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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ARTES DA UNICAMP
Bibliotecário: Liliane Forner – CRB-8
ª
/ 6244
Lopes, Manoel Roberto Batista.
L881t Temas gregorianos em quatro obras orquestrais entre os
séculos XIX e XX. / Manoel Roberto Batista Lopes. –
Campinas, SP: [s.n.], 2006.
Orientador: Eduardo Augusto Ostergren.
Dissertação(mestrado) - Universidade Estadual de
Campinas.
Instituto de Artes.
1. Música. 2. Canto gregoriano. 3. Orquestra. I. Ostergren,
Eduardo Augusto. II. Universidade Estadual de Campinas.
Instituto de Artes. III. Título.
Título em inglês: “Gregorian themes in four orchestral works between 19th and
20th
centuries”
Palavras-chave em inglês (Keywords): Music – Gregorian chant - Orchestra
Titulação: Mestre em Música
Banca examinadora:
Prof. Dr. Eduardo Augusto Ostergren
Prof Drª Helena Jank
Prof Dr. Gil Nuno Vaz Pereira da Silva
Prof Dr Esdras Rodrigues Silva
Prof Dr. Marcos Pupo Nogueira
Data da defesa: 14 de Agosto de 2006
iii
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DEDICATÓRIA
à minha família – em especial minha esposa Carmencita – pelo apoio e estímulo,
fundamentais para minha persistência neste objetivo.
v
AGRADECIMENTOS
A Deus, por tudo o que me é oferecido.
Ao Prof. Dr. Eduardo Östergren pela excelente orientação, na qual sempre
demonstrou grande sabedoria, profissionalismo e amizade.
vi
RESUMO
Esta pesquisa teve por finalidade desenvolver considerações sobre a presença
de temas do Canto Gregoriano em quatro importantes obras orquestrais de
compositores da música ocidental. Dentro de um rico universo de composições
polifônicas inspiradas no antigo estilo monofônico gregoriano, quatro obras significativas
foram selecionadas para um estudo detalhado. O tipo de acompanhamento e
encaminhamento harmônico a cada melodia gregoriana e a maneira como estas
melodias não isócronas foram enquadradas na barra de compasso foram comentados
em cada caso. Concluiu-se que o canto gregoriano, apesar de pouco praticado durante
o período compreendido entre os séculos XII e XIX e também pouco praticado desde o
último quarto do século XX, mas com uma rica tradição, sempre inspirou importantes
compositores ao longo do tempo, deixando um legado que influenciou compositores até
a época atual.
Palavras-chave: Música, Canto Gregoriano, Orquestra.
vii
ABSTRACT
The aim of this research is to bring about important considerations about the use
of gregorian chant themes in four important orchestral works by western music
composers. These four works were selected within a rich universe of polyphonic
compositions inspired in the early gregorian monophonic style. In each case, the type of
accompaniment and harmonic flow to the gregorian melody were analyzed as well as
the manner by which these non-isochronous melodies have been adjusted to the bar
line. As conclusion, one can notice how Gregorian Chant despite its modest pratice
during the period between the XII and XIX centuries and also since the last quarter of
XX century on, has always inspired important composers throughout time and has left a
rich legacy that has influenced composers to this day.
Key words: Music, Gregorian Chant, Orchestra.
viii
SUMÁRIO
1.INTRODUÇÃO.....................................................................................................pág. 01
2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO CANTO GREGORIANO.....................pág. 02
3. CARACTERÍSTICAS DO CANTO GREGORIANO............................................pág. 09
4. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PEÇAS ABORDADAS ...................................pág. 19
4.1. BERLIOZ : Sinfonia Fantástica, Op.14…………………………………...pág. 21
4.1.1. Aspectos Musicais..............................................................................pág. 21
4.1.2. Aspectos extra-musicais....................................................................pág. 37
4.1.3. O DIES IRAE......................................................................................pág. 39
4.2. STRAUSS: Also Sprach Zarathustra; Frei Nach F. Niezstche..............pág. 40
4.2.1. Aspectos Musicais..............................................................................pág. 40
4.2.2. Aspectos extra-musicais.....................................................................pág. 44
4.2.3. O CREDO e o MAGNIFICAT.............................................................pág. 45
4.3. RESPIGHI : Pinheiros de Roma...........................................................pág. 46
4.3.1. Aspectos Musicais............................................................................. pág. 46
4.3.2. Aspectos extra-musicais.....................................................................pág. 60
4.3.3. O KYRIE e o SANCTUS.....................................................................pág. 60
4.4. RONALDO MIRANDA : Suíte Festiva...................................................pág. 62
4.4.1. Aspectos Musicais..............................................................................pág. 62
4.4.2. Aspectos extra-musicais.....................................................................pág. 69
4.4.3. O VENI CREATOR.............................................................................pág. 70
5. CONCLUSÃO.....................................................................................................pág. 71
6. REFERÊNCIAS...................................................................................................pág. 73
7. GLOSSÁRIO.......................................................................................................pág. 76
ix
LISTA DE FIGURAS
Fig.1 – Modos Eclesiásticos....................................................................................pág. 10
Fig.2 – Glória gregoriano, modo 7 em tetragrama.............................................pág.11-13
Fig.3 – Glória gregoriano, modo 2 em tetragrama.............................................pág.14-15
Fig.4 – Dies Irae gregoriano em tetragrama............................................................pág. 22
Fig.5 – Dies Irae na Sinfonia Fantástica..................................................................pág. 23
Fig.6– Dies Irae na Sinfonia Fantástica...................................................................pág. 24
Fig.7 – Dies Irae na Sinfonia Fantástica..................................................................pág. 25
Fig.8 – Dies Irae na Sinfonia Fantástica..................................................................pág. 26
Fig.9 – Dies Irae na Sinfonia Fantástica..................................................................pág. 27
Fig.10 – Dies Irae na Sinfonia Fantástica................................................................pág. 29
Fig.11 – Dies Irae na Sinfonia Fantástica................................................................pág. 30
Fig.12 – Dies Irae na Sinfonia Fantástica................................................................pág. 31
Fig.13 – Dies Irae na Sinfonia Fantástica................................................................pág. 32
Fig.14 – Dies Irae na Sinfonia Fantástica................................................................pág. 33
Fig.15 – Dies Irae na Sinfonia Fantástica................................................................pág. 34
Fig.16 – Dies Irae na Sinfonia Fantástica................................................................pág. 35
Fig.17 – Dies Irae na Sinfonia Fantástica................................................................pág. 36
Fig.18 – Trecho do Credo Gregoriano em tetragrama............................................pág. 41
Fig.19 – Trecho do Magnificat Gregoriano em tetragrama......................................pág. 41
Fig.20 – Credo em Also Sparach Zarathustra.........................................................pág. 42
Fig.21 – Magnificat e Credo em Also Sparach Zarathustra.....................................pág. 43
Fig.22 – Kyrie gregoriano em tetragrama................................................................pág. 47
Fig.23 – Sanctus gregoriano em tetragrama...........................................................pág. 47
Fig.24 – Kyrie nos Pinheiros de Roma ...................................................................pág. 49
Fig.25 – Pinheiros de Roma: Sanctus no trompete interno.....................................pág. 51
Fig.26 – Pinheiros de Roma: Sanctus no trompete interno ....................................pág. 52
Fig.27 – Pinheiros de Roma: Kyrie .........................................................................pág. 54
Fig.28 – Pinheiros de Roma: Kyrie .........................................................................pág. 57
Fig.29 – Pinheiros de Roma: Sanctus nos trombones............................................pág. 55
Fig.30 – Pinheiros de Roma: Sanctus nos trombones ...........................................pág. 58
Fig.31 – Sanctus e Kyrie nos Pinheiros de Roma...................................................pág. 59
Fig.32 – Veni Creator gregoriano em tetragrama....................................................pág. 63
Fig.33 – Suíte Festiva: Veni Creator no oboé ........................................................pág. 65
Fig.34 – Suíte Festiva: Veni Creator no oboé ........................................................pág. 66
Fig.35 – Suíte Festiva: Veni Creator no oboé e flauta.............................................pág. 67
Fig.36 – Suíte Festiva: Veni Creator no oboé, flauta e clarinete.............................pág. 68
1. INTRODUÇÃO
______________________________________________________________________
Toda criação musical necessita de um germe, de uma causa que origine sua
concepção e seu nascimento. Aliada ao talento e ao potencial intelectual do compositor,
uma complexa gama de sentimentos como amor, paz, revolta, medo, admiração,
glorificação e louvor pode entrar no processo criativo.
Os compositores Berlioz, Strauss, Respighi e Ronaldo Miranda tiveram diferentes
fontes de inspiração para criar as obras enfocadas nesta pesquisa.
Consideremos as seguintes indagações relacionadas à estas obras, todas
escritas entre os séculos XIX e XX:
a) o que leva um compositor a inserir, em sua criação, temas – fragmentados ou não -
de um gênero deixado de lado séculos atrás, como o canto gregoriano?
b) de que maneira o tema gregoriano foi utilizado nos diferentes estilos musicais? Em
cada caso qual foi o instrumento escolhido para entoar o tema gregoriano?
c) O que se pode comentar a respeito do atual acesso, conhecimento e prática do
Canto Gregoriano?
d) Qual é a representatividade deste tipo de repertório na produção musical dos
compositores de nossos dias?
O capítulo 4 deste trabalho, ao apresentar um estudo detalhado dos trechos
gregorianos nas obras enfocadas, aborda as questões
a e b acima, enquanto que a
conclusão, no capítulo 5, comenta as questões c e d.
Através deste trabalho, esperamos contribuir para uma maior apreciação e
compreensão deste repertório, muito especialmente em seu aspecto interpretativo.
1
2. CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DO CANTO GREGORIANO
______________________________________________________________________
- Importância, apogeu, declínio e restauração do Canto Gregoriano, abordados a partir
de um breve histórico, cobrindo a sobrevivência ao longo dos séculos, interesse
despertado em compositores de destaque, e a restauração iniciada em meados do
século XIX, culminando com as edições de Solesmes, ao início do século XX.
Esta pesquisa leva em conta que o termo Canto Gregoriano é muitas vezes
extendido erroneamente a todo o tipo de cantochão oriundo de liturgias diferentes da
romana.
Massin (1997, p.138) classifica as melodias das liturgias galicana (na França),
moçárabe (na Espanha Visigótica), e de liturgias em línguas vernáculas como na Igreja
Siríaca, na Igreja Copta e na Palestina (ainda com o aramáico) como manifestações de
cantochão não gregoriano. O Cantochão Gregoriano está associado à liturgia romana,
em latim.
A coletânea de cantos gregorianos utilizada nesta pesquisa foi baseada no:
- LIBER USUALIS, que reune praticamente toda as partituras, conforme a edição
da Escola de Solesmes, na França;
- GRADUALE ROMANUM
- GRADUALE TRIPLEX.
“O Canto Gregoriano ainda é a música litúrgica oficial da Igreja Católica, apesar
das más interpretações do Concílio do Vaticano II, de 4 de dezembro de 1963, para
não dizer da resistência exercida por certas autoridades eclesiásticas” (CARDINE,
1989, p.8).
Na realidade, conforme o Concílio, “a Igreja reconhece o Canto Gregoriano como
próprio da liturgia romana. Portanto, em igualdade de condições, ocupa ainda o primeiro
lugar nas ações litúrgicas” (item nº 116 na Constituição Sacrosanctum Concilium).
2
O concílio determinou também que fosse completada a edição típica dos livros
de canto gregoriano e que se preparasse edição mais crítica dos livros publicados
depois da reforma de S. Pio X (item nº 117 da Constituição Sacrosanctum Concilium).
Talvez para alguns, a música gregoriana pareça, à primeira audição, monótona
para nossos ouvidos atuais. Porém, na realidade, o repertório gregoriano representa um
mundo complexo que reúne vários séculos da história da música ocidental; um mundo
de variedade que misteriosamente aproxima entusiasmo às mais delicadas e
interiorizadas sensações: é um mundo paradoxal, onde a música floresce do silêncio.
Entre os que o estudam, encontramos aqueles que o reconhecem como próprio
da liturgia, e muitos outros que a ele se dedicam porque sabem não ser possível uma
formação musical séria que não leve em conta essa expressão, que foi a base do
edifício da moderna música ocidental, religiosa ou profana.
A história do canto gregoriano, segundo Bressan ( p. 171) pode ser dividida em
quatro períodos:
Formação (até o século VII);
Difusão (entre os séculos VII e XII);
Decadência (entre os séculos XII e XIX);
Restauração ( em meados do século XIX).
Segundo Porto (1984, p.24): “A música não alcançou mais do que breves
momentos de popularidade nos longos séculos da antiguidade ocidental, em que nem
Grécia, nem Roma, apesar de todo o seu esplendor, chegaram à civilização musical
(expressão de Lavignac) por ausência absoluta de condições. De fato, ao contrário do
alto legado das artes plásticas e literárias, bem escassos foram os resultados dos
antigos na arte da música”.
Somente na Idade Média Cristã é que a música, em lugar destacado viria a
assegurar-se na educação e cultura medievais. Platão
1
relacionava a música à conduta
moral. Segundo sua filosofia, a música desenvolvia e fortificava a personalidade, e tinha
valor terapêutico, no que ela acalmava as emoções. Para ele, a cultura podia somente
ser preenchida através da educação, que por sua vêz cultivaria o amor pelo belo e
1
427-347 ac
3
resultaria na beleza e na bondade do Homem. Para Platão, a música era a mais
importante das Artes, e como tal, não deveria ser usada meramente como passatempo.
Santo Agostinho
2
, um dos primeiros e maiores pensadores cristãos, em sua obra “De
Musica”, baseou seus princípios em leis matemáticas, estabelecendo assim a música
como uma ciência.
3
Cassiodorus
4
, contemporâneo de Boethius
5
simplesmente sumarizou o que se
conhecia até então: defendia a teoria Pitagórica da música do universo, a música como
ciência dos sons e a associação íntima de música e religião.
O cantochão prossegue seu desenvolvimento com atividade crescente. Santo
Ambrósio
6
ao criar a hinódia, desperta o lirismo cristão. “Com a beleza de seus hinos,
Ambrósio popularizou o dogma recém-promulgado da Santíssima Trindade e, de fato,
tão belas eram aquelas melodias que produziam um efeito quase mágico sobre as
multidões” (MASSIN, 1997, p.139). Hereges de Milão acusaram S. Ambrósio de
fanatizar os fiéis com aqueles cantos, que despertaram um profundo interesse em
Santo Agostinho. Estes hinos “Ambrosianos” foram incluidos no conjunto de cantos
regulamentados e oficializados pelo papa São Gregório Magno,
7
no final do séc.VI.
A obra de S. Gregório pode ser definida a partir de três fases, segundo seu
biógrafo, João, o Diácono: “multa subtrahens, pauca convertens e nonnulla vero
superadjiciens” (muitas coisas eliminadas, poucas modificadas e algumas
acrescentadas). São Gregório Magno, é considerado o último papa do antigo império
romano e o primeiro dos papas medievais, e os cântigos por ele oficializados foram, no
séc. IX, através de Carlos Magno
8
, impostos no Império Sacro Romano em todo o
ocidente.
2
354-430 dc
3
A Musicologia passou a ser tratada como método científico, em pé de igualdade com outras disciplinas
científicas, a partir da proposta de Karl F. F. Chrysander (1826-1901) em 1863.
4
490-580 dc
5
c.480 – c.524
6
340-397
7
c.540 – 604
8
768-814
4
Assim, o Canto Gregoriano está diretamente relacionado ao avanço musical
conquistado não apenas com as atividades da “Schola Cantorum”, mas também graças
a notação musical e Solmização do monge beneditino Guido D’Arezzo
9
.
A religião cristã – através da enculturação nos povos ocidentais e do uso que fêz
da música nos ritos de culto divino, veio a ser a condição necessária, o novo catalisador
da força do espírito medieval que se projetava para o futuro.
Em todo esse processo, percebe-se um marco de grande destaque representado
no Canto Gregoriano e seu período de florescimento e pureza. Não resta dúvida de que
a polifonia só conseguiu se desenvolver verdadeiramente na música erudita ocidental,
depois de bem assimilado, pelos cantores, o Canto Gregoriano oficializado por S.
Gregório e uma vêz criadas as escolas necessárias à aprendizagem do mesmo.
A Vox Organalis é acrescida à Vox Principalis, formando a princípio intervalos de
quinta ou quarta e, posteriormente criando polifonias obtidas a partir da duplicação da
Vox Principalis na quarta ou na oitava. D`Arezzo, em seu Micrologus fixa com precisão
intervalos possíveis e aborda o cruzamento entre as vozes Principal e Organal. Estas
novidades, aliadas aos tropos e Sequências Aleluiáticas, estimulam cada vêz mais a
criatividade musical, principalmente na música profana.
Entretanto, a ordem Gregoriana começa a ser desarrumada consideravelmente,
em nome da liberdade da invenção. Com o avanço da música profana, da imposição
rítmica trazida pela criação do compasso, e também da música teatral – que nasceu a
partir dos tropos do próprio Canto Gregoriano - começou a sua própria decadência.
Desde o início do século XIII, o canto gregoriano passou a ser cada vêz mais
negligenciado; os copistas não se preocupavam mais com a fidelidade e correção no
traslado dos cantos e acumulavam erros sobre erros. Além disso, os livros tornavam-se
cada vêz mais raros: vários cantores serviam-se, simultaneamente, de um mesmo livro.
Por esta razão, foram feitas cópias nas quais escreveu-se o canto gregoriano em notas
enormes, desagregando-se os neumas.
Mas, apesar deste aparente obscurecimento, notam-se influências que o
Gregoriano sempre exerceu na música ocidental e em seus relevantes compositores e
musicólogos. O Canto Gregoriano, em si, entrou em decadência; mas por outro lado,
9
c.995- c.1050
5
seu repertório foi amplamente considerado; as melodias gregorianas, antes monófonas,
continuam a inspirar e passam a ser retrabalhadas na forma polifônica por vários
mestres, entre os quais, Guillaume de Machaut (1300-1377), Guillaume Dufay ( 1400-
1474) , Josquin des Prez ( 1450 – 1521) , Giovanni Pierluigi da Palestrina, (c. 1525-
1594) e Tomas Luis de Victoria ( 1535-1608).
J. S. Bach (1685-1750), em sua Missa em Si Menor, BWV 232, utiliza o tema do Credo
Gregoriano como organum (alargado), e em forma contrapontística. É voz corrente que
Mozart (1756-1791) teria expressado o desejo de ter sido o compositor do Hino
Gregoriano “Ave Verum”.
No período clássico, porém, principalmente ao final do século XVIII, pela primeira
vêz na história, a música secular superou em todos os aspectos a música sacra. O
interesse pela religião era cada vêz mais decrescente: descobertas, como a de que o
sol não era o centro do universo, estimulavam um questionamento maior acerca do que
se conhecia até então, e além disso, dois grandes iluministas - Voltaire e Rousseau -
eram ateus.
Na música, com a proibição de instrumentos na Igreja, com exceção do órgão,
decresceu também a produção sacra. De acordo com Rushton (1996) as missas e
oratórios de Haydn (1732-1809) e Beethoven (1770-1827), por exemplo, são
demonstrações de forma, mas não contribuiram para liturgias da época. Nenhuma
criação sacra de Haydn está à altura de suas sinfonias e quartetos; assim como, em
Beethoven, não há nada sacro que se compare com suas obras instrumentais. Também
em Schubert (1797- 1828), não há obras sacras equivalentes à capacidade criativa de
suas canções.
No período romântico, publicações filosóficas mantém uma situação de
antagonismo aos assuntos religiosos. Paralelamente, o romantismo surge como reação
ao classicismo, buscando uma maior liberdade de expressão. Sentimentos individuais,
como insatisfações políticas e reflexões sobre a morte, levam o romantismo na música
a contemplar a espiritualidade como germe de inspiração de grandes obras, tornando
a enriquecer a produção de importantes peças sacras.
6
Com a Sinfonia Fantástica de Berlioz (1830), um rico e produtivo simbolismo
cresceu ao redor da melodia gregoriana do Dies Irae, envolvendo reflexões sobre a
morte, medo das coisas sobrenaturais e até mesmo opressão política.
Liszt visitou Pisa em 1839 com a condessa D`Agoult e apreciou o afresco do
“Último Julgamento”, de Orcagna. Foi essa inspiração, mais pictórica do que literária,
que o levou a escrever, dez anos mais tarde, Totentanz ( Dança da Morte), dedicada ao
então genro Hans Von Büllow, escrita em 1849, e executada pela primeira vez em
1865, em Haia. Nesta obra orquestral com solo de piano, o Dies Irae gregoriano tem
presença abundante e destacada.
Em meados do século XVIII, coincidentemente ou não, a prática da execução do
canto gregoriano, que havia caído tanto em qualidade como em quantidade, vislumbra
entretanto, um processo de restauração fundamentado em dois pontos: a descoberta do
manuscrito Montepellier
10
H 159, do século XI, em 1847, e a determinação de
monges de Solesmes em pesquisar de maneira aprofundada outros códices (Laon, do
séc. X ; S. Martial de Limoges, do séc. X-XI ; Saint-Gall, do séc. XI e Las Huelgas, do
séc. XIII) espalhados por toda a Europa.
Como resultados iniciais daquela pesquisa, o monge Joseph Pothier publicou Les
Melodies Grégoriennes (1880) e depois, seu Líber Gradualis (1883). O movimento
promovido pelo papa Pio X, através de MOTU PRÓPRIO de 22 de novembro de 1903,
restabeleceu o Canto Gregoriano na Igreja e culmina com a publicação do Graduale
Romanum (1908) e do Antiphonale Romanum (1912) reconduzindo assim o Gregoriano
às suas fontes mais puras e ao seu primitivo esplendor.
