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FABIANA FATOR GOUVÊA BONILHA
LEITURA MUSICAL NA PONTA DOS DEDOS:
CAMINHOS E DESAFIOS DO ENSINO DE MUSICOGRAFIA
BRAILLE NA PERSPECTIVA DE ALUNOS E PROFESSORES
CAMPINAS
2006
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FABIANA FATOR GOUVÊA BONILHA
LEITURA MUSICAL NA PONTA DOS DEDOS:
CAMINHOS E DESAFIOS DO ENSINO DE MUSICOGRAFIA
BRAILLE NA PERSPECTIVA DE ALUNOS E PROFESSORES
Dissertação apresentada ao Instituto de
Artes, da Universidade Estadual de
Campinas, como requisito parcial para a
obtenção do título de Mestre em Música.
Orientador: Prof. Dr. Claudiney Rodrigues
Carrasco.
CAMPINAS
2006
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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL CÉSAR LATTES -
UNICAMP
Bibliotecário: Helena Joana Flipsen – CRB-8ª / 5283
Título em inglês: Music finger reading.
Palavras-chave em inglês (Keywords): Music notation, Blind - Printing and
writing systems, Visual impaired,
Inclusive education, Music education.
Área de concentração:
Titulação: Mestre em Música
Banca examinadora: Claudiney Rodrigues Carrasco, Maria Teresa Eglér
Mantoan, Ricardo Goldenberg.
Data da defesa: 31-01-2006.
Bonilha, Fabiana Fator Gouvêa.
B641L Leitura musical nas pontas dos dedos : caminhos e
desafios do ensino da musicografia Braille na perspectiva
de alunos e professores / Fabiana Fator Gouvêa Bonilha. --
Campinas, SP : [s.n.], 2006.
Orientadores: Claudiney Rodrigues Carrasco, Aci
Taveira Meyer.
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de
Campinas, Instituto de Artes.
1. Notação musical. 2. Cegos - Sistemas de impressão
escrita. 3. Deficientes visuais. 4. Inclusão escolar. 5. Música -
Instrução e estudo. I. Carrasco, Claudiney Rodrigues.
II. Meyer, Aci Taveira. III. Universidade Estadual de Campinas.
IV. Título.
vii
Dedico este trabalho, em primeiro lugar à minha
mãe, a quem devo tudo o que sou. Sua força e sua
inspiram todas as minhas ações e me fazem
superar todos os meus limites. Seu amor ilumina o
meu caminho e me coragem para enfrentar
qualquer desafio. Através do seu admirável
testemunho de vida, ela me ensinou que “Tudo vale
a pena se a alma não é pequena”. Em segundo
lugar ao meu pai, pois sua dedicação e carinho
foram fundamentais para que eu completasse os
meus estudos e tivesse uma boa formação
acadêmica.
Por fim, ao meu irmão, porque eu sempre aprendo
com a sua genialidade. Mais do que um cientista
conceituado e um Pós-Doutor em Medicina, ele é
um irmão a quem amo profundamente e para quem
ofereço todas as minhas conquistas e alegrias.
Agradecimentos
Quero manifestar minha gratidão a todos os que tornaram possivel a
realização desse trabalho.
Agradeço, primeiramente e, sobretudo a Deus por ter me dado força para
enfrentar todos os obstáculos encontrados durante esse percurso, e por ter me
inspirado a escrever cada capitulo dessa Dissertação.
Agradeço ao meu Orientador e à minha Co-Orientadora, pois com o auxilio
deles pude adentrar no campo acadêmico, e pude aprender a produzir um
conhecimento válido e consistente.
Agradeço aos alunos e professores que concederam entrevistas no intuito
de colaborar com essa pesquisa, e que se mostraram dispostos a compartilhar
suas experiências pessoais e profissionais.
Agradeço às pessoas envolvidas com o Laboratório de Acessibilidade da
Unicamp, (Direção da Biblioteca Central, bibliotecários de Referência, profissionais
do LAB, bolsistas provenientes do SAE/Unicamp), por todo o apoio dado a esse
trabalho, e por toda infra-estrutura que subsidiou essa pesquisa.
Agradeço aos membros do Projeto Todos Nós (PROESP/CAPES/Unicamp),
pelas ricas contribuições que forneceram a essa pesquisa, e por todas as trocas
de experiências/conhecimentos realizadas nesse grupo.
Agradeço aos professores que foram responsáveis por minha formação
musical, e que despertaram em mim o encanto e o amor pela Música.
Agradeço aos meus professores em geral, por terem contribuido em meu
processo de construção de conhecimento e por terem me transmitido lições de
vida e sabedoria.
Agradeço aos profissionais que atuaram em meu processo de reabilitação,
por terem me proporcionado o contato com experiências de vida fundamentais
para que eu pudesse acreditar em meu próprio potencial.
Agradeço aos meus amigos que estiveram a meu lado nessa caminhada,
cujas presenças me auxiliaram a trabalhar com disposição e serenidade.
ix
Agradeço o apoio da FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de
São Paulo) pelo apoio a essa pesquisa, sem o qual a realização desse trabalho não seria
possível.
Agradeço, enfim, a todos os que, direta ou indiretamente, participaram de minha
vida, e que, de alguma forma, contribuíram para o meu crescimento, deixando marcas
significativas em minha história.
xi
xiii
RESUMO
O presente estudo foi motivado pela experiência pessoal de sua autora,
musicista com deficiência visual. Ele aborda aspectos referentes ao ensino da
Musicografia Braille, que por sua vez, consiste na notação musical criada por
Louis Braille para uso de pessoas cegas. A partir de um enfoque qualitativo,
buscou-se investigar a percepção de estudantes de sica com deficiência visual
e de seus respectivos professores acerca das condições atuais de aplicação da
Musicografia Braille ao campo da educação musical. Por meio de entrevistas e
questionários, os sujeitos relataram suas experiências, a partir das quais se pôde
estabelecer um panorama sobre o ensino desse sistema de escrita. Para análise
dos dados, foi utilizada a técnica de formulação do Discurso do Sujeito Coletivo,
que visa apreender os pensamentos e as crenças comuns a uma dada população.
Os dados colhidos foram discutidos mediante o estabelecimento de categorias e
subcategorias concebidas a partir dos depoimentos. Nesse estudo, buscou-se
também investigar e avaliar as ferramentas tecnológicas atualmente utilizadas
para a produção de partituras em Braille e, de acordo com essa avaliação, foram
criados procedimentos que otimizassem a transcrição de obras musicais. Com
base na realização desse estudo, concluiu-se que, na atualidade, muitos
obstáculos que impedem o acesso ao ensino da Musicografia Braille, dos quais
decorre a grande desinformação por parte de alunos e professores. Apontou-se
para a necessidade de uma maior difusão da notação musical em Braille, tanto
através de novas produções acadêmicas, quanto através de iniciativas que
facilitem a implantação de acervos musicais transcritos para esse sistema.
Palavras-chave: Notação musical, Cegos - Sistemas de impressão escrita,
Deficientes visuais, Inclusão escolar, Música - Instrução e
estudo
xv
ABSTRACT
The current study was motivated by the author's life experience being
both blind and a musician. It covers different aspects of Braille Music Writing,
which is the musical notation created by Louis Braille for blind musicians. Using a
qualitative approach, this study investigates the opinion of blind music students
and their teachers regarding the current application of Braille Music Writing in
musical education. Subjects described their experiences with Braille Music Writing
through interviews and questionnaires, enabling the researcher to establish a
panorama of music teaching in Braille. Data was analyzed using the technique of
formulation of the General Subject Discourse that aims to extract and summarize
thoughts and beliefs of a given population. Subjects' opinions were divided into
categories and results were drawn from each category. In his study, the author
also investigated current technological tools commonly used to produce Braille
music sheets, and created a protocol to optimize musical transcription into Braille.
The author concluded that there are many obstacles that currently obstruct the
access of blind students and their professors to Braille Music Writing, and therefore
generates misinterpretation of its potential and usage. As a consequence, the
author emphasizes the need for diffusion of information regarding Braille Music
writing both through its use within the university and the establishment of Braille
music sheets libraries.
Key Words: Music notation, Blind - Printing and writing systems, Visual impaired,
Inclusive education, Music education.
xvii
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO 1
2 REVISÃO DA LITERATURA 7
2.1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: perspectivas de uma
Educação Musical Inclusiva
7
2.1.1 Considerações sobre Educação Inclusiva e aplicações
ao campo da Música
7
2.1.2 Ensino de Música e Deficiência visual 14
2.1.3 O Sistema Braille 22
2.1.4 Aplicação do Braille à Música 24
2.1.5 Caracterização da notação Musical em Braille 26
2.2 OS RECURSOS TECNOLÓGICOS E A PRODUÇÃO DE
PARTITURAS EM BRAILLE
32
3 FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS 43
3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO 43
3.2 PROCEDIMENTOS PARA A COLETA DE DADOS 45
3.3 PROCEDIMENTOS PARA ANÁLISE DOS DADOS 48
3.4 ETAPAS DE ANÁLISE DOS DADOS 50
xviii
4 DISCUSSÃO E ANÁLISE DOS DADOS 53
4.1 MÚSICA E IDENTIDADE 54
4.1.1 Relações pessoais com a Música e com seu
aprendizado
54
4.1.2 Relações entre Música e deficiência visual 58
4.2 LEITURA E ESCRITA MUSICAL EM BRAILLE 60
4.2.1 Acesso à Musicografia Braille 60
4.2.2 Uso de código não-convencional 66
4.2.3 Conceitos e percepções a respeito da Notação
Musical em Braille
70
4.2.4 Avaliação do Material sobre a Musicografia Braille 72
4.2.5 Avaliação da produção de materiais didático-
musicais
75
4.3 ASPECTOS REFERENTES AO APRENDIZADO MUSICAL 77
4.3.1 Acesso ao conhecimento musical consistente 78
4.3.2 Alternativas de acesso às músicas, na ausência de
partituras
80
4.3.3 Dificuldades técnicas 84
4.3.4 Relação professor-aluno 87
5 CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS 91
REFERÊNCIAS 99
ANEXOS 103
1
1 INTRODUÇÃO
Um olhar pessoal sobre a Musicografia Braille
Ao iniciar minha exposição sobre o tema do presente estudo, gostaria
de expressar meu envolvimento pessoal com a questão que será aqui tratada.
Não escolhi discorrer sobre o ensino da Musicografia Braille a partir de motivações
estritamente acadêmicas ou intelectuais. Tenho, de fato, uma relação afetiva com
essa problemática, que fez parte de toda a minha história de vida.
Desde a infância, a Música e o Braille se fizeram presentes em meu
cotidiano. Em princípio, surgiram separadamente, sem que eu tivesse idéia de que
as duas linguagens poderiam se fundir.
Tanto a Música quanto o Braille me encantaram desde os primeiros
contatos. Por um lado, a Música foi rapidamente percebida por mim como um
importante meio através do qual eu poderia expressar meus sentimentos e
aspirações e como um importante canal de comunicação com o mundo. Sem
dúvida, ela auxiliou em todo o meu processo de construção de conhecimento,
fazendo com que meu universo sensorial e cognitivo fosse significativamente
ampliado. Minha deficiência visual me conduziu a que, desde muito pequena, eu
estivesse atenta a todos os sons a meu redor. E, aos poucos, eu pude
compreender que era possível estabelecer uma comunicação interpessoal através
das mais variadas manifestações sonoras. Em outras palavras, notei que os sons,
que eram um rico meio de contato com o mundo, poderiam gerar Música. Ao longo
do tempo, a formação desses conceitos musicais, em princípio rudimentares, foi
se ampliando, até o momento em que eu iniciei formalmente minha Educação
Musical. Durante esse período, fui estreitando minha relação afetiva com a
Música, e a fui tornando indissociável de minha própria história.
Por outro lado, o Braille, assim como a Música, também representou
uma importante ferramenta através da qual eu poderia estabelecer contato com o
2
mundo. De fato, sabe-se que a leitura é indiscutivelmente um meio preponderante
para a aquisição de diversos conhecimentos e para o aprimoramento das
habilidades cognitivas. Mas aliado a esses ganhos intrínsecos à leitura, estava o
imenso prazer desfrutado por mim ao realizar o reconhecimento tátil de algum
texto. Desde pequena, aprendi a considerar o Braille como uma ferramenta de
comunicação verdadeiramente indispensável. Compreendi rapidamente que
embora existissem alternativas de leitura para as pessoas com deficiência visual
(tais como: a audição de livros falados ou o uso de softwares com síntese de voz),
nenhum desses recursos poderiam ser equiparados à possibilidade de se ler um
texto com as mãos.
Minha descoberta acerca da junção entre a Música e o Braille não se
deu imediatamente após o início de minha formação musical.
Quando iniciei formalmente o estudo da Música, tanto eu quanto minha
primeira professora não tínhamos conhecimento acerca das aplicações do Braille
nessa área. Entretanto, minha educadora tinha consciência de que, para mim, o
aprendizado da leitura e escrita musical seria muito importante, assim como o era
para qualquer um de seus outros alunos. Por isso, ela se empenhou em
desenvolver uma estratégia através da qual eu pudesse ter contato, em princípio,
com a escrita musical em tinta. As partituras eram cuidadosamente
confeccionadas em relevo, e, dessa forma, eu aprendi a reconhecer a simbologia
básica dessa notação. Felizmente, logo notamos que esse método de escrita,
embora fosse satisfatório naquele período inicial, o seria produtivo por muito
tempo, e se tornaria inviável a partir do momento em que as músicas por mim
estudadas aumentassem em complexidade.
Assim, no intuito de investigar a existência de uma notação mais
eficiente para as pessoas com deficiência visual, minha professora recorreu à
Fundação para o Livro do Cego no Brasil (que atualmente se denomina Fundação
Dorina Nowill para Cegos). Através do contato com o professor Zoilo Lara de
3
Toledo, que era responsável pelas transcrições de livros didático-musicais nessa
instituição, minha professora teve, enfim, conhecimento da existência do código
oficialmente utilizado pelas pessoas com deficiência visual: a Musicografia Braille.
Essa descoberta foi determinante para que meus estudos prosseguissem de
maneira bem-sucedida. Uma vez que eu dominasse a notação musical em Braille,
eu poderia ter acesso a todas as partituras transcritas, e, assim, poderia
progredir em conhecimento e aprimorar a técnica como instrumentista, através do
contato com um repertório mais abrangente.
O processo de aprendizado da Musicografia Braille demandou um
grande esforço, tanto da minha parte quanto por parte da minha professora. De
fato, nenhuma instituição especializada oferecia um curso regular sobre a notação
em Braille. Além disso, o era possível que nós nos deslocássemos a São Paulo
(cidade em que se situava a Fundação para o Livro do Cego) com tanta
freqüência. Por isso, por meio dos poucos livros e manuais existentes, fomos
construindo nossos conhecimentos acerca da leitura e escrita musical em Braille
de um modo quase autodidata. Mas esse autodidatismo não implicou em uma falta
de seriedade ou empenho nesse processo: Com muita dedicação, fomos
descobrindo e assimilando cada especificidade desse código. Apesar do grande
esforço inerente a esse aprendizado, ele o consistia para mim, de forma
alguma, uma tarefa desagradável ou desgastante. Minha motivação para aprender
a Musicografia era enorme e, a cada nova descoberta, eu ficava cada vez mais
fascinada pelo código e pela genialidade de quem o criou. Afinal, através da leitura
musical em Braille, o tato e a audição, os dois órgãos dos sentidos mais
importantes para as pessoas com deficiência visual, se tornam unidos. Logo,
saber ler música por meio do Braille representou para mim a fusão entre duas
linguagens que sempre me encantaram.
Ao longo do meu aprendizado, fui adquirindo conhecimentos em função
da minha curiosidade. Achava interessante saber como cada estrutura rítmica,
melódica ou harmônica poderia ser representada no papel. Dessa forma, a
4
assimilação que fazia dos conceitos musicais sempre esteve associada à minha
aquisição de conhecimentos da leitura e escrita. Em outras palavras, os processos
de aprendizagem da Música e de sua notação ocorreram de um modo simultâneo,
o que sem dúvida, favoreceu a aplicação desse código às minhas atividades
musicais cotidianas.
Aprendi várias especificidades do código a partir da própria leitura das
peças estudadas. Quando lia algum trecho e não conseguia identificar o
significado de algum sinal ou não compreendia a aplicação de alguma regra,
recorria à audição da peça gravada por algum pianista, no intuito de sanar a
dúvida. Além disso, através da escuta eu conferia as notas lidas e memorizadas.
O uso simultâneo da partitura e da gravação me levou a desenvolver algumas
habilidades ligadas à percepção musical, sobretudo aquelas ligadas ao
reconhecimento auditivo.
É interessante destacar também que meu contato com a notação
musical se deu na idade escolar. Por isso, pressuponho que o domínio da
Musicografia pode ter facilitado o desenvolvimento da minha fluência na leitura
Braille, de maneira geral. De fato, não possuo muitos meios para comprovar essa
hipótese, mas avento a possibilidade de que o domínio da constituição e das
regras referentes à Musicografia tenha facilitado a aquisição de habilidades e
competências quanto às demais aplicações do Braille (tais como: textual,
Matemática, etc).
A maior dificuldade que enfrentei em meu processo de formação
musical não esteve relacionada ao aprendizado da Musicografia em si ou à
assimilação do digo propriamente dita. O maior obstáculo enfrentado se referiu
a grande escassez de partituras transcritas e à demora na produção do material
solicitado. Sempre recorri ao serviço prestado pela Fundação Dorina Nowill para
Cegos, em que havia uma grande demanda de solicitações e em que as partituras
eram confeccionadas de uma forma bastante trabalhosa. Muitas vezes, a
5
impossibilidade de esperar tanto tempo pela vinda do material fazia com que eu
mesma transcrevesse minhas partituras, a partir do ditado feito por professores ou
colegas de classe.
Por um lado, a falta do material e as dificuldades para obtê-lo causavam
bastante desânimo e poderiam ter sido um fator que me levasse a desistir de
estudar por meio da Musicografia Braille. Entretanto, essas dificuldades talvez
tenham me tornado mais fortalecida para enfrentar desafios, e além disso, a
raridade e a falta das partituras transcritas faziam com que eu desse mais valor a
cada obra em Braille que eu conseguia adquirir. Dessa forma, aos poucos e
lentamente, eu fui construindo um acervo pessoal de partituras, contendo as
principais obras requeridas dentro dos programas de formação para pianistas. E,
em posse desse acervo, eu pude freqüentar classes regulares em escolas de
Música e ter uma formação equivalente à dos estudantes videntes. Ao longo de
toda a minha história acadêmica, eu sempre fui, na prática, adepta à idéia da
inclusão educacional. Mas nunca fui adepta a uma inclusão que se faz por força
de lei e que se estabelece sem propósitos consistentes. Acreditei em um processo
de inclusão que emerge da mudança de concepções e atitudes por parte das
pessoas nele envolvidas. E sempre considerei que isso ocorre verdadeiramente
quando a escola está aberta para receber e formar qualquer aluno, e quando o
estudante se mostra maduro para enfrentar todos os desafios de sua formação.
Minha trajetória musical me possibilitou ingressar na Faculdade de
Música da Unicamp, onde cursei Bacharelado em Piano. E sem vida, a
aquisição de conhecimentos sobre a Musicografia Braille durante minha formação
foi imprescindível para esse ingresso, visto que a prova de aptidão do vestibular
requeria conceitos teóricos referentes à leitura e escrita musicais.
Durante o curso de Graduação, as dificuldades de acesso a materiais
em Braille se acentuaram significativamente, que os programas das disciplinas
teóricas previam o contato com um volume muito grande de partituras. Levando-se
6
em conta a demora na produção do material em Braille, foi praticamente
impossível a obtenção das peças solicitadas nas disciplinas, sobretudo porque,
muitas vezes, a cada semana os professores trabalhavam com uma nova obra. E,
além disso, deve-se considerar que a Biblioteca da Universidade não possuía
nenhuma música transcrita em Braille, o que me obrigava a solicitar o material em
uma instituição especializada. Por causa dessa falta de acesso, recorri à audição
para poder me familiarizar com as partituras trabalhadas durante as aulas, e, em
várias ocasiões, necessitei do empenho dos professores no sentido de que minha
dificuldade fosse minimizada.
Ao ingressar no Mestrado, eu estava ciente da escassez de trabalhos
acadêmicos relativos à Musicografia Braille e compreendia a necessidade de um
avanço do conhecimento nessa área. Dessa forma, toda a minha História de
contato com essa notação e de utilização desse código ao longo de minha carreira
consistiu em uma motivação para a escolha do tema abordado na presente
pesquisa. Tendo em vista a carência de produção acadêmica nessa área, pretendi
adotar um referencial teórico através do qual essa temática pudesse ser discutida
de um modo consistente e aprofundado. Além disso, as dificuldades por mim
enfrentadas quanto à obtenção de partituras em Braille me levaram a investigar e
avaliar os recursos tecnológicos que atualmente existem para facilitar a produção
e transcrição desse material. Por fim, pretendi também entrar em contato com
experiências de outras pessoas com deficiência visual que se dedicavam à
Música. Tencionei conhecer suas trajetórias musicais e aferir o grau de utilização
da Musicografia Braille em suas carreiras. Busquei compreender os desafios por
elas enfrentados e as estratégias por elas desenvolvidas para vencer esses
obstáculos.
Com base nos propósitos estabelecidos nesse estudo, busquei produzir
um material de caráter reflexivo, que pudesse consistir em um subsídio para todos
os que se interessam pela aplicação e difusão da leitura e escrita musical em
Braille.
7
2 REVISÃO DA LITERATURA
2.1 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA: perspectivas de uma Educação Musical
Inclusiva
2.1.1 Considerações sobre Educação Inclusiva e aplicações ao campo
da Música
O tema referente à inclusão de pessoas com deficiência ao ensino
regular tem gerado inúmeros debates, dos quais resulta uma diversidade de
abordagens e concepções. Essas discussões têm se centrado no acesso de
alunos com deficiências ao ensino fundamental, médio e, mais raramente,
superior. Nesse contexto, com pouca freqüência se tem abordado o acesso
desses alunos à Educação Artística e às produções culturais. Desse modo, o
presente estudo pretende enfocar essa questão, de forma a ampliar as reflexões
sobre a prática inclusiva, fazendo-as adentrar no terreno da Educação Artística,
em geral, e da Educação Musical, em particular.
Segundo Mantoan (2002), a inclusão educacional se refere à
possibilidade de todos os alunos estarem inseridos no ensino regular,
independentemente das peculiaridades ou características individuais que
apresentem. Assim, para essa autora, a implementação de um modelo inclusivo
consiste em um processo democrático que congrega valores ligados à ética, à
justiça e aos direitos humanos.
Nessa perspectiva, a inclusão não implica apenas em um respeito ou
em uma tolerância às diferenças, mas, ao contrário, suscita o convívio pleno com
a diversidade humana, extraindo-se todas as riquezas que dele advêm. Tal
processo se contradiz a idéias e práticas estigmatizantes, segundo as quais
uma dicotomia entre Educação comum e especial.
8
De acordo com tal concepção, incluir não significa apenas integrar
alunos deficientes a um sistema de ensino pré-estabelecido, mas significa propor
mudanças de conceitos e atitudes frente às diferenças individuais. Deve-se notar,
conforme apontam Mantoan (2002) e Werneck (2003), que, embora os termos
integração e inclusão possuam acepções semelhantes, eles denotam referenciais
teóricos que são divergentes entre si. Desse modo, o processo de integração
pressupõe uma inserção condicional das pessoas com deficiência aos meios
educacionais. Estas podem ser inseridas desde que se tornem aptas a se
adaptarem aos modelos previamente existentes. o processo de inclusão
pressupõe que todas as pessoas, independente de suas condições, sejam
inseridas no sistema educacional. O princípio da inclusão requer uma ruptura em
relação aos modelos construídos, fazendo com que o sistema se transforme
continuamente no decorrer de tal processo. O sistema se estrutura a partir das
necessidades dos alunos, de forma que se garanta a promoção de um ensino de
qualidade para todos. Nesse sentido, o paradigma da inclusão rompe com a
dicotomia entre a educação comum e a especial.
Para Mazzota (s.d.) a adoção de termos classificatórios, tais como:
Educação Especial, portadores de necessidades especiais, etc consiste na criação
de eufemismos que servem, em última análise, para reforçar e manter práticas de
exclusão.
É importante ressaltar que, embora a verdadeira inclusão envolva
mudanças bastante drásticas ao sistema de ensino, ela não deve, segundo
Mantoan (2001) ser considerada como algo utópico ou idealizado. Ao invés de ser
tratada como algo distante da realidade atual, a educação inclusiva deve ser
passível de se concretizar no tempo e no espaço em que vivemos hoje. Assim, as
barreiras a serem transpostas para que se crie um sistema educacional que
comporte a adoção de práticas inclusivas devem ser obstáculos reais e
”removíveis”.
9
No presente estudo, pretende-se abordar a educação musical a partir
do paradigma da Inclusão, o que implica na adoção de um referencial teórico-
metodológico coerente com esse modelo.
De acordo com tal concepção, assume-se o pressuposto de que a
Educação Musical possa ser voltada para todo e qualquer indivíduo, não
comportando assim, ambientes segregados e excludentes, tanto no que se refere
à formação quanto à prática musical. Para que a adoção desses princípios se
torne efetiva, presume-se que seja realizada uma ampla reflexão sobre as
características da educação musical vigente. Somente a partir dessa análise, se
torna possível à proposição de transformações mediante as quais a inclusão
passe a ser uma realidade.
Pressupõe-se, pois, a remoção de diversas barreiras no âmbito da
Educação Musical, sobretudo no que se refere aos métodos ou estratégias
pedagógicas utilizadas e à forma de avaliação do ensino-aprendizagem.
Para Mantoan (2001) Um sistema de ensino compatível com as práticas
inclusivas deve, necessariamente, transcender o modelo adotado no ensino
tradicional, pautado, por sua vez, pela transmissão unilateral de um conhecimento
estanque e pré-determinado. Nesse modelo tradicionalmente utilizado, o professor
ministra aos alunos um conteúdo previamente estabelecido, e, posteriormente,
espera que eles forneçam respostas adequadas frente àquilo que aprenderam.
Assim, a avaliação do aprendizado se dá pelo nível de assimilação do conteúdo
estudado, de forma que quaisquer erros e desvios de comportamento são
intolerados e inadmissíveis.
Pode-se notar que o referencial comumente adotado dentro da
Educação Musical não se difere de outras modalidades de ensino.
Louro (2003) observa que o ensino musical está pautado por esse
modelo tradicional, o que contribui para que, nesse processo, se perpetue a lógica
10
da exclusão. Ela aponta que as formas de seleção para o ingresso em escolas de
música são segregatórias, exigindo que o aluno domine um conteúdo
previamente determinado e atinja um desempenho a partir de parâmetros
estabelecidos. Assim, em geral, essas provas deixam de mensurar o potencial e o
conhecimento musical dos candidatos que a elas se submetem.
Deve-se notar também que a concepção pedagógica que subsidia
grande parte da Educação Musical tem, em geral, um caráter excludente. O
ensino se faz a partir de um modelo em que o professor transmite um conjunto de
conceitos teóricos desvinculados do fazer musical, e, em que a técnica é muitas
vezes supervalorizada, em detrimento às potencialidades dos estudantes.
Geralmente, os conhecimentos são ministrados de forma hierarquizada e são
enquadrados em disciplinas, de modo que os alunos tenham dificuldade para
estabelecer inter-relações entre diferentes saberes. Para tornar concreta essa
idéia, pode-se tomar, por exemplo, os conteúdos apreendidos nas áreas de
História da Música e Harmonia. Em História, o aluno toma contato com as
características de um determinado período, e, em Harmonia, ele tem a
oportunidade de aprofundar os aspectos harmônicos contidos nas peças
produzidas nessa época. Entretanto, a separação ou a fragmentação desses
conhecimentos favorecem que o aluno não seja capaz de integrá-los em um todo
coerente.
Além disso, as diferenças individuais são freqüentemente negadas,
assim como se nega a diversidade de maneiras através das quais as pessoas
podem se relacionar com a Música. Há, portanto, uma tentativa de se
homogeneizar os alunos em função de um desempenho esperado, não havendo
espaço para um real atendimento de suas demandas e necessidades. uma
única forma de ensinar, da qual estão excluídos todos os que o se adaptam a
ela.
11
Em contraposição a este paradigma, a proposta de um outro
modelo, em que o aluno é visto como sujeito na construção de seu próprio
conhecimento. Assim, o caberia ao professor pré-determinar o conteúdo a ser
transmitido nem as formas de ensiná-lo. Cabe a ele apenas subsidiar o processo
de aprendizagem dos alunos. Estes, por sua vez, constroem seus conhecimentos
cooperativamente (e não competitivamente), de modo que cada um contribui para
o processo de aprendizagem de seus parceiros. Esse modelo favorece a
instauração de práticas inclusivas, que, somente dessa forma, os alunos se
tornarão aptos a conviver com as diferenças individuais e terão oportunidades
para demonstrar e desenvolver suas próprias potencialidades.
Um modelo em que os conceitos musicais são assimilados a partir da
prática e da vivência dos alunos, e em que a criatividade e a experimentação são
constantemente assimiladas, possibilita o acolhimento e o apoio a todos os
estudantes, e o respeito a suas diferenças e peculiaridades.
Nota-se, portanto, que um professor adepto a este segundo paradigma
estará mais aberto a receber, em suas classes, alunos portadores de deficiência,
visto que ele terá uma maior flexibilidade para enfrentar situações desconhecidas
e desafiantes.
Neste caso, os alunos deficientes terão, a seu modo, acesso ao mesmo
currículo e às mesmas estratégias adotadas para os demais estudantes. Essa
idéia se contrapõe à necessidade da realização de adaptações curriculares. Em
geral, tais adaptações se fazem a partir de critérios que constituem “indicadores
do que os alunos devem aprender, de como e quando aprender, das distintas
formas de organização do ensino e de avaliação da aprendizagem com ênfase na
necessidade de previsão e provisão de recursos e apoio adequados” (SÁ, s.d.).
Trata-se, pois, de uma tentativa de controle externo do aprendizado, pelo qual se
tolhe a liberdade e a independência do indivíduo em tal processo.
12
Na literatura sobre educação musical para pessoas com deficiência,
encontram-se idéias favoráveis a esta “regulação externa”.
Hagedorn (2001), por exemplo, afirma que o professor de sica deve
realizar adaptações em suas aulas, levando em consideração as necessidades
dos alunos deficientes que possui. Estas adaptações envolvem uma vasta gama
de técnicas e suportes, que auxiliam os alunos a superarem limitações
decorrentes de suas deficiências. A autora destaca que a expectativa tida pelo
professor em relação a esses alunos deve ser semelhante àquela que recai sobre
os demais estudantes. Assim, o diferencial se situa apenas no modo como eles
realizam e demonstram seu aprendizado.
Citando Campbell e Scott-Kassner (1995), Hagedorn (2001) ressalta
que o professor, ao trabalhar com alunos que tenham deficiência deve adaptar a
clareza e o processo da instrução, a complexidade da tarefa, bem como os
materiais e os instrumentos utilizados. Ela exemplifica essa idéia afirmando que,
frente a uma dada atividade musical, os alunos apresentam vários graus de
retorno. Alguns estudantes com “necessidades especiais” podem obter os
mesmos resultados que os demais alunos na realização da tarefa, mas para tanto
podem utilizar meios distintos. Outros alunos talvez não estejam aptos a atingir os
mesmos resultados, mas ainda assim, são capazes de participar da atividade
proposta, à sua maneira.
Deve-se notar que a autora acima citada apresenta uma concepção de
ensino bastante centrada no professor, já que o sucesso do ensino depende
exclusivamente das habilidades dele para ajustar o conteúdo às peculiaridades
dos alunos, bem como pré-estabelecer os meios para que seus déficits sejam
supridos. De certa forma, esta proposta, por um lado, superestima o poder do
professor de controlar o processo de aprendizagem e, por outro lado, subestima a
capacidade do próprio aluno de criar recursos para que ele mesmo tenha acesso
ao conhecimento.
13
Um estudo realizado por Thompson (2000) também aborda a questão
do acesso de alunos com “necessidades especiais” às aulas de Música. A autora
estudou edições de métodos musicais elementares voltadas a professores, quanto
ao número e à natureza das referências acerca de adaptações das aulas, contidas
nesses livros. A autora estudou duas publicações, e analisou o conteúdo das
edições publicadas entre os anos 1975 e 2000. Ela concluiu que os livros
abordados traziam referências concisas, claras e concretas acerca de sugestões
para que o professor pudesse adaptar suas aulas. Estas sugestões encontravam-
se dispostas de modo que havia uma correspondência entre elas e as
classificações das deficiências a que se referiam (deficiência visual, motora,
auditiva, etc).
A partir do estudo realizado, a autora conclui que o número de
referências a essas adaptações tende a aumentar, á medida em que mais alunos
com “necessidades especiais” sejam inseridos no ensino de sica. Ela ressalta
que esse recurso tenderá a ser mais eficaz e poderá ser cada vez mais útil pelos
professores em seus planejamentos.
Deve-se notar que os métodos de ensino musical comumente utilizados
no Brasil raramente abordam questões que digam respeito à inclusão de alunos
deficientes, o que dificulta a análise de propostas pedagógicas que tenham sido
criadas e testadas.
Pelo exposto, pode-se considerar que o processo de inclusão de
portadores de deficiência ao ensino da Música ainda se encontra incipiente,
sobretudo no que diz respeito às investigações e reflexões realizadas acerca
desta questão.
Portanto, faz-se ainda necessária uma sistematização do conhecimento
nesta área, a fim de que se instaurem propostas e debates no que se refere à
Educação Musical Inclusiva, de modo a serem consolidadas práticas que sejam
fundamentadas em um referencial teórico claro e consistente.
14
2.1.2 Ensino de Música e Deficiência visual
Existe um pensamento bastante difundido segundo o qual os
deficientes visuais tendem a ser bem-sucedidos na área musical caso se
dediquem ao estudo dessa manifestação artística. Tal raciocínio se apóia na
tendência desses indivíduos a possuírem habilidades ligadas sobretudo à
percepção e memória musical.
Em uma revisão da literatura relativa ao tema, MackLeo (1988)
considera que ainda haviam sido realizadas poucas investigações acerca dessa
constatação, nos 50 anos precedentes à elaboração de seu artigo. No entanto, a
autora revela que na literatura produzida até então, eram freqüentemente
abordados três aspectos sobre esse tópico: as habilidades musicais em crianças
portadoras de deficiência visual, o desenvolvimento da Educação Musical em
currículos escolares e o ensino de instrumentos em escolas voltadas para cegos.
A mesma autora afirma que, em vários livros e artigos, aparece a constatação de
que as crianças cegas são mais musicais do que seus colegas dotados de visão.
Citando Pitman (1977), MackLeo (1988) afirma que: “É muito comum considerar
as pessoas deficientes visuais como sendo talentosas na área da Música, pelo
fato de serem deficientes.”
Pode-se dizer, todavia, que essa idéia, expressa de modo tão genérico,
não parece possuir fundamentos reais, visto que o desenvolvimento de
habilidades relacionadas à música está determinado por uma multiplicidade de
fatores, de modo que a deficiência visual não bastaria para explicá-lo. Porém,
deve-se considerar que, as pessoas desprovidas de visão recorrem a outros
sentidos, sobretudo à audição, para que possam perceber o ambiente que as
cerca de forma eficaz e adequada.
15
Deve-se notar que o desenvolvimento de habilidades musicais não
depende exclusivamente do uso da audição. Ele envolve uma inter-relação entre
diferentes áreas, conforme explica um neurologista
1
consultado:
Música e linguagem se localizam no cérebro nas mesmas regiões:
na parte dorsolateral do córtex frontal esquerdo e na parte inferior
do lobo parietal esquerdo. No entanto, diferente da linguagem, a
música envolve um entendimento mais intenso de melodia e ritmo,
que, por sua vez, são codificados nos lobos temporal e parietal
direito. A inteligência musical se exprime através da capacidade de
integrar melodia e ritmo com a leitura e compreensão da codificação
da linguagem. A linguagem musical também se expressa pelo
entendimento e manipulação da harmonia associada a diferentes
tipos musicais. Pelo fato de que cada área no cérebro age de forma
diferente com relação à música (leitura e compreensão dos
símbolos no lado esquerdo, ritmo e melodia no lado direito), é
provável que quanto maior a capacidade de leitura e compreensão
musical, maior a inter-relação entre essas áreas.
O entendimento desses mecanismos neurológicos ligados às aptidões
musicais pode contribuir para o estabelecimento de relações entre a Música e a
deficiência visual.
Através de um estudo realizado por Belin (2004), buscou-se investigar
se a superioridade das habilidades auditivas das pessoas cegas ultrapassava o
domínio da orientação espacial. Para tanto, os sujeitos da pesquisa foram
divididos em três grupos: um contendo pessoas que ficaram cegas a partir da
primeira infância, outro contendo indivíduos que se tornaram cegos tardiamente, e
outro contendo pessoas dotadas de visão. Os grupos foram submetidos a uma
tarefa em que, após ouvirem dois tons puros em duas diferentes freqüências,
tinham de decidir se o intervalo ouvido era ascendente ou descendente. Ao longo
da tarefa, a diferença de altura entre os tons ficava cada vez menor, assim como a
duração rítmica deles ia diminuindo.
1
Para melhor compreensão desse tópico foi enviado um questionário ao neurologista Dr.Leonardo
Fator Gouvêa Bonilha M.D., PH.D da University of South Carolina.(USA).
16
A partir desse estudo, concluiu-se que as pessoas cegas desde a
primeira infância tiveram um desempenho muito superior à performance dos
indivíduos pertencentes aos outros dois grupos. Encontrou-se, assim, uma nessa
tarefa. Isso pode ser explicado considerando-se que, na infância, uma maior
plasticidade do cérebro, em relação às idades mais avançadas.
Roy (2004) realizou um estudo para identificar o fenômeno do “ouvido
absoluto” entre as pessoas com deficiência visual. Através da aplicação de um
questionário e de uma tarefa envolvendo treinamento auditivo, o autor concluiu
que, entre os indivíduos cegos uma maior prevalência de pessoas com ouvido
absoluto, comparados com indivíduos dotados de visão. Além disso, o autor
identificou que, dentro de seu universo de pesquisa, os cegos dotados de “ouvido
absoluto” iniciaram-se mais tardiamente na Música, em comparação com os
videntes dotados da mesma qualidade. Por fim, o autor de aferir, através de
ressonâncias magnéticas, uma maior variabilidade da assimetria no plano
temporal, vista nas pessoas cegas que apresentam “ouvido absoluto”. Há, nesse
trabalho, referências à plasticidade cerebral das pessoas com deficiência visual, o
que aponta para uma possível reutilização, por parte dessas pessoas, daquelas
áreas que foram “desativadas” em função da perda da visão.
Segundo o neurologista consultado, quando ocorre perda visual, a
utilização e reaproveitamento dos outros sentidos são potencializados. Mas,
quanto ao desempenho musical desses indivíduos, ele afirma que:correlação
negativa entre a idade em que os indivíduos ficam cegos e o nível de
desempenho.
Ainda não se sabe ao certo se as áreas da visão se transformam
em “áreas musicais” , ou se as “áreas musicais” trabalham melhor
pela ausência de distração sensorial. O fato é que é notório que
deficientes visuais entendem música de forma diferente e o
estudo de como funcionam as áreas no cérebro nesses indivíduos
oferece oportunidade interessante de se entender como as áreas
do cérebro funcionam.
17
Uma vez que, de maneira geral, a capacidade auditiva seja mais
amplamente desenvolvida por essas pessoas, a música, por conseguinte, acaba
se tornando uma rica fonte de expressão para elas.
Nesse sentido, Figueira (2002) aponta que, ao longo da história, podem
ser encontrados inúmeros exemplos de deficientes visuais que se dedicaram à
Música e que obtiveram reconhecimento nessa área. Considerando a arte como
um instrumento de inclusão social, o autor cita diversos casos em que os
deficientes visuais se fizeram presentes em manifestações artísticas distintas,
dentre as quais a música aparece como predominante.
Oliveira (1995), também discorre sobre o papel que a música
desempenha na vida das pessoas deficientes visuais. Em seu trabalho, ele se
utiliza da memória de quatro músicos cegos e, dessa forma, reconstrói suas
histórias de vida, à luz do pensamento de Deleuse. Para tanto, ele recorre aos
quatro signos propostos por esse filósofo: signos mundanos, afetivos, amorosos e
artísticos. Em sua análise acerca dos depoimentos colhidos, Oliveira (1995)
considera que a sica aparece como um eixo condutor dos relatos de vida dos
sujeitos, e assim, afirma o papel dessa arte na construção da identidade desses
indivíduos.
Em outro contexto, Isaki (1988) aborda as importantes contribuições
históricas fornecidas por deficientes visuais no campo da música japonesa, como
intérpretes, compositores e educadores. O autor traça um panorama histórico, a
fim de sustentar a idéia de que esses indivíduos tiveram uma grande influência no
que se refere ao desenvolvimento da Música no Japão, desde sua forma
tradicional até seus estilos contemporâneos.
Os modos pelos quais os portadores de deficiência visual estabelecem
o primeiro contato com o estudo da Música consiste em algo a ser considerado.
18
Uma das formas pelas quais essa população estabelece tal contato se
dá através de instituições especializadas na área da reabilitação.
Assim, algumas dessas instituições inserem, em seus programas
curriculares, trabalhos ligados à Educação Musical, concretizados sob a forma de
cursos e oficinas. Em geral, essas atividades possuem um caráter terapêutico,
tendo em vista os objetivos dos programas de reabilitação nos quais se inserem.
Nessa perspectiva, o trabalho com Música é utilizado
predominantemente para favorecer o desenvolvimento de habilidades sensório-
motoras, sociais e/ou afetivas. MackLeo (1988), citando Borg (1977), afirma que a
música constitui um dos meios de comunicação mais importantes para as pessoas
deficientes visuais, e, nesse sentido, ela pode ser utilizada como um instrumento
eficaz na promoção e/ou aceleração do desenvolvimento físico, intelectual, social
e emocional desses indivíduos.
No referido contexto, a sica está a serviço dessa finalidade
terapêutica, de maneira que o aperfeiçoamento da performance musical
propriamente dita parece estar relegada a um segundo plano.
Porém, existem instituições cuja abordagem a respeito da inserção da
música em seus programas é mais abrangente. Como exemplo, pode ser citado o
Instituto Benjamin Constant (RJ), em que há cursos voltados ao aprimoramento de
aptidões musicais em modalidades específicas, tais como: instrumento de cordas,
de teclado, de sopro, canto-coral, etc.
Nesse caso, pressupõe-se que o desempenho artístico dos estudantes
se configure como objetivo primordial do trabalho, ao invés de que haja um foco
exclusivo sobre a intenção terapêutica.
19
Enquanto uma parte dos deficientes visuais se iniciam no estudo da
música dentro dessas instituições, outra parte procura, espontaneamente,
professores inseridos em escolas de música voltadas ao público em geral.
Comumente, tais professores possuem poucos subsídios acerca do
ensino musical para deficientes visuais e para portadores de outras deficiências.
Isto faz com que eles saiam em busca de meios que sirvam como
fontes de referência aos seus trabalhos. Entretanto, eles rapidamente notam a
carência desses recursos, o que os força a criar e desenvolver suas próprias
estratégias de atuação junto aos alunos que tenham deficiência.
Por um lado, a criação desses métodos (que se em geral de forma
empírica) pode , por vezes, dar origem a experiências bem-sucedidas, permeadas
de soluções criativas e eficazes.
Por outro lado, esse empirismo faz com que professores e alunos se
deparem com dificuldades, que, por sua vez, seriam supridas, caso houvesse a
existência de uma sistematização dos trabalhos realizados nessa área.
Hammel (2001) realizou um estudo cujo objetivo era investigar junto a
professores de música que tivessem entre um e vinte anos de prática, aspectos de
sua formação prévia relativos ao ensino musical para portadores de “necessidades
especiais”. A autora levantou a hipótese de que, embora os currículos
contemplassem tais cursos e experiências de campo, essas práticas eram
insuficientes para de fato fornecerem aos professores as competências
necessárias para poderem lidar com seus possíveis alunos deficientes. O
instrumento de coleta de dados consistia em um questionário no qual os sujeitos
eram convidados a identificar os cursos e os trabalhos de campo realizados em
sua formação, bem como os tipos de deficiências abordadas nessas ocasiões. O
instrumento também continha uma questão aberta através da qual os professores
deveriam indicar experiências ou áreas de estudo que poderiam ser
20
acrescentadas em sua formação. Os resultados da pesquisa confirmaram o
pressuposto de que os subsídios recebidos previamente pelos educadores eram
insuficientes e inadequados, tendo em vista considerar o grande aumento do
número de alunos com necessidades especiais em classes regulares. Em suas
respostas abertas, os sujeitos apontaram uma série de lacunas em sua formação
e sugeriram novas abordagens e conteúdos. Através desse estudo, a autora pôde
concluir que os educadores participantes da pesquisa se sentem frustrados diante
do processo de formação pelo qual passaram e diante de suas experiências
práticas com alunos deficientes. Eles relataram que não se sentem preparados
para lidar com esses alunos, por não possuírem as competências requeridas para
tanto. A autora salienta, entretanto, que os professores formados em tempos mais
recentes obtiveram mais subsídios do que aqueles formados em épocas mais
remotas. Ela ressalta ainda a existência de educadores preocupados em adaptar
planos de aulas e materiais para melhor atenderem às necessidades especiais de
seus alunos, e aponta um aumento do número de workshops, conferências e
publicações relativas ao tema.
Deve-se ressaltar que o ensino de música para deficientes visuais só se
difere do ensino para demais pessoas, no que diz respeito ao método de leitura e
escrita utilizado. Desse modo, para que o aluno com deficiência tenha acesso aos
mesmos conhecimentos musicais disponíveis aos outros alunos, faz-se necessário
que eles contem com um atendimento educacional especializado. Trata-se,
conforme explicita Mantoan (2003), de uma modalidade de atendimento que
subsidia ou suplementa o ensino regular, através da qual os alunos podem se
instrumentalizar para romperem as barreiras que obstruam o processo de
Inclusão.
Por meio desse atendimento, esses alunos poderão aprender os
fundamentos da Musicografia Braille, que, por sua vez, consiste em um código
consolidado internacionalmente. Como tal, a notação musicográfica em Braille
consiste em uma convenção, que, conforme Saussure (2002), é estabelecida a
21
partir de uma espécie de contrato social, sendo que seu uso requer um
aprendizado prévio. Sendo um código, seus fundamentos são exteriores aos
indivíduos, os quais, isolados, não podem recriar as normas intrínsecas
existentes. Nessa perspectiva, quaisquer tentativas de se representar uma
partitura em relevo, que não correspondam ao Braille, são válidas apenas para o
grupo que as convencionou. Desse modo, o uso desses novos códigos restringe o
acesso dessa parcela de indivíduos a todas as partituras/materiais didáticos
transcritos para a notação universalmente adotada. Freqüentemente,
estudantes com deficiência visual que criam códigos de escrita utilizados apenas
por eles mesmos, que, em geral, costumam fazer suas próprias anotações e
ditar oralmente para seus professores aquilo que escrevem. O uso dessa
“convenção individual” faz com que o aluno crie cios ou hábitos, dificilmente
removíveis. Por isso, conforme destaca Goldstein (2003), é importante que o
aprendizado da Musicografia Braille seja introduzido o mais cedo possível, dentro
da formação musical dos estudantes com deficiência visual.
Logo, a verdadeira inclusão dessa população em uma escola regular de
música pressupõe o domínio da notação em Braille, que a aquisição desse
conhecimento possibilitará ao aluno uma plena autonomia dentro do ”fazer
musical”. Em posse dos fundamentos da leitura e escrita musical, eles não ficarão
subjugados a adaptações externas (realizadas provisoriamente por um professor),
mas poderão livremente criar suas próprias estratégias de atuação no que diz
respeito ao aprendizado da Música.
Goldstein (2003) destaca a independência adquirida pelo músico que
possui os conhecimentos sobre Musicografia Braille. Para ele, o domínio desse
sistema é essencial para o entendimento dos conceitos básicos da Música, e para
o aprendizado da teoria musical. Além disso, a leitura de uma peça possibilita que
o indivíduo possa analisar suas seções, separadamente, e possa ter liberdade
para construir sua própria interpretação, ao invés de simplesmente copiar a
performance de outro executante.
22
Taesch (s.d.) ressalta, não somente a autonomia conquistada pelos que
aprendem a notação em Braille, mas também destaca a importância de que seja
dada aos estudantes com deficiência visual a oportunidade de fazerem suas
próprias escolhas, no que se refere à alfabetização musical. Faz-se, assim,
necessário que chegue aos alunos o conhecimento da existência de um sistema
de leitura musical próprio para os cegos, a fim de que eles próprios se
conscientizem da importância desse método.
Nessa perspectiva, faz-se necessário que as peculiaridades da
Musicografia Braille sejam compreendidas, a fim de que se tome conhecimento
das suas implicações no processo de ensino-aprendizagem de música para as
pessoas com deficiência visual.
2.1.3 O Sistema Braille
O sistema Braille é constituído por 63 caracteres, resultante da
combinação entre 6 pontos, dispostos em duas colunas verticais, e numerados de
cima para baixo e da esquerda para a direita. O conjunto matricial formado pelo
total de pontos dá origem ao sinal fundamental, a partir do qual derivam os demais
caracteres. O espaço ocupado por cada caractere é chamado cela Braille. Os
sinais que ocupam apenas uma cela são denominados Sinais Simples, enquanto
aqueles que ocupam um maior número de celas se denominam sinais compostos.
O conjunto de caracteres se apresenta, convencionalmente, em uma
seqüência denominada Ordem Braille, sendo que esses caracteres se distribuem
em 7 séries, logicamente constituídas. A figura 1 apresenta a ordem Braille, em
que cada série consiste em uma linha de caracteres.
23
Figura 1 – Ordem Braille
Fonte: São Paulo (Estado)
2
, 1999.
A primeira série é formada pelos sinais superiores, que são constituídos
apenas pelos pontos 1,2,4 e 5. As 4 séries seguintes derivam desses sinais.
Assim, a Segunda série constitui-se pelos sinais superiores acrescidos do ponto 3.
Na terceira, esses sinais são acrescidos dos pontos 3 e 6. E, na Quarta, é
acrescentado a eles o ponto 6.
A Quinta série é formada pelos sinais inferiores, (constituídos pelos
pontos 2, 3, 5 e 6), e reproduz formalmente a primeira. A Sexta série contém
2
São Paulo (Estado). Secretaria de Educação. Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas
– CENP. Serviço de Educação Especial. Centro de Apoio Pedagógico para Atendimento ao
Deficiente Visual – CAP. Código Matemático Unificado para a Língua Portuguesa. São Paulo: CAP,
1999. p. 74
24
sinais formados pelos pontos 3, 4, 5 e 6. Por fim, a sétima série se constitui por
sinais da coluna direita, (formados pelos pontos 4, 5 e 6).
Quanto à aplicação desse sistema, os caracteres se fazem polivalentes,
de forma que os mesmos sinais se prestam para representar símbolos literais,
matemáticos químicos, informáticos e musicais.
2.1.4 Aplicação do Braille à Música
Os primeiros fundamentos da Musicografia Braille foram criados, em
1828, pelo próprio Louis Braille (1809-1852), inventor desse sistema de escrita
destinado a deficientes visuais, segundo biografia editada pela Organização das
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura, UNESCO (1975). Antes
disto, os estudantes cegos aprendiam a ler música através de um sistema em que
a simbologia da notação em tinta era impressa em alto relevo. Esse sistema,
evidentemente, impedia que os alunos tivessem uma leitura fluente, assim como
dificultava o processo em que eles próprios pudessem escrever música.
Tem-se registro de que, em 1829, foi realizada a primeira edição da
obra intitulada "Método de palavras escritas, músicas e canções por meio de
sinais, para uso de cegos e adaptados a eles".
Sabe-se que em 1888, foi realizada em Colônia (Alemanha) a primeira
conferência sobre a escrita musical em Braille em que estiveram envolvidos quatro
países: França, Alemanha, Inglaterra e Dinamarca. Nessa conferência, além de
terem sido realizadas algumas modificações na simbologia, foram estabelecidas
as regras para o uso dos sinais de oitava, bem como as regras para duplicações
de símbolos. Assim também, foi estabelecido o modo em que se deviam escrever
os acordes, passando estes a serem escritos do grave para o agudo no caso
instrumentos de registro grave, e do agudo para o grave nas partes de mão direita
escritas para instrumento de teclado.
25
Posteriormente, algumas atualizações deste método foram propostas
em Paris, nos anos de 1927 e 1954.
Da primeira Conferência de Paris, em 1927 participaram os seguintes
países: Itália, França, Grã-Bretanha, Alemanha e Estados Unidos. Nesta reunião
foi discutida a padronização de alguns sinais que ocupam uma cela Braille.
Também se optou pela continuidade da escrita de acordes adotada até então. A
respeito disso, deve-se notar que, nos Estados Unidos, até 1954, os acordes
foram escritos sempre de forma ascendente.
Assim também, registros de que nessa conferência não se chegou a
um acordo quanto à escrita do baixo cifrado, sendo que ela ainda não estava
padronizada.
A Segunda Conferência de Paris, realizada em 1954, foi parte de um
Congresso Internacional promovido pela UNESCO. Esse Congresso tinha por
objetivo a unificação do Sistema Braille. Dezenove países, incluindo os que
haviam se envolvido anteriormente com esta questão, participaram da Conferência
sobre notação Musical. Nela foi discutida, sobretudo, a possibilidade de se
padronizar o formato da escrita de partituras. Assim, um grupo de pessoas
considerava que a forma compasso-por-compasso era a mais adequada para a
escrita. Outro grupo, entretanto, preferia a adoção da forma sessão-por-sessão.
As duas formas, entretanto, foram oficializadas, havendo um predomínio do
formato compasso-por-compasso.
Em tempos mais recentes, no ano de 1992, foram realizados novos
consensos, através da reunião de um grupo de 50 integrantes, em Saanen.
Por fim, em 1997, um novo padrão dessa notação foi consolidado e
divulgado pela publicação do New internacional manual of Music.
26
2.1.5 Caracterização da notação Musical em Braille
Uma vez constituída por caracteres, a leitura e escrita musicográfica em
Braille é feita horizontalmente, o que difere do sistema correspondente em tinta,
em que se lê e se escreve em ambos os sentidos.
Nesse sistema, as notas em colcheia constituem a base da escrita e
são representadas pelos caracteres correspondentes às letras de d a j, (caracteres
4 a 10). As demais figuras rítmicas derivam desses caracteres. Assim, as notas
em mínimas ou em fusas são escritas acrescentando-se o ponto 3 às notas em
colcheias (caracteres de 14 a 20). As notas em semibreves ou semicolcheias
escrevem-se acrescentando os pontos 3 e 6 aos caracteres de base (caracteres
de 24 a 30). Finalmente, as notas em semínimas ou semifusas são representadas
a partir do acréscimo do ponto 6 às notas em colcheias (caracteres de 34 a 40).
Note-se que uma mesma simbologia pode representar notas que
possuam valores rítmicos diferentes. Assim, por exemplo, os caracteres
representativos das semibreves são semelhantes aos que representam as
semicolcheias. Logo, cabe ao leitor de uma partitura determinar os valores de
cada nota, a partir do mero de figuras que aparecem em cada compasso, de
acordo com a fórmula de compasso estabelecida.
O fato de que a leitura e escrita musical em Braille sejam realizadas
apenas em sentido horizontal traz algumas implicações na sua utilização.
A primeira delas é o fato de que os acordes (escritos verticalmente na
Musicografia em tinta), serão em Braille, designados por sinais de intervalo, que
sucederão os caracteres correspondentes às notas. Dessa forma, por exemplo,
uma tríade maior, quando escrita do grave para o agudo, será representada
colocando-se o caracter correspondente à nota fundamental, seguida de um sinal
que designa uma Terça e de outro que designa uma Quinta. (Os sinais de
27
intervalo, em ordem crescente, da Segunda à oitava, correspondem
respectivamente aos: 51
o
, 52
o
, 53
o
, 49
o
, 50
o
, 43
o
e 26
o
caracteres).
Deve-se notar que a natureza dos intervalos contidos nos acordes é
determinada pela armadura de clave que precede o trecho musical. Assim, a
menos que haja um sinal de acidente ocorrente antes do intervalo, está
subentendido que ele representa uma nota contida na tonalidade principal da
peça.
Uma vez que a escrita Braille não se utiliza o sistema de claves, a altura
das notas é determinada pela colocação do número da oitava correspondente a
elas. Deve-se ressaltar que apenas algumas notas são precedidas desse número,
segundo critérios que se relacionam aos intervalos melódicos existentes entre
elas.
Além disso, a armadura de clave é representada apenas pelo número
de acidentes contidos na tonalidade da peça, sem haver nenhuma indicação sobre
quais notas são acidentadas.
Observa-se que essas peculiaridades da Musicografia Braille acima
descritas pressupõem que o leitor de uma partitura em Braille tenha um domínio
prévio acerca de conceitos como tonalidade, intervalos ascendentes e
descendentes, os quais o pré-requisitos para a leitura. Diferentemente da
Musicografia em tinta, que a leitura por esse sistema não está condicionada à
apreensão desses conceitos.
Outra implicação decorrente da escrita horizontal diz respeito ao fato de
não haver correspondência vertical entre diferentes partes de uma peça, como por
exemplo, entre as duas mãos, no caso de escrita para instrumento de teclado.
A correspondência é feita considerando-se os valores rítmicos das
notas contidas em cada parte. O mesmo se procede no caso em que o trecho
28
musical possui uma escrita contrapontística. As vozes, assim como as partes, são
separadas por determinados sinais, e a correspondência entre elas se em
função de seus desenhos rítmicos. Desse modo observa-se que o leitor de uma
partitura Braille não obtém, à primeira vista, uma visão global ou panorâmica da
peça, já que sua leitura é linear e fragmentada. Faz-se necessário, portanto, que o
leitor memorize cada parte separadamente para que depois possa juntá-las e
assim formar a noção do todo, dentro da peça.
A linearidade da escrita pressupõe a possibilidade de que uma partitura
em Braille seja disposta de diferentes maneiras. Ela pode estar em uma
disposição denominada Compasso Por Compasso, em que cada compasso de
uma mão é imediatamente seguido pelo compasso correspondente da outra. Essa
forma de dispor a partitura oferece, por um lado, a vantagem de que a relação
entre as partes seja feita facilmente, mas por outro lado, prejudica a leitura
seqüencial de uma das mãos. também a disposição denominada Período Por
Período, em que se escrevem todos os compassos de um período
correspondentes a uma mão, e posteriormente, todos os que correspondem à
outra. Essa disposição, por sua vez, possibilita uma boa leitura seqüencial de cada
parte, mas dificulta o estabelecimento da correspondência entre elas.
Essas especificidades citadas acima justificam, portanto, o fato de que
o processo de aprendizagem de leitura musical por meio da escrita Braille requeira
estratégias pedagógicas específicas e diversas em relação ao aprendizado de
leitura através da representação musicográfica em tinta..
O professor deve, então, possuir um conhecimento dos mecanismos da
notação Musical em Braille, a ponto de estar consciente acerca das habilidades de
que seus alunos precisam desenvolver para dominarem esse sistema. Isto não
pressupõe que ele seja polivalente, ou que ele domine todas as áreas de
conhecimento, mas evoca a sua responsabilidade em dar condições para que
seus alunos adquiram um conhecimento musical válido e consistente. Portanto,
29
caso o professor não possua um domínio sobre a Musicografia Braille, ele deve
estar disponível para buscar informações e subsídios que o tornem apto a prover o
acesso de seus alunos cegos a uma Educação Musical de qualidade.
Smaligo (1998) ressalta o papel dos educadores na aquisição da leitura
e escrita musical de seus alunos com deficiência visual. Segundo a autora, o
professor não deve incentivá-los a praticar a leitura e a escrita, como também
prover a eles os recursos necessários para o acesso a partituras e a materiais de
suporte ao aprendizado.
Uma vez que o professor estabeleça uma parceria com o aluno, nesse
processo, ele também estaem condições de ter uma maior clareza dos critérios
indicativos de um bom desempenho em leitura Braille. Deve-se notar, dessa
forma, que esses critérios se diferenciam daqueles que designam uma boa leitura
musical em tinta.
Um indicativo de um bom desempenho na leitura musical em tinta se
refere à possibilidade de que alguém leia um trecho musical à primeira vista, e isto
requer que o indivíduo seja capaz de “enxergar adiante” do compasso que esteja
executando ou entoando. Assim, por exemplo, ao entoar o terceiro compasso de
uma dada peça, ela deve já estar com os olhos no quinto ou sexto compasso.
Este procedimento não existe no caso da leitura em Braille, uma vez
que o leitor deficiente visual não possui uma noção global do trecho a ser lido.
Além disso, os instrumentistas não podem dispor de suas mãos enquanto tocam.
Segundo Boyer (1997) a leitura de uma partitura em Braille se dá por meio de um
processo linear e seqüencial, em que o conjunto de informações assimiladas está
restrito à abrangência do tato.
Logo, faz-se necessária uma redefinição dos critérios que caracterizem
uma boa leitura, adequados aos músicos com deficiência visual.
30
Nesse sentido, podem ser considerados alguns indicadores de
desempenho quanto ao uso dessa notação musical.
Um bom desempenho em leitura Braille possivelmente está associado à
capacidade de abstração e memorização de um dado trecho. Boyer (1997)
descreve o procedimento tipicamente utilizado por leitores de música em Braille.
Geralmente, o indivíduo uma determinada quantidade de informação musical
(por exemplo, um compasso ou uma frase) de cada uma das partes (por exemplo,
da mão direita e da mão esquerda), devendo reter o trecho lido em sua memória
imediata, antes de executá-lo ao instrumento. Segundo o autor, esse método de
leitura pressupõe dois níveis de atuação por parte do leitor: a identificação de cada
caractere lido e a adoção de estratégias para se manter o conjunto de informações
na memória imediata.
O mesmo autor também associa o grau de fluência da leitura musical
em Braille à habilidade de se identificar automaticamente os caracteres de um
texto como pertencentes ao código musical. Segundo ele, embora um leitor em
fase inicial de aprendizado tenha consciência de que está diante de uma partitura,
ele identifica primeiramente o caractere literal para depois “convertê-lo” ao código
Braille. Assim, por exemplo, se o leitor se depara com um colcheia, ele, em
princípio identifica a letra “D”, e, em seguida, faz a correspondência desse símbolo
com a informação musical, concluindo que se trata de um colcheia. em um
nível mais avançado de leitura, o indivíduo não “passa” por essa etapa de
identificar os caracteres literais, e, automaticamente os toma com significado
estritamente musical. Assim, ele é capaz de associar diretamente os símbolos
lidos às informações musicais, tais como: à afinação da nota, à correspondência
espacial do som em um dado instrumento, etc. Evidentemente, ao adquirir essa
habilidade, o leitor se torna capaz de assimilar uma partitura com muito mais
fluência e rapidez.
31
Outro aspecto ligado a um bom desempenho em leitura musical em
Braille está ligado à capacidade de “selecionar” as informações a serem
assimiladas dentro de um texto musical. Sabe-se que, em Braille, tanto as notas
quanto todas as demais indicações musicais (dedilhado, nuances, dinâmica, etc)
são representados pelo mesmo conjunto de símbolos, (o que não ocorre no caso
da Musicografia em tinta). Um leitor com maior experiência, ao se deparar com
uma partitura, é capaz de se centrar, inicialmente, na apreensão das notas, de
modo a filtrar as outras informações. Uma vez que tenha assimilado o trecho
musical em questão, ele se volta para as indicações contidas na partitura. um
leitor menos experiente, o está apto a fazer essa seleção. Ele necessita ler e
identificar cada caractere encontrado, o que restringe a possibilidade de que ele
possua rapidamente uma noção mais global da partitura.
Assim também, o grau de desempenho talvez possa ser aferido pela
assimilação do conjunto de regras estabelecidas para a Notação Musical em
Braille, bem como pela capacidade de aplicação dessas normas ao processo de
leitura. Conforme adquira uma maior experiência, o leitor se torna mais apto a
aplicar essas regras ao contexto musical a que se referem. Presume-se que o
domínio dessa habilidade esteja associado ao grau de conhecimento musical do
indivíduo. Desse modo, pode-se inferir que quanto maior o nível de formação
musical do leitor, menor a possibilidade de que ele cometa erros na aplicação das
regras. Suponha-se, por exemplo, que um indivíduo se depare com uma peça de
Mozart, transcrita para o Braille. Em um dado compasso, há, na mão direita um
acorde grafado como: si-terça-quarta-sexta. Segundo a regra convencional, este
acorde deve ser lido do agudo para o grave, (si, sol, fá, ré), por pertencer à mão
direita. Porém, se além dessa regra o leitor está familiarizado com as
características de uma peça mozartiana, e ainda, se ele identifica que naquele
compasso há uma passagem pela região harmônica da dominante, dificilmente ele
fará uma aplicação equivocada da norma estabelecida.
32
Deve-se notar que, para um músico vidente, esse grau de
conhecimento mais avançado também contribui para uma boa leitura. Entretanto,
no caso daqueles que lêem Música pelo sistema Braille, o domínio de conceitos
musicais se faz mais relevante e necessário.
Pressupõe-se, portanto, que o ensino de Música para pessoas com
deficiência visual não requeira professores especializados, ou com uma formação
que seja qualitativamente diferenciada. Porém, deve-se notar que os educadores
dispostos a desenvolver um trabalho junto a esses alunos devem conhecer as
peculiaridades da Musicografia Braille, assim como devem estar aptos a proverem
os recursos e o suporte de que tais estudantes necessitam durante o aprendizado.
2.2 OS RECURSOS TECNOLÓGICOS E A PRODUÇÃO DE PARTITURAS EM
BRAILLE
Freqüentemente, os músicos com deficiência visual afirmam que não
têm acesso ao aprendizado da Musicografia Braille devido à escassez de
materiais transcritos. Por outro lado, poucos materiais são produzidos devido a
uma idéia equivocada segundo a qual existe uma baixa demanda por essa
produção. Forma-se, assim um ciclo vicioso, que seria rompido caso os
conhecimentos sobre o ensino da notação musical em Braille fossem mais
sistematizados, e caso se consolidassem mais espaços dedicados ao estudo
dessa notação.
A produção de materiais didático-musicais e de partituras em Braille é,
sem dúvida, um dos pilares de sustentação do ensino e da divulgação desse
sistema. Faz-se, pois necessário que se conheçam as diferentes cnicas e os
diversos procedimentos utilizados para essa transcrição.
Nota-se que os músicos com deficiência visual possuem pouca
autonomia nesse processo, havendo sempre a necessidade do envolvimento de
33
uma pessoa vidente. E a esta, por sua vez, é requerido um alto grau de
especialização. Em geral, pressupõe-se que elas tenham domínio da leitura
musical em tinta, do sistema de escrita utilizado pelos cegos, e da Musicografia
Braille. Raramente, as pessoas dominam essas três áreas, o que desfavorece a
possibilidade de que elas trabalhem na produção de materiais. Freqüentemente,
pessoas videntes interessadas em confeccionar partituras para cegos, mas, via
de regra, elas desistem do intento, ao se depararem com as dificuldades inerentes
ao aprendizado da Musicografia Braille.
Nesse sentido, a ausência de um real esforço para que se compreenda
e se divulgue a Musicografia Braille pode levar esse método à extinção. De fato, a
realidade vigente, em que predominam a escassez de materiais transcritos e um
número muito pequeno de pessoas especializadas na área demanda um trabalho
efetivo para que essa notação musical seja consolidada como um instrumento
eficaz na qualificação dos músicos com deficiência visual.
Deve-se considerar que, na atualidade, o sistema Braille, de maneira
geral, atravessa uma crise, em função dos avanços tecnológicos que, por sua vez,
criam novas alternativas de acesso à informação e ao conhecimento. Belarmino
(2001), denomina esse processo como “desbraillização”, e aponta para a
necessidade de que se resgate a importância desse sistema de escrita para a vida
das pessoas com deficiência visual. Segundo a autora, existem, na atualidade,
pessoas que, convictamente, se colocam como “antagônicas” ao Braille,
classificando-o como um sistema fechado, anti-social, e de difícil compreensão
para quem vê. Mas felizmente há, por outro lado, aqueles que aparecem como
defensores dessa escrita, e que compreendem a dimensão dos ganhos tidos por
aqueles que a dominam.
Certamente, a Musicografia Braille se insere no mesmo contexto dessa
crise. E talvez, a pequena difusão desse sistema, a faça mais acentuada em
relação ao Braille genérico. Por um lado, os que imaginam que os avanços da
34
tecnologia trarão novas possibilidades de acesso a informações musicais, de
forma que isso leve à extinção de um sistema de escrita que julgam tão complexo.
Por outro lado, e, felizmente, os que apostam no uso da tecnologia como um
instrumento disseminador e ampliador da Musicografia Braille, sendo esta uma
notação já oficializada.
Em consonância com essa segunda linha de pensamento, algumas
ferramentas tecnológicas e alguns procedimentos desenvolvidos para a produção
de partituras em Braille têm provocado mudanças nesse cenário. Esses recursos
constituem parte daquilo que é denominado como Tecnologia Assistiva. Essa por
sua vez, é definida como:
Qualquer item, peça de equipamento ou sistema de produtos,
adquirido comercialmente ou desenvolvido artesanalmente,
produzido em série, modificado ou feito sob medida, que é usado
para aumentar, manter ou melhorar habilidades de pessoas com
limitações funcionais, sejam físicas ou sensoriais.
Para Hagedorn (1997), ela pode ser classificada, de acordo com sua
aplicação, em: recursos cognitivos, recursos de comunicação aumentativa,
recursos de mobilidade e recursos para controle do ambiente.
De modo geral, essa modalidade de tecnologia visa aumentar a
autonomia das pessoas com deficiência, e, em certa medida, propicia o
rompimento das barreiras que impedem a inclusão social.
Nota-se que a criação e adequação de ferramentas que se prestam
para esses fins ocorrem de maneira bastante ampla e diversificada. Entretanto,
pode-se constatar que ainda tem sido dada pouca atenção aos recursos que
facilitam as interações das pessoas com deficiência e as artes.
Ao que tange à leitura e escrita musical para pessoas com deficiência
visual, essas ferramentas se fazem muito necessárias, dados os diversos
empecilhos que essa população encontra no acesso aos materiais adequados.
35
Ao longo do tempo, foram desenvolvidos novos recursos auxiliares à
produção de partituras, sendo que essa evolução acompanhou o avanço da
tecnologia. Em princípio, a confecção desses materiais era feita mediante a
utilização de ferramentas não-específicas, ou seja, de ferramentas que não
haviam sido, em princípio, desenvolvidas para essa finalidade. Assim, podia-se
usar qualquer dispositivo adotado na escrita Braille para se produzir música.
Posteriormente, foram sendo criados recursos específicos para a
produção de partituras em Braille, os quais visavam atender às necessidades dos
músicos com deficiência visual.
Entretanto, apesar da existência atual dessas ferramentas
especializadas, seu uso ainda não é amplamente difundido, sobretudo no Brasil.
Geralmente, a transcrição de partituras é feita utilizando-se ferramentas genéricas
e adaptadas para esse fim.
Nesse caso, um texto musical pode, por exemplo, ser inteiramente
produzido com o uso de uma reglete
3
ou pode ser digitado em uma máquina
Perkins
3
, e, dessa forma, se produz apenas uma cópia da partitura. Outro método
consiste na digitação das músicas em um editor de texto. Nesse caso, o transcritor
estabelece uma correspondência entre os caracteres existentes no teclado do
computador e os símbolos da Musicografia Braille. Dessa forma, as partituras
ficam digitalizadas e passíveis de serem replicadas por meio da impressão em
Braille.
Ao longo dessa pesquisa, buscou-se investigar formas de produção de
partituras que favorecessem uma maior autonomia das pessoas com deficiência
visual, através do uso de softwares desenvolvidos especificamente para esse fim.
A partir da aplicação desses procedimentos, foi possível a criação de
um acervo de partituras passíveis de ser impressas em Braille.
3
Equipamentos próprios para escrita Braille.
36
Esse acervo é formado sobretudo por obras de compositores
brasileiros, a fim de que ele tenha um caráter inédito, e a fim de favorecer um
intercâmbio com instituições internacionais.
Nesta investigação, os esforços foram centrados predominantemente
no teste de procedimentos que otimizassem a produção das partituras. Apesar de
existirem ferramentas criadas para esse fim, deve-se notar que as peculiaridades
da Musicografia Braille requerem muitas vezes uma flexibilidade por parte do
transcritor. De fato, existem várias formas de se dispor uma partitura em Braille,
assim como diversas regras a serem aplicadas dentro de cada contexto
musical. Muitos aspectos da partitura em Braille são estabelecidos por quem a
transcreve, visando a facilitação da leitura e a adequação da escrita às
informações musicais contidas na partitura. Desse modo, nem sempre os
softwares específicos estão preparados para atingir essa flexibilidade, que suas
rotinas são fixas e pré-determinadas. Portanto, embora essas ferramentas sejam
eficazes na transcrição das partituras, elas não substituem o papel do transcritor,
que, por sua vez, confere um caráter humano ao processo.
Nessa investigação, foram criados e testados os procedimentos que
melhor atendessem às demandas desse trabalho, a partir dos referenciais teóricos
e metodológicos previamente estabelecidos.
Note-se também que, no Brasil, a utilização de ferramentas
tecnológicas específicas para a transcrição de partituras em Braille é quase
inexistente, de modo a não serem oferecidos cursos ou treinamentos nessa área.
Nessa perspectiva, esse trabalho de compreensão do uso dessas
ferramentas e de otimização do processo de produção desses materiais foi
realizado no Laboratório de Acessibilidade da Unicamp, conjuntamente com
bolsistas do SAE.
37
O primeiro pacote de softwares testados, como ferramentas para
auxiliar o processo de transcrição de partituras, foi um kit desenvolvido pela
empresa americana Dancing Dots. Esse pacote se constitui dos softwares Sharp
Eye, Lime e Goodfeel, e através deles, se pode realizar o escaneamento de uma
partitura, as correções após a digitalização e a conversão dessa partitura para o
Braille. Entretanto, foram encontradas algumas dificuldades no uso desse
software. Após o escaneamento das partituras, havia muitos erros a serem
corrigidos, sobretudo em relação a aspectos rítmicos e à sobreposição das vozes.
Essas correções eram necessariamente realizadas por uma pessoa vidente,
que o programa Lime o possui recursos para o uso por parte das pessoas com
deficiência visual. Isso restringe a atuação dos cegos, que, dessa forma, possuem
pouca autonomia nesse processo.
Tendo em vista os obstáculos acima citados, buscou-se encontrar
outro software que melhor atendesse às nossas demandas e necessidades. Foi
então descoberta a existência do software Braille Music Editor, que por sua vez,
possui interface com o Finale, um dos programas mais utilizados pelas pessoas
em geral para a digitalização de partituras.
Mediante a utilização desse editor, foram desenvolvidos e testados
alguns procedimentos, descritos e avaliados a seguir: Algumas partituras foram
ditadas integralmente para a pesquisadora por outra pessoa, que por sua vez,
passou por um treinamento relativo às especificidades da Musicografia Braille.
Esse treinamento foi necessário para que o ditado das partituras fosse mais
eficiente, de acordo com o método de escrita envolvido.
As músicas produzidas foram editadas através do software Braille
Music Editor, sendo posteriormente processadas pelo programa, para que se
pudesse fazer a conferência da transcrição. Estes arquivos foram salvos nos
formatos PLY (extensão própria a esse software), MID (para criar interface com
outros programas) e TXT (para possibilitar impressão em Braille).
38
Esse procedimento requer muita concentração por parte das pessoas
envolvidas, ainda que ele favoreça um maior controle sobre o trabalho realizado.
Segundo a descrição do software Braille Music Editor, encontrada no site:
http://www.dodiesis.com
O processamento das músicas editadas nesse programa se faz de
modo compatível com as regras estabelecidas no New Internacional Manual Of
Braille Music, de 1997.
Dessa forma, a utilização do procedimento acima descrito, possibilitou
uma averiguação acerca desta compatibilidade. Concluiu-se, nesse sentido, que o
programa obedece às principais convenções da Musicografia exemplo, no que se
refere às normas para uso de sinais de oitava, normas de formação de acordes e
normas de escrita polifônica.
No entanto, alguns sinais habitualmente usados não foram devidamente
reconhecidos pelo Software. Um deles é o Dal Segno, que é usado para o retorno
em um trecho musical anterior. Outro símbolo não aceito foi a representação do
que se denomina musicalmente de casa 1 e casa 2.
Constatou-se que uma desvantagem do uso desse software (na versão
em que ele foi testado) se refere ao fato de que, os caracteres são
reconhecidos em linguagem musical, após o processamento do texto. Desse
modo, quando ocorre um erro nesse processamento, existem dificuldades para
que o usuário leia os caracteres já digitados.
Outras partituras encontravam-se disponíveis em uma Biblioteca Virtual,
hospedada no site do fabricante do Braille Music Editor. Assim, foi feito o
DownLoad de algumas delas e a conferência de seus conteúdos (já que algumas
estavam incompletas). Esses arquivos foram salvos nas mesmas extensões
citadas, ou seja, em PLY, MID e TXT.Sem dúvida, essa biblioteca virtual consiste
39
em um recurso que auxiliou no aumento do acervo de partituras produzidas. No
entanto, nota-se que as partituras disponíveis são quase todas de fácil
transcrição e execução, de modo a fazerem parte de um repertório para Braille,
como por principiantes. Assim, grande parte das peças que compõe o repertório
básico de um músico não se encontra nesta biblioteca. Além disso, convém
ressaltar que muitas partituras disponíveis estavam incompletas, o que
acarretou na necessidade de que elas fossem melhor “tratadas”.
Algumas partituras foram digitalizadas manualmente por bolsistas do
SAE, mediante o uso do software Finale 2003. Após a digitalização, os arquivos
eram convertidos para a extensão própria do editor Braille (formato PLY)), e
assim, eram passíveis de serem lidas e editadas nesse programa.
Nota-se que uma pessoa deficiente visual não pode fazer a
digitalização manual com autonomia. Entretanto, após essa digitalização, eles
possuem independência para editar as músicas.
Esse procedimento tem a vantagem de que uma pessoa vidente com
um domínio mínimo da leitura musical em tinta é capaz de digitalizar as músicas
através do Finale. Além disso, todas as partituras produzidas por meio desse
software podem ser convertidas para o Braille, o que amplia significativamente o
acesso a obras musicais que já estejam disponíveis nesse formato.
Após a conversão dessas partituras em arquivo PLY, faz-se necessário
que elas passem por um processo de edição, de modo que elas sejam mais bem
adequadas às peculiaridades da Musicografia em Braille. Em muitos casos, a
transcrição das partituras não ocorre de um modo direto e literal, dadas as
diferenças existentes entre a linguagem musicográfica em tinta e em Braille. Por
vezes, a partitura importada do Finale ao Braille Music Editor apresenta algumas
redundâncias ou pleonasmos, que, por sua vez, demandam correções. Alguns
exemplos dessas redundâncias são: a colocação desnecessária de sinais de clave
além dos sinais de oitava, a repetição de trechos musicais, a qual poderia ser
40
representada por abreviaturas e símbolos adequados, a colocação redundante de
sinais de oitava antes dos intervalos indicativos de acordes.
Outras partituras foram encontradas em formato MID, tendo sido
extraídas de sites ou enviadas por pessoas interessadas em contribuir com esse
trabalho. Através de um Plug-In do software Finale, os arquivos foram convertidos
para o formato PLY, e, em seguida, puderam ser importados para o Braille Music
Editor.
Freqüentemente, são encontradas na Internet, partituras em formato
MID, para DownLoad. Porém, uma vez que a música é convertida para esse
formato, ela perde algumas informações bastante importantes, como por exemplo,
sua armadura de clave. Além disso, muitas dessas partituras aparecem com uma
notação rítmica alterada, por não terem sido escritas com base em um
metrônomo.
Os arquivos em formato PLY (compatível com o Braille Music Editor),
podem também ser salvos com a extensão TXT, e, dessa forma, ficam prontos
para serem impressos em Braille. Essa impressão é feita através do software
Winbraille, em que os caracteres do arquivo são convertidos para a simbologia a
ser impressa. No caso da impressão de partituras, alguns sinais pouco usados
na grafia Braille de maneira geral. Por isso, com o auxílio de um profissional da
área da Informática, foi criada uma Tabela de Correspondência de Caracteres, e
foi gerado um novo padrão de impressão, próprio para partituras.
Supõe-se que essas adaptações possam ser feitas utilizando-se outros
softwares de impressão Em Braille, como por exemplo, os programas Braille Fácil
e Duxburry.
Como resultado da elaboração desses procedimentos, foi produzido e
catalogado um acervo de partituras passíveis de serem impressas em Braille, as
41
quais se tornaram disponíveis aos usuários que busquem materiais didático-
musicais transcritos para o Braille.
Além disso, deve-se notar que toda essa experiência de investigação
dos recursos citados acima, aliada à produção das partituras propiciou que fosse
estabelecido um panorama abrangente sobre as diferentes formas de se produzir
uma partitura em Braille. Entretanto, nota-se que esse processo está em contínua
evolução, uma vez que as ferramentas tecnológicas são sempre atualizadas, de
modo que constantemente sejam criadas novas alternativas de produção.
43
3 FUNDAMENTOS METODOLÓGICOS
3.1 CONTEXTUALIZAÇÃO
Esse estudo visa apresentar um panorama atual do ensino da
Musicografia Braille no contexto das instituições e das escolas de música
brasileiras. Para tanto, julgou-se fundamental que fossem captadas as percepções
dos alunos de música com deficiência visual e de seus professores, visto que elas
têm um papel preponderante nas ações norteadoras desse ensino.
Assim sendo, pressupõe-se que os limites do acesso a Musicografia
Braille não são determinados apenas por fatores objetivos e externos aos
indivíduos, mas também se determinam pelas crenças e concepções que eles
carregam acerca dessa notação.
Além disso, a apreensão da forma como alunos e professores
percebem o ensino da música em Braille permite uma real compreensão das
demandas e necessidades dessa população bem como aponta caminhos para a
transformação do ensino.
Para que esse estudo fosse viabilizado, optou-se pelo enfoque
qualitativo, uma vez que a utilização dessa abordagem permite uma melhor
apreensão da totalidade da experiência humana. Nessa perspectiva, vale ressaltar
que, mediante a adoção desse enfoque, não se pretende manipular, controlar e
mensurar determinadas variáveis, tal como se procede em pesquisas
quantitativas, as quais, por sua vez, visam a generalização a partir de um
raciocínio dedutivo, tendo por base uma concepção determinista e reducionista do
objeto de estudo.
Em uma abordagem qualitativa, ao contrário, procura-se coletar dados
predominantemente descritivos, a partir do contato direto do pesquisador com a
44
situação que é problematizada, levando-se em conta o ambiente natural em que
tal situação ocorre. (Ludke, 1986) Pressupõe-se, por isso, que os métodos
qualitativos sejam mais adequados em pesquisas nas quais se pretende captar a
essência das experiências humanas, uma vez que, conforme ressalta Ludke esses
métodos permitem que se apreenda a vida tal como ela é vivida.
Portanto, tendo por base uma abordagem qualitativa, buscou-se, no
presente estudo, captar as percepções e as vivências da população formada por
alunos de música com deficiência visual e seus respectivos professores, através
dos discursos de indivíduos pertencentes a ela. Deve-se considerar, conforme
ressalta Friedmann (1995), que, por meio da articulação de frases e do
encadeamento entre as idéias, , as pessoas expressam suas visões de mundo,
que por sua vez, estão baseadas em valores por elas concebidos.
Lefèvre (2003) também salienta que a intencionalidade e os significados
que os indivíduos atribuem a um dado objeto se fazem presentes em seus
discursos. Desse modo, o conjunto de depoimentos colhidos permitem uma
compreensão do fenômeno estudado, à luz dos sujeitos participantes da pesquisa.
A partir dos discursos obtidos, pretendeu-se, portanto, investigar as
representações que os alunos com deficiência visual e os professores de música
têm acerca do ensino da notação em Braille, procurando, assim, compreender em
que medida essas representações influenciam as práticas pedagógicas vigentes.
Buscou-se, dessa maneira, conforme enfatiza Ludke (1986), considerar o contexto
em que os participantes da pesquisa estivessem inseridos, de modo a se
compreender o quadro referencial a partir do qual eles constroem suas idéias e
crenças.
Deve-se destacar também o envolvimento pessoal da autora desse
estudo com a questão problematizada, visto que esse envolvimento consiste em
um aspecto bastante importante dentro de um referencial qualitativo. Enquanto
estudante de Música, com deficiência visual, a pesquisadora passou pela
45
experiência de aprendizado da Musicografia Braille, assim como vivenciou a
superação de alguns obstáculos ao longo de sua formação musical. Pressupõe-se
que essas vivências possam, em certa medida, auxiliar na elaboração de
conclusões relativas ao tema, visto que a pesquisadora, tendo por base sua
história pessoal, tem a possibilidade de refletir segundo um olhar crítico mais
apurado.
3.2 PROCEDIMENTOS PARA A COLETA DE DADOS
Tendo em vista a proposta de se estabelecer um panorama do ensino
de leitura e escrita musical em Braille, foi realizada uma coleta de dados junto a
alunos de música com deficiência visual e a educadores musicais.
Em princípio, havia a intenção de contatar apenas aqueles estudantes
que, necessariamente, tivessem aprendido a ler e escrever música através do
Método Braille. Entretanto, a busca por esses sujeitos revelou algumas
características acerca do campo a ser estudado. De fato, um conjunto muito
pequeno de músicos com deficiência visual teve, em suas carreiras, acesso ao
ensino da Musicografia Braille. Além disso, casos de pessoas que, apesar de
terem aprendido a ler e escrever através dessa notação, não se utilizam dela com
freqüência em suas atividades musicais. Ao ser descoberta essa realidade,
pensou-se inicialmente que haveria muitos obstáculos para a realização dessa
pesquisa, que sua abrangência seria muito reduzida. Entretanto,
posteriormente, chegou-se à conclusão de que os dados encontrados eram
fundamentais para se compor o panorama desejado e ainda, concluiu-se que essa
realidade refletia justamente a carência de estudos nessa área, vindo, portanto, a
confirmar a relevância desse estudo.
Para a realização da coleta de dados, foram utilizados dois
instrumentos: um questionário contendo perguntas abertas e um roteiro de
46
entrevistas. Tais instrumentos visaram a obtenção dos discursos emitidos por
alunos e professores, através dos quais puderam ser extraídas conclusões acerca
do objeto dessa pesquisa, mediante o uso de um método de análise, que será
descrito mais adiante.
A respeito da criação desses questionários, convém ressaltar que o
modelo adotado foi construído com base nos mesmos tópicos a serem abordados
nas entrevistas, tendo sido elaborados dois formatos: um deles, passível de ser
aplicado em alunos e outro, passível de ser aplicado em professores.
Os modelos de questionários a serem preenchidos foram enviados aos
alunos de duas maneiras: em formato digital (remetido por e-mail), e em formato
impresso em Braille. Eles foram aplicados em duas situações: como meio de
obtenção de dados preliminares à entrevista, e como meio de se colher
depoimentos relevantes, de autoria de indivíduos com quem o agendamento da
entrevista foi inviável. Foram, dessa forma, colhidos 5 (cinco) depoimentos por
meio desses questionários, sendo 3 (três) aplicados em alunos com deficiência
visual total, e 2 (dois) em professores de Música.
Entretanto, buscou-se realizar o maior número possível de entrevistas,
dadas as vantagens de sua aplicação, conforme apontadas por Ludke (1986).
Essa autora destaca que, através das entrevistas, se torna possível uma captação
corrente e imediata das informações desejadas, assim como, são assegurados
importantes aspectos relativos à interação estabelecida entre o pesquisador e os
participantes do estudo. Quanto às entrevistas, foi elaborado um roteiro contendo
apenas os tópicos básicos a serem investigados, havendo entre eles, conforme
propõe Ludke (1986), uma ordem lógica e uma ordem psicológica. Assim sendo,
os tópicos foram organizados logicamente, de modo a se garantir um
encadeamento entre os assuntos abordados nas entrevistas. Assim também,
atentou-se aos aspectos psicológicos referentes ao impacto que esses tópicos
poderiam causar no entrevistado, e, desse modo, eles foram seqüenciados em
47
uma ordem de complexidade (dos mais simples aos mais complexos), e em uma
ordem de especificidade (dos mais gerais aos mais específicos).
O roteiro elaborado continha apenas os aspectos essenciais que se
pretendia abordar, de forma que, as demais questões viessem a surgir de acordo
com as respostas do entrevistado. Isso faz com que o instrumento seja
caracterizado como entrevista semi-estruturada, uma vez que ela se constitui de
um esquema básico a partir do qual derivam outras intervenções e
questionamentos.
O uso dessa modalidade de entrevista se justifica, por um lado, pela
possibilidade de haver um direcionamento por parte do investigador, e, por outro,
por ser possível que os sujeitos se expressem de maneira livre e espontânea.
Ludke (1986) ressalta a importância da flexibilidade na aplicação do roteiro pré-
estabelecido, a fim de que se garanta a livre expressão por parte do entrevistado,
e a fim de que se atente às peculiaridades de cada depoimento.
No total, foram realizadas 10 (dez) entrevistas, dentre as quais 7 (sete)
foram feitas com alunos que possuem deficiência visual total, e 3 (três), com
professores de Música.
Deve-se ressaltar que, todas as entrevistas foram gravadas em fita e
transcritas literalmente, para que se pudesse garantir a fidelidade aos
depoimentos dos indivíduos contatados. Apenas a partir dessa literalidade, foi
possível a construção do discurso expresso por essa amostra representativa da
população estudada, de acordo com as ferramentas de análise escolhidas.
Foram realizadas dez (10) entrevistas, dentre as quais duas foram
feitas em instituições de Reabilitação de Campinas. Um estudante foi entrevistado
no CEPRE (Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação), FCM Unicamp, e
outro, no Centro Cultural Louis Braille.
48
As demais entrevistas foram feitas no Laboratório de Acessibilidade da
Biblioteca Central da Unicamp. Deve-se destacar a importância desse Laboratório,
como um espaço que viabilizou o contato e a interação com pessoas ligadas às
questões relativas às deficiências. Nesse sentido, a existência do Laboratório
subsidiou o contato com alguns sujeitos/instituições, que forneceram dados
relevantes a esse estudo.
Foi também realizada uma visita à Fundação Dorina Nowill para
Cegos, onde foi entrevistado o Professor Zoilo Lara de Toledo. Para que o
agendamento da visita fosse viabilizado, fez-se necessário um esclarecimento
sobre as intenções da pesquisadora e as finalidades desse trabalho.
Nesse sentido, foi elaborada uma carta, em cujo conteúdo estavam
esclarecidos os objetivos da pesquisa e os propósitos da visita. Essa
correspondência foi enviada pelo Correio aos cuidados da Diretoria da Fundação,
e uma outra cópia, foi enviada aos cuidados do Professor Zoilo. Essa estratégia
surtiu bons resultados, visto que, uma semana depois, foi estabelecido o contato
por parte da instituição, a fim de que a visita fosse agendada.
3.3 PROCEDIMENTOS PARA ANÁLISE DOS DADOS
Tendo em vista a intenção de se delinear o panorama do ensino da
Musicografia Braille, buscou-se uma metodologia através da qual fosse possível
apreender o pensamento da população envolvida nesse processo. Após a
investigação de algumas ferramentas de análise comumente utilizadas em
pesquisas com enfoque qualitativo, concluiu-se que a adoção do método
denominado Discurso do Sujeito Coletivo possibilitaria a consecução dos objetivos
propostos nessa pesquisa.
O método consiste na elaboração de um discurso comum a uma dada
amostra representativa de uma população, a partir dos depoimentos coletados,
49
mediante algumas etapas de tratamento dos dados. Esse método foi
desenvolvido, segundo Lefèvre (2003), tendo em vista a superação de algumas
limitações inerentes ao processo de Categorização dos dados, comumente
utilizado em pesquisas qualitativas. Nessa perspectiva, através da elaboração do
discurso do sujeito coletivo, se torna possível a captação da essência dos
depoimentos coletados, sem que se perca o encadeamento das idéias expressas
pelos sujeitos. Essa ferramenta de análise pressupõe que os dados sejam
tratados a partir de algumas Figuras Metodológicas, conforme denominadas pelo
autor. São elas:
Idéias Centrais: Trata-se da síntese ou essência de um determinado
pensamento expresso pelo sujeito. Nota-se que a extração dessa essência
pressupõe o entendimento por parte do pesquisador acerca do trecho sintetizado,
de modo a sofrer uma relativa influência do seu “olhar” sobre os dados.
Expressões-Chave: Trata-se de trechos literais extraídos dos
depoimentos colhidos. A partir dessas expressões, se constrói o Discurso do
Sujeito Coletivo.
Ancoragem: Trata-se de alguns princípios norteadores do discurso,
ou de algumas teorias claramente formuladas pelos sujeitos. Devido ao não-
aparecimento desses princípios nas falas dos sujeitos dessa pesquisa, essa figura
não foi utilizada, dentro do presente estudo.
Discurso do sujeito coletivo: Trata-se do encadeamento das idéias
expressas pelos sujeitos, a partir do uso de trechos literais dos seus depoimentos.
Esse discurso constitui a expressão literal do pensamento emitido por uma dada
amostra, a partir do qual podem ser extraídas conclusões pertinentes aos dados.
Deve-se notar que nessa pesquisa, o Método referenciado acima foi
utilizado com uma certa flexibilidade, no intuito de adequá-lo às peculiaridades do
50
presente trabalho. Ele serviu como um subsídio que norteou a análise e o
tratamento dos dados, a partir dos objetivos estabelecidos.
3.4 ETAPAS DE ANÁLISE DOS DADOS
De acordo com os pressupostos do método escolhido, foram realizadas
as seguintes etapas para análise dos dados:
Em posse das entrevistas transcritas literalmente, buscou-se identificar
as idéias centrais e as respectivas expressões-chave presentes em cada um dos
depoimentos. Para tanto, os textos contendo a transcrição literal de cada
entrevista foram relidos atentamente, bem como, as gravações dos depoimentos
foram ouvidas repetidas vezes, para que se pudesse extrair a essência de cada
trecho discursivo. O resultado dessa etapa encontra-se em um quadro anexo.
Posteriormente, foram estabelecidas algumas temáticas, em torno das
quais as idéias centrais/expressões-chave puderam ser reunidas. Desse modo,
foram estabelecidos os temas e subtemas presentes nas entrevistas, agrupados
conforme segue:
Tema 1-Música e identidade
Subtemas:
a) Relações entre a Música e desenvolvimento pessoal;
b) Relações entre música e deficiência visual.
Tema 2: Leitura e escrita musical
Subtemas:
a) Acesso ao aprendizado da Musicografia Braille;
b) Uso de códigos não convencionais;
c) Concepções e crenças sobre a notação musical em Braille;
51
d) Avaliação da produção de material didático sobre o código musical
em Braille;
e) Produção de materiais didático-musicais para pessoas com
deficiência visual.
Tema 3: Aprendizado Musical:
Subtemas:
a) Acesso a um conhecimento musical consistente;
b) Alternativas de acesso às músicas, na ausência de partituras;
c) Dificuldades técnicas e possíveis soluções;
d) Relação professor-aluno.
e) Produção de (resultados em quadro anexo).
Por fim, foi realizado o encadeamento dos trechos literais selecionados,
a fim de que fosse construído o Discurso do Sujeito Coletivo, relacionado a cada
temática.
De posse desses dados devidamente organizados, buscaram-se
extrair reflexões pertinentes, a partir de um olhar crítico, em que se procurou
confrontar as informações coletadas com o referencial teórico adotado nesse
estudo. Por meio de abstrações e do estabelecimento de inter-relações entre os
dados, buscou-se construir um cenário do ensino da Musicografia Braille a partir
do universo estudado, em que foram levados em conta tanto os conteúdos
manifestos pelos participantes, quanto os conteúdos latentes ou implícitos aos
seus discursos.
53
4 DISCUSSÃO E ALISE DOS DADOS
No presente capítulo, será apresentada uma análise dos dados que
foram coletados por meio de entrevistas e questionários. Essa análise será
realizada mediante as categorias e subcategorias nas quais os dados foram
elencados.
Dentro de cada temática abordada, serão inicialmente apresentadas as
falas literais dos sujeitos em relação a ela, de modo que se possa apreender as
percepções dos entrevistados, tais como foram expressas por eles. Essa
literalidade possibilita que se tenha um retrato fiel acerca dos pensamentos e
crenças expressos pela população, e, além disso, permite que os leitores extraiam
também suas próprias conclusões a partir dos depoimentos. Buscou-se, sempre
que possível, construir o Discurso do Sujeito Coletivo, no intuito de se concretizar
os pressupostos metodológicos estabelecidos no presente estudo. Assim,
procurou-se encadear as falas de diferentes sujeitos, de modo a se compor um
discurso que expressasse o pensamento comum à população estudada. Para
tanto, foram selecionadas as falas mais significativas referentes a cada temática,
e, posteriormente, foram acrescentados conectivos entre elas, permitindo que o
discurso se tornasse coeso. Porém, em algumas ocasiões, julgou-se necessário
que determinadas experiências e opiniões particulares fossem destacadas ou
tomadas isoladamente. Nesses casos, optou-se por separá-las, para que se
evidenciasse seu caráter individual.
Em seguida às falas, será apresentada uma discussão acerca dos
tópicos levantados em cada tema. Essa análise foi elaborada tendo por base
todas as vivências adquiridas no do período relativo ao presente estudo. Buscou-
se, nessa perspectiva, estabelecer um confronto entre o posicionamento dos
entrevistados e o referencial teórico adotado nessa pesquisa. Além disso, a
própria experiência da pesquisadora como usuária da Musicografia Braille talvez
54
tenha contribuído para que os depoimentos fossem analisados com uma maior
sensibilidade e sob um ponto de vista mais crítico. Pode-se considerar que o
contato pessoal com os sujeitos e o vínculo afetivo estabelecido entre a
pesquisadora e as vivências dessas pessoas também consistiram em uma fonte
inspiradora para as reflexões suscitadas.
Por fim, vale ressaltar que as categorias/subcategorias em que os
dados foram agrupados muitas vezes se sobrepõem e possuem pontos em
comum. Buscou-se, nesse sentido, realizar um encadeamento da discussão,
estabelecendo-se as inter-relações entre suas diferentes temáticas.
4.1 MÚSICA E IDENTIDADE
Em relação a essa temática, serão abordados aspectos de identificação
dos entrevistados com a Música, bem como a ligação entre a Música e as pessoas
com deficiência visual.
4.1.1 Relações pessoais com a Música e com seu aprendizado
Ao longo das entrevistas, muitos sujeitos revelaram o quanto o contato
com a Música foi importante em suas vidas. Seguem algumas falas que revelam
essa ligação entre a Música e a vida pessoal e profissional dos sujeitos:
Eu sempre fui ligado muito a igreja e na igreja se estimula muito a
música. E meu primeiro sonho era aprender a tocar alguma coisa
para poder tocar na igreja, mas minha paixão por música é
antiga, mais ligada à igreja e ao próprio estimulo de música que se
fazia na escola em tempo de infância.
Desde pequena, eu sempre me envolvi com música, até tem uma
história interessante que a minha madrinha cuidou de mim na
incubadora, e eu acho até engraçado que a minha madrinha, ela
falou assim que eu gostava muito de música, de ouvir música
desde o tempo da incubadora, que eu nasci realmente com a
Música. Então eu acho que a música me faz muito bem, música
55
digamos que é a minha vida, acho que não conseguiria fazer outra
coisa na minha vida a não ser mexer com música.
A música pra mim teve importância muito forte, porque até então
eu era criança meio retraída, talvez por causa da visão, porque
não era descoberto, não sabia o que era que eu tinha, se era
normal não sei, então brincava pouco entre as outras, não tinha
muito contato com as outras, se tinha procurava ficar meio
afastado, ia pra escola e não conseguia desenvolver o esperado,
do que tinha que desenvolver. Noventa por cento da minha vida eu
me entreguei pra música porque foi o que me abriu mesmo, os
horizontes, me tornei uma criança mais alegre, mais comunicativa,
pra mim foi tudo. Hoje as pessoas têm um profundo respeito por
mim, eu sinto isto, hoje acabou aquela coisa, aquela diferença
toda.
[Estudar Musica] Representa muito, principalmente
profissionalmente, pois a música é meu único meio de vida.
Comecei a tocar violão aos 8 anos de idade.Tive vários
professores até chegar a universidade.Estudei sempre violão
popular, só na universidade é que estudei violão erudito. Sou
violonista mais popular do que um violonista erudito. Sou
guitarrista de uma banda católica, sou vocal, toco também contra-
baixo, dou aulas de música, sou segunda voz em dupla sertaneja.
Ao longo dos depoimentos, os entrevistados também mencionaram
experiências em que o aprendizado da música esteve ligado a aspectos lúdicos e
prazerosos:
Falando necessariamente de música, tinha coisa que eu tinha uma
super paciência, por exemplo, paralelo à aula de piano eu
estudava, aliás mais do que piano, eu estudava num tecladinho
que eu tinha ganho do meu pai, pelo qual eu me apaixonei. Era
um tecladinho da Cássio que tinha uns acompanhamentozinhos lá,
tinha uma fitinha que você botava, era uma fita magnética como se
fosse uma fita cassete, mas um pouco diferente, que tinha umas
musiquinhas na memória da fitinha e era como se fosse um
karaokê e eu tinha que tocar a linha melódica. Era bem legal, era
bem bonitinho. E naquilo eu fazia várias pesquisas musicais,
lógico, pesquisa na complexidade de uma criança, né?
Isso era muito legal, e até, foi muito legal inclusive para ampliar o
meu repertório porque tinha música popular, música erudita, era
pouca coisa erudita, mas enfim. Eu às vezes até pedia pra tia Elza
[a professora] para explorar um pouco a coisa do tecladinho e ela
um pouco conservadora meio que torcia o nariz, ela até poderia ter
aproveitado... E estabelecido algumas conexões: “- Peraí, você
56
descobriu isso...” Mas ela não conseguiu muito se flexibilizar
nesse sentido.
Ela [a professora] mesmo tocava e pedia pra gente tar imitando. E
volta esta questão da curiosidade, ela tocava a música e eu
tentava tirar a segunda voz da música, era bem legal, a gente
brincava, brincava bastante, eu e a professora nós brincávamos
muito.
Até o próprio músico que enxerga fica muito amarrado ali na
partitura, na pauta. Então ele não é capaz nem de curtir a música
que ele está tocando. Ele fica vidrado naquele negócio ali, e
esquece, né? E a gente, que, acaba não tendo a visão, bom, a
gente acaba sendo um pouco privilegiado por essa parte. Porque
você fica preocupado.
Considerações sobre o tópico
Pode-se considerar que a Música possui, enquanto manifestação
artística, um papel preponderante na constituição da identidade dos
estudantes/profissionais que lidam com ela. É comum que essas pessoas sejam
identificadas ou reconhecidas através de suas atividades musicais. Essas
atividades parecem estar indissociadas de suas histórias de vida, e até mesmo
consistem em um fio condutor de suas trajetórias pessoais.
Nota-se também, que o aprendizado da Música e a possibilidade de se
tocar um instrumento é motivo de muita satisfação pessoal e é um fator de
incremento à auto-estima. Isto é bastante claro em relatos como aquele acima
apresentado, em que o sujeito revela que “ganhou o respeito das pessoas” a partir
do contato com a Música. Por um lado, o músico enxerga a si próprio como
alguém capaz e habilitado para tocar um determinado instrumento. Por outro lado,
seus espectadores passam a admirá-lo por sua capacidade de produzir algo que
desperta neles uma variedade de emoções.
Porém, embora a Música esteja freqüentemente associada ao prazer,
muitas vezes seu ensino é pautado por parâmetros rígidos, que tolhem a
criatividade do indivíduo e que dissociam as atividades musicais dos afetos a ela
57
subjacentes. Em muitas ocasiões, o professor ensina a partir de um modelo pré-
estabelecido, e não leva em consideração as características pessoais de seus
alunos. circunstâncias, por exemplo, em que ele não se atenta para possíveis
atividades musicais extra-classe realizadas por seu aluno, que podem estar sendo
mais educativas do que seu método de ensino, e que podem estar contribuindo
sobremaneira para o despertar do potencial desses alunos.
Freqüentemente, ao longo do aprendizado, os alunos incorporam um
medo exacerbado de errar e de não cumprir o desempenho esperado pelo seu
professor, que, via de regra, deseja formar instrumentistas virtuoses e com um
impecável domínio técnico.
Nota-se também que, dentro do ensino que segue esta lógica
estritamente formal, os elementos teóricos são desvinculados da prática ou do
fazer musical propriamente dito. Em função disso, o ensino da leitura e da escrita
musical é realizado de modo que a notação musical esteja dissociada do resultado
sonoro que ela simboliza. Nesse sentido, os alunos são freqüentemente treinados
ou condicionados a reproduzir fielmente os elementos da partitura, sem que
assimilem os conceitos musicais a ela subjacentes. A leitura musical deixa de ser
incorporada a partir de uma aprendizagem significativa para o aluno, que, por sua
vez, passa a preferir o uso exclusivo da audição ao assimilar as peças. Esta forma
de ensino musical pautada unicamente pelo condicionamento é particularmente
prejudicial para as pessoas com deficiência visual, pois o domínio da Musicografia
Braille pressupõe a aquisição de conhecimentos musicais prévios e a formação de
conceitos lidos. A estrutura da notação em Braille torna impossível a leitura de
uma peça, sem que se tenha domínio do seu sentido musical.
De maneira geral, faz-se necessário ressaltar que a inserção de
elementos ligados ao prazer e à criatividade no ensino da Música bem como o
abandono de estratégias pedagógicas rígidas e pré-estabelecidas não constituem
um prejuízo à qualidade da Educação Musical. De fato, afetiva que o aluno
58
estabelece com a Música constitui a base para que ele esteja motivado a construir
seus conhecimentos, e, por conseguinte, progredir em sua carreira artística. Além
disso, pode-se considerar que um ensino realmente qualificado é aquele em que o
aluno recebe subsídios para que, por meio do contato com a Música, ele
desenvolva suas habilidades cognitivas, motoras e afetivas. Por conseguinte,
esses conhecimentos adquiridos transcendem a formação musical e se tornam
úteis em outros segmentos da vida do aluno.
4.1.2 Relações entre Música e deficiência visual
A estreita ligação entre a Música e as pessoas com deficiência visual foi
mencionada pelos entrevistados. Seus pensamentos podem ser assim reunidos:
Eu acho que a música tem uma identificação mais forte com as
pessoas que têm deficiência visual, talvez pelo fato da gente
depender mais do ouvido de que outras pessoas. Pelo fato da
gente ter que usar o ouvido como um dos substitutos da visão, não
vamos dizer substitutos, porque não é, mas uma das formas de
compensar a perda da visão, se adaptar, faz com que a nossa
relação com os sons seja maior. E a música, ela faz bem, ela é
uma terapia. Então, no nosso caso, eu acredito que sim, talvez por
essa relação, meio que indiretamente, mas ela acaba tendo uma
ligação mais íntima com o deficiente visual. Tanto que tem esse
paradigma de que todo deficiente visual canta. Uma generalização.
Um certo mito que as pessoas criaram. Até no livro da Helena
Flávia, ela coloca uma ilustração no livro “O segredo trocado em
miúdos”, que é um cego tocando piano. É um folheto que ela
trabalhava com os mitos que as pessoas criam em cerca do
deficiente visual. É muito interessante. Imagino que toda criança,
de qualquer maneira, os pais já colocam a criança em contato com
a música. Quando a criança é cega acho que mais ainda, né?
Porque se tem essa impressão ou se tem essa questão do senso
comum de que a criança cega vai aguçar mais os ouvidos, que vai
ter dons mais acentuados. A maioria das pessoas deficientes
visuais que eu conheço, gostam muito de música, eles se
identificam muito e eu acho que a música traz uma coisa diferente
com o interior. É uma questão mais de sensibilidade, não tem
como explicar muito isso. Eu acho que o ensino pra deficientes
visuais seria primordial na educação, para o deficiente, devia ser
até obrigatório na escola, porque abre o horizonte. Então isso
devia ser muito importante, porque é uma coisa que ele vai cada
59
vez mais afinar o ouvido, vai ter um ouvido mais apurado, ele vai
saber distinguir um som do outro, o tempo, e isso é muito
importante na vida, principalmente de quem é deficiente visual.
Considerações sobre o tópico
As inter-relações entre a Música e a deficiência visual foram
abordadas em um capítulo anterior, sob o ponto de vista do referencial teórico
abordado nessa pesquisa. Os depoimentos dos sujeitos confirmam a idéia aqui
abordada teoricamente, segundo a qual os cegos tendem a se identificar com a
Música. Essa identificação, conforme apontado pelos entrevistados, se deve
sobretudo ao fato de que as pessoas com deficiência visual utilizam-se da audição
com maior freqüência, e, assim, atentam-se a tudo o que possa ser ouvido. Mas
embora se note essa identificação, foi mencionada a existência de um mito,
segundo o qual todo cego necessariamente teria um bom desempenho na área da
Música. Trata-se, pois, de uma generalização equivocada, já que a inclinação para
a Música não é determinada apenas pela deficiência visual.
De fato, é interessante que os cegos (assim como todas as pessoas),
sejam expostos ao contato com o estudo da Música, para que eles próprios
avaliem seu nível de identificação com ela. Nesse sentido, deve ser dada às
pessoas com deficiência visual a liberdade para que elas escolham se querem ou
não atuar no campo da Música, uma vez que esta é apenas uma entre muitas
áreas de atuação possíveis.
Mas ainda que nem todas as pessoas com deficiência visual atuem
nessa área, existe, de fato, um número significativo de membros dessa população
que se interessam por realizar atividades musicais. E esse interesse consiste em
uma justificativa que aponta para a necessidade de que o ensino da Música para
pessoas com deficiência visual seja mais amplamente discutido e seja abordado
com maior profundidade. Sabe-se que existe uma grande carência de estudos
acadêmicos e de pesquisas que enfocam essa questão, e, por isso, se faz
60
necessário que haja a construção de um conhecimento mais consistente relativo a
esse tema.
4.2 LEITURA E ESCRITA MUSICAL EM BRAILLE
Nesse tópico serão abordados todos os aspectos referentes à
Musicografia Braille, que foram relatados nos depoimentos colhidos. Será
enfocada a questão do acesso a essa notação e aos materiais produzidos em
Braille, bem como as especificidades do ensino dessa Musicografia.
4.2.1 Acesso à Musicografia Braille
A questão do acesso à Musicografia Braille foi o tópico mais abordado
pelos sujeitos entrevistados. Esse tema foi intensamente problematizado, o que
revela a necessidade de que ele seja prioritariamente enfocado, ao se compor um
cenário atual sobre o ensino da notação musical em Braille.
Observa-se que a falta de uma sistematização dos recursos e todos
destinados a facilitar o acesso à Musicografia Braille acarreta em uma grande
variedade de formas através das quais as pessoas estabelecem contato com esse
código. Por meio dos relatos coletados, pode-se notar o esforço de cada indivíduo
na busca de meios e subsídios relativos ao aprendizado da notação musical em
Braille.
Destacam-se as seguintes formas de acesso à Musicografia:
a) Através de Curso por Correspondência
Estudei pela primeira vez a Musicografia Braille na Escola Hadley.,
por correspondência (curso que não concluí). Enquanto estudava
na Hadley, utilizava apostilas que eles forneciam. Posteriormente,
passei a utilizar alguns livros transcritos na Fundação Dorina
Nowill.
61
b) Através de Curso oferecido por instituição especializada
[O primeiro contato com a Musicografia Braille] Foi no Instituto
Santa Luzia, de Porto Alegre, escola especial para cegos.
Soube alguma coisa da [escola] Radley, eu soube através de
uma amiga minha, quer dizer, eu já sabia do Zoilo, mas soube que
ele continuava na fundação [Dorina Nowill], na verdade a
primeira pessoa por quem eu procurei foi a Dona Nanci que era
uma voluntária do Zoilo , os dois desenvolvem trabalho na
fundação, (...)Aí eu procurei o Zoilo, eu fiz algumas aulas com o
Zoilo, e aí nós paramos [de ter aulas].
c) Através de um professor universitário
tive contato com a Musicografia Braille no último semestre da
faculdade.Não havia estrutura no meu curso de instrumento.
depois de passados 3 anos e meio, é que o Professor Cláudio fez
um curso de Musicografia Braille e foi-me passando alguma coisa.
d) Através do Laboratório de Acessibilidade da Unicamp
Foi depois que eu conheci a Conceição, ela me falou que existia
esse método Braille, a Musicografia Braille e que pra mim isso
seria importante, e ela me indicou que eu viesse ao instituto e
procurasse ai com alguém, no instituto se eles me indicavam
alguém, Instituto do cego trabalhador. e eu vim procurei mas não
tinha muita referência boa não, o Diretor mesmo falava, isso é
muito difícil não existe uma pessoa especializada, eu não
conheço, não sei, (...) Cheguei aqui [na Unicamp], primeiro
consegui o livro e agora com essa porta, eu acho que a porta é
bem ampla pra mim, e conhecer aqui pra mim já foi uma vitória.
e) Através da mídia/imprensa
Eu vi uma reportagem na televisão de um menino em Guarulhos
tocando concerto com a orquestra de violão de Vivaldi. E o cara
tinha a parte em braille , e ai que eu fiquei sabendo que tinha
material pronto, que alguém tinha esse material, que isso
existia. Que existia eu sabia(...) mas eu não sabia que tinha
alguma escola que tinha esse material. tentei entrar em contato
com Guarulhos, mas não consegui. mas logo o Messias me falou
de vocês aqui, então eu achei que não precisava correr atrás.
Além de relatarem os meios de contato com a Musicografia Braille, as
pessoas entrevistadas manifestaram seus posicionamentos acerca das
62
dificuldades referentes ao acesso a esse código. A partir de seus depoimentos, foi
construído o Discurso do Sujeito Coletivo, conforme se segue:
Infelizmente, eu acho que é pouco divulgada, no nosso meio, a
Musicografia Braille. Eu acho que isso é uma pena porque, por
exemplo: se você aprende a fazer comida, você tem que aprender
corretamente com todos os passos; se você aprende a pular de
pára-quedas, você tem que aprender todos os truques para não
correr riscos, claro que a música não é algo que oferece perigo,
mas se você tem que aprender música, já que é uma coisa bonita,
uma coisa pura, você tem que aprender como um todo, porque
tem que ser por partes, eu acho que o ouvido é importante, é
muito legal você tocar de ouvido, mas o fantástico é você dominar
a obra. É você tocar sabendo o que está tocando, sabendo
explicar o que está tocando.
Acho que isso seja importante a divulgação, desse sistema e
realmente as pessoas se interessarem, porque tirar as músicas de
ouvido é importante, [mas] pra algumas músicas mais complicadas
assim , alguma coisa que agente queira tirar, a mais importante é
a Musicografia em Braille, a leitura mesmo.
Diante disso eu acho que todos os alunos deveriam ser induzidos
e incentivados, não obrigados, mas incentivados a aprender. Eu
acho que o básico, pelo menos um início do código Braille, todos
deveriam ser quase que obrigados assim, como num
conservatório, quer dizer, se o aluno quiser conservatório ele tem
que se enquadra na metodologia do conservatório, ele vai ler um
pouco de teoria musical. Então se o aluno se recusar
terminantemente a estudar o Braille dependendo do professor ele
poderia eventualmente dispensá-lo, dizer: “- Bom, eu ensino dessa
forma”. Acho que deveria fazer parte da formação de qualquer
musico cego, de qualquer contexto, de qualquer instrumento, seja
modalidade popular, seja erudita, enfim.É fundamental, é muito
importante, eu acho.
E eu gostaria muito de ter tido acesso a ele [ao código musical em
Braille] mais cedo, acho que a gente não pode dizer: “- Ah, agora
eu não aprendo mais!” Não, não é isso. Acho que é perfeitamente
possível aprender qualquer coisa em qualquer idade, [mas],
sabendo que tenho um bom ouvido eu acabei me acomodando e
talvez se eu fosse cobrada na idade certa, talvez se eu tivesse
sido um pouquinho orientada que fosse, se eu tivesse tido uma
orientação inicial, eu talvez me desenvolvesse de maneira mais
efetiva com relação à Musicografia Braille.
[E] Eu acho que com relação aos professores, eu penso que todos
deveriam aprender, quer dizer, o professor que se dispusesse, se
propusesse a dar aula para uma pessoa cega, eles até deveriam
aprender o básico de Musicografia Braille, pelo menos os sinais
63
básicos. O professor que eventualmente não o quisesse, que
disponibilizasse isso de alguma forma pro aluno.
[De fato, faltam] Material e mais professores preparados. Eu falei
que faltam professores iguais ao professor Zoilo, preparados para
dar aulas. Porque nós podemos dar aulas, mas é bom ter pessoas
que enxergam e saibam a Musicografia Braille para poder passar
as coisas, porque já pensou se não tiver ninguém?
[Então], eu acho que todos, não o deficiente como todo familiar
do deficiente deveria ter o contato com o Braille, até pra
comunicação, melhorar a comunicação, porque hoje você tem
claro a Internet, o telefone tudo , tudo facilitado, mas o Braille é
insubstituível.
Eu sempre senti falta dessa parte da Musicografia. Eu acho super
importante.Eu acho super legal isso, embora seja bastante difícil
você encontrar Musicografia Braille porque isto está surgindo
agora.
[Então] me preocupa a falta de formação de novos conhecedores
da Musicografia em Braille. necessário] Incentivar o estudo da
música e fomentar a pesquisa para tornar acessíveis os recursos
dos equipamentos eletrônicos, visto que muitos músicos
deficientes visuais.
[Por isso], No âmbito acadêmico, considero que a necessidade
do desenvolvimento de uma ampla pesquisa relacionada ao
ensino de música a deficientes visuais; da divulgação dessa
pesquisa em congressos e exemplares impressos; do ministério
de uma disciplina em cursos de pós-graduação em música ou em
educação ou em educação musical que trate do assunto de
maneira aprofundada; e da criação de um centro nacional público
de produção e armazenamento de material musical em Braille
(que contenha tanto o material de própria lavra quanto um material
adquirido no mercado externo).
[Seria necessário] tornar optativa essa matéria dentro do curso de
licenciatura e instalar programas nos computadores de midibraille.
Considerações sobre o tópico
Sabe-se que, atualmente, no Brasil, as possibilidades de acesso ao
aprendizado da Musicografia Braille o bastante restritas. poucos espaços de
formação em que alunos e professores possam aprender esse sistema, assim
como, poucos estabelecimentos em que se produzam materiais didático-
musicais para pessoas com deficiência visual. As iniciativas no intuito de se
64
difundir a Musicografia Braille o, em geral, pontuais e isoladas, de forma a não
haver fontes confiáveis que apontem caminhos para obtenção de recursos.
Disso decorre que os educadores musicais são, muitas vezes,
desprovidos de todas as informações acerca da notação musical em Braille.
Assim, quando recebem, pela primeira vez, um aluno com deficiência visual eles
se sentem desorientados e não sabem a quem recorrer. Some-se a isso o fato de
que, ao longo da formação acadêmica, esses professores raramente ouvem falar
sobre o modo como pessoas cegas lêem Música, e, por isso, eles muitas vezes
nem têm idéia da existência da Musicografia Braille.
Deve-se considerar também que as próprias instituições que prestam
serviços na área de Reabilitação para pessoas cegas não reconhecem a
importância do ensino da notação musical. Por vezes, seus representantes
consideram que a produção de partituras em Braille é demasiado cara e
trabalhosa e consiste em algo que não lhes retorno. Em outras palavras, as
entidades não investem na transcrição de partituras porque seus membros
acreditam que o serviço possui uma baixa relação custo-benefício. Eles são
incapazes de perceber que a oferta de materiais faria emergir a demanda de
pessoas interessadas, e essa demanda, por sua vez, impulsionaria a oferta.
Em condições ideais, ao iniciarem o estudo da Música, as pessoas com
deficiência visual deveriam, paralelamente às aulas em classes regulares, ter
acesso a um curso específico sobre a Musicografia Braille. Assim, à medida que
fossem adquirindo conhecimentos práticos e teóricos, essas pessoas
relacionariam esses conhecimentos aos mecanismos do código Braille, mediante
à orientação desse professor especializado. Nota-se, entretanto, que, sobretudo
no Brasil, essas condições de aprendizado são praticamente inviáveis, tanto
devido à escassez de professores capacitados para ensinarem o código musical
em Braille, quanto devido à necessidade de um grande investimento financeiro por
parte do aluno, ao ter de freqüentar dois cursos paralelos.
65
Portanto, em meio a esse cenário tão desfavorável, os músicos cegos e
seus respectivos professores necessitam despender um grande esforço pessoal,
caso queiram Ter acesso ao ensino da Musicografia Braille. Os professores
precisam de um alto grau de motivação para buscarem recursos adequados e
para compreenderem os mecanismos de leitura e escrita em Braille. Porém, nem
sempre eles estão dispostos a assumir esse desafio, o qual, sem dúvida, lhes
tomaria grande quantidade de tempo e energia. Em seu depoimento, o professor
Zoilo Lara de Toledo (da Fundação Dorina Nowill para cegos), revela a dimensão
do esforço que precisa ser despendido pelo educador:
O professor quando recebe o deficiente, antes de qualquer coisa
ele precisaria conhecer o sistema [Braille]. Eu aconselho da
seguinte forma: geralmente professores que querem se informar
são professores bons, que tem consciência, então procuram
ensinar de ouvido, mas de forma certa, dando teoria musical,
nome das notas, valores, dedilhado, posição e procuram fazer,
separadamente, a mão direita da mão esquerda e depois
procuram juntar através dos ritmos e dos nomes certos das notas.
Paralelamente, tem que transmitir ao eficiente a formas musical
Braille, porque muitos deles aprenderam de ouvido e o deficiente
com um bom ouvido se adiantou mais do que o conhecimento do
Braille. Ele não vai parar de estudar para aprender o Braille e
depois continuar, pode fazer paralelamente. que é muito
trabalhoso para o professor.
Por outro lado, os alunos precisam se dispor a assimilar os mecanismos
inerentes à leitura e escrita musical em Braille, de um modo quase auto-didata,
através dos poucos métodos existentes para esse fim. Isso requer que eles
estejam muito conscientes dos obstáculos certamente encontrados, e que estejam
seriamente empenhados no aprendizado da Música.
Nota-se que os músicos com deficiência visual que se dispõe a vencer
esse desafio têm condições mais favoráveis para progredirem em suas carreiras.
Em geral, esses indivíduos dispostos a assumir o propósito de aprender a
Musicografia Braille a despeito de todos os obstáculos possuem algumas
características pessoais que os auxiliam nesse intento. Supõe-se que eles tenham
uma maior propensão a serem mais perseverantes ou persistentes na realização
66
das tarefas, tenham uma maior tolerância à frustrações e sejam dotados de uma
boa auto-confiança relativa ao próprio desempenho. Observa-se também que o
apoio de familiares contribui significativamente para o desenvolvimento dessas
características, e, por conseguinte, para a aquisição das habilidades necessárias à
leitura e escrita musical.
De fato, a partir do aprendizado desse código, o aluno adquire
independência para escrever e ler partituras, por meio de uma linguagem
convencionada especificamente para o uso de pessoas desprovidas da visão. Isto
possibilitará que essa população freqüente espaços de formação musical, comuns
a todas as pessoas, o que remete à idéia de se conceber uma educação musical
inclusiva. Em outras palavras, o acesso à Musicografia Braille se torna um
elemento imprescindível para a inclusão dos alunos com deficiência visual em
escolas de músicas regulares.
4.2.2 Uso de código não-convencional
Muitas vezes, pela ausência de conhecimento da Musicografia Braille,
para suprir a falta de uma maneira de registrar as peças musicais, alunos cegos e
seus professores recorrem à criação de um código particular ou à adaptação de
um código existente, para suprir a falta de uma maneira de registrar as peças
musicais. Nota-se, por exemplo, a produção de partituras em tinta com relevo, a
adoção de símbolos em Braille arbitrários para representar informações musicais,
a adaptação de sistemas como tablaturas, etc.
Esses códigos se prestam a atender as necessidades imediatas do
aluno, quando ele se vê privado do acesso à Musicografia Braille convencional.
Seguem algumas estratégias de leitura adotadas pelos entrevistados:
a) Musicografia em tinta com relevo
67
Quando ela [a professora] começou a me introduzir, a introduzir
musiquinhas, e quando eu comecei a tocar musiquinhas mesmo,
por mais simples que fossem, ela me pôs em contato com a
Musicografia em tinta. Então ela inventou um método, ela mesma
que inventou uma maneira de me mostrar como funcionava o
código musical em tinta, a escrita musical em tinta, que era o
seguinte: as pautas, assim, o pentagrama ela fazia de barbante,
ela, acho que muito poucas vezes, ela adicionou as linhas
suplementares, acho que era mais uma coisa simples, então eu
me lembro das cinco linhas que eram o pentagrama, com o
barbante então ficavam em alto relevo, as notas musicais ela
cortava bolinhas, círculos de papel, e era até engraçado, ela
cortava o círculo com um furo no meio. Por que? Porque pra eu
sentir que quando ele ficava na linha, em cima da linha, ele tinha
um furinho no meio pra eu sentir o círculo e a linha, que o círculo
fazia uma intersecção com a linha, e o círculo que ficava nos
espaços, entre uma linha e outra, não tinha o furinho no meio.É
isso foi super intuitivo e tal, que ela inventou e, na época eu
sabia ler assim, até consegui ler mais ou menos.
[Esse código serviria para músicas] Bem simples, exatamente.
E eu acho que eu me cansava um pouco, e acho que ela desistiu,
e também porque ficaria muito complexo. Esse método era feito
numa escala muito grande, era um círculo de mais ou menos uns,
sei lá uns cinco ou seis centímetros de diâmetro.
b) Criação de um código Braille individual
Quando ela [a professora] me passa a música, ela fala a
seqüência de notas para mim antes de tocar. A primeira coisa que
eu faço quando eu já tenho elas bem organizadas, já tenho toda a
seqüência, se não da música toda, mas pelo menos do trecho que
eu estou fazendo, eu escrevo em Braille para não esquecer.
Escrevo o nome da nota de forma rudimentar, como se escreve
normalmente. Escrevo também o título da música e às vezes o
tempo, por exemplo, se é ternário, quaternário.(...) A gente tem
sempre que encontrar uma “muleta” para se apegar porque ficar
só no “achismo” não dá, você acaba demorando muito mais.
Eu pego e trago para para o [Centro Cultural Louis Braille]
Braille, aí, o que acontece? Como eu tive u-“ma visualização,
enxergando, eu trago para cá, peço para as meninas me
explicarem como elas [as partituras] estão e eu tento fazer uma
adaptação da minha forma Braille que eu possa entender.
Entendeu? eu peço para ela: Bate isso daqui, que vai ser mais
ou menos paralelo a isso. Eu coloco uma coisa, coisa minha
mesmo. que aí acaba dando errado porque, se um dia eu
realmente for ler uma partitura, realmente, sem chance. Que eu
não vou Ter o conhecimento.
68
c) Tablaturas
Existe um outro sistema de tablatura pra quem não é deficiente,
mas eu fazia assim: a primeira corda é o número um, segunda
dois, a sol seria a três, a seria a quarta e assim. (...) aí tinha um
problema que quando ele chegava na décima casa, então eu
colocava 101, 102, 103, que era duplicação das casas. O sistema
funciona, o único problema que tem neste sistema de tablatura, é
que você não consegue valorizar as notas. Então ele ia até um
certo ponto, depois ele ficava deficiente. Porque tem uma tablatura
pra quem não é deficiente, que ai você define o valor das notas.
Considerações sobre o tópico
Conforme se verifica nos relatos acima, aqueles que adotam métodos
de leitura não-convencionais se sentem freqüentemente inadaptados a eles. Nota-
se, assim, que a adoção desses métodos apresenta diversos problemas, que
dificultam o aprendizado inicial da Música e a continuidade da formação por parte
das pessoas com deficiência visual. Os próprios estudantes e educadores
admitem as falhas dessa prática, e, em alguns casos, tais obstáculos os levam a
procurar informações sobre a Musicografia Braille.
É importante que seja voltada a atenção sobre a criação desses
códigos individuais e suas decorrências.
Deve-se considerar, inicialmente, a complexidade da escrita musical e
as inúmeras informações que podem ser representadas em uma partitura. Nela,
encontram-se, além das notas e suas respectivas alturas e durações, todos os
sinais representativos de nuances, dinâmicas, repetições, simultaneidade entre as
vozes ou partes, etc. Devido a essa complexidade, nota-se que, historicamente, foi
necessário um longo tempo até que o próprio código musical em tinta pudesse ser
consolidado.
Do mesmo modo, o trabalho realizado por Louis Braille no intuito de
adaptar seu sistema à Música também foi longo e árduo. Posteriormente a ele,
69
sabe-se que a Musicografia passou por inúmeras transformações até que se
tornasse um código de fato eficiente.
Por essas razões, pode-se esperar que aqueles códigos criados em um
curto espaço de tempo, mediante um contrato particular entre professor e aluno,
não contemplem a complexidade da leitura e escrita musical.
Além disso, aqueles que adotam essas notações improvisadas ficam
restritos ao acesso apenas àquelas partituras transcritas para esse código. Eles se
tornam, portanto, dependentes dessa forma de adaptação, e ficam privados da
autonomia para fazerem a escolha por um repertório mais abrangente. Nota-se
também que a escrita musical realizada por esses indivíduos é compreensível
apenas para aqueles que compartilham do mesmo código, o que inviabiliza a
comunicação com outros músicos.
Deve-se destacar também que esses métodos de escrita não
convencionais muitas vezes não são adequados ao referencial perceptivo das
pessoas com deficiência visual. Tal inadequação ocorre, sobretudo no caso de
materiais contendo a escrita musical em tinta com relevo. Nessas partituras, um
pequeno trecho ocupa um espaço muito grande, que a produção em relevo
requer a ampliação do material. Assim, o tamanho das partituras quase inviabiliza
a leitura, visto que a abrangência do tato é bastante reduzida, e, por isso, as
pessoas com deficiência visual têm muita dificuldade para identificar o conjunto de
símbolos presentes nesses materiais. Portanto, esse tipo de produção é
interessante apenas para que os cegos conheçam os mecanismos de leitura e
escrita musical em tinta, e se tornam inviáveis como método de representação,
sobretudo, de obras mais complexas.
Deve-se ressaltar também que os alunos acostumados ao uso de
notações improvisadas apresentam dificuldades para aprender o código
convencional, posteriormente. Eles haviam se habituado a um código capaz de
satisfazer razoavelmente as suas necessidades pontuais, e assim, eles acabam
70
não se esforçando suficientemente na direção do aprendizado de todas as regras
que compõe a notação em Braille convencional.
4.2.3 Conceitos e percepções a respeito da Notação Musical em Braille
Dessa falta de informação e dessa escassez de meios que viabilizam o
acesso à Musicografia Braille, decorrem a formação de diversos conceitos que as
pessoas com deficiência visual e seus respectivos professores possuem acerca de
tal notação. Através de um Discurso do Sujeito Coletivo, essas percepções
puderam ser reunidas da seguinte forma:
Eu acredito que [aprender Musicografia] tenha sido uma
experiência boa, eu comecei realmente a saber como é que eu
leio eu lembro que eu sabia como que eu lia a partitura e tocava
junto.
A princípio a importância [da Musicografia], está na independência
do próprio músico, do próprio estudante, que ele vai encontrar. eu
acho que o papel do professor, pelo menos eu penso assim, é ir
até certo ponto, depois a pessoa criar uma independência.
[Mas] Devido a grande quantidade de sinais e regras utilizadas na
Musicografia Braille, a leitura e a escrita musical se torna algo
mais complexo, exigindo cuidado do aluno ou professor que utiliza
esse sistema. São comuns a troca de sinais e também ocorrem
confusões com o sistema alfabético. Entretanto, tais problemas
foram solucionados rapidamente por mim, tão logo comecei a
familiarizar-me com a aplicação da Musicografia de maneira mais
freqüente.
[Por isso] para aprender Braille, Musicografia Braille, você tem que
estar muito mais fundamentado, saber muito mais de teoria
musical do que quem enxerga, porque o Braille é mais abstrato,
pelo código em si, pela maneira com que as coisas são dispostas.
No Braille tem que saber muito mais de música do que quem
enxerga.
A Teoria Musical é uma coisa que se você não tiver uma mente
aberta para ela você não entende nem o começo dela. Porque ela
é uma coisa assim muito complexa. Não é que ela é complicada, a
gente que complica. E contando com o Braille, o Braille já é
complicado. Aí você tem muitos sinais, o Braille ele transforma um
risquinho em um sinal. Então, assim, se você tem uma bolinha
com um risquinho ele já transforma dois sinais. Para você ler.
71
Então sua mente tem que ser um gravador. Tem que gravar ali na
marra, né? E, mesma coisa, assim, é complicado o Braille, e
juntando mais com a música, a partitura, acaba sendo complicado
por causa disso. Do entendimento.
[E também, minha dificuldade durante o aprendizado da Música
em Braille foi] Ter de ler com a mão esquerda o que a direita irá
tocar e vice-versa, para depois tocar com as duas
simultaneamente.
[Prefiro ler partituras dispostas] compasso por compasso. Prefiro
que tenha mão direita e mão esquerda. Um compasso de cada
mão. Quando eu comecei era do outro jeito. Vários [compassos]
de uma mão e vários da outra. [Compasso por compasso] é mais
fácil porque] não tem que ficar contando os compassos.
E às vezes, até é super engraçado que eu tenho umas raivas do
Braille, às vezes me dá umas crises assim e eu falo: Deviam
inventar coisa melhor.Mas até hoje não inventaram, né? Então é o
que temos para o momento e acho que é o melhor método que se
tem.
Considerações sobre o tópico
As ações de alunos de música com deficiência visual e seus
respectivos professores são em grande parte norteadas pelas crenças tidas por
eles. Por isso, faz-se necessário compreende-las e investigar suas origens.
Em primeiro lugar, nota-se que, os professores e alunos abordados
acreditam na importância da Musicografia Braille e a reconhecem como uma
ferramenta que possibilita a autonomia das pessoas com deficiência visual, em
seu processo de formação. Eles parecem estar cientes de que a ausência da
leitura prejudica o aprendizado da Música, e parecem considerar que as outras
alternativas utilizadas para assimilar algumas obras consistem em meios
paliativos.
Entretanto, alunos e professores também possuem crenças negativas
acerca da notação musical em Braille.
72
Em geral, esse código é concebido como algo bastante complexo, e
quase inatingível, cujo aprendizado demanda um longo tempo e esforço. Essa
percepção usualmente decorre de experiências autodidatas, em que esses
músicos tenham realizado tentativas frustradas de aprender a leitura musical em
Braille.
Também se deve destacar que, freqüentemente, os músicos que
desconhecem os mecanismos da notação em Braille imaginam que a
correspondência entre seus símbolos e os da Musicografia em tinta seja
automática. Eles ignoram que a Musicografia Braille requeira um modo peculiar de
leitura e escrita, e que o sistema seja constituído por regras específicas. Assim,
eles acreditam que seu aprendizado dispensa um acompanhamento de um
especialista, e que as partituras (em tinta e em Braille) possam ser comparadas
símbolo por símbolo.
Deve-se notar que, por um lado, o estabelecimento dessas crenças é
uma conseqüência da falta de informação por parte de alunos e professores, e,
por outro lado, elas determinam (ou, pelo menos, influenciam) o modo de ação
desses indivíduos no que se refere ao acesso a esse código.
Não se pode desconsiderar que, de fato, a notação musical em Braille é
bastante complexa, principalmente porque requer de seus usuários um domínio
prévio de determinados conhecimentos musicais. Entretanto, seu aprendizado e
sua utilização não são inviáveis, e essas dificuldades seriam minimizadas se as
formas de acesso a essa notação fossem ampliadas.
4.2.4 Avaliação do Material sobre a Musicografia Braille
Uma vez que não existem cursos de Musicografia Braille oferecidos por
instituições, os alunos interessados nesse código recorrem aos poucos livros que
apresentam seus fundamentos, e tentam utiliza-los de um modo auto-didata.
73
Esses materiais são, em sua maioria, produzidos pela Fundação Dorina Nowill
para Cegos, e distribuídos para usuários e para outras entidades. Os
entrevistados relataram suas experiências com esses livros, e esses dados foram
reunidos em um discurso único, elaborado da seguinte forma:
Sei que a gente pediu algum livro na Fundação, eu tinha um ou
dois livros sobre teoria musical, agora isso foi super engraçado
porque eu comecei a pegar e ler, sozinha, e achei tudo aquilo
muito chato porque eu via y”, “ç”, “s”, eu não conseguia fazer a
troca de códigos, eu não entendi a lógica do negócio e eu comecei
a ler meio de maneira meio desordenada, não consegui organizar
e fazer uma seqüência de pensamentos e organizar, então eu não
consegui entender a lógica. Se alguém tivesse pelo menos me
explicado: “- Olha, o basicão aqui, colcheia,“d”, “e”, “f”,“g”, “h”, e
quando vira semínima põe o ponto seis...” Enfim, não. Eu não
entendia, não sabia nada do mecanismo, tentei ler algumas coisas
mas eu não tinha muita paciência.
Esse livro eu achei muito interessante, porque ele é um livro com
princípios básicos mesmo então, aquela coisa bem básica da
música, mas tem muito sinal, os sinais são muitos, então pra você
ter um contato rápido, e decorar aquilo tudo é muito dificultoso,
você tem que ter uma continuação, eu acho até ser obrigatório ter
um acompanhamento, porque fica muito difícil.
Eu peguei na Fundação, alguns livros de Braille, com métodos de
flauta, métodos de órgão, acabei não praticando na época, acabei
devolvendo os livros. Agora estou a procura de um livro que
explique detalhadamente para eu poder me educar e ficar mais
fácil, para eu “pegar” as músicas.
Considerações sobre o tópico
Conforme atesta o discurso acima apresentado, o aprendizado da
notação musical em Braille parece não ser possível unicamente por meio dos
livros mencionados. E, muitas vezes, o contato com esses métodos e a frustração
subseqüente fazem com que as pessoas desistam de aprender o código por
outros meios, acreditando que ele seja muito complexo.
Deve-se considerar a natureza dessas publicações, para que se
entenda a ineficiência de seu uso. Alguns desses livros consistem em transcrições
74
de métodos de teoria Musical, concebidos para pessoas videntes. Através deles, é
possível adquirir as noções básicas de teoria e de leitura, a partir de ~tópicos e
exercícios progressivos. Entretanto, uma vez que esses métodos foram escritos
para pessoas que lêem em tinta, sua metodologia não contempla o contato
progressivo com os mecanismos da Musicografia Braille, pois eles não se
encontram didaticamente estruturados de acordo com a complexidade desse
sistema. Além disso, os professores não iniciados na escrita Braille têm dificuldade
para acompanhar o estudo desse material junto aos alunos.
Outra publicação constantemente utilizada consiste em um livro que
traz toda a correspondência entre a escrita musical em tinta e em Braille. O livro é
bastante útil para que as pessoas com deficiência visual que tenham
conhecimento de Música possam entender os mecanismos da escrita em tinta, o
que é particularmente importante àquelas que exercem atividades pedagógicas.
Entretanto, o uso desse livro também não é eficiente no aprendizado da
Musicografia Braille. Embora sua estrutura facilite o acompanhamento do
professor nesse processo, ele não traz explicações detalhadas sobre a leitura e
escrita musical em Braille, e também não segue uma ordem didática propícia ao
aprendizado desse código.
Uma terceira modalidade de publicação é constituída por Manuais
Internacionais que contém as últimas normas mundialmente convencionadas para
a Musicografia Braille. Deve-se ressaltar que o manual mais recente que foi
traduzido ao Português e transcrito para o Braille data de 1956. Além disso, não
se trata de um material didático, e sim, de um compêndio de regras que podem
ser consultadas por leitores do código musical em Braille. Portanto, ele também
não deve ser usado como instrumento facilitador do aprendizado da notação
musical.
Nesse sentido, existe uma carência de livros através dos quais os
fundamentos da Musicografia Braille possam ser assimilados. uma escassez
75
de materiais que facilitem o acompanhamento do estudo por parte de professores
e que estejam didaticamente organizados de um modo eficiente.
Além disso, deve-se considerar que o próprio processo de leitura
através do método Braille dificulta o manuseio dos livros que explicam a
Musicografia. Isso ocorre porque o Braille consiste em uma leitura til, o que não
permite ao leitor uma noção global do texto, tal como se procede na leitura em
tinta. Assim, com exceção de alguns leitores mais experientes, os indivíduos não
conseguem manusear o material fluentemente, e, desse modo, não podem
assimilar os mecanismos da Musicografia através dele.
4.2.5 Avaliação da produção de materiais didático-musicais
Sabe-se que, além da falta de materiais instrutivos sobre a Musicografia
Braille, os músicos com deficiência visual enfrentam dificuldades para encontrar
materiais didático-musicais de maneira geral. Os entrevistados expressaram essa
carência e apontaram as possíveis origens desse problema, que foram reunidas
em um Discurso do Sujeito Coletivo:
Existe uma carência muito grande de livros, métodos e partituras,
além da imensa burocracia para adquirir os materiais existentes
na fundação. Por isso, muitas vezes sou obrigada eu mesma a
confeccionar em Braille os materiais dos quais necessito para
estudar ou dar aulas.
Acessei o site da Fundação Dorina Nowill e observei que eles
disponibilizam uma listagem com as partituras que possuem.
Achei a iniciativa importante e bem executada, mas o material
precisa ser ampliado e atualizado.
A maior dificuldade encontrada pela aluna está associada à
escassez de material atualizado disponível no mercado, ou seja,
algumas atividades não podem ser executadas pela aluna porque
os livros utilizados em aula não foram traduzidos. Entendo que
cabe às entidades governamentais custearem tais traduções para
o Braille, já que não possuem fins lucrativos e existem com a
finalidade de prestar serviços à população.
76
Primeiramente, deveríamos preparar melhor nossos professores
de música para receberem alunos deficientes visuais, implantando
nas universidades e conservatórios musicais o ensino da
Musicografia Braille. O acesso a livros e partituras deveria ser
mais facilitado, com a instalação de impressoras Braille nos
principais centros de ensino musical, além de pessoas que
pudessem transcrever digitalmente partituras que pudessem ser
impressas para alunos cegos.
complicado no sentido] De não ter material. Porque assim: se
tem material, automaticamente o pessoal vai estudar.
Pode impossibilitar muitas vezes o pessimismo do aluno com
relação à acessibilidade de materiais, [ele] fala: “- Ah, pra que quê
eu vou aprender, não tem livro feito?” mas acho que quando
aumentar a demanda, sabe vai aumentar a produção de livros,
né?
Considerações sobre o tópico
Conforme apontado, no Brasil, poucas instituições que produzem
material didático-musical em Braille, e aquelas que prestam esse serviço utilizam
uma tecnologia não muito avançada. De acordo com o que foi exposto no
capítulo 2, a produção dessas partituras consiste em um trabalho lento e, na
maioria dos casos, ele precisa ser custeado pelos próprios usuários solicitantes.
Os pedidos de transcrição individuais se encarecem em função das despesas de
produção dos materiais, e, assim, o serviço se torna inacessível a muitas pessoas.
Além disso, deve-se considerar que os músicos com deficiência visual
ficam restritos ao aprendizado das obras que constam dos catálogos das
instituições especializadas, e, desse modo, não possuem liberdade para a escolha
de repertório.
Freqüentemente, esses catálogos não contemplam as exigências dos
programas básicos requeridos pelas escolas de Música, as quais o oferecem
nenhuma forma de apoio ou subsídios, no que se refere à transcrição de materiais
em Braille. Por isso, os alunos cegos regularmente matriculados nesses
77
estabelecimentos se tornam defasados em relação a outros estudantes, quanto à
abrangência do repertório assimilado.
Essa situação de defasagem se agrava quando o aluno consegue
ingressar em uma Faculdade de Música, cuja grade curricular é composta por
diversas disciplinas que, por sua vez, requerem o contato com uma grande
quantidade de partituras. O custo e a demora na produção dos materiais
inviabilizam o acesso do aluno a todas as peças trabalhadas em sala-de-aula, e,
evidentemente, isso prejudica sua formação acadêmica. Tais dificuldades foram
expressas na fala de uma professora Universitária, que havia recebido uma aluna
com deficiência visual:
Considero o desenvolvimento de minha aluna portadora de
deficiência semelhante ao de outros bons alunos da mesma
classe, mas observo que a falta de um material impresso em
Braille inviabilizará um maior aprofundamento e independência.
Como sabemos que hoje existem programas de computador que
executam traduções de português para Braille e de notação
musical (MIDI ou impressa) para Braille, cabe às entidades
públicas adquiri-los, para que o potencial desses profissionais seja
plenamente aproveitado.
De maneira geral, a escassez de material didático-musical produzido
para essa população impede o acesso a um conhecimento musical consistente e
constitui um obstáculo ao desenvolvimento da carreira dos sicos com
deficiência visual.
4.3 ASPECTOS REFERENTES AO APRENDIZADO MUSICAL
Nesse tópico, serão abordadas algumas questões ligadas ao
aprendizado musical, que foram abordadas pelos entrevistados, mas que não são
diretamente relacionadas ao contato com a Musicografia Braille. A partir delas,
podem ser suscitadas reflexões tanto acerca da Educação Musical para pessoas
78
com deficiência visual, como acerca da Educação Musical voltada a todas as
pessoas.
4.3.1 Acesso ao conhecimento musical consistente
Grande parte dos entrevistados compreende a importância de que seja
garantido às pessoas com deficiência visual o direito de acesso a um ensino
musical de qualidade, conforme se verifica em seus relatos, organizados em um
Discurso do Sujeito Coletivo:
Eu estudei música, para aprimorar as técnicas e crescer em
conhecimento musical. Quis ser diferente dos outros violonistas
que tocam mas não estudam. Eu tenho colegas que tocam e
não sabem dizer o que é uma semicolcheia, semibreve, compasso
binário, ternário, quaternário, porque toca de ouvido. Eu acho
que o ouvido é importante.
É importante você ter um ouvido educado para aprender, mas
você tem que ter consciência do que está tocando, para ter
conhecimento do que está fazendo.
Eu acho que o que deveria acrescentar é que isso fosse mais
aberto, fosse mais acessível às pessoas, principalmente aos
deficientes visuais, porque quando se fala em deficientes visuais,
acha que o deficiente sabe ouvir rádio, e tocar violão, só, não
acha que o deficiente pode ser um bom músico lendo a partitura,
tudo. Então eu acho que isso deveria ser mais aberto, ter mais
aprofundado essas coisas, mesmo nas escolas, colocar na pauta
mesmo colocar no currículo escolar, essa coisa é pra expandir
mais.
[Deve haver] A maior divulgação, e acho que um certo tipo de
empurrãozinho, é o que eu falei na questão do interesse, Fazer os
deficientes se interessarem por música, é descobrir esse
potencial, eles gostam de música, mas o que é mais legal, as
pessoas se envolverem de verdade com a música, porque elas
vão dizer se elas gostam de verdade ou não Se é só para passar o
tempo, só pra mudar o interior mesmo.
79
Considerações sobre o tópico
A importância da Música para as pessoas com deficiência visual é
comumente reconhecida, e, por isso, diversos projetos institucionais
desenvolvidos nessa área. Mas, de maneira geral, a Música é utilizada tendo em
vista uma finalidade terapêutica, como um meio para o desenvolvimento de
algumas habilidades, e, assim, uma escassez de concepções e de práticas
através das quais a pessoa com deficiência possa se legitimar enquanto artista.
Nota-se, nesse sentido, que os projetos relativos à Música para
pessoas com deficiência visual não contemplam o acesso a um conhecimento
musical consistente. Não é assegurado a elas o direito de possuírem uma
formação adequada, em espaços regulares de ensino.
Nessa perspectiva, tendo em vista essas condições, o potencial musical
dessas pessoas não pode ser plenamente desenvolvido. Suas capacidades
auditivas, adquiridas como conseqüência do uso mais intenso e freqüente da
audição, não são totalmente canalizadas para o desenvolvimento de habilidades
musicais. Em outras palavras, os recursos auditivos não são utilizados como um
meio através do qual se possa adquirir um conhecimento musical consistente.
Contrariamente, observa-se com freqüência que os alunos de sica com
deficiência visual se acomodam, diante do fato de terem um “bom ouvido”, de
modo que eles deixam de buscar outros recursos e de aprimorar seus
conhecimentos. Além disso, os professores reforçam essa atitude, poupando o
aluno em relação ao aprendizado da leitura e da teoria, e centrando o ensino
exclusivamente na assimilação auditiva.
A partir dos relatos, notou-se que os músicos abordados o
conscientes da importância dessa formação e da consistência dos conhecimentos
adquiridos. Eles percebem a carência de apoio e de subsídios que possibilitariam
a eles uma verdadeira inclusão educacional no campo da Música. Porém, é
80
interessante considerar que, ao mesmo tempo em que esses estudantes
reconhecem a necessidade dessa inclusão, eles também identificam barreiras
para que ela ocorra. De fato, a atuação dos músicos com deficiência visual ainda é
restrita em algumas áreas, como por exemplo, a participação em orquestras.
Sabe-se que os profissionais que são membros de uma orquestra recebem grande
quantidade de material para ser lido rapidamente, pois, em geral, é executado um
repertório variado. Os músicos videntes possuem mais facilidade para ler o
material mais rapidamente, e, além disso, eles não necessitam decorar todas as
partes, tal como as pessoas com deficiência visual. Assim, o processo de inclusão
desses músicos em algumas áreas ainda demanda a criação e o desenvolvimento
de algumas estratégias que facilitem a atuação de tais indivíduos.
Além disso, reconhecem que o domínio da leitura e escrita através da
Musicografia Braille é um elemento imprescindível no acesso a esse
conhecimento. Assim, a possibilidade de que todos os músicos possam aprender
esse sistema precisa ser garantida, que ela representa a abertura do caminho
para que eles desenvolvam uma carreira em condições semelhantes à de outros
profissionais.
4.3.2 Alternativas de acesso às músicas, na ausência de partituras
A escassez de possibilidade de acesso à leitura musical e a falta de
materiais transcritos ao Braille levam os músicos com deficiência visual ao uso de
alternativas que supram essa carência. Assim, tanto aquelas pessoas que são
desprovidas do conhecimento da Musicografia Braille quanto aquelas que a
dominam, necessitam desenvolver recursos que os auxiliem a assimilar as
Músicas mais rapidamente.
O desenvolvimento e a avaliação dessas diferentes alternativas se
mostram expressas nos relatos coletados, conforme se segue:
81
a) Gravação das aulas:
No começo a minha primeira medida foi um gravador e eu gravava
a aula, porque às vezes, eu chegava em casa e esquecia a
melodia e então eu ouvia o gravador e tocava. Ouvindo o
gravador, mesmo que eu não lembrasse as notas, de ouvir,
tocando, eu identificava. E no caso da música, eu acho que ele é
mais útil do que na faculdade, porque música é ouvido, música é
som. Por mais que eu memorize a melodia, os acordes, a
seqüência de notas, poder ouvir é diferente, você recorda,
relembra com muito mais rapidez, com muito mais agilidade. Nas
aulas de bateria, que depois foi o instrumento pelo qual eu me
apaixonei mais ainda e o instrumento que eu escolhi, que toco até
hoje, eu gravo as aulas, eu sempre gravei desde as primeiras
aulas.
b) Memorização por repetição:
Ela [a professora] tocava eu repetia, e engraçado que até no
piano eu não gravava muito, eu nem gravava, eu nunca gravei. e
o piano não, eu acho engraçado que eu não gravava. Eu
memorizava mesmo, era repetição. Ela tocava um trecho e eu
tocava, e geralmente um trecho curto, digamos uma primeira
parte de uma música simples, a mão direita e esquerda, ou até
às vezes as duas juntas e eu tocava, aí depois a mão direita,
depois esquerda, e assim eu ia memorizando. Eu lembro que
quando eu estudava, normalmente eu, pela lógica, não errava,
mas às vezes acontecia de eu, uma nota ou outra, me enganar e
às vezes estudar a nota errada e aí era mais difícil.
c) Gravação das partituras por parte do professor:
Então atualmente eu passei algumas músicas pra ele [o aluno]
da seguinte forma: gravava bem lentamente um compasso,
explicava, explicava o que estava acontecendo, e ele tirou uma
música assim, e está tirando a segunda agora. Pegava cada
compasso e gravava, cada compasso e por exemplo falava que
Aqui tem um semínima.... É isso, eu gravei uma valsa por
exemplo aqui, o na quinta corda, terceira casa, juntamente
com a nota mi, da primeira corda solta, e tocava , ai eu tocava
lentamente o compasso.
Eu acho que esse sistema é até bom porque é um treinamento
auditivo de percepção. Mas o ideal é que isso seja um
complemento, não a forma principal, o ideal é se aprender lendo
a partitura mesmo.
82
d) Ditado por parte do professor:
Frente à inexistência da tradução do material que utilizo em
classe, segui a orientação da aluna que possui uma deficiência
visual: leio em voz alta tudo o que está escrito na lousa, ela
anota as informações passíveis de serem escritas e memoriza
as demais informações; procuro dizer a ela o que deve ser
anotado e o que não precisa ser anotado; e procuro executar
algum eventual movimento corporal com as mãos dela para que
ela possa executar movimentos semelhantes aos dos outros
alunos. Quando entendemos que algo deve ser resolvido
individualmente, o fazemos em um plantão semanal de meia
hora ao qual ela tem acesso. Ela executa os exercícios diários
com o auxílio de gravações em CD, disquete e Internet que
fazem parte do material de aula (utilizado por todos os alunos).
Considerações sobre o tópico
Deve-se considerar que os músicos que não aprenderam a notação
musical, muitas vezes recorrem ao uso de códigos não-convencionais, cujas
implicações foram discutidas em outro item desse capítulo. Além disso, uma
prática freqüentemente utilizada por esse grupo de pessoas é a gravação de
informações musicais em fita cassete. Sobre esse recurso, deve-se notar,
inicialmente, que o gravador é um instrumento muito utilizado pelos cegos, em
geral. Eles costumam utiliza-lo para gravar aulas, registrar informações no dia-a-
dia (como número de telefone, endereços, etc), etc. Assim, ele também acaba
sendo utilizado nas aulas de Música. Conforme se verificou nos relatos, é comum
que os professores gravem lentamente cada parte de uma peça, tentando detalhar
vários de seus aspectos, como: rmula de compasso, duração das notas,
formação dos acordes, simultaneidade entre as mãos, etc. Entretanto, é
relativamente cil perceber que, por mais que o professor tente ser minucioso,
dificilmente essa gravação poderá conter todas as informações musicais dispostas
na partitura. E, mesmo que contivesse, é improvável que os alunos consigam
memorizá-las através desse sistema, em que os dados não podem ser agregados,
que aparecem dispostos de acordo com a temporalidade da fita cassete. Deve-
se notar que a assimilação das músicas por meio de gravações realizadas pelo
83
professor não deixa de constituir um treino auditivo aos alunos, mas, esse método
poderia ser usado como um complemento à leitura, e não como um recurso
substitutivo a ela.
Além disso, observa-se que o estudante com deficiência visual se torna
dependente de outra pessoa que se disponha a gravar minuciosamente as
informações contidas na partitura. Talvez, em uma aula individual de instrumento,
o professor tenha uma melhor condição para fazer isso, mas em uma aula de
Teoria ou de Percepção Musical em grupo, nem sempre isso é possível, que
essa gravação demandaria um tempo adicional àquele permanecido em classe.
Conforme explicitado, os músicos que dominam a Musicografia
Braille também necessitam recorrer a alternativas para ter acesso às partituras,
devido à falta de materiais transcritos. Assim, essas pessoas freqüentemente
solicitam que alguém realize para elas o ditado das partituras. Pode-se notar que
esse consiste em um método muito lento e trabalhoso, que o músico necessita
copiar todas as informações que lhe são ditadas, para que, somente depois, ele
inicie o processo de leitura. Além disso, deve-se considerar que a pessoa que dita
precisa ter um bom domínio da leitura musical em tinta e também de todos os
mecanismos da Musicografia Braille. De acordo com as peculiaridades dessa
notação, ela deve estabelecer uma técnica para o ditado, abordando as oitavas
das notas, os intervalos correspondentes aos acordes, a disposição das vozes
horizontalmente, etc. Em geral, os músicos cegos registram as peças em uma
máquina Perkins, e, por meio de sua utilização, eles têm dificuldades para corrigir
os erros cometidos durante o registro.
Deve-se ainda considerar os casos daqueles que dominam a
Musicografia Braille, mas que, pela dificuldade de acesso aos materiais, deixam
de usa-la com freqüência. E assim como os músicos sem esse conhecimento, eles
acabam recorrendo ao uso de gravações e à assimilação das Músicas unicamente
através de recursos auditivos.
84
Muitas vezes, a própria inserção profissional dessas pessoas os forçam
a isso. Aqueles que participam de corais e/ou de grupos instrumentais necessitam
freqüentemente ter acesso a uma grande quantidade de partituras em um curto
espaço de tempo.
Assim, a lentidão e a demora da produção das partituras em Braille e as
eventuais dificuldades de fluência e domínio da leitura, fazem com que essas
pessoas considerem mais viável a utilização de outros meios de acesso às
partituras.
O aprimoramento de recursos tecnológicos que possibilitem maior
agilidade na produção de materiais, diminuiria a busca por esses caminhos
alternativos. Além disso, a maior constância no manuseio de partituras faria com
que os usuários da notação musical adquirissem gradualmente uma maior fluência
nesse processo, visto que suas dificuldades quanto ao uso do código advém
freqüentemente do fato de terem um contato apenas esporádico com partituras
transcritas em Braille.
Pressupõe-se, portanto, que se, a leitura musical consistir no principal
meio adotado para que se assimilem as peças, os músicos com deficiência visual
conquistariam uma maior independência nesse processo, podendo assim, ter
acesso a um repertório musical mais amplo e variado.
4.3.3 Dificuldades técnicas
A deficiência visual faz com que muitos estudantes de Música se
deparem com algumas dificuldades quanto ao domínio técnico de seu instrumento.
E esses obstáculos foram freqüentemente relatados pelos entrevistados, conforme
se segue:
85
a) Relato de um aluno de piano sobre suas dificuldades:
A minha dificuldade é técnica. Por exemplo, um salto maior, você
tem que memorizar o posicionamento. Por isso estou trabalhando
muito as escalas cromáticas e os exercícios de oitavas. Muitas
atividades para conseguir fazer esses saltos automaticamente. No
segundo minuto de Bach tem uns dois pontos da música que tem
que dar um salto ali que eu “apanhei” terrivelmente para conseguir
tocar, mas acabei conseguindo.(...) Basicamente quando eu
comecei, as dificuldades eram todas. Agora eu consigo
identificar sons, consigo trabalhar com as escalas maiores,
menores estou conseguindo dominar os acordes. Daqui para
frente é uma questão de treinamento, de exercitar mesmo, de
amor a música, de motivar a cada dia para estar sempre tocando.
Ela [a professora] está sempre tentando encontrar meios, por
exemplo, nas músicas quando eu tenho dificuldade para acessar
determinada nota, ela sempre encontra alguma forma para que eu
tenha acesso aquela nota num processo mais pratico. Às vezes
ela me faz mudar de dedo para que eu tenha mais facilidade para
atingir a nota até eu compreender o processo e depois eu toque
normal.(...) Ela sempre está à procura de algo que possa agilizar o
processo.
b) Relato de um professor de violão, acerca das dificuldades
encontradas por seu aluno:
A dificuldade que ele tem as vezes em saltos, isso a gente decora
quem tem facilidade decora. Mas no começo talvez pudesse
colocar no braço [do violão] um sinal em braille também pra dizer
qual é a casa que ele está caminhando, aposição, ou na parte
traseira do braço no polegar , pra ele ir se orientando, então acho
que colando uma fita não sei alguma coisa assim.
Considerações sobre o tópico
Deve-se notar que as dificuldades técnicas relativas a saltos, dedilhado,
e outros problemas técnicos em geral, não são enfrentadas exclusivamente pelas
pessoas com deficiência visual. Ocorre que esses indivíduos precisam
desenvolver um maior número de estratégias para s lidar com esses obstáculos.
86
Ao serem, pois, constatadas dificuldades específicas, deve-se prestar
atenção às suas possíveis origens.
Em primeiro lugar, faz-se necessário considerar que a grande parte dos
professores que lecionam para alunos com deficiência visual são videntes. Dessa
forma, tais professores, em seus processos de formação musical, fizeram uso da
visão para aprender o instrumento que lecionam. Desse modo, torna-se difícil,
para eles, conceber o aprendizado desse instrumento a partir de outro referencial
perceptivo. Faz-se, pois, necessário, que eles consigam compreender as
capacidades sensoriais de sues alunos que têm deficiência visual, para que
possam criar estratégias que visam solucionar esses problemas técnicos. Muitas
vezes, os professores o estão aptos para realizarem essa mudança de
referencial, de forma a não conceberem que se possa tocar um dado instrumento
musical sem o uso da visão. E, sendo assim, ele acaba por transferir essa
insegurança para seu aluno cego, que passa a acreditar nesse impedimento.
Em segundo lugar, é importante considerar que o domínio técnico de
um instrumento está estritamente ligado às habilidades relacionadas à Orientação
Espacial e Consciência corporal. Por vezes, as pessoas com deficiência visual
apresentam dificuldades no desenvolvimento dessas habilidades, sobretudo pela
escassez de estimulação adequada. Desse modo, a aquisição do domínio técnico
por parte das pessoas com deficiência visual implica em um intenso trabalho de
percepção e domínio do espaço bem como em um esforço para se adquirir
habilidades ligadas à mobilidade e ao esquema corporal.
Nesse sentido, o professor e o aluno com deficiência visual precisam
trabalhar juntos em um ambiente de cooperação. O professor deve desenvolver
recursos que priorizem o uso do tato e da audição por parte de seu aluno, criando
nesse último uma consciência crítica a respeito da sonoridade por ele produzida.
O aluno, por sua vez, deve mobilizar todo seu potencial.
87
Vale destacar que a aquisição de habilidades técnicas ligadas ao
instrumento consiste em uma tarefa longa e árdua para todas as pessoas, e não
somente para os deficientes visuais. Muitos instrumentistas dedicam toda a vida
ao aperfeiçoamento técnico e musical.
4.3.4 Relação professor-aluno
Nota-se que a relação professor-aluno tem um papel significativo no
processo de aprendizado musical. O vínculo que se estabelece entre ambas as
partes pode favorecer o desenvolvimento de algumas habilidades do aluno, bem
como pode propiciar um incremento da motivação para o aprendizado. Por isso,
muitos aspectos ligados a essa relação foram freqüentemente citados nos relatos
coletados, conforme se verifica a partir do Discurso do Sujeito Coletivo elaborado:
A partir do momento que decidi aprender música, comecei a procurar
professores que fossem bons didaticamente, mas que principalmente me
aceitassem como aluna, que muitos nem ao menos tentavam trabalhar comigo,
alegando não terem condições para lecionar. As justificativas eram a falta de
material em Braille ou, em alguns casos, a falta de experiência didática em
trabalhar com deficiente visual. Quando finalmente adquiri conhecimentos básicos
de teoria musical, ficou mais fácil minha comunicação com professores de música
videntes.
Sobre os professores de música, eu praticamente não os escolhi,
apenas tive aulas com quem me aceitava como aluno, pois aqui no interior o
preconceito é muito grande com os deficientes visuais.É dolorido dizer, mas, teve
professores que quando os procurei, diziam que eu nunca iria ser um músico.
As vezes o aluno chega numa escola e a professora não quer
ensinar, uma desculpa diferente, inventa uma desculpa mais
assim, não tem vaga... isso é comum inclusive não pra deficiente
visual, é comum pra idoso, entendeu? (...) a dificuldade que o
aluno tem as vezes em conseguir vagas em escolas geralmente
88
é esta mesmo , porque o professor quer um fera pra tocar.
Não é o caso, por exemplo, de [dizer] eu não quero dar aula
porque é um deficiente visual, eles querem escolher os alunos
que já tocam.
Mas pelos professores que eu tive, eu não tenho do que
reclamar,porque eles tiveram muita paciência, e eles tiveram
bastante interesse também em querer ensinar pra gente a leitura
da partitura, Não tem muito o que reclamar dessa parte não.
Eu acho que para o professor estar ensinando melhor a música
ele precisa ser não só um professor, mas um amigo, amigo
mesmo que ensina que quer ver o aluno aprender de verdade,
que quer ver o aluno se desenvolver melhor, (...) eu acho que
isso traz maior aproximação, o aluno com o professor e ajuda
bastante também no desenvolvimento da música.
Considerações sobre o tópico
Existem algumas peculiaridades que dizem respeito à relação-
professor-aluno, no caso das pessoas com deficiência visual, que merecem ser
analisadas mais detalhadamente.
algumas barreiras atitudinais que constituem um empecilho para a
inclusão desses indivíduos ao ensino musical. Os casos em que essas barreiras
são maiores ocorrem quando um professor, ao ser incumbido de dar aula para um
aluno com deficiência visual, resiste em aceitar a realização dessa tarefa. Em
geral, o professor justifica essa não-aceitação alegando não estar preparado para
lidar com as especificidades relativas à deficiência visual de seu aluno. A falta de
preparo percebida pelo professor está ligada sobretudo à escassez de
informações disponíveis acerca do ensino musical para pessoas com deficiência
visual. Porém, nota-se que a falta de acesso à informação não consiste, de fato,
um empecilho para que se lecione a um aluno desprovido de visão. Se o professor
está realmente motivado e empenhado para realizar essa tarefa, ele encontra
meios criativos e eficazes através dos quais poderá enfrentar qualquer obstáculo.
Nota-se também, que o aluno com deficiência visual tem um papel
importante na constituição do vínculo com o professor. Esse aluno poderá fornecer
89
orientações gerais sobre sua deficiência, bem como poderá cooperar com o
professor no desenvolvimento de algumas estratégias pedagógicas. O estudante
precisa estar aberto ao diálogo e à possibilidade de esclarecer quaisquer dúvidas
levantadas pelo educador. Desse modo, o aluno se torna sujeito e agente de sua
própria inclusão, e, além disso, pode contribuir para a descoberta de novos meios
que auxiliem na educação musical dos cegos, abrindo caminho para a inclusão de
outras pessoas com deficiência visual no ensino da Música.
É importante destacar que, conforme se pode extrair dos relatos, muitas
pessoas com deficiência visual não têm a oportunidade de escolherem seus
próprios professores. Freqüentemente, eles estão ligados a algum projeto
institucional voltado para essa população, e, por isso, não são previamente
escolhidos pelos alunos. Esses professores, designados previamente pelas
instituições, aceitaram lecionar para pessoas com deficiência visual,
previamente ao contato com os alunos. Uma situação diferente ocorre quando um
aluno toma, isoladamente, a iniciativa de procurar um professor de Música para
solicitar suas aulas. Nesse caso, é o próprio aluno quem apresentará sua
condição como pessoa com deficiência e obterá a aceitação de seu professor.
Deve-se considerar que, independentemente do modo como se inicia a
relação entre o professor e o aluno, ela se consolida a partir de um processo
mutuamente construído. Pode-se considerar que ela atinge a maturidade quando
a deficiência visual do aluno é concebida apenas como uma de suas
características, e não mais constitui o foco central da relação.
Tendo em vista os depoimentos coletados e a análise deles realizada,
podem ser extraídas algumas conclusões acerca do tema abordado.
Verificou-se que a Música tem um papel preponderante na vida dos
estudantes entrevistados. A importância que eles atribuem à Música faz com que,
de maneira geral, eles se empenhem em buscar meios e recursos para adquirirem
uma formação musical de qualidade.
90
Nessa busca, a maior barreira encontrada se refere ao acesso ao
ensino da notação musical em Braille. Os professores são freqüentemente
desprovidos das informações sobre as fontes de referência acerca desse código.
De fato, essas fontes são bastante escassas, e as iniciativas de difusão da
Musicografia Braille são pontuais e isoladas. Mesmo os estudantes que têm a
oportunidade de aprender e dominar o código, enfrentam muitas dificuldades
quanto à obtenção de materiais transcritos. Nota-se que a produção dessas
partituras é muito pequena, tanto porque poucos locais em que ela ocorre,
quanto porque ela ainda se faz de um modo muito lento e quase artesanal.
Tendo em vista essa carência, os alunos com deficiência visual criam,
em conjunto com seus professores, alternativas que possibilitem o acesso às
peças que eles pretendam executar. Dentre essas alternativas encontram-se: a
criação e adoção de códigos de escrita não-convencionais, a gravação, por parte
do professor, de informações relativas à peça, o ditado das partituras ao aluno,
etc. Tais recursos são paliativos, e não substituem o contato com a notação em
Braille. Além disso, é importante ressaltar que a criação dessas alternativas não
se deve à inexistência de um sistema de escrita voltado ao uso de pessoas com
deficiência visual, mas sim, se deve à falta de acesso a esse sistema.
Verificou-se também que a relação professor-aluno é um fator
determinante para a superação dos obstáculos encontrados. O estabelecimento
de um nculo profissional e afetivo entre ambas as partes contribui para que,
juntos, o aluno e o professor busquem meios e recursos para que esse estudante
possa ter uma formação musical qualificada.
91
5 CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS
Todas as etapas desse processo de pesquisa consistiram em uma rica
fonte de aprendizado para sua autora. Ao relatar sua própria experiência acerca
do uso da Musicografia Braille, foram resgatados aspectos muito significativos de
sua própria história de vida. Esse relato pôde ser utilizado como um subsídio para
que autora refletisse sobre o estabelecimento dos objetivos da presente pesquisa
e sobre os melhores caminhos para concretizá-los. Pressupõe-se que o
envolvimento pessoal com o tema possa ter facilitado a escolha do enfoque
segundo o qual ele foi abordado, e também possa ter contribuído para que fossem
discutidas questões de maior relevância. Em outras palavras, essa experiência
pessoal foi um elemento facilitador para que o tema pudesse ser problematizado
de um modo mais consistente.
Para tanto, buscou-se adotar um referencial teórico através do qual o
ensino da Musicografia Braille pudesse ser discutido cientificamente.
Em princípio, previa-se que não seriam encontradas muitas referências
bibliográficas diretamente relacionadas ao ensino desse sistema de leitura e
escrita musical. Essa hipótese foi confirmada após buscas realizadas a partir de
bases de dados hospedadas no Portal Unicamp, bem como a partir do acervo de
periódicos eletrônicos e de teses inseridas na Biblioteca Digital.
Entretanto, supunha-se que algumas temáticas correlatas a esse
enfoque principal poderiam ser exploradas, de forma que a partir delas fosse
construída a fundamentação teórica da pesquisa.
Nesse sentido, a Educação Inclusiva foi um dos temas abordados.
Devido à legislação e aos Parâmetros Curriculares Nacionais, recentemente vários
estudos e publicações têm sido realizados nessa área. Uma vez que a presente
pesquisa aborda um aspecto da educação para pessoas com deficiência,
92
pressupunha-se que seria fundamental a adoção de um referencial teórico claro e
consistente acerca da Inclusão.
Também foram coletadas algumas referências bibliográficas relativas
ao acesso dos alunos com deficiências à Educação Musical. Sobre essas
publicações, notou-se um caráter bastante instrucional nelas contido. Em outras
palavras, grande parte desses artigos é dedicada a estabelecer normas de
condutas e meios de adaptação a serem adotados por professores de música, ao
se depararem com alunos que tenham deficiências. Nesses artigos, poucas
reflexões sobre o significado da inclusão e sobre as concepções a ela
subjacentes. Por isso, no presente estudo, buscou-se estabelecer essa ponte
entre os princípios norteadores da Inclusão e os aspectos referentes à Educação
Musical.
Nessa fase, também foram lidas algumas publicações que contemplam
as relações entre a música e a deficiência visual. Assim, buscou-se compreender
mais profundamente as ligações existentes entre ambas e os fatores que
permeiam essas relações.
Além disso, foram consultadas também algumas fontes sobre o Sistema
Braille e suas aplicações ao campo da Música. Foram relatadas algumas
especificidades dos mecanismos da leitura e escrita musical em Braille, a fim de
que se sustentasse o pressuposto segundo o qual o aprendizado dessa notação
requer estratégias diferenciadas, em relação ao aprendizado da Musicografia em
tinta.
Ao longo dessa pesquisa, também foi realizada uma investigação
acerca dos recursos tecnológicos atualmente existentes para a produção de
partituras em Braille. O contato com essa tecnologia possibilitou à autora desse
trabalho uma vivência concreta dos procedimentos utilizados para a transcrição de
obras musicais. A partir dessas vivências, puderam ser extraídas algumas
conclusões a respeito dos recursos atualmente disponíveis e a respeito dos
93
obstáculos que são enfrentados pelos transcritores de partituras. Esses obstáculos
explicam, em parte, a escassez de acervos musicais em Braille e a carência de
iniciativas voltadas à implantação dessa modalidade de acervo.
Notou-se que as ferramentas tecnológicas confeccionadas
especificamente para a transcrição de partituras ainda não dispõem de aplicativos
que atendam todas as necessidades dos transcritores. Esses softwares foram, em
sua maioria, criados recentemente, e ainda necessitam de um aperfeiçoamento.
Nesse sentido, seria adequado que os usuários desses programas se
unissem a seus criadores, para que pudessem apontar caminhos visando a
melhoria desses produtos. Poderia ser formada uma rede de trabalho constituída
por pessoas interessadas em desenvolver procedimentos que otimizem a
transcrição de partituras para o Braille. Essa equipe deveria ter um caráter
multidisciplinar, sendo composta por músicos com deficiência visual, técnicos em
Informática, desenvolvedores de softwares, educadores musicais, pedagogos
especialistas na aplicação do sistema Braille, dirigentes de organizações voltadas
às pessoas cegas, etc. O estabelecimento dessa rede de trabalho facilitaria o
intercâmbio com instituições de outros países, no sentido de que se pudesse
conhecer as práticas lá adotadas para transcrição de partituras em Braille.
Em outra fase da presente pesquisa, foi realizada uma coleta de
depoimentos de pessoas envolvidas com a Musicografia Braille. Através da
obtenção desses relatos, foi possível o contato com uma variedade de
experiências pessoais e profissionais, que revelaram a existência de diferentes
formas de relações estabelecidas pelos sujeitos com a notação musical em Braille.
Ainda que os entrevistados considerem que o aprendizado desse código seja
fundamental, a maioria deles enfrentou uma grande dificuldade para ter acesso a
esse ensino. Embora todos tenham se deparado com obstáculos da mesma
natureza, cada sujeito desenvolveu suas próprias estratégias de enfrentamento.
Nesse sentido, é importante que a riqueza dessa diversidade seja contemplada
94
nas discussões acerca do ensino da notação musical em Braille. Não existe uma
única ou uma exclusiva forma de acesso a esse código, assim como não uma
maneira mais correta para se aprende-lo. Ao se enfocar os métodos de ensino
dessa notação, deve-se levar em conta as particularidades de cada aluno, e deve-
se assegurar a ele o direito de ser protagonista do seu próprio aprendizado.
Tendo em vista os depoimentos coletados e a análise deles realizada,
podem ser extraídas algumas conclusões acerca do tema abordado.
Verificou-se que a Música tem um papel preponderante na vida dos
estudantes entrevistados. A importância que eles atribuem à Música faz com que,
de maneira geral, eles se empenhem em buscar meios e recursos para adquirirem
uma formação musical de qualidade.
Nessa busca, a maior barreira encontrada se refere ao acesso ao
ensino da notação musical em Braille. Os professores são freqüentemente
desprovidos das informações sobre as fontes de referência acerca desse código.
De fato, essas fontes são bastante escassas, e as iniciativas de difusão da
Musicografia Braille são pontuais e isoladas. Mesmo os estudantes que têm a
oportunidade de aprender e dominar o código, enfrentam muitas dificuldades
quanto à obtenção de materiais transcritos. Nota-se que a produção dessas
partituras é muito pequena, tanto porque poucos locais em que ela ocorre,
quanto porque ela ainda se faz de um modo muito lento e quase artesanal.
Tendo em vista essa carência, os alunos com deficiência visual criam,
em conjunto com seus professores, alternativas que possibilitem o acesso às
peças que eles pretendam executar. Dentre essas alternativas encontram-se: a
criação e adoção de códigos de escrita não-convencionais, a gravação, por parte
do professor, de informações relativas à peça, o ditado das partituras ao aluno,
etc. Tais recursos são paliativos, e não substituem o contato com a notação em
Braille. Além disso, é importante ressaltar que a criação dessas alternativas não
95
se deve à inexistência de um sistema de escrita voltado ao uso de pessoas com
deficiência visual, mas sim, se deve à falta de acesso a esse sistema.
Verificou-se também que a relação professor-aluno é um fator
determinante para a superação dos obstáculos encontrados. O estabelecimento
de um nculo profissional e afetivo entre ambas as partes contribui para que,
juntos, o aluno e o professor busquem meios e recursos para que esse estudante
possa ter uma formação musical qualificada.
Destaca-se também que, muitas das questões problematizadas nesse
trabalho não se referem exclusivamente ao universo das pessoas com deficiência
visual. O ensino adequado da Musicografia Braille requer transformações no
processo de ensino da Música, e essas transformações talvez sejam benéficas
para todas as pessoas, e o para as que tenham deficiência visual. Para se
ler música através do Braille, é imprescindível que o aluno tenha domínio de
conceitos musicais, tais como: intervalos melódicos e harmônicos, formação de
acordes, contraponto e sobreposição entre as vozes, etc. Esse domínio não é
imprescindível para quem Música em tinta. As pessoas que enxergam podem
aprender a ler apenas por associação entre os símbolos escritos e as notas
executadas. Elas não necessitam apreender o sentido musical daquilo que lêem.
Por isso, casos de músicos que sabem ler e executar, mas não conhecem
Música, de fato. A partir da formação que tiveram, eles assimilaram a notação
musical e aprenderam a executar as informações contidas na partitura. Mas os
conceitos teóricos se tornaram, para eles, desvinculados da prática, de forma que
tais conceitos não são aplicados em suas atividades musicais cotidianas. Em
geral, eles recebem aulas de Instrumento e de Disciplinas teóricas, mas não
adquirem subsídios para estabelecer inter-relações entre essas duas áreas.
As especificidades da Musicografia Braille requerem que, no ensino
desse código, a teoria e a prática sejam inseparáveis. Ao adquirir conhecimentos
sobre as regras intrínsecas à notação, o aluno, automaticamente, adquire os
96
conceitos musicais que são indispensáveis para a leitura. Muitas pessoas não
conseguem assimilar a estrutura da Musicografia Braille, porque recebem uma
formação em que a teoria e a prática o se fundem. Logo, faz-se necessário que
o ensino seja reestruturado, de modo que o aluno tenha a possibilidade de adquirir
conhecimentos sólidos e consistentes. E essa reestruturação pode também
contemplar a formação musical de pessoas que não tenham deficiência visual, e,
que, portanto, não necessitam estudar a Musicografia Braille.
A partir das investigações realizadas nesse estudo, notou-se uma
grande carência de iniciativas voltadas à difusão da Musicografia Braille. Muitos
estudantes de Música não têm a oportunidade de ter acesso a esse código, devido
à escassez de meios e recursos através dos quais esse acesso seja possível. A
negação do direito ao aprendizado da notação musical em Braille consiste em
uma forma de discriminação, e esta, por sua vez, é definida, segundo a
Declaração da Guatemala
4
como:
Toda diferenciação, exclusão ou restrição baseada em deficiência,
antecedente de deficiência, conseqüência de deficiência anterior
ou percepção de deficiência presente ou passada, que tenha o
efeito ou propósito de impedir ou anular o reconhecimento, gozo
ou exercício por parte das pessoas portadoras de deficiência de
seus direitos humanos e suas liberdades fundamentais.
Sendo assim, em consonância com os objetivos dessa Convenção e
com a proposta de eliminação de todas as formas de discriminação, (artigos III e
IV), aponta-se para a necessidade de que sejam criados espaços de formação em
que alunos e professores possam ter acesso ao ensino digo musical em Braille.
Além disso, faz-se necessário que o tema seja mais amplamente discutido e
estudado, por meio de trabalhos científicos/acadêmicos.
Portanto, o presente estudo não representa o fim das discussões sobre
essa problemática. Nele, não se pretende fornecer respostas, mas, ao contrário,
4
Convenção interamericana para a eliminação de todas as formas de discriminação contra as
pessoas com deficiência – 1999.
97
se busca formular perguntas e questionamentos. Esse trabalho abre a
possibilidade para que novas investigações sejam realizadas, e para que se crie
uma consciência acerca dos caminhos e desafios do ensino da Musicografia
Braille. Afinal, esse é um tema que não diz respeito apenas às pessoas com
deficiência visual, mas deve mobilizar a participação e o envolvimento de toda a
comunidade artística e científica.
99
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SMALIGO, M. A. Resources for helping blind music students. Music Educators
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São Paulo, 1978.
WERNECK, C. Você é gente? O direito de nunca ser questionado sobre o seu
valor humano. Rio de Janeiro: WVA, 2003.
103
ANEXO 1
Quadro 1 - Idéias centrais e as expressões-chave relatadas pelos sujeitos, subdivididos
em categorias de análise
Relações pessoais com a Música
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
O entrevistado teve acesso ao
aprendizado de teoria e de
vários instrumentos.
Aos 7 anos de idade ganhei um acordeom e aprendi a tocar
de ouvido. Aos 13 tive acesso a aulas de teoria musical e de
Musicografia Braille. Estudei até o 3º ano de piano, toquei
trompete na banda do colégio, canto em coral e faço parte de
um quarteto de música raiz, o uyrá (pássaro em tupi), onde
toco gaita, escaleta, percussão de efeito e vocal.
1a
A entrevistada teve contato com
a música desde muito pequena,
e acha que isso se relaciona à
crença de que os cegos têm dons
mais apurados.
Na verdade eu acho que os meus primeiros contatos com a
música enquanto ouvinte, eu nem me lembro da idade, mas
foi ainda bebê, imagino que toda criança, de qualquer
maneira, os pais já colocam a criança em contato com a
música, quando a criança é cega acho que mais ainda, né?
Porque se tem essa impressão ou se tem essa questão do
senso comum de que a criança cega vai aguçar mais os
ouvidos, que vai ter dons mais acentuados.
1a
O entrevistado foi motivado a
estudar música a partir de seu
ambiente, sobretudo da escola e
igreja.
Eu sempre fui ligado muito a igreja e na igreja se estimula
muito a música. E meu primeiro sonho era aprender a tocar
alguma coisa para poder tocar na igreja.(...mas minha paixão
por música já é antiga, mais ligada à igreja e ao próprio
estimulo de música que se fazia na escola em tempo de
infância.)
1a
A entrevistada destaca a Música
como atividade profissional.
Representa muito, principalmente profissionalmente, pois a
música é meu único meio de vida.
1a
O entrevistado relata sua
trajetória musical enquanto
violonista predominantemente
popular.
Comecei a tocar violão aos 8 anos de idade.Tive vários
professores até chegar a universidade.Estudei sempre violão
popular, só na universidade é que estudei violão erudito.Sou
violonista mais popular do que um violonista erudito.Sou
guitarrista de uma banda católica, sou vocal, toco também
contra-baixo, dou aulas de música, sou segunda voz em
dupla sertaneja.
1a
continua
104
continuação
Relações pessoais com a Música
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
A música foi importante em seu
desenvolvimento pessoal.
A música pra mim teve importância muito forte, porque até
em tão eu era criança meio retraída, talvez por causa da
visão, porque não era descoberto, não sabia o que era que eu
tinha, se era normal não sei, então brincava pouco entre as
outras, não tinha muito contato com as outras, se tinha
procurava ficar meio afastado, ia pra escola e não conseguia
desenvolver o esperado, do que tinha que desenvolver, e era
assim, então é difícil, se ia jogar bola quando o sol se por,
tinha que correr pra casa, porque não se enxergava mais
nada, aí foi quando eu descobri a música, a minha cidade a
muito tempo existe uma filarmônica municipal e lá tudo era
gratuito as aulas, me interessei, comecei entrar e foi ai que
eu fui desenvolvendo.
1a
Segundo o entrevistado, a
Música abriu seus horizontes, e
através dela ele ganhou o
respeito das pessoas.
90% da minha vida eu me entreguei pra música porque foi o
que me abriu mesmo, os horizontes, eu fiquei mais, me
tornei uma criança mais alegre, mais comunicativa, pra mim
foi tudo. hoje as pessoas tem um profundo respeito por mim,
eu sinto isto, hoje acabou aquela coisa, aquela diferença
toda.
1a
A entrevistada teve contato com
a Música desde bebê.
Assim, desde pequena assim, eu sempre me envolvi com
música, até tem uma história interessante que a minha
madrinha cuidou de mim na incubadora, e eu acho até
engraçado que a minha madrinha, ela falou assim que eu
gostava muito de música, de ouvir música desde o tempo da
incubadora, que eu nasci realmente com a Música. (...) Então
eu acho que a música me faz muito bem, música digamos
que é a minha vida, acho que não conseguiria fazer outra
coisa na minha vida a não ser mexer com música.
1a
continua
105
continuação
Relações pessoais com a Música
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
Ao contrário do que ocorria em
relação ao aprendizado da
Musicografia Braille, a
entrevistada se sentia altamente
motivada a realizar pesquisas
musicais no teclado.
Assim, e outras coisas, falando necessariamente de música,
tinha coisa que eu tinha uma super paciência, por exemplo,
paralelo à aula de piano eu estudava, aliás mais do que
piano, eu estudava num tecladinho que eu tinha ganho do
meu pai por quem, por quem não que não é pessoa, pelo qual
eu me apaixonei. Era um tecladinho da Cássio que tinha uns
acompanhamentozinhos lá, tinha uma fitinha que você
botava, era uma fita magnética como se fosse uma fita
cassete, mas um pouco diferente, que tinha umas
musiquinhas lá na memória da fitinha e aí era como se fosse
um karaokê e eu tinha que tocar a linha melódica. Era bem
legal, era bem bonitinho. E naquilo eu fazia várias pesquisas
musicais, lógico, pesquisa na complexidade de uma criança,
né?
Isso era muito legal, e até putz, foi muito legal pra inclusive
para ampliar o meu repertório porque tinha música popular,
música erudita, enfim, era... Erudita assim,era pouca coisa
erudita, mas enfim. Eu às vezes até pedia pra tia Elza para
explorar um pouco a coisa do tecladinho e ela um pouco
conservadora meio que torcia o nariz assim, ela até poderia
ter aproveitado... E estabelecido algumas conexões: “- Peraí,
você descobriu isso...” Mas ela não conseguiu muito se
flexibilizar nesse sentido.
