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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Museu Nacional
Mestrado em Arqueologia
Concha sobre concha: construindo sambaquis
e a paisagem no Recôncavo da Baía de
Guanabara
Diogo de Cerqueira Pinto
Orientadora: Profª Drª. Maria Dulce Gaspar
Rio de Janeiro
2009
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Universidade Federal do Rio de Janeiro
Museu Nacional
Mestrado em Arqueologia
Concha sobre concha: construindo sambaquis e a paisagem
no Recôncavo da Baía de Guanabara
Diogo de Cerqueira Pinto
Dissertação apresentada ao
Mestrado em Arqueologia do
Museu Nacional, da
Universidade Federal do Rio de
Janeiro, como parte dos
requisitos necessários para
obtenção do título de Mestre em
Arqueologia.
Orientadora: Maria Dulce Gaspar
Rio de Janeiro
2009
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Concha sobre concha: construindo sambaquis e a paisagem no
Recôncavo da Baía de Guanabara
Diogo de Cerqueira Pinto
Orientadora: Profª Drª Maria Dulce Gaspar
Dissertação apresentada ao Mestrado em Arqueologia do Museu
Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos
requisitos necessários para obtenção do título de Mestre em Arqueologia.
Aprovada por:
__________________________________
Presidente, Profª Drª Maria Dulce Gaspar
_________________________
Profª Drª Tania Andrade Lima
____________________________
Profª Drª Marisa Coutinho Afonso
Rio de Janeiro
Julho de 2009
Pinto, Diogo de Cerqueira
Concha sobre concha: construindo sambaquis e a paisagem
no Recôncavo da Baía de Guanabara . Rio de Janeiro:Museu
Nacional / UFRJ, 2009.
xv 174 f. : il.
Dissertação: Mestrado em Arqueologia, Departamento de
Antropologia, Museu Nacional, UFRJ, 2009
Orientadora: Maria Dulce Gaspar
1. sambaquis. 2. Recôncavo da Baía de Guanabara 3. Processos de formação 4.
Arqueologia da
Paisagem
AGRADECIMENTOS
Agradeço à FAPERJ pela bolsa de mestrado que me foi essencial durante meu tempo de
estudo.
À MaDu Gaspar, pela orientação, pelas aulas, pelo financiamento da minha pesquisa e
pelos ensinamentos diversos.
À Daniela Klokler, pela paciência infindável em me ensinar os preceitos da
Zooarqueologia. Obrigado pelas inúmeras correções, pelas observações sempre pertinentes,
pela ajuda na análise faunística, pelas vindas ao Rio e pelas dicas com gráficos. Não tenho
como agradecer. Mas pagarei uns pastéis.
À Tania Andrade Lima, minha “Professorita”, pelos momentos vividos juntos durante o
mestrado, pelas aulas de ética, pelas discussões sobre paisagem, pelos cascudos, pelos
debates teóricos, pela viagem inesquecível ao Peru... enfim, por tudo! O Moleque tem
muito orgulho de ter sido seu aluno.
À Cristina Tenório, minha „mãe acadêmica‟. Além de professora, uma grande amiga.
Obrigado por ter me ensinado tudo o que sei na Arqueologia, pelas viagens, pelos trabalhos
de campo, pelas lulas à dorê e pelo empréstimo de estagiárias (mesmo que, em alguns
momentos, à revelia). Se tivesse que escolher um sobrenome, seria Tenório.
À Sílvia Peixoto, pela leitura dos originais, pelas correções, pelas fotografias, pelos debates
sobre estratigrafia e pela ajuda para entrar e sair do mestrado. Valeu!
À Ângela Rabello, pela paciência em me receber diversas vezes na Reserva Técnica. Sua
ajuda para procurar artefatos e carvões dentro de caixas e mais caixas não se nunca
esquecida por mim. À Cristina Leal, pela fabricação dos mapas, plantas baixas dos sítios e
pela amizade sincera.
À Carla Moraes, minha „estagiária‟. Obrigado por sempre me apoiar, por fazer me sentir
melhor e pela ajuda nas análises. À Renata Verdun, Ricardo e Kendall, pela amizade e
triagem do material faunístico. À Renatinha, meu almoxarifado, pela amizade fiel. Ao
Henrique, pelo apoio diário. Ao Bruno, pela flotação.
Agradeço a ajuda nos trabalhos de campo a todos aqueles que participaram em algum
momento: Arlei, Benedito, Cassandra, Cilcair, Cleide, Cristina, Gustavo, Ivson, Letícia,
Marcia, Renato, Rosa e Sílvia. Aos amigos da Casa de Pedra, pela rotina diária de ter que
me aguentar.
Ao Beto Barcellos, pelas fotografias e dicas de PS. Ao prof. Renato Ramos, pelas idas à
campo e ensinamentos geológicos. À Gina Bianchinni, pela análise antracológica,
calibragem de datas e dicas com datação. À Claudine, secretária de primeiro escalão!
A todos que trabalharam no COMPERJ, pelos dias vividos em meio à lama e à chuva.
A todos os professores do curso, pelas aulas memoráveis.
Aos meus grandes amigos do mestrado: Beto Boulevard, Cilcair Sambaqui, Marina
Escaravelhos, Tati Esqueleto e Sílvia Sambaqui. Obrigado pelos momentos de
descontração, angústia e pelas muitas histórias vividas juntos. Até o doutorado!
Aos demais amigos do curso: Bia Faiança, Bia Líticos, Carol Carvão, Cíntia Shabit, Gina
Carvão, Leandro Carvão, Letícia Líticos, Luiz Octávio Subaquática (Filhão!!), Regina
Egito, Regina Quilombo e Silvia Praça XV. Foi um prazer ter conhecido a todos e ter sido
representante de vocês.
A todos meus amigos do Rio e de BH, por fazerem parte da minha vida.
Ao Fred e ao Obina, por terem estado ao meu lado durante o mestrado e me ajudado em
todas as minhas dificuldades.
Aos meus irmãos, Feio e Juju, por existirem. Ao Rau, pelo amor incondicional.
Aos meus pais, por terem me criado, educado e por sempre me apoiarem em meus sonhos.
Muito obrigado por terem me ensinado que a ética e o caráter estão acima de tudo. Tenho
muito orgulho de vocês. Amo, muito, os dois.
À Aninha, meu grande amor. Obrigado por ser a companhia maravilhosa que você é, por se
preocupar comigo diariamente, por dividir seus sonhos, por fazer parte dos meus, por ouvir
minhas lamúrias pelo telefone e por estar ao meu lado, seja chuva ou seja sol, nos
momentos de alegrias e de tristeza, de sobriedade ou não. Te amo.
Aos meus pais, que me moldaram.
Aos sambaquieiros, que tiveram o trabalho hercúleo de
construir uma paisagem.
“Eu sou assim
Assim morrerei um dia
Não levarei arrependimentos
Nem o peso da hipocrisia
Tenho pena daqueles
Que se agacham até o chão
Enganando a si mesmo
Por dinheiro ou posição
Nunca tomei parte
Desse enorme batalhão
Pois sei que além de flores
Nada mais vai no caixão”
(Wilson Batista/José Batista)
ÍNDICE
RESUMO..............................................................................................................................14
ABSTRACT..........................................................................................................................15
INTRODUÇAO....................................................................................................................16
CAPÍTULO 1 REMEMORANDO....................................................................................17
CAPÍTULO 2 PENSANDO TEORIA
2.1 Arqueologia da Paisagem.........................................................................................44
2.2 Processos de formação.............................................................................................49
2.2.1 Processos de formação culturais (c-transforms)...............................................51
2.2.2 Processos de formação não-culturais (n-transforms).......................................52
CAPÍTULO 3 EMPILHANDO CONCHAS
3.1 Conchas como testemunho do paleoambiente...........................................................55
3.2 Conchas como restos alimentares..............................................................................56
3.3 Conchas como material construtivo......................................................................... 59
3.4 Para quê serve um sambaqui? Aspectos funcionais segundo a bibliografia.............63
3.4.1 Sambaquis: moradia dos vivos e dos mortos...................................................63
3.4.1.1 Buracos de estacas............................................................................... 64
3.4.1.2 Cadeias de atividades...........................................................................68
3.4.2 Sambaquis-cemitérios......................................................................................69
3.4.3 Acampamentos temporários.............................................................................72
CAPÍTULO 4 OS SAMBAQUIS DO RECÔNCAVO DA BAÍA DE GUANABARA
4.1 Aspectos geomorfológicos da Baía de Guanabara.......................................................75
4.2 Histórico das pesquisas na região.................................................................................82
4.2.1 Sambaqui de Sernambetiba.................................................................................82
4.2.2 Sambaqui de Rio das Pedrinhas..........................................................................88
4.2.3 Sambaqui Amourins............................................................................................89
4.2.4 Sambaqui de Arapuan.........................................................................................89
4.2.5 Sambaqui de Imenezes........................................................................................91
4.2.6 Sambaqui do Fernando........................................................................................91
4.2.7 Sambaqui do Cordovil.........................................................................................91
4.2.8 Sambaqui do Guapi.............................................................................................91
4.2.9 Sambaqui do Guaraí-Mirim................................................................................91
4.3 Novos sambaquis: localização e características...........................................................93
4.3.1 Sambaqui da Rua 13............................................................................................93
4.3.2 Sambaqui do Seu Jorge.......................................................................................95
4.3.3 Sambaqui Bulcão I..............................................................................................96
4.3.4 Sambaqui Bulcão II.............................................................................................97
4.3.5 Sambaqui Fazenda Caieira..................................................................................97
4.3.6 Sambaqui Sampaio I............................................................................................99
4.3.6.1 Metodologia de análise...........................................................................103
4.3.6.2 Análise de perfis.....................................................................................105
4.3.6.3 Análise do material ósseo.......................................................................111
4.3.6.4 Análise do material malacológico..........................................................114
4.3.6.5 Análise da indústria lítica.......................................................................120
4.3.6.6 Análise da indústria óssea......................................................................123
4.3.7 Sambaqui Estrada de Ferro................................................................................126
4.3.8 Sambaqui Sampaio II........................................................................................130
4.4 Datações......................................................................................................................135
CAPÍTULO 5 - CONSIDERAÇÕES FINAIS...................................................................141
BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................149
ANEXOS.............................................................................................................................160
LISTA DE FIGURAS
Figura 1. Amolador-polidor localizado na Ilha Grande. Foto de Maria Cristina Tenório.................47
Figura 2. Imagem de satélite mostrando a proximidade com o mar de dois sítios em Arraial do
Cabo, RJ..............................................................................................................................................49
Figura 3. Crânio humano exposto por ação eólica no sítio Ilha do Cabo Frio I.................................55
Figura 4. Sítio Lagoa dos Bichos II, descoberto após o movimento das dunas. Foto: Sílvia
Peixoto................................................................................................................................................56
Figura 5. Marcas de estacas em um sítio Kolomoki (PLUCKHAHN, 2003)....................................69
Figura 6. Estrutura para defumação de carnes feita por indígenas da Flórida, no século XVI
(KNIGHT, 2001)................................................................................................................................70
Figura 7. Buracos de estaca presentes nos sepultamentos do Locus 2. Foto: MaDu Gaspar.............73
Figura 8. Atual morfologia da Baía de Guanabara.............................................................................77
Figura 9. Cenário paleogeográfico da Baía de Guanabara no último glacial (20.000 a 18.000 AP)
(AMADOR, 1997)..............................................................................................................................79
Figura 10. Cenário referente à estabilização do vel do mar na cota batimétrica entre 40 e 50
metros abaixo do nível atual (AMADOR, 1997)...............................................................................80
Figura 11. Estabilização do nível do mar na cota de 20m negativos (AMADOR, 1997)..................80
Figura 12. Cenário referente ao máximo transgressivo holocênico, entre 6000 e 5000 AP
(AMADOR, 1997)..............................................................................................................................82
Figura 13. Cenário referente à regressão após o máximo transgressivo holocênico (4200 a 3800
AP)......................................................................................................................................................83
Figura 14. Foto de satélite mostrando a Baía de Guanabara e a área
pesquisada...........................................................................................................................................85
Figura 15. Sambaquis localizados na área pesquisada: os pontos bicolores indicam localização
exata, enquanto os cinzas estão apenas aproximados.........................................................................86
Figura 16. Mapa de curvas de nível e localização dos sambaquis na área de pesquisa.....................87
Figura 17. Sambaqui Sernambetiba cortado pela rodovia do Contorno.............................................88
Figura 18. Perfil estratigráfico do sambaqui de Sernambetiba. Foto: Oswaldo R. Heredia...............89
Figura 19. Detalhe do perfil do Sernambetiba. Foto: Oswaldo R. Heredia....................................90
Figura 20. Escavação no sambaqui Arapuan. Foto de Francisco Bezerra......................................92
Figura 21. Sambaqui Arapuan. Foto: Centro Brasileiro de Arqueologia...........................................92
Figura 22. Sambaqui Guaraí-Mirim, às margens do canal Imunana-Laranjal...................................94
Figura 23. Sambaqui da Rua 13, localizado no Vale das Pedrinhas, Guapimirim............................95
Figura 24. Construção em cima do sambaqui da Rua 13..................................................................96
Figura 25. Conchas na base da construção...........................................................................96
Figura 26. Sambaqui do Seu Jorge.......................................................................................97
Figura 27. Sambaqui Bulcão I..............................................................................................98
Figura 28. Sambaqui Bulcão II.............................................................................................99
Figura 29. Sambaqui Fazenda Caieira..............................................................................................100
Figura 30. Sambaqui Sampaio I e o curral em seu topo...................................................................101
Figura 31. Observe como os rios têm os cursos retilíneos à direita da estrada e tornam-se
meandrantes à sua esquerda, dentro da área de proteção ambiental, onde não ocorreu
obra...................................................................................................................................................103
Figura 32. Localização da área de escavação em relação no sambaqui Sampaio I..........................104
Figura 33. Delimitação do sambaqui Sampaio I com alturas em relação ao nível do mar..............105
Figura 34. Perfil oeste do sambaqui Sampaio I. Na foto, a profundidade máxima é de 1.5 m. A seta
indica a camada de preenchimento..................................................................................................108
Figura 35. Parte de baixo do perfil oeste: 1.5 a 2.2 m e 2.2 a 2.9 m de profundidade. Nestes níveis,
os perfis possuem apenas 0.5 m de largura......................................................................................108
Figura 36. Perfil oeste do sambaqui Sampaio I até a profundidade de 1.5 m..................................109
Figura 37. Perfil oeste do sambaqui Sampaio I da profundidade de 1.5 m até a base do sítio, a 2.9
m.......................................................................................................................................................110
Figura 38. Foto e desenho do perfil sul do Sampaio I. A seta indica a camada de
preenchimento..................................................................................................................................111
Figura 39. Foto de indivíduos de Chione sp., Nassarius sp. e Neritina virginea. Foto: Beto
Barcellos..........................................................................................................................................119
Figura 40. Fibras trançadas encontradas no sambaqui Cubatão I, em Joinville (Peixe et al,
2007)................................................................................................................................................121
Figura 41. Possível alisador encontrado no Sampaio I.......................................................123
Figura 42. Amostra dos seixos encontrados no sambaqui Sampaio I..............................................123
Figura 43. Bloco de quartzo encontrado junto a fogueira a 160 cm.................................................124
Figura 44. Dente de tubarão perfurado e raio de nadadeira de peixe alisado. Foto: Beto
Barcellos...........................................................................................................................................127
Figura 45. Raio de nadadeira de peixe alisado e osso de mamífero com marcas de corte nas
laterais...............................................................................................................................................128
Figura 46. Sambaqui Estrada de Ferro. Apesar de bastante perturbado, o sítio ainda mantém parte de
sua estratigrafia original...................................................................................................................129
Figura 47. Perfil da primeira sondagem realizada no sambaqui Estrada de Ferro. Foto: Sílvia
Peixoto.............................................................................................................................................129
Figura 48. Perfil da segunda sondagem aberta no Estrada de Ferro................................................130
Figura 49. Amostra de seixo preso à ostra.......................................................................................131
Figura 50. Delimitação do sambaqui Estrada de Ferro com alturas em relação ao nível do
mar....................................................................................................................................................131
Figura 51. Área de ocorrência de material arqueológico: „sambaqui‟ Sampaio II.............132
Figura 52. Perfis sul e norte do setor de escavação no „sambaqui‟ Sampaio II..................133
Figura 53. Dentes de tubarão perfurados, achados em sondagens no sambaqui Sampaio II. Foto:
Beto Barcellos...................................................................................................................................136
Figura 54. Delimitação do „sambaqui‟ Sampaio II com alturas em relação ao nível do mar...........137
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1. Variação do peso do material arqueológico de acordo com sua fração de
tamanho...............................................................................................................................107
Gráfico 2. Composição da camada de preenchimento na fração > 6mm............................112
Gráfico 3. Espécies de moluscos encontradas na camada de preenchimento.....................112
Gráfico 4. Ocorrência de ossos no sambaqui Sampaio I.....................................................113
Gráfico 5. Total de ossos de cada espécie de peixe identificada.........................................115
Gráfico 6. Variação da ocorrência de siri no sambaqui Sampaio I.....................................115
Gráfico 7. Variação do peso, em gramas, das conchas das espécies mais presentes no
sítio......................................................................................................................................116
Gráfico 8. Variação de peso total das conchas e apenas das ostras....................................117
Gráfico 9: Comparação entre os pesos, em gramas, de outras espécies de moluscos.........119
Gráfico 10. Variação do peso, em gramas, das espécies menos presentes.........................120
Gráfico 11. Peso total de cada espécie na fração maior que 6 mm.....................................121
Gráfico 12. Variação do peso, em gramas, do material lítico na fração maior que 6 mm..124
Gráfico 13. Ocorrência dos artefatos ósseos no sambaqui Sampaio I................................127
Gráfico 14. Datas calibradas para o sambaqui Amourins...................................................140
Gráfico 15. Datas calibradas para o sambaqui Arapuan.....................................................140
Gráfico 16. Datas calibradas para o sambaqui Imenezes...................................................140
Gráfico 17. Datas calibradas para o sambaqui Rio das Pedrinhas......................................141
Gráfico 18. Datas calibradas para o sambaqui Sampaio I...................................................141
Gráfico 19. Datas calibradas para o sambaqui de Sernambetiba........................................141
Gráfico 20 - Datas calibradas e convencionais disponíveis para o Recôncavo da Baía de
Guanabara...........................................................................................................................143
LISTA DE TABELAS
Tabela 1. Materiais intrusivos encontrados no setor 1 do „sambaqui‟ Sampaio II.............133
Tabela 2. Ocorrência de material arqueológico na área do 'sambaqui' Sampaio II............135
Tabela 3 - Ocorrência de material intrusivo na área do 'sambaqui' Sampaio II..................136
Tabela 4 - Datas radiocarbônicas para os sambaquis do Recôncavo da Baía de
Guanabara...........................................................................................................................143
13
ANEXOS
Anexo 1. Ficha do Laboratório Beta Analytic com os resultados das datações
radiocarbônicas.
Anexo 2. Ficha do Laboratório Beta Analytic com os resultados das datações
radiocarbônicas.
Anexo 3. Curva de calibração da data referente ao sambaqui Amourins, nível 270 cm.
Anexo 4. Curva de calibração da data referente ao sambaqui Sampaio I, nível 170 cm.
Anexo 5. Curva de calibração da data referente ao sambaqui Sampaio I, nível 280 cm.
Anexo 6. Curva de calibração da data referente ao sambaqui Sampaio I, nível 20-60 cm.
Anexo 7. Curva de calibração da data referente ao sambaqui Sernambetiba, nível 500cm.
Anexo 8. Curva de calibração da data referente ao sambaqui Sernambetiba, nível 80 cm.
Anexo 9. Mapa com curvas de nível do Recôncavo da Baía de Guanabara e localização dos
sítios.
Anexo 10. Delimitação dos sambaquis Sampaio I e Estrada de Ferro e „sambaqui‟ Sampaio
II.
Anexo 11. Delimitação do sambaqui Sampaio I.
Anexo 12. Delimitação do sambaqui Estrada de Ferro.
Anexo 13. Delimitação do „sambaqui‟ Sampaio II.
Anexo 14. Tabela com o peso de cada espécie de molusco encontrado no sambaqui
Sampaio I.
14
RESUMO
Este projeto teve como principal proposta retomar as pesquisas arqueológicas em
sambaquis localizados no Recôncavo da Baía de Guanabara, na área relativa aos
municípios fluminenses de Itaboraí, Guapimirim e Magé. A partir de novas problemáticas,
como processos de formação e construção da paisagem, associou-se as informações
bibliográficas referentes a pesquisas antigas na região com as oriundas de novas pesquisas,
realizadas em três dos nove sambaquis descobertos recentemente na área. Novas datações
também serviram para a melhor compreensão sobre a ocupação sambaquieira no
Recôncavo da Baía de Guanabara, que teve duração de quase 3000 anos.
Palavras-chave: sambaquis, Recôncavo da Baía de Guanabara, processos de
formação, arqueologia da paisagem.
15
ABSTRACT
This project had the goal of reevaluating the archaeological studies in shellmounds
located in Recôncavo da Baía de Guanabara, in the area close to the cities of Itaboraí,
Guapimirim and Magé. New research questions, including site formation processes and
landscape construction, were associated to information from previous research in this
region and the recent analyses on three of nine sites that were recently discovered. New
radiocarbon dates also offered a better understanding about the pre-ceramic occupation in
Recôncavo da Baía de Guanabara, that spanned almost 3000 years.
Keywords: shellmounds, Recôncavo da Baía de Guanabara, formation processes,
landscape archaeology.
16
INTRODUÇÃO
Os sambaquis localizados no litoral brasileiro são alvos de reflexão desde o início
da colonização portuguesa no Brasil, ainda no século XVI. Apenas 300 anos depois se daria
início às primeiras pesquisas arqueológicas, que deram origem à discussão sobre a origem e
natureza destes sítios, debate este que se mostrou quase infindável, terminando apenas em
meados do século passado. O período que se seguiu apresentou um grande avanço, com a
formação de grandes projetos de pesquisa, a criação de leis de proteção aos sítios
arqueológicos e a vinda de missões estrangeiras, que foram de importância ímpar para a
formação da primeira geração de arqueólogos profissionais no Brasil. Entretanto, este
mesmo período viveu um atraso teórico, se comparado aos grandes centros da Arqueologia
mundial, o que acarretou na criação de modelos defasados que foram duramente criticados
pelas gerações seguintes.
A área do Recôncavo da Baía de Guanabara pesquisada por nós tem seus primeiros
relatos sobre sambaquis ainda na década de 1920. Pesquisas arqueológicas viriam a
ocorrer cinqüenta anos mais tarde e seus resultados foram encaixados nos modelos de fases
e tradições, então em voga. Nossa retomada científica na região se por vermos um
potencial de informações ainda muito grande na área, onde foram descobertos nove
sambaquis recentemente. Partindo de novas premissas de que os sítios foram erigidos
intencionalmente e com novos objetivos compreender os processos de formação e a
construção da paisagem -, investigamos três sambaquis e realizamos novas datações
radiocarbônicas, que informaram que o Recôncavo da Baía de Guanabara foi ocupado
desde cal BP 4340 - cal BP 4080 até cal BP 1895 - cal BP 1588 pelos grupos
sambaquieiros.
17
CAPÍTULO 1
REMEMORANDO...
ão obstante este trabalho possuir um foco regional, a revisão bibliográfica
que o precede deve ser mais ampla, abrangendo resultados obtidos em sítios
localizados em toda a extensão do litoral brasileiro que apresente assentamentos
relacionados a pescadores-coletores. Isto se deve ao fato de que o pensamento científico
não está preso a muros de universidades ou a limites geográficos, sendo livre para
influenciar pesquisas de outras localidades.
Posto isto, devemos direcionar nosso olhar para quem produziu históricos sobre a
Arqueologia brasileira, especialmente sobre os que focaram os estudos em grupos que
ocuparam a costa. Um dos trabalhos mais conhecidos a este respeito é o de André Prous
(1992), que verifica que a trajetória da Arqueologia no Brasil se deu de forma paralela à
evolução da sociedade brasileira, tendo no início uma influência européia grande,
principalmente no que diz respeito às ideologias dominantes então. Tal dependência do
exterior pode ser vista também na vinda de arqueólogos para integrar os quadros
acadêmicos, quando do desenvolvimento das universidades, após a Segunda Guerra. Ao
rever a bibliografia arqueológica, Prous (1992) identifica quatro períodos diferentes no
decorrer da história de nossa ciência no Brasil: o início da Arqueologia brasileira, que teria
ocorrido entre 1870-1910, fruto do grande interesse que D. Pedro II nutria pela ciência,
resultando, por exemplo, no enriquecimento do acervo do Museu Nacional, com peças
vindas do exterior; um período intermediário, que findaria em meados do século XX,
quando poucas pesquisas foram realizadas, sempre em esforços isolados; uma fase
N
18
formativa da pesquisa moderna, entre os anos de 1950 e 1965, caracterizada pela atuação e
dedicação de „amadores‟, pela vinda de missões estrangeiras e pela criação de novos
centros de pesquisas; e um período mais contemporâneo ao texto de Prous, terminando no
início dos anos de 1980, onde se destacariam os trabalhos do PRONAPA e do
PRONAPABA.
Também do começo da década de 1990 data o texto de Alfredo Mendonça de
Souza, provavelmente o mais detalhado histórico. Em suas 154 páginas, a publicação de
Mendonça de Souza (1991) „decapa‟ a história da Arqueologia no Brasil, descrevendo
nomes de trabalhos e seus autores, de acordo com a seguinte periodização: Dos cronistas
da conquista aos naturalistas viajantes (1500-1858); Dos primeiros arqueólogos
brasileiros à busca das cidades perdidas (1858-1889); Do impulso popular à
institucionalização da pesquisa (1889-1961); e Do ensino formal à consciência de classe
(1961-1985)‟.
Cristiana Barreto (1999/2000) foi mais uma pesquisadora a se debruçar sobre o
passado da Arqueologia brasileira para compreender nossa trajetória científica. Barreto
inicia seu histórico pelos relatos de cronistas sobre a cultura material indígena e de alguns
sítios arqueológicos, um período onde ainda não haveria um olhar arqueológico. Tal
preocupação só surgiria com as expedições científicas a partir da segunda metade do século
XVIII, com as contribuições de von Martius, von Humboldt e Peter Lund e ganharia mais
força com as primeiras escavações no fim do XIX. A partir de então entraríamos na “era
dos museus” (BARRETO, 1999/2000) - quando muitas destas instituições foram criadas,
dirigidas pelas elites intelectuais locais -, um período de intenso debate acadêmico, de
expedições em busca de cidades perdidas e que terminaria no início da década de 1920,
quando os museus perderiam seus status enciclopédicos, concomitante à crítica ao
19
paradigma do Evolucionismo que a Antropologia vinha sofrendo, com a introdução de
novos conceitos de cultura. Barreto (1999/2000) entende que a Arqueologia brasileira ainda
passaria pela inserção acadêmica, ganharia o “legado das escolas estrangeiras”, até alcançar
o período moderno, quando surgiria uma segunda geração de arqueólogos, na década de
1980, já com formação especializada e com preocupações teóricas.
o texto de Tania Andrade Lima (1999/2000) é específico sobre a produção de
conhecimento acerca de grupos de pescadores-coletores pré-coloniais. E é a ele que este
trabalho irá se ater mais, que muitas diferenças no desenrolar da Arqueologia no
Brasil quando comparamos pesquisas com temáticas diferentes. Os sambaquis,
provavelmente por estarem no litoral, local de maior adensamento populacional,
despertaram logo atenção dos cronistas e dos primeiros pesquisadores, enquanto que sítios
localizados no interior demoraram mais a serem pesquisados, excetuando os estudos de
Lund, em Lagoa Santa.
Andrade Lima (1999/2000), assim como os autores citados anteriormente,
desenvolve seu texto seguindo uma cronologia. Desta forma, o primeiro período observado
por ela, do século XVI ao XIX, seria caracterizado pelos relatos de cronistas e pelo início
da analogia dos sambaquis com os sítios dinamarqueses conhecidos como
Kjoekkenmoddings, e pelo debate sobre a origem dos mounds, chegando à virada do século
com debates baseados apenas em especulações e observações, alimentados por teorias
particulares.
na primeira metade do século XX, para a autora, a discussão sobre a origem dos
sambaquis ainda se manteve, porém menos efervescente. Entretanto, segundo Andrade
Lima, o ponto mais importante neste período são os estudos de geomorfologia,
principalmente no que tange à variação do nível do mar, concluindo que a arqueologia em
20
sambaquis alcança a metade do século XX dirigida por geólogos e geomorfólogos, devido à
inexistência da formação de arqueólogos no Brasil.
A linha que o nosso trabalho irá seguir difere de alguns pontos observados por
Andrade Lima, principalmente por considerar ser necessário separar os relatos de cronistas
das primeiras pesquisas na segunda metade do século XIX, assim como diferenciar estas
das feitas nas primeiras décadas do século XX. Para que fiquem claras as particularidades
de cada período, vamos detalhá-las a seguir.
As primeiras referências a sambaquis brasileiros datam de alguns séculos antes do
início das investigações científicas sobre eles, quando então eram considerados
reminiscências da passagem de antigos povos pela nossa terra, observados a partir de suas
destruições por parte de caieiras. Assim os descreve padre Fernão Cardim, em 1595 (1925):
Os índios naturaes antigamente vinham ao mar ás ostras, e tomavam tantas que deixavam
serras de cascas, e os miolos levavam de moquém para comerem entre anno, sobre estas
serras pelo decurso do tempo se fizerão grandes arvoredos muito espessos, e altos, e os
portuguezes descobrirão algumas, e cada dia se vão achando outras de novo e destas cascas
fazem cal, e de um só monte se fez parte do Collegio da Bahhia, os paços do Governador, e
outros muito edifícios e ainda não he esgottado.
Tal qual Cardim, José de Anchieta, em 1549, também havia observado o
desmonte de montes de cascas para produção de cal, e Gabriel Soares de Souza, ainda no
século XVI, relatava a vinda de índios do interior para a costa para coletar mariscos. Frei
Gaspar da Madre de Deus, que viveu no século XVIII, foi mais um a especular sobre os
montes de conchas, assim como havia feito Frei Vicente de Salvador (1918), no século
XVIII. Segundo Madre de Deus (1953):
21
Índios particulares em todo o tempo, e povos inteiros em certos mezes, vinhão mariscar na
costa; escolhião entre os mangues algum lugar enxuto, aonde se arranchavão, e d‟alli sahião
como enxames de abelhas a extrahir do lodo os testaceos marítimos. (...) Com os taes
mariscos se sustentavão enquanto durava a pescaria, o resto seccavão, e assim beneficiado
conduzião para suas aldeias, onde lhes servia de alimento por algum tempo. As conchas
lançavão a uma parte do lugar onde estavão agregados, e com ellas formavam montões tão
grandes, que parecem outeiros a quem agora os vê soterrados.
Como se pode ver, até o início do século XIX o que temos são relatos de viajantes
sobre as serras de cascas, que imaginavam serem originadas a partir de atividades
indígenas temporais, sendo que tais conclusões eram concebidas a partir de observações
dos desmontes de sambaquis, consumidos pela indústria caieira. Não havia nenhum tipo
de escavação, nem de analogias a sítios arqueológicos de outros países fato comum no
fim do século XIX.
Um dos primeiros a realizar escavações arqueológicas em sambaquis brasileiros foi
o francês Conde de La Hure. No início da década de 1860, La Hure (apud LANGER, 2001)
investigou os sítios localizados na Baía de Saí, em São Francisco do Sul SC e suas
conclusões foram enviadas em um relatório ao IHGB, para que seus sócios analisassem. La
Hure concluiu que os sambaquis haviam sido formados por ação humana e que eram
anteriores à chegada dos europeus, e, embora não tenha calculado uma idade exata para a
formação dos sambaquis, afirmou corretamente que eram mais antigos que os povos
megalíticos da Europa, ou seja, que tinham mais de três mil anos.
O conde também encontrou ossos humanos espalhados, misturados a fogueiras e
com marcas de corte. Como La Hure identificou sepultamentos inteiros, ele observou que
os ossos fragmentados eram vestígios do canibalismo praticado pelos indígenas.
La Hure também acreditava que os sambaquis brasileiros eram semelhantes aos
encontrados em outras partes do mundo, tanto pela sobreposição das conchas, como
22
também pelos restos alimentares e artefatos. Outra conclusão alcançada pelo Conde foi a de
que os indígenas teriam habitado a superfície dos sambaquis, ideia elaborada tanto pelos
vestígios encontrados durante a escavação (provavelmente buracos de estacas), como
também pela etimologia, errada, do termo sambaqui
1
. O Conde acreditava também na
intensa utilização de fogueiras por parte dos indígenas, para atenuar o odor advindo de toda
acumulação de restos alimentares.
O relatório do Conde de La Hure foi analisado por Guilherme Such de Capanema, o
Barão de Capanema. Este discorda em alguns pontos do pesquisador francês: Capanema
não compartilha da análise etimológica da palavra sambaqui efetuada por La Hure, nem
tampouco acredita que os sítios foram originados pelo homem. Para o Barão, seriam
resultados da variação do mar (1865). Capanema mostra-se, então, como um dos primeiros
defensores da teoria „naturalista‟.
Capanema também discorda do Conde de La Hure quanto à idade dos sítios,
calculada pelo último a partir dos artefatos encontrados no interior dos sambaquis. Para o
Barão, os utensílios líticos não poderiam ser provas de remota antiguidade, já que, ainda em
sua época, era usados por indígenas do Pará „e no tempo de Yves d‟Evreux ainda se
fabricavam no Maranhão(CAPANEMA, 1865). Embora discordante de vários pontos da
pesquisa de La Hure, Capanema acredita na importância do estudo efetuado e pede ao
IHGB que aceite as doações das peças arqueológicas enviadas pelo Conde.
No início da década de 1870, outro pesquisador estrangeiro estudou nossos sítios
arqueológicos litorâneos. Dessa vez, foi o geólogo alemão Carl Rath (1871) quem
investigou os sambaquis e emitiu suas opiniões. Rath era favorável à teoria artificialista:
1
La Hure concluiu que o termo sambaqui seria derivado do tupi taba, que significa aldeia. Na verdade, ele
deriva de tamba (marisco) e qui (amontoado).
23
„À primeira vista qualquer homem de poucos conhecimentos percebe que foram feitos pela
mão humana‟. Igualmente a La Hure, Rath também considerou os sambaquis análogos
tanto pela sobreposição de conchas como também pelo restante da cultura material - a sítios
encontrados em outros locais, como as Guianas, Suriname, América do Norte e
Escandinávia.
Rath (1871), quando analisou os sepultamentos nos sambaquis, observou que os
esqueletos encontravam-se em posição fetal, junto com seus „pertences‟ e acompanhados de
peixes e outros alimentos
2
.
Carl Rath considerava que faltavam mais pesquisas e publicações a respeito do tema
no Brasil, em comparação com a Europa e os Estados Unidos. O próprio autor, neste
trabalho de 1871, relata que havia efetuado outras descrições anteriormente. Rath
considerava, naquele momento, que a história do Brasil não ignorava os sambaquis;
contudo, desconhecia informações acerca da antiguidade e construção dos sítios (1871).
Apesar de todas as suas declarações favoráveis à teoria artificialista, Rath publicou
um segundo trabalho, quatro anos mais tarde. Neste, ele apresenta sua análise de alguns
sambaquis por ele pesquisados, e conclui que teriam sido feitos pelo dilúvio e não pelas
mãos dos homens (apud IHERING, 1902:540).
No início da década de 1870, são publicados na Inglaterra diversos artigos sobre
sítios arqueológicos brasileiros, incluindo sambaquis. Deve-se a autoria destes trabalhos a
Richard Burton, militar inglês que por três anos ocupou o cargo de cônsul em Santos.
2
Parece que um povo antiqüíssimo do Brasil reuniu no espaço de muitos anos as cascas d‟estes
crustáceos que comia, para entre elas sepultarem seus mortos. Estes eram depositados na posição de
uma criança quando ainda se acha no ventre materno; deitando junto ao cadáver todas as suas armas e
tudo quanto lhe pertenciam, e além disso também colocavam alimentos, como grandes peixes
assados, pedaços de caça, outras inteiras, etc., para a viagem que tinham de fazer para os Elíseos ou
campos de delícias.
24
Burton, além de ser um dos mais importantes tradutores literários ingleses do século XIX,
também integrava sociedades de Antropologia na Inglaterra, onde escrevia sobre
Arqueologia (FERREIRA & NOELLI, 2007). Chegando ao Brasil, visitou sítios com
pinturas rupestres no Nordeste e sambaquis no Sudeste. Burton acreditava na
„artificialidade‟ dos mounds: „O ignorante não consegue acreditar que esses montes
resultaram de trabalho manual do homem, atribuindo-o ao dilúvio de Noé, ou a algum outro
suposto distúrbio. Homens instruídos têm igualmente defendido esse absurdo em
publicações‟ (BURTON, 1873). Relatou a presença destes sítios na Ilha do Governador, no
Rio de Janeiro, onde registrou o achado de crânios humanos, e também na Ilha do
Casqueiro, em Santos, onde descreveu um sambaqui que teria 200 pés de altura (cerca de
65 metros) (BURTON, 1873).
Três anos mais tarde, Capanema (apud LANGER, 2001) publicou um artigo num
periódico alemão intitulado Die sambaquis oder muschellugel brasilien, que foi
reproduzido, em 1876, na revista Ensaios da Sciencia. Neste momento, o Barão demonstra
acreditar na origem artificial do sambaqui, o que vai de encontro à sua postura anterior,
quando afirmou não serem os sambaquis de formação recente, talvez seja antes explicável
por circunstâncias geológicas de alteamento do nosso litoral com o qual mudou-se o regime
das águas e desapareceram as conchas (CAPANEMA, 1865).
Embora concordasse com a origem artificial dos sambaquis, Capanema discordava
da opinião de outros pesquisadores acerca da funcionalidade dos sítios. Apesar de ter
encontrado ossos humanos enterrados nos mounds, Capanema (1865) acreditava que apenas
haviam sido abandonados no local, tal qual as conchas, criticando aqueles que afirmavam
serem os sambaquis diques, trincheiras, mausoléus ou construções para o culto.
25
No mesmo ano de 1876, surge o periódico brasileiro de maior prestígio do fim do
século XIX: os Arquivos do Museu Nacional. No primeiro volume, encontramos o artigo de
Carlos Wiener (1876), intitulado Estudo sobre os sambaquis do sul do Brasil. Wiener apóia
a teoria artificialista, mas descarta, para a maioria dos sítios, uma intencionalidade em
suas construções, considerando, portanto, que grande parte dos sambaquis teria surgido de
modo fortuito
3
.
Apesar dessa opinião, Wiener admitiu a existência de três tipos de sambaquis: os
naturais, os de origem artificial e fortuita, e um terceiro tipo, que foi obra da paciência do
homem, que, durante um largo espaço de tempo, tinha em vista um fim definido, isto é,
sambaquis artificiais, verdadeiros monumentos arqueológicos (1876). Wiener critica a
sociedade sambaquieira por enterrar seus mortos no meio de depósitos de lixo e afirma
que o possível antropofagismo praticado por estes indígenas era a prova de que entre eles
ainda não haviam sido firmadas as leis sociais, sendo a aparição do túmulo um indício da
transformação do antropófago em homem (WIENER, 1876). Apesar das críticas, Carl
Wiener defende a importância arqueológica dos sambaquis, chegando até a compará-los
com as pirâmides egípcias, e a dizer que o indivíduo ali enterrado não devia nada a um
faraó (1876).
3
(...) os indios de Santa Catharina chegaram ás praias pantanosas, ajuntaram as conchas, devoraram
os molluscos e atiraram fóra as cascas. Assim formou-se logo um calçamento calcareo que lhes
permittiu ficar em secco, sobre um terreno extremamente humido (...). Neste alicerce primitivo eram
lançados diariamente as conchas dos molluscos que comiam, e formou-se desta arte uma especie de
muralha.
(...)
A indolencia, traço caracteristico dos auctores dos sambaquis lhes figurava mui grande o trabalho de
lançar a uma certa altura as conchas que, rolando continuamente muralha abaixo, os obrigavam a
deixar o valle e a se estabelecerem sobre ella; assim dentro em pouco tempo, novos detritos enchem o
fundo do vale” (WIENER, 1876).
26
Também no primeiro número dos Arquivos do Museu Nacional um artigo de
Domingos Ferreira Penna, outro artificialista do século XIX. Ele discordava da opinião de
Wiener acerca do canibalismo sambaquieiro, que não acreditava que os indígenas
comessem carne humana como quem come mariscos e peixes, nem mesmo para
satisfazerem a fome, e seguramente nenhum deles jamais viu no seu semelhante um simples
objeto de alimentação! (PENNA, 1876). Estudando sambaquis do Pará, ele concluiu que
esses indígenas seriam descendentes de povos peruanos fugidos do império inca; por isso,
Penna calculou que os mounds teriam origem no início no século XIV (1876).
No sexto volume deste mesmo periódico, em 1885, são publicados três importantes
artigos sobre a Arqueologia brasileira: O homem dos sambaquis, de João Baptista Lacerda;
Sambaquis da Amazônia, de Charles Frederick Hartt; e Introdução à arqueologia
brasileira, do então diretor do Museu Nacional Ladislau Neto. O primeiro dos autores,
fisiólogo da Instituição, estudou a cultura sambaquieira a partir dos crânios retirados dos
sepultamentos escavados, e concluiu que os sambaquieiros não poderiam ter construído
nenhum monumento arqueológico com uma caixa craniana tão pequena. Os sambaquis não
passariam então de simples acúmulo de restos alimentares
4
.
Lacerda (1885) explica a formação dos sambaquis como sendo resultado de
regulares migrações de povos do interior para a costa, principalmente na estação invernal.
O autor não acredita em antropofagismo por parte dos sambaquieiros, pois a oferta de
alimentos era abundante em torno dos sítios. Lacerda (1885) diz também não crer que a
ferocidade humana levasse a tal atitude.
4
Se os inábeis construtores dos sambaquis, dessas obras grosseiras, sem formas regulares e
prefixas, houvessem querido com elas perpetuar algum importante acontecimento ou materializar um
pensamento qualquer, tal pensamento ter-se-ia certamente fundido em outros moldes talhados com
uniformidade e um certo cunho artístico” (LACERDA, 1885).
27
Hartt (1885) utilizou apenas dez páginas, de um total de 174, de seu trabalho para
informar sobre os sambaquis da região amazônica. Seu objetivo maior foi o registro dos
sítios arqueológicos e não um estudo mais detalhado deles. Quando encontrou fragmentos
de cerâmica, considerou que este grupo era mais avançado que os Botocudo, opinião
oposta a de Lacerda.
O artigo de Ladislau Neto foi o mais extenso trabalho sobre a Arqueologia
brasileira durante muitos anos. São 340 páginas onde o pesquisador analisou os artefatos de
várias culturas pré-históricas que faziam parte do acervo do Museu Nacional. A sociedade
sambaquieira é lembrada quando Neto (1885) descreve os zoólitos encontrados nestes
sítios; entretanto, o autor não credita a estes indígenas o refinamento característico destas
peças
5
.
Com a República proclamada, o Museu Nacional perderia prestígio, estigmatizado
como instituição monárquica, segundo Mendonça de Souza (1991). Os principais trabalhos
desta nova era política vêm de São Paulo, como os de Alberto Löfgren, que foi durante três
décadas o maior opositor à teoria naturalista. Artificialista convicto, investigou diversos
sambaquis, principalmente no estado de São Paulo. Em sua primeira publicação, em 1893,
Löfgren discordou da ideia concebida por Wiener, de um sambaqui monumental. Para ele,
o valor monumental do sambaqui existiria apenas para os arqueólogos, como objeto de
estudo, nunca para os próprios sambaquieiros. Löfgren encontrou poucos esqueletos nas
escavações que procedeu, e quase sempre estes estavam dispostos irregularmente.
Associado a estes achados, pesava também a ideia de Lofgren (1893):
5
Quanto aos belos zoólitos (...), de sua surpreendente perfeição bem se pode deduzir, ou que
descendiam os construtores dos sambaquis de indivíduos, em muito superiores a eles em cultura
intelectual, e que d‟esses ascendentes conservavam, como relíquias de altíssimo preço, esses artefatos
sagrados, ou que, verdadeiros salteadores mades, oriundos das regiões do ocidente, houvessem
roubado semelhantes preciosidades dos povos mais cultos que ali viviam” (NETO, 1885).
28
A própria indolência e o baixo grau de sua civilização, de que deixaram traços indeléveis,
não permitem acreditar que eles na formação dos sambaquis tivessem tido em vista outro
fim a não ser o de desfazerem o mais depressa e o mais comodamente possível dos restos de
suas refeições; e quando estes restos o incomodavam pelas proximidades, em vez de
removerem, mudavam-se eles, mas apenas alguns metros adiante, para se estabelecerem
talvez sobre o primeiro dos montes já formados.
Com relação à antiguidade das edificações, Löfgren calcula que teriam pelo menos
um milênio de idade. Para chegar a tal conclusão, esse foi seu raciocínio: como não
registro da cultura de sambaquis por cronistas do descobrimento, eles são pré-cabralinos;
teriam, portanto, mais de 400 anos. Como tampouco se registrou um que estivesse exposto,
foram necessários, no mínimo, mais 200 anos para que a vegetação os cobrisse. Por fim,
seriam necessários ainda 300 anos para que os indígenas acumulassem as conchas de que
são feitos (1893). Sem a possibilidade de testes de medição de carbono 14, Löfgren utilizou
uma lógica simples para chegar a um resultado que, verdadeiro ou não, não poderia ser
contestado por falta de embasamento.
Apesar de não ter sido bem sucedido em relação à antiguidade dos sambaquis,
Löfgren apoiou uma ideia que voltaria a ser defendida de forma efetiva no fim dos anos
1980: a visão de conjunto de sítios, retomada apenas com as investigações espaciais que
surgiram a partir da Nova Arqueologia (BARRETO, 1988; GASPAR, 1991). Nesta
concepção, um sambaqui não teria existido isolado espacialmente, mas sempre próximo, e
contemporâneo, a outros, formando assim um agrupamento de sítios. Löfgren (1893)
também percebeu, nas localidades onde pesquisou, que nestes conjuntos de sítios alguns se
29
destacavam por suas dimensões, fato que representaria uma maior importância para aquele
sambaqui
6
.
Após este breve detalhamento, pode-se perceber uma grande distância entre as
pesquisas realizadas na segunda metade do século XIX para os relatos de cronistas. Ainda
que pese a falta de um relativismo cultural, que gerou conclusões errôneas, o que vemos
são afirmações baseadas em escavações, em observações in situ, em análises
craniométricas, em analogias com sítios dinamarqueses, o que demonstra um conhecimento
amplo da Arqueologia, em análise de material faunístico, e, principalmente, por ideias que
estão na pauta acadêmica de hoje, como a construção de sítios e a funcionalidade de
sambaquis.
O século XX se inicia sem grandes alterações: as pesquisas em sambaquis
prosseguiram, assim como o debate sobre suas origens. Os principais artigos sobre o tema,
nesta primeira década, foram publicados por periódicos paulistas: a Revista do Museu
Paulista e a Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo. Esta instituição
publicou, em 1902, um artigo de Ricardo Krone (1902), mais um a creditar ao homem o
mérito de construtor dos sambaquis. Krone não defende nenhuma ideia nova, apenas apóia
as existentes. O que nos chama a atenção é sua postura em relação aos sepultamentos
encontrados. Como não observa marcas de cova na estratigrafia do sítio, ele conclui que
6
(...) existem, todavia, lugares onde eles aparecem em maior número do que em outros, formando
uma espécie de centros de agrupamentos em que se acham mais aproximados uns dos outros,
mediando entre eles apenas pequenas distâncias.
(...)
Por (sambaquis) principais entendemos aqueles cujo volume faz pressupor o concurso de uma
aglomeração maior de indivíduos, ou periodicamente ou por uma estada mais prolongada.
(...)
Também notamos que este sambaqui (Ilha do Casqueiro) é conjunto de outros pequenos que ficaram
uns aos pés dos outros, tão próximos que com o aumento da camada acabaram por confundir-se em
um só” (LOFGREN, 1893).
30
aqueles indivíduos faleceram ali mesmo, não tendo sido sepultados voluntariamente por
semelhantes
7
.
No ano seguinte ao artigo de Ricardo Krone, o IHGSP publicou, no mesmo volume,
textos de Ihering e Löfgren, nessa mesma ordem. Fica bem claro para quem os lê, que
Löfgren (1903) escreveu seu artigo após tomar conhecimento do texto de Ihering, que
este é citado de forma completa por aquele. Löfgren não cria nenhuma teoria nova, apenas
defende sua posição e suas ideias concebidas na década anterior, e ataca Ihering e sua
conhecida „superioridade alemã.
Ihering (1903) mantém uma postura dúbia no transcorrer do seu texto. Tanto em
relação à destruição dos mounds como ao seu possível uso por parte dos indígenas, o autor
se contradiz algumas vezes. No fim do século XIX, o pesquisador já defendia sua teoria
naturalista. Ihering explicava que com o rebaixamento da costa teria ocorrido uma
transgressão marinha e um natural acúmulo de conchas no fundo do oceano. Com um
posterior levantamento dos continentes, esses montes de conchas teriam ficado na posição
em que os encontramos. Quando confrontado com indícios culturais achados nos
sambaquis, Ihering os explicava com diferentes argumentos: os restos de ossos de peixes e
mamíferos marinhos eram provas irrefutáveis da origem natural dos montes; os ossos de
animais terrestres seriam conseqüência de caçadas; os carvões seriam resultado de
decomposição de matéria orgânica; os artefatos teriam sido perdidos por pescadores; e os
7
Manifestamente o moribundo tinha estado acocorado neste lugar e morrendo tinha tombado sobre
o lado esquerdo, levando ainda na ânsia da morte a mão direita na boca. A posição reclinada da
cabeça parece ainda demonstrar os esforços dos últimos suspiros.
(...)
(...) Uma só vez achei no grande sambaqui da Vila Nova (...) um esqueleto em posição dorsal, com os
membros bem estendidos, de forma que fazia a impressão de que tivesse sido depositado o cadáver
ali propositadamente assim; porém, a estratificação ininterrupta logo acima do esqueleto não admitia
a hipótese de um enterro” (KRONE, 1902).
31
esqueletos humanos de pessoas afogadas. Ihering retorna a fazer essas afirmações em seu
texto de 1903, mas admite que talvez tivesse que modificar sua opinião sobre alguns fatos.
Ele reconhece que os esqueletos humanos foram realmente sepultados ali, mas não no
momento da formação do mound, e sim em um momento posterior. Ihering acredita que o
morro de concha possa ter servido como moradia para indígenas, que se apresentava
como um lugar seco e livre de umidade. O ponto que Ihering não altera sua opinião é
exatamente a origem do sambaqui: ao primeiro olhar que lancei sobre o bem delineado
corte do sambaqui paranaense pareceu-me ler no mesmo o eloquente protesto da Criação
dizendo: „Esta obra é minha!‟” (IHERING, 1903).
No ano seguinte, o Museu Paulista publica em seu periódico um artigo de Benedicto
Calixto, fiel seguidor das ideias de Ihering, de quem foi apadrinhado academicamente. Ao
contrário dos outros pesquisadores, Calixto não era geólogo, naturalista, nem tampouco
especialista em malacologia: era pintor. Podem ser creditadas a Calixto (1904) as hipóteses
mais fantásticas para explicar a origem dos sambaquis, onde estão reunidos redemoinhos
marinhos, correntes netunianas e o dilúvio bíblico
8
.
Calixto se ocupa somente da questão da origem dos sambaquis, sem tecer nenhum
comentário acerca de outras problemáticas. Para corroborar a sua ideia, afirma que
encontrou nos sambaquis de Itanhém, localizados às margens de rios e mangues e não
8
No redemoinho produzido pelas correntes netunianas desse cataclismo, ou dilúvio (grifo do autor),
transformou-se o aspecto do terreno e sem dúvida, nos lugares em que as correntes mais se
acentuaram, formaram-se depressões onde se acumularam esses montões de destroços.
Aí, de envolta com toda a sorte de matérias orgânicas vegetais, vieram os moluscos, os peixes e os
cetáceos, bem como outros animais, inclusive o homem, de que parte pereceu também nesse
cataclismo.
Quando as correntes marinhas fizeram o seu retrocesso, e o mar desceu ao nível atual, emergiam
então esses montões de destroços, verdadeiras colinas, que o tempo foi lentamente destruindo e
reduzindo ás proporções que o homem civilizado as encontrou: montões enormes de cascas e de
outros destroços, de envolta com ossadas humanas e de animais, nessa confusão indescrivel, mas
aonde se nota ainda pela estratificação das camadas, a ação violenta das correntes netunianas
(CALIXTO, 1904).
32
muito próximos do mar, conchas de moluscos marinhos. Calixto conclui que poderiam
ser os mounds testemunhos do recuo do mar, já que os indígenas não fariam longas
caminhadas para erigir monumentos no meio de brejos.
A Revista do IHGSP publicou, em 1911, mais um artigo de Ricardo Krone. Neste
texto, Krone analisa uma estatueta antropomorfa, conhecida como o Ídolo de Iguape,
encontrada em um sambaqui. Assim como vários outros estudiosos de seu tempo, ele
duvidou que os sambaquieiros tivessem fabricado tal artefato. Como justificativa, Krone
alegou que era comum encontrar resíduos de lascamento e protótipos de pontas de lança e
lâminas de machado; todavia, nunca havia sido encontrado um zoólito que se apresentasse
com fabricação incompleta. O autor acreditava que os sambaquieiros tivessem herdado
essas peças de seus antepassados, que possuíam uma cultura e eram mais habilidosos. Com
o passar dos anos e a degeneração da sociedade, os artefatos teriam ganhado grande valor
simbólico (KRONE, 1911).
Cabe aqui um parênteses: a primeira década deste novo século não foi cenário de
quase nenhuma alteração nas pesquisas arqueológicas em sambaquis brasileiros. Prosseguia
o debate sobre a origem dos sítios, acalorada pela maior atuação de Hermann Von Ihering
nos periódicos paulistas, assim como as conclusões baseadas no Evolucionismo Cultural.
Everardo Backheuser (1918), que investigou sambaquis no fim da década de 1910, é
reconhecido pelos pesquisadores modernos como sendo defensor da ideia da origem
geológica dos mounds. É o que se percebe quando da leitura de suas publicações, apesar de
Backheuser não admitir sua posição claramente. O autor afirma em várias ocasiões que
existiriam sambaquis artificiais e outros naturais. Entretanto, suas críticas são todas
direcionadas a Löfgren, e seus elogios, a Ihering e a Calixto. Ao analisar o sambaqui da
Pedra, em Guaratiba, encontra ossos de peixes, pedras e um sepultamento. Todavia,
33
Backheuser (1918) afirma que apenas teorias preconcebidas poderiam afirmar serem os
sambaquis trabalhos de indígenas. Sua posição fica ainda mais clara quando ele se utiliza
das justificativas de Ihering e Calixto para explicar o achado de esqueletos humanos:
seriam provenientes de naufrágios (1918). O autor também afirma que era mais verossímil
a hipótese de uma origem natural dos sambaquis, seja por recuo do mar ou por ação eólica,
do que crer que um povo rudimentar e inculto teria tido uma preocupação arquitetônica
(BACKHEUSER, 1918).
O objetivo principal de Backheuser neste trabalho era provar a variação do nível do
mar ao longo dos anos. Para tanto, ele usa a localização dos sambaquis como testemunhos
de tal variação. Ele afirma que, independente de serem naturais ou artificiais, os
sambaquis serviam como objeto deste estudo. Sendo naturais, eram provas sine qua non;
caso fossem realmente artificiais também seriam válidos, uma vez que, para o
pesquisador, não era crível que o índio transportasse para muito longe o alimento;
procuraria no máximo um lugar seco. Assim sendo, toda vez que se encontrar um sambaqui
longe da praia, 2, 3, 10 ou 50 kms, pode-se afirmar, sem hesitação, em recuo
correspondente (BACKHEUSER, 1918).
No ano seguinte é publicado o trabalho de Ermelino Leão (1919), onde este apóia a
origem sociológica dos sambaquis, em contraposição à teoria geológica. Os termos
foram cunhados pelo próprio autor, que não elabora nenhuma nova ideia, apenas as batiza
novamente. Leão afirma que os mounds não foram gerados em decorrência da preguiça ou
da suposta indolência dos indígenas, mas sim em respeito à lei do menor esforço. Leão
indica também que eram conhecidos 72 sambaquis apenas no pequeno município de
Antonina, no litoral do estado do Paraná. Estudando os sítios dessa localidade, Leão (1919)
afirma que os sambaquis apresentam testemunhos de duas culturas: a sambaquieira e a tupi-
34
guarani, que expulsou do litoral as hordas primitivas. O autor relaciona as cerâmicas e os
artefatos mais bem elaborados encontrados no interior dos sítios à sociedade invasora.
Luiz Gualberto, escrevendo em 1924, nem alvitra a ideia de um sambaqui natural e
expõe uma opinião antiga, mas que perduraria até a última década do século: o sambaqui
era produto do acaso. Informa também que se conheciam 150 sítios arqueológicos desta
cultura apenas na cidade de São Francisco do Sul, em Santa Catarina. E ainda encontra
espaço para criticar Wiener, que quase 50 anos antes levantara a hipótese de canibalismo
por parte dos sambaquieiros. Gualberto informa que, apesar dos ossos encontrarem-se
fragmentados, eles ainda apresentavam conexões naturais.
Alguns anos depois surgem defensores de um terceiro tipo de sambaqui: o misto,
formado tanto por ação do homem quanto pela natureza. Raimundo Lopes (1931) foi um
dos pesquisadores que propôs essa hipótese quando estudou sítios do Maranhão
9
. Mesmo
concordando com outros estudiosos acerca da existência de sambaquis naturais e
artificiais, Lopes (1931) acredita que não seriam freqüentes os mounds originados apenas
pela mão do homem, e mais raros ainda os que tiveram construção intencional.
Em 1932, Sylvio Fróes de Abreu escreve um artigo onde faz uma observação até
então inédita: a grande importância do peixe na alimentação dos sambaquieiros
10
. Ao fazer
tal observação, Abreu adianta em meio século ideias que viriam a ser defendidas com o
9
Estamos assim convencidos de que os sambaquis da Ilha do Maranhão são do tipo misto, isto é,
formados pela concomitante presença do homem em pontos onde o litoral foi recuando, depositando-se, ao
longo das praias que abandonava, (...) lastros de conchas, aos quais se misturaram, em maior ou menor escala,
as conchas provenientes dos restos da alimentação dos habitantes da orla marinha, fragmentos dos seus
utensílios e até dos esqueletos” (LOPES, 1931).
10
Deve-se, entretanto, notar que, para cada volume de marisco consumido, restou o mesmo volume
de calcário, que permaneceu como testemunho até nossos dias; ao passo que dum certo volume de peixe a
porção inaproveitável, isto é, espinhas, vértebras etc, certamente não passa um décimo do volume do animal.
Nessas condições, um volume de restos de peixes corresponde, grosso modo (grifo do autor), ao décimo do
volume de alimento consumido, ao passo que um volume de conchas representa cerca de igual volume de
substância alimentícia” (ABREU, 1932).
35
início dos estudos de Zooarqueologia no Brasil, como veremos no terceiro capítulo. Apesar
de fazer uma afirmação correta, Abreu (1932) ainda sim admite que o molusco era a base
da alimentação deste grupo, apesar da importância dos peixes.
O trabalho de Othon Henry Leonardos (1938), Concheiros Naturais e Sambaquis, é
considerado por muitos como sendo um ponto final no debate que se estendia mais de
meio século. O autor define exatamente os depósitos naturais de conchas, chamados por ele
de falsos sambaquis, e os sambaquis strictu sensu. Também caracteriza o que seriam os
chamados sambaquis mistos, colinas conchíferas artificiais construídas sobre concheiros
naturais‟ (LEONARDOS, 1938). Segundo Mendonça de Souza (1991), o trabalho seminal
de Leonardos apresenta um histórico da pesquisa arqueológica em sambaquis brasileiros e
refuta todas as posições expostas anteriormente pelos naturalistas. Também é lembrada
por Souza a explicação de outras questões por parte de Leonardos, como a origem do
homem americano, o valor econômico dos sambaquis, sua distribuição geográfica, seu
conteúdo cultural e sua antigüidade
11
.
Apesar de ressaltar a importância do trabalho de Leonardos, Andrade Lima
(1999/2000) declara que seu trabalho não foi definitivo para a questão. Para a autora, o
debate sofreu um golpe expressivo com o trabalho de Antônio Teixeira Guerra (1950) e
apenas foi totalmente superado com Luís de Castro Faria (1959). A contribuição de
Teixeira Guerra (1950) para o fim do debate deve-se ao fato de o autor discordar da
existência dos chamados sambaquis mistos, e ter elaborado um quadro contrapondo as
principais características dos sambaquis às dos concheiros naturais (ou terraços, como usa o
autor). Para Castro Faria (1959), o debate teria terminado pouco por ainda haver no
11
“Dia virá em que se poderá determinar com certa precisão a idade dos sambaquis; mas isto será trabalho
para verdadeiros especialistas que ainda aqui não apareceram” (LEONARDOS, 1938).
36
Brasil „exegetas ingênuos e ardorosos‟. Castro Faria (1959) define novamente a natureza do
sambaqui como sendo um monte artificial de conchas, uma jazida arqueológica, como
havia sido dito anteriormente, segundo o próprio, por Leonardos, Bigarella e Teixeira
Guerra.
Se não foi exatamente um ponto final para esta discussão, o trabalho de Leonardos
foi, para dizer o mínimo, bastante esclarecedor. Além disto, marca o início de um período
importante para a Arqueologia brasileira, onde trabalhariam grandes nomes, como os
citados no fim do último parágrafo, e a implantação de métodos modernos de intervenção
nos sítios, como os feitos por Biocca et al (1947) em sambaquis da Ilha de Santo Amaro,
em São Paulo, e as escavações sistemáticas de Castro Faria, no início dos anos 50, no
sambaqui de Cabeçudas e em outros sítios da região de Laguna, em Santa Catarina. Nesta
mesma época, Castro Faria iniciaria uma jornada contra a destruição dos sítios, causada
pela indústria caieira, que transformava as conchas arqueológicas em cal para uso na
construção civil. O trabalho deste autor resultou na promulgação da lei 3964/61, até hoje
uma das principais armas para a proteção dos sítios arqueológicos.
A partir deste momento, o texto de Andrade Lima (1999/2000) é uma referência
para entendermos a formação de um corpo de pesquisadores mais especializados no Brasil.
A autora mostra que a vinda de missões estrangeiras serviu para a qualificação dos
envolvidos e para a implantação de métodos e técnicas na Arqueologia brasileira. Dos
principais nomes que vieram trabalhar no Brasil, podemos citar: Paul Rivet, Joseph
Emperaire, Anette Laming, Adam Orssich, Clifford Evans, Betty Meggers, Wesley Hurt e
Alan Bryan. Destes, apenas Evans e Meggers não trabalhariam com sambaquis, o que
mostra a importância destes sítios no cenário acadêmico da época. Além da vinda destes
pesquisadores, os anos de 1950 e 1960 presenciaram a abertura de diversas instituições
37
científicas, como o Instituto de Pré-História da Universidade de São Paulo, criado por
Paulo Duarte, o Centro de Ensino e Pesquisas Arqueológicas (CEPA) da Universidade
Federal do Paraná, criado por Loureiro Fernandes, e o Museu do Homem do Sambaqui,
iniciativa de João Alfredo Rohr, em Santa Catarina (ANDRADE LIMA, 1999/2000). Essas
duas décadas podem então ser consideradas como a base da formação da Arqueologia
profissional no Brasil. Somados aos dois importantes fatos citados anteriormente a vinda
de estrangeiros e a criação de centros de pesquisas temos ainda as primeiras datações
radiocarbônicas para sambaquis, o que culminou com o fim dos debates sobre suas
antiguidades (ANDRADE LIMA 1999/2000), e a formação da primeira geração de
arqueólogos brasileiros, que, até então, as pesquisas eram feitas por especialistas de
outras áreas.
Seria essa primeira geração de profissionais que iria trabalhar no Programa Nacional
de Pesquisas Arqueológicas (PRONAPA) durante os anos 60 e 70. Os trabalhos gerados
pelo programa seriam alvos de duras críticas posteriormente, vindas da segunda geração de
arqueólogos brasileiros. As críticas são baseadas no fato de os pronapistas terem catalogado
uma diversidade de sítios, mas de não terem realizado investigações mais profundas.
Entretanto, devemos ter um olhar mais atento ao que se passou. Os objetivos do
PRONAPA eram exatamente investigar o território brasileiro. E isto foi feito. Sondagens
rápidas foram realizadas por todo o país para se conhecer seu passado. De acordo com as
premissas do Histórico-Culturalismo trazido por Betty Meggers, os sítios eram encaixados
em tradições, fases e sub-fases culturais. Segundo Márcia Barbosa-Guimarães (2003):
Assim, o resultado da orientação teórico-metodológica do PRONAPA para a arqueologia de
sambaquis foi a inserção destes sítios em fases e tradições, categorias classificatórias
espaço/temporais (grifo do autor). A partir da realização de análises, principalmente dos
38
restos faunísticos provenientes de sondagens, além de perfis estratigráficos parciais e dos
aspectos locacionais dos sítios, foram elaboradas tipologias de sambaquis.
A estratégia dos pronapistas foi adequada para o momento, quando o conhecimento
sobre os grupos litorâneos pré-cerâmicos ainda era escasso, que quase 100 anos foram
perdidos apenas com a discussão sobre a artificialidade dos sambaquis. Em algum
momento esse trabalho haveria de ser feito. A falha dos pesquisadores de então foi terem
continuado com uma (falta de) teoria que estava sendo criticada nos Estados Unidos, país
de Betty Meggers, a partir do surgimento da Nova Arqueologia, na década de 60. O atraso
teórico do Brasil é bem retratado nesta época. A segunda geração de arqueólogos
implantará os preceitos do Processualismo a partir dos anos 80, quando ele estava sendo
duramente criticado em outros países, seja pela Arqueologia Comportamental, de Michael
Schiffer, pela Agência, de John Barret, pela Arqueologia Cognitiva, de Steven Mithen, ou
pela Arqueologia Darwiniana, de Robert Dunnell.
As pesquisas em sítios do litoral do estado do Rio de Janeiro exemplificam bem os
trabalhos feitos no âmbito do PRONAPA. Foram criadas três fases: Mac e as fases A e B
da Tradição Itaipu. As premissas da Ecologia Cultural, muito difundida por Julian Steward,
permearam a catalogação dos sítios fluminenses, de acordo com seus restos faunísticos e
suas inserções ambientais. Sendo assim, a fase Macaé estaria representada pelos sítios mais
antigos, datados entre 7.803±130 AP a 3.975±160 AP, onde o consumo de moluscos teria
sido muito intenso (DIAS JUNIOR, 1969a). Com o esgotamento dos bancos de moluscos,
motivado por mudanças climáticas e pela grande coleta, esses grupos que formavam a fase
39
Macaé tiveram de diversificar suas economias de subsistência: seria este o momento do
surgimento da Tradição Itaipu, que seria dividida entre A e B
12
.
Esta descrição valeria apenas para a fase B da Tradição Itaipu. A fase A estaria
relacionada a sítios próximos a mangues e lagoas e que teriam mais evidências do consumo
de vegetais (DIAS JUNIOR, 1969b). Os principais sítios desta fase seriam o Malhada e o
Corondó, sendo que este último passaria a dar nome à fase nos anos 90 (DIAS &
CARVALHO, 1995). Os esqueletos retirados deste sítio apresentavam indícios de um alto
consumo de carboidratos, o que indicaria, muito provavelmente, uma prática horticultora
(DIAS & CARVALHO, 1995).
Essa visão perdurou fortemente até os anos 90 no Rio de Janeiro, quando Andrade
Lima (1991) utilizou a Zooarqueologia para constatar uma mudança no padrão de
subsistência nos sambaquis da Baía da Ribeira, no sul do estado. Ela observou que as
camadas mais inferiores dos sítios tinham uma maior presença de restos de moluscos,
comparadas às mais superiores. Para Andrade Lima (1991), apesar de os peixes
elasmobrânquios formarem a base alimentar dos pescadores-coletores, os moluscos teriam
grande importância em suas vidas, e sua diminuição gradativa teria alterado profundamente
o modo de vida destes grupos.
Um dos primeiros trabalhos a ir contra o sistema de fases e tradições no Rio de
Janeiro foi a tese de doutorado de MaDu Gaspar (1991). A autora respaldou-se nas
12
Caracteriza a fase Itaipu a sua localização sobre dunas estáveis, a grande quantidade de restos de
alimentação (ossos de peixes sobretudo), conglomerado de conchas, carvão, etc, que são encontrados
em níveis diversos de ocupação.
Seu material lítico predominante, a indústria de lascas, apresenyta certas peculiaridades, sobretudo as
pontas, que podem ser encaradas como traços diagnósticos (...).
O material polido, por outro lado, é muito pouco característico (...).
O que, de certa forma, pode caracterizar esta ocorrência na fase Itaipu, além de sua distribuição
percentual, é o predomínio de artefatos com múltiplas funções e empregos, em maior escala, do
gnaisse que é relativamente pouco citado na literatura arqueológica atual (DIAS JUNIOR, 1969b).
40
pesquisas de Cristiana Barreto (1988) para propor apenas um sistema sociocultural para os
sítios pré-cerâmicos da região estudada. Após uma revisão da bibliografia e de pesquisas de
campo, Gaspar (1991) considera como característica exclusiva deste sistema cultural o
hábito de construir montículos com restos faunísticos e deste local ser usado tanto como
habitação quanto cemitério.
A autora considerou que a diferenciação feita por Dias, tendo como base a
localização dos sítios, não era válida, que todos estavam na faixa litorânea, inclusive o
Corondó, que se encontra, atualmente, a cinco quilômetros do mar. Gaspar (1991) também
não concorda com a utilização de artefatos numericamente pouco expressivos para serem
usados como indicador de semelhanças entre diferentes sítios, assim como da proposta de
que sítios com maior vestígio de moluscos seriam mais antigos. Para exemplificar, citou o
sítio Ilhote do Leste, pesquisado por Tenório na Ilha Grande, que não possui conchas em
sua base, apenas restos ósseos, e os sambaquis de Sernambetiba e de Amourins, em
Guapimirim. O primeiro, que tem a data mais antiga em 2820±150 AP, possui restos de
conchas, de forma abundante, em todas as suas camadas, enquanto que no segundo, datado
de 3350±160 AP, os restos de peixes se mostram em maior número.
Gaspar (1991), após investigar 62 sítios, conclui que haveria semelhanças entre
vários aspectos: proximidade com grandes corpos d‟água; implantação dos sítios em locais
elevados; presença de enterramentos; nas indústrias tica, óssea e malacológica. Conclui
também ter havido conjunto de sítios: o resultado obtido e a própria observação da
distribuição dos assentamentos indica que a ocupação da área se deu através de
concentrações de sítios, que os agrupamentos são as unidades mínimas que m
significado sociológico.
41
Para o início dos anos 90, também devemos destacar a tese de doutorado de Levy
Figuti (1992), que, assim como Andrade Lima (1991), utilizou-se da Zooarqueologia para
tratar de padrão de subsistência de grupos de pescadores-coletores e constatar a maior
importância dos peixes na dieta alimentar dos sambaquieiros.
Segundo Figuti (1993), a coleta de molusco pelos povos costeiros poderia ser
justificada de diferentes maneiras: o baixo custo de aquisição do alimento, compensando
seu baixo valor nutricional; seu valor protéico, que poderia garantir importantes fontes de
aminoácidos aos indivíduos não engajados na pesca mulheres, crianças e idosos; e seu
teor de carboidrato, que poderia servir de complemento vital na ausência de outras fontes
de carboidrato e gorduras.
Outro nome a ser destacado nessa década de 90 é o de Lina M. Kneip, uma das
principais pesquisadoras que investigaram sambaquis no Rio de Janeiro. A autora, que
iniciou seus trabalhos durante os anos 70 em Cabo Frio, dedicou grande parte de seus
esforços para compreender a ocupação humana na região de Saquarema. Kneip (KNEIP &
PALLESTRINI, 1990; KNEIP et al, 1991; KNEIP & MACHADO, 1992; KNEIP &
MACHADO, 1993; KNEIP, 1995) registrou diversos sítios, realizou amplas escavações
com o objetivo de verificar diferenças internas nos assentamentos, identificou alterações
nos padrões de enterramento, interpretou as mudanças culturais ocorridas na região e ainda
deixou como herança para a população local um museu a céu aberto, constituído na área do
sambaqui do Moa. Sua dedicação foi tamanha que foi homenageada pela prefeitura local,
transformando-se em nome de rua no município de Saquarema.
Na década de 1990, também tem início as pesquisas antracológicas realizadas por
Rita Scheel-Ybert, que, ao analisar anatomicamente os carvões arqueológicos dos
sambaquis, pode observar os tipos de lenha usados em fogueiras, restos vegetais coletados
42
pelos ocupantes do sítio e identificar uma estabilidade na vegetação da Região dos Lagos
nos últimos 5000 anos (SCHEEL-YBERT, 2000).
Os últimos dez anos de pesquisas arqueológicas em sambaquis ainda não foram
abordados por nenhuma revisão bibliográfica. Ao analisar os trabalhos recentes, vemos que
houve um grande avanço em Santa Catarina, onde diversos pesquisadores, de diferentes
áreas, trabalharam na mesma localidade para compreender os processos de construção de
grandes sambaquis, tendo como alvo principal de pesquisas o Jabuticabeira II.
Este sambaqui, hoje tido como um cemitério (FISH et al, 2000; KLOKLER, 2001,
2008; BENDAZZOLI, 2007; DE BLASIS et al, 2007; BIANCHINI, 2008; GASPAR et al,
2008; VILLAGRÁN, 2008;), foi abordado a partir dos preceitos da Arqueologia
Comportamental de Schiffer, visto como parte integrante de uma paisagem domesticada e
construída, teve seus restos vegetais estudados pela Antracologia e sua camada terrosa
analisada quimicamente. Esta junção de diferentes abordagens colaborou de forma decisiva
para que o sambaqui Jabuticabeira II fornecesse uma gama de informações suficientes para
alterar os pressupostos que os pesquisadores tinham antes do início das investigações. Os
objetivos atualmente na região se voltam também para a compreensão dos pequenos
sambaquis e suas funções no padrão de assentamento local (PEIXOTO, 2008).
No Rio de Janeiro, para este início de século, podemos ressaltar principalmente os
trabalhos de Maria Cristina Tenório e Márcia Barbosa-Guimarães que investigaram
sambaquis e de Claudia Rodrigues-Carvalho, estudando Bioantropologia. A primeira
pesquisou o sítio Ilhote do Leste, na Ilha Grande, e o grande conjunto de amoladores-
polidores presentes em toda a ilha. Tenório (2003) investigou todas as marcas de
amoladores presentes na Ilha Grande e verificou a presença de mais de 1.154 sulcos
excluídos os que se encontram atualmente submersos ou enterrados na praia. Ao realizar
43
experimentações, constatou que após afiar as extremidades de 11 seixos, e transformá-las
em gumes afiados, havia provocado um desgaste de apenas 0,155 cm no bloco de rocha
usado como suporte. Como a média de profundidade dos sulcos é de 2,5 cm, Tenório
(2003) conclui que teria sido necessário afiar 278.952 lâminas para o surgimento de todos
os amoladores-polidores da Ilha Grande. Como no único sambaqui da ilha, o Ilhote do
Leste, foram encontradas 11 lâminas todas associadas a enterramentos , a autora
entende que aquela localidade seria um grande centro dispersor de lâminas de machados.
Atualmente, Tenório foca seus esforços em pesquisas na região de Arraial do Cabo para
interpretar a dinâmica de ocupação da localidade, assim como possíveis contatos e trocas
com grupos do litoral sul fluminense.
Barbosa-Guimarães (2007), estudando os sítios do Complexo Lagunar de
Saquarema, identificou assentamentos do início e do fim do período hegemônico dos
sambaquieiros no litoral estudado. A autora considerou que fatores ambientais, como a
redução na oferta de molusco e o contato com grupos ceramistas da Tradição Una, foram
primordiais para o colapso da sociedade sambaquieira, fato este que teria durado cerca de
mil anos. Guimarães (2007) identificou o sambaqui de Saquarema como prova do início
deste colapso, por apresentar sinais de manipulação de ossos, além da adoção da técnica de
lascamento em quartzo. o sambaqui da Pontinha, formado por uma matriz terrosa, em
oposição aos sítios mais antigos, ricos em concha, e onde a presença de ossos humanos
cremados em todas as camadas de ocupação, seria o último vestígio da ocupação
sambaquieira na região.
Rodrigues-Carvalho analisa marcadores de estresse ocupacional nos ossos humanos
encontrados em sambaquis para reconstruir padrões de atividades físicas desses grupos,
identificando, por exemplo, diferenças entre inserções musculares de esqueletos retirados
44
no Ilhote do Leste, na Ilha Grande, e de sítios de Saquarema, consequências,
provavelmente, de esforço diferenciado para remar, que o primeiro sítio encontra-se em
zona de mar aberto e os de Saquarema localizam-se junto à lagoa (RODRIGUES-
CARVALHO & SOUZA, 2005).
Já a nossa pesquisa tem como alvo uma região do Recôncavo da Baía de Guanabara,
que inclui principalmente os município de Guapimirim e Itaboraí. Esta é uma área que foi
pesquisada do início da década de 1970 até o fim do século passado. Grandes arqueólogos
investigaram os sítios desta localidade, como Beltrão, Heredia, Rohr e Hurt, e deixaram
informações valiosas para as gerações futuras. Nossa retomada científica na região foi feita
por entendermos que ainda informações a serem resgatadas, visto que novas questões
surgiram nos últimos anos para a compreensão do modo de vida de grupos construtores de
sambaquis. Nossas pesquisas terão como parâmetro metodológico as investigações
realizadas em Laguna, Santa Catarina, permitindo assim uma análise comparativa futura
entre os sítios de ambos os locais. Não obstante as diferenças claras de tamanho entre os
assentamentos, há diversas semelhanças entre os sambaquis fluminenses e catarinenses que
pretendemos investigar, contando para isso com o mesmo grupo de trabalho.
45
CAPÍTULO 2
PENSANDO TEORIA
2.1 ARQUEOLOGIA DA PAISAGEM
Muitas pesquisas relacionadas aos sambaquis brasileiros têm abordado a questão da
paisagem como importante fator para a compreensão de culturas litorâneas. Seja pela
interferência antrópica ou apenas pela escolha dos locais de assentamento, essa paisagem
cultural faria parte do universo simbólico dos grupos pescadores-coletores.
Timothy Darvill (1998) critica a abordagem tradicional arqueológica em relação à
paisagem e lista cinco problemas que podem ser observados: o primeiro seria a ênfase em
locais bem definidos, como monumentos particulares. O espaço que é relevante para uma
sociedade é mais extenso que apenas a área onde o material arqueológico se mostrou mais
abundante. As pessoas vivem além do confinamento de aldeias. Um segundo problema
seriam as áreas sem vestígios arqueológicos: rios, lagos e montanhas poderiam ter grande
importância para determinados grupos. Um terceiro equívoco seria focar nossas atenções
apenas nas dimensões físicas da paisagem. Estímulos de outros sentidos, além da visão,
devem ser considerados: cheiros, sons, texturas e gostos. O quarto ponto é a falta de
percepção da importância da dimensão social da paisagem, que esta é essencialmente
uma construção social, não física: “uma paisagem é uma imagem cultural, uma forma
pitoresca de representar, estruturar ou simbolizar o ambiente” (DANIELS & COSGROVE,
1989). O quinto problema é ter a paisagem como imutável. Seu estado normal é estar em
constante alteração, em diferentes níveis e intensidades.
46
De certa maneira, esses cinco pontos estão sendo bem observados pelos
pesquisadores brasileiros. Kneip (2004), ao pesquisar o entorno da Lagoa do Camacho, na
região sul de Santa Catarina, mostrou como este ambiente lagunar se alterou desde 4200
anos AP. Com a regressão progressiva do mar, houve o desaparecimento de uma
paleolagoa, assim como de algumas ilhas; desta forma, sítios antes localizados no meio de
um grande corpo d‟água, passaram a situar-se em terras continentais, como os sambaquis
de Jabuticabeira I, Mato Alto II, Carniça I e Caieira. o sambaqui Ponta do Morro Azul,
que anteriormente estaria às margens da paleolagoa, hoje se encontra a uma certa distância
da Lagoa do Camacho (KNEIP, 2004).
Os estudos antracológicos feitos por Rita Scheel-Ybert (SCHEEL-YBERT et al.,
2003) vêm demonstrando que não houve grandes mudanças na vegetação nos últimos 5000
anos nas regiões por ela pesquisadas, sul de Santa Catarina e Região dos Lagos, no Rio de
Janeiro. Para a região catarinense estudada, foi possível detectar vestígios de Avicennia sp,
uma planta característica de mangue, formação não mais existente no local, possivelmente
decorrente da dessalinização dos corpos d‟água, conseqüência do rebabaixamento do nível
médio do mar (DEBLASIS et al., 2007).
Outros pesquisadores que têm os sítios costeiros como tema de estudo também vêm
reforçando a questão da paisagem. A própria construção de um mound, independente de sua
função, seja doméstica ou apenas ritual, e de sua dimensão, pode ser considerada como
um marco na paisagem, uma forma de dominá-la, principalmente se pensarmos nos grandes
sambaquis do litoral meridional brasileiro. DeBlasis et al. (2007) acreditam que os
sambaquis, por terem estado ativos na região de Laguna-SC por pelo menos 4000 anos,
emergem como monumentos que representam uma relação territorial e simbólica bastante
estável com um habitat familiar, uma paisagem perfeitamente apropriada pela cultura
47
sambaquieira. Gaspar (1991) afirma que os sambaquis fluminenses se caracterizam como
plataformas que se destacam na paisagem”.
Os amoladores-polidores fixos encontrados no litoral brasileiro, relacionados a
grupos de pescadores-coletores, além de serem instrumentos de trabalho, também são
considerados como marcadores visuais, por alterarem a paisagem (GASPAR & TENÓRIO,
1992). Por existirem duas grandes concentrações destes artefatos, na Ilha Grande, no Rio de
Janeiro, e na Ilha de Santa Catarina, estes locais seriam simbolicamente vistos como
pertencentes a grupos especializados na produção de instrumentos polidos. A Ilha Grande,
especificamente, foi considerada como um centro dispersor de lâminas de machados, em
virtude de possuir mais de 1000 marcas de amoladores-polidores, somando-se ao fato de só
terem sido encontradas 11 lâminas no único assentamento da ilha (TENÓRIO, 2003).
Figura 1. Amolador-polidor localizado na Ilha Grande. Foto de Maria Cristina Tenório.
48
Um dos problemas apontados por Darvill (1998) como sendo uma falha na
abordagem tradicional da Arqueologia também vem sendo bem trabalhado no nosso âmbito
acadêmico. A falha seria a de não considerar a importância de áreas sem vestígios
arqueológicos, como lagoas, rios e montanhas. Nos estudos de grupos de pescadores-
coletores, ressaltar o valor econômico de corpos d‟água é cair na obviedade. Gaspar (1991),
ao estudar os sítios da Região dos Lagos, no Rio de Janeiro, observa que todos os 62
sambaquis analisados estão juntos a grandes corpos d‟água. Segundo DeBlasis et al.
(2007), o valor simbólico do ambiente aquático para os sambaquieiros seria de grande
importância. Para os autores, os sambaquis por eles estudados teriam se estruturado ao
redor da laguna, e esta seria “um lugar central (grifo dos autores) do universo econômico e
social sambaquieiros (...), espaço e domínio comum e epicentro da vida (e da morte)
sambaquieira”. Os zoólitos também reforçariam esta identificação dos sambaquieiros com o
ambiente aquático, que diversos animais representados pertencem ao ambiente marinho
(peixes, baleia, tubarão, pingüim, tartaruga), com um grau de detalhamento que, em alguns
casos, permitiu identificar até o gênero e a espécie do animal representado (PROUS, 1972).
Estudos feitos recentemente por Bianchini (2008) no sambaqui Jabuticabeira II
mostram o uso, por parte dos ocupantes daquele sítio, de vegetais encontrados,
preferencialmente, na mata de encosta, o que levanta a hipótese que a área de domínio
destes grupos fosse mais além da faixa costeira.
A questão da visibilidade é outro ponto relacionado ao domínio da paisagem
abordado pelos pesquisadores. Gaspar (1991) afirma que o próprio sambaqui é um artefato,
construído intencionalmente, e que pode ser considerado como um marco paisagístico. A
procura por locais elevados para a implantação dos sítios estaria relacionada com o controle
visual (GASPAR, 1991). Para a região de Laguna-SC, DeBlasis et al. (2007) e Peixoto
49
(2008) ressaltam que muitos dos sambaquis existentes podem ser observados a partir deles
próprios:
Os sambaquis reconhecem-se uns aos outros no cenário lagunar onde estão instalados,
configurando um padrão aproximadamente circular que tem na própria laguna seu epicentro,
padrão este que assume um caráter essencialmente simbólico, onde distintas comunidades e
seus ancestrais encontram-se assinaladas por marcos territoriais de caráter monumental,
amplos e facilmente reconhecíveis (DEBLASIS et al, 2007).
Tenório (2004) também ressalta essa questão para Arraial do Cabo, local onde
alguns sítios se encontram em grandes altitudes. Sítios como o Condomínio do Atalaia e o
Boqueirão, que estão localizados em pontas de morros que avançam sobre o mar, a uma
altitude de mais de 50 metros, longe de água potável e desprotegidos das diferentes
correntes de vento, estariam relacionados a atividades rituais, ou mesmo como pontos
estratégicos, já que são utilizados até os dias atuais como vigias de pesca por moradores da
região.
Figura 2. Imagem de satélite mostrando a proximidade com o mar de dois sítios em Arraial do
Cabo, RJ.
50
2.2 PROCESSOS DE FORMAÇÃO
Os conceitos oriundos da chamada Behavioral Archaeology, ou Arqueologia
Comportamental, nos serão úteis aqui para compreendermos os processos de formação dos
sítios estudados e os contextos nos quais os vestígios arqueológicos foram encontrados. A
premissa básica desta escola teórica é a convicção de que os arranjos e as formas dos
artefatos, dos depósitos culturais e da arquitetura nos registros arqueológicos são
conseqüências diretas das ações humanas e de processos naturais (LAMOTTA &
SCHIFFER, 2001). Em uma análise da bibliografia relativa aos sambaquis brasileiros,
podemos observar em diversos trabalhos, principalmente na última década, os pressupostos
desta escola (GASPAR et al, 1994; KLOKLER, 2001, 2008; BENDAZZOLI, 2007;
PLENS, 2007; PEIXOTO, 2008; VILLAGRÁN, 2008).
Segundo Michael Schiffer (1983), os “artefatos recuperados arqueologicamente
foram depositados por sistemas adaptativos e estiveram sujeitos a outras culturas e
processos naturais. Os materiais arqueológicos passariam, então, por dois estágios: o
contexto sistêmico e o contexto arqueológico. O primeiro se refere ao momento em que os
artefatos estão sendo utilizados pela cultura que os criou; o segundo, ao momento em que
os objetos interagem apenas com o ambiente, após terem sido, de alguma forma,
descartados (SCHIFFER, 1987). O contexto sistêmico seria, então, o alvo principal dos
arqueólogos, pois informaria sobre os comportamentos das sociedades que o produziu.
Contudo, este entendimento pode ser equivocado, caso não sejam considerados os fatores
que possam ter gerado algum grau de variabilidade neste registro, entendidos como
processos de formação (SCHIFFER, 1987).
Os processos de formação dos registros arqueológicos são classificados em duas
categorias: culturais (c-transforms), quando a origem da transformação está no
51
comportamento humano; não-culturais (n-transforms), quando o agente transformador é o
ambiente natural (SCHIFFER, 1987). Os processos culturais seriam todas e quaisquer
atividades praticadas pelo homem que influenciasse na história de vida dos artefatos que
vêm a formar o registro arqueológico, e, segundo Schiffer (1972), podem ser de cinco tipos:
obtenção, manufatura, uso, manutenção e descarte.
2.2.1 PROCESSOS DE FORMAÇÃO CULTURAIS (C-TRANSFORMS)
Além das cinco categorias descritas acima, algumas subdivisões, variantes das
atividades de uso e de descarte. O reuso de artefatos se motivado por quebra ou por
alguma outra razão que o impeça de exercer sua função original, fosse ela utilitária ou
simbólica. Quando a reutilização de artefatos, estes se mantêm no contexto sistêmico,
influenciando o registro arqueológico (SCHIFFER, 1987).
A reciclagem, segundo Schiffer (1987), é um processo de reutilização de fácil
identificação no registro arqueológico, e se quando um artefato volta ao processo de
manufatura após ter sido utilizado. O uso secundário ocorre quando um objeto ganha
uma nova função, sem necessariamente ter sua forma alterada. Artefatos encontrados em
associação a rituais funerários seriam um exemplo de segundo uso (SCHIFFER, 1987).
Sílvia Peixoto (2008), estudando pequenos sambaquis do sul de Santa Catarina, observa a
semelhança entre artefatos líticos destes sítios, como o Lagoa dos Bichos II, sem evidências
de atividades funerárias, e de grandes sambaquis, como o Jabuticabeira II, tido
exclusivamente como um cemitério (FISH et al., 2000; KLOKLER, 2001, 2008;
DEBLASIS et al., 2007; BENDAZOLLI, 2007; VILLAGRÁN, 2008).
Cabe à sociedade que produziu o artefato decidir sobre o futuro da peça quando esta
alcança o fim de sua vida útil. Quando os processos de reutilização expostos acima, por
52
alguma razão, não podem ser realizados, os artefatos são, então, descartados, passando a
compor o depósito arqueológico (SCHIFFER, 1987). Esta atividade de descarte pode gerar
dois depósitos diferentes: o refugo primário e o secundário. O primeiro ocorre quando o
material é descartado em seu próprio local de uso, o que, segundo Schiffer (1987), é raro
ser encontrado pelos arqueólogos. Um grande acúmulo de material poderia atrapalhar as
atividades exercidas no local, ocasionando, assim, a remoção dos detritos para um outro
local, o que gera o refugo secundário (SCHIFFER, 1987). Peixoto (2008), ao analisar os
artefatos líticos do sambaqui Lagoa dos Bichos II - muitos deles fragmentados -, afirma que
pode ter havido ali dois processos culturais: descarte e abandono. O primeiro se daria em
decorrência do estado dos artefatos, não mais passíveis de uso. O segundo seria um
processo que englobaria todo o sítio: por alguma razão, o local teria sido abandonado e ali
teriam permanecido os utensílios depositados, mesmo que ainda fossem utilizáveis.
A manutenção das áreas de atividades provoca um fluxo de lixo, que será
descartado em um ou mais locais diferentes. Este processo de limpeza, que pode ser regular
ou ad hoc (para eventos inesperados), pode variar quanto ao tempo e freqüência dentro de
uma mesma sociedade, dependendo do tipo de refugo, e também gerar locais temporários
de descarte. Tenório observa processos de limpeza em dois sítios: Ilhote do Leste e
Condomínio do Atalaia. No primeiro, a autora percebeu que os restos faunísticos eram
empurrados na direção de um barranco (TENÓRIO, 2003). No segundo, identificou uma
alteração do espaço dentro do sítio para onde o „lixo‟ estaria sendo alocado (TENÓRIO,
2001).
Para Schiffer (1987), após o início do processo de descarte, os detritos podem sofrer
diferentes tipos de intervenção, como queima e compactação, e ainda ser utilizados como
material construtivo. O autor cita os exemplos das sociedades Hohokam e Maia, que
53
fizeram uso do refugo como material construtivo para erigir plataformas monticulares e
templos, respectivamente (SCHIFFER, 1987).
Nas pesquisas em sambaquis brasileiros, a hipótese do uso intencional das conchas
como material construtivo é considerada desde Wiener (1876), que vimos ser o precursor
desta idéia. Posteriormente, Ab‟Sáber & Bernard (1953), Afonso & De Blasis (1994) e
Figuti & Klökler (1996) também concluíram que as valvas de moluscos teriam sido
utilizadas como material de aterro em alguns sambaquis.
Atualmente, estudos de geoarqueologia estão ajudando a compreender alguns
processos de formação. O trabalho de Villagrán (2008), no sambaqui Jabuticabeira II,
apresenta informações que ajudam a entender a construção do sítio. Ao analisar
quimicamente a camada preta do sambaqui (camada mais superior), Villagrán percebeu que
ela foi formada por componentes de caráter natural, como areia oriunda da peleo-laguna, e
por restos faunísticos que apresentavam diferentes graus de queima e de podogênese,
indicando que teriam sofrido esses processos em um outro local.
2.2.2 PROCESSOS DE FORMAÇÃO NÃO-CULTURAIS (N-TRANSFORMS)
Além das atividades humanas, o ambiente natural também atua de forma direta no
contexto arqueológico, não apenas destruindo vestígios, mas introduzindo padrões próprios
(SCHIFFER, 1983). Dentre as principais forças naturais de atuação está a ação eólica, que é
considerada por Schiffer (1983) como uma potente força de triagem, análoga à água
corrente, depositando sedimento, causando erosão e carregando pequenos artefatos.
Materiais depositados sobre dunas estão sujeitos a diversas alterações, que os
movimentos dunares podem encobrir um sítio inteiro, além da densidade dos artefatos
provocar um transporte vertical entre as camadas, alterando o contexto arqueológico
54
(SCHIFFER, 1983). O sítio Ilha do Cabo Frio I, localizado em Arraial do Cabo,
exemplifica bem estes processos de formação, por tratar-se de um sambaqui localizado
sobre uma duna escalonar, bem próximo ao mar. O movimento eólico cobre e descobre o
sítio rotineiramente, chegando a transportar pequenos ossos de fauna para dentro do mar.
Diversos esqueletos foram evidenciados na areia da praia, estando a maioria incompleta,
provavelmente em decorrência da erosão das camadas (TENÓRIO et al., 2005).
Figura 3. Crânio humano exposto por ação eólica no sítio Ilha do Cabo Frio I.
De acordo com Peixoto (2008), um dos sítios pesquisados em seu trabalho, Lagoa
dos Bichos II, foi identificado recentemente, por ter estado coberto por dunas
anteriormente, o que foi confirmado por moradores da região.
55
Figura 4. Sítio Lagoa dos Bichos II, descoberto após o movimento das dunas. Foto: Sílvia Peixoto.
Processos naturais também podem provocar alteração no sedimento arqueológico.
Os mesmos estudos geoquímicos, mostrados anteriormente como uma abordagem para
inferir processos culturais, também são utilizados para a compreensão de transformações
naturais das características do sedimento, que a análise de composição química do solo
nos permite compreender a ausência de evidências, que podem ter desaparecido do
contexto arqueológico por condições naturais desfavoráveis.
56
CAPÍTULO 3
EMPILHANDO CONCHAS
3.1 CONCHAS COMO TESTEMUNHOS DO PALEOAMBIENTE
resentes em diversas partes do mundo, os sítios conchíferos são muitas vezes
alvos das mesmas indagações que fazemos ao pesquisar os sambaquis.
Segundo Cheryl Claassen (1998), desde o século XIX estes sítios são pesquisados, tendo
sido até mesmo frutos de interrogações acerca de sua origem antrópica, tal qual ocorreu no
Brasil. Pesquisadores oitocentistas renomados, como Darwin, Steenstrup e Worsaae,
escreveram sobre sítios conchíferos, e outras pesquisas ocorreram em diversas partes do
mundo, como Estados Unidos, Japão, Dinamarca, Reino Unido, França, Austrália,
Tasmânia, Chile e Equador (CLAASSEN, 1998). no século XX, surgiram estudos
paleoambientais, relacionando a localização dos sítios à variação do nível do mar e
comparando as espécies malacológicas presentes no estrato arqueológico com as que
existiam então (CLAASSEN, 1998).
O início das pesquisas em sambaquis brasileiros teve um trajeto semelhante aos
estudos estrangeiros, tendo princípio nas discussões acerca das origens dos mounds (se
estes seriam naturais ou artificiais), como vimos no primeiro capítulo, e chegando nos
estudos paleoambientais. Desde Wiener (1876), com sua teoria sobre os três tipos de
sambaquis com destaque para o “terceiro tipo”, que teria sido “obra da paciência do
homem, que, durante um largo espaço de tempo, tinha em vista um fim definido, isto é,
sambaquis artificiais, verdadeiros monumentos arqueológicos” -, passando por Calixto
(1904), um dos defensores da teoria naturalista, por Ihering (1903), que teria identificado
P
57
espécies malacológicas extintas em sambaquis, até Backheuser (1918), que aprofundou os
estudos paleoambientais, relacionando a localização dos sambaquis à variação do nível do
mar, as pesquisas em sambaquis no Brasil trilharam um percurso idêntico aos estudos de
sítios conchíferos em outros países, principalmente devido ao intenso contato destes
pesquisadores com instituições européias (LANGER, 2001).
a partir do Processualismo, outras preocupações surgiram para os pesquisadores:
reconstituição da dieta alimentar; sazonalidade da pesca; reconstituição paleoambiental;
variação de tipos de sítios conchíferos; padrão de assentamento e processos de formação
(CLAASSEN, 1998).
3.2 CONCHAS COMO RESTOS ALIMENTARES
Até o início da década de 1990, a visão que perdurou nas pesquisas arqueológicas
em sambaquis brasileiros, não obstante as afirmações de Wiener (1876), ainda no século
XIX, foi a de que os sítios teriam surgido ao acaso, resultado do descarte de restos
alimentares por parte de grupos que tinham suas dietas baseadas quase que exclusivamente
na coleta de moluscos. Com o início dos estudos zooarqueológicos no Brasil (ANDRADE
LIMA, 87, 91; ANDRADE LIMA & SILVA, 1985; FIGUTI, 1992, 93,; FIGUTI &
KLOKLER, 1996), houve uma mudança na percepção da dieta alimentar dos grupos
sambaquieiros: antes tidos como basicamente coletores de moluscos, passaram a ser vistos
como essencialmente pescadores.
Andrade Lima (1991) afirma que a base da alimentação dos pescadores-coletores
seriam os elasmobrânquios, peixes cartilaginosos de grande porte, que forneciam uma
maior quantidade de carne e deixavam poucos vestígios no sítio. Entretanto, a autora
considera que os moluscos deviam ser um alimento especial para estes grupos - a comida
58
pela qual tinham predileção. Andrade Lima (1991) se utiliza deste argumento para explicar
a localização dos sítios - sempre próximos a bancos de moluscos - e para justificar o
desaparecimento dos sambaquis, que estaria relacionado à diminuição da oferta deste
alimento. Este fato teria sido fundamental para a mudança no padrão cultural destes grupos,
que teriam passado a viver em zonas de mar aberto e a se alimentar de grandes peixes
teleósteos (ANDRADE LIMA, 1991).
De acordo com Claassen (1998), a hipótese de superexploração dos moluscos por
grupos humanos foi levantada em diferentes estudos. Segundo a autora, quatro fatos
observados na literatura que levam a esta tese:
1 O tamanho médio das conchas diminui da base ao topo de um sítio;
2 O tamanho médio dos indivíduos de uma determinada espécie presentes no sítio,
quando comparado com outros oriundos de bancos não explorados, se mostra
significativamente menor;
3 O número de indivíduos ou de espécies coletadas aumenta desde a base ao
topo;
4 O número de indivíduos ou de espécies processadas aumenta desde a base até o
topo.
Entretanto, para Claassen (1998), nenhuma destas implicações é adequada para
identificar uma superexploração humana de moluscos. Cada item poderia ser explicado por
mudanças ambientais. Segundo a autora, a diminuição de conchas em um sítio pode estar
ligada à intensa exploração de moluscos por outros predadores, como aves. Claassen
explica o terceiro e quarto item como sendo frutos de inovação tecnológica, não obstante
esta não ser uma explicação ambiental.
59
Ao analisar os restos faunísticos dos sambaquis COSIPA (1, 2, 3 e 4), localizados na
Baixada Santista, e baseando-se em trabalhos semelhantes, Figuti (1993) pode constatar
que a coleta de molusco tinha um papel secundário, porém complementar, na alimentação
dos grupos sambaquieiros. Em um estudo acerca das atividades de subsistência de
aborígines australianos, Meehan (apud FIGUTI, 1993) constatou que apenas cerca de 22%
do peso total dos moluscos coletados refere-se à parte comestível, enquanto que para os
peixes este valor é de cerca de 77%. Valendo-se deste mesmo esquema de análise - matéria
consumível versus matéria descartável -, Figuti conclui que a pesca tinha um papel
principal na dieta dos sambaquieiros, enquanto que a coleta de moluscos exercia uma
função complementar. Nos sambaquis pesquisados pelo autor, a representatividade das
conchas como matriz na formação dos sítios era de mais de 80%, enquanto que a dos ossos
não chegava a 8%. o valor percentual que estas mesmas matrizes geraram de matéria
comestível foi de cerca de 15% e 80%, respectivamente (FIGUTI, 1993).
Na Patagônia argentina, os moluscos também foram alvos de estudos
zooarqueológicos para a compreensão da alimentação de grupos nativos da área. De acordo
com Orquera (1999), os povos fueguinos, assim como qualquer outro grupo humano, não
poderiam sobreviver com uma dieta alimentar baseada em mexilhões. O autor realiza
inúmeras análises para demonstrar que o molusco, que apesar de rico em proteínas é pobre
em carboidratos, também não teria viabilidade econômica, já que seria necessário um
tempo longo para a coleta de carne suficiente para suprir uma pessoa com uma quantidade
mínima diária de calorias. Segundo Orquera (1999), estes grupos tinham nos pinipídeos
(focas, leões e lobos marinhos) sua principal fonte de alimentação, que a relação
custo/benefício era muito mais vantajosa que em relação aos mexilhões. Para estes, o autor
60
propõe que tenham servido como complemento alimentar, sendo análogo ao que o pão seria
para os europeus (ORQUERA, 1999).
Claassen (1998), quando estudou grupos pescadores contemporâneos em San
Salvador, observou que os moluscos tinham dupla importância: as conchas serviam como
anzóis; as carnes, como iscas para peixe. A autora também teve a oportunidade de observar
uma armadilha para peixe abandonada e constatar que dentro do artefato havia inúmeras
conchas, além de esqueletos de peixes e carapaças de crustáceos. Para Claassen (1998),
quando essas armadilhas fossem limpas na praia, acabariam por formar um montículo de
detritos, tal qual um shell midden, sendo que nenhum dos vestígios seria relativo à
alimentação humana. Esta observação da autora serve para embasar sua argumentação de
que o estrato arqueológico dos sítios conchíferos não seria simplesmente resto de
alimentação e que estes assentamentos poderiam ter tido funções diferenciadas
(CLAASSEN, 1998).
3.3 CONCHAS COMO MATERIAL CONSTRUTIVO
Segundo Claassen (1998), o pensamento normativo tem reduzido todas as conchas
arqueológicas, ossos de animais e restos vegetais em sobras de comida, transformando,
assim, todos os sítios conchíferos em depósitos de refugo secundário. Em oposição a este
raciocínio, pesquisas identificando funções distintas para estes assentamentos.
