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ESCOLA SUPERIOR DE TEOLOGIA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM TEOLOGIA
MANOEL DE SOUZA LIMA NETO
O MAL E O SOFRIMENTO À LUZ DA PROVIDÊNCIA DE DEUS:
Enxergando Benefícios na Dor
São Leopoldo
2010
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MANOEL DE SOUZA LIMA NETO
O MAL E O SOFRIMENTO À LUZ DA PROVIDÊNCIA DE DEUS:
Enxergando Benefícios na Dor
Trabalho Final de Mestrado Profissional para
obtenção do grau de Mestre em Teologia do
Programa de Pós-Graduação.
Linha de Pesquisa: Leitura e Ensino da Bíblia
Orientador: Doutor Uwe Wegner
Segundo avaliador: Ênio Ronald Mueller
São Leopoldo
2010
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RESUMO
O sofrimento humano tem permeado e desafiado a teologia e ciências afins na tentativa de
apresentar um entendimento racional ao problema do mal. As várias correntes religiosas,
teológicas e filosóficas são objeto de apreciação neste estudo na tentativa de se condensar um
arcabouço teórico que, à luz as Escrituras Sagradas, seja capaz de minimizar os conflitos que
nascem do desafio de se compatibilizar o conceito de um Deus bondoso com a inequívoca
constatação do sofrimento humano. A partir de uma premissa endossada pela teologia
histórica e reformada de que Deus faz acontecer todas as coisas no mundo e na vida das
pessoas, este estudo tem por objetivo elucidar a questão do mal e do sofrimento, bem como
apresentar os possíveis benefícios que o sofrimento pode proporcionar ao indivíduo. Pretende-
se apresentar uma argumentação bíblica que possa contribuir para dar uma resposta ao
problema do mal e do sofrimento. Além disso, contextualizar o mal e o sofrimento no plano
de Deus. As várias tentativas religiosas e filosóficas de darem uma resposta plausível ao
problema do sofrimento acabam por criar barreiras intransponíveis quando confrontadas com
a Bíblia. Cosmovisões errôneas acerca de Deus encontram fortíssimas resistências na Bíblia e
contradizem conceitos solidificados ao longo da história da igreja. Algumas dessas
cosmovisões têm assumido destaque no discurso teológico quando a questão do sofrimento é
abordada. Embora o discurso mais conservador de que o pecado é a causa do sofrimento ele
não explica todas as formas de sofrimento, nem a Bíblia aceita o pecado como razão única
para o sofrimento. Não é possível enxergar o sofrimento sem olhar para o calvário. Não é
intenção abrir espaço nesta pesquisa para confrontar as diferentes linhas teológicas quanto ao
entendimento sobre os planos de Deus, mas apresentar um entendimento de como o
sofrimento se encaixa no plano eterno de Deus.
Palavras-Chave: Deus, Sofrimento, Bíblia, plano de Deus, Pecado.
ABSTRACT
Human suffering has permeated and challenged the theology and related sciences in an
attempt to present a rational understanding of the problem of evil. The various religious
denominations, theological and philosophical object are considered in this study in an
attempt to condense a theoretical framework in the light of Scripture, is able to minimize the
conflicts that arise from the challenge of reconciling the concept of a loving God with the
unequivocal finding of human suffering. From a premise endorsed by the historic and
Reformed theology that God makes all things happen in the world and in people's lives, this
study aims to elucidate the question of evil and suffering, as well as presenting the potential
benefits that suffering can provide the individual. Seeks to present a biblical argument that
can contribute to respond to the problem of evil and suffering. Moreover, contextualizing the
evil and suffering in God's plan. The various religious and philosophical attempts to give a
plausible answer to the problem of suffering eventually create insurmountable barriers when
faced with the Bible. Worldviews misconceptions about God are strong resistance in the Bible
and contradict concepts solidified throughout the history of the church. Some of these
worldviews have assumed prominence in theological discourse when the question of suffering
is addressed. Although the more conservative discourse that sin is the cause of suffering he
does not explain all forms of suffering, nor the Bible accepts sin as one reason for suffering.
Can not see the suffering without regard for the ordeal. It is not intended to open space in this
research to compare the different lines on the theological understanding of God's plan, but to
present an understanding of how suffering fits into God's eternal plan.
Keywords: God, Suffering, Bible, God's plan, Sin.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................6
1 O PROBLEMA DO MAL..................................................................................................10
2 A DIFÍCIL TAREFA DE COMPREENDER O MAL E O SOFRIMENTO: Um
Sumário de Três Concepções Teológicas e de Diferentes Cosmovisões Sobre o Tema....14
2.1 Sumário de Três Concepções Teológicas....................................................................15
2.1.1 Primeira Concepção: Deus Determina e Controla Todas as Fatalidades .............15
2.1.2 Segunda Concepção: O mal e sofrimento são produzidos pela pessoa humana ....19
2.1.3 Terceira Concepção: Teologia do Processo...........................................................20
2.2 Diferentes Cosmovisões para o Problema do Sofrimento Humano.........................22
2.2.1 Deísmo.....................................................................................................................23
2.2.2 Hedonísmo...............................................................................................................24
2.2.3 Estoicismo................................................................................................................25
2.2.4 Panteísmo................................................................................................................26
2.2.5 Budismo...................................................................................................................28
2.2.6 Hinduísmo................................................................................................................29
2.2.7 Islamismo................................................................................................................30
2.2.8 Judaísmo..................................................................................................................31
3 DEUS E A RELAÇÃO COM O MAL...............................................................................34
4 DEUS DIRIGE A HISTÓRIA...........................................................................................38
4.1 Deus Governa Todas as Coisas...................................................................................43
5 EM BUSCA DE UM ENTENDIMENTO ........................................................................50
6 CAUSAS DO SOFRIMENTO...........................................................................................53
6.1 Nossa própria culpa......................................................................................................54
6.2 Calamidades naturais...................................................................................................55
6.3 Forças demoníacas........................................................................................................57
6.4 Desejos maus.................................................................................................................58
7 O PROPÓSITO DIVINO ACERCA DO SOFRIMENTO..............................................60
7.1 Para pôr à prova o caráter ..........................................................................................62
7.2 Para ajudar os outros em situações assemelhadas....................................................64
7.3 Para ensinar acerca da obediência.............................................................................65
7.4 Para provar o valor da fé............................................................................................66
7.5 Para conduzir à dependência de Deus.......................................................................67
7.6 Para a glória de Deus ...................................................................................................68
8 CONCLUSÃO, DOIS APÊNDICES E UMA PERGUNTA...........................................70
8.1 O maior sofredor que existiu: Jesus............................................................................71
8.2 O céu como parte da resposta......................................................................................73
8.3 Sua cabana está em chamas?.......................................................................................75
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................78
INTRODUÇÃO
Por que tanto sofrimento? Mais importante do que analisar o mal e o sofrimento
como um argumento contra a existência de Deus é entender que o mal decorre de um
relacionamento rompido com Deus. Mais importante do que uma resposta lógica ao problema
teórico do mal e do sofrimento dada por apologistas é o que Philip Yancey aborda sobre
sofrimento quando intitula o primeiro capítulo de um dos seus livros com o inquietante título
“problema que permanece”
1
. Esse tem sido o dilema e a experiência de muitos, inclusive dos
santos na história da Igreja, ou seja, a visitação da dor. A dor parece não querer se ausentar da
experiência humana. Um problema que não quer ir embora. Ou como disse Paul W. Powell,
pensador cristão, “o tormento não é um penetra na arena de nossa vida; ele tem assento
reservado nela”
2
. O mal e o sofrimento não se restringem à ambiência teórica do ser humano,
mas prática.
O sofrimento tem permeado a mente humana por séculos e afligido a vida de tantos,
quer sejam crentes ou incrédulos. Segundo alguns estudiosos, o livro de foi o primeiro
escrito bíblico constante do cânon e nesse livro o sofrimento assume questão central.
Contudo, o próprio Jó apresenta premissas incorretas acerca da causa e origem do mal e do
sofrimento. A concepção incorreta do sofrimento permeia as páginas do Velho Testamento e
se estende até os dias de Jesus, conforme verificado no episódio da cura de um cego de
nascença relatado por João em seu Evangelho
3
. Contudo, como bem disse James Long, “a
Palavra de Deus enfrenta a dor honestamente, sem anestesia de palavras doces”
4
.
Por certo, uma compreensão não apropriada sobre a questão do sofrimento põe em
risco a compreensão do próprio Deus. Não é certo imaginar que um conhecimento mais afinco
acerca do sofrimento atenue a dor ou mesmo a faça desaparecer, mas uma correlação
bíblica de que a compreensão correta acerca do sofrimento em todas as suas nuances no
contexto do plano de Deus guarda estreita relação com o conhecimento de Deus.
Sendo assim, quanto mais se conhece acerca de Deus e do seu plano, melhor se
compreende o papel do sofrimento. É certo imaginar que à luz do projeto de Deus a tragédia,
a dor e todas as dimensões do sofrimento não são obras do acaso. Sofrimento nas palavras do
1
YANCEY, Philip. Deus sabe que sofremos. São Paulo: Vida, 2002. p. 7.
2
RHODES, Rom. Por que coisas ruins acontecem se Deus é bom. Rio de Janeiro: CPAD, 2007. p. 17.
3
Bíblia Sagrada. Jo 9:1-12
4
LONG, James. Por Que Deus Fica Em Silêncio Quando Mais Precisamos Dele? Rio de janeiro: CPAD, 2005,
p. 136.
7
jovem David Brainerd pode esconder algo que não se enxerga num primeiro momento, mas
que culminará em um propósito pensado por Deus: “Por trás de uma cara carrancuda esconde-
se um sorriso da providência de Deus”
5
. Em meio à dor e ao sofrimento parece ser mais fácil
enxergar a carranca do mal do que o sorriso de Deus.
Quantas vezes se ouve ou profere-se as palavras: Por que Senhor? Por que justo
comigo foi acontecer tudo isso? Por que tenho de sofrer tanto? Por quê? Por quê? E a mente
indagadora, por mais que procure, não encontra uma resposta satisfatória. E o mais
inquietante é que se deve admitir que nem sempre, neste mundo, serão obtidas as respostas de
todos os porquês desta vida.
O sofrimento é tão antigo quanto a raça humana. uma constatação na Bíblia: O
sofrimento é inevitável. Sofrem ricos e pobres, fracos e poderosos, sábios e ignorantes. Não
nenhuma proteção contra o sofrimento, pois é uma consequência do pecado e o resultado
da desobediência a Deus. Contudo, Deus não foi pego de surpresa. O sofrimento faz parte do
projeto de Deus para a humanidade antes da fundação do mundo.
Nas páginas das Sagradas Escrituras encontra-se um Deus que age de maneira
minuciosa, sem erros, sem remendos, segundo uma diretriz. nas teologias sistemáticas um
espaço precioso reservado ao estudo dos planos de Deus. Segundo os autores da linha
reformada, as nomenclaturas variam desde “planos divinos”, “planos de Deus”, “decretos de
Deus”, “providência”.
Os adeptos da teologia arminiana convergem esses conceitos para outra palavra
denominada de presciência, isto é, conhecimento antecipado. Esses teólogos asseveram que o
conhecimento que Deus tem dos eventos futuros está intimamente relacionado com a
iniciativa livre dos homens. algo implícito no conceito de presciência que choca os
teólogos reformados, pois assim está conceituado o termo:
A presciência de Deus é o seu pré-conhecimento de todas as coisas (I PE 1:2; Rm
8:29). Ela é parte de seu atributo de onisciência. Ele pré-conhece todas as coisas
sobre o homem, mas não as evita, por ser o homem livre e responsável por seus atos.
No caso do pecado de Adão, o Senhor sabia disso na sua presciência; porém, não o
evitou, por ter Adão livre-arbítrio
6
.
Os que preferem o termo presciência e acolhem as implicações teológicas contidas
no conceito podem, perfeitamente, ser questionados como o Deus Todo-poderoso, onisciente,
conquanto conheça de antemão os atos humanos seja apenas um espectador no desenrolar da
5
PIPER, John. O Sorriso Escondido de Deus. São Paulo: Shedd, 2005. p.14.
6
GILBERTO, Antonio; ANDRADE, Claudionor; SANCHES, Ciro Zibordi; CABRAL, Elienai; RENOVATO,
Elinaldo; SOARES, Esequias; COUTO, Geremias; SILVA, Pedro; GABY, Wagner. Teologia Sistemática
Pentecostal. Rio de Janeiro: CPAD, 2008. p. 366.
8
história. Na tentativa de não enxergar o homem como um robô, antes um ser moral autônomo,
os adeptos dessa linha teológica têm dificuldade de aceitar um projeto divino que contenha,
inclusive, esses atos autônomos. Ao se referirem ao decreto de Deus, o próprio entendimento
da linha pentecostal é paradoxo, pois ao conceituarem tal decreto, assim se referem: “Trata-se
do eterno propósito de Deus, segundo o desígnio de sua própria vontade, pelo qual Ele
preordenou, para sua glória, tudo que acontece”
7
. No entanto, em seguida afirmam: “Deus
decretar é uma coisa; a execução por Ele desse decreto, outra”
8
. No nimo estranho, pois se
Deus decreta como não poderia executar?
os simpatizantes da teologia liberal negam a doutrina relativa à providência ou
decretos de Deus, pois sua ênfase é fundamentalmente antropológica e não teológica.
Teologia liberal (ou liberalismo teológico) foi um movimento teológico cuja produção se deu
entre o final do século XVIII e o início do século XX. Relativizando a autoridade da Bíblia, o
liberalismo teológico estabeleceu uma mescla da doutrina bíblica com a filosofia e as ciências
da religião. O termo "teólogo liberal" atualmente se refere a um autor que não reconhece a
autoridade final da Bíblia em termos de fé e doutrina
9
.
Independentemente da simpatia pela corrente teológica no que concerne ao
sofrimento, algumas indagações parecem ser comuns: como Deus, a quem a Bíblia revela
como sendo infinitamente bom, amoroso e todo-poderoso pode permitir tanto sofrimento
entre suas criaturas neste mundo? Deus realmente se importa com as pessoas? Por que Ele
permite os horrores da guerra? Por que os inocentes sofrem tanto? Por que a doença causa
tanta dor? Por que nascem bebês deformados ou carentes de capacidade mental? Estas e
muitas perguntas similares são feitas com frequência não pelos clérigos, mas também por
pessoas comuns simpatizantes ou não de uma religião. Esse problema pode se tornar tão
agudo a ponto de afundar a fé de alguns nos penhascos do sofrimento humano. Ou como disse
Ruth Tucker: “O problema da dor e do mal é o terreno de todas as batalhas pela crença”
10
.
Embora os discípulos de Epicuro
11
formulem tão bem o problema do mal e do sofrimento,
7
GILBERTO, 2008, p. 367
8
GILBERTO, 2008, p. 367
9
Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Teologia_liberal
10
TUCKER, Ruth. Fé e Descrença: O drama da dúvida na vida de quem crê. São Paulo: Mundo Cristão, 2008.
p. 171.
11
Epicuro (341-270 a.C.) Estabeleceu uma escola na Athenas antiga que se tornou famosa no mundo helênico
pelos seus ensinamentos. Epicuro considerava os maiores motivadores do prazer aqueles que se
caracterizavam pela justiça, pela honestidade e pela simplicidade, mas enfatizou que todas as pessoas
derivassem o máximo prazer de tais ações. Daí o “epicurismo” ter chegado a ser um termo usado em
correspondência à libertinagem e luxúria. Epicuro asseverava que a vida presente é tudo quanto uma pessoa
terá, visto não existir, segundo ele, nenhum ser sobrenatural para ser temido ou obedecido. A vida que vale a
pena é aquela que traz o máximo de prazer ou de felicidade agora. Fazia apenas a distinção entre os desejos
9
eles são confrontados por outro problema muito mais difícil quando marcham para uma busca
desenfreada de “soluções” propostas para o problema do sofrimento, ou seja, as próprias
soluções as quais eles mesmos formularam. Senão vejamos:
a) Alguns tentam encontrar a explicação do sofrimento no conceito de um Deus
finito. A ideia é que Deus, embora seja bom está incapacitado de fazer a sua vontade
completamente. Os que sustentam este ponto de vista pensam que não é a deficiência da
criatura, mas a incapacidade do Criador que nos confronta. O conceito de um Deus finito
encontra fortíssimas resistências na Bíblia e contradiz conceitos solidificados pelos mais
renomados teólogos ao longo da história da igreja.
O rabino Harold Kushner contribuiu muito para popularizar o conceito de um Deus
finito com seu livro “Quando Coisas Ruins Acontecem a Pessoas Boas”. Para Kushner a
finitude de Deus era percebida na impossibilidade dEle resolver os problemas do homem,
apesar de amá-lo.
b) Na busca de uma “solução” para o entendimento relativo ao problema do
sofrimento humano, a ideia de que o sofrimento sempre é causado pelo pecado do próprio
indivíduo aparece como alternativa. Um forte elemento de verdade nesta visão é que o pecado
de fato gera sofrimento.
O renomado teólogo John Stott diz que:
O fato do sofrimento, sem dúvida alguma, se constitui no maior desafio individual à
cristã em todas as gerações. Sua distribuição e seu grau parecem ser inteiramente
ao acaso e, portanto, injustos. Os espíritos sensíveis perguntam se o sofrimento
pode, de algum modo, reconciliar-se com a justiça e o amor de Deus
12
.
A abordagem exposta neste estudo não se limitará a esmiuçar a doutrina dos planos
de Deus ou particularmente a providência, mas, à luz da concepção de que um projeto
pensado na mente de Deus para a humanidade, entender como o mal e o sofrimento se
encaixam.
A tarefa não é fácil, pois um dos problemas mais difíceis para os que creem no Deus
da Bíblia é entender o sofrimento humano à luz de um projeto pensado de Deus.
naturais e os desnaturais. OBITTS, S.R. Epicurismo In ELWELL, Walter A. Enciclopédia Histórico-
Teológica da Igreja Cristã. São Paulo: Vida Nova. 2009. v.2. p. 24-25.
12
STOTT, John. A Cruz de Cristo. São Paulo: Vida, 2000. p. 286
10
1 O PROBLEMA DO MAL
Segundo Nash “o mais sério obstáculo intelectual entre muitas pessoas e a
religiosa é o problema do mal”
13
. O livro das religiões ao descrever o cristianismo sentencia
que “o problema do mal é o motivo principal para negar o cristianismo”
14
. Já McGrath
acredita que o iluminismo testemunhou uma mudança fundamental na atitude para com a
existência do mal no mundo. Seu argumento se baseia nas seguintes palavras:
No período medieval, a existência do mal não era considerada uma ameaça para a
coerência do Cristianismo. A contradição implícita na existência simultânea de uma
onipotência divina benevolente e do mal não era tida como um obstáculo para a fé,
mas apenas um problema teológico acadêmico. Durante o Iluminismo essa situação
mudou radicalmente. A existência do mal se transformou num desafio à
credibilidade e coerência da própria fé cristã
15
.
O problema do sofrimento e do mal tem importância singular nas discussões relativas
à apologética cristã. A prova disso é o espaço reservado em todas as Teologias Sistemáticas.
A importância do problema do mal não se reserva apenas aos questionamentos de ambiência
teológica.
A importância do assunto se estende por pelo menos mais duas razões: o mal é
universal; o problema do mal é de natureza prática. É de se concordar com D.M. Lloyd-Jones
quando afirma que “o problema é a dificuldade de conciliar o mundo em que vivemos, e
principalmente o que está acontecendo nele, com nossa em Deus, e, em especial, com
certos pontos fundamentais dessa fé”
16
. Mas, afinal no que consiste o problema do mal? Por
que essa problemática afeta tanto a apologética cristã? Pode-se apresentar o problema do mal
a partir da enorme dificuldade de se sustentar concomitantemente as quatro proposições
seguintes:
Deus existe;
Deus é totalmente bondoso;
Deus é todo-poderoso;
O mal existe.
13
BECKWITH, J. Francis. CRAIG, William Lane. MORELAND. J.P. Ensaios Apologéticos: Um Estudo Para
Uma Cosmovisão Cristã. São Paulo: Hagnos, 2004. p. 231.
14
GAARDER, Justin. HELLERN, Victor. NOTAKER, Henry. O Livro Das Religiões. São Paulo: Schwarcz,
2007. p. 164.
15
MCGRATH, Alister. E. Teologia Histórica: Uma Introdução à História do Pensamento Cristão. São Paulo:
Mundo Cristão, 2007. p. 244.
16
JONES, D.M. Lloyd. Por Que Deus Permite a Guerra? São Paulo: PES, 2009. p. 56.
11
O problema do mal se baseia basicamente na impossibilidade de sustentar as três
primeiras afirmativas sem ter que negar ao mesmo tempo a quarta afirmativa. Caso contrário
conclui-se que:
Se Deus existe, deseja todo o bem e é poderoso o suficiente para conseguir
tudo o que deseja; então não deveria haver mal.
Se Deus existe e deseja apenas o bem, mas o mal existe, então Deus não
consegue tudo o que deseja. Portanto ele não é Todo-poderoso.
Se Deus existe e é Todo-poderoso, se o mal também existe; então, Deus
deseja que o mal exista. Portanto, ele não é totalmente bondoso.
Finalmente, se Deus significa um Ser que ao mesmo tempo é totalmente
bondoso e Todo-poderoso, e ainda assim o mal existe; então Deus não
existe.
Eis como está posto o problema do mal. Conforme descrito por Rom Rhodes ao citar
o filósofo Epicuro, o problema também pode ser posto e sumarizado da seguinte forma:
De duas uma, ou Deus quer abolir o mal, e não pode; ou Ele pode, mas não quer
fazê-lo; ou Ele não pode ou Ele não quer. Se Ele quer, mas não pode, Ele é
impotente. Se Ele pode e não quer, logo Ele é perverso. No entanto, se Deus quer e
pode abolir o mal, então como o mal ocorre no mundo?
17
A relevância do problema do mal para a teologia é vasta e não se restringe ao
Iluminismo como assevera MacGrath, mas nesta abordagem, a despeito do problema do mal
se constituir em forte e usual argumento dos céticos contra Deus, a intenção desta pesquisa é
enxergar à luz da providência de Deus o mal como ferramenta indispensável para consecução
do desígnio eterno. Além do problema do mal se caracterizar como arma em favor do ateísmo,
se constitui ainda em forte resistência à fé nos círculos cristãos
18
.
Numa amostragem de âmbito nacional, Lee Strobel relata em um de seus livros o
resultado de uma pesquisa que consistia na seguinte pergunta “Se pudesse fazer a Deus
apenas uma pergunta e soubesse que lhe daria a resposta, o que você perguntaria? A essa
pergunta a maioria absoluta respondeu: “Por que existem dor e sofrimento no mundo?
19
Por
17
RHODES, 2007, p. 18.
18
ATEÍSMO é o sistema de crenças cuja afirmação categórica é a inexistência de Deus. O ateísmo também
afirma, em geral, que a única forma de existência é o universo material, sendo ainda mero produto do acaso ou
do destino. GRENZ, Stanley J. GURETZKI, David. NORDLING, Cherith FEE. Dicionário de Teologia. São
Paulo: Vida. 1999. p. 17.
19
STROBEL, Lee. Em Defesa da fé. São Paulo: Vida, 2002. p. 36.
12
certo essa tem sido uma pergunta que tem angustiado e afligido não somente aos céticos, mas
as pessoas comuns.
No entanto, a realidade do sofrimento e do mal neste mundo enseja três argumentos
que são comumente usados contra a existência de Deus. O primeiro é que qualquer ato
maligno seria uma prova contra a existência de um Deus totalmente bondoso. O segundo é
que a quantidade excessiva de sofrimento é prova da impotência de Deus em contê-lo. E a
terceira é que tanto justos como injustos sofrem, razão pela qual não diferença do mal
ocorrer a pessoas boas e ruins
20
. Fazendo este tipo de ilação a partir da problemática posta por
Epicuro, os que fazem coro com o filósofo têm conseguido confundir muitos cristãos
professos. O fato é que não são poucos os que estão perturbados pela existência do mal e do
sofrimento, ou pela quantidade de mal neste mundo.
Alguns teistas
21
conseguem fornecer respostas que apesar de plausíveis não são
totalmente convincentes. Enquanto muitos outros simplesmente chamam a existência do mal
de um mistério. A proposta deste estudo, na forma como segue, é apresentar nuances da
existência do sofrimento no mundo não como uma apologia em defesa de Deus ou a qualquer
aspecto do cristianismo. Na verdade o que se pretende demonstrar nesta dissertação é que o
mal e o sofrimento fazem parte do propósito de Deus para a humanidade. Por incrível que
pareça são exatamente as concepções alheias ao teísmo clássico relativas ao sofrimento que
não podem fazer sentido diante da inequívoca constatação da existência do mal neste mundo à
luz da Palavra de Deus.
Um segundo motivo por que o problema do mal é de relevância deve-se ao fato de
todos se perguntarem por que coisas ruins acontecem com pessoas boas ou ainda, por que
coisas ruins acontecem de qualquer maneira. O problema do mal é universal. Pessoas, céticas
ou não, ao longo das eras têm agonizado com a questão do sofrimento. O assunto se constituiu
em uma das mais fortes e comuns objeções à fé cristã e, por conseguinte mais explorada.
Mas o mal e o sofrimento não estão restritos a uma ambiência teórica e macro, antes
envolvem o indivíduo em sua própria e peculiar dor. Muitas pessoas carregam inquietações
terríveis com a existência do mal e do sofrimento, não porque o mesmo possua qualquer
desafio lógico ao cristianismo, mas porque, nas palavras de Eduardo Rosa Pedreira no que se
20
KREEFT, Peter. TACELLI, Ronald. Manual de Defesa da Fé: Apologética Cristã. Rio de Janeiro: Geográfica,
2008. p. 186.
21
TEÍSMO é o sistema de crenças que pressupõe a realidade de Deus como conceito fundamental na
composição de todas as outras crenças. Qualquer visão de mundo baseada na crença de que existe um Deus.
GRENZ, 1999. p. 126.
13
refere ao sofrimento humano “os filósofos tentam explicar e os teólogos sistematizar”
22
.
Provavelmente Eduardo use as palavras “tentar explicar” e “sistematizar” para por em
evidência a difícil tarefa de trazer respostas à questão do sofrimento no contexto da
providência de Deus. “Deus é responsável pelas coisas que acontecem no mundo? Se Ele o é,
como pode ser um Deus de amor? Se Ele não o é, como pode ser um Deus Poderoso?
23
.
Dessas indagações surgem outras reflexões sobre a relação entre ação divina de Deus com a
liberdade humana.
A partir de uma abordagem que perpassa conceitos avocados pela teologia, pretende-
se apresentar uma maneira bíblica de encarar o problema do sofrimento de modo a contribuir
para uma resposta que não seja apenas a de sistematizar o problema, mas de contextualizá-lo
no plano de Deus, pois nas palavras do mesmo Eduardo Rosa Pereira “o sofrimento é talvez a
maior e mais dolorosa interrogação da humanidade”
24
. Em artigo intitulado “Um Deus de
amor às vezes permite que você sofra” Philip Yancey faz eco ao dizer que “a dor põe em
questão nossas crenças mais básicas em Deus”
25
.
22
PEREIRA, Eduardo Rosa. e sofrimento. A espiritualidade que nasce da dor. Rio de Janeiro: Vinde, 1997. p.
45.
23
BRUNNER, Emil. Dogmática: Doutrina cristã da criação e redenção. São Paulo: Fonte editorial, 2006. v. 2.
p. 206.
24
PEREIRA, 1997, p.13.
25
BECKER, Verne. STAFFORD, Tim. YANCEY, Philip. O Que Não Me Disseram Quando Me Converti. Rio
de Janeiro: Juerp, 1995. p. 96.
14
2 A DIFÍCIL TAREFA DE COMPREENDER O MAL E O SOFRIMENTO: Um
Sumário de Três Concepções Teológicas e de Diferentes Cosmovisões Sobre o Tema
O sofrimento é uma realidade tão presente entre pessoas boas e ruins que foi preciso
cunhar uma expressão chamada Teodiceia, a qual analisa e justifica a aparente discrepância
entre bondade de Deus e a maldade presente na existência humana. Segundo define Champlin,
a palavra Teodiceia vem do grego theos (Deus) + dike (justiça). No uso comum a palavra
designa a controvérsia sobre como podemos reconciliar a existência do mal com a bondade e
a onipotência de Deus. Leibniz é citado pelo mesmo Champlin como aquele que usou o termo
pela primeira vez em 1710. Assim, a Teodiceia é a “Teoria para justificar a bondade de Deus
em vista da existência de maldade no mundo”. Na Teodiceia examinamos e exploramos
argumentos que justificam a conduta de Deus no mundo
26
.
Dificilmente alguém não tem ouvido expressões como “Deus está no comando” ou
“Deus sabe o que está fazendo” quando algo ruim acontece. Não faltam textos bíblicos para
corroborarem e apoiarem essa convicção. Onde está Deus no dia da calamidade? Onde está
Deus quando a tragédia chega sem aviso prévio?
Independentemente das causas do sofrimento são várias as tentativas de enxergá-las a
partir de cosmovisões distintas. Claro que, dependendo da cosmovisão, as causas do
sofrimento sofrerão restrições. Assim, é absolutamente imprescindível que toda cosmovisão
tenha que lidar com a questão do mal, contudo o problema é especialmente relevante para o
teísmo, pois como salientado, o problema do mal é um sério desafio à defesa do
cristianismo. Talvez porque o problema do mal seja mais frequentemente usado para desafiar
o cristianismo, muitas pessoas esquecem de considerar se as religiões não-cristãs têm,
adequada e coerentemente, respondido à existência de mal. Quais são as respostas ao
problema do sofrimento? À medida que avançamos na busca de um entendimento para o
problema do mal e do sofrimento humano, nos surpreendemos com a abundância de respostas
propostas por algumas linhas do pensamento religioso e da filosofia. Num trabalho dessa
natureza não poderíamos deixar de fazer menção e ressaltar algumas respostas à questão do
sofrimento a partir de cosmovisões religiosas distintas. O entendimento ou busca de uma
compreensão racional ou mesmo espiritual que possibilite uma melhor aceitação do
sofrimento está intimamente relacionado com a nossa cosmovisão. Bem disse Ronald Nash:
26
CHAMPLIN, R.N. O Antigo Testamento Interpretado Versículo Por Versículo. São Paulo: Candeia. 2001. v.7,
p. 5067.
15
Quer saibamos, quer não, quer gostemos, quer não, cada um de nós possui uma
cosmovisão. Essas cosmovisões funcionam como esquemas conceituais
interpretativos para explicar por que enxergamos o mundo da maneira como
enxergamos e por que, em geral, temos determinda maneira de pensar e agir. Com
frequência, conflitos entre cosmovisões concorrentes. Tais confrontos podem ser
tão inofensivos quanto uma simples discussão entre pessoas ou tão sérios como uma
guerra entre duas nações
27
.
Para responder a estas perguntas no âmbito da Teologia não faltam tentativas. Por
mais diversificadas que se apresentem no ambiente teológico este estudo se deterá no âmbito
do teísmo convencional a três correntes.
2.1 Sumário de Três Concepções Teológicas
Pode-se resumir estas três correntes em: i) os que atribuem todas as fatalidades ao
absoluto controle e determinação de Deus. ii) Uma segunda tentativa de responder as
indagações referentes ao mal e o sofrimento diz respeito à corrente teológica que talvez, para
justificar a Deus ou o isentar do mal e do sofrimento, atribui a vontade volitiva do homem às
causas do mal e do sofrimento. iii) ainda uma terceira concepção teológica que estuda e
aborda o mal e o sofrimento e que simplesmente para explicar o mal e o sofrimento rebaixa
Deus à condição de limitado, isto é, Deus não é Todo-poderoso, portanto não pode impedir o
mal e o sofrimento. A seguir, observa-se de maneira mais detalhada cada uma.
2.1.1 Primeira Concepção: Deus Determina e Controla Todas as Fatalidades
A primeira concepção remonta a Agostinho um dos pais da igreja. Agostinho em
meados do século V com mais precisão que seus antecessores enfatizou a doutrina da
providência, especialmente contra as ideias de destino e acaso, ressaltando que todas as coisas
são preservadas e governadas pela soberana vontade de Deus. Ele também afirmou a
soberania de Deus sobre o bem e o mal existente no mundo e salvaguardou a santidade de
27
BECKWITH, J. Francis. CRAIG, William Lane. MORELAND. J.P. Ensaios Apologéticos: Um Estudo Para
Uma Cosmovisão Cristã. São Paulo: Hagnos, 2004. p. 541,542.
16
Deus e a responsabilidade do homem. Citado por Franklin Ferreira esses conceitos estão
assim expostos por Agostinho quando ele diz:
Também governa tudo quanto criou, de tal maneira que cada uma de suas criaturas é
dado provocar e dirigir os seus próprios movimentos. E, ainda que nada possam sem
ele, com ele não se confundem. Aquele que é providente e onipotentemente distribui
a cada um o que a cada um convém, sabe muito bem utilizar-se dos bons e dos
maus
28
.
Essa visão teológica do controle de Deus em todos e em tudo desenhada por
Agostinho em linhas gerais é seguida por teólogos durante toda a idade média. Mas foi João
Calvino que sistematizou essa abordagem no século XVI. As Institutas escritas por Calvino
consistem em um manual de instrução cristã, ou, como diria o próprio Calvino, um resumo,
uma “suma”, do ensino doutrinário próprio para a formação de um cristão. No volume III a
doutrina da providência de Deus recebe um capítulo à parte e o título que recebe sua análise é:
“A Predestinação e a Providência de Deus”.
29
Sobre a providência de Deus o que Calvino
mesmo diz em seu sumário parcial é:
Em resumo, a opinião comum é que o mundo, as coisas humanas, os próprios
homens, são governados pelo poder de Deus. Não porém, por uma providência
deliberada, querendo dizer com isso que eles determinam tudo o que de fazer.
Passo por alto os epicureus (praga da qual o mundo sempre esteve cheio), os quais
imaginam um Deus ocioso, que não se envolve com nada. Semelhantemente outros,
que não estão menos fora de si. Atribuem a Deus a função de governar as coisas que
estão acima dos ares, abandonando o resto à sua própria sorte. Passo por alto porque
as próprias criaturas condenam em alto e bom som essa virulência
30
.
Esta abordagem está capitulada em algumas Teologias Sistemáticas como
Providência ou no contexto dos decretos de Deus. O termo decreto “indica o plano pelo qual
Deus procedeu em todos os seus atos de criação e continuação. Deus tem um plano e isso não
é apenas uma dedução justificada da razão”
31
. o termo providência nas palavras de um
renomado expositor Bíblico “vem de duas palavras em latim pro e vídeo que juntas,
significam ver adiante, ver de antemão”
32
. À luz desse conceito Deus não apenas sabe o que
se encontra à nossa frente, como também planeja o que de acontecer no futuro e executa
seu plano com a mais alta perfeição.
O capítulo cinco do Catecismo Maior de Westminster refere-se à providência de
Deus e traz uma resposta a pergunta: “o que são as obras da providência de Deus”? Essa
resposta tem sido abraçada e seguida por todas as denominações de linha reformada: “As
28
FERREIRA, Franklin. Myatt, Alan. Teologia Sistemática. Uma análise histórica, bíblica e apologética para o
contexto atual. São Paulo: Vida Nova, 2007. p. 302.
29
CALVINO, João. As Institutas. São Paulo: Cultura Cristã. 2006. v. III, p. 37-90.
30
CALVINO, 2006. v. III, p. 72, 73.
31
CHAFER, Lewis Sperry. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos. 2008. v. 1 e 2, p. 248.
32
WIERSBE, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo. Santo André: Geográfica, 2006. v. II, p. 522.
17
obras da providência de Deus são os seus mui santos, sábios e poderosos governo e
preservação de todas as suas criaturas, ordenando-as, e a todas as suas ações, para sua própria
glória”
33
.
Fazendo eco com essa declaração de o renomado Ph.D James I. Packer teólogo e
professor afirma que: “A providência é um exercício contínuo de Deus pelo qual ele de
acordo com sua própria vontade, (a) mantém todas as criaturas como seres, (b) envolve-se em
todos os eventos, e (c) dirige todas as coisas a seu fim determinado”.
34
Deus tem o comando
completo deste mundo, do visível e do invisível. Sua vontade pode estar escondida, mas seu
governo é absoluto. O mal faz parte da vontade de Deus e é necessário para um bem maior,
ainda que não possamos compreender.
Já nas palavras de Henry Clarence Thiessen
Os acontecimentos no universo não são nenhuma surpresa nem um desapontamento
para Deus, nem tão pouco resultado de capricho ou vontade arbitrária de sua parte,
mas sim a execução de um propósito e plano definidos dEle, é o que nos ensinam as
Escrituras
35
.
O mesmo Thiessen afirma que “os Decretos são o eterno propósito de Deus. Ele não
faz ou altera seus planos à medida que a história humana vai se desenvolvendo; Ele fez esses
planos na eternidade e eles permanecem inalterados
36
. apenas um decreto, que envolve
tudo, embora no desenrolar dos acontecimentos haja sequência constante. Nas palavras do
mesmo Thiessen a execução desse decreto de Deus por meio de sua providência é explicado
assim: “As coisas decretadas vêm a acontecer com o tempo, e em série sucessiva; mas
constituem um grande sistema que, como um todo e uma unidade, foi compreendido em um
eterno propósito de Deus”
37
.
Desde toda a eternidade, Deus mesmo decretou todas as coisas que iriam acontecer
no tempo e isto Ele fez segundo o conselho da sua própria vontade, muito sábia e muito santa.
Fez, porém, de um modo que Deus em nenhum sentido é o autor do pecado, nem se torna
corresponsável pelo pecado, nem violenta à vontade de suas criaturas, nem tampouco impede
a livre ação das causas secundárias ou contingentes. Pelo contrário, estas causas secundárias
são confirmadas. Em tudo isso aparece a sabedoria de Deus em dispor de todas as coisas, e o
seu poder e fidelidade em fazer cumprir seu decreto. Segundo esse entendimento tudo que
Deus decretou e executa tem como fim último a sua glória.
33
VOS, Johannes Geerhardus. Catecismo Maior de Westminster. São Paulo: Os Puritanos, 2002. p. 77.
34
PACKER, James I. Teologia Concisa. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. p. 55.
35
THIESSEN, Henry Clarence. Palestras em Teologia Sistemática. São Paulo: Imprensa Regular do Brasil,
2006. p. 97.
36
THIESSEN, 2006, p. 96.
37
THIESSEN, 2006, p. 97.
18
No entanto, Paul Tillich se reporta a Platão e apresenta o termo pronoia
“providência” no contexto de uma filosofia que superou a escuridão da fatalidade entre o
humano e o divino por meio da ideia do bem como poder último do ser e do conhecimento
38
.
Tillich problematiza ao estender o conceito de providência:
Providência significa prever (providere) que é um preordenar (providenciar). Esta
ambiguidade de sentido de providência denota um sentimento ambíguo com relação
à providência e corresponde às diferentes interpretações do conceito. Se
enfatizarmos o elemento de previsão, Deus se torna um espectador onisciente que
sabe o que vai acontecer, mas não interfere na liberdade de suas criaturas. Se
enfatizarmos o elemento de preordenação, Deus se torna um planejador que, “antes
da criação do mundo”, ordenou tudo o que vai acontecer. Todos os processos
naturais e históricos não são nada mais que a execução deste plano divino
supratemporal
39
.
A problematização a partir desse conceito pode ser assim resumida pelo próprio
Tillich: “Na primeira interpretação, as criaturas constroem seu mundo, e Deus se limita a ser
um espectador; na segunda interpretação, as criaturas são peças de uma grande engrenagem
universal, e Deus é o único agente ativo”
40
. Faz-se coro com o mesmo Tillich em rejeitar
essas duas interpretações da providência. “Deus nunca é um espectador, ele sempre dirige
tudo à plenitude” ao tempo em que uma convergência e interatividade entre a atividade de
Deus e a liberdade do ser humano. Nessa mesma convergência de ideia um dos mais
renomados teólogos americano R.C. Sproul chega a dizer que
se uma molécula no universo vagando livre da soberania de Deus, então não
nenhuma garantia de que qualquer das promessas de Deus venha jamais a se
concretizar. Aquela única molécula pode ser exatamente o fator que desfaz o plano
eterno de Deus. Se Deus não é soberano, então Deus não é Deus. Um Deus não
soberano não é Deus nenhum
41
.
No entanto, o mesmo Sproul afirma que “na realidade os homens têm livre arbítrio,
mas nosso livre arbítrio é limitado”. Sua argumentação é que “o livre arbítrio de Deus é
soberano. Nosso livre arbítrio é subordinado”
42
.
As implicações dessas afirmações encontram resistências em algumas correntes
críticas teológicas. A primeira e a mais explorada é a que, segundo afirmam alguns, a doutrina
relativa à providência de Deus não é coerente com a liberdade humana. Asseveram ainda que
a concepção de Decreto contendo todos os atos do ser humano torna Deus autor do pecado e
38
TILLICH, Paul. Teologia sistemática. São Leopoldo: Sinodal, 2005. p. 269.
39
TILLICH, 2005, p. 271.
40
TILLICH, 2005, p. 271.
41
SPROUL, R.C. Surpreendido Pelo Sofrimento. São Paulo: Cultura Cristã, 1998. p. 186.
42
SPROUL, 1998, p.186.
19
que a doutrina é equivalente ao fatalismo
43
. Contudo, conforme disse Hermann Bavinck não é
uma causalidade cega, nem um destino obscuro, nem uma vontade irracional ou maligna, nem
qualquer força natural que governa a raça humana e o mundo, mas “o governo de todas as
coisas está nas mãos do Todo-poderoso”
44
.
2.1.2 Segunda Concepção: O mal e sofrimento são produzidos pela pessoa humana
A defesa do livre-arbítrio tem sido um dos mais recorrentes conceitos utilizados para
dar sustentação à resistência ao conceito de providência e ao mesmo tempo se constitui em
uma tentativa de explicar o mal e o sofrimento no mundo. Esta linha teológica sustentada por
vários cristãos declara que, quando Deus criou o homem o dotou da capacidade de tomar
decisões independentes, até mesmo se rebelar contra o seu Criador. Nas palavras de Geisler o
argumento se resume em:
Deus é bom e criou criaturas boas com uma qualidade boa chamada livre-arbítrio.
Infelizmente, elas usaram esse poder bom para fazer o mal ao universo e se rebelar
contra o criador. Então, o mal surgiu, não direta, mas indiretamente, pelo mau uso
do poder bom chamado liberdade. A liberdade em si não é má. É bom ser livre. Mas
com a liberdade vem a possibilidade do mal. Então Deus é responsável por tornar o
mal possível, mas as criaturas livres são responsáveis por torná-la real
45
.
Certamente Deus estava ciente de que o homem pecaria, mas este foi o preço de
conceder ao homem o livre-arbítrio. Embora muitos cristãos professos usem a defesa do livre-
arbítrio como solução racional para responder ao problema do mal, as indagações continuam
ecoando, pois esta abordagem somente posterga o tratamento do problema, visto que
transforma o debate do porquê do mal existir no universo de Deus para por que Deus criou o
homem com o potencial para a prática do mal. Todos os simpatizantes da doutrina do livre-
arbítrio afirmam que Deus é onisciente, logo Deus sabia, com certeza, que os homens se
tornariam maus. Marcos Inhauser expressa bem isso quando diz: “nem mesmo no paraíso
houve a possibilidade de viver sem decidir. O paraíso não era a ausência da necessidade de
43
Fatalidade. A fatalidade, personificada pelos gregos com o nome de Moira, significa no mundo antigo o poder
invisível que rege o destino humano. No pensamento clássico, bem como na religião oriental a fatalidade era
considerada o poder sombrio e sinistro que se relaciona com a visão trágica da vida, por isso sendo cega,
inescrutável e inevitável. BLOESCH, D.G In ELWELL, Walter A. 2009. v. 2, p. 152.
44
BAVINCK, Hermann. Teologia Sistemática. Santa Barbara do Oeste/SP: Socep, 2001. p. 177.
45
GRENZ, Stanley J. GURETZKI, David. NORDLING, Cherith FEE. Dicionário de Teologia. São Paulo: Vida,
1999. p. 534.
20
decisão, mas a consciência da sua realidade”
46
. Charles C. Ryrie apresenta um argumento
interessante para minimizar o que parece contradizer o conceito de soberania de Deus e a
liberdade ou responsabilidade que o homem possui. Assim argumenta Ryrie:
Soberania e liberdade formam uma antinomia, isto é, uma contradição entre dois
princípios aparentemente válidos ou entre inferências corretamente deduzidas desses
princípios. Contudo, as antinomias na Bíblia são apenas contradições aparentes, não
definitivas. É possível aceitar as verdades de uma antinomia e viver com elas,
aceitando pela o que não somos capazes de entender. Ou, então, podemos
harmonizar as contradições aparentes em uma antinomia, mas isso acabará levando-
nos a enfatizar demais uma verdade e a negligenciar ou até negar a outra. A
soberania não deve anular o livre-arbítrio, e o livre-arbítrio não deve anular a
soberania
47
.
Para os que enxergam no livre-arbítrio uma solução perto do racional para o
problema do sofrimento, outra concepção emerge e aumenta o dilema, pois seja diretamente
ou indiretamente, uma forte convergência para a afirmação de que Deus, no mínimo,
possibilitou o mal, sendo assim, sua causa primeira.
2.1.3 Terceira Concepção: Teologia do Processo
A teologia do processo
48
constitui-se numa abordagem teológica que também tenta
explicar no âmbito do cristianismo a questão do mal e do sofrimento no mundo. Os adeptos
dessa corrente simplesmente acreditam que Deus não é todo-poderoso e, por conseguinte, não
pode impedir todo mal. A teologia do processo aceita a concepção de um Deus pessoal, mas
afirma que ele existe no tempo, como as demais criaturas. O mais chocante para alguns é que
segundo essa teologia Deus é limitado e finito, não tendo conhecimento do futuro. Nas
palavras de Franklin Ferreira sobre a concepção de Deus segundo a teologia do processo:
esta divindade finita não predestina o futuro, mas é limitada pelas ações de criaturas
livres. Além disso, ele é limitado pelos eventos da história. É um Deus de amor,
embora nem sempre possa proteger suas criaturas do mal. Deus desse modo, não tem
poder de decretar e ordenar os eventos do futuro. O poder de Deus consiste no poder
de persuadir
49
.
46
INHAUSER, Marcos. Opção Pela Vida. Campinas-SP: United Press, 2000. p. 21.
47
RYRIE, Charles C. Teologia Básica ao Alcance de Todos. São Paulo: Mundo Cristão, 2003. p. 50.
48
TEOLOGIA DO PROCESSO nasceu no século xx baseada na filosofia de Alfred Nortth Whitehead, que
apresenta um Deus bipolar integralmente envolvido no processo interminável do mundo por meio de duas
naturezas: a natureza primordial e transcendente, na qual reside a perfeição eterna do caráter de Deus, e a
natureza consequente e imanente de Deus, pela qual Deus é parte do processo cósmico em constante mutação.
GRENZ, 1999, p. 129.
49
FERREIRA, Franklin, 2007, p. 301
21
Para espanto de muitos, a teologia do processo segundo MacGrath é um dos
movimentos teológicos mais expressivos que se desenvolveram na América do Norte durante
o século 20”
50
. O mesmo MacGrath sumariza o entendimento da teologia do processo relativa
à questão do mal nas seguintes palavras:
O pensamento de processo redefine, assim, a onipotência de Deus em termos de
persuasão ou influência dentro de um processo mundial geral. Trata-se de uma
desenvolução importante, uma vez que explica a atração dessa forma de entender a
relação de Deus com o mundo com respeito ao problema do mal. Enquanto a defesa
tradicional do livre-arbítrio como explicação para o mal moral argumenta que os
seres humanos m liberdade de desobedecer a Deus ou ignorá-lo, a teologia de
processo argumenta que os componentes individuais do mundo m,
semelhantemente, liberdade de ignorar as tentativas divinas de influenciá-los ou
persuadi-los. Tais elementos não são obrigados a obedecer a Deus. Assim, Deus é
absolvido da responsabilidade pelo mal moral e natural
51
.
Seja qual for a concepção teológica mais simpática um entendimento bíblico, ainda
que rasteiro, leva-nos ao menos considerar, pelo ensino das Escrituras, que o sofrimento
humano de qualquer natureza não está alheio a Deus. Os acontecimentos no universo não são
uma surpresa, um desapontamento, nem tampouco o resultado de capricho ou vontade
arbitrária da parte do homem, mas fazem parte de um projeto pensado na eternidade, o plano
minucioso para o mundo visível e invisível, incluindo cada indivíduo, cuja execução e
propósito são imutáveis?
A suma teológica da linha reformada relativa à doutrina da providência expressa e
condensa a verdade de um plano pensado na eternidade e pode assim ser identificada:
Embora Deus saiba tudo quanto pode ou poderá acontecer, em todas as
condições possíveis, Ele nada decretou por causa do seu conhecimento prévio
do futuro ou daquilo que viria a acontecer em determinada situação.
Deus, o bom criador de todas as coisas, em seu poder e sabedoria infinitos
mantém, dirige, dispõe e governa todas as criaturas e coisas, desde as maiores
até às mínimas, pela sua muito sábia e muito santa providência, para que
cumpram com a finalidade para a qual foram criadas. Isso é feito de acordo
com a infalível soberania de Deus e o conselho livre e imutável da sua própria
vontade, de modo que tudo que aconteça contribua para o louvor da glória de
sua sabedoria, poder, justiça, bondade infinita e misericórdia.
Deus faz uso de meios para cumprimento do seu decreto, mas Ele é livre para
operar sem, acima desses, e contra os meios ordinários, segundo bem entenda.
50
MCGRATH, 2007, p. 341.
51
MCGRATH, 2007, p. 342.
22
A onipotência, a sabedoria inescrutável e a infinita bondade de Deus se
manifestam no seu decreto e em sua providência, de um modo tão abrangente,
que o seu conselho determinado se estende até mesmo à queda no pecado e a
todos os outros atos pecaminosos, sejam de homens ou de anjos. Isto envolve
mais do que uma mera permissão, porque Deus, muito sábia e muito
poderosamente, limita, regula e governa os atos pecaminosos, em uma
disposição multiforme, atendendo aos seus santos desígnios.
A pecaminosidade dos atos procede das criaturas, e não de Deus, que, sendo
muito santo e muito justo, não é e nem pode ser o autor do pecado; e nem
tampouco pode aprová-lo.
Calvino refutando qualquer argumento contra o conceito de providência sumariza
seu entendimento dizendo:
Mas nós declaramos Deus o soberano Senhor e Governador de todas as coisas, e
dizemos que desde o princípio, segundo a sua sabedoria, ele determinou o que
haveria de fazer e então haveria de executar, segundo o seu poder, tudo quanto havia
deliberado. Concluímos, pois, que não somente o céu, a terra e todas as criaturas
destituídas de razão, são governadas por sua providência, mas também os conselhos
e os desejos dos homens, e que os governa de modo tal que os conduz ao propósito
determinado por ele
52
.
O mesmo Calvino entende que nada, absolutamente nada, pode acontecer sem ter
sido decretado por Deus e executado por meio de sua providência. “Sorte e acaso são palavras
pagãs, cujo significado não deve entrar num coração fiel. Porque se toda prosperidade é
bênção de Deus, e toda adversidade é sua maldição, não resta nenhum lugar à sorte em tudo
quando sobrevenha aos homens”
53
.
Essas concepções sumarizam grande parte do entendimento teológico acerca da
problemática relativa ao sofrimento, contudo não limita as discussões, pois outras
cosmovisões religiosas que tentam lançar luz para um entendimento mínimo do porquê do
sofrimento.
2.2 Diferentes Cosmovisões para o Problema do Sofrimento Humano
Em termos simplistas, uma cosmovisão é um conjunto de crenças envolvendo os
variados assuntos da vida. No caso específico desta análise, iremos nos valer do ponto de vista
52
CALVINO, 2006, v.III, p. 74
53
CALVINO, 2006, v.III, p. 74
23
de algumas dessas cosmovisões religiosas relativas ao sofrimento. Claro, que pela
especificidade deste trabalho não será possível fazer um arrazoado de todas as cosmovisões
que abordam o problema do sofrimento, mas acredita-se que as que se seguem contemplem a
maioria do entendimento sobre o assunto.
2.2.1 Deísmo
O deísmo surge como um reflexo do iluminismo no campo religioso. Em síntese,
segundo essa concepção do século XVIII, Deus abandonou a sua criação a sua própria sorte
para servir de campo de treinamento para o caráter humano. Aos que sofrem pouco ou
nenhum consolo encontrarão nos braços dos deístas, pois negam qualquer possibilidade de
imanência de Deus, bem como a “Trindade, a encarnação de Jesus, a autoridade divina da
Bíblia, a expiação, os milagres, qualquer povo especificamente eleito como Israel, e qualquer
ato redentor sobrenatural na história”
54
.
Portanto, deísmo é a crença num Deus que fez o mundo
55
, mas nunca interrompe as
operações deste com eventos sobrenaturais. Segundo essa concepção, Deus não interfere na
sua criação. Pelo contrário criou-a para ser independente dele mediante leis naturais
imutáveis
56
. O deísmo clássico tenta afastar Deus do mal ao enfatizar que Deus não é
imanente no mundo. Representa aqueles que acreditam num ser superior que tem pouco ou
nada que ver com nossas vidas. Neste caso, o deísmo nos deixa a sós neste mundo.
Os deístas acreditam em Deus, mas frequentemente se encontram insatisfeitos com
as religiões e apresentam geralmente estas características que os diferenciam:
Creem em Deus, mas não praticam nenhuma religião em particular;
54
MACDONALD, M. H. Deísmo In ELWELL, 2009, v.2, p. 403.
55
GEISLER, Norman. Enciclopédia de Apologética. Respostas aos críticos da cristã. o Paulo: Vida, 2001.
p. 245. Deísmo. Comumente se entende por deísmo uma postura filosófico-religiosa que admite a existência
de um Deus criador, mas rejeita a ideia de revelação divina. É uma concepção que considera a razão como a
única via capaz de nos assegurar da existência de Deus, rejeitando o ensinamento ou a prática de qualquer
religião organizada. O deísmo pretende enfrentar a questão da existência de Deus através da razão, em lugar
dos elementos comuns das religiões teístas como a revelação de Deus por meio das Escrituras, a ou a
tradição. Para eles, Deus se revela através da ciência e as leis da natureza. O deísta não rejeita de todo a
possibilidade de alguém receber uma revelação direta de Deus, mas essa revelação não será válida para outra
pessoa. Se alguém lhe diz que Deus se revelou, para ele será uma revelação secundária e ninguém é obrigado a
segui-la, pois isso implicaria na possibilidade de estar aberto às diferentes religiões como manifestações
diversas de uma mesma realidade divina. MACDONALD, M. H. Deísmo In ELWELL, 2009, v.2, p. 403.
56
GEISLER, Norman, 2001, p. 245.
24
Rejeitam a Bíblia, no entanto, creem que a palavra de Deus é o Universo e
a natureza, mas não os livros "sagrados" escritos por homens;
Balizam-se na razão para idealizarem Deus e não aceitar nenhuma forma
de doutrinamento;
Acreditam que os ideais religiosos devem tentar reconciliar e não
contradizer a ciência;
Creem que se pode encontrar Deus mais facilmente fora do que dentro de
uma igreja;
Desfrutam da liberdade de procurar uma espiritualidade que os satisfaça;
Preferem guiar suas opções éticas pela consciência e reflexão racional a
aceitar as opções ditadas pelos livros "sagrados" ou autoridades religiosas;
Consideram-se pensadores individuais, cujas crenças religiosas não se
formaram por tradição ou autoridade de outros;
Acreditam e proclamam que religião e Estado devem estar separados.
Philip Yancey lembra aos deistas que “o mundo em que vivemos não é um mundo ou
uma coisa ou outra. As ações que tomo não são exclusivamente naturais ou sobrenaturais. São
ambas as coisas, funcionando ao mesmo tempo”
57
. Deus está vivo e se interessa por nós.
2.2.2 Hedonísmo
Do grego hçdonç que significa prazer, o hedonísmo consiste em todas aquelas teorias
éticas que identificam o alvo moral como felicidade, o prazer
58
. O hedonísmo afirma ser o
prazer o supremo bem da vida humana. Os simpatizantes do hedonísmo procuram
fundamentar-se numa concepção mais ampla de prazer entendida como felicidade para o
maior número de pessoas entendendo que é a tendência moral que defende a maximização do
prazer e a minimização do sofrimento na existência humana. A ideia básica que está por trás
do hedonísmo formatada pelos epicureus é que todas as ações podem ser medidas em relação
ao prazer e a dor que produzem.
No formato epicureu o hedonísmo é a filosofia mais popular do mundo hoje. Os
hedonistas modernos pensam que a felicidade é o fim último da vida. Propagam que o homem
57
YANCEY, Philip. STAFFORD, Tim. Desventuras da Vida Cristã. São Paulo: Mundo Cristão, 2005. p.19.
58
WHITE, R.E.O. Hedonísmo In ELWELL, 2009, v. 2, p. 240.
25
foi criado para ser feliz e nada deve se interpor no caminho dessa felicidade. Muitos cristãos
entram em crise quando pensam num cristão passando por sofrimento. Muitos perguntam: por
que um cristão sofre? Está em pecado? Deus o está castigando? Ele não tem fé? É por que
desconhece seus direitos junto a Deus? Dificilmentre alguém, enfrentando os piores dias de
sua vida, encontraria no hedonísmo alívio para sua dor, “por reduzir a moralidade ao
sentimento, omitindo seus aspectos racionais, éticos e sociais; por não fornecer critério algum
para distinguir os prazeres superiores e inferiores; dignos ou indignos, animais e espirituais ou
de uma pessoa e os de outra”.
59
Além disso, sendo que o prazer é altamente individualista,
como alguém que está sofrendo pode encontrar alívio em uma concepção que ridiculariza a
dor? “O hedonísmo não tem lugar algum para o auto-sacrifício, para a abnegação ou para o
dever. Quando a obrigação é absolvida no desejo, a moralidade desce à experiência, à procura
daquilo que é mais confortável”.
60
Se a busca do prazer é constante então sempre uma
insatisfação, uma procura de novos prazeres e um certo desencanto perante os velhos
prazeres. O hedonísmo conduz-nos a um estado de egoísmo em que podemos sacrificar o
outro se esse sacrifício implicar um novo prazer.
2.2.3 Estoicismo
Estoicismo deriva de uma seita de filósofos, alguns dos quais disputavam com o
apóstolo Paulo em Atenas, conforme narrativa bíblica de Atos 17:18. A seita teve como
fundador certo Zenom. A sua doutrina foi essencialmente panteista. “O bem supremo é a
virtude”
61
. Segundo o estoicismo, o sofrimento decorre das reações despertadas no ser
humano por quatro classes de emoções: a dor, o medo, o desejo e o prazer. O ideal do estoico
é alcançar a natural aceitação dos acontecimentos, uma atitude passiva diante da dor e do
prazer, a abolição das reações emotivas, a ausência de paixões de qualquer natureza. Uma
passividade ante o sofrimento como assevera o estoicismo em nada pode contribuir para a
superação da dor. A maneira como o estoicismo lida com o sofrimento pode ser resumida em
duas objeções:
59
WHITE, R.E.O. Hedonísmo In ELWELL, 2009, v. 2, p. 241.
60
WHITE, R.E.O. Hedonísmo In ELWELL, 2009, v.2, p. 241.
61
DAVIS, John. Novo Dicionário da Bíblia Ampliado e Atualizado. São Paulo: Hagnos, 2008. p.434.
26
§ Uma moral sem qualquer espécie de emoção é contrária à própria natureza
humana. Viver segundo a natureza é também deixar-se guiar por emoções,
visto que elas são muitas vezes a nossa mais humana forma de nos
relacionar e apesar de causarem sofrimento também podem causar
felicidade.
§ A virtude como sabedoria faz da moral estoica algo acessível às elites
intelectuais não estando, portanto, ao alcance do homem comum, de uma
escolaridade mínima. O alcance da virtude, a que o sábio tem acesso
torna a moral elitista e, portanto, algo que não está ao alcance de todos.
Contudo, o sofrimento é inerente a todos.
No excelente artigo “Nenhum sofrimento é em vão”, escrito pelo Dr. Russel Shedd,
luzes são lançadas sobre a maneira dos estoicos lidarem com a dor:
O estoicismo grego entendeu que o sofrimento fazia parte da “razão ou “lógica” do
universo. Virtude, para os estoicos, consistiu em descobrir a direção do destino (ou
da natureza) e ajustar a vida com ela. Era importante não sentir paixões ou não se
submeter às emoções, mas harmonizar-se com o fatalismo dos acontecimentos fora
do controle do homem. Indiferença diante do sofrimento era a melhor resposta que o
filósofo Zeno e seus seguidores podiam oferecer
62
.
Esta era a atitude correta no entendimento estoico de se lidar com o sofrimento e
armar-se intimamente contra ele. Entretanto, harmonizar-se com o fatalismo e ficar refém do
sofrimento não ameniza a dor, antes conduz ao desespero. O estoicismo em nada ajuda aquele
que sofre.
2.2.4 Panteísmo
Essa palavra vem do grego, pan e Theós, significa “tudo é Deus” e foi cunhada por
John Toland em 1705, para referir-se aos sistemas filosóficos que tendem a identificar Deus
com o mundo
63
. O panteísmo apregoa que o finito e o infinito tornam-se uma e a mesma
coisa, embora diferentes expressões de uma mesma coisa. O universo passa a ser auto-
existente, sem começo, embora sujeito a modificações. De acordo com o panteísmo, todos os
62
SHEDD, Russel apud ANJOS, Wildo Gomes. Como Enfrentar o Sofrimento. ed. Anápolis-GO: MZ
Produções Culturais LTDA, 2008. p. 89.
63
FEINBERG. P. D. Panteísmo In ELWELL, 2009, v. 3, p. 89
27
seres e toda a existência de Deus, são concebidos como um todo. Segundo Zacarias Aguiar o
panteísta diz “que tudo é Deus e nada é mau na sua essência; as coisas apenas parecem más ao
nosso entendimento não iluminado”
64
. Tratar o sofrimento como uma ilusão parece ser uma
ilusão.
Do ponto de vista bíblico, o panteísmo é deficiente em maior ou menor grau por
causa de duas considerações:
A primeira é que o panteísmo geralmente nega a transcendência de Deus e defende
sua imanência radical. A Bíblia apresenta um equilíbrio. Deus está ativo na história e
na sua criação, mas não é idêntico a elas, em menor ou maior grau. A segunda é que,
por causa da tendência de identificar Deus com o mundo material, surge outra vez
uma negação menor ou maior do caráter pessoal de Deus. Nas Escrituras, Deus não
somente possui os atributos de uma pessoa, como também, na encarnação, Ele
assume um corpo e se torna o Deus-homem. Deus é retratado supremamente como
uma pessoa
65
.
O Panteísmo afirma que Deus é idêntico com o universo criado. A máxima panteísta
diz: “Deus é tudo e tudo é Deus.” O panteísmo tem muitas vertentes e muitos tipos, no entanto
seja qual for a vertente Deus não é pessoal. Nenhum movimento moderno assumiu tanto as
premissas panteístas como a Nova Era. Shiley MacLaine um arauto do movimento declarou
em Denver nos Estados Unidos “que ela e todas as outras pessoas formam Deus”
66
. Para o
panteísta a história não existe ou é simplesmente relegada ao mundo das aparências, pois ela é
cíclica e repete-se infinitamente. O objetivo da alma é abandonar o corpo e se tornar um com
Deus, nem que seja necessário um grande número de reencarnações para alcançar tal objetivo.
Para o panteísