DESAFINANDO O CORO DOS CONTENTES
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já estavam estabelecidas. De um lado os artistas que buscavam desenvolver, a partir das
formas tradicionais, uma música “autenticamente brasileira” e de outro os tropicalistas que
assumiam uma postura “antropofágica” em relação à contemporaneidade e o passado.
Como explica Napolitano:
“O que estava em jogo, eram duas idéias-força, lançadas pelo
modernismo dos anos 20: uma evolução que corresponderia a um
aprimoramento da própria capacidade de sintetizar as bases culturais da
‘nacionalidade’, inscrita nas falas populares mais isoladas, sendo o
artista o formulador privilegiado desta consciência (inspirada em Mario
de Andrade); uma evolução que seria a deglutição, voluntária e seletiva,
da massa de informações disponíveis no mundo contemporâneo
(inspirada em Oswald de Andrade), sendo o artista o sintetizador de
novas propostas orgânicas” (1997).
Essas duas linhas tinham como principal palco de embate os festivais de canção. Os
dois principais festivais de 1968 foram o “III Festival Internacional da Canção” (durante o
mês de setembro) e o “IV Festival de MPB” (durantes os meses de novembro e dezembro).
Aquele foi o mais polêmico e conflituoso, tanto pela radicalização adotada na performance
dos tropicalistas, quanto pela “recepção” do público comprometido com a “canção de
protesto”.
O fato mais importante foi a apresentação de “É proibido proibir” onde Caetano
Veloso proferiu seu famoso “discurso
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”. É certo que a ala comprometida com a chamada
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“Mas é isso que é a juventude que diz que quer tomar o poder? Vocês têm coragem de aplaudir este ano
uma música que vocês não teriam coragem de aplaudir no ano passado; são a mesma juventude que vai
sempre, sempre, matar amanhã o velhote inimigo que morreu ontem! Vocês não estão entendendo nada, nada,
nada, absolutamente nada. Hoje não tem Fernando Pessoa! Eu hoje vim dizer aqui que quem teve coragem de
assumir a estrutura do festival, não com o medo que Sr. Chico de Assis pediu, mas com a coragem, quem teve
essa coragem de assumir essa estrutura e fazê-la explodir foi Gilberto Gil e fui eu. Vocês estão por fora!
Vocês não dão pra entender. Mas que juventude é essa, que juventude é essa? Vocês jamais conterão
ninguém! Vocês são iguais sabe a quem? São iguais sabe a quem? - tem som no microfone? - Àqueles que
foram ao Roda Viva e espancaram os atores. Vocês não diferem em nada deles, vocês não diferem em nada! E
por falar nisso, viva Cacilda Becker! Viva Cacilda Becker! Eu tinha me comprometido em dar esse ‘viva’
aqui, não tem nada a ver com vocês. O problema é o seguinte: vocês estão querendo policiar a música
brasileira! O Maranhão apresentou esse ano uma música com arranjo de charleston, sabem o que foi? Foi a
Gabriela do ano passado que ele não teve coragem de, no ano passado, apresentar, por ser americana. Mas eu
e Gil abrimos o caminho, o que é que vocês querem? Eu vim aqui pra acabar com isso. Eu quero dizer ao
júri: me desclassifique! Eu não tenho nada a ver com isso! Nada a ver com isso! Gilberto Gil! Gilberto Gil
está comigo pra acabarmos com o festival e com toda a imbecilidade que reina no Brasil. Acabar com isso
tudo de uma vez! Nós só entramos em festival pra isso, não é Gil? Não fingimos, não fingimos que