Sandweiss (apud CLAASSEN, 1998) interpretou as variações existentes no conteúdo dos
sítios conchíferos peruanos como sendo resultado de comportamento humano diferenciado,
consequência das funções distintas que os sítios tiveram, tendo sido usados como
habitações, oficinas, locais de processamento e de refugo secundário.
61
Nos Estados Unidos, houve pesquisadores que criaram tipologias para compreender
padrões de assentamento. McManamon (apud CLAASSEN, 1998), baseando-se nas
ocorrências de artefatos líticos, de rochas quebradas por fogo, de fauna e flora, identificou
quatro diferentes tipos de depósitos: refugo primário, atividades limitadas; refugo primário,
amplas atividades; refugo secundário, monte de concha (shell midden); refugo secundário,
monte com variados estratos (general midden). Widmen (apud CLAASSEN, 1998) realizou
um trabalho semelhante investigando sítios conchíferos no sudoeste da Flórida. Para essa
região, o autor registrou a seguinte tipologia: shell midden site, um depósito conchífero
secundário derivado de consumo de alimentos e sem indício de outras atividades; shell
midden, discretas lentes ou depósito apenas de conchas; shell-bearing midden site, sítio
composto de refugo secundário com variada cultura material, incluindo conchas, produzido
por amplas atividades e shell-bearing habitation site, um sítio com matriz conchífera,
oriundo de necessidade arquitetural, as conchas podendo ou não ter origem na dieta
alimentar.
De acordo com Claassen (1998), a maior contribuição destas classificações
tipológicas de sítios é informar que as conchas podem estar presentes em um determinado
local por diferentes razões, não apenas como restos de alimentação. Por este mesmo
motivo, a autora evita usar em seu trabalho o termo shell midden, preterindo-o por shell-
bearing site, utilizando o primeiro apenas quando um caso específico de refugos
alimentares.
Gaspar (1991), ao pesquisar os sítios da costa fluminense, observa que a construção
de montículos de conchas seria uma das características primordiais dos grupos
sambaquieiros. Os platôs seriam como marcos na paisagem, dominando um determinado
62
espaço, além de preservarem seus moradores de inundações e permitirem um controle
visual do território. Para Gaspar et al (1994):
Os sistemas de construção dos sambaquis resultam na criação de um espaço tridimensional
onde o volume que estes sítios podem alcançar é um aspecto marcante e intencional: não
poderiam jamais representar, simplesmente, restos de lixo casualmente acumulados. Ao
contrário, propomos que os sambaquis constituem verdadeiros marcos espaciais e/ou
territoriais certamente imbuídos de uma carga simbólica significativa com grande
visibilidade e destaque na paisagem.
A partir da visão de Gaspar (1991) de que as conchas teriam servido como material
construtivo dos mounds, surgem outros trabalhos semelhantes. Afonso e De Blasis (1994),
ao encontrarem uma camada composta primordialmente de berbigões, em parte da base do
sambaqui Espinheiros II, em Joinville, argumentam, com base nesta linha de raciocínio, que
as valvas de Anomalocardia brasiliana teriam sido coletadas especialmente para a
formação de um piso ou para aterrar uma área. À mesma conclusão chegam Figuti e
Klokler (1996), descartando a possibilidade das conchas serem restos de alimentação.
A construção dos mounds ganha um sentido mais amplo ao serem estudados os
sítios do sul do Brasil, diferenciados por suas dimensões monumentais. Para estes locais,
que em alguns casos alcançam mais de 30 metros de altura, explicações como as citadas
anteriormente não se sustentam, que, para tanto, bastariam alguns metros para que se
ficasse imune a inundações ou controlar territórios que, muitas vezes, o caracterizados
como extensas planícies. Nesse caso, a hipótese que se mantém é a do domínio e
construção da paisagem. A edificação de um mound, independente de sua função, seja
doméstica ou ritual, pode ser considerada como um processo de domesticação da
paisagem.
63
Andrade Lima (1997) utiliza os grandes sambaquis catarinenses para explicar o
surgimento de complexidade social na região, que, para a autora, aqueles mounds não
teriam sido construídos de forma aleatória e sua monumentalidade seria consequência de
um projeto ideologicamente determinado, onde a hierarquia e o prestígio se fariam
presentes.
Dentro desta mesma visão, foram realizados diversos trabalhos no sambaqui
Jabuticabeira II, localizado em Santa Catarina. Klokler (2001) identificou em seu estudo a
clara importância do ritual funerário para o grupo que construiu o sítio. Ao analisar os
sedimentos que preenchiam os buracos de estacas sempre associados a fogueiras e
sepultamentos , percebeu que eram compostos por um grande número de ossos de peixes.
Nas camadas escuras e nas fogueiras também sempre relacionadas a enterramentos , os
ossos de peixe eram abundantes e pertenciam a animais de grande porte (KLOKLER,
2001). Como explicação para estes fatos, a autora propôs a hipótese de que as cerimônias
de sepultamento eram acompanhadas de grandes banquetes, sendo as sepulturas protegidas
por cabanas. Os bolsões de conchas inteiras e de bivalves ainda fechados que recobriam os
esqueletos sugerem que aquele sítio não seria um local de trânsito diário de pessoas, o que
reforça a tese de que o Jabuticabeira II teria a função de cemitério e não de habitação
(KLOKLER, 2001).
Segundo Luby et al. (2006), os shell mounds da Baía de São Francisco foram
primeiramente interpretados, no decorrer do século XX, como lixões de possíveis
acampamentos próximos. Mais tarde, foram vistos como acampamentos temporários para
processamento de alimentos. Atualmente, as interpretações sugerem que os sítios tiveram
uma edificação intencional, num programa específico de alterar a paisagem com
construções monumentais (LUBY et al, 2006). As hipóteses que estão em divergência hoje
64
são exatamente acerca da função dos sítios: seriam estes sítios cemitérios especializados ou
também serviram como locais de cerimônias distintas, onde as pessoas periodicamente se
juntariam para festins, danças, funções políticas e, também, sepultamentos (LUBY et al,
2006)?
3.4 PARA QUÊ SERVE UM SAMBAQUI? ASPECTOS FUNCIONAIS
SEGUNDO A BIBLIOGRAFIA
Ao longo da revisão bibliográfica realizada no primeiro capítulo, vimos que a
principal discussão envolvendo os sambaquis foi acerca de sua própria natureza - seriam ou
não sítios arqueológicos. Os defensores da ideia de que os sambaquis são testemunhos de
antigas ocupações humanas apoiavam-se na matriz formadora dos sítios para mostrar que
aqueles montes eram os restos alimentares de indígenas. Os sítios seriam então
multifuncionais: eram locais de moradia, locais de descarte e locus dos mortos, que a
presença de esqueletos era bem documentada. Entretanto, o achado constante de
sepultamentos levou alguns pesquisadores, ao longo de 130 anos, a proporem uma função
única para os sambaquis: seriam cemitérios. Houve ainda os que relacionassem esses sítios
com grupos do interior do país, que iriam à costa para coletar moluscos. Neste caso, os
sambaquis foram vistos como acampamentos temporários.
3.4.1 SAMBAQUIS: MORADIA DOS VIVOS E DOS MORTOS
Desde o início das pesquisas arqueológicas, e até mesmo antes, com os cronistas, os
sambaquis são vistos como locais de habitação, onde também ocorreram sepultamentos,
ganhando assim um caráter multifuncional. Esta ideia se baseia no fato de serem
encontrados vestígios ligados a atividades rotineiras, como fogueiras, restos alimentares,
65
artefatos e refugos de lascamento, e também indícios de rituais, quase sempre
caracterizados pelos sepultamentos.
Para compreendermos melhor esta multifuncionalidade, foi investigada na
bibliografia a forma pela qual os sítios foram classificados como habitação e local de
guarda dos mortos: se haveria alguma evidência na cultura material ou se seria um
pressuposto dos pesquisadores, situação esta que se mostrou muito comum. A seguir, são
mostrados os vestígios e/ou as características dos sítios mais utilizadas pelos pesquisadores
para estabelecer sua função habitacional.
3.4.1.1 BURACOS DE ESTACA
Estas marcas encontradas durante as escavações caracterizam-se por serem
arredondadas e preenchidas por sedimento não-compactado, e são vistas pelos
pesquisadores como negativos de estacas que ali estavam fincadas. Com a posterior
deterioração da madeira, esta pequena cova é preenchida e identificada durante os trabalhos
de campo devido à sua forma e, em muitos casos, diferenças na tonalidade e na
compactação do sedimento. Os pesquisadores costumam relacioná-las a estacas de cabanas,
considerando, assim, que são vestígios de habitação.
Eliana Carvalho (1984), ao estudar o sítio Corondó, localizado no município de São
Pedro d‟Aldeia, no Rio de Janeiro, procurou identificar, a partir de sua formação na Escola
Francesa, supra-estruturas, como cabanas de madeiras, e infra-estruturas, caracterizadas
como a disposição diferencial da cultura material, como resíduos de lascamento, fogueiras,
restos de cinzas e buracos de estacas. A primeira “estrutura complexa” encontrada no sítio,
de acordo com Carvalho (1984), foi um sepultamento em cova rasa, circundado por três
buracos de estacas, situação muito semelhante a do sambaqui Jabuticabeira II, como
66
veremos mais à frente. Neste caso, a autora entendeu que se trataria de um enterro dentro de
uma cabana, apesar de seu tamanho reduzido:
A possível relação existente entre o piso de argila, a disposição em forma de círculo das
marcas de estacas, e a estrutura funerária, confere plausibilidade à hipótese de que tais
testemunhos poderiam vir a ser componentes de uma supra-estrutura representada por uma
cabana de dimensões reduzidas, com 280 cm (NO-SE) x 180 cm (NE-SO) sob a qual, em
sua extremidade sudeste foi sepultado o indivíduo identificado sob o número 121 e 123.
Mesmo encontrando muitas marcas de estaca circundando sepultamentos, que
totalizaram 156, a autora conclui que as evidenciações destas infra-estruturas, que segundo
ela indicavam as sucessivas construções de cabanas, revelavam “apenas o contexto
caracteristicamente habitacional do sítio” (CARVALHO, 1984).
Investigando o sítio IBV I, na região de Cabo Frio, no Rio de Janeiro, Barbosa et al
(1994) identificaram o que foi considerada uma unidade habitacional: seria o espaço
delimitado por um conjunto de buracos de estaca. Por serem espaços pequenos, as autoras
consideraram que as cabanas que ali teriam existido poderiam ter abrigado de quatro a
cinco pessoas. Tendo o sítio outros conjuntos de buracos de estaca e uma área total de 660
m², teriam vivido ali, segundo Barbosa et al (1994), um grupo de 20 a 25 indivíduos.
Também no município de Cabo Frio, Débora Barbosa (1999) estudou o sambaqui
Boca da Barra, localizado às margens do Canal de Itajuru, e afirmou ter encontrado,
provavelmente, uma estrutura de habitação, que seria caracterizada por um piso formado
por uma concreção acinzentada. Segundo a autora, a falta de buracos de estaca a impedia de
delimitar a cabana e confirmar a estrutura de habitação (BARBOSA, 1999).
Kneip (2001), em suas pesquisas em Saquarema, afirma ter identificado duas
cabanas no sambaqui da Pontinha, que teriam „estrutura frágil‟, planta tendendo a circular e
67
áreas de pouco menos de 20 m², que teriam abrigado grupos familiares pequenos e médios.
Kneip (2001), entretanto, não observou diferenças nos materiais arqueológicos presentes
nas áreas internas e externas aos limites dos buracos de estaca.
Apesar da grande maioria dos pesquisadores brasileiros associar o achado de
buracos de estaca a antigas habitações, esta relação direta pode se mostrar errônea. Estas
marcas indicam que ali havia uma estrutura. Ponto. Para identificarmos qual construção
estava associada a tais buracos são necessários mais dados, como a análise dos achados que
se encontravam dentro da demarcação, o comportamento dos materiais, além da observação
de um conjunto de padrões associados a estas marcas. Como veremos um pouco mais à
frente, as pesquisas no sambaqui Jabuticabeira II chegaram a conclusões diferentes das
habituais para a presença dos buracos de estaca. Outro exemplo a ser ressaltado é o das
pesquisas em mounds terrosos do sudeste norte-americano, onde foi concluído que alguns
sítios, que apresentavam mais de uma centena destas marcas, eram locais de processamento
de alimentos e de rituais de festins. Os buracos de estaca foram, neste caso, interpretados
como vestígios de antigas estruturas para o preparo das carnes.
68
Figura 5. Marcas de estacas em um sítio Kolomoki (PLUCKHAHN, 2003).
69
Figura 6. Estrutura para defumação de carnes feita por indígenas da Flórida, no século XVI
(KNIGHT, 2001).
3.4.1.2 CADEIAS DE ATIVIDADES
As cadeias de atividades ligadas ao cotidiano também foram utilizadas por alguns
pesquisadores para se definir os locais de habitações de grupos construtores de sambaquis.
Carvalho (1984) fez uso, além dos buracos de estacas, de outras evidências para classificar
o sítio Corondó como um local de habitação: fogueiras com restos alimentares, diferentes
tipos de artefatos em diferentes fases de acabamento e “solos essencialmente húmicos, isto
é, contendo evidências das inúmeras atividades ali desenvolvidas” (CARVALHO, 1984).
Barreto (1988), ao investigar sambaquis fluviais do Vale do Médio Ribeira,
percebeu que, além de os sítios estarem localizados próximos às áreas de captação de
recursos, seus ocupantes haviam construído fogueiras, processado alimentos, elaborado e
70
descartado artefatos, remanejado detritos, ou seja, haviam executado tarefas ligados ao
cotidiano e à manutenção de uma unidade doméstica, no seu entendimento. Em vista disso,
julgou-se “dispor de evidências suficientes para considerar estes sítios como residenciais,
tanto no sentido de sua função primeira ser a manutenção de uma unidade doméstica, como
também no de representar um centro de referência para a exploração de recursos da área”.
Tenório (comunicação pessoal), que pesquisou durante muitos anos o sítio Ilhote do
Leste, na Ilha Grande, RJ, também considera que o local possa ter sido usado como
habitação e local de guarda dos mortos. Os motivos para esta função são óbvios: o achado
de diversos esqueletos humanos. Para aquela função, Tenório se baseia em dados similares
aos expostos por Barreto (1988): evidências de cadeias de atividades cotidianas e a
proximidade com diferentes fontes de alimentos, neste caso, o mar, as lagoas e a floresta.
Gaspar (1998) também usa as evidências de diferentes atividades observadas nos sítio Ilha
da Boa Vista I, II, III e IV para concluir que os locais funcionaram também como
habitações.
3.4.2 SAMBAQUIS-CEMITÉRIOS
Como foi visto anteriormente, devemos o pioneirismo desta visão a Wiener, que nos
idos da década de 1870, defendia a possibilidade de um sambaqui construído
exclusivamente para o sepulto dos mortos. Durante o século XX, outros pesquisadores
também apoiaram esta hipótese. Quando tratou dos sítios arqueológicos da área da bacia do
rio Macacu, no Recôncavo da Baía de Guanabara, Clérot (1928) considerou que o
sambaqui do Tambicu era um “verdadeiro aterro funerário”. Opinião semelhante teve Paulo
Duarte (1955), ao se defrontar com inúmeros bivalves fechados nos sítios, acreditando
terem sido ali depositados por conta da função única do sítio.
71
Durante a década de 1990, ressurgiu esta noção de sítio-cemitério. Ao tomarem o
sambaqui de Jabuticabeira II, localizado no litoral sul de Santa Catarina, como um sítio
piloto para a compreensão da construção de grandes mounds, DeBlasis e Gaspar
(comunicação pessoal) trabalhavam com a hipótese de multifuncionalidade do local, que
tão numerosos quanto os sepultamentos eram também as marcas de estaca, vistas, então,
como indicativo de habitação. Com o início das escavações e do estudo de perfis, puderam
ser observados dois pacotes formadores do sítio: um conchífero e um terroso, este na parte
superior do sambaqui. Entretanto, as mesmas estruturas foram encontradas nos dois
pacotes: fogueiras, marcas de cabana e enterramentos, mostrando que, apesar da mudança
do material construtivo, as atividades que resultaram na formação do sítio não haviam
mudado (KLOKLER, 2001). Também foi registrada a presença de enterramentos da base
até o topo do sítio e em toda a sua área.
Os pesquisadores (FISH et al, 2000) concluíram que o sítio era formado por
pequenos montículos, resultados da atividade funerária, ganhando, então, um status de
cemitério:
As repetições de ciclos de enterramento, ritual e construção resultaram na altura e extensões
finais, atuais, do sambaqui Jabuticabeira II. Seu crescimento ocorreu tanto vertical como
horizontalmente ao longo do tempo, sendo que cada episódio incremental localizado
contribuiu para o volume total do sambaqui.
Este complexo recorrente de estruturas define um programa mortuário que explica tanto a
distribuição padronizada de tipos particulares de estruturas como a construção incremental
do sambaqui como um todo. Os episódios de construção parecem ter sido elementos
intrínsecos à progressiva revalidação do ritual mortuário ao longo do tempo.
72
As marcas de cabana, antes vistas como provas de que o sítio teria sido utilizado
como local de habitação, foram, então, identificadas como vestígios da arquitetura
funerária, tendo servido, provavelmente, como marcador e proteção das sepulturas.
Figura 7. Buracos de estaca presentes nos sepultamentos do Locus 2. Foto: MaDu Gaspar.
Foi elaborado, ainda, um esquema demográfico para o sítio, a partir dos dados da
pesquisa e de outros pesquisadores que também investigaram o sítio no passado. Fish et al
(2000) chegaram à cifra de 0,137 sepultamento por metro cúbico; considerando todo o
volume do sítio, os autores concluíram que teriam sido sepultados no JAB II cerca de
43.000 pessoas, durante pouco mais de mil anos.
A hipótese de um sítio-cemitério também foi alvitrada para o sítio Mar Virado,
localizado na ilha homônima, em Ubatuba, São Paulo. Paula Nishida (2001), que realizou
73
uma análise zooarqueológica do material proveniente do sítio, acredita que este pode ter
tido uma função cerimonial específica, que não foram evidenciados vestígios de
habitação, em contraponto a uma grande quantidade de enterramentos.
Claudia Plens (2007), ao investigar o sítio Moraes, um sambaqui fluvial localizado
no vale do Ribeira de Iguape, em São Paulo, encontrou uma alta densidade de
sepultamentos e observou, que, com a exceção de resíduos de debitagem, todas as
estruturas e materiais ali encontrados teriam tido propósitos funerários. Para Plens (2007), a
construção do sítio Moraes se deu através de diversos montículos, resultados dos rituais
associados aos sepultamentos, e que esta característica seria um padrão, e um denominador,
para os sítios da região.
Essa funcionalidade única também foi pensada para alguns sítios de Arraial do
Cabo, no Rio de Janeiro. Tenório et al (2005) expõem a hipótese de que alguns sítios desta
região não seriam locais de moradia, mas de práticas rituais. Estes sítios estão a mais de 50
metros de altura, desprotegidos do vento e longe de fontes de alimento e água.
3.4.3 ACAMPAMENTOS TEMPORÁRIOS
Os sambaquis também já foram vistos como acampamentos temporários para a
coleta de moluscos, principalmente pelos seus primeiros relatores, os jesuítas do período
colonial brasileiro, que associavam os sambaquis a períodos da vinda de índios do interior
para a costa.
Opinião semelhante teve Francisco Adolfo de Varnhagen (1975 [1854]), historiador
oficial do império brasileiro:
74
(os índios) Igualmente aproveitavam de vários meses do ano em que o marisco
(especialmente o sernambi), estava mais gordo, para fazerem dele larga provisão,
separando-o da casca, que iam amontoando. (...) Se durante esta pescaria morria algum
companheiro, lhe davam sepultura no próprio monte de cascas de ostras. Assim pelo menos
se podem explicar essas casqueiras ou ostreiras descobertas no litoral com ossadas humanas,
e já cobertas até de árvores seculares. (...) Semelhantes ostreiras se encontram ainda nos
territórios escandinavos, no Norte da Europa e em ilhas do mar Egeu.
Lacerda (1885), fisiólogo do Museu Nacional, explica a formação dos sambaquis
como sendo resultado de regulares migrações de povos do interior para a costa,
principalmente na estação invernal. Lacerda conclui dessa maneira após identificar os
restos ósseos de peixes, que pertencem a espécies que migrariam para a região apenas no
inverno.
Durante o século passado, também houve defensores desta hipótese. Beltrão e Kneip
(1969), estudando sítios do Rio de Janeiro, interpretaram alguns sambaquis como sendo
acampamentos Tupi para coleta de molusco. As autoras afirmam que este tipo de ocupação
não teria sido relatado pelos cronistas e que os sambaquis de Guaratiba, seriam, na verdade,
frutos da permanência temporária dos ceramistas. Ainda segundo Beltrão e Kneip (1969),
os sambaquis onde não haveria a presença de cerâmica, ou que ocorresse apenas em suas
camadas mais superficiais, teriam sido construídos por grupos Jê.
De acordo com Kneip (sem data), os sambaquis estariam relacionados a grupos do
interior, que viriam ao litoral sazonalmente:
Nossa principal hipótese de trabalho está baseada no fato de que o sambaqui não foi um
local de moradia permanente, mas sim um lugar para onde diversos grupos afluíam para
explorar os recursos marinhos, sobretudo a extração de mariscos, durante alguns meses do
ano. O resto do ano migravam para o interior para explorar outros tipos de recursos,
particularmente aqueles provenientes da caça e da coleta de frutos silvestres. De outra
forma, sua permanência durante todo o ano no sambaqui deveria ter deixado vestígios mais
permanentes de habitação e uma organização diferente das aldeias e não a simples
acumulação de restos de comida sobre os quais eles mesmos viviam, aumentando ano a ano
o tamanho do montículo (...)
75
Os sepultamentos sem covas seriam mais uma prova, segundo Kneip, de que os
ocupantes dos sambaquis não permaneciam ali muito tempo. A autora afirma que os mortos
eram apenas cobertos com entulho e que a falta de um “ritual especial” reforçaria sua idéia.
Dorath Uchôa (1972) interpretou o sambaqui do Tenório, em São Paulo, como
sendo um acampamento temporário, mas com a função de uma oficina lítica, em vista dos
resíduos de lascamento que encontrou, mesmo o sítio apresentando mais de 70 esqueletos
humanos.
Estas hipóteses de que os sambaquis seriam locais para acampamentospidos
estavam diretamente relacionadas à visão de que os grupos pescadores-coletores seriam
nômades e viveriam em pequenos bandos, que acreditava-se que os recursos marinhos
não eram suficientes para sustentar grande populações.
76
CAPÍTULO 4
OS SAMBAQUIS DO RECÔNCAVO DA BAÍA DE GUANABARA
4.1 ASPECTOS GEOMORFOLÓGICOS DA BAÍA DE GUANABARA
Baía de Guanabara hoje possui uma área de 381 km², tendo perdido 87 km²
desde o início da colonização européia em decorrência de aterros.
Entretanto, nos últimos 20.000 anos, a área da Baía foi muito menor, se assemelhando
mais a um rio do que propriamente a uma baía. Também passou por um momento em que
sua dimensão ultrapassava, e muito, sua atual área (AMADOR, 1997).
Figura 8. Atual morfologia da Baía de Guanabara.
A
77
Para compreendermos as mudanças ambientais pelas quais passou a Baía de
Guanabara, uma boa referência é o trabalho de Elmo Amador (1997). Segundo o autor,
entre 20.000 e 18.000 anos AP, o nível do mar estava, aproximadamente, 130 metros
abaixo do nível atual, fazendo com que a linha de costa estivesse dezenas de quilômetros
para dentro do nosso mar atual. Neste cenário, todas as ilhas que conhecemos hoje, seja no
interior da Baía ou em mar aberto, estavam emersas, e se caracterizavam como porções
mais elevadas de maciços rochosos. A Baía, nesse momento, tinha as feições de um rio, o
paleo-rio-Guanabara. Com o clima mais seco, a vegetação predominante na Baixada
Fluminense era de savana (AMADOR, 1997).
cerca de 18.000 anos, teve início a Transgressão Flandriana Guanabarina,
movimento causado pelo aquecimento global gradativo e o consequente derretimento das
geleiras, que provocou a submersão da plataforma continental. Segundo Amador (1997),
entre 10.000 e 8.000 anos AP, o mar estabilizou-se entre 40 e 50 metros abaixo do nível
atual. A baía limitava-se a um estuário, rodeada por manguezais recentes. O clima mais
úmido possibilitava a ocupação das encostas pela floresta tropical.
78
Figura 9. Cenário paleogeográfico da Baía de Guanabara no último glacial (20.000 a 18.000 AP)
(AMADOR, 1997).
Quando o nível médio do mar alcança 20 m abaixo do atual, uma grande laguna
teria sido formado, entre o que hoje é Itaipu e a Ponta do Arpoardor, assim como na Região
dos Lagos e na Baixada de Jacarepaguá formavam-se baías e lagunas abertas (AMADOR,
1997).
79
Figura 10. Cenário referente à estabilização do nível do mar na cota batimétrica entre 40 e 50
metros abaixo do nível atual (AMADOR, 1997).
Figura 11. Estabilização do nível do mar na cota de 20m negativos (AMADOR, 1997).
80
De acordo com Amador (1997), o atual nível do mar é atingido pela primeira vez há
7000 anos. Contudo, o mar continuaria a subir, alcançado o máximo transgressivo
holocênico entre 6.000 e 5.000 anos AP, num momento conhecido como ótimo climático,
quando o nível médio das águas da Baía de Guanabara atingiu uma cota de quatro a três
metros acima da atual.
