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Quem não chora não mama!
Panorama do design gráfico brasileiro através do humor
1837-1931
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3
Quem não chora não mama!
Humor e representação cômica
na história do design gráfico brasileiro
1837-1931
e a obra conjunta do
Barão de Itararé & Andrés Guevara
4
5
Tese de Doutorado apresentada à
Faculdade de Arquitetura e Urbanismo
da Universidade de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
Doutor em Arquitetura e Urbanismo,
sob orientação da Professora Doutora Marlene Yurgel.
6
7
ABSTRACTRESUMO
Esta tese é um panorama da história gráfica brasileira de
1837 até 1931, visto pela ótica da representação cômica,
do design gráfico e da mentalidade. A idéia principal foi
partir de um plano geral para encontrar na década de 1920
a obra conjunta do humorista Aparício Torelly, o Barão de
Itararé, e do artista gráfico paraguaio Andrés Guevara.
Passando pelos autores mais relevantes deste período, a
inspiração rizomática é a própria cronologia, onde os as-
suntos relacionados a humor, design e mentalidade trepi-
dam e se desdobram em conexões pertinentes e interes-
santes para o próprio tema.
A tese foi concebida em três partes, a saber:
A primeira versa sobre o objeto de conhecimento, objeto
de estudo, metodologias e fontes; assim como fala breve-
mente sobre os autores principais — Barão & Guevara —
, mote da estratégia de abordagem do assunto.
A segunda parte destrincha os antecedentes históricos sob
as óticas propostas através de uma amostragem de fon-
tes primárias (imagens & autores) em contraponto com
trechos de importantes fontes secundárias, costurado com
comentários que vão propondo novas interpretações e
olhares para os mesmos temas e objetos, sem aplicação
de juízos de valor, mas apenas mostrando que foi assim
que as coisas se passaram.
A terceira parte está focada na década de 1920, e é onde
encontro os autores “alvo” e aplico um detalhamento
maior, evidenciando um momento de forte gênese e ex-
perimentação no design gráfico brasileiro frente à mudan-
ça completa de paradigmas com a introdução da estética
modernista, e a assimilação e difusão acentuada dos va-
lores burgueses no campo social.
This thesis is an overview of the Brazilian graphic history
from 1837 to 1931, seeing by comic graph representations,
graphic design and historical mentalities. The main idea
was start from a general plan to reach in the 1920’s the
four hands works of the humorist Aparício Torelly (Barão
de Itararé) and the Paraguayan graphic artist Andrés
Guevara. Passing by the more relevant artists of this pe-
riod, the root inspiration is the chronology itself, were the
subjects related to humor, design and mentality tremble
and unfolding pertinent and interesting connections for
the own theme.
The work was conceived in three parts:
The first one runs upon the knowledge subject, applica-
tion subject, methodologies and the wellspring of infor-
mations; as well as talk briefly about the main authors —
Barão de Itararé & Guevara —, reason of the strategy sub-
ject approach.
The second part clear up the historical foregoings under
the proposed look through an stamp of original wellsprings
(images and authors) put against extracts of the more im-
portant Brazilian bibliography, sewed with comments that
proposes new interpretations and new looks over the same
themes and subjects, without judgements, but just show-
ing that was the way the things took place.
The third part is focused on 1920 decade, and is where I
meet the target authors and apply for more details, mak-
ing evident the moment of strong creation and experimen-
tation in the Brazilian graphic design face to the complete
change of paradigms in order of the introduction of mod-
ernist esthetics and the assimilation and great dissemina-
tion of burgess values in the social field.
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A
memória de
Aparício Torelly, José Reginaldo Fortuna e Glauco Vilas-Boas
Aos meus queridos,
Matheus, Maryah, Idalma & Carlitos
10
EXPEDIENTE
Não tem! Tese séria não vive de expediente.
Eu mesmo a fiz de cabo a rabo, em longas madrugadas
e intermináveis jornadas, enfrentando todo tipo de
inimigos e diabos, inclusive o mofo deixado no papel
pelo tempo.
Entretanto não me arrependo pelas agruras, pelo
contrário, fico feliz de mostrar para os conterrâneos e
confrades que temos história. E essa memória é o que
me dá a convicção de que vale à pena não ser ingrato,
pois “ingratidão é apenas falta de memória”!
Viva o Barão de Itararé!
Viva o Fortuna!
Viva o Glauco!
11
ÍNDICE
1837-1931
Prefácio…………………………………………………. 13
Agradecimentos……………………………………….
17
Legenda dos créditos............................................... 18
PRIMEIRA PARTE………..………………………..... 19
Introdução……………………………………………....21
Mea culpa..................................................................25
Objeto de estudo: Barão & Guevara.......................29
Guevara.....................................................................32
Citações & referências bibliográficas..................... 37
Objeto do conhecimento: metodologias................39
Método ou estratégia...............................................40
Fontes de pesquisa...................................................45
Citações & referências bibliográficas..................... 47
SEGUNDA PARTE……….....…………………….....49
A herança formadora de AXL e Gue: definições
ontológicas .............................................................. 51
Aspectos históricos da representação cômica e
humorística das vidas pública e privada
brasileiras..................................................................53
A situação colonial...................................................55
A independência e o Império: Regência e Segundo
Reinado..................................................................... 58
Na esteira da ré-pública chegamos ao século XX 85
Balanço do assunto: século XIX............................. 91
Citações & referências bibliográficas.................... 95
APÊNDICE
Os Salões Caricaturais de Angelo Agostini .......... 97
Os Salões Cômicos.................................................. 98
Design & humor no Brasil da Belle Époque.........
101
Um aparte para falar um pouco de design e
modernidade...........................................................103
1900..........................................................................107
Década de 1910.......................................................123
São Paulo.................................................................149
TERCEIRA PARTE……….....…………………….... 157
O modernismo e a década de 1920........................158
1922-24......................................................................160
1925...........................................................................173
1926...........................................................................178
1927...........................................................................193
1928.......................................................................... 229
1929.......................................................................... 236
A Manha e a parceria com “Chatô”- 1929/30....... 254
A Manha em 1930...................................................257
O aparecimento do Barão de Itararé..................... 263
O fim da revista
Para Todos…
em 1931................ 265
Balanço do assunto: a década de 1920, o crack
e a revolução de 1930............................................. 283
EPÍLOGO……….....…………………................….... 295
Considerações finais: primeiro volume................
297
Bibliografia & Inventário de fontes........................ 303
12
13
PREFÁCIO
O
objetivo primeiro deste trabalho foi evidenci-
ar a importância de dois grandes autores da imprensa bra-
sileira, dando nova luz à uma temática bastante conheci-
da pelo lado histórico e ainda parcamente explorada pelo
lado conceitual das realizações profissionais de ambos.
Trata-se da obra conjunta do humorista Aparício Torelly e
do artista gráfico paraguaio Andrés Guevara; a qual se ex-
pressa, basicamente, no jornal
A Manha
(1926-62). Com o
rumo tomado pelas pesquisas e pela metodologia adota-
da, me concentrei aqui na gênese dessa parceria e nas
condições que propiciaram o aparecimento da “dupla” na
imprensa brasileira, para dar seguimento ao restante do
assunto adiante, em outro contexto. Em compensação,
para chegar aos autores, faço um breve balanço da histó-
ria do design gráfico brasileiro de 1837 até 1931; procedi-
mento que ficará claro no desenrolar do trabalho.
A procura por uma metodologia adequada me levou a
especulações diversas e assumi trilhar a vereda do pensa-
mento complexo contemporâneo, buscando ampliar a área
dos recortes metodológicos para atingir um campo inter-
pretativo mais largo e abrangente; sempre no afã de bus-
car uma colaboração para o conhecimento que represen-
te uma verdadeira aproximação do objeto histórico, e que
também elucide com mais ênfase como foi que as coisas
se passaram. Resolvi investigar o significado essencial de
diversas manifestações: algumas por lhes conferir um
outro olhar, outras por estarem escamoteadas por uma
historiografia há muito cristalizada ou mesmo estigmati-
zadas por mitos criados pela própria cultura. Seguindo esta
tendência de pensamento, como deveria ser, o aporte in-
terdisciplinar norteou minhas pesquisas, assim como a in-
tenção de estar em acordo e pertinência com o estatuto
atual do saber científico (na definição de Lyotard).
Imbuído desta estratégia, busquei definir algumas esfe-
ras de especulação, todas interligadas por razões precípu-
as, mas que também provocam searas de trepidação, re-
flexo de suas próprias naturezas. Partindo da origem dos
fenômenos que escolhi para pesquisar, estabeleci um pa-
norama pontuado pelos aspectos que elegi como intere-
santes para minha exposição e, a partir disso, instituí uma
dinâmica de idas vindas do geral para o particular, geran-
do uma narrativa subjacente ou resultante.
A razão disso foi verificar alguns elementos da vida cotidi-
ana expressos nas representações culturais focadas, ten-
tando pinçar nas mentalidades envolvidas a compreen-
são de mais elementos de interpretação, e as conotações
possíveis à estas em seu próprio momento histórico. Esse
terreno do subjetivo, do automatismo dos julgamentos dos
sujeitos sociais históricos, me permitiu realizar uma série
de inferências que serão expressas mais nas legendas que
no texto, de maneira sutil, estimulando o leitor a racioci-
nar, tirar conclusões e a interagir com o assunto.
Mesmo que pareça uma ambição desmedida, resolvi abor-
dar o tema através de três objetos de conhecimento: o
design, o humor e a mentalidade. Esses campos do co-
nhecimento ensejam a arte gráfica e seus meandros e tec-
nologias, as estéticas — tanto em si como a da recepção
—, a gênese e a psicogênese do riso, o aparecimento dos
diversos gêneros de imprensa e suas especializações con-
forme o público alvo, as mentalidades brasileiras no perí-
odo e os fatores de formação de uma identidade e identi-
ficação nacional, que apesar de difusa e inconstante, aca-
bou por gerar um “acento” inconfundível e tipicamente
brasileiro nas representações, apesar de todos os poréns
e questões envolvidas; que não são poucas nem óbvias.
Sem nenhuma pretensão de esgotar os temas, o próprio
esforço de aprofundamento se viu prejudicado pela ex-
tensão almejada; além da impossibilidade inerente às di-
mensões de um só trabalho: isso foi avaliado com cuida-
do e determinou esse justificado procedimento. Frente à
constatação da falta de ilustração do público leitor esta-
14
belecido com o novo paradigma do ensino, que norteia o
mundo dos “experts” e privilegia apenas a formação pro-
fissional altamente especializada, a idéia de criar um rico
campo de referências me pareceu mais útil do que apro-
fundar as análises ou ficar apenas no tema em si. E mais,
resgates históricos tão longos há muito não se faz… a idéia
de reintroduzir o assunto para uma reflexão das comuni-
dades acadêmica e leiga é em si mais um motivo.
Dessa maneira, a narrativa que desenvolverei nas pági-
nas que seguem terão essa cara de “manual”, às vezes
teórico, às vezes jornalístico, e procurará atender à uma
necessidade de bibliografias palatáveis ao novo perfil do
usuário desse conhecimento, já que o ensino do design
se ressente cada vez mais de obras de referência que te-
nham uma preocupação efetiva e bastante norteada em
relação à profissão e sua história. É a história contada com
os olhos do designer, do humorista e também do historia-
dor, com intenção explícita de cativar o público apaixona-
do pelo tema. O desejo de ser agradável e de suscitar a
curiosidade do leitor em si é outra estratégia, que deverá
ser igualmente didática, familiarizando o usuário com o
assunto. As redundâncias fazem parte disso.
A alma dessa história
A relação do design, a partir da era pós-industrial, com a
moda, com a necessidades de renovação constante, com
a publicidade e a propaganda e até com a própria arte,
gerou (in)definições imprecisas a respeito daquilo que se
cria para a reprodução em série e com um objetivo, co-
mercial ou comunicacional, plenamente estabelecido — o
que é objeto de projeto, e que não tem como resultado
obras de arte, primeiramente. Sua função prioritária é prag-
mática e produz “coisas” para o uso ou consumo. O resto
vem depois, e também pode e deve ser valorado.
Mas, se a primeira função não é boa, o projeto, da mesma
maneira, o trabalho dificilmente será bom. Pode até so-
breviver na “onda” de algum modismo, mas não terá lon-
gevidade, em si ou como fórmula: isso é estatístico! De-
pois, será realmente necessário misturar os campos do
projeto e da arte? Esse nuance sutilíssimo, povoado de
interferências diversas e pertinentes ao mesmo tempo, em
algum ponto deve ser segregado, ou dissecado.
Não é necessário dizer que isto é metodologia, pois a com-
plexidade da realidade faz tudo se manifestar de maneira
integrada, quase indissociável, indistinto. Na arte gráfica
de imprensa e no humor, esta sutileza se multiplica, pois a
efemeridade e o descompromisso com o todo revela efei-
tos intrinsecamente instantâneos. Mais uma vez cito a fra-
se de João Guimarães Rosa, tão presente na essência do
nosso objeto: “ A anedota é como o fósforo… riscada, de-
flagrada, foi-se a serventia”. Essa é a natureza essencial
das representações que me propus a estudar.
Assim, para a página impressa, a questão do projeto é
fundamental enquanto design. Refletindo sobre seu arse-
nal criativo, sem contar os acabamentos, adereços diver-
sos e informações repetitivas, para as “principais” partes
formadoras da página — o texto (de humor ou não), a ilus-
tração, a charge, a caricatura, o cartum e a fotografia—, o
projeto fica relativizado, pois há margem de adaptação e
adequação, dentro de um conceito e de um critério dado,
que é o que dá consistência ao projeto. O que posso dizer
é que os elementos constituintes da página impressa apre-
sentam algumas regras específicas se comparadas com
suas manifestações isoladas. Mas isso também não é ge-
neralizável, atende à definição de “publicações de impren-
sa” e a cada um de seus “tipos” ou gêneros.
Nos dias de hoje, há confusão/mistura/heterogeidade de
linguagens, muitas vezes pautado e realizado por modis-
mos insanos, manipulações, obtusidades e “egotrips” das
mais diversas; e, igualmente, isso atinge a arquitetura: o
desejo de ser o que não é e as justificativas corresponden-
tes, geralmente falsas e ilegítimas, nos revelam “risíveis”
profissionais, “contos da carochinha” e muitas vezes risí-
veis resultados —, em prejuízo dos destinatários de seus
trabalhos. Essa falta de acuidade intelectual e profissio-
nal, alienante e perigosa, atende muito bem aos interes-
15
ses da dominação sistêmica; assim como cria uma mito-
logia completamente desvinculada do social, indutora, in-
clusive, de muitas das patologias sociais contemporâne-
as. Sou tentado a dizer que manipulação e manipulados
se misturam sem nenhum pudor, infelizmente. E em pre-
juízo da seriedade do design.
A morte de “tudo” da cultura pós-moderna virou “vale
tudo” e exalta a frivolidade e o individualismo hedonista,
muitas vezes elitista e excludente, onde afirma sua consi-
deração e apreciação através de publicidade e assessoria
de imprensa. Não tenho como ter críticas à isso — é uma
realidade cultural dada, uma constatação rasa e imutável
—, mas a postura mais honesta seria assumir que existem
preocupações que não interessam e, portanto, não serão
levadas em conta (ao invés de justificá-la artificialmente),
como o fizeram os pioneiros da contracultura no final dos
anos de 1960: não se buscava a criação de mitos artificiais
e comerciais em 1970, mas tratava-se de negar a cultura
anterior ou estabelecida, fundando um novo paradigma:
falo de movimentos de protesto reais e não do “protesto-
produto”, o qual é inventado por devaneios egóicos, fo-
cado exclusivamente na fama, no indivíduo e no lucro.
Parece que as artes plásticas o fizeram muito bem — re-
solveram sua questão pós-moderna com clareza: instala-
ram-se, a despeito da incompreensão geral —, mas o de-
sign e a arquitetura não são exatamente artes. Como pro-
fissão, devem ater-se a certos parâmetros, penso eu. Como
peças de comunicação, projeto de produtos ou projetos
do espaço, devem realizar sua função pragmática em pri-
mero lugar… ou não?
A fantástico designer Alexandre Wollner, por quem teço a
mais profunda admiração e respeito, sendo um autor fun-
cionalista, critica os colegas mais jovens da atualidade,
rotulando-os de “decoradores de páginas”; crítica justa e
precisa sob sua ótica. Entretanto encontramos trabalhos
de autores atuais de ótimo nível conceitual: temos nas
mãos um celêuma de difícil digestão, sem dúvida.
Aqui no nosso período de estudo, veremos a “decoração”
Art Decó
exacerbada de J.Carlos na revista
Para Todos…
com grande interesse, e com certeza os autores pós-mo-
dernos usaram esta referência memorável. Na mesma me-
dida, “artificialmente” se fez uma conexão referencial da
estética construtivista russa do início do século XX com a
arquitetura deconstrutivista dos anos de 1990; o que os
próprios arquitetos negam com alguma veemência. En-
tendo que somente o resultado em termos de eficiência
ou eficácia nos trará uma avaliação mais razoável a res-
peito da qualidade do design e da arquitetura, embora
nesse contexto de manipulação generalizada que vivemos
outras questões têm que ser explicitadas, e, a meu ver,
muito bem esclarecidas. Outrossim…
Nesse sentido exato, a questão ética aflora e o atendimento
único e exclusivo dos interesses do sistema coloca o pro-
fissional do design e da arquitetura numa verdadeira “si-
nuca de bico”. A morte completa de toda ideologia bur-
guesa que se materializa na mercantilização de todas as
esferas da existência — e que substituiu a sociedade
rigorístico-disciplinar pela sociedade moda —, com seu
empirismo apressado, e sua sedução e movimento cons-
tantes, desemboca em patologias intensas e inéditas, sob
as quais não somos invulneráveis ou incólumes.
Não existem mais formas de enquadramento do sujeito
social e isso nos fragiliza no plano emocional. Somente
esta consciência de que não estamos ilesos poderá nos
livrar de continuar trilhando caminhos equivocados, con-
quanto nadar contra a enxurrada no meio do temporal
também me parece suicídio. Entendo que é momento de
parar e refletir, tomar novos rumos.
Os tempos hiper-modernos vem resgatar algumas preo-
cupações humanistas, onde a civilização do efêmero coli-
de com o tom emocional presentista da cultura pós-mo-
derna: a hiper-competição néo-liberal, a precariedade, a
democracia de opinião, a globalização, a internet e a cons-
tatação de que tudo é descartável, acirra o individualismo
16
hedonista e presentista, e desesperadamente busca ali-
cerces num social que já inexiste, nos mostrando um de-
clínio do “carpe diem” anterior: o clamor pela responsa-
bilidade de todos ainda é vão por ser completamente fal-
so. Fugir dessa realidade é fugir de si mesmo, por que
não assumí-la e lidar com ela de frente, olhos nos olhos?
A sustentabilidade, em primeiro lugar, busca defender o
valor relativo do capital; as preocupações ecológicas das
indústrias de motores à combustão é apenas publicidade:
essa manipulação inescrupulosa aumenta e multiplica o
caos social global e adoece o ser humano pela ilegitimi-
dade absoluta de tudo que se vive. Ainda não vi um teóri-
co da sustentabilidade falar em planificação, ou um eco-
nomista constatar, pura e simplesmente, que os planeta é
finito e não podemos crescer constante e indefinidamen-
te… como, então, vamos pedir coerência para designers
e arquitetos? Salve-se quem puder e “que Deus nos sacu-
da!”, como publicou o Barão uma vez. Até quando?
A folclorização da cultura através do “tudo comemorati-
vo” e do “tudo patrimônio histórico” a banaliza através
da superficialidade total e absoluta, pois esta, a cultura,
passa a povoar a esfera do lazer e do entretenimento como
produto comercializável, prioritariamente. Queiram ou não,
é para este público que se produz a cultura de hoje, den-
tro e fora da academia. No mundo todo, salvo raras exce-
ções. Fora desse âmbito, o destino é a extinção.
Aqui, no contexto desse trabalho, frente às constatações
a respeito da situação cultural e acadêmica da atualidade,
resolvi ir fazendo esse trabalho de reflexão sobre a essên-
cia da produção científica, sem me refugiar nas ferramen-
tas ou desistir da busca por um conhecimento mais com-
pleto sobre os temas propostos. Mais do que uma busca,
isso é uma proposta.
O primeiro impulso foi o de dar outro olhar à própria in-
terdisciplinaridade, criando um diálogo, um movimento
dialético do particular dentro do particular, sem me preo-
cupar muito com as grandes categorias sociológicas na
determinação dos fenômenos, o que não é nenhuma no-
vidade e somente endossa a questão crucial a respeito da
possibilidade de se criar um conhecimento dialético sem
uma lógica igual e puramente dialética… acho que tere-
mos que aprender, ou abandonar.
A constatação de que os três focos do trabalho, design,
humor e mentalidade, tem um fio condutor indissociável
— o cotidiano —, mesmo que subjetivo e superficial na
aparência, foi me mostrando que cativar o interesse do
designer poderia ser um novo ponto de partida. Memória
e referência sempre enriquecem a malha interpretativa e
melhoram as ferramentas de criação. Quanto à isso, pare-
ce que não existem dúvidas, apesar dos esquecimentos
premeditados ou não.
A falta de linearidade, também é um mote. Isto é, a pro-
posta de cooptar novas colaborações que vão completan-
do o assunto, que vão se integrando num mesmo pensa-
mento também é uma proposta, e tem a intenção de ligar
e conectar cada vez mais esses conjuntos de conhecimen-
tos através duma interatividade indicada, mas não plena.
Já falei de resgate, agora me refiro à leitura crítica de fon-
tes secundárias contrapostas a material original. A espe-
rança é surjam estudos de caso, e o assunto cresça em
poder explicativo.
No mais, espero, sinceramente, que o leitor se divirta com
as páginas que virão.
São Paulo, abril de 2010
17
AGRADECIMENTOS
Devo agradecer a tantas pessoas que influíram, aju-
daram e apoiaram este trabalho de maneira proveito-
sa e decisiva, direta e indiretamente, que, antecipa-
damente, me desculpo pelas omissões e esquecimen-
tos; assim como pela impossibilidade de citar todos
aqui. Muito obrigado!
Na FAU, cabe agradecer as colaborações de vários co-
legas e professores, alguns dos quais nem aluno fui;
mas, que foram muito importantes para que o traba-
lho fosse reformulado, repensado e realizado. Me re-
firo, especialmente, aos Professores Murillo Marx, Ra-
fael Perrone, Carlos Faggin, Artur Lara, Carlos Zibel e
Minoru Naruto — pelo incentivo e pela seriedade que
impuseram ao meu esforço.
No IEB e na Biblioteca Nacional, a todo pessoal, sem
exceção — e em especial a Maria Helena, Maria Izilda,
Beth, Lucia Thomé e Bianca no IEB; e a Rosane Nunes
do Dinf, na Biblioteca Nacional; pelo carinho e pela
atenção prestimosa; nas secretarias do campus e da
FAU Maranhão e nas respectivas bibliotecas, devo
agradecer a paciência inesgotável dos funcionários e
a camaradagem ao me atender: devo esta a vocês!
Ainda no campo acadêmico, eternos agradecimentos,
vão para a Profª. Dra. Marlene Yurgel, minha orienta-
dora, e para o Prof. Dr. Fernando Antonio Novais:
mestres, mentores e amigos, que, com incrível zêlo e
propriedade, fizeram generosas apreciações e me
deram preciosos conselhos. Gostaria de manisfestar-
lhes aqui, a minha mais profunda gratidão.
No âmbito do
Projeto Barão
, razão de tudo o que foi
empreendido, devo agradecer, primeiramente, ao meu
fiel parceiro, amigo e irmão Sergio Papi, assim como
ao Mouzar Benedito, Luis Gê, Jaguar, Luis Fernando
Veríssimo, Paulo Caruso, Carlos Matuck, Bertrand
Costilhes, Gualberto e muitos e muitos outros com-
panheiros de jornada que partilham esta idéia e le-
vantam suas espadas para encarar esta batalha; in-
cluindo também aqueles que não estão mais entre
nós, mas que sempre me apoiaram: Otávio (pai do
Novaes), Fortuna, Mendez, Nássara, Glauco.
Ao pessoal da pesquisa não tenho nem palavras para
agradecer, pois todos tiveram igual e fundamental im-
portância, com agradecimentos especiais para o que-
rido Sergio Papi, mais uma vez, e ao Cláudio Macha-
do: valeu galera!
Agradeço à FAPESP - Fundação de Amparo à Pesqui-
sa do Estado de São Paulo, que possibilitou a realiza-
ção deste trabalho me concedendo bolsa de doutora-
do para que eu pudesse me dedicar à esta íngreme
tarefa. Em especial, agradeço ao Dr. CarLos Henrique
de Brito Cruz, Diretor Científico da FAPESP, pela boa
vontade e prestatividade no atendimento de minhas
solcitações. Ainda aqui, não poderia deixar de agra-
decer aos funcionários e atendentes pela forma efici-
ente e carinhosa com que sempre fui tratado: meu
muito obrigado!
Ainda aqui, agradeço à minha família, meus pais e
meus filhos, pelo apoio incondicional nos momentos
mais delicados, acrescido do pedido de desculpas
pelas horas subtraídas de nossa convivência, para que
este trabalho pudesse ser concluído.
18
Herman Lima por Mendez, sem data.
Herman Lima por J.Carlos, 1940.
Legenda dos créditos
(textos, desenhos e fotos)
AH
Haluch, Aline.
A Maçã e a renovação do design editorial na
década de 1920 in
O design brasileiro antes do design
,
org.
Rafael Cardoso, São Paulo: CosacNaify, 2005.
AL
Barão de Itararé & Guevara.
Almanhaques
, (1949, 1955-1º e
1955-2º).
São Paulo: Studioma & Edusp, 2002.
AM
Zezim & Papi.
Antologias d’A Manha
, vol. I (1926) e vol.II
(1927).
São Paulo: Studioma & Artprinter, 1995.
BN
Biblioteca Nacional
, acervo de periódicos,
Rio de Janeiro.
CL
Loredano, Cássio.
Guevara e Figueroa, caricatura no Brasil
nos anos 20.
Rio de Janeiro: Funarte, 1988.
ES
Saliba, Elias Thomé.
Raízes do Riso
. São Paulo: Cia. das
Letras, 2002.
HL
Lima, Herman.
História da Caricatura no Brasil.
Rio de
Janeiro: José Olímpio Editora, 1963.
JA
André, José Mendes.
Elementos para uma leitura da obra de
Aparício Torelly, o Barão de Itararé.
São Paulo: Dissertação de
Mestrado, FAU-USP, 2004.
JS
Sobral, Julieta Costa.
J.Carlos, Designer in
O design brasileiro
antes do design
,
org. Rafael Cardoso, São Paulo: CosacNaify,
2005.
IEB
Instituto de Estudos Brasileiros da USP
- Fundo Barão de
Itararé e acervo geral,
campus USP, São Paulo.
RC
Denis, Rafael Cardoso.
Uma introdução à história do design
.
São Paulo: Edgard Blucher, 2000.
AVISO IMPORTANTE
No decorrer do texto, o leitor notará que muitos créditos citarão apenas a fonte,
conforme a legenda acima, sem o número das respectivas páginas onde foram
publicados. Não é uma omissão: minha intenção premeditada é convidar o usuário
deste trabalho a visitar os originais utilizados, para sua avaliação e deleite.
19
Primeira Parte
20
21
Introdução
O ponto de finalização para este trabalho não poderia ser
outro senão que o exame de qualificação. Deixando de
lado percalços organizacionais que não convém aqui es-
miuçar ou mesmo comentar, vou direto ao ponto. Unani-
midade na banca, a apresentação de um exame sobre
design gráfico e humor na imprensa sem uma única ima-
gem criou um certo espanto. Na verdade não era minha
intenção original fazê-lo, mas traduziu plenamente o teor
da busca que pretendo implementar. Por mais insólito ou
paralógico que possa parecer, a intenção sincera é, além
de trabalhar o assunto da pesquisa em si, provocar um
exercício reflexivo, teórico, a respeito do tema e de sua
área de conhecimento.
Esse
input
, oriundo do contato recente com o pensamen-
to complexo, especialmente com as obras de Deleuze,
Lyotard e Lipovetski, me levou a formular o conceito de
desmitificação, mais à frente descrito e definido. Na mi-
nha visão, o mito na sociedade contemporânea, objeto
dileto para a manipulação sistêmica, está para a
socieda-
de-moda
(segundo a definição de Lipovestsky)(1) assim
como a
mais-valia
está para o sistema econômico capita-
lista. Isto é, é o fenômeno essencial que movimenta a
moda: este, o mito, migrou das esferas da cultura popular
ancestral e passou a ser criado nas esferas da publicidade
e do design para alimentar a necessidade constante de
moda que o sistema e a vida cotidiana requer… o “sem-
pre mais” de um consumismo hedonista e exagerado que
há muito substituiu o supérfluo pelo necessário.
Neste campo de estudo, dentro do período histórico estu-
dado, temos o início do desenvolvimento deste processo
de desmitificação da cultura. Este aspecto, ainda não muito
explorado na historiografia e na teoria do design, se impõe
como necessidade sobre as sociedades capitalistas duran-
te e após a segunda revolução industrial, e é o germe que
destruirá toda mentalidade burguesa na sociedade hiper-
moderna; onde todas as esferas da existência foram mer-
cantilizadas e dominadas por um hiper-individualismo dis-
tanciado. Nesse contexto da atualidade, a publicidade, a
propaganda e o design são assuntos de primeira grandeza
para a vida e a morte dos negócios, para a manutenção e
reprodução da vida cotidiana, e, sobre esta constatação,
subjaz uma mentalidade hiper-moderna.
O Barão de Itararé por Augusto Rodrigues,
A Manha
, anos 40.
IEB
22
Aqui no nosso caso, o modernismo e a implantação plena
dos valores burgueses (*), é que são a tônica dos movi-
mentos culturais e sociais daquele momento histórico de
reafirmação de distâncias e pontuação de diferenças ide-
ológicas. Na medida em que a mentalidade mostra o au-
tomatismo do juízo dos sujeitos sociais a cada estrato so-
cial sem que estes tenham consciência imediata disso, ou
seja, se manifesta através do plano do inconsciente; os
conceitos relacionados à esta serão o mito, o preconceito
e todos critérios de competência criados e discursados pela
narrativa popular — em seu nível mais basal, isto é dado
pela oralidade… os contos e estórias populares passados
de geração a geração. A partir daí temos as formas de
representação mais elaboradas para o estudo da mentali-
dade, as quais trazem a bagagem mítica da cultura e tam-
bém a especificidade do momento histórico e de seu con-
texto sócio-cultural. Assim, as representações não só en-
gendram as manifestações culturais dentro do campo so-
cial, mas estabelecem formas diversas de expressão, cri-
térios de distância e aproximação que geram a oposição
entre alta cultura e cultura popular, denotando o conjunto
de
visões de mundo
dentro da sociedade estudada. Com
isso, a conexão entre
mentalidade
e
vida cotidiana
, por
pertinência, torna-se imprescindível para este estudo.
Em relação aos autores colocados em primeiro plano,
Aporelly e Guevara, pode-se mapear algumas influências
dentro de seu processo criativo e Cassio Loredano (2) cita
os livros a preços módicos com estampas que incluíam a
nova pintura modernista européia que circulavam nas re-
dações dos jornais nos anos de 1920, especialmente nas
mãos de Guevara e Figueroa entre 1926-30. No nosso caso,
isso ainda pode ser creditado à herança da
Belle Epoque
e
de sua ânsia por modernização que invadiu o Rio de Ja-
neiro na virada do século, mas soma-se à isso a difusão e
explosão dos meios de comunicação trazida pela segun-
da revolução industrial. Esta tendência, dada pela
neces-
sidade de informação
diária para melhorar e otimizar as
decisões nos negócios, de publicidade de produtos, em-
presas e estabelecimentos, e também de realizar as aspi-
(*) Aqui faço um aparte para esclarecer que, à maneira lusitana, tratarei os
conceitos de maneira literal, i.e., quando falo em mentalidade burguesa
me refiro àquela trazida pela revolução francesa de 1789 e que estava em
plena implantação nas sociedades capitalistas e pré-capitalistas antes,
durante e após a segunda revolução industrial; e não às concepções pejo-
rativas dos filósofos niilistas e de esquerda.
rações burguesas de democratização da cultura, da infor-
mação e da tecnologia, irá desenvolver-se de maneira cres-
cente e em progressão geométrica durante todo século
XX. Intuo que esta
necessidade de informação
seja vincu-
lada e inseparável da
necessidade de moda
dentro desse
contexto complexo do desenvolvimento das sociedades
capitalistas modernas.
Historicamente, outras influências são passíveis de ma-
peamento, sem dúvida: Guevara não foi o primeiro es-
trangeiro a instalar-se no design gráfico brasileiro e pro-
vocar mudança generalizada nos assuntos e técnicas de
criação, mas estes vetores — aqui citaria, em linhas ge-
rais, Angelo Agostini, Rafael Bordalo Pinheiro e Julião
Machado — mantiveram o Brasil sempre atualizado com
as mais recentes tendências do design gráfico mundial
durante o século XIX e nas primeiras décadas do século
XX. Isso apenas reafirma a idéia de Richard Hollis (3) de
que, historicamente, o design gráfico se modifica através
de pioneiros isolados, preferindo, supreendentemente, ali-
mentar-se de suas próprias tradições. Endossa também a
máxima de Bob Gill…” nessa arte nada se cria, tudo se
copia” (4).
Para a caricatura e para desenho de página do período
1900-1930, o significado estético mais marcante está no
alto grau de abstração que a representação gráfica vai
assumindo no final dos anos 20, superando as estéticas
art nouveau
e
art decó
, apontando para o que viria nas
décadas seguintes. O que pareceria levar as fórmulas da
Belle Epoque
ao exagero, na verdade, continham apreen-
sões modernistas bastante engajadas, apesar de incons-
cientes, inconstantes e esporádicas, que “boiavam” nas
aspirações dos designers. O próprio J.Carlos, em alguns
trabalhos vai muito além das estéticas correntes na épo-
ca, mostrando não apenas novos caminhos, mas indican-
do uma intuição premonitória dada por uma criatividade
rara, como o exemplo muito bem garimpado por Rafael
Cardoso em duas capas d’
O Malho
de 1919 (5). Tudo isso
que brota do inconsciente e se expressa como criação ino-
vadora — a intuição, a premonição, a antecipação de fór-
mulas —, está ligado ao automatismo dos julgamentos
dos sujeitos sociais; o que envolve tanto a malha interpre-
tativa do artista como também suas aspirações criativas
mais íntimas e profundas. Portanto, a questão e o concei-
to de mentalidade serão sempre recorrentes e fundamen-
tais para este trabalho.
23
No plano do conhecimento científico, a hiper-modernida-
de se caracteriza pela quebra de todos paradigmas e dog-
mas da cultura moderna com o advento da cultura pós-
moderna e posteriormente hiper-moderna, e coloca sob
severa suspeição nosso sistema de pensamento lógico li-
near e o próprio método científico, pois, a cada dia, fica
mais evidente que este pensamento também é um mito
regado de enxurradas de subjetividades e preconceitos.
Agregado a isso, reforçando a questão, coloca-se a insóli-
ta oposição entre verdade e vendável dada pela troca do
valor de uso por valor de troca que o conhecimento cien-
tífico assume a partir da sociedade pós-industrial ou cul-
tura pós-moderna; que o deslegitima (o conhecimento ci-
entífico) e o insere no foco do discurso da dominação como
relação principal de poder. O risco de escandalizar que
Lyotard esclarece n’
A condição pós-moderna
em 1978 (6),
muito bem manipulado nas estruturas das burocracias
acadêmicas e estatais, na comunicação de massa e na pu-
blicidade, nos dias de hoje já é o escândalo em si, e não
me furtarei de explorar este aspecto, buscando identificar
a origem desse processo, e para trazer esta reflexão, a meu
ver de extrema importância, aos colegas.
O fulcro desta problemática é a superação de toda dicoto-
mia ideológica na atualidade, expresso como assunto não-
pertinente para o conhecimento científico e profissional.
O colorário principal desse fato é que aspectos éticos e
morais também deixam de ser pertinentes ou relevantes
para a melhora das performances do sistema
(como frisa
Lyotard, op.cit.); o que se apresenta como um indício ex-
cessivamente perigoso para a sociedade como um todo.
A formação acadêmica dos dias de hoje implica cidadãos
sem ilustração, nivelados pelo mínimo para cumprir suas
especialidades profissionais, portanto com capacidade
crítica igualmente mínima, embora não nula. Com isso,
viso o esclarecimento epistemológico para fugir da mani-
pulação sistêmica e colaborar para elucidação, um tanto
esquecida, do alcance dos métodos e das formas de pen-
sar a realidade.
Nessa avalanche de contradições, o resgate humanista
trazido pela hiper-modernidade não revaloriza apenas as-
pectos da cultura moderna quando consideramos que o
determinismo clássico é o limite “execessivamente caro”
para o conhecer o sistema (Lyotard, op.cit., cap.13), mas,
num sentido mais nobre, ultrapassa suas limitações sec-
tárias sob dois aspectos importantes, a saber.
Acima a capa de Di Cavalcanti. Na semana seguinte, a
premonição estética na capa de J.Carlos utilizando expedientes
da linguagem pós-moderna: fragmentação e citação.
24
O primeiro é dar-se conta de que uma cultura somente
poderá ser criticada a partir de dentro, seguindo seus pró-
prios parâmetros e critérios de competência para não ser
contaminada por etnocentrismo e nos levar a interpreta-
ções e ações equivocadas. Isso se opõe a todo e qualquer
sistema político vigente em todos os países do planeta e
representa um grande avanço para o ser humano: é o
re-
conhecimento do outro como igual na diferença
. Isso está
nos dando a base de uma consciência da degeneração e
decadência de uma civilização que produz a guerra e a
miséria e aponta para um colapso profundo num momen-
to futuro não muito distante. Voltando à especulação le-
vantada na minha dissertação de mestrado (7), nesse
momento histórico, a questão antropológica virá à tona
de maneira realmente relevante sob este prisma. Lembran-
do a crítica do Luiz Gê durante o exame de qualificação,
repudiando em certa medida a análise de Lipovetsky so-
bre a sociedade hiper-moderna (por já estar ultrapassada)
ao citar a foto da rainha da Inglaterra com o Presidente
Lula recentemente, temos que convir que as coisas estão
se modificando… o parâmetro civilizatório está em plena
mudança e reajuste, embora não saibamos bem para onde.
O segundo, fruto da demolição da mentalidade progres-
sista, foi começar a ver a cultura do ocidente como um
todo e em todos os tempos, propiciando uma releitura das
idéias ou de todas as idéias, desde a antiguidade. Para o
conhecimento, a constatação de que apenas existem “ilhas
de determininismo”, conjunturais e relativas — tão bem
expresso nas conexões do rizoma de Deleuze —, nos mos-
tra a natureza impermanente e em constante mutação da
realidade, o que nos dá e reforça a necessidade irredutí-
vel de história para a produção do conhecimento científi-
co, por um lado. Do outro, nos dá a dimensão da quanti-
dade de coisas que já se produziu, sem sucesso, ao tentar
estabelecer um conhecimento dialético a partir de um sis-
tema formal (lógica) não compatível com esta concepção
(dialética) da realidade e do universo. Com certeza, esta
compreensão elucidada pelo pensamento complexo nos
levará a novas formas de conhecer e abordar os objetos
de estudo da ciência, como a física já o vem realizando
com notáveis resultados.
Em termos do design e suas definições mais completas —
esquecendo aqueles que definem o design como tal so-
mente a partir dos anos de 1950, o que considero um
modismo, sendo portanto uma definição superficial irra-
cional e infundada, arbitrária —, se encaixa melhor a defi-
nição de Richard Hollis (op.cit., pp 1-5) que caracteriza o
design por tudo aquilo que se reproduz em série, contem-
plando em suas raízes tanto a observação de Rafael Car-
doso (op.cit.) sobre as fôrmas para reprodução em série
de vasos na antiguidade grega, quanto as de Philip Meggs
(8) sobre os desenhos e caracteres para identificação de
fabricantes de vinhos e queijos desde a idade média. Ou
seja, o design está sempre ligado a tudo que se reproduz
em série e que é destinado para a atividade comercial:
isso o diferencia das artes, apesar de incorporar diversas
técnicas destas para realizar o seu trabalho.
No contexto Barão-Guevara, tudo isso me levou a dar uma
guinada em termos de definição de objeto de conhecimen-
to e objeto de estudo, mas não tão radical quanto foi su-
posto, se contemplarmos as questões que já esbocei na
minha dissertação de mestrado. Aqui, mais do que um fio
da meada, já estou produzindo um tecido, reflexo do ama-
durecimento dos assuntos e da temática.
O Barão de Itararé e Andrés Guevara, em São Paulo, 1949.
IEB
25
Mea culpa
O exagero carinhoso de minha orientadora — que dimi-
nuiu meu tempo de trabalho, justificado aliás, mas sem
comentar as mazelas pessoais dadas por problemas de
saúde e problemas familiares terríveis —, e que fez o Luiz
Gê arregalar os olhos, tem sua razão. A primeira delas,
me parece que é a longa extensão de minha dissertação
de mestrado, considerada por alguns quatro em uma.
Contudo, estou seguindo um caminho que parece estra-
nho, pois renego a idéia de que a menor distância em dois
pontos é uma reta. O curso do Dr. Faggin através do ba-
lanço apresentado por Kate Nesbitt da arquitetura contem-
porânea e as justificativas teóricas de seus criadores; a
experiência prática na assistência ao Dr. Artur Lara em di-
dática através do curso de Produção Gráfica para a gradu-
ação em Design da FAU-USP; e, finalmente, o contato com
o pensamento contemporâneo no curso dos Drs. Carlos
Zibel e Minoru Naruto representaram um esforço que apa-
rentemente desvia da meta, mas que, na verdade, me de-
ram a chance de repensar as questões e, mais do que isso,
amadurecer a forma de pensar o assunto. Não posso dei-
xar de fazer um balanço altamente positivo desse proces-
so, pois percebo que subi mais um degrau nessa longa
escada. E agradeço efusivamente a banca da qualificação
por isso, apesar dos citados percalços.
As observações trazidas pela banca foram preciosas e as
comentarei aqui para fazer jus ao benéfico efeito que tive-
ram sobre este trabalho. Começo com o querido Dr. Rafa-
el Perrone, que mais uma vez, teve a paciência e a acuida-
de de me mostrar um bom caminho.
Suas críticas: a falta de imagens, algumas afirmações cate-
góricas equivocadas e algumas hipóteses que bem pode-
riam ser apenas grifos ou assuntos especialmente desta-
cados e, algumas citações um pouco demodê. Não posso
deixar de reconhecer as razões do Mestre e adiante as
corrijo com humildade e prazer. Contudo, o ponto princi-
pal de suas observações giram em torno das definições
do objeto de estudo, objeto do conhecimento e objeto do
trabalho.
Não posso negar que, de certa forma, retornei ao ponto
que me foi elucidado pela querida Ciça (Dra. Maria Cecília
França Lourenço) em 1997, antes de ingressar no mestra-
do, durante um curso na FAU-USP como aluno especial.
Ou seja, a maior dificuldade ao estabelecer a pesquisa é
fazer o recorte necessário para que não tratemos de “Deus
e sua criação”. Realmente fiquei impactado com o conta-
to com o pensamento complexo da atualidade e isso me
fez abrir demais as possibilidades de trabalho; o que é in-
compatível com as restrições de prazo dadas, entre ou-
tros fatores mais relevantes.
Também foi identificado pelo Dr. Perrone que tenho três
focos de trabalho:
1 - o Humor moderno como fenômeno cultural;
2 - o modernismo funcionalista no design gráfico brasilei-
ro da primeira metade do século XX;
3 - a modernização da mentalidade da sociedade brasilei-
ra neste período. E que eu deveria escolher apenas um
deles para realizar este trabalho.
Pois bem, minha decisão é por abarcar os três aspectos
na sua relação suficiente e necessária — no plano mais
essencial —, onde o Design e o Humor encontram-se ex-
pressos na obra gráfica de imprensa, por suas caracterís-
ticas móres de constituírem mensagens efêmeras, de cur-
ta duração; e, especialmente, onde a questão da mentali-
dade determina em grande parte o significado destas
mensagens, assim como a composição destas num mes-
mo suporte comunicacional.
Na minha dissertação de mestrado fiz uma analogia com
as concepções de Luis Tatit na sua
Semiótica da Canção
.
Ali, Tatit desenvolve uma teoria onde mostra que música
e letra combinados na canção geram a
entoação
, e é o
que dá o verdadeiro significado à canção e não suas par-
tes isoladas, letra e música. Analogamente, na arte gráfi-
ca, a combinação de texto e imagem no suporte gráfico é
o que lhe dá, em última instância, o significado geral; além
dos significados individuais (texto e imagem) trazidos por
suas partes constituintes. Num trabalho como o de Bob
Gill isso é bastante evidente, mas na imprensa nem tanto;
é preciso um esforço maior para identificar estes signifi-
cados.
Visto dessa forma, a análise da obra gráfica, do ponto de
vista estritamente formal (semiótico), poderia ser desmem-
26
brada em texto, imagem, e combinação de texto e ima-
gem no mesmo suporte (que também tem acabamentos,
composição e estética definida); e cada uma destas partes
têm suas regras próprias, mas que buscam se integrar de
maneira harmônica para dar completude ao significado
da mensagem da peça gráfica; onde texto e imagem tem
regras específicas para o suporte gráfico segundo o cu-
nho e o tipo de publicação. Contudo, a questão do conhe-
cimento, do objeto do conhecimento, fica carente e incom-
pleta se não contemplarmos as questões sociais e históri-
cas, as quais revelam a grande maior parte do significado
destas mensagens, ainda mais no caso do nosso tema.
Ora, se a natureza desse tipo de mensagem é dada pela
efemeridade — humor, design e imprensa —, onde a ques-
tão do estudo da mentalidade é fundamental, isso, além
de trazer para nosso estudo os componentes despreza-
dos pela ferramenta formalista, introduz a análise social e
histórica na geração do significado da obra, aquilo que a
situa no tempo cotidiano, e lhe completa o sentido.
O primeiro ponto forte — agora já entrando nas observa-
ções feitas pelo Dr. Luis Gê — para criar o parâmetro indi-
cial, esclarecer morfologias e taxonomias que situem nos-
so objeto de estudo no contexto geral da produção cultu-
ral, sem dúvida é a natureza paródica da obra conjunta de
Barão & Guevara expressa no jornal
A Manha
. E, mais do
que a inserção desta obra na história da arte gráfica brasi-
leira, a identificação de como a releitura paródica introduz
elementos da mentalidade burguesa nos será mais pro-
veitosa do que a análise formal em si, mesmo não a des-
cartando de todo, pois o assunto o requer.
Isso posto, nosso campo de prova estará nas publicações
de imprensa, incluindo os arautos da vanguarda (para en-
riquecer o escopo de elementos gráficos), os quais serão
sempre visitados para criar um contraponto de elevado
contraste; e destacar o principal objeto de conhecimento
deste trabalho: o design gráfico. O objeto principal da pa-
ródia n’
A Manha
é a grande imprensa, que, publicada ain-
da na dureza das técnicas tipográficas, carece de elemen-
tos de design mais arrojados para uma análise esclarece-
dora. Por exemplo, a obra de J. Carlos nos anos de 1920
está incomparavelmente mais dentro do contexto da van-
guarda da arte gráfica do que
A Manha
e a ela nos reme-
teremos sempre que possível; ainda reforçando esta es-
colha pela participação de Guevara n’
O Malho
,
Para To-
dos…
,
O Globo
, etc, etc. Gue publicava em quase toda
imprensa carioca daquele período, e tem influência mar-
cante sobre tudo o que foi ao prelo de 1924 até 1955 com
seus
portrait-charges
e projetos gráficos modernistas.
Entretanto, nos anos 20, vemos J.Carlos deixar de ser ex-
clusivamente o “rei dos calungas” para tornar-se um dos
maiores designers gráficos brasileiros de todos os tem-
pos, coisa que somente hoje começamos a notar.
A vanguarda da arte gráfica não é, nem poderia ser o nos-
so foco ou parâmetro indicial, mas sim, repito, a imprensa
diária, as revistas semanais, mensais, almanaques e pu-
Guevara.
O Papagaio
, 12/6/1928.
HL
27
blicações afins, como também as publicações voltadas
para o humor e a crítica social e política. Isso enseja o
estudo de uma estética própria, a da paródia, e o estudo
do conteúdo editorial (pautas, temas e seções) de manei-
ra mais detalhada. Quero dizer que os aspectos de espe-
lho, de alterego, de metalinguagem que a paródia evoca
terão que ser ressaltados, obrigatoriamente. Por outro
lado, isso recoloca a vanguarda no fulcro da pesquisa in-
dicial, uma vez que é mais claro lidar com os extremos.
O segundo ponto importante, que liga nosso objeto de
estudo à questão da mentalidade no quesito humor, asso-
ciado ao conceito de mentalidade, acima expresso, é a idéia
de
trucagem mecânica
na anatomia do riso feita por Berg-
son. Ou seja, conteúdos inconscientes, aqueles que povo-
am o automatismo dos julgamentos, é que propiciarão a
criação do truque, aquilo que pega o sujeito de surpresa e
o faz rir. Entre outras, estamos falando da seara do ridícu-
lo: é no arquiconhecido que o humor paródico funda suas
raízes para revelar uma verdade hilária. A associação com
o conceito de mentalidade é quase óbvia.
Como decorrência, a ligação que Freud faz do formato
onírico do chiste, da sublimação das competências de ex-
clusão como o sadismo, o preconceito e a repressão se-
xual, também estarão neste campo explicativo do riso. Para
o nosso caso, talvez o mais relevante seja estabelecer as
oposições entre alta cultura e cultura popular no âmbito
da cultura brasileira do período, verificando as utensilha-
gens mentais disponíveis para cada classe social para en-
tender como aquela obra significa aqui e ali dentro das
camadas sociais.
Em linguagem semiológica, seria o equivalente a verificar
como se formam os significados de um mesmo signifi-
cante segundo as diversas malhas interpretativas dentro
da mesma estrutura social. Nesse sentido, o humor paró-
dico do
A Manha
consegue “tocar” todos aqueles que te-
nham acesso à obra e expandir significados em maior ou
menor grau, cumprindo e resgatando uma função social
histórica do humor na cultura brasileira. Esse nuance, dado
pela ponte que humorismo desse período criava entre as
várias camadas sociais não pode ser desprezado, pois en-
seja uma linguagem acessível a todos, incluindo a estéti-
ca.
Ainda digno de menção para esta introdução é lembrar a
Manoel Bandeira por Guevara. Revista
Para Todos…
, 9/6/1928.
HL
definição que Deleuze formula para o humor na sua
Lógi-
ca dos sentidos
(9). A imprensa diária alimenta suas pau-
tas continuamente com tragédias e
fait-divers
(como defi-
nido por Roland Barthes em
A estrutura da notícia
)(10):
esse é seu mote principal, pois é o que cativa com mais
intensidade o público geral, que, ao que parece, se apraz
em ficar chocado, revelando o cunho curioso e sado-ma-
soquista da sociedade moderna, especialmente nas clas-
ses sociais mais baixas; as mais numerosas e com utensi-
lhagens mentais mais restritas em relação ao escopo ge-
ral da cultura oficial ou dominante. Deleuze disse: no mais
profundo da tragédia, quando está já é insustentável para
a emoção, esse movimento se inverte e reaparece na su-
perfície como singularidades livres e autônomas, geran-
do o riso, o humor, a 4ª pessoa do singular. Aqui no nosso
caso, onde a identidade paródica é o principal apelo, está
definição vem completamente de encontro às nossas ex-
plicações. Indo além, a pândega sobre o trágico fabrica o
ambiente necessário para que este humor se expresse no
formato “besteirol”, o completo
nonsense
, do qual o nos-
so Barão é um dos principais pioneiros.
28
Guevara.
A Manhã
, 24/6/1927.
HL
29
Objeto de estudo
Barão de Itararé & Guevara
AxL & o único paraguaio que venceu o Brasil!
Aporelly foi o nosso maior humorista e provavelmente o
mais original. Seu trabalho fluía naturalmente a partir de
sua enorme criatividade, sem nunca ir contra suas convic-
ções. Este equilíbrio e esta coerência através do tempo
revelaram uma visão de mundo e da vida profundamente
otimistas, e que, além de preservá-lo das opções mani-
queístas (como disse Antonio Houaiss na apresentação
de
As duas vidas de Aparicio Torelly, o Barão de Itararé
,
de Cláudio Figueiredo)(11), ainda o livrou da veia fácil do
cinismo.
Investiu contra tudo que classificava como “ignorância” e
esclarecia que, como os provérbios, o humor fala apenas
“metades” da verdade. Assim, criticou os humoristas
como tendo uma influência “muito levemente benéfica e
bastante entorpecente” sobre o povo (ou opinião públi-
ca).
Para ele, todos os seres humanos são humoristas, mas
ele mesmo não gostaria de ser um “humorista entorpe-
cente”. Segundo sua definição, o papel do humorista é
mostrar a verdade e procurava seguir este princípio o mais
fielmente possível: “O humorista é um conhecedor da
natureza (humana)(…) Um humorista sério chega a ser
trágico. É um dialeta (…) E como utilizam esta arma? Des-
tacando as contradições dos adversários e reduzindo-os a
nada” (
In
entrevista para a Revista Manchete, Rio, 18/09/
1965).
Dentro de suas concepções, de certa forma, promovia
aqueles a quem admirava, que eram seus “ídolos”:
Bernard Shaw, Mark Twain, Johnathan Swift, Lima Barreto.
Em comum, todos foram importantes críticos da socieda-
de de seu tempo e tiveram alguma forma de participação
política.
O Barão sempre evitou a acomodação e os apelos que o
dinheiro poderia lhe trazer se submetesse sua criativida-
de a objetivos mais comerciais, e manteve-se fiel às suas
convicções pessoais até o fim da vida, deixando também
como herança longas fichas nos arquivos policiais.
Mas não perdia o amigo, nem a piada, no “país da piada
pronta” — por maior que fosse a miséria pela qual estava
passando, a bondade e a sabedoria estariam acima de tudo
no trato com o semelhante, deixando bem claro que, a
despeito de qualquer posição política, o ser humano era o
núcleo das suas preocupações.
Por sua própria personalidade, a obra de Aporelly perma-
nece dispersa e espalhada pela imprensa ao longo de 50
anos da vida brasileira. Seus trabalhos faziam precipua-
mente referência a fatos e personagens do momento, por
ser ele um humorista e também autor de imprensa —
ambientes de criações conjunturais e efêmeras. Mas, ele
mesmo nunca quis organizar suas memórias ou antologi-
as, e afirmava tacitamente: “ a mim, principalmente, não
me releio”.
O escudo heráldico de sua majestade, Itararé, o Brando,
desenhado por Guevara e publicado na ocasião da auto-
proclamação a Barão n’
A Manha
, pg 5, em 5/12/1930.
30
A volta triunfal d’
A Manha
, em
27/4/1945, é o começo da
vingança do Barão contra seus
algozes do Estado Novo. A
pândega com a 5º coluna,
assinada por F. Muller (alusão a
chefe da repressão política,
Felinto Muller,) fizeram as
gargalhadas ecoarem por todo
país. A queda da censura em
fevereiro daquele mesmo
1945 viabilizaram a
republicação do
A Manha
e a
manchete já prenunciava a
queda de Getúio Vargas,
alguns meses depois
(29/10/1945).
O design do jornal assimilou as
novidades que Guevara
introduziu na
Folha Carioca
, no
Diário da Noite
e no
El Clarín
,
sem perder sua verve
humorística: a questão
financeira não lhes permitia
um jornal mais limpo. O título
começa com o artigo em
itálico e vai caindo para a
direita no nome, mostrando a
intenção do designer ao aplicar
a letraset para criar um efeito
engraçado. O timbre assume
os ares da modernidade dos
tempos de guerra, com uma
estrelinha à esquerda, e torna-
se itinerante pela capa, como
seria feito no
Última Hora
em
1952. O epíteto, presente
desde o primeiro número em
1926, foi mantido: “ órgão de
ataques… de riso”.
Na página ao lado vemos
acima a hilária campanha a
vereador do Barão na
manchete d’
A Manha
de 28/
11/1946.
IEB
31
Amante da vida, nunca um outro humorista confundiu tão
completamente a sua obra com a sua vida pessoal, desde
que a excêntrica figura do Barão de Itararé, ao dobrar uma
esquina, encontrou o cidadão Aparício Torelly: os dois se
fundiam numa só pessoa, numa só vida; livre, criativa e
brincalhona. Uma de suas máximas apenas o confirma:
“o que se leva desta vida é a vida que a gente leva”.
O essencial neste humorista notável é que ele tem condi-
ções de sobreviver à sua época. Sem esquecer da nature-
za libertária do humorismo, este recebeu a preciosa cola-
boração da criatividade, do talento e da cultura de Aporelly
para desabrochar plenamente num criador engajado e
antecipador de fórmulas. Ademais, o humor do Barão sem-
pre se mobilizou para, de modo conseqüente, combater a
auto-mistificação da ideologia dominante. E esse momento
decisivo de emancipação, processo pelo qual estamos
passando e participando, é permeado o tempo todo pela
memória, pela história.
Como disse Konder (12), “se relegamos o Barão ao es-
quecimento, estamos subtraindo o valor do tempo por ele
vivido — estamos subtraindo do futuro o que houve no
passado. Abdicar de nossa memória é abdicar do próprio
aprendizado, é entregar o pescoço a quem quer nos en-
forcar. E, lembrando o Barão em suas aventuras pela críti-
ca musical… ‘a forca é o pior dos instrumentos de cor-
da’”.
Em 1945,
A Manha
incendeia o último ato de Getúlio ao
anunciar em manchete “Há qualquer coisa no ar além dos
aviões de carreira”. Mesmo com toda fama e respeito ad-
quiridos, Aporelly não deu paz aos políticos conservado-
res e integralistas; e também a seus algozes no Estado
Novo:
A Manha
ressurgia ali como o retrato fiel dos ridí-
culos da brasilidade… E isso era estendido aos mais vari-
ados assuntos, sem “exclusivismo temático”. Sempre
contornado por molduras diversas, o Barão nunca deixou
de ser um humorista visceralmente político, sendo consi-
derado pelos de seu tempo como um escritor espetacular.
Em 1946, a popularidade do Barão é impressionante e seus
chistes correm de boca em boca, espalhando gargalha-
das pelo país inteiro. Esses comentários eram repetidos e
circulavam; influindo na consciência das pessoas, “aler-
tando para aquilo que havia de falso na vida política brasi-
leira”. Algumas de suas frases foram incorporadas ao re-
pertório coloquial do brasileiro e atualmente povoam o
automatismo da fala sem sua referência autoral. Não por
esquecimento, mas pelas próprias características de suas
criações (como vimos acima), e também pela ausência de
uma história que ainda precisa ser redescoberta, escrita,
estudada e divulgada.
O PCB aproveitou-se desta fama e lançou o Barão para
vereador em janeiro de 1947. A hilária campanha teve
apenas dois slogans: “ Mais leite, mais água, mas menos
água no leite” e “ Casa, comida e roupa lavada”. Eleito,
foi um vereador operoso e honesto, sempre lutando pelas
camadas mais desfavorecidas da sociedade. Sempre fiel
aos seus ideais, trucidou os adversários e ainda fez, com
muito talento, a autocrítica do asceticismo exigido pela
militância do PCB. Tudo com muito humor. Com a cassa-
ção do Partidão e do mandato de seus representantes no
verão de 1948, termina assim, emocionado, seu discurso
de despedida da vereança carioca: “…deixo a vida públi-
ca para entrar na privada”.
O suicídio de Getúlio em 1954 comove a nação — e as
classes dominantes controlam a crise, assegurando a tran-
sição. Com enfado face a eclética e domesticada cena po-
lítica nacional, o Barão declara: “Este mundo é redondo
mas está ficando chato”!
32
Uma das funções mais importantes do humorismo talvez
seja a capacidade que este tem de questionar o inaltênti-
co na própria linguagem. Ao contrário da poesia, o humo-
rismo recusa a cumplicidade, renuncia ao esforço de com-
preensão do homem como um todo e pode lidar com as-
pectos isolados de seu caráter, tratando-os com escanda-
losa desenvoltura. E são a estas torções a que o Barão
submetia os temas, os provérbios, sua “piruetas lúdicas”
com expressões consagradas, as brincadeiras lingüísticas
e afins: um pequeno terremoto que sacode a poeira do
nosso pensamento articulado, e disponibiliza na nossa
consciência a apreensão despreconceituosa do que surge
de novo na realidade.
Aparentemente, estas brincadeiras do Barão, jogos de
palavras ou velhos provérbios não passavam de “pirue-
tas lúdicas” sem maiores conseqüências. Porém, ao sub-
meter fórmulas consagradas a deformações que nos sur-
preendem, Aporelly recria um clima de liberdade anterior
à cristalização da linguagem, provocando um questiona-
mento de hábitos, dos aspectos convencionais da nossa
expressão. E isso não era restrito às suas frases: a parce-
ria com Guevara fez dos trabalhos do Barão verdadeiros
ensaios de artes plásticas e gráficas, preparando e desen-
volvendo os estilos e técnicas adequados à nova lingua-
gem requerida pelos novos meios de comunicação de
massa e pela nova imprensa “telegráfica”.
Guevara, por sua vez, endossa a máxima
o que é bom já
nasce feito
… Artista paraguaio, vindo de Buenos Aires a
caminho de Paris aos 19 anos de idade, desembarcou no
Rio em 1923; “repetindo integralmente a aventura de Ju-
lião Machado, nos idos de 1890” (13). Dono de imenso,
reconhecido e inato talento, rapidamente ingressou na im-
prensa nacional e foi um dos responsáveis pela prolifera-
ção dos
portrait-charges
na imprensa carioca colaboran-
do com quase todos veículos da época num trabalho diá-
rio ininterrupto e ajudando a fundar outros tantos, entre
eles o
A Manha
. Em 1927, foi sócio de Roberto e Milton
Rodrigues no jornal
Jazz
, onde desenvolveu trabalhos ar-
tísticos do mais alto nível conceitual.
Seu trabalho como artista gráfico adquire relevo já em 1924
nas páginas d’
A Maçã
, editada pelo Conselheiro XX, pseu-
dônimo de Humberto de Campos, que lhe conferiu o títu-
lo de “o único paraguaio que venceu o Brasil” segundo
Herman Lima (op.cit.) e Aline Haluch (14). Desde sua che-
gada ao Brasil, em 1923, publica suas caricaturas e vai
abrindo o seu espaço na imprensa brasileira.
Posteriormente, notadamente depois dos anos de 1930,
seus desenhos assumem a tendência de simplificação cres-
cente e tornam-se extremamente concisos, aproximando-
se do cartum e distanciando-se da elegante caricatura dos
anos 20; concomitantemente ao desabrochar do artista grá-
fico sensacional, de grande talento e com um trabalho mui-
to engajado. Sua sofisticação plástica voltou-se para a pin-
tura nos anos 50, onde oscilou entre a influência do ami-
go Portinari e dos muralistas mexicanos.
Acima uma de suas manchetes no ano seguinte (28/3/1947)
em que espicaçava Ary Barroso e seus colegas de vereança
em de sua campanha permanente de combate à fome.
IEB
Guevara
“nosso querido diretor”,
A Manha
, 1926.
AM
33
Sobre o
A Manha
e Apporelly, Guevara afirmou: “Eu te-
nho orgulho de ter criado a efígie do nosso querido dire-
tor (nos anos 20, N.A.) (*). Apenas por preguiça tive a pre-
ocupação de fazê-la simples e de fácil desenho. O resulta-
do foi esta cara de homem sem preocupações, um pouco
despótico e orgulhoso. Assim viveu ele muitos anos até
minha volta há quatro meses. Resolvemos, então, depois
de uma conferência, envelhecê-lo. Não parecia lógica sua
idade estática. Agreguei-lhe uma barba discreta… e ves-
pertina.”(15)
(*) Apporelly se auto intitulava
nosso querido diretor
no
A Manha
em pân-
dega à pavonice e impáfia dos tubarões donos dos grandes jornais e ao
correspondente puxa-saquismo dos empregados e jornalistas. Vale frisar
que Mário Rodrigues (dono e diretor do
A Manhã
e
Crítica
) não está neste
rol, ficando célebre por ter uma conduta completamente diferente: paga-
va muito bem seu pessoal e aceitava opiniões indo por vezes contra suas
próprias idéias… essa conduta o fez muito querido e respeitado.
N’
A Manha
, Guevara simplificava ao máximo os desenhos,
como nos “salões cômicos” de Raul e K.Lixto na virada do
século, e também nos “salões caricaturais” parisienses do
século XIX: o veio crítico, realizado através da paródia, deu
personalidade ao
A Manha
como revelação crítica da grande
imprensa, mostrando seu ridículo. Nas ilustrações desta
página, vemos o “nosso querido diretor” em várias poses
no ano de 1926.
AM
34
Ficou no Rio até 1930, quando muda-se para a Buenos
Aires, depois do empastelamento do
Crítica
. Antes da
mudança em 1930, ainda presenciou o aparecimento do
único nobre da república, o
fidaldo de araque
, o
herói da
batalha que não houve
, pouco antes de partir. “ Um belo
dia, ali na avenida Rio branco, em plena revolução de 30,
Aporelly adotou por vontade própria, sem mesmo con-
sultar o povo, o título de Duque de Itararé para, numa se-
mana, de modo fulminante, chegar ao baronato” (op.cit.).
Contudo, nos anos 30, seus desenhos continuam apare-
cendo no
A Manha
. Volta a publicar no Rio durante a guer-
ra — sempre na ponte aérea Rio-Buenos Aires —, voltan-
do a residir no Brasil no final de 1943.
Vivendo em Buenos Aires, fez um curso nos Estados Uni-
dos, e trouxe para cá novas técnicas gráficas, sendo o res-
ponsável pela introdução da diagramação na imprensa di-
ária (em oposição ao lento sistema anterior que se cha-
mava
paginar
a publicação), trazendo a folha milimetrada
que possibilitava o espelho das páginas e o diagrama (e
viabilizava e otimizava o projeto gráfico). Segundo
Nássara…” ele era espertíssimo e seus projetos gráficos
sempre vendiam bem” (Loredano, op.cit.). Trouxe também
“o cálculo, a tabela de correspondência de lauda datilo-
grafada e composição nos variados corpos tipográficos e
larguras” (Loredano, op. cit., pp10 e Haluch, op. cit., pp109).
Nessa fase, primeiro realiza o projeto gráfico revolucioná-
rio da
Folha Carioca
(1941-45) e do
Diário da Noite
, de-
pois, em 1951, o projeto do jornal
Última Hora
; entre eles,
realiza o projeto gráfico do jornal tablóide
El Clarín
(Buenos
Aires), que permanece até hoje sem grandes retoques.
35
Nessa segunda fase brasileira, mais famoso pelos proje-
tos gráfico espetaculares do que pela caricatura, Guevara
desenha o
A Manha
de 1945 a 1949, o qual retornara às
bancas depois de muitas interrupções nos anos 30 e de
longas férias (1938-45, durante todo Estado Novo), com
sucesso igual ou superior ao obtido nos anos 20 e 30. Sabe-
se que volta definitivamente para Buenos Aires por volta
de 1953, e, esporadicamente, ainda publica com o Barão
até o final desta década. Nessa fase, declara que aderiu de
vez à pintura e sua estética é marcada pelo modernismo,
como pode se notar no calendário “Alparagatas” do
Almanhaque para 1949.
Estas telas ilustram cada trimestre do ano de 1949,
sendo que os originais pertencem à Cia. Alpargatas,
patrocinador do calendário para o
Almanhaque
.
AL
36
Seu projeto do
Última Hora
fez desse jornal o primeiro
inteiramente diagramado na imprensa diária brasileira e
contou com uma equipe de diagramadores e desenhistas
sensacional que
Gue
trouxe da Argentina: segundo alguns,
esse pessoal veio para fazer o
Almanhaque de 1949 em
São Paulo
(onde Guevara era sócio do Barão), segundo
Samuel Wainer, essa turma veio para fazer o
Última Hora
.
O fato é que alguns desses desenhistas ficaram célebres:
Mollas
que criou os mascotes para os times de futebol do
Rio de Janeiro e o mais famoso, o uruguaio
Lan
— nosso
cartunista das mulatas —, que nunca voltou para sua terra
natal e, ainda vivo, é um patrimônio relevante da cultura
carioca (André, op.cit., Entrevista com Carlos Nicolaievski,
pp 166-190).
Para o caricaturista Cassio Loredano (op.cit) o desenho de
Guevara nos
Almanhaques
(anos 50) é horrível se compa-
rado às caricaturas publicadas por ele n’
A Manhã
e na
Crítica
no final dos anos 20, entretanto continuam sendo
muito engraçados, pois são desenhos que revelam com
maestria o ridículo… deixaram de ser apenas caricatura
para assumir a charge e o cartum. E revelam a sensibilida-
de de um desenhista que saiu da caricatura para tornar-se
um excepcional artista gráfico: sua intervenção, que me-
recia sempre grande contrapartida, nunca perdeu a perti-
nência dada pela adequação ao contexto. Seguiu os pas-
sos do mestre J.Carlos. Essa genialidade sempre o colo-
cou em destaque: “Comecei a desenhar aos 16 anos. Se
insisti, é culpa de gente inimiga. … sempre me esforcei
para superar-me em relação à minha capacidade. … estou
contente com o que já realizei, não pelo valor artístico,
mas pela honestidade. Um artista, penso eu, nunca deve
perder essas duas virtudes: sinceridade e espontaneida-
de. … A produção constante acentua a evolução … ao tra-
balho de todos os dias, nunca interrompido, que eu devo
as mudanças fundamentais do meu estilo e da minha téc-
nica” (H.Lima, op.cit., pp 1489).
Nesse período (1950-52), Guevara também fez para Wainer
um jornal chamado
Flan
(nome em alusão à pasta ou
massa tipo papel maché que era usada copiar a composi-
ção plana em chumbo e moldar as côncavas telhas de
impressão rotativa tipográfica, as quais equivalem as atu-
ais chapas de impressão em off-set), do qual se tem pou-
cas referências, mas que segundo Carlos Nicolaievski
(André, op.cit.) era uma verdadeira obra de arte, supera-
do em conceito e beleza apenas pela revista
Senhor
em
1960.
Nos anos de 1950 em São Paulo, em sociedade com o
Barão, publicaram os
Almanhaques, ou almanaque d’A
Manha
(1949 e 1955, 1º e 2º semestre) — sucesso de públi-
co e de vendas até hoje —, ainda na ponte aérea Rio-
Buenos Aires, Guevara desenha alguns números do
A
Manha
entre 1955 e 1959, o qual somente saia quando o
Barão estava precisando de dinheiro, ao que parece; en-
tretanto houveram muitas reedições sucessivas dos
Almanhaques
e o Barão colabora n’
A Folhinha da Manhã
de Otávio Frias no final dos anos 50. O
A Manha
na versão
paulistana, de 1950 a 1955 foi desenhada por Otávio, as-
sim como a maior parte do
Almanhaque de 1955 2º se-
mestre
. Colaboração, sempre de “graça”.
37
Mário de Andrade por Guevara, sem data
(pela fase, final dos anos 20).
HL
Citações & referências
bibliográficas
(1) Lipovetsky, Gilles. Os tempos hiper-modernos. São
Paulo: Barcarolla, 2004.
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Brasil nos anos 20. pp 16. Rio de Janeiro: Funarte,1988.
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pp 4. S.Paulo: Martins Fontes, 2001.
(4) Gill, Bob. Esqueça todas as regras que você aprendeu
sobre design gráfico, incluindo as deste livro. N.York:
Reinhold Publishing Co., 1959.
(5) Denis, Rafael Cardoso. Uma introdução à história do
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obra de Aparício Torelly, o Barão de Itararé. São Paulo:
Dissertação de Mestrado, FAU-USP, 2004.
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N.York: Jonh Wiley & Sons Inc., 1998.
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São Paulo: Perspectiva, 1971.
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Crítica e
Verdade, Coleção Debates. S.Paulo: Perspectiva/Edusp,
1970.
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o Barão de Itararé. Rio de Janeiro: Record, 1987.
(12) Konder, Leandro. Itararé, o humorista da democracia.
Coleção Encanto Radical. S.Paulo: Brasiliense, 1983.
(13) Lima, Herman - História da Caricatura no Brasil, vol
IV, pp 1471. Rio: José Olympio Editora, 1962.
(14) Haluch, Aline.
A Maçã e a renovação do design edito-
rial na década de 1920
in
O design brasileiro antes do de-
sign, pp 96-123, org. Rafael Cardoso, São Paulo: Cosac
Naify, 2005.
(15) Guevara, “O Jornal de Ontem e o Jornal de Amanhã”,
in
revista
Diretrizes
, 20/01/1944.
O Barão retorna ao Rio por volta de 1960 e colabora no
Última Hora,
onde o
A Manha
vira a seção da 4ª capa do
jornal, republicando materiais antigos do jornal: foi a últi-
ma vez que o
A Manha
foi publicado, e isso dura até 1963.
Guevara faleceu em Buenos Aires em 1964 e
Apporelly
no
Rio, em 27 de novembro de 1971.
38
O Barão. Óleo sobre tela, Portinari, 1946.
Catálogo Raisoneé do pintor.
Acima, o Barão rindo com A Manha,
in
revista Realidade, 1970.
Acima ao centro, o Barão com Di
Cavalcanti em 1963.
Abaixo com Portinari, anos 40.
IEB
Fotos dedicadas ao Barão: Vila Lobos, Portinari e Burle Marx.
IEB
39
A média de nossa produção científica está a reboque do
movimento geral do primeiro mundo e permanece, histo-
ricamente, como vítima da dominação consumista; a qual
se apresenta através de uma ciência aparentemente rude
e sóbria, mas que ficou cada vez mais sutilizada e domi-
nadora com a morte completa das representações metafí-
sicas e morais anteriores.
A sociedade informatizada coincide com a mudança do
eixo de poder das oligarquias tradicionais e do Estado para
o mundo dos
experts
, como esclarece Lyotard (op.cit.). O
abandono das ideologias políticas e do maniqueísmo cor-
respondente em sua expressão social, enseja uma socie-
dade que deveria ser cada vez mais homogênea (do pon-
to de vista do sistema), mas que se revela cada vez mais
individualista e excludente, irracional e superficial, frívola
e doentia.
Em termos do conhecimento, seguindo ainda o pensamen-
to de Lyotard, este é o efeito da mercantilização do saber,
onde saber e poder tornaram-se as duas faces da mesma
questão: o princípio único que rege a produção científica
dos novos tempos — a otimização das performances do
sistema — propõe tacitamente a alienação metodológica
e legitima conjunturalmente seu progresso através da
opinião pública manipulada pela comunicação de massa
e pela publicidade. Assim, não é mais pertinente pensar a
ciência sob o prisma “modernista”, pois questões éticas
são irrelevantes para a melhoria das performances do sis-
tema no contexto do capitalismo pós-industrial.
O que se buscava com a formação intelectual e moral do
cidadão na universidade foi plenamente substituído pela
formação profissional hiper-especializada. Indiretamente
incentiva e resulta na falta de ilustração; diretamente cria
cidadãos informados mas sem formação, obtusos, e ma-
nipuláveis pela ignorância de outros campos do saber,
exceto sua especialidade. O ambiente acadêmico, o pior
possível: assistimos à uma competição rasteira e grotes-
ca nas universidades, reprodução fiel da sociedade lá fóra.
Contudo, não se trata aqui de denunciar as contradições
sombrias da sociedade capitalista contemporânea, senão
que mostrar que é assim que as coisas se passam e apro-
veitar as vantagens advindas do fim da dureza do pensa-
mento moderno e da morte completa da mentalidade bur-
guesa.
Objeto de conhecimento
Metodologias
Fontes secundárias: a história é uma construção,
sua reconstrução nos aproxima da verdade.
A idéia de buscar novas inspirações metodológicas para
o presente trabalho vem de uma opinião rasa, porém ho-
nesta: as metodologias evocadas e suas subjacentes con-
cepções, conceitos e técnicas, até aqui, estão em profun-
da incompatibilidade com a posição atual do saber cientí-
fico e estavam completamente anacrônicas em relação ao
pensamento contemporâneo, se olharmos pela visão de
Jean François Lyotard.
Em meus trabalhos, tento esclarecer e ter definições me-
todológica e filosóficas bastante explícitas, e isso tem sido
uma preocupação constante — me auxilia na exposição
das problemáticas, evita manipulações baseadas em con-
siderações irrelevantes e esclarece o alcance do conheci-
mento elaborado pelo método adotado, mesmo que a dis-
ciplina no discurso correspondente não seja tão estrita ou
mesmo coerente; o que parece uma falha. Na verdade,
isso traduz a angústia no afã de ir além das formas conhe-
cidas de produzir saber científico (segundo as definições
e considerações do mesmo Lyotard), de penetrar mais
profundamente no âmago das questões, e de superar os
recortes metodológicos que possibilitam tal ou qual for-
ma de conhecer.
Ao tomar contato com o pensamento contemporâneo de
maneira mais humilde e aberta, soube que sua esfera de
especulação aparece no debate filosófico com a socieda-
de pós-industrial ou cultura pós-moderna nos países mais
desenvolvidos. Ou seja, aparece no pós-guerra e começa
a se manifestar intensamente na
contracultura
do final dos
anos de 1960, para tornar-se dominante, como cultura pós-
moderna, durante a década de 1970.
Percebi também que a academia brasileira estacionou há
muito seu questionamento a esse respeito e, em termos
do ensino destas novas concepções e metodologias ain-
da engatinha e merece toda nossa atenção. Decorrência
óbvia é pensar que é mister apresentar aos novos cientis-
tas estas novas formas de pensar e abordar seus temas
de pesquisa.
40
Os novos pensadores superaram muitos ranços etnocên-
tricos e preconceitos para perceber com outra clareza que
nossa cultura e sua história são uma coisa só, a cultura do
ocidente; sendo, hoje, esta a cultura dominante e predo-
minante no planeta como um todo, mas não exclusiva ou
superior.
As vantagens da substituição da arrogância racista e da
idéia de progresso por uma postura mais humilde e ho-
nesta fez alguns filósofos — dentro do campo das idéias
— vasculharem toda cultura ocidental de todos os tem-
pos em busca de idéias compatíveis com suas formula-
ções, dando-lhes outros significados e interpretações.
A queda de velhos paradigmas, apresentados pela ciên-
cia com paralogia (Lyotard, op.cit., cap. XIV), veio incor-
porar ao pensamento científico outros parâmetros percep-
tivos e metodológicos: o uso do recurso narrativo na his-
toriografia; a descrença na lógica linear; a interdisciplina-
ridade, redundando na incorporação de diversos fatores
que minimizam os recortes metodológicos, favorecendo
uma aproximação maior da complexidade da realidade. É
sob este prisma que vou focar o presente trabalho.
Método ou estratégia?
A imaginação é mais importante que o conhecimento
.
Albert Einstein
Como dito acima, a opção por uma nova abordagem me-
todológica sobre o tema proposto, procurando ir além das
concepções modernas do saber científico — as quais pre-
dominaram na academia e estiveram embasadas no posi-
tivismo ou no humanismo (*), na política ou na filosofia,
até a idade pós-moderna — deverá, desde aqui, privilegi-
ar o pensamento contemporâneo.
Sem esquecer a análise que Gaston Bachelard faz da evo-
lução da definição conceitual e nocional nas diversas ci-
ências através dos tempos em sua
Filosofia do não
(1), ou
seja, à qualquer teoria do conhecimento subjaz uma me-
tafísica, mesmo que esta seja a negação daquela; mais
uma vez me parece necessário, no contexto atual, pontu-
ar-lhe alguns aspectos relevantes para meu intuito. A epis-
temologia enunciada por Bachelard não apenas propôs
psicanalizar as noções e conceitos de cada ciência a cada
passo de sua evolução “metafísica”, isto é, elucidar clara-
mente que um conceito primeiramente foi definido por
concepções animistas, depois foi redefinido pelo empiris-
mo, racionalismo, ultra-racionalismo, etc; como também
abriu as portas para a incorporação de novos fatores, per-
cepções e sentidos no processo de conhecimento do co-
nhecimento da ciência do ocidente (como visto pelos pen-
sadores contemporâneos, acima citados): o resgate da va-
riável desprezada, a imaginação, a intuição trabalhada, a
contextualização histórico-regional do cientista, etc; já
apontando na direção da necessidade de estabelecer-se
um pensamento complexo (como definido por Edgar
Morin posteriormente) em todas as áreas do conhecimen-
to, assim como para o estudo do próprio progresso das
ciências.
(*) Por positivismo entendo todas concepções metafísicas que acreditam
que a verdade é imanente da aparência dos fenômenos; visão esta
homogeneista, que dá origem a todos formalismos e estruturalismos. Por
humanismo, entendo as visões originadas de concepções metafísicas
dualistas, as quais dividem as realidades observáveis entre aparência e
essência.
Guevara caricaturado por Figueroa, em um de seus raros
desenhos a traço.
Dom Casmurro
, 1930.
CL
41
Mesmo que esta visão já esteja ultrapassada para os pen-
sadores pós-modernos, este balanço feito por Bachelard
nos dá uma anatomia precisa de como as formas de pen-
sar e elaborar o pensamento científico evoluíram através
dos tempos.
Nos dias de hoje, no contexto da
sociedade-moda
(como
veremos adiante), esta clareza a respeito da evolução con-
ceitual e nocional das ciências nos será útil frente à reto-
mada de alguns valores humanistas na hiper-modernida-
de: a ignorância a respeito da essência metafísica do dis-
curso científico ainda será secundária mas não dispensá-
vel na era da experimentação hiper-moderna, pois a ten-
dência de desmacaramento da manipulação sistêmica será
imperativa na sociedade pós globalização.
Em primeiro lugar, estar consciente dessa característica e
de sua problemática, abre as portas para novas concep-
ções e fecha as da alienação metodológica (i.e, a falta de
questionamento à esse respeito), via de regra presente no
ambiente e nos discursos dos “experts” (especialistas) em
maior ou menor grau, sendo, inconsciente ou premedita-
da, sempre pernóstica e manipuladora, e a trabalho ex-
clusivo dos interesses do sistema e não do conhecimento
em si; o que não considero justo.
Entendo que pontuar claramente a raiz metafísica na ma-
triz metodológica que se emprega em determinado estu-
do ou pesquisa é uma questão de acuidade intelectual a
serviço da ciência e do conhecimento. De novo: mesmo
que esta questão tenha se tornado não pertinente na atu-
alidade, ainda acredito que omitir significa consentir; o que
não é saudável para a consciência do cientista e muito
menos para o usuário do conhecimento que este produz.
Sem conotações ideológicas, esta acuidade epistemoló-
gica que proponho aqui deve ser vista como uma medida
que busca a melhoria do trabalho científico. Acredito que
é uma questão técnica que cada vez mais será colocada e
discutida no porvir da produção científica e do conheci-
mento humano; o que será um fator de desmitificação, se
considerarmos a definição de ciência a partir da socieda-
de pós-industrial ou cultura pós-moderna.
Desmitificar significa superar os mitos criados pela cultu-
ra, pela racionalidade e pela moda a serviço da manipula-
ção e da manutenção das relações e estruturas de poder.
Antigamente a humanidade levava muitos séculos para
criar um mito: hoje em dia,
alguns publicitários e desig-
ners reunidos em volta de uma mesa o fazem em apenas
duas semanas
. Na medida em que a cultura e o patrimô-
nio histórico foram mercantilizados através da folcloriza-
ção que os transforma em mercadoria dirigida ao setor de
entretenimento, toda a cultura está submetida ao regime
da moda e faz parte do mesmo caldeirão de ofertas mira-
bolantes.
Na era da experimentação hiper-moderna, a desmitifica-
ção é a contradição fundamental do nosso modelo atual
de conhecimento, pois a manipulação (qualquer que seja
ela) sempre será atacada, e será denunciada e desmasca-
rada instantaneamente e em tempo real pela rede de co-
municação globalizada.
Embora quase aleatória e ainda não plenamente eficaz, a
integração globalizada municia os 30% de excluídos e
ameaça aqueles 3 % da humanidade que detém 50% da
riqueza (estatística da ONU, 2006). Isso é fato e a solução
desse assunto para a defesa do valor relativo do capital
frente ao conflito social iminente, é premente.
Parece que estamos à beira daquilo que Marx afirmou:
a
concentração de capital, inerente à evolução e manuten-
ção do capitalismo, chegará a um ponto insustentável
. Ora,
se a riqueza na atualidade é multinacional e depende da
produção constante e crescente de mais-valia para que o
sistema econômico não desabe; que valor terá uma plan-
ta produtiva ou um patrimônio num lugar onde legiões
crescentes de excluídos conscientes ou não-manipuláveis
estarão em guerra contra sua condição? O valor relativo
do capital tenderá à queda, pois não será mais possível
produzir ou produzir num nível ótimo.
A sustentabilidade, preocupação hiper-moderna e relaci-
onada ao resgate humanista acima citado, é uma iniciati-
va nesse sentido: enseja a planificação e a racionalidade
absoluta para a sobrevivência de um modelo que, a meu
ver, não subsistirá: o consumismo não é compatível com
a sobrevivência da espécie humana no planeta terra, pois
não é sustentável.
No campo do conhecimento, estabelecida a necessidade
do pensamento complexo, fica cada vez mais evidente e
imprescindível pensar a realidade como um todo integra-
42
do indissociável: a meu ver, a interdisciplinaridade que
move o progresso atual das ciências (especialmente nas
ciências humanas) parece um movimento de retorno des-
tas ao ventre da grande mãe filosofia, para, neste movi-
mento, ultrapassa-la; gerando uma nova entidade, que
poderia ser definida como
conhecimento ocidental
.
Estes trânsitos inter-disciplinares, frequentemente apre-
sentados como comparação, compilação e analogias en-
tre bancos de dados (*) tidos até então como insólitos ou
não relacionáveis — verdadeiras afrontas ao humanismo
“purista” de Von Humbold ao serem realizados através da
imaginação e não da lógica — não param ai. Hoje, a Físi-
ca, ciência de maior grau de evolução metafísica em suas
definições nocionais e conceituais segundo Bachelard, tem
emprestado às diversas ciências maneiras muito prolífi-
cas de pensar a realidade, mesmo que, a princípio, a apa-
rência destes pensamentos seja encarada como
paralo-
gia
. A impossibilidade de definição do estado inicial de
um sistema, o caos estruturado, a teoria das catástrofes, a
geometria fractal e outras teorias incompreensíveis se vis-
tas sob óticas anteriores, vão dando material e formas de
pensar para outras maneiras de observação e compreen-
são da realidade.
Já contemporaneamente a Bachelard, questionamentos
importantes foram deflagrados: a mecânica de Dirac, a
“filosófica” teoria dos jogos de linguagem de Wittgenstein,
e, especialmente, o Teorema de Gödel; que estabeleceu
de maneira efetiva uma proposição no sistema aritmético
que não é demonstrável nem refutável, donde este não
satisfaz as condições de completude sintática: o que qual-
quer sistema formal prescinde para ser aceito como ciên-
cia.
Assim, a lógica linear – ferramenta principal do conheci-
mento científico ocidental até então – caiu em severa sus-
peição, assim como as concepções calcadas somente nela:
os formalismos e estruturalismos perderam o status de
conhecimento para assumir o de ferramenta, ou de “meio-
saber” para outros. Como um remédio, Gödel descobriu
um caminho da cura para “a paranóia da razão”, como
rotulava Max Horkheimer ao se referir aos tecnocratas e
positivistas (2).
A busca por uma teoria do conhecimento que ultrapasse
os recortes metodológicos tradicionais, em prol de um
conhecimento mais próximo da complexidade da realida-
de, com um poder explicativo mais amplo e mais efetivo,
levou o ocidente a percorrer caminhos inéditos e inusita-
dos. Tentativas de elaboração de novas sintaxes formais,
mais adequadas à compreensão das contradições e para-
doxos da realidade foram enunciadas com mais ênfase a
partir da era pós-industrial.
Em suma, como dito acima, sobre a constatação da ne-
cessidade de um pensamento igualmente complexo e ela-
borado sobre novas bases deparou-se com a
paralogia
(3)
que domina a evolução das ciências: a necessidade de
abordar a realidade sobre novas bases tornou-se imperio-
sa para contornar esta angústia cognitiva acirrada pela
cultura pós-moderna.
De antemão descarto qualquer inspiração empirista ou
positivista, pois, por convicção, não creio que a verdade
seja imanente da aparência dos fenômenos; e a atualida-
de cada vez mais assim o prova, endossando as críticas
de Nietzsche e dos filósofos marxistas, alinhando este
conhecimento aos discursos de manipulação e domina-
ção. Às teorias formalistas, lhes concedo o estatuto de “fer-
ramenta de trabalho”, universo da criatividade humana,
produto das idéias – o que nunca é descartável, embora
possa conter tendências alienantes que devem ser escla-
recidas, isto é, a aceitação e aplicação do método sem o
devido questionamento e elucidação de suas limitações.
O que descarto aqui é a mitificação e a dominação socio-
cultural em nome de um conhecimento científico livre de
ranços culturais esdrúxulos.
Mentes brilhantes exploraram toda cultura ocidental e sua
história em busca de inspiração e idéias para atingir no-
vas maneiras de conhecer. Lembrar de Heráclito, pai da
dialética e da problematização do devir, que definiu o “con-
flito como pai de todas as coisas” (*), — mais do que rea-
firmar a natureza dialética de tudo que existe no universo,
denota a impermanência da realidade — um movimento
constante e incessante num equilíbrio sempre provisório
—, o que nos propõe, nos níveis mais essenciais, uma re-
volução em todas as esferas da existência.
(*) SPINELLI, Miguel.
Filósofos Pré-Socráticos.
. 2ª edição. Porto Alegre:
Edipucrs, 2003, pp.167-271.
(*) Banco de dados: conjunto de conhecimentos sobre determinado as-
sunto, organizado e sistematizado, de acesso e gerenciamento
informatizado.
43
Muitos autores do passado foram revisitados no período
pós-moderno e, sob outra ótica, colaboram com suas idéias
para o pensamento contemporâneo. Este cunho de relei-
tura da cultura, enfocando a história do ocidente como
uma coisa só — o conjunto de todo conhecimento produ-
zido em três mil anos — dominou a cultura pós-moderna,
cujo fulcro dileto tratava de destruir toda mentalidade
moderna em prol de uma modernidade plenamente con-
sumada e livre de todos os valores burgueses.
Tomo como exemplo aqui o conceito de “rizoma” de
Deleuze & Guattari (4), extremamente criticado e atacado,
rotulado como pós-estruturalismo por neófitos, mas que
descreve com exatidão a mecânica da realidade do hiper-
capitalismo globalizado dos dias de hoje e lhe propõe uma
acepção completamente inédita. O que parecia paralogia,
pensamentos que vão além da “morte do autor” e apon-
tam a superação de todo contra-modelo da mentalidade
pós-moderna, são absolutamente incompreensíveis se
pensados apenas através da matemática e da estrutura, e
mesmo da dialética marxista tradicional: o que significa-
va em 1980 esta rede de linhas que estabelece conexões
conjunturais que, ao ensejar qualquer estruturação, se
desmancham e se abrem em linhas de fuga para outras
conexões mais pertinentes e interessantes? Por que estas
conexões, contatos comunicacionais aleatórios, contagi-
am e contaminam seus pares? Como arte e filosofia, ao
serem relacionadas, trepidam gerando um novo conheci-
mento? Qual o sentido disso tudo? Na minha modesta e
parcial visão, não identifico outra teoria que explique me-
lhor a globalização em seu estado atual de desenvolvi-
mento e seu peso sobre a natureza da civilização humana
dos dias de hoje. Muitas teorias e filosofias, aparentemente
visionárias ou paralógicas, conseguiram penetrar profun-
damente na essência do porvir e produzir conhecimentos
que, a cada dia, tornam-se mais e mais relevantes e signi-
ficativos.
Assim, busquei em dois autores contemporâneos, ambos
no contexto da “atualidade filosófica além das dicotomi-
as ideológicas”, fonte de inspiração para um novo olhar
sobre o meu tema de trabalho. Um é Jean François Lyotard,
autor que considero tipicamente pós-moderno. O outro é
Gilles Lipovetsky, o filósofo da hiper-modernidade. Con-
temporâneos, ambos são filósofos, ambos das universi-
dades de Paris, ambos publicaram no
Socialismo ou bar-
bárie
nos anos de 1960. Oriundos da academia francesa,
suas colaborações ensejam o mais alto grau de excelên-
cia para o conhecimento ocidental e deverão ser marcos
da transição para novas teorias do conhecimento e for-
mas de pensar, as quais criarão as bases que deverão do-
minar o futuro da filosofia e das ciências. Me apóio aqui
sobre duas obras específicas:
A condição pós-moderna
(1979)
de Lyotard (5) e
Os tempos hipermodernos (2003)
de Lipovetsky (6).
A classificação que faço destes autores é fruto de leitura
cuidadosa de suas obras: Lyotard é o típico pós-moderno,
encarna o contra-modelo, alimenta-se da teoria dos jogos
de linguagem de Wittgenstein, está imbuído de todo mo-
vimento e mentalidade congruente com a filosofia de
Deleuze & Guattari, de Edgar Morin e de outros; e faz uma
análise sublime do estatuto do saber científico no final dos
anos de 1970, com aportes premonitórios impressionan-
tes se olhados desde hoje.
Lipovetsky — contrariando o movimento geral e sendo,
inclusive, criticado pelos colegas de Paris — nos propicia
uma brilhante e cuidadosa observação da sociedade glo-
balizada do presente, e aponta um resgate de valores hu-
manistas dentro da ótica de uma modernidade plenamente
consumada: a superação de toda ideologia e mentalidade
burguesa ocidental pela
sociedade-moda
inerente ao ca-
pitalismo globalizado, ou hiper-capitalismo.
O contato entre os dois está, justamente, na metodologia:
a qual adotarei em seu nível mais essencial: a forma de
pensar e abordar a realidade. Lyotard abandona qualquer
pretensão de originalidade ou mesmo de verdade de suas
hipóteses ao justificar os jogos de linguagem, estabele-
cendo ali uma estratégia para tratar o problema. Qual a
utilidade disso? Gerar idéias, o que sempre é importante
para o conhecimento e a ciência. De maneira muito fran-
ca, direta e honesta, realiza plenamente a mentalidade pós-
moderna, “desprezando” qualquer maneira anterior “tra-
dicional” de fazer filosofia ou ciência, assumindo a morte
do moderno e a despretensão de buscar a verdade ou mes-
mo de fazer ciência ou filosofia, repito. Aqui, igualmente à
abordagem de Deleuze e de outros contemporâneos seus,
os jogos de linguagem são o próprio método (como rizo-
ma e dobra em Deleuze & Guattari). O resto é, momenta-
neamente, deixado de lado; assumindo, inclusive, que suas
hipóteses são banais por desprezar a história e outros con-
textos necessários.
44
Lipovetsky dá um passo adiante da escola de Frankfurt,
sem desprezar ou aceitar Horkheimer, Adorno ou
Habernas, mas fundado no tempo presente, na posição
no filósofo grego clássico: situa-se fóra do fenômeno para
observá-lo desde ai, sem juízos maniqueístas ou ideológi-
cos, lançando mão de todo escopo da cultura ocidental
como repertório analítico, e através de um raciocínio dia-
lético (no sentido clássico, da Grécia antiga, como Heráclito
de Éfeso) e complexo extremamente acurado (evocando,
inclusive, Bachelard em outro patamar) para formular sua
singular análise do presente: o que borbulha na aparên-
cia, muitas vezes de maneira insólita e paradoxal, trás em
seu bojo uma tecitura complexa e provisória ao mesmo
tempo…
a era do vazio
é a resposta socio-cultural à mer-
cantilização cabal de todas as esferas da existência.
O im-
pério do efêmero
, estabelecido com a
sociedade-moda
,
significa a morte definitiva dos valores burgueses no cam-
po social para dar lugar ao hiper-individulismo hedonista
e presentista do mundo globalizado.
Embora a questão ideológica esteja desacreditada, assim
como os discursos de emancipação do sujeito (como con-
cebidos nos século XVIII, XIX e boa parte do século XX), e
não seja mais “pertinente” esta abordagem na pós e na
hiper-modernidade, a consciência de que todo “olhar” é
ideológico não escapa a Lipovetsky: é mais um compo-
nente da complexa realidade que presenciamos. Qual é o
sentido da dicotomia ideológica num contexto onde a res-
ponsabilidade é de todos? Boa pergunta, não? E, mesmo
que isso dê
nome aos bois
, que explicite as contradições
e as veladas transgressões intencionais, o sistema é ca-
paz de assimilar o protesto com grande habilidade, trans-
formando-o imediatamente em produto vendável.
Este sistema de observação crua, pautado pelo raciocínio
dialético, dualista, e que expressa a trama e a essência de
realidades singulares sem lançar mão das grandes cate-
gorias sociológicas na determinação dos fenômenos, na
minha visão, também apresenta-se como sendo o próprio
método. Não é preciso criticar ou denunciar, mas simples-
mente mostrar que é assim que as coisas se passam.
Costurando estas duas visões, aqui, ao invés de focar o
presente e o futuro, me debruço sobre o passado para
examiná-lo sob outro ponto de vista; sob nova estratégia.
Já esbocei, em minha dissertação de mestrado (op.cit.), a
intenção de me valer da pesquisa hermenêutica proposta
pela micro-história, que por sua vez “ emprestou” o con-
ceito e o método das ciências da linguagem. Aplicado ao
cotidiano do tempo estudado, entendo que poderei en-
contrar variáveis ocultas pela história oficial, aquela que
foi escrita pelos vencedores, ou pela “cultura oficial” da-
quele tempo, dada a natureza efêmera das manifestações
culturais que estudamos (humor, design, publicações de
imprensa) e suas conotações sociais no âmbito de uma
sociedade pós-escravista e pós-colonial.
Ainda me parece que a análise de singularidades análo-
gas aos “vestígios representantes” no contexto do “para-
digma do indício” (no sentido expresso por Roger Chartier
na sua “História Cultural”) (7) poderá ser um dos cami-
nhos a seguir, se posto à luz da realidade da sociedade
brasileira daquele momento. Historicamente nossa socie-
dade é provisória e sem implantação, e sempre funcionou
como satélite e à reboque das economias centrais (8). No
plano antropológico, cultural, suas especificidades forma-
doras expõem mentalidades
sui generis
; sempre sincréti-
cas e heterogêneas, contraditórias e aparentemente para-
doxais.
Como primeiro ponto, evoco a idéia de Lyotard, que bus-
cou no
Discurso de Método
, o germe da deslegitimação
do discurso científico da atualidade em Descartes, quan-
do este aponta que “sem dinheiro não há técnica, não há
pesquisa” (9).
Relembrando, na sociedade pós-industrial ou cultura pós-
moderna, o saber científico perdeu seu valor de uso e passa
a ter, explicitamente, valor de troca (know-how); mercan-
tilizando cabalmente o saber e mudando os eixos do po-
der social. Esta constatação nos mostra que esta apreen-
são, ou melhor dito, compreensão — expressa nas pri-
meiras formulações do método científico —, está na base
da revolução industrial que enterra o mercantilismo e faz
florescer o capitalismo: a principal motivação do desen-
volvimento tecnológico (e, portanto, científico) sempre foi
a otimização da mais valia.
O ponto extremo desse processo é o regime da moda, onde
o supérfluo supera o essencial na produção, reprodução e
manutenção da vida cotidiana. A hiper-modernidade, com
sua complexa problemática, aponta para uma posição do
saber que contemple a paralogia que permeia a evolução
45
das ciências e ao mesmo tempo resgate alguns valores
humanistas, para realizar plenamente sua nova ideologia.
O escopo de concepções aplicáveis dentro dessa propos-
ta metodológica, mais do que a aparência de balanço que
trás em sua apresentação e organização, pretende ir le-
vando o texto por um caminho que proponha adiante ana-
logias e relações entre afirmações trazidas de fontes se-
cundárias e o material iconográfico original; e, diríamos
assim, nos leve para o primeiro degrau de uma espiral de
especulações que se abre em ascendente, multiplicando
explicações e significados. O raio de expansão dessa es-
piral é dado pela quantidade de dados que vão sendo in-
corporados no nosso recorte, propiciando mais adiante a
formação daquilo que chamamos de
opinião
.
Como dito anteriormente, algumas redundâncias tem o
didático caráter de ir sugerindo suspeitas, as quais pode-
rão ser descobertas ou inferidas mesmo antes de se pro-
ferir alguma conclusão, com a vantagem destas poderem
divergirem das minhas. Isto é, o processo de imaginação
poderá criar outras relações que escaparam à minha pró-
pria percepção, e estabelecer novas proposições.
Ainda tenho a pretensão — o digo assim pela dificuldade
de ser imparcial —, de me ater à exposição das problemá-
ticas tal qual as mesmas se dão, reforçando o acima dito.
Começo com a questão do método, para então expor ou-
tros pontos teóricos de interesse para o assunto: história,
design e humor.
Fontes de pesquisa
No contexto de minhas hipóteses, tentarei mostrar como
linhas de fuga (como no rizoma de Deleuze) se abrem sob
uma sociedade irreverente, reprimida, revoltada e acuada
no âmbito pós-escravista, quase pré-capitalista, e deslum-
brada e inferiorizada pelas “luzes”, para inserir os germes
que, lentamente, contagiarão a mentalidade brasileira e
consumarão uma precária e parcial modernidade burgue-
sa — sempre heterogênea e não generalizável, sempre
carente de identidade — na primeira metade do século
XX.
Contudo, as formas de enquadramento do sujeito social
se mantém sólidas dentro da sociedade brasileira do perí-
odo estudado, também alijando estes criadores, humoris-
tas profissionais de imprensa, do circuito oficial da cultu-
ra. Este quadro muda com intensidade após os movimen-
tos de repúdio a ditadura na década de 1970 e com a in-
trodução da contra-cultura (Tropicalismo).
Diferentemente das economias centrais, que após 1945
começam o processo de individualização galopante que
inaugura a cultura pós-moderna e desemboca na comple-
ta destruição das antigas formas de enquadramento do
sujeito social — reflexo do deslocamento do eixo do po-
der do Estado, da Igreja e das elites tradicionais para o
mundo dos “experts” —, aqui no Brasil o conservadoris-
mo obtuso subsistiu (e ainda subsiste em muitas esferas
da vida nacional) entre a decomposição anacrônica e a
pressão imposta pela nova sociedade “capitalista” dos
obreiros, imigrantes estrangeiros e brasileiros oriundos
do êxodo rural provocado pela industrialização do país
durante boa parte do século XX.
Este sincretismo socio-cultural, aguçado pela comunica-
ção de massa — que nivela tudo por baixo para melhor
atender aos interesses da dominação — após 1930, defla-
gra contradições e paradoxos de difícil compreensão: o
modernismo, movimento cultural de inclusão e afirmação
cabal da cultura burguesa no primeiro mundo, no Brasil
começou como um movimento de “panelinhas” das eli-
tes: os patrocinadores da exclusão social.
…a história cultural,…, busca reconstruir espaços de
rupturas, os registros de alguns silêncios e as
manifestações pontuais e …fragmentárias de narrativas,
desprezadas pelos meios cultos, pela história literária
concebida como constructo artificial, ou mesmo pela própria
historiografia,… a representação humorística, mais do que
mera percepção e sentimento de ruptura e da
contrariedade, define-se, de forma ambígua, como uma
epifania da emoção,…(e) pode ser uma forma privilegiada de
representar a história, pois se mostrou pouco suscetível de
enquadrar-se numa narrativa.
