igrejas, e a guarda das cousas dellas, as tenhão sempre bem limpas, e concer-
tadas, e na guarda dellas terão a ordem seguinte. Serão obrigados passados tres mezes depois da
publicação destas Constituições, a ter nas Sacristias das Igrejas (aonde não houverem ainda almarios,
ou caixoes) ou nas mesmas Igrejas em parte alguma separada os ditos almarios, ou caixoes grandes
bem fechados e limpos para guardarem a prata, Calices, Missaes, e todos os outros ornamentos, que
andarem em continuo serviço da Igreja. Os quaes almarios se farão á custa da fabrica das Igrejas [...]”.
Cf. CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA. L. 4, XXIV, “Como se guardarão os
ornamentos, e moveis das igrejas, e que se não emprestem, nem sirvão em outros usos”, § 711-712,
p. 260-261.
216
muito “conveniente que as sacristias fossem adequadamente ornadas com a cruz e outras
imagens”, pelas quais o sacerdote mostraria reverência na preparação da indumentária sa-
cra
25
. Em nome do “decoro” e da “decência” relativa aos “ofícios divinos” (non considerantur
aliquid indecorosum, sed pro ejus decentia
26
), dever-se-iam ter rebocadas as paredes das
ditas sacristias, com tetos também emassados ou pintados, planos ou abobadados. As reco-
mendações encontram respaldo no tratado de Carlos Borromeu, para quem, em algum lugar
o mais conspícuo, vistoso e atraente (loco magis conspicuo), deveria haver uma “imagem
sacra” (icona sacra), “um armário ou mesa que se apresentasse em forma de altar, preparado
com uma cruz” ante o qual os sacerdotes se preparassem; ou um oratório em forma de altar,
em “lugar adequado” (decenti loco), à frente do qual o celebrante pudesse meditar para o
sacrifício da Missa
27
.
A sacristia do Carmo respeita praticamente todas essas regulações decorosas. Além disso, a
relação de proporções entre altura e largura do cômodo, bem como a das frestas de ventilação
e iluminação são bastante agradáveis. São quatro janelas, e atendem as recomendações de
Borromeu, que pressupunham no mínimo “duas aberturas ou mais”, “protegidas por grades de
ferro rmes”, de preferência uma de frente à outra, a m de facilitar a saída de ares e umida-
des.
28
O armário oferece lugar seguro e decente aos ornamentos, paramentos e alfaias, como
também solicitava, em nome do “decoro e serviço da Casa do Senhor”, a Visita pastoral de D.
João da Cruz à Matriz de Nossa Senhora da Vila do Carmo, em março de 1743. Em cima e no
centro do armário, foi ataviado um belo oratório com o trono de Cristo crucicado (FIG. 7), em
estilo, cromatismo e douramento consonantes às molduras e motivos que decoram também a
pintura do teto. Em 20 de julho de 1812, Manoel da Costa Ataíde recebeu quarenta e nove mil
e quinhentos réis referentes ao “feitio e tintas” do “oratório da Sacristia” e ao seu “doirado”
29
.
25
“Decenterque conveniat ornari cruce & aliis imaginibus, quibus Sacerdos vestibus Sacris inductus
reverentiam exhibeat”. FERREIRA, Manoel Alvares. Tractatus de Novorum Operum Aedicationibus,
eorumque Nuntiationibus, et adversus construere volentes in alterius praejudicium. Portucale MDCCL,
Liber I – De sacris templis et religiosibus Domibus, apud ANDRADE, Francisco de Paula Dias de. Sub-
sídios para o estudo da inuência da legislação na ordenação e na arquitetura das cidades brasileiras.
Tese, Escola Politécnica de São Paulo, São Paulo, 1966, p. 83.
26
[...] in eo tamen cum non peragentur divina ofcia, non considerantur aliquid indecorosum, sed pro
ejus decentia construantur ex macere, vel fornice”. FERREIRA apud ANDRADE, op. cit., p. 83.
27
Cf. BORROMEO, Carlos. Instructiones fabricae et supellectilis ecclesiasticae, 1577, XXVIII. De Sa-
cristia; De loco sacrae imaginis et altaris in sacristia; De oratio aut altare in sacristia, p. 79.
28
Cf. BORROMEO, Carlos. Instructiones fabricae et supellectilis ecclesiasticae, 1577, XXVIII. De Sa-
cristia, p. 77-78.
29
“1812 Rbi [Recebi] do Procºr da Veneravel ordem de N Senhora do Carmo, o Sn.ºr Antonio de
Padua, quarenta e nove mil e quinhentos de onze livros de ouro o doirado do oratório da Sacrestia da
217
O armário está todo assentado sobre um pequeno degrau, em conformidade à condição de
acomodar decentemente sobre si, à “forma de altar”, o oratório com o Cristo; o ornamento é
habitual nas sacristias de templos.
O corpo de pinturas do teto é todo emoldurado por uma saliente “cimalha” e seis mísulas ou
“represas”
30
que ngem sustentá-la, quatro nas engras”, ou quinas, de encontro das paredes
e duas no centro das paredes maiores (FIG. 8 e FIG. 2A). Uma destas represas efetiva de
forma bastante conveniente a ligação entre o corpo do teto e o corpo do lavabo, com a qual
se procurou evidentemente integrar as partes ornamentais num corpo contínuo e coeso,
todo ligado. O perl dos relevos é, ademais, bastante correspondente. Quatro painéis remis-
Igrª da dª Ordem, e trinta mil reis de feitio e tintas do sobredito e pª clareza passo o prezente de mª letra
e rma. Vª Rª 20 de Julho de 1812 Manoel da Costa Atayde. São 49$500”. Recibo, Documento Avulso
da Ordem, apud MENEZES, Ivo Porto. Manoel da Costa Athaide. Belo Horizonte: Escola de Arquitetura
da Universidade de Minas Gerais, 1965, p. 77-78.
30
“Represas” são ornatos que funcionam como mísulas ou peanhas, sustentando outros elementos. Na
arrematação das obras da sacristia, escada e corredores, discutida em reunião de 26 de maio de 1771,
foram especicadas as condições para a fatura e execução do forro. Deveria o arrematante fabricar
a “simalha em volta dos lados das paredes com seos ressaltos e reprezas, como aponta o dito risco;
como tão bem fará os payneis do dito fôrro [...]”. apud LOPES, op. cit., p. 45.
Figura 7 – Oratório da sacristia
218
sivos a passagens importantes da história de personagens da devoção carmelita preparam
hierarquicamente o painel central em formato oval, com Nossa Senhora do Carmo e o menino
nos braços dominando a composição, cercada por nuvens, querubins e anjos, ornada com as
“peças” e “pertences”
31
característicos da Virgem e sua Ordem, o manto branco de estrelas,
coroa de rainha e esplendores gloriosos (FIG. 9). A virgem entrega o cordão do escapulário
a São Simão Stock, enquanto um arcanjo lhe sustenta o livro com sete corações e sete selos
cadeados, remissivo ao Apocalipse de João. Abaixo da cena, uma tarja decorada em pintu-
ras de rocailles, lírios e rosas (FIG. 10) traz a inscrição característica e muito cara à Ordem,
recolhida na profecia messiânica do Livro de Isaías (35, 2): “Gloria Libani, data est ei, Decor
Carmeli, & Saron” – A Glória do Líbano lhe será dada, o esplendor do Carmelo, e Saron”
32
.
31
Em muitos documentos da irmandade, “pertences” são os atributos de ornatos e partes que decoram
convenientemente uma alegoria, gura ou parte da arquitetura, como algo que “pertence” efetivamente
à dignidade do que é representado. É um termo que evidencia e atualiza, por motivos de decoro, o ca-
ráter do que é representado, orientando a escolha de partes e atributos convenientes à representação.
32
Isaías 35: 2.(grifo nosso).
Figura 8 – Represa das “engras” da sacristia
Figura 2A Detalhe da Figura 2. Vista da sacris-
tia da Capela do Carmo. Destaque para a “represa”
acima do lavatório
219
Figura 9 – Painel oval central no forro da sacristia
Figura 10 – Detalhe do painel central no forro da sacristia
220
3.1 DECOR CARMELI
Difícil precisar os sentidos do termo “decor” no juízo de São Jerônimo ao traduzir os textos da
Vulgata
33
, no nal do século IV d. C. O termo aparece outra vez no mesmo versículo do profeta
Isaías, no acusativo decorem aplicado à predicação de Deus:
Laetabitur deserta et invia et exultabit solitudo et orebit quase lilium
germinans germinabit et exultabit laetabunda et laudans
Gloria Libani data est ei decor Carmeli et Saron
ipsi videbunt gloriam Domini et decorem Dei nostri
O deserto e a terra árida regozijar-se-ão. A estepe vai alegrar-se e orir
Como o lírio ela orirá, exultará de júbilo e gritará de alegria.
A glória do Líbano lhe será dada, o esplendor do Carmelo e de Saron;
será vista a glória do senhor e a magnicência do nosso Deus
34
.
O termo decor, em suas diferentes declinações (decor, decoris, decorem, decore, decori) apa-
rece outras dezenas de vezes na Vulgata – no todo, 72 vezes. Os termos cognatos decus,
decorus, decorum, decens etc. – comparecem outras 20 vezes
35
. Jerônimo também utilizou o
termo para especular sobre a elegância do discurso, literalmente sobre o “decoro” (decorem)
da tradução que ele mesmo zera dos textos bíblicos. Na Epístola 57 (Ad Pammachium De
optimo genere interpretandi
36
), ele comentou as diculdades de qualquer tradução: “É difícil
ao tradutor de textos alheios não se desviar em alguma passagem: é árduo (conseguir) que
aquilo que em outra língua foi adequadamente expresso conserve a mesma elegância (deco-
rem) na tradução”
37
.
Apesar das várias sinonímias possíveis ao termo, temos visto como o decor condensa a bele-
za aparente que se manifesta com honestidade e adequação. O dicionário Latino-Português
33
São Jerônimo traduzira diretamente do hebraico; a primeira tradução dos livros sem referência direta
à versão “dos Setenta”, para o grego.
34
BÍBLIA SAGRADA. São Paulo: Ave-Maria, 2001. Isaías 35:2 (grifo nosso).
35
Fiz estas estatísticas a partir da disponibilidade eletrônica da Vulgata empreendida pela “Èulogos”.
Cf. HIERONYMUS. Vulgata [Hyeronimiana versi], Èulogos, 2005. Disponível em: <http://www.intratext.
com/ixt/LAT0001/_index.htm>. Acesso em: 05 abr. 2007.
36
Cf. OLIVEIRA, Rui. “São Jerónimo”, in Humanae litterae. 30 de setembro de 2006. Disponível em:
<http://humanaelitterae.blogspot.com/2006/09/so-jeronimo.html>. Acesso em: 02 abr. 2007.
37
JERÔNIMO, Epistulae 57, apud FURLAN, Oswaldo Antônio. Língua e literatura latina e sua deriva-
ção portuguesa. Petrópolis: Vozes, 2006, p. 228.
221
de Saraiva apresenta para o substantivo masculino decor o sentido geral do que “está bem, o
que convém, conveniência, decoro”; o termo signica também o próprio “ornamento”; “bellesa,
gentileza, galhardia, elegancia, donaire, graça (do corpo)”
38
. De forma muito condensada, o
Lexicon Totius Latinitatis, de Forcellini, registra como primeiro sentido para o decor uma espé-
cie de beleza (pulchritudo) advinda ou manifesta “com honestidade e decência”:
Pulchritudo ex honestate et decentia sive rerum actionum, qua t, ut deceat
atque honestetur, qui habet illa, vel facit.
Beleza advinda com honestidade e decência, das coisas ou das ações, com
a qual pareça conveniente e honesto aquele que a possui ou faça
39
.
O lavatório ou lavabo da sacristia do Carmo também apresenta a mesma referência ao “de-
coro do Carmelo” (FIG. 11). A data da factura gravada na base do frontispício que se ergue
acima da bacia é 1776, mas ainda em 1771 foram escritas suas condições, colocadas em
praça para arrematação juntamente com o “pórtico”, ou “porta principal”
40
, os “arcos do coro”
e o “lavatório da sacristia”. As condições do lavatório, lavabo ou chafariz, rezavam que seria
obrigado o arrematante a fazê-lo “com toda a perfeição”:
na forma do risco, que se oferece, com declaração, que não se fará mais alto
de quatorze palmos, e nove de largo, contados na parte mais larga, sendo
a planta a que dá, gurando o fronte espicio da obra e a tassa da mesma
forma, porem mais crespa, para effeito de receber a agoa, e levará o ornato,
que o risco mostra e será feito o referido lavatório com duas bicas ornadas
com orão, como se ve no mesmo risco, e para poder caber a obra na referi-
da largura, não fará faxa [faixa], que se ve na roda do Espelho, e está asinada
com húa cruz, e será o referido lavatorio de pedra de itacolomy da cantaria
escolhida, e da qualidade declarada, exceto a pedra para o relevo, que
esta será de sabam [sabão], e será obrada com toda a perfeição, que asima
se declara
41
.
38
Cf. SARAIVA, Antonio. Dicionário latino português, p. 340.
39
Cf. FORCELLINI, Aegidius. Lexicon totius latinitatis, [s.l; s.n], 1940. v. 2, p. 22.
40
O risco de 1756 (e também o de Manuel Francisco Lisboa para a capela, antes da modicação que
comentarei adiante) apresentava uma galilé de entrada, com três portas, a exemplo de como se fez
na Capela do Rosário de Ouro Preto. As primeiras condições se referiram a um “alpendre debaixo do
coro”: “[…] capitulo septemo queserá o Rematante obrigado afazer a abobeda daalpedrada debacho-
docoro comtijolo caleareaeasuagrossura será vesemeyaeassimmais asduas abobedas das duas [?] as
debaixodocoro nas portasdas Ilhargas eassim mais asabobedasdos dous barretes”. Cf. ARQUIVO DA
PARÓQUIA DE NOSSA SENHORA DO PILAR. Códice 2523 (1756 1768). Ordem de Nossa Senho-
ra do Monte do Carmo. “Escriptura deobrigação q’ fazaVeneravel ordem 3.
a
deNossaSenhora doMonte
do carmo aJoseph Per.
a
dos Sanctos eeste aquella”. Vila Rica, 29/05/1756. . 2. (Documento avulso).
(Transcrição de Herinaldo Alves).
41
Apud LOPES, op. cit., p. 39.
222
Figura 11 – Lavatório da sacristia
223
Uma cláusula das condições esclarecia que o “relevo”
42
do dito lavatório seria todo executado
em pedra sabão, restando ao acabamento em pedra de Itacolomy apenas alguns detalhes,
como a “taça”, a “cimalha” e os “claros do espelho”
43
. As condições não conferem exatamen-
te com o chafariz composto na sacristia, evidenciando alguma modicação no decorrer dos
trabalhos, ou, mais provavelmente antes de iniciada a execução, o feitio de um novo risco e
condições, um ajuste
44
com modicações em nome do primeiro arrematante, “Francisco de
Lima” [Cerqueira], ou mesmo uma nova arrematação. Há um registro interessante a respeito
da modicação do risco e execução do lavabo, num exame que se fez também dos riscos
do pórtico e dos arcos do coro. Os louvados, dessa vez, lamentavam a possível retirada da
“faixa” que se via “na roda do espelho”, que estava “apontada com uma cruz”, porquanto essa
ausência “seria grande imperfeição no dito lavatório”, e determinaram que a pedra do lavatório
fosse toda “de sabão, da boa e bem dura”, exceto a “moldura da taça que pode[ria] ser de
itacolomi”
45
.
Mas todo o relevo do lavatório, inclusive os espelhos, tarjas, taça e coroamento, foram refen-
didos em pedra sabão
46
; a relação entre altura e largura máximas é de 2:1, contrariando as
condições que especicavam a relação aproximada de 1,5:1 (As condições determinavam
medidas máximas de 14 palmos para altura e 9 para largura, consistindo um palmo em aproxi-
madamente 22cm. A maior largura tem os quase 9 palmos mas a altura é de aproximadamente
18). Acima da bacia formada única como que pela união de duas taças que se interpenetram
como lóbulos, cada uma correspondente a uma das bicas –, desenvolve-se o corpo do lavató-
rio, fabricado em ornatos vários, folhas de acanto, anjos, curvas e contracurvas, concheados
e rocailles, que, caracterizando inteiramente seu feitio, distribuem-se por todo o corpo, pela
própria bacia, pelo frontispício, escudos e tarjas, frisos e arremates, delineando os limites
42
“Relevo” é o nome que se dava a qualquer obra de talha em pedra ou madeira que se ressaltava,
em relevo, para além da projeção do painel que lhe servia de suporte ou base. No caso do lavatório, a
base era a própria parede.
43
Denominavam-se “espelhos” os painéis ou superfícies planas verticais, lisas ou ornamentadas, dis-
postas em estruturas também verticais, como chafarizes, portadas etc.
44
“Ajuste” era um rearranjo acordado pelas partes envolvidas num contrato de arrematação, caso al-
guma das partes reivindicasse mudança de termos, condições e valores, argumentando-os mais justos
e adequados. Para o ajuste, eventualmente se solicitava, de ambas as partes, o juízo de mestres ou
ociais “medidores”, para a deliberação e emenda dos termos avaliados.
45
Documento avulso, s./d., cf. LOPES, op. cit., p. 102-103.
46
“Refendimento” é o nome que se dava ao ato de esculpir em relevo. A obra segue, portanto, neste
aspecto, as condições levadas pela Ordem para arrematação e ajuste, pois todo o relevo foi refendido
em pedra-sabão.
224
de sua distinção
47
com a parede branca que o acomoda. Douramentos aplicados aos frisos,
ressaltos e estrias de todo o corpo do lavabo lhe conferem, como no geral a grande parte da
cantaria de todo interior da Capela do Carmo detalhe característico de sua arquitetura ao
qual voltaremos adiante –, um caráter de nobreza e requinte bastante conveniente à distinção
da ordem comitente; distinção esta que provocava efeitos muito pertinentes à evidenciação de
seu decoro tanto de sua beleza característica e apropriada quanto de sua dignidade, hierar-
quia e discrição. Na oitava condição para pintura e douramento da Igreja, Ataíde comentou o
“expediente” apropriado para efetivar esse artifício:
Que alem dos arcos do barrete das abobadas ao artigo se pro-
ceda à douramento de letes nas portadas, e arcos das Tribunas,
eportas lateraes da Capella Mor, empregando o expediente admis-
sivel para melhor conservar o Ouro, com a pedra
48
A composição está estruturada por um pórtico arquitetônico
retangular arrematado engenhosamente por uma arquivolta
em forma de concha. Esta concha sugere, com suas estrias,
o efeito de profundidade de uma cúpula. A ornamentação foi
utilizada por Aleijadinho no nicho de São João Batista no fron-
tispício da Igreja Matriz de Barão de Cocais (FIG. 12), com
a ressalva de que, em Barão de Cocais, a concha apenas
enfeita a profundidade efetiva da cúpula
49
. Já no lavatório do
47
virado o século XVIII, a Ordem cogitava o douramento de partes do corpo da igreja numa consulta
que fez ao Mestre Ataíde. Ao considerar a obra dos altares colaterais, Ataíde denunciou algumas imper-
feições que iam “contra a regra, gosto e razão”, esclarecendo que alguns retoques de alguns “corpos”
da Capela se “confundiam” com “a mesma cor branca das paredes”. Argumentou, então, autorizado
“segundo o gosto dos antigos e modernos”, que o correto seria esses “retoques” servirem, sim, para
distinção e ornato do seu composto”. Cf. ATAIDE. “Pláno q. aexemplo detodos os Templos, eainda.o
deoutros edecios públicos eparticuláres, setem adotado segd.o o gosto dos antigos, emodernos; eeu
alcanço ser a certado”. In: Anexos, Documentos, apud LOPES, op. cit., p. 176-177. (grifo nosso).
48
CECO-PILAR-CARMO, Filme 072, vol. 052, f. 118v-121. “Condições, e declarações, que apresenta
Manoel da Costa Ataide á Ill.mª e respeitável Mesa da Veneravel Ordem 3.ª de Nossa Senhora do
Carmo da Imperial Cidade do Ouro Preto, pelas quaes declara o método, e ordem, que se deve seguir
no douramento, e pinturas do Retabulo do Altar Mor”, s. d. “Addicionamento às condições”, Condição
n. 8, . 120.
49
Outras capelas possuem a mesma invenção, como nas cúpulas do nichos das portadas de Santa
Egênia e Bom Jesus de Matosinhos, ambas em Vila Rica. É um lugar-comum da arquitetura, utilizado
em outras decorações como, por exemplo, na cúpula do nicho do frontão de São Vicente de Braga (vi
pela primeira vez o detalhe na obra de BAZIN, Germain. Aleijadinho e a escultura barroca no Brasil. Rio
de Janeiro; São Paulo: Record, 1971, p. 26); ou ainda, mais distante, nas cúpulas dos nichos laterais
superiores da fachada da Igreja de Santa Suzana, em Roma, projeto de Maderno, ou na cúpula do ni-
cho da gravura do templo de Vênus Phizizoa de Hypnerotomachia poliphili, Francesco Collonna, 1491.
Figura 12 – Detalhe do Fron-
tispício da Igreja Matriz de São
João, Barão de Cocais, Minas
Gerais. Nicho e imagem de São
João Batista
225
Carmo, o artifício houve que ser mais engenhoso, ngindo pelo efeito a ilusão verossímil da
perspectiva. No centro de tudo, a Virgem carrega o menino apoiado em seu braço direito,
enquanto o esquerdo conforta o respectivo braço do menino numa atitude de amparo. Tudo
parece servir a um simpático jogo de adequações, paralelismos e afetos. O rosto e o corpo
do menino cujo escorço de pernas é admirável se insinuam em movimento para a sua
direita. o rosto da Virgem pende graciosamente para o seu lado esquerdo, equilibrando o
conjunto coroado pela concha que parece representar, envolvendo-os ambos, uma auréola de
santidade. Acima desta, como se fosse a alma de um emblema
50
decorosamente inventado e
incorporado em relevo pelo lavatório, o escudo central enaltece as virtudes da Virgem, numa
divisa por demais conveniente a uma “fonte” literalmente metaforizada em Nossa Senhora:
FONS ERIS Ò VIRGO NOBIS, ET ORIGO SALUTIS”: “Serás para nós, ò Virgem, fonte e origem
da salvação” (FIG. 11).
Todas as guras espelham serenidade semelhante, e a decência fez com que sutilmente se
cobrissem com panejamentos os sexos dos anjos e do menino. A centralidade das guras
principais é acentuada também por duas proeminentes volutas dispostas a cerceá-las. Suas
50
Santiago Sebastián atualiza a denição de emblema no sentido inaugural de Alciato, “o fundador da
emblemática”, como “ornato”, “colocado ou acrescido”. Sebastián conclui ser o emblema “uma gura
simbólica, que tem um título e vai seguida de um epigrama, com o m de ensinar ou moralizar”. Alciato
lhe deniu a estrutura: um “corpo, que é a gura”, um título, que é uma “máxima ou algo qualicativo
da imagem”, e um texto, “que constitui a alma do emblema”. Cf. SEBASTIÁN LÓPEZ, Santiago. Em-
blemática e historia del arte. Madrid: Cátedra, 1995, p. 12-13. Neste estudo, Sebastián desenvolve as
relações entre a emblemática e a arte da memória, como doutrina geral da invenção e disposição dos
lugares e das imagens, apresentando importante compreensão acerca dos procedimentos retóricos
fundamentais ao entendimento da arte dos séculos XVI ao XVIII, inclusive a arquitetura, ao estudar
especialmente o que ele chamou de “espaços emblemáticos”. Segundo Bluteau, emblema “é pala-
vra grega derivada do verbo Emballo, que signica duas cousas contrarias, a saber, Metter dentro, &
botar fora”. Emblimata os gregos usavam para designar “uns ornamentos, ou peças postiças, que se
pegavão aos vasos de ouro, ou prata, & quando se queria, se tiravão”. Ainda segundo Bluteau, muito
interessante constatar que, no sentido ornamental com que se desenvolve uma retórica da arquitetura,
por “emblemata” os antigos entendiam “as folhagens da escultura, as brochas dos arnezes [aparelhos
e ornatos usados para amparo e proteção], festoens, relevos, & outras obras & lavores”, aos quais
também davam o signicativo nome de Argumenta”. Cf. BLUTEAU, op. cit., v. 3, Emblema, p. 43-44.
Bluteau assimila também o sentido mais consagrado pelas Humanidades do século XVI: “Emblema,
he termo metaphorico, porque da signicação de ornamentos materiaes [conforme citado acima] pas-
sou a signicar algu[m] documento moral, que aberto em estampas, ou pintado em quadros, se poem
para ornamento das falas, galerias, Academias, Arcos triumphaes, &c. O emblema tem, como a divisa,
ou empresa, corpo, & alma, a saber, gura visivel, & letra inteligivel, porem em muytas cousas difere
Emblema de empresa”. Adita Bluteau que a empresa ou divisa admite poucas guras, “quanto mais
simples”, mas o “Emblema admite varias guras, historicas, ou fabulosas, naturaes, ou articiosas, ver-
dadeiras, ou chimericas; ne[m] exclue, como a Empresa, corpos humanos[...]. O objecto do Emblema,
he um documento geral, concernente ao instituto da vida humana [...] o Emblema, como familiar, popu-
lar, liso & sincero, clara, & diffusamente expoem, o que ensina [...]”. Idem, Ibidem, p. 44.
226
concavidades voltadas para o centro do lavatório reiteram o argumento principal
51
, os efeitos
e as nalidades da composição, amplicados pelo requinte do douramento a ressaltar o line-
amento das curvas que o conformam. Concheados aprimoram essas volutas, envolvendo-
as sutilmente como fazem as rocailles nos volteios extremos que as atam geralmente aos
suportes ou molduras que decoram. Sobre esses concheados, dois anjos estão assentados.
Carregam consigo tarjas laterais que estão à altura, portanto, do escudo principal, com divisas
muito interessantes também ao ornato e decoro do lavatório do Carmo. As tarjas se voltam
levemente para o centro, numa orientação mais apropriada para leitura de quem se aproxima
do lavatório ou está na iminência de seu uso, adequando a posição correta da visão do es-
pectador à destinação usual da obra
52
. Enquanto sustentam as tarjas, os anjos pendem seus
rostos e olhares delicadamente para os lados e para cima, acentuando a graça do ornato. Os
braços dos anjos se dirigem no entanto para o centro, apoiando com as mãos as tarjas, como
que a apontar para as matérias que justicam suas presenças mensageiras; reinventando
uma tópica ornamental bastante esculpida nas talhas, portadas e retábulos de igrejas e cape-
las de Minas Gerais. Como na pintura central do forro, as tarjas também trazem, cada uma,
51
A iteração como imitação e variação de modelos (tipos, lugares, ornatos, elementos e morfemas) é
um dos procedimentos mais utilizados na retórica da arquitetura, resultado de uma das buscas primor-
diais e gerais da heurística retórica. Na retórica dos textos, a iteração consistiu numa emulação dos
modelos e argumentos, seja em tratados antigos, como Quintiliano, seja em modernos, como Tesauro,
em que se elogiava, sobretudo, a variação aguda do modelo. Na retórica da arquitetura, além da imi-
tação-emulação de modelos autorizados pelos costumes da arte, similar à retórica textual, a imitação
assimilava modelos da própria obra, concitando os artesãos a reproduzirem os padrões convalidados
da própria fábrica. Assim, encontram-se muitos documentos requerendo, para uma mesma obra, a imi-
tação do desenho de certa porta, janela, guarnição ou ornato, indicando clara intenção não apenas de
se guardar uma certa correspondência entre as espécies do estilo, como também de proporcionar um
modelo adequado para a invenção dos ornatos. Além disso, a profusa imitação de certos tipos de orna-
to é geralmente utilizada, como por exemplo em retábulos, para ressaltar e reiterar o foco de atenção
do espectador na imagem central do trono. No lavabo do Carmo, os ornatos e seus desenhos também
acentuam a centralidade da composição, hierarquicamente disposta, focada nas guras da Virgem e
do menino, por assim dizer cercando-a com argumenta vários. Sobre a iteração como procedimento
heurístico de conceitos, Cf. PLEBE, Armando; EMANUELE, Pietro. Manual de retórica. São Paulo:
Martins Fontes, 1992, p. 39-42.
52
O professor João Adolfo Hansen tem desenvolvido, em vários textos, as doutrinas consagradas por
Horácio nos famosos versos da Arte poética encabeçados pelo famoso ut pictura poesis (v. 361-365).
Critério de comparação durante muitos séculos, entre as artes, principalmente da pintura e da poesia,
“doutrina genérica do decoro necessário em cada gênero”, enunciação da “homologia retórica de pro-
cedimentos miméticos ordenadores do efeito” e das três funções da retórica (ensinar, agradar, persua-
dir – docere, delectare, movere), nos versos de Horácio estavam implícitas, conforme gênero, matéria
e estilo, a clareza/obscuridade adequada, a posição exata (longe/perto) e a quantidade de vezes (uma
vez/muitas vezes) pelas quais, verossímil e decorosamente, uma obra tanto se apresentava como re-
queria ser observada. Cf. sobretudo, HANSEN. Categorias epidíticas da ekphrasis. DCLV-FFLCH-USP,
São Paulo, [19--?], p. 19-20. (mimeo), HANSEN, João Adolfo. Ut pictura poesis/ Ut theologia rhetorica.
DLCV-FFLCH-USP, Notas de Aula, [19--?], p. 2. (mimeo), e o tratado latino: HORÁCIO. Arte poética. In:
ARISTÓTELES/ HORÁCIO/ LONGINO. A arte poética. Tradução de Jaime Bruna. São Paulo: Cultrix,
1997, p. 55-69.
227
trechos da profecia messiânica presente no Livro de Isaías: “GLORIA LIBANI”, na tarja direita,
e “DECOR CARMELLI”, na esquerda, tomada como referência a orientação do lavabo
53
. Muito
pertinente comparar a composição do lavatório do Carmo com a portada da Capela de mesmo
orago em São João Del Rei. Em ambas, os anjos sustentam tarjas laterais dirigidas à posição
central do espectador, animadas com os mesmos textos, Gloria libani e Decor carmeli. Os an-
jos das portadas possuem a mesma disposição do corpo, evidenciando ou a imitação de um
mesmo modelo ou a imitação mútua entre obras da mesma irmandade (FIG. 13;13A).
Oportunamente, o capítulo de Isaías que anima as tarjas do lavatório é uma predição à felici-
dade vindoura dos tempos messiânicos, e a Virgem do lavatório não traz senão, nos braços,
justamente o Messias. O trecho de Isaías que faz referência ao “esplendor do Carmelo” foi
comumente tomado pelos carmelitas como alegoria hermenêutica ou teológica, apropriação
retórica da promessa profética do Velho testamento que haveria de se cumprir no Novo e
também na história dos homens compreendida sempre, nos estados católicos, como pro-
vidência divina orientada pela graça que ilumina ecazmente o engenho e a prudência dos
53
Ao descrevê-lo sucintamente, Lopes comentou os escritos dos escudos que o ornam, e apresentou
uma tradução curiosa justamente para a expressão que nos interessa, dicultando o estímulo às dis-
cussões do decoro. Os dois escudos apresentam as expressões: “Gloria Libani” e “Decor Carmelli”.
Lopes igualou semanticamente os termos Gloria e Decor, traduzindo os dois trechos por “Glória do
Líbano” e, também, “Glória do Carmelo”. Cf. LOPES, op. cit., p. 39.
Figura 13 – Frontispício da Capela do Carmo
de São João del Rei. Fonte: <http://farm1.
static.ickr.com/99/265687375_fde16b94c3.
jpg?v=0>
Figura 13A Detalhe da Figura 13. Anjo acima da
ombreira direita da portada apresenta tarja com a
inscrição referente ao Decor Carmeli
228
homens para a glória de Deus
54
. Será tam-
bém por isso que a tópica ornamenta tantas
igrejas carmelitas, e não apenas no âmbito
luso-brasileiro, um lugar-comum da devo-
ção (FIG. 14) incorporado como ornato que
evidencia a dignidade do Carmelo em contri-
buir com os desígnios divinos. A alegoria do
Decoro do Carmelo
55
foi, portanto, sempre
muito apta a autorizar a devoção a Nossa
Senhora do Carmo; uma referência provi-
dencial ao decor que resplendeu do Monte,
na visão profética de Elias que prenunciou
milagrosamente a chuva que saciaria anos de estiagem em Israel e também a Mãe do Mes-
sias. As duas idéias caram condensadas na imagem de uma pequena nuvem que surgia no
horizonte acima do mar
56
. A imagem se tornou também uma tópica especial muito freqüente
54
Sobre a alegoria teológica ou hermenêutica como compreensão providencialista da história, cf. Cap.
2, p. 146, nota 105. Essa compreensão divina da história capacitou Vieira escrever uma verossímil
História do Futuro”, título paradoxal, para nós, modernos, engenhoso para os discretos católicos co-
evos, louvor encomiástico às conquistas futuras de Portugal, garantidas por sua lealdade a Deus e à
Igreja Católica; um dos exemplos mais eloqüentes da compreensão da ordem natural e divina a atuar
providencialmente na história dos homens e das nações para a efetivação de desígnios divinos. Alcir
Pécora advertiu que Vieira foi o “principal formulador, nos Seiscentos, do mais importante ‘mito cultural’
português, aquele do ‘V Império’”, idéia fundada na profética efetivação de um Império ainda por vir,
“encoberto” no mito do retorno de D. Sebastião, um “Império de Cristo consumado na terra”, como ain-
da intitula parte do título da Clavis prophetarum, obra inacabada de Vieira. Cf. PÉCORA, Alcir. Teatro
do sacramento, São Paulo: Edusp; Campinas: Unicamp, 1994, p. 39-41; 63-64. Sobre a compreensão
do “absolutismo providencialista” em Portugal, cf. ainda XAVIER, Ângela Barreto; HESPANHA, Antonio
Manuel. A representação da sociedade e do poder. In: MATTOSO, José (Dir.) História de Portugal, p.
124 et seq., e também BARBOSA FILHO, Rubem. Tradição e artifício; iberismo e barroco na formação
americana. Belo Horizonte: UFMG; Rio de Janeiro: IUPERJ, 2000, p. 21-30 passim, que evidencia
como a concepção cristã da história diferiu ontologicamente da grega, consagrada por Homero e enga-
jada pelo istoreín de Heródoto (como eventualidade excepcional e maravilhosa dos feitos obrados por
virtudes, “palavras e ações“ dos homens), para assimilar a idéia de história como “teodicéia”, sucessão
de eventos humanos também virtuosos (igualmente ornados por “palavras” e “ações”), porém encade-
ados por uma nalidade transcendente e divina. Nesta hermenêutica, a graça de Deus orienta perma-
nentemente os homens e a história rumo à sua “perfeição” como “m” divino das coisas e dos destinos
humanos, um m metafísico que contempla as implicações escatológicas e soteriológicas da parúsia,
a segunda vinda de Cristo à Terra, consumação nal do drama humano na vitória do “bem” católico na
luta contra o “mal” de tudo o que não é cristão, a heresia e a barbárie gentia.
55
A formosura do Carmelo foi elogiada também no Cântico dos cânticos, entre sucessão de metáforas
qualicativas e adjetivos (pulchra, decora etc.) aplicados a Sulamita: “Tua cabeça se ergue como o
Carmelo e os cabelos de tua cabeça são como a púrpura, atado um rei em suas volutas; quão bela e
preciosa formosura és, entre as delícias” caput tuum ut Carmelus et comae capitis tui sicut purpura
regis vincta canalibus quam pulchra es et quam decora carissima in deliciis”. (Ct. 7: 6-7).
56
Em razão dos desvios de Acab, Rei de Israel entre 873 e 853 a.C., Elias maldisse na terra qualquer
Figura 14 Igreja do Carmo, Calábria, Itália. Aten-
ção para a inscrição Decor Carmelique decora o
friso da fachada. Fonte: <http://www.decorcarmeli.
it/>.
229
nas orações e ladainhas habituais
do Carmelo, autorizada desde a Re-
gra escrita por São Bernardo no -
culo XIII, e que os irmãos carmelitas
deveriam conhecer bem
57
. Não é por
acaso, assim, que esta visão proféti-
ca de Elias está adequadamente re-
presentada também no forro do teto
da sacristia do Carmo de Ouro Preto,
num dos painéis laterais que prepara,
como disse acima, o painel central
oval com a Virgem e o menino (FIG.
15). A pintura encena o patriarca ajo-
elhado em êxtase de adoração dirigido a um círculo de nuvens no centro do qual, inscrita em
um triângulo eqüilátero, resplende solar e glorioso o anagrama mariano.
Para além das referências alegórico-teológicas aludidas ao Carmelo e à Virgem “esplendor”
[decor], “origem” [origo] e “fonte” [fons] de “salvação” a “fonte” em si mesma é um tópos
simbólico para os carmelitas. A primeva congregação da devoção está ligada à fonte de Elias,
situada no Monte Carmelo, lugar em torno do qual se reuniam, reza a lenda
58
, aqueles que
sinal de chuva ou sequer de orvalho por vários anos, até que ele mesmo, em nome do Senhor, anun-
ciasse a chegada da chuva e a redenção de Israel. Acab havia inclusive erguido um altar ao Deus Baal
no templo de Samaria. Passados vários anos, o Senhor ordena a Elias que se apresente a Acab, o que
resulta no milagre da oblação e no reconhecimento de Elias como profeta do Senhor. Após o assassínio
dos 400 profetas de Baal, Elias tem, orientado por Deus, a visão da nuvenzinha. (I Reis, 17; 18).
57
O noviciado das ordens terceiras pressupunha a leitura dos textos relativos à devoção, formando
irmãos conscientes dos aspectos que a caracterizavam. A referência à visão da “nuvenzinha” por Elias
se encontra, por exemplo, na “Meditação segunda”, “Maria revelada”, de uma das novenas citadas na
edição da Regra de Santo Alberto, arquivada na Ordem de Vila Rica: “Depois de larga oração appare-
celhe uma Nuvemzinha, que sahia do Mar tão pequena, que ainda estava muito longe de ter gura: Era
esta Imagem a de Maria: e o grande propheta alcançou pela luz da revelação que esta era a Nuvem,
que conceberia, e choveria o justo do Senhor”. Cf. CECO-Pilar-Carmo. Filme 180, vol. 2672. REGRA
DA ORDEM TERCEIRA DA MÃI SANTISSIMA, e soberana senhora do Monte do Carmo, extrahida da
regra, que Alberto Patriarca XII, de Jerusalem escreveo par Brocardo, e os mais Eremitas, que ao da
Fonte de Elias moravão no Monte Carmelo. Approvada pelo Santissimo Padre Sisto IV. Exposta por Fr.
Miguel de Azevedo, Religioso carmelita da antiga observancia. Lisboa, na Regia Ofcina Typographica,
Ano MDCCXC, Com licença da Real Mesa da Comissão Geral sobre o Exame, e Censura dos Livros,
p. 189-192.
58
no frontispício da regra da Ordem adaptada da redação do patriarca São Alberto, a referência à
fonte de Elias autoriza a lenda dos primeiros carmelitas. Cf. CECO-Pilar-Carmo. Filme 180, vol. 2672.
REGRA DA ORDEM TERCEIRA DA MÃI SANTISSIMA.
Figura 15 – Detalhe de painel do forro da sacristia da Ca-
pela do Carmo, Vila Rica. A visão que teve Elias da “nu-
venzinha” que prenunciava Maria.
230
queriam devotar sua vida à imitação do eremita, os primeiros irmãos da Ordem. Assim, a fonte
da sacristia do Carmo servia à comodidade ordinária necessária ao lavabo de qualquer sacris-
tia, de qualquer capela, mas teve assimilados em sua iconograa as referências e “pertences”
adequados ao orago. Atualizavam-se e se aprimoravam as matérias da devoção. A fonte da
sacristia condensa a servidão utilitária costumeira aos lavabos, e ainda representa a “fonte”
em que se tornou a Virgem do Carmelo; prenúncio não apenas de chuva, conforme a profe-
cia de Elias, mas também de “salvação”, à luz de Isaías (7:14), o profeta que anunciou que o
Messias viria à luz por uma Virgem (surgida com o Salvador menino no relevo do lavabo entre
espirais de nuvens
59
). As carrancas das bicas guram dois delns dispostos a articular formal-
mente as nuvens que sustentam a virgem e ondas de água compostas próximas à superfície
da taça, guras encontradas mais de uma vez nos lavabos carmelitas de Minas Gerais. Além
da remissão direta às águas, a colocação dos delns nesses lavabos pode estar também rela-
cionada ao signicado de “incolumidade” (incolumen) associado à representação do animal
60
,
atributo bastante conveniente aos lavabos dedicados à Imaculada.
As histórias da devoção nos ajudam a compreender melhor os engenhos da escultura, da
pintura e da arquitetura
61
. Iluminam o entendimento do decoro enquanto preceptiva que orien-
tou a correta e decente perfeição da fábrica, mas também do decoro enquanto formosura,
dignidade aparente da Ordem, da capela e suas partes. A invenção do sítio de implantação
59
As nuvens representadas no lavabo do Carmo se assemelham muito ao estilo de outras espirais de
nuvens também representadas em capelas de Ouro Preto: no óculo cego da portada de São Francisco
de Assis e na portada da Igreja de Bom Jesus de Matosinhos, ambos de Aleijadinho. Na igreja de Bom
Jesus, as nuvens aparecem no fecho do arco do nicho de São Miguel que sustenta a imagem do sagra-
do coração. O estilo é entendido aqui no sentido dos efeitos de elocução conferidos pelo stylo [pena ou
cinzel] do artíce, uma compreensão caudatária das noções de adequação e decoro trabalhadas por
Cícero no De oratore, no qual o número de gêneros (genera dicendi) poderia alcançar, num extremo, o
número de “estilos” dos diversos inventores. Sobre esse assunto, cf. GINZBURG, Carlo. Estilo, inclusão
e exclusão. In: ___. Olhos de madeira. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Cia das letras, 2001,
p. 140-142.
60
Sobre o atributo de incolumidade dos delns, ver a análise de Santiago Sebastián sobre os hieróglifos
dos relevos emblemáticos do claustro da Universidade de Salamanca, cuja fonte, segundo Sebastián,
foi o tratado fantástico Hypnerotomachia Poliphili, de Francesco Colonna, 1491, impresso em Veneza
por Aldo Manucio. Cf. SEBASTIÁN LÓPEZ. Emblemática e historia del arte, p. 20. A atribuição de “in-
columidade” ao delm aparece também no emblema de Alciato cujo título é: Princeps subditorum inco-
lumitatem procurans”. Cf. ALCIAT, André. Les emblémes. Klincksieck: [s.n], 1997. Os delns poderiam
simplesmente remeter ao elemento água, mas neste caso o atributo de incolumidade os torna dupla-
mente apropriados. Pais da Silva e Margarida Calado se referem ao delm como símbolo da “migração”
e da “imagem de Jesus”, sem contudo referenciar exemplo. Cf. SILVA, Pais da; CALADO, Margarida.
Dicionário de termos de arte e arquitectura. Barcarena: Presença, 2005, p. 125.
61
Sobre a importância dos aspectos ligados à histórias dos oragos e das devoções na iconograa artís-
tica, cf. o estudo fundamental de MALE, Êmile. El arte religioso de la contrarreforma (1932). Madrid: En-
cuentro, 2001. Cap. X: La decoración de las iglesias. Las iglesias de las Órdenes religiosas, p. 409-486.
231
considerou as regras mais gerais e consagradas da decência, o que acabou amplicando,
oportunamente, aspectos muito caros da história e do decoro carmelita.
3.2 A implantação “decente” da Capela – “conveniente”, “cômoda”, “alta” e “vistosa”
A Capela do Carmo é um dos templos mais conspícuos e vistosos de Ouro Preto, virtude da
qual tinham consciência os irmãos da Ordem quando da escolha do sítio e do ajuizamento
das circunstâncias competentes. A capela foi construída na parte mais alta do Morro de Santa
Quitéria, de costas para o que hoje é a Praça Tiradentes, no exato sítio onde antes se encon-
trava a capelinha de pau-a-pique dedicada a Santa Quitéria, primeira a acomodar os irmãos
carmelitas
62
. do alto das “cabeças” topônimo da entrada em Vila Rica para quem chegava
do “caminho velho” vindo de São Paulo e Paraty podia se ver o frontispício da capela se
erguer altaneiro, primeiro edifício em dignidade a ser visto ainda de longe (FIG. 16 e 17). Em
1759, a Ordem declarou em Mesa a intenção de se fazer uma obra que fosse “muito vistosa
e quanto baste para comodidade da mesma Ordem”
63
.
62
Em 15 de maio de 1751 a Ordem terceira recebe de Roma, do Convento de Santa Maria Transponti-
na, sua “carta patente”, cf. CECO-PILAR-CARMO, Filme 201, vol. 2438, . 1-2; e, em 19 de agosto de
1754, a provisão do Bispo de Mariana, D. Fr. Manuel da Cruz, na qual convinha o “beneplácito” de se
pretender “prefeitamente (sic) estabelecer na Capella de Santa Quiteria felial da Freguezia de Nossa
Senhora do Pillar de Ouro Preto da ditta Villa [...] para mayor servisso honra, e gloria de Deos, e da
mesma Senhora do Monte do Carmo”. Idem, Filme 201, vol. 2438, f. 3v-4.
63
Em 1759, a Ordem desiste de ajustes com a irmandade de Santa Quitéria a respeito do sítio e prosse-
gue com os desígnios de uma nova arrematação, com a qual se intentava fazer a Capela “com aquela
comodidade precisa e que prometer o país”, uma “obra” que fosse “muito vistosa e quanto baste para
comodidade da mesma Ordem”. Documento citado mas não referenciado por LOPES, op. cit., p. 16.
Se a Capela do Carmo deveria car “cômoda” e “vistosa”, os irmãos terceiros de São Francisco, na
escolha do sítio para a sua capela, documentaram necessidade de um efeito semelhante, de modo que
se tivesse dela, literalmente, a “melhor vista”; o que evidencia interesses comuns de conspicuidade e
maravilha na implantação dos templos. Cf. o próximo capítulo.
232
Elegantemente
64
, a capela está orientada de modo a seguir a recomendação tridentina, com o
altar-mor apontado para o nascer do Sol, que atribui Cristo (Lux Mundi). Todavia, muitas outras
capelas e igrejas de Ouro Preto evidenciam ter dominado a inobservância dessa regra; a pre-
64
A categoria da elegância, também comumente requerida nos documentos setecentistas, é um termo
bastante adequado para tratar da implantação de edifícios, na medida em que a eleição do sítio de-
terminava uma série de qualidades a se efetivarem na construção. O termo elegantia advém do verbo
latino eligere (eleger, escolher) indicando a qualidade daquilo que foi escolhido, no todo e nas partes,
com primor. Cf. BLUTEAU, op. cit., v. 3, Elegancia, p. 21.
Figura 17 – Vista geral do Arraial de Pilar, com a Capela do Carmo altaneira
em relação a todas as demais edicações
Figura 16 – “Aspecto de Ouro Preto em 1821”, a partir das “cabeças”, na es-
trada de quem chegava de São Paulo. Fonte: Acervo de fotograas do IFAC/
UFOP
233
valecer, antes, outras conveniências, conformadas às circunstâncias urbanas e aos efeitos de
vista criados nos largos e arruamentos que se aproximam dos templos. Isto veremos melhor
na capela franciscana. No caso da Capela do Carmo, a regra e as oportunidades parecem ter
sido muito bem conveniadas. O altar-mor corresponde ao nascente, assim como a Matriz de
Nossa Senhora do Pilar, enquanto o frontispício se dirige para o poente
65
. Deste modo orien-
tada, a Capela do Carmo acabou dominando todo o prospecto do arraial do Pilar, paróquia à
qual pertence, situada na paragem mais alta do morro, como caberia oportunamente ao tem-
plo dedicado a uma devoção originada no “Monte do Carmo”. Se a Capela por um lado não
se abriu para a Praça Tiradentes, como seria igualmente verossímil ou provável se esperar, o
seu adro, conformado por altos muramentos de arrimo aptos a sustentarem ainda mais alta a
sua situação
66
– o que demandou muitas movimentações de terra documentadas nas delibe-
rações da Ordem – elevou também o seu próprio adro, amplicando a dignicação da capela
em relação às demais construções. O adro constitui, então, efetivamente, a praça da capela,
limitada pelos muros de arrimo que sustentam a rmeza e a segurança de todo o sítio (FIG.
18 e 19). Ademais, para cumprir decentemente a todas essas conveniências, foi necessário
construir-se uma escadaria de acesso à plataforma da Igreja, bastante extensa e proporcio-
nalmente larga, a evidenciar com majestade o seu soerguimento, além de vários muramentos
(FIG. 20). Esses engenhos construtivos, necessários à decente e elevada acomodação da
capela ao sítio, e também à sua segurança e comodidade, conformam e acentuam não ape-
nas o efeito de altitude, como também as disposições cristãs da razão e da alma inerentes à
idéia fundamental do movimento de ascensão
67
(piedade, penitência, puricação, santidade,
iluminação, união com Deus). A idéia constituiu uma metáfora da vida cristã muito recorrente
na retórica e na iconograa artística dos séculos XVII e XVIII da emblemática à arquitetura –,
65
Cf. BORROMEO, Carlos. Instructiones fabricae et supellectilis ecclesiasticae. L. I, X. De Cappella
maiori, p. 15: “Portanto, o sítio desta capela deve-se eleger na cabeça da igreja, em lugar mais ele-
vado (loco eminentiori), em cuja região esteja a entrada principal; sua parte posterior esteja orientada
ao nascente [...]”, Situs igitur cappellae in capite ecclesiae, loco eminentiori, e cuius regione ianua
primaria sit, deligi debet; eius pars posterior in orientem versus recta spectet [...]”; cf também as CONS-
TITUIÇÕES primeiras do arcebispado da Bahia, L. 4, XVII, “Da Edicação, e reparação das Igrejas
Parochiaes”, § 687-689, p. 252-253.
66
O termo “situação” foi utilizado, na época, pelo rei D. João V, para concluir a recomendação de al-
gumas conveniências a serem garantidas no aumento da cidade de Mariana, recém elevada a esta
condição. Assim, o termo “situação” pode ser entendido como a ação de se situar, dispor ou acomodar
convenientemente o edifício ou a povoação em seus sítios, para a qual poderiam ser feitas plantas.
Cf. APM SC 45, f. 28. Lisboa, 02/05/1746 (cópia) (grifo nosso); disponível também em AHU Brasil/MG
Cx. 50, doc. 61, p. 168-169, com anotação lateral de próprio punho do governador Gomes Freire de
Andrada, na qual declarava que “com grande cuidado” efetivaria a “real ordem de Vossa Majestade”.
Cf. BASTOS. A arte do urbanismo conveniente. 5. Mariana, a cidade adornada, p. 175-177.
67
A idéia se relaciona com o mistério da Ascensão de Cristo. “Escalar a montanha é dispor-se a cami-
nho do céu”. Cf. GATTI, op. cit., p. 62.
234
culminando na ascensão virtuosa rumo ao
Reino de Deus e suas glórias; uma metá-
fora especialmente adequada ao decoro
carmelita, vale ressaltar, atualizada sempre
na remissão patriarcal ao Monte do Carmo.
Alegorias reeditavam o costume, como se
no “Monte da perfeição”, emblema do
poeta místico São João da Cruz, um dos
santos e teólogos da Ordem mais inuen-
tes. No emblema do Santo, divulgado e imi-
tado por gravuras dos século XVI e XVII, a
ascensão ao Monte da perfeição represen-
taria uma metáfora da vida do cristão dedi-
cado a alcançar a perfeição, ou seja, a boa e bela consecução do m para o qual está desig-
nado como criatura de Deus. Na gravura de Diego Astor (FIG. 21), o caminho correto estava
orientado em retidão, ornado de virtudes várias, cardeais e teologais, acompanhado de outras
qualidades necessárias à sua efetivação. Equívoco seria se entregar aos vícios mundanos,
caminhos sinuosos representados no plano ao sopé do monte, ao passo que a vida de virtu-
des é comparada a uma árdua ascensão do monte rumo à “perfeição”; uma excelência tam-
bém requerida, veremos, para a fábrica do templo. A materialização da metáfora em templos
carmelitas foi ajuizada, por exemplo, para ereção do famoso Convento do Carmo, em Lisboa,
cujas ruínas, remanescentes do terremoto de 1755, acomodam hoje o Museu do Carmo (FIG.
22). O conjunto foi erguido no século XIV pelo Santo Condestável, D. Nuno Álvares Pereira, e
estava justamente sendo preparado para ser uma metáfora dessa ascensão. Segundo estu-
Figura 18 Vista lateral da Capela do Carmo e fren-
te da Casa de Câmara e Cadeia. Destaque para
a elevação da Capela, com altos muramentos, em
relação às construções vizinhas
Figura 19 Vista da Capela do Carmo a partir
da Praça Tiradentes
Figura 20 - Vista Frontal da Capela do Carmo, com
destaque para a eminência da implantação
235
dos de Paulo Perloiro, D. Nuno possuía um profundo conhecimento da Mística carmelita
68
, e
por isso queria fazer a implantação reproduzindo na sua fachada a subida ao Monte Carmelo.
Nuno Pereira desaou então os mestres escolhidos para a construção, querendo oferecer “o
maior e mais belo templo que jamais fosse possível realizar”. A primeira idéia era construir
uma imensa escadaria até a porta da Igreja. Assim feita, a implantação em Lisboa contrafaria
a regra de orientação nascente, e o templo elevar-se-ia a partir do nível do Rossio (FIG. 23),
e não do atual largo do Carmo, próximo à Igreja jesuíta de São Roque. Adverte Paulo Perloiro
que “não se pretendia desrespeitar o preceito canónico, mas sim arquitectar dentro do subli-
me estilo gótico a tradição mística da Irmandade Carmelita”
69
. Todavia, a idéia do Condestável
não se efetivou, e a elevação se incorporou singela, “limitando-se a escadaria, não a subir um
majestoso percurso, mas a percorrer treze simples degraus”
70
. Não quero armar que em Vila
Rica tenha se determinado a implantação por valores místicos, mas é inegável supor que a
oportunidade deve ter sido, sim, aplaudida pela Ordem na conveniência engenhosa do arranjo
arquitetônico.
68
Cf. PERLOIRO, Paulo. O Jardim do Carmelo. Carmelo Lusitano; colectânea de estudos da Ordem do
Carmo em Portugal - 600 anos da fundação do Convento do Carmo (1389-1989). Ordem do Carmo de
Portugal, Lisboa, n. 7, 1989, p. 36.
69
Cf. PERLOIRO, op. cit., p. 37.
70
Idem, Ibidem, p. 37.
Figura 21 – “Subida al Monte Carmelo”, gravura de Diego
Astor, 1618. Imitação do emblema “Monte da Perfeição”,
de São João da Cruz. Fonte: SEBASTIÁN LÓPEZ, San-
tiago. Emblemática y história del arte, p. 92
236
Também urbanamente, por assim dizer, apenas um “caminho” em Vila Rica ascendia à perfei-
ção do Carmo. De fora dos muros do adro, a via que ascende (paralela à Rua Direita) e chega
até os pés da escadaria da capela se abre gradualmente, como se insinuasse a formação de
um largo enquanto se aproxima da escadaria (FIG. 24, 25 e 26). Esta, por sua vez, como ele-
mento que liga o frontispício da capela à visão e à ação de quem ascende pelo arruamento,
foi sutilmente declinada do alinhamento axial da igreja. O giro é bastante sutil, de aproximada-
mente 10 graus, e evidencia uma nítida intenção de se articularem esses vários membros – o
arruamento, a escadaria e a edicação num corpo todo ligado e contínuo, proporcionado
Figura 23 Vista da “Baixa” pombalina (no nível do Rossio) tomada do Castelo de São Jorge e, na
direita, em detalhe, o costado da Igreja do Carmo de Lisboa. Foto: Ana Carolina Vaz
Figura 22 Ruínas da Igreja do Convento do
Carmo, Lisboa
237
e valorizado pela perspectiva evidenciada
pela escadaria; seja de quem sobe, seja de
quem desce. Essas sutilezas dão corpo a
um preceito muito repetido nos documentos
de época, tanto no que se refere à orna-
mentação quanto à situação de arruamen-
tos e alinhamentos de casas particulares.
Se não fossem retilíneos os alinhamentos,
pelo menos “contínuos”; “tudo ligado” por
“articiosas ligaduras”, a conferir seguran-
ça, comodidade e representação “decente”,
“alinhada”
71
, à unidade de um corpo com-
posto de partes hierarquicamente conve-
niadas e convenientes, adequado à representação decorosa do corpo místico do reino. O
desenho também evidencia essa declinação da escadaria, e a presença de um largo mais
capaz do que o atual, sem a edicação defronte à escadaria, muito alta
72
, com lanternim e
lambrequins nos beirais, e também o alinhamento da via ascendendo rumo à escadaria (FIG.
24). E mais, que também o adro não possuía a conguração atual, com taludes e muramen-
tos a acompanharem paralelamente a inclinação da escada. Este parece mesmo não ter sido
71
Cf. BLUTEAU, op. cit., v. 1, Alinhado; Alinharse; Alinho, p. 259-260, e também o verbete “Alinhar”,
conforme expõe MARX, Murillo. Cidade no Brasil, em que termos?. São Paulo: Studio Nobel, 1999. p.
75.
72
Fotos arquivadas no IFAC/UFOP não apresentam a casa, mas já havia os taludes gramados.
Figura 24 Detalhes do desenho da FIG. 16, em que se divisa a rua que acesso ao Largo da Ca-
pela do Carmo, e também a deexão da escada em relação ao eixo axial do edifício. Fonte: Acervo de
Fotograas do IFAC/UFOP
Figura 25 Vista do alto da torre sineira do lado
do Evangelho, em que se divisa a articulação entre
as escadaria da Capela do Carmo e a rua que
acesso ao largo
238
um costume de se fazer no século XVIII, assim como remanescem, ainda hoje, as escadarias
da Matriz de Santo Antônio em Tiradentes ou de Santa Egênia do Alto da Cruz, Ouro Preto
(FIG. 27). Pelo costume, as escadarias eram membros que articulavam o nível inferior do
arruamento ao superior do adro, sem outros elementos em suas laterais. Além do argumento
sugerido pelas outras capelas, esse mesmo desenho evidencia a distinção da escadaria do
Carmo sem os muros ou o talude, atualmente gramado.
Como tem cado evidente, a eleição do sítio era um aspecto assaz importante a ser discutido
dentro da mesa da irmandade, bem como, nas matérias do risco e da efetiva construção, as
adequações de costumes, circunstâncias e regulações considerados na conveniente acomo-
dação do templo. A escolha do sítio do Carmo envolveu também o senado da Câmara de Vila
Rica e os irmãos de Santa Quitéria, que terminaram cedendo o sítio da antiga capela para
a construção denitiva do templo carmelita. Os primeiros terrenos conseguidos pela Ordem
foram doados pela Câmara em 23 de agosto de 1755 – como era de costume –, logo abaixo
da primitiva capelinha. A primeira petição carmelita dos “chãos” faz referência não apenas à
disposição política habitual praticada pelos ociais camaristas em doá-los às irmandades e
“mais igrejas” que os irmãos terceiros conclamavam serem “servidos” como por direito de
Figura 26 Vista Frontal da Capela do Carmo.
Destaque para a eminência da implantação e a
deexão da escada em relação ao eixo axial do
edifício
Figura 27 – Capela de Santa Egênia do alto da
cruz, Ouro Preto
239
costume
73
mas também à necessidade de que, ao serem concedidos, se “medissem” e se
“demarcassem”, para tal efeito, os chãos “na paragem mais conveniente” que os irmãos su-
plicantes apontassem:
Snr.es do Sennado
Dizem o Prior, e mais off.es eIrmaos de Meza da vereravel ordem 3.ª do-
Monte do Carmo desta Vque elles pertendem edicar hua igreja dedicada
avirgem N. SnrdoMonte do Carmo p.ª oque caressem dechaons p.ª afor-
marem: como ahum lado abaicho dacapella de Santa quiteria seachão terras
valdias edesacupadas inda que com grande custo dedesaterros p.ª formar o
ditto, edecio com segurança; Recorrem avm.es [vosmecês] p.ª que Sejão
servidos, em Reverencia davirgem Snr conceder aos Supp.tes trinta bra-
sas [braças] de terra sem penção algua p.ª od.° efeito, como assim setem
praticado neste Sennado com todas as mais Igrejas, que se achão nesta v.ª;
mandando que Selhe meção, e demarquem na parajem mais conveniente
que os Supp.es apontar.
74
Além das referências à “conveniência” do sítio e ao costume de doação de terras pelo sena-
do da câmara para ereção da capela que haveria de se justicar também “por reverência
da virgem Senhora” –, importante comentar os argumentos de que as ditas terras estavam
“desocupadas” e que, apesar do “grande custo” que a Ordem teria com desaterros, as terras
requeridas seriam sucientes para se “formar o dito edifício com segurança”. A primeira idéia
era construir a capela logo abaixo da de Santa Quitéria, onde os irmãos estavam inicialmente
acomodados. Esses desaterros de que fazem menção os documentos são facilmente com-
preensíveis, que, para se implantar, como era a intenção, um edifício de grandes propor-
73
Sobre a armação, durante o dito Antigo regime, de um direito baseado sobretudo na moral, nos
costumes, nos hábitos consolidados, nas formas de “classicar e de hierarquizar” e nos modos de rela-
ção entre estamentos e instituições, destacam-se os estudos do professor António Manuel Hespanha.
Cf. HESPANHA, Antonio Manuel. Introdução. In: MATOSO, José (Dir.). História de Portugal, p. 4: “[...]
é bom realçar que o complexo das normas jurídicas pode ser entendido quando as integramos no
conjunto dos sistemas normativos que organizam a vida social. Neste sentido, o direito tem um valor
apenas relacional (ou contextual), ou seja, o papel da normação jurídica depende, não de qualquer ca-
racterística intrínseca das normas do direito, mas dos papéis dos outros complexos normativos que as
contextualizam. Tais complexos são muito diversos, indo desde a moral às rotinas estabelecidas, desde
a disciplina doméstica à organização do trabalho, desde as formas de classicar e de hierarquizar à
arte de seduzir e de se fazer amar. E, por outro lado, o arranjo destes complexos e o modo como eles
se inter-relacionam é historicamente variável”. Hespanha diferencia os vários tipos de direito conside-
ráveis durante o período, como o ius rusticorum, o “direito dos rústicos”, “incapazes de penetrar nas
agudezas e subtilezas do direito erudito”, o ius proprium e o ius commune. Quando a questão é o direito
conformado pela “autoridade” do “costume”, Hespanha destaca a valência dos escritos de Francisco
Suarez (sobretudo De legibus) o qual seguem os juristas portugueses que, mesmo cientes do “valor da
letra”, admitem a “validade do costume”, em algumas situações, inclusive, contra legem. Idem, Os po-
deres do centro: O direito, p. 174. A idéia de um direito de costume (ius consuetudinis) retrocede a um
antigo uso do direito romano, na gura de Ulpiano (séc. II d.C.), seu principal legislador. Cf. ULPIANO,
Disponível em: <http://es.wikipedia.org/wiki/Ulpiano. Acesso em: 09 abr. 2007.
74
Petição da Ordem terceira do Carmo de Vila Rica. In: Anexo: Documentos, apud LOPES, p. 107.
240
ções, a meia altura de um morro, haveria necessidade imprescindível de se aplainar grande
porção de terreno com um corte de grandes dimensões. Assim, a implantação da capela res-
taria bem menos conspícua do que a que aconteceu efetivamente, semelhante à implantação
da Capela do Carmo de Sabará, com um alto talude na parte posterior do corpo da capela,
e muito provavelmente também nas suas laterais (FIG. 28). Entretanto, como a primitiva ca-
pela de Santa Quitéria ameaçava constante “ruína”, e contava com ajuda para reformas e
“guisamentos”
75
quase que somente da Ordem terceira do Carmo sem a presença da qual a
dita Santa até mesmo poderia perder, por indecências, “o seu devido culto, e a capela”
76
– os
irmãos de Santa Quitéria terminaram concordando que era melhor disponibilizar o sítio e o
“massame”
77
da edicação para que a Ordem do Carmo zesse “uma capela com as acomo-
dações necessárias” para o bem “de uma e [de] outra”. Foi o que de fato aconteceu, então,
no sítio mais alto disponível, onde estava a primitiva capelinha. Nesse acordo, promovido
em 29 de junho de 1766, os irmãos do Carmo argumentaram que, nas condições em que
estava, a Irmandade de Santa Quitéria não “poderia suprir com as despesas nelas precisas
para a conveniente reforma [da capelinha]”. Todos concordaram. Além de car acomodada
na “nova Igreja” que, rezou ainda o acordo, a Ordem terceira comprometeu fazê-la “com a
grandeza que lhe for possível” os irmãos de Santa Quitéria poderiam dispor a imagem da
75
Referência habitual nos documentos e visitas pastorais de época para os paramentos e outros avia-
mentos necessários ao culto, vinho, hóstias etc.
76
Argumento do signatário da carta expedida pela Ordem Terceira do Carmo à Sua Majestade para que
se dignasse dar não apenas os primeiros chãos – pela mão da câmara – mas também o sítio onde se
encontrava a capela de Santa Quitéria. Na mesma petição, os irmãos terceiros relataram ao Rei que se
não fosse a participação da Ordem a capelinha da santa “já estaria, muito, demolida”. Continuaram,
então, a informar que o dito terreno em que se achava a capela de Santa Quitéria – também cedido an-
teriormente pelo próprio rei – era “suciente e apto p.ª se poder ampliar e estabelecer Igreja”, de modo
que servisse “para as funções da dita ordem”. Cf. PETIÇÃO dos irmãos da Ordem terceira do Carmo
de Vila Rica. RAPM, 1912, v. 17, p. 354. O documento está microlmado em CECO-PILAR-CARMO,
Filme 156, vol. 2523. (Documento Avulso).
77
“Massame” são os materiais de construção aproveitados de demolição para construção de uma nova
edicação. Cf. ÁVILA, Affonso et al. Barroco mineiro: glossário de arquitetura e ornamentação, p. 40.
Figura 28 Desenho do autor, para evidenciar a diferença entre a implantação efetiva da capela
direita), e a implantação que teria acontecido não fosse doado o terreno da capela de Santa Quitéria à
Ordem terceira do Carmo
241
santa no trono da capela-mor do novo templo, numa posição que evidencia o quanto as hie-
rarquias das Igrejas Triunfante e Militante possuíam decorosa, verossímil e efetiva virtude de
representação. Assim, a santa caria “em lugar inferior ao de Nossa Senhora”
78
. A preceptiva
da conveniência ainda seria admitida em outras deliberações do mesmo acordo, como a que
estabeleceu que a venerável Ordem terceira deveria fazer “uma casa conveniente, e acomo-
dada para vivenda do capelão da dita Irmandade de Santa Quitéria”, e também conservaria
as “imagens existentes em altares convenientes, e respectivos”, obedecendo às regulações
muito citadas das Constituições Primeiras do Arcebispado da Bahia
79
.
3.3 A “perfeição” carmelita como beleza decorosamente exornada nas imitações da
vida e da arquitetura
Nos documentos que condicionaram a fábrica artístico-construtiva no século XVIII em Minas
Gerais, a “perfeição” é um dos preceitos mais destacáveis. Ao lado da “segurança” e da “co-
modidade” com as quais, em número de citações e importância de sentido, ela constituía
uma espécie de tríade de virtudes imprescindíveis à arquitetura setecentista –, a perfeição
adquire notoriedade por participar também dos termos e regulações relativos aos exercícios
e ofícios concernentes à ética religiosa das Ordens terceiras. Caio Boschi já comentou como
um dos objetivos principais dessas irmandades era zelar justamente pela “perfeição de vida
cristã de seus membros”, característica capaz de denir a ética das ditas ordens em relação
às demais irmandades envolvidas com outros objetivos igualmente interessantes à política
teológica metropolitana, como o aumento do culto divino propaganda, expansão e digni-
cação
80
.
Vimos como o decoro se responsabilizava pelo aspecto correto e perfeito das obras de arte,
desde a antiguidade. A noção se aplicava também à ética, orientando a acomodação das
regras e formas de agir aos costumes e circunstâncias do tempo e do lugar, concernindo ao
decoro não apenas a orientação pela perfeição das formas e matérias, como também pela
engenhosa adequação dessas regulações gerais às conveniências e caracteres locais; reco-
78
Deliberação de 29 de junho de 1766, apud LOPES, op. cit., p. 19. (grifo nosso).
79
Cf. CONSTITUIÇÕES primeiras do arcebispado da Bahia, L. 4, XVI: “Das Igrejas, Capellas, e Mostei-
ros. Que neste Arcebispado se não edique Igreja, Capella, ou Mosteiro sem licença nossa”, § 683-686,
p. 251-252. (grifo nosso).
80
Cf. BOSCHI, op. cit., p. 12 et seq.
242
mendação muito conveniente a uma preceptiva ético-retórica destinada a exornar, ou seja,
a fazer manifestar como que de dentro para fora uma beleza conveniente ornada por atos,
fábricas, imagens e virtudes advinda com “honestidade” e “decência”.
Assim, a “perfeição” dos atos e exercícios carmelitas aos quais deveriam se “empregar com
todo o fervor e devoção os irmãos terceiros” estaria condicionada à correção da imitação
em ambos os âmbitos “espiritual” e “temporal” –, ou seja, relativa aos aspectos de e te-
ológicos, mas também aos de caráter ordinário e material. É o que indicia esse importante
documento enviado em 1º de abril de 1755 pelo Prior provincial da Ordem terceira do Carmo
do Rio de Janeiro, da qual participavam os irmãos de Vila Rica “em corpo separado”; a de-
mandar, por isso, “formalidade regular” de corpo e estatutos próprios. No documento, o Prior
atende ao pedido dos carmelitas vilarriquenhos, destacando que ele mesmo teria observado
a preceptiva da adequação e do decoro ao redigir os estatutos da nova associação. Estes
deveriam concernir à “moradia, trato e costumes das minas”, conveniando-se, modelar e hie-
rarquicamente, à “prática das mais Ordens”. Ao imitar a “mesma lei” que se observava no Rio
de Janeiro, o Prior a acomodou com “aditamentos” e “reformações” conforme lhe havia pare-
cido “conveniente ao estado do tempo e costume do país”, segundo informações previamente
recebidas pelo Prior dos irmãos de Vila Rica:
Estatutos da Veneravel Ordem de Nossa S.rª do Monte do Carmo, estabe-
lecida n[esta] Vila Rica das Minas Geraes […]
Attendendo nós a representação que nos zeram nossos Irmãos Terceiros de
Villa Rica, de que se achavam com um grande numero de irmaõs em corpo
separado, por indulto de nosso Rvmo. P.e Geral Fr. Luiz Laghi, o qual foi por
Nós acceito e cumprido; e porque até opresente se achavão sem Estatutos,
ou constituiçoenz pelos quaes se pudessem reger com a formalidade regular,
que deve haver no governo da dita Ordem, a qual como membro da Religião
deve imitala não só no espiritual, mais ainda no temporal, para mayor perfei-
ção dos actos, e exercicios espirituaes emque sedevem empregar com todo
o fervor edevoção os Irmãos Terceiros; nos supplicarão que lhes dessemos
actas conformes a pratica das mais Ordenz, e concernentes a moradia, tra-
to, costumes das minas, ao que attendendo Nós com Paternal Caridade e
espiritual consolação acordamos dar-lhes para regimento a mesma Lei que
se observa na nossa mui amada e veneravel Ordem Terceira desta Cidade
com o adictamento e [?] reformação que nos pareceo conveniente aoestado
do tempo, ecostume do Paiz, segundo o parecer e informação dos mesmos
irmãos Terceiros, que nelle residem […]
81
.
Se a perfeição dos atos e exercícios era um m ético-religioso dos irmãos terceiros, em -
81
CECO-PILAR-CARMO, Filme 191, vol. 2418, . 1-1v. “Estatutos da Veneravel Ordem de Nossa
Sr.ª do Monte do Carmo, estabelecida n[esta] Vila Rica das Minas Geraes. Convento do Carmo, Rio de
Janeiro”. Rio de janeiro, 1755.
243
rias condições e deliberações da mesa referentes à construção do edifício carmelita em Vila
Rica a perfeição determinou a excelência artístico-construtiva de virtudes a serem alcançadas
pela arquitetura religiosa. Movidos pela mesma nalidade, nos termos das várias reformas e
emendas por que passou o risco e as condições iniciais, a Ordem terceira procurou resguar-
dar a capela e sua construção de “embaraços”, “diculdades”, “fraquezas” e “incômodos” de
variadas causas, bem como dos “defeitos” – de risco, proporções e acabamento que amea-
çassem sua perfeição e seu decoro.
De tal modo importava aquela tríade de preceitos e virtudes da arquitetura, que, no nal das
novas condições que regularam a reforma e a emenda dos defeitos do primeiro risco da ca-
pela, cou advertido que, em tudo o que respeitasse à “segurança, perfeição e comodidade”
da obra, se deveria fazer e obrar, ainda que em cada uma das cláusulas das ditas condições
isso não estivesse expressamente declarado:
[…] easim se adverte que tudo que respeita segurança, perfeiçaõ, ecomodid.e
[comodidade] se devefazer ainda que nas condiçoens ex pressamente em to-
das as clauzullas senão declare […]
82
Esta loquaz e signicativa advertência destinada a fazer operarem ubiquamente os ditos
princípios da “tríade”, “em todas as cláusulas”, partes e procedimentos da fábrica
83
pratica-
mente arremata a segunda redação de condições para factura da capela, apresentada em
mesa de 24 de dezembro de 1770. Desde 1768, o primeiro risco de Manuel Francisco Lisboa
estava sendo objeto de reformas e emendas, assim como a primeira redação das condições,
documentos constantes do contrato de arrematação de João Alves Viana em 1766. Tratava-
se, portanto, de um ajuste de termos e aspectos construtivos, destinado a aplacar os “defeitos
que se achavam no [primeiro] risco e condições da Capela”, aplicando-lhe “emendas” e “refor-
mas” adequadas. Curioso notar que Manuel Francisco Lisboa havia falecido em 1767, e, pelo
82
Cf. “Condiçoens pelas quaes seemendou ereformou os defeitos qseachavão no Risco e condiçoens
daCapella de N. Snrdo Carmo, in: Anexos, LOPES, op. cit., p. 116-119. Não encontrei o documento
nos códices microlmados da Ordem terceira. Lopes diz ser um “documento avulso”.
83
Não quero defender aqui uma descendência direta, mas diante da evidenciação e da importância
declarada de uma tríade de preceitos setecentistas (segurança, comodidade e perfeição), seria inad-
missível não comentar a tríade de princípios da arquitetura autorizada na antiguidade por Vitrúvio em
solidez, utilidade e beleza (rmitas, utilitas e venustas). Cf. Vitrúvio. Tratado de Arquitectura. L. I, Cap.
III. Não apenas concordantes em número, é de se ressaltar também que as matérias de ambas as
tríades guardam uma relação bastante interessante de sentidos (segurança e solidez; comodidade e
utilidade; perfeição e beleza). É um aspecto que mereceria estudos mais aprofundados e extensos, a
buscar o processo de consolidação dos termos e sentidos nos documentos e tratados da fábrica artís-
tica seis e setecentista, sobretudo na Itália e na península ibérica, passando pela discussão de outros
tratadistas como Leon Battista Alberti, que consagrou, por exemplo, o termo commoditas.
244
que parece, a primeira solicitação de modicação dos riscos, feita pelo próprio arrematante,
João Alves Viana, acontece em 13 de janeiro de 1768, depois da morte daquele. Se foi
oportunidade ou coincidência, impossível dizer. O fato é que essa primeira solicitação recla-
mava não uma reforma de aspecto retórico-estilístico, mas sim o reparo de uma proporção
que caria mais apta a garantir a segurança do edifício; mais especicamente o aumento da
grossura da parede por trás da escada que vai para o camarim da capela-mor, a passar de
três palmos e meio para quatro palmos e meio, visando, como declarado necessário pelo ar-
rematante, “segurança da obra para o futuro”
84
. Depois dessa, outras solicitações de emendas
parciais se seguiram relativas uma à parede da sacristia com a escada para o consistório,
outra à modicação do risco do barrete da capela-mor
85
–, até que em deliberação de mesa,
em 15 de dezembro de 1770, se resolveu fazerem efetivamente “novas plantas” e novos
apontamentos para todo o “Corpo da Capela”, “para melhor perfeição e segurança de toda a
obra”; decisão – e provavelmente, também, elaboração – da qual participaram coletivamente
“muitos professores” e “alguns irmãos” da Ordem, “inteligentes”, “que resolveram a fazer”:
foy proposto pl.º Irmão Procurador Geral q. tendo ponderado com alguns Ir-
mãos intiligentes e por mt.ºs proffeçores as deculdades, e embaraços q.
havião no primrrisco q. se havia feito, e por q. se havia rematado a obra
da nova Capella, se resolverão a fazer os apontamentos, q. neste acto forão
lidos, e novas plantas p.ª o Corpo da dita Capella, d. q. aprezentava o risco,
e as condiçoens do que hera percizo fazer-se, e reformar-se p.ª melhor per-
feição e segurança de toda a obra, sem car com as fraquezas, e incômo-
dos, q. mostrava o prim.º risco, a respt.º das obras, que agora pelo novo se
emendavão.
86
Nesta mesma mesa deliberativa, os irmãos resolveram convocar “professores inteligentes”,
para que, com “juízo prudente, e segundo suas consciências”, arbitrassem os acréscimos e
abatimentos de valor resultantes de tais modicações. Seria preciso fazer um “exame” de
todos os riscos e apontamentos, velhos e novos, para o qual foi eleito um respeitado corpo
de louvados. No primeiro parecer, redigido e assinado por Francisco de Lima Cerqueira em
nome dos demais louvados (Domingos Moreira de Oliveira, arrematante da capela dos ter-
ceiros franciscanos, e Miguel da Costa Peixoto), cou novamente declarado, como parecia
nalidade precípua de todos os procedimentos, reuniões e termos, “emendar os defeitos que
na planta velha e risco se acham para o que zeram novas condições”, tudo isso “necessário
84
Apud LOPES, op. cit., p. 26.
85
Que deveria ser “não como mostra o risco mas com a formalidade e altura que se havia sentado por
professores, para o que se havião já deitado as linhas”. Apud LOPES, op. cit., p. 26.
86
Deliberação 1.º, f. 160v, apud LOPES, op. cit., p. 26.
245
para que a obra casse perfeitamente acabada”:
Nos louvados aodiante nomeados, que fomos nomeados, eaprovados pelos
Irmaons demeza da V.el [venerável] ordem de N. Sr do Monte docar-
mo; e pelo Rematante da Cappella da Sr.ª Joaõ Alz. Vianna; pelos quais nos
foy apresentado o risco daobrapelo qual foy aobra rematada junto com as
condicoins da mesma Rematação e da mesma sorte nos foy aprezentada
outra nova planta pella qual pretendem emmendar os defeitos que naplanta
velha, e Risco seachão para o q’ zerão novas condicoins, e nos pediraõ,
erecomendaraõ, que visto elles Irmaõns, e rematante quererem emmendar
os defeytos, e fazer oque fosse nececr[necessário] p.ª que aobracasse
perfeitam.te acabada, que zecemos todo oexame nececrp.ª huma eoutra
couza arespeito de se demenuir aquellas couzas que as novas condicois,
ou apensso as mesmas condicoins apontaõ, as quais em suma vem aSer
naõ fazer o rematante (como he obrigado) as reparticoins das sepulturas, os
seguintes do Arco cruzeyro, dous degráos no prespiterio, e os arcos do coro
de alvenaria, as duas portas colaterais do Fronte espicio, e quatro degráos
que setiraõ aopatio de entrada tudo em Roda, eosngim.tos nas p.tes adonde
se põem de novo cantaria; como também não fazer a servidaõ p.ª os púlpi-
tos pello meyo da parede; mas por debaixo dos mesmoz feyta com escada
depiaõ como a planta mostra, [documento carcomido. Lopes certamente viu
uma cópia desse documento avulso, porque as abreviaturas não conferem, e
a sua transcrição, nesta parte, traz o seguinte trecho complementar: “eporque
queriaõ que os acressimos”] cassem a V.nl [Venerável] ordem mais faceis
depagar; nos pediraõ lhe zessemos aconta as referidas couzas eaomais
que senão faz da obrigaçaõ do rematante, o que zemos com a individuacaõ
possível. E da mema sorte zemos aconta ao que as novas condicoins apon-
taõ, que em suma he fazer as paredes, e todo o corpo dacapella pela nova
planta, e tudo omais, que sesegue ostres arcos do coro, de cantaria naforma
do novo risco, os alizares das portas principal, e travessas, fazer a escada
das torres de cantaria, eos cunhais do Fronte espicio e torres embaixo, eem-
sima tambem de cantaria, as gárgulas p.ª lançar aagoas (sic) dos telhados de
entre as torres com seu canal de cantaria, eaCimalha de boca de telha tam-
bem decantaria, e decer o Ocullo do Fronte espicio, e acrecello efazer a em-
pena em cima do arco Cruzeyro Com Sua Cruz como expressam.te declaraõ
as condicoins: o que tudo por nós visto, e examinado, achamos que valem
os Referidos acrecimos mais do que oque setira da obrigacao do rematante:
nove centos esincoenta edous mil Reis que acrecem ao preço da Remataçao
daobra […]. [Rica] 20 de Dezembro do prezente anno de 1770. […] E eu
Fran.co de Lima que esta z por meus companheiros asigney [assinatura]
87
.
O documento sumariza as “diminuições” e os “acréscimos” de obra provenientes da nova
planta e condições, e o valor, deles decorrentes, a ser acertado entre o arrematante e a
Ordem. Outros pareceres foram redigidos sob a mesma nalidade, nos meses que se segui-
ram. O núcleo do corpo de louvados permaneceu praticamente o mesmo, com o acréscimo,
nalguns deles, de Antônio Francisco Lisboa, Antonio de Brito, Enrique Gomes de Brito e José
Pereira Arouca, que também obrou na construção da capela
88
.
87
Como garantia de e idoneidade dos pareceres, os ditos louvados estavam sob “necessário” jura-
mento aos “santos evangelhos”. Cf. CECO-PILAR-CARMO, Filme 156, vol. 2523. [Parecer dos louva-
dos em 20/12/1770]. (Documento avulso).
88
Manuel Francisco de Araújo arrematou a factura dos altares laterais em 1784. Já se encontra, em 21
de abril de 1782, pagamento ao testamenteiro de João Alves Vianna, após seu falecimento. Cf. CECO-
PILAR-CARMO, Filme 156, vol. 2523 (Documento avulso). “Recibo do tesoureiro Amaro José de Ar.º a
246
O edifício evidencia como praticamente todas as “reformas” e “emendas” foram efetivamente
obradas. Uma das mais eloqüentes tinha como objeto o frontispício da Capela, em que as
“novas condições” pediam que se recolhessem para dentro as duas torres sineiras em “um
palmo” em relação ao corpo central da fachada:
Será obrado ocorpo daCappella, pela nova planta com as grossuras depare-
des que nella semostrão comadvertencia que as torres recolherão p.ª dentro
hum palmo cada huã, eteraõ devaõ taõ som.te [somente] doze palmos as
paredes dofronte espicio naõ teraõ mais de oito palmos degrosso
89
.
O recolhimento efetivo das torres foi amplicado para praticamente 4 palmos (86 cm). Disso
resultaram os evidentes efeitos de proeminência e amplicação da parte central do frontispí-
cio – correspondente à nave e à portada –, mais digna por também ter recebido, conforme a
regulação consagrada em Carlos Borromeu, os mais importantes ornatos e representações
alegóricas do orago (FIG. 29).
Joaõ Fernandes Parente, testamenteiro de João Alves Vianna”, Vila Rica, 21/04/1782.
89
Cf. “Condiçoens pelas quaes seemendou ereformou os defeitos qseachavão no Risco e condiçoens
daCapella de N. Snr.ª do Carmo. In: Anexos, Documentos, LOPES, op. cit., p. 116.
Figura 29 – Frontispício da Capela do Carmo
247
Por apresentar em seu acabamento nal
esse recolhimento das torres sineiras,
em cuja seção as quatro faces ligeira-
mente se encurvam, e também uma sutil
movimentação de sua projeção frontal,
que resultou num efeito harmonioso e
elegante de curvas e contracurvas (FIG.
30), a capela do Carmo foi alvo de mui-
tas argumentações dos estudiosos do
chamado “Barroco mineiro”. Buscou-se
construir narrações que tentassem expli-
car uma suposta “evolução” das formas
ditas “barrocas” ou “rococó”, evolução
esta que, passando pela reforma da fa-
chada do Carmo atribuída, por isso,
ao Aleijadinho
90
teria culminado na
mais dinâmica e “original” movimentação
do frontispício da capela dos terceiros
franciscanos de Vila Rica. Não docu-
mentos que comprovem as modicações
do risco do Carmo terem sido feitas pelo
Aleijadinho, e a solicitação de reforma foi
feita pelo próprio arrematante da nova
capela, Manuel Alves Vianna, conforme
90
No prefácio do livro de Lopes, Rodrigo Melo Franco de Andrade ressalvou que, apesar de existirem
poucas indicações documentais relativas à atividade do Aleijadinho na Capela do Carmo, não havia
“dúvida de que lhe coube a ação incomparavelmente maior e preponderante na obra do Carmo de
Ouro Preto”. Continua: “A despeito de lhe faltarem documentos escritos comprovantes de sua autoria
em relação ao risco do frontespício atual da igreja, assim como à execução das esculturas da portada,
do lavatório da sacristia e da tarja sôbre o arco-cruzeiro, todavia elementos seguros que nos habi-
litam a considerar aqueles trabalhos incontestávelmente seus, tal como cará demonstrado por meio
de um estudo exaustivo a ser publicado dentro em breve por iniciativa desta repartição”. Tratava-se do
volume “Antonio Francisco Lisboa, o Aleijadinho”, com um texto de Lúcio Costa sobre o risco da capela
franciscana de São João e a biograa de Rodrigo Brêtas, enriquecido de mais documentação coligida
por pesquisadores, como Lygia Martins Costa. No nal do prefácio, Rodrigo substantivou o mito, atri-
buindo à sua arte uma potência metaforicamente sagrada, já considerando dele, Aleijadinho, todas as
obras acima citadas: “O velho mestre Manuel Francisco falecera em 1767, pouco depois de iniciada a
edicação da igreja, sem ter podido orientar a execução de seu projeto. Mas, sob a inuência e a ação
genial do lho, o templo se transgurou”. Cf. ANDRADE, Rodrigo M. F. de. Prefácio. In: LOPES, op. cit.,
p. IV-V.
Figura 30 – Curvas e contracurvas do frontispício
Figura 29A Detalhe da Figura 29. Entablamento e
capitéis do frontispício da Capela do Carmo
248
atestam os documentos
91
, e , após a morte deste, vários construtores arremataram partes da
capela, como Francisco de Lima Cerqueira e Manuel Francisco de Araújo. Assim, as modi-
cações da capela, que em geral são atribuídas ao Aleijadinho, parecem ter sido resultado de
uma fábrica bastante coletiva. E se houve uma coordenação, por assim dizer, predominante,
ela deve ter sido de Francisco de Lima Cerqueira, que redigiu e assinou alguns desses exa-
mes em nome dos demais louvados, “companheiros” de louvação. O fato de Antônio Fran-
cisco Lisboa ser lho do Mestre português Manuel Francisco, autor do risco mais austero,
de 1766, favoreceu inclusive a tese de que essa suposta evolução teria se efetivado pela
ação culminante de mestres e artíces “mestiços” nascidos na terra, em sua gênese e for-
mação “originariamente” nacional. Os argumentos dessas narrações tentaram comprovar o
desabrochar libertário de uma arte telúrica genuína, “espontaneamente” expressiva de uma
idéia radical de “identidade”, surgida da potencialização das “subjetividades” individuais “bar-
rocas” e “mestiças”, “mineiras” e “nacionais”, além de politicamente engajada numa “autono-
mia” capaz de diverti-la das regulações metropolitanas. No entanto, mais do que uma “natu-
ral” evolução, ou uma romântica, heróica, crítica e pretensa libertação original das regras da
arte, regulações e modelos assimilados ao costume luso-brasileiro, o que essas variações
engenhosas, artifícios e amplicações mais indicam é justamente a observância de preceitos
fundamentais das práticas artísticas dos séculos XVII e XVIII. Acomodados às circunstâncias
locais, concerniam à variação aguda dos modelos, costumes e tópicas autorizadas da arte,
que pressupunha no reconhecimento discreto da emulação o deleite e o aplauso provenientes
da admiração da novidade inventiva, dispositiva ou ornamental empreendida pelos mestres
e artíces. A emulação estava condicionada a pelo menos três aspectos: 1) à memória co-
letiva do modelo imitado; 2) ao costume secular da arquitetura e sua destinação em garantir
comodidade, perfeição e segurança aos lugares, edifícios e povoações; e 3) ao conjunto de
preceitos e regulações que procuravam assegurar a decência e o decoro devidos à “casa de
Senhor”. Preocupado em rever e repensar a história desses conjuntos arquitetônicos, acre-
dito ser mais útil tentar compreender de que modo as proporções, tópicas, partes, ornatos,
artifícios e efeitos advindos do risco, condições e suas emendas tentaram incorporar uma
capela o mais perfeita possível, decorosa e conveniente ao caráter do Carmelo, para cujo m
tais preceitos reiteradamente documentados têm indicado a devida e constante atenção dos
irmãos terceiros, ociais construtores e louvados.
91
Cf. sobretudo o termo de ajustes, lavrado um ano após a primeira arrematação. CECO-PILAR-CAR-
MO, lme 156, vol. 2523, “Trelslado dotermo que se fez com o Mestre João Alz Vianna sobre couzas q’
ocorrerão p.ª obra da Capella q’ tem obrigação fazer”. Vila Rica, 06/09/1767.
249
Vários lugares-comuns da arquitetura religiosa da capitania foram imitados na Capela do Car-
mo, como a implantação elevada e o adro denido por muros de cantaria, a planta retangular
alongada, as duas torres laterais livres da projeção do corpo da capela
92
, a parte central do
frontispício avançada, o frontão ornamentado por entablamentos interrompidos enrolados em
voluta, a presença de um óculo central “engraçado”
93
(tri-lobulado, neste caso), decorado com
rocailles, as duas janelas-sacadas na altura do coro etc.
Já a portada, arrematada por Francisco de Lima Cerqueira, imita lugares, disposição e orna-
tos muito próprios, ou especiais, às capelas carmelitas, a começar pelo brasão característico
da Ordem, situado sempre ao centro (FIG. 31). O brasão gura o Monte Carmelo encimado
por uma cruz entre três estrelas, duas celestes e uma ao centro, mais baixa, que o costume
correspondeu aos carmelitas Eliseu, Santa Tereza e São Simão Stock (FIG. 31A). Rocailles,
concheados e motivos orais, rosas e girassóis decoram todo o brasão, que é delicadamente
esculpido em uma rocaille folicular. Tornada espelho do escudo como suporte plano para a
guração do monte, esta rocaille, ao mesmo tempo em que se extravasa pelos interstícios
inferior e superior criados pela proximidade das duas volutas que a cerceam, se ata(via) late-
ralmente a elas. Essas volutas advêm da mesma tópica ornamental “comum” que decorou e
reiterou o motivo central do lavabo da capela, ao qual me referi antes. Arrematando esse con-
junto central, a cabeça de um querubim está colocada sob uma coroa adequada à majestade
regina. Deste modo, a coroa está ornada de rocailles e volutas que estruturam a cúpula da
coroa, enquanto uma guirlanda de rosas diminutas orla todo o perímetro do halo circular onde
se encaixaria a cabeça da dignidade coroada. Dois anjos tocam com as mãos o ápice dos
concheados que emolduram o brasão central, distinguindo-se da superfície caiada e ondulada
da fachada com eloqüente nitidez (FIG. 31). Eles evidenciam, pelo jogo de luz e sombra da
profundidade e do contraste, e também pelo desenho leve e gracioso dos corpos, não apenas
a louvável distinção do ornato, como também a perfeição de sua elocução, ngindo pelo efeito
uma verossímil ilusão de vôo ou utuação no ar; amplicada por outros artifícios persuasivos
como o saliente ressalto dos relevos em pedra, a dinâmica disposição das asas e a movimen-
92
Outro lugar bastante comum na capitania de Minas Gerais, presente em capelas iniciadas até mea-
dos dos oitocentos é o templo com torre frontal central, com ou sem fachadas facetadas. Dele, a famo-
sa capelinha de Nossa Senhora do Ó, Sabará, e as capelas de Nossa senhora das Mercês de Cima
e São José, em Ouro Preto. O tema foi estudado na tese de doutorado de MIRANDA, Selma Melo. A
arquitetura da capela mineira no séculos XVIII e XIX.
93
“E poderá ser o referido ocullo obrado por outro qualquer feitio mais engraçado mas sempre será
dequalquer forma que seja será ornado com o ornato que mostra o risco nasircunferencia do ocullo”.
Cf. “Condiçoens pelas quaes se emendou ereformou os defeitos qeseachavão no Risco daCapella de
N. Snr.ª do Monte do Carmo”. Condição n. 5. Anexo. Documentos. In: LOPES, op. cit., p. 117.
250
tação dos panejamentos que decentemente encobrem suas genitálias (FIG. 31). Os pares de
anjos que tocam conchas, volutas, coroas e entablamentos são tópicas ornamentais muito
comuns nas portadas e retábulos das igrejas e capelas mineiras, mas essa disposição que se
examina em especial caracteriza muito propriamente o modo como aparecem nas portadas
carmelitas, acomodados também nas das capelas de Sabará e Mariana, ainda que nesta o
escorço dos anjos e o efeito nal do amanho seja bem menos gracioso
94
(FIG. 32 e 33). O
mesmo lugar aparece também, por exemplo, no portal de entrada do conjunto carmelita de
Guimarães (FIG. 34), e o uso recorrente dos elementos acaba por tornar própria à arquitetura
carmelita uma tópica já especial da arquitetura religiosa.
94
A capela de Nossa Senhora das Mercês “de cima” também apresenta na portada os dois anjinhos,
em composição bastante semelhante.
Figura 31 – Portada da Capela do Carmo
251
Figura 31A – Detalhe da Figura 31. Brasão carmelita
Figura 31B Detalhe da Figura 31. Fragmentos de frontão e ornatos
que arrematam a ombreira da portada
252
Figura 32 Frontispício da Capela do Carmo, Sa-
bará
Figura 32 - Detalhe dos anjos e brasão da portada
Figura 33 Frontispício da Capela do Carmo, Ma-
riana
Figura 33 - Detalhe dos anjos e brasão da portada
253
As proporções do escudo do Carmo de
Mariana sugerem outra observação, que
rearma a hipótese de uma conveniente
adequação das tópicas a circunstâncias ou-
tras igualmente inerentes às nalidades da
representação desse tempo. Na portada de
Mariana, as circunstâncias da construção
da capela exigiram que se aumentassem
convenientemente as proporções do espe-
lho do escudo. Ele é nitidamente maior do
que o de Vila Rica e de Sabará, tendo seu
risco obedecido a uma provável necessidade de se compor um escudo tão portentoso quan-
to o de sua rival de praça, a Capela da Ordem terceira de São Francisco de Assis. As duas
ordens habitualmente disputavam precedências de hierarquia e distinção e, logo no início
das providências acerca da construção, os carmelitas tiveram que defender o direito de efe-
tivamente poder implantar a capela na mesma praça e tão perto da de São Francisco (FIG.
35)
95
. Não bastasse a emulação de grandeza, a forma dos escudos também é semelhante,
assim como o caráter dos ornatos concheados que preenchem as vergas e os enrolamentos
em voluta que encimam as ombreiras das portas de ambas as capelas. Indicações de que as
emulações artísticas deveriam observar, pois, não apenas os preceitos técnicos da arte, como
também as circunstâncias ético-políticas que impunham necessidade de efeitos e proporções
agonísticas aos ornatos. Todavia, há que se notar, o caráter da aparência das duas capelas é
nitidamente diverso. Enquanto o templo de São Francisco se impõe severo, conveniente ao
éthos das pilastras toscanas que ornam seu frontispício, a capela do Carmo se perfaz mais
graciosa, com desenho e proporções mais delicadas, o óculo com feitio e decoração mais
engraçados, torres circulares e capitéis que imitam variações da ordem jônica, convenientes
95
As polêmicas por precedência ocorriam até mesmo com as irmandades de mesmo orago. Assim,
quando a Ordem de Mariana conseguiu a licença para levantar ordem própria, independente e
separada da de Ouro Preto, os irmãos desta procuraram de todos os modos embargar a licença dos
confrades marianos, escrevendo cartas ao Provincial da Ordem do Carmo do Rio de Janeiro, a Lisboa
e até mesmo a Roma, porque estavam sob autoridade de uma determinação de Sua Santidade, pela
qual cava estabelecido, no “circuyto de setenta milhas dentro dele não poder haver outra sem.e
[semelhante] confraternid.e [confraternidade] em prejuízo desta […]”. Cf. “Registo de hua Carta
escripta a mtº illustre e Veneravel Meza da Stª Cruz, e Pacos cita no Real Mosteyro de Nossa Senrª do
Desterro da Corte, e Cid.e de Lx.ª”. “Vila Rica, em Meza de 28 de Abril de 1762”. CECO-PILAR, Filme
201, vol. 2438, . 32v-34. Vários “registos” dessas cartas estão reunidos no Filme 201, vol. 2438, entre
as folhas 30 e 56v, dentre as quais esta supracitada, com teores e argumentos semelhantes. Sobre
as “batalhas” entre as irmandades, cf. SALLES, Fritz Teixeira. Associações religiosas no ciclo do ouro;
especialmente o Cap. 4. Batalhas judiciárias, p. 139-164.
Figura 34 Portada do Conjunto do Carmo, Gui-
marães
254
à invenção do frontispício e ao decoro “femini-
no” da Santa. na Capela do Carmo de São
João Del Rei, de outro modo, os anjos não u-
tuam como em Ouro Preto, Sabará e Mariana.
Estão assentados sobre as porções interrom-
pidas dos entablamentos que arrematam os
quartelões da porta principal (FIG. 13), a sus-
ter duas tarjas com as divisas da tópica emble-
mática carmelita que encontramos também no
lavabo de Ouro Preto, Gloria libani data este
(sic)”, e Decor carmeli”. A portada do Carmo
de São João Del Rei lia-se mais ao modelo
das portadas das capelas de São Francisco de
Assis em São João Del Rei e Vila Rica, tam-
bém com o escudo central oval gurando em
ambas o relevo refendido da virgem, logo aci-
ma do brasão das ordens.
Como costume nos frontispícios de igrejas, os
elementos centrais, porta, brasão, óculo, acro-
tério e cruz, hierarquicamente mais importantes, são geralmente preparados e valorizados por
pares de elementos fundamentais às simetrias da composição. Na Capela do Carmo, especi-
camente, dois conjuntos de membros se destacam. São conformados pelas duas “represas”,
Figura 35 – Frontispício da Capela de São Fran-
cisco de Assis, Mariana
Figura 13 Frontispício da Capela do Carmo
de São João del Rei. Fonte: <http://farm1.static.
ickr.com/99/265687375_fde16b94c3.jpg?v=0>
Figura 35 Detalhe da portada. São Francisco de
Assis, Mariana
255
também chamadas de mísulas ou peanhas,
que, dispostas lateralmente ao óculo, n-
gem contribuir para a sustentação da cima-
lha e, logo acima dela, do par de quartelões
do frontão (FIG. 36). O óculo foi rebaixado
para permitir uma melhor iluminação da ca-
pela, causando o ressalto do movimento
da cimalha. Não fosse esse rebaixamen-
to, provavelmente não teria sido possível
acrescentar os quartelões, comprometendo
os efeitos de luz no interior da capela e a
ornamentação do frontão ou, como escrito
nos documentos, da “empena da frontaria”.
As condições das reformas e emendas dão
notícia dessa providência, mas a justicam
apenas pelo aperfeiçoamento da ilumina-
ção
96
. Os quartelões, por sua vez, justicam
e tornam verossímil o assento dos pinácu-
los ou “pirâmides” este o termo docu-
mental) do acrotério que tradicionalmente
guarnecem a cruz
97
. Estão estruturados todos numa mesma linha contínua vertical que se
inicia e se baseia nas represas. Estes elementos são bastante discretos e muito oportunos no
discurso ou na lógica ornamental da estrutura, pois não teria sido adequado colocar pilastras
até a base do edifício. As condições pelas quais se haveria de fazer a “obra do corpo da nova
capela de Nossa senhora do Monte do Carmo, com os acréscimos que nela se acham” relata
96
“Decerá o Ocullo p.ª effeito de entrar luz nacapella tudo quanto baste p.ª car todo livre por debaixo
dos oliveis do Emadeiramento; efará o referido ocullo rasgado p.ª dentro e p.ª fora, p.ª assim melhor co-
municar asua luz […]”. Cf. “Condiçoens pelas quaes se emendou ereformou os defeitos qeseachavão
no Risco daCapella de N. Snrdo Monte do Carmo”. Condição n. 5. Anexo. Documentos, in: LOPES,
op. cit., p. 117.
97
O guarnecimento da cruz por elementos laterais não era exclusividade da ornamentação arquitetôni-
ca, aparecendo também como uma necessidade da ornamentação litúrgica. Assim, no Missal Romano
encontrado no acervo da Ordem terceira do Carmo, derivado do sacrossanto decreto tridentino, na par-
te dedicada à “preparação do altar e dos ornamentos seus” (De praeparationis altaris, & ornamentorum
ejus), determinava-se que se colocasse a cruz no centro da mesa do altar, guarnecido por dois candela-
bros acesos: “[…] Super altare collocetur Crux in médio, & candelabra saltem duo cum candelis accen-
sis hinc & inde in utroque ejus latere”. Cf. CECO-PILAR-CARMO, Filme 72, vol. 53. Missale Romanum
1818 ex decreto sacrosanto tridentini, De praeparatione altaris, & ornamentorum ejus, p. XXXIX.
Figura 36 Detalhe do frontispício do Carmo, em-
pena da frontaria e represas
256
exatamente esta eleição estrutural pelas represas, e sua coerência ornamental verossímil a
atuar na “descarga do remate do frontispício com o ornato a elas respectivo”:
Fara todos os cunhais ou pilastras das torres conforme aplanta nova asaber
da bara [barra] sima seraõ ngidos conforme a obriga.am [obrigação] do
Rematante e declaraõ as condiçoins velhas efara os cunhais do fronte espiçio
do embazam.to p.ª sima de cantaria com todos os seus ornatos e da mes-
ma cantaria seraõ as duas Reprezas dades carga [da descarga] do Remate
do fronte espisio com o ornato aelas Respetivo eisto se entende do Resalto
adentro.
98
Perfeito. Além de comprimir opressivamente o óculo, o uso de pilastras preencheria e frag-
mentaria excessivamente a frontaria, sobrepondo-as aos umbrais ornamentados da portada
principal que, assim como se obrou, deveria mesmo se distinguir decorosamente como parte
principal, central e ressaltada, na hierarquia
do frontispício. Ademais, seria um conjunto
de invenção não muito comum em Minas
Gerais, à exceção da que convenientemen-
te apresenta a Capela do Rosário dos Pre-
tos, cujo óculo permaneceu na empena da
frontaria (onde deveria estar, no risco inicial
de Manuel Francisco Lisboa, o óculo do
Carmo) e que também possui, justamente,
um conjunto similar de membros: as duas
torres recolhidas (circulares), os quartelões
na empena e os pináculos no acrotério do
frontão (FIG. 37). A invenção do Rosário se
explica pela eloqüente marcação do ritmo
estrutural em todo o frontispício pelas pilas-
tras colossais e pela quase ausência de or-
natos na galilé de entrada dividida em três
portas e três sacadas para o coro entre si
correspondentes, inclusive em proporção.
Por assim dizer, a argumentação arquitetônico-retórica é bem diversa da Capela do Carmo.
Numa, valorizou-se a grandiloqüência da estrutura, coroada pela excelência de desenho e
98
“Copia das condisois pelas coais sehadefazer aobra do corpo da nova capela de N. Sr.ª do Monte do
Carmo com os acresimos que nela seachaõ”. Apud LOPES, op. cit., p. 123.
Figura 37 – Capela do Rosário, Vila Rica
257
fábrica do frontão ondulado perspectivado em cantaria de itacolomi (FIG. 38); na outra, a elo-
cução e o aparato do corpo de ornatos centrais icônico-gurativos em pedra sabão.
A planta do Rosário apresenta três ovais que se cruzam no nártex e no arco-cruzeiro (FIG.
39). A engenhosidade inventiva da planta requereu dos fabricantes bastante asseio para a
construção das respectivas “elevações”
99
, especialmente nas engras e junções de cantaria,
em que as peças desenvolvem planos e linhas de curvatura simultâneas aos três planos de
projeção, com o perdão do anacronismo geométrico. A agudeza estrutural do Rosário é o or-
nato mais admirável do edifício, virtude que explica o frontispício corresponder decorosamen-
te à sua lógica estrutural e a portada ser destituída de ornatos gurativos. Estes existem ape-
nas dentro da galilé, espécie de alpendre que antecede a entrada ao templo. O brasão com
a insígnia Mariana, que identica a capela, foi disposto no fecho da porta principal interna,
cujas guarnições de verga e ombreiras acompanham sutileza de entalhe, visível apenas para
quem se aproxima da entrada, na posição de quem está na iminência de perpassar a galilé e
atingir a nave. A contribuir também com a “agudeza euclidiana” ou “borromínica” do edifício
100
,
99
O termo “elevação” foi destinado, nos documentos, tanto às paredes da fábrica quanto aos “riscos”
correspondentes, chamados também de “pers” ou “alçados”.
100
Eugenio Battisti usou a interessante expressão agudeza euclídeapara elogiar as virtudes enge-
nheiras, ou engenhosas, de Guarini na Capela de La Sabana Santa, Duomo de Turim. Cf. BATTISTI,
Eugenio. Retorica y arquitectura. In:___. Renacimiento y barroco, p. 191. Importantes estudiosos, como
Robert Smith, apreciaram ver nos templos mineiros, sobretudo na capela do Rosário, uma herança
Figura 38 – Detalhe em perl do frontão da Capela do Rosário
258
as elegantes torres circulares da Capela do
Rosário se reduzem muito em altura para
além da saliente cimalha real que circunda,
literalmente, toda a “redondeza”
101
do edifí-
cio (FIG. 40). A altura do frontão é pratica-
mente a mesma da parte superior das tor-
res, correspondente à servidão dos sinos,
bastante reduzida em relação ao corpo total
delas, à proporção de aproximadamente
1:4 uma parte acima da cimalha para qua-
tro partes da altura total. Com a pequena
altura, e o recolhimento ecaz das torres,
parte delas é encoberta pelo frontão. E se
chega à conclusão, então, que torres mais
altas (mais comuns no “país”) seriam incon-
venientes à simetria geral do frontispício,
“borromínica” de plantas e alçados. Cf. BURY, John. Igrejas Borromínicas do Brasil colonial. In: ___.
Arquitetura e arte no Brasil colonial. Organização de Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira. Tradução de
Isa Mara Lando. São Paulo: Nobel, 1991, p. 103-135.
101
Nas condições do século XVIII, “redondeza” é o termo usado ao se referir à circunferência ou perí-
metro de elementos curvos.
Figura 39 – Foto aérea da Capela e largo do Rosário, Vila Rica. Fonte: Acervo
de Fotograas do IFAC/UFOP
Figura 40 – “Redondeza” da Capela do Rosário
259
elevando e deformando por demais o seu efeito. Isso comprometeria o protagonismo estru-
tural do frontispício e da capela como um todo, que, do modo como foi perfeita, aparenta
possuir um corpo todo coeso e mais bem concordado com a ratio que orientou sua invenção.
Até mesmo a saliência lateral das torres, cujo perímetro circular não se inscreve em concor-
dância com a curvatura da oval da frontaria, contribuiu para o efeito do conjunto, dignicando
em evidência as torres que se subordinam ao todo. A intersecção concorrente entre os corpos
das torres e essa oval proporcionou alguma distinção a elas, além de exigir proporcionalmen-
te a amplicação dos ressaltos das pilastras que sustentam as torres e o frontão. Capitéis
folheados, ainda que bastante convenientes ao decoro da Senhora, seriam inconvenientes
à retórica da capela. A conveniência ou decoro interno dos ornatos subordinou-se ao decoro
ou à conveniência interna da verossimilhança ou coerência estrutural, orientando a formosura
adequada ao conjunto. Como partes convenientes entre si e ao todo da argumentação visual
ou da retórica arquitetural da capela, as proporções e os artifícios construtivos se justicam no
efeito nal do edifício, tornando mais atrativa e evidente a lógica das proporções e do arranjo
estrutural.
Esse desenvolvimento do frontispício do Rosário ajuda a ver como a invenção do Carmo
possui outras nalidades, meios e efeitos. Se, no Rosário, a estrutura aparente em cantaria
(pilastras, cimalha e elementos de coroamento) domina a aparência, no Carmo, de outro
modo, mais pilastras, abaixo das represas, comprometeriam a sutileza de efeitos da portada,
ressaltada pela movimentação de curvas do frontispício. O artifício foi fundamental para tornar
a parte central mais proeminente, e a isenção de pilastras, compensada com a presença das
represas, tornou todo o conjunto coerentemente elegante, asseado e atraente. Além de ampli-
car a distinção do composto, essa movimentação das curvas exigiu que se adequassem os
ornatos de pedra-sabão ao ângulo das cordas que os acomodam. Os pontos de concordância
das três curvas principais da frontaria se situam praticamente nas linhas verticais evidencia-
das pelas represas e quartelões, exigindo do novo risco, e também da execução dos constru-
tores, que se girassem levemente para fora os quartelões do frontão e das ombreiras da por-
tada (FIG. 41 e 42). As seções de entablamentos que as arrematam, em si sutis e elegantes
pelo desenho e posição, aprimoram graça pelo modo com que se situam para a recepção. A
forma das seções se encurva levemente para cima, sutileza de desenho presente também
em outras partes da capela, como já apontei, dando corpo ao preceito da correspondência.
260
Os pares de membros simétricos (torres, pilastras, represas, quartelões, pirâmides, janelas,
anjos), valorizam e ornamentam a centralidade do frontispício. A parte correspondente à nave,
denida pelas pilastras em cantaria, conforma um corpo destacado, quatro palmos à frente
das torres sineiras, que possuem pilastras ngidas, apenas, mais uma distinção hierárquica
efetivada pela ornamentação. Os capitéis de todas essas pilastras apresentam volutas de
enrolamento invertido em relação ao sentido habitual das volutas dos capitéis compósitos
(FIG. 43), o que acontece também nos capitéis do segundo e terceiro pares de altares late-
rais da nave. Um documento da ordem indica terem denominado essa variação do capitel
de “romano”, a consistir, portanto, numa variação bem menos ornada da ordem “compósita”
ou “romana”, como assim também a denomina Scamozzi
102
(FIG 44). Assim, nessa variação
do capitel, além da presença de volutas de enrolamento invertido, uma rocaille em formato
folicular substituiu metaforicamente as folhas de acanto, como adequação do ornato ao lugar
comum decorativo consagrado na capitania. Isso também vai acontecer na Capela de São
Francisco de Assis. Numa das várias louvações, os mestres reclamaram da falta de ornatos
102
Cf. SCAMOZZI, Vincenzo. Les Cinq Ordres D’architecture de Vincent Scamozzi, Vicentin, Architec-
te de la Republique de Venise: Tirez du sixiéme Livre de son idée generale d’Architecture: avec les
planches originales. Par Augustin Charles Daviler, Architecte, À Paris, Chez Jean Baptiste Coignard,
Imprimeur du Roy, MDCLXXXV, Avec privilege de As Maieste, Chapitre X, . 45. Disponível em: <http://
www.unav.es/ha/009-TRAT/scamozzi.htm>.
Figura 42 Giro sutil dos quartelões e repre-
sas da empena da frontaria
Figura 41 Sutileza de desenho e giro das
ombreiras e ornatos da portada do Carmo
261
nos “recortes” e “romanos” do “remate” do fron-
tispício
103
, donde é feita a relação. Nas pilas-
tras dos cunhais, em cantaria, e também nas
pilastras “ngidas”, das torres, foi seguido in-
clusive o preceito de se orientarem as volutas
de canto a 45º em relação ao alinhamento das
faces da pilastra. Todavia, em algumas partes
externas, no alinhamento do arco-cruzeiro, por
exemplo, o encontro de pilastras e capitéis do
corpo da nave e do corpo referente à sacristia e
corredores gerou uma diculdade evidente em
se adequar os vários níveis dos entablamentos
e dos capitéis, resultando num conjunto pou-
co harmonioso de capitéis, arquitraves, frisos
e cornijas (FIG. 45). O caráter dos capitéis da
parte correspondente à nave é mais delicado e
gracioso, enquanto o correspondente à parte
traseira, sacristia e corredores, é nitidamente
mais grave, embora pareça ser uma variante
do capitel jônico, com volutas bastante salien-
tes e robustas (Fig. 45).
103
“[...] o q tudo visto e exzaminado por nos ditos lovados achamos q. a obra noseutodo se achava na
forma das condisois, e riscos e q. tam somente no remate do fronte espisio dadita capella seachacom
afalta dealguns onatos, e falta dealtura nos Dois recortes e romanos dos cantos por sima dos cunhais
[…]”. Cf. Louvação de 26 de junho de 1785. Assinaram a louvação Manuel Francisco de Araujo, Jozé
Antonio de Brito, José Pereira Arouca e Jozé da Silva Pereira. Cf. Anexo, Documentos. In: LOPES, op.
cit. p. 129-130.
Figura 44 Ao centro, Ordem ou Gênero “Ro-
mano” de Scamozzi. Fonte: <http://www.unav.
es/ha/009-TRAT/scamozzi.htm>.
Figura 43 Detalhe dos capitéis das pilastras
das torres e frontispício
Figura 45 Articulação inconveniente dos capitéis
nas laterais do corpo da Capela do Carmo
262
No corpo e arremate do frontão, coroando todo esse conjunto virtuoso de tópicas, proporções
e artifícios, a sutileza de ornatos retorna à representação convencional das armas do Car-
melo; retorna, porém, com uma luz de agudeza e esplendor digna das mais altas gurações
alegóricas da arte setecentista, na capacidade admirável de fazer a arquitetura discursar em
seu decoro. Ao explicar o conceito da composição, é preciso notar antes o asseio da cruz
que arremata o frontão, as delicadezas de desenho, recorte e proporção de seu corpo, que
é a própria representação do corpo de Cristo Salvador, e também de ornato, resplendida por
raios desiguais que guram a glória vitoriosa de seu trono (FIG. 46). Na extremidade superior
da cruz e também dos braços, mais evidente nesses pela posição lateral, cachos de uvas
concentrados entre conchas e volutas diminutas remetem ao doce sangue do sacrifício (FIG.
47). Igualmente guradas de brilho estão justamente três estrelas, duas mais altas, em con-
traste permanente com o vazio celeste, culminando cada uma das pirâmides que guarnecem
a bendita cruz, e uma outra, mais abaixo, composta no pequeno óculo circular ao centro
superior da empena do frontão (FIG. 48). Este óculo não possui outra função de iluminação
que não seja a de comportar a terceira estrela que é de brilho próprio, e a esta altura o leitor
já percebeu a composição amplicada das insígnias do Monte Carmelo, incorporada em me-
táfora pelo próprio frontispício da capela. O cuidado da ornamentação chegou ao extremo de
se ter atado cada uma das estrelas aos seus suportes não pelas pontas delas, na moldura do
óculo ou nas graciosas “belas” estriadas das pirâmides, mas sim pelas pontas dos raios de
esplendor, permitindo disposição habitual às estrelas e liberdade de elocução às suas pontas.
Aludidas as sutilezas da invenção, pergunto se seria demais também compreender a aparên-
cia tosca da concha da qual parte o vigoroso acrotério da cruz como reiteração da atribuição
retórica de rocha ou monte ao frontispício da capela? A elocução imitaria o estilo da insígnia
carmelita, onde a rudeza na guração do monte contrasta com a neza similar de cruz e es-
Figura 46 Cruz do acrotério da Capela do Carmo Figura 47 Detalhe dos ornatos que imitam uvas
na cruz do acrotério
263
trelas. A conrmar a autoridade da alegoria, o
mesmo conjunto ornamenta também a facha-
da do Carmo de Sabará (FIG. 49), e evidencia
a imitação de uma agudeza arquitetônica, apta
a representar, em seu próprio corpo, a gura-
ção do monte ancestral de Elias. A invenção e
a disposição dos lugares, a elocução articio-
sa e verossímil, a conveniência e o movimento
das formas e alegorias do frontispício, como
um todo, parecem, assim, não ser apenas ca-
prichos decorativos; racionalizados que foram
à criação e à amplicação de efeitos lumino-
sos necessários à dignidade da formosura e
do discurso arquitetônico.
Figura 49 Alegoria do Monte do Carmo na em-
pena da frontaria da Capela do Carmo de Sa-
bará
Figura 48 – Alegoria do Monte do Carmo na empena da frontaria da Capela do Carmo
264
3.4 A Arquitetura interior: correspondência, formosura e majestade do corpo; clareza,
riqueza e brilhantismo da Senhora do Carmo
Com suas torres laterais, a Capela do Carmo apresenta frontispício de destaque entre as con-
gêneres de Vila Rica. Proporcionalmente, a capela é uma das mais capazes de Minas Gerais,
conformando-se talvez ao fato de que, e não apenas, o templo da rica Ordem acomodaria
também a irmandade de Santa Quitéria, por cuja razão a Ordem inclusive se comprometeu a
fazê-la “com a grandeza que lhe for possível”. Outra condição do ajuste com a Irmandade da
Santa, derivado da doação de seus terrenos e também do massame da antiga para a constru-
ção da “nova capela”, determinava que se compusesse no frontispício, abaixo das “Armas de
Nossa Senhora do Monte do Carmo”, também a “insígnia” de Santa Quitéria
104
, do que não
evidência alguma. Um dos altares laterais, o primeiro do lado direito da nave, como seria justo
e oportuno, foi dedicado na época à santa, como indicam os ajustes de talha.
As fábricas da arquitetura e da ornamentação interna da capela se delongaram até o nal do
século XIX, e algumas intervenções se efetivaram ou foram refeitas já no século XX; como as
pinturas do forro da nave, capela-mor e tapavento, executadas em 1908 pelo pintor italiano
Angelo Clerici (FIG. 50, 51 e 52). As obras de cantaria e forro pintadas por Clerici foram execu-
tadas bem antes de 1908, e a documentação indica a feição de um novo “tapavento”, porque
o primeiro ajustado em 100 oitavas de ouro pela Ordem ainda em 20 de novembro de 1796,
com o mestre Manuel Francisco de Araújo – havia sido “jogado abaixo” por Angelo e sua equi-
pe. Lopes não apresentou o documento de ajuste do primeiro tapavento em sua pesquisa
105
;
mas achou, no entanto, o recibo de pagamento a Araújo. Contribuindo para a conrmação de
sua feitura, encontrei outro documento
106
em que a Ordem ajusta com Antonio Lobo toda a fer-
ragem do “Catavento”, por 42 oitavas, no biênio ano 1796-1797. Essas e outras demolições,
como também a do “reboco primitivo” da capela-mor, foram comentadas pelo próprio Angelo
104
Cf. LOPES, op. cit., p. 19-20.
105
CECO-PILAR-CARMO, Filme 156, vol. 2523, documento avulso, sem numeração no códice, “Ajuste
do tapa Bento, para a Capella de N. Sr.ª doCarmo desta venerável ordem desta V.ª R.ª […] 20 de 9.bro
de 1796”. Declarou Lopes que “não há, nos termos e deliberações, nenhum ajuste para a feitura do
pára-vento do Carmo, mas, apenas, ligeiras referências ao mesmo”. Lopes conrmou todavia a exis-
tência de uma despesa de pagamento feita a Araújo pelo “catta vento”, ainda em 1796. Cf. LOPES, op.
cit., p. 57, o que conrma sua feitura na data do ajuste e recebimento. Ao examinar os documentos da
Ordem, pude constatar que Antônio Lopes realmente crivou os seus arquivos, transcrevendo a docu-
mentação com justeza.
106
Cf. CECO-PILAR-CARMO, Filme 201, vol. 2441, . 121.
265
Figura 51 Pinturas de Ângelo Clerici no forro
da capela-mor, Capela do Carmo
Figura 50 Pintura no forro da nave da Capela
do Carmo, Ângelo Clerici, primeira década de
1900
Figura 52 – Paravento, colunas e arcos do coro da Capela do Carmo
266
Clerici, em carta
107
à Mesa da Ordem, em março de 1909. Na carta, o artista solicitava, com
argumentos de mérito, a “graticação prometida” pelo trabalho excedente ao que havia sido
especicado no contrato. Conforme termos do próprio Clerici, esse trabalho excedente “era
forçosamente necessário para que tudo casse em [h]armonia com a estética reclamada do
Templo e do trabalho já feito”
108
.
Apesar da boa vontade de Clerici em “harmonizar” o templo, estilisticamente as suas interven-
ções dissonam até mesmo dos acréscimos inseridos durante todo o século XIX; acréscimos
estes que, fundamentais à perfeição da capela, estavam documentalmente orientados por
preceitos de adequação, “imitação”, “correspondência” e “semelhança” apesar das trans-
formações de “gosto” em relação às invenções e ornatos dispostos no edifício durante
os primeiros anos de sua construção; desde 1766, ano da efetiva arrematação, até por volta
de 1814, entalha dos altares laterais período de maior concentração da fábrica das partes
principais do edifício. A extensa documentação de obra aponta cinco principais dirigentes
desse fervor piedoso e construtivo: o mestre Manuel Alves Viana, arrematante do grosso da
obra; o mestre Manuel Francisco de Araujo, por várias obras signicativas de talha; o mes-
tre Francisco de Lima Cerqueira, por muitas louvações, emendas e arrematações de obras
signicativas de cantaria e ornamentação, lavatório, portada, arcos do coro, púlpitos, muitas
delas atribuídas ao Aleijadinho; Manuel da Costa Ataíde, por várias condições e obrações,
pinturas e douramentos; e também um irmão da Ordem, o Capitão Antonio Tassara de -
dua, que aparece em algumas eleições como “Suprior”
109
e também procurador, assinando
inúmeros termos e recibos passados para a Ordem por ter tomado, “a seu cargo”, à guisa de
um fabriqueiro, a administração das obras, o contrato de ociais e também o provimento para
procissões, armações da igreja em dias de festa etc.
107
Cf. a Carta de Clerici ao Prior da Ordem, Antonio Netto, de 20 de março de 1909. Ouro Preto. CECO-
PILAR-CARMO, Filme 156, vol. 2523, documento avulso, sem numeração no códice, “Assemblea Geral
do dia 19 de Abril de 1909 [...]”. Vila Rica, 20 de março de 1909.
108
Idem, Ibidem.
109
“Suprior” era a dignidade imediatamente inferior, em hierarquia, à de Prior, “cabeça” da Ordem tercei-
ra. As eleições geralmente aconteciam na virada dos anos de exercício, para composição da mesa que
era geralmente formada por: Prior, Suprior, Comissário, Vice-comissário, Denidores (componentes do
“denitório”, que auxiliavam na deliberação dos termos), Tesoureiro, Vigário geral do culto, Secretário,
Zelador, Porteiro e Procurador. Durante o século XIX, a Ordem do Carmo assimilou também ocupações
femininas, em cargos de ilustre representação, como prioreza e suprioreza, sem que isso signicasse,
conforme a ética oitocentista, substituição dessas pelos cargos efetivos ocupados pelos homens livres.
Formava-se, assim, uma mesa como que suplementar à masculina. Cf. CECO-PILAR-CARMO, Filme
191, vol. 2418, p. 32-v et seq. “Estatutos da Veneravel Ordem de Nossa Srdo Monte do Carmo,
estabelecida n[esta] Vila Rica das Minas Geraes. Convento do Carmo, Rio de Janeiro”. Rio de janeiro,
1755.
267
Ademais, quando o assunto é a ornamentação interna dessas capelas, a pesquisa da do-
cumentação primária tem evidenciado não se poder restringir as análises apenas ao século
XVIII eldorado calendário mítico da “originalidade” barroca/rococó de Minas Gerais pois na
maioria dos casos a ornamentação do interno adentrou em muito os oitocentos. Os documen-
tos indicam também uma permanência de processos, regimes de contratação e construção, e
também de preceitos, como segurança, perfeição, asseio, comodidade e conveniência, que a
prudência cientíca orienta não compreender invariáveis de sentido e nalidade, num período
bastante problemático de até 150 anos, entre os séculos XVIII e XIX. Vários estudiosos têm
indicado uma certa degeneração do estilo e da habilidade técnica dos artíces no decorrer do
século XIX. Apesar de muitos exemplos efetivamente corroborarem essa interpretação, mes-
mo em Minas Gerais, como no caso mais citado dos altares laterais da capela franciscana de
Ouro Preto, nitidamente prejudicados em relação à admiração que causa o todo, a perfeição
da Capela do Carmo instiga considerar com mais atenção essa generalização.
As capelas e altares laterais foram obrados desde o nal do século XVIII até a segunda
década dos oitocentos (FIG. 53 e 54). A primeira arrematação, relativa aos dois colaterais
imediatos ao arco-cruzeiro, foi do mestre Manuel Francisco Araújo (1794), tendo sido os dois
seguintes recebidos pelo Aleijadinho (de 1807 a 1809)
110
e os dois últimos por Justino Fer-
reira de Andrade
111
, “ocial de arquitetura”, como ele mesmo se denomina num dos recibos
rmados à Ordem, reconhecido pela historiograa como componente da “ocina” de Antonio
Francisco Lisboa.
As condições redigidas para a construção dos terceiros altares, em 25 de fevereiro de 1812,
assinadas por dignidades da Ordem e pelo mestre Justino, determinaram expressamente a
necessidade de se manter a “correspondência” entre esses altares e os primeiros fabricados
(FIG. 55 e 56). Especicou-se, então, que seria obrigado o mestre entalhador a “irmanar os
altares com os dous primeiros”
112
. O restante da linha do documento está prejudicado e im-
possibilita a transcrição, mas o item seguinte das “Advertências” rezou que se deveriam fazer
os “quatro anjoz por cima da simalha dos capitéis, dous em cada altar”, literalmente “corres-
110
Cf. CECO-PILAR-CARMO. Filme 72, vol. 50. s. 147 e 162. (Recibos de Antônio Francisco Lisboa
para a obra dos segundos altares).
111
Cf. CECO-PILAR-CARMO. Filme 201, vol. 2443, . 35. (Recibo de Justino Ferreira Andrade para os
altares terceiros). Cf. também LOPES, op. cit., p. 68-74.
112
Cf. CECO-PILAR-CARMO, Filme 156, vol. 2523, “Advert.as ou condiçoens com que se haõ de fazer
os douz altarez e os douz púlpitos daCapella da V.el Ordem tercrde N. Senhora do Carmo desta Villa”,
“V.ª Rica, 25 de Fev.rº de 1812”. (Documento avulso).
268
Figura 53 – Vista geral dos altares da nave, lado do Evangelho
Figura 54 – Vista geral dos altares da nave, lado da Epístola
269
pondentes com os novos”. Anjos nas cimalhas foram entalhados exatamente no primeiro
e terceiro par de altares, dois em cada um, de gosto e artifício inferiores; o primeiro par ainda
apresenta querubins nas mísulas que sustentam as colunas. Apesar de alguns detalhes se-
rem sutilmente diversos, relativos principalmente à presença ou não de ornatos dourados,
num e noutro, especialmente no coroamento semicircular, no friso do entablamento, capitéis e
quartelões que guarnecem o camarim, esses altares, primeiros e terceiros, evidenciam vários
aspectos estruturais e ornamentais de correspondência – proporção, desenho e estilo – entre
si, como solicitavam as condições
113
. As colunas de ambos possuem fuste liso torneado por
113
Carlos Borromeu recomendava correspondência na forma entre as capelas e altares laterais: “Que
as capelas menores tenham a mesma largura, comprimento e altura; e, nalmente, o quanto seja
possível, que guardem conveniência entre si em todas as partes”. (“Cappellae minores omnes uma
eademque latitudine, longitudine et altitudine constent; ac demum omni ex parte, quoad eius eri potest,
Figura 55 – Seqüência de altares da nave, lado da Epístola
Figura 56 – Seqüência de altares da nave, lado do Evangelho
270
uma delicada guirlanda em espirais de rosas, e os coroamentos dos corpos dos retábulos,
logo abaixo dos guarda-pós, são arcos concêntricos que acomodam no centro o escudo prin-
cipal; diferentemente dos segundos, que possuem arremate do camarim delineado em sane-
fa e as colunas laterais são estriadas e bem mais delgadas, bem como as seções de seus
entablamentos, em relação às mesmas proporções dos primeiros e terceiros. Embora todos
os seis altares se acomodem no aspecto geral do estilo que os convém, a correspondência
dos altares observa nitidamente a satisfação mais sutil ainda de uma simetria especular, cujo
eixo de correspondência é a direção longitudinal da nave. O artifício se encontra também na
Capela da Ordem terceira do Carmo, no Porto
114
, e que Francis Haskell identicou como um
procedimento habitual na decoração de ambientes ditos “barrocos”
115
. O efeito em Vila Rica
foi estimulado também pela progressiva contratação dos altares aos pares, e fábrica, também
progressiva e simultânea, de cada um desses pares, a partir do arco-cruzeiro em direção à
portada.
mais artifícios de correspondência entre os altares. Os guarda-pós, ou baldaquinos, foram
introduzidos no ornato do templo a pedido da Ordem terceira, assim que Aleijadinho culminou
a talha do segundo par. O termo “guarda-pós”, como aparece na documentação, sugere de
pronto a comodidade de sua destinação proteger o retábulo e o altar das imundícies que
entram pelas frestas das aberturas –, mas o efeito da peça é também ornamental, aliando,
convenientemente, uso e formosura. O primeiro par de altares não os possuía, e o arremate
deles em arquivoltas concêntricas chega a evidenciar isto, num exame mais atento que se
pode fazer das junções de talha e proporções, nitidamente emendadas. Entretanto, a ordem
ajustou com Aleijadinho o acréscimo dos guarda-pós também nesses primeiros, procurando
sibi invicem conveniant”). Cf. BORROMEO, Carlos. Instructiones fabricae et supellectilis ecclesiasticae,
XIX. De Cappellis et altaribus minoribus, p. 23.
114
Pude vericar que correspondência entre todos os altares laterais da Igreja da Ordem terceira de
Nossa Senhora do Carmo do Porto. A correspondência mais evidente é a da arquitetura. Coroamentos,
volutas e ornatos em geral dispõem-se simetricamente em cada par de altares. A correspondência mais
sutil alcança a conveniência das alegorias. Nos altares junto à porta, os anjos do coroamento, em pa-
res, carregam, respectivamente, no altar da Epístola, motivos do martírio de Cristo: a escada e a coluna
do martírio (neste altar, Cristo está atado à coluna); no altar do lado do Evangelho, os anjos portam
respectivamente um cilício e a palma do martírio, elementos sacricais e penitenciais. As imagens dos
sacrários e dos coroamentos também são exatamente correspondentes.
115
Cito: “Os projetos de decoração completos que chegaram até os nossos dias demonstram que,
em inúmeros casos, os quadros eram usados para cobrir as paredes de uma sala ou de uma galeria
segundo padrões simétricos e muitíssimas vezes eram incrustados na própria parede. […] Muito fre-
qüentemente solicitava-se ao artista que pintasse quadros aos pares e verica-se, através de muitos
exemplos, que essa preocupação com a função decorativa e arquitetônica da pintura inuía tanto na
composição quanto na dimensão dos quadros”. Cf. HASKELL, Francis. Mecenas e pintores; arte e
sociedade na Itália barroca. Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves. São Paulo: Edusp, 1997, p. 24.
271
adequar, na nave, o estilo e a perfeição dos membros
116
. Assim, após concluir os altares do
meio, relativos a Nossa Senhora da Piedade e São João, a Ordem rmou com Antônio Fran-
cisco Lisboa um termo pelo qual o mestre cava contratado a “reparar” a parte de cima dos al-
tares feitos, de Santa Quitéria e Santa Luzia, arrematando-os com os mesmos “guarda-pós”
e “camarins” aparelhados nos de sua arrematação
117
. A Ordem queria, portanto, perfeição de
arremate correspondente à talha desses altares segundos, “a m deimitár os já acabados no
milhór modo pocivel”
118
. Acima desses guarda-pós – delineados no arremate frontal do balda-
quino com um elegante lambrequim cortinado –, janelas dispostas sobre cada um dos altares
inundam de luz o interior da capela, decentemente orientada e implantada, como vimos, or-
nada em altezas de sítio e também de estilo, majestosamente carmelita. Assim, qualquer que
seja a disposição do quadrante solar, hora do dia ou período do ano, a capela está disponível
à afecção da luz natural que amplica os efeitos de riqueza, clareza e brilhantismo apropria-
dos à capela, advindos seja da distinção articial dos ornatos seja do efeito natural da luz
operada com(o) artifício.
A cláusula seguinte das condições se referia aos púlpitos. Declarou-se, então, que se deveria
fazê-los sem dosséis de coroamento, arrematando-os “conforme o melhor gosto”
119
. Vale dizer
que o “melhor gosto” também foi considerado na operação de reforma do risco das colunas
de sustentação do coro, que, pensadas em alvenaria no risco de Manuel Francisco Lisboa,
116
Além da conveniência entre os altares, Carlos Borromeu recomendava o arremate dos retábulos em
semicírculo; discernindo, ao m, que a estruturação e o acréscimo de elementos a eles, “duas colunas”
e outros “apoios decentes” (aut erectis columnis duabus, aut aliis fulcimentis decentibus”), deveriam
se articular na parte superior do elemento com arremate circular ou abobadado, e pintura à forma de
ornato: Quae ambae columnae inter se a superiori parte opere fornicato, vel eiusmodi, coniunctae sint,
aut hemicyclis pictura saltem ad ornatus speciem decore expressis”. Cf. BORROMEO, Carlos. Instruc-
tiones fabricae et supellectilis ecclesiasticae, XIX. De Cappellis et altaribus minoribus, p. 24.
117
“Aos vinte dias do mez de Outubro de mil Oito Sentos eoito annos […] esta meza era servida mandar
continuar as obras dos mais Altares q.e o detriminassem: e Ouvido esta proposta p.r todos asentaraõ
uniformem.te; e de comum acordo q.e o Mestre seguiçe a Reparar os dois Altares colaterais feitos
pondolhes os Guardas pós e Camarins am deimitar os acabados no milhor modo pocivel eq’ para
hisso elle Procurador Geral dos Rendim.tos desta Ordem fose Saptisfazendo ao d.º Mestre e p.ª Cons-
tar mandarão Lavrar este termo em q’ asinaraõ e Eu Antonio Joze Rodrigues de Azevedo Sacretario
que o SobescrevieaSigno”. Cf. CECO-PILAR-CARMO, Filme 72, vol. 52. (L.º 2.º de termos e delibera-
ções das Mezas da ordem do Carmo de Ouro Preto). “Termo q.e fás esta Meza visto o M.e das obras
Antonio Fran.º Lisboa ter concluhido os dois altares de S. João e Nossa Snr.ª da Pied.e seguice a m.ma
Obra dos Guardas Pós e Camarim nos dois daparte deSima de Santa Quiteria e Santa Luzia nam.ma
forma dos dois q’ se achavão feitos”, . 70. Vila Rica, 20/10/1808.
118
Idem, Ibidem.
119
Cf. CECO-PILAR-CARMO, Filme 156, vol. 2523. “Advert.as ou condiçoens com que se haõ de fazer
os douz altarez e os douz púlpitos daCapella da V.el Ordem tercrde N. Senhora do Carmo desta Villa”.
“V.ª Rica, 25 de Fev.rº de 1812”. (Documento avulso).
272
foram feitas de cantaria de Itacolomy em
seção circular, crescentemente bojuda à
medida que ascende o fuste, o que certa-
mente causou admiração dos coevos (FIG.
57). Não bastasse o engenhoso aumento
de seção da coluna, os capitéis apresentam
delicado giro, engraçando o conjunto arre-
matado por ábaco e equino bastante ressal-
tados. A arrematação tocou a Francisco de
Lima Cerqueira
120
.
Muito antes disto, entretanto, na delibera-
ção de 5 de julho de 1789, a mesa havia
decidido fazer um “novo risco” para os púl-
pitos, “em reforma do que havia feito João
Gomes”. Lopes cogitou este “João Gomes”
ser talvez o “abridor de cunhos” João Go-
mes Batista, que, segundo a biograa de
Brêtas, teria sido um dos principais mestres
de Antonio Francisco Lisboa
121
. Foi nesse
mesmo termo que cou registrado que se
seguisse a fábrica dos altares “pelo risco,
que se acha bebuxado [debuxado] na pare-
de do mesmo Consistorio da Ordem” (FIG.
58)
122
. Importa cogitar, como acontece com
os ditos púlpitos e também com os altares,
e não é exclusividade da Capela do Carmo,
120
Cf. LOPES, op. cit., p. 38. Em 1790, o vereador capitão Joaquim José da Silva registrou o termo
“gosto” no sentido de modo ou estilo, ao comentar que as igrejas de São Pedro dos Clérigos de Mariana
e Rosário de Ouro Preto haviam sido “delineadas por Antônio Pereira de Souza Calheiros ao gosto da
Rotunda de Roma”. In: VEIGA, Efemérides Mineiras, “18 de novembro de 1814”, p. 996.
121
Cf. LOPES, op cit., p. 70, e também o Índice Onomástico, p. 1, “Gomes (João) – possivelmente João
Gomes Batista, abridor de cunhos”.
122
Trata-se de um dos poucos riscos descobertos (assim como os da Capela Franciscana de Vila Rica,
situados na parede do corredor do evangelho e no piso do Consistório) que foram feitos para servir,
muito provavelmente, de molde ao corte das peças construtivas.
Figura 57 Detalhe das colunas e capitéis dos ar-
cos do coro
Figura 58 Detalhe do risco de altar na parede do
consistório. Capela do Carmo, Vila Rica
273
da presença de espécies de ornatos inventa-
dos, imitados e acrescidos em vários membros
de arquitetura, lavra e talha, comedidos pelo
predomínio do “juízo” sobre a “fantasia” (FIG
59 e 60). Numa outra linha de interpretação,
o gosto, e também o repertório desses ele-
mentos, têm sido habitualmente classicados
como de “estilo rococó”. Preferindo reconstituir
historicamente os preceitos das práticas da-
quele tempo, João Adolfo Hansen adverte que
a tópica que estabelecia o predomínio do juízo
sobre a fantasia era muito comum na segunda
metade do século XVIII em Portugal. Apa-
rece nos tratados de Verney e Candido Lu-
sitano, adequando ao gosto a doutrina das
faculdades artísticas e as hipóteses para
a sua fusão segundo a mimesis aristotéli-
ca, durante o que Hansen reconhece como
“ilustração católica”
123
. Verney e Lusitano
defendem o “juízo com fantasia”, que é o
ornato domado pela razão, a ela subordi-
nado, e por isso alegam, aduz Hansen, “a
incongruência, a afetação e o mau gosto
da poesia seiscentista”
124
. O efeito na orna-
123
Cf. HANSEN, João Adolfo. Ilustração católica, pastoral árcade e civilização. Ocina do Incondên-
cia. Ano 1, n. 0, dez. 1999. Ouro Preto, p. 11-48, 1999. Luís de Antônio Verney apresentou em 1746 o
Verdadeiro método de estudar, e Candido Lusitano (Francisco José Freire), a sua Arte poética, 1748.
O Arquivo do Centro de Estudos do Ciclo do Ouro (CECO), em Ouro Preto, possui um exemplar coevo
acessível, microlmado, da Arte poética de Candido Lusitano.
124
Cf. HANSEN, João Adolfo. Ilustração católica, pastoral árcade e civilização, p. 34. Segundo a dou-
trina, havia três hipóteses, que pressupunham o engenho como fusão de duas faculdades: o juízo e a
fantasia. Havia, portanto, o “juízo com fantasia”, a “fantasia sem juízo”, e o “juízo sem fantasia”. As três
hipóteses condicionavam a ornamentação conforme a conveniência de efeitos e nalidades. O extremo
Figura 59 – Púlpito do lado do Evangelho
Figura 60 – Púlpito do lado da Epístola
274
mentação das letras é a eliminação de tropos e guras que “obscurecem o discurso”; na ar-
quitetura, o que é muito evidente na Capela do Carmo, o efeito análogo seria o aumento da
clareza e o alívio do aparato, efetivados pela eliminação de ornatos que prejudicariam a dis-
tinção, como declarou em documentos o mestre Ataíde. Ainda na capela, eloqüente e didática
nessa discussão, a clareza foi valorizada pela aplicação de outros artifícios, como o doura-
mento sutil de lavra e talha
125
, que amplicou a elegância cortesã conforme o “melhor gosto”.
Curiosamente, pode-se pensar ainda que, se retiram-se as cúpulas nos púlpitos, inserem-se,
nos altares, os guarda-pós; mais recuados e discretos, é verdade, do que os dosséis habitu-
ais; importantes, todavia, para conferir nobreza à nave. Como concluiu Hansen, “a ilustração é
sobretudo elocutiva”, porque regula a clareza dos ornatos contra o hermetismo, mas mantém
a ordem e a hierarquia católicas
126
. As prescrições retóricas permanecem, comedidas pelo
juízo que ordena decorosamente o efeito.
Púlpitos da maioria das capelas também foram arrematados sem dossel, como os de São
Francisco de Assis e Santa Egênia de Vila Rica, Carmo de Mariana e outras. Denominados
curiosamente, no documento, de “cupullaz”, os dosséis eram comumente usados para aper-
feiçoar a acústica emissão da voz na prédica. Foram tópicas muito comuns nas igrejas ma-
trizes, a receber, geralmente, sob seu pequeno forro, iconograa alegórica do Espírito Santo
ornado em resplendor de raios – adequada guração da pomba descendo do céu em gloriosa
doação divina, signo da luz da graça que orientava o engenho de artistas, oportunamente o de
oradores sacros, nos atos intelectivos da invenção e declamação de discursos e sermões
127
.
racional é o juízo sem fantasia, conquanto a fantasia sem juízo poderia beirar a afetação. Juízo com
fantasia efetivava o meio-termo.
125
Além do retábulo-mor, Ataíde ajustou em 31 de julho de 1825 o douramento dos seis altares e dos
púlpitos. Cf. CECO-PILAR-CARMO, Filme 201, vol. 2443, . 58. (Livro de receita e despesa da Ordem
do Carmo). As condições da fábrica foram apresentadas pelo próprio Ataíde. Cf. CECO-PILAR-
CARMO, Filme 072, vol. 052, . 122-123v.
126
Cf. HANSEN, João Adolfo. Ilustração católica, pastoral árcade e civilização, p. 43. Hansen cita um
trecho contemporâneo bastante didático, que ilustra bem a ornamentação e os efeitos requeridos: “Os
seus períodos não são longos, não são concisos, não são embaraçados, não são duros, não são difí-
ceis de ser entendidos […] suas metáforas são buscadas em lugares-comuns signicantes, lugares não
distantes, lugares próprios; a sua elocução é pura, mas não baixa, própria, mas não vulgar, gurada,
mas não enigmática; graciosa, mas não afetada; tensa, não inchada, terna, não lânguida […]”. CAME-
RINI apud HANSEN, João Adolfo. Ilustração católica, pastoral árcade e civilização, p. 35.
127
Doutrina capital da representação artística dos setecentos, a “luz da graça” “aconselha o juízo ou de-
sígnio de poetas e artesãos no ato intelectivo que produz a representação”. Cf. HANSEN, João Adolfo.
Ler & ver, p. 80. A doutrina foi defendida pelos católicos contra a tese luterana do pecado original, pelo
qual os homens haviam perdido a iluminação da graça. Aqui, é também necessário notar a analogia
hermenêutica da doutrina com o recebimento, no Pentecostes, do Espírito Santo e do dom de línguas
profetizado e prometido por Cristo aos apóstolos (Atos, 2). Nas teorias que regulavam as representa-
275
O declarado “melhor gosto”, no entanto, do início dos oitocentos, implicou isentá-los do ar-
remate costumeiro amplicador dos efeitos teatrais, além de “puxar a atenção” como diria
Ataíde para as virtudes escultóricas da bacia de pedra itacolomy e do tambor em “pano”
branco de talha, asseado com ornatos bem distintos letados de dourado. Ainda que tenham
sido executadas, as partes, em materiais diversos, e estejam salientemente distinguidas pela
transição ornamental de valentes ressaltos horizontais à guisa de entablamentos de coroa-
mento e pedestais de base, as duas partes respectivas, bacia e tambor, estão perfeitamente
integradas (FIG. 60 e 61). São várias as virtudes de estilo, congruência e articulação. Além
da agradável proporção do conjunto e do cinzelamento perfeito das partes, a sutileza do
risco articulou-as na continuidade linear das peças ornamentais que as percorrem em toda
a direção vertical do corpo do púlpito; desde as pequeninas mísulas que nascem do coro-
amento concheado que arremata a porta
de servidão dos púlpitos, passando pelas
volutas misuladas que acompanham a on-
dulação sinuosa da bacia, até as pequenas
estípites que estruturam o pano do tambor.
Este, para nalizar, é arrematado por uma
nova cimalhinha branca, muito delicada,
igualmente letada em dourado nos acaba-
mentos extremos (FIG. 61). É bastante es-
clarecedor notar que essa correspondência
e articulação de desenho entre a bacia e o
tambor do púlpito havia sido requerida na
mesma cláusula documental que sugeriu o
arremate do elemento conforme o “melhor
gosto”. Foi declarado, então, que o “mestre
entalhador” deveria, além de “irmanar os al-
tares”, fabricar os púlpitos “seguindo o risco
ções artísticas dos séculos XVI, XVII e XVIII, ainda há que se lembrar da doutrina do disegno interno,
de raiz neo-platônica (Cf. PANOFSKI, Erwin. Idea; contribución a la historia de la teoria del arte. Madrid:
Cátedra, 1985), assimilada cristianamente. Através da “centelha da luz natural da Graça”, Deus “acon-
selha o disegno interno do engenho de poetas e artistas” na composição do “decoro estilístico”, escolha
dos melhores elementos, lugares e ornamentos, numa espécie de análogo artístico da sindérese. O
disegno interno era agudamente reconhecido como segno di dio”, “sinal de Deus”, infuso, como uma
manifestação da graça, à mente do artista na invenção das imagens. Cf. sobretudo HANSEN, João
Adolfo. Ler & ver: pressupostos da representação colonial, p. 75-90; e também HANSEN, João Adolfo.
Categorias epidíticas da ekphrasis. São Paulo: DLCV-FFLCH-USP. [19--?], p. 17-18. (mimeo).
Figura 61 – Detalhe do púlpito do lado da Epístola
276
de suas Çapatas [sapatas]”
128
. Tudo indica que essas “sapatas” do púlpito constituíam a base,
ou, propriamente, a bacia de sustentação, em pedra, que carregaria sobre si a talha em ma-
deira dos púlpitos. O Dicionário de arquitetura e ornamentação do barroco mineiro, de Affonso
Ávila, não registrou o termo. Outros documentos, contudo, indicam o uso do termo “sapata”
para designar justamente os apoios ou bases de sustentação em pedra; utilizado, por exem-
plo, nas primeiras condições de fábrica do templo a m de especicar os alicerces de pedra
que sustentariam as paredes de cantaria
129
. Documentos outros indicam que a lavra das ba-
cias, ou sapatas, do púlpito foram executadas em cantaria e recebidas por Francisco de Lima
Cerqueira em 1777, conforme atestam vários recibos passados pelo dito à Ordem terceira e
uma promessa de dívida passada a Cerqueira pelo arrematante Manuel Alves Viana, em 12
de março de 1773. Francisco de Lima Cerqueira recebeu a dita promessa de pagamento de
cem mil réis pela “labrage” dos púlpitos (abonada abaixo do mesmo documento pela Mesa da
Ordem em cinqüenta e nove mil e duzentos réis 59$200), a ser saldada assim que o mestre
pedreiro apresentasse as peças lavradas
130
, ou indicasse a quem se deveria fazer o paga-
mento. Como promessa expedida pelo arrematante, obviamente se tratava de um documento
avulso, não apresentado por Lopes em sua pesquisa. No mesmo lme de número 156, da
Paróquia do Pilar, (CECO), onde se encontra este documento, um recibo passado pelo
próprio Cerqueira à Ordem do Carmo, na página seguinte do microlme, expedido “a conta do
abono retro”, em “7 de julho de 1777”, no valor de “quatro oitavas de ouro”. Na mesma folha,
outra rma, passando o recibo de mais “seis oitavas” de ouro, “na mesma forma”, em “29 de
7bro de 1777”. Na folha seguinte, outro recibo do mesmo, conrmando o recebimento do “res-
to do credito da maõ do Procurador Gl. Mel. Francº. Pr.ª”, a quantia de “quarenta e humil, nove
centos, e cincoenta Reis” (41$950). Transformadas as quantias de oitavas, à relação coeva
aproximada de um mil e trezentos e oitenta réis por cada oitava, a soma dos recebimentos
de Cerqueira chega a 55$750, muito próximo da quantia abonada pela Ordem em relação à
lavra dos púlpitos. As advertências e condições lidas foram assinadas por irmãos da Ordem
128
Cf. CECO-PILAR-CARMO, Filme 156, vol. 2523. “Advert.as ou condiçoens com que se haõ de fazer
os douz altarez e os douz púlpitos daCapella da V.el Ordem tercrde N. Senhora do Carmo desta Villa”,
“V.ª Rica, 25 de Fev.rº de 1812” (Documento avulso).
129
Ainda hoje, as ciências modernas da arquitetura e da engenharia denem “sapata” como tipo de
elemento estrutural de sustentação e base para outras partes da construção, sobretudo em fundações.
130
“Devo que pagarei a Franc.º Lima a quantia de Cem mil Reis porcedidos da labrage dos Pulpitos
que comigo ajustou da nova capela da V.el Ordem 3.ª de Nossa Snrdo monte do Carmo desta Villa,
e juntam.te as portas dos dous púlpitos; cuja quantia pagarey a elle dito ouaq.m [ou a quem] este me-
mostrar lavrada que seja a dita cantaria paraoque obrigo a minha pessoa e bens a dita satisfacan e por
verdade passey o presente por mim somente asinado Villa Rica a 12 de março 1773. [...] Abona a mesa
da Vem.el ordem a obrigaçaõ aSima som.te naq.ta de Sincoenta enove mil eduzentos Reis”. CECO-
PILAR-CARMO, Filme 156, vol. 2523 (Documento avulso).
277
e também pelo mestre, Justino de Andrade, que recebeu pelo feitio do terceiro par de altares;
e, muito provavelmente, também, foi quem executou a talha de madeira dos púlpitos, em
1779
131
, o que ajuda a conrmar as hipóteses acima. Conquanto executadas por diferentes
artistas, as partes de cantaria e talha evidenciam a boa conveniência do púlpito do Carmo.
Indicam como, apesar de muitos exemplos contrários generalizados na arquitetura religiosa
de Minas Gerais, porventura o preceito alcançava efeitos muito vistosos e efetivos.
No púlpito, bem como no frontispício, a lógica ornamental correspondeu com justiça à com-
posição de uma articulação verossímil dos elementos arquitetônicos, e mais uma vez o uso
conveniente das mísulas, sapatas e represas (elementos ornamentais que também possuíam
a nalidade, aparente e efetiva, de apoio e sustentação) assumiu certa eloqüência. A lógica
articial foi preceito constante, e importante, como se viu, para a conveniência da decoração
do frontispício e também para a ornamentação estruturante do interior do templo: tribunas e
abóbodas da capela mor, tribunas da nave, forro da sacristia etc. O uso das mísulas constituía
uma tópica valiosíssima da arquitetura religiosa de Minas Gerais, utilizada com prudência na
capela do Carmo, como convinha ao gênero do edifício e ao caráter da Senhora. Entremeio a
essas peças, foram aplicados ornatos gurativos em pedra-sabão, anjos, concheados doura-
dos e tarjas animadas com escritos convenientes ao lugar da palavra. No púlpito da Epístola:
“Docentes Eos”; no do Evangelho, a inscrição imperativa: “Praedicate Evangeliv”.
Os preceitos de correspondência e semelhança modos ecazes da adaequatio estavam
presentes em outras partes da construção, requeridas em períodos distantes da execução
dos primeiros elementos que serviram de modelo. As condições da “construção” das “balaus-
tadas” da nave da igreja, capela-mor e coro, por exemplo, foram redigidas em abril de 1888,
em ajuste da mesa com Miguel Antonio Tregellas conforme atesta documento avulso. A se-
gunda cláusula dessas condições especicava madeira de “Jacarandá”, a mesma de várias
partes da capela e móveis da sacristia, havendo a obra
de ser feita á semelhança, com maior aperfeiçoamento possível, das 2
tribunas em frente ao corpo da igreja e envernizadas todas as peças a pin-
cel
132
.
O risco das diferentes balaustradas é evidentemente semelhante, embora a perfeição e o
131
Cf. “Devertência dos Altares daCapella de N. SnrdoMonte doCarmo daOrdem 3.ª destaVillaRica,
apud LOPES, op. cit., p. 141.
132
CECO-PILAR-CARMO, Filme 156, vol. 2523, abr. 1888. (grifo nosso).
278
acabamento das primeiras, nas tribunas à frente da nave, é nitidamente mais delicado; não
nas peças torneadas quanto mais nas sutilezas que engraçam os arremates e junções com
as paredes (FIG. 62). Entretanto, é preciso reparar que as condições, ainda que redigidas
tão adiantado o século XIX, mais de cento e vinte anos após o início das obras, procuravam
preservar ainda a imitação de peças construídas, a m de manter a correspondência e a
adequação entre os elementos da capela. A preceptiva da perfeição, ou do “aperfeiçoamento”,
então, foi aplicada para enfatizar o interesse da mesa em fazer “semelhantes”, tanto quanto
“possível”, os elementos novos aos já colocados na tribuna em frente à nave da igreja.
Os retábulos dos altares laterais apresentam corre-
ção em relação às condições estipuladas, e razoável
correspondência com o retábulo do altar-mor; mes-
mo tendo sido obrado, o conjunto, por tantos ociais
em várias arrematações. A cor branca dominante
133
,
presente na caiação das paredes e no corpo dos retá-
bulos, contrasta com os douramentos aplicados nos
letes da talha e também da cantaria. O artifício foi
minuciosamente detalhado por Ataíde: “Doiramento
daSimalha depedra = Portais eSimalhas dasfrestas
= retocamentos de tarja”
134
, e sua aplicação foi no-
tável em muitas outras partes do edifício, lavatório,
arco-cruzeiro etc. Além de conrmar correspondên-
cias, amplicou a elegância da arquitetura, com ri-
queza nobremente distintiva.
3.5 A distinção da capela-mor
Na introdução de um importante estudo sobre as imagens simbólicas do dito “renascimento”,
Gombrich
135
ilustrou como a “teoria do decorum” não foi uma “letra morta” na construção dos
133
Algumas janelas de retrospecção foram abertas no retábulo-mor, indicando pinturas coloridas ante-
riores.
134
Cf. o Termo de Ajuste de Ataíde, apud LOPES, op. cit., p. 177.
135
GOMBRICH, Ernst. Imágenes simbólicas. Tradução de Remigio Gomez Diáz. Madrid: Alianza, 1972,
p. 19.
Figura 62 Detalhe de porta-sacada e ba-
laustrada da tribuna da capela-mor aberta
no chanfro em direção à nave
279
“programas” iconográcos. Segundo Gombrich, o decoro operava, desde a antiguidade, na
seleção adequada da memória das imagens e dos textos apropriados ao tema e ao lugar das
representações. comentei, noutra oportunidade, essa permanência do decoro, e temos
visto como em Minas Gerais não foi diferente. A correção iconográca da arte religiosa chega
a ser uma obviedade, hoje, após a divulgação dos estudos iconológicos de Panofsky e princi-
palmente das pesquisas de Emile Mâle, que defendeu sua tese sem comentar, entretanto, a
consideração do decoro na composição dos programas iconográcos de igrejas e mosteiros
de ordens religiosas na Europa.
Curiosamente, os documentos da Ordem terceira do Carmo dão poucas notícias a respeito da
barra de azulejos assentada nas paredes internas do presbitério e da capela-mor. A memória
dos lugares-comuns iconográcos da devoção carmelita está presente na guração desses
azulejos trazidos de Portugal, conformando-se aos momentos sublimes das vidas dos santos
carmelitas. Os painéis ilustram decorosamente os momentos da conformatio dos afetos e
disposições de exemplares nas vidas desses santos, fundamentais ao discurso teológico-
retórico da arquitetura destinado também, entre outras virtudes, à metafórica “edicação dos
éis” carmelitas, como cou escrito em documentos da Ordem. Essas representações funcio-
navam como exemplos digníssimos de indução teológico-retórica, modelos exemplares e pa-
radigmáticos de vida santicada, que os carmelitas conheciam pela história da devoção, prá-
ticas, regras e ofícios da irmandade. Nas circunstâncias especiais do Carmo de Ouro Preto, a
correta adequação da iconograa se alia ao esplendor material dos azulejos, amplicando em
muito o decoro, o estilo elevado da capela, a distinção do ornato e o brilhantismo adequada-
mente apropriado à Senhora no lugar mais importante da igreja. Dentre as mais gurações da
conformatio carmelita, estão representados: São João da Cruz, o recebimento do escapulário
por São Simão Stock, o recebimento da regra por Santo Alberto, o arrebatamento de Elias
pela carruagem de fogo e a entrega do coração amejante por Cristo à Santa Tereza, alguns
dos temas mais reiterados nas capelas da devoção (FIG. 63-67). No colo da Senhora, devi-
damente coroada, o menino passa à santa o coração traspassado pela seta do amor divino,
evidência da doação iluminada do carisma. A disposição do afeto houve de ser responsável
pelo êxtase místico da santa, bem como pelo engenho entusiasmado de seus textos. Deli-
neia os vários painéis um desenho suave, característico do costume pictórico monocromático
dos azulejos portugueses, ambientados em cenários muito simples, sempre convenientes ao
caráter e ao tema. A separar cada uma das cenas, arcos de estruturas arquitetônicas estão
praticamente encobertas por decorações de rocailles e orões de rosas. O modo e a perfeição
com que foram dispostos os azulejos, ademais, leva a supor que ou o risco da capela-mor foi
280
adequado às proporções da barra ou foi enviado a Portugal, a m de orientar adequadamente
a factura do conjunto.
Figura 63 Painel de azulejos na barra da cape-
la-mor. Entrega da regra de Santo Alberto
Figura 64 - Painel de azulejos na barra
da capela-mor. Entrega do escapulário
a São Simão Stock
Figura 67 - Detalhe do painel de azulejos na
barra da capela-mor. Entrega, pelo Cristo-
menino, do coração amejante e traspassa-
do a Santa Tereza
Figura 66 – Detalhe do painel de azulejos na
barra da capela-mor. Arrebatamento de San-
to Elias na carruagem de fogo
Figura 65 - Painel de azulejos na barra da cape-
la-mor, São João da Cruz
281
A distinção do arranjo com a caiação das paredes se torna ainda mais engraçada pela elegân-
cia com que se articulam ao todo da capela as tribunas superiores e o retábulo-mor, nalidade
hierárquica, ornamental e litúrgica, do todo (FIG. 68). A sutileza dos desenhos e as propor-
ções das partes, aliadas ao cromatismo conveniente das peças cinza azulado e róseo das
guarnições de itacolomy, madeiramento enegrecido das balaustradas de jacarandá, branco
da caiação, o nobre matiz dos azulejos, o douramento dos letes –, conferem à capela-mor
uma formosura admirável, ápice ético e ornamental do templo. O risco do retábulo foi feito
por Ataíde
136
e fabricado por vários ociais, Manuel Francisco de Araújo, Vicente Alves da
Costa e suas ocinas (FIG. 69). Sutilmente diverso dos colaterais, que possuem quartelões
nas laterais do camarim, Ataíde compôs dois pares de colunas em profundidades diferentes,
ambas estriadas com o terço interior torcido, sustentadas por valentes mísulas que articulam
o corpo à base, tópica imitadíssima na arquitetura dos retábulos luso-brasileiros. O douramen-
to é comedido em todo o corpo, aumentado nas partidas e arremates de elementos, base e
capitéis coríntios das colunas, dossel dos nichos e, principalmente, no coroamento de arcos
concêntricos, em que várias seções bastante enroladas de entablamentos e conchas ampa-
ram o escudo de armas do Carmelo. Graciosa é a transição de ressaltos do entablamento
entre as colunas, e também a transição do pano de talha entre elas. Desde o pedestal até o
coroamento circuncêntrico, o pano se desenvolve côncavo, ornado por aduelas radiais deco-
radas no coroamento e por um portentoso nicho no intercolúnio, cuja peanha de sustentação
parece ser o único elemento desproporcional do corpo, por demais vigoroso qualquer que
seja o ponto de vista do espectador, sem efeitos aparentes de desproporção proporcionada
ou inconveniência conveniente
137
.
136
Cf. CECO-PILAR-CARMO, Filme 201, vol. 2443, . 41.
137
A desproporção ou a inconveniência eram operadas nesse tempo a m de criar efeitos adequados.
Poderia ser utilizada para alegorizar a moral, evidenciando, por exemplo, na aparência desproporciona-
da, os vícios e defeitos morais, como acontece com os soldados romanos dos Passos de Congonhas,
que possuem feições apropriadas para produzir tal efeito; mas também para conformar a justa propor-
ção a partir de uma posição de vista correta que ajustava, pela deformação óptica, o que estaria a prin-
cípio inconveniente. Hansen cita o Sosta (234 bc; 235 b; 236c), ativando as denições das imagens
“icástica” e “fantástica”. No segundo desses usos, o artifício em questão é mesmo a “cenograa”, tão
comum nos tratados de óptica modernos, muito utilizada para fabricar a arquitetura e seus ornatos. Cf.
HANSEN, João Adolfo. A Sátira e o engenho; Gregório de Matos e a Bahia do século XVII. São Paulo:
Ateliê Editorial; Campinas: Unicamp, 2004, principalmente “A proporção do Monstro”, p. 191-289, e
também HANSEN, João Adolfo. Ut pictura poesis/ Ut theologia rhetorica. DLCV-FFLCH-USP. Notas de
Aula, [19--?], p. 2 (mimeo).
282
Figura 68 – Capela-mor do Carmo, Vila Rica
283
Além da factura desse risco, Ataíde dourou praticamente todas as peças de cantaria e talha
da capela, altar-mor, colaterais, arco-cruzeiro, guarnições e ornatos, em condições para exe-
cução das quais sempre salientou os preceitos convenientes de “permanência”, “admiração”,
“perfeição” e “brilhantismo”. Para perfeição de sua formosura, Ataíde propôs também uma
pintura de “corpos de arquitetura” para o forro da nave, em documento avulso não datado,
apresentado por Lopes. Nelas, o ilustre pintor elogiou os caracteres já devidamente “admirá-
veis” e “majestosos” da capela do Carmo, apresentados pela “sua construcção, e veziveis per-
feiçoens”, conquanto fosse necessário, aditou o mestre, fazer alguns retoques para “distinção
e ornato do seu composto”. Visava-se, assim, não apenas o deleite da arte como também a
Figura 69 – Retábulo-mor, Capela do Carmo, Vila Rica
284
devida persuasão advinda de atração pelo que é visto; virtude, como foi dito, também re-
querida para a capela como um todo, desde a escolha do sítio e o modo de implantação, com
o efeito admirável de car “vistosa”. Ataíde então propôs que se zessem algumas emendas
“para o certo do seu ornamento”, advertindo que se o forro do teto (da nave) casse apenas
pintado de branco, de “per si nada deleita[ria] a vista, nem puxa[ria] a attenção, e contempla-
ção dos eis e principais mistérios de nossa Religião”. Pelo que terminou declarando, então,
autorizado “segundo o gosto dos antigos e modernos”,
acertado q’ se empregue no d.º tecto, depois de novo branquiamento, hua
bonita, valente e espaçosa pintura de Prespectiva, organizada de corpos de
Arquitectura, Ornatos, Varandas, festoins, e gurado, o q. for mais acertado;
sem q. comfunda os espaços brancos q. devem apareser p.ª benecio, e dis-
tinção da m.ma pintura; e athe ella não só animará a Igrmás fará sobresahir
os m.mos Altares já doirados; e a simalha real q. o sircula, seja de hua bonita
cor gerál azul clara, ou por sima dela um brando ngim.to de pedra, azul da
Prusia
138
Infelizmente, a pintura não foi executada, cujo “gurado” seria, por motivos de conveniência
iconográca, “o que for mais acertado”. Referia-se, o pintor, certamente, à guração de algu-
ma conformação importante e distintiva da Ordem carmelita, da Senhora do Carmo ou santos
da devoção, como o forro da nave do Carmo de Sabará recebeu o Arrebatamento de Elias e
a capela–mor a entrega do manto e do escapulário a São Simão Stock (FIG. 70 e 71). A en-
cenação estaria então incluída em “corpos de arquitetura”, como a Nossa Senhora dos Anjos
decorosamente centraliza o forro da Capela de São Francisco de Assis. Em carta à mesa
datada de 12 de abril de 1829
139
, Ataíde abriu mão do encargo ao alegar “perigo de vida” a
ele e seus “operários”, pela “iminente altura” a que estariam expostos, além do que lhe pare-
cia “desproporsionado o limitado preço de 80$000 [oitenta mil réis] que sem comsideração e
reeção, expontaneamente se comformou na ocazião do ajuste”. O mestre havia inserido no
dito “plano” outras proposições, arrematando-as com o argumento de que elas fariam “ademi-
ravel vista aoTemplo, por ter toda apropriedade, e precizaõ”. Como se depreende do “Plano”
do pintor, a perfeição interior do templo do Carmo deveria continuar a manifestar a “admirável
vista” e “majestade” devidas à Senhora, igualmente conveniente ao caráter e representação
da própria irmandade dos terceiros carmelitas, uma das mais requintadas e eminentes de Vila
Rica. Chamo a atenção também para o sobressalto gerado pelos dourados, e a proposição
138
ATAIDE. “Pláno q. aexemplo detodos os Templos, eaindam.mo deoutros edecios públicos eparticu-
láres, setem adotado segd.o o gosto dos antigos, emodernos; eeu alcanço ser a certado”, in: Anexos,
Documentos, apud LOPES, op. cit., p. 176-177.
139
Apud LOPES, op. cit., p. 90.
285
de uma “bonita cor geral azul clara”, aspectos salientados no comentário à capela-mor,
aberturas, altares e azulejos.
Nas condições redigidas alguns anos antes, em 09 de janeiro de 1825, pelo mesmo mestre,
para o douramento e pinturas do retábulo-mor, mais uma vez os preceitos competentes a uma
formosura devida animaram o exórdio das condições propostas para a dita construção. Ataíde
iniciou assim os seus apontamentos:
Condições, e declarações, que apresenta Manoel da Costa Ataide á Ill.mª
e respeitável Mesa da Veneravel Ordem 3.ª de Nossa Senhora do Carmo
da Imperial Cidade do Ouro Preto, pelas quaes declara o método, e ordem,
que se deve seguir no douramento, e pinturas do Retabulo do Altar Mor da
Igreja da mesma Senhora para sua perfeição, permanência, e brilhantismo/
segundo sua curta intelligencia/. Do mesmo modo o preço racionável da sua
importância, pelo qual se encarrega de dar a obra prompta, e acabada com
a perfeição devida, que ela exige para o dia da Festa da mesma Senhora a
16 de julho […]
140
140
CECO-PILAR-CARMO, Filme 072, vol. 052, f. 118v-121. “Condições, e declarações, que apresenta
Manoel da Costa Ataide á Ill.mª e respeitável Mesa da Veneravel Ordem 3.ª de Nossa Senhora do Car-
mo da Imperial Cidade do Ouro Preto, pelas quaes declara o método, e ordem, que se deve seguir no
douramento, e pinturas do Retabulo do Altar Mor”, [s.d.].
Figura 70 – Forro da nave da Capela do Carmo de
Sabará. Arrebatamento de Santo Elias
Figura 71 – Forro da capela-mor do Carmo de Sa-
bará. Entrega do escapulário a São Simão Stock
286
O uso que faço do termo exórdio não é um oportunismo retórico. Redigidas durante um regime
propriamente retórico dos discursos e das representações, o uso de tópicas e preceitos no iní-
cio dessas condições parece atuar dispondo favoravelmente o ânimo e a atenção dos leitores
para a conrmação da conveniência e para a aceitação das propostas. A disposição inicial de
argumentos e preceitos fornecia causas ecazes necessárias à invenção e efetiva execução
das obras, podendo assimilar também, comumente, o próprio efeito nal resultante dos proce-
dimentos e artifícios, como é o caso da “perfeição” e da “decência”. Parece verossímil supor
que a aplicação discursiva desses preceitos atuava também, portanto, como premissas do
assunto, capazes de cortejar e de obter de imediato – à guisa de uma captatio benevolentiae
a adesão ética dos prováveis contratantes; a serem persuadidos, estes, não apenas pelo
efeito de cumplicidade que a referência às virtudes e qualidades devidas e propostas para a
factura de suas próprias obras pudesse oportunamente sugerir, assim como pela honestidade
proporcional dos custos apresentados e pela justa exação dos prazos de construção e mais
cláusulas; sobretudo em condições como essa, apresentadas à Mesa da Ordem, oferecidas
como parte de uma proposta para a iminente contratação dos serviços, com data certa e fes-
tiva, inclusive, para ser devidamente concluída. Ataíde evidencia conhecer igualmente bem
os artifícios retóricos dos discursos da palavra, e não apenas aqueles relativos às técnicas e
engenhos ociosos do pintor e do arquiteto. No exórdio dessa proposta, o discreto artista se
valeu também do artifício retórico antiqüíssimo de dispor com humildade seus próprios cabe-
dais. Declarou-se, então, não digno o bastante da altura dos encargos e matérias, sendo ele,
confessou outras vezes, de tão “curta inteligência”
141
.
Ademais, o uso do termo “exórdio” aparece literalmente em algumas dessas condições, a
nomear curiosamente uma parte do próprio risco da obra. Assim, nas condições que foram
redigidas em dezembro de 1770 para emenda e reforma dos defeitos da Capela (assinadas,
como de costume, pelo secretário da Ordem, Manoel Pinto da Silveira), a cláusula de número
4 determinava condições especícas para o modo de se obrar a porta principal e as portas
travessas da capela, dispostas estas logo atrás das torres. Ao comentar algumas dessas con-
141
Segundo Valadés e outros retores, quatro eram os modos de captar a benevolência (captatio be-
nevolentiae), a “docilidade” ou a atenção dos ouvintes e leitores no exórdio ou proêmio dos discursos:
falar da pessoa que fala (estratégia de Ataíde), da pessoa dos adversários, da pessoa dos ouvintes ou
do assunto mesmo. Cf. VALADÉS, Diego (Fray). Retórica cristiana. Quinta Parte, (Partes de La invenci-
ón), p. 228-229 [510-511]. Leon Battista Alberti se valeu da mesma tópica no proêmio ao sexto livro de
arquitetura, especialmente dedicado à ornamentação. Desculpou-se do “pouco engenho” para tratar de
tão digna empresa e confessou também diculdade nas três partes do discurso, invenção, disposição e
elocução, aclarando que optou por ser claro sem querer ser falsamente eloqüente. Cf. ALBERTI, Leon
Battista. L’Architettura [De re aedicatoria], L. VI, p. 440.
287
dições, o documento remeteu o leitor justamente para o “exórdio que mostra o novo risco”,
pois lá estavam desenhados detalhes que certamente aclaravam o que estava dito:
Levará os Alizares, os daporta principal seraõ de cantaria lizos edepedaços
comasegurança necessária tendo decabeça eaduella palmo emeyo; Os ali-
zares p.ª as portas travessas também seraõ feitos de cantaria obrados con-
forme mostra onovo risco naface dedentro, eseraõ feitas as ditas portas tra-
vessas feitas, eobradas pelo exordio que mostra onovo risco, evitandolhe
o relevo, ou parte dele, e naõ excederão naaltura dezoito palmos ealargura
aesse respeito, e os cocos [socos] p.ª as mesmas seraõ dedous palmos de-
alto
142
.
Inevitável supor que o novo risco ou apresentava, em alguma de suas partes, uma vista ou
detalhe das portas (denominada “exórdio”), ou que o próprio frontispício gurado no risco,
primeira parte a se ver no desenho, viesse denominado pelo termo. Penso mais na primeira
hipótese. Como as portas travessas não eram vistas de frente, na capela do Carmo, é bem
possível mesmo que o tal “exórdio” do “novo risco” correspondesse a uma das partes des-
tacada em detalhe, por assim dizer, na abertura do desenho. Infelizmente, poucos desses
riscos restaram das obras de Minas Gerais; ou pelo menos poucos são os que dispomos
descobertos até agora
143
, guardados vários deles no acervo do Museu da Incondência, em
Ouro Preto; quase todos atribuídos, de modo discutível, a Antônio Francisco Lisboa. Voltarei
ao mais polêmico desses riscos, ao analisar a Capela dos terceiros franciscanos, pois o dito
parece gurar, é consenso, o fronstispício de outra capela franciscana, a de São João Del Rei,
com a qual existiria uma relação competitiva. Qualquer que seja o caráter daquele “exórdio”,
esses documentos nos autorizam a reconhecer historicamente a analogia entre as “partes”
da dispositio retórica (dentre as quais está o “exórdio”) e as partes da dispositio arquitetônica,
que a autoridade vitruviana da arquitetura – italiana e luso-brasileira, por conseguinte – com-
preendeu e traduziu também como os desenhos mesmos, plantas, elevações e perspectivas
(ichnographia e scaenographia) do edifício
144
.
142
Cf. “Condiçoens pelas quaes seemendou ereformou os defeitos qeseachavão no Risco e condico-
ens daCapella de N. Snrdo Monte do Carmo”. In: LOPES, op. cit., p. 117. Anexo, Documentos. (grifo
nosso).
143
Em meados do século XX, Robert Smith acreditava existirem poucos desenhos portugueses em
comparação aos dos espanhóis, no período colonial. Alguns decênios depois, com as pesquisas de vá-
rios estudiosos como Nestor Goulart Reis Filho, Roberta Marx Delson, Beatriz Bueno, Renata Malcher
de Araújo, em que centenas de desenhos foram encontrados em arquivos espalhados pelo Brasil, Por-
tugal e Europa, não se pode descartar a possibilidade de que mais riscos, inclusive os de arquitetura,
estejam ainda a esperar levantamentos em museus e principalmente acervos privados.
144
Cf. VITRUVIO. De Architectura, I, 2. Vários tratados produzidos pelos lentes matemáticos da Aula da
Esfera no Colégio de Santo Antão, Lisboa, séculos XVI ao XVIII, apresentam em seu corpo capítulos
sobre óptica e cenograa, um conjunto de conhecimentos destinados a preparar os leitores engenhei-
ros, mestres e arquitetos para a correta construção de efeitos cenográcos em corpos de arquitetura
288
Os riscos e documentos da Capela do Carmo nos proporcionam mais, dirigindo-se também, à
contraparte, para uma assimilação poético-retórica dos termos da pintura e do desenho (artes
básicas para a produção dos riscos de arquitetura). É o caso de um “borrão”, expressão que
aparece a qualicar, nas condições de obra, um daqueles riscos feitos para a nossa capela
em Vila Rica
145
. O dito risco não se preservou, mas a comparação com outros similares pro-
duzidos para igrejas de Portugal no mesmo período nos permite identicar que os riscos pos-
suíam designações, detalhamentos e pontos de vista especícos adequados ao m de sua
recepção. De fato, havia desenhos pelos quais se poderia identicar todo o lineamento deta-
lhado dos ornatos, como o que apresenta, por exemplo, o risco feito pelo arquiteto D. Joaquim
Lourenço Ciais Ferrás de Acunha para o retábulo-mor da Igreja de Santa Maria de Avanca
146
.
O dito risco apresenta, como de costume, uma metade com a planta e a outra com o respec-
tivo alçado, frontal (FIG. 72). São desenhos, sobretudo o alçado, muito bem assombrados,
ou seja, com traças e sombras pelas quais se podem identicar todos os relevos e volteios
das empenas, painéis, cimalhas, capitéis, pirâmides e rocailles. Um polêmico processo que
envolveu a perfeição, o decoro e o custo da obra fez com que posteriormente fossem feitos,
por outro ocial, o Arquiteto das Ordens, Manoel Caetano de Sousa, comentários laterais ao
risco, detalhados a identicar alfabeticamente alguns deles (“A”, “B”, “C”, “D” etc.) que, apesar
de riscados, deveriam ser “escusados”
147
.
permanente ou efêmera. Vide LEITÃO, Francisco. A ciência na “Aula da Esfera” no Colégio de Santo
Antão (1590-1759). Lisboa: Ministério da Cultura/ Comissariado Geral das Comemorações do V cente-
nário do nascimento de São Francisco Xavier, 2007.
145
“[…] ainda que o risco padeça algum defeyto nesta parte pois hé hum Borram para mostrar a gura
somente e há muyta deferença do vivo, ao juntado, e o que o profeçor pode remediar a falta que ouver
no dito Borram”. Apud LOPES, op. cit., p. 49.
146
ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO. Ministério do Reino, Colecção de plantas, mapas e
outros documentos iconográcos, n.º 12. (Ornatos da capela-mor e sacristia, Santa Maria de Avanca).
147
Curioso atentar para o fato de que, apesar de detalhadamente inventados no desenho seguindo
provavelmente uma idéia ou modelo escolhido para imitação, o arquiteto houve que anotá-los com
discursos arrazoados de modo a escusá-los, sempre por conveniência de arranjo geral, geometria e
acomodação no local e hierarquia de ornatos. Por exemplo: “Os ornatos Letras – A devem ser escu-
sados por excederem a tangente doCirculo da Aboboda, emenos se deve praticar estendidos pello
comprimento dadª”; “Não deve haver aPiramide anotada com a Letra C por haver outras Semelhantes
Sobre aempena da Cimalha Real efugir atanta Repetição dehuma mesma gura naõ devendo aquele
Lugar Ser ocupado de Objecto Algum”; ou: “Como as colunas estão pouco revestidas de Ornatos (o que
acho bem deliniado) não devem os Pedrestais serem revestidos de fantezia nos lugares – D por se (?)
serem Corpos inferiores”. Ibidem.
289
Figura 72 Risco para retábulo, de D. Joaquim Lourenço Ciais Ferrás de Acunha,
com anotações laterais do arquiteto Manoel Caetano de Souza. Fonte: ANTT: PT-
TT-MR/1/12
290
O mesmo Arquiteto das Ordens, Manoel Caetano de Sousa, desempenhou outro risco para
as várias capelas da Igreja de Nossa Senhora da Assunção de Almada
148
, e na parte superior
se lhes identicou como borrão” (FIG. 73). O risco se reparte medianamente em dois, tendo
à lateral esquerda o lineamento para o retábulo-mor, intitulado: “Desenho do Borraõ pª o Re-
tabulo da Capela-Mór de N. Sr. da aSumpção da Villa de Almada”, e na direita o relativo às
demais capelas da igreja – “Desenho do Borraõ p.ª as Capelas doCorpo da Ig.rª de N. Snrª da
Assumpssão da Villa de Almada”. Neste, como indica o termo “borrão”, já não se podem dis-
tinguir nitidamente os ornatos, mas simplesmente perceber o conjunto, como se a gura fosse
(ou tivesse que ser) vista de longe o lugar de sua recepção estabelecido verossimilmente no
estilo do desenho. Daí, é provável fosse assim também o “Borrão” do risco feito para a Capela
do Carmo, um apanhado geral da estrutura e seu aparelhamento. Pode ser útil comentar que
a imitação das tópicas poético-retóricas autorizou o uso do termo “borrão” para caracterizar
poemas que guravam imagens também vistas “de longe”, cuja descrição oferecia apenas o
caráter dos movimentos e ações, conquanto houvesse outros mais detalhados, que necessi-
tavam de um ponto de vista mais próximo. A máxima doutrinária dessa distinção da recepção
estava condensada nos famosos versos – ut pictura poesisda Arte poética de Horácio, que
constitui a
doutrina genérica do decoro necessário em cada gênero, em termos de in-
venção, disposição e elocução, para que a obra cumpra as 3 grandes fun-
ções retóricas gerais de ensinar (docere), agradar (delectare) e persuadir
(movere)
149
.
A conveniência de gênero, nalidades e recepção estabeleceria, então, 3 pares de oposição:
distância (perto/longe), claridade (obscuridade/clareza), número (uma vez/várias vezes). A
tópica cou famosa no comentário escrito por Galileu para distinguir os poemas de Tasso e
Ariosto, Jerusalém Liberta e Orlando Furioso. Segundo Galileu, em Tasso, transições brus-
cas, acúmulos, ornamentos agudos, que exigem do leitor uma leitura próxima, e várias vezes
repetida, a m de desvelar a obscuridade. Doutro modo, em Ariosto, o poema é composto
como numa “galeria”, linear, claro, coerente, o que, como se visto de longe, satisfaz em uma
só leitura. No primeiro, a pintura do poema é feita a bico de pena, sendo necessário observá-
la bem de perto, e várias vezes; no outro, se percebe a estrutura dos fatos, como imagens de
148
ARQUIVO NACIONAL DA TORRE DO TOMBO. Ministério do Reino, Colecção de plantas, mapas e
outros documentos iconográcos, n.º 19.
149
Cf. HANSEN, João Adolfo. Ut pictura poesis/ Ut theologia rhetorica. DLCV-FFLCH-USP, Notas de
Aula, [19--?], p. 2. (mimeo).
291
um “borrão” para ser visto de longe
150
.
150
Cf. também, supra, p. 226, nota 52.
Figura 73 – “Desenho do Borrão p.ª Retábulo da CapelaMór de N. Snr.ª da Asump-
ção da Vila de Almada”, pelo “Arquiteto da Ordens Militares” Manoel Caetano de
Souza. Fonte: ANTT: PT-TT-MR/1/19
292
Retornando às condições carmelitas – e deve-se atentar para o fato de que quem as escreve
é por ofício um pintor –, além das sete cláusulas propostas por Ataíde, foram adicionadas
outras quatro, para melhor “riqueza”, “perfeição” e “brilhantismo” da capela. Na décima do
conjunto cou declarado que “a execução da obra” se deveria “entender com a riquesa maior
possivel, dispensando-se o emprego de diferentes cores, salvo nas guras, que existirem”
151
;
evidência, muito provavelmente, da predominância do azul, do branco e do dourado, a não
ser nas guras que por si devessem distinguir-se. A riqueza da capela parecia, aos irmãos e
artíces, um preceito dos mais importantes, porque atuava também na distinção hierárquica
da Ordem em relação às demais irmandades. Dentre as da segunda metade do XVIII, a Cape-
la do Carmo é, nitidamente, mesmo que lhe falte a “valente” pintura no forro da nave, a mais
clara e cortesã. Na conveniência desse tema, um elemento se destaca em sua arquitetura: a
majestade do arco-cruzeiro e tarja que o encima (FIG. 74 e 75). As pilastras coríntias duplas
151
CECO-PILAR-CARMO, Filme 072, vol. 052, f. 118v-121. “Condições, e declarações, que apresenta
Manoel da Costa Ataide á Ill.mª e respeitável Mesa da Veneravel Ordem 3.ª de Nossa Senhora do
Carmo da Imperial Cidade do Ouro Preto, pelas quaes declara o método, e ordem, que se deve seguir
no douramento, e pinturas do Retabulo do Altar Mor”, [18--?], . 120. “Addicionamento às condições”.
Figura 74 – Arco-cruzeiro, tarja e capela-mor
293
constituem exemplo dentre os mais asseados do período, ressaltado pelo douramento de le-
tes e ornatos mais distintos, friso bojudo, em formato de peito de pomba, e cornija assentada
em dentículos misulados. Como o forro dista muito em relação à volta do arco, a peanha que
os liga é de feitio e proporções apropriadas, rocailles sutilmente endouradas a ampliar o orna-
to que prepara a hierarquia culminante da capela-mor.
“Reformas” e “emendas” eram comuns nos riscos de templos nos séculos XVIII e XIX
152
. As
várias modicações impostas aos riscos de Lisboa e de João Gomes, bem como essas propo-
sições de Ataíde para a capela-mor e a nave, procuravam, como vimos, resguardar perfeições,
segurança e efeitos mais apropriados às várias partes da capela, ausentando de “defeitos” o
risco e a aparência nal da edicação. Se, na ética, a imitação dos santos deveria expurgar
os pecados e defeitos como emenda de conduta, aperfeiçoamento e assimilação das virtudes
cristãs, na arquitetura, a imitação da arte deveria, além de emular os modelos consagrados
do gênero, expurgar são termos documentais citados os “defeitos”, “incômodos” e “fra-
quezas” do edifício, aperfeiçoando-o, assimilando e resguardando, obviamente, os preceitos
e virtudes da arquitetura. Ambas imitações deveriam culminar em “perfeição”, que não pode
ser vista na arte desse tempo como qualidade absoluta e ideal, mas sim como uma excelência
relativa ao acabamento nal da obra, completude do corpo adequado ao seu caráter. Aquela
assimilação ética e cristã das virtudes estava inclusive encenada, movida e educada pela ar-
152
Foi tema especíco do estudo de MIRANDA, Selma Melo. Modicações de projeto na Igreja setecen-
tista mineira – revendo alguns casos. Revista Barroco, n. 17, Belo Horizonte, p. 251-260, 1993-1996.
Figura 75 – Pilastras, capitéis e entablamento do arco-cruzeiro
294
quitetura, corporicada na saúde de seu corpo e na decência de sua aparência daí também
porque se lutou e se argumentou tanto contra o estado de “ruína”
153
dos edifícios religiosos –,
e também nas iconograas paradigmáticas de santos virtuosos e passagens da história bíbli-
ca repletas da moral católica, como Santo Elias, São Simão Stock e Santa Tereza, no caso
carmelita. Tudo isso como se a perfeição do corpo da arquitetura – acabamento nal, decoro
e correção de técnicas, proporções e ornatos – constituísse da arte um m, mas também um
meio, dentre as várias representações que serviam à nalidade maior da política teológica da
coroa portuguesa. A perfeição do corpo político dependia da perfeita representação do corpo
artístico. A constante educação das almas, movidas e agradadas pela promessa de um paraí-
so tornado representação maravilhosa na arquitetura e na ornamentação de igrejas e capelas,
oferecia simpaticamente um caminho reto e virtuoso para a salvação.
A perfeição ética era uma excelência que se podia atingir com aperfeiçoamento de doutrinas
153
Ruína. Inúmeros documentos relativos às condições das igrejas setecentistas trazem o argumento,
em nome de reforma ou nova construção, de que os edifícios ou apresentavam ou ameaçavam “ruína”.
Tem-se entendido com isso a situação de que os edifícios estavam em estado de destruição, a ponto de
cair, o que pode ser resultado de uma compreensão muito literal ou empírica do contexto retórico dos
setecentos. Baseado em documentos especícos da Ordem do Carmo, acredito poder ampliar a pon-
deração sobre seus sentidos, admitindo que o termo ruína signicasse, naquele tempo, além do pos-
sível estado de insegurança do edifício ou parte dele, a ponto talvez mesmo de cair, mas também uma
condição de precariedade ou defeito de obra que comprometesse não tanto a sua segurança, quanto
apenas a sua perfeição, decoro ou aparência, como se o termo “ruína” fosse aplicado também para
designar aquilo que se apresentava em mau estado, sem bondade ecaz para os efeitos e nalidades
devidos à obra, necessitando por isso alguma emenda ou remédio. Para exemplicar a condição preju-
dicial de segurança, ou destruição, um documento da Ordem do Carmo argumentava, a m de receber
os terrenos da capelinha de Santa Quitéria, que “se achava a parede na Capella Mor desta Cappella
de Santa Quiteria arruinada por lhe ter apodrecido as madeiras e juntam.te [juntamente], o quarto junto
a sanchristia por sualhar, em q. se goardavão os paramentos da Ordem, e q. visto se achar esta na
mesma Cappella Erecta hera justo se soalhasse o tal quarto, e reedicasse a mesma Capella ou sua
parede arruinada, e o q. fosse útil e nesesr. [necessário].” apud LOPES, op. cit., p. 17. A necessidade
de “reedicar” indica precariedade extrema da parede da capela mor, o que comprometia a segurança
e o decoro da capela e sua sacristia, onde se guardavam os paramentos. Mais tarde, outro documento,
redigido em 30 de julho de 1825, o que implica exigir um estudo mais aprofundado das transformações
semânticas dos termos nos séculos XVIII e XIX, autoriza o segundo entendimento sugerido. Assim, a
primeira cláusula das condições redigidas por Ataíde nessa data para “douramento” e “pintura” dos seis
altares da Capela do Carmo apresenta o seguinte discurso: “Que estes d.ºs [ditos] Altares se achaõ
prencipiados eaparelhados com algûas de maõns de geço groço, e de Mate; e segd.º alcança mál pren-
cipiados e atrapalhados p.ª se conceguir hum bom Dourado; o que ainda hé remediavel atendendo-se
a esse estado de ruína”. Idem, Ibidem, p. 173. (grifo nosso). É evidente que este “estado de ruína” não
se refere ao primeiro sentido pertinente, ou seja, precariedade extrema com prejuízo de segurança e
iminência de “destruição”, mas antes a condição de estar mal a factura principiada; no caso, as pri-
meiras aplicações de gesso para preparação de fundo a receber o douramento, para cuja perfeição e
bondade (“para se conseguir um bom dourado”), ainda era adequadamente possível aplicar pelo artista
algum “remédio” ecaz. Ademais, é improvável supor que os altares recentemente feitos pela Ordem,
tão zelosa, estivessem próximos de destruição. Curiosamente, o verbete “ruína”, em BLUTEAU, op.
cit., v. 7, Ruina, p. 397, não qualquer referência a esse segundo sentido do termo, indicado pelo
documento.
295
e virtudes; na arte, uma excelência advinda da consideração dos preceitos, acabamento,
emenda e correção da fábrica. Pelas tantas recomendações presentes nas condições e lou-
vações, e também na motivação principal dos estatutos da Ordem, compreende-se que, além
da comodidade e da segurança imprescindíveis a qualquer edifício, a perfeição do templo
era obviamente uma nalidade da arte, a ser garantida pela conveniência e pela correção
dos riscos, condições e fábricas, mas também uma causa, ou meio, para que os éis fossem,
eles também, “edicados” na virtude e aprimorassem o decoro e a perfeição ética de atos,
composturas e exercícios espirituais. A imitação ética deveria tocar, lembremo-nos da carta
de 1755 do Prior da Ordem terceira do Carmo do Rio de Janeiro, que adequou os estatutos
gerais da ordem aos costumes das Minas, não apenas a matéria espiritual, porém “mais ain-
da” a “temporal”. Pois naquele tempo regido pelos preceitos da representação e da sociedade
de corte, a aparência e a imagem detinham a potência de evidenciar, edicar e conduzir à
perfeição de regras e condutas. Compreende-se melhor essa dupla condição da arquitetura
religiosa meio e m da perfeição ao reconhecer como o templo encarnava e atualizava
em seu discurso teológico e retórico os ideais e exemplos éticos de decoro e perfeição cristã.
A arquitetura atuava como lugar emblemático [locus emblematicus], ornado de argumenta,
exemplos, alegorias, lugares comuns e especiais condensados de matéria moral e virtuosa,
escolhidos decorosamente na memória e nos costumes da arquitetura e da teologia cristã e
carmelita. A formosura da Capela do Carmo deveria ser uma representação arquitetônica do
decor carmeli, admirável, rica, brilhante, vistosa e distinta, como convenientemente deseja-
vam os irmãos e determinaram as “inteligências” de “professores” e artíces que nela fabrica-
ram. As várias partes do corpo de arquitetura deveriam conformar um lugar cômodo e perfeito
o bastante para o Decoro do Carmelo, da casa de Deus e da religião cristã, amplicados pelo
ornato do templo.
Várias regras culminavam no decoro, uma regra, também, dentre as principais da arquitetura.
Todavia, o preceito não se satisfazia unicamente pela correta e efetiva observância a elas.
A observância, sem dúvida, poderia redundar em perfeição e decoro, mas atribuía, antes do
mais, uma virtude de “regularidade”. Em alguns casos práticos, a contrafação ou mesmo a
inobservância à regra foi bastante responsável pelas qualicações atribuídas naquele tempo
mesmo à obra de arquitetura, como se poderá inferir, por exemplo, no exame da orientação e
da documentação relativa ao sítio de implantação da capela de São Francisco Assis, em Vila
Rica. Do mesmo modo, se por um lado a observação do costume era o pressuposto inicial e,
por assim dizer, a primeira evidência da consideração do decoro nessa arquitetura dos sete-
centos, por outro, a emulação do costume por algumas agudezas (e novidades) de invenção,
296
ornamentação e disposição tiveram corpo admirável nessa que se tornou uma das capelas
mais comentadas de Minas Gerais, amplicada em seu decoro e esplendor justamente por
conveniar e perfazer, com engenho e aparatos de graça, a sua formosura.
CAPÍTULO 4
O DECORO DA CAPELA DA ORDEM TERCEIRA
DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS
298
CAPÍTULO 4
O DECORO DA CAPELA DA ORDEM TERCEIRA DE SÃO FRANCISCO DE ASSIS
O interesse em investigar o decoro das capelas de irmandades leigas teria que considerar, ne-
cessariamente, a confraternidade franciscana. Para além do fato de haver sido uma associa-
ção dentre as mais distintas na metrópole e na colônia
1
, um estudo que objetivasse empenhar
ou revisar aspectos fundamentais da historiograa relativa à fábrica arquitetônica setecentista
na capitania de Minas Gerais não poderia se esquivar de ponderar a notoriedade artística, e
também crítica, que alcançaram suas capelas.
Dentre tantas dedicadas, por exemplo, às de São João del Rei e Mariana, sobrepujam re-
ferências à capela erguida em Vila Rica, por duas motivações, em especial: 1ª) a qualida-
de arquitetônica da obra, ou, de outro modo dito, as sutilezas
2
de planta, disposição e or-
namentação que a tornaram efetivamente destacável; 2ª) a responsabilidade que sobre ela
foi depositada como um dos ícones máximos da arte colonial luso-brasileira: “obra-prima de
Antônio Francisco Lisboa [...] onde pompeia a arte surpreendente daquele arquiteto, o feste-
1
A relevância histórica da ordem remonta ao seu nascimento, nos primeiros anos do século XIII. Inse-
ridos, neste tempo, em processos de transformação de âmbito variado, sacro e profano, da teologia
à organização das urbes, a São Francisco e seguidores é justamente imputada a inauguração de um
importante processo de “laicização” da religião católica, o que teria ensejado a institucionalização mo-
derna das chamadas ordens leigas. Segundo Le Goff, Francisco e seus doze primeiros discípulos se
dirigiram a Roma em 1210 para obter do Papa Inocêncio III a aprovação da primeira Regra dos Frades
Menores, infelizmente perdida, possivelmente redigida pelo próprio Francisco a partir de citações dos
evangelhos. Cf. LE GOFF, Jacques. São Francisco de Assis. Rio de Janeiro: Record, 2001, p. 16; 46.
Em Vila Rica, uma das grandes pinturas da capela-mor representa Cristo entregando ao Santo a regra.
Os seculares penitentes se orgulhavam da “prerrogativa” de fazer parte do “protótipo” das ordens ter-
ceiras, invenção do seráco patriarca São Francisco, como se vê na “Táboa geral honoríca prerro-
gativas”, ou no comentário geral à Ordem, trechos do Compendio geral da História da Veneravel Ordem
terceira Seraca, escrita pelo padre Fr. Dr. Manoel de Oliveira Ferreira, da cidade do Porto: “Naõ he
outra couza Ordem Terceyra, que uma uniaõ de partes para effeyto de conseguir mayor perfeiçaõ de
vida, com regra, que instrúa a qualquer genero de pessoas à maneyra de estado religiozo. Foy S. Fran-
cisco o primeyro, que deu aconhecer ao mundo semelhante uniaõ”. Cf. FERREIRA, Manuel de Oliveira.
Compendio geral da historia da Veneravel Ordem Terceira de S. Francisco..., Porto: Ofcina Episcopal
do Capitão Manoel Pedroso Coimbra, 1752. Oratio, p. XXXVIII. (BNP cota H.G. 1256 V.).
2
Cf. Cap 3, p. 215, nota 23.
299
jado Aleijadinho”
3
, “obra sem rival”
4
, “porta-estandarte da evolução arquitetônica de Minas”
5
,
evidência de uma “evolução brusca da arte do Aleijadinho”
6
, “suntuoso monumento [...] sem
par do gênio artístico de dois modestos mineiros”
7
[Aleijadinho e Ataíde] etc. e as implicações
delas advindas. Ademais, durante todo o século XX, e mesmo antes, ainda nos Traços biográ-
cos do Aleijadinho retratados
8
por Rodrigo Brêtas em 1858, a atribuição do risco da capela a
Antônio Francisco Lisboa serviu para conferir legitimidade à aptidão arquitetônica do artíce;
isto porque, no âmbito da escultura, sempre houve numerosos documentos, sobretudo reci-
bos
9
, que comprovaram a habilidade desta fábrica.
Relevados os epítetos e as ideologias que sobrecarregam a historiograa do edifício e suas
atribuições de evolução e autoria genial, interessa aqui investigar justamente a primeira mo-
tivação, ou seja: as sutilezas de invenção, ordem e ornato que engraçaram decorosamente o
corpo da capela. Em geral, os estudos sobre a capela de São Francisco enaltecem algumas
dessas sutilezas a partir de categorias modernas da arquitetura, destacando, por exemplo, a
“movimentação” da “volumetria” e a sinuosidade “barroca” das linhas, o “dinamismo formal”
10
3
TRINDADE, Raimundo (Cônego). São Francisco de Assis de Ouro Prêto; crônica narrada pelos do-
cumentos da Ordem. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1951, p. 253. (Publicações da
Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 17).
4
Idem, Ibidem, p. 253.
5
FREITAS, Orlandino Seitas. O Aleijadinho, projetista. Suplemento literário de O Estado de São Paulo,
21/11/1964, p. 2, apud HILL, Marcos César de Senna. Projeções simbólicas em um templo de Mi-
nas; a igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto. Monograa (Especialização em Cultura e Arte
barroca)-IAC/UFOP. Ouro Preto, 1987, p. 18.
6
DEL NEGRO, Carlos. Escultura Ornamental Barrôca do Brasil, v. I, p. 82.
7
TRINDADE, op. cit., p. 453.
8
“Retrato” é uma boa denominação para a biograa de Aleijadinho escrita em 1858 pelo Diretor Geral
da Instrução Pública da Província de Minas Gerais, Rodrigo José Ferreira Brêtas (Traços biográcos
relativos ao nado Antônio Francisco Lisboa, distinto escultor mineiro mais conhecido pelo apelido de
Aleijadinho). Guiomar de Grammont demonstrou como, ao escrevê-la, Brêtas estava imbuído de um
projeto maior levado a cabo pelo Instituto Histórico e Geográco Brasileiro para elogio e miticação
de algumas personagens históricas brasileiras. Um dos modelos adotados por Brêtas para emular o
retrato do artíce de Vila Rica teria sido o Quasímodo, de Victor Hugo, em Notre Dame de Paris, ao
compor o “belo horrível” romântico: grotesco na aparência, mas dotado de virtudes éticas ou artísticas
superlativas. Cf. GRAMMONT, Guiomar de. Aleijadinho e o aeroplano.
9
Destacam-se, além do retábulo da própria capela de São Francisco de Ouro Preto, os trabalhos do-
cumentados de escultura em madeira e pedra-sabão desempenhados por Antônio Francisco Lisboa e
ociais no Santuário do Bom Jesus, de Congonhas do Campo.
10
A idéia de “dinamismo formal” é um lugar-comum nos estudos sobre o chamado “barroco”. Na com-
pilação sobre o “essencial” da arquitetura assim denominada em Portugal, José Fernandes Pereira se
referiu a um dos elementos mais habituais e consagrados da arquitetura luso-brasileira as colunas
salomônicas –, consagradas por Bernini no baldaquino de São Pedro e aplicadas em Portugal pela
primeira vez na Igreja do Loreto, em Lisboa, antes do terremoto de 1755, encomenda da comunidade
300
da fachada e a “evolução” no “partido” da planta, a “originalidade” “mineira” ou “nacional”
da decoração aplicada pelo Aleijadinho etc., embora seja possível citar estudos que estiveram
concentrados, por exemplo, no simbolismo ou na retórica das alegorias e ornatos aparelhados
em sua arquitetura
11
.
A proposta é examinar a fábrica arquitetônica do templo segundo os preceitos coevos da arte.
Como nos capítulos anteriores, a identicação autoral será secundária, conquanto possa ser
útil referenciar documentos que auxiliem na compreensão dos procedimentos e preceitos que
orientaram a conformação das várias partes da fábrica. Bem explorada, a documentação que,
por exemplo, evidencia a identicação nominal de ociais e párocos nos lugares da capitania
poderia auxiliar na pesquisa dos tratados e fontes iconográcas que circularam pela colônia,
permitindo entender melhor como circularam os preceitos e as tópicas formais adaptadas às
várias circunstâncias
12
.
italiana do local. Segundo Pereira, os elementos eram destinados a satisfazer uma necessidade de
época: “Potencialmente essas colunas, devido ao seu dinamismo formal, interessavam a uma arqui-
tectura que pretendia quebrar padrões espaciais estáticos. Terá sido grande o impacto produzido por
esta novidade”. Cf. PEREIRA, José Fernandes. Arquitectura barroca em Portugal. Lisboa: Instituto de
Cultura e Língua Portuguesa/ Ministério da Educação e Cultura, 1986, p. 17-18. (Biblioteca Breve, n.
103). Reconstruída após o grande terremoto, a Igreja italiana do “Loreto” apresenta um caráter bas-
tante condizente com as suas coetâneas da segunda metade do século XVIII em Lisboa, igualmente
reconstruídas após o terremoto e por também isso comumente denominadas “pombalinas”. Possuem
uma elocução nitidamente mais aliviada de elementos, com retábulos menos providos de ornatos que
caracterizavam certamente o templo mais antigo, inclusive os das colunas ditas salomônicas e suas
variações, muito utilizadas nos retábulos denominados por Robert Smith de “estilo nacional”.
11
Cf., p. ex., ANJOS, Paulo Roberto Versiani dos. Metáfora de pedra; a retórica da representação plás-
tica da Igreja de São Francisco de Assis em Ouro Preto. Dissertação (Mestrado em Letras)-Faculdade
de Letras da UFMG. Belo Horizonte, 2002; e HILL, Marcos César de Senna. Fragmentos de mística e
vanidade na arte de um templo de Minas: a Capela da Ordem terceira de São Francisco de Assis de
Ouro Preto. Revista do IAC. Ouro Preto, n. 1, p. 38-48, dez. 1994.
12
Alguns dos processos relativos à eleição de dignidades em paróquias coladas e outras sedes ecle-
siásticas de Minas Gerais pelo Padroado estão arquivados no ANTT, Mesa de Consciência e Ordens,
Ordem de Cristo, Padroados do Brasil, Bispado de Mariana, Maço 5. A eleição desses clérigos era
antecedida de um exame de suas experiências e cabedais. Vários documentos relatam, assim, os lu-
gares e cidades donde advinham, o que poderia oferecer uma fonte muito interessante para se analisar
a circulação de tópicas da arte religiosa, o trânsito de gravuras, missais, imagens etc. Párocos que
vieram para Minas Gerais estiveram sediados, além de várias cidades e vilas portuguesas, em Roma
e outros Estados. Cf., por exemplo o documento avulso abaixo citado, como ilustração do processo:
“Alvará de 23 de julho [copiado em 28 de julho] remetido ao Bispado de Mariana sobre a regulação de
Provimentos, Dignidades e outros Benefícios, Paróquias, vigairarias etc. com cura ou sem cura daquele
Bispado./ Eu a Rainha como Governadora, e Perpétua Administradora, que sou do Mestrado, Cavala-
ria, e Ordem de Nosso Senhor Jesus Christo Faço saber a vos Bispo de Mariana Dom Frei Domingos
da Encarnação Pontevel: Que desejando concorrer quanto em Mim está para que as Dignidades,
Conezías, Vigairarias, Benefícios Curados, e sem Cura, e mais cargos Ecclesiasticos daquelle Bispa-
do, cuja Apresentação me compete, sejam sempre providos nos Sugeitos mais dignos, e que melhor
possam servir a Igreja, instruir, e edicar os Fieis com as suas Doutrinas, e Exemplos. [...] seraõ nelles
providos os Ecclesiasticos, que no vosso Bispado mais se distinguirem em Letras, e virtudes, que mais
301
A Venerável Ordem Terceira da Penitência de Vila Rica foi ereta em 09 de janeiro de 1746.
Estava subordinada à Santa Província da Imaculada Conceição da Senhora, sediada no Con-
vento de Santo Antônio da cidade do Rio de Janeiro, e somente após praticamente vinte e
um anos, em 16 de novembro de 1766, foi determinado pela Mesa da Ordem que se colocas-
se em praça a factura da “nova capela” pelo “risco e condições” que, segundo o respectivo
termo
13
, se achavam no Consistório da Ordem. Um mês e onze dias depois, em 27 de de-
zembro de 1766
14
, sua construção foi nalmente posta em praça pública e arrematada pelo
mestre Domingos Moreira de Oliveira, um experiente pedreiro analfabeto
15
que trabalhou,
entre outras, nas capelas de Santa Egênia do alto da cruz, Vila Rica, e no Carmo da cidade
de Mariana, além de haver sido eleito para vários exames e louvações importantes. A ordem
terceira tentou providenciar a licença para construção bem antes, a partir de 1752, mas várias
circunstâncias, discutidas e documentadas pelo Cônego Raimundo Trindade, adiaram sua
provisão, dada ocialmente apenas em 07 de fevereiro de 1771
16
. Todavia, os procedimentos
tiverem servido a Igreja, e de que mais se possa esperar, e que sendo empregados nelles, seraõ Bons
Ministros do Altar, e do Coro, trabalharaõ com muito zelo na Vinha do Senhor, e desempenharaõ dig-
namente todas as obrigaçõens dos seus Ofcios [...]”. O documento concedia faculdade ao Bispo para
proceder na escolha de dignidades, aquelas que, além do já acima dito, tinham “suciencia de Letras,
vida, costumes, e serviços feitos à Igreja; fazendo-me vos presentes nas vossas Propostas todas, e
cada uma das ditas circunstancias, de que elles se acharem Revestidos, e agradescendo-os em Pri-
meiro, Segundo, e Terceiro Lugar, a proporção dos seus merecimentos, sem que para a Regulação do
vosso juiso haja de preceder algum exame Litterario [...]. Dado no Palacio de Quelus aos vinte e tres de
Julho de mil settecentos e settenta e nove // Rainha// Martinho de Mello e Castro// Alvará, porque Vossa
Magestade he servida Regular os Provimentos das Dignidades, Conesias, e mais Benecios da Sê da
Cidade de Mariana, como tambem os das Paroquias, Vigairarias, e mais Benecios Curados, e sem
Cura daquelle Bispado: Tudo na forma acima declarada. Para Vossa Magestade ver/ Joseph Theotonio
da Costa Posser o fes./ Sitio de Nossa Senhora da Ajuda em 28 de Julho de 1779”.
13
Cf. CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 61, vol. 155, . 137-138. “Termo emque se de-
terminou arrematar se a aobra da Capella desta Veneravel ordem na forma do Risco e condições
que seachaõ feitas; easinadas pelo N. C. Irmaõ Procurador Geral Manoel Joze da Cunha”. Vila Rica,
16/11/1766.
14
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 13, vol. 226, 4 s. “Auto deRematação q Sefaz a
Dom.°s Mordeolivrdaobra danova Capela q pertendefazer aven.el ordem 3.ª de S. Frc.° destav.l [ve-
nerável] na forma das comdiçois e Risco p.lo mesmo remat.e aSinado”. (documento avulso). Vila Rica,
27/12/1766. Na transcrição deste documento, Cônego TRINDADE, op. cit., p. 293, nota 62, apresenta
a data de 1767, lançando a hipótese de que o secretário da Ordem teria se equivocado na redação.
Contudo, o exame do documento conrma que José Vieira escreveu corretamente, “mil Sete centos
eSessenta eSeiz”, não havendo o erro suscitado por Trindade.
15
Domingos Moreira não sabia ler nem escrever. Declarava isto nos recibos e os assinava com uma
cruz, seu “sinal costumado”: “Recebi do Irmão Sindico da Veneravel Ordem 3.ª de S. Fran.cº […] a
conta da Rematação, q z da capella dad.ª Veneravel ordem, aqual q.tiª [quantia] Levarei em conta a
mesma: e por verd.e, enão saber ler, nem escrever, e roquei ao R. Ign.cº José Correa, que este zesse,
e como test.ª aSignasse, eeu me aSigno com húa Cruz meo Signal costumado. Villa Rica 19 de 8br
de 1776”. Apud TRINDADE, op. cit., p. 318.
16
Cf. TRINDADE, op. cit., p. 266.
302
de fábrica foram iniciados em 1765, com várias denições da mesa referentes aos trabalhos
preparatórios do sítio, escolha e aquisição de terrenos, desaterro e construção de muros;
antes da Ordem conseguir uma licença provisória de construção, concedida pelo Ouvidor
geral e corregedor da comarca em 23 de julho de 1767
17
, ou antes mesmo da arrematação
supracitada (FIG. 1).
Dentre as causas ajuizadas para legitimar a petição de construção da capela, os irmãos ter-
ceiros argumentaram principalmente em nome da comodidade e da decência de atos e lu-
gares, preceitos com os quais pretendiam persuadir Sua Majestade a lhes conceder “licença
para no distrito desta Vila [Rica] fazerem de novo
18
sua Capela”. A “comodidade” e a “decên-
cia” aparecem sempre em escritos dessa natureza. E para além de constituírem tópicas muito
costumeiras do gênero, capazes de conduzir com discrição e ecácia a persuasão, indicam
como os valores de decoro e decência, ou de aptidão adequada dos lugares e das represen-
tações, eram fundamentos para a legitimação dessas fábricas. Os preceitos eram autorizados
tanto na jurisprudência escrita
19
como no juízo efetivo e cotidiano da arquitetura:
17
Eis o despacho do Ouvidor: “Concedo aos Suplicantes a licença pedida, visto ser a Ermida que
pretendem erigir para honra e glória de Deus e para mais aumento de zêlo da sua Ordem, o que me
consta por informação da Câmara em que foi ouvida, e serem obrigados a pedir a conrmação dentro
em dois anos pelo Tribunal da Mesa da Consciência e Ordens, por serem as terras onde querem erigir
a Ermida do Padroado da Ordem de Nosso Senhor Jesus Cristo na forma dos Breves dos Santos Pa-
dres Gregório VIII e Clemente VII. Vila Rica, 23 de julho de 1767// Costa Fonseca”. Apud TRINDADE,
op. cit., p. 264.
18
A expressão de novo(assim como a novamente”) demanda comentário, sobretudo porque pulula
à documentação coeva. Nos usos do Brasil moderno, a expressão designa uma ação empreendida
no mínimo pela segunda vez. Fazer algo de novo, hoje, é refazer ou fazer mais uma vez o que estava
feito, seja por reparo ou correção. No século XVIII, entretanto, e isso transforma completamente o en-
tendimento, a expressão designa o que será feito pela primeira vez, ou seja, o que será efetivamente
“novo”. Bastante curioso é perceber que este uso ainda existe no Portugal de hoje, e que, portanto, a
transformação semântica deve ter acontecido em solo brasileiro nos dois últimos séculos.
19
Cf., sobretudo, 1.4 O decoro nas fontes eclesiásticas luso-brasileiras.
303
Figura 1 Planta e elevações da Capela de São Francisco de Assis, Vila Rica. Fonte: DANGELO.
André. A cultura arquitetônica em Minas Gerais... A vista é foto do autor.
304
Memorial pelo o quoal pertendem os 3 r.ºs Seculares daVn.el ordem 3.rª de
Nosso Patriarcha Sam Francisco Alcanssar do Mt.ª Alto e pedroza [poderosa]
Mag.de pordecreto ou provisão a Liçenca abaixo declarada
[…] os terseiros Desta vn.el ordem estituída no anno de mil e sete centos
equarenta eSeis aestancia do Rmo. [Reverendíssimo] Prov.ªl [Provincial] de
St.o Antônio dacidade do Rio de Jan.rº nesta Matris de Nossa Sr.ª da Concei-
ção de VRica Bispado dacidade de Mariana Seachão oprimidos pello grande
Numero demais de mil Irmaos para nela poderem exercesserem [exercerem]
os Seus actos comforme lhe determina o seus Estatutos & Regra pela pouca
comonidade [comodidade] que p.ª isso ha na sobredita Matriz &muito menos
p.ª nella Recolherem todos os [rasura] paramentos deque a dita ordem Sea-
cha em Requecida por estes Se acharem despersos por casas particulares
dos Irmaos Lugares pouco discentes p.ª o seu culto por cujas causas aSima
declaradas pertendem de Sua Mag.de lhes Comçeda Licença para no Des-
trito desta villa fazerem de Novo Sua capella Com titulo deS. Francisco […]
20
.
A própria biograa de São Francisco autorizava uma eleição de sítios e edicações decoro-
sos, quando foi necessário aceitar, o que a princípio ia contra os objetivos do santo, o aumen-
to da ordem. Curiosamente, mas sem que se esteja aqui a defender uma relação direta entre
eles, os argumentos se fundavam também na circunstância de irmãos mais numerosos:
O lugar que agora habitamos não é conveniente, e a casa é exígua demais
para nos abrigar, visto que aprouve ao Senhor multiplicar-nos. Sobretudo,
não temos igreja onde os Irmãos possam recitar o ofício: e se algum morrer,
não é decoroso enterrá-lo aqui nem numa igreja de clérigos seculares
21
.
Nos primórdios da ordem, a simplicidade e o desapego eram tão importantes que nem mesmo
a existência de templos poderia corresponder ao caráter da fraternidade franciscana; à exce-
ção, é claro, da pequena ermida da Porciúncula, próxima à cidade de Assis, dedicada a Nossa
Senhora dos Anjos, pela sua importância à biograa do santo e da congregação
22
. O próprio
São Francisco considerava a pequena ermida um “espelho da Ordem”
23
. Todavia, e sem que
20
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 61, vol. 154, . 2v-3 (grifo nosso). “Memorial pelo o
quoal pertendem os 3 r.ºs Seculares daVn.el ordem 3.rª de Nosso Patriarcha Sam Francisco Alcanssar
do Mt.ª Alto e pedroza [poderosa] Mag.de pordecreto ou provisão a Liçenca abaixo declarada”. Vila
Rica, 1766.
21
LEGENDA PERUSINA. In: FONTES FRANCISCANAS; São Francisco de Assis, escritos, biograas,
documentos. Coordenação de José António Correia Pereira. Braga: Editorial Franciscana, 2005. v. 1, 8:
§4-5, p. 885. (BNP, Cota R. 23563 V.)
22
A ermida é um lugar especial na iconograa franciscana, que sempre faz a ela alguma referência. Em
Vila Rica, aparece no óculo cegado da fachada, na representação do recebimento dos estigmas. A er-
mida de Porciúncula foi a primeira sede ocial da Ordem dos frades menores, dada a eles, a pedido do
santo, pelo abade do Mosteiro de São Bento do Monte Subásio. Cf. LEGENDA PERUSINA. Disponível
em: <http://www.franciscanos.org.br/nossaorigem/especiais/nossa_s_anjos/testemunho.php>.
23
“Porque se os frades e os conventos onde moram, se afastarem um dia da pureza de vida e da san-
305
isso correspondesse a uma corrupção de seu caráter, os edifícios de culto adquiriram um
valor especial na história da associação. Não interessa aqui percorrer o processo pelo qual
os franciscanos se afeiçoaram, por assim dizer, à materialidade da arquitetura. O percurso
é extenso e respeita circunstâncias que se aplicam também a outras Ordens religiosas: as
postulações do Concílio Tridentino sobre o “esplendor” eclesiástico, a defesa do cultus exter-
nus e da magnicência das igrejas (controversa aos protestantes), os inumeráveis elogios à
riqueza e à autoridade do Templo de Salomão etc., questões bastante animadas a partir do
século XVI, em vários gêneros de escritos artísticos e eclesiásticos
24
. Mas o fato é que os
conventos, igrejas e capelas franciscanas se destacaram em todo território lusitano, metro-
politano e colonial, evidência de uma expansão e dignicação admiráveis da Ordem francis-
cana, “tanto entre o povo, como entre os nobres”, inclusive das famílias reais
25
. O último dos
sete capítulos da obra Paraíso Seráco
26
, dedicada a D. João V pelo Fr. João Bautista de S.
Antonio, em 1734, elogia a “piedade” liberal com que os monarcas portugueses respeitaram
e favoreceram os lugares santos, dentre os quais com especialidade os templos e conventos
franciscanos. Na sua visita à cidade, Felipe II teria denominado o antigo convento como “Ci-
dade de S. Francisco”
27
, pela grandeza e majestade do conjunto no centro da urbe, aplacado
por incêndios em 1707 e 1741, e nalmente pelo terremoto de 1755; a igreja conventual de
Évora, que é sem dúvida uma das maiores da cidade (a rivalizar com a Sé e com a Igreja do
tidade que lhes é própria, quero que ao menos este lugar permaneça como espelho de toda a Ordem,
e como candelabro diante de Deus e da Santíssima Virgem, que mereça do Senhor que perdoe os
defeitos e pecados dos frades, e proteja e conserve sempre a Ordem, Sua plantazinha”. Cf. LEGENDA
PERUSINA. In: FONTES FRANCISCANAS, v.1, 10: §10, p. 889.
24
Cf. RESPISHTI, Francesco; SCHOFIELD, Richard. Architettura e controriforma; I dibatiti per la faccia-
ta del duomo di Milano, 1582-1682. Milano: Electa, 2004; sobretudo SCHOFIELD, Richard. Architettura,
dottrina e magnicenza nell’architettura ecclesiastica dell’età di Carlo e Federico Borromeo, p. 125-250,
que faz um apanhado bem documentado dos debates.
25
Várias gerações da nobreza, príncipes e reis se liaram à ordem franciscana, seja por “anseio de vida
mais cristã”, seja para se “beneciar dos privilégios ou isenções temporais reconhecidas aos terceiros”.
Cf. DICIONÁRIO DE HISTÓRIA RELIGIOSA DE PORTUGAL. (Carlos Moreira Azevedo, dir). Lisboa:
Círculo de Leitores; Centro de Estudos de História religiosa da Universidade Católica Portuguesa,
2000-2001. v. 3. Ordens Terceiras, p. 350.
26
Cf. ANTONIO, Fr. João Bautista de S. Paraíso Seraco, plantado nos santos lugares da redempção.
Regado com as preciosas correntes do Salvador do Mundo Jesu Christo, fonte da vida, guardado pelos
lhos do Patriarcha S. Francisco com a espada de seu ardente zelo, repartido em oito estancias, ou
livros, nos quaes se descrevem os principaes Santuarios, em que residem os Religiosos Franciscanos:
e o seu incomparável zelo: a perfeição, e magestade do Culto, que a Deos tributão nos Ofcios Divinos,
e mais funçoens, e celebridades... Lisboa Occidental. Na ofcina de Domingos Gonçalves, Impressor
dos Monges das Covas de Mont-furado. MDCCXXXIV. (BNP- Cota HG. 1060). O Livro segundo elogia
o decoro e excelência do Templo de Salomão, lugar-comum do gênero.
27
Cf. CALADO, Margarida. O Convento de S. Francisco da Cidade. Lisboa: Universidade de Lisboa;
Faculdade de Belas Artes, 2000, p. 18.
306
Espírito Santo, junto ao antigo Colégio dos Jesuítas), tendo ainda a rica capela da ordem ter-
ceira a ladear o arco-cruzeiro no lado do evangelho. Poder-se-ia citar o conjunto conventual
de Leiria, onde viveu Wadding, um dos mais destacáveis franciscanos, autor dos Annales; o
gracioso conjunto conventual e a capela terceira de Ponte de Lima; o conjunto franciscano de
Guimarães, primeira povoação portuguesa a receber um franciscano, Frei Gualter; ou ainda o
magníco conjunto na ribeira da cidade do Porto. Na colônia, entre tantos, destaca-se o con-
junto de Salvador, com a riquíssima igreja em talha dourada, claustro em painéis azulejares
cujas representações imitam, demonstrou Sebastián
28
, gravuras de Vaenius que ilustraram
edição do Teatro Moral da Vida Humana, de Horácio; o convento de Santo Antônio em João
Pessoa, Paraíba; ou o próprio convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro, ao qual estava
subsidiada a Ordem terceira de Vila Rica.
Esta Ordem se destacou sempre no esplendor do culto divino, e as sutilezas materiais da
capela de Vila Rica representam a diligência da Ordem em fabricar o aparato teatral da ar-
quitetura e suas comodidades – em el observância às postulações tridentinas que incitavam
representar condignamente a glória magnânima de Deus e da Igreja católica causas da
“salvação”; como, aliás, se encontra no Proêmio aos citados Estatutos da Ordem terceira da
Penitência de Vila Rica
29
, pois foi a “Igreja Romana [...] que fez o caminho da Salvação, e
promete os premios, e prazeres da Bem-aventurança perpetua”
30
. O trecho compõe os Es-
tatutos ou a Regra da Ordem, ampliada e unicada a todas as ordens terceiras franciscanas
pelo Papa Nicolau 4°, em 1289
31
. O Proêmio aos Estatutos de Vila Rica elogia a diligência do
28
Cf. SEBASTIÁN LOPEZ, Santiago. A edição espanhola do Teatro moral da vida humana e sua inu-
ência nas artes plásticas do Brasil e Portugal. In: ÁVILA, Affonso. Barroco, teoria e análise. São Pau-
lo: Perspectiva; Belo Horizonte: Companhia Brasileira de Metalurgia e Mineração, 1997, p. 315-332.
(Stylus).
29
Cf. ESTATUTOS DA VENERAVEL ORDEM 3.ª DA PENITENCIA ERECTA NESTA VILLA RICA Pelo
R. P. M. Fr. Antonio de Santa Maria Relligiioso Seraphico, lente na Sagrada Theollogia, Exdinidor, Ex-
custodio, e Examinador Sinodal, debaixo da proteção, e obediencia do R.m° Men.° Prov.ªl desta Santa
Provincia Da Immaculada conceiçaõ da Senhora Da cidade do Rio de Janeyro. Pelo infatigavel [ilegível]
do Ir. M.el Roiz Abrantes [ilegível] ano de 1754 Extrahidos conformemente do formulatorio inquam do
furmulario dos mesmos q’ Se observaõ na mesma veneravel ordem, Stabelecida, no convento de Santo
Antonio da dita cidade do Rio de Janeyro q’ Reformou com exacta devoção, zello, eprudencia. O R. P.
M. Fr Antonio do Extremo com m.° vez.°r q.’ foy dad.ª Ven.al ordem pela Doutissima, direcção do R. P.
M. Fr. Ignacio deSanta Roza. Mestre, em Artes, eLente actual, deTheologia moral no mesmo Convento.
In: CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 65, vol. 204. Rio de Janeiro, 1754.
30
Cf. ESTATUTOS DA VENERAVEL ORDEM 3.ª DA PENITENCIA ERECTA NESTA VILLA RICA..., .
2v.
31
Segundo o DICIONÁRIO DE HISTÓRIA RELIGIOSA DE PORTUGAL, v. 3, Ordens Terceiras, p. 349,
foi por esta regra, do papa Nicolau IV, ampliada de melhoramentos por vários outros papas, que os ter-
ceiros franciscanos se regeram até o nal do século XIX, quando o papa Leão XIII reformou sua regra
307
Papa, e é por isso que ele tem a sua representação decorosamente emoldurada na parede
lateral direita da capela-mor; assim como, a compor a simetria de conceitos representados no
digníssimo lugar, a de outros três papas igualmente importantes à Ordem franciscana: Nicolau
5º, Xisto 4º e Gregório 9º (FIG. 2)
32
.
Esse caráter digno de distinção na fatura de festas, fábrica de edifícios e ornatos é muito
importante para o que trato aqui, pois eram os irmãos os responsáveis, quanto mais em zelo
e piedade, pelo “decoro da casa do Senhor”. A virtude dos terceiros franciscanos foi elogiada
em novembro de 1796, numa pastoral do Frei Joaquim de Jesus Maria
33
, Ministro Provincial
do Convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro, quando o templo se apresentava bas-
tante ereto; a faltar, praticamente, pintura, douramentos e altares laterais, que foram termina-
através da Constituição Misericors Dei Filius, de 30 de maio de 1883.
32
O programa iconográco das paredes da capela-mor é composto de vários painéis e pinturas. Nas
barras de madeira adossadas às paredes laterais, Mestre Ataíde pintou episódios da vida de Abraão.
No centro das paredes e ao alto, dois painéis maiores, remissivos à Eucaristia, representam, no lado
direito, a Santa Ceia, e no esquerdo, o Lava-pés. Acima desses, respectivamente, telas ricamente
emolduradas, representações do recebimento da Indulgência plenária de Porciúncula e o recebimento
da Regra pelo santo. Nas extremidades e um pouco acima, os retratos menores de papas ligados à
história da Ordem: mais próximo ao retábulo-mor, os papas Nicolau 4° e Nicolau 5°, o primeiro na direi-
ta, e, respectivamente, os papas Xisto (ou Sisto, como conhecido na História da Igreja) e Gregório
9°. Gregório era sobrinho de Inocêncio III, quem recebeu a regra de São Francisco, e foi Papa entre
1227 e 1441. Canonizou São Francisco de Assis e Santo Antônio de Lisboa, além de São Domingos de
Gusmão. Deu início à Basílica de Assis, para honra do glorioso santo. Nicolau 4º foi papa entre 1278 e
1292. Foi o primeiro papa franciscano da história, tendo publicado em 1289 a supracitada versão cor-
rigida da regra de São Francisco, aprovada previamente em 1221. Sisto 4º, Papa entre 1471 e 1484,
chegou antes a ser Ministro geral da Ordem Franciscana. Além de ter sido o responsável direto pela
construção da Capela Sistina, e ter instituído, a 8 de dezembro, a festa de N. Sr.ª da Conceição (devo-
ção excelsa em solo português, padroeira dos franciscanos, titular da Província a que se submetia a
Ordem de Vila Rica), garantiu inúmeros privilégios às ordens mendicantes, sobretudo a dos francisca-
nos. Nicolau 5º foi papa entre 1447 e 1455. Sua relação com a ordem respeita à concessão aos fran-
ciscanos, em 1453, da incorporação dos estudos de teologia. A conveniência de sua representação na
capela-mor da Ordem assimila ainda, por bula de 1454, a concessão a D. Henrique do monopólio das
expedições ultramarinas. É dele também a bula «Romanus Pontifex», de 1455, “que reconhece[u] aos
reis de Portugal a posse das terras e mares descobertos ou a descobrir. Tal documento representa
o conhecimento, por direito internacional, do “espírito de cruzada dos descobrimentos henriquinos.” Cf.
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Papa_Nicolau_V>. Acesso em: 23 ago. 2008; também <http://www2.uol.
com.br/jubilaeum/papas.htm>. Acesso em: 23 ago. 2008, além do importante BREVE DA INVENÇÃO
DO CORPO DO SERAFICO S. FRANCISCO. [Pelo] Papa Pio Septimo. In: CECO-CONCEIÇÃO-SÃO
FRANCISCO. Filme 13, vol. 231. (Documento avulso). Roma, Santa Maria Maggiore, 5 de Setembro de
1820. (Reimpresso no Rio de Janeiro, Imprensa Nacional, 1822).
33
Cf., no Livro “Copiador” da Ordem Terceira de Vila Rica, a “Pastoral do Min.° Prov.ªl do Rio de Janeiro.
Fr. Joaquim de Jezus Maria, Pregador, Ex Denidor, e Ministro Provincial desta Provincia da Immacula-
da Conceição da Senhora em o Brazil. A todos os nossos Irmaõs, e Filhos da 3.ª Ordem da Penitencia
que habitaõ nas Minas Geraes [...]”. CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 65, vol. 154, .
114v-115v. [Rio de Janeiro ?], nov. 1796.
308
dos, estes, na segunda metade do século XIX
34
. Procurando, todavia, ressalvar o decoro
dos costumes, a pastoral de Fr. Joaquim objetivava “excitar” os irmãos terceiros à “emulação
santa”. O Provincial se assentou, então, no argumento de que “zelo” e “costumes” tão piedo-
sos, dedicados ao culto exterior e às “festividades santas”, à “magnicência dos templos” e
ao “asseio” da edicação, não seriam congruentes com “relaxamento de vida” e “costumes
poucos cristãos” – correspondência ético-retórica tipicamente católica que se asseverava em
circunstâncias franciscanas. As advertências e os elogios eram destinados a todas as ordens
terceiras serácas de Minas Gerais, e não apenas à de Vila Rica, que receberia a Pastoral
após sua leitura em São João del Rei, onde também se construía uma importante capela
35
34
Os riscos dos altares laterais atualmente dispostos na capela foram inventados por Antônio Francisco
Lisboa, devidamente documentados por um termo de 9 de junho de 1829, com o qual se determinavam
os trabalhos de talha “aquem quizesse a Rematar adita obra, ou ajustala, sem apareçer (sic) peçoa
algúa suciente, que fosse Capásde adesimpenhar, esó aprezentou-se Vicente Alz da Costa, que de-
clarou tinha acabado a m.tº a obra da entalha da Capela do Carmo […] e que ten emseo poder á muito
o Risco que esta Veneravel Ordem lhehavia dado p.ª over eexaminar, oq.l foi feito pelo faleçido Antonio
Francisco Lisboa, e sendo este prezente aesta Meza, ep.r ella aprovado, e od.º Mestre Vicente Alz da
Costa, foi por este dito a Meza, que estava prompto afazer o Retabolo dos dous primeiros Altares Co-
lateraes desta Igreja pelo preço, e quantia de Sete Centos mil reis […]”. Além de Vicente, que entregou
a talha dos dois primeiros em 1837, trabalharam José Pinto de Sousa Junior (entrega dos dois altares
do meio em 1866), Miguel Antonio Treguellas, na entrega dos últimos dois em 1882. Cf. TRINDADE,
op. cit., p. 386-389; 412-441.
35
A capela da ordem terceira de São João del Rei é também assunto de polêmicas insolúveis, relativas
Figura 2 – Painéis de papas que decoram a capela-mor
309
dedicada à Ordem:
A grande consolação que recebe nosso espírito com as notícias que repeti-
das vezes chegaõ aos nossos ouvidos do Zelo de VV. CC. no culto divino,
no esplendor com que fazem celebrar as Festividades santas, a magni-
cencia dos templos, que erigem ao Senhor, as decoraçoens, e ornatos
com q’. os aceiaõ [asseiam] exige, facamos esta publica demostraçaõ do
nosso gosto para certicar a VV. CC. que as obras de edicação, que fazem
nossos Ir.s [Irmãos] servem de motivo para rendermos graças ao Todo pude-
rozo pelas dignaçoens da sua mizericordia para com elles e ao mesmo tem-
po de urgente estimulo, para que nosso Pastoral cuidado procure excitállos
aemulação santa […]. Se nos actos exteriores, se nas solemnidades do
Culto divino fazem VV. CC. taõ pompoza ostentaçaõ de adoradores do
Deus crucicado, se na sua generosa resoluçaõ de vestirem o humilde,
o Santo habito da 3.ª Ordem da Penitencia do nosso Seraco pai daõ
hum publico testemunho de Sectarios da mortecação, do abatimento,
de desprezadores das vaidades do mundo, não será coiza bem digna de
riso (melhor disséramos de amargozas lágrimas) se a dicipaçaõ [dissi-
pação] em seus gestos, se a immodéstia em seos vestidos, se a profa-
nidade das suas conversaçoens nesses mesmos actos, e festividades
de Religiozo culto os zerem conhecer por homens de pouca fé, por
homens, que não adoram ao Snr; que festejam, em espírito, everdades
[…]
36
No mesmo desenvolvimento que louvava a virtude dos irmãos mineiros em edicar templos
magnícos, Fr. Joaquim temia o vício do excesso indecoroso em gestos, vestimentas e pro-
fanidades. Ele parece compreender que tal capacidade em fazer demonstrações exteriores,
muito adequadas à fábrica de edifícios e solenidades, não poderia consonar – pelo mais que
eram “lhos” de Francisco com a perda de comedimento e compostura. De fato, e destaca
bem a Pastoral, o decoro e a solenidade do cultus externus eram, sim, capazes de lhes confe-
rir a “pomposa ostentação de adoradores do Deus crucicado”, assim como, no registro ético,
estavam a decência moral, a contrição, a morticação, o abatimento, a penitência.
O reconhecimento dessa variada adoração leiga elevava os irmãos terceiros a uma condi-
à autoria dos riscos. Tendo sido “apresentado” um risco de “suplemento” ao primeiro, pelo arrematan-
te Francisco de Lima Cerqueira, em mesa de 11 de setembro de 1785, ainda se advoga a autoria de
Aleijadinho. O argumento de sua participação se baseia, além das análises estilísticas, no acréscimo
rasurado dos sobrenomes “Franc.º Lx.ª” [Francisco Lisboa] por sobre a rasura do nome “Ant.º Mrz”
[Antônio Martins] grafado normalmente no documento e provável autor do primeiro risco. A “rasura”
“Franc.º Lx.ª” foi acrescentada posteriormente, com tinta diferente daquela do restante do documento.
Cf., sobre isso, a obra que resume as polêmicas de autoria, de RAMALHO, Oyama de Alencar. A Ra-
sura; Francisco de Lima Cerqueira e Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, ainda... São João del Rei:
Fundação Lusíada; RCS Arte Digital, 2002.
36
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 65, vol. 154. “Pastoral do Min.° Prov.ªl do Rio de Ja-
neiro. Fr. Joaquim de Jezus e Maria […]”, . 114v, [Rio de Janeiro?], nov. 1796. (grifo nosso).
310
ção de piedade e distinção bastante interessante ao pendor de hierarquias e representações
retóricas que caracterizava a sociedade colonial. Considerem-se também, por exemplo, os
delongados conitos entre irmandades por direitos de precedência em cortejos e festividades,
notáveis entre as Ordens de São Francisco e Nossa Senhora do Carmo
37
, aspecto muito
comentado na historiograa e que também ajuda a evidenciar o quanto o decoro e o ornato
das capelas constituíam argumentos persuasivos na competitiva retórica da distinção social.
A riqueza ou o apuro ornamental dos templos não eram compreendidos nesse tempo como
excesso ou vaidade – antes, sim, de piedade. O que hoje pode ser acusado como luxo e afe-
tação, naquele tempo era decoroso e necessário ao “aumento” da ordem e de sua posição, o
que artisticamente era representado pelas espécies aparentes do corpo de sua capela-sede.
Todavia, o mesmo argumento não era adequado aos costumes da elegância social, regrados
e advertidos pela “excitação” à “emulação santa”. O modelo principal de imitação era o Será-
co Patriarca, e portanto aquela adoração leiga, evidente pelas várias manifestações exteriores
da festa, da arquitetura e do ornato religioso, deveria se manifestar também na ética virtuosa
de gestos e atitudes; sobretudo durante as festividades de caráter votivo, quando o protocolo
e as precedências evidenciavam a conservação da ordem regular de todo o corpo místico.
Havia, portanto, uma dupla anuência decorosa: por um lado, a necessidade de “asseio” e
“aparato” exterior da igreja, virtudes congruentes à grandíssima Misericórdia divina e sua
Glória, e, por outro, o comedimento penitente característico dos franciscanos
38
. Não chegasse
37
Cito apenas trecho de um documento exemplar, anotado no livro de deliberações da Ordem terceira,
que notícia de uma “dúvida” a respeito do lugar competente a ser ocupado pelas ditas ordens na
procissão do “Corpo de Deus” (Corpus Christi): “Aos nove dias do mes de Agosto de mil sete centos
sessenta e sete annos nesta Matris de N. Srda Conceição desta V.ª em o Consistorio destaVeneravel
Ordem Treceira de S. Franc.º estando prez.tes em meza o Rd.º Com.º Irmao Ministro e mais denito-
rio, foi dito erequerido pl.º Procurador Geral desta Ven.el Ordem, que p. [para] ivitarem duvidaz aesta
ditaVen.el Ordem, com a deN. Sr.ª do Monte do Carmo, nafunçaõ do Corpo de Deoz; pedia venia aesta
aesta (sic) meza, p.ª reprezentar, extrajudicial ou judicialm.te ao Rd.º D.r Vigrda vara em nome da
mesma Ordem, o direito q. aSiste a mesma, p.ª lhe dar o Lugar q. he compete elhepertense p.r Sen-
tença denitiva oq. ouvido […]”. Cf. CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 61, vol. 155, .
140v. “Termo p.r donde se detreminou q. p.r ivitar duvidas aesta Ordem como de N. Srdo Monte do
Carmo, na função de acompanhar a procissão do Corpo de Deos, o Procurador geral faça o Requerim.
percizo, athe detreminar o Lugar q. a hua, e outra compete”. Vila Rica, 09/08/1767. Entre irmandades
de mesmo orago também ocorriam querelas e disputas. É o que foi narrado na Apologia dos factos
acontecidos entre os Terceiros de Nossa Senhora do Monte do Carmo da Cidade de Marianna, e os
Suppostos Terceiros da mesma Ordem de Vila Rica. (Cópia manuscrita do séc. XVIII. BNP Reserva-
dos, cota Cod. 196.). Chegou a haver intervenção de Roma, neste caso. Foi concedida uma generosa
“patente” aos terceiros de Mariana, e os irmãos de Vila Rica a queriam também.
38
Exemplico a ética seráca do desengano e da compostura habitual com um caso exemplar narrado
pelo cronista da Venerável Ordem terceira de Ponte de Lima, Portugal, que fez o elogio da virtude de
vários irmãos da referida ordem. Dentre eles, “José de Mello de S. Paio […] teve a dita de ouvir nella
[a Vila de Ponte de Lima] huns Missionarios da nossa Ordem, com que se resolveo a deixar de todo o
311
este comedimento a se efetivar na ação mesma da penitência, que se encenasse ao menos
o encômio do valor invenção que é especialíssima na iconograa da Capela de Vila Rica;
um dos aspectos nucleares, uma das chaves para a compreensão de todo o seu discurso.
Assim, os elementos representativos da penitência e do desengano ornam copiosamente
todas as partes do corpo da arquitetura, o que não se vê com tanta ênfase, por exemplo, nas
capelas de São João del Rei ou Mariana, contemporâneas dela. Teatro de aparências eca-
zes, a capela ouro-pretana era congruente à Glória de Deus e ao decoro da irmandade. Isso
cava evidente desde a ocupação de um sítio privilegiadíssimo na hierarquia da povoação, na
elegância e sutileza dos ornatos, mas também na conveniência da iconograa pictórica que,
além de remeter à história da ordem franciscana, louvava a Majestade Divina através de um
conceito igualmente verossímil o elogio da pobreza e da humildade, o virtuoso desengano
pela materialidade do mundo. Assim, majestade e humildade estão engenhosamente apro-
ximadas na oportuna invenção da capela de Vila Rica. A Pastoral apenas indicia o que está
agudamente condensado num corpo arquitetônico – a união entre dois conceitos aparen-
temente distantes, ou incongruentes, a riqueza e a pobreza, o aparato especial do ornato e a
humildade ética característica da história franciscana, modelos de ação e produção a serem
regularmente observados. Isso vai car mais evidente na análise do templo, por agora, come-
cemos com o sítio escolhido e os princípios de sua implantação.
4.1 A invenção de uma implantação “decente”, com “melhor área” e “melhor vista”
A aceitação da tese consagrada durante praticamente todo o século XX, por Sérgio Buarque
de Holanda, Robert Smith, Paulo Santos, Salomão e Sylvio de Vasconcellos, Roberta Delson,
entre outros, de que as povoações de Minas Gerais teriam um desenvolvimento “irregular”
e “espontâneo” pode ter contribuído para que poucas fossem as especulações mais detidas
sobre a observação de preceitos na implantação também de edifícios religiosos. No caso es-
pecíco desta arquitetura, a documentação mais analisada foi aquela que pudesse iluminar
homem velho, e renovado com a estola da graça se fez admiravel a sua conversão pelo desengano, em
que perseverou, dando costas ao mundo, vivendo nelle como se pudéra esperar no retiro do claustro
mais reformado. Vestido o habito da penitencia nesta Terceira Ordem, e pedio licença para actualmente
o trazer, e nunca mais sahio em publico vestido em outra fórma, antes de todos se despojou, fazendo
gala deste traje penitente. Esta resolução desempenhou uma grande perfeição de vida, a que se
applicou com frequencia de Sacramentos, e exercicios de muitas virtudes. […]”. Cf. ARQUIVO DE
PONTE DE LIMA. Capítulo XL. Devoto empenho, e exemplar edicação, com que a Veneravel Ordem
Terceira de Ponte de Lima cumpre com as suas obrigações; e noticia de alguns de seus lhos, que nella
orecêrão em virtudes, e deixárão opinião de santidade. Ponte de Lima: Câmara Municipal de Ponte de
Lima, 1985. v. 6, p. 151 (grifo nosso).
312
ou atestar atribuições de autoria original – livros de receita e despesa, escrituras, contratos de
obra e arrematações. Tudo somado, e apesar de disponível, resulta pouca a referência dada,
comparada àquela, à documentação relativa à eleição de sítios. Além disso, ainda é notória a
recorrência a categorias e aspectos relativos à identicação de uma mentalidade dita “barro-
ca”, que, de tão vaga e dilatável, maleável ao estabelecimento de qualquer analogia, já pôde
abarcar, sob a mesma classicação, implantações tão diversas como Versalhes e Ouro Preto.
Um dos paradigmas dessa compreensão de originalidade espontânea é a exaltação que Pau-
lo Santos faz de Ouro Preto, e justamente da implantação da Capela de São Francisco de As-
sis, em que uma conjuntura de formação aleatória e irregular de vias, somada ao “acidentado
do terreno”, teria resultado em efeitos muito favoráveis. A análise de Santos se insere num
processo de intensa revalorização da organicidade formal das cidades coloniais e medievais.
O movimento ganhou força em meados do século XX, por oposição crítica à monotonia regu-
larmente geométrica da cidade modernista. Assim,
Nas cidades mineiras, à irregularidade da planta soma-se o acidentado do
terreno para valorização dos aspectos, como, por exemplo, na Igreja de São
Francisco de Assis de Ouro Preto, duplamente favorecida, para quem vem de
cima como para quem vem de baixo
39
.
Dezessete anos antes desta síntese, aplicada num estudo a abranger o urbanismo colonial,
Paulo Ferreira Santos explorou um pouco mais a descrição desses efeitos visuais da arqui-
tetura da cidade advindos como que “a êsmo”, de um “derramamento” espontâneo. A versão
aparece na obra de Santos dedicada à arquitetura religiosa de Ouro Preto:
Êste [o vale onde a cidade foi implantada] nada tem de plano: seios opulentos
separados pelos sulcos fundos das vertentes dos córregos. A cidade ondula
sobre êsses seios. As ruas sobem, descem, viram ora para um, ora para
outro lado, em ângulos ou curvas imprevistos. Como tas coladas por crian-
ça travêssa sôbre um mapa de relevo. Como trilhas seguidas a êsmo pelos
tropeiros [...]. Os lotes de terreno, quase todos, são estreitos e alongados,
e de forma geometricamente indenível. O casario [...] trepa pelas ladeiras,
esconde-se nos buracos, debruça-se sôbre o alcantilado das encostas, num
à-vontade derramado, que longe de prejudicar a harmonia do conjunto, ao
contrário, confere-lhe graça, pitoresco, originalidade [...]. A arquitetura da ci-
dade é tão espontânea e natural e tanto se funde com a paisagem que, pode
dizer-se, faz parte da terra, como as árvores da oresta ou o mato do chão
40
.
39
SANTOS, Paulo Ferreira. Formação de cidades no Brasil colonial [1968]. Rio de Janeiro: Editora da
UFRJ, 2001, p. 18-19.
40
SANTOS, Paulo F. Subsídios para o estudo da arquitetura religiosa em Ouro Preto, p. 17-18. Um pou-
co mais tarde, entre 1956 e 1959, Sylvio de Vasconcellos desenvolveu mais extensamente os aspectos
e qualidades urbanas positivas decorrentes de uma dita “irregularidade” e “espontaneidade” das povo-
313
Desta feita, a “espontaneidade” teria sido responsável por conferir virtudes de “graça” e “origi-
nalidade” ao conjunto arquitetônico da capela, “espontaneidade” essa que já havia sido usada
por Diogo de Vasconcellos para enaltecer o gênio “sublime” do Aleijadinho, e justamente na
autoria do risco da Capela franciscana:
Sabendo apenas ler e escrever, e provàvelmente algum latim; mas conhe-
cendo bem os preceitos de Vignola, e a Bíblia, sua leitura predileta, o Aleija-
dinho, que pois desenhou esta Igreja, e a construiu não foi, como se vê, um
simples copista, mas um inventor sublime, e espontâneo
41
.
A relevância de contribuições como a de Paulo Santos repousa não apenas na pesquisa da
arquitetura. Valorizou as cidades luso-brasileiras diante da comparação negativa que havia
com o padrão xadrez-de-ruas de várias cidades da América espanhola. Entretanto, o exame
mais detido e minucioso das fontes documentais remanescentes não só nos permitiu descar-
tar de vez as idéias de “espontaneidade” e “irregularidade” das povoações mineiras
42
, como
pôde nos trazer dados renovados para a compreensão da decência de implantação desses
edifícios. A eleição de sítios “bondosos” não apenas condicionava a boa e segura acomoda-
ção da fábrica, como também poderia amplicar sensivelmente a proporção de suas nalida-
des e efeitos, as melhores vistas, os lugares mais adequados, decentes e cômodos para o
desempenho dos usos.
Uma rápida vista de olhos pelo sítio de Ouro Preto permite perceber que a maioria das igrejas
e capelas não obedeceu a “regra” que preconizava para os templos uma orientação leste-oes-
te (FIG. 3) – o altar-mor dirigido ao nascente, como referência simbólica ao Sol que é Cristo.
ações mineiras. Seriam então perspectivas “cenográcas”, cidades que se “harmonizam” com a paisa-
gem circundante e “participam”, se amoldam, também, à “vida” de seus habitantes, como “entidades
também vivas”, orgânicas e “livres das regulações metropolitanas”. Cf. VASCONCELLOS, Sylvio de.
Vila Rica: formação e fesenvolvimento residências. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Cultura;
Instituto Nacional do Livro, 1956. (Biblioteca Divulgação e Cultura, n. 6); e também VASCONCELLOS,
Sylvio de. Formação das povoações de Minas Gerais. In: ___. Arquitetura no Brasil, pintura mineira e
outros temas, Belo Horizonte: Escola de Arquitetura da UFMG, 1959, p. 1-6.
41
Cf. VASCONCELLOS, Diogo de. Bicentenário de Ouro Prêto. Belo Horizonte: Imprensa Ocial do
Estado, 1911, p. 148 (grifo nosso). Também para a Capela do Carmo o importante historiador se deixou
levar pela categoria romântica da espontaneidade: “O gosto artístico, anal procurando seu funda-
mento espontaneo, comprehendeu como estava o segredo na harmonia das proporções e na forma
expressiva das idéias”: Idem, Ibidem, p. 155. (grifo nosso).
42
Tratei do tema em minha dissertação de mestrado. Cf. BASTOS, Rodrigo Almeida. A arte do urbanis-
mo conveniente: o decoro na implantação de novas povoações em Minas Gerais na primeira metade do
século XVIII. Cf. também BASTOS, Rodrigo Almeida. Regularidade e ordem das povoações mineiras
no século XVIII. Revista do IEB/USP, São Paulo, Ed. 34, n. 4, p. 21-54, fev. 2007. (Texto vencedor do
8º Prêmio Jovens Arquitetos, edição 2007, Categoria Ensaio Crítico de Arquitetura e Urbanismo).
314
A capela de São Francisco também foge a essa regra, o que não seria canonicamente de-
coroso, mas aproveita uma permissão excepcional presente no tratado de Carlos Borromeu.
O Santo milanês aceitava, ao ser impossível satisfazer a orientação canônica, e facultada
à anuência do Bispo local, que se orientasse a capela-mor para o sul; porém, nunca para o
norte
43
, como está, por exemplo, a Capela de São Francisco de Paula. As razões da eleição,
entretanto, não foram certamente ajuizadas na ponderação dessa orientação permitida. A
perspectiva que se descortina da capela pela rua direita ao descer da Praça Tiradentes é, sem
dúvida, uma das vistas mais admiráveis da arquitetura e do urbanismo luso-brasileiros; e não
tenho receio em armar que essa conjunção de efeitos engraçados persuadiu na escolha do
sítio e na contrafeita orientação do edifício ter o corpo da capela lateralmente sobranceiro
ao vale do arraial de Antônio Dias, adiante um generoso largo tangente à via principal da vila,
com área o bastante para permitir se distinguir teatralmente o frontispício, oportunamente am-
plicado em ornato pela serra altaneira ao fundo e o pico do Itacolomy (FIG. 4).
43
Situs igitur cappellae in capite ecclesiae, loco eminentiori […] deligi debet; eius pars posterior in
orientem versus spectet, etiam si a tergo illius domicilia populi sint. […] Si vero positio eiusmodi esse
nullo modo potest, episcopi iudicio, facultateque ab eo impetrata, ad aliam pertem illius exaedicatio
veri poterit; tuncque id saltem curetur, ut ne ad septentrionem, sed ad meridiem versus, si eri potest,
plane spectet”. Cf. BORROMEO, Carlos. Instructiones fabricae et supellectilis ecclesiasticae, 1577. L.
I, Cap. X “De Cappella maiori”, p. 15-16.
N. S. das Mercês de baixo
S. Francisco de Assis
N. S. do Carmo
S. F. de Paula
N. S. das Mercês
de Cima
Figura 3 Vista panorâmica do Arraial de Nossa Senhora da Conceição de Antônio Dias. Orientação
variada das Capelas
N. S. da Conceição de Ant. Dias
315
A hipótese não chega a ser novidade. Muito do que se escreveu sobre a capela leva a
isso, de outro modo dito e com categorias outras defendido. O maior proveito aqui é retornar
a ela tendo em mente os próprios documentos relativos, cuja terminologia especíca nos
remete tanto ao costume de fazer vigente, quanto às categorias letradas mais autorizadas
para desenvolver o assunto em tratados portugueses de arquitetura e engenharia igualmente
competentes
44
.
Se um dos objetivos aqui é reconstituir os preceitos e costumes observados na fábrica arqui-
tetônica setecentista, uma pergunta essencial é saber se os encomendantes e construtores
da capela discursaram a respeito, ou seja, se eles teriam antevisto essa conformação admi-
rável de efeitos visuais; anal, a vista, o sítio e suas circunstâncias aperfeiçoavam o ornato e
o decoro do conjunto. A resposta é positiva, e advém não apenas por ser óbvia a formosura,
bastante coerente com os discursos retórico e teatral da forma mentis setecentista. Os irmãos
44
Pode ser útil lembrar também que entre as nalidades principais dessa tratadística da arquitetura es-
tava tanto emular o discurso de autores aplaudidos como sistematizar os costumes consagrados pela
prática. Isso deveria permitir que criticássemos a separação dicotômica, ainda presente na historiogra-
a, entre uma arquitetura dita “erudita” e outra “popular”.
Figura 4 – Vista da capela com a Serra e o pico do Itacolomy
316
terceiros literalmente argumentaram sobre isso nos documentos que ilustram as diligências
de eleição do sítio adaptado para tal implantação.
Em 21 de julho de 1765, a Ordem terceira deniu o sítio onde se pretendia construir a capela.
No termo especíco, a mesa comentou que a compra dos terrenos com suas casas e “per-
tences” deveria correr antes mesmo de se obter a licença para construção, tão esperada de
Portugal. A mesa adiantava-se, pois, como já comentado, ao processo legal que ainda levaria
mais alguns anos para se deferir favorável ao pleito. Cônego Trindade apenas citou a existên-
cia deste documento, de 21 de julho, que transcrevo em partes que interessam:
Termo por donde se detreminou ocomprar ce as cazas que forao do defunto
o S. M. Joaõ de Sequeyra para nellas se faze acapela do N. S. P. S. Franco
eo mais que no mesmo termo Se declara
Aos vinte ehum dias do Mez de Julho de Mil esete Sentos e Secenta eSinco
annos, nezta Villa Rica de N. Senhora do pillar do ouro preto, em a Matriz de
N. Senhora da Conceyção desta Vno concistorio della que serve de caza
de despacho desta v.el ordem 3.ª de Sam Fran.cº em denitorio geral […] foy
perposto pelo N. Ir. Vice Ministro, que visto o naõ termos tido cartas de por-
tugal Sobre a licença de nova capela, nos hera neceçario comprarmos Terre-
pleno para se fazer no cazo que venha adita licença, e anão vir, Tivessemos
Sequer o Terrepleno comprado para que no cazo de naõ vir a dita Licença
cuidarmos Tam bem na fatura della, eque assim correçe ovazo sobre ocom-
prarce ou naõ as cazas que foraõ [do] defunto o Sagt.º Mor Joaõ de Sequeyra
[…] ecomo todos foraõ de pareçer que Se compraçe az ditaz cazas […] me
mandaraõ lavrar este Termo que Todos junto comigo aSinarão […]
45
O preço da compra, quatrocentos e cinqüenta mil réis, deniu-se em outro termo, que cito a
seguir, de 15 de dezembro do mesmo ano, quando se ajustou a compra com o testamenteiro
de Sequeira. Em torneio a essa data, a mesa discursava precisar de algo mais para conferir
o devido decoro ao templo. No referido termo de dezembro, indica-se que a Ordem pretendia
adquirir “com êxito” outros terrenos para a situação da capela propriedade de outro defunto,
Caetano Alves Rodrigues –, mas somente com esses não se poderia “acomodar tudo quanto
for decente à mesma capela e território para ela necessário”. Daí é que terminantemente se
justicou a aquisição da propriedade de Sequeira. Mas os argumentos não se limitaram a uma
simples questão de decência, o que era alegável, porque o discurso registrado em termo se
amplicava em outros aspectos tão ou mais persuasivos. Disseram, portanto, os irmãos, “ca-
recer muito daquele território para melhor área da mesma capela”, e ainda mais – o advérbio
45
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 61, vol. 155, . 120-121, “Termo por donde se de-
treminou ocomprar ce as cazas que foram do defunto o S. M. Joaõ de Sequeyra para nellas se faze
acapela do N. S. P. S. Francisco eo mais que no mesmo termo Se declara”. Vila Rica, 21/07/1765.
317
é “maiormente” –, porque, arremataram, “para melhor vista se carece do dito terreno”.
Aos quinze dias do mes de Dezembro de milesetecentos esessenta ecinco
annos nesta Villa Rica de Nossa Senhora doPillar do Ouro Prêto, na igreja
Matriz de Nossa Senhora da Conceipção da dita Vila noConsistorio da vene-
ravel Ordem de Sam Francisco, eSendo ahi estando presentes oNosso
Charíssimo irmaõ Vice-Comissario, oReverendo Padre José ValentedeVas-
concellos, oIrmão Ministro Manoel Vieira, comtodos os poderes do Ministro
actual o Sargento Mor Thome Alves Guimaraes e mais Irmaõs actuaes e De-
nitorio geral na presença dos quaes, depois de Lido o Cap. dos Estatutos
foy dito pelo dito Ministro que para anova Capella que esta venerável Ordem
ha de fazer, se precisava muito deSecomprarem as Cazas que foraõ do
defunto Sargento Mor Joaõ deSequeira, sitas no Caminho que vai para
oSenhor Bom Jesus dos Perdões por seCarecer muito daquelle terri-
tório para melhor Ária da mesma Capella, inda que com efeito haja de-
ter verdadeiro êxito acompra das Cazas que foraõ do defunto Caetano
Alves Rodrigues por Ser Certo que com estas somente Se naõ poderá
acomodar tudo quanto for descente amesma Capella, e território para
ela necessario maior-mente (sic) quando para melhor vista se carece do
dito terreno [...] econcluida adita compra sezessem logo os paredoes que
convenientes forem para a ária e territorio dadita obra convocandose para
esta ofciaes de pedreiro intiligentes, que ouvessem de dizer o que justo lhe
parecer para Segurança da obra que sePertende de fazer eque feitas as Con-
diçoes necessarias na prezença dos ditos offeciaes de pedreiro
46
.
Ou seja, não bastasse prover do que fosse decente e necessário (sítio elevado, bom ar e área
digna)
47
, o aumento do dito sítio proporcionaria uma qualidade que efetivamente avultaria o
conjunto, tanto pela melhor áreaem volta da capela, como pela melhor vistaque se teria
do templo.
A “vista” a que se refere o documento pode ser entendida sumariamente em duas proposi-
ções, mobilizadas pelo vocabulário de Bluteau
48
e também por outros documentos referen-
tes à arquitetura luso-brasileira. Ainda haveria um terceiro entendimento, presente no tratado
de Carlos Borromeu, interessante para a tese, mas aparentemente inconseqüente a essas
circunstâncias especícas da escolha do sítio. Isto porque Borromeu se refere ao aspecto
46
Cf. CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 61, vol. 155, f. 130v-132. “Tr.º emque Sedetremi-
nou que Secomprassem as Cazas damor.dª do defunto S. M. Joaõ de Seq.ª citas junto aCap.ª do Sr.
Bom Jesus dos Perdões na q.tia de 450$000rs”. Vila Rica, 15/12/1765. (grifo nosso).
47
Vimos no capítulo primeiro que também sobre a reforma e ornamentação de capelas-mores das Ma-
trizes havia a discussão que evidenciou haver uma decência que bastasse, satisfatória, por exemplo,
para a Coroa, mas que as irmandades e ordens terceiras geralmente pretendiam construir ou ornar
(com) mais, visando ao “aumento” da própria associação e maior distinção. Cf. supra, 1.4. O decoro nas
fontes eclesiásticas luso-brasileiras.
48
Cf. BLUTEAU, op. cit., v. 8, “Vista”, “Cousa agradável à vista”. A referência autorizada por Bluteau é
de Cícero, De oratore, “... ad adspectum etiam sit venustus”, p. 529-530.
318
agradável, “augusto e decente” (decentiorem augustioremque aspectum
49
), que as imagens
sacras proporcionam ao frontispício de um edifício.
Assim, a “melhor vista” poderia se referir: 1º) à vista que se teria de outros cenários a partir
da capela, e 2º) à vista que se teria da capela e do conjunto proporcionado por seu sítio. Para
a primeira proposição, a capela seria o lugar a partir do qual age o sentido da visão, o centro
gerador dos raios visuais
50
, e, para a segunda, ela seria a gura ou, nos termos mesmos de
Bluteau, “a impressão do objeto no órgão do olho”
51
. Parece ter sido este o ajuizamento dos
irmãos terceiros, pelo sentido dos termos encadeados no documento. Basta pensar na ce-
nograa admirável que se forma da capela para quem desce pela rua direita, enquanto a
“vista” dela se engraça no contraste prolongado do cenário ao fundo emoldurado pela Serra
do Itacolomy. Não nos esqueçamos de que os argumentos em questão surgem no termo que
legitima a compra das terras de Sequeira
52
, situadas justamente no caminho que conduzia
49
“[…] qui a fronte, eo decentiorem augustioremque aspectum prae se ferent, quo sacris imaginibus
picturisve sacram historiam experimentibus erunt”. Cf. BORROMEO, Carlos. Instructiones fabricae et
supellectilis ecclesiasticae, 1577. L. I, Cap. III “De parietibus exterioribus et fronticpicio”, p. 7-8.
50
Como se registrou na discussão sobre se mudar ou não o sítio do Colégio de São Paulo, em Braga,
fundação do Frei Bartolomeu dos Mártires, porque alguns alegavam que os cubículos do colégio não
tinham “vista” como a dos outros colégios, o que gerou murmuração. Assim, numa congregação pro-
vincial realizada em S. Roque, cogitou-se a possível mudança do colégio, que não satisfazia a alguns
membros da Ordem. O reitor Manuel de Sequeira defendeu a permanência do colégio onde estava,
fazendo um corredor do qual se teria “excelentíssima vista”: “Deixo outras razões porque a principal
por que desejam alguns ver o colégio mudado é porque os cubículos não têm vista como os dos outros
colégios […]. O remédio que se me oferece […], é que se faça um corredor dos sobrados, o qual se
pode fazer de modo que os cubículos tenham excelentíssima vista. E se isto se zesse, não haveria
quem imaginasse mudança de sítio”. (In: Carta de 19 de junho de 1579, apud ROLO, Raul de Almeida.
Bartolomeu dos Mártires, obra social e educativa. Porto: Biblioteca Verdade e Vida, 1979. p. 183). Os
ânimos se alentaram na solene inauguração ocial do templo, em que Bartolomeu exaltou ser muito
“capaz” e “fermoso”. Cf. Carta ânua de 1588, ANTT, MS liv. 690, f. 159r, apud ROLO, p. 185.
51
Cf. BLUTEAU, op. cit., v. 8, Vista, p. 529. Em outro documento relativo a obras da capela, especi-, p. 529. Em outro documento relativo a obras da capela, especi-p. 529. Em outro documento relativo a obras da capela, especi-Em outro documento relativo a obras da capela, especi-
camente as Condições com que se haveria de fazer o barrete da capela-mor, e as abóbadas dos
corredores, o redator utilizou várias vezes o mesmo elogio da “vista” ou da forma “vistosa”, a m de
recomendar materiais e técnicas construtivas aptas a criar o efeito: “Condição n 4. […] As ditas Lages
Serão emleitadas para oSeu acento, eoSobreleito Será bemdireito, p.ª q. que vistoso por Sima Seu
pavimento […]. Condição n 7. […] elogo fabricando as empostas dos quatro espigoens, para que Se
façaõ bem fortes no centro do meyo, adonde se forem chos os seus impuxos, ehua pedra quadrada, q
terá de face dois palmos emeyo, easua altura será aque otijolo permitir, sendo (esta?) [carcomido] bro-
queada no Centro para receber o ferro axavetado por Sima para aSegurança do oram, cuja arremata
esta barrete, eca fazendo boa vista, e Sem defeito […]. n. 8 Será obrigado afazerlhe Sua Simalha
emtoda a Circumferencia dad.ª Abobada, quehe para melhor vista eperfeiçaõ daObra, Revocando tudo
bem liso de cal branca eCayando tudo sem manchas […]”. Cf. CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO.
Filme 20, vol. 155. “Condiçoenz p.ª se Rematarem az Abobadas dos Corredores e BarretedaCapela
Mor da Igreja do Patriarcha S. Francisco detijolo, cal, etc.”. (Documento avulso).
52
Adiante, a Ordem terceira ainda iria precisar de parte de outros terrenos pertencentes ao “quintal”
de outro proprietário, José Caetano Rodrigues Horta, que os cedeu para o bem de Deus e da Ordem
terceira, mesmo que mais tarde tenha tido problemas de reforma e emenda do paredão divisório cons-
319
para a serra e também para a capela de Bom Jesus dos Perdões (atualmente “Mercês e
Perdões”, alcunhada “Mercês de Baixo”), cujas torres se divisam hoje também nessa “melhor
vista”
53
. No caso da Capela de São Francisco, ainda se poderia pensar na acumulação dos
dois sentidos. Pois para a primeira proposição, aqui também verossímil, do adro ou da lateral
direita da capela se desata ainda hoje uma admirável “vista” de todo o arraial de Antônio Dias,
com a ladeira do “vira-a-saia” esgueirando sinuosa no mais alto à frente, em direção à Capela
de Santa Egênia.
As oportunidades de terrenos e as circunstâncias especícas de sítio que se ofereceram aos
irmãos terceiros para a sua eleição, bem como, e principalmente, a materialização resultante
da situação
54
efetiva da capela, evidenciam um engenho aplicado tanto na potencialização
dessas virtudes do sítio quanto na dissipação das diculdades habituais de uma implantação
dessa natureza. Ademais, não era da arquitetura o engenho senão uma capacidade de po-
tencializar com acertos e efeitos os acidentes disponíveis e as diculdades inerentes à fábri-
ca. No caso dessa implantação, estavam em jogo as proporções do risco, necessariamente
correspondentes ao número elevado de irmãos e à dignidade da Ordem, a orientação teatral
do frontispício para o futuro largo e a conseqüente articulação com a vila, uma área livre ao
derredor do edifício, vias preexistentes, como o caminho que levava à capela dos Perdões,
edicações vizinhas, a “melhor vista” disponível para a Serra etc. O engenho deveria ponderar
sobre essas circunstâncias, tornando-as, no desempenho dos ofícios e na conveniência das
partes, as causas formais de seu decoro ou sua formosura. Dentre os desempenhos necessá-
rios ao princípio dos arranjos construtivos, houve vários desaterros e muros executados pela
Ordem. Os documentos inclusive registram não poucas diculdades com os vizinhos e com
os muros; mais aspectos que o engenho, como virtude de mestres, engenheiros e arquitetos,
deveria solucionar no juízo prudente das circunstâncias e na ação versátil de relacioná-las
virtuosamente ao materializar as formas edicadas. Um tratadista português, o jesuíta Luiz
Gonzaga, sintetizou bem esse “engenho” na implantação das obras de arquitetura e enge-
truído em sua nova divisa.
53
É pouco provável que nesse tempo a capela das Mercês tivesse as torres que engraçam a vista para
o rumo da serra. A capela de taipa, pertencente à irmandade de Bom Jesus dos Perdões, a que se refe-
re o termo, foi reformada em pedra e cal quando então ganhou nalmente as duas torres. Contribui com
a hipótese o fato de o documento se referir ainda à Capela de Bom Jesus, já que as obras de reforma
foram levadas a cabo pela irmandade de Nossa Senhora das Mercês, e entregues em 1773. Sobre
essa e outras datas, cf. SOUZA. Guia dos Bens Tombados de Minas Gerais, p. 250-251.
54
Por “situação” entenda-se a ação de implantar o edifício no sítio, como nos autoriza um documento
de D. João V ao falar da “situação” da Mariana no terreno escolhido para sua reforma e aumento. Cf.
BASTOS. A arte do urbanismo conveniente. Cap. 4. Mariana, a “cidade adornada”.
320
nharia, no manuscrito Exame Militar (c. 1710), na “disputa” relativa aos “sitios mais aptos para
Forticação”:
[...] porq os sitios naõ se ham de accomodar avontade do engenheyro, mas o
engenheyro he q se há de accomodar ao terreno do Sitio; pois de outra bas-
tava ter o engenheyro uma planta, ou 2 e buscar os sitios, emq coubessem,
eisto seria mais buscar sitios as plantas, do q fazer plantas os sitios,
noq está todo o trabalho do engenheyro, e todo o engenho desta sciencia
55
.
A implantação de São Francisco em Vila Rica é engenhosa e singular pela potencialização
das circunstâncias cenografadas na conjuntura nal das partes da arquitetura e sua “vista”
como um todo. Todo o conjunto proporciona e se apropria dos efeitos convenientes, graça ou
esplendor que os antigos contemplaram na denição do decor. Mas há que se convir que ela
participe, genericamente, de um modelo muito comum de implantação de capelas e igrejas
desse tempo. O modelo era autorizado pelas fontes escritas da arte, mas também pelo cos-
tume de se fazer, atualizado em tópicas difundidas pelo uso, em meios letrados ou somente
ociosos, aplicáveis com adequação às várias circunstâncias. Singular era o efeito agudo do
engenho coletivo que soubesse se valer com perspicácia e versatilidade das várias possibi-
lidades e circunstâncias de situação, oportunidade e proporção, adequando a geometria da
planta à natureza do sítio e suas preexistências construídas, vias, largos e vistas.
O dito modelo de implantação recomendava frontispícios teatralmente orientados diante de
largos e praças, à entrada de ruas, rios ou costas litorâneas, na conuência favorável de
caminhos etc., e esta é uma das razões para que as estritas recomendações canônicas de
orientação de igrejas pudessem ser preteridas às efetivas conjunturas de situação e “vistas”.
É como se, nestes casos, a experiência e o costume prevalecessem sobre a regra; ou, dito
de outro modo, como sinaliza muito bem Antonio Manuel Hespanha, ao pensar aspectos mais
abrangentes da jurisprudência colonial portuguesa, que o costume de fazer ou agir acabava
por autorizar uma outra regra também legítima e aplicável, sem que fosse destituída a vigên-
cia legal da canonicidade. Passam a coexistir, portanto, regras ou modelos concomitante-
mente autorizados e disponíveis à adaptação das várias circunstâncias em exame no ato ou
na experiência da invenção, e tanto melhor que se pudessem observá-los todos, no caso do
engenho edilício; como aconteceu, aliás, oportunamente, na Capela do Carmo.
55
Cf. GONZAGA, Luiz. Tratado da Archi[te]ctura. Disputa 3ª Dos sitios mais aptos p.ª a Forticação. .
23 v.
321
Seguindo esse raciocínio, seria interessante confrontar o tipo da implantação de São Fran-
cisco com algumas recomendações sitas, por exemplo, em outro importante tratado daquele
tempo em Portugal, ensinado na “Aula” de Lisboa a engenheiros e arquitetos militares, muito
provavelmente também a mestres construtores, como sinalizou Beatriz Bueno
56
: o citado
Tractado de Architectura, de Matheus do Couto. Deve car claro como o modelo ou tipo pree-
xiste, e engenhoso foi o desempenho muito oportuno de sua emulação, em vários aspectos.
Matheus usa termos e tópicas coincidentes à exposição que os irmãos terceiros zeram no
discurso arrazoado para a situação da capela, o que ainda contribui para reforçar a tese de
que categorias e tópicas eram autorizadas também pelo uso, adaptando-se a um saber de
circulação coletivo, independente das fontes terem sido, como é o caso em que se citam, os
mestres da matéria, principalmente Vitrúvio, Alberti, Cataneo e Serlio.
Muitos escritos artísticos e canônicos autorizam expressamente a orientação leste-oeste,
como o de Carlos Borromeu, ou as Constituições Primeiras do arcebispado da Bahia. Além
disso, praticamente todos fazem alusão à tópica muito consagrada pela escolha de sítios al-
tos, elevados e eminentes, um costume muito antigo, antes mesmo do cristianismo. Também
o faz Matheus do Couto, que aduz categorias outras importantes na análise. O renomado
lente da Aula de Arquitectura, arquiteto experiente das Inquisições e de reformas no Mosteiro
de Batalha, não referencia esta orientação canônica. Recomenda, outrossim, a implantação
dos templos em sítios cuja localização enseje uma espécie de propósito coerente com o seu
caráter, uma disposição presente em Vitrúvio, consoante aos deuses romanos, que Serlio
adapta e Matheus imita. Em especial, aparecem no tratado as seguintes recomendações: 1) a
escolha de sítios “alegres” e “vistosos”
57
, ou seja, que proporcionem literalmente uma melhor
“vista”; 2) a orientação do edifício deve localizar o frontispício diante de largos e praças; 3)
a gura dos templos deve ser valorizada pela perspectiva de quem entra pelo mar ou terra,
56
Remetendo às pesquisas de Robert Smith, Beatriz Bueno rearmou com novos documentos a parti-
cipação de civis “não partidistas” (sem o benefício de bolsa) nas aulas de geometria prática, arquitetura
e engenharia militar na metrópole e nas colônias. Ao nal do artigo, Bueno citou vários mestres de
destaque em atividade no século XVIII em Minas Gerais, que poderiam ter usufruído dessa prerrogati-
va ocial: Manuel Francisco Lisboa, autor do risco da Capela do Carmo e “Mestre das Obras Reais da
Comarca do Ouro Preto”, Francisco de Lima Cerqueira, arrematante de São Francisco de São João del
Rei e de várias partes da Capela do Carmo de Ouro Preto, Antônio Francisco Pombal, arrematante de
obras na Igreja do Pilar, José Pereira dos Santos, “Doutor” Calheiros e outros. Cf. BUENO, Beatriz Pic-
colotto Siqueira. Os exercícios dos alunos da aula militar da Bahia nos tempos de José Antônio Caldas
(1778/1779). In: OLIVEIRA, Myriam Andrade Ribeiro de; PEREIRA, Sônia Gomes (Org.). COLÓQUIO
LUSO-BRASILEIRO DE HISTÓRIA DA ARTE, 6, 2004, Rio de Janeiro. Anais do VI Colóquio Luso-
Brasileiro de História da Arte. Rio de Janeiro: CBHA/ PUC-Rio/ UERJ/ UFRJ, 2004. v. 1. p. 135-145.
57
Cf. MATHEUS DO COUTO. Tractado de Architectura, L. I, Cap. 4º, . 4-5.
322
costa ou vias importantes; 4) a “abundância de área” em torno dela, a m de valorizar o seu
aspecto majestoso.
No Livro primeiro, capítulo 5º, após recomendar os sítios sadios, em que não houvesse “ex-
tremos de frio, ou quentura, que são as causas principais com que se corrompem, e des-
compõem os elementos de q[ue] nossos corpos são compostos”, Matheus do Couto defende
preferir que o edifício de lugares, cidades ou vilas, esteja situado “em o lugar mais eminente, e
mais vistoso do sítio que elegemos”
58
. Especicamente em relação aos templos, mais adiante,
no capítulo 10 do Livro segundo
59
, declara:
Os antigos situarão os seus Templos nos Lugares que mais a prepozito lhes
parecia para aquellas couzas de q tinhão necessidade, como era aos seus
Deozes da Páz e da Prudencia, eoutroas semelhantes defensores de boas
Artes, dos muros adentro; e aos Deozes dos Conselhos, das Inimizades, dos
Incendios, como Venus, Jupiter, Minerva, q erão defensores das suas Cida-
des, no meyo dos Castellos. Mas nos […] situaremos os nossos Templos por
Regra geral, nos mais vistozos sitios que o Lugar tiver; onde com facilidade
se possa hir. Veja-se Serlio Lib. onde trata do Templo sagrado, e com a
frontaria sempre para onde mais vistoza seja; a saber com a frontaria ao Lu-
gar, e entrada principal de Mar, ou Terra; como atrás tenho dito, e com boas
praças diante. Porem isto será às Igrejas, aq chamamos Mayores, Matrizes,
ou Freguezias, as mais quer grandes, quer pequenas sempre serão onde a
devoção das pessoas que as instituirem, mais as provocar.
Se o propósito da situação dos templos romanos estava baseado no caráter e na conveniên-
cia potencial de sua localização, correspondendo muro adentro divindades da “defesa”, das
virtudes e das “boas artes”, aspectos a serem cultivados “dentro” da urbe, diferentemente ao
que convinha para Deuses cujo caráter conferia disposições de instabilidade ou discórdia,
mantidos de fora, Matheus dene a situação sobretudo em termos de distinção hierárquica,
privilegiando as igrejas matrizes e relevando aspectos de devoção para as demais, fossem
grandes ou pequenas. Matheus imita os preceitos de Alberti e Serlio, fazendo, com a distinção
de hierarquia, o que para os templos romanos era uma questão essencial de caráter devido
ao Deus. A Capela do Carmo obedece a praticamente também todos esses aspectos. Buscou-
se, literalmente, uma melhor vista, num sítio elevado e com a fachada à frente da estrada que
chegava de São Paulo. Matheus do Couto é comentado aqui porque parece mais adequado
a enriquecer o entendimento do caso de São Francisco, que não segue, como estritamente
se na carmelita, a recomendação canônica a correta orientação solar e a proeminência
58
MATHEUS DO COUTO. Tractado de Architectura, L. I, Cap. 5º, . 5.
59
MATHEUS DO COUTO. Tractado de Architectura. L. II, Cap. 10º, . 38-39.
323
absoluta da elevação em relação ao entorno. Orientada para sul, na Capela de São Francisco
se escolheu e se buscou a comunhão de vários sítios que proporcionassem a “melhor vista”,
uma “melhor área”, defronte a um basto largo tangente à rua direita, criando uma bela pers-
pectiva de quem desce por ela a vir da praça principal da vila.
4.2 Sutilezas de risco, planta e condições
A distribuição da planta obedece ao uso comum, numa ordem hie-
rarquicamente dirigida: adro, frontispício, nártex, nave e capela-
mor, envolvida esta por corredores laterais que dão acesso, através
de portas na nave e no presbitério, à sacristia (FIG. 5). Do corredor
correspondente à epístola, lado direito de quem entra na capela,
ascende-se ao consistório da Ordem por uma escadaria agradável
à vista e muito cômoda em suas proporções de espelho e piso,
arrematado este num bocel de adorno com lete. Acima desses
corredores, situam-se as famosas varandas da Capela, que foram
inventadas a princípio descobertas; mas depois, por motivos de in-
ltração, ganharam cobertura (FIG. 6). Varandas como essas, a
descoberto, aparecem na invenção do arquiteto das Ordens mili-
tares, Rodrigo Franco (o mesmo que fez o risco para a capela-mor
de Casa Branca), para a Igreja do Senhor da Pedra, em Óbidos,
Portugal; embora nesta as varandas de passagem correspondam
a um desenho circular, que acompanha exteriormente a gura da
nave poligonal (FIG. 7). Todavia, que se ressaltar a novidade
Figura 5 Planta da Ca-
pela de São Francisco.
Fonte: DANGELO, op. cit.
Figura 6 – Vista externa das varandas acima dos corredores que levam à sacristia
324
da invenção para a capitania. Mantidas as va-
randas descobertas, o que infelizmente não
se pôde, como aconteceu também com o zim-
bório de Pilar, a capela-mor de São Francisco
seria inundada de luz ainda maior, um efeito
cômodo para a elocução e muito condizente
com o gosto ao nal do século XVIII, pois am-
plicaria em muito a clareza e a distinção dos
ornatos. Nessa mesma matéria, a iluminação,
o exame do risco remanescente para a capela-
mor de São Francisco, guardado no Museu da
Incondência, apresenta um detalhe bastante
curioso (FIG. 8). um sombreamento inco-
mum que instiga a ajuizar se também não ha-
via sido pensado, além dos seis óculos do ris-
co (apenas quatro foram construídos, dois em
cada lado) (FIG. 9) –, algum tipo de iluminação
zenital para a capela-mor. A abóbada do forro
não termina na parede da esquerda, acomodação do retábulo, de onde justamente parte, sob
um espaço vazio, o sombreamento, numa diagonal descendente. Na disposição do risco, esta
Figura 7 – Varandas da Igreja do Senhor da Pe-
dra, Óbidos, Portugal. Risco do Arquiteto das
Ordens Militares, Rodrigo Franco
Figura 8 Risco em elevação da capela-mor da Capela de São Francisco,
atribuído ao Aleijadinho. Destaque para iluminação zenital e sombreamento.
Museu da Incondência, Ouro Preto
325
iluminação zenital estaria imediatamente acima do retábulo, ou mesmo dentro do camarim,
e não no centro da capela-mor, como o zimbório de Pilar. Idéia semelhante se encontra na
capela do Carmo, em Vila Rica (FIG. 10). Um pequeno zimbório circular, compartido em oito
faces, foi construído no nicho do camarim do retábulo, atualmente inutilizado, e deveria pro-
porcionar luz ao lugar onde estava a imagem da Senhora, conferindo-lhe efeitos místicos e
maravilhosos
60
.
Na disposição das partes, coube engenhosidade às torres circulares muito por detrás do fron-
tispício, e novidade aos púlpitos que foram trazidos das paredes laterais da nave para serem
adossados às ilhargas do arco cruzeiro, afrontados e fronteiros, como nunca em nenhuma ou-
tra igreja ou capela que eu conheça (FIG. 11). Essas sutilezas foram pensadas já no primeiro
risco, é o que indicam suas condições, colocadas em praça na arrematação de 1766.
Assim como era estilo, as condições da capela franciscana arrematadas por Domingos Morei-
ra de Oliveira traçam, em linhas didáticas para o costume da época, as diretrizes da fábrica. A
60
Fui chamado a ver este importante detalhe pela arquiteta, ex-aluna e amiga, Deise Lustosa, a quem
agradeço. Outras aberturas de parede, culminantes no exterior, também foram tapadas e deveriam
carrear a luz até o vão do nicho.
Figura 9 – Vistas, interna e externa, dos dois óculos da parede lateral da capela-mor
Figura 10 – Vistas do pequeno zimbório e do camarim do retábulo-mor da Capela do Carmo, Vila Rica
326
exemplo daquelas redigidas para a Capela do Carmo, as franciscanas procuram reiterar tam-
bém, sempre que oportuno, as virtudes a serem observadas na sua execução: a segurança,
a comodidade e a perfeição.
A ordem do documento segue uma coerência construtiva. A primeira matéria é a abertura dos
alicerces do corpo da igreja, torres e frontispício, nas dimensões de doze palmos de largo por
oito de fundo, ressalvado onde fosse carecido mais que se zesse. Nas partes da capela-mor
junto à sacristia, e também corredores, menos exigidas, medidas menores, de 8x8 e 7x6,
respectivamente, de largo e fundo. A seguir, tratou-se do “conveniente” enchimento desses
alicerces, feitos a “pedra e cal bem mociçados e com pedra grande e dura, principalmente
onde recebe cunhais e encontro de arcos e onde for mais conveniente para a segurança da
obra que mostra o risco e seu perl”
61
. Acima dos alicerces, o assentamento das sapatas, “de
cantaria lavrada a picão miúdo […] com lajes de morro com boa grossura e direitas e duras”
62
,
e também as soleiras, atentando-se em tudo a correção dos níveis, uma vez que se tratava da
nalização das fundações em transição para as paredes e aberturas. Um detalhe nesta con-
dição de n. 3 é bastante importante, porque guardava o decoro hierárquico da capela-mor, a
se evidenciar não só pela disposição, pelo ornato e matérias da representação. A capela-mor
deveria estar necessariamente elevada em relação ao restante do corpo do edifício. Assim,
era necessário que se assentassem as sapatas e soleiras correspondentes à dita capela num
nível ¾ de palmo acima do que o da porta principal (16,5 cm), o equivalente ao soergui-
mento de um degrau. O prudente apontamento construtivo observava uma das regulações
61
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 20, vol. 242, “Condiçoens e advertensias Sobre o
Risco p.r donde Sehade Rematar aobra [da capela] daveneravel ordem 3rdeS. Francisco de VRica”.
Condição n. 2. Vila Rica, 16/11/1766. (Documento avulso).
62
Idem, Ibidem, condição n. 3
Figura 11 – Vistas dos púlpitos da Capela de São Francisco de Assis nas ilhargas do arco-cruzeiro
327
consagradas no tratado de Borromeu, L.I, Cap. X
63
, resguardando-se bem antes o efeito nal
de elevação do digníssimo lugar da capela-mor. O mesmo apuro e também a observação
da regulação tridentina eram requeridas nas demais construções, como se também, por
exemplo, na análise que Luís de Moura Sobral fez das transformações ocorridas na Capela
Real do Paço, em Lisboa, meados do século XVII. Sobral comentou as transformações por-
que passou a referida capela-mor salientando que a sua condição anterior, sem a mínima
elevação, “não se coadunava nem com a dignidade duma verdadeira capela real nem, este
é […] o argumento decisivo, à monumentalidade e teatralidade do culto católico tal como ele
havia sido reformado em Trento”
64.
Com os alicerces preenchidos, as condições
passaram a tratar das paredes, igualmente
em “pedra e cal bem mociçadas” e com to-
dos os “juntouros e ligações necessárias para
segurança”
65
, muito bem travadas nas “en-
gras”, ou seja, nas quinas de paredes (FIG.
12). No erguimento destas, seria preciso dei-
xar os espaços para portas e janelas, todas
guarnecidas com umbrais de cantaria, vergas,
63
Cf. BORROMEO, Carlos. Instructiones fabricae et supellectilis ecclesiasticae, 1577. L. I, Cap. X “De
Cappella Maiori”, p. 16. O tratado preconizava número ímpar de degraus, 1, 3, 5 ou mais. Gradus ad
cappellae maioris ascensum e marmore lapideve solido, aut e lateritio opere, ubi nulla copia lapidis
marmorisve est, confecti sint, iique numero impares, unus scilicet, tres, aut quinque pluresve, pro alti-
tudinis ratione”. Na arquitetura greco-romana, o número impar de degraus assegurava a prevalência
do pé direito no início e m dos movimentos. Cf. VITRÚVIO, Tractado de arquitectura., L. III, Cap. 4, 4.
64
Cf. SOBRAL, Luis de Moura. Da mentira da pintura; a restauração, Lisboa, Madrid e alguns santos.
In: CARDIM, Pedro (Coord.). A História: entre memória e invenção. Lisboa: CNCDP/Publicações Euro-
pa America, 1998, p. 183-205; p. 188. (Agradeço ao prof. Luís de Moura Sobral a recomendação deste
e outros textos interessantes).
65
Em várias passagens dessas e outras condições, referências ao preceito de “ligação” entre as
peças, aprimorada com “juntouros” de metal ou pedra, argamassas bem “mociçadas”, tardozes, tras-
passes de alvenaria, travamentos de madeira etc. Além desses artifícios de “segurança”, também
aqueles que conferem articulação visual entre as peças ornamentais, algo que comentarei com de-
tenção mais adiante, ao tratar do frontispício especialmente. Comentei no Cap. 2, p. 128, nota 66 um
documento de época que une essas duas virtudes de ligação, a de segurança e a ornamental, numa
passagem que elogia as “articiosas ligaduras” de uma “engenhosa máquina” produzida na primeira
metade do XVIII para homenagear “o sempre magníco Rei” D. João V, “inventada e delineada” pelo
escultor e arquiteto italiano João Antonio Belline de Padua: No mais alto da frente do dito pedestal
estaõ colocadas as Reaes Armas deste Reino, com a gura da Fama, que as coroa, e a do valor com
dardos, e frechas, que as defendem, e seu necessario ornamento: Idéa toda naõ tedioza para a vista
[…]. Sendo a compostura dos lados de sima abaixo palmas, louros, e trofeos, como cahindo, sustidos
de articiozas ligaduras”. Cf. PADUA. DESCRIPÇAM DA ENGENHOSA MAQUINA, p. 53. (grifo nosso).
Figura 12 – Juntouro ou “articiosa ligadura” das
pedras dos púlpitos da Capela de São Francisco
para garantir solidarização das peças
328
contra-vergas e ombreiras. Também de pedra deveriam ser “os oito cunhais ou pilastras que
comprendem as (Torres?) e fronte espício com todos os seus membros que mostra o ris-
co metidos em sua conta debaixo da medição ou perçeito da arquitetura”
66
(veremo-los em
minúcia no momento oportuno). Lê-se muito nesses documentos a expressão “preceito de
arquitetura”. Em geral, aparece no tratamento de colunas ou pilastras; portanto, de suas Or-
dens. Esses “preceitos da arquitetura” corresponderiam, então, às proporções e ornatos dos
gêneros de coluna assim como difundidos pelo costume ou sistematização dos principais
tratados da época, Scamozzi, Vignola, Serlio, Palladio e Blondel, os ibéricos frei Laurêncio
de San Nicolas e Diego de Sagredo, os portugueses Matheus do Couto ou Ignácio da Pie-
dade Vasconcelos; ainda que “debaixo do preceito”, como veremos, a imitação se efetivasse
com variações agudas do modelo ou do costume, atendendo à nalidade de salientar efeitos
adequados. As oito pilastras foram devidamente construídas em cantaria de Itacolomy
67
, com
capitéis que emulam a ordem jônica, e além delas as condições também possuem referência
especial às evidentes colunas que arrematam a parte frontal da fachada, mais proeminente,
denominadas no documento como “contrapilastras”. Anal, são elas – em seu especioso giro
de 45 graus, inclusivamente os pedestais respectivos, sutilmente misulados
68
– que recebem
o remate do frontispício, ou seja, a sinuosa empena do frontão, que se desenvolve em volutas
duplas de enrolamentos invertidos e culmina abaixo das robustas cornijas interrompidas do
pórtico frontal (FIG. 13-17).
66
Cf. CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 20, vol. 242, “Condiçoens e advertensias Sobre o
Risco p.r donde Sehade Rematar aobra [da capela] daveneravel ordem 3rdeS. Francisco de VRica”,
Condição n. 6, Vila Rica, 16/11/1766. (Documento avulso). O documento nessa parte encontra-se em
muito mal estado, e para tanto recorri à transcrição de Cônego TRINDADE, op. cit., p. 296.
67
Essas 8 pilastras são distribuídas em 2x4 de cada lado da Porta Principal. Assim, de cada lado, três
das quatro se encontram nas torres, uma na tangente cujo sentido é axial à igreja, e duas a fazer a
transição das paredes das torres com as paredes do corpo da igreja. Por essa razão, essas pilastras
possuem deexão nas suas seções, constituindo um desao interessante ao canteiro que lavrou as
peças. A última pilastra está atrás da coluna do pórtico frontal, situada também com giro de 45 graus
para fazer correspondência de ângulo com ela.
68
Em novembro de 2008, conversando sobre a capela, Marcos Tognon me expôs a sua percepção de
que em São Francisco repetidas soluções misuladas na base de colunas e pilastras. No frontispício,
nos retábulos, na pintura do forro etc., indiciando uma idéia de correspondência que comentei na
Capela do Carmo, e ainda o farei para São Francisco.
329
Figura 13 Vista frontal do espectador ao aden-
trar o adro da capela
Figura 14 – Pilastras no volteio das torres sinei-
ras
Figura 15 Vista externa, com destaque para
distinção de pilastras e contra-pilastras (colu-
nas) do frontispício
Figura 16 Detalhe do pedestal da coluna ou
contra-pilastra do frontispício
Figura 17 – Empena do frontão
330
No cume, a empena é arrematada por um por-
tentoso acrotério. Ao centro e no ápice, a cruz
de Lorena, ou Patriarcal (cujo braço superior
representa a inscrição da Majestade de Jesus
Cristo INRI), apoiada em base de seção cir-
cular variável, com caneluras elegantemente
retorcidas à medida que o corpo diminui de
largura e se eleva para receber a cruz (FIG.
18). A cruz está acompanhada por duas es-
feras ornadas com quatro amas cada uma
(FIG. 19). As interpretações são várias. Nelas,
Diogo de Vasconcellos viu uma alegoria
das chagas de Cristo e do Santo, embora
as chagas sejam cinco, e na capela sejam
quatro as chamas
69
. Onde Vasconcellos viu
sinais da paixão, eloqüentes aos francisca-
nos, Augusto de Lima Junior compreendeu
aspectos militares (que ele estende a toda
a arquitetura da capela), uma tal “bomba tri-
ama”, segundo o autor, um “emblema clás-
sico na simbologia militar”, embora o nome
aludido indique não quatro, mas apenas
três amas
70
. Doutro modo, Paulo Versiani
69
Cf. VASCONCELLOS, Diogo de. Bicentenário de Ouro Prêto, p. 149. A correspondência das chamas
com as chagas é provável. Todavia, a diferença numérica que existe entre as cinco chagas, represen-
tadas sempre neste número nas alegorias da Ordem, e quatro chamas coloca em dúvida a analogia.
70
Além das “bombas triamas” e das gárgulas em forma de “canhões”, Lima Junior viu guaritas militares
nas torres sineiras, lanças de infantaria quinhentista nos pináculos das grimpas, e peitoris em forma
de berço de canhões xos. Cf. LIMA JUNIOR, Augusto de. História e arte franciscana em Minas Ge-
rais. Revista de história e arte. Belo Horizonte, Jan./Fev./Mar., 1963, apud ANJOS, Paulo Versiani dos.
Figura 18 Acrotério e Cruz de Lorena, ladeada
com as esferas amejantes
Figura 19 – Esferas com 4 amas
331
dos Anjos
71
entendeu as peças como referências à alegoria da Divindade, a partir da gravura
presente no Iconologia, de Cesare Ripa (FIG. 20). No famoso livro, a personicação da Di-
vindade ostenta uma chama na cabeça, e em cada uma das mãos uma esfera que arde
também com uma única chama. Ripa justicou assim os atributos:
Divindade. Mulher vestida de branco, com uma
chama de fogo sobre a cabeça e em ambas as
mãos dois globos azuis, cada um com uma chama.
A candura do vestido mostra a pureza da essência
que nas três pessoas Divinas, objeto da ciên-
cia dos Teólogos sacros, evidente também nas três
chamas que igualmente se elevam, como as três
pessoas. A cor branca é própria da Divindade, por-
que se faz isenta da composição de cores, como
nas coisas divinas não há composição de sorte
alguma. Na transguração do Monte Tabor, Cristo
Nosso Senhor apareceu num vestido como a neve.
Os dois globos de gura esférica mostram a eterni-
dade que é implícita à Divindade, e se estão com
eles ocupadas a mão direita e a esquerda, é porque
ainda o homem, por mérito de Cristo, participa da
eternidade celeste […]
72
A denição de Cesare Ripa fecha a compreensão no número “três”, porque estaria ilustrada
assim a unidade da Trindade. Ademais, as chamas da alegoria são sempre únicas (“una
amma di fuoco”), seja nas mãos, seja na cabeça, para que somadas representem três. Nos
globos da capela de Vila Rica, todavia, as chamas são quatro em cada um, o que não chega
a impedir, mas diculta, a analogia com a personicação de Ripa
73
.
As esferas ou globos são muito costumeiros em Portugal, mas raramente apresentam a elo-
cução das chamas. Elas geralmente aparecem no coroamento de contrafortes laterais dos
Metáfora de pedra; a retórica na representação plástica da Igreja de São Francisco de Assis em Ouro
Preto. p. 23 et seq. Num belo ensaio sobre a “maturidade” e a arte, Edgar Wind destacou referências
alegóricas das esferas e, como por exemplo a alusão à tópica muito famosa do Festina lente. Cf. WIND,
Edgar. La maturità è tutto. In: ___. Misteri pagani nel rinascimento. Milano: Adelphi, 1999, p. 121-140.
71
ANJOS, Paulo Versiani dos. Metáfora de pedra, p. 23-25.
72
Cf. RIPA, Cesare. Iconologia overo Descrittione dell’Imagini universali [1593], p. 62-63. Disponível em:
<http://bivio.signum.sns.it/bvWorkPage.php?pbSufx=15%2C16719910>. Acesso em: 10 set. 2008.
73
Na alegoria da “religião”, Ripa oferece um entendimento abrangente para o fogo: “Il fuoco signica la
devotione della pura et sincera nostra mente tendente verso Dio, il che è proprio della religione”. RIPA,
Cesare. Iconologia [1611]. Religione, p. 456. Disponível em: <http://bivio.signum.sns.it/bvWorkPage.
php?pbSufx=15%2C16719910>. Acesso em: 03 set. 2008.
Figura 20 Alegoria da “Divindade”, Cesare
Ripa, Iconologia (1611). Fonte: <http://bivio.sig-
num.sns.it/>.
332
corpos da nave, ou mesmo no coroamento de cunhais e pilastras, como na Igreja de Santa
Clara em Évora, na Igreja do Pópulo em Braga, ou na de Lamego e várias outras. Com
chamas, encontramo-las na belíssima fachada da Igreja da Graça, em Évora, e também na
Igreja da Misericórdia de Leiria. Na Graça de Évora reformada em meados do século XVI
a partir da invenção de dois arquitetos, Miguel de Arruda (Arquiteto da Casa Real) e Nicolau
de Charterene –, há uma chama sobre cada uma das duas esferas no arremate das pilastras
extremas do frontispício, fazendo pensar, sim, nos usos do Iconologia de Ripa, que ele siste-
matiza e publica pela primeira vez no nal do século XVI (FIG. 21 e 22). Em Leiria é que se
encontra o exemplo cujos elementos mais se assemelham às de São Francisco. São ornatos
com exatamente quatro chamas, e sob a mesma disposição. Todavia, o corpo do ornato não
apresenta a mesma elegância da elocução que em Vila Rica, e a base sobre a qual se
elevam não chega a perfazer a geometria de um globo (FIG. 23 e 24).
Figura 21 Frontispício da Igreja da Graça, Évo-
ra, Portugal
Figura 22 – Detalhe da esfera amejante no
frontispício da Igreja da Graça, Évora
333
Outra fonte importante para a difusão
desses globos inamados, sobretudo
por Itália e Península Ibérica (cito edição
espanhola de 1552), é o Quarto Livro
de Arquitetura de Sebastiano Serlio
74
,
conhecido também como o livro das Re-
gras gerais das cinco ordens da arqui-
tetura (Regole generali di architettura,
di Sebastiano Serlio bolognese, Sopra
le cinque maniere de gli edici) – guras
das folhas XXX, XLVII e LVI (FIG. 25). Os
usos que autoriza Serlio são variados. A
primeira gura poderia ser aproveitada
74
SERLIO. Sebastiano. Libro Quarto de Architectvra de Sebastian Serlio Boloñes. En el qual se trac-
las cinco maneras de como se puede[n] adornar los edicios que son, Thoscano, Dorico, Ionico, y
Corinthio, y Compuesto, cõ los exemplos de las antiguedades, las quales por la mayor parte se confor-
man com la doctrina de Vitruvio. Agora nouamente traduzido de Toscano em le[n]gua Castellana, por
Francisco Villalpando Architecto. Impresso en Toledo en casa de Iuan de Ayala. Año. 1552. (No “fene-
cimento” dos livros, há declaração do mecenato: “a costa de Frãcisco Villalpãdo”. Essa primeira edição
espanhola teve as mesmas ilustrações da edição primeira italiana, 1537). Disponível em: <http://www.
udc.es/etsa/biblioteca/red/tratados2.htm>. Acesso em: set. 2008.
Figura 25 – “Figura LVI” do Quarto Livro de Arquitetura
de Sebastiano Serlio. Fonte: <http://www.udc.es/etsa/
biblioteca/red/tratados2.htm>
Figura 23 Detalhe da fachada da Igreja da Misericórdia de
Leiria, Portugal
Figura 24 –Detalhe de ornato com 4
amas no arremate da fachada da
Igreja da Misericórdia de Leiria
334
para acomodar painéis de pintura, história de escultura ou imaginária, à guisa de retábulo, ou
ainda como um “arco triunfal”, desde que se retirasse o embasamento central
75
. As duas gu-
ras seguintes são frontispícios de igrejas. Na primeira, XLVII, há uma esfera central no ápice
do coroamento e, na segunda, LVI, cujo esquema geométrico se disseminou bastante e nos
lembra as famosas soluções de Vignola e Giacomo della Porta para a fachada de Il Gesù, há
esferas sobre as pilastras e os cunhais, e também sobre o frontão triangular. Nessa gura,
as esferas de Serlio apresentam três chamas. Serlio não discorre em nenhuma passagem
sobre as razões do ornato, o que poderia nos ajudar na interpretação. Ele se concentra na
identicação, na descrição e na medida das peças correspondentes a cada uma das ordens e
nas variações possíveis a partir do uso engenhoso: largura de colunas, bases, plintos, socos,
altura de arquitraves, capitéis, frisos, cornijas, letes, espaçamentos, “guardando em todo o
sempre a medida que se deu no princípio de cada ordem”
76
. Como em todos os tratados de
arquitetura que desempenham as proporções das cinco Ordens, a relação entre as partes
é estabelecida pelo módulo da coluna, geralmente a sua “grossura”, para usar o termo de
Matheus do Couto. Essa ordenação visava garantir a symmetria do conjunto, assim como no
corpo humano tudo estava relacionado a um módulo, geralmente a cabeça ou o pé, que os
corpos de arquitetura deveriam imitar.
Curiosamente, as Condições de São Francisco não fazem referência formal a essas esferas,
ou globos amejantes, e sim ao termo “pirâmides”. Seriam essas “pirâmides” esféricas a deitar
com a cruz no acrotério. Também são denidas “pirâmides” no coroamento das abóbadas das
torres, mas essas estão efetivamente formatadas, à guisa de pináculos. Uma interpretação
diversa das citadas para as esferas amejantes de São Francisco é possível, e bastante ve-
rossímil. Desde a Antiguidade, o globo geralmente representa a idéia do Orbe. Nesse mundo
católico, é muito comum encontrarmos a esfera encimada por uma pequena cruz, a signicar
o domínio de Cristo e da Igreja Católica sobre a Terra. A tópica é muito imitada, desde o coroa-
mento do baldaquino de Bernini, em São Pedro, até o coroamento do retábulo-mor da própria
Capela de São Francisco, em Vila Rica, em que o globo dominado pela cruz é carregado pela
gura de Deus Pai (FIG. 26). As quatro amas sobre as esferas do frontispício poderiam aludir
também ao mesmo domínio. Mas o atributo signicante não seria diretamente a cruz, mas as
palavras da Sagrada Escritura que contaram o triunfo glorioso de Cristo nos Evangelhos. As
quatro amas corresponderiam, então, à palavra iluminada dos quatro evangelistas, comu-
75
Idem, Ibidem, L. 4, . XXIX v.
76
Idem, Ibidem, L. 4, . XLVI v.
335
mente representados nas capelas-mores.
Acrescenta lembrar que, no Pentecostes,
os apóstolos reunidos receberam o Espíri-
to Santo prometido por Cristo, sob a espé-
cie de “línguas de fogo” que desceram sob
suas cabeças, permitindo-lhes, com a gra-
ça, falar em diferentes línguas para difundir
a nova religião às nações gentias sobre a
Terra.
As condições também requerem as oito pi-
lastras das torres sineiras acima da cimalha
real, quatro para cada, em cantaria. Exami-
nadas atentamente, não apresentam capitel na transição para a segunda cimalha, mais alta,
em preparação para a abóbada das grimpas. A eliminação do capitel não chega a ser uma
quebra do decoro. A licença houvera sido autorizada por Matheus do Couto no comentário à
fachada da Igreja de São Vicente de Fora, em Lisboa. Escreveu, então, o tratadista, autori-
zado em Serlio, que era permitido pilastra sem capitel desde que a arquitrave apresentasse
ressaltos na cimalha que o imitassem
77
. É o que se vê tanto em São Vicente de Lisboa (FIG.
27) como em São Francisco de Vila Rica (FIG. 28), em ambas as torres.
77
“Muitas vezes, ou por poupar despeza, ou por proporcionar os Pilares encostados de huâ fachada, he
necessrnão hever nelles capitel posto q’ haja Baza. Cuja tive disputa (sic) sobre este ponto, porq’ hou-
ve hum Architecto q’ o quis Reprovar na fachada de S. Vicente desta Cidade de Lx.ª a q’ foy necessr
acodir ou pla authoridade de tam grande Mestre meu, como foy Baltazar Alz q’ D.s tém, inventor della
tam sciente e de tanta experiencia nesta arte q’ sem fazer agravo ao mais do seu tempo, elle era tido
por melhor Eeu digo que não contra os textos de Vitr[Vitrúvio] ordenar nos Pilares de [?] bazas,
sem capiteis; porque Serlio o uzou, e dá lugar ao que digo no seu Lib. 5º no Templo da forma octogona;
E Philippe Tercio, tam nomeado tambem o uzou em outro edicio principal nesta Cidade de Lx.ª que
he no Forte. Porem advirto q’ a simalha ha de ser q’ imite o Capitel Dorico”. MATHEUS DO COUTO,
Tractado de Architectura, L. I, Cap. 13, . 24.
Figura 26 Detalhe do coroamento do retábulo-
mor da Capela de São Francisco. Deus-Pai porta o
globo encimado pela cruz
336
Também se acha nessa mesma sexta con-
dição, que trata das pedras de cantaria em
geral, a referência à escultura em baixo-re-
levo disposta no óculo “cego” da fachada.
No risco inicial estaria encenada, então, a
famosa conformatio do Santo a receber os
estigmas no Monte Alverne, um dos temas
mais representados da iconograa francis-
cana, a cujos modelos autorizados a repre-
sentação da capela de Vila Rica não foge
como imitação
78
. São termos:
78
No Risco para a capela franciscana de São João del Rei, também já estava congurado na empena
do frontão a escultura em baixo relevo com o recebimento dos estigmas.
Figura 27 – Vista e detalhe da fachada da Igreja
de São Vicente de Fora, Lisboa, com destaque
para a ausência de capitel nas pilastras da torre
sineira
Figura 27ADetalhe da torre sineira de São Vicen-
te de Fora, Lisboa
Figura 28 Torre sineira de São Francisco, com
destaque para a ausência de capitel nas pilastras
acima da cimalha real
337
[…] eaSim fará o Oclo [óculo] na forma que mostra o Risco com a escoltura
que delle se mostra […] p.ª o relevo eescoltura sera daChamada deSabaõ
sendo toda a cantaria muito bem lavrada […]
Também versavam as condições sobre a novidade na disposição dos púlpitos nas ilhargas do
arco-cruzeiro. A condição de número sete trata ademais dos embasamentos
79
de cunhais e
pilastras, da ensilharia e demais peças de cantaria, corpo do arco-cruzeiro, óculos da capela-
mor e plintos de todas as aberturas, e também o piso do presbitério, esse último forrado em
lajes de pedra “comtoda a prefeição na forma q mostra o Risco”
80
. Ressalvou-se no documen-
to, e a docilidade do material justicou a eleição, que os detalhes ornamentais mais sutis e de-
licados, como os capitéis do arco-cruzeiro, e também os púlpitos esculpidos em baixo-relevo
nos tambores e bacias, deveriam ser elaborados em pedra-sabão, assim como foi executado.
A condição seguinte, de n. 8, tratou de várias peças de cantaria: a dos arcos do coro, o de
cima e o de baixo, pias de água benta, degraus de escadas e do “pátio da entrada”. A seguir,
condição n. 9, voltou a se tratar das torres, suas abóbadas e pináculos de arremate, pare-
des e aberturas, conforme o risco. Depois, n. 10, os rebocos com cal feitos em duas mãos,
“por dentro e por fora”, e o telhado todo “emvocado” (emboçado) também com cal, com os
“amouriscados necessários p.ª perfeição edefeza dos temporais”
81
. Uma condição foi redigida
exclusivamente para orientar a execução das gárgulas e canais de esgotamento das águas
pluviais caídas entre as torres e a empena do frontispício. Isso porque certamente se sabia da
importância desse ofício, e de como uma execução poderia comprometer a segurança e
a perfeição do frontispício e da entrada da capela. Também foram redigidas em 1772 as con-
79
O termo literal é “envazamentos”. A troca dos “bês” pelos “vês”, e vice-versa, que ocorre também nas
Condições da Capela do Carmo e outras mais, estimula a aventar um projeto de pesquisa, na idéia mui-
to primária, ainda, sobre a assimilação da terminologia artística através das inuências e acomodações
da língua, assim como falada, por exemplo, no norte de Portugal, onde se costumava, e ainda hoje
se costuma, trocar as consoantes “v” e “b”, por inuência da fonética galego-espanhola. Para Minas,
auíram muitos minhotos no século XVIII.
80
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 20, Volume 242, “Condiçoens e advertensias Sobre o
Risco p.r donde Sehade Rematar aobra [da capela] daveneravel ordem 3rdeS. Francisco de VRica”,
Condição n. 7. Vila Rica, 16/11/1766.
81
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 20, vol. 242, condição n. 10. O “emboçamento” das
telhas com argamassa de cal era procedimento comum na arquitetura das igrejas, garantindo mais
segurança à distribuição delas sobre o madeiramento. Amouriscado é o nome que geralmente se dá ao
telhado executado com esse procedimento. Também por solidez, recomendou-se nesta condição o be-
neciamento da cal antes da aplicação nos ngimentos e abóbadas. Esse beneciamento, atualmente
chamado “extinção”, consiste em expor a cal virgem ao contato com a água (numa proporção de volu-
me três vezes maior do que a quantidade de cal). O processo de beneciamento inicia-se imediatamen-
te e se completa em aproximadamente dois dias. A mistura deve passar então por um peneiramento,
para só então poder ser usada nas argamassas de vedação e ligadura.
338
dições para a abóbada da capela-mor, barretes e “pátios” descobertos acima dos corredores.
Esses pátios deveriam ser muito bem feitos, forrados com lajes para que o piso “que visto-
so por cima”, e muito bem “betumado”, com gárgulas e também uma calha aberta de “meio
palmo” na parede, tudo a m de preservar qualquer ruína por inltração de águas
82
. Já vimos
que não adiantou, pois as varandas (pátios) ti-
veram que ser cobertas mais tarde. As quatro
gárgulas do frontispício foram assentadas exa-
tamente nos seus postos, “nasemalha real nas
engras junto as torres”, e que “olhem duas p.ª
o frontispício e duas p.ª as ilhargas feitas com
toda a perfeição”
83
: isso signicou que duas de-
las estavam entre as torres e o corpo da nave,
e duas entre as torres e o pórtico principal do
frontispício (FIG. 14).
A antepenúltima condição tratava de acabamentos de empenas, cimalhas e madeiramentos
de telhado, sempre procurando ressalvar a “defesa das mesmas Agoas”, e as duas últimas,
de n. 13 e 14
84
, estipulavam os prazos para entrega da obra (cinco anos) e as condições de
pagamento, sempre atreladas à fatura de determinadas etapas da fábrica. Ficavam ainda
declaradas algumas recomendações, a título de “advertências sobre o que ca dito”: dever-
se-ia fazer janelas no consistório em “correspondência” com as da sacristia, o que terminou
implicando um mesmo número de janelas nos dois cômodos, uma exatamente em cima da
outra, com iguais medidas (FIG. 29); as janelas de “peitoril”, ou seja, as que não fossem
janelas-sacada, deveriam levar assentos (as tais “namoradeiras”); dever-se-iam deixar espa-
ços aptos para um oratório no consistório e um lavabo na sacristia, além dos seis espaços “no
corpo da igreja” para os altares laterais – tudo devidamente outorgado pelo risco. No quesito
“ngimentos”, presentes em várias partes da fábrica, um deles requereu atenção especial do
82
Cf. CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO. Filme 20, vol. 242. “Condiçoens p.ª Se Rematarem as
Abobadas dos Corredores, eBarrete da Capela Mor da Igreja do Patriarca S. Francisco de Tijolo, cal,
etc.”. Condição n. 4. Vila Rica, 23/02/1772. O cônego TRINDADE, op. cit., p. 335, julgou “ilegível” e
não transcreveu o que no documento pode-se ler como “Sima”: “p.ª que que vistoso por Sima seu
pavimento”.
83
Idem, Ibidem, condição n. 11.
84
As transcrições apresentadas pela obra do Cônego Trindade apresentam algumas imperfeições iso-
ladas (passíveis em qualquer trabalho de transcrição), como, por exemplo, a troca da expressão “sem
defeito” pela “sendo feito”, ou o termo “linhas” por “linsa” (Cf. TRINDADE, op. cit., p. 336 e 337); O im-
portante estudioso também se esqueceu de nominar a “condição n. 14”. Cf. TRINDADE, op. cit., p. 299.
Figura 14 – Pilastras no volteio das torres sinei-
ras. (Destaque para as duas gárgulas).
339
apontador: “q. asemalha dedentro do CorpodaIgr.ª, hade ser taõ bem ngida metida emCal”
85
,
o que ressalta ainda hoje pela perfeição da execução (FIG. 30).
85
Cf. CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 20, vol. 242. “Condiçoens e advertensias Sobre o
Risco p.r donde Sehade Rematar aobra [da capela] daveneravel ordem 3rdeS. Francisco de VRica”;
“Ad.vertencias sobreo q. ca dt.º”. (Documento avulso).
Figura 30 – Forro da nave da Capela de São Francisco, com destaque para ngimento da cimalha real
Figura 29 – Janelas correspondentes da sacristia e consistório da Ca-
pela de São Francisco
340
Assim, a capela construída obedece lite-
ralmente às condições prescritas, inclusive
nas partes onde há emulações do costume,
como na nova disposição dos púlpitos ou
na invenção de um medalhão para cegar o
óculo do frontispício algumas das partes
mais notáveis do edifício. Como o frontispí-
cio está orientado para o norte, cegar o ócu-
lo não comprometeria tanto a entrada de luz
pelo coro mais efetiva pelas numerosas
aberturas laterais da nave –, além de pro-
porcionar o proveito de um efeito decente
e maravilhoso criado com a disposição do
medalhão no lugar incomum do óculo. De
fato, a solução em Vila Rica inova na dispo-
sição arquitetônica do ornamento, mas na
disposição em si da escultura não novi-
dade (FIG. 31). Representações da mesma
cena, em Portugal e outros estados católi-
cos, apresentam praticamente a mesma colocação dos elementos, variando quase sempre
no espelhamento da imagem. Então, por vezes, São Francisco aparece no lado direito da
composição, como em Vila Rica, e por vezes no esquerdo, alternando-se, obviamente, com o
seram cristiano, sempre ao alto, como na imitada descrição do milagre, sempre presente nas
vidas e crônicas da Ordem. A conformatio aparece estampada no famoso Livro das Idades do
Mundo (De Aetatibus Mundi Imagines), de Francisco de Holanda, na mesma orientação de
Vila Rica; em Guimarães, no belo retábulo da ante-sacristia, uma inversão das posições,
e o santo apresenta os braços menos erguidos. No coro da mesma igreja do convento de São
Francisco, em Guimarães, uma tela do século XVIII, de Vieira Portuense, que retrata a
passagem. O Recebimento dos Estigmas, de Giotto, Louvre, apresenta a mesma disposição
(FIG. 32-35). Em Vila Rica, o Cristo seráco não possui braços nem pernas, o que se adapta
bem no espaço exíguo da composição.
Figura 31 Óculo cegado do frontispício da Capela
de São Francisco, com escultura em baixo-relevo
em pedra-sabão do recebimento dos estigmas pelo
Santo
341
Figura 34 – Recebimento dos estigmas pelo
Santo, Pintura em tela de Vieira Portuense, coro
da Igreja conventual de São Francisco em Gui-
marães
Figura 35 – Recebimento dos estigmas pelo
Santo, Giotto, Museu do Louvre
Figura 32 – Recebimento dos estigmas pelo
Santo, Francisco de Holanda, De Aetatibus
Mundi Imagines
Figura 33 Recebimento dos estigmas pelo San-
to, Retábulo da ante-sacristia da Igreja conventual
de São Francisco em Guimarães (séc. XVII)
342
4.3 O frontispício e os efeitos da “nova portada”
A novidade da fachada não se restringiu à substituição do óculo pela escultura adequada.
Houve uma modicação no projeto inicial, condicionada por um novo risco e apontamentos
declarados em mesa de 28 de outubro de 1774
86
, praticamente oito anos depois da arrema-
tação e da suposta factura do primeiro risco; quando a obra se encontrava, em seu labor
de cantaria, paredes e aberturas, bastante adiantada. Desta feita, foi necessário adaptar as
novas estruturas da portada à fábrica existente, fazendo-se adequações de segurança e or-
namentação para atingir novos efeitos de arranjo certamente requeridos.
Foi arrematante da empresa Jozé Antônio de Brito, sob o risco documentado de “Antônio
Francisco”
87
. Pela tradição historiográca, e também por essa fonte documental, que todavia
não apresenta o sobrenome “Lisboa”, ou a abreviatura “Lx.ª”, como comumente aparece, mas
apenas “Antonio Francisco”, é que se afere terem sido de Aleijadinho não apenas o risco da
nova portada, como também o risco inicial da Capela. Aleijadinho participará como louvado da
Ordem 3ª na principal entrega das obras de Domingos Moreira de Oliveira, em 24 de agosto
de 1794, e vimos, com a participação de Antonio da Silva no exame das obras de forro e
talha da nave da Igreja do Pilar, que a nomeação do autor do risco não era um procedimento
excepcional nessas aceitações de obra eleição que era, a propósito, por demais recomen-
dada. Documentalmente, não acrescento nada de novo a essas discussões, e tendo a aceitar
a hipótese de que Aleijadinho tenha sido chamado pela Ordem, ou mesmo sugerido a ela,
para refazer o risco da nova portada como aperfeiçoamento da fábrica.
Tentemos conjeturar acerca dos novos efeitos requeridos, das razões que justicaram a mo-
dicação da portada, que deveriam se basear em aspectos denidores do gosto e do decoro
dedicado pela Ordem ao mais insigne de seus ornamentos. Como de costume, requereu-se
o apuro desde a escolha das pedras, de itacolomy e de sabão, das melhores que houvesse,
a primeira “damais dura, e clara, que se achar”, a segunda “toda dehua cór izenta de os, e
86
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 20, vol. 242. 3 s, “Condiçoens pelas quais Se
de fazer [a nova carcomido] portada da Capela de N. Snr.ª dos anjos da Ordem 3.ª [desta Vila Rica,
carcomido]”. Vila Rica, 28/10/1774 (Documento avulso).
87
Literalmente: “á Antonio Francisco [Lisboa?] doRisco da Nova portada...14$400”. Cf. CECO-CON-
CEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 66, vol. 216, f. 146. “Despeza que fez o Irmam Sindico Antonio
TeixrChaves pelo Recebimento supra, e por ordem da Meza actual que acaba de 1774 p.ª 1775”.
(Livro de receita e despesa da Ordem).
343
bixocas”
88
. As primeiras linhas salientavam a necessidade de conformidade ao risco, também
como costume.
Pelo que expõe o documento, as modicações estruturantes foram: 1) alargamento do vão
da porta principal; 2) alteamento da verga da porta principal e das ombreiras; 3) afastamento
das janelas-sacada para que a parede de entremeio a elas pudesse acomodar o conjunto
escultórico em pedra-sabão.
Assim, o texto dessas condições, redigido sem numeração de itens, referia-se principalmente
às peças da composição, tanto da primeira quanto da “Nova”, porque várias dessas peças,
assentadas na “Portada antiga”, iriam se acomodar na denitiva invenção. Os elementos prin-
cipais foram destacados: pedestal e base, as ombreiras laterais da porta e as pilastras que
se encostavam a elas, e, arrematando a porta, a verga (agora em cinco peças, com pelo
menos três palmos e meio de largura
89
, e com tardozes
90
ao meio da parede, para “sustentar
o peso”
91
, que foi incrementado com o alargamento do vão. A rigor, a modicação não impli-
cou um acréscimo de peso material a ser sustentado. Como o vão da porta foi alargado, os
esforços de momento etor e cisalhamento sobre a verga é que resultaram maiores com o
novo arranjo. É por isso que se requereu, então, com também alargada prudência e juízo da
experiência, que se vigorasse o vão da verga para segurança e perfeição do conjunto.
Poucas são as informações sobre a ornamentação escultórica da nova portada, embora de-
talhes dessa natureza costumem gurar efetivamente os riscos. As condições geralmente
privilegiam os aspectos construtivos e materiais e, portanto, não nada estranho no pro-
cedimento. Nesse quesito, referências aos “óculos” das torres sineiras, armando que se
deveria imitar para a do lado direito o mesmo desenho que jazia feito no esquerdo, além da
88
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 20, Volume 242, 3 s. “Condiçoens pelas quais Se
de fazer [“a nova” carcomido] portada da Capela de N. Snr.ª dos anjos da Ordem 3.ª [“desta Vila
Rica”, carcomido]”. Vila Rica, 28/10/1774. (Documento avulso).
89
A verga de pedra, e todo perímetro do umbral, possui efetivamente 40 cm (aprox. 1,8 palmos), mas
todo o corpo acima da porta, e que compõe a sustentação da parede, chega a 140 cm (aprox. 6,50
palmos).
90
Tardozes são peças de cantaria com faces escodadas toscamente e que, por isso, apresentam sul-
cos ou rugosidades destinadas ao encontro com outras partes de paredes. É utilizado para aumentar o
atrito entre as partes e garantir, assim, maior segurança para o corpo. Mais simples do que os “juntou-
ros”, é também um artifício construtivo que confere maior ligadura e solidarização ao conjunto.
91
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO. Filme 20, vol. 242. “Condiçoens pelas quais Se há de fazer
[“a nova” – carcomido] portada da Capela de N. Snr.ª dos anjos da Ordem 3.ª [“desta Vila Rica”, carco-
mido]”.
344
necessidade de se mandar fazer uma cruz de metal ou estanho para o anjo da esquerda (a
referência do texto é a mesma do observador). Pouco se poderia dizer, assim, da modicação
de ornato do primeiro para o segundo risco, sobretudo porque as novas condições parecem
apurar, acima de tudo, os efeitos de proporção novamente inventados.
O sentido das modicações da portada
no efeito nal da fachada pode car mais
claro se compararmos a fábrica de Vila
Rica com o risco feito para o frontispício
da capela franciscana de São João del
Rei (FIG. 36), em que nitidamente há -
rios elementos imitados ou emulados: a
iconograa elevada do santo estigmati-
zado, o frontão sinuoso e ornado, a por-
tada escultórica, as guras de aberturas
nas torres etc., esses e outros aspectos
que permitiram a Lúcio Costa atestar o
risco de Aleijadinho para a capela de Vila
Rica
92
. No risco para São João del Rei,
além da escolha da ordem coríntia para
os capitéis, diferente das variações jôni-
cas que em Vila Rica, uma porta
evidentemente mais estreita. A portada
de Vila Rica se apresenta, assim, com
maior aparato e eloqüência, correspon-
dente às proporções da ornamentação,
que é mais complexa e ampliada, e tam-
bém a todo o frontispício, que é nitida-
mente mais engenhoso na geometria da invenção e na disposição das partes (FIG. 37).
92
COSTA, Lúcio. A arquitetura de Antonio Francisco Lisboa tal como revelada no risco original de 1774
para a capela franciscana de São João del Rey. In: ___. Lúcio Costa, registro de uma vivência. São
Paulo: Empresa das Artes, 1995, p. 539-547.
Figura 36 – Risco da Capela de São Francisco de São
João del Rei, atribuído ao Aleijadinho. Museu da Incon-
dência, Ouro Preto
345
Figura 37 – Frontispício da Capela de São Francisco de Assis
346
A maior largura do vão que no caso da
boca da tribuna do retábulo-mor da Igreja
do Pilar foi alargada, como vimos, por cau-
sa do “decoro devido a semelhante lugar”
apresentou ao m uma dimensão cons-
truída de 12 palmos, ou 2,65 m
93
. A largura
do conjunto vertical de pilastras e ombreiras
que orna lateralmente a porta possui, em
sua face estrutural, quase 4 palmos (82 cm),
sem se contar a ornamentação de folhas de
acanto que escorre como um gracioso fes-
tão desde o friso do entablamento interrom-
pido acima da porta principal, ornamentado
também em faces de querubins, conchea-
dos, rosas, girassóis e rocailles (FIG. 38).
São de admirar os capitéis dessas pilastras
que ornam lateralmente a porta principal
(FIG. 39). Além de se contorcerem para fora
a m de concordarem com o novo alinha-
mento vertical da ornamentação (sugerido
pela verga da porta, que sobrepassa o limi-
te lateral das ombreiras), os capitéis consti-
tuem variação muito “engenhosa” da ordem
coríntia
94
(FIG. 40). Adaptados aos ornatos
mais aplaudidos no país, principalmente os
93
Coincidência ou não, a largura dos camarins dos dois retábulos principais, de São Francisco e de
Pilar, em Vila Rica, é exatamente a mesma: 14 palmos, ou 3,10 m.
94
Na introdução da ordem corínthia, Serlio apresentou as medidas e exemplos tirados das “diversas
antiguidades” da arquitetura, para que pudesse aproveitar-se delas qualquer “engenhoso arquiteto”. Cf.
Serlio. op. cit., Libro Quarto, . LI. A gura 40 foi retirada de VIGNOLA. Regla de las cinco ordenes de
Jacome de Vignola agora de nueuo traduzido de toscano em Romance por Patricio Caxesi Florentino,
pintor y criado de su Mag. Dirigido al Principe Nvestro Señor Em Madrid, Em casa del Autor en la La cal-
le de la chruz. A.D.1593, . XXV. Disponível em: <http://www.unav.es/ha/009-TRAT/vignola-regole.htm.
Figura 38 Detalhe da ombreira e entablamento
interropido da portada
Figura 39 Detalhe do capitel da ombreira da
portada
347
feitos em pedra-sabão, o desenho das folhas
de acanto imita a formosura de concheados e
rocailles, conferindo correspondência à arqui-
tetura e toda a sua ornamentação. O ábaco
(com cimácio) que coroa o capitel é bastante
robusto, talvez para condizer com o acentuado
relevo dos ornatos aplicados logo acima dele,
na arquitrave e no friso – uma delicada rocaille
de transição e dois pares de querubins, cujos
rostos percorrem praticamente toda a altura
disponível pelas duas faixas do entablamento
arquitetônico. Enquanto os tratados, Vitrúvio,
Vignola, Serlio e Matheus do Couto, recomen-
davam fazer o ábaco com a sétima parte da
altura do capitel coríntio
95
(que por sua vez de-
veria possuir, em geral, a altura corresponden-
te à grossura da pilastra ou coluna, um módulo
inteiro, portanto), o ábaco de Vila Rica mede
cinco partes inteiras da altura. As pequenas
volutas do coroamento saem a mordente, como que de dentro do ábaco. Imitam em curvatura
e ranhuras uma concha que, por sua vez, envolve suavemente o cume da folha de acanto
central, variando com engenho a já aguda invenção do “sutil Calímaco”
96
.
O comentário a esses ornamentos da portada rearma os notáveis aparatos que conferiram
graça à arquitetura da capela; sob a eciência de vários efeitos: a novidade, a correspon-
95
Cf. MATHEUS DO COUTO, Tractado de Architectura, p. 20 (que dá o nome de “simácio” ao conjunto
de ábaco + cimácio); também VIGNOLA. Regola de las cinco ordenes de ARCHVITECTVRA, . XXV;
XXVIII; SERLIO, Libro quarto, . L. “Y el abaco o Cornixal q’ aca llamamos tablero, sea por la septima
parte del alto del capitel”; e VITRÚVIO. Tratado de Arquitectura, L. IV, Cap. 1, p. 144-145: “O capitel
terá na sua base o mesmo diâmetro que tiver no topo da coluna, excluindo a apóge e o astrágalo. A
espessura do ábaco corresponderá à sétima parte da altura do capitel”.
96
Evidenciando conhecer o uso da noção de “sutileza” como agudeza de engenho, Matheus do Cou-
to assim se refere ao famoso escultor grego que “inventou” o capitel coríntio junto ao túmulo de uma
virgem, na cidade de “Corintho”. Folhas de acanto cresceram ao pé (e “à roda”) de um cesto, ocasião
que suscitou na mente do artíce a idéia de um capitel assim ornado, donde consagrou-se a tópica e
o caráter ornamentado e virginal com que se dedicar o dito gênero. A anedota é narrada por Vitrúvio,
imitada sem cessão pelos tratadistas modernos. No tratado latino, Calímaco é louvado pela “elegância
e sutileza da sua arte” (“propter elegantiam et subtilitatem”). Cf. VITRÚVIO. De Architectura. L. 4, Cap.
1, 10.
Figura 40 Capitel corínthio, Vignola. Regla de
las cinco ordenes de Jacome de Vignola. Fon-
te: <http://www.unav.es/ha/009-TRAT/vignola-
regole.htm>
348
dência, a maravilha, a emulação da regra e do
costume, a virtuosa ligação entre as partes.
Integradas a esses efeitos, e para valorizar
ainda mais a sutileza do desenho, as molduras
da porta sofrem uma inexão aguda na metade
de sua altura (FIG. 41). Nas ombreiras da por-
ta propriamente ditas, a inexão das linhas for-
ma uma ondulação que se desenvolve apenas
no plano da parede; nas pilastras, no entanto,
que ademais se enrolam próximas ao capitel
como uma esbelta cartela, a inexão também
acontece fugindo da parede, de encontro ao
espectador, requintando os caprichos da geo-
metria (FIG. 42). Além do efeito agudo no de-
senho das inexões, a nítida intenção de
se criarem efeitos de correspondência e arti-
culação entre as várias partes da composição,
que, se percebermos bem, são dominadas
por um movimento sutil de desalinhamento.
Parafraseando máximas relativas à doutrina
da adequação: a “desproporção proporciona-
da” ou a “inconveniência conveniente”
97
, es-
ses desalinhos alinhados retiram as peças de
seu alinhamento usualmente natural para que
elas encontrem a seguir um outro alinhamento,
numa nítida intenção de articulação e continui-
dade com outra parte do corpo da composição.
A maravilha do efeito parece ser não tanto a
variação da regra ou do costume estabeleci-
dos, mas sim fazer os elementos dançarem, por assim dizer, se adequando sob os preceitos
da ligação e da correspondência. É assim nas pilastras, que articulam pedestais e capitéis;
nas folhas de acanto destes, que se desalinham do eixo vertical do capitel para alinhar-se à
97
Cf. Cap. 3, p. 281, nota 137.
Figura 41 Sutileza de desenho na inexão das
molduras da portada
Figura 42 - Sutileza de desenho na inexão das
molduras da Portada
349
seção do ábaco; nos umbrais da porta, e na continuidade desses, pois a verga modicada,
dividida em cinco peças, constrói-se em contínuo realinhamento de curvas e contracurvas.
A pedra-de-fecho que coroa a verga da porta
está ornada pela tríade de querubins, que dia-
logam com aqueles dispostos em pares no en-
tablamento acima dos capitéis (FIG. 43). A arti-
culação da porta com o conjunto escultórico de
medalhões se desempenha tanto pelo centro,
acima dos querubins, através de uma peanha
que corresponde, em desenho, ao conjunto ar-
quitetônico formado por entablamento, arco e
empena do frontão principal (que a rigor fun-
ciona como uma valente peanha para a cruz),
quanto pelos lados, com os anjos acima das
cornijas interrompidas que anunciam a adora-
ção e o louvor das alegorias encenadas. Essas
elegantes cornijas interrompidas, aformosea-
das pelos dentículos autorizados no costume
da ordem corínthia, também possuem aquele
movimento de inexão presente nas molduras
da porta. Além disso, os letes superiores de-
las se enrolam no sentido inverso ao das volu-
tas maiores da peça, situadas logo abaixo dos
anjos sobre elas assentados. Essa alternância
de enrolamentos também existe nas faixas e -
letes da empena principal do frontispício (FIG.
37 e 38), pelo que percebe-se, por analogia
desse e de outros ornatos descritos, a inten-
ção generalizada em se criar efeitos graciosos
de articulação e correspondência na forma e
no estilo da arquitetura e sua decoração.
Figura 43 Portada e conjunto escultórico, vi-
são do espectador quase a alcançar a porta
principal
Figura 37 – Frontispício da Capela de São Fran-
cisco de Assis
350
Os anjos anunciam o teatro teológico esculpido no centro do frontispício, em vários níveis de
disposição. Logo acima da porta, estão proporcionados os corpos místicos da Ordem francis-
cana e da Coroa portuguesa
98
, unidos pela devoção cristã. Simétricos por analogia de atribui-
ção, cujo termo principal de semelhança é a forma ecaz de um corpo
99
, os dois brasões que
os representam estão encenados numa mesma posição hierárquica; e ambos estão emoldu-
rados por conchas e rocailles que culminam lateralmente em asas, como se os brasões parti-
cipassem em suspenso da hierarquia
celeste, entre anjos logo abaixo
da Senhora. As rocailles foram muito
comuns nesse tipo de ornamentação
heráldica, mas as asas não. Muito
se falou a respeito da “originalidade”
dessa elocução (do Aleijadinho), que
assimila numa mesma representação
contínua os concheados e as asas,
bem ao gosto do fantástico (FIG. 44).
Cito um exemplo similar dessa elo-
cução, aplicada na ornamentação
das molduras em talha dourada dos
janelões da capela-mor da Igreja de
São Martinho, Mosteiro de Tibães,
próximo a Braga, onde trabalharam,
ambos bracarenses, o arquiteto An-
dré Soares e o entalhador Fr. José de
Santo Antônio Vilaça. Robert Smith
98
Exemplicando a doutrina e a validade de sua representação na colônia, um documento da ordem
franciscana em Vila Rica se refere à Ordem sediada em Santo Antônio do Rio de Janeiro como um
“místico corpo commonicável”, da qual se orgulhava em fazer parte. Cf. CECO-CONCEIÇÃO-SÃO
FRANCISCO, Filme 20, vol. 155, . 91 v, “Copia da carta q’ se escreveo ao Ilm.º Snr. (?) M.el Min.º Pro-
vincial do Conve (sic) de Santo Antonio com a qual se lhe remeteo a Elleição de1775 p.ª 1776”. Sobre
o corpo místico representado nas alegorias da capela, cf. JORDÃO, Paulo Vicente da Veiga. Corpo
Santo; alegorias do corpo místico no barroco mineiro. Monograa (Especialização em cultura e arte
barroca)-Instituto de Filosoa, Arte e Cultura/UFOP. Ouro Preto, 1996.
99
A analogia de atribuição acontece entre dois objetos, conceitos ou signos, “aproximados através de
um terceiro elemento principal”. Assim, a formulação (a:b:c) pode ser exemplicada, conforme Han-
sen: um vestido e as pétalas de uma rosa possuem uma atribuição em comum, que é a cor. Assim, é
possível, por esta analogia, escrever: “A rosa abriu seu vestido”. Cf. HANSEN. Alegoria; construção e
interpretação da metáfora, p. 227.
Figura 44 Conjunto escultórico em pedra-sabão do fron-
tispício
351
pesquisou a importante biblioteca de tratados de Vilaça, que possuía, além de vários tratados
franceses Blondel, Brisseux, D’Aviler e outros –, uma tradução manuscrita para o português
de partes do Perspectiva pictorum et architectorum, do Padre Andrea Pozzo, atualmente em
guarda na Biblioteca Nacional de Lisboa, e que antes da extinção das Ordens religiosas, em
1834, pertenceu à Livraria do Convento Beneditino da Saúde
100
. As molduras de Tibães foram
riscadas e provavelmente executadas por Vilaça na mesma época ou pouco antes do período
em que se propunha a nova portada de Vila Rica; embora lá, em Tibães, a ornamentação te-
nha sido entalhada em madeira dourada, cá em pedra-sabão
101
(FIG. 45 e 46). Robert Smith
chamou a atenção para uma liação estilística generalizada entre as “escolas” do norte de
Portugal e a talha de Minas Gerais
102
. Myriam de Oliveira vem relativizando essa generaliza-
ção, acrescentando novos dados, sobretudo da região lisboeta. Smith chegou a fazer uma
referência especial aos estilos de André Soares e Antônio Francisco Lisboa, e eu chamaria a
atenção para a simpatia fantástica desses elementos, as asas, presentes nas talhas de Vilaça
em Tibães e Aleijadinho em Vila Rica; e acrescentaria, a título de curiosidade e sem pretensão
de novidade, outra ornamentação muito semelhante no ofício dos escultores. São dois pares
atlantes muito parecidos na invenção, na disposição e na feição que ambos zeram para as
impostas dos arcos dos coros de duas igrejas: Aleijadinho na capela terceira carmelita em
Sabará, e Vilaça na Igreja de Santa Maria, em Pombeiro, Portugal. As guras dialogam por si
(FIG. 47 e 48).
100
Robert Smith indicou a “livraria” de Vilaça, destacando-se o italiano Andrea Pozzo, entre os tratados
franceses: de Blondel, Architecture françoise, De la distribution des maisons de plaisance, Livre nouve-
au ou Regles des cinque ordres d’architecture antique; de Abraham Bosse, Traitè des manieres de des-
siner les ordres d’architecture antique em toutes leurs parties. De Andrea Pozzo, o famoso Perspectiva
pictorum et architectorum. Roma 1717, 2 vols.; D’Aviler, Cours d’architecture qui comprend les ordres
de vignole; de Briseux, l’Art de Batir, e nalmente Jombert, Architecture moderne. Cf. SMITH. Frei José
de Santo Antonio Ferreira Vilaça escultor beneditino do século XVIII. Lisboa: Fundação Gulbenkian,
1972. p. 28. (BNP Cota B. A. 1285 A.). Vilaça, ainda segundo Smith, teria preparado junto com o Fr.
Francisco de S. José a tradução dos dois livros de Pozzo. Idem, Ibidem, p. 64. Parte do livro traduzido
se pode pesquisar na Biblioteca Nacional de Lisboa: POZZO, Andrea. Este Livro de Prespectiva, e
tambem de Architetura de Andre Poso Relegiozo da Companhia de Jezus e sam dous belumes de folio
grande feito em Latim, e Italiano; e agora vertido, ou traduzido em Portugues pelo P. P. Fr. Franc.co de
Sam Jozé, de Pibidem. Pera me aproveitar da sua Lição me vali do dito P. asima mensionado, (BNP
Cota. FNR 945). Para a talha, Smith indicou as principais fontes de Fr. Vilaça: Irmaos Glauber, Haber-
mann, Meissonier, Watteau, e novamente Brisseux. Cf. SMITH, op cit., p. 246.
101
O historiador Flávio Gonçalves chamou a atenção pra a semelhança da talha riscada por Vilaça para
os janelões da capela-mor de Tibães, e também do retábulo-mor de Nossa Senhora dos remédios, em
Lamego, com as gravuras setecentistas de Augsburgo. Cf. GONÇALVES, Flávio. Um século de arqui-
tetura e talha no noroeste de Portugal. Separata do Boletim Cultural” da Câmara Municipal do Porto.
Vol. XXXII, fascs. 1-2, Porto. 1969, p. 25.
102
Cf. SMITH, Robert. A talha em Portugal. Lisboa: Livros Horizonte, 1963, p. 8.
352
Figura 45 Detalhe das asas nos brasões ale-
góricos, Vila Rica
Figura 46 Asas na moldura dos janelões da cape-
la-mor da Igreja de São Martinho do Mosteiro Bene-
ditino de Tibães, Braga, Portugal
Figura 47 Atlante do Aleijadinho no arco do
coro da Capela do Carmo de Sabará
Figura 48 – Atlante de Frei Vilaça no arco do coro
da Igreja de Santa Maria do Pombeiro, Portugal.
Fonte: SMITH, Robert. André Soares
353
Acima dos brasões, reina entre anjos coroa-
da a Senhora e, pouco mais acima, no meda-
lhão do óculo cegado, o baixo-relevo do Santo
a receber os estigmas da paixão. Tópicas da
majestade católica e absolutista, duas coroas
fazem a articulação dos três conjuntos. Entre
os brasões e o medalhão da Senhora, uma
coroa de espinhos, que remete tanto à paixão
quanto ao decoro penitente dos franciscanos,
ornato muito costumeiro nas fachadas da Or-
dem terceira, como em São João del Rei, Pon-
te de Lima ou Viana do Castelo, essas duas na
região do Minho, Portugal. Acima dele, dentro
já do medalhão da Senhora sobrepondo-se às
suas vestes, outro sinal franciscano, o talvez
mais conhecido: os braços entrecruzados do
Cristo e do Santo, estigmatizados (FIG. 49).
No sacrário de Vila Rica, e também na portada
da capela de São João del Rei, uma suti-
leza capaz de condensar numa represen-
tação os ornatos que comumente necessitam
de dois suportes, ou duas imagens: o brasão
das cinco chagas e os braços cruzados do
Santo e do Cristo. Assim, tanto no medalhão
de São João, disposto no mesmo lugar do de
Vila Rica, como no sacrário desta, além dos
braços cruzados costumeiros, há também dois
pés estigmatizados, conformando um “X” com
aqueles, e no centro de tudo um coração
também estigmatizado, completando as cinco
chagas (FIG. 50).
Figura 49 Detalhe do Brasão da portada da
Capela de São Francisco, com destaque para a
cruz de espinhos e os braços entrecruzados do
Cristo e do Santo
Figura 50 Detalhe ornamental da porta do sa-
crário da Capela de São Francisco de Assis, Vila
Rica, com destaque para engenhosa represen-
tação dos estigmas
354
Voltando à portada de Vila Rica, perpassa a composição uma ta ornada com escritos latinos
pertencentes às meditações para um dos três tipos de Mistérios de Maria (Gozosos, Doloro-
sos, Gloriosos). O trecho latino pertence como seria decoroso esperar para a ornamentação
da Virgem coroada ao quinto e último dos Mistérios gloriosos, justamente aquele relativo à
coroação de Maria no céu. A matéria da “argúcia heróica”
103
ainda remete à circunstância con-
troversa com os protestantes, muito comentada por Emile Mâle na arte dita pós-tridentina
104
,
pois não é senão à própria Virgem que se pede virtude e coragem na batalha contra os seus
inimigos:
DIGNARE ME LAUDARE TE VIRGO SACRATA
DA MIHI VIRTUTEM CONTRA HOSTES TUOS
Julga digno louvar-te, Virgem Sagrada
Dá-me força contra os teus inimigos
A arquitetura que emoldura o teatro alegórico da portada dignica-a em novidade e ornato,
correspondendo bem ao caráter da representação teológica. A correspondência de caráter
está na base do decoro da arquitetura, também em Vitrúvio, quando ao denir o conceito cita
os gêneros de coluna adequados a esta ou aquela divindade; ou na denição em chave
cristã, para o preceito, como se lê nas emulações de Serlio e Matheus do Couto.
Pelo que se depreende das condições, as proporções e elementos caram denidos no risco
inicial da obra; assim como grande parte, ou praticamente a totalidade, dos ornatos que a
compõem. O conjunto da fachada é emoldurado em seus limites pelas duas torres cilíndricas,
enquanto o corpo mais avançado do frontispício delineia-se com duas colunas de cantaria cir-
cular a ¾ de seção livre para fora das pilastras faceadas também de cantaria que as amparam
por detrás (e é por isso, então, que as colunas são denominadas “contrapilastras”, no docu-
mento) (FIG. 51). As seções circulares, tanto das torres como das colunas, conferem graça ao
conjunto, para além do fato de corresponderem, entre si, na gura e na função ordenadora do
103
Ao analisar os elementos retóricos da igreja, baseado sobretudo na leitura do tratado de Tesauro,
Paulo dos Anjos demonstrou como o conjunto escultórico da portada encarna uma argúcia heróica,
uma empresa que condensa aspectos religiosos do louvor católico. Cf. ANJOS, Paulo Versiani dos.
Metáfora de Pedra, p. 37 et seq.
104
MÂLE, Emile. El arte religioso de la contrareforma, sobretudo o capítulo II. El arte y el protestantismo,
p. 33-102.
355
corpo. A correspondência ultrapassa a imita-
ção da forma, pois está também na sutileza da
geometria, dado que ambas, torres e colunas,
estão giradas em relação ao plano da fachada
em 45°. No corpo avançado do frontispício, o
giro nasce dos pedestais e prossegue até os
majestosos fragmentos de frontão que aco-
modam a empena do acrotério, elementos de
notória evidência na elocução da fábrica (FIG.
52). Além de tornar maravilhosa a forma, esse
giro cria também um efeito teatral amplicado
de abertura e total exposição do conjunto es-
cultórico da portada, o que hierarquicamente
ressalta no discurso teológico desempenhado
pelo frontispício. No conjunto geral, o giro das
torres pronuncia para o seu primeiro plano as
pilastras, fazendo com que duas, e não uma,
janelas sineiras (os “óculos” da torre sineira,
no documento) se apresentem em perspecti-
va. Até mesmo as pirâmides, ou pináculos, que
arrematam nas grimpas o elemento, concorda-
ram com o giro, apresentando suas quinas de
frente ao conjunto, em correspondência visual
à linha vertical das pilastras
105
. O giro das torres
também corresponde, assim, ao movimento
cenográco da parte frontal que expõe o encô-
mio teológico que mais interessa, articulando
todas as peças da composição no artifício elo-
qüente da encenação arquitetônica. Em plan-
ta, a articulação entre o plano do frontispício e
as torres se efetiva através de duas paredes
côncavas que acomodam em sua base uma
105
Selma Miranda chamou a atenção para o giro das torres, sem salientar, contudo, essas relações. Cf.
MIRANDA, Selma Mello. Nos bastidores da arquitetura do ouro; aspectos da produção da arquitetura
religiosa no século XVIII em Minas Gerais, 2008. (Texto inédito gentilmente cedido pela autora).
Figura 51 – Detalhe de coluna do frontispício em
cantaria de itacolomy
Figura 52 – Vista frontal do frontispício
356
porta cega. Acima delas, correspondem duas janelas-sacada em imitação às frontais, todas
para iluminação do coro, arrematadas em verga de cantaria do tipo canga-de-boi (FIG. 53).
Articioso é também o modo com que as pe-
ças estão articuladas entre si, evidenciando
a consideração de um dos mais importantes
preceitos formais do período a ligação entre
as peças. que se notar, aqui, a qualidade
das pilastras no desempenho dessa virtude.
Até mesmo o giro contribui para a continuidade
visual dessas importantes peças da arquitetu-
ra, defrontando-as com o espectador. A conti-
nuidade das pilastras nasce com os pedestais,
perpassa a linha delicada da arquitrave – que,
a propósito também dessa continuidade virtu-
osa, percorre horizontalmente toda a extensão
da fábrica: frontispício e óculo, interceptando-o
e recobrindo-o acima do terço inferior, torres,
nave e corpo da capela-mor –, passa pela pro-
eminente cimalha real e corpo das torres até
alcançar as abóbadas e pináculos das grimpas, quando então a face dessas pilastras se
transforma numa jocosa ta ondulante, o único elemento vertical ngido em cal no conjunto,
pois o demais, estrutural ou aparente, é cantaria (FIG. 37). A ta das abóbadas diminui de
seção ao aproximar-se dos pináculos, para corresponder à proporção desses e também ao
gradativo afunilamento da abóbada; assim como, mais abaixo, na transição do corpo da pare-
de para o telhado, a base das pilastras das torres acima da cimalha real tem a sua largura au-
mentada gradativamente a m de corresponder e articular-se bem ao alargamento do ressalto
da cornija (que lhe acomete em todas as partes: meios-bocéis, letes e corona), logo acima do
capitel. A continuidade confere efeitos de coesão e continuidade ao corpo do edifício, virtude
ressaltada tanto para segurança do corpo como para evidenciar a perfeição da fábrica. Temos
visto diligências semelhantes nas outras igrejas, o que evidencia um costume articioso com
valor de preceito, certamente aplaudido pela recepção discreta colonial no discernimento des-
sas sutilezas da arquitetura.
Figura 53 Vista lateral das paredes côncavas
que fazem articulação entre as torres e o fron-
tispício
357
Para valorizar ainda mais a saliência das volu-
tas nos capitéis “jônicos”, em todos eles houve-
se fazer a sua inclinação em 45°. O efeito foi
salientado em qualquer ocasião do gênero: nas
pilastras o artifício visava ressalvar e conferir
distinção aos capitéis em relação à massa da
parede; nas colunas, o artifício coadunava-se
ao giro em 45º das colunas e das torres (FIG.
54 e 55). O preceito sempre foi recomendado à
ornamentação de colunas ou pilares de canto,
em que o artifício adequava numa peça a
aparência da voluta à visão de ambas as fron-
talidades (FIG. 56)
106
. Nos cunhais – encontros
entre torres e paredes –, uma diculdade de
geometria obrigou o engenho a aguçar o ân-
gulo interno entre os ábacos (como também
vimos no pé-direito interno da igreja do Pilar,
no encontro entre faces do polígono), criando
também o efeito falso de duplicidade de pilas-
tras (FIG. 57); nas colunas do frontispício, o ar-
tifício obteve o efeito de evidenciar três, e não
duas volutas, como usual, a da frente em plano de topo (FIG. 58).
Como disse, os capitéis dessas colunas e pilastras emulam a ordem jônica. Possuem a altura
costumeira de meio módulo, ou seja, metade da grossura da coluna em seu terço inferior, sem
contar o segundo astragalo (lete horizontal logo abaixo do capitel propriamente dito que não
aparece na descrição de Vitrúvio, tampouco na dos modernos, mas que está presente em São
Francisco). O novo elemento está disposto na altura onde usualmente ndam caneluras na
coluna jônica, quando as têm. Astragalos livres, como esses, logo abaixo do capitel, são co-
muns nas ordens toscana e dórica. Nas ordens coríntia e compósita, é do astragalo que nasce
a primeira faixa de folhas de acanto, de modo que se integra formalmente ao capitel. Exa-
minando a ordenação do preceito, verica-se que as proporções da coluna também variam
106
Cf., por exemplo, <http://www.unav.es/ha/003-ORDE/capiteles-jonicos/jonico-4-caras-004.jpg>.
Acesso em: 23 ago. 2008
Figura 54 Detalhe de capitel de pilastras na
torre sineira
Figura 55 – Detalhe do frontispício
358
da regra e do costume. Tomando-se o módulo
no terço inferior, que é de diâmetro uniforme, a
altura do fuste, sem contar o capitel e também
a base (composta em soco, lete, ou nacela,
escócia, toro e lete), acima do pedestal, to-
taliza dez grossuras inteiras. A Ordem jônica
teve sua maior difusão em oito ou em até nove
grossuras
107
, contando-se, assim, a base e o
capitel com meia grossura de altura cada. Se
contássemos, em São Francisco, a base e o
capitel, a coluna totalizaria 11 grossuras. Além
107
Matheus do Couto recomenda 8 grossuras para a coluna jônica, contando-se base e capitel. Autoriza
nove na intenção de tornar inteira a contagem de grossuras na indicação de Vitrúvio, que era de 8 ½
grossuras: “Esta coluna Jonica, por Regra geral, se fará de 8 grossuras, cõ sua baza, e Capitel, posto
q’ Vitr.º quer q’ seja de 8 ½ e havendo de ser, antes seja de 9”. Cf. MATHEUS DO COUTO. Tratado de
Architectura, L. I, Cap. 10, “Da Ordem Ionica”, p. 15.
Figura 56 Capitel jônico, Scamozzi. Fonte: http://
www.unav.es/ha/003-ORDE/partes-capiteles-joni-
co.htm
Figura 57 – Detalhe de capitéis nas engras
Figura 58 Detalhe de capitel e entablamento
nas colunas do frontispício
359
da amplicação do elemento e do próprio frontispício, o efeito é uma maior elegância da
coluna, asseada ainda mais pela invenção de um delicado lete que enlaça todo o diâmetro
no terço inferior da peça (FIG. 51 e 53). Para além do ornato, o elemento deveria informar
à recepção o ponto onde começa a ocorrer a contratura, estreitamento gradativo da seção
do fuste até o capitel. O artifício é visível na capela de Vila Rica. Os preceitos da arquitetura
permanecem valendo, modelo autorizado, mas essas eleições e artifícios engenhosos nos
evidenciam que o estabelecimento de correspondências entre as partes predomina na con-
formação do todo.
Com igual efeito, as volutas são bastante proeminentes nas colunas, com alguma semelhan-
ça ao desempenho de Scamozzi, embora um pouco mais proeminentes do que sugere o
desenho italiano (FIG. 56). Nas pilastras, a proeminência ca por conta apenas do desenho
característico do capitel. Naquelas, entretanto, as volutas saltam para fora do fuste corpo-e-
meio de seu diâmetro nal; isso porque seus “olhos” nome que se ao lugar dos centros
geradores dos vários segmentos de arco que as compõem – estão cerca de um diâmetro de
distância da face das colunas. O ábaco em si é também proeminente, pois acompanha e re-
cobre coerentemente as volutas. Assim como consagrado pelos tratados, o olho das volutas
deveria estar praticamente no alinhamento da face da coluna (linha chamada “cateta”), de
modo que os enrolamentos das volutas interceptassem parte do equino, o colarinho ornado
de óvulos, e também a superfície curva da coluna (FIG.
59). Nas colunas frontais da capela de Vila Rica, entre-
tanto, as volutas cam livres, protuberantes, suspensas
sob o ábaco (FIG. 58). O efeito criado na emulação é
uma evidenciação mais notável das volutas e, portan-
to, da principal característica da Ordem. Talvez o artifí-
cio tenha sido aplicado para ressaltar mais eloqüente o
caráter gracioso da coluna e de todo conjunto arquite-
tônico, por ela emoldurado, e a agudeza encontra o
seu decoro. Cristianizada, desde Serlio a seguir por seus
imitadores, como Matheus do Couto, a ordem jônica foi
recomendada para templos devotados, quando a santas
mulheres, às “Matronas”, esposas e mães exemplares,
e quando a homens santos, aqueles que tiveram, nos
Figura 59 – Detalhe de capitel jônico,
Vignola. Fonte: http://www.unav.es/
ha/009-TRAT/vignola-regole.htm
360
termos de Matheus do Couto, “vida robusta, e branda”
108
. A capela franciscana foi ocialmente
dedicada a Nossa Senhora dos Anjos, como anuncia a pintura do forro na nave e sua rica
variedade ornamental. A devoção é titular dos franciscanos, exemplar na primeira ermida
da Porciúncula, a ela dedicada. Assim, em Vila Rica, não poderia haver gênero de arquitetura
mais conveniente, pois contemplada a Senhora, Mãe de Deus, contemplado o Santo, patriar-
ca da Ordem, que apesar de amoroso e brando no caráter, robusteceu a vida na humildade,
na pobreza e na penitência, a Ordem jônica corresponde ainda à graça das proporções e da
decoração do edifício. Enquanto a robusteza e a severidade penitente dominam a iconograa
pintada ou esculpida, afetando a memória e a moral do espectador franciscano com exemplos
de edicação cristã condensados nas várias representações da penitência e do desengano
dispostas pela igreja, a graça e a dignidade do gênero preceituam todo o arranjo arquitetô-
nico, estimulando correspondência de formas e proporções, sutileza de artifícios e ornatos.
Essa comunhão de caracteres é mais uma virtude dessa arquitetura, pois aproxima várias
formas e conceitos pertinentes à história franciscana na formosura ecaz de um gênero de
coluna emulado. Se alguns aspectos da vida do Santo e da Ordem franciscana apresentam,
para estudiosos
109
, ambigüidades e ambivalências desde as primeiras biograas, na Capela
de Vila Rica, em vez de ecoar incongruências aparentes, esses mesmos aspectos oportuni-
zaram decorosas agudezas.
Estudiosos da arquitetura elogiam bastante uma dita “originalidade” da fachada de São Fran-
cisco a partir de categorias modernas da arte, como o jogo ou a movimentação “barroca” dos
planos e volumes e também uma tal “evolução” do risco. Ao fazê-lo, salientam com prioridade
o “recuo” do volume cilíndrico das torres em relação ao frontispício; interpretação que, a meu
ver, inverte a hierarquia do corpo arquitetônico assim como foi pensado naquele tempo.
A questão do “recuo” das torres cilíndricas se tornou quase um mito, como outros problemas
que envolvem a arte do país no século XVIII, sobretudo quando há atribuições ao Aleijadinho.
Contribuiu para a polêmica a presença de torres cilíndricas também na engenhosa capela do
Rosário, de Vila Rica, o que estimulou pesquisadores a tentarem encontrar obras anteceden-
tes, em Portugal ou mesmo fora, que tivessem torres cilíndricas ou poligonais recuadas, ou
ainda elementos que indicassem uma pretensa “evolução” do risco até chegar ao esplendor
da São Francisco de Assis. Assim, John Bury chamou atenção para a Igreja de São João de
108
MATHEUS DO COUTO, Tractado de Architectura, L. I, Cap. 10, “Da Ordem Ionica”, . 14-15.
109
Cf. LE GOFF, op. cit., p. 48-49; 62 et seq.
361
Latrão, em Valladolid (FIG. 60), e também para a
igreja de Nossa Senhora da Consolação e Santos
Passos, em Guimarães (FIG. 61), e foi seguido na
interpretação por outros estudiosos como Augus-
to da Silva Teles
110
; exemplos que, apesar de pos-
suírem torres ou circulares ou posicionadas atrás
dos frontispícios, distanciam-nos da idéia, creio
eu, das doutrinas vigentes e dos efeitos priorita-
riamente considerados para aquela arquitetura.
Ademais, os exemplos aludidos diferem muito da
idéia, da aparência e do caráter da Capela de São
Francisco em Vila Rica. Bury chegou a dizer que
as torres de seção circular eram praticamente ine-
xistentes em Portugal, e uma “originalidade” das
Minas. Mas a invenção era, sim, conhecida em
Portugal. Na Torre do Tombo, se conserva uma
planta feita pelo mesmo Arquiteto das Ordens Mi-
litares, Rodrigo Franco, para a Igreja de Nossa
Senhora do Socorro, Arcebispado da Bahia, em
que as torres sineiras possuem “gura redonda”
(FIG. 62), para usar a própria expressão do ar-
quiteto.
Seria muito proveitoso tentar entender a novida-
de e a maravilha desse frontispício a partir dos
vários aspectos do discurso arquitetônico nela
desempenhado, o que tenho tentado demonstrar:
adequações ao costume, variação e emulação
de modelos, agudezas do engenho construtivo e
inventivo, sutilezas de desenho, estabelecimento
de correspondências formais e proporcionais -
110
BURY, John. Igrejas Borromínicas do Brasil colonial. In: ___. Arquitetura e arte no Brasil colonial.
Organização de Myriam Andrade Ribeiro de Oliveira. Traduçao de Isa Mara Lando. São Paulo: Nobel,
1991, p. 103-135; cf. também TELES, Augusto Carlos da Silva. As igrejas borromínicas. In: MENDES,
Nancy Maria (Org.). O barroco mineiro em textos. Belo Horizonte: Autêntica, 2002, p. 108-113.
Figura 60 Igreja de São João de Latrão,
Valladolid, Espanha. Fonte: <http://ickr.com/
photos/pedroarroyo/221064349/>
Figura 61 Igreja de Nossa Senhora da Con-
solação e Santos Passos, Guimarães
362
rias, articulação e continuidade entre as
partes etc. Integrados a essa compreen-
são fundamentada em preceitos coevos,
seríamos levados a ajuizar não sobre o
recuo das torres, mas sim sobre o avanço
teatral do frontispício, que é a parte efeti-
vamente mais importante do corpo exter-
no da capela. É no frontispício que estão
acomodados os principais elementos do
discurso teológico-retórico dessa arqui-
tetura, a única parte a receber alegorias
e imagens, como preconizava Borromeu,
e que, em Vila Rica, conta com um con-
junto escultórico tornado supostamente
ainda mais eloqüente pelo novo risco da portada. Lembremo-nos de que os novos efeitos do
frontispício foram justicados justamente por um novo risco e uma reedicação da portada,
evidente no rigor de suas novas condições. A modicação, que implicava altas despesas, con-
tribui ainda mais para o argumento que pretende compreender a fábrica a partir não do recuo
volumétrico de elementos formais, conquanto importantíssimos, mas da valorização hierárqui-
ca de uma parte inteira, o frontispício, que é extremamente discursivo, e avançado. Ademais,
o fato de a fachada frontal ser proeminente em relação às torres cria um efeito cenográco
de amplicação da portada escultórica e seus ornatos, pois esses cam colocados adiante o
palco de um frontispício aparentemente mais formoso e elegante, que parece pertencer, esse
é outro ponto importante, a um tipo bastante imitado por capelas terceiras franciscanas no
norte de Portugal, donde vieram vários emigrantes e artíces para Minas Gerais. Se isolarmos
o frontispício avançado da São Francisco de Vila Rica, como se pode ver na simulação abaixo
(FIG. 63), e compararmo-lo aos frontispícios de várias capelas franciscanas, e também de
outros oragos, pois a imitação obviamente era estimulada, mas não restrita, à liação devocio-
nal, veremos como alguns elementos e proporções notabilizam simpatias: a relação propor-
cional entre largura e altura do frontispício, os cunhais arrematados por valentes fragmentos
de frontão, eventualmente girados em relação ao plano da fachada, empenas sinuosas e
acrotérios monumentais culminados em pares de pináculos.
Esse tipo de frontispício pressupunha uma espécie de pórtico arquitetônico de colunas ou
pilastras, cujas proporções e ornatos lembram muito a graciosidade jônica encenada em Vila
Figura 62 “Alçado Extrior dehum lado da IgrdeN.
SrdoSocorro do Sertão debaixo no Arcebispado da
Baya no qual se mostra hua das portaz travessas, ja-
nellaz q dão Luz à Igr.ª, Lado Extrior daCapella Mor,
Sanchrestia, evista da Torre de Figura Redonda na
forma daplanta”. Risco do Arquiteto das Ordens Mi-
litares, Rodrigo Franco. Fonte: ANTT, PT-TT-MR/1/9
363
Rica. Compõem o inventário consagrado ao tipo frontispícios de capelas como as das ordens
terceiras franciscanas de Guimarães
111
e de Viana do Castelo, ou a capela de Santo Antônio
(devoção franciscana), em Ponte de Lima
112
, ou a igreja de São Lázaro, na cidade do Porto
(FIG. 63-68). Todas conservam um caráter, proporção e elementos nitidamente simpáticos.
111
A ordem terceira foi fundada em Guimarães em 1427. O pagamento da “pedraria” da obra de arquite-
tura foi feito em 6 de julho de 1753, com o risco que lá está, alguns anos, portanto, anteriores ao risco
de Vila Rica. Em 4 de julho de 1770, notícias de reforma da portada, abrindo-se “uns óculos sobre a
cornija”. Esta foi terminada em 19 de maio de 1774, entregue ao mestre Pedro Lourenço. FARIA, João
Lopes de Faria. Velharias da Irmandade de S. Pedro e das ordens terceiras, v. II, f. 222-226v., apud
TEIXEIRA, Fernando José. Convento de S. Francisco, Guimarães. [S.l.; s.n], 2000, p. 29. (BNP, Cota
B. A. 19819 V.).
112
É de se notar a semelhança do arremate da torre sineira desta igreja em Ponte de Lima com os que
arrematam a matriz de Nossa Senhora da Conceição de Catas Altas.
Figura 63 Simulação do frontispício avançado da Capela de São
Francisco, sem as torres. (Computação gráca de Robson Godinho)
364
Em Vila Rica, somente o frontispício avançado participa do tipo, que, pode-se perceber, não
possui comumente as torres laterais. Estas são costume bastante consagrado na colônia,
notavelmente em Minas Gerais, e se pode supor, então, verossimilmente, que o arranjo enge-
nhoso do risco tenha feito a adequação de duas tópicas ou tipos consagrados (do frontispício
e também das torres), condensando conceitos apropriados de arquitetura numa só composi-
ção efetivamente maravilhosa para os coetâneos
113
(FIG. 37). Assim, além das tantas virtudes
comentadas para a capela de São Francisco, a adequação do tipo ao costume arquitetônico
do lugar revigora a capela franciscana com um dos exemplos efetivamente mais notáveis de
engenhosidade produzidos por aqui; invenção que ao mesmo tempo considera a decência, a
ordem teológico-política e o costume, reinventando-os na oportuna variação das tópicas e das
regras, tudo em prol da novidade e da maravilha do teatro arquitetônico.
Um arranjo semelhante havia sido experimentado antes em Vila Rica, e, de algum modo,
que se reconhecer que Germain Bazin tinha razão ao tocar na importância da Capela de San-
ta Egênia do alto da Cruz para a invenção do risco em São Francisco (FIG. 68 e 68A). Dis-
cordo de Bazin em relação à hipótese de uma “evolução” da arquitetura mineira que passaria
por Santa Egênia até explodir sumamente em São Francisco. A mesma idéia de evolução
aparece nos estudos dos tipos de fachada de igrejas em Minas Gerais, de Paulo Santos
114
,
Sylvio de Vasconcellos
115
e outros. Mas há que se notar, e a identicação do tipo de frontispí-
cios pode contribuir no aperfeiçoamento da tese, que há, em Santa Egênia, um avanço da
parte central do corpo da fachada. A rigor, esse avanço central aparece em Vila Rica outras
vezes, na Capela terceira do Carmo mesma, que inclusive é ondulada para a frente a m
de acentuar também o efeito escultórico da portada escultórica
116
. Além disso, o que admira
113
Sem desenvolver a tese que defendo, Paulo Santos já havia chamado a atenção para o fato de que,
em geral, “o frontispício das Igrejas [de Minas Gerais] – reduzido às suas linhas essenciais – se asse-
melha ao do tipo mais característico de capela com acréscimo de duas tôrres, uma de cada lado”. Cf.
SANTOS, Subsídios para o estudo da arquitetura religiosa em Ouro Preto, p. 161.
114
A evolução defendida por SANTOS, op. cit, p. 170, ainda ia mais longe, representando o que ele
chamou de um “nascimento” da arquitetura brasileira, “em oposição à arquitetura portuguesa do Brasil”.
Com os frontispícios de São Francisco e Carmo de Vila Rica, acrescenta, “quebram-se denitivamente
os tênues os que ainda prendiam a arquitetura sacra de Minas à da Metrópole”. Para Santos, Santa
Egênia também seria um elo importante na “evolução” dos frontispícios. Cf. Idem, Ibidem, p. 166-167.
115
VASCONCELLOS, Sylvio de. Arquitetura religiosa. In: ___. Arquitetura, dois estudos. Goiânia: MEC/
SESU/PIMEG-ARQ/UCG, 1983, p. 45-61.
116
No capítulo anterior, eu chamei a atenção para o artifício, salientando que no Carmo, sim, houve
um “recolhimento” das torres, porque modicava todo o risco inicial. O termo “recolhimento” aparece
inclusive nos documentos do Carmo, diferentemente do que acontece em São Francisco, que teve a
disposição avançada do frontispício desde o primeiro risco.
365
Figura 63 – Simulação do frontispício
avançado da Capela de São Francis-
co, sem as torres
Figura 64 – Capela da Ordem Tercei-
ra de São Francisco de Assis, Viana
do Castelo, Portugal
Figura 65 – Capela da Ordem Tercei-
ra de São Francisco de Assis, Guima-
rães, Portugal
Figura 66 – Igreja conventual de São
Francisco de Assis, Viana do Castelo,
Portugal
Figura 67 – Igreja de São Lázaro,
Porto, Portugal
Figura 68 Frontispício avançado da Capela
de Santa Egênia do alto da Cruz, Vila Rica.
(Computação gráca de Robson Godinho)
366
mais, entre Santa Egênia e São Francisco, é principalmente a disposição de proporções e
elementos muito semelhantes aos que temos referido, em São Francisco e no tipo imitado em
Portugal: a eurritmia ou as belas proporções do corpo, portada com imagem(ns) decentemen-
te ornada(s), fragmentos de frontão sinuoso com faixas de enrolamentos em sentido inver-
tido, cimalha real com arco envolvente ao óculo, janelas laterais no coro, arredondamentos
nos cunhais das torres sineiras e até mesmo as pilastras com capitéis que emulam a ordem
jônica. A Capela de Santa Egênia estava em construção desde 1723, quando a irmandade
do Rosário resolveu edicar uma capela de pedra em substituição à de taipa que existia no
mesmo sítio
117
. O risco de São Francisco foi arrematado em 1766, e no início da década
de 1760 a Capela de Santa Egênia deveria estar praticamente perfeita, pois há pagamentos
para o “conserto das torres” em 1762. Assim, a emulação do risco pode ter partido até mes-
mo diretamente de Santa Egênia, que também autorizava o costume do tipo comentado em
Portugal, acrescido das torres.
4.4 Teatro da penitência e do desengano
As advertências pastorais analisadas no início do capítulo nos remetem ao lugar-comum teo-
lógico do desengano pelas vaidades do mundo
118
. O tema era recorrente nos séculos XVII e
XVIII
119
, desempenhado em iconograa muito imitada nas imagens, igrejas e capelas francis-
canas, notadamente na de Vila Rica.
Tópicas muito difundidas da moral cristã, as iconograas remitentes à vanitas vanitatum
120
117
Cf. SOUZA. Guia dos bens tombados de Minas Gerais, p. 255-256.
118
Oportuno repetir o trecho da pastoral: “Se nos actos exteriores, se nas solemnidades do Culto divino
fazem VV. CC. taõ pompoza ostentaçaõ de adoradores do Deus crucicado, sena sua generosa reso-
lução de vestirem o humilde, o santo habito da 3.ª Ordem da Penitencia do nosso Seraco pai daõ hum
publico testemunho de Sectarios da mortecação, do abatimento, de desprezadores das vaidades do
mundo, não será coisa bem digna de riso (melhor disséramos de amargosas lágrimas) se a dicipação
[dissipação] em seus gestos, se a immodéstia em seus vestidos, se a profanidade das suas conver-
saçoens nesses mesmos actos e festividades de Religioso culto os zerem conhecer por homens de
pouca fé, por homens que não adoram ao Snr”. CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 65,
vol. 154, . 114v. “Pastoral do Min.° Prov.ªl do Rio de Janeiro. Fr. Joaquim de Jezus Maria […]”. (1796).
119
Cf. SEBASTIÁN LÒPEZ, Santiago. El triunfo de la muerte. In: ___. Contrarreforma y barroco, p.
61-92; CREMADES CHECA, Fernando, MIGUEL MORÁN, José. El sentido barroco de la muerte. In:
___. El barroco, p. 244-251; MÂLE, Emile. La muerte. In:___. El arte religioso de la contrarreforma, p.
199-222.
120
A expressão corresponde aos primeiros versos do livro do Eclesiastes: “Vaidade das vaidades. [Tudo
é vaidade]”, I, 1. Como se no Dicionário de sentenças latinas e gregas, o conceito implícito na ex-
pressão vanitas vanitatum encontra liação na “cultura mesopotâmica, o de que qualquer ação humana
é absolutamente vã e inútil”. Prossegue: Vanitas vanitatum é, pois, a transposição de uma expressão
367
proporcionavam referência especial à memória exemplar da conversão do Santo, ocorrida em
1206, e sobretudo ao caráter virtuoso de sua vida humilde e penitente, caracterizada pela po-
breza e pela negação de toda e qualquer vaidade. Mas a penitência não possuía um m em si
mesma. Para Francisco, interessava nela a causa de um aperfeiçoamento espiritual, o maior
dos prêmios da abnegação, da disciplina e da morticação. No caso especial do patriarca, um
ícone da perfeição, a penitência era capaz de conduzi-lo diretamente ao milagre, como na-
quele episódio em que o santo, alvo de uma tentação, se atirou sobre um arbusto de espinhos
a m de se libertar com a pena. Surpreendeu-se deitado em ores, envolto a um suave aroma
divino. Aspectos como esse foram bastante exaltados nas biograas do Santo, nos escritos
de Tomas de Celano ou São Boaventura, ou na famosa Legenda Aurea, de Jacoppo de Va-
hebraica com valor superlativo (signica, portanto, ‘imensa vaidade’, como traduz P. Sacchi, Qoelet,
Torino 1986, 112)”. O dicionário comenta a apropriação de semelhante sentido nas línguas neolatinas,
mas não cita a consagração da expressão como alma de emblemas da iconograa católica. Cf. TOSI,
Renzo. Dicionário de sentenças latinas e gregas. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. São Paulo:
Martins Fontes, 1996. Vanitas vanitatum, p. 243. Para a iconograa católica, cf. as referências da nota
anterior.
Figura 68A – Frontispício integral da Capela de Santa Egênia do alto da Cruz, Vila Rica
368
razze
121
, ou ainda, pra se referir à circunstância portuguesa, na Crônica dos Frades Menores,
escrita por Frei Marcos de Lisboa em meados do século XVI
122
; aspectos decorosamente
assimilados na ornamentação de templos, quer na representação mesma das passagens
históricas, quer nas alegorias e emblemas. Outros santos franciscanos receberiam também
a recompensa milagrosa e extática da penitência. Além de receber o carisma dos milagres,
Santa Margarida de Cortona, por exemplo, que oportunamente está também representada em
pintura monumental na nave da capela, ao lado do coro, passou a ter experiências místicas
depois do desengano, tendo assimilado, a partir de então, uma vida de extrema morticação
e penitência.
Assim, na capela de Vila Rica, logo após transposta a portada, o espectador recebe o emble-
ma com a representação da vanitas, pintada por Ataíde no forro do nártex, lugar de passagem
entre a porta e a nave propriamente dita (FIG. 69). No centro da composição, suspende-se um
medalhão composto de concheados, volutas e rocailles, ornado em rosas e folhagens delica-
das nas extremidades. Ele introduz o espectador nos elementos consagrados pelo hábito de
se encenar a tópica. Arranjados sobre uma mesa, à guisa genérica de uma natureza-morta,
mas com um primor de acabamento adequado apenas à leitura docente da alegoria
123
– pois
em tela a pintura de gênero demandaria um asseio mais sutil de cromatismo e sombras, como
os bodegones de Josefa de Óbidos estão os elementos vários costumeiros (FIG. 70). Ao
centro deles, o atributo mais tradicional da tópica, via de regra contemplado pelo Santo e seus
irmãos: o crânio, coroado por um ramo de louros que parece ter se soltado de seu lado direito,
evidenciando a impermanência das honras e louvores adquiridos na vida mundana; a vela
que se apaga, como a vida, a ampulheta do tempo, tombada como efeito da morte, um alaúde
e partituras, na evidência do tempo nito e passadio, bem como da efemeridade dos prazeres
sensíveis, como o da música
124
, o retrato de uma planta em período outonal, desfolhada, um
121
Importante hagiograa escrita no nal do século XIII, ainda o século de Francisco, cuja numerosa
difusão nos primeiros tempos da imprensa se equiparou à da própria Bíblia.
122
Cf. as três partes das CHRONICAS DA ORDEM DOS FRADES MENORES do seraphico padre
Sam Francisco seu instituidor & primeiro ministro geral que se pode chamar Vitas patrum dos Menores
/ copilada & tomada dos antigos liuros & memoriaes da ordem per Frey Marcos de Lisboa frade menor
da prouincia de Portugal. Em Lisboa: per Antonio Ribeyro: a custa de Ioam de Espanha & Miguel de
Arenas, 1587.
123
Se na segunda metade do século XVIII o “juízo” deveria prevalecer sobre a “fantasia”, um efeito dis-
so era também o predomínio retórico do docere sobre o delectare. Cf. HANSEN, João Adolfo. Ilustração
católica, pastoral árcade & civilização, p. 43.
124
Na famosa tela de Carraci para Hércules na encruzilhada, o instrumento musical foi colocado ao lado
da opção pelo caminho vicioso, personicado por uma dama em trajes transparentes e insinuantes.
Nessas representações emblemáticas, a música e sua instrumentação denotam sentidos viciosos.
369
na composição do forro da nave da mesma capela de São Francisco, a música, instrumentos e partitu-
ras louvaram a Senhora que ascende ao céu, junto ao coro de anjos que cantam sua Majestade. Uma
evidência de que os atributos assumem sentidos derivados de suas circunstâncias de representação, e
devem por isso ser analisados segundo essas circunstâncias de assunto, posição etc.
Figura 69 Vanitas vanitatum, emblema pintado por Ataíde no forro do nártex da
Capela de São Francisco, Vila Rica
Figura 70 - Vanitas vanitatum, detalhe
370
vaso de ores, belas e frágeis, um canhão e a representação de seu projétil em meio à fumaça
no instante do disparo, evidência da efemeridade do poder temporal adquirido pela força; um
tinteiro, um livro fechado, sobre o qual repousa o crânio central, e uma pena com a qual, está
sugerido, se grafou a alma moralizante do emblema no papel que pende à fronte da mesa e
diante do espectador: Memento Mori (Lembra-te de que morrerás
125
). No coroamento do me-
dalhão, um anjo segura a ta que apresenta o título ou mote da alegoria: Vanitas vanitatum”.
Abaixo, na guração – e encoberto pelo tapavento de fatura bem posterior –, um epigrama o
desenvolve, tornando mais clara a nalidade do emblema: Quid quid agis/ prudenter agas,/
et respisce nem(Tudo aquilo que zeres, faze-o prudentemente, e visando a um m). Ou-
tros dois anjos portam elementos de fé e penitência (FIG. 71). O da direita traz nas mãos um
cilício e uma corrente, instrumentos de disciplina, penitência e morticação, o da esquerda
apresenta o rosário e o crânio
126
.
Além de ornamentarem várias representações dos santos penitentes, como as que veremos
adiante ao comentar as quatro grandes telas da nave, esses atributos comuns da alegoria
crânios, ampulhetas, cruzes, cilícios, agelos e correntes –, são portados por pequenos an-
125
Segundo Tosi, a “expressão é de origem medieval, provavelmente monástica (Walther 14632a, e
também 14631, Memento cita mors venit, ‘lembra-te de que a morte vem depressa’). Tosi adverte, po-
rém, de um trecho do Eclesiástico (38, 20): Memento novissimorum, “lembra-te dos últimos tempos”,
que além de remeter a um sentido semelhante, recorda a admoestação Divina a Adão e Eva por causa
da expulsão do Éden. Desta vez, Tosi comenta como a expressão se tornou um topos literário ou um
componente de cerimônias de coroações, a lembrar o coroado de que “a glória terrena está destinada
a desaparecer em breve”. Cf. TOSI, op. cit., Memento mori, p. 246-247.
126
Paulo Versiani dos Anjos chamou a atenção para o fato de que o anjo que segura os instrumentos de
morticação olha para baixo, enquanto o anjo da esquerda, que porta o crânio e o rosário, instrumentos
de meditação e oração, olha para cima, adequadamente. Cf. ANJOS. Metáfora de pedra, p. 41.
Figura 71 – Anjos que ladeiam o emblema da vanitas, com destaque para portarem atributos de peni-
tência
371
jos em todas as partes da capela. Além do
nártex, aparecem nas pinturas e no lavabo
da sacristia (já muito comentado por estu-
diosos), e também na barra da capela-mor,
pintada por Ataíde. Ainda vamos chegar ao
comentário deles, mas importa entender
aqui que a numerosa e persuasiva iteração
desses elementos é uma evidência bastan-
te eloqüente de que o edifício atua como um
teatro permanente da penitência e do de-
sengano, máquina articial a acomodar or-
natos característicos que, além de atualizar
a memória, proporcionam e amplicam as
disposições éticas e os afetos gerados pela
fé, pela penitência e pela virtuosa abnega-
ção material (FIG. 72).
Tópica do desengano, o emblema da vani-
tas atuava também como alegoria do primeiro estágio da vida cristã rumo à perfeição do en-
contro com Deus, m para o qual toda criatura humana foi concebida, a razão de ser do tem-
plo. Esse aprimoramento ético foi comentado em circunstâncias distintas, em especial no
juízo da perfeição carmelita, quando explorei algumas representações relativas aos modelos
mais autorizados deles, principalmente a alegoria de São João da Cruz: o Monte da perfeição.
Conforme a devoção, os modelos e tópicas mais adequados eram apropriados à recepção
dos irmãos terceiros; que os conheciam e também as nalidades de seu uso. As tópicas eram
acomodadas à memória partilhada pelo costume da irmandade, sempre comentada nas crô-
nicas da Ordem, nas hagiograas e na própria oralidade de clérigos, sermões, homilias etc.
A ecácia de sua recepção se aprimorava, pois, pela simpatia advinda de uma participação
essencialmente ética. Isso porque os modelos de perfeição atualizados pelas representações
artísticas eram eticamente adequados, alegorias, emblemas e representações de episódios
repletos de divisas morais e afetos igualmente decorosos.
A idéia da perfeição cristã e os caminhos para conquistá-la foram objeto de vários tratados
e escritos místicos. Sebastián comentou alguns deles, sintetizando com o jesuíta Hugo Her-
Figura 72 – Vanitas na Capela dos ossos, Igreja de
São Francisco de Assis, Évora, Portugal
372
mann a tópica dos três estágios ou as três vias da vida cristã
127
: Purgativa (ou Penitente),
Iluminativa e Unitiva. uma hierarquia entre elas, e a nalidade de toda perfeição cristã é
alcançar a suma “união com Deus”. Para além do sacramento excelso da Eucaristia, que a
simboliza liturgicamente, nesses tempos pós-tridentinos essa União foi representada em -
rias matérias e temas da iconograa: os êxtases de amor divino, as visões maravilhosas, os
arrebatamentos e as ascensões ao céu etc. Essas representações funcionavam como evidên-
cias da graça divina, manifestas em sinal irrefutável autorizado pela Bíblia ou pelo dogma
de que a santidade exemplar e a vida virtuosa compensavam aquele que se dispõe a imitar.
Uma digressão importante. Giulio Carlo Argan defendeu a retórica da arquitetura dita “barroca”
constituir um gênero demonstrativo. Concordo com o sentido de seus argumentos, mas acho
apropriado acrescentar que essas representações, sobretudo as que traziam por hipotipose a
eloqüência maravilhosa das cenas históricas e milagres, além de fazerem o elogio admirável
das virtudes santas, ou mesmo o vitupério dos vícios e outras deformações, funcionavam
para a retórica da arquitetura religiosa de um modo semelhante ao que, na retórica discursiva
de gênero judiciário, os sinais irrefutáveis (tekmérion) atestavam; argumentos muito ecazes
à persuasão das causas jurídicas. Se a retórica contra-reformista era também uma jurispru-
dência perspectivada sob a ótica controversa aos protestantes, penso ser pertinente compre-
ender essas encenações também por via do gênero retórico de caráter judiciário, inclusive
porque o faziam no estilo adequado da pompa exterior e do aparato, aspecto atacado pelos
reformados protestantes. E poderíamos ir mais longe, com Tesauro e Paulo dos Anjos. No
próprio caso da vanitas, em questão, por que não pensar no outro gênero denido pelos reto-
res latinos e modernos desde Aristóteles: o deliberativo? Anal, o discurso plástico-retórico da
vanitas estabelecia um juízo de tempo futuro, a morte, ou melhor, o julgamento após a morte,
para glória e certidão da qual se deveria convencer pela virtude, em vida
128
.
127
Cf. SEBASTIÁN LÓPEZ. Contrarreforma y barroco, p. 65 et seq. A famosa obra de Hugo Hermann,
Pia desideria, foi muito traduzida, em várias cidades e línguas, inclusive em português. Consiste numa
série de gravuras com emblemas da moral católica ordenados no esquema das “três idades da vida
interior”. Assim, nessas três partes concentram-se representações aptas a proporcionar os afetos de
dor e arrependimento (primeiro estágio), desejos de seguir Cristo (segundo), e ânsias de se unir a ele
(terceiro e último). A Biblioteca Nacional de Portugal possui uma 5.ª edição do Pia desideria, publicada
na Antuérpia (BNP Cota TR. 2632 P.)
128
Tesauro caracteriza os três gêneros de emblema, “que assimilam toda a matéria retórica”, demons-
trativo, deliberativo e judiciário. “Emblemas deliberativos são aqueles que aconselham fazer qualquer
coisa boa, ou desaconselham da contrária”. Cf. TESAURO. Il cannocchiale aristotelico, p. 703. Paulo
Versiani dos Anjos já havia comentado o gênero de emblemas, justamente no tratamento da vanitas de
São Francisco de Assis. Cf. ANJOS, Metáfora de pedra, p. 44. Aristóteles deniu os três gêneros em
sua Retórica. ARISTÓTELES, Retórica. Lisboa: Centro de Filosoa da Universidade de Lisboa; Impren-
sa Nacional-Casa da Moeda, 2005. 1, 3, 1358b, p. 104-106. Sobre a denição dos argumentos e sinais
373
Particularmente, os franciscanos observavam esse caminho da perfeição em três vias, como
se numa exortação à “oração mental” (característica marcante da devotio moderna) presen-
te no já citado Compêndio geral da história da ordem terceira franciscana:
Pede, para fazer bem, muito exercicio ajudado da graça do Espirito Santo;
porque he dom seu elevar os entendimentos das creaturas á contemplação
do Creador. Nella se abrem tres caminhos para Deos, aque chamam Via
purgativa, via illuminativa, e via unitiva: no primeiro se reforma a vida, no se-
gundo se espiritualiza, no terceyro chega à perfeição
129
.
Sobre o mesmo tema, um tratado sobre a perfeição foi publicado em Lisboa, em 1686, por
outro jesuíta, Gaspar de la Figuera, cuja tradução para o português cou a cargo de Manuel
da Ceia
130
. A tradução da língua castelhana indica, naquele tempo, a importância da difusão
da matéria também nos meios seculares portugueses. Na parte dedicada ao primeiro estágio,
a via Purgativa, ou Penitente, sete eram os temas das “meditações”. Perceba-se que há uma
articulação coerente das matérias, apta a persuadir dos prêmios virtuosos. Inicialmente, os
“fundamentos da vida cristã”; depois, os “pecados dos anjos, e dos primeiros homens”; a se-
guir, uma ponderação sobre “o próprio conhecimento”; a quarta: meditação sobre “a morte”;
quinta, sobre o “juízo universal”; sexta, sobre as “penas do inferno” e, por último, já anunciado
nessa primeira via como que a contribuir para a persuasão: uma meditação sobre “os bens da
glória”. A meditação da “morte” dividia o tempo da preparação da alma em vida com o tempo
do seu julgamento pos mortem. O valor do desengano era valorizado pelos afetos aorados
no contraste entre a errância agonizante do inferno e os “prêmios e prazeres da bem-aventu-
rança perpétua”, expressão que se lê no proêmio dos estatutos franciscanos de Vila Rica. No
desenvolvimento da meditação, Gaspar de la Figuera faz uma referência especial a vanitas
vanitatum – “toda a vã glória do mundo”
131
.
irrefutáveis, cf. Idem, Ibidem, 1, 2, 1357b, p. 100-102.
129
Cf. COMPÊNDIO GERAL DA HISTÓRIA DA ORDEM TERCEIRA FRANCISCANA, p. 191.
130
SUMMA ESPIRITUAL em que se resolvem todos os casos, & difculdades, que no caminho
da perfeição. Composta pelo Padre Gaspar de la Figuera da Companhia de Jesu. Traduzida pelo P.
Manoel da Ceia. Beneciado na Igreja da Magdalena. Lisboa na ofcina de Joaõ Galra. Com todas as
licenças necessarias, 1686. “Trattado segundo das meditaçõens, pera a via purgativa, illuminativa, &
unitiva”. Além deste “Tratado segundo”, a Summa Espiritual continha ainda um “Tratado primeiro”, “Do
que convem aquele que houver de ter oração”, e um tratado terceiro, “Dos diálogos de Christo com a
alma”. (BNP, Reservados, Cota Res. 2657).
131
SUMMA ESPIRITUAL..., “Trattado segundo das meditaçõens, pera a via purgativa, illuminativa,
& unitiva”, p. 171: “As tres vias vaõ repartidas em quatro somanas. A primeira serve aos q caminhão
pela via purgativa, porque incita a todos a dor de peccados, & a penitencia que he purga da vida.
A segunda, & terceira somana serve aos que caminhaõ pela segunda via illuminativa, trattando dos
374
A segunda via, Iluminativa, era caracterizada sobretudo pela oração contemplativa, segundo
Sebastián na análise de Hermann, desempenhada por meditações que procuravam produzir
no el o desejo de seguir Cristo, o único contentamento possível. No tratado de Figuera, nessa
parte aparecem as meditações que comunicam ao el “toda a luz dos tesouros que se levam
no padecer”, desde o nascimento de Cristo até o triunfo de sua morte. São meditações sobre
as “bandeiras” que levam Cristo e os demônios, a anunciação, o nascimento de Cristo em
Belém, a adoração dos magos, a puricação de Nossa Senhora e a fuga para o Egito; e tam-
bém o lavatório dos pés na última ceia, a oração no horto, a prisão de Cristo, a apresentação
diante de Pilatos, o ecce homo, a cruz às costas e os mistérios do monte Calvário
132
. A terceira
via, Unitiva, é “própria dos perfeitos”
133
. Caracteriza-se pelo matrimônio espiritual com Deus:
“é uma transformação total no Amado, em que se entregam ambas as partes por total posses-
são de uma à outra, numa consumação de união de amor entre a alma, que é tornada divina,
e Deus, por participação”
134
. Nessa parte, Figuera traz as meditações acerca das passagens
narradas após a Ressurreição de Cristo. São elas: Da ressurreição do Senhor, Da ascensão
de Cristo Nosso Senhor, Da vinda do Espírito Santo, Dos Mistérios da Santíssima Trindade,
Da instituição do Santíssimo Sacramento, Da assunção de Nossa Senhora ao céu
135
.
Para que o sucesso da união com Deus acontecesse, seria necessário no início expurgar as
tentações do mundo material, eliminar as impurezas da vida mundana, visando ao espiritual
apenas. Não é por acaso, então, que de acordo com o decoro e a ordem verossímil do texto
das meditações ou da retórica arquitetônica – a alegoria da vanitas surge logo na entrada do
templo franciscano, o primeiro estágio da vida cristã metaforizada pelo locus emblematicus
da arquitetura. Deixadas para trás as tentações do mundo profano, ação simbolizada com o
traspasse ritualístico da portada
136
, a encenação da vanitas reativava a memória do el fran-
mysterios de Christo Nosso Senhor desde sua Encarnação, athe sua morte, por onde se communica á
alma toda a luz dos thesouros, que se encerraõ no padecer. A quarta somana serve, aos que trattam de
se unir com Deus por amor: que he a terceira via, & e a estes se lhes dão os mysterios gloriosos, que
são de mayor efcacia pera o amor”.
132
Cf. SUMMA ESPIRITUAL. “Trattado segundo”, Cap. 2.
133
SEBASTIÁN LÓPEZ, Contrarreforma y barroco, p. 70.
134
CILVETTI apud SEBASTIÁN LÓPEZ, Contrarreforma y barroco, p. 70.
135
Cf. SUMMA ESPIRITUAL. “Trattado segundo”, terceira e quarta semanas, e também o “Trattado
terceiro dos diãlogos de Christo com a alma”.
136
Alguns estudiosos defendem entender os retábulos e as portadas como variações dos antigos “arcos
de triunfo”. Uma fonte ao menos faz alguma referência, sem entrar no mérito, entretanto, da analogia
375
ciscano para o compromisso ético cristão armado em bases árduas, penitentes, de virtudes
indispensáveis ao alcance dos outros estágios adiante cultuados.
Se repararmos bem, as meditações que visavam à perfeição cristã traçam uma espécie de
ordem coerente com as matérias e os temas ornados no edifício. Assim, é possível mesmo
pensar, num esquema geral, o edifício religioso como também uma metáfora do caminho para
o alcance da perfeição cristã. Obviamente, não se pode restringir o entendimento do templo
a essa idéia, mas parece útil pensar que as iconograas correspondentes às meditações ge-
ralmente aparecem nessa seqüência (teo)lógica. A vanitas de São Francisco é um exemplo, e
veremos outros, rumo à perfeição da capela de São Francisco
137
.
O caráter de penitência e desengano continua sua encenação na nave e na capela-mor, orna-
do de representações adequadas ao tema e também aos lugares do templo. Assim, na nave,
lugar de exemplo e iluminação, além dos retábulos laterais, com a costumeira encenação dos
santos ordenados, os quatro quadros atribuídos ao Ataíde nas faces chanfradas e convexas
proporcionam afetos conformados à meditação em Cristo, a penitência e o arrependimento.
São Francisco e Santa Margarida de Cortona estão pintados próximos aos arcos do coro;
São Pedro arrependido e Madalena penitente, ao arco-cruzeiro
138
. São Francisco se apega ao
crucixo, almejado espelho, tendo ao lado a caveira e um livro aberto, sinais habituais da me-
ditação (FIG. 73). Rosas brotam ao seu pé, uma delas decaída e murcha, atributo comum
da vanitas. Do outro lado, Santa Margarida porta o hábito franciscano, e alguns dos mesmos
atributos, a caveira, o crucixo, o livro aberto, além de um rosário e um instrumento de morti-
cação (FIG. 74). Um pequeno cão aos seus pés representa não a delidade, como geralmente
entre os retábulos e os arcos triunfais. Num dos esquemas que apresenta em seu Livro 4º, dedicado
aos gêneros de arquitetura, Serlio apresenta um esquema inventado para acomodar, entre vários usos,
um retábulo. Logo a seguir, acrescentou que o mesmo poderia ser usado em arcos triunfais, desde que
se retirassem elementos centrais, abrindo-se uma passagem. Não há sequer alguma referência analó-
gica. Pelo contrário, Serlio parece mais interessado na difusão das corretas proporções da ordem. Cf.
SERLIO. Libro Quarto de Architectvra..., . XXIX v., e XXX.
137
Poderia citar também o pecado original e a expulsão de Adão e Eva do paraíso, meditações do
primeiro estágio gurados decorosamente no nártex da Igreja Matriz de Cachoeira do Campo, situada
hoje no Distrito de Ouro Preto e antigamente na Comarca de Vila Rica.
138
Curiosamente, o Cônego TRINDADE, op. cit., p. 402, atribuiu uma dessas imagens a Santa Clara.
Também a importante restauradora do Cecor/UFMG, Beatriz Coelho, alude a uma Santa Clara feita por
Ataíde na nave de São Francisco. Cf. COELHO, Beatriz. Restaurações das pinturas de mestre Ataíde.
In: CAMPOS, Adalgisa Arantes Campos (Org.) Manoel da Costa Ataíde; aspectos históricos, estilísti-
cos, iconográcos e técnicos. Belo Horizonte: C/Arte, 2005, p. 83-110.
376
alude o animal
139
, mas sim o momento crí-
tico de seu desengano. Na juventude, Mar-
garida se afastara da vida cristã, vivendo
licenciosamente com um dalgo seduzido
por sua beleza (aspecto notável no painel
de Vila Rica e no costume de sua represen-
tação). Seu companheiro passa alguns dias
desaparecido, e é o pequeno cão que lhe
mostra o seu cadáver, nauseabundo. O
macabro espetáculo a conduz ao arrepen-
dimento e à correção de seu caminho pe-
cador, quando decide entregar sua vida à
oração, à penitência e à meditação sobre
a vida e sobre a morte, internando-se num
convento franciscano de Cortona.
Correspondente ao painel de São Francis-
co, no lado do Evangelho perto do arco-
cruzeiro, está São Pedro arrependido (FIG.
75). O galo gurado acima do rosto em ora-
ção do apóstolo evidencia o momento da
conformatio, quando o santo se recorda da advertência feita a ele por Cristo, como se lê nos
evangelhos. São Pedro o negaria três vezes, antes de o galo cantar
140
. E está o animal,
com o bico aberto dirigido ao Santo. Este aparece como que em oração, em vestimenta no-
bre e gestos mais serenos do que, por exemplo, o patético São Pedro arrependido esculpido
em terracota por Frei Agostinho da Piedade, século XVII, Mosteiro de Nossa Senhora do
Monte Serrate, Salvador (FIG. 76). Nesta imagem, São Pedro está agachado e chora com a
139
Cf. RIPA, Cesare. Iconologia overo Descrittione d’Imagini delle Virtù, Vitii, Affetti, Passioni humane,
Corpi celesti, Mondo e sue parti Opera di Cesare Ripa Perugino Cavalliere de’ Santi Mauritio et Lazaro.
Fatica necessaria ad Oratori, Predicatori, Poeti, Formatori d’Emblemi et d’Imprese, Scultori, Pittori, Dis-
segnatori, Rappresentatori, Architetti et Divisatori d’Apparati; Per gurare con i suoi proprii simboli tutto
quello che puòcadere in pensiero humano. Di novo in quest’ultima Editione corretta diligentemente et
accresciuta di sessanta e piùgure poste a’ luoghi loro: Aggiontevi copiosissime Tavole per sollevamen-
to del Lettore. Dedicata all’Illustrissimo Signore il Signor Roberto Obici [1611], Fedeltà”, p. 164-165.
Disponível em: <http://bivio.signum.sns.it/bvWorkEditions.php?workFileName=Ripa_Iconologia_1611.
xml&authorSign=RipaCesare&titleSign=Iconologia1611>. Acesso em: 02 out. 2008; e CARR-GOMM,
Sarah. Dicionário de símbolos na arte. Trad. de Marta de Sena. Bauru: Edusc, 2004. Cão, p. 45.
140
Mateus 26: 32-35; Marcos 14: 26-31; Lucas 22: 31-34; João 13: 36-38.
Figura 73 Pintura de São Francisco de Assis na
nave de Vila Rica; disposta no chanfro próximo ao
nártex, lado do Evangelho, à altura do coro
377
face recostada à mão esquerda. Os olhos es-
tão fechados, mas mesmo assim as lágrimas
escoam pelo rosto, pela mão e pelo braço es-
querdo. A testa é franzida pelo afeto, e sutile-
za maior se fez na mão direita que retorce a
vestimenta, como quem se esforça pra conter
o desespero. Movido pela paixão, o corpo é
surpreendentemente tenso, forte, retesado e
comedido, grave como convém à solidez de
Pedro. No duelo com a dor, vence a dignidade.
Para completar a simetria de telas e afetos,
no lado da Epístola se dispôs a Madalena pe-
nitente, com os atributos verossímeis muito
consagrados pelo costume (FIG. 77). Além do
cilício, do crânio, do crucixo e do livro aber-
to, a santa ornada em Vila Rica apresenta alguns elementos assertivos à identicação do
tema. Assim como nas representações de Josefa de Óbidos, Ticiano (FIG. 78), Caravaggio
e outros, a representação possui uma espécie de frasco colocado próximo ao crucixo, sinal
de duas passagens consagradas nos evangelhos e nas autoridades hagiográcas. Além de
ter levado, junto com Maria, bálsamo para aplicar no corpo de Cristo sepultado (assim como
foi representado no frontal do altar-mor da própria capela de Vila Rica) (FIG. 79), Madalena
banhou o corpo do Senhor com perfume e lágrimas nas vésperas de seu sacrifício. Enxugou
seus pés com os próprios cabelos, que também são muito evidentes na pintura
141
. Repreendi-
da pelos presentes, que se assustaram com seu gesto (a ocasião era um jantar em Betânia),
acontecido seis dias antes de seu sacrifício, Cristo a defende como se seu ato pregurasse o
tratamento de seu corpo após a morte, autorização da interpretação alegórica que será uma
constante na exegese bíblica, além de remeter ao comentado simbolismo do número “6”.
Outra curiosidade dessa representação é que a compreensão preliminar que Jacopo de Va-
razze oferece para o nome de “Maria”, em sua famosa Legenda Aurea, reedita aquelas três
141
Cf. João 12: 1-7. Sobre a fortuna alegórica da passagem bíblica, Cf. VARAZZE, op. cit., “Santa Maria
Madalena”, p. 543-553.
Figura 74 – Pintura de Santa Margarida de Cor-
tona na nave de Vila Rica; disposta no chanfro
próximo ao nártex, lado da Epístola, à altura do
coro
378
etapas no caminho da perfeição. Assim, sob os três signicados possíveis de “Mar amargo”,
“iluminadora” ou “iluminada”, aduz Varazze, “podemos entender [respectivamente] os três ca-
minhos que excelentemente ela escolheu, o da penitência, o da contemplação interior e o da
glória celeste”
142
. Os anjos certamente aparecem na representação de Vila Rica para gurar
os efeitos desta última etapa, autorizada pela hagiograa medieval. No deserto, durante trinta
anos de reclusão penitente e em busca da contemplação das coisas altíssimas, Madalena
recebia a visita de anjos que lhe ofereciam o alimento espiritual necessário à vida santa. A
feição, então, é a de um êxtase ou visão maravilhosa, aspectos consagrados pela iconograa
pós-tridentina:
Naquela rego o havia fontes, árvores e ervas, para que casse claro que
ela não tomou ali alimentos terrenos e sim que Nosso Redentor fez com que se
saciasse com banquetes celestiais. Todos os dias, nas sete horas canônicas, era
levada pelos anjos ao Céu etéreo onde com seus ouvidos corporais ouvia a har-
monia de vozes dos gloriosos exércitos celestiais. Todos os dias era saciada com
iguarias agradabilíssimas até ser levada de volta a seu lugar pelos anjos. Por isso
o sentia a menor necessidade de alimentos corporais
143
.
142
Cf. VARAZZE, op. cit., “Santa Maria Madalena”, p. 543.
143
VARAZZE, op cit., p. 549. A Pinacoteca Ambrosiana guarda uma tela de Carlo Francesco Nuvolone,
Figura 76 Escultura de São Pedro arrependi-
do, Frei Agostinho da Piedade, Igreja do Mostei-
ro de Nossa Senhora do Monserrate, Salvador,
Bahia. Fonte: TELES. Atlas dos monumentos
históricos e artísticos nacionais, p. 71
Figura 75 Pintura de São Pedro arrependido
na nave de Vila Rica; disposta no chanfro próxi-
mo ao arco-cruzeiro, lado da Epístola
379
de meados do século XVII, que possui a Madalena e os dois anjos que a transportavam para o banque-
te celeste. A santa porta o frasco, mas não tem os elementos penitentes.
Figura 78 Madalena, Ticiano. Fonte: <http://
ruvasa2a.blogspot.com/2007/05/1068-maria-
madalena-ticiano.html>
Figura 79 – Frontal do altar-mor da Capela de São Francisco
Figura 77 Pintura de Maria Madalena Penitente
na nave de Vila Rica; disposta no chanfro próximo
ao arco-cruzeiro, lado do Evangelho
380
As pinturas foram dispostas, como disse, nas faces chanfradas da nave. Essa sutileza da
planta da capela confere novidade à arquitetura e um efeito de maior exposição das pinturas.
Pela convexidade da geometria, elas se pronunciam para o centro da nave, o foco central
da recepção o que coincide também com o foco da recepção da pintura do forro, de que
falaremos adiante. Não seria demais interpretar que, para além da novidade e do aplauso, a
comunhão desses artifícios nalizava amplicar os efeitos patéticos do teatro penitente.
A cada um dos retábulos laterais dispostos na nave corresponde um janelão retangular, as-
cendente até quase tocar a cimalha real; ainda um quarto janelão antes do coro, acima
das portas laterais cegadas. Como era habitual na arquitetura de muitas capelas da segunda
metade do século XVIII, e início do XIX, essas grandes aberturas visavam satisfazer ao efeito
de maior luminosidade interna (FIG. 80). Não é a mesma intenção que teve, por exemplo,
uma abertura localizada, como a do zimbório da capela-mor de Pilar, que deveria dramatizar,
simbolicamente, inclusive, os afetos sublimes da Eucaristia e da Ressurreição. As aberturas
da nave deveriam conferir maior “clareza” e “distinção” aos ornatos, preceitos comumente
requeridos à ornamentação das fábricas desse período, como se viu na análise da capela do
Carmo, sua contemporânea. Os retábulos são arrematados por vigorosos baldaquinos, ou
guarda-pós, cujo desenho corresponde também à decoração que arremata a verga superior
Figura 80 – Vista da nave da Capela de São Francisco, de frente para o coro
381
dos janelões. O preceito da correspondência foi satisfeito também na disposição de portas
logo abaixo de todas as pinturas das faces convexas. Essas portas conduzem, na parte da
frente, aos corredores da sacristia, e próximo à portada, à escadaria da torre sineira. A so-
breposição de painéis e aberturas era um dos modos mais simples e efetivos de se buscar o
efeito de “correspondência”, chegando a ser literalmente nomeada numa das condições da
capela. No caso em que cito, o efeito seria visto também do exterior do edifício, na disposição
coincidente de janelas nas paredes do consistório e da sacristia, uma acima da outra:
Ad.vertencias sobre oq’ ca d.º”
Que no fundo da Caza do Consistorio Levará tantaz janelaz Rasgadaz como
na Sacrestia depeitoril cando emcomRespondencia uma das Outraz
144
Acima de todos os retábulos, das pinturas e da cimalha real, coroando, enm, toda a nave,
Ataíde aplicou uma “valente e espaçosa”
145
pintura de arquitetura (FIG. 81), cenograa que
amplia o efeito persuasivo da arquitetura na conformação de uma maravilha verossímil que
convém ao esplendor da Igreja triunfante
146
. O suporte da pintura é uma abóbada em barrete
de clérigo irregular, construída em pranchões de madeira. Digo irregular tendo em vista a sua
geometria, porque as paredes laterais são maiores do que as da frente e fundo, e ainda as
faces convexas nas engras dessas paredes. Isso exigiu do engenho a elevação de pendentes
concordantes até o ponto superior da abóbada, o que proporcionou ainda mais agudeza ao
esplendor interno. Aqui, o engenho do arquiteto oportunizou o engenho do pintor, pois nesses
pendentes foram justamente representados os quatro púlpitos donde parecem discursar os
144
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO. Filme 20, vol. 242. (grifo nosso).
145
Foram estes os termos referidos pelo mestre quando argumentou diante da mesa dos terceiros car-
melitas para a fatura de uma pintura no forro da nave de sua capela.
146
É muito comum a confusão entre a “Igreja Militante” e a “Igreja Triunfante”. Segundo escritos de
época, e anteriores, não dúvida: a Igreja militante compõe-se de todos os membros e hierarquias
terrenas, que militam na fé por intermédio de seu sacro ofício cotidiano. Triunfante é a igreja ascendida
ao céu, com a Virgem, Cristo, os Santos, Mártires, Anjos e demais guras excelsas. Nas palavras de
Bartolomeu dos Mártires, a Igreja Triunfante é “o ajuntamento das almas que reinam com Cristo,
vencidos já seus inimigos e triunfando deles”. A Igreja Militante é “o ajuntamento dos éis cristãos que
neste mundo andam em contínua guerra e batalha contra os inimigos de suas almas, que são o mun-
do, carne e os demónios”. Cf. MÁRTIRES, Bartolomeu dos. Catecismo e práticas espirituais (1564).
In: ___. Obras completas. Lisboa: Movimento Bartolomeano, 1962. Cap. XIII “Sobre o nono artigo que
diz: - Creio que úa Santa Igreja Católica e Apostólica, em a qual comunhão dos Santos”. Todavia,
costuma-se interpretar a Igreja Militante como a Igreja dos tempos tridentinos, em guerra declarada
contra o protestantismo e outras heresias, e a Igreja Triunfante aquela que, no século XVII e XVIII,
triunfava vitoriosa sobre os aspectos capitais da controversia. Cf. por exemplo, o texto de VALLE, Te-
resa Leonor M. Da Igreja Combatente à Igreja Triunfante. Broteria, Cristianismo e Cultura, v. 157, n. 5.
Lisboa, nov. 2003. Os conceitos são outros, como disse, e bem anteriores, todavia, em São Tomás
de Aquino: THOMAS AQUINAS. The Summa Theologica. III, Q. XCVI: “Of the aureoles”, p. 1050.
382
quatro ilustríssimos doutores da Igreja, São Gregório e Santo Ambrósio, Santo Agostinho e
São Jerônimo (FIG. 82). A eleição não é novidade, pois em muitas outras igrejas do período,
como em São Francisco de Mariana ou Santo Antônio de Itaverava, há essa mesma disposi-
ção de doutores nas engras da abóbada. O que acontece em Vila Rica evidencia a versatilida-
de do pintor em se valer da circunstância dos pendentes, dedicando-lhes um uso iconográco.
Figura 81 – Nossa Senhora dos Anjos. Pintura do forro abobadado da nave da Capela de São
Francisco de Assis. Mestre Ataíde
383
Além da articiosa perspectiva de arquitetura, ricamente decorada em colunas compósitas ca-
neladas, quartelões, arcos, mísulas, concheados e rocailles, medalhões, mascarões, ores e
festões de ores, tas, arbaletas, anjos em sutil escorço, tribunas e púlpitos com doutores da
igreja, no centro do forro está o motivo principal da piedosa representação: a Nossa Senhora
dos Anjos (da Porciúncula), gloriosamente recebida no céu em majestoso coro orquestral de
anjos. Os instrumentos musicais e as partituras espelham as práticas musicais do período,
salientou Marcos Hill
147
, e muitos outros aspectos foram explorados por estudiosos como Han-
nah Levy, Sylvio de Vasconcellos, Ivo Porto de Menezes, Carlos del Negro, Paulo dos Anjos
e outros, que sobre ela se dedicaram. Vou me limitar a comentar um aspecto ainda não
explorado pela historiograa. Geralmente se reconhece a razão da pintura da nave pelo as-
pecto devocional: a igrejinha da Porciúncula era devotada a Nossa Senhora dos Anjos, assim
como a capela de Vila Rica. O tema foi comumente representado em painéis de retábulos e
pinturas de tela, como a que vemos, por exemplo, numa das capelas do lado do evangelho na
Basílica de São Francisco, em Arezzo, Itália, obra de Bernardino Santini (c. 1650) (FIG. 83)
148
.
147
Cf. HILL, Marcos. Fragmentos de mística e vanidade na arte de um templo de Minas: a capela da
Ordem terceira de São Francisco de Ouro Preto. Revista do IAC. Universidade Federal de Ouro Preto,
nº 1, dez. 1994, p. 45, que esteve na capela com um músico argentino especialista, Norberto Broggini.
148
Como salientado antes, a temática satisfaz à “nova iconograa” pós-tridentina, pontuou Male, inte-
ressada em revelar sobretudo os êxtases e visões maravilhosas de santos da Igreja, em conformidade
não apenas a uma “sensibilidade católica” do tempo a expressão é dele –, mas a uma estratégia
contra-reformista de armação doutrinária.Cf. o capítulo IV: La visión y el éxtasis, de MÂLE, Emile. El
Figura 82 – Detalhe do forro da nave, com destaque para disposição dos doutores da Igreja nos
pendentes da abóbada
384
Outras representações de Êxtases do Santo
compartilharam do lugar comum dos anjos mú-
sicos, como se nas telas de Gerard Seghers
(c. 1650), Museu do Louvre (FIG. 84), ou de
Sarraceni (c. 1600). A representação mais elo-
qüente é mesmo a de Santini, porque revela o
êxtase do santo no advento da visão maravi-
lhosa da Senhora, cercada de anjos músicos.
Enriquecida pelo artifício da grandiosa arqui-
tetura pintada, e pela variedade copiosa dos
elementos e alegorias, a invenção do forro da
nave de São Francisco atualiza não apenas
a devoção piedosa, mas também a grandilo-
qüente e decorosa representação de uma con-
formatio que se projeta encenada por toda a
extensão da nave, como gurasse uma capela
inteira dominada pelo êxtase franciscano.
À frente dessa pintura, na transição para a
capela-mor, o brasão da ordem com as cinco
chagas apresenta o cordão seráco, com os
três nós do compromisso franciscano: pobre-
za, obediência e castidade (FIG. 85). A tarja de
volutas possui asas em seus lados, imitando
os medalhões da portada. A imitação de orna-
tos de partes da mesma obra era bastante co-
mum. Na Capela de São Francisco ocorre de
forma generalizada nas portas, procedimento
que foi ressaltado inclusive nos riscos e con-
dições da capela, mais uma das operações de
correspondência
149
. O arremate do medalhão é desempenhado por uma coroa de espinhos,
arte religioso de la contrarreforma, p. 151-158.
149
Na condição de n. 6: “Será o Brigado oRematante afazer depedra dacantaria todas as portas e gi-
nellas que mostra orisco Sendo as duas portas colaterais do Fronte Espicio feitas pella forma das que
(estão?) Riscadas junto ao Arco Cruzr[…]”. Cf.. CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 20,
Figura 83 Visão extática de São Francisco de
Assis: Nossa Senhora dos Anjos. Bernardino
Santini, (c. 1650). Basílica de São Francisco de
Assis, Arezzo
Figura 84 - Êxtase de São Francisco de Assis,
Gerard Seghers (c. 1650), Museu do Louvre
385
acima da qual estão os braços cruzados de Cristo e do Santo, e acima dela a cruz de Cristo,
dominante, signo da união mística.
A arquitetura do arco-cruzeiro merece atenção especial (FIG. 11 e 86). Suas dimensões em
planta foram ampliadas para acomodar os púlpitos nas ilhargas
150
. O elemento era impor-
tante no theatrum sacrum setecentista, situado na passagem para o espaço liturgicamen-
te eucarístico da capela-mor. As pilastras são feitas em pedra de itacolomy, e os letes de
molduras e “lisos” (as faces lisas, de pilastras e paredes) são dourados na própria pedra,
elocução semelhante à do arco-cruzeiro da capela do Carmo. As faces extremas da pilastra
foram giradas em 45º
151
, o que corresponde ao giro das colunas do frontispício. Seus capitéis,
únicos elementos refendidos em pedra-sabão, material apto a permitir a sutileza de desenho
nos ornatos, emulam a ordem compósita, autorizados no costume de se enriquecer o interior
vol. 242, condição n. 6. O risco da capela-mor também apresenta condição semelhante, referindo-se
à porta que acesso aos corredores da sacristia: “Esta porta será ornada como aque está riscada
naface do Cruzeyro junto a Capella”. Cf. o risco da capela-mor da Igreja de São Francisco de Assis de
Ouro Preto. Original em exposição e guarda do Museu da Incondência, Ouro Preto (FIG. 8).
150
Púlpitos foram colocados nas ilhargas do arco-cruzeiro da igreja de Wieskirche, iniciada em 1743,
sobre projeto de Dominikus Zimmerman. Cf. AA. VV. Baroque, architecture, sculpture painting. Bonner:
Konemann, 1998, p. 237.
151
Exatamente como na capela de São Francisco de Assis de São João del Rei.
Figura 85 - Brasão das armas franciscanas, arco-cruzeiro
386
do templo. Mais uma vez, como na portada, as folhas de acanto imitam aparência de conche-
ados e rocailles, efetivando a correspondência de ornatos. Os demais elementos do gênero
são habituais (FIG. 87 e FIG. 88). O entablamento é comum, e sua saliência extrema funciona
como imposta ao arco; arquitrave em duas faixas, friso bojudo sem ornamentação, e cornija
com salientes dentículos a sustentar a corona. Os pedestais possuem base em plintos e so-
cos bem robustos.
Figura 11 – Vistas do púlpito da Capela de São Francisco de Assis nas ilhar-
gas do arco-cruzeiro
387
Os púlpitos estão, em todo seu corpo, base,
bacia e ornatos, refendidos em pedra-sabão
(FIG. 89). Duas linhas verticais os estruturam
verticalmente, volutas na base que se transfor-
mam em pilastras de seção variável na bacia.
Filetes delicados dourados, querubins, giras-
sóis, concheados e rocailles decoram o con-
junto. A execução da obra está documentada
em nome de Antônio Francisco Lisboa, que
esculpiu com asseio os seis painéis de repre-
sentações que os ornam, três em cada um. Os painéis laterais detêm os quatro evangelistas.
No lado da Epístola, Lucas e João, o primeiro virado para o altar-mor. No lado do Evangelho,
Marcos e Mateus, na mesma ordem. Os painéis centrais representam, no lado da Epístola, o
profeta Jonas se atirando ao mar; no lado do Evangelho, está Cristo a pregar na barca (FIG.
90-92).
Figura 87 Detalhe do entablamento do arco-
cruzeiro
Figura 86 Púlpito na ilharga do arco-cruzeiro,
lado da Epístola
Figura 88 - Detalhe lateral do capitel do arco-
cruzeiro
388
Figura 89 Vista do espectador ao se aproximar
do púlpito da Epístola
Figura 90 Vista frontal do púlpito da Epístola,
de quem está no púlpito do Evangelho
Figura 92 Painel central do púlpito de Evange-
lho, refendido em pedra-sabão pelo Aleijadinho,
representando Cristo a pregar na barca
Figura 91 Painel central do púlpito da Epístola,
refendido em pedra-sabão pelo Aleijadinho, re-
presentando o momento em que Jonas se atira
ao mar ajudado pelos tripulantes da embarcação
389
Lourival Gomes Machado publicou um importante texto em 1956, em que explorava a tese de
que os painéis de Aleijadinho teriam como modelo os baixos-relevos de Lorenzo Ghiberti para
alguns dos painéis brunidos das portas do batistério de Florença
152
. Pouco se falou até aqui,
na historiograa, da razão ou da conveniência que guiou a invenção dos temas que ornam
esses elementos. O púlpito é por excelência o lugar da palavra e, para além de Jonas ser um
profeta aquele que anuncia os desígnios de Deus, ou preanuncia acontecimentos por ins-
piração dEle –, sua guração está ali disposta também por circunstância de afetos referentes
ao arrependimento (e, portanto, ao desengano) de haver fugido à missão divina de pregar em
Nínive. Isso é claro pela invenção da escultura, mas na capela franciscana a idéia representa
mais. Jonas ouve o chamado do Senhor para pregar na cidade, mas em seu caminho resolve
fugir numa embarcação que iria para a cidade de Tarsis. Durante a viagem, são assaltados por
uma tempestade horrível, e assim que Jonas toma consciência de sua culpa o desengano
– reclama aos demais tripulantes que lhe atirem ao mar. É este o momento da representação
a conformatio (Fig. 91). Ainda pelas Escrituras, Deus teria preparado um enorme peixe
153
para engoli-lo (no lado inferior esquerdo da composição, já com a boca aberta), aprisionando-
o por três dias e três noites em seu ventre mais uma preguração do Velho testamento para
o sacrifício de Cristo e sua Ressurreição, no Novo. O capítulo 2 do livro de Jonas descreve
o desengano e os afetos do profeta dentro do peixe, que pede a Deus em oração que lhe
dê a chance de retomar sua Missão, e voltar a “ver o seu templo”. É expelido pelo animal na
praia, desígnio de Deus, e retoma o caminho para Nínive, reanimado na virtude. Assim, a re-
presentação é decorosa para dignicar o lugar e sua função, e ainda corresponde ao caráter
dominante do teatro arquitetônico. A palavra, a penitência e o desengano se acomodam no
púlpito da ordem seráca. No outro elemento, onde havia de se ler o Evangelho, nada mais
adequado do que gurar a ação evangelizadora do próprio Cristo.
Os elementos penitentes estão também presentes no presbitério e na capela-mor, nas mãos
de cada um dos anjos dispostos entre os dez painéis que contam episódios marcantes da vida
do patriarca Abraão. São vários instrumentos de penitência, oração e disciplina, agelos, cilí-
cios e látegos, cintos, correntes e colares com pontas de arame, rosários, crucixos e crânios
152
MACHADO, Lourival Gomes. Os púlpitos de São Francisco de Assis de Ouro Preto. In: ___. Barroco
mineiro. São Paulo: Perspectiva, 2003, p. 223-256. Na introdução escrita em 1968 para a compilação
dos textos de Machado, Rodrigo Melo Franco de Andrade salientou que este ensaio, de 1956, assim
como o de Lúcio Costa para o risco da Igreja de São Francisco em São João del Rei, seriam umas das
“únicas contribuições consistentes e importantes até agora, visando à exegese das composições de
escultura do Aleijadinho”. Cf. ANDRADE, Rodrigo M. F. Apresentação. In: MACHADO, op. cit., p. 15.
153
Na Vulgata, o termo é “piscis”. Vários estudiosos se referem, todavia, a uma “baleia”.
390
(FIG. 93-97). Os painéis históricos foram pintados por Ataíde a partir de uma edição ilustrada
da Bíblia, segundo o estudo de Hannah Levy publicado em 1944
154
. Cada um dos episódios
se situa dentro de um medalhão rocaille, emoldurado em matizes de carmim. O fundo dos pai-
néis e da barra que os recebe é azulado, o que colabora para a distinção das pinturas. Acima
delas, um medalhão com dizeres da cena escritos em português, ornado com rocailles e ores
delicadas. Paulo dos Anjos
155
identicou a ordem da leitura dos painéis, no sentido horário,
curiosamente iniciada no primeiro painel mais próximo ao retábulo-mor. No nono deles situ-
ado bem abaixo da grande Santa Ceia –, Ataíde pintou o sacrifício de Isaac, cujo modelo foi o
mesmo utilizado para a pintura do forro da Matriz do Pilar, mais de trinta anos antes (FIG. 98-
100). Os mesmos painéis do conjunto foram imitados na barra da capela-mor da Igreja Matriz
de Santo Antônio, em Santa Bárbara, mas é difícil não pensar que tenham sido aplicados em
Vila Rica por analogia à idéia, muito signicativa para a Ordem terceira, do patriarcado. Os
documentos da mesa enaltecem comumente a condição ancestral de Francisco, e um dos
modos mais eloqüentes de elogiá-lo bastante coerente à forma mentis setecentista – seria
numa decorosa invenção de pintura. Com a série de painéis, mais que isso se louvava e se
amplicava a dignidade de Francisco, analogamente proporcionada à de Abraão, maior dos
patriarcas do cristianismo. Pode ser uma coincidência, mas um desses documentos que no-
meia o “Patriarca” Francisco é a própria redação das condições para arrematação das obras
da capela-mor
156
, abóbada, barrete e corredores laterais.
154
Cf. LEVY, Hannah. Modelos europeus na pintura colonial. Revista do Serviço do Patrimônio Histó-
rico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n.8, 1944, p. 7. Ataíde teria imitado as gravuras do arquiteto
Demarne para uma edição de Histoire sacreé de la Providence et de la Conduite de Dieu Sur les Hom-
mes Depuis le Commencement du Monde... [1728], hoje em guarda da Biblioteca Nacional do Rio de
Janeiro, que por sua vez imitava pinturas do ateliê de Rafael.
155
ANJOS, Metáfora de pedra, p. 78.
156
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 20, vol. 242, “Condiçoens para Se Rematarem as
Abobadas dos Corredores, e Barrete da Capela Mor da Igreja do Patriarcha S. Francisco de tijolo, e cal,
etc.”. (Documento avulso).
391
Figura 93 Vista lateral da parede da capela-mor
de São Francisco de Assis, Vila Rica
Figura 94 Painel de madeira na barra da cape-
la-mor, pintura de Ataíde representando a morte
de Abraão
Figura 95 Detalhe dos painéis pintados na
barra da capela-mor, anjo portando elemen-
tos de fé e penitência
Figura 96 Detalhe dos painéis pintados na
barra da capela-mor, anjo portando elemen-
tos de fé e penitência
392
Essas condições da capela-mor foram re-
digidas e lançadas para arrematação em
1772. Os vários elementos redigidos estão
fabricados e as proporções concordam com
o risco remanescente, atribuído ao Aleijadi-
nho. A divergência entre obra e risco se res-
tringe a pelo menos dois aspectos. A abó-
bada de barrete foi riscada em dois tramos,
em sua parte mais comprida (FIG. 101). O
comprimento seria fabricado, assim, em
dois segmentos de arco concorrentes ao
meio. Mas na fábrica efetiva apenas um
arco, contínuo. Uma simplicação que ade-
mais tornou possível inserir o magníco par
de pinturas, agudamente emoldurado, que
retrata dois temas fundamentais da história
franciscana: o recebimento da regra pelo
Figura 97 – Detalhe dos painéis pintados na bar-
ra da capela-mor, anjo portando elementos de
e penitência
Figura 98 Detalhe do sacrifício de Isaac em painel
da barra da capela-mor de São Francisco de Assis,
Mestre Ataíde. Fonte: MENEZES, Ivo Porto de. Ma-
noel da Costa Athaide, p. 14
Figura 99 – Detalhe do Sacrifício de Isaac na Bíblia
de Demarne. Fonte: MENEZES, Ivo Porto de. Ma-
noel da Costa Athaide, p. 13
Figura 100 – Sacrifício de Isaac. Um dos 15 painéis
do forro da nave da Igreja Matriz do Pilar, Vila Rica.
Arrematação de João de Carvalhais
393
Santo, diretamente de Cristo, e o milagre da Porciúncula, respectivamente nos lados da Epís-
tola e do Evangelho
157
(FIG. 102 e 103).
157
As molduras dessas pinturas lembram bastante as da Igreja Beneditina de Zwiefalten, de Johann
Michael Fischer (1738-1765). Cf. gura em AA. VV. Baroque, architecture, sculpture painting, p. 225.
Figura 101 Risco em elevação da capela-mor de São Francisco de Assis,
atribuído ao Aleijadinho. Museu da Incondência, Ouro Preto, com destaque
para delineamento da abóbada do forro em dois tramos
Figura 102 Vista oblíqua da capela-mor, lado do
Evangelho, em que se vê a fábrica da abóbada em
apenas um tramo e painel pintado com o recebi-
mento da Indulgência da Porciúncula
Figura 103 - Vista oblíqua da capela-mor,
lado da Epístola, em que se a fábrica da
abóbada em apenas um tramo e painel, ao
alto, pintado com o recebimento da regra
pelo Santo
394
Assim, a abóbada terminou estruturada em quatro arcos com cimalha ngida em “cor rosada
com manchas brancas dilatadas”
158
, exatamente como retrataram as condições. Dos encon-
tros desses arcos saem quatro linhas de espigões, articiosamente dissimulados através de
medalhões com imagens meio-corpo de guras de grandes santos da ordem – Santo Antônio
de Lisboa e São Boaventura, próximos ao retábulo, São Conrado e Santo Ivo, próximos ao
arco-cruzeiro (FIG. 104). Os medalhões fazem a articulação dos arcos da capela com uma
moldura central, delineada em letes dourados ondulados. A união entre essa moldura e os
medalhões é intermediada por outra articiosa ligadura quatro robustas rocailles douradas
que articulam tudo visualmente. Intercaladas a elas, trios de querubins em conjuntos gracio-
samente alados ornam os quatro lados da moldura que ampara ao centro o belíssimo “anjo
porta ores”. O anjo está disposto num arranjo bastante elegante, em perfeita relação com as
proporções da abóbada e sua decoração (FIG. 105). Na elocução, suas pernas estão entre-
cruzadas, atualizando uma tópica ornamental muito aplaudida do escorço gurativo. No forro
da nave, Ataíde pintou assim alguns anjinhos.
158
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 20, vol. 242, “Condiçoens comqueSe rematou apin-
tura edouramento da CapelaMor de S. Francisco em preço de 400$000 rs [réis]”. Condição n. 8. Vila
Rica. 28/06/1773. (Documento avulso).
Figura 104 – Vista do coroamento do retábulo e
forro da capela-mor, com medalhões contendo
quatro santos da Ordem
Figura 105 Vista do forro da capela-mor, com
molduras, anjos, rocailles e o anjo porta-ores ao
centro
395
O “balaio” de ores do anjo (FIG.
106) foi distinta e preciosamen-
te dourado, como requereu com
detenção o apontamento de n. 9
das condições para a pintura da
capela-mor
159
. As cornucópias,
vasos e balaios transbordantes
de ores e frutos remetem à ale-
goria da abundância, como de-
nida por tratados de época. Os
“vasos” possuem, segundo o
dicionário de símbolos de Che-
valier, sentidos de preciosidade e tesouro espiritual. Na literatura medieval, “o vaso contém o
tesouro (o Graal, as litanias etc.) […]. O vaso encerra, sob diversas formas, o elixir da vida:
é um reservatório de vida. Um vaso de ouro pode representar o tesouro da vida espiritual”
160
.
Mais habitual é aparecerem, nesse tempo, as cornucópias repletas de ores e frutos
161
, como
se vê, por exemplo, no Iconologia, de Ripa,
que também a traz com o atributo de um
cesto com espigas de trigo (FIG. 107). A
opção de gurar um balaio trançado em
bras vegetais pode encontrar sua causa
no preceito retórico de adequar a ornamen-
tação ao costume da recepção, buscando
a adesão simpática do destinatário; anal,
balaios como esse eram e ainda são co-
muns na região. O mesmo artifício retórico,
creio eu, se encontra em outras gurações
da capela em Vila Rica. Não acredito que
Ataíde, por exemplo de quem comentei a
159
“Serão encarnadas apolimento todas asguras que Seacharem no teto, eo balayo deores que se-
achanacabeça do Anjo Será dourado, e as ores”, Cf. CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme
20, vol. 242, “Condiçoens comqueSe rematou apintura edouramento da CapelaMor de S. Francisco em
preço de 400$000 rs [réis]”. Condição n. 9. Vila Rica. 28/06/1773.
160
CHEVALIER, Jean; GHEERBRANT, Alain. Dicionário de símbolos. Vaso, p. 931-932.
161
Cornucópias acompanham, por exemplo, anjinhos nos retábulos laterais da Igreja Matriz de Cacho-
eira do Campo, comarca de Vila Rica, meados do século XVIII.
Figura 106 Detalhe do forro da capela-mor, anjo com o “balaio”
de ores
Figura 107 – Alegoria da “Abondanza”, Cesare
Ripa, Iconologia (1611). Fonte: <http://bivio.signum.
sns.it/>.
396
consciência de preceitos retóricos no capítulo anterior –, tenha gurado na capitania feições
morenas, ou elementos do uso e decoração habitual setecentista, por originalidade, identida-
de nacional mestiça ou outra intenção anacrônica. Ele o fez por questão de decoro e ecácia
persuasiva, adaptando os elementos da representação ao costume do lugar. Essa adaptação
provocava a adesão do destinatário às matérias retratadas. Segundo a doutrina do ut pictura
poesis, era recomendado a pintores que conhecessem os preceitos e lavores de poetas, ora-
dores e retores, seja para bem inventar a história, seja para imitar corretamente em gestos,
caracteres e afetos, seja para copiar variedade de elementos, cores, personagens etc. Alberti
dedica parágrafos do Livro terceiro do De Pictura (1435-6) a essa homologia
162
, e, em Portu-
gal, o melhor exemplo talvez seja o desenvolvimento que a matéria teve no tratado de Manuel
Pires de Oliveira, Poesia, e Pintura, ou Pintura e Poesia, escrito em 1633, e que, para além
de tratar das artes “irmãs gêmeas”, em várias passagens louva o “costume”
163
. Autorizado em
Aristóteles, Quintiliano recomendava que os oradores adaptassem as matérias dos discursos
escolhendo argumentos e exemplos autorizados no costume do lugar. Nos discursos de -
nero demonstrativo, por exemplo, que se louvasse então o objeto ou ser do encômio a partir
das virtudes e opiniões do lugar. Escreve Quintiliano: “em Lacedemônia, por exemplo, não
será tão bem aceito o louvor das letras como em Atenas”
164
. Em circunstâncias coloniais, se
162
Especialmente: “Por se vê quanto louvor tais invenções proporcionam ao artíce. É isso que acon-
selho a todo pintor que se torne íntimo dos poetas, dos retóricos e de outros iguais conhecedores das
letras. Eles proporcionam novas invenções ou ao menos ajudarão na composição de uma bela história,
por meio da qual os pintores conquistarão na pintura muito louvor e fama. Fídias, homem famoso entre
os demais pintores, confessava que tinha aprendido com o poeta Homero a pintar Júpiter com sua
majestade divina”. Cf. ALBERTI, Leon. Da pintura, L. III, § 54, p. 130.
163
Cf. ALMEIDA, Manuel Pires de. Poesia e pintura ou pintura e poesia. “Que o mesmo é história na
pintura que fábula na poesia. Das partes da história e da fábula e de suas obrigações. Primeira parte da
pintura e da poesia”, p. 104: “Mas não seguimos por ora estas três opiniões, mas a de Robortello, que
tem para si em parte corresponder ao costume e à locução; e a Castelvetro, que assenta corresponder
ao costume, ao conceito e à locução; ou para melhor, a Patrício, que diz que assim como o pintor ex-
prime com cores coisas e guras várias, assim o poeta, com sua locução, palavras, verbos e nomes,
que ele tem em vez de cores, expressa quanto lhe vem ao entendimento, e faz chegar tudo às orelhas,
como o pintor aos olhos”.
164
Cf. QUINTILIANO, Fábio. Instituições oratórias (Institutio Oratoria). Tradução de Jerônimo Soares
Barbosa. São Paulo: Edições Cultura. 1944. L. I, Cap. XIV, Art. II, “Objeto do louvor, e lugares próprios
dêle”, § VII, p. 118-119: “Aristóteles julga importar muito ver o lugar onde qualquer é louvado, ou vitu-
perado. Porque é muito necessário conhecer os costumes dos ouvintes, e as opiniões que entre êles
correm, para assim regularmos o discurso, e fazer-lhes crer, que as coisas, que eles têm por louváveis,
se acham nas pessoas que elogiamos; ou que aquelas, que êles detestam, se acham naqueles que
vituperamos. Se assim o zermos, antes mesmo de pronunciarmos o nosso discurso, poderemos sa-
ber o juízo que dêle hão de formar os nossos ouvintes... Em Lacedemônia, por exemplo, não será tão
bem aceito o louvor das letras como em Atenas, mas o da paciência, e fortaleza, sim. […] Devemos
outrossim ter o cuidado de misturar o louvor dos mesmos ouvintes com o da pessoa que elogiamos,
para assim granjearmos o seu favor”. De modo semelhante, e visando sempre à persuasão, Quintiliano
trata do decoro e do costume nos discursos de gênero deliberativo, ou suasório. Mais uma vez, há uma
adaptação ao destinatário: “Mas às pessoas atendemos nós as mais das vêzes para guardar as regras
397
asseverava o artifício. É o que nos mostra um tratado de retórica escrito justamente por um
frei franciscano, frei Diego de Valadés, no nal do século XVI, no México, em que também
se recomenda o conhecimento dos costumes locais, a ns de conversão mas também de
correção no tratamento das matérias. Na explicação do que era o Gênero Demonstrativo, na
quarta parte do tratado Rhetorica Christiana, Fr. Valadés aderiu um verdadeiro tratado sobre
os costumes dos índios da América
Puesto que entre todos los acontecimientos y empresas de los cristianos,
desde que Dios creó el mundo universo, no hay outro alguno tan digno de
eterna memoria y en el que Su Majestad haya manifestado tanta clemencia
como la conversión, pacicación y sujeción de las nuevas tierras en Nueva
España, me he determinado a insertar en este lugar una narración de las
costumbres y de las ceremonias [de los indios], para que así, por los efectos,
se venga em más claro conocimiento de las causas
165
.
A meu ver, é algo semelhante o que acontece nessas ornamentações das igrejas, ao se es-
colherem caracteres decorosos, elementos, ornatos e utensílios do costume do lugar, como
o balaio de palha. A simpatia da recepção, e daí a sua adesão, era imediatamente favorecida
no reconhecimento desses aspectos, circunstâncias e preceitos que os artíces certamente
conheciam, dos tratados ou do próprio costume em se fazer. Assim, no “balaio” da abóbada,
condensou-se num só elemento o cotidiano simpático e as matérias sublimes da abundância
celeste.
do Decôro tanto em nós, que damos o conselho, como nos que o pedem. Assim, ainda que os exem-
plos nos discursos dêste gênero têm suma fôrça para persuadir, porque os homens levam-se muito da
experiência; contudo por conta do decôro importa muito ver, de que pessoas tiramos os exemplos, e a
quem os aplicamos. Porque são diferentes os ânimos e caráter dos que o deliberam”. Idem, Ibidem, L.
I, Cap. XV, Art. II: “Do decôro que é necessário guardar nos discursos suasórios”, § I e II, p. 135-136.
165
VALADÉS, Diego (Fray). Rhetorica Christiana. Cuarta Parte, III. Se explica qué es el género de-
monstrativo, p. 166-167, [377-378]. Adiante, na mesma parte, Valadés descreve a “república dos ín-
dios”, nome que se deu à congregação dos índios já reduzidos nos novos costumes cristãos. Na base
da nova ordem, estava “um desenho decente e decoroso dos lugares para os futuros edifícios, ruas,
passeios e caminhos”: “Después de que los religiosos hubieron congregado, no sin gran trabajo, a los
indios que estaban dispersos por los montes y desiertos, y los hibieron reducido a que viviesen em
sociedad, ls enseñaron solícitamente las constumbres y modos de vivir en los negocios de la familia
y asuntos domésticos. Se hizo primeramente um diseño decente y decoroso de los lugares para los
futuros edicios, calles, paseos y caminos, e hízose también la distribución de los campos por orden
de la majestad real y del Ayuntamiento”. Idem, Cuarta Parte, Descripción de la república de los indios,
p. 209, [469].
398
Bem ali, no coroamento do retábulo-mor (FIG. 108), a Santíssima Trindade autoriza o concei-
to, acompanhada da Virgem logo abaixo, e é por isso que a condição de n. 9 (da capela-mor e
abóbadas) adverte tanto a respeito do zelo com que se deveria fazer os arcos do “barrete”
166
,
em seus níveis, medidas e lugares: “Algum dia”, relatou o apontamento, a articulação das par-
tes de arquitetura receberia a “cimalha que se faz mística na boca do retábulo”, qualicação
autorizada pelas guras sacratíssimas que arrematam o conjunto escultórico do retábulo, que,
a esta altura, já deveria estar riscado.
Será obrigado a principiar oacento das ditas pedras deCantaria, quefasem
emposta ao d.º arco, evem aSer duas pedras, paraCada Lado, aSaber apri-
meyra terá dois palmos e meyo de alto, eaSegunda tres, com o fundo neces-
sario para meter nas paredes, eaSua Largura, heaque permite avolta do arco
que são quatro palmos de vivo, e com omais corpo necessario para engra da
moldura da dita Abobada com as suas grossuras necessarias para fazer r-
me nas paredes, com as sacadas percizas, ecom aelevação necessaria para
algú dia receberem aSimalha que se fas mistica na boca do retabolo, tudo
com aSegurança eperfeição nesseçaria como Seespera do Zeloso rematante
[…].
167
166
“Barrete” era o nome que se dava também às abóbadas da arquitetura, por se assemelharem, em
alguns casos, aos chapéus ou “barretes” usados pelos clérigos.
167
Na condição anterior, de n. 8, mais uma vez se requereram a segurança e a perfeição de toda a ci-
malha, referindo-se particularmente à sua aparência pintada: “Será obrigado a faserlhe sua Simalha em
toda a Circumferencia dad.ª abobada, quehe para melhor vista e perfeição da Obra, Revocando tudo
bem Liso deCal branca e Cayando tudo sem manchas”. CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme
20, Vol. 242, “Condiçoens para Se Rematarem as Abobadas dos Corredores, e Barrete da Capela Mor
da Igreja do Patriarcha S. Francisco de tijolo, e cal, etc.”.
Figura 108 Coroamento escultórico do retábulo-mor, guras da Trindade e
da Senhora, mais abaixo
399
Aos que defendem que os riscos da igreja e da capela-mor tenham sido mesmo de Antônio
Francisco Lisboa, este poderia ampliar a coleção de argumentos favoráveis. Pois nessa con-
dição, o redator, e provável autor do risco, procurou resguardar a segurança e a perfeição da
fábrica com aspectos que remetem a outro risco, do retábulo, obra documentada ao Aleijadi-
nho.
O retábulo-mor foi ornado e inventado em sutilezas (FIG. 109). Como costume, está estrutu-
rado nos quatro registros convencionais
168
sotobanco, com o altar propriamente dito, banco,
a receber o Sacrário, pé-direito, ladeando trono e camarim, e coroamento, em rico jogo escul-
tórico de anjos, concheados e as “guras místicas” da cimalha. Repousado em portentosas
mísulas situadas no registro do sotobanco, as colunas extremas possuem geometria bastante
caprichosa, capaz de chamar a atenção pelo desenho. Caneluras bastante espaçadas con-
ferem maior evidência e distinção ao fuste e, no seu terço inferior, Aleijadinho inventou um
duplo movimento, giratório e translativo (Fig. 110). A base gira em relação ao eixo central
90º, assim como as colunas da portada. Após o lete do terço, o giro é 1/3 menor, em 45º, o
suciente para dar continuidade à leitura verossímil do movimento. Não bastasse a sutileza,
Aleijadinho aditou outros caprichos. Transportou a seção da coluna para a frente, à medida
que ela se aproxima da marcação do terço. Assim, o fuste da coluna avança e depois retorna
à sua marcação primeira, o eixo vertical original, para com o capitel encontrar o lugar exato
de sustentação do entablamento. O artifício descobre um efeito bastante semelhante ao que
buscou Andrea Pozzo na invenção de um denominado altare capriccioso para o Retábulo-
mor de uma igreja “principal” em Roma (FIG. 111). Infelizmente, o altar não foi construído, mas
pela descrição e pelas guras de números 75 e 76 do segundo livro do Tratado Perspectiva
pictorum et architectorum, pode-se comparar os efeitos. As colunas do chamado altare capric-
cioso possuem o mesmo movimento de translação no terço inferior, mas, nessas, a cabeça
do fuste permanece deslocada do eixo da base, como se a coluna estivesse deetida, ou
melhor, se consultarmos a explicação do engenhoso inventor, em posição “sentada”
169
. Pozzo
168
Sobre os registros convencionais da talha setecentista, cf. HILL, Marcos César de Senna. A talha
barroca em Évora; séculos XVII e XVIII. Évora: Universidade de Évora, 1998.
169
“Avendo udito che in una chiesa principale di Roma si doveva fare un’altar maggiore, che variasse da
tanti altri, con qualque novità, e bizzarria; fatto anch’io questo disegno da adattarsi à quel luogo, e
ve lo mostro quì sol per mostra. Ma perche egli può esser condannato per la novità delle colonne; onde
nessuno vorrà esser primo à servirsene, come di cosa insolita presso gli antichi; io voglio purgarmi di
questa accusa, se non coll’autorità, almen colla ragione. Gli antichi adunque (se diamo fede à Vitruvio)
non di rado servironsi per colonne, ò pilastri per variar l’architettura, di statue di uomini, e donne, che
egli chiama chariatidi. Or si mi dica, che necessità v’è che abbian a star ritte in piè, e non possan
400
fare il loro ofcio sedendo? E se in ciò non v’è inconveniente, non vedere che inconveniente sia in
far anche le colonne sedenti, che sono guri di quelle. Dico però nondimeno, que se ben e fanno in
questo disegno all’occhio buon’effetto, e sono atte a sostenere la fabrica per esser unite à pilastri; non
dobbiamo abrusarsene trasferendole in altre cose. Il punto dell’occhio è alquanto fuori del mezzo”.
Perspectiva pictorum et architectorum Andreae Putei e societat Jesu. Pars secunda. In quâ proponitur
modus expeditissimus delineandi optice omnia, quae pertinent ad architectorum Romae MDCCXXIII.
Ex Tipographia Antonii de Rubeis è Foro Rotundae in via ad Seminarium Romanum. Superiorum Fa-
cultate. Figura settantesima quinta e settantesima sesta (Biblioteca Municipal do Porto, BMP Cota
Y-14-12). O exemplar examinado pertenceu ao Fr. Estevão, do Loreto.
Figura 109 – Retábulo-mor
401
justicou a “bizarra”
170
invenção na “novidade” causada pela “variação” do costume e da regra
dos antigos. Para tanto se autorizou neles mesmos, os antigos, que variavam suas colunas e
pilastras, por exemplo, na imitação de corpos gurados de homens e mulheres, as cariátides.
Sendo assim, argumenta Pozzo, se sempre foi plausível inferir que colunas são imitações de
homens, e se estes seres podem se “assentar”, não seria inverossímil desenhar uma coluna
“caprichosa” que imitasse a mesma ação humana.
170
Os termos “bizarro”, “capricho”, “caprichoso” possuem uma amplidão semântica destacável. Ge-
ralmente, é o que adverte Montijano García, que procurou estabelecer um estudo sistemático do vo-
cabulário artístico de Vasari, os termos se remetem mutuamente e, particularmente, o termo “bizarro”
sempre encontra seu melhor aclaramento em proximidade a outras categorias do texto, como “bello”,
“fantasia”, “strano”, “vago” etc. Na passagem em que Pozzo justica o altare capriccioso, as duas
categorias comparecem, “bizzarria” e “capriccio”, bem como a “novità”. Pela matéria e pela forma co-
mentadas pelo jesuíta, a se julgar sobretudo pelo caráter de extrema “novidade” da invenção, os ter-
mos devem mesmo aludir aos aspectos mais aceitos: “insólito”, “estranho” e “extravagante”. O termo
“caprichoso”, aplicado ao objeto artístico, geralmente se vincula ao sentido mesmo de uma invenção,
“convertendo-se em uma qualidade fundamental tanto do artista quanto da obra de arte”; também
podendo assumir a aplicação a um detalhe ou elemento que é “pouco natural”, “complicado”, “muito
elaborado”, ou até “afetado”. Talvez decorra desse limite tênue, entre a louvação e a maledicência,
que Pozzo tenha recorrido aos antigos para autorizar prudentemente o seu “caprichoso altar”. Sobre
as categorias do “bizarro” e do “caprichoso”, cf. MONTIJANO GARCÍA, Juan María. Giorgio Vasari y la
formulación de um vocabulario artístico. Málaga: Universidad de Málaga; Real Academia de Belas Artes
de San Telmo, 2002. “4.9. Bizzarro y capriccioso”, p. 216-243.
Figura 111 Altare Capriccioso, Andrea
Pozzo. Fonte: POZZO. Perspectiva Pic-
torum et Arquitectorum, v. 2. Roma, 1737.
Figuras 75 e 76
Figura 110 Detalhe da coluna caprichosa do re-
tábulo-mor
402
Os capitéis das colunas e quartelões que
estruturam os retábulos possuem variação
também articiosa. Assim como nos altares
laterais do Carmo de Vila Rica, as volutas
do capitel nascem do astragalo, na parte de
baixo do capitel, e não do ábaco, na par-
te de cima, invertendo o sentido natural do
enrolamento que se desenvolve mistilíneo
por todo o corpo do elemento (FIG. 112).
Mas em São Francisco ele é ainda mais
sutil. Uma folha de acanto nasce em frente
a cada uma dessas volutas que sobem e,
continuando a idéia de inversão geral dos
ornatos, uma segunda faixa de folhas de
acanto, na verdade um gracioso tufo com
três folhas, pende do ábaco, de cima para
baixo, logo sob uma pequena rocaille que emula a os abaci (or do ábaco) habitual, como
encontrada nos preceitos coríntios ou compósitos. Acima do ábaco, nasce outro par de volu-
tas, mais delicadas, que se enrolam para cima, na direção da arquitrave, como fossem dois
pequenos cornos coroando o capitel. Esses ornatos parecem criar correspondência com as
volutas que imitam o mesmo desenho que
coroa o Sacrário monumental, que tam-
bém possui duas volutas ladeando todo o
seu corpo (FIG. 113). Acima do sacrário, foi
disposto um cordeiro, que aparece com as
patas dianteiras articiosamente a segurar
aberto o Evangelho segundo São João (1,
29), anunciando a si mesmo: Ecce Agnus
Dei.
Em todo o camarim as pinturas em verme-
lho e azul engraçam o caráter, ornado ainda de conjuntos vários de pequenos anjinhos e
ores (FIG. 114-116), alguns dentro de formosas medalhas, com tas em dizeres. Acentu-
am o esplendor da imagem da Senhora entronada. São também azuladas as arquitraves e
cornijas do entablamento, mas o friso bojudo é branco, para distinção de todas as faixas da
Figura 112 – Detalhe do capitel da coluna capricho-
sa do retábulo-mor
Figura 113 – Detalhe do coroamento do sacrário
403
arquitetura. Nas várias alturas do coroamento, anjos adoradores e querubins aparecem em
praticamente todas as saliências da arquitetura, sobre os fragmentos de frontão acima das
colunas, nas volutas dos quartelões, nos ressaltos da cornija da arquivolta que dene o cama-
rim ou a “boca da tribuna”, como está no documento. A distinção das arquivoltas é enriquecida
pela preciosidade do douramento aplicado nas rocailles que por ela se distribuem. Ademais,
rocailles douradas assimétricas aparecem em todas as partes lisas do retábulo, numa nítida
evidência de ornamentação discreta, com juízo e comedimento o bastante para ilustrar o gos-
to moderno pela clareza e pela distinção.
Figura 114 Vista da abóbada do nicho do camarim, retábulo-
mor
Figura 115 Vista da parede lateral do nicho do camarim, retá-
bulo-mor
404
No frontal do altar, como disse, foi decentemente gurada a Ressurreição do Deus (FIG. 117).
A glória de Cristo sobre a morte é a razão católica que comprova a salvação, comprometida
na participação eucarística do corpo e do sangue de Cristo, mas tornada sinal evidente e irre-
futável com a consumação desse mistério. A mesma matéria foi tratada em formas diferentes,
na igreja do Pilar. Lá, o Cristo ergue a bandeira triunfante, atributo do milagre, mas, aqui, a
conformatio se adapta a um momento posterior, quando as mulheres chegam para embalsa-
mar o corpo de Cristo e o anjo anuncia que Ele havia “ressuscitado”, “e não estava mais ali”. A
ta falante dá a voz ao anjo: “SVREXIT NON EST HIC”. Pode-se notar que a pedra que cobria
a lápide está deitada por detrás, e o manto do Senhor pende para a frente, engastando-se
pela parte de dentro da rocaille que orna a face inferior da moldura do frontal, também capri-
chosamente.
Figura 116 Detalhe de ornamentação oral pintada nas pare-
des do camarim
Figura 117 – Painel dourado do frontal do altar-mor, com destaque para iconograa remissiva
à Ressurreição de Cristo, quando as mulheres foram levar óleos para embalsamar o corpo
405
Lembremo-nos que, na Summa Espiritual, a Ressurreição é o primeiro tema das meditações
que correspondem à terceira e última via, Unitiva, ápice do caminho cristão da perfeição.
Como era estilo, literalmente, as demais meditações da união com Deus estimulam atributos
todos eles imitados na capela-mor de São Francisco de Assis, temas muito decorosos para
elogiar o cume da União. Além da Ressurreição e da Ascensão de Cristo, comparecem a
vinda do Espírito Santo e os mistérios da Santíssima Trindade, esculpidos no coroamento
em arquivolta; a instituição do Santíssimo Sacramento, na representação do sacrário e nas
paredes da capela-mor com as pinturas da Santa Ceia e do Lava-pés; e, nalmente, a Assun-
ção de Nossa Senhora ao céu, que está na base do coroamento do retábulo, logo abaixo da
Trindade.
Perfeita em sua construção, implantada como pretenderam os irmãos – para além da decên-
cia necessária –, ornada em sítio oportuno, com aparatos de graça, bela vista e decorosas
sutilezas de planta, disposição e ornamentação, a capela de São Francisco de Assis em Vila
Rica cumpria elmente o desígnio de sua Ordem. Espelhava em representações o severo
teatro penitente adequado à gravidade dos compromissos franciscanos, conservando a bran-
dura (jônica) decorosa ao caráter do Santo e da Matrona devotada. A Ordem terceira soube
se valer do aparato arquitetônico para rearmar não apenas o louvor de piedade com que
sempre foi reconhecida, união da mais discreta e elegante sociedade laica setecentista, mas
também a maravilha e o êxtase da União com Deus os prêmios e prazeres da perpétua
bem-aventurança.
CONCLUSÃO
407
CONCLUSÃO
É evidente a participação fundamental da doutrina do decoro na fábrica da arquitetura religiosa
em Vila Rica. A tese poderia ser estendida, consideradas outras circunstâncias, para as
povoações da capitania e os mais lugares da colônia, porque também deve ter cado evidente
que se tratava de um preceito de uso generalizado, autorizado por fontes letradas várias,
estimulado pela política teológica metropolitana e conservado pelas práticas habituais do
ofício artístico. Pretendeu-se, por conveniência metodológica, vericá-lo numa circunstância
especíca, Vila Rica, a cabeça das povoações da capitania responsável pela glória material
do reino português no século XVIII.
Interessava muito à coroa, à Igreja e também aos colonos congregados em irmandades leigas
que os corpos de arquitetura se zessem e se apresentassem com decoro. Para tanto, o
preceito foi considerado em todas as etapas da fábrica, desde a escolha dos sítios mais
vistosos, aptos, elevados e decentes, a invenção das plantas, a disposição das partes, até
os últimos procedimentos da ornamentação, talha, escultura, pintura e douramento. Como
condensou Matheus do Couto em seu Tractado de Architectura, de 1631 numa sentença
que pode ser considerada uma máxima do decoro externo do gênero –, era recomendável
que as Igrejas manifestassem em sua aparência o ornato, a dignidade e o caráter capazes
de fazer com que toda pessoa, ao adentrar nelas, exclamasse: “Isto parece Caza de Deos”
1
.
Nessa distinta sociedade de corte, circunstanciada em âmbito colonial, os corpos de arquitetura
religiosa espelhavam a dignidade de seus comitentes, mas também a integridade do reino,
composto e evidenciado especialmente por esses corpos de comodidade e representação.
que se lembrar também, com relevância, que nesses lugares sacros privilegiados se
acomodavam fundamentalmente os usos de culto e muitas outras práticas de representação,
os aparatos cenográcos e iconográcos, os ritos litúrgicos, as efemérides políticas, a
congregação social etc., aspectos que sobrelevavam a necessidade de se apresentarem com
o devido decoro.
A decência e a maravilha da arquitetura representavam as virtudes da Igreja, do Estado e de
1
MATHEUS DO COUTO, Tractado de Architectura, L. I, Cap. 10. Sobre fundar as obras de toda a
qualidade, . 38.
408
seus membros em tratar com zelo e piedade as coisas divinas, requisitos com que se manter
a concórdia, a ordem e o bem comum. Além de corresponder à Glória de Deus, da Igreja
Triunfante e da monarquia, o esplendor do aparato arquitetônico excitava os ânimos na fé, na
piedade e mais virtudes interessantes ao decoro do estado católico.
Convinha fabricar templos e homens virtuosos, e a qualidade desses dependia da recepção
daqueles. Através de corpos admiráveis e decorosos, a retórica da arquitetura religiosa
nalizava metaforicamente a edicação do el, desempenhada por encantos e ensinamentos
que anunciavam as benesses da fé católica. Na fábrica teatral dessa arquitetura, encenavam-
se fundamentalmente as virtudes defendidas pelo catolicismo, representadas em eventos
e personagens das Sagradas Escrituras, nas alegorias e emblemas que deliberavam por
caminhos retos virtuosos, no encômio dos mistérios, sacramentos e devoções santas, na
promessa de uma bem-aventurada salvação. Assim, as matérias mais ecazes do gênero eram
expostas tanto para promover imitação quanto para comover afetos veneráveis, iluminadas
pelo efeito da maravilha que as requintava em seu efeito.
Mas as virtudes da fábrica (edifício) consistiam também no conjunto de regras e preceitos,
como o decoro, a perfeição, o asseio, a segurança, a comodidade, a formosura, que
sustentavam a fábrica (construção) material da arquitetura. Se o corpo, em gestos, poderia
representar as virtudes da alma, conforme postulavam as doutrinas mais antigas da imitação
e do decoro, o corpo da arquitetura também dava a revelar, em seu decoro e qualidades mais,
as virtudes da operação fabril. Ainda que eventualmente insatisfeitas, por qualquer motivo,
falta de auxílio material da coroa, como no caso da capela-mor da Matriz de Casa Branca,
defeito de execução ou ruína nal, como no caso do zimbório da capela-mor da Igreja do
Pilar, há que se considerar a valia e a aplicação costumeira e ajuizada do imenso arsenal de
preceitos que visava constituir fábricas inviolavelmente decorosas.
Assim, as matérias da arte, da ética e da política se adunavam e se justicavam no fundamento
teológico de que Deus era a Causa primeira, mas também o Fim, de todas as coisas; daí
porque tanto zelo e dedicação ao “decoro da Casa do Senhor”. E daí também porque, além
dos colonos, a quem tocava cotidianamente a materialização dessas decências, a coroa
participava ativamente, seja na doação de terrenos apropriados para ereção de capelas, seja
no auxílio à construção, reforma e ornamentação das capelas-mores das Matrizes. Se os
templos eram os corpos mais importantes da povoação, as capelas-mores eram suas cabeças,
ápice da encenação; onde se consumava, pela comunhão da Eucaristia, a integração de
409
todos os membros na hierarquia do Corpo místico de Cristo, da Igreja e do Estado.
A evidência mais imediata da consideração do decoro na fábrica religiosa de Vila Rica é a
permanente conservação do costume, um dos pressupostos do preceito, como bem sinalizou
Hansen: a imitação daquilo que é consagrado como correto e deve sempre ser, portanto,
repetido. As tópicas comuns e especiais da arquitetura, e das demais práticas artísticas,
imaginária, escultura, talha etc., eram conservadas e continuamente imitadas, sobretudo
dentro de uma mesma devoção. Relativa também a essa recomendação geral de imitação e
conservação do costume pode se constatar nos edifícios e também nas várias condições
dessas obras –, ca patente a recomendação generalizada de se proporcionar “irmanações”,
“semelhanças” e “correspondências” várias entre as partes de um mesmo edifício, o que
garantia efeitos nais de coerência, decência e verossimilhança ao corpo da arquitetura.
Assim como doutrinava a forma mentis do período, a conservação do costume não impedia,
ou, pelo contrário, implicava, que os artíces emulassem e variassem no costume, buscando
novidades adequadas na invenção, na disposição e na ornamentação das igrejas. Emulando
na conveniência, a nalidade era provocar efeitos de agudeza e maravilha, granjear aplauso e
reconhecimento discreto do engenho, evidência da graça divina que operava com desígnios.
Foi assim na engenhosa invenção da nave eucarística da Igreja do Pilar; na invenção única
do zimbório da capela-mor; nas sutilezas de desenho várias que se multiplicaram nas capelas
do Carmo e São Francisco; na acomodação de ornatos consagrados da arte aos costumes e
materiais do país; na articulação contínua e articiosa dos elementos.
O decoro orientava a estrita correção da iconograa pintada e esculpida; não apenas em
matéria de moralidade e pudicícia, como muito se escreveu a respeito da arte pós-tridentina,
mas também na conveniência geral das histórias e personagens ao orago que condicionava
as matérias da representação. Internamente ao corpo da fábrica, a dignidade e o caráter de
cada lugar ou membro especicava as matérias adequadas, como no teatro eucarístico e
sacrical das capelas-mores, ou na purgação das vaidades à entrada do templo penitente. As
posições, alturas, proporções e ornatos deveriam espelhar o decoro do lugar. Assim também
é que se regravam adequadamente as hierarquias, as elevações, os degraus, as aberturas,
as disposições de retábulos, o caráter em geral dos ornatos, o meio-termo adequado entre
o juízo e a fantasia que especicava, conforme o lugar, o tempo e o gosto, as distintas
proporções de clareza e estilo; tão diversas, por exemplo, na Matriz e nas duas capelas
estudadas. Guardava-se o decoro também no permanente zelo dos irmãos comitentes das
410
obras em levá-las “até a última perfeição”. Para tanto, o exame de peritos louvados constituía
o expediente freqüente e costumeiro. Além da “perfeição”, buscava-se resguardar também a
“segurança” das edicações e a “comodidade” dos usos, uma tríade que operava em todas as
etapas da fábrica, e em todas as fábricas.
A tese do decoro parece permitir, enm, uma reconstituição histórica bastante adequada à
forma mentis que compreendeu a fábrica desses corpos. A relevância da arte produzida em
Vila Rica não pode estar condicionada às teses da identidade nacional, da originalidade ou da
genialidade excepcional. Melhor pensar, outrossim, no engenho que produziu, decorosamente,
os efeitos e proveitos dessa arquitetura, seus preceitos e nalidades. Investigar-lhe o
decoro nos conduz, ademais, e necessariamente, a penetrar meandros doutrinários que
contribuem bastante para a interpretação das formas e também de uma série de termos
que, transformados continuamente pela apropriação dos homens e do tempo, implica rigor
e exigências redobradas na dedicação às obras, documentos e escritos mais, coevos. O
trabalho talvez seja inesgotável, como haverá de sempre ser história.
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restituendas, proponuntur. Ad usum quidam Ecclesia suae Bononiensis scripti, caeterum bono
omnium Ecclesiarm nunc primum Latine editi. Cum Pontif. Max & Caesar. Maiest. Gratia e
Priuilegio. Ingolstadii, Ex Officina Typographica Davidis Sartoril Anno M.D.XCIV.
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da Companhia de Jezus e sam dous belumes de folio grande feito em Latim, e Italiano; e agora
vertido, ou traduzido em Portugues pelo P. P. Fr. Franc.co de Sam Jozé, de Pibidem. Pera me
aproveitar da sua Lição me vali do dito P. asima mensionado. (Manuscrito, BNP Cota. FNR 945).
POZZO, Andrea. Perspectiva pictorum et architectorum Andreae Putei e societat Jesu. Pars prima.
In quâ proponitur modus expeditissimus delineandi optice omnia, quae pertinent ad architectorum
Romae MDCCXXIII. Ex Tipographia Antonii de Rubeis è Foro Rotundae in via ad Seminarium
Romanum. Superiorum Facultate.
POZZO, Andrea. Perspectiva pictorum et architectorum Andreae Putei e societat Jesu. Pars
secunda. In quâ proponitur modus expeditissimus delineandi optice omnia, quae pertinent ad
architectorum Romae MDCCXXIII. Ex Tipographia Antonii de Rubeis è Foro Rotundae in via ad
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tractã las cinco maneras de como se puede[n] adornar los edificios que son, Thoscano, Dorico,
Ionico, y Corinthio, y Compuesto, cõ los exemplos de las antiguedades, las quales por la mayor
parte se conforman com la doctrina de Vitruvio. Agora nouamente traduzido de Toscano em
le[n]gua Castellana, por Francisco Villalpando Architecto. Impresso en Toledo en casa de Iuan de
Ayala. Año. 1552.
SERLIO, Sebastiano. Tutte l’Opere d’Architettura di Sebastiano Serlio Bolognese; dove si trattano
in disegno, quelle cose, che sono più necessarie all’architetto et hora di nvovo aggiunto (oltre il
libro delle porte) gran numero di case priuate nella Città, & in villa et un indice copiosissimo
Raccolto per via di considerationi da M. Gio Domenico Scamozzi. In Venetia MDLXXXIIII (1584).
Presso Francesco de Franceschi Senese.
TESAURO, Emanuele. Argúcias Humanas. (Excerto de Il Cannocchiale aristotelico, 1670).
Tradução de Gabriella Cipollini e João Adolfo Hansen. Revista do IFAC. Ouro Preto: IFAC/UFOP,
n. 4, p. 3-10, dez. 1997.
TESAURO, Emanuele. Il cannocchiale aristotelico o sai dell’arguta, et ingeniosa Elocutione, Che
serve à tutta l’Arte Oratoria, Lapidaria, et Simbólica. Esaminata co’ principii Del divino Aristotelte.
Dal Conte D. Emanuele Tesauro, Cavalier Gran Croce de’ Santi Mauritio & Lazaro. 5 ed. Torino,
Zavatta, 1670.
VALADÉS, Diego (Fray). Rhetorica Christiana, adaptada para el uso de disertar y predicar,
llevando insertos en su sitio ejemplos de ambas facultades. Éstos son extrahidos sobre todo de las
historias de los indios. De donde, además de la doctrina, se obtendrá una suma delectación. 2ª
edição, introdução de Esteban J. Palomera. México: FCE, 2003. (Biblioteca Americana).
VASCONCELLOS, Ignacio da Piedade. Artefactos Symmetriacos, e Geometricos, advertidos, e
descobertos pela industriosa perfeiçaõ das Artes, Esculturaria, Architectonica, e da Pintura. Com
certos fundamentos, e regras infalliveis para a Symmetria dos corpos humanos, Escultura, e
Pintura dos Deoses fabulosos, e noticia de suas propriedades, para as cinco ordens de
Architectura, e suas figuras geometricas, e para alguns novos, e curiosissimos Artefactos de
grandes utilidades. Offerecidos á Serenissima Senhora D. Marianna de Austria, Rainha de
Portugal, Repartidos neste volume em quatro livros, pelo Padre Ignacio da Piedade Vasconcellos,
424
Conego secular de S. Joam Euangelista, neste Reyno de Portugal, e Prégador nesta
Congregação, natural de Santarem. Dados Á estampa pelo Reverendissimo Padre Antonio da
Anunciaçam da Costa, Conego da mesma Congegaçaõ. Lisboa Occidental, na officina de Joseph
Antonio da Sylva, Impressor da Academia Real. MDCCXXXIII (1733). Com todas as licenças
necessaria. (BNP cota BA 237v. Microfilme F. 1945)
VIGNOLA. Regla de las cinco ordenes de Jacome de Vignola agora de nueuo traduzido de
toscano em Romance por Patricio Caxesi Florentino, pintor y criado de su Mag. Dirigido al Principe
Nvestro Señor. En Madrid, En casa del Autor en la La calle de la chruz. A. D. 1593.
VITRUVIO. De Architectura. Tradução e commento di Antonio Corso e Elisa Romano. Torino:
Giulio Einaudi, 1997. 2 v. (A cura di Pierre Gros).
VITRÚVIO. Tratado de arquitectura. Tradução do latim, introdução e notas por Justino Maciel;
ilustrações de Thomas Noble Howe. Lisboa: IST Press, 2006.
FONTES ECLESIÁSTICAS ANTIGAS
ANTONIO, Fr. João Bautista de S. Paraíso Serafico, plantado nos santos lugares da redempção.
Regado com as preciosas correntes do Salvador do Mundo Jesu Christo, fonte da vida, guardado
pelos filhos do Patriarcha S. Francisco com a espada de seu ardente zelo, repartido em oito
estancias, ou livros, nos quaes se descrevem os principaes Santuarios, em que residem os
Religiosos Franciscanos: e o seu incomparável zelo: a perfeição, e magestade do Culto, que a
Deos tributão nos Officios Divinos, e mais funçoens, e celebridades: os frequentes, e grandes
trabalhos, que padecem pela Fè: os frutos, que adquirem com sua pregação, e doutrina, as
despezas, que fazem: as Conductas, que deste Reyno de Portugal recebem: e ultimamente se
matizaõ com varias noticias Historicas, e Geograficas do mesmo Paiz, memorias do seu governo
antigo, assim Real, como Pontificio, e outras cousas dignas da attenção universal. Parte I.
Dedicada ao Serenyssimo Rey de Portugal Dom Joaõ V. Por seu author Fr. Joaõ Bautista de S.
Antonio, dos Menores de S. Francisco da Provincia de Portugal, no menor estado de Leigo, natural
da Villa de Basto, Vice-Commissario, e Procurador Geral da Terra Santa, nestes Reynos de
Portugal, e Conquistas. Lisboa Occidental. Na officina de Domingos Gonçalves, Impressor dos
Monges das Covas de Mont-furado. MDCCXXXIV (1734). (BNP- Cota HG. 1060).
AQUINAS, Thomas. The summa theologica of saint Thomas Aquinas. Chicago: Enciclopaedia
Britannica; Willian Benton, 1952. 2 v.
BREVE DA INVENÇÃO DO CORPO DO SERAFICO S. FRANCISCO. [Pelo] Papa Pio Septimo. In:
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO. Filme 13, vol. 231, (documento avulso). Roma, Santa
Maria Maggiore, 5 de Setembro de 1820. (Reimpresso no Rio de Janeiro, Imprensa Nacional,
1822).
CONSTITUIÇÕES PRIMEIRAS DO ARCEBISPADO DA BAHIA, feitas e ordenadas pelo
illustrissimo, e reverendissimo senhor Sebastião Monteiro da Vide, bispo do dito arcebispado, e do
conselho de sua magestade: propostas e aceitas em o synodo diocesano, que o dito senhor
celebrou em 12 de junho do anno de 1707. São Paulo: Tipographia 2 de Dezembro/Antonio
Louzada Antunes, 1853.
CONSTITUIÇÕES DO ARCEBISPADO DE BRAGA [1538]. Lisboa, por Germão Galharde. 30 de
maio de 1538.
CONSTITUIÇÕES SINODAIS DO ARCEBISPADO DE BRAGA, ordenadas pello Ill.mº S.ºr
Arcebispo D. Sebastiaõ de Matose Señor no Anno de 1639. E mandadas emprimir a primeira vez
pelo Ill.mº Senhor D. Joaõ de Sovsa Arsibispo e S.ºr de Braga Primas das Espanhas Em Ianeyro
de 1697.
CONSTITUIÇÕES SYNODAIS DO ARCEBISPADO DE LISBOA, novamente feitas no Synodo
Diocesano, que a Se Metropolitana de Lisboa o Illustrissimo, e Reverendissimo Senhor D. Rodrigo
425
da Cunha Arcebispo da mesma Cidade, do Conselho de Estado de S. Magestade, em os 30 dias
de Mayo do anno de 1640; concordadas com o Sagrado Concilio Tridentino, e com o Direito
Canonico, e com as Constituiçoens antigas, e Extravagantes primeiras, segundas deste
Arcebispado; Accrescentadas nesta segunda impressão com hum copioso repertorio; e dedicadas
a Imperatriz dos Anjos, Maria Santissima, com o especioso e amavel Titulo da Madre de Deos, por
mãos de hum parocho seu devoto. Lisboa Oriental, Na officina de Filipe de Sousa Villela.
MDCCXXXVII [1737].
CONSTITUIÇÕES SYNODAES DO BISPADO DO PORTO, novamente feitas, e ordenadas pelo
lustrissimo, e reverendissimo senhor Dom Joam de Sousa Bispo do dito Bispado, do Conselho de
Sua Magestade, e seu Sumilher de Cortina. Propostas e aceitas em o Synodo diecesano, que o
dito Senhor celebrou em 18 de Mayo do Anno de 1687. De Mandado do mesmo Senhor Bispo
Impressas na cidade do Porto, em o Anno de 1690. Por Joseph Ferreyra Impressor da
Universidade de Coimbra.
CHRONICAS DA ORDEM DOS FRADES MENORES do seraphico padre Sam Francisco seu
instituidor & primeiro ministro geral que se pode chamar Vitas patrum dos Menores / copilada &
tomada dos antigos liuros & memoriaes da ordem per Frey Marcos de Lisboa frade menor da
prouincia de Portugal. Em Lisboa: per Antonio Ribeyro: a custa de Ioam de Espanha & Miguel de
Arenas, 1587.
ESTATUTOS DA VENERAVEL ORDEM 3.ª DA PENITENCIA ERECTA NESTA VILLA RICA Pelo
R. P. M. Fr. Antonio de Santa Maria Relligiioso Seraphico, lente na Sagrada Theollogia,
Exdifinidor, Excustodio, e Examinador Sinodal, debaixo da proteção, e obediencia do R.m° Men.°
Prov.ªl desta Santa Provincia Da Immaculada conceiçaõ da Senhora Da cidade do Rio de Janeyro.
Pelo infatigavel [ilegível] do Ir. M.el Roiz Abrantes [ilegível] ano de 1754 Extrahidos
conformemente do formulatorio inquam do furmulario dos mesmos q’ Se observaõ na mesma
veneravel ordem, Stabelecida, no convento de Santo Antonio da dita cidade do Rio de Janeyro q’
Reformou com exacta devoção, zello, eprudencia. O R. P. M. Fr Antonio do Extremo com m.°
vez.°r q.’ foy dad.ª Ven.al ordem pela Doutissima, direcção do R. P. M. Fr. Ignacio deSanta Roza.
Mestre, em Artes, eLente actual, deTheologia moral no mesmo Convento. In: CECO-
CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 65, vol. 204.
FERREIRA, Manuel de Oliveira. Compendio geral da historia da Veneravel Ordem Terceira de S.
Francisco... Porto: Officina Episcopal do Capitão Manoel Pedroso Coimbra, 1752. (BNP cota H.G.
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y última celebrada en tiempo del sumo pontífice pío iv, principiada el día 3, y acabada en el 4 de
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consagra aos Excell., e Ver. Senhores Arcebispos, e Bispos da Igreja Lusitana, João Baptista
Reycend. Lisboa. Na officina de Francisco Luis Ameno, MDCCXXXI, com Licença da Real Mesa
Censoria e Privilegio Real. Sessão VII, p. 173-175. Disponível para acesso à digitalização da
edição fac-simile arquivada na Biblioteca Nacional de Lisboa: <http://purl.pt/360/1/sc-7006-p/sc-
7006-p_item1/P1.html>.
SOUSA, Frei Luís de. A Vida de D. Frei Bartolomeu dos Mártires [1619]. Lisboa: Imprensa
Nacional/Casa da Moeda, 1984.
426
SUMMA ESPIRITUAL em que se resolvem todos os casos, & difficuldades, que há no caminho da
perfeição. Composta pelo Padre Gaspar de la Figuera da Companhia de Jesu. Traduzida pelo P.
Manoel da Ceia. Beneficiado na Igreja da Magdalena. Lisboa na officina de Joaõ Galra. Com todas
as licenças necessarias, 1686. (BNP, Reservados, Cota Res. 2657).
VITA DI SAN CARLO BORROMEO. Prete Cardinale del titolo di Santa Maria Prassede
Arciuescouo di Milano. Scritta dal Dottore Gio. Pietro Giussano Nobile Milanese. Et dalla
Congregatione delli Oblati di S. Ambrogio dedicata alla santità di N. S. Papa Paolo Qvinto. In
Roma Nella Stamperia della Camera Apostolica. 1610. Com Privilegi, & Autorità de’ SS. Superiori.
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VITERBO, Joaquim de Santa Rosa. Elucidário de palavras, termos e frases que em Portugal se
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seculos se colloca a marmorea estatua do sempre magnifico Rei, e Senhor nosso D. João V.
Inventada e delineada por João Antonio Belline de Padua, esculptor, e Arquitecto. Lisboa
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BREVE DESCRIPÇÃO ou funebre narração do Sumptuosos Funeral e triste espetáculo Que em
Villa Rica de Ouro Preto Cabeça de todas as das Minas Celebra o Senado Dela à gloriosa
memória do Sereníssimo Rey D. João o Quinto Sendo assistentes a elle o Ouvidor geral e o
Senado da mesma no dia 7 de Janeiro de 1751. In TEDIM, José Manuel. Teatro da Morte e da
Glória: Francisco Xavier de Brito e as Exéquias de D. João V em Ouro Preto. Revista Barroco, n.
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FARIA, João Lopes de Faria. Velharias da Irmandade de S. Pedro e das ordens terceiras, v. 2, f.
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PRIETO, Melchior. Psalmodia Evcharistica cõpuesta por El M. R.d° P. M. Fr. Melchior Prieto
Burgese, Vicario G.ªl del Orde de Nr.ª Senora de la Merced Redemp.rª de captiuos en todas las
Prouicias del Piru. Dirigida a La Excelentissima Señora mi Señora Dona Ana de Borja, Princesa
del Esquilache Condesa de Mayalde Virreyna que fue del Piru. En Madrid, por Luis Sanchez
Impresor. Com Privilegio real, Año de 1622. Disponível para consulta nos “Fondos digitalizados de
la Universidade de Sevilla”:
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429
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(Conforme o Arquivo e na ordem em que aparecem no texto)
ARQUIVO PÚBLICO MINEIRO (BELO HORIZONTE)
APM SC 06, f. 20-21. “Termo da erecção de V.ª Rica”. Vila Rica, 08/07/1711
APM SC 18, f. 99. [Ordem régia que dispõe sobre a factura de plantas proporcionadas para as
Igrejas]. Lisboa, 02/04/1739.
APM SC 86, f. 33. “Criação da cidade de Mariana”. Lisboa, 23/04/1745.
APM SC 03, fl.3. Lisboa[?], 05 de julho de 1711.
APM CMOP 27, fot. 688. Vila Rica, 19/12/1750.
APM, SC 03, fl. 3v. (Sobre a contribuição para obras na Matriz). Vila Rica, 26/11/1712.
APM CMOP 06, fot. 1177, “Rezisto de hua premessa feita pelos officiaes da Camara desta Villa p.ª
a factura da nova Igreja Matriz de N. Sr.ª do Pilar desta Villa”. Vila Rica, 30/05/1730.
APM SC 45, f. 28. Ordem régia sobre “a planta p.ª Sefazer a Cidade Mariana no citio dos pastoz”.
Lisboa, 02/05/1746.
ARQUIVO ECLESIÁSTICO DO ARCEBISPADO DE MARIANA
AEAM, Carta Encyclica do Sumo Pontifice Clemente XIV. Livro P-15, Paróquia de Nossa Senhora
da Conceição, fl. 82-85v.
AEAM, Livro P-15, Paróquia de Nossa Senhora da Conceição. Visita pastoral à Freguesia de
Nossa Senhora da Conceição – Vila do Carmo/ Mariana), fl. 31.
CENTRO DE ESTUDOS DO CICLO DO OURO
CECO-PILAR-Sm.º St.º. Filme 11, vol. 224, fl. 52. “Tr.° q’ fazem os Irmaõs q’ Servem na menza
deN. Sr.ª do Pillar Padroeyra de V.ªRica aos Irmaõz da menzada Irmand.e do Sm.° Sacram.t°
damesma Matriz q’ Servem oprez.te anno de 1746”. Vila Rica, 12/04/1746.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 8v-9. “Termo sobre a mudansa do Sino e porquem
sedevia tocar”. Vila Rica, 13/12/1729.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fls. 16-16v. [Termo de exclusão de Manoel Fernandez
Pontes da administração da Obra da Matriz]. Vila Rica, 03/06/1734.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fls. 17-17v. “Tr.º [Termo] [trecho carcomido] asentou
em Meza de 3 deJunho p.ª eff.º [para efeito] de se meter administrador novo á obra e Se m.dar
[mandar] ver a festa por off.es [oficiais]”. Vila Rica, 3/06/1734.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 22 v. “Termo da entrega a nova Meza”. Vila Rica,
24/04/1736.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 128v-129. “Termo emque comveyo amesa que
Sefez em 2 de abril de 1768, em ficarem os mesmos oficiaes por devoçaõ”. Vila Rica, 02/04/1768.
430
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 23. “Termo em q se detreminou em meza [...] p.ª a
Reformação do Compromiço e forro da igreja”. Vila Rica, 29/04/1736.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 23 v. “Termo q se fez do Risco q se aprovou em
meza do forro da Igreja”. Vila Rica, 05/05/1736.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 25. “Termo de aRemataçaõ q sefaz da obra desta
Hirmandade do Santicimo do forro cimalha epes direitos”. Vila Rica, 11/05/1736.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 28. “Termo dedeclaracão quefizeraõ edetreminaram
os louvados nomeados pelos off.es desta Irmand.e Rematante da obra do forro do teto da Igreja”.
Vila Rica, 24/10/1737.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 24. (?). Vila Rica, 05/05/1736
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 26 v. “Termo do q declararaõ os Louvados
davestoria q’ se fes aobra doforro e ttetto da Igreja”. Vila Rica, 08/02/1737.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 29. “Termo do q declararaõ os Louvados davestoria
q’ se fes aobra doforro e ttetto da Igreja”. Vila Rica, 30/04/1737.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 30. “Termo de vestoria”. Vila Rica, 08/05/1737.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 27 v. “Termo q’ se fez de varias detreminaçoins”.
Vila Rica, 19/08/1736.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 28v. “Termo q se faz davestoria daobra e varias
detreminaçoins”. Vila Rica, 02/02/1737.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 28. “Termo q se faz deRatificação do ttermo porq se
aRematou aobra q se acha a fl. 24 deste”. Vila Rica, 21/10/1736.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 30 v. “Termo do q seRezolveo, em meza de 30 de
junho, d.º abaixo”. Vila Rica, 30/06/1737.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 35. “Termo dedeclaracão quefizeraõ edetreminaram
os louvados nomeados pelos off.es desta Irmand.e Rematante da obra do forro do teto da Igreja”.
Vila Rica, 24/10/1737.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fls. 33-33v. “Termo que Se fez em meza em que
[todos?] convieraõ na aprovaçaõ do novo Compromisso efactura dehú pulpito”. Vila Rica,
08/09/1737.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 130. “Termo que faz doteto daIgreja noque respeita
apintura de Louvação, e emtrega”. Vila Rica, 27/02/1769.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 89. “Termo por onde a mesa detremina Se comprem
120 castiçais deEstanho p.ª servirem em oTrono daCap.ª Mor em as festevid.es q’ nelle Se
expuser o Sm.° Sacramento, na forma abaixo declarada”. Vila Rica, 03/06/1759.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 50-50v-51. “Termo de comcordatta e aJuste q’
fizeraõ os Irmaõs actuais q’ Serven nesteprez.te anno nas Irmandades doSantiscimo Sacramento,
e denossaSr.ª do pillar destaMatris do ouro pretto”. Vila Rica, 24/02/1746.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 48v. “Termo q’ fazem os off.es da Irmd.e de N. Sr.ª
do Pillar a Irmd.e do Santiçimo Sacram.t° da p.e q’ lhe toqua pagar doajuste q’ fizemos d.ª atalha
do fronte Espicio daporta Principal”. Vila Rica, 10/10/1745.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 113-113v. “Termo que faz estaIrmd.e doSSm.°
Sacram.t° de ajustes queSe fez p.ª oConserto do idesmanchaõ nas torres desta Matriz aCuja
431
Satisfaçaõ Somos nos ditos Irmaos daMeza quedeprezt.e Servimos Com osq’ Servem (?) na
Irm.de de Nossa Sr.ª doPillar (?) confrarias”. Vila Rica, 23/07/1758.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 38. “Termo p.ª o Ajuste detoda aoBbra q’ falta p.ª
fazer nesta Igr.ª Matriz de N. Sr.ª do Pillar do Ouro Preto”. Vila Rica, 30/04/1739.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 38. “Termo de Entrega quefazem os Officiais que
acabarão aos novos Eleitoz”. Vila Rica, 30/04/1740.
CECO-PILAR--Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 40. “Termo de entrega que fazem os officiais que
acabaraõ aos novos Eleitos”. Vila Rica, 30/04/1740; e também o termo à fl. 37: “Termo de Entrega
que fazem os officiais que acabaraõ aos novos eleitos”. Vila Rica, 30/04/1739.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 41. “Termo q’ Se fes em meza p.ª Seacrecentar a
Capela mor pelo novo Risco q’ p.ª ella deu o Sarg.t° Mor novo emgenheyro”. Vila Rica,
02/08/1741.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 75. “Termo de quitação e desobriga que da Antonio
Franc.° Pombal como aRematante da obra a que Se obrigou por huma escritura passada na nota
e Cartorio que em que Servio de escrivaõ Bento de Ar.° Per.ª a Irmandade so Santissimo
Sacramento da Irg.ª (sic) de N. Snr.ª do Pilar douro preto”, fl. 74v – 76. Vila Rica, 08/12/1744.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 53. “Termo da aRamatação que fizeraõ as
Irmandades do S.m° Sacram.t° desta Matris e ade N. Snar. do Pillar como Padroeyra desta
mesma Matriz da obra detalha daCapela Mor ezimborio”. Vila Rica, 13/04/1746.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, Vol. 224, fl. 62v [?].
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, Vol. 224, fl. 67v. Vila Rica, 09/04/1752
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 60v-61. “Termo que se fes em Meza aResp.° daobra
do Zimborio daCappella mor”. Vila Rica, 01/06/1749.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 63v. “Respt.° a talha”. Vila Rica, 08/06/1750.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 71v. “Termo de entrega daobra da tribuna, Zimborio
e toda a mais obra deTalha eEscultura detoda aCapella mor aqual entrega faz oAlferes Dom.°s de
Sá Roiz fiador do arrematante Fran.c° X.er deBrito falecido”. Vila Rica, 20/01/1754.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 97. “Termo que fez ameza desta Irmandade do
Santicimo Sacram.t° em 4 oficiais decarpinttr.° para exzaminarem Se o zimborio dacapella mor Se
acha m.rce de durar annos e velar as agoaz p.ª se dourar acapellamor”. Vila Rica, 06/07/1755.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl.97v-98. “T.r° de Juramento deferido por mim
ezcrivaõ da Irmand.e do Sm.° Sacram.t° aos off.es Carpintr.°s declarados no tr.° Retro”. Vila Rica,
08/07/1755.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 98v-99. “Termo feito em Meza g.l [geral] da Irmd.e
do SSm.° Sacramento desta Matriz prezentes os offeciais da Irmd.e de N. Sr.ª do Pilar Sobre a
fatura dos telhados da Capella Mor e desfeita do Zimborio”. Vila Rica, 10/07/1755.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl.100v. “Termo por onde aMeza detremina Se
conçerte ozimborio da Cap.ª Mor, e Sefaça dellig.ªs p.ª Seevitarem as agoaz q’ por elle entraõ em
d.ª Cap.ª Mor”. Vila Rica, 09/11/1755.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl.131-132v. “Termo q’ Se fez p.ª Se demolir o Zimborio
q‘ Se acha nesta capellamor desta Matriz de N. Sr.ª do Pillar do ouro preto, p.ª cujo fim Se fez
Meza Redonda comvoquando os ofeciais emais Irmaõs desta Irmd.ª, como tambem Sr.ª do Pillar e
as mais IRmd.as q’ Se achaõ nesta Matriz com aSistençia do fabriqur.°”. Vila Rica, 14/01/1770.
432
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl.134v. “Termo dedeclaração do exame q’ novam.te
Se fez no Zimborio aResp.t° de sebotar abaixo”. Vila Rica, 29/07/1770.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl.135-135v. “Termo de Rematação da desfeita, eobra
q’ manda fazer a Irmd.e no Zimborio dacapela Mor daIgreja”. Vila Rica, 12/08/1770.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl.135v. “Copia das condicois da desfeita e obra q’
manda fazer aIrm.de no Zimborio daCapela Mor eRematada emfr.te”. Vila Rica, 12/08/1770.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 83. “Tr.º q faz aIrmd.e do Sant.mo Sacram.tº q
fazem a mesa redonda com ASistencia doprocurador deNosa Snr.ª do Pillar e Tizr.º”. Vila Rica,
23/06/1754.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 48. “Termo que fazem oprovedor emais Irmaonz da
menzado Santissimo Sacramt.º a fim deq finda esteprezente ano de 1745 p.ª o de [1]746 como
osqentrao no de 1746 p.ª ode 747 ao Sr. Mestre do Risco da Talha q se Rematou neste ano da
Capellamor Franc.º Branco de Barros Barrigua pello trab.º delle ocoal lhe foy aprovado pellos
Sr.es enginhr.ºz e revedorez”. Vila Rica, 15/05/1746.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 52. “Tr.º q. fazem os Irmaõs que servem na menza
deN. Sr.ª do Pillar padroeyra de V.ª Rica aos Irmaõs da menzada Irmand.e do Sm.º Sacram.º da
mesma Matriz q’ servem oprez.te anno de1746”. Vila Rica, 12/04/1746.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 35. “Termo dedeclaracão quefizeraõ edetreminaram
os louvados nomeados pelos off.es desta Irmand.e Rematante da obra do forro do teto da Igreja”.
Vila Rica, 24/10/1737.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 138v. “Termo q’ faz a meza desta Irmd.e doSS.m°
Sacram.t° emq’ detremina Seja o Painel daCapella digo do teto da Capella Mor a Seya do Senhor
eomais q’ nela secontem”. Vila Rica, 18/10/1772.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 48v. “Termo de ajuste q oniformemente fizeraõ os
Irmaõs da Irmandade do Santissimo Sacramento q depois de (?) servem, com os da Irmandade de
Nossa Sr.ª do pillar padroeyra desta Matriz do ouro pretto”. Vila Rica, 24/02/1746.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 50-50v-51. “Termo de comcordatta e aJuste q’
fizeraõ os Irmaõs actuais q’ Serven nesteprez.te anno nas Irmandades doSantiscimo Sacramento,
e denossaSr.ª do pillar destaMatris do ouro pretto”. Vila Rica, 24/02/1746.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl.57-57v. “Termo deajuste que fazem a Irmandade do
Santisimo Sacram.t°; eade Pillar digo ade N. Sr.ª do Pillar Comos a Rematantez das oBras de
talha dacapella Mor Fran.c° Xavier de Brito eSeu Socio Ant.° Henriquez Cardozo”. Vila Rica,
04/06/1747.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 65v. “Termo de Louvaçaõ ecomvençaõ que fazem
os off.es daIrmand.e do Santissimo Sacram.t° com os da Irmd.e de Nossa Sr.ª do Pillar desta
Matriz doouro preto”. Vila Rica, 19/12/1751.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 66-66v. “Termo de ComSentim.t° eLouvação
eaprovação que fez o Rematante Franc.° X.er de Brito“. Vila Rica, 19/12/1751.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 81-81v. “Aos dezoito dias do mês de M.ç°...”. Vila
Rica, 18/03/1753.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 83. “Tr.º q faz aIrmd.e do Sant.mo Sacram.tº q
fazem a mesa redonda com ASistencia doprocurador deNosa Snr.ª do Pillar e Tizr.º”. Vila Rica,
23/06/1754.
433
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 85. “Tr. quefas aIrmande do Santissimo Sacrm.
to
aJose Coelho deNoronha para concertar ecompor oTrono Levantar acupula efazer onischo deN.
Snr.
a
do Pillar”. Vila Rica, 23/06?/1754.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, v. 224fl. 89. “Tr.° que faz esta Irmand.e com Jozé Roiz Sylva
para fazer o paynel daboca da Tribuna pela quantia de 110$000”. Vila Rica, 09/10/1754
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 92v-93-93v. “Tr°. q’ fazesta Irmand.e Santissimo
Sacramento q’ sefez emmeza redonda com aIrmand.e de N. Snr.ª doPillar por
Requerimentos q’
esta fez naõ poder Comcorrer com ametade p.ª a obra dodouramento daIgreja já q’ tem obrigaçaõ
de comcorrer”. Vila Rica, 19/01/1755.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 94. “Tr°. q fazem os offeciais da meza do
Santissimo”. Vila Rica, 26/01/1755),
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 126v-127. “Termo q’ fazem oProv.°r da Irmandade
do S.m° Sacramento emais off.es della, eos da Irmand.e deN. Sr.ª doPilar, desta Matriz doouro
preto porq’ Sedeterminou a pintura della, emmeza Redonda”. Vila Rica, 16/12/1767.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 127v-128. “Termo de Ajuste da pintura”. Vila Rica,
02/02/1768.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 130. “Termo que faz doteto daIgreja noque respeita
apintura de Louvação, e emtrega”. Vila Rica, 27/02/1769.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 132v-133v. “Termo q Se faz da entrega dapintura q’
fez nesta Matriz de N. Snr.ª do Pillar doouro preto Joaõ de Carvalhais Mestre Pintor, eRematante
da d.ª obra”. Vila Rica, 20/05/1770.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 137. “Termo que fazem o Provedor da Irmand.e do
SS.m° Sacram.t°, e mais officiais dela, eosda Irmandade deN. Snr.ª do Pilar destaMatris doOuro
preto, porq’ se detreminou apintura edouramento daCapelaMor dela em Meza Rendonda (sic)”.
Vila Rica, 15/08/1771.
CECO-PILAR-Sm.º St.º, Filme 11, vol. 224, fl. 139v. “Termo que fazem os off.s daIrmd.e do S.m°
Sacram.t° deaceytação dos Payneis edouram.t° feito naCapela Mor, como abayxo. Seve”. Vila
Rica, 09/02/1774.
CECO-PILAR-CARMO, Filme 201, vol. 2438, “Registo da resposta que deu a meza a carta ante
sedente”, fl. 27v.
CECO-PILAR-CARMO. Filme 156, vol. 2523. “Treslado doTermo eCondições e deoutroTermo de
Ajuste que fez esta Meza da Vem.el Ordem 3.ª de N. Sr.ª do Carmo com o Remat.e danova
Capela Joao Alz. Vianna”. Vila Rica, 14/09/1766 (Documento Avulso).
CECO-PILAR-CARMO, Filme 156, vol. 2523. [Carta de Bento Gracia]. (Documento avulso).
CECO-PILAR-CARMO, Filme 072, vol. 052, f. 118v-121. “Condições, e declarações, que
apresenta Manoel da Costa Ataide á Ill.mª e respeitável Mesa da Veneravel Ordem 3.ª de Nossa
Senhora do Carmo da Imperial Cidade do Ouro Preto, pelas quaes declara o método, e ordem,
que se deve seguir no douramento, e pinturas do Retabulo do Altar Mor”, [182-?]
CECO-Pilar-Carmo. Filme 180, Vol. 2672. REGRA DA ORDEM TERCEIRA DA MÃI SANTISSIMA,
e soberana senhora do Monte do Carmo, extrahida da regra, que Alberto Patriarca XII, de
Jerusalem escreveo par Brocardo, e os mais Eremitas, que ao pé da Fonte de Elias moravão no
Monte Carmelo. Approvada pelo Santissimo Padre Sisto IV. Exposta por Fr. Miguel de Azevedo,
Religioso carmelita da antiga observancia. Lisboa, na Regia Officina Typographica, Ano MDCCXC
(1790), Com licença da Real Mesa da Comissão Geral sobre o Exame, e Censura dos Livros.
434
CECO-PILAR-CARMO, Filme 201, vol. 2438, fl. 1-2. (“Carta Patente”). Roma, Santa Maria
Transpontina, 15/05/1751.
CECO-PILAR-CARMO, Filme 201, vol. 2438, f. 3v-4. [Provisão do Bispo de Mariana, D. Fr. Manoel
de Cruz]. Mariana, 19/08/1754.
CECO-PILAR-CARMO, Filme 156, vol. 2523, “Petição dos irmãos da Ordem terceira do Carmo de
Vila Rica”. (Documento Avulso).
CECO-PILAR-CARMO, Filme 191, vol. 2418, fl. 1-1v. “Estatutos da Veneravel Ordem 3ª de Nossa
Sr.ª do Monte do Carmo, estabelecida n[esta] Vila Rica das Minas Geraes. Convento do Carmo,
Rio de Janeiro”. Rio de janeiro, 1755.
CECO-PILAR-CARMO, Filme 156, vol. 2523. [Parecer dos louvados em 20/12/1770]. (Documento
avulso).
CECO-PILAR-CARMO, Filme 156, vol. 2523. “Recibo do tesoureiro Amaro José de Ar.º a Joaõ
Fernandes Parente, testamenteiro de João Alves Vianna”, Vila Rica, 21/04/1782. (Documento
avulso).
CECO-PILAR-CARMO, filme 156, vol. 2523, “Trelslado dotermo que se fez com o Mestre João Alz
Vianna sobre couzas q’ ocorrerão p.ª obra da Capella q’ tem obrigação fazer”. Vila Rica,
06/09/1767.
CECO-PILAR-CARMO, Filme 201, vol. 2438, fl. 32v-34. “Registo de hua Carta escripta a mtº
illustre e Veneravel Meza da Stª Cruz, e Pacos cita no Real Mosteyro de Nossa Senrª do Desterro
da Corte, e Cid.e de Lx.ª”. Vila Rica, 28/04/1762.
CECO-PILAR-CARMO, Filme 72, vol. 53. Missale Romanum 1818 ex decreto sacrosanto tridentini,
De praeparatione altaris, & ornamentorum ejus, p. XXXIX.
CECO-PILAR-CARMO, Filme 156, vol. 2523, documento avulso, sem numeração no códice,
“Ajuste do tapa Bento, para a Capella de N. Sr.ª doCarmo desta venerável ordem desta V.ª R.ª […]
20 de 9.bro de 1796”. Vila Rica, 20/11/1796.
CECO-PILAR-CARMO, Filme 201, vol. 2441, fl. 121.
CECO-PILAR-CARMO, Filme 156, vol. 2523, “Assemblea Geral do dia 19 de Abril de 1909 [...]”.
(Documento avulso). Vila Rica, 20/03/1909.
CECO-PILAR-CARMO, Filme 191, vol. 2418, p. 32-v et seq. “Estatutos da Veneravel Ordem 3ª de
Nossa Sr.ª do Monte do Carmo, estabelecida n[esta] Vila Rica das Minas Geraes. Convento do
Carmo, Rio de Janeiro”. Rio de janeiro, 1755.
CECO-PILAR-CARMO. Filme 72, vol. 50, fls. 147 e 162 [Recibos de Antônio Francisco Lisboa
para a obra dos segundos altares].
CECO-PILAR-CARMO. Filme 201, vol. 2443, fl. 35 [Recibo de Justino Ferreira Andrade para os
Altares].
CECO-PILAR-CARMO, Filme 156, vol. 2523, “Advert.as ou condiçoens com que se haõ de fazer
os douz altarez e os douz púlpitos daCapella da V.el Ordem tercr.ª de N. Senhora do Carmo desta
Villa”. Vila Rica, 25/02/1812. (Documento avulso).
CECO-PILAR-CARMO, Filme 72, vol. 52, fl. 70. “Termo q.e fás esta Meza visto o M.e das obras
Antonio Fran.º Lisboa ter concluhido os dois altares de S. João e Nossa Snr.ª da Pied.e seguice a
m.ma Obra dos Guardas Pós e Camarim nos dois daparte deSima de Santa Quiteria e Santa
Luzia nam.ma forma dos dois q’ se achavão feitos”. Vila Rica, 20/10/1808. (L.º 2.º de termos e
deliberações das Mezas da ordem do Carmo de Ouro Preto).
435
CECO-PILAR-CARMO, Filme 072, vol. 052, fl. 70. “Termo q. fás esta Méza visto o M.e das Obras
Antonio Fran.co Lisboa ter concluhido os dois Altares de S. João e NossaSnr.ª da Pied.e seguice
am.ma [a mesma] Obra dos Guardas Pós eCamarim nos dois altares daparte desima de Santa
Quiteria eSanta Luzia nam.ma [na mesma] forma dos dois q se achavão feitos”.
CECO-PILAR-CARMO, Filme 156, vol. 2523. “Devo que pagarei a Franc.º Lima a quantia de Cem
mil Reis porcedidos da labrage dos Púlpitos...”. Vila Rica, 12/03/1773. (Documento avulso).
CECO-PILAR-CARMO, Filme 156, vol. 2523. Abril de 1888. (Documento avulso, sem numeração)
CECO-PILAR-CARMO, Filme 201, vol. 2443, fl. 41.
CECO-PILAR-CARMO, Filme 072, vol. 052, f. 118v-123v. “Condições, e declarações, que
apresenta Manoel da Costa Ataide á Ill.mª e respeitável Mesa da Veneravel Ordem 3.ª de Nossa
Senhora do Carmo da Imperial Cidade do Ouro Preto, pelas quaes declara o método, e ordem,
que se deve seguir no douramento, e pinturas do Retabulo do Altar Mor”, [18--?].
CECO-PILAR-CARMO, Filme 072, vol. 052, f. 118v-121. “Condições, e declarações, que
apresenta Manoel da Costa Ataide á Ill.mª e respeitável Mesa da Veneravel Ordem 3.ª de Nossa
Senhora do Carmo da Imperial Cidade do Ouro Preto, pelas quaes declara o método, e ordem,
que se deve seguir no douramento, e pinturas do Retabulo do Altar Mor”.
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 61, vol. 155, fl. 137-138. “Termo emque se
determinou arrematar se a aobra da Capella desta Veneravel ordem na forma do Risco e
condições que seachaõ feitas; easinadas pelo N. C. Irmaõ Procurador Geral Manoel Joze da
Cunha”. Vila Rica, 16/11/1766.
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 13, vol. 226, 4 fls. “Auto deRematação q Sefaz a
Dom.°s Mor.ª deolivr.ª daobra danova Capela q pertendefazer aven.el ordem 3.ª de S. Frc.°
destav.l [venerável] na forma das comdiçois e Risco p.lo mesmo remat.e aSinado”. Vila Rica,
27/12/1766. (Documento avulso).
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 61, vol. 154, fl. 2v-3. “Memorial pelo o quoal
pertendem os 3 r.ºs Seculares daVn.el ordem 3.rª de Nosso Patriarcha Sam Francisco Alcanssar
do Mt.ª Alto e pedroza Mag.de pordecreto ou provisão a Liçenca abaixo declarada”.
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 65, vol. 154, fl. 114v. “Pastoral do Min.° Prov.ªl do
Rio de Janeiro. Fr. Joaquim de Jezus Maria […]”. (Rio de Janeiro?), nov. de 1796.
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 61, vol. 155, fl. 140v. “Termo p.r donde se
detreminou q. p.r ivitar duvidas aesta Ordem como de N. Sr.ª do Monte do Carmo, na função de
acompanhar a procissão do Corpo de Deos, o Procurador geral faça o Requerim.tº percizo, athe
detreminar o Lugar q. a hua, e outra compete”. Vila Rica, 09/08/1767.
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 61, vol. 155, fl. 120-121, “Termo por donde se
detreminou ocomprar ce as cazas que foram do defunto o S. M. Joaõ de Sequeyra para nellas se
faze acapela do N. S. P. S. Francisco eo mais que no mesmo termo Se declara”. Vila Rica,
21/07/1765.
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 61, vol. 155, f. 130v-132. “Tr.º emque
Sedetreminou que Secomprassem as Cazas damor.dª do defunto S. M. Joaõ de Seq.ª citas junto
aCap.ª do Sr. Bom Jesus dos Perdões na q.tia de 450$000rs”. Vila Rica, 15/12/1765.
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO. Filme 20, vol. 155. “Condiçoenz p.ª se Rematarem az
Abobadas dos Corredores e BarretedaCapela Mor da Igreja do Patriarcha S. Francisco detijolo,
cal, etc.”. (Documento avulso).
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 20, Volume 242, “Condiçoens e advertensias
Sobre o Risco p.r donde Sehade Rematar aobra [da capela] daveneravel ordem 3r.ª deS.
Francisco de V.ª Rica”. (Documento avulso).
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CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO. Filme 20, Volume 242 “Condiçoens p.ª Se Rematarem as
Abobadas dos Corredores, eBarrete da Capela Mor da Igreja do Patriarca S. Francisco de Tijolo,
cal, etc.”.
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 20, Volume 242. “Condiçoens e advertensias
Sobre o Risco p.r donde Sehade Rematar aobra [da capela] daveneravel ordem 3r.ª deS.
Francisco de V.ª Rica”; “Ad.vertencias sobreo q. fica dt.º”. (Documento avulso).
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 20, vol. 242. 3 fls, “Condiçoens pelas quais Se há
de fazer [a nova – carcomido] portada da Capela de N. Snr.ª dos anjos da Ordem 3.ª [desta Vila
Rica, carcomido]”. Vila Rica, 28/10/1774 (Documento avulso).
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 66, vol. 216, f. 146. “Despeza que fez o Irmam
Sindico Antonio Teixr.ª Chaves pelo Recebimento supra, e por ordem da Meza actual que acaba
de 1774 p.ª 1775”. (Livro de receita e despesa da Ordem).
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 20, vol. 155, fl. 91 v, “Copia da carta q’ se
escreveo ao Ilm.º Snr. (?) M.el Min.º Provincial do Conve (sic) de Santo Antonio com a qual se lhe
remeteo a Elleição de1775 p.ª 1776”.
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 65, vol. 154, fl. 114v. “Pastoral do Min.° Prov.ªl do
Rio de Janeiro. Fr. Joaquim de Jezus Maria […]”. (1796).
CECO-CONCEIÇÃO-SÃO FRANCISCO, Filme 20, vol. 242, “Condiçoens comqueSe rematou
apintura edouramento da CapelaMor de S. Francisco em preço de 400$000 rs [réis]”. (Documento
avulso).
ARQUIVO NACIONAL DA TORRO DO TOMBO (LISBOA)
LIVRO DAS PLANTAS E MONTEAS DE TODAS AS FÁBRICAS das Inquisições deste Reino e
India, ordenado por mandado do Illustrissimo e Reverendíssimo Senhor Dom Francisco de Castro
Bispo Inquisidor Geral e do Conselho de Estado de Sua Majestade. Anno Domini 1634. Por
Matheus do Couto, Architecto das Inquisições deste Reino. ANTT (Código: PT-TT-TSO/CG/470).
Disponível em:
<http://ttonline.iantt.pt/dserve.exe?dsqServer=calm6&dsqIni=Dserve.ini&dsqApp=Archive&dsqDb=
Catalog&dsqCmd=overview.tcl&dsqSearch=(((text)='matheus')AND((text)='do')AND((text)='couto')
>.
ANTT. Ministério do Reino, Colecção de plantas, mapas e outros documentos iconográficos, n.º
12. Risco para retábulo, de D. Joaquim Lourenço Ciais Ferrás de Acunha, com anotações laterais
do arquiteto Manoel Caetano de Souza. Referência: PT-TT-MR/1/12; (Ornatos da Capela-mor e
Sacristia Santa Maria de Avanca).
ANTT. Ministério do Reino, Colecção de plantas, mapas e outros documentos iconográficos, n.º
19. “Desenho do Borrão p.ª Retábulo da CapelaMór de N. Snr.ª da Asumpção da Vila de Almada”,
pelo “Arquiteto da Ordens Militares” Manoel Caetano de Souza. Referência: PT-TT-MR/1/19.
ANTT, Mesa de Consciência e Ordens, Ordem de Cristo, Padroados do Brasil, Bispado de
Mariana, Maço 5, “Alvará de 23 de julho [copiado em 28 de julho] remetido ao Bispado de Mariana
sobre a regulação de Provimentos, Dignidades e outros Benefícios, Paróquias, vigairarias etc. com
cura ou sem cura daquele Bispado”. Palácio de Queluz, 23/07/1779.
ANTT, Ministério do Reino, Colecção de plantas, mapas e outros documentos iconográficos, n.º 9.
“Alçado extrior dehum lado daIgr.ª deN. Snr.ª doSocorro doSertaõ debaixo no Arcebispado da
Baya noqual se mostra hua das portaz travessas, janellaz q’ daõ Lus aIgr.ª, Lado extrior dacapella
mor, Sanchrestia, e vista da Torre defigura redonda na forma da planta.”
437
ANTT, Mesa de Consciência e Ordens, Ordem de Cristo – Padroados do Brasil, Bispado de
Mariana, Maço 5. Consultas sobre a reforma e reconstrução da Igreja de Santo Antônio de Casa
Branca, Atual Glaura. (Documentos avulsos).
ANTT, Mesa de Consciência e Ordens, Ordem de Cristo – Padroados do Brasil, Bispado de
Mariana, Maço 5. Consultas sobre a construção da Igreja de Boa Viagem de Itabira. (Documentos
avulsos).
ARQUIVO HISTÓRICO ULTRAMARINO (LISBOA)
AHU, Caixa 5, doc. 9, “Decreto de D. João V, concedendo a ereção de outras igrejas em Minas,
alem das que já existiam, e ordenando o pagamento aos vigários”, Lisboa, 12/02/1724.
AHU Brasil/MG Cx. 50, doc. 61, p. 168-169. Ordem régia sobre “a planta p.ª Sefazer a Cidade
Mariana no citio dos pastoz”. Lisboa, 02/05/1746.
ARQUIVO DA PARÓQUIA DE NOSSA SENHORA DO PILAR (OURO PRETO)
ARQUIVO DA PARÓQUIA DE NOSSA SENHORA DO PILAR. Livro de Termos da Irmandade do
Santíssimo Sacramento. 1729 – 1777. vol. 224.
ARQUIVO DA PARÓQUIA DE NOSSA SENHORA DO PILAR. Códice 2523 (1756 – 1768). Ordem
3ª de Nossa Senhora do Monte do Carmo. “Escriptura deobrigação q’ fazaVeneravel ordem 3.
a
deNossaSenhora doMonte do carmo aJoseph Per.
a
dos Sanctos eeste aquella”. Vila Rica,
29/05/1756. fl. 1-13v. (Documento avulso).
OUTROS
APOLOGIA DOS FACTOS acontecidos entre os Terceiros de Nossa Senhora do Monte do Carmo
da Cidade de Marianna, e os Suppostos Terceiros da mesma Ordem de Vila Rica. (Cópia
Manuscrita, séc. XVIII. BNP Reservados, cota Cod. 196.).
ARQUIVO DE PONTE DE LIMA. Capítulo XL. Devoto empenho, e exemplar edificação, com que a
Veneravel Ordem Terceira de Ponte de Lima cumpre com as suas obrigações; e noticia de alguns
de seus filhos, que nella florecêrão em virtudes, e deixárão opinião de santidade. Ponte de Lima:
Câmara Municipal de Ponte de Lima, 1985. v. 6.
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