Após tão feliz restauração porém, bastaram algumas poucas décadas, para que
a própria Igreja, no Concílo Vaticano II limitasse o espaço e a prática do Canto
Gregoriano, embora ainda hoje o reconheça como Canto Oficial da Igreja. Talvez a
explicação para este “mecanismo limitador” seja a seguinte: com a finalidade de
estimular a língua vernácula em cada localidade, as liturgias acabaram por
10
O manuscrito de Montpellier é um Tonário (livro de cânticos), copiado por São
Benigno de Dijon, cuja descoberta proporcionou um grande avanço no estudo dos
neumas, pois neste manuscrito, entre as linhas paralelas do texto e os neumas, corre
uma linha de letras de “a” a “p” com a indicação precisa da altura dos sons e neumas.
7
desencadear o sepultamento de preciosos ramos da cultura musical e idiomática, em
âmbito universal – incluído o Gregoriano - para dar lugar a uma verdadeira avalanche
de músicas “litúrgicas” em Português ( em nosso caso), “para que todos cantem”, e
nascidas com a “novidade” da não obrigatoriedade do latim.
Atualmente, entretanto, vemos com otimismo, a incansável atividade da
Fundação “Latinitas”, fundada por Paulo VI (1897-1978) em 1976 para o estudo e a
salvaguarda da língua e da literatura latina. Formada por estudiosos e especialistas no
assunto, promoveu em 27 de novembro de 2005, a 48ª edição do tradicional concurso
“Certamen Vaticanum” estabelecido por Pio XII (1876- 1958) a fim de incentivar o
estudo dos textos clássicos e a produção de novas obras em latim. Naquele mesmo dia,
e envolvido com o evento, o papa Bento XVI (1927- ), exortando os presentes não só a
conservar, mas também a ensinar e a difundir principalmente entre os mais jovens as
nossas letras latinas, declarou conforme suas próprias palavras que “esta tarefa
compete à Fundação Latinitas, por ser um exemplo de cuidado e de interesse da Igreja
por esta língua. A vós, cabe a tarefa de nos ajudar a fortalecer a tradição da língua
latina na Igreja para que os grandes tesouros destas memórias não sejam perdidos e
não desapareça o costume da utilização deste insigne instrumento”.
8
3. CARACTERÍSTICAS DO CANTO GREGORIANO
______________________________________________________________________
O Canto Gregoriano, sempre atrelado a um texto religioso em Latim, além de
diatônico possui textura monofônica e pode ser cantado por uma ou mais vozes em
uníssono. Deve ser evitado o acompanhamento instrumental; é aceitável, porém, um
discreto acompanhamento por parte de órgão ou harmônio, sustentando notas em cujo
encadeamento harmônico predominem intervalos de quinta, quarta e oitava.
Sua tessitura raramente passa de uma sexta; a escala desce para o grave para
expressar sentimentos de tristeza e/ou respeito ao passo que para expressar alegria ou
entusiasmo esta sobe em direção ao agudo, sendo tudo isto sobreposto a uma
pulsação agógica, (nunca isócrona) caracterizando o ritmo livre, isento da barra de
compasso.
Dada a sua importância, tratamos a seguir o aspecto da modalidade gregoriana
com especial atenção. Encontramos 8 modos, chamados eclesiásticos, que derivam de
4 escalas diatônicas gregas: Protus (primeiro), Deuterus (segundo), Tritus (terceiro) e
Tetrardus (quarto).
Protus, Deuterus, Tritus e Tetrardus são os nomes medievais, tirados do grego e
transliterados para o latim, das 4 escalas modais gregorianas. Estas 4 escalas - de ré a
ré , mi a mi, fá a fá e sol a sol, sempre diatônicas, são as autênticas (ou primitivas e
usadas para cantos mais agudos), enquanto que as outras 4 são as plagais (ou
derivadas e usadas para os cantos mais graves), cada qual imprimindo um caráter
distinto em cada obra. São ímpares os modos autênticos e pares, os plagais.
Nos modos autênticos, a tônica é a nota final da escala, igual à nota inicial , e é a
sede do repouso. A dominante, mais ou menos equilibrada no meio da escala, como o
fiel da balança, dirige o movimento, e tem este nome porque surge com mais
insistência. Nos modos autênticos, a dominante é a Quinta; nos plagais, uma terça
abaixo da tônica. Porém, nos casos em que a dominante seria si, esta cede o lugar para
o dó, pois o si frequentemente é bemolizado a fim de evitar o trítono fá-si (DIABOLOS in
MUSICA). A figura 1 resume a organização modal do gregoriano, em notação musical
moderna.
9
Menor dist. entre nota final e dominante nos PLAGAIS
Figura 1 – Os Modos Eclesiásticos.
Fonte: Lehmann, J.B. Método de harmônio, p. 138.
10
Esta terminologia foi a adotada por Hucbald (c. 840-930), provável autor do
tratado Musica Enchiriadis, e também presente no tratado Scolica Enchiriadis, no
século IX, em escritos hoje registrados na Biblioteca National de Paris.
Nota-se que nos modos pares (plagais) há um menor intervalo entre a nota final
e a dominante. Como resultado, melodias enquadradas nestes modos tendem a
apresentar uma tessitura mais estreita do que as dos modos ímpares.
As figuras 2 e 3, extraídas do Líber Usualis, demonstram esta característica: o
Gloria da Missa IX (In Festis Beatae Mariae Virginis), escrito no sétimo modo, tem
tessitura de um intervalo de décima primeira, enquanto que no Gloria da Missa XI,
escrito no segundo modo, a tessitura corresponde a um estreito intervalo de quinta.
Mi
11
12
Figura 2 - Glória , no modo no. 7 – tessitura de intervalo de
décima primeira
(mi – lá)
Fonte: Liber Usualis, p. 40
13
Sol
14
Figura 3 - Glória no modo no. 2 – tessitura de intervalo de quinta (dó-sol)
Fonte: Liber Usualis, p. 46
15
Nota-se também que o número correspondente ao modo é indicado junto à
primeira letra do texto.
Os quatro pares, com as finais em Ré, Mi, Fá e Sol, podem ser entoados
conforme as teclas brancas do piano. Entretanto, é importante manter-se em mente que
estes modos, ao contrário das escalas modernas, não seguem uma altura fixa. A
distribuição particular de tons e semitons, é a sua grande característica, mas estes
modos podem ter a sua colocação em qualquer escala.
Guido D ´Arezzo , em seu Micrólogo , identificou os modos da seguinte forma: “O
primeiro é grave; o segundo, triste; o terceiro, místico; o quarto, harmonioso; o quinto,
alegre; o sexto, devoto; o sétimo, angélico, e o oitavo, perfeito.”
A diferença entre dois membros de cada par é encontrada principalmente em
dois aspectos: (1) quais notas, além da final, são estruturalmente importantes nas
melodias designadas ao modo em questão, e (2) a faixa melódica de melodias relativas
ao modo.
Estes antigos modos eclesiásticos são usados até hoje, embora, desde o fim da
Idade Média, venha prevalecendo o uso do PROTUS PLAGAL ( que conhecemos mais
por Eólio, nas tonalidades menores) e do TRITUS PLAGAL (Jônio, nas tonalidades
maiores). Os outros seis, entretanto, nunca foram abandonados, inclusive na época
atual, em que muitos compositores modernos continuam produzindo obras modais.
Há, entretanto, outra terminologia grega, derivada de antigas teorias
mencionadas nos escritos de Boethius, com as quais se familiariza o repertório popular
Anglo-Céltico.
De acordo com Boethius, os nomes aplicados aos antigos modos gregos eram:
1.Frígio
2.Hypodórico
3.Dórico
4.Mixolídio
16
5.Hypolídio
6.Lídio
7.Hipofrígio
8.(não há equivalente neste sistema, ao modo 8.)
É prudente lembrar que os modos gregos começavam em notas diferentes das
dos homônimos eclesiásticos, e além disso, os gregos consideravam a escala no
sentido descendente, como, por exemplo, o modo dórico de mi a mi na descendente; o
modo frígio, de ré a ré descendentemente, e assim por diante.
Devido a erros de tradução, “esta terminologia foi incorrretamente” aplicada
11
ao
repertório gregoriano no tratado Alla Musica, ao final do século IX, da seguinte maneira:
Dórico
Hypodórico
Frígio
Hypofrígio
Lídio
Hypolídio
Mixolídio
Hypomixolídio
Esta vem a ser a terminologia mais freqüentemente encontrada em discussões
da música folclórica britânica. Outras denominações modais, também originadas no
vocabulário da Grécia antiga , foram adicionadas por Glareanus (1488-1563): os modos
Eólio, Lócrio e Jônio, que podem ser tocados nas teclas brancas de um piano,
iniciando-se respectivamente por lá, si e dó.
Encerrando este capítulo, recomendamos um estudo básico da leitura do
tetragrama gregoriano. As informações sobre pauta, claves e neumas se encontram de
11
Wilton, P. The Eight “Gregorian" Modes. The Gregorian Association. London.
Disponível em www.beaufort.demon.co.uk/chant . Acesso em: 14 maio 2005
17
maneira clara e simples em Marie-Rose (1963), Bressan (1950), Cardine (1989), além
das páginas iniciais do Liber Usualis.
Com respeito à quironomia
12
(regência) gregoriana, julgamos igualmente
importante uma especial atenção ao assunto e recomendamos o capítulo IV do livro de
Marie-Rose (1963), no qual se encontram diagramas como os ilustrados abaixo.
12
Do grego: mãos + regra. Significa a arte de adequar a gesticulação à interpretação
desejada.
18
4. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS PEÇAS ABORDADAS
______________________________________________________________________
Muitos foram os compositores que se serviram de temas gregorianos em suas
obras além dos compositores contemplados nesta pesquisa. Melodias gregorianas
também estão presentes na obra – litúrgica ou não – de compositores de expressão
como, por exemplo, Machaut, Dufay, Josquin des Prez, Palestrina, Victoria, J. S.
Bach, Liszt, Rachmaninoff, Saint-Saens, Puccini e Maurice Duruflé.
Neste capítulo são identificados e tratados os temas gregorianos na obra
orquestral dos seguintes compositores:
BERLIOZ – Sinfonia Fantástica
STRAUSS – Also Sprach Zarathustra
RESPIGHI – Pinheiros de Roma
RONALDO MIRANDA – Suíte Festiva
Por se tratar de um estudo sobre obras orquestrais, impusemos delimitações
quanto ao gênero musical, período histórico e finalidade da obra no seu caráter não
litúrgico.
Tecemos também considerações sobre aspectos musicais e extra-musicais.
Quanto aos musicais, a idéia é definir explicitamente as frases melódicas comuns
aos dois universos: o do repertório Gregoriano - através de uma clara identificação do
cântico em questão - e o da criação orquestral. São feitas considerações gerais, de
âmbito musical, como:
dimensão do tema: completo ou fragmentado;
textura orquestral no trecho em que este se encontra;
comparação entre a tonalidade da peça orquestral e o modo gregoriano;
tratamento dado por cada autor aos neumas gregorianos, quer silábicos,
quer melismáticos.
19
Excertos de partituras e de cânticos extraidos do Liber Usualis são utilizados
como ilustrações destes trechos em comum, facilmente situados, a partir de uma rápida
comparação entre estes excertos.
Nos aspectos extra-musicais, são mencionadas:
breves passagens biográficas de cada autor, enfocando seus distintos
interesses e sentimentos pessoais, (paixões, preocupações, religião,
inspirações musicais e ou poéticas, sob a ótica das melodias e textos
originais dos cânticos ) que caracterizem possíveis ligações entre estes
e uma determinada criação orquestral;
possíveis ligações destas obras com fatos históricos de relevância, como,
por exemplo o romantismo, o desinteresse, ou não, pelas idéias
religiosas, movimentos de restauração do canto gregoriano e obras
encomendadas para homenagens especiais.
O glossário deste trabalho contém os textos litúrgicos em latim e a tradução para
o português, que, naturalmente tiveram também importante participação na criação das
peças.
Normalmente um hino em Latim é traduzido na forma métrica, a fim de permitir
que este seja cantado no idioma para o qual é feita a tradução. Neste trabalho,
entretanto, está adotada a tradução literal, mantendo-se o significado em todos os
versos do poema.
20
4.1.: BERLIOZ ( 1803-1869)
SINFONIA EM DÓ MAIOR, Op. 14 - “SINFONIA FANTÁSTICA – Episódio da
Vida de um Artista” - 1830
4.1.1. ASPECTOS MUSICAIS
Sinfonia para grande orquestra, em cinco movimentos:
I. “Devaneios e Paixões”. Largo; Allegro agitato e apassionato assai.
II. “Um Baile”. Allegro non troppo.
III. ”Cena no Campo”. Adágio.
IV. “Marcha ao Cadafalso”. Allegretto non tropo.
V. “Sonho de uma Noite de Sabat”. Larghetto; Allegro assai.
A obra tem a seguinte instrumentação:
1 flautim, 2 flautas, 2 oboés, corne-inglês, 2 clarinetes, 4 fagotes, 4 trompas, 4
trompetes, 3 trombones, 2 tubas, 4 tímpanos , triângulo, pratos , bombo, 2 harpas
e cordas.
Duração Média: 52 minutos.
Melodia gregoriana de origem:
DIES IRAE (figura 4) presente na obra orquestral
no 5
º
movimento.
Modo Gregoriano original: apesar de o Líber Usualis indicar modo 1 (Protus
Autenthus), o Dies Irae na realidade entra no âmbito de seu plagal, Protus Plagis (modo
2). Em casos como este, também é usado o termo modo misto.
Sadie (2001) resume a estrutura dos trechos iniciais do cântico como sendo
formada por períodos A, B e C de três frases cada um, mostrados em destaque na
figura 4. Nos trechos finais do Dies Irae gregoriano encontram-se os períodos D, E e F,
também conforme a denominação de Sadie, ilustrados na página 28.
21
Período
A
Período
B
Período
C
Figura 4 – Trecho do Dies Irae da Missa Pro Defunctis (Requiem).
Fonte: Líber Usualis, p. 1810.
22
O tema surge nos fagotes e tubas, pontuado pelas campanas. São exatamente
as mesmas notas tanto no gregoriano como na sinfonia. As comparações consideram
um transporte no Dies Irae, de ré menor para dó menor.
A
Figura 5 - Sinfonia Fantástica, 5º. mov. Dies Irae.
Fonte: Berlioz, H. Complete Works, Vol. I, p. 109. N.Y.: Kalmus, 1975.
Nota-se na figura 4, que nas frases do período A, todos os neumas (exceto o
último) tem a mesma duração. Analogamente, neste trecho Berlioz trata cada nota da
mesma maneira (Figura 5).
Na seqüência, as trompas e os trombones repetem a mesma frase, auxiliando a
exposição do tema (figura 6). O tratamento neumático também é o mesmo. Porém aqui,
Berlioz aplica uma diminuição no tema, impondo à cada nota, metade do valor em
comparação ao trecho anterior. Neste trecho, de grande equivalência entre ambos as
peças, se propõe a aplicação da quironomia gregoriana para reger as trompas e os
trombones, a fim de que se obtenha o mesmo efeito do cântico.
Na frase seguinte, cordas e madeiras ambientam o Sabat e a orgia diabólica,
através de uma dança ritmada, mantendo-se o 6/8. A mesma frase de A do Dies Irae,
aplicada nos trechos anteriores, surge na flauta piccolo e nos primeiros violinos (figuras
6 e 7), porém deformada pelas diferenças rítmicas impostas pela dança em forma de
Giga. Apesar da significante diferença entre os neumas e as figuras, observa-se que as
mesmas notas são repetidas mais uma vêz. Flautas, oboés, clarinetes, segundos
violinos e violas formam com o Dies Irae intervalos de terça e sexta, sempre mantendo
dó menor neste trecho do Sabat.
23
Frase
ritmada
de A
Figura 6 - Sinfonia Fantástica, 5º. mov. Dies Irae.
Fonte: Berlioz, H. Complete Works, Vol. I, p. 110. N.Y.: Kalmus, 1975
24
B
B
B
Frase ritmada
(fechamento)
Figura 7 - Sinfonia Fantástica, 5º. mov. Dies Irae.
Fonte: Berlioz, H. Complete Works, Vol. I, pág. 111. N.Y.: Kalmus, 1975
Na Sinfonia Fantástica, o período B definido por Sadie (2001) começa com as
notas tocadas pelos fagotes e tubas, indicados na figura 7. Berlioz aplica o mesmo
tratamento comentado na figura 5: frases idênticas, sendo que cada neuma
corresponde à uma nota e tudo com a mesma duração. Violoncelos e baixos, nos
25
tempos fracos, também repetem a mesma frase, porém em pizzicato, como que
sugerindo a aplicação de golpes.
A frase é repetida pelas madeiras e metais (figura 8) também da mesma maneira
comentada na figura 6 (notas com metade da duração).
Na seqüência, a mesma frase de B é aplicada de maneira deformada pelo ritmo
de Giga, como anteriormente (último compasso da figura 8, com anacruse).
Figura 8 - Sinfonia Fantástica, 5º. mov. Dies Irae.
Fonte: Berlioz, H. Complete Works, Vol. I, p. 112. N.Y.: Kalmus, 1975
26
Início da 2ª.
Frase de D
Primeira
frase de
A
Figura 9 - Sinfonia Fantástica, 5º. mov. Dies Irae.
Fonte: Berlioz, H. Complete Works, Vol. I, p. 113. N.Y.: Kalmus, 1975
27
Voltam os fagotes e tubas,entoando a primeira frase de A (figura 9), sendo mais
intensos os golpes descritos anteriormente com os violoncelos e baixos sustentando
acordes em contratempo.
No trecho seguinte, observa-se uma nova frase do Dies Irae, diferente das
anteriores, causando uma leve quebra no grau de unidade dos trechos gregorianos
presentes até então. Esta frase começa no último compasso da figura 9 e segue
conforme indicado na figura 10.
Segundo a divisão estrutural de Sadie (2001), ela vem a ser a segunda frase do
período D, ilustrado na figura abaixo.
2ª. frase
Da mesma maneira que D, os períodos E e F (assim denominados em Sadie)
também são formados por duas frases, cada um e a segunda frase de D é
musicalmente idêntica à segunda de F.
Período E
28
(Períodos E e F
não foram
aplicados na
Sinf. Fantástica
)
Período F
Repetição da
1ª. frase de A
seguida pela
2ª. de D
com diminuição
(trompas
e
trombones)
Segunda frase de D, ao
final do Dies Irae
Figura 10 - Sinfonia Fantástica, 5º. mov. Dies Irae.
Fonte: Berlioz, H. Complete Works, Vol. I, p. 114. N.Y.: Kalmus, 1975
Na sequência da Sinfonia Fantástica, mais aplicações do Dies Irae podem ser
vistas nas figuras 11, 12 e 13, antes do conhecido tema da Ronda do Sabat, que nasce
dos violoncelos e contrabaixos e ascende para as violas e violinos, em ritmo de dança
tratado à maneira fugada.
29
Novamente a
. frase de
A, seguida
pela . de D,
porém com
deformações
ritmicas
Figura 11 - Sinfonia Fantástica, 5º. mov. Dies Irae.
Fonte: Berlioz, H. Complete Works, Vol. I, p. 115. N.Y.: Kalmus, 1975
30
Inciso da 1ª. Frase
de A
Figura 12 - Sinfonia Fantástica, 5º. mov. Dies Irae.
Fonte: Berlioz, H. Complete Works, Vol. I, p. 131. N.Y.: Kalmus, 1975
31
Figura 13 - Sinfonia Fantástica, 5º. mov. Dies Irae.
Fonte: Berlioz, H. Complete Works, Vol. I, p. 132. N.Y.: Kalmus, 1975
32
A textura no tema gregoriano até aqui é bem mais leve do que a do trecho final,
no qual o tema frenético da Ronda é combinado ao do Dies Irae. O primeiro é entregue
às cordas; o segundo, às madeiras e metais (figura 14).
Entretanto, diferentemente das aplicações anteriores, Berlioz utiliza a segunda e
a terceira frase do período B (figuras 14 e 15 e 16).
2ª. Frase de B
3ª. Frase de B
Figura 14 - Sinfonia Fantástica, 5º. mov. Dies Irae e Ronda simultaneamente.
Fonte: Berlioz, H. Complete Works, Vol. I, p. 138. N.Y.: Kalmus, 1975
33
3ª. Frase
de B
(cont.)
Figura 15 - Sinfonia Fantástica, 5º. mov. Dies Irae e Ronda simultaneamente.
Fonte: Berlioz, H. Complete Works, Vol. I, p. 139. N.Y.: Kalmus, 1975
34
3ª. Frase
de B
(cont.)
Figura 16 - Sinfonia Fantástica, 5º. mov. Dies Irae e Ronda simultaneamente.
Fonte: Berlioz, H. Complete Works, Vol. I, p. 140. N.Y.: Kalmus, 1975
35
No trecho final da Sinfonia Fantástica, Berlioz aplica duas vezes seguidas o tema
principal do Dies Irae (fá menor e depois dó menor, na figura 17) que conduzem ao
tonitruante desfecho em Dó Maior.
Figura 17 - Sinfonia Fantástica, 5º. mov. Dies Irae.
Fonte: Berlioz, H. Complete Works, Vol. I, p. 147. N.Y.: Kalmus, 1975
36
4.1.2. ASPECTOS EXTRA-MUSICAIS
Segundo Berlioz “uma imensa composição instrumental de um gênero novo,
através da qual procurarei impressionar fortemente meu auditório.”
Era assim que o próprio Berlioz anunciava por carta a uma amigo o projeto deste
“Episódio da vida de um artista”, que a posteridade haveria de conhecer por Sinfonia
Fantástica, aplaudida em delírio logo na estréia, em 5 de dezembro de 1830.