Portanto, analisar a representação humorística… é explorar
a enorme ambivalência da linguagem, em todas as suas
formas, na construção de um discurso alternativo e de
outras possíveis narrativas…
ES
, pp 31.
46
Por exemplo, a polêmica entre Oswald de Andrade e Juó
Bananere mantida nas páginas d’
O Pirralho
nos anos de
1910 (10) revelam com clareza que Oswald era um reacio-
nário empedernido e arrogante — e até violento —, e que
a “invasão” do Teatro Municipal em 1922 foi uma clara
demonstração de que senhores de escravos queriam ser
burgueses agora; e traziam sua proposta estética para tal.
Mesmo fantasiados de revolucionários, os modernistas
não se deram conta de que ainda estavam satisfazendo os
anseios de modernização da Belle Epoque da virada do
século. Isto fica mais evidente se detetamos seu caráter
elitista, pois somente uma relação estreita com as con-
cepções das vanguardas do primeiro mundo poderiam
inspirar tal movimento no Brasil daquela época.
Dados como estes, citados no parágrafo anterior, trazidos
por fontes secundárias, tem me sugerido materiais para
reinterpretações; onde pretendo me firmar para discorrer
sobre minhas hipóteses; as quais certamente serão refei-
tas e adequadas à esta nova visão. A hermenêutica que
estou propondo estará calcada sobre a reinterpretação de
constatações de outros autores especialistas no período,
visto sob novo ângulo: aqui, minha base geral virá de fon-
tes secundárias.
Se a história é uma construção, a idéia aqui é gerar uma
reconstrução ou uma colaboração efetiva na reelabora-
ção da visão existente, ampliando e aproximando os co-
nhecimentos disponíveis sobre o período estudado sob o
foco de minha área de conhecimento. Assim, entendo que
o trabalho sobre fontes primárias, feita em boa dose na
minha dissertação de mestrado, passam a ser referência
e, as colaborações de outros colegas passam ao primeiro
plano.
Nesse ambiente, a metodologia estará focada na coleta
de trechos de textos, alguns deles reescritos a partir de
seus originais, e imagens originais de época que nos tra-
gam mote para explicações e reinterpretações, formando
uma espécie de mosaico de assuntos e temas; desenvol-
vidos sempre no formato narrativo. Estes, repletos de afir-
mações muito bem fundamentadas pelos colegas especi-
alistas, apontarão novas conclusões, diversas das origi-
nais. Assim será o contexto de “prova” deste trabalho:
nosso microscópio rastreará a lâmina (mosaico) em bus-
ca dos germes que confirmem meus enunciados.
Também, visto que consegui um aporte considerável de
informações primárias através destes 20 anos de pesqui-
sa sobre o autor e o tema, me caberá fazer uma leitura
crítica de informações publicadas, afim de colaborar mais
profundamente com o conhecimento do assunto; aparan-
do discrepâncias e imprecisões provocados pela atávica
escassez de fontes, especialmente as primárias.
Constatei que o mesmo desprezo que a cultura oficial do
período tinha pelas publicações humorísticas, humoristas
e afins como manifestações dignas de serem preservadas
pela história, estendeu-se à sua manutenção e conserva-
ção; ficando esta memória relegada a poucos e isolados
interessados e apaixonados pelos temas, cuja colabora-
ção e legados compõem os acervos que dispomos na atu-
alidade. Eu mesmo pude constatar a alegria de Ary Torelly,
filho de Apporelly, ao me entregar para conservação (o
que hoje compõe a maior parte do Fundo Barão de Itararé
do IEB-USP) os despojos literários e acervos guardados
por seu pai, os quais apodreciam no estábulo de um sítio
até 1990.
Ainda contribui para isto a própria natureza destas publi-
cações, as quais não ensejam reedições por estarem es-
sencialmente ligadas ao momento, por serem efêmeras e
conjunturais. Isso me sugere a necessidade e o esforço de
publicação de algumas antologias didáticas para o estudo
desses temas, “coisa a se pensar num outro contexto”.
Na estratégia que proponho, em primeira instância vou
elaborar panoramas gerais para montar o citado “mosai-
co” ou campo de prova num processo de aproximação
sucessiva, e ir afunilando o detalhamento, em
zoom
, para
encontrar o tema e os autores: as redundâncias, analogi-
as recorrentes, serão inevitáveis e fazem parte de minha
estratégia. A idéia da busca de um formato narrativo é
evidente e premeditado: a história que vou contar tem o
objetivo explícito de fazer e motivar o leitor a pensar e
raciocinar sobre o material que apresentarei.
Outro ponto relevante nessa metodologia, além de coop-
tar o leitor para uma participação interativa, provocar o
debate, a polêmica e a descoberta, será buscar as fontes
de mitos e fetiches que permanecem como história, bus-
cando outros significados para os mesmos fatos.
47
Citações & referências
bibliográficas
(1) Bachelard, Gaston. A filosofia do não. São Paulo: Edi-
torial Presença, 1991.
(2) Horkheimer, Max. Eclipse da razão. Rio de Janeiro: La-
bor do Brasil, 1976.
(3) Lyotard, Jean François. A condição pós-moderna. 10ª
edição, pp 111-123. Rio de Janeiro: José Olympio Editora,
1998.
(4) Deleuze, Gilles & Guattari, Félix. Mil platôs : capitalis-
mo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 1997.
(5) Op.cit.
(6) Lipovetsky, Gilles. Os tempos hipermodernos. São Pau-
lo: Barcarolla, 2004..
(7) Chartier, Roger. A história cultural : entre práticas e re-
presentações. Lisboa: DIFEL, 1990.
(8) Novais, Fernando Antonio. Condições da privacidade
na colônia. In Souza, Laura de Mello e, org. História da
vida privada no Brasil: cotidiano e vida privada na Améri-
ca portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1999.
(9) Op.cit. pp 51-57.
(10) Saliba, Elias Thomé. Raízes do riso: a representação
humorística na história brasileira - da Belle Époque aos
primeiros tempos do rádio. pp 192-200. São Paulo: Com-
panhia das Letras, 2002.
Vinhetas de Voltolino para a primeira edição de
Narizinho
Arrebitado
, de Monteiro Lobato, 1921.
HL
48
QUANDO A MORENA PASSA
Seth, anos 30, do livro
Exposição
. HL
Seth (Álvaro Marins), ficou célebre por seus desenhos na publicidade.
Também foi pioneiro no desenho animado, tendo realizado o primeiro filme brasileiro de animação,
“Kaiser”
, em 1910.
49
Segunda Parte
50
Número 1 do primeiro jornal impresso em solo brasileiro,
de 10 de setembro de 1808, que era a imprensa oficial
trazida por Dom João VI: a
Gazeta do Rio de Janeiro
.
Neste mesmo ano, também circula o primeiro jornal
privado brasileiro, o
Correio Braziliense
, de Hipólito José
da Costa, que era impresso em Londres.
“O humor sempre foi uma marca da imprensa bra-
sileira. Mesmo as grandes folhas so século XIX,
com sua péssima paginação, seu amontoado de
colunas e notas, sem manchetes e sem fios a
destacá-las, reservaram sempre um espaço, ain-
da que pequenino, para a quadrinha, a nota mali-
ciosa sobre as figuras importantes do tempo, ou
mesmo para a pura e simples anedota.
A caricatura, no entanto, só começa a se tornar
frequente a partir de 1837, com a publicação da
Lanterna Mágica
, revista ilustrada de Araújo Por-
to-Alegre. Daí em diante, multiplicar-se-ão as pu-
blicações do gênero, quase todas de vida efême-
ra.”
LUSTOSA, Isabel.
Humor e política na Primeira Repúbli-
ca
, pp 53. Revista USP. Nº 3, 1989. Disponível on line.
51
A herança formadora de AxL & Gue
Um passeio pelo humor no Brasil, na
Belle Epoque
e outras considerações históricas
Conceitos & preconceitos:
definições ontológicas
Sobre o campo de pesquisa ora focado, é mister ressalvar
que não há aqui confusão ontológica entre o objeto do
design (projeto de produto em duas ou três dimensões
para a produção mecânica ou reprodução em série) e o
objeto da arquitetura (projeto do espaço), já que ao proce-
dimento interdisciplinar da academia na atualidade mui-
tas vezes lhe escapa este discernimento, já completamen-
te ausente nas esferas profissionais nos dias de hoje. A
hiper-modernidade vem resgatar e pontuar este limite atra-
vés das questões de conforto ambiental e da sustentabili-
dade.
Não pertinente ao nosso caso, vamos considerar aqui a
realidade do momento histórico aqui abordado, onde, no
Brasil, o design sequer existia como tal, e estava circuns-
crito às esferas das artes e dos “artesanatos” ou ofícios
de valor artístico, praticado por “proletários” e imigran-
tes, escritores, jornalistas, artistas e profissionais de toda
sorte que possuíam este talento; onde o humorismo tam-
bém não era uma profissão: apreciado pelo público em
geral, quase sempre teve autoria escamoteada sob cog-
nomes e pseudônimos para proteger os autores ou pela
conotação social pejorativa alinhada à boemia até as pri-
meiras duas décadas do século XX, quando passa a ser
valorizado e reconhecido como “arte” e profissão.
52
Primeiro desenho de caricatura brasileiro, atribuído a
Manuel de Araújo Porto-Alegre, Rio de Janeiro,1839.
HL
53
Aspectos históricos da representação cômica e humorística das
vidas pública e privada brasileiras
O humorismo sempre foi um dos pontos altos da cultura brasileira.
In
Barão de Itararé, pp7, Lendro Konder, 1983.
O humorismo, “tradição” nacional desde o descobrimen-
to, sempre se apresentou como linha de fuga das mazelas
da sociedade colonial escravista, e foi uma manifestação
incontrolável pelas dimensões continentais do Brasil; ali
as ordens da coroa, emitidas na Europa sem conhecimen-
to da realidade brasileira, muitas vezes eram impossíveis
de serem cumpridas, e viravam motivo de chacota. A obra
de Gregório de Mattos, o “Boca do Inferno”, nos mostra
essa irreverência cabocla no ambiente barroco, onde o
ecletismo da sociedade bahiana, sede da coroa portugue-
sa na América setecentista, começou a fundar uma cultu-
ra e uma mentalidade genuinamente brasileiras.
O humor imediatamente dá os braços para as artes gráfi-
cas, assim que foi possível imprimir e publicar no Brasil:
no campo do humor ilustrado, Manuel de Araújo Porto
Alegre foi o pioneiro, ainda no Liceu de Artes e Ofícios do
Rio de Janeiro na primeira metade o século XIX.
Por volta de 1860, chegou ao Brasil o italiano Angelo Agos-
tini, estudante da Escola de Belas Artes de Paris; que con-
sidero um autor auspicioso para meus objetivos. Dese-
nhista genial, de uma criatividade sem limites, Agostini
publicou em
O Cabrião
de Américo de Campos (em São
Paulo) e mais tarde fundou a
Revista Illustrada
e o
Don
Quixote,
e trabalhou em outras publicações relevantes no
Rio de Janeiro, para onde teve que migrar devido a confli-
tos com a aristocracia paulistana. O trabalho de Agostini
revelou-se como um vetor de aproximação da imprensa
nacional ao movimento geral das artes gráficas dos paí-
ses centrais daquele momento. Contemporaneamente, o
português Rafael Bordalo Pinheiro, radicado no Rio de
Janeiro, também marcou a história de nosso design gráfi-
co com trabalhos pioneiros e engajados.
O panorama cultural coadunava com a aspiração das eli-
tes, endossada e patrocinada por Pedro II, e formam o
embrião do processo de aburguesamento da sociedade
brasileira em seus principais e esparsos centros urbanos.
Este processo desenvolveu-se desde a elite e ficou circuns-
crito à esta no contexto de um Brasil rural e analfabeto, e
herdeiro de uma sociedade escravista colonial em lenta
transformação. Esta situação contraditória e paradoxal, que
sempre colocou o brasileiro em inferioridade em relação
às culturas centrais, permeia nossa mentalidade até os dias
de hoje, apesar dos progressos havidos, principalmente,
a partir da segunda metade do século XX.
No final do século XIX, por volta de 1890, aporta no Rio de
Janeiro, o artista gráfico português Julião Machado, o qual
dá novo impulso ao design gráfico brasileiro, atualizando
o que Agostini e outros haviam introduzido há três déca-
das. Pautado pela onda de modernização e glamour da
Belle Epoque
, trazendo a gravura em metal e as técnicas
litográficas para a imprensa, Machado teve uma influên-
cia extremamente consistente e colaborou para a forma-
ção de uma geração de desenhistas geniais que viria pou-
cos anos depois, assim como para a modernização do
layout de página.
Heranças à parte, Agostini foi um dos pioneiros das histó-
rias em quadrinhos, autor de reportagens ilustradas e cri-
ador dos personagens
Nhô Quim
e
Zé Caipora
, o qual é
um dos primeiros estereótipos humorísticos do caipira
brasileiro, recriado por Cornélio Pires, Monteiro Lobato
no
Jeca Tatu
e muito explorado por Mazaropi e outros.
Sob o ”clarão das luzes”, que dominou o Rio de Janeiro
na virada do século, saneando-o e modernizando-o, to-
dos os gêneros de imprensa se multiplicaram em jornais
e revistas ilustradas; preparando uma segmentação de
públicos que viria nas décadas seguintes. No final da vida,
Agostini ainda colaborou com publicações pioneiras da
modernidade, as quais instalariam a comunicação de mas-
sa no país de maneira efetiva; o que se consuma após a
difusão e popularização do rádio nos anos de 1930.
54
Durante a Velha República, autores geniais floresceram
no humor brasileiro, no design, na publicidade e no teatro
de revista: Bastos Tigre, Seth, J. Carlos, Emílio de Menezes,
Voltolino, Juó Bananere, José do Patrocínio Fº, entre mui-
tos outros. Sempre marginalizados pela cultura oficial,
socialmente, seu prurido se revelava na figura do “engra-
çado arrependido”. Suas técnicas, entretanto, traziam a
sofisticação da tecnologia daquele tempo e não deviam
nada à produção do primeiro mundo. Seu manancial cria-
tivo, riquíssimo, abasteceria e influenciaria gerações futu-
ras com expedientes, técnicas e fórmulas reconhecidas.
Na década de 1910, Apporelly já se dedicava ao jornalis-
mo no Rio Grande, assim como proferia palestras positi-
vistas nos auditórios do interior gaúcho; moda esta, trazi-
da por parnasianos e simbolistas no afã de divulgar os
ideais de Augusto Compte. Contudo, jamais perdeu a veia
humorística, que, pelo que parece, trouxe do berço.
Guevara, no mesmo período, sendo mais jovem, dava as
primeiras canetadas e saia de sua pequena aldeia no
Paraguay para a Escola de Belas Artes de Buenos Aires;
onde usufruiria de bolsa de estudos devido ao reconheci-
mento de seu talento inato para o desenho e a pintura.
Aqui, vamos verificar a seguir, como se estabeleceram as
condições históricas e culturais para que a dupla Barão-
Guevara se encontrasse e florescesse magnificamente
durante o resto da primeira metade do século XX.
A idéia é abordar aspectos característicos da linguagem
escrita e visual — design e humor — sob a ótica da nova
historiografia, com já disse, primeiro, por seu cunho multi-
disciplinarista, o que enriquece e amplia o poder explica-
tivo da análise. Depois, pela questão do estudo da vida
privada, o que nos levará aos estudos de caso em formato
descritivo (relatos) e — muito bem observado por Fernan-
do Novais (1) — como procedimento recorrente, encon-
traremos estudos de caso em formato narrativo, reconfi-
gurando o cotidiano e a privacidade do objeto histórico
pesquisado, inclusive através da imaginação e da criação
literária, e, principalmente, dos conteúdos impressos que
nos interessam: para encontrar e esclarecer o automatis-
mo dos julgamentos dos sujeitos sociais históricos (men-
talidade ou mentalidades) e verificar como isso se mani-
festou nas representações.
Este exercício hermenêutico, de reconstrução de sentidos,
é o estudo da mentalidade (daquela classe social, naquele
momento histórico) nos atores históricos e na sociedade
de seu tempo. A relação entre as representações e as prá-
ticas sociais, entre discursos e cotidiano, nos trará
indíci-
os representantes
para penetrar nas questões que mais
me interessam: o processo criativo, as técnicas expressi-
vas subjacentes e a apropriação social do discurso, assim
como sua postura frente ao discurso da dominação.
Dado nosso campo de pesquisa — como se nota desde o
início —, vou expor e analisar as capas das publicações,
as quais funcionam como a embalagem para uma merca-
doria. A força da manchete é o que vende o produto. Por
isso mesmo, é ali que o designer tem que desfiar todo seu
manancial e arrojo criativo para cativar o público e mexer
com a imaginação deste. No miolo das publicações, mui-
to similares entre si, pouco conteúdo e muita publicidade
são a tônica; variando a pauta de assuntos e colunas con-
forme o caráter do veículo. Assim, os desenhos (
portrait-
charges
, ilustrações, etc) serão de grande valia para nos
expor a mentalidade da época, trazendo temas recorren-
tes e assuntos prediletos. Os desenhos de página do mio-
lo, em si, adquirem relevo analítico quando fogem da du-
reza da paginação tipográfica convencional e vou apre-
sentar alguns exemplos para ilustrar e analisar também.
Adiante farei breve explanação sobre a formação e a his-
tória do povo brasileiro, suas características e peculiari-
dades históricas em relação às questões da vida pública e
privada, para chegar ao momento histórico estudado com,
pelo menos, o contorno geral do arquétipo e do imaginá-
rio cultural brasileiro, especialmente no que se refere à
mentalidade dos sujeitos sociais históricos e, especifica-
mente, em relação às manifestações culturais cômicas e
humorísticas. Em suma, desejo verificar breve e esque-
maticamente “como funciona” a mentalidade brasileira
no plano histórico geral, para dai compreender a história
de maneira mais focada e direta em relação ao assunto e
aos interesses da pesquisa.
55
A situação colonial
Aproveitando a explicação de Novais (op.cit.), durante o
descobrimento e nos séculos seguintes, na Europa, ocor-
ria a transição do feudalismo ao capitalismo, sendo este
processo, o mercantilismo, marcado por alguns aspectos
fundamentais para a compreensão do que ocorria no Novo
Mundo em relação à vida pública e privada:
1 - No mundo colonial predomina o trabalho escravo até o
século XIX, que convive, contraditoriamente, com o abur-
guesamento e o racionalismo crescente de valores, no que
tange às práticas comerciais e às relações internacionais;
2 - No Brasil, as esferas públicas e privadas apresentam-
se invertidas, gerando práticas sociais ilegítimas, contra-
ditórias e paradoxais, as quais ocorrem tanto na esfera
pública, como na esfera privada (intimidade e cotidiani-
dade);
3 - Nas Colônias, extensões das metrópoles, além da ques-
tão da formação do Estado, também apresenta-se o pro-
cesso de gestação de uma nacionalidade. No Brasil, essa
contradição, às vezes aproximadora, às vezes conflituosa,
embaralha ainda mais as esferas públicas e privadas, ge-
rando uma sensação de perplexidade e insegurança nos
atores históricos por sua falta de coerência lógica e moral;
4 - E, na medida em que as Colônias são vistas como ex-
tensões das Metrópoles, no antigo sistema colonial, a pri-
vacidade contrapõe formação do Estado à gestação da
nacionalidade (favorecendo a confusão e a inversão das
esferas públicas e privadas), estabelecendo esta correla-
ção ambígua, contraditória e paradoxal entre as estrutu-
ras da colonização e as manifestações da intimidade. Con-
tudo, imperava na sociedade essa ilusão ideológica que
transforma a Colônia em réplica perfeita da Metrópole: esta
encenação, distante da realidade, é denunciada constan-
temente e já aparece nos primeiros traços e representa-
ções das manifestações da intimidade, as quais têm como
tônica permanente a necessidade imperiosa de recriação
dos significados frente à ambigüidade social dada. Novais
(op.cit) esclarece citando os versos do poeta bahiano Gre-
gório de Mattos, os quais criticam a conduta e os hábitos
das pessoas na sociedade soteropolitana do séc. XVII ao
desfilar a impáfia metropolitana no calorento mundo tro-
pical: “Por fóra, bela viola/Por dentro, anjo bento”.
Segundo Leandro Konder (2), nos tempos da Colônia, as
ordens da Metrópole eram acatadas, mas nem sempre era
possível praticá-las na situação brasileira. Um estado inép-
to para controlar tamanho território, dissolvia-se entre a
indiferença e a corrupção — onde a pirataria na costa e a
ocupação territorial comandada por degredados e merce-
nários davam a tônica da colonização: massacre de índios
e trabalho compulsório nas
plantations
e nas minas. O
resto do país ia à reboque, e vivia no isolamento da explo-
ração predatória itinerante e das atividades de subsistên-
cia, nas vastas florestas e campos, e nos raros e incipien-
tes povoados e núcleos urbanos. O poder da coroa nunca
foi levado muito a sério, e era desafiado continuamente
por abusos, farsas, roubos, negociatas e desmandos, e,
por isso, sempre foi motivo de chacota e zombaria; o que
divertia e também atemorizava a população.
A natureza indomável e liberta do nativo brasileiro, fruto
de sua estrutura social igualitária, associada à presença
perversa do invasor — não apenas em astúcia e violência,
mas principalmente pela introdução das doenças contagi-
osas d’além-mar — custaram à humanidade a extinção de
alguns tesouros antropológicos e, muitos desapareceram
sem deixar vestígios ou traços. Na versão de Darcy Ribei-
ro (3), o início da ocupação portuguesa contou com gran-
de apoio dos aborígenes, os quais, majoritariamente, per-
tenciam à matriz Tupi-Guarani, e estavam presentes do
Rio da Prata até os afluentes do Amazonas.
Os povos do tronco Tupi-Guarani já haviam realizado a
revolução agrícola ao domesticar diversas plantas, e ti-
nham nível evolutivo superior ao dos outros povos brasi-
leiros. Nas primeiras décadas da ocupação, o convívio
entre nativos e europeus foi cooperativo e pacífico, esta-
belecendo relações simbióticas: “…estes novos núcleos
humanos só puderam surgir, sobreviver e crescer em con-
dições tão inviáveis e em meio tão diverso do europeu,
porque aprenderam com o índio a dominar a natureza tro-
pical; fazendo deles seus mestres, seus guias, seus remei-
ros, seus lenhadores, seus caçadores, pescadores, arte-
sões e, sobretudo, fazendo das índias suas mulheres, em
quem geraram uma vasta prole mestiça que viria a ser,
depois, a gente da terra.” (op. cit. pp. 245). É deste contato
que surge o primeiro “povo-novo” do Brasil, o mamelu-
co, fruto da miscigenação do índio com o europeu, antes
da chegada do negro africano.
56
A unidade lingüístico-cultural Tupi facilitou a expansão
portuguesa em solo nativo devido à homogeneidade de
costumes, crenças e idioma, onde também haviam incrus-
tados outros povos de menor expressão sócio-cultural: as
primeiras vítimas da completa extinção. O tronco Tupi es-
tava domiciliado ao longo de toda a costa e o europeu
valeu-se da cultura e da tecnologia adaptativa à floresta
tropical destes para conseguir desenvolver a atividade
extrativista do Pau-Brasil. O primeiro mapa da ocupação
européia descreve a itinerância da extinção das reservas
naturais de Pau-Brasil e da implantação da indústria açu-
careira, onde as aldeias Tupis foram se transformando nos
primeiros núcleos urbanos: “As fazendas de cultivo de cana
e a produção de açucar que viabilizaram o projeto de co-
lonização do Brasil, instalaram-se, inicialmente, com base
nestes núcleos, mediante a escravidão do indígena, o que
proporcionou ao mameluco uma função econômica nova:
o apresamento de índios para vender como escravo aos
plantadores. Romperam-se, deste modo, as relações sim-
bióticas com os índios…” (op. cit. pp.247), as quais passa-
ram a ser de perseguição e conflito.
A colonização moderna envolvia todas as esferas da exis-
tência, modificando completamente a paisagem nativa
com seus amplos deslocamentos populacionais. Pelos
imigrantes, a Colônia também sempre foi vista como um
prolongamento da Metrópole e ao mesmo tempo a sua
negação: pelo confronto de culturas; pela contínua chega-
da de novos contingentes populacionais e por esta inten-
sa mobilidade populacional na Colônia em oposição à uma
relativa estabilidade na Metrópole.
Na casa grande tentava-se praticar a cultura portuguesa,
onde os senhores não desejavam esquecer suas raízes
européias: estes faziam questão de não ser brasileiros, era
como se tivessem nascido aqui por acaso. Na senzala, pre-
dominava a cultura africana: banzo e revolta denotavam
as aspirações de quem não escolheu estar por aqui. Nas
vilas, a mistura de tudo isso num caldo eclético e não ela-
borado, costurado pelo poder e influência social da Igreja
Católica a serviço de Sua Majestade, dominava a cena bra-
sileira. Ninguém gostava muito deste lugar, exceto a desi-
dentificada gente da terra, que, a esta altura, já pretendia
saber quem era, de onde vinha e para onde ia. O “conti-
nente” brasileiro havia sido loteado em enormes capita-
nias de extração e exploração, e nunca houve uma coloni-
zação nos moldes da América do Norte. Com escolas, uni-
versidades e gráficas banidas e proibidas, os
sinhozinhos
tinham que cruzar o Atlântico para adquirir o conhecimento
pessoal, a educação e a civilidade européia. E, também, já
tinham que enfrentar o complexo de inferioridade, o eli-
tismo, o preconceito e a discriminação por ser natural da
Colônia.
A intensa mobilidade populacional, expressa de forma
horizontal e em contínuo deslocamento no espaço, propi-
ciou ao Brasil um rápido crescimento demográfico nos três
primeiros séculos pós-descobrimento, caracterizando uma
população móvel, instável e dispersa. No plano das rela-
ções íntimas havia uma necessidade constante de inte-
grar novas pessoas no meio social, gerando relações e
formas de convívio rasas, superficiais.
O fator demográfico tem relação direta com a economia
baseada no sistema de plantation, a qual visava a explo-
ração para o desenvolvimento da Metrópole. Sendo uma
economia predatória, ao esgotarem-se os recursos da na-
tureza, esta tendia à itinerância. Em suma, a economia
colonial tinha um baixo grau de reinvestimento; era pu-
ramente extensiva e dispersava suas populações. Esse sis-
tema também otimizava a expansão territorial da domi-
nação colonial para garantir espaços de exploração mo-
nopólica na ardente competição entre as Metrópoles eu-
ropéias por novos territórios.
Este estado de coisas criou na Colônia uma sensação de
descontinuidade populacional, que primeiro era marcada
pela diversidade das populações (negros, índios, europeus
e mestiços), para dai tornarem-se colonos regionais (mi-
neiros, paulistas, pernambucanos, etc) e, depois, brasilei-
ros. Dois “mundos” econômicos distintos conviviam e
engendravam sociedades de cunho diverso: a economia
para exportação, instalada na costa na rota dos Tupis era
mais enraizada e estável, enquanto nas minas sobrevivia
um economia de subsistência em permanente mobilida-
de, sem implantação.
Este paradoxo, pontuado pelo contraponto entre a socie-
dade litorânea de caráter rural e mais estável, e a socieda-
de das Minas, marcadamente urbana, porém fluida e su-
perficial; mostra relatos de sentimentos de isolamento e
solidão no novo mundo: pela sensação de confinamento
desse “viver em colônias” numa “terra de contrastes”
(Novais, op.cit., citando, Vilhena e Roger Bastide).
57
Esta sociedade, marcada pela ligação entre diversidade,
fluidez e dispersão com a compulsão ao trabalho (no limi-
te a escravidão, como quer Novais, op.cit.), revelava uma
estrutura de classes estamental com uma clivagem intrans-
ponível entre senhores e escravos, onde uma camada in-
termediária era formada por homens livres pobres, peque-
nos produtores, etc; determinando a organização familial
e as formas de moradia destes estamentos. A miscigena-
ção criava outro paradoxo, pois o mestiço nascia escravo:
enquanto abria um canal de aproximação, um
espaço de
amaciamento
(Novais citando Gilberto Freire
in
Casa Gran-
de & Senzala), também reafirmava as formas de domina-
ção e provocava um enrijecimento do sistema. Na cama-
da intermediária das sensações constatávamos o distan-
ciamento, a descontinuidade e a clivagem, sendo a men-
talidade colonial permeada por uma fugidia identidade
nacional em gestação.
A escravidão como relação social dominante, embora não
exclusiva, na esfera do cotidiano e da intimidade era deli-
neada por três tipos básicos de relações primárias (cotidi-
anidade, intimidade, individualidade): relações inter-clas-
se senhorial; relações internas no universo dos escravos;
e, relações intermediárias entre senhores e escravos. No
cotidiano, estas relações tinham situações e momentos
de aproximação, distanciamento e conflito, onde a cliva-
gem básica era irredutível.
Em relação à mentalidade, esta situação funda o estigma
de que o trabalho está ligado à servidão e o lazer à domi-
nação nessa sociedade colonial de estamentos e com gran-
de mobilidade. Aqui outro paradoxo é revelado pela sen-
sação de ambigüidade construída nessa aproximação e
distanciamento simultâneo. E isso acirra-se com a menta-
lidade senhorial contraditória, que requisita um compor-
tamento “burguês” no dia-a-dia do mercado, entretanto
era ali mesmo, no mercado, que adquiria-se o escravo que
lhe conferia a condição senhorial.
Essas sensações confusas e contraditórias estão funda-
das na estrutura básica da colonização e na camada inter-
mediária de enquadramento do cotidiano e do íntimo do
“viver em colônias”. A camada social dominante, lastrea-
da na economia colonial, tinha o caráter de extroversão e
realizava a acumulação externa de capitais. Essa externa-
lidade da acumulação, que freava e atrasava o desenvol-
vimento e a modernização da Colônia, na camada de sen-
sações trazia os sentimentos dominantes de instabilida-
de, precariedade e provisoriedade. Ou seja, estes víncu-
los entre as estruturas fundantes do sistema colonial e o
modo de vida íntimo e cotidiano geravam sensações de
desterro, ambigüidade, desconforto; repito.
Outra contradição do sistema colonial situava-se na ideo-
logia (catequese) e na prática (exploração) dos coloniza-
dores como forma de legitimação da expansão colonial
pela “conquista espiritual” e pela conquista do Novo Mun-
do. Aqui, extremavam-se as tensões do mundo metropo-
litano no que diz respeito à reforma e à contra-reforma
(Santo Ofício e Inquisição), aumentando o ambiente de
insegurança, apreensão e temor, que somado à instabili-
dade e à precariedade, aumentavam ainda mais a sensa-
ção de desconforto e de desterro.
A manipulação doutrinária da dominação aliada às con-
tradições e paradoxos acima descritos privilegiavam, no
brasileiro, um enfoque cômico de sua intimidade e de seu
cotidiano. Na continuidade do fluxo temporal da história
brasileira, o episódio da Independência em 1822 apresen-
ta-se com um cunho farsesco e parece uma peça cômica,
onde o príncipe herdeiro da Metrópole, um português, abre
mão do trono para ser Imperador na Colônia, que já lhe
pertencia. À maneira de um capadócio, esse Imperador
ilegítimo, golpista, epilético e mulherengo opta pelo Novo
Mundo “antes que um aventureiro lance mão”, apoiado
pelas elites nacionais temerosas da perda de seus privilé-
gios e de seu poder de dominação.
58
A independência e o Império;
Regência e Segundo Reinado
As tensões para a formação do Estado e para a gestação
da nacionalidade brasileira foram docemente costurados
para transpor o país do domínio colonialista português
para o domínio do imperialismo inglês sem alterar dema-
siadamente as estruturas sociais, sem introduzir a menta-
lidade burguesa dos Estados Nacionais, e mantendo o tra-
balho escravo durante quase todo século XIX; continuan-
do a realizar, em grande medida, a acumulação externa
de capitais.
Nas ruas, o folclórico brasileiro de todos os tempos, sem-
pre entorpecido pela dúvida e pela cachaça, criava ver-
sões de botequim para o momento da Independência, re-
petidas exaustivamente por humoristas de auditório e nas
ruas. Os acontecimentos sempre estavam sujeitos a rein-
terpretações que continham a pândega e o desvio de sen-
tido.
Não ficou independente, não correu uma gota de sangue
e estava preservado todo o poder das oligarquias implan-
tado durante o sistema colonial… E é portanto natural essa
crise de identidade do brasileiro, onde a pátria continua a
ser vista como uma coisa externa e ilegítima, que não pode
ser apropriada ou mesmo amada; como se fosse vista de
dentro da senzala — enfim, que não lhe pertence. Esse
sentimento brota vigorosamente através do comportamen-
to hostil, distante e vândalo em relação ao que é público,
coletivo: talvez seja a herança funesta da escravidão, da
ilegitimidade política e da inversão das esferas públicas e
privadas. Nunca houve no brasileiro uma consciência cla-
ra de que o que é de todos também é seu, tampouco civi-
lidade e educação para respeitar o que não lhe pertence,
já que assim o vê.
A vingança do povo brasileiro dirige-se contra a coisa pú-
blica e não contra quem, de fato, lhe agride e lhe expro-
pria no cotidiano: há uma transferência deste ódio ao se-
nhorio (onde relações ambíguas expressam conflito e, ao
mesmo tempo, emotividade e fidelidade pelo caráter po-
pulista, paternalista, personalista e protecionista das rela-
ções sociais escravistas) para o Estado, o poder público e
o patrimônio coletivo, que são identificados como assun-
to externo e alheio, e também como o veículo da opres-
são e da coerção.
A desesperada expressão cultural dos artistas e intelectu-
ais brasileiros, em busca de uma identidade própria no
começo do séc. XIX, inventava suas raízes no romântico e
ufano nativismo, o que era um grande imbróglio depois
de três séculos dizimando e escravizando os aborígenes.
Mas já explicitava um desejo expresso de ser brasileiro,
coisa, até então, inviável e distante. Herói nacional, só o
Tiradentes mesmo. Os outros foram invenções, manipu-
lações, sonho, delírio e/ou literatura: risíveis heróis.
Essa relação esquisofrênica entre a realidade cotidiana e
o discurso social praticado enseja reiteradamente esse
aspecto de manipulação e troça ao mesmo tempo, e seus
reflexos e vestígios sobre a prática das representações na
vida social são notáveis. As representações nunca pude-
ram expressar diretamente o que se vivia de fato, sem
contar, é claro, com a violenta e subliminar repressão dos
que “podem mais”: as formas de enquadramento e defe-
sa dos sujeitos sociais sempre se mantiveram rígidas e
refletiram uma mentalidade social atrasada que se man-
teve por todo país até a metade do século XX; sempre
contornada por suas especificidades regionais. Assim, a
representação paródica, desde sempre, esteve presente
nas manifestações brasileiras expressas através de lingua-
gem escrita, visual ou oral (4).
A chegada da corte ao Brasil (1808) quebra o monopólio
educacional, científico e cultural de Portugal, e traz para
cá a academia, a ciência, e a possibilidade do desenvolvi-
mento de uma inteligência nacional autóctone, embora
dependente. E é no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Ja-
neiro que Manuel de Araújo Porto Alegre, em 1837, intro-
duz com consistência a representação humorística gráfica
com o desenho de caricatura no jornalismo satírico dos
tempos da Regência, inaugurando uma tradição que pe-
netra na identidade brasileira de maneira cabal e irrever-
sível, adquirindo posteriormente uma pujança que, em
certos momentos, chega a ser vanguarda mundial na cri-
ação humorística. Apesar de tardio, como observa Rafael
Cardoso em sua
Introdução à história do design
, as artes
gráficas tiveram desenvolvimento parelho com o primei-
ro mundo e grande expansão durante o séc. XIX no Brasil,
embora tenha apresentado crises cíclicas em oposição ao
crescimento constante havido na América do Norte.
59
Manuel de Araújo Porto-Alegre, o pioneiro 1837
Estampa da litografia de Frederico Guilherme Briggs,
atribuída a Manuel de Araújo Porto-Alegre, 1839.
BN
A
Lanterna Mágica
foi a primeira publicação de humor
ilustrado do Brasil: a política, os costumes, a corrupção, os
estereótipos do brasileiro inauguram temas recorrentes
nesse tipo de imprensa.
Isso denota as aspirações e preocupações dos editores e do
público, e nos mostra a disposição de combater as mazelas
do poder numa sociedade amordaçada pela coerção velada
e o terror explícito. Esse viés crítico, inspirado pelos ideais
burgueses da revolução francesa de 1789 de… “liberdade,
igualdade, fraternidade”, no campo do humor, funcionou
como um incentivo à criatividade.
Esse aspecto, a publicação sob repressão, esta ligado aos
momentos de maior florescimento do humor e seu design
gráfico. Como veremos adiante, a virulência dos ataques se
multiplicam no Segundo Reinado com os jornais de ataques
pessoais.
Ao lado, página da
Lanterna Mágica
de 1845, editada e
desenhada por Manuel de Araújo Porto-Alegre.
HL
60
Outra página da
Lanterna Mágica
de 1845. Araújo Porto-
Alegre desenha os personagens com corpos humanos e
feições de animais, fórmula que seria consagrada depois
por Walt Disney nas histórias em quadrinhos infantis.
Tendências que serão cristalizadas em autorias individuais
em algum momento da história nos parecem decorrências
previsíveis do desenvolvimento da cultura ocidental
capitalista. A necessidade de divulgação e publicidade de
mercadorias e estabelecimentos, de produtos, serviços e
fabricantes, está no centro das preocupações
expansionistas do imperialismo do século XIX e está
intimamente ligada à mentalidade burguesa que pleiteia o
direito à ciência, à cultura e à instrução. Ao mesmo tempo,
o romantismo, que deu origem a cultura do ego, no campo
social firmará cada vez mais a idéia de autoria e
individualidade. Mais adiante encontraremos mais fórmulas
premonitórias no humor e no design, o que nos indica que
a publicidade — muito mais do que a instrução acadêmica
— inaugurou, em grande medida, um processo de
integração cultural dado pela necessidade de acesso à
informação comercial. As aspirações e opiniões reveladas
pelas representações, nos dão o campo da mentalidade,
i.e., revela o automatismo dos julgamentos dos sujeitos
sociais históricos sem que estes tenham consciência
imediata disso: imaginação, concepção e lógica onírica,
recriação de sentidos e tudo aquilo que brota
espontaneamente do inconsciente.
Ao lado, Araújo Porto-Alegre, em pessoa, negociando com o
judeu Bric-Broc na charge de François René Moreau em
O Brasil IIustrado
, 15/7/1856.
HL
Acima, charge de Araújo Porto-Alegre em
A Lanterna Mágica
de 1845
61
O
Bazar Volante
(capa de 1863,
HL
) fez
grande sucesso e a charge sobre os
produtos do “Dr.Charlata” na capa é um
indício representante daquilo que falamos
na página anterior (o desenho é de
autoria Pinheiro Guimarães, conforme
sua “marca registrada” embaixo no canto
direito: ele parodiava os desenhos das
pontas das lanças cercas das praças em
ferro aplicando em sua assinatura um
pinheiro ao alto e a letra “G” abaixo) . O
desenhista principal e “diretor artístico”
da publicação era Jopeph Mill; que
desenhou a caricatua à esquerda
(
Bazar Volante
,1864
HL)
.
Acima, a auto-caricatura de Mill, no segundo
aniversário do jornal em 1865.
Abaixo, a caricatura de Pinheiro
Guimarães por Mill em 20/10/1865.
HL
62
A frase de Erasmo de
Rotterdam — que
considero uma espécie de
Barão de Itararé do séc. XV
— inspira o cabeçalho da
Semana Ilustrada
“A pior das loucuras é,
sem dúvida, pretender ser
sensato num mundo de
doidos”
(in
Elogio da loucura
).
Essa concepção de festa e
fuzarca nos desenhos das
revistas de humor do
séc.XIX parece que tinha o
objetivo tanto de divertir o
público como de proteger
seus autores.
Aparece aqui a figura do
“garoto da revista”, que é
sempre um menino
fantasiado de arlequim ou
bobo da corte, o que nos
remete à idéia de comédia.
Essa alegoria será
recorrente em outras
publicações por várias
décadas.
Ao centro do cabeçalho, a
referência à
Lanterna
Mágica
de Araújo Porto-
Alegre — tradição
inaugurada no Liceu de
Artes e Ofícios — e o lema
da revista em latim:
ridendo castigat mores
.
Abaixo à esquerda, o
pedido de colaborações
(de artigos e desenhos) e o
endereço da redação no
Imperial Instituto Artístico
no Rio de Janeiro. O
desenhista principal e
designer da publicação era
o alemão Henrique Fleiuss.
Capa da
Semana Ilustrada
de 18/8/1867.
HL
63
OS TRÊS REIS MAG(R)OS.
Adorando o único messias de que têm notícia neste mundo.
Semana Ilustrada, Fleiuss, 13/1/1867.
HL
Cristiano Ottoni, diretor da
Estrada de Ferro Pedro II,
investe contra os males da
ferrovia.
Semana Ilustrada, Fleiuss,
3/3/1867.
HL
Henrique Fleiuss.
Desenho de
Armando Pacheco,
sem data.
HL
64
A Comédia Social
, 1/9/1870, Pedro Américo.
HL
Auto-caricatura de Pedro Américo,
acervo do
Museu Nacional de Belas
Artes
, Rio de Janeiro.
HL
A RAÇA LATINA NUM MAR DE SANGUE.
A Comédia Social
, 17/11/1870, P.Américo.
HL
FOTOGRAFIA DE UMA TRINCHEIRA PRUSSIANA
— Endão, Majestade, quanto começamos o
pomparteamento?
— Saberlode que tivez du? Se o barisienses nos oufem são
cabazes de vazer secunda sordida…
A Comédia Social
, 19/1/1871, P. Américo.
HL
65
A Comédia Social
, 22/9/1870,
Pedro Américo.
HL
A Comédia Social
, 22/9/1870,
Pedro Américo.
HL
A Comédia Social
, desenhada
e paginada pelo pintor
Pedro Américo, segue
o padrão de
A Semana Ilustrada
e trás o epíteto
“hebdromadario popular
satírico”.
A capa ao lado é de 27/7/1871.
HL
66
Capa de Valle para o Nº1 de
O Mequetrefe
, de 1/1/1875.
HL
À esquerda:
E SUA MAJESTADE VAI PASSEAR!!…
Charge de J.Mill para
O Mequetrefe
em 7/10/1875.
HL
O EQUILIBRISTA
J.Mill, O Mequetrefe
, de 14/10/1875.
HL
67
MANIPANÇO IMPERIAL
Faria,
O Mequetrefe,
10/1/1878.
HL
Charge de Faria com texto em quadrinhas satíricas (versos),
O Mequetrefe,
1/9/1876.
HL
68
EFEITO DOS TELEGRAMAS FINANCEIROS DE LONDRES
Charge de Valle publicada
n’
O Mequetrefe
em 8/4/1876.
HL
OS TIPÕES Nº 3
—Um grrrrrrran…de redator!
(Luis de Castro,
diretor do Jornal do Comércio)
Charge publicada n’
O Mequetrefe
, de 28/8/1875.
HL
Pedro Américo
caricaturado por
Pinheiro Guimarães
com litografia de
Valle.
A Vida Fluminense
,
23/9/1871.
HL
69
Desenho de Aloísio de Azevedo publicado em
O Mequetrefe
em 28/8/1877.
HL
Um pouco depois, em 1859, o Brasil recebe e adota o ita-
liano Angelo Agostini; o qual chega por aqui aos 16 anos
de idade, depois de estudar pintura em Paris. Agostini é
considerado uma das maiores figuras do jornalismo bra-
sileiro de todos os tempos. Desenhista gráfico, caricatu-
rista, chargista e ilustrador de mão cheia, surpreendeu com
seu desenho de estilo marcadamente pessoal e superior
ao dos colegas contemporâneos, com seus traços contun-
dentes e elegantes, extremamente originais.
Foi um ardente defensor da Abolição e da República, e
grande comentarista da história política brasileira até a
última década do séc. XIX. Primeiro instala-se em São
Paulo: funda o
Diabo Coxo
(1864) e trabalha n’
O Cabrião
(1866) com Américo de Campos e outros. Suas charges
provocam grande agitação na capital paulista, o que o leva,
“espontaneamente”, a transferir-se para o Rio de Janeiro,
onde colaborou em
O Arlequim
(1867),
Vida Fluminense
(1868), entre muitas outras publicações.
70
À esquerda:
TIPOS DO RIO DE JANEIRO
(arrabaldes) IV
A mucama
— Sinhazinha, aí vem ele.
— Qual? o de barba preta?
— Não, sinhá, é o de
bigodinho louro.
A Vida Fluminense,
Angelo
Agostini, 22/10/1870.
HL
A Vida Fluminense,
Caricaturas de
Pinheiro Guimarães e litografia de
Valle, 22/10/1870.
HL
A Vida Fluminense,
Charge política de
Angelo Agostini,
1872.
HL
71
Capa de Borjalo Pinheiro para
A Vida Fluminense,
11/9 /1875.
HL
O uso de apurado desenho e técnica
litográfica no cabeçalho mostra a
sincronia das publicações brasileiras
com as últimas tendências européias.
Charge de apresentação do
designer italiano
Luigi Borgomainerio:
“Como é obrigado a trabalhar
nosso caricaturista, esperando a
todo momento o decreto de
deportação que… reclama(m) do
governo”.
A Vida Fluminense,
9/1/1875.
HL
Borgomainerio era considerado.
nesta época, um importante artista
gráfico na Europa e participou de
renomadas publicações na Itália e
em outros países, tendo imigrado
para o Brasil em função de
perseguições políticas.
72
Abaixo, Rafael Borjalo Pinheiro caricaturado por
Borgomainerio, alertando para a pena ferina do
colega português em
O Mosquito
.
A Vida Fluminense,
9/10 /1875.
HL
Auto-caricatura de Faria em
O Mosquito
, 12/8/1871.
HL
Capa de
O Mosquito
por Rafael Borjalo Pinheiro, sem data.
HL
73
Capa do Nº1 de O Fígaro, de 1/1/1876.
O CARNAVAL DE 1876
Charge de Angelo Agostini.
Revista Ilustrada
de 4/3/1876.
HL
Desenho de Faria,
O Mosquito,
17/6/1876.
HL
74
Agostini funda e mantém a
Re-
vista Illustrada
(1876-1891), publi-
cação de desenho humorístico de
grande prestígio e popularidade
durante duas décadas, a qual es-
tabelece uma tradição de publi-
cações de humor político no Bra-
sil, que floresceria magnificamen-
te nas próximas décadas.
Suas reportagens meticulosa-
mente desenhadas com excepci-
onal técnica antecipam a presen-
ça da fotografia na imprensa.
Foi também pioneiro das históri-
as em quadrinhos, contemporâ-
neo do alemão
Hans & Fritz
e três
décadas à frente do
Little Nemon
,
com
As Aventuras de Nhô Quim
ou Impressões de uma viagem à
corte,
publicada n’
A Vida
Fluminense
, inicialmente.
Depois retoma o tema com
As
aventuras do Zé Caipora
— pri-
meira história em quadrinhos de
longa duração no Brasil — , pu-
blicada em longos intervalos na
Revista Ilustrada
a partir de 1884,
depois em folhetos: essa publica-
ção alcançaria um sucesso tão
grande que nenhuma outra pode-
ria ser comparada na época; e
com igual sucesso quando retor-
na n’
O Don Quixote
(1901) e n’
O
Malho
(1904).
Esse personagem, o
Zé Caipora
,
é predecessor do popularíssimo
Jeca Tatu
de Monteiro Lobato, e
sobrevive, em essência, até os
anos 70 do séc. XX nas criações
de Amácio Mazzaropi.
Capa do Nº 1 da
Revista Ilustrada
de 1/1/1876.
HL
75
Aqui aparece outra alegoria recorrente criada por Agostini
(desde
O Cabrião
): o Brasil é simbolizado por um índio com
cocar e roupas de pena. Os parasitas (câmara e senado)
sugam o coitado e o doutor também lhe tira o sangue para o
balde chamado “tesouro nacional”.
Capa da
Revista Illustrada
de 14/7/1877.
HL
Charge de
Agostini
criticando o
foguetório
da”brava gente”
festejando o dia
da independência.
Revista Illustrada,
10/9/1881.
HL
Charge de Agostini: enquanto o chefe
da oposição derruba Pedro II do trono, o
garoto da revista e o Brasil (o índio)
vêem a cena de camarote!
Revista Illustrada, 21/1/1882.
HL
76
CROQUIS TEATRAIS
. A pândega de Agostini com
comentários e cenas jocosas sobre a alta sociedade
e artistas estrangeiros no teatro.
Revista Ilustrada
, 1885.
HL
Agostini em plena campanha abolicionista, mas a
Lei Áurea viria apenas 4 anos depois.
Revista Ilustrada
, 1884.
HL
CAMALEÃO POLÍTICO
.
Don Cotegipe. Agostini,
Revista Ilustrada
, 1885.
HL
No Rio, Agostini funda ainda o
Dom Quixote
(1898)
e está entre os colaboradores de
Tico-Tico
(1905), a
primeira revista infantil brasileira. Seus últimos tra-
balhos foram publicados em
O Malho
. Faleceu em
1910.
77
O ZÉ-PEREIRA MINISTERIAL
. Agostini comenta o carnaval
e a fuzarca ministerial…
Revista Ilustrada
, 1885.
HL
A DEBANDADA
.
Charge de Pereira
Neto comentando
a dissolução da
câmara que
prenuncia a
Proclamação da
República…
Revista Ilustrada
,
22/6/1889.
HL
Caricatura de Pereira Neto feita por Bento
Barbosa: os garotos da revista estão
curiosos a respeito dos desenhos que ele
trouxe do Rio da Prata.
Revista Ilustrada
, 22/2/1890.
HL
78
PANEN ET
CIRCENSES
.
Charge de
Pereira Neto
comentando a
luta dos
gladiadores das
finanças
nacionais na
arena, para
gáudio do do
povo, que
acompanha o
combate com
interesse…
Revista Ilustrada
,
agosto de 1891.
HL
Charge de
Pereira Neto:
carnaval de1892
Revista Ilustrada
,
março de 1892.
HL
79
Caricatura de Borjalo
Pinheiro no
Psit!
,
17/11/1877.
HL
Acima, a charge de Borjalo Pinheiro no
Psit!
, 20/10/1877:
precursor do “estapafúrdio macarrônico?
A Festa da Penha, no Rio de Janeiro,
foi um espaço de desublimação geral e
alvo constante dos comentários dos humoristas
Ainda nesse período, acima citamos Borjalo Pinhei-
ro, mas outros grandes desenhistas sobressaíram-
se nesse tempo — alguns deles escritores renoma-
dos, como Aloísio Azevedo e Raul Pompéia aventu-
raram-se no desenho e na caricatura, — o pintor
Pedro Américo também — e vou expor alguns des-
tes, como podem notar.
Outro aspecto relevante é que muitos desenhistas
de imprensa tinham diversas habilidades, inclusive
gráficas, sendo diretores de arte de seus jornais, pin-
tores ou designers de fato, como Borjalo Pinheiro,
que além de desenhista e pintor, mantinha um gran-
de e movimentado estúdio de escultura e design no
Rio.
Entretanto, o indício principal desse fenômeno é que
a questão da sobrevivência pairava sobre a cabeça
dos artistas, que, com raras exceções, eram obriga-
dos a ter múltiplas ocupações. Se por um lado isso
incentivava o sentimento de revolta expresso nas
representações, por outro nos mostra o retrato de
uma sociedade analfabeta e com grande população
escrava (portanto sem renda). Isso atesta o que os
historiadores da economia brasileira do período afir-
mam, o Brasil desse período tinha um mercado con-
sumidor muito pequeno e a riqueza do país circula-
va mais no exterior do que domesticamente.
80
Bordalo Pinheiro
denuncia:
O estado da população
retirante do Ceará,
através de fotos
enviadas pelo “amigo”
José do Patrocínio.
O
Besouro
, 20/7/1878.
HL
Charge de
Bordalo Pinheiro
sobre a lentidão
de Pedro II, o
qual afirma
todo tempo…
Já sei, já sei…
O Besouro
,
20/7/1878.
HL
SUA MAJESTADE O
IMPERADOR DO BRASIL
— Já sei, já sei.
Caricatura de Bordalo
Pinheiro,
Album das glórias
Nº 5
, maio de 1880.
HL
81
Como curiosidade, a informação trazida por Rafael Car-
doso (*) é digna de menção:
desenho industrial
era uma
disciplina ministrada desde o ano de 1850 na Acade-
mia Imperial de Belas Artes no Rio de Janeiro. Parece
claro que o currículo e o sentido do termo era comple-
tamente diverso do de hoje, porém revela a estreita
ligação que a cultura oficial brasileira do período teve
com a mais novas tendências da cultura européia.
(*) Cardoso, Rafael (org.). O design brasileiro antes do design. Pp 7.
São Paulo: Cosac Naify, 2005.
À esquerda, o retrato de
Borjalo Pinheiro por Correia
Dias na primeira década do
século XX.
HL
À direita, Borjalo Pinheiro faz o
portrait-charge de Eça de
Queirós
Album das glórias
(Lisboa)
, 1881.
HL
Abaixo, um trabalho de Borjalo
como designer gráfico: rótulo
do Chocolate Andalusa.
RC
82
Charge de Pereira Neto:
perseguição ao jogo do bicho no
Rio de Janeiro.
Revista Ilustrada
,
julho de 1896.
HL
Charge de Belmiro n’
O Binóculo
, 19/11/1881, que retrata a
preferência do parlamentar Martin Francisco pelo Peru.
HL
83
Acima,
EFÍGIE REPRESENTATIVA.
Charge de Roth para o
Diabo à
Quatro
, Recife, 29/9/1878.
HL
A mesma concepção das revistas e
jornais do sul imperam no nordeste: o
epíteto de revista infernal
e a profusão de garotos da revista.
Em outros estados publicações
similares aparecerem no período, em
especial O Fígaro, em Porto-Alegre; e
outras pelas capitais de diversos
estados.
À esquerda, chargo de Aurrélio de
Figueiredo na capa do
Diabo à Quatro
,
Recife, de 2/3/1879.
HL
84
TEATRO POLÍTICO
Dona Joanita (D.Pedro II) e Nini (Lafayete Pereira)
Charge de Agostini,
Revista Ilustrada
, 30/6/1883.
HL
85
Na esteira da ré-pública
chegamos ao século XX
No período da Abolição e da proclamação da República a
mentalidade parnasiana e positivista invadem a socieda-
de brasileira na
Belle Époque
com o lema, extraído da
Ars
Poetica
de Horácio,“ tirar a luz da fumaça”, e o sentimen-
to nativista do início do século foi substituído pelo repú-
dio à vida rotineira e aos arcaísmos, aos modos provinci-
anos e as sociabilidades causadas pela sociedade escra-
vista; no Rio de Janeiro e nas cidades maiores. Nas duas
primeiras décadas do século XX esta tendência se espa-
lha pelo interior dos estados do sul, mais ligados à cultura
européia. A ansiedade pelo cosmopolitanismo, num de-
sejo sôfrego pela europeização e modernização percorre-
ria o país, agora num quase “desejo de ser estrangeiro”.
O expediente paródico se multiplica nessa difusa busca
por uma identidade nacional, onde a farsa e a ilegitimida-
de predominam, e, como perpicazmente observa Saliba
(op.cit.), as manifestações críticas aparecem com insistente
redundância paródica, o que sempre produz uma relação
tensa entre representação paródica e o real parodiado.
Enfim, o recurso da paródia humorística é uma atitude le-
gítima frente à ambigüidade das esferas públicas e priva-
das, e torna-se cada vez mais marcante e recorrente nas
manifestações culturais brasileiras.
Essa ambigüidade entre a vida pública e privada numa
sociedade escravista, com uma elite corroída pelo com-
plexo de inferioridade em relação ao europeu e permeada
por ilógicos e inexplicáveis paradoxos, sempre teve no
Brasil, como tônica, a dificuldade de representação direta
da realidade ou de auto-representação. Esse país, onde as
sociabilidades privadas apresentavam-se como possibili-
dades, como uma promessa para um futuro incerto, não
se poderia fugir da emotividade que tal insegurança pro-
vocava. E os humoristas se valiam disso com maestria, o
que facilitou e propiciou o aparecimento e o desenvolvi-
mento de uma geração de excelentes humoristas na vira-
da do século e nas décadas seguintes.
Charge do pintor Teixeira da Rocha, publicada em
17/11/1889 em
A Vida Fluminense - série 1ª. HL
86
Como esclarece Saliba (op.cit.pp 291) : “… do
ponto de vista dos atores históricos, …, era
difícil pensar numa representação da vida pri-
vada brasileira que não fosse pela via da cons-
tatação da falta de sentido ou da imperiosa
necessidade de recriar os significados — que
sempre foram as características intrínsecas de
uma representação cômica ou humorística do
mundo e da vida”. Isso não quer dizer que to-
das as representações fossem humorísticas,
mas estas ficavam sobremaneira favorecidas
por estes fatores. E, com certeza, esta é a mais
profunda raiz da apropriação humorística das
representações como uma característica mar-
cante da cultura brasileira.
O humor paródico, no caso brasileiro, com
suas estratégias efêmeras de auto-represen-
tação e de legitimidade, descompromisso com
o todo, ausência de sistematização e fragmen-
tação, provoca a realimentação do sentimen-
to de desenraizamento e a sensação histórica
de desterro.
A realidade da vida privada brasileira ainda
estava distante do individualismo e dos ide-
ais modernizadores e liberais que colocam o
viver cotidiano em convívio permanente com
a coisa pública. Assim, a representação da vida
cotidiana pela reiteração do cômico é uma de-
corrência desse imaginário, cujo núcleo é a
ambigüidade, a contradição e o paradoxo.
Conforme o que disse acima, parece que esta
situação favoreceu a entrada de muitos estran-
geiros na imprensa e no humor nacionais des-
se período, que, mesmo na condição de estrangeiros, sem-
pre tiveram acolhida por aqui e adaptaram-se à vida bra-
sileira. A situação na Europa colaborou para grandes flu-
xos migratórios, onde o Brasil fazia parte dos destinos
possíveis.
Pouco antes da Proclamação da República, seguindo o ca-
minho de Agostini e Borjalo Pinheiro, recebemos o artista
gráfico português Julião Machado, que deu novo impulso
à modernização das artes gráficas com a introdução das
gravações em zinco e de modernas técnicas litográficas, e
com um design novo e em sicronia com o que se produzia
na Europa, especialmente na França, naquele momento.
Exerceu grande influência sobre a geração que viria:
J.Carlos, Raul Pederneiras, K.Lixto, Crispim do Amaral,
Helios, Yantok, Luis, Storni e muitos outros em suas pri-
meiras aventuras pelo desenho de caricatura e pelo de-
sign gráfico.
Capa da Revista
A Bruxa
de 11/12/1896, cujos diretores
proprietários eram Olavo Bilac e Julião Machado.
HL
87
Perseguição: Jogo do Bicho no Rio. Agostini,
Don Quixote
, 20/4/1895.
HL
O BRASIL EM 1896. Agostini,
Don Quixote
,1896.
HL
Capa de Agostini para o
Don Quixote
de 18/2/1895.
HL
O CARNAVAL DO D.QUIXOTE
D.Quixote resolveu mascarar-se de Zé Cubino (jacobino)
ultranativista, e o Sancho de Zé Povinho fluminense.
Sancho Pança: — Qual dos três disfarces me assentará
melhor?
D.Quixote:— Parece-me que, por ora, esse de carneiro não
vai mal!
Angelo Agostini,
D.Quixote
. 15/2/1895.
HL
(desenho colorizado por José Olympio Editora)
88
Charge de Bambino sobre a Festa da Penha no Rio. Mais
um precurssor do estapafúrdio macarrônico”?
O Mercúrio
, 4/10/1898.
HL
QUARTA-FEIRA DE CINZAS PELA MANHÃ,
à espera do primeiro bonde. Angelo Agostini,
D.Quixote
, 22/2/1896.
HL
Neste fio condutor dos autores brasileiros de humor, nas
primeiras décadas do século XX, Bastos Tigre botaria sua
verve humorística a serviço da publicidade com seus re-
clames geniais; e artistas e desenhistas de grande talento,
tais como K.lixto, Belmonte, J.Carlos, Raul, Luís, Voltolino,
Martiniano, Théo, etc, etc, publicavam seus trabalhos em
revistas humorísticas e jornais de ótimo nível:
O Malho,
Fon-fon, Careta
, e outros. Baseados no traço clássico do
humor do
fin de siècle
, com as técnicas litográficas na
imprensa em plena voga, a criação humorística gráfica bra-
sileira tinha um requinte à altura da européia e da norte-
americana. E também expressava, em certo grau, aquele
“desejo de quase ser estrangeiro”, na ânsia pela moder-
nização do Brasil. E através de pioneiros isolados — ca-
racterística marcante da evolução do design gráfico em
todos os tempos —, também publicava criadores engaja-
dos, os quais influenciavam seus pares com suas novas
criações, expedientes e técnicas. Adiante veremos, a cada
década, alguns exemplos memoráveis, que bem retratam
a intensidade da busca desses novos artistas.
89
Capa do Nº 1 de
O Mercúrio
,
2/9/1898.
HL
Este, foi o primeiro
jornal diário com
cores publicado no
Brasil. O design de
página, ilustrações,
charges e caricaturas
de Julião Machado
valorizaram muito a
publicação.
A influência de Jules
Cheret e da estética
francesa do período é
patente.
90
O Dr. Floresta de Miranda era na época o
diretor dos serviços de água do Rio.
Julião Machado, O Mercúrio, 28/7/1898.
HL
Julião Machado por K.Lixto., sem data.
HL
91
Balanço do assunto: século XIX
Nessa pequena, porém significativa amostragem de pe-
ças gráficas brasileiras do século XIX focadas na repre-
sentação cômica e humorística pude notar algumas ques-
tões importantes que merecem ser ressaltadas, conforme
a proposta inicial desse trabalho. Estas giram em torno de
conteúdo, forma, design, tecnologia e mentalidade.
No plano teórico mais geral, a idéia principal não é ape-
nas estabelecer as classificações, divisões e delimitações
que organizam a apreensão do mundo social como cate-
gorias ou entidades fundamentais de percepção e de apre-
ciação do real e remete-las às variáveis consonantes às
classes sociais ou meios intelectuais segundo as disposi-
ções estáveis ou partilhadas próprias das especificidades
da sociedade brasileira do período — o que seria um estu-
do apenas formal e empírico, e nos daria a
estética da re-
cepção
mostrando as operações de construção do senti-
do nas representações — mas, fundamentalmente, atra-
vés do
paradigma do indício
(aqui visto não em relação
ao relato verídico, e sim em relação à própria narrativa)
estudar
vestígios representantes
na sua relação com os
aspectos acima listados. Pretendo evidenciar como estes
vestígios
formam conexões e como estas se reorganizam
através do fluxo temporal. Mais do que
pontos de afrou-
xamento
, aqui viso enxergar
linhas de fuga
que dinami-
zam o processo da história: não acredito na descontinui-
dade das trajetórias históricas e sim na sua natureza dia-
lética, o que pressupõe processo e movimento constante.
Ainda cabe lembrar que a mentalidade é sempre coletiva
e elucida as práticas que visam o reconhecimento da iden-
tidade social, seu significado simbólico, e o estatuto e a
posição social.
OS RESULTADOS DO ENTRUDO
Estampa atribuída a Rafael Mendes de Carvalho, numa séie intitulada
Costumes do Rio de Janeiro
(1840).
Coleção de Alvarus. HL
92
Nesse sentido, a primeira constatação é que deparei com
uma linguagem em formação, utilizando-se de ferramen-
tas que confirma a visão de Rafael Cardoso (op.cit.) a res-
peito de que, no Brasil, as técnicas e conceitos do design
gráfico estão em sincronia com as dos países centrais do
capitalismo daquele momento. Visto desde aqui, século
XXI, este processo de gestação e transformação constan-
te permeia tudo que diz respeito a linguagem e não se fixa
nunca; porém as linguagens sempre tendem a criar suas
próprias regras de representação, sua gramática de apa-
rência fixa e estanque, que durará até ser substituída por
outra; sendo que as novas formas são dadas por novas
necessidades, fruto do desenvolvimento histórico, social
e econômico das sociedades.
A sutileza que envolve o design é dada por sua relação
com a estética da arte — o que é apenas a referência —,
onde seus objetivos principais são identificar, publicar,
informar, propagar, promover e vender. Assim, como tudo
que está nascendo comporta grande ecletismos de técni-
cas e expedientes, assistimos durante o século XIX o esta-
belecimento de uma impermanente gramática, a qual será
revolucionada, modificada, burilada e revista por diver-
sas vezes através das décadas.
Em relação ao conteúdo das publicações — o recorte aqui
visa a representação cômica e humorística dentro das ar-
tes gráficas —, a primeira referência, como tradição e sea-
ra de
identificação
(que faz o contato com a malha inter-
pretativa do receptor [formação] e sua mentalidade [in-
consciente coletivo]) é o teatro e a concepção histórica do
cômico, com o resgate do bôbo da corte e seu
metier
aquilo que vem da cultura clássica e neoclássica; e que é a
referência principal para a cultura burguesa: advento ex-
clusivo das sociedades européias. Aqui, na periferia da
relação Metrópole-Colônia, o eco dessa cultura não pode-
ria ser outro, até pela natureza das representações que
estudamos, que significavam a alta cultura do momento.
A aparência dos desenhos a
esfuminho
ensejam a farra, a
bagunça, a fuzarca e tudo o que é engraçado perante a
mentalidade do brasileiro daquela época; assim como, o
viés crítico, já que o bôbo era o único que podia dizer a
verdade ao rei sem perder a sua cabeça. Nas palavras de
Saliba… “reiterando o estereótipo da cultura ocidental,
parece que a cultura do século XIX ainda conseguia dis-
tinguir o ‘bom’ do ‘mau’ riso,…, no qual uma sátira de
teor ofensivo… é compensada por uma referência cômida,
menos ofensiva”(ES, pp.56). Esse aspecto “moralista”,
onde o ofensivo estava alinhado ao obsceno, imoral, in-
decente ou pornográfico regia a criação humorística, críti-
ca ou não, e traduzia a mentalidade dos sujeitos sociais.
Isso definia os critérios de aceitação ou rejeição da obra
perante o grande público, embora houvessem públicos
específicos, quase privês, em publicações dedicadas a se-
letos assinantes. Estes pequenos jornais se multiplicaram
na Regência e tinham uma circulação bastante restrita.
CIDADE DO RIO DE JANEIRO - Janeiro de 1864
Tempo calmozíssimo — ruas abandonadas — chafarizes
secos — animais mortos — milhões de mosquitos — valas
podres… etc, etc, etc.
E os fiscais?… E a polícia?
(importante quadro oferecido às autoridades administrativas
por uma comissão de humanitários)
H.Fleiuss, Semana Ilustrada, 17/1/1864.
HL
93
Ligando às informações trazidas por Novais (op.cit.) no
início desta parte, a falta de significado e a situação para-
doxal da vida cotidiana — onde as esferas públicas e pri-
vadas encontravam-se invertidas —, a condição geral de
cotidianidade sofreu alterações com a vinda da corte e a
independência, pelo menos nas cidades maiores e mais
importantes, onde começou a haver publicações de vári-
os gêneros, e uma classe intermediária de pessoas liga-
das às atividades urbanas mais desenvolvidas. Colabora
com isso o fluxo de imigrantes estrangeiros, quase sem-
pre europeus, que cresceria bastante durante todo sécu-
lo, onde a relação social nativa predominante mas não
exclusiva, que continha clivagens intransponíveis, se man-
tinha. Ou seja, a questão social estava sempre permeada
por situações ilegítimas e paradoxais afirmadas pela co-
erção e por formas extremamente rígidas de enquadra-
mento e defesa do sujeito social, e, desde os primórdios,
as representações tendem a assumir a forma de crítica
política e de costumes, gerando
espaços de amaciamento
(Gilberto Freire),
pontos de afrouxamento
(Chartier) ou
li-
nhas de fuga
(Deleuze). Enfim, tornaram-se veículos de
dessublimação
frente à dominação social e política; o que,
por um lado, a nível pessoal, individual, está fortemente
ligado a psicogênese do riso e suas funções sócio-cultu-
rais. Na cultura brasileira, o humor sempre teve um gran-
de peso e importante função, repito.
Outro ponto que identifico a esse respeito e que dão os
braços por afinidade precípua, é a ligação entre humor e
crônica (relatos em formato narrativo do momento ou da
época), que juntos aparecem através da imprensa no sé-
culo XIX e tem na sua essência a efemeridade de suas
mensagens, e sua ligação com o momento histórico. Se
observarmos com atenção, as primeiras representações
manifestadas são mais charges do que caricaturas, isto é,
comentários conjunturais. A caricatura vem justamente dar
o tom jocoso e cômico, e depois estabelece o que foi cha-
mado de
portrait-charge
; o que se adequa perfeitamente
àquela “ética de fundo emotivo” citada por Sérgio Buarque
de Hollanda (
in
Raízes do Brasil, pp 140), voltada para o
lado pessoal, e que caracteriza o brasileiro daquele tem-
po. Nesse processo de gênese das linguagens, as gramá-
ticas começam a se firmar e compartimentar seus “tipos”:
a crônica vira gênero literário; a charge, a crônica dese-
nhada com sentido crítico e/ou humorístico; os
portrait-
charges
, a caricatura (que é o desenho deformado da fisi-
onomia de uma pessoa que revela seus traços mais mar-
cantes e sua personalidade). Mais adiante, no século XX,
as histórias ilustradas se firmam como HQ e sua versão
de imprensa (de diversas periodicidades), condensada, tor-
nam-se tiras ou cartuns (um ou mais quadrinhos, que for-
mam ou não uma sequência que pode ou não montar uma
estória ou novela em fascículos ou episódios).
Quanto à forma, na expressão estética das publicações, é
notável o nível de abstração que as mesmas vão adquirin-
do até o fim do século. Dos pioneiros para Agostini, nota-
mos uma evolução do traço infantil ou quase “naif” de
Araújo Porto-Alegre e Fleiuss, para a tendência românti-
ca, impressionista, art nouveau e até art decó. Fleiuss era
alemão e veio para o Brasil por recomendação de Von
Martius, considerado por Herman Lima o verdadeiro cria-
dor da imprensa humorística ilustrada no país, graças à
Semana Ilustrada
, por ele fundada em 1860 e que viveria
até 1876. Em termos de influência, podemos mapear o
naturalismo germânico em Fleiuss (que também era gran-
de aquarelista e um cronista excepcional da cidade do Rio
de Janeiro) ou, em outros artistas, a influência predomi-
nante das escolas francesa e italiana. Fleiuss sempre foi
criticado por seus colegas italianos, franceses e brasilei-
ros por copiar as revistas e jornais alemães. Na verdade,
as técnicas rudimentares de impressão dificultavam a sín-
tese gráfica da caricatura, o que será melhorado com o
aparecimento e proliferação das revistas semanais ilus-
tradas na virada para o século XX.
Contudo, estas eram concepções figurativistas, ligadas ao
desenho e à pintura clássica. Com o decorrer do tempo, a
necessidade de fundo e cenário vão sendo eliminados e
aparece o desenho somente com traços de contorno, oriun-
do da linguagem dos pôsteres artísticos e cartazes do fim
do século XIX para frente. O contato da estética e das téc-
nicas de Jules Chéret com o trabalho de Julião Machado é
evidente e os mesmos são contemporâneos.
A arte de Chéret atinge seu apogeu por volta de 1890, sua
influência: as gravuras japonesas Ukiyo-e — que significa
figuras flutuando no mundo, sem fundo, sem perspectiva
— apresentadas na Europa nas exposições de gravuras
japonesas em Paris (1867 /1878); como também as técni-
cas assimiladas nos cursos sobre as novas técnicas de im-
pressão na Inglaterra, onde o design vitoriano atinge alto
grau de desenvolvimento com a litografia a cores e uma
estética extremamente refinada e rebuscada; patrocinado
94
por seu pai, que era tipógrafo. Esta simplificação do dese-
nho está ligada à necessidade de ter peças de fácil produ-
ção e reprodução na imprensa e na publicidade, face à
velocidade do novo cotidiano propiciado pelas “maravi-
lhas” da segunda revolução industrial.
“Coincidentemente”, a arte engajada segue esta tendên-
cia também, que é onde o design gráfico se inspira para
fazer o seu trabalho e gerar uma seara de identificação e
valor social (status), revelando o apelo fetichista dado pela
moda. Nas palavras do Barão de Itararé, “o que é moda
não incomoda”. Ou seja, é no fim do século XIX que estas
técnicas começam a aparecer e se sofisticam ao máximo
para inventar necessidades inexistentes nas pessoas, cri-
ando através do mito, necessidade de consumo disso ou
daquilo para atingir determinado
status
, sonho ou mes-
mo a felicidade. A publicidade parte dos “testemunhos
pessoais”para atingir depois, a linguagem de manipula-
ção mais sutil e subliminar de todos os tempos: o germe
desse processo é o fetiche da mercadoria, que opera o
sistema da moda. Visto dessa forma, a relação do design
e da publicidade com a estética é completamente banal,
pois a criação é apenas meio para atingir um determinado
fim. E, alcançado seu objetivo, é imediatamente descarta-
do e superado, abrindo campo para novas “atuações”. A
essência da moda é sua natureza descartável e cíclica ao
mesmo tempo, pois o escopo de formas é finito para a
percepção humana, embora a necessidade de consumo
seja constante para o sistema. Lembrando a idéia de
Bachelard: “o supérfluo é muito mais fascinante que o
necessário”, temos aqui, um resumo conciso do assunto.
No design de página do período, os cabeçalhos da primei-
ra página deixam de ocupar metade desta para um terço
até o final do século, onde números especiais podem ga-
nhar página inteira. O projeto gráfico do miolo incluía uma
ou duas colunas de texto e criações livres nas publicida-
des, onde a 4ª capa ainda não era valorizada como espaço
publicitário e era tratada como mais uma página de mio-
lo. Os acabamentos gráficos tinham um repertório limita-
do de fios, iluminuras e adereços, ou tinham que ser de-
senhados um a um para fugir do estoque dado — os fon-
tários, a mesma coisa; os designers (paginadores) tinham
que utilizar o estoque disponível nas tipografias ou
redesenhar à mão; assim, pude notar um volume razoá-
vel de textos caligráficos. Isso só muda nas duas últimas
décadas do século com o aparecimento da máquina de
escrever, da letra-set, do linotipo, da gravura em zinco e
outros melhoramentos que otimizaram a produção gráfi-
ca, com destaque para a fotografia e a assimilação das
técnicas fotográficas nas duas primeiras décadas do sé-
culo XX.
A paginação em chumbo obedecia à velha tradição de
Gutemberg, com as imagens aplicadas por gravuras em
cobre (cliché) na própria
rama
de chumbo. O registro im-
preciso e a linguagem à traço prejudicava a nitidez das
imagens, depois melhorada e muito aperfeiçoada com a
introdução da litografia. “Imagens mais nítidas” passou a
ser um diferencial importante para as publicações nos anos
de 1920, um fator de melhora das vendas.
No início, a dificuldade e os altos preços do papel soma-
dos às vantagens e facilidades operacionais de rodar em
impressoras pequenas [a primeira impressora tipográfica
rotativa à vapor é de 1810 (Koenig), mas o mercado brasi-
leiro não comportava tamanhas tiragens àquele tempo],
faz com que predominem no Brasil publicações impres-
sas em papel duplo ofício, página formato ofício (mais ou
menos 22 X 33 cm). Os formatos
standard
e
tablóide
viri-
am depois, com o incremento dos jornais diários. Isso inau-
Alf. Michon,
Ba-Ta-Clan
, 15/8/1868.
HL
95
Alf. Michon,
Ba-Ta-Clan
, 2/1/1869.
HL
gurou uma tradição e o
A Manha
do Barão de Itararé ain-
da foi rodado nesse formato “ofício” em suas primeiras
fases (1926-30). Até bem adiantado no século XIX, publi-
cações em formatos maiores e publicações de luxo eram
rodados fora do país, especialmente, na Europa.
A independência trouxe uma sombra etérea das tendênci-
as de laicização dos Estados Nacionais, mas, mais que
tudo, uma idéia muito vaga das aspirações burguesas da
Revolução Francesa. Isso se mantém na Regência, Segun-
do Reinado e até na República Velha, em algum grau. As
representações humorísticas funcionaram como a voz
daqueles que queriam acelerar a implantação da mentali-
dade progressista, sempre tangida pela lentidão atávica e
pela manutenção de estruturas de poder ridículas, acirra-
das no final do século pela “política positivista”. A inci-
dência de temas recorrentes é o melhor indício disso.
Poderia dizer, mais uma vez, que a
necessidade de publi-
cidade
imperou sobre as aspirações ideológicas, o que está
mais relacionado à
necessidade de informação
que o sis-
tema econômico requer do que à necessidade de liberda-
de, igualdade e fraternidade. A informação, porém, é o
que nos dá a necessidade de crítica, que aqui, no Brasil,
somente poderia manifestar-se mais intensamente atra-
vés da recriação dos significados e, por isso mesmo, as
manifestações humorísticas tiveram campo privilegiado…
ainda estávamos distantes da intimidade e cotidianidade
com a vida pública proposta pelos valores burgueses.
Nesse sentido, os humoristas da
Belle Époque
considera-
vam-se portadores de uma missão civilizatória, embora
completamente quixotesca: se, de um lado, suas obras tra-
duziam a relação sempre tensa entre a paródia e o real
parodiado, alijando-os de um status social mais confortá-
vel; do outro, as relações de poder sempre ilegítimas que
a população era obrigada a engolir e acatar, rindo para
não chorar, lhes conferiu uma importante função social.
A vingança dos lusitanos é legítima… se perguntados se
em Portugal também fazem piadas sobre o Brasil, eles
respondem na lata:
não, não é preciso!
Assim, “o país da
piada pronta”, se fez. O brasileiro, amordaçado, em sua
mentalidade, foi capaz de rir de suas próprias misérias e
encontrar, ao longo do ano e no dia-a-dia, espaços de
dessublimação através de catarses que o fazem famoso
pela bonomia e pelo bom humor.
Citações & referências
bibliográficas
(1) Novais, Fernando A. (coord.) e outros – As condições
da privacidade na colônia. In História da Vida Privada no
Brasil, Vol.I, cap I. São Paulo: Cia das Letras, 1999.
(2) Konder, Leandro. Barão de Itararé. Col. Encanto Radi-
cal. São Paulo: Brasiliense, 1983.
(3) Ribeiro, Darcy. As américas e a civilização - Estudos de
Antropologia da Civilização. Rio de Janeiro: Civilização Bra-
sileira, 1970.
(4) Saliba, Elias Thomé. A dimensão cômica da vida priva-
da na República. In História da Vida Privada no Brasil, vol.III,
cap.IV. São Paulo: Cia. das Letras, 1998.
96
97
Os Salões Caricaturais de Angelo Agostini(*)
“… Algo que também marcou sua produção, a partir de 1872, são os co-
mentários ilustrados sobre as Exposições de Belas Artes. Caricaturas nas
quais Agostini ressaltava aspectos que, segundo sua interpretação, foram
deformados ou mal estruturados pelo artista, seus “Salões Caricaturais”.
Nesses salões também divulga algumas obras que considera de qualida-
de, porém com um espaço menor do que aquele dedicado a um artista,
quando o trabalho deste estava em foco. Esses desenhos, em sua maio-
ria, apelavam para o cômico e eram seguidos de comentários frequente-
mente bastante irônicos.
O salão caricatural foi um gênero artístico amplamente desenvolvido na
França, ou melhor, uma particularidade parisiense, cujas origens estão no
século XVIII. Naquele momento algumas publicações utilizaram ironia e
humor em detrimento da crítica séria, para comentar as obras expostas
nos salões oficiais parisienses. Esses salões foram publicados nas pági-
nas dos periódicos da época ou em álbuns avulsos. A partir da década de
40 do século XIX começaram a ga-
nhar força. …
Os salões caricaturais contribuíram
para um sentido de popularização das
obras, já que a memorização de uma
charge poderia ser mais fácil do que
a de uma obra, inclusive por sua for-
ma de apresentação. Da mesma for-
ma, o caricaturista também pode in-
terpretar o sentido da apreciação
popular em torno das obras, pois ti-
nha a oportunidade de ver as obras
na exposição e de ouvir os comentá-
rios sobre as mesmas antes de
desenhá-las.
Angelo Agostini também criou seus
próprios “salões caricaturais”. Algu-
mas características como o humor,
o formato – desenho e legenda –, o
caráter popular, se aproximam do
gênero francês. Todavia, Agostini tem suas particularidades. A identifica-
ção do artista e da obra, algo nem sempre comum na França, é freqüente
na sua produção, ou melhor, sua marca. Seus comentários tinham que ser
diretamente endereçados, afinal o crítico estava dialogando, ou ainda criti-
cando seu grande alvo: a instituição oficial e sua produção. Seu traço cari-
catural também não tinha a agilidade e simplificação do traço observado
em alguns artistas franceses.
O primeiro “salão” organizado por Agostini foi em 1872 n’
O Mosquito
.
Seus comentários ilustrados foram publicados em três números consecu-
tivos da revista. O primeiro utilizou duas páginas centrais da revista, a qual
era composta de oito páginas, sendo quatro de ilustração num formato
muito parecido com o que teve mais tarde a
Revista Illustrada
. Os outros
dois números tiveram apenas uma página de ilustrações cada um, sendo
esta a última página do periódico.
A XXIII Exposição Geral de Belas Artes de 1875 contou com a participação
de quarenta e oito artistas. Dentre estes Agostini comentou as obras de
dezoito. Agora em uma única página d’
O Mosquito
, no número 289.
A exposição geral de 1879 foi um marco importante para a ampliação das
discussões em torno das artes no Brasil. Teve um grande espaço na im-
prensa, e como não podia deixar de ser, também recebeu um tratamento
especial da
Revista Illustrada
. A exposição contou com cento e dezessete
artistas dos quais cinqüenta e quatro receberam menção de Agostini, às
vezes em mais de uma obra. Tiveram destaque artistas que compunham a
chamada “escola brazileira”, entre os quais figurariam Agostinho José da
Mota, Félix Émile Taunay, Jean Leon Palliére G. de Ferreira, Manuel de
Araújo Porto Alegre, Victor Meirelles, entre outros.
A última exposição geral ilustrada por Angelo Agostini foi a de 1884, rece-
bida e saudada com entusiasmo pela
Revista Illustrada
. No número 388 o
periódico destaca na primeira página a exposição com uma ilustração e
um viva a pintura.
A exposição contou com a participação de oitenta e cinco artistas. Agosti-
ni comentou trabalho de quarenta desses expositores. Para essa exposi-
ção Angelo Agostini organizou seu comentário ilustrado das obras através
de seis salões localizados nas páginas centrais da revista, ou seja, doze
páginas, duas por número. Todavia tratadas como uma única prancha.
(*) SILVA, Rosangela de Jesus.
Os Salões Caricaturais de Angelo Agostini
.
In
: 19&20 - A revista eletrônica de DezenoveVinte. Volume I, nº 1, maio de
2006. Site: http://www.dezenovevinte.net/19e20/.
“Salão Caricatural”,
Revista Illustrada
, Rio, 1884, ano IX, nº 397.
“Salão Caricatural” publicado
na
Revista Illustrada
, Rio,
1879, ano IV, nº 158.
Apêndice
98
Os Salões Cômicos
Realizados por alguns dos mais
destacados caricaturistas da
história da imprensa brasileira,
como Raul Pederneiras e K.
Lixto, os “Salões Comicos” —
comentários em charge de obras
expostas nas Exposições Gerais
e em outras mostras artísticas
da Primeira República —
perpetuaram, século XX a
dentro, a tradição iniciada pelos
“Salões Caricaturais” de Angelo
Agostini, ainda nos anos de
1870.
Arthur Valle in
www.dezenovevinte.net/.
Exposição de Aquarelistas
Salão Cômico, 1903,
por K. Lixto e Raul.
Publicado em
O Malho
,
Rio de Janeiro, n. 43, 1903, p.5.
99
O Salão de 1904
Notas Impressionistas,
por Raul.
Publicado em
Kosmos
,
Rio de Janeiro,
set. 1904, pp 53-54.
Reproduções feitas a
partir de exemplar
pertencente
à Biblioteca do
Museu Nacional de Belas
Artes do Rio de Janeiro.
O Salão Humorístico, 1909
,
por O. I. S.
Publicado em
Fon-Fon!,
Rio de Janeiro, n. 37, set. 1909, p.20.
100
Exposição de Bellas Artes
O Salão Cômico, 1912
, por Raul.
Publicado em
Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, 15 set. 1912.
Reprodução feitas a partir de
microfilme pertencente ao
Arquivo Edgar Leuenroth
UNICAMP / Campinas.
Bellas Artes
A Exposição de 1918
O Salão Cômico
, por Raul.
Reproduções feitas a partir
dos desenhos originais
pertencentes ao
Museu Dom João VI
Escola de Belas Artes
UFRJ, n
o
reg. 216 e 217.
101
Design & humor no Brasil da Belle Époque
102
Charge de Alfredo Cândido sobre
Rui Barbosa,
A Larva
, 18/9/1903.
HL
103
Um aparte para falar um pouco de design e modernidade
A primeira metade do século XX foi uma época espe-
cialmente movimentada para o design em todo o mundo,
onde a ebulição criadora dos novos movimentos da arte e
as revoluções tecnológicas criaram um ambiente prolífico
para sua generalização e expansão; com experimentações
diversas, novas concepções e inéditos resultados.
Esta disseminação e valorização do design ocorreu de
maneira crescente até chegar ao nível da atualidade, onde
o design determina a vida e a morte de produtos e empre-
sas; e tem suas raízes na dinâmica capitalista que tende à
mercantilização de todas as esferas da existência, especi-
almente na sociedade pós-industrial ou na cultura pós-
moderna; e radicalmente na sociedade-moda ou socieda-
de hiper-moderna da atualidade. (Lyotard e Lipovetsky,
op. cit.)
Circunscrito à época que estudamos, no Brasil, podemos
dizer que nesta fase o design se prepara e migra da esfera
do artesanato para a da engenharia e a da arquitetura, para
depois deste período (a partir de 1960) invadir tudo aquilo
que se produz e reproduz em série, mas de maneira ainda
defasada em relação aos países mais desenvolvidos.
No design gráfico, portador de uma longa história, sua
relação com a arte e a linguagem — analogamente à rela-
ção da arquitetura com as artes visuais e escultóricas — o
conduz facilmente à metodologia do projeto, demanda do
racionalismo imposto pelo modernismo funcionalista: apa-
rece a comunicação e a programação visual, a identidade
corporativa — alastra-se para todas as esferas da produ-
ção gráfica visando melhorar a leitura e a comunicação,
criando novos fontários sem serifa e limpando a página
ao extremo com adereços e acabamentos geométricos
muito simples: a comunicação fica em primeiro lugar.
No design de produto, revigorado e multiplicado pela re-
volução industrial, e herdeiro dos “artesanatos” e ofícios,
sua relação com a arquitetura parte dos próprios arquite-
tos; os quais passam a projetar o mobiliário, os equipa-
mentos e máquinas adequadas ou pertinentes às suas
novas concepções estéticas e do espaço: igualmente, isto
expandiu-se para todos os campos da produção material,
além de seu campo tradicional de atuação com o objetivo
de diferenciar produtos similares, criar marcas, lançar
modas, etc.
O design unido à publicidade fabricou inúmeras necessi-
dades artificiais na vida cotidiana das pessoas, e isso é
motivado e patrocinado pelo movimento incessante da
economia no sentido de criar novos mercados consumi-
dores onde as novidades de sucesso significam lucros
artronômicos: necessidade de inovação permanente, ne-
cessidade de moda; o que é indissociável no sistema capi-
talista como um todo.
O fetiche da mercadoria e o discurso da manipulação e
dominação sócio-cultural abriram um vasto campo de atu-
ação para o design; até este se tornar imprescindível para
a produção material da vida. Estes dois discursos — de-
sign & publicidade — em suas essências, uniram-se em
indistinções conceituais, embasado somente na legitima-
ção de seus discursos pelo poder. A imprensa e a comuni-
cação de massa lhes servem de meio de legitimação —
embora esta seja sempre não consensual, provisória, mu-
tável, contextual, “causuística” — para o discurso da dou-
trinação, dominação e mitificação consumista.
Este processo, sumamente calcado na imprensa e na co-
municação de massa, funciona através daquilo que cha-
mamos de “opinião pública”. Na era capitalista pós-indus-
trial, ao contrário daquilo que os antigos gregos chama-
104
ram de opinião, ou seja, um enunciado proferido por um
sábio (portanto inquestionável e aceito consensualmen-
te), a opinião é um enunciado proferido por um “expert”;
o que dá credibilidade e prestígio político ou mercadoló-
gico para a instituição ou empresa, estabelecendo um con-
senso conjuntural e provisório a mesmo tempo.
No outro lado da moeda — expediente corrente na publi-
cidade de todos os tempos —, a opinião através do teste-
munho pessoal, também é algo vendável e pode ser pro-
ferido experts, celebridades ou personalidades públicas
em troca de remuneração, gerando uma relação cínica mas
muito eficiente. Este consenso manipulado, imposto e le-
gitimado pelo poder do mito e da comunicação de massa
a serviço do lucro revela ações explícitas com interesse
único de aumentar as performances do sistema; doa a
quem doer. Não há preocupação moral ou ética.
Os mitos da homologia automática na fotografia e do dis-
curso verídico na imprensa cairão em descrédito absoluto
na hiper-modernidade, embora ainda sejam ferramentas
importantes e eficazes para a doutrinação capitalista, que
se firmará cada vez mais e de maneira completa durante a
segunda metade do século XX.
Na
Belle Époque
, momento de afirmação dos valores bur-
gueses, a fotografia adquire o status de verdade (inclusi-
ve como prova jurídica até hoje) e a imprensa divulga as
maravilhas da segunda revolução industrial: ali a difusão
da mentalidade capitalista e do progresso trazido pelas
ciências está em primeiro plano, em qualquer ponto do
espectro ideológico. Nosso momento é este e, justamen-
te aí, residem os primeiros germes e contradições que
adiante criarão as condições que, gradualmente, provo-
carão a superação completa de toda ideologia burguesa.
No liberalismo do século XIX, que transformou as colôni-
as em mercados consumidores e que vai até o fim da ida-
de dos magnatas (em 1929); colaborando com os aspec-
tos acima citados, ocorreram inúmeras inovações tecno-
lógicas que incrementaram o clima geral de moderniza-
ção visando o progresso e a industrialização das socieda-
des: o transporte aéreo; a popularização da energia elétri-
ca com a iluminação pública e a eletrificação residencial,
motores; o telégrafo; o telefone; o automóvel; o rádio.
A segunda revolução industrial alterou profundamente o
cotidiano das pessoas de uma maneira até então inédita
para o ser humano: a filosofia do “time is money” inaugu-
ra temporalidades assaz divergentes no campo social, as
quais se agudizarão no capitalismo pós-industrial, ingres-
sando no foco dos conflitos sociais na hiper-modernida-
de, quando a mentalidade progressista cai em desuso. Os
sonhos de consumo expressos no desejo de possuir as
últimas novidades é um dos fatores de introdução da
an-
siedade
na normalidade do cotidiano, fora das esferas con-
sideradas patológicas ou neuróticas; aparecem novos pa-
drões de comportamento social.
Na arte gráfica, a virada do século XIX para o século XX é
marcada pela proliferação da imprensa diária a nível mun-
dial (otimizada com a invenção do linotipo por Mergen-
theler em 1890), um dos marcos principais da comunica-
ção de massa; a qual vai adquirindo importância crescen-
te com o passar das décadas. A educação e o direito à
ciência, são aspirações burguesas plenamente em curso
no primeiro mundo neste período. O design Vitoriano, pro-
duzido no centro do capitalismo mundial daquele momen-
to, adquire um grau de disseminação que poderia ser con-
siderado uma premonição do que viria nas próximas dé-
cadas: as embalagens dos produtos adquirem conotação
mítica e publicitária, e o desejo burguês de possuir ima-
gens para uso doméstico, antes privilégio da nobreza, re-
aliza-se em grande grau.
O jornal diário e a expansão generalizada da imprensa
aparece como necessidade cotidiana de informação (para
tomada de decisões) para o trabalho, a política e a cultura
no ocidente; e isso, dentro de um contexto complexo de
inúmeras variáveis, altera radicalmente os hábitos do co-
105
tidiano com reflexos sobre todo mundo capitalista (centro
e periferia), com conseqüências sobre as questões soci-
ais, culturais, comportamentais e existenciais.
O aparecimento do rádio, da televisão, a intensificação e
explosão da publicidade e dos meios de comunicação de
massa, gera processos de destruição dos vínculos sociais
e das formas de enquadramento do sujeito social — suge-
rindo a homogeinização social que o sistema requer —,
provocando a individualização radical e a hedonização do
presente que caracterizam a era pós-industrial, com de-
corrências para a hiper-modernidade que não cabe aqui
detalhar. A idéia aqui é grifar a origem deste fenômeno.
Essa necessidade de adquirir informação para ter melho-
res decisões, e portanto melhores performances (e maior
lucro), está no fulcro da idéia de Marx, de que “a econo-
mia de tempo é o princípio de funcionamento do capita-
lismo moderno, onde esta contradição temporal exclui o
homem de seu próprio labor”: neste contexto da segunda
revolução industrial assistimos o começo da modificação
radical no estatuto do saber (que vai perdendo seu valor
de uso e passa a ter valor de troca). Esse processo realiza-
se plenamente na cultura pós-moderna (a partir de 1960)
com a substituição da formação do espírito (no sentido do
idealismo alemão: Hegel, Von Humbold, etc) pela forma-
ção profissional, e a consequente transformação de inte-
lectuais e cientistas em “experts”. (Lyotard, op.cit.).
O protecionismo, as guerras por mercados que se seguem
ao crack de 29, as duas grandes guerras, a guerra fria, a
intensa presença do estado nas esferas coletivas visando
o desenvolvimento industrial das nações ainda traziam a
dicotomia maniqueísta entre as visões filosóficas e políti-
cas do saber, e dos discursos de emancipação e de domi-
nação, que irão predominar até a consumação da cultura
pós-moderna e do neo-liberalismo nos anos de 1980. Após
a reconstrução européia, o final deste período marca a
passagem, no primeiro mundo, do capitalismo industrial
para o capitalismo pós-industrial, e da cultura modernista
para a cultura pós-moderna; a qual se firma a partir dos
anos de 1970, repito mais uma vez.
O formato original da imprensa no Brasil, mais voltado
para a erudição e a formação — em acordo pleno com as
aspirações humanistas burguesas tradicionais —, dura até
os anos de 1940, quando é revolucionada pelo design mo-
dernista funcionalista em suas acepções estéticas e pela
”linguagem telegráfica” em seu conteúdo (primazia do tí-
tulo sobre o texto); assumindo este formato até o final da
idade pós-moderna; quando decai frente à globalização (e
a internet), e tende à substituição de seu formato “papel”
para formatos digitais na hiper-modernidade contempo-
rânea.
O ocaso do capitalismo industrial prepara os meios para a
mudança que viria sepultar a mentalidade burguesa, e no
nosso campo de estudo cabe elucidar como o modernis-
mo funcionalista irá estetizar a comunicação de massa e
preparar as mentalidades dos sujeitos sociais para a ex-
plosão fenomenal do design como ferramenta imprescin-
dível da produção material em todas as esferas da exis-
tência; colaborando incisivamente para a implantação da
sociedade-moda dos dias de hoje.
O Brasil, que se industrializa nas décadas de 1940 a 1980,
e que tem distinções em relação à cultura ocidental dos
países mais desenvolvidos, nos mostra que a cultura po-
pular seguiu seu próprio desenvolvimento desde a era co-
lonial, enquanto a assimilação das vanguardas do primei-
ro mundo sempre foram introduzidas e cultivadas pelas
elites. Esta sopa eclética, multiracial, multicultural que ca-
racteriza o Brasil, no final dos anos de 1960 começa a der-
rubar os preconceitos elitistas e traz elementos da cultura
popular para o seio das vanguardas artísticas: o “Paran-
golé” de Hélio Oiticica vem pontuar este fenômeno, mas
já no contexto da contracultura, pedra fundamental do pós-
modernismo.
Vinhetas de Nássara e K.Lixto, respectivamente.
HL
106
Gil foi desenhista de grande talento e dom inato, falecido
em tenra idade, vítima de tuberculose (faleceu aos 28 anos
em 1906). Seus desenhos, executados rapidamente, aos
borbotões, continham o olhar “clínico” do caricaturista, que
observa com exatidão os detalhes e lhes confere traços
com a deformação que traduz com exatidão personalidades
inconfundíveis. Nervoso e extremamente míope, era alvo da
gozação dos colegas pois desenhava com rosto colado ao
papel; entretanto, bastava ver uma pessoa uma vez que a
fisionomia e a personalidade ficavam cristalizadas em sua
memória e, depois, em casa, os caricaturava com maestria.
Seu desenho simples pode ser creditado à velocidade com
que desenhava — a revelação que traziam, o verdadeiro
dom. Foi muito produtivo e parece que intuía sua curta
passagem por aqui, colaborando com vários jornais ao
mesmo tempo. As caricaturas acima foram feitas para a
Gazeta, quando alternava diariamente a charge da capa com
Raul (Pederneiras), endossando mais uma tradição do
mundo dos desenhistas, que — como temos visto aqui —
adoram retratar uns aos outros.
Charge de Gil sobre a batalha das flores,
O Malho.
23/9/1905.
HL
107
1900
CALUNGAS QUE FAZEM CALUNGAS
Caricaturas de Gil,
Gazeta
,13/10/1904.
HL
O que poderemos notar nos exemplos das páginas vin-
douras é que a estética da
Belle Époque
, tão bem repre-
sentada pelo “trio de ouro da caricatura brasileira” —
K.Lixto, Raul e J.Carlos — nas duas primeiras décadas do
século, introduziram com grande consistência o desenho
de caricatura na imprensa brasileira. K.Lixto e Raul come-
çaram suas carreiras n’
O Mercúrio
sob a batuta de Julião
Machado na década de 1890 e J.Carlos alguns anos de-
pois, em 1902, no
Tagarela
… todos três assimilaram mui-
to bem as técnicas trazidas por Machado da Europa, e de-
senvolveram à exaustão o manancial
impressionista
e
art
nouveau
com raro talento.
“Se os caricaturistas da Belle Époque guardam para si o
mesmo potencial crítico de seus antecessores, no entan-
to, abandonam por completo o desenho “a esfuminho”
atrelado, em geral, a longos diálogos e textos explicativos.
Na clave da modernidade, estes artistas tendem a, cada
vez mais, criar expressivas imagens em poucos traços que
sugerem a velocidade e o dinamismo das transformações
da época. Da mesma forma, surgem legendas e diálogos
de imediata compreensão, quando não são suprimidos por
completo. É necessário revelar ao leitor, através da ima-
gem, a vertigem da vida nas ruas e as transformações pelas
quais passa a cidade. (…)
Para Calixto, assim como para Raul e os jornalistas e poe-
tas Emílio de Menezes e Bastos Tigre, não basta simples-
mente observar as transformações implementadas na ci-
dade de um ponto de vista distanciado. Por isso, é impor-
tante destacar que estes jornalistas e desenhistas com-
partilhavam do mesmo espírito festeiro e boêmio que in-
vadia os botequins e quintais das famosas casas das tias
baianas na Cidade Nova. (…)
Menos observadores do que atores, figuras como Bastos
Tigre e Emílio de Menezes participavam da Festa da Pe-
nha e freqüentavam a casa de Tia Ciata.”
(*)
(*) Dealtry, Giovanna. Margens da Belle Époque carioca pelo traço de Calixto Cordeiro
in
ALCEU - Revista do Departa-
mento de Comunicação Social da PUC-Rio, v. 9 - n.18 - p. 117 a 130 - jan./jun. 2009.
108
Capa da
Revista da Semana
feita por Amaro em 6/9/1903.
HL
As revistas semanais ilustradas, que se multiplicaram no início do século,
abriram enormes espaços para a mais variada produção humorística, que
passou a ocupar um lugar fixo e rotineiro em todas as publicações.
ES
, pp42.
Cada imaginação nacional… produz
também sua peculiar representação
humorística; cada uma forja suas
peculiares línguas e falas cômicas,…;
naqueles estereótipos concisos,
sintéticos e rapidamente inteligíveis,
mas também cheios de subentendidos,
de omissões, de silêncios e de “não
ditos”.… Mais ainda no período da
Belle
Époque
, com o impacto da revolução
tecnológica sobre a vida cotidiana e
sobre as formas de percepção
individuais. As próprias formas de
representação humorística (concisão,
brevidade, trucagens, rapidez,
reversibilidades de significados,
desfamiliarização etc.) se prestavam a
servir de recurso… dada sua saliente
afinidade com a fragmentação, a
velocidade e, em termos humanos, com
os deslocamentos de sentidos e a
subsequente alienação… conduzidas
pelas próprias características intrínsecas
de concisão, condensação e
simultaneidade, as representações
humorísticas participavam intensamente
desse processo de invenção da
imaginação nacional, construindo tipos,
visuais ou verbais, e fomentando
estereótipos. Mas, …, o inverso
também foi verdadeiro, pois a vocação
sintética do humor também foi utilizada,
…, para destruir, modificar e
desmistificar tipos e estereótipos,…,
atuando nas duas pontas do processo
de formação simbólica de estereótipos,
mas, como se verá muitas vezes, …, a
missão de destruir parecia mais forte,
dadas pelas próprias características de
impermanência, de … descompromisso
com projetos de longo prazo e a …
necessidade de renovação constante da
produção humorística.
ES,
pp32.
109
A BATALHA DAS FLORES
Capa de Bambino,
Revista da
Semana
, 17/9/1905.
HL
“ A narrativa humorística,
nascida para compensar um
déficit emocional em relação
aos sentidos da história
brasileira, misturou-se à vida
cotidiana, daí a sua constante
remissão à ética individual.
Entre a dimensão formal e
pública e o universo tácito da
convivência personalista é
que se construiu uma
fragmentada representação
cômica do país, dando ao
brasileiro, por efêmeros
momentos, a sensação de
pertencimento que a esfera
política lhe subtraíra.”
ES
, pp 193.
110
…na virada do século, o … movimento
Art
Nouveau
(originário do movimento
Arts &
crafts
,
NA
) também modificou radicalmente
o design e aumentou ainda mais o modismo
dos pôsteres (artísticos na Europa e nos
EUA)
.
Baseado em formas orgânicas da
natureza combinadas de maneira
extremamente harmônica — estabelecendo
um maneirismo que invocava motivos
renascentistas e medievais, o
Art Nouveau
penetrou fortemente em todas as esferas
da existência permeadas por design
(naquele momento): Artes Gráficas,
Decoração, Mobiliário, Arquitetura, Moda,
etc, etc; tornando-se bastante popular…
JA
, pp 154.
Capa do Nº 1 da revista
Leitura para Todos
, de novembro de
1905; a qual foi muito popular até 1930 e que teve esta
mesma capa reproduzida por muitos anos.
HL
Caricatura de J.R.Lobão por Vasco Lima
com dizeres de Raul (Pederneiras) e Ricardo
Casanova. Col.Herman Lima.
HL
111
A manchete d’
O Malho
descreve a pauta: semanário
humorístico, artístico e literário e …teatro, programação de
arte estavam inclusos, assim como a coluna social. E muita
publicidade, de fora a fora, em todo miolo da publicação.
Em pouco tempo a 4ª capa começaria a ser valorizada e
vendida para propaganda e publicidade.
Nessa época, no Rio, Eliseu Visconti com sua estética Art
Nouveau preparava o aparecimento do design tal como o
conhecemos hoje… Art & Crafts.
Mais adiante, com as polarizações ideológicas do fim da
década de 1920,
O Malho
ficaria alinhado aos
conservadores…
Capa do Nº 1 d’
O Malho
desenhada por Crispim do Amaral,
20/9/1902.
HL
Cartum de Helios.
O Malho
, 14/2/1903.
HL
112
Capa d’
O Malho
com
charge de K.Lixto,
5/3/1904.
HL
As teorias do humor da
Belle Époque
também
associaram o riso à ruína
das noções públicas de
linguagem e das formas
de representação, …,
(onde) o vazio e os
fragmentos geram
estranhamento…
ES
, pp 26.
A acepção
declaradamente
experimentalista da
época, mostra o jovem
K.Lixto fazendo a arte
com sentido redondo e
espelhando o cabeçalho,
o que bem poderia
povoar a revista
Secession
de Otto
Wagner em Viena na
mesma época ou as
criações dos artistas
construtivistas russos.
Ao lado, a capa “pop” de
Cândido, com um
fontário no título
comparável aos
expedientes pop e pós-
modernos décadas à
frente. Os garotos da
revista viram mini
desenhistas, de lápis em
punho.
Há uma coisa em
comum nas duas capas
d’
O Malho
de 1904 aqui:
sua estética inovadora e
premonitória. O cunho
humorístico autorizou e
legitimou a
experimentação no
design gráfico.
113
Capa d’
O Malho
com charge
de Cândido:
o General Francisco Gli-sério.
9/7/1904.
HL
Caricatura de Belmiro de
Almeida por Raul
(Pederneiras) n’
O Malho
,
1904.
HL
A modernidade do traço
de Raul o fez um dos
precursores do novo
design gráfico. Com
K.Lixto e J.Carlos, formou
o trio de ouro da
caricatura brasileira nas
duas primeiras décadas
do século XX.
Famosa chancela do
caricaturista Raul.
Sem data,
HL
.
114
Capa do Nº 1 da
Careta
, desenhada por J.Carlos, 6/6/1908.
HL
Ao lado, a organização gráfica desta capa
nos mostra que o cabeçalho ocupa um
espaço cada vez menor, onde tudo está em
seu devido lugar, resultando numa
composição equilibrada e sóbria.
Abaixo, um desenho característico da
primeira fase de J.Carlos ao entrar para a
redação da
Careta
. A influência dos traços
e da estética dos pôsteres artísticos
franceses trazida por Julião Machado é
evidente, assim como o talento do artista.
Careta,
8/5/1909.
HL
115
Primeira caricatura publicada de Nair de Tef
(Rian). Seu traço sutil descrevia muito bem a
personalidade das pessoas que retratava.
Ao se tornar a primeira dama, Nair abandonou
profissionalmente a carreira de caricaturista,
em 1912; mas ainda gostava de usar calças
compridas e tocar violão; tudo na intimidade.
Jal & Gualberto ainda a viram em Niterói,
desenhando, em papel de pão, pouco antes
de sua morte em 1981.
Herman Lima a considera a primeira
caricaturista mulher do mundo.
Fon-Fon!
, 31/7/1909.
HL
Página 5, com o expediente, do Nº1 do
Fon-Fon!
13/4/1907.
BN
“O humor que perdura na Belle Époque brasileira será um
humor que almeja cultivar a bonomia, que vê a si próprio
como civilizador e cultor de gestos nobres, embora a
imagem nem sempre corresponda à realidade. Há, …, a
produção humorística que surge ligada, …, ao sentimento
da desilusão republicana que atinge a inteligentsia brasileira
que passou pelos eventos da abolição e da República.
(continua na página seguinte)
116
Capa do Nº1 de
O Filhote
, desenhada por
J.Carlos, 16/9/1909.
HL
Caricatura de Afonso Celso por
“Rian”, de 1914.
Abre-se um espaço para a representação
humorística pela inflexão provocada pelos
próprios eventos e pelas promessas de
transformações sociais que eles traziam.
Contudo…a abolição e a inauguração do
regime republicano… virão apenas aguçar
antigos dilemas: … eram mantidos os
fundamentos tradicionais da situação que se
pretendia ultrapassar… o antigo e o
moderno… eram sentidos… numa
sobreposição de ritmos temporais diversos.
(continua na página seguinte)
117
O humor em versos se firmou como tradição nesse perío-
do, dado pela mentalidade parnasiana e simbolista reinan-
te, e a publicidade se valia deste recurso literário à exaus-
tão. Bastos Tigre foi um dos mestres nessa arte e criou
um padrão que sobreviveu e prosperou até o modernis-
mo.
Acima, versos de Don Xiquote (Bastos Tigre) e ilustração de
J.Carlos,
O Filhote
, 16/9/1909.
HL
Charge Bluff (Storni) para
O Filhote
, 4/11/1909.
HL
Amálgama de temporalidades, projeção do passado no
futuro, deslocamento de significados da vida e da história…
era difícil pensar uma representação da sociedade brasileira
que não fosse pela via da constatação da
ausência de
sentido ou da recriação do sentido
— que sempre foram as
características intrínsecas de uma representação cômica ou
humorística do mundo e da vida.
Esta representação buscava resolver impasses muito
peculiares da história brasileira, que voltavam à tona num
momento crítico de reajustamento social e político.”
ES
, pp. 67-69.
118
O BRÓDIO DO ANIVERSÁRIO - 15 DE NOVEMBRO DE 1909
A sombra de Benjamim Contant:
— Quem diria que aos vinte anos já estivesse tão
debochada?
Na
Belle Époque
, o estereótipo para o país criado por Agos-
tini na figura do índio brasileiro é substituído pela Repú-
blica, que passa a ser representada por uma mulher de
“vida fácil”, promíscua e venal. Outros estereótipos serão
recorrentes na criação humorística desse período no afã
de revelar “identidades brasileiras”, burlando o paradoxo
do convívio de sociabilidades escravistas com o sôfrego
desejo de modernização que percorre as esparsas man-
chas urbanas do país na virada do século.
Charge de J.Carlos, O Filhote, 11/11/1909.
HL
A desilusão com os destinos da República, que
enxergava o país e os seus precários cidadãos num
estado de crônico desequilíbrio, esteve no centro da
vasta produção humorística brasileira.
ES
, pp. 71
Versões apimentadas, quando não obscenas, da vida
pública, que expressavam, através do cômico,
dimensões da vida privada, seriam depois desprezadas
pelos próprios autores…
ES
, pp. 72
Com o início da publicação de O Malho, em 1902,
passam a freqüentar as páginas as inúmeras variações
do Zé-povo brasileiro. Sai de cena o vigoroso índio,
adotado por Agostini para representar o Brasil. O povinho
das ruas, o português da venda, a empregada mulata, o
pessoal da lira, a festa da Penha, o carnaval, todo o Rio
de Janeiro vai aos poucos penetrando nas frestas que a
caricatura política vai deixando entreaberta.
Isabel Lustosa, pp 61, op.cit.
Charge de J.R.Lobão para
O Malho
, 23/12/1905.
HL
119
PROJETO PARA O NOVO EDIFÍCIO DO CONGRESSO
Charge Bluff (Storni) para
O Filhote
, 4/11/1909.
HL
AS BOAS-FESTAS DA POLÍTICA
Charge Bluff (Storni) para
O
Filhote
, 30/12/1909.
HL
Nas duas charges desta páguina,
vemos o personagem-estereótipo Zé-Povo (importado
da cultura portuguesa), muitas vezes reciclado como Zé
Povinho e outros apelidos.
120
ALEGORIA DE CARNAVAL
Hélios,
Fon-Fon!
, 18/2/1909.
HL
Propaganda do Bazar Japão, por Sib (K.Lixto),
Fon-Fon!
, 20/3/1909.
HL
121
Barbosa Lima, deputado, é o
orador. Nas bancadas vários
parlamentares, entre outros,
Irineu Machado, Pedro Moacir,
etc.
Propaganda do Café Câmara
por K.Lixto, Fon-Fon!,
11/11/1911.
HL
CAMPEÕES DO CIVILISMO
BARBOSA LIMA
(a sua feiura física é só comparável
à sua beleza moral).
Bluss (Storni),
O Filhote
, 4/11/1909.
HL
122
Versos de
Dom Xiquote
(Bastos Tigre)
e ilustração de
J.Carlos.
Careta
,
2/9/1911.
HL
Como pudemos
ver nestas
páginas, o
desenho de
J.Carlos evoluia
continuamente,
sempre se
adequando às
novas tendências
do momento.
A linguagem
impressionista
introduzida por
Julião Machado,
nesta fase,
começava a ser
substituída pelas
concepções
orgânicas e
harmônicas
baseadas em
motivos da
natureza, nos
remetendo aos
“fleurons” do
século XV.
Aqui, a influência
Art Nouveau
predomina, e
assumirá “ares”
Art Déco
no
começo da década
seguinte, como
veremos n’
A Maçã
de 1924.
123
Desenho de J.Carlos para
Careta
, 7/6/1913.
HL
Década de 1910
124
ENGANO
— Que fazes nesta casa, bandido!
— Desculpe…Eu…Eu… me enganei e errei a porta.
— Também erraste de mulher?
J.Carlos,
Careta
, 3/4/1913.
HL
Outra tendência é o refinado desenho litográfico de traços
precisos de J.Carlos, onde personagens reais se misturam
com personagens caricaturados que bem poderiam ser
personagens de HQ.
Esta fórmula ficaria mundialmente notável nas HQs de
aventura dos anos de 1920 e 30 — precursora das estórias
de super-heróis —, especialmente nos EUA e nos desenhos
do quadrinhista canadense Will Eisner, que fez grande
sucesso durante todo século XX com as estórias do
Spirit
.
Aliás, a semelhança do traço dos dois é incrível nesse
período, como veremos em muitos outros exemplos
adiante; o que sugere que as técnicas e concepções eram
semelhantes ou as mesmas, e que esta integração de
linguagens e técnicas na cultura ocidental é uma das marcas
históricas do design gráfico, acirrada e acelerada desde o
começo do século XIX.
Contudo J.Carlos superou esta fase, sempre se renovando e
dando provas de que é um dos maiores desenhistas
brasileiro de todos os tempos, e um dos mais talentosos
que já houve. Suas obras-primas são patrimônio da cultura
humana, porém levaram muitas décadas para serem
reconhecidas com tal aqui no Brasil.
Nesses tempos da
Belle Époque
, este dilema do
reconhecimento
versus
menosprezo, para os humoristas,
criou o estigma do “engraçado arrependido”para aqueles
que queriam ingressar no estreito círculo dos “imortais”.
NATAL
- Ilustração de J.Carlos
para o poema de Olavo Bilac,
Careta
, 26/12/1914-
HL
125
NINFA CARIOCA
Capa de K.Lixto para Fon-Fon!. 8/3/1913.
HL
O PRÊMIO DO SILÊNCIO
A Pequena
— Mamãe, por que foi que eu ganhei
esta boneca?
Mamãe
— Por nada.
A Pequena
— Ah!… Eu pensava que mamãe
ainda ia ao escritório daquele moço
que joga com o papai…
J.Carlos para
Careta
,
7/2/1914.
HL
126
GALERIA NOBRE. J.CARLOS, O BRILHANTE
CARICATURISTA
Quem com lápis fere com lápis será ferido.
J.Carlos desenhado por Luis.
20 de abril de
1912 -
Revista da
Semana
.
HL
Como se nota ao
pé do desenho
aparece um
cachorrinho,
presente também
na chancela de
Raul e no “gente
de casa”, ao pé
de Guevara,
publicado no 1º
aniversário d’
A
Manhã
em 1927:
a suspeita é de
que Guevara
estava criticando
os hábitos
exóticos desses
colegas — que se
retratavam com
seus cachorrinhos
—, intelectuais do
lápis, que aliás,
tinham talento mais do que suficiente para posarem de
estrela. Contudo, o vendaval ideológico ocorrido no
mundo ocidental entre 1900 e 1920, apregoava a
igualdade como forma justa de conduta, coisa que
estava distante da arrogância elitista da mentalidade
brasileira do período, especialmente nos circuitos da
cultura engajada. Acima, à direita, a auto-caricatura de
Luis, 1912.
HL
Os humoristas das primeiras décadas do século acompa-
nharam o surgimento da publicidade, do teatro de revista
e das primeiras produções cinematográficas. Quase todos
eles atuaram nas revistas ilustradas e muitos acumularam
as funções de caricaturista, cronista de imprensa, publici-
tário, revistógrafo e, em alguns casos, de músico e ator;
sendo figuras com alta capacidade de trânsito entre diver-
sas práticas culturais, o que lhes deu esse cunho de figura
múltipla.
Sua atitude primeira e mais elementar é a do “humoris-
mo da desilusão republicana”, ainda que prevalecesse o
dilema do “engraçado arrependido” para aqueles “ven-
cedores” que desejavam ver sua obra “séria” reconheci-
da pelos círculos oficiais da cultura; embora a própria prá-
tica da produção cômica lhes possibilitasse a sobrevivên-
cia, de forma mais flexível, nos estreitos circuitos cultu-
rais existentes.
(continua na página128)
127
Neste cartaz do 1º Salão dos
Humoristas Brasileiros (1916), vêem-se
alguns dos expositores caricaturados:
Raul, K.Lixto, Amaro, Fritz, Belmiro de
Almeida, Hélios, Luis, Basílio Viana,
Nemésio Dutra, Ariosto e J.Carlos.
J.Carlos,
Careta
, 18/11/1916.
HL
Caricatura de J.Carlos para
Careta
, 21/5/1910.
HL
128
OS NOSSOS CARICATURISTAS,
retratados por K.Lixto em 1916,
para o primeiro Salão dos Humoristas no Rio.
HL
A idéia de “missão” frente à uma sociedade analfabeta,
com a qual eles não tinham possibilidade de diálogo, ou
em face de uma elite que os marginalizava do processo
político, não desaparecera totalmente da auto-imagem
destes intelectuais humoristas, senão que adquiriram ou-
tro sentido: de derrisão, de ab-rogação dos compromis-
sos duráveis, de transmutação de sua impotência no hu-
mor.
Ali, onde as suas próprias carreiras de escritores ficavam
incompletas devido à atividade jornalística de intelectuais
do dia-a-dia, estes humoristas voltaram-se para dentro de
si mesmos ou transfiguraram-se de “mosqueteiros inte-
lectuais” em “mosqueteiros da sátira”, ou melhor, em Dom
Quixotes da comédia.
(continua na página 130)
“Como a máscara do palhaço, também a ‘máscara da face’,
na expressão de Raul pederneiras, colava-se aos cômicos
brasileiros. E não havia meio de tirá-la, principalmente
depois de receberem, com velado tom depreciativo, a
designação de humoristas. Os bonecos que eles criavam
contituíam, não raro, uma espécie de projeção deles
próprios”.
Comentário de
ES
(Caderno de Fotos), sobre o mesmo
desenho, pp192-193.
129
Abaixo,
auto-caricatura de Raul,
sem data.
HL
Raul por J.Carlos, sem data.
HL
“Esta série de desenhos de 1918 exemplifica de maneira
jocosa a situação ambígua dos humoristas como
“engraçados arrependidos” ou como “palhaços por um
dia” — rótulos que já pareciam designar-lhes uma posição
peculiar na sociedade brasileira.” Yantok,
D.Quixote
,
25/12/1918, reproduzido de
ES
, pp. 137.
Será apenas isso? Como vimos em exemplos anterio-
res, parece que a fascinação de retratar os colegas é
histórica, mesmo porque criticar o crítico, além de
redimir qualquer culpa, também tem um gostinho es-
pecial: é um exercício de auto-crítica. Diria até que é uma
balda da profissão, presente em todos os tempos.
Quanto à pândega, aqui (no exemplo ao lado) me pare-
ce mais um presente de natal para os colegas do que
qualquer outra coisa; além, é claro, de reafirmar o cu-
nho não-programático de sua verve, o que lhes garan-
tia a sobrevivência e a liberdade, especialmente depois
da Primeira Guerra, quando a
inteligentsia
brasileira se
engaja em campanhas de toda ordem e as polarizações
ideológicas ficam cada vez mais cerradas e explícitas
no cerne das disputas políticas pelo poder.
Enfim, reafirmar o
ridendo castigat mores
e o
bobo que
podia dizer a verdade ao rei sem perder o pescoço
, é a
postura que dá o “passe livre” ao humorista. Por outro
lado, isso lhes abre o campo para fazer, de maneira di-
reta, seu trabalho ideológico de “mosqueteiro intelec-
tual” utilizando-se da ambigüidade inerente à criação
humorística.
Mais adiante, durante os anos 20, as dicotomias ideoló-
gicas — o que sempre pressupõe opções maniqueístas
— situarão o humorista dentro do espectro ideológico e
estas brincadeiras adquirirão outras conotações, haja
visto a impossibilidade da neutralidade num contexto
polarizado. A dupla Barão-Guevara aparecerá neste se-
gundo panorama, e serão os primeiros críticos contu-
mazes da atividade jornalística, e até mesmo do secta-
rismo de seus pares. Seu alinhamento às ideologias de
esquerda afirmará uma conduta de desmistificação do
discurso da dominação e busca da verdade com cria-
ções virulentas e contundentes, sempre imbuídos da ho-
nestidade do espírito purista, quase inocente, do jorna-
lismo praticado por Mário Rodrigues, privilegiando a de-
núncia e a correção, sem serem moralistas.
130
A peculiaridade dessa nova geração de humoristas, como
daqueles que participaram do movimento abolicionista,
foi não reter nenhuma ilusão com o novo regime — entre-
tanto estes não abandonaram completamente esta atitu-
de, senão que a desenvolveram com novos recursos cô-
micos, adequados às revistas, às legendas das caricatu-
ras, ao cinema, aos jornais falados, à música e, depois, ao
humor radiofônico. Assim, nos momentos críticos da his-
tória brasileira da Primeira República, estes representa-
ram a consciência mais radical, exercendo toda sua irre-
verência cortante.
As condições intelectuais de criação destes, entretanto,
eram ambíguas e, no limite, beiravam o insólito: de um
lado, tinham que dialogar com a cultura “culta” da gera-
ção parnasiana e simbolista que os formou e os obrigou a
enquadrar suas piadas nos sonetos e versos alexandrinos
perfeitos; do outro, eram forçados a ouvir as vozes daque-
le público que começava a se formar e que criava, ainda
de maneira tênue e precária, formas de representação cal-
cadas na oralidade e no não escrito. Assim, os humoristas
das duas primeiras décadas do século, que corresponde
ao período da
Belle Époque
, foram aceitos pelos circuitos
Auto-caricatura de K.Lixto, sem data.
HL
OS HUMORISTAS
Pelo todo alegre, vê-se logo
que é humorista…
(uma curiosa interpretação
do caricaturista Calixto
Cordeiro).
Pândega de Vasco Lima
(que também assinava
Hugo Leal)
com o colega K.Lixto.
A Noite
(de Irineu Marinho),
16/10/1916.
HL
ENTRE LÍRICOS
— Eu gosto muito
de Tristão
ensopado.
— Eu prefiro
salomé com pão.
Trabalho a 4 mãos:
cartum de Raul e
Luis, 14/8/1910,
Revista da
Semana
.
HL
131
O exercício de comicidade mais notável destes humoris-
tas, que os diferencia de seus confrades da geração ante-
rior, talvez possa ser expresso na forma como criavam seus
réclames publicitários, onde uniam suas habilidades de
desenhistas e caricaturistas com a formação cultural par-
nasiana que lhes dava grande domínio sobre as rimas e
vocábulos, adaptando a criação à concisão, à rapidez au-
tomática do anúncio e ao nó acústico do trocadilho, resul-
tando em hilárias quadrinhas para peças publicitárias.
Reescrito e resenhado a partir de
ES
, pp 76-81.
K.Lixto no traço de Raul,
sem data.
HL
A DANÇA NO RIO - Charges de K.Lixto e Raul, sem data.
HL
Caricatura de K.Lixto por
Romano, sem data.
HL
da cultura oficial, porém sua produção sem ressonância e
sem nenhum compromisso — sem ligação com nenhuma
mensagem programática —, passa a ser vista com des-
confiança, é alvo de velada censura e é relegada ao lugar
da anarquia dispersiva, dissoluta ou inofensiva.
“K.Lixto usava sapatos bicudíssimos, cujas ameaças de pontapé aterra-
vam, com fivelas de prata, onde iniciais se entrelaçavam, fraques agudos,
em forma de tico-tico, coletes altos, colarinhos ainda mais altos, gravatas
de quatro voltas à Diogo Feijó, e caveirinhas de ouro, de prata, de coral, de
marfim por todo o corpo (...) (Martins Fontes apud Velloso, 1996: 97). Assim,
Calixto traz para o próprio corpo o exagero dos traços caricaturais. Retrata
a cultura periférica da mesma forma em que se transforma em caricatura
viva e performática. Seu corpo cômico e bailarino toma as ruas, enquanto
seus desenhos sobre malandros e capoeiras invadem os lares da chama-
da “boa sociedade”. (…) Afinal, alguns anos depois, na Revista Kosmos,
Calixto e Raul ilustram a crônica de Fantásio, pseudônimo de Olavo Bilac,
intitulada justamente “A dança no Rio de Janeiro”. Enquanto Fantásio dis-
corre sobre as diferenças entre as danças de cada bairro da cidade, vemos
imagens de bailes no subúrbio, casais dançando maxixe, ou bailando com-
portadamente em Botafogo. De novo, Calixto e Raul aparecem caricatura-
dos, sendo que agora um retrata o outro à sua maneira. Raul surge, com
suas pernas imensas, dançando o cake-walk, enquanto o corpo desmem-
brado de Calixto lembra os manejos do samba. Permanece de fraque, co-
larinho alto e duro e é possível inclusive ver um pequeno berloque em
forma de caveira que pende de um dos bolsos do colete. No entanto,
contrastando com a aparente rigidez das formas, o corpo de “K.Lixto no
samba”, como diz a legenda, nos parece tomado pelo efeito embriagante
da música. Nesse caso, não é meramente anedótico sabermos que Calixto
era dançarino de maxixe e excelente capoeirista, formado nas rodas da
Cidade Nova. Ou como nota o desenhista Alvarus, a assinatura de K.Lixto
“assemelha-se a um passo de maxixe” (1985: 90). Assinatura e desenho
compõem um único elemento de leitura, indissociável da história pessoal
do caricaturista. (…) É neste sentido que é possível compreender os ver-
sos de Bastos Tigre dedicados a Calixto: “E o garoto explicou: eis o Calixto/
que Cordeiro é no nome e onça no traço” (apud Lima, op. cit: 1030).
(Giovanna Dealtry, pp 120/122
, op.cit.)
132
MADAME A.AZEREDO
- Caricatura de Nair de Tefé,
Careta
, 8/10/1910-
HL
EMÍLIO DE MENESES
Conhecido por suas
anedotas e boca ferina, este
paranaense adotou o Rio de
Janeiro para viver e tornar-
se um dos símbolos da
boemia carioca. Foi mais um
que renegou sua obra
satírica na figura do
“engraçado arrependido”…,
eleito para a ABL em 1914,
faleceu em 1918 antes de
tomar posse.
Portrait-charge de J.Carlos,
Careta
, 15/11/1913-
HL
INFORTÚNIO
Ela: — Tenho muita pena dos pobres, nestes tempos.
Ele: — É verdade. Obrigados a fazer
reveillon
nas escadas das igrejas.
Charge de J.Carlos para
Careta
, anos 10,
HL
133
Charge de J.Carlos para capa da
Careta
, 27/11/1915.
BN
“Em 1915, ao iniciar sua
campanha cívica em prol da
nacionalidade, Olavo Bilac
anunciou que o país havia
definitivamente ultrapassado ‘a
fase ignóbil da comédia’. A
caricatura, cheia de tons alusivos
ao messianismo nacionalista,
parecia sugerir que o humorismo,
sim, é que era inultrapassável”.
Comentário de
ES
(Caderno de
Fotos), sobre a mesma capa.
A política positivista, enraizada
nos parnasianos e simbolistas e
no Brasil desde os tempos da
Proclamação da República, ainda
circulava em muitos meios cultos
do país, e especialmente nas
esferas militares. Como vimos
mais atrás, o próprio Angelo
Agostini lhe era um crítico
impiedoso e alinhava esta
ideologia à falta de progresso da
nação. À essa altura, 1915, tudo
isso já estava um tanto
démodé
,
sendo alvo fácil de legítima
chacota por parte dos humoristas.
Contudo, as polarizações
ideológicas havidas na década
seguinte, no pós-guerra, —
trazendo os conceitos de
luta de
classes
e
socialismo
— haveria de
descambar em insensatos
conflitos, alinhando os positivistas
ao setor mais conservador da
sociedade brasileira.
134
Cartum de Raul para
Revista da Semana
,
11/8/1917.
HL
135
Propaganda do vermute Cinzano:
Rui Barbosa e os presidenciáveis de 1918 como garotos
propaganda. J.Carlos,
Careta
, 22/1/1917.
HL
Rui Barbosa como promotor da revista.
Desenho de Luis,
Revista da Semana
, 4/8/1917.
HL
Rodrigues Alves como garoto propaganda da água Caxanbú.
J.Carlos, Careta, 6/1/1017.
HL
136
O eterno tema do jogo do
bicho, sua repressão e
legalização: tema
recorrente.
O SABOR DO FRUTO
PROIBIDO
O Macaco: — Uma vez
legalizado o jogo, estamos
perdidos. Ninguém jogará
mais.
C
harge de J.Carlos para
capa da
Careta
, 22/3/1919.
BN
A revista
Careta
alternava
seus cabeçalhos a cada
edição e aqui, nos anos de
1910, identifico pelo
menos duas variações: o
da página da esquerda,
mais orgânico, segue
linhas
Art Nouveau
, o da
direita ensaia uma tímida
geometrização
Art Déco
,
mas mantém os mesmos
fontários serifados, como
também a organização da
página. Em relação à suas
versões da primeira década
do século, o aporte
experimental dá lugar à
uma estética mais definida
e uniforme, com
repetições periódicas. Isso
me sugere que a revista já
havia se adequado a seus
públicos e respectivos
repertórios, tornando a
publicação mais
homogênea em sua
apresentação.
137
PRESO PELOS COLEGAS
Lenine: — Olha Trostsky; quando estiveres
cansado passa-me a espingarda.
Charge de J.Carlos para
Careta
, 25/10/1919.
HL
Te m a s
recorrentes.
Charges de
J.Carlos
reproduzidas
de
HL
.
“Numa época de renitentes crises da linguagem pública, tornava-se
difícil tratar de temas delicados. A ruptura da vida — e a mais fatal
delas, a morte — era reenquadrada, pelos humoristas, noutro
sentido, no bom sentido — ainda que pelo caminho da fuga, do
desvio pela metáfora cômica ou da mera supressão das aparências.
Como humoristas eles sabiam que rimos apenas quando
conseguimos enquadrar as coisas no bom sentido
— aquele que nos permite viver num mundo difícil.”
Comentário de
ES
(Caderno de Fotos), sobre a mesma capa.
138
Capa do Nº 1 do Dom Quixote,
revivido por Bastos Tigre,
com capa e design de Julião Machado.
D.Quixote
,
16/5/1917,
HL
TRABALHOS ELEITORAIS -
QUANDO AS MULHERES VOTAREM
(nas vésperas das eleições)
— Ouça, Balbina. Estamos satisfeiticíssimos
com o seu serviço e queremos dar-lhe uma
prova de estima. Você tem muitas amigas e
conhecidas, não é verdade? Por que não as
convida para um baile aqui em casa umanoite
destas?
As despesas correrão por minha conta.
Charge de Julião Machado,
D.Quixote
, 20/6/1917.
HL
139
Abaixo, “rodapé desequilibrado”. Yantok,
D.Quixote
, 3/3/1918.
HL
pp
1252.
Propaganda do xarope Bromil,
D.Quixote
, 30/1/1918.
HL
pp709.
O caricaturado é Basílio Viana, a
caricatura é de Romano; a
vinheta acima é de K.Lixto (que
era usada em muitas outras
propagandas no jornal); o texto,
provavelmente é de Bastos
Tigre, que era um às nesse
formato de publicidade em
quadrinhas.
Esse formato dominou a
criação publicitária nas duas
primeiras décadas do século…
o recurso humorístico era o
apelo mais usual, onde o
gancho sempre continha uma
figura pública ou famosa. Como
os anúncios eram criados nas
redações, via de regra,
tornavam-se criações coletivas
a 4 ou mesmo a 6 mãos, como
no exemplo acima.
“Demorou um pouco para o
anúncio do produto perder seu
tom de testemunho pessoal e
passar para o discurso anônimo
e público. Nas duas situações,
predominou o tom jocoso.”
Comentário de
ES
sobre a
mesma peça, pp. 86.
140
O ECLIPSE SERÁ TOTAL?
Clemenceuau, Wilson, Rui Barbosa e outro não identificado:
A cabeça de Lenine projetadando-se contra
o sol da ordem social.
K.L
IXTO,
D.QUIXOTE
, 30/4/1919.
HL
OS TEMPOS MUDARAM
— Que é isso seu Manuel, nem pra mim o senhor vende
fiado?
—Agora, minha cara, não dou com fiança.
Raul,
D.Quixote
, 23/10/1918.
Devido à cativante gentileza
do Clube dos Treponemas
pudemos obter o retrato do
ilustre Dr. Spyro Choeta,
Presidente da Sociedade
Anônima Estreptocócica de
Bacilópolis, Yantok,
D.Quixote
, 12/9/1917.
HL
A VERDADE ELEITORAL
A moralidade política não permitirá que a verdade saia nua nas ruas.
Charge de K.Lixto,
D.Quixote
, 20/2/1918.
HL
141
NATAL
Ilustração de Raul,
Fon-Fon!
, 1913.
HL
15 DE NOVEMBRO
A monarquia: — Não é por falar
mal, mas com franqueza… eu
esperava outra coisa.
A República: — Eu também!
Capa da
Fon-Fon!
, K.Lixto
13/11/1913.
HL
142
NÚMERO DE CARNAVAL
Capa da
Fon-Fon!
, K.Lixto
24/2/1911.
HL
143
A manchete:
O gaúcho: — Hum!… temos concorrência…
Capa da
Fon-Fon!
, Raul, 25/3/1911.
HL
Abaixo, a propaganda do xarope BROMIL
na
Fon-Fon!
de 25/3/1911.
BN
Pág. 21 do
Fon-Fon!
de 24/2/1911.Com charge de K.Lixto.
BN
144
JOÃO DO RIO IMORTAL…
quand meme!
Caricatura de Bluff (Storni),
O Filhote,
19/5/1918.
HL
TRANSFORMAÇÃO DE HÁBITOS
1º - O Dr. Fulano antes de desempenhar a comissão na Europa.
2º - O Dr. Fulano depois de voltar da importante comissão.
Cartum de Bluff (Storni),
O Filhote,
14/4/1910.
HL
O bom humor e o mau humor na Belle Époque
A indiferenciação provocada pela crise do estereótipo oci-
dental do bom riso e do mau riso encontrou ressonância
tanto nos humoristas – que assimilavam a ambigüidade
da dimensão cômica –, como na recepção às suas anedo-
tas. O desenvolvimento da produção humorística advinda
da proliferação das revistas semanais de caricatura na pri-
meira década do século despertaria algumas preocupa-
ções moralizadoras no afã de distinguir limites morais e
éticos.
A análise da recepção cultural na história brasileira é sem-
pre complexa, mas, de modo geral, o cômico era conside-
rado negativo quando fazia rir à custa de algum ressenti-
mento ou conflito social. Quando as alusões eram explíci-
tas, a obra cômica ficava relegada ao obsceno ou porno-
gráfico. Entretanto, este alinhamento do humor degradante
ao obsceno e ao interdito não foi de todo estranha numa
sociedade fortemente hierarquizada, já que nos momen-
tos de crise política os humoristas ou as publicações em
145
NESTE JOGO POLÍTICO
o trunfo ainda é espada…
Hugo Leal (Vasco Lima), estampa da capa.
Capa do Nº 1 da Revista
O Gato
(de Seth e Vasco Lima), 30/3/1912.
HL
AS PRIMEIRAS TOILETTES
Charge de Seth,
O Gato
, 8/2/19113.
HL
que trabalhavam, se engajavam e este cômi-
co agressivo e cheio de ressentimentos soci-
ais aparecia.
Nestes casos, aparece uma espécie difusa de
tolerância social, onde o humor, ao canalizar
os ódios e ressentimentos, transforma-se
numa forma privilegiada, embora efêmera, de
representação da sociedade. Com isso, é no-
tável o desenvolvimento da vocação cômica
em alguns humoristas “contra algo” ou “con-
tra alguém”, como nos casos de Antônio Tor-
res e Emílio de Menezes, que assumem a fun-
ção de “médicos sociais”, como frisou Peter
Gay ao analisar o humor da Belle Époque em alguns auto-
res europeus: muitos humoristas acreditavam na ação
militante do humor, e o praticavam de forma otimista mas
com tom severo na execução, onde a máxima clássica de
Voltaire imperava…” em alguns momentos é preciso des-
truir antes de poder construir”.
(continua na página seguinte)
146
MALANDRAGEM
PARLAMENTAR OU
OS”ALHOS” DA CÂMARA
Charge de J.R.Lobão,
O Malho
, 13/7/1910.
HL
Capa de Storni,
O Malho
, 6/7/1918.
HL
Assim, o estereótipo ociden-
tal do mau e do bom riso mos-
trava-se cada vez mais difícil
num conjunto cada vez mais
variado, embaralhado e indi-
ferenciado. Com as campa-
nhas nacionalistas após o iní-
cio da Guerra Mundial, a cen-
sura e a proscrição do humor
negativo ganha outro conteú-
do: ao invés de proscrever o
ataque pessoal, o obsceno ou
o degradante, é o diversionis-
ta, o desmobilizador, o anár-
quico, o indistinto e o humor
não programático que serão
criticados e censurados.
Reescrito e resenhado a
partir de
ES
, pp 112-125.
Em suma, a questão ideológi-
ca assume a primazia dos jul-
gamentos, indicando uma
mudança de mentalidade.
147
A procura por um tipo nacional se revelaria inútil, porque
supunha um retraimento completo da mobilidade inerente à
vida e à história. Um dos caminhos trilhados pelo
humorismo brasileiro foi a narraiva auto-derrisória de nossa
identidade, como nesse exemplo de 1913 no qual se
expõem ao ridículo o Estado, o funcionalismo, o Congresso,
os correios, os transportes, as finanças, a Justiça. E o Brasil
termina representado por um pobre cego à beira do abismo.
Charge de Luis,
O Malho
, reproduzido de
ES
(imagem e legenda, Caderno de fotos).
A completa anarquização de tipos era inerente à vo-
cação paródica da narrativa humorística da vida naci-
onal, mas a busca por tipos fixos e identidades per-
manentes era inútil, pois presumia uma impossível
fixidez da história e o completo retraimento da mobi-
lidade inerente à vida.
Desenraizados, os humoristas dessa geração – distantes
das elites oligárquicas e com maior contato com as vozes
confusas que vinham das mais variadas camadas da po-
pulação – percebiam que os calungas que criavam consis-
tiam numa espécie de projeção deles próprios, onde, de-
pois de retirada a máscara, o público acaba por não reco-
nhecer a pessoa real.
(continua na página seguinte)
148
Cartum de Casimiro Miracy (Julião Machado),
Revista da Semana
, 7/3/1915.
HL
ZÉ MACACO
Zé Macaco e Faustina, na qualidade de árbitros da elegância
e bom gosto, apresentam-se a seus queridos leitores na
magnificência do último figurino.
Estampa de Storni para capa d’
O Tico-Tico
, 23/7/1913
. HL
Pelo ângulo sintomático da fugacidade e da efemeridade,
aparece uma tênue consciência de que produzir humor é
como carregar o vazio do presente, pois este se nutria da
permanente redundância e de eterna repetição; numa
aposta constantemente renovada na vida futura, sendo,
porém, uma aposta sempre perdida.
E o que chama a atenção é a incontida preocupação em
não se identificar explicitamente como humorista: primei-
ro por estarem suscetíveis às pressões dos colegas de ofí-
cio institucionalmente mais bem colocados (escritores e
poetas) e, depois, ao estigma de serem confundidos com
a boemia. Quando a boemia se esvai e há o quase com-
pulsório engajamento da inteligentsia brasileira nas cam-
panhas nacionalistas, o reconhecimento público do hu-
morista como escritor e intelectual fica ainda mais difícil.
Com isso, eles introjetavam uma difusa sensação de infe-
rioridade.
Reescrito e resenhado a partir de
ES
, pp 129-145.
149
São Paulo
“Apesar de variada, a
circulação das revistas
semanais flutou ao
sabor de circunstâncias
que muitas vezes eram
afetadas por questões
políticas locais.
Daí o caráter efêmero
das publicações
humorísticas, que
alcançaram uns poucos
números — embora
com grandes tiragens
—, … como … o
Cara Dura
, de 1908…”
Reproduzido de,
ES
,
pp.164
“Muito menos que o Rio de Janeiro, São Paulo foi também um microcosmo
do país no período da
Belle Époque
, pois vivenciou,…, de maneira mais
ambígua, a tensão expressa na ironia européia do vocábulo bela época, com
seu tom meio sério e meio irônico, hesitante entre a frivolidade e a
autenticidade, amalgamando temporalidades, sobrepondo o futuro ao
passado numa visão nervosa dos dilemas do país. … , projeção do passado
no futuro, deslocamento de significados da vida e da história também
ajudaram a forjar, …, uma representação da sociedade brasileira pela via da
constatação da ausência ou da recriação do sentido — características
intrínsecas de uma representação cômica ou humorística do mundo e da
vida. Mas na história de São Paulo esta representação foi construída de uma
forma peculiar e fortemente marcada por persistentes traços da memória
coletiva.”
ES
, pp 154.
À parte raríssimas exceções, os humoristas paulistas mantiveram
— é certo que sem nenhuma regularidade — colunas nas revistas semanais.
Capa de
Vida Paulista
, reproduzido de
ES
, pp.162.
150
“ O conhecido refrão “São Paulo é a cidade que mais cresce
no mundo” foi inventado nos anos 20… Mas a rápida e
vertiginosa metropolização de São Paulo produziu uma
espécie de ofuscamento das lembranças pessoais e da
memória coletiva. … este processo de metropolização parece
ter sido tão intenso que destruiu brutalmente não apenas
qualquer referência material, mas também qualquer resquício
de referência simbólica mais estável … nesse momento …
que antecede a Guerra Mundial de 1914,… São Paulo viveu
um processo social descontínuo e diversificado, no qual o
universo forjado pela imigração maciça não chegou a romper
com o universo social de sobrevivência dos ex-escravos.…’um
mundo não substituiu o outro mas foi sutilmente brotando um
de dentro do outro… mas de convívio assíduo, às vezes de
concorrência aberta, outros de preconceitos disfarçados,
…num entrelaçar de simultaneidades de tempos sociais que
se urdiam e se cruzavam na urbanização incipiente de São
Paulo no pré-guerra’. …São Paulo já convivia no início do
século com aquela impressionante indefinição entre o
nervosismo da metrópole burguesa e a persistência de toda
uma série de traços coloniais e tradicionais da cidade. O
espetáculo da modernidade… sofreu intervalos regressivos
neste período, produzindo imagens compósitas, nem sempre
bem definidas. Os registros mais significativos desta
Belle
Époque
paulista, …, aparece hoje como restos esparsos e
dispersos de uma singular espécie de esquecimento… a
posição desses escritos na história da cidade…é
ambígua…talvez por impossibilidade de classificá-los, acabou
A Gioconda de Leonardo da Vinci e a Gioconda de Juó Bananére.
O Pirralho
, 24/1/1914.
ES
, pp.129.
A FOME
… Como subiu o pão!
Charge de Voltolino,
O Parafuso
, 11/8/1917.
HL
por deixá-los no esquecimento. O humorismo paulista
da
Belle Époque
confundiu-se com aqueles escritores
que se esforçavam por fazer a crônica da cidade… num
momento de transição e rápidas transformações sociais.
Formaram,…, um grupo de escritores esquecidos… pela
própria efemeridade da produção humorística…
associada ao periodismo de jornais e revistas… Mas
…sobretudo, pela sua dificuldade de enquadramento
nos cânones literários… não se enquadrou nos cânones
modernistas de 1922, embora já revelasse um olhar com
todas as ambivalentes características modernistas.… no
fundo, o que parece ter criado uma distância radical
entre o modernismo paulista e esta obscura produção
humorística foi o visceral caráter anárquico e anti-
programático desta última…”.
ES
, pp 155-156.
151
A revista
A Rolha
, por causa da
censura vigente no Brasil naquele
ano se dizia “um semanário
independente… enquanto
puder”. Capa de Votolino,
A Rolha
, 12/11/1918.
Reproduzido de
ES
, pp.161.
São Paulo
Esta época, marcada por uma
estética de transição, coincide
com um momento de grande
incremento do jornalismo e das
revistas semanais — os
principais campos de atuação
desses
humoristas na
Belle Époque
.
ES
, pp 179
Farsista de inúmeras sagas, …, o
narrador, trai, mente, modifica a
sua história, tudo em função de
criar comicidade, quebrar o
determinismo férreo da vida,
diluir as contradições pela
eliminação das aparências, sem
contudo eliminar os conflitos e as
rebarbas de ressentimento social.
A opalescência da própria tradição
oral parecia estar na essência dos
seus procedimentos humorísticos
simples e diretos. … Os
humoristas paulistas captaram,
através das crônicas, a
impossibilidade de retratar
a ebulição social provocada pela
rápida metropolização, daí a
opção pelo excêntrico
ou pelo paradoxo.
ES
, pp185.
152
“… A variação das palavras ao
longo do tempo não altera a
redundância de um tema
arquiconhecido na narrativa
humorística brasileira: a figura
do miserável que se auto-
analisa, na situação de fome
crônica, parcimônia de bens e
completa ausência de
perspectivas futuras.”
Comentário de
ES
sobre a
capa ao lado, Caderno de
Fotos.
Charge de Voltolino para capa
d’
O Pirralho
, 1917.
Acervo
ES
, reproduzido de
ES
,
Caderno de Fotos.
No esquema do
ridendo
castigat mores
, e concebendo
pouquíssimas alternativas para
escapar desses novos
estratagemas urbanos,
apontava … perfis de atitudes
individuais possíveis para a
convivência coletiva… numa
cidade híbrida — …
caipira ou
snob
, jeca ou cosmopolita — a
redundância paródica aplicava-
se em cópias deformantes das
alternativas de comportamento
individual na metrópole
cosmopolita: ligar-se a um
passado difuso, ou, na
realidade, inexistente, ou a um
futuro definido apenas em
termos de um perfil
intrinsecamente superficial.
ES
, pp.188.
153
Charge de Voltolino,
onde todos os Secretários de
Estado têm a cara do futuro
governador Washington Luis.
Capa d’
O Parafuso
,16/12/1919.
HL
“…o caráter macarrônico
desses escribas tem a ver
com a peculiaridade da
experiência coletiva e das
sensibilidades sociais em
face da metropolização de
São Paulo. … que não
esconde…sua pontinha de
paradoxo —… São Paulo
testemunha a transição de
uma sociedade regional com
certas ressonâncias
universais para uma
sociedade cosmopolita de
consonância inteiramente
provinciana. A crônica
paulista da
Belle Époque
foi
macarrônica porque, não
dispondo de uma estética
definida buscou, por meio
de uma linguagem de
transição, sintonizar-se com
aquela sobreposição de
tempos sociais… (para)
produzir uma síntese entre o
mundo caipira e
provinciano… e o universo
cultural e lingüístico da
imigração… sendo
largamente disseminado em
revisas semanais de maior
periodicidade como
O
Pirralho
,
O Parafuso
e
outras… reforçando os
traços característicos de
uma literatura de transição,
ou pelo menos de busca de
códigos alternativos de
linguagem.
ES
, pp 177.
São Paulo
154
Era essa a atitude comum de alguns desses humoristas
macarrônicos de São Paulo quando tinham de examinar a
fisionomia geral da cidade. São Paulo vivia uma
impressionante impossibilidade, e a maior delas era a
impossibilidade do seu próprio retrato. Restavam a esses
cronistas de ocasião ingratas opções de sobrevivência do
seu lirismo urbano, destilado diariamente nos rodapés dos
jornais: ou a lembrança do tempo vivido, como testemunha
ou evocação, ou o abandono definitivo da crônica [chronus],
um gênero que nasceu e cresceu colado ao seu tempo.
Talvez por isso Juó Bananére chamava seus artigos de
fundo de
articulo di…funto
, pois sabia da inutilidade das
palavras, lançadas como pátina sobre aquela realidade
cambiante e provisória que era São Paulo da
Belle Époque
.
ES
, pp. 190.
É significativo que estes escritores macarrônicos tenham
escolhido a dimensão cômica como manifestação básica,
pois não fizeram mais do que acompanhar, pela epifania e
pela rapidez da frase curta, ou ainda pela linguagem
telegráfica, a maré de fragmentações e do caos social
paulista das duas primeiras décadas do século.
As relações dos humoristas macarrônicos com os
modernistas são difíceis…, salvo excessões, quase todos
desapareceriam da imprensa depois de 1922-24. Brito Broca
escreveu que o modernismo paulista foi, por excelência, um
movimento de ‘panelinhas’ e ‘igrejinhas’ literárias. Mas os
cronistas macarrônicos já estavam à margem da produção
literária em 1922, … alijados …, apenas dois ou três deles
sobreviveriam, com suas impertinências, à maré da
produção literária dominante.
ES
, pp.191.
“… o estigma de raté será curiosamente lançado…
aos escritores humoristas.”
ES
, pp.193.
Juó Bananére,
José Agudo e
seus outros
confrades
humoristas
ficaram à margem
da Semana
modernista de
1922, acentuando
suas dissidências
anteriores
com alguns dos
mais talentosos
escritores
modernistas,
como Oswald de
Andrade.
Charge de
Belmonte, 1922.
Reproduzido de
ES
, pp.204.
Capa de Voltolino para
O Parafuso
,21/3/1920.
HL
155
1920
O movimento modernista incorporou o humor paródico coi-
bindo alguns de seus exageros, mesmo acontecendo (o mo-
dernismo) como projeto, sem a modernização efetiva do
país. A República Velha continuava a produzir “heróis” pa-
ródicos em disponibilidade, como o Zé do Pato, Gonzaga
de Sá, Zé Povo, Jeca Tatu, Xique-xique, sem contar a vasta
galeria de personagens, anti-heróis ou heróis da terra, cria-
dos pela literatura (Policarpo Quaresma, Macunaíma, etc,
etc). E a desconcertante falta de significação, entrementes,
ia sendo interpretada, conjunturalmente, com representa-
ções de caráter humorístico.
Cornélio Pires em São Paulo realiza um trabalho profundo
sobre os estereótipos paulistas e sua extensa obra utiliza
precocemente expedientes multimídia já nos anos de 1920:
apesar de mal visto pelo circuito oficial da cultura, seu tra-
balho foi extremamente popular e se vendia muito bem. E
como visto, não lhe faltava engajamento, apesar do estig-
ma de raté colocado pelos modernistas. Monteiro Lobato
também aparece com uma obra meritória neste contexto.
Caricaturado por Guevara, sem data.
HL
Esta caricatura de Osvaldo foi considerada por Monterio
Lobato a melhor representação do Jeca Tatu, e foi utilizada
por muitas vezes, em muitas publicações, por anos a fio.
D.Quixote
, 13/11/1925.
HL
— Trabalhei três ano; não me pagaro; rasgaro minha
sanfona; me quebraro uma viola na cabeça. Mas deixo esta
fazenda com saudade. Fui bem feliz aqui. Tive três
casamentos quasi… Mas faiaro!…
Charge de Osvaldo para
Careta
, 19/2/1926.
HL
156
FIGURAS PROMISSÓRIAS (HOMENS DE LETRAS),
AFRÂNIO PEIXOTO
Portrait-charge de Lup (K.Lixto),
A Maçã
, 1/7/1922.
HL
157
Terceira Parte
158
cia-se de maneira consistente, massiva, com os êxodos
rurais e regionais provocados primeiro pela seca e depois
pela industrialização; e esparsamente no Rio desde o sécu-
lo XIX. Contudo, a mentalidade pós-escravista era igual-
mente dominante no cotidiano em todas as partes, num
Brasil analfabeto e sempre deslocado em relação ao centro
da cultura ocidental.
As “mídias da República Velha dominaram a sociedade
até a implantação plena do rádio nos anos 30, repito. A im-
prensa, restrita aos 10% da população alfabetizada naque-
le período, começa adquirir grande relevo social, como há-
bito de leitura e necessidade de informação, a partir da vi-
rada do século; embora o estágio de desenvolvimento in-
dustrial fosse ainda restrito pela dimensão dos públicos,
onde a maioria da população brasileira era rural. Contudo,
a própria segmentação dos públicos-leitores nos anos de
1920 indica um avanço em direção à formação de uma
sociedade com predominância de valores burgueses.
O surto de modernização ou aculturação burguesa, em cur-
so nos centros urbanos mais desenvolvidas, aconteceu pri-
meiramente e com mais intensidade na cidade do Rio de
Janeiro na virada do século: me refiro aos ideais positivis-
tas franceses desde a Abolição, o saneamento dos man-
guezais e a abertura da Avenida Central (hoje Av. Rio Bran-
co) e suas edificações modernizadoras, patrocinadas pelo
governo federal, que transformaram a paisagem da cida-
de; trazendo a arquitetura internacional daquele período
para a vida cotidiana do cidadão carioca.
E é ali, na capital federal, onde as condições de sincronia
com o “movimento geral” do capitalismo dos magnatas se
apresentaram para a implantação da ideologia de uma so-
ciedade de mercado realmente burguesa que, igualmente
às “ordens da coroa” no Brasil colonial, continuamente
eram alvo de questionamentos e da pândega popular por
sua distância da realidade cotidiana. A questão da moda,
dos artistas de cinema, dos carrões, do consumo das no-
vidades e facilidades tecnológicas — tão distante do pa-
drão de consumo do brasileiro — sequer poderia ser cogi-
tado como sonho de consumo e, obviamente, era tratado
Aqui, onde o movimento modernista aconteceu apenas
como projeto em seu próprio tempo (1922) — sem a parti-
cipação efetiva da sociedade brasileira como um todo — e
foi sendo digerido nas décadas seguintes; ao início, coop-
tou grande antipatia e repulsa da inteligência crítica nacio-
nal: parnasianos e simbolistas, embriagados pelo positivis-
mo comptiano, lidavam com o inusitado à maneira coloni-
al. Como já dito, o modernismo foi um movimento das eli-
tes ciosas de igualarem-se às vanguardas européias na re-
alização plena das aspirações burguesas. Este conflito ex-
plícito no seio das elites pouco contribuiu, naquele momen-
to, para a afirmação da identidade do brasileiro.
Enquanto poucos escolhidos frequentavam os saraus na
casa de Dona Olívia Guedes Penteado ou do Embaixador
Freitas Vale, do outro lado Olavo Bilac reclamava dos “pro-
gressos” advindos da segunda revolução industrial na im-
prensa e nas artes. Este caráter contraditório e imperma-
nente, conflituoso e paradoxal, repetia em certa dose essa
ausência atávica de identidade do brasileiro. Macunaímas
e Jecas Tatu buscavam um referencial na própria cultura
brasileira, porém estavam em conflito entre si ao mesmo
tempo. Unanimidade nunca foi o nosso forte: visões dema-
siadamente ecléticas conviveram em conflito constante,
onde a cultura nunca pode ser um meio de vida estável.
Na cultura popular deste período, especialmente no nor-
deste — mais voltado para a cultura colonial profundamente
solidificada e ainda não contaminada cabalmente pela eco-
nomia mercantil —, também proliferavam “cangaceiros e
fanáticos”, tão bem descritos por Rui Facó em seu livro
homônimo, denotando grande independência desta em
relação à cultura das elites, nos revelando elementos for-
madores marcantes da cultura brasileira da atualidade.
Embora a cultura do sudeste ainda não apreciasse os “fi-
nos biscoitos” da pujante cultura popular nordestina; her-
deira de influência cultural introduzida pelas invasões ho-
landesa e francesa, e recriada e burilada no isolamento de
quatro séculos devido ao acesso marítimo nesse Brasil de
dimensões continentais. Sua interação com o sudeste ini-
O modernismo e a década de 1920
159
como piada. Como frisou Saliba, temporalidades escra-
vistas conviviam com temporalidades burguesas e colidi-
am no dia-a-dia das pessoas a cada esquina, sem citar a
permanente e atávica ilegitimidade política; como notare-
mos adiante nas pranchas de Raul Pederneiras
intituladas…
“Tipos de outrora”
e
“Scenas da vida cario-
ca”
: ali temos um retrato fiel da mentalidade do brasileiro
daquele tempo, e pela pena de um humorista/desenhista
que era doutor e professor universitário, entre outras ha-
bilidades e proezas.
Cosmopolita por natureza, no Rio, a interação, mesmo que
distante, com o primeiro mundo transborda as fronteiras
de nossa sociedade rural, e cria as condições mínimas para
recepção e aceitação daquilo que vinha d’além mar de ma-
neira inusitada e até insólita do ponto de vista da mentali-
dade brasileira daquele tempo. Em São Paulo, a realidade
do convívio com o imigrante gera um processo mais in-
tenso e contraditório, mais “radical” e mais dinâmico pelo
conflito entre o repúdio a qualquer tradição estabelecida
e as tentativas de resgates ufanistas de uma memória; que
a meu ver, que nunca existiu plenamente.
A difusão da ideologia burguesa é respaldada, em alguma
medida, pela industrialização incipiente que começa a de-
sabrochar pelas mãos dos imigrantes (especialmente em
São Paulo) oriundos das plantações do segundo ciclo do
café, criando novas classificações sociais: os empreende-
dores e os operários. Manifestações culturais e políticas
afloram nestes centros, embora bastante limitadas e per-
seguidas pelas oligarquias tradicionais. Isso é sincrônico
com diversas revoltas regionais, as quais cessam comple-
tamente somente após a instalação do regime totalitário
do Estado Novo. Na frase precisa do Barão de Itararé, “
o
Estado Novo é o estado a que chegamos…
”.
Tão significativa quanto a semana de arte de 1922 é a fun-
dação do partido comunista neste mesmo ano de 22 (em
Niterói), o que dá o grau e a amplitude da busca que as
novas classes sociais perseguiam para fazer prevalecer sua
nova mentalidade. Entretanto, ainda não tinham força, res-
paldo popular e organização suficiente, e padeciam sob a
violência cruel das elites pós-escravistas.
A derrocada da economia do café em 1929 estancou o pro-
cesso de acumulação de capital que vinha financiando a
industrialização nascente, a qual ganhará novo ímpeto após
a instalação da indústria de base patrocinada pelo Estado
Novo e os governos após 1945. Mais de maneira exógena
que endógena, o Brasil se industrializou a reboque do capi-
talismo pós-industrial, através da instalação das empresas
multinacionais e seus satélites fornecedores (de peças, ser-
viços e matérias primas). A necessidade de criação de no-
vos mercados consumidores e fontes de exploração de mão
de obra barata e facilmente dominável e doutrinável, é que
atraiu o capital internacional para o terceiro mundo. Sem
contar a corrupção fácil, pérola da cultura nacional e instru-
mento dileto do capital internacional, herança funesta do
contumaz abuso de poder da exploração colonial, tão bem
assimilado e praticado pelo capitalismo na América Latina.
Como sabemos, as aspirações burguesas somente se con-
solidarão aqui após a segunda guerra mundial, e ainda hoje
contém ranços e deformações típicas da sociedade provi-
sória e sem implantação do Brasil e de sua posição margi-
nal, na economia mundial. Através do século XX a mesma
relação entre centro e periferia estabelecido entre Brasil e
primeiro mundo estabelece-se entre os centros mais de-
senvolvidos (S.Paulo, Rio, Minas) e o interior e os demais
estados da federação.
A revolta paulista de 1932, no ensejo de resguardar para si
o que estava sendo espoliado por um Brasil pobre e conti-
nental, afim de preservar aquilo que havia sobrado do ciclo
do café após 1929, foi mais um movimento fracassado e
abortado pelas oligarquias tradicionais; entretanto, propu-
nha a revolução capitalista, pressionado pelas novas clas-
ses sociais emergentes, com apoio de parte das elites.
No cotidiano, em São Paulo e no Rio, a difusão dos valores
burgueses avançava e a miscigenação das elites tradicio-
nais com os capitalistas nascentes progredia. Os movimen-
tos culturais e políticos ganharam expressão, assim como
a repressão a estes também. A mentalidade burguesa ain-
da teria que esperar os anos de 1950 para se tornar domi-
nante nas poucas cidades brasileiras. Tudo isso foi um pra-
to cheio para os humoristas, que ainda aproveitaram a
intensidade das mudançãs nos anos 20 para inovar.
Vinheta de Nássara, sem data.
HL
160
19231922
Em 1922, J.Carlos (diretor
de arte) e Álvaro Moreyra
(editor) já estavam na
empresa
O Malho
. Sua
missão: melhorar a
apresentação e o
conteúdo das publicações
do grupo, adequando-as a
seus públicos alvo. O
“cliclê” da capa que
sempre trazia um famoso
retratado, via de regra das
telas do cinema,
permaneceu até 1925. O
assunto cinema povoava
as revistas ilustradas e, na
Para Todos…
, isso só
muda em 1927, com o
aparecimento da revista
Cinearte
. Acima, vemos o tom experimentalista da página de
J.Carlos, misturando técnicas e expedientes, em busca de uma
nova linguagem gráfica: a fotografia colorizada e os traços
orgânicos das molduras no estilo Art Nouveau dão o tom da
composição, contando ainda com o preciso e apurado desenho
litográfico nos acabamentos e adereços.
Em 1923, as questões estéticas permanecem com
o mesmo tom experimentalista, e a 4ª capa começa
a ser utilizada como espaço publicitário privilegiado,
como na reprodução da 4ª capa desse número na
página seguinte, acima à esquerda.
Abaixo, constatamos o progresso na colorização das
fotos, utilizando apenas duas cores, numa
composição que já trás acepções Art Decó pelo uso
de formas geométricas nas molduras e demais
acabamentos. Essa busca constante por fixar uma
linguagem ainda não havia se libertado do manacial
da
Belle Époque
, conquanto seguisse tendências
estéticas que borbulham em diversas publicações,
provavelmente sob influência de produtos e
publicações estrangeiras.
161
1924
Em 1924, a 4ª capa,
definitivamente, é utilizada como
espaço publicitário privilegiado,
como na reprodução da 4ª capa
desse número ao lado. Por outro
lado, o anúncio publicitário começa,
lentamente, a abandonar de vez o
tom de testemunho pessoal e realça
as qualidades do próprio produto…
isso mudará de maneira consistente
na década de 1950, com a chegada
das grandes agências de publicidade
estrangeiras.
162
Capa do Nº 1 d’
A Maçã
, 11/2/1922.
Imagem reproduzida de
AH
Guevara chegou ao Rio em 1923
repetindo as aventura de Angelo
Agostini, Bordalo Pinheiro, Julião
Machado e outros estrangeiros
que aqui se estabeleceram para
viver e prosperar.
Com seu imenso e reconhecido
talento, imediatamente ingressou
na imprensa nacional e foi um dos
responsáveis pela proliferação dos
portrait-charges
na imprensa
carioca colaborando com quase
todos veículos da época (no Rio) e
ajudando a fundar outros tantos,
entre eles o
A Manha
. Em 1927,
foi sócio de Roberto e Milton
Rodrigues no jornal
Jazz
, onde
desenvolveu trabalhos artísticos do
mais alto nível conceitual.
Seu trabalho como artista gráfico
adquire relevo já em 1924 nas
páginas d’
A Maçã
, editada pelo
Conselheiro XX, pseudônimo de
Humberto de Campos, que lhe
conferiu o título de “o único
paraguaio que venceu o Brasil”.
Desde sua chegada publica suas
caricaturas e seu design n’
A Maçã
.
A Maçã
tinha um arrojo editorial
inédito para a época; pela sua
estética
Art Decó
e um cuidado
gráfico diferenciado. Suas seções
dedicadas a arte e cultura, e o
aparecimento constante de lindas
mulheres em trajes menores a fez
precurssoras das modernas
revistas masculinas; da mesma
forma que a revista
Para Todos…
após 1926 e pela mão de J.Carlos,
torna-se-ia o padrão ou estereótipo
das revistas femininas.
163
Acima, a caricatura de J.Carlos, “o rei dos calungas”,
por Guevara n’
A Maçã
de 12/5/1923.
CL
À esquerda, a caricatura do Embaixador paraguaio Modesto
Guggiari por Gue, publicada n’
A Maçã
em 21/4/1923; que foi
quem apresentou Guevara a Apporelly pouco depois.
CL
164
Acima uma de suas páginas do projeto gráfico d’
A Maçã
até
1923, as quais já mostram a preocupação com o desenho
de página: inspiração
Art Decó
. À direita acima a capa do
número 2, a edição de carnaval, de 18 de fevereiro de 1922.
Ao lado, página do número de 15 de dezembro de 1923 que
anuncia a chegada da reforma visual implementada por
Guevara no ano seguinte.
Imagens reproduzidas de
AH
1923
GUEVARA
165
1924
Primeira capa d’
A Maçã
desenhada por Guevada em 15 de
dezembro de 1923. O título foi quebrado em três linhas e as
grandes áreas em branco denunciam sua criatividade,
sempre inovando e cativando o público; sempre engajado na
vanguarda e nas últimas tendências do momento, nos traz
as primeiras concepções funcionalistas, em sincronia com
os alemães da Escola Bauhaus. A facilidade e leveza do
desenho da caricatura de Artur Bernardes revela seu talento.
Outra caricatura de Bernardes, pubicada em
Critica
em
dezembro de 1929 lhe traria grande embaraço…,
apesar de ser genial!
Imagens reproduzidas de
AH
GUEVARA
166
TIPOS DE OUTRORA
Raul,
Cenas Cariocas
(Scenas da vida carioca),
Primeiro Álbum
, 1924.
HL
Raul por Luis, 1924.
HL
167
SERVENTIA DAS JANELAS
Raul,
Cenas Cariocas
(Scenas da vida carioca),
Primeiro Álbum
, 1924.
reproduzido de Pedro
Corrêa do Lago,
Caricaturistas brasileiros:
1836-2001
, Rio:
Sextante, 1999, pp.61.
Em 1924, Raul Pederneiras
publicou uma série de
desenhos sobre a vida no
Rio de Janeiro chamado
Scenas da vida carioca
, que
entendo serem auspiciosos
para o estudo da
mentalidade do período,
pois denotam o que havia
de automático nos
julgamentos dos sujeitos
sociais; o que era
considerado ridículo e
risível, assim como o
campo dos preconceitos.
Além dos costumes
provincianos que se
imbricavam com a vida
moderna, misturando
temporalidades, a herança
da cotidianidade e da
mentalidade colonial é alvo
da pândega tanto quanto o
novo rico burguês.
168
CASA DE CÔMODOS
Raul,
Cenas Cariocas
(Scenas da vida carioca),
Primeiro Álbum
,1924.
HL
“A narrativa humorística,
nascida para compensar um
deficit emocional em relação
aos sentidos da história
brasileira, misturou-se à vida
cotidiana, daí a sua constante
remissão à ética individual.
Entre a dimensão formal e
pública e o universo tácito da
convivência personalista é que
se construiu uma fragmentada
representação cômica do país,
dando ao brasileiro, por
efêmeros momentos, a
sensação de pertencimento
que a esfera política lhe
subtraia.”
Comentário de
ES
sobre o
mesmo desenho,
Caderno de Fotos.
169
Raul,
Cenas Cariocas
(Scenas da vida carioca),
Primeiro Álbum
, 1924.
Reproduzido de Cássio
Loredano & Zuenir Ventura,
O Rio de Janeiro de J.Carlos
,
Rio: Lacerda Editores,
1998, pp.166.
“A descrição caricatural
explorava — pelo exagero,
utilizando-se dos solavancos
mentais, neste caso, suaves
e quase líricos — o contraste
entre o formal e o informal.”
Comentário de
ES
sobre o
mesmo desenho,
Caderno de Fotos.
170
FAZENDA, MODAS E
ARMARINHO…
— Eu pedi tudo isso só
para ver. O que eu quero
é uma agulha de osso…
Raul,
Cenas Cariocas
(Scenas da vida carioca),
Primeiro Álbum
, 1924.
HL
171
CARNAVAL DE OUTRORA
Raul,
Cenas Cariocas
(Scenas da vida carioca),
Primeiro Álbum
, 1924.
HL
172
A intervenção da direção de
arte de Guevara mudou
radicalmente o aspecto
visual d’
A Maçã
em 1924: a
publicação ganha um visual
extremamente refinado se
comparado à sua versão
anterior. A maneira
adequada com que ele lida
com os desenhos dos
colegas nos mostra um
artista de grande
sensibilidade.
Vários expedientes
utilizados ali serão utilizados
em outras publicações
posteriormente:
acabamentos gráficos,
tipologias, tipografias e
projetos gráficos, como
veremos adiante. Imagens
reproduzidas de
AH
GUEVARA
173
1925
À direita, com a caricatura de Ivan em 1924, Guevara
inaugura um expediente recorrente entre os desenhistas e
que será retomado n’
A Manhã
e
Crítica
: caricaturar o
pessoal da redação. Abaixo, a página central dupla de 1925
nos traz um trabalho inovador apresentado com o fino
desenho de K.Lixto. Imagens reproduzidas de
AH
N’
A Maçã, Guevara
desenvolve um trabalho notável e em
1924 reformula o projeto visual do jornal com seus dese-
nhos de traços geométricos, novos logotipos e fontes de-
senhadas à mão (cuja fórmula aplica no jornal
Jazz
, no
A
Manha
e em outras publicações), simplificação das for-
mas e dos acabamentos gráficos, trazendo inspirações da
estética
Art Decó
e do
Cubismo
de Picasso. A valorização
dos espaços em branco e dos tipos sobressai mas permi-
tem a interferência do desenho. Em algumas páginas, as
bordas formam verdadeiros quadros para os textos, em
composições de rara beleza; muitas vezes extremamente
valorizadas pelos desenhos excepcionais de K.Lixto.
GUEVARA
174
Charge de J.Carlos sobre o governo Whasington Luis,
O Malho, 1926.
HL
A CIGANINHA
Desenho de Fritz para capa do
Tico-Tico
, 1/9/1926.
HL
Ela: — Já viste meu colar de pérolas?
Ele: — Pérolas? Eu vejo um rosário de contas… a pagar.
Charge de Belmonte,
Careta
, 24/4/1926.
HL
Caricatura de Guevara, sem data.
HL
175
O selinho que anda
pela capa, trazendo
sinteticamente as
informações da
publicação a título de
cabeçalho será uma
marca registrada de
J.Carlos como diretor
de arte da empresa
gráfica de Pimenta de
Mello nos anos de
1920, repetindo a
fórmula em várias
publicações do grupo
sob sua
responsabilidade.
A excelência de sua
direção de arte nos
mostra o J.Carlos
designer com um
trabalho tão engajado
e significativo quanto
o dos construtivistas
russos ou os pré-
funcionalistas de
Viena (Secession) ou
Amsterdan (De Stijl): a
diferença é que estes,
uma ou duas décadas
antes faziam ensaios
estéticos, puramente
artísticos, enquanto
J.Carlos levou ao
prelo publicações de
grande sucesso
editorial, colaborando
para a definição de
diversas
segmentações de
público, presentes na
grande imprensa até
os dias de hoje.
Capa de J.Carlos para
O Malho
,
14/2/1925.
HL
176
A revista Para Todos… em fevereiro de1925
Número de carnaval: pela primeira vez J.Carlos coloca seu desenho autoral
na capa, o que se tornará corriqueiro nos anos seguintes. N’
O Malho
, a
fórmula comum era a aplicação de uma charge e isso se mantém durante
todo período de sua colaboração ali, como se vê na página anterior (175).
21/2/1925, miolo com 60 pgs.
14/2/1925
miolo com 54 pgs.
14/2/1925
miolo com 54 pgs.
177
A edição de natal de 1925
Aqui identifiquei a segunda capa desenhada por J.Carlos,
onde o miolo, de 140 páginas nesta edição, trás a capa a 4
cores, as primeiras 22 páginas em duas cores e espelhadas
no miolo (22 no começo e 22 no final), vários conjuntos
espelhados no miolo em 4 cores e em papel especial.
Abaixo selecionei 4 páginas desta edição para exemplifi-
car, da esquerda para a direita:
A página 27 é uma canção feita pelos responsáveis pela
revista: J.Carlos e Álvaro Moreyra, presente de fim de ano;
A página 51 nos mostra a forma inusitada do corte e dos
quadros das fotos, experiências que J.Carlos faria de di-
versas maneiras até o fim de sua colaboração ali em 1931;
A página 89, além do corte das fotos espelhado e recorta-
do aleatoriamente, a composição mistura desenho e aca-
bamentos gráficos de forma a buscar uma harmonia or-
gânica, sem nenhum sucesso; resultando numa peça re-
almente exdrúxula, feia… Essa busca seria cada vez mais
intensificada daí para frente, porém com resultados, via
de regra, memoráveis;
A página 105, anuncia o Álbum de 1926 e nos remete ao
boneco publicado no número de carnaval (que também
poderia ser o Noel Rosa, o sambista sem queixo)… Seria
uma auto-caricatura de J.Carlos e o outro, vestido de
Charles Chaplin, o editor Álvaro Moreyra?
178
1926
Em 1926, o timbre d’
A Maçã
perde a posição fixa e passeia pela capa a cada
edição. Gue aplica novos fontários e tipografias desenhados à mão por ele
mesmo. Como dissemos anteriormente, estes expedientes serão transpostos
e reutilizados em outras publicações. Imagens reproduzidas de
AH
GUEVARA
179
“A Manha”
Programa do dia
Nosso objetivo é careca como um
busto de bronze de Rio Branco, e está com
a calva à mostra: pretendemos fundar uma
revista do supremo… espírito.
Para tal, contamos com a graça de
Deus, com as boas graças do futuro
presidente da República e com as
melhores graças de outros ilustres
colaboradores.
Precisamos, é certo, arte… e…
manha, para uma empresa ta…manha.
Nós somos sonhadores. E há sonhos
que, embora contrariem o Chefe de Polícia,
são muito bons palpites. Sonhamos neste
momento, com uma organização mundial
e (levando em conta a pluralidade dos
mundos) com comunicações interpla-
netárias.
Não evocamos a nós a prioridade deste
movimento. Indivíduos lunáticos e de
lunetas já tentaram, em vão, falar com
Marte. Cientistas sérios e cavalheiros que
nem foram sérios, já tentaram contatos
com Venus, sempre desastrados. Nós
estamos convencidos que, antes de mais
nada, uma raça como a nossa, precisa estar
em comunicação direta e permanente com
Mercúrio, por via aérea, radio-telefônica,
hipodérmica ou endovenosa.
Unicamente, pois, destas colunas
gregas, grandes campanhas que passarão
para a história (como passou a campanha
dos Canudos) e ganharemos os “Tubos”.
Não temos um Antonio Conselheiro,
mas temos o Conselheiro Antonio Prado.(*)
Com Prado e bem vendido, este
semanário irá longe, utilizando sempre uma
linguagem elevada, para não se misturar
com a chamada imprensa que… brada.
Eis, em resumo, o programa, para hoje,
que será mudado de 7 em 7 dias.
(*) Conselheiro Antonio Prado era o Prefeito do
Rio de Janeiro naquele ano.
O humorista Mario Brant, que faz a “preciosa
colaboração”, é o presidente do Banco do Brasil.
Primeiro editorial d’
A Manha
180
Em 1925, surge para o Brasil um campeão do novo hu-
mor: Aparício Torelly, que se tornaria célebre alguns anos
mais tarde sob o pseudônimo de Barão de Itararé. Em 13
de maio de 1926 — data da abolição —, funda o jornal
A
Manha
, um inovador semanário de humor, “um jornal que
não sai no dia certo, mas em certos dias”; e que se torna-
ria um jornal de humor de grande longevidade: 1926-1963,
com várias interrupções, a mais longa durante o Estado
Novo; e que suplantaria seus concorrentes em originali-
dade, lançando a imprensa nanica ou
underground
nos
anos 20. Foi uma publicação voltada principalmente para
o humor político, mas que também trazia em sua pauta
toda gama de assuntos, sem exclusividade temática.
Seu mote principal foi funcionar como um veículo de críti-
ca e auto-crítica da grande imprensa e de paródia desta;
de cunho sempre marginal frente ao discurso dominante,
e de enorme penetração popular. Aparentemente,
A Ma-
nha
está engajada na mais genuína tradição dos jornais
de humor ilustrado brasileiros, levando as fórmulas do sé-
culo XIX e da
Belle Époque
ao exagero, como quer Saliba
em seu
Raízes do Riso
(op.cit). Contudo, sob as condições
históricas em que aparece — um momento de polariza-
ções ideológicas e pontuação de distâncias —, infiro ou-
tros aspectos relevantes para a análise da essência desse
fenômeno, que não o subtrai da mais “genuína tradição
brasileira” como também o insere no olho da moderniza-
ção da arte gráfica, de seu design, do humor e da socieda-
de brasileira da primeira metade do século XX, a saber:
1 - O humor sempre se baseia ou se vale do arquiconheci-
do para formular suas criações e facilita sua apresentação
através dessa identificação, o que é imediatamente senti-
do, percebido e julgado pela malha interpretativa e pela
mentalidade do receptor. Intuitivamente, Apporelly lança
mão desse recurso para penetrar num ambiente, que, em
1925, já era extremamente competitivo, povoado por de-
zenas de criadores adorados pelo público. Essa foi a for-
ma dele se apresentar e se estabelecer, embora essa farsa
provocasse a ira de seus alvos — os donos dos grandes
jornais, os figurões, os políticos mais descaradamente cor-
ruptos, etc. Imediatamente teve grande aceitação e sim-
patia do público pela forma dissimulada, desbocada e iné-
dita de dizê-lo. Essa aparência, calcada no conhecido, tor-
nava o público capaz de compreender sem se dar conta
de que ninguém antes havia feito aquilo, daquela forma.
O
besteirol
foi introduzido como fórmula de humor sem
grandes traumas ou estranhamentos.
2 - Apporelly não tem a mínima pretensão a “mosquetei-
ro da sátira” ou encampa a missão civilizatória de seus
antecessores da
Belle Époque
… pelo contrário, ataca con-
tinuamente a máscara de alta cultura que maquia o dis-
curso da dominação, denunciando sua má fé e seu caráter
elitista, excludente. Isso valia para políticos, jornalistas,
artistas, para tudo e todos, enfim. Sua postura reflexio-
nante se apresenta como “nonsense” e por isso torna sua
obra hilária ao revelar nuamente os ridículos da “brasili-
dade”. Nesse sentido, sua obra é essencialmente progra-
mática e não tem nada de inofensiva; mesmo sem ser nii-
lista ou maniqueísta, e, ao contrário dos confrades humo-
ristas intelectuais. Esse nuance, sutil ao extremo por sua
modernidade, continua a ser ignorado.
Página 11 do Nº 1 d’
A Manha
.
IEB
181
Até 1930 essa postura é tolerada sem maiores traumas;
depois, o seu alinhamento explícito ao Partido Comunis-
ta, pontua posições frente a adversários. O inédito é que
sua cultura e posição flexível não dá a ele o estigma de
raté que seus confrades paulistas receberam dos moder-
nistas da semana de arte de 1922; pelo contrário,
A Ma-
nha
recebe colaborações constantes de Portinari, Di
Cavalcanti, Carlos Drummond de Andrade, José Lins do
Rego, assim como de Juó Bananére e muitos outros artis-
tas, humoristas e intelectuais, sempre ocultos sob pseu-
dônimos, e que fizeram d’
A Manha
uma tribuna democrá-
tica de contestação e debate “descompromissado”.
3 - Ainda usando expedientes da
Belle Époque
, estas cola-
borações sempre eram “de graça”, exceção feita aos de-
senhistas e artistas gráficos que garantiam a publicação
do “único quinta-ferino que sai aos sábados”, pois, na fal-
ta de colaborações, Apporelly redigia o
A Manha
de cabo
a rabo. Num contexto onde a profissionalização do ramo
era crescente, isso dava ao
A Manha
o status de marginal,
enquanto as revistas de humor (
O Malho, Fon-Fon!, Care-
ta
) cada vez mais se profissionalizavam — e em função
disso muitas quebraram e saíram de circulação — e se
alinhavam às tendências políticas mais conservadoras. O
paradoxo é que
A Manha
atingia tiragens espetaculares
se comparada aos concorrentes humorísticos, para a per-
plexidade de muitos.
Em 1929, as vendas dos “
Diários
” de Assis Chateaubriand
não decolavam e ele convidou “AxL” para fazer d’
A Ma-
nha
um encarte destes. Apporelly aceitou com duas exi-
gências: a publicidade d’
A Manha
seria controlada por ele
e “Chatô” teria que contratar e pagar Guevara. Na data da
publicação do programa da Aliança Liberal a tiragem do
Diário
atingiu a incrível marca de 130.000 exemplares; pro-
porcionalmente, uma das maiores de todos tempos na im-
prensa diária brasileira.
Mas a parceria durou poucos meses. Apporelly colocou
uma placa d’
A Manha
no topo do prédio (no centro do
Rio) maior que a dos
Diários
, o que foi motivo de chacota
constante para “Chatô” e a desgraça dos irmãos Guinle,
seus alvos diletos. Desfeita a sociedade,
A Manha
publi-
cou no número seguinte… “…, o
Diário da Noite
, que vi-
nha sendo publicado diariamente como suplemento de
A
Manha
, passou a ter vida autônoma, continuando, entre-
tanto, com a mesma orientação humorística que tanto o
popularizou”(
A Manha
, 27/2/1930).
Essa hilária “marginalidade” só seria retomada pel’
O Pas-
quim
no final dos anos de 1960 na forma de resistência a
ditadura militar, no desabrochar da contracultura ou cul-
tura pós-moderna. A aceitação massiva do
A Manha
reve-
lava inconscientemente, a aspiração da sociedade brasi-
leira pela assimilação dos valores burgueses de
liberda-
de, igualdade e fraternidade
num campo social ainda per-
meado pela herança de sociabilidades escravistas e colo-
niais, via de regra reafirmadas pela impotência do indiví-
duo frente a todo tipo de abuso por parte do poder políti-
co e pelo poder das oligarquias.
4 - As revistas ilustradas, humorísticas ou não, fundadas
nas duas primeiras décadas do século vão atendendo às
segmentações de público — fruto da difusão do progres-
so tecnológico advindo da segunda revolução industrial e
da modernização das sociedades do mundo capitalista —
, acompanhado pela relevante proliferação da imprensa
diária neste período. Isso denota uma expansão e especi-
alização dos públicos leitores, num ambiente onde a mí-
dia impressa é dominante. O sucesso de vendas do
A
Manha
sugere que esta superou algumas segmentações,
182
penetrando nos públicos de vária publicações, haja visto
a limitação desse mercado pelo analfabetismo. Além de
ter um preço baixo por ter poucas páginas, ser rodado em
papel jornal e impressão de baixa qualidade — cabendo
seu preço no orçamento de qualquer um —, parece que
seu “gancho” era mais universalizante e atendia mais às
aspirações sociais do momento, assim como à mentalida-
de burguesa que vinha do estrangeiro sem grandes pro-
gressos na sociedade brasileira daquele tempo.
Mais do que tolerada,
A Manha
funcionou como válvula
de escape das mazelas nacionais e, na medida em que
nunca aderiu plenamente ao sectarismo das esquerdas,
isso garantia a Apporelly e ao
A Manha
livre trânsito por
todas camadas sociais, sem distinção; reafirmando Elias
Saliba ao falar do humorismo nacional,
“…dando ao bra-
sileiro uma sensação de pertencimento, mesmo que por
efêmeros momentos, que a esfera política lhe subtraia”
.
Especialmente nesse aspecto, o
A Manha
substitui seus
predecessores, reformando e reformulando uma função
social histórica do humorismo brasileiro.
5 - Outro aspecto que diferencia Apporelly dos humoris-
tas da
Belle Époque
, descrito por Saliba (op.cit.) em opo-
sição ao “engraçado arrependido”, é que este é um dos
primeiros a ser um humorista assumido. Numa das ver-
sões da admissão de Apporelly em
O Globo
em 1925, em
depoimento dado por Roberto Marinho ao
Jornal da Tar-
de
no aniversário de 70 anos d’
O Globo
, o comprova. Ao
apresentar-se, entregou um cartão de visita com os dize-
res: Aparício Torelly, humorista… Segundo Marinho, aquilo
por si só já era engraçado, pois naquele tempo humorista
não era bem uma profissão. E segundo Saliba, muito pou-
cos teriam a coragem de assumí-lo. Os salões caricaturais
ou cômicos e os salões dos humoristas de 1916 tinham
aquela pretensão intelectualizante, de críticos de arte, dos
humoristas da
Belle Époque
, mas Raul Perderneiras,
K.Lixto ou J.Carlos, por exemplo, jamais teriam a cora-
gem de apresentarem-se como humoristas. E os paulis-
tas, pernambucanos ou gaúchos, nem pensar.
6 - Esta mudança de postura revela uma nova mentalida-
de, desprezando o estigma da boemia ou de raté, assu-
mindo uma posição bastante incompatível com a dureza
das opções ideológicas programáticas do momento… isso
também o diferenciou dos humoristas da
Belle Époque
,
que sobreviveram na “anarquia” às custas de sua margi-
nalização como intelectuais que tinham a pretensão de ser.
Aqui, o futuro Barão utilizou a anarquia de forma realmente
programática, revelando uma intransigente posição hu-
manista frente a qualquer opção ideológica excludente, o
que — como ele bem colocou através de toda sua obra —
sempre privilegia o “programa disso ou daquilo” em de-
trimento do ser humano e suas aspirações e necessida-
des mais profundas… o Barão era o
Almirante-Brigadeiro
do ar condicionado
, em guerra contra o calor excessivo…,
a fome e a exploração dos semelhantes.
7 - A parceria com Guevara reforça esse elã inovador, ao
que parece, de maneira completamente casual. Ao lançar
A Manha
, AxL convidou Gue para ser sócio. O paraguaio,
desconfiado daquilo, preferiu o certo ao duvidoso e não
aceitou… preferiu receber a sua colaboração em espécie.
Mas, desde o primeiro número,
A Manha
vendeu muito
bem. Na semana seguinte, Apporelly chamou Guevara
para receber pelo seu trabalho… quando este chegou à
redação d’
A Manha
e abriu a porta, tomou um susto: ha-
via dinheiro espalhado no chão por todo o espaço, para
gargalhada geral. Como eram amigos e colegas n’
A Ma-
nhã
, provavelmente Guevara também colaborou muitas
vezes sem receber. A rapidez e a simplicidade dos dese-
nhos pode ser creditado a isso, nesse ambiente de eterna
brincadeira, encarado mais como uma ocupação de horas
vagas do que como trabalho em si.
Nesse período, além de publicar em vários jornais diaria-
mente, Guevara estava sob a batuta da direção de arte de
J.Carlos no complexo gráfico de Pimenta de Mello. Nos
183
exemplos que veremos adiante, a equiparação dessa fase
de J.Carlos como designer gráfico aos construtivistas rus-
sos feita por Julieta Sobral não é exagerada — pelo con-
trário —, e demonstra o que afirma Rafael Cardoso (op.cit.)
em relação à sincronia do design gráfico brasileiro com o
design mundial a cada momento histórico, repito. E as ca-
ricaturas de Guevara encantariam o Brasil a cada dia e a
cada semana, nos mostrando uma de suas fases mais cri-
ativas, como bem observa Cássio Loredano (op.cit.). Ora,
o depositário disso tudo e até de aspirações não realizá-
veis em outros veículos, é justamente
A Manha
, onde a
liberdade era total. Assim, naquela redação onde
os cola-
boradores tinham que ter a grossura de uma gilete para
se movimentarem
(como explica Guevara
in
Herman Lima,
op.cit.) é que a criatividade podia fruir sem amarras, fa-
zendo daquilo um prolífico laboratório de inúmeras expe-
rimentações: com a fotografia (o recorte, a colagem e o
retoque caricatural), que era uma inovação em pleno cur-
so; com o design (o uso de grandes áreas de branco na
página abrindo e limpando a composição, os acabamen-
tos geométricos funcionais, a integração de texto e ima-
gem permitindo interferências diversas, etc) e com o pró-
prio desenho (o traço cubista, o desenho com linhas de
contorno sem fundo, as texturas geométricas estilizadas,
bricolages
, fragmentações, referências, etc).
Na aparência,
A Manha
se alinhava ao seu componente
paródico, a imprensa corrente, e ao referencial histórico,
a
Belle Époque
, mas nas entrelinhas, inclusive do design,
prenunciava o que viria dali a décadas. Assim, não pode-
ria dizer que Apporelly foi um autor tardio da
Belle Époque
,
mas um autor que participou ativamente da transição do
humor da virada e das duas primeiras décadas do século
para o humor moderno, sendo um de seus principais au-
tores. Um indício dessa importância é a sobrevivência do
besteirol
como fórmula dominante no humor moderno até
os dias de hoje, o que o faz um criador engajado na mais
“genuína tradição do humor brasileiro” também.
Sua sátira mordaz o fez adorado pelo povo e suas edi-
ções, inúmeras vezes, tiveram muitas tiragens:
A Manha
foi um jornal realmente popular, chegava a todos recan-
tos e era um dos mais lidos do país.
Juó Bananére (pseudônimo de Alexandre Marcondes
Machado), que colaborou com Aporelly desde o primeiro
número do
A Manha
em 1926, firma o seu idioma peculiar
— iniciado na década de 1910 —, o
estapafúrdio macarrô-
nico
(conceito criado por Saliba, op. cit.), praticado ainda
no
Diário do Abax’o Piques
em 1933, pouco antes de sua
morte; onde a reprodução do som dos fonemas é transcri-
ta em palavras coloquiais literais que imitam o sotaque
trazido pelo imigrantes italianos, aproveitando a oportu-
nidade para dizer, de forma quase direta, suas críticas con-
cisas, ferinas e bem humoradas. Esta fórmula — já pre-
nunciada em alguns autores do século XIX — foi imitada,
copiada e burilada n’
A Manha
com os
Sublementos de
Zirya & Beiruth
, do
Alemagna
, e o
Lusitano
, ficando o ita-
liano a cargo de Basguale Giurnalista e Juó Bananére (e,
atentem, essa colaboração durou até a morte de Banané-
re!): o fulcro destas colaborações se davam em perfeita
sincronia ideológica no âmbito do
paradigma do indício
.
O marcante é a fórmula, a redundância da auto-represen-
tação paródica do brasileiro, voltando inevitavelmente aos
mesmos personagens sob diferentes alcunhas. No
A Ma-
nha
, espelho da imprensa, não foi diferente, e os três ti-
pos populares mais “re-conhecidos”: o capadócio, o car-
camano e o caipira são mote constante para os trocadi-
lhos
nonsense
, as piadas e as delirantes matérias ali pu-
blicadas. No rol dos assuntos não poderiam faltar os polí-
ticos, as damas da sociedade, os tubarões e o futebol.
184
Ano 1 N. 4
Diretor proprietário: APPORELLY
Rio de Janeiro, 29 de Junho de 1926
“Notas” de viagem
Em artigo especial para esta folha, o presidente eleito envia o resultado de sua
viagem de propaganda
Antes de mais nada, devo decla-
rar que só consegui passar assinatu-
ras ao mundo oficial, em virtude da
minha cotação pessoal. Os generais
do positivismo parecem que querem
viver bem comigo até o fim do meu
quatriênio e, e por isso, pagaram cin-
co anos adiantadamente, embora es-
tejam convencidos que este
jornalzinho não vai-se além dos cin-
co meses.
O grande público porém, re-
cusou-se formalmente a tomar as-
sinaturas, alegando que nada lhes
interessam as publicações oficiais.
Com as devidas reservas, devo tam-
bém observar que tem causado pés-
simo efeito, dando a impressão até
de grossa cavação a irregularidade
com que tem saído esta folha. Por
toda parte me perguntavam:
- Afinal, esse semanário é quinzenal
ou mensal?
- Então, sua revista já suspendeu a
publicação?
- Quando é que vai sair o quarto nú-
mero?
A princípio procurei explicar que,
tratando-se de uma empresa nova,
eram naturais certas dificuldades ini-
ciais e daí a falta de pontualidade, que
seria, em tempo, sanada.
Ninguém se conformou.
Recorri então, ao futurismo para
desculpar a situação. Os horários são
tiranias crônicas...
As democracias não podem viver
mais sob a tortura das horas marca-
das...
Dr. Vaz Antão Luis
As empresas modernas não se
preocupam mais com as oito horas
de trabalho, porque hoje só se deve
trabalhar à vontade do corpo...
A Central do Brasil é uma grande
Um flagrante do nosso querido diretor, depois de receber
as notas de viagem do Dr. Vaz Antão Luis
organização e não tem horários... os
trens saem quando querem e chegam
quando podem...
É este o espiríto moderno. Porque,
então, exigir que um jornal decente
vá cair nesse grosseiro passadismo
de sair em dias determinados.
Diante destes argumentos, serena-
vam os ânimos exaltados e chega-
vam mesmo a aplaudir o espiríto
moderníssimo d’“A Manha”.
É por isso que confio no triunfo
desse jornal com o programa que vai
desenvolvendo, sem saber aonde vai
parar, ignorando por completo a sua
missão na terra, no mar ou no espa-
ço, esta folha tem que subir e ponti-
ficar.
Página 6, 1º vol., 1926.
AM
O primeiro cabeçalho d’
A Manha
(no pé da página anterior) mostra
inspirações da virada do século,
com a máscara de teatro e a pena
do caricaturista, num fontário
orgânico e integrado, como na
Careta
dos anos 10. O garoto da
revista vira um bebê e sempre
voltará com epítetos variados:
posteriormente, o mais comum
(provérbio de autoria do Barão?)
será “quem não chora não mama”.
Entretanto, ainda naquele ano — o
primeiro aparece em 11/11/1926 —
alternaria o cabeçalho com a forma
de paródia explícita do
A Manhã
(conforme reproduzido nesta
página)
, onde Guevara e Apporelly
trabalhavam diariamente.
O formato original da primeira fase
do
A Manha
, que dura até 1930, é
página em 22 x 33 cm, impresso
em papel 44 x 33 cm.
A diagramação padrão é em 4
colunas e isso se manterá por
muitos anos dentro do padrão
tipográfico mais convencional; com
fios simples entre as colunas e os
cabeçalhos ocupando 20% do
espaço da capa.
Nas seções especiais, dentro do
miolo, haviam outros cabeçalhos,
elaborados segundo o tema destas,
sempre parodiando seções de
outros jornais e revistas.
Washington Luis (Vaz Antão Luis),
repórter do
A Manha
e presidente
do Brasil nas horas vagas sofrerá na
pena afiada de Guevara e na língua
ferina de AxL até sua deposição em
1930. Suas feições evoluirão até
atingir as de um macaco, como
veremos adiante.
185
3.ª
EDIÇÃO
3.ª
EDIÇÃO
Rio de Janeiro, 29 de Junho de 1926
A instalação d' "A Manha"
Onde fica, afinal, o beco Manoel de Carvalho nº 16?
“A Manha” acaba de instalar
a sua redação no Beco Manoel
de Carvalho nº 16 (prédio
impróprio).
Pouca gente no Rio de Janeiro,
entretanto, sabe onde fica esse
beco, ignorando ainda em ab-
soluto, como nós, quem foi esse
sr. Manoel de Carvalho, que
mereceu as honras de ter o no-
me esmaltado nas placas das
esquinas.
Pondo de lado a parte his-
tórica da questão que entre-
gamos gostosamente ao inves-
tigador do distrito, vamos tratar
apenas de orientar o público,
informando-o que o Beco
Manoel de Carvalho fica nos
fundos do Teatro Municipal e o
A mudança da nossa redação provoca uma grave
questão de topografia urbana
Calúnia miserável
Os que se instalam na
vida sempre despertam a
inveja dos que não con-
seguem se instalar.
Nós, que consegui-
mos, a custa das mais
acrobáticas tapeações a
magnífica posição de fu-
turo órgão oficial, não
podíamos fugir à regra.
Os nossos inimigos —
isto pode ser também
mania de perseguição —
levam a propalar que
dentro em breve vamos
chamar credores.
Puro engano! Não cha-
mamos e nem nunca cha-
maremos essa espécie de
gente. Mesmo porque eles
já estão aparecendo sem
serem chamados.
número 16 em cima da porta dum
magnífico palacete, em cujo
primeiro andar estamos abo-
letados, justamente na esquina da
Rua 13 do mês passado.
Desistimos terminantemente
de alugar uma sala no segundo
andar, porque o prédio não tem
elevador e possui mesmo um
único andar.
Por um rudimentar princípio
de educação não quisemos dis-
cutir com o dono da casa, que
(diga-se de passagem) é um
ótimo cidadão, ao qual já
devemos muitas atenções e
provavelmente ficaremos de-
vendo alguns meses de aluguel,
se a tanto nos ajudar engenho e
arte.
“A vontade do devedor e
a do cobrador são duas
linhas paralelas, que
jamais se encontram”
.
Mario Brant, presidente do
Banco do Brasil.
“A Manha” não se res-
ponsabiliza pelos concei-
tos ou preconceitos de
seus colaboradores. Para
atender, entretanto, qual-
quer reclamação por par-
te do público, mesmo em
se tratando de dinheiro,
estaremos sempre
“promptos” para serví-lo.
Assim, Não!
Página 7, 1º vol., 1926.
AM
“nosso querido diretor”
por Guevara
n’
A Manha
em 1926.
IEB
“nosso querido diretor” e a foto
de Vaz Antão Luis (Washington
Luis) na parede
, por Guevara,
n’
A Manha
em 1926.
IEB
186
O nosso segundo aniversário
O poder da vontade e as forças ocultas
A Rainha dos estudantes
Completa hoje inesperadamente, o seu
segundo ano de existência, este impor-
tante semanário, que sai de quinze em
quinze dias.
Ao contrário do que muita gente jul-
ga, até o dia 15 de novembro próximo,
completaremos diversos aniversários, a
fim de requerer em juízo a nossa maiori-
dade e exercer as elevadas funções de
órgão oficial no próximo quatrinênio.
Mas é bem certo tambem que não exis-
tem razões de ordem pecuniária que nos
façam faltar com a verdade ou com a
mentira.
Este, aniversário, repetimos, não o fi-
zemos para auferir proventos materiais.
Nasceu de uma resolução de última
hora, duma deliberação superior, sem
nenhuma ligação com o mundo subjeti-
vo.
Não tínhamos nada que fazer… Re-
solvemos fazer alguma coisa…e… a pri-
meira que nos ocorreu foi essa: — fazer
anos…
Eis em rápidas linhas, a gênese da
idéia que, neste momento se corporifica
numa esplêndida realidade, unicamente
pelo poder da vontade.
Este aniversário, portanto, não tem,
como o primeiro, conseqüências sobre a
renovação de assinaturas ou outros com-
promissos anteriores contraídos por se-
gundos com esta poderosa empresa.
Entrando no terceiro ano de existên-
cia, antes de completar cinco meses de
(Esta edição conclui-se na
última página)
Ano 2 N.13
Diretor proprietário: APPORELLY
Rio de Janeiro, 02 de Outubro de 1926
Entre tantas, a estudantada não hesita…
…entretanto, entre tantos, a rainha “he…zita…”
vida, convencemo-nos que realizamos
uma importante experiência das forças
ocultas, provando-se ainda que não há im-
possíveis para uma vontade superior, ali-
ada a uma nobre inteligência.
Fonte
:1926,
pp 36,37.
AM
187
N’
A Manha
ao lado, as letras
falhadas que se vêem pela capa
são da própria criação original e
fazem alusão à obscura atuação
de Artur Bernardes, para gáudio
dos leitores.
Entretanto, este expediente ou
artifício não tem nada a ver com
os da
Belle Époque
, nem no
plano do design, nem do humor.
Esta busca por novas fórmulas
se encaixa muito mais no
modernismo do que na tradição,
pois não há intenção civilizatória,
apenas humorística; num
entrosamento perfeito entre
imagem e texto que gera um
campo significante rico e preciso.
Por outro lado, este processo de
busca de novas linguagens e
experimentação é constante nos
autores deste período em todo
mundo: o aparecimento de
soluções e abordagens inéditas e
inusitadas será uma tônica. E o
que diferenciará os autores será a
criatividade e o arrojo expresso
em suas obras.
Com o passar dos anos, a dupla
Barão & Guevara suplantaria
completamente as velhas
fórmulas, inclusive criando um
espaço próprio no mercado muito
maior que o público convencional
do humor tradicional, sendo
“quase” uma unanimidade
nacional, como já dissemos
antes. Isso sugere que
A Manha
é a publicação que abre o
caminho para que jornais como
O
Pasquim
apareçam no final dos
anos de 1960.
Capa d’
A Manha.
25/11/1926.
IEB
188
O conego W'Alfredo
Não é por nada, mas as questões relacionadas com as finanças
nacionais sempre nos interessam particularmente.
E, porque essa história do padrão monetário ainda não foi bem
compreendida, resolvemos consultar os entendidos na matéria.
Não é por nada… mas, como é do domínio público, temos gran-
des negócios com o governo e não é demais saber-se a quantas anda-
mos.
As informações dos ministros, inclusive as que são ministradas
pelo sr. G. Túlio Vargas, nosso talentoso colaborador, pouco nos têm
adiantado. Daí a necessidade de recorrermos a outras autoridades na
matéria.
Na qualidade de orgão oficial, entretanto, não podemos veicular
opiniões que não sejam devidamente autorizadas e, porque as autori-
dades profanas, no caso, não fazem fé, resolvemos nos valer das
autoridades eclesiásticas e legalmente constituídas.
Assim, fomos procurar o sr. cônego W’Alfredo Leal, pessoa li-
gada ao Catete — pois mora numa pensão em frente do Palácio das
Águias — e ao mesmo tempo cultor da economia política, pois S.
Exa. Revdª. vive economicamente, apesar de deputado católico, apos-
tólico, bahiano.
O sr. Cônego Leal assim resumiu, com toda lealdade, a sua opi-
nião sobre o Cruzeiro:
— Sou partidário da mudança do padrão monetário, porque essa his-
tória de se lidar sempre com o mesmo dinheiro, torna-se monótona e
enervante.
Ademais, o Cruzeiro parece-me que tem origem divina. Sempre
ouvi dizer que o Cruzeiro estava no céu. Se ele desce à terra, deve
ser, portanto, um dinheiro sagrado, e eu terei a máxima satisfação
em receber, como deputado, um dinheiro que vem do céu ...
Acha V. Revdª. que o país se salvará com essa medida?
O cônego concentrou-se. Fechou vagarosamente as pálpebras, em
uma atitude de religiosa compaixão e replicou, meneando a cabeça:
— Meu filho, não exija de mim mais do que eu posso dar. Eu não sou
ministro da fazenda. Eu sou ministro de Deus e a minha obrigação
não é discutir a estabilização monetária: — a minha obrigação é acre-
ditar e esperar os milagres!
Ano 2 N.18
Diretor proprietário: APPORELLY
Rio de Janeiro, 09 de Dezembro de 1926
O Cruzeiro tem origem divina
“A Manha” aborda, de cara, o problema do padrão monetário.
Uma entrevista com o cônego W’Alfredo Leal
Fonte
: 1926, pp 46,47.
AM
189
Afastamento lamentável
DEIXA-NOS UM IMPORTANTE COLABORADOR
Por determinações alheias à nossa vontade, deixou
de colaborar ostensivamente em nossa ilustrada folha
um alto personagem da República, que exerce alto
posto na administração do país e tido por nós em alto
conceito.
O ilustre repúblico a que nos referimos era, até ago-
ra, considerado por nós como pessoa de casa, tendo
colaborado em nossas colunas legalistas, desde a fun-
dação deste heb …dromedário, e percorrido o país de
sul a norte, em propaganda dos nossos ideais.
Tão identificados estávamos, que este jornal e o
pré…claro estadista, fizeram-se juntos e hoje se torna
difícil averiguar se esta folha tornou-se órgão oficial
por influência do estadista ou se o estadista subiu até o
alto posto em que se encontra por influência d’“A Ma-
nha”.
Seja como for, o que lamentamos nesse momento, o
que certamente o público lamentará, é a ausência dessa
colaboração apreciável e apreciada.
Como homenagem ao distinto colega, que se afasta
temporariamente, por motivos da anormalidade do mo-
mento, deixaremos sempre reservado o espaço que cos-
tumava ocupar nas colunas centrais da nossa terceira
página, evitando, dessa forma, que sejam estampadas
ali asneiras de outros.
Ano 2 N.19
Diretor proprietário: APPORELLY
Rio de Janeiro, 16 de Dezembro de 1926
Fonte
:1926, pp 51,52.
AM
190
O único meio que um homem de
espírito tem para se imortalizar na
memória das classes conservadoras, é
contrair dívidas no comércio e não
saldá-las. O seu nome será registrado
com carinho e repetido, com
insistência, em todos os balanços e
reuniões de diretoria.
Nº 20
Rio — Quinta-feira, 23 de Dezembro de 1926
“A MANHA sai todas
quintas-feiras. E não
volta para casa.
Fonte
: pp 53.
AM
191
A revolução na capa da revista
Para Todos…
em 1926
9/1 30/1 27/2 6/3
3/4
29/5
26/6
Fonte: BN
192
31/7
28/8
25/9
23/10 25/12
27/11
193
No Jazz, as influências de J.Carlos e
Di Cavalcanti sobre o traço de
Guevara é evidente, mas sua
reinterpretação sempre nos trazia
algum toque de originalidade. O
arrojo na criação gráfica, nos
fontários e nas formas de paginar
também lhe garantiam o sucesso.
Esse trânsito permanente entre o
desenhista e o designer gráfico
mostrou a evolução dos traços e
das técnicas do artista atráves do
tempo. Ele mesmo reconheceu isso
no final dos anos de 1940. Acima à
direita, a capa da edição de 3/9/
1927, abaixo a página 23.
CL
À esquerda, a fonte do subtítulo d’
A
Maçã
que será usada no
A Manha
por muito anos, nas seções dirigidas
à crítica de arte e de artistas.
AL
1927
GUEVARA
194
Jazz de 9/3/1927: à direita o expediente (pg.14), acima a
charge com Júlio Prestes e Washington Luiz e na página
seguinte a ilustração que se remete a Van Gogh.
CL
Na caricatura,
Gue
impressiona, inclusive, o arrogante e
genial J.Carlos, com quem troca influências recíprocas (H.
Lima, op.cit., pp 1483-84) e publicam juntos em vários jor-
nais e revistas, entre eles
O Malho e Para Todos…
.
“Henrique Pongetti já assinalara… ‘Guevara criou o líbelo
sem palavras, o desenho que falava por si. Suas caricatu-
ras eram denúncias, revelando a face verdadeira de um
político, sua realidade íntima, nos traços deformados de
sua máscara convencional’… Outra característica da arte
de Guevara se achava inteiramente nova entre nós, muito
embora noutro tempo já tivéssemos a força de modelado,
em algumas das criações a pastel ou aguada, de Bambino
e Luis, na
Revista da Semana
; de K.Lixto, no
Fon-fon!
e
J.Carlos, na
Careta
e no
Malho
, … entretanto, havia uma
fantasia tão grande, na estilização daquelas máscaras cor-
tadas de sulcos e semeadas de protuberâncias geométri-
cas muita vez vizinhas das mais ousadas construção cu-
bista, que bastariam para firmar-lhe um nome universal,
não só como fixador daquela
fisionomia gráfica
, …, como
na apresentação… em sátiras…no mesmo tom o sensaci-
onalismo, a virulência da linguagem, os ataques …”
(H.Lima, op.cit., pp 1485).
GUEVARA
195
A Manhã, 17/4/1927 ilustração de Guevara.
CL
De 1926 a 1930, entre outras publicações (
Para Todos…, A
Manha, O Globo, Jornal do Brasil
, etc) colabora continua-
mente em
A Manhã
(fundado em 1926) e
Crítica
de Mário
Rodrigues e publica ali alguns dos desenhos e caricaturas
mais sensacionais da imprensa brasileira de todos os tem-
pos. Seu desenho
cubístico
, como quer Cassio Loredano,
adquire grande maturidade nesta fase e para a caricatura
— que privilegia as fisionomias — é a melhor e mais cria-
tiva fase de sua carreira. Figueroa vai no embalo e produz
desenhos igualmente sensacionais nesta fase. Seu traba-
lho passa a ser muito reconhecido e apreciado.
Em 21 de novembro de 1928, apenas 49 dias após perder
o
A Manhã
, Mário Rodrigues lança o
Crítica —
um jornal
ainda mais violento e extremado que
A Manhã —
, com
paginação moderníssima, nos mesmos moldes de seu
homônimo de Buenos Aires, e com direção de arte do ar-
tista paraguaio. Foi o jornal mais agressivo de todos os
tempos no Brasil, superando
O Corsário
, a
Marmota
e to-
dos de ataques pessoais do Segundo Reinado… sua man-
chete no primeiro número trazia os dizeres: “ A revolução
é inevitável…” e seu slogan constante era: “Declaramos
guerra aos ladrões do povo”. Seu fim foi trágico em 1930.
GUEVARA
196
Acima, retrato de perfil de Mário
Rodrigues,
A Manhã,
21/5/1926.
HL
À esquerda, capa de Guevara para
A
Manhã
de 31/10/1926 :
A Manha
copiaria o mesmo fronstispício à
exaustão até 1929.
HL
Abaixo a caricatura de Poicaré,
A Manhã
, 1/4/1926.
CL
197
Acima à esquerda, a caricatura de John Dempsey imitando o
estilo de Portinari,
A Manhã
, 10/4/1926.
Abaixo, uma página de propaganda:
A Manhã
, 1/12/1926.
Acima à direita, a caricatura do amigo Cândido Portinari,
A Manhã
, 15/8/1928.
CL
198
Primeiro aniversário d’
A Manhã
,
29/12/1926.
CL
199
Capa de Guevara para
O Papagaio
de 1/5/1926.
CL
200
GUEVARA
201
Acima à direita, capa d’
O Papagaio
de 24/4/1928.
Acima à esquerda, Francisco Morato,
O Globo
, 29/12/1927.
Abaixo, Antonio Carlos,
O Globo
, 10/5/1928.
CL
Página anterior:
Acima à esquerda, Nicolas Olivari,
A Manhã,
5/12/1926.
Em baixo, Monteiro Lobato,
A Manhã
, 5/12/1926.
Acima à direita, publicidade d’
A Manhã
,
24/4/1927.
Em baixo, Irineu Machado,
O Globo
, 12/1927.
CL
GUEVARA
202
A TRAGÉDIA DO
ENGARRAFAMENTO
Fritz,
O Globo
,
24/1/1927.
HL
203
Olegário Mariano, capa do livro Ba-ta-clan, 1924.
HL
Olegário Mariano, por Theo, carvão, sem data.
HL
204
AS MELINDROSAS
Vinhetas de J.Carlos
para o livro
Ba-ta-clan
,
de Olegário Mariano, 1924
. HL
Durante a pesquisa, deparei com
diversas caricaturas e retratos de
Olegário Mariano — poeta simbolista
tardio, político e diplomata, um
pernambucano radicado no Rio de
Janeiro desde tenra idade —, e
resolvi juntar em 4 páginas as
versões de diversos desenhistas
sobre o semblante deste. Os
destaques ficam para as vinhetas de
J.Carlos para o livro Ba-ta-clan… um
tema colhido por Mariano do século
anterior para suas crônicas
humorísticas, e duas caricaturas
geniais de Guevara.
Aqui, ao invés da pândega ser com os
colegas desenhistas, o alvo foi o
futuro príncipe dos poetas ou o
“poeta das cigarras”; que também
publicava crônicas mundanas em
versos humorísticos na
Careta
e na
Para Todos…
sob o psedônimo de
João da Avenida. O livro Ba-ta-clan
(1924) foi uma reunião dessas
crônicas, que seriam publicadas mais
uma vez adiante, no livro “Vida caixa
de brinquedos” em 1933.
De certa forma, mais pela amizade
pregressa com Emílio de Menezes do
que pela relação com Olavo Bilac,
Mariano também foi considerado
humorista pelos colegas de imprensa
e, devido ao cunho de suas crônicas
semanais, isso era plenamente
legítimo. Nos anos de 1930 ingressou
na política e foi deputado constituinte
em 1934.
205
Olegário Mariano por Guevara,
O Malho
, 1928.
CL
Olegário Mariano por Di Cavalcanti,
Para Todos…
, 11/5/1929.
HL
Olegário Mariano por Guevara,
sem data
.
HL
206
Olegário Mariano por Moura,
sem data
.
HL
Olegário Mariano por Fritz,
Para Todos…,
3/11/1928, pp 36.
BN
OLÉ MÁRIO GARIANO,
A Manha
, 1927.
AM
207
Em 1927, (Alvarus)
passa a colaborar com a
publicação
Para Todos
, sob a direção de Alvaro
Moreyra (1888 - 1964) e J. Carlos (1884 - 1950).
Para o estudioso Herman Lima, a partir dessa
ocasião o artista alcança expressão pessoal na
caricatura, e logo se distingue pela vigorosa
apreensão do caráter do retratado, executada com
traço ágil. Em sua produção enfoca principalmente
as personalidades da época, …
Inspirado especialmente no trabalhos dos
caricaturistas Guevara (1904 - 1964) e Figueroa
(1900 - 1930), Alvarus gradualmente afirma seu
estilo. Enfatiza o contorno e introduz mais volume
na representação das figuras, que passa a tratar
também em formas arredondadas. Acentua, por
vezes até a deformação, certos traços, tiques ou
idiossincrasias do retratado, mas sempre de
maneira afetuosa.
Em 1929, ingressa na empresa jornalística
A Noite
,
em que trabalha 28 anos, realizando charges para
as revistas
Carioca
e
Vamos Ler
, e outras. Em
entrevista ao repórter de
Vamos Ler
, em 1941,
Alvarus afirma que “o caricaturista deve observar
pacientemente, como traço fundamental, o caráter
mental de seus caricaturados”.
(*)
Nesse mesmo
ano, é publicado o álbum
Hoje Tem Espetáculo
, que
reúne parte significativa de sua produção. Em 1954,
o Ministério da Educação e Cultura publica o álbum
(em grande formato)
Alvarus e Seus Bonecos
.
Alvarus realiza capas de livro para as editoras
Pongetti, Calvino Filho e Freitas Bastos. Faz
também cenários para teatro. O artista é um dos
mais importantes estudiosos da história da
caricatura, sobre a qual deixa vários escritos, com
destaque para os livros
Daumier e Pedro I
,
Pedro
Américo e a Caricatura
, e
J. Carlos - Época, Vida,
Obra
.
(*)
Citado em LIMA, Herman.
Alvarus e os seus
bonecos.
Rio de Janeiro: MEC, 1954.
Reproduzido de
http://www.itaucultural.org.br
EUGÊNIA E ALVARO MOREYRA
Alvarus in Alvarus e seus bonecos (op.cit).
HL
208
O Presidente
Roosevelt por
Guevara, sem
data e sem
fonte
(provavelmente
anos 30).
HL
Acima, Mrs. Roosevelt e, à esquerda, um cartum de Alvarus,
Alvarus e seu bonecos (compilação de 1954)
.
HL
209
A velha fascinação de retratar os colegas; com Alvarus não
seria diferente. À esquerda, o colega Théo e acima, o bom e
velho Mendez e sua verve de sambista. Sem data e sem
fonte.
HL
210
“ Em 1918, Pimenta de Mello, … — comprou … a empresa ‘O Malho SA’, responsável pela publicação dos semanários
ilustrados
O Malho, Para Todos…, Ilustração Brasileira, Leitura Para Todos…, Tico-Tico
e seus respectivos almanaques. …
…cresceu ainda mais a cadeia de revista mais brilhante que o país já teve em todos os tempos’.… além de terem produzido,
em 1926, a primeira revista brasileira em offset, a
Cinearte
, … ciente da enorme repercussão obtida pelos desenhos de
J.Carlos na
Careta
, Pimenta de Mello convidou-o para dirigir, junto com Álvaro Moreyra, o conjunto de publicações da
empresa recém-adquirida.
(continua na página seguinte)
Acima a pg 43, ao centro a pg 38 e,
ao lado, a capa de J.Carlos.
Para Todos…
, 23/4/1927.
BN
211
Capa de J.Carlos,
Para Todos…, 8/10/1927.
BN
Propaganda da Cinearte,
pp 57,
Para Todos…,
8/10/1927. BN
Entre 1922 e 1931, …,
J.Carlos foi diretor de arte de
todas as revistas do grupo.
Foi nesse momento de sua
vida, em plena maturidade
artística e já possuidor do
amplo conhecimento técnico
adquirido na
Careta
, que
atuou mais marcadamente
como designer gráfico. Cada
revista tinha uma história
pregressa distinta e um
público-alvo diferente.
Criando ou aprimorando para
cada uma delas um projeto
gráfico preciso, J.Carlos
testou ao extremo suas
habilidades. O único aspecto
recorrente nesse processo
foram os desafios: inovar e
ao mesmo tempo manter a
identificação com o público,
introduzir as mudanças
desejadas no ritmo certo,
garantindo assim sua
assimilação.”
JS
, pp129.
212
213
Página anterior…
De cima para baixo,
pg 25, pg 26 e pg 44.
Destaque para a
capa de J.Carlos.
Para Todos…, 9/4/1927.
BN
Acima, a página 15, assinada
por “Zé do Pato”(José do
Patrocínio Fº); abaixo a
página 37; e no destaque, a
capa de J.Carlos,
Para Todos…, 26/2/1927.
BN
214
As capas da revista
Para Todos…
em 1927
1/1 8/1 15/1
29/1
5/2 12/2
215
19/2 6/3 12/3
19/3 28/3 2/4
Como comenta Julieta Sobral (op.cit.), é difícil acreditar que a maioria destas capas foram impressas a três cores. Somente o
exame minucioso, feito com o conta-fio, afere a maturidade e a destreza de J.Carlos como artista e designer gráfico.
216
16/4 30/4 7/5
14/5 21/5 28/5
A qualidade do desenho, a habilidade para combinar as cores, as fragmentações e referências nos mostram um J.Carlos
muito adiante de seu tempo, trazendo aquele aporte premonitório que somente os artistas inovadores e geniais possuem.
217
4/6 11/6 18/6
25/6 2/7 9/7
O uso de formas repetitivas criando texturas, a combinação inusitada de cores, e o traço preciso e delicado de J.Carlos nos
remete ao modernismo e à arte pop do final dos anos de 1960, evidenciando incessante busca e experimentação.
218
16/7
16/7 23/7 30/7
6/8 13/8 20/8
O uso privilegiado da cor preta nas composições de J.Carlos desta fase dá uma elegância aos desenhos nunca vista no Brasil
anteriormente… isso lhe servia tanto para deixar a composição limpa, como para acentuar o contraste e definir detalhes.
219
27/8 3/9 10/9
17/9 24/9 1/10
A tipografia variável do título, às vezes em linha, às vezes quebrado em duas linhas, na vertical ou distorcido; o expediente
itinerante, sempre aplicado para melhor leitura de toda a capa são marca registrada da revista, que era adorada pelo público.
220
15/10 22/10 29/10
5/11 12/11 19/11
Campeã de vendas nos anos de 1920, a revista
Para Todos…
foi a mais bela publicada no Brasil até 1960, quando aparece a
revista Senhor; porém o inigualável talento e bom gosto de J.Carlos raramente foram superados posteriormente.
221
26/11 3/12 10/12
17/12 24/12 31/12
O refinamento das capas da
Para Todos…
, além de serem verdadeiros pôsteres, continham uma adequação ubilical ao gosto
feminino do momento. Essas obras tiveram peso decisivo na revolução estética do design gráfico brasileiro do período.
222
O uso da fotografia era muito recente na imprensa brasi-
leira, mas com os recursos técnicos disponibilizados pela
empresa
O Malho
, nos anos 20, qualquer artista poderia
bater asas. Nas mãos do talentoso J.Carlos, a experimen-
tação tornou-se norma… Inspiradíssimo, nosso designer
transpôs técnicas e idéias somente factíveis em artes plás-
ticas, e as intervenções, tanto do desenho como da foto-
grafia junto ao texto, apareciam renovadas a cada sema-
na. Nos exemplos dessa página, publicados em
Para To-
dos…
no ano de 1927, temos bons exemplos desse empe-
nho por fixar uma linguagem de uso corrente na impren-
sa. Como toda nova linguagem — que procura fixar suas
próprias regras tornando-se lei, afirmando sua específica
gramática —, este escopo de criações serviu de modelo
para este fim, e, adiante, estabeleceu padrões para a cria-
ção e aplicação desse recurso, a fotografia, segundo os
diversos gêneros de imprensa solicitados pelas novas seg-
mentações de público que a sociedade requeria.
Mesmo contemplando as críticas atuais, quase sempre
provenientes dos artistas de mentalidade funcionalista,
J.Carlos — sendo funcionário de alas conservadoras da
sociedade — criou um design que até hoje se pratica. Nos
exemplos aqui reproduzidos, os acabamentos de estreli-
nhas — sem sentido funcional algum, mas meramente
decorativos — repetem-se página à página. A numeração
das páginas, surpreendentemente, vem aplicada no canto
superior exterior da página, algo incomum naquele tem-
po. Essa gratuidade graciosa de acepções e aplicações
decorativas de acabamentos e informações repetitivas está
plenamente em acordo com o objetivo da publicação e o
mundo feminino do período… J.Carlos tornou-se um mes-
tre na adequação da linguagem gráfica ao público alvo,
como bem frisa Julieta Sobral.
O que mais cativa nesse ineditismo é o bom gosto e a
criatividade, possível apenas a talentos raros. Não há con-
fete jogado que obstrua o aqui visto: como brasileiros de-
vemos reclamar o justo lugar desse genial designer nas
fileiras mais gloriosas da história do design gráfico mun-
dial de todos os tempos, sem cometer injustiça alguma.
Por outro lado, estas constatações propõe aos designers
uma séria reflexão sobre esta arte de publicar aos milhões:
a meu ver, a questão ética deveria prevalecer sobre os ob-
jetivos comerciais, pois, se a concepção estética fica ba-
nalizada na criação publicitária e gráfica — que igualam-
se nesse aspecto —; também nos mostra que a relação do
design com a arte engajada é completamente supérflua…
talvez a frase da canção de Milton Nascimento seja a mais
adequada para o caso: “o artista deve estar do lado do
povo”, procurando sempre escapar das manipulações do
discurso da dominação; o que nem sempre é possível.
223
SANTOS DUMONT
À esquerda por Figueroa e, à direita, por J.Carlos, sem fonte e data. Pelo estilo, provavelmente data do final dos anos 20.
HL
A FILA E A CONGA
Charge de J.Carlos, sem fonte, final dos anos 20.
HL
224
A colaboração constante de Juó Bananére n’
A Manha
,
como vemos nesse exemplo de 1927, encontranva um
espaço que em São Paulo quase sempre lhe estava
fechado. Tudo indica que isso serviu de incentivo para o
“nosso querido diretor”, que estendeu este expediente
para as outras colonias de imigrantes predominantes:
portugueses, árabes, alemães. As folhas estrangeiras n’
A
Manha
tornaram-se seções fixas e parece que eram
muito apreciadas pelo público, pois sobreviveram por
muitos anos fazendo sucesso.
225
O Dr. Ah! Ah! Borges de Medeiros e Albuquerque,
A Manha,
1927. Sem o crédito,1927, pp 41,
AM
Ano 2 Rio de Janeiro, 07 de Abril de 1927 N•32
AS INTRIGAS DE UM JORNAL DO LARGO DA CARIOCA
A Manha vai intentar uma ação contra o governo federal
Um matutino desta capital,
que fica situado ali pelos la-
dos do Largo da Carioca, e o
melhor é deixar de conside-
rações e dizer logo quem é o
intrigante, chamado
Correio
da Manhã, num destes dias
publicou uma nota informan-
do que à exceção de um ma-
tutino (que era ele) e de um
vespertino (adivinha quem
era) todos os outros jornais
desta capital haviam recebi-
do dinheiro do governo pas-
sado.
A Manha podia não dar im-
portância a essas perfídias. Se
ela tivesse recebido o dinhei-
ro ficava calada e até gozan-
do da inveja do tal matutino.
Mas, como não recebeu ne-
nhum tostão, se queimou com
a história e vai, pelos meios
legais, promover o recebi-
mento da parte que lhe toca.
O Dr. Vaz Antão Luis, o grande
responsável pela falta de
pagamento dos dinheiros devidos à
nossa empresa
ÓRGÃO DE ATAQUES... DE RISO
Borges de Medeiros por
Nássara
, sem fonte, 1934.
HL
Pelo crivo do “nosso querido diretor” nada passava impune e
estas “denúncias” bem humoradas davam o tom geral do
A
Manha
, para o delírio do público — suas edições sempre tinha
muitas tiragens. Este cinismo invertido — aspiração íntima, mas
não revelável, de todos cidadãos por pura vingança contra as
mazelas e ilegitimidades políticas — iria culminar num
personagem em 1930, um herói do povo, paródico como
Policarpo Quaresma, que sempre bradava… “negociata é um
bom negócio para o qual não fomos convidados”!
Fonte: 1927, pp 40,
AM
226
Terceiro cabeçalho d’
A Manha
, desenhado por Yantok. 6/1/1927.
IEB
Quarto cabeçalho d’
A Manha
, provavelmente desenhado por Guevara. 4/8/1927.
IEB
Vaz Antão Luis por Guevara,
A Manha,
1927.
IEB
227
Caricaturas de Guevara
Agrippino Grieco, Humberto de Campos, Graça Aranha e
Augusto de Lima por Guevara e, à esquerda, o Imperador
Pirulito, do Japão (PHOTO MANHA ou melhor, foto-colagem
retocada à guache por Guevara & Aporelly) ,
A Manha
, 1927.
HL/IEB
Imperador Hirohito, 1926.
Wikipedia
228
Caricatura e design de J.Carlos,
O Malho, 1927.
Reproduzido de
JS
, pp 131.
Capa de J.Carlos.
O Malho, 27/8/1927.
Reproduzido de
JS
.
À esquerda, uma página genial de
J.Carlos para
O Malho
em 1927.
Esse trabalho inspirou outros
artistas, notadamente Guevara, que
o recriou exaustivamente em
diversas oportunidades, onde
colagens de texto aparecem como
textura das roupas dos bonecos,
como veremos adiante.
A caricatura genial, inspirada em
traços precisos, tem moldura em
ângulos retos feitos pelas colunas
de texto, exceto no terno do
personagem (no canto direito
inferior) onde cumpre dupla função:
margear o texto no formato do
desenho e textura para a
indumentária do boneco. O
desenho contém estilizações que
bem poderíamos classificar de
funcionalistas pelo aspecto
geométrico e está em integração
perfeita com o texto e a página:
com certeza este é um dos
trabalhos mais engajados e
brilhantes que já se publicou no
Brasil em todos os tempos.
229
J.Carlos, depois de 13 anos, passa da
Careta
para
O Malho
,
seu principal concorrente.
O Malho
e a
Para Todos…
tinham
públicos com “áreas de tangência” (como definiu
JS
,
op.cit., pp132), contudo, historicamente, a revista
Para
Todos…
era mais dirigida para o tema do cinema. Com o
lançamento da revista
Cinearte
em 1926, esta volta-se
definitivamente para o universo feminino e torna-se a revista
de maior tiragem do Brasil; enquanto
O Malho
mantém sua
verve e seu público tradicional, mais voltado para uma
crônica política leve e variedades; onde o uso da fotografia
expande-se imensamente.
Capa do livro
“A mãe da água”
de Herman Lima,
por J.Carlos, 1928.
HL
Capa de J.Carlos,
Para Todos…, 3/11/1928.
BN
Mário de Andrade por Di Cavalcanti, 1928.
HL
1928
230
Trago aqui algumas pági-
nas da edição de 3/11/1928
da revista
Para Todos…
para pontuar alguns as-
suntos.
A página 26 nos mostra o saudoso Procópio Ferreira, um
artista de muitas décadas: a organização da página com
quadros de muitos fios e composição destes em formatos
variados é um expediente praticado por todas revistas da
época e vem desde a primeira década do século. Nos anos
20, artistas engajados e talentosos como J.Carlos e Gue-
vara, trataram de adequar o uso destes acabamentos a
um sentido estético, que poderia ser Art Decó ou não.
Na página 36, podemos ver que havia espaço de página
inteira para publicação de caricaturas e cartuns numa re-
vista feminina, o que indica buscas diversas e experiênci-
as. Fritz era desenhista fixo d’
O Globo
nesta época.
Na página 38, vemos o desenho de Roberto Rodrigues…
“ Elogio à cocaína”. Em primei-
ro lugar, parece que havia um
certo corporativismo no meio
dos profissionais de jornalis-
mo, sem levar em conta as
questões ideológicas… Todos
sentavam-se juntos nos cafés
do centro do Rio e eram ami-
gos, acima das diferenças polí-
ticas, ainda. Depois, olhando o
desenho em si, há uma coletâ-
nea de indicações. Nesse tem-
po, a cocaína era vendida livre-
mente em drogarias no Brasil.
Na versão d’
A Manha
, na man-
Pg 38
Pg 45
Pg 36
Pg 26
chete de 17 de feve-
reiro de 1927… de-
mitindo Váz Antão
Luis…, o mote da pi-
ada é o preconceito,
no contexto da farsa
explícita, que é a pa-
rodia (vide pág.221).
Na crônica paulista-
na de Antonio de
Alcântara Machado
dos anos 20,
Brás,
Bexiga e Barra Fun-
da
(a primeira edição
é de 1928), a senho-
ra que usa cocaína
no bonde é tratada
como
coitada
… Na
capa da
Para To-
dos…
de 8/10/1927,
reproduzida aqui na pg. 209, vemos os dizeres
Cocaína
Club
. Me parece que havia uma moda e uma querela soci-
al à este respeito, onde a euforia criativa talvez engendras-
se inclusive experimentos de busca de novos sentidos,
confirmando o que Saliba afirma. Se por um lado o
spleen
matou Álvares de Azevedo em tenra idade, tuberculoso e
embriagado de abissinto e do “fogoso
congnaq
”, Roberto
Rodrigues não teve tanta poesia: foi assassinado a tiros,
dentro da redação da
Crítica
, dois anos depois, por uma
mulher desquitada indignada com a publicação de sua se-
paração no jornal do dia anterior. A cocaína e os novos
tempos à jato, da velocidade e da linguagem telegráfica
dos anos de 1920 revela que
na sociedade havia uma pro-
cura por novas formas de sen-
tir e pensar, e isso se apresen-
tava para os atores históricos
sob diversas possibilidades de
experiências perceptivas, al-
gumas duvidosas e social-
mente reprovadas.
Na página 38, a crônica do jo-
vem Nelson Rodrigues, ilus-
trada pelo irmão Roberto, nos
mostra o trânsito que a prole
de Mário Rodrigues tinha por
toda imprensa carioca.
231
Ainda em 1928, no emba-
lo do sucesso das revis-
tas ilustradas
,
“Chatô”
lançaria a revista
Cruzei-
ro
pelo mesmo grupo
dos
Diários Associados
,
inaugurando o fotojorna-
lismo, introduzindo no-
vos meios gráficos e vi-
suais na imprensa naci-
onal com temática e pau-
ta semelhante a das an-
tigas revistas, porém
com trabalho mais dire-
cionado e caracterizado
pelas duplas repórter-fo-
tógrafo. A mais famosa
delas foi David Nasser e Jean Manzon, que nos anos de
1940 e 50 fizeram reportagens de grande repercussão.
Há que se notar que os gêneros de publicações se multi-
plicavam, sempre no sentido de atender as demandas —
nesse tempo sempre renovadas — do público. A desilu-
são republicana da década de 1910 não era sozinha… ha-
via a desilusão de Santos Dummont com o uso militar de
suas aeronaves, a desilusão com a primeira guerra mun-
dial, com a revolução comunista na Rússia em 1917, etc.
Esse conjunto de acontecimentos e fatos vem junto com
uma mudança drástica na artes e nos processos criativos
na Europa, com mudanças igualmente intensas na men-
talidade no seio da cultura ocidental, que redundou numa
mudança completa de para-
digmas. Mesmo como saté-
lite, o Brasil sofreu com o
mesmo clima geral das si-
tuações internacionais. Isso
já prenunciava esse novo
tempo, onde o capitalismo
industrial começava a se-
pultar a mentalidade bur-
guesa do século XIX.
No campo das artes, as úl-
timas décadas do séc. XIX
nos trouxeram o Impressi-
onismo, o design Vitoriano,
e o design Art Nouveau, en-
tre outros; o que, esteticamente
ainda está inspirado e vinculado
à cultura clássica e néo-clássica
tão apreciada pela burguesia. O
final da
Belle Époque
já vem pro-
por novas estéticas através do
Art Decó e dos movimentos na
pintura, especialmente o Cubis-
mo de Pablo Picasso a partir de
1907. A tendência que se inau-
gura vai gradualmente abando-
nando as representações figura-
tivas para praticar, cada vez mais,
representações abstratas; cujo melhor representante tal-
vez seja o conjunto das obras dos artistas da Escola
Bauhaus por volta de 1930.
Esse racionalismo inusitado, ligado na essência à idéia de
que “tempo é dinheiro” — é necessário, portanto, otimi-
zar a vida —, e também de que a produção material hu-
mana deve ter uma função social; expressa nas represen-
tações contradições e conflitos de toda ordem… a luta de
classes, os conflitos entre temporalidades divergentes tra-
zidos pela nova mentalidade, e muitas outras necessida-
des advindas com a vida na nova sociedade pós-segunda
revolução industrial. Enfim, isso gera no ocidente polari-
zações ideológicas extremas, que só serão amenizadas no
final do século XX.
No Brasil, as campanhas de toda ordem em que se enga-
jam a intelectualidade depois da Primeira Guerra é refle-
xo e decorrência desta tendência. Nas artes e no design,
assistimos uma ampliação da busca por novas linguagens
públicas, adequadas à rapidez superficial que a vida coti-
diana solicitava de modo crescente. Na mesma semana
da Semana de Arte Moderna de 1922, a edição da
Fon-
Fon!
trás matéria de Sergio Buarque de Hollanda enalte-
cendo a poesia de Manuel Bandeira (edição de 11 a 18 de
fevereiro de 1922, pp 15, BN): exemplos semelhantes pu-
lulam por todo Brasil. A resposta aos novos tempos, na
arte e no design, é o modernismo e isso não estava cir-
cunscrito à São Paulo; embora restrito às elites cultas. A
década de 1920 inicia um novo processo de busca frenéti-
ca nos processos criativos, acelerado pela cooperação das
novas tecnologias: esse
boom
criativo dos anos 20 somen-
te será refreado em 1929, deixando, contudo, efeitos du-
radouros para as próximas duas décadas.
Nº 1 - 10/11/1928
Nº 2 - 17/11/1928
Nº 3 - 24/11/1928
232
Capas da revista
Para Todos…
em 1928
A criatividade de J.Carlos não tem limites nessa fase e sua
ousadia para penetrar de maneira integral na alma feminina
nos trouxe belíssimos resultados. Sendo a
Para Todos…
a
revista de maior tiragem do Brasil nesta década, ele sentiu-
se à vontade para seguir suas predileções estéticas e
experimentar sem nenhum pudor, já que o público
correspondia; ultrapassando o esforço de adequação ao
público, citado por Julieta Sobral, em diversos aspectos:
J.Carlos atinge plena maturidade como designer e como
artista plástico. A convivência com jovens talentos como Di
Cavalcanti e Guevara parece que alimentava o fervor de sua
produção, pois ele era o chefe e o mestre dessa turma, e
não negava o título de “rei dos calungas”, já que Raul e
K.Lixto haviam ficado para trás.
A invasão das aspirações e sonhos mais íntimos do mundo
feminino nos brindou com essa coleção incrível de obras de
raro talento. Esta sensibilidade profunda, aplicada com
riqueza de detalhes e nuances, traduz fantasias e vibra
climas de grande emoção, onde o desejo de possuir aquilo
que vinha expresso nas capas, com certeza, contribuiu em
alguma medida para o enorme sucesso que a revista teve.
Suas intervenções n’
O Malho
e na
Tico-tico
são muito mais
recatadas e sóbrias neste tempo, e, de certa forma, sugere
uma predileção de J.Carlos pela
Para Todos…, nos quesitos
criatividade, requinte, sofisticação e bom gosto.
233
ao houve em diversas partes da Europa nas duas primeiras
décadas do século. Aquilo que ia dando certo era copiado
por outros artistas e veículos, e se cristalizava em fórmulas
consagradas, embora sempre mutantes e sujeitas a grandes
variações, dado o momento generalizado de insaciável
experimentação.
N’A Manha tudo isso era reciclado de maneira muito concisa
e simplificada, definindo uma estética muito mais
underground do que paródica em si, indicando uma
preocupação formal através da despreocupação libertária.
Infelizmente este grande laboratório chamado
Para Todos…
não se manteve frente à crise econômica mundial… fuga
dos anunciantes, baixa venda avulsa e cancelamento de
assinaturas fizeram a revista desaparecer em 1931.
Outro aspecto interessante destas capas é que elas tinham
esse caráter de charge e crônica, sempre ligado ao clima da
semana e do momento, aos acontecimentos importantes e
mais comentados. Para minha análise, o estudo destas em
seqüência poderá nos dar o encadeamento do fluxo
temporal do ponto de vista do emocional coletivo;
especialmente se pudermos comparar várias publicações ao
mesmo tempo, com diferentes visões ou olhares sobre a
realidade. Essa reconstrução do clima do momento poderá
nos dar muitas informações sobre o cotidiano e a vida das
pessoas naquela época.
Mas o esmero de J.Carlos não pára nas capas e o miolo da
revista apresenta um design inovador, sempre em busca de
novas soluções estéticas. Para a arte gráfica brasileira,
também intuo que este espaço de pesquisa de novas
formas de linguagem gráfica e inéditas estéticas, equivale
234
Capa de J.Carlos.
O Malho, 1928.
Reproduzido de
HL
.
A atuação de Guevara sob a direção de arte de J.Carlos n’
O
Malho
dos anos 20, facilitou a influência recíproca. Enquanto
J.Carlos preparava o design gráfico para as décadas
seguintes com experimentações sensacionais e belíssimas,
este trabalho era extremamente valorizado pelo talento e
criatividade de Guevara, que o reforçava no esmero do
trabalho cotidiano ininterrupto.
Longe deste engajamento plástico que o design que as
empresas
O Malho
introduziam no país,
A Manha
ia se
valendo dessa nova estética para difundir, de maneira
simplificada e direta — e com outros objetivos, algumas
concepções modernistas na imprensa. Adiante, nos anos
30, num novo contexto econômico e político pós-crack de
1929 e entre guerras — que limpou o mercado editorial e o
profissionalizou completamente —
A Manha
também foi um
dos veículos de cristalização dessas novas linguagens.
235
O espírito da comédia pastelão
introduzido pelo cinema no
início do século contaminava o
cartum com suas maluquices e
trapalhadas, assim como o
teatro de revista e as peças
cômicas em geral. Sempre
ligado no público e no
establishment
, J.Carlos foi um
dos poucos desenhistas que
conseguiu transpor esta
linguagem com maestria,
como tudo que ele fazia em
artes visuais.
TUDO POR UMA BARATA!
Cartum de J.Carlos,
Para Todos…, 19/5/1928.
HL
236
em 1929
Serguei Voronov por Guevara, Ilustração Brasileira, setembro de 1928.
CL
Capa de Guevara para
O Malho
, 12/1/29.
CL
237
Acima,
O Malho
, 26/1, pg. 36.
Acima à direita:
O Malho
, 26/1, pg. 21.
Ao lado, Jarbas de Carvalho,
O Malho
, 2/3.
CL
GUEVARA
238
Acima à esquerda,
O Malho
, 26/3.
Acima à direita,
O Malho
, 7/6.
Abaixo à esquerda, Oscar Fontenelle, 29/6.
CL
239
Ao lado,
O Malho,
7/6.
Acima à direita, Mussolini, 26/6.
Caricaturas:
Acima, Pontes de Miranda, 11/5.
Abaixo, Hamilton Barata, 29/6.
CL
GUEVARA
240
Acima, Eugênia Moreyra, 6/7.
Abaixo, Charles Lindbergh, setembro.
CL
GUEVARA
241
À direita acima, Lazary Guedes, agosto/29.
À direita abaixo, Glória Swanson, 3/8.
À esquerda,
O Malho
, 13/7.
CL
242
na 1929
Francisco Matarazzo: acima, 5/4; e abaixo 14/4.
CL
Acima, Epitácio Pessoa, 3/8;
ao lado, Antonio Carlos, 24/7.
CL
243
Irineu Machado em 3 versões, as
duas de cima são de abril e a de
baixo de agosto.
CL
244
Acima aproveito a comparação feita por Cassio Loredano para
pontuar a referência cubista de Guevara através do Retrado de
Fernande de Picasso. Abaixo, à esquerda, Tavares Cavalcanti
e, à direita, novamente, Francisco Morato.
CL
GUEVARA
Gue, Critica,14/4/29.
CL
Gue, Critica, 21/7/29.
CL
245
Acima, José Bonifácio (
Critica
, agosto de 29) e ao lado,
Artur Bernardes (
Critica
, dezembro de 29).
HL
Abaixo, 3 caricaturas onde o paraguaio usa recortes de
texto como textura da indumentária nos bonecos.
HL
A genial caricatura de Artur Bernardes, onde a cobra e o
corvo tem medo do amo e olhar menos violento e
“maligno” do que o próprio, reforça o dito acima em relação
à virulência dos ataques publicados na
Crítica
, assim como
endossa a opinião de Henrique Pongetti citada por Herman
Lima (pg 192): no desenho de Guevara as palavras são
completamente dispensáveis para definir o caricaturado
com precisão! Por outro lado, nos revela uma faceta de
Bernardes que não está nos livro de história, ou seja, ele era
um sujeito, ao que parece, muito malvado.
246
Manuel Duarte por Fugueroa.
HL
Gudesteu Pires por Fugueroa.
HL
O escultor Modestino Kanto por Fugueroa.
HL
O Príncipe de Gales por Guevara.
HL
247
Berta Singerman por J.Carlos,
Para Todos…
, 1929.
HL
Berta Singerman por Guevara,
Para Todos…
, 1928.
HL
248
19/1 23/2 2/3
6/4 25/5 22/6
Capas e páginas da revista
Para Todos…
em 1929
249
6/7 17/8 21/9
12/10 9/11 16/11
Aqui, no desenho de J.Carlos, cores e técnicas se multiplicam e as concepções estéticas e o design assumem formas
elegantes e consistentes… onde o figurativismo tem uma relação muito equilibrada com o abstrato.
250
A edição de 16/11/29
Pg 26/27
ção geral. Somente este olhar do fu-
turo para o passado, desde daqui,
frente ao que se fixou como padrão
nas publicações, poderia observar
este aspecto… Na pág. 31 a vinheta
de J.Carlos integra o título e a diagra-
mação revela uma mania de J.Carlos:
a de estreitar as colunas laterais, cri-
ando formas e desenhos diversos em
acepções claramente experimentalis-
tas. Na pág.32, a coluna de Brasil Ger-
Pg 10
Pg 32Pg 31Pg 29
son tem a marca registrada pelo fon-
tário do título geométrico, pesado e a
capitular inicial com preenchimento.
O indício é que Roberto Rodrigues —
pela técnica e pela estética emprega-
da —, seja o designer desta página,
já que em outras ocasiões ilustrou
esta coluna. O uso corrente desse tipo
de fontário viria décadas depois.
Na pág. 10, a propaganda da Cinearte
tem formas abstratas e o conceito es-
tético é futurista. Nas págs.26/27, a
fotografia começa a perder os qua-
dros e preenche a página, sangrando
as bordas, como será explorado à
exaustão nas revistas de fotojornalis-
mo. Porém, velhas fórmulas, como na
pág. 29, ainda vão convivendo no
miolo da publicação e nos concorren-
tes não era diferente: cortes e recor-
tes com formatos geométricos diver-
sos e muitas vezes sem sentido al-
gum, outras vezes formando dese-
nhos e dando significado à composi-
251
30/11
30/11, pg 23 e a caricatura de Guevara.
30/11, pg 45 e nova propaganda da Cinearte.
252
Pg 35
Pg 33
Pg 42
7/12
253
14/12
254
21/12
Pg 3
Pg 20
Pg 21 Pg 22 Pg 35
255
28/12
Pg 3
Pg 19
Pg 25
Pg 37
Pg 53Pg 51
256
Storni,
Careta
, 19/10/1929.
HL
257
A Manha
em 1929
Acima e à direita, o quinto
cabeçalho d’
A Manha
, 1929; o
qual vai adquirindo os ares de
modernidade que
contaminam toda imprensa
nacional: efeito da parceria
com Assis Chateaubriand,
onde Guevara era o designer
exclusivo do jornal.
Na parte de baixo vemos a
evolução das feições de Vaz
Antão Luis (Presidente
Washington Luis) em 1926 e
depois em 1929, até atingir as
feições de um macaco, antes
da revolução de 1930. Além
de Guevara, suspeito da
participação ativa de Mendez
nas PHOTOMANHAs.
258
A Manha
e a parceria com Chatô: a virada de 1929/30
Capa, 5/12/1929,
BN
259
Capa, 12/12/1929,
BN
260
Pg 2, 12/12/1929,
BN
261
Pg 5, 2/1/1930,
BN
262
Capa, 9/1/1930,
BN
263
O FIM DA PARCERIA
COM CHA
Capa, 27/2/1930,
BN
264
A Manha
em 1930
pg 5, 27/2/1930.
IEB
Capa, 27/2.
IEB
Pg 5, 1/5.
IEB
Nelson Rodrigues já desfiava sua inquietante literatura na imprensa carioca do
final dos anos 20 e assinava uma sessão de crônicas que se chamava “a vida
como ela é”, e, como tudo que acontecia no Brasil, também havia a versão
humorística publicada n’
A Manha
. O cabeçalho, criado por Guevara, ilumina o
estigma que o famoso dramaturgo assumiu desde suas primeiras linhas perante
o público em geral… Só foi compreendido décadas depois e tornou-se um
símbolo da brasilidade do período, como Machado de Assis e Lima Barreto.
Acima. a pândega com os conservadores não tinha trégua e aqui o alvo é o poeta
e livreiro Afonso Frederico Schmidt, que era obeso. Como se pode notar, o fundo
da fotografia aqui é que está retocado, colaborando para o efeito cômico.
Guevara era um mestre da colagem e da
bricolage
, conseguindo ótimos
resultados com poucos recursos. Entretanto, o violento empastelamento do
Critica
no final do ano, somado ao assassinato de Roberto Rodrigues, o assustou,
levando o paraguaio a retornar para Buenos Aires; onde ficaria até 1943.
265
Pg 8, 1/5.
IEB
Pg 12 , 5/6.
IEB
Pg 7, 5/6.
IEB
Ao lado, a recepção do
manifesto comunista pel’
A
Manha
. Apesar de alinhado e
filiado ao Partidão, o Barão
nunca se dobrou a opções
maniqueístas… muito além da
anarquia praticada pelos
confrades humoristas — uma
característica do humor dos
anos 20 —, sua posição era
essencialmente programática e
devéras consistente. Ela nunca
se traiu nesse aspecto, apesar da
aparência. Essa compreensão de
sua “verve” jamais foi explorada
— suponho que por pura falta de
repertório e referência devido ao
caráter premonitório e
avançadíssimo para a época —
e , talvez, seja o que há de mais
significativo em toda sua obra: a
originalidade de uma posição
humanista completamente
radical. À isso somou-se talento,
criatividade e cultura, nos
brindando com uma obra que
está no fulcro da vanguarda do
humor do mundo ocidental;
onde a parceria com Guevara e
seu revolucionário design gráfico
é decorrência quase óbvia:
somente ali havia liberdade de
expressão suficiente para criar
sem amarras.
266
Pg 1 , 8/8.
IEB
Pg 1 , 29/8.
IEB
O sexto cabeçalho d’
A Manha
desde sua fundação, parodiando
O Malho, com fonte em caixa baixa na primeira letra, em tamanho maior que o restante do título
.
IEB
“Nosso querido diretor” aparece como garoto propaganda pela primeira vez
em 1930… pelos traços, o desenho pode ser autoria de Guevara.
IEB
PHOTO MANHA, 1930.
IEB
267
Capa, 12/9/1930.
IEB
A Revolução de 30 e
A Manha
268
3/10/1930.
IEB
269
Manchete d’
A Manha
, uma semana depois de deposto Washington Luis (24/10). 31/10/1930.
IEB
270
Mudança de formato do
A Manha
de ofício para ta-
blóide em 7/11/1930, encerrou sua segunda fase…
este formato permaneceu até o jornal se tornar uma
seção do
Última Hora
nos anos de 1960, quando de-
sapareceu para sempre.
A Revolução de 1930, não sei se pela relação de
Aporelly com os gaúchos, com a família Vargas e com
o próprio Getúlio nos tempos de faculdade em Por-
to-Alegre no anos 10, serviu de incentivo para o su-
cesso e um certo crescimento e estabilidade d’
A
Manha
, enquanto muitos jornais e revistas fecharam
suas portas naquele ano; pela crise de 1929 ou em-
pastelados pelo povo ou por adversários.
Mesmo morando em Buenos Aires nos anos 30, Gue-
vara era presença constante na maioria das edições,
embora o espaço para os jovens aprendizes de dese-
nhistas dos ano 20 estava aberto; e Mendez e Nássa-
ra, entre outros, aparecem com freqüência até a sua
interrupção, decretada pelo Estado Novo.
O fato é que
A Manha
conseguiu tornar-se menos
marginal adquirindo nova roupagem e ao lançar o
Barão de Itararé, o herói da batalha que não houve.
Este modelo de jornal de humor também tornou-se
um gênero, e serviu e inspirou muitas publicações
durante boa parte do século XX, inclusive
O Pasquim
,
em 1970.
271
O aparecimento do Barão de Itararé
Capa, 5/12/1930,
BN
272
Pg 5, 5/12/1930,
BN
273
Capa, 12/12/1930,
BN
274
Outras publicações em 1930
À esquerda, Di Cavalcanti desenha
a propaganda do Palace Cocktail
publicada na
Para Todos…
e outros
veículos da imprensa carioca.
À direita, a capa “futurista”
d’
O Cruzeiro
em 2/8/1930
e a página de Belmonte:
“Hontem e hoje”, cruzeiro on-line/
www.memoriaviva.com.br
275
Capas: o lúgubre fim da revista
Para Todos…
em 1931
3/1 10/1 17/1
24/1 31/1 7/2
276
14/2 21/2 28/2
14/3 21/3 28/3
O número de 3/1 já revela a profunda crise que assola o Brasil naquele ano. J.Carlos não é presença constante nas capas e
outros artistas aparecem sem fazer qualquer sombra ao mestre. Algumas de suas capas, entretanto, são geniais, mas…
277
4/4 11/4 18/4
25/4 2/5 9/5
… trazem o ar pesado reinante. Fiz questão de reproduzir todas as capas, até a última edição publicada da revista com a
proposta de usar esta seqüência como uma crônica do ano de 1931; o que nos trás nas entrelinhas inúmeras informações.
278
16/5 23/5 30/5
6/6 13/6 20/6
Ainda indo e vindo do passado, o design de J.Carlos tem momentos de grande genialidade e continua encarando os desafios
da novidade e da adequação, onde a tristeza predomina e denuncia sonhos coletivos de superação desse momento.
279
27/6 4/7 11/7
18/7 25/7 1/8
As capas de março e de maio são de rara beleza e oscilam sua emoção ao sabor dos acontecimentos: esperanças se
proclamam sem convicção ou solução duradoura… prenuncia-se momentos críticos e seus semblantes são emblemáticos.
280
8/8 15/8 22/8
29/8 5/9 12/9
Os artistas que se revezavam com J.Carlos destoam do padrão da revista e o grande mestre já anuncia sua saída. A partir do
número de 12/9, a
Para Todos…
assume a fisionomia d’
O Malho
, com uma charge na capa, sem se importar mais com…
281
19/9 26/9 3/10
10/10 17/10 24/10
… o público feminino: estava decretado o seu fim! As dificuldades superaram as condições de sobrevivência da publicação e
o número de páginas do miolo definha com a perda de publicidade e de assinantes. Seu desaparecimento era…
282
31/10 7/11 14/11
21/11
28/11
… iminente, uma questão de poucas semanas. J.Carlos publica sua última capa em 24/10 e os derradeiros números, pela
mão de outros artistas, estão abaixo. Era o fim de uma das publicações mais brilhantes que o país já teve.
283
Balanço do assunto: a década de 1920, o crack e Revolução de 1930
Reforçando a constatação de que os autores da
Belle
Époque
— e em especial o ”triunvirato de ouro” da carica-
tura brasileira do período: Raul, K.Lixto e J.Carlos
eram
múltiplos, figuras polivalentes, e todos tiveram uma vida
muito ativa e criativa até suas mortes nos anos de 1950,
presenteando a cultura brasileira com trabalhos geniais
em diversas áreas, percebi que apenas J.Carlos permane-
ceu no foco da modernização para o design gráfico nos
anos 20, batuta assumida posteriormente por Guevara nos
anos 40 e começo dos 50.
Considerado por muitos como um dos maiores expoen-
tes do
Art Decó
brasileiro, pude notar que a faceta
desig-
ner
de J.Carlos foi muito além do J.Carlos
desenhista,
chargista ou caricaturista
, revelando um autor fundamen-
tal para a introdução de uma nova estética na arte gráfica
brasileira. A sofisticação tecnológica oferecida pelo par-
que gráfico das empresas “O Malho”, e a liberdade e au-
toridade que este tinha ao lado de Álvaro Moreyra na di-
reção das publicações do grupo — autoridade esta, legiti-
mada por todos os
records
de venda da época —, fez com
A primeira República conheceu o nascimento da verdadeira
caricatura brasileira. Conheceu também seu apogeu. Com o
governo Vargas, começa um novo período, a imprensa vai
mudando, ampliando-se em jornais e revistas, onde a
fotografia prepondera. O espaço da caricatura tende a se
reduzir. Poucas, daí em diante, serão as revistas
especializadas no gênero. A
Careta
e
O Malho
, que
alcançam a segunda metade do século, mudam de
roupagem, ampliando o espaço da crônica sobre moda, do
comentário político mais sisudo, da crítica de cinema, dos
concursos de misse.
Sob a influência do desenho moderno do paraguaio
Guevara, a caricatura se torna mais angulosa, estilizada,
econômica de traços. Surgem novos nomes como Alvarus,
Mendez e Nássara. Um desenhista como Théo, que surgira
com um traço marcadamente influenciado por J.Carlos, sob
a nova influência, adota o traço duro, quebrado. (…)
Estabelecida como uma das formas de expressão da
imprensa, a caricatura se perpetua até hoje, enquanto
quadro obrigatório da página central de quase todos os
grandes jornais do País. O caricaturista ao registrar o
momento histórico, o fato político significativo do dia,
compõe, de certa maneira, um aspecto da personalidade de
seu jornal, identifica uma tendência, firma uma posição.
Sem a força que outrora teve, a caricatura brasileira retoma
hoje (1989), (…), um pouco de seu caráter original. Superada
a fase do traço duro, da excessiva economia de detalhes
(…) , a caricatura contemporânea retoma seu compromisso
com o traço elaborado, com composição detalhada dos
personagens. (…), a moderna caricatura brasileira,…,
reencontra no preciosismo das formas, na elaboração do
detalhe, a sua origem.
Isabel Lustosa, op.cit., pp 64.
J.Carlos por Mendez, 1942 .
HL
284
que J.Carlos extrapolasse na criatividade e no profissio-
nalismo, levando sua
verve Art Decó
ao extremo do deta-
lhismo, apresentando momentos de grande superação e
inovação. Para a arte gráfica, a revelação de que era pos-
sível criar e publicar com tamanho requinte significou que
a “mala de recursos” foi exponencialmente amplificada.
As questões do traço, do desenho, dos acabamentos grá-
ficos, do uso das cores, da organização da página, do uso
da fotografia de diversas maneiras… colaborou para a di-
fusão de muitas técnicas e expedientes nessa
arte
“onde
nada se cria e tudo se copia”.
Infelizmente, dos anos 30 em diante, J.Carlos engrossou
a fileira dos
freelancers
, e, como Guevara e outros, conti-
nuou a publicar em diversas publicações sem ser estrita-
mente designer, mas, com certeza, deste então, seu traba-
lho deve ter sido — suponho —, muito mais valorizado.
A questão estética, com a introdução do modernismo fun-
cionalista, nos remete àquele traço duro e econômico a
que Isabel Lustosa e Cássio Loredano (ambos, op.cit.) se
referem e até se queixam; contudo, a herança desse tem-
po também serviu de parâmetro, referência e repertório
para movimentos futuros, onde o resgate do detalhe, do
figurativismo, da referência, da bricolagem e da fragmen-
tação retornam ao centro das discussões.
Nesse período, a década de 1920, a manifestação intensa
da estética Art Decó não foi exclusiva, e a decorrência dessa
experimentação extremada, que servia de referência para
toda arte gráfica brasileira naquele momento histórico, en-
3/3/1934 - Capa do Cruzeiro, J.Carlos .
HL
Capa Fon-Fon!, J.Carlos, 1/9/1934.
BN
285
sejou reinterpretações notá-
veis e inovadoras, e, de certa
maneira e em algum grau,
preparou e facilitou apareci-
mento do funcionalismo
como estética corrente.
Aqui no nosso caso, o jornal
A Manha
é o mote da pesqui-
sa indicial.
A Manha
lançou
a imprensa nanica ou
under-
ground
, e sua tônica paródi-
ca funcionou como um veícu-
lo de crítica e auto-crítica
mordaz de toda atividade jor-
nalística, dos costumes soci-
ais, dos descalábrios e abu-
sos dos políticos e das elites.
Esse veículo libertário e revo-
lucionário, legítimo por sin-
ceridade e prática, em oposi-
ção a hipocrisia dos moder-
nistas da semana de arte de 1922 (movimento de elites
preconceituosas e excludentes), nunca apresentou, expli-
citamente, uma intencionalidade em relação à sua estéti-
ca, senão que isso aconteceu naturalmente pelas mãos
de Guevara. Era um questão de momento, oportunidade
e sincronia.
A verdade que enerva Millôr Fernandes, ao afirmar que o
Barão era uma farsa, é a pura realidade e é também o que
lhe dá incomensurável valor. Aporelly pode lançar o
bes-
teirol
com muita ênfase e isso estava plenamente de acor-
do com os humoristas de seu tempo; os quais buscavam
um espaço dentro da cultura fora dos estigmas rotulados.
Como dissemos atrás, ao assumir tacitamente a profissão
de humorista, Aporelly inovava corajosamente, sem te-
mor de sofrer a discriminação social decorrente. Isso o fez
imediatamente aceito, pois era uma posição, acima de
tudo, engraçada naquele tempo, e adequada à sua profis-
são. As pessoas não podiam acreditar naquilo!
Nesse
métier
fantasioso e farsístico do
A Manha
do “nos-
so querido diretor”, a manifestação desbocada e irreve-
rente, explorando o cinismo pela inversão para revelar o
ridículo, pelas mãos de Andrés Guevara pudemos ver as
primeiras fotografias retocadas à guache criando a char-
ge ou a caricatura. Também vimos a colagem, a bricola-
gem, o rabisco, a diagramação ousada e diversos expedi-
entes criativos que se firmará na estética modernista mais
adiante. A marca da estética d’
A Manha
, em oposição ao
que vimos na revista
Para Todos…
, é justamente a sua
rusticidade grosseira, onde o caráter “lambão” cria o
cômico, o burlesco, o engraçado: essa inovação é pionei-
ra no humorismo nacional impresso — sem paralelos — e
foi transposta posteriormente, muito mais, para a lingua-
gem humorística do teatro, do rádio, do cinema e da TV.
De certa forma, isso também prepara todo um campo para
o aparecimento de personagens cômicos, onde o Barão
de Itararé é um dos pioneiros do humor moderno.
Enfim, não há como endossar a afirmação de Saliba de
que o Barão foi um autor tardio da
Belle Époque
: não foi.
Somente um olhar cuidadoso poderá notar que sua anar-
quia sempre é programática e sua inovação, justamente,
é não trazer conotações maniqueístas naqueles tempos
de polarizações. O humor sempre veio em primeiro lugar,
sem dobrar-se à sua tendência puramente alienante… para
os distraídos, boas risadas, para os antenados, sonoras
gargalhadas.
Suas “meias-verdades” tinham grande consistência atra-
vés da ambigüidade, com uma sinceridade e espontanei-
dade impressionantes, e nem sempre óbvias: como exem-
plo, sendo ele das esquerdas e comunista filiado, prova-
velmente na manchete de 29 de agosto de 1930 (reprodu-
zido aqui na pág. 266), onde anuncia a 3ª Internacional e
um concurso de beleza, a
chamada é para a 4º interna-
cional que havia sido funda-
da por Trotski há pouco, no
aniversário de 10 anos da 3ª
Internacional Comunista (fun-
dada em 1919), cutucando o
General Prestes por seu ali-
nhamento a Moscou, e os
desvios e mazelas stalinistas.
A interpretação imediata para
esta manchete “tira um sar-
ro” d’
O Malho
,
Fon-Fon!, Ca-
reta
,
Para todos…
, os quais
não perdiam oportunidade
de publicar os concursos de
misse, as novidades da moda
Vinheta de J.Carlos, s/ data.
HL
Vinheta de K.Lixto, s/ data.
HL
286
e outros temas banais, que apesar de frívolos, cooptavam
grande interesse de seus públicos naquele tempo. Isso,
para meu estudo, é um indício representante auspicioso
para penetrar nas mentalidades brasileiras daquele mo-
mento histórico… a representação ambígua, que recria os
sentidos e também envia mensagens subliminares e críti-
cas explícitas ao mesmo tempo, é um campo fértil para
verificar as oposições e conflitos de classe e interesses
através das “lutas das representações”. Aqui, a estética
da recepção pontua posições sociais e políticas conflitan-
tes, e esclarece a preocupação de Aporelly com o humor
puramente alienante. Esse era o seu programa!
A brincadeira constante, que não poupava nem seus pa-
res, era como uma metralhadora giratória até contra si
próprio. Tudo indica que isso tem algo a ver com a influ-
ência e o exemplo da honestidade praticada na convivên-
cia diária com Mário Rodrigues, um ferrenho defensor da
liberdade e da verdade, e um dos patronos do jornalismo
brasileiro. Essa coerência inquebrantável acompanhou
Aporelly através de toda sua obra, onde o ser humano foi
o núcleo e a principal prioridade, e esteve continuamente
em primeiro plano. Além de não acreditar, as pessoas tam-
bém não podiam compreender aquilo completamente.
Nesse caldeirão, a colher de Guevara era provocada por
este falso frege, cuja intenção era, irremediavelmente, en-
caminhar o leitor para o bom humor, sempre alertando-o
para o que havia de falso na vida nacional. Mas com um
detalhe. N’
A Manha
não haviam limites, a liberdade era
completa, até para desfiar o que o próprio Guevara cha-
mou de “preguiça”… suas aspirações mais sincronizadas
com a estética modernista não estão em suas caricaturas
cubísticas, senão que na simplificação e objetividade fun-
cional do desenho e do design; o que lhe serviu de simu-
lacro e laboratório para arrojados projetos gráficos duas
décadas depois.
Para o
A Manha
não haviam públicos tangenciais, senão
que sua aceitação era generalizada: seu sucesso foi incrí-
vel, desde o primeiro número. Se no âmbito das revistas
ilustradas e de determinados jornais começava a haver
uma segmentação e especialização de públicos… mascu-
lino, feminino, variedades, política, cinema, moda, foto-
jornalismo, artes, esportes; o
A Manha
, sendo uma unani-
midade, vem inaugurar um novo e inédito gênero, um
novo elo na história das publicações de humor brasilei-
ras. E talvez mundiais, se comparado a seus similares vol-
tados para paródia (como o MAD de Harvey Kurtzman,
por exemplo).
E como pudemos notar na amostragem aqui apresenta-
da, a convivência de diversas fórmulas e estéticas foi co-
mum em todas publicações, e levaram muitos anos até
que umas prevalecessem sobre as outras como tendência
dominante. Esta complexidade da vida cotidiana, incapaz
de realizar mudanças abruptas na cultura — ainda mais
nesse Brasil onde as coisas aconteciam len-ta…mente,
coisa reclamada desde os tempos de Ângelo Agostini — ,
fomos tecendo representações sempre ecléticas e sincré-
ticas, onde os próprios autores, salvo raríssimas exceções,
tinham alguma consciência a respeito do assunto, pois as
esferas de preocupação e afinidade eram muito distintas,
e cerzidas por pressões do dia-a-dia muito presentes e
constantes.
Este aspecto, suspeito eu, direcionou muitos destes “ve-
lhos” artistas para campos diversos de sua atuação origi-
nal e a própria ebulição trazidas pelas novidades e mu-
danças sociais os levou para o teatro, para o “samba”,
para a pintura, para o cinema e muitas outras áreas da
cultura. A falta de comprometimento programático, dado
pelo trabalho anárquico, tido como inofensivo no plano
social — portanto menor e alijado da cultura oficial na-
quele momento —, lhes deu a prerrogativa de aderir às
suas próprias inclinações, aptidões e aspirações pessoais
sem maiores culpas. Isso diferenciou J.Carlos e Guevara,
pois sua dedicação profissional nessa década, ao que pa-
rece, foi total e absoluta à arte gráfica.
Percalço recorrente no Brasil, a sobrevivência de artistas
de todas as áreas sempre foi sofrida, obrigando-os a fazer
verdadeiros “milagres”, salvo raríssimas exceções, para
não morrer de fome e sustentar suas famílias — e muitos
sucumbiram nesse trajeto, menos de fome do que pelo
abandono da arte para se dedicarem a outras ocupações
no jornalismo ou em empresas e ocupações diversas —
entretanto, essa realidade nunca acometeu os artistas da
semana de arte de 1922, o que também não lhes diminuiu
o talento, embora a mentalidade elitista e excludente pra-
ticada por esse grupo seja uma das coisas mais pernósti-
cas, perversas e prejudiciais para a cultura brasileira que
já houve; especialmente para a cidade de São Paulo, sede
do “baronato cafeeiro”.
287
A designação de
Pinotti del Micha
que Aporelly deu a
Menotti, além de não ser gratuita, é exata; da mesma for-
ma que nas fantasiosas memórias de Oswald, expressa
no livro “Um homem sem profissão: sob as ordens de ma-
mãe” (1954), onde se considera um amante da cultura
popular por dançar maxixe com a “negrada” no coreto do
largo São Francisco, é de uma falta de auto-crítica repug-
nante… a liberdade de Oswald, embasada numa polpuda
conta bancária e intermináveis delírios etílicos nos bares
da moda, redundam em um narciso sem espelho, e refle-
tem a hipocrisia de uma revolução que pretendia manter
as coisas exatamente como estavam, menos na arte. Esse
sistema de priviégios e exclusões manteve muitos criado-
res paulistas escondidos da história por muito tempo. Mas
no Rio a coisa foi diferente, apesar de possuir uma elite
mais truculenta e não menos excludente.
Contudo, essa falta de coerência traduzida por personali-
dade paradoxais é a tônica do Brasil, e os atores históri-
cos sempre terão dificuldade em se conscientizar plena-
mente das mazelas que trazem desde o berço: não há como
cobrar isso de ninguém, seria injusto. O certo, visto duma
perspectiva histórica, é esclarecer estas contradições e
contemplar esta variável em nossas análises sem julga-
mentos políticos, mas como um dado irredutível da reali-
dade. Apesar da “tentação”, ficar na coisa em si melhora
o conhecimento sobre o assunto, desde que não hajam
premeditadas e tendenciosas omissões.
Por este olhar, os casos mais emblemáticos nos anos 20,
no Rio, talvez sejam o do mexicano Figueroa e do para-
guaio Guevara. Figueroa vivia entre os hospícios e as re-
dações e trabalhava praticamente a troco de cachaça, o
que o fez falecer em tenra idade. Guevara trabalhava em
quase todas publicações do Rio daquela época e ajudou
muito a valorizar a profissão, já que seu trabalho merecia
uma grande contrapartida. Vaidoso, se vestia muito bem
e dizem que foi o único desenhista que conseguiu ganhar
dinheiro com a profissão, confirmando o rótulo dado por
Humberto de Campos logo que chegou ao país, o de “o
único paraguaio que venceu o Brasil”. Esses eram os limi-
tes extremos — as exceções —, onde boa parte dos artis-
tas relegou a arte a ocupação de horas vagas, defendendo
seu sustento nas repartições públicas, redações e escritó-
rios. Uma bonomia desprendida, entre a boemia e as ro-
das de samba, cativou muitos desenhistas famosos pela
“arte carioca do bem viver”; exemplos não faltam. Ou-
tros, mais recatados ou talvez aversos à pueril cultura po-
pular, encontram outros meios de vida: o sensacional po-
eta mineiro Carlos Drummond de Andrade, o eterno fun-
cionário público, foi um destes. Cornélio Pires, ao encer-
rar a carreira jornalística, tornou-se um mascate da arte e
andava pelas cidades do interior paulista vendendo seus
discos e livros com seu teatro ambulante: criou uma obra
muito extensa, completamente alijada da cultura oficial,
embora de vitalidade e penetração social inquestionável
em seu tempo… Infiro que esta merece um novo e cuida-
doso olhar, ainda mais além daquilo já ressaltado por An-
tônio Cândido na literatura.
Esse aspecto de reconstrução de um constructo dado, a
historiografia disponível, aqui propõe uma releitura de
autores para penetrar mais profundamente nas questões
do cotidiano e da mentalidade ao incluir novas variáveis e
aspectos interdisciplinares, ampliando o conhecimento
sobre o tema e o assunto, para, dessa forma, combater os
mitos criados pela própria cultura.
Alexandre Ribeiro Marcondes Machado, o Juó Bananére,
inventor do “espafúrdio macarrônico” (na definição de
Saliba, op.cit.), como humorista, foi um autor excluído das
panelinhas dos artistas modernistas paulistanos, e já bri-
gava com o narcisismo excludente dos quatrocentões des-
de os anos 10. Afeito à pândega não programática, a afini-
dade de seu discurso humorístico com o de Aporelly, pela
paródia, resultou numa parceria ideológica perfeita, que
se estendeu de 1926 até sua morte em 1933; ano em que
ainda publicou seu
Diário do Abax’o Piques
, cujo nome é
uma alusão ao histórico porto de canoas na Várzea do
Carmo no Rio Tamanduateí (atual parque D.Pedro II) ao
pé da Ladeira Porto Geral, relembrando nostálgica e ironi-
camente uma São Paulo que não parava de desaparecer.
Entretanto, no
A Manha
, seu estapafúrdio discurso pros-
perou e estendeu-se a outras colônias de imigrantes…
Essa abertura do
A Manha
para publicação e aceitação de
colaborações diversas sempre marcou o jornal, e tem co-
notações diversas: algumas herdadas da histórica atua-
ção dos jornais de humor (que sempre solicitaram cola-
borações… de graça), outras com motivações políticas ou
pessoais, sem excluir as matérias de José Lins do Rego,
por exemplo, que falavam exclusivamente de futebol, e
mais, apenas do Flamengo, sua paixão: o programa prin-
cipal era dar voz a quem quisesse falar para fazer rir.
288
bonomia carioca, fica ofuscado por uma manifestação mais
brasileira do que regional, penetrando na realidade mu-
tante de uma sociedade que acomodava imigrantes de
diversas nacionalidades, recém tinha abolido a escravi-
dão e que desejava ardentemente se modernizar.
O lançamento do
A Manha
em 13 de maio não foi gratui-
to, e no entanto, o Brasil ainda não havia conhecido ne-
nhuma publicação de humor totalmente baseada no
bes-
teirol
. Esse ineditismo, apresentado ao público na coluna
de capa assinada por AXL , intitulada“ Amanhã tem mais”,
n’
O Globo
de 1925 e n’
A Manhã
de 1926, invadiu toda uma
Outras vezes não haviam colaborações, aí o “nosso queri-
do diretor” escrevia, ele mesmo, o jornal de cabo a rabo:
suspeito que o motivo principal era os anunciantes, os
quais sempre tinham “as portas da redação abertas para
recebê-los (assim como para os assinantes em atraso), de
par em par, principalmente, em se tratando de dinheiro”.
A realidade de Aporelly, sozinho com três filhos, fez dele
um verdadeiro malabarista da sobrevivência.
A interlocução do humorismo com o lado excluído da so-
ciedade já vinha sendo realizada pelos autores da
Belle
Époque
, entretanto no
A Manha
, esse acento dado pela
1933, Diario do Abax’o Piques .
ES
289
publicação e tornou-se fórmula: sua consistência é tal que
alcança a atualidade como artifício cômico predileto em
todas as mídias. É difícil dizer quem no humorismo do
Brasil não bebeu ou bebe desta fonte… apenas os narci-
sistas não o admitem.
* * *
Voltando ao assunto arte gráfica, observei uma relação
entre o valor cultural atribuído às publicaçõesa e a infor-
mação trazida por Rafael Cardoso (op.cit.), que diz que ape-
sar de
up-to-date
com as tendências do momento (estéti-
ca e tecnologia), a produção gráfica brasileira oscilou em
seu crescimento em oposição à um crescimento constan-
te na América do Norte no século XIX: o indício mais claro
é que a mentalidade dominante continha diferenças pro-
fundas em relação à dos “nossos irmãos do norte”, sem
contar o principal, que são os aspectos econômicos, soci-
ais e históricos.
O público leitor do Brasil era muito restrito, e a cultura
habitava a seara do supérfluo numa sociedade rural de
padrão de acumulação exógeno, ainda escravista. Isso me
diz que o valor da leitura no Brasil esteve mais ligado à
uma questão de status social. Restrito às elites, isso lhe
conferiu certa frivolidade e superficialidade; enquanto que
na América do Norte, tendo uma sociedade assaz prag-
mática e capitalistas desde os primórdios, a necessidade
de informação foi constante durante o século XIX: a infor-
mação era um imperativo da vida cotidiana, incomensu-
ravelmente mais do que aqui. Quero frisar que parece que
a necessidade de publicidade sempre superou a necessi-
dade de cultura ou de instrução.
Fazendo um aparte, também constatei uma lacuna pro-
funda na historiografia cultural brasileira, pois não há como
negar a força da cultura popular desde a colonização. Res-
gates e registros tardios fizeram com que muito se per-
desse na poeira do tempo, embora seus traços estejam
presentes e marcam nossa identidade cultural de maneira
inconfundível. Vivendo na oralidade, somente trabalhos
como o de João Guimarães Rosa, muito tempo depois,
puderam penetrar nesse universo e revelá-lo ao mundo.
Imagino que a relação das elites brasileiras com o exteri-
or, em muito motivou diversas tentativas de produzir por
aqui o que se fazia por lá, em seus rompantes nativistas e
nacionalistas e até “estrangeiristas”. Talvez esta seja a prin-
cipal razão de muitas publicações terem vida efêmera… a
realidade brasileira sempre careceu de público e mercado
para ter constância e longevidade, e dependia de mece-
nas para sobreviver. E como já disse, não existia uma ne-
cessidade concreta ou imperativa, pois não havia o que
ou para quem vender.
A falta de mercado consumidor, fato histórico irredutível,
mostra como nossa população era analfabeta e sequer ti-
nha renda durante todo século XIX. Na Primeira Repúbli-
ca, os diversos “ciclos” de produtos para exportação cria-
ram um processo de acumulação interna e fizeram apare-
cer algum mercado interno: o incremento da publicidade
e das assinaturas comerciais deu mais estabilidade às pu-
blicações, assim como a industrialização nascente e a di-
fusão do produto industrial (principalmente o estrangei-
ro, pois o nacional praticamente inexistia) ganhou ímpeto
e demandou a expansão da imprensa, da propaganda e
da publicidade; porém o crack de 1929 veio interromper
este processo de crescimento e expansão, gerando estag-
nação e declínio, mais uma vez. Esse caráter cíclico da eco-
nomia brasileira também é um aspecto recorrente e refle-
te um estado de cristalização completa das estruturas de
poder, herança funesta do escravismo colonial.
Na relação entre design, humor e mentalidade nos anos
de 1920, a febre de modernização varreu e revisou tudo
que havia anteriormente, trazendo as polarizações ideoló-
gicas, o paradigma da cultura burguesa com mais intensi-
dade e a nova estética modernista, com grande entusias-
mo. Essa relação eufórica, numa sociedade atrasada para
o padrão burguês, teve no Rio algum campo de expan-
são, muito mais que na cidade obreira, caipira, provincia-
na & elitista representada pela São Paulo dos barões do
café. O recato vanguardista e até “afeminado” da pauli-
céia quatrocentona contrastava com o Rio do samba e da
boemia, numa visão realista dos extremos.
Sem perder a noção de que este movimento cultural era
restrito a poucos, a situação cotidiana no Rio, em São Paulo
e Brasil afora era dada pela descrição precisa de Raul Pe-
derneiras em suas “Scenas da vida carioca”. Ou seja, a
sociedade brasileira ainda estava distante da convivência
com a “coisa” pública requerida pela ideologia burguesa,
revelando conflitos de sociabilidades e temporalidades; o
que provocava nos atores históricos este vai e vem entre
290
o novo e o velho numa sociedade onde as formas de en-
quadramento do sujeito social permaneciam rígidas e con-
tinham os ranços e também as delícias da herança coloni-
al, dependendo do ponto de vista e da posição social.
Essa relação hipócrita, ilegítima, repressora e paternalista
ao mesmo tempo fundava liberdades e libertinagens que
nunca primaram pela coerência. Longe de imaginar que
nos países centrais da cultura ocidental as contradições
fossem menos intensas, lá, as aberrações talvez fossem
maiores e já apontavam para um psicologismo persona-
lista que, embora escamoteado por posições políticas que
pregavam o social, já desenvolvia um processo de indivi-
dualismo egóico, jamais assumido plenamente a nível pes-
soal, mas que começaria a aflorar nos discursos das re-
presentações em muito breve. A cultura norte-americana
foi a primeira a perder esse pudor e sua literatura menos
de duas décadas depois colocou esta angústia de manei-
ra muito precisa e evidente. Sob o indizível ou o inalcan-
çável, a saída para os seres humanos mais sensíveis fo-
ram e são os subterfúgios alienantes. Sob os holofotes da
fama, muitos padeceram pela pressão da mistificação. Na
constatação da impossibilidade do mito, a saída psicoló-
gica pessoal é a auto-destruição, a aberração, a contesta-
ção.
A publicidade constante fundou uma nova mitologia, pau-
tada pelos sonhos de consumo, que dali à pouco exporia
o “american way of life” ao mundo, com seus carrões rabo-
de-peixe, elegantes eletrodomésticos e um glamour ina-
tingível, comparável ao citado por Novais (op.cit.) no Bra-
sil colonial, quando se referiu à questão da colônia ser
uma réplica perfeita da metrópole… e os versos de Gre-
gório de Mattos…” Por fora bela viola, …”. E sabemos
que esforços no sentido de tornar o mito real não foram
poucos nem pequenos, mas num Brasil que sequer tinha
mercado consumidor, isso mais parecia uma alucinação
do que uma promessa factível.
Essa relação esquisofrênica entre a vida cotidiana e o so-
nho de felicidade impossível pela irrealidade do sonho e
do mito — o que, como aspiração, também é uma farsa
que a consciência a denuncia a cada momento de fraque-
za ou vulnerabilidade —, é um dos fatores que gera a ne-
cessidade social do humor como válvula, como catárse
coletiva (como vimos, isso é histórico no Brasil), ou pelo
menos — nesse momento agudo —, demanda um novo
tipo de humor, adequado à uma sociedade em frangalhos
no plano emocional. Psicologicamente o Brasil ainda es-
tava engasgado com sua própria história, e isso vinha à
tona continuamente; as pessoas viviam isso.
Se Sérgio Buarque de Hollanda identificou essa lógica de
fundo emotivo no brasileiro — esse horror terrível às dis-
tâncias —, sendo um povo que preferia rir para não cho-
rar, … e continuar sobrevivendo, e mantendo a coesão so-
cial — na segunda metade dos anos de 1920 essa tensão
foi exacerbada, e explodiu violentamente.
Volto a afirmar, o erro conceitual é acreditar que esse pro-
cesso foi circunscrito a este ou aquele local: não foi. Exis-
tem idiossincrasias e especificidades regionais, mas estes
processos, desde há muito, são fenômenos que ocorrem
em todo mundo “mercantilista” integrado pela cultura oci-
dental. Voltando à constatação de Rafael Cardoso sobre a
sincronia das técnicas gráficas no Brasil e no primeiro mun-
do, acredito que isso não é ímpar: em maior ou menor
grau ocorria em todos lugares onde um navio europeu
aportava e trazia sua cultura para o seio da sociedade lo-
cal: o ambiente do lucro inclui esta provisoriedade em prol
da primazia absoluta das performances dos meios de pro-
dução.
Ou seja, mesmo no apogeu da cultura burguesa, os ideais
desta foram secundários frente à necessidade de gerar
mais-valia maior e sempre crescente: questões éticas sem-
pre foram irrelevantes. As culturais, ídem. Não posso dei-
xar de reconhecer a exatidão das observações de Lyotard
a respeito de Descartes e o método científico: a contradi-
ção vem da própria formulação, pois os argumentos são
ilegítimos perante a coisa em si.
Nos anos de 1920, o processo de expansão capitalista está
sumamente intensificado e concentrado, e começa a che-
gar muito mais rápido, pelo ar e pelo cabo, de carro, de
avião, em todos os mercados consumidores de produtos
industriais, e culturais também — livros, filmes, espetácu-
los — produzidos na Europa e na América do Norte. Os
conflitos entre as nações que conseguiram se industriali-
zar, e as polarizações ideológicas, são apenas reflexo de
uma luta intensa pela riqueza representada pelos merca-
dos consumidores, onde o poder ainda estava nas mãos
dos Estados, da Igreja e das elites tradicionais. As tensões
foram multiplicadas e a resposta foi a guerra.
291
Juntando todas estas informações e olhando para o indi-
víduo histórico brasileiro, mais a afirmação de Saliba
(op.cit.) de que os autores da
Belle Époque
introjetavam
um ligeiro complexo de inferioridade por sua posição
marginal na cultura
versus
os estigmas cristalizados na
mentalidade corrente em relação ao seu trabalho, percebi
que nos anos 20 muito disso foi amenizado através de ca-
társes e saídas diversas: o K.Lixto da Cidade Nova e das
rodas de capoeira; Nássara e Mendez dos quintais das tias
bahianas e das rodas de samba; Raul dando aulas de di-
reito internacional na Faculdade de Direito e dançando o
cake walk
em Catumbi; e por aí vai.
Essa ligação dos humoristas do traço com a cultura popu-
lar, sendo um ponto de interlocução e “intertextualidade”,
arrefecendo a exclusão política e social, salvou suas ma-
nifestações de qualquer “hermetismo”. Justamente na
contra-mão dessa tendência encontramos o trabalho de
J. Carlos na revista
Para Todos…
, mas ele não ousava re-
petir esse trabalho conceitual, de enorme engajamento,
em outras publicações. O alvo ali era o mundo feminino e
sua aposta foi correta, justificando seu sucesso.
Quanto a Guevara, que neste tempo era um “garoto” frente
ao experiente J.Carlos; sua inteligência, sensibilidade e
talento apresentaram um verdadeiro gênio da arte gráfi-
ca. Seu desenho “cubístico” era irrevelevante frente às
verdades que estes revelavam e em toda sua carreira, o
aspecto formal — sempre irretocável, impecável — cons-
tantemente foi ultrapassado pelo conteúdo preciso das
mensagens que traziam. Esse elã é o que cativava o públi-
co e o fez genial.
Essas mesmas características fizeram com que ele assu-
misse tranquilamente a estética modernista, simplifican-
do os traços, adotando a linguagem telegráfica, abrindo
as páginas com grande áreas de branco e estabelecendo
parâmetros funcionalistas para a diagramação das pági-
nas. Sua caricatura cubística pula para
A Manha
no come-
ço dos anos 30 — é certo que muito mais simplificada —,
até ser totalmente abandonada, anos depois.
Seguindo a boa escola do mestre J.Carlos, as criações de
Guevara colaboraram para que as combinações de texto
e imagem num mesmo suporte comunicacional tivessem
A brincadeira era: Bernard Shaw é o Barão de Itararé da Inglaterra ou o
Barão de Itararé é o Bernard Shaw do Brasil? Isso correu a primeira
metade do século XX, onde Aporelly era um admirador declarado de
Shaw e, sempre que possível, publicava o inglês aqui e ali.
Ao lado temos a versão dos dois por Mollas (não tenho a fonte exata,
pois o desenho não está assinado: a inferência é pelo traço inconfundível
do argentino, a “la Don Martin”), nos anos de 1950, publicado n’
A
Manha
e nos
Almanhaques
.
Aliás, a semelhança do traço de Molas e de Don Martin é secundária
frente a fórmula do primeiro
MAD
de 1952, que parece um clone dos
Almanhaques do Barão pelo componente paródico: ao contrário do Brasil,
onde os
Almanhaques
eram um sucesso retumbante e tiveram inúmeras
tiragens, nos EUA o início do
MAD
demandou grandes investimentos
para pegar, pois não foi um sucesso imediato: a pubblicação decolou em
vendas a partir do quarto número. Consolidada a fórmula, a publicação
teve grande sucesso dos anos de 1953 até meados de1990.
292
uma integração perfeita e bela ao mesmo tempo, adqui-
rindo uma conotação extra, enriquecendo o significado e
a mensagem do assunto como um todo. Essa bagagem
dos anos 20 será de grande valia nas décadas seguintes,
onde os elementos que compõem a página perdem o ca-
ráter meramente decorativo (e na imprensa corrente, his-
toricamente, não tinham sentido nenhum, sendo um
amontoado de textos e colunas, sem manchetes e acaba-
mentos, numa bagunça total) e começam a ter um senti-
do funcional. Essa mudança, que para o leigo é uma suti-
leza, somente foi percebida pelo público leitor com a mai-
or facilidade de leitura das publicações, que vão adquirir
um visual muito mais limpo e objetivo mais adiante.
Esse momento de intensos conflitos e contradições exa-
cerbadas — onde as revoltas pipocavam por todo país,
dando fim à República Velha com a revolução de 1930 —
o inacreditável para o
A Manha
, quando redações foram
empasteladas e destruídas pelo povo, foi sua volta por
cima e o aparecimento do Barão de Itararé, “o herói da
batalha que não houve”, colocando acento numa revolu-
ção bem à brasileira. O abalo do crack de 1929 e a revolu-
ção de 1930, que fechou inúmeras publicações, para
A
Manha
foi um fator de diminuição de sua precariedade e
marginalidade; duas semanas após a deposição de Wa-
shington Luis (24 de outubro de 1930) e quatro dias de-
pois de Getúlio Vargas assumir o Governo Provisório da
República, no número de 7 de novembro de 1930,
A Ma-
nha
anuncia sua mudança de formato, de ofício para ta-
blóide, para, no número de 5 de dezembro lançar o Barão
de Itararé no rio da história!
Esse dado é o mais curioso da temática que escolhi: aqui
autor e obra se misturaram, se confundem e se igualam
numa só entidade paródica, o Barão de Itararé, um herói
do povo, em luta constante contra o mau humor. Se na
arte não se pode confundir autor e obra, o que considero
justo; no humor e na arte gráfica, searas da efemeridade e
do momento, onde o conteúdo da mensagem é marcado
e delimitado pelas mentalidades e fatos correntes, isso não
só foi possível, como aconteceu com naturalidade e de
maneira, me parece, até saudável; pois denuncia continu-
amente a hipocrisia do discurso da dominação e a situa-
ção permanente, de farsa explícita, a que o público está
submetido.
Mais do que a máscara que os humoristas da
Belle Époque
não conseguiam tirar, apesar da semelhança e do elo his-
tórico marcante, o surgimento do Barão de Itararé, o úni-
co nobre da república, tem outro engajamento criativo:
sai do folclore do engraçado e do “engraçado arrependi-
do” para uma atuação visceralmente ideológica. Muito
tempo depois, os humoristas do pós-modernismo assu-
mirão esta postura, sem traumas ou questionamentos, e
com uma atuação política notável.
293
Publicado originalmente na apresentação dos
Almanhaques
,
este desenho de Mendez, de 1989, foi feito especialmente
em homenagem ao Barão, para o
Projeto Barão
, naquele
ano, para os respectivos eventos . O simpático Mendez, que
trabalhou com o Aporelly n’A Manha desde os primórdios,
fez questão de colaborar e apareceu em companhia de
Nássara — outro garoto que aparecia na redação para
aprender com Guevara nos anos 20 — no relançamento dos
Almanhaques
na livraria Dazibao de Ipanema; entre outras
persolnalidades que por lá foram prestigiar, uma vez mais, a
volta triunfal do Barão de Itararé.
Infelizmente, o desenho original foi surrupiado por um
visitante distraído na grande exposição em homenagem ao
centenário de Aporelly — “Nas pegadas do Barão “— em
1995, no MIS S.Paulo. Como a esperança é a última que
morre, esperamos ansiosamente que este seja devolvido,
mesmo que anonimamente, ao IEB-USP, onde concentra-se
a maior parte da memória de Aporelly para a posteridade.
Ou seja, este desenho é patrimônio do povo e seu original
deveria estar disponível para a apreciação de todos.
MENDEZ, O MESTRE DA CARICATURA OU...
A SAGA DO CARA DE CACHORRO
“A gente nasce caricaturista,
vira desenhista e morre pintor.”
Mendez
O cearense Mário de Oliveira Mendes, o Mendez, natural de Baturité
(nascido há 25 de dezembro de 1907 e morto em dezembro de 2007)
ganhou mundo com a sua arte, de traço característico, único. Pintor de
técnica refinada e caricaturista de rara sensibilidade, foi com esta ultima
modalidade artística (a caricatura) que ganhou a vida e conquistou
notoriedade como um dos maiores ícones do desenho humorístico mundial.
“O cara de cachorro”, como assim Mendez definia a sua auto-caricatura,
costumava dizer, sempre, às pessoas que desejavam ser retratadas por
sua pena mordaz, o que talvez nunca quisessem ouvir de um artista de
aparência tímida e generosa: “Não vou lhe fazer bonita, vou lhe fazer
engraçada”.
Nos anos 20, Mendez migra para o Rio de Janeiro, então Capital da
República. E já começa a despontar no desenho de humor. Por esse tempo,
o Brasil sofria as influências da Semana de Arte Moderna de 1922, em São
Paulo, e a caricatura vivia sua fase áurea. O carioca J. Carlos, à época,
reinava absoluto; em torno de sua figura, artistas não menos talentosos
como Belmonte, Calixto, Alvarus, Raul, Fritz e outros também tinham fama
e espaço garantido na imprensa.
Como a maioria dos caricaturistas de seu tempo, Mendez foi influenciado
pela arte de J. Carlos, e começa a publicar as suas primeiras criações,
alcançando, em pouco tempo
maturidade artística, no seu traço, um
estilo próprio e de reconhecimento
indiscutível pela arte que o
notabilizava.
Durante várias décadas retratou a
vida e os costumes do povo brasileiro. As principais estrelas do mundo
artístico, político e social estiveram na mira do lápis de Mendez. O artista
defendia que todos nós temos traços em comum, e parecemos com algum
tipo de animal. Por exemplo, Mendez achava que eu (o Klévisson Viana)
parecia com um macaco, fazendo com perfeição a minha caricatura, de
traços bem comuns a esses ditos parentes nossos na escala evolutiva.
O caricaturista teve uma carreira brilhante, foram décadas de muito sucesso
dedicadas única e exclusivamente à caricatura. O mestre não botava os
pés fora de casa sem estar conduzindo no bolso do paletó um bloquinho
de papel e um bom lápis para capturar algum rosto engraçado que por
ventura viesse a cruzar-lhe o caminho.
Klévisson Viana
in
http://fotolog.terra.com.br/klevisson_viana:53
294
UM “CHORO”ALEGRE
Seth, anos 30, do livro
Exposição
. HL
295
Epílogo
296
297
Considerações finais: primeiro volume
Mussolini por Guevara, Critica,1930 .
HL
A
pós este estratégico trajeto pela cronologia das pu-
blicações de humor ilustrado brasileiras desde sua origem
em 1837 até o ano de 1931, levado por um olhar panorâ-
mico e estabelecendo uma narrativa quase jornalística, que
buscou seguir por conexões pautadas pelos conceitos de
mentalidade, design e humor, para encontrar dois auto-
res nos anos de 1920, a razão primeira de toda esta retros-
pectiva: Aparício Torelly, humorista, e Andrés Guevara, ar-
tista gráfico; não poderia me furtar da avaliação de que,
ao menos parcialmente, consegui atingir meu objetivo, e
dar nova luz ao tema, aos autores e ao assunto.
É certo que balanço tão longo de nossa história gráfica
não se fazia desde a publicação da impecável
História da
Caricatura Brasileira
de Herman Lima em 1962, o qual nun-
ca teve reedições. A obra de Lima, guiada por uma imen-
sa paixão, tem o cunho das antigas pesquisas, em forma-
to narrativo com detalhes pessoais e fatuais, que não cati-
vam a juventude a revisitá-lo com mais interesse. E acre-
dito que sua obra só foi ao prelo devido à sua ligação com
o meio, os desenhistas e, principalmente, com José
Olympio, o editor. Isso me sugere que a cultura oficial,
ainda nos anos de 1960, não dava muita bola para o de-
sign gráfico ou para o humor ilustrado.
Há muito tempo acompanho os trabalhos de Cássio
Loredano, exímio caricaturista e artista de renomado ta-
lento internacional, e vejo sua cruzada para recuperar essa
preciosa memória, lindeira do esquecimento; através de
um esforço pessoal admirável e quase quixotesco: como
brasileiro, tenho para com ele esta dívida de gratidão. Que
Deus lhe dê vida longa para que continue fazendo suas
nobres pesquisas.
A seqüela da baixa produção acadêmica nesta área atinge
as recentes escolas de design, que se ressentem de parca
bibliografia e poucas pesquisas; exceção feita à FAU-USP
e à PUC do Rio, que tem nos trazido diversos trabalhos de
excelente nível acadêmico, sempre seguindo a sina do
design gráfico, i.e, através de pioneiros isolados. Sincera-
mente espero que seus exemplos sejam copiados por
outros pesquisadores e outras instituições de pesquisa,
pois precisamos muito desse entusiasmo e seriedade para
colocar o design em seu devido lugar. Até parece que o
sucesso reconhecido do design gráfico brasileiro inibe sua
teorização e pesquisa…
Ainda hoje ronda o antigo estigma, como uma maldição
sobre esta “arte”; e iniciativas lúcidas como a de Jal &
Gual para fundar o
Museu do Cartum
permanecem sem
se materializar depois de décadas de trabalho árduo. Essa
maldição é antiga e também acometeu Fortuna e Jaguar
quando jovens, nos anos 50, quando trabalhavam diagra-
mando a enciclopédia britânica. Como Fortuna me rela-
tou nos idos de 1990, entusiasmados com a idéia de fazer
298
uma
Antologia d’A Manha
, eles saíam do trabalho e iam
para a Biblioteca Nacional, em companhia de um amigo
economista — naquele tempo não existia fotocópia — e,
enquanto um ditava, o outro escrevia até a munheca doer
e se revezavam… as ilustrações, todas foram fotografa-
das, uma a uma, para serem aplicadas na arte final, no
novíssimo sistema fotomecânico para impressão em off-
set. Deram por terminado o trabalho em abril de 1964, mas
depois de uma rápida conferência na casa do Fortuna,
decidiram adiar a publicação para um momento político
mais propício, pois o velho Barão
poderia ir em cana pela dita…dura.
Conformado, Jaguar colocou as ar-
tes debaixo do braço, pegou um
táxi, e foi embora… Esqueceu o ma-
terial no táxi, o qual nunca mais foi
devolvido ou recuperado: o Barão
era um ídolo popular e milhares de
cidadãos cariocas gostariam de ter
acesso àquele material. Naquele
momento até a amizade ficou aba-
lada por uns tempos, confessou
Fortuna, mas depois os dois riam
de como jogaram uns 10 anos de
trabalho pela janela. Mas Fortuna
não desistiu, recomeçou sozinho
sua antologia em 1970 e poucos
meses antes de seu falecimento em
1994 me entregou os originais para
tentar publicar: eu e Sergio Papi ain-
da conseguimos fazer dois núme-
ros adaptados para banca de jornal
em formato gibi, mas não tivemos
fôlego para levar a coleção adian-
te. Ainda sonhamos em realizar
este feito, contando inclusive com
a ajuda do além, do Barão e do For-
tuna! Como diz o Zé Simão, no
“país da piada pronta”, continua-
mos alegremente, sempre rindo
para não chorar, sem nunca esmo-
recer ou desistir.
Em relação ao trabalho aqui apre-
sentado, o que parece um desvio
demasiadamente longo para che-
gar até ali, na verdade, parte da
constatação de que a complexida-
de da realidade não nos propõe um
conhecimento profundo se não
contemplamos o caráter indissoci-
ável e interdependente de tudo que
se manifesta, e muito mais na cul-
tura, como representação, memó-
ria e expressão de um povo. Vendo
a realidade como um todo, cada
momento, em grande medida, é
O Dr. Carlos de Costas, chefe de polícia do Rio de Janeiro,
na versão de Guevara,
A Manha
, 1926.
AM
Rudolfo Balentino,
Suprimento de Portugali,
A Manha
, 1926.
AM
Plínio Marques,
A Manha
, 1927.
AM
Senador Azeredo,
A Manha
, 1927.
AM
O jovem
Aparício Torelly,
em foto impressa
dos anos de 1910.
IEB
299
produto do instante anterior, e isto
nos dá uma carga atávica, carrega-
da pelo inconsciente coletivo que
nos revela identidades, tendências,
e mentalidades. Se o cotidiano é
uma síntese resultante do movi-
mento incessante de tendências
opostas, que ao interagirem, ocor-
rem na forma como a podemos
conhecer, isto é, se revelam como
realidades observáveis e passíveis
de análise e descrição, a inferência
principal diz respeito ao caráter his-
tórico de tudo que existe no mun-
do humano. Como frisou Lyotard,
fora disso, o conhecimento é banal,
embora não descartável.
Assim, o segundo aspecto insepa-
rável quando lidamos com a histó-
ria da cultura de uma sociedade, é
a herança que esta carrega de di-
versas formas — na oralidade, no
idioma, nas representações, nos
costumes, na sua mitologia que de-
termina os critérios de aceitação e
exclusão —, pautando o julgamen-
to e a visão de mundo dos sujeitos
sociais históricos, lhes conferindo
maneiras únicas de lidar com a vida
e de representar sua identidade in-
confundível à um tempo e lugar; e
aqui, para poder dizer, sem sombra
de dúvida, aquilo é brasileiro ou sou
brasileiro.
Mesmo que isso pareça demasia-
damente dispersivo e impalpável,
é justamente nessa subjetividade
curiosa que podemos encontrar um
meio, uma estratégia, para penetrar
nas malhas interpretativas e nos
sistemas de valores dos atores his-
tóricos, e extrair dali informações
preciosas para o entendimento do
assunto e dos temas. Não diria que
isso determina o
modus vivendi
das
pessoas em uma sociedade, mas diz muito sobre ele. Ou
seja, os sistemas de equilíbrio dinâmico que permitem a
sensação de pertencimento correspondem à necessidade
de haver uma identificação ou identidade bastante defini-
da, embora inconsciente. A possibilidade última de sobre-
vivência, de coesão social.
As representações culturais revelam este aspecto através
das conotações que propõem para suas manifestações,
delimitando e expondo as utensilhagens mentais disponí-
veis a cada estrato social; como também expõem aquilo
que foi definido como “força do hábito”, ou conteúdos de
significação automática através do inconsciente, determi-
Julio Prestes,
A Manha
, 1926.
AM
Epitácio Pessoa,
A Manha
, 1927.
AM
Tavares Cavalcanti,
A Manha
, 1927.
AM
O Barão velhinho, relendo A Manha e rindo
in
entrevista para Fortuna,
revista Realidade, 1970.
300
nando os julgamentos e as interpretações dos sujeitos so-
ciais. Pela característica do nosso assunto, onde as repre-
sentações são recheadas de ambiguidades, desvios e re-
criações de sentidos, e ainda se propõem a fazer uma in-
terlocução entre camadas sociais, o escopo de vestígios
representantes é bastante rico e ultrapassa a mentalidade
de um único estrato social; e nos dá um campo privilegia-
do de pesquisa, de inegável pertinência para o estudo da
história.
Essa hermenêutica superficial e panorâmica está em ple-
no acordo com o estatuto atual do saber e pretende, espe-
ro, estar contribuindo para um conhecimento melhor so-
“nosso querido diretor” e o dinheiro que A Manha está dando para seus
leitores,
A Manha
, 1926.
AM
bre o assunto. Essa pretensão, guiada por aspirações que
venho pontuando durante todo este trabalho, tem sim um
“que” de resgate e releitura, com uma grande motivação
em sua raiz, que é dedicar outro olhar sobre o mote prin-
cipal desse trabalho, o que me levou à este esforço. A idéia
de ultrapassar esse foco “quase” mesquinho sempre me
orientou, sem perder a noção de que estou realizando so-
mente mais uma aproximação. Se isso incentivar outros
trabalhos, posso dizer que minha missão teve sucesso.
Por outro lado, mediante a constatação de uma mudança
completa de paradigma no conhecimento científico, é mis-
ter reler os temas sob nova ótica. A produção científica
tem que estar afinada com as necessidades desse momen-
to, sob a pena de imediatamente cair em desuso. Nesse
“nosso” campo do design, onde as bibliografias são rare-
feitas e incompletas, e, apesar da importância que este
adquiriu na atualidade, carecemos de obras de referência
até para a questão didática em si. Nesse sentido, o resga-
te humanista através da ilustração, aponta para profissio-
nais mais competentes e mais conscientes, o que se faz
premente nesse contexto de massificação e nivelamento
por baixo que presenciamos. Digo isso, porque este tra-
balho enseja uma continuação, na cronologia e no apro-
fundamento dos temas conforme vamos chegando aos
dias de hoje. Sugiro que esse é o primeiro volume de uma
Lopes Gonçalves,
A Manha
, 1926.
AM
Gil Berto Amuado,
A Manha
, 1926.
AM
301
coleção dedicada a mostrar a história do design gráfico
brasileiro para o público em geral, e para os designers em
especial; criando uma referência atual para as velhas bi-
bliografias e para as fontes disponíveis.
Não é atoa que chamei a atenção para a acuidade episte-
mológica na produção científica, tão desprezada nos dias
de hoje, proporcionando ao conhecimento acadêmico di-
versas aberrações e inutilidades. Em vista disso, um con-
ceito muito recente que almejei atingir com este trabalho
é o de
usabilidade
, pois a referência sempre coíbe repeti-
ções equivocadas, novidades velhas e outros delírios pro-
vocados pela falta de repertório. A questão não é perse-
guir a cópia, coisa inerente à esta atividade em todos os
tempos, mas privilegiar uma consciência clara de como
se usa e se trata os diversos aspectos da criação, pois a
honestidade, a sinceridade e a espontaneidade é o que
melhor nos guia para os bons resultados.
Como sou fã confesso das teorias de Bob Gill sobre o de-
sign e seus métodos criativos, não titubeio em grifar a
questão da “solução” ou da melhor solução como a gran-
de arte do designer. E também do arquiteto. Esse olhar
relativo e parcial, sem a pretensão de ineditismo ou de
verdade absoluta, me diz que o design nunca pode ser
Tavares Cavalcanti, o leão do norte,
A Manha
, 1926.
AM
confundido com a arte. E o mesmo vale para a arquitetu-
ra. Esse limite, se bem compreendido, nos dá a justa me-
dida para avaliar os projetos, já que, no primeiro olhar,
não os vejo como obras. Assim, a desenvoltura e a criati-
vidade ao utilizar o manancial criativo e o conjunto de téc-
nicas disponíveis ou “na moda” — já que tudo se copia e
as revoluções sempre vem de pioneiros surpreendente-
mente isolados — é o que diferencia o bom design, pois a
chance de encontrar a melhor solução está justamente aí.
Nessa profusão de nuances, aqui a problemática é enri-
quecida por se lidar com manifestações de imprensa, efê-
meras pelo meio e em si pelo humor, e nos breca muita
crítica pela heterogeneidade e pela complexidade ineren-
tes: a flexibilidade tem que ser enorme para não ser parci-
al e injusto, tarefa basicamente impossível. Naquilo que
sempre vai desaparecendo a sutileza é enorme, e a linha
que costura este tecido, via de regra, é incerta ou incom-
preensível, escapa e se refaz: faz rir. É justamente isso que
busquei nesse trabalho. Os espelhos de Lipovetski e
Deleuze são invocados e a trepidação é uma preocupação
permanente, embora a tentação de usar o jargão da filo-
sofia seja constantemente descartado pelo hermetismo
subjacente… quem se manifesta é a 4ª pessoa do singu-
lar, sempre livre e nômade, em busca de um porto segu-
ro, uma memória que seja.
302
Belmonte,
Cruzeiro, 19/7/1930.
HL
303
Bibliografia & Inventário de fontes
304
305
Fontes primárias: acervos principais
IEB-USP
Seculo XIX
Revista Illustrada, Angelo Agostini
Século XX
Fundo Barão de Itararé
Pontas de Cigarros, Globo, Porto Alegre, 1917; e,
Globo, Rio, 1925.
A Manha
Primeira fase em formato A4: de 1926 a 1930
Segunda fase: a parceria com Chatô nos “ Diários Associ-
ados”, outubro de 1929 - fevereiro de 1930
Terceira fase : Rio, 1930 - 1936 - início do formato tablóide
Biblioteca Nacional (séc XIX, anos 1900, 10, 20 & 30)
Jornais e revistas (período pesquisado)
Rio de Janeiro
A Maçã,1922-25
A Manhã, 1926-28
A Noite, 1911-31
Careta,1908-26
Critica, 1929-30
Cruzeiro, 1928-30
D.Quixote, 1917-1927.
Fon-Fon!, 1907-34
Jazz, 1927
O Gato, 1912
O Globo, 1925-30
O Malho, 1902-31
Para Todos…, 1922-31
Tico-tico, 1905-30
São Paulo
Diário da Noite, 1925-30, Diários Associados
Diário do Abax’o Piques, 1933
Folha da Manhã, 1925-30
O Estado de São Paulo, 1889-1930
O Pirralho, 1911-18
Depoimentos colhidos: amigos, admiradores,
estudiosos e contemporâneos
Ary Torelly
Augusto Rodrigues
Carlos Marques Mendes André
Carlos Nicolaievski
Carminda Mendes Steed
Helena Torelly
Jaguar
José Reginaldo Fortuna
Lila Martins
Leandro Konder
Luis Carlos Prestes
Luis Fernando Verissimo
Manuel Antonio Mendes André
Mendez
Nássara
Otávio
Roberto Marinho
Sergio Papi
Matérias escritas por Aporelly em jornais
Anos 20: O Globo, Crítica, A Manhã, A Manha,
Rio de Janeiro.
Fontes e referências bibliográficas
306
Artigos & matérias
Fortuna, José Reginaldo. O único Barão da República. In
Realidade. Rio de Janeiro: janeiro de 1970
Malta, Otávio. Apporelly cientista. In Revista Diretrizes. Rio
de Janeiro: 06/04/1941.
Revista Vozes, O Riso e cômico, Jan/Fev/1974.
Reedições fac-similares com textos inéditos
Almanhaque 1955 - 1º semestre, S.Paulo, Studioma/
Letra&Imagem/ Busca vida, 1989.
Almanhaque 1955 - 1º semestre, S.Paulo, Studioma/Arqui-
vo do Estado de S.Paulo, 1990
Almanhaque para 1949, S.Paulo, Studioma/Arquivo do
Estado de S.Paulo, 1990.
Almanhaque 1955 - 2º semestre, S.Paulo, Studioma/Se-
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Almanhaque para 1949, S.Paulo, Studioma/Edusp/IMESP,
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Almanhaque 1955 - 1º semestre, S.Paulo, Studioma/Edusp/
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Almanhaque 1955 - 2º semestre, S.Paulo, Studioma/ Edusp/
IMESP, 2003.
Principais fontes secundárias
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o Barão de Itararé, Rio, Record, 1987.
SALIBA, Elias Thomé. A dimensão Cômica da vida priva-
da na República. In História da Vida Privada no Brasil ,
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São Paulo, 2000.
SSÓ, Ernani - Barão de Itararé, Porto Alegre, Tchê!, 1984.
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S.Paulo, Studioma/Artprinter, 1995.
Antologias d’A Manha 1927 (jan/abr) - Fortuna, Zezim &
Papi, S.Paulo, Studioma/Artprinter, 1995.
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Livros e Teses
BELLUZZO, Ana M.M. Voltolino. Dissertação de mestra-
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CASTRO, Maria Lidia Dias de. As articulações do Barão de
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314
design by zezim
studioma
Capa: desenho colorido de
J.Carlos publicado na capa da
revista
Para Todos…
em 8/10/1927;
bonecos criados por Andrés Guevara,
copiados do jornal
A Manhã
de 29/12/1926;
4ª capa: pág. 5 do jornal
A Manha
de 5/12/1930,
bonecos de Guevara, e frase do Barão de Itararé.
Originais coletados e preparados em adobe photoshop;
composição em fontes da família univers; projeto gráfico e
editoração em adobe pagemaker, e revisão de texto no editor de
texto do Mac OS Tiger, mais os dicionários Houaiss, Aulete, e Michaelis.
Miolo e capa impressos diretamente do arquivo digital, em papel couché fosco
115 grs/m
2
; guardas em papel color plus 180 grs/m
2
, capa em papel couché fosco
150 grs/m
2
laminado, capa dura em papelão nº 25. Tiragem de 35 exemplares numerados.
Impresso, costurado, encadernado e acabado à mão por
Rua Esparta, 47 • Granja Viana • Cotia • SP • 06709-330 Tel. (11) 4617-9966 • www.ciagraph.com.br
Exemplar Nº
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