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A PRESENÇA AUSENTE DAS
TECNOLOGIAS DIGITAIS NO CURSO DE
PEDAGOGIA DA UFT: interconexões e
hibridações da educação e comunicação
como interzona contemporânea.
Salvador-BA
março/2009
Universidade Federal da Bahia – UFBA
Faculdade de Educação – FACED
Programa de Pesquisa e Pós-Graduação em Educação - PPGE
Curso de Doutorado
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José Damião Trindade Rocha
A PRESENÇA AUSENTE DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS NO
CURSO DE PEDAGOGIA DA UFT: interconexões e hibridações da
educação e comunicação como interzona contemporânea.
Tese apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Faculdade de
Educação da UFBA, Linha de Pesquisa:
Currículo e Tecnologias de (In)Formação e
Comunicação, como requisito parcial para
obtenção do título de Doutor em Educação.
Orientador: Prof. Dr. Edvaldo Souza Couto.
Salvador-BA
março/2009
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UFBA / Faculdade de Educação – Biblioteca Anísio Teixeira
R675 Rocha, José Damião Trindade Rocha.
A presença ausente das tecnologias digitais no curso de pedagogia da
UFT : interconexões e hibridações da educação e comunicação como
interzona contemporânea / José Damião Trindade Rocha. – 2009.
179 f.
Orientador: Prof. Dr. Edvaldo Souza Couto.
Tese (doutorado) – Universidade Federal da Bahia. Faculdade de
Educação, Salvador, 2009.
1. Currículos - Inovações tecnológicas. 2. Currículos – Mudança. 3.
Educação - Estudo e ensino. I. Couto, Edvaldo Souza. II. Universidade
Federal da Bahia. Faculdade de Educação. III. Título.
CDD 375 – 22.ed.
Termo de Aprovação
José Damião Trindade Rocha
A PRESENÇA AUSENTE DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS NO
CURSO DE PEDAGOGIA DA UFT: interconexões e hibridações da
educação e comunicação como interzona contemporânea.
Tese como requisito parcial para obtenção do título de Doutor em Educação,
Universidade Federal da Bahia – UFBA, defendida em 10 de junho de 2009.
Banca Examinadora
Edvaldo Souza Couto – FACED/UFBA (Orientador)
Doutor em Educação, UNICAMP
Maurício Nogueira Tavares – FACOM/UFBA
Doutor em Comunicação e Semiótica, PUC/SP
Maria Inez Carvalho – FACED/UFBA
Doutora em Educação, UFBA
Roberto Sidnei Macedo – FACED/UFBA
Doutor em Educação, Universidade Paris VIII
Tânia Maria Hetkowski - UNEB
Doutora em Educação, FACED/UFBA
Salvador-BA
março/2009
AGRADECIMENTOS
Agradeço o apoio institucional que contribuiu decisivamente para a
realização deste trabalho de produção científica: UFT, FACED/UFBA, GOVERNO
FEDERAL/CAPES.
Sou profissionalmente devedor e grato pelas indicações nos estudos,
orientação da tese e pela acolhida colaborativa em Salavador-Bahia, durante a trajetória
de doutoramento, ao meu orientador Prof. Dr. Edvaldo Souza Couto.
Aos docentes da Banca de Exame de Qualificação, realizada em 21 de
novembro de 2007: Prof. Dr. Geraldo da Silva Gomes (Unitins), Profª Dra. Maria Inez
Carvalho (UFBA), Prof. Dr. Edvaldo Souza Couto (UFBA).
Aos colegas da turma 2005 da FACED, agradeço a oportunidade da
convivência e o aprendizado compartilhado.
Aos membros do GEC, em especial os docentes Prof. Dr. Nelson De Luca
Pretto, Profª Dra. Maria Helena Bonilla, Profª Dra. Alessandra de Assis Picanço, e as
colegas Darlene Almada Oliveira Soares, Telma Brito Rocha, Simone de Lucena
Ferreira, a gratidão pelo apoio aos estudos e pesquisa.
Agradecimento especial aos meus professores do Programa de Pós-
Graduação em Educação e do Programa de Filosofia da UFBA: Prof. Dr. Edvaldo Souza
Couto, Prof. Dr. Roberto Sidnei Macedo, Prof. Dr. Robert Van Verhine, Profª Dra.
Terezinha Fróes Burnham, Profª Dra. Dora Leal.
Sou grato aos amigos que incentivaram, dialogaram e apoiaram a realização
deste trabalho: Prof. Dr. Geraldo da Silva Gomes (Unitins), Prof. Dr. Roberto Aparici
(Uned/Espanha), Prof. Dr. Edemilson Jorge Ramos Brandão (UPF/RS), Prof. Dr. José
Ramiro Lamadrid Marón (UFT), Profª Dra. Edilece Souza Couto (UFBA), Profª
Msc.Valdirene Cássia da Silva (CEULP/ULBRA).
A prestatividade dos trabalhos de revisão textual do Prof. Dr. Eli Pereira da
Silva (UFT).
O apoio de familiares e amigos pela compreensão da necessária dedicação ao
trabalho, em especial, meus pais: Profª Jacira Rocha e José Rocha, meus irmãos,
sobrinhos e demais familiares e amigos ...
Minhas idéias, minha produção não são individualmente minhas, são nossas,
são públicas!
A realidade não é apenas o aqui e agora, o
contexto da percepção sensorial imediata, mas a
identidade e a mudança do que está ausente
longe da vista no momento ou, de fato, nunca
encontrado, mas simplesmente aceito como
estando “lá”. Aprender sobre a realidade exterior,
portanto, é também uma questão de experiência
mediada.
Anthony Giddens, 2002
RESUMO
Este estudo buscou compreender as concepções e os sentidos de tecnologias digitais no
curso de Pedagogia da UFT. Tomou como referência de análise os documentos do
período de 2003 a 2007 (atas de colegiado, projetos político-pedagógicos, pareceres
técnicos), que dão base à elaboração e construção da proposta pedagógico-curricular do
curso, buscando responder as seguintes questões: Quais as concepções de tecnologias
digitais estão presentes no currículo do curso de Pedagogia da UFT? Quais os
significados de tecnologias digitais no Projeto Político-Pedagógico do curso de
Pedagogia da UFT? Quais as mudanças que as tecnologias digitais provocaram no
currículo do curso de Pedagogia da UFT? Num primeiro momento, descrevo o contexto
institucional do curso de Pedagogia da UFT. A criação do curso foi marcada de aspectos
históricos da implantação das duas universidades públicas do estado do Tocantins. Foi
criado na instituição estadual, a Unitins, e posteriormente, transferido para a UFT. Na
universidade federal, foi readequado, passou por várias reestruturações curriculares.
Numa próxima etapa, busco compreender a concepção, o significado e as mudanças das
tecnologias digitais no Projeto Político-Pedagógico e no currículo do curso. Realizei a
análise do “corpus” coletado: pesquisa documental à luz dos pressupostos teóricos
contemplados neste estudo, resultantes de pesquisas e publicações que discutem as
questões educação e tecnologias e seu entorno contemporâneo, em especial, autores
como: Alex Primo (2007), André Lemos (2004, 2007), Bonilla (2005), Bauman (1998,
2001, 2004, 2007), Carmem Bissolli Silva (1999, 2002, 2008), Citelli (2004),
Dominique Wolton (2003, 2006), Edvaldo Couto (2000, 2005), Ildeu Moreira Coelho
(1994), Ivani Fazenda (2001, 2008), José L. Braga e R. Calazans (2001), Lucia Santaella
(2000, 2003, 2004, 2007), Maffesoli (2001), Nelson Pretto (2005, 2008), Pierre Lévy
(2005a, 2005b), Roberto Sidnei Macedo (2004, 2006), Santomé (1998), Vani Kenski
(2004, 2007). Ampliando essa reflexão, procurei identificar as categorias que
fundamentam as matrizes do currículo contemporâneo. Na conclusão aponto o alcance
ou não dos objetivos no intuito de responder as questões iniciais de pesquisa. A tese
sinaliza o fenômeno da presença ausente das tecnologias digitais no curso de Pedagogia
da UFT. A presença ausente possibilita outra perspectiva de presença: estar ao alcance
independemente da distância, o que significa, ao mesmo tempo, estar perto dos que estão
distantes. As tecnologias digitais estão presentes ausentes no curso, por meio da
experiência midiática, de discentes e docentes, mas não se configuram como fundamento
do trabalho formativo, apesar de um componente sobre tecnologias figurar na matriz
curricular dos dois projetos pedagógicos. Outras conlusões puderam ser feitas: a distonia
entre o discurso pedagógico formal e o informal midiático; a falta de diálogo, de
sintonia, entre a educação e a comunicação; os destempos no trabalho com as
tecnologias digitais; as várias mudanças curriculares pelas quais passou o curso de
Pedagogia da UFT e ausência de marcas da contemporaneidade em seu currículo; as
fragilidades não resolvidas nacionalmente em relação à imprecisão epistemológica do
campo de atuação do curso de Pedagogia, assim como a própria indefinição do seu
objeto de estudo e seu currículo disciplinar hierarquizado, o que não possibilita o
trabalho com as categorias da presentividade. Além disso, abordo as bases do currículo
contemporâneo, aportes fundamentais para se implementar mudanças nos modos de
pensar, agir e formar.
Palavras-Chave: Currículo - Tecnologias - Pedagogia – Educação – Comunicação.
ABSTRACT
This study sought to understand the functions and the conceptions of technologies in the
UFT’s Education Science course. It was taken as a support for analyzing the documents
from the period 2003 to 2007 (minutes of collegiate, political and educational projects,
technical documents) which provides basis for the development and construction of the
proposed curriculum, trying to answer the following questions: What conception of
technology is present in the UFT’s curriculum? What is the meaning of technology in
the UFT’s Education Science course? What change of conceptions of curriculum is
described in the educational projetct of the UFT’s Education Science course? Initially,
we describe the institutional context of the UFT’s Education Science course. The
creation of the course was historically marked by aspects of the implantation of the two
public universities in the state of Tocantins. The course was created in the state
university, Unitins, and subsequently transferred to the UFT. In the federal university it
was readequated and went through several curriculum reconstruction. In a next step, we
seek to understand the concept of technology in the curriculum of the course. We
performed the analysis of the collected corpus through a documentary research based
upon the theoretical assumptions included in this study, originated from research and
publications that discuss the issues of technology and education and its contemporary
surroundings, particularly the authors: Alex Primo (2007), André Lemos (2004, 2007),
Bonilla (2005), Bauman (1998, 2001, 2004, 2007), Carmem Bissolli Silva (1999, 2002,
2008), Citelli (2004), Dominique Wolton (2003, 2006), Edvaldo Couto ( 2000, 2005),
Ildeu Moreira Coelho (1994), Ivani Fazenda (2001, 2008), José L. Braga and R.
Calazans (2001), Lucia Santaella (2000, 2003, 2004, 2007), Maffesoli (2001), Nelson
Pretto (2005, 2008), Pierre Lévy (2005a, 2005b), Roberto Sidnei Macedo (2004, 2006),
Santomé (1998 ), Vani Kenski (2004, 2007). As an extension of our discussion, we
identify the categories that support the matrix of the contemporary curriculum. The
in(conclusive) discussion suggests the phenomenon of absent presence of technology in
the UFT’s Education Sciense course. The missing presence means the another kind of
presense: to be at reach independentlly of distance, that means being close to those who
are distant. The technologies are present in the course through the media experience of
students and teachers and are not supportive to the in the educational practice,
although they appear as subjetcs in the curriculum matrix of the two pedagogical
projects. Other notes have been made, such as: the lack of tune between the formal and
informal teaching discusion and the informal midiatic discussion; the lack of dialogue
and tune between education and communication, the lack of sincronicity in the handling
of the technology, the various curricular changes through which has passed the UFT’s
Education Science and the absence of contemporary marks in its curriculum, the
nationally weak unresolved epistemological imprecision on the field of action of the
course, in addition to the very vagueness of its object of study and its hierarchical
disciplinary curriculum, what does not allow a work with the categories of the present
time. Moreover, we depict the foundations of contemporary curriculum, which are
important contributions to implement to make the changes in ways of thinking, acting
and educating.
Keywords: Curriculum - Technology – Education Science Course - Education -
Communication.
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uma
LISTA DE SIGLAS
Anos Iniciais do Ensino Fundamental (AIEF)
Associação Nacional de Pesquisa em Educação (ANPED)
Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE)
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID)
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES)
Centro de Formação de Profissionais da Educação (CEFOPE)
Centro Universitário Luterano de Palmas (CEULP/ULBRA)
Comissão Especial para Promoção de Políticas de Igualdade Racial (CEPPIR)
Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSEPE/UFT)
Conselho Estadual de Ensino (CEE)
Conselho Nacional de Educação (CNE)
Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (CONSUNI/UFT)
Diário Oficial do Estado (DOE)
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)
Doutorado Interinstitucional (DINTER)
Educação a Distância (EaD)
Educação a Distância (Eadcon)
Educação Continuada Ltda (Educon)
Educação Infantil (EI)
Exame Nacional de Desempenho do Ensino Superior (ENADE)
Fórum dos Diretores das Faculdades/Centros de Educação (FORUMDIR)
Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO)
Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef)
Fundo de Investimento da Amazônia (FINAM)
Grupo de Pesquisa em Educação e Comunicação (GEC)
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)
Instituições de Ensino Superior (IES)
Instituições Federais de Ensino Superior (IFES)
Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais (INEP)
Laboratório de Informática (LABIN)
Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB)
Ministério da Educação (MEC)
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)
Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI)
Projeto Político Pedagógico (PPP)
Pró-Reitoria de Graduação (PROGRAD)
Secretaria de Estado de Educação (SEDUC)
Sistema de Informação do Ensino (SIE)
Universidade de Brasília (UnB)
Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI)
Universidade do Estado do Tocantins (Unitins)
Universidade Federal de Goiás (UFG)
Universidade Federal do Tocantins (UFT)
13
INTRODUÇÃO
1.1 A tese sobre uma interzona contemporânea.
Este trabalho trata da educação e comunicação como interzona contemporânea. É uma
pesquisa realizada no curso de Pedagogia da UFT em que seus pressupostos são
resultantes da interconexão desses dois campos. O estudo destes na atualidade, “[...] se
invadem mutuamente, entram em forte relação de fluxo” (Braga e Calazans, 2001: 10), e
apontam questões de pesquisa importantes no seu processo de convergência.
A tese resulta da hibridação
1
de dois campos movediços em permanente disputa sócio-
política, porém interconectados. Da educação, especifico o currículo, e da comunicação,
as tecnologias digitais. Ao considerar este trabalho uma hibridação, refiro-me a condição
híbrida como
composição de dois elementos diversos anomalamente reunidos para originar
um terceiro elemento que pode ter as características dos dois primeiros
reforçadas ou reduzidas. Híbrido é também o que participa de dois ou mais
conjuntos, gêneros ou estilos.
[...]
Híbrido vem sendo utilizado, sobretudo pela crítica pós-moderna, defendendo
que hibridação seria a expressão mais apropriada quando queremos abarcar
diversas mesclas interculturais.
Hoje, queremos ser tudo ao mesmo tempo, ou cada dia ser um, ou até dois ou
três misturados (Zilá, 2009 s/p)
Retratar o hibridismo, a mistura, foi um desafio que me instigou, desde o início, a buscar
o entendimento das aproximações, dos avanços e das interconexões destes campos,
defendidos por mim como uma interzona contemporânea.
Busquei no trabalho de Canevacci (2005) a idéia do termo interzona. E o utilizo devido
sua concepção de intermezzo. Sentido atribuído por Deleuze e Guatarri (1997) a
rizoma
2
: inter-relação entre conceitos. Um rizoma não inicia e nem termina, está sempre
no meio. Como descrevo a interface de campos diferentes, busco compreender as
interconexões, por acreditar ser “[...] obsoleta, incerta, ou melhor, flutuante, a dicotomia
entre zonas geográficas e zonas mentais” (Canevacci, 2005: 61).
1
Híbrido para a crítica pós-moderna refere-se à qualidade do que resulta de elementos de natureza distinta.
A palavra remete ao que é originário de espécies diversas.
2
DELEUZE, Gilles & GUATTARI, Félix. “Mil platôs”. São Paulo, SP: Editora 34, 1997.
14
O conceito de interzona caracteriza o que propus com a pesquisa dos dois campos:
compreender a hibridação (as tecnologias digitais). A interzona retrata o espaço de
forma que
[...] os lugares não existem. Eles estão dissolvidos. As zonas são nômades, são
percorridas, atravessadas. Não é possível fixar-se, não há sedimentação nas
interzonas. Uma zona-entre: cris-cross. As determinações espaciais pertencem
aos lugares, onde as certezas identitárias são fixas e institucionais, onde as
dicotomias reinaram e procuram continuar a reinar, onde a política dominou.
Colocar o prefixo “inter” num conceito de per si mutante acentua suas
características transversais, ao longo do limite, entre as margens liminares,
contra e entre as fronteiras.
Enfatizar todo esse aspecto móvel e líquido no zonal significa assumir também
o tempo como algo que não legitima uma apropriação definitiva, um “estado”,
em seu significado de condição estável, fixa, estática e, por extensão
geográfica, jurídica e política, de Estado, mas algo que antecipa e projeta e
convive constantemente com seu próprio automodificar-se, automobilizar-se,
autodeslocar-se.
[...]
As zonas são imateriais, pós-duais, anômicas, tecno-híbridas e
tecnocomunicacionais, ciberpsycho, pós-estadistas, intersticiais, líquidas.
Intermináveis (Canevacci, 2005: 61-62).
A interzona equipara-se à concepção de “campos” de Bourdieu. A aproximação de
interzona à idéia de campos justifica-se por meio das análises do trabalho de Bourdieu,
ao descrever que o conceito de “habitus” e de “campos” caracterizam sua produção. A
teoria do habitus e a teoria de campos são entrelaçadas. Uma é o meio e a conseqüência
da outra. O habitus é um sistema de disposições, modos de perceber, de sentir, de fazer,
de pensar, que nos levam a agir de determinada forma em uma circunstância dada.
Os “campos”, em Bourdieu, não são estruturas fixas, mas produtos da história das suas
posições constitutivas e das disposições que os campos privilegiam. O que determina a
existência de um campo e demarcam seus limites são os interesses específicos, os
investimentos econômicos e psicológicos, que o campo solicita a agentes dotados de um
habitus e às instituições nele inseridas. O campo é “relativamente autônomo”, isto é, ele
estabelece as suas próprias regras, embora sofra influências e até mesmo seja
condicionado por outros campos.
Por essa razão, entendi que o objeto de pesquisa deveria ser reconstruído, para que a
investigação fosse possível. A pesquisa qualifica-se como etnopesquisa com
documentos. Referenciei-me no quadro teórico da educação e comunicação, de forma
que fosse possível formular questões de pesquisa ao objeto pesquisado. A interzona
contemporânea educação-comunicação tornou-se minha matriz contextual para o
15
entendimento das tecnologias digitais e delimitar o objeto de estudo sobre estas no curso
de Pedagogia da UFT. Portanto, o objeto de estudo da pesquisa é o curso de Pedagogia
da UFT.
A concepção atribuída no trabalho para interzona contemporânea resulta da interrelação
de campos, uma vez que o referencial teórico da pesquisa insere-se neste contexto pós-
dual. Na trajetória de estudos de doutoramento e na revisão bibliográfica dos campos
educação e comunicação identifiquei diversas contradições nas discussões, mas busquei
compreender de que forma a reflexão sobre a hibridação, a interface subsidiam os
aportes teóricos dos currículos contemporâneos. O estudo dessa interface me incentivou
à investigação e a construção da tese a presença ausente de tecnologias digitais no curso
de Pedagogia da UFT: interconexões e hibridações da educação e comunicação como
interzona contemporânea.
A presença ausente supõe a discussão da “sociologia das ausências” e a “sociologia das
emergências”, conforme Boaventura Santos (2000). Nesse sentido a presença ausente
significa emergência como o “ainda-não”, isto é, um fato que não existe, mas está
emergindo. Exprime o que existe como tendência. Uma sociologia das ausências e
emergências é uma investigação das possibilidades concretas.
A análise de Giddens sobre a modernidade destaca que uma de suas características “[...]
é a crescente interconexão entre os dois “extremos” da extensão e da intencionalidade:
influências globalizantes de um lado e disposições pessoais de outro” (Giddens, 2002:
9). A globalização refere-se à interseção da presença e da ausência. Refere-se, sobretudo,
ao entrelaçamento de eventos sociais e relações sociais que estão à distância de
contextos locais. Nesse sentido, percebe-se que, por vieses diferentes, a categoria
presença e ausência vêm sendo abordada, mas nesse trabalho é retratada como
hibridismo e não em seu dualismo.
1.2. Reflexões e motivações sobre a opção metodológica pela pesquisa implicada:
direções, sentidos, desvios, incertezas, irregularidades dos atos de pesquisa.
Diversas mudanças, no período da virada do século XX para o XXI, contribuíram para
que o fenômeno das tecnologias de informação e comunicação ganhasse notoriedade e se
16
tornasse objeto de pesquisa acadêmica. As tecnologias de informação e comunicação
“[...] associadas a uma cultura de mídia com base no mercado, fragmentaram,
conectaram, convergiram, diversificaram, homogeneizaram, estabilizaram, ampliaram e
remodelaram o mundo” (Kellner e Share, 2008: 689-690).
No início dos meus estudos de doutoramento, eram comuns os textos e artigos
científicos fazerem referência a sociedade em rede, ao “impacto” das tecnologias de
informação e comunicação na vida cotidiana, numa abordagem que considero
multiperspectivista, muitos pontos de vista para explorar as interconexões entre
educação e comunicação.
Dentre as polifônicas narrativas sobre o mundo em transformação, Friedman (2005)
argumenta que iniciamos, na virada de milênio, uma terceira grande etapa de mudanças
globais. Para esse autor, com o século XXI deu-se início a Globalização 3.0 que “[...]
está não só encolhendo o tamanho do mundo de pequeno para minúsculo como também,
ao mesmo tempo, aplainando o terreno” (Friedman, 2005: 19). A Globalização 3.0 é
suportada não pelo hardware, mas pelo “[...] software (novos aplicativos de todos os
gêneros), conjungando à criação de uma rede de fibra óptica em escala planetária que
nos converteu, a todos, em vizinhos de porta” (Friedman, 2005: 19).
A reflexão de Friedman (2005) sobre o achatamento e encolhimento do mundo, devido
às influências das tecnologias de informação e comunicação e de sistemas econômicos
globais, levaram-no à reflexão, “o mundo é plano”. Essas análises chamam a atenção
para o grau de convergência que está ocorrendo no mundo.
Para Kellner e Share (2008) estamos vivendo uma “cultura de convergência”, que altera
a interação tecnologias, mercados, pessoas. Essas questões fizeram-me compreender
que, na atualidade, cada vez mais, precisa-se habituar a digitar teclas, ler mensagens no
monitor, atender instruções eletrônicas. Isso gera um efeito de socialidade geral e um
sentimento de pertencimento. Ambos conduzem a uma falsa impressão de que tudo é
digital, está conectado e de compreensão e naturalização de que todas as pessoas já
estejam vivendo a sociedade em rede.
Essa representação social podia estar sendo forjada no âmbito do curso de Pedagogia da
UFT. Por vezes, eu tinha a percepção de que havia um processo consolidado de inclusão
17
digital, em função da familiaridade com que já se utilizavam no curso as tecnologias
digitais: Chat, Messenger-MSN, Orkut, Vibe, Second Life...
Nesse processo me era perceptível, também, que, no entorno da UFT, as práticas e
sinalizações de saberes sobre a sociedade em rede pouco a pouco eram estudadas e
implementadas, seja na Unitins, através da EaD
3
, seja na implantação dos NTE pela
SEDUC, ou no Pólo da UAB do governo federal, ou ainda através dos Telecentros do
Projeto Palmas Virtual, mantido pela Prefeitura Municipal de Palmas nas quais, ocorria
uma mixagem de conhecimentos humanos e maquínicos, e mesclavam-se “[...] nas redes
informáticas, na própria situação de produção-aquisição de conhecimentos, autores e
leitores, em tempo real” (Kenski, 2004:44).
Todavia, um outro habitus de verdades, por vezes silencioso, em outras
manifestadamente altivas e resistentes, ocorria na gestão da UFT, no curso de Pedagogia
e na sua comunidade acadêmica, em relação a pesquisa sobre as tecnologias digitais. A
Universidade, com pouco tempo de existência, apresentava traços de uma “modernidade
sólida”, seguindo a analogia de Bauman (2001), e me parecia não estar compreendendo
que “[...] a velocidade das alterações na esfera de produção de conhecimentos e
informações ocasiona a duração efêmera das múltiplas mensagens e desobriga os
sujeitos do exercício de retê-las, como verdades” (Kenski, 2004: 44).
Com isso, sem nenhum receio institucional, utilizando as categorias dos atos de pesquisa
conforme (Macedo, 2006), faço referência que as regularidades, as contradições,
paradoxos, ambigüidades, ambivalências, assincronias, insuficiências, transgressões,
traições, as lacunas, os silêncios intencionais ou ignorantes, as resistências e focos de
alternativas em relação às tecnologias digitais se estabeleceram e tornaram-se
problemática de pesquisa para mim no/do curso de Pedagogia da UFT.
No início deste trabalho, eu já tinha a compreensão de que havia deixado de ser
estranho, no Brasil, a convivência humanos e máquinas inteligentes, nos primeiros anos
do século XXI. O exemplo disso é que seria difícil para um habitante de uma pequena
cidade do interior do Brasil, na década de 1980, no manejo de um terminal rústico de
3Pereira, Isabel C. Auler. Apreensões e apropriações do tempo e espaço na educação a distância da
UNITINS. Tese de Doutorado, FACED/UFBA, Salvador-BA, mar/2007.
18
extrato e saldo bancário, por exemplo, já não era mais assim. Embora as taxas de
analfabetismo funcional e digital continuassem alarmantes, percebia a familiaridade,
cada vez maior, do uso dessas máquinas.
Outra constatação de meus estudos evidenciava que o que se pressupõe para a
comunicação digital não ocorria em relação ao tratamento da informação, ao perpassar
prioritariamente pela computabilidade, na qual todos deveriam ter acesso e se interligar a
redes virtuais hiper-velozes. As tecnologias digitais possibilitariam articular esse
processamento, armazenamentos e difusão eletrônica da informação e dos saberes, pois
elas “[...] tornam-se “midiáticas” após a união da informática com as telecomunicações e
o áudio visual. Geram produtos que têm como algumas de suas características a
possibilidade de interação comunicativa e a linguagem digital” (Kenski, 2004: 25-26).
Mesmo sem consistente produção de dados de pesquisas na UFT, a interface humano e
objetos maquínicos estava ocorrendo naquele momento, e devia estar modificando a
dimensão comportamental das relações sócio-educativas, no contexto institucional.
“Estamos vivendo um novo momento tecnológico. A ampliação das possibilidades de
comunicação e informação, por meio de equipamentos como o telefone, a televisão e o
computador, altera nossa forma de viver e de aprender na atualidade” (Kenski, 2004:
24).
Ao procurar situar o curso de Pedagogia da UFT frente às três formas de comunicação
traçadas por Lévy (1999), por exemplo, eu percebia que o curso se inter-relacionava,
simultaneamente, com a comunicação oral, escrita e a digital. Os campi da UFT, quando
iniciei o doutorado, em 2005, mostravam-se precários em relação à infra-estrutura
tecnológica, ao mesmo tempo, que a reitoria da Universidade possuía sistema wireless e
videoconferência, para reuniões, em tempo real, com os campi localizados no interior do
estado do Tocantins.
Esse fenômeno representava uma certa anomia, embora favorável a investigação sobre
as tecnologias digitais na UFT. Seu curto tempo de existência institucional não
justificava para mim essa situação de anomia. Nesse “novo contexto”, eu observava
atores sócio-políticos e educacionais, manejarem teorias, modelizações, políticas,
19
ideologias no entorno das tecnologias digitais. Além disso, percebia que um número
significativo desses atores sociais já estava conectado, de uma forma ou de outra, às
tecnologias digitais.
O universo de Palmas, capital do estado do Tocantins
4
, como não poderia deixar de ser,
não estava excluído da rota de comércio e consumo de tecnologias, sobretudo no que se
refere às informáticas e comunicacionais. Um surpreendente número de
estabelecimentos que comercializam tecnologias, pontos de conexão, jogos e etc, se
fazia presente.
No período de janeiro de 2004 a dezembro de 2005, foram abertos oitenta
estabelecimentos de locação e vendas de produtos informáticos e comunicacionais,
conforme pontuei em outros trabalhos (Oliveira e Rocha, 2005). Trinta lan houses
(Local Area Network) estavam oferecendo entretenimento para os jovens da parte central
e das periferias da cidade de Palmas. No chatUOL (provedor UoL), em Cidades e
Regiões, já encontrávamos para o Tocantins: cinco salas para Palmas, uma sala para
Araguaína, uma sala para Gurupi com capacidade para cinquenta internautas por sala, e
que estavam sempre lotadas.
O curso de Pedagogia da UFT, por sua vez, era um dos extratos desse universo, e por
meio dele, eu acreditava compreender partes constituintes desse fenômeno sócio-
institucional em suas contradições, ao verticalizar o universo da pesquisa para um objeto
mais recortado, as tecnologias digitais.
Neste contexto, no curso de Pedagogia da UFT, plataformas e ambientes virtuais eram
vistos ainda como novidades educacionais para seus professores. O acesso ao Orkut,
MSN, Blog era considerado perda de tempo. Nos LABINS era proibida a utilização dos
computadores, com exceção da pesquisa acadêmica, para usabilidade e navegabilidade
de quaisquer tecnologias digitais. Todavia, o software livre – Linux
5
, usado na
4O Estado do Tocantins foi criado em 5 de outubro de 1988, com a promulgação da nova Constituição a
partir da divisão do Estado de Goiás (parte norte e central). Possui uma área de 278.420,7 Km
2
está
localizado a sudeste da Região Norte e tem como limites o Maranhão a nordeste, o Piauí a leste, a Bahia a
sudeste, Goiás a sul, Mato Grosso a sudoeste e o Pará a noroeste.
5O Movimento Softwrae Livre no Brasil – Projeto Software Livre (PSL-Brasil) é uma iniciativa não
20
instituição, considerado como questão de liberdade digital, não tinha, até então,
estimulado reflexões sobre software proprietário e nem sobre os ambientes e plataformas
de aprendizagem colaborativa como o Moodle,
6
também utilizado como suporte dos
cursos na modalidade EaD na Universidade.
A ênfase no “saber utilizar” determinadas ferramentas de informação e comunicação
processadas pelo computador, direcionou-me pesquisar as tecnologias digitais não como
um conjunto de hardwares (equipamentos e máquinas), dando a impressão que o que se
tinha a fazer era treinar sua usabilidade, mas estudar “[...] os modos de aprendizagem
que podem ocorrer com base na recepção de produtos mediáticos” (Braga e Calazans,
2001: 103).
Observando a diversidade de abordagens em torno das tecnologias nas instituições
educacionais, nos grupos de pesquisa, direcionei o foco de análise para a questão
currículo e tecnologias digitais. As tecnologias digitais emblematicamente se filiam a um
movimento em torno do signo “pedagogia do digital”, em que há um exagero na qual o
mundo é digital, a sociedade é digital, o tempo é digital numa defesa de uma rede virtual
sobre a qual a educação é forçada a se plugar ou assumir a denúncia da sua inabilidade
de criar novos rearranjos de suportes educativos digitais.
A palavra digital, do latim digitus, deriva de dígito. Tecnologia que baseia seu
funcionamento na linguagem binária, em que toda informação é arquivada e processada
sob a forma de zero e um. Refere-se ao sistema informático e de tecnologias ligadas à
computação. A tecnologia digital “[...] rompe com as formas narrativas circulares e
repetidas da oralidade e com o encaminhamento contínuo e seqüencial da escrita e se
apresenta como um fenômeno descontínuo, fragmentado e, ao mesmo tempo, dinâmico,
aberto e veloz” (Kenski, 2007: 31-32).
governamental que reúne instituições públicas e privadas do Brasil: poder público, universidades,
empresários, grupos de usuários, hackers, ONG's. Seu principal objetivo é a promoção do uso e do
desenvolvimento de software livre como uma alternativa de liberdade de expressão, econômica e
tecnológica. www.softwarelivre.org.
6Moodle, sigla de Modular Object-Oriented Dynamic Learning Environment é um sistema de
administração de atividades educacionais destinado à criação de comunidades on-line, em ambientes
virtuais voltados para a aprendizagem.
21
O “digital” quer dizer a existência imaterial das imagens, sons, textos. Anterior as
tecnologias digitais são exemplos de tecnologias eletroeletrônicas pré-digitais, conforme
Santaella (2003), a fotografia, o telefone, o cinema, o rádio, o vídeo. Nesse sentido no
estágio atual as tecnologias eletroeletrônicas foram absorvidas pelas novas tecnologias
teleinformáticas.
Ao tratar de tecnologias digitais refiro-me aos “processos e produtos relacionados com
os conhecimentos provenientes da eletrônica, da microeletrônica e das
telecomunicações, [...] seu principal espaço de ação é virtual e sua principal matéria-
prima é a informação” (Kenski, 2007: 25), sua linguagem digital.
O que diferenciam as tecnologias pré-digitais (eletroeletrônicas) das digitais
(teleinformáticas) é fundamentalmente que as tecnologias eletroeletrônicas são sensórias
e introduziram conhecimentos científicos de habilidades técnicas Santaella (2003), ao
passo que às tecnologias digitais são requeridas habilidades mentais, o que as fazem ser
consideradas como “tecnologias da inteligência” conforme Lévy (1993) no prisma da
cultura do ciberespaço.
Em 2005, quando iniciei o doutoramento, eram muito comuns os enunciados sobre o
quanto se tornara usual a navegação em oceanos virtuais. Cada vez mais eu ficava
convencido de que a interação das crianças, adolescentes, jovens e adultos com as
tecnologias digitais, alterava, modificava substantivamente as formas de relacionamento
e de comportamento social. A interface humano-máquina implicava a dimensão
comportamental das relações sociais. Nas leituras que eu tinha realizado, identificava as
discussões sobre o homem pós-biológico, pós-humano, e concomitantemente aos meus
estudos iniciais, adolescentes e jovens, em especial, estavam em interação com as
tecnologias digitais com fruição de seus “corpos híbridos em mentes diáfanas”
7
.
As tecnologias fazem parte da história humana. Tecnologia é o “conjunto de
conhecimentos e princípios científicos que se aplicam ao planejamento, à construção e à
utilização de um equipamento em um determinado tipo de atividade” (Kenski, 2004:18).
São ferramentas e técnicas que correspondem aos usos que a humanidade lhes atribuiu
7
Silva, Valdirene Cássia da. Corpos híbridos em mentes diáfanas: as tribos urbanas no universo escolar
de Palmas e suas (inter)ações com as tecnologias de informação e comunicação. Dissertação de Mestrado,
FACED/UFBA, Salvador-BA, 2007.
22
na forma de equipamentos e produtos. “O homem transita culturalmente mediado pelas
tecnologias que lhe são contemporâneas” (Kenski, 2004: 21).
As tecnologias são inerentes a história da humanidade. Na atualidade os avanços das
tecnologias digitais forjam um novo tipo de sociedade tecnológica. Essas tecnologias
quando difundidas “[...] alteram as qualificações profissionais e a maneira como as
pessoas vivem cotidianamente, trabalham, informam-se e se comunicam com outras
pessoas e com todo o mundo” (Kenski, 2007: 22).
Nesse sentido este trabalho trata das características das tecnologias digitais não apenas
como equipamentos e aparelhos, mas também por terem uma base imaterial, “[...] não
são tecnologias materializadas em máquinas e equipamentos. Seu principal espaço de
ação é virtual e sua principal matéria-prima é a informação” (Kenski, 2007: 25). A base
imaterial das tecnologias digitais não é a máquina, mas a linguagem.
1.2.1. A pesquisa, seus objetivos e problemática.
Iniciei a pesquisa em meio a essa polifonia acerca das tecnologias digitais. Delimitando
o objeto, selecionei o curso de Pedagogia da UFT, como o universo da pesquisa, devido
ao meu envolvimento pessoal, desde a sua incorporação pela Universidade, seja como
gestor, seja como docente efetivo. Além de ter sido o lócus prioritário de dedicação da
minha prática didático-pedagógica durante esses anos, constitui-se o fórum de debates
do grupo de pesquisa que coordeno.
A partir dessas motivações e experiências no curso de Pedagogia da UFT, as discussões,
durante o processo de orientação, e as questões formuladas, no exame de qualificação,
fizeram-me refinar a problemática, com vistas a responder as seguintes questões
norteadoras da investigação em relação ao objeto de pesquisa: as tecnologias digitais.
Concepções de tecnologias digitais presentes no currículo do curso de Pedagogia
da UFT.
Os significados das tecnologias digitais no Projeto Político Pedagógico do curso
de Pedagogia da UFT.
23
Mudanças que as tecnologias digitais promoveram no currículo do curso de
Pedagogia da UFT.
A pesquisa empírica se concentrou nos documentos institucionais, detalhadamente,
sobre as atas de colegiado, os projetos políticos pedagógicos de cursos, os pareceres
técnicos e as resoluções da Universidade que tratam do curso de Pedagogia da UFT.
Esses dados possibilitaram caracterizar o corpus da pesquisa e os rumos da tese.
O objetivo geral dessa investigação:
Identificar concepções de tecnologias digitais presentes no curso de Pedagogia da
UFT.
Para conseguir alcançar esse objetivo, percorri uma trajetória pontuada pelos seguintes
objetivos específicos:
Compreender os sentidos que as tecnologias digitais assumem no currículo do
curso de Pedagogia da UFT.
Analisar as mudanças que as tecnologias digitais trouxeram as reestruturações
curriculares do curso de Pedagogia da UFT.
A tese visa à análise sobre as representações das tecnologias digitais no curso de
Pedagogia da UFT. Representações entendidas como “[...] inscrição, marca, traço,
significante e não como processo mental, é a face material, visível, palpável, do
conhecimento” (Silva, 1999: 32). Portanto, representação social não é tomada na
concepção da Teoria das Representações Sociais, mas no contexto da chamada “virada
lingüística” que tem a ver, fundamentalmente, “[...] com a relação entre, de um lado, o
“real” e a “realidade” e, de outro, as formas pelas quais esse “real” e essa “realidade” se
tornam “presentes” para nós, re-presentados” (Silva, 1999: 32). Por isso, os documentos
são tomados como “etnotextos fixadores de experiências” (Macedo, 2006). Os
documentos retratam as cosmovisões de seus sujeitos.
Nessa busca de produção do conhecimento, o interesse, como pesquisador, pelas fontes
documentais, foi estudar, a partir da própria expressão dos indivíduos, na “[...] forma
escrita, nos documentos referentes ao curso de Pedagogia da UFT. Entre esses
24
documentos enfatizei as atas e os projetos políticos pedagógicos, etnotextos fixadores de
experiências, “[...] revelador de inspirações, sentidos, normas e conteúdos valorizados, o
documento é uma fonte quase indispensável para a compreensão e explicação da
instituição educativa” (Macedo, 2006: 110). Nesse sentido a análise dos conteúdos dos
documentos pode se fundamentar na etnopesquisa: recurso metodológico
“interpretacionista” (Macedo, 2006).
A problemática elaborada sobre as representações das tecnologias digitais no curso de
Pedagogia da UFT inscreve-se no contexto da pesquisa em educação. A metodologia da
pesquisa foi qualitativa. Os pressupostos da pesquisa qualitativa visam a “[...] fornecer
razões, justificações, explicações, efetuar descrições e narrativas” (Macedo, 2006: 11) na
busca de sentidos do contexto do fenômeno pesquisado. “A descrição supõe, portanto,
uma situação de presença, longe da qual não há possibilidade de percepção fina e
relacional dos fenômenos antropossociais” (Macedo, 2006: 10). A partir da etimologia
do que significa “contexto” (entrelaçar, reunir tecendo), contextualizei o fenômeno como
forma de apreendê-lo em seu significado.
A pesquisa nas ciências antropossociais (Macedo, 2004) não se constitui isolada do
contexto social: sua produção científica é uma produção discursiva, a favor ou contrária
a uma determinada base epistemológica. Essa produção resulta de um diálogo
convergente e divergente com a produção da própria área de conhecimento.
Considerando que eleger as dimensões paradigmáticas da investigação é uma forma de
demonstração da base epistemológica, optei pelo modelo interpretativo, por entender que
o conhecimento científico dos fatos sociais resulta de um trabalho de interpretação, dado
que a realidade social é construída pela interpretação dos seus atores sociais. “A
investigação dos contextos de ação, visa precisamente dar sentido, e todo o sentido é um
ato de ordenação do mundo” (Sarmento, 2003: 144).
Entendo, ainda, que o “contexto”, conjunto de elementos de uma determinada cultura, e
seu “significado” assinalam que o social não é tão previsível e determinado. Ao
apreender as tecnologias digitais como fenômeno, percebo que nelas várias angulações
podem ser realizadas. Com isso, na metodologia, utilizo a concepção da pesquisa social
25
para possibilitar a fundamentação teórica nos passos necessários para aclarar e explicar o
objeto em ocorrência. A pesquisa social tem o sentido de se estar
[...] interessado na maneira como as pessoas espontaneamente se expressam e
falam sobre o que é importante para elas e como elas pensam sobre suas ações
e as dos outros. Dados informais são gerados menos conforme as regras de
competência, tais como capacidade de escrever texto, pintar ou compor uma
música, e mais do impulso do momento, ou sob a influência do pesquisador. O
problema surge quando os entrevistados dizem o que pensam que o
entrevistador gostaria de ouvir. Devemos reconhecer falsas falas, que podem
dizer mais sobre o pesquisador e sobre o processo de pesquisa, do que sobre o
tema pesquisado (Allum, Nicholas. Bauer, Martin W. Gaskell George,
2004:21).
No levantamento de dados uma das atenções requeridas diz respeito a variedade de
linguagens dos próprios dados do cotidiano: falas, discursos, vozes, silêncios, textos,
documentos, materiais midiáticos etc. Entendo que o objeto de pesquisa é uma
construção, “[...] não é uma coisa que se produz de uma assentada, por uma espécie de
acto teórico inaugural ... é um trabalho de grande fôlego, que se realiza pouco a pouco,
por retoques sucessivos, por toda uma série de correcções, de emendas” (Bourdieu,
2002: 26-27). Por isso priorizei os documentos institucionais do curso de Pedagogia da
UFT.
É necessário pensar relacionalmente. A construção do objeto de pesquisa “[...] supõe
também que se tenha, perante os factos, uma postura activa e sistemática” (Bourdieu,
2002: 32), a partir da coleta dos dados, sem, necessariamente, contemplar uma
amostragem estatística, considerando que “[...] toda pesquisa social empírica, seleciona
evidência para argumentar e necessita justificar a seleção que é a base de investigação,
descrição, demonstração, prova ou refutação de uma afirmação específica” (Aarts e
Bauer, 2004:39).
A concepção de pesquisa social, com a qual trabalho, ressalta que a investigação da ação
empírica exige a “[...] a) observação sistemática dos acontecimentos; inferir os sentidos
desses acontecimentos das (auto-)observações dos atores e dos espectadores, [...] a
interpretação dos vestígios materiais que foram deixados pelos atores e espectadores,
exigiu b) uma análise sistemática” (Allum, Nicholas. Bauer, Martin W. Gaskell George,
2004:18).
26
Estive consciente, desde o início do trabalho, de que “[...] a todo o momento era preciso
experimentar possibilidades, refazer etapas, criar saídas, tomar decisões” (Couto, 2000:
262). O trabalho foi feito, desfeito e refeito várias vezes, mas, nesse percurso, apostei
encontrar os caminhos para a elaboração da tese, sabendo da necessidade de inúmeras
alterações em prol de melhores posicionamentos e acomodações referentes ao saber em
construção.
O delineamento de um corpus nas ciências sociais se faz por meio de três categorias
básicas: relevância, homogeneidade, sincronicidade. Primeiro os assuntos devem ser
relevantes e devem ser coletados a partir de um ponto de vista apenas, um foco temático,
um tema específico. Depois, os dados de um corpus devem ser homogêneos tanto quanto
possível, não devendo se misturar textos com material de imagem, entrevistas
individuais com entrevistas de grupos focais e etc; atentando-se, ainda, para a sincronia
dos dados: tempo/espaço de representações, pontos de vistas, depoimentos.
Na caminhada construcionista da tese, busquei refletir os gargalos sobre a pesquisa na
universidade, para compreender os atos de pesquisa. Durante todos os procedimentos de
pesquisa essas reflexões acompanharam minha prática de pesquisador e ajudaram-me a
dirimir as indefinições entre as questões de método e de forma, objetividade e
subjetividade. “Se vocês querem uma pesquisa que reúna a subjetividade com a
objetividade, mas querem ao mesmo tempo fazer ciência, a primeira coisa é recorrer ao
seu processo de individuação” (Byington, 2004: 56).
Censura-se a pesquisa, escondendo o subjetivo. O indivíduo é obrigado a
esconder seus sonhos, suas intuições e suas emoções; em suma, esconder sua
alma e, com ela, as motivações e o contexto existencial da pesquisa e
apresentá-la como se sua tese fosse exclusivamente objetiva. Na realidade,
quanto mais valor, quanto mais profunda ela é, mais subjetividade tem o seu
conteúdo de motivação, de chamado em direção a alguma coisa. A
universidade expressou essa grande dissociação da ciência objetiva e as bancas
examinadoras e os orientadores de teses disseram amém (Byington, 2004: 49).
A construção de uma tese não se desvincula dos procedimentos metodológicos da
pesquisa e de sua estruturação. Nesse sentido trabalhei em etapas básicas
interdependentes. Uma primeira etapa investigativa foi a de campo, na qual registrei as
informações e criei os dados; a segunda etapa interpretativa, assumiu a dimensão
27
coletiva, no diálogo com pesquisadores, teóricos, orientação e qualificação, refletindo,
de forma focada, fundamentada e criativa, a realidade registrada na primeira etapa. A
terceira etapa, propositiva, apresenta as sistematizações e a descrição da tese, organizada
em capítulos a partir do referencial teórico e da pesquisa empírica.
1.2.2. A tese e sua estruturação.
Optei por trabalhar com “pesquisa implicada”, engajada (Macedo, 2006). Minha
formação profissional e experiência docente foram paulatinamente revisitadas. Na
trajetória do trabalho, direções, sentidos, desvios, incertezas, irregularidades dos atos de
pesquisa foram constantes. As contradições levaram-me a um descompasso envolvendo
o que eu estava aprendendo acerca da interconexão educação-tecnologias (móveis,
digitais, eletrônicas, multimidiáticas), os debates, as provocações e as respectivas
sinalizações teórico-acadêmicas e o “currículo vivido” (currículo posto em prática) do
curso de Pedagogia da UFT.
Reformulações e correções de rotas foram feitas, em função das descobertas de pesquisa
e do processo de orientação de tese. Esse diálogo provocativo foi me construindo como
pesquisador. A todo o momento, procurei exercitar a “intercrítica” e implementar a
“vigilância epistemológica” (Macedo, 2004), buscando entender que o sentido da
pesquisa resulta de um
[...] labor construcionista que modifica, por mais que o pesquisador queira
olhar apenas para sua cosmovisão acadêmica. De uma perspectiva
construcionista, em toda pesquisa existe uma explicitação e uma intervenção
em âmbitos diferenciados da existência humana. Sem querer legitimar
quaisquer irresponsabilidades ou cinismo científico, temos de reconhecer que
até as mediocridades científicas têm um papel formativo no contraste que
estabelecem com as pautas dignas da ciência (Macedo, 2006: 44).
A experiência docente na UFT com a disciplina Novas Tecnologias e Educação no curso
de Pedagogia me oportunizou reflexões fundamentais para a pesquisa. Em diversos
momentos no cotidiano institucional, ao se discutir a utilização de tecnologias digitais
como formas de interatividade, tive a sensação de que essa discussão estava efetivada e
compreendida.
28
Entretanto, na UFT, pouco debate se fazia, em especial, no curso de Pedagogia. Os
docentes, acadêmicos, na sua maioria, mostravam-se alheios e não demonstravam
interesse na discussão sobre as tecnologias, talvez pela existência de poucos espaços de
debates institucionais sobre essa temática. A priori, decorriam dessa constatação duas
visões: uma, como se estes sujeitos estivessem conectados e interligados ao terem a
oportunidade de utilização de algumas plataformas e ambientes virtuais; outra, de que as
tecnologias digitais não precisavam ser pesquisadas na formação de professores. E como
pesquisador, estudando e experienciando essa temática, em meio a esses atores sócio-
educativos, suscitando debates em sala de aula, nos eventos, na gestão acadêmica, nos
grupos de pesquisa, nos conselhos superiores da UFT, fôsse pretensiosamente o ponto de
partida rizomático.
A consolidação da UFT, seu compromisso com a pesquisa na Amazônia, e sua política
de incentivos à produção científica fizeram com que eu obtivésse ajuda de custos para
participar de congressos, simpósios, colóquios e demais encontros da comunidade
científica. Além dos estudos realizados na revisão bibliográfica do projeto de pesquisa,
os eventos promovidos no programa e a experiência de pesquisa no GEC suscitaram
mais ainda, nesse período, minha produção na área de educação e tecnologias digitais.
Outras experiências profissionais e acadêmicas anteriores ao doutoramento me
motivaram a estudar tecnologias digitais. Porém, o debate e o estudo que o GEC faz na
pesquisa guarda-chuva Educação e Tecnologias da Informação e Comunicação
aprofundaram meu conhecimento e despertaram minha atenção para novos estudos e
outras frentes emergentes, sobre as quais até então não tinha me debruçado: a questão da
educação e sociedade da informação, políticas públicas de educação, cultura, ciência e
tecnologia, comunicação, corpo e cibercultura; além de outros temas como: software
livre versus software proprietário, código-fonte aberto, freeware, rádios web livres,
tabuleiros digitais, projeto software livre da Bahia (PSL/BA), projetos colaborativos,
repositórios, novas educações etc.
