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Pedro Mendes Ferreira Lemos
O Reverso do Mundo
Lógica, Metafísica e Semântica dos Condicionais Contrafactuais
Dissertação de Mestrado
Dissertação apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-
Graduação em Filosofia
do Centro de Teologia e
Ciências Humanas da PUC-Rio.
Orientador: Oswaldo Chateaubriand Filho
Rio de Janeiro
março de 2010
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Pedro Mendes Ferreira Lemos
O Reverso do Mundo
Lógica, Metafísica e Semântica dos Condicionais Contrafactuais
Disser
tação apresentada como requisito parcial para
obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-
Graduação em Filosofia d
o Centro de Teologia e Ciências
Humanas da PUC-
Examinadora abaixo assinada:
Prof. Oswaldo Chateaubriand Filho
Orientador
Departamento de Filosofia da PUC-Rio
Prof. Luiz Carlos Pinheiro Dias Pereira
Departamento de Filosofia da PUC-Rio
Prof. Guido Imaguire
Departamento de Filosofia - UFRJ
Prof. Danilo Marcondes de Souza Filho (suplente)
Departamento de Filosofia - PUC-Rio
Prof. Paulo Fernando Carneiro de Andrade
Coordenador Setorial do Centro de Teologia
e Ciências Humanas - PUC-Rio
Rio de Janeiro, 22 de março de 2010
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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total
ou parcial do trabalho sem autorização da universidade, do
autor e do orientador.
Pedro Mendes Ferreira Lemos
Graduou-se Bacharel e Licenciado em Filosofia pela
Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro em
2007. Suas áreas de interesse são: Condicionais
Contrafactuais, Metafísica, Semânticas de Mundos
Possíveis e Filosofia da Linguagem.
Ficha Catalográfica
CDD: 100
Lemos, Pedro Mendes Ferreira
O reverso do mundo: lógica, metafísica e semântica
dos condicionais contrafactuais / Pedro Mendes Ferreira
Lemos ; orientador: Oswaldo Chateaubriand Filho.
2010.
96 f. : il. ; 30 cm
Dissertação (mestrado)–Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro, Departamento de Filosofia,
2010.
Inclui bibliografia
1. Filosofia Teses. 2. Condicionais contrafactuais.
3. Lógica condicional. 4. Metafísica. 5. Semântica. 6.
Mundos possíveis. 7. Filosofia da linguagem. I.
Chateaubriand Filho, Oswaldo. II. Pontifícia Universidade
Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Filosofia.
III. Título.
À Patrícia, cujo encanto parece inundar o mundo
como a esfera de Pascal
Agradecimentos
Agradeço ao meu orientador e professor de tão longa data, Oswaldo
Chateaubriand, cujas aulas ainda na graduação me proporcionaram as primeiras
grandes comoções filosóficas, quando acreditava já as ter experimentado.
Agradeço à banca examinadora, pela leitura cuidadosa, críticas e sugestões que
me renderam novos horizontes de pesquisa.
Agradeço aos meus pais, Marcelo e Magaly, que dentre todos os valores que me
motivaram a cultivar, foram exemplares no mais sublime deles: a busca pelo
conhecimento. Igualmente agradeço à minha irmã, Isabela, sempre companheira.
Agradeço a todos os demais professores do Departamento de Filosofia da PUC-
Rio, que de uma ou outra forma, estão implicados nesta dissertação.
Agradeço a todos os meus amigos e colegas, cujos nomes não caberiam neste
espaço, mas cujas opiniões e réplicas, especialmente nos momentos mais
descontraídos, me forneceram reflexões tão fundamentais.
Agradeço ao CNPq pela bolsa concedida durante o primeiro ano como aluno de
mestrado.
Agradeço à FAPERJ pelo prêmio e bolsa concedidos através do Programa ‘Bolsa
Nota 10’, fundamental na motivação e conclusão deste trabalho.
Resumo
Lemos, Pedro Mendes F
erreira
;
Chateaubriand Filho,
Oswaldo.
O Reverso
do Mundo. Rio de Janeiro, 2010. 96p. Dissertação de Mestrado -
Departamento de Filosofia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro.
Contrafactuais são simplesmente condicionais cujos antecedentes e
conseqüentes são inalteravelmente falsos (em virtude de serem contrários aos
fatos), e portanto, materialmente verdadeiros mesmo quando nossos raciocínios se
mostram patentemente falsos ou implausíveis, que a análise por implicação
material redunda sempre na verdade do condicional. A literatura pertinente
consagra dois principais posicionamentos na elucidação do problema: uma teoria
‘conseqüencialista’, que inaugura a questão, e teorias posteriores que introduzem
as semânticas de mundos possíveis, dominando praticamente o cenário do
problema. As teses ‘conseqüencialistas’ são tributárias das idéias de Roderick
Chisholm e Nelson Goodman, supondo que a inferência de contrafactuais é
chancelada por algum estoque de crenças ou sentenças verdadeiras, que quando
atuam em concurso com o antecedente, licenciam a inferência do conseqüente.
Em virtude de problemas atinentes aos critérios adotados pelas primeiras teses,
especialmente pela circularidade de seu critério de ‘co-sustentabilidade’, essas
teorias acabaram caindo em relativo desprestígio. A introdução das semânticas de
mundos possíveis permitiu ampliar o escopo da análise de contrafactuais sem cair
nas esparrelas da ‘co-sustentabilidade’. Contudo, e embora tenha alcançado êxitos
formidáveis, essa guinada do problema ensejou compromissos ontológicos
extremamente fortes, ao preço de um conceito de similaridade entre mundos
metafisicamente implausível e epistemicamente insatisfatório. Nossa intenção foi
então a de mostrar que, embora as teorias que recorram às semânticas de mundos
possíveis resguardem inúmeros avanços, uma análise ‘conseqüencialista’ é
epistemicamente prevalente sobre as segundas teorias, fundamentalmente por
permitir uma abordagem mais clara – ou mais intuitiva - de intervenção do mundo
em nossas hipóteses.
Palavras-chave
Condicionais contrafactuais; lógica condicional; metafísica; semântica;
mundos possíveis; filosofia da linguagem.
Abstract
Lemos, Pedro Mendes Ferreira.
Chateaubriand Filho,
Oswaldo
(Advi
sor).
The Reverse of the World. Rio de Janeiro, 2010. 96p. MSc. Dissertation -
Departamento de Filosofia, Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro.
Counterfactuals are simply conditionals whose antecedents and consequents
are unalterably false (in virtue of being contrary to fact), and thus, materially true
even when our reasoning seem patently false or implausible, since its analysis by
material implication always redounds to truth of the conditional. The literature on
counterfactuals acknowledges two main positions to elucidate the problem: a
‘consequentialist’ theory, inaugurating the inquiry, and later theories which
introduce possible world semantics. Consequentialist theses remount to some of
the ideas by Roderick Chisholm and Nelson Goodman, supposing that
counterfactual inferences are legitimated by some stock of beliefs or true
sentences, which act in concurrence with the antecedent and authorize the
inference of the consequent. In virtue of problems related to criteria adopted by
the first theses, and especially for the circularity of ‘cotenability’ criterion, these
first theories fell into relative disrepute. The introduction of possible world
semantics widened the scope of counterfactual analysis, but without falling into
the traps of ‘cotenability’. However, albeit reaching some formidable successes,
this turn has engendered extremely strong ontological commitments, at the
expense of a similarity concept regarding possible worlds, which is both
metaphysically implausible and epistemically unsatisfactory. Our intention was to
show that despite of countless advancements when appealing to possible world
semantics, former ‘consequentialist’ analysis is epistemically prevalent to later
theses, offering a much clearer or more intuitive approach to explain how the
world intervenes in our hypotheses.
Keywords
Counterfactual conditionals; conditional logic; metaphysics; semantics;
possible worlds; philosophy of language.
Sumário
1. INTRODUÇÃO 10
2. A ALVORADA CONSEQUENCIALISTA DA ANÁLISE DE 12
CONTRAFACTUAIS
2.1. Prospectos de um problema: 12
de David Hume ao Teste de Ramsey
2.2. Os condicionais contrários aos fatos: Chisholm 15
2.3. A teoria de Nelson Goodman 21
2.3.1 O problema das ‘condições relevantes’ 27
3. A GUINADA DOS MUNDOS: 35
INTRODUZINDO AS SEMÂNTICAS DE MUNDOS POSSÍVEIS
NA ANÁLISE DE CONTRAFACTUAIS
3.1. Stalnaker e sua teoria de condicionais 35
3.2. David Lewis: uma análise robusta de contrafactuais 49
3.2.1. Contrafactuais e condicionais estritos 52
3.2.2. O contrafactual é um condicional variavelmente estrito 55
3.2.3. Funções selecionadoras, similaridade comparativa e o 64
‘pressuposto do limite’.
4. A QUERELA FUNDAMENTAL: 69
POSSÍVEL NO MUNDO OU MUNDOS POSSÍVEIS?
4.1. Um só mundo, incontáveis problemas: 69
leis, causas e as esparrelas da co-sustentabilidade
4.2. Contrafactuais, ambigüidade e contexto 74
4.3. Mundos Possíveis: a nova miragem dos filósofos? 78
4.4. Um grão de areia no deserto: 81
mundos possíveis e indexicalidade
4.5. O ‘pressuposto do limite’: 83
incomensurabilidade entre mundos
5. CONCLUSÃO 91
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 94
We never do more than move our bodies: the rest is up to nature
Donald Davidson – Essays on Actions and Events
1
INTRODUÇÃO
Muito mais do que partir de cogitações obscuras e abstrusas, são os
problemas oriundos de nossas intuições mais patentes e insuspeitas que
verdadeiramente cativam a mente de um filósofo. Filosofia, de certa forma, é uma
atividade que “nos ensina a inspecionar coisas familiares a partir de um ângulo
que as torne perturbadoras e problemáticas” (Bennett, 2003, p.1). Curiosamente, o
problema apreciado por esta dissertão permaneceu por longo tempo oculto e
intocado, embora estivesse desde sempre latente em nossas suposições mais
corriqueiras, das mais remotas fábulas às mais sofisticadas conjecturas científicas.
Embora de nascimento recente, engendrou em poucos anos uma imensa literatura,
recrutando adeptos a se empenharem em seus mais variados temas. Como não
poderia deixar de ser, esta dissertação teve sua grande motivação na simplicidade
e grandeza de seu tema: o problema dos condicionais contrafactuais.
Se Napoleão tivesse vencido a batalha de Waterloo, teria conquistado toda
Europa; Se o fósforo tivesse sido riscado, teria acendido; Se este copo de vidro
tivesse caído ao chão, teria se quebrado. Em que pese a plausibilidade de facto
destas hipóteses, é curioso que condicionais contrafactuais como estes nos
solicitem freqüentemente uma aceitação. Em termos de sua estrutura,
contrafactuais encerram enunciados condicionais clássicos, em que se aplica um
operador binário a um par de proposições e que geralmente se dispõe em uma
estrutura ternária, de forma que o item condicional indexa os dois outros
enunciados as sentenças constituintes -; ou ainda, que intercala dois enunciados
em uma matriz do tipoSe, então”. Nesta dissertação, a notação empregada para o
condicional puro e simples será , enquanto que será utilizado para os casos de
implicação material.
O condicional, portanto, é gênero do qual os contrafactuais são espécies. Em
modo estrito, os últimos são sempre mediados por uma noção de possibilidade (ou
potencialidade), geralmente expressos na forma gramatical subjuntiva. Sua
principal característica é o fato de serem condicionais cujos antecedentes e
conseqüentes expressam enunciados contrários aos fatos, que reúnem premissas
hipotéticas e sondam, por assim dizer, as relações causais envolvidas na inferência
11
do conseqüente; justamente por isso, resguardam grande valor epistemológico. A
grandevida está por conta dos mecanismos ocultos nesta sondagem.
No que concerne à trajetória do tema, um relativo consenso; a literatura
pertinente, sobretudo Kit Fine (1975), Sanford (1989) e Bennett (2003), consagra
duas principais abordagens que atravessam toda sua história: a primeira delas
remonta historicamente a Roderick Chisholm e Nelson Goodman, com seus
respectivos artigos The Contrary-to-fact Conditional (1946) e The Problem of
Counterfactual Conditionals (1947). Esta primeira linha de pesquisa foi
freqüentemente denominada na literatura de “tese metalingüística”, designação
tributária da análise que David Lewis despendeu à teoria de Goodman, em sua
obra Counterfactuals (1973), mas que lamentavelmente, engendra extensos
equívocos.
Lewis identificou as primeiras teses de condicionais subjuntivos como
metalingüísticas por julgar que suas investigações recaíssem na especificação das
condições de verdade para condicionais em virtude de “entidades lingüísticas
argumentos e suas premissas” (Lewis, 1973, p.66), embora Bennett (2003)
reforce, com bastante propriedade, que a opção dessas teorias de contrafactuais
pela abordagem de ‘enunciados’ e ‘sentenças’, ao invés de ‘proposiçõeso que
provavelmente motivou Lewis a tratá-las como metalingüísticas - o significa
que tivessem propriamente “entidades lingüísticas” em mente.
Em razão disto, esta dissertação designa as primeiras teses como teorias
conseqüencialistas de contrafactuais, por focarem suas análises na relação de
dedutibilidade do conseqüente em virtude do antecedente e a satisfação de
determinadas condições relevantes. A segunda grande investida de análise, com
muito mais repercussão na literatura, remonta essencialmente aos artigos A
Theory of Conditionals de Stalnaker (1968) e à obra Counterfactuals de David
Lewis, publicada em 1973, que comportam uma “guinada de mundos” do
problema, introduzindo as semânticas de mundos possíveis’ para análise de
condicionais contrafactuais, revolucionando a interpretação de contrafactuais e
praticamente dominando o cenário do problema.
2
A ALVORADA CONSEQUENCIALISTA DA ANÁLISE DE
CONTRAFACTUAIS
2.1.
Prospectos de um problema: De David Hume ao teste de Ramsey.
O primeiro grande artigo a suscitar o problema dos contrafactuais foi
certamente The Contrary-to-Fact Conditional (1946), de Roderick Chisholm. O
artigo se tornou emblemático por refletir dois principais fatos: a densidade
filofica de um tema ainda incipiente e, especialmente, por revelar a presença
constante e tácita do problema de contrafactuais em inúmeras questões filoficas
cujos reais pressupostos ainda não eram totalmente claros.
Um dos principais exemplos recai sobre algumas das investigações
empreendidas pelo Positivismo gico. Autores como C. D. Broad, R. Carnap, e
mais um extenso grupo do Positivismogico, produziram uma extensa literatura
concernente aos ‘adjetivos disposicionais’ tais como ‘inflamável, ‘frágil’ ou
‘solúvel’. Tratam-se basicamente de termos que sondam relações hipotéticas; de
sorte que sempre que
associamos um adjetivo disposicional a um substantivo, estamos exprimindo, de
maneira categórica, uma proposição hipotética do seguinte tipo: estivesse isto em
certo estado, e de alguma forma relacionado a outros objetos de tipos específicos,
então certos eventos de um tipo específico se seguiriam em um ou alguns destes
objetos. (Broad apud Chisholm, 1946, p.291)
ou seja, uma disposição, ou potencialidade, como a solubilidade do sal em água
alude à ocasião em que, satisfeitas determinadas condições (e independente de sua
realização), o sal se dissolve ou teria se dissolvido.
Chisholm também remonta às análises de H. H. Price e C. S. Peirce, cujas
intuições, embora ainda carecessem de maior circunspeção, indicavam a
relevância e alcance epistêmico destes tipos condicionais. Price considerava que
os constituintes últimos do universo eram formados pelo que chamara de
“impressões sensíveis hipotéticas”, a intuição de que determinados dados dos
sentidos se tornariam atuais, caso outros dados sensíveis se tornassem atuais. De
forma análoga, para C. S. Peirce, a essência do ‘Pragmatismo se cumpria no
13
exame das “resoluções condicionais concebidas”, condicionais articulados na
forma subjuntiva, que deduzem dos “reais gerais”, o que seriam, ou poderiam vir
a ser, caso fossem atualizados na realidade concreta. As causas dos problemas
inerentes aos contrafactuais, no entanto, sugerem uma origem ainda mais
longínqua.
Na célebre seção VII de seu An Enquiry Concerning Human Understanding,
David Hume define uma causa como sendo uma espécie de “objeto, seguido por
outro, de modo que todos os objetos similares ao primeiroo seguidos por
objetos similares ao segundo” (Hume, 1748 [2007], p.56). À luz de contrafactuais,
esta definição pode ser vertida para a seguinte versão: (1) uma causa é um objeto
seguido por outro; tal que (2) quando houver algum objeto similar ao primeiro, ele
será seguido por objetos similares ao segundo. Ou como esclarece Hume, ainda
em seu próprio Enquiry, tal que “não tivesse o primeiro objeto existido, o segundo
também nunca teria existido (Hume, 1748 [2007], p.56). Destarte, quando
observamos uma bola de bilhar se movendo e colidindo com uma segunda bola
que passa a se mover (o exemplo é do próprio Hume), a conclusão de Hume é a de
que a expectativa de movimento da segunda bola, sob uma relação causal
homogênea, resulta do mero bito da mente, tendo observado as mesmas
relações reiterada e sucessivamente.
O ponto de Hume é que a relação causal que projetamos sobre objetos não
poderia ocorrer por mera sanção lógica, que o nenhum imperativo
propriamente lógico que “governe” o movimento da segunda bola. Deveria,
portanto, ocorrer em razão de algum aspecto físico do universo, inteiramente
contingente. É fácil entender porque as conclusões de Hume trazem à tona o
problema atinente aos contrafactuais. Quando dizemos, por exemplo, que “se a
primeira bola tivesse colidido com a segunda, esta teria se movido”, a conclusão
de Hume é a de que não há nenhuma razão intnseca para se pensar que a
segunda bola teria que se mover, a o ser que alguém pudesse perscrutar
suficientemente as condições relevantes que tornariam a inferência válida, o que
para Hume, tributário de fortes aspirações empiristas, careceria de qualquer
propósito.
No mesmo artigo, supramencionado, Chisholm atribui a Frank P. Ramsey a
primeira real tentativa de eliminação dos problemas relativos aos condicionais
contrafactuais, provinda de algumas idéias contidas em seu artigo General
14
Propositions and Causality (1925 [1931]), de publicação stuma. A suposição
inicial de Ramsey se segue da seguinte forma: Se imaginamos um condicional do
tipo Se x tivesse assistido à peça, x não teria gostado’, para Ramsey estaríamos
adjudicando certas hipóteses às informações das quais dispomos antecipadamente,
de tal forma que a hipótese do antecedente, em concurso com certas informações
tacitamente apreendidas, licencia o conseqüente do contrafactual. A este conjunto
de informações corresponderia, segundo Ramsey, um estoque de conhecimentos e
crenças (Stock of Knowledge and Beliefs). A idéia de Ramsey versa sobre a
capacidade que temos de ponderar sobre hipóteses e gerenciar informações,
sugerindo uma análise de condicionais que convoca as condições de
dedutibilidade ou conseqüência das hipóteses.
Para Ramsey, portanto, ao apreciar um condicional clássico, na forma ‘Se p,
então q’, aduzimos as condições em que q é inferível de p em concurso com
determinados fatos caucionados como verdadeiros (S acredita que p é verdadeiro)
e leis gerais que são convocadas pelo contexto da suposição. Assim, uma
implicação p q, por exemplo, é analisada, nos contrafactuais, pela conjuntura
total dos fatos e regularidades que o tomadas como universais. Esta idéia de
Ramsey passou a ser denominada na literatura subseqüente de Teste de Ramsey,
por envolver uma noção de ensaio mental” de hipóteses ou uma espécie de
experimento de pensamento que e determinadas suposições à prova e as
delibera sob o “foro de conhecimentos e opiniões que alguém credita como
verdadeiras ou no mínimo insuspeitas.
A abordagem de Ramsey recai, portanto, sobre uma investigão das
circunstâncias de derivação do conseqüente em um contexto bastante peculiar,
pois as suposições adicionadas ao antecedente agem em contravenção com
crenças estabelecidas. Na ocasião de asserção do contrafactual, segundo a noção
de Ramsey, um sujeito S que acredita em p (que p é verdadeiro), adiciona
artificiosamente ¬ p ao seu estoque de crenças apenas para deduzir determinadas
conclusões. Como recorda Nicholas Rescher (2007), um condicional de tipo “Se
p, então qserá aceitável, conforme Ramsey, “se e somente se, a aceitação de q é
necessária em virtude da nima alteração, no corpo de crenças, necessária para
acomodar p(Ramsey apud Rescher, 2007, p.161). Stalnaker, em seu A Theory of
Conditionals (1968), descreve a avaliação de um condicional, segundo Ramsey,
da seguinte forma:
15
Primeiramente, adicione o antecedente (hipoteticamente) ao seu estoque de
crenças; Em segundo lugar, faça quaisquer ajustes necessários para manter a
consistência (sem modificar a crença hipotética do antecedente); por último,
considere se o conseqüente é ou não verdadeiro. (Stalnaker, 1968, p.102)
2.2.
Os condicionais contrários aos fatos: Chisholm
Ao pensar condicionais, Chisholm reconhece que grande parte de nosso
conhecimento e raciocínio se assenta em condicionais expressos na forma
subjuntiva ou contrária aos fatos. Mais pontualmente, ele alude às ocasiões em
que exprimimos algum conhecimento sobre o que teria acontecido caso algumas
condições fossem satisfeitas, ou ainda, sobre “quais tendências, faculdades, ou
potencialidades um objeto poderia manifestar em ambientes adequados”
(Chisholm, 1946, p.289). Para Chisholm, tais condicionais se realizam nas
ocasiões em que asserimos uma conjectura, sabendo ou, no nimo, acreditando
que o antecedente é falso. Este tipo de inferência reflete uma habilidade natural do
ser humano em arrazoar sobre as conseqüências de suposições que sabemos serem
contrárias aos fatos.
Chisholm ainda se questiona sobre como seria possível verter um
contrafactual típico, da forma (x) (y) Se x fosse φ e y fosse ψ, y seria
χ
,
exprimindo uma potencialidade, para o modo indicativo. O primeiro diagnóstico
de Chisholm indica que os métodos habituais de tradução ou equivalência dos
condicionais subjuntivos para a forma indicativa redundam em análises triviais.
Dessa forma, suponhamos que temos ao nosso dispor um vaso (frágil) novo em
folha, que nunca tenha caído ao chão ou sofrido qualquer avaria. Neste caso, um
contrafactual na forma subjuntiva, como Se este vaso tivesse caído ao chão, ele
teria se quebrado’, cuja tradução para o modo indicativo nos daria ‘Se este vaso
cai ao chão, ele se quebra’, realça o fato de que a análise vero-funcional por
implicação material tornaria o contrafactual inepto, já que pelo antecedente ser
inalteravelmente falso (pois sob nossa suposição, o vaso nunca caiu ao chão) o
condicional seria sempre materialmente verdadeiro. Isto fica patente ao usarmos a
disjunção equivalente ao condicional material (¬ p q), i.e., ‘ou bem o vaso não
16
cai ao chão, ou bem se quebra’. A mais breve inspão nos mostra que essa
disjunção será sempre verdadeira, pois tendo o vaso nunca caído ao chão
(factualmente), ¬ p é verdadeiro e a disjunção sairá de anteo verdadeira. Para
Chisholm, portanto,
sabendo meramente que o antecedente de um condicional material é falso (ou que
seu conseqüente é verdadeiro) e que, portanto, o condicional é verdadeiro, s não
podemos dizer que o conseqüente seria verdadeiro se o antecedente fosse tornado
verdadeiro. Um condicional subjuntivo é tal que podemos saber que o antecedente
implica de alguma maneira o conseqüente sem, no entanto, saber os valores-de-
verdade de cada um. (Chisholm, 1946, p.295)
Dessa forma, não podemos sequer imputar os valores-de-verdade do
antecedente ou conseqüente pela verdade material do contrafactual. É neste ponto
da análise que Chisholm passa a se reportar ao teste de Ramsey como uma tese
iluminadora, uma primeira sugestão viável na elucidação de contrafactuais por
prescindir da análise vero-funcional. Mas embora as idéias de Ramsey
apontassem para um campo de investigação conveniente, é curioso, conforme
Chisholm constata, que em muitas ocasiões afirmássemos um condicional
subjuntivo para justamente evidenciar a ausência de nexo inferencial entre o
antecedente e o conseqüente, de modo que as relações de derivabilidade entre as
premissas hipotéticas e suas conclusões, no sentido proposto por Ramsey,
demandavam melhores esclarecimentos. Esta constatação de Chisholm de certa
forma desabonava as boas intuições do teste de Ramsey.
Para ilustrar as dificuldades, notemos que ao afirmarmos um condicional do
tipo (Mesmo que) as ações da bolsa de Nova York fechassem hoje em baixa de
5%, (ainda assim) Warren Buffett estaria rico, nós queremos dizer que o
conseqüente ocorreria de qualquer maneira, ou ainda, que o concurso de fatos com
o antecedente é insuficiente ou irrelevante para interferir no resultado. Para
Chisholm, estes tipos de contrafactuais indicavam a propriedade que tinham de
delatar a “inderivabilidade do condicional, mostrando que hipóteses
contrafactuais convocam ou dispensam espontaneamente as condições de dedução
em jogo.
Chisholm ainda nota que C. I. Lewis apresenta uma proposta semelhante à
de Ramsey, ao sugerir que as inferências da linguagem natural, mesmo quando
envolvem condicionais materiais, são articuladas na forma vinculada p e p q
17
implicam logicamente q’. Não obstante, embora reflita um argumento bastante
intuitivo e com enorme apelo, a formulação de C. I. Lewis ainda é incapaz de
esclarecer ou delimitar as informações que estão condicionando o antecedente.
Este fato é agravado por ilustração do próprio Chisholm.
Recordando as iias de Ramsey e C. I. Lewis, ao julgar um condicional C,
tal como Se Holbrook tivesse sido eleito, o preço do trigo iria subir’, estamos
tentando acomodar o enunciado indicativo ‘Holbrook é eleito’ (chamemos este de
H) com determinadas informações que implicam ou não o conseqüente o
preço do trigo sobe’ (chamemos este de W). Porém, notemos que o significado
estrito do condicional não depende das condições particulares de assertibilidade,
deliberadas por cada indivíduo, sendo cogitadas por estoques distintos de
“informação prévia”.
Assim, quando duas pessoas sustentam um condicional tal como C, seu
significado é exatamente o mesmo, embora seja possível que cada pessoa esteja
afirmando ou recusando C em virtude de estoques de creas radicalmente
divergentes. Isso sugere que a asserção de um condicional subjuntivo se subordina
a um plano mais geral de dedução de hiteses, sobrejacente às condições
particulares de inferência, de sorte que existe uma classe geral de enunciados
verdadeiros que ao agir em conjunto com H, permite a dedução de W. Destarte,
Chisholm conclui que ao sustentar um condicional C, estamos querendo dizer que
[existe] um enunciado p tal que p e H implicam W e p é verdadeiro” (Chisholm,
1946, p.299). Chisholm reconhece, no entanto, que a fórmula é em si insuficiente,
pois não exclui determinados enunciados p que trivializariam o condicional.
Suponhamos, por exemplo, que acreditamos que Holbrook nunca será de
fato eleito para um cargo público. Neste caso, o condicional universal ‘(x) Se x é
um cargo público e Holbrook é eleito para x, o preço do trigo sobe’ será
trivialmente verdadeiro, já que ao acomodar este condicional com nossa crença de
que “Holbrook nunca será eleito para um cargo público”, o antecedente universal
passa automaticamente a determinar uma classe vazia de membros e trivializa o
resultado do conseqüente. Isto fica evidente, como mostra Chisholm, quando
notamos que um segundo condicional, tal como (x)Se x é um cargo público e
Holbrook é eleito para x, então o trigo deste ano irá se transformar em ouro’,
será também trivialmente verdadeiro, embora neste caso, o despropósito da
assertiva seja muito mais evidente. De fato, a não restrição da inclusão de tais
18
condicionais universais permitiria que afirmássemos qualquer coisa, sejam elas
intuitivamente verdadeiras, patentemente falsas, fisicamente implausíveis ou
impossíveis, absurdas, contraditórias, etc. Em face de qualquer crença que
tivermos, e que, portanto, aceitamos como verdadeira (S acredita que p é
verdadeiro), podemos sempre elaborar um condicional universal correlato U, de
tal sorte que p em concurso com U torne o antecedente falso (determine uma
classe vazia) e o condicional passe a ser materialmente verdadeiro.
Assim sendo, Chisholm elabora uma série de medidas restringentes para
impedir a “contaminação” do antecedente por uma classe de trivializadores. Desse
modo, proíbem-se primeiramente os condicionais universais cujos antecedentes
determinem, ao entrar em conjunção com o estoque de crenças, uma classe vazia
de membros. Analogamente, serão aceitos condicionais universais que
importem, simultaneamente, enunciados que assegurem a existência de membros
da classe determinada pelo seu antecedente. Também são proibidas as asserções
de condicionais materialmente verdadeiros pela mera falsidade do antecedente ou
verdade do conseqüente.
Mas esse conjunto de regras ainda não seria restritivo o suficiente para
evitar trivializações, como aponta Chisholm, dado que a tradução de um
contrafactual no modo subjuntivo, tal como Se este vaso tivesse caído ao chão,
ele teria se quebrado, para o modo indicativo, mesmo cumprindo todas as
obrigações mencionadas, não seria suficiente para evitar trivialização. Pois
suponhamos o seguinte enunciado p: (x) [(x = vaso)
(( x cai)
( x se quebra))],
existe pelo menos um x tal que x = vaso. Note que nosso enunciado p assegura a
existência de membros da classe determinada pelo antecedente. Mas este
enunciado também será trivialmente verdadeiro se o subjuntivo original for
julgado como materialmente verdadeiro, i.e., que é verdadeiro em virtude
exclusivamente do antecedente ser falso (pois factualmente, nosso vaso nunca
caiu ao chão). A solução, para Chisholm, recairia sobre a inclusão de mais uma
regra de restrição: nosso enunciado p não poderá incluir, neste caso, qualquer
condicional universal cujo conseqüente inclua, simultaneamente, ou bem uma
função logicamente equivalente a x cai”, ou bem logicamente equivalente a x se
quebra”. Portanto, ao avaliarmos um condicional subjuntivo na forma ‘(x) (y) se x
fosse φ e y fosse ψ, então y seria
χ
, para afastar a possibilidade de trivialização,
nosso enunciado p não poderá incluir um
19
condicional universal cujo conseqüente inclua quaisquer duas funções que sejam
logicamente equivalentes a funções que tenham ‘x é φ e y é ψ e ‘y é χ como
instâncias correspondentes, ou cujo antecedente inclua qualquer função que o
contenha a variável de quantificação (Chisholm, 1946, p.301).
Ainda assim, mesmo ao adicionarmos esta solução à classe de normas
restringentes, o critério permanece inócuo em contornar problemas relativos a
generalizações não-acidentais, que são corriqueiramente solicitadas a se filiar ao
antecedente para inferir o conseqüente, como é o caso típico de contrafactuais
subjuntivos que envolvem termos disposicionais ou solicitam leis gerais da
natureza.
O exemplo de Chisholm é suficientemente lúcido. Se supusermos, por
exemplo, que existem dois personagens distintos, independentes entre si e que,
por pura continncia dos fatos venham a se sentar em um mesmo banco de um
parque, e que, suponhamos ainda, ambos são irlandeses. Pois se erguemos um
universal tal como ‘(x) Se x se sentou ao banco do parque... no tempo..., x é
irlandês’, isso nos licenciaria, em tese, a aplicar a fórmula de tal maneira que
teríamos um condicional da forma ‘Se Ivan estivesse sentado no banco do
parque... no tempo... Ivan seria irlandês’. A improcedência deste subjuntivo
parece bastante clara, pela simples razão de que não vislumbramos
implicatividade, ou nexo causal, entre o fato de se sentar em um banco do parque
e o fato de se ser irlandês.
Este último tipo de condicional universal ilustra o que podemos chamar de
uma “generalização meramente acidental”, uma mera coincidência resultante de
uma enumeração simples de eventos singulares. Distintamente, generalizações
como Todos os homens são mortais denotam extrema implicatividade. No
primeiro caso, somos resistentes a aceitar que um conseqüente subjuntivo tal
como x seria Irlandês” pudesse ser inferido de “se x estivesse sentado no banco
do parque”; no segundo caso, não temos problema em aceitar que x seria mortal”
pudesse ser inferido de “se x fosse homem”. E. L. Beardsley (1949) nota que o
maior problema enfrentado por Chisholm, ao lidar com tais sentenças universais,
resulta justamente “da dificuldade em encontrar um par de definições (de não-
acidental’ e ‘implicar contrafactuais verdadeiros’) que não sejam circulares”
(Beardsley, 1949, p.573), i.e., ao invés de defini-los por recurso a cada particular
que confirma o universal.
20
Outro problema, curiosamente antevisto por Chisholm em seu artigo (e que
se desdobrou posteriormente nas análises de Goodman), é o fato de que
condicionais contrafactuais na forma subjuntiva engendram rotineiramente
problemas de ambigüidade do contexto de suposição. Isso ocorre especialmente
quando um antecedente subjuntivo envolve alguma relação de equivalência,
supondo uma identidade contrafactual. São casos de antecedentes como “se x
fosse y”, que para todos os efeitos, querem dizer o mesmo que se x fosse idêntico
a you ainda, relações do tipo “se x estivesse no mesmo lugar de y”. Nesse caso,
o fica claro se a suposição exige que x seja ajustado de tal sorte a se
compatibilizar com y ou o contrário, ou seja, não é bem definido quem toma o
papel de contexto e quem toma propriamente o papel de hipótese.
Alguém poderia cogitar, por exemplo, a hipótese (H
1
) de que Se Apollo
fosse um homem, ele seria mortal’, a quem, por sua vez, outra pessoa poderia
retorquir que (H
2
) Caso Apollo fosse um homem, pelo menos um homem seria
imortal’. Podemos ainda complementar as constatações de Chisholm notando
simplesmente que, em (H
1
), “Apollo está sendo tomado como argumento e o
atributo de ser um homemé o contexto de suposição, enquanto que em (H
2
), o
atributo de ser um homemestá sendo tomado como argumento e “Apolloé o
contexto de suposição.
Como mostra Chisholm, o antecedente ‘Se Apollo fosse um homem’ deve
ser desambiguado da seguinte maneira: Em (H
1
), o antecedente significa algo
como “se Apollo fosse diferente do que sempre acreditamos que ele fosse, e
possuísse todos os atributos possuídos por todos os homens”. Já em (H
2
), o
antecedente significa algo como “se a classe de todos os homens fosse mais ampla
do que acreditássemos ser, de modo que também incluísse Apollo, então algum
homem seria imortal”. O segundo problema atinente às generalizações não-
acidentais, apresentado por Chisholm, transcorre sobre a possibilidade de sempre
transformar condicionais universais não-acidentais em condicionais universais
meramente acidentais.
Assim, poderíamos dispor, por exemplo, de um condicional universal como
(i) ‘(x) Se x tomar água daquele poço, x irá se envenenar’; por outro lado,
suponhamos que daqueles que efetivamente se envenenaram, um tenha nascido no
lugar p no tempo t, o outro em p’ e t’, etc. (de forma que tenhamos uma descrição
unívoca). Segundo Chisholm, na ocasião desta suposição, poderíamos asserir um
21
condicional universal acidental (ii), de sorte que “(x) se x nasceu em p e t, ou em
p’ e t’, etc., x está envenenado” (Chisholm, 1946, p. 305). Como nota Chisholm, o
problema é agravado pelo fato de que de (i) poderíamos inferir o contrafactual
correlato ‘Se x bebesse da água daquele poço, x se envenenaria’; contudo, não
seria válido inferir de (ii) seu contrafactual correlato ‘Se x tivesse nascido em p e t,
x se envenenaria’.
Todas essas situações recalcitrantes indicavam fortemente que o elemento
problemático dos contrafactuais se concentrava na relação de dedutibilidade e
conseqüência, no laço inferencial que ligava o antecedente ao conseqüente, e
principalmente, no modo como regularidades não-acidentais intervinham nesta
relação. De fato, uma das razões que conferiram bastante destaque ao enigma dos
contrafactuais foi o peso que as leis da natureza, ou regularidades não-acidentais,
desempenhavam em sua análise, de modo que se tornou impossível, em dado
momento, prosseguir uma teoria de contrafactuais que dispensasse o tratamento
deste tema. Portanto, as primeiras teorias de contrafactuais não foram apenas
motivadas pela busca do significado dos contrafactuais, mas também
inversamente, como nota D. Edgington (1995), foram impulsionadas pelo fato de
que “se compreendêssemos contrafactuais, isto poderia [finalmente] nos iluminar
sobre a noção de lei” (Edgington, 1995, p.247). Ou como afirmou o próprio
Goodman, cuja teoria será exposta em maiores detalhes na próxima parte,
Uma definição satisfatória de lei científica, uma teoria satisfatória da confirmação
ou de termos disposicionais [...] resolveria grande parte do problema dos
contrafactuais. Do mesmo modo, a ausência de uma solução a este problema
implica que não tenhamos um tratamento adequado a quaisquer desses outros
tópicos. Inversamente, a solução do problema dos contrafactuais nos forneceria
respostas a questões cruciais sobre lei, confirmação e o significado de
potencialidade. (Goodman, 1947, p.113).
2.3.
A teoria de Nelson Goodman
Com a publicação do artigo The Problem of Counterfactual Conditionals
(Goodman, 1947), o tema dos contrafactuais passa definitivamente a adentrar a
arena filosófica e se populariza em escala considerável. Também se diga, tornou-
22
se a teoria conseqüencialista padrão de contrafactuais, posto que é a mais bem
desenvolvida e referenciada dessas teorias.
O primeiro grande avanço de Goodman, em contraste com Chisholm, foi o
de escandir a análise de condicionais contrafactuais para a falsidade concomitante
do conseqüente em concurso com o antecedente, de forma que a designação
‘condicional contrafactual’ se referisse apenas aos condicionais cujos
antecedentes e conseqüentes são inalterável e simultaneamente falsos, em virtude
de serem contrários aos fatos. Um exemplo modelo de condicional contrafactual
para Goodman é ilustrado pelo próprio (Cf.: Goodman, 1946, p.113):
(1) Se este pedaço de manteiga tivesse se aquecido a 150º F (65° C),
ele teria derretido
Goodman, seguindo as intuições já notadas por Chisholm, atenta para o fato
de que os contrafactuais, considerados como compostos vero-funcionais, são
verdadeiros meramente em virtude de sua própria forma, que são
inalteravelmente falsos. De tal modo que um contrafactual (2) cujo antecedente
fosse o mesmo de (1), mas com o conseqüente contradirio ao conseqüente de
(1):
(2) Se este pedaço de manteiga tivesse se aquecido a 150º F, ele não
teria derretido
teria o mesmo valor de verdade de (1). Portanto, para Goodman, a principal tarefa
relativa à análise dos contrafactuais passa a ser a de investigar as circunstâncias
em que um contrafactual é verdadeiro, enquanto o mesmo contrafactual com
conseqüente negado é falso, e mais, a busca de um tal critério de verdade deve ter
em mente que “um contrafactual, pela sua natureza, não poderia nunca ser
submetido a qualquer teste empírico direto pela [mera] suposição de seu
antecedente” (Goodman, 1947, p. 114).
Goodman reconhece que o problema propriamente dito, referente aos
contrafactuais, é em verdade um problema que extrapola a mera forma em que
condicionais são afirmados, de maneira que mesmo quando contrafactuais são
vertidos para condicionais factuais - ou poderíamos até complementar, mesmo
23
quando subjuntivos contrafactuais são vertidos para o modo indicativoa questão
diz respeito às circunstâncias de ratificação das conclusões. Deste modo, embora o
contrafactual (1) seja logicamente equivalente ao seu contrapositivo factual (1’):
(1’) Visto que este pedaço de manteiga não derreteu, ele não foi
aquecido a 150º F
A plausibilidade tanto de (1) quanto de (1’) não resulta meramente da
verdade ou falsidade de seus antecedentes e conseqüentes enquanto componentes
vero-funcionais da implicação, mas sim de outros fatos que ainda não são
totalmente claros.
Goodman também nota que outros tipos de condicionais exigem
esclarecimentos mais profundos quando passam a envolver contrafactualidade.
Ele ilustra o caso do que denomina de “semifactuais”, condicionais que Chisholm
havia inclusive investigado, como pudemos ver. Goodman mostra que, embora
aceitemos o semifactual:
(3) Mesmo que o fósforo tivesse sido riscado, ainda assim não teria
acendido
Não propendemos a aceitar, no entanto, seu contrapositivo:
(3’) Mesmo que o fósforo tivesse acendido, ainda assim não teria sido
riscado
A intenção original, como elucida Goodman, era a de afirmar que o
acendimento do fósforo não poderia ser inequivocamente inferido do ato de riscar
o fósforo. Semifactuais são, portanto, condicionais que negam o que é afirmado
pelo contrafactual oposto. Isto fica evidente ao notarmos que o semifactual (3)
tem a intenção de negar diretamente o contrafactual
(4) Se o fósforo tivesse sido riscado, ele teria acendido
24
Semifactuais são afirmados, portanto, não para mostrar que o conseqüente
se seguiria do antecedente, mas inversamente, para evidenciar que uma
insuficiência de condições para dedução do conseqüente; diferentemente,
contrafactuais plenos, afirmam, ou têm a intenção de assegurar, que a conexão
entre antecedente e conseqüente prevalece.
Outro tipo especial de contrafactual, analisado por Goodman, são os
denominados contrainticos”, condicionais cujos antecedentes são suposições
de identidade. Como já vimos, Chisholm também analisou estes tipos de
condicionais nos casos de antecedentes que exprimem uma relação de
equivalência. Para Goodman, um contraidêntico pode ser ilustrado no condicional
Se eu fosse Júlio Cesar, eu não estaria vivo no culo XX
Ou
Se Júlio Cesar fosse eu, ele estaria vivo no século XX
Assim como Chisholm, Goodman percebe que, embora os antecedentes
exprimam uma relação equivalente de identidade, os conseqüentes são, em tese,
incompatíveis entre si. Esta incompatibilidade resulta, em verdade, da
ambigüidade de apreensão da identidade enquanto hipótese, o que já havia sido
identificado por Chisholm, como podemos recordar.
Outro tipo de condicional que exprime hipóteses potencialmente
contraditórias são os chamados contracomparativos”, condicionais cujos
antecedentes supõem relações comparativas, tais como (i) Se eu tivesse chegado
mais tarde, teria perdido o trem’. Segundo Goodman, o problema subjacente a
um antecedente contracomparativo é o fato de que ao traduzi-lo para um único
enunciado contendo uma relação entre duas sentenças não modalizadas e sem
tempo verbal, criamos antecedentes fatalmente auto-contraditórios, de modo que
(i) ficaria (ii) Se “eu cheguei mais tarde do que cheguei” fosse verdadeiro.
Embora Goodman reconheça que este último antecedente não exprime
corretamente o sentido originalmente intencionado. Uma das soluções que
Goodman oferece para os contracomparativos demanda apenas a introdução de
um quantificador existencial, de modo que:
25
(t) t é um tempo eu cheguei no tempo t se eu tivesse chegado mais
tarde em relação a t, eu teria perdido o trem.
Neste caso, a auto-contradição de (i) é resolvida. Goodman também percebe
que estes dois últimos tipos de contrafactuais, “contracomparativos” e
contrainticos”, originam tais dificuldades aparentes apenas em razão da
imprecisão semântica do contexto de suposição, e bastaria que o falante ou o
escritor dirimissem os equívocos fixando as condições, de forma que não haja
uma imprecisão propriamente intrínseca a esses condicionais. Por exemplo, se
temos um conflito entre dois condicionais
Se Belo Horizonte estivesse no Rio Grande do Sul, então Belo Horizonte
estaria na região sul.
Se o Rio Grande do Sul incluísse Belo Horizonte, então o Rio Grande do
Sul não estaria mais na região sul do Brasil.
De acordo com Goodman, embora ambos os antecedentes expressem
relações logicamente indiscerníveis, o direcionamento das expressões é distinto,
de forma que o primeiro antecedente exprime algo como
Se Belo Horizonte estivesse no Rio Grande do Sul, e as fronteiras do Rio
Grande do Sul permanecessem inalteradas...
Enquanto o segundo antecedente exprimiria algo como
Se o Rio Grande do Sul incluísse Belo Horizonte, e as fronteiras de Belo
Horizonte permanecessem inalteradas...
Um último tipo especial de condicional, pertencente à classe de
contrafactuais, como mostra Goodman, são o que chama de “contralegais”,
contrafactuais cujos antecedentes supõem fatos particulares impossíveis ou que
violam leis gerais do entendimento, tais como
26
Se círculos fossem quadrados,...
Se a soma de 1 e 3 fosse igual a 5,...
Se este cubo de gelo fosse esférico,...
Para Goodman, embora possamos afirmar que todos esses contrafactuais
encerrem problemas interessantes, em um vel conceitual ou abstrato, eles sequer
se aproximam do grau de dificuldade que é suscitado pelos contrafactuais usuais.
Destarte, dois importantes problemas em jogo. Em primeiro lugar, temos de
encarar o fato de que uma reivindicação de conexão entre o antecedente e o
conseqüente é feita com base na assunção de que existem determinadas
circunstâncias que atuam com o antecedente, e obviamente, essas circunstâncias
o vêm explicitadas no condicional. Segundo Goodman, portanto, quando
enunciamos um contrafactual do tipo:
Se este fósforo tivesse sido riscado, ele teria acendido
“nós queremos dizer que as condições são tais - i.e., o fósforo é bem feito,
suficientemente seco, há suficiente oxigênio presente, etc. - que ‘este fósforo
acende’ pode ser inferido de ‘este fósforo foi riscado’” (Goodman, 1947, p.116).
A constatação deste fato manifesta o primeiro problema a ser investigado por uma
teoria adequada de contrafactuais: definir e especificar quais são as sentenças que
atuam em conjunção com o antecedente contrafactual e chancelam a inferência do
conseqüente. Estas sentenças, para Goodman, descreveriam as verdadeiras
condições relevantes” envolvidas na inferência do condicional. A esta definição e
investigação do que comportam tais sentenças corresponde o “problema das
condições relevantes”.
Mas mesmo assim, como antecipa Goodman, mesmo sabendo que uma
primeira tarefa da teoria de contrafactuais se assentaria nessa investigação,
descobrindo quais são as “condições relevantes em pauta, devemos reconhecer
que a conexão subjacente ao antecedente e ao conseqüente não é de natureza
meramente abstrata ou formal. Neste ponto, é difícil discordar de Goodman.
Contrafactuais de fato sugerem que o conseqüente raramente se segue
logicamente do antecedente por pura sanção lógica, isto é, se temos algo a
27
investigar, provavelmente não será uma relação propriamente lógica entre os
enunciados (ou não apenas).
Assim, para Goodman havia claramente um sintoma de que deveria haver
enunciados implícitos assumidos tacitamente que estariam conduzindo o
antecedente contrafactual ao conseqüente, embora essa relação não fosse de
natureza propriamente lógica. O princípio, portanto, que permite inferir
Este fósforo acende
da conjunção
Este fósforo é riscado Este fósforo está suficientemente seco
oxigênio o suficiente...
o se reduz a um imperativo lógico, mas sim a alguma lei de natureza causal ou
física. Isto se traduz no segundo grande problema identificado por Goodman:
definir o que são e como se comportam tais leis em uma circunstância de
suposição contrafactual. A esta definão e investigação corresponde, portanto, o
problema das leis”.
2.3.1.
O problema das ‘condições relevantes’
Goodman propõe inicialmente que cogitemos que o conseqüente seja
acarretado em virtude de alguma lei que sustenta a suposição do antecedente,
acrescida de uma descrição de um estado-de-coisas atual do mundo. Pensemos,
seguindo Goodman, que um consequente C é inferível de um antecedente A, a
partir de um conjunto S de sentenças verdadeiras que é convocado a agir com A.
Este conjunto S formaria, portanto, uma base que licita certas conclusões a partir
de determinadas suposições contrafactuais, sendo composta de enunciados que,
somados ao antecendente, delimitam as condições de suficiência da dedução do
conseqüente; de tal sorte que: (A S) C.
28
Goodman se questiona então se poderíamos prescindir da circunscrição mais
precisa das condições relevantes, já que bastaria somar ao antecedente o conjunto
de todas as sentenças verdadeiras que compõem o estado atual de coisas no
mundo. Esta idéia pressupõe que as condições irrelevantes não interfeririam no
resultado e que, portanto, resolveríamos o problema simplesmente incluindo tudo.
O universo inteiro! Essa suposição mostra a Goodman que, pelo contrário, a não
circunscrição precisa da classe das “condições relevantes” e o não impedimento
da inclusão indesejada de determinados enunciados, ensejariam grandes
problemas. O primeiro deles seria a trivialização formal do conseqüente.
Basta notar que se adicionássemos ao antecedente todas (absolutamente
todas!) as sentenças verdadeiras que descrevem o estado atual de coisas no
mundo, estaríamos incluindo a negação ¬ A do antecedente (verdadeiro, visto que
A é contrafactual e, portanto, falso). Como é evidente, isto resultaria em um
problema de trivialização, de tal modo que, de um par de contraditórios (A ¬
A), qualquer coisa se segue; tanto C quanto ¬ C passam a ser inferíveis. Portanto,
deve-se excluir enunciados logicamente incompatíveis com o antecedente.
Podemos denominar este problema de (a) problema da trivialização formal.
Notemos que a intuão de um tal conjunto S de sentenças verdadeiras, que
atuariam em conjunção com o antecedente, é uma concepção que se espalha por
todas as teses consequencialistas que são, de alguma forma, tributárias das iias
de Ramsey. Bennett faz uma leitura bastante elucidativa deste conjunto S (que ele
prefere chamar de conjunto Support) de Goodman, explicando que se trata
basicamente do conjunto que convoca os “fatos contingentes que ajudam a tornar
o condicional verdadeiro” (Bennett, 2003, p.303). Contingentes, pois descrevem
fatos particulares cuja negação, obviamente, o implicaria em contradições e
serviria como suporte heurístico de conclusões contrafactuais. Para David Lewis
(1973), este conjunto se come de ‘premissas adicionais adequadas’, de forma
que numa teoria consequencialista ou metalingüística, como prefere Lewis - o
contrafactual é verdadeiro se, e somente se, estas premissas em conjunção com o
antecedente implicam o conseqüente.
De fato, não só Goodman, mas também Chisholm já supunham que se a tese
consequencialista estivesse correta, o conseqüente se seguiria do antecedente
apenas se determinados enunciados relevantes para a inferência (obviamente, não
29
qualquer enunciado) fossem factualmente verdadeiros. Como notam Brown &
Watling (1952), “eles desejavam poder caracterizar esses enunciados relevantes
de tal forma que a descrição pudesse ser incorporada em uma fórmula indicativa”
(Brown & Watling, 1952, p.225).
Outro problema avaliado por Goodman foi o fato de que determinadas
sentenças verdadeiras, embora não contradissessem formalmente o antecedente,
eram incompatíveis com o antecedente. Goodman nos dá o seguinte exemplo:
Para um antecedente como
Se este radiador tivesse se congelado, ele teria se quebrado
Dentre as sentenças verdadeiras de S, no caso deste antecedente, haveria
Este radiador nunca atingiu uma temperatura abaixo de 33° F
(correspondente a em torno de 0°C, ponto de congelamento)
Também é verdadeiro que
Todos os radiadores que congelam sem terem atingido temperatura abaixo
de 33° F, se quebram.
E também é verdadeiro que
Todos os radiadores que congelam sem terem atingido temperatura abaixo
de 33° F, não se quebram.
Pelo fato de que não existe, fisicamente, um tal radiador que congela sem ter
atingido temperatura abaixo de 33°F, ou melhor, pelo fato de que nenhuma
observação dos fatos contingentes do mundo até hoje corroborou esse antecedente
ou falseou um princípio geral, é possível inferir dessa incompatibilidade qualquer
conclusão. Podemos denominar este empecilho de (b) problema da trivialização
fática, cuja incompatibilidade resulta dos fatos do mundo, de um aspecto sico e
contingente do universo, e não uma incompatibilidade lógica. Para Goodman a
30
opção mais natural seria a de repelir os contrafactuais que dependam de leis ou
regularidades gerais que são vazias; contrafactuais devem ser, portanto, avaliados
apenas à luz de enunciados estritamente universais, tais como Todos os Fs o
Gsquando de fato um F, ou seja, F denota uma classe que inclui pelo menos
um membro.
Goodman percebe, no entanto, que mesmo ao excluir princípios vazios, é
possível ainda utilizar princípios não-vazios que sustentam os mesmos resultados
de incompatibilidade, às custas apenas de uma inocente disjunção:
(i) Tudo que é, ou bem um radiador que congela sem estar abaixo de
0°C, ou bem uma bolha de sabão, se quebra;
(ii) Tudo que é, ou bem um radiador que congela sem estar abaixo de
0°C, ou bem um punhado de cinzas, não se quebra;
Com esses tipos de princípios adicionados ao conjunto S, também é possível
inferir qualquer conseqüente. Goodman proe, dessa forma, definir condições
relevantes’ como o conjunto de todos os enunciados verdadeiros que tenham: (i)
compatibilidade lógica com A e também (ii) compatibilidade fática (ou não-
lógica, como diz Goodman) com A; de modo que incompatibilidade fática resulta
da infração de alguma lei fática geral. Isso, no entanto, não é o suficiente, pois se
temos um contrafactual como:
Se João estivesse na Coréia,...
O antecedente será totalmente compatível com as informações:
João não está na Coréia do Sul
e
João não está na Coréia do Norte
E também,
A Coréia do Norte somada à Coréia do Sul é idêntica à Coréia
31
Se tomarmos todos os enunciados correspondentes a essas informações, e
somá-los ao antecedente Se João estivesse na Coréia, engendramos auto-
incompatibilidade, de modo que não é suficiente deduzir o conseqüente a partir de
(A S) e mais alguma lei ou princípio geral relevante, pois isso tornaria
verdadeiro tanto o contrafactual:
Se João estivesse na Coréia, ele estaria na Coréia do Sul
quanto,
Se João estivesse na Coréia, ele estaria na Coréia do Norte
Obviamente, essas conclusões são incompatíveis entre si e não podem ser
simultaneamente verdadeiras. A análise correta de contrafactuais, portanto,
deveria evitar a auto-incompatibilidade, de modo que um contrafactual passa a ser
verdadeiro
se, e somente se, existe algum conjunto S de enunciados verdadeiros tal que A & S
é auto-compatível e conduz ao conseqüente em virtude de uma lei, ao passo que
não existe um conjunto S’ tal que A & S seja auto-compatível e conduza, em
virtude de uma lei, à negação do conseqüente (Goodman, 1947, p.118).
Em suma, a solução de Goodman foi simplesmente a de proibir a intrusão
de um condicional rival tão bom quanto o original, i.e., que preservasse os
mesmos aspectos de compatibilidade, mas que nos levasse à conclusão indesejada.
Como observou Parry (1957), essas dificuldades expostas por Goodman
obliteram, de certa forma, certas condições mais banais do que os aparentes
problemas suscitados pelo exemplo. Parry argumenta que ao ensaiar um
antecedente como Se João estivesse na Coréia,...”, estamos abstraindo as
condições relevantes sobre localização geográfica de João enquanto preservamos
os demais fatos e suas relações com o estado-de-coisas no mundo (coisa que não
fazemos inteiramente ao abstrair a localização geográfica).
Para Parry, seria “patente que as ‘outras coisas’ [os demais fatos,] incluídas
nas condições relevantes, S, não poderiam incluir qualquer coisa à respeito da
32
localização atual no momento do antecedente” (Parry, 1957, p.90). Ainda
segundo Parry, seria fundamental distinguir propriedades essenciais de outras
acidentais, ou ainda, atributos cuja contingência dependa de outros atributos, tal
como localização geográfica. Certos atributos contingentes, como idade ou
nacionalidade, cuja modificação não i interferir no contrafactual
(especificamente neste contrafactual), devem ser distinguidos de outros atributos,
tais como localização espacial, cuja modificação hipotética irá alterar o resultado
final. De todo modo, Parry reconhece que tal distinção, embora fundamental, não
seria necessariamente simples de ser trada.
A réplica de Goodman a Parry (1957) veio apenas alguns meses após a
crítica. A objeção foi incisiva: tal distinção seria dificilmente exeqüível e
possivelmente mais complexa do que suas próprias tentativas de elaborar um
critério funcional de auto-compatibilidade. A sugestão de Parry (tratar
distintamente atributos) é ou bem restritiva demais, ou bem vaga demais.
Conforme Goodman, especialmente restritiva demais [e portanto, inócua] pois se
aplicaria apenas a contrafactuais sobre localizações” (Goodman, 1957, p.444).
Em todo caso, Goodman admite que sua restrição é incapaz de dar conta
completamente do problema. Pois dentre os enunciados verdadeiros do conjunto S
estaria também a negação ¬ C do conseqüente (verdadeiro, visto que C é
contrafactual e, portanto, falso). Se ¬ C for incompatível com A, então A será
suficientemente forte para chancelar o conseqüente, sem o aulio de quaisquer
condições adicionais; Por outro lado, se ¬ C for realmente compatível com A (o
que ocorre na absoluta maioria dos casos relevantes) e estiver atuando em S, então
a conjunção (A S) nos dará trivialmente ¬ C (e não C, que é o que queremos).
Para Goodman o mais importante é que o critério nos o conseqüente
correto, mas o nos dê, ou proíba, o conseqüente oposto; ou ainda, que possa
embargar o estabelecimento de alguma conexão inferencial que chancele ¬ C. O
conjunto S por si só, quando está isolado, não é capaz de decidir entre C e ¬ C,
mas quando for adicionado ao antecedente, S deve ser capaz de permitir C e
afastar ¬ C. Outro problema correlato é que possivelmente S conterá sentenças
que, embora sejam compatíveis com A, elas não seriam verdadeiras se A fosse
tornado verdadeiro. Queremos, por exemplo, que o seguinte contrafactual seja
verdadeiro:
33
(a) Se o fósforo F tivesse sido riscado, teria acendido.
Mas obviamente queremos negar que o seguinte contrafactual seja
verdadeiro:
(b) Se o fósforo F tivesse sido riscado, ele não estaria seco.
Com os critérios elaborados até agora, não dispomos de regras o suficiente
para impedir o estabelecimento do contrafactual (b), que é obviamente falso, visto
que não procede nenhuma implicatividade entre o fósforo ser riscado e ele então
o estar seco (ou começar a se molhar”, conforme melhor ilustrão posterior).
Isto ocorre pelos seguintes fatos: primeiramente, podemos dizer que S inclui entre
suas sentenças verdadeiras a sentença:
Fósforo F não acendeu
que no condicional em pauta, (a), é totalmente compatível com o antecedente.
Nosso composto A S irá então incluir uma série de conjunções de condições
relevantes, tais como:
Fósforo F é riscado Fósforo F não acendeu Fósforo F foi bem feito
(estruturalmente perfeito, preserva todas as condições esperadas, etc.)
oxigênio o suficiente para combustão...
Neste caso, de A S podemos legitimamente inferir
Fósforo F não estava seco
Assim, Goodman entende que o conjunto S deve não só ser compatível com
A, mas também sustentar apenas enunciados co-sustentáveis com A, i.e., segundo
Goodman, um enunciado B de S será co-sustentável (cotenable) com A, e a
conjunção A S será co-sustentável “se não for o caso que S não fosse verdadeiro
34
quando A fosse verdadeiro” (Goodman, 1947, p.120). A esta cláusula corresponde
o ‘problema da co-sustentabilidade’.
O problema maior, conforme Goodman, é o fato de que para determinar se
um conjunto S que seja co-sustentável com A, teríamos de determinar “se o
contrafactual ‘Se A fosse verdadeiro, então S seria verdadeiro’ é em si verdadeiro
(Goodman, 1947, p.121). De tal maneira que a verdade de A deve nos levar à
verdade de S, mantendo compatibilidade entre os enunciados; ao passo que a
verdade de A não deve nos levar à verdade de ¬ S. Goodman constata que a
autorização” de S é circular, pois ela depende de uma verificação a posteriori da
ausência de um S’, que seja co-sustentável com A, e que permita a inferência de ¬
S.
A cusula de co-sustentabilidade poderia ser parafraseada da seguinte
maneira: um enunciado B de S é co-sustentável com A, se e somente se, (A B)
¬ (A ¬ B); então, neste caso, o enunciado ¬ B (“fósforo F não acendeu”)
deveria ser excluído do conjunto S, pois ele não é co-sustentável com o
antecedente A fósforo F foi riscado”, pois quando A for verdadeiro, ¬ B será
falso, ou seja: ¬ (A ¬ B). Examinaremos melhor este problema em nosso
terceiro capítulo.
3
A GUINADA DOS MUNDOS: INTRODUZINDO AS
SEMÂNTICAS DE MUNDOS POSSÍVEIS NA ANÁLISE DE
CONTRAFACTUAIS.
3.1.
Stalnaker e sua teoria de condicionais
Com a publicação de A Theory of Conditionals em 1968, a filosofia analítica
desabrolhar um extraordinário instrumento na elucidação e análise de
condicionais, especialmente frutífera para modos subjuntivos e contrafactuais. Tal
foi o impacto na comunidade filosófica, Tyler Burge descreve os trabalhos deste
período como exemplos do “alto nível de criatividade e argumentação” (Burge,
1992, p.18) de seus autores, ora mais orientados para lógica aplicada, ora mais
inclinados a elucidar investigações filosóficas mais profundas. O artigo de
Stalnaker abriu definitivamente um imenso continente aos olhos mais incautos de
inúmeros filósofos, lingüistas e lógicos que passaram a se ocupar do tema (e a
súbita explosão de artigos nessa área, logo após o de Stalnaker, vem a
corroborar a dimensão desse entusiasmo). Havia claramente uma promessa em
jogo, onde todos poderiam finalmente se furtar a alguns dos problemas das
primeiras teorias contrafactualistas (mesmo que ao preço do surgimento de outros
não menos profundos).
Impulsionados pelos estudos de Stalnaker, seus seguidores se empenharam,
sobretudo, em desenvolver modelos de lógica intensional para esmiuçar a forma
lógica de determinadas funções semânticas complexas, como a do condicional.
Embora todo o rito não caiba exclusivamente a Stalnaker, é indiscutível que
seu artigo tenha sido o principal deflagrador da introdução das semânticas de
mundos possíveis na agenda filosófica de contrafactuais; Assim, Stalnaker
inaugurou o que poderíamos chamar de uma “guinada modal envolvida na
análise de condicionais, alçando seu clímax na publicação do grande baluarte
desta segunda fase de teorias contrafactualistas: a obra Counterfactuals de Lewis.
Não custa reiterar, Stalnaker foi o primeiro a sugerir pontualmente uma
análise que recorresse a mundos possíveis (ao menos numa datação que recorra à
literatura publicada estritamente sobre contrafactuais); sua ‘pedra angular’ era o
36
fato de que “um mundo possível é o análogo ontológico do estoque de crenças
hipotéticas” (Stalnaker, 1968, p.102) a que Ramsey se referira em seu General
Propositions and Causality. De fato, como se verá, a tese de Ramsey foi
fundamental para Stalnaker esboçar sua teoria.
No artigo, Stalnaker identifica uma sentença condicional como uma função
que articula duas proposições, embora reconheça de pronto que tal função não
resguarde um caráter vero-funcional. A imputação de valor de verdade para cada
proposição não é, portanto, razão suficiente para auferir valor de verdade para o
composto condicional inteiro. Stalnaker entende o problema geral dos
condicionais sob três âmbitos fundamentais: um de ordem lógica, outro de ordem
pragmática e por fim, um de ordem epistemológica.
1) O problema lógico de condicionais sobre o qual Stalnaker
discorre mais detidamente em seu artigo - concerne à identificação
e descrição corretas das relações e propriedades formais
subjacentes a funções condicionais, ou ainda, aos meios formais
pelos quais uma função condicional articula devidamente um par de
proposições.
2) O problema pragmático se refere à concepção de que a mera
descrição das propriedades da função condicional, acrescida ainda
de todos os fatos relevantes (supondo-se que esse empenho seja
exaurível, mesmo num plano puramente hipotético), não confere
razão suficiente para determinar o valor de verdade total de um
condicional, i.e., um mesmo conjunto de valores de verdade para
todos os enunciados não condicionais pode se manter consistente
com valorações divergentes dos enunciados condicionais. Este fato
é análogo à constatação, evidente no artigo de Goodman, de que
um dos primeiros problemas relativos aos contrafactuais resulta da
indiscernibilidade material entre dois contrafactuais cujos
antecedentes o idênticos, mas cujos conseqüentes são
contraditórios. Segundo Stalnaker, este problema, relativo a
contrafactuais, motiva a investigação por critérios eminentemente
pragmáticos (e não semânticos), de modo que se torne possível
37
preferir uma determinada valoração de verdade a outra, tornando o
condicional decidível, por assim dizer, e pragmaticamente
discernível.
3) Por fim, o problema epistemológico de condicionais, suscitado
desde os primeiros empenhos do Positivismo Lógico, alude ao fato
de condicionais se comportarem ao mesmo tempo como
enunciados empíricos ancorados por estado-de-coisas do mundo,
aspectos essenciais da realidade e leis causais gerais da natureza -,
mas ao mesmo tempo como enunciados contrários aos fatos
suportados por estados-de-coisas puramente possíveis, i.e., não
atualizados donde recai propriamente o condicional de tipo
contrafactual. Esta dificuldade decorre da própria natureza das
suposições contrafactuais, que por serem enunciados contingentes
sobre potencialidades irrealizadas, deveriam ser passíveis de
confirmação por evidência empírica no mundo atual (coisa que não
o são, obviamente, no caso de contrafactuais).
Para Stalnaker, as dificuldades transcorridas dessas constatações levaram
alguns filósofos a analisar contrafactuais fora do escopo propriamente
condicional, urgindo-se a necessidade de analisar os condicionais subjuntivos no
modo indicativo. Como nota Stalnaker, a transformação de condicionais
subjuntivos em indicativos tornara-se, para certos filósofos, tão necessária quanto
conveniente para uma teoria de contrafactuais, na medida em que condicionais
apenas aparentariam falar sobre possibilidades ainda não atualizadas, e todos os
problemas surgidos de contrafactuais poderiam ser finalmente dirimidos com
recurso a essa transformação dos enunciados. Na prática, não foi exatamente o
que ocorreu.
Ao contrário dessa linha de investigação, - cujo primeiro arauto, segundo o
artigo, seria Chisholm -, Stalnaker preferiu, portanto, relacionar o domínio do
possível, inerente a contrafacuais, ao domínio do real, e não às aparências. Esta é
uma inflexão fundamental que divide claramente duas abordagens de
interpretação dos condicionais, de maneira geral, e de contrafactuais, em sentido
38
estrito. A diferença está no enfoque da noção de ‘possibilidade’; na maneira em
que esta noção intervém na interpretação do condicional. Para teorias
consequencialistas, como de Goodman ou Chisholm, a ideia de ‘possibilidade’, a
subjuntividade de um contrafactual, talvez aluda mais a uma espécie de
modalização secundária (não essencial) de um aspecto causal mais geral, e menos
a uma caracterização ontologicamente essencial de um estado-de-coisas do
‘possível’.
Este fato se torna patente quando notamos que para Goodman, por exemplo,
a principal tarefa de elucidar contrafactuais recairia especialmente no
esclarecimento (“finalmente!”, talvez enfatizaria Goodman) sobre os efeitos que
leis causais gerais exercem em suposições contrafactuais. Nesse sentido,
contrafactuais que lidam com regularidades da natureza são o que são
(comportam-se de tal ou tal maneira) não em razão de ser algum tipo de
representante imanente de um reino ontológico do ‘possível’, mas sim em razão
de confirmarem e serem suportados por leis causais gerais, como se fossem uma
espécie de efeito colateral das regularidades naturais, um flagrante sintoma do
poder de intervenção das leis mais gerais da natureza.
Todas as teorias subseqüentes a Stalnaker, que recorrem às semânticas de
mundos possíveis, vertem para o domínio ontológico do “possível” a
responsabilidade de abalizar suposições contrafactuais, trazendo o aspecto
potencial de um condicional para o centro da arena de análise.
Para Stalnaker, a interpretação de um contrafactual recai sobre uma
incógnita essencial a qualquer teoria de condicionais: de que maneira, afinal,
avaliamos ou deliberamos sobre nossas hipóteses quando ensaiamos suposições
contrafactuais? Conforme exposto anteriormente, a primeira hipótese aventada
pelos primeiros filósofos que se ocuparam da questão, rejeitava a interpretação
de contrafactuais pela análise vero-funcional; por mera implicação material.
Destarte, basta recorrer a exemplos simples para demonstrar que esta análise se
enreda em dificuldades e licencia facilmente o surgimento de argumentos
falaciosos. O próprio exemplo oferecido por Stalnaker vem a calhar.
Remontemos à data do artigo de Stalnaker; o ano, 1968. O mundo se
polarizava entre um Ocidente de sistema majoritário capitalista e um gigante
bloco socialista sediado na porção oriental do globo. Nessas circunstâncias, fartas
para a imprensa política internacional, tensões políticas e fatores limites eram
39
constantes no cenário internacional; sempre regadas a muitas especulações, teorias
conspiratórias e situações fantasiosas as mais diversas (muitas delas ensejando
conseqüências políticas reais e desastrosas). A recente literatura historiográfica
sobre conflagrações mundiais está farta de exemplos desse tipo e os mais diversos
argumentos e contendas contrafactuais em favor de teorias curiosas
1
. Também
eram constantes (ad nauseam para alguns) as pesquisas de opinião envolvendo as
mais diversas hipóteses de conjuntura bélica ao modo de condicionais
contrafactuais. Stalnaker, no bojo de tal situação, alude a uma dessas possíveis
pesquisas.
Imaginemos de imediato uma seqüência de dois possíveis cenários,
exatamente nessa ordem: (1) A China socialista decide interferir no conflito do
Vietnam; e (2) Os Estados Unidos decidem usar seu arsenal nuclear. Portanto,
poderíamos convocar o seguinte contrafactual: Se a China socialista interferisse
no conflito do Vietnam, os Estados Unidos passariam a utilizar suas armas
nucleares. Segundo a análise de cunho vero-funcional, a interpretação recairia
sobre os seguintes termos: Caso a resposta seja ‘não’ para (1), i.e, “A China
socialista não irá interferir no conflito”, o condicional já sairá verdadeiro de
antemão; da mesma forma, caso a resposta para (2) seja ‘sim’, i.e., “Os Estados
Unidos irão utilizar armas nucleares!”, o condicional também sairá de antemão
verdadeiro.
Portanto, ao adotarmos tal interpretação, seria possível antecipar a verdade
do condicional pela simples aceitação de que (1) fosse irremediavelmente falso,
i.e., que se acreditasse que a China nunca interferiria no conflito do Vietnam,
independente do que acontecesse no mundo, o que seria uma óbvia falácia non
sequitur. Como atenta Stalnaker, “a falsidade do antecedente nunca é razão
suficiente para afirmar um condicional, mesmo um condicional indicativo”
(Stalnaker,1968, p.100), e nunca haveria razão de sê-lo, pois não faria sequer
sentido afirmar uma suposição condicional apenas em virtude de se não aceitar
(acreditar ser falso) o antecedente. Alguém que utilizasse um condicional dessa
forma estaria, no mínimo, agindo discursivamente de má-fé.
1
Como analisa J. D. Fearon, em seu excelente Counterfactuals and Hypothesis Testing in Political
Science, In: World Politics, Vol. 43 (1991), pp.169-195. Em especial, os argumentos na literatura
para as causas da I Guerra Mundial e a não ocorrência da III Guerra Mundial
40
A segunda maneira de responder à suposição da pesquisa imputaria alguma
espécie de relação causal entre (1) e (2), focando a questão sob o ponto de vista da
relação envolvida entre o antecedente e o conseqüente. Para os partidários dessa
interpretação, a noção de conexão, implícita no condicional, seria prioritária sobre
qualquer outra possível interpretação. Neste caso, não importam os valores de
verdade das afirmações, mas sim a relação existente entre as proposições
exprimidas por cada hitese.
Destarte, o condicional será verdadeiro quando houver uma relação; e será
falso quando não houver. A ideia, embora rudimentar se apresentada estritamente
nesses termos, encontra eco nas primeiras teses conseencialistas, como de
Goodman e Chisholm. Mas para Stalnaker, o número de contra-exemplos a essa
interpretação parece ser suficiente em ameaçar a consistência de uma tese tão
intuitiva. Bastaria pensarmos que se aceitássemos o conseqüente (2) como
inexoravelmente verdadeiro, i.e., acreditamos que os Estados Unidos irão utilizar
seu arsenal nuclear independente das intervenções chinesas, por razões as mais
simples, então poderíamos acreditar que o condicional é verdadeiro, mesmo
desacreditando que haja qualquer conexão ou dependência entre o antecedente e
seu conseqüente.
Na realidade, estamos chancelando o condicional porque sabemos que o
conseqüente se seguirá “de qualquer jeito”, ou seja, que se seguirá de quaisquer
aspectos razoáveis e possíveis que intervenham no mundo, incluindo a verdade da
hipótese (1), inclusive se houver interferência chinesa, embora em nosso caso,
estamos aprovando o condicional exatamente em virtude de o antecedente ser
irrelevante.
2
Stalnaker conclui que “a presença de uma ‘conexão’ não é uma
condição necessária para a verdade de um enunciado do tipo se-então.” (Stalnaker
1968, p.101).
A terceira possível resposta à contenda recairia sobre a sugestão feita por
Ramsey acerca de raciocínios contrafactuais, já acenada em nosso primeiro
capítulo. Segundo o teste de Ramsey, a ideia de conexão entre o antecedente e o
conseqüente não seria mais prioritária (embora o seja necessariamente
2
Neste caso, observe que o fato de ser irrelevante não constitui razão suficiente para falsear o
condicional
41
irrelevante), dando lugar a uma espécie de experimento de pensamento
deliberativo. Neste caso, como nota Stalnaker, se não uma opinião sobre o
primeiro enunciado, i.e., se não uma opinião a respeito da interferência ou não
da China no conflito do Vietnam, o teste de Ramsey maneja o condicional da
seguinte forma: em primeiro lugar, adicionamos o antecedente (hipoteticamente)
ao nosso estoque de conhecimento ou crenças; em segundo lugar, deliberamos
sobre a verdade do conseqüente em virtude dos ajustes necessários para
compatibilizar o antecedente com o estoque prévio de conhecimento e crenças.
Conforme o teste de Ramsey, a decisão final sobre todo o condicional coincidirá
com a deliberação sobre a verdade ou falsidade do conseqüente estritamente
nestes termos.
Pode-se notar que a exigência de relação ou conexão entre o antecedente e o
conseqüente é subtraída do resultado final. Pois ora, quando for o caso de se
acreditar haver uma conexão de natureza lógica ou causal, então o conseqüente irá
simplesmente se somar ao estoque de crenças junto com o antecedente (sem
necessidade de ajustes mais severos), “pois o homem racional acolhe as
conseqüências de suas crenças” (Stalnaker 1968, p.101).
Diversamente, porém, se o conseqüente é acreditado como verdadeiro e
causalmente independente do antecedente, ele permanecerá intacto como parte do
estoque de creas após a introdução do antecedente, “pois o homem racional não
altera suas crenças sem motivos” (Stalnaker 1968, p.101). Dessa forma, o teste de
Ramsey permite avaliar uma eventual conexão entre os enunciados, mas sem que
esta informação constitua condição necessária para a verdade de um condicional.
O teste de Ramsey, segundo Stalnaker, é perfeitamente oportuno para os
casos onde o valor de verdade do antecedente é desconhecido ou supérfluo para a
deliberação final sobre o condicional. Também não causará problemas para os
casos em que o antecedente é simplesmente creditado como verdadeiro, pois o
estoque de crenças será simplesmente preservado e avaliado em concurso com o
conseqüente, como se o antecedente sequer precisasse ter sido convocado.
Os problemas começam a surgir nos casos em que o antecedente é creditado
como incontestavelmente falso, i.e., quando a introdução do antecedente no
estoque prévio de crenças engendra uma inconsistência; desta sorte, o antecedente
não pode ser convocado sem alguma espécie de compatibilização com o estoque
de crenças, alterando as crenças que conflitam com o antecedente. O problema é
42
que sem demais esclarecimentos, não havendo critérios claros, haverá mais de
uma maneira de realizar os ajustes e compatibilizar o antecedente com o estoque
do agente; possivelmente, haverá inclusive maneiras que produzirão estoques
contraditórios.
Stalnaker ainda atenta para o fato de que uma teoria satisfatória da função
condicional não deve depender dos contextos particulares de crenças, i.e., a
definição da função deve prescindir das contingências de cada estoque particular
de crença, de cada agente deliberador. Portanto, embora Stalnaker reconheça que
a ideia de Ramsey possa apenas indicar um caminho aproximado de interpretação
sem resolver totalmente o problema que contorna os mecanismos de ajuste do
antecedente com o estoque de crenças -, sua teoria de condicionais irá adotar a
estrutura do teste de Ramsey como alicerce fundamental para uma análise das
condições veritativas do contrafactual. Desse modo, Stalnaker transita do critério
impreciso das ‘condições de crença’ do teste de Ramsey para um novo conjunto
de ‘condições de verdademais rigoroso para enunciados na forma condicional.
Sobretudo, Stalnaker defende que uma análise que recorra a ‘mundos possíveis’
permite a elaboração precisa de uma teoria semântica formal sobre a qual um
condicional pode ser interpretado.
Para tornar curta uma explicação tão extensa, podemos dizer que tanto as
semânticas de Stalnaker, quanto as de Lewis – ilustradas no próximo capítulo - se
ancoram nas noções primitivas de mundos possíveis e alguma noção de
similaridade entre esses mundos. Obviamente, porém, ambos o fazem com
algumas diferenças; algumas talvez mais sutis, outras mais graves. Como bem
explicita Donald Nute (1975), em ambas as teorias, “a verdade ou falsidade de um
enunciado contrafactual é determinada pela verdade ou falsidade do conseqüente
do enunciado em algum mundo possível ou mundos onde o antecedente é
verdadeiro” (Nute, 1975, p.773). Embora se possa adiantar, Stalnaker e Lewis
começam a se divergir a partir do momento em que encaram as condições de
similaridade envolvidas na seleção comparativa de mundos, como poderemos
notar adiante.
A mecânica em Stalnaker é certamente mais simples do que em Lewis. Ela
simplesmente sugere que para cada ‘condicional contrafactual’ do tipo “Se A,
então B”, deve-se em primeiro lugar, (1) Considerar (ou simplesmente selecionar)
os mundos possíveis onde A é verdadeiro. Em segundo lugar, dentre os mundos
43
onde A é verdadeiro, deve-se selecionar o mundo-A
3
que se distinga minimamente
do mundo atual; Em terceiro, julga-se o condicional “Se A, então B como
verdadeiro nos casos em que B é também verdadeiro neste mundo possível
selecionado (mundo-A), e falso nos casos em que B é falso.
Stalnaker se apoia nos sistemas semânticos para lógica modal elaborados
por Saul Kripke
4
. Primeiramente, toma a própria definição kripkeana para uma
estrutura de modelo, i.e., uma tripla ordenada M = (
Κ
, R,
λ
); onde
Κ
representa o
conjunto de todos os mundos possíveis; R identifica a relação de ‘possibilidade
relativa’ que define a estrutura. Desse modo, se α e β são ‘mundos possíveis’
(pertencem ao conjunto
Κ
), então αRβ significa o mesmo que β é possível em
relação a α”. Neste caso, note que onde α for o mundo atual, β tomará a posição
de um ‘mundo possível’ relativo a α (ao mundo atual). Note também que a
relação R é reflexiva, de modo que qualquer mundo será possível em relação a si
mesmo.
À parte do sistema de Kripke,
λ
é um elemento introduzido na estrutura por
Stalnaker (não fazendo parte da semântica modal standard de Kripke).
λ
pertence
a
Κ
e é definido como o mundo absurdo, “o mundo onde contradições e todas as
suas conseqüências são verdadeiras(Stalnaker, 1968, p.103). dois principais
aspectos de
λ
. Em primeiro, nenhum mundo pode ser possível em relação a
λ
, a
não ser o próprio
λ
; conversamente,
λ
o é possível em relação a qualquer outro
mundo que não
λ
; Em segundo lugar, a principal função de
λ
no modelo de
Stalnaker é simplesmente a de fornecer uma interpretação para “Se A, então Bno
caso em que A for impossível.
Stalnaker também inclui uma ferramenta fundamental em seu modelo: uma
função selecionadora f que tem como argumentos uma proposição e um mundo
possível; e como valor de função, um dado mundo possível. Assim sendo, para
cada antecedente A, esta função irá selecionar um mundo possível mais próximo,
em que A é verdadeiro. A notação f (A,
α
) representará, portanto, a função que nos
3
Considere “mundo-A” o mesmo que “mundo possível onde A é verdadeiro
4
Cf. Stalnaker, sobretudo S. Kripke, "Semantical Analysis of Modal Logics, I," In: Zeitschrift für
mathematische Logik und Grundlagen der Mathematik, vol. 9 (1963), pp. 67-96.
44
como valor de função o mundo possível mais próximo onde o antecedente A é
verdadeiro. Por exemplo, se f(A,
α
)=
β
, isso quer dizer que
β
é o mundo
selecionado por f , tendo
α
como mundo base e A como antecedente.
Destarte, a asserção positiva de um condicional simplesmente informa que o
conseqüente em pauta é verdadeiro no mundo selecionado, i.e., o condicional
contrafactual será verdadeiro para o mundo atual na ocasião em que seu
conseqüente é também verdadeiro no mundo selecionado. Com isso, torna-se
possível determinar as primeiras duas regras semânticas para o condicional. Para
sua teoria, Stalnaker adota > (o ‘corner’) como conectivo condicional.
A > B será verdadeiro em
α
se B for verdadeiro em f (A,
α
)
A > B será falso em
α
se B for falso em f (A,
α
)
Para Stalnaker, essa nova interpretação para lógica condicional, sendo uma
simples extensão da lógica modal, permite manejar enunciados sobre situações
inatuais (irrealizadas), porém possíveis; o que representaria exatamente o que é
manifestado por raciocínios contrafactuais condicionalizados: simplesmente
“enunciados sobre mundos contrafactuais particulares” (Stalnaker, 1968, p.104).
Não obstante, deve-se notar que para Stalnaker, é absolutamente fundamental que
a função-f seja eficaz em selecionar o mundo correto para consumar a
interpretação, ou seja, deve ser hábil em selecionar realmente o mundo mais
próximo ao mundo atual.
As 4 condições adiante procuram, portanto, orientar os critérios pragmáticos
na escolha do melhor mundo possível para cada condicional, dispondo uma
ordenação de mundos possíveis de acordo com sua semelhança em relação ao
mundo atual; indo desde o mundo base, i.e., o mundo mais próximo ao mundo
atual (selecionado pela função f de acordo com o antecedente) até o mundo
absurdo (o mundo menos semelhante ao mundo atual). Para uma ordenação
rigorosa, as condições se mostram fundamentais; Stalnaker as circunscreve sob os
seguintes termos: Onde para f (A,
α
) =
β
- sendo A a proposição expressa pelo
antecedente;
α
o mundo base;
β
o mundo selecionado – as condições se seguem:
45
(1) Para todos os antecedentes A e mundos base
α
, A deve ser
verdadeiro em f (A,
α
).
(2) Para todos os antecedentes A e mundos base
α
, a função f (A,
α
) nos
dará o mundo impossível (f (A,
α
)=
λ
) apenas quando não houver qualquer
mundo possível em relação a
α
em que A seja também verdadeiro.
(3) Para todos os mundos base
α
e todos os antecedentes A, se A for
verdadeiro em
α
, então f (A,
α
)=
α
(4) Para todos os mundos base
α
e todos os antecedentes B e B’, se B
for verdadeiro em f (
Β
’,
α
) e B for verdadeiro em f (B,
α
), então f (B,
α
)
será idêntico a f (B’,
α
).
A condição (1) simplesmente exige que o antecedente seja verdadeiro no
mundo selecionado. A condição (2) nos garante que o mundo absurdo (o mundo
onde todas as contradições e suas conseências são verdadeiras) seja selecionado
apenas em uma hipótese: quando o antecedente for impossível. A condição
prevenirá que uma conclusão impossível decorra de uma suposição consistente.
A condição (3) parecerá redundante, embora seja imprescindível para o
modelo. Ela serve simplesmente para exigir que o mundo base seja selecionado
quando estiver presente dentre os mundos onde o antecedente é verdadeiro;
obviamente, o mundo base será mais semelhante a si mesmo que qualquer outro
mundo possível. A regra (4) é simplesmente uma condição de assimetria que
garante estrutura hierarquizada entre os mundos possíveis (do mais próximo ao
mais distante do mundo base). Desse modo, quando uma dada seleção estipula um
mundo possível
β
como prioritário (mais próximo ao mundo base
α
) em relação a
outro mundo
β
’, então não poderá haver qualquer outra seleção (relativa ao
mundo base) que hierarquize
β
’ como prioritário a
β
.
Somadas, essas 4 condições procuram reproduzir a inspiração primordial da
teoria de Stalnaker: garantir uma estratégia interpretativa que permita maximizar a
proximidade entre o mundo atual e o mundo selecionado, de forma que se
interponha entre eles a mínima diferença possível. A intuição correta estaria,
46
portanto, em efetuar a melhor escolha possível dentre todos os mundos
candidatos, de tal forma que se selecione o mundo “que provoca a menor
violência à correta descrição e explicação do mundo atual” (Stalnaker, 1968,
p.104). Para Stalnaker, essas condições são suficientes em assegurar as noções
semânticas para validade e conseqüência num sistema formal de lógica
condicional.
Dadas as condições, o sistema formal pode ser apresentado em alguns
poucos passos. Os conectivos primitivos podem se restringir à implicação material
, à negação ¬ e ao condicional corner>; a disjunção (), conjunção () e bi-
implicação () o definidas da maneira usual, por recurso à implicação e
negação. Outras definições, para operadores modais e o ‘corner’, incluem:
A =
df
¬A > A
A =
df
¬(A > ¬A)
A <> B =
df
(A > B)
(B > A)
As regras de inferência são por * modus ponens - quando A e A B forem
teoremas, B seum teorema - e * necessitação de Gödel Se A for um teorema,
A será um teorema. Há sete axiomas:
(1) Qualquer fórmula bem formada (fbf) tautológica é um axioma
(2) (A B) (A B)
(3) (A B) (A > B)
(4) A . (A > B) ¬ (A > ¬B)
(5) A > (B C) . (A > B) (A > C)
(6) (A > B) (A B)
(7) A <> B . (A > C) (B > C)
Os axiomas (3) e (6) nos mostram que o condicional corner A > B se
mantém entre a implicação material A B - cuja implicatividade é a mais fraca - e
47
a implicação estrita (A B) - cuja implicatividade é a mais forte. Não obstante,
no modelo de Stalnaker, o corner carecerá de algumas das propriedades das
implicações material e estrita, o que em tese, elucidaria comportamentos
incomuns de contrafactuais. Por exemplo, o corner é um condicional não-
transitivo, i.e., de (A > B) e (B > C), não é possível inferir (A > C).
Segundo Stalnaker, isso explicaria a razão de argumentos transitivos não
funcionarem com contrafactuais subjuntivos. Imaginemos, que em pleno ano de
1968, alguém diz: Se J. Edgar Hoover tivesse nascido na Rússia, ele seria um
comunista e Se J. Edgar Hoover fosse um comunista, ele seria um traidor”.
Destas premissas, não se pode inferir que “Se J. Edgar Hoover tivesse nascido na
Rússia, ele seria um traidor”.
Uma segunda importante propriedade do condicional é o fato de que sua
negação corresponde ao condicional com mesmo antecedente, mas com o
conseqüente oposto. Isso significa que negar plenamente um contrafactual é o
mesmo que afirmar o conseqüente factual em virtude do mesmo antecedente
contrafactual. (i.e., não importando a suposição contrafactual do antecedente).
Isto fica patente no seguinte exemplo: Imaginemos um diálogo entre dois
ativistas ambientais, um mais otimista e outro mais pessimista. O otimista afirma
que Se a humanidade tivesse se despertado para o aquecimento global na
década de 80, o mundo estaria salvo de um colapso”. O pessimista, por sua vez,
lhe retorquiu que muito pelo contrário, pois Se a humanidade tivesse se
despertado para o aquecimento global na década de 80, (ainda assim) o mundo
não estaria salvo de um colapso” (“pois já era tarde demais”, pensa o pessimista).
Esta é a maneira correta de negar um contrafactual. Em terceiro lugar, deve-se
notar que a regra de contraposição não é válida para lógica condicional, ou seja, a
verdade de (A > B) não garante a verdade de (¬ B > ¬ A), mas isso dependerá do
contexto de asserção do condicional contrafactual.
Apenas a título de recordação, lembremos que Goodman já havia enfatizado
algumas dessas anomalias, afirmando inclusive que contrafactuais deveriam se
restringir somente a condicionais que afirmam plenamente; e que condicionais
cujos antecedentes são falsos, mas os conseqüentes o verdadeiros (o que
chamara de semifactuais) não deveriam ser categorizados como contrafactuais
autênticos. Stalnaker reconhece inclusive as constatações de Goodman (assim
48
como de Chisholm). Em virtude dessas anomalias, o principal empenho de
Stalnaker foi o de construir uma teoria semântica que pudesse elucidar a estrutura
e aplicação do conceito condicional, i.e., construir um sistema, com aparato
semântico, regras de inferência e axiomas que pudessem iluminar a razão dessas
anomalias, o motivo de princípios clássicos da implicação, por exemplo, não
serem aplicáveis a condicionais contrafactuais, etc.
Não obstante, um dos maiores problemas da teoria de Stalnaker é o fato de
que, semanticamente, ela trata contrafactuais de maneira literal, i.e., enunciados
que aludem à possibilidade de um determinado estado-de-coisas no mundo atual
são agora abordados como se falassem literalmente de ‘mundos possíveis’.
Mesmo que essa não fosse sua intenção inicial. Stalnaker inclusive sabe, e não
hesita em reconhecer, que para qualquer pessoa de inclinação mais empirista, sua
teoria poderia soar como um total contra-senso. Afinal, um “investigador pode
colher evidências no mundo atual” (Stalnaker, 1968, p.99). A questão
fundamental é esta: em que sentido, portanto, o mundo atual e suas evidências
seriam relevantes na intervenção da verdade ou falsidade de um contrafactual se
seu conteúdo semântico alude a mundos possíveis que o empiricamente
inacessíveis?
A esquiva de Stalnaker, já no final de seu artigo, é feita de modo bem breve,
embora bastante esclarecedora. Para ele, quando definimos um mundo possível,
podemos fazê-lo de forma a ignorar uma porção infinita de seus enunciados
verdadeiros (tão infinito quanto se quiser). Por exemplo, poderíamos convocar um
mundo possível onde a população da China nesse mundo acompanha, a cada
mínimo instante (Stalnaker prefere “a cada dia”), a população da China no mundo
atual. Veja que esta suposição atribui, ao mundo possível, certo aspecto do mundo
atual sem, no entanto, conhecê-lo de fato (afinal, qual a quantidade exata de
pessoas na China, neste exato instante?). Este desconhecimento, segundo
Stalnaker, não nos impediu de solicitar um mundo possível que resguarda uma
semelhança precisa com o mundo atual.
Assim, ele defende que quando convocamos um mundo possível para
decidir sobre um contrafactual, estamos nos licenciando a cogitá-lo sob alguns
pressupostos, mesmo não sabendo precisamente alguns de seus aspectos. Ao
convocar mundos, diz ele: “estou inventando este mundo – sendo puro produto de
minhas intenções – mas que já nele aspectos verdadeiros dos quais nunca
49
saberei a respeito.” (Stalnaker, 1968, p.112). Segundo Stalnaker, portanto, tudo o
que um condicional faz é simplesmente replicar algum aspecto relevante do
mundo atual em um mundo possível, tendo como base fragmentos de informação
sobre o mundo atual.
Além de replicar esses aspectos, o condicional empreende uma segunda
tarefa fundamental: ele ao mesmo tempo reproduz e promove ajustes no mundo
possível de maneira a torná-lo o mais próximo possível do mundo atual, de modo
que a cada nova informação relevante sobre o mundo atual, o mundo possível é
prontamente alterado para atender a essas mudanças. Portanto, esses pedaços de
informação sobre o mundo intervêm sobre contrafactuais, na medida em que,
segundo as próprias palavras de Stalnaker, “eles me dizem mais a respeito da
situação o-atual que selecionei.” (Stalnaker, 1968, p.112). E seria justamente
isso que torna possível, para Stalnaker, que enunciados sobre possibilidades não
realizadas nos digam não apenas a respeito da imaginação do falante, mas
[também] do mundo” (Stalnaker, 1968, p.112).
3.2.
David Lewis: Uma análise robusta de contrafactuais
Em Counterfactuals, Lewis reconhece que sua análise de contrafactuais é
tributária das semânticas de ‘mundos possíveis’ para lógica intensional como
também foi sustentado por Stalnaker -; em especial, Lewis se inspira nos trabalhos
de Saul Kripke, Richard Montague e Dana Scott. Sua análise se aproxima bastante
da proposta de Stalnaker, compartilhando o recurso a um modelo semântico cujos
pressupostos são praticamente os mesmos, embora com alguns ajustes oportunos
que consagrarão uma teoria incrivelmente mais robusta, mais resistente aos
antigos casos recalcitrantes e, surpreendentemente, mais apta a lidar com
problemas que sequer haviam sido aventados.
Fazendo uma analogia com a célebre menção de Kant, para quem sua nova
solução ao problema de Hume representara uma “revolução copernicana” para a
teoria do conhecimento, a teoria de Lewis foi uma espécie de revolução
darwiniana” frente a teorias “lamarckistas” de condicionais; não no sentido de
falsear as teorias precedentes, mas pelo fato da teoria de Lewis apresentar um
50
poder explanatório infinitamente maior, podendo não elucidar tudo o que as
teorias precedentes explicavam (embora certamente peque em termos de
simplicidade), como também explicar a maioria dos problemas que ainda não
podiam ser respondidos por insuficiência dos recursos até então disponíveis.
Lewis entende que um contrafactual é simplesmente um condicional que se
remete a um estado-de-coisas possível e que se assemelhe ao máximo ao estado-
de-coisas no mundo atual (tanto quanto for necessário e permitido se assemelhar).
Assim, conforme própria ilustração de Lewis, o condicional Se cangurus não
possuíssem cauda, perderiam o equilíbrioalude a um estado-de-coisas próximo
do atual (o mais possivelmente próximo e permitido) onde cangurus não possuem
cauda e que, especialmente, perdem o equilíbrio estritamente em virtude deste
contrafato. Os rudimentos da teoria de Lewis podem ser apresentados da seguinte
forma.
Para analisar um contrafactual, a primeira inovação de Lewis foi a
introdução de dois conectivos contrafactuais que traduzem as construções de
suposições contrafactuais da linguagem ordinária para um vocabulário modal, de
forma que se possa evidenciar como os valores de verdade num dado ‘mundo
possível’ de um contrafactual dependem, por sua vez, dos valores de verdade de
outros ‘mundos possíveis’ que preservam relações com seus antecedentes e
conseqüentes. Assim, os operadores (Box) e (Diamond), que como já vimos,
na semântica modal clássica assinalam, respectivamente, a necessidade e
possibilidade das proposições operadas, são então ampliados para operarem em
conjunto com o conectivo condicional . Dessa forma, deve ser lido como
fosse o caso que..., então seria necessariamente o caso que...’; deve ser lido
como fosse o caso que..., então seria possivelmente o caso que...(Lewis, 1973,
p.1-2). No caso do contrafactual mencionado, com o uso dos novos conectivos
teríamos duas possíveis sentenças condicionais, que dispomos da seguinte forma:
Para :
Se cangurus não possuíssem cauda, eles necessariamente perderiam o
equilíbrio
51
Ou: Fosse o caso que cangurus não possuíssem cauda, então seria
necessariamente o caso que cangurus perderiam o equilíbrio.
Com a notação: cangurus não possuem cauda cangurus perdem o
equilíbrio
E para :
Se cangurus não possuíssem cauda, eles possivelmente perderiam o
equilíbrio
Ou: Fosse o caso que cangurus não possuíssem cauda, então seria
possivelmente o caso que cangurus perderiam o equilíbrio.
Com a notação: cangurus não possuem cauda cangurus perdem o
equilíbrio.
Conforme o modelo de Lewis, o problema em combinar
simultaneamente vários contrafactuais utilizando os operadores, algo como ψ
((
χ
ψ)
γ
), por exemplo, será uma fórmula bem formada. Lewis define os
operadores contrafactuais da seguinte forma:
(
φ
ψ) =df ¬ (
φ
¬ ψ)
(
φ
ψ) =df ¬ (
φ
¬ ψ)
A primeira importante constatação de Lewis é o fato de que um
contrafactual não pode ser analisado como um condicional estrito, ou seja, um
condicional material e necessário, como (
φ
ψ), ou o equivalente ¬ (
φ
¬
ψ). Antes de qualquer coisa, note que o operador de necessidade atua, em nível
intensional, como um quantificador universal que determina os ‘mundos
possíveis’ que serão acessíveis, ou seja, os mundos que irão satisfazer uma
52
determinada restrição. De maneira correlata, o operador , de possibilidade,
atuaria como um quantificador existencial delimitando ‘mundos possíveis’
acessíveis. Necessidade, portanto, informa que o enunciado é verdadeiro em todos
os ‘mundos possíveis’; Possibilidade, por seu turno, informa que o enunciado é
verdadeiro em alguns dos mundos acessíveis.
Lewis ilustra o comportamento da restrição pelo caso da necessidade física,
onde se restringe a acessibilidade entre apenas aqueles mundos cujas leis naturais
coincidam com as do mundo atual, i.e., aos mundos onde as leis naturais do
mundo atual são verdadeiras. Por outro lado, possibilidade sica é definida como
verdade em pelo menos alguns dos mundos onde as leis da natureza no mundo
atual são verdadeiras. Ainda segundo Lewis, a restrição simplesmente determina
(ou restringe, literalmente) quais ‘mundos possíveis’ serão admitidos como
acessíveis; nesse caso, em virtude de leis naturais. Não obstante, observe que
‘acessibilidade’ se remete a uma relação entre mundos.
Segundo o caso da necessidade física, por exemplo, suponha três ‘mundos
possíveis’ (i, j e k), sendo k um mundo possível onde vigoram as mesmas leis
físicas do mundo i (i.e., toda lei física que é verdadeira em i é também verdadeira
em k), mas cujas leis físicas diferem das leis do mundo j. Isso significa que “do
ponto de vista de i, k é um mundo acessível; do ponto de vista de j, não é.”
(Lewis, 1973, p.5).
3.2.1.
Contrafactuais e condicionais estritos
Em virtude da relação de acessibilidade, os operadores modais podem agora
ser definidos da seguinte forma: para qualquer mundo possível i e sentença
φ
, a
sentença
φ
será verdadeira no mundo i se, e somente se, para todos os mundos j,
tal que j seja acessível de i,
φ
for verdadeiro em j. Da mesma forma,
φ
será
verdadeiro em i se, e somente se, para algum mundo j, tal que j seja acessível de i,
φ
for verdadeiro em j. (Cf: Lewis, 1973, p.5);
De forma análoga, um condicional estrito (
φ
ψ) será verdadeiro em um
mundo i se, e somente se, para todos os mundos j (acessíveis de i), o condicional
53
material (
φ
ψ) for verdadeiro em todos os mundos j; simplificando, (
φ
ψ)
será verdadeiro em i se, e somente se, ψ for verdadeiro em todos os mundos
acessíveis onde
φ
é verdadeiro.
Para tornar sua teoria mais elucidativa, Lewis recorre a uma noção bastante
curiosa como expediente ilustrativo: ele a denomina esfera de acessibilidade”.
Lewis a constrói da seguinte forma: imaginemos um mundo possível i, em torno
do qual existe uma esfera S
i
, toda preenchida de mundos que estão numa dada
relação de acessibilidade com i (i.e., são acessíveis de i), e cujo centro é ocupado
exatamente pelo mundo i. A esfera S
i
de acessibilidade pode ser representada pela
seguinte figura.
ESFERA S
i
Note que no centro está o mundo i, rodeado por outros mundos que são
acessíveis a partir de i. Tal artifício permite a Lewis definir visualmente a relação
de acessibilidade correspondente aos operadores modais. Conseqüentemente, as
condições de verdade para sentenças modais podem ser visualmente representadas
pelas relações entre esferas de acessibilidade.
Para dar alguns exemplos, uma sentença
φ
, com operador de necessidade,
será verdadeira em um mundo i se, e somente se,
φ
for verdadeiro por toda a
extensão da esfera S
i
. Isso pode ser visualizado no seguinte diagrama que exprime
a relação de necessidade:
54
NECESSIDADE
Note que o domínio de
φ
inclui completamente a esfera S
i
. Utilizando a
mesma ideia de diagrama, é possível representar
φ
. No novo caso, a sentença
operada pela possibilidade será, portanto, verdadeira em um mundo i se, e
somente se,
φ
for verdadeira em alguma parte da esfera S
i
, tal como no seguinte
diagrama exprimindo a relação de possibilidade:
POSSIBILIDADE
Neste diagrama, nota-se que o domínio de
φ
ocupa apenas uma parte da
esfera S
i
; é o mesmo que dizer que
φ
é verdadeiro em pelo menos alguns mundos
de S
i
. Já uma sentença condicional estrita (
φ
ψ) será verdadeira se, e somente
se, o condicional material (
φ
ψ) for verdadeiro em toda parte da esfera S
i
; ou
ainda, se, e somente se, o conseqüente ψ for verdadeiro em todas as partes da
esfera onde o antecedente
φ
é verdadeiro, o que é justamente representado no
próximo diagrama:
55
CONDICIONAL ESTRITO
Assim, o condicional logicamente estrito
L
(
φ
ψ), relativo à
necessidade lógica, será verdadeiro no mundo i se, e somente se, ψ for verdadeiro
em absolutamente todos os ‘mundos possíveis’ onde
φ
for verdadeiro (mundo-
φ
),
não podendo sobrar nenhum mundo-
φ
possível que seja inacessível.
Um condicional fisicamente estrito
F
(
φ
ψ), onde se convoca
necessidade física, será verdadeiro no mundo i se, e somente se, ψ for verdadeiro
em todos os mundos-
φ
que possuem as mesmas leis físicas que vigoram no mundo
i.
Suponha agora um exótico condicional fatos-n estrito
N
(
φ
ψ),
correspondente a uma necessidade-n que se estende apenas aos fatos de tipo n -
onde n é uma variável sobre “fatos de tal e tal espécie”. Nesse caso, assinalamos a
cada mundo i uma esfera de acessibilidade que abrange o conjunto de todos os
‘mundos possíveis’ que são idênticos a i apenas em virtude dos fatos de tipo n.
Desse modo, análogo aos outros casos,
N
(
φ
ψ) será verdadeiro no mundo i se,
e somente se, ψ for verdadeiro em todos os mundos-
φ
que são idênticos a i em
virtude estritamente de todos os fatos de tipo n.
3.2.2.
O contrafactual é um condicional variavelmente estrito
Uma das primeiras observações de Lewis apresenta o contrafactual como
uma espécie “excêntrica” de condicional que varia seu comportamento de acordo
com uma relação de similaridade comparativa entre vários mundos possíveis.
56
Dessa forma, segundo Lewis, “um contrafactual
φ
ψ será verdadeiro em um
mundo i se, e somente se, ψ for verdadeiro em certos mundos-
φ
φφ
φ
; mas
certamente nem todo mundo-
φ
φφ
φ
será relevante.
5
(Lewis, 1973, p.8). É como se
o contrafactual se comportasse como um condicional puramente estrito em
determinados contextos, mas não em outros. Nesse sentido, o exemplo dos
condicionais fatos-n estrito é bastante elucidativo. Um contrafactual é um tipo de
condicional cuja restrição de acessibilidade é constantemente alterada. Lewis
reconhece que muitos dos contrafactuais mais simples agirão realmente como um
condicional puramente estrito, mas no qual intervém uma relação de
acessibilidade determinada pela noção de similaridade comparativa entre
mundos.
Como bem nota Lewis, a análise de um condicional puramente estrito é
incapaz de alcançar alguns casos mais extravagantes de contrafactuais. Isso é
facilmente exemplificado em dois dos 3 exemplos originalmente esboçados por
Lewis, embora os apresentemos aqui com algumas modificações convenientes e
alguns comentários.
Imaginemos, por exemplo, o contrafactual (a) Se os EUA destruíssem todas
as suas armas, então haveria uma guerra; note que o contrafactual será julgado
como verdadeiro ao pressuposto de que se a maior potência econômica e bélica do
mundo destruísse todas as suas armas, restaria uma imensa economia
completamente indefesa e vulnerável a toda sorte de ataques, o que seria
suficiente para se deflagrar uma instabilidade mundial e a iminência de uma
guerra inevitável.
Por outro lado, considere o contrafactual (b) Se os EUA (e todas as demais
potências bélicas do planeta destruíssem suas armas), então não haveria uma
guerra (haveria paz). Nesse caso, uma nova conjuntura de fatores (paridade bélica
entre as nações), torna insuficiente a consumação do conseente de (a), “haveria
uma guerra”. Mas novamente, considere um terceiro condicional (c) Se os EUA e
todas as demais potências bélicas do planeta destruíssem suas armas (jogando-as
no fundo do mar e poluindo todos os viveiros de peixe), então haveria uma
5
Grifo nosso
57
guerra. Note que estamos a cada vez adicionando informações que alteram o
alcance da ação do condicional estrito.
Considere um exemplo ainda mais simples: Se Ronald Reagan fosse à
reunião das Nações Unidas, a reunião seria tranqüila; mas, se Ronald Reagan e
Muamar Kadafi fossem ambos à mesma reunião das Nações Unidas, a reunião
não seria tranqüila; mas, se Ronald Reagan, Muamar Kadafi e George W. Bush
(sendo próximo de Reagan e tendo reatado as relações entre EUA e Líbia) fossem
todos à mesma reunião das Nações Unidas, a reunião seria tranqüila. Em que
pese a plausibilidade desses exemplos (alguém obviamente poderia contestá-los
sem prejuízo do argumento), eles são emblemáticos por manifestar a inconstância
da restringência do condicional (strictness) para casos contrafactuais, mostrando
uma sucessão de transições que resguardam a seguinte estrutura:
φ
1
ψ
(
φ
1
φ
2
) ¬
¬¬
¬ ψ
(
φ
1
φ
2
φ
3
) ψ
(
φ
1
φ
2
φ
3
φ
4
) ¬
¬¬
¬ ψ
. . .
Note, no entanto, que se contrafactuais fossem realmente apenas
condicionais puramente estritos, então
φ
1
ψ teria que implicar (
φ
1
φ
2
)
ψ, pois condicionais estritos admitem reforço do antecedente sem alterar o
conseqüente (antecedent strenghtening); neste caso, não haveria como o
conseqüente ψ ser negado; De forma análoga, sendo condicionais estritos, (
φ
1
φ
2
) ¬
¬¬
¬ ψ implicaria (
φ
1
φ
2
φ
3
) ¬
¬¬
¬ ψ, preservando a negação do
conseqüente, que é justamente o oposto do que se procede nessas seqüências de
contrafactuais. Desse modo, esses contrafactuais indicam que ψ será verdadeiro
em todos os mundos acessíveis em que
φ
1
for verdadeiro (mundos-
φ
1
), por
exemplo; a negação ¬
¬¬
¬ ψ, por sua vez, será verdadeira em todos os mundos-(
φ
1
φ
2
), de sorte que ψ será verdadeiro nos mundos-
φ
1
,
(
φ
1
φ
2
φ
3
), (
φ
1
...
φ
58
5
), etc. Mas não será verdadeiro nos mundos-(
φ
1
φ
2
), (
φ
1
φ
2
φ
3
φ
4
), (
φ
1
...
φ
6
), etc.
Para Lewis, essas vicissitudes provam que contrafactuais não poderiam ser
condicionais estritos, pois eles simplesmente não funcionam como condicionais
constantemente estritos. O primeiro grande resultado de Lewis é então o fato de
que contrafactuais devem ser pensados como condicionais variavelmente estritos.
Seu comportamento, em virtude dos exemplos oferecidos, fica patente no seguinte
diagrama:
CONDICIONAL VARIAVELMENTE ESTRITO
Esta imagem representa uma sucessão de esferas S
i
1
, S
i
2
, S
i
3
em torno do
mundo i. Se tomarmos o contrafactual como um condicional constantemente
estrito, seríamos obrigados a convocar apenas uma das esferas (S
i
1
, S
i
2
ou S
i
3
) para
ser a esfera de acessibilidade em torno de i; mas note que ao escolher apenas uma
esfera por vez, fica impossível interpretar o contrafactual. S
i
1
seria a escolha certa
para
φ
1
ψ, mas não para (
φ
1
φ
2
) ¬
¬¬
¬ ψ; de maneira semelhante, S
i
2
seria a escolha correta para (
φ
1
φ
2
) ¬
¬¬
¬ ψ, mas não seria para
φ
1
ψ ou
59
(
φ
1
φ
2
φ
3
) ψ. Perceba que o domínio de ψ varia sua extensão de modo a
abranger os mundos-
φ
1
e os mundos-(
φ
1
φ
2
φ
3
); ao passo que não
abrangerá os mundos-(
φ
1
φ
2
). Porém, note que ¬
¬¬
¬ ψ abrange os mundos-(
φ
1
φ
2
). Um condicional contrafactual deve ser sempre tão estrito quanto necessário
para respeitar uma similaridade comparativa entre mundos relevantes para as
suposições. Apenas quando tomamos o contrafactual como um condicional
variavelmente estrito é que não seremos obrigados a tomar, gradativamente, cada
esfera por vez, e chegaremos à interpretação correta.
A constatação de Lewis de que contrafactuais não podem ser
constantemente estritos - é na verdade bastante intuitiva. Contrafactuais são
entidades instáveis. Isso ocorre porque a restringência (strictness) dos
contrafactuais não se move de maneira linear como nos condicionais estritos. Ao
acrescentar, alterar ou subtrair fatos, o contrafactual irá se comportar de maneiras
diversificadas; mundos inteiros serão ora solicitados para a esfera de
acessibilidade, ora banidos para a periferia do sistema. Tudo em um simples
“piscar de olhos”; Observe que para isso ocorrer, não é preciso muito. Mude uma
pedra de lugar e terás instaurado o caos! Embora uma ideia intuitiva, variabilidade
de restringência encerra grandes dificuldades por tornar imponderável a relação de
proximidade que convoca os mundos certos. Afinal de contas, estamos
preocupados em saber discriminar mundos próximos ao nosso! Lewis procurou,
portanto, fortalecer e consolidar sua análise.
Dessa forma, para poder tratar o contrafactual como um condicional
variavelmente estrito, Lewis se utiliza do seguinte conjunto de definições para
um sistema (concêntrico) Ś de esferas hierarquizadas: Primeiramente, tome Ś
como uma designação para cada mundo possível i de um conjunto Ś
i
de mundos
possíveis; Ś será um sistema (concêntrico) de esferas (e todos os membros de
cada Ś
i
serão chamados de esferas ao redor de i) se, e somente se, para cada
mundo i, as seguintes condições forem respeitadas:
(C) Ś
i
é concêntrico a i, ou seja, um conjunto unitário {i}, tendo i como seu
único membro, deve pertencer a Ś
i
.
60
(1) Ś
i
é aninhado, ou seja, se S e T pertencem a Ś
i
, então ou bem S es
incluído em T, ou bem T está incluído em S.
(2) Ś
i
é fechado sob uniões, ou seja, sempre que ś for um subconjunto de Ś
i
(e ś for o conjunto de todos os mundos j tais que j pertença a algum
membro de ś), então ś pertencerá a Ś
i
.
(3) Ś
i
é fechado sob intersecções, ou seja, sempre que ś for um subconjunto
não-vazio de Ś
i
(e ś for o conjunto de todos os mundos j tais que j
pertença a todos os membros de ś), então ś pertencerá a Ś
i
.
Com esse conjunto de condições, o sistema de Lewis se torna apto a
gerenciar as informações sobre a similaridade comparativa entre mundos. Assim,
conforme defende, cada esfera ao redor de um mundo determinado i deve incluir
apenas mundos que se assemelhem a i até um certo grau de similaridade. Com
isso, Lewis tem em mãos os recursos necessários para dar suas condições de
verdade para contrafactuais, nos seguintes termos:
φ
ψ será verdadeiro em
algum mundo i (de acordo com um sistema Ś de esferas) quando alguma das
seguintes situações se seguir:
(a) Quando nenhum mundo-
φ
pertencer a qualquer esfera S em Ś
i
; ou
então
(b) Quando houver uma esfera S em Ś
i
que contenha, pelo menos, um
mundo-
φ
; e além disso, a implicação material
φ
ψ for verdadeira
em todos os mundos da esfera S (ou seja, se houver um único
mundo-
φ
em S,
φ
ψ deve ser verdadeiro neste mundo; se houver
mais de um mundo-
φ
em S,
φ
ψ deverá ser verdadeiro em
absolutamente todos os mundos-
φ
de S.
A situação (a) nos dará o caso em que o contrafactual é vacuamente
verdadeiro, i.e., “ou bem [quando]
φ
o for verdadeiro em nenhum mundo, ou
61
bem [quando
φ
] for verdadeiro apenas em mundos que estão fora de Ś
i
” (Lewis,
1973, p.16). Nesse caso, consideramos o contrafactual como vacuamente
verdadeiro. A condição (b) nos daa interpretação mais fundamental, quando
um contrafactual é considerado não-vacuamente verdadeiro, ou seja, nos casos
em que houver alguma esfera que permita o antecedente
φ
(o que significa que
algum mundo acessível dentro dessa esfera, onde
φ
é verdadeiro), e onde todos os
mundos que contenham o antecedente
φ
como verdadeiro, também contenham,
necessariamente, o conseqüente ψ como verdadeiro. Kit Fine (1975) resume a ideia
de Lewis de forma ainda mais concisa. Para ele,
o contrafactual ‘Se fosse o caso que
φ
então seria o caso que ψ’ (
φ
ψ) é ou bem
vacuamente verdadeiro, ou bem não-vacuamente verdadeiro; vacuamente
verdadeiro se nenhum mundo-
φ
puder ser levado em conta; não-vacuamente
verdadeiro se, dentre algum grau de similaridade com o mundo atual, algum mundo
possível é um mundo-
φ
, mas nenhum mundo possível é um mundo-(
φ
¬ ψ)
(Fine, 1975, p.451).
Desse modo, no caso de um contrafactual
φ
ψ, existirão apenas 4
circunstâncias possíveis que resultarão em sua verdade ou falsidade. Lewis ilustra
tais circunstâncias por meio de 4 diagramas distintos.
Na primeira hipótese, nosso contrafactual
φ
ψ’ sevacuamente
verdadeiro em i caso não exista nenhuma esfera
φ
-permissiva, i.e., quando não
houver sequer uma mínima porção de mundos que estejam dentro de uma das
esferas concêntricas de i, e nos quais o antecedente
φ
é verdadeiro. Neste caso,
note pelo diagrama abaixo que o domínio de mundos-
φ
não alcança sequer a
esfera mais afastada de i. Desse modo, em virtude da ausência de qualquer
mundo-
φ
em alguma esfera
φ
-permissiva,
φ
ψ’ redundará como vacuamente
verdadeiro. Observe que todos os contrafactuais com antecedentes
φ
serão
vacuamente verdadeiros, e isso incluirá tanto
φ
ψ quanto seu oposto
φ
¬ ψ’.
62
VACUAMENTE VERDADEIRO
Uma segunda possível circunstância é que um contrafactual seja não-
vacuamente verdadeiro (nosso caso principal). Nessa hipótese, deverá haver
pelo menos uma esfera
φ
-permissiva em que o conseqüente ψ é verdadeiro em
absolutamente todos os mundos-
φ
(não podendo sobrar, portanto, qualquer
mundo-
φ
em que ψ seja falso). Observe no próximo exemplo que a segunda esfera
mais distante de i é quem servirá de esfera
φ
-permissiva. Além disso, para
satisfazer as condições, note que a implicação material
φ
ψ se mantém
verdadeira por toda extensão de mundos-
φ
na esfera
φ
-permissiva. Note ainda que,
no caso de contrafactuais não-vacuamente verdadeiros, seu oposto
φ
¬ ψ
será falso porque existem duas esferas
φ
-permissivas que possuem mundos-
φ
onde
o conseqüente ¬ ψ é falso.
NÃO-VACUAMENTE VERDADEIRO
No terceiro caso temos a falsidade do contrafactual ‘
φ
ψ’ em virtude de
seu oposto
φ
¬ ψ ser verdadeiro. Pois observe abaixo que não existe uma
63
esfera
φ
-permissiva em que ψ é verdadeiro em absolutamente todos os mundos-
φ
;
Logo, não haverá também uma esfera
φ
-permissiva na qual
φ
ψ será verdadeiro
por toda extensão de mundos-
φ
.
FALSIDADE – CONTRÁRIA À VERDADE
Por último, temos a ocasião da falsidade do contrafactual em razão de
existirem esferas
φ
-permissivas que contêm, ao mesmo tempo, mundos-
φ
em que
ψ é verdadeiro, e outros em que ¬ ψ é verdadeiro; de maneira que
φ
ψe
seu oposto ‘
φ
¬ ψ’, serão ambos falsos.
FALSIDADE – CONTRÁRIA À FALSIDADE
64
3.2.3. Funções selecionadoras, similaridade comparativa e o
‘pressuposto do limite’
Ao abordar o modelo semântico de Stalnaker, Lewis constata sua
dependência a uma estratégia indispensável: a função selecionadora. Ele até
reconhece que a ideia original de Stalnaker reflete uma intuição bastante natural e
aparentemente correta: a noção de que a verdade do contrafactual é sempre
subordinada à verdade do conseqüente apenas nos mundos-antecedentes mais
próximos. Mas como vimos, para que isso funcione a teoria de Stalnaker
dependerá de uma função que de fato selecione apenas esses mundos. Para Lewis,
no entanto, ao centrar sua análise na noção de máxima proximidade, o modelo de
Stalnaker passa a peticionar um princípio obscuro e impreciso, o que Lewis
denomina “pressuposto do limite” (Limit Assumption). A crítica de Lewis não
surge sem motivos. Afinal, o que significaria dizer que um determinado mundo,
quando selecionado, é o único mundo possível mais próximo (e mais nenhum será
tão próximo quanto ele)? Para Lewis, o “pressuposto do limite” simplesmente
reflete a suposição de que
ao considerarmos esferas antecedente-permissivas cada vez menores e menores,
contendo mundos-antecedente cada vez mais próximos a i, chegaremos
eventualmente a um limite: a menor esfera antecedente-permissiva que contêm os
mundos-antecedente mais próximos (Lewis, 1973, p.20).
Note que sob o “pressuposto do limite”, as condições de verdade para
contrafactuais seriam ainda mais elementares do que as formuladas por Lewis. O
contrafactual seria verdadeiro em virtude de dois casos: (A) quando não houvesse
qualquer esfera antecedente-permissiva em torno de i (o caso ‘vacuamente
verdadeiro’); ou (B) quando existisse a menor esfera possível (antecedente-
permissiva), e onde o conseente fosse verdadeiro em todos os mundos-
antecedente desta esfera. Mas como nota Lewis, “infelizmente, não temos o
direito de supor que sempre haverá uma menor esfera antecedente-permissiva
(Lewis, 1973, p.20) contendo, justamente, os mundos-antecedentes mais
próximos. A dificuldade não reside apenas na imprecisão do significado de ser a
menor esfera possível (ou o mundo mais próximo possível); mas na própria
65
imprecisão da função selecionadora. Talvez isso fique mais perceptível com o
exemplo oferecido por Lewis.
Imaginemos um contrafactual cuja suposição atribuísse à seguinte linha
“_______” uma medida maior que uma polegada (sendo que seu tamanho é
factualmente menor que uma polegada). Algo como: Se a seguinte linha entre as
aspas, “_______”, medisse mais que uma polegada... A questão simplesmente é:
Qual seria o mundo-antecedente mais próximo possível do mundo atual em que
esse contrafactual se sustentaria? Haverá, por exemplo, um mundo onde a linha
acima possui o triplo de sua medida; relativamente, portanto, haverá um mundo
mais próximo, cuja linha possua apenas o dobro da medida; mas quanto medi
uma linha contrafactual que seja, ao mesmo tempo, o mais próximo da medida
factual da linha (ou seja, menor que uma polegada) e também maior que uma
polegada? O que significaria dizer isso? Esta linha teria que medir o mais próximo
possível de uma polegada sem, no entanto, medir uma polegada. Para cada ‘1 + x’
polegadas, onde x representa a medida minimamente necessária para analisar o
contrafactual, haverá sempre uma linha ‘1 + ½ x’ polegadas que será mais
próxima da medida factual. O que leva Lewis a concluir que, como não uma tal
medida cogitável pelo contrafactual, seria impossível selecionar um mundo mais
próximo, segundo o modelo de Stalnaker.
Este fato encerraria dificuldades para qualquer teoria que dependesse
exclusivamente de funções selecionadoras e noções imprecisas de similaridade
(no caso em pauta). O argumento, na verdade, pode ser estendido para qualquer
contrafactual que envolva, de alguma maneira, relações que são quantificáveis.
Por esse ângulo, o argumento se procede de certa má-fé; é como se Lewis
introduzisse, de maneira sub-reptícia, os ‘paradoxos de Zenão’ para minar a teoria
de Stalnaker. Observe que dessa maneira, seria possível estender o argumento
para qualquer contrafactual que pudesse se exprimir em grandezas quantificadas;
tais como Se o Empire State Building fosse o edifício mais alto em 2010; Se o
território de Togo fosse maior que o da China; Se a Estátua de Davi fosse mais
pesada que a Estátua da Liberdade, etc.
Para preservar sua teoria, Lewis inaugurou um conceito de similaridade
entre mundos que prescindiria, teoricamente, de uma noção quantitativa, recaindo
apenas sobre uma noção comparativa. É o que denomina pontualmente de
similaridade comparativa entre mundos, ao invés de uma similaridade
66
quantitativa, como no sistema de mundos ordenados, em Stalnaker. Lewis exige
para seu modelo apenas que seja competente em identificar a similaridade entre
dois mundos relativos a um terceiro mundo (critério comparativo), mas o
desobriga de determinar “o quão” semelhante são esses dois mundos entre si (nos
termos do próprio Lewis).
Um dos supostos avanços que Lewis atribui a sua própria teoria é, portanto,
o fato de que ela seria mais ampla do que qualquer outra cuja semântica
dependesse estritamente de uma função selecionadora de mundos como a de
Stalnaker. Segundo Lewis, estas semânticas são inevitavelmente tributárias do
“pressuposto do limite” e a ideia de similaridade quantitativa entre mundos, pois
elas pressupõem que, para todo contrafactual não-vacuamente verdadeiro, deverá
existir a menor esfera
φ
-permissiva possível, acessível a um mundo i e onde
φ
é
verdadeiro nesse mundo. Os mundos-antecedente (no caso, os mundos-
φ
) nessa
esfera, serão os mundos mais próximos a i.
Lewis, contudo, deseja mostrar que é possível derivar, de algum modo, uma
função selecionadora de seu sistema de esferas sem se comprometer ao
“pressuposto do limite”, que a definição de seu sistema satisfaria o pressuposto
sem se enredar nos paradoxos. Mas isso, como se notará, podeser feito até
um certo limite. Como aponta Donald Nute, o interesse de Lewis está em concluir
“que sua semântica inclui [funções selecionadoras,] mas é mais geral que uma
semântica baseada em funções de seleção” (Nute, 1975, p.777), podendo
aparentemente se furtar aos transtornos causados por essas funções e suas
conseqüências. Em virtude do sistema, a seleção de mundos em Lewis é suprida
através de uma função ƒ que seleciona, para uma dada sentença
φ
e um mundo i, o
conjunto ƒ (
φ
,i) de mundos-
φ
mais próximos a i. Note que, diferentemente de
Stalnaker, a função de Lewis nos entrega conjuntos de mundos como valor de
função, ao invés de mundos isolados. As condições de verdade para esta nova
função serão as seguintes:
φ
ψ severdadeiro num mundo i se, e somente
se, o conseqüente ψ for verdadeiro em todos os mundos em ƒ (
φ
,i);
φ
ψ, por
sua vez, será verdadeiro num mundo i se, e somente se, o consequente ψ for
verdadeiro em alguns mundos em ƒ (
φ
,i). Sua nova função parte de sentenças e
mundos, como argumentos, e tem como valor de função, conjuntos de mundos,
seguindo estritamente as seguintes condições:
67
Seja [[
φ
]] o conjunto de mundos onde a sentença
φ
é verdadeira. Note que
no sistema de Lewis, por [[
φ
]] ser um conjunto de mundos, [[
φ
]] pode caracterizar
uma proposição. Neste caso:
(i) Se
φ
for verdadeiro em i, então ƒ (
φ
,i) será o conjunto unitário {i},
tendo i como seu único membro.
(ii) ƒ (
φ
,i) está incluído em [[
φ
]].
(iii) Se [[
φ
]] estiver incluído em [[ψ]], e ƒ (
φ
,i) for não-vazio, então ƒ
(ψ,i) também será não-vazio.
(iv) Se [[
φ
]] estiver incluído em [[ψ]], e [[
φ
]] se intersecciona com
ƒ(ψ,i), então ƒ(
φ
,i) se a intersecção de [[
φ
]] com ƒ(ψ,i).
Segundo Lewis, ao derivar a função de seu sistema e respeitar as condições,
o sistema todo passa a satisfazer o “pressuposto do limite”, de modo que será
então possível “introduzir uma nova esfera S ao redor de algum mundo i, de tal
maneira que S não seja a menor esfera
φ
-permissiva ao redor de i para qualquer
sentença
φ
”” (Lewis, 1973, p.59). É exatamente com esse tipo de estratégia que
Lewis pretende, ao final, se esquivar dos paradoxos engendrados pelo
pressuposto. Lewis ainda acrescenta que seu sistema possui recursos suficientes
para reformular funções selecionadoras em termos de ‘famílias’ “de relações de
acessibilidade entre mundos” (Lewis, 1973, p.60), indexadas por sentenças ou
proposições.
Mas as dificuldades não são completamente dirimidas, e Lewis é de fato
bastante honesto em reconhecer seus obstáculos. Embora ele defenda que sua
análise de contrafactuais, enquanto condicionais variavelmente estritos, poderia
ser facilmente subsumida como “um caso especial de uma teoria mais geral de
modalidades sentencial ou proposicionalmente indexadas” (Lewis, 1973, p.60), o
que demonstra a incrível abrangência do sistema, Lewis admite que em termos
mais gerais, resguardando seus aspectos mais amplos (incluindo até seus
68
fundamentos metafísicos), sua análise não poderia ser subsumida com igual êxito,
pois resvalaria no “pressuposto do limite”.
6
Em linhas gerais, é impossível
divorciar essas teorias deste pressuposto.
Não obstante, é importante notar que a análise de Lewis é simplesmente
mais robusta que a de Stalnaker. Uma das importantes razões é o fato de que a
teoria de Lewis não se restringe a selecionar apenas um mundo-
φ
mais próximo a
um mundo i, de forma que possa considerar dois ou mais mundos próximos que
estão numa mesma relação de ‘mais próximos o possível’ de um mundo i. O
contraste pode ser entendido da seguinte forma: enquanto em Stalnaker, A B “é
verdadeiro no mundo i se e somente se B é verdadeiro no mundo mais semelhante
a i em que A é verdadeiro” (Nute, 1975, p.774); em Lewis “A B é verdadeiro
no mundo i se for o caso que existem mundos em que (A B) é verdadeiro, de tal
modo que são mais semelhantes a i do que quaisquer mundos em que (A ¬ B) é
verdadeiro” (Nute, 1975, p.774).
É bastante claro que todas essas inovações, com relação à proximidade e
acessibilidade entre mundos, são principalmente dependentes das concepções
metafísicas de mundo em Lewis. Contudo, acompanhadas das vantagens, a teoria
de Lewis acaba pagando um alto preço quando sua noção de mundo é mais
profundamente explorada. Neste campo, incursionamos no horizonte metafísico
que a noção de mundo pode tomar e quais suas implicações para as teorias que
adotam as semânticas de ‘mundos possíveis’.
6
Lewis chega a a elaborar alguns artifícios curiosos, na tentativa de tolerar o
“pressuposto do limite”, como um operador sentencial de seleção que exprimiria a função
selecionadora, mas cuja atuação recairia sobre a linguagem objeto. Esse operador ƒ agiria sobre
uma sentença, de modo que num condicional estrito (ƒ
φ
ψ), os mundos-ƒ
φ
serão os
mundos-
φ
mais próximos e selecionados. Assim, ao operar o antecedente, ƒ
φ
deve ser entendido
como verdadeiro apenas naqueles mundos que o apanhados pela função ƒ (
φ
,i)’ “mas sem
especificar qual dos mundos é i (Lewis, 1973, p.61). Ainda assim, Lewis reconhece que o
tratamento não é totalmente adequado.
4
A QUERELA FUNDAMENTAL: POSSÍVEL NO MUNDO OU
MUNDOS POSSÍVEIS?
4.1.
Um só mundo, incontáveis problemas: leis, causas e as esparrelas
da co-sustentabilidade
Como pudemos perceber no primeiro capítulo, Goodman antecipava os
problemas originados por sua análise antes mesmo de propor o critério de co-
sustentabilidade entre enunciados. Este fato é subjacente a um problema ainda
mais amplo. J. Weiner, em Counterfactual Conundrum (1979), nos permite
recordar que o principal obstáculo de Goodman está justamente em definir “quais
são os critérios gerais que tornam um enunciado verdadeiro relevante para um
contrafactual particular” (Weiner, 1979, p.499).
Afinal, Goodman constata em seu artigo, que mesmo quando as condições
relevantes são identificadas, ainda não temos um entendimento pleno de seu
funcionamento, nem bases seguras para decidir a inclusão ou expulsão dos
enunciados incompatíveis. As dificuldades se tornam patentes, especialmente no
caso da co-sustentabilidade, quando Goodman percebe que sua análise chega a
uma circularidade intransponível. Pois para determinar a verdade de um
contrafactual é necessário verificar se o conjunto S, que age em concurso com o
antecedente A, é compatível e co-sustentável com este antecedente. Ou seja, que a
verdade de A nos leve a S, mas que não exista um conjunto alternativo S’, que
seja igualmente compatível com A, e que nos leve a ¬ S; de tal sorte que (A S)
¬ (A ¬ S). Mas infelizmente, Goodman reconhece:
achamos-nos envolvidos num regresso infinito ou um círculo; pois co-
sustentabilidade é definida em termos de contrafactuais, mas o significado
de contrafactuais é definido em termos da co-sustentabilidade (Goodman,
1947, p.121)
Para Goodman, a inferência envolvida em contrafactuais não seria
resguardada por um princípio lógico, mas por alguma lei natural, física ou causal
que possa produzir, suficientemente, a inferência. Para ilustrar essas dificuldades,
70
basta recordar o primeiro dos problemas com o qual Goodman se defronta: o fato
de que dentre as possíveis sentenças verdadeiras de S está a negação ¬ A do
antecedente. Portanto, deve-se excluir enunciados logicamente incompatíveis com
o antecedente. Segundo Goodman, deveríamos ainda proceder de um modo que
nosso critério “não apenas admita o contrafactual verdadeiro... mas também que
exclua o condicional oposto” (Goodman, 1947, p.119). Mas como nota Weiner
(1979), mesmo tendo excluído todos os enunciados logicamente incompatíveis
com o antecedente, o conseqüente, e a negação do conseqüente... Goodman nos
mostra que estes critérios não são restritivos o suficiente para nos dar os
enunciados relevantes.” (Weiner, 1979, p.500). Assim, todos os enunciados de S
que operam em conjunção com o antecedente “devem não apenas ser compatíveis
com o antecedente, conseqüente, e a negação do conseqüente, eles devem ser
também co-sustentáveis com o antecedente” (Weiner, 1979, p.500). O critério de
co-sustentabilidade (cotenability), como vemos, aponta que um enunciado B de S
é co-sustentável com o antecedente A, se e somente se não for o caso que, fosse A
verdadeiro, o enunciado B de S tornar-se-ia falso. Mas para melhor visualizar o
problema da co-sustentabilidade, devemos aprofundar nossa análise. Suponhamos
o seguinte contrafactual:
(1) Se fósforo F tivesse sido riscado (R), então F teria acendido (A); de
modo que (R
A)
Mas também temos o outro contrafactual
(2) Se fósforo F tivesse sido riscado (R), então fósforo F não estaria seco
(
¬
S); de modo que (R
¬
S).
Como elucida D. Edgington (1995, p.248), supomos que (1) é um
contrafactual verdadeiro, enquanto (2) carece de qualquer plausibilidade. Mas
como a teoria de Goodman poderia explicar esse contraste? Em (1), inferimos que
F teria acendido (A) em razão de que F tivesse sido riscado (R), em conjunto com
algumas leis causais gerais (L) e condições relevantes (como F estava seco (S))
nos leva à conclusão F teria acendido (A), embora possamos igualmente afirmar
71
que em (2), o antecedente fósforo F tivesse sido riscado (R) em concurso com as
mesmas leis causais gerais (L) e agora fatos como F não teria acendido (¬ A) nos
levaria à conclusão de que F não estaria seco (¬ S). Segundo o critério de
Goodman, (1) seria verdadeiro porque F estava seco (S) é co-sustentável com F
tivesse sido riscado (R); enquanto “(2) é falso porque, embora o fósforo não tenha
acendido [...¬ A...], isto não é co-sustentável com a assunção de que [o fósforo]
foi riscado” (Edgington, 1995, p.248), de modo que quando “o fósforo tivesse sido
riscado” é verdadeiro, “o fósforo não acenderia” torna-se falso.
Pois notemos que, se tivéssemos um conjunto P de sentenças verdadeiras,
ele incluiria, no primeiro caso, a condição relevante F estava seco (S), enquanto
no segundo caso, inclui a condição relevante F não está aceso, então, teremos que
(R L P... S) A é logicamente equivalente a (R L P... ¬ A) ¬ S.
Bennett alude a este problema, de forma bastante oportuna, de o “problema do
contrapositivo causal” (‘causal contrapositive problem’) (Bennett, 2003, p.310).
Como disse Wilfrid Sellars, referindo-se ao problema, “é neste ponto que
Goodman explode sua bomba” (Sellars, 1958, p.229) e é isso que o levou a adotar
o critério de co-sustentabilidade que é, em suma, circular. Pois Goodman quer que
não seja o caso que fósforo tivesse sido riscado implique fósforo não está seco (R
¬ S), ou seja, ¬ (R ¬ S); mas que seja inequivocamente o caso que (R
A). Então, o critério de co-sustentabilidade excluirá (R ¬ S), mas isso é
totalmente circular, pois o critério afasta (R ¬ S) pelo fato de que (R A), e o
critério aceita (R A) porque proíbe (R ¬ S).
A propósito, com respeito a este artigo de 1958, Counterfactuals,
Dispositions, and the Causal Modalities, podemos afirmar que Wilfrid Sellars foi
o primeiro autor a conseguir destrinchar um pouco melhor este problema, embora
não o tenha feito de forma a resolvê-lo completamente. Sellars reconhecia que o
fósforo não poderia ser ao mesmo tempo riscado, estar seco... e não acender, ou
equivalentemente, não estar aceso, ser riscado... e não estar seco. Sellars se
concentrou em precisar uma assimetria causal entre os enunciados, de maneira a
romper “a simetria ao mover de estados [completos] a entradas de estados
(Bennett, 2003, p.311), ou seja, que uma coisa era algo estar completamente de
forma acabada - em um estado, outra coisa seria algo ingressar, ou se mover a
esse estado. Sellars diz explicitamente que “o enigma de Goodman sobre a co-
72
sustentabilidade emerge da falha em apreciar a força da forma verbal de
contrafactuais nos discursos reais” (Sellars, 1958, p.230).
Sellars recorda que em uma nota de seu artigo (1947), Goodman reconhece
que é possível haver sentenças similares ao contrafactual Se fósforo F tivesse sido
riscado (R), então fósforo F não estaria seco (¬ S) que sejam, no entanto,
verdadeiras ou implicáveis por alguma razão muito específica. Sellars diz que
talvez Goodman tivesse em mente algo do tipo
Tom: * Se o fósforo F tivesse sido riscado, F teria ficado molhado (não
estaria seco)
Dick: Por que?
Tom: Bem, Harry está ali e ele tem uma fobia relacionada a fósforos.
Sempre que ele alguém riscando um fósforo ele coloca o fósforo
imediatamente na água. (Cf: Sellars, 1958, p.231)
É claro que, nesse diálogo, estamos aduzindo condições muito estranhas,
mas que de certa forma implicam o conseqüente. Então nesse caso, o critério de
co-sustentabilidade proibiria o contrafactual * de ser verdadeiro? Parece que não
haveria razões para tal, já que o contexto indica que em virtude da fobia de Harry,
e com condições tais que F não acendeu F estava bem feito Havia oxigênio o
suficiente F estava seco F ainda não foi riscado..., veremos que (Se) o fósforo
F tivesse sido riscado é verdadeiro, isso implica sem problemas que (então) F
teria ficado molhado é verdadeiro. O que nos sugere, conforme Sellars avança seu
argumento, que o problema deve estar na ação do contexto que permite a
inferência.
No caso anômalo de Goodman, a estranheza é suscitada na ação de uma “lei
geral legítima”, tal que é estranho que F não estaria seco resultasse, em virtude de
uma lei causal, da causa F tivesse sido riscado, que não nada próximo na
natureza que indique uma lei tal que sempre ao riscar um fósforo, o fósforo
começa a ficar molhado (que no caso de Harry, entendemos perfeitamente; no
73
caso de uma lei causal geral, não faz sentido). Mas este problema fica mais claro
quando traduzimos, seguindo Sellars, os contrafactuais nos seguintes termos:
(i) Se F está seco, então Se F tivesse sido riscado, F acenderia
(ii) Se F não está aceso, então Se F tivesse sido riscado, então F não
estaria seco (estaria molhado)
Sellars acredita que esta tradução nos mostra que quando (i) é verdadeiro,
(ii) se torna obviamente falso, pela razão de que para (ii) ser verdadeiro, deveria
haver um estado-de-coisas que não existiria caso F fosse riscado, um estado-de-
coisas fisicamente impossível. Mas porque rejeitamos (ii)? Para Sellars,
rejeitamos (ii) pelo fato de que simplesmente “não é o caso que ao riscar fósforos
nós os causamos a se tornar molhados, em razão de não terem acendido” (Sellars,
1958, p.236).
Em Counterfactuals, Dispositions, and Capacities (1973), R. S. Woolhouse
(1973) retoma essas idéias, recordando que a estratégia de análise de Sellars es
justamente em não tratar condições relevantes de forma homogênea. Como vimos,
a análise de Sellars ilustra quatro tipos claramente distintos de condições que são
incluídas no conjunto S:
primeiro, um objeto de certo tipo, um fósforo; em segundo, uma ação, riscar um
fósforo; em terceiro, o resultado desta ação, um fósforo se acende; e em quarto, as
condições pelas quais tal ação a este objeto tem um determinado resultado, o
fósforo está seco, há suficiente oxigênio presente, etc. (Woolhouse, 1973, p.558).
Nossa experiência com algo que poderíamos chamar de “a regra geral do
fósforo”, nos mostra simplesmente que “sempre que riscamos fósforos, e todas as
outras condições são satisfeitas, ele acende”, então a expressão ‘riscar fósforos
que não acendem’, com as condições relevantes correlatas satisfeitas, é algo que
simplesmente não existe em nosso mundo físico. Pois se temos uma lei universal
tal que
(x) (Rx Sx) Ax (Sempre que x é riscado x está seco ..., x acende)
74
Então isso impede, para Sellars, que tenhamos uma lei universal tal que
(x) Rx ¬Sx (Sempre que x é riscado, x passa a não estar seco)
A solução de Sellars, no entanto, seria boa não fosse certa imprecisão de
como os enunciados estão sendo causalmente modalizados. Conforme observação
de Bennett (2003, p.312), Sellars quer dizer algo como:
É o caso que: (Riscado Seco) ‘Começa’ a acender (e não ‘acende’)
Não é o caso, porém que: (Riscado Não aceso) ‘Começa’ a ficar
molhado
A idéia de Sellars, portanto, é a de explicitar o direcionamento causal
relevante para o contrafactual, mas exige agora a necessidade de maiores
esclarecimentos sobre como algo pode ser causalmente modalizado, que tipo de
relação existe, na totalidade dos fatos, de algo que passa da potencialidade à
atualidade.
4.2.
Contrafactuais, ambigüidade e contexto
Lewis, a partir do capítulo 3 de Counterfactuals, onde reexamina teorias
precedentes, critica o fato de que os teóricos das teses consequencialistas ou
“metalingüísticas”, como prefere Lewis - enxertam nas condições de verdade e
assertibilidade dos contrafactuais’ “entidades lingüísticas argumentos e suas
premissas” (Lewis, 1973, p. 66). Lewis admite que consequencialistas, como
Goodman e Mackie, empenharam-se nos problemas certos, mas com os recursos
errados.
As primeiras teses se ocuparam da investigação a respeito das premissas
verdadeiramente adequadas para agir em concurso com o antecedente. Para
Lewis, sua teoria abrange exatamente o mesmo propósito; mas enquanto os
primeiros se utilizaram de cláusulas e restrições para expulsar os enunciados,
75
Lewis se utiliza de um aparato semântico que diagnostica esses enunciados em
virtude de uma similaridade comparativa entre mundos. Ambos, no entanto, como
reconhece Lewis, querem simplesmente a mesma coisa: banir as diversas
maneiras em que o antecedente se comporta de forma indesejada.
Dessa forma, a análise de Lewis, paralelamente a de Goodman, determina a
verdade de um contrafactual
φ
ψ’ apenas quando ψ for verdadeiro em todos
os mundos-
φ
de determinada espécie. Segundo Lewis, a diferença é que os
consequencialistas estariam atrás de premissas que são adequadas para uso com o
antecedente; ele estaria atrás dos mundos-
φ
em que essas premissas se encontram.
Mas Lewis critica o fato de que a intuição de Goodman é incapaz de dirimir os
conflitos que surgem numa disputa das condições relevantes nos casos em que
ambigüidade contextual das inferências. Afinal, duas pessoas poderiam deliberar
o contrafactual e sustentar seu antecedente utilizando-se de repertórios distintos de
condições relevantes, causas, ou até mesmo regularidades não-acidentais (leis
naturais).
Lewis nota, com razão, que o antecedente manifesto no contrafactual não
cobre, de maneira explícita, a totalidade dos antecedentes cogitados por cada
pessoa numa disputa. Eventualmente, alguém poderá assumir, equivocadamente,
que outras pessoas deliberem o contrafactual sob os mesmos pressupostos, ou
como diz Lewis, que outras pessoas “tenham em mente a mesma expansão do
antecedente” (Lewis, 1973, p.66). Em muitas ocases ocorrerá, portanto,
ambigüidade do contexto de suposição que cada um ergue para deliberar o
contrafactual. Lewis ilustra uma possível ambigüidade com o exemplo oferecido
por Quine
1
; o seguinte par de contrafactuais:
Se Júlio César estivesse no comando [na Coréia], ele teria usado a bomba
atômica
Se Júlio César estivesse no comando, ele teria usado catapultas
1
Os exemplos estão em Quine, W. V. O. Word and Object. Cambridge, Mass.: The MIT Press,
1960, p.222
76
Segundo Lewis, em um dos contextos possíveis, erigimos circunstâncias tais
que resolvam a ambigüidade de modo que os mundos em que Júlio César está em
comando nas batalhas modernas o mais próximos ao mundo atual. Porém, a
ambigüidade é dirimida de modo diverso se pensarmos em termos inversos. Ora
daremos mais relevância às similaridades ou diferenças em virtude das aptidões
de Júlio sar; ora daremos mais importância às circunstâncias enfrentadas por
generais em batalhas da Antiguidade. Para Lewis, a semântica de mundos
possíveis pode elucidar esta diferença e explicitar as condições em que cada
contrafactual se torna verdadeiro, ou falso. Ela esclareceria os contextos em que
cada suposição se sustenta, enquanto as teses consequencialistas seriam inócuas
em apreendê-las. Lewis toma a explicitação dos contextos como parte de uma
resolução que viria embutida em seu sistema de esferas; por discriminar, de
antemão, similaridade comparativa entre mundos. Para Lewis, as teses
consequencialistas não possuem recursos semânticos para traçar adequadamente
estes contextos.
Não obstante, em uma alusão bastante lúcida a estes tipos de contrafactuais,
Nicholas Rescher (2007) propõe que haja casos em que podemos resolver esta
ambigüidade recorrendo a critérios distintos. Rescher alude ao cririo de
economia informativa e à noção de restauração da consistência epistêmica. Ele
argumenta que muitas vezes o direcionamento das expressões pode ser
diretamente implicado pelo estoque de crenças, que interpreta as situações e
procura pelo caminho mais econômico de preservação dessa consistência
epistêmica. Esta tese vindica um tratamento bastante afeito especialmente às
idéias de Ramsey. Se temos, portanto, um contrafactual tal como
Se o ‘Cristo Redentor’ estivesse na ilha de Manhattan, então ele estaria no
Estado de Nova York
Temos o seguinte contexto de fatos
(1) O ‘Cristo Redentor’ fica de fato na cidade do Rio de Janeiro, Brasil
(2) O ‘Cristo Redentor’ não está na ilha de Manhattan
(3) Manhattan fica de fato no Estado de Nova York
77
Segundo Rescher, quando incluímos a hipótese contrafactual aos nossos
fatos, podemos ajustá-lo de duas maneiras que implicam em mudanças distintas.
Podemos chegar ao contrafactual mais natural
Se o ‘Cristo Redentor’ estivesse na ilha de Manhattan, então não estaria no
Brasil, e sim no Estado de Nova York
Nesse primeiro caso nós abandonamos o fato (1) e tentamos restaurar
consistência ajustando o antecedente aos fatos (2) e (3). Mas notemos que também
poderíamos chegar ao contrafactual rival, mais anômalo
Se o ‘Cristo Redentor’ estivesse na ilha de Manhattan, então a ilha de
Manhattan estaria na cidade do Rio de Janeiro
Nesse segundo caso, abandonamos o fato (3) e tentamos restaurar
consistência em virtude de (1) e (2). De acordo com Rescher, propendemos a
julgar o contrafactual tendo por hipótese o primeiro cenário pelo simples fato de
que o deslocamento de uma estrutura individual (tal como o ‘Cristo Redentor’) é
informativamente mais econômico do que o deslocamento de uma ilha inteira, e
visto que nos inclinamos a preservar “aquelas alegações que são sistemicamente
mais informativas por serem mais gerais e de maior escopo devemos manter a
ilha no lugar” (Rescher, 2007, p.142). Para estender as conclusões de Rescher,
caso seu ponto não tenha ficado claro, adicione a informação
(4) O Estado de Nova York fica nos Estados Unidos da América
imagine agora o contrafactual
Se o ‘Cristo Redentor’ estivesse na ilha de Manhattan, então os Estados
Unidos da América estaria no hemisfério Sul.
É bastante claro que o contrafactual sistemicamente mais econômico irá
prevalecer sobre este último contrafactual. O importante a se notar é que a
intuição de Rescher procura favorecer contextos de maneira objetiva. Deslocar os
78
Estados Unidos da América inteiro para o hemisfério Sul demandaria, em termos
epistêmicos, uma restauração de consistência muito mais violenta. Mas a solução
de Rescher pode parecer restritiva demais.
Ao abordar o contrafactual sobre Júlio César, por exemplo, Rescher defende
que a avaliação de um contrafactual não dependerá apenas das informações
disponíveis e relevantes, mas também da diferença entre os contextos
intencionados por cada questão. No caso suscitado por Lewis, a questão original
é, para Rescher, indecidível, de modo que o problema não poderia incidir sobre
qual dos dois contrafactuais respondem à questão inicial. O ponto é certamente
polêmico. Para o caso do ‘Cristo Redentor’, a opção de Rescher parece
extremamente viável; para o caso de Júlio Cesar, Lewis possivelmente diria que
explicitar o que é intencionado pelas questões é exatamente o que sua teoria já faz
e que nenhuma precedente procederia de forma satisfatória.
4.3.
Mundos Possíveis: a nova miragem dos filósofos?
Bennet talvez seja quem melhor compreendeu as vicissitudes que levaram
ao desprestígio das teses consequencialistas e ao entusiasmo com relação às
semânticas de ‘mundos possíveis’. Em Counterfactuals and Temporal Direction
(1984), quase 40 anos após o artigo de Chisholm, Bennett argumenta que em
muitos aspectos ou ocasiões, ambas as posições encontraram meios para se
aproximarem e traduzirem os êxitos de cada uma em novos recursos para cada
teoria. Obviamente, não é sempre que isto é possível e, na maioria das vezes, a
utilização de um conceito como o de ‘mundo possível’ foi indispensável.
Especialmente, por exemplo, quando a análise privilegiava alguma relação de
similaridade que pudesse ser depreendida recorrendo-se a mundos possíveis e
aparatos semânticos modais.
Mas mesmo reconhecendo que sua posição pudesse se provar equivocada
(ou simplesmente impossível), Bennett não consegue esconder, nessa época, sua
predileção pelas primeiras teses contrafactualistas, por uma razão muito simples.
Sua frase é intensamente emblemática: “Por preferir [...] uma compreensão real
[...] à uma verdade simplista, eu claramente preferiria dispensar a similaridade e
79
me juntar a Goodman, Chisholm, Jackson, Pollock, Slote e outros” (Bennett,
1984, p.90).
A citação de Bennett é simbólica, pois ela reflete o que é sentido por um
extenso grupo de filósofos, incluindo muitos daqueles que se renderam às teorias
posteriores. ‘Mundos possíveis’, ‘similaridade entre mundos’, ‘realismo modal’,
etc. são recursos incríveis na elucidação de aspectos semânticos da linguagem.
Como afirma M. Pendlebury, para citar um exemplo, “uma abordagem de mundos
possíveis para semântica de condicionais é tecnicamente bastante conveniente e
útil” (Pendlebury, 1989, p.187).
Não obstante, é incrível o enorme apelo que exerceram em hipóteses
metafísicas. Talvez, supõe Stalnaker, pela força que a imagem suscitada por
Leibniz poderia causar em seus leitores. “Um infinito enxame de universos
completos, cada qual com sua própria tendência a existir, lutando por uma posição
que poderia ser ocupada por um [único universo]...” (Stalnaker, 2003, p.25). E
Stalnaker prossegue, “achamos difícil poder levar estes mitos metafísicos mais a
sério do que outras histórias criacionistas menos abstratas, contadas por nossos
ancestrais primitivos” (Stalnaker, 2003, p.25).
O conceito de mundo vindicado por Stalnaker pode ser bem ilustrado pela
maneira com a qual o descreve em Possible Worlds, artigo originalmente
publicado em 1976
2
, argumentando que sua noção de mundo não devém de uma
concepção metafísica forte de mundo, mas é derivada do papel que o conceito
pode exercer nas explicações de uma teoria de condicionais e, conseqüentemente,
dos contrafactuais. Destarte, a idéia de ‘mundo’, para Stalnaker, resguarda,
sobretudo um poder heurístico ou explicativo, para ilustrar as maneiras pelas quais
o mundo e seu ‘mobiliário’ poderiam ser, ou ter sido, diferentes. Embora em nada
desabone diretamente as concepções metafísicas mais fortes, a teoria de Stalnaker
simplesmente não pretende recrudescer suas obrigações metafísicas a ponto de
comprometer suas virtudes práticas.
De maneira muito distinta, embora a abordagem de Lewis acerca dos
contrafactuais seja muito mais robusta que a de Stalnaker, com relativa ampliação
2
Reimpresso em Stalnaker, R. C. Ways a World Might Be. Metaphysical and Anti-Metaphysical
Essays, Oxford University Press, 2003, p.25ss.
80
de casos recalcitrantes de contrafactuais, as concepções de David Lewis
empossam um realismo extremo de mundos possíveis com implicações
dificilmente aceitáveis. Lewis não hesita inclusive em admitir suas
excentricidades. Ao abordar os fundamentos de sua teoria em Counterfactuals, em
especial, suas concepções sobre ‘mundos possíveis’, Lewis reconhece que “é
chegada a hora de encarar que [sua] análise se assenta em fundamentos suspeitos”
(Lewis, 1973, p.84). A posição de Lewis se mostra clara na seguinte passagem:
Acredito que existem outros mundos possíveis além do mundo em que
habitamos. Se se quiser um argumento, é este. É indiscutivelmente
verdadeiro que as coisas poderiam ter sido diferentes de inúmeras maneiras.
Mas o que significa isto? A linguagem ordinária permite a paráfrase:
muitas maneiras como as coisas poderiam ter sido além das maneiras como
são atualmente. A julgar pela sua forma, esta sentença é uma quantificação
existencial. Ela diz que existem muitas entidades descritas de determinada
forma, isto é, ‘maneiras como as coisas poderiam ter sido’’. Acredito que as
coisas poderiam ter sido diferentes de diversas maneiras. Acredito ser
admissível a paráfrase sobre aquilo em que acredito; tomando a paráfrase
em sua real forma, acredito conseqüentemente na existência de entidades
que poderiam ser chamadas de ‘maneiras como as coisas poderiam ter sido’.
Prefiro chamá-las de ‘mundos possíveis’ (Lewis, 1973, p.84)
Com esta passagem, é possível observar que o argumento de Lewis em
favor de uma concepção realista de mundos possíveis é curiosamente focado em
nossa linguagem ordinária e nos usos lingüísticos que atribuem atualidade a
estados-de-coisas o atuais. Seu argumento parte do pressuposto de que nossas
intuições lingüísticas mais espontâneas, sobre estados fictícios, (ou
potencialidades) são reflexos de uma crença patente que temos da existência de
entidades como ‘mundos possíveis’.
Segundo Stalnaker (2003), Lewis se compromete a 4 teses principais: Em
primeiro lugar, mundos possíveis existem, de modo que o ‘mundo atual’ é tão real
quanto qualquer outro mundo possível; sendo equivalentes em realidade, mundos
possíveis são também objetos do mesmo tipo que o mundo atual, eles não diferem
em espécie, mas apenas em matéria contingente; em terceiro lugar, a análise
indexical do adjetivo ‘atual’ será, conseqüentemente, a análise correta. Por
último, mundos possíveis não podem ser reduzidos a instâncias mais básicas.
Essas teses se tornam manifestas especialmente quando investigamos a posição de
Lewis sobre a natureza do ‘mundo atual’ e sua relação com ‘mundos possíveis’.
81
4.4.
Um grão de areia no deserto: mundos possíveis e indexicalidade
Para Lewis, um ‘mundo atual’ é simplesmente uma realidade concreta
dispersa numa coleção infinita de ‘mundos possíveis’, e com os quais não
desponta qualquer maior prestígio. Nosso ‘mundo’, o ‘mundo’ outrora habitado
por Lewis, é como um grão de areia perdido em um infindável deserto de
‘mundos’. Estendendo a analogia, poderíamos dizer que para Lewis, embora cada
grão de areia tenha um formato único e irrepetível, não nada essencial em um
grão particular de areia que o destaque de qualquer outro grão. Como vimos, para
Lewis mundos diferem em contingência, não em essência, isso inclui um mundo
atual frente a um mundo possível qualquer; mais que isso, a maneira como
designamos nosso mundo como atual, contraposto a qualquer outro possível,
reflete apenas uma atitude espontânea que temos (embora para Lewis seja
equivocada) em elevar o mundo que habitamos a uma condição privilegiada. Estas
idéias de Lewis atravessam toda sua obra, especialmente Anselm and Actuality
(1970) e Counterfactuals (1973).
Todos estes fatores contribuíram para uma interpretação indexical da noção
modal de ‘atualidade’, que tal como indexicais espaciais (como ‘lá’ e ‘aqui’) ou
temporais (como ‘hoje’ e ‘ontem’) dependem do contexto de uso. Desse modo,
assim quando alguém diz que no (seu) mundo atual a força gravitacional entre
dois corpos guarda uma proporção rígida com sua distância, esta pessoa estaria
dizendo, para um realista extremo como Lewis, algo como “eschovendo aqui”.
Em Anselm and Actuality, Lewis defende, por exemplo, que o termo “‘atual’ e
seus cognatos devem ser analisados como termos indexicais: termos cujas
referências variam, dependendo dos aspectos relevantes do contexto de
proferimento” (Lewis, 1970, pp.184-185).
Esta forma indexical de conceber ‘mundos’ se alastrou por toda comunidade
filosófica como uma pequena faísca num palheiro seco, tendo tanto conquistado
alguns defensores, quanto motivado duras críticas. P. Van Inwagen (1980)
reconhece, por exemplo, a originalidade que tais idéias ostentavam para diversas
questões ontológicas, como o estatuto ontológico de propriedades, para dar um
exemplo. A originalidade, no entanto, não proibiu a censura às idéias de Lewis.
82
Um exemplo oferecido por Van Inwagen é o fato de que Lewis trata a noção de
mundo possível de forma ambígua. Em suas palavras, “Lewis não é consistente
quando toma mundos possíveis como maneiras como as coisas poderiam ter sido”
(van Inwagen, 1980, p.406), isso porque se a seguinte sentença, “x é uma maneira
como as coisas poderiam ter sido”, for tomada como uma sentença extensional
aberta, os objetos que a satisfazem deveriam ser abstratos; no entanto, Lewis não
toma a noção de mundo dessa forma abstrata. Como recorda Van Inwagen, isso
fica manifesto quando Lewis diz não acreditar “que outros mundos são
[simplesmente] conjuntos de sentenças” (Lewis, 1973, p.86).
Em todo caso, posições como a de Lewis eram freqüentemente defendidas
sob o argumento de que tais convicções metafísicas ofereciam importante
instrumento na elucidação de condicionais contrafactuais (e com alguma justiça o
fazem). Mas autores como Robert Adams (1974) e Stalnaker (1976) relutaram em
aceitar que essas idéias pudessem ser defendidas, em qualquer sentido possível de
defesa, já que traziam conseqüências indesejáveis.
Bennett alude, em seu livro (2003), a uma dessas críticas, primeiramente
apresentada por Robert Adams em Theories of Actuality (1974). A crítica é um
tanto curiosa, mas vale como argumento. Segundo este autor, nossa censura moral
em ‘atualizar’ atos cruéis e perversos (que podem ser livremente cogitados e
deliberados pelo intelecto) reflete a forte intuição que temos da absoluta
peculiaridade do ‘mundo atual’. Sobretudo, a ‘teoria indexical da atualidade do
mundo’ não consegue justificar a inadmissibilidade moral da ‘atualização destes
atos’, que “ocorrerão em algum outro mundo possível de qualquer modo, caso
não ocorram neste mundo” (Adams, 1974, p.216).
Bennett estende o argumento de Adams para um cenário ainda mais
completo: imaginemos uma criança a ponto de ser assassinada por um criminoso.
É óbvio que qualquer um que esteja em condições de salvá-la (e que não
compartilhe das destituições morais do criminoso, é claro), irá ao menos tentar
ajudá-la. Contudo, em termos utilitaristas, mesmo que o socorro tenha sido bem-
sucedido, o ato em si não irá “reduzir a quantidade total de dor sofrida; [pois] a
dor que a criança poderia ter sofrido é sofrida por alguma criança em algum
mundo” (Bennett, 2003, p.154). Mas é claro que, adotar a semântica de mundos
possíveis para o problema dos contrafactuais não implica necessariamente em
adotar um enfoque de realismo extremo. De fato, há diversas maneiras de adotar o
83
conceito de ‘mundo’ sem, no entanto, resvalar-se para compromissos metafísicos
fortes.
Gideon Rosen, por exemplo, em seu Modal Fictionalism (1990) sugere que
todos os enunciados sobre mundos possíveis sejam compreendidos de uma forma
elíptica, de modo que o vocabulário típico de mundos possíveis, tal como
‘antecedente A é verdadeiro no mundo β’ signifique algo como ‘De acordo com o
realismo modal extremo, ‘antecedente A é verdadeiro no mundo β’’. “Poderia
haver cisnes azuis...”, diz Rosen, “se e somente se houver [no sentido realista
extremo] um mundo W tal que, em W, existem cisnes azuis” (Rosen, 1990,
p.395).
Para Rosen, esta suposição contrafactual implica que haja [ou ‘existe’ num
sentido forte] um mundo possível (não-atual) em que cines azuis existem. O
problema subjacente a esta implicação é o fato de que a admissão da análise de
mundos possíveis acarretaria em um “compromisso em acreditar em outros
mundos possíveis” (Rosen, 1990, p.395). É exatamente a este compromisso que
Rosen pretende se furtar e, por isso, ele trata a análise de mundos possíveis de
maneira dissimulada. Rosen enfatiza este ponto inclusive, reconhecendo que “a
linguagem de mundos possíveis se tornou um instrumento quase indispensável.
Pois ela permite a articulação de perspectivas modais com a clareza e vivacidade
que não podem ser atingidas por outros meios” (Rosen, 1990, p.395).
4.5.
O ‘pressuposto do limite’: incomensurabilidade entre mundos
As teorias que recorrem às semânticas de mundos possíveis se valem de
uma mesma premissa: para a análise se suceder, de forma a poder interpretar um
contrafactual como verdadeiro, é indispensável que o mundo possível mais
adequado - onde o antecedente é verdadeiro - (ou o conjunto de mundos mais
adequados) seja selecionável. Mas qual o significado de mundo mais adequado?
Para Stalnaker, o mundo mais adequado é aquele que exerce a menor
violência com relação ao mundo atual, de modo que se o conseqüente for
verdadeiro neste mundo mais adequado em que o antecedente se segue, então o
contrafactual é verdadeiro no mundo atual. Mas o que significa exercer a menor
violência?
84
Como já vimos anteriormente, a existência de dificuldades intransponíveis
levou Lewis a rechaçar o modelo de Stalnaker por tolerar o chamado “pressuposto
do limite”, i.e., a suposição de que podemos identificar, sem equívoco, um único e
exclusivo mundo que seja o mais próximo do ‘mundo atual’. Na verdade, não é
muito claro o que Stalnaker quer dizer exatamente quando fala estritamente nestes
termos, “causar a menor violência”. Uma das possíveis acepções para “menor
violência possível” seria, obviamente, que fosse o mais semelhante ao mundo
atual, tanto quanto permitido. Mas em última análise, o que define este “tanto
quanto permitido”?
Podemos recordar o exemplo da linha, dado por Lewis. Se a seguinte linha
entre as aspas, _______”, medisse mais que uma polegada... Qual será a linha
contrafactual mais próxima à linha factual “_______” (menor que uma polegada),
tal que seja ao mesmo tempo, maior que uma polegada? Aqui Lewis de certa
forma alude a uma relação incomensurável que é estabelecida entre mundo atual e
o mundo contrafactual mais próximo que contenha esta linha e onde o antecedente
é verdadeiro. Pois será impossível depreender o mundo mais próximo neste caso .
Em virtude deste fato, como vimos, Lewis inaugurou um conceito de
similaridade que prescindia de uma noção quantitativa, denominando-a
similaridade comparativa. Tal concepção o desobrigaria a determinar “o quão”
semelhante serão dois mundos, informando apenas que dois mundos são
semelhantes em vista de um terceiro mundo que funciona de base para auferir a
similaridade. Mas sua solução não esclarece totalmente o problema da
similaridade entre mundos e da maneira em que esta relação pode ser identificada
no mundo, ou ser concebível.
Kit Fine, em reputada análise crítica (1975) de Counterfactuals de Lewis,
ergue algumas objeções bastante contundentes. Um dos exemplos de Fine é que a
teoria de Lewis sanciona como verdadeiros alguns contrafactuais subjuntivos
patentemente falsos – ou no mínimo controversos. Conforme Fine, o contrafactual
Se Oswald não tivesse atirado em Kennedy, então alguém o teria feito será
provavelmente verdadeiro para a teoria de Lewis, já que a suposição de que outra
pessoa teria atirado em Kennedy (de qualquer maneira) será menos divergente dos
fatos de nosso mundo do que a suposão de que ninguém atirou em Kennedy.
Estes exemplos foram instrutivos porque mostraram que a teoria de Lewis permite
que, para qualquer contrafactual que contenha uma grande divergência em relação
85
ao ‘mundo atual’, mesmo quando o contrafactual pareça verdadeiro ou mais
provável, podemos sempre substituir esta mudança por outra que trouxesse um
impacto cujas conseqüências fossem mais similares ao nosso mundo.
Outro exemplo instigante, de Fine, é quando consideramos um contrafactual
tal como ‘Se Nixon tivesse apertado o botão, teria havido um holocausto nuclear
e o imaginamos como verdadeiro ou bastante provável. O problema é que,
segundo a análise de Lewis, este contrafactual será falso, pois se supomos que
nunca haverá um holocausto nuclear, então em relação a qualquer mundo onde o
antecedente e o conseqüente são ambos verdadeiros portanto, que a ação de
Nixon engendrou o holocausto nuclear - haverá um mundo mais próximo do
‘atual’ onde o antecedente é verdadeiro, porém o conseqüente é falso i.e., que a
ação de Nixon não engendrou o holocausto nuclear -, que a o manifestação
do holocausto nuclear, por uma intervenção miraculosa qualquer, é menos
divergente do ‘mundo atual’.
A resposta de Lewis a Fine veio apenas em 1979, ao publicar
Counterfactual Dependence and Time’s Arrow. Seu argumento se segue de forma
bastante engenhosa, mas pouco convincente. Lewis primeiramente admite que
existam tais mundos onde Nixon aperta o botão, num instante t, mas não deflagra
o holocasuto nuclear. A tarefa recai, portanto, em reconhecer qual desses vários
mundos será menos divergente do mundo w
0
, o mundo em que Nixon aperta o
botão no instante t.
Existirá segundo Lewis, uma primeira classe de mundos w
1
, que são
exatamente iguais a w
0
até pouco antes do momento t (o momento em que Nixon
aperta o botão). Ambos se assemelham em todos os aspectos possíveis. Contudo,
pouco antes de t, w
0
e w
1
começam a se divergir, as leis determinísticas de w
0
passam a ser violadas em w
1
dando lugar a um milagre. Essa intervenção faz com
que Nixon aperte o botão e, desde este ponto, os mundos w
0
e w
1
se divergem para
sempre.
No segundo caso, temos os mundos w
2
, onde não existem intervenções
miraculosas. As leis determinísticas de w
0
são integralmente respeitadas, ou seja,
as leis determinísticas de w
0
e w
2
coincidem perfeitamente. Como Nixon aperta o
botão em w
2
e as leis deste mundo são as mesmas de w
0
, então Lewis conclui que
tais mundos serão integralmente divergentes, pois tendo as mesmas leis, eles ou
86
bem seriam semelhantes em todos os aspectos, ou bem em nenhum. Para Lewis,
os mundos w
2
serão mais divergentes de w
0
do que w
1
.
Uma terceira classe de mundos w
3
reúne os mundos que começam da
mesma forma que w
1
, i.e., pouco antes de t, w
3
e w
0
são totalmente semelhantes.
Então, pouco antes de t, ocorre uma intervenção miraculosa fazendo com que
Nixon aperte o botão. Mas pouco após t, ocorre outra intervenção miraculosa, de
modo que todos os vestígios são apagados, o circuito elétrico é interrompido, etc.
Dessa forma,o holocausto nuclear não ocorre e todas as leis de w
3
voltam a
funcionar da mesma forma. Porém, apesar do conseqüente não ter se seguido, o
mundo w
3
é tal que Nixon sabe que apertou o botão, embora nada tenha ocorrido.
Segundo Lewis, as similaridades entre w
0
e w
3
não durariam, e de fato, a
tendência é que se divergissem mais e mais. Na verdade, Lewis ilustra os mundos
w
3
apenas para argumentar que qualquer proximidade em matéria dos fatos (como
entre w
0
e w
3
) será sempre melhor, para sua relação de similaridade, do que o
milagre mais insignificante.
Lewis ainda prossegue com uma quarta classe de mundos w
4
, que começam
exatamente como w
1
e w
3
, sendo perfeitamente semelhantes a w
0
até pouco antes
do instante t. Há uma intervenção miraculosa e tudo se segue da mesma forma que
em w
3
. Nixon aperta o botão em t, mas logo após começa uma sucessão de
intervenções miraculosas capazes de apagar todos os vestígios possíveis, de forma
que tudo é restaurado a funcionar da mesma maneira que funcionariam caso nada
tivesse ocorrido. Os circuitos são restaurados, as digitais são apagadas, o suor de
Nixon volta ao seu dedo e todas as memórias de Nixon se apagam. Para Lewis, w
4
nos mostra que tal cadeia de intervenções miraculosas para restaurar uma
convergência perfeita entre w
0
e w
4
não vale o esforço. Qualquer mínima
similaridade de fatos será melhor, em termos de semelhança, do que a profusão de
milagres ocorrida em w
4
. Dessa forma, conforme Lewis, a alise correta deve
eleger o mundo w
1
como o mais semelhante a w
0
. Ele inclusive elabora um
sistema de critérios para avaliar as prioridades de divergência ou similaridade
entre mundos. São eles:
87
(1) Evitar grandes violações de leis.
(2) Maximizar a região espaço-temporal em que perfeita
equivalência de fatos particulares.
(3) Evitar qualquer violação mínima de leis.
(4) É irrelevante assegurar similaridade mais próxima entre fatos
particulares.
Rescher (2007), nota que as concepções metafísicas de Lewis admitem ou
aceitam, tacitamente, a doutrina de que o espaço físico possa ser rearranjado sem
demais conseqüências. Os argumentos anteriores de Lewis expõem, de certa
forma, essa admissão. Este pressuposto engendra, no entanto, uma infinidade de
dificuldades. Nosso exemplo adiante será ilustrativo. Imaginemos que estamos
caminhando em uma praia, vemos uma pedra repousando sobre a areia e
elaboramos um contrafactual como:
Se esta pedra P estivesse em qualquer outro lugar ao invés da areia desta
praia, o grão de areia debaixo desta pedra estaria sendo iluminado pelo
sol.
A questão é que poderíamos imaginar infinitos mundos possíveis que
causariam, das formas mais diversas, a menor violência possível. Afinal, se esta
pedra está num determinado lugar ao invés de outro, o que é que estaria agora em
seu lugar? Alguma ‘porção de ar’? Qual ‘porção de ar’? Aquela porção que estava
onde agora está supostamente a pedra? Mas então teríamos infinitos mundos
possíveis totalmente distintos que causam (todos) a menor violência possível.
Observe que o usamos o expediente das intervenções miraculosas; a questão
simplesmente é: onde devemos “colocar” a pedra?
Rescher (2007) alude exatamente a este tipo de problema, ao defender que
“qualquer mudança hipotética na composição física do real desencadeia uma vasta
sucessão de mudanças físicas tanto na constituição física do real quanto nas leis
da natureza.” (Rescher, 2007, p.84). Ou ainda, quando deslocamos qualquer
88
matéria de sua localização, “de que maneira arrumamos um espaço para ela ficar?
E de que maneira arrumamos algum espaço para a matéria que foi desalojada?”
(Rescher, 2007, p.84).
Pois suponhamos um ‘mundo
φ
em que P, no momento t
1
, repousa na
coordenada (X
1
°, X
2
°) (latitude/longitude). Suponha agora, em momento posterior
a t
1
, que a pedra foi deslocada para a coordenada (Y
1
°, Y
2
°) e ela agora repousa
logo após o limite mais próximo da praia, de modo que no instante t
2,
a ‘porção de
ar’
χ
- que se encontrava, no instante t
1
, no espaço onde agora se encontra Pfoi
deslocada da coordenada (Y
1
°, Y
2
°) para (X
1
°, X
2
°). Este seria o deslocamento
mais intuitivo, inclusive respeitando o critério (2) de Lewis: “maximizar a região
espaço-temporal em que há perfeita equivalência de fatos particulares.”
Observe que no instante t
2
, o sol ilumina grãos de areia na coordenada (X
1
°,
X
2
°) (de onde a pedra foi deslocada); os grãos de areia que estavam em (Y
1
°,
Y
2
°) pararam de ser iluminados, pois a pedra está no local. Pois bem, imaginemos
agora um segundo ‘mundo
ϕ
onde a coordenada (Y
1
°, Y
2
°) é trocada, para todos
os efeitos, pela coordenada (Z
1
°, Z
2
°) que está definitivamente fora das
demarcações da praia.
O antecedente é bastante claro: Se esta pedra P estivesse em qualquer
outro lugar ao invés da areia da praia...Mas importaria se a pedra fosse parar,
por exemplo, no fundo do mar (suponha)? O ponto é interessante para o exemplo.
Para onde irá a água que agora é ocupada pela pedra? Ela some ou ocupa de
alguma forma o lugar ocupado pela pedra (incluindo todas as infrações físicas que
isso poderia implicar)? Esse estado-de-coisas é mais ou menos violento do que se
a água salgada inicialmente em (Z
1
°, Z
2
°) estivesse agora diluída num rio
qualquer?
Poderíamos defender, por exemplo, que para causar a menor violência
possível, e maximizar a região espaço-temporal em que equivalência de fatos
particulares, a porção d’água deveria estar em algum lugar. Se o critério de
semelhança for o de “causar a menor violência possível na posição espaço-tempo”
então aquela porção d’água deveria supostamente estar no lugar onde a pedra
estava, pois se a colocássemos em qualquer outro lugar, estaríamos ocupando
espaço de uma segunda matéria e a equivalência entre fatos particulares seria
menor; mas quais seriam as implicações disso?
89
Afinal, no segundo mundo a única diferença é que trocamos as coordenadas,
e sob um critério de posição espaço-tempo, a porção d’água estabelecida de
alguma forma naquele espaço da pedra causou o menor impacto na soma de
objetos que existem no universo. É claro, reconhecemos que tais pontos são
polêmicos e contestações não faltariam. Os exemplos são realmente extravagantes
e esse é exatamente o intuito.
Continuando, podemos questionar se o contrafactual mudaria de valor de
verdade dependendo de onde colocássemos a pedra. Caso a pedra fosse parar no
fundo de um pântano, cheio de lama. Será que poderíamos supor agora que o
pedaço de lama que estava no lugar onde agora está a pedra, tem que
necessariamente estar no lugar antes ocupado pela pedra? Não é isso que o critério
(2) de Lewis defende? Imaginemos que sim, o pedaço de lama foi parar no espaço
ocupado pela pedra, pois estamos utilizando o critério de menor violência na
trama ‘espaço-tempo’, o contrafactual seria agora falso? O conseqüente o grão
de areia debaixo desta pedra estaria sendo iluminado pelo sol” se seguiria ou não
neste mundo? Talvez a teoria de Lewis nos licenciasse a dizer que este mundo não
seria membro do conjunto de mundos mais próximos. Mas em virtude de quê?
se fosse em razão do contrafactual agora ser falso por uma ocasião puramente
circunstancial.
Como podemos lembrar, Goodman, ao enfrentar as conseqüências de sua
teoria, tem intuição clara de que ela depende, em última instância, do que
compreendemos a respeito do ‘mundo atual’. Isso fica evidente, por exemplo,
quando ele impede que enunciados faticamente incompatíveis sejam convocados a
agir com o antecedente. Isso não resulta de nenhuma restrição lógica, mas de
aspectos puramente factuais. O próprio critério de co-sustentabilidade alude a uma
restrição deste tipo. O antecedente não pode admitir um enunciado do conjunto S
que se torne falso quando o antecedente é verdadeiro, i.e., que se torne falso em
virtude das contingências fáticas do mundo. O destino da pedra de nosso exemplo
parece aludir a uma questão parecida.
Ao menos num nível metafísico, são questões que nos parecem pertinentes:
importa para onde foi a matéria que em nosso mundo está no mesmo lugar onde a
pedra se encontra no mundo possível mais próximo? Se isso importa, a seleção do
mundo mais próximo depende disso? Tais vicissitudes influem na similaridade
comparativa entre mundos? Esses aspectos circunstanciais podem afetar a
90
verdade ou falsidade do contrafactual? E afinal, se tais contingências não fossem
relevantes: podemos ou devemos simplesmente sumir com a pedra do Universo?
Quais as implicações físicas de tal acontecimento? Será que temos noções
suficientemente claras sobre essas implicações? É admissível extinção de matéria?
Que tipos de leis físicas do nosso mundo o teórico está disposto a infringir?
Tais exemplos ou questionamentos não depõem necessariamente contra os
sistemas de Lewis e Stalnaker, i.e., seus modelos semânticos podem permanecer
intactos mesmo sob tais enigmas (se é que são enigmas autênticos, nossa intenção
foi apenas a de suscitá-los). As imagens apenas nos sugerem que os fundamentos
metafísicos das teorias que se ancoram em mundos possíveis podem abranger tais
problemas.
Especialmente para abordagens realistas de mundos possíveis, como a de
Lewis, tais contendas possuem certamente efeitos notáveis. Ora, mundos possíveis
não são entidades que podemos manipular impunemente; eles devem possuir um
caráter absolutamente determinado. Um mundo não é apenas um tipo qualquer
de estado-de-coisas, mas deve incorporar um estado-de-coisas-integral ‘saturado’
ou ‘maximal’.” (Rescher, 2007, p.195). Portanto, o ônus dessas justificativas
recairá sobre os teóricos de mundos possíveis.
5
CONCLUSÃO
Ao longo de toda esta exposição, observa-se que a relevância do tema dos
contrafactuais não se limita apenas à imponência filosófica de seus múltiplos
desdobramentos em tão breve período de tempo (que ao maior limite possível não
chega sequer um século); mas é contudo a promissora atualidade e vigência do
debate que permitem a este tema desfrutar de um privilégio do qual poucas
investigações filosóficas podem partilhar com igual intensidade. Prospectos não
faltam. Quanto mais profundamente se explora este terreno, mais problemas
parecem emergir com igual força. Mas, sobretudo, conforme se observa nesta
dissertação, a trajetória dos contrafactuais revela uma clivagem fundamental:
aquela que opõe as teorias consequencialistas Goodman e seus seguidores às
teorias de mundos possíveis – Stalnaker-Lewis e seguidores.
Esta oposição nunca pôde ser resolvida satisfatoriamente, de forma que as
teorias que arregimentam a semântica de mundos possíveis a grande maioria
geralmente desdenham grande parte das intuições das teorias consequencialistas
de contrafactuais. A primeira incursão no tema, aquela que se identifica com as
teses de Goodman, Chisholm e seus seguidores, teve seu desenvolvimento
abruptamente interrompido pela guinada efervescente da introdução de semânticas
de mundos possíveis; Contudo, como se pôde notar em diversos autores, há
inúmeros aspectos desta segunda alise que inspiram novas rotas de
investigação, incluindo o resgate das intuições iniciais de Goodman. Nossa
questão norteadora foi a seguinte: aquilo que é possível no mundo deve ser
necessariamente pensado em termos de mundos possíveis?
A principal estratégia argumentativa de Lewis em favor de sua tese está em
transferir o ônus da prova para o cético que recusa suas implicações. Como
lembra Stalnaker (1976), Lewis solicita a seus críticos que apontem “os problemas
criados pelo compromisso com mundos possíveis e as análises alternativas que se
furtariam a estes problemas”. (Stalnaker, 2003, p.26). Ora, certamente, o
dispomos de qualquer análise cujos recursos sejam mais amplos que os
desenvolvidos por Lewis; e nesse ponto, Lewis tinha razões suficientemente fortes
para ignorar seus críticos. Quanto aos problemas criados pelo compromisso com
mundos possíveis, sugerimos adiante apenas algumas considerações.
92
O ‘pressuposto do limite’ enfraquece os argumentos em favor do realismo
de mundos possíveis; observe que, o principal argumento de Lewis em favor do
realismo de mundos parte do pressuposto de que nossas intuições lingüísticas
sobre estados fictícios (ou potencialidades) são apenas reflexos de nossa crença na
existência de entidades como mundos possíveis. O ‘pressuposto do limite’ alude a
um caso claro em que esta crença conflita com nossas intuições lingüísticas ou
epistêmicas mais patentes: a suposição de que não pode haver uma regressão
infinita de mundos possíveis cada vez mais próximos ao nosso mundo, de modo
que um limite e, portanto, existe um mundo mais próximo. Mas qual o real
significado deste tipo de entidade?
Em segundo lugar, a análise por mundos possíveis não prioriza as
intervenções do mundo atual em nossas teorias. Isto fica evidente no caso das
ciências empíricas. Ao menos sob uma perspectiva falibilista, a ciência busca, ou
bem incrementar seu entendimento sobre leis naturais, ou bem falsear leis naturais
quando encontra um falseador. Rotineiramente, falseadores são erguidos com base
em hipóteses contrafactuais. Ciências empíricas orientam suas investigações em
virtude única e exclusivamente de ‘nosso’ mundo.
Teorias científicas são falseáveis quando confrontadas com observações
singulares simples. Galileo, como lembra Chisholm (1946), funda toda a sua
Dinâmica com base em assunções contrafactuais subordinadas a observações.
Vale lembrar que as primeiras teorias de contrafactuais não foram apenas
motivadas pela busca do significado dos contrafactuais, mas também
inversamente, como nota D. Edgington (1995), foram impulsionadas pelo fato de
que “se compreendêssemos contrafactuais, isto poderia [finalmente] nos iluminar
sobre a noção de lei” (Edgington, 1995, p.247).
As teorias consequencialistas propendem a isolar o estritamente necessário
na elucidação de contrafactuais, incluindo o conjunto mínimo de leis gerais e
enunciados verdadeiros causalmente compatíveis, relevantes e suficientes para
que o conseente seja dedutível do antecedente. Neste sentido, elas sustentam,
com maior apelo, um critério de simplicidade para análise de contrafactuais.
Por prescindir da noção metafisicamente obscura de mundo possível ou
similaridade entre mundos, uma teoria consequencialista devidamente retificada
poderia nos direcionar a um melhor entendimento a respeito de leis causais”,
“generalizações não acidentais” ou “disposicionalidade”. Isso já estava claro
93
desde Goodman. As teorias consequencialistas salvaguardam claramente valor
epistêmico, enquanto as teorias de mundos possíveis fogem completamente ao
escopo relevante. O quê acontece em ‘nosso’ mundo? Tudo que temos são
possíveis prospectos de investigação, mas nenhuma solução concreta; isso tanto
do lado das teses consequencialistas quanto do lado das semânticas de mundos
possíveis. Em último caso, a situação lembra as opiniões sobre sistemas de
governo. É comum dizerem: “Todos os sistemas de governo são imprestáveis,
mas talvez a democracia seja o menos imprestável” deles”. Com contrafactuais
ocorre algo parecido, todas as análises são “ruins” de certa forma, pois se enredam
em problemas e paradoxos; mas uma parte de defensores dirá que as teses
consequencialistas são metafisicamente (ou intuitivamente) melhores; a outra
parte dirá que as teses modais são tecnicamente (ou semanticamente) melhores.
Devemos reconhecer de todo modo, a questão de contrafactuais permanece em
aberto.
Afinal, o que seria do mundo, caso algum fato, ou grande quantidade deles
fossem de maneiras distintas? O que se seguiria no mundo, caso os fatos tivessem
sido outros? Por que algumas ficções nos parecem mais verossímeis que outras?
Qual a natureza dessas hipóteses “jogadas ao vento”, despretensiosas em seu
nascimento, mas que ‘no caminhar dos fatos’, florescem toda sorte de destinos
diferentes para o mundo? A bela passagem de Donald Davidson é oportuna:
“Nunca fazemos mais que mover o nosso corpo: o resto é com a natureza”
(Davidson, 1980, p.59).
6
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