1a
O aprendizado das músicas pela
imitação despertou a curiosidade
da entrevistada, havendo um
aspecto lúdico.
Ela [a professora] mesmo tocava e pedia pra gente tar
imitando. E aí volta esta questão da curiosidade, ela tocava a
música e eu tentava tirar a segunda voz da música, era bem
legal, a gente brincava, brincava bastante, eu e a professora
nós brincávamos muito.
1a
continua
106
continuação
Relações entre Música e Deficiência Visual
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
Por usarem mais a audição, os
deficientes visuais têm uma
relação mais íntima com a
música, do que decorre a criação
de um mito.
Eu acho que a música tem uma identificação mais forte com
os deficientes visuais, talvez pelo fato da gente depender
mais do ouvido de que outras pessoas. Pelo fato da gente ter
que usar o ouvido como um dos substitutos da visão, não
vamos dizer substitutos, porque não é, mas uma das formas
de compensar a perda da visão, se adaptar, faz com que a
nossa relação com os sons seja maior. E a música, ela faz
bem, ela é uma terapia. Então, no nosso caso, eu acredito
que sim, talvez por essa relação, meio que indiretamente,
mas ela acaba tendo uma ligação mais íntima com o
deficiente visual. Tanto que tem esse paradigma de que todo
deficiente visual canta. Uma generalização. Um certo mito
que as pessoas criaram. Até no livro da Helena Flávia, ela
coloca uma ilustração no livro “O segredo trocado em
miúdos”, que é um cego tocando piano. É um folheto que ela
trabalhava com os mitos que as pessoas criam em cerca do
deficiente visual. É muito interessante.
1b
O ensino de Música para cego é
primordial e deveria ser
obrigatório.
Eu acho que o ensino pra deficientes visuais seria primordial
na educação, para o deficiente, devia ser até obrigatório na
escola, porque abre menos horizonte, como eu já falei, na
nossa entrevista com uma pessoa cega. Então isso devia ser
muito importante, devia não, é muito para o cego, porque é
uma coisa que ele vai cada vez mais afinar o ouvido, vai ter
um ouvido mais apurado, ele vai saber distingui um som do
outro, o tempo tudo, e isso é muito importante na vida,
principalmente de quem é deficiente visual.
1b
A música é capaz de mobilizar
as pessoas, e a maioria dos
cegos a apreciam.
A maioria dos deficientes visuais que eu conheço, gostam
muito de música, eles se identificam muito e eu acho que a
música traz uma coisa diferente com o interior, entendeu? É
uma questão mais de sensibilidade, não tem como explicar
muito isso.
1b
continua
107
continuação
Uso de código não-convencional
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
A entrevistada teve contato com
a Musicografia em tinta, a partir
de um método de reprodução da
escrita em relevo, criado por sua
professora.
Quando ela [a professora] começou a me introduzir, a
introduzir musiquinhas, e quando eu comecei a tocar
musiquinhas mesmo, por mais simples que fossem, ela me
pôs em contato com a musicografia em tinta. Então ela
inventou um método, ela mesma que inventou uma maneira
de me mostrar como funcionava o código musical em tinta, a
escrita musical em tinta, que era o seguinte: as pautas, assim,
o pentagrama ela fazia de barbante, ela, acho que muito
poucas vezes, ela adicionou as linhas suplementares, acho
que era mais uma coisa simples, então eu me lembro das
cinco linhas que eram o pentagrama, com o barbante então
ficavam em alto relevo, as notas musicais ela cortava
bolinhas, círculos de papel, e era até engraçado, ela cortava o
círculo com um furo no meio. Por que? Porque pra eu sentir
que quando ele ficava na linha, em cima da linha, ele tinha
um furinho no meio pra eu sentir o círculo e a linha, que o
círculo fazia uma intersecção com a linha, e o círculo que
ficava nos espaços, entre uma linha e outra, não tinha o
furinho no meio.É isso aí foi super intuitivo e tal, que ela
inventou e, na época eu sabia ler assim, até consegui ler mais
ou menos.
2a
O método de escrita em tinta
reproduzida em relevo era
cansativo, e viável somente no
caso de partituras simples, sendo
que logo ele foi abandonado
pela entrevistada.
[Esse código só serviria para músicas] Bem simples,
exatamente. E eu acho que eu me cansava um pouco, eu me
lembro que eu, é que eu me cansava um pouco e acho que
ela desistiu, e também porque ficaria muito complexo esse
método era feito numa escala muito grande, era uma, era um
círculo de mais ou menos uns, sei lá uns cinco ou seis
centímetros de diâmetro.
2a
O entrevistado criou um código
composto por números para
representar tablaturas, mas esse
código não contempla os valores
ritmicos.
Existe um outro sistema de tablatura pra quem não é
deficiente, mas eu fazia assim: a primeira corda é o número
um, segunda dois, a sol seria a três, a ré seria a quarta e
assim. (...) aí tinha um problema que quando ele chegava na
décima casa, então eu colocava 101, 102, 103, que era
duplicação das casas. O sistema funciona, o único problema
que tem neste sistema de tablatura, é que você não consegue
valorizar as notas. Então ele ia até um certo ponto, depois ele
ficava deficiente. Porque tem uma tablatura pra quem não é
deficiente, que ai você define o valor das notas.
2a
O entrevistado se sente culpado
por ensinar Música ao seu aluno
cego através de um código que
não é convencional.
E no caso desse sistema que eu estou passando pra ele, eu
me sinto muito culpado, porque eu sei que uma hora, que ele
precisar fazer um trabalho diferente do que eu passo pra ele
ele não vai encontrar material.
2a
continua
108
continuação
Uso de código não-convencional
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
O entrevistado registra as
músicas assimiladas, mas para
tanto não usa o código
convencional.
Quando ela me passa a música, ela fala a seqüência de notas
para mim antes de tocar. A primeira coisa que eu faço
quando eu já tenho elas bem organizadas, já tenho toda a
seqüência, se não da música toda, mas pelo menos do trecho
que eu estou fazendo, eu escrevo em Braille para não
esquecer.Escrevo o nome da nota de forma rudimentar,
como se escreve normalmente. Escrevo também o título da
música e às vezes o tempo, por exemplo, se é ternário,
quaternário.(...) A gente tem sempre que encontrar uma
“muleta” para se apegar porque ficar só no “achismo” não
dá, você acaba demorando muito mais.
2a
A pessoa pode criar seu próprio
jeito de escrever partituras, mas
é prejudicada pela ausência do
conhecimento do código
convencional.
Eu pego e trago para cá para o Braille, aí, o que acontece?
Como eu já tive uma visualização , enxergando, aí eu trago
para cá, peço para as meninas me explicarem como elas
estão e eu tento fazer uma adaptação da minha forma Braille
que eu possa entender. Entendeu? Aí eu peço para ela: Bate
isso daqui, que vai ser mais ou menos paralelo a isso. Eu
coloco uma coisa , coisa minha mesmo. Só que aí acaba
dando errado porque, se um dia eu realmente for ler uma
partitura, realmente, sem chance. Que eu não vou Ter o
conhecimento.
2a
Acesso à Musicografia Braille
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
A falta de divulgação da
Musicografia Braille é
lamentável, já que o
aprendizado dela é essencial
para a formação musical dos
alunos.
Infelizmente eu acho que é pouco divulgado no nosso meio,
a Musicografia Braille. Eu acho que isso é uma pena porque,
por exemplo: se você aprende a fazer comida, você tem que
aprender corretamente com todos os passos; se você aprende
a pular de pára-quedas, você tem que aprender todos os
truques para não correr riscos, claro que a música não é algo
que oferece perigo, mas se você tem que aprender música, já
que é uma coisa bonita, uma coisa pura, você tem que
aprender como um todo, porque tem que ser por partes, eu
acho que o ouvido é importante, é muito legal você tocar de
ouvido, mas o fantástico é você dominar a obra. É você tocar
sabendo o que está tocando, sabendo explicar o que está
tocando.
2b
continua
109
continuação
Acesso à Musicografia Braille
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
A entrevistada valoriza a
realização de pesquisas
acadêmicas sobre o ensino de
Música para pessoas com
deficiências visuais e propõe
iniciativas para sua melhoria.
No âmbito acadêmico, considero que há a necessidade: do
desenvolvimento de uma ampla pesquisa relacionada ao
ensino de música a deficientes visuais; da divulgação dessa
pesquisa em congressos e exemplares impressos; do
ministério de uma disciplina em cursos de pós-graduação em
música ou em educação ou em educação musical que trate
do assunto de maneira aprofundada; e da criação de um
centro nacional público de produção e armazenamento de
material musical em Braille (que contenha tanto o material
de própria lavra quando um material adquirido no mercado
externo).
2b
A entrevistada teve acesso à
Musicografia Braille através de
um curso por correspondência.
Estudei pela primeira vez a Musicografia Braille na Escola
Hadley., por correspondência (curso que não concluí).
Enquanto estudava na Hadley, utilizava apostilas que eles
forneciam. Posteriormente, passei a utilizar alguns livros
transcritos na Fundação Dorina Nowill.
2b
O entrevistado teve contato com
a Musicografia Braille na
universidade, por meio de um
professor que havia feito um
curso sobre esse código.
Só tive contato com a Musicografia Braille no último
semestre da faculdade.Não havia estrutura no meu curso de
instrumento. Só depois de passados 3 anos e meio, é que o
Professor Cláudio fez um curso de Musicografia Braille e foi
me passando alguma coisa.Até hoje estudo Musicografia
Braille, pois ainda não leio muito bem.
2b
O acesso tardio à Musicografia
Braille prejudicou o andamento
da formação acadêmica do
entrevistado.
As principais dificuldades é que só no último semestre é que
aconteceu a Musicografia Braille em minha vida. Isso
prejudicou muito meu curso, pois Não pude utilizá-la no
decorrer do curso.
2b
continua
110
continuação
Acesso à Musicografia Braille
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
O entrevistado teve dificuldades
para ler partitura, quando estava
perdendo a visão.
É a princípio foi muito difícil, foi muita dificuldade mesmo
pra mim ler a partitura, pegava a partitura levava pra casa, os
ensaios as aulas sempre eram a noite e eu tinha dificuldade
de enxergar a noite, era pior, eu levava as partituras pra casa
estudava de dia e de noite eu estava inteirão beleza, quem
olhasse dizia que era expert na música já, mas era frutos de
horas e horas de sabatina. [Eu já] Enxerguei, eu só peguei as
partituras dos 14 a 15 anos, 13, 14, 15 anos foram os três
anos mais difíceis, então depois bem mais tarde que eu vim
aceitar o problema, e a partir dos 27 anos foi que foram
descobrirem qual era o meu problema.
consegui aprender [ ler partitura em tinta], com muita
dificuldade mas consegui. a visão não se perdeu de uma hora
pra outra, ela vem gradativamente.
2b
O diretor da instituição a que
recorreu colocou impecilhos
quanto ao acesso à Musicografia
Braille, sobretudo por não haver
especialistas.
Foi depois que eu conheci a Conceição, ela me falou que
existia esse método brailin, a Musicografia brailin e que pra
mim isso seria importante, e ela me indicou que eu viesse ao
instituto e procurasse ai com alguém, no instituto se eles me
indicavam alguém, Instituto do cego trabalhador. e eu vim
procurei mas não tinha muita referência boa não, o Diretor
mesmo falava, isso é muito difícil não existe uma pessoa
especializada, eu não conheço, não sei, mas eu não me dei
como (...) Cheguei aqui [na Unicamp] , primeiro consegui o
livro e agora com essa porta, eu acho que porta bem ampla
pra mim, é de conhecer aqui pra mim já foi uma vitória.
2b
Os familiares da pessoa com
deficiência visual também
deveriam aprender o Braille,
para auxiliá-lo.
Olha, isso é muito importante mesmo, eu acho que todos,
não só o deficiente como todo familiar, do deficiente deveria
ter o contato com o brailin, até pra comunicação, melhorar a
comunicação, porque hoje você tem claro a Internet, o
telefone tudo , tá tudo facilitado, mas o brailin é
insubstituível, pra mim eu acho assim.
2b
A entrevistada acredita que
houve um certo comodismo em
relação à procura pela
Musicografia Braille, e acredita
que o fato de que ela podia
contar com seu bom ouvido
contribuiu para isso.
A gente acabou, por comodismo meu e dela, acabamos não
nos aprofundando na questão da Musicografia Braille e eu
acabei não procurando ninguém e acho que também, como
eu tinha um relativamente bom ouvido, ela, nós duas nos
acomodamos, acho que ouve uma cumplicidade aí, aí ela
começou, a gente desenvolveu um método nosso, começou a
tirar músicas de ouvido (...)
2b
continua
111
continuação
Acesso à Musicografia Braille
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
A entrevistada gostaria de ter
tido acesso à Musicografia
Braille mais precocemente, por
julgá-lo fundamental. Ela
acredita que não teve uma boa
orientação, nesse sentido.
E eu gostaria muito de ter tido acesso a ele [ao código
musical em Braille] mais cedo, acho que a gente não pode
dizer: “- Ah, agora eu não aprendo mais!” Não, não é isso.
Acho que é perfeitamente possível aprender qualquer coisa
em qualquer idade, mas o problema é que eu tenho um perfil
meio acomodado e meio conservador e com uma tendência a
ficar, a permanecer a onde eu estive, onde eu sempre estive,
onde eu estava então eu sabe, sabendo que tenho um bom
ouvido eu acabei me acomodando e talvez se eu fosse
cobrada na idade certa, talvez se eu tivesse sido um
pouquinho orientada que fosse, se eu tivesse tido uma
orientação inicial, eu talvez me desenvolvesse de maneira
mais efetiva com relação à Musicografia Braille.
2b
A entrevistada acredita que
todos os estudantes de Música
deveriam ser obrigados a
aprender Musicografia Braille,
sobretudo em Conservatório.
Diante disso eu acho que todos os alunos deveriam ser
induzidos e incentivados, não obrigados, mas incentivados a
aprender. Eu acho que o basicão, o básico, pelo menos um
início do código Braille, todos deveriam ser quase que
obrigados assim, como num conservatório, quer dizer, se o
aluno quiser conservatório ele tem que se enquadra na
metodologia do conservatório, ele vai ler um pouco de teoria
musical. Então se o aluno se recusar terminantemente a
estudar o Braille dependendo do professor ele poderia
eventualmente dispensa-lo, dizer: “ - Bom, eu ensino dessa
forma”. Acho que deveria fazer parte da formação de
qualquer musico cego, de qualquer contexto, de qualquer
instrumento, seja modalidade popular, seja erudita, enfim.É
fundamental, é muito importante, eu acho.
2b
A entrevistada destaca o papel
dos professores, que devem
prover aos alunos os meios de
acesso à Musicografia Braille.
Eu acho que com relação aos professores, eu penso que
todos deveriam aprender, quer dizer, o professor que se
dispusesse, se propusesse a dar aula para uma pessoa cega,
eles até deveriam aprender o básico de Musicografia Braille,
pelo menos os sinais básicos. O professor que eventualmente
não o quisesse, que disponibilizasse isso de alguma forma
pro aluno, ou tivesse uma: “- Oh, eu não vou aprender nada,
não quero saber, mas tó! Tem aqui...
2b
A entrevistada sentiu falta da
Musicografia Braille, e salienta
as dificuldades de acesso ao
aprendizado dessa notação.
Mas eu sempre senti falta dessa parte da Musicografia.
também, eu acho super importante.Eu acho super legal isso,
embora seja bastante difícil você encontrar, Musicografia
Braille porque isto está surgindo agora.
2b
continua
112
continuação
Acesso à Musicografia Braille
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
Por considerar que o
aprendizado da Musicografia é
mais importante do que o uso
exclusivo da audição, a
entrevistada acredita que deve
haver maior divulgação desse
método.
Acho que isso seja importante a divulgação, desse sistema e
realmente as pessoas se interessarem, porque tirar as músicas
de ouvido é importante, mesmo pra algumas músicas mais
complicadas assim , alguma coisa que agente queira tirar, a
mais importante é a Musicografia em Braille a leitura
mesmo, a leitura. isso é legal.
2b
O entrevistado soube da
existência da Musicografia
Braille a partir de alguns
contatos.
Eu vi uma reportagem na televisão de um menino em
Guarulhos tocando concerto com a orquestra de violão de
Vivaldi. E o cara tinha a parte em Braille , e ai que eu fiquei
sabendo que tinha material já pronto, que alguém já tinha
esse material, que isso existia. Que existia eu já sabia(...)
mas eu não sabia que tinha alguma escola que tinha esse
material. tentei entrar em contato com Guarulhos, , mas não
consegui. mas logo o Messias me falou de vocês aqui, então
eu achei que não precisava correr atrás.
2b
O entrevistado teve acesso ao
aprendizado da Musicografia
Braille em uma instituição
especializada.
{O primeiro contato com a Musicografia Braille} Foi no
Instituto Santa Luzia, de Porto Alegre, escola especial para
cegos.A Irmã Celeste, professora de música da escola.
2b
O entrevistado ressalta a
necessidade de ampliação do
acesso à Musicografia Braille.
(...) me preocupa a falta de formação de novos conhecedores
da Musicografia em Braille. [É necessário] Incentivar o
estudo da música e fomentar a pesquisa para tornar
acessíveis os recursos dos equipamentos eletrônicos, visto
que há muitos músicos deficientes visuais.
2b
A entrevistada acredita que o
conhecimento da Musicografia
Braille foi fundamental para o
vestibular, apesar de reconhecer
que, na prova, ela não tenha
aplicado adequadamente o
código.
Eu entrei na faculdade sabendo bem básico de Musicografia
Braille mas até foi fundamental porque eu me lembro que no
vestibular (...) a prova eu fiz de erudita (...) Eu me ative mais
até às notas, e um pouco das figuras, mas mais às notas
mesmo, calma aí se tá um dó, ré e mi na seqüência pode ser
isso, pode ser aquilo, enfim. E eu também escrevi, eu fui
capaz de escrever as respostas. (...) em música Braille. Só
que certamente escrevi com código equivocado
principalmente com alguns sinais, eu acho que as figuras e
as notas talvez até estivessem corretas, mas tenho certeza de
que não usei a linguagem, uma linguagem super adequada.
2b
A entrevistada acredita que o
fato de ela não ter aprendido a
Musicografia Braille no início
de sua formação, acarretou a
falta do aprendizado de Teoria
Musical.
[O registro das músicas] seria super importante. Na verdade,
pelo fato de eu não ter o Braille na questão da leitura, eu
acabei não tendo com ela, acho que por medo talvez de eu
questionar ou sei lá eu porque, ela acabou não me dando
muita teoria [ musical.
2b
continua
113
continuação
Crenças sobre o código musical em Braille
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
A entrevistada relata
dificuldades intrínsecas ao
código musical em Braille,
ressaltando a importância da
experiência prática, no intuito de
saná-las.
Devido a grande quantidade de sinais e regras utilizadas na
Musicografia Braille, a leitura e a escrita musical se torna
algo mais complexo, exigindo cuidado do aluno ou professor
que utiliza esse sistema. São comuns a troca de sinais e
também ocorrem confusões com o sistema alfabético.
Entretanto, tais problemas foram solucionados rapidamente
por mim, tão logo comecei a familiarizar-me com a
aplicação da Musicografia de maneira mais freqüente.
2c
O aprendizado da Musicografia
Braille requer um conhecimento
prévio de teoria, devido à
linearidade da escrita e à
demanda por maior abstração.
E outra observação que eu gostaria de fazer é que para
aprender Braille, Musicografia Braille, você tem que tá
muito mais fundamentado, saber muito mais de teoria
musical do que quem enxerga, porque o Braille é mais
abstrato, pelo código em si, pela maneira com que as coisas
são dispostas. No Braille tem que saber muito mais de
música do que quem enxerga.
2c
Muitas vezes, a entrevistada se
sente irritada em relação à
Musicografia Braille, mas
reconhece que, até o momento,
esse é o código oficializado.
E às vezes assim, até é super engraçado que eu tenho umas
raivas assim do Braille, às vezes me dá umas crises assim e
eu falo: “- Pô! Deviam inventar coisa melhor”.Mas até hoje
não inventaram, né? Então é o que temos para o momento e
acho que é a melhor, é o melhor método que se tem (...)
2c
Embora não se recorde com
precisão, a entrevistada
considera que aprender
Musicografia Braille quando
pequena deve ter sido uma
experiência boa.
A eu não lembro mais como é que foi, nossa eu acredito que
[aprender Musicografia] tenha sido uma experiência boa, eu
comecei realmente a saber como é que eu leio eu lembro que
eu sabia como que eu lia a partitura e tocava junto.Eu
cheguei [saber ler as notas] mas eu não lembro mais tá!
2c
A importância da Musicografia
Braille está na independência
que ela assegura aos alunos.
A princípio a importância [da Musicografia] , está na
independência do próprio músico, do próprio estudante, que
ele vai encontrar eu acho que o papel do professor, pelo
menos eu penso assim, é você ir até certo ponto, depois a
pessoa criar uma independência que é assim que é a vida da
gente, a gente vai até um certo ponto depois ele tem que
caminhar com as próprias pernas.
2c
O entrevistado relata
dificuldades relativas ao
mecanismo da leitura musical
em Braille.
[Minha dificuldade durante o aprendizado da Música em
Braille foi]Ter de ler com a mão esquerda o que a direita irá
tocar e vice-versa, para depois tocar com as duas
simultaneamente.
2c
O entrevistado demonstra
desconhecer os mecanismos da
Musicografia Braille, e pensa
que a correspondência entre ela
e a notação em tinta é
automática.
Então agora eu não sei a dificuldade que eu vou encontrar,
quando eu começar a passar a música pra ele em Braille. É
lógico que ele vai olhar lá e vai dizer por exemplo, olha eu
estou vendo um sinal assim, assim, ai eu vou saber
corresponder, porque ai eu vou ter a mesma música em tinta
do lado.
2c
continua
114
continuação
Avaliação de material sobre a Musicografia Braille
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
Apesar de já ter recorrido a
alguns materiais didáticos, o
entrevistado busca livros mais
eficazes para aprender a leitura.
Eu peguei na Fundação, alguns livros de Braille, com
métodos de flauta, métodos de órgão, acabei não praticando
na época, acabei devolvendo os livros,(...) Eu falei com o
Edison que trabalha na biblioteca e ele me passou um
material que ele recebeu da Escola Hadley, que acho que
nem existe mais; eles tinham um curso de Teoria Musical e
eu andei dando uma lida, mas era muito sucinto, muito
resumido. Agora estou a procura de um livro que explique
detalhadamente para eu poder me educar e ficar mais fácil,
com a Adriana, para eu “pegar” as músicas.
2d
A entrevistada relata as
dificuldades de aprendizado da
Musicografia Braille por
correspondência.
Em um primeiro momento, as dificuldades foram grandes,
pois o curso de Musicografia pela Escola Hadley era por
correspondência, não permitindo que pudesse esclarecer
dúvidas específicas com um professor pessoalmente.
Quando iniciei os estudos pelo Conservatório de Mauá, as
dificuldades foram eliminadas.
2d
O entrevistado busca
conhecimentos da Musicografia
Braille através de livros.
Aí, eu comecei a pegar livros [sobre Musicografia Braille] ,
de um amigo meu, emprestar para ler...Para Ter um pouco
mais de conhecimento...
2d
O aprendizado da Musicografia
Braille necessita do
acompanhamento de um
professor, e o contato com livros
não é suficiente.
Esse livro eu achei muito interessante, porque ele é um livro
com princípios básicos mesmo então, aquela coisa bem
básica da música, mas tem muito sinal, os sinais são muitos,
então pra você ter um contato rápido, e decorar aquilo tudo é
muito dificultoso, você tem que ter uma continuação, eu
acho até ser obrigatório ter um acompanhamento, porque só
fica muito difícil, pode aprender, mas meu caso que já
conhecia a tinta aquela coisa toda, você acha que é muito
mais difícil.
2d
continua
115
continuação
Avaliação de material sobre a Musicografia Braille
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
Uma vez interessada em
aprender Musicografia Braille, a
entrevistada buscou um livro
sobre o código. Mas ela o leu de
forma desordenada, o que não
permitiu o entendimento sobre a
notação, e o que a deixou
entediada e impaciente.
Sei que a gente pediu algum livro na fundação, eu tinha um
ou dois livros sobre teoria musical, agora isso foi super
engraçado porque eu comecei a pegar e ler, sozinha, e achei
tudo aquilo muito chato porque eu via “y”, “ç”, “s”, eu não
conseguia fazer a troca de códigos, eu não entendi a lógica
do negócio e eu comecei a ler meio de maneira meio
desordenada, não consegui organizar e fazer uma seqüência
de pensamentos e organizar, então eu não consegui entender
a lógica. Se alguém tivesse pelo menos me explicado: “-
Olha, o basicão aqui, colcheia,“d”, “e”, “f”,“g”, “h”, e aí
quando vira semínima põe o ponto seis...” Enfim, não. Eu
não entendia, não sabia nada do mecanismo, tentei ler
algumas coisas mas eu não tinha muita paciência, eu não
tinha muito saco, é engraçado que, que até isso me prejudica
porque, assim, sei lá, falando um pouco do meu estilo de
aprendizagem, tem coisas que as vezes eu não tenho muita
paciência de passar pelo processo, de estudar e aí eu nunca
aprendo, só reclamo, isso acontece nas minhas aulas,(...)
2d
O entrevistado busca
conhecimentos da Musicografia
Braille através de livros.
Aí, eu comecei a pegar livros [sobre Musicografia Braille] ,
de um amigo meu, emprestar para ler...Para Ter um pouco
mais de conhecimento...
2d
O entrevistado recorreu a livros
sobre o código musical em
Braille.
Além da orientação da professora que conhecia a grafia
Braille, [recorri] a métodos em Braille editados pela
Fundação Dorina Nowill.
2d
Avaliação de produção de material didático-musical
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
A entrevistada relata seus
contactos através dos quais
tomou conhecimento sobre a
existência de partituras em
Braille.
Não domino a escrita em Braille. Acessei o site da Fundação
Dorina Nowill e observei que eles disponibilizam uma
listagem com as partituras que possuem. Achei a iniciativa
importante e bem executada, mas o material precisa ser
ampliado e atualizado. No início de 2005, conheci o
programa que está sendo instalado na Biblioteca Central da
UNICAMP, sob a direção de Fabiana Bonilha, voltado à
confecção de material musical em Braille.
2e
continua
116
continuação
Avaliação de produção de material didático-musical
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
A entrevistada relata a escassez
de materiais didático-musicais
para pessoas com deficiência
visual e ressalta o papel das
entidades nessa produção.
A maior dificuldade encontrada pela aluna está associada à
escassez de material atualizado disponível no mercado, ou
seja, algumas atividades não podem ser executadas pela
aluna porque os livros utilizados em aula não foram
traduzidos. Entendo que cabe às entidades governamentais
custearem tais traduções para o Braille, já que não possuem
fins lucrativos e existem com a finalidade de prestar serviços
à população. (...) Pedi que a aluna Giovanna requisitasse
alguns exemplares existentes na Fundação Dorina Nowill,
mas eles ainda não foram enviados.
2e
A entrevistada relata a
dificuldade para obter materiais
didático-musicais e a
necessidade de produzi-los por
conta própria.
Obtenho pouquíssimas partituras na Fundação Dorina
Nowill, já recebi material para violão e piano através da
Once da Espanha e os livros e métodos que possuo também
foram adquiridos na fundação. Porém, existe uma carência
muito grande de livros, métodos e partituras, além da imensa
burocracia para adquirir os materiais já existentes na
fundação. Por isso, muitas vezes sou obrigada eu mesma a
confeccionar em Braille os materiais dos quais necessito
para estudar ou dar aulas.
2e
A entrevistada salienta a
importância da formação dos
professores e de espaços para
produção de materiais em
Braille.
Primeiramente, deveríamos preparar melhor nossos
professores de música para receberem alunos deficientes
visuais, implantando nas universidades e conservatórios
musicais o ensino da Musicografia Braille. O acesso a livros
e partituras deveria ser mais facilitado, com a instalação de
impressoras Braille nos principais centros de ensino musical,
além de pessoas que pudessem transcrever digitalmente
partituras que pudessem ser impressas para alunos cegos.
2e
A entrevistada acredita que a
demanda por materiais em
Braille pode aumentar a oferta.
Pode impossibilitar, é muitas vezes o pessimismo do aluno
com relação à acessibilidade de materiais, fala: “ - Ah, pra
que quê eu vou aprender, não tem livro feito?” mas acho que
quando aumentar a demanda, sabe vai aumentar a produção
de livros, né?
2e
Embora a escola onde o
entrevistado leciona seja tida
como uma referência, ela não
dispõe de materiais em Braille.
Eu sei que na escola não tem material em Braille para violão
não. E Tatui é uma escola grande, aliás grande não, é uma
das principais.Dizem que é a maior do Brasil. Agora isso não
é culpa de ninguém, isso às vezes é falta de oportunidade.
2e
Os recursos tecnológicos
surgiram como facilitadores no
processo de produção de
materiais.
A gente hoje tem uma facilidade enorme com os programas
de computadores, e isso ajuda muito, e antigamente acho que
era tudo feito na mão mesmo, então era muito trabalhoso
tinha que ter um copista especial, um copista que intendesse
as duas linguagens.
2e
continua
117
continuação
Avaliação de produção de material didático-musical
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
A oferta de materiais por parte
das escolas faria aumentar a
demanda de alunos.
Eu acho que esse material por exemplo , deveria ser mais
divulgado, porque eu acho que os alunos com deficiência
visual eles não saem pra procurar , talvez eles fiquem
inibidos,então não se oferecem, não se fala assim aqui tem
tal escola , e se você que é deficiente visual quer aprender a
tocar instrumento, procura a escola tal (...) teria que ter mais
oferta, oferta inclusive na mídia.
2e
As possibilidades são reduzidas,
pelas dificuldades com a leitura
e pela ausência de materiais.
É, essa parte da partitura, para a gente é complicado...
partitura Braille, e também pentagrama, esses “negócios”
todos, que eles mexem, é uma coisa muito reduzida para nós,
nessa área. Eu não sei porque, constitui pouco deficiente
visual nessa área, ou mais ou menos assim. Porque para a
gente é muito complicado, Até realmente, para ler, ao
mesmo tempo que eu canto e leio , é impossível. [É
complicado no sentido] De não Ter material. Porque assim:
se tem material, automaticamente o pessoal vai estudar.
2e
A entrevistada ressalta a
escassez de materiais didático-
musicais para pessoas com
deficiência visual.
Tem pouco material sobre música, sobre o que é realmente a
Musicografia Braille tem pouco material, eu acho que
precisa ser mais divulgado.
2e
Acesso ao conhecimento musical consistente
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
O desejo de ingressar na
Faculdade de Música foi um dos
principais fatores que
motivaram a entrevistada a
procurar aprender a
Musicografia Braille.
Lembro desde o primeiro colegial eu já sabia que eu queria
fazer música, eu era apaixonada por música então eu queria
fazer faculdade de música. Aí, no colegial meu professor de
violão, o professor Valter, que começou a pegar mais no
meu pé: “- Olha Lara, você tem que saber um pouco mais de
teoria, você tem que desenvolver a sua percepção musical de
uma maneira, digamos mais científica porque no vestibular
você vai ser cobrada e tal”.E aí eu acho que, na verdade foi
meio por causa da faculdade, de saber que eu teria já no
vestibular uma prova em Braille, eu teria que escrever, pra
faculdade, eu teria que ter um mínimo de Musicografia
Braille aí eu acho que eu cheguei a procurar o curso da
Radlei, eu soube alguma coisa da Radlei, aí eu soube através
de uma amiga minha, quer dizer, eu já sabia do Zoilo, mas
soube que ele continuava na fundação, aí na verdade a
primeira pessoa por quem eu procurei foi a Dona Nanci que
era uma voluntária do Zoilo , os dois.
3a
continua
118
continuação
Acesso ao conhecimento musical consistente
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
A literatura deve estar mais
acessível, e as pessoas devem
estar mais aptas a adquirirem
um conhecimento consistente.
Eu entendo que a partitura é fundamental. A gente deveria
ter um aceso mais prático, essa literatura deveria estar mais
acessível para a gente. E também estimular as pessoas a
trabalharem mais com a técnica, mas não ficar só tocando
aquela musiquinha de rodinha. Fazer música como arte. Usar
a música como cultura (...)Você não precisa ser um músico
profissional para ter esse conhecimento. Acho que isso faz
parte. Da mesma forma que a gente se preocupa em
conhecer detalhes do corpo humano para cuidar um pouco
melhor do corpo, também é interessante você conhecer a
música. Então eu acho que o acesso à literatura e talvez mais
espaços onde a gente pudesse tocar.
3a
No aprendizado musical, a
educação do ouvido deve ser
parte da construção de um
conhecimento sólido e
consistente.
Eu tenho colegas que tocam e não sabem dizer o que é uma
semicolcheia, semibreve, espaço binário, ternário,
quaternário, porque só toca de ouvido. Eu acho que o ouvido
é importante, que aliás a Adriana, minha professora, ela sabe
dar um exemplo muito bom, ela diz que a criança quando
começa a crescer, primeiro aprende a falar, se comunica,
depois vai andar. É importante você ter um ouvido educado
para aprender, mas você tem que ter consciência do que está
tocando, para ter conhecimento do que está fazendo.
3a
A maior produção de materiais
para pessoas com deficiência
visual acarretaria em uma maior
possibilidade de acesso a um
conhecimento musical
consistente.
Considero o desenvolvimento de minha aluna portadora de
deficiência semelhante ao de outros bons alunos da mesma
classe, mas observo que a falta de um material impresso em
Braille inviabilizará um maior aprofundamento e
independência. Como sabemos que hoje existem programas
de computador que executam traduções de português para
Braille e de notação musical (MIDI ou impressa) para
Braille, cabe às entidades públicas adquiri-los, para que o
potencial desses profissionais seja plenamente aproveitado.
3a
O entrevistado buscou, no
estudo, a possibilidade de ser
um músico diferenciado.
Eu estudei música, para aprimorar as técnicas e crescer em
conhecimento musical.Quis ser diferente dos outros
violonistas que só tocam mas não estudam.
3a
O entrevistado se sentiu
motivado a se adaptar às
peculiaridades da Musicografia
Braille.
Não tive dificuldades na escrita em Braille, pois domino o
método Braille desde os 8 anos de idade. Não tive
dificuldade nas figuras musicais, pois sabia sua duração, e a
vontade era tanta de sair daquele método arcaico que me
adaptei logo ao sistema.
3a
continua
119
continuação
Acesso ao conhecimento musical consistente
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
O aprendizado da teoria e da
leitura musical em Braille exige
um esforço mental, por se tratar
de áreas complexas.
Assim, a Teoria Musical, é uma coisa que se você não tiver
uma mente aberta para ela você não entende nem o começo
dela, né? Porque ela é uma coisa assim muito complexa .
Não é que ela é complicada , a gente que complica. E
contando com o Braille, o Braille já é complicado. Aí você
tem muitos sinais, o Braille ele transforma um risquinho com
um sinal. Então, assim, se você tem uma bolinha com um
risquinho ele já transforma dois sinais, né? Para você ler.
Então sua mente tem que ser assim uma mente (...) um
gravador, né? Tem que gravar ali na marra, né? E, mesma
coisa, assim, é complicado o o Braille, e juntando mais com
a música , a partitura, acaba sendo complicado por causa
disso. Do entendimento, né?
3a
Os músicos que enxergam se
centram muito na partitura, e,
nesse sentido, quem é cego é
privilegiado.
Até o próprio músico que enxerga fica muito amarrado ali na
partitura, na pauta. Então ele não é capaz nem de cortir a
música que ele está tocando.até o próprio músico que
enxerga fica muito amarrado ali na partitura, na pauta. Então
ele não é capaz nem de cortir a música que ele está
tocando.até o próprio músico que enxerga fica muito
amarrado ali na partitura, na pauta. Então ele não é capaz
nem de cortir a música que ele está tocando. ele fica vidrado
naquele negócio ali, e esquece, né? E a gente, que assim,
acaba não tendo a visão, bom, a gente acaba sendo um pouco
privilegiado por essa parte. Porque você fica preocupado.
3a
Os cegos têm condições para
serem bons músicos, não
estando restritos à realização de
apenas algumas atividades.
Eu acho que o que deveria acrescentar é que isso fosse mais
aberto, fosse mais acessível as pessoas, principalmente aos
deficientes visuais, porque quando se fala em deficientes
visuais, acha que o deficiente só sabe ouvir rádio, e tocar
violão, só, não acha que o deficiente pode ser um bom
músico lendo a partitura, tudo. Então eu acho que isso
deveria ser mais aberto, ter mais aprofundado essas coisas,
mesmo nas escolas, colocar na pauta mesmo colocar no
currículo escolar, essa coisa é pra expandir mais.
3a
O potencial dos cegos para a
Música deve ser descoberto, e
devem ser dadas oportunidades
para o seu desenvolvimento.
[Deve haver] A maior divulgação, e acho que um certo tipo
de empurrãozinho, é o que eu falei na questão do interesse,
entendeu? Fazer os deficientes se interessarem por música, é
descobrir esse potencial né, eles já gostam de música, mas o
que é mais legal, as pessoas se envolverem de verdade com a
música, porque elas vão dizer se elas gostam de verdade ou
não entendeu? Se é só para passar o tempo, só pra mudar o
interior mesmo.
3a
continua
120
continuação
Acesso ao conhecimento musical consistente
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
A busca por aperfeiçoamento
levou o entrevistado a estudar
Música.
[o que me levou a estudar Música foi] O desejo de
aperfeiçoar a técnica adquirida intuitivamente apenas.A
[estudar Música representa a] possibilidade de aperfeiçoar a
técnica de execução e de conhecer novos gêneros.
3a
Alternativas de acesso às Musicas
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
Para assimilar as músicas, o
entrevistado recorre a um
gravador.
No começo a minha primeira medida foi um gravador e eu
gravava a aula, porque às vezes, eu chegava em casa e
esquecia a melodia e então eu ouvia o gravador e tocava.
Ouvindo o gravador, mesmo que eu não lembrasse as notas,
só de ouvir, tocando, eu identificava.E no caso da música, eu
acho que ele é mais útil do que na faculdade, porque música
é ouvido, música é som. Por mais que eu memorize a
melodia, os acordes, a seqüência de notas, poder ouvir é
diferente, você recorda, relembra com muito mais rapidez,
com muito mais agilidade.
3b
A entrevistada relata que, na
ausência de materiais, sua aluna
recorre a anotações feitas em
aula e a gravações em áudio.
Frente à inexistência da tradução do material que utilizo em
classe, segui a orientação da aluna que possui uma
deficiência visual: leio em voz alta tudo o que está escrito na
lousa, ela anota as informações passíveis de serem escritas e
memoriza as demais informações; procuro dizer a ela o que
deve ser anotado e o que não precisa ser anotado; e procuro
executar algum eventual movimento corporal com as mãos
dela para que ela possa executar movimentos semelhantes
aos dos outros alunos. Quando entendemos que algo deve ser
resolvido individualmente, o fazemos em um plantão
semanal de meia hora ao qual ela tem acesso. Ela executa os
exercícios diários com o auxílio de gravações – em CD,
disquete e Internet – que fazem parte do material de aula
(utilizado por todos os alunos).
3b
A entrevistada tira sobretudo
músicas populares pelo ouvido.
Sim, na maioria das vezes [tiro músicas pelo ouvido]
principalmente música popular.
3b
O entrevistado deseja tirar
música pelo ouvido, mas sente
que ainda tem dificuldades.
O maior sonho que que eu tenho é tirar música de ouvido.
Por enquanto, tá meio enferrujado. (...) Olha, para mim eu
não estou tendo conhecimento dos sons. Eu começo a
escutar e para mim fica tudo igual.
3b
continua
121
continuação
Alternativas de acesso às Musicas
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
A professora tocava as músicas
a serem aprendidas, ao piano, e
a entrevistada as memorizava
por um processo de repetição.
Ela tocava eu repetia, e engraçado que até no piano eu não
gravava muito, eu nem gravava, eu nunca gravei, nas aulas
de bateria, que depois foi o instrumento pelo qual eu me
apaixonei mais ainda e o instrumento que eu escolhi, que
toco até hoje, eu gravo as aulas, eu sempre gravei desde as
primeiras aulas e o piano não, eu acho engraçado que eu não
gravava. Eu memorizava mesmo, era repetição. Ela tocava
um trecho e eu tocava, e geralmente um trecho curto,
digamos uma primeira parte de uma música simples, a mão
direita e esquerda, ou até às vezes as duas juntas e eu tocava,
aí depois só a mão direita, depois só esquerda, e assim eu ia
memorizando. Eu lembro que quando eu estudava,
normalmente eu, pela lógica, não errava, mas às vezes
acontecia de eu, uma nota ou outra, me enganar e às vezes
estudar a nota errada e aí era mais difícil.
3b
Para que seu aluno assimilasse
as Músicas, o entrevistado
gravava lentamente cada
compasso.
Então atualmente eu passei algumas músicas pra ele da
seguinte forma: gravava bem lentamente um compasso,
explicava, explicava o que estava acontecendo, e ele tirou
uma música assim, e está tirando a segunda agora, Pegava
cada compasso e gravava, cada compasso e por exemplo
falava que Aqui tem um dó semínima.... É isso, eu gravei
uma valsa por exemplo aqui, o dó na quinta corda, terceira
casa, juntamente com a nota mi, da primeira corda solta, e
tocava , ai eu tocava lentamente o compasso.
3b
Embora o método de gravação
represente uma possibilidade de
treino auditivo, ele deveria ser
um complemento à leitura
musical.
Eu acho que esse sistema é até bom porque é um
treinamento auditivo de percepção. Mas o ideal é que isso
seja um complemento, não a forma principal, o ideal é se
aprender lendo a partitura mesmo.
3b
Na ausência de materiais, o
entrevistado utiliza recursos
auditivos para assimilar as
música.
[Na ausência de materiais, recorro]A ensaios com o regente,
no caso do coral. O restante é de ouvido mesmo.É a forma
que uso normalmente.
3b
O entrevistado recorre ao seu
bom ouvido com frequência,
para assimilar as músicas.
Hoje 90% da música [eu tiro] de ouvido, 90% 100% então,
graças a Deus eu tenho um bom ouvido, eu acho que eu
tenho um bom ouvido, eu capto rápido. Se eu estou ouvindo
uma orquestra, eu dá pra mim detectar instrumento tal,
instrumento tal, isso facilita bastante.
3b
continua
122
continuação
Dificuldades técnicas de execução
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
O professor gravava as
informações musicais pra o
entrevistado, e ele assimilava as
Músicas por esse método, apesar
de considerá-lo precário.
Nas aulas de arranjo por exemplo, fazia exercícios pelo
ouvido. Para ler as peças na aula de instrumento, o professor
Cláudio me passava: A- Qual era a nota musical e a sua
duração
B- Digitação
C- Andamento
D- Dados gerais sobre a peça
Ele gravava em um gravador amador, e eu estudava em casa
e tinha que decorar.
Método precário, mas era o único jeito de estudar.
3c
O entrevistado usa recursos
auditivos para assimilar as
Músicas, e atribui isso ao fato de
ser músico popular.
Tiro muita música pelo ouvido pelos motivos já falados, e
também por ser guitarrista e violonista popular. Eu ainda não
tirei nenhuma música completa por Musicografia Braille.
3c
O entrevistado se refere a
dificuldades técnicas, sobretudo
relativas a saltos, e aos recursos
usados para superá-las.
A minha dificuldade é técnica. Por exemplo, um salto maior,
você tem que memorizar o posicionamento. Por isso estou
trabalhando muito as escalas cromáticas e os exercícios de
oitavas. Muitas atividades para conseguir fazer esses saltos
automaticamente. No segundo minuto de Bach tem uns dois
pontos da música que tem que dar um salto ali que eu
“apanhei” terrivelmente para conseguir tocar, mas acabei
conseguindo.(...) Basicamente quando eu comecei, as
dificuldades eram todas. Agora eu já consigo identificar
sons, já consigo trabalhar com as escalas maiores, menores
já estou conseguindo dominar os acordes. Daqui para frente
é uma questão de treinamento, de exercitar mesmo, de amor
a música, de motivar a cada dia para estar sempre tocando.
3c
O entrevistado se refere ao
empenho da professora ao
buscar meios para que ele
supere suas dificuldades.
Ela [a professora] está sempre tentando encontrar meios, por
exemplo, nas músicas quando eu tenho dificuldade para
acessar determinada nota, ela sempre encontra alguma forma
para que eu tenha acesso aquela nota num processo mais
pratica. Às vezes ela me faz mudar de dedo para que eu
tenha mais facilidade para atingir a nota até eu compreender
o processo e depois eu toque normal.(...) Ela sempre está à
procura de algo que possa agilizar o processo.
3c
O entrevistado desenvolveu
alternativas para suprir
dificuldades técnicas de seu
aluno.
A dificuldade que ele tem as vezes em saltos, isso a gente
decora quem tem facilidade decora. Mas no começo talvez
pudesse colocar no braço um sinal em Braille também pra
dizer qual é a casa que ele está caminhando, aposição, ou na
parte traseira do braço no polegar , pra ele ir se orientando,
então acho que colando uma fita não sei alguma coisa assim.
3c
continua
123
continuação
Relação professor-aluno
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
A entrevistada relata que
recebeu orientações de sua aluna
sobre como lidar com
especificidades da sua
deficiência.
Em setembro de 2005, fui contratada pelo Departamento de
Música da Escola de Comunicações e Artes da Universidade
de São Paulo (CMU / ECA / USP) para ministrar a disciplina
Percepção Musical. No primeiro dia de aula na classe de
Percepção Musical II conheci Giovanna Maira, cantora e
portadora de deficiência visual. Pedi a ela que me orientasse
a respeito da maneira que ela considerava ser a mais
eficiente em relação ao seu aprendizado durante as aulas.
Também perguntei a respeito do material disponível no
mercado. Ela respondeu-me que eu deveria ler em voz alta
tudo o que estivesse escrito na lousa para que ela pudesse
fazer anotações em Braille e comentou que o material
existente no mercado é insuficiente.
3d
A entrevistada vivenciou
situações em que professores
não a aceitaram como aluna,
mas ela pôde superá-las ao
adquirir mais conhecimento
musical.
A partir do momento que decidi aprender música, comecei a
procurar professores que fossem bons didaticamente, mas
que principalmente me aceitassem como aluna, já que
muitos nem ao menos tentavam trabalhar comigo, alegando
não terem condições para lecionar. As justificativas eram a
falta de material em Braille ou, em alguns casos, a falta de
experiência didática em trabalhar com deficiente visual.
Quando finalmente adquiri conhecimentos básicos de teoria
musical, ficou mais fácil minha comunicação com
professores de música videntes.
3d
O entrevistado aponta que o
preconceito por parte dos
professores gera uma não-
aceitação dos alunos com
deficiência visual.
Sobre os professores de música, eu praticamente não os
escolhi, apenas tive aulas com quem me aceitava como
aluno, pois aqui no interior o preconceito é muito grande
com os deficientes visuais.É dolorido dizer, mas, teve
professores que quando os procurei, diziam que eu nunca iria
ser um músico.
3d
O entrevistado atribui a
continuidade do seu aprendizado
de Musicografia Braille à
amizade que tem com seu
professor.
O professor Cláudio além de ser meu professor, é meu
grande amigo, por isso é que ainda tenho acesso à
Musicografia Braille.
3d
O professor pode ser orientado
pelo primeiro aluno deficiente
visual que recebe.
E eu falei assim para ele: “Olha, esquece os meus olhos e me
ensina o que você ensina para os outros. Porque são a mesma
coisa. A única coisa que vai limitar é minha visão. E ele [o
professor] ia assim tirando dúvidas, , como primeiro aluno,
então, fica assim totalmente perdido. Aí eu expliquei para
ele como, dar aula para a gente, que acho que não há
problema algum, eu acho que nós não somos uns parasitas,
para ser diferente um do outro. Eu acho que a capacidade de
um normal, a gente tem.”
3d
continua
124
continuação
Relação professor-aluno
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
Por ter uma bolsa fornecida pela
instituição, o estudante não pôde
escolher seu professor.
Como foi uma bolsa , e como é uma escola particular, no
Cambuí, então, o que aconteceu? Então , o professor que
tinha que aceitar a dar aula para a gente. . Gratuitamente.
Então não tinha aquele negócio de ficar : Eu quero esse
professor, eu quero aquele. Aquele negócio, né? A cavalo
dado não se olha os dentes.
3d
Ao buscar conhecimento em
livros, o entrevistado teme a
reação do professor, mas
percebe sua admiração.
Ele [o professor] ficou meio bobo assim no dia em que eu
falei para ele. Porque assim eu chegava para ele e tirava
muita coisa, do livro, tinha dúvida, aí eu guardava essa
dúvida. Eu falava: Ah, anotava a dúvida que eu tinha, e ia lá
e perguntava para ele. Bom, o que é isso daqui? Só que eu já
ia com as perguntas na mente, né? Eu não ia escrita, então
ele ficou meio assustado, né? Então, assim, eu achava que
ele ia ficar bravo, se fosse ler outro livro, sair do método
dele...
3d
O entrevistado não pôde
escolher seus professores, que
eram pagos pelo Município, mas
sempre teve uma boa relação
com eles.
Não [escolhi meus professores] , era pago pelo município né,
e os professores e eles sempre tinham aquela vontade de
ensinar, eu sempre tive sorte de encontrar bons professores,
sempre que era mudado sempre havia um que eu me
identificava bem né. Então a gente tinha aquela amizade,
então quando eles verem certos alunos se destacar eles dão
mais apoio, procuram fazer um trabalho diferenciado.
3d
O entrevistado se refere a
barreiras atitudinais por ele
enfrentadas e à possibilidade de
superação desses obstáculos.
A dificuldade foi bastante, foi grave pra mim, tive até
momento de pessoas que não entendiam o problema,
também eu nem os culpo elas até mesmo de professores
falarem coisas, então mais são coisas que passou, então
continuei avante.
3d
A entrevistada aponta que às
vezes os professores poupam os
alunos cegos e se acomodam.
O professor acaba não cobrando por não saber muito como
lidar ou por:” - Coitadinho!”, por piedade, -“ - Ah coitadinho
ele é cego, se eu cobrar que ele escreva eu vou ter que
dominar um pouco da linguagem e aí eu não tô afim, tô com
preguiça, então eu tô que se dane...Deixa pra lá.”
3d
A entrevistada acredita que seus
professores tiveram muita
paciência com ela e foram
sempre muito interessados.
Pelos professores que eu tive, eu não tenho do que
reclamar,porque eles tiveram muita paciência, e eles tiveram
bastante interesse também em querer ensinar pra gente a
leitura da partitura, certo Não tem muito o que reclamar,
dessa parte não.
3d
continua
125
continuação
Relação professor-aluno
Idéias centrais Expressões-chave Categoria
O professor de Música deve ser
amigo de seus alunos, e deve
estar sempre preocupado com o
desenvolvimento e aprendizado
deles.
Eu acho que para o professor estar ensinando melhor, a
música ele precisa ser não só um professor mas um amigo,
amigo mesmo que ensina que quer ver o aluno aprender de
verdade, que quer ver o aluno se desenvolver melhor, (...) eu
acho que isso traz maior aproximação, o aluno com o
professor e ajuda bastante também no desenvolvimento da
música.
3d
O entrevistado passou pela
experiência de dar aula para dois
alunos.
Na verdade o Messias é o segundo aluno que eu tenho, que é
deficiente visual., eu tive um aluno anterior a ele, que era um
baterista, e a escola em Tatuí, ela tem como curso
obrigatório, um programa, ele exige que o aluno aprenda a
tocar um instrumento de harmonia, um instrumento
harmônico, um flautista, geralmente eles tocam piano. E esse
aluno era deficiente visual porque ele sofreu um acidente de
motocicleta, mas ele havia ficado cego há pouco tempo,
então ele não tinha prática de leitura em Brailin, e se tivesse
estaria aprendendo na época. E a exigência da escola era só
pra ele saber,definir o que era uma tríade, uma tecla maior
menor, então eu não tive tanta necessidade de teorizar a
coisa.
3d
Por vezes os professores criam
pretextos para não receberem
alunos que se enquadrem em
algumas categorias(deficientes,
idosos, etc), e preferem receber
alunos virtuoses.
As vezes o aluno chega numa escola e a professora não quer
ensinar, dá uma desculpa diferente, inventa uma desculpa
mais assim, não tem vaga... isso é comum inclusive não pra
deficiente visual, é comum pra idoso, entendeu? (...) a
dificuldade que o aluno tem as vezes em conseguir vagas em
escolas geralmente é esta mesmo , porque o professor já quer
um fera pra tocar. Não é o caso por exemplo de [dizer] , eu
não quero dar aula porque é um deficiente visual, eles
querem escolher os alunos que já tocam.
3d
O entrevistado não escolheu
seus professores.
Minha primeira professora lecionava na escola onde
estudava, logo não foi escolha minha. O maestro que me
ensinou trompete também era da escola.
3d
127
ANEXO 2 - Transcrições das Entrevistas
Sujeito 1 - Estudante de Música que possui deficiência visual
Fabiana
: Bom, então, queria saber de você algumas coisas sobre o aprendizado de música, sobre
sua experiência com música, e eu queria saber, a princípio, o quê que levou você a
estudar música, ter esse contato com a música.
Entrevistado: Então, eu...Preciso lembrar, né? Eu... Na verdade eu acho que os meus primeiros
contatos com a música enquanto ouvinte, eu nem me lembro da idade, mas foi ainda
bebê, imagino que toda criança, de qualquer maneira, os pais colocam a criança em
contato com a música, quando a criança é cega acho que mais ainda, né? Por que se
tem essa impressão ou se tem essa questão do senso comum de que a criança cega vai
aguçar mais os ouvidos, que vai ter dons mais acentuados para a música. Na minha
casa tinha piano porque a minha irmã tinha estudado piano e então minha família tinha
comprado um piano e eu ainda muito pequena brincava, assim, sentava no piano e
tentava tirar alguma musiquinha, alguma canção de ninar ou alguma cantiga de roda,
canções infantis. Eu até tinha dito no material escrito que a minha professora, minha
primeira professora de música, foi de educação musical que se chamava Valquíria, ela
dava aula... Era como, era como musicalização infantil mesmo, então ela nos fazia
perceber graves, distinguir os graves dos agudos, os sons graves dos agudos, dava
alguns instrumentos de percussão, eu me lembro de uns martelinhos de borracha que
até é meio carnavalesco, no carnaval às vezes o pessoal brincava de bater na cabeça
um do outro, tinha uns martelinhos que a gente batia no chão e tal, uns xilofones de
brinquedo e tal, aí...Ainda, mas é super engraçado, eu tenho, voltando assim, eu
tenho na memória, eu tenho registros de músicas que eu ouvia realmente pequena,
assim, muito pequena, eu lembro até quais eram, e músicas até que eu nunca mais ouvi.
Fabiana
: Você foi exposta desde cedo, né?
Entrevistado
: É, é, músicas que eu fui exposta desde cedo, até tem uma curiosidade que minha
mãe dizia, diz hoje em dia, que quando eu era bebê ainda, de colo, que quando eu tava
chorando ela botava Roberto Carlos eu parava de chorar na hora.(risos) É, são coisas do
meu passado.
Fabiana
: Até que daí você foi estudar música...
Entrevistado
: É, isso, essa professora foi a primeira de educação musical, e a minha mãe teve
contato com uma outra mãe de uma menina cega, um pouco mais velha que eu de
128
São Paulo que indicou, então essa mãe indicou para a minha mãe a professora de piano
que seria então a minha professora por muitos anos que é a tia Elza por quem eu tenho
muito carinho e tal, e ela também começou, acredito que intuitivamente, a fazer um
trabalho de educação musical e um trabalho bem lúdico já que eu era muito pequena, eu
tinha quatro anos, e eu imagino que eu deva ter começado com quatro ainda, eu ia fazer
cinco, quatro e meio eu devia ter, e fiz até os quatorze anos, estudei piano durante dez
anos.
Fabiana
: E assim, com ela você teve alguma experiência de alfabetização musical ou pelo Braille
ou de alguma outra forma?
Entrevistado
: Sim, tive. Na verdade, quando ela começou a me introduzir, a introduzir musiquinhas,
e quando eu comecei a tocar musiquinhas mesmo, por mais simples que fossem, ela me
pôs em contato com a Musicografia em tinta. Então ela inventou um método, ela mesma
que inventou uma maneira de me mostrar como funcionava o código musical em tinta, a
escrita musical em tinta, que era o seguinte: as pautas, assim, o pentagrama ela fazia de
barbante, ela, acho que muito poucas vezes, ela adicionou as linhas suplementares,
acho que era mais uma coisa simples, então eu me lembro das cinco linhas que eram o
pentagrama, com o barbante então ficavam em alto relevo, as notas musicais ela cortava
bolinhas, círculos de papel, e era até engraçado, ela cortava o círculo com um furo no
meio. Por que? Porque pra eu sentir que quando ele ficava na linha, em cima da linha,
ele tinha um furinho no meio pra eu sentir o círculo e a linha, que o círculo fazia uma
intersecção com a linha, e o círculo que ficava nos espaços, entre uma linha e outra, não
tinha o furinho no meio.É isso foi super intuitivo e tal, que ela inventou e, na época eu
sabia ler assim, até consegui ler mais ou menos.
Fabiana
: Só que não iria durar por muito tempo...
Entrevistado
: Não.
Fabiana
: Só serviria para uma coisa mais simples.
Entrevistado
: Bem simples, exatamente. E eu acho que eu me cansava um pouco, eu me lembro
que eu, é que eu me cansava um pouco e acho que ela desistiu, e também porque
ficaria muito complexo esse método era feito numa escala muito grande, era uma, era
um círculo de mais ou menos uns, sei lá uns cinco ou seis centímetros de diâmetro.
Fabiana
: Então uns quatro compassos ocupariam quase uma folha toda?
Entrevistado
: Exatamente, com certeza. Aí eu tive curiosidade, eu mesma perguntei pra ela sobre a
Musicografia Braille e ela mesma me disse: “- Olha, quando você ficar um pouquinho
mais velha você vai ter que aprender.”
Fabiana: Então ela já tinha conhecimento que isso existia?
129
Entrevistado: Eu acho que sim. Eu não sei como que foram essas primeiras conversas, eu sei que
alguém falou pra ela ou ela conhecia um organista que foi muito famoso na década de
sessenta e setenta que foi o Renato Mendes.
Fabiana: Cego?
Entrevistado
: Cego. E ele, ele até nem sei se mora no Brasil. E a Vera queria falar com esse
Renato Mendes, eu acho que até chegou a falar com ele, mas fez algum contato e ele
não foi muito acessível, eu não me lembro, não me lembro exatamente o quê que
aconteceu. E eu mesma falei: “-Ah mais...” ela mesma falou: “-Vou te botar em
contato com o Renato Mendes e de repente para você fazer aula com ele”.E eu dizia pra
ela que eu não queria fazer e ela mesma depois ficou meio receosa dele querer me dar
aula de órgão talvez e aquela coisa do órgão com pedaleira aquelas coisas, e eu tinha
medo, confesso que eu tinha medo, eu tinha medo tanto da figura masculina, de um
professor homem que pudesse ser bravo, e de mudar de instrumento porque eu não
queria, enfim. Aí depois de um tempo ela descobriu o Zoilo, mas também não sei nem se
chegou a ligar, eu sei que a gente pediu algum livro na fundação, eu tinha um ou dois
livros sobre teoria musical, agora isso foi super engraçado porque eu comecei a pegar e
ler, sozinha, e achei tudo aquilo muito chato porque eu via “y”, “ç”, “s”, eu não conseguia
fazer a troca de códigos, eu o entendi a lógica do negócio e eu comecei a ler meio de
maneira meio desordenada, não consegui organizar e fazer uma seqüência de
pensamentos e organizar, então eu não consegui entender a lógica. Se alguém tivesse
pelo menos me explicado: “- Olha, o basicão aqui, colcheia,“d”, “e”, “f”,“g”, “h”, e
quando vira semínima põe o ponto seis...” Enfim, não. Eu o entendia, não sabia nada
do mecanismo, tentei ler algumas coisas mas eu não tinha muita paciência, eu não tinha
muito saco, é engraçado que, que até isso me prejudica porque, assim, sei lá, falando
um pouco do meu estilo de aprendizagem, tem coisas que as vezes eu não tenho muita
paciência de passar pelo processo, de estudar e eu nunca aprendo, reclamo, isso
acontece nas minhas aulas, assim, e outras coisas, falando necessariamente de música,
tinha coisa que eu tinha uma super paciência, por exemplo, paralelo à aula de piano eu
estudava, aliás mais do que piano, eu estudava num tecladinho que eu tinha ganho do
meu pai por quem, por quem não que não é pessoa, pelo qual eu me apaixonei. Era um
tecladinho da Cássio que tinha uns acompanhamentozinhos lá, tinha uma fitinha que
você botava, era uma fita magnética como se fosse uma fita cassete, mas um pouco
diferente, que tinha umas musiquinhas na memória da fitinha e era como se fosse
um karaokê e eu tinha que tocar a linha melódica.
Fabiana
: Ah! Que legal!
130
Entrevistado: Era bem legal, era bem bonitinho. E naquilo eu fazia várias pesquisas musicais,
lógico, pesquisa na complexidade de uma criança, né?
Fabiana
: Sim, mas eram pesquisas, investigação mesmo.
Entrevistado
: Isso.
Fabiana
: Sobre harmonia, melodia...
Entrevistado
: Isso. Isso era muito legal, e aputz, foi muito legal pra inclusive para ampliar o meu
repertório porque tinha música popular, música erudita, enfim, era... Erudita assim,era
pouca coisa erudita, mas enfim. Eu às vezes até pedia pra tia Elza para explorar um
pouco a coisa do tecladinho e ela um pouco conservadora meio que torcia o nariz assim,
ela até poderia ter aproveitado...
Fabiana
: Seria bem melhor.
Entrevistado
: E estabelecido algumas conexões: “- Peraí, você descobriu isso...” Mas ela não
conseguiu muito se flexibilizar nesse sentido. Bom, eu sei que o estudo do piano foi
ficando um pouquinho mais complexo e mais complexo e a gente acabou, por
comodismo meu e dela, acabamos não nos aprofundando na questão da Musicografia
Braille e eu acabei não procurando ninguém e acho que também, como eu tinha um
relativamente bom ouvido, ela, nós duas nos acomodamos, acho que ouve uma
cumplicidade aí, ela começou, a gente desenvolveu um método nosso, começou a
tirar música de ouvido, ela tocava eu repetia, e engraçado que até no piano eu não
gravava muito, eu nem gravava, eu nunca gravei, nas aulas de bateria, que depois foi o
instrumento pelo qual eu me apaixonei mais ainda e o instrumento que eu escolhi, que
toco até hoje, eu gravo as aulas, eu sempre gravei desde as primeiras aulas e o piano
não, eu acho engraçado que eu não gravava.
Fabiana
: Como é que você...Ela tocava...
Entrevistado
: Ah... Eu memorizava mesmo, era repetição. Ela tocava um trecho e eu tocava, e
geralmente um trecho curto, digamos uma primeira parte de uma música simples, a mão
direita e esquerda, ou até às vezes as duas juntas e eu tocava, depois a mão
direita, depois esquerda, e assim eu ia memorizando. Eu lembro que quando eu
estudava, normalmente eu, pela lógica, o errava, mas às vezes acontecia de eu, uma
nota ou outra, me enganar e às vezes estudar a nota errada e aí era mais difícil.
Fabiana
: É, você não tinha nenhuma referência do registro daquilo que você estava tocando.
Entrevistado
: É, e que seria super importante. Na verdade, pelo fato de eu não ter o Braille na
questão da leitura, eu acabei não tendo com ela, acho que por medo talvez de eu
questionar ou sei lá eu porque, ela acabou não me dando muita teoria musical.
Fabiana: Porque está associada uma coisa à outra.
131
Entrevistado: Sim. Exatamente. Mas eu não sei, porque, assim, é que aí depois foi outra estória, eu
era adulta, mas a Vera começou a falar de teoria musical pra mim, aí eu já tinha
aprendido um pouco tal, mas a Vera, minha professora de bateria atual ela nunca soube,
nunca aprendeu nada de Braille, nem de escrita comum, nem de Musicografia, e ela fala
normalmente de semínima, de colcheia, semicolcheia e eu entendo. Nota pontuada, nota
pontuada acho que foi a Vera que me ensinou o que era, se eu não me engano, ou
aprofundou o conceito e eu entendi, sei lá, de ouvir ali e ia tentando escrever,
enfim, sei lá. Putz Fabi, eu tô enrolando demais aqui.
Fabiana
: Não, não, não. Es ótimo. Tem milhões de idéias centrais. Como é que você, depois
dessas experiências iniciais de ter pego o livro tal, tal, tal, e ter essas experiências
alternativas assim, como é que você efetivamente entrou em contato com a
musicagrafia, com o código especificamente?
Entrevistado
: Na verdade eu havia parado de estudar piano e eu comecei a estudar bateria, eu
comecei a brincar com bateria aos onze anos então, na verdade assim, dos onze aos
quatorze eu estudei bateria, violão e piano, os três instrumentos ao mesmo tempo, eu
não estudei nenhum bem, eu não estudava nenhum direito (risos), mas de qualquer
maneira eu tinha contato com os três. pra completar a questão da minha estória, não
sei se interessa ou não, mas enfim, eu aos quinze entraria no primeiro colegial e pelo
que eu me lembro desde o primeiro colegial eu sabia que eu queria fazer música, eu
era apaixonada por música então eu queria fazer faculdade de música. Aí, no colegial
meu professor de violão, o professor Valter, que começou a pegar mais no meu pé: “-
Olha L, você tem que saber um pouco mais de teoria, você tem que desenvolver a sua
percepção musical de uma maneira, digamos mais científica porque no vestibular você
vai ser cobrada e tal”.E eu acho que, na verdade foi meio por causa da faculdade, de
saber que eu teria no vestibular uma prova em Braille, eu teria que escrever, pra
faculdade, eu teria que ter um mínimo de Musicografia Braille eu acho que eu cheguei
a procurar o curso da Radlei, eu soube alguma coisa da Radlei, eu soube através de
uma amiga minha, quer dizer, eu já sabia do Zoilo, mas soube que ele continuava na
fundação, na verdade a primeira pessoa por quem eu procurei foi a Dona Nanci que
era uma voluntária do Zoilo , os dois desenvolvem trabalho na fundação, né? eu
procurei a Dona Nanci e acabou não dando certo eu a procurei e depois demorei
umas duas semanas pra ligar pra ela quando eu liguei ela tinha desistido de me dar
aula, falou que ficou esperando eu ligar, eu dei alguma mancada com ela , que eu fiquei
de ligar e demorei pra ligar de novo, fazer um segundo contato. eu procurei o Zoilo,
eu fiz algumas aulas com o Zoilo, e nós paramos, ele parou porque tava doente
uma época, e ele nunca mais voltou e tal sei lá, eu acabei desencanando e eu entrei
132
na faculdade sabendo bem básico de Musicografia Braille mas até foi fundamental por
que eu me lembro no vestibular , por exemplo, eu até, por erro de inscrição, que nem foi
meu , foi de uma pessoa da secretaria do IA, me matriculou no curso, sei lá, em vez de
vinte e dois pois vinte e um, alguma coisa de código que me matriculou no erudito em
vez de popular.
Fabiana
: E a prova você fez de erudito?
Entrevistado
: E a prova eu fiz de erudito. eu lembro que eu peguei uma peça e não sei como eu
chutei que era de Vivaldi e estava certo, mas eu devo ter reconhecido alguma nota, eu
falei isso tá com cara de quatro estações, eu fiz uma viagem aí e deu certo.
Fabiana: Quer dizer, você sabia ler, sabia reconhecer?
Entrevistado
: Sabia. Sabia.
Fabiana
: Semínima, dó semínima, enfim...
Entrevistado
: Sabia. Sabia. Eu me ative mais até às notas, e um pouco das figuras, mas mais às
notas mesmo, calma aí se tá um dó, ré e mi na seqüência pode ser isso, pode ser aquilo,
enfim. E eu também escrevi, eu fui capaz de escrever as respostas.
Fabiana: Ah sim, em Braille, escrever em música, né?
Entrevistado
: É, de maneira, escrever em música Braille. que certamente escrevi com código
equivocado principalmente com alguns sinais, eu acho que as figuras e as notas talvez
até estivessem corretas, mas tenho certeza de que não usei a linguagem, uma
linguagem super adequada.
Fabiana
: Pode ser que tenha acontecido assim, de você ter ouvido certo, assim, ter registrado,
né?
Entrevistado
: Não, eu acho que até a figura em si foi certa, mas a construção de botar o sinal de
oitava...
Fabiana
: Sim, as regras, os sinais tal...
Entrevistado
: Isso, as regras com certeza não foram aplicadas, o sinal de oitava, por exemplo, em
tinta eu não sei, sei lá acho que eles usam só clave de sol.
Fabiana
: É.
Entrevistado
: É raro precisar de uma clave de fá, é uma coisa mais simples porque eles usam
clave de sol, pra gente o, a gente tem que determinar a altura, eu nem sei e se pus,
pus uma quarta oitava, qualquer coisa, enfim. na faculdade eu conheci a Fabiana
(risos), eu conheci você tive contato e resolvi, quis mesmo aprofundar esses meus
conhecimentos e tal e aí, houve um contato com você e tal. Sei , mas vai perguntando
aí porque eu acho que viajei demais.
133
Fabiana: Não, assim, eu queria só que você falasse assim, porque você passou por três
possibilidades, por exemplo, quando você era pequena você teve acesso a um código de
leitura que era o código em tinta né, em relevo digamos assim uma solução criativa...
Entrevistado: Mas era uma coisa inviável, absolutamente inviável.
Fabiana
: Sim. Depois você teve a experiência de tirar música de ouvido, basicamente de recorrer à
audição, e depois efetivamente você aprendeu o digo em Braille, então assim, nesse
sentido, a partir dessas três experiências, como é que você a importância ou não da
pessoa ter mesmo acesso ao código Braille, assim, como é que você a importância
disso na formação musical?
Entrevistado
: Eu acho fundamental, na verdade.
E eu gostaria muito de ter tido acesso a ele mais cedo, acho que a gente não pode dizer:
“- Ah, agora eu não aprendo mais!” Não, não é isso. Acho que é perfeitamente possível
aprender qualquer coisa em qualquer idade, mas o problema é que eu tenho um perfil
meio acomodado e meio conservador e com uma tendência a ficar, a permanecer a onde
eu estive, onde eu sempre estive, onde eu estava então eu sabe, sabendo que tenho um
bom ouvido eu acabei me acomodando e talvez se eu fosse cobrada na idade certa,
talvez se eu tivesse sido um pouquinho orientada que fosse, se eu tivesse tido uma
orientação inicial, eu talvez me desenvolvesse de maneira mais efetiva com relação à
Musicografia Braille enquanto pequena. Hoje em dia eu sinto que eu tô aprendendo, mas
eu tenho uma série de resistências, tenho uma, sei lá, acho que é isso mesmo, eu acabo
tendo algumas resistências, tanto com relação à idade que eu acho que rola um
bloqueio, acho que eu tô muito velha, se bem que eu acho, não sei se isso é verdade, se
é real ou não, fantasia ou não isso acaba me travando.É uma percepção minha e
também, sei lá, pelo fato de ter bom ouvido, acabo querendo adivinhar as coisas e às
vezes isso até ma atrapalha. E nem sei, não estou me expressando muito bem hoje.
Fabiana
: Tá.Tá ótimo.
Entrevistado
: Agora, eu acho, voltando ao que eu acho, acho fundamental, eu acho o seguinte, que
a gente, os alunos não deveriam bitolar em nada, eu acho que as pessoas têm que, o
Braille não pode também deixar, o Braille não pode fazer com que o aluno deixe de
aproveitar um bom ouvido que ele tenha, por exemplo: “- Ah não. Não queiro ouvir, tirar.
Nunca vou tirar música, eu não toco uma nota se o for pela partitura”.Não, acho que
não é por aí, ? Eu fui pro outro extremo também, de não ler uma nota e tirar tudo de
ouvido. Acho que nenhum dos dois extremos é legal, é bom.
Fabiana
: Porque é bastante difícil a pessoa, de fato, não usar o ouvido lendo partitura porque para
ler o Braille a gente acaba usando alguns recursos.
Entrevistado: Aliás...É. É verdade. Você tem razão. Não,
134
e outra observação que eu gostaria de fazer é que para aprender Braille, Musicografia Braille, você
tem que muito mais fundamentado, saber muito mais de teoria musical do que quem
enxerga, porque o Braille é mais abstrato, pelo código em si, pela maneira com que as
coisas são dispostas. No Braille tem que saber muito mais de música do que quem
enxerga. Se lá, é só uma observação que talvez seja importante.
Fabiana
: Eu sei assim, sei lógico do que você esfalando, mas pra ficar mais detalhado, você
conseguiria dar algum exemplo de quando isso acontece, assim de que o Braille exige,
de fato, um conhecimento musical?
Entrevistado
: A primeira coisa que vem na minha cabeça são os acordes. Em tinta os acordes o
bonitinhos, graficamente é até bonitinho de ver, é até curioso de observar porque a
sonoridade condiz com a grafia, com a disposição das notas...
Fabiana: Se sobe, sobe, se desce, desce...
Entrevistado
: Isso. Então as notas, por exemplo, do grave pro agudo ou do agudo pro grave,
exatamente sobe, desce, graficamente falando, quer dizer, graficamente ilustra pro aluno
surdo, por exemplo, talvez fosse mais simples de entender se ele visse o dó, mi, sol ali
um de baixo do outro, né, as notas. Essa é a primeira coisa que me vem à cabeça, as
outras, tem muitos outros elementos, mas tem milhares de outros exemplos.
Fabiana
: E já no Braille não existe essa representação gráfica.
Entrevistado
: Não. Não existe. No Braille é linear, né? Não é vertical e sim, não é vertical quer dizer
vertical quando for preciso, não, é sempre horizontal, por mais que o desenho fosse
sonoramente ou graficamente vertical, em Braille não dá pra fazer, tem sempre que fazer
horizontal.
E às vezes assim, até é super engraçado que eu tenho umas raivas assim do Braille, às
vezes me umas crises assim e eu falo: - Pô! Deviam inventar coisa melhor”.Mas até
hoje o inventaram, né? Então é o que temos para o momento e acho que é a melhor,
é o melhor método que se tem, e assim, diante disso eu acho que todos os alunos
deveriam ser induzidos e incentivados, não obrigados, mas incentivados a aprender. Eu
acho que o basicão, o básico, pelo menos um início do código Braille, todos deveriam ser
quase que obrigados assim, como num conservatório, quer dizer, se o aluno quiser
conservatório ele tem que se enquadra na metodologia do conservatório, ele vai ler um
pouco de teoria musical. Então se o aluno se recusar terminantemente a estudar o Braille
dependendo do professor ele poderia eventualmente dispensa-lo, dizer: “ - Bom, eu
ensino dessa forma”.
Fabiana
: Faz parte da formação.
Entrevistado
: Eu acho.
135
Acho que deveria fazer parte da formação de qualquer musico cego, de qualquer contexto, de
qualquer instrumento, seja modalidade popular, seja erudita, enfim.É fundamental, é
muito importante, eu acho.
Fabiana: Agora, o quê que você acha, de acordo com as experiências que você teve, que poderia
mudar, que poderia ser diferente em relação ao que você conhece sobre o ensino de
música para as pessoas deficientes visuais? Como é que você vê, a partir da sua
experiência esse ensino e o que você acha que poderia ser diferente do que é?
Entrevistado
: Bom, eu acho que com relação aos professores, eu penso que todos deveriam
aprender, quer dizer, o professor que se dispusesse, se propusesse a dar aula para uma
pessoa cega, eles até deveriam aprender o básico de Musicografia Braille, pelo menos
os sinais básicos. O professor que eventualmente não o quisesse, que disponibilizasse
isso de alguma forma pro aluno, ou tivesse uma: “- Oh, eu não vou aprender nada, não
quero saber, mas tó! Tem aqui...”
Fabiana: Que em tal lugar tem.
Entrevistado
: Ou indicar em tal lugar tem ou ter, eventualmente, acesso a uma tabelinha básica: -
“Tó, isso aqui eu sei que a semicolcheia são esse três pontinhos aí se vira...”
Fabiana
: Dar ao aluno a oportunidade do acesso.
Entrevistado
: Isso, exatamente.
E acho que isso deveria,
o professor acaba não cobrando por não saber muito como lidar ou por:” - Coitadinho!”, por
piedade, -“ - Ah coitadinho ele é cego, se eu cobrar que ele escreva eu vou ter que
dominar um pouco da linguagem e aí eu não tô afim, tô com preguiça, então eu tô que se
dane...Deixa pra lá.”
Fabiana
: Vai dar muito trabalho...
Entrevistado
: Agora, não sei, acho fundamental, acho que seria muito importante que todos
tivessem acesso e uma coisa que complica, mas acho que as pessoas complica, mas
não
pode impossibilitar, é muitas vezes o pessimismo do aluno com relação à acessibilidade de
materiais, fala: - Ah, pra que quê eu vou aprender, não tem livro feito?” mas acho que
quando aumentar a demanda, sabe vai aumentar a produção de livros ,né?
Fabiana
: O que talvez vá fazer aumentar a demanda de novo.
Entrevistado
: É. Isso. Acaba sendo um ciclo vicioso, não, um ciclo bacana.(risos) Um círculo legal.
É isso.
Fabiana
: Agora assim, a gente que tem, de fato, poucos alunos que estudam música que têm
acesso a Musicografia, que usam a Musicografia de uma forma efetiva. Ao seu ver, o
136
que contribui para essa dificuldade de acesso e essa dificuldade do uso efetivo da
Musicografia como forma de escrita?
Entrevistado
: Então, eu acho que tá tudo meio ligado á pergunta, ao meu comentário, ao
comentário que eu fiz anteriormente, né?
Fabiana
: É.
Entrevistado
: Eu acho que à negligência dos professores, à preguiça do aluno, à falta de acesso, e
tudo isso o aluno acaba, tem esse, não é mito na verdade, esse senso comum na
verdade, de que o aluno cego tem bom ouvido, e até que isso, até é uma verdade, mais
ou menos, é relativamente...Como é que eu vou dizer...Isso pode ser ou não ser, eu
conheço pessoas cegas que não tenham, necessariamente, um ouvido bom para a
música, e aí até se essa pessoa não tiver um bom ouvido ela não tem nada, ela não tem
acesso à partitura, não tem um bom ouvido, e aí? Como é que ela vai estudar música?
Mas independente do aluno ter bom ouvido ou não ter, ele deveria sim ter acesso, o
aluno deveria ir atrás ou cobrar isso do professor e se não fizesse o professor deveria
cobrar: “ - Olha, mão meu filho, você tem que ter o mínimo, você tem que saber o mínimo
pra você poder depois caminhar sozinho, se desenvolver sozinho.” E , eu acho que
muita gente até não vai mais atrás disso porque nunca teve muito incentivo, muito
acesso, e depois acaba se acomodando, depois de dois, três, quatro, cinco anos de
formação de música o aluno acaba desencanando mesmo porque aprende outra
linguagem e desencana, mas eu acho que se ele fosse incentivado desde pequeno, ou
desde os primeiros anos da formação musical, do aprendizado da musica dele, ele iria
correr atrás, iria...
eu ia dizer uma coisa que é a seguinte, eu acho muito importante, e até por que não
dizer fundamental, que o aluno aplique ao seu instrumento, quer dizer, use a
Musicografia concomitantemente com, sei lá, com a execução de uma peça enfim
aplique de alguma forma, na verdade veja um sentido prático mesmo para isso. Eu sinto
que, eu quando estou estudando Musicografia nas fases que eu tô me relacionando legal
com o piano, que eu quero tocar e tal, que eu deslancho mais e nas fases que eu não tô
aplicando que eu não tenho aplicado muito ao instrumento que dá uma brecada, então, e
até por isso, foi uma perda de tempo o fato de eu ter estudado piano esses anos todos
sem a Musicografia porque eu poderia ter aplicado e tal. Às vezes o que acontece
também é isso, quando eu tive aula com o Zoilo eu era muito adolescente, ele queria me
convencer a estudar piano, e eu pensava: “Que saco!Que piano?!” Queria saber da
bateria e ele por sua vez, sabe, ele sabe de bateria, da Musicografia, ele sabe do código
para a bateria, até foi ele que adaptou o código pro Brasil, mas ele não entende de
bateria, até a nomenclatura dos tambores ele fala errado, fala assim de uma maneira
137
arcaica e tal, então, a gente não se entendia muito nesse aspecto. Era engraçado.
Quando eu vi que o piano era fundamental, eu acho que é fundamental, um instrumento
que todos deveriam saber tocar um pouco, meu professor dizia isso, eu tive vários, aliás,
que dizem isso e é uma verdade, eu passei a falar, aceitar: - Ah, beleza, deixa eu ir
lá, deixa eu aplicar no piano, deixa eu estudar”, é legal isso. Você tem que ver uma
utilidade pra coisa, porque aprender, de repente aprender por aprender, se você o
aplicar no instrumento não tem muito sentido.
Fabiana
: Tem que ver um significado musical mesmo, aquilo como um registro da linguagem
musical que você usa no dia a dia.
Entrevistado
: Isso.
Fabiana
: E assim, como é que você vê, fora essas dificuldades externas ao próprio código,
dificuldade de resistência do professor, resistência do aluno, enfim, quais as dificuldades
que você observa com relação ao aprendizado do próprio código, intrínsecas ao código
mesmo?
Entrevistado
: Ah tá. Bom eu acho que, que essa questão, por exemplo, da horizontalidade, da
horizontalização, sei lá, que o Braille é muito horizontal, isso é complicado, e do Braille,
quer dizer, da pessoa ter que abstrair mais, isso é complicado, a tinta tem muito essa
coisa gráfica, o Braille não, o Braille é bolinha, é símbolo, acho que a questão do aluno
ter que saber mais de música, de teoria musical pra dominar o código de Musicografia
Braille isso é complicado e até muitas vezes também com relação ao raciocínio, por
exemplo, uma criança pequena, de sete, oito anos, pra ela entender, por exemplo, o
funcionamento da regra das oitavas, então para ela pensar, pra ela saber, no código
Braille, ela precisa saber, ela precisa ter noção de intervalo, o que é uma segunda, o que
é uma terça, o que é uma quarta, quinta, sexta, sétima, se ela o tiver essa noção ela
não aplica à regra de maneira adequada, alias, ela não consegue mesmo aplicar. E
muitas vezes, para uma criança que tá começando, tocando o Bife lá,
tocando peças
simples, muitas vezes é mais complicado ter esse domínio, noção dos intervalos. A
questão de acordes também a pessoa tem que ter uma fluência muito grande na questão
dos intervalos e tem que saber tanto de maneira ascendente quanto descendente, para
ela pensar ao contrário, pra uma criança isso é complicado, mas por outro lado, se a
criança for bem sucedida é fantástico porque ela desenvolve um raciocínio muito maior...
Fabiana
: Muito maior do quê quem tá lendo pelo outro jeito.
Entrevistado
: É. Exatamente. Mas muitas vezes isso não é muito acessível a qualquer criança. Se
a criança tem mais dificuldade, mesmo de raciocínio, dificuldades aí com relação a vários
aspectos, talvez fique mais complicado dela aprender. Então eu acho que é isso. Não sei
aí.
138
Fabiana: Ótimo.
Entrevistado
: Você quer que eu fale mais alguma coisa? Preciso pensar ainda.
Fabiana
: Não, ótimo. E assim, por fim, como que você realmente essa relação entre
música e deficiência visual à parte de todos esses mitos, de todo senso comum, quer
dizer, qual que é de fato, a seu ver, a importância de uma pessoa deficiente visual
estudar música? A gente sabe que a música é importante para todo mundo, mas pode
existir, de fato, alguma relação de importância entre a pessoa, particularmente, a pessoa
deficiente visual estudar música?
Entrevistado
: Acho que pode existir, não necessariamente,o é uma questão de obrigatoriedade,
acho que pode existir. Eu sou suspeita pra falar porque eu adoro música, mas eu acho
que música é muito importante, é fundamental a qualquer ser humano e mesmo aos
animais, mesmo seres ditos não racionais, se bem que em alguns momentos os animais
às vezes são mais racionais que nós homens, mas enfim. Eu acho, estabelecendo ainda
uma relação com os cegos, com pessoas cegas que de fato uma tendência, quando
uma perda, quando uma deficiência, uma perda de algum dos sentidos, uma
tendência nesse ser vivo aí, de aguçar os outros sentidos mesmo. Então eu imagino que
quando um indivíduo não tem a visão há uma tendência maior dele aguçar ou ouvido,
quer dizer, a audição, ou o tato, ou o olfato, se bem que eu conheço, por exemplo,
para ilustrar, um cego que tem uma super alergia no nariz e não sente nada de cheiro,
por exemplo, então às vezes a pessoa: - Ah, você não está sentindo o cheiro da
farmácia?” e o cara: - Não, eu sou alérgico e não sinto o cheiro de nada, eu não tenho
olfato.”, ou um cego que é, sei lá, um ótimo advogado mas que não entende nada de
música, é super desafinado e tal, mas eu acho, quer dizer, que a princípio, se as
crianças cegas se expuserem, ou forem expostas à música, aliás, os benefícios que
trazem, que a música trás para as crianças que enxergam vão trazer pras crianças cegas
com um plus, com algo mais que é a questão do desenvolvimento do ouvido. Eu acho
bacana sim, eu acho importante e eu acho sim que a criança cega tem grandes
possibilidades, talvez maiores até que uma vidente de desenvolver essa questão da
percepção, uma audição de música tanto como ouvinte quanto quando ele for executar
ou for fazer um trabalho de percepção musical acho que dá pra ter uma percepção mais
apurada pelo fato de ser cega, acho que tem essa tendência, não podemos dizer que
isso seja uma regra, que seja aplicável enfim, que seja plausível em todos os casos,
mas acho que tem essa tendência, acho que vale a pena se investir nisso sim e acho
que quem sabe a médio ou longo prazo, séria maravilhoso se essas pessoas cegas
que, aliás, não vou dizer de pessoas cegas, vou dizer dos cidadãos que tenham acesso
à música, que pudessem ter acesso, também, pelo menos um pouco, a música escrita, e
139
os cegos estão incluídos, evidentemente, nisso, quer dizer, que houvesse uma inclusão
inclusive nessa área, quer dizer, que os cegos pudessem ler Musicografia Braille
normalmente ou pelo menos pudessem ter um contato inicial, depois se ele disser que é
chato, que não quer saber, tudo bem, mas ele pelo menos foi exposto...
Fabiana
: Ter a liberdade...
Entrevistado
: Isso, ter a liberdade de escolher se quer ou não.
Fabiana
: Se ele não tem acesso ele não tem a liberdade de escolha.
Entrevistado
: É e tem então uma série de defesas, ele vai dizer: - Ah, isso é chato.”, nunca
viu, não sabe nem como o código funciona, e vai falar que é chato, vai falar que não
precisa, mas não lhe foi dado a condição de escolha eu quero aprender”, ele não tem
opção. É isso.
Fabiana
: Ótimo e assim, por fim, você queria fazer alguma observação sobre a sua relação atual
com a Musicografia Braille, como é a sua relação depois de todas essas experiências
hoje em dia com a Musicografia Braille?
Entrevistado: Então, eu continuo a lamentar o fato de eu o ter sido exposta a ela de maneira
precoce, enfim, de maneira menos tardia do que foi, do que aconteceu. Sei lá, eu
lamento mais eu também não posso me apegar a isso e dizer: - Ah, eu não aprendi até
agora e nunca mais vou aprender”, não, to lutando, e lutando, tenho lutado também
contra algumas resistências internas, contra o piano que eu tinha raiva, contra o meu
ouvido eu falo: - Poxa vida, se eu tenho bom ouvido pra quê que eu vou estudar isso”,
quer dizer, rola uns conflitos aí, conflitos com relação ao meu aprendizado de
música. eu me deparo com uma dificuldade, ou um decréscimo de auto-estima e
eu penso: “Pôxa, eu sou burra mesmo. Não aprendo” ou então eu falo: - Ah, pra quê
que eu vou aprender se eu consigo detectar pelo ouvido”. Mas eu me deparo com
uma situação que eu preciso da Musicografia e aí eu “Opa!”, a lá tá vendo, é bom que eu
aprenda isso.
Fabiana
: Você tem consciência da importância.
Entrevistado
: É, eu tenho consciência da importância. Acho fundamental o aprendizado da
Musicografia Braille e acho que seria bom, seria importante que isso fosse difundido pros
professores, pra todos os professores de música, que eles tivessem essa consciência de
quão importante é o aprendizado da Musicografia Braille.
Fabiana
: Muito bom.
Entrevistado
: Que eles não fossem negligentes, que eles não se omitissem com relação a isso,
muito pelo contrário. Eu acho que assim, uma coisa super importante é o bom senso. Eu
soube de um caso de uma pessoa que a professora dela não sabia Musicografia Braille,
não tinha a mínima idéia, mas ela usou do quê? Do bom senso. Não era técnica em
140
cego, nada disso, não era presidente de entidade, nada disso, mas o quê que ela
pensou: “Bom, se eu dou essas bolinhas com essas linhas (risos), se eu aplico o
sistema musical para os meus alunos que enxergam, esse aluno cego, meu deus tem
que ter alguma forma dele aprender. Qual é a forma? Ah, tem um negócio que chama
Braille. Ah, Braille são umas bolinhas, um método de música em relevo, deixa eu ir atrás
disso, deixa eu me informar, ver do que se trata.” E essa pessoa não foi negligente e até
forçou a barra digamos assim, essa pessoa forçou essa aluna a aprender: - Oh minha
filha, eu aprendi o básico e vou te passar, tá? É “x”, “y”, “z”, o resto, o resto do alfabeto aí
você se vira sozinha e desculpa.” Eu, por exemplo, não fui cobrada nesse sentido e é
uma pena, e eu conheço um monte de gente que também não foi, eu tenho uma outra
amiga pianista, mais duas amigas pianistas que nunca foram cobradas, nunca tiveram
interesse, até uma delas eu questionei e aí, a não muito tempo: - Ah, e aí?”,“ - Ah não,
Musicografia é chata,o quero aprender.” Nunca teve acesso, dizendo de uma coisa
que não conhece. Desculpa Fabi.
Fabiana
: Ótimo. Não, tá excelente. Alguma coisa a acrescentar?
Entrevistado
: Acho que não, acho que é isso, talvez a palavra mais adequada aí, à todas as
situações seja o bom senso, acho que sei lá, se for, se o bom senso existir, se existir o
bom senso por parte dos professores, cegos ou não, e professores que dêem aula pra
cego ou não, enfim, acho que essa coisa toda da acessibilidade vai melhorar e se
deus quiser a demanda começa a aumentar e as pessoas vão atrás e: - Como, não
existe?”, “ - Como que, sei lá, uma peça qualquer de Mozart, super conhecida, como que
não tem a partitura em Braille?”, “- Vamos fazer.”, “ - Ah, eu quero ler.”Assim despertar...
Fabiana
: Que é necessário né?
Entrevistado
: Despertar a curiosidade dos aprendizes cegos de música, os alunos de música. É
isso.
Fabiana
: Muito bom.
Entrevistado
: Ah, e também, só dizer assim rapidamente, com relação ao músico popular, às vezes
o músico popular tem essa coisa de : - Ah, não precisa.”, como não precisa? Eu tive
um...
...Eu queria só fazer uma observação, dizer que o músico popular, de maneira geral,
tanto o professor quanto o aluno, deveria tratar a música com mais seriedade e não é só
porque é música popular que: “ - Ah, não tem que aprender nada, qualquer coisa,
qualquer nota né”, o pessoal costuma dizer, brincar, não, o musico popular também tem
que aprender teoria musical, também tem que aprender a ler partitura. Tudo bem, ele
pode não ser tão fluente quanto um musico de orquestra, que precisa disso o tempo
todo, mas tem que saber ler sim, mesmo que mais devagar. Eu queria dizer também com
141
relação à bateria, bom, um instrumento que pela minha experiência e pelos relatos de
pessoas que eu conheço, tanto de professores quanto de alunos cegos, o instrumento
que mais, o instrumento para o qual escrevesse mais em Braille é o piano, claro porque
é o pianista que quer e tal, deve ter um pouco pra violino, um pouco pra piano, e pra
bateria, no entanto, pelo fato de serem notas, mas não entoadas, de não ter uma
questão harmônica e nem melódica, de o ser um instrumento nem harmônico e nem
melódico, uma coisa percussiva, é o mais desorganizado. Isso mundialmente, quer dizer,
eu fui fazer um curso de música, de “música para cegos”, um curso com todo o status,
enfim, onde a professora de Musicografia Braille o sabia nada sobre bateria, ela tinha
uns impressos sobre percussão, mas era percussão erudita, ela não sabia nem nome
de, o nome das peças da bateria.
Fabiana
: A sua atual professora também não sabe.
Entrevistado
: Não, mas você é outra estória. Você é pianista, ela... Eu acho assim, ela tava dando
aula pra instrumentistas de diversas áreas. É que nem, por exemplo, assim, um maestro,
ele pode ter como primeiro instrumento um violino, ou um piano, ou algum instrumento
de sopro, mas ele tem que saber de instrumentação, tem que saber de orquestração, ou
que seja de instrumentação, porque você pega um cara como o Maurício, que sabe um
pouco de cada instrumento e eu acho que um curso formal de Musicografia, que aliás, de
música para cegos, eu acho que essa professora tinha obrigação de saber um pouco.
Muitas vezes, ou que seja algumas vezes, o interesse do aluno e há falta de
organização do professor, ou os bateristas cegos são pouco organizados: - Ah, não
precisa”.Não precisa, lógico que precisa. Às vezes o cara, um cego não pode tocar numa
orquestra? Talvez possa, eu acredito que possa. E numa orquestra tem uma partitura
onde tem vários momentos, num momento faz uma repetição, num outro não faz, ele
precisa ter escrito.
Fabiana
: Não e todo dia um músico de orquestra praticamente, pelo que eu sei, eles lêem cada
mês, sei lá, eles fazem um repertório e eles têm que todo dia tarem lendo as partituras
novas, quer dizer, é uma coisa que acontece o tempo todo, com partituras de repertório
diferentes.
Entrevistado
: Sim. É isso aí.Desculpa Fabi, acho que falei pra caramba.
Fabiana
: Muito bom. Excelente.
Entrevistado
: Mas é que eu acho que te ajuda pra pesquisa.
142
Sujeito 2 - Estudante de Música que possui deficiência visual
Fabiana: A gente estava conversando sobre música, eu estava te contando um pouco sobre a
minha pesquisa, e você já estava falando que para a gente isso é muito reduzido.
Entrevistado
: É, essa parte da partitura, para a gente é complicado... Partitura Braille, e também
pentagrama, esses “negócios” todos, que eles mexem, é uma coisa muito reduzida para
nós, nessa área. Eu o sei porque, constitui pouco deficiente visual nessa área, ou
mais ou menos assim. Porque para a gente é muito complicado, Até realmente, para ler,
ao mesmo tempo que eu canto e leio , é impossível.
Fabiana
: Você estava me dizendo que isso era reduzido. Reduzido em que sentido? No sentido de
não Ter material ou de ser complicado para ler?
Entrevistado
: De não Ter material. Porque assim: se tem material, automaticamente o pessoal vai
estudar. Eu estou fazendo violão. Então, o que o meu professor faz? Primeiro aluno
deficiente visual. Eu deixei ele primeiro se virar, Não falei para ele como ensinava, nada,
deixei ele com a cabeça quente, primeiro. E, sentei com ele, primeiro dia de aula, ele me
falou: “Cara, nem nem dormi à noite pensando em você.” (risos) Aí, eu falei para ele: Por
quê? Ele me falou: “Mas como eu vou dar aula para você?” Aí, eu deixei ele pensar,
eu falei para ele assim: “Quantos alunos você tem?” Ele me falou: “Olha, tenho um
monte, viu?” Eu falei: “É o único deficiente visual que você aula?” Ele falou: “é o
primeiro!
E eu falei assim para ele: “Olha, esquece os meus olhos e me ensina o que você ensina para os
outros. Porque são a mesma coisa. A única coisa que vai limitar é minha visão”.
Mas o que você falar, o que você passar para mim, eu vou tentar adaptar, em relevo, auto-relevo, a
gente vai fazer uma adaptação própria nossa, da forma que a gente entenda, e, para a
gente prosseguir, fazer um trabalho, da forma que eu possa entender.
E ele ia assim tirando dúvidas, como primeiro aluno, então, fica assim totalmente perdido. eu
expliquei para ele como, dar aula, , para a gente, que acho que não problema algum,
eu acho que nós não somos uns parasitas, para ser diferente um do outro. Eu acho que
a capacidade de um normal, a gente... Tanto que esses dias ele afalou assim que eu
estou sendo um dos melhores, que ele está dando aula, Não querendo assim me erguer
lá em cima, eu fico até com vergonha, de uma pessoa falar isso.
Fabiana
: Mas é uma coisa real, que ele falou mesmo para você.
Entrevistado
: Falou. E ele falou assim que o único que chega travar a cabeça dele sou eu, porque
eu faço tanta pergunta... porque eu quero chegar no fim, entendeu? Eu quero chegar
logo, direto no objetivo.
143
Fabiana: Entendi. E você estava falando em relação à leitura, que faz em relevo... Como é isso?
Como você faz?
Entrevistado
: Assim, eu faço aqui no Braille (**Centro Cultural Louis Braille). E, como vai fazer uns
quatro anos que a gente perdeu a visão... E eu comecei a me interessar na Música, com
uns 17 anos. Dezessete? É, isso mesmo, 17. Não, dezesseis anos. Em 2000, comecei a
me interessar na Música, final de 2000. Que foi, parece que em outubro, que um colega
meu, falou: “Ah! Tem o Externato, e eles dão aula de violão, tal? E sempre, assim, eu
escutava os outros tocar, e tinha aquela vontade, de pegar o violão, falava: Oh, deve ser
uma coisa muito fácil, né? Não o violão assim, como os outros instrumentos também,
né? eu peguei e fui com ele. ele pegou, conversamos com uns rapazes que dão
aula, ele falou : “Ah! Não tem problema algum.” Vamos lá. Aí ele pegou e me explicou as
primeiras notas, né? Eu lembro até hoje, a primeira nota era sol, a Segunda, mi menor, a
outra dó, e a outra ré com sétima.
Fabiana
: Ele é o professor que te dá aula?
Entrevistado
: Não, isso daí foi quando eu me interessei, né? Que eu fui atrás disso. ele me
ensinou as notas básicas, né? Esse rapaz do Externato. E depois , mais para frente, eu
parei, porque eu tive que fazer uma cirurgia, né? Dos olhos, tal... eu parei de ir. Parei
um bom tempo. Aí eu consegui uma bolsa na Coruns, onde eu faço agora.
Fabiana
: Como é que chama? Coruns?
Entrevistado
: Coruns. E, fazendo lá, tal, o curso...com o primeiro professor que eu tive , ele
também ficou meio perdidaço, lá, também, né? Tal...
Fabiana
: Então esse já é o seu segundo professor.
Entrevistado
: Já. Assim, entre, desde quando eu comecei, esse é o terceiro, né? Porque quando
eu entrei na Coruns eu estava assim, tendo uma orientação, eu estava ciente de
como fazia a nota, as caídas, . não sabia, assim, aquele esquema de escala
cromática, escala diatônica... campo harmônico, ? Esses negócios todos, complicado,
aí...
P.:Entendi. Que você acabou aprendendo lá.
Entrevistado: Que eu acabei aprendendo na Coruns. Essa parte da teoria, já.
Fabiana
: E por que você mudou de professor?
Entrevistado
: É, porque foi o seguinte: Esse professor, o primeiro professor que eu tive, ele tive
que sair do local, para dar aula em outro local. Aí passaram a bolsa para outro professor,
que é o liol. Aí, nessa passagem, foi que esse professor, o segundo professor da
Coruns, foi aí que ele ficou muito perdidaço,
Fabiana
: Ah! Sim, que é aquela história que você estava falando.
144
Entrevistado: É, e ele é um cara assim muito... se todos os professores realmente fossem igual
ele, nossa , a gente estava assim, feito, né? Porque ele é uma pessoa que se preocupa
com a gente, né? Porque ele quer saber assim : Será que ele ele vai aprender algo,
será que não? Como que ele vai entender? Então ele fala as coisas para mim e eu
acabo explicando para ele o que eu entendi. ele fica assim, ele coloca a mão na
cabeça, aí ele fala: “ Oh, esse cara aí eu vou Ter que segurar ele!” (risos)
Fabiana: Se não ele vai fundo demais.
Entrevistado
: Vai! E ele falou assim: Oh, já estou te aprendendo harmonização! Eu estou com ele
desde outubro do ano passado. Vai fazer pouco tempo. Com o outro eu fiquei de maio ,
não com o outro eu fiquei um ano. Vai fazer dois anos,. Fez dois anos agora em maio.
Fiquei um ano com o outro.Aí com esse daqui vai fazer de outubro para que eu
estou com ele. Então faz poucos meses que eu estou com ele.
Fabiana
: E a coisa da leitura, que você ia falar...
R:. Da leitura Braille?
Entrevistado
: É. Da leitura, que você tinha falado que fazia algumas coisas em relevo.
Entrevistado
: Ah sim. eu pego e trago para cá para o Braille, aí, o que acontece? Como eu
tive uma visualização , enxergando, eu trago para cá, peço para as meninas me
explicarem como elas estão e eu tento fazer uma adaptação da minha forma Braille que
eu possa entender. Entendeu? eu peço para ela: Bate isso daqui, que vai ser mais ou
menos paralelo a isso. Eu coloco uma coisa , coisa minha mesmo. que acaba
dando errado porque, se um dia eu realmente for ler uma partitura, realmente, sem
chance. Que eu não vou Ter o conhecimento.
Fabiana
: Entendi. . Espera um pouquinho, deixa eu entender. Você traz a partitura, que é a
partitura em tinta que o teu professor te dá. você traz para a partitura com a pauta,
tudo.
R:. o. Por enquanto assim, ele , ele ainda não estrabalhando comigo essa parte de pauta,
partitura. Ele está trabalhando comigo sobre cifras , cifragens. Porque a cifragem é mais
fácil.
Fabiana: Que são as letras.
Entrevistado
: Exatamente. É mais fácil para entender. O que eu fiquei perdido foi à tinta, né? Um
caminho da velha que ele fez que é o sustenido, Representa para eles. E eu falei: Oh,
como que eu vou fazer isso a Braille?
Fabiana: Sim, tem um sinalzinho em Braille que que é o sustenido.
Entrevistado
: É, eu só coloco a letra S minúscula só.
Fabiana
: É, o sinal em Braille mesmo se você quiser representar sustenido , são os pontos 1,4,6.
Fabiana: 1,4,6?
145
Fabiana: o M ao contrário.
Entrevistado
: Sei. Nossa! Que louco!
Fabiana
: E aí você então passa as cifras para o Braille. É isso?
Entrevistado
: Isso. Aí eu passo para o Braille, leio,
P:. Com as letras e números?
Entrevistado
: Com as letras e números. Eu sei que tem uns números meio loucos,
representados, a tinta, aqueles números de porcentagem, aqueles elevado, né? eu
chego aqui e falo: Oh, passa do jeito que vocês estão enxergando, né? Porque eu sei
que vai dar a mesma coisa igual... eu chego na hora para ele e falo, oh, Está
representando isso, isso, isso, para mim a Braille. ele pega e a tinta. Ele pega, e
passa para mim. Fala: é isso, isso... Então assim, eu ele explica assim, ele tem uma
explicação muito ótima, né? Ele explica explica legal para caramba, ... é que nem eu
estava falando para você. Aí ele vai lendo para mim, eu vou tirando as dúvidas, né? Com
ele, com, o que é esse sinal de porcentagem, porque representa, porque ele está ali,
porque esse número está aqui, isso daí que eu tento fazer com ele.
É uma área assim que eu estou... Eu acho que estou me dando bem, não sei.
Uma área que eu estou me desenvolvendo até que legal.
Fabiana
: E você já teve contato com o método de ler partitura Braille, com as notas, etc?
Entrevistado
: Tem uma coisa, que eu sou muito curioso. Quando eu começo a aprender uma
coisa eu quero chegar no fim. Felizmente, música nunca tem fim.
Fabiana
: Não mesmo, a gente está sempre aprendendo.
Entrevistado
: Aí, eu comecei a pegar livros, de um amigo meu, emprestar para ler...
Fabiana
: Que legal!
Entrevistado
: Para Ter um pouco mais de conhecimento...
Fabiana
: Você lembra que livros eram?
Entrevistado
: (breve silêncio) Elementos básicos...
Fabiana
: Eu sei. Noções básicas de teoria musical.
Entrevistado
: Isso. Acho que eu li mais um, que eu não lembro.
Fabiana
: Esse é do Francisco Pezella?
Entrevistado
: Acho que é. Esse negócio eu pulo tudo.vou direto no conteúdo. Aí eu pego e leio
para Ter uma para ver... Aí tem vez que eu fico tirando no violão... isso daqui por
exemplo é um dó. eu vou e tiro. que o que complica é o negócio de tempo e
compasso. Aí , complica tudo.
Fabiana
: Entendi. Então você chegou a ver mesmo como é a notação, sinais, tal, aprendeu.
Entrevistado
: Já. Aassim, eu não decorei né? Mas assim, eu leio, vou lá, vejo, fuço, até , até eu
ver como que é o negócio... Até eu entender. Eu sou assim, eu sou meio “fução”. Eu
146
estou vendo que é uma área assim, que parece que, quanto mais fuço, mas eu entendo
e mais eu quero entender. Não sei se isso é Dom, se o Dom está vindo por livre e
espontânea pressão, alguma coisa assim, né?
Porque assim, na minha família tem meus tios por parte de meu pai que tocam. Por parte
de minha mãe não toca. que eles só tocam sanfona, e têm uns conhecimentos mais
ou menos assim. E, acho que deve Ter vindo de família, isso daí, né?
Fabiana: O que te levou a estudar música? Foi mesmo pela sua família?
Entrevistado
: o,. Natural mesmo. Foi Foi (...) minha mesmo. Que eu olhava assim, vendo os
outros tocar, né? Escutar... E, deu aquela vontade de aprender . um monte de
molecadinha na escola aprendendo, eu falei: Ah, acho que eu vou atrás, . eu fui Ter
conhecimentos, alguns aqui outros de lá, aí eu consegui essa bolsa na Coruns...Estou
até hoje. , assim, no Braille a gente formou uma bandinha, né? Foi passageira essa
bandinha. Assim, a gente ... Tinha bastante música em espanhol, no final do ano, em
2001, ou 2002, alguma coisa assim. Eu não lembro direito. a gente ficou ensaiando
isso durante seis meses para apresentar isso em dezembro. Então foi aí que eu comecei
assim Ter , Ter mais assim aquela vontade assim de aprender. Porque tinha um cara
que orientava a gente, né? Que é o Luciano, e ele manja muito , né? Ele manja teclado,
manja violão, manja bateria, e eu fui vendo que o cara era assim meio que curioso, né?
Fuça, tal? assim: Por que eu não posso ser igual, né? Não igual, mas assim, sei lá,
“fução”, né? eu peguei, comecei a fuçar nas coisas. E eu estou tocando mais ou
menos. Não estou tocando aquela grande coisa ainda como que é para ser, né?
Fabiana
: Entendi. Quando você entrou nessa escola, foi você quem escolheu o seu professor, ou
já estava determinado?
Entrevistado
: Como foi uma bolsa , e como é uma escola particular, no Cambuí, então, o que
aconteceu? Então , o professor que tinha que aceitar a dar aula para a gente. .
Gratuitamente. Então não tinha aquele negócio de ficar : Eu quero esse professor, eu
quero aquele. Aquele negócio, né? A cavalo dado não se olha os dentes.
Fabiana
: E com você foi mais alguém que é deficiente visual?
Entrevistado
: Hm, foi o Adilson.
Fabiana: Que continua estudando lá?
Entrevistado
: Continua. Ele estuda piano.
Fabiana
: Nessa mesma escola?
Entrevistado
: Nessa mesma escola. Porque eles doaram duas bolsas para cá, né? eu e ele
fomos sorteados. Aí, já vai fazer uns dois anos já, E a gente está lá até hoje.
Fabiana
: E o seu professor acompanha você, ele sabe que você olha em livros, como é a escrita a
leitura, ele também já viu...
147
Entrevistado: Ele ficou meio bobo assim no dia em que eu falei para ele. Porque assim eu
chegava para ele e tirava muita coisa, do livro, tinha dúvida, aí eu guardava essa dúvida.
Eu falava: Ah, anotava a dúvida que eu tinha, e ia lá e perguntava para ele. Bom, o que é
isso daqui? que eu ia com as perguntas na mente, né? Eu não ia escrita, então ele
ficou meio assustado, né? Então, assim, eu achava que ele ia ficar bravo, se fosse ler
outro livro, sair do método dele...
Fabiana: Que bom que náo. Bom aluno é assim. Vai atrás de outras coisas
Entrevistado
: É, e eu tenho vontade de, por incrível que pareça, , depois que eu aprendi a tocar
violão, assim, Ter os conhecimentos, básico do básico, vontade de tocar os outros
instrumentos. Eu só preciso saber das técnicas. Porque o conhecimento de nota... E eu
ainda, o maior sonho que que eu tenho é tirar música de ouvido. Por enquanto, meio
enferrujado.
Fabiana
: A maioria das músicas que você tira, você tira pelas cifras mesmo.
Entrevistado
: Pleas cifras.
Fabiana
: E para você aprender a ler em Braille, pelo que você já viu nos livros, quais as
dificuldades que você teve? Você falou do tempo, do compasso, mas que outras
dificuldades você teve?
Entrevistado: Entender aquilo.
Fabiana
: De fato é complexo.
Entrevistado
: É muito complexo.
Fabiana
: Cheio de regras.
Entrevistado
: Tem umas regrinhas, e, assim, o Braille em si, ele é complicado, né? O Braille em
si, e, com mais, assim, a Teoria Musical, é uma coisa que se você não tiver uma mente
aberta para ela você não entende nem o começo dela, né? Porque ela é uma coisa
assim muito complexa . Não é que ela é complicada , a gente que complica, né? E
contando com o Braille, o Braille já é complicado. você tem muitos sinais, o Braille ele
transforma um risquinho com um sinal. Então, assim, se você tem uma bolinha com um
risquinho ele transforma dois sinais, né? Para você ler. Então sua mente tem que ser
assim uma mente (...) um gravador, né? Tem que gravar ali na marra, né? E, mesma
coisa, assim, é complicado o o Braille, e juntando mais com a música , a partitura, acaba
sendo complicado por causa disso. Do entendimento, né?
Fabiana
: Entendi, dos sinais, das regras...
Entrevistado
: Exatamente.
Fabiana
: E o seu professor, ele fala sobre teoria musical para você? ? Ele explica teoria musical?
Entrevistado
: Explica, tudo oral. Assim, eu levo caderno normal, a tinta, , ele escreve, por
exemplo, se ele escreve lá, Primeira lei tonal. Primeira lei tonal, coloca lá...
148
Fabiana: Nossa, mas isso já é bem avançado.
Entrevistado
: está bem avançado? Não sei, ele esmandando lá, né? Ele passou primeira
lei tonal, Segunda lei tonal e a terceira. Falta a Quarta e a Quinta parece. Falta a Quarta
e a Quinta lei tonal, para ele passar. E passou, está passando para mim, compasso,
aqueles numerinhos como representado como fração, né? Um em cima do outro...
Fabiana
: Fórmula de compasso.
Entrevistado
: Isso, 4 por 4, que (...) para entender. E ele agora está trabalhando comigo a parte
auditiva, né? Tirar música de ouvido..
Fabiana
: E você vê como uma coisa difícil?
Entrevistado
: Olha, para mim eu não estou tendo conhecimento dos sons. Eu começo a escutar e
para mim fica tudo igual. Mas está dando andamento. Eu consegui tirar pelo menos
metade de uma música em casa. Eu acho que é falta de hábito também. Porque assim, a
gente fica muito amarrado assim, porque, até o próprio músico que enxerga fica muito
amarrado ali na partitura, na pauta. Então ele não é capaz nem de cortir a música que
ele está tocando.
Fabiana
: Ele esquece que a música é som.
Entrevistado
: Verdade, ele fica vidrado na naquele negócio ali, e esquece, né? E a gGente, que
assim, acaba não tendo a visão, bom, a gente acaba sendo um pouco privilegiado por
essa parte. Porque você fica preocupado, né? Eu assim, quando toquei para os meus
amigos : com o tecladista, com o vocalista, com o baixista e com o baterista. Se eu errar
aqui, automaticamente... Porque, a gente fez o seguinte, né? A gente trabalhou o
seguinte: Um foi ligando no outro.(...)
Sujeito 3 - Estudante de Música que possui deficiência visual
Fabiana: Eu estava falando pra você do meu trabalho pesquisa em música, e ai é Assim você
teve a experiência de estudar música com os professores, em princípio o que levou você
a estudar música porque esse interesse pela música como isso começou?
Entrevistado: Na verdade eu comecei com 7 anos de idade eu tive aula com a professora Lilian de
flauta e como a gente e como a gente era muito pequena acho que a gente foi
empurrada a fazer isso, intendeu, eu não tinha noção do que era a coisa d a Lilian
apareceu no pro-visão e começou a dar essa aula pra gente que nossa eu não
tinha noção do que era, nesse momento eu comecei a intender como que era o mundo
da música assim ai eu comecei a gostar comecei a me identificar entendeu.
149
Fabiana: a escolha dos professores que você teve como foi, foi a própria instituição assim ou
você pode escolher alguns desses professores?
Entrevistado
: Não foi pela própria instituição
Fabiana
: Fala um pouquinho da sua trajetória assim com música, você começou com a Lilian.
Entrevistado
: Isso eu comecei com a Lilian a fazer aula de flauta doce, depois eu comecei a mexer
com partitura, que dai a gente parou e depois eu fui fazer aula no Seadi de
computação com 11 anos de idade, ai até este tempo nunca mais tinha feito aula de
música, ai no ano 2000 eu voltei fazendo aula com a professora Neila que eu tinha
esquecido completamente de como se pega numa flauta doce, ai depois ela teve que
ensinar de novo, e ai a partir daí eu comecei a tocar as músicas de ouvido também isso
me ajudou um pouco também e ai eu comecei a tocar as músicas de ouvido comecei a
mostrar pra ela ou seja o interesse veio mais da minha parte também. Eu entendei de
continuar tocando independente dos professores. Isso independente dos professores,
então como eu sou uma pessoa meio curiosa na parte da música isso ajudou bastante
também eu acho.
Fabiana
: Como você acha que é essa curiosidade?
Entrevistado
: Assim , é nessas aulas de tocar música de ouvido, assim você fala nossa como é que
eu toco, você começa a tirar a querer mesmo. Ai quando da certo você sente uma certa
satisfação, você fala puxa valeu a pena, é muito legal isso.
Fabiana: Pessoalmente assim, legal você se sente bem?
Entrevistado
: É eu me sinto bem , eu sinto uma certa satisfação puxa valeu a pena.
Fabiana
: E assim dos professores que você já teve, algum deles tinha o conhecimento
sobre o Braille, mais especificamente sobre a notação musical em Braille ou não?
Entrevistado
: Não, só a Lilian que tinha, só a Lilian mas a o resto dos professores, mas Neila
começou a se interessar realmente porque ela tinha o pai deficiente visual, e realmente
cada um seguiu o seu caminho, ela teve que sair também do Braille, do Centro Cultural
dos Braille, dai eu fiquei super chateada, ai eu falei, nossa eu vou aprender Musicografia,
mas acabou não dando certo.
Fabiana
: E assim com a Lilian você chegou a ter algum contato com a Musicografia, como é que foi
isso?
Entrevistado
: A eu não lembro mais como é que foi, nossa eu acredito que tenha sido uma
experiência boa, eu comecei realmente a saber como é que eu leio partitura, eu lembro
que eu sabia como que eu lia a partitura e tocava junto.
Fabiana: Você chegou a saber como era as notas, tudo?
Entrevistado
: Eu cheguei, mas eu não lembro mais tá!
Fabiana: Mas você chegou a ter este contato inicial, né?
150
Entrevistado: Isso cheguei.
Fabiana
: Agora, a gente sabe que, não existe muito material, o existe muita gente que lida com
isso, na falta dessas coisas todas, você falou um pouquinho sobre a música, tirar
música de ouvido, a tocar música de ouvido, mas ao longo do seu caminho, que
alternativas você usou pra ter acesso a música, pra poder tocar, que estratégia que você
usou pra poder tirar as músicas, pra poder ter acesso as músicas que você tocava
assim?
Entrevistado
: Realmente assim, o que eu fazia e só ouvir as músicas, e ta tocando junto.
Fabiana
: Ouvir por gravação?
Entrevistado
: Isso ouvir por gravação ,cd entendeu, as vezes eu tocava música junto com o CD, e
era super legal. Mas eu sempre senti falta dessa parte da Musicografia também, eu acho
super importante.
Fabiana
: Como é que você avalia isso, a importância da leitura da leitura para as pessoas cegas,
assim o que você acha, qual que é a sua opinião sobre isso?
Entrevistado
: Eu acho super legal isso, embora seja bastante difícil você encontrar, a Musicografia
Braille tudo isso, porque isto está surgindo agora, mas eu acho que isso seja importante
a divulgação, entendeu, desse sistema e realmente as pessoas se interessarem, porque
tirar as músicas de ouvido é importante, mesmo pra algumas músicas mais complicadas
assim , alguma coisa que a gente queira tirar, a mais importante é a Musicografia em
Braille, entendeu, a leitura mesmo, a leitura. Isso é legal.
Fabiana
: O que você, você passou por diferentes professores, como é que você avalia, o que
você acha do ensino de música pra deficientes hoje de acordo com as experiências que
você teve, que você acha que falta, o que você acha que é bom, como é que você
avalia o ensino?
Entrevistado
: Bom, é pelos professores que eu tive, eu não tenho do que reclamar, entendeu
porque eles tiveram muita paciência, e eles tiveram bastante interesse também em
querer ensinar pra gente a leitura da partitura, certo entendeu?! Não tem muito o que
reclamar, dessa parte não.
Fabiana
: Porque os outros professores que não sabiam Braille, fora a Lilian ai eles sempre
trabalhavam com o ouvido?
Entrevistado
: É, sempre.
Fabiana
: Enfim eles levavam gravações?
Entrevistado
: A Neila no começo trabalhava bastante com o ouvido, da gente assim.
Fabiana
: E depois?
Entrevistado
: Ai depois assim quando ela, antes dela sair, ela começou, na verdade foi eu que sai
primeiro da aula dela, porque eu comecei a estudar de manhã, e eu fiquei muito
151
chateada e tal, mas ela ia mesmo começar a fazer essa Musicografia Braille com a
gente, entendeu? Mas antes disso, antes deu sair, ela trabalhava muito, ela tocava as
músicas, pedia pra gente estar imitando as músicas dela.
Fabiana: A tá, ela mesmo tocava?
Entrevistado
: Isso, ela mesmo tocava e pedia pra gente tar imitando. E volta esta questão da
curiosidade, ela tocava a música e eu tentava tirar a segunda voz da música, era bem
legal, a gente brincava, brincava bastante, eu e a professora nós brincávamos muito.
Fabiana: E assim pelo o que eu estou percebendo, tirar as músicas de ouvido, fazer a segunda voz
é coisa fácil assim?
Entrevistado
: É, pra mim é.
Fabiana
: Você tem cegueira congênita?
Entrevistado
: É, eu queimei na incubadora.
Fabiana
: É, é meu caso também.
Entrevistado
: Eu nasci com 6 meses e meio de idade, e queimei na incubadora.
Fabiana
: o, porque é assim, tem estudos que outro dia eu estava lendo, que as pessoas com
cegueira congênita têm mais probabilidade de ter um bom ouvido, de ter ouvido absoluto
sei lá, a prevalência assim, o número de pessoas que tem o ouvido absoluto, número de
cegos que tem ouvido absoluto, é bem maior de que o número de pessoas em geral, e é
interessante isso porque as pessoas cegas congênitas que a gente conversa em geral,
tem facilidade mesmo para tirar coisa de ouvido, pra enfim, com certeza a gente acaba
usando bastante. E com o tempo, você também foi assim, por exemplo, vai ficando cada
vez mais automático não é? Você o precisa testar tanto qual nota que é, é meio
automático não é?
Entrevistado
: É, no caso da flauta, eu sou acostumada a brincar dizendo assim, que meus dedos
sabem por onde percorrer, em cada música, você entendeu?
Fabiana
: Entendi.
Entrevistado
: Então é uma coisa mais automática, assim, mais mecânica, mais, bem mais legal.
Fabiana
: E assim, você acha que existem dificuldades das pessoas com deficiências visuais
estudarem música, tem alguma dificuldade, que as pessoas com deficiência visual
enfrentam especificamente pra estudar música, o ensino da música?
Entrevistado: Eu acho que depende da cabeça de cada um, porque eu acho que isso tem que ter,
interesse realmente mais eu acho que não.
Fabiana
: Mas fora assim, as dificuldades da pessoa... tem dificuldade do tipo, falta de material?
Entrevistado
: Tem isso tem, tem pouco material sobre música, sobre o que é realmente a
Musicografia Braille tem pouco material, eu acho que precisa ser mais divulgado.
152
Fabiana: E assim, uma pergunta mais pessoal, o quê que representa pra você estudar música, por
que a música é importante pra você?
Entrevistado
: Assim, desde pequena assim, eu sempre me envolvi com música, até tem uma
história interessante que a minha madrinha cuidou de mim na incubadora, e eu acho até
engraçado que a minha madrinha, ela falou assim que eu gostava muito de música, de
ouvir música desde o tempo da incubadora, que eu nasci realmente com a música e teve
um dia que ela esqueceu o radinho na casa dela, e eu chorava muito, e ela teve que ir
na casa dela, pegar o rádio na casa dela, e ligar ai eu fique mais calma. Então desde
pequenininha a música me acalmava, ai eu fui crescendo e falei aí, eu quero ser cantora,
quero ser cantora, e até hoje assim, eu quero mexer com música, eu gosto muito
assim de música. Então eu acho que a música me faz muito bem, música digamos que é
a minha vida, acho que não conseguiria fazer outra coisa na minha vida a não ser mexer
com música.
Fabiana
: É difícil você parar a música na sua vida?
Entrevistado
: É muito difícil.
Fabiana
: Você tem assim, desejos, aspirações em relação a música para o futuro, você quer
trabalhar com isso?
Entrevistado
: Quero, com certeza eu quero fazer meu curso de flauta transversal, pra ver se eu
entro mesmo na Unibanda pra fazer as apresentações, e quem sabe começar a trabalhar
com isso, entendeu? Às vezes eu fico pensando né, eu tocando nas grandes orquestras
em São Paulo, aqui em Campinas também, eu acho legal isso. Já que na Unibamda a
gente tem uma grande chance de entrar pra esses lugares assim.
Fabiana
: Assim, vai abrindo espaços, abrindo caminhos.
Entrevistado
: É você vai abrindo seu caminho.
Fabiana
: Como você a relação entre a música e a deficiência visual, você acha que de fato
existe um certo mito assim, que o cego em geral gosta de música é bom músico enfim,
você acha que isso é verdade?
Entrevistado
: Eu acho que sim, porque a maioria dos deficientes visuais que eu conheço, gostam
muito de música, eles se identificam muito e eu acho que a música traz uma coisa
diferente com o interior, entendeu? É uma questão mais de sensibilidade, não tem como
explicar muito isso.
Fabiana
: Entendi, mas para o cego especificamente a música é uma coisa...
Entrevistado
: É bem diferente, é bem importante da bastante ênfase.
Fabiana
: Bom e assim, você acha que o ensino da música para as pessoas cegas, que têm
tantos cegos que se interessam pela música, você acha que poderia ter alguma
mudança, alguma coisa que tornasse esse ensino melhor? A maior divulgação, e acho
153
que um certo tipo de empurrãozinho, é o que eu falei na questão do interesse,
entendeu? Fazer as pessoas se interessarem por música.
Entrevistado
: Isso, fazer os deficientes se interessarem por música, mais por música assim, eu
acho interessante.
Fabiana
: É como se eles já tivessem um potencial assim, só falta descobrir?
