125
1939 e 1945, foi possível ver a capacidade humana de reinventar, reconstruir, fazer
ressurgir da destruição, sobre a sombra do drama, das catástrofes e de múltiplas
dificuldades. O corpo é o veiculo que conduz a essa “estrada” da reconstrução.
Através de uma encenação concreta, transforma-se o corpo “vazio" (esquecido)
num corpo presente, social, orgânico, político.
Nesse sentido, as ações de Hermann estão associadas aos rituais, aos
“transes”, gerando, aos olhos desprepa
rados, a criação do teatro da crueldade, pois,
entre outras barreiras que se rompem, o artista parece fugir da lógica racional ao
evocar o mito dionisíaco
13
em prol da liberação de um estado mais puro e “primal”,
que lembra a prática do sadomasoquismo.
Sad
omasoquismo é uma palavra que Hermann utiliza com frequência na
publicação de 2007 do Museu Hermann Nitsch. É definida por ele como um costume
imprescindível para os rituais pagãos em homenagem à Mãe Natureza, consistindo
na prática de autocastração, amputação de seios, talhos e autoflagelação do corpo
em prol da fertilização do animal da deusa.
Nas suas P
erformances
, as ações são como um ato de magia; distanciam-
se
da moral, transformam
-
se em outra ordem, “(...) expõem o inconsciente da produção
humana e o elevam à condição de um material de construção (...)” (BOURRIAUD,
2009, p. 89)
A arte de Hermann Nitsch se apropria de “coisas” e questões do mundo real,
articulando
-as com mitos e usando de diferentes linguagens: música, corpo, pintura,
animais, elementos orgânicos, o sangue, através de rituais sangrentos, no sentido
13
Paglia (1992) define o deus Dionísio como energia desenfreada, loucura, êxtase, histeria,
promiscuidade,
indiscriminação, empático, uma emoção simpática que nos leva ao encontro com outras pessoas, lugares ou tempos.
Apático à ideia ou prática, introduz na matéria movimento e energia, os objetos são vivos, e as pessoas bestiais. Já o
princípio
violento do culto de Dionísio, a sua origem é o
sparagmós,
que, em grego, significa “rasgar, despedaçar,
estropiar”. Para estes cultos, o corpo do “Deus” ou seu substituto, humano ou animal, é feito em pedaços, para serem
comidos ou distribuídos como sementes na vegetação. Acreditavam que comer a carne humana crua os levaria a
internalizar a divindade: “(...) A antiga religião de mistérios baseava-se na imitação do deus pelo fiel (...). Antes de
ser preso, Jesus rasga o pão da Páscoa para seus discípulos: ‘Tomai, Comei; isto é meu corpo’ (Mateus 26:26). Em
todo oficio cristão, hóstia e vinho transformam-se no corpo e sangue de Cristo, consumidos pelo fiel. No
Catolicismo, isso não é simbólico, mas literal. Transubstanciação é canibalismo (...). (
In;
PAGLIA,
C.
Personas
Sexuais
. Arte e decadência de Nefertiti a Emily Dickinson São Paulo: Cia das Letras,
1992, p. 98
-
99)