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priorizaram, em seus projetos, um “tipo” de agricultor para ocupar os lotes parcelares.
Renk (2000), em seu estudo sobre o oeste de Santa Catarina constata este fato:
A eficácia do projeto colonizador requereu o agente humano, cujo
modelo foi o do descendente de europeu, vindo das colônias velhas do
Rio Grande do Sul. Este é um aspecto que traz similitudes com a
ideologia da colonização européia no país tendo como protagonistas o
colonos trabalhadores, os “construtores do progresso e da civilização”. A
exclusão dessa camada populacional encontrou justificativa e
legitimação na ideologia da colonização, no modelo do colono que
conviria a um “país de vocação agrícola” (RENK, 2000, p. 90).
Os ideólogos do progresso do país, desde o início do século XX, haviam
definido os agentes sociais prioritários para desenvolver o país, sob as bases da
modernização. Este ideário foi adotado pelas empresas colonizadoras privadas nas
regiões noroeste e norte do Rio Grande do Sul e, ainda, oeste de Santa Catariana que,
em geral, não permitiram a entrada dos lavradores nacionais no acesso jurídico à terra,
mesmo àqueles que dispunham de recursos financeiros para tal
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.
Este ideário, aos poucos se torna “estrutura incorporada” (BOURDIEU, 1979)
no habitus dos colonos e ex-colonos, que, de modo geral, passaram a advogar-se
construtores do “progresso, narrando e registrando as sagas e seus feitos e revendo
movimentos em suas auto-homenagens” (RENK, 2000, p. 15). Em todos os municípios
que visitamos no Rio Grande do Sul
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, de onde partiram vários dos migrantes hoje
residentes no Mato Grosso, verifica-se em relatos orais ou escritos, esta saga
enaltecendo o progresso construído por famílias de imigrantes, também chamadas de
pioneiras, alicerçados no trabalho aplicado à natureza, que, transformada, passará a
produzir riquezas. A precariedade das condições vividas nos primeiros anos nos lotes
coloniais, como falta de infra-estrutura (estradas, escolas, créditos e canais de
comercialização) “dimensionam uma realidade que, mais tarde, seria acionada como
símbolo étnico, do pioneirismo, dos primeiros ocupantes da região e a eficácia do seu
trabalho” (SEYFERTH, 1992, p. 03).
Esta priorização vai contribuir para fortalecer a distinção entre os colonos (de
origem europeia) e os “outros”, cuja denominação mais usual nestas regiões era de
“caboclos”, “brasileiros”, ou ainda, “bugres”. Vai ainda contribuir para construir um
espaço social já projetado desde a colonização, que se manifesta no espaço geográfico
com áreas destinadas segundo o “tipo” de origem (alemã, italiana) e segundo a religião
praticada (católicos e protestantes) (RENK, 2000). O discurso que legitimava esta
prática esteve embasado na ideia de evitar conflitos e supostos contatos diretos com o
“diferente”, assim como fortalecer a diferenciação e a distinção evitando a “mistura” e o
acablocamento
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dos colonos.
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Gehlen (1998, p. 130) indica que [...] alguns caboclos queriam comprar, mas não concebiam a terra
facilmente. “A preferência era sempre dos colonos que chegavam”. (E. Z) A instalação dos colonos nestas
áreas vai, isto sim, considerar os caboclos como intrusos, seja pelos próprios colonos, seja pelos agentes
do Poder Público e responsáveis pelos projetos.
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Esta saga foi verificada nas histórias dos municípios e festividades comemorativas em comunidades
rurais no noroeste e norte do Rio Grande do Sul durante duas visitas (em janeiro e em outubro) aos
municípios de Santa Rosa, Horizontina, Tenente Portela, Ronda Alta, Frederico Westphalen, Três Passos,
Panambi e Ijuí.
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A noção de acaboclamento tinha por base a idéia de que, se dispostos os colonos junto com os caboclos,
estes poderiam ir assimilando os costumes e “vícios” destes, com destaque à preguiça e ao nomadismo.