Com o ápice da Transgressão Guanabarina, o mar alcançou a base da Serra do Mar,
afogando a antiga bacia fluvial, e chegando a pontos hoje distantes 30 km do litoral. Os
pequenos vales fluviais se transformaram em sacos e enseadas; grandes morros da cidade
do Rio de Janeiro, como Pão de Açúcar, Cantagalo, Cara de Cão, São Bento, Castelo, entre
outros, tinham feições insulares; o mar batia diretamente no costão rochoso do litoral
carioca; inúmeros bairros litorâneos não existiam, como Copacabana, Flamengo, Botafogo,
Ipanema e Leblon. O clima mais úmido propiciava o avanço da floresta tropical nas
encostas da Serra do Mar, assim como das ilhas e colinas. Neste momento, não havia
manguezais nem brejos; os extensos bancos de moluscos iriam se desenvolver
posteriormente (AMADOR, 1997).
81
Figura 12. Cenário referente ao máximo transgressivo holocênico, entre 6000 e 5000 AP
(AMADOR, 1997).
Segundo Amador (1997), passada a grande Transgressão Guanabarina, iniciada
18.000 anos, houve pequenas variações do nível do mar. Partindo do ápice do movimento
transgressivo, que teria se dado em torno de 5.600 anos AP, as águas marinhas diminuem
de quatro metros acima do nível atual até um metro abaixo, patamar alcançado
aproximadamente em 4.200 anos AP. É neste momento que surgem restingas e lagunas, que
ocorre a expansão dos manguezais e o desaparecimento de algumas ilhas, incorporadas à
plataforma continental. Lagoas como as de Maricá, Itaipu, Rodrigo de Freitas e de
Jacarepaguá são formadas neste período, que com a regressão do mar elas foram
fechadas pelas novas restingas.
82
Figura 13. Cenário referente à regressão após o máximo transgressivo holocênico (4200 a 3800
AP).
Findado o período da regressão, a região da Baía de Guanabara presenciaria uma
segunda transgressão holocênica, que teria ocorrido entre 3.800 e 3.600 anos AP, e elevado
o nível do mar entre 1,5 e 2 metros acima do atual, o que provocou o surgimento de uma
nova linha do litoral e um sistema de praias fósseis. Com a elevação das águas, algumas
lagunas teriam abertas novamente suas ligações com o mar, por conta do desaparecimento
de restingas, reduzidas assim como os manguezais (AMADOR, 1997).
Passado este momento transgressivo, ocorreria uma segunda regressão holocênica,
há três mil anos, que deixaria o nível do mar próximo ao atual. Novas restingas foram então
formadas, fechando novamente as lagunas, como a Lagoa de Marapendi, na Barra da
Tijuca, e outras tantas localizadas no centro da cidade do Rio de Janeiro, transformadas em
pântanos por dissecação natural posteriormente, que não tinham origem fluvial, e
83
desaparecidas definitivamente por conta dos inúmeros aterros ocorridos no período
histórico (AMADOR, 1997).
Os manguezais teriam uma rápida expansão, principalmente nas bacias fluviais dos
rios Macacu, Guapi-Açu e Guaxindiba, todos na nossa área de pesquisa, e nas bacias de
outros rios que deságuam na Baía de Guanabara. Amador (1997) também destaca o
desenvolvimento de extensos bancos de moluscos para este momento, assim como o
surgimento de diversas praias.
4.2 HISTÓRICO DAS PESQUISAS NA REGIÃO
Os sítios arqueológicos desta área surgem na literatura desde as primeiras décadas
do século passado, como vimos anteriormente com os relatos de Clérot (1928), que, assim
como Mezzalira (1946), Teixeira Guerra (1962) e Macedo (1965), descreve e denuncia a
destruição de sítios. A partir da década de 1970, vários sambaquis foram alvos de pesquisas
de diversos pesquisadores, como Beltrão, Mendonça de Souza, Padre Rohr, Heredia, Hurt e
Paz.
De acordo com as datas disponíveis (GASPAR, 1991; MENDONÇA & GODOY,
2004), a área teria sido ocupada pelos grupos sambaquieiros num período que vai de 3898
3577 cal BP até cerca de 1895 - 1588 cal BP.
84
Numa pesquisa aos arquivos do IPHAN, podemos saber quantos sambaquis há
cadastrados nos municípios em questão: 13 sítios, sendo que dois deles, o sambaqui do
Porto da Estrela e o da Ponta do Pirata, localizados em Magé, se distanciam da nossa área
de pesquisa. Considerando apenas os 11 restantes e somando-se a eles os outros oito sítios
descobertos pelo Programa de Resgate do Patrimônio Arqueológico do COMPERJ
Coordenação MaDu Gaspar, chegamos a um total de 19 sambaquis localizados na área
estudada. Contudo, poucos foram alvos de pesquisas sistemáticas.
Figura 14. Foto de satélite mostrando a Baía de Guanabara e a área pesquisada.
85
Figura 15. Sambaquis localizados na área estudada: os pontos bicolores indicam localização
exata, enquanto os cinzas estão apenas aproximados.
Pode-se perceber através das fotos de satélite e dos mapas de curvas de nível que a
maioria dos sítios se encontra nas proximidades das áreas mais elevadas, assentando-se
sobre depósitos recentes, caracterizados como antigos costões de restingas, surgidos após o
Máximo Transgressivo Holocênico, que, segundo Amador (1997), teria terminado por volta
de 3.800 AP, o que coincide com as datas mais antigas disponíveis para a região. Os únicos
sambaquis que estão afastados dos demais são o Guaraí-Mirim e o do Seu Jorge, que, por
conta de suas localizações, devem datar do fim da ocupação da área, que o local onde
86
estão assentados foi uma das últimas partes de terra a emergir das águas da Baía de
Guanabara.
Figura 16. Mapa de curvas de nível e localização dos sambaquis na área de pesquisa.
4.2.1 SAMBAQUI DE SERNAMBETIBA
As primeiras referências ao Sernambetiba foram feitas por Mezzalira (1946),
Teixeira Guerra (1962) e Macedo (1965), que o descrevem como uma colina cortada pela
estrada, onde se podiam observar materiais arqueológicos. Segundo Paz (1999), estudos
feitos para calcular a altura original do mound deram um resultado de dez metros para este
sambaqui.
87
Figura 17. Sambaqui Sernambetiba cortado pela rodovia do Contorno.
A primeira pesquisa realizada neste sítio foi feita por Beltrão, em 1971. Foi
escavada uma área de 12m x 4m até uma profundidade de 1,8m. Sete anos depois, o sítio
foi alvo de novas pesquisas, desta vez coordenadas por Heredia. Abriu-se uma área de 6m x
4m, que foi escavada até cinco metros abaixo da superfície. Nesta profundidade, o lençol
freático inundou a quadrícula, possibilitando apenas a abertura de um poço teste que
avançou mais 30 cm (HEREDIA & BELTRÃO, 1980). Nesse momento, foram encontradas
31 estacas de madeira, identificadas por Heredia como restos de paliçada de cabana. As
escavações foram interrompidas em virtude da falta de uma estratégia de trabalho adequada
para a lidar com a inundação decorrente da proximidade com o lençol freático.
88
Na década de 80, o sítio foi alvo de escavações coordenadas por Hurt e Paz, quando
foi aberta uma área de 4m², com o objetivo de se alcançar a base do sítio, o que não foi
possível. Desta campanha, foram retirados três esqueletos, estando o primeiro incompleto,
contando apenas com os ossos do crânio, fêmur, rádio e algumas vértebras (PAZ, 1999). Os
outros dois esqueletos apresentavam-se completos; porém, o segundo estava desarticulado
e, por isso, foi considerado como um sepultamento secundário. O terceiro esqueleto foi
encontrado em decúbito dorsal, com o rosto virado para o chão e identificado como sendo
de um indivíduo com idade entre 25 e 30 anos, provavelmente do sexo feminino (PAZ,
1999).
De acordo com Beltrão et al (1981/82), foram encontrados 1394 fragmentos de
cerâmica entre os níveis 120 e 80 cm, em diferentes setores de escavação no sambaqui de
Sernambetiba.
Figura 18. Perfil estratigráfico do sambaqui de Sernambetiba. Foto: Oswaldo R. Heredia.
89
Figura 19. Detalhe do perfil do Sernambetiba. Foto: Oswaldo R. Heredia.
4.2.2 SAMBAQUI RIO DAS PEDRINHAS
Este sítio localiza-se atualmente no município de Guapimirim, dentro do loteamento
conhecido como Vale das Pedrinhas, um local bastante pesquisado pelos arqueólogos que
trabalharam nesta área. Entre os anos de 1973 e 1976, houve pesquisas no sambaqui de Rio
das Pedrinhas, coordenadas primeiramente por João Alfredo Rohr, e posteriormente por
Alfredo Mendonça de Souza. O sítio teria inicialmente uma área de 1200m² e uma altura
máxima de 4,2m (PAZ, 1999), além de ter tido 24 ocupações distintas, segundo Mendonça
de Souza & Mendonça de Souza (1981/82). Tais diferenciações foram feitas a partir da
variação dos vestígios, tais como espécies de moluscos, de peixes, artefatos ósseos e líticos.
90
De acordo com os autores, foram encontrados seis sepultamentos no sambaqui Rio
das Pedrinhas.
4.2.3 SAMBAQUI DE AMOURINS
Beltrão e Heredia (1982) trabalharam também no sambaqui de Amourins, outrora
pertencente ao município de Magé, mas hoje nos limites de Guapimirim. Para este sítio, os
autores, após escavarem 24m², identificaram mais vestígios de consumo de peixes, e, de
acordo com o sistema de fases e tradições, foi identificado como pertencente a um grupo
cultural distinto do que teria ocupado o sambaqui de Sernambetiba, onde teria havido um
maior consumo de moluscos. Todavia, o modelo criado para a ocupação do litoral afirmava
que os grupos que teriam suas dietas baseadas em moluscos teriam precedido os povos
pescadores. O problema surge quando a única data disponível para o sambaqui de
Amourins, até então, se mostra mais antiga que de Sernambetiba (ver quadro de datações).
Segundo Paz (1999), o sítio possuiria uma área de 6.000m² e aproximadamente
3,5m de altura.
4.2.4 SAMBAQUI ARAPUAN
Octávio Bezerra (1995) trabalhou no sambaqui Arapuan durante a década de 70,
localizado dentro do Loteamento Vale das Pedrinhas, assim como o sítio Rio das Pedrinhas.
Ele relata que o sambaqui ocuparia uma área de 3.000m², com altura próxima a 4.60m, e as
escavações no local teriam revelado 17 esqueletos, sendo 12 adultos, três indivíduos jovens
e dois fetos (1995).
91
Figura 20. Escavação no sambaqui Arapuan. Foto de Francisco Bezerra.
Figura 21. Sambaqui Arapuan. Foto: Centro Brasileiro de Arqueologia.
92
4.2.5 SAMBAQUI DO IMENEZES
Localizado também no Vale das Pedrinhas, este sítio, segundo Mendonça de Souza
(1981), teria uma área circular de 2.000m² e 1.2m de altura e estaria destruído desde 1977,
por conta de mineração.
4.2.6 SAMBAQUI DO FERNANDO
Mais um exemplo de sítio situado dentro do mesmo loteamento. Segundo Paz
(1999), estaria a uma distância de 1.500m a noroeste do Sambaqui do Rio das Pedrinhas, e
teria uma área de 1.500m². Também estaria destruído.
4.2.7 SAMBAQUI DO CORDOVIL
Este sítio localiza-se a 200m a noroeste do sítio anterior, de acordo com Paz (1999),
e teria uma dimensão semelhante também. Assim como outros, encontraria-se destruído.
4.2.8 SAMBAQUI DO GUAPI
Encontra-se fora do loteamento, às margens do rio Guapi e próximo ao sambaqui de
Amourins. Possuiria uma área de 2.000m² e uma altura de aproximadamente quatro metros,
segundo Mendonça de Souza (1981). De acordo com Paz (1999), este sítio estaria intacto
(até então) e não teria sido alvo de pesquisas ainda, muito por conta do difícil acesso até o
local.
4.2.9 SAMBAQUI DO GUARAÍ-MIRIM
Segundo Paz (1999), este sítio, que se encontra às margens do rio Macacu, junto ao
desvio da barragem de Imunana/Laranjal, possuiria cinco metros de altura, e ocuparia uma
93
área de 48 x 18 m. Ainda de acordo com a autora, o sambaqui estaria praticamente intacto,
apesar de possuir uma construção em seu topo, o que de certa forma o protegeria de novas
destruições.
Figura 22. Sambaqui Guaraí-Mirim, às margens do canal Imunana-Laranjal.
94
4.3 NOVOS SAMBAQUIS: LOCALIZAÇÃO E CARACTERÍSTICAS
4.3.1 SAMBAQUI DA RUA 13
Figura 23. Sambaqui da Rua 13, localizado no Vale das Pedrinhas, Guapimirim.
Este sítio se localiza dentro do loteamento do Vale das Pedrinhas, município de
Guapimirim, a 11.7 kms da Baía de Guanabara. O sambaqui foi bastante impacto por conta
da construção de uma casa, não sendo possível estimar seu tamanho original. vestígios
arqueológicos ao redor da construção e ainda é possível observar conchas e líticos na base
da casa.
95
Figura 24. Construção em cima do sambaqui da Rua 13.
Figura 25. Conchas na base da construção.
96
4.3.2 SAMBAQUI DO SEU JORGE
Figura 26. Sambaqui do Seu Jorge.
O sambaqui do Seu Jorge é mais um sítio que foi registrado a partir do Programa de
Resgate do Patrimônio Arqueológico do COMPERJ. Além de ser o sítio mais afastado do
mar está a 14 km da Baía de Guanabara -, também possui uma das maiores dimensões:
cerca de 80 x 40 m e 5 m de altura. Este sítio encontra-se muito bem preservado, mantendo,
aparentemente, seu tamanho original. Entretanto, devemos considerar o impacto causado
em sua estratigrafia pelas raízes das grandes árvores que o cobrem atualmente. O fato de
não ter sofrido impactos antrópicos provavelmente se deve à sua localização, pois se
encontra em local de difícil acesso, em uma área bastante alagadiça ainda hoje, após as
obras de retificação dos cursos dos rios.
97
O sambaqui de Seu Jorge está a cerca de três quilômetros do Sampaio I e a 1.8 km
do Estrada de Ferro, o sítio mais próximo.
4.3.3 SAMBAQUI BULCÃO I
Figura 27. Sambaqui Bulcão I.
O sambaqui Bulcão I se localiza em uma propriedade na estrada Itambi-Visconde, a
mesma via de acesso aos sambaquis Sampaio I e II e Estrada de Ferro. Este sítio, tal qual o
Seu Jorge, não pode ser pesquisado por conta da proibição por parte dos proprietários do
terreno. Dista, atualmente, cerca de nove quilômetros da Baía de Guanaba e está a dois
quilômetros de distância do sambaqui Sampaio I.
98
4.3.4 SAMBAQUI BULCÃO II
Figura 28. Sambaqui Bulcão II.
Este sítio encontra-se na mesma propriedade do sambaqui Bulcão I e também não
pode ser pesquisado. Situa-se a exato um quilômetro deste sítio e a 1.2 km do Sampaio I.
4.3.5 SAMBAQUI FAZENDA CAIEIRA
Este sítio se encontra no distrito de Itambi, em Itaboraí, porém muito próximo da
Baía de Guanabara seis quilômetros - e do município de São Gonçalo, junto ao
manguezal. O sambaqui foi apenas registrado, não tendo sido efetuada nenhuma pesquisa.
99
Figura 29. Sambaqui Fazenda Caieira.
Por conta da denominação da propriedade onde está situado, assim como do rio
mais próximo rio da Caieira -, este sítio provavelmente sofreu impactos com a extração
das conchas para a fabricação de cal, fato muito comum no Brasil, desde o período da
Colônia até meados do século XX. Especificamente para esta região, Clerot (1922) informa
que a indústria caieira na bacia do rio Macacu havia sido muito bem desenvolvida, por
conta dos inúmeros sambaquis existentes na área, o que acabou por acarretar a destruição
de muitos sítios.
100
4.3.6 SAMBAQUI SAMPAIO I
Este sambaqui localiza-se no município de Itaboraí, Rio de Janeiro, e foi descoberto
durante o Programa de Resgate do Patrimônio Arqueológico do COMPERJ. O sítio
encontra-se em uma fazenda em processo de desapropriação. No local, será construída uma
estrada de acesso ao empreendimento, mas de modo que não cause impactos ao sambaqui.
Esta situação atrasou o início das escavações em quase seis meses.
O sítio mantém-se quase que intacto, apesar de possuir um curral em seu topo. Este
fato, aliás, foi registrado para a região: o sambaqui de Sernambetiba, no município
vizinho de Guapimirim, também teve uma construção igual em seu topo, como informa as
pesquisas feitas no local (BELTRÃO, 1982; PAZ, 1999). Tal situação, provavelmente, se
deve ao fato de os sítios estarem situados em uma planície com cota muito baixa, tendo
sido passível de inundações até obras do governo retificarem os rios da região, durante
meados do século passado.
Figura 30. Sambaqui Sampaio I e o curral em seu topo.
101
Figura 31. Observe como os rios têm os cursos retilíneos à direita da estrada e tornam-se
meandrantes à sua esquerda, já dentro da área de proteção ambiental, onde não ocorreu obra.
O sambaqui Sampaio I possui uma área de aproximadamente 100 x 40 m, e uma
altura de pouco mais de três metros. O sítio assenta-se sobre uma pequena elevação de
cerca de um metro de altura. A área escolhida para nossa escavação foi decidida de forma
arbitrária, pois, pelo fato do curral continuar em uso, tivemos que investigar a única área
por onde os animais não transitam.
Como metodologia para a primeira abordagem em um sítio ainda não escavado,
resolvemos aplicar as técnicas propostas pelo “Protocolo de amostragem padronizada para
macro-vestígios bioarqueológicos” (SCHEEL-YBERT et al, 2005). A importância de se
retirar uma amostra padronizada é a possibilidade de comparações entre sítios, o que muitas
vezes é impossibilitado em decorrência das diferenças nos tamanhos das coletas.
102
De acordo com o protocolo, foi aberto um setor de 100 x 50 cm, escavado por níveis
artificiais de 10 cm. A escavação por níveis naturais (que nos sambaquis seria mais correto
chamar de níveis “culturais”, visto que tudo foi construído) não ocorre num primeiro
momento por conta do desconhecimento acerca da estratigrafia do sítio. Iniciada a
escavação, todos os baldes retirados de um nível foram contados e pesados, para
possibilitar estudos futuros sobre compactação e densidade. Uma parte do sedimento foi
peneirada em campo, com uma peneira com malha de 0.2 cm. Em decorrência de um
período de chuvas muito intenso, grande quantidade de material foi ensacada diretamente,
tendo sido peneirada posteriormente em laboratório, sempre se usando a mesma malha (0.2
cm). Todo o material que restou nas peneiras foi guardado, não tendo sido feita nenhuma
coleta seletiva, o que poderia acarretar uma interpretação errônea.
Depois de recolhidos para o laboratório, os vestígios foram flotados para a
recuperação de carvões e sementes. Este procedimento se caracteriza pela colocação da
peneira dentro de um tonel com água, onde os carvões flutuam, sendo recuperados com a
ajuda de uma pequena peneira, e o restante dos sedimentos passa pela peneira, indo para o
fundo do tonel. Pode ocorrer de alguns carvões e sementes carbonizadas não flutuarem, por
terem a densidade maior que a da água. São chamados de “refugo de peneira” e foram
recolhidos de forma manual, com intenso cuidado, que são extremamente frágeis. Após
os vestígios arqueobotânicos serem recuperados, foram secos de forma adequada, sem
contato com calor intenso, o que poderia provocar alteração na estrutura vegetal (SCHEEL-
YBERT et al, 2005).
103
Figura 32. Localização da área de escavação em relação no sambaqui Sampaio I.
Na área pesquisada, à leste do centro do mound, foi encontrado material
arqueológico até a profundidade de 290 cm. Em seguida, uma camada de argila de dez
centímetros, seguida de outra composta por uma areia de coloração amarelada, formada por
grãos pouco selecionados, de no mínimo 30 cm de espessura. Esta areia pode indicar uma
paleo-praia fluvial, um momento onde o rio Caceribu estaria muito próximo de onde viria a
surgir o sambaqui Sampaio I.
104
Figura 33. Delimitação do sambaqui Sampaio I com alturas em relação ao nível do mar.
4.3.6.1 METODOLOGIA DE ANÁLISE
Depois de lavado todo o material arqueológico, iniciou-se sua separação por
diferentes frações (2, 4 e 6mm). Em decorrência do curto período, tivemos de analisar
apenas os fragmentos de maior tamanho (acima de 6mm) de alguns níveis. Optamos por dar
uma maior atenção à base e ao topo, completando as informações com níveis alternados.
Feito isto, cada material foi separado de acordo com sua natureza e espécie e depois
pesado. Como nossa proposta é iniciar uma investigação sobre a composição do sítio para
compreender sua construção, uma alternativa à pesagem seria trabalhar com volumes; de
toda forma, nas duas estratégias de análise algumas espécies iriam ser supervalorizadas, por
se tratarem de moluscos de maior tamanho e com conchas mais resistentes. Uma terceira
105
opção seria contabilizar os indivíduos de cada espécie. Entretanto, esta metodologia poderia
sub-valorizar espécies de moluscos que possuem conchas frágeis e de difícil conservação.
Além disso, demandaria um tempo maior de análise, tendo ficado como uma possibilidade
de estudo futuro.
4.3.6.2 ANÁLISE DE PERFIS
Apesar do setor de coleta possuir tamanho de 1 x 0.5 m, foi necessário ampliar a
área, em decorrência da espessura do pacote arqueológico, para que fosse possível realizar
o trabalho com segurança. Esta ampliação gerou perfis de dois metros, nos lados leste e
oeste do setor, até a profundidade de 1.5 m. os perfis sul e norte ficaram com uma
largura de um metro, e com alturas de 1.6 m e 1.3 m, respectivamente.
A estratigrafia do sambaqui Sampaio I, apesar de ser composta de diversas lentes
com presença diferenciada de material, é composta basicamente pelas mesmas conchas, da
base ao topo, como veremos mais à frente quando tratarmos da análise malacológica. O
mesmo se pode dizer em relação aos ossos, ao lítico e aos artefatos ósseos. Não foi
percebida nenhuma alteração na fauna encontrada e na fabricação dos instrumentos.
Um ponto importante que a sondagem permitiu observar foi a variação na
fragmentação do material arqueológico. Em algumas camadas, as conchas, assim como os
ossos, mostraram-se bastante fragmentadas. Entretanto, camadas em que os vestígios se
apresentaram mais bem preservados, inclusive com bolsões de mariscos inteiros, apesar das
conchas destes moluscos serem muito frágeis e pouco resistentes a qualquer tipo de
pressão. A seguir, apresentamos um gráfico com a variação de tamanho do material
arqueológico recolhido no sambaqui Sampaio I.
106
Contribuição de cada fração na construção do Sampaio I
0
5000
10000
15000
20000
25000
290-280 cm
280-270 cm
270-260 cm
260-250 cm
250-240 cm
240-230 cm
230-220 cm
220-210 cm
210-200 cm
200-190 cm
190-180 cm
180-170 cm
170-160 cm
160-150cm
150-140 cm
140-130 cm
130-120 cm
120-110 cm
110-100 cm
100-90 cm
90-80 cm
80-70 cm
70-60 cm
60-50 cm
50-40 cm
40-30 cm
30-20 cm
20-10 cm
10-0 cm
Entre 0,2 e
0,4 cm
Entre 0,4 e
0,6 cm
Maior que 0,6
cm
Gráfico 1. Variação do peso do material arqueológico de acordo com sua fração de tamanho.
107
Com a ampliação de nossa sondagem, para possibilitar a entrada e saída do setor,
pôde ser visualizada uma camada só existente em uma das metades do perfil oeste e no topo
do perfil sul. Esta camada esbranquiçada é composta basicamente por conchas e parece ter
sido formada com o intuito de aplainar a superfície do sítio, que a camada anterior
possuía um declínio eliminado por ela.
Figura 34. Perfil oeste do sambaqui Sampaio I. Na foto, a profundidade máxima é de 1.5 m.
A seta indica a camada de preenchimento.
.
Figura 35. Parte de
baixo do perfil oeste:
1.5 a 2.2 m e 2.2 a 2.9
m de profundidade.
Nestes níveis, os perfis
possuem apenas 0.5 m
de largura.
108
Figura 36. Perfil oeste do sambaqui Sampaio I até a profundidade de 1.5 m.
109
Figura 37. Perfil oeste do sambaqui Sampaio I da profundidade de 1.5 m até a base do sítio, a 2.9 m.
110
Figura 38. Foto e desenho do perfil sul do Sampaio I. A seta indica a camada de
preenchimento.
Esta camada esbranquiçada, que chamaremos aqui de camada de preenchimento,
tem uma grande presença de ostras - um molusco com conchas de grande tamanho - e baixa
presença de ossos e carvão. Apesar do perfil sul permitir a visualização de uma fina lente
de carvões, estes não foram encontrados na amostra recolhida. Não como saber se esta
camada foi formada em um único ou em seguidos eventos semelhantes. De toda forma, sua
construção não apenas aplainou a superfície do sítio, como, possivelmente, também
aumentou sua área.
111
Composição da camada de preenchimento
Conchas
Ossos
tico
Concreção
Cracas
Gráfico 2. Composição da camada de preenchimento na fração > 6mm.
Moluscos presentes na camada de preenchimento
Ostras
Anomalocardia
Lucina
Marisco
Macoma
Chione
Nassarius
Neritina
Crepidula
Outro bivalves
Gráfico 3. Espécies de moluscos encontradas na camada de preenchimento.
Como comparação, a camada anterior à camada de preenchimento é composta de
praticamente os mesmos materiais, com diferença apenas na representatividade de cada
vestígio. Enquanto que na camada de preenchimento, as conchas equivalem a 93% do peso
total, na anterior este valor diminui para 74%. Da mesma forma, as ostras também perdem
participação se compararmos ambas camadas: 85 e 53%. Estes dados mostram a
importância das conchas na construção do sítio, que na camada óssea, onde os moluscos
112
apresentam menor participação, o aumento de tamanho do sambaqui é consideravelmente
menor se comparado à camada de preenchimento.
4.3.6.3 ANÁLISE MATERIAL ÓSSEO
Durante as escavações, pode-se observar que os ossos se mostravam presente por
todos os níveis, com uma maior visibilidade em camadas pontuais, principalmente em áreas
de fogueira, onde a presença de molusco é menor e não escamoteia o material ósseo. Com a
posterior análise de laboratório, verificou-se uma presença irregular deste material ao longo
da construção do sítio, no que diz respeito à área por nós escavada.
Varião da ocorrência de ossos - fração > 6 mm
0
100
200
300
400
500
600
700
290 -
280
cm
280 -
270
cm
270 -
260
cm
260 -
250
cm
210 -
200
cm
180-
170
cm
160 -
150
cm
140 -
130
cm
100 -
90 cm
60 - 50
cm
30 - 20
cm
20 - 10
cm
10 - 0
cm
Ossos
Gráfico 4. Ocorrência de ossos no sambaqui Sampaio I.
Apesar da oscilação no peso dos ossos, as espécies identificadas não se alteraram ao
longo da ocupação do sambaqui Sampaio I. Os peixes foram a classe com maior
participação, tendo sido identificadas famílias e espécies como Ariidae (bagre),
Micropogonias furnieri (corvina), Centropomus sp. (robalo), Cynoscion sp. (pescada),
113
tubarões e arraias. Foi registrada ainda a presença de ossos de répteis, mamíferos e aves,
porém em escala muito reduzida. Os peixes foram identificados principalmente a partir de
seus otólitos. Em casos específicos, como do robalo, utilizou-se também os pré-maxilares e
dentários. Para os bagres, foram usados como elementos identificadores, além dos otólitos,
os raios de nadadeira. os tubarões e arraias foram reconhecidos através dos dentes. As
vértebras de elasmobrânquios não foram incluídas em nenhuma categoria de espécie, para
evitarmos a possibilidade de erro por conta de uma falta de especialização nossa.
NISP das espécies de peixes encontradas na
fração > 6mm
0
5
10
15
20
25
30
35
40
290-
280
cm
280-
270
cm
270-
260
cm
260-
250
cm
210-
200
cm
180-
170
cm
160-
150
cm
140-
130
cm
100-
90 cm
60-50
cm
30-20
cm
20-10
cm
10-0
cm
Bagre
Robalo
Corvina
Pescada
Roncador
Tubarão
Arraia
Gráfico 5. Total de ossos de cada espécie de peixe identificada.
114
NISP dos siris na fração > 6mm
0
50
100
150
200
250
300
350
290-
280
cm
280-
270
cm
270-
260
cm
260-
250
cm
210-
200
cm
180-
170
cm
160-
150
cm
140-
130
cm
100-
90
cm
60-
50
cm
30-
20
cm
20-
10
cm
10-0
cm
Siri
Gráfico 6. Variação da ocorrência de siri no sambaqui Sampaio I.
Ademais os gráficos anteriores exibirem a grande variação na ocorrência de peixes e
siris, pode-se observar também um pico na taxa do material ósseo entre os níveis 130 e 160
cm. um grande aumento na presença de siris e de alguns peixes, como o robalo, bagre e
pescada. Tal fato pode ser devido a um maior número de pessoas, o que resultaria em uma
maior demanda de alimentos. O próprio aumento na quantidade de siris pode estar
relacionado à grande presença de ossos de robalos, que esta espécie de peixe se alimenta
daqueles crustáceos (KLOKLER, comunicação pessoal), podendo os siris terem sido
coletados para servirem de iscas para os robalos. Outra hipótese que devemos considerar é
a ocorrência de algum evento que levou aos ocupantes do sítio a cobrirem aquela área do
assentamento com uma quantidade de ossos maior, o que não elimina a primeira hipótese.
Interessante observar que estes níveis apresentam uma boa conservação do material
arqueológico, estando os vestígios pouco fragmentados, como pode ser verificado no
gráfico 1, o que pode indicar uma preservação maior da área.
115
Não obstante o fato de apenas a fração maior que 6 mm ter sido analisada,
acreditamos que a triagem das porções menores não irá alterar os valores para o NISP,
que os ossos diagnósticos necessitam de uma certa integridade para serem identificados.
4.3.6.4 ANÁLISE MATERIAL MALACOLÓGICO
O material malacológico se mostrou bastante homogêneo por todas as camadas,
diferindo em alguns níveis por uma presença maior de algumas espécies em relação a
outras. As espécies de moluscos mais presentes no sítio foram as ostras, a Anomalocardia
brasiliana, mariscos e a Lucina pectinata, presentes da base até o topo do sítio.
Variação da fauna malacológica - Principais espécies
0
5000
10000
15000
20000
290-280
cm
280-270
cm
270-260
cm
260-250
cm
210-200
cm
180-170
cm
160-150
cm
140-130
cm
100-90
cm
60-50 cm 30-20 cm 20-10 cm 10-0 cm
Marisco
Anomalocardia
Ostras
Lucina
Gráfico 7. Variação do peso, em gramas, das conchas das espécies mais presentes no sítio.
Não foi observada nenhuma diminuição no tamanho dos indivíduos, apesar de o
peso total das conchas ter diminuído de forma considerável, desde o início até o fim da
ocupação do Sampaio I. Uma das explicações para este declínio pode estar na ocorrência
irregular das ostras no sítio, que suas conchas são pesadas e densas, contribuindo
bastante para o aumento total do peso. Observando-se o gráfico abaixo, pode-se perceber
116
que a linha da variação do peso total das conchas tem um desenho bastante semelhante com
o de ocorrência das ostras.
Variação do peso do material malacológico
0
2000
4000
6000
8000
10000
12000
14000
16000
18000
290-
280
cm
280-
270
cm
270-
260
cm
260-
250
cm
210-
200
cm
180-
170
cm
160-
150
cm
140-
130
cm
100-
90
cm
60-
50
cm
30-
20
cm
20-
10
cm
10-0
cm
Ostras
Peso
total
fração
> 6mm
Gráfico 8. Variação de peso total das conchas e apenas das ostras.
A única diferença entre as duas linhas está nos níveis mais superficiais. Enquanto
que o peso total das conchas oscilou nas camadas finais da ocupação, o peso apenas das
ostras teve um ligeiro aumento. A forte presença de conchas na base do sítio,
principalmente de ostras e de valvas de Anadara notabilis, como será visto no próximo
gráfico, pode indicar um entulhamento da área utilizando-se grandes conchas, com o
objetivo de se construir uma plataforma seca, que o sambaqui Sampaio I está assentado
sobre uma camada de argila. Outros autores também trabalharam com esta hipótese:
Afonso & De Blasis (1994) e Figuti & Klokler (1996) identificaram no sambaqui
Espinheiros II, em Joinville, um aterro feito com Anomalocardia brasiliana, na base do
sítio. Abaixo deste pacote de berbigões estava o lençol freático.
117
Cabe ressaltar a grande presença de ostras, e de conchas de outras espécies de um
modo geral, nos níveis intermediários do sítio. Como foi discutido anteriormente, estes
níveis apresentaram uma alta taxa de restos de peixes e siris, e levantamos a hipótese de um
adensamento de pessoas e/ou de evento(s) que levasse(m) a uma colocação diferenciada de
material no local. Como o aumento das conchas se entre os níveis de 160 e 150 cm e o
dos ossos ocorre 10 cm acima, percebe-se uma ordenação dos materiais no processo
construtivo do sambaqui. Vimos também que uma boa preservação dos vestígios nestes
níveis, inclusive um bolsão de mariscos inteiros entre os níveis de 160 e 150 cm. Como esta
camada foi coberta por outra com muitos ossos, pode-se trabalhar com a idéia de ter sido
um evento rápido: à colocação de grandes ostras e mariscos, seguiu-se com outra lente de
material, esta rica em ossos de peixes e garras de siris, e algum tipo de uma proteção do
local, para possibilitar a preservação dos mariscos em quase toda sua integridade.
Outro ponto a ser ressaltado é a presença maior de conchas do gastrópode Nassarius
sp. que do bivalve Chione sp (1374 g e 1310 g, respectivamente), até este momento da
análise. Esta espécie se assemelha bastante à Anomalocardia brasiliana, tendo o tamanho
bastante parecido e fornecendo uma quantidade similar de carne. Já os indivíduos de
Nassarius sp. são muito pequenos, o devendo ter sidos coletados com a finalidade de
alimentação. Sua presença no sítio, juntamente com a Neritina virginea e outros pequenos
moluscos (Bulla striata, Crepidula aculeata), provavelmente, não foi conseqüência da
intencionalidade dos coletores, devendo estas espécies terem vindo a reboque das espécies
mais presentes.
118
Variação da fauna malacológica - outras espécies
0
100
200
300
400
500
290-
280
cm
280-
270
cm
270-
260
cm
260-
250
cm
210-
200
cm
180-
170
cm
160-
150
cm
140-
130
cm
100-
90 cm
60-50
cm
30-20
cm
20-10
cm
10-0
cm
Chione
sp.
Nassarius
sp.
Neritina
virginea
Anadara
notabilis
Bulla
striata
Macoma
sp.
Gráfico 9: Comparação entre os pesos, em gramas, de outras espécies de moluscos.
Figura 39. Foto de indivíduos de Chione sp., Nassarius sp. e Neritina virginea. Foto: Beto
Barcellos.
119
Varião da fauna malacológica - outras espécies
0
5
10
15
20
25
30
290-
280 cm
280-
270 cm
270-
260 cm
260-
250 cm
210-
200 cm
180-
170 cm
160-
150 cm
140-
130 cm
100-90
cm
60-50
cm
30-20
cm
20-10
cm
10-0
cm
Crepidula
aculeata
Trachycardium
sp.
Cyrtopleura sp.
Pinctada
imbricata
Ceritium atratum
Stramonita
haemastoma
Gráfico 10. Variação do peso, em gramas, das espécies menos presentes.
A ocorrência de espécies de tamanho diminuto no sítio pode nos indicar também o
tipo de instrumental utilizado para a coleta de moluscos. Se os ocupantes do sambaqui
Sampaio I estavam realizando esta tarefa com a ajuda de cestarias
13
, podemos supor que o
trançado destes artefatos era bem unido, para que possa ter sido possível a coleta de
conchas tão pequenas.
13
A presença de cestarias em sambaquis é algo tão provável quanto a utilização de canoas por estes grupos.
Infelizmente, sua conservação é das mais difíceis, por se tratar de matéria orgânica. Entretanto, em camadas
arqueológicas alagadas sua presença é mais provável, como prova o achado de trançados no sambaqui
Espinheiros II e Cubatão I, ambos em Joinville (AFONSO & DE BLASIS, 1994; FIGUTI & KLOKLER,
1996; PEIXE et al, 2007).
120
Figura 40. Fibras trançadas encontradas no sambaqui Cubatão I, em Joinville (Peixe et al, 2007).
Peso total de cada espécie - fração > 0,6 cm
Marisco
Anomalocardia brasiliana
Ostras
Lucina pectinata
Chione sp.
Nassarius sp.
Neritina virginea
Anadara notabilis
Outras espécies
Gráfico 11. Peso total de cada espécie na fração maior que 6 mm.
.
121
4.3.6.5 ANÁLISE INDÚSTRIA LÍTICA
Sobre a indústria lítica, pode-se afirmar que, até o presente momento, o sambaqui
Sampaio I não apresentou indícios claros de atividade de lascamento. Todos os líticos são
caracterizados como seixos inteiros, sem marcas de uso, ou quebrados, geralmente ao meio,
mantendo ainda seu córtex natural. A exceção é um seixo com um dos lados desgastado,
que pode ter sido utilizado como alisador. As peças fragmentadas poderiam indicar a
prática de lascamento bipolar, tendo sido utilizadas como bigornas; entretanto, nenhuma
lasca foi encontrada no setor escavado. Em outros sítios da região, como o Sernambetiba,
os resíduos de lascamento são inúmeros, contando-se mais de 14000 lascas e núcleos de
quartzo apenas naquele sambaqui, fora os diversos artefatos polidos, como lâminas de
machado, almofarizes, quebra-côcos e alisadores (BELTRÃO et al, 1981/82).
Figura 41. Possível alisador encontrado no Sampaio I.
122
Os seixos partidos possibilitam observar a matéria-prima coletada pelos ocupantes
do sítio: quartzos de baixa qualidade, de grande granulação, que se desfazem com o passar
dos dedos, sendo impossíveis de terem sido utilizados como blocos para retirada de lascas.
Esta matéria-prima se encontra em abundância ao redor do sítio, podendo-se coletá-la,
ainda hoje, na superfície, na área que deve corresponder ao antigo leito do rio Caceribu.
Figura 42. Amostra dos seixos encontrados no sambaqui Sampaio I.
123
0
200
400
600
800
1000
1200
1400
1600
1800
2000
290-
280
cm
280-
270
cm
270-
260
cm
260-
250
cm
210-
200
cm
180-
170
cm
160-
150
cm
140-
130
cm
100-
90
cm
60-
50
cm
30-
20
cm
20-
10
cm
10-0
cm
Variação do material lítico
Gráfico 12. Variação do peso, em gramas, do material lítico na fração maior que 6 mm.
Pelo gráfico acima observamos três picos na ocorrência de líticos no sítio. Entretanto, o
topo do sambaqui pode ser explicado pela presença de pedras que foram usadas numa antiga
construção existente próximo à área de escavação. Já o pico central é explicado pela ocorrência de
um grande bloco, com aproximadamente 1.2 kg, encontrado junto a uma fogueira, exatamente nos
níveis trabalhados anteriormente como tendo sido resultado de um evento diferenciado.
Figura 43. Bloco de quartzo encontrado junto a fogueira a 160 cm.
124
4.3.6.6 ANÁLISE INDÚSTRIA ÓSSEA
Em relação à indústria óssea, foram achadas 25 pontas ósseas, sendo que todas
apresentam as mesmas características: foram elaboradas a partir da abrasão da parte
proximal do raio de nadadeira dos peixes, mantendo, na maioria dos casos, a perfuração
natural. Algumas sofreram desgaste até a metade do corpo da peça, podendo ser observadas
ainda as ranhuras decorrentes do trabalho realizado. Em outras, a alteração foi mínima,
tendo a forma original se mantido quase que intacta.
Este tipo de artefato está presente na literatura sob a denominação de “espinho
trabalhado” ou “espinho alisado” (HEREDIA & BELTRÃO, 1980; BELTRÃO et al,
1981/82; MENDONÇA DE SOUZA & MENDONÇA DE SOUZA, 1981/82;
CARVALHO, 1984; ANDRADE LIMA, 1991; TENÓRIO, 2003; TENÓRIO & PINTO,
2006). No estado do Rio de Janeiro se mostrou muito presente nos sítio Ilhote do Leste,
onde representa 99% das pontas encontradas (TENÓRIO, 2003), e no sambaqui de
Amourins. Este último se localiza próximo ao Sampaio I e, segundo os autores que
trabalharam (HEREDIA & BELTRÃO, 1980), estaria relacionado a um momento com
maior atividade de pesca. Como foi mostrado anteriormente, este sítio foi classificado como
pertencente a um estágio mais recente na ocupação do litoral fluminense, de acordo com o
modelo usado, apesar de possuir uma das datas mais antigas para a região. Segundo
Heredia & Beltrão (1980), este artefato poderia ter sido utilizado como uma agulha para a
fabricação de rede de pescas, já que seus fabricantes mantiveram a perfuração naturalmente
existente. Esta mesma função foi pensada por Carvalho (1984) para as duas pontas
encontradas por ela no sítio Corondó.
Para o sambaqui de Amourins, os autores também identificaram raios de nadadeira
sem modificação, mas encontrados de forma isolada, sem outros ossos de peixes próximos.
125
Da mesma forma, também se apresentavam com total preservação, em camadas onde os
ossos estavam mais fragmentados. Essas duas características levaram a Heredia & Beltrão
(1980) a trabalharem com a hipótese destas peças terem sido utilizadas como instrumentos
sem sofrerem nenhum tipo de trabalho evidente.
A ponta elaborada a partir do raio de nadadeira também foi identificada no sítio
Condomínio do Atalaia, em Arraial do Cabo, porém em pequena quantidade. Os níveis
onde foram encontradas são contemporâneos aos níveis do sítio Ilhote do Leste, onde
estavam presentes alguns artefatos ósseos muito encontrados no sítio da Região dos Lagos.
Este fato, reforçado à presença de amoladores-polidores próximos aos dois assentamentos,
poderia indicar um contato entre os dois grupos, distantes cerca de 270 km pela linha da
costa (TENÓRIO & PINTO, 2006). De uma forma geral, esta ponta é pouco presente nos
sambaquis da Região dos Lagos.
É interessante o fato de que apenas um tipo de ponta óssea foi encontrado no
Sampaio I. Como exemplo, o sítio Ilhote do Leste apresenta mais de 20 tipos de artefatos
ósseos. Nos outros sítios próximos, como Sernambetiba, Amourins e Rio das Pedrinhas,
este artefato é sempre um dos mais numerosos, mas sempre são encontrados outros tipos de
pontas, como as elaboradas a partir do esporão de arraia ou sobre ossos de aves e de
mamíferos (BELTRÃO et al, 1981/82; MENDONÇA DE SOUZA & MENDONÇA DE
SOUZA, 1981/82). Devemos levar em consideração que estes sítios tiveram amplas áreas
de escavação, o que provavelmente contribuiu para uma maior variedade dos artefatos
ósseos encontrados. De toda forma, os ocupantes do Sampaio I deveriam conhecer, e até
mesmo produzir, outros formatos de pontas.
No sambaqui Sampaio I, além das pontas ósseas, também fazem parte do
instrumental encontrado dois dentes de tubarão perfurados, achados nos níveis 10 - 20 cm e
126
90 100 cm, e um osso de mamífero cortado, achado na camada entre 170 180 cm de
profundidade. Esta peça parece indicar uma das etapas de fabricação de artefatos ósseos.
No Sernambetiba, foram encontradas diversas epífises cortadas, que também estariam
relacionadas ao mesmo tipo de atividade.
Ocorrência de artefatos ósseos
0
1
2
3
4
5
6
7
290-
280
cm
280-
270
cm
270-
260
cm
250-
240
cm
210-
200
cm
190-
180
cm
180-
170
cm
170-
160
cm
160-
150
cm
140-
130
cm
130-
120
100-
90
cm
60-
50
cm
30-
20
cm
20-
10
cm
Artefatos ósseos
Gráfico 13. Ocorrência dos artefatos ósseos no sambaqui Sampaio I.
Figura 44. Dente de tubarão perfurado e raio de nadadeira de peixe alisado. Foto: Beto Barcellos.
127
Figura 45. Raio de nadadeira de peixe alisado e osso de mamífero com marcas de corte nas laterais.
Observa-se, novamente, que os níveis entre as profundidades de 130 e 160 cm são
resultados de um evento diferenciado naquele setor do sítio. Somado ao aumento na
ocorrência de peixes, siris e moluscos, tivemos também a presença do maior bloco lítico
encontrado e de seis pontas ósseas, representando quase 25% do total existente em todas as
camadas de ocupação.
4.3.7 SAMBAQUI ESTRADA DE FERRO
O sambaqui Estrada de Ferro está a 1.2 km a noroeste do Sampaio I e a cerca de 400
m do Sampaio II e dista, atualmente, cerca de 12 km da Baía de Guanabara. Numa primeira
abordagem, o sítio mostrou-se com as mesmas características que o Sampaio II, com
material intrusivo em toda sua profundidade e uma estratigrafia simples, homogênea, sem
camadas de conchas e ossos se alternando.
128
Figura 46. Sambaqui Estrada de Ferro. Apesar de bastante perturbado, o sítio ainda mantém parte de
sua estratigrafia original.
Figura 47. Perfil da primeira sondagem realizada no sambaqui Estrada de Ferro. Foto: Sílvia
Peixoto.
Entretanto, após uma série de tradagens para delimitar a área de ocorrência do
material arqueológico, e a posterior abertura de um setor de escavação, descobriu-se uma
129
parte do sítio intacta, ainda que pequena. A estratigrafia apresentou-se tal como a do
Sampaio I, com lentes de mariscos, de fogueira e de ossos. A profundidade do pacote
arqueológico nesta área era de cerca de 80 cm.
Figura 48. Perfil da segunda sondagem aberta no Estrada de Ferro.
O material proveniente do sambaqui Estrada de Ferro ainda não teve sua análise
terminada. O que pode ser observado durante as escavações foi uma grande fragmentação
das conchas e dos ossos, se comparado ao material do Sampaio I, e uma presença
significativa de seixos. Outro ponto a ser destacado foi a ocorrência de ostras de pequeno
tamanho e outras agarradas a seixos, o que pode indicar que estes moluscos estavam sendo
coletados no mangue.
130
Figura 49. Amostra de seixo preso à ostra.
Figura 50. Delimitação do sambaqui Estrada de Ferro com alturas em relação ao nível do mar.
131
4.3.8 ‘SAMBAQUI’ SAMPAIO II
O sítio Sampaio II, também descoberto durante o Programa de Resgate do
Patrimônio Arqueológico do COMPERJ, mostrou-se, na verdade, um aterro com material
arqueológico. Identificado como um mound, este sítio estaria “acoplado” a um morro.
Quando as escavações tiveram início, percebeu-se que sua estratigrafia era simples, sem
camadas, apenas com poucos vestígios dispersos nas paredes. Além disso, a ordenação do
material arqueológico no setor aberto remetia a um local muito remexido.
Figura 51. Área de ocorrência de material arqueológico: „sambaqui‟ Sampaio II
132
Os primeiros 30 cm escavados forneceram apenas material típico de sambaqui:
conchas, ossos de peixes e líticos. Nos níveis seguintes, entretanto, surgiram diversos
materiais intrusivos.
Figura 52. Perfis sul e norte do setor de escavação no „sambaqui‟ Sampaio II.
Tabela 1. Materiais intrusivos encontrados no setor 1 do ‘sambaqui’ Sampaio II.
„SAMBAQUI‟ SAMPAIO II – SETOR 1
NÍVEIS
MATERIAIS INTRUSIVOS
0 10 cm
-
10 20 cm
-
133
20 30 cm
-
30 40 cm
Um fragmento de telha e quatro de cerâmica (1 Tradição Una).
40 50 cm
Dois fragmentos de telha e seis de cerâmica.
50 60 cm
Dois fragmentos de faiança (1 do século XVI, portuguesa), quatro de
cerâmica vitrificada e cinco de cerâmica simples.
60 70 cm
Um fragmento de faiança portuguesa do século XVI, dois de cerâmica
(1 Tradição Una), um pedaço de piso de cimento.
Junto com esta quantidade de material intrusivo, notou-se também a diminuição das
conchas e ossos, que em nenhum momento se mostraram em abundância. Desde o início da
escavação, pode-se perceber que o material estava bem fragmentado, com poucas conchas
inteiras; mesmo as valvas de Anomalocardia brasiliana, que possuem uma maior
resistência, estavam muito quebradas. Com a pouca presença do material malacológico, os
ossos estavam bastante fragilizados, situação causada também pela umidade do solo. A
partir dos 50 cm, o material arqueológico diminui de forma considerável. Alcançado os 70
cm de profundidade, foi aberto um pequeno poço teste, com uns 15 cm de diâmetro, para se
avaliar a situação dos níveis mais inferiores, que, neste momento, quase não havia mais
material arqueológico. Feito isto, verificou-se a inexistência de vestígios materiais nas
camadas mais profundas, o que nos fez interromper a escavação neste setor.
Para podermos compreender melhor a situação com que deparamos, decidimos abrir
linhas de tradagens para sabermos se haveria uma área menos impactada. Escolhido um
ponto zero aleatório no topo do morro, foram criadas linhas de acordo com oito pontos
134
cardeais. Apenas duas destas linhas forneceram material arqueológico, mostrando que os
vestígios se concentravam na direção nordeste do ponto zero, exatamente a direção onde
havíamos aberto o setor de escavação. Na linha norte, houve o registro de 20 cm de
conchas, numa área alagadiça. Na linha nordeste, foi encontrado material entre 50 e 100
metros de distância do ponto zero. Além deste ponto não foi possível mais realizar
tradagens, por conta da existência de uma área encharcada.
Apesar desta concentração de vestígios, foi achado material intrusivo em todas as
tradagens, indicando que toda a área foi muito alterada. Cabe ressaltar também o achado de
dois dentes de tubarão perfurados, nas sondagens 5 e 6, o que confirma que a área sofreu
um aterro com material proveniente de algum sambaqui.
Tabela 2. Ocorrência de material arqueológico na área do 'sambaqui' Sampaio II.
„SAMBAQUI‟ SAMPAIO II
TRADAGENS
OCORRÊNCIA DE MATERIAL
SONDAGEM 1 (NE)
Até 30 cm.
SONDAGEM 2 (NE)
Até cerca de 40 cm.
SONDAGEM 3 (NE)
*Até 120 cm.
SONDAGEM 4 (NE)
Até 120 cm.
SONDAGEM 5 (NE)
Até 90 cm.
SONDAGEM 6 (NE)
Até 50 cm.
*O limite da sondagem era de 120 cm por conta da altura da ferramenta. No caso da
sondagem 3, ainda não havia indício de diminuição do material neste nível.
135
Tabela 3 - Ocorrência de material intrusivo na área do 'sambaqui' Sampaio II.
SAMBAQUI‟ SAMPAIO II
TRADAGENS
MATERIAL INTRUSIVO
SONDAGEM 1 (NE)
-
SONDAGEM 2 (NE)
-
SONDAGEM 3 (NE)
1 fragmento de telha.
SONDAGEM 4 (NE)
14 fragmentos de cerâmica, 3 de telha e 1 de faiança.
SONDAGEM 5 (NE)
1 fragmento de cerâmica.
SONDAGEM 6 (NE)
-
Figura 53. Dentes de tubarão perfurados, achados em sondagens no sambaqui Sampaio II.
Foto: Beto Barcellos.
No caso do „sambaqui‟ Sampaio II, fica claro que houve processos pós-
deposicionais que influenciaram na ordenação do material arqueológico. Como a área
registra ocupação desde o início do período histórico, resta saber se o sambaqui do qual
fazia parte o material arqueológico encontrado neste local estava assentado exatamente ali
136
ou em alguma outra área. Uma terceira hipótese seria este material ter vindo do sambaqui
Estrada de Ferro, localizado próximo ao Sampaio II e também com evidências de
perturbação.
Figura 54. Delimitação do „sambaqui‟ Sampaio II com alturas em relação ao nível do mar.
4.4 DATAÇÕES
Apesar da região do Recôncavo da Baía de Guanabara ser pesquisada desde a
década de 1960, apenas 20 anos depois seriam realizadas as primeiras datações
radiocarbônicas para os sambaquis do local, a partir de escavações coordenadas por
Heredia. Os primeiros sítios a fornecerem material para datações foram o Sernambetiba e o
137
Amourins. Como vimos anteriormente, acreditava-se ser este sítio mais recente que o
primeiro, por possuir, supostamente, mais vestígios de peixes em sua estratigrafia,
indicando ter sido ocupado em um momento onde os moluscos estariam em escassez.
Entretanto, o resultado não colaborou para reforçar o modelo criado para a ocupação da
região, que o Amourins foi datado em 3530±60 BP e o Sernambetiba em 1960±70 BP
(GASPAR, 1991) (cal BP 3898 - cal BP 3577 e cal BP 2003 - cal BP 1691,
respectivamente).
Mesmo com o prosseguimento dos estudos por outros pesquisadores, não foram
realizadas outras datações para colaborar no entendimento da ocupação da área. Apenas
nesta década surgiram novas datas, a partir de um estudo químico feito por Mendonça &
Godoy, em 2004. Nesta pesquisa, o objetivo dos autores foi testar um novo método para
aprimorar a contagem de carbonos e, para tanto, foram utilizadas conchas arqueológicas
provenientes de diversos sambaquis do Recôncavo da Baía de Guanabara, oferecendo,
assim, uma perspectiva temporal que era desconhecida para muitos sítios da região.
Contudo, por não se tratar de um artigo sobre arqueologia, não foi informada a
proveniência das amostras, o que impossibilita sabermos a qual profundidade de cada sítio
as datas se referem. Da mesma forma, os autores também não relatam se o efeito
reservatório das conchas foi considerado para o cálculo final das datas.
Com o Programa de Resgate do Patrimônio Arqueológico do Comperj, foi possível
realizar seis novas datações: três para o sambaqui Sampaio I (base, meio e topo), duas para
o Sernambetiba (topo e base) e uma para o Amourins (base), sendo os dois últimos sítios
datados a partir de amostras de carvão e sementes coletados em escavações da década de
1980 e guardados na reserva técnica de Arqueologia do Museu Nacional. O sambaqui de
Amourins se mostrou o assentamento mais antigo da região, corroborando a informação
138
que existia, mas tornou-se alguns séculos mais antigo. Do mesmo modo, a base do
Sernambetiba (500 cm) forneceu uma data muito próxima à obtida por Heredia, reiterando
ser este sítio o mais recente do Recôncavo da Baía de Guanabara.
A datação de uma camada mais superficial (80 cm) deste sambaqui resultou em um
intervalo cronológico muito próximo do que temos para a base (cal BP 1830 - cal BP 1620
e cal BP 2000 - cal BP 1710, respectivamente), tendo inclusive um período interstício entre
ambos. Essas datas demonstram que o Sernambetiba foi construído de forma rápida.
Considerando que entre os níveis de 120 e 80 cm foram encontrados mais de mil
fragmentos de cerâmica (indígena e histórica), temos a indicação de que houve um contato
entre os ocupantes do Sernambetiba e os grupos ceramistas que chegavam à costa.
Possivelmente, a presença de outros grupos sociais na região pode ter acelerado o
crescimento do sítio, numa forma de reafirmação dos valores culturais dos sambaquieiros.
Tal hipótese também foi aventada para explicar os sambaquis monumentais do litoral de
Santa Catarina, que possuiriam grandes dimensões para demonstrar a cultura local tanto
internamente quanto externamente (GASPAR & DE BLASIS, inédito).
A partir da tabela de datação observa-se que os sambaquis estiveram ativos por
centenas de anos, sendo que em dois casos, Amourins e Arapuan, o período de ocupação
pode ultrapassar 1000 anos, se considerarmos as datas extremas dos intervalos temporais
(ver tabela 4). Por possuírem apenas uma data cada, os sambaquis Imenezes e Rio das
Pedrinhas não dispõem de dados suficientes para calcularmos o tempo de ocupação em
cada sítio. Provavelmente, estiveram ativos por algumas centenas de anos, tal qual os
demais assentamentos da região. Pode observar-se também que alguns sambaquis estiveram
ativos concomitantemente, reforçando a ideia de que estes sítios não eram ocupados de
forma isolada, como já havia sido posto para a Região dos Lagos (GASPAR, 1991).
139
2000 2500 3000 3500 4000 4500
Anos BP
Amourins
Amourins
Amourins
Intervalos das datas calibradas para o
sambaqui Amourins
Gráfico 14. Datas calibradas para o sambaqui Amourins.
2000 2500 3000 3500 4000
Anos BP
Arapuan
Arapuan
Arapuan
Intervalos das datas calibradas para o
sambaqui Arapuan
Gráfico 15. Datas calibradas para o sambaqui Arapuan.
1900 2000 2100 2200 2300 2400 2500
Anos BP
Imenezes
Intervalo da data calibrada para o
sambaqui Imenezes
Gráfico 16. Datas calibradas para o sambaqui Imenezes.
140
2500 2600 2700 2800 2900 3000 3100 3200
Anos BP
Rio das
Pedrinhas
Intervalo da data calibrada para o
sambaqui Rio das Pedrinhas
Gráfico 17. Datas calibradas para o sambaqui Rio das Pedrinhas.
3000 3200 3400 3600 3800 4000 4200 4400
Anos BP
Sampaio I
Sampaio I
Sampaio I
Intervalos das datas calibradas para o
sambaqui Sampaio I
Gráfico 18. Datas calibradas para o sambaqui Sampaio I.
1000 1200 1400 1600 1800 2000 2200 2400
Anos BP
Sernambetiba
Sernambetiba
Sernambetiba
Sernambetiba
Sernambetiba
Sernambetiba
Intervalos das datas calibradas para o sambaqui de
Sernambetiba
Gráfico 19. Datas calibradas para o sambaqui de Sernambetiba.
141
As datas oriundas da pesquisa de Mendonça & Godoy (2004), não obstante não
termos informações sobre a origem das amostras, se mostram semelhantes às obtidas por
Heredia e às que são resultados deste trabalho. As datas convencionais para o sambaqui de
Sernambetiba são um pouco mais antigas; contudo, quando calibradas, se tornam mais
próximas. A calibração das datas informadas por Gaspar (1991) e Mendonça & Godoy
(2004) foi feita com o uso do software Calib 5.1. Para as amostras de carvão, utilizou-se a
curva de calibração SHCAL 04. Para as de concha, usou-se a Marine 04, que faz uso de um
efeito reservatório geral para o Hemisfério Sul. No Brasil, foram realizados estudos sobre
efeito reservatório específicos para o litoral de Santa Catarina, que resultaram numa
margem de erro de 220±20 anos para mais quando a datação radiocarbônica é feita a partir
de conchas arqueológicas (EASTOE et al, 2002).
O sambaqui Sampaio I mostrou ter tido sua construção iniciada em um período onde
apenas o Amourins estaria ativo, cerca de 4000 anos. Apesar de não possuir um pacote
arqueológico muito profundo - 2,90 m -, o Sampaio I teve sua primeira metade erigida de
forma rápida, já que a data disponível para sua base (280 cm) é apenas dez anos mais antiga
que a sua camada mesial (170 cm). Já seu topo (20-60 cm) foi construído apenas cerca de
500 anos mais tarde. Este fato demonstra que o crescimento do sítio, depois de ter surgido,
se deu a partir de eventos temporalmente próximos. Um dos objetivos do grupo poderia ser
formar uma plataforma seca, que a planície onde o sítio se encontra sempre foi alvo de
inundações. Já seu aumento gradual foi realizado de forma paulatina, provavelmente se
devendo mais a motivos simbólicos que práticos.
Se para o sambaqui Jabuticabeira II está posto que seu crescimento estava atrelado
ao ritual funerário, o mesmo não pode ser dito para os mounds do Recôncavo da Baía de
Guanabara, que nesses sítios encontra-se um número reduzido de esqueletos, além do
142
fato de que, até então, não se tem evidências de que esses sambaquis tenham sido locus
exclusivo dos mortos. Ademais, ao contrário do Jabuticabeira II, os sítios por nós
pesquisados apresentam vestígios relacionados a cadeias de atividades que indicariam que
ali ocorreram práticas cotidianas, como o contexto em que os artefatos se encontravam e
também os resíduos das etapas de fabricação destes instrumentos.
O fato é que o aumento desses mounds estava relacionado a atividades que, até o
momento, não podem ser inferidas em toda sua complexidade. No entanto, a própria
acumulação intencional de conchas e a consequente edificação desses sítios nos informam
sobre comportamentos característicos desses grupos e que estavam profundamente
atrelados ao processo de construção da paisagem.
143
Tabela 4 - Datas radiocarbônicas para os sambaquis do Recôncavo da Baía de Guanabara.
Sítio
Amostra
Laboratório
Nº amostra
Nível
Data convencional
Data calibrada 2 sigma
Referência bibliográfica
Amourins*
Carvão
Beta Analytic
Sem info
Sem info
3530±60 BP
cal BP 3898 - cal BP 3577
Gaspar, 1991
Amourins*
Concha
CENA/USP
Sem info
Sem info
3540±70 BP
cal BP 3606 - cal BP 3263
Mendonça & Godoy, 2004
Amourins**
Carvão
Beta Analytic
Beta - 259890
270-280 cm
3800±40 BP
cal BP 4340 - cal BP 4080
Inédito
Arapuan*
Concha
CENA/USP
Sem info
Sem info
2800±60 BP
cal BP 2697 - cal BP 2356
Mendonça & Godoy, 2004
Arapuan*
Concha
CENA/USP
Sem info
Sem info
3340±70 BP
cal BP 3363 - cal BP 2990
Mendonça & Godoy, 2004
Arapuan*
Concha
CENA/USP
Sem info
Sem info
3460±70 BP
cal BP 3516 - cal BP 3156
Mendonça & Godoy, 2004
Imenezes*
Concha
CENA/USP
Sem info
Sem info
2600±60 BP
cal BP 2437 - cal BP 2112
Mendonça & Godoy, 2004
Rio das
Pedrinhas*
Concha
CENA/USP
Sem info
Sem info
3170±70 BP
cal BP 3168 - cal BP 2778
Mendonça & Godoy, 2004
Sernambetiba*
Carvão
Beta Analytic
Sem info
490 cm
1960±70 BP
cal BP 2003 - cal BP 1691
Gaspar, 1991
Sernambetiba*
Concha
CENA/USP
Sem info
Sem info
2160±60 BP
cal BP 1895 - cal BP 1588
Mendonça & Godoy, 2004
Sernambetiba*
Concha
CENA/USP
Sem info
Sem info
2290±60 BP
cal BP 2062 - cal BP 1741
Mendonça & Godoy, 2004
Sernambetiba*
Concha
CENA/USP
Sem info
Sem info
2510±60 BP
cal BP 2317 - cal BP 2014
Mendonça & Godoy, 2004
Sernambetiba**
Carvão
Beta Analytic
Beta - 259895
80-90 cm
1800±40 BP
cal BP 1830 - cal BP 1620
Inédito
Sernambetiba**
Semente
Beta Analytic
Beta - 259894
500 cm
1920±70 BP
cal BP 2000 - cal BP 1710
Inédito
144
Sampaio 1**
Carvão
Beta Analytic
Beta 259893
20-60 cm
3290±70 BP
cal BP 3690 - cal BP 3370
Inédito
Sampaio 1**
Carvão
Beta Analytic
Beta 259891
170-180 cm
3720±40 BP
cal BP 4220 - cal BP 3970
Inédito
Sampaio 1**
Carvão
Beta Analytic
Beta - 259892
280-290 cm
3730±40 BP
cal BP 4230 - cal BP 3970
Inédito
* Resultados calibrados com o uso do software Calib 5.1 e das curvas de calibração Marine 04 (concha) e SHCAL 04 (carvão).
** Calibrado por Beta Analytic Radiocarbon Dating Laboratory.
1000 1500 2000 2500 3000 3500 4000 4500
anos BP
Amourins
Arapuan
Imenezes
Rio das Pedrinhas
Sampaio I
Sernambetiba
Duração da ocupação em cada sambaqui
Gráfico 20. Datas calibradas e convencionais disponíveis para o Recôncavo da Baía de Guanabara.
Datas calibradas BP
Datas convencionais BP
Datas calibradas e convencionais para o Recôncavo da Baía de Guanabara
145
CAPÍTULO 5
CONSIDERAÇÕES FINAIS
pós termos apresentado um panorama das pesquisas em sambaquis
brasileiros e mostrado o encaminhamento dos estudos no Recôncavo da
Baía de Guanabara, podemos tecer alguns comentários: o primeiro se refere ao atraso
teórico vivido no Brasil. Vimos que, enquanto a Nova Arqueologia iniciava-se nos
Estados Unidos, estávamos envolvidos com os preceitos do Histórico-Culturalismo e do
Evolucionismo Cultural, passando a utilizar o Processualismo quando este estava
sendo criticado por novas teorias. Outro ponto a ser ressaltado foi o início promissor das
pesquisas arqueológicas em sambaquis em meados do século XIX, com ideias
retomadas apenas recentemente e um grande intercâmbio acadêmico com instituições
estrangeiras. Entretanto, a grande vedete da Arqueologia neste momento foi a discussão
sobre as origens dos sambaquis, um debate que durou quase cem anos do Conde de La
Hure até Castro Faria e certamente teve um grande peso na estagnação do pensamento
científico no Brasil no que diz respeito aos estudos arqueológicos sobre grupos
costeiros. Não obstante estes acontecimentos, vimos que os preceitos teóricos utilizados
neste trabalho têm sido bem desenvolvidos nas pesquisas brasileiras, talvez por se
enquadrarem bem nas problemáticas levantadas pelos arqueólogos brasileiros que
investigam sambaquis.
No terceiro capítulo deste trabalho foi possível observar as similitudes entre as
linhas de pesquisa trabalhadas no Brasil e as de outros países. Vimos que as conchas
encontradas em sítios arqueológicos foram vistas como testemunhos do paleo-
ambiente, como restos alimentares e como material construtivo. A partir da premissa de
que a fauna malacológica pode ter servido para erigir um mound, surgem as questões
A
146
acerca da funcionalidade do sítio, fundamentais para a compreensão de sistema de
assentamento. No Brasil, vimos que os sambaquis são considerados, pela grande
maioria dos pesquisadores, como sítios multifuncionais, ou seja, como locais onde
ocorreram tanto atividades cotidianas como eventos ligados a rituais. Entretanto, pode-
se perceber que muitos sítios foram tidos como habitacionais pelo achado de buracos de
estaca, um vestígio que, por si só, não significa nada além do que é: um buraco. Quando
o material arqueológico encontrado dentro dos espaços delimitados por essas marcas foi
confrontado com os achados de fora, nada de diferente foi percebido, mesmo sendo
esperado que unidades habitacionais sejam, de certo modo, diferenciadas de outras áreas
do sítio. Desta forma, fica a impressão que muitos pesquisadores iniciam suas
investigações com pressupostos tão fortes que os achados são todos enquadrados num
modelo pré-estabelecido, sendo este fato muito bem exemplificado por sítios com
dezenas e outros com até mais de uma centena de sepultamentos que foram
classificados como oficinas líticas ou estritamente habitacionais.
Entretanto, também vimos pesquisas que classificaram assentamentos como
unidades domésticas a partir de embasamentos mais coerentes, como as cadeias de
atividades, um conjunto de vestígios relacionados a diversas práticas, tanto rotineiras
como esporádicas, além da implantação espacial dos sítios, sempre próximos a fontes de
água e recursos alimentares. Da mesma forma, também vale ressaltar pesquisas que
chegaram a conclusões diferentes dos pressupostos com os quais iniciaram suas
investigações. Neste caso, o melhor exemplo é o sambaqui Jabuticabeira II, um sítio
pesquisado durante mais de dez anos por pesquisadores com diferentes formações.
Com relação à nossa área de pesquisa, pode-se perceber que permanece sendo
uma área de grande potencial, que oito sítios foram descobertos recentemente,
podendo ainda existir outros a serem reconhecidos como tal. A região do Recôncavo da
147
Baía de Guanabara pesquisada por nós, apesar de hoje não ser uma área densamente
povoada, vem sendo ocupada desde cerca de 4000 anos atrás pelos sambaquieiros, por
grupos ceramistas e pelos colonizadores europeus, que se estabeleceram na área desde
os primeiros séculos do período histórico. Essa constante ocupação da área
provavelmente foi a responsável pelos fatores pós-deposicionais que ocasionaram a
perturbação do sambaqui Sampaio II e de parte do Estrada de Ferro. Cabe ressaltar que
esta região foi alvo da indústria caieira, que explorava os sambaquis para a fabricação
de cal (CLEROT, 1922), o que certamente ocasionou a destruição de diversos sítios.
Apesar de ter sido impactado, o sambaqui Estrada de Ferro manteve uma área
intacta, como vimos anteriormente. Não obstante o material arqueológico deste sítio
ainda não ter sido analisado em laboratório, o que pode ser visto durante as escavações
foi a intensa fragmentação das conchas e dos ossos, além de uma presença de ostras de
tamanho reduzido, se comparadas com as que foram encontradas no sambaqui Sampaio
I. A este fato soma-se também uma grande ocorrência de seixos, resultando numa
presença, ao menos visualmente, maior que a vista no Sampaio I. Tais características
grande fragmentação, muita ocorrência de líticos e ostras de tamanho pequeno podem
ser explicadas de diferentes maneiras: uma das hipóteses seria a de que no sambaqui
Estrada de Ferro ocorreram atividades diferentes daquelas realizadas no Sampaio I,
resultando numa diferenciação do material arqueológico, e também com um trânsito
mais intenso de pessoas, o que pode ter tido como conseqüência a grande fragmentação
dos vestígios. Essas atividades diferenciadas podem ser decorrentes tanto de um
intervalo cronológico de ocupação dos sítios como de funcionalidades distintas. Outra
explicação seria uma diferenciação espacial intra-sítio: possivelmente, em uma outra
área do Sampaio I, que não a escavada por nós, os vestígios podem se apresentar de
maneira mais semelhante aos do Estrada de Ferro.
148
Esta mesma hipótese pode explicar a indústria lítica do sambaqui Sampaio I,
que no setor escavado houve uma ausência de indícios claros de atividades de
lascamento. Grande parte dos seixos encontrados não é utilizável nem para a percussão
direta nem indireta, por se caracterizar como blocos de quartzo de baixa qualidade.
Seixos de outras rochas, como diabásio, poderiam ter servido como bigornas;
entretanto, como vimos anteriormente, não foi encontrado nenhum tipo de lasca.
Como a matéria-prima existente no Sampaio I pode ser coletada facilmente ao
redor do próprio mound, não sendo necessário se distanciar, levanta-se a questão se os
ocupantes do sítio estariam utilizando esta matéria-prima sem modificá-la, que a
fonte é próxima e abundante, ou se em outra área do assentamento haveria vestígios de
lascamento. Cabe ressaltar que em outros sambaquis da região, como o Sernambetiba,
foram coletadas mais de 14000 lascas e núcleos de quartzo, além de diversos artefatos
polidos (BELTRÃO et al, 1981/82; PAZ, 1999).
Em relação à indústria óssea do Sampaio I, vimos que houve a recorrência de um
tipo de artefato: o raio de nadadeira de peixe alisado. Este artefato, que também está
presente em outros sambaquis, não só da nossa região de pesquisa, representa 100% das
pontas ósseas encontradas no local, onde está presente do início da ocupação até o
momento de abandono do sítio. Em outros sambaquis do Recôncavo da Baía de
Guanabara, apesar de não ser o único tipo de ponta óssea existente, é o mais recorrente.
Soma-se a isto o fato deste tipo não ser muito comum nos sítios da Região dos Lagos,
mas bastante presente em assentamentos do Sul Fluminense, como o sítio Ilhote do
Leste (Tenório, 2003), na Ilha Grande, e outros localizados na Baía da Ribeira (Andrade
Lima, 1991), em Angra dos Reis, e podemos visualizar uma área do litoral onde há uma
maior ocorrência da ponta óssea elaborada a partir do alisamento do raio de nadadeira
de peixe.
149
Devemos também ressaltar a variação na fragmentação do material arqueológico
do Sampaio I. Em determinados momentos da ocupação do sítio, a área em que
trabalhamos foi um local com um trânsito intenso de pessoas, fato observado a partir da
divisão do material recolhido por frações de tamanho. Em algumas camadas, as
conchas, assim como os ossos, mostraram-se bastante fragmentadas, o que indicaria um
intenso pisoteio. Entretanto, níveis com grande preservação de material, como a própria
base e os bolsões de mariscos inteiros seriam resultados de momentos em que esta área
foi, por algum motivo, mais preservada, sendo um local por onde os construtores do
sítio evitariam transitar.
O ponto principal que deve ser ressaltado para o sítio Sampaio I é o uso, e a
importância, das conchas para o processo de construção do sambaqui. Assim como
outros pesquisadores, partimos da premissa de que os moluscos não foram fundamentais
na dieta alimentar dos grupos pescadores-coletores. Contudo, não é nosso objetivo
discutir se os moluscos foram consumidos ou o. Até podem ter sido, mas em baixa
escala. O fato é que o sítio foi edificado por conta da acumulação, intencional, das
conchas. Caso o interesse do grupo na coleta de moluscos se restringisse à parte
comestível, este alimento poderia ter sido processado no local de origem, não sendo
necessário transportar o peso das conchas.
O sambaqui Sampaio I possui 2,90 m de pacote arqueológico, e aliado ao fato de
estar assentado em um pequeno platô de cerca de 3 m de altura, torna-se uma das
maiores elevações do local. Caso o objetivo do grupo fosse viver em um local livre das
inundações, comuns à região, poderia ter habitado o morro existente logo à frente do
sítio, que possui uma altura maior que a do próprio mound. O mesmo serve para o
controle visual da área. Aliás, cabe aqui uma crítica a estes dois argumentos tão
utilizados para justificar a construção dos sambaquis: estes sítios possuem uma
150
dimensão temporal que, geralmente, possui centenas de anos, e, em alguns casos,
alcança mil anos; algum grupo que desejasse muito residir em um local elevado levaria
centenas de anos para edificar um mound de poucos metros? Certamente não. Podemos
até supor que as bases dos sítios fossem construídas com tal intenção - como
acreditamos ser o caso do Sampaio I - mas não sua continuidade, de forma lenta e
gradual, ao longo de tanto tempo. Esta acumulação de conchas provavelmente estava
relacionada a eventos esporádicos, onde a presença das conchas, e talvez das carnes dos
moluscos, fosse primordial. A camada de preenchimento encontrada no sambaqui
Sampaio I pode exemplificar bem esta afirmação. Por se encontrar próxima ao topo do
sítio, não deve ter sido construída com o intuito de proteger o sambaqui de inundações,
nem de ampliar o campo de visão dos ocupantes do sítio, que a camada aumenta a
altura de apenas parte do mound, e somente em 30 cm. Este processo construtivo devia
estar relacionado a algum aspecto mais simbólico que prático, a um evento cultural onde
esta acumulação de conchas fosse primordial.
Este aumento paulatino dos sambaquis evidencia a perpetuação do costume de
erigir e ampliar construções monticulares. Caso não fosse este o objetivo dos ocupantes
dos sítios, as conchas não teriam sido levadas até os assentamentos ou teriam sido
descartadas em outros locais. A paisagem do Recôncavo da Baía de Guanabara foi
modificada de forma lenta e duradoura, visto que a ocupação por grupos pescadores-
coletores durou mais de 2 mil anos. Os sambaquis Sampaio I e Amourins são resultados
dos primeiros grupos que chegaram à região e o Sernambetiba se mostra como o último
ato dos construtores de mounds conchíferos. A partir das datações e das cerâmicas
presentes nas camadas mais recentes deste sítio, percebe-se que os ocupantes do
Sernambetiba estiveram em contato com os grupos ceramistas que chegavam ao litoral,
o que, provavelmente, foi determinante para a extinção do costume de erigir sambaquis.
151
Estes grupos conheciam e dominavam a região, a ponto de modificá-la. Se a
alteração na paisagem não é tão evidente como no sul de Santa Catarina, foi o suficiente
para construir plataformas secas em locais inundáveis e deixar como legado mounds que
se caracterizam como as maiores elevações em alguns locais, sendo até hoje procurados
para abrigar currais. Outra característica que evidencia o domínio dos sambaquieiros
sobre a paisagem do Recôncavo da Baía de Guanabara é a escolha de antigos costões de
restinga para abrigar os assentamentos.
Neste ponto, retomamos as problemáticas descritas por Darvill para o
entendimento da paisagem. Vimos que a paisagem do Recôncavo da Baía de Guanabara
esteve em constante modificação por longo tempo, consequência da contínua construção
dos sambaquis (e permanece ainda hoje por meio de novos grupos sociais). Estes
pescadores-coletores tinham um grande domínio também sobre o território marinho,
visto os abundantes ossos de peixes teleósteos e os vestígios de caça de
elasmobrânquios, muito bem caracterizados pelos dentes de tubarão perfurados
encontrados em sítios aqui pesquisados.
Os sambaquis da região, além de terem servido como marcos na paisagem,
foram essenciais também para a perpetuação de uma memória coletiva, por rememorar
eventos passados. O objetivo principal destes grupos era o ato da construção, e não
exatamente a forma final do mound, visto que este continuava em processo de
crescimento durante culos. O ato de acumular conchas e todos os outros
simbolismos que deveriam ser inerentes a estes eventos reforçaria a identidade destes
grupos, fazendo com que esta paisagem culturalmente construída servisse também como
artifício mnemônico tão eficiente que manteve um costume vivo por mais de dois
milênios.
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