Na verdade, esta obra vem a ser o primeiro Poema Sinfônico do qual se tem
notícia, e Berlioz elaborou dois programas, sendo que o primeiro mostra o artista
perdido em devaneios nos três primeiros movimentos e alucinado pelos efeitos do ópio
nos dois últimos movimentos. Este programa foi estampado na imprensa parisiense
poucos dias antes da estréia com a seguinte anotação do próprio Berlioz: “A distribuição
deste programa ao público, nos concertos em que figura esta sinfonia, é indispensável à
completa intelecção do plano dramático da obra”.
Para melhor compreendê-la, deve-se lembrar que Berlioz estava apaixonado por
Harriet Smithson, associada na Sinfonia à uma idéia fixa musicalmente representada
por um Leitmotiv
13
.
Ao início da partitura, Berlioz impõe um texto explicando cada episódio. Na
verdade ele é o próprio artista do subtítulo.
Assim, no 4º. e 5
º
movimentos, o artista encontra-se mergulhado num pesadelo
após uma tentativa de envenenamento por ópio, causada pelo não reconhecimento de
seu amor. Em delírio, ele sonha que matou a aquela que amava, que é condenado e
que assiste à própria execução.
Em seguida, conforme ele mesmo escreve: “Ele se vê no Sabat, em meio a uma
multidão horrorosa de sombras, de feiticeiros, de monstros de toda a espécie, reunidos
para o seu enterro”. Nesse sentido, a presença do Dies Irae é bastante coerente, por
este fazer parte da Missa “Pro Defunctis”. No Sabá das Feiticeiras, a mulher que ele
amava transformou-se, depois de morta, em uma bruxa.
13
Motivo musical que reaparece várias vezes na mesma obra, sempre ligado à mesma
situação, personagem ou idéia, suscitando no ouvinte a evocação desta idéia. Wagner
valeu-se sistematicamente deste recurso, mas Bach e Mozart já o haviam utilizado.
37
No infernal Sabat, Berlioz coloca à prova todos os recursos da orquestra
moderna, e na história da música ocidental a Sinfonia Fantástica ocupa uma importante
posição, não só pela valorização dos instrumentos numa nova orquestra e de maior
dimensão, mas também por ter sido o ponto de partida dos Poemas Sinfônicos de Liszt
e do Leimotiv amplamente desenvolvido por Wagner.
Com a Sinfonia Fantástica, Berlioz finalmente recebeu o Prix de Rome, após ter
sido vetado por Cherubini, durante três anos seguidos.
Em 1833 Berlioz finalmente casou-se com Harriet Smithson, uma atriz que ele
tentava conquistar há muito tempo. Porém, seu casamento foi infeliz e terminou em
divórcio.
Berlioz escreveu um importante tratado de orquestração, que veio a ser o
primeiro a abordar não somente as características de cada instrumento, como também
as suas possibilidades de combinação com outros, em inéditas misturas de timbres.
Além disso, o tratado de Berlioz define a organização de uma orquestra ideal, que
influenciou Liszt, Wagner, Richard Strauss (que elaborou uma revisão do livro) e
Rimsky-Korsakov.
De acordo com Fisk (1997), o escritor Berlioz, acabou se tornando o primeiro
verdadeiro compositor-crítico da história da música ocidental, com base em suas
crônicas e memórias.
Importante também foi a atuação de Berlioz como regente. Para Lago Júnior
(2002), “a teoria, a arte e a técnica da direção da orquestra atingem o marco inaugural
de um processo evolutivo”. De fato, Berlioz foi o primeiro músico a criar e desenvolver
um método de direção de orquestra e definir princípios e funções do regente e fêz da
regência um meio de expressão interpretativa técnica, formal e prática como antes não
se conhecia.
Ainda conforme Lago Júnior (2002), o ensaio de Berlioz L´ Art du chef d
´orchestre, publicado em 1855, representa o primeiro estudo completo realizado por um
músico que conhece profundamente a orquestra e seus instrumentos, não só do ponto
de vista técnico como também de suas possibilidades expressivas.
38
4.1.3.O “DIES IRAE”
Seqüência da Missa dos Mortos, cujo texto é atribuído a Thomas da Celano
(1250 d.c.) estruturado em 18 estâncias (17 tercetos e uma quadra). Sua forma musical,
que incorpora mais repetições do que o padrão observado em sequências, pode ser
representada pelo esquema AABBCC/AABBCC/AABBCDEF.
Como a segunda frase de B é igual à primeira de A e as segundas frases de D e
E são as mesmas, nota-se que é alto o grau de unidade musical.
O poema começou a ser incluído em Missas de Réquiem na Itália no século XIV,
e foi uma das quatro seqüências mantidas pelo Concílio de Trento (1543-1563) ,
embora incorporado ao Missal Romano somente em 1570, durante o papado de Pio V.
39
4.2.: RICHARD STRAUSS (1864-1949) – Also Sprach Zarathustra, “Frei Nach
Niezstche” , Op. 30 – 1896
4.2.1. ASPECTOS MUSICAIS
Poema Sinfônico para grande orquestra, com as seguintes seções:
Prólogo
I. “ Von der Hinterweltlern” (“Dos que vivem no além mundo”).
II. “Von der grossen Sehnsucht ” (“Do grande Anseio”).
III. ”Von den Freuden und Leidenschaften” (“Das Alegrias e Paixões”).
IV. “Das Grablied” (“Canção do túmulo”).
V. “Von der Wissenschaft” (“Da Ciência”).
VI. “Der Genesende” (“A Convalescência”).
VII. “Das Tanzlied” (“A canção dançante”).
VIII. “Das Nachtwandlerlied” (“Canção do viajante noturno”).
Epílogo
O nome de cada seção está perfeitamente posicionado na partitura, tornando
evidente a divisão imaginada pelo autor.
A obra tem a seguinte instrumentação:
3 flautas, 1 flautim, 3 oboés, corne-inglês, 2 clarinetes, 1 clarinete em Mi bemol, 3
fagotes, 1 contrafagote, 6 trompas, 4 trompetes, 3 trombones, 2 tubas, 2
tímpanos , triângulo, pratos , bombo, órgão e cordas.
Duração Média: 34 minutos.
Melodias gregorianas de origem:
CREDO (figura 18) aplicado nas trompas na seção “Von der Hinterweltlern” (“Dos
habitantes do além-mundo”), compassos 32 e 33, e MAGNIFICAT (figura 19), no órgão,
40
na seção “Von der Grossen Sehnsucht” (“Do Grande anseio”), compassos 86 a 88,
seguidos pelo retorno do CREDO mais uma vêz nas trompas, nos compassos 88 a 90.
Figura 18 – Trecho do Credo IV
Fonte: Líber Usualis, p. 71.
Figura 19 – Inciso do Magnificat no terceiro modo
Fonte: Líber Usualis, p. 209.
Modos Gregorianos originais:
Prothus Authentus, para o CREDO e Deuterus Authentus para o MAGNIFICAT.
Após o conhecido prólogo que aborda a Natureza e o por do sol , caracterizados
pelas tonalidades de Dó Maior / menor e pelo uso de intervalos de quinta e oitava nos
trompetes, Strauss apresenta o início do processo no qual Zarathustra procura
desvendar os enigmas da natureza e da própria vida.
Assim, na seção seguinte são explorados diversos aspectos da atividade
humana incluindo a religião cristã, e aí surge o tema gregoriano do CREDO, claramente
definido na partitura pelo próprio autor (figura 20) a partir das palavras Credo in unum
Deum.
41
Somente as trompas I e II interpretam a melodia com surdina. A textura seria
homófona, não fosse o distanciamento de uma oitava, e assim a presença do CREDO,
apesar de breve é bastante destacada. No compasso seguinte, entram também as
trompas III e IV, igualmente sem surdina, repetindo a mesma frase, porém com
aumentação e suprimindo seu final.
A divisão silábica é a mesma, observando-se apenas pequenas diferenças:
Strauss concebe uma maior duração na primeira nota da melodia (mi
bemol);
A quarta e a quinta notas estão intercambiadas em relação às edições de
Solesmes: dó e si bemol respectivamente no Poema Sinfônico,
correspondem a si bemol e dó na melodia gregoriana. A seqüência de
notas utilizada por Strauss é a mesma que Bach havia aplicado na Missa
BWV 232. A origem destas diferenças está em manuscritos dos séculos X
e XI e provavelmente em traduções do Credo grego para o latim.
Figura 20 – Assim falou Zarathustra. Credo nas trompas com surdina.
Fonte: Kirby, 1995; p. 956.
42
Na seção seguinte, “O grande Anseio”, Strauss aplica o simbolismo através das
tonalidades: Dó para a natureza e Si para as lutas e questionamentos do homem.
O conflito harmônico entre estes termina com a entrada do órgão, entoando um
inciso do Magnificat , em Ré Maior (figura 21). O fraseado no poema difere ligeiramente
da acentuação neumática do gregoriano: as notas, em si, são as mesmas, porém o
mesmo não ocorre com a distribuição silábica e a articulação.
Magnificat
Credo com
variações rítmicas
Figura 21 – Assim falou Zarathustra. Magnificat e Credo.
Fonte: Kirby, 1995; p. 961.
Apesar de não explícito, como feito anteriormente, o Credo ressurge ao final do
Magnificat, entoado pelas trompas I e II e mantendo o Ré Maior do Magnificat. São
exatamente as mesmas notas, porém bastante variadas as figuras no Poema, em
comparação com os neumas isócronos do tema gregoriano.
A regência dos trechos de Credo e Magnificat na obra de Strauss não deve
considerar a aplicação da quironomia gregoriana.
43
4.2.2. ASPECTOS EXTRA-MUSICAIS:
As influências filosóficas e literárias em Strauss se acentuaram durante seus
estudos na Universidade de Munique, onde teve acesso a obras de Schopenhauer e
Shakespeare.
Os primeiros Poemas Sinfônicos e óperas de Strauss sugerem influência de
Wagner; porém com uma mais ampla exploração da livre dissonância, o que o levou a
situar-se entre o principal modernista dos anos 1900.
Also sprach Zarathustra" foi o quinto dos nove, poemas sinfônicos que Richard
Strauss compôs em 1896, entre fevereiro e agosto. Strauss indicou cuidadosamente,
em um subtítulo, "livremente baseado em Nietzsche".
A obra, próxima ao limiar de um novo século, mantém uma das tradições do
romantismo: a criação de grandes poemas sinfônicos relacionados a grandes obras
literárias.
Conforme Kirby (1995) e Williamson (1993), o autor descreveu este Poema
Sinfônico, conforme suas próprias palavras, como “uma obra na forma de otimismo
sinfônico de final de século, e dedicada ao século XX”.
Strauss, durante um período de convalescença em 1892, leu o mais famoso e
poético livro de Nietzsche, “Also Sprache Zarathustra”, atraído pelas reflexões
filosóficas que o livro propõe.
A aplicação dos temas gregorianos no Poema Sinfônico tem a ver com o trecho
no qual Zarathustra, em busca de seus ideais, investiga e questiona as questões
religiosas. Strauss, que era agnóstico, provavelmente teria encontrado alguma
familiaridade quanto a este aspecto.
Para muitos, é fútil buscar na obra aqui estudada, traduções musicais das idéias
filosóficas de Nietzsche, uma vêz que o próprio Strauss declarou, conforme Kirby
(1995), que não teve esta intenção, mas sim, prestar sua homenagem ao escritor.