Entrevistado
: É descobrir esse potencial né, eles gostam de música, mas o que é mais legal, as
pessoas se envolverem de verdade com a música, porque elas vão dizer se elas gostam
de verdade ou não entendeu? Se é para passar o tempo, pra mudar o interior
mesmo.
Fabiana
: Pra ver se de fato elas querem fazer isso profissionalmente.
Entrevistado
: Isso, isso...
Fabiana
: Ok! É, eu acho que basicamente isso que eu estou tentando levantar é um perfil dos
alunos de música, e saber mesmo sobre o ensino, as experiências que essas pessoas
tiveram assim, e até uma última coisa que eu queria perguntar pra você, a relação
professor aluno, quer dizer, você acha que a pessoa do professor influi no ensino? Você
acha que quem é o professor influi no fato da pessoa aprender melhor a música?
Entrevistado
: Eu acho que para o professor estar ensinando melhor, a música ele precisa ser não
um professor mas um amigo, amigo mesmo que ensina que quer ver o aluno
aprender de verdade, que quer ver o aluno se desenvolver melhor, entendeu, então eu
acho legal , foi o que eu tive nessas duas professoras, tanto na Fabiana como na Neila,
uma amiga, eu acho que isso traz maior aproximação, o aluno com o professor e ajuda
bastante também no desenvolvimento da música.
Fabiana: É mais que um professor de música né? É mais que um transmissor da técnica.
Entrevistado
: Isso, ele é um amigo. Porque com certeza eu acho que quando você estiver
desenvolvendo a profissão mesmo da música, você estiver trabalhando com isso, você
pode considerar aquele professor, como um mestre, seu mestre. E eu acho isso legal.
Fabiana: Entendi, pra vida mesmo?
Entrevistado
: Isso!! Você agradece ele a vida toda.
Fabiana
: ótimo, mais alguma coisa que você queria acrescentar sobre tudo isso que a gente
conversou?
Entrevistado
: Não, por enquanto é só.
Fabiana
: Tá ótimo, então é isso.
154
Sujeito 4 - Estudante de Música que possui deficiência visual
Fabiana: Então a gente estava conversando, eu estava falando com você sobre a minha pesquisa,
sobre o que a gente faz aqui na Unicamp, e você estava dizendo sobre a sua
experiência com música, então fala pra mim como é esse contato seu com a música , o
que você toca e como é que isso começou enfim, fala sobre esse seu contato com a
música.
Entrevistado
: Olha a música pra mim como eu já havia escrito a respeito da música na minha vida,
eu falei até um pouco pra Celma, eu escrevi, a música pra mim teve importância muito
forte, porque até em tão eu era criança meio retraída, talvez por causa da visão, porque
não era descoberto, não sabia o que era que eu tinha, se era normal não sei, então
brincava pouco entre as outras, não tinha muito contato com as outras, se tinha
procurava ficar meio afastado, ia pra escola e não conseguia desenvolver o esperado, do
que tinha que desenvolver, e era assim, então é difícil, se ia jogar bola quando o sol se
por, tinha que correr pra casa, porque não se enxergava mais nada, foi quando eu
descobri a música, a minha cidade a muito tempo existe uma filarmônica municipal e
tudo era gratuito as aulas, me interessei,comecei entrar e foi ai que eu fui
desenvolvendo, é a princípio foi muito difícil, foi muita dificuldade mesmo pra mim ler a
partitura, pegava a partitura levava pra casa, os ensaios as aulas sempre eram a noite e
eu tinha dificuldade de enxergar a noite, era pior, eu levava as partituras pra casa
estudava de dia e de noite eu estava inteirão beleza, quem olhasse dizia que era expert
na música já, mas era frutos de horas e horas de sabatina.
Fabiana
: Então desculpa eu perguntar, você já enxergou então?
Entrevistado
: Enxerguei, eu peguei as partituras dos 14 a 15 anos, 13, 14, 15 anos foram os
três anos mais difícil, então depois bem mais tarde que eu vim aceitar o problema, e a
partir dos 27 anos foi que foram descobrirem qual era o meu problema.
Fabiana
: Então nesta época você aprendeu a leitura em tinta, né?
Entrevistado
: Consegui, consegui aprender, com muita dificuldade mas consegui.
Fabiana
: O que você tocava?
Entrevistado
: Eu atual ainda hoje toco trombone, trombone de pisti, trombone de vara, depois
passei pra trombone de vara, aprendi sozinho trombone de vara, depois como eu ficava
muito em casa parado e as vezes a vizinhança, tem hora que a gente não pode
soprando trombone, principalmente quando a gente com a embocadura, a gente não
domina, você tem que soprar forte, você tem que sem embocadura , mas com a
155
embocara perfeita você coloca o som a altura que você quiser, ai eu passei a aprender
também a flauta, comecei a soprar a flauta pra pegar as músicas de ouvido, e ai fiquei
gostando da flauta e até hoje ainda toco flauta.
Fabiana: E como é que foi assim, pra você ter aula com os professores, você escolheu esses
professores, ou eles eram... como é que era?
Entrevistado
: Não, era pago pelo município, né, e os professores e eles sempre tinham aquela
vontade de ensinar, eu sempre tive sorte de encontrar bons professores, sempre que era
mudado sempre havia um que eu me identificava bem né. Então a gente tinha aquela
amizade, então quando eles verem certos alunos se destacar eles dão mais apoio,
procuram fazer um trabalho diferenciado.
Fabiana
: O que era o seu caso?
Entrevistado
: É, então é meu caso, então eu tive muita sorte nesta área também.
Fabiana
: E os professores, eles além dos instrumentos ensinavam leitura, teoria?
Entrevistado
: É leitura, teoria.
Fabiana
: Que cidade era?
Entrevistado
: Porto Seguro.
Fabiana
: E era uma orquestra filarmônica da cidade?
Entrevistado
: É, e existe até hoje.
Fabiana
: E assim, depois de você ter perdido a visão, você chegou a ter aula de música neste
período também?
Entrevistado
: Tive, porque a visão não se perdeu de uma hora pra outra, ela vem gradativamente,
então sempre eu estava em contato com a música, e saía pra rua desfilando com a
filarmônica, de vez enquanto eu trombava num buraco, era numa lombada, caia de um
lado pro outro era assim, mas aos trancos e barrancos.
Fabiana
: E alguns desses professores, tinham um conhecimento sobre o Braille, sobre as músicas
em Braille?
Entrevistado
: Não, nada nada.
Fabiana
: Mas você, como é que você descobriu que isso existia, assim como é que você
descobriu?
Entrevistado
: Foi depois que eu conheci a Conceição, ela me falou que existia esse método Braille,
a Musicografia Braille e que pra mim isso seria importante, e ela me indicou que eu
viesse ao instituto e procurasse ai com alguém, no instituto se eles me indicavam
alguém, Instituto do cego trabalhador.
Fabiana
: Ah, daqui de Campinas?
156
Entrevistado: Daqui de Campinas, e eu vim procurei mas não tinha muita referência boa não, o
Diretor mesmo falava, isso é muito difícil não existe uma pessoa especializada, eu não
conheço, não sei, mas eu não me dei como vencido, como se doer a cavar.
Fabiana: E aí?
Entrevistado
: Cheguei aqui, primeiro consegui o livro e agora com essa porta, eu acho que porta
bem ampla pra mim, é de conhecer aqui pra mim já foi uma vitória.
Fabiana
: Me conta um pouquinho sobre esse livro aqui, como é que foi esse contato?
Entrevistado
: Esse livro eu achei muito interessante, porque ele é um livro com princípios básicos
mesmo então, aquela coisa bem básica da música, mas tem muito sinal, os sinais são
muitos, então pra você ter um contato rápido, e decorar aquilo tudo é muito dificultoso,
você tem que ter uma continuação, eu acho até ser obrigatório ter um acompanhamento,
porque fica muito difícil, pode aprender, mas meu caso que conhecia a tinta aquela
coisa toda, você acha que é muito mais difícil.
Fabiana: E ai como é que você faz , que alternativas que você usa pra assimilar músicas, você tira
as músicas de ouvido?
Entrevistado
: É hoje 90% da música de ouvido, 90% 100% então, graças a Deus eu tenho um bom
ouvido, eu acho que eu tenho um bom ouvido, eu capto rápido. Se eu estou ouvindo uma
orquestra, eu dá pra mim detectar instrumento tal, instrumento tal, isso facilita bastante.
Fabiana: E assim, como é que você com essas experiências de aprender música que você teve
assim com esses professores, e de acordo com essas dificuldades que você estava
relatando o que você acha sobre o ensino de música pra deficientes visuais, o que
poderia mudar nesse ensino?
Entrevistado
: Eu acho que o ensino pra deficientes visuais seria primordial na educação, para o
deficiente, devia ser até obrigatório na escola, porque abre menos horizonte, como eu
falei, na nossa entrevista com uma pessoa cega. Então isso devia ser muito importante,
devia não, é muito para o cego, porque é uma coisa que ele vai cada vez mais afinar o
ouvido, vai ter um ouvido mais apurado, ele vai saber distinguir um som do outro, o
tempo tudo, e isso é muito importante na vida, principalmente de quem é deficiente
visual.
Fabiana
: E como é que este ensino está hoje na sua vida?
Entrevistado
: Olha, hoje esse ensino eu o posso dizer nada que eu ainda não tive um contato
direto com o ensino, eu estou fazendo da minha maneira do jeito que eu consegui. Eu
tive a oportunidade e consegui.
Fabiana: O que você acha da importância das pessoas ter mesmo contato com o código
convencional com a leitura em Braille mesmo, porque assim a gente ouve muito isso, a
mas é muito difícil, como você ouviu desse diretor, a mais não tem ninguém sabe é muito
157
difícil... E você continuou correndo atrás e buscando material, o que você acha da
importância das pessoas aprenderem a leitura em Braille, como ela é convencionada?
Entrevistado
: Olha, isso é muito importante mesmo, eu acho que todos, não o deficiente como
todo familiar, do deficiente deveria ter o contato com o Braille, a pra comunicação,
melhorar a comunicação, porque hoje você tem claro a Internet, o telefone tudo , tudo
facilitado, mas o Braille é insubstituível, pra mim eu acho assim.
Fabiana
: E especificamente dado a canção musical?
Entrevistado
: É maravilha...
Fabiana
: E assim, que dificuldades que você teve, pra você aprender a música mesmo, no seu
aprendizado?
Entrevistado
: A dificuldade foi bastante, foi grave pra mim, tive até momento de pessoas que não
entendiam o problema, também eu nem os culpo elas até mesmo de professores falarem
coisas, então mais são coisas que passou, então continuei avante.
Fabiana: Você teve mais dificuldade em relação a atitudes dos professores?
Entrevistado
: Sim dos professores, dos colegas, mas aos poucos foram acostumando comigo,
porque eu não me entreguei não. É você continua buscando, continua fazendo.
Fabiana
: O que representa pra você, estudar música, ter contato com a música, parece que a
música faz parte da sua vida?
Entrevistado
: Não é, como eu falei pra Celma, pra mim foi 90% da minha vida eu me entreguei
pra música porque foi o que me abriu mesmo, os horizontes, eu fiquei mais, me tornei
uma criança mais alegre, mais comunicativa, pra mim foi tudo.
Fabiana: E esse contato com outras pessoas orquestra do grupo?
Entrevistado
: Melhorou bastante, hoje as pessoas tem um profundo respeito por mim, eu sinto isto,
hoje acabou aquela coisa, aquela diferença toda.
Fabiana
: E a música contribuiu com isso?
Entrevistado
: Contribuiu, se não fosse a música eu teria perdido, porque nível cultural porque pra
mim a não ser a música, o resto pra mim é zero, a não ser um livro de vez enquanto, não
tinha um livro de escolaridade bom, porque eu tive que parar, não conhecimentos de
nada, nem eu nem meus familiares, tive que parar.
Fabiana
: Tá ótimo, alguma coisa que você queria ainda acrescentar sobre o acesso a leitura em
Braille.
Entrevistado
: Eu acho que o que deveria acrescentar é que isso fosse mais aberto, fosse mais
acessível às pessoas, principalmente aos deficientes visuais, porque quando se fala em
deficientes visuais, acha que o deficiente sabe ouvir rádio, e tocar violão, só, não
acha que o deficiente pode ser um bom músico lendo a partitura, tudo. Então eu acho
que isso deveria ser mais aberto, ter mais aprofundado essas coisas, mesmo nas
158
escolas, colocar na pauta mesmo colocar no curriculum escolar, essa coisa é pra
expandir mais.
Fabiana
: Tá ótimo, basicamente, precisaria conversar.
Sujeito 5 - Estudante de Música que possui deficiência visual
Fabiana: Messias como é que foi a sua trajetória com música , como é que vocomeçou com a
música , começou a se interessar pela música?
Entrevistado
: Fabiana meu caso, eu e o senhor Zuza a gente estava conversando no carro pra vim
pra cá, pra faculdade na Unicamp e não tinha, o que eu fazia antigamente antes de eu
perder a visão , que fazem onze anos que faz agora onze anos, e eu era desenhista
publicitário , não tinha nada a ver com música, mas eu sempre fui de música, sempre
gostei de ouvir boa música, ouvir quando adolescente rock roll aquelas coisarada , e ai
eu tive essa admiração por violão mesmo , eu inclusive tinha até cd até hoje tenho cd de
violinista, mas o primeiro contato com música mesmo foi dois quase três anos atrás,
se não me falha a memória em 2001 quando eu conheci um professor em Sorocaba, que
a gente estava numa entidade montando uma entidade para cegos lá em Sorocaba entre
nós mesmo deficientes visuais, como nós temos uma entidade muito boa chamada
ASAC - que ela é conhecida regionalmente inclusive vai pessoas fora de Sorocaba, e ela
tem mais de sessenta anos de existência, ASAC - Associação Sorocabana de Amparo
aos Cegos, foi que eu aprendi a ler e escrever Braille, tive também um pouco de
contato com um rapaz que tocava violão , me ensinou alguns acordes, mas eu não me
interessei , porque eu me interessava mesmo era por violão clássico, violão solo , então
em meados de 2000, 2001 a gente resolveu montar esta entidade, pra que fosse uma
coisa diferente do que já tem nessa entidade que é muito boa , então num
determinado dia eu conheci um professor num prédio que a gente tava abrindo , e era
uma escola pequena que ele dava aula de violão, dai eu ouvi ele tocando violão , eu
parei e fique ouvindo, daí ele falou: entra ai pra ouvir , você gosta de música? Gosto ,
curto violão, daí ele pegou e falou, olha, daí eu comecei a pedir músicas pra ele, e
comecei a perceber que ele é um excelente violinista, inclusive ele estudou em São
Paulo tem mais de cinqüenta anos de experiência com música , violão, cavaquinho,
viola. Daí quando foi na outra semana, eu fui de novo daí ele propôs pra mim, assim
olha Messias você gostaria de aprender a tocar violão? Eu falei, ah professor eu sempre
quis aprender mas agora depois de cego é sempre mais difícil, daí nisto eu tinha um
violãozinho, que eu paguei baratinho , ai eu levei na entidade ASAC neste colega
159
meu, pra ensinar alguns acordes , mas eu deixei de lado porque eu não queria, eu queria
mesmo era violão solo, o clássico. Dai nessa eu falei pro professor desse violão , ai ele
falou traz aí, a gente começou , ele afinou, o violão está até na casa do meu sogro,
inclusive que quando eu vou em Salto aqui perto de Itu , eu fico com o violãozinho , e
fico em casa pra estudar , então está até hoje, então no princípio foi assim ele foi me
ensinando o a, e, i , o ,u , no violão, parabéns pra vo, e daí realmente eu fui pegando
o gosto pra coisa e também Fabiana foi um sonho meu, sempre falo na escola , que o
senhor Zuza sabe deu entrar em Tatuí, porque Tatuí é uma excelente escola conhecida
até fora do Brasil. Então quando eu fui fazer isso dai, entrar em Tatuí eu me preparei ,
com esse professor, foi quase dois anos estudando com ele , mas o meu professor não
sabia, ficou pra mim mesmo, guardei pra mim mesmo , falei não. Ai quando eu vi que
realmente tinha jeito pra coisa, o professor meu me aprovou em Sorocaba, falou olha
Messias você já toca violão mas você tem que estudar mais , praticar mais , quando foi o
ano passado eu resolvi, eu falei olha professor, eu abri o jogo pra ele, olha realmente pra
mim não mais o que eu quero é coisa maior , mais complexa porque realmente eu
quero me dedicar a isso, ai ele falou, tudo bem caso você não se adapte as portas estão
abertas pra você de novo. Dai eu fui em Tatuí, me esbarrei infelizmente, não num
problema grave, fui bem tratado, as pessoas em Tatuí principalmente da escola são
maravilhosas, talvez nunca tiveram contato assim mais próximo com deficiente visual,
inclusive a primeira pessoa tive que dar um supletivo bem rapidinho de como levar um
deficiente.
Fabiana
: Instruções básicas?
Entrevistado
: Isso, ai ela foi comigo na rodoviária, e dai o que aconteceu naquele dia eu ontem
assim pra pessoa, olha senhora, eu fiz a inscrição tudo ai a senhora perguntou olha
Messias, você sabe tocar violão? Eu falei eu sei, mas do meu método mesmo de ouvido
e de tato, gravando no gravador , e a gente fazendo as aulas. Daí ela falou, porque aqui
no teste que você vai fazer, vai ter que tocar esta peça , dai ela me deu em tinta, ela me
deu uma partitura em tinta. Ai eu falei, não tem em Braille? Ela falou, olha Messias aqui
infelizmente o tem este processo em Braille, porque raramente aparece um deficiente
visual, estudar lá, principalmente pra ler, dai eu peguei aquela partitura Fabiana, e levei
pro meu professor, ai ele falou: olha Messias, o negócio é o seguinte, essa música , ele
tirou na hora porque ele é mestre, essa música no mínimo quinze dias a um mês pra
você tocar. Mas só que o teste Fabiana era na próxima semana, daí ele tocou, eu gravei,
ele o cobrou a aula, até tinha saído de lá, daí eu levei em cada, e realmente o
consegui, daí eu falei assim, seja o que Deus quiser, eu vou com a cara e a coragem e
vou conversar com ele, daí eu fui como o senhor Zuza comentou, a professora Márcia
160
me atendeu, uma pessoa muito bacana também. Daí a gente, ela perguntou Messias,
você estudou a peça?
Daí eu expliquei pra ela, olha professora não estudei porque não deu tempo e não tinha
em Braille, e não ia adiantar Fabiana porque realmente eu não sabia a teoria em Braille.
Eu não aprendi em Braille, não tinha jeito. Daí naquele dia ela falou assim: era pra gente
escolher duas peças ou uma que a gente sabia, o iniciante lá pra fazer o teste, daí eu
escolhi romance de amor e Francisco Taigan em estudo, os dois, então toca , daí eu
peguei e toquei, eles acharam bacana, gostaram, toquei mais um, depois toquei
mais uma outra pro professor Plinio. o professor Plínio começou a se interessar, puxa
Messias como é que você essas passadas de lá da casa doze em cima e volta? Aí
eu comecei a falar, olha professor isso tudo é uma técnica que nós deficientes
desenvolvemos também, como você Fabiana, no piano, eu também desenvolvo a minha
técnica no violão, como através da audição, com o tato, e daí ele ficou, modesta parte,
eles ficaram maravilhados de ver eu tocar alguma coisa, com um pouquinho de falha
mas eu toquei. E daí foi, a professora Márcia, falou, olha eu vou conversar com o
coordenador pra ver como é que a gente vai fazer, daí ela falou e deram a vaga pra mim.
Fabiana
: Depois que você começou a estudar lá em Tatuí , ainda lá na escola ainda não tinha, não
tem, um material em Braille, que você precisaria pra ler, como é que você essa
importância das pessoas saberem ler em Braille?
Entrevistado: Então Fabiana, terminando aquele assunto ali, porque eu também sugeri para o
professor a gravação em fita, porque ele também não teve experiência, então eu cheguei
pra ele olha professor, o senhor fala: dedo um, casa dois e assim vai e eu vou gravando
e a gente vai montando a música.
Fabiana
: Que era como você fazia antes com outros professores?
Entrevistado
: Com o professor Paulo, em Sorocaba, e daí agora no caso Tatuí não ter o Braille
é, inclusive minha intenção também é levar o Braille pra ele, eu levei até a minha
prancheta, minha regreter, fiz amizade, porque graças a Deus eu sou muito
comunicativo, eu pego amizade fácil, as pessoas gostam, porque elas gostam de alegria,
procuro levar alegria pra elas, então eu estou introduzindo o Braille aos poucos pra eles,
inclusive eu até propus ao coordenador, o Adriano junto com o professor Zuza, da gente
ensinar o Braille para os professores e daí difundir, pra outro seguimento que seria os
alunos, isso mais no futuro, o ano que vem . Então eu estou passando alguma coisa
em Braille pra eles porque realmente eles nunca tiveram contato com o Braille, a primeira
vez talvez tenha sido comigo, eles viram provavelmente por ai na televisão, mas de
pegar e fazer as letras, eu creio que seja eu, então a minha intenção seria isso fazer
aquela troca também como o pessoal ensinando o violão, eu também quero deixar
161
alguma pra geração futura, pra que eu possa divulgar como os professores falou, que
Tatuí se ensina música através da partitura e que a pessoa saia de totalmente
independente na área de música, que não saia com deficiência como a gente por ai,
então eu acho que é mais ou menos isso, a dificuldade em todos os níveis também
Fabiana, o só lá na escola de Tatuí, em Sorocaba também , nós temos duas
escolas estaduais, uma Estadual e uma municipal.
Fabiana: De música?
Entrevistado
: Não, de regular que tem professores que ensinam o Braille ao aluno, porque lá tem a
entidade que tem esse suporte também, ela encaminha, ela ensina o professor e o
professor é encaminhado na escola e é encarregado de ensinar o aluno cego nessa
área, mas realmente a música não tem escola de música pra cego também. É mais ou
menos isso, é por ai...
Fabiana
: E assim, o que falou da questão da independência, por que você acha que aprender ler
música em Braille é importante? O que mudaria o seu contato com música, de
aprendendo a música em Braille, aprendendo a ler música em Braille?
Entrevistado: Veja bem, eu quando a independência vou falar do deficiente visual, é necessário
nós a Fabiana, a gente realmente nós temos nossas dificuldades, vou falar pra você que
minha vida 90%, 100% eu ando sozinho, é mentira, 90% eu consigo fazer sozinho mas
os outros 10% eu dependo de alguém que veja e nos auxilia. Mas a nossa, a
independência minha foi um grito também que eu tive que dar a sociedade,
principalmente a minha família, porque a minha família não me aceitava, é como até
agora muitas vezes quando tem algum probleminha de não aceitação ao deficiente
visual. Então o que eu fiz, aprendi o Braille, pra que eu tivesse a minha independência,
aprendi andar com a bengala, pra que eu pudesse andar sozinho, com aquela certeza
que eu ia ter e tenho algumas dificuldades mesmo. E no caso da música obviamente que
a partir do momento que a gente aprenda a partitura em Braille, é, eu vou ter a
possibilidade que eu estava comentando com o professor Zuza, deu poder compor uma
música, deu poder escrever uma música, porque aula é muito bom, é necessário nós
deficiente ou aluno que seja normal aprender de ouvido, todos nós aprendemos de
ouvido. Só que é que está também um grande problema que ouvido falha, nós como
seres humanos somos falhos, nosso organismo também falha, uma nota, você vai no
piano, que você ouve, se realmente como você Fabiana já professora tem aquela
audição excelente melhor do que a minha. Mas eu não consigo ouvir uma nota e pegar
no violão, eu tenho colegas cegas que já conseguem, eu já não consigo. Então ai seria
falha, um dia que eu fosse inserido como, assim o professor já falou que eu vou ter que
entrar numa banda em Tatuí que é necessário eu aprender o Braille, aprender o
162
Braille ou a partitura em Braille, pra mim poder difundir melhor a música, e eu ter também
um arquivo, como eu tenho na minha casa, agenda em Braille, tudo quanto é coisa meu
é em Braille, a minha esposa também é subnormal, ela é deficiente visual também, então
inclusive eu até comentei com o professor que ela estudou um bom tempo aqui no
Gabriel Porto, coligado acho que com aqui.
Fabiana
: É o CEPRE, hoje em dia: CEPRE é o Gabriel Porto.
Entrevistado
: É, ela até queria vir se fosse pra ir no Gabriel Porto, não a gente vai na Unicamp,
eu também não conheço aqui, estou conhecendo agora. Então é mais ou menos isso, a
partitura em Braille pra mim realmente é necessário nesse momento.
Fabiana: Pessoalmente pra você mesmo o que representa estudar música? Por que é importante
estudar música, a música na sua vida?
Entrevistado
: A música pra todos nós, só que pra mim me deixa muito feliz, até hoje eu estou muito
mais feliz tocando violão porque é uma coisa que eu realmente é uma coisa que eu não
imaginaria tocar alguma coisa. Então quando eu pego uma aula com o professor Zuza,
ou com um professor de Sorocaba que eu tenho eu consigo desenvolver, eu consigo
tocar, é uma coisa que me deixa muito feliz, de sair na rua, de ter mais ânimo pra vim
aqui, eu fique mais animado, em Tatuí o pessoal me animaram então eu acho que a
música hoje pra mim é muito importante e sempre foi importante. Hoje é muito mais,
porque hoje eu consigo desenvolver algumas coisas, nem que seja pequinininha , mas
desenvolvo, graças a Deus ao momento e graças às pessoas que estão do nosso lado,
por exemplo o senhor Zuza, que está aqui apoiando a gente.
Eu acho que particularmente eu acho que o Messias, ele toca violão há um ano e meio,
dois anos, o repertório dele , é um repertório de 3ºano na escola.
Fabiana
: Mais avançado do que o tempo cronológico?
Entrevistado
: É mais avançado que o tempo. Eu acredito que ele não está mais avançado, eu
não digo mais avançado não verodisicamente mas talvez ele não tenha um repertório
maior, justamente pela falta de material, entendeu?
Fabiana
: Entendi.
Entrevistado
: É porque eu quis dar realmente da gente gravar numa fita e a gente ter que voltar a
fita, e vai pra lá, vem pra cá.
Fabiana
: É... “N” vezes...
Entrevistado
: Isso é perca de tempo.
E o treinamento auditivo, ele é complicado, porque ele vem com o tempo, a gente, eu
pelo menos, com a idade que eu tenho, se você tocar uma nota no piano eu posso errar
por semi tons, mas isso não é nenhum virtuosismo, é uma prática de anos e anos. Então
até que a pessoa consiga tirar uma canção, por mais simples que seja no violão, ou no
163
piano, ou só ouvindo, é muito mais demorado do que tocar, porque você, a partir do
momento que você tem contato mais próximo do instrumento tocado, um repertório de
30, 20 músicas, a audição vai também se desenvolvendo.
Fabiana: Tá ótimo, muito bom. Acho que era mais ou menos isso que eu queria.
Entrevistado
: Espero que a gente tenha sido útil.
Fabiana
: Com certeza!
Sujeito 6 - Estudante de Música que possui deficiência visual
Fabiana: Adilson, estamos fazendo esse trabalho do estudo de música para deficientes visuais e
eu queria saber em princípio o que levou você estudar música. Porque seu interesse
pela música? Como foi isso?
Entrevistado
: Bom, sou apaixonado por música desde criança, porque na escola infantil a gente
era estimulada a montar grupos, corais infantis etc. Eu sempre fui ligado muito a igreja e
na igreja se estimula muito a música. E meu primeiro sonho era aprender a tocar alguma
coisa para poder tocar na igreja. Eu comecei algumas vezes, teclado, mas por falta de
recursos financeiros tive que parar. Tentei violão algumas vezes, mas nunca me dei bem
com instrumentos de corda. Eu sempre me dei melhor com instrumentos de sopro e
teclado, até que eu ganhei uma bolsa da Chorus para estudar música e tive
oportunidade de optar por teclado ou piano e obviamente eu optei pelo piano porque
acho mais bonito. A partir daí comecei estudar música, mas eu venho lidando com a
música tempo. Eu peguei na Fundação, alguns livros de Braille, com métodos de
flauta, métodos de órgão, acabei o praticando na época, acabei devolvendo os livros,
mas minha paixão por música é antiga, mais ligada à igreja e ao próprio estimulo de
música que se fazia na escola em tempo de infância.
Fabiana
: Na escola você teve alguma aula?
Entrevistado
: Não. Só tive de canto. Coral Infantil.
Fabiana
: Não tinha uma matéria? Uma disciplina de música? Algum método?
Entrevistado
: Não. Era uma escola normal, uma escola comum.
Fabiana
: Fale um pouco sua trajetória. Você teve esse contato com a escola.
Entrevistado
: Minha paixão começou com os corais infantis. Acendeu em pouco mas com a igreja,
porque na igreja evangélica se trabalha muito com a música, onde é bem estimulado,
bem incentivado. Eu participei de alguns grupos mesmo sem ter voz boa para cantar,
mas tentava. Ali eu comecei aprender um pouco de técnica, da visão de vozes: baixo,
contralto, barítono, contraltos mulheres. Barítonos e tenores - homens, vendo essas
164
diferenças eu procurei entender. E depois que eu peguei um pouco mais de
conhecimento a primeira coisa que eu comecei a prestar atenção quando eu ouvia uma
música em grupo era tentar identificar as vozes. Por exemplo, quando ouvia um grupo
cantando eu tentava identificar quem era baixo, quem era tenor, quem era barítono, e
mesmo na instrumentação, de tanto você ouvir, você vai educando o ouvido. Esse hábito
eu tenho até hoje. Eu ouço uma música, eu presto muita atenção, quais os instrumentos
que fazem parte daquele arranjo. Se tem um cravo, piano, violino, bateria, guitarra, se
tem mais de uma guitarra. Hoje eu já consigo saber bem isso.
Fabiana
: Você consegue identificar as notas quando você ouve uma música?
Entrevistado
: Depende. Eu apanho ainda um pouco. Quando eu comecei a estudar piano na
Chorus - eu ainda não tenho piano em casa, mas na época nem teclado para treinar eu
tinha - então eu ia na escola para treinar, nos dias fora de aula, evidentemente, e dava
uma estudada, ou às vezes, ia até a casa de minha sobrinha, que também estuda
música e treinava no teclado dela. Por mais que você treine é muito diferente de ter o
instrumento na sua casa, disponível. Até que eu ganhei um teclado, que para ser bem
sincero eu não gosto, mas para treinar serve, para fazer os exercícios.
Fabiana
: É mais artificial?
Entrevistado
: Para quem estuda piano, realmente teclado é muito estranho. Às vezes você vai
tocar em alguns lugares que não tem piano, você tem que usar o teclado e fica muito
estranho para quem está acostumado tocar a música no piano, tocar a música no
teclado.
Fabiana
: E há quanto tempo que você estuda música na Chorus?
Entrevistado
: Eu comecei na Chorus em 2003. Há quase dois anos, eu comecei no meio do ano.
Fabiana
: Qual é o tipo de repertório você já toca?
Entrevistado
: A Chorus trabalha mais com a linha popular, mas a Adriana, minha professora,
trabalha mais a linha clássica.
Fabiana
: Você acaba se identificando mais com a linha clássica?
Entrevistado
: É. E ela tem tentado me passar isso. Por exemplo, no ano passado estudamos Bach,
por exemplo, trechos da Sinfonia. Eu já pedi algumas músicas para ela que eu quero
aprender, por exemplo, Dança Húngara e outras de Bach, como Jesus, alegria dos
homens. Às vezes, estudamos algumas populares para pegamos alguns atalhos. A
música popular pega alguns atalhos, não é tão técnica como a música clássica. Então às
vezes a gente pega alguns trechinhos. Mas eu estou mais na fase de educar meus
ouvidos, para identificar as notas. Estou tentando trabalhar mais agilidade com escalas
cromáticas, oitavas, para ganhar agilidade mesmo, estou intensificando muito os
exercícios nessa linha.
165
Fabiana: Escalas maiores, menores.
Entrevistado
: Sim, estou fazendo.
Fabiana
: Você não chegou a aprender a ler a música pelo Braille. Como é que você assimila as
músicas? Como é que a professora passa as músicas para você?
Entrevistado
: No começo a minha primeira medida foi um gravador e eu gravava a aula, porque às
vezes, eu chegava em casa e esquecia a melodia e então eu ouvia o gravador e tocava.
Ouvindo o gravador, mesmo que eu não lembrasse as notas, de ouvir, tocando, eu
identificava.
Fabiana
: E aí você acabava educando o seu ouvido?
Entrevistado
: Exatamente. Foi muito legal. Ela (a professora), mesmo oralmente, foi me passando
conceitos, tempos, como: binário, ternário, quaternário. Foi me passando as figuras:
mínima, semínima, breve, semibreve.
Fabiana
: Você chegou a ter contato com as figuras, com o desenho das figuras, com o formato das
figuras?
Entrevistado
: Não. Eu falei com o Edison que trabalha na biblioteca e ele me passou um material
que ele recebeu da Escola Hadley, que acho que nem existe mais; eles tinham um curso
de Teoria Musical e eu andei dando uma lida, mas era muito sucinto, muito resumido.
Agora estou à procura de um livro que explique detalhadamente para eu poder me
educar e ficar mais fácil, com a Adriana, para eu “pegar” as músicas.
Fabiana
: E quando ela te passa as músicas, ela passa primeiro uma mão, depois a outra e depois
ela grava?
Entrevistado
: Sim. Normalmente, ela passa primeiro a mão direita quando eu faço a melodia,
depois ela passa os acordes.
Fabiana
: Depois ela grava os trechos juntos. As duas mãos juntas?
Entrevistado
: Isso. Normalmente quando ela toca a música para eu ouvir a primeira vez ela toca
normal com as duas mãos. em seguida ela me ensina primeiro a mão direita depois a
mão esquerda. Como ainda tomo alguns cuidados nesse processo de aprendizado, eu
tomo alguns cuidados com determinados acordes. Mas com relação aos acordes é
sempre mais fácil porque é sempre a mesma coisa. A melodia é que muda sempre,
que para mim ainda não porque é um processo que eu estou dominando amplamente.
Fabiana
: Você diz que dificuldade de técnica de tocar ou dificuldade de assimilar, de
memorizar?
Entrevistado
: De tocar mesmo.
Fabiana
: Do ponto de vista mais técnico.
166
Entrevistado: Eu acho que memorizar é mais fácil. Agora eu estou dominando um pouco mais
porque de tanto tocar você vai memorizando a posição, os acordes em tom maior, tom
menor.
Fabiana: E além dessa dificuldade quanto aos acordes, tem alguma outra dificuldade que você
sente ou já sentiu e hoje em dia já não tem mais?
Entrevistado
: A minha dificuldade é técnica. Por exemplo, um salto maior, você tem que memorizar
o posicionamento. Por isso estou trabalhando muito as escalas cromáticas e os
exercícios de oitavas. Muitas atividades para conseguir fazer esses saltos
automaticamente. No segundo minuto de Bach tem uns dois pontos da música que tem
que dar um salto ali que eu “apanhei” terrivelmente para conseguir tocar, mas acabei
conseguindo.
Fabiana
: Principalmente quando pula de uma parte para outra, tem um salto grande.
Entrevistado
: E essa até que é simples de tocar, não acho uma música tão difícil. Além de ser
bonita, foi fácil. Ela tem mais ou uma seqüência, o que facilita para a gente.
Fabiana
: Você considera alguma dificuldade que você tivera antes que já foi superada?
Entrevistado
: Basicamente quando eu comecei, as dificuldades eram todas. Agora eu já consigo
identificar sons, consigo trabalhar com as escalas maiores, menores estou
conseguindo dominar os acordes. Daqui para frente é uma questão de treinamento, de
exercitar mesmo, de amor a música, de motivar a cada dia para estar sempre tocando.
Por isso, meu sonho é ter um piano em casa, porque é diferente de você tocar no piano
e tocar no teclado. É como você tocar num piano comum e tocar num piano de cauda.
Não é uma diferença tão grande como do piano para o teclado, mas é um comparativo
para se ter uma idéia.
Fabiana
: Às vezes depende do teclado, o peso das teclas é diferente.
Entrevistado
: O que eu estranho no teclado basicamente, a dificuldade maior que eu tenho é que
no piano você tem que pressionar e a medida da pressão é que a tonalidade da nota,
digo a intensidade da nota, enquanto que no teclado você encostou, tocou. Então isso
me fazia errar muito quando eu tinha que treinar música no teclado, porque ele não
depende da pressão, além das teclas serem um pouco mais juntas. Às vezes eu tocava
uma tecla muito junto da outra, pulava, atropelava a tecla do lado.
Fabiana
: Você não teve acesso à leitura da música, escrita em Braille. A que você atribui essa
dificuldade de acesso à Musicografia Braille?
Entrevistado
: Infelizmente eu acho que é pouco divulgado no nosso meio, a Musicografia Braille.
Eu acho que isso é uma pena porque, por exemplo: se você aprende a fazer comida,
você tem que aprender corretamente com todos os passos; se você aprende a pular de
pára-quedas, você tem que aprender todos os truques para não correr riscos, claro que a
167
música não é algo que oferece perigo, mas se você tem que aprender música, que é
uma coisa bonita, uma coisa pura, você tem que aprender como um todo, porque tem
que ser por partes, eu acho que o ouvido é importante, é muito legal você tocar de
ouvido, mas o fantástico é você dominar a obra. É você tocar sabendo o que está
tocando, sabendo explicar o que está tocando.
Fabiana
: Dá uma independência maior?
Entrevistado
: Total. Eu tenho colegas que tocam e não sabem dizer o que é uma semicolcheia,
semibreve, espaço binário, ternário, quaternário, porque só toca de ouvido. Eu acho que
o ouvido é importante, que aliás a Adriana, minha professora, ela sabe dar um exemplo
muito bom, ela diz que a criança quando começa a crescer, primeiro aprende a falar, se
comunica, depois vai andar. É importante você ter um ouvido educado para aprender,
mas você tem que ter consciência do que está tocando, para ter conhecimento do que
está fazendo.
Fabiana
: E como você sente o empenho de sua professora no sentido de ter alternativas,
estratégias etc.?
Entrevistado
: Ela é muito dedicada. A dificuldade que temos, evidentemente é a falta de tempo
dela, pois ela tem uma série de atividades. Além de ser mãe, ser esposa, ter família, os
afazeres domésticos, ela tem outras aulas. Basicamente eu me encontro com ela nas
aulas, mas ela está sempre tentando encontrar meios, por exemplo, nas músicas quando
eu tenho dificuldade para acessar determinada nota, ela sempre encontra alguma forma
para que eu tenha acesso àquela nota num processo mais prático. Às vezes ela me faz
mudar de dedo para que eu tenha mais facilidade para atingir a nota até eu compreender
o processo e depois eu toque normal.
Fabiana
: Ela chegou a conhecer alguma coisa sobre o Braille? Como funciona o Braille?
Entrevistado
: Não. Eu fiz um alfabeto para ela. Não sei se ela chegou a ler, se teve tempo, mas
acho que ficou nisso.
Fabiana
: De certa forma, acho que ela chegou a procurar alguma coisa sobre música nesse
contato.
Entrevistado
: Ela sempre está à procura de algo que posso agilizar o processo.
Fabiana
: Antes dessa estratégia do gravador, vocês chegavam a usar outra estratégia?
Entrevistado
: Não. Foi a forma mais prática porque eu já usava na Faculdade.
Fabiana
: É o gravador é um companheiro constante.
Entrevistado
: E no caso da música, eu acho que ele é mais útil do que na faculdade, porque
música é ouvido, música é som. Por mais que eu memorize a melodia, os acordes, a
seqüência de notas, poder ouvir é diferente, você recorda, relembra com muito mais
rapidez, com muito mais agilidade.
168
Fabiana: Na hora a gente guarda na memória imediata, mas depois aquilo fica distante.
Entrevistado
: Depois esquece. Às vezes eu apanho” em determinadas canções. Às vezes
acontecia de esquecer o gravador e tinha dificuldade de lembrar. Quando isso acontecia,
o que eu fazia era tocar imediatamente após a aula. Por exemplo, saía da aula e ia para
algum lugar para tocar para ver se eu me lembrava, para fixar aquilo.
Fabiana
: Você chegou a usar alguma outra estratégia de registro? Por exemplo, anotar os
nomes das notas, alguma coisa por escrito?
Entrevistado
: Isso eu fiz várias vezes. Quando ela me passa a música, ela fala a seqüência de
notas para mim antes de tocar. A primeira coisa que eu faço quando eu já tenho elas
bem organizadas, já tenho toda a seqüência, se não da música toda, mas pelo menos do
trecho que eu estou fazendo, eu escrevo em Braille para não esquecer.
Fabiana
: Você escreve o nome da nota?
Entrevistado
: Escrevo o nome da nota de forma rudimentar, como se escreve normalmente.
Escrevo também o título da música e às vezes o tempo, por exemplo, se é ternário,
quaternário.
Fabiana: Interessante. É um método que você desenvolveu para registrar.
Entrevistado
: A gente tem sempre que encontrar uma “muleta” para se apegar porque ficar no
“achismo” não dá, você acaba demorando muito mais.
Fabiana
: E com base nessa sua experiência, o que você acha que poderia ser diferente, que
poderia mudar no ensino de música para deficientes visuais? O que as pessoas
poderiam ter acesso? Como esse ensino poderia ser?
Entrevistado: Essa é uma coisa que eu ainda estou pesquisando para chegar a um consenso. Eu
ainda não tenho uma opinião definida. Eu entendo que a partitura é fundamental. A
gente deveria ter um aceso mais prático, essa literatura deveria estar mais acessível
para a gente. E também estimular as pessoas a trabalharem mais com a técnica, mas
não ficar só tocando aquela musiquinha de rodinha. Fazer música como arte. Usar a
música como cultura e não apenas como passa tempo.
Fabiana
: Ter uma forma sólida.
Entrevistado
: Independentemente você trabalhar com ela ou não. Eu digo que você não precisa ser
um professor de música. Você não precisa ser um músico profissional para ter esse
conhecimento. Acho que isso faz parte. Da mesma forma que a gente se preocupa em
conhecer detalhes do corpo humano para cuidar um pouco melhor do corpo, também é
interessante você conhecer a música. Então eu acho que o acesso à literatura e talvez
mais espaços onde a gente pudesse tocar. Onde as pessoas pudessem treinar, se unir,
fazer audições da escola. Eu acho que isso estimularia muito as pessoas.
Fabiana
: Você já tocou em espaços?
169
Entrevistado: Já em audições da escola. O ano passado nós tocamos no Castro Mendes, no final
de novembro. Mas eu tinha participado em 2003, no Centro de Convivência, eu toquei
música dos Beatles. A audição é uma experiência legal, mas eu costumo dizer que a
grande vantagem dela é você começar a trabalhar com seu nervosismo. De estar se
expondo, estar num lugar público, porque musicalmente, por exemplo como a escola faz;
como a escola tem muitos alunos, ela coloca cada aluno para tocar apenas uma música,
eu até brinco com os colegas, quando começa a esquentar é hora de sair do palco.
Como são muitos músicos, não claro espaço disponível para que cada um toque
isoladamente, então a gente acaba entrando em grupos. Por um lado, pode ajudar a
cobrir o seu erro, mesma eventual falha, por outro lado, faz com que você não perceba
você tocando. Claro que tocando você sabe quando você erra, evidentemente você
ouve. Eu quando erro, eu sei que errei, mas é diferente ouvir é interessante anesse
ponto. Claro que a escola se previne porque nós ouvimos, mas o público seria
interessante que não ouvisse. Acho que justamente eles colocam em grupo que é para
não correr esse risco.
Fabiana
: Mas como em grupo?
Entrevistado
: Por exemplo, o Minuetto de Bach eu toquei com seis pessoas: três violinos, um
teclado, eu no piano, o Evandro tocando violão.
Fabiana
: Ah! entendi, as pessoas então não tocam individualmente até por falta de tempo.
Entrevistado
: O Minuetto com violino ficou lindo, maravilhoso.
Fabiana
: Foi bastante criativa a forma de fazer.
Entrevistado
: A audição como ela é para o blico, ela é bem variada. para você ter uma idéia
como é heterogênea. A minha música - Minuetto de Bach - foi a segunda, mas a primeira
foi uma música do Van Haley, só para você ter uma idéia de como a coisa é antagônica.
Você começa com rock pauleira e na segunda você já tem Bach. A quinta música, por
exemplo, foi a Sinfonia 40 de Mozart, mas em estilo popular. Estilo que eu o gosto,
mas o blico gosta. Como a apresentação é voltada para o blico, temos que fazer o
gosto do freguês. Às vezes a escola trabalha nessa linha, mesclando um pouco do
clássico com o popular. Aliás, às vezes tem mais popular do que clássico, nessa última
apresentação à escola cuidou um pouco mais, colocaram mais clássicos.
Fabiana
: Para ficar equilibrado?
Entrevistado
: E também fazer com que o público tenha acesso, porque a gente costuma dizer que
a música clássica é uma música elitizada. É elitizada porque não se leva para o público.
Fabiana
: Não tem espaço para ouvir.
Entrevistado
: É. E o pessoal não leva para o público. um comentário an passant”. Eu vi uma
entrevista o ano passado no Jô Soares, com o Arthur Moreira Lima, ele fez um projeto da
170
Amazônia, de sair tocando - ele tinha um caminhão - e ia com o piano para tocar para as
pessoas. Puxa, eu achei aquilo lindo. Eu achei maravilhoso. Se você fizesse aquilo, você
teria a prova de que o povo quando ouve, gosta. O povo gosta de boa música. É que o
povo não conhece. Costumam falar que o povo gosta de porcaria, não, é porque vendem
porcaria para o povo.
Fabiana
: Porque só tem isso para eles ouvirem.
Entrevistado
: Praticamente impõem. A industria cultural impõe isso. E a gente tem que estar sujeito
a isso.
Fabiana
: De maneira geral, para você o que representa estudar música?
Entrevistado
: Música para mim é liberdade. Se eu tivesse que encontrar uma palavra para
identificar a música, é liberdade. Eu me sinto livre, é coisa que me distrai, me
desestressa, me relaxa. Quando estou em casa eu ouço música o tempo inteiro, eu fico
ligado na programação o tempo todo. Praticamente a única coisa que eu faço em casa é
ouvir música. Como eu moro com a minha família, na minha casa é muita gente e para
estudar é um pouco complicado porque é muito barulho sempre. É televisão ligada,
aparelho de som, rádio, cd cômodo tem um aparelho ligado, eu não encontro disposição
para ler, porque eu gosto de silêncio para ler. Eu o consigo me concentrar com muito
barulho para ler. Então para ler eu vou a alguma biblioteca, ou vou ao Braille, ou saio
para ler em algum lugar mais tranqüilo. Às vezes até na casa da namorada. A música
não tem nenhum problema, eu fecho o meu quarto, ligo o meu som e fico ouvindo. Então
eu ouço música o tempo inteiro. Música é a minha principal alegria, meu principal
passatempo, minha principal identidade. Eu associo muito a música com a minha vida.
Se eu fosse escrever uma biografia minha, por exemplo, eu associaria os conhecimentos
da minha vida com a música. Eu fiquei cego aos sete anos de idade, eu nasci com
glaucoma, mas não nasci cego, fui perdendo a visão gradualmente. Desde a minha
infância, praticamente cada época eu tenho uma música que marcou a minha vida. Eu
me lembro quando era criança, eu morava em Fernandópolis, uma cidade pequena,
perto da divisa com o Mato Grosso, eu enxergava ainda, e ia muito na praça, o que é
muito comum em cidade pequena, brincar com meu irmão à noite, como era na frente de
casa, minha mãe nos deixava ir e tinha um sistema de som embaixo da fonte e eles
tocavam música, era muito bonito. Então eu me lembro até hoje as músicas que tocavam
lá. E assim em cada época, por exemplo, quando cheguei em Campinas, eu me lembro
das músicas que tocavam. Claro que muitas dessas músicas eram músicas comerciais,
porque quando a gente é criança a gente canta o que o povo canta, o que está na rua,
no rádio, na televisão.
Fabiana
: Mas são músicas que marcaram época.
171
Entrevistado: Marcam, marcam época. Depois eu fui purificando o meu gosto, tendo mais senso
crítico.
Fabiana
: Você acha que os deficientes visuais, de modo qual, se beneficiam com a música? Você
acha importante?
Entrevistado
: Beneficiam em que sentindo você diz?
Fabiana
: Você acha que a música é bom que faça parte da vida das pessoas deficientes visuais?
Entrevistado
: Eu acho sim. Acho importante sim.
Fabiana
: É bom para todo mundo, mas em particular, para os deficientes visuais?
Entrevistado
: Eu acho sim. Eu acredito sim. Eu acho que a música tem uma identificação mais forte
com os deficientes visuais, talvez pelo fato da gente depender mais do ouvido de que
outras pessoas. Pelo fato da gente ter que usar o ouvido como um dos substitutos da
visão, o vamos dizer substitutos, porque não é, mas uma das formas de compensar a
perda da visão, se adaptar, faz com que a nossa relação com os sons seja maior. E a
música, ela faz bem, ela é uma terapia. Então, no nosso caso, eu acredito que sim,
talvez por essa relação, meio que indiretamente, mas ela acaba tendo uma ligação mais
íntima com o deficiente visual. Tanto que tem esse paradigma de que todo deficiente
visual canta. Uma generalização. Um certo mito que as pessoas criaram. Até no livro da
Helena Flávia, ela coloca uma ilustração no livro “O segredo trocado em miúdos”, que é
um cego tocando piano. É um folheto que ela trabalhava com os mitos que as pessoas
criam em cerca do deficiente visual. É muito interessante.
Fabiana
: Ele é em Braille?
Entrevistado
: Não, nunca li em Braille. Ele foi escrito para conscientizar as pessoas.
Fabiana
: Ta ótimo. Basicamente o que eu tinha preparado para saber de você.
Entrevistado
: Se você precisar de mais alguma coisa, você me liga.
Fabiana
: Ah que bom. Você quer acrescentar mais alguma coisa disso que a gente falou, ou a
gente passa para outra parte?
Entrevistado
: Não. A outra parte o que seria?
Fabiana
: Eu queria te mostrar o material que eu trouxe para você. Eu gostaria de continuar
gravando, porque enquanto eu te mostro o material pode acontecer de ter alguma coisa
importante para registrar.
Entrevistado: Se quiser gravar, fique a vontade. Esse material foi você que escreveu?
Fabiana
: É fui eu mesma que escrevi.
Entrevistado
: Desculpa perguntar, você tem quantos anos Fabiana?
Fabiana
: Tenho 26 anos.
Entrevistado
: Você sabe que eu lembro de você criança.
Fabiana: Ah ... que legal.
172
Entrevistado: A primeira coisa que eu coloquei são as notas em colcheia, porque na verdade as
notas em Braille são representadas pelas letras de d
a j. é d, é e, Mi é f, Fá é g,
Sol é h, Lá é i, Si é j, na ordem. Porque, por exemplo, o Fá não representado pelo f
?
Fabiana
: Pois é, é diferente da linguagem de cifras. Na linguagem das cifras é lá, o b é Si, o c é
Dó, mas no Braille foi escolhido outro código para representar. Então a partir do d
começa o dó até o j
que é Si. Nessas notas representam as colcheias, por exemplo, toda
vez que tiver nota em colcheia, vai representar assim d
, e, f, etc. As próximas, em
semínima, acrescentando o ponto 6
, as colcheias. Por exemplo, se o Dó colcheia era um
d
, o Dó semínima é o d mais o ponto 6.
Entrevistado
: Que seria o circunflexo.
Fabiana
: Isso, o circunflexo. Seria o 1, 4, 5 que é o d mais o 6. o Ré, que antes era o 5 que era
o e
, e o Ré semínima é o 1, 5 e 6. Você tinha falado que você aprendeu vários
instrumentos. Você pode me falar os instrumentos que você já aprendeu? Como que foi?
Entrevistado
: Eu tive flauta na escola.
Fabiana
: Escola comum?
Entrevistado
: É. Depois aprendi piano. Aí tive que fazer instrumento complementar. Eu fiz Dótor. Aí
eu fiz violão.
Fabiana
: Violão você procurou por vontade própria?
Entrevistado
: Eu tinha começado o violão junto com o piano, aí tive que parar por causa de
mudança, não deu pra continuar nos dois, fiquei só com o piano.
Fabiana
: Piano foi o seu instrumento principal? O que você gostava mais?
Entrevistado
: Gosto do violão também, agora eu voltei.
Fabiana
: Agora você está com os dois (piano e violão)? Você sempre gostou de música desde
pequena?
Entrevistado
: Sempre gostei.
Fabiana
: Como você conta do seu encontro com sua primeira professora aqui na porta da escola,
com seus irmãos. Ela era mãe de aluno?
Entrevistado
: Sim. Ela era mãe de aluno.
Fabiana
: Ela era professora de piano?
Entrevistado
: Piano e Violão.
Fabiana
: Ela que te encaminhou para o Conservatório?
Entrevistado
: Não. Minha mãe foi procurar o Conservatório.
Fabiana
: E daí você deixou de ter aula com ela e foi para o Conservatório.
Entrevistado
: É, no Conservatório.
Fabiana
: No Conservatório você tinha as aulas de teoria?
Entrevistado: Tinha.
173
Fabiana: Aqui você fala que a sua professora não tinha nenhum conhecimento do sistema Braille.
Como você soube que existia método de leitura musical pelo Braille? Como você
descobriu?
Entrevistado: Minha mãe ligou na Fundação e eles indicaram o Professor Zoilo, mas eu ainda
estava com a primeira professora de quando eu comecei e quando eu entrei no
Conservatório eu já sabia bastante coisa de teoria.
Fabiana: O seu primeiro contato com a leitura Braille foi pela Fundação?
Entrevistado
: Sim.
Fabiana
: E o Zoilo dá um curso de Musicografia? Curso de leitura em Braille?
Entrevistado
: Sim. Ele tem piano também e nós tocamos lá.
Fabiana
: Entendi. Ele dá o curso de leitura, mas acaba ensinando alguma coisa de piano.
Entrevistado
: É. Acho que tem aluno que ele dá aula mesmo. Hoje eu estava com um professor, eu
tocava alguma coisa enquanto ele estava ensinando a teoria para ver se eu estava
conseguindo ler.
Fabiana: Antes de você ter aula com ele, você disse que tinha conseguido um livro de
Musicografia. Isso foi antes de você começar a ter aula. Você tentou estudar por você
mesma? Estudar sozinha? Ler?
Entrevistado: Sabe aquele livro que vem em tinta, de Musicografia?
Fabiana
: Sei, que vem os dois, em tinta, em relevo e em Braille. É mais estudar sozinha é
complicado. E durante o curso, no começo, você se lembra de ter tido alguma dificuldade
para aprender? Lembra-se de alguma coisa que tenha sido mais difícil?
Entrevistado: Não. Não tive.
Fabiana
: Esse é um curso que vai desde as noções básicas de leitura até partituras mais difíceis
de ler, mais complexas?
Entrevistado
: Desde as coisas mais fáceis até as mais difíceis.
Fabiana
: E ao mesmo tempo em que você estava no curso, você continuava a ter aulas com a sua
professora aqui?
Entrevistado
: É. Depois entrei no Conservatório, mas continuei com ela por um tempo.
Fabiana
: E os materiais você buscava na própria Fundação?
Entrevistado
: Na Fundação e quando precisava de alguma coisa mais urgente, a professora, às
vezes, escrevia a música toda por extenso com os nomes das notas, se tinha uma
semínima, uma semibreve, punha a oitava e eu ia explicando para ela como é o escrito
Braille, ou então, ela ditava para mim.
Fabiana
: Ditar é mais comum, mas para ditar a pessoa tem que saber um pouco como o Braille
para não se atrapalhar.
174
Entrevistado: Quando ela tinha dúvida, pegava algum material meu que tinha em Braille, e dizia:
igual está em tal música ou exercício, por exemplo, e eu explicava para ela como era.
Fabiana
: A maioria dos materiais, livros, ela ditava ou a maioria você conseguia na Fundação?
Entrevistado
: Grande parte eu conseguia na Fundação.
Fabiana
: E como você lê? Vários compassos de uma mão depois vários da outra e depois junto?
Ou você lê compassos por compasso?
Entrevistado
: Compasso por compasso.
Fabiana
: Você gostar mais daquele jeito de vários compassos de uma mão e depois vários
compassos da outra, ou, daquele que cada compasso da mão direita tem o da mão
esquerda do lado?
Entrevistado: Prefiro que já tenha mão direita e mão esquerda. Um compasso de cada mão.
Fabiana
: Que na escrita da Fundação é mais comum.
Entrevistado
: Quando eu comecei era do outro jeito. Vários de uma mão e vários da outra.
Fabiana
: Fica mais difícil fazer a correspondência.
Entrevistado
: É. Não tem que ficar contando os compassos.
Fabiana
: Você nunca teve hábito de tirar a música de ouvido quando você não tinha a partitura da
música?
Entrevistado
: Só fiz uma vez. Estava estudando e a professora dava alguma coisa para tentar tirar
de ouvido. Exemplo: música de natal, parabéns a você.
Fabiana
: Você acha que o ouvido te ajuda a ler? Por exemplo, quando você e ouve a gravação
da música, quando vê já tem a música no ouvido, isso te ajuda a ler?
Entrevistado
: Quando já se conhece a música fica mais fácil para ler.
Fabiana
: Eu, por exemplo, se eu tenho a gravação daquilo que vou ler, eu costumo ouvir e daí
acelera a leitura, fica um pouco mais rápida, mas ainda assim a partitura é importante.
Para você estudar música é prazer? É terapia? É coisa boa, importante? O que você
como benefício em estudar música? O que você ganha estudando música para sua
vida?
Entrevistado
: Eu gosto. É coisa que eu gosto, mas que eu gosto mesmo é de dar aula.
Fabiana
: E você quer continuar fazendo. E no caso você quer dar aulas para pessoas deficientes
visuais também ou não necessariamente?
Entrevistado
: Para deficiente visual.
Fabiana
: Se você tiver oportunidade de dar aula para alguém que enxerga, você pegaria também
ou não?
Entrevistado
: Acho que fica mais difícil poder ensinar a pessoa a ler as notas.
Fabiana
: Você tem aquele livro que mostra em tinta? Você acabou tendo alguma noção de como lê
a música em tinta ou não?
175
Entrevistado: Tenho.
Fabiana
: Sistema das claves. Para mim é meio confuso, eu acho o Braille mais fácil. Eu sentia que
nas aulas coletivas os professores falam da clave de sol etc, e eu às vezes, eu me
perdia e achava que era importante ter tido a noção da leitura em tinta. Você tinha aulas
coletivas de teoria no Conservatório?
Entrevistado
: Tinha no Conservatório. A professora sempre escrevia em tinta para mim, tudo por
extenso, e quando chegava em casa minha mãe ditava.
Fabiana
: Você acompanhava as aulas com o material já pronto?
Entrevistado
: Eu ia para a aula, a professora passava o exercício e na próxima aula eu ia com
tudo pronto e falava como eu tinha feito.
Fabiana
: Aí você ditava as respostas para ela?
Entrevistado
: Sim.
Fabiana
: No Conservatório você chegou a ter aula de Harmonia?
Entrevistado
: Um pouco.
Fabiana
: Você achava complicado para entender?
Entrevistado
: Eu conseguia entender, mas teve um livro que eu não tinha em Braille. A professora
ia lendo o livro e vendo o que dava para se fazer.
Fabiana
: Como Harmonia são Acordes, às vezes fica complicado, porque a gente se perde um
pouco com a questão dos intervalos. Para ler, por exemplo, ora do agudo com o grave,
ora do grave com o agudo. Tem que ter prática boa, um domínio bom para contar os
intervalos rápido, coisa que tem que estar lendo em tinta, não tem nada disso, porque as
notas já estão ali prontas. Você lembra de alguma partitura que você tenha lido para
tocar e que foi difícil de ler? Tenha te dado trabalho para ler?
Entrevistado
: Não achei difícil ler, mas a que foi mais demorada para tirar foi Bach a quatro vozes -
Prelúdio em Fuga.
Fabiana
: Você acha que a escrita em vozes é mais difícil para nós por causa do Braille?
Entrevistado
: É difícil para juntar tudo.
Fabiana
: Antes disso você tinha lido, por exemplo, a duas vozes antes de chegar nesse de quatro
vozes?
Entrevistado
: Já sim.
Fabiana
: E você achou mais fácil?
Entrevistado
: Também tem um pouquinho de dificuldade.
Fabiana
: Quando é uma escrita em vozes é mais difícil de ler do que uma escrita que tem uma
melodia e tem um acompanhamento? A escrita em vozes é mais complicada por ter
outro tipo de escrita.
Entrevistado
: Tem que ir contando os tempos, juntando as notas.
176
Fabiana: Mesmo para escrever, quando alguém dita alguma coisa em vozes é complicado, porque
a pessoa tem que ditar a voz primeiro.
Entrevistado
: Tem que explicar bem para a pessoa como é.
Fabiana
: Se você tivesse que analisar o ensino de música para deficientes visuais, do que você
sentiu falta durante a sua experiência? No ensino o que deveria ter e não tem? O que faz
falta no ensino de música para deficiente visual?
Entrevistado: Material e mais professores preparados.
Fabiana
: O que você imagina que falta na preparação dos professores? O que eles deveriam saber
e não sabem? Por exemplo, eles teriam que ter uma preparação maior e nessa
preparação o que deveriam saber? O que deveriam ter aprendido, se de fato, não tem
esse conhecimento?
Entrevistado
: Braille.
Fabiana
: Você acha que seria importante que os professores soubessem, tivesse um domínio
do Braille quando tivessem um aluno deficiente visual?
Entrevistado
: Eu falei que faltam professores iguais ao professor Zoilo, preparado para dar aulas.
Fabiana
: A partir disso o aluno poderia ter aula com um professor que o necessariamente
precisasse saber o Braille.
Entrevistado
: É.
Fabiana
: Na verdade, pelo menos aqui no estado de São Paulo, tem a Fundação e só o
Zandua.
Entrevistado
: Que eu conheço só.
Fabiana
: Falta multiplicar esse conhecimento aqui. Eu acho que era mais ou menos isso. A
pesquisa que eu estou fazendo, comentei com sua mãe, é que eu estou escrevendo meu
trabalho, minha tese sobre o ensino de música para deficientes visuais e nesse sentindo
de criticar um pouco o ensino que existe hoje. Propor sugestões e apontar caminhos
dentro do ensino de música. Por isso, estou vindo até as pessoas que passaram pela
experiência para saber como foi e para saber o que elas têm para sugerir e para
melhorar. Estou tentando produzir alguma coisa que possa servir de fonte para os
futuros professores e alunos.
Entrevistado
: Eu falei, com o professor Zandua, porque nós podemos dar aulas, mas é bom ter
pessoas que enxergam e saibam a Musicografia Braille para poder passar as coisas,
porque já pensou se não tiver ninguém?
Fabiana: Falta gente capacitada. E mesmo para transcrever partituras. Lá na Fundação tem o Zoilo
e uma outra senhora que sabe transcrever. É uma coisa que muito pouca gente sabe
mesmo. Está ótimo! Tem alguma coisa que você quer acrescentar? Que eu não
perguntei sobre sua história de vida musical?
177
Entrevistas com professores de Música, que têm experiências
com alunos com deficiência visual
Sujeito 7 Professor de música para pessoas que possuem
deficiência visual
Entrevista com Professor Zoilo de Toledo, realizada na Fundação Dorina Nowill Para Cegos.
Inicialmente, o professor faz a leitura de um trecho de um dado Livro Francês que chama Notação
Musical em Braille.
Esse livro é de dados biográficos, de Louis Braille, e o trecho, tirado da contra-capa de um livro
chamado Notação Musical em Braille. Ele foi compilado e escrito por participantes do Congresso
Internacional de Paris em 1929.
A biografia de Louis Braille
1784 - Instituto Nacional para Cegos (França)
Faleceu - 28 de Março de 1852
Entrevistado
: De para cá (1929) houve modificação em alguns símbolos, principalmente nas
claves e também houve a evolução, muito detalhes de Musicografia Braille que naquela
época não se usava, como musica moderna, cifras, música para órgão, música oriental,
isso não tinha. Hoje esses detalhes mais avançados que tratam dessa modernidade da
música já estão nos códigos mais recentes.
Fabiana
: O senhor acha que de fato, hoje em dia, o código abrange todo tipo de notação musical!
Todo tipo de partitura é possível?
Entrevistado
: É possível. Evidentemente quando se trata de música oriental, música grega,
complica, pois algum código ainda não tem o correspondente, mas música moderna
tem uma boa simbologia.
Fabiana: Inclusive toda à parte de cifras.
Entrevistado
: A cifra já existe, só que, por exemplo, na Europa, nos Estados Unidos, não dão muita
ênfase e muito valor as cifras. As cifras são mais aplicadas nas pessoas que tocam mais
de ouvido. Exemplo: o acorde CN sabe que é um acorde menor, C9, C7. Mas as
pessoas que estão ligadas à música erudita, música clássica, não valorizam muito esse
tipo de música. Nós aqui, no Brasil, quando entrei na Fundação, em 1959, naquela
época havia alguns deficientes visuais, aqui em São Paulo e no Brasil todo, que
estudavam piano clássico e queriam ser pianistas, mas encontravam barreiras, porque
178
mesmo em tinta quem vê, uma competição muito grande para a colocação no meio
musical. Era mais difícil para o deficiente visual disputar, fazer essa competição.
Começaram, então a partir para a música popular como subsistência. Conheci pianistas,
no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, em Minas Gerais / Belo Horizonte, que já
formados aqui em São Paulo e depois partiram para a música popular ou então
começaram a preencher cargos de educação musical, para fazer coral, estudar música
para iniciação de crianças.
Fabiana
: Nesses casos eles precisavam ter contato com esse tipo de escrita em Braille.
Entrevistado
: Pelo menos para eles se instruírem, para ler ou para fazer notações. Eles aprendiam
através do sistema, e depois passavam, muitos deles pelo próprio Braille, mas a maioria
fazia de ouvido, ensinava as crianças, dava coral e passava a conhecer indivíduos que
dava coral para pessoas que enxergavam. No Benjamin Constant, o professor Sidnei da
Silva (cego) foi um bom regente de coral de pessoas que enxergam.
Aqui em São Paulo tínhamos o Alcino Gonçalves, que é falecido, estudou no Padre
Chico, ele tinha um coral de idosos, uma Sociedade de terceira idade, onde ele aprendia
as partituras que nós fazíamos para ele, mas ele passava de ouvido, ensinando. Outro,
em Minas Gerais, o Mauricio França Mendes, que é professor formando em piano,
formando em canto orfeônico, ele dá aulas no Estado, além de manter um coral.
Fabiana
: E essas pessoas como faziam para aprender o sistema de notação Braille?
Entrevistado
: Alguns aprendem no Instituto Padre Chico.
O Instituto Padre Chico foi um dos primeiros colégios depois do Benjamin Constant,
antes da década de quarenta, ele tinha professores que conheciam um pouco de
música porque recebiam livros da França, por volta mais ou menos de 1932 / 1934.
Depois, no Instituto Padre Chico chegou um italiano chamado Alfredo San Giorgio, que
foi meu professor de piano e Musicografia. Teoria Musical, Solfejo e Musicografia em
Braille.
Fabiana
: Ele era cego?
Entrevistado
: Era cego. Ele era um bom pianista, que ele transmitia aquilo que ele trouxe
Itália.
Na Fundação quando de sua criação, 1946, funcionava com livros de literatura para os
cegos. Após, viu-se a necessidade de fazer música também, pois estava precisando.
Havia uma pessoa chamada Vilma Gomes Mundim, descendente de alemães, que sabia
muita música em tinta, além de tocar piano.
Essa pessoa foi com um grupo do Brasil para os Estados Unidos da América e se
aperfeiçoaram quanto à educação dos cegos, quanto à montagem de máquinas própria
para os cegos, para fazer correção imprescrita. Em seguida a Vilma foi para Paris e
179
aprendeu Musicografia Braille porque eles não conheciam o trabalho da Fundação Padre
Chico.
Fabiana
: Foram duas coisas paralelas.
Entrevistado
: Paralelas, exatamente. Inclusive quando ela saiu da Fundação a Fundação precisava
de gente, por contato, foram até a irmã Corine, que hoje é uma das Diretoras, ela se
manifestou dizendo que só conhecia o San Giorgio, mas que era idoso, isso por volta
de 1956 / 1957. foi que me procuraram, isso em 1959, continuei o trabalho da Dona
Vilma e estou até hoje. Nessa época quando eu entrei os alunos estavam exigindo mais
música erudita, por isso que em nossos catálogos, nós temos muita coisa erudita. O
sistema completo de Beethoven, Mozart, Clement, os adotados em Conservatórios,
porque hoje já não existem quase Conservatórios. Eu continuei o trabalho e fiz algumas
músicas atendendo a pedidos daqueles que precisavam de alguma música, porque nós
não escrevíamos músicas pela nossa vontade, aquilo que achávamos bonito ou
necessário, mas sim por encomenda. As matrizes de papel ficavam aqui para tirarmos
novas cópias, tirávamos através do termoforma, (aparelho de alto vapor compressado).
Você põe uma folha de Braille numa prancheta com papel plástico por cima, introduz a
prancheta dentro do aparelho. Liga o aparelho, ele esquenta aquele plástico e o plástico
adere ao Braille recebendo toda a forma do Braille.
Fabiana
: Em princípio a música era feita na máquina Braille?
Entrevistado
: Sim. A primeira cópia era feita na máquina Braille. Começou-se na Recalete e
passou-se para "Perklis". Quando a Fundação recebeu o maquinário, Perklis, por volta
de 1960, eu fiquei ainda alguns meses usando a Recalete, aliás, todo o meu estudo de
música foi feito na Recalete, lá na Fundação Padre Chico.
Eu fiz seis anos de piano com o Professor San Giorgio depois que eu sai do Padre
Chico. Em 1954, eu fui terminar meus estudos fora, em Conservatório. Formei-me como
professor de piano. Eu não conhecia música em tinta, conhecia o Braille. Eu fui, mais
ou menos, autodidata porque estudei música em tinta, sozinho.
Fabiana
: O senhor viu a necessidade de estudar música em tinta para poder transcrever?
Entrevistado
: Exatamente. Para trabalhar na Fundação. Quando eu comecei aqui precisava de
pessoas que conheciam mais música do que eu, porque muitos símbolos eu não
conhecia, como saber ler a clave de sol e a clave de fá. Tive que me aperfeiçoar, estudar
foi quando fiz fora o , 8° e o ano lendo a música em negro, com a lente e uma
estante que eu fixava na estante do piano e aproximava. Com isso eu não olhava muito
para minhas mãos porque não tinha visão para ver as mãos, mas via a partitura. que
tínhamos que tocar muitas vezes a ponto de quase decorar, eu não podia fazer aquilo à
180
primeira vista. Hoje, os alunos não querem saber de estudar muito música erudita, eles
preferem música para violão, música para flauta, música popular, cifras.
Fabiana
: Hoje em dia existe bastante gente se interessando em aprender o sistema, a escrita de
música?
Entrevistado
: Não tem bastante, tem alguns alunos em São Paulo - Universidade Livre de Música
Tom Jobim, uns quatro ou cinco que usam nossos livros, inclusive nós fizemos alguns
livros de teoria adotados pela escola deles. Por exemplo, aquele livro Guia Teórico-
Prático de Posoli foi feito por causa de uns alunos que estavam em escola fazendo esse
curso. Por causa do currículo da escola. Além de conhecer a música bem, além de
trabalhar na música, eles querem ter um conhecimento para ter segurança. Como o que
você está fazendo e que você deve seguir o mesmo caminho da Dolores Tomé. A
Dolores Tomé também aprendeu o sistema Braille pela Redle, comigo,.
Mas eu acho o livro dela muito bom a parte inicial. Eu não sei de onde ela copilou essa
parte, se foi tirado da internet. Alguma coisa que ela tem, tem nos livros de Notação
Musical em Braille que s temos. Desse último código, eu tenho dois, o de 1954 e o
1996.
Fabiana
: Esse Manual de 1996 não chegou a ser transcrito em Braille para português?
Entrevistado
: Esse Manual de 1996 está em Brasília sendo confeccionado em português. Ele foi
feito em português, que eu já fiz três revisões. Como não tinha um tradutor a altura,
um técnico em música, ele traduziu muito ao da letra e você tem que mudar. Ele fala
tai e a ligadura que é tai. Tai para eles é a ligadura de valor, e nós não conhecemos.
Então tem certos termos, como, por exemplo, compasso, eles falam medida, foi onde eu
tive que modificar algumas coisas, alguns termos. Como por exemplo, a impressão,
quando imprime em Braille precisa fazer identidade de impressão, eles confundiram
impressão em tinta, eles davam assim: impressão para dizer que foi impresso em tinta.
Então sempre depois da palavra impressão, tínhamos que colocar, em tinta, quando da
impressão em tinta. Quando da impressão aparecesse isso, fazia impressão em Braille.
Agora, estou esperando uma última, uma quarta revisão para lançar o livro, mas está
demorando muito por ser do governo. Esse livro tem toda à parte de explicação da
matéria. No final do livro tem duas tabelas dos símbolos, uma por ordem de símbolo,
quando estão sozinhos e depois quando estão acompanhados, mas sempre
prevalecendo o primeiro símbolo, como tem no Manual de 1954, que é a série dos 63
símbolos. Nessa edição de 1996, já fizeram junto com essa, uma outra tabela que é por
ordem de assuntos que se chama Tabela de Sinais Adotados no Manual Internacional de
Notação Musical Braille de 1996. Eu mesmo traduzi para o português e adaptei para o
"nosso" português introduzindo algumas palavras explicando melhor.
181
Fabiana: Esse material existe produzido em Braille?
Entrevistado
: Existe em Braille. Tabela dos sinais, está em inglês, tem problema para você?
Fabiana
: Ah tudo bem, não tem problema.
Entrevistado
: Não tem o 66 porque eles não fizeram aqui. Por exemplo, Tabela 1 - Tempo 1,
Tabela 2, Tabela 3 até a Tabela 19 que é o ritmo de Acordeon.
Fabiana
: O que muda em relação ao trimonol é a ordem de apresentação dos sinais? O que muda
em relação ao manual de 1954 é a ordem em que eles são apresentados?
Entrevistado
: Em 1954 era por ordem de símbolos, misturava-se tudo. O A quer dizer isso, por
exemplo. O B quer dizer aquilo, por exemplo. Esta tabela não é por ordem de sinais
básicos. Tem as oitavas, a marca de oitavas. Tabela 2 - click é igual às claves. Tabela 3
- acidentes e armadura da clave. que em tinta você pede para alguém ler e os sinais
estão em Braille, quer dizer, tem o sinal Braille e depois tem a explicação dele. Esse livro
americano, que está em inglês, foi feito em Espanhol, em Madrid. Você tem o endereço
deles?
Fabiana
: Eu tenho o site da internet que é a página deles.
Entrevistado
: Você pode solicitar o livro que é o próprio manual, inclusive tem essa tabela, que
está em espanhol. Eu tenho aqui, mas não posso ceder à você porque é de uso nosso
além de estar muito manuseado.
Fabiana: Ele é em Braille?
Entrevistado
: Não sei se tem em Braille. Estavam providenciando. Aqui no Brasil vão
providenciar em Braille traduzido, esse de 1996, depois que dizerem em tinta.
Fabiana
: Ah... em tinta sempre vem primeiro.
Entrevistado
: Em tinta faz mais de um ano que estavam fazendo. Você pode pedir a ONC para
solicitar, ver se eles têm em Braille. Esse de 1996, tem, mas nos Estados Unidos, em
tinta e em Braille. Tem nas versões inglês, francês, alemão e mais outras línguas que
não me lembro agora.
Fabiana
: Mas em Espanhol já é ótimo por ser bem próximo do português.
Entrevistado
: Vou te passar a tabela.
Fabiana
: Muito obrigada. Sobre o ensino em si, os professores que, inclusive a minha professora,
vem aqui consultar, recebo muitos casos em Campinas. Vários professores me procuram
dizendo: "Olha eu peguei um aluno, deficiente visual, e o tenho a menor idéia do que
fazer. Não sei se existe escrita, como escrevem, se eles aprendem de ouvido", enfim,
como que o senhor o preparo desses professores? Como eles se sentem nessa
situação?
Entrevistado
: É um caso um pouco difícil de ser resolvido no momento, porque o professor quando
recebe o deficiente, antes de qualquer coisa ele precisaria conhecer o sistema. Eu
182
aconselho da seguinte forma: geralmente professores que querem se informar são
professores bons, que tem consciência, então procuram dar ouvidos, mas de forma
certa, dando teoria musical, nome das notas, valores, dedilhado, posição e procuram
fazer, separadamente, a mão direita da mão esquerda e depois procuram juntar através
dos ritmos e dos nomes certos das notas. Paralelamente, tem que transmitir ao eficiente
a formas musical Braille, porque muitos deles aprenderam de ouvido e o deficiente com
um bom ouvido se adiantou mais do que o conhecimento do Braille. Ele não vai parar de
estudar para aprender o Braille e depois continuar, pode fazer paralelamente. que
é muito trabalhoso para o professor.
Fabiana: Pode, às vezes, acontecer do deficiente se acomodar e se apoiar no ouvido e não ter
motivação para aprender a leitura.
Entrevistado
: Exatamente. Às vezes ele pode ler de um jeito para estudar música clássica ou
erudita e de repente abandona por causa da dificuldade. O professor, às vezes, não tem
tempo de fazer o curso. Primeiro precisaria fazer o sistema musicográfico Braille, antes
do musicográfico Braille, precisaria aprender o Braille. Eu já fiz uma experiência
ensinando paralelamente uma professora. Por exemplo, o Braille e a música em Braille,
ao mesmo tempo, mas depende de muita boa vontade, muito esforço da pessoa e
depende do tempo em que a pessoa dispõe, porque precisa praticar. Você sabe que o
Braille não se aprende assim sabendo como é o a
, como é o b, você tem que ler, você
tem que praticar, guardar a imagem na cabeça. Torna-se difícil. Então, peço para o aluno
receber o Bona, por exemplo, o Solfejo de Posoli, ou então um livro que tem em tinta, por
exemplo. Meu Piano é Divertido.
Fabiana
: A escola preparatória de piano também.
Entrevistado
: Esse livro ajuda porque tem iniciação, agora depende muito do aluno, porque se o
aluno é muito criança, não dá. Se já tiver um nível escolar entre 4ª e 5ª séries, já pode ler
o Braille e se já o Braille, pode ler esse livro e através da professora com o seu livro
em tinta, vai descobrindo aquilo.
Fabiana
: Isso caso o professor não tenha feito o curso específico de Musicografia. Foi assim que
eu aprendi.
Entrevistado
: Agora você já tem a possibilidade de transmitir isso. Por isso é interessante você
estar em Campinas fazendo isso. Por exemplo, você tem um aluno que é
acompanhado por professor que e você ministra o Braille para esse aluno
paralelamente com o professor.
Fabiana
: um tempo atrás eu fiz um trabalho assim. Um professor formado pela Unicamp me
procurou e eu passei para ele as noções de Braille que ele conhecia música e o aluno
183
dele sabia ler Braille literal. Eu ensinei para o professor como funcionavam os
mecanismos de música Braille e pedi para o aluno dele pedir os livros que existem.
Entrevistado
: Eu acho que seria interessante você fazer essa iniciação ou então preparar alguns
professores para dar iniciação em Braille. me pediram isso. Existe um livro de
iniciação Braille para quem vê, como esse da Dolores Tomé. Só que ela se prendeu mais
a literatura por seu próprio interesse pelo curso acadêmico, mas o Braille poderia estar
melhor. Na Espanha tem um livro de iniciação musical para quem vê. Começa com as
colcheias, explicando quais são os sinais, depois vem as oitavas, as pausas, os valores
etc, é uma boa iniciação. Não tem muita literatura, como esse da Dolores Tomé, que é
uma leitura densa, quase a metade do livro é uma leitura dela.
Fabiana
: Quais são as dificuldades dos professores? Acho que a principal delas seria essa
questão que eles tem que ter disponibilidade para aprender o sistema.
Entrevistado
: Exatamente, disponibilidade. Depois a família, porque tem família que não tem
condições de pagar dois professores, por exemplo, um para aula de piano e outro para
aula de Musicografia Braille. O ideal seria isso. Não quer dizer que seja segregação,
porque aprende um sistema diferente completamente. O professor de Musicografia
Braille deve dar a simbologia dando exercícios para o aluno. Ensina as colcheias, tem
que decorar as colcheias. Outra hora ele lê. Misturar. Fazer todo aquele jogo de
contrastes para aprender, depois vão as mínimas, depois as semínimas e assim por
diante até conhecer todas as notas. Depois vai introduzindo as oitavas. Como você sabe
Musicografia Braille, você sabe que não pode aprender dizendo que é o sinal, tem
que fazer um treinamento. Aí você pode aplicar no instrumento a medida em que o aluno
vai adquirindo conhecimento. Eu estudei em uma escola segregada, então não tinha
esse problema. Eu tinha professor especializado (cego), psicólogo, haja vista que eu
estudei seis anos de piano e não sabia ler música em tinta, já aprendi pelo Braille. Hoje
pode. Se você prepara uma pessoa que enxerga, ela pode dar as colcheias e ensinar
para o aluno que em determinado exercício tem colcheias. Depois de misturar todos os
valores vai fazendo ele medir os valores da mão direita com a mão esquerda e juntando
os dois.
Fabiana
: Aplicando no instrumento, quer dizer, esses conhecimentos já caminham paralelos.
Entrevistado
: Ao mesmo tempo dar conhecimento do teclado todo. Escalas e Arpejos são
imprescindíveis para o aluno deficiente. Às vezes em tinta eles não dão muito valor
porque não vêem, não enxergam. O deficiente além de ter que despertar a evolução da
mão, a agilidade e a facilidade de tocar relaxando, ele precisa saber onde estão as
notas, e isso ele só aprende com exercício.
184
Fabiana: Existem algumas diferenças de aprendizado da leitura em tinta para a leitura em Braille.
Quer dizer que os pré-requisitos são diferentes?
Entrevistado
: São. A disposição principalmente. Em tinta, é uma flor, tem uma nota rodeada de
sinais por todos os lados, em Braille, estudo em linha reta, por isso que existem as
regras e dada a seqüência de colocação dos sinais, é diferente.
Fabiana: E o próprio domínio de intervalos. Para o aluno ler acorde em Braille ele já tem que ter
um domínio de intervalos bastante bom.
Entrevistado
: Tem. Por isso que se usa hoje em dia no mundo todo, se usa mais do grave para o
agudo, mesmo na mão direita, que é próprio para o aluno que está com o professor que
enxerga. Porque o professor que enxerga diz qual é o acorde perfeito - mi sol - ele só vai
falar um sol, que escreve sol terça e quinta do agudo para o grave, assim é o
regulamento do Braille. Se tiver a mão direita do agudo para o grave, mas escreve do
grave para o agudo, mas eles não entendem muito isso.
Fabiana: Até para ditar os professores fazem confusão nesse sentido.
Entrevistado
: Eu estou passando uns livros para outro programa, em função de nossas novas e
modernas impressoras aceitaram Word. Então eu estou passando do K Edit, que é
um programa alemão, que quando começou a Fundação em informática, veio um
especialista Alex e instalou nos computadores o K Edit, que é um programa feito para
Braille. Parece muito com o programa do Borges fez lá no Rio de Janeiro - Braille Fácil.
Você já teve noção sobre ele?
Fabiana
: Já, ele pega os caracteres e transforma os caracteres em tinta para Braille, na própria tela
do computador.
Entrevistado
: Exatamente. E você escreve com seis teclas, onde as teças do computador fica um
teclado para Braille. Esse é o melhor sistema que tem, porque ele tem duas fases.
Quando você escreve com os símbolos todos e depois a máquina passa em Braille ou
então você escreve com o próprio Braille. Mas o K Edit não tem esse do Braille, só tem o
outro. Então os símbolos são diferentes.
Fabiana
: Como assim?
Entrevistado
: Por exemplo, o sol semibreve que é o agudo, no Word é agudo, no K Edit é o
colchete, abertura de colchete, o agudo é o fechamento do colchete. O ó agudo é o zero.
Então toda aquela linha da numeração do computador (1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9) ele
modifica no K Edit, por exemplo o 1 fica o B4, o 2 é o bemol, o 3 é o i grave (sustenido),
o 4 é o semínima, o 5 é o semínima, o 6 é o mi semínima, o 7 é o semínima, e
foi assim que nós aprendemos aqui.
Fabiana
: Então as partituras são transcritas primeiro com esses símbolos todos pelo computador?
185
Entrevistado: Em Braille é o mesmo símbolo, quer dizer, sai em Braille a nota certinha. que o
operador tem que prever e fazer três códigos. Primeiro tem que fazer em tinta. Segundo
tem que saber o código do computador (K Edit) e terceiro tem que saber o Braille.
Fabiana: Existem pessoas capacitadas para transcrever.
Entrevistado
: O único "tolo" que fez isso fui eu. Por isso estou deixando o K Edit, que não é mais
usado, e estou passando as músicas antigas do K Edit para o Word, fazendo a
conversão de um símbolo para outro, com muito cuidado, porque um pode ser direto,
mas tem outros que não. Tenho que procurar o símbolo e ver se ele vai ou não mudar.
Fabiana
: Se aqueles símbolos do teclado vão sair em Braille daquela maneira ou não.
Entrevistado
: Exatamente. Então, estou passando tudo para o Word. Tem um livro que foi feito em
Braille, e estou fazendo uma edição mais recente.
Fabiana
: Deixa-me entender, antigamente, as partituras eram feitas em princípio em Braille, daí
através do termoforma conseguia reproduzir. Desse sistema evoluiu para qual outro
sistema de transcrição?
Entrevistado: Paralelamente a esse sistema, tinha a impressão na matriz de alumínio. A matriz
de alumínio era feita, antigamente a mão.
Tinham as máquinas alemãs, chamadas PUMAN, colocava-se a matriz em cima dela e
escrevia com as teclas, quer dizer tinha a tecla do a, duas teclas eram o b, que o
papel era alumínio. Tinha face A e face B. Quando você virava a matriz para a face B,
deslocava-se um pouco e fazia o interponto para o aproveitamento da página. Mas esse
sistema era problemático, porque você não podia errar. Quando erro que você cometia,
você tinha que jogar a matriz fora e pegar outra. Hoje com o computador você muda de
um lado para outro, substitui, copia, é muito simples. Então, paralelamente com o
tempoforma existia esse sistema.
Depois nós passamos para o computador, para a informática, acabou esse problema,
mesmo que seja feito em matriz de alumínio para se imprimir uma quantidade grande de
livros, em impressora comem, de pressão, nós fazemos no computador. Escreve no
computador, tira em uma máquina Versa Point ou Juliet, impressoras comuns
(domésticas) e é feita uma revisão, tanto em música quanto em literatura.
Fabiana
: Depois da impressão.
Entrevistado
: Depois que fazemos revisões, anotamos todos os erros, marca direito o que está
errado e o que é preciso fazer, volta para o computador e aí ele corrige no computador.
Depois de feitas as correções da primeira prova, depois a segunda prova, então vai para
a matriz de alumínio, quer dizer que daí não tem erros. Você grava tudo no disquete,
coloca o disquete na máquina e a máquina codifica para o Braille e imprime na matriz de
alumínio - face A e face B.
186
Fabiana: Então não é mais feito manualmente?
Entrevistado
: o, a máquina faz. Faz-se a matriz e daí tira-se 10 pias, 20, 30 ou 100, 200,
quantas forem necessárias.
Fabiana
: Quer dizer então que a impressão não é feita só pela impressora doméstica?
Entrevistado
: Não. Em música às vezes é feita quando se trata muito pouco exemplar, um ou dois.
Por exemplo, provas de concurso, aí se tira na impressora, uma ou duas cópias, quantas
forem necessárias, na impressora doméstica Versa Point. A Impacto é uma outra
máquina que é quase profissional e é muito poderosa. Temos também a Juliet que
também é uma máquina que se usa muito aqui. Então, vai primeiro à revisão (1ª e
revisão), depois volta para o computador. Depois de corrigido, vai para essas
impressoras e manda para o aluno.
Fabiana
: E por esse sistema, hoje em dia, tem mais pessoas capacitadas para transcrever música?
Entrevistado
: Não, infelizmente não tem. De vez em quando temos voluntários. Temos uma
voluntária que está com 91 anos, e trabalha 40 anos aqui na Fundação. Conhece
muito bem a música, é formada, tem Conservatório, Faculdade, conhece muito bem e é
muito dedicada, ela não precisa de salário, tem uma boa aposentadoria, entãotodo
o espaço para a Fundação.
De vez em quando vem outro que querem aprender, mas desistem porque música Braille
não é brincadeira. Eles acabam preferindo fazer outra sessão que o quebre muito a
cabeça.
Fabiana
: Isso é bastante preocupante, não é?
Entrevistado
: É sim. Quando você vai ser voluntário de alguma coisa, você o quer entrar num
curso, praticar, você quer entrar e já ajudar. E para ficar no lugar é um pouco complicado
porque, eu vejo a música em tinta, com dificuldade, evidentemente. Eu tenho uma lente,
um aparelho chamado latim, que tem uma plataforma embaixo, eu ponho a música ali e
ela aumenta num painel, num monitor de televisão, aí eu vejo bem melhor.
Então, alguém que conheça música Braille, como eu conheço e que conheça música em
tinta, como eu conheço, é um pouco complicado. Tem aparecido pessoas que querem
aprender, mas de repente percebem que não é isso que queriam e acabam desistindo.
Fabiana
: Quanto às dificuldades dos alunos para terem acesso ao Braille, a Musicografia Braille,
como o senhor vê?
Entrevistado
: Os alunos deficientes gostam de trabalhar muito com a cabeça, geralmente quando
se tem um pouco de trabalho com leitura e comunicação, com pessoas de um lado para
outro, eles não gostam muito. Por exemplo, os alunos Universidade Livre de Música, eles
tem os livros, mas não gostam muito de ler, de aprender aqui no sistema Braille. Eles
querem saber o necessário para fazer o curso.
187
Fabiana: Eles gostam de ter coisas mais ligadas à memória, ao ouvido e não tanto a leitura.
Entrevistado
: Exatamente. Às vezes é por falta de tempo, por condições de trabalho, o tem
tempo suficiente. Às vezes eles me ligam para perguntar como é isso, como é aquilo,
eles até tem o livro, mas é difícil procurar, pois o manuseio do livro Braille não é qualquer
um que tem, é só uma pessoa que já se habituou desde criança, como você, por
exemplo. Você tem um traquejo muito melhor, você tem um desenvolvimento tátil e de
movimento com a mão, muito melhor que procurar uma coisa num livro, isso é muito
difícil.
Por outro lado, Fabiana, não se tem tempo de atender a todos, porque a música é
demorada para se fazer, então nós o temos tempo suficiente para atender aqueles
que precisam na hora. Não basta você chegar aqui e dizer: preciso de tal livro e já ter.
Fabiana
: Tem uma demanda muito grande, não só de livros como de instrução, de formação.
Entrevistado
: Literatura ainda é mais fácil, por exemplo, se a pessoa aprendeu o Braille pode
fazer em casa, no computador e quando chega aqui pega o disquete, imprime, faz
revisão etc. Mas música não tem, eles tem que se ater aos livros que existem em
catálogos e uma deficiência muito grande nas seções por não haver um
entrosamento muito grande, em função das seções serem muito lotadas de serviços.
Por exemplo, preciso de catálogo, não temos catálogo. Catálogo em Braille não tem. De
música não existe.
Fabiana
: Eu tenho um catálogo que é de 1992 / 1993, mais ou menos.
Entrevistado
: Isto, atualmente não tem. Temos catálogo em tinta, mas não temos cópia suficiente
para distribuir. No site da Fundação tem o catálogo de música.
Fabiana
: No site eu já entrei, mas não tinha reparado que o catálogo estava lá.
Entrevistado
: Está na Biblioteca. Ele não está como eu queria que estivesse, por isso comentei
essa falta de entrosamento, de comunicação. Fizeram por código e quem está
interessado em música não vai procurar por código. Tem que ser um sistema próprio
para ajudar a localizar, então deve ser por ordem de autor.
O catálogo do site o tem muita informação, que o deficiente precisa de informação,
mas não temos espaço para isso. Precisa de edição, porque às vezes, ele precisa de um
livro que tenha na praça, que é para ajuda-lo e ao professor que vai procurar o livro,
mas as edições de música não são como em tinta que tem determinada editora que
faz. Em música não, tem várias revisões.
Fabiana: O que eu queria perguntar é: O senhor acha que no aprendizado de música é importante
o aluno ter noção da Musicografia em tinta também, ou não necessariamente?
Entrevistado
: Não. Necessariamente não. Depende da situação em que ele se encontra. Se ele vai
lidar; se ele quer ser professor ou então um profissional de música habilitado ou o a
188
pessoas que vêem, numa escola, numa associação, numa entidade que tem pessoas
que enxergam só, ali é interessante ele conhecer detalhes da música em tinta. Com o
meu professor eu sabia tudo. E tem alguns aqui que sabem bem quais são as linhas,
conhecem as claves. Não lê, mas percebem todos os sinais, como que são feitos, podem
até ensinar uma pessoa que vê, como eu já tive a noção de ter um professor aqui muito
interessante que se chama Francisco Serra. Ele é professor da Ordem dos Músicos para
deficientes.
Fabiana
: Ele é cego?
Entrevistado
: Ele é cego. Ele é para deficientes. Conhece bem o Braille, conhece bem música, mas
como ela já teve alguns alunos que vêem, ele, então ensinou flauta, acordeon, violão.
Fabiana
: Ensinou os alunos que vêem a ler?
Entrevistado
: Ensinou os alunos que vêem a ler a música dele. Ele regrediu. Aqui na Fundação
tem um livro que chama "Sinais Musicográficos em Relevo".
Fabiana
: Esse livro é maravilhoso, eu quero ter acesso. Não sei se é possível pedir essa
publicação. Eu vi esse livro quando eu era pequena. É um livro que tem sinais em tinta,
em relevo também.
Entrevistado
: Isso. Foi eu quem fiz.
Fabiana
: Nossa é maravilhoso esse livro!
Entrevistado
: quantos anos. Foi por causa dessa necessidade que alguns tinham, a maioria
não. Mas alguns que estavam ligados queriam mais alunos e estavam ligados com
profissionais de música e que enxergam, então eles tinham necessidade de conhecer
bem esse termos. Isso ajuda. São sinais básicos. Evidentemente que tem muita coisa
moderna que não está lá. Lá tem as claves, lá tem os compassos, as formas de
compasso, as ligaduras, os ocidentes, até os ornamentos. Mordente, grudento,
conjectura, trindade, essas coisas.
Fabiana
: E a própria representação de polifonia, dos sinais escritos a duas vozes.
Entrevistado
: Ah sim, os acordes. Os sons simultâneos. Tem alguns para dar exemplificação do
intervalo. As pautas são grandes, são largas. O livro começou se fazendo as notas em
feltro.
Fabiana: Antes de fazer em relevo?
Entrevistado
: Não era em relevo, em Braille, que as notas que eram notas vazias, como a
semibreve, por exemplo, a mínima, o contorno era em Braille, em relevo, e dentro vazio.
As notas que eram cheias tinham um feltro dentro, colado.
Fabiana: Antes de ter os pontinhos.
Entrevistado
: No meio dos pontinhos, que dizer, tinha os pontinhos dos lados e no meio, feltro.
Agora hoje, já foi feita uma nova edição que tem vários furinhos, como se tivesse
189
preenchendo o vazio, em Braille. Agora o problema é que não sei se têm em estoque,
eles não estão mais fazendo estoque. Atende-se pedidos sim, mas é demorado porque
tem que ir até a prateleira das matrizes, procurar a matriz. Então fica difícil de ter uma
pessoa que es à disposição para fazer isso. Pegar a matriz, tirar uma cópia só.
precisa esperar um dia que a máquina está disponível, porque às vezes está com obras.
Então, não se pode parar a máquina, porque às vezes estirando cópia de 200 ou 300
exemplares, e não vai parar uma máquina para fazer um exemplar. Então é esse o
problema que eu não estou concordando muito, mas enfim, existe. Mas, você pode fazer
o pedido se você precisar.
Fabiana: Que bom. O último tópico em relação ao aprendizado. No aprendizado da leitura em si,
qual é o tópico que geralmente os alunos apresentam mais dificuldade? O que é mais
difícil para os alunos?
Entrevistado
: Mais difícil para os alunos deficientes? Considerando que o aluno tenha o tato.
lê texto.
Fabiana
: Só em relação à música, especificamente.
Entrevistado
: A disposição do texto. Porque, por exemplo, a música de teclado. Existe no mundo
todo, várias formas, dependendo do país, dependendo da região, tem assim: Seção por
seção, quer dizer, um trechinho da mão direita para depois um trechinho da mão
esquerda, então, daí a dificuldade é a localização. Ele lê, vamos supor oito compassos
da mão direita. Ele dois e decora aquilo. ele quer juntar, o que não se deve. Eu
acho que no caso de sessão por sessão, se são oito compassos na mão direita,
geralmente é uma frase musical ou termina no fim de uma frase, então ela tem que
decorar bem aquilo.
E depois então partir para a mão esquerda. Mas tem alguns que não tem muita
paciência. Tocam um pedacinho da mão direita e querem ver como é que é a mão
esquerda. Aí a dificuldade é a procura, corresponder.
Fabiana
: Uma vez peguei uma partitura alemã que era assim sessão por sessão, eram 16
compassos.
Entrevistado
: A França também faz assim.
Fabiana
: Mas eram muitos compassos por cada sessão e era dificílimo achar a correspondência.
Entrevistado
: Essa é uma dificuldade. A outra dificuldade, em se tratando de e de escrita, essa é
a maior. Depois tem linha por sobre linha que é outro sistema. Tem compasso sobre
compasso, por exemplo, tem o compasso da mão direita e o da mão esquerda, então é
escrita a primeira nota da direita está exatamente em cima da primeira nota da esquerda.
Depois aquele compasso que for mais curto, fica um espaço até começar o compasso
seguinte. Esse já facilita um pouco.
190
Fabiana: Mas tem também o sistema em que é compasso por compasso, mas os compassos da
mão direita e da mão esquerda estão na mesma linha. Não é separado.
Entrevistado
: Esse é o que nós fizemos aqui muitos anos.
Fabiana
: Que é mais comum de transcrição.
Entrevistado
: Esse é mais comum. Esse sistema que nós temos, por exemplo, começa com a mão
direita na margem, depois tem aquela ligadura de valor embaixo (6, 3, 6). Agora a mão
esquerda. Se a mão esquerda o na linha, precisa continuar na outra, entra. Entrou
espaços para dentro. Isso também é bom. Isso já facilita, não tanto quanto compasso por
compasso, que você pode ler quase que simultaneamente. Tem indivíduos que lêem
com as duas mãos.
Fabiana: É que em tinta é mais ou menos assim.
Entrevistado
: que o Braille você não pode se desprender do valor, porque em tinta tem muitos
ouvidentes que às vezes são meio surdos em música, mas eles tocam bem. Eles tocam
exatamente aquilo que vêem na frente.
Fabiana: Eles têm a representação gráfica do som.
Entrevistado
: Isto, exatamente. Mas em Braille isso não dá, é impossível. Agora não precisam ter
muita habilidade no ritmo e no equilíbrio entre as duas partes. Esse sistema de
compasso por compasso facilita muito, isso é feito nos Estados Unidos, na Inglaterra. Os
outros países estão aderindo para esse sistema. A Espanha, por exemplo, faz por
esse sistema também. Compasso sobre compasso na mão direita, compasso na mão
esquerda. Só que eles põem toda hora mão direita, mão esquerda, a cada linha.
Fabiana: Eu acho que nunca vi partitura assim, transcrita assim, de compasso por compasso.
Entrevistado
: E tem a de tempo sobre tempo. Esse é o mais próprio para quem não consegue
calcular, mas fica muito difícil a transcrição disso.
Fabiana
: E ocupa muito espaço.
Entrevistado
: Demais. Acaba o tempo e ficam três ou quatro espaços vazios em algum lugar. Isso
em música simples. Se pegar uma música muito complicada, O Cravo Bem Temperado,
por exemplo, é quase impossível para transcrever, se bem que o computador ajuda um
pouco.
Fabiana
: Na verdade, em linhas gerais, acho que o aluno que Braille tem que ter muito mais
noção de música para aprender a ler Braille do que o aluno que aprende a ler em tinta.
Entrevistado
: Muito mais. Por isso, acho que tem partir do aprendizado paralelo. Para usar o
sistema Braille paralelo com o aprendizado da posição, teclado, ouvido, desenvolvimento
da aptidão, da sensibilidade.
Fabiana: E fora a Fundação Dorina, tem alguma outra Instituição Brasileira que desenvolve esse
tipo de trabalho de transcrição?
191
Entrevistado: Que faz o Braille, só tem no Padre Chico. Eles têm impressora.
Fabiana
: Para música também?
Entrevistado
: Para música também, só que para o consumo deles. Eles não fazem para fora. Mas
coisas simples, como Coral, Bandinha Rítmica. Para cursos avançados, os alunos
saem do Padre Chico, ficam mas pegam aula fora em escola, academia, faculdade e
tem auxílio das irmãs que sabem o Braille. Então tem toda a orientação. Então eles
pedem para nós. Nós transcrevemos esses livros de escola. Tem no Rio de Janeiro, o
Benjamim Constant. tem bastante alunos, que aprendem bem música, porque os
professores são deficientes. Eles adotam o sistema musical em Braille. Acontece que
eles também estão super lotados com o trabalho deles, com o fornecimento do material
que os próprios alunos precisam.
Então eles não fazem para fora. Em Belo Horizonte, tem o São Rafael. É um colégio que
também sempre foi muito bom de música e atualmente não estão dando muita ênfase à
música, porque a música está muito popularizada e as pessoas não querem "quebrar a
cabeça" para aprender. tem gente que faz música na máquina Perklis, mas eles não
têm impressora, me parece. Mas também fazem para o consumo deles. E em Porto
Alegre, tem o Santa Luzia, que é uma entidade também de deficientes. tem pessoas,
professoras de música, inclusive eu conheço uma freira, muito boa em música e que ela
mesma faz as músicas para os alunos de música, mas para eles internamente. É o
que eu conheço. Os únicos que fazem o mesmo em grande quantidade é o Benjamin
Constant e a Fundação, que é profissional nisso, já é para o atendimento porque aqui
nós não temos aulas.
Fabiana
: É mais para transcrever material.
Entrevistado
: Já foi cogitado com a administração que para inventar aqui uma classe que sirva
para ensinar música ao deficiente e ensinar música à pessoa que e para dar
orientação ao deficiente quando está em uma escola de veículo de pessoas que
enxergam, mas até agora não saiu do papel. É muito difícil, depende de dinheiro.
Fabiana
: Eu pretendo, na Unicamp, vendo essas necessidades, essas pessoas que nos procuram,
eu tenho a intenção de na Unicamp montar oficinas, montar cursos, enfim, até cursos de
extensão nessa área de música em Braille.
Entrevistado: Fala isso. Pensa e se precisar de informações, precisar de alguma coisa, converse
comigo. Antes de você sair eu te dou o telefone aqui da Fundação, o telefone da minha
casa, eu terei todo o prazer porque acho que está precisando disso. De pessoas que
sabem bem o Braille, a música em Braille e que possam transmitir não para pessoas
deficientes como para pessoas que enxergam para poder ajudar um pouco. Pelo menos
na transmissão de partituras.
192
Fabiana: Sem dúvida. Eu também descobri um software que chama Braille Music Editore, que é
um software que também faz isso que aquele Braille Fácil, aquele K Edit faz de
transformar o teclado do computador em um teclado Braille “sem teclas”. Digita-se os
pontos dos símbolos musicais e tem o comando que pede para ele processar esses
símbolos e ele próprio transforma esses símbolos em linguagem musical. Vai
caminhando com o cursor nos símbolos que digitou e ele vai falando - Dó, semínima,
ré,
colcheia,
ele vai falando os símbolos.
Insensível ele consegue importar para dentro dele partituras produzidas no Finale que é
um programa que geralmente os videntes usam para transcrever música.
Entrevistado: Ah sei, ele a partitura e faz o inverso e põe aquilo em Braille. Ele transforma isso
para o Braille. Só que fica um pouco desordenado, né?
Fabiana
: A partitura transcrita no Finale, sim. Quando é a gente mesmo que digita a partitura nele,
você já coloca na disposição.
Entrevistado
: O problema de computador é que ele precisa ser muito mais inteligente do que é
para saber a ordem.
Fabiana
: Sem duvida.
Entrevistado
: Eu vi uma demonstração disso num Congresso, dois anos. Da Suécia, não sei de
onde que é... da Holanda uma coisa assim.
Fabiana
: É Europeu mesmo.
Entrevistado
: Ali é melhor nota, porque se pegar uma partitura precisa orientar, precisa saber a
ordem. E até agora, acho que não conseguiram fazer um software que seja inteligente.
Devem estar desenvolvendo, porque a situação da música muda demais.
Fabiana: É muito complexo.
Entrevistado
: E depois outra, como tem acontecido com a gente, belos republicados, é que você
tem várias representações. Você pode escolher aquilo de vários modos, então você tem
que escolher a forma mais fácil para o deficiente perceber.
Fabiana: Isso tem que ser uma pessoa que pensa, não tem como ser o computador.
Entrevistado
: O que mais Fabiana?
Fabiana
: Acho que é isso.
Entrevistado
: o estou encerrando nada, eu quero encerrar quando você quiser. Aqui você tem
condições de escrever em linha Braille. Você pede para alguém ler isso?
Fabiana
: Peço. Muito obrigada.
Entrevistado
: Guarda bem essa tradução. Que membro eu não sei. Eu tive já em congresso, mas
isso é coisa do passado, então é difícil lembrar como é que foi isso, como é que foi
aquilo. Tudo muito corrido, muito corrido.
193
Fabiana: E até mesmo perceber se de fato essas convenções trazem mesmo evoluções
significativas para o código. Mesmo o Braille para a língua portuguesa, mesmo os
símbolos matemáticos, mudaram todos.
Entrevistado: Mudaram. Você tem a grafia nova do sistema Braille? Você recebeu?
Fabiana
: Eu não tenho.
Entrevistado
: Tem em tinta?
Fabiana
: Não eu vi pela Internet que tem os pontos, mais eu queria em Braille mesmo. Isso eu não
tenho. Eu brinco que não sei somar mais, porque eu nem sei como é o sinal de mais,
menos, mudou tudo.
Entrevistado: Nesse livro que estou fazendo agora é todo cifrado. É de violão, chama-se Método
Paulinho Nogueira”. É de método difícil, com posições difíceis, com série de posição.
Não é igual aquele de iniciação, exemplo: primeira, segunda, terceira. Então ele é
complicado. E a simbologia dele, como ele é um livro que foi feito em 1982, pegou toda a
simbologia com sinais matemáticos antigos. O sinal de mais, é a interrogação. O sinal
menos era o i embaixo, minúsculo. Agora não. O mais é a exclamação. O menos é o
hífen.
Fabiana
: Eu não entendo a lógica dessas mudanças.
Entrevistado
: Por uma razão muito simples. Eu também não concordo, mais infelizmente é. É para
unificar o mundo todo. Todas as imprensas do Brasil, como a nossa aqui, que é
profissional, que tem uso oficial, comercial, a gente quer ser igual aos outros, para poder
trabalhar para alguém, supondo que a Espanha, a França, Estados Unidos, peçam
alguma coisa, nós podemos fazer para eles e vice-versa. O código da matemática foi
unificado.
Fabiana
: E no caso da música essas mudanças também são nesse sentido, para unificar?
Entrevistado
: Sim. Nesses Congressos também, mas que a unificação ainda não se procedeu
totalmente. O que estão fazendo mais esses Congressos, o último, por exemplo, eu não
participei, em 1994, foi feito então o código 96, é mais acréscimo. Acrescenta a evolução
da música, mas não troca. A única coisa que trocou foram os sinais das claves. As
claves Francesas eram diferentes.
Depois os Estados Unidos fizeram umas claves
diferentes com terceira a oitava - 456, depois com o f
embaixo, quer dizer que é de Fá.
Agora mudou. Você vai ver aí na sua tabela que é o ó
agudo com o i agudo no meio do 3
e 4 para indicar a clave de sol. O sinal de numero para indicar a clave de Fá
no meio. E o
ó
agudo para indicar a clave de Dó. Se você usa as claves normais, por exemplo, a
clave de sol na segunda linha, então tem terceira à oitava, i
agudo e l. Esse é o sinal da
clave de sol. Agora se você for por clave de sol na primeira linha, é uma coisa que não
se usa muito. Você põe terceira à oitava, intervalo de terça, primeira oitava l
.
194
Fabiana: Esses sinais a gente não precisa para entender a tinta?
Entrevistado
: Não, vai mudar mesmo. Agora os sinais de cifras, sim. É interessante porque senão o
sinal que está em tinta é um sinal parecido com mais, parecido com menos, então
resolvemos mudar esses sinais. Todo começo de nossas obras tem uma relação da
grafia nova. Os livros de música que tratam de livros de ensino, livro de teoria, eu sou
obrigada a por a tabela da grafia nova. Só os sinais, exemplos: arroba, sinais de
informática, sinais matemáticos, como mais, menos e outros símbolos de pontuação,
acentuações. Veja que mudou a aspas também. Agora, aspas é o h
embaixo para abrir e
o h
embaixo para fechar. O ponto final, por exemplo, ponto é no mundo todo, mas o que
se há de fazer.
Fabiana
: Ah! Mudou com a intenção de unificar. Muito bom. É mais ou menos isso que eu
precisava. O senhor gostaria de acrescentar alguma coisa que eu acabei não
abordando?
Entrevistado: Quero acrescentar o endereço da Editora. Tem na Internet o site de Ensino de
Musicografia Braille.
Fabiana
: É interessante eu ter por ser mais fácil de encontrar o livro.
Entrevistado
: Endereço - Rua: Pirapitingui, 111 – Liberdade
Global Editora
Fone: (11) 3277-7999
Fax: (11) 3277-8141
e-mail:
global@globaleditora.com.br
Fabiana
: Esse livro tem em Braille?
Entrevistado
: Eles estavam pensando em fazer em Braille. Mas até agora o pedi. Acho que não
encontram quem faça, a não ser à Fundação. Mas tem em tinta. É bom que você tenha
em tinta. Ele tem o Braille feito em tinta, depois convencionalmente em baixo, para a
pessoa que poder ter noção. você pode, através desse livro, passar alguns
conhecimentos para pessoas que enxergam. Mas sempre fazendo exercício. Por
exemplo, ela diz aqui pelas colcheias. Agora a pessoa vai ver no outro dia o J
é dó, ré,
mi, fá, sol, lá, si colcheia. Não aprendeu. Vai aprender se misturar, se ler, em Braille, nas
colcheias. para aprender, porque mínima ou semínima muda, fica mais fácil. É o
treinamento que você precisa dar. É o exercício, porque sem o exercício, a pessoa não
assimila. Senão a informação é outra coisa. A pessoa já vai pegando as primeiras
informações e vai praticando na leitura e na escrita. Depois vem outras informações.
Músicas mais complicadas com outros símbolos, porque a Musicografia vai entre os
sinais simples, que são únicos e até as combinações, tem quase 300 sinais. Então não
para aprender tudo de uma vez. Tem que ser devagar. Eu mesmo com a minha
195
voluntária, nos deparamos com duvidas. Tivemos que pegar o código para relembrarmos
aquilo que aprendemos. Notas, oitavas, ligaduras, acidentes, expressões, isso é fácil.
Não sei se ajudou. Espero que tenha ajudado. Estou sempre à disposição.
O telefone da Fundação, direto lá na minha seção, que é o Editorial, é:
(11) 5087-0974, todos os dias das 13:00 as 18:00 horas.
Residência: (11) 5073-7579.
Fabiana: Muito obrigada. Foi muito importante. Excelente!
Sujeito 8 Professor de música para pessoas que possuem
deficiência visual
Fabiana
: Como eu estava falando para você sobre a minha pesquisa em música, que eu fiz um
cursinho pra vestibular, eu queria saber, como o senhor começou a dar aula, para
pessoas com deficiência visual, o que te motivou para isso, como é que foi?
Entrevistado: Na verdade o Messias é o segundo aluno que eu tenho, que é deficiente visual , eu
tive um aluno anterior a ele, que era um baterista, e a escola em Tati, ela tem como
curso obrigatório, um programa, ele exige que o aluno aprenda a tocar um instrumento
de harmonia, um instrumento harmônico, um flautista, geralmente eles tocam piano. E
esse aluno era deficiente visual porque ele sofreu um acidente de motocicleta, mas ele
havia ficado cego a pouco tempo, então ele não tinha prática de leitura em Braille, e se
tivesse estaria aprendendo na época. E a exigência da escola era pra ele saber,
definir o que era um matriaco, uma tecla maior menor, então eu não tive tanta
necessidade de teorizar a coisa, mas o Messias, quando comecei eu não fiz o teste,
quem fez o teste foi a Márcia, uma das professoras, e o Messias já veio tocando violão, e
me parece que embora o professor tenha conhecimento de teoria musical, porque ele
veio tocando bem violão, mas ele não tem conhecimento nenhum da teoria, da parte
teórica, mas ele muito bem Braille, porque ele já é deficiente dez anos, então ele
tem facilidade de ler. Então atualmente eu passei algumas músicas pra ele da seguinte
forma: gravava bem lentamente um compasso, explicava, explicava o que estava
acontecendo, e ele tirou uma música assim, e está tirando a segunda agora, três música,
e essa última que ele estocando agora eu resolvi tentar cotar a blatura até que não se
encontrasse alguém que conseguisse passar o programa do conservatório ou algumas
peças, em Braille pra que dai eu teria condições de ensinar a teoria musical pra ele,
porque ele é mais interessado nessa parte, violão e clássico no violão erudito.
196
Fabiana: Mas só voltando um pouquinho, o senhor usou primeiro o sistema de gravação?
Entrevistado
: Sim de gravação...
Fabiana
: Pegava cada compasso e gravava, cada compasso e por exemplo falava que aqui tem
um dó se mínima....
Entrevistado
: É isso, eu gravei uma valsa por exemplo aqui, o na quinta corda, terceira casa,
juntamente com a nota mi, da primeira corda solta, e tocava , ai eu tocava lentamente o
compasso, e eu acho que esse sistema é até bom porque é um treinamento auditivo de
percepção. Mas o ideal é que isso seja um complemento, não a forma principal, o ideal é
se aprender lendo a partitura mesmo.
Fabiana
: Qual é o segundo sistema de tablatura?
Entrevistado
: Esse sistema de tablatura, você é pianista né? Eu o sei no piano não deve ter
tablatura, porque o piano ele tem uma nota definida, ele tem a nota central e não tem
mais de um central , no violão nós temos um central em três regiões, como um
violino por exemplo, que você consegue. Então o sistema de tablatura era assim, você
tem a primeira corda, isso eu estava ensinando pra ele, mas existe um outro sistema de
tablatura pra quem não é deficiente, mas eu fazia assim: a primeira corda é o número
um, segunda dois, a sol seria a três, a seria a quarta e assim. Ai o professor falava a
nota fá natural, que seria na primeira linha, e ai eu colocaria por exemplo que
corresponde no violão, a primeira casa, na primeira corda porque o violão é um
instrumento transpositor. Então eu colocava onze por exemplo, então ele sabia que
onze, aí tinha um programa que quando ele chegava na décima casa, então eu colocava
101, 102, 103, que era duplicação das casas. O sistema funciona, o único problema que
tem neste sistema de tablatura, é que você não consegue valorizar as notas.
Fabiana
: É isto que eu ia te perguntar, o ritmo não tem como colocar?
Entrevistado
: o tem como valorizar as notas. Então ele ia até um certo ponto, depois ele ficava
deficiente. Porque tem uma tablatura pra quem não é deficiente, que ai você define o
valor das notas.
Fabiana
: Por que é uma coisa meio gráfica?
Entrevistado
: Isso é um gráfico, e ele é quase escrito como pentagrama que ao invés de cinco
linhas, o seis linhas, então cada linha corresponde a uma corda. Mas é um sistema
quase completo, mas também não é tão completo como a escrita convencional que a
gente conhece.
Fabiana
: Como o senhor a importância da pessoa ler, saber mesmo a Musicografia em Braille,
pra poder aprender música, pra poder aprender a teoria musical,como o senhor tudo
isso?
197
Entrevistado: A princípio a importância , está na independência do próprio músico, do próprio
estudante, que ele vai encontrar eu acho que o papel do professor, pelo menos eu penso
assim, não é você ir até certo ponto, depois a pessoa criar uma independência que é
assim que é a vida da gente, a gente vai até um certo ponto depois ele tem que
caminhar com as próprias pernas. E no caso desse sistema que eu estou passando pra
ele, eu me sinto muito culpado, porque eu sei que uma hora, que ele precisar fazer um
trabalho diferente do que eu passo pra ele, ele não vai encontrar material.
Fabiana
: Por que é um sistema não convencional?
Entrevistado
: Não convencional, e quanto ao sistema convencional que a gente usa as escritas, a
ponte que a gente usa pra escrever música, essa forma é universal, tanto faz, você pode
pegar uma partitura de piano e fazer uma transcrição pro violão, fazer uma de flauta,
harmonizar, fazer de acordo com o fazer um contra ponto, alguma coisa assim. Então a
intenção é que o aluno, depois de um tempo de estudo escolha seu próprio repertório,
sua própria forma de tocar. E essa forma de tablatura eu acho ela muito falha, ela quebra
um galho no começo, mas resolve.
Fabiana
: Seria uma improvisação?
Entrevistado
: É improvisação, não uma improvisação musical.
Fabiana
: Como é que o senhor a formação dos professores, Porque pela prática, Pela
experiência se deparou com deficiente visual, com quem o senhor precisou trabalhar,
dois na verdade. Mas como é que o senhor a formação dos professores, o quanto
isso é ou não é contemplado na formação dos professores , como o senhor essa
formação prévia dos professores pra poderem dar aula para os alunos?
Entrevistado
: Eu não conheço bem, por exemplo eu não sou uma pessoa que está geralmente,
em Tatuí, por exemplo eu conheço na área de violão eu fique conheci um monte de
professores. Agora por exemplo, eu não sei se, pelo menos em Tatuí, inclusive eu
ninguém teve uma experiência em ensinar violão em Braille, isso eu sei porque eu
pesquisei lá, a não ser um professor que é muito conhecido que é o Geraldo Ribeiro
que eu não cheguei falar com ele, mas pelo menos eu não conheço que ele teve algum
aluno que estudou em Braille. Tem um dos professores também o senhor Jair, que é
bem antigo que é praticamente o fundador da escola de violão, o senhor Jair de Paula,
até eu posso comentar depois com você ai que ele teve assim, milhares e milhares de
alunos. Ele chegava a lecionar parece se eu não me engano 48 horas de aula por
semana e aula coletiva, e eu não sei dentro dessa quantidade enorme de alunos
apareceu algum deficiente visual, mas eu posso me informar com ele e ter certeza. Mas
eu sei que na escola não tem material em Braille, pra violão não. E Tatuí é uma escola
grande, aliás grande não, é a maior .
198
Fabiana: É uma das principais.
Entrevistado
: Dizem que é a maior do Brasil. Agora isso não é culpa de ninguém, isso às vezes é
falta de oportunidade , eu sei que por exemplo que tem flautista que estudam em Braille,
eu falando na área do violão, os pianos eu sei que deve ter pianista estudando em
Braille , eu sei que tem uma professora de flauta, que ensina em Braille também. Mas o
material eu não tenho lá.
Fabiana
: O que o senhor atribui essa falta de material na escola de maneira geral?
Entrevistado
: Não posso dizer, talvez acho ninguém tenha dado uma cotucada na diretoria da
escola pra comprar uma máquina dessa. Acontece o seguinte, a gente hoje tem uma
facilidade enorme com os programas de computadores, e isso ajuda muito, e
antigamente acho que era tudo feito na mão mesmo, então era muito trabalhoso tenha
que ter um copista especial, um copista que entendesse as duas linguagens .
Fabiana
: Mas apesar disso essa tecnologia nova ainda é muito pouco difundida?
Entrevistado
: É eu fique sabendo quando conheci o Messias, ele falou que por coincidência, a
gente é assim, existe um ditado que a gente quando vai ser pai encontra mulher
grávida na rua, porque a gente presta atenção no detalhe. Então talvez tenha sido até
isso eu vi uma reportagem na televisão de um menino em Guarulhos tocando concerto
com a orquestra de violão e de orquestra de Vivaldi. E ai o cara totalizou a partitura
escrita em tinta , a parte em Braille , e ai que eu fique sabendo que tinha material
pronto, que algum tinha esse material que isso existia, que existia eu sabia porque
inclusive o Miguel, o Miguelito que conheço muito tempo ele fazia pra piano, mas eu
não sabia que tinha alguma escola que tinha esse material. Eu tentei entrar em contato
com Guarulhos, eu tentei entrar no site mas eu não consegui, mas logo o Messias me
falou de vocês aqui, então eu achei que não seria necessário correr atrás.
Fabiana
: De maneira geral o senhor alguma dificuldade em relação a dar aula pra alunos
deficientes visuais de maneira geral?
Entrevistado
: Não eu o vejo, eu vejo muita dificuldade em dar aula pra aluno Criança
principalmente, que o pai e a mãe quer que estude, e ele quer jogar deo game ta na
idade diferente.
Fabiana: Não é por livre espontânea vontade?
Entrevistado
: Não eu acho que não, porque eu acho que por exemplo, uma das coisas que
inclusive eu queria perguntar pra você , a dificuldade às vezes que eu acho que o
Messias tem, que é uma dificuldade, a dificuldades que a gente tem, todo estudante de
violão tem , o violão tem umas quinta, que avisa onde é a quinta casa , são os violões
pra iniciantes, depois geralmente concertista dizem que não usam mais esse recurso.
Mas eu queria saber inclusive de você, a dificuldade que ele tem às vezes em saltos,
199
isso a gente decora quem tem facilidade decora. Mas no começo talvez pudesse colocar
no braço um sinalnem Braille também pra dizer qual é a casa que ele está caminhando,
a posição, ou na parte traseira do braço no polegar , pra ele ir se orientando, então acho
que colando uma fita não sei alguma coisa assim.
Fabiana
: É questão de uma noção espacial, mesmo no piano a gente tem que desenvolver algum
recurso pra saber a distância entre as teclas, pra saber o espaço, então é uma coisa de
consciência espacial mesmo.
Entrevistado: Então agora eu não sei a dificuldade que eu vou encontrar, quando eu Começar a
passar a música pra ele em Braille. É lógico que ele vai olhar lá e Vai dizer por exemplo,
olha eu estou vendo um sinal assim, assim, ai eu vou saber corresponder, porque ai eu
vou ter a mesma música em tinta do lado, então isso vai ser fácil. Agora eu não sei como
é que ele vai fazer no caso, por exemplo a leitura eu tenho visto ele ler, ele lê com a mão
esquerda, com a esquerda Messias? Não com a direita. Em tão tudo bem. Porque daí
ele com a mão direita e procura as notas com a mão esquerda no violão, então não
tem problema essa era a única dificuldade que eu achava que eu ia encontrar. Mas
então eu acho que não tem dificuldade nenhuma né, porque musicano, porque eu acho
que a dificuldade era mesmo no material, é uma dificuldade que passa, é fácil de
resolver.
Fabiana
: Alguma coisa que o senhor gostaria de acrescentar mais sobre o ensino de música pra
deficientes visuais, sobre essa experiência?
Entrevistado
: Eu acho por exemplo, eu vou talvez eu chegue a comentar isso na escola, porque
o Messias ele fala isso depois, ele vai confirmar isso ai, talvez explicar melhor. Porque às
vezes o aluno chega numa escola e a professora não quer ensinar, uma desculpa
diferente, inventa uma desculpa mais assim, não posso dar, não tem vaga... isso é
comum inclusive não pra deficiente visual, é comum pra idoso, entendeu? Então quando
eu comecei a dar aula em Tatuí eu comecei a dar aula pra pessoas, eles falavam violão
lúdico, porque tinha uma procura enorme de aposentados por exemplo que queriam
aprender a tocar sons de carreriões, avisos de rosa e a escola é uma escola pública, tem
obrigação de fazer isso, porque a final de conta o dinheiro vem do povo. E eu comecei a
dando aula nessa parte, eu ainda dou aula por exemplo pra alunos acima de dezoito
anos, ou de vinte e um anos que não sabem ler partitura, e tinha outra característica , eu
não me lembro o que era, porque geralmente em o pessoal pegava , as vezes o aluno
chegava e dizia a eu queria aprender a tocar tal música, mas queria aprender a
acompanhar por corcovado, por exemplo, e eu tinha uma certa experiência nesta parte ,
mas a dificuldade que o aluno tem as vezes em conseguir vagas em escolas geralmente
é esta mesmo , porque o professor quer um fera pra tocar, não quer um pianista. No é
200
o caso por exemplo de, eu não quero dar aula porque é um deficiente visual, eles
querem escolher os alunos que já tocam. Mas nesta parte eu não acho dificuldade
nenhuma não. Eu conheço grandes violinistas sérios , pianistas, a gente conhece
americano, conhece. Inclusive passou um filme estes dias no cinema sobre Ray Charles
ele era pianista clássico, ele lia partitura em Braille normal.
Fabiana
: Tá ótimo, excelente!
Entrevistado
: Eu não sei se vai servir pra alguma coisa meu depoimento...
Fabiana
: A com certeza...
Entrevistado
: Agora eu só queria acrescentar uma coisa, eu acho que numa escola igual Tatuí, não
que Tatuí seja a maior ou sei lá, mas é uma referência, mas tem outras escolas no
Brasil, que por exemplo a de Guarulhos tem esse menino que toca , mas eu acho que
esse material por exemplo , deveria ser mais divulgado, porque como uma coisa que eu
não falei eu acho que os alunos com deficiência visual ele não saem pra procurar , talvez
eles fiquem inibidos, então não se oferecem, não se fala assim aqui tem tal escola , e se
você que é deficiente visual quer aprender a tocar instrumento, procura a escola tal,tal,
tal, eu acho que ia aparecer.
Fabiana
: A oferta criaria domínio.
Entrevistado
: É teria que ter mais oferta, oferta inclusive na mídia.
Fabiana
: Tá ótimo, muito bom!!!
SUJEITO 9 Professor de música para pessoas que possuem
deficiência visual
Fabiana
: Para introduzir, eu queria saber, antes de você ter essa experiência no grupo, vamos dar
o nome de Deficientes Visuais, você tinha tido contato com alguma pessoa com
deficiência?
Entrevistado: Não. Quem começou na verdade foi com você. Eu tinha muita vontade, aliás eu tive
contato não com um aluno deficiente visual, mas com deficiente auditivo. Na verdade,
tudo começou quando vierem dois irmãos, era um casal de irmãos surdos, com mais ou
menos 18 ou 19 anos, nasceram assim, e a mãe os trouxe aqui. Eu o sei quem
indicou. Chegaram a fazer comigo um pouco de música e eu fiquei muito entusiasmada,
mas nesse período eu tinha 17 anos e eu pensei em fazer Fonoaudiologia, porque era
uma das minhas opções na formação. A Fono estava ligada a parte de som eu fiquei
muito interessada. E porque Fono? Seria uma maneira de ajudar as pessoas porque eu
também tinha isso em mente, a minha formação religiosa. Eu era de Comunidade de
201
jovens, fui de comunidade durante seis anos e também vinha de uma formação do
Imaculada, então essa coisa de querer ajudar. Eu comecei a dar aulas aos 16 anos e me
encantei dando aulas. Como era uma faculdade que estava começando, estava no auge
e também tinha passado o filme “Os filhos do silêncio”, eu comecei a assistir muitas
coisas assim e eu me encantava com isso. E também tinha um filme que ele ensinava os
jovens deficientes auditivos a dançar pela vibração. Ele dançava um rock com as
crianças. Agora não estou me lembrando o nome do filme com um ator famoso. Assim
que me lembrar, te falo. E até essa protagonista, ela é uma artista surda. Você ouviu
falar? Sua mãe deve lembrar. E eles tiveram um caso na época, esse rapaz viveu com
ela. Ela muito bonita. Enfim, eu fiquei encantada com tudo isso.
Fabiana
: E aí você acabou tendo preferência por essa aula.
Entrevistado
: Daí eu quis prestar para fono. Como eu dava aula desde do 16 anos, me formei
em piano aos 17 anos, e ía prestar vestibular. Minha idéia era, porque não fazer música?
Porque se eu fizesse música, eu não poderia abrir uma escola e a minha intenção era
abrir uma escola porque eu tinha me encantado com a parte de pedagogia musical e não
existia pedagogia musical. Eu fiz pedagogia musical no Conservatório com Medaljon,
que era uma pessoa ótima, ele era cantor lírico baixo. Ele dava aula de pedagogia
musical na Escola normal. Ele já faleceu, era um senhor de idade. Em segunda opção eu
prestei Fonoaudiologia e em terceira opção Terapia Ocupacional. A pedagogia era a
única que eu poderia abrir uma escola, tanto que a minha formação é administração
escolar, que eu posso ser diretora, porque não adianta você ter só música, porque aí não
pode dirigir, e, magistério, que no meu tempo era pleno, então eu só tive contato com
esses adultos.
Fabiana
: Como que você foi procurada por deficientes visuais?
Entrevistado
: Sua mãe tinha me dado aula. Na 6ª/7ª série eu conheci sua mãe. Eu acompanhei
toda a história, a Vera (sua mãe) tinha seu irmão pequeno e depois teve você. Um dia
ela me telefonou, eu tinha vinte e dois anos, e ela comentou que você com sete anos
já tocava violão. Eu já estava formada em pedagogia, e disse do seu interesse, que você
gostava muito de música, foi quando você veio me conhecer. Na época você não tinha
piano? Você já tinha tocado no piano?
Fabiana
: Não. Eu não tinha piano e não tocava piano.
Entrevistado
: E porque você queria um piano, eu te pergunto?
Fabiana
: Eu fui despertando o interesse a partir do contato, a partir do que você ensinava.
Entrevistado
: Você tinha violão em casa, mas veio pelo interesse do piano.
Fabiana
: É que eu acabei despertando um interesse maior pelo piano.
Entrevistado: Você já tinha ouvido o piano?
202
Fabiana: . Na Escola Imaculada tinha piano, mas eu nunca tinha tocado. No começo desse
trabalho, antes de você passar pela experiência propriamente dita, você tinha alguma
expectativa?
Entrevistado: Primeiro porque eu me encanto por dar aula, isso até hoje, e a expectativa era querer
ensinar. Eu não sabia onde ía dar isso tudo. com vinte e três anos quando me formei
no Conservatório, aquela formação antiga tinha todas essas matérias, mas não tinha
vivência, eu só sabia ler notas; porque os professores também não tinham uma vivência
grande. Daí eu fui para Dona Neusa Selegão que era apaixonada por dar aulas, até
então eu o tinha conhecido nenhum professor ou professora apaixonados por dar
aulas. Eu tive o professor Medaljon, mas era professor de canto lírico, que era encantado
em falar, e como aquilo me atingia diretamente, eu ficava encantada, mas a minha
professora de piano, não tinha esse lado, ela nem tocava piano para mim. Então eu senti
essa falha pelo encanto de como passar aquilo, eu ficava encantada com as crianças.
Eu tinha tido muitas crianças aqui quando você veio. Teve uma época que eu tive
cinqüenta crianças pequenas aqui. Era uma loucura, tinha criança de até três anos de
idade que vinha.A expectativa era como de eu fazer vocês serem independentes na
leitura musical. Eu tive alunos com ouvido musical. Eu não tive ouvido musical. Eu fui
educada na música pela leitura. Eu ficava horas fazendo aquele Francisco Russo e até
acho que a gente tocava mais do que se toca hoje. Você ficava horas fazendo Dóóóóóó’,
Rééééé, lendo notas, solfejando, tocando, solfejando. Eu tive amigos e amigas que
tocavam de ouvido que não deu em nada.
Fabiana
: Você sabia do porque da importância da leitura.
Entrevistado
: É. E eu sabia da importância eu tinha noção, porque eu era pedagoga, eu queria
ensinar. Como fazer? Foi uma luta grande, eu me dispus, eu era muito jovem, embora se
fosse agora eu faria tudo de novo, e outra coisa, pela Dona Neusa, eu fiquei encantada
com o material dela, porque ela estava trabalhando o Robert Pace. Eu trabalhei com ele
aqui durante dez anos direto, mas a maioria dos professores não trabalhou, porque o
trabalho dele é dificílimo, é um método específico, você tem que saber tudo, tem que
saber todas as escalas, você tem que saber acordes, a parte de perguntas, de
respostas, de frases, de harmonia. Fazer pelo menos 1, 5, 7, depois você entra nos
menores e ela, eu me dispus a fazer isso com ela, embora eu tive que aprender a fazer
tudo de novo porque minha formação não fosse essa, eu podia simplesmente fazer como
todo mundo fazia, põe a partitura na frente e notas. Mas eu me encantei, porque ao
mesmo tempo que eu sabia que não sabia muito música, veja, lá nos Estados Unidos da
América todos sabiam muito, porque isso os levaria para o jazz, eu também queria,
então, eu fui aprendendo através do Robert Pace.
203
Fabiana: E por esse método todo você sabia a importância de que a pessoa tivesse uma leitura.
Entrevistado
: Ela tinha que ter a leitura. Eu tive muitos alunos deficientes visuais, mas a maioria
não tinha essa gana de querer saber. Como você era pequena, mas tinha muito
interesse em querer saber as coisas, era muito viva, a minha preocupação era que você
ficasse livre, independente na leitura. Eu fui falar com o Meguelito, você lembra?
Fabiana
: Sim.
Entrevistado
: E o Miguelito falou para mim que estudou muitos anos de ouvido com a Dona Olga,
só depois mais tarde que ele foi aprender o Braille, a Musicografia Braille.
Fabiana
: Temos até por hipótese que se a pessoa não aprende junto com a formação inicial, ela
acaba não tendo isso como primordial. Ela até aprende a ler, mas no fim ela acaba
tocando de ouvido outra vez.
Entrevistado: Eu tive aqui um aluno, o Eduardo, estava com sete anos, queria aprender, mas em
seguida o pai que trabalhava na Petrobrás foi transferido para o Nordeste e ele ficou
mais sete anos. Quando ele voltou, estava com quatorze anos ficou comigo mais uns
três anos, chegou até tocar Beethoven, mas de ouvido. Eu ainda consegui dar os
acordes, parte de ritmo, da semínima, da leitura musical, das semicolcheias, ele não
quis. Ele era muito resistente. Chegou a tocar a Tempestade de Beethoven,
Movimento, no Lago do Café.
Fabiana
: Ele tinha deficiência visual total?
Entrevistado
: Total, mesmo caso.
Fabiana
: Você conseguiria listar quais foram as experiências que você teve com alunos visuais
depois de mim.
Entrevistado
: A Rarumi, A Vivi, A Gisele, chegou a vir um pouco a Emanuele, mas depois o pai
mudou de Cidade. Era a mesma coisa. Todas vocês leram a partitura. Depois eu fui à
Pró-Visão como voluntária. Pedi para Dona Vilma, fiquei por dois anos. Mas na Pró-
Visão eu tentei dar a flauta, mas não vinham crianças com deficiência visual, vinham
crianças com deficiência mental. Era muito difícil. Em seguida a Mary me convidou para
ir para a PUCC, no Sead, mas também eram crianças com a deficiência mental, isso
impedia muito, mas mesmo assim eles chegaram a tocar Bambalalão na flauta e o
samba de uma nota só, consegui. eram crianças com quinze, dezesseis anos e ao
mesmo tempo eu tinha crianças de oito anos, tudo misturado com a deficiência mental. E
outra coisa, eram crianças com poder aquisitivo inferior. Crianças mais pobres e a gente
percebia que aquilo era sacrificado, Chovia. A Gisele mesmo inundava lá onde ela
morava, perto de Indaiatuba, e ela às vezes faltava. Quando a Mary teve que sair da
PUCC, o padre que entrou me disse que para eu continuar eu teria que fazer um projeto
que seria aprovado daí a um ano. Quem levava essas crianças para era a Isa, ela
204
dava aula para uma classe de crianças especiais no Instituto Humberto de Campos.
Após um convite dela, eu continuei por mais um tempo.
Fabiana
: Também eram pessoas com deficiência?
Entrevistado
: Sim, a mesma turma, que era outro quadro. Tinha uma menina que tinha tido
meningite aos oito meses. Inteligentíssima. A visão tinha sido pouco afetada, mas tinha
afetado o cérebro. Uma outra que nasceu e teve uma parada respiratória no cordão
umbilical quando foi cortado. Ficou dois segundos sem ar. Então eram casos diferentes
da situação que era de começo como você, a Rarumi, que só afetou a visão.
Fabiana
: Nessas situações você não tinha meios para trabalhar a questão da leitura?
Entrevistado
: Não. Era muito difícil. O que eu fazia era musicalização para despertar o contato com
a música. Você e a Rarumi vieram com a intenção da música e depois a Vivi e a Gisele
para flauta. Porque vieram a Vivi e a Gisele, elas estudaram no Colégio Batista com a
Rarumi. Elas gostaram muito, estava começando essa coisa de flauta nas escolas. E a
professora, com pouca pedagogia; as crianças precisavam de uma atenção maior, e a
professora que não queria ter contato falava assim: pergunte para seu amiguinho.
Fabiana
: Professora de música.
Entrevistado
: Professora de música do Colégio Batista. Acho que ela dizia: imagine que eu vou me
envolver. Porque trabalho. Você tem que se dispor. Por exemplo, você numa classe
de trinta alunos, você tem dois com uma deficiência visual, vai desequilibrar todo mundo,
mas faltava esse jogo dela, de harmonizar. Hoje eu dou aula no Colégio Rio Branco, é o
oitavo ano que eu estou lá, eu não tenho crianças com deficiência visual, mas tenho
crianças, ou que são imperativas, ou com dificuldade motora, todos juntos. E todos
acompanham, porque eles sabem que tem uma criança difícil, ou aquele que não para,
são as diferenças. No fim do ano aquele amiguinho que atormentou o ano inteiro,
quando ele abria a boca, o outro sentava na cabeça dele: fica quieto que ela está
falando. Eu brincava com as crianças no final do ano, sabe aquele colega que foi chato o
ano inteiro, eu também estava assim... risos... fica quieto.
Fabiana
: As diferenças são muito mais amplas, não são os deficientes que são diferentes.
Todas as pessoas são diferentes.
Entrevistado
: Olha não existe deficiente, porque todos nós somos deficientes. Um é mais lento do
que o outro, isso fica claro. Às vezes quando a gente percebe uma criança com
dificuldade auditiva, nós temos hoje, e a visual também, usam óculos muito fortes. Tenha
uma menina que usa óculos muito forte e a professora começou a perceber que os
olhos dela lacrimejavam, mas como ela é muito esperta e sentava num lugar específico,
ela dava um jeito de ir até a lousa para ler. Minha sobrinha tem miopia altíssima, e o
médico achava que era alergia, mas os olhos lacrimejavam muito e como ela é uma
205
criança muito ativa, passou desapercebida. E quando foram descobrir, ele teve que usar
um óculos super forte e mesmo assim consegue enxergar letras muito grandes.Essa
coisa de deficiência, isso acho legal falar. Quando as pessoas se deparam com isso,
elas acham que o outro tem uma outra deficiência, mas através desse contato ela
percebe que elas também têm várias. Você lembra todas as crianças ajudando.
Fabiana
: Esse contato era muito bom.
Entrevistado
: Muito bom. A partir daí perceberam que o aluno era até mais inteligente porque ele
desenvolve mais capacidades, ele vai por outros caminhos, ele é muito mais vivo. Coisas
que você não percebe. Você acha que você está inteiro, você não está inteiro.
Fabiana: As pessoas não são completas.
Entrevistado
: Não, graças a Deus. É uma eterna busca. que eu vejo, é uma coisa que me
entristece, um profissional que não tem coragem. Muitos profissionais me falaram: eu
não tenho coragem de fazer isso; eu não quero fazer isso, porque isso vai dar trabalho.
Ou ele vai se deparar com a própria deficiência dele porque você tem que ser muito
humilde como professora, por todo momento você não sabe, você tem que ser humilde,
você tem que pegar livros, você tem que se dispor. E quando você prepara um negócio,
vai naquele aluno achando que aquilo está pronto, a aula está pronta, vou aplicar,
pronto virou tudo.
Fabiana
: Aí você tem que reavaliar.
Entrevistado
: Na hora você tem que mudar. Esse ano mesmo, no Colégio Rio Branco eu tinha uma
classe com 16 crianças do Infantil II, eles tem de 4 para 5 anos, toda semana eu tenho
que inovar. eu enfrento outro problema, porque a professora da classe vem junto e
pergunta: mas por que você vai fazer isso? Então, ou ela fica a meu favor ou ela me
odeia. Essa classe foi tão legal, que de tanto fazer coisas diferentes, eles fizeram um
projeto sobre o rock no fim de ano. Eles com 5 anos, todos tocando violão, se
apresentaram. Vieram todos vestidos para serem roqueiros. Então você tem que ter essa
humildade e saber que a todo momento estão puxando o seu tapete, as crianças,
entende?
Fabiana: Elas desafiam, não é?
Entrevistado
: O tempo inteiro. E eles gostam de desafios. Quando eu comecei, 26 anos atrás;
porque eu comecei bem antes de você, eu tinha 16 anos quando comecei, e hoje não
adianta falar para ficarem quietos.
Fabiana: Porque tem muito estímulo em volta.
Entrevistado
: O tempo inteiro. E hoje uma criança de 3 anos, 2 anos, sabe mexer no
computador. Às vezes tem mão que quer que o filho toca, mas o outro até 6, 7 anos, ele
também acha que toca. E como eu deixo eles mexerem no piano, eu ensino, brinco, eles
206
acham que tocam, que nada, mas isso é que é a música moderna. Em cima de sons, de
barulhos, de criações, porque a música precisa fazer aquela regra, agora se ele quiser,
aí ele vai estudar.
Fabiana: É a própria exploração.
Entrevistado
: É. E foi assim que tudo começou.
Fabiana
: Como é que você teve contato com a Musicografia Braille e como você se deparou com
isso?
Entrevistado
: Primeiro foi sua mãe que trouxe para mim um livro. um outro caminho além da
Musicografia Braille que era em alto relevo. Você lembra disso?
Fabiana
: Lembro. Era com cola plástica.
Entrevistado
: No livro que veio para mim, tinha a clave de sol, igual ao que o Vidente usa, em alto
relevo. Eu fiz em cola, mas ele era em alto relevo no papel. Quando eu vi aquilo, eu
achei que ia ser fácil. Entrei em contato com o Zoilo em São Paulo e ele me disse: isso
não pode. Existe uma leitura, Louis Braille, fez um código mesmo. É maravilhoso. Eu
marquei com ele, fui à São Paulo várias vezes e ele me passou tudo. Quando eu me
deparei com aquele outro código, eu pensei: tenho que passar esse código para as
alunas!
Fabiana
: Era através desse código que a gente ia ter aquela independência que você buscava em
relação à leitura.
Entrevistado
: Isso é a parte musical, não tem nada a ver com a parte de Braille. Quando eu me
deparei com a Dona Neusa que sabia tanto em música e chegava lá, tinha acabado de
me formar, ela pegava 6, 7 livros e dizia: aquilo fala isso, isso, isso... eu me encantei com
ela. Para ela ter essa independência, nossa! Você se menospreza e acha que você não
sabe, de repente você encontra uma pessoa que vai e faz.
Fabiana
: É a crítica.
Entrevistado
: Isso, é a crítica. Eu como sou uma pessoa muito crítica e quero fazer a coisa muito
certa, tinha que ter uma estrutura em música. Se eu estudava no Imaculada, que me
preparou tão bem para as outras coisas, eu sabia que o Conservatório não me oferecia
aquilo. Eu fiz aula de estruturação, de harmonia, de análise, mas me preocupava, isso
em música. Porque até então, aqui em Campinas só se avaliava o talento dos alunos, eu
cheguei ver a Diretora da Escola falar com a Lucy, que é esposa do Armando, que é bem
mais velha do que eu, com uma experiência grande em música, que não tinha acabado o
Conservatório na Escola Nacional de Música do Rio de Janeiro, veio para Campinas e
fez os dois últimos anos lá no Conservatório onde eu estava. E aí a Lucília, com 14 anos,
uma japonesa, tocou o Noturno de Chopin, opus 9 2, a Diretora falou: Lucy toca você
agora, por favor, porque a Lucília parece um vulcão pegando fogo. Olha a pedagogia. A
207
outra tocou bonito, mas ela tocou mais bonito ainda com mais expressão, mais bonito do
que nós, tinha uma outra experiência, tocava em todos os lugares, tinha 16 anos e eu 14
anos de idade. Quando eu me deparei que a Dona Neusa disse para mim: tônica é um
relaxamento, é um repouso; dominante é um impulso e sub-dominante, quando eu
percebi que só existiam essas três funções, as outras eram todas encaixadas e que você
podia fazer isso por sensação, naquele dia pensei: eu não sei nada. Em seguida pensei
assim: agora sei tudo, eu sou poderosa. Eu era muito equilibrada, eu fazia tudo dentro
do meu equilíbrio. Não tínhamos as gravações, melodias de gravações como temos hoje
e os discos eram caríssimos. Não tinha material aqui em Campinas, tínhamos que
comprar tudo em São Paulo e no Rio de Janeiro. A Dona Neusa tinha muita coisa. Eu me
deparei com a parte da função tonal e do que estava por trás de tudo isso,
musicalmente, aí o que aconteceu: eu já queria fazer isso com as crianças, meus alunos.
Deparei-me com outro código, em Braille, que ia fazer vocês (os alunos) andarem
sozinhos. Juntou tudo. Eu queria estudar e fui descobrindo junto com você, porque a
Rarumi era muito pequena.
Fabiana
: Nós fomos descobrindo os códigos juntas.
Entrevistado
: Juntas. Tanto que eu leio o Braille musical com os olhos, eu sei o que está escrita, a
nota musical.
Fabiana
: Você sabe os mecanismos do Braille.
Entrevistado
: É. Eu conheço porque digitava naquela prancheta e sabia também ler em máquina.
Hoje em dia já não tenho mais esse contato.
Fabiana
: Como estamos falando desse contato com a leitura, gostaria que você falasse sobre as
estratégias que você usava no aprendizado da leitura, como essa que nós descobrimos
juntas. O código, inclusive que você estava fazendo uma coisa interessante dessa
formação musical do aluno, porque como o Braille não é um código vertical, e sim
horizontal, pressupõe que o aluno tenha essa formação musical a priori para poder
distrair, para poder fazer essa leitura, coisa que a leitura em tinta pode ser automática, a
pessoa pode ter uma partitura na frente que ela simplesmente lê.
Entrevistado
: Mas essa leitura em tinta, o aluno, geralmente, é na horizontal. No nosso caso do
piano você tem duas claves e a leitura sempre fica na horizontal, porque você aprende
na escola a escrever na horizontal, você não aprende na vertical. É muito mais fácil você
correr os olhos, lendo na horizontal, então isso é igual. O que o aluno não faz é ler na
vertical, vamos dizer que está o grande problema na leitura do vidente, você o
acorde e fala para o aluno, por compasso, aqui você tem escrito Dó, Mi, Sol, na
horizontal e embaixo você tem o acorde escrito Dó, Mi, Sol. Isso por intuição, quando eu
era criança, como eu tirava a melodia da mão direita, eu ficava pensando porque será
208
que o combina com o Mi, com o Sol, eu achava bonito. Porque será que não é bonito
fazer Dó com Ré?
Fabiana
: Você estava estudando harmonia indiretamente?
Entrevistado
: Então, mas eu ficava me questionando porque será que não combina. Nem sei se
não combina, porque hoje em dia tudo se combina, mas “apriori” não se combina. Depois
eu fui aprender a série harmônica. Quando eu vi a série harmônica, que vibrava, e
vibrava o com o Sol, o para cima e o Sol embaixo, as cordas vibram naquela
ordem, achei maravilhoso. No meio tempo falavam que era dissonante, que existia
dissonante e consonante, que hoje em dia já não tem mais isso. Mas a leitura era
diferente, a mão de quem lê em Braille ela corre sem parar na partitura, diferente da mão
da criança que vai ler. Mas quem em Braille fica com a mão o tempo inteiro, porque
ele quer descobrir e também porque é instigado a descobrir o que está acontecendo.
Na música para quem em tinta, geralmente a gente uma clave depois a outra e na
música em Braille eu fiz uma adaptação lendo com as mãos o que você vai tocar com a
direita, você lê com a esquerda e vice-versa. O grande problema era como juntar. E para
juntar, eu ficava cantando a outra mão e nessa hora de cantar a outra mão, eu acabei
encontrando um jeito de ensinar o acorde, a harmonia. Quando o acorde está quebrado,
quando vai se estudar o classicismo, o período de música, eu ensinava o tom de Sol
maior e você começando na tônica e a terceira depois, quinta depois, ou quando ele
abria em sétima fazia tônica, dominante. Outra coisa que eu vejo é que quem já vem do
Braille tem uma memória muito boa, que quem não faz em Braille, eu não forço muito a
memória no começo.
Fabiana
: Porque pode ler e tocar ao mesmo tempo.
Entrevistado
: É isso, eu forço mais a leitura, depois ele joga fora e vai pela memória, ele não
mais.
Fabiana
: No Braille pressupõe que a pessoa decora, ela não tem como tocar.
Entrevistado
: No começo qual é a estratégica? Depende da pessoa e do momento que ela está. Às
vezes eu estou falando ali e ela passa para outra mão, ela e eu falo em acorde,
enfim, eu aprendi muito com isso, de já ler a música em acorde, tanto que essa
expressão “em acorde” vem do Braille, lembra?
Fabiana
: É. É um sinal.
Entrevistado
: Depois de estudar Robert Pace e também junto com você eu cheguei a estudar tudo
do Robert Pace, eu estudando com a Dona Neusa, então quando eu leio música hoje,
não sou mais capaz de ler nota individual, porque eu aprendi nota, Dó, Mi, Sol, Fá, Mi, e
hoje eu falo para o aluno ler o conjunto. Quando ler a primeiras notas da melodia Do, Mi,
Sol, Fá você pense que está no acorde Do maior, mas já está usando Sol, Fá, e
209
você também as notas, que estão estranhas ao acorde, então a harmonia tem que
estar junto.
Fabiana
: Foi importante aliar o conhecimento da leitura, especificamente no caso do Braille ao
conhecimento da harmonia, quer dizer, era caso que caminhavam juntas.
Entrevistado: Junto e não para você fugir. Outra coisa também são os saltos da mão. Estudei
com uma professora que teve toda a sua formação em piano clássico, a Neusa
Bevilacqua, ela fazia uma representação da mão nos acordes, ela falava que era a
geografia do teclado.
Fabiana
: Ah! Noção Espacial.
Entrevistado
: Isso porque eles têm clichês. Você já estudou Música Popular?
Fabiana
: Não, só um pouquinho.
Entrevistado
: Eles têm clichês e na hora você tem que jogar a mão. Porque existe todo um trabalho
em cima da Música Popular, de leitura dinâmica, eu acho fantástico isso. Mas
basicamente era leitura que eu precisava, o Zoilo até me falou, você faz a leitura da mão
direita usando a mão esquerda e ao contrário, mas ele não falou em acorde, isso ele não
me deu. Depois que eu fui percebendo porque eu também estava estudando a parte de
harmonia, que eu estudei muito.
Fabiana: A importância disso. Isso é muito valioso, porque esse é o tipo do conhecimento que os
professores acabam não juntando, acabam separando a teoria da prática.
Entrevistado
: Esse é uma das coisas que eu quero fazer aqui na minha escola, que tudo esteja
relacionado. Por exemplo: eu fui assim no Conservatório, ia para a aula de História
História; aula de Música Popular Popular; aula de Harmonia – Harmonia, e não juntava
nada, mas eu fui ter essa noção de que não juntava nada quando eu me formei,
porque ninguém falava junto, que era tudo junto. Eu achava que era como ir à escola e
aprender Matemática, Química, Física e não juntava nada. E a música trabalha com tudo
ao mesmo tempo. volta na leitura, volta na sua independência de ler, como a minha
independência de ler. Outra coisa que eu faço muito comigo, eu abro uma partitura e me
desafio, eu ponho a partitura e quero ler. Tudo isso porque tem tudo junto, a dinâmica,
as expressões, as articulações.
Fabiana
: Você estava dizendo da questão, muito certa, das estratégias, não existem receitas
prontas, mas ao longo das experiências que você teve com alunos diferentes deficientes
visuais, você consegue identificar as diferenças de estratégias de ensino e
aprendizagem, quer dizer, você lembra que para um aluno você tinha que ensinar de um
jeito e para outro isso acontecia de uma forma diferente. Você consegue lembrar disso
na prática?
210
Entrevistado: Mais claro seria aquele que ía pelo ouvido, uma grande diferença.
Fabiana
: Alguns usavam mais o ouvido do que os outros.
Entrevistado
: Por exemplo, o aluno Dudu, que hoje deve estar fazendo faculdade, era totalmente
pelo ouvido. É uma questão mais pessoal, porque dentro da música você tem três
memórias visual, tátil e auditiva e para você ser bom músico isso tem que funcionar
tudo ao mesmo tempo.
Fabiana
: Para o deficiente visual seria a memória tátil, a memória tátil e a auditiva, a memória
visual seria substituída pela tátil.
Entrevistado
: É. Muitas vezes, a maioria pula, deixa uma dessas memórias. Por exemplo, quem
em tinta, falando de mim, a minha primeira memória não é auditiva.
Fabiana
: Ah... cada um tem uma memória predominante.
Entrevistado
: A minha memória primordial em tudo o que eu faço é visual, mesmo quando eu estou
estudando. Eu sei qual é a página que está, se esno rodapé, eu memorizo muito, eu
falo da memória visual. A minha memória auditiva, ela vem praticamente junto com a
tátil, eu memorizo também muito o tato. Isso eu vi uma vez, estava na Unicamp fazendo
uma matéria com o Xavier, ele deu uma peça de Schuman e tinha um pianista chamado
Samuel, eu estava fazendo o ritmo com as minhas mãos sobre as minhas pernas,
quando eu olhei para ele, ele estava fazendo do mesmo jeito o dedilhado. Claro que ele
deveria ter uma vivência musical muito grande, mas me chamou a atenção o porque
da memória tátil. Porque como você mesma sabe, você vai criando movimentos iguais, é
onde eu junto com a Música Popular. Talvez aquela minha professora de Música
Popular, que me chocou muito quando ela explicou com as próprias mãos: maior é isso,
é um movimento com a mão, porque você memoriza o que o tato faz.
Fabiana
: Você faz padrões.
Entrevistado
: Isso. Na linguagem deles, são clichês. É sempre a mesma coisa. A Música Popular
chega a te irritar. Uma pessoa que tem uma percepção grande, se cansa, é tudo igual.
Eu tenho uma aluna, Amélia, com 81 anos, ela tem memória auditiva e toca tudo decor.
E a grande dificuldade que eu tenho é fazer com que ela volte a ler, porque ela
memoriza e passa para a auditiva na hora.
Fabiana
: Talvez o trabalho seria desenvolver aquela memória que o aluno ainda não tem.
Entrevistado
: Eu sempre falo para o aluno: você bloqueou isso, enquanto você não for trabalhar
esse lado, nós vamos ficar “brigando” com a leitura. Acho que se ele tem que fazer a
ligadura, ele vai fazer a ligadura; se ele tem que respirar, ele vai respirar. Eu sou muito
crítica com a questão da leitura, da expressão. A expressão, até que o compositor põe,
mas depois a aula é do pianista. Quando você chegou, como minha primeira aluna,
porque não houve barreiras? Porque trabalhávamos igualmente. Você me disse que tem
211
na verdade, tátil, tátil e auditiva, por isso que a memória funcionou, mas eu juntei isso
na minha cabeça, depois, porque eu tenho visual, tátil e auditiva. Então você não está
vendo, porque a música é a arte mais abstrata que existe e ela dura pouco, ela acaba.
Se você não registrou aquilo no seu tato e não registrou no seu ouvido, acabou.
Fabiana
: É uma sensação.
Entrevistado
: É. Se é um quadro, ele está lá, se é uma escultura, está lá. Ela fica registrada, você
sente. Agora a música.... passou, é um sopro.
Fabiana
: E nunca mais você vai ter aquele momento.
Entrevistado
: E nunca mais vai ser igual. Cada vez você toca de um jeito. Se você está nervosa,
você toca de um jeito; se você está cansada, você não toca. Por exemplo, agora eu
estou bem descansada, graças à deus, porque eu estava muito cansada, então tudo sai
e a minha memória auditiva também vem mais rápido, comigo mesma. Quando eu estou
cansada, eu leio, por isso uso o recurso de ler. É igual quem tem a audição e acha que é
músico, mas não é, ele simplesmente toca, se vira.
Fabiana: O ouvido, mesmo para o aprendizado da leitura tem um papel importante, não é?
Entrevistado
: Muito importante, tanto que eu tenho alunos que dizem: eu não tenho ouvido ou vem
falando: eu não tenho voz. São as deficiências, cada um tem suas deficiências.
Fabiana
: Especificamente, você apontou uma dificuldade no caso da leitura em tinta, que a leitura
em princípio é horizontal e você tem que verticalizar a leitura. No caso da leitura em
Braille, dentro das diversas experiências que você teve com diferentes alunos, qual é a
que você vê como principal ou as principais dificuldades que o aluno tem nesse
aprendizado, na assimilação dos conceitos Braille?
Entrevistado
: Sinceramente eu acho que ler em Braille é mais fácil do que ler em tinta.
Fabiana
: Eu também acho. Aquelas bolinhas eu não entendo nada.
Entrevistado
: Por exemplo, sempre é a mesma leitura: d, e, f, g, h, i, j, e quando ele muda a altura,
ele coloca um pontinho na frente, muito mais fácil, enquanto que para a leitura em
tinta você tem notas suplementares que são acima da pauta, que é um rolo” e todo
mundo fica contando. É difícil de ler. E suplementares inferiores também. E as claves
que mudam? no Braille é muito mais fácil. Se fosse possível eu mudaria a leitura em
tinta, porque é muito mais fácil. Quem colocou isso em tinta, colocou de uma maneira
muito difícil, porque você sabe que a leitura é uma das maiores dificuldades musicais.
Muito difícil. Eu não sofri com isso, porque no meu tempo, há 35, 36 anos atrás,
tínhamos que ler, ficávamos horas lendo. Eu vim de uma escola tradicional.
Fabiana
: E os conhecimentos eram fragmentados. Eu queria que você detalhasse mais sobre
os alunos. De como eles interagiam nesse processo.
212
Entrevistado: O professor trabalha como se fosse mãe. Você pinta aquela situação. No filme “A
vida é bela”, que é uma história verídica do Fellini, ele seria a criança e conta como ele
vivenciou a Guerra Mundial com o pai dele. Assiste esse filme. Você pinta e a pessoa
não percebe. Tudo vai de como você coloca isso para a pessoa. Se você vai colocar algo
com dificuldade, ela vai ter dificuldade. Se você coloca aquilo como uma brincadeira, ela
brinca. E eu aprendi música não com brincadeira, eu aprendi com dificuldade, dentro de
uma pedagogia de professores antigos que eram colocados lá em cima e você lá
embaixo. Por isso você falou para sua mãe que tem pessoas que são mais livres e
fazem coisas com mais facilidade do que eu, porque isso é uma dificuldade da gente, é
um bloqueio que você cria.
Fabiana
: A pessoa se permite.
Entrevistado
: É. Eu sempre falo isso. Permita-se a errar. Eu também vim de uma escola musical,
onde o professor era mestre, era aquilo e também queria chegar naquele ponto, porque
é mais fácil você mandar do que falar: venha junto comigo! Você sabe mais do que eu!
Quanto que eu não aprendo com aluno, eu aprendo! A leitura que eu faço hoje em
música, eu aprendi com o aluno Rafael que me disse que lia o do
dando um pulo e indo
para o mi
; dando outro pulo e indo para o sol. Então eu percebi que ele fazia uma leitura
em espaço, ele calculava. Ele me ensinou a distância e a partir daí eu comecei a ensinar
as crianças, o adulto, a ler assim. E isso foi muito bom, porque aquele do
que eles falam
que é aquele do
que existe, é uma leitura sempre igual. Isso tem hoje, até no Projeto
Guri _eu tenho uma parte dessa, depois posso te dar_ não tem uma nota fixa.
Nesse filme A Vida é Bela, ele conta assim: começou a segunda guerra mundial, e o
menino foi separado da família, dos pais, ele ficou com o pai, a mãe foi para um
alojamento de mulheres.Quando entravam os soldados o pai criou uma situação assim:
“- Olha, agora pra gente ganhar comida...”, por que não tinha comida também, né, “- A
gente vai ter que fazer...”, como eles falavam em alemão e ele falava em inglês né, ele
falava em italiano, “-A gente vai ter que fazer uma peripécia!”, entendeu? Então o menino
achava que aquilo era uma brincadeira, era uma brincadeira. É muito interessante. Então
você pinta a vida pra ele. E eu acho que na minha formação musical é tudo ao contrário
do que eu vivi, entendeu? Que eu quis na verdade romper com isso, primeiro porque eu
sou muito aberta, muito amorosa, né? Então eu não queria, pra quê que eu vou fazer
essa tortura que é você aprender um instrumento? É uma tortura.
Fabiana
: Você não queria reproduzir esse papel de...
Entrevistado
: Não, e também eu não queria ter alunos geniais, que isso não existe mais, né?
Queria dar oportunidade a todo mundo, de você ter acesso. Por que só eu podia fazer
aquilo? Todo mundo pode. Então quando chega alguém em casa que brinca, quer ver o
213
piano, meu piano está sempre aberto, “- Vem cá, brinca comigo.”, na hora falo “-
Olha tem a preta, tem a branca, toca isso”, então ele se sente feliz. Por isso que eu acho
que os meus alunos sempre foram muito receptivos, porque eu pintava aquele quadro
feliz, lógico que era um desafio pra mim, que também, é uma outra coisa, eu gosto de
desafiar. Eu gosto, porque aquilo é legal. Por que quê eu vou falar que aquele quadro vai
ser, é uma situação difícil? Quer dizer, é difícil se eu achar que eu tô vivendo um
momento difícil. Mas aí as pessoas tão com medo, eu vou criar, pra quê? Pra mim aquilo
é uma alegria. Todo mundo tem que ficar alegre. Hoje, eu que lido com muita criança,
que a gente tem muita criança levada, você sabe que as crianças estão assim. Então
essa grande dificuldade, pra mim mesma né? Como é que eu faço, então eu brinco
comigo mesma, sabe? Às vezes eu pego uma classe tão levada e eu vou criando
situações pra sonhar.Então quando eu sonho, fica mais fácil. Então às vezes a pessoa
passa na minha porta e eu fazendo aquelas folias, e vem “- Nossa! Mas a sua aula é
sempre tão engraçada, tão divertida.”, eu sempre falo: pode contar que quem ta mais
se divertindo sou eu. Porque eu me divirto com aquela situação. Eu não consigo fazer
uma coisa assim... Sabe? Que não envolva. Então onde eu eu quero, porque aquilo é
prazeroso para mim, né?
Fabiana
: É, e eu acho que até...
Entrevistado
: Assim você cria a criança assim, né?
Fabiana
: E eu vejo a minha parte nisso porque, pra mim, a questão da, de aprender o Braille na
época, que em princípio poderia ser uma coisa difícil, para mim era encantador eu
descobrir, cada símbolo que eu descobria...acho que isso veio de você, né?
Entrevistado: Acho que sim porque acaba descobrindo também, né? Esse prazer, essa coisa.
Mesmo, vamos dizer, a Amélia sempre fala, ela com oitenta e um anos, “-Você anima a
gente.”, lógico! Eu vou ficar desanimando? Mas, eu tenho, você mesma sabe, eu convivi
com pessoas, você conviveu com a mesma pessoa, que achava que aqui eu tinha uma
creche. Que não se conformava deu fazer essa alegria. Mas, o porquê de tudo isso?
Porque a pessoa o se permite, então isso é dela, entendeu? Como eu fui criada numa
família de italiano de um lado, com quatorze primos, meus tios todos cantarolando, hoje
todo mundo já quase morreu falta mais um, e gente com aquela folia, criançada, todo
mundo cantando, eles não tocavam nada, meu tio tocava com um dedo o piano e
achava aquilo o máximo, né? E “-Senta aí. Vamos tocar.”, e -Toca uma coisinha.”,
minha mãe fazia ele tocar qualquer coisa “-Toca aí” e todo mundo batia palma, tudo era
engraçado, entendeu? Tudo era felicidade, né? Sentavam cantando Nelson Gonçalves,
eu fui criada com essa música antiga. Eu gosto, né? Eu ponho e tal. Meu pai muito
brincalhão e a minha mãe sempre amorosa e tudo achando lindo, que , a minha
214
história na música, foi assim: meu pai sempre pagando, porque ele é um homem de
negócios, ele nunca entendeu nada, sempre chorando e achando aquilo lindo, a minha
mãe falando “-Não, vamos estudar.”, porque achava lindo e queria que eu tocasse, então
ela sempre “- Vamo, vamo! Compra isso, compra aquilo”, tanto que eu sou, olha tudo
que eu ganho gasto, descobri uma coisa, compro, tudo eu acho, sabe, assim? Vou
levando, você que material que eu tenho a pessoa vem, pode pesquisar. Fora que
todo mundo vai me dando também as coisas.(...) sou muito aberta. Foi assim que
aconteceu, a minha avó muito alegre, eu tocava acordeom ela ficava dançando, tava
com Alzheimer, queria que eu tocasse Saudade de Matão, queria de novo, eu tocava
dez vezes a mesma música e ela dançava e eu com aquela paciência, mas a paciência é
tudo né?
Fabiana
: É o ambiente.
Entrevistado
: É o ambiente. Então se você pinta isso pra qualquer pessoa, isso é pra pessoa, e
você gosta de viver feliz, porque eu sou capaz de viver infeliz, eu não sei viver sem ser
feliz. Eu hoje vou fazer quarenta e dois anos e acho assim, todo mundo brinca: “-Por q
que as suas amigas tem acima de setenta anos, né?”, até o César fala que quando soma
o carro mais de mil anos, né? Amanhã mesmo eu vou sair com uma turma, uma tem
88, outra tem 82, outra tem 75, e é aquela folia. Por quê que você não convive com
pessoas da sua idade? Porque as pessoas da minha idade estão separadas, são um
na cabeça, entendeu? E eu acho que com a música, e pela minha própria maneira de
ser, eu sou muito alegre, eu não agüento Fabiana.Ta se queixando e eu falo: escuta
minha filha, muda de vida. Eu já falo: vira, se transforma. E é difícil você romper com as
tradições, sobretudo eu que venho, a minha geração é uma geração de tradições, a
gente era criada para ser assim e eu, fui toda dentro da música. A minha mãe queria que
eu fosse música, queria que eu desse aula de música. Então você vê, o oposto, as
minhas amigas o quê que deu de imaculada? Engenheiras, médicas, psicólogas que
estava no auge, enfermeira padrão, tudo assim dessas áreas divulgadas, minha geração
é essa. E eu não.Eu fui ser professora de piano. Até rompi com gente que falou: ela
vai ser professorinha de piano. Nunca mais olhei na cara dela.
Fabiana
: Não merece ouvir.
Entrevistado
: Não merece ouvir. Posso ser uma professora de piano, mas eu faço aquilo com muito
amor, e quem vem sai sabendo. E outra coisa, eu trabalho com felicidade, porque eu já
encontrei muitas amigas minhas que fizeram outras faculdades e estão infelizes, e falam:
nossa com você está bem! E eu falo: mas é que eu fiz, eu fiz o que eu queria, entendeu?
E em questão de dinheiro também, sempre corri atrás de dinheiro com todo mundo
correndo atrás de dinheiro. Então não é porque você é artista que você não vai ganhar
215
dinheiro. Então você tem que correr atrás. Agora se você ficar sentado, deitado lá
dormindo não vai trazer mesmo né? Então, então você pinta, isso que eu vou falar para
você: qualquer aluno ou qualquer pessoa, você pinta a história do jeito que você quer.
Então se você faz um caminho para ele que você faz o caminho pra você ser difícil, se
eu ensinar música difícil, vai ser uma tortura pra mim e pra ele. Isso que eu falo pro
aluno. Isso aqui é difícil, por exemplo,um caso assim: o Tomás gosta de estudar coisas
dificílimas, então eu falo “isso é difícil, mas também não é impossível”. Vambora é um
desafio...vamos dizer, sonata dificílima, não estude pela parte mais difícil, vamos pegar
aquele pedaço mais gostoso? a gente vai puxando, vai puxando e pronto, ouve isso.
Então, você constrói um mundo de sonhos, eu acho .
217
ANEXO 3
ROTEIRO DE QUESTIONÁRIO APLICADO EM ALUNOS DE MÚSICA COM
DEFICIÊNCIA VISUAL
Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes – Unicamp
Instrumento de coleta de dados para a Dissertação de Mestrado de Fabiana
Fator Gouvêa Bonilha.
Título da pesquisa: Ensino da leitura e escrita musical em Braille: Práticas e
reflexões
Orientador: Professor Dr. Claudiney Carrasco
Introdução
Você está sendo convidado a contribuir com uma pesquisa que aborda o ensino
de música para pessoas deficientes visuais. Neste primeiro momento, solicitamos por favor
que você responda às perguntas abaixo com clareza, buscando relatar sua experiência
enquanto aluno de música deficiente visual.
Após a devolução deste questionário, suas respostas serão analisadas, e, em um
segundo momento, será agendada uma entrevista com você, para possíveis esclarecimentos
de suas colocações.
Desde já, agradecemos sua colaboração.
Questões:
1 - O que o(a) levou a estudar música?
2 - Fale brevemente sobre sua trajetória musical (seu contato com a música, sua formação,
dados sobre a carreira, etc).
3 - Como você escolheu seus professores de Música?
218
4 - Você aprendeu a ler e escrever música pelo sistema Braille?
Em caso afirmativo, responda:
A) Como foi seu primeiro contato com a Musicografia Braille?
B) A quais fontes você recorreu para aprender esse sistema de leitura e escrita?
C) Quais suas principais dificuldades durante o aprendizado?
5 - Caso você não tenha aprendido a ler e escrever música em Braille, responda:
A que você atribui o fato de não saber a Musicografia Braille?
6 - Quais as dificuldades encontradas em seu aprendizado de leitura e escrita musical em
Braille?
7 - Onde você obtém partituras e materiais didáticos? Na ausência desses materiais, a quais
alternativas você recorre?
8 - Você também costuma tirar músicas pelo ouvido? Com qual frequência?
9 - O que representa para você estudar música?
10 - Na sua opinião, quais mudanças deveriam ocorrer dentro do panorama atual do ensino
de Música para deficientes visuais?
RESPOSTAS DE ESTUDANTES DE MÚSICA QUE POSSUEM DEFICIÊNCIA VISUAL
Estudante 1
1- Desde a minha infãncia, sempre apreciei música. Juntamente com o gosto de ouvir boas
canções, veio a vontade de eu mesma tocá-las e para isso, decidi aprender algum
instrumento, contando sempre con o incentivo de meus pais.
2 - Iniciei meus estudos musicais tardiamente. Estudei Musicografia Braille pela Escola
Hadley por correspondência, curso que não concluí e tocava um pouco de órgão de
ouvido. Aos doze anos, tive minhas primeiras aulas de violão popular. Aos quinze anos,
iniciei meus estudos em violão clássico pelo Conservatório de Música de Mauá, cujo
professor, também deficiente visual, lecionava Musicografia Braille e teoria musical. Só
depois ingressei na Universidade de São Paulo em 1998.
219
3 - Minha carreira profissional teve início quando comecei a estudar violão popular, como
integrante de uma banda e depois com um tecladista na área de música popular e as
atuações no campo erudito, como alguns concertos como violonista ou apresentações
em, corais, só iniciou-se durante meus estudos acadêmicos.
4- A partir do momento que decidi aprender música, comecei a procurar professores que
fossem bons didaticamente, mas que principalmente me aceitassem como aluna, que
muitos nem ao menos tentavam trabalhar comigo, alegando não terem condições para
lecionar. As justificativas eram a falta de material em Braille ou, em alguns casos, a
falta de experiência didática em trabalhar com deficiente visual. Quando finalmente
adquiri conhecimentos básicos de teoria musical, ficou mais fácil minha comunicação
com professores de música videntes.
5-A) Como foi dito acima, estudei pela primeira vez a Musicografia Braille na Escola
Hadley.
Enquanto estudava na Hadley, utilizava apostilas que eles forneciam. Posteriormente,
passei a utilizar alguns livros transcritos na Fundação Dorina Nowill.
C) Em um primeiro momento, as dificuldades foram grandes, pois o curso de Musicografia
pela Escola Hadley era por correspondência, não permitindo que pudesse esclarecer
dúvidas específicas com um professor
6 - Devido a grande quantidade de sinais e regras utilizadas na Musicografia Braille, a
leitura e a escrita musical se torna algo mais complexo, exigindo cuidado do aluno ou
professor que utiliza esse sistema. São comuns a troca de sinais e também ocorrem
confusões com o sistema alfabético. Entretanto, tais problemas foram solucionados
rapidamente por mim, tão logo comecei a familiarizar-me com a aplicação da
Musicografia de maneira mais freqüente.
7 - Obtenho pouquíssimas partituras na Fundação Dorina Nowill, recebi material para
violão e piano através da ONCE da Espanha e os livros e métodos que possuo também
foram adquiridos na fundação. Porém, existe uma carência muito grande de livros,
métodos e partituras, além da imensa burocracia para adquirir os materiais existentes
na fundação. Por isso, muitas vezes sou obrigada eu mesma a confeccionar em Braille
os materiais dos quais necessito para estudar ou dar aulas.
8 - Sim, na maioria das vezes, principalmente música popular.
220
9 - Representa muito, principalmente profissionalmente, pois a música é meu único meio de
vida.
10 - Primeiramente, deveríamos preparar melhor nossos professores de música para
receberem alunos deficientes visuais, implantando nas universidades e conservatórios
musicais o ensino da Musicografia Braille. O acesso a livros e partituras deveria ser
mais facilitado, com a instalação de impressoras Braille nos principais centros de ensino
musical, além de pessoas que pudessem transcrever digitalmente partituras que
pudessem ser impressas para alunos cegos.
Estudante 2
1 - Eu estudei música, para aprimorar as técnicas e crescer em conhecimento musical.
Quis ser diferente dos outros violonistas que só tocam mas não estudam.
2 - Comecei a tocar violão aos 8 anos de idade.
Tive vários professores até chegar a universidade.
Estudei sempre violão popular, só na universidade é que estudei violão erudito.
Sou violonista mais popular do que um violonista erudito.
Sou guitarrista de uma banda católica, sou vocal, toco também contra-baixo, dou aulas
de música, sou segunda voz em dupla sertaneja.
3 - Sobre os professores de música, eu praticamente não os escolhi, apenas tive aulas com
quem me aceitava como aluno, pois aqui no interior o preconceito é muito grande com
os deficientes visuais.
É dolorido dizer, mas, teve professores que quando os procurei, diziam que eu nunca
iria ser um músico.
4 - Só tive contato com a Musicografia Braille no último semestre da faculdade.
Não havia estrutura no meu curso de instrumento. Só depois de passados 3 anos e meio,
é que o Professor Cláudio fez um curso de Musicografia Braille e foi me passando
alguma coisa.
Até hoje estudo Musicografia Braille, pois ainda não leio muito bem.
É maravilhoso estudar Musicografia Braille.
221
O professor Cláudio além de ser meu professor, é meu grande amigo, por isso é que
ainda tenho acesso a Musicografia Braille.
5 - As principais dificuldades é que no último semestre é que aconteceu a Musicografia
Braille em minha vida. Isso prejudicou muito meu curso, pois não pude utiliza-la no
decorrer do curso.
Nas aulas de arranjo por exemplo, fazia exercícios pelo ouvido. Para ler as peças na
aula de instrumento, o professor Cláudio me passava:
A - Qual era a nota musical - sea sua duração
B - digitação
C - andamento
D - dados gerais sobre a peça
Ele gravava em um gravador amador, e eu estudava em casa e tinha que decorar.
Método precário, mas era o único jeito de estudar.
6 - Não tive dificuldades na escrita em Braille, pois domino o método Braille desde os 8
anos de idade.
Não tive dificuldade nas figuras musicais, pois sabia sua duração, e a vontade era tanta
de sair daquele método arcaico que me adaptei logo ao sistema.
7 - O material usado provêm da universidade e do professor Cláudio.
8 - Tiro muita música pelo ouvido pelos motivos ja falados, e também por ser guitarrista e
violonista popular.
Eu ainda não tirei nenhuma música completa por Musicografia Braille.
9 - Estudar música representa para mim, a cima de tudo um desafio.
Quero continuar estudando Musicografia com o professor Cláudio, pois a universidade
me furtou a oportunidade de aprender Musicografia Braille antes.
10 - As mudanças que deveriam ocorrer na minha modesta opinião não é na escrita, mas,
deveria ser mais accessível estudar Musicografia, tudo é muito caro, poucos
profissionais da música passam para seus alunos Musicografia Braille.
222
É necessário expandir Musicografia Braille para toda parte, para que os nossos amigos
deficientes deixem de serem músicos deficientes.
Estudante 3
1 - O desejo de aperfeiçoar a técnica adquirida intuitivamente apenas.
2 - Aos 7 anos de idade ganhei um acordeom e aprendi a tocar de ouvido. Aos 13 tive
acesso a aulas de teoria musical e de Musicografia Braille. Estudei até o 3o ano de
piano, toquei trompete na banda do colégio, canto em coral e faço parte de um quarteto
de música raiz, o Guyrá (pássaro em tupi), onde toco gaita, escaleta, percussão de efeito
e vocal.
3 - Minha primeira professora lecionava na escola onde estudava, logo não foi escolha
minha. O maestro que me ensinou trompete também era da escola.
Mais tarde fiz técnica vocal na ULM coma cantora lírica Andréia Kaiser.
4 - A) Foi no Instituto Santa Luzia, de Porto Alegre, escola especial para cegos.
B) Além da orientação da professora que conhecia a grafia Braille, a métodos em
Braille editados pela Fundação Dorina Nowill.
C) A Irmã Celeste, professora de música da escola.
5 - Ter de ler com a mão esquerda o que a direita irá tocar e vice-versa, para depois tocar
com as duas simultaneamente.
7 - A ensaios com o regente, no caso do coral. O restante é de ouvido mesmo.
8 - É a forma que uso normalmente.
9 - A possibilidade de aperfeiçoar a técnica de execução e de conhecer novos gêneros.
10 - Não conheço outros métodos que possam estar sendo empregados, mas me preocupa a
falta de formação de novos conhecedores da Musicografia em Braille.
223
ROTEIRO DE QUESTIONÁRIO APLICADO EM PROFESSORES DE MÚSICA PARA
PESSOAS QUE POSSUEM DEFICIÊNCIA VISUAL
Introdução
Você está sendo convidado a contribuir com uma pesquisa que aborda o ensino de música
para pessoas com deficiência visual.
Neste primeiro momento, solicitamos por favor que você responda às perguntas abaixo com
clareza, buscando relatar sua experiência enquanto educador musical.
Após a devolução deste questionário, suas respostas serão analisadas, e, em um segundo
momento, será agendada uma entrevista com você, para possíveis esclarecimentos de suas
colocações.
Desde já, agradecemos sua colaboração!
Questões:
1 - Antes de dar aulas para alunos com deficiência visual, você havia tido contato com
pessoas com esta ou outras deficiências? Em caso afirmativo, comente brevemente
essa experiência.
2 - Em que circunstâncias você iniciou o trabalho com alunos com deficiência visual?
3 - Antes do início dessas atividades, quais suas expectativas e sentimentos frente a esse
trabalho?
4 - Como foi seu contato com a Musicografia Braille? Você já possuía algum domínio deste
método de escrita?
5 - Como foi o aprendizado de leitura musical de seus alunos com deficiência visual? Quais
as estratégias utilizadas por você para transmitir a eles os mecanismos da leitura
musical em Braille?
6 - Quais as dificuldades encontradas ao longo do processo de aprendizado musical desses
alunos?
224
7 - Quais as fontes utilizadas para a obtenção de partituras e materiais didáticos? Na
ausência destes materiais, a quais alternativas se recorreu?
8 - Quais mudanças você acredita que deveriam ocorrer dentro do ensino de música para
pessoas com deficiência visual, no sentido de que ele se torne mais eficiente?
9 - Pessoalmente, o que você pôde extrair da experiência de dar aulas para alunos com
deficiência visual?
RESPOSTAS DOS PROFESSORES DE MÚSICA PARA PESSOAS QUE POSSUEM
DEFICIÊNCIA VISUAL
Professor 1
1 - Eu nunca havia tido qualquer experiência com alunos que possuíssem quaisquer tipos de
deficiência.
2 - Em setembro de 2005, fui contratada pelo Departamento de Música da Escola de
Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (CMU / ECA / USP) para
ministrar a disciplina Percepção Musical. No primeiro dia de aula na classe de
Percepção Musical II conheci Giovanna Maira, cantora e portadora de deficiência
visual. Pedi a ela que me orientasse a respeito da maneira que ela considerava ser a
mais eficiente em relação ao seu aprendizado durante as aulas. Também perguntei a
respeito do material disponível no mercado. Ela respondeu-me que eu deveria ler em
voz alta tudo o que estivesse escrito na lousa para que ela pudesse fazer anotações em
Braille e comentou que o material existente no mercado é insuficiente.
Nos dias seguintes, conversei com Fabiana Bonilha, aluna do curso de Mestrado em
Música da UNICAMP e portadora de deficiência visual, que confirmou as informações
relacionadas ao uso da voz durante as aulas expositivas e á carência de material
disponível no mercado. Informou-me a respeito do programa que está sendo instalado
na UNICAMP, sob sua direção, voltado à confecção de material musical em Braille.
3 - Eu nunca havia pensado a respeito.
4 - Não domino a escrita em Braille. Acessei o site da Fundação Dorina Nowill e observei
que eles disponibilizam uma listagem com as partituras que possuem. Achei a iniciativa
importante e bem executada, mas o material precisa ser ampliado e atualizado. No
início de 2005, conheci o programa que está sendo instalado na Biblioteca Central da
225
UNICAMP, sob a direção de Fabiana Bonilha, voltado à confecção de material musical
em Braille.
5 - A aluna Giovanna domina muito bem a leitura e a escrita em Braille, assim como possui
uma boa formação musical, mas os livros que utilizo em aula não estão traduzidos.
Durante as aulas, ela anota as informações passíveis de serem escritas e memoriza as
demais informações. Quando entendemos que algo deve ser resolvido individualmente,
o fazemos em um plantão semanal de meia hora ao qual ela tem acesso. Ela executa
parte dos exercícios diários com o auxílio de gravações que fazem parte do material de
aula (utilizado por todos os alunos).
A maior dificuldade encontrada pela aluna está associada à escassez de material
atualizado disponível no mercado, ou seja, algumas atividades não podem ser
executadas pela aluna porque os livros utilizados em aula não foram traduzidos.
Entendo que cabe às entidades governamentais custearem tais traduções para o Braille,
que não possuem fins lucrativos e existem com a finalidade de prestar serviços à
população.
7 - Pedi que a aluna Giovanna requisitasse alguns exemplares existentes na Fundação
Dorina Nowill, mas eles ainda não foram enviados.
Frente à inexistência da tradução do material que utilizo em classe, segui a orientação
da aluna que possui uma deficiência visual: leio em voz alta tudo o que está escrito na
lousa, ela anota as informações passíveis de serem escritas e memoriza as demais
informações; procuro dizer a ela o que deve ser anotado e o que não precisa ser
anotado; e procuro executar algum eventual movimento corporal com as mãos dela para
que ela possa executar movimentos semelhantes aos dos outros alunos. Quando
entendemos que algo deve ser resolvido individualmente, o fazemos em um plantão
semanal de meia hora ao qual ela tem acesso. Ela executa os exercícios diários com o
auxílio de gravações – em CD, disquete e Internet – que fazem parte do material de aula
(utilizado por todos os alunos).
8 - No âmbito acadêmico, considero que a necessidade: do desenvolvimento de uma
ampla pesquisa relacionada ao ensino de música a deficientes visuais; da divulgação
dessa pesquisa em congressos e exemplares impressos; do ministério de uma disciplina
em cursos de pós-graduação em música ou em educação ou em educação musical que
trate do assunto de maneira aprofundada; e da criação de um centro nacional público de
produção e armazenamento de material musical em Braille (que contenha tanto o
material de própria lavra quando um material adquirido no mercado externo).
Considero o desenvolvimento de minha aluna portadora de deficiência semelhante ao
de outros bons alunos da mesma classe, mas observo que a falta de um material
226
impresso em Braille inviabilizará um maior aprofundamento e independência. Como
sabemos que hoje existem programas de computador que executam traduções de
português para Braille e de notação musical (MIDI ou impressa) para Braille, cabe às
entidades públicas adquiri-los, para que o potencial desses profissionais seja
plenamente aproveitado.
9 - Observo que o desenvolvimento e a divulgação de uma ampla pesquisa relacionada ao
ensino de música a deficientes visuais são necessários e a criação de um centro nacional
de produção e armazenamento de material em Braille é premente.
Professor 2
1 - Sim. meu pai era cego e músico, maestro, instrumentista e além disso estive sempre no
meio de pessoas cegas.
2 - Por ter achado absurdo uma escola técnica com é a emb, não aceitarem pessoas cegas e
ter um professor no quadro de professores cego.
3 - Absolutamente normal
4 - Desde pequena conhecia o Braille. Apesar de não ser cega, fui alfabetizada com o
Braille e depois aprendi a escrita em tinta. Vendo meu pai transcrever suas
composições em Braille.
5 - Uso meu próprio método e não vi problema com o aprendizado musical de meus alunos.
Minhas estratégias são trabalhar bastante com as notas dó, ré, mi, fá, sol, lá, si (d, e, f, g, h,
i, j). Ditado, percepção e ritmo. Depois de dominar a leitura e que trabalhamos os
valores, acrescentando os pontos 3 e 6 em Braille.
6 - Não encontrei dificuldades ao longo do processo, somente a falta de interesse de alguns
alunos e as mesmas dificuldades de pessoas que enxergam.
7 - A maioria das fontes são apostilas feitas por professores da emb e transcritas por mim.
quando não podia, meus alunos pedem aos colegas ou professores ditarem para eles
mesmos confeccionarem a partitura.
8 - Tornar optativo essa matéria dentro do curso de licenciatura e instalar programas nos
computadores de midibraille.
9 - A mesma experiência de alunos sem deficiência visual.
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