Aprendi, nessa (con)vivência, que se faz importante “[...] compreender o mundo virtual
como um alargamento dos padrões sociais estabelecidos, no qual encontramos pessoas
29
emergindo no universo cibernético, em busca de outras comunicações, conhecimentos e
relacionamentos” (Couto e Fonseca, 2005: 55), assim como entendi o desafio do
“pesquisar” a cultura do computador, que precisa ir além do conhecimento da utilização
de uma planilha de cálculo, por exemplo, ou de editores de textos, de slides digitais, de
home-page ou, ainda, que a acessibilidade a blogs, flogs, etc na Web, não significa
necessariamente inclusão sócio-digital.
Com base nesses estudos me convenci de que, apesar da importante contribuição da
digitalização no nosso dia-a-dia, uma política de inclusão para a educação vai além da
migração do analógico para o digital e sua usabilidade. Nesse contexto pensar um curso
que forma professores para a educação básica requer refletir que
[...] nossas crianças e adolescentes vivem nesse mundo high tech,
construindo e aprendendo novas formas de ser e pensar, que possibilitam o
surgimento de uma lógica rizomática (Lévy, Deleuze e Guatarri). Lógica
esta que se constrói a partir da diversidade que permeia o sujeito
cognoscente, em permanente processo de construção e desconstrução, e de
mergulho dos sujeitos no mundo plural e coletivo da comunicação digital. E
a escola como reage frente a estes jovens? (Alves e Pretto, 2005: 170).
Nos estudos em torno de currículo e tecnologias, fui identificando que as questões da
mediação em educação não são específicas de uma determinada modalidade, mas
inerentes à educação brasileira, independente do fato de ser presencial, semi-presencial
ou à distância. Observando e participando das reflexões e estudos dos projetos de PIBIC,
dissertações de mestrado e teses de doutorado do GEC e do Programa de Pós-Graduação
em Educação da FACED/UFBA, no período de 2005 a 2007, sobre educação a distância,
sobre a Geração Net, a Tv Digital, os Ambientes Virtuais de Aprendizagem (AVA),
Formação de Professores na Cibercultura, Currículo Hipertextual, entendi que a questão
da interatividade não se restringe à utilização de chats ou demais listas de discussão,
assim como a interface das tecnologias hipertextuais e sua interrelação com o trabalho
da escola e da universidade ainda são controversos na agenda das políticas públicas
governamentais.
A participação em eventos (ouvinte, organizador, palestrante, comunicação oral),
também, consolidou, nas minhas práticas, as reflexões realizadas no período do
doutoramento, ao mesmo tempo em que contribuiu de forma substantiva para a definição
da temática desta pesquisa. E essa caminhada que ora esboço nesse trabalho se apresenta
30
como abertura a dialogicidade interessada e como perspectiva de uma intervenção
intercrítica. No que se refere à pesquisa implicada, engajada, fico atento ao meu fazer, e
cotidianamente nesse percurso, repenso minha prática docente, uma vez que acredito que
o etnopesquisador,
[...] explora a especificidade de seu pertencimento e sua visão, mergulhando
mais ainda nesses âmbitos num esforço de compreensão e de nomeação de
suas características e contornos. Não negação de sua subjetividade; tira-
se partido dessa condição ontológica. Há um esforço para examinar o
sentido do lugar ocupado pelo prático pesquisador e para compreender suas
ações e os significados a elas ligados (Macedo, 2006: 167).
Isto posto reafirmo que nesse fazer “[...] no que concerne à validade dos dados, é a
discussão coletiva que os legitimará, é o aval comunitário vindo dos participantes
observadores que os autorizará como autenticidade científica para aquela realidade a ser
conhecida e transformada” (Macedo, 2006: 161).
Inicio o trabalho pela descrição do cenário contextual do universo da pesquisa. O
primeiro capítulo mapeia e constrói o contexto institucional no qual se instaura o curso
de Pedagogia da UFT. Nesse capítulo, tratei do processo de mudança da Unitins como
novo modelo de universidade até a criação da UFT. O curso de Pedagogia recebeu
influências das duas instituições: Unitins e UFT. O objetivo do capitulo é dar a conhecer
o contexto do universo da pesquisa: a trajetória das universidades onde foi criado e
funciona o curso.
Feita essa descrição, o segundo capítulo apresenta o curso de Pedagogia: sua criação, e
suas reestruturações curriculares. O terceiro capítulo, sinaliza as concepções teóricas
referenciais do curso. Busco na relação currículo e tecnologias, identificar concepções,
ausência e/ou não-ausência das tecnologias digitais no curso de Pedagogia da UFT.
Nesse capítulo trato das concepções de tecnologia nos documentos nacionais e nos
documentos inerentes ao curso, e da questão presença ausente que se constitui na tese
deste trabalho.
O quarto capítulo trata das categorias evidenciadas na pesquisa e seus desdobamentos
nas práticas dos currículos contemporâneos. O desenho construído pelos quatro
31
primeiros capítulos oportunizou-me apontar conclusões, que se configuram como
respostas as perguntas iniciais deste trabalho.
Não há consenso acadêmico no formato de uma tese. Fiz uma opção que foi discutida e
refeita várias vezes, resultante do processo de orientação, e aprovada no exame de
qualificação. Os resultados do aprendizado dos atos da pesquisa provavelmente tenham
sido muito menores em relação às pretensões iniciais e aos objetivos propostos, mas foi
minha construção epistêmica possível nesse percurso que abrem novas frentes de
estudos, pesquisas e aprofundamentos posteriores.
O estudo sobre “a presença ausente de tecnologias digitais no curso de Pedagogia da
UFT: interconexões e hibridações da educação e comunicação como interzona
contemporânea” retrata o estudo de espaços líquidos da mobilidade. O físico e o digital,
a metáfora dos universos paralelos interconectados: o mundo real e o virtual. Práticas de
acesso que constróem novos espaços misturados, hibridizados: fusão das bordas entre
espaços físicos e digitais, espaços intersticiais. As tecnologias digitais como interface
interzonal constituem-se dos vários sentidos da cultura do computador: híbrida, cíbrida,
conectada, ubíqua, nômade, líquida, fluida, volátil e mutante.
A aprovação das diretrizes curriculares nacionais do curso de Pedagogia (Parecer
CNE/CP nº 5/2005, Parecer CNE/CP nº 3/2006, Resolução CNE/CP nº 1/2006) deveria
ter demarcado novos tempos e suscitado o debate sobre reformulações contemporâneas
nos cursos. No entanto, as diretrizes não delineiam especificamente os contornos e
perspectivas que a formação poderá assumir em decorrência dos documentos aprovados.
Por isso, apesar, do amplo horizonte para a formação e atuação profissional dos
pedagogos, o curso de Pedagogia da UFT ressente-se de novas formas de pensar o
currículo e sua organização para além das concepções fragmentadas, parceladas, restritas
a um rol de disciplinas desvinculadas dos princípios da interdisciplinaridade,
contextualização, pertinência e relevância social.
As diretrizes curriculares avançaram pouco no esclarecimento das dúvidas com relação a
ambigüidades e confusões já existentes na legislação educacional. E ao não inovar no
formato curricular, apesar da proposição de núcleos definidores da estrutura do curso,
32
interrompe o atendimento das demandas da escola aprendente da contemporaneidade.
Por isso, dificulta o trabalho de “[...] forma interativa e cooperativa dentro da própria
escola” (Bonilla, 2005: 155). O curso de Pedagogia da UFT ao não considerar as
tecnologias digitais como fundamento do trabalho pedagógico perde a oportunidade de
potencializar, por meio dessas, o ensinar e aprender na formação do pedagogo. “É como
se dentro de uma escola só fosse possível acontecer comunicação presencial” (Bonilla,
2005: 155).
33
CAPÍTULO I:
1. O CONTEXTO INSTITUCIONAL DO
CURSO DE PEDAGOGIA DA UFT.
No Brasil, nos anos de 1990, ocorreu um movimento expansionista da oferta de cursos
de formação de professores. No Estado do Tocantins, essa expansão se deu por meio de
várias faculdades e centros universitários, mas também por suas duas universidades
públicas: Unitins e UFT. Essas instituições possuem aspectos históricos que se inter-
relacionam, chegando até, em alguns momentos, a se confundirem. Todavia,
consolidaram-se com missões e modelos próprios.
O percurso dessas universidades se circunscreve no entorno da história do próprio
Estado, emancipado no início dos anos de 1990, culminando um processo de lutas e
embates político-partidários, com vistas ao desmembramento geográfico e político do
Estado de Goiás. O Tocantins possui uma área de 278.420 Km
2
, demarcada a partir da
Constituição Federal de 1988, embora essa fronteira possua uma longa trajetória de
povoamento e de ocupação antes mesmo de ter sido emancipada politicamente.
Nessa conjuntura, desenvolveu-se o projeto de universidade para o Tocantins e a
formação de professores. O capítulo aborda as principais mudanças institucionais da
universidade no Estado do Tocantins, no período compreendido entre 2001 a 2007,
narrando aspectos da criação das duas universidades públicas. Essa trajetória propicia a
compreensão do contexto institucional no qual foi criado o curso de Pedagogia da UFT,
que possui marcas da história da formação de professores de ambas as universidades.
1.1. As mudanças da Unitins e a criação da UFT.
A Unitins foi criada pelo Decreto 252/90, de 21 de fevereiro de 1990, momento anterior
ao período demarcado para meu estudo: de 2003 a 2007. Por isso, para entender suas
mudanças fiz um recuo no tempo, abordando os principais aspectos de implantação
dessa instituição.
34
A Unitins foi a primeira universidade a ser criada no estado do Tocantins. Constituída
por três centros de extensão, nas cidades de Arraias, Tocantinópolis e Guaraí, foi
estruturada no modelo multicampi. A justificativa para esse modelo foi a preocupação
em atender o projeto de desenvolvimento sustentável do Estado do Tocantins. Em 1991,
transformou-se em autarquia e incorporou a Faculdade de Filosofia do Norte-Goiano de
Porto Nacional e a Faculdade de Educação, Ciências e Letras de Araguaína. Naquele
período, foram criados os Centros Universitários de Palmas, Paraíso e Miracema. Já em
1993, foram criados mais dois centros universitários, desta vez, nas cidades de Gurupi e
Colinas. Nessa trajetória, no entanto, constatamos que a Universidade não se originou
dessas faculdades, mas
pela agregação dessas escolas; ela foi criada pelo governador Siqueira
Campos, por meio do Decreto Estadual nº 252, de 21 de fevereiro de 1990, e
autorizada a funcionar pelo Decreto estadual nº 2.021/90, de 27 de dezembro,
do mesmo ano. As faculdades então existentes em Porto Nacional e
Araguaína, apesar de legalmente incorporadas à Unitins desde a promulgação
da Lei 136/90 (art.5º), só foram, efetivamente, agregadas a essa Universidade
pelo Decreto estadual nº 5.697, de 21/05/1992 (Pereira, 2007: 32).
Com a encampação das faculdades já existentes, a Unitins expandiu a oferta do ensino
superior, abrangendo geograficamente de Norte a Sul do estado do Tocantins. Seu
crescimento processual foi resultado muito mais da pressão reivindicatória das
lideranças partidárias, na luta pelo desenvolvimento econômico-social do estado, em
suas respectivas regiões, por meio do ensino superior, do que decorrência de um plano
de desenvolvimento institucional de qualidade:
o processo de implantação vivenciado pela Fundação Universidade do
Tocantins (Unitins), iniciado em 1990, chegou, muitas vezes, a se confundir
com as próprias histórias de vida de seus atores e co-atores que, no seu dia-a-
dia, extrapolaram as formalidades dos contratos de trabalho defendendo a
preservação da Unitins – única instituição pública de ensino superior do
estado. O resultado desse esforço coletivo, apesar de todos os percalços,
significou a oferta de vinte e sete cursos de graduação distribuídos em sete
“campi” universitários, um curso de mestrado e a implantação da cultura de
pesquisa e extensão, no estado do Tocantins (Pereira, 2007: 15).
A implantação da Unitins retratou, ainda, as lutas engendradas pelas transformações
ocorridas na região do então norte-goiano, da qual se originou o estado do Tocantins.
Sucessivas mudanças jurídicas ocorreram na Universidade. Em novembro de 1996, a Lei
872/96 extinguiu a autarquia e transformou a Unitins em fundação. Nesse continum, em
meio às demandas sociais e políticas, a instituição mudou outra vez sua natureza jurídica
e, por força da Lei 1.160 de 19, de julho de 2000, foi considerada pública e gratuita.
35
As várias reestruturações, pelas quais a Universidade passou, processualmente causaram
posicionamentos da comunidade acadêmica e a reação da sociedade civil. Nas
manchetes dos veículos de comunicação, ficou registrada a insatisfação da população
com essas inúmeras readequações de modelo de Universidade, que caracterizaram a
história da Unitins.
É lamentável que uma série de equívocos e a incompetência tenham feito a
UNITINS chegar ao impasse que está.
Gosto de recorrer à história para tentar encontrar uma lógica. Mas quanto mais
me recordo do passado, mais inconformada fico.
Em 2000, assumi uma vaga na Câmara dos Deputados para ajudar na
federalização da UNITINS ou na criação da Universidade Federal. Optou-se
pela criação da UFT e hoje a nossa Federal está aí, crescendo cada vez mais e
cumprindo o seu papel na formação das pessoas e no desenvolvimento do
Tocantins. Porém, naquele momento, todo o patrimônio da UNITINS foi
repassado para a UFT. Restaram-se os barracões de madeira, a vontade e a
coragem de algumas pessoas de reerguer a UNITINS.
E foi a parceria UNITINS/EDUCON, tendo naquela época à frente da
EDUCON o ministro Borges da Silveira, que fez a UNITINS crescer e virar
referência em educação a distância e fez a EDUCON crescer e ser motivo de
orgulho para uns e inveja para outros.
[...]
A UNITINS deveria ter crescido junto, no que se refere ao controle acadêmico
e das atividades didático/pedagógicas, responsabilidade da instituição de
ensino. A UNITINS deveria ter mantido a proporção de 30% para a EDUCON
e 70% para o Estado, conforme o contrato inicial. Ou no máximo ter chegado
50% a 50%. Porém, no decorrer do tempo, a UNITINS foi repassando ou
deixando que a EDUCON fosse tomando espaço até chegar aonde chegou,
com 18% dos recursos para a UNITINS e o restante para a EDUCON. Só se
ocupa um espaço se este estiver vazio, conforme a física nos ensina (Ruiz,
2009 s/p).
Essas mudanças legais e, na maioria dos casos, não-acadêmicas, provocaram protestos
dos estudantes e da comunidade civil organizada, que, num primeiro momento, tinham
uma Universidade estadual pública e gratuita e, posteriormente pública de direito
privado. Isso significou, por exemplo, a cobrança de mensalidades dos alunos para terem
acesso e permanência nos seus cursos de graduação, embora a instituição continuasse a
ser mantida pelo Governo do Estado.
A reconstituição desse percurso histórico da Unitins, pontuando as constantes
alterações ocorridas em sua natureza jurídica, enfatizam as coincidências entre
esses ajustes realizados durante o período de sua implantação e o contexto de
reestruturação e ajustes do Estado brasileiro às exigências das políticas
internacionais. Essas transformações deixaram marcas evidentes do
atrelamento das políticas da educação superior no Estado do Tocantins à
política de minimização dos recursos das universidades públicas. A sua
contínua reestruturação, ora como fundação pública, ora como autarquia ou
fundação aberta ao capital privado, esteve consoante com a agenda neoliberal
adotada pelo governo estadual e com o estabelecimento de novos marcos
regulatórios e de mudança substanciais no campo da educação superior
brasileira (Pereira, 2007: 26-27).
36
No Brasil da década de 90 do século XX, o governo de Fernando Collor de Melo foi
considerado a base de sustentação da implementação do modelo político-social liberal,
que se consolidou posteriormente na gestão de Fernando Henrique Cardoso. Foi naquele
período de FC a FHC, que o processo de privatização, desregulamentação,
reestruturação, financeirização e a precarização social (Dourado, Oliveira, Catani, 2003)
foram fatores que indicaram o impacto da mundialização do capital e articularam as
reformas da educação na economia mundial.
No contexto dessas reformas, para atender as exigências das políticas públicas para a
educação superior, uma das mudanças acadêmicas importantes da Unitins foi a
elaboração, em 2000, de seu PDI, para o período de 2001 a 2005. Nesse plano, a
Universidade definiu, como políticas fundamentais das áreas acadêmica e
administrativa, o seu compromisso com o “o ser e o estar”, a partir dos seguintes eixos:
“Formação Inicial de Professores da Educação Básica, Pós-Graduação, Pesquisa e
Extensão Universitária, Formação e Educação Continuada, Processos de Integração da
Universidade e Educação Básica e Avaliação Institucional” (PDI-UNITINS, 2001: 8).
No limiar do século XX, os cenários sociais, econômicos e políticos requereram das
universidades reestruturações e mudanças de gestão. A partir desse pressuposto, a
Unitins passou a expressar, no seu PDI, o “[...] compromisso com a população em todos
os seus segmentos e com o projeto do Estado de construir uma sociedade mais justa, que
buscassem padrões de excelência, dentro de um processo de desenvolvimento
sustentável” (PDI-Unitins, 2001: 8).
No Tocantins, essa reforma da educação superior foi gradativamente
implementada por meio da redução dos aportes financeiros de custeio da
Fundação Universidade do Tocantins. Desde o início de 1997, sob o comando
do reitor Oswaldo Della Giustina, (22/01/97 a 20/01/99), a Unitins vivenciou
um árduo processo de busca de recursos junto a fontes públicas e privadas, de
prestação de serviços a órgãos governamentais e de realização de consultorias
a empresas. Além disso, a partir desse mesmo ano, passou a cobrar
mensalidades nos cursos de graduação, pós-graduação “lato sensu” e de
extensão (Pereira, 2007: 30).
Um dos fatores que demonstrou os desencontros na política e gestão da Universidade
pode ser exemplificado pela rotatividade de seus gestores. Pela instituição passaram
dezesseis reitores, indicados e nomeados pelo Governo do Estado, “[...] sem que a
Unitins tivesse conseguido se firmar como Universidade pública e gratuita, muito menos
37
garantir a continuidade dos cursos de graduação implantados no período de 1992 a
2000” (Pereira, 2007: 37).
A transitoriedade foi uma das marcas do processo de gestão da Unitins. Sua natureza
jurídica de instituição pública, mas não estatal, de direito privado, mas não privada,
suscitou na sociedade em geral a pensar a UFT como a realização de um sonho envolto
de esperanças de mudanças efetivas para a comunidade acadêmica, assim como para a
sociedade civil organizada. Esse anseio social ficou expresso na mídia pela publicidade
institucional, no momento em que se anunciava a criação da UFT.
Universidade Federal do Tocantins: a construção de uma nova realidade.
Palmas (TO) O Estado do Tocantins está na adolescência. Tem 14 anos. Mas
o desejo dos seus 160 mil habitantes (a mesma população da cidade-satélite de
Sobradinho) é crescer logo e tornar-se grande. Para isso, as autoridades locais
sabem da importância da implantação de uma instituição de ensino superior
pública. Assim, em 20 de maio de 1989, foi criada a Universidade do
Tocantins (UNITINS). Porém o Estado era o único do País a não ter uma
universidade federal. Agora, esse antigo sonho está sendo construído passo a
passo.
A missão de federalização da UNITINS foi dada pelo ex-ministro da
Educação, Paulo Renato de Souza, ao reitor da Universidade de Brasília
(UnB), Lauro Morhy. E oficializada no dia 17 de julho de 2002, quando o
reitor assinou um convênio em que a UnB tornava-se tutora da Universidade
Federal do Tocantins (UFT) (GOVERNO FEDERAL/UFT. Relatório de
Implantação da UFT, 2004: 100).
Naquele momento, pensava-se na federalização da Unitins, sua transformação em
universidade federal. Essa idéia foi referendada pela sociedade tocantinense, de maneira
que, até depois de criada e implantada a UFT, pensava-se que a Unitins havia sido
extinta. E como a UFT passou a funcionar em todos os prédios que eram da Unitins,
também por outro lado, passou a idéia de que nada tinha mudado. As decisões acordadas
entre governos para o entendimento do que se chamava federalização consistiu em
mudanças patrimoniais e acadêmicas
8
. Foi necessário um tempo médio para que
houvesse a mudança em relação à cultura organizacional da universidade estadual e lenta
assimilação do novo clima institucional da universidade federal.
Patrimônio. Será incorporado pela UFT. Uma comissão da UnB e outra, da
8
Uma observação que retrata essas mudanças foi o “mal-estar” dos servidores, no momento de transição
da universidade estadual para a federal, configurado na forma como esses servidores atendiam um
telefonema na UFT, ainda com o mesmo número de telefone da Unitins: as pessoas perguntavam: “é da
Unitins?”, e o servidor prontamente respondia: “não, é da universidade federal”. A pessoa insistia: “Mas
esse número é da Unitins”. A questão é que tinha mudado a natureza institucional, mas todo o patrimônio
continuava sendo o mesmo, uma vez que fora transferido e agora era utilizado com outra logomarca.
38
Unitins farão uma vistoria em tudo o que for levantado como patrimônio da
instituição estadual. Alunos. Assim que a UFT estiver funcionando na prática
e um primeiro vestibular for marcado, os alunos da antiga universidade
estadual passam a ser alunos da federal. Professores. Os docentes da Unitins
interessados em continuar terão de participar de concurso para o cargo,
passando por prova escrita e oral. Funcionários. Também passarão por
concurso público. O governo federal ainda não liberou as vagas para esse
concurso (GOVERNO FEDERAL/UFT. Relatório de Implantação da UFT,
2004: 101).
Desencadeado o processo de implantação da UFT, os gestores da Unitins (Histórico.
Portal Unitins, site www.unitins.br, março/2008) divulgaram que a Universidade
buscava outras frentes de trabalho, ao iniciar em 2001, parceria com a empresa Educon
para ofertar educação a distância. Iniciou com o projeto experimental, ofertando o curso
Normal Superior telepresencial, que se constituía na transmissão via satélite de teleaulas,
ao vivo, direto de seus estúdios, para mais de oito mil alunos de oitenta e cinco
municípios do estado do Tocantins.
O curso Normal Superior presencial fora implantado na Unitins no início de
2000. As razões que levaram a Unitins a substituir o curso de Pedagogia pelo
Normal Superior (CNS), em consonância com os Pareceres 09/2001,
133/2001 do Ministério da Educação e com o Art. 63 da LDB 9.394/96,
fundamentavam-se, segundo o discurso da Reitoria, na necessidade de se
adequar a Universidade a uma estrutura funcional, com vistas a facilitar o seu
processo de federalização. Todavia, esse argumento não se sustentaria por
muito tempo, uma vez que, cinco anos depois, em 2005, a Unitins
disponibilizou mais 6.179 vagas para o curso Normal Superior, na modalidade
a distância (Pereira, 2007: 48).
A Educon teve uma história inicial não menos protestada pelos alunos, órgãos públicos e
sociedade civil, por ter sido responsável pelas obrigações contratuais e financeiras, além
de ser reclamada por deter maior percentual de lucratividade em relação a Unitins,
dentre outras alegações jurídicas. Em 2007, essa empresa mudou de logomarca e passou
a chamar-se de Eadcon, colocando-se na mídia como referência também em educação a
distância, disputando o marketing com a própria Universidade que era a responsável
acadêmica pela formação, por meio dos cursos de graduação. A Eadcon se denominava,
então, uma empresa de
[...] alta tecnologia a serviço da educação. A primeira em educação a
distância, presente em mais de 1.600 municípios brasileiros, e mais de 1.600
salas de aulas, 300 professores, entre titulares, assistentes e tutores, mais de
50 mil alunos, entre formados e matriculados.
A Eadcon, com sua rede de Centros Associados espalhados pelo Brasil, está
cumprindo uma das mais importantes missões que é a de levar ensino de
qualidade a todas as regiões do nosso país. Proporcionamos a essas
populações a oportunidade de acesso à informação e ao conhecimento.
Valores. Promover o desenvolvimento intelectual dos profissionais
brasileiros de todas as regiões; desenvolver produtos educacionais
de excelência; seriedade e credibilidade com todos os públicos partindo de
39
iniciativas voltadas a todas as comunidades (Portal da Eadcon, site
www.eadcon.com.br, pesquisa realizada em 22 de janeiro de 2008).
A Unitins continuou a parceria com a Eadcon, após a experiência-piloto com a
modalidade telepresencial. Foi credenciada pelo MEC para oferta de cursos na
modalidade de educação a distância, pela Portaria Ministerial n° 2.145, de 16 de junho
de 2004. Após essa reestruturação, a Universidade passou a oferecer cursos na
modalidade EaD. O curso Normal Superior foi o primeiro a ser ofertado, formando sete
mil quinhentos e oitenta e nove alunos e nesse mesmo ano cinco mil quinhentos e vinte e
seis alunos ingressaram no curso de Pedagogia.
No ano de 2005, a Universidade criou os cursos de Administração, Ciências Contábeis e
Práticas Jurídicas que somaram vinte e dois mil alunos. No ano seguinte, em 2006, foi
criado o curso de Serviço Social, e a instituição superou, os trinta mil alunos. Esses
números atingiram rapidamente a marca de mais de sessenta mil alunos, distribuídos em
todos os estados brasileiros, conforme veiculado e divulgados em seus folders. O novo
modelo de Universidade, nos discursos de seus gestores veiculados na mídia, significou
oferecer novas formas de aprender, ao utilizar modernas tecnologias de comunicação e
informação, por meio da teleducação (Histórico. Portal Unitins, site www.unitins.br,
março, 2008).
A proposta de educação a distância da Unitins retomou os fundamentos da
teleducação já existentes e praticados no Brasil desde a década de 60,
associando recurso televisivos (som e imagem) a outros multimeios para dar
concretude ao seu projeto de formação em nível de graduação. Todavia, nem
o documento que propôs a modalidade telepresencial, nem o Projeto Político-
Pedagógico do curso Normal Superior a distância, ou outro documento
institucional apresentam qualquer menção aos projetos anteriormente
desenvolvidos no Brasil [..] Tampouco, ocorreu um estudo sistematizado
deles de forma a se avaliar os seus princípios teóricos ou metodológicos que
pudesse embasar a modalidade a distância da Unitins ... (Pereira, 2007: 61).
Em 2007, a Unitins criou novos cursos e passou a ofertar o curso de Letras e
Matemática; firmou parceria com a UNIVALI e implantou o curso de Análise e
Desenvolvimento de Sistemas, aprovando mais de trinta mil alunos, de todo Brasil, em
seu processo seletivo.
Além das parcerias com os órgãos estaduais e federais para prover capacitação, anunciou
estar em preparação para atuar no mercado internacional e ofertar ensino para brasileiros
residentes no exterior. Construiu sede definitiva em Palmas. Uma construção que soma
40
quase dois mil metros quadrados de área construída (Histórico. Portal Unitins, site
www.unitins.br, março, 2008).
A Unitins, criada em 1990, credenciada pelo MEC para oferta de cursos na modalidade
de EaD, em 2004, tem uma história de pouco mais de quinze anos de criação, com pouca
experiência em educação a distância, apesar de ter se colocado como referência nacional
em EaD, juntamente com sua maior parceira, a Eadcon. Os níveis de abrangência e
competência de ambas não são bem definidos e transparentes para a sociedade.
Na Unitins, a modalidade educativa a distância vinculou-se, desde o início,
diretamente à Reitoria e não ao lócus de formação de professores ou aos
cursos de Pedagogia existentes, naquele momento, em seus quatro “campi”
universitários. Na verdade, na Unitins, essa discussão se quer foi consolidada
pelos fóruns acadêmicos (Pereira, 2007: 30).
Porém, nos documentos que são apresentados a Unitins, observei a intenção de
diferenciar-se da UFT, frente ao seu anunciado novo modelo de Universidade, ao
assegurarem textualmente que
Inclusão social e qualidade de ensino por meio da educação a distância e
desenvolvimento de projetos de pesquisa e extensão e cursos de
especialização.
A Fundação Universidade do Tocantins (Unitins) está presente na vida dos
tocantinenses e dos brasileiros, em geral, desenvolvendo um trabalho
contínuo, pautado no uso das novas tecnologias e na busca do aprimoramento
técnico de seus docentes e pesquisadores. Reconhecida como uma das
principais instituições de ensino superior do País, no que se refere à Educação
a Distância, e com cerca de 100 mil alunos matriculados em todos os estados
da Federação e Distrito Federal, a Unitins também investe no
desenvolvimento de cursos tecnólogos superiores presenciais, em âmbito
estadual, e na especialização, por meio de seus cursos de pós-graduação Lato
Sensu. A pesquisa e a extensão da universidade também desenvolvem
importantes projetos voltados para a apreensão e difusão de conhecimento e
para a qualificação profissional. A Unitins também é parceira dos diversos
órgãos estaduais e federais preocupados com a capacitação de seus servidores,
além de se preparar para atuar no mercado internacional levando o ensino para
brasileiros moradores em outros países. Outra vitória para a Unitins é a
construção de sua sede definitiva em Palmas, com a substituição gradativa das
antigas instalações por prédios funcionais que somarão quase 2 mil metros
quadrados de área construída (Portal da Unitins, www.unitins.br,
março/2008).
Esse modelo reiterado de nova Universidade colocou-se a serviço do estado do
Tocantins, com projetos, programas e ações de natureza diversa. Nos discursos
veiculados na mídia, a chamada estruturação renovada da instituição, com seu projeto de
gestão refeito, a Universidade foi divulgada como sendo de estrutura moderna, voltada
41
para projetos de desenvolvimento que gerariam novos empregos. Previa, também,
preparação de concursos e qualificação de mão-de-obra, redefinindo-se como uma
instituição prestadora de serviços (Portal Unitins, site www.unitins.br, março/2008).
Os apontamentos sobre o modelo de universidade que se apresentaram na experiência
brasileira, no início do século XXI, têm sido bastante questionados pelos pesquisadores
na discussão da reforma da educação superior. Dependendo da opção político-
institucional, fala-se das diferenças entre organização e instituição, propondo a
necessidade da discussão da universidade pública ser defendida como direito
democrático, bem público constitucional, em que a educação não pode ser considerada
mercadoria.
Nos anos 2000, as polêmicas da universidade trazem ao debate a busca de superar o
modelo de universidade operacional, a universidade de resultados, tendencialmente
implantadas no Brasil, a partir do final do século XX. Para Chauí (2001), a mudança, na
universidade, da condição de instituição para a de organização se deu em etapas. Numa
primeira etapa, tornou-se universidade funcional. Depois, universidade de resultados.
Numa terceira etapa, universidade operacional.
A universidade operacional, dos anos 90, difere das formas anteriores. De
fato, enquanto a universidade clássica estava voltada para o conhecimento, a
universidade funcional estava voltada diretamente para o mercado de trabalho,
e a universidade de resultados estava voltada para as empresas; a universidade
operacional, por ser uma organização, está voltada para si mesma como
estrutura de gestão e de arbitragem de contratos. Em outras palavras, a
universidade está virada para dentro de si mesma ... isso não significa um
retorno a si, e sim, antes, uma perda de si mesma. Definida e estruturada por
normas e padrões inteiramente alheios ao conhecimento e à formação
intelectual, está pulverizada em microorganizações que ocupam seus docentes
e curvam seus estudantes a exigências exteriores ao trabalho intelectual. [...]
Virada para seu próprio umbigo, mas sem saber onde este se encontra, a
universidade operacional opera e por isso mesmo não age. Não surpreende,
então, que esse operar coopere para sua contínua desmoralização pública e
degradação interna (Chauí, 2001: 190).
Ao se tratar da mudança de modelos de universidade para o Tocantins, me parece que a
Unitins caminhou na lógica da universidade operacional, tendência não exclusiva das
instituições de natureza jurídica mantida pelo poder público estadual: muitas das
reestruturações pelas quais passaram as universidades públicas também se enquadraram
nessa lógica. Todavia, minha abordagem é o caso específico da Unitins, dado que,
42
Inserida nessa lógica de privatização, incapacitada de manter a estrutura
multicampi que a instituição assumira, a partir de 2000, a Unitins apressou o
processo de transferência de seus cursos de graduação regulares para a
instância federal e associou-se a uma empresa, do estado do Paraná, atuante
no campo de educação a distância. Com a anuência do Conselho Estadual de
Educação do Tocantins, criou a modalidade telepresencial, por meio da oferta
do curso Normal Superior, e amparado no art. 81 da LDB 9.394/96, que trata
dos projetos de cursos experimentais, disponibilizou, no ano de 2001, 14.200
vagas para o referido curso.
A partir desse momento, em seu caminhar no cenário tocantinense, a Unitins
não conseguiu se afastar desse processo de ajustamento às políticas
neoliberais e das conseqüências da redução dos recursos públicos. Seus
espaços e tempos se tornaram cada vez mais marcados pelos rumos assumidos
pelas políticas econômicas adotadas pelo estado do Tocantins e pelas
orientações do mercado (Pereira, 2007: 30).
Uma universidade pode ser considerada como prestadora de serviços, quando suas
estratégias de mudança demonstram que se baseiam na lógica do custo/benefício. Essa
lógica, em consonância com a idéia de produtividade, importa-se, muito mais, em
analisar se o tempo, o valor dos custos e a quantidade do que foi produzido fecham com
o balancete do investimento (Chauí, 2001). Observar esse cenário de mudanças é colocar
em evidência a concepção de universidade, visto que se trata da pesquisa de um curso
criado nesse ambiente de gestão.
1.2. A consolidação da UFT.
A UFT foi criada concomitante ao processo de reestruturações e mudanças na Unitins.
Sua criação como universidade federal foi uma resposta ao governo estadual e à
comunidade estudantil. Esse compromisso político levou à assinatura da Mensagem
Presidencial nº 745, de 26 de maio de 2000, que encaminhou ao Congresso Nacional o
projeto de lei de criação da Universidade (Histórico. Portal da UFT. Site www.uft.edu.br,
agosto/2008).
O Tocantins era o único estado brasileiro que não possuía uma universidade federal.
Esse fato foi usado como justificativa do projeto de lei apresentado pelo parlamentar-
relator, na busca da aprovação, na Câmara dos Deputados e em meio às negociações
entre governos federal e estadual, desse projeto de lei.
O Tocantins é o único Estado da federação que não possui uma universidade
federal. Este é um problema surgido quando da criação do Estado. A União
não concedeu à nova unidade federativa a universidade federal, que todas as
demais possui. Alguns estados, como Minas Gerais, chegam a possuir doze
43
instituições de ensino superior, das quais seis universidades, enquanto o
Tocantins não dispõe de nenhuma (Souza, 2007: 91).
Os parlamentares tocantinenses, baseando-se no princípio da isonomia, requeriam
também a criação da UFT do governo federal. Esse mesmo princípio incentivou, naquela
ocasião, os deputados estaduais do Tocantins Paulo Mourão e Freire Júnior (Souza,
2007) a manifestarem apoio à implantação da universidade federal, apesar de os debates
não terem evitado que o projeto inicial de uma universidade unicampi fosse substituído
por outro de universidade multicampi, que previa o funcionamento de somente cinco dos
sete campi que pertenciam à universidade estadual (Histórico. Portal da UFT. Site
www.uft.edu.br, agosto/2008).
A partir daquele momento, foi criada, pelo ministro da Educação, Paulo Renato, a
primeira Comissão Especial de Implantação, pela Portaria nº 717, de 18 de abril de 2001.
Conforme Souza (2007: 93), essa comissão tinha como tarefa “[...] adotar as
providências necessárias para a implantação da Fundação Universidade Federal do
Tocantins, em especial aquelas que envolviam os poderes legislativo e executivo do
estado do Tocantins” e divulgar, num prazo de sessenta dias, seu relatório. Para essa
comissão seriam implantados somente quatro campi, os das cidades de Gurupi, Palmas,
Araguaína e Porto Nacional, o que, inevitavelmente, gerou comoção social nas cidades
onde já funcionavam campi da estadual como Arraias, Miracema e Tocantinópolis.
As manifestações das cidades não contempladas pressionaram para que houvesse a
ampliação do número de campi, fato que contribuiu para que o relatório final dessa
comissão recomendasse “[...] a incorporação e absorção de todos os cursos e de todos os
campi” (Souza, 2007: 93) mantido pela Unitins. Logo, em meio às reivindicações e
negociações, reafirmou-se a estruturação da federal em uma “universidade multicampi”,
apesar da consideração expressa, no relatório da comissão, de que esse modelo já estava
superado e inadequado. Por esse motivo, a comissão apresentou a “concepção
multiespacial”. Nesse sentido afirmava que,
A estrutura multicampi é caracterizada pela compartimentação acadêmica,
desempenho localizado, organização burocratizada e indisponibilidade
interativa entre os diferentes segmentos que formam o conjunto da
universidade. O conceito multicampi se tornou inadequado para formulação
que evoluiu no sentido de se implantar uma universidade dentro dos mais
modernos padrões de organização acadêmica e administrativa. Foi preciso
trabalhar um novo conceito que permitisse incorporar todo o universo de
cursos superiores operados pela Universidade Estadual sem a
44
compartimentação de campus de um e outro lugar. A construção de um novo
conceito de espaço e tempo virá marcar a presença da Universidade Federal
do Tocantins nas áreas de atuação da Unitins (GOVERNO FEDERAL/UFT.
Relatório de Implantação da UFT, 2000: 11).
Partindo do conceito multiespacial a comissão justificava que a organização
administrativa e acadêmica da UFT deveria ser “[...] mais ágil, descentralizada, flexível
e menos verticalizada, que favorecesse a uma racionalização no uso dos recursos
existentes” (Souza, 2007: 96), propondo, assim, sua estruturação em institutos. A defesa
dos institutos baseava-se na fundamentação de que estes eliminariam os departamentos e
que são
[..] uma estrutura mais ampla, mais flexível, mais interdisciplinar,
incorporando cursos, unidades de pesquisa, centros especializados, museus,
bibliotecas, órgãos de ação comunitária, projetos e programas. O Instituto
não tem o controle absoluto das disciplinas; essas formam a estrutura
curricular dos cursos, ou núcleos comuns, e interagem entre eles segundo
interesses mútuos. Os professores serão lotados no Instituto segundo sua
formação especializada, o que permite maior flexibilidade de desempenho
em atividades docentes e de pesquisa, além de favorecer o desempenho em
interesses interdisciplinares no mesmo Instituto ou participação, segundo o
nível de especialização, em outros institutos (Relatório de Implantação da
UFT, 2000: 8).
A partir desse entendimento, os campi da UFT transformar-se-iam em institutos, com
base nos campos de saberes específicos. A universidade multiespacial, segundo o
Relatório de Implantação da UFT (2000), deveria implantar, em Tocantinópolis, o
Instituto de Ciências Humanas e Sociais; em Araguaína, os institutos de Medicina
Veterinária e Zootecnia e de Ciências Humanas e Sociais; em Miracema e Paraíso do
Tocantins, o Instituto de Ciências da Saúde. Em Palmas ficariam sediados os institutos
de Engenharia e Tecnologia e o de Ciências Humanas e Sociais. O Instituto de Ciências
Agrárias ficaria em Gurupi. Arraias sediaria o Instituto de Ciências Humanas e Sociais.
Contemplava-se, assim, todas as cidades onde funcionavam os campi da universidade
estadual.
Dissolvida a Comissão de Implantação, as várias negociações realizadas levaram à
aprovação do Projeto de Lei nº 3.126/2000, que criou a UFT, conquista também da
mobilização do movimento social dos estudantes e das reivindicações de políticos
oportunistas que aproveitaram a onda do movimento em prol da UFT e foram às ruas da
capital Palmas, em carreatas, passeatas, exigindo a criação da universidade federal. A
UFT foi aprovada finalmente pela Lei 10.032, de 23 de outubro de 2000.
45
A transformação de uma universidade.
Unitins dará lugar à Universidade Federal do Tocantins, instituição federal
que surge sob a tutoria da Universidade de Brasília.
Palmas (TO) O campus principal da Universidade do Tocantins (Unitins), na
capital do Estado, fica às margens do Lago de Palmas. Assim como o Lago
Paranoá, em Brasília, ele é artificial. Possui cerca de 180 Km de extensão e
uma média de 4 Km de largura, chegando a regiões com 8 Km de largura
(onde está situada a ponte que liga Palmas à cidade de Paraíso). Mas a
universidade possui mais seis campi avançados nas cidades de Araguaína,
Arraias, Gurupi, Miracema, Porto Nacional e Tocantinópolis. Até o ano
passado, havia mais três campi, Paraíso, Colinas e Guaraí, que foram fechados
por questões administrativas (GOVERNO FEDERAL/UFT. Relatório de
Implantação da UFT, 2004: 96).
O Decreto nº 4.279, de 21 de junho de 2002, atribuiu à UnB a competência de tomar as
providências necessárias, no prazo de um ano, para a implantação da UFT, e o Acordo nº
1, de 17 de julho de 2002, celebrado entre a UFT, o Governo do Estado do Tocantins e a
Unitins, permitiu a cooperação entre as instituições participantes quanto a sua
implantação.
Nesse acordo, em relação à gestão acadêmica, ficou assegurado que os cursos da Unitins
seriam submetidos à transferência de mantença, para posteriormente serem absorvidos.
No entanto, estes permaneceriam naquela instituição, em função de a UFT não ter infra-
estrutura mínima necessária, os professores estarem em fase de concurso e contratação,
não haver pessoal técnico-administrativo e a base física da reitoria ainda não estar
estruturada, inclusive a que abrigaria os registros e controles acadêmicos.
Finalizado o prazo para a conclusão dos trabalhos da UnB, foi indicada nova Comissão
de Implantação pelo ministro da Educação, Cristóvam Buarque, nomeando também o
primeiro reitor pró-tempore, o docente da UFG Sérgio Paulo Moreyra. Essa comissão
elaborou e organizou as minutas do Estatuto, Regimento Geral da Universidade e o
processo de transferência dos cursos. Criou comissões de graduação, pesquisa, pós-
graduação, extensão, cultura e assuntos comunitários e de administração e finanças.
Coordenou, ainda em 20 de agosto de 2003, a consulta acadêmica que levaria à escolha
dos nomes do primeiro reitor e vice-reitor, que foram nomeados pelo vice-presidente da
República, José de Alencar, para mandato até julho de 2004.
Essas ações providenciaram que, no dia 2 de fevereiro de 2004, fosse homologado, pelo
ministro da Educação Tarso Genro, o Estatuto da Fundação Universidade Federal do
Tocantins.
46
A FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO TOCANTINS (UFT),
entidade com personalidade jurídica de direito público sem fins lucrativos,
instituída pela Lei n
o
10.032 de 23 de outubro de 2000, vinculada ao
Ministério da Educação, e inscrita como pessoa jurídica no cartório
competente, com sede e foro na cidade de Palmas, capital do Estado do
Tocantins, reger-se-á pelo presente Estatuto.
A Fundação tem como objetivos:
I- Manter prioritariamente a UNIVERSIDADE FEDERAL DO
TOCANTINS, instituída pela Lei n
o
10.032 de 23 de outubro de 2000,
além de outras entidades que vier a criar, com objetivo de realizar e
desenvolver a educação de nível superior, a pesquisa e o estudo em todos
os ramos do saber e a divulgação científica, técnica e cultural;
II- Criar e desenvolver os meios capazes de permitir ou estimular a
formação profissional, a ciência pura ou aplicada, as letras e as artes.
A Fundação terá duração por tempo indeterminado.
A Fundação e a Universidade, nos respectivos níveis de competência
fixados em seus Estatutos, gozam de autonomia financeira, didático-
científica, administrativa e disciplinar, nos termos da legislação vigente
(Estatuto da Fundação Universidade Federal do Tocantins, 2004: Capitulo
I, arts. 1º,2º,3º,4º).
Após a aprovação do estatuto, foram instalados os conselhos superiores da Universidade.
E no dia 13 de julho de 2004, após encerrar o mandato do primeiro reitor pró-tempore,
foi nomeado, pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, o primeiro reitor.
Todavia, a implantação da Universidade não ocorreu conforme recomendara a Comissão
de Implantação em relação ao conceito de universidade multiespacial e através de
institutos, mas com organograma composto basicamente de conselhos superiores,
reitoria e pró-reitorias, campi, colegiados de cursos.
Implantada a UFT, o início das atividades letivas de ensino foi muito complicado e
prejudicado pela falta de infra-estrutura, de professores e de técnicos. Os serviços
técnico-administrativos foram mantidos por funcionários contratados da Unitins, em
função dos acordos institucionais celebrados. Disso resultou uma mistura emblemática
de sentidos e emoções em que duas instituições passaram a ocupar o mesmo espaço
físico, urbano e geográfico, conservando seus diferentes pontos de vistas e concepções,
acerca da natureza e dinâmica da gestão institucional. Os informes desse momento
caracterizavam bem a transição. O pessoal que estava pela UFT, já concursado e
empossado, falava em mudança constantemente, e aqueles da Unitins comportavam-se
como rechaçados por não terem ido para a nova universidade.
O primeiro informativo do curso de Pedagogia, desse período de transição, retrata esse
clima institucional que invadia os corredores da Universidade. O editorial do
informativo se intitulava “Pedagogia na Federal” e trazia o título “mudança de hábito”,
47
numa alusão ao filme de longa metragem de mesmo nome, enfatizando, na realidade, o
desejo de consolidar a universidade federal, afirmando ser aquele um momento histórico
no qual se encontravam numa significava mudança de hábito em todos os sentidos:
Mudanças de hábito em todos os sentidos ao se pensar a cultura
organizacional, apesar das concepções apressadas e sem reflexão adjetivarem
essa trajetória como sendo uma fase de “bagunça”, talvez devido a nossa falta
de exercício democrático e paciência histórica, até porque saímos a pouco
tempo da ditadura, ou por conta da nossa formação positivista-funcionalista.
Contudo, todavia, no entanto, é necessário dizer que, os avanços em busca da
construção democrática da universidade será utopia (sonho possível) quanto
mais, discentes, docentes, gestores, técnico-administrativos e a sociedade
tocantinense se empenharem em mostrar que os enfrentamentos e as
diversidades fazem parte do processo social de constituição de uma nação
com perspectiva de diminuição das desigualdades sociais (BOLETIM.
Informe Pedagogia na Federal N° 1).
A UFT iniciou suas atividades administrativo-acadêmicas com mais de oito mil alunos,
vinte e cinco cursos de graduação e um curso de mestrado, distribuídos por sete unidades
acadêmicas, colocando-se como a única possibilidade de acesso ao ensino superior
público gratuito para os estudantes das várias regiões do estado do Tocantins e dos
demais estados vizinhos como Goiás, Pará, Maranhão e Bahia, com os objetivos de:
a) Estimular a criação cultural e o desenvolvimento do espírito científico e do
pensamento reflexivo;
b) Formar diplomados nas diferentes áreas do conhecimento, aptos à inserção
em setores profissionais e à participação no desenvolvimento da sociedade
brasileira, e colaborar na sua formação contínua;
c) Incentivar o trabalho de pesquisa e investigação científica, visando ao
desenvolvimento da ciência e da tecnologia e da criação e difusão da cultura
e, desse modo, desenvolver o entendimento do homem e do meio em que
vive;
d) Promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos
que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do
ensino, de publicações ou de outras formas de comunicação;
e) Suscitar o desejo permanente de aperfeiçoamento cultural e profissional e
possibilitar a correspondente concretização, integrando os conhecimentos que
vão sendo adquiridos numa estrutura intelectual sistematizadora do
conhecimento de cada geração;
f) Estimular o conhecimento dos problemas do mundo presente, em
particular os nacionais e regionais, prestar serviços especializados à
comunidade e estabelecer com esta uma relação de reciprocidade;
g) Promover a extensão, aberta à participação da população, visando à
difusão das conquistas e benefícios resultantes da criação cultural e da
pesquisa científica e tecnológica geradas na Instituição (Estatuto da
Fundação Universidade Federal do Tocantins, 2004: Título I, art. 2º).
Comprometida com o desenvolvimento do Tocantins, a UFT oferecia no seu início
formação nas áreas das Ciências Sociais Aplicadas, Humanas, Educação, Agrárias e
Ciências Biológicas. Além da capital, ela possuía campi nas cidades do interior do
48
Estado. Seu maior número de alunos estava no campus de Palmas, em relação aos outros
que foram implantados nas cidades de Arraias, Gurupi, Porto Nacional, Miracema,
Araguaína e Tocantinópolis.
Em 2006, a UFT contava com mais de nove mil alunos distribuídos, em sete campi.
Ofertava vinte e nove cursos de graduação presenciais, um curso de Biologia na
modalidade de educação a distância, vários cursos de especialização e quatro cursos de
mestrado, em Ciências do Ambiente (Palmas, 2003), Ciência Animal Tropical
(Araguaína, 2006), Produção Vegetal (Gurupi, 2006) e Ciências da Saúde (Palmas,
2007).
No segundo semestre de 2006, a UFT apresentou a sistematização de seu Planejamento
Estratégico para o período 2006 a 2010 em que trazia como premissa “Por uma
Universidade Consolidada e Democrática, Inserida na Amazônia”. Nesse documento,
desde a sua apresentação, a tônica foi o pensar estrategicamente a instituição, tornando
públicos “[...] os resultados relativos às avaliações interna e externa, além da sinalização
para os caminhos a serem tomados em função das prioridades e ações estratégicas
planejadas na instituição” (Planejamento Estratégico da UFT, 2006: apresentação).
A implantação da UFT, no entanto, representou para o Governo do estado do Tocantins
uma economia referente aos gastos com a oferta de educação superior. Porém, com o
desfecho das decisões governamentais, a Unitins não foi extinta, e a UFT iniciou o seu
processo de consolidação. Durante esse período, houve uma mobilização dos professores
da Unitins, candidatos ao concurso. Estes conseguiram aprovar consulta eleitoral para
reitor pró-tempore, antes mesmo da consolidação dos órgãos superiores que deveriam
encaminhar e fazer tramitar o processo legal de nomeação do reitor. No relatório de
implantação, as considerações finais são marcadas pelo tom de esperança, já então
desfeita a idéia de federalizar a Unitins, mas de criar uma nova universidade, ao declarar
que
A criação de uma universidade representa o nascimento de uma grande
esperança. A UFT nasceu sucedendo a Fundação Universidade do Tocantins
(Unitins), renovando e ampliando esperanças. Novos sonhos e esforços
coletivos estão tornando realidade à esperança UFT. (grifo do autor).
Em meio às dificuldades do momento nacional procuramos dar cada passo
inicial com a pressa possível, mas com a cautela necessária para que a nova
instituição não enveredasse pelos caminhos da mesmice, do conservadorismo
e do atraso. E como é sempre uma oportunidade muito especial a criação de
49
uma universidade, um grande laboratório para a inovação, queremos que a
UFT inove no sentido mais revolucionário e evoluído possível. São grandes as
amarras legais existentes, mas sempre há espaços para novas experiências e
deve-se também buscar a ampliação desses espaços (GOVERNO
FEDERAL/UFT. Relatório de Implantação da UFT, 2004: 13).
Nos discursos e falas, impressos nos documentos oficiais as marcas e registros em defesa
da democracia, tolerância, respeito são evidenciados, caracterizando e reforçando o
diferencial em relação aos desgastes políticos, administrativos e acadêmicos que
perpassaram a história do estado do Tocantins e da universidade estadual, que com a
UFT ganhou não só força discursiva majestática, mas sentido e significado político.
A criação de uma instituição pública se reveste de muitos anseios para sua comunidade.
A UFT, por sua vez, gerou expectativas novas, ou pelo menos renovadas, em relação a
sua contribuição às demandas sociais. Essas demandas, entetanto, nem sempre se
concretizam em ações, programas e projetos para o ensino, a pesquisa e a extensão, sem
que processualmente passem por várias e constantes acomodações. A Universidade
nasceu sob o lema da esperança de mudança nas decisões administrativo-pedagógicas,
na carreira docente, na qualidade do ensino, pesquisa e extensão, gerando expectativas
diversas na opinião pública quanto a sua função social.
A partir do anseio social, a UFT foi divulgada, nos seus boletins iniciais, como dotada de
um potencial para despontar no cenário nacional e regional como mais um pólo
irradiador de ciência e tecnologia no contexto da Amazônia Legal. A criação da
universidade pública federal do Tocantins foi apresentada à sociedade, a partir das
peculiaridades do estado, se justificando que
O Estado mais recente do Brasil, criado em 1988, é a porta de entrada da
Amazônia Legal. Apresentando características peculiares, abriga em seu
território uma rica biodiversidade, constituída por ecossistemas como a
Floresta Amazônica, várzeas com espécies típicas da região pantaneira e áreas
de cerrado, além de espécies de fauna e flora características do semi-árido,
presentes no Jalapão (GOVERNO FEDERAL/UFT. Folder Institucional,
2004: 1).
Com o slogan “uma nova universidade”, a UFT se propôs “contribuir, de forma
diferenciada, com os desenvolvimentos local e regional, contemplando as diversas
vocações do Estado” (Folder Institucional, 2004, s/p). Elegeu, nesse sentido, temáticas
prioritárias que buscaram uma sintonia com as especificidades da Amazônia Legal,
representadas em cinco áreas prioritárias: identidades, cultura e territorialidade;
50
agropecuária e meio ambiente; biodiversidade e mudanças climáticas; educação; fontes
renováveis de energia. Destaque para a educação que foi apresentada como:
[...] desenvolvida, prioritariamente, por meio de seus cursos de graduação e
licenciaturas, que habilitam profissionais com sólida formação teórica e
compromisso social. Outras atividades como a extensão e a pesquisa também
promovem a educação, produzindo e disseminando conhecimentos que
contribuirão para a transformação do Estado do
Tocantins num espaço para
todos (GOVERNO FEDERAL. Folder Institucional, 2004, s/p).
A educação, como linha prioritária de pesquisa, fez parte do plano de desenvolvimento
da infra-estrutura de pesquisa e pós-graduação da universidade. Considerando a riqueza
e a variedade natural da região amazônica e suas respectivas áreas de transição, os
estudos dos recursos naturais e das tecnologias aplicadas à preservação de seu ambiente
social foram considerados uma das missões da UFT.
Nos documentos institucionais, a UFT, é apresentada desde a sua criação com vocação,
como IES pública federal, voltada para: a responsabilidade social na preservação dos
ecossistemas locais, bem como da elevação qualitativa dos índices de desenvolvimento
humano (GOVERNO FEDERAL. Folder Institucional, 2004).
As marcas do discurso em torno da transição de um a outro modelo de universidade,
também esteve presente na cerimônia de posse dos primeiros professores concursados e
registrado também na carta de cumprimentos de ingresso entregue a estes pela UnB.
Além das boas vindas ao quadro de pessoal docente da UFT, os parágrafos da carta
enfatizavam que era
[...] um grande desafio ser docente de uma universidade; de uma universidade
em fase inicial é um desafio maior. Bem maior ainda é esse desafio se a
universidade em implantação está situada em um Estado que ainda dá os seus
primeiros passos e que compõe um país em desenvolvimento como o nosso
querido Brasil. Cumprimento-os pela firma decisão de inscrever-se para o
concurso público, pelo êxito alcançado e por agora compor o Quadro de
Pessoal Docente da UFT.
Estimados professores, a sociedade do conhecimento e da informação
difunde-se e aprofunda-se em todo o mundo. Não há limites para esse avanço.
Para que possamos cumprir a nossa grandiosa missão, é importante assumir o
mais elevado ideal universitário e nos libertar de fatos e idéias do passado,
que não cabem mais no presente e muito menos no inexorável futuro que
chega cada vez mais rapidamente. Devemos agora buscar novas experiências
e novos saberes, acreditando sempre que um novo mundo é possível, um novo
universalismo, bom para todas as pessoas e nações. Esse mundo começa em
cada um de nós, em nossos laboratórios, em nossas salas de aula, locais de
trabalho e residências (GOVERNO FEDERAL/UFT. Relatório de
Implantação da UFT, 2004: 77).
51
Nas reportagens e entrevistas desse período de implantação da UFT, a vinda do reitor da
UnB a Palmas, e a chegada dos candidatos dos diversos estados brasileiros para
realização do primeiro concurso ganharam destaque na forma de manchetes. As marcas
dessa enunciação também se revestiram de expectativa de mudanças. Um desses
fragmentos de textos do primeiro dia de concurso foi bastante peculiar pela forma de
narrativa do profissional enviado, especialmente para cobrir os fatos. Dizia ele:
Primeiro dia
Palmas (TO) O relógio marcava 8h. O campus da atual Universidade do
Tocantins (Unitins) e futura sede da Universidade Federal do Tocantins (UFT)
estava cheio de candidatos. No estacionamento, as placas dos automóveis
indicavam a procedência de cada um. Tinha gente de diversas áreas do
Tocantins e de diversos estados próximos. Dois dos três novos prédios
(Blocos A e B) já construídos deram lugar para uma primeira disputa: a prova
escrita do concurso que selecionava 200 professores com mestrado. Mas ainda
era só o início ...
[...]
Depois de quatro horas de prova escrita, a tensão não acabou. Candidatos
vão para a loteria dos assuntos que terão de preparar e dar uma aula para a
banca de professores.
[...]
Palmas (TO) E a maratona continua ... Mal terminaram de responder a duas
questões relacionadas às áreas específicas, chegou o momento de saber qual o
tema da aula que o candidato vai dar para a banca examinadora. Os
concorrentes estavam do lado de fora do prédio esperando dar 12h30 para
prepararem as aulas.
[...]
Segundo dia
Os candidatos tiveram 40 minutos para expor o que sabiam sobre o assunto.
Banca formada por dois especialistas no tema tinha 20 minutos para fazer
perguntas.
Palmas (TO) Era tudo ou nada. A última e decisiva parte da seleção havia
chegado. Em cada sala de aula, um tema específico era analisado por uma
banca composta por dois especialistas. Para a realização dessa etapa do
concurso, os seis prédios do campus da Universidade do Tocantins (Unitins)
e, até mesmo, o espaço de um colégio particular de Palmas foram utilizados.
No fundo, o CESPE estava realizando 176 concursos para as 200 vagas de
professores assistentes (com mestrado) para a Universidade Federal do
Tocantins (UFT). As bancas avaliaram os candidatos em sete itens:
capacidade de organização das idéias; capacidade de organização sobre o
tema; objetividade, domínio técnico, espírito crítico; coerência entre o plano e
o desenvolvimento da aula; adequação ao tema previsto.
[...]
Dois dias de nervosismo e expectativa.
No fim de semana de 25 e 26 de janeiro, 949 candidatos fizeram provas
escrita e oral para concorrer a 200 vagas de professores da Universidade
Federal do Tocantins (UFT).
Palmas (TO) Eles vieram de todo o país. São Paulo, Paraíba, Brasília, Minas
Gerais, Rio Grande do Sul ... Tem gente que enfrentou mais de uma dia de
viagem. Um total de 949 inscritos. Todos com o mesmo objetivo: tentar uma
das 200 vagas destinadas aos cargos de professores assistentes (com
mestrado) para a mais nova universidade federal do país: a de Tocantins
(UFT) (GOVERNO FEDERAL/UFT. Relatório de Implantação da UFT,
2004: 84, 87, 90, 94).
52
Nos seus primeiros folders, a UFT era anunciada como “uma universidade inserida no
seu meio”, justificando que o estado do Tocantins, por se caracterizar como
multicultural, o caráter heterogêneo de sua população colocava para a UFT “[...] o
desafio de promover práticas educativas que elevem o nível de vida da sua gente”
(GOVERNO FEDERAL. Folder UFT, 2004, s/p).
Os planos de gestão dos candidatos a reitor da UFT também enfatizaram suas
concepções em torno da recém criada universidade. O plano de gestão de um dos
candidatos apresentava cinco princípios básicos: 1) democracia, 2) autonomia
universitária, 3) transparência administrativa, 4) compromisso social, 5) saber crítico e
reflexivo, e anunciava a UFT como universidade pública que deveria se consolidar,
[...] como a expressão da sociedade democrática e pluricultural, inspirada nos
ideais de liberdade, de respeito pela diferença e solidariedade, constituindo-
se em instância necessária de consciência crítica, na qual a coletividade podia
repensar suas formas de vida e suas organizações sociais, econômicas e
políticas (Plano de Gestão Democracia na UFT, 2003: 3).
A proposta da chapa “Democracia Permanente” tinha como slogan “a UFT que
queremos”. E nesse sentido divulgava seus princípios ao defender que a universidade
“tão esperada, tão desejada que queremos”, não era uma simples escola de nível
superior, mas criadora e crítica. Em discurso enfático, com marcas enunciativas, ficou o
registro das expectativas:
Esperamos, ainda, da Universidade, aqui implantada, um contínuo fazer-se.
Não imaginamos um modelo definitivo de Universidade, mas pretendemos
buscar, inventar, conquistar nosso modelo, na medida em que a estivermos
construindo. Esse construir se dará no inter-relacionamento professor/aluno,
fundamentado no princípio do incentivo à criatividade, à crítica, ao debate, ao
estudo e, com isso, marcando a co-responsabilidade na condução do próprio
processo. Esse processo inicia-se com a criação de uma relação entre dois
sujeitos empenhados em edificar a reflexão crítica: de um lado o professor,
sujeito de criação, coordenação, proposição de estudos, questionamentos e
debates; de outro, o aluno, nunca objeto, de seu aprendizado, exercitando e
desenvolvendo seu potencial crítico, através de um esforço inteligente de
assimilação, de criação, de questionamento (Plano de Gestão Democracia
Permanente, 2003: 4).
Além dos discursos dos candidatos à reitoria, a sociedade tocantinense, ao pensar na
universidade federal, no momento de sua criação, também expressou seu sentimento de
confiabilidade e credibilidade e manifesto de boas expectativas para seu futuro,
conforme foi sistematizado no cenário construído para refletir na elaboração do
planejamento estratégico.
53
[...] sentimento de orgulho em ter uma Universidade Federal; grande
expectativa em relação à direção: Reitor visto como pessoa capaz e íntegra;
impressão de que a UFT tem um importante papel no desenvolvimento do
Estado; defesa de sua estrutura descentralizada; desejo de sua ampliação
(novos cursos) e modernização (condições materiais e laboratoriais).
Fortalecimento de sua estrutura descentralizada; atração e manutenção de
quadros competentes; melhoria das condições materiais e do ensino; formas
eficientes de contribuir para o desenvolvimento econômico do Estado.
(GOVERNO FEDERAL/UFT. Planejamento Estratégico da UFT, 2006: 16-
17).
Além dos discursos em busca de sua consolidação, a UFT traçou ações e metas com base
no levantamento da análise externa dos cenários mundiais da educação superior,
voltando-se para a realidade do estado do Tocantins, com vistas às tendências para o
futuro. Ao se apresentar comprometida com o desenvolvimento sustentável do estado do
Tocantins, assumiu, em sua carta de princípios, estar ciente dos seus desafios,
expressando no documento Planejamento Estratégico, os principais gargalos e
estrangulamentos que afrontavam o estado.
Um dos problemas consideráveis pontuados foi o do financiamento e investimento. O
estado contava como linhas de financiamento, o FNO, o FINAM, o BNDES, e por parte
do Governo do Estado o PROSPERAR (para a agropecuária, comércio e turismo) e o
PROINDÚSTRIA (para a indústria) (GOVERNO FEDERAL/UFT. Planejamento
Estratégico da UFT, 2006).
Para um estado brasileiro, como o Tocantins, que ainda precisava alavancar seu
desenvolvimento sustentável por meio de sua única universidade pública gratuita, não se
pode deixar de evidenciar a necessidade de mais investimentos assim como o
enfrentamento de seus problemas, que, ao serem descritos, sinalizavam que o volume de
mercado não era atrativo para grandes investimentos, devido à falta de pólos
tecnológicos e déficits na educação e saúde como pontos desafiadores da agenda sócio-
política (GOVERNO FEDERAL/UFT. Planejamento Estratégico da UFT, 2006).
O diagnóstico do estado do Tocantins abrangeu os seus cento e trinta e nove municípios
com população total estimada, em 2004, em um milhão e trezentos mil habitantes, sendo
cento e oitenta e sete mil somente na capital, Palmas. Essa população, composta de uma
maioria do gênero masculino, migrante de outros estados do Brasil, possuía 48% de
jovens com menos de 19 anos de idade. Todavia, o IDH passou de 0,611 em 1991, para
0,710 em 2000, representando uma melhoria nos indicadores como educação,
54
longevidade e renda. Entretanto, 51% da população tocantinense se enquadravam entre
os que viviam com um valor igual ou inferior a meio salário mínimo per capita/mês, e,
portanto, considerados pobres (GOVERNO FEDERAL/UFT. Planejamento Estratégico
da UFT, 2006).
Para uma Universidade que se apresentou compromissada com o desenvolvimento
sustentável e estando presente com seus campi também nesses municípios com fossos
sociais a serem resolvidos, os desafios foram considerados grandes em função de que a
instituição, naquele momento, possuía um reduzido quadro de pessoal administrativo,
dificuldades de atrair e manter pessoal qualificado, alto custo de estrutura multicampi,
recursos financeiros insuficientes etc, além da pouca autonomia em relação ao
financiamento contingenciado das universidades públicas brasileiras na atual política do
governo federal.
Ao refletir sobre a contribuição da universidade em relação à sua função social, como
instituição educadora, observei, também, no seu Planejamento Estratégico que a
aplicação do montante de investimento em educação no estado do Tocantins é
insuficiente. Investigando os dados, verifiquei que, para o ano de 2003, por exemplo,
foram investidos trezentos e trinta e seis milhões de reais, uma elevação de 5,94 vezes
no período em relação aos 45 quarenta e cinco milhões em 1994. Porém, o nível de
escolaridade permaneceu baixo e o analfabetismo atingiu 21% da população.
Nesse documento, conforme os dados do diagnóstico realizado pela UFT, no ensino
superior houve uma grande expansão, após a criação da Universidade. As instituições de
ensino superior, que eram quatro no ano de 1999, passaram para quinze, em 2005. O
número de professores passou de quinhentos e oitenta e quatro para cerca de um milhão
e trezentos mil no mesmo período. Em igual período, o número de cursos passou de
cinqüenta e sete para duzentos e sessenta e oito cursos.
A UFT foi apresentada, no seu Planejamento Estratégico, com a meta de, até 2010,
efetivar sua consolidação, produzindo e difundindo conhecimentos, formando cidadãos
qualificados e comprometidos com a Amazônia. Essa visão estratégica de futuro requer
uma operacionalização em que se construam ambientes de excelência acadêmica,
aprimoramento da gestão, consolidação dos cursos, dentre outros fortalecimentos a
serem implementados.
55
Esse planejamento foi publicado como resultante da participação conjunta da reitoria,
diretores dos campi e de coordenadores de cursos, além da representação dos técnico-
administrativos, docentes e acadêmicos. Sua metodologia se constituiu de oficinas,
reuniões específicas nas unidades acadêmicas para então definir no âmbito da gestão do
ensino, da pesquisa, pós-graduação e da extensão, prioridades e estratégias para o
quadriênio 2006-2010. O documento foi proposto como o guia da meta da universidade,
apresentado como um avanço da gestão universitária ao afirmar que:
Isso significa, entre outros avanços, uma Universidade com doutorados e
mestrados estabelecidos, melhorias no ensino de graduação, na pesquisa e
extensão, articuladas às demandas e necessidades regionais. Finalmente,
uma Universidade reconhecida por ser um espaço de debate democrático, de
tolerância às idéias adversas, de respeito às diferenças e de compromisso
com a garantia dos direitos humanos e da eqüidade social (GOVERNO
FEDERAL. Planejamento Estratégico da UFT, 2006: 9).
Nos relatórios de implantação a consolidação da UFT estava associada também à sua
expansão. Os números de ingressantes, desde o primeiro vestibular, têm tido um
crescente aumento. No final do ano de 2003 ofereceu um total de mil vagas para entrada
no segundo semestre letivo de 2004. O vestibular para ingresso em 2005 ofereceu um
mil oitocentas e setenta vagas para dois semestres. Em 2006 foram um mil setecentas e
noventa quatro vagas, e, em 2007, dois mil e quinze vagas, também referentes a entradas
nos dois semestres. Para 2008, foram duas mil e duzentas vagas (PROGRAD/UFT,
2008).
A UFT, então, após sua implantação, buscou seu reconhecimento social e sua
consolidação no contexto da região amazônica em que a produção do conhecimento,
pela pesquisa e a abrangência dos programas já consolidados, é muito assimétrica: há
uma concentração das produções nas instituições de Manaus e Belém em detrimento das
demais meso-regiões e micro-regiões, como no caso, em particular, a região tocantinense
(GOVERNO FEDERAL/UFT. Planejamento Estratégico da UFT, 2006).
Os desafios para consolidação da UFT puderam ser vistos na leitura sobre a
produtividade científica das instituições da região Norte. Segundo os dados (Relatório de
Implantação da UFT, 2004: 110), a CAPES/MEC, ao comparar a evolução do número de
cursos segundo as regiões no período de 1996 a 2004, ressaltou que, apesar do
crescimento apontado, persistia uma distribuição desigual entre as regiões do Brasil,
56
uma vez que “[...] a região Sudeste concentrava 54,9% dos cursos de mestrado, e 66,6%
dos de doutorado, seguida da região Sul (19,6% e 17,1%), Nordeste (15,6% e 10,3%),
Centro-Oeste (6,4% e 4,1%) e Norte (3,4% e 1,8%)”. A análise das taxas de crescimento
mostrava que “[...] o crescimento foi maior na região Norte (15% ao ano), seguida das
regiões Centro-Oeste (12%), Sul (12%), Nordeste (9,6%) e o Sudeste (6,3%)” (idem). E
ainda que esse crescimento não foi suficiente para alterar as assimetrias existentes entre
as regiões e, sobretudo, entre os estados brasileiros.
Os discursos que envolveram a trajetória das duas instituições aqui retratadas nos
oportunizaram-nos identificar, no contexto institucional, a dimensão política e
pedagógica como têm sido concebidos os projetos de universidade no Tocantins.
Reconstruídos os aspectos pontuais desse cenário, buscaremos entender, mais
especificamente, no próximo capítulo, a proposta pedagógico-curricular do curso de
Pedagogia da UFT, no âmbito das políticas de formação de professores.
No primeiro capítulo mapeei e construi o contexto institucional no qual se instaura o
curso de Pedagogia da UFT. Tratei do processo de mudança da Unitins como novo
modelo de universidade até a criação da UFT. O curso de Pedagogia recebeu influências
das duas instituições: Unitins e UFT.
Feito o mapeamento contextual do curso, passo a investigação no próximo capítulo, da
seguinte questão: as mudanças institucionais e as reestruturações curriculares pelas quais
passou o curso de Pedagogia da UFT facilitaram ou não a atualização das questões
contemporâneas no seu Projeto Político-Pedagógico, em especial, em relação às
potencialidades e fundamentos das tecnologias digitais?
57
CAPÍTULO II
2. O CURSO DE PEDAGOGIA DA UFT.
Os anos 1990 foram decisivos para a implementação da reforma da educação mundial e
brasileira. Na primeira década dos anos 2000 ocorreu o seu desfecho através de um
conjunto de mudanças nos currículos, em especial, para a formação de professores com a
aprovação de diretrizes nacionais para o curso de Pedagogia e demais licenciaturas. Por
outro lado, a contemporaneidade dos fenômenos sociais influenciou a discussão das
carreiras e profissões. Com base nesse pressuposto, reordenações, modulações, desenhos
e arquiteturas curriculares novas passaram a serem discutidos na formação de
professores em busca de flexibilidade dos espaços e tempos formativos.
Atentos a esses fatos minha pesquisa objetivou entender de que forma essas reformas
nacionais e institucionais propiciaram ao curso de Pedagogia da UFT, a transversalidade
de temas emergentes e questões contemporâneas, a partir do seu contexto institucional.
O curso possuía uma curta trajetória no momento da pesquisa. No entanto, sublinhada de
reestruturações e mudanças curriculares, readequação, construção e elaboração de seus
projetos político-pedagógicos.
Parti do princípio que focalizar meu estudo nesse curso na presentividade significava
identificar que marcas do contemporâneo (nova razão, uma nova forma de pensar e
viver, novas educações) estariam implícitas ou identificadas nos seus conteúdos
curriculares, concepções e práticas didático-pedagógicas, em especial, ao destacar as
tecnologias digitais como fundamento desse meu fazer. Nesse capitulo, portanto, abordo
os aspectos da criação do curso de Pedagogia da UFT e suas reestruturações curriculares
no âmbito institucional Unitins e UFT.
2.1. A criação do curso de Pedagogia na Unitins.
O primeiro Projeto Político Pedagógico de 2003, do curso de Pedagogia, foi elaborado
em meio às discussões dos demais cursos de licenciaturas brasileiros desse período.
Nesse sentido, o estudo sobre os impactos da reforma educacional, na formação dos
58
professores da educação básica no Brasil, foi apresentado por Campos (2004), ao traçar
um cenário a partir do Cadastro Geral dos Cursos Superiores/INEP, indicando que
existiam nesse período dois mil, cento e trinta e oito cursos voltados à formação de
profissionais para a EI e AIEF, além de outras atividades pedagógicas, sendo: setecentos
e sessenta e cinco, (36%) cursos Normal Superior, um mil, trezentos e setenta e três,
(64%) cursos de Pedagogia. Dessa distribuição, de acordo com a natureza jurídica das
IES, observa-se que do total de cursos: oitocentos e vinte e quatro, (38,54%) são de IES
públicas e um mil, trezentos e quatorze, (61,31%) de IES privadas.
Dentre as regiões geográficas do Brasil, a região Norte apresentava o maior número de
cursos Normal Superior: cem, vinculados a IES pública. Esse dado demonstrava o
crescimento de cursos na região Norte, impulsionados pela parceria Unitins e Educon,
em função da sua modalidade telepresencial ao computar cada telesala como sendo um
curso.
A pesquisa de Campos (2004), ao analisar a distribuição do curso Normal Superior por
regiões, demonstrava: 1º lugar: na região Sudeste trezentos e oitenta e oito cursos
(50,71%); 2º lugar: Norte com cento e oitenta e sete cursos (24,44%); 3° lugar: Nordeste
com cento e dois cursos (13,33%); 4º lugar: Sul com quarenta e seis cursos (6,01%); 5°
lugar: Centro-Oeste com quarenta e dois cursos (5,49%).
Ainda nessa pesquisa identifiquei a distribuição do curso de Pedagogia pelas regiões da
seguinte forma: 1° lugar: Sudeste com quatrocentos e noventa e três cursos (35,90%); 2°
lugar: Sul com duzentos e setenta e seis cursos (20,10%); 3° lugar: Nordeste com
duzentos e sessenta e nove cursos (19,59%); 4° lugar: Centro-Oeste com cento e oitenta
e seis cursos (13,54%); 5° lugar: Norte com cento e quarenta e nove cursos (10,85%).
Com relação à distribuição dos cursos Normal Superior e Pedagogia em alguns dos
estados da região Norte, encontrei os seguintes dados: no Pará, trinta e dois cursos de
Pedagogia e sete Normal Superior, no Amazonas vinte e dois cursos de Pedagogia e
sessenta e nove Normal Superior, no Acre onze cursos de Pedagogia e nenhum de
Normal Superior.
59
Na região Nordeste, cento e cinqüenta e um cursos de Pedagogia nas IES Públicas
Estaduais; cinqüenta e três cursos de Pedagogia nas IES Federais; oito cursos em IES
Privadas; três cursos em Centros Universitários; seis em Faculdades Integradas; quarenta
e oito cursos em Faculdades Isoladas. Em relação ao curso Normal Superior temos:
setenta e três cursos em IES Públicas Estaduais; um curso em Universidade Privada;
vinte e oito cursos em IES Isoladas.
Esses números evidenciaram as concentrações por regiões e por natureza jurídica das
IES, o que propiciou observar a expansão da privatização e a constituição do
investimento lucrativo de capital representado pela educação como mercadoria, o que
em 2002 já apontava, segundo Campos (2004), que o setor privado era responsável por
um mil e oitocentos acadêmicos matriculados em quase um mil instituições espalhadas
pelo Brasil que ao depender da área, o preço dos estudos em IES privada ficava em torno
de quatro a nove mil reais anuais. Usando esse valor como referência, o ensino superior
privado representava um mercado de aproximadamente dez bilhões de reais anuais.
A leitura desses dados me chamou a atenção para a importância dos estudos curriculares,
em especial, em relação aos cursos das universidades públicas. Nessa perspectiva é que
fui pesquisar o curso de Pedagogia da UFT, a partir da descrição dos aspectos de sua
criação e suas mudanças de currículo.
O curso fazia parte de um universo de demais outros cursos em que os dados do
INEP/2006 sobre o Estado do Tocantins demonstravam um total de trezentos e vinte
cursos de graduação, sendo duzentos e noventa e um na modalidade presencial, quatro
educação a distância e vinte e cinco tecnológicos presenciais. Desse total, cento e trinta e
dois, são cursos de Pedagogia pela contagem do INEP naquele ano.
O quantitativo de cursos de Pedagogia do Estado do Tocantins aparece em números
elevados devido à modalidade de educação a distância da Unitins que somava
isoladamente cento e dezenove cursos, incluindo as modalidades regime especial e
telepresencial, com expressivo número de vagas em oferta para cada município do
Estado. Já no caso da UFT apesar de aparecerem quatro cursos cadastrados em Palmas,
60
estes são referentes aos cursos dos demais campi: Arraias, Miracema e Tocantinópolis.
Identificados os dados dos cursos de graduação e de Pedagogia do Tocantins, procurei
identificar o número de alunos da UFT que me ajudou melhor visualizar o contexto da
realidade pesquisada.
Segundo os dados do SIE, pesquisados em 12 de julho de 2006, conforme informações
da PROGRAD/UFT 2006/1, a UFT instituição multicampi possuía oito mil, cento e
dezoito alunos distribuídos da seguinte forma: em Palmas três mil, quinhentos e oitenta e
sete; em Araguaína um mil, novecentos e oitenta e nove; em Porto Nacional um mil e
noventa e dois, em Arraias quatrocentos e setenta e quatro; em Gurupi trezentos e trinta
e cinco; em Miracema trezentos e trinta e um e em Tocantinópolis trezentos e dez
acadêmicos.
Do total geral de alunos, dois mil, cento e noventa e dois acadêmicos eram das
licenciaturas, o que correspondia a 27% do total de acadêmicos da UFT. Do total das
licenciaturas um mil, duzentos e setenta e cinco acadêmicos eram dos cursos de
Pedagogia que equivaliam 58% das licenciaturas.
O levantamento sócio-econômico cultural e étnico dos estudantes, realizado em 2004
pela CEPPIR/UFT, publicado no Relatório Final da Avaliação Institucional Interna da
UFT (2006), mostrou um perfil interessante dos alunos como informação para melhor
visualização do cenário com o qual eu estava tratando na busca de entendimento do
curso.
Nesse levantamento verifiquei que dos quatro mil quinhentos e sessenta questionários
aplicados aos alunos matriculados, 54,7% são jovens entre 19 e 24 anos, 62% pardos e
negros, 3% são indígenas, 58% são do sexo feminino, 42% do sexo masculino, 71,6 %
são solteiros, 24,6% são casados, 28% são servidores públicos, 37,7% estudam no
período noturno.
As controvérsias e contradições, avanços e retrocessos, concepções e posicionamentos
inerentes à criação do curso de Pedagogia da UFT busquei apreender nos seus
61
documentos, tais como: atas de colegiado, pareceres técnicos, resoluções e portarias da
PROGRAD e CONSEPE e nos seus dois projetos pedagógicos: 2003 e 2007.
O curso de Pedagogia no Brasil data de 1939, entretanto, desde a aprovação da LDB nº
9.394/96, configurou-se ainda mais, em um dos temas educacionais mais polêmicos a ser
regulamentado pela legislação complementar. Esse fato se explicava pela criação,
conforme o artigo 63, dos institutos superiores de educação e também do curso Normal
Superior, que causou a equivalência de perfil de egresso entre os dois cursos. A
legislação reativou a discussão da identidade do Pedagogo.
Como observam Aguiar e Melo (2005a), considerando as interpretações
diferenciadas sobre a pedagogia, as diversas identidades atribuídas ao curso de
pedagogia no Brasil abrangem desde uma concepção de licenciatura separada
do bacharelado, de corte positivista, a uma concepção de curso de estrutura
única, envolvendo a relação intrínseca entre ambos, com base num enfoque
globalizador.
Os diferentes sentidos dados historicamente à pedagogia e ao curso de
pedagogia materializados no currículo expressam, como observam essas
autoras, abordagens sobre teoria-prática, conteúdo-forma e objeto-sujeito e
reportam-se às questões epistemológicas e socioculturais que permeiam o
debate sobre a modernidade (Aguiar et al, 2006: 821).
O curso da UFT foi criado em meio à chamada crise de identidade da Pedagogia.
Encontramos um documento do colegiado (Parecer Colegiado 07/10/2002) em que este
justificava a dificuldade de entendimento sobre a natureza do curso. Na tentativa de
compreensão recorreram aos Decretos 3.276/99 e 3.554/2000, que criou em nível
nacional o curso Normal Superior, a Resolução CNE/CP 01/99 que dispõe sobre os
institutos superiores de educação e o Parecer CNE/CES 133/2001 que presta
esclarecimentos quanto à formação de professores para atuar na EI e nos AIEF em busca
de clareza conceitual da legislação sobre o perfil do Pedagogo. Para o MEC a legislação
aprovada naquele ano ratificava os princípios da política de formação de professores ao
afirmar que,
[...] as medidas contidas na Resolução CP 1/99 e no Decreto 3.276/99
promovem mudanças na formação dos professores, em especial, no que se
refere à superação da desarticulação entre a formação dos professores da
educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental e a formação dos
professores para os anos finais do ensino fundamental e para o ensino médio.
Essa desarticulação tem trazido para a formação dos alunos, prejuízos de
descontinuidade, gerando gargalos no fluxo da escolarização, representados,
principalmente pelos índices de evasão e repetência observados na transição
entre a 5ª e a 6ª séries do ensino fundamental. O acentuado fracasso
verificado na aprendizagem dos alunos da 5ª série, está relacionado à
mudança abrupta da forma de tratamento pessoal e metodológico a que são
62
submetidos no processo de escolarização. (Esclarecimento do MEC do
Decreto 3.276/99 www.mec.gov.br, nov/2005).
Para os gestores da política educacional no Estado esse fato também é sentido, uma vez
que em atendimento a reforma da educação dos anos 1990, com base na demanda do
Tocantins, em relação à formação de professores, no dia 22 de dezembro de 1999, no
DOE o governador, através do Decreto 878 de 1999, criou o CEFOPE nos moldes do
que recomendava a LDB nº 9.394/96 para os Institutos Superiores de Educação. O
CEFOPE deveria ser mantido pela Unitins, na cidade de Miracema, por um período de
quatro anos a partir do ano 2000.
Essa ação do governo estadual desencadeou o processo de implantação do curso Normal
Superior pela Unitins, com Habilitação em Magistério dos AIEF, porque se pensava que
a melhor opção para se formar professores no CEFOPE fosse esse curso, uma vez que
não se tinha definido o perfil da Pedagogia.
A partir de 2001, conforme histórico da Unitins, foi formado um grupo de professores
para então definirem a grade curricular do curso de Pedagogia. E enfatizamos a idéia de
grade porque em torno destas se efetivava o debate. Discutia-se a grade, mas não o
projeto pedagógico do curso. O ponto de partida dos estudos para composição das grades
curriculares foi a legislação recém-aprovada, e em especial, as DCN para a formação de
professores da educação básica.
Já no segundo semestre de 2001 foi implantado o curso de Pedagogia na Unitins, no
campus de Palmas. Sem projeto pedagógico, efetivamente discutido e aprovado, a
universidade ao criar o curso não se posicionou quanto à sua concepção em meio às
controversas postas, também naquela ocasião, se o curso de Pedagogia formava
especialistas ou generalistas, se se constituía num curso de bacharelado ou licenciatura.
O que registrei das atas e demais documentos da gestão da universidade nesse período
foi que o critério mais evidenciado para a criação do curso foi a definição da grade
curricular. E assim o curso foi autorizado pelo CEE/TO a funcionar.
Sobre a elaboração de grade curricular, não encontramos registros nas atas de colegiado
de 2001. Entendemos ser imprescindível como fundamentação teórica para o debate
63
crítico e propositivo, a análise de teorias de currículo e dos fundamentos da formação de
professores, além do entendimento das implicações, limitações e avanços quanto às
dimensões técnico-políticas, que incidem sobre o planejamento de um currículo de
qualquer projeto de formação profissional. Conceber o currículo como objeto de reflexão
significa,
[...] apreendê-lo como um conjunto de atividades estruturais e articuladas
(disciplinas, seminários e outros eventos científico-culturais), constituidoras
de um projeto rigoroso e coerente de investigação, de busca do sentido e da
gênese da prática social, e, por conseguinte, do mundo físico, da sociedade,
do próprio saber, do currículo, do ensinar e do aprender, e que produzem, ao
mesmo tempo, a formação dos alunos como intelectuais, cidadãos e
profissionais. Ao nos perguntarmos pela lógica de organização dos
currículos, partiremos da universidade e do ensino de graduação que temos,
procurando aprender o processo histórico de sua constituição como realidade
concreta, seus pressupostos e implicações, limites e possibilidades, em
direção à criação de uma outra universidade e de uma outra lógica, inerente à
produção dos cursos (Coelho, 1994: 44-45).
Busquei nas atas do colegiado o posicionamento sobre essas questões e encontrei a
questão trazida pelos alunos no momento em que repercutiu a recomendação do
Parágrafo Único, do artigo 67 da LDB, nº 9.394/96, ao exigir experiência docente como
pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer outras funções de magistério.
Como estes alunos estavam num curso que formava supervisores educacionais e/ou
administradores escolares reivindicavam que o colegiado se posicionasse, já que a
maioria deles não havia cursado magistério de nível médio e o curso de Pedagogia não
tinha como base a docência, conforme se identificava na grade curricular do curso de
2001.
Na falta de definição da demanda pela instituição, o encaminhamento do colegiado,
conforme as atas, foi explicar que “para que o aluno ingressasse e terminasse o curso de
Pedagogia na Unitins não lhe foi exigida nenhuma experiência docente mínima,
portanto, poderiam adquirir essa experiência ao longo do curso” (Ata de Colegiado,
2003). Sobre essa questão ressalto que a exigência da legislação referia-se a experiência
mínima de dois anos, como pré-requisito para o exercício profissional de quaisquer
funções de magistério que não fosse a docência, podendo essa experiência ser adquirida
em qualquer nível ou sistema de ensino, público ou privado. Esse pressuposto não fazia
referência ao ingresso na graduação e formação inicial, uma vez que a regulamentação
da Resolução CEB/CP 3/1997 fixava diretrizes para os novos planos de carreira e de
remuneração para o magistério.
64
Apesar de não estar evidenciado e aprovado a natureza do curso de Pedagogia pela
gestão da universidade, o colegiado elaborou um documento (Parecer Técnico de
07/10/2002) em que afirmava que o curso de Pedagogia do campus de Palmas, de acordo
com o Artigo 53 da LDB nº 9.394/96 e com base na regulamentação do MEC, através do
CNE, conforme o Parecer CNE/CP 009/2001,incluir-se-ia na categoria de carreira de
Bacharelado Acadêmico” (Ata do Colegiado, 04/11/2003), uma vez que não caberia a
convivência, numa mesma instituição de ensino, cursos com nomenclaturas diversas,
porém, tendo um deles, o de Pedagogia, entre algumas de suas finalidades, as mesmas
que caracterizaria um outro, o curso Normal Superior, que também fora implantado
nesse período.
Somente em 2003 ocorreu a primeira elaboração do projeto pedagógico do curso de
Pedagogia. Nesse seu primeiro projeto identifiquei que de acordo com Artigo 64 da LDB
nº 9.394/96, o curso deveria formar o profissional da educação, habilitado em
Supervisão Educacional ou Administração Escolar, para atuar em “instituições escolares
e não-escolares, na organização e gestão de sistemas, unidades e projetos educacionais e
na produção e difusão do conhecimento, em diversas áreas da educação, inclusive nas
áreas emergentes do campo educacional” (PPP, 2003: 10). Todavia, não trazia explicíto
nenhuma recomendação sobre a docência.
Identifiquei ainda no projeto pedagógico de 2003 que a grade curricular do curso de
Pedagogia de Palmas, respeitada a necessária diversidade no âmbito nacional, deveria
abranger,
1) um núcleo de conteúdos básicos, articuladores da relação teoria e prática;
2) tópicos de estudos de aprofundamento em que recomendava para a
habilitação Escolar, o eixo era a Teoria Geral da Administração; para a
habilitação Supervisão Educacional, a Teoria e Planejamento Curricular; e 3)
estudos complementares e optativos, além das atividades acadêmico-
científico-culturais fixadas na Resolução CNE/CP 02/2002 (PPP/Curso de
Pedagogia, Unitins, 2003: 12).
Dessa análise, o que pude identificar era que o curso de Pedagogia de Palmas, não
formava professores ou docentes para o Ensino Fundamental, habilitava profissionais
bacharéis da educação, apesar do perfil profissional do egresso ser apresentado como o
conjunto das seguintes competências, atitudes e habilidades.
65
1) a capacidade de atuar nas diversas áreas de educação escolar e não-
escolar, tendo a prática educativa como base de sua identidade profissional
articulada à experiência da docência; 2) ter compreensão ampla e consistente
do fenômeno e da prática educativos que se dão em diferentes âmbitos e
modalidades; 3) ser crítico, criativo, ético e tecnicamente capaz de contribuir
para a qualidade social; 3) compreender como se processa a construção do
conhecimento no indivíduo; 4) ser capaz de trabalhar em equipe e de
contribuir no processo de desenvolvimento do projeto político-pedagógico da
instituição em que atua, de forma a consolidar o trabalho coletivo e
democrático; 5) desempenhar um papel catalisador do processo educativo em
todas as suas dimensões, atento às relações éticas e epistemológicas que
fundamentam o fenômeno educacional; 6) ser capaz de estabelecer um
diálogo entre a sua área de formação e as demais áreas do conhecimento
científico, humanístico, artístico, pedagógico e a realidade social e cultural,
de forma a propiciar a percepção da abrangência dessas relações; 7) ser capaz
de articular ensino, pesquisa e extensão, assim como as novas tecnologias da
informação e da comunicação à prática pedagógica na produção do
conhecimento (PPP/Curso de Pedagogia, Unitins, 2003: 16).
As controvérsias que identifiquei no projeto pedagógico do curso de Pedagogia de 2003
não se restringiam tão somente ao contexto institucional especificamente, mas às
questões nacionais, que mesmo depois de aprovadas as DCN/Pedagogia em 2005 muitas
contradições continuaram evidenciadas, requerendo ser mais bem esclarecidas.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia,
consubstanciadas nos Pareceres CNE/CP nº 05/2005, 01/2006 e na Resolução
CNE/CP nº 01/2006, demarcam novo tempo e apontam para novos debates
no campo da formação do profissional da educação no curso de pedagogia,
na perspectiva de se aprofundar e consolidar sempre mais as discussões e
reflexões em torno desse campo.
Esse aprofundamento exige, no entanto, que se delineiem de forma mais
clara e precisa os contornos e as perspectivas que essa formação poderá
assumir em decorrência das diretrizes aprovadas (Aguiar et al, 2006: 828-
829).
Essas diretrizes deveriam assegurar para a sua concretização efetivas orientações que
supunham, entre outras, a formação de profissionais capazes de influir nas definições e
desenvolvimento de políticas, de atuar em todas as instâncias do sistema educacional e
de assegurar as condições necessárias à aprendizagem do aluno (ANFOPE, 2001).
No entanto, o projeto pedagógico do curso de Pedagogia deixou em aberto, sem
definição, questões como opção pela habilitação do curso dentre as duas possíveis que
não eram optativas. A posição da gestão da universidade através da sua Pró-Reitoria
Acadêmica decidiu após a criação do curso não ofertar concomitantemente as
habilitações Supervisão Educacional e Administração Escolar, justificando sua
impossibilidade devido o seu reduzido quadro docente, no momento em que já se
66
sinalizava a futura implantação da UFT e se tinha como suposto o fechamento da
Unitins.
No momento de abertura de vagas para o vestibular para o curso de Pedagogia no
campus de Palmas, na Unitins, a gestão da universidade recomendou que o colegiado
fizesse a opção pela oferta de apenas uma habilitação em função do quadro docente não
suportar a carga-horária das disciplinas das duas habilitações, ficando a Supervisão
Educacional a opção aprovada e passando a funcionar os dois cursos Pedagogia e
Normal Superior com colegiados e coordenações distintas no campus de Palmas.
O documento do colegiado (Parecer Técnico do Colegiado 21/10/2002) que justificava a
opção pela Supervisão Educacional, considerou a trajetória da política educacional no
Estado do Tocantins, em que já havia uma recomendação de submeter o cargo de
direção das escolas a um processo democrático e direto de eleições, dando abertura para
concorrer à função qualquer profissional da educação habilitado, e não tão somente o
pedagogo habilitado em Administração Escolar.
Nesse documento a justificativa sobre a decisão do colegiado em ofertar a Supervisão
Educacional “era que no Estado do Tocantins havia naquele momento um campo de
atuação bastante amplo ao Supervisor Educacional em relação ao campo de trabalho
restrito do Administrador Escolar”, uma vez que aquele “atuaria como parte de um
grupo de profissionais, realizando estudos e pesquisas, trocando experiências
profissionais, aprendendo e ensinando em atitude participativa e de trabalho coletivo e
compartilhado (Parecer Técnico do Colegiado do Curso de Pedagogia 12/05/2004).
Ainda sobre o trabalho do supervisor registrava-se que este poderia participar da
construção do plano de trabalho da Diretoria de Ensino, visando,
a) promover o fortalecimento da autonomia escolar; b) realizar processos de
avaliação institucional que permitam verificar a qualidade do ensino
oferecido pelas escolas; c) formular propostas, a partir de indicadores,
inclusive os resultantes de avaliações institucionais, para a melhoria do
processo ensino-aprendizagem; o desenvolvimento de programas de
educação continuada para o conjunto das escolas; o aprimoramento da gestão
pedagógica e administrativa, com especial atenção para a valorização dos
agentes organizacionais e para a adequada utilização dos recursos financeiros
e materiais disponíveis em cada escola, de modo a atender às necessidades
pedagógicas e aos princípios éticos que norteiam o gerenciamento das verbas
públicas; o fortalecer canais de participação da comunidade (Parecer Técnico
do Colegiado de Pedagogia 12/05/2004).
O curso funcionava no turno vespertino com aulas de segunda a sábado, e, no projeto
pedagógico do curso de Pedagogia de 2003, não se identificava no chamado perfil
67
profissiográfico a identidade do egresso, apesar de apresentar um elenco de princípios
filosóficos no sentido de que o profissional seria “reflexivo, participativo nas tomadas de
decisões, portador de um projeto de comunicação formadora, capaz de agir eticamente a
partir da demandas da realidade, capaz de conviver com diferenças e conflitos” (PPP,
2003: 14).
Implantados e funcionando os cursos de Pedagogia e Normal Superior no Campus de
Palmas, o entendimento que se tinha desses cursos entre os membros do colegiado, ao se
analisar as atas, era que o curso de Pedagogia formava técnicos em educação, o que para
os alunos soava interessante eles não terem que trabalhar em sala de aula no Ensino
Fundamental. Já o curso Normal Superior era entendido como formador de professores
para exercício do magistério com crianças. Portanto, nessa lógica um curso formava os
técnicos da educação, o outro, professores.
Apesar do dissenso no entorno da identidade do Pedagogo, os cursos sem identidade,
pelo menos em relação ao que reivindicavam os documentos das entidades e associações
representativas dos profissionais da educação (ANFOPE, ANPAE, ANPED ...),
funcionaram na Unitins sem definição de suas atuações, a não ser a discussão nos
colegiados, porém sem poder de decisão em função da falta de autonomia de gestão. Não
se observam nas atas mudanças curriculares substantivas aprovadas e implementadas
pela Reitoria ou Pró-Reitoria de Graduação da Unitins. O que não significa que essas
questões tenham sido resolvidas com a aprovação das DCN/Pedagogia.
Com a aprovação das Diretrizes, não se extinguem as polêmicas que
acompanham as discussões sobre seu caráter e a identidade do curso de
pedagogia. O enfrentamento dessas questões não é tarefa para uma ou outra
entidade, mas desafio para a área da educação, para a investigação e a
pesquisa interdisciplinares, compartilhadas a muitas mãos. Outros desafios
emergem de sua aprovação, entre eles o principal é o de caminhar na
perspectiva de construir efetivamente cursos e percursos de formação no
campo da educação e da pedagogia, para formar profissionais que atuarão na
educação básica, na formação de crianças, jovens e adultos, na gestão e
organização dos espaços escolares e na elaboração de formas criativas e
criadoras para a educação escolar e não-escolar (Aguiar et al, 2006: 836).
O curso formou sua primeira turma de Pedagogos em junho de 2006, avaliado com
conceito quatro, tendo sido referência como um dos melhores cursos de graduação do
Tocantins na avaliação do ENADE/INEP/MEC 2006, dentre os demais cursos de
Pedagogia no Estado do Tocantins. Era o único curso de graduação de licenciatura plena
dentre os demais de bacharelado do Campus de Palmas (Administração, Arquitetura e
68
Urbanismo, Ciências da Computação, Ciências Contábeis, Ciências Econômicas,
Comunicação Social, Direito, Engenharia de Alimentos, Engenharia Ambiental,
Medicina) até o ano de 2007.
Compreendi através da análise dos documentos que as polêmicas não foram mais
intensas em função de que nesse mesmo período, o movimento em prol da universidade
federal já se desencadeara e o fato do curso ainda não ter formado nenhuma turma não
repercutiu com maior ênfase o nível de insatisfação dos alunos e professores diante das
indefinições do curso de Pedagogia. Em 2003, sem diluírem essas crises identitárias dos
cursos Normal Superior e Pedagogia estes foram transferidos para a UFT.
2.2. O curso Normal Superior e as mudanças no curso de Pedagogia da UFT.
Teci alguns comentários sobre a criação do curso Normal Superior na Unitins, no
entanto inicio nesse item, apresentando aspectos que o constituíram nacionalmente para
melhor entender a sua criação na Unitins, sua transferência e justificativa de sua extinção
na UFT e a mudança causada em conseqüência destas no curso de Pedagogia da UFT.
Uma das mudanças da reforma da educação foi à aprovação da Lei nº 9.131, de 24 de
novembro, de 1995, que instituiu o CNE ao designar entre as competências das câmaras,
deliberar sobre as DCN para todos os cursos de graduação e, especificamente para a
formação de professores. Com essa ação abriu-se um vigoroso debate sobre a educação
básica, em especial, sobre a formação de professores.
O curso Normal Superior foi criado por decreto, em 1999, no contexto da reforma da
educação implementada pelo Governo Federal que também criou os Institutos
Superiores de Educação. A legislação que criou o curso apresentava-o como licenciatura
para atuação multidisciplinar na EI e nos AIEF.
Nesse período, em relação à legislação educacional houve diversas regulamentações dos
níveis e modalidades de educação, gestão, financiamento, regime de cooperação etc,
através de pareceres, resoluções, decretos que formataram uma política governamental
69
em que a presença do Governo Federal e a “MECanização da educação” Rocha (2002)
ficou muito evidente. Isto é, com a legitimação político-eleitoral e em clima de
“hiperpresidencialismo” o governo de Fernando Henrique Cardoso “transforma o Brasil
no país das reformas e o submeteu, apesar de suas peculiaridades, ao figurino do capital,
desenhado, agora, pelos organismos multilaterais, com especial destaque para o Banco
Mundial” (Silva Júnior e Sguissardi, 2001: 118).
Na historiografia da política educacional brasileira não se tinha produzido tantos
documentos com princípios e marcos regulatórios e avaliativos da educação básica a
superior como nos anos 1990. A presença de agências internacionais na educação
brasileira, a exemplo da UNESCO, foi bastante enfática demonstrando que,
[...] de um lado, estão os bancos multinacionais de desenvolvimento, como o
Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Banco Mundial (ou
Banco Internacional para a Reconstrução e o desenvolvimento, Bird). De
outro, instituições, como a Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura (UNESCO) e o Fundo das Nações Unidas para a
Infância (Unicef), que embora atuando no país há décadas se inserem no
contexto da cooperação internacional de forma mais discreta, sobretudo em
virtude da natureza dos mecanismos de colaboração estabelecidos. As
primeiras envolvem empréstimos internacionais, ao passo que as últimas
prestam cooperação técnica (Vieira, 2002: 33).
Essas ações, programas e projetos possuíam explicação em função do processo de
reestruturação e suas bases de sustentação como a técnico-científica (III Revolução
Industrial), a reestruturação econômica, social e cultural (Globalização) e a
reestruturação política (Neoliberalismo). Aliás, devido a esses fatores, a educação
tornou-se um bem econômico e que precisava adequar-se à competitividade e à
produtividade. Os vários documentos referentes às políticas educacionais, editados pelo
MEC, através do CNE, colocaram a ênfase nas concepções de competência e prática
pedagógica restritas ao saber fazer, vinculada a idéia de eficiência e eficácia.
A LDB nº 9.394/96 e o Edital nº 4/97, especificamente, chamaram a atenção das IES
para as diretrizes curriculares. Nesse período, organizaram seus programas de formação
e solicitaram que estas deveriam possibilitar a definição de diferentes perfis profissionais
para cada área de conhecimento. Assim, garantiriam a flexibilidade de cursos e carreiras,
diminuiriam o tempo de formação superior, possibilitariam a transferência de cursos, na
busca de promover a integração do ensino de graduação com a pós-graduação.
70
Na legislação educacional, da década de 1990, estava posta a idéia de flexibilização e
interdisciplinaridade, como eixos articuladores dos componentes curriculares,
compreendidos como uma proposta de organização de conteúdos, a partir da realidade
de cada instituição. Na verdade, o ideário de flexibilização está associado “[..] à
reestruturação produtiva do capitalismo global, particularmente à acumulação flexível e
à flexibilização do trabalho” (Catani, Oliveira, Dourado, 2000: 09). Associada, também,
à idéia de que somente “[..] a formação de profissionais dinâmicos e adaptáveis às
rápidas mudanças no mundo do trabalho e às demandas do mercado de trabalho poderão
responder aos problemas de emprego e de ocupação profissional” (Catani, Oliveira,
Dourado, 2000: 09).
Na flexibilização dos currículos, evidenciava-se a importância de buscar e de
permanentemente construir uma estrutura curricular, capaz de incorporar outras formas
de aprendizagem e formação presentes, na realidade social, concebendo a educação e a
pedagogia com princípios organizacionais. Por falta de debates, essa concepção não foi
esclarecida no momento da criação do curso Normal Superior. Não encontrei registro,
nas atas, dessa discussão, uma vez que o modelo de educação das agências
multinacionais que propunha o Banco Mundial, por exemplo, era um modelo
[...] essencialmente escolar e um modelo escolar com duas grandes
ausências: os professores e a pedagogia. [...] A educação passa a ser
analisada com critérios próprios do mercado e a escola é comparada uma
empresa. O ensino resume-se a um conjunto de insumos (inputs) que
intervêm na caixa preta da sala de aula, o professor sendo mais um insumo, e
a aprendizagem é vista como o resultado previsível da presença (e eventual
combinação) desses insumos. Cada insumo se valoriza em separado e é
priorizado ou não em virtude de duas questões: sua incidência sobre a
aprendizagem (segundo estudos empíricos que mostrariam tal incidência) e
seu custo. ... Os documentos de política setorial do BM, em geral, deixam
transparecer uma compreensão e um conhecimento insuficiente do educativo,
da teoria e da pesquisa acumuladas neste campo e inclusive da sua
terminologia específica (Torres, 1998: 139-140).
Sem repercussão das decisões da gestão da Unitins e em meio ao debate sobre formação
de professores, o curso Normal Superior também foi implantado com grade curricular,
mas sem discussão de currículo. Seu projeto pedagógico foi sistematizado em 2003. Por
outro prisma, isto nos propiciou refletir que o currículo tem se constituído como
significativa proposta utilizada por diferentes sociedades, para desenvolver os processos
de conservação, transformação e renovação dos conhecimentos historicamente
71
acumulados, bem como dos valores tidos como desejáveis. O currículo não se restringe
apenas a grade. Ao contrário,
[...] deve ser concebido como uma realidade articulada, na qual se busque,
além da produção do conhecimento, o desenvolvimento de habilidades
básicas e específicas e de atitudes formativas, de análise crítica e
compreensão profunda da atuação do discente como futuro profissional e
como membro participante da sociedade (Rocha, 2002: 14).
A discussão em torno do currículo assume cada vez mais lugar de destaque no
conhecimento pedagógico, ainda que se considere que não é apenas por falta de
formulações teóricas que os problemas da formação dos profissionais da educação não
têm recebido o devido encaminhamento. O curso Normal Superior foi implantado sem
considerar esse pressuposto - atendendo tão somente à lógica de mudanças da gestão da
Unitins, já que se discutia, naquele momento, que a universidade estadual seria
federalizada, e a formação de professores, entregue à SEDUC, mantenedora do
CEFOPE. O curso de Pedagogia seria fechado.
A federalização da Unitins não aconteceu, o CEFOPE não se consolidou, a UFT foi
criada e o curso Normal Superior foi transferido também para a UFT, apesar de
nenhuma das IFES terem implantado esse curso. Além desse fato, os históricos temas
controversos da formação de professores, refletidos nos eventos sobre Didática e Prática
de Ensino, nas reuniões de pesquisas da ANPED e no âmbito da reflexão sobre a
identidade do pedagogo, não foram também discutidos no momento de adesão ao curso
Normal Superior. Não há registros nas atas de cursos sobre esse fato.
No embate das associações, sindicatos e entidades representativas dos profissionais da
educação, com o governo federal, no ato de criação do curso Normal Superior, afirmava-
se que ele, o curso Normal Superior, cumpriria a determinação dos princípios propostos
na reforma da educação básica dos anos 1990. Por essa razão, o curso privilegiava a
formação por habilidades e competências, e dava ênfase à aprendizagem, de acordo com
os parâmetros e diretrizes curriculares nacionais do chamado currículo nacional.
Representaria, ainda, uma grave e inaceitável ruptura no princípio da indissociabilidade
entre o ensino a pesquisa e a extensão, ao fazer
[...] dos cursos normais superiores o formato exclusivo de preparação para a
docência na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental, o
72
referido decreto exclui a possibilidade aberta pela própria LDB, em seu
artigo 62, de que tal formação se faça tamm em curso de licenciatura, de
graduação plena, nas universidades (ANFOPE, 2001).
Segundo Rocha (2002), o FORUMDIR foi uma das instâncias que se recusou a aceitar
os pressupostos da reforma do governo federal para a formação de professores,
apresentados pelo curso Normal Superior. O fórum defendia, também, que o curso de
Pedagogia, historicamente desde sua criação, já formava professores para a educação
básica, com base na docência e na pesquisa educacional, com ênfases diversas de
habilitação e terminalidades e que sua natureza acadêmica dependeria da opção da
universidade, no momento da construção de seu projeto pedagógico.
O processo de transição dos cursos da Unitins para UFT gerou decisões administrativo-
pedagógicas. Uma das primeiras ações da PROGRAD/UFT foi solicitar a readequação e
atualização dos projetos de cursos para cadastro de todos eles no sistema federal do
MEC. Em seguida, por meio do Ofício 18/2003, essa pró-reitoria convocou os docentes
para discussão do “futuro dos cursos Normal Superior e Pedagogia” (Ata do Colegiado
04/11/2003): já se constatava que o edital de transferência interna e externa da
Universidade tinha gerado “evasão do curso Normal Superior, transferência para outros
cursos inclusive para o curso de Pedagogia” (Ata do Colegiado 04/11/2003).
Criada a UFT, o debate, agora mais promissor, por causa da autonomia dos colegiados,
em face dos órgãos superiores da Universidade já instalados e do poder de decisão dos
professores, resultado da “estabilidade” outorgada pelo concurso público, levou à
criação de comissão, grupos de estudos e discussões sobre os cursos que formavam
professores na UFT.
O encaminhamento da UFT para mudanças nos cursos de graduação seu deu por
intermédio do documento chamado “Referenciais para Revisão e Elaboração de Projetos
Pedagógicos e Currículos dos Cursos de Graduação no âmbito da UFT”. Esse
documento definiu princípios, parâmetros de organização do currículo, elementos
mínimos constitutivos do projeto pedagógico, manual de estágio e prática, atividades
científico-acadêmicas e culturais, ementário, laboratórios, manual de biossegurança.
Além disso, a PROGRAD solicitou que, até final do ano de 2004, os cursos deveriam
encaminhar ao CONSEPE seus projetos pedagógicos para discussão e aprovação.
73
Em meio a essas mudanças, os colegiados dos cursos de Pedagogia e Normal Superior
iniciaram trabalho conjunto. A partir daí, as reuniões foram unificadas e uma agenda de
trabalho aprovada. Essa agenda propunha discutir, com um grupo de profissionais da
PROGRAD, com todos os coordenadores de cursos de Pedagogia e Normal Superior dos
campi de Arraias, Palmas, Miracema e Tocantinópolis e representantes discentes, o
currículo modular, a concepção de prática, avaliação, o trabalho de conclusão de curso,
as linhas de pesquisa. Culminando esse processo, a última reunião do colegiado, no
semestre, dia 16 de junho de 2004, trouxe, como ponto de pauta, a “extinção” do curso
Normal Superior e a reformulação do curso de Pedagogia.
A reformulação do curso Pedagogia seria de base disciplinar. Por essa razão, os
colegiados dos cursos escolheram, das duas matrizes curriculares dos cursos Normal
Superior e Pedagogia, um catálogo de disciplinas comuns aos dois cursos, que
contemplasse a concepção de docência, com base no que propunha, em especial, o
FORUMDIR e a ANFOPE.
De acordo com essa reformulação, a natureza do curso de Pedagogia ficou caracterizada
da seguinte forma: três mil e duzentas horas, sistema de créditos e regime semestral,
disciplinas sem pré-requisitos, exceção feita àquelas referentes à Investigação da Prática
e Estágio, o que resultou em um curso de Pedagogia com base na docência dos AIEF e
terminalidade em Supervisão Educacional. Em face desse novo quadro, os alunos do
curso Normal Superior foram contemplados com o direito a transferência, por adesão,
para o curso de Pedagogia. Além disso, poderiam optar por concluir o curso Normal
Superior.
A cultura institucional das universidades federais fortaleceu o debate sobre a extinção do
curso Normal Superior e a defesa do curso de Pedagogia na UFT: nenhuma universidade
federal ofertava o curso Normal Superior. O movimento dos profissionais da educação,
por meio dos sindicatos e entidades representativas, “barrou” o projeto do Governo
Fernando Henrique para a educação. Esse projeto criou os Institutos Superiores e o curso
Normal Superior por decreto, mas a universidade federal, por intermédio de suas
faculdades/centros de educação, não implantaram o curso Normal Superior. A UFT,
portanto, foi “[...] a única IFES a ofertar esse curso” (Ata do Colegiado 18/02/2004).
No processo de extinção do curso Normal Superior, “[...] os alunos pretendiam somente
a mudança de nomenclatura do curso”. O colegiado, por sua vez, propunha “[...] sua
74
reformulação curricular no sentido de ser construído como Pedagogia” (Ata do
Colegiado nº 04/2004 de 19/04/2004). A própria nomenclatura do curso havia se
desgastado, pois fazia referência ao curso Normal em nível médio, experiência não
fortalecida pela legislação educacional dos anos 1990.
A partir da extinção do curso Normal Superior (Ata do Colegiado 04/11/2003), foi
extinta a coordenação desse curso, os professores do colegiado foram lotados no
colegiado do curso de Pedagogia, a PROGRAD ficou responsável pela
operacionalização acadêmica da migração dos alunos. O colegiado dobrou a oferta de
vagas de uma mesma disciplina para suportar a demanda de alunos, superior a oitenta
pretendentes. À coordenação de curso, coube realizar o aproveitamento de disciplinas
equivalentes. O impacto dessas mudanças foi sentido a partir do 5º semestre, criando a
preocupação de não atrasar o percurso do aluno e o término do curso (Ata do Colegiado
26/05/2004).
Não considero que rearranjos constituam mudanças curriculares efetivas, mesmo
considerando o debate realizado. Uma mudança curricular vai além do confronto de duas
matrizes curriculares e da escolha de componentes para a constituição de um novo
currículo. Essas duas ações não asseguram marcos conceituais de mundo, sociedade e
educação. O currículo não é apenas um plano padronizado de estudos, elaborado
isoladamente. Implicam conhecer a história das disciplinas, as exigências
contemporâneas do ensinar e aprender, a cotidianidade, a organização do currículo como
projeto formativo, para além de um conjunto de matérias, conteúdos, cargas-horárias,
tempos e espaços de profissionalidades. Mais do que teorizar o currículo
contemporâneo, queremos, com ele e a partir dele, analisá-lo eticamente,
responsabilizando-nos pelos quereres, fazeres e dizeres.
Um currículo é o que dizemos e fazemos [...] com ele, por ele, nele. É nosso
passado que veio, o presente que é nosso problema e limite, e o futuro que
queremos mudado. É a compreensão de nossa temporalidade e espaço. Um
“espectro”, que remete a todos os nossos outros, e exprime nossa sujeição ao
“Outro” da linguagem. Um currículo é a precariedade dos seres multifacéticos
e polimorfos que somos. Nossa própria linguagem contemporânea, que
constitui uma pletora de “eus” e de “não-eus”, que falam e são silenciados em
um currículo (Corazza, 2001: 14).
75
As idas e vindas no curso de Pedagogia me permitiu uma analogia com o Frankenstein
9
:
essas mudanças na grade curricular, feitas apenas com adição ou subtração de
disciplinas, justapondo-as ou aglutinando-as, não garantem uma transformação efetiva
de currículo. A contemporaneidade nos permite olhar a realidade por vários prismas.
Uma dessas facetas ela nos possibilita entender o cotidiano a partir de suas simulações,
representações e metáforas. Refletir a “pedagogia frankenstein” foi um convite ao debate
sobre a fragmentação, a compartimentação, os recortes e colagens superficiais que foram
feitos no currículo de Pedagogia da UFT.
Quando comparei as adequações curriculares ao monstro, pretendi suscitar o debate de
que ambos formam um costurado de concepções ou órgãos em si excelentes, porém que
não se pertencem, não são finalmente dimensionados uns para os outros, como seriam,
caso tivessem se desenvolvido organicamente, a partir de um núcleo gerativo coletivo e
de base epistêmico-social. Assim, entendo no que resultou a matriz curricular do curso
de Pedagogia, ao fazer opção por agregar uma mistura de disciplinas escolhidas entre as
grades do curso Normal Superior e da de Pedagogia, que possuíam, respectivamente,
uma o formato de licenciatura, e a outra, o de bacharelado.
Na matriz curricular resultante dessa bricolagem, aparecem disciplinas de ambos os
cursos, com a justificativa da Comissão de Professores que propuseram a reformulação.
De acordo com essa justificativa as disciplinas escolhidas dariam base à docência para
os AIEF e para a Supervisão Educacional.
Nessas mudanças de grades que resultaram na fusão das duas em uma outra grade
rearranjada, não identifiquei o debate sobre as tecnologias digitais no projeto
pedagógico, a não ser a criação de uma disciplina chamada “Novas Tecnologias e
Educação”. A reestruturação do curso de Pedagogia constituiu-se numa aglutinação de
componentes curriculares, em que se incluiu a chamada base da docência, alocando
disciplinas chamadas pedagógicas, de investigação e de projetos da prática educacional,
9
A história Frankenstein gira em torno de um cientista que é obcecado com a ambição de criar vida
artificialmente. Rouba cadáveres dos cemitérios para completar a sua criatura. Na procura por um cérebro,
o cientista vai até a faculdade de medicina e erradamente utiliza o cérebro de um criminoso em vez de um
normal, dando uma personalidade agressiva ao monstro e assim dá vida a uma criatura inanimada, o
monstro de Frankenstein.
76
em uma proposta estendida de investigação e estágio desde o início do curso, reduzindo
o currículo a disciplinarização especializada do conhecimento. O currículo, portanto, é
reduzido
[...] a verdadeiras “colchas de retalhos”, a uma enorme variedade de
conteúdos no mesmo curso e com a mesma significação, a um “amontoado”
de disciplinas ministradas semestralmente e em si mesmas, uma ao lado ou
depois da outra, sem maiores ligações a não ser da contabilidade burocrática
e da hierarquia definida por uma rígida cadeia de pré-requisitos e co-
requisitos. Em nome da especialização, do avanço da ciência no mundo
moderno, da qualidade do ensino, algumas disciplinas chegam a ser
ministradas por dez professores, cada um lecionando um tópico do programa
para todas as turmas, num sistema de rodízio. E assim o professor “passa”
pela classe e pela vida dos alunos, durante uma ou duas semanas, no máximo
durante quatro meses, geralmente sem deixar vestígios, sem contribuir
efetivamente para o processo de sua formação (Coelho, 1994: 14).
Essa grade implicou que, no vestibular de 2004, não houvesse vagas para o curso
Normal Superior, e a vigência do curso de Pedagogia com a matriz readequada iniciou
no segundo semestre de 2004. Uma outra mudança foi em relação ao funcionamento do
curso que passou do período vespertino para ser ofertado no período noturno, com a
justificativa de contemplar a possibilidade de acesso do aluno trabalhador da educação.
A reestruturação do curso de Pedagogia da UFT teve conseqüências para os alunos
concluintes: foi ofertado um programa de complementação de formação pedagógica,
contendo inclusive estágio para os egressos, visto que a matriz do curso de Pedagogia
anterior à reformulação não contemplava a docência para os AIEF. Por isso, ficou
decidido que estes alunos teriam o mesmo direito daqueles que estavam ainda em curso
e que não seria concebível a formação desigual em um mesmo curso e Universidade.
O debate sobre a extinção, criação ou descaso de um curso sugere questões e
encaminhamentos da condição profissional, no contexto em que essas decisões são
tomadas. No Estado do Tocantins
10
a formação de professores foi uma exigência legal,
nesse período, quando analisei os indicadores educacionais.
Na capital Palmas, em se tratando de formação de professores, verificou-se que até 1999,
segundo Pinho (2007), não existiam cursos de licenciaturas oferecidos pela única
10
Os dados de 2002 da SEDUC do Censo Escolar demonstraram uma rede estadual de escolas que
totalizava quinhentos e sessenta e sete estabelecimentos escolares, a rede municipal com um mil e
setecentos e quarenta escolas, a rede particular contava com cento e quarenta e nove e a rede federal com
uma escola. Nas escolas do Tocantins, em 2001, estavam matriculados quatrocentos e sete mil, duzentos e
sessenta e dois alunos.
77
universidade pública, a Unitins. A licenciatura foi implantada em 2001, apesar da
existência de cursos de licenciaturas na instituição particular, a partir de 1993 com a
instalação do CEULP/ULBRA. O Estado do Tocantins iniciou a década de 1990 com um
expressivo quantitativo de professores leigos ou não-habilitados.
Os dados da SEDUC, do Censo Escolar, computavam em 2002 um total de doze mil
cento e noventa professores. No período de 1996 a 2002, os percentuais indicavam que
passou de 1,6% para 8,8% os professores do Tocantins com formação na educação
superior em cursos de licenciatura, o que demonstrava que um curso de formação de
professores numa universidade pública tinha responsabilidade e repercussão social
importantes a serem pesquisados.
Com índices altos de professores não-habilitados, em 1998, iniciaram os projetos de
formação de professores no Estado do Tocantins (Pinho, 2007). O primeiro deles
chamava-se Programa de Graduação em Regime Especial
11
, resultante de um convênio
da Unitins e SEDUC. Os cursos oferecidos concentrados e intensivos nos meses de
férias escolares, distribuídos nos diversos municípios foram: licenciatura em Matemática
em Dianópolis, Guaraí, Miracema, Gurupi e Palmas; Letras em Guaraí, Paraíso, Porto
Nacional e Tocantinópolis; Biologia, História e Geografia em Porto Nacional; Pedagogia
em Araguaína, Araguatins, Arraias, Dianópolis, Miracema, Palmas e Colinas.
A partir desse pressuposto, pesquisei os conteúdos, as concepções e práticas de um
curso, porque acredito ser importante o entendimento desse cenário, considerando ainda
o que a pesquisa sobre as políticas de formação de professores no Tocantins tem
concluído. Os dados são preocupantes se considerarmos o quantitativo de ações
implementadas pelo estado para a formação docente. Observei que essas ações de
Governo do Estado, por meio de cursos superiores e programas de formação, têm
habilitado o professor, mas não profissionalizado, o que demonstra a dissociação entre a
formação e a profissionalização.
Habilitam o professor, mas, se ele não é concursado, o político pode tirá-lo do
emprego.
11
O Estado do Tocantins implantou outros programas de formação de professores como foi o caso, em
2001, do Programa Especial de Formação Pedagógica para Bacharéis e/ou Tecnólogos para as disciplinas
de Matemática, Química, Física e Biologia. Dessas ações, programas e projetos a qualidade dos cursos foi,
sem dúvida, a característica mais debatida.
78
Habilitam o professor, mas, o governo revoga a Lei nº 351/92, que tratou do
Estatuto do Magistério, da progressão funcional, causando vários danos à
categoria, além de alijar a participação do movimento sindical no processo.
Habilitam o professor, mas, não adotam a progressão funcional automática. O
professor já concursado em nível médio, após adquirir sua habilitação em
nível superior com licenciatura, continua recebendo o mesmo salário, caso
não seja aprovado no concurso público para o nível superior.
Habilitam o professor com o discurso da urgência, mas não têm urgência na
garantia do plano de carreira dos profissionais da educação. No Estado do
Tocantins, até o início do ano de 2004, os municípios não possuíam seu plano
de carreira, e na rede estadual existiam duas propostas, uma do sindicato e
outra da Secretaria de Educação, a serem ainda encaminhadas ao poder
legislativo para apreciação e votação.
Habilitam o professor, mas não respeitam sua área de formação. É o caso já
citado de um professor formado em História lecionando Matemática.
Habilitam o professor, mas não viabilizam a participação concreta dos
profissionais da educação, das associações, do sindicato e de outros
segmentos da base da comunidade escolar nas formulações, implementações e
decisões das políticas educacionais.
Habilitam o professor, mas não propiciam condições de trabalho dignas no
exercício do magistério (Pinho, 2007: 143-144).
Os problemas na formação de professores não se restringem a um sistema de ensino
específico, ou a um curso de graduação. No Tocantins, no entanto, seja em nível
estadual, seja em nível municipal, há carência de políticas públicas para enfretamento
dos baixos índices de qualidade da educação sica, o que me leva a refletir sobre uma
possível atitude refratária da educação superior relativamente à educação básica, mesmo
sendo responsável direta pela melhoria da qualidade da rede de educação dos sistemas.
A UFT, ao assumir os cursos de graduação da Unitins, promover a reestruturação dos
cursos e a readequação ao sistema federal, contou com um momento importante de
debate, para analisar a qualidade do ensino da graduação.
2.3. Reestruturação curricular do curso de Pedagogia da UFT.
As marcas da consolidação da UFT, enfocadas no primeiro capítulo, demonstraram a
repercussão sentida nos seus cursos de graduação, tanto de bacharelado quanto nos de
formação de professores. Essas mudanças institucionais e de cultura organizacional do
sistema estadual para o federal influenciaram, inevitavelmente, as reestruturações do
curso de Pedagogia da UFT.
O cadastro dos cursos de graduação da UFT no Sistema Federal de Educação trouxe
consigo algumas exigências, como, por exemplo, a necessidade de conformar-se aos
79
parâmetros acadêmicos, na busca de um padrão unitário de qualidade, próprio do
referido sistema (PROGRAD/UFT, 2003). Isto implicou, entre outras mudanças, a
reestruturação dos projetos pedagógicos, então construídos no âmbito da Unitins. Os
quatro cursos de Pedagogia da UFT foram os primeiros a serem chamados à mudança
em 2006, em função do debate permanente no seu colegiado sobre seu projeto de
formação, pela natureza de curso de licenciatura.
Todos os demais cursos, no entanto, foram também chamados a se reestruturarem. A
recomendação da PROGRAD/UFT (2003) era para que o processo de mudança dos
cursos fosse desenvolvido em duas etapas: a primeira implicava realizar uma adequação
didático-curricular nos cursos em desenvolvimento, visto que a universidade não poderia
ferir direitos já garantidos pela legislação educacional; a segunda, uma discussão da
natureza e especificidade dos cursos de graduação. Isso significava que, para além das
demandas de caráter meramente mercadológico, precisava definir o perfil do profissional
que se almejava formar no contexto de uma sociedade marcadamente injusta e desigual.
Desde as primeiras mudanças curriculares implementadas, a preocupação se concentrou
em não atrasar os percursos dos alunos que estavam integralizando seus currículos, com
acréscimos de disciplinas e semestres letivos. Procedimento que se tornou inevitável,
tanto para os alunos do curso de Pedagogia, quanto para os remanescentes do curso
Normal Superior, em função de diferenças de concepção e matrizes curriculares.
A mudança no curso de Pedagogia baseou-se na seleção dos chamados conhecimentos
pedagógicos, no intuito de ampliar a compreensão e atuação dos egressos como
pedagogos e docentes. A Comissão de Professores, designada pela PROGRAD/UFT,
definiu “[...] um conjunto de disciplinas básicas e suas respectivas cargas-horárias da
área pedagógica que compuseram o chamado currículo profissional” (Ata de Colegiado,
16/03/2005), com a justificativa de que “os conhecimentos e experiências adquiridos
pelos alunos seriam fundamentais para a construção básica da identidade do pedagogo e
a assunção da profissionalidade docente” (Ata de Colegiado, 16/03/2005), conforme já
referimos anteriormente.
A reestruturação do curso de Pedagogia da UFT manteve sua base na formação do
“professor multidisciplinar”, unidocente: o licenciado para a docência nos AIEF, ao
assumir uma turma de alunos, deveria trabalhar os conteúdos da Língua Portuguesa,
80
Matemática, Ciências Naturais, Geografia, História. Além disso, ele estaria habilitado,
também, em uma terminalidade: a Supervisão Educacional.
A Comissão de Professores dissolveu-se depois do rearranjo curricular aprovado,
desatenta ao que a legislação educacional destacava ao afirmar que
[...] nas licenciaturas em educação infantil e anos iniciais do ensino
fundamental deverão preponderar os tempos dedicados à constituição de
conhecimento sobre os objetos de ensino e nas demais licenciaturas o tempo
dedicado às dimensões pedagógicas não deveria será inferior à quinta parte
da carga horária total (Resolução 1/2002, Artigo 11 Parágrafo Único).
O curso de Pedagogia, mesmo depois dessa mudança, não ficou organizado
curricularmente, conforme indicava a legislação, asseguradora de que “[...] a alocação de
tempos e espaços curriculares se expressam em eixos em torno dos quais se articulam as
dimensões a serem contempladas” (Resolução 1/2002, Artigo 11). E em abril de 2004,
foi deflagrado, pela PROGRAD/UFT, o processo de estudos e reformulação das
matrizes curriculares dos cursos de Formação de Professores para os AIEF.
Nas reuniões de trabalho, foi elaborada uma agenda em torno da qual todos os
coordenadores dos campi que ofertavam os cursos de Pedagogia (Arraias, Miracema,
Palmas, Tocantinópolis), além de docentes e discentes e envolvendo até a comunidade
em alguns campi, foram apresentadas, debatidas, recusadas várias propostas e aprovada
as sistematizações das convergências. Cumprida essa etapa, foram eleitos relatores-
conselheiros para apresentarem parecer sobre a proposta de reformulação dos cursos de
Pedagogia, no âmbito dos órgãos superiores da UFT, para aprovação.
No momento em que se iniciaram as novas mudanças nos cursos de Pedagogia, ainda não
tinham sido aprovadas, pelo MEC/CNE, as diretrizes curriculares específicas para este
curso. O que regulamentava o curso, além da LDB nº 9.394/96, era a legislação vigente
(Parecer CNE/CP 9/2001, Parecer CNE/CP 21/2001, Parecer CNE/CP 27/2001, Parecer
CNE/CP 28/2001, Resolução CNE/CP nº 01 de 18 de fevereiro de 2002, que institui
diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da educação básica, em
nível superior, cursos de licenciatura, de graduação plena, Resolução CNE/CP nº 02 de 19
de fevereiro de 2002, que institui a duração e carga horária dos cursos de licenciatura, de
81
graduação plena, de formação de professores da educação básica em nível superior) e o
Documento Norteador para Comissões de Autorização e Reconhecimento de Curso de
Pedagogia – MEC/CEEP/CEEFP/2001.
O documento do colegiado do curso de Pedagogia, debatido no CONSEPE (Parecer Técnico
09/07/2004), apresentava, como referencial para a mudança, quatro itens: 1) Quanto à
epistemologia: o curso é de Pedagogia; 2) Natureza da carreira em Licenciatura com Base na
Docência dos AIEF; 3) Terminalidade em Supervisão Educacional na Educação Formal e
Não-Formal e 4) A carga horária mínima de integralização curricular de 3.200 horas,
distribuídas em, no mínimo, 4 anos e no máximo 7 anos, cada ano cumprindo 200 dias
letivos e 40 semanas.
Nessa discussão da mudança apareceram, nas atas do colegiado, propostas em torno de
concepções emergentes, como organização do currículo por eixos, pedagogia social etc.
Entretanto, o colegiado, apesar de manifestar-se favorável à organização do currículo por
eixos, em razão do momento de consolidação da UFT em que todos estavam imersos,
preferiram não participar da discussão naquele momento, reafirmando o interesse a
posteriori, visto que a forma de organização clássica e/ou tradicional do currículo por
disciplinas não trazia uma mudança na configuração do quadro de professores e mudanças
de culturas, práticas, ideologias, formação e posturas, como entenderam que a nova
proposição traria, em meio a um longo processo de discussão e até da necessidade de
formação continuada para os docentes (Parecer Técnico do Colegiado 09/07/2004).
O colegiado entendeu, ainda, que o mais importante naquele momento era a autorização e
reconhecimento dos cursos. Essas idas e vindas de concepção demonstraram o quanto um
currículo é
[...] resultante de discursividades diferentes, de intencionalidades diversas, de
representações várias, nem sempre mostra, na superfície, tudo o que pode
mostrar ou significar, em termos de conseqüências que pode produzir.
Currículo é lugar de representação simbólica, transgressão, jogo de poder
multicultural, lugar de escolhas, inclusões e exclusões, produto de uma lógica
explícita muitas vezes e, outras, resultado de uma “lógica clandestina”, que
nem sempre é a expressão da vontade de um sujeito, mas imposição do
próprio ato discursivo (Berticelli, 1999: 160).
As várias propostas apresentadas e debatidas no colegiado levaram à aprovação, também, da
modalidade de currículo integrado, entendendo que esta rompia com a fragmentação da
produção do conhecimento, de certa forma propiciada pelas disciplinas, mas que, num
primeiro passo de reestruturação, não teria condições de caminharem na perspectiva da
interdisciplinaridade ou do currículo integrado.
82
O planejamento de um currículo integrado implica a realização de projetos curriculares, que
“[...] obrigam a não deixar de colocar reflexões e buscar argumentos em torno das razões
que nos fazem optar por tal modalidade, bem como a analisar a coerência com os planos
elaborados e seu desenvolvimento na ação concreta” (Santomé, 1998: 187).
Essa experiência sobre um curso levou-me a pensar que o currículo trata de objetivos
amplos, como a formação política do aluno. O currículo deve possibilitar que este conclua
seu curso consciente, ao menos, de sua inserção em uma determinada sociedade, que
compreenda as peculiaridades sócio-culturais, políticas e econômicas de seu meio social.
O entendimento de um curso parte da clareza conceitual que se tem dos pressupostos
políticos, sociais, ideológicos que perpassam a prática educativa, assim como o
entendimento das pressões sociais. Muito se tem avançado no campo do currículo sobre as
práticas curriculares, todavia, a compreensão da concepção de currículo, de forma ampliada,
com definição do ponto de chegada de professores e alunos, além do significado que
possuem as ações escolares e acadêmicas, no processo de construção do ensinar e do
aprender, é fundamental. Com efeito, a existência de um currículo,
[...] sua permanência ou transformação é, acima de tudo, uma questão
acadêmica e, apenas secundariamente, uma questão legal e burocrática de
mudança do elenco das disciplinas, dos créditos e dos pré-requisitos de cada
uma ou do regime acadêmico (credito ou seriado). Não sendo um ato
instantâneo, mas um processo, não se confundindo com a aprovação de uma
nova resolução curricular, a reforma de um currículo não é algo que possa
ocorrer de um dia para o outro. Impossível fazê-la de cima para baixo, de
fora para dentro do curso, pois supõe necessariamente mudanças de
concepções, de objetivos, de posturas, de práticas, por parte dos professores e
alunos (Coelho, 1994: 20).
Neste capitulo tratei das mudanças, readequações, reestruturações pelas quais passou o curso
de Pedagogia da UFT, implicadas pela política educacional e pelas mudanças oriundas do
seu contexto institucional. No capitulo a seguir, abordarei as concepções referencias do
curso de Pedagogia na busca de compreender a concepção, o sentido das tecnologias digitais
no curso e no currículo do curso de Pedagogia da UFT.
83
CAPÍTULO III
3. CONCEPÇÕES REFERENCIAIS DO
CURSO DE PEDAGOGIA.
Este capítulo analisa as concepções que se constituíram referenciais nacionais do curso
de Pedagogia, fixadas pelos pareceres e pela resolução que definiram as diretrizes
curriculares desse curso. Dois objetivos norteiam esta tarefa: identificar e explicitar a
idéia de tecnologias vinculadas a esses parâmetros oficiais, objeto de debates e estudos
que culminaram com a aprovação, pelo MEC/CNE, da legislação para os cursos de
Pedagogia em nível nacional, e compreender a concepção e sentido das tecnologias
digitais nos dois projetos pedagógicos do curso de Pedagogia da UFT.
O curso de Pedagogia, no Brasil, ao longo de sua história, esteve envolvido em debates
ora consensuais, ora divergentes, em relação à identidade do pedagogo. Essa alternância
na natureza desses debates resultou das regulamentações pelas quais passou o curso de
formação de professores, bem como das reformas educacionais. Até os anos 1990,
contabilizávamos, na história da educação brasileira, doze reformas educacionais
(Rocha, 2002), regulamentações que impactaram tanto os formatos dos cursos de
Pedagogia quanto os modelos de formação dos demais professores para a educação
básica.
As controvérsias e contradições acerca da Pedagogia fundamentam-se na distinção entre
Pedagogia como “curso de graduação” e Pedagogia como idéia de “formação humana
universal”, no sentido grego de Paidéia. Embora distintas, essas compreensões do que
seja Pedagogia não são excludentes, mas complementares. Mesmo assim, não podemos
ignorar que cada uma delas resulta de um determinado contexto sócio-histórico e, por
isso, possuem especificidades distintas.
Ghiraldelli (2002) elaborou categorias de análises, como designação grega de
Paidagogia (o condutor de crianças), que sustentaram o conceito de Pedagogia como
curso. Provocou debates epistemológicos envolvendo os conceitos de pedagogia, utopia,
84
filosofia, ciência, infância, didática, sob a influência das concepções de autores como
Rousseau, Walter Benjamin, Durkheim, Herbart, Dewey. Além disso, discutiu acerca da
estruturação da pedagogia moderna como curso de formação de professores no século
XX. Essas discussões e as idéias resultantes influenciaram a elaboração do projeto do
curso de Pedagogia da UFT.
Os debates sobre o curso de Pedagogia sofreram a influência de duas diferentes
concepções de mundo: a pedagogia do Ocidente e a pedagogia do Leste. Sob a
influência da primeira, foi marcante o ativismo pedagógico, baseado na pedagogia
deweyana, pedagogias religiosas, metafísicas ou românticas. Já a pedagogia do Leste,
voltada para a estatização da arte de ensinar, deixou suas marcas na forma de uma
pedagogia utópica. Os estudos sobre currículo e as teorias psicológicas também
influenciaram a Pedagogia. Na atualidade, entretanto, o debate tem ocorrido no entorno
da Pedagogia como ciência da educação (Franco, 2003):
A Pedagogia tem sido alvo de muitos estudos que procuram estabelecer de
uma forma mais clara seus estatutos científicos que vêm colocá-la não mais
em meio às ciências da Educação, mas como Ciência da Educação, cuja
epistemologia reside na ciência da prática social do fenômeno educativo
(Zorzo, Silva, Polenz, 2004: 12).
Os estudos da Pedagogia como ciência, em suas diversas configurações, remetem aos
primeiros tratados de pedagogia do início do século XX, os quais pretendiam reafirmar a
pedagogia como ciência da práxis educativa, aberta às demandas e possibilidades da
sociedade, a partir do seguinte questionamento: “qual deve ser o objetivo neural da ação
pedagógica, seu irredutível epistemológico” (Franco, 2003: 71).
A contradição entre ser a Pedagogia ciência da educação ou não, não se dissolve por
meio de conceitos, nem de vontade política. Por isso, busquei enfatizar mais as
perguntas do que as respostas, por entender que aquelas me ajudam a refletir sobre a
educação como fenômeno social, enquanto estas encaminham ao esgotamento dos
debates e, conseqüentemente, ao empobrecimento das idéias. Entre as perguntas que se
colocam, destacam-se:
Se não é a pedagogia, como ciência da educação, a condutora e a
operacionalizadora desse movimento de formação de professores reflexivos,
qual outra ciência pode assumir esse papel? E ainda pergunto: diante dos
enormes problemas da complexidade da prática educativa, qual outra
alternativa a se tomar senão a proposta dessa nova racionalidade crítico-
85
reflexiva em relação à formação de professores? E como transformar essa
proposta em projeto educacional? Quem poderá assumir a condução desse
projeto senão a pedagogia? (Franco, 2003: 18).
Mesmo assim, para que eu possa dar continuidade a minha argumentação, se faz
necessário que me posicione: a Pedagogia é uma ciência, seu objeto de estudo é a
educação. Por isso, “a dimensão da educação que será o objeto da pedagogia como
ciência será a práxis educativa. A práxis da educação será assim apreendida como a
realidade pedagógica” (Franco, 2003: 78).
Existem divergências sobre a definição da tendência chamada “ciência da educação”.
Pimenta publicou, em 1996, Pedagogia, ciência da educação? Em 1998, Libâneo
escreveu Pedagogia e pedagogos, para quê?. Esses questionamentos suscitaram
questões fundamentais como: “O que pode e deve ser hoje a pedagogia? A que
necessidades sociais ela deve responder? A que específico objeto deve focar sua ação?
De que métodos de investigação precisará se utilizar, para tornar permanente sua ação,
no sentido de concretizar seu papel social?” (Franco, 2003: 15-16).
As reflexões em torno da Pedagogia descrevem-na como um campo de conhecimento
específico da práxis educativa e qualificam-na como ação que ocorre na sociedade,
embora de modo diferente das demais áreas de conhecimento, que não tem a educação
como objeto de estudo. A Sociologia, a História, a Filosofia, a Psicologia, por exemplo,
quando abordam a educação, constituem-se seus fundamentos, mas não possuem, em
suas matrizes de estudos, a Pedagogia, como ocorre com a Didática, a História das Idéias
Pedagógicas, a Teoria do Currículo. Por outro lado, a Física, a Matemática, a Geografia,
a História, as Ciências, as Letras constituem-se também estudos dos fundamentos dos
métodos do ensino. Nessas áreas, no entanto, não existem análises especializadas da
Pedagogia como foco de suas investigações e pesquisas.
A discussão a respeito do pedagogo como profissional, sua identidade, campo de
trabalho e formação, vem desde a criação do curso. Nessa trajetória, algumas
concepções surgiram a respeito da função educativa desse profissional. O curso
instituído na Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do Brasil, pelo Decreto-
Lei nº 1.190, de 4 de abril de 1939, possui 70 anos de criação e longa trajetória de
caminhos e descaminhos, na busca de definição de seu perfil identitário. Ao longo
86
dessas décadas, veio se redefinindo e se constituindo como o espaço no ensino de
graduação, no qual se estuda “a prática social de educar em suas múltiplas manifestações
na sociedade, a partir de sólida formação no campo teórico, epistemológico e
metodológico da educação e do ensino” (Pimenta, 2002: introdução). Vejamos:
[...] nas primeiras propostas para este curso, a ele se atribuiu o “estudo da
forma de ensinar”. Regulamentado pela primeira vez, nos termos do Decreto-
Lei nº 1.190/1939, foi definido como lugar de formação de “técnicos em
educação”. Estes eram, à época, professores primários que realizavam
estudos superiores em Pedagogia para, mediante concurso, assumirem
funções de administração, planejamento de currículos, orientação a
professores, inspeção de escolas, avaliação do desempenho dos alunos e dos
docentes, de pesquisa e desenvolvimento tecnológico da educação, no
Ministério da Educação, nas secretarias dos estados e dos municípios.
A padronização do curso de Pedagogia, em 1939, é decorrente da concepção
normativa da época, que alinhava todas as licenciaturas ao denominado
“esquema 3+1”, pelo qual era feita a formação de bacharéis nas diversas
áreas das Ciências Humanas, Sociais, Naturais, Letras, Artes, Matemática,
Física, Química. Seguindo este esquema, o curso de Pedagogia oferecia o
título de bacharel, a quem cursasse três anos de estudos em conteúdos
específicos da área, quais sejam fundamentos e teorias educacionais; e o
título de licenciado que permitia atuar como professor, aos que, tendo
concluído o bacharelado, cursassem mais um ano de estudos, dedicados à
Didática e à Prática de Ensino. O então curso de Pedagogia dissociava o
campo da ciência Pedagogia, do conteúdo da Didática, abordando-os em
cursos distintos e tratando-os separadamente. Ressalta-se, ainda, que aos
licenciados em Pedagogia também era concedido o registro para lecionar
Matemática, História, Geografia e Estudos Sociais, no primeiro ciclo do
ensino secundário (Parecer CNE/CP nº 5/2005).
O curso de Pedagogia, portanto, desde sua criação, trouxe ao debate a dicotomia entre
bacharelado e licenciatura, professor versus especialista, técnico em educação versus
professor. Essa problemática denominada “crise da Pedagogia” permeou os debates
teóricos das diferentes posições, em cada período, e revelou-se parte integrante das
mudanças pelas quais passou a história da educação brasileira.
Os modelos formativos do curso dependeram da forma como as reformas educacionais
foram definindo a concepção de formação de professores, refletidos, por sua vez, no
movimento nacional dos profissionais da educação, por meio de suas entidades e
associações. Nessa perspectiva,
As tentativas de superação da questão da identidade do curso de Pedagogia
pela via do equacionamento das funções profissionais do pedagogo
marcaram a história do curso com a tensão permanente entre a formação do
“generalista” ou do “especialista”, com reflexos para a correspondente
estrutura curricular (Silva, 2002: 142).
87
Na década de 1980, os impasses em relação aos cursos de Pedagogia propiciaram os
desenhos de seus formatos a partir de duas tendências: um quantitativo de cursos
seguiram o modelo tradicional, fixado no Parecer CFE nº 252/69, e formaram
profissionais licenciados, habilitados para o exercício da docência das disciplinas
pedagógicas, nos cursos de magistério em nível médio, e os conhecidos especialistas da
educação. Um outro conjunto de cursos se voltou para a formação de licenciados,
habilitados para o exercício do magistério nos AIEF e, em alguns casos, para a EI e para
o magistério das disciplinas pedagógicas do nível médio. A tendência dos anos 1990 foi
a ênfase nas novas habilitações profissionais, apesar da permanência, em muitos casos,
do antigo modelo de curso (Parecer CNE/CP nº 5/2005: Breve histórico do curso de
Pedagogia).
As reformas da educação brasileira também trouxeram ao debate a recorrente questão do
estatuto do curso de Pedagogia como área de saber ou ciência da educação. Nesse
sentido,
Libâneo definiu pedagogia como “teoria e prática da educação” (1998, p.89)
e apontou a prática educativa como o “objeto peculiar de estudo da ciência
pedagógica, que dá unidade aos aportes das demais ciências da educação”
(1998, p.61) e estuda “o fenômeno educativo na sua globalidade” (1998,
p.89).
As conclusões, ainda de caráter preliminar, apresentadas por Pimenta
guardam algumas aproximações com as de Libâneo. Pimenta define a
Pedagogia como ciência da educação que tem a prática, a qual se constitui
em seu objeto de estudo, como ponto de partida e de chegada. Compete a ela,
diz a autora, “articular os diferentes aportes/discursos das ciências da
educação, [...] signifi-los no confronto com a prática da educação e frente
aos problemas colocados pela prática social da educação” (1997, p.70). É na
idéia da educação como “objeto inconcluso, histórico, que constitui o sujeito
que o investiga e é por ele constituído” (1997, p.70) que a autora encontra os
elementos para afirmar que o mesmo não pode ser captado na sua
integralidade e sim em sua dialeticidade, tal como Saviani já havia entendido
anteriormente. A partir daí, defende a idéia desse objeto ser estudado por
diferentes mediações que revelem diferentes representações sobre si e aponta
para a necessidade da realização de “investigações e análises integradas, em
equipes multidisciplinares, interdisciplinares e transdisciplinares” (1997,
p.71) (Silva, 2008: s/p).
O curso de Pedagogia, nos anos 2000, foi definido como lócus de formação de
pedagogos, e os pedagogos como profissionais que estudam e que se inserem na práxis
da educação na sociedade. A discussão sobre o curso passou pelo o que é o essencial da
sua formação e o que identificava o pedagogo epistemológica e profissionalmente. O
assunto Pedagogia é distinto por sua complexidade,
88
por isso mesmo, definições a respeito da formação dos profissionais da
educação devem ser formuladas à luz dos debates, estudos e pesquisas a
respeito do assunto. A esse respeito, pode-se dizer que a falta de conexão
entre os fundamentos legais e os fundamentos teóricos do curso de Pedagogia
responde, em grande parte, pelos impasses e conflitos que persistiram no
decorrer de sua história. De fato, as tentativas de superação das indefinições e
contradições curriculares iniciais foram acentuando o caráter técnico-
profissional de seu currículo, cuja organização sempre teve como perspectiva
o campo do trabalho e, conseqüentemente, manteve distância das questões
referentes ao estatuto teórico da própria pedagogia (Silva, 2002: 147).
A legislação vigente assegurou então que o pedagogo, ao ser formado, estaria licenciado
para exercer as funções de magistério na EI e nos AIEF, nos cursos de Ensino Médio, na
modalidade Normal, de Educação Profissional na área de serviços e apoio escolar e em
outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos (Resolução CNE/CP
nº 1/2006).
Ainda propõe que sua formação profissional cuide, administre a aprendizagem,
alfabetize em múltiplas linguagens, estimule e prepare para a continuidade do estudo,
participe da gestão escolar, imprima sentido pedagógico a práticas escolares e não-
escolares, compartilhando os conhecimentos adquiridos em sua prática (Parecer CNE/CP
nº 5/2005). Por isso, a discussão da natureza do curso continua ainda a perpassar pela
interpelação:
O que é esse curso de Pedagogia? Trata-se de curso para a realização da
investigação em estudos pedagógicos, tomando a pedagogia como campo
teórico e como campo de atuação profissional. Como campo teórico, destina-
se à formação de profissionais que desejam aprimorar a reflexão e a pesquisa
sobre a educação e ao ensino da pedagogia, propriamente dita. Como campo
de atuação profissional, destina-se à preparação de pesquisadores,
planejadores, especialistas em avaliação, gestores do sistema e da escola,
coordenadores pedagógicos ou de ensino, comunicadores especializados para
atividades escolares e extra-escolares, animadores culturais, de especialistas
em educação a distância, de educadores de adultos no campo da formação
continuada etc (Libâneo e Pimenta, 2002: 33).
Feitas essas ponderações sobre a pedagogia como curso, indissociável da idéia de
formação, volto-me para as especificidades de análise e avaliação de seu projeto
formativo, considerando que somente o Brasil possui cursos de Pedagogia: na Europa,
estes cursos são identificados como de Ciências da Educação.
Na atualidade, o estudo do curso de Pedagogia revela como estes têm sido estruturados
diante da disputa de implementação de projetos distintos, oriundos do “oficial” (poder
público governamental) ou do “vivido” (movimento nacional dos profissionais da
89
educação). Esses dois agentes autorais dos projetos de formação deram base de
sustentação ao curso por meio dos propalados fundamentos legais e paralegais:
De fato. Os cursos de pedagogia no Brasil foram organizados a partir de 1939
e se desenvolveram apoiados em fundamentos legais. A partir do final dos
anos 1970 novas reformulações foram ganhando expressão apoiada em
fundamentos paralegais que se tornaram os verdadeiros princípios
orientadores das reformulações a partir da década de 1980.
A análise dos três períodos da história do curso de pedagogia [...] o das
regulamentações, o das indicações e o das propostas, aos quais, atualmente,
pode-se acrescentar mais um, o dos decretos, revela que a relevância dos
fundamentos legais se fez maior em três deles: no primeiro, no segundo e no
quarto. No terceiro, ao contrário, os fundamentos paralegais se fizeram mais
presentes (Silva, 2002: 132-133).
O curso de Pedagogia, no decorrer de sua trajetória, não só se tornou responsável pela
formação de professores para a escolarização inicial de crianças e adolescentes,
influenciando as demais práticas pedagógicas de outras frentes de formação de
professores, a exemplo das demais licenciaturas, como também formou os diferentes
profissionais da área educacional.
Todavia, continua em aberto, a (falsa) falta de identidade do curso de Pedagogia, dado
que a morosidade do histórico debate sobre o curso de Pedagogia no Brasil justifica-se
“pela difícil busca em conciliar, até hoje, a discussão de três aspectos: a concepção de
Pedagogia, a estruturação do curso e o mercado de trabalho do pedagogo” (Pinto, 2002:
175).
Levantadas as discussões gerais sobre o estatuto epistemológico da Pedagogia, analisarei
especificamente as DCN do curso de graduação em Pedagogia, no contexto da educação
superior. Nas entrelinhas das concepções e discursos desse documento, procuro
identificar e explicitar a concepção e o sentido de tecnologias digitais.
3.1. As tecnologias na legislação nacional do curso de Pedagogia.
Completados dez anos da LDB, ainda constato a busca de entendimento, dentre outras,
para as indagações como: “Quais são as implicações das inovações, com sentido
mercadológico, na educação superior? Qual é a concepção de ciência explicitada no
90
trabalho docente? Qual é a finalidade da docência universitária no contexto da sociedade
do conhecimento?” (Bittar, Oliveira, Morosini 2008: 321). Some-se a isso que
A explosão de conhecimento e a velocidade com que são produzidos e
difundidos motivam rompimento com antigos referenciais de tempo e
espaço, criando aproximações com o descartável, o efêmero. Destarte, a
educação fica comprometida, porque focaliza apenas o presente, o imediato,
o lucro. Como explica Chauí (2001), educação exige relação com o tempo,
com o passado, com a cultura instituída, com a história. Há educação e,
portanto formação profissional quando há obra de pensamento (Bittar,
Oliveira, Morosini 2008: 321-322).
O período iniciado pós-LDB, reforçado ainda mais após a primeira década dessa
legislação nacional, suscitou a disputa de dois projetos antagônicos de formação de
professores. Um com uma matriz pré-configurada e aderente às últimas transformações
político-econômicas e culturais no mundo da economia chamado globalizado; o outro,
projeto historicamente defendido pelo movimento nacional dos profissionais da
educação (Rocha, 2002).
Esses projetos de formação trouxeram também outros dilemas ao curso de Pedagogia, no
contexto da educação superior, ratificados quando da aprovação de suas DCN sob a
influência da reforma de outros países, “sobretudo, de países como França, Espanha e
Portugal, que passaram a fundamentar uma concepção de pedagogia enquanto ciência da
prática educativa” (Silva, 2008: s/p).
As DCN/Pedagogia, por sua vez, trouxeram mudanças substantivas para todos os cursos
de Pedagogia. Os estudos (Silva, 2002; Pimenta, 2002; Franco, 2003) que têm
reconstruído a trajetória do curso de Pedagogia no Brasil, no entanto, sinalizaram a
existência de muitas questões em aberto, não suficientemente abordadas, o que dificulta
o aprofundamento da compreensão acerca do curso que forma professores para a EI e
AIEF.
Os pareceres - Parecer CNE/CP nº 5/2005 e Parecer CNE/CP nº 3/2006 - que fixam o
marco regulatório do curso de Pedagogia, e a resolução - Resolução CNE/CP nº 1/2006 -
que aprova as diretrizes foram aprovados entre 2005 e 2006. Esse fato fez com que
diversas instituições iniciassem as reflexões e reestruturações dos seus projetos de
cursos, Brasil a fora.
91
As diretrizes, segundo os conselheiros do MEC/CNE, resultam da “longa tramitação no
CNE”, durante a qual “houve efetiva participação de representantes de entidades do
setor educacional e, especificamente, de formação de professores, além de grande
número de pessoas e instituições de Educação Superior” (Parecer CNE/CP nº 3/2006).
Levaram em conta proposições formalizadas “nos últimos 25 anos, em análises da
realidade educacional brasileira, com a finalidade de diagnóstico e avaliação sobre a
formação e atuação de professores” (Parecer CNE/CP nº 5/2005).
Justificam-nas em função das “especificidades, as exigências e o lugar particular do
curso de Pedagogia na educação superior brasileira” (Parecer CNE/CP nº 5/2005). Além
do mais, expressam-se como ancoradas na,
[...] história do conhecimento em Pedagogia, na história da formação de
profissionais e de pesquisadores para a área de Educação, em que se incluem,
entre outras empenhadas em eqüidade, as experiências de formação de
professores indígenas. Ancoram-se também no avanço do conhecimento e da
tecnologia na área, assim como nas demandas de democratização e de
exigências de qualidade do ensino pelos diferentes segmentos da sociedade
brasileira.
Constituem-se, conforme os pareceres CNE/CES nº 776/1997, nº 583/2001 e
nº 67/2003, que tratam da elaboração de diretrizes curriculares, isto é, de
orientações normativas destinadas a apresentar princípios e procedimentos a
serem observados na organização institucional e curricular. Visam a
estabelecer bases comuns para que os sistemas e as instituições de ensino
possam planejar e avaliar a formação acadêmica e profissional oferecida,
assim como acompanhar a trajetória de seus egressos, em padrão de
qualidade reconhecido no País (Parecer CNE/CP nº 5/2005).
De acordo com essas diretrizes, a estrutura curricular do curso de Pedagogia, respeitadas
a diversidade nacional e a autonomia pedagógica das instituições, devem organizar seus
currículos em um núcleo de estudos básicos, um núcleo de aprofundamento e
diversificação de estudos e um outro de estudos integradores (Resolução CNE/CP nº
1/2006). Nessa organização, dever-se-ia observar, com especial atenção,
[...] os princípios constitucionais e legais; a diversidade sociocultural e
regional do país; a organização federativa do Estado brasileiro; a pluralidade
de idéias e de concepções pedagógicas, a competência dos estabelecimentos
de ensino e dos docentes para a gestão democrática (Parecer CNE/CP nº
5/2005).
As diretrizes definiram “princípios, condições de ensino e de aprendizagem,
procedimentos a serem observados em seu planejamento e avaliação, pelos órgãos dos
sistemas de ensino e pelas instituições de educação superior do país” (Resolução
CNE/CP nº 1/2006).
92
Para o profissional da Pedagogia, são requeridos, também, atividades docentes que se
articulem ao planejamento, execução, coordenação, acompanhamento e avaliação de
tarefas próprias da área educacional, assim como capacidade de planejar, coordenar,
acompanhar e avaliar projetos e experiências educativas escolares e não-escolares,
difundindo o conhecimento científico-tecnológico do campo educacional (Resolução
CNE/CP nº 1/2006).
Os membros do CNE/MEC, em suas atuações como legisladores educacionais, têm
apontado alguns princípios orientadores em relação à formação de professores no Brasil.
Dentre essas sinalizações, destacamos algumas concepções que tratam da justificativa
elaborada por eles, fundamentada no modelo de sociedade, afirmando que
[...] as transformações científicas e tecnológicas, que ocorrem de forma
acelerada, exigem das pessoas novas aprendizagens, não somente no período
de formação, mas ao longo da vida. Há também a questão da necessidade de
aprendizagens ampliadas, além das novas formas de aprendizagem. Nos
últimos anos, tem-se observado o uso cada vez mais disseminado dos
computadores e de outras tecnologias, que trazem uma grande mudança em
todos os campos da atividade humana. A comunicação oral e escrita convive
cada dia mais intensamente com a comunicação eletrônica, fazendo com que
se possa compartilhar informações simultaneamente com pessoas de
diferentes locais (Parecer CNE/CP nº 009/2001).
Nesse documento, ao tratarem da importância das tecnologias, denunciaram, ao mesmo
tempo, a ausência de conteúdos relativos a estas, ao assegurarem que,
Se o uso de novas tecnologias da informação e da comunicação está sendo
colocado como um importante recurso para a educação básica,
evidentemente, o mesmo deve valer para a formação de professores. No
entanto, ainda são raras as iniciativas no sentido de garantir que o futuro
professor aprenda a usar, no exercício da docência, computador, rádio, vídeo-
cassete, gravador, calculadora, Internet e a lidar com programas e softwares
educativos. Mais raras, ainda, são as possibilidades de desenvolver, no
cotidiano do curso, os conteúdos curriculares das diferentes áreas e
disciplinas, por meio das diferentes tecnologias (Parecer CNE/CP nº
009/2001).
Com a denúncia de que os cursos de formação não discutiam eticamente a disseminação
das tecnologias, em função das atitudes de resistência, afirmavam, também, que os
cursos trabalhavam com abordagens que iriam à contramão do desenvolvimento
tecnológico da sociedade contemporânea, uma vez que
93
[...] os cursos raramente preparam os professores para atuarem como fonte e
referência dos significados que seus alunos precisam imprimir ao conteúdo
da mídia. Presos às formas tradicionais de interação face a face, na sala de
aula real, os cursos de formação ainda não sabem como preparar professores
que vão exercer o magistério nas próximas duas décadas, quando a mediação
da tecnologia vai ampliar e diversificar as formas de interagir e compartilhar,
em tempos e espaços nunca antes imaginados (Parecer CNE/CP nº
009/2001).
Uma das considerações feitas em relação às tecnologias refere-se ao egresso do curso,
que deveria estar apto a “relacionar as linguagens dos meios de comunicação à
educação” e demonstrar “domínio das tecnologias de informação e comunicação
adequadas ao desenvolvimento de aprendizagens significativas” (Resolução CNE/CP nº
1/2006).
O relatório que esclarece a resolução que fixa as DCN/Pedagogia, após introdução
explicativa da metodologia do trabalho do CNE, apresentou um histórico do curso de
Pedagogia, suas finalidades, seus princípios, objetivos e perfil, organização curricular,
duração dos estudos, e fez uma conclusão que evidenciou sua carta de intenções: que a
formação estivesse atenta à contemporaneidade. Nesse sentido,
Enfatiza-se a premência de que o curso de Pedagogia forme licenciados cada
vez mais sensíveis às solicitações da vida cotidiana e da sociedade,
profissionais que, em um processo de trabalho didático-pedagógico mais
abrangente, possam conceber, com autonomia e competência, alternativas de
execução para atender, com rigor, às finalidades e organização da Escola
Básica, dos sistemas de ensino e de processos educativos não-escolares,
produzindo e construindo novos conhecimentos, que contribuam para a
formação de cidadãos, crianças, adolescentes, jovens e adultos brasileiros,
participantes e comprometidos com uma sociedade justa, equânime e
igualitária. Daí decorre a importância de acompanhamento e avaliação
sistemáticos, pelos órgãos competentes, da implantação e execução destas
diretrizes curriculares (Parecer CNE/CP nº 5/2005).
Apesar do discurso das diretrizes chamarem a atenção para a vida cotidiana, não
apontaram indicativos em relação às tecnologias, para além de simples recurso didático
avançado, em comparação com as demais tecnologias independentes existentes (álbum
seriado, cartaz, gravura, mapa, globo, quadro ...). O conceito de tecnologias
independentes refere-se àquelas que não dependem de recursos eletro-eletrônicos para
sua produção e utilização, contrapondo-se às tecnologias dependentes que, como o nome
indica, dependem dos recursos infoeletrônicos.
94
No estudo sobre as tecnologias, em relação àquelas relacionadas ao computador e à
internet, estas são consideradas como recursos ou ferramentas didáticas. Uma concepção
tecnicista ao concebê-las de forma instrumental. Na revisão bibliográfica deste trabalho,
no entanto, observei outras concepções em que as tecnologias digitais são consideradas
“elementos estruturantes de novas práticas pedagógicas em diversos espaços de
aprendizagem presenciais, à distância e on-line” (Santos e Alves, 2006: 08), trabalhos
que podem ser considerados como indicativos das tecnologias digitais como
fundamentos epistemológicos das novas práticas pedagógicas, contrariando a afirmação
de que
A maioria das publicações nas áreas da Didática e da Prática de Ensino ainda
apontam as tecnologias digitais (TICs), mais especificamente o computador e
a Internet, como recursos ou ferramentas didáticas.
[...]
Muitos teóricos da Didática e Prática de Ensino adotam uma postura
resistente em relação as TICs, muitas vezes concebendo-as de forma
instrumental, reafirmando um viés tecnicista que subutiliza o potencial
epistemológico das redes e conexões de aprendizagem engendradas pelo
computador e pela Internet ao longo dos últimos anos (Santos e Alves, 2006:
07).
A Prática de Ensino foi um dos aspectos da formação em que constatei a indicação do
uso das tecnologias. Observamos uma centralidade no debate da Prática de Ensino, sob a
forma de Estágio Supervisionado, em parte, muito influenciado ainda pela idéia do
saber-fazer. Nesse caso, as tecnologias, são concebidas como suporte que
disponibilizam, ao aluno, a discussão da atuação pedagógica, através de programas
governamentais midiáticos e de canal de televisão, utilizando a telepresença e
dispensando a presença física, a exemplo de programas como a TV Escola e o Programa
Salto para o Futuro, e o chamado canal do conhecimento da TV Futura.
Não encontrei uma concepção definida de tecnologias nas diretrizes curriculares da
Pedagogia, muito menos a perspectiva de tecnologias digitais. Na legislação, a
concepção de tecnologias está tendencialmente apresentada na sua formulação
instrumental. Busquei, nos textos e nas publicações que abordam a questão formação e
tecnologias, o esclarecimento sobre o sentido das tecnologias digitais.
Apesar das produções bibliográficas e seus autores da área da educação e comunicação
não trabalharem com definições fechadas sobre as tecnologias, alguns posicionamentos,
em particular, ajudaram-me a refletir sobre as conceituações atuais. Uma dessas questões
95
importantes é que tecnologias não se limitam às máquinas, “engloba a totalidade de
coisas que a engenhosidade do cérebro humano conseguiu criar em todas as épocas, suas
formas de uso, suas aplicações” (Kenski, 2007: 22-23).
O que caracterizam as tecnologias digitais é sua base imaterial. Sua principal matéria-
prima é a informação (Kenski, 2007). Nesse entendimento ampliado de tecnologias “as
máquinas deixam de ser, como vinham sendo até então, um elemento de mediação entre
o homem e a natureza e passam a expressar uma nova razão cognitiva” (Pretto, 2001:
43). Não são apenas máquinas.
A convergência das tecnologias de informação e comunicação para a
configuração de uma nova tecnologia, a digital, provocou mudanças radicais.
Por meio das tecnologias digitais é possível representar e processar qualquer
tipo de informação. Nos ambientes digitais reúnem-se a computação (a
informática e suas aplicações), as comunicações (transmissão e recepção de
dados, imagnes, sons etc.) e os mais deiversos tipos, formas e suportes em
que estão disponíveis os conteúdos (livros, filmes, fotos, músicas e textos). É
possível articular telefones celulares, computadores, televisores, satélites etc.
e, por eles, fazer circular as mais diferenciadas formas de informação.
Também é possível a comunicação em tempo real, ou seja, a comunicação
simultânea, entre pessoas que estejam distantes, em outras cidades, em outros
países ou mesmo viajando no espaço (Kenski, 2007: 33).
Apesar da potencialidade das tecnologias digitais, observei que as ações, programas e
projetos referentes às tecnologias na educação são apresentados como um conjunto de
máquinas, equipamentos no formato de laboratórios, que consomem grandes quantias de
investimento financeiro do orçamento público, pagos geralmente ao setor privado, que
detêm e comercializam essas tecnologias.
Os programas governamentais do final dos anos 1990 e início dos de 2000 trabalhavam
com a idéia de “incorporação” das tecnologias na educação pela lógica do acesso e
usabilidade, ou seja, apenas como instrumentalidade. Uma concepção que empobrecia a
perspectiva destas como “fundamento”. As tecnologias têm sentidos que podem
representar uma nova metodologia do ensinar e aprender. “Não queremos a internet nas
escolas, mas as escolas na internet” (Pretto, 2008: 32), no intuito de que as tecnologias
poderão contribuir para o rompimento do jeito de refletir e fazer educação. “Não é para
ter uma sala de vídeo, mas o vídeo o tempo todo na sala. Não é para se preocupar com o
conteúdo didático de um programa, mas com a maneira como ele pode ser usado
didaticamente” (Pretto, 2008: 32).
96
As tecnologias digitais concebidas como fundamento também incorporam o uso
instrumental, todavia o contrário não é possível. O uso como instrumentalidade perde
seu significado fundamental “transformando-as apenas num animador da velha
educação, que se desfaz velozmente uma vez que o encanto da novidade também deixa
de existir” (Pretto, 2001: 114). As tecnologias como fundamento,
[...] passam a fazer parte da escola como um elemento carregado de conteúdo
(e não apenas como instrumento), como representante (talvez principal!) de
uma nova forma de pensar e sentir, que começa a se construir, no momento
em que a humanidade começa a deslocar-se de uma razão operativa para uma
nova razão, ainda em construção, porém baseada na globalidade e na
integridade, em que realidade e imagem fundem-se no processo (Pretto,
2001: 115).
Educação e tecnologias empregados na área educacional com os mais diversos sentidos e
significados, tanto na legislação da Pedagogia quanto nas produções bibliográficas, nos
desafiou a refletir essa (inter)relação e seus reflexos na curso de Pedagogia da UFT,
assim como pensar que “[...] o uso das tecnologias digitais no ensino pelas escolas
requer que ela esteja preparada para realizar investimentos consideráveis em
equipamentos e, sobretudo, na viabilização das condições de acesso e de uso dessas
máquinas” (Kenski, 2004: 70). As pesquisas do final dos anos 1990 já sinalizavam a
forma como se constituiu o seu ciclo de utilização na escola.
[...] caracterizada por um ciclo de quatro ou cinco fases, que se inicia com
pesquisas mostrando as vantagens educacionais do seu uso, complementadas
por um discurso dos proponentes salientando a obsolescência da escola.
Após algum tempo são lançadas políticas públicas de introdução da nova
tecnologia nos sistemas escolares, terminando pela adoção limitada por
professores, sem a ocorrência de ganhos acadêmicos significativos. Em cada
ciclo, uma nova seqüência de estudos aponta prováveis causas do pouco
sucesso da inovação, tais como falta de recursos, resistência dos professores,
burocracia institucional, equipamentos inadequados.
Após algum tempo surge outra tecnologia e o ciclo recomeça, com seus
defensores argumentando que foram aprendidas as lições do passado, que os
novos recursos tecnológicos são mais poderosos e melhores que os
anteriores, podendo realizar coisas novas, conforme demonstram novas
pesquisas. E o ciclo fecha-se novamente com uso limitado e ganhos
educacionais modestos (Cysneiros, 2007: 13).
Nos anos 2000 houve várias experiências de educação e tecnologias, porém ainda
baseadas na acepção de modelos eficienticistas de tecnologia educacional. A
preocupação era preencher o espaço entre a formação e o mundo do trabalho. No
entanto,
97
[...] a incorporação dos computadores na educação não pode ser mera
repetição dos tradicionais cursos ou aulas, estando as mesmas, no entanto,
ainda centradas na superada e tradicional concepção de tecnologias
educacionais, associadas às práticas de instrução programada. Temos
percebido que a maioria dessas experiências tem incorporado as TIC às
práticas pedagógicas apenas como ferramentas, como meros auxiliares do
processo educativo caduco que continua sendo imposto ao cotidiano das
pessoas que vivem outro movimento histórico (Bonilla e Picanço, 2005:
218).
Essas experiências se efetivaram pelo seu componente técnico, pela lógica da utilização
dos chamados softwares educativos. Estes, em alguns casos, retrataram na formação os
modelos de transferência educacional de outros países. Geralmente eram simuladores de
fenômenos, jogos, programas de modelação, ou ainda aplicativos como editores de
textos, planilhas e bancos de dados, que foram utilizados de forma instrumental na
educação.
Muitos softwares educativos foram questionados e classificados como
abertos, semi-abertos e fechados, por terem tecnicamente um
encaminhamento de uso com base em subsídios teóricos. Os semi-abertos e
os fechados eram tidos como tradicionais, por estabelecerem com o aluno
uma relação de estímulo e resposta. O uso em maior escala de softwares
educativos validou-se mesmo em escolas particulares. O que se percebeu foi
uma grande euforia com as possibilidades do uso desse recurso, que afinal se
esvaeceu quando se percebeu que em si não possibilitou renovar a relação
ensino-aprendizagem, já que, em muitas escolas, os softwares foram
utilizados sem o contrapeso de um conhecimento tanto teórico como prático
por parte dos profissionais da educação, gerando, assim, um desapontamento
quanto ao seu uso (Brito e Purificação, 2006: 66).
O movimento da informática na educação que propiciou a utilização das tecnologias na
escola pôde ser entendido processualmente como “ondas”. Nessa perspectiva, no
momento de nossa pesquisa, estávamos vivenciando a quinta onda, a “onda da
aprendizagem colaborativa”. A primeira foi a “linguagem Logo” e programação, a
segunda a informática básica, a terceira o software educativo, e a quarta onda, a internet
(Brito e Purificação, 2006).
Esse movimento na educação levou-me a reflexão sobre a adoção de novas tecnologias.
Uma preocupação com novas questões estruturais tais como:
Que tipo de aluno vai ter acesso a esses meios? Com que finalidade? Ensinar
computação ou ensinar com auxílio do computador? Que alterações
curriculares acarretarão essas transformações? Que formação será necessária
aos professores que vão atuar com os novos meios?
As novas tecnologias orientam para o uso de uma proposta diferente de
ensino, com possibilidades que apenas começamos a visualizar. Não se trata,
portanto, de adaptar as formas tradicionais de ensino aos novos equipamentos
98
ou vice-versa. Novas tecnologias e velhos hábitos de ensino não combinam.
A nova lógica leva em consideração a utilização das novas tecnologias no
processo de ensino, mas com perspectivas diferenciadas (Kenski, 2004: 75).
Nesse sentido a utilização de tecnologias como máquinas de ensinar não tem trazido
inovações à educação, “o simples uso das tecnologias educacionais não implica a
eficiência do processo ensino-aprendizagem nem uma “inovação” ou “renovação”,
principalmente se a forma de uso se limitar a tentativas de introdução da novidade”
(Brito e Purificação, 2006: 32).
Nesse estudo percebi as contradições referentes às tecnologias, visto que, ao mesmo
tempo em que, eu pesquisava as tecnologias digitais como fundamento, ainda existiam
professores no curso de Pedagogia da UFT que não conseguiam se apropriar destas nem
mesmo como recurso didático. Na educação básica, conforme as pesquisas (Brito e
Purificação, 2006), os professores não sabiam ligar, desligar, ajustar o foco e explorar de
forma criativa um recurso multimídia na sala de aula.
Tecnologias na educação envolvem análise atenta do que significa produzir
conhecimento, revisão dos modelos de formação de professores, mudança na
organização do trabalho didático-pedagógico. Não basta que os professores estejam
preocupados em ter domínio de navegabilidade, pois necessitam também aprimorarem
suas práticas pedagógicas.
Na revisão bibliográfica constatei ainda que nos cursos de Pedagogia no Brasil, era cada
vez maior, o número de alunos nas disciplinas do curso que interagiam com tecnologias
nas suas atividades didáticas, todavia, ao chegarem nas escolas da educação básica, o
espaço de estudo e acesso a essas tecnologias eram praticamente inexistentes. Problemas
educacionais que geram novos impasses.
A utilização das novas tecnologias afeta todos os campos educacionais. Elas
encaminham as instituições para a adoção de uma “cultura informática
educacional” que exige uma reestruturação sensível não apenas das teorias
educacionais, mas da própria percepção e ação educativa. O desenvolvimento
de uma cultura informática é essencial na reestruturação da gestão da
educação, na reformulação dos programas pedagógicos, na flexibilização das
estruturas de ensino, na interdisciplinaridade dos conteúdos, no
relacionamento dessas instituições com outras esferas sociais e com a
comunidade de forma geral (Kenski, 2004: 75).
99
Todavia as experiências das tecnologias na escola como recursos multimídias, quando
existiram, foram subutilizados. Ou seja, utilizados como simples recursos de
transposição didática, ou como repasse do que estava no livro para o computador,
estáticos, sem interatividade e, portanto, sem despertarem o interesse dos alunos.
Mudaram a mídia, mas, não o conteúdo, como nos casos em que utilizaram o datashow
com a mesma função do quadro de giz ou flipchart.
A subutilização das tecnologias dificulta que crianças, adolescentes e jovens da
presentividade interajam com os meios infoeletrônicos, uma vez que estas, respondem
rapidamente à sua sensibilidade, além de possuírem maiores facilidades para lidarem
com a imagem, do que com a escrita. Os ícones dos softwares multimídia contribuem
assim para associar os signos aos significados. Os ambientes e plataformas virtuais
possuem características de operatividade que fica na mão do usuário, o que por si só
requer atenção e participação e o torna sujeito do processo. Isto é,
Utilizando-se os recursos multimídias em sala de aula, o simbólico dos ícones,
os recursos de som, do sensório, de textos e imagens, caminha-se para as
operações mentais e para a aquisição e construção do conhecimento de forma
agradável mediada pelo professor, o qual coloca os objetivos na atividade de
forma que seus alunos alcancem o que foi proposto em termos de
aprendizagem como se estivessem participando de uma brincadeira.
[...]
Na multimídia digital, a informação é experimentada com os sentidos, a
emoção e o intelecto. Utilizar esses recursos em sala de aula é inovar no
ensino e auxiliar na aprendizagem de crianças. A multimídia permite explorar
os sentidos e as emoções humanas, o que também vem ao encontro da teorias
das inteligências múltiplas, permitindo que a aprendizagem possa acontecer
de diferentes modos (Dall’Asta, 2006: 218-219).
A formação de professores “para atender às novas exigências originárias da “cultura
informática” na educação precisa refletir esses mesmos aspectos” (Kenski, 2004: 88).
Todavia não identifiquei na legislação nacional do curso de Pedagogia, com exceção na
conclusão do documento ao chamar a atenção para as solicitações da “vida cotidiana” e
da sociedade, os aspectos da contemporaneidade como eixo da formação de professores.
Feitas essas ponderações procurei identificar o sentido e a concepção de tecnologias
digitais no currículo do curso de Pedagogia da UFT.
100
3.2. Concepções de tecnologias digitais no currículo do curso de Pedagogia da UFT.
Onde estão as tecnologias no curso de Pedagogia, ou ainda qual a concepção de
tecnologias digitais estão embutidas na proposta curricular a partir da análise dos dois
projetos pedagógicos do curso, foi o objeto focal e, portanto, a problematização que
perpassou o trabalho de pesquisa.
Antes da discussão dos novos projetos dos cursos de Pedagogia da UFT a
PROGRAD/UFT aprovou no CONSEPE o documento “Referenciais para Revisão e
Elaboração de Projetos Pedagógicos e Currículos dos Cursos de Graduação no âmbito da
UFT” no qual apresentou: 1) princípios, 2) parâmetros de organização do currículo, 3)
elementos mínimos constitutivos do projeto pedagógico.
A Resolução CONSEPE/UFT nº 005/2005, que aprovou a sistemática orientadora de
elaboração e reformulação dos PPP dos Cursos de Graduação da UFT, inicia fazendo
referência ao compromisso da universidade com a qualidade da formação, chamou a
atenção para as diretrizes e políticas do PDI e a legislação educacional, aos critérios da
avaliação institucional, e lembrou das discussões e encaminhamentos do seminário de
reformulação curricular, além de ter aprovado a sistemática para elaboração dos projetos
assegurando princípios e conceitos.
Compreende-se o Projeto Político-Pedagógico de um determinado Curso de
Graduação como sendo o conjunto de ações de caráter sócio-político-
humanístico-ambiental e pedagógico relativas à formação acadêmico-
profissional que se destinam a orientar a concretização da proposta
curricular dos cursos de graduação (Artigo 2º da Resolução CONSEPE/UFT
nº 005/2005).
Nesse sentido observei ainda a preocupação no documento com conceituações para que
os próprios projetos de cursos garantissem princípios como o acesso e permanência, a
questão da qualidade, a gestão democrática, autonomia e liberdade para pensar, produzir
e divulgar o conhecimento e os saberes, o respeito das concepções e práticas
pedagógicas diferenciadas, a valorização do magistério, a indissociabilidade entre o
ensino, a pesquisa e a extensão, atenção às formas de participação dos seus agentes, a
avaliação, e as especificidades locais e regionais (Artigo 3º da Resolução
CONSEPE/UFT nº 005/2005).
101
Continuando a análise desse documento identifiquei no seu Artigo 4º, da Resolução
CONSEPE/UFT nº 005/2005, a forma de organização curricular, ao definir os marcos
situacional, teórico, operativo, e das ações programáticas. Esses marcos foram
apresentados de forma que se constituíssem de diagnóstico da realidade histórico-social
do cotidiano propriamente dito, mas também do curso e da instituição. Recomendou que
se apresentassem nos projetos de cursos as bases conceituais a cerca da visão de homem,
sociedade e educação, assim como da aprendizagem, currículo, gestão dos processos
educativos, e enfocasse os aspectos procedimentais de perfil, competências, habilidades,
questões de ensino, pesquisa e extensão.
Desencadeado na universidade a discussão sobre os projetos dos demais cursos de
graduação, as licenciaturas, a começar pelo curso de Pedagogia começaram também a
discussão de seus projetos. O segundo projeto pedagógico do curso de Pedagogia da
UFT teve suas discussões de elaboração iniciadas no planejamento acadêmico de
2005/2. Conforme o registro em ata (Ata de Colegiado 11/07/2005). Na primeira reunião
do semestre letivo o ponto único de pauta foi a discussão do eixo/perfil do novo curso
(Ata de Colegiado 09/08/2005). Nesse intuito o simpósio do curso realizado naquele
semestre trouxe como tema “A Identidade Profissional do Pedagogo” (Ata de Colegiado
09/08/2005).
A discussão dos membros do colegiado perpassou pelas questões da necessidade de
definição da área de atuação do curso, a preocupação de que havia se passado mais de
um ano em que as discussões tinham sido abertas e pouco se tinha concluído, apesar de
terem sistematizados: a) o Caderno Dossiê da Pedagogia, b) Caderno de Elaboração do
PPP, c) Caderno de Legislação sobre o Curso de Pedagogia. O debate se concentrou
sobre as questões da habilitação do curso, e sobre as propostas do projeto do Governo
Federal e do movimento nacional dos profissionais da educação. A decisão do colegiado
naquele momento foi que o eixo/perfil do curso era a “docência dos anos iniciais do
ensino fundamental e gestão educacional conforme a proposta da ANFOPE” (Ata de
Colegiado 09/08/2005).
Nas reuniões de colegiado do semestre 2005/2 apareceu a preocupação quanto ao novo
PPP do curso tais como: “convocar a comunidade, alunos e professores para uma ampla
102
discussão que resulte num projeto que atenda ao novo perfil do curso” (Ata de Colegiado
22/09/2005). Além dos esclarecimentos nessa reunião que o novo PPP entraria em vigor
em 2007.
As discussões sobre o novo curso de Pedagogia foram recorrentes durante aquele
semestre, mas sem encaminhamentos e sistematizações apresentadas para o PPP. Na
reunião de colegiado subseqüente aparece a preocupação de definição do projeto de
curso e definem reunião extraordinária para esse fim (Ata de Colegiado 07/11/2005). No
período de 2005 a 2006 constatou-se a ocorrência de vários fatos: greve das
universidades federais, mudança de coordenação de curso, aprovação das
DCN/Pedagogia, o que contribuiu para que somente em junho de 2006 uma primeira
proposição do curso fosse apresentada no colegiado (Ata de Colegiado 21/06/2006).
O posicionamento da PROGRAD/UFT sobre “unificar as propostas pedagógicas de
todos os cursos de Pedagogia de todos os campi da UFT” foi sinalizada no colegiado no
final do semestre 2006/1 (Ata de Colegiado 12/07/2006). No semestre seguinte 2006/2
ainda identifiquei a pauta única para “discussões das propostas para as novas diretrizes
nacionais dos cursos de Pedagogia” (Ata de Colegiado 28/11/2006).
Com base nessa decisão foi formada uma comissão de professores composta por
coordenadores de cursos de Pedagogia, professores convidados e membros da
PROGRAD para a discussão da Pedagogia na UFT. Foram realizados vários encontros
no ano de 2006, e nesse mesmo ano, em novembro, foi aprovado no CONSEPE um
documento específico para os cursos de Pedagogia: “Diretrizes Norteadoras para a
Reformulação dos Projetos Pedagógicos dos Cursos de Pedagogia”. A recomendação era
que até final de 2006 os PPP estivessem elaborados e encaminhados a PROGRAD. Esse
documento relatou o processo afirmando que a reformulação dos PPP aconteceu a partir,
[...] do I Seminário de Reformulação Curricular dos Cursos de Graduação da
UFT e da Resolução CONSEPE nº 05/2005, os cursos de Pedagogia deram
seqüência às discussões internas acompanhando as discussões que se
realizaram em nível nacional acerca das Diretrizes Curriculares para o curso.
Em setembro de 2006, a PROGRAD convoca os coordenadores dos quatro
cursos de Pedagogia da UFT e mais um membro das comissões do PPP de
cada colegiado para compor uma comissão institucional para construir as
diretrizes norteadoras da reformulação dos currículos do curso.
103
Nesse sentido, a comissão instituiu uma dinâmica de trabalho que consistiu
em quatro encontros: o primeiro nos dias 12 e 13 de setembro discutiu-se as
concepções subjacentes às DCN da Pedagogia e definiu a concepção e
objetivos do curso, o perfil do pedagogo e a forma de organização
curricular. No segundo encontro realizado no dia 26 de setembro, discutiu-
se, preliminarmente, a estruturação dos núcleos que devem compor a
estrutura curricular do curso. Após esse encontro os coordenadores de
cursos de participaram do I Encontro Nacional dos Coordenadores de
Cursos de Pedagogia das Universidades Públicas Brasileiras promovido pela
UFSC e FORUMDIR.
O terceiro encontro da comissão ocorreu durante o FEPEC, em outubro,
quando se delimitou uma estratégia de trabalho para o próximo encontro:
cada colegiado apresentaria uma proposta de estruturação dos núcleos e
indicação de seus componentes curriculares, que seria socializada aos
demais para análise. No último encontro, nos dias 9 e 10 de novembro, a
comissão trabalhou a partir das proposições de estruturação dos núcleos dos
colegiados, discutindo cada um dos componentes e definindo, por voto ou
por consenso, o que integraria a proposta final (Parecer PROGRAD sobre
Diretrizes Norteadoras para a Reformulação dos Projetos Pedagógicos dos
Cursos de Pedagogia da UFT de 22 de novembro de 2006).
Observei nas atas de colegiado as discussões, as idas e vindas do projeto, seminários e
reuniões entre coordenadores dos cursos de Pedagogia, professores e a PROGRAD/UFT,
até ser enviado, numa fase posterior, os projetos pedagógicos de cursos de Pedagogia
para aprovação no Conselho Pleno do CONSEPE.
Na reunião de colegiado estão registradas as insatisfações dos membros do colegiado
quanto à condução dos trabalhos pela PROGRAD no que se referem às discussões sobre
as diretrizes para a elaboração dos PPPs de Pedagogia. A discussão dos projetos se
resumiu basicamente: “cada colegiado deveria discutir as propostas de núcleos e a
distribuição de disciplinas para que na reunião seguinte a comissão concluísse a
proposição sem retornar novamente aos respectivos colegiados” (Ata de Colegiado
13/12/2006). No entanto, a discussão de uma proposta pedagógica de curso deve refletir
o sentido desse processo.
Como é trabalhada a articulação teoria e prática na dinâmica do curso? Há
predomínio de um destes pólos sobre o outro? Como se revela? Como é
encarada a teoria? Como conjunto de verdades absolutas e universais? Como
corpo de conhecimentos completamente isolados da prática? Como é
percebida a prática educacional? Há predomínio do praticismo? A dinâmica
do curso está voltada para uma prática formal ou para uma prática concreta?
E essa prática é criativa? Inovadora? Como se expressa? Como está
estruturado o currículo? Existe uma clara divisão entre disciplinas “teóricas”
e “instrumentais”? O projeto do curso está voltado para que tipo de
educador? E as práticas do curso? Como se expressam? Como se dá o
conhecimento da realidade? (Candau, 1995: 61).
Uma proposta pedagógica é a expressão de um projeto político cultural. Não há
diferença conceitual, segundo Kramer (2000) entre proposta pedagógica e currículo.
104
Portanto, indagações do tipo: De que forma as diretrizes curriculares se constituem
referência para a configuração dos currículos de formação de professores? devem ser
objeto de reflexão. O currículo concebido como proposta pedagógica reúne bases
teóricas, diretrizes práticas e aspectos técnicos que viabilizam a sua concretização. Uma
proposta pedagógica,
[...] é um caminho, não é um lugar. Uma proposta pedagógica é construída no
caminho, no caminhar. Toda proposta pedagógica tem uma história que
precisa ser contada. Toda proposta contém uma aposta. Nasce de uma
realidade que pergunta e é também busca de uma resposta. Toda proposta é
situada, traz consigo o lugar de onde fala e a gama de valores que o constitui;
traz também as dificuldades que enfrenta, os problemas que precisam ser
superados e a direção que a orienta. E essa sua fala é a fala de um desejo, de
uma vontade eminentemente política no caso de uma proposta educativa, e
sempre humana, vontade que, por ser social e humana, não é nunca uma fala
acabada, não aponta “o” lugar, “a” resposta, pois, se traz “a” resposta, já não
é uma pergunta. Aponta, isso sim, um caminho também a construir (Kramer,
2000: 169).
A partir desse pressuposto alguns critérios devem ser considerados na elaboração de uma
proposta pedagógica, em especial, ao se definir diretrizes curriculares para um curso,
analisando, por exemplo:
Quem produziu a proposta? Como foi produzida? Quais os participantes
dessa produção e em que condições a proposta foi elaborada? Por outro lado,
cabe indagar: o texto permite escutar/ler as vozes dos vários participantes do
processo de implementação da proposta (da concepção teórica à execução
prática)? Qual a concepção de proposta pedagógica do texto em análise?
Supõe que a sua é uma dentre as muitas alternativas, ou a considera como a
única, trazendo uma palavra monológica, autoritária, que dita o que deve e o
que não deve ser feito de maneira normativa, cheia de jargões e estruturas
prontas condutoras da prática? a proposta apresenta diretrizes que resultam
de experiências anteriores cujo percurso na história é resgatado ou traz
modelos a serem seguidos como se não tivessem efetivamente uma autoria,
um autor vivo, nos termos de que fala Dietszch (1991) ao discutir cartilhas?
Para quem o texto da proposta em questão se dirige: professores, escolas,
famílias, crianças, supervisores, diretores? Dirige-se a alguém? Há indícios,
no texto da proposta, de que tais leitores esperados serão levados em conta
como co-autores da proposta, podendo questioná-la, modificá-la etc? Há
mecanismos de interação previstos? Quais? (Kramer, 2000: 175).
Mesmo sem refletir esses pressupostos o processo de construção do PPP continuou por
todo o semestre letivo de 2006 e na ata de colegiado ficou registrado que o documento
do colegiado fora apresentado à comissão “demonstrando as contraposições e
retificações que o colegiado considerou relevantes” conforme o que essa comissão tinha
aprovado para alterações “de até vinte e cinco por cento da proposta de disciplinas a
serem contempladas e definida no núcleo, tendo cada campus autonomia para fazer as
mudanças que julgassem necessárias” (Ata de Colegiado 20/12/2006).
105
As ementas de disciplinas foram aprovadas pelo colegiado (Ata de Colegiado
17/01/2007) e o PPP do curso declarado “em fase final” de elaboração (Ata de
Colegiado 07/02/2007). Desta forma o PPP do novo curso de Pedagogia foi concluído
sem considerar as características de um projeto pedagógico: a totalidade, a identidade, a
intencionalidade, a dinamicidade, a construção participativa e a transparência. Um
projeto pedagógico não garante por si só, ao curso, qualidade de ensino, mas certamente
deverá permitir aos seus agentes a consciência do seu “quefazer”, que intervenham no
ambiente acadêmico, superem e equacionem as dificuldades identificadas e seja possível
um “olhar” sobre o processo e ensino e aprendizagem, agucem os sentidos para captar e
perceberem as mudanças sociais (Veiga, 2000).
Na Resolução CONSEPE/UFT nº 04/2007, que aprovou o PPP do curso de Pedagogia
do campus de Palmas, se lia já na apresentação que a proposta de curso fora um processo
envolvente, num prazo de tempo relativamente curto, considerando-se como tramitam
esses projetos em outras instituições, apesar de não serem parâmetros que sirvam de
indicativos de percursos de construção de projetos. Mesmo assim justificam que o PPP
do curso foi,
[...] resultado das reflexões e das discussões efetivadas nos diversos
encontros e debates promovidos pelos vários segmentos da Universidade
com a intenção de se pensar, com clareza, sobre as novas demandas para o
Curso de Pedagogia em atendimento às novas Diretrizes Curriculares
Nacionais. Certamente esse momento indica um passo importante para os
Cursos de Pedagogia da UFT. Assim, a elaboração do Projeto Pedagógico se
constitui de forma a conceder uma visão das ações a serem empreendidas na
formação do profissional pedagogo a partir dos pressupostos legais que ora
norteiam o curso de Pedagogia no âmbito da educação brasileira
(PPP/Pedagogia/UFT 2007-2010, apresentação).
O que eu esperava, como pesquisador, em relação às perguntas norteadoras da pesquisa
sobre as mudanças na proposta curricular do curso de Pedagogia se restringiu ao
atendimento do que recomendou as DCN/Pedagogia em relação à organização
curricular. A forma de organizar o currículo foi apresentada basicamente em três
núcleos: o núcleo de estudos básicos, o de aprofundamento e diversificação de estudos e
o núcleo de estudos integradores. Apesar desse formato o desenho curricular não
avançou para a perspectiva de currículo interdisciplinar como previa as diretrizes,
mesmo trazendo na “grade curricular” núcleos e eixos, pois estes abrigaram em suas
“caixinhas” disciplinas isoladas, que pela nomenclatura e a subdivisão em I e II, até
retomaram as antigas concepções de grades curriculares.
106
Sobre tecnologias digitais não observei nenhum registro nas atas sobre o debate durante
o período de construção do projeto. As discussões giraram em torno do que a ANFOPE e
o FORUMDIR vêem apontando como fundamental nas DCN/Pedagogia. Ou seja, as
categorias: docência, trabalho pedagógico e gestão, foram as mais debatidas. E esgotado
o tempo de elaboração do projeto concentraram a discussão para os núcleos e eixos nos
quais o elenco de disciplinas ou componentes curriculares seriam distribuídos sem
discussão das áreas de conhecimento, apesar da assertiva que determinada tecnologia
pode provocar mudanças na maneira de organização de um currículo.
A maioria das tecnologias é utilizada como auxiliar no processo educativo.
Não são nem o objeto, nem a sua substância, nem a sua finalidade. Elas estão
presentes em todos os momentos do processo pedagógico, desde o
planejamento das disciplinas, a elaboração da proposta curricular até a
certificação dos alunos que concluíram um curso. A presença de uma
determinada tecnologia pode induzir profundas mudanças na maneira de
organizar o ensino (PPP/Pedagogia/UFT 2007-2010).
O que constatei em relação às tecnologias foi à reedição do que já havia sido proposto
em nível de disciplina. No PPP de 2003 tinha uma disciplina chamada “Novas
Tecnologias e Educação”. No PPP 2007-2010 se manteve uma outra, então com outro
nome “Educação e Tecnologias” em função até das argumentações provenientes dos
estudos e pesquisas que realizei no curso, além da minha participação como docente e
pesquisador presente na comissão institucional e nas reuniões de reformulação do PPP
do curso.
A referência às tecnologias, observada no PPP 2007-2010, refere-se à disciplina
renomeada em relação a que existia anteriormente no outro projeto (PPP 2003), com a
mesma carga-horária de 60 horas. Na ementa da “nova” disciplina constata-se a seguinte
descrição:
Tecnologia, cultura e sociedade. As tecnologias e a formação humana.
Ciberespaço; Cibercultura; Tecnologias Intelectuais; Aprendizagem
Colaborativa em Rede; Inclusão Digital. As TIC, a escola e as mudanças na
prática pedagógica. AS TIC como apoio à Educação a Distância, como
contextos propícios à aprendizagem colaborativa e conhecimento
compartilhado. Marcos legais e uso da tecnologia (PPP/Pedagogia/UFT 2007-
2010).
107
As mudanças trazidas na proposta do novo PPP com base na concepção de núcleos,
resultaram num formato para o curso em que disciplinas foram distribuídas de acordo
com dimensões estabelecidas, não sendo superada a idéia de grade curricular.
Observando os pressupostos e as concepções do projeto pedagógico não identifiquei
argumentação ou justificativa sobre a temática das tecnologias digitais. Nem em relação
ao acesso, usabilidade ou como fundamento, além da proposição de um componente
curricular como os demais, nesse caso proposto, no núcleo de estudos básicos, na
dimensão da reflexão sobre a sociedade, a educação, a formação humana e a escola.
A não efetivação da articulação da educação e tecnologias no projeto de curso perdeu a
possibilidade potencializadora das tecnologias digitais para “ultrapassar a linearidade do
espaço e do tempo, combinando diferentes maneiras, formas e proporções para
movimentar as ressonâncias do saber e do conhecimento” (Santos e Alves, 2006: 18).
Educação e tecnologias são questões indissociáveis. Para que ocorra sua interconexão “é
preciso que conhecimentos, valores, hábitos, atitudes e comportamentos do grupo sejam
ensinados e aprendidos” (Kenski, 2007: 43). Isto é, a educação poderá ser utilizada para
ensinar sobre as tecnologias, assim como a sua utilização proporciona a reflexão das
bases dessa educação. Por outro viés compreendemos a relação entre educação e
tecnologias como “socialização da inovação”. “Para ser assumida e utilizada pelas
demais pessoas, além do seu criador, a nova descoberta precisa ser ensinada” (Kenski,
2007: 43).
As tecnologias digitais podem ser entendidas por meio da interconexão educação e
tecnologias. “Usamos muitos tipos de tecnologias para aprender e saber mais e
precisamos da educação para aprender e saber mais sobre as tecnologias” (Kenski, 2007:
44).
As tecnologias quando bem utilizadas “provocam a alteração dos comportamentos de
professores e alunos, levando-os ao melhor conhecimento e maior aprofundamento do
conteúdo estudado” (Kenski, 2007: 45).
O curso de Pedagogia da UFT, que forma professores para os AIEF, deveria ter
contemplado em seu projeto pedagógico a otimização da integração educação e
tecnologias. Os estudos sobre tecnologias não são uma especificidade somente de
108
técnicos de informática, profissionais da comunicação, sistema de informação e
engenheiros, que na maioria dos casos privilegiam os aspectos operacionais e a questão
de hardware ou desenvolvimento de software, sem uma abordagem dos sentidos das
tecnologias na contemporaneidade.
Observei que no PPP do curso não aparece a discussão sobre as tecnologias digitais. A
questão sobre tecnologias se reduz à oferta de uma disciplina como os demais
componentes curriculares. Nas rarefeitas referências encontradas na legislação analisada,
a concepção de tecnologias está carregada do sentido de aparato maquínico tecnológico.
Não localizei nas concepções e princípios do projeto de curso a idéia de tecnologias
digitais como fundamento. Nesse sentido formulei a tese da “presença ausente” das
tecnologias digitais no curso.
3.3. A presença ausente de tecnologias digitais no curso de Pedagogia da UFT.
Numa primeira aproximação a “presença ausente” de tecnologias digitais no curso de
Pedagogia se justifica pelo entorno do seu contexto institucional está minado de
experiências de uma “sociedade cheia de tecnologias” (Kenski, 2004) trazidas como
experiência para o curso através de seu corpo docente e discente. Por esse ponto de vista
as tecnologias digitais estão presentes, no entanto uma “presença ausente” se fez sentir
em função da falta da discussão destas com intencionalidade e princípio formativo no
PPP do curso. Todavia, nesse sentido, tomaríamos essa categoria em sua dicotomia
presença e ausência.
Presença ausente pode ser abordada na perspectiva de Boaventura Santos (2000),
“sociologia das ausências” e “sociologia das emergências”. Para o autor, a reinvenção do
conceito de emancipação social, em sua dimensão epistemológica e como elemento
central, na modernidade ocidental, é uma reflexão importante para a formação de uma
nova racionalidade para o conhecimento. Transformar objetos impossíveis em possíveis,
ausentes em presentes.
A sociologia das ausências visa a contra-argumentar o pensamento hegemônico das
ciências sociais como procedimento transgressivo e insurgente. Ao se contrapor à
109
monocultura do saber e do rigor, do tempo linear, da naturalização das diferenças, da
escala dominante, do produtivismo capitalista, objetiva ultrapassar a produção das
ausências, transformando-as em objetos presentes e dando visibilidade ao que foi
recharçado pela sociologia dominante.
Para Boaventura Santos (2000) a monocultura hegemônica do saber realiza processos de
produção de não-existências. A sociologia das ausências é também uma sociologia das
emergências, uma vez que procura identificar os sinais dos fatos existentes no presente,
como possibilidade do futuro, na perspectiva do “ainda-não”, no sentido daquilo que não
existe, mas está emergindo. O “ainda-não” é capacidade (potência) e possibilidade
(potencialidade). É um exercício de pensar de modo diferente o que estamos habituados
a pensar, no sentido de renovar o passado e reiventar o presente.
Para a sociologia das ausências, na percepção do que é excluído, é que reside sua
principal contribuição. O emergente se expressa como um “ainda-não”, configurando-se
como tendência, perspectival. Ao ampliar a observação e análise do cotidiano, constitui-
se em uma nova forma de racionalidade para a ciência, no intuito de romper com a
“razão indolente” hierárquica: cultura científica versus cultura literária, conhecimento
científico versus conhecimento tradicional, masculino versus feminino, cultura versus
natureza, civilizado versus primitivo, capital versus trabalho, branquitude versus
negritude, norte versus sul, ocidente versus oriente etc.
Giddens (1991) reflete a modernidade como “descontinuidade” entre as ordens sociais
tradicionais e as instituições sociais modernas, em que a separação tempo-espaço
propicia a condição para o desenvolvimento de “mecanismos de desencaixe”. O
desencaixe significa o deslocamento das relações sociais de contextos locais de interação
e sua reestruturação por meio de extensões indefinidas de tempo-espaço. Retira a
atividade social dos contextos localizados, reorganizando as relações sociais através de
grandes distâncias tempo-espaciais. Nesse sentido, também ele, num outro prisma,
aborda a questão presença e ausência, ao afirmar que
Nas sociedades pré-modernas, espaço e tempo coincidem amplamente, na
medida em que a dimensões espaciais da vida social são, para a maioria da
população, e para quase todos os efeitos, dominadas pela “presença” – por
atividades localizadas. O advento da modernidade arranca crescentemente o
110
espaço do tempo fomentando relações entre outros “ausentes”, localmente
distantes de qualquer situação dada ou interação face a face. Em condições de
modernidade, o lugar se torna cada vez mais fantasmagórico: isto é, os locais
são completamente penetrados e moldados em termos de influências sociais
bem distantes deles. O que estrutura o local não é simplesmente o que está
presente na cena; a “forma visível” do local oculta as relações distanciadas
que determinam sua natureza (Giddens, 1991: 26-27).
A partir desse pressuposto e considerando que não existe nada fora da totalidade que seja
ou mereça ser inteligível, eu poderia ter escolhido a concepção da presença ausente na
perspectiva de emergência, do “ainda-não” como tendência, para além da dicotomia
presença versus ausência. Em sociologia das ausências, o que não existe é, na verdade,
ativamente produzido como não existente, concepção considerada impossível para as
ciências sociais convencionais. O aprendizado da sociologia das emergências de
Boaventura Santos (2000) apresenta um futuro de possibilidades plurais e concretas e,
simultaneamente, utópico e realista. Sociologia das emergências é uma nova semântica
das expectativas. Além disso, poderia ter escolhido a perspectiva de Giddens (1991), ao
apresentar as características da modernidade, suas fontes de dinamismo “separação
tempo-espaço”, “desencaixe e ordenação” e “reordenação reflexiva”.
Tratarei, pois, do que considero “presença ausente” das tecnologias digitais no curso de
Pedagogia da UFT, apreendidas na sua condição cíbrida. A história das mídias em suas
relações com o espaço toma como eixo a superação das distâncias, isto é, a “distância
física”. A busca da superação dessas distâncias tem sido uma constante do telégrafo à
revolução da internet. O recente passo dessa busca de superação criou um espaço
próprio, o ciberespaço, em que dispensou a co-presença (Santaella, 2007). Todavia, o
paradoxo em torno da expressão “distância virtual” acentuou-se prioritariamente com as
tecnologias móveis. “Estudos sobre o assunto estão repletos de paradoxos, tais como:
“presença mediada”, “presença ausente”, “presença ubíqua”, todas elas voltadas para as
ambigüidades que o binômio presença e ausência passou a adquirir” (Santaella, 2007:
235).
O paradoxo é “típico de todo sistema midiático, é próprio da vida contemporânea. Ele
excita e frustra, fomenta e bloqueia, agita e deprime, estimula e desalenta. Não há
estática, mas devir e permanente oscilação” (Couto, 2000: 244).
111
Nesse sentido Lévy (2005) critica a oposição entre o virtual e o real. Uma vez que o
virtual tem sido comumente entendido como “ausência da existência”, como uma “não
realidade” ou até “ilusão”. “Em termos rigorosamente filosóficos, o virtual não se opõe
ao real, mas, ao atual: virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de ser
diferentes” Lévy (2005: 15).
A questão atual e real não se caracteriza como desrealização. A virtualização “é uma
mesclagem do presente com o ausente, do que está aqui e do que se encontra distante.
Jamais é uma alternativa de exclusão, mas sempre de mixagem, forçando uma
heterogênese, em novos meios interativos” (Couto, 2000: 173).
A heterogênese é o termo com o qual Guattari (1993) procura entender o sujeito em sua
singularidade. No contexto do contemporâneo a subjetividade se constitui de diferentes
modos de existência. Estilos de vida singulares caracterizados não pela identidade, mas
pela alteração. A heterogênese é processo irreversível de diferenciação necessário e
singularizante. É movimento intensivo da subjetividade de (hetero)constituição da
experiência. O sujeito situado na heterogênese se constitui um “ser processual,
polifônico, singularizável, de texturas infinitamente complexificáveis, ao sabor de
velocidades infinitas que animam suas composições virtuais” (Guattari, 1993: 69). Nesse
sentido a virtualização,
[...] não é uma desrealização (a transformação de uma realidade num
conjunto de possíveis), mas uma mutação de identidade, um deslocamento
do centro de gravidade ontológico do objeto considerado: em vez de se
definir principalmente por sua atualidade (uma “solução”), a entidade passa
a encontrar sua consistência essencial num campo problemático. Virtualizar
uma entidade qualquer consiste em descobrir uma questão geral à qual ela se
relaciona, e fazer mutar a entidade em direção a essa interrogação e em
redefinir a atualidade de partida como resposta a uma questão particular
(Lévy, 2005: 17-18).
Virtual não é ausência de existência, o imaterial. O “não estar presente” ou a
“virtualização reinventa uma cultura nômade” (Lévy, 2005: 20). O que acontece na
condição de virtualidade é o “despreendimento do aqui e agora para que se possa
complementá-lo com distante e depois, isto é, com a multiplicidade de possibilidades em
vias de concretização, desde que devidamente desejadas, selecionadas, construídas”
(Couto, 2000: 173). “Estamos ao mesmo tempo aqui e lá graças às técnicas de
112
comunicação e de telepresença” (Lévy, 2005: 27). Os sistemas de realidade virtual
“transmitem mais que imagens: uma quase presença” (Lévy, 2005: 29).
A virtualidade não tem absolutamente nada a ver com aquilo que a televisão
mostra sobre ela. Não se trata de modo algum de um mundo falso ou
imaginário. Ao contrário, a virtualização é a dinâmica mesma do mundo
comum, é aquilo através do qual compartilhamos uma realidade. Longe de
circunscrever o reino da mentira, o virtual é precisamente o modo de
existência de que surgem tanto a verdade como a mentira (Lévy, 2005: 148).
Uma das ambigüidades da presença ausente passa pelo conceito de nomadismo. Uma
vez que “[...] os espaços nômades são lisos, pois os caminhos também são móveis,
apagam-se e deslocam-se na trajetória sem pouso” (Santaella, 2007: 235). A partir da
concepção de que o nômade constrói seu próprio caminho ao mover-se pelo espaço e
não ocupa caminhos pré-definidos “[...] os usuários de tecnologias expandem o conceito
de nômade, pois não apenas seus caminhos são móveis, mas também os nós” (Silva,
2006: 35).
O fato de que nas redes do ciberespaço os caminhos e os nós são móveis oportuniza ao
usuário um duplo nomadismo e dupla mobilidade. “O que alimenta as ambigüidades
vigentes é o fato de que, no duplo nomadismo e na dupla mobilidade, as bordas entre os
estados de presença e ausência que, nas sociedades tradicionais, eram nítidas tornam-se
borradas” (Santaella, 2007: 236).
Presença e ausência intercambiam-se, sobrepõem-se em um mesmo espaço,
gerando a vivência da ubiqüidade: estar lá, de onde me chamam, e estar
aqui, onde sou chamado, ao mesmo tempo.
Alguém que fala no telefone celular é parte e ao mesmo tempo está
mentalmente afastado, até certo ponto, do contexto dos indivíduos que
ocupam a mesma área espacial. Um lado de sua mente também é parte de
um contexto distante da pessoa com quem fala e está, por sua vez, em um
lugar remoto. O espaço se desdobra, e os dois contextos se encaixam, um
dentro do outro. É que cria no usuário a sensação de ubiqüidade: estar em
dois lugares ao mesmo tempo (Santaella, 2007: 236).
O fenômeno da “presença ausente” não é uma característica das tecnologias móveis.
Emergiu no mundo impresso. Na imprensa, “as vozes ausentes se tornam presentes”. O
desenvolvimento das tecnologias de comunicação “trouxe maior intrusão da presença
ausente na vida das comunidades face a face”. No entanto, nas tecnologias móveis “as
relações face a face são revitalizadas” (Santaella, 2007: 237).
113
A contemporaneidade providenciou outro modelo de presença. Estar ao alcance
independente da distância significa ao mesmo tempo estar perto dos que estão distantes.
[...] “as relações de co-presença sempre envolvem contigüidade e
afastamento, proximidade e distância, sensatez e imaginação”. É verdade;
mas a presença ubíqua e contínua da terceira – da “proximidade virtual”,
universal e permanentemente disponível graças à rede eletrônica – faz a
balança pender decididamente em favor do afastamento, da distância e da
imaginação. Ela anuncia (ou será que pressagia?) uma separação final entre
o “fisicamente distante” e o “espiritualmente remoto”. O primeiro não é
mais condição para o segundo. Este agora tem sua própria “base material”
high-tech, infinitamente mais ampla, flexível, variada, atraente e prenhe de
aventura do que qualquer rearranjo de corpos materiais. E a proximidade
física tem menos chance do que nunca de interferir no afastamento espiritual
... (Bauman, 2004: 80-81).
A presença está relacionada ao conceito de telepresença. Esse por sua vez, descrevia as
primeiras experiências da sensação que alguém teria, operando remotamente uma
máquina. Isto é, a sensação de estar em um lugar diferente, através de um sistema de
teleoperação. Atualmente a telepresença é um termo descritivo do contexto da realidade
virtual, em que os mediadores dessa experiência podem ser uma mídia ou tecnologia,
que dão a impressão do usuário estar fisicamente presente em um espaço ou tempo tanto
real como diferentemente imaginado daquele que realmente está.
A imersão no ciberespaço, no sentido de se sentir envolvido, é uma das condições para
experimentar a sensação de presença. E os níveis de sensação de presença dependem do
quanto o usuário se envolveu inicialmente com os objetos do ciberespaço. A partir desse
pressuposto, a telepresença,
[...] é um meio de expressar, em nível estético, as mudanças culturais
advindas do controle remoto, visão remota e troca de informações
audiovisuais em tempo real, num contexto em que os participantes são
convidados a experienciar mundos remotos, inventados a partir de
perspectivas e escalas diferentes das humanas (Eduardo Kac citado por
Santaella, 2000: 15).
Os espaços complexos, também chamados cíbridos nos quais o real e o virtual se
interconectam em redes, também nos deram base nesse entendimento da presença
ausente. Peter Anders (2003) em suas pesquisas buscou destacar a dimensão humana no
ciberespaço. Trabalha com o conceito de “ciberespaço antrópico”, entendendo-o “como
uma extensão de nossa consciência” (Anders, 2003: 47).
A presença ausente com a qual trabalho, na acepção da condição cíbrida, evoca a
114
capacidade de habitar dois mundos ou sistemas concomitantes, e nesse sentido expande
a consciência para a ubiqüidade de “estar aqui” e “estar lá” ao mesmo tempo. Com base
nessa premissa, o espaço é uma construção mental que através das tecnologias nos
estendem para além de nosso corpo e localidade. Os ambientes modificam nossas ações
e, portanto, “por essa razão, o ciberespaço não é apenas uma extensão de nosso espaço
percebido, mas uma expansão de nosso ambiente social” (Anders, 2003: 49).
Nossa imersão no ciberespaço nos faz perder nossos laços com corpo e nosso espaço.
Porque o ciberespaço é totalmente simbólico, “faz com que seus usuários dividam o
mesmo espaço, ocupando-o mentalmente ao mesmo tempo. Ele é um artefato
independente das mentes de seus usuários” (Anders, 2003: 62).
Uma simples webcam, conectada a www, é altamente transformadora da
capacidade mental de estar nesse, naquele ou em um outro lugar. A
ubiqüidade potencial é ainda mais ampliada em visitas a portais de webcams
com imagens em tempo real de diferentes cidades do mundo. A condição
cíbrida também é vivida em games ‘multiusuários’ nas salas de Lan Houses.
A rigor, os jogadores estão no mesmo espaço físico e compartilham um
ciberespaço comum, num encontro cíbrido bastante corriqueiro. No entanto,
mesmo que esses jogadores estivessem em suas casas, ou seja, em espaços
físicos diferentes, os games ‘multiusuários’ são compostos por espaços
cíbridos à medida que o ato de jogar é, em si, uma confluência de mundos
físicos, simbólicos e virtuais (Leão, 2006: s/p).
As tecnologias móveis fizeram com que a telepresença não se identificasse mais com o
par “presença e ausência” como fora inaugurado pelos primeiros meios de comunicação
de massa. Com o desenvolvimento das tecnologias assistimos à emergência de um outro
regime de transporte que não é mais o dos signos da presença, mas do próprio meio de
chegada, este último confundindo-se com o meio de partida: fenômeno que substitui a
lógica da emissão e recepção pela da divisão corporal de um mesmo sujeito em diversos
lugares simultaneamente (Santaella, 1998).
A aparente contradição dos termos considerados opostos “presença e ausência” é uma
das questões da teoria das imagens, que segundo Santaella (1998) proximidade e
separação, fusão e corte, e onipresença fazem parte das discussões das implicações do
ato de fotografar, assim como da discussão sobre as artes, na busca de encontrar meios
de produção e armazenamento de signos e linguagens.
Com base na minha pesquisa utilizo a tese da “presença ausente”. O termo possui
desdobramento nos paradoxos: proximidade e distância, deslocamento eletrônico,
115
presença mediada, presença ausente, presença ubíqua. Todavia, com as tecnologias
digitais as ambigüidades do par “presença e ausência” passou a adquirir maior ênfase.
A “presença ausente” na tese está no sentido de se sobrepor em um mesmo espaço, dois
contextos que se encaixam, um dentro do outro e, portanto, intercambiam-se. Nesse
sentido que considero a “presença ausente” de tecnologias digitais no curso de
Pedagogia da UFT. Ou melhor, “a proximidade não exige mais a contigüidade física; e a
contigüidade física não determina mais a proximidade” (Bauman, 2004: 81). As
conexões, o estar conectado nos colocou diante da questão “a distância não é obstáculo
para se entrar em contato – mas entrar em contato não é obstáculo para se permanecer à
parte” (Bauman, 2004: 82).
O fato do curso de Pedagogia da UFT, que passou por diversas mudanças, mesmo em
sua curta história de criação, não se ter identificado a discussão das tecnologias digitais é
uma questão sobre a qual me ocupei nesse trabalho. Na revisão bibliográfica identifiquei
diversas abordagens sobre as tecnologias. A pluralidade de definições me fez trabalhar
com conceituações sempre abertas. Encontrei autores que apresentaram
pedagogicamente as tecnologias sob três formas integradas: como: a) conteúdo
curricular, b) competência profissional e c) meios tecnológicos.
Partindo desse ponto de vista ao identificar que não estava explicitada no curso de
Pedagogia da UFT, a idéia de tecnologias para além de disciplina, tratei de precisar
melhor esse tensionamento. Primeiramente há que se fazer uma ressalva que não se trata
simplesmente de tomar as tecnologias como processo comunicacional. O que equivaleria
acolher o entendimento de que toda prática pedagógica é comunicativa e por extensão,
nesse sentido, qualquer proposta educacional e a própria formação estaria impregnada de
tecnologias digitais.
As tecnologias podem ser lidas pelo viéis do pedagógico, do epistemológico e do
psicológico de forma integrada. Fazer uma leitura pedagógica ou se posicionar
pedagogicamente “significa dar uma direção de sentido às práticas educativas tendo
como critérios um posicionamento político e ético” (Libâneo, 2002: 113). Fazer uma
leitura pedagógica das tecnologias, nesse sentido:
116
[...] é verificar a intencionalidade dos processos comunicativos (política,
ética, psicologia, didática) presentes nas novas tecnologias da comunicação
e da informação e nas formas de intervenção metodológica e organizativa. O
que levanta a questão dos objetivos sócio-políticos e a discussão, pelos
educadores, de uma proposta educacional, de um projeto cultural e
educativo que tenha origem num projeto de gestão da sociedade. Nesse
sentido, educação escolar significa prover os meios de compreender o
mundo, compreender a realidade, e de transformá-la. É isso que caracteriza
a educação. Se temos clareza sobre isso, fica mais fácil pensarmos no papel
das mídias, das imagens (Libâneo, 2002: 113).
Essa intenção pedagógica, portanto, me fez retomar a discussão da resistência à chamada
“incorporação” das tecnologias no trabalho escolar. A inabilidade dos professores,
devido à falta de formação, tem conduzido às atitudes de insegurança e quando muito a
utilização destas como recursos didáticos ou audiovisuais.
Entendo as tecnologias como produção de saberes, caso contrário, as conceberia no
modelo linear e mecânico de sua usabilidade. E um dos desafios que se apresenta à
formação de professores é que educação e tecnologias requerem uso competente dos
recursos tecnológicos, domínio das técnicas diferenciadas de informática, além de
trabalho colaborativo. Um trabalho que rompe com a disciplinarização de nossos
currículos, na busca da interdisciplinaridade que,
[...] vai justamente ser pensada no âmbito da Pedagogia como a
possibilidade de uma nova organização do trabalho pedagógico, que permite
uma nova apreensão dos saberes, não mais marcada pela absoluta
compartimentalização estanque das disciplinas, mas admitindo uma
comunicação entre os compartimentos disciplinares. Assim como
epistemologicamente a interdisciplinaridade aponta para a possibilidade de
produção de saberes em grupos formados por especialistas de diferentes
áreas, pedagogicamente ela indica um trabalho de equipe, no qual os
docentes de diferentes áreas planejam ações conjuntas sobre um
determinado assunto (Rivero e Gallo, 2004: 110-111).
Entretanto no que se refere ao fenômeno da interdisciplinaridade como possibilidade de
integração, as mudanças no currículo do curso de Pedagogia não representam as
concepções que se constituem como interdisciplinares, apesar dessas mudanças pelas
quais o curso passou gerarem, como comumente fazem as mudanças, expectativa de um
certo avanço em relação às práticas fragmentárias atuais da organização do
conhecimento.
O currículo integrado como outra possibilidade de organização do trabalho pedagógico
nos convida a pensar numa rede de conhecimentos formada por múltiplos fios e nós de
117
interconexões. Rede que tem o sentido de “um entrelaçamento de fios, cordas, cordéis,
arames, ou outros materiais, com aberturas regulares, fixadas por malhas, formando uma
espécie de tecido” (Ramal, 2002: 135). Uma prática pedagógica ainda não tão
vivenciada nas experiências formativas e por sua vez não articulada no curso.
O curso de Pedagogia da UFT, ao formar docentes para o exercício didático de
diferentes disciplinas, o chamado professor multidisciplinar, expressa sua tendência
essencialmente disciplinar. E as tecnologias digitais como fundamento da formação
requerem uma formação mais dinâmica e rizomática.
Entendo que o enfrentamento dessas questões perpassa pelas propostas de mudanças de
atitudes de pesquisa, por exemplo, tornando a pesquisa uma estratégia metodológica
estimulante e desafiadora sobre o pensar a contemporaneidade, tomando a
interdisciplinaridade como possibilidade de enredeamentos, como base do trabalho
formativo.
Minha argumentação sobre a práxis necessária na contemporaneidade vai para além da
idéia de “incorporação” de tecnologias no trabalho pedagógico como perspectiva de
mudança e inovação, mas como fundamentos da formação. Para tanto educação e
tecnologias,
[...] não pode ser vista apenas como instrumento ou ferramenta, uma
significação própria da cosmovisão moderna. Como as tecnologias
transformam as linguagens, os ritmos e modalidades da comunicação, da
percepção e do pensamento, operam com proposições, exteriorizam,
objetivam, virtualizam funções cognitivas e atividades mentais, devem ser
vistas como possibilidades de criação, de pesquisa, de cultura, de re-invenção.
É necessário entendermos a tecnologia não apenas como o fazer, mas também
como o dizer, o entender, o intencionar o que se faz (Bonilla, 2005: 79).
A questão fundamental de um curso, de formação de professores, não é a acessibilidade
à informação, mas o que fazer com a informação de fácil acesso. A análise sobre as
diferenças entre informação e conhecimento nos coloca no debate sobre a interação da
geração jovem com as tecnologias. Esses jovens,
[...] relacionam-se e gostam mais das tecnologias digitais do que das
analógicas. Constituem uma geração que nasceu e está crescendo cercada
pelas tecnologias digitais, vendo-as como inerentes ao seu mundo, com a
118
mesma simplicidade que os adultos vêem a tv. Mesmo os que não têm acesso
ao computador ou à internet, têm certa fluência no meio digital, pois a maioria
tem experiência com videogames, os ambientes que freqüentam,
supermercados, lojas, bancos, estão informatizados, utilizam código de barras,
leitores óticos. Segundo Tapscott (1999: 37), para os jovens, o “visível” da
tecnologia não é o recurso em si, e sim o que podem fazer com ele, ou seja, os
jovens vêem informação, jogos, aplicações, serviços, amigos e protagonistas.
Eles não falam em tecnologia, falam em brincar, em construir um site, em
escrever aos amigos, paquerar. Nesse sentido, a tecnologia é completamente
transparente para eles. E é por isso que os jovens não necessitam de “aulas de
informática”. Eles sentem-se confortáveis interagindo com as tecnologias, vão
aprendendo e descobrindo como funciona à medida que essa interação
acontece, à medida que brincam, comunicam-se, trabalham e criam (Bonilla,
2005: 85).
Um curso desafiado pelas implicações da sociedade em rede não somente fornece
informação, mas provê o aluno com mecanismos para interagir autonomamente com
esse imenso volume de informações que o bombardeia diariamente. É um curso que
ensina como acessar, filtrar e relacionar a informação qualitativa e significativa para, a
partir dela, estar no mundo produzindo conhecimento novo.
A educação contemporânea requer de seus profissionais, cada vez mais, a competência
de facilitador na busca, seleção de informações, orientador do processo de transposição
didática da informação para o conhecimento, colaborador na contextualização do
conhecimento da realidade vivida pelo aluno e agente do desenvolvimento da
capacidade crítica e propositiva de saberes.
O profissional identificado por essas posturas e práticas conhece a realidade do aluno,
sua linguagem, seus valores e seus objetivos de vida. Integra conceitos e fatos do dia-a-
dia na estruturação do conteúdo de sua discussão; agrega à formação, instrumentos de
comunicação, tais como: sua própria home page, seus livros, o seu blog, orkut, enfim,
estar conectado com a cotidianidade, traduzindo-a e utilizando tecnologias no seu
trabalho docente.
Nesse contexto o que ocorre com a geração escolar se constitui objeto de interesse da
escola e da universidade. Seus relacionamentos, seus anseios, suas iniciativas, suas
perspectivas e interações são subsídios de pesquisa e elementos estruturantes do projeto
de formação. Mais do que nunca as instituições devem se preocupar em tratar o aluno
como ser integral, em todos os aspectos, desde o cognitivo até o social, passando pelo
afetivo, emocional, moral, estético e ético.
119
A finalidade de pesquisa com as tecnologias digitais adveio da busca de entendimento
destas como fundamento do trabalho formativo, uma vez que eu vinha assistindo em
alguns cursos e programas governamentais, as tecnologias assumirem centralidade tão
evidente que parecia se esquecer dos próprios princípios da formação. Nesse sentido me
contraponho ao entendimento que educação e tecnologias se limitam em ser apenas
ferramenta do próprio trabalho pedagógico.
[...] uma séria retomada da ação docente numa espécie de auto-avaliação do
que já faz para identificar o que pode fazer a partir do que tem, ou do quanto
deve eliminar-se, do que tem, para instituir a nova atitude de estudos e de
ensino que pretende. Essa retomada se dá com a capacitação do professor em
contato interativo com as tecnologias. Iniciar o uso do ferramental tecnológico
pressupõe que conteúdos e metodologias já se encontram adequados e
coerentes com a formação curricular desejada e com o desenvolvimento que
vem realizado pelo professor. Tecnologia é apenas ferramenta que se agrega
ao trabalho pedagógico já existente. É recurso que visa melhorar o
desempenho da comunicação em aula ou em uma situação laboratorial de
ensino e aprendizagem em curso.
Torna-se desastrosa uma prática que já se encontra defasada em relação aos
conteúdos (ultrapassados) que desenvolve metodologia e material didático
fora do contexto, uma vez que usa-se tecnologia apenas reproduzindo em tela
iluminada o que já é ruim no quadro estático. Vai continuar ruim e até
ressaltar o quanto o é.
Tecnologia não melhora a essência do que se ensina e sim a forma de
transmiti-la. Assumir o emprego de tecnologias educacionais favorece a
revisão da prática convencional (Soares, 2006: 38-39).
O aprendizado de pesquisa em relação às tecnologias digitais no curso de Pedagogia da
UFT me oportunizou tecer alguns encaminhamentos, mesmo que provisórios, tais como:
o novo projeto pedagógico não avançou em relação à discussão do contemporâneo no
curso. Por isso, a demanda de pesquisas e estudos sobre as tecnologias digitais no curso
de Pedagogia da UFT é aspecto fundamental a ser considerado.
Pensar estratégias de ensinagem no curso tendo as tecnologias digitais como meios e
fundamento é uma necessidade a ser implementada. “A teoria pedagógica ainda não está
dando inteiramente conta dessa nova realidade educacional. Fazemos adaptações,
aproximações e incorporações de antigas teorias ... e a realidade nos escapa”. A busca
nos nossos fundamentos e experiências de pesquisa nos ajudarão a “iniciar o movimento
de ser esse novo professor” (Kenski, 2004: 142). O devir educacional contemporâneo,
uma nova educação que, malgrado as permanências, não é mais a mesma.
Uma educação plural que, embora pertencente a nosso tempo/espaço
contemporâneo, se manifesta em ricas e singulares histórias nos mais
diversos locais. Histórias que aí estão para serem inventadas (Carvalho,
2005: 86).
120
Nesse capitulo ao tratar do sentido e concepção das tecnologias digitais e a pesquisa
apontar para a tese da “presença-ausente” me desafiou na busca de fundamentação, nas
publicações sobre as questões referentes à contemporaneidade: currículo e formação de
professores. Partindo dessa premissa no quarto capítulo faço uma abordagem de algumas
das bases conceituais do currículo contemporâneo que foram evidenciadas nesse
trabalho de estudo das tecnologias digitais.
121
CAPÍTULO IV.
4. BASES CONCEITUAIS DO CURRÍCULO
CONTEMPORÂNEO.
No estudo das concepções referenciais do curso de Pedagogia, em busca de síntese sobre
a idéia de tecnologias digitais, construi os apontamentos da tese da “presença ausente”.
Nesse traçado das questões do entorno da educação e tecnologias, foram evidenciadas,
na pesquisa, categorias como “ciberespaço antrópico”, “condição cíbrida”, “presença
ubíqua”, características do contemporâneo, que, por sua vez, fazem interfaceamentos
com “nomadismo”, “mobilidade”, “interatividade” e “interdisciplinaridade”. Categorias
no sentido de “[...] regiões de generalidade compreendidas e interpretadas no âmbio do
estudado e das reflexões do pesquisador” (Macedo, 2006: 17).
O contemporâneo, pensado como tempo histórico, é o período específico atual da
história do mundo ocidental, iniciado a partir da Revolução Francesa. Em outra acepção,
diz-se que contemporâneo refere-se a coetâneo, aquele que viveu ou existiu na mesma
época, ou ainda, que se constitui de acontecimentos recentes. Tempo atual. É a
experimentação crítica nos interstícios dos acontecimentos. Trabalho neste texto com a
concepção do contemporâneo como atualidade, como o friso que dobra o que se passa
em torno de nós e o que acontece em nós.
Em O Mal-Estar da Pós-Modernidade, Bauman (1998) mostra que “a “vontade de
liberdade” que acompanha a velocidade das mudanças econômicas, tecnológicas,
culturais e do cotidiano” (Bauman, 1998: prefácio), mudanças consideradas pós-
modernas, perfazem a experiência, na qual “[...] o mundo é vivido como incerto,
incontrolável e asustador” (Bauman, 1998: prefácio). Para esse autor, vivemos uma
época que Anthony Giddens chama de “modernidade tardia”; Ulrich Beck de
“modernidade reflexiva” e, que ele, Bauman, chama de “pós-moderna”: “[...] o tempo
em que vivemos agora, na nossa parte do mundo (ou, antes viver nessa época delimita o
que vemos como a “nossa parte do mundo” ...)” (Bauman, 1998: 30).
122
Em outras palavras, a modernidade é a impossibilidade de permanecer fixo.
Ser moderno significa estar em movimento. Não se resolve necessariamente
estar em movimento – como não se resolve ser moderno. É-se colocado em
movimento ao se ser lançado na espécie de mundo dilacerado entre a beleza
da visão e a feiúra da realidade – realidade que se enfeiou pela beleza da
visão. Nesse mundo, todos os habitantes são nômades, mas nômades que
perambulam a fim de se fixar. Além da curva, existe, deve existir, tem de
existir uma terra hospitaleira em que se fixar, mas depois de cada curva
surgem novas curvas, com novas frustrações e novas esperanças ainda não
destroçadas.
O hábitat dos nômades é o deserto – este lugar-não-lugar sobre o qual
Edmond Jabès escreveu que, nele, “não há avenidas, bulevares, becos sem
saída nem ruas. Somente – aqui e ali – vestígios fragmentários de passos,
rapidamente apagados e negados”. Apagar as pegadas de ontem é tudo o que
resta à quimérica simplicidade do pernoite. Faz com que a chegada dê,
reconfortantemente, a impressão de estar em casa – isto é, até que também
se transforme em um vestígio a ser negado e apagado (Bauman, 1998: 92).
Com base nesse pressuposto, realizo, neste capítulo, a análise dessas categorias e suas
interfaces, identificando suas principais bases conceituais, esclarecedoras no
entendimento das práticas curriculares na contemporaneidade. Por plural que seja o
termo currículo, opero aqui com uma noção simples: conjunto de conteúdos, vivências e
práticas a serem ensinados e (re)aprendidos, segundo a lógica escolar e/ou acadêmica;
portanto, currículo disciplinar. A perspectiva é que, ao abordá-lo assim, se chegue ao seu
entendimento rizomático e não-disciplinar.
Nossa experiência corrente dá-se com o currículo disciplinar, isto é, um
modelo de currículo em que os conteúdos a serem dispostos para a
aprendizagem apresentam-se na forma de disciplinas, áreas de saber
tomadas de forma autônoma, independente e estanque. Toda a pedagogia e a
escola modernas (isto é, desde o século dezessete) assentam-se sobre uma
noção disciplinar de currículo. No entanto, a disciplina e o currículo
disciplinar são muito mais antigos, apesar de não receberem ainda tal
denominação (Gallo, 2004: 38).
Há muito tempo, existe a relação currículo e tecnologias. A emergência dos estudos do
currículo, nos Estados Unidos, deu-se no início do século XX, mesmo antes de se
constituir como campo de pesquisas. O lançamento do satélite Sputnik pelos russos, em
1957, fez com que os norte-americanos culpassem os professores pelo o que julgaram
ser sua derrota na corrida espacial. Esse fato implicou o reivindicar da reestruturação dos
currículos escolares, em função da suposta qualidade perdida. A partir de então, o
currículo foi considerado objeto de análise dos que queriam compreender e planejar o
trabalho formativo. As mudanças curriculares demandaram
[...] novos programas, materiais, estratégias e propostas de treinamento de
professores foram elaborados e implementados. A intenção mais ampla,
subjacente aos esforços, era enfatizar a redescoberta, a investigação e o
pensamento indutivo, a partir do estudo dos conteúdos que correspondiam às
estruturas das diferentes disciplinas curriculares (Moreira e Silva, 1994: 12).
123
Daquele momento aos dias atuais, tematizou-se sobre o currículo. Essa tematização
levou os estudos curriculares a se consolidar como campo de estudos e pesquisas.
Conforme Pereira (2007), três perguntas orientam a trajetória do desenvolvimento
curricular ao longo de sua história: “[...] Como se faz um currículo?”, O que um
currículo faz com as pessoas?, Como as pessoas fazem o currículo?”.
Esta investigação concentra-se no contemporâneo. Por isso, selecionei, das publicações
atuais, as principais abordagens sobre currículo, que esclarecem as categorias
especificadas nesta reflexão. Com essa intenção, trato das narrativas do currículo
hipertextual, currículo em rede, currículo rizomático, currículo nômade, como aportes do
mapa conceitual da educação na cibercultura.
O estudo do contemporâneo desafia-nos pelo seu caráter extremado de mudanças, por
desestabilizar as certezas, por meio da provoc(ação) nos modos de pensar e agir. A crise,
os impasses, as incertezas dos tempos de agora resultam, em geral, da confrontação
crítica das contradições e limites de alguns dos princípios e ideais do século XX,
reflexos da revolução francesa: liberdade, igualdade, fraternidade.
Afinal, mais do que nunca estamos nos dando conta de que a promessa
moderna de conseguirmos administrar, programar e controlar efetivamente o
devir - o que levou o pensamento moderno a reduzir o devir ao futuro - não se
cumpriu e não poderá se cumprir. Diante dessa descoberta, abriram-se as duas
alternativas mais conhecidas: ou o niilismo ou a presentificação. Como bem
sabemos, para contornar a primeira (ou fugir dela), a contemporaneidade está
tratando de trazer, cada vez mais intensa e aceleradamente, o devir para o
presente ou, nas palavras de Paul Klee, descontar o futuro no presente. Se por
um lado fica extremamente difícil, senão impossível, compatibilizar niilismo
com educação, muitos optam pela presentificação, sem se darem conta de que
assumi-la significa comprometer o próprio sentido temporal atribuído à
educação (Veiga-Neto, 2008, s/p).
Evitando os dualismos e as narrativas fatalistas, busquei uma reflexão em que a
intercrítica, uma crítica da crítica, fosse a perspectiva de estudo, tendência que, na
pesquisa em educação, tem sido considerada significativa. Intercrítica ou hipercrítica
“[...] implica reconhecer o caráter intrinsecamente discursivo e representacional dos
sentidos que conferimos àquilo que consideramos serem os problemas do mundo e até
mesmo a realidade do mundo” (Veiga-Neto, 2008, s/p). A partir dessa consideração,
investigo a interseção do currículo com a interatividade, a interdisciplinaridade e o
nomadismo.
124
4.1. Interatividade e cibercurrículo.
Apesar de controverso, há interatividade quando o processo comunicativo está imbuído
de uma concepção que contemple “[...] complexidade, multiplicidade, não-linearidade,
bi-direcionalidade, potencialidade, permutabilidade (combinatória), imprevisibilidade
etc, permitindo ao usuário-interlocutor-fruidor a liberdade de participação, de
intervenção, de criação” (Silva, 2002: 100).
A interatividade como possibilidade de mutabilidade instantânea, como a concebemos
atualmente, tem seu desenvolvimento a partir das pesquisas do Massachussets Institute
of Technology – MIT em 1970, a partir dos Interactive Computer Graphics,
considerando que, até aquele momento, desenhos, figuras geométricas e outros formatos
não podiam ser modificados em tempo real.
A interatividade, entretanto, não se limita a permitir ao espectador conversas
com a imagem; ela se estendeu, pouco a pouco, aos próprios objetos virtuais
simulados pelo computador. À interatividade exógena que se estabelecia
entre o espectador e a imagem, acrescenta-se a interatividade endógena que
regula o diálogo dos objetos virtuais entre eles, quer sejam bi ou
tridimensionais, abstratos ou de aparência realista. A interatividade
endógena permite criar objetos capazes de perceber certas características
(forma, cor, posição, velocidade de deslocamento etc.) próprias a outros
objetos e ainda de manter relações mais ou menos complexas com estes
(Bret, Couchot e Tramus, 2003: 28-29).
O desenvolvimento da interatividade com a evolução da modelagem, utilizada para a
realização de imagens numéricas, vai dos autômatos, passa pelas redes neurais, redes
virtuais, inteligência virtual e chega aos objetos virtuais com todas as suas possibilidades
de performance. Comparando-a com a evolução da cibernética, Bret, Couchot e Tramus
(2003), falam da “segunda interatividade”, ao considerarem que,
[...] enquanto a primeira interatividade se interessava pelas interações entre
o computador e o homem, num modelo estímulo-resposta ou ação-reação, a
segunda se interessa mais pela ação enquanto guiada pela percepção, pela
corporeidade e pelos processos sensório-motores, pela autonomia (ou pela
“autopoièse”). Aos modelos físicos e mecânicos da primeira interatividade
opõem-se e/ou acrescentam-se os modelos tirados das ciências cognitivas ou
das ciências da vida. Pouco a pouco, o computador é dotado de propriedades
que são em geral características dos seres vivos e inteligentes. O diálogo do
homem e da máquina torna-se mais afinado (Bret, Couchot e Tramus, 2003:
32).
Os programas de animação que conceituamos como de primeira geração caracterizaram
a interatividade estritamente endógena. O desenvolvimento dos movimentos dos
125
processos de animação culminou na segunda abordagem da interatividade: a exógena.
Da primeira à segunda interatividade, artistas-pesquisadores desenvolveram ou
cultivaram suas criaturas quase vivas. De uma fase em que “Os movimentos dos
personagens não são programados, eles dependem das reações de seu corpo e de sua
relação com o meio e com o solo” (Bret, Couchot e Tramus, 2003: 34), expandiu-se para
uma circunstância em que “[...] os métodos empregados permitem às redes se
autoconfigurarem na medida das ações do espectador” (Bret, Couchot e Tramus, 2003:
37).
Para Primo (2007) além da questão do que é a interatividade, devem-se distinguir,
qualitativamente, os diferentes tipos de interação mediada por computador. Reconhecer
que o diferencial da cibercultura é a interatividade já se mostra problemático. Para ele, as
leituras feitas na comunicação foram muito baseadas na Teoria da Informação, e quanto
mais se reconhece a complexidade desses estudos, mais necessário se faz ultrapassar a
fórmula emissor e receptor para webdesignersite – internet – usuário, sem que nessa
relação somente seja substituído receptor por usuário.
A interação mediada por computador numa nova abordagem sistêmico-relacional não se
baseia na questão de graus de interatividade, foca-se sobre o que se passa entre os
participantes, no estudo do próprio relacionamento mantido entre os interagentes,
valorizando os processos interativos.
[...] não se fará uma distinção do que é ou não interação, ou seja, os
intercâmbios mantidos entre dois ou mais interagentes (seres vivos ou não)
serão sempre considerados formas de interação, devendo ser distinguidos
apenas em termos qualitativos. Sendo assim, irá se considerar aqui que tanto
(a) clicar em um link e (b) jogar um videogame quanto (c) uma inflamada
discussão através de e-mails e (d) um bate-papo trivial em um chat são
interações. O que se pretende é distingui-las quanto ao relacionamento
mantido (Primo, 2007: 56).
Os blogs, quando surgiram, exemplificavam bem as interações reativas. Com a
incorporação da ferramenta “comentários”, possibilitou os fóruns de discussão de
interação mútua. Os discos digitais como o CD-ROM e o DVD, com seu conteúdo
previamente definido, mesmo em sua multiseqüencialidade, não representam a interação
mútua: “[...] não se pode discordar da mediação tecnológica das chamadas interações
“um-um” (através do e-mail e mensageiros instantâneos, por exemplo) e “todos-todos”
(como na lista de discussão) (Primo, 2007:100). Um aspecto importante desse processo é
126
que “[...] nem todas interações digitais podem ser equiparadas àquelas interpessoais”
(Primo, 2007:100). Por outro lado a soma de ações individuais não é representativa da
interação mútua.
Contudo, quando se fala que o processo em interação mútua é dinâmico, não
se pode pensar que seja apenas movimento. Tal idéia contemplaria relações
meramente causais e lineares. A interação mútua é ação conjunta, muito
mais que mero movimento ou reação determinada.
A dinamicidade da interação mútua também nos leva à constatação de que
jamais um relacionamento é igual a outros. Dependente de contextos social
e temporal, cada relação torna-se diferente, mesmo que frente a estímulos
equivalentes. Contudo, em sistemas reativos, basta apresentar as mesmas
variáveis, nas mesmas condições que elas apresentarão consistentemente os
mesmos resultados (Primo, 2007: 116).
O diferencial da interatividade mútua está na ação dos usuários. “Cada ação expressa
tem um impacto recursivo sobre a relação e sobre o comportamento dos interagentes.
Isto é, o relacionamento entre os participantes vai definindo-se, ao mesmo tempo, que
acontecem os eventos interativos (nunca isentos dos impactos contextuais e relações de
poder)” (Primo, 2007: 228).
A interatividade não é uma característica exclusiva das tecnologias digitais. No entanto,
são imprescindíveis ao entendimento daquilo que as tornam peculiares em relação às
analógicas. Configuram-se de forma divergente destas. Essa mudança colocou-nos cada
vez mais diante das imagens digitais. Essas imagens, ao serem acessadas, em CDs,
computadores ou na rede mundial de computadores, estão digitalizadas, transformadas
em dígitos medidas em pixels (variação de cor, tom, brilho, luminosidade).
A imagem digitalizada busca cada vez mais economia de espaço e memória para maior
rapidez de processamento. A lógica é “[...] quanto mais “leve” um arquivo, mais
acessível ele será, mais rápido se apresentará ao usuário e maior será o processamento
que ele permite” (Costa, 2005: 179). A partir desse avanço, passamos a interagir com
imagens interativas, sensíveis ao toque na tela ou ao click do mouse, mudando nossa
percepção de mundo e realidade.
As tecnologias digitais evidenciam, reforçam e trazem à discussão, um dos principais
problemas sociais: a questão da convivialidade e da comunicação com o outro. O que
para Wolton (2006) com o século XXI, essa é uma questão central:
127
Como coabitar com esse outro, o igual a mim, em minha vida privada,
pública, na sociedade, no Estado-nação, no mundo? Como coabitar com esse
outro visível e de quem tantas coisas me separam? Como coabitar, isto é,
como dar importância à sua existência, à sua identidade e à sua alteridade?
Coabitar é o preço a pagar por um mundo menor, atravessado por técnicas
sofisticadas, individualizadas, interativas, personalizadas. O outro ali, visível,
onipresente, mas tão diferente (Wolton, 2006: 219).
Comunicar é coabitar é (con)vivência, vivência com alguém. O acesso às tecnologias
interativas e inteligentes não suplantaram problemas de comunicação inerentes ao
indivíduo como ser social. “A sociedade da comunicação é bem diferente da sociedade
da imagem e do espetáculo. Bem diferente da individualização e do narcisismo,
ambientes aos quais freqüentemente ela é reduzida” (Wolton, 2006: 221).
Troca de informações e mensagens não é partilha, comunicar e interagir exige confiança
no outro, tolerância, o não atropelamento das alteridades e identidades. Não se restringe
à técnica e seus dispositivos de suportes e hospedagem de páginas e ambientes online.
“Comunicar não é só produzir e distribuir informação, é também ser sensível às
condições nas quais o receptor a recebe, aceita-a, recusa-a, remodela-a, em função de
suas escolhas filosóficas, políticas, culturais” (Wolton, 2006: 227). A questão de fundo,
na discussão das tecnologias, é a questão também da comunicação e da investigação da
sociedade da incomunicação: “[...] a sociedade da informação é a fantasia da sociedade
em rede” (Wolton, 2006: 84).
A solidão interativa é outro aspecto do indivíduo frente às tecnologias: “Em uma
sociedade onde os indivíduos estão liberados de todas as regras e obrigações, a prova da
solidão é real, como é dolorosa a tomada de consciência da imensa dificuldade que há
em entrar em contato com o outro” (Wolton, 2003: 103). O sintoma das solidões
interativas “[...] se vê na obsessão crescente de muitos em ser sempre encontrável:
celular e Net” (Wolton, 2003: 103).
A contemporaneidade nos induz a correr atrás de tantas conexões online. A
interatividade promovida pela telefonia móvel, através dos convergentes aparelhos
celulares, propicia a sensação e a saciedade de nunca mais estar-se sozinho com um
celular na mão.
Uma mensagem brilha na tela em busca de outra. Seus dedos estão sempre
ocupados: você pressiona as teclas, digitando novos números para responder
128
às chamadas ou compondo suas próprias mensagens. Você permanece
conectado, mesmo estando em constante movimento, e ainda que os
remetentes ou destinatários invisíveis das mensagens recebidas e enviadas
também estejam em movimento, cada qual seguindo suas próprias trajetórias
(Bauman, 2004: 78).
A multiconexão não garante a eficiência do processo de comunicação. O indivíduo em
interação mediada não suprime a necessidade de relacionamento físico. Mesmo os
usuários imersivos do ciberespaço que vivem com “[...] celular à mão, correio eletrônico
conectado e a secretária eletrônica ligada como última medida de segurança!” (Wolton,
2003: 103), para ser encontrado por alguém a qualquer instante e em qualquer lugar do
mundo. A comunicação online ou a distância não substitui a comunicação humana
direta.
[...] Não há sociedade ao vivo. Na ponta das redes, há homens, sociedades,
culturas, línguas, civilizações. Não computadores... há a espessura da história,
e é a história, diferente de um país ao outro, de um continente ao outro, que
impede a racionalidade dos sistemas de informação.
É preciso questionar o sonho de uma sociedade online, sem intermediário. O
homem multiconectado, aparelhado, dependente desses terminais, é livre ou
totalmente privado de liberdade? Em todo caso, não há relação direta entre
multiconexão e capacidade de se relacionar com o outro. Sociedade da
informação não é sinônimo de sociedade da comunicação (Wolton, 2006: 85-
86).
A ideologia, no entorno das tecnologias, pode ser entendida na concepção dos chamados
“conceitos moles”: “[...] idéias preconcebidas, por vezes até estereótipos, que circulam
nas elites políticas, econômicas, culturais, midiáticas, acadêmicas etc, e constituem o
“politicamente correto” de uma modernidade de boa qualidade” (Wolton, 2006: 228).
Por isso, “[...] para muitos, a quantidade de computadores conectados à Internet parece o
índice mais precioso sobre o grau de desenvolvimento de um país, até mesmo de
inteligência...” (Wolton, 2003: 83-84). Os discursos dos políticos, da mídia são enfáticos
ao considerarem que o futuro da sociedade passa “pelo teclado”,
Quando se fala atualmente do sucesso das novas tecnologias de
comunicação, é necessário então ser preciso, lembrando que se trata de uma
mescla de realidade e mitos e que o entusiasmo que as envolve terá muito
mais nuanças daqui a uns dez anos, quando os usos relativizarão os ardentes
discursos de hoje. Estes são entusiastas na medida em que a prática não tem
ainda amenizado as esperanças. Isto reporta ao que se passou, com a
informática, há quarenta anos. Neste caso também tudo deveria mudar.
Progressivamente, milhões de trabalhadores começaram a utilizar os
computadores, na indústria ou no setor terciário, e esta utilização massiva
esvaziou” o discurso revolucionário que anunciava a sociedade pós-
industrial. Parece que ninguém aprendeu com essa lição, pois se constata
atualmente um tipo de repetição das promessas. Os mesmos que prometem
para amanhã a sociedade em rede não se dão conta que há menos de uma
geração outros engenheiros, outros especialistas, outros futurólogos, outros
129
jornalistas, industriais e políticos já haviam prometido a mesma coisa. Os
anos 60 e 70 não estão, portanto, assim tão longe (Wolton, 2003: 84).
As tecnologias digitais, numa acepção direta, são peculiares da cibercultura. Imerge-se
nessa cultura por meio da interatividade. A socialidade perpassa por essa cultura e não se
limita apenas ao ciberespaço, mas permeia as relações sociais sejam estas online ou
offline. A partir desses fatos, vemos o “ciber” invadir diversos setores da vida sem,
necessariamente, estar associado diretamente ao ciberespaço,
[...] cyberpunk, cibersexo, ciberespaço, cibermoda, ciber-raves,
cibercidades, ciberarte, etc. Cada expressão forma, com suas
particularidades, semelhanças e diferenças, o conjunto da cibercultura. As
tribos cyberpunks, as comunidades virtuais das redes informática (muds,
chats, fóruns, BBSs, sites e newsgroups), o hedonismo e o presenteísmo da
raves (festas tecno-eletrônicas), os fanáticos por jogos eletrônicos, o
ativismo rizomático e político-anarquista dos militantes eletrônicos
(hackers, crackers, cyphepunks ...) entre outros, mostram como o mundo da
vida está em simbiose ativa com o mundo da técnica (Lemos, 2004: 89).
O virtual, do latim virtualis derivado de virtus, força, potência não se opõe ao real
(Lévy, 2005). A partir desse pressuposto, o ciberespaço ou o computador,
[...] não é um centro mas um pedaço, um fragmento da trama, um
componente incompleto da rede calculadora universal. Suas funções
pulverizadas impregnam cada elemento do tecnocosmo. No limite, só há hoje
um único computador, um único suporte para texto, mas tornou-se
impossível traçar seus limites, fixar seu contorno. É um computador cujo
centro está em toda parte e a circunferência em nenhuma, um computador
hipertextual, disperso, vivo, pululante, inacabado, virtual, um computador de
Babel: o próprio ciberespaço (Lévy, 2005: 47).
A computabilidade é um dos signos da vida contemporânea: “[...] a escrita, o som, a
imagem e os dados são ações da técnica e estão hoje onipresentes e dão volta ao mundo
em menos de um segundo. Todo mundo, ou quase, vê tudo, sabe tudo sobre o mundo”
(Wolton, 2006: 9). A particularidade das tecnologias digitais, segundo Anders (2003),
está na representação digital para a transmissão, uma vez que todos os sinais, sejam eles
sons, imagens ou textos, são digitalizados para pulsos eletrônicos. Com isso, elimina-se
a escala dimensional. Isso faz com que uma imagem digitalizada seja mais importante do
que uma de tamanho natural.
A digitalização resulta na necessidade de esquemas cognitivos para situar a imagem, ou
quaisquer outros estímulos, no seu contexto, para apreender seu significado. Todavia, o
efeito de escala das tecnologias digitais não se limita à questão do tamanho, mas também
é medida na replicação da fonte. “É provável que uma instância duplicada afete duas
130
vezes mais espectadores do que antes. O aumento na disponibilidade de uma instância
através de suas imagens está diretamente relacionado à escala de seu impacto potencial”
(Anders, 2003: 54).
A implicação da escala, do tamanho, da replicação da informação é importante na
análise da interação mediada por computador. “A replicação e, o que é mais importante,
a qualidade da repetição altera de maneira fundamental a escala aparente da fonte”
(Anders, 2003: 54): o impacto da eficiência da comunicação depende do grau em que o
sinal se conecta ao usuário. É o caso, por exemplo, em que
[...] Cinco mil televisores ligados em salas vazias são menos eficazes do
que uma TV ligada para um telespectador interessado.
Mas se aqueles cinco mil televisores estão sendo assistidos, seus
telespectadores formam um público disperso. Isso torna a instância da
fonte - não interessa o conteúdo - um evento público. Além disso, a
instância pode ser evocada repetidamente, oferecendo-a para ser revista
muitas e muitas vezes. Essa exposição múltipla produz um artefato
midiático independente do material da fonte. O efeito é a ampliação e o
desacoplamento da fonte de seu contexto (Anders, 2003: 54).
O ciberespaço é uma extensão do nosso imaginário. Por isso, a referência espacial do
ciberespaço, como espaço eletrônico, usada nas tecnologias, não é suficiente para sua
caracterização. “Pois aquilo que vivenciamos como espaço é, na verdade, o produto de
complexos processos mentais” (Anders, 2003: 48). O espaço é uma construção mental.
[...] Entendendo a relação (antrópica) baseada no humano entre espaço e
informação, podemos ver o ciberespaço como um meio de valorizar a
informação – transformando-a de dados para conhecimento. Isso informa o
design de ciberespaços que estende nossas habilidades inatas, ciberespaços
antrópicos (Anders, 2003: 48).
O ciberespaço antrópico é uma construção eminentemente humana. “Ele é um artefato
independente das mentes de seus usuários” (Anders, 2003: 62). Também como
dispositivo eletrônico, é acessível por todos no mundo inteiro. “É um novo espaço social
coletivo, culturalmente específico somente em sua tecnologia, não por razões de
geografia ou contexto social” (Anders, 2003: 62).
O usuário sentado em frente a uma tela de conexão fixa, mesmo estando online, é
sempre uma experiência solitária. A popularização dos aparelhos portáteis de
comunicação sem fio, conectados à rede mundial de computadores, sinaliza “[...] para a
incorporação do padrão de vida nômade (Mitchell, 2003) e indicam que o corpo humano
131
se transforma, rapidamente, em um conjunto de extensões ligadas a um mundo cíbrido,
pautado pela interconexão de redes e sistemas on e off-line” (Beiguelman, 2006: 153).
Uma interface pode ser definida como mediadora de relações comunicacionais. “O papel
da interface é de traduzir informação digital do computador para o ser humano, de modo
a torná-la compreensível para nós” (Silva, 2006: 23). Decorre dessa experiência a idéia
de “interface social”, que se define como “[...] um meio digital que intermedeia relações
entre dois ou mais usuários. Assim, as interfaces sociais não apenas re-definem relações
comunicacionais, mas também re-conceitualizam o espaço em que essas interações
ocorrem” (Silva, 2006: 23).
Os desdobramentos da cultura do virtual implica a discussão dos novos processos
espaciais. Cada vez mais, surgem novas formas de espaços: “espaços de fluxos” e
“espaço de lugares” (Castells, 2001). Os primeiros são os da informação, tecnologia de
interação organizacional, de imagens, sons e símbolos, enquanto que os espaços de
lugares se referem aos espaços de convivência; locais onde se forjam a cultura.
Os fundamentos das novas tecnologias e seus desdobramentos na contemporaneidade
suscitam também novos formatos para os curricula, entendidos como articuladores e
dinamizadores dos processos formativos.
Se levarmos em conta o contexto de importância que o currículo assume
no mundo, em termos da concepção e da construção contemporânea das
formações, o seu empoderamento político-pedagógico, assim como a
explicitação reflexiva do campo curricular e da noção de currículo, no
sentido de distinguir histórica e epistemologicamente as perspectivas e as
práticas, se torna uma responsabilidade formativa social e pedagógica
incontestável (Macedo, 2007: 14).
Conceituo “cibercurrículo perspectival” (Rocha, 2005), visto que “[...] não havendo uma
só realidade, mas tantas quantas forem suas interpretações e comunicações, a realidade é
perspectival” (Macedo, 2006: 15). O cibercurrículo são ciberestratégias que refletem a
ação-reflexão da relação com o saber no ciberespaço antrópico. O cibercurrículo
fundamenta-se nas discussões do currículo em rede, currículo rizomático, currículo
hipertextual em seu sentido perspectival, resguardando-se do sentido dado às “inovações
pedagógicas” na atualidade:
132
[...] a lógica do descarte e da substituição, que joga a tradição no âmbito
do anacrônico, do conservador, do disfuncional, do indesejável, enfim. Por
outro lado, em geral, deifica-se o novo, comumente, o novo pronto ou
epistemologicamente delirante, sem qualquer questionamento
problematizador, geralmente por um fascínio pela novidade sem
criticidade. É preciso assumir de vez o compromisso com o aprendizado
qualificado, sem concessões, e só a partir daí implicar a inovação
pedagógico-curricular (Macedo, 2007: 47-48).
O cibercurrículo dialoga com as questões do contemporâneo, por meio da idéia de
hipertexto. Sua especificidade está em seu objeto: o ensinar e o aprender, a ensinagem:
currículo escolar como documento de identidade da instituição formadora. As diferentes
concepções contemporâneas de currículo, ao avançarem para além da sua dimensão
técnica, ultrapassam a idéia de grade curricular, enfocam os discursos, as identidades, as
questões de gênero, a etnia, o multiculturalismo, a inclusão, as minorias etc., mas
abandonam o planejamento e o desenvolvimento curricular.
Em sua pluralidade currículo é documento, texto, narrativa, discurso, “[...] modela-se
dentro de um sistema concreto, dirige-se a determinados professores e alunos, serve-se
de determinados meios, cristaliza, enfim, num contexto, que é o que acaba por lhe dar o
significado real” (Sacristán, 2000: 21).
Os currículos são a expressão do equilíbrio de interesses e forças que
gravitam sobre o sistema educativo num dado momento, enquanto através
deles se realizam os fins da educação no ensino escolarizado.
[...]
Todas as dificuldades que se atribuem e são destinadas implícita ou
explicitamente à instituição escolar, de socialização, de formação, de
segregação ou de integração social, etc., acabam necessariamente tendo um
reflexo nos objetivos que orientam todo o currículo, na seleção de
componentes do mesmo, desembocam numa divisão especialmente
ponderada entre diferentes parcelas curriculares e nas próprias atividades
metodológicas às quais dá lugar. Por isso, o interesse pelos problemas
relacionados com o currículo não é senão uma conseqüência da
consciência de que é por meio dele que se realizam basicamente as funções
da escola como instituição.
[...] O valor da escola se manifesta fundamentalmente pelo que faz ao
desenvolver um determinado currículo, independentemente de qualquer
retórica e declaração grandiloqüente de finalidades. Nessa mesma medida,
o currículo é um elemento nuclear de referência para analisar o que a
escola é de fato como instituição cultural e na hora de elaborar um projeto
alternativo de instituição (Sacristán, 2000: 17-18).
O planejamento e desenvolvimento do cibercurrículo, como ciberestratégia da educação
mediada por computador, efetiva-se, por meio do trabalho pedagógico, nas plataformas
e ambientes virtuais interativos e colaborativos de aprendizagens. Visa a contribuir para
133
que o “aluno virtual” da educação mediada por tecnologias não se torne náufrago no
oceano das informações do ciberespaço, mas consiga construir suas próprias âncoras
para a produção do conhecimento.
O ciberespaço é uma teia de links, fluxos e mapas interconectados. Nessa rede não há
hierarquia, “[...] suporta tecnologias intelectuais que amplificam, exteriorizam e
modificam numerosas funções cognitivas humanas” (Lévy, 1999:157). O cibercurrículo
constitui-se na explicitação do ensinar e do aprender na rede, dialetizando e
pedagogizando as novas aprendizagens e sua difusão.
Numa lógica hipertextual, o currículo passa a ter a função de interface, sendo
um elemento estratégico para pensar a mobilização de todos os envolvidos
com a produção e difusão de conhecimento. [...] Por outro lado, o sentido de
currículo como interface está intimamente associado à idéia de interatividade.
O currículo torna-se um meio estratégico para a produção coletiva de
conhecimento e, nesse sentido, a organização dos materiais pedagógicos
precisa, também ela, deixar de ser linear, centrada numa lógica vertical de
transmissão de informação. Ao contrário, nesta perspectiva, o currículo passa a
ser organizado de forma a se constituir num espaço “multirreferencial de
aprendizagem”, onde múltiplas abordagens são possíveis e resultados de
diferentes acordos entre os agentes atuando sobre eles mesmos. Isso faz com
que o currículo seja flexível, ágil, dinâmico, interativo, heterogêneo,
simultâneo, pertencendo ao pensamento coletivo, satisfazendo demandas da
comunidade escolar e da sociedade em geral (Pretto e Lima, 2005: 209).
O cibercurrículo quer-se teoria (explicação) dos atos de significação dos navegadores do
ciberespaço antrópico. Pretende entender os cibernautas, ao romper com os
(pre)conceitos sobre a telepresença, a presencialidade fisíca ou não-física. Além disso,
intenta fazer-se potencializador da interatividade nos ambientes e plataformas com suas
possibilidades de fórum de notícias, diário de bordo, chat coletivo aberto, glossário
geral, fórum coletivo, portfólio, mural de recados, construção coletiva de textos, tarefas
e recursos. Em razão disso, as ciberestratégias chamam a atenção para
[...] o saber-fluxo, o trabalho-transação de conhecimento, as novas tecnologias
da inteligência individual e coletiva mudam profundamente os dados do
problema da educação e da formação. O que é preciso aprender não pode mais
ser planejado nem precisamente definido com antecedência. Os percursos e
perfis de competências são todos singulares e podem cada vez menos ser
canalizados em programas ou cursos válidos para todos. Devemos construir
novos modelos do espaço dos conhecimentos. No lugar de uma representação
em escalas lineares e paralelas, em pirâmides estruturadas em “níveis”,
organizadas pela noção de pré-requisitos e convergindo para saberes
“superiores”, a partir de agora devemos preferir a imagem de espaços de
conhecimentos emergentes, abertos, contínuos, em fluxo, não lineares, se
134
reorganizando de acordo com os objetivos ou os contextos, nos quais cada um
ocupa uma posição singular e evolutiva (Lévy, 2005: 158).
A efetivação do cibercurrículo vai além das práticas curriculares já consolidadas.
Convida-nos a, criticamente, (re)pensar o imaginário tecnológico e as tecnologias
intelectuais, no exercício ético e autônomo dos estudos e percursos, ao utilizarmos
suportes isolados ou combinados de aprendizagem.
Na Web, tudo se encontra no mesmo plano. E, no entanto, tudo é diferenciado.
Não há hierarquia absoluta, mas cada site é um agente de seleção, de
bifurcação ou de hierarquização parcial. Longe de ser uma massa amorfa, a
Web articula uma multiplicidade aberta de pontos de vista, mas essa
articulação é feita transversalmente, em rizoma, sem o ponto de vista de Deus,
sem uma unificação sobrejacente. Que este estado de coisas engendre
confusão, todos concordam. Novos instrumentos de indexação e pesquisa
devem ser inventados, como podemos ver pela riqueza dos trabalhos atuais
sobre a cartografia dinâmica dos espaços de dados, os “agentes” inteligentes
ou a filtragem cooperativa das informações (Lévy, 2005: 160).
Na contemporaneidade, em meio às contradições entre informação e conhecimento, um
dos pontos consensuais é o de que o conhecimento se tornou indominável. A “[...]
emergência do ciberespaço não significa de forma alguma que “tudo” pode enfim ser
acessado, mas antes que o Todo está definitivamente fora de alcance(Lévy, 2005:
161).
O cibercurrículo, como teorização da formação na cibercultura, estuda os processos de
interação e interatividade da convergência de imagens, textos, áudio, no intuito de
superar a organização da sala de aula, onde o professor representa o transmissor de
conhecimento, e os alunos copistas de informações. Aposta na importância da formação
de comunidades e redes colaborativas de aprendizagem.
Na perspectiva do cibercurrículo, o docente, responsável exclusivo do ensino e da
aprendizagem, tem sua função didática redefinida. Nessa opção, o trabalho docente
coloca-se como mediador da auto-aprendizagem. A relação pedagógica potencializa-se
por meio da interatividade, mediada na forma de currículo aberto, sem limites de tempos
e espaços de itinerâncias, em que, processualmente, modifica-se, descentra-se e
hipertextualiza-se para formar cidadãos autônomos e emancipados.
135
Enquanto hipercomplexidade em ato, concebemos a práxis curricular
como fecundo analisador, podendo se constituir numa inspiração para o
trabalho de revelação de outras complexas práticas contemporâneas do
cenário educacional.
É essa configuração que empresta ao currículo uma formidável perspectiva
sistêmica e complexa de um macroconceito. Um conceito de fecundas
características subsunçoras, ou seja, dotado de uma significativa
capacidade de ancorar as mais diversas dimensões e perspectivas do ato
educacional, sem, entretanto, perder a sua especificidade em termos de
campo e história (Macedo, 2007: 16).
A educação mediada oportuniza o exercício de leitura e escrita, de ações cognitivas,
atitudinais, em que saberes e práticas são experimentados com prazer e respeito aos
ritmos de cada um, cada uma. “As páginas da Web exprimem idéias, desejos, saberes,
ofertas de transação de pessoas e grupos humanos. Por trás do grande hipertexto,
fervilham a multiplicidade e suas relações” (Lévy, 1999: 92). Como os conteúdos são
rizomáticos e estão disponíveis em qualquer lugar e a qualquer hora na forma de
hiperlinks, o aluno virtualnavega, sem seqüência rigorosa, por textos, páginas,
filmes, imagens com mediação, orientação e reflexão de seu desempenho num caminho
interdisciplinar de um currículo integrado.
4.2. Interdisciplinaridade, interzona e currículo integrado.
A contemporaneidade colocou em xeque o (des)conforto das práticas comuns do
currículo disciplinar. Estamos vislumbrando o início da experiência curricular de níveis
diversos de integração, que vão do multidisciplinar ao transdisciplinar. “Integrar
interdisciplinarmente é integrar em profundidade, largura e síntese” (Fazenda, 2001:
142).
Dos gregos à Idade Média, manteve-se, em maior ou menor medida, certa unicidade do
saber. A disciplinaridade do conhecimento é um fenômeno do século 20. Por volta de
1970 passa a ser criticada, entre nós, pela interdisciplinaridade. O termo
interdisciplinaridade surge na França e Itália, por volta da década de 60, em meio às
lutas estudantis em prol do ensino contextualizado na realidade social. A
interdisciplinaridade surgiu com a “[...] finalidade de corrigir possíveis erros e a
esterilidade acarretada por uma ciência excessivamente compartimentada e sem
comunicação interdisciplinar” (Santomé, 1998: 62).
136
A industrialização dos modelos econômicos capitalistas e o desenvolvimento
tecnológico contribuíram para a disciplinaridade do conhecimento. A expansão da
produção e a comercialização fizeram surgir novas especialidades e subespecialidades
que levaram as indústrias a procurar cada vez mais especialistas. A disciplinaridade
científica
[...] é associada a uma inegável capacidade de desenvolvimento científico-
tecnológico, marca da ciência moderna, porém é considerada como
distanciada das questões sociais concretas, produzindo especializações cada
vez mais restritas e sem capacidade de dialogar entre si, bem como de avaliar
criticamente as conseqüências de sua aplicação (Lopes, 2001: 148).
As especializações são resultantes do avanço científico. “O especialista é aquela pessoa
que sabe muito de um campo científico cada vez menor, delimitado” (Santomé, 1998:
48).
Especializado, restrito e fragmentado, o conhecimento passou a ser
disciplinado e segregador. Estabeleceu e delimitou as fronteiras entre as
disciplinas, para depois fiscalizá-las e criar obstáculos aos que as tentassem
transpor. “A excessiva disciplinarização do saber científico faz do cientista
um ignorante especializado” (Trindade, 2008: 67).
Atualmente, ainda é comum as organizações curriculares basearem-se no modelo linear
disciplinar, modelo de currículo baseado no desenvolvimento da ciência do século 17 ao
século 20. De acordo com esse modelo, entendia-se que a compartimentação e a
especialização possibilitariam o progresso acelerado de cada área do saber. O
conhecimento disciplinar “[...] refere-se a um conjunto de estruturas abstratas e a leis
intrínsecas que permitem classificações particulares de conceitos, problemas, dados e
procedimentos de verificação de acordo com modelos de coerência assumidos”
(Santomé, 1998: 103).
Em razão disso, “[...] a disciplinarização pedagógica nada mais é que um reflexo, uma
continuidade, uma decorrência da disciplinarização epistemológica” (Gallo, 2001: 168).
A partir desse pressuposto entende-se o sentido de disciplina (componente curricular)
tão presente em nossos currículos.
Uma disciplina é uma maneira de organizar e delimitar um território de
trabalho, de concentrar a pesquisa e as experiências dentro de um determinado
ângulo de visão. Daí que cada disciplina nos oferece uma imagem particular
da realidade, isto é, daquela parte que entra no ângulo de seu objetivo
(Santomé, 1998: 55).
137
O movimento de integração não se constitui ainda em uma mudança curricular
substantiva nos modelos e nas práticas pedagógicas. Estamos falando da possibilidade de
integração, uma vez que, mesmo atingindo o nível máximo de integração, continuamos
no formato de currículo disciplinar.
Um currículo interdisciplinar, pluridisciplinar, transdisciplinar etc. continua a
ser, antes de tudo, um currículo disciplinar. E embora aparentemente essas
ações em princípio pareçam significar um avanço pedagógico importante,
temo que sua ação seja bastante perniciosa, pois, dando a ilusão de que
superam os problemas do currículo disciplinar, garantem sua continuidade.
Penso que se trata, na verdade, de ousarmos pensar a possibilidade de
currículos não disciplinares (Gallo, 2001: 174).
A busca por minimizar a influência epistemológica e didática da disciplinaridade passa
pelo entendimento do que se constitui o currículo disciplinar. A crítica à fragmentação
do conhecimento especializado, na ciência contemporânea, vem sendo construída por
várias perspectivas. As análises dos processos de disciplinarização do saber, seja escolar
ou acadêmico, indicam que estes são resultantes da disciplinarização do campo
científico:
Isso acontece na medida em que as disciplinas escolares são interpretadas
como disciplinas científicas adaptadas para fins de ensino. Assim sendo, o
grau e a forma de especialização das disciplinas no campo científico são
utilizados como princípios de interpretação do contexto escolar, sem
considerar os processos de recontextualização do conhecimento escolar
(Lopes, 2001: 148).
A crítica da interdisciplinaridade sobre a disciplinarização científica chegou às
disciplinas escolares e ao currículo disciplinar. A disciplinaridade “[...] favorece mais a
propagação de uma cultura da “objetividade” e da neutralidade, entre outras razões,
porque é mais difícil entrar em discussões e verificações com outras disciplinas com
campos similares ou com parcelas comuns de estudo” (Santomé, 1998: 109):
[...] a disciplinaridade, em princípio inquestionável, passou a ser questionada.
Primeiro, no âmbito epistemológico. Se a especialização deu conta, em um
primeiro momento, de responder aos problemas humanos e à sede de saber
científico, em fins do século dezenove e no início do século vinte ela começa
a apresentar desgastes e foi com a mais antiga das ciências modernas, a Física,
que os desgastes começaram a aparecer. No interior de uma ciência baseada
na perfeição do universo, na precisão das medidas e na certeza das previsões,
apareceram os princípios da indeterminação, da incerteza, da relatividade
(Gallo, 2001: 171).
138
Mesmo diferenciando-se interdisciplinaridade de integração, as críticas à
disciplinarização têm contribuído para o surgimento de outras possibilidades de
elaboração de currículo: os currículos integrados. Interdisciplinaridade refere-se “[...] à
inter-relação de diferentes campos de conhecimento com finalidades de pesquisa ou de
solução de problemas” (Santomé, 1998: 112). O termo integração, por sua vez, “[...]
significa a unidade de partes, que seriam transformadas de alguma maneira” (Santomé,
1998: 112).
Dependendo do nível de integração das disciplinas ou áreas, distinguimos a
multidisciplinaridade da pluridisciplinaridade da interdisciplinaridade e da
transdisciplinaridade. Nessa acepção, a multidisciplinaridade representa o primeiro nível
de integração das disciplinas, seguida da pluridisciplinaridade, da interdisciplinaridade
até atingir a transdisciplinaridade.
O termo transdisciplinaridade surge por volta de 1997 nos congressos da UNESCO.
Conceitualmente, “trans” significa está ao mesmo tempo “entre” as disciplinas, “através”
das diferentes disciplinas e “além” de toda disciplina, visando ao entendimento da
realidade. Além do âmbito das disciplinas, a análise guattariana da transdisciplinaridade
se preocupa com o “coeficiente de transversalidade” do indivíduo. Logo, significa
entender
[...] o grau de abertura de um indivíduo ou grupo para levar em conta essas
múltiplas dimensões que atravessam e produzem suas vidas e subjetividades,
no sentido de viverem o risco de se confrontar com o novo e a alteridade,
assumirem o sentido de sua práxis e se instaurarem como indivíduos e grupos
sujeitos, e não grupos sujeitados. Daí, a exigência inevitável da
“transdisciplinaridade”, como estratégia de abordagem dos diversos
componentes transversais que atravessam qualquer realidade humana e social
(Vasconcelos, 2007: 66).
A compreensão do trabalho interdisciplinar perpassa por uma “ordenação científica” e
uma “ordenação social” (Fazenda, 2008). Os saberes disciplinares, em sua busca de
cientificidade disciplinar, requerem que cada disciplina seja
[...] analisada não apenas no lugar que ocupa ou ocuparia na grade, mas nos
saberes que contemplam, nos conceitos enunciados e no movimento que esses
saberes engendram, próprios de seu lócus de cientificidade. Essa
cientificidade, então originada das disciplinas, ganha status de interdisciplina
no momento em que obriga o professor a rever suas práticas e a redescobrir
seus talentos, no momento em que ao movimento da disciplina seu próprio
movimento for incorporado (Fazenda, 2008: 18).
139
Existem sentidos diversos para interdisciplinaridade. Pode-se falar, conforme Fazenda
(2008), de interdisciplinaridade escolar, curricular, pedagógica ou didática. Para cada
uma das categorias da interdisciplinaridade, existem finalidades e objetivos específicos.
Há particularidades e historicidade nesses conceitos. “Interdisciplinaridade escolar não
pode confundir-se com interdisciplinaridade científica” (Fazenda, 2008: 21). A nível de
currículo, por exemplo, exige-se que
[...] o estabelecimento de ligações de interdependência, de convergência e de
complementaridade entre as diferentes matérias escolares que formam o
percurso de uma ordem de ensino ministrado, a fim de permitir que surja do
currículo escolar – ou de lhe fornecer – uma estrutura interdisciplinar
(Moreira José, 2008: 86).
A interdisciplinaridade como ação, além do sentido de integração das disciplinas, é uma
exigência da contemporaneidade. Constitui-se como nova atitude diante do ato de
conhecer. Este trabalho, ao refletir sobre as tecnologias, fundamenta-se no entorno dos
campos educação e comunicação. Considero esses dois campos ou áreas de saber como
uma interzona contemporânea: “[...] as zonas são nômades, são percorridas,
atravessadas. Não é possível fixar-se, não há sedimentação nas interzonas” (Canevacci,
2005:61). No estudo desses dois campos, não me descuidei de concebê-los em suas
especificidades, pois parti do pressuposto de que, ao buscar compreender a possibilidade
de interação ou interfaceamento entre campos, não seria possível dissolver ou
desapropriá-los de seus arcabouços contextuais.
Quando utilizo o conceito de interzona, em sua acepção líquido-moderna e diluída, quis
apostar no ato relacional entre zonas, uma vez que “[...] colocar o prefixo ‘inter’ num
conceito de per si mutante acentua suas características transversais” (Canevacci,
2005:61), resguardando as devidas peculiaridades inerentes a cada zona. Por isso é que
considero importante, agora, abordar a interzona em suas dimensões particularizadas.
Há algumas décadas, os discursos têm sido enfáticos ao afirmarem que as interações
educação, tecnologias contemporâneas e comunicação não podem se reduzir a modismos
em nome das inovações pedagógicas e nem ceder à pressão do jogo do marketing dos
grandes interesses de mercado, subjacentes às tecnologias de informação e comunicação.
O debate da inter-relação entre os campos da educação e comunicação datam dos anos
iniciais do século XX.
140
O propósito de apreender as inter-relações entre os campos da comunicação e
da educação pode ser remontado às décadas de 1930 e 1940, e deriva das
inquietudes geradas pela expansão dos media no século XX. A crescente
presença da imprensa escrita, do rádio e, finalmente, da televisão mostrava
estar se desenhando uma nova configuração nos conceitos de ensino-
aprendizagem, de educação, de conhecimentos. De início, a grande pergunta
feita pelos educadores dizia respeito aos possíveis danos (e para poucos das
vantagens) que os novos meios, sobretudo a televisão, causariam aos jovens,
influenciando-os, afastando-os dos livros, disponibilizando-lhes temas e
problemas nem sempre condizentes do ponto de vista etário, moral e
comportamental. Daí o entendimento segundo o qual a televisão teria forte
impacto sobre a criança, podendo levá-la à formação de hábitos socialmente
negativos (Citelli, 2004: 136).
A interzona não é resultante de ajuntamentos, bricolagem, partes (des)coladas para
formar o todo. Não é um mosaico desprovido de identidade, ao contrário, é intermezzo
entre as coisas, “[...] espaço produtor de sentidos que se desloca entre o “aqui” e o “lá””
(Citelli, 2004: 57). Uma interzona contemporânea é “[...] algo que antecipa e projeta e
convive constantemente com seu próprio automodificar-se, automobilizar-se,
autodeslocar-se” (Canevacci, 2005: 61).
A tese da presença ausente das tecnologias digitais no curso de Pedagogia, advém da
pesquisa sobre a interzona contemporânea educação-comunicação como campos zonais.
Trato, pois, de identificar intercorrências, (des)articulações, as (im)possibilidades de
diferentes ângulos dessa interface.
As duas práticas sócio-culturais debatidas por mim: a comunicação plural e ambígua; a
educação polifônica e multidimensional, em meio aos seus modelos escolares e
acadêmicos hierárquicos, coercitivos e excludentes, requerem o entendimento de sua
interconexão. As diferenças de princípios, objetivos, tempo e espaço, são criticados do
currículo disciplinar ao currículo hipertextual. O desafio é descobrir como articular e
integrar essas duas zonas em uma interzona quando,
[...] televisão, videocassete, rádio, computador, ao lado do giz e da lousa.
Ritmo e velocidade nas linguagens mediáticas convivendo com a oralidade
nem sempre agradável e cifrada numa temporalidade que segue o andamento
natural do sistema fonador.
[...] Evidencia-se aos educadores a urgência em se reconsiderarem os
modelos didáticos e pedagógicos vindos de um contexto enciclopédico e cujo
esgotamento se traduz quer nos desafios presentes colocados aos atos
pedagógicos, quer no atinente aos interesses e expectativas dos alunos
(Citelli, 2004: 16).
Ao se tratar de dois campos distintos, a possibilidade de construção de uma interzona
contemporânea prescinde de que os conceitos educação e comunicação passem a ser
141
vistos como intervenientes de um mesmo processo, cada vez mais inter-relacionados, em
que ambos “[...] requisitam-se para esclarecerem-se; pedem-se para que nenhum dos
termos ganhe autonomia a ponto de ressoar, ou anacronismo, como no caso da escola, ou
hiper-realidade que tudo completa e tudo responde, a exemplo dos media” (Citelli, 2004:
17).
É-nos compreensível que a comunicação com dispositivos informáticos e seus sistemas
digitais passe a exercer função peculiar na contemporaneidade. Esse fato tem influência
nos diferentes âmbitos da cultura, dos fluxos econômicos e das inteligibilidades. Assim
como também é perceptível que a educação tenha sido recolocada numa perspectiva
diferenciada e cada vez mais requisitada como “[...] estreitamento dialógico com
informações e conhecimentos gerados em fontes indiretamente escolares” (Citelli, 2004:
117).
Para Santaella (2001), no entanto, a comunicação, como tópico de pesquisa, nunca se
limitou a qualquer domínio social, seja do “[...] Estado, sociedade civil, educação etc, a
qualquer disciplina ou campo especializado dentro de uma disciplina. [...] a
comunicação se fraturou em uma miríade de fragmentos conceituais e práticas de
pesquisa” (Santaella, 2001: 80).
Essas questões da comunicação e pesquisa também são refratárias das intercorrências,
suas (des)articulações, e (im)possibilidades de diferentes ângulos de interface entre as
zonas de abrangência da educação e comunicação, nas chamadas questões delicadas da
interface. Pode-se apontar pelo menos duas razões para esse fato. Por um lado porque se
trata de “[...] confluência de lógicas diferenciadas. Ainda quando voltadas para objetivos
complementares entre si, as lógicas do sistema educacional são diferentes das do sistema
comunicacional” (Braga e Calazans, 2001: 10).
Atualmente, tanto a educação quanto a comunicação passam por constantes mudanças
sócio-políticas e ideológicas, decorrentes de fatores diversos neste fim e início de
séculos. Por outro lado, a questão se refere ao encantamento pelas inovações
tecnológicas que não é difícil encontrar “[...] tomadas de posição apriorísticas e
142
proposições excludentes, no sentido de que, para valorizar uma alternativa, uma idéia,
um processo, são recusados outros, construídos artificialmente como opostos” (Braga e
Calazans, 2001: 11).
A possibilidade de interface entre campos específicos e especializados caracterizam-se
comumente por meio da interdisciplinaridade e do trabalho multiprofissional: “[...] os
campos trazem suas especificidades para um objeto de interesse comum” (Braga e
Calazans, 2001: 56), apesar desta observação: entre zonas tão abrangentes como são a
educação e a comunicação, o “[...] interfaceamento, em vez de apenas gerar um campo
específico na fronteira, tendencialmente penetra os dois campos, solicitando
reconsiderações em largas porções de suas práticas e seus conceitos” (Braga e Calazans,
2001: 56).
As tematizações e os assuntos sócio-culturais não estão isentos das questões
educacionais, assim como as interações sociais dos seus processos comunicacionais.
Ambos os campos são abrangentes:
[...] da física quântica ao trabalho manual, passando pelos processos da
comunicação humana, nada é descartável como objeto possível de uma
reflexão e sistematização de natureza educativa. Correlatamente, nenhum
tema é estranho às interações sociais, mediatizadas ou não, que compõem,
como comunicação social, o processo simbólico/prático das atividades do ser
humano em sociedade (Braga e Calazans, 2001: 10).
Nesse debate, uma consideração importante para a reflexão refere-se à questão do
profissional dessas duas zonas. Os profissionais e trabalhadores da educação são, em
geral, pedagogos, especialistas, técnicos, mestres, doutores e pesquisadores que têm seus
trabalhos avalizados em função dos objetivos educacionais que se enquadram
normalmente em torno da docência em prol da formação humana e profissional. Os
trabalhadores da comunicação são jornalistas, especialistas em comunicação, técnicos de
diversas habilidades e competências profissionais que se baseiam na processualidade da
comunicação social.
Os trabalhos coletivos entre as duas zonas, educação e comunicação, circulam em torno
da “[...] expectativa de encontrar no outro campo um complemento que enriqueça e
143
potencialize o seu próprio fazer na sociedade” (Braga e Calazans, 2001: 70). Nessa
perspectiva o ângulo de interface mais significativo não existe, uma vez que “[...] os
processos, conceitos e reflexões de um campo sejam postos, todos, a serviço do
desenvolvimento do outro campo, através de um trabalho em comum” (Braga e
Calazans, 2001: 70).
Outra questão se refere ao campo de atuação e o contexto de aplicabilidade das duas
zonas educação e comunicação. Comumente a comunicação social, conforme Braga e
Calazans (2001), trata de um conjunto de processualidades em torno do entretenimento,
atualidade e propagação. Além disso, essas processualidades são normalmente
associadas à idéia de diversão, em que a valorização do prazer e da facilidade,
descoberta pelo século XX, contribuiu ainda mais como reforço dessa concepção. Na
educação, tendencialmente, há um contraponto, ao se associar ao trabalho da educação
às categorias esforço, trabalho, dedicação, sacrifício, eixos característicos dos valores
socialmente aceitos dos séculos XIX e XX.
Essas representações coletivas resultantes de processos históricos criaram (pré)conceitos
que geraram equívocos em ambos os campos até o momento atual, seja da educação seja
da comunicação. Não há relação direta e automática entre educação (chata, entediosa) e
comunicação (divertida, prazerosa). Em face disso, retomamos a discussão da
incorporação das tecnologias contemporâneas à educação. Quaisquer propostas que não
promovam o enfrentamento desses equívocos de análises tende a aceitar a lógica da
substituição e do descarte de uma opção em relação à outra:
[...] somente uma integração bem planejada, entre procedimentos
propriamente escolares, boas políticas culturais e os melhores recursos
mediáticos, tem condições de desenvolver as bases de uma participação
social produtiva para o indivíduo e para a sociedade.
Esta questão não pode também ser reduzida à disponibilização de infra-
estrutura mediática em escolas e outras instituições paraeducacionais, e ao
desenvolvimento de procedimentos pedagógicos para o bom uso desse
material. Trata-se ainda do investimento político, social e econômico na
efetiva escolarização generalizada da população, com boa estrutura espacial e
professores qualificados, e no desenvolvimento de estímulos culturais para
toda a população (Braga e Calazans, 2001: 152).
Entender a educação e a comunicação como práticas culturais interdependentes é
fundamental para não cairmos no antagonismo e na linearidade de análise desses campos
144
zonais, dado que essas práticas sócio-culturais são artefatos eminentemente humanos e é
do ser humano a opção política de criá-las e recriá-las historicamente.
Por força da conjuntura atual, os fluxos comunicacionais e as práticas pedagógicas
passaram a ter grande aproximação. Essa “aproximação”, no entanto, significa também
que as “experiências videotecnológicas” (Citelli, 2004) fazem parte do cotidiano da
escola e da universidade, mesmo sob o signo da “não-presença”, numa referência a que
um grande número de alunos já convive num espaço social mediatizado. Nos recentes
últimos anos, decorrem desse contexto pesquisas, trabalhos científicos, no entorno da
interface educação-comunicação, definindo
[...] as novas linhas de pesquisa nas universidades, os congressos e encontros,
o aumento no número de publicações especializadas, os cursos de
capacitação no magistério do ensino fundamental e médio; tudo isso numa
demonstração da vitalidade e interesse que passou a circundar aquela inter-
relação. E, nesse caso, pode ser compreendida uma vasta gama de ações e
reflexões voltadas à educação formal, não-formal e informal; à leitura crítica
dos meios; às experiências com produção, pelos alunos do ensino
fundamental e médio, quer de materiais jornalísticos impressos, quer de
programas audiovisuais; às tecnologias baseadas na informática e que
colocam novos desafios ao pensamento pedagógico ... (Citelli, 2004: 137).
Na perspectiva do currículo integrado, a interdisciplinaridade ou a interzona são mais
abrangentes que a soma de partes ou objetos distintos. Constituem-se em uma das
alternativas de superação do modelo curricular disciplinar. O que se quer na elaboração
didático-pedagógico-curricular de cursos e itinerários formativos, são propostas
baseadas na interdisciplinaridade, na interzona e em campos não-disciplinares.
Essas são bases conceituais do currículo contemporâneo, que suscitam o entendimento
da vivência com qualidade referenciada na presentividade, na contemporaneidade, nos
tempos de agora. O cidadão só pode tornar-se apropriando-se do mundo. “É relação de
um sujeito com o mundo, com ele mesmo e com os outros. É relação com o mundo
como conjunto de significados, mas, também, como espaço e atividades, e se inscreve no
tempo” (Charlot, 2000: 78).
A construção de uma matriz de currículo, entendida de forma colaborativa e não-linear,
conduzirá a arquiteturas de formação, com possibilidades de abertura não-determinista, e
145
perseguirá os eixos da flexibilidade e da mobilidade acadêmica. Nesse ponto de vista, a
matriz de currículo é referenciada e justificada pela ação e interação dos seus
construtores. Não tem nem início nem fim, essa matriz tem
[...] fronteiras e pontos de interseção ou focos. Assim um currículo modelado
em uma matriz também é não-linear e não-seqüencial, mas limitado e cheio
de focos que se interseccionam e uma rede relacionada de significados.
Quanto mais rico o currículo, mais haverá pontos de intersecção, conexões
construídas, e mais profundo será o seu significado (Doll Jr., 1997: 178).
Curricularmente, implementa-se por intermédio do trabalho coletivo e solidário, em que
o planejamento reconhece, como importante deste fazer, o princípio da “auto-
organização” da teoria da complexidade de Morin (2005). Os propósitos, os objetivos, as
metas, os planos não são elaborados antes, mas também a partir da ação. Não há
separação entre teoria e prática, subjetividade da objetividade, do pensar e agir, não se
planeja a reunião de trabalho, uma vez que os projetos surgem da ação e são modificados
através da ação. Contrapõem-se ao racionalismo técnico e à divisão e especialização do
trabalho, uma epistemologia da própria prática, ao agirmos interativamente. Nesse
contexto, o conhecimento na ação, reflexão na ação, reflexão sobre a ação, reflexão
sobre a reflexão na ação são noções fundamentais (Schön, 1998).
A dialogicidade é fundamental para se evitar que a própria crítica torne-se hegemônica e
engessada. A reflexão promove não só a capacidade de investigação sobre a ação, mas
também valoriza os saberes gerados nesse processo, mesmos que não possuam
“validade” de teoria científica reconhecida e estabelecida, e sim valor pedagógico
(formativo), pois são discursos e narrativas que foram construídos na observação e
investigação do cotidiano, e o nível de avanço que se conseguir será inevitavelmente
diferente e melhor qualitativamente em relação ao ponto de partida.
O currículo, centrado na matéria e transmitido nas aulas magistrais, tem posto o
conhecimento social de forma paralela ao conhecimento acadêmico. Conseqüentemente,
cria-se a ilusão que as categorias de conhecimento trabalhadas são verdades
inquestionáveis, quando, na realidade representam apenas uma possível via de
entendimento entre tantas outras: “[...] o conhecimento aparece como um fim a-
histórico, como algo dotado de autonomia e vida próprias, à margem das pessoas”
146
(Santomé, 1998: 106). Nessa perspectiva, o currículo, centrado na matéria, perpassa a
idéia de que nem todos os alunos têm condições de serem bem sucedidos em algumas
disciplinas, legitimando-se o próprio fracasso acadêmico. São, portanto, relegadas as
contradições e refutadas as dimensões conflituosas da realidade social, como se assim
fosse possível sua ocultação.
A crise que desequilibrou valores e posturas do século passado é a mesma que dá forças
para alternativas curriculares na atualidade. As críticas tecidas ao currículo disciplinar
propõem perspectivar a gênese do currículo globalizado, currículo integrado, currículo
interdisciplinar ou do currículo em rede.
A rede não tem um centro, mas diversos centros. “A rede que captura e que ampara, que
distribui e abastece, canaliza e entrelaça, transmite e comunica, interliga e acolhe”
(Ramal, 2002: 186). Na perspectiva da provocação do hipertexto, o currículo em rede
visa a substituir os modelos disciplinares fundamentados na psicologia cognitiva que
sugerem “[...] a linearidade e as hierarquias de saberes por outros que contemplem os
novos estilos cognitivos: a multinearidade, os nós, os links e a interconexão” (Ramal,
2002: 183).
Pensar um currículo em rede é conceber que ora o professor está no centro,
quando convoca o grupo para exposições de informações, leituras de textos
variados, pontos de vista diferentes, orientação de atividades; ora os
estudantes podem também criar, co-criar e propor situações de
aprendizagens; ora é necessário também centrar nos materiais na informação
multimídia ou mixada que circula no ciberespaço ou fora dele (Santos, 2003:
141).
Os currículos alternativos buscam “[...] modos de estabelecer relações entre campos,
formas e processos de conhecimento que até agora eram mantidos incomunicáveis
(Santomé, 1998: 124). Essa proposta integradora favorece tanto o desenvolvimento de
processos como o conhecimento dos problemas da atualidade.
No desenvolvimento do currículo, na prática cotidiana na instituição, as
diferentes áreas do conhecimento e experiência deverão entrelaçar-se,
complementar-se e reforçar-se mutuamente, para contribuir de modo mais
eficaz e significativo com esse trabalho de construção e reconstrução do
conhecimento e dos conceitos, habilidades, atitudes, valores, hábitos que uma
sociedade estabelece democraticamente ao considerá-los necessários para
uma vida mais digna, ativa, autônoma, solidária e democrática (Santomé,
1998: 125).
147
No modelo disciplinar, são comumente encontráveis professores que, excelentes em suas
disciplinas e preocupados somente com suas matérias, consideram-se mais importantes
do que outros, e até induzem os alunos a acreditar e se interessar por sua disciplina, em
detrimento das disciplinas de outros professores. Esses profissionais acreditam, ainda,
em que existem “matérias fáceis” e “matérias difíceis”.
No currículo disciplinar é possível o trabalho isolado, o eu-sozinho e incomunicável. A
opção de organização do currículo interdisciplinar cria “colegiados de saberes” e ilhas de
conhecimentos, potencializadores da formação de arquipélagos de vivências e
itinerâncias participativas. “Um currículo transdisciplinar trabalha com as sínteses
possíveis, com as relações possíveis, porque contextuais, históricas e políticas, sínteses
estas requeridas pelas problemáticas humanas e seus desafios” (Macedo, 2007: 55).
A construção social da realidade resulta da ação histórica de seus sujeitos e
protagonistas. Por isso, a matriz curricular traz as marcas de seus construtores. No
entanto, podem-se considerar quatro formatos de integrar currículos: a) integração
correlacionando diversas disciplinas; b) integração através de temas, tópicos ou idéias; c)
integração em torno de uma questão da vida prática e diária; d) integração a partir de
temas e pesquisas decididos pelos estudantes. Além da possibilidade de: 1) integração
através de conceitos; 2) integração em torno de períodos históricos e/ou espaços
geográficos; 3) integração com base em instituições e grupos humanos; 4) integração em
torno de descobertas e invenções; 5) integração mediante áreas de conhecimento
(Santomé, 1998).
A formação escolar e universitária, baseada na relação pedagógica autoritária professor
versus aluno, que nos habituou a “assistir aulas”, de forma passiva e dependente da
explicação oral, impacta negativamente a perspectiva de trabalho autoral, colaborativo e
autônomo, mediado pelas tecnologias. A aprendizagem online, diante de uma “tela em
branco” de um computador exige um usuário ativo. Todavia, a pouca experiência
educacional de participação e produção se coloca como dificuldade de se atingir os
objetivos do trabalho interativo.
148
Os estudos sobre currículo e tecnologias me possibilitaram perceber, nos debates e
leituras realizados, a convergência de interesses entre professores e alunos para o manejo
das tecnologias, mesmo que seja no sentido de ferramenta. O trabalho efetivo com as
tecnologias digitais, como fundamento da formação, implementar-se-á a partir do
consolidar da interzona contemporânea educação-comunicação. Essa possibilidade
depende do trabalho interdisciplinar e colaborativo entre os profissionais da área da
educação e da comunicação. Dessa forma, avançaremos para além da pura incorporação
acrítica de formatos tecnológicos, conceitos, plataformas e softwares:
[...] os professores reconhecem a força dos meios e das novas tecnologias no
ambiente escolar, a despeito de sentirem dificuldades para operar diante
deles. O mesmo passo que caminha no rumo das constatações se dirige a uma
espécie de beco das impossibilidades. [...] O problema está, portanto, em
saber até onde as políticas públicas para a escola brasileira pretendem fazer
do termo transição sinônimo de permanência (Citelli, 2004: 239).
As tecnologias têm evoluído em quatro direções fundamentais. Do analógico para o
digital (digitalização), do físico para o virtual (virtualização), do fixo para o móvel
(mobilidade), do massivo para o individual (personalização). Entretanto, os aspectos
didático-pedagógicos da aprendizagem possuem especificidades e particularidades, em
que a escolha de uma mídia, por exemplo, deve considerar que o resultado obtido pela
transmissão de uma determinada informação, utilizando-se um recurso sonoro, é
diferente daquele obtido se utilizado, para a transmissão, um recurso visual, assim como
acontece com a utilização conjunta de ambos.
As intercorrências, as (des)articulações, as (im)possibilidades no trabalho com interface:
as tecnologias, são evidentes. Na análise dos conteúdos e das concepções no entorno da
educação e comunicação, há distonia entre o discurso pedagógico formal e o informal
midiático. A falta de diálogo, de sintonia, entre a educação e comunicação, tem
provocado pelo menos duas conseqüências,
[...] ao não dialogar ou fazê-lo de forma insuficiente com o discurso da
publicidade, da telenovela, do radiojornal, enfim, dos fenômenos ligados à
indústria da cultura e às novas tecnologias, a escola comete dois equívocos
básicos. De um lado, coloca sob um tapete transparente aquilo que parece
temer ou não entender, contribuindo, de certa forma, para ampliar as
defasagens do discurso pedagógico diante dos seus concorrentes informais;
de outro lado, impede que sejam discutidos, no privilegiado território da sala
de aula, os procedimentos constitutivos, as implicações sociais, os impactos
públicos gerados pelas formas contemporâneas de produzir e fazer circular a
comunicação. Em outros termos, as escolas terminam por fixar dinâmicas
149
discursivas que, ao se protegerem no mundo do livro (quase sempre
didático), da palavra (normalmente diluída pela reiteração) e das práticas de
aula (fundadas em paráfrases nem sempre muito criativas), deixam o campo
livre para toda sorte de aventura mediática. Desse modo, a sala de aula corre
o risco de perder o discurso sedutor das imagens e das promessas de viagens
virtuais dos jogos de videogames a possibilidade de contraditar o exercício,
muitas vezes mistificador e paradoxal, embutido nas promessas de felicidade
expostas no bazar chinês dos media (Citelli, 2004: 158).
A integridade e a especificidade do espaço escolar e da comunicação precisam ser
garantidas nesse interfaceamento. É fundamental instaurar circularidades críticas entre a
educação e a comunicação, para que a interzona contemporânea possa se retroalimentar,
uma vez que as ênfases e marcas do discurso pedagógico parecem subsumir a polifonia
das linguagens institucionais não-escolares.
O trabalho pedagógico, seja na universidade, seja na escola, opera com procedimentos
discursivamente fechados, praticamente sem nenhuma plasticidade sígnica, enquanto
“[...] os alunos dialogam crescentemente com as linguagens não-escolares, referentes à
“revolução digital” (Citelli, 2004: 161), desenvolvendo, em conseqüência, outras “[...]
formas de perceber, ver e sentir as coisas: desenha-se um novo tipo de sensorium
(Citelli, 2004: 161). Sob tais condições, criam (des)articulações, desencontros entre a
educação e a comunicação, e a formação deixa de enfocar as novas sociabilidades.
Para a superação das (des)articulações dos campos zonais educação e comunicação, é
imprescindível o trabalho formativo coletivo, envolvendo docentes e aproveitando-se
das possibilidades dos meios audiovisuais. Um investimento “[...] mais no plano de
comportamentos e práticas pedagógicas ainda pouco afeitas ao trabalho com variações
de linguagem que não digam respeito diretamente à palavra, aos textos impressos e ao
discurso institucional escolar” (Citelli, 2004: 179).
No trabalho para além da distonia, duas categorias evidenciadas nas pesquisas de Citelli
(2004) me chamaram a atenção: a “projeção de vontade” e a “materialização de
expectativas sociais” quando se trata do trabalho com as tecnologias digitais, seja na
universidade, seja na escola. Evidentemente que a (im)possibilidade desse trabalho
perpassa o sentimento da necessidade de mudar certas práticas institucionais.
150
Daí a projeção de vontade, de mudanças, que pode não se realizar, mas
permanece in potentia. Cabe às políticas de formação continuada dos
educadores em serviço, aliadas às alterações de outros elementos que
compõem as estruturas gerenciais e funcionais da escola, otimizar as energias
dispersas traduzindo-as em cenários favoráveis à efetivação das práticas
renovadoras.
Quanto à materialização das expectativas sociais, aliada, em última instância,
à projeção de vontade, trata-se de responder a algo que o professor entende
ser dele esperado. No meio das várias modalidades de crítica à escola existe
uma que aponta para o descompasso entre o tempo de ritmos pedagógicos e o
dos andamentos sociais mais amplos. Conquanto não seja o caso de
voltarmos ao exame de tal distonia, resta, no mínimo, a idéia segundo a qual
a sociedade espera da escola algo que ela pode não estar conseguindo realizar
(Citelli, 2004: 192).
Tanto as pesquisas que referenciaram este trabalho quanto às análises feitas na pesquisa
revelam: existe “projeção de vontade” e “tentativa de materialização de expectativas
sociais”, no sentido de interfacear o trabalho da instituição formadora (universidade,
escola) às agências sociais não-escolares. Entretanto, há dificuldades e limites em
relação a operar com novas modalidades discursivas e para as quais os docentes não
foram preparados ao longo de sua formação.
A presentividade marcada pela “[...] reorganização dos fluxos informativos, pela
reconfiguração das estruturas discursivas, pela crescente presença das novas
tecnologias” (Citelli, 2004: 209), fazem-nos pensar que estamos vivenciando um
momento peculiar da contemporaneidade que podemos chamar de “passagem” (Citelli,
2004). Relativamente à educação e comunicação, há o problema da “concorrência
discursiva” (Citelli, 2004). A educação, ao não se apropriar das tecnologias e temer o
discurso das mídias, recusa-as, autodefende-se, e trata a comunicação como adversária,
em meio à perplexidade da velocidade e intensidade com que se impõem sistemas pouco
afeitos à educação.
A educação escolar e universitária, como toda prática social é contraditória. Como
campo científico, não comporta acriticamente os agendamentos diversos do
contemporâneo. As práticas não-escolares encontram dificuldade para penetrar no
contexto da educação. Por outro prisma, no entanto, os diversos setores se impõem sobre
o trabalho da educação, sem entender suas circunstâncias históricas e políticas. Por essa
razão, é imprescindível ponderar que há uma “concorrência” pelo lócus do
conhecimento: mesmo que a produção do saber tenha sido descentrada, não se pode
concordar, com o “[...] espetáculo das agregações mecânicas de recursos tecnológicos ou
151
aderir ao aceno fácil, imitativo, da inevitável incorporação das linguagens dos meios de
comunicação à escola” (Citelli, 2004: 229).
As (des)centralidades e desvios em torno do entendimento do que significa a
constituição da “interzona contemporânea educação-comunicação”, em meio a idas e
vindas, não se constituem conclusão de resultados, mas provoc(ação) interna do próprio
refletir acerca dos dois campos zonais: educação e comunicação.
Entendi educação e comunicação como campos, e descrevi sinalizações pontuais das
(im)possibilidades do que denominei “interzona”. Todavia, “[...] não desconhecemos as
complicadas relações que entram nos circuitos comunicativos, quando se trata de forçar
o jogo na direção do acobertamento de interesses, da persuasão, do convencimento, ou
pura e simplesmente manipulação” (Citelli, 2004: 235).
4.3. Nomadismo e currículo nômade.
A contemporaneidade tem as marcas da junção de arcaísmo e tecnologias. Um desses
arcaísmos é o nomadismo. Para Maffesoli (2001), o entendimento da atualidade pode ser
realizado a partir de três narrativas: o desenvolvimento do hedonismo, do tribalismo e do
nomadismo. O autor trata as formas do nomadismo como “errância” que remete a idéia
de viagem. Característica antiga de povos e culturas em função do desejo de circular, de
mudar, de mobilidade e, “[...] traduz bem a pluralidade da pessoa, e a duplicidade da
existência” (Maffesoli, 2001: 16). Aproxima, nessa análise, a modernidade à
presentividade. Errância significa, também, a impermanência de fatos, fenômenos e
comportamentos ao considerar as pessoas, viajantes, sempre em busca da outra parte.
Também exprime a revolta, violenta ou discreta, contra a ordem estabelecida,
e fornece uma boa chave para compreender o estado de rebelião latente nas
gerações jovens das quais apenas se começa a entrever o alcance, e cujos
efeitos não terminamos de avaliar (Maffesoli, 2001: 16).
A vida contemporânea está impregnada de errância. Errância no sentido de mobilidade:
mobilidade diária: do trabalho, do consumo; migrações sazonais: do turismo e das
viagens; além do mais, a mobilidade social ou os deslocamentos das populações em
função das graves questões econômicas. O nomadismo, entretanto, não é determinado
152
pela necessidade econômica: quem o move é o desejo da evasão, que incita a mudança
de lugar, de hábito, de parceiros.
A errância, finalmente, é apenas um modus operandi que permite abordar esse
pluralismo estrutural. Também um modo de vivê-lo. Em seu sentido mais
estrito é um “êxtase” que permite escapar simultaneamente ao fechamento de
um tempo individual, ao princípio de identidade e à obrigação de uma
residência social e profissional. Êxtase que em um tempo foi possível
acomodar na ordem de um religioso separado, ou que se relegou a um passado
superado e um tanto obscurantista, mas do qual cada vez mais nos damos
conta que contamina, vagarosamente, o conjunto dos fenômenos sociais.
Êxtase que está na origem dessas epidemias de massa, esportivas, musicais,
religiosas, políticas, culturais, deixando pasmos todos os observadores do
social, na verdade muito habituados aos comportamentos racionais, não
contraditórios, unificados, próprios da modernidade (Maffesoli, 2001: 113).
Na análise maffesoliana, o homem racional e inteligente e a sociedade falocêntrica,
símbolos da modernidade, cedem, cada vez mais, espaço para os símbolos que parecem
ser da contemporaneidade: o ventre e a globalidade do ser. Nessa perspectiva, um certo
arcaísmo de valores femininos, torna-se visível na moda, na propaganda e publicidade.
Vislumbra-se, ainda, uma forte tendência à bissexualidadade, da multiplicação das
relações sexuais, do nomadismo teológico e político. O errante contemporâneo pode ser
traduzido pela “[...] necessidade de aventura, o prazer dos encontros efêmeros, o desejo
do outro lugar, e em definitivo a busca de uma fusão comunitária” (Maffesoli, 2001: 65).
O ideal comunitário manifesto
[...] nos diversos sinais tribais de reconhecimento: argolas de orelha,
uniformes nas roupas, modos de vida miméticos, jargões de linguagem, gostos
musicais semelhantes e práticas corporais, tudo transcendendo as fronteiras e
testemunhando uma participação comum e um espírito do tempo feito de
hedonismo, de relativismo, de viver o presente, e de uma espantosa energia
concreta e cotidiana, dificultando uma interpretação em termos de finalidade,
de sentido da história ou outras categorias econômico-políticas com as quais
costumamos analisar o vínculo social (Maffesoli, 2001: 66).
O errante contemporâneo, paradoxalmente, pode até ser solitário, mas não é isolado.
Suas formas de participação, imaginária ou virtual, em uma comunidade informal,
mesmo sendo esporádica não menos significativa: para além dos indivíduos particulares,
o que os une é a essência de um ser-conjunto baseado, nos mitos e arquétipos. Sua
participação nas pequenas comunidades pontuais se dá com “[...] mais intensidade por se
sentirem elas passageiras, a circulação dos sentimentos e das emoções de que nunca se
proclamará suficientemente o papel que desempenham na estruturação social”
(Maffesoli, 2001: 71-72).
153
O nomadismo pós-moderno “[...] pode ser considerado como uma expressão da
exigência de que se tornou ponto de discussão. A preocupação com uma vida marcada
pelo qualitativo, o desejo de quebrar o enclausuramento e o compromisso de residência
próprios da modernidade ...” (Maffesoli, 2001: 16).
Assim, qualquer que seja o nome que se lhe possa dar, a errância, o
nomadismo está inscrito na própria estrutura da natureza humana; quer se trate
do nomadismo individual ou do social. De alguma forma, está aí a expressão
mais evidente do tempo que passa, da inexorável fugacidade de todas as
coisas, de sua trágica evanescência. É tal irreversibilidade que está na base
desse misto de fascinação e de repulsa que exerce tudo aquilo que se parece
com mudança (Maffesoli, 2001: 37-38).
A contemporaneidade se constitui de enraizamento dinâmico. Para Liberato (2001), a
tese central maffesoliana gira nesse entorno “[...] a partir de uma vagabundagem
existencial que se desenrola a partir do oco, da “sede do infinito” e do desejo de outro
lugar” Liberato (2001, s/p). Uma das identificações do contemporâneo, dentre outras, é a
volta de determinados “arcaísmos”, a exemplo do nomadismo, “[...] tendência geral de
uma época que, por uma volta cíclica dos valores esquecidos, mas não menos presentes
nas estruturas antropológicas do imaginário, não se fundamenta mais sobre o orgulho
prometeico de um ativista triunfante, antes se liga a uma contemplação daquilo que é"
(Maffesoli, 2001: 28).
O nomadismo proporcionado pelas tecnologias digitais tem oportunizado espaços
diversos de interação e uma vastíssima produção de significados, em que funções
somáticas da percepção são externalizadas, de forma que “[...] o telefone para a audição,
a televisão para a visão, os sistemas de telemanipulações para o tato e a interação
sensório-motora, todos esses dispositivos virtualizam os sentidos” (Lévy, 2005: 28) e
[...] as mediações cognoscitivas, como a própria capacidade de percepção,
são alteradas devido às possibilidades tecnológicas de transmissão e consumo
de informação e principalmente de imagens. Com a tecnologia audiovisual e
a convergência tecnológica entre o digital e o televisivo, a percepção adquire
dimensões insólitas, que inclusive transtornam o próprio sistema nervoso e as
habilidades visomotoras (Orozco Gómez, 2006: 89).
O contemporâneo é “[...]signo não de um fim ou de um apagamento, mas, sim, de uma
multiplicação e de uma aceleração dos fatos constitutivos da modernidade” (Augé, 2006:
104). Indaga sobre si, de sua trajetória, de suas transformações. Para Lemos (2004), a
compreensão da sociedade contemporânea ocidental passa pela “fenomenologia do
social” marcada por uma categoria essencial a “socialidade”. “[...] A socialidade pós-
154
moderna, por colocar ênfase no presente, não investe mais no dever ser, mas naquilo que
é, no presente”. O “[...] presente caótico e politeísta em detrimento de perspectivas
futuristas” (Lemos, 2004: 83). O conceito de socialidade difere de sociabilidade e defini-
se como
[...] o conjunto de conceitos que compõem a socialidade maffesoliana nos
ajudará a compreender os fenômenos recentes da cultura eletrônica global.
Devemos partir de uma fenomenologia do social, entendendo esta como os
estudos dos fenômenos, isto é, daquilo que aparece à consciência, daquilo
que é dado” [...] Partindo dessa visão fenomenológica do social, Maffesoli
tenta descrever o que, segundo ele, vai marcar a atmosfera das sociedades
ocidentais contemporâneas: a socialidade. Ele mostra como o conceito de
socialidade é definido em oposição àquele de sociabilidade. A socialidade
marcaria os agrupamentos urbanos contemporâneos, diferençando-se da
sociabilidade ao colocar ênfase na tragédia do presente, nas relações banais do
quotidiano, nos momentos não institucionais, racionais ou finalistas da vida de
todo o dia. Maffesoli procura olhar a vida como ela é, como diria Nelson
Rodrigues (aliás, ambos investem numa perspectiva erótica do social).
A socialidade é, para M. Maffesoli, um conjunto de práticas quotidianas que
escapam ao controle social (hedonismo, tribalismo, presenteísmo) e que
constituem o substrato de toda vida em sociedade, não só da sociedade
contemporânea, mas de toda forma social” (Lemos, 2004: 82).
O entendimento da vida contemporânea perpassa pela leitura da sociedade de consumo e
dos meios de comunicação social da segunda metade do século XX, quando surge a
idéia de sociedade pós-moderna. Existem diferentes críticas sobre a pós-modernidade.
Essas críticas tem características relativas ao setor das quais procedem - economia,
literatura, artes, arquitetura – e vão da condenação do pós-modernismo como um
ecletismo sem definição precisa, enquanto flutua no indecidível, às narrativas de
desconstrução do discurso filosófico ocidental.
A pós-modernidade não significa o fim/início de modelo de sociedade, nem a sociedade
pós-capitalista: “[...] o emprego do conceito “pós-industrial” não caracteriza ruptura com
a sociedade capitalista, pois a palavra deriva evidentemente da era industrial, que lhe
oferece suas marcas” (Carmo, 2007: 154). O pós-industrial se refere aos avanços da era
industrial. Mudaram as categorias, uma vez que “[...] se antes se falava em fábrica,
energia, chaminé, operário, revolução, hoje se fala em robô, chip, digital, on-line,
virtual, simulacro etc” (Carmo, 2007: 154).
As características que sinalizam as mudanças do paradigma emergente da sociedade
contemporânea estão no caráter volátil e efêmero da moda, dos novos produtos e
155
técnicas de produção capitalista. Sua análise foi realizada na obra The Condition of
Postmodernity de David Harvey. Para esse autor, as mudanças se referem muito mais à
necessidade de novo ciclo de compreensão em relação ao tempo-espaço na organização
do capitalismo, do que numa nova sociedade.
O pós-moderno também pode ser lido como a descrição da crise dos fundamentos e
enfraquecimento de grandes narrativas de legitimação. Descentra a “totalidade” e
prioriza o que é o “específico”, o singular. Representado pelas sociologias específicas,
minimalistas, tratam dos pequenos temas e de vários recortes menores, apesar de ser
criticada por isso, em função da perda da capacidade de pensar processos totais que
continuam a existir também na atualidade.
Na sociedade pós-moderna, o descartável, o temporário, o espetáculo, o flexível, a
novidade são caracteres da vida social. Bauman (2001) utiliza a metáfora da “liquidez”
para caracterizar a atualidade. Uma contraposição descrita em dois movimentos: a
“modernidade sólida” e a “modernidade líquida”. O contemporâneo entendido como a
fluidez dos líquidos resulta de efemeridades, do volátil. Os líquidos difíceis de acomodá-
los, fluidos, movem-se facilmente. Os líquidos
[...] “fluem”, “escorrem”, “esvaem-se”, “respingam”, “transbordam”,
“vazam”, “inudam”, “borrifam”, “pingam”; são “filtrados”, “destilados”;
diferentemente dos sólidos, não são facilmente contidos, contornam certos
obstáculos, dissolvem outros e invadem ou inundam seu caminho. Do
encontro com sólidos emergem intactos, enquanto os sólidos que
encontraram, se permanecem sólidos são alterados, ficam molhados ou
encharcados. A extraordinária mobilidade dos fluidos é o que os associa à
idéia de “leveza”. Há líquidos que, centímetro cúbico por centímetro cúbico,
são mais pesados que muitos sólidos, mas ainda assim tendemos a vê-los
como mais leves, menos “pesados” que qualquer sólido. Associamos
“leveza” ou “ausência de peso” à mobilidade e à inconstância: sabemos pela
prática que quanto mais leves viajamos, com maior facilidade e rapidez nos
movemos.
Essas são razões para considerar “fluidez” ou “liquidez” como metáforas
adequadas quando queremos captar a natureza da presente fase, nova de
muitas maneiras, na história da modernidade (Bauman, 2001:8-9).
A solidez é característica do período histórico em que a ordem social e a durabilidade
foram extremamente valorizadas. As posses eram bens duráveis e herdadas para sempre.
O bom era sinônimo do que durava para o resto da vida. Os conhecimentos, hábitos e
atitudes adquiridos tinham importância e eram úteis para solucionar as situações
156
vivenciais, em razão dos contextos previsíveis e duráveis em que se vivia. O mundo
moderno,
[...] notoriamente instável e constante apenas em sua hostilidade a qualquer
coisa constante, a tentação de interromper o movimento, de conduzir a
perpétua mudança a uma pausa, de instalar uma ordem segura contra todos os
desafios futuros, torna-se esmagadora e irresistível. Quase todas as fantasias
modernas de um “mundo bom” foram em tudo profundamente antimodernas,
visto que visualizaram o fim da história compreendida como um processo de
mudança. Walter Benjamin disse, da modernidade, que ela nasceu sob o
signo do suicídio; Sigmund Freud sugeriu que ela foi dirigida por Tânatos, o
instinto da morte. As utopias modernas diferiam em muitas de suas
pormenorizadas prescrições, mas todas elas concordavam em que o “mundo
perfeito” seria um que permanecesse para sempre idêntico a si mesmo, um
mundo em que a sabedoria hoje aprendida permaneceria sábia amanhã e
depois de amanhã, e em que as habilidades adquiridas pela vida conservariam
sua utilidade para sempre. O mundo retratado nas utopias era também, pelo
que se esperava, um mundo transparente, em que nada de obscuro ou
impenetrável se colocava no caminho do olhar; um mundo em que nada
estragasse a harmonia; nada “fora do lugar”; um mundo sem “sujeira”; um
mundo sem estranhos (Bauman, 1998: 21).
Para Canevacci (2005: 159), conferimos “[...] solidez aos conceitos, como se a relação
entre a palavra e coisa fosse fixada uma vez por todas pelo princípio da identidade”.
Atribui-se aos conceitos sólidos estabilidade cognitiva, como se fossem “verdades”
inquestionáveis. Nos conceitos líquidos recusa-se “[...] os dualismos opositivos, as
dialéticas sintéticas, os realismos estatísticos, os monologismos de perspectiva, as
utopias dos signos, os eternos retornos” (Canevacci, 2005: 159).
A vida, na atualidade, passa a ser presidida por “mudanças instantâneas e erráticas”. Os
hábitos arraigados, as estruturas cognitivas sólidas, os valores estáveis, prevalecentes na
modernidade sólida começam a se tornar desvantagens. A intensidade e a velocidade são
dimensões marcantes dos tempos de agora.
[...] nossas instituições, valores de referência, estilos de vida, crenças e
convicções mudam antes que haja tempo para sua solidificação em costumes,
hábitos e verdades “auto-evidentes”. Embora isso tudo já estivesse presente
no passado relativamente recente da antiga ordem industrial, uma vez que ela
se caracteriza pela mudança, esta se fazia com breves paradas, fixando raízes;
agora, tudo, empregos, relacionamentos, conhecimentos etc, tende a
permanecer em rápido fluxo, volátil, flexível (Carmo, 2007: 161).
As influências da cultura pós-moderna sobre a vida são evidentes e possuem um
componente estratégico desse desenvolvimento que são as tecnologias. Com a internet,
157
ocorreu a descentralização da informação, o modelo hierarquizado de comunicação (um-
todos) altera-se para tomada de decisão, com possibilidades de participação coletiva
(todos-todos). Muda-se de hábitos de uma técnica de controle para um modelo
pulverizado em conexões, característico da chamada sociedade pós-moderna.
Se, por um lado, a virtualização propiciou o sentido de “desconstrução” do computador e
possibilitou as facilidades de conexão, interfaces em diversos dispositivos, por outro,
colocou o indivíduo diante da sua solidão, ao isolar e personalizar a comunicação:
“solidão interativa” (Wolton, 2003).
Estamos no início da “era do digital” para se avaliar as conseqüências da
“penetrabilidade” e “inclusividade” (Braga e Calazans, 2001) das tecnologias na vida
social. Todavia, identifica-se que as práticas tecnológicas criam hábitos, automatizam
comportamentos, ao interiorizarem modelos ou padrões de reação, configuram uma nova
relação com o saber e formatam uma ritualidade tecnológica, em que “[...] o mais difícil
de modificar são precisamente esses costumes coletivos e individuais frente às
referências informativas, midiáticas e não-midiáticas” (Orozco Gómez, 2006: 88) das
tecnologias. A inter(ação) com as tecnologias pode
[...] gerar uma forma de passividade, na medida em que expõe
cotidianamente os indivíduos ao espetáculo de uma atualidade efêmera; uma
forma de solidão, na medida em que os convida à navegação solitária e na
qual toda telecomunicação abstrai a relação com o outro, substituindo com o
som ou a imagem o corpo a corpo e o cara a cara; enfim uma forma de ilusão,
na medida em que deixa a critério de cada um a elaboração de pontos de
vista, opiniões em geral bastante induzidas, mas percebidas como pessoais
(Augé citado por Moares, 2006: 106).
O aspecto individualizante das tecnologias possibilita a transformação da existência em
efemeridade. Implica que nos movamos não apenas numa direção, mas em muitas
direções numa sociedade cada vez mais líquido-moderna. Nessa sociedade,
[...] as condições sob as quais agem seus membros mudam num tempo mais
curto do que aquele necessário para a consolidação, em hábitos e rotinas, das
formas de agir. A liquidez da vida e a sociedade se alimentam e se revigoram
mutuamente. A vida líquida, assim como a sociedade líquido-moderna, não
pode manter a forma ou permanecer em seu curso por muito tempo.
[...]
Em suma: a vida líquida é uma vida precária, vivida em condições de
incerteza constante. As preocupações mais intensas e obstinadas que
assombram esse tipo de vida são os temores de ser pego tirando uma soneca,
não conseguir acompanhar a rapidez dos eventos, ficar para trás, deixar
passar as datas de vencimento, ficar sobrecarregado de bens agora
158
indesejáveis, perder o momento que pede mudança e mudar de rumo antes de
tomar um caminho sem volta. A vida líquida é uma sucessão de reinícios, e
precisamente por isso é que os finais rápidos e indolores, sem os quais
reiniciar seria inimaginável, tendem a ser os momentos mais desafiadores e
as dores de cabeça e as habilidades necessárias para praticá-las, livrar-se das
coisas tem prioridade sobre adquiri-las (Bauman, 2007: 7-8).
O entendimento da vida na cibercultura perpassa pelo debate de duas categorias atuais: o
“espetáculo” e o “efêmero”. Essas categorias, potencializadas pelas tecnologias digitais e
naturalizadas, começam a fazer parte do cotidiano, nas formas de produtos midiáticos,
numa relação direta com a “sociedade de consumo”. A espetacularização da vida, dos
fatos e acontecimentos sociais, enfim, da economia, da política passa a ser assumida
como princípio organizacional na atualidade.
A idéia de “sociedade do espetáculo”, de Guy Debord, continua atual pela sua análise,
ao unificar os fenômenos produzidos e consumidos na forma espetacularizada de
imagens, produtos e bens culturais. Por outro lado, o “império do efêmero”, em Gilles
Lipovetsky, traz vários desdobramentos em relação à sociedade de consumo. A questão
deste modelo social não está na exclusão, mas na incapacidade de englobar a todos
(Carmo, 2007). A preocupação pelo “ter” resulta das necessidades sociais das classes
menos favorecidas e não da indução da publicidade. A preocupação da classe alta
européia não é com o “ter”, mas com “[...] o desemprego, a insegurança, o futuro, a
educação das crianças, a qualidade de vida e as novas formas de espiritualidade”
(Carmo, 2007: 166-167). Nesse sentido a sociedade de consumo mais liberta os que têm
condições financeiras do que oprime.
A vida, nos anos 2000, passa na tela do computador, da televisão ou do cinema, sem
isenção de espetacularização e efemeridade. Como telespectadores assíduos, assistimos
os diversos formatos do cotidiano, em reconstituições dirigidas e simuladas com trilha
sonora, cenários, maquiagem e figurino como se estivéssemos assistindo a uma peça de
teatro ou um filme de guerra no cinema. As telas são interfaces de interfaces.
A tela do computador apresenta uma interface que intercepta o olhar do
Outro. De não ver nada, de não ver o outro sujeito, passa-se a uma
construção imaginária. O simbólico está ali e o imaginário está sempre
estruturado pela ordem simbólica. O campo visual estrutura-se por leis
simbólicas ...
Discernir o que na tela se encontra encoberto, não-visível, envolve ainda um
processo necessário de subjetivação na cultura digital (Gomez, 2004:82).
159
A vida contemporânea, em sua efemeridade, é signo de “não-lugares”. Os “não-lugares”
são “[...] ambientes em que a cultura globalizada predomina, sobrepondo-se aos locais
de costumes” (Carmo, 2007: 163): lugares de trânsito, lugares de passagem que apesar
de estarem sempre cheios de passantes, neles se está solitário, como são os casos dos a)
espaços de circulação: a sala de espera dos aeroportos, postos de abastecimento de
combustíveis, vias aéreas; os b) espaços de consumo: os hipermercados, as grandes
franquias de fest food, os parques temáticos de diversão, redes hoteleiras; c) os espaços
da comunicação: telas, ondas, cabos. Os não-lugares perdem a essência e a referência do
espaço público que possui relação com a história.
A oposição lugares e não-lugares é relativa, dependendo da função e dos usos. O
aeroporto, para um funcionário de uma companhia aérea e para a tripulação de uma
aeronave, não tem o mesmo sentido que tem para o viajante-passageiro, em dias normais
de operação e fluxo. A diferença é que “[...] o lugar é um espaço fortemente
simbolizado, ou seja, é um espaço no qual podemos ler, em parte ou em sua totalidade, a
identidade dos que o ocupam, as relações que mantêm e a história que compartilham”
(Augé, 2006: 106). Os não-lugares são desrreferenciados pelo seu aspecto de não-
pertencimento.
Na análise dos não-lugares, Augé (2006) busca, em outras referências, o conceito de
“cidade genérica”, para falar da uniformidade das cidades e situações. Uma experiência
de não-lugares seriam os shoppings centers
12
. Estes são representantes da sociedade do
espetáculo, porque reúnem, em um mesmo empreendimento, o experimento de várias
simulações, num espaço por natureza privado, mas aberto às compras, ao
entretenimento, às diversas ofertas de serviços. Constituem-se em verdadeiras “cidades
intra-muros” (Carmo, 2007), protegidas por rigoroso esquema de segurança que confina
seus passantes em torno de numa “utopia urbana” (Carmo, 2007).
Os shoppings contam com as tecnologias eletrônicas mais avançadas para
criar um sofisticado meio cultural artificial. As obras arquitetônicas
cuidadosamente elaboradas e os ambientes climatizados, que regulam a
temperatura durante o ano todo, conseguem criar um ambiente simulado,
quase completamente fechado; um lugar onde as pessoas podem esquecer o
mundo externo com seus ruídos, distrações, reações, surpresas, contrastes e
violências diretas. Esquemas de iluminação sofisticados e sistemas de
vigilância aí funcionam conjuntamente para dar a sensação de que a gente
12
Para uma análise sociológica do shopping center, ver em PADILHA, Valquiria. Shopping center: a
catedral das mercadorias. São Paulo, SP: Boitempo, 2006.
160
está num lugar especial, diferente dos espaços públicos abertos, ruidosos,
partilhados por todos os que existem do lado de fora dos portões dos
shoppings.
[...]
As inúmeras imagens e vitrines sedutoras, mensagens comerciais infindáveis,
e os cenários dramáticos dos shoppings são familiares a uma geração que
cresceu com a tevê. Em seus corredores podemos mudar de uma experiência
para outra como mudamos de canal de tevê. Mas é o cartão de crédito
plástico a condição, a senha para cada experiência e para cada “viagem”
(Carmo, 2007: 164-165).
A cultura do espetáculo muda e evolui com os avanços das tecnologias. Está presente
nos vários setores da vida contemporânea. Os estádios de futebol, por exemplo, “[...]
possuem telas que reproduzem eletronicamente as jogadas, assim como anúncios
gigantes de produtos que se alternam até a máxima saturação para incrementar o
espetáculo de consumo” (Kellner, 2006: 129-130). Outro exemplo, talvez o mais
perceptível, são os filmes “[...] anunciados através de anúncios e trailers cada vez mais
barulhentos, esplendorosos e agitados (Kellner, 2006: 129-130).
Para Wolton (2003) três palavras evocam os significados nesta apreensão das
tecnologias: a “autonomia”, o “domínio” e a “velocidade”. Isso significa que as
tecnologias geram um sentimento de liberdade impressionante, e por isso, possuem um
apelo psicológico que justifica sua atração. “Cada um pode agir, sem intermediário,
quando bem quiser, sem filtro nem hierarquia e, ainda mais, em tempo real. Eu não
espero, eu ajo e o resultado é imediato” (Wolton, 2003: 85). Desdobra-se numa
individualização social, apesar da sensação de auto-realização pessoal. “Escrever, se
corresponder, arquivar, apagar, sem limite, sem esforço, constituem o principal trunfo
dos sistemas automatizados” Wolton (2003: 85).
A rapidez do desenvolvimento tecnológico possui ritmo diferenciado de suas
assimilações culturais, perceptivas e política. A esse desnivelamento entre o surgimento
de uma tecnologia e sua assimilação, Orozco Gómez (2006) denomina “destempos”.
Destempos que supõem ajustes e processos de aprendizagem substantivos
por parte dos atores sociais, e que quase sempre acabam inconclusos. Da
parte dos Estados e das instituições, requerem uma formulação adequada de
políticas públicas (que quase sempre não ocorrem) que permitem a todos ir
transmitindo de um meio a outro, de uma tecnologia a outra, de uma
ritualidade a outra (Orozco Gómez, 2006: 85).
161
Os destempos são característicos da processualidade das tecnologias. A não
consideração dos “destempos”, conforme Orozco Gómez (2006), conduz, na maioria dos
casos, às “superposições de temporalidades”.
As superposições de temporalidades, modernas, pré-modernas e pós-
modernas, subsistem e coexistem nutrindo, de fato, o dia-a-dia de milhões de
atores sociais; ao mesmo tempo em que indicam o sentido das mudanças,
definem sua adaptação a elas e contextualizam sua vinculação a outros
processos sociais e à produção da cultura. Essa cultura da colagem, feita de
pedaços de elementos próprios de diferentes etapas, é talvez uma
manifestação muito visível das interações, adaptações e fusões que diversos
setores fazem do novo, o velho, o imprevisível (Orozco mez, 2006: 86).
A vida contemporânea se configura cada vez mais com uma “hiperinflação” (Moraes,
2006) de imagens, sons e dados. A inter-relação de um complexo comunicativo demanda
tempo e condições propícias. Para Orozco Gómez (2006), a chegada de uma tecnologia
não suplanta outra anterior, pois envolvem diversos fatores que não se restringem aos
seus aspectos técnicos ou instrumentais.
Cada vez mais setores vão sendo incorporados e, incorporando outras
tecnologias, vão passando de um ambiente a outro, mas sem abandonar
completamente o ponto de partida. Em todo este trânsito, cheio de
hibridações e motivado pelas mudanças tecnológicas, há de ser destacar que
os resultados não são imediatos; demoram a se manifestar, justamente porque
não só o instrumental está envolvido neles, mas, sobretudo o sociocultural, e
no caso que nos interessa, também e especialmente, o perceptivo (Orozco
Gómez, 2006: 85).
Na contemporaneidade, o ciberespaço, entendido primeiramente como espaço virtual,
independente do mundo físico, aos poucos desaparece e se desfaz. O que significava
antes estar em frente a uma tela de computador, com teclado e mouse na mão e conectar-
se ou desconectar-se desse ambiente, muda de significado. As tecnologias digitais se
constituem na nova interface entre real e virtual. A telefonia móvel, o celular, por
exemplo, é um representante desse interfaceamento:
[...] o uso de SMS (Short Message Service) na Finlândia e na Suécia, assim
como em outros países europeus, já corresponde ao principal uso de
aparelhos móveis. Na Finlândia, envia-se mais SMS do que e-mails, e há
muito mais telefones celulares do que computadores pessoais. Da mesma
forma, no Japão, o uso de e-mail móvel é uma das principais funções do i-
mode. Nesse país, as competições de polegar premiam os mais velozes
digitadores de ke-tai.
Razões para o sucesso da Internet móvel em muitas partes do mundo incluem
o alto custo de computadores pessoais, o espaço restrito para o
armazenamento de aparelhos de grande porte (como computadores de mesa)
e o alto custo de telefones fixos. Possuir um celular pré-pago acaba sendo,
freqüentemente, mais barato do que a conta mensal de um telefone fixo. No
Brasil, porém, telefones celulares são usados da mesma forma que nos
Estados Unidos, ou seja, como aparelhos de comunicação de voz entre duas
pessoas (Silva, 2007: 1).
162
Para Lemos (2004), os celulares “teletudo” e “controle remoto do cotidiano” os
podcasts, o uso de SMS conhecido como smart mobs, dentre outras tecnologias móveis,
apresentam-se como uma categoria nova de conexão que possibilita a mobilidade. A
mobilidade promove a “desterritorialização”, ao mesmo tempo em que dispõe de
práticas de “controle”. As tecnologias móveis inauguram a “era da conexão” (Lemos,
2004). Através dos serviços de celulares GSM e G3, redes sem fio, conhecida como
Wi-Fi” ou “internet wireless”, redes Bluetooth, disponibilizaram-se novos formatos de
acesso em substituição aos cabos seriais e USB da banda-larga UWB.
A mobilidade na vida contemporânea, permite que, mesmo conectado pelo notebook,
pode-se estar em trânsito. Todavia, vigiado ou controlado, por meio do telefone móvel.
Para Lemos (2004), mobilidade não mais nômade, porque se está agora territorializado.
Esse entendimento muda a concepção de que o ciberespaço, as tecnologias móveis
estavam desconectadas da dimensão física/espacial, devido a sua virtualização ou
digitalização. Pelo contrário, diante desse fato, há uma reterritorialização.
A cultura wireless ou da comunicação sem fio transformou a separação do físico com o
digital em combinação entre eles. “[...] A emergência de tecnologias portáteis contribui
para a possibilidade de se estar constantemente conectados a espaços digitais e de,
literalmente, se “carregar” a Internet aonde quer que se vá” (Silva, 2006: 27).
Independentemente da forma de conexão ou interface, os usuários procuram por
sociabilidade. “Encontrar outros usuários para socializar no ciberespaço sempre foi uma
das importantes funções dos ambientes de multiusuários da Internet. A diferença, no
entanto, é que as redes móveis ajudam a encontrar outros indivíduos em espaços
públicos” (Silva, 2006: 40).
A cultura de acesso cria um novo espaço, um “espaço híbrido” (Silva, 2006), a partir dos
conceitos de “realidade aumentada” e “realidade mista”. Para Silva (2006), espaço
híbrido “[...] ocorre quando não mais se precisa “sair” do espaço físico para entrar em
contato com ambientes digitais” (Silva, 2006: 28). A “realidade aumentada”, nesse
contexto, equivale a três formatos: a utilização dos capacetes de realidade virtual; a
computação gráfica e sua possibilidade de aumentar qualquer objeto virtual e um mix de
163
ambientes virtuais e reais que seria a “realidade mista”. A partir da discussão de
realidade aumentada e mista, defini-se o espaço híbrido como
[...] um espaço conceitual criado pela fusão das bordas entre espaços
físicos e digitais, devido ao uso de tecnologias móveis como interfaces
sociais. Entretanto, um espaço híbrido NÃO é construído por tecnologia. É,
sim, criado pela conexão de mobilidade e comunicação, e materializado
por redes sociais desenvolvidas simultaneamente em espaços físicos e
digitais.
Espaços móveis são espaços sociais conectados definidos pelo uso de
interfaces portáteis como os nós da rede (Silva, 2006: 32).
A vida contemporânea se constitui de mudanças substantivas nos modos de interação
com o social. Todavia, “[...] a mudança, proporcionada pelas tecnologias móveis, do
ciber ao híbrido, chama a atenção para o fato de que o espaço digital nunca foi, na
verdade, separado de espaços físicos e pode ser um elemento essencial para a promoção
da sociabilidade e de comunicação em espaços urbanos” (Silva, 2006: 48-49).
A vivência da estética da comunicação, feita de “[...] hiatos, intervalos, desconexões,
saturamento e dispersão” (Beiguelman, 2006: 161), constituem traços importantes no
contexto da mobilidade. A contemporaneidade desafia a “[...] pensar o impacto
epistemológico, semiótico e político da cultura da mobilidade, que se anuncia para além
e por meio dos novos dispositivos de comunicação sem fio” (Beiguelman, 2006: 161-
162).
As tecnologias digitais constituem as condições para a configuração da cibercultura que
tem, entre suas características relevantes, a confiança “[...] no poder dos dígitos para
tratar toda informação, som, imagem, vídeo, texto, programas informáticos, com a
mesma linguagem universal” (Santaella, 2004: 70-71). Por essa razão, o ciberespaço
apresenta-se como lócus da cibercultura, um fenômeno complexo difícil de qualquer tipo
de regulamentação. A cibercultura passa a caracterizar-se pela
[...] formação de uma sociedade estruturada através de uma conectividade
telemática generalizada, ampliando o potencial comunicativo,
proporcionando a troca de informações sob as mais diversas formas,
fomentando agregações sociais. O ciberespaço cria um mundo operante,
interligado por ícones, portais, sítios e home pages, permitindo colocar o
poder de emissão nas mãos de uma cultura jovem, tribal, gregária, que vai
produzir informação, agregar ruídos e colagens, jogar excesso ao sistema
(Lemos, 2004: 87).
[...]
A cibercultura aceita o desafio da sociedade de simulação e joga (samplings,
zappings) com os símbolos da sociedade do espetáculo. No entanto, a
164
cibercultura não pertence mais à sociedade do espetáculo, no sentido dado a
esta pelo situacionista francês Guy Debord. Ela é mais do que o espetáculo,
configurando-se como uma espécie de manipulação digital do espetáculo.
Para Debord, o espetáculo é a representação do mundo através dos mass
media, enquanto que a cibercultura é a simulação do mundo pelas
tecnologias do virtual. A cibercultura surge com os media digitais, ou seja,
com a informática, as redes telemáticas, o multimídia interativo, a realidade
virtual. A cibercultura toma a simulação como via de apropriação do real,
enquanto que o espetáculo da tecnocultura moderna se apropria do real por
meio da representação do mundo (através dos media de massa) (Lemos,
2004: 90).
A cibercultura caracteriza-se não apenas pela interação mediada por tecnologias digitais,
mas como movimento histórico em que “[...] a conexão dialética entre o sujeito humano
e suas expressões tecnológicas, através da qual transformamos o mundo e, assim, nosso
próprio modo de ser interior e material em dada direção (cibernética)” (Rüdiger, 2004:
54). A cibercultura é um ambiente
[...] de relações humanas e de relações com o mundo que nos cerca no qual a
tecnologia tem presença cada vez mais acentuada. Ao contrário das mídias
analógicas que procuram disfarçar a presença das máquinas e equipamentos
através de telas, do ambiente escuro, da música ambiente e das metáforas
visuais, as mídias digitais nos obrigam a encarar a tecnologia e a conviver
com ela. Na fotografia, no cinema, na televisão, pouco sobra em nossa
memória do aparato científico e tecnológico que os suportam e lhe deram
origem. No computador e nas redes, o enfrentamento homem/máquina é
constante e cotidiano (Costa, 2005: 184).
As considerações sobre as características da vida contemporânea contribuem para o
entendimento das novas bases da formação. Por isso, o currículo hipertextual,
rizomático, contrapõe-se ao currículo disciplinar. Os currículos contemporâneos,
[...] os currículos-nômades são rizomáticos, produzem o rizoma como imagem
do pensamento. Não há uma unidade principal, uma raíz principal. As raízes
conectam-se e transbordam. Qualquer ponto destes currículos pode ser
conectado a qualquer outro, ao contrário dos currículos-programas que,
enquanto arborescências, fixam um ponto, uma ordenação. Não existem
pontos ou posições num currículo rizomático, mas linhas e estas linhas não
param de se remeterem a outras. Nos currículos-nômades, a produção de
saberes se dá por aliança e não por filiação como acontece nos currículos-
programas, onde a produção do conhecimento busca um começo-origem, um
fundamento, implicando numa concepção metódica, pedagógica, iniciática de
viagem e de movimento. Os currículos-nômades viabilizam outras maneiras
de viajar e de se mover, partindo do meio, entrando e saindo, sem começar
nem terminar (Kroef, 2002: 3).
O currículo nômade é desterritorializante, vetor de fuga do instituído. Não significa
apenas movimento: possibilita viagens num mesmo lugar, predispõe a nomadizar.
Contrariamente aos que querem controlar as migrações, os fluxos para implementar
trajetos fixos, direções determinadas, regular as circularidades e impedir a interatividade.
165
No contexto social do contemporâneo, inscreve-se a proposta de currículo hipertextual.
Nessa perspectiva, a implementação de percursos, mediados por tecnologias ou não,
implica constantes interações numa rede de sentidos. A proposição do que seja o rizoma
não se formula sobre o currículo, mas sobre o livro. Esse exercício do pensar o currículo
configura-se como linhas que se misturam, teia de possibilidades, nós, conexões,
interconexões que avançaçam para a conceituação francesa contemporânea de
transversalidade. A transversalidade constitui-se em uma,
[...] produção de saberes e uma circulação por entre eles que se faz de forma
livre, não hierárquica, caótica. E produtiva, promotora de encontros,
conjunções, misturas, mestiçagens. Se o rizoma pode ser a imagem do
currículo, ou se o currículo pode ser concebido à imagem do rizoma, a
transversalidade é o tipo de trânsito por entre os liames de um rizoma, de
uma emaranhado de saberes.
[...]
Se o currículo disciplinar nos remete para uma “pedagogia da ordem”, que
investe em hierarquias, planejamentos, organizações, controle, um currículo
rizomático, por sua vez, implica uma “pedagogia do caos”, isto é, um
processo educativo que escape ao controle, traçando linhas de fuga, que
rompa hierarquias, que desfaça planos prévios (Gallo, 2004: 46).
O currículo disciplinar, representado pela imagem de árvore, concebe os indivíduos
como seres fragmentados: os galhos da árvore “[...] vão se ramificando e se
especializando cada vez mais, perdendo contato, pois cada ramo autonomiza-se em
relação aos demais, embora permaneçam todos parte da mesma árvore” (Gallo, 2004:
44). Na perspectiva de rizoma, “[...] as coisas se passam de maneira distinta. Sua
imagem remete para uma miríade de linhas que se engalfinham, como num novelo de lã
emaranhado pela brincadeira do gato” (Gallo, 2004: 45) e possibilita-nos, uma filosofia
do currículo.
A “pedagogia do caos” do currículo rizomático nos coloca o desafio da interatividade.
Diversas tecnologias anteriores à internet oportunizaram graus de interatividade. A
distinção que se tem feito ainda se baseia no critério técnico: comunicação online ou
offline. Quando a comunicação é sincrônica diz-se que ocorre em tempo real; quando
assincrônica, ocorre em tempo diferido, apesar do critério “tempo” não se mostrar mais
eficiente para medir os graus de interatividade da participação ativa de um usuário em
um dispositivo tecnológico.
166
5. CONCLUSÃO.
Por muito tempo achei que a ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
A ausência é um estar em mim.
E sinto-a, branca, tão pegada, aconchegada nos meus braços,
que rio e danço e invento exclamações alegres,
porque ausência, essa ausência assimilada, ninguém a rouba mais de mim.
Carlos Drumond de Andrade
A tese trata da presença ausente na acepção cíbrida. Seu objeto de estudo é o curso de
Pedagogia da UFT. Discutiu educação-comunicação como uma interzona
contemporânea. O trabalho analisa as representações das tecnologias digitais no curso de
Pedagogia da UFT. Nesse sentido seus objetivos foram: identificar concepções de
tecnologias digitais no curso de Pedagogia da UFT, compreender os sentidos que as
tecnologias digitais assumem no currículo do curso de Pedagogia da UFT e analisar as
mudanças que as tecnologias digitais promoveram nas reestruturações curriculares do
curso de Pedagogia da UFT.
Para responder as questões iniciais pontuei os aspectos evidenciados na pesquisa com a
análise dos documentos referentes ao PPP e ao currículo do curso de Pedagogia da UFT,
assim como baseado nos estudos sobre a educação-comunicação como interzona
contemporânea. Os esforços teóricos para compreender as tecnologias digitais, como
fundamento das práticas pedagógicas, demonstraram-me distonia e destempos
13
.
O curso de Pedagogia da UFT faz parte do contexto em que seu currículo centrado nas
matérias e organizado na grade curricular, dificulta a imersão da transversalidade do
contemporâneo. A distonia refere-se à lentidão do curso que forma professores para
com as práticas culturais externas ao seu currículo formal, a exemplo das tecnologias
digitais. Os destempos resultam dos novos modos de aprender que já vem se
desenvolvendo, à revelia do curso, ou no sentido de que as tecnologias digitais não são
investigadas e debatidas no planejamento e desenvolvimento curricular.
13
conceitos trabalhados na tese a partir da fundamentação de Citelli (2004).
167
A abordagem educação-comunicação é multiperspectivista. A busca de síntese dos
estudos me levou a delimitar meu objeto de pesquisa sobre as tecnologias digitais como
interconexão desta interzona contemporânea. Apesar das várias pesquisas dos campos
educação e comunicação, o que constatei desde a revisão teórica, é que a tematização
desses campos possui mais estudos sobre as mídias no geral, do que investigações sobre
as tecnologias digitais nos cursos de pedagogia e na formação de professores ou mesmo
dos níveis e modalidades da educação brasileira.
Os estudos educação e comunicação não se restrigem as questões da formação de
professores, pois transversam nessa interelação diversos pressupostos, teorias e
concepções. Educação e comunicação se entrecruzam, convergem. Com a internet as
tecnologias digitais e suas convergências comunicativas on-line possibilitaram
colaborações e cooperações, em que uma informação, recebe comentários e
contribuições das mais diversas origens e níveis de qualidade. A convergência
comunicacional em redes inaugurou uma cultura emergente.
As tecnologias digitais são suportes e podem ser concebidas como fundamentos do
trabalho pedagógico. Isto é, as tecnologias como fundamento incorporam o uso
instrumental. A análise dos documentos na pesquisa evidenciou que o uso de recursos
tecnológicos multimídia, seja por meio da inclusão de uma disciplina no curso, seja em
função de acessibilidade e usabilidade de uma plataforma virtual, não asseguram
transformações nas práticas formativas. A lógica do trabalho com tecnologias digitais
implica trabalho colaborativo, em rede. Conexão, conectividade, fluxo são conceitos que
sustentam seu uso e implicam as formas de ensinar e aprender, requerendo projetos que
possam ressignificá-las.
A pesquisa demonstrou que as tecnologias digitais trouxeram mudanças importantes
para a educação por meio de softwares, plataformas, programas, sites, material interativo
e colaborativo, monitoria on-line, fóruns de discussão, laboratórios e repositórios on-
lines, etc. No entanto, para que estas promovam alterações significativas nos modos de
ensinar e aprender elas necessitam ser apreendidas pedagogicamente, considerando as
especificidades da educação e da própria tecnologia. Não são apenas recursos
168
multimídia, mas transformações nas relações com o saber. Potencializam o trabalho de
formação, mas se adequadamente planejadas. Mudanças processuais que implicam
mudanças na estrutura, organização e gestão da educação.
A pesquisa referenciou que as interconexões e as hibridações sobre a interzona
educação-comunicação tem sido motivo de muitos debates e controvérsias, que podem
ser classificadas, em três posições: os que acreditam que “tudo” passa pela internet; os
que são resistentes e hostis a qualquer tecnologia, e os que afirmam que a interrelação
educação-tecnologias, em determinadas situações, propiciam qualidade ao processo
formativo.
Eu acredito que as tecnologias digitais como ferramenta e linguagem são capazes de
promover informação, comunicação, interatividade, colaboração e, em conseqüência
disso, construir novas relações com o saber. Se a tecnologia aproxima onde existe
distância física, as tecnologias digitais poderão suscitar novas formas de
intercomunicação nos processos formativos, independentemente se na modalidade de
educação mediada ou presencial.
Todavia, é preciso ser cauteloso ao pensar educação-tecnologias, pois muitas das
práticas e experiências off-lines, no mínimo, complicadas e emblemáticas, são
reproduzidas e replicadas nas ações on-lines. Independentemente de qualificar práticas e
experiências on-lines em detrimento das outras, as tecnologias digitais poderão predispor
uma mudança de paradigma no habitus de ensinar e aprender.
A partir dessas conclusões, o contexto institucional do curso revela que as mudanças
pelas quais passou a Unitins indicam que a Universidade caminhou na lógica do modelo
de universidade operacional, prestadora de serviços, e não conseguiu implementar
currículos com formatos abertos e flexíveis. A UFT, por sua vez, buscou, desde sua
implantação, reconhecimento social e consolidação na região amazônica e não passou
por mudanças substantivas nos currículos dos cursos de graduação, inclusive o curso de
Pedagogia para além das mudanças nacionais. Os dois projetos de universidade para o
Tocantins, no período de realização de minha pesquisa, possuíam as marcas dos aspectos
169
macro-estruturais do ato de criação institucional e não demonstraram preocupações no
âmbito da qualidade dos projetos político-pedagógicos dos cursos.
A pesquisa apontou que as mudanças, readequações e as reestruturações pelas quais o
curso de Pedagogia da UFT passou não se constituem mudanças curriculares
substantivas que levem em consideração a importância das tecnologias digitais como
linguagem contemporânea. Sem concepções curriculares definidas, seu projeto político-
pedagógico não reflete, claramente, as bases de um currículo integrado ou em rede que
contemple a perspectiva de trabalho colaborativo das tecnologias digitais. As mudanças
curriculares se constituíram de aspectos legal-administrativos, com rarefeitas
incidências, dos pressupostos acadêmico-formativos contemporâneos.
Em relação às concepções referenciais do curso, nas diretrizes curriculares nacionais, as
tecnologias possuem uma abordagem, que reforça o caráter de instrumentalidade do
fazer didático-pedagógico. No currículo do curso de Pedagogia da UFT, são esparsas as
citações referentes às tecnologias. Quando citadas, não avançam na busca de se conceber
as tecnologias digitais como fundamento da formação.
A partir da concepção presença ausente, pude observar por meio da interpretação do
corpus coletado, que as questões no entorno das tecnologias digitais, no curso de
Pedagogia da UFT, não se restringem às definições de presença ou não-presença, ter ou
não ter parque tecnológico instalado. A falta de discussão referenciada no PPP do curso
e a falsa oposição entre o virtual e o real não significam que o seu currículo não possua
interconexões com as tecnologias digitais. As questões da presença ausente das
tecnologias digitais na tese abrem-nos ao debate da convergência, da simultaneidade, da
busca de superação das distâncias. Por meio das tecnologias digitais móveis e interativas
são providenciados nichos colaborativos entre vizinhanças virtuais que dispensam a co-
presença.
As ambigüidades da presença ausente, o duplo nomadismo e dupla mobilidade, as
bordas entre os espaços de presença e ausência diluídos, chamaram-me a atenção para o
intercambio, a sobreposição, em um mesmo espaço, por meio da vivência da ubiqüidade
que as tecnologias digitais têm providenciado. A presentividade inventou outro modelo
170
de presença por meio das tecnologias digitais na perspectiva de não haver separação
entre o fisicamente distante e o espiritualmente remoto. Os espaços complexos, o
ciberespaço antrópico, a condição cíbrida que nos possibilitam habitar dois mundos ou
sistemas concomitantes, estar aqui e estar lá ao mesmo tempo, suscitam a condição da
presença ausente como um pressuposto
14
, defendido, por mim nessa tese.
As categorias nomadismo, interatividade, mobilidade, interdisciplinaridade, interzona
subsidiam a discussão do currículo contemporâneo, os considerados currículos
alternativos, em relação aos modelos disciplinares tradicionais. As tipificações
curriculares que estudei: currículo nômade, currículo hipertextual, currículo em rede,
currículo rizomático e cibercurrículo são decorrentes do entendimento da hibridação
educação-comunicação como interzona contemporânea. A compreensão dessa
articulação é fundamental para que se construam matrizes contemporâneas para além do
usual modelo de currículo disciplinar, fragmentado e hierarquizado. Evidentemente que
as estruturas fechadas do currículo do curso de Pedagogia da UFT, não podem ser
consideradas como currículos nômades.
Em se tratando da questão currículo e tecnologias digitais, os resultados da pesquisa
sinalizam que uma proposta de reformulação do curso de Pedagogia requer estar
vinculada à reorganização do trabalho pedagógico como um todo, o que torna
fundamental que o novo projeto pedagógico-curricular do curso seja elaborado
coletivamente permeado por uma discussão ampliada das concepções que o ancoram,
inclusive a que se refere a tecnologias.
O curso de Pedagogia da UFT que passou por várias mudanças curriculares não
considerou as marcas da contemporaneidade. Retrata, ainda, as fragilidades não
resolvidas nacionalmente referentes à imprecisão epistemológica do seu campo em
relação à educação como prática social. E no que se referem especificamente as questões
das tecnologias digitais, estas são ainda mais ausentes que presentes.
O entendimento da presentividade e as diversas possibilidade de interface, das bases do
currículo contemporâneo, são aportes fundamentais para implementar mudanças nos
14
Tese básica, implícita, necessária para que uma determinada representação faça sentido. No âmbito da
linguagem, uma afirmação que precisa ser verdadeira para que outra afirmação tenha sentido.
171
modos de pensar, agir e formar. Suscitam a reflexão “[...] Em que medida somos
originais ou apenas reprodutores de uma percepção já pré-fabricada e padronizada dos
diversos fenômenos e elementos do ambiente que nos cerca, induzida pela cultura
hegemônica, por uma forma rotinizada de vivenciar o mundo”... (Vasconcelos, 2007:
22).
A principal conclusão da tese é que, num mundo cada vez mais estruturado pelas
tecnologias digitais, o projeto pedagógico de um curso de Pedagogia deva ser construído
por meio de um currículo fundado na presença criativa e inovadora da interzona
educação-comunicação, como marca da contemporaneidade. Se no curso de Pedagogia
da UFT a presença das tecnologias digitais se confunde com sua própria ausência, é esta
ausência que precisa ser progressivamente eliminada, caso contrário, o curso não terá as
condições específicas para as efetivas interconexões e hibridações da educação e
comunicação como interzona contemporânea.
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