Download PDF
ads:
ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA
INSTITUTO ECUMÊNICO DE PÓS-GRADUAÇÃO
VIVIANE ZIMERMANN HECK
A INFLUÊNCIA DA LITERATURA INFANTIL NA RESOLUÇÃO
DE CONFLITOS INTERIORES DAS CRIANÇAS
São Leopoldo
2008
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
VIVIANE ZIMERMANN HECK
A INFLUÊNCIA DA LITERATURA INFANTIL NA RESOLUÇÃO
DE CONFLITOS INTERIORES DAS CRIANÇAS
Dissertação de Mestrado
Para obtenção do grau de Mestre em Teologia
Escola Superior de Teologia
Instituto Ecumênico de Pós-Graduação
Religião e Educação
Orientador: Prof. Dr. Remí Klein
São Leopoldo
2008
ads:
ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA
INSTITUTO ECUMÊNICO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA
VIVIANE ZIMERMANN HECK
A INFLUÊNCIA DA LITERATURA INFANTIL NA RESOLUÇÃO
DE CONFLITOS INTERIORES DAS CRIANÇAS
Dissertação de Mestrado
Para obtenção do grau de Mestre em Teologia
Escola Superior de Teologia
Instituto Ecumênico de Pós-Graduação
Religião e Educação
Data: _________________________________
__________________________________________________________________
Remí Klein (Doutor em Teologia - EST)
__________________________________________________________________
Manfredo Carlos Wachs (Doutor em Teologia - EST)
RESUMO
O presente trabalho aborda a importância da literatura infantil na resolução de conflitos
existenciais das crianças da educação infantil. A fim de comprovar a eficácia de um trabalho
com literatura, foi executado um projeto com essa arte em uma escola municipal da cidade de
Novo Hamburgo/RS. O projeto foi desenvolvido ao longo do ano de 2008 em uma turma de
três e quatro anos. Todas as histórias e poesias escolhidas para serem exploradas no grupo
foram selecionadas a partir de uma “escuta apurada” da pesquisadora e também educadora do
grupo de crianças. Inicialmente foi narrado o conto de fadas Chapeuzinho Vermelho com o
intuito de explorar a questão do medo e da curiosidade infantil vivenciada por meio da
protagonista da história. Após, deu-se continuidade ao projeto com a narração da obra Quem
tem medo de lobo?. Essa também enfocou a questão do medo e possibilitou explorar, por
meio de um livro ilustrado e confeccionado pelas crianças, os medos presentes no grupo.
Dando continuidade, foi narrada a história bíblica A criação e, posteriormente, Diversidade,
obras que exploraram temas como as diferenças, semelhanças, direitos e deveres presentes em
uma sociedade. Como finalização, houve a explorão de duas poesias de Cecília Meireles: As
meninas e Sonhos de Menina, com as quais foi possível explorar temas como características
pessoais, nomes e sonhos de cada um. A pesquisa comprovou que as crianças fazem uso das
boas histórias que a elas são narradas e por meio de momentos onde podem se expressar
utilizam-se de dramas das personagens das histórias para apontarem fatos que estejam
vivenciando em suas vidas. A literatura infantil, quando bem selecionada e utilizada, é capaz
de provocar transformações e de possibilitar à criança momentos onde, de forma inconsciente,
estará refletindo sobre sua vida. Portanto, a arte literária contribui no desenvolvimento das
crianças e possibilita que a utilizem para compreenderem melhor o mundo que as cerca e
sentirem-se bem e aceitas nele.
Palavras-chave: Literatura infantil. Educação infantil. Conflitos existenciais.
ABSTRACT
The present project discuss about the importance of children literature in the resolution of
children’s living conflicts of child education. To prove the efficiency of a literature work, a
project with this art was executed in a municipal school in Novo Hamburgo/RS. The project
was developed during 2008 in classes of three and four year-olds. All the stories and poems
chosen to be explored by the group were picked by the researcher and child educator from an
“accurate hearing”. Initially the Little Red Riding Hood fairy tale was narrated with the idea
of exploring the question of fear and child curiosity dwelled by the protagonist of the story.
After that, the project was continued with the narration of Who is Afraid Of Wolves? This
story also focused on fear and the possibility of exploring, through the illustrated book and
made by children, the fears among the group. Then the biblical tales The Creation and
Diversity were narrated, stories that explored themes such as differences, similarities, rights
and duties present in a society. To finalize it, there were two poems by Cecilia Meireles: The
Girls and Girl’s Dreams, where we were able to explore themes such as personal
characteristics, names and each one’s dreams. The research proved that children are able to
make good usage of good stories narrated to them and in moments where they can express
themselves through the characters of the stories to point out facts lived by them. The children
literature, when well selected and used, is able to affront changes and enable moments to
children where, unconsciously, are reflecting to their lives. Hence, literature contributes to the
development of children and allows them to comprehend the world better and feel well and
accepted in it.
Keywords: Children literature. Children education. Living conflicts.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................................07
1 LITERATURA INFANTIL..............................................................................................10
1.1 Contexto do surgimento da literatura infantil.................................................................11
1.2 Literatura Oral...............................................................................................................15
1.3 Conceito de Literatura...................................................................................................16
1.4 A finalidade da literatura...............................................................................................20
1.5 Características específicas do texto literário destinado às crianças.................................23
2 CARACTERÍSTICAS DO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA DE TRÊS ANOS 26
2.1 O desenvolvimento psicológico da criança ....................................................................27
2.2 Estágio pré-operatório (2-7 anos), segundo Piaget .........................................................30
2.3 O desenvolvimento infantil, segundo Wallon.................................................................33
2.4 O desenvolvimento infantil, segundo Vygotsky.............................................................33
2.5 A criança e a religiosidade.............................................................................................34
3 HISTÓRIAS E HISTÓRIAS - O PROJETO...................................................................42
3.1 O bibliodrama com crianças ..........................................................................................44
3.2 As histórias narradas e suas relações com a vida das crianças........................................45
3.2.1 Chapeuzinho Vermelho ........................................................................................46
3.2.2 Quem tem medo de lobo?.....................................................................................50
3.2.3 A Criação .............................................................................................................51
3.2.4 Diversidade ..........................................................................................................54
3.2.5 As meninas...........................................................................................................56
3.2.6 Sonhos de Menina ................................................................................................56
CONCLUSÃO......................................................................................................................58
REFERÊNCIAS...................................................................................................................61
ANEXOS ..............................................................................................................................64
INTRODUÇÃO
O presente trabalho consiste em uma pesquisa realizada junto a crianças de três anos
de uma escola municipal de Novo Hamburgo/RS com o intuito de comprovar a importância
da literatura na resolução de conflitos existenciais das crianças. A mesma ocorreu nos meses
de março a outubro do ano de 2008. Como a pesquisa aconteceu em um grupo de crianças, foi
utilizado um termo de consentimento dos pais (anexo), a fim de poder utilizar as falas no
trabalho.
O tema da pesquisa surgiu a partir da observação em relação ao trabalho que é
desenvolvido com a literatura nas escolas de educação infantil, onde se ênfase ao caráter
pedagogizante em detrimento da característica estética da obra, o que destitui a literatura
infantil de sua finalidade primordial: fazer o indivíduo refletir sobre suas questões
existenciais. A literatura infantil foi e é assunto de constante pesquisa da autora, uma vez que
a mesma possui formação em Letras e realizou os trabalhos finais da graduação e da
especialização na área da literatura infantil. Além disso, também atua na educação infantil e
sente a necessidade constante de um trabalho mais conciso nessa área. Muitos são os projetos
que utilizam a literatura infantil no contexto escolar, porém, a grande maioria a utiliza com
um fim pedagogizante e se esquece de valorizá-la enquanto arte.
No projeto desenvolvido, a autora utilizou-se da literatura a fim de conhecer seus
educandos e possibilitar que, por meio das protagonistas das histórias e de seus desfechos,
também pudessem redimensionar situações conflituosas que estivessem vivenciando.
8
Tendo em vista que a pesquisa foi realizada com um grupo de crianças de três anos,
conhecer as características das crianças dessa faixa etária foi decisivo no desenvolvimento das
etapas e na metodologia utilizada pela educadora e pesquisadora. A autora optou por uma
pesquisa-ação, uma vez que analisou as etapas de um projeto seu com literatura infantil, bem
como os resultados obtidos no decorrer do processo e ao final do mesmo. Também usou a
metodologia do professor reflexivo que utiliza sua prática e a teoria para realizar reflees e, a
partir dessas, redimensiona sua prática, re-significando-a.
Os objetivos da pesquisa o: pesquisar e aplicar propostas possíveis de trabalho com
a literatura infantil em sala de aula; possibilitar às crianças vivências com literatura infantil
para que possam, a partir dessas, refletir sobre sua ppria vida; verificar a importância da
literatura infantil enquanto leitura emancipatória para as criaas; identificar formas de
intervenção em grupos de crianças tomando como base a literatura infantil e analisar obras
literárias e escolher aquelas que possibilitem aos grupos de crianças uma percepção sobre si
ou sobre o seu grupo.
Ao iniciar a pesquisa, alguns problemas direcionaram a mesma: Como a literatura
pode beneficiar as crianças na resolução de seus conflitos interiores? De que forma se pode
propor dinâmicas com a literatura a fim de que ela possa, no grupo, ser terapêutica? Que
livros realmente instigam à refleo e possibilitam à criança o pensar em si.
A autora dedicou-se à pesquisa bibliogfica a fim de poder fundamentar teoricamente
o trabalho e também realizou uma intensa observação no grupo com o qual seria desenvolvido
o projeto. Descobriu características das crianças e de suas famílias que foram fundamentais
para que pudesse, posteriormente, analisar as falas das crianças a partir da história narrada e
redimensionar as interveões que faria no grupo, bem como auxiliar na escolha das histórias
e poesias que seriam utilizadas.
O presente trabalho foi subdividido em três capítulos. No primeiro capítulo,
Literatura Infantil, a autora explanou sobre a origem da literatura, sua importância,
características e a finalidade que a mesma possui. Esse capítulo possibilita escolher obras de
qualidade, visto que somente ocorre uma opção adequada conhecendo-se as características da
literatura infantil de qualidade.
9
No segundo capítulo, Características do desenvolvimento da criança de três anos, são
apresentadas as caractesticas das crianças de três anos, uma vez que foi essa a faixa etária
escolhida para a realização do projeto. Esse capítulo também foi de extrema importância para
a autora, pois a mesma não possuía experiência com crianças de três anos e pesquisar suas
características possibilitou-lhe compreender melhor as reações e atitudes das crianças frente
às histórias. Também é apresentada uma relação da criança e de sua religiosidade, uma vez
que também será explorada uma narrativa bíblica junto ao grupo pesquisado.
No terceiro e último capítulo, Histórias e histórias - O PROJETO, ocorre a relação da
teoria pesquisada com a prática. A partir da fundamentação teórica e da experiência de
observação do grupo, a autora propõe-se a explorar narrativas e poesias junto ao grupo e, a
partir delas, verificar aspectos que estejam sendo angustiantes às crianças. Por meio do relato
das experiências vivenciadas a partir das histórias e dos relatos das crianças a partir das
mesmas, a autora observa a relação da literatura com a vida das crianças.
Este trabalho, certamente, poderá trazer benefícios para aqueles que interagem com a
literatura infantil e com a educação infantil. Ele foi muito enriquecedor para sua autora, pois
ela pôde, através da proposta que desenvolveu em sua turma, contribuir para uma modificação
da concepção de literatura infantil na educação infantil. Além disso, também despertou nela
um grande interesse em continuar explorando narrativas bíblicas e poesias, visto que esses
tipos de textos, muitas vezes, são deixados de lado no contexto escolar. Por sua vez, aos
profissionais de Educação esta dissertação oferece fundamentos teóricos aliados à prática,
mostrando-lhes a diferença entre o texto de caráter estético e o de caráter pedagógico, além de
possibilidades de intervenção com a literatura infantil em um grupo de três anos. Ela também
é relevante para a literatura infantil, pois a diferencia do texto pedagógico e a eleva como arte
que é capaz de possibilitar ao ser humano um auto-conhecimento. As crianças da educação
infantil da escola na qual foi desenvolvido o projeto, provavelmente, serão as mais
beneficiadas pelas vivências que experimentaram a partir de obras selecionadas e que,
provavelmente, nunca mais serão esquecidas. Além disso, certamente, foram despertadas para
a paixão pelo mundo da leitura.
1 LITERATURA INFANTIL
A literatura infantil, antes de tudo, é literatura, ou seja, arte, destinada a uma
determinada faixa etária exclusiva: a infância. Porém, o adjetivo “infantil”, que caracteriza a
literatura em análise, foi compreendido, e por vezes ainda o é, por alguns autores, como
inferior e banal. Esse errôneo conceito adiciona-se a outra problemática da literatura infantil
que consiste na distorção da sua real função. As primeiras produções destinadas ao público
infantil possuíam uma grande preocupação pedagógica que superava o aspecto prazeroso e
estético tão valioso nas obras literárias. Essa preocupação inicial, que nada tem a ver com
literatura, provém de algumas modificações que vinham ocorrendo na sociedade da época,
entre elas, a renovação da instituição escolar.
É na escola que nascem os primeiros textos dedicados às crianças que são, além de
escritos por educadores, também utilizados por eles com fins meramente pedagogizantes.
Dessa forma, constituiu-se, durante o século XVIII, a função primordial dos primeiros textos
dedicados às crianças: transmitir valores e conhecimentos.
Ao longo do tempo, pôde-se perceber que a literatura que brotava na escola, apesar de
contribuir, como mencionado, na formação de valores e na transmissão de conhecimentos,
não tinha por finalidade despertar o interesse das crianças pela arte em si - a obra literária.
Esse fato tornou-se ainda mais relevante quando surgiram as primeiras adaptações dos contos
coletados na tradição oral. Eram esses que possibilitavam aos pequenos viajar pelas asas da
imaginação e da fantasia. Foi também nesse momento que a literatura evoluiu do caráter
utilitário, no qual surgiu, para um caráter estético, transgressor de paradigmas.
[...] a literatura infantil atinge o estatuto de arte literária e se distancia de sua origem
comprometida com a pedagogia, quando apresenta textos de valor artístico a seus
11
pequenos leitores. E não é porque estes ainda não alcançaram o status de adultos que
merecem uma produção literária menor.1
Apesar de ter surgido como objeto pedagógico, a verdadeira literatura caracteriza-se
por ser uma arte e, para isso, necessita de características que realmente a distingam como tal.
A literatura infantil mostra sua eficiência na medida em que possibilita à criança defrontar-se
com seus medos, angústias, alegrias e tristezas e quando, através desses sentimentos, permite
que a criança se conheça e se prepare para enfrentar os desafios de sua vida. Ela se apresenta,
assim, como um elemento de grande importância na formação do ser humano. Nesse sentido,
a literatura infantil assume seu verdadeiro papel, tornando-se essencial à humanidade. Assim,
comprova Coelho: A Literatura, e em especial a Infantil, tem uma tarefa fundamental a
cumprir, nesta sociedade-em-transformação: a de servir como agente de transformação, seja
no espontâneo convio leitor/livro; seja no “diálogo” leitor/texto [...]”.
2
1.1 CONTEXTO DO SURGIMENTO DA LITERATURA INFANTIL
A literatura infantil surgiu no final do século XVII na Europa, com a renovação da
concepção de infância, pois, antes disso ela não existia . Esse surgimento deu-se em meio a
específicas condições econômicas, sociais e culturais.
A literatura infantil apareceu em um momento de grandes transformações econômicas:
a sociedade assistia a uma expansão do setor comercial mercantilista que progredia aliado à
manutenção do trabalho artesanal; porém, aos poucos, o mercantilismo transformou-se em um
obstáculo para o crescimento da burguesia que buscava a possibilidade da livre negociação e
fabricação de seus produtos. Em decorrência disso, inicia-se uma nova etapa na economia: a
industrialização. Essa etapa é caracterizada pelo aparecimento da fábrica moderna.
[...] tudo o que tinha acontecido antes, no que se referia à fabricação de produtos,
parecia brincadeira. Numa fábrica, o produto passava por múltiplas e sucessivas
operações, diminuindo muito o tempo de execução de cada peça e multiplicando
rapidamente a quantidade de peças produzidas. O trabalho do homem mudou
radicalmente. A fábrica só podia funcionar com trabalho coletivo, e o operário foi se
transformando em um autômato, uma extensão da quina. Não havia mais lugar
1
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na Escola. 8.ed. São Paulo: Global, 1981. p.23.
2
COELHO, Nelly N. Panorama histórico da literatura infantil e juvenil. 4.ed. São Paulo: Ática, 1991. p.14.
12
para o pequeno artesão isolado. Os tecelões, com suas oficinas arruinadas, foram à
falência, sendo obrigados a trabalhar nas grandes fábricas de tecidos.
3
A industrialização também acarretou um grande movimento de emigração para as
cidades, afinal, era lá que se concentrava a maior procura pela mão de obra. Com o objetivo
de melhorar as condições de vida, os camponeses abandonavam o campo e contribuíam, dessa
forma, para o processo de urbanização que ocorreu na sociedade da época.
A estrutura da sociedade que existia no contexto do surgimento da literatura infantil
também sofreu transformações. A sociedade, que antes era feudal, caracterizada pela
fragmentação do território e pela descentralização do poder, transformara-se em absolutista,
caracterizada pela centralização militar e política nas mãos do rei. Por essa razão, a burguesia
enfrentava crises com o poder absolutista devido à impossibilidade de expandir o seu
domínio. A decadência do feudalismo também acarretou algumas modificações na noção de
família da época.
Com a decadência do feudalismo, desagregam-se os laços de parentesco que eram
um dos respaldos deste sistema, baseado na centralização de um grupo de indivíduos
ligados por elos de sangue, favores, vidas ou compadrio, sob a égide de um senhor
de terras de origem aristocrática. Da dissolução desta hierarquia nasceu e difundiu-
se um conceito de estrutura unifamiliar privada, desvinculada de compromissos mais
estreitos com o grupo social e dedicada à preservação dos filhos e do afeto interno,
bem como de sua intimidade. Estimulada ideologicamente pelo Estado absolutista e,
depois, pelo liberalismo burguês, que encontraram neste núcleo o suporte necessário
para centralizar o poder político e contrabalançar a rivalidade da nobreza feudal, ela
recebeu o aval político para irradiar seus principais valores: a primazia da vida
doméstica, fundada no casamento e na educação dos herdeiros; a importância do
afeto e da solidariedade de seus membros; a privacidade e o intimismo enquanto
condições de uma identidade familiar.
