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nos deparamos com uma cifra, ou nos entregamos a elas certos da possibilidade de chegar à
transcendência, ou então recuamos, certos também que não existe nada além da realidade no
mundo.
Com isso, quer-se mostrar que a linguagem cifrada se configura, antes, como à
atualização de uma relação que preserva a dimensão do mistério. Ora, as cifras, com efeito,
não comunicam nada sobre a transcendência, pois não se estabelece, em hipótese alguma, um
anúncio da transcendência mesma. Pode-se dizer que são as atitudes humanas envolvidas que
delineiam o seu modo de expressão e articulação.
Conclui-se, portanto, que somente a existência situada poderá estabelecer uma chave
de compreensão para a linguagem ‘enigmática’ da transcendência, como salienta o nosso
autor na seguinte passagem: “algo que está mais além do homem, algo que não há no mundo
como objeto, algo que denominamos linguagem das cifras” (JASPERS, 1970, p.38)
74
. O
grande risco, porém, é permanecer diante dessa linguagem em posição de idolatria. Ora,
Jaspers não cessa de criticar o desvio que consiste em tomar a cifra, ou até mesmo o seu
significado e expressão, pela própria transcendência. Segundo ele, a cifra é reveladora
precisamente porque não mostra algo de positivo, mas sim, negativamente, aquilo que não
podemos ver. Somente nesse nível de realização o mistério daquilo que se oculta permanece e
perdura na linguagem cifrada. Como escreve:
A linguagem das cifras se faz ‘real’ unicamente como uma linguagem que
escutamos e contemplamos sensivelmente. Contudo, esta ‘realidade’ não é de
alguém que fala, nem sequer uma relação entre cifra e significado. A cifra é
linguagem, mas não de alguém que fala (JASPERS, 1968, p.186)
75
.
Com isso, é possível dizer que, efetivamente, o existente não se comunica com
transcendência, pois, em lugar algum consegue a cifra, convertendo-se em linguagem,
manifestar algo da transcendência. Pode-se dizer que a função da cifras é, antes, possibilitar
ao existente se aproximar da transcendência, mas sem, com isso, se colocar no ‘lugar’ da
transcendência. Mostra-se, portanto, como o ‘caminho’ que possibilita ao existente alcançar o
seu objetivo maior, que é a realização de uma possível experiência da transcendência Isso
evidencia, por sua vez, a impossibilidade de ‘converter’, numa linguagem de compreensão
universal a consciência que emerge a respeito da transcendência.
Segundo Jaspers, o importante no processo de ‘leitura’ dos sinais cifrados é que o
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KASPERS, Karl. Cifras de la transcendencia. Madrid: Alianza Editorial, 1970. Tradução nossa.
75
JASPERS, Karl. La fe filosófica ante la revelación. Madrid: Editorial Gredos, 1968. Tradução nossa.