De qualquer forma, cada seção do Poema faz referência direta aos capítulos do
livro, e nesse sentido, Williamson (1993) oferece uma boa oportunidade de pesquisas
mais aprofundadas em seu livro Strauss; Also Sprach Zarathustra.
Como regente, Strauss situa-se na corrente objetiva, na qual , segundo Lago
Júnior (2002), o “diretor deve se converter em mero intermediário entre a obra e a
44
execução”. Ao aceitar o convite de Hans Von Büllow
14
para dirigir a Orquestra de
Meiningen em 1884, Strauss teve uma ótima estréia na direção orquestral ao
demonstrar talento precoce e conquistar o posto de assistente de Büllow por um ano.
Se a orquestração de Strauss é complexa, colorida e eloqüente, sua regência é
oposta, predominando uma refinada simplicidade livre de maneirismos e afetações.
Strauss foi um compositor fértil mais durante sua juventude; suas últimas obras
são menos aventurosas, embora as óperas ainda revelem seu poder de ilustrador
musical de amplos recursos e de criador de sutis complexidades sonoras.
Seu casamento com Pauline foi dos mais felizes, e sua amizade com Cosima
Von Büllow também permaneceu durante toda a sua vida, como pode ser estudado no
livro de memórias da filha de Liszt.
4.2.3. O CREDO e o MAGNIFICAT
O CREDO é a afirmação da fé cristã, cantado como parte da Missa Latina antes
do ofertório. Três textos chegaram a nós: Apóstolos, Niceno e Athanasiano , sendo que
o Niceno-Constantinopolitano é o que se utiliza na liturgia. O Credo, como Symbolum
Nicenum tem origem nos Concílios de Nicea, no ano de 325, e de Constantinopla, em
381.
MAGNIFICAT
O MAGNIFICAT faz parte do ofício de Véspera. Conforme expresso no
Evangelho de Lucas, com as palavras “Magnificat Anima
Mea Dominum”, a Beata Virgem respondeu à saudação de Isabel em casa de
Zacarias.
Importantes polifonistas do século XVI (Gabrielli, Orlando di Lasso e Palestrina)
compuseram Magnificat em grande número a várias vozes.
14
Segundo Lago Júnior (2002), Büllow foi um regente de importância primordial para a
evolução dos conceitos de direção orquestral e o primeiro virtuose da batuta.
45
4.3.: RESPIGHI (1879 – 1936)- PINHEIROS DE ROMA , 1924.
4.3.1.ASPECTOS MUSICAIS
Poema Sinfônico para grande orquestra, em 4 movimentos:
I. “I Pini di Villa Borghese” ( Os Pinheiros da Vila Borghese);
II. “I Pini Presso una Catacomba” (Os Pinheiros Próximos a uma Catacumba);
III. “I Pini del Gianicolo” ( Os Pinheiros do Janiculum);
IV. “I Pini della Via Appia” (Os Pinheiros da Via Ápia).
A instrumentação é: 1 flautim, 2 flautas, 2 oboés, 1 corne inglês, 2 clarinetes em
Si b e em Lá, 1 clarinete baixo em Si b e em Lá, 2 fagotes, 1 contrafagote, 4 trompas, 3
trompetes, flicorni, 4 trombones, tímpanos, triângulo, pratos, tambor, raganela, bombo,
tam – tam, harpa, campana, celesta, gramofone, piano, órgão, e cordas. Na partitura,
Respighi recomenda o uso de contrabaixos de 5 cordas, a fim de ampliar sua extensão.
Duração: 20 minutos.
Melodias gregorianas de origem:
KYRIE da Missa de REQUIEM (figura 22) escrito no sexto modo;
SANCTUS da Missa IX, ( figura 23), escrito no primeiro modo.
46
Figura 22 – Kyrie da Missa Pro Defunctis (Réquiem).
Fonte: Líber Usualis, página 1807.
Figura 23 – Sanctus da Missa IX ( In Festis Beata Mariae Virginis).
Fonte: Líber Usualis, página 42.
47
Conforme Cross (1953) nesta obra descritiva a natureza é utilizada como ponto
de partida para evocar lembranças trazidas pelos milenares pinheiros da região
romana, uma vêz que estes foram testemunhas de vários acontecimentos ao longo da
história de Roma. Cordas divididas e trompas, todas com surdina sugerem mistério e
escuridão.
A presença do canto gregoriano ocorre com abundância no segundo movimento
Um inciso do Kyrie é entoado pelas trompas no quinto compasso deste
movimento. O acompanhamento, pelas cordas mantém um acorde de mi bemol menor
com retardo no sexto grau que se resolve para a quinta no compasso seguinte. Veja-se
figura 24.
A maneira como as trompas entoam este inciso é idêntica à do primeiro Kyrie
gregoriano.
(Harmonização de
Migliavacca, 1975)
A tonalidade menor, da peça orquestral contrasta com a escala maior
15
utilizada
no acompanhamento do cântico gregoriano. Percebe-se que no poema de Respighi, a
melodia está escrita meio tom acima da original.
Ter
ç
a maior
Na segunda vêz em que surge o tema , no compasso no. 9, Respighi igualmente
mantém o inciso do Christe tal qual no gregoriano.
Em comparação com
Kyrie, uma nota foi
suprimida em Christe.
15
Harmonizações sobre melodias gregorianas são tradicionalmente aplicadas no
acompanhamento ao órgão, como por exemplo, em Migliavacca (1975).
48
Por esta razão as trompas entoam incisos diferentes em cada trecho. No
acompanhamento, as cordas mantém o acorde de mi bemol; aqui, porém, não há
retardo e a terça está suprimida.
Kyrie
Criste:
uma
nota a
menos
Figura 24: Os Pinheiros de Roma, 2º movimento. O Kyrie nas trompas.
Fonte: Respighi, O. Pini di Roma. Milano: Ricordi, 1975.
49
Quanto à regência, uma interessante proposta seria conduzir as trompas nos
compassos 5 e 9 utlizando-se a quironomia gregoriana, uma vêz estas entoam incisos
análogos ao do cântico e sustentando-se simultaneamente a fermata nos demais
instrumentos.
Uma nova paisagem é sugerida com o Sanctus no compasso 17, que deve ser
entoado pelo trompete o mais distante possível (interno). A tonalidade predominante
agora é Sol Maior e o trompetista executa o cântico enquadrado numa fórmula 6/4 de
maneira doce e muito expressiva. Ver figura 25. Há pequenas diferenças que podem
ser percebidas ao se comparar as notas da parte do trompete com os neumas da figura
23, sendo a mais destacada, a ausência do sexto neuma original da palavra Sabaoth.
O Sanctus original não chega a ser complementado: as frases a partir do Hosana
in Excelsis não estão incluídas, conforme ilustrado na figura 26.
50
Figura 25- Os Pinheiros de Roma, 2º. movimento. O Sanctus no trompete interno.
Fonte: Respighi, O. Pini di Roma. Milano: Ricordi, 1975.
51
Figura 26- Os Pinheiros de Roma, 2º. movimento. O Sanctus no trompete.
Fonte: Respighi, O. Pini di Roma. Milano: Ricordi, 1975.
52
Na seqüência, há mais uma mudança na paisagem com a entrada de melodias
modais ritmadas e combinadas com o Kyrie gregoriano a cargo dos trombones e
fagotes desta vêz.
Como se pode notar na figura 27, o caráter doce e expressivo do Santus fica
para trás e um contrastante efeito surge com a aplicação da nova fórmula de 5/4 e da
mudança de tonalidade de Sol Maior para mi menor, ambientando incisos do Kyrie e
do Christe que são entoados da mesma maneira comentada nas páginas 48 e 49.
A dinâmica, que se inicia em piano, mas que vai crescendo pouco a pouco,
assegura que um clímax não está distante.
53
K
y
rie Christe
Figura 27- Os Pinheiros de Roma. O Kyrie e o Christe nos fagotes e trompas.
Fonte: Respighi, O. Pini di Roma. Milano: Ricordi, 1975.
54
Quarto Neuma sustenizado
Figura 28- Os Pinheiros de Roma, 2º. movimento. Inciso do Kyrie nos
fagotes, contrafagotes, trompas e contrabaixo, com uma nota alterada.
Fonte: Respighi, O. Pini di Roma. Milano: Ricordi, 1975.
A figura 28 mostra uma importante participação dos contrabaixos que,
juntamente com os fagotes, contrafagotes e trompas, destacam o Kyrie melodicamente
alterado.
55
Chega-se assim, ao clímax previsto, com a entrada do órgão e a volta do
Sanctus num fortíssimo Sol Maior em 6/4.
Os trombones, interpretam o inciso inicial do Sanctus, e a eles logo se juntam os
trompetes. Estes metais seguem juntos de maneira festiva e vibrante, e a impressão
que se tem é que desta vêz se chegará a um período completo do Sanctus. Figuras 29
e 30.
Entretanto, as trompas os interrompem com um inciso melódico e rítmico do
Kyrie, sendo efetivamente esta a última inserção gregoriana nesta obra (Figura 31).
Após fragmentações melódicas do Kyrie, o movimento é finalizado sob o mesmo
caráter misterioso do início.
56
Figura 29- Os Pinheiros de Roma, 2º. movimento. O Sanctus nos trombones.
Fonte: Respighi, O. Pini di Roma. Milano: Ricordi, 1975.
57
Figura 30- Os Pinheiros de Roma, 2º. movimento. O Sanctus nos trombones.
Fonte: Respighi, O. Pini di Roma. Milano: Ricordi, 1975.
58
Figura 31- Os Pinheiros de Roma, 2º. Mov. Sanctus nos trombones e Kyrie nas
trompas.
Fonte: Respighi, O. Pini di Roma. Milano: Ricordi, 1975.
59
4.3.2. ASPECTOS EXTRA-MUSICAIS
Entre 1900 e 1903, paralelamente à função de violista de orquestra em São
Petesburgo na Rússia, Respighi teve proveitosas aulas com Rimsky-Korsakov, que
influenciaram crucialmente sua orquestração. Destacou-se como excelente arranjador
ao expandir para orquestra peças originalmente criadas para piano, como por exemplo
La Boutique Fantasque, de Rossini.
Orquestrações como Antigas Danças e Árias , demonstram que o compositor
nunca aceitou romper com o passado, mas em contrapartida, desenvolver sua
linguagem dentro de um neo-classicismo no qual empregou formas clássicas,
cantochão e modalidades antigas.
Nos Pinheiros de Roma, pela primeira vêz, um registrador fonográfico foi usado
junto à instrumentação orquestral, produzindo a gravação do canto de um rouxinol.
Há outras obras nas quais Respighi utiliza temas gregorianos, como por
exemplo, Impressões do Brasil (inspirado em sua visita ao Instituto Butantã em1928),
Concerto Gregoriano para violino e orquestra (1921), Vitrais de Igreja (1925-1926) e
Três Prelúdios sobre Melodia Gregoriana (1919 – 1921).
4.3.3. O “KYRIE” e o “SANCTUS”
O KYRIE é o primeiro dos cânticos da parte fixa da missa, logo após o introito.
Kyrie Eleison são palavras gregas que significam “Senhor tende piedade de nós” e esta
expressão grega era amplamente utilizada em cerimônias cívicas e religiosas do
império romano. Do século VI em diante, a expressão tornou-se fixa na liturgia cristã.
Os mais antigos manuscritos musicais tiveram origem na França e na Alemanha,
no século X. A complexidade presente em alguns destes, leva-nos a supor que uma
schola – e não a congregação inteira - teria assumido a interpretação nestes casos.
O “SANCTUS”
Continuação cantada do prefácio da Missa. É uma fórmula de adoração tirada do
60
antigo testamento, dos evangelhos (entrada triunfal de Cristo em Jerusalém) e do
apocalipse de São João. Assim, o texto do Sanctus é o mais antigo, entre os de
aclamação na missa.
Como o texto não muda no dia-a-dia, também pertence à parte fixa da missa, e
os primeiros manuscritos musicais são do século X.
O Sanctus em forma de polifonia surge a partir do século XII, e a prática de
separação entre Sanctus e Benedictus nasceu no século XVI.
61
4.4.: RONALDO MIRANDA ( 1948- ) – SUÍTE FESTIVA
4.4.1. ASPECTOS MUSICAIS
Suíte para grande orquestra em três movimentos:
I. “Entrata”;
II. “Sombras e Luzes”;
III. “Toccata”.
A instrumentação da orquestra é: 1 flautim, 2 flautas, 2 oboés, 2 clarinetes, 2 fagotes, 4
trompas, 2 trompetes, 3 trombones, tímpanos, bombo, carrilhão, frustas, glockenspiel,
pratos, tam-tam, vibrafone, xilofone, celesta, harpa e cordas.
Duração: 15 minutos
Melodia gregoriana de origem: VENI CREATOR SPIRITUS, (figura 32), escrita no oitavo
modo .
62
Figura 32 – VENI CREATOR.
Fonte: Líber Usualis, página 885.
63
A presença ocorre em dois trechos do segundo movimento – “Sombras e
Luzes”– da Suíte.
Na primeira intervenção, o oboé solo entoa fielmente a melodia completa, do
Veni Creator, harmoniosamente acompanhado pelo naipe de cordas, numa tonalidade
predominante de Sol Maior.
O período completo, portanto do Veni Creator, desenvolve-se dentro do
Tetrardus Plagis, porém numa quinta justa acima, em relação ao indicado no Líber
Usualis. Ver figuras 33 e 34.
64
Figura 33 - Suíte Festiva.
Fonte: Banco de Partituras da Academia Brasileira de Música.
65
Figura 34 - Suíte Festiva. Fechamento do período.
Fonte: Banco de Partituras da Academia Brasileira de Música.
Na segunda intervenção, também são aplicadas todas as frases gregorianas num
período completo de nove compassos, e com a mudança de tonalidade para dó maior,
o Veni Creator orquestral flui com a mesma modalidade gregoriana (Figuras 35 e 36).
A flauta assume fielmente a melodia, enquanto que o oboé e o clarinete formam
com esta, intervalos de quarta, quinta ou oitava que sugerem a relação entre a Vox
Principalis e a Vox Organalis.
Na última estrofe do hino - ou frase musical - o clarinete solo e as violas reforçam
a linha melódica juntamente com a flauta (figura 36, compasso no. 58).
66
Figura 35 – Suíte Festiva. Primeira metade do período.
Fonte: Banco de Partituras da Academia Brasileira de Música.
67
Figura 36 – Suíte Festiva. Segunda metade do período.
Fonte: Banco de Partituras da Academia Brasileira de Música.
Em cada um destes dois trechos, o autor modifica o andamento para um
Contemplativo, com a indicação θ = 56.
Através de sucessivas variações nas fórmulas de compasso (1 de 7/8; 3 de 3/4; 1
de 5/4; 1 de 3/4; 1 de 5/8; 1 de 2/4 e 1de 3/4) consegue o autor obter o efeito da
movimentação rítmica não isócrona idêntica à do hino gregoriano.
68
Um aspecto importante é que nesta obra foi considerado o cântico original em
sua íntegra, e não apenas um inciso ou um período. Além disso, nota-se claramente na
partitura a importância com que Ronaldo Miranda trata da articulação e da dinâmica.
Cuidadosas e precisas indicações – sobretudo nas madeiras – conduzem a um efeito
que contribui para que se obtenha uma grande fidelidade à ambientação e ao ritmo
gregoriano.
Por estas razões, certamente uma boa proposta de regência para os trechos
“gregorianos” desta obra é a de se aplicar a própria quironomia gregoriana mantendo-se
em mente uma especial atenção aos incisos ársicos e téticos.
4.4.2.ASPECTOS EXTRA-MUSICAIS
Conforme entrevista especial para este trabalho, gentilmente concedida pelo
próprio compositor, a relação do autor com o Canto Gregoriano se deu pelo fato da
Religião Católica ter sido importante em sua juventude . No curso ginasial, foi aluno de
padres barnabitas no Colégio Santo Antônio Maria Zacaria; em seguida, foi aluno de
padres jesuítas, no Curso Clássico do Colégio Santo Inácio, ambos no Rio de Janeiro.
Portanto, esta relação não é somente um fruto do conhecimento geral de
Ronaldo Miranda como compositor, estudioso e pesquisador, mas também fruto de algo
além do fator intelectual – a religião.
Ronaldo Miranda usou primeiramente o Veni Creator Spiritus, no segundo ato de
sua ópera DOM CASMURRO, com o coro masculino e o coro infantil, para sublinhar as
cenas de Bentinho no Seminário. A ópera foi estreada em 1992, no Teatro Municipal de
São Paulo.
A Suíte Festiva foi criada atendendo a uma encomenda da Prefeitura do Rio de
Janeiro, para homenagear o Papa João Paulo II durante a visita aquela cidade, em
agosto de 1997. Ronaldo Miranda lembrou-se de novo do Veni Creator, e ao compor a
Suite Festiva, resolveu usá-lo novamente, desta vez, de maneira instrumental. A obra
consiste de três movimentos: I – Entrata; II – Sombras e Luzes e III – Toccata.
O Veni Creator representa as "Luzes", face à luminosidade que resplandece de
tão bela e simples melodia.
69
A estréia se deu com a Orquestra Sinfônica Brasileira, sob a regência de Roberto
Tibiriçá, na Sala Cecília Meireles, em 1997. O concerto foi gravado e transformado em
CD (Concerto da Louvação). Os outros compositores - que tiveram obras
encomendadas para a mesma finalidade e ocasião - foram Edino Krieger, Ricardo
Tacuchian, Almeida Prado e Henrique David Korenchendler.
A gravação e as partituras foram enviadas posteriormente ao Vaticano, onde se
encontram arquivadas.
4.4.3. O VENI CREATOR
O Veni Creator é o mais famoso dos hinos gregorianos; é cantado em
solenidades como eleição de papas, consagração de bispos, ordenação de sacerdotes,
celebração de concílios e coroação de reis. É atribuído a Rabanus Maurus (776-856),
que foi abade de Fulda e arcebispo em Maguncia, e faz parte de manuscritos do século
X. O hino foi cantado no Concílio de Reims em 1049, presidido pelo papa Leão IX.
O Veni Creator, ao lado de vários outros hinos e temas gregorianos está incluído
também, no hinário Anglicano e no da Igreja Protestante Episcopal, em versões
harmonizadas.
70
5. CONCLUSÃO
______________________________________________________________________
O conjunto de informações contidas neste trabalho – especialmente aquelas que
enfocam o Canto Gregoriano – deve ser motivo de interesse por parte do regente, que
constantemente se empenha também na definição e estudo do repertório a ser
apresentado pela orquestra a qual dirige.
Entre estas informações, a instrumentação e o tempo de duração,
freqüentemente são igualmente, objeto de consideração por parte do regente.
Está correto o pensamento de Henrique Lian (regente e mestre em História da
Arte pela Unicamp) manifestado em entrevista na qual, conforme suas próprias
palavras: “Para mim é indispensável ter uma reflexão histórica e estética sobre a peça
que estou regendo. A fase de preparação de uma obra dá tanto prazer quanto a
execução e isso é o mais fascinante em música.“
16
Com efeito, este trabalho representa uma importante e útil ferramenta para a fase
de estudos e preparação das peças nele contidas, bem como na abordagem
interpretativa das mesmas.
Quanto ao atual acesso, conhecimento e prática do Canto Gregoriano, o que se
pode comentar é que lamentavelmente a acessibilidade ao repertório gregoriano que a
música litúrgica atual nos oferece tornou-se muito restrita. A quantidade de missas com
gregoriano vem diminuindo continuamente no decorrer dos anos. Os competentes
Corais Gregorianos da atualidade são poucos.
Igualmente poucos são os compositores atuais que utilizam melodias
gregorianas em suas obras orquestrais, mantendo uma diminuição na
representatividade deste tipo de repertório, observada nas últimas décadas.
Não é impossível ocorrer que durante a interpretação de uma obra na qual esteja
inserido um tema gregoriano, o regente não se dê conta disto, pois contemplamos que
na formação atual do músico brasileiro, poucas são as disciplinas que abordam o
estudo e uso do Canto Gregoriano de uma forma mais específica.
16
Revista Concerto no. 100, outubro de 2004
71
Há uma certa lacuna, tanto nos conservatórios como nas Universidades, no que
diz respeito ao tratamento dispensado ao repertório e às características mais
elementares do Gregoriano.
Como resultado, observamos que poucas melodias gregorianas estão no
conhecimento de boa parte de nossos músicos. O assunto deveria ser encarado como
estudo menos especializado do que se pensa, uma vêz que, por ser a base e o berço
da música ocidental, o canto gregoriano deveria estar – mais efetivamente – entre os
tópicos de cultura geral.
72
6. REFERÊNCIAS
______________________________________________________________________
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BERLIOZ, H. Complete Works, Vol. I. N.Y.: Kalmus, 1975.
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BORBA, TOMÁS. Dicionário de Música. Lisboa: Edições Cosmos, 1963
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1950.
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Great Composers and Their Music. New York : Doubleday & Co. Inc., 1953
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micrólogo e outros opúsculos. Santos: Ed. Leopoldianum, 1985.
FERRETTI, PAOLO. Principii teorici e pratici di canto gregoriano. Rome: Desclée &
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Northeastern University Press, 1997.
Baseadas na norma NBR 6023, de 2002, da Associação Brasileira de Normas
Técnicas (ABNT).
73
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Seminário Central do Ipiranga, 1938
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1975.
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1995.
IBAÑEZ, FEDERICO. El Réquiem en la Musica Romântica. Madrid: Ediciones RIALP,
1960.
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LAGO JÚNIOR, SYLVIO. A arte da Regência. Rio de Janeiro: Lacerda Editores, 2002.
LEHMANN, J. B. Método de Harmônio. Juiz de Fora: Esdeve, 1958.
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Inst. Pio X,1963
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74
WILLIAMSON, JOHN. Strauss; Also Sprach Zarathustra. Cambridge: Cambridge
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WILTON, PETER. The Eight “Gregorian" Modes. The Gregorian Association. London.
Disponível em www.beaufort.demon.co.uk/chant . Acesso em: 14 maio 2005
Liber Usualis. Tournai: Desclée & Socii, 1957
75
7. GLOSSÁRIO
______________________________________________________________________
Textos litúrgicos dos cânticos em latim e em português.
DIES IRAE
1- Dies írae , díes ílla,
Sólvet saéclum in favílla:
Téste Dávid cum Sibýlla.
2- Quántus trémor est futúrus,
Quando júdex est ventúrus,
Cúncta stricte discussúrus!
3- Tuba mirum spargens sonum
Per sepulchra regionum
Coget omnes ante thronum.
4- Mors stupebit et natura,
Cum resurget creatura,
Judicanti responsura.
5- Liber scriptus proferetur,
In quo totum continetur,
Unde mundus judicetur.
6- Judex ergo cum sedebit
Quidquid latet, apparebut
Nil inultum remanebit.
7- Quid sum miser tunc dicturus?
Quem patronem rogaturus,
Cum vix justus sit securus?
8- Rex tremendae majestatis,
Qui salvandos salvas gratis,
1- Dia de ira, aquele dia,
O mundo se dissolvera em cinzas;
Atesta David com a Sibylla
2-Quanto tremor advirá,
quando vier o juiz,
Julgar a todos com rigor
3- Uma trombeta espargindo um som
assombroso
pela região sepulcral,
reunirá a todos diante do trono.
4- A morte e a natureza pararão
estupefactas
quando ressurgir a criatura
para responder ao julgamento
5- Um livro escrito será apresentado,
no qual tudo estará registrado
pelo qual o mundo será julgado.
6- Quando o juiz enfim tomar assento
tudo o que está oculto aparecerá
nada permanecerá impune.
7- O que eu miserável então direi?
Que patrono rogarei?
Até o justo dificilmente estará seguro.
8- Rei de tremenda majestade
que aos que salvais, gratuitamente o
76
Salva me, fons pietatis.
9- Recordare Jesu pie,
Quod sum causa tuae viae:
Ne me perdas illa die.
10- Quarens me, sedisti lassus:
Redemisti crucem passus:
Tantus labor non sit cassus:
11- Juste judex ultionis,
Dónum fac remissiónis,
Ante diém ratiónis.
12- Ingemisco, tamquam reus:
Culpa rubet vultus meus:
Supplicanti parce Deus.
13- Qui Mariam absolvisti,
Et latronem exaudisti,
Mihi quoque spem dedisti.
14- Preces méae non sunt dígnae:
Sed tu bonus fac benigne,
Ne perénni crémer ígne.
15- Inter oves locum praesta,
Et ab haedis me sequestra,
Statuens in parte dextra.
16- Confutatis maledictis,
Flammis acribus addictis,
Voca me cum benedictis.
17- Oro supplex et acclinis
Cor contritum quasi cinis
Gere curam mei finis.
fazeis,
Salvai-me a mim, fonte de piedade.
9- Recordai-vos, Jesus piedoso,
que eu sou a causa da Vossa vinda
Não me percais naquele dia.
10- Procurando-me, Vos cansastes:
Redimiste-me morrendo na cruz
Tanto trabalho não seja em vão.
11- Ó Juiz vingador justo,
faze-me o dom do perdão
Antes do dia do juízo.
12- Eu gemo como um réu
a culpa enrubesce o meu rosto
Poupai Deus a este que suplica.
13- Vós que absolvestes Maria
e ouvistes o ladrão,
a mim também destes esperança.
14- As minhas preces não são dignas
mas Vós, bondoso, fazei benignamente
que eu não seja queimado pelo fogo
eterno.
15- Consegui-me um lugar entre as
ovelhas
e retirai-me dos cabritos
colocando-me ao lado direito.
16- Confundi os malditos
entregues às ardentes chamas
chamai-me com os benditos
17- Oro súplice e prostrado
com o coração triturado como cinza
tomai cuidado do meu fim
77
18- Lacrimosa dies illa,
Qua resurget ex favilla,
Judicandus homo reus:
Huic ergo parce Deus.
19- Pie Jesu Domine, dona eis requiem.
Amen.
18- Lacrimoso aquele dia
no qual ressurgirá das cinzas
o homem réu para ser julgado
a este, portanto, poupai Ó Deus
19- Piedoso Senhor Jesus
Daí-lhes os descanso
Amém.
CREDO
Credo in unum Deum,
Patrem omnipoténtem,
factórem caeli et terrae
visibílium óminum et invisíbilium.
Et in unum Dóminum Iesum Christum
Filium Dei unigénitum
Et ex Patre natum ante ómnia saécula
Deum de Deo, lumen de lúmine
Deum verum de Deo vero.
Génitum, non factum
consubtantialem Patri:
per quem ómnia facta sunt.
Qui propter nos hómines et propter
nostram salútem
Creio em um só Deus
Pai todo-poderoso,
criador do céu e da terra
de todas as coisas visíveis e invisíveis.
Creio em um só Senhor, Jesus Cristo,
Filho Unigênito de Deus,
nascido do Pai antes de todos os séculos;
Deus de Deus,
Luz da Luz,
Deus verdadeiro de Deus verdadeiro;
gerado, não criado, consubstancial ao
Por ele todas as coisas foram feitas.
E por nós, homens, e para nossa
salvação, desceu dos céus
e se encarnou pelo Espírito Santo,
78
79
descéndit de caelis
Et incarnatus est de Spíritu Sancto
ex María Vírgine
et homo factus est.
Crucifixus étiam pro nobis:
sub Póntio Piláto
passus et sepúltus est.
Et resurréxit tértia die,
secúndum scripturas.
Et ascédit in caelum:
sedet ad déxteram Patris.
Et íterum ventúrus est cum glória,
iudicáre vivos et mortuos:
cuius regni non erit finis.
Et in Spíritum Sanctum,
Dóminum et vivificántem:
qui ex Patre Filióque prócedit.
Qui cum Patre et Filio
simul adorátur et conglorificátur;
qui locútus est per Prophétas.
Et unam sanctam catholicam et
apostólicam Ecclésiam.
Confíteor unum baptisma
in remissiónem peccatórum.
Et exspécto resurrectiónem mortuórum.
Et vitam venturi saéculi.
Amén
e se encarnou pelo Espírito Santo,
no seio da Virgem Maria,
e se fez homem.
Também por nós foi crucificado sob
Pôncio Pilatos;
padeceu e foi sepultado.
Ressuscitou ao terceiro dia,
conforme as Escrituras,
e subiu aos céus,
onde está sentado à direita do Pai.
E de novo há de vir, em sua glória,
para julgar os vivos e os mortos;
e o seu reino não terá fim.
Creio no Espírito Santo,
Senhor que dá a vida,
e procede do Pai e do Filho;
e com o Pai e o Filho
é adorado e glorificado:
Ele falou pelos profetas.
Creio na Igreja, una, santa, católica e
apóstolica.
Professo um só batismo
para a remissão dos pecados.
E espero a ressurreição dos mortos
e vida do mundo que há de vir.
Amém.
MAGNIFICAT
Magnificat anima mea Dominum
et exsultavit spiritus meus in Deo salutari
meo
quia respexit humilitatem ancillae suae:
ecce enim ex hoc beatam me dicent
omnes generationes.
Quia fecit mihi magna qui potens est:
et sanctum nomen eius.
Et misericordia eius a progenie
in progenies timentibus eum.
Fecit potentiam in brachio suo:
dispersit superbos mente cordis sui.
Deposuit potentes de sede
et exaltavit humiles.
Esurientes implevit bonis:
et divites dimisit inanes.
Suscepit Israel puerum suum
recordatus misericordiae suae
sicut locutus est ad patres nostros,
Abraham et semini ejus in saecula.
A minha alma glorifica o Senhor
e o meu espírito se alegra em Deus meu
Salvador
porque pôs os olhos na humildade da sua
serva:
de hoje em diante me chamarão bem-
aventurada todas as gerações.
O todo-poderoso fez em mim maravilhas,
Santo é o seu nome.
A sua misericórdia se estende de geração
em geração
sobre aqueles que o temem.
Manifestou o poder do seu braço
e dispersou os soberbos.
Derrubou os poderosos de seus tronos
e exaltou os humildes.
Aos famintos encheu de bens
e aos ricos despediu de mãos vazias.
Acolheu a Israel, seu servo,
lembrado da sua misericórdia,
como tinha prometido a nossos pais,
a Abraão e à sua descendência para
sempre
KYRIE
(Grego)
80
Kyrie eleison
Christe eleison
Kyrie eleison
Senhor tende piedade de nós
Cristo piedade de nós
Senhor tende piedade de nós
SANCTUS
Sanctus, Sanctus, Sanctus
Dominus, Deus Sabaoth
Pleni sunt caeli et terra gloria tua
Hosanna, in excelsis
Benedictus qui venit in nomine Domini
Hosanna, in excelsis.
Santo, Santo, Santo
Senhor Deus do universo
O céu e a terra proclamam a Vossa glória
Hosana nas alturas
Bendito aquele que vem em nome do
Senhor
Hosana nas alturas
VENI CREATOR
Veni, Creator Spíritus, Vinde, Espírito Criador,
81
mentes tuórum visita,
imple supérna grátia,
quae tu creásti péctora.
Qui díceris Paráclitus,
altíssimi donum Dei,
fons vivus, ignis, cáritas,
et spiritális únctio.
Tu septifórmis múnere,
dígitus paternae déxterae,
tu rite promíssum Patris,
sermóne ditans gúttura.
Accénde lumen sénsibus;
infunde amórem córdibus,
infírma nostri córporis
virtúte firmans pérpeti.
Hostem repéllas lóngius,
pacémque dones prótinus;
ductóre sic te praevio
vitemus omne noxium.
Per te sciámus da Patrem,
noscamus atque Filium;
teque utriúsque Spíritum
credamus omni témpore.
Deo Patri sit glória,
et Fillio, qui a mórtuis
visitai as almas dos Vossos,
enchei de graça celestial,
os corações que criastes.
Sois o Divino Consolador,
o dom do Deus Altíssimo,
fonte viva, o fogo, a caridade,
a unção dos espirituais.
Com os Vossos sete dons,
sois o dedo da direita de Deus,
Solene promessa do Pai,
Inspirando nossas palavras.
Acendei a luz nos sentidos;
insuflai o amor nos corações,
amparai na constante virtude
a nossa carne enfraquecida.
Afastai para longe o inimigo,
Trazei-nos prontamente a paz;
Assim guiados por Vós
Evitaremos todo o mal.
Por Vós explicar-se-á o Pai,
E conheceremos o Filho;
Dai-nos crer sempre em Vós
Espírito do Pai e do Filho.
Glória ao Pai, Senhor,
Ao Filho que ressuscitou
82
surréxit, ac Paráclito,
in saeculórum saecula. Amem.
Assim como ao Consolador.
Por todos os séculos. Amém.
83
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