4
Essas transformações foram responsáveis por um novo modelo de família. A estrutura
familiar renovada, voltada mais ao afeto, também resultou em uma preocupação maior dos
pais para com seus filhos. Esses passaram a receber maior atenção e, através disso, surgiu
uma nova visão da infância, em que as crianças não eram mais vistas como adultos em
miniatura, mas como seres em uma etapa especial e diferenciada com características próprias
e, nem por isso, menos importantes.
A natureza intrinsecamente social da literatura infantil decorre das circunstâncias
que provocaram seu aparecimento. Emergindo paralelamente a um novo fenômeno -
3
TOTA, Antônio Pedro; BASTOS, Pedro Ivo de Assis. História Geral.o Paulo: Nova Cultura, 1999. p.86.
4
ZILBERMAN, 1981, p.14.
13
o da idealização da criança e da infância -, sua existência não pode ser compreendida
sem que seja vinculada à nova posição que ocupa a burguesia na sociedade européia
durante o século XVIII. Ao conquistar um poder político coerente com sua crescente
capacidade ecomica, a classe burguesa impõe também seus valores e sua cultura,
em cujo centro está uma ênfase especial dada à criança e às instituições ligadas a
ela.
5
Os avanços tecnológicos também foram marcantes na difusão da literatura infantil que
surgia. Um papel decisivo pode ser dedicado à modernização da imprensa, cuja participação
foi essencial na medida em que transformou o livro em um objeto acessível a um mero
maior de leitores, pois a imprensa conseguiu reduzir o seu preço, tornando-o o mais novo
produto de mercado. Portanto, o progresso das técnicas de industrialização atingiu a arte
literária, gerando produções em série de fácil distribuição e consumo. A modernização da
indústria possibilitou a reprodução de um livro em muito menos tempo e, conseentemente,
reduziu o seu valor.
Nos aspectos culturais que permearam o surgimento de uma literatura voltada ao
público infantil, encontra-se o importante marco de transformação da sociedade, representado
pela renovação da instituição escolar. Sua transformação acarretou a valorização da infância e
a conseqüente necessidade da formação de valores para essa faixa etária, valores condizentes
com os ideais da burguesia:
[...] a criança torna-se [...] um dos eixos em torno do qual a burguesia se organiza.
Com isto, fez-se necessário o surgimento concomitante de instituições e produtos
culturais que o apenas divulgassem estas novas proposições, mas que igualmente
condicionassem a criança ao novo papel a ser desempenhado.
6
Como já foi dito, a escola assumiu um importante papel na difusão da literatura, pois
foi nessa instituição que a literatura surgiu em decorrência da necessidade da formação
pedagógica das crianças. As primeiras produções literárias destinadas às crianças possuíam
uma ampla função moralizante, pois, através da literatura, a sociedade propunha-se a passar às
crianças os ideais da sociedade vigente, a burguesia. Assim, o poder local, aliado à instituição
escolar, possuía maior facilidade para dominar a população, iniciando esse processo já em sua
base.
5
KHÉDE, Sônia Salomão (Org.). Literatura infanto-juvenil - Um gênero polêmico. 2.ed. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1986. p.18.
6
KHÉDE, 1986, p.18.
14
Quando a instituição escolar assume a produção da literatura destinada às crianças,
essa perde muito em aspectos estéticos, pois deixa de atingir junto ao público infantil a sua
real função.
Segundo Zilberman,
A aproximação entre a instituição e o gênero literário não é fortuita. Sintoma disto é
que os primeiros textos para crianças são escritos por pedagogos e professoras, com
marcante intuito educativo. E, até hoje, a literatura infantil permanece como uma
colônia da pedagogia, o que lhe causa grandes prejuízos: não é aceita como arte, por
ter uma finalidade pragmática; e a presença deste objetivo didático faz com que ela
participe de uma atividade comprometida com a dominação da criança.
7
A escola surge, por sua vez, renovada e aliada à burguesia e, dessa forma, se torna
importante na função de difundir os ideais pertencentes à burguesia e, para isso, utiliza-se da
produção das obras literárias em que prevalece a reprodução de estereótipos humanos e a
veiculação de comportamentos exemplares. Assim, a escola torna-se um elemento essencial à
expansão do domínio da burguesia.
[...] é por omitir o social que a escola pode se converter num dos veículos mais bem
sucedidos da educação burguesa; pois, a partir desta ocorrência, torna-se possível a
manifestação dos ideais que regem a conduta da camada no poder, evitando o
eventual questionamento que revelaria sua face mais autêntica. É neste momento
que a educação perde sua inocência, e a escola, sua neutralidade, comportando-se
como uma das instituições encarregadas da conquista de todo o jovem para a
ideologia que a sustenta, por ser a que suporta o funcionamento do Estado e da
sociedade.
8
Portanto, o contexto no qual a literatura infantil surge, justifica suas características e
suas finalidades iniciais. Assim, torna-se imprescindível conhecer dados da sociedade da
época para ser possível compreender toda problemática que acompanha a literatura infantil e
da qual ela o se desvinculou de todo, até mesmo na atualidade.
7
ZILBERMAN, 1981, p.13-14.
8
ZILBERMAN, 1981, p.19.
15
1.2 LITERATURA ORAL
Ao analisar-se, nessa pesquisa, o surgimento da literatura infantil, não se pode deixar
de mencionar a importância da literatura oral, que foi adaptada para a forma escrita por
escritores conhecidos ainda nos dias de hoje.
Quando hoje falamos nos livros consagrados como clássicos infantis, os contos-de-
fada ou contos maravilhosos de Perrault, Grimm ou Andersen, ou as fábulas de La
Fontaine, praticamente esquecemos (ou ignoramos) que esses nomes não
correspondem aos dos verdadeiros autores de tais narrativas. o eles alguns dos
escritores que, desde o século XVII, interessados na literatura folclórica criada pelo
povo de seus respectivos países, reuniram as estórias anônimas, que séculos
vinham sendo transmitidas, oralmente, de geração para geração, e as transcreveram
por escrito.
9
Verificamos, na citação de Nelly Novaes Coelho, o quão importante foi a tradição oral
no nascimento da literatura, pois foi através da escrita de contos narrados pelo povo que
surgiu uma literatura contendo elementos do maravilhoso e do fantástico, tão importantes em
uma narrativa que visa despertar o interesse da criança pela leitura e não apenas doutriná-la.
Sabe-se que essas narrativas inicialmente não eram destinadas às criaas, mas sim
aos adultos. Para que pudessem ser utilizadas pelas crianças, sem receio de que lhes
trouxessem algum mal, os autores realizaram adaptações e assim surgiram os contos que até
hoje surpreendem muitos leitores infantis. O precursor, neste sentido, foi Perrault, com seus
maravilhosos contos de fada, como comprova Cademartori “No século XVII, o francês
Charles Perrault (Cinderela, Chapeuzinho Vermelho) coleta contos e lendas da Idade Média e
adapta-os, constituindo os chamados contos de fadas, por tanto tempo paradigma do gênero
infantil”.10
Perrault coletou histórias em meio a seus servos e, a partir deles, foi acrescentando
detalhes que poderiam interessar àqueles a quem se destinavam os textos literários
produzidos: a burguesia.
Quando se consideram as narrativas coletadas, portanto, é preciso levar em conta
dois momentos: o momento do conto folclórico, sem endereçamento à infância,
circulando entre adultos, e, mais tarde, a adaptação pedagógica com direcionamento
9
COELHO, 1991, p.12.
10
CADEMARTORI, Lígia. O que é literatura infantil? São Paulo: Brasiliense, 1986. p.33.
16
à criança. É no segundo momento que surge o caráter de advertência, fazendo com
que a personagem que se afaste das regras estabelecidas seja punida, como no conto
Chapeuzinho Vermelho. Maravilhosos ou humorísticos, os contos populares, antes
da coleta, destinavam-se ao público adulto e eram destituídos de propósitos
moralizantes.
11
Conforme Cademartori, mesmo sendo Perrault o primeiro a produzir algo que pudesse
ser considerado literatura infantil, o tom moralizante em suas compilações não se extinguiu
por completo, pois se imaginava que a criança, sendo um ser em formação, necessitasse de
bons exemplos nos quais pudesse se espelhar.
Cademartori ainda afirma que no século XIX foi realizada outra coleta de contos
populares. Os responveis, nessa época, entre outros, foram os irmãos Grimm, Christian
Andersen, o italiano Collodi, o inglês Lewis Carrol, o americano Frank Baum, o escocês
James Barrie.
12
Assim, como registrou a autora anteriormente citada, aos poucos foram surgindo
novos autores que se propunham a dedicar suas obras às crianças. Os citados acima possuíam
a genialidade de produzir textos carregados de aspectos fantásticos e maravilhosos, outros,
porém, continuavam produzindo textos aliados à pedagogia.
Esse foi o contexto que marcou os primórdios da literatura infantil e, de certa forma,
suas conseqüências repercutem, ainda, nos dias atuais, porque a escola continua distorcendo,
em seu trabalho, a função da obra literária destinada às crianças.
1.3 CONCEITO DE LITERATURA
Muitos são os teóricos que se dedicaram a definir a literatura. Certamente ocorreram e
ainda ocorrem muitas divergências ao comparar-se os diferentes conceitos. A seguir,
apresentam-se alguns, seguidos de um breve comentário, com o intuito de buscar elementos
que permitam definir a literatura infantil.
11
CADEMARTORI, 1986, p.40.
12
CADEMARTORI, 1986, p.33.
17
A palavra “literatura” deriva do Latim litteratura, que por sua vez se origina de
littera, ae e significa o ensino das primeiras letras, o ensino primário, da escrita e
das letras. Com o tempo, a palavra ganhou melhor sentido e passou a significar arte
das belas letras ou simplesmente arte literária .
13
Massaud Moisés traz a origem da palavra literatura e acrescenta que esse conceito,
inicialmente, se restringia ao ensino das primeiras letras, porém, aos poucos, foi sendo
reformulado até ser qualificado por arte literária.
O mesmo autor, em outro trecho, não inclui em sua definição do que é literatura os
contos folclóricos e outras expressões orais e, além disso, insiste em que, para haver literatura,
é preciso haver o registro gráfico:
[...] só podemos falar em Literatura quando possmos documentos escritos ou
impressos, o que equivale a dizer que a chamada Literatura oral não corresponde a
nada. O que é a transmissão oral da Literatura depois que existe o texto escrito ou
impresso.
14
Para Dino Del Pino,
[...] literatura é expressão de imagens. o de imagens simplesmente copiadas, mas
de imagens criadas pelo poder combinatório da fantasia. É por isso que se diz que
literatura é ficção, palavra oriunda do verbo latino fingere (fingir). Fica esclarecido,
com isso, que o conteúdo da obra literária não é da mesma natureza que o da
realidade objetiva ou do mundo exterior que está ao alcance dos nossos sentidos.
15
Pode-se perceber, nessa definição, a importância da arte literária enquanto
provocadora de sensações e emoções. É através dela, segundo o autor, que as pessoas podem
criar as suas próprias imagens com auxílio do poder da imaginação e é essa característica que
a transforma ao mesmo tempo em universal e única. Universal, pois provoca emoções e
sentimentos em qualquer parte do mundo e em qualquer época; única, pois é a partir de
elementos da fantasia de cada pessoa que as imagens únicas podem ser criadas.
Segundo Nelly Novaes Coelho, “[...] Literatura é um fenômeno de expressão, é uma
linguagem específica que, como toda linguagem, expressa uma experiência (a do autor) e
provoca outra (a do leitor)
16
. Através dessa definição, percebe-se a importância da
13
MOISÉS, Massaud. A criação literária. São Paulo: Melhoramentos, 1967. p.15.
14
MOISÉS, 1967, p.15.
15
DEL PINO, Dino. Introdução ao estudo da literatura. 6.ed. Porto Alegre: Formação, 1976. p.21.
16
COELHO, 1991, p.35.
18
linguagem na produção de uma obra literária, bem como sua especificidade. A literatura,
como forma artística que é, tem por objetivo despertar sentimentos e emoções e, para isso,
utiliza-se das palavras como meio de expressão. Essas, agrupadas de uma forma elaborada,
caracterizam a linguagem específica desse meio de expressão artística.
Conforme Domício Proença Filho,
O texto da literatura é um objeto de linguagem ao qual se associa uma representação
de realidades físicas, sociais e emocionais mediatizadas pelas palavras da língua na
configuração de um objeto estético. O texto repercute em nós na medida em que
revele emoções profundas, coincidentes com as que em nós se abriguem como seres
sociais. O artista da palavra, copartícipe da nossa humanidade, incorpora elementos
dessa dimensão que nos são culturalmente comuns. Nosso entendimento do que nele
se comunica passa a ser proporcional ao nosso repertório cultural, enquanto
receptores e usuários de um saber comum.
17
Proença Filho afirma que a literatura é um objeto de linguagem, ou seja, é um meio
pelo qual ocorre uma comunicação entre autor e leitor. Essa linguagem estimula a
representação de um mundo fictício caracterizado por sua realidade física, social e emocional
específica, definida de acordo com a bagagem cultural do seu receptor.
Na definição do autor acima citado, novamente surge a referência à literatura como
forma de provocar emoções. Também se faz referência na co-participação do artista em nossa
sociedade, afinal compreendemos uma obra literária através de elementos culturais que nos
o comuns.
Rogel Samuel enfatiza a ação transformadora da literatura, como se constata no
trecho:
A literatura é ação porque interfere indiretamente nas consciências, no sentido de
humanizar o próprio homem. A ação da literatura atua internamente na consciência
do leitor. A literatura é um meio convincente de ação, pois o receptor fica mais
tempo diante da mensagem artística do que o receptor das outras artes, como a
pintura e a música.
18
O autor expõe o conceito de literatura relacionado com a finalidade dessa arte e
conceitua a literatura primeiramente como uma ação capaz de interferir na consciência da
17
PROENÇA FILHO, Domício. A linguagem literária. 7.ed. São Paulo: Ática, 2001. p.7-8.
18
SAMUEL, Rogel (Org.). Manual de teoria literária. 6.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1985. p.10.
19
humanidade. Esse conceito pressupõe a importância da arte literária, pois ela pode, por meio
de sua linguagem, provocar transformações no indivíduo.
Conclui-se, através dos conceitos expressos pelos teóricos, que a literatura é a
expressão de sentimentos através da palavra escrita. É um fenômeno capaz de transformar as
pessoas e fazê-las perceber a realidade que as cerca de uma outra maneira. Certamente é a
mais louvável e admirável das artes, devido ao grande poder que exerce sobre seus receptores.
Isso pode ser comprovado por Nelly Novaes Coelho quando afirma:
Na verdade, desde as origens, a Literatura aparece ligada a essa função essencial:
atuar sobre as mentes, onde se decidem as vontades ou as ações; e sobre os
espíritos, onde se expandem as emoções, paixões, desejos, sentimentos de toda
ordem. No encontro com a literatura (ou com a Arte em geral) os homens têm a
oportunidade de ampliar, transformar ou enriquecer sua própria experiência de
vida, em um grau de intensidade não igualada por nenhuma outra atividade.
19
A verdadeira literatura possui, intrinsecamente ligada a si, a função dica do
entretenimento por si só. Essa concepção de literatura pode ser considerada recente, uma vez
que as origens da literatura estão ligadas a uma ideologia pedagogizante e moralista.
Certamente a obra literária possui características próprias na qual sobressai a transformação
do real em um objeto ficcional, utilizando-se, para isso, de uma linguagem multissignificativa.
Paralelamente, o imaginário e o fantástico também o elementos que caracterizam a
verdadeira obra de arte. Pode-se complementar, afirmando que a literatura é o resultado da
imaginação criadora do homem que instituiu um universo ficcional, ou seja, uma supra-
realidade.
Como se pode perceber, apesar da polissemia inerente ao vocábulo literatura,
prevalece a sua significação e relevância como transgressora de paradigmas e reveladora de
enigmas da humanidade, tornado-se, assim, essencial.
19
COELHO, 1991, p.25.
20
1.4 A FINALIDADE DA LITERATURA
A finalidade da literatura é questionar a existência e a função do ser humano neste
mundo. Para isso, utiliza-se de elementos próprios que a caracterizam como objeto artístico de
grande relevância.
[...] só a literatura pode expressar aquele redemoinho profundo que constitui a
essência e a existência do homem posto em face dos grandes enigmas do universo,
da natureza e de sua mente. As demais expressões de conhecimento artístico apenas
alcançam simbolizar palidamente a dramática tomada de consciência do homem
perante esses enigmas.
20
Neste sentido, pode-se compreender o quanto importante é o significado da literatura
para a vida das pessoas. A partir da afirmação de Moisés, percebe-se também que, se
comparada às demais formas artísticas, a literatura é a arte que mais completamente
possibilita ao ser humano refletir sobre sua realidade e seus conflitos existenciais.
A literatura pode, segundo alguns teóricos, ser concebida como a arte do
conhecimento: conhecimento do mundo, conhecimento de si mesmo.
A arte literária assim concebida não é tão-somente uma forma banal de
entretenimento. Quando é entretenimento, é-o duma forma superior, visto que o jogo
e a arte são inseparáveis. Entretanto, mais do que forma elevada de recreação, a
Literatura constitui uma forma de conhecer o mundo e os homens: dotada duma
séria missão”, ela colabora para o desvendamento daquilo que o homem,
conscientemente ou não, persegue durante toda a existência. E, portanto, se a vida de
cada um corresponde a um esforço contínuo de conhecimento, superação e
libertação, então à Literatura cabe um lugar à parte, enquanto ficção expressa por
palavras de conteúdo multívoco.
21
A literatura torna-se elevada na medida em que não possui qualquer utilidade aparente.
Na verdade, sua existência justifica-se por ser uma forma capaz de explorar o interior do ser
humano e assim possibilitar a ele uma maior compreensão de suas emoções e de seus
sentimentos.
É esta função de descoberta da realidade profunda e oculta do homem que concede à
literatura a sua eminente dignidade [...] Através dos tempos, a literatura tem sido o
20
MOISÉS, 1967, p.25.
21
MOISÉS, 1967, p.26.
21
mais fecundo instrumento de análise e de compreensão do homem e das suas
relações com o mundo.
22
Ainda quanto à função da literatura, alguns autores divergem entre si. Vítor Manuel de
Aguiar e Silva apresenta a existência de duas teorias opostas em relação à funcionalidade da
literatura: a teoria formal e a teoria moral. Os favoráveis a primeira percebem a literatura
como produção regida por normas e objetivos próprios e insistem em defini-la como uma
organização específica da linguagem; enquanto que os favoráveis a segunda entendem a
literatura como atividade inerente ao homem, tendo nisso o seu valor, além do mais, também
se ocupam da utilidade da obra literária.
23
Dino Del Pino também faz referência em sua obra, Introdução ao Estudo da
Literatura, a duas concepções em relação à finalidade da literatura: uma acentua a finalidade
social, enquanto a outra se refere à finalidade psicológica e individual da literatura. Ainda,
segundo o mesmo autor, pode-se afirmar que a corrente que acentua a finalidade social
percebe a literatura a partir de três aspectos: literatura como meio de atender às necessidades
de ordem moral da sociedade, literatura com o objetivo de utilidade, de instrução e literatura
como forma de compromisso entre o homem e o mundo.
24
Conforme afirma Dino Del Pino, a finalidade da literatura de oferecer uma formação
moral é bastante antiga e, com base em fatos históricos, pode-se afirmar que essa tendência
mostrou-se como marco da origem da literatura. Aliada a ela, apresenta-se a concepção
utilitária que visa conferir à literatura a função de instruir. Para muitos autores, nenhuma
dessas duas concepções é aceitável, e eles as consideram uma heresia. A terceira concepção
citada anteriormente, a presença do compromisso resultante da relação entre o homem e o
mundo, percebe o escritor como “um soldado que se utiliza da arma da palavra para participar
do mundo e para transformá-lo”.
25
Todas essas concepções possuem algo em comum: preocupam-se demasiadamente
com a finalidade da literatura e com a sua função de transmitir valores à espécie humana por
meio da sua linguagem. Entre as correntes que acentuam a finalidade psicológica e individual,
22
AGUIAR e SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da literatura. 2.ed. Coimbra: Almedina, 1968. p.94-95.
23
AGUIAR e SILVA, 1968, p.129-130.
24
DEL PINO, 1976, p.29-30.
25
DEL PINO, 1976, p.29-30.
22
segundo Dino Del Pino, a que concede à literatura uma função catártica, outra caracteriza a
literatura como arte que permite a evasão da realidade circundante, outra a percebe como um
agente de conhecimento e, ainda, uma última enfoca a tendência da arte pela arte.
Segundo o mesmo autor, a função catártica é característica inerente a qualquer texto
literário, pois é essa função que proporciona ao leitor um desvelamento das atribulações da
vida humana. Outro objetivo citado caracteriza-se pelo incentivo à evasão da realidade, ou
seja, é através dessa evasão que o autor e o leitor, utilizando-se de sua imaginação, podem se
refugiar em locais diferentes e melhores do que aqueles em que estão inseridos no dia-a-dia.
A literatura, sendo agente de conhecimentos, é capaz, por um lado, de revelar grandes
verdades à humanidade e, por outro, apresentar-se como um fim em si mesma, ou seja, “[...]
não tem nenhum fim que não seja exclusivamente estético[...]”.
26
Analisando a finalidade psicológica e individual da literatura, Dino Del Pino apresenta
uma conclusão interessante:
[...] diga-se que a literatura, autônoma como é, visa, em primeiro lugar, à expressão
de valores estéticos. Isso não implica, todavia, que sejam negados como
acessoriamente próprios do fenômeno literário também os demais valores em torno
dos quais gravita o ser humano. Sua verdadeira função estará [...] entre o útil e o
agradável, ou ainda, entre o compromisso, o dirigismo e o hermetismo, que o
fórmulas extremistas.
27
Segue também uma definição de literatura de Carlos Reis que caracteriza a finalidade
desse tipo de arte, confirmando o que já foi afirmado por Dino Del Pino:
[...] a definição da literatura como acto cultural que não busca justificações nem
finalidades fora de si próprio pode ser entendida como uma reacção contra a
tendência para afirmar a relevância de tais justificões e finalidades.[...] Num
contexto de aburguesamento da arte, de acentuação da sua utilidade social e de
exploração do seu valor comercial, a literatura radicaliza mesmo essa autonomia,
reclamando-se então dos princípios e valores da arte pela arte.
28
A partir das definições de literatura fornecidas por diversos autores, pode-se afirmar
que literatura é, antes de tudo, um objeto artístico capaz de despertar o imaginário e a fantasia
do leitor, levando-o, através desses elementos, a solucionar suas angústias por meio da supra-
26
DEL PINO, 1976, p.33.
27
DEL PINO, 1976, p.33.
28
REIS, Carlos. O conhecimento da literatura. Introdução aos estudos literários. 2.ed. Coimbra: Almedina,
2001. p.49.
23
realidade que possui elementos que irão interagir com a realidade do leitor. A literatura
também é capaz de gerar transformações e seu impacto será proporcional à bagagem cultural
do seu leitor.
1.5 CARACTERÍSTICAS ESPECÍFICAS DO TEXTO LITERÁRIO DESTINADO ÀS
CRIANÇAS
O texto literário destinado ao público infantil possui características específicas que o
distinguem da literatura em geral. Apesar dessas peculiaridades, a literatura infantil, mesmo
tendo um destinatário especial, nada possui de inferior se comparada à literatura em seu
âmbito genérico. Seu único problema provém de sua ligação com a pedagogia.
Em relação à especificidade da literatura infantil, Jesualdo Sosa afirma:
[...] o livro mais belo do mundo não conseguirá interessar a criança se expressar suas
idéias de um modo abstrato, e que sempre será necessário, para avivar-lhe o
interesse e obter-se o resultado desejado, recorrer a outros elementos no
desenvolvimento de suas idéias. Quais seriam esses elementos? Em primeiro lugar,
sem dúvida, o caráter imaginoso que possuam, em maior ou menor grau [...]
29
Como primeiro elemento intrínseco à literatura infantil, surge o imaginário.
Seguramente, esse elemento é essencial, uma vez que dele depende a possibilidade de o leitor
infantil distanciar-se de sua realidade e vivenciar uma outra melhor. Além disso, a imaginação
é própria do universo infantil, pois as crianças, a todo o momento, estão recriando seu mundo
através da imaginação: criam e recriam brinquedos e brincadeiras, assumem personagens,
vislumbrando um contexto de fantasia.
Ainda, segundo Jesualdo Sosa,
O dramatismo é, assim, o segundo traço essencial dessa literatura infantil,
dramatismo que reflete, ou procura refletir, o da criança, dramatismo quase sempre
ideal e absurdo, por vezes realista e despojado, mas sempre importante para
centralizar toda a atenção da criança e forçar uma globalizão de todas as suas
imagens interiores. Isso ocorre a partir de sua esperança de, nesse drama vivido por
29
SOSA, Jesualdo. A literatura infantil. São Paulo: Cultrix, 1978. p.36.
24
seus sentidos, poderem repetir-se os movimentos interiores que passam a ser, então,
o seu drama.
30
É através do drama vivenciado pelo protagonista que a criança reflete sobre suas
próprias dificuldades e procura soluções para elas. Assim, justifica-se a preferência das
crianças pelas histórias que possuam finais felizes onde os dramas são resolvidos, pois, dessa
forma, são confortadas ao imaginarem que seus problemas também podem ser solucionados.
Outros dois elementos são assim apresentados por Jesualdo:
[...] a técnica do desenvolvimento e a linguagem completam seus caracteres mais
fundamentais, isto é, a maneira como se apresenta a invenção e o instrumento
utilizado no desenvolvimento do drama. Na técnica, nos é dado admirar o modo
como o autor desenvolve o entrecho dos acontecimentos ante a avidez do leitor [...]
31
A técnica do desenvolvimento refere-se à história propriamente dita, ao modo como se
apresenta, afinal, o enredo da narrativa é responsável por despertar ou o o interesse do leitor
infantil. Ainda, em relação à linguagem, pode-se referir, em se tratando de literatura infantil, a
dois tipos de linguagem: a linguagem gráfica, ou seja, o texto escrito e a linguagem visual, a
imagem. Com certeza, a imagem é fundamental nos textos de literatura infantil e, além disso,
possui uma função especial que é de complementar o texto escrito. As imagens devem revelar
“algo mais" e não simplesmente reproduzir o texto.
É a conexão, por contigüidade e subordinativa, texto-ilustração, que permite maior
eficácia do processo comunicativo, garantindo que as informações nucleares da
narrativa, graças ao estímulo da imagem, criem hábitos associativos tais que sejam
inscritos diretamente no pensamento da criança com o mínimo de esforço e com o
menor dispêndio de energia possível.
32
Em relação à linguagem, pode-se afirmar que "[...] os textos de literatura infantil
pautam-se pelo resgate da oralidade na escritura, bebendo na fonte originária do ato de
narrar”.
33
Esse fato verifica-se na medida em que se observa grande interesse das crianças por
textos que se aproximam da linguagem oral e que, preferencialmente, possuem certo ritmo
30
SOSA, 1978, p.38.
31
SOSA, 1978, p.39.
32
PALO, Maria José; OLIVEIRA, Maria José de. Literatura infantil - Voz da criança. 2.ed. São Paulo: Ática,
1992. p.16.
33
PALO; OLIVEIRA, 1992, p.44.
25
acompanhado de musicalidade. Esses aspectos são acrescentados ao texto por meio das
figuras sonoras.
As figuras sonoras constroem-se pela pulsação rítmica das frases ou, ainda, pela
cadência dos acentos fracos-fortes, longos-breves, agrupando sons tendo por base as
semelhanças e as dessemelhanças entre eles. A rima, as aliterações, os paralelismos,
as dissoncias são algumas dessas figuras sonoras.
34
Essas são algumas características da literatura infantil, porém, devem modificar-se na
medida em que evolui a criança:
[...] a literatura infantil deve ir se modificando à medida em que evolui a criança, até
perdê-la definitivamente, fenômeno paralelamente vivenciado pelo próprio leitor,
que vai paulatinamente se afastando do produto a ele oferecido. Esta índole
passageira do gênero determina sua temporalidade, o que se relaciona, de um lado,
com a condição de seu recebedor e, de outro, com a própria natureza histórica da
faixa etária a que se destina.
35
34
PALO; OLIVEIRA, 1992, p.19.
35
ZILBERMAN, 1981, p.37.
2 CARACTERÍSTICAS DO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA DE TRÊS ANOS
A criança de três anos está progressivamente e no contato com os outros construindo
sua identidade.
[...] nessa idade a criança começa a reconhecer a imagem de seu corpo, o que ocorre
principalmente por meio das interações sociais que estabelece e das brincadeiras que
faz diante do espelho. Nessas situações, ela aprende a reconhecer as características
físicas que integram a sua pessoa, o que é fundamental para a construção de sua
identidade.
36
Esse desenvolvimento ocorre de forma gradual e no contato com as outras criaas e
adultos. A partir das histórias, também se dá a construção da identidade, pois a criança passa a
reconhecer-se em personagens das hisrias que vivem situações parecidas com as suas.
A fim de expressar sentimentos e sensações sobre as histórias, as crianças podem
utilizar-se da expressão plástica ou lingüística. Em relação à expressão pstica, pode-se
perceber que a criança de três anos ainda está na fase da garatuja, mas já, aos poucos, começa
a ter um controle maior de seus movimentos e tenta criar formas com o material artístico que
esutilizando. Com o intuito de realmente identificar o que a criança desejou produzir, é
preciso incentivá-la a descrever seu desenho e a intenção do que quis representar.
“Enquanto desenham ou criam objetos também brincam de faz-de-conta e verbalizam
narrativas que exprimem suas capacidades imaginativas, ampliando sua forma de sentir e
pensar sobre o mundo no qual estão inseridas”.
37
36
BRASIL. Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília: MEC/SEF, 2001. p.23.
37
BRASIL, 2001, p.93.
27
Como as crianças costumam verbalizar narrativas por meio do desenho e, também,
corporalmente, esses meios serão utilizados prioritariamente no projeto com literatura infantil
que será realizado em uma turma de três anos a fim de que as crianças, no decorrer do projeto,
possam falar de si colocando-se no lugar das personagens das narrativas. No desenho, muitas
vezes, essa projeção na personagem da história é evidenciada ao ilustrar a parte da história de
que gostou e ao explicar o motivo que o levou a escolher essa parte. É claro que a criança não
compreende por que escolheu determinada parte, porém, o adulto, conhecendo sua história de
vida, é capaz de realizar conexões entre a narrativa que a criança constrói a partir do seu
desenho e a narrativa da própria vida da criança. O importante é o educador saber conduzir o
processo durante a observação de um desenho infantil, como podemos exemplificar com
Terezinha Batista:
O desenho é um elemento de equilíbrio necessário à educação moderna. Mas que
tipo de desenho? O desenho espontâneo. Por exemplo: não podemos dizer à criança:
“desenhe uma casa”, e sim: “quer desenhar uma casa?” Ou, quando não entendemos
o que a criança desenhou espontaneamente, podemos dizer: “Que desenho bacana!
Conte para mim a história de seu desenho”. Desta maneira, a criança sente-se feliz e
nos explica o seu desenho.
38
2.1 O DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO DA CRIANÇA
A criança desenvolve-se por um processo que abrange o seu corpo, a genética da
espécie humana e os contextos nos quais ela vive. Esse processo inicia-se com a falia, com
a cultura da sua comunidade e com os espaços que ifreqüentar desde seu nascimento. Por
isso, pode-se afirmar que a natureza do desenvolvimento humano é sempre biológica e
cultural.
A criança desenvolve-se de acordo com o meio no qual está inserida e também de
acordo com sua genética. Porém, sabe-se que o meio é muito valioso no desenvolvimento da
criança e que essa pode, nas relações que possui com os outros, ter um desenvolvimento
melhor ou pior. Em relação à literatura, é claro que o incentivo na família e na escola, fará
com que a criança tenha maior ou menor interesse por essa arte. Mas, em sua grande maioria,
38
BATISTA, Terezinha O.S.F. Evolução da fé na criança. o Paulo: Paulinas, 1974. p.14.
28
as crianças encantam-se com a fantasia presente nas narrativas e, em especial, na faixa etária
dos três anos, com os contos de fadas.
A criança é um ser integrado e a hisria ao ser narrada a ela também possui uma
grandiosidade global. Por isso, é errônea a idéia de utilizar-se a literatura como pretexto para
um trabalho específico de ciências ou, então, moralizante. Deve-se ater ao que a criança
aponta como importante na história e, então, não se deve fechar os olhos para esses elementos
que são indicados por ela. Pode-se comparar a história a um filme onde cada qual que o
assiste o compreenderá de uma forma, de acordo com sua história de vida. Ainda, de acordo
com a trajetória de cada um, essa ou aquela parte farão mais sentido e terão maior significado.
O educador deve possuir um olhar sensível e uma escuta apurada para as falas das
crianças. Essa escuta pode ocorrer durante a hisria, mas também as essa e até mesmo nos
corredores da escola e nos momentos do brinquedo livre. O registro desses momentos ao
longo do planejamento e da execução do projeto e uma posterior reflexão poderão contribuir
para que o educador possa ir de encontro aos anseios das crianças e não forçar assuntos a
partir das histórias que, provavelmente, não interessarão às crianças. Essa metodologia de
planejar, avaliar, registrar e refletir certamente fará com que o educador obtenha maior
sucesso em suas propostas junto a seus educandos, pois a partir de reflexões diárias poderá
perceber o que deve continuar e o que necessita ser revisto junto ao grupo. Freire destaca a
importância desse professor observador e reflexivo:
[...] o movimento de trazer para dentro de si a realidade observada, registrada, para
assim poder pensá-la, interpretá-la. É enquanto reflito sobre o que vi, que a ação de
estudar extrapola o patamar anterior. Neste movimento podemos nos dar conta do
que ainda não sabemos, pois iremos nos defrontar com nossas hipóteses adequadas e
inadequadas e construir um planejamento do que falta observar, compreender,
estudar.
39
A criança tem um desenvolvimento integrado. O desenvolvimento físico está
intimamente relacionado ao psicológico e ao cultural. Isso quer dizer que ela é uma pessoa
com personalidade ppria que se torna membro de um grupo com base nas experiências que
tem em seu meio. Essa relação com o meio será estabelecida, por sua vez, pelas possibilidades
determinadas pelo desenvolvimento biológico.
39
FREIRE, Madalena. Observação, registro, reflexão: instrumentos metodológicos I. 2.ed. o Paulo: Espaço
Pedagógico, 1996. p.11.
29
Apesar de grande parte da literatura que aborda o tema da literatura infantil na
educação não se preocupar muito com a faixa etária de três anos, mas sim com aquela que se
aproxima da alfabetização (5 e 6 anos), pode-se afirmar que é a partir do terceiro ano de vida
que a criança está aberta a novas aprendizagens e seu desenvolvimento biológico a favorece
para isso.
Ao final de seu terceiro ano de vida, com o domínio do corpo, com a autonomia na
locomoção e com as bases da fala formadas, a criança inicia um período em que “a
preocupação principal” é a de “absorver” o mundo. Há, nesse momento, um componente
biológico muito forte: no cérebro de uma criança circula o dobro de glicose e de sinapses se
comparado ao de um adulto. Biologicamente ela está “pronta e disponível” para aprender
muito e para se expressar de várias formas. A criança, em seu quarto ano de vida e nos dois a
três anos que se seguem, realizará tarefas bem complexas, como desenvolver e ampliar a
função simbólica. A criança é capaz de desenvolver conexões entre as coisas que observa no
mundo, as ações do outro e suas conseqüências e a relação entre elementos da natureza. Ela
está, portanto, em um processo de vinculação de fatos, informações, sentimentos e atitudes. A
criança experimenta e transmite impressões e imagens, expressando-as pelas atividades
plásticas, pela linguagem e pelo movimento corporal.
Preocupar-se com o desenvolvimento da imaginação é fundamental na educação
infantil desde a mais tenra idade. A criança que vivenciou experiências de literatura que a
incentivaram a mergulhar e viajar pelas asas da imaginação, certamente terá outra bagagem
cultural do que a criança que, apenas, posteriormente, no ensino fundamental, tiver seu
primeiro contato com a literatura infantil de qualidade. Essa criança que teve contato com a
literatura infantil na educação infantil poderá resolver melhor seus conflitos interiores, pois
as experiências que vivenciou por meio das personagens, também se tornaram suas
experiências e fizeram com que pudesse lidar com algumas frustrações de forma bem melhor
do que outra criança.
Preocupar-se com o desenvolvimento da imaginação na infância é fundamental: de um
lado para que essa criança possa enfrentar os problemas do dia-a-dia, resolver conflitos,
superar situações difíceis ou dolorosas; de outro, para poder criar novas situações, elaborar
novas formas de trabalho, organizar a vida familiar e as ações comunitárias, aprender os
conhecimentos que são ensinados na escola.
30
Certamente, a importância de um profissional de qualidade que possa compreender e
valorizar o papel da literatura infantil na sala de aula é primordial. Só assim, a criança será
levada a despertar sua criatividade e sua imaginação sem ser barrada pelos juízos de valores
tão presentes nos projetos com literatura ou, então, crerá que a literatura nada mais é que puro
pretexto para ensinar um conteúdo ou algo que se quer que ela aprenda. A literatura é muito
mais do que isso. Ela é capaz de, por si , desvendar mundos escondidos, criar monstros,
brincar com eles e depois escondê-los nas páginas de um livro colorido.
No entanto, para que tudo isso possa ser eficiente na formação da criança, é preciso
trabalhar com estratégias próprias do desenvolvimento infantil e respeitar o tempo necessário
para a realização de cada atividade no cotidiano da educação infantil. O desenvolvimento da
imaginação na criança dependerá do entendimento que os adultos têm da infância e dos
comportamentos próprios da idade. Alguns autores apontam características da criança de três
anos que no decorrer do projeto com literatura infantil serão percebidas e analisadas. Vejamos
algumas idéias pertinentes.
2.2 ESTÁGIO PRÉ-OPERATÓRIO (2-7 ANOS), SEGUNDO PIAGET
O grupo de crianças que fez parte da pesquisa com literatura infantil, encontra-se no
estágio pré-operatório, segundo Piaget. A seguir, uma caracterização segundo esse teórico, de
como se encontra a criança desse estágio.
Esse estágio, também chamado pensamento intuitivo, é fundamental para o
desenvolvimento da criança. Apesar de ainda não conseguir efetuar operações, a criança
usa a inteligência e o pensamento. Este é organizado através do processo de assimilação,
acomodação e adaptação.
Em primeiro lugar, tal como a inteligência prática busca o êxito antes da verdade, o
pensamento egocêntrico, na medida em que é assimilação ao eu, tende igualmente à
satisfação e não à objetividade. A forma extrema dessa assimilão aos desejos e aos
interesses próprios é o jogo simbólico ou jogo da imaginação, no qual o real é
transformado de acordo com as necessidades do eu, a tal ponto que os significados
31
que o pensamento comporta pode m ficar estritamente individuais e
incomunicáveis.
40
Nesse estágio a criança já é capaz de representar as suas vivências e a sua realidade,
através de diferentes significantes:
- Jogo: Para Piaget, o jogo mais importante é o jogo simbólico (só acontece neste
período), nesse jogo predomina a assimilação (Ex : é o jogo do faz de conta, as crianças
"brincam de pais", "de escola", "de médico", ...); o jogo de construções transforma-se em jogo
simlico com o predomínio da assimilação (Ex.: Lego - a criança diz que a sua construção é,
por exemplo, uma casa. No entanto, para os adultos “é tudo menos uma casa").
Inicialmente (mais ao menos aos dois anos), a criança fala sozinha porque o seu
pensamento ainda não está organizado, no decorrer desse período começa a organizá-lo,
associando os acontecimentos com a linguagem na sua ação.
A criança ao jogar/brincar está organizando e conhecendo o mundo, por outro lado, o
jogo também funciona como "terapia" na libertação das suas angústias. Além disso, através do
jogo também podemos perceber a relação familiar da criança. Essa relação que Piaget faz com
o jogo e o desenvolvimento infantil é similar com o que ocorre entre a criança e a literatura
infantil.
- Desenho: Até os dois anos, a criança faz riscos, sem qualquer sentido, porque,
para ela, o desenho não tem qualquer significado.
A criança, aos três anos, atribui significado ao desenho, fazendo riscos na
horizontal, na vertical, espirais, círculos, no entanto, não dá nome ao que desenha. Tem uma
imagem mental depois de criar o desenho. Mas, aos quatro anos, a criança já é mais criativa e
começa a perceber os seus desenhos e projeta no desenho o que sente.
De um modo geral, podemos dizer que, neste esgio, o desenho representa a fase mais
criativa e diversificada da criança.
40
PIAGET, Jean. A construção do real na criança. 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975. p.337.
32
A criança projeta nos seus desenhos a realidade em que vive, não realismo na cor e
também o preocupação com os tamanhos. Nessa fase os desenhos começam a ser mais
compreensíveis pelos adultos. A criança vai desenhar as coisas à sua maneira e segundo os
seus esquemas de ação e não se preocupa com o realismo.
- Linguagem: A linguagem, neste período, começa a ser muito egocêntrica, pouco
socializada, ou seja, a linguagem está centrada na própria criança. Ela não consegue distinguir
o ponto de vista próprio do ponto de vista do outro e, por isso, revela uma certa confusão
entre o pessoal e o social, o subjetivo e o objetivo. Este egocentrismo o significa egoísmo
moral. Traduz, por um lado, o primado da satisfação sobre a constatação objetiva e, por outro,
a deformação do real em função da ação e ponto de vista próprios. Isto se manifesta através
dos monólogos e dos monólogos coletivos.
A partir dos dois anos -se uma enorme evolução na linguagem. A título de exemplo,
uma criança de dois anos compreende entre 200 a 300 palavras, enquanto que uma de cinco
anos compreende 2000. Este aumento do número de vocábulos é favorecido pela forte
motivação dos pais, ou seja, quanto mais forem estimulados (canções, jogos, histórias, etc.),
melhor desenvolvem a sua linguagem. Nesse estágio a criança aprende, sobretudo, de forma
intuitiva, isto é, realiza livres associações e fantasias e atribui significados únicos e lógicos.
- Imagem e pensamento: A imagem mental é o suporte para o pensamento. A criança
possui imagens estáticas tendo dificuldade em dar-lhe dinamismo. O pensamento existe
porque há imagem. É um pensamento egocêntrico porque o predomínio da centração em si
mesma. Na organização do mundo, a criança dá explicações pouco lógicas.
Com essa descrição do estágio pré-operatório, pode-se perceber que a criança está em
pleno desenvolvimento. Utiliza-se de diferentes linguagens para expressar-se e usa o faz-de-
conta para recriar suas vivências e expor fatos que está vivenciando. O mesmo que faz ao
brincar também faz quando está ouvindo ou contando uma história. O educador observando
sua fala ao recriar determinada cena de uma história ou incentivando-a para que fale sobre a
personagem que mais a marcou, muito provavelmente perceberá que está falando sobre si.
33
2.3 O DESENVOLVIMENTO INFANTIL, SEGUNDO WALLON
Wallon apresenta características da faixa etária de 3 anos e, nesse período do
desenvolvimento, afirma haver uma crise pela qual as crianças passam. Indica certas
características:
a) Decisão deliberada de fazer tudo sozinha.
b) Mudança das reações da criança em relação ao olhar alheio. Antes dos três anos,
o olhar de outra pessoa a encorajava, ajudava. A partir de três anos, a impressão
de estar sendo olhada incomoda (princípio do “medo do público”). A criança diz
que não conseguirá terminar o que está fazendo se a olharem (inibição).
c) Na mesma idade, a criança quer que cuidem dela.
d) Atitudes de duplicidade.
e) Perturba as brincadeiras das outras por prazer.
f) não dá mais seus brinquedos sem acrescentar que o os quer mais. Toma os
objetos dos outros pelo simples prazer de tomá-los. A criança toma consciência
da distância entre o eu e o outrem, percebe que existem barreiras.
41
Wallon aponta algumas características que a criança de três anos apresenta e que
vivências possui com os outros. Ainda está reconhecendo o papel do outro no seu meio,
porém, possui muitas atitudes egocêntricas. Esse autor ainda afirma que a criança aos três
anos vivencia uma crise que culmina com o egocentrismo e com o desejo de não ser
observada em seus atos.
2.4 O DESENVOLVIMENTO INFANTIL, SEGUNDO VYGOTSKY
42
Vygotsky, diferentemente de Piaget, considera que o desenvolvimento ocorre ao longo
da vida e que as fuões psicológicas superiores são construídas ao longo dela. Ele não
estabelece fases para explicar o desenvolvimento, como Piaget, e para ele o sujeito não é ativo
nem passivo: é interativo.
Segundo ele, a criança usa as interações sociais como formas privilegiadas de acesso a
informões: aprende a regra do jogo, por exemplo, através dos outros e não como o resultado
41
MERLEAU-PONTY, Maurice. Psicologia e pedagogia da criança. São Paulo: Martins Fontes, 2006. p.322-
323.
42
Como grafia única será utilizado Vygotsky.
34
de um engajamento individual na solução de problemas. Dessa maneira, aprende a regular seu
comportamento pelas reações, quer elas pareçam agradáveis ouo.
Na visão sócio-histórica de Vygotsky, a brincadeira ou o jogo é uma atividade
específica da infância, em que a criança recria a realidade usando sistemas simbólicos. Essa é
uma atividade social, com contexto cultural e social. É uma atividade humana criadora, na
qual imaginação, fantasia e realidade interagem na produção de novas possibilidades de
interpretação, de expressão e de ação pelas crianças, assim como de novas formas de construir
relações sociais com outros sujeitos: crianças e adultos.
Para Vygotsky, a brincadeira cria para as crianças uma zona de desenvolvimento
proximal que não é outra coisa senão a distância entre o nível atual de desenvolvimento,
determinado pela capacidade de resolver, independentemente, um problema, e o nível de
desenvolvimento potencial, determinado através da resolução de um problema, sob a
orientação de um adulto, ou de um companheiro mais capaz.
A infância pré-escolar é o período da vida em que o mundo da realidade humana que
cerca a criança abre-se cada vez mais para ela. Em toda sua atividade e, sobretudo,
em seus jogos, que ultrapassaram agora os estreitos limites da manipulação dos
objetos que a cercam, a criança penetra um mundo mais amplo, assimilando-o de
forma eficaz. Ela assimila o mundo objetivo como um mundo de objetos humanos
reproduzindo ações humanas com eles. Ela guia um carro”, aponta uma pistola”,
embora seja realmente impossível andar em seu carro ou atirar com sua arma. Mas
nesse ponto de seu desenvolvimento isto é irrevelante para ela, porque suas
necessidades vitais são satisfeitas pelos adultos, independente da produtividade
concreta de seus atos.
43
2.5 A CRIANÇA E A RELIGIOSIDADE
A religiosidade infantil está ligada à cultura da criança. Alguns teóricos afirmam que a
religiosidade é algo inato ao ser humano, porém, percebe-se que na prática essa concepção é
equivocada. A religiosidade está ligada à cultura da criaa que, por sua vez, esinterligada
com a família e sua vivência religiosa.
43
VIGOTSKII, Lev Semenovich; LURIA, Alexander Romanovich; LEONTIEV, Alex N. Linguagem,
desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone; Editora da Universidade de São Paulo, 1988. p.59.
35
O ser humano, quando sai do nexo da natureza, entra em relação, pois distinguir-se
significa entrar em relação. O ser humano é, portanto, um ser relacional. Essa
relação é tríplice: com o ambiente, formado por objetos ou espaços (cultura dos
espaços, cultura habitacional, cultura agrícola, cuidado da natureza); com o ambiente
social (comportamento social, comunitariedade); com a realidade abrangente
(cosmovisão, religião). A cultura é a configuração dessa tríplice relação.
44
O grupo de crianças com o qual se desenvolveu o projeto, possui uma cultura comum
relacionada ao espaço (mesmo bairro) e à escola que freqüenta, porém, também possui uma
cultura que se diferencia de criança para criança que está relacionada com a história da
criança e da sua família antes de ingressar na escola e até mesmo nas relações que possui
exteriormente ao ambiente escolar. No contexto escolar, por meio das vivências e nas
diferentes relações que ocorrem, há uma troca de culturas e até mesmo uma constante
transformação das crianças que fazem parte do grupo como conseqüência das relações que ali
ocorrem. Isso comprova que o ser humano se modifica ao longo dos tempos, essencialmente
por meio das relações e do grupo com o qual convive.
Terezinha Batista afirma a importância do ambiente na evolução da fé infantil:
Vivendo num ambiente de fé, de amor, a criança de 0 a 4 anos se prepara
progressivamente para descobrir Deus em si e nos outros, embora não tome
consciência dessa preparação. ela inicia a evolução de sua fé infantil. A evolução
da na criança de 0 a 4 anos depende quase exclusivamente dos pais. Por isso é
preciso que os pais comecem cedo a ajudar a criança a crescer na fé.
45
A intervenção no grupo de crianças por meio da literatura infantil e das vivências onde
as crianças o desafiadas a se expressar representa um momento extremamente significativo
para elas, pois a história e a cultura de cada criança o confrontadas com as histórias de seus
colegas e, por meio de relatos, pode ocorrer a identificação com algo que se vive ou que já se
viveu.
Ao encontrar significados para as suas diversas situações de vida, sejam dicas ou
não, a criança pode transformar sua ppria realidade e, assim, também transformar-se.
A posição do ser humano no mundo não é de simples inserção, mas de relação
dialética e criadora. Através da ação com que cria a cultura, o ser humano se faz
também um ser cultural. Ele não existe como natureza, imutável como uma essência
44
FRAAS, Hans-Jürgen. Teorias sobre a religiosidade In: SCARLATELLI, Cleide C. da Silva; STRECK,
Danilo; FOLLMANN, José Ivo. Religião, cultura e educação. São Leopoldo: Unisinos, 2006. p.49.
45
BATISTA, 1974, p.15-16.
36
dada no mundo, mas como um ser que vai se fazendo, humanizando-se ao longo do
tempo, em determinada geografia, mediante a cultura; é o único ser cultural no
mundo. A práxis, com que o homem transforma o mundo e lhe significado, a ele
próprio o transforma e lhe significado.
46
A literatura é uma arte muito próxima do universo infantil e, por isso, pode ser
utilizada com sucesso a fim de sensibilizar as crianças para que percebam os valores
universais e questionem os valores vigentes no seu grupo, enfrentando, assim, situações ou
angústias existenciais que estejam vivendo. Também, por meio dessa arte, pode-se
sensibilizar o sentimento religioso.
O recurso à literatura, se bem informado dos resultados já atingidos nessa nova
aproximação entre literatura e teologia, seria uma estratégia muito bem-vinda de
sensibilização de crianças e jovens para o sentimento religioso, a espiritualidade, os
valores, a cidadania e o respeito pelo outro em sua diversidade.
47
A literatura é capaz de fomentar grandiosas reflexões e ir de encontro a dúvidas
existenciais presentes nas crianças. Por meio dessa arte, pode-se abordar questões referentes à
vida das crianças e de sua família. A criança utiliza-se do enredo da história para reestruturar
a sua própria história. Porém, é importante que isso não seja algo introjetado na literatura de
forma explícita, pois se torna pedagogizante. É a própria literatura e a relação com a hisria
de cada criança que conduzirá o ponto que realmente fará sentido na narrativa para cada
criança ou para o grupo. É por isso que, muitas vezes, se escolhe uma história tendo em vista
um tema latente no grupo e, o raramente, o grupo resgata na narrativa um outro tema não
planejado e nem previsto. E, assim, desencadeia-se uma solução ou uma problemática nova
no grupo, que o educador, por meio de um olhar sensível e uma escuta apurada, poderá
utilizar para encontrar o caminho por onde deverá seguir.
A ficção literária, segundo Mieth, oferece a possibilidade de se abordar projetos de
vida éticos individuais em seu todo, pela figuração da vida das personagens e
relações entre elas, mas sem risco de incidência em extrapolações indevidas de casos
particulares, dado que o texto literário ficcional conta, de saída, com validade e
legitimidade gerais. A consideração da literatura como objeto de reflexão ético-
teológica coloca em primeiro plano o interesse pela gênese estrutural da pessoa em
geral, sem tanto destaque à obrigatoriedade e validade de preceitos isolados e
descontextualizados. A literatura tem, com isso, a força para constituir modelos
46
PERESSON, Mario L.Pedagogias e culturas. In: SCARLATELLI; STRECK; FOLLMANN, 2006, p.67.
47
SOARES, Afonso. O belo e o verdadeiro. A tensa e mútua relação entre literatura e teologia. IHU On-line -
Revista do Instituto Humanitas Unisinos,o Leopoldo, n.251, 17 mar. 2008. p.12.
37
éticos, à medida que a ética comportamental ganha plasticidade, mostrando-se capaz
de contemplar a complexidade e multiplicidade da vida.
48
A religiosidade deve ser vivenciada com as crianças da educação infantil, pois o
exemplo nessa faixa etária é o mais significativo para as crianças.
A religiosidade é um comportamento que, mediado pela sociedade, responde às
condições da vida biológica. Determinadas formas de comportamento religioso o
transmitidas à criança, por intermédio da socialização na família, pelo ambiente da
primeira infância.
49
A criança aprende e vivencia a religiosidade por meio de hisrias, vivências criativas
e reflexões sobre narrativas ou situações específicas. Porém, é preciso tomar muito cuidado
com as ações das pessoas que são referência para a criança: a falia e os educadores. As
atitudes dessas pessoas certamente influenciarão muito mais a religiosidade. A criança
também costuma justificar seus atos por meio de ações de pessoas próximas que observou. A
imagem de Deus e a presente nos atos dessas pessoas próximas são marcantes na infância.
Elas ajudarão a constituir a imagem de Deus na criança.
Sobre a base da experiência histórica e da práxis social (momento experimental e
pragmático) e da interpretação que faz da realidade (momento epistemogico e
hermenêutico), um grupo social e, dentro dele, cada pessoa, representando-a,
simbolicamente a recria e elabora em um conjunto de imaginários coletivos e de
estruturas mentais, em uma rede de significões, por meio das quais entende e
explica o real, incorpora-o a seu mundo, organiza suas percepções, outorga-lhes
sentido e, conceitual e figurativamente, o reconstrói.
50
A socialização que ocorre em um grupo de educação infantil é um processo de troca
de cultura, onde um passa a conhecer elementos da cultura do outro e, além disso,
compartilham de uma cultura comum que é a construída no próprio ambiente escolar.
Cada grupo humano, mediante ltiplas formas educativas e de socialização,
transmite e comparte a própria cultura, principalmente na vida cotidiana. Para fazê-
lo, não necessita de uma intencionalidade ou de uma conceitualização expcita.
Cada povo transmite, em seu dia-a-dia, de maneira espontânea, diríamos natural, sua
maneira de compreender a vida e o mundo, seus imaginários coletivos, as estruturas
simbólicas, as formas como elas se expressam e comunicam mediante códigos
48
SOETHE, Paulo. José Carlos Barcellos, primus inter pares. IHU On-line - Revista do Instituto Humanitas
Unisinos, São Leopoldo, n.251, 17 mar. 2008. p.26.
49
FRAAS In: SCARLATELLI; STRECK; FOLLMANN, 2006, p.46.
50
PERESSON In: SCARLATELLI; STRECK; FOLLMANN, 2006, p.68.
38
simbólicos, costumes e estruturas de socialização. Esta forma espontânea e difusa de
educação é chamada de socialização.
51
É preciso perceber que a idéia de Deus o brota na criança por "geração espontânea",
embora tenha grande predisposição para a religiosidade. Mas, para chegar até a vivência
religiosa, falta uma longa evolução. O sentimento religioso o é inato na criança; para que
ele surja é preciso uma educação especial, isto é, a sua origem es ligada à experiência
afetiva, pois a religião nasce da afetividade.
Do zero aos três anos, a criança encontra-se num estágio afetivo-ambiental; portanto, a
sua religiosidade e a sua idéia de Deus não são pessoais, mas sim ambientais, baseadas na
ligação afetiva com a mãe (e depois com o pai) e são fruto da sua identificão com as
atitudes religiosas deles. O sentimento religioso é compreendido e assimilado pela criança na
medida em que lhe explicam o significado dos atos religiosos em que participam. Além disso,
através da bondade da mãe e da autoridade do pai, descobre, aos poucos, a origem de uma
bondade mais eficaz e de uma autoridade mais poderosa.
O estágio fabuloso começa a partir do egocentrismo, pelos 2 anos e meio ou 3 anos. A
idéia de Deus está no plano do fantástico e do emotivo. A imagem de Deus é antropomórfica.
Até os três anos, a criança imagina Deus como os seus pais, tem interesse por Ele e faz muitas
perguntas ao seu respeito. Acha que é Todo-Poderoso e protetor. Depois começa a pensar que
é fantástico, no sentido de "fantasia". Ao mesmo tempo, pensa que é alguém que
automaticamente louva o bem e castiga o mal.
Nossos comprometimentos e confianças moldam nossa identidade. Eles determinam
(estão determinados por) as comunidades a que nos filiamos. Num sentido real, nós
nos tornamos parte daquilo que amamos e em que confiamos “onde está o teu
tesouro, ali estará o teu coração”, disse Jesus.
52
Somos o resultado de uma vivência relacionada com os diversos grupos nos quais
participamos. Nesses, conjugamos idéias e também divergimos de algumas, porém,
certamente, na infância, o grupo que maior influência terá em nossa vida é a família. É nela
que realizamos a construção de nossas bases e comungamos com ela nossos
comprometimentos e confianças, colocamos nossos tesouros em lugares comuns.
51
PERESSON In: SCARLATELLI; STRECK; FOLLMANN, 2006, p.89.
52
FOWLER, James W. Estágios da Fé. São Leopodo: Sinodal, 1992. p.27.
39
A fé como processo imaginativo é despertada e moldada por essas interações e pelas
imagens, mbolos, rituais e representações conceptuais, oferecidas convictamente,
na linguagem e vida comum daqueles com quem aprendemos e crescemos. A fé,
portanto, é um modo ativo de conhecer, de compor um senso ou imagem sentida da
condição de nossas vidas tomada como um todo. Ela unifica os campos de força de
nossas vidas.
53
A criança constitui-se a partir de suas vivências e por isso a importância dos seus
relacionamentos a fim de que, por meio deles, possa realizar trocas e perceber-se enquanto ser
humano diferente dos outros, mas também igual em relação a sua importância no mundo e na
vida das pessoas que lhe são próximas. Nas relações e nas vivências que constituímos,
podemos nos compreender. Como para as crianças a fantasia está interligada à realidade, as
personagens das narrativas acabam por tornarem-se amigos ou inimigos imaginários e esses
com suas ações permitem um diálogo entre as histórias dos livros e as histórias de vida das
crianças. A fantasia e o real mesclam-se e o resultado são medos, angústias, alegrias, emoções
que se confundem com os sentimentos das personagens e, muitas vezes ao final da história
podem desaparecer ou, ao menos, atenuar-se com a solução encontrada na vivência da
personagem.
A estrutura relacional em que o ser humano se encontra está sujeita à configuração
da história pessoal. O enfoque relacional, que parte da estrutura de relações da
existência humana, inclui de antemão a relação com o ambiente como aquilo com
que o ser humano está relacionado e a partir do que ele precisa entender-se a si
mesmo, pois a estrutura relacional pode realizar-se somente em relações concretas,
em vincias, no confronto com algo, na biografia. Na medida em que a estrutura
relacional remete ao tema religiosidade, existe uma inter-relação entre a concepção
do ser humano como ser religioso (homo religiosus) e como ser social (zoon
politikon) [“animal político].
54
Na faixa etária referente ao grupo com o qual foi trabalhado, percebe-se que uma
grande referência aos exemplos de amor e afetividade de pais e educadores. São esses
exemplos que fortificarão ou não a fé da criança em Deus. Segundo Batista,
Até os quatro anos, geralmente, a criança ainda não pode se expressar com clareza,
ainda se encontra no estado de indiferenciação e irreflexão, portanto, também não é
capaz de se expressar em relação a Deus. Mas ela observa a atitude de fé dos pais e
demais pessoas, educadores, grava-as, imita-as embora inconscientemente. Esta fase
prepara a inteligência e o coração para a fase seguinte. Daí a grande importância da
53
FOWLER, 1992, p.32-33.
54
FRAAS, Hans-Jürgen. A religiosidade humana: compêndio de psicologia da religião. São Leopoldo: Sinodal,
1997. p.43.
40
atitude dos educadores diante da criança. A criança revela grande confiança,
sobretudo nos pais que a amam, desde o início da vida.
55
Esse foi o estágio com o qual as crianças iniciaram o ano escolar, porém, como logo
foram se aproximando da idade de quatro anos, as mudanças foram sendo claramente
percebidas, tanto no amadurecimento psicológico como na evolução da sua . Batista aponta
as características das criaas dessa faixa etária (quatro anos) e suas diferenças em relação à
fase anterior:
A criança nesta idade, graças ao desenvolvimento da inteligência e da linguagem, é
capaz de expressar seu pensamento também em relação a Deus. Estando pronta para
relacionar-se com as pessoas, também pode efetuar relacionamento com Deus. A
atitude de e amor dos educadores é muito importante. A criança observa, grava,
imita.
56
Por meio da caracterização dessas faixas etárias tão próximas e que estiveram
presentes no grupo com o qual foi desenvolvido o trabalho, pode-se perceber o grande
enfoque que a autora destina à questão da afetividade e que, para quem trabalha com essa
faixa etária, é, sem dúvida, um aspecto relevante e determinante para o sucesso do trabalho
junto a um grupo de educação infantil.
A socialização concretiza-se como uma experiência com o outro que não os pais.
Dessa forma ocorre uma forma de ultrapassagem da fase onde a família é o único local de
vivência da criança para um grupo que possuirá diferentes contextos e culturas, onde a troca
seo eixo norteador e os confrontos de realidade farão com que a criança possa se perceber
em contextos diferentes de sua base: a família.
As teorias da socialização sob o primado do questionamento psicológico descrevem
a socialização precipuamente como o crescente controle das pulsões em conexão
com a formação do superego. A psicanálise a psicodinâmica na tensão entre a
necessidade básica do ser humano de aconchego (motivo para a identificação) e a
necessidade básica de liberdade (motivo para o desligamento da mãe ou do grupo
primário e para a relação de objeto). Com a identificação, a criança assume os
modelos de orientação das pessoas às quais está ligada afetivamente. Assim a
experiência com os pais adquire importância predominante para a estrutura psíquica
da criança, inclusive para sua imagem de Deus. Neste sentido, pom, os pais o
apenas são complementados possivelmente desde o início por outras pessoas (irmãos
55
BATISTA, 1974, p.28.
56
BATISTA, 1974, p.28.
41
da criança, outros membros da família ou pessoas encarregadas de cuidar dela), mas
representam em sua ppria pessoa a ponte para a sociedade.
57
A educação religiosa deve, sim, ser explorada em sala de aula, porém, a primeira
experiência de religiosidade será em casa, a partir do exemplo dos pais, ou então por meio da
falta desse. E essa experiência não ocorrerá por meio de livros, mas sim no exemplo, no
carinho, no afeto. Vejamos algumas reflexões de Batista sobre a interferência do ambiente
familiar que comprovam a sua importância na evolução da fé da criança:
A pesquisa “in locome levou a constatar que a criança é capaz de evoluir na fé
onde há ambiente de . O ambiente familiar tem uma importância decisiva na fé. A
influência dos pais é importantíssima, sobretudo da mãe. Nenhuma instituição por
boa que seja pode substituir a família. A educação nos primeiros anos depende quase
exclusivamente dos pais, também a educação religiosa.
58
A educação da o se com o livro na mão, mas é conversação e vivência, é
olhar para o filho e receber dele aquele olhar atento a tudo. É sorrir com ele, cantar e
viver com ele, inspirando-lhe princípios que lhe dêem segurança ao enfrentar os
problemas da vida.
59
Como comprovamos, a família é fundamental na evolução da da criança e a escola
vem ao lado dessa instituição. Pode-se até afirmar que, atualmente, a escola vem substituindo
o exemplo que deveria ser vivenciado na família, o que é lastimável, pois, certamente, o
resultado não é o mesmo.
57
FRAAS, 1997, p.69.
58
BATISTA, 1974, p.42.
59
BATISTA, 1974, p.43.
3 HISTÓRIAS E HISTÓRIAS - O PROJETO
Que estória é mais importante para uma criança específica numa idade específica
depende inteiramente de seu estágio psicológico de desenvolvimento
e dos problemas que mais a pressionam no momento.
Bruno Bettelheim
A literatura infantil junto às crianças possui como finalidade o prazer e ludicidade,
mas ao mesmo tempo também é um meio por onde se pode solucionar conflitos interiores. As
crianças estão constantemente vivendo angústias e dúvidas, mas muitas vezes não conseguem
expressar seus sentimentos oralmente. Nesse sentido, a história auxilia na resolução dos
conflitos, pois, por meio da história, a criança consegue compreender melhor o que es
vivendo e, muitas vezes, identifica-se com alguma personagem da história.
Palavras são espelhos que refletem nossas imagens, que nos ajudam a ver melhor
nós mesmos e o próximo. São elas também que fazem repousar em si a proximidade
e a distância da verdade. Essa verdade que está próxima, mas ao mesmo tempo se
mantém tão protegida das tentativas de dominação, é objeto do esforço teogico de
ser um discurso coerente no mundo. Ao falarmos da verdade, falamos de Deus e de
nossa experiência como o mistério doador de nossas vidas. A literatura é
companheiro desse diálogo e dessa busca.
60
O projeto sobre literatura infantil e sua importância na resolução de conflitos interiores
foi desenvolvido em uma escola da rede municipal de Novo Hamburgo. Seu objetivo maior é
possibilitar à criança, por meio da linguagem estética, perceber o mundo e perceber-se nele.
Como último ponto destacaria o papel de Paulo Freire em mostrar a importância da
linguagem no processo educativo. Desde a experiência de alfabetização até as
práticas mais recentes a questão da linguagem é fundamental para Freire, uma vez
que por meio dela é introjetada a dominação e por meio dela também se pode
aprender a “dizer o mundo de forma diferente. Ele chama atenção para as
diferenças da sintaxe dominante e da sintaxe popular, para as “manhas” lingüísticas
60
MAGALHÃES, Antonio. Deus no espelho das palavras: teologia e literatura em diálogo. São Paulo: Paulinas,
2000. p.19.
43
indispensáveis à cultura da resistência, mas também para o momento estético” da
linguagem.
61
O tema surgiu a partir da constatação, ao longo da experiência da autora com a
educação infantil, e da sua percepção do gosto dos pequenos pelo mundo da leitura e o quanto
esses se deixam levar pelas histórias infantis e seus enredos, além de ter vivenciado outros
projetos com literatura infantil e de defender o seu uso com caráter lúdico e não unicamente
pedagógico, como ocorre na maioria das escolas. Além disso, por meio de uma experiência
entre a professora e uma colega psicóloga que realizavam juntas momentos onde o lúdico da
hora do conto se relacionava com o terapêutico possibilitado por meio das histórias, surgiu o
interesse em explorar a literatura como meio de solução dos conflitos pelas crianças, mas nem
sempre expressado por elas. Esse foi o fundamental motivo pela escolha do assunto do
projeto, que foi desenvolvido com uma turma de três anos de idade.
[...] ao colocar crianças e jovens em contato com a riqueza da literatura, o professor
cumpre com o seu dever, ao mesmo tempo em que garante a seus alunos o direito de
vivenciarem experiências marcadas pelos apelos à sensorialidade, ao imaginário e à
estesia. Essas experiências são determinantes no processo de formação dos cidadãos
e, além disso, essenciais para que eles se situem criticamente em face das
linguagens, em especial diante dangua portuguesa, cuja funcionalidade não a
restringe a ser um mero instrumento de comunicação, mas dela faz veículo de
concepção de mundo.
62
Inicialmente, pela pouca experiência da pesquisadora com a faixa etária de três anos
de idade, muitas foram as angústias: Como registrar as falas das crianças a partir das
histórias? Poderia ocorrer um aprofundamento de temas existências nessa faixa etária?
Muitas das crianças falavam de forma sucinta sobre o que haviam gostado em determinada
história e para captar o sentimento que o enredo havia despertado era necessário conhecer as
crianças, suas famílias e um pouco de sua história. Certamente o primeiro semestre foi
essencial para que, por meio da experiência com a turma, a professora pudesse compreender e
conhecer um pouco mais sobre as hisrias de vida que permeavam o grupo. Então, após esse
momento, as falas, mesmo que sucintas, eram melhor compreendidas pela professora, que
conseguia compreender a relação da fala com a vida da criaa.
61
STRECK, Danilo R. Correntes pedagógicas: uma abordagem interdisciplinar. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005.
p.64.
62
SARAIVA, Juracy Assmann; LOPES, Gabriela Hoffmann. Literatura na escola: por que não? In: MARTINS,
Rosimeri Lorenz; KUNZ, Marines Andréa. Leitura: reflexões teóricas e experiências possíveis. Novo
Hamburgo: Feevale, 2007. p.29.
44
Conhecendo melhor o grupo, também foi possível buscar as melhores histórias que
pudessem ir de encontro às questões que estavam sendo vividas pelas crianças. Como
proposta inicial, a autora decidiu navegar pela literatura infantil e propor vivências com tipos
diferenciados de textos: contos, poesias, narrativas bíblicas e narrativas contemporâneas.
Narrativas funcionam, outrossim, como símbolos evocativos. Suscitando
imaginação, as narrativas levam a recordar para além de”. Por meio dos
personagens e de suas histórias, as pessoas vivenciam sentimentos e idéias e
resgatam memórias, tendo acesso a significados não facilmente experimentados e
alcançados de outra maneira. Pode-se dizer que cada personagem e fato de uma
história revela algum aspecto da realidade, podendo tocar sentimentos profundos no
ouvinte ou leitor. Por outro lado, cada personagem e fato contribui para um todo,
sendo a história mais do que a soma de suas partes.
63
3.1 O BIBLIODRAMA COM CRIANÇAS
O bibliodrama utiliza-se da narração de histórias e vivências a partir dessas, visando
possibilitar uma conexão com o que é vivido na história e o que se vive na vida real. Por ser
uma metodologia que se utiliza de histórias, algumas das etapas do bibliodrama foram
utilizadas nos diferentes momentos com as crianças.
Bibliodrama é um processo de interpretação de textos sagrados (em especial
bíblicos) ou textos literários (em especial poesias) e textos orais - textos da vida
cotidiana, relacionais e existenciais. É uma hermeutica que privilegia (sic) o grupo
como lugar de interpretação desses textos. Propõe uma leitura vivenciada do texto;
propõe experimentar o texto, envolver-se com o texto como pessoa inteira - de
corpo, alma e espírito. Trabalha com a corporeidade e a criatividade humanas e com
ferramentas e elementos capazes de promover a capacidade que o ser humano tem
de criar algo, de criar a si mesmo, suas estruturas relacionais, pessoais, sociais,
espirituais, enfim, a vida em suas dimensões singulares e plurais.
64
Como as crianças demonstraram grande interesse pela dramatização das histórias, essa
etapa foi realizada após algumas narrações. Pôde-se perceber que as crianças estavam muito
mais inseridas no enredo da história após os momentos da dramatizão. A escolha da
personagem a qual gostariam de interpretar também foi feita a partir da motivão de cada
criança. Partindo-se do pressuposto de que a simples escolha da personagem já diz algo sobre
sua história de vida, não poderíamos deixar de oportunizar esse momento às crianças. Apenas
63
KLEIN, Remí. A narração de hisrias bíblicas na perspectiva da criança: fundamentos e modelos narrativos.
o Leopoldo: EST, 1996. Dissertação (Mestrado em Teologia), São Leopoldo, 1996. p.25.
64
ROESE, Anete. Bibliodrama: a arte de interpretar textos sagrados. São Leopoldo: Sinodal, 2007. p.13.
45
tivemos que realizar várias apresentações de histórias até que todos pudessem interpretar a
personagem escolhida. Muitas vezes, as crianças também eram incentivadas a explicar o
motivo pelo qual haviam escolhido determinada personagem.
O encontro de cada pessoa com o texto acontece no processo metodológico do
bibliodrama, que se aia em movimentos - que vão desde formas de leitura
dinâmica do texto, dramatização espontânea de cenas, pintura, dança, até inúmeras
outras possibilidades criativas.
65
Além das etapas citadas anteriormente, todas as narrativas foram cuidadosamente
escolhidas e preparadas para que pudessem sensibilizar e cativar as crianças. Nesse sentido,
certamente as atividades que antecediam as histórias foram fundamentais.
Nessa perspectiva, deve haver a preocupação por parte do professor com a
apresentação do texto ao aluno; precisa-se ter o cuidado de oferecer ao aluno um
texto que, desde seu aspecto visual, se configure como algo atrativo. O evento da
leitura inicia-se pela apreensão da macroestrutura, passando pela palavra, pela
sonoridade, pelas imagens, chegando à microestrutura e alcançando o vel
semântico, o que permite confrontar o texto com o conhecimento prévio do aluno e
com a realidade em que ele se insere. Sendo o leitor constituído de estruturas
cognitivas e afetivas, é fundamental, antes de apresentar o texto ao aluno, ativar seus
conhecimentos prévios, facilitando, assim, a compreensão e sensibilizando-o para a
temática abordada. Assim, a leitura deixa de ser uma atividade mecânica e sem
análise textual, pois o objetivo é integrar texto e leitor.
66
3.2 AS HISTÓRIAS NARRADAS E SUAS RELAÇÕES COM A VIDA DAS
CRIANÇAS
Todas as histórias foram selecionadas ao longo do projeto com a literatura infantil. As
mesmas visavam solucionar ou explorar temas que estavam sendo motivo de preocupação ou
ocupação das crianças que fazem parte do grupo. Essa forma de selecionar o texto partiu da
concepção de que a literatura não é somente fonte de informação, mas principalmente
possibilidade de transcender. O texto, que muitas vezes é escolhido em função do projeto que
está sendo desenvolvido em sala de aula passa a ser o assunto do projeto e a partir dele muitas
65
ROESE, 2007, p.15.
66
VOLMER, Lovani; PINHEIRO, Luciana Boose; KUNZ, Marinês Andréa. Desvendando textos literários:
propostas metodológicas. In: MARTINS, Rosimeri Lorenz; KUNZ, Marines Andréa. Leitura: reflexões teóricas
e experiências posveis. Novo Hamburgo: Feevale, 2007. p.113.
46
curiosidades ou outros temas podem sim ser desenvolvidos, mas será a curiosidade do aluno e
não a listagem de conteúdos que direcionará o caminho a ser seguido.
Poucos professores percebem que a literatura é um meio de que o ser humano dispõe
par transcender a si mesmo e, em função disso, deixam de selecionar textos que
permitiriam ao aluno estabelecer relações com a vida que o cerca. Ao optar
prioritariamente pelo verniz cultural”, transformando o texto literário em fonte de
informação, ao invés de espaço de formação do sujeito, o professor nega, por sua
prática, o discurso, tantas vezes referido, de que deseja formar leitores e cidadãos
críticos e conscientes.
67
As histórias e poesias narradas foram as seguintes:
3.2.1 Chapeuzinho Vermelho
O projeto iniciou com a narração da história Chapeuzinho Vermelho que foi feita pela
professora com o auxílio de um livro com belas ilustrações. No mesmo dia em que ocorreu a
narração, as crianças puderam expressar a parte de que mais haviam gostado da hisria. Ao
contar a história, pôde-se perceber que o encanto foi quando a Chapeuzinho reconheceu o
lobo e teve medo dele. Esse medo, apesar de ser um momento de angústia da personagem,
também é uma ocasião na qual as crianças se empolgam e sentem uma grande ansiedade pelo
desfecho da personagem da menina.
Para que uma estória realmente prenda a atenção da criança, deve entretê-la e
despertar sua curiosidade. Mas para enriquecer sua vida, deve estimular-lhe a
imaginação: ajudá-la a desenvolver seu intelecto e a tornar claras suas emoções;
estar harmonizada com suas ansiedades e aspirações; reconhecer plenamente suas
dificuldades e, ao mesmo tempo, sugerir soluções para os problemas que a
perturbam. Resumindo, deve de uma vez relacionar-se com todos os aspectos de
sua personalidade - e isso sem nunca menosprezar a criança, buscando dar inteiro
crédito a seus predicamentos e, simultaneamente, promovendo a confiança nela
mesma e no seu futuro.
68
A hisria Chapeuzinho Vermelho foi escolhida a fim de que as crianças pudessem
vivenciar, por meio da literatura infantil, seus medos e pudessem expressar-se por meio da
personagem principal da história: a Chapeuzinho.
67
SARAIVA, 2007, p.36.
68
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Tradução de Arlene Caetano. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1980. p.13.
47
O conto de fadas é terapêutico porque o paciente encontra sua ppria solução
através da contemplação do que a história parece implicar acerca de seus conflitos
internos neste momento da vida. O conteúdo do conto escolhido usualmente não tem
nada que ver com a vida exterior do paciente, mas muito a ver com seus problemas
interiores, que parecem incompreensíveis e daí insolúveis. O conto de fadas
claramente não se refere ao mundo exterior, embora possa começar de forma
bastante realista e ter entrelaçados os traços do cotidiano.
69
Apesar de ser uma história conhecida por todos na sala, a narração do conto
Chapeuzinho Vermelho foi feita com um livro de imagens tridimensionais que encantou a
todos. Após a história, cada criança pôde relatar o que mais havia gostado da história e em
suas falas pôde-se comprovar o que pôde-se perceber durante a narração da história. A parte
que mais chama a atenção e da qual as crianças afirmam mais gostar é de quando a
Chapeuzinho descobre que a vovó, na verdade, é o lobo disfarçado. Após essa parte, outra que
muitos apontaram como a de que mais haviam gostado, foi quando apareceu o lenhador e foi
atrás do lobo para pegá-lo. Percebe-se que, desde muito pequenas, as crianças já possuem o
senso de justiça introjetado, pois querem que o bem vença e que o mal seja castigado. Isso é
um valor cultural e quase universal que é captado pelas crianças sem que haja necessidade de
darmos ênfase a ele.
Ainda explorando a mesma narrativa, em outro dia, quando a história foi contada por
alguém diferente (a professora não estava na escola), pôde-se perceber como a postura do
narrador é capaz de deixar marcas nas crianças. Até o momento, as crianças não haviam
enfatizado a parte em que a mamãe havia recomendado à Chapeuzinho que não falasse com
estranhos, porém, no dia em que foi solicitado que recontassem a história à professora, quase
todas as crianças enfatizaram em suas narrativas a visão moralista que provavelmente deve ter
sido enfatizada pela professora que narrou a história.
Muitas atividades foram feitas com as crianças a partir desse conto de fadas. Dessa
forma, a intervenção com o conto fez parte de um todo do qual estava-se cotidianamente
trabalhando e falando em sala de aula. Algumas atividades que foram vivenciadas: pintura da
parte de que mais gostou, confecção do chapéu da Chapeuzinho, preparo dos doces que a
Chapeuzinho fez para a vovó, recontar, individualmente, a história e ilustrá-la, confecção da
máscara de lobo mau, dramatização da história na sala para a própria turma, dramatização da
história para outra turma e confecção dos convites para essa turma vir assistir à dramatização.
69
BETTELHEIM, 1980, p.33.
48
Inicialmente, quando foi proposto a confecção dos chapéus da Chapeuzinho, esperou-
se pela reação dos meninos; caso esses manifestassem que não gostariam de realizar a
atividade, iria propor-se a eles que confeccionassem a máscara do lobo mau, mas como todos
gostaram de fazer e usar o chapéu, a atividade foi direcionada a todos. Pôde-se perceber que
um menino, quando seu avô veio buscá-lo, fez questão de dizer a ele que o chapéu era da
Chapeuzinho, mas que ele o era a Chapeuzinho. Percebe-se a questão do preconceito em
relação ao nero: como um menino ser a Chapeuzinho. Porém, essa foi a única reação que
foi observada.
Corso afirma que o lobo e as bruxas são elementos assustadores e que remetem ao
medo. Cotidianamente são associados a outros elementos como o Papai Noel e o usados
para atemorizar as crianças em seu dia-a-dia:
No imaginário infantil, o lobo e as bruxas gulosas - tal qual a de João e Maria -
assustam mais que as bruxas ciumentas - como as encontráveis em Rapunzel, Branca
de Neve e A Bela Adormecida -, que geralmente aparecem depois. Estas últimaso
mais complexas, assim como vai ficando a vida depois que as relações passam a ser
claramente entre pessoas inteiras e não mais entre bocas. Quando as bruxas
ciumentas reinam, já há uma vida inteira, há uma criaa que sabe que vai crescer e
pode se colocar questões relativas à ambivalência de sentimentos e à fragilidade
dos pais. O primeiro perseguidor, o papão da primeira infância, freqüentemente
pertence ao gênero masculino, tendo no lobo seu ancestral mais famoso, tanto que
até hoje se fala dele. Mas na vida dos pequenos o lobo não está só, pode ter a
companhia do Papai Noel, que não traz presentes, são muitas as crianças que o
temem; do bicho-papão, que geralmente mora embaixo da cama, mas freqüenta
outros cantos escuros; do palhaço, o terror dos aniversários; do cachorro, que, como
o lobo, vaga pelas ruas pronto para cravar os dentes afiados nas criancinhas; e de
outros, ao sabor do freguês. A bruxa também é assustadora, mas ela não costuma
sair das histórias para aterrorizar o cotidiano dos pequenos, ou pelo menos é mais
raro encontrar uma bruxa incumbida do papel do objeto fóbico.
70
Esse objeto fóbico que é encontrado nas histórias infantis, como foi o caso da história
Chapeuzinho Vermelho evoca um temor, mas ao mesmo tempo algo com o qual a criança
quer se defrontar, assim como a Chapeuzinho que, apesar de perceber as diferenças entre o
lobo e sua avó, não correu logo embora, somente fez isso após a confirmação de que
realmente era o lobo que ali estava.
O conto de fadas não poderia ter seu impacto psicológico sobre a criança se o
fosse primeiro e antes de tudo uma obra de arte. Os contos de fadas são ímpares, não
como uma forma de literatura, mas como obras de arte integralmente
compreensíveis para a criança, como nenhuma outra forma de arte o é. Como sucede
70
CORSO, Diana Lichtenstein; CORSO, Mário. Fadas no divã: psicanálise nas histórias infantis. Porto Alegre:
Artmed, 2006. p.57.
49
com toda grande arte, o significado mais profundo do conto de fadas será diferente
para cada pessoa, e diferente para a mesma pessoa em vários momentos de sua vida.
A criança extrairá significados diferentes do mesmo conto de fadas, dependendo de
seus interesses e necessidades do momento. Tendo oportunidade, voltará ao mesmo
conto quando estiver pronta a ampliar os velhos significados ou substituí-los por
novos.
71
Também assistimos ao filme Chapeuzinho Vermelho e realizamos uma comparação
entre os elementos comuns entre a história do livro e a do filme. Além disso, as crianças
levaram o livro para casa na Sacola Viajante( sacola com o livro que estava sendo explorado
no projeto). Essa técnica permitiu que as famílias pudessem estar inseridas no projeto e
acompanhando as histórias que estavam sendo trabalhadas no grupo. Também registravam,
em um caderno, observações que realizavam no decorrer da visita da Sacola Viajante. Em
todos os registros, pôde-se perceber a integração da família e a percepção dessa pelo gosto e
satisfação do(a) filho(a) ao ler e ouvir a história que haviam escutado na escola.
Para finalizar essa história e as atividades propostas a partir dela, a professora trouxe
um elemento concreto da história: o armário da vovó. Como esse foi o local onde o lobo
escondeu a vovó, a dinâmica também foi de esconder e achar. Todo o início de aula a
professora escondia um objeto nesse armário e, por meio de pistas, as crianças deveriam
descobrir o que dentro dele estava. Foi uma atividade muito interessante, pois permitia às
crianças brincarem com sua imaginação, além de terem que pensar em elementos que
tivessem as características apresentadas pela professora. O que foi interessante é que, nas
primeiras vezes da brincadeira, muitas crianças afirmavam que o que estava dentro era a vovó
ou o lobo. Isso demonstra o quanto para as criaas as histórias são reais.
O conto de fadas, apesar de conhecido, foi muito atraente para as crianças. Isso pôde
ser comprovado ao longo de todas as atividades propostas a partir da história. Além disso, as
crianças demonstravam grande vontade em ouvir e contar a história muitas vezes.
Quanto mais tentei entender a razão destas estórias terem tanto êxito no
enriquecimento da vida interior da criança, tanto mais percebi que estes contos, num
sentido bem mais profundo do que outros tipos de leitura, começam onde a criança
realmente se encontra no seu ser psicológico e emocional. Falam de suas pressões
internas graves de um modo que ela inconscientemente compreende e sem
menosprezar as lutas interiores mais sérias que o crescimento pressupõe-oferecem
71
BETTELHEIM, 1980, p.20-21.
50
exemplos tanto de soluções temporárias quanto permanentes para dificuldades
prementes.
72
3.2.2 Quem tem medo de lobo?
Como o enfoque da primeira história foi a questão do medo, resolveu-se dar
continuidade ao projeto com uma narrativa que enfocasse esse tema, mas não de forma
pedagogizante. Encontrou-se a obra Quem tem medo de lobo e decidiu-se que seria muito
interessante continuar por ela, afinal, o lobo marcou muito as crianças na história da
Chapeuzinho.
A obra escolhida Quem tem medo de lobo? foi escondida dentro do armário da vovó
(utilizado na brincadeira de adivinhação) e, por meio da mesma brincadeira, as crianças,
através de pistas, descobriram que se tratava de um livro que o armário guardava. A
professora pegou a obra e começou a narrá-la às crianças. Pôde-se perceber, durante a
narrativa, que os olhinhos pareciam assustados quando as crianças iam vendo as imagens do
lobo. Mas, como ao final da história esse lobo é percebido pelo protagonista como um
elemento da imaginação, foi possível estabilizar os sentimentos da turma e não a deixar com
medo, uma vez que o objetivo era justamente o contrário. As crianças também foram levadas
a, corporalmente, representarem seus medos. Após essa dinâmica, cada um pôde nomear o seu
medo. Os medos listados foram de cobras, aranhas, lobisomem, lobo, bruxa, barata, monstro...
Ao final da conversa em roda, procurou-se afirmar que todos possuem algum medo, mas que
necessariamente não é o mesmo. Algumas crianças também explicaram o motivo do seu
medo. Pôde-se perceber, pelos tipos de medos apresentados, que muitos medos das crianças
o originários de ameaças dos adultos com o objetivo de atemorizar as crianças ou então pôr
limites nas mesmas. Um medo que chamou atenção foi o de um menino que afirmou ter medo
de poço. Pediu-se que explicasse o porquê desse seu medo. Ele disse que “uma vez um
menino caiu em um poço e criança tem que cuidar seo pode cair como o menino que caiu
um dia”. Com o intuito de trabalhar os medos das crianças e “brincar” um pouco com eles a
fim de atenuá-los, foi elaborado com as crianças um livro dos medos onde cada medo seria
ilustrado e teria os nomes dos colegas que possuem esse medo. Além disso, haverá o
complemento com um curto texto com rimas a fim de brincar com o medo e torná-lo
72
BETTELHEIM, 1980, p.14.
51
divertido. Caso esse medo seja de algo real, como cobra, aranha..., também será feita uma
pesquisa a fim de abordar os cuidados que se deve ter com esses animais e/ou objetos.
“O objetivo da estória é dizer o nome, dar às crianças símbolos que lhes permitam
falar sobre seus medos. E é sempre mais fácil falar sobre si mesmo fazendo de conta que se
está falando sobre flores, sapos, elefantes, patos [...]”.
73
Na realização do livro dos medos, em uma das páginas foi feita a ilustração de um
monstro que as crianças fizeram utilizando tinta têmpera em uma folha colorida. Ao
concluírem o desenho, cada criaa pôde nomear o seu monstro. Muitos nomes surgiram,
dentre eles os que mais chamaram a atenção foram os de duas crianças que deram nomes de
pessoas aos monstros: uma nomeou Gabriela, nome de uma colega, e outro menino nomeou
Enzo, nome do seu irmão. Mesmo questionado mais do que uma vez, continuou afirmando
que o seu monstro tinha nome de Enzo. Esse menino é uma criança que possui dificuldades de
relacionamento no grupo, pois é muito agressivo. Também já houve uma conversa com a mãe
e a mesma afirma que dá muita atenção ao Valter
74
, o filho, porém, o que é muito visível é
que ele se sente abandonado e possui muito ciúme do irmão.
Como se percebe que na turma as crianças estão destacando muito as diferenças
corporais entre elas e especialmente a de cor (por terem um colega negro, afirmam que ele é
diferente), acreditou-se que a hisria Diversidade iria de encontro com esses
questionamentos que têm tomado tempo das crianças. Como também a pesquisadora tem
como proposta explorar narrativas bíblicas, certamente a história da criação poderá muito bem
ser narrada anteriormente à obra da Tatiana Belinky, pois justificará as diferenças e as
igualdades que entre as pessoas. Além disso, reafirmará o elemento comum a todos nós
que é sermos filhos de Deus e, por isso, amados por ele.
3.2.3 A Criação
A narrativa bíblica foi realizada a partir de uma dinâmica fora da sala de aula. As
crianças foram incentivadas a observarem o entorno da escola e tudo que nele havia. Ao
73
ALVES, Rubem. Estórias para pequenos e grandes. São Paulo: Paulinas, 1984. p.1.
74
Nome fictício.
52
voltarem para a sala, puderam refletir e compartilhar verbalmente sobre o que haviam visto.
Muitos elegeram elementos da natureza e outros elencaram obras criadas pelas pessoas. A
cada elemento trazido, era discutido quem o havia criado. Quando foi citado o primeiro
elemento da natureza, um menino indicou que havia sido criado por Deus. Esse menino
provêm de uma família evangélica e que freenta muito o culto com sua família. Após a
indicação do mesmo, todos afirmavam que os outros elementos também haviam sido criados
por Deus.
A religiosidade se expressa na motivação para a ação (social, política, estética e
artística) que configura o mundo e em sua orientação axiológica. Na inter-relação
entre o sujeito ativo e seu contexto social e de objetos, a personalidade adquire
formas -“em, com e sob” a esfera social e objetiva está presente na relação com o
Deus Criador, como fundamento condicionante de existência no mundo.
75
Ao serem questionados se já haviam ouvido a história da criação, todos afirmaram que
não. Então ocorreu a narrativa que foi realizada com o recurso do flanelógrafo. Ao iniciar, a
professora destacou a fonte da história e mostrou nesse momento diversas bíblias infantis e
adultas, afirmando que em todas havia a história da criação. Nesse momento, algumas
crianças afirmaram terem uma bíblia em casa, mas não muitas. As crianças acompanharam
com muito entusiasmo a narrativa, pois a mesma, por meio do recurso utilizado, tornava-se
interativa e não paralisada. Ao apresentar todos os elementos da crião e faltando apenas as
pessoas, a professora realizou um momento de suspense e questionou as crianças sobre o que
faltava ser criado. Novamente aquele menino que possui mais contato com as histórias
bíblicas, afirmou que faltavam as pessoas. Então foi apresentado o homem, a mulher e em
seguida as crianças, para que as mesmas pudessem se sentir incldas na história e acolhidas
por Deus.
[...] a formação de uma imagem não espera ou depende de processos conscientes. A
imagem une “informaçãoe sentimento; mantém juntos orientação e significado
afetivo. Como tais, as imagens o anteriores e mais profundas do que os conceitos.
Quando nos perguntam o que pensamos ou conhecemos a respeito de algo ou
alguém, convocamos as nossas imagens, colocando em movimento uma espécie de
interrogação esquadrinhadora ou de questionamento das mesmas. Então, em um
processo que implica tanto uma formação como uma expressão, narramos o que as
nossas imagens conhecem. A narração pode tomar a forma de estória; pode assumir
formas simbólicas ou poéticas, transformando imagens interiores nascentes em
75
FRAAS, 1997, p.122.
53
imagens articuladas e compartilhadas; ou pode assumir ainda a forma proposicional
de abstrações conceptuais.
76
Certamente a história da criação teve quinze interpretações diferentes na sala (há
quinze crianças na turma), pois a mesma dialogou com a história de vida de cada criança, com
as histórias que ouviu ou não ouviu, com a imagem de Deus que possui ou não possui. O
menino que possui um contato maior com as histórias bíblicas, certamente tem uma visão
muito diferente desse momento do que a criança que nem sequer possui uma bíblia em sua
casa.
Pôde-se perceber, por meio das conversas que ocorreram após a narração da história,
que muitas crianças não diferenciam Jesus de Deus. Para elas ambos são “pessoas” que
querem o bem, que cuidam de nós e que criaram muito do que há em nossa volta, inclusive as
pessoas. Isso também foi verificado por Batista em sua pesquisa junto a crianças de educação
infantil:
Para uma criança, Jesus e Deus são as mesmas coisas. Ela não pode pensar em um
Deus espiritual. Nas expressões de Deus pelo desenho, observei que, quando a
criança não está acostumada a ver Jesus na cruz ou num quadro, ela desenha Deus
como uma pessoa diferente, mas com traços de seu pai ou de sua mãe ou da própria
criança. O importante é que ela observou ou já ouviu falar que Deus é algm
muito bom.
77
Todas as crianças, após a história, puderam desenhar como era o mundo antes da
criação e como ele ficou com o que Deus criou. No desenho, pôde-se perceber que duas
meninas o desenharam a figura masculina, mas somente a mulher. Uma delas não vive com
seu pai, apesar de conhecê-lo, e isso pode justificar o fato de o ter desenhado a figura
masculina. As outras crianças, quando desenhavam as figuras humanas, a grande maioria
desenhava uma mãe, um pai e o filho ou filha. Percebe-se que, apesar de ao longo da narrativa
ter sido usada a nomenclatura homem/mulher/criança, as crianças aproximaram a história com
a sua realidade e família, relacionando-a com pai, mãe e filhos. Ao finalizarem a ilustração, as
crianças também retomaram a história, narrando-a com auxílio dos elementos. Foi muito
interessante, pois, ao longo da narrativa, as crianças iam participando com o elemento que
possuíam. Também foi cantada a canção Deus criou o mundo, que enfoca a bondade de Deus
76
FOWLER, 1992, p.33.
77
BATISTA, 1974, p.33.
54
que criou tudo isso para o nosso bem. A partir da história, foi possível refletir sobre a questão
de que Deus criou a todos nós e fez cada um de uma forma diferente.
Cada criaa, ao longo de sua vida, foi construindo imagens que lhe são significavas e
o essas imagens que interferirão na interpretação de uma narrativa. A de cada criança é
expressa em seus desejos, opiniões e sentimentos expressos em desenhos ou nas
dramatizações. É essa mesma que a fainteragir em seu grupo, dessa ou daquela maneira,
e essa socialização poderá edificar sua fé ou até transformá-la.
[...] a afeta o modo, a forma que damos a nossas iniciativas e respostas, nossos
relacionamentos e aspirações na vida diária, ao nos capacitar a vê-los contra o pano
de fundo de uma imagem mais abrangente daquilo que constitui verdadeiro poder,
verdadeiro valor e o sentido da vida. Esta imagem global pode ser, em grande parte,
tácita e não examinada, e funcionar sem que se tenha consciência dela ou se reflita
sobre ela. Por outro lado, partes significativas dela podem ter achado expressão ou
ter sido explicitadas em ritos, mitos, mbolos ou estórias, ou na elaboração
conceptual mais sistetica de uma teologia ou filosofia.
78
3.2.4 Diversidade
O livro Diversidade vem de encontro com essa refleo, pois, afinal, todos somos
diferentes e cada um é especial. A dinâmica que introduziu a narração da obra foi a do
espelho. Dentro de uma caixa, estava um espelho e cada um foi convidado a abrir a caixa e
perceber algo de muito especial que estava dentro da caixa. Ao final, houve uma conversa a
fim de que as crianças pudessem dizer que se viram e, a partir disso, poderia-se refletir sobre a
importância de cada um no grupo.
Quando foi iniciada a dinâmica da caixa, as crianças ficaram muito curiosas em saber
o que havia dentro da caixa. Todas puderam olhar e, após todas terem olhado, questionou-se
sobre o que havia de especial dentro da caixa. Todas afirmaram ter um espelho. Como a
educadora continuou afirmando que não era isso, muitas pediram para olhar novamente a
caixa. Após muitas “olhadas”, uma menina afirmou ter uma pessoa. E um outro menino
completou afirmando que a pessoa era quem estava olhando, no caso ele. A partir disso pôde-
se conversar com eles sobre como cada um é especial e diferente. Pediu-se para que se
observassem e vissem como cada um era diferente e como possuíam também semelhanças
78
FOWLER, 1992, p.35.
55
com alguns colegas. Pôde-se perceber, por meio dessa dinâmica, que, por serem crianças de
três e quatro anos, muitas não conseguiram perceber que não era o espelho que era especial e
estava dentro da caixa, mas sim o que o espelho refletia. Isso demonstra que nessa faixa etária
é muito mais difícil realizar uma tarefa que requer abstração, pois as crianças percebem muito
mais o concreto, que, no caso, era o espelho dentro da caixa. Todos também foram
convidados a se olharem no espelho grande que havia na sala e observarem suas
características: cor do cabelo, da pele, dos olhos. Em seguida, realizaram o seu auto-retrato e
realizamos uma exposição dos mesmos na escola. Foi muito interessante, pois foram ouvidas
várias falas de crianças comparando características entre os colegas. Em um outro dia
posterior a essa atividade, quando se contava novamente a história, uma criança afirmou que
ela tinha a pele um pouco assim e eu a questionei: Assim como? Ela afirmou: assim marrom e
eu a fiz refletir como era importante ser diferente. Também no livro Diversidade, a autora
conclui a obra afirmando que seria muito chato se todos fôssemos iguaizinhos.
As crianças ainda realizaram uma ilustração sobre a história, onde poderiam desenhar
livremente algo que lhes haviam chamado a atenção. Nos desenhos, pôde-se perceber que
muitos desenharam personagens da história que tinham características semelhantes às suas, o
que comprova a identificação com personagens da narrativa. As famílias também foram
incluídas. Além de terem levado a Sacola Viajante, também receberam a visita dos bonecos
das crianças confeccionados com papel pardo e jornal. Os bonecos foram para a casa passar
um final de semana e cada família fez um relato do que o boneco participou junto da família.
Na volta do final de semana, todos os bonecos retornaram com seus relatos e realizou-se uma
exposição na escola com os mesmos e seus relatos. As falias também receberam círculos de
papel para ilustrar os rostos de todos membros da família e assim teríamos em nossa sala,
pendurada na cortina de cds, todas as pessoas que fazem parte da família de todos os alunos
da turma C3-T. Foi possível olhar a exposição e perceber semelhanças e diferenças entre
todos. Ainda sobre a história, fez-se um resgate das histórias dos nomes de cada criança.
Explorou-se a música Gente tem sobrenome. Também foram comparados os nomes e suas
escritas. Como o nome estava em destaque na turma e dando continuidade ao assunto de que
cada um é diferente, surgiu a oportunidade de explorar a poesia As meninas, de Cecília
Meireles.
56
3.2.5 As Meninas
A poesia As Meninas foi escolhida por retratar as caractesticas de três meninas, que,
apesar das diferenças, estavam juntas e possivelmente poderiam ser irmãs ou amigas. Cada
uma com sua particularidade, mas a simplicidade e a alegria de Maria se destacava. Como a
poesia também explora rimas relacionando com o nome, certamente essa seria uma poesia
própria para o contexto da turma.
A poesia lida pela professora ao grupo foi acompanhada com muito interesse. Todos
puderam eleger a menina da qual haviam gostado mais e explicar, se possível, o motivo.
Cabe destacar ainda que é necessário permitir ao aluno a socialização de sua
interpretação. Essa experiência enriquece a atividade da leitura, uma vez que os
diferentes pontos de vista e entendimentos acerca do texto possibilitam o diálogo e o
aprendizado. Além disso, levam o grupo a promover discussões saudáveis, não
permitidas em outros tempos e com outras práticas de leitura. O processo de leitura,
assim sendo, não se encerra no seu ato e no seu confronto com as experiências
pessoais, uma vez que a literatura cumpre sua função quando o sujeito leitor
estabelece outras relações a partir do que leu.
79
Em seguida, foi realizada a ilustração das meninas dentro de janelas confeccionadas
em papel. Também foi elaborada uma poesia com os nomes da turma e essa foi apresentada às
outras turmas da escola. Além disso, foram exploradas poesias de Vinícius de Moraes que são
musicadas e, por isso, mais conhecidas do grupo.
3.2.6 Sonhos de Menina
Concluiu-se o projeto com a poesia Sonhos da Menina. A partir dessa, as crianças
puderam expressar algum sonho seu. Muitos foram os sonhos expressos por meio de
dramatização, seguida de ilustração.
Todas as práticas relacionadas às histórias, fossem anteriores ao ato narrativo ou
posteriores, estavam embasadas em alguns eixos norteadores do trabalho que o: ouvir, ver,
expressar corporalmente, verbalmente e visualmente, sentir. Mas o que mais possibilitou
perceber o caminho que deveria ser trilhado - a história a ser escolhida - foram as escutas na
79
VOLMER; PINHEIRO; KUNZ, Marines, 2007, p.114.
57
sala, durante o brinquedo, conversas informais e conversas entre as crianças. Como a fala
nessa faixa etária está bem desenvolvida e as crianças fazem o uso dessa para expressarem
sentimentos, idéias e opiniões, foi por meio de falas e diálogos que se pôde desvendar novos
rumos e possibilitar a todos novas descobertas.
Outro tema que Paulo Freire recupera para a discussão pedagógica é o diálogo.
Educador e educando constantemente problematizam a sua prática e colocam diante
de si “objetos” a serem re-descobertos e explorados. O diálogo, como vimos na
análise, não anula a função do educador como aquele que fez o ato de conhecimento,
mas que mesmo assim mantém uma atitude curiosa diante do objeto, devendo
refazer seu ato de conhecimento junto com os educandos. O diálogo, além disso,
pressupõe a valorização da cultura do educando. Suas concepções, suas crenças
devem ser o ponto de partida do processo educativo. Não o ponto de chegada.
80
Foi por meio das histórias que se buscou inserir a criança em sua realidade não de
forma submissa a ela, mas de forma a reverter o que não lhe agrada e transformar o que pode
ser transformado a fim de que possa se sentir mais segura e feliz em seu grupo.
Embora Paulo Freire tenha abandonado o uso do conceito de conscientização, para
retomá-lo apenas nos últimos escritos, permanece sua visão básica de que por ser
“corpo consciente” o ser humano tem possibilidade, dentro das limitações impostas
pela própria realidade, de refazer o mundo em que vive num constante processo de
humanização.
81
Nesse caminho, muitos foram os desafios e muito se pôde perceber de quão banalizada
a literatura ainda é. Muitos professores sequer foram preparados para poderem distinguir entre
um texto literário de qualidade e suas especificidades e um texto informativo. Isso pode ser
percebido nas práticas com literatura infantil destituídas de significado e que utilizam um
texto sem qualidade estética em detrimento do assunto com o qual estão trabalhando.
A análise, centrada nos conceitos de literatura e de literariedade, permite instalar
uma reflexão crítica acerca de textos considerados literários na atualidade, ao
mesmo tempo em que desafia os professores a se posicionarem diante de sua prática
escolar. Nessa, a seleção de textos deveria se coadunar com critérios estéticos e,
simultaneamente, abrir espaço para que, mediante a leitura, os alunos encontrem, no
texto, a iluminação de suas próprias vidas.
82
80
STRECK, 2005, p.62.
81
STRECK, 2005, p.51.
82
SARAIVA, 2007, p.29.
CONCLUSÃO
Concluiu-se, a partir do trabalho realizado, que a literatura infantil é capaz de interagir
com a vida da criança, beneficiando-a por meio da catarse que ocorre no ato da leitura. Essa
possibilita à criança colocar-se no lugar da personagem e, a partir da história/poesia, descobrir
possibilidades para seus conflitos existenciais. Isso somente é possível quando o educador se
permite realizar uma escuta apurada e, a partir dessa, redimensionar suas aulas tendo em vista
os assuntos ou conflitos que descobre no grupo com o qual trabalha.
Ao definir a literatura como aporte para interagir com as crianças, o educador deve ter
o cuidado para o torná-la pedagogizante. As histórias devem possibilitar reflexões sobre os
temas presentes no grupo, porém, não devem ser diretas, mas, sim, mágicas, repletas de
fantasia. A fim de escolher um bom texto, o professor deve utilizar-se de critérios que o farão
ter um bom discernimento, o que acarretará o sucesso ou não de sua experiência. Além disso,
deve compreender o valor e a função dessa arte na formação da inncia e perceber a
importância de apresentá-la às crianças através de uma forma criativa.
As vivências que ocorreram a partir das histórias e os momentos de conversação sobre
as mesmas foram fundamentais para que as crianças pudessem expressar seus sentimentos e
emoções a partir da hisria/poesia. Temas como medos, diferenças e sonhos foram
explorados de uma maneira lúdica, o que despertou o interesse e a curiosidade das crianças ao
longo de todo o projeto. A partir dessa pesquisa, percebeu-se a necessidade urgente de
utilizar-se a arte literária na educação infantil a fim de que as crianças, nessa etapa da
educação, possam perceber o maravilhoso mundo da leitura e apaixonar-se por ele.
59
Seguramente, algumas modificações no uso da literatura infantil em sala de aula e uma
postura de professor reflexivo poderão provocar grandes mudanças na prática que ocorre com
a literatura infantil. Somente assim o trabalho com a literatura infantil alcançará a
grandiosidade que lhe compete.
Certamente, o trabalho desenvolvido é válido, pois contribui para um esclarecimento
teórico sobre literatura infantil e, além disso, possibilita, através de uma proposta nele inclusa,
perceber a importância da literatura no nível da educação infantil. Ele, igualmente,
proporciona a futuros educadores uma visão da real relevância da literatura infantil,
estimulando-os, assim, a transformar o modo como essa arte é visualizada no meio escolar.
Ao finalizar a pesquisa, a educadora pôde perceber que a literatura deve ser explorada
tendo em vista os anseios das crianças com as quais se trabalha e também suas características
inerentes à faixa etária. Conhecer muito bem o grupo e também a realidade na qual convive
fora da sala de aula é indispensável. Além disso, a família deve estar informada do projeto e,
se possível conhecer as histórias com as quais se está trabalhando, como ocorreu no projeto
por meio da Sacola Viajante. Essa dinâmica proporcionou maior elo entre família e escola e
as duas instituições passaram a trilhar os mesmos caminhos com os mesmos objetivos, o que
tornou o projeto muito mais significativo para as crianças.
O diálogo possibilitado entre e após as histórias permitiu uma autonomia do grupo
que, por meio de suas inquietações a partir da narrativa, acabou por direcionar o caminho que
a educadora seguiu.
Enfim, o trabalho com a literatura a fim de possibilitar às crianças refletir sobre suas
questões existenciais é válido e possível em uma turma de três aos. Além disso, explorar a
literatura com criatividade resgata o amor e o fascínio das crianças pelos livros e as torna
ávidas leitoras. Nesse sentido, explorar textos variados como narrativas, histórias bíblicas e
poesias permite ao educador e às crianças estabelecer vínculos com variados tipos de textos e
perceber neles características diversas que permitirão explorações variadas e também
despertarão emoções das mais diversas.
Trabalhar com a literatura infantil deve ser compromisso de todo educador que se
compromete com a educação de qualidade. Privar a criança dessa arte é desconhecer o seu
60
mundo e o modo como se expressa nele. Cabe ao profissional da educação utilizar a literatura
infantil emancipatória a fim de tornar seus educandos crianças mais felizes, capazes de
interagir com seus medos, angústias e emoções.
REFERÊNCIAS
AGUIAR e SILVA, Vítor Manuel de. Teoria da literatura. 2.ed. Coimbra: Almedina, 1968.
ALVES, Rubem. Estórias para pequenos e grandes. São Paulo: Paulinas, 1984.
BATISTA, Terezinha. O.S.F. Evolução da fé na criança. São Paulo: Paulinas, 1974.
BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Tradução de Arlene Caetano, Rio
de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
BRASIL. Referencial curricular nacional para a educação infantil.Brasília: MEC/SEF,
2001. 3v.
CADEMARTORI, Lígia. O que é literatura infantil? São Paulo: Brasiliense, 1986.
COELHO, Nelly Novaes. Panorama histórico da literatura infantil e juvenil. 4.ed. São
Paulo: Ática, 1991.
CORSO, Diana Lichtenstein; CORSO, Mário. Fadas no divã: psicanálise nas histórias
infantis. Porto Alegre: Artmed, 2006.
DEL PINO, Dino. Introdão ao estudo da literatura. 6.ed. Porto Alegre: Formação, 1976.
FOWLER, James W. Estágios da fé. o Leopodo: Sinodal, 1992.
FRAAS, Hans-rgen. A religiosidade humana: compêndio de psicologia da religião. o
Leopoldo: Sinodal, 1997.
FREIRE, Madalena. Observação, registro, reflexão: instrumentos metodológicos I. 2.ed.
São Paulo: Espaço Pedagógico, 1996.
62
KHÉDE, Sônia Salomão (Org.). Literatura infanto-juvenil - um gênero polêmico. 2.ed.
Porto Alegre: Mercado Aberto, 1986.
KLEIN, Remí. A narração de histórias bíblicas na perspectiva da criança: fundamentos e
modelos narrativos. São Leopoldo: EST, 1996. Dissertação (Mestrado em Teologia), Escola
Superior de Teologia, São Leopoldo, 1996.
MAGALHÃES, Antonio. Deus no espelho das palavras: teologia e literatura em dlogo.
São Paulo: Paulinas, 2000.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Psicologia e pedagogia da criança. São Paulo: Martins
Fontes, 2006.
MOISÉS, Massaud. A criação literária. São Paulo: Melhoramentos, 1967.
PALO, Maria José; OLIVEIRA, Maria José de. Literatura infantil - Voz da criança. 2.ed.
São Paulo: Ática, 1992.
PIAGET, Jean. A construção do real na criança. 2.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.
PROENÇA FILHO, Domício. A linguagem literária. 7.ed. São Paulo: Ática, 2001
REIS, Carlos. O conhecimento da literatura. Introdução aos estudos literários. 2.ed.
Coimbra: Almedina, 2001.
ROESE, Anete. Bibliodrama: a arte de interpretar textos sagrados. São Leopoldo: Sinodal,
2007.
SAMUEL, Rogel (Org.). Manual de teoria literária. 6.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 1985.
SARAIVA, Juracy Assmann; LOPES, Gabriela Hoffmann. Literatura na escola: por que não?
In: MARTINS, Rosimeri Lorenz; KUNZ, Marines Andréa. Leitura: reflexões teóricas e
experiências possíveis. Novo Hamburgo: Feevale, 2007.
SCARLATELLI, Cleide C. da Silva; STRECK, Danilo; FOLLMANN, JoIvo. Religião,
cultura e educação. o Leopoldo: Unisinos, 2006.
SOARES, Afonso. O belo e o verdadeiro. A tensa e tua relação entre literatura e teologia.
IHU On-line - Revista do Instituto Humanitas Unisinos, São Leopoldo, n.251, 17 mar. 2008.
SOETHE, Paulo. José Carlos Barcellos, primus inter pares. IHU On-line - Revista do
Instituto Humanitas Unisinos, São Leopoldo, n.251, 17 mar. 2008.
SOSA, Jesualdo. A literatura infantil. São Paulo: Cultrix, 1978.
STRECK, Danilo R. Correntes pedagógicas: uma abordagem interdisciplinar. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2005.
63
TOTA, Antônio Pedro; BASTOS, Pedro Ivo de Assis. História geral.o Paulo: Nova
Cultura, 1999.
VIGOTSKII, Lev Semenovich; LURIA, Alexander Romanovich; LEONTIEV, Alex N.
Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone - Editora da Universidade
de São Paulo, 1988.
VOLMER, Lovani; PINHEIRO, Luciana Boose; KUNZ, Marinês Andréa. Desvendando
textos literários: propostas metodológicas. In: MARTINS, Rosimeri Lorenz; KUNZ, Marines
Andréa. Leitura: reflexões teóricas e experiências possíveis. Novo Hamburgo: Feevale, 2007.
ZILBERMAN, Regina. A literatura infantil na escola. 8.ed. São Paulo: Global, 1981.
ANEXOS
ANEXO I
HISTÓRIA CHAPEUZINHO VERMELHO
Era uma vez uma menininha que vivia com sua mãe numa floresta muito grande. Ela gostava
de usar, todos os dias, uma capa com um capuz vermelho, por isso a chamavam de
Chapeuzinho Vermelho.
Numa manhã ensolarada, a mãe de Chapeuzinho Vermelho disse a ela:
- Sua vovó está doente. Leve este cesto de comida para ela, mas tenha cuidado ao andar pela
floresta.o demore pelo caminho e não converse com estranhos!
- Tomarei cuidado - prometeu Chapeuzinho Vermelho. E disse adeus à mãe e foi saltitando
pela floresta.
Enquanto ia contente pelo caminho, ela não viu que um lobo faminto a observava, escondido
atrás de uma árvore. De repente, com um pulo, ele parou diante dela.
- Bom dia, menina graciosa – ele disse.
- Para onde você está indo?
Chapeuzinho vermelho nunca tinha visto um lobo antes, por isso não se assustou.
- Bom dia! ela respondeu. estou levando este cesto de alimentos para minha vovó, que
vive numa casa na floresta.
- Por que você não colhe algumas daquelas lindas flores para presenteá-la? perguntou ele,
apontando para dentro da floresta.
Chapeuzinho Vermelho sabia que sua avó adorava flores, por isso decidiu preparar-lhe uma
surpresa. Assim que partiu em direção às flores, o lobo sorriu maliciosamente e correu para
a casa da vovó.
O lobo mau correu o mais rápido possível para a casinha da vovó. Chegando lá, bateu com
força à porta.
- Entre! disse a vovó. pido como um raio, o lobo correu e prendeu a vovó dentro do
armário. Então vestiu as roupas dela e foi para a cama a esperar por Chapeuzinho
Vermelho. Ele nem teve de esperar muito, pois logo ouviu alguém batendo à porta.
- Quem é? – perguntou o lobo, esforçando-se para que sua voz ficasse como a da vovó.
- Sou eu, a Chapeuzinho Vermelho disse a menina. Trouxe um cesto de alimentos e um
buquê de flores para a senhora. Entre, minha querida respondeu o lobo. Ele lambeu os
beiços e passou a o sobre sua barriga, enquanto esperava Chapeuzinho entrar.
Quando Chapeuzinho Vermelho viu sua avó deitada na cama, ela olhou e olhou. Achou que a
vovó estava muito estranha.
- Vovó! Que orelhas grandes a senhora tem! ela disse, rindo.
- São para escutá-la melhor! disse o lobo.
- Vovó! Que olhos grandes a senhora tem! Chapeuzinho falou.
- São para enxer-la melhor! respondeu ele.
- Vovó! Que dentes grandes a senhora tem! ela exclamou.
- São para comê-la melhor! gritou o lobo.
Ele pulou da cama e tentou agarrar Chapeuzinho Vermelho, mas ela foi rápida demais para
ele. Ela correu ao redor da cama, gritando socorro o mais alto possível.
Felizmente, para Chapeuzinho Vermelho, um lenhador estava passando na floresta naquele
exato momento, e escutou seus gritos de socorro. Ele correu para dentro da casa e encontrou
um lobo faminto perseguindo-a dentro do quarto da vovó. Com muita coragem, levantou seu
machado e correu atrás dele.
O lobo viu o lenhador com seu machado afiado e brilhante e ficou aterrorizado. Em seguida,
aos gritos, fugiu da casa. O lenhador continuou a persegui-lo. Mandou o lobo para longe da
casa da vovó e para fora da floresta. E ninguém nunca mais voltou a ver o lobo mau.
Chapeuzinho Vermelho ficou muito feliz ao ver que sua avó estava salva.
- Sinto muito ela disse. eu não deveria ter parado para conversar com um desconhecido,
nem ido pegar flores.
A vovó sorriu docemente e abraçou Chapeuzinho com muito carinho.
- Não se preocupe. Sua intenção foi boa, e tenho certeza de que não voltará a fazer nada
disso.
E a vovó tinha razão. Daquele dia em diante, sempre que Chapeuzinho Vermelho a visitava,
ela não saía do caminho correto e nunca mais conversou com ninguém pelo caminho.
ANEXOII
HISTÓRIA QUEM TEM MEDO DE LOBO? DE FANNY JOLY/JEAN- NOEL ROCHUT
Certa man fui brincar sozinho, atrás da minha casa, num bosquezinho.
Amassando barro, todo satisfeito, cantava uma canção mais ou menos deste jeito: “taralilalá,
dabiduba”.
Então parei assustado: ouvi um barulho estranho bem ao meu lado...
Vi um vulto escuro, de olhos arregalados, parecendo dois ovos estrelados.
E uma boca do tamanho de cem bocas, uivando feito louca: UUUUUUUUUH...
UUUUUUUUUUH!
Era o lobo! Dentes de fora, boca toda aberta... Devia ser hora do lanche. E o lanche era eu,
na certa!
Dar no pé era a única saída para salvar minha vida.
Correr daquele jeito não foi bolinho! Tanta pedra no caminho, tanto galho, tanto espinho!
O lobo não desistia, não me deixava em paz! Eu corria, corria, e ele vinha sempre atrás.
Então caí no chão e até o passarinho se assustou, pois o lobo quase me pegou.
Mas uma árvore apareceu de repente, bem ali na minha frente!
Ufa, por um triz! Fiz um rasgão na calça, mas não quebrei o nariz!
- Pois é, Seu Lobo, você dormiu no ponto! E fique aí embaixo com essa cara de tonto!
Mas então, que horror! Aquele lobo diferente resolveu subir na árvore, feito uma serpente!
Tac-tac! Tac-Tac!
Pensei que fosse um pica-pau! Mas eram meus dentes batendo de medo do lobo mau.
Ah, se eu tivesse uma garrucha... Mas tudo o que achei no bolso foi uma bala puxa-puxa.
O medo me deixou tão bobo, que eu disse para o lobo: - Ora, amigo, se é tanta a tua fome,
come esta bala e some!
O lobo pensou: “Como sou sortudo!” E abocanhou a bala com papel e tudo.
Mas bala puxa-puxa gruda no dente, não importa se de lobo ou de gente. Pronto, caso
encerrado. Aquela bala deixou o lobo de focinho colado.
E eu desci todo satisfeito, cantando uma canção mais ou menos deste jeito: “taralilalá,
dabiduba”.
Mas onde o lobo foi parar? Ninguém sabe, ninguém viu. O lobo sumiu!! Há! !
Pensando bem, que cabeça a minha! Lobo por aqui se for de mentirinha. Agora perdi o
medo e vou continuar o meu brinquedo.
ANEXO III
HISRIA A CRIAÇÃO
Agora, mais uma vez, preste muita atenção. Então lhe contarei também como Deus fez tudo.
Há muito, muito tempo, Deus criou o céu e a terra. No céu tudo já era lindo, e claro, e alegre.
Lá morava Deus com todos os anjos. E os anjos cantavam divinamente.
Mas na terra ainda não morava ninguém. Ali ainda não era lindo. Ali fazia frio, e era quieto
e escuro, muito escuro. E toda a terra ainda estava coberta de água.
Então Deus pensou assim: “Quero embelezar a terra também.”.
Ele disse: “Que se faça luz!”.
E houve luz, porque Deus o ordenou. O que Deus diz isto já se realiza.
Mas quando veio a noite, a terra ficou novamente na escuridão. Isso era preciso mesmo, pois
à noite sempre escurece.
E Deus disse: “Quando é claro, eno é dia; e quando é escuro, então é noite.”.
E assim passou-se o primeiro dia.
No segundo dia, Deus continuou seu trabalho.
Ele disse: “Sobre a terra deverá resplandecer um céu azul!.
E logo se fez assim. Via-se então muitas nuvens brancas balançando-se no céu azul. Era
lindo de se ver.
Então anoiteceu outra vez. Passou-se também o segundo dia.
A terra toda ainda estava coberta de água. Mas no terceiro dia, Deus secou uma grande
parte da terra. De lá Ele afastou toda a água. E Deus disse: “A parte seca é a terra, e a água
é o mar.”
Então Deus fez crescer de tudo na parte seca: capim, flores e árvores. As flores tinham um
perfume agradável e floresciam tão belas! As árvores balançavam-se quando o vento
soprava.
Sim, como a terra estava ficando linda agora!
Mas no quarto dia, ficou tudo mais bonito ainda. Porque agora Deus fez o sol. Este aparecia
de manhã no céu, subia mais e mais e esquentava a terra. As flores voltavam-se para a luz
clara e tornaram-se muito mais bonitas. Quando começou anoitecer, o sol foi descendo, e
finalmente desapareceu.
Mas não ficou mais tão escuro, pois agora a lua estava no u. Deus também já a tinha feito.
E as estrelas brilhantes também.
Deus disse: “O sol deverá sempre brilhar durante o dia, e a lua, à noite.”
E assim se fez.
Então chegou o quinto dia.
E você sabe o que Deus criou então?
Os peixes e os pássaros.
Os peixes brincavam na água, e os pássaros cantavam nas árvores. Era como se quisessem
mostrar a Deus como se alegravam.
Deus ensinou os pássaros a fazer seus ninhos. Ele disse: “Agora vocês devem r ovos e
chocá-los, então sairão novos pássaros. Assim have sempre mais ssaros na terra.”
E assim passou-se o quinto dia.
No sexto dia, Deus criou o que de mais belo existe.
Primeiramente, todos os animais: os cavalos e o gado, os carneiros e os coelhos, o grande
elefante e minúsculo ratinho. Eles todos foram feitos por Deus.
Aí Deus disse: “Agora Eu quero fazer um homem. Um homem semelhante a Mim”.
E Deus fez o primeiro homem e chamou-o Adão.
E Deus disse: Adão, vovai ser o senhor de tudo que Eu fiz: dos peixes, das aves e de
todos os animais. Todos devem obedecer-lhe, e mais. Todos devem obedecer-lhe, e você deve
obedecer a Mim.
Isto Adão compreendeu bem.
Então havia passado também o sexto dia.
No sétimo dia, Deus descansou de seu trabalho. Pois a terra estava pronta.
Deus abençoou este dia.
E daí em diante, todos os homens deveriam descansar de seu trabalho no sétimo dia.
ANEXO IV
DIVERSIDADE, DE TATIANA BELINKY
Um é feioso
Outro é bonito
Um é certinho
Outro, esquisito
Um é magrelo
Outro é gordinho
Um é castanho
Outro é ruivinho
Um é tranqüilo
Outro é nervoso
Um é birrento
Outro é dengoso
Um é ligeiro
Outro é mais lento
Um é branquelo
Outro é sardento
Um, preguiçoso
Outro, animado
Um é falante
Outro é calado
Um é molenga
Outro é foudo
Um é gaiato
Outro é sisudo
Um é moroso
Outro é esperto
Um é fechado
Outro é aberto
Um carrancudo
Outro, tristonho
Um divertido
Outro, enfadonho
Um é enfezado
Outro é pacato
Um é briguento
Outro é cordato
De pele clara
De pele escura
Um, fala branda
O outro, dura
Olho redondo
Olho puxado
Nariz pontudo
Ou arrebitado
Cabelo crespo
Cabelo liso
Dente de leite
Dente de siso
Um é menino
Outro é menina
(Pode ser grande
Ou pequenina)
Um é bem jovem
Outro, de idade
Nada é defeito
Nem qualidade
Tudo é humano
Bem diferente
Assim, assado
Todos são gente
Cada um na sua
E não faz mal
Di-ver-si-da-de
É que é legal!
Vamos, venhamos
Isto é um fato:
Tudo igualzinho
Ai, como é chato!
ANEXO V
POESIA AS MENINAS, DE CECÍLIA MEIRELES
Arabela
abria a janela.
Carolina
erguia a cortina.
E Maria
olhava e sorria:
“Bom dia!
Arabela
foi sempre a mais bela.
Carolina,
a mais sábia menina.
E Maria
apenas sorria:
“Bom dia!
Pensaremos em cada menina
Que vivia naquela janela;
Uma que se chamava Arabela,
Outra que se chamou Carolina.
Mas a nossa profunda saudade
é Maria, Maria, Maria,
que dizia com voz de amizade:
“Bom dia!
ANEXO VI
POESIA SONHOS DA MENINA, DE CECÍLIA MEIRELES
A flor com que a menina sonha
Está no sonho?
Ou na fronha?
Sonho
risonho:
O vento sozinho
No seu carrinho.
De que tamanho
Seria o rebanho??
A vizinha
apanha
a sombrinha
de teia de aranha...
Na lua há um ninho
de passarinho.
A lua com que a menina sonha
É o linho do sonho
ou a lua da fronha?
ANEXO VII
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Título da Pesquisa: “A influência da literatura infantil na resolução de conflitos
interiores de crianças”
Nome da Pesquisadora: Viviane Zimermann Heck
Nome do Orientador: Remí Klein
O sr.(sra.) está sendo convidado a autorizar a participação de seu(sua) filho(a) nesta
pesquisa que tem como finalidade perceber de que forma a literatura infantil possibilita às
crianças a resolução de seus conflitos interiores. A população alvo dessa pesquisa consiste em
15 crianças da faixa etária de 3 anos de uma escola municipal de Educação Infantil de Novo
Hamburgo.
Ao autorizar a participação de seu(sua) filho(a) neste estudo, o sr.(sra.) permitique
seja utilizado o registro das falas dele(dela) que poderão ocorrer nos encontros onde ocorre a
narração de histórias. O sr.(sra.) tem liberdade de se recusar a permitir a participação de
seu(sua) filho(a) e ainda a se recusar a deixá-lo participar em qualquer fase da pesquisa, sem
qualquer prejuízo para ele(ela). Sempre que quiser, poderá pedir mais informações sobre a
pesquisa através do telefone da pesquisadora do projeto e, se necessário, através do telefone
do Comitê de Ética em Pesquisa.
A participação nesta pesquisa não traz complicações legais. Serão utilizadas falas que
surgem no grupo de crianças durante o momento de intervenção a partir das histórias. Os
procedimentos adotados nesta pesquisa obedecem aos Critérios da Ética em Pesquisa com
Seres Humanos conforma Resolução n° 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Nenhum dos
procedimentos usados confere riscos à dignidade de seu (sua) filho (a).
Todas as informações coletadas neste estudo servirão de base para análise da
influência que a literatura infantil tem sobre a vida das crianças. A identificação das pessoas
envolvidas será preservada no anonimato. Somente a pesquisadora e o orientador terão
conhecimento da identidade das crianças.
Ao permitir a participação de seu (sua) filho (a) nessa pesquisa, o sr.(sra) e seu(sua)
filho(a) não terão nenhum benefício direto. Entretanto, esperamos que este estudo traga
informões importantes sobre a importância da literatura na vida das crianças e no seu
processo educativo, de forma que o conhecimento que será construído a partir dessa pesquisa
possa contribuir com todos que trabalham com literatura infantil na educação infantil, bem
como com acadêmicos dessa área de ensino e, dessa forma, o pesquisador se compromete a
divulgar os resultados obtidos. O sr.(sra) não terá nenhum tipo de despesa ao permitir a
participação de seu(sua) filho(a) nesta pesquisa, bem como nada será pago por sua
participação.
Após estes esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre para que
seu (sua) filho (a) participe desta pesquisa. Portanto preencha, por favor, os itens que se
seguem:
CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida,
manifesto meu consentimento em autorizar a participação de meu(minha) filho(a) na pesquisa
Nome do Responsável
Assinatura do Responsável
Nome da Criança Participante da Pesquisa
Assinatura do Pesquisador
Telefones
Pesquisador:
(51) 3556-1761
Nome e telefone de um membro da Coordenação do Comitê de Ética em Pesquisa:
Gisela Streck (51) 3342-2325
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo