Souza (1989, pp. 25, 26) também chama a atenção sobre essa
constituição do Oceano Índico como horizonte mental corporificador do exotismo
do Ocidente
20
medieval e de sua dualidade. Essa expressa por um lado pelo
sonho de riqueza – “as ilhas transbordantes de pérolas, madeiras preciosas,
especiarias, peças de seda” -, atrelado à expansão comercial; e por outro
pela exuberância fantástica da natureza, dos homens, dos animais – uns
e outros monstruosos: para os europeus, seria a compensação de seu
mundo pobre e limitado. Do ponto de vista sexual, seria a fascinação pela
diferença: canibalismo, nudismo, liberdade sexual, erotismo, poligamia,
incesto. (SOUZA, 1989, pp. 25, 26)
O que vai constituir o orientalismo
21
enquanto discurso representativo
de uma fantasia ocidental sobre o Oriente, bastante significativo nas pinturas
realizadas especialmente nos séculos dezoito e dezenove, todas repletas de
estereótipos, focalizando o sexo, a crueldade, a preguiça e a “luxúria oriental”
(BURKE, 2004, p. 160). Estereótipos que o cinema herdou das artes plásticas e da
fotografia, e sobre os quais já discorremos.
20
Segundo Edward W. Said, o oriente era quase uma invenção européia, e fora desde a
Antiguidade um lugar de romance, de seres exóticos, de memórias e paisagens obsessivas, de
experiências notáveis. (SAID, 1990, p. 13).
21
Aqui aplicando-se o conceito de orientalismo de Said (1990, p. 13), constituindo um modo de
resolver o Oriente na experiência ocidental européia. Como observa o autor, o Oriente não está
apenas adjacente à Europa; é também onde estão localizadas as maiores, mais ricas e antigas
colônias européias, a fonte das suas civilizações e línguas, seu concorrente cultural e uma das
suas mais profundas e recorrentes imagens do Outro. Segundo ele, além disso, tomando o final do
século XVIII como um ponto de partida muito grosseiramente definido, o orientalismo pode ser
discutido e analisado como a instituição organizada para negociar com o Oriente – negociar com
ele fazendo declarações a seu respeito, autorizando opiniões sobre ele, descrevendo-o,
colonizando-o, governando-o: em resumo, o orientalismo como um estilo ocidental para dominar,
reestruturar e ter autoridade sobre o Oriente (1999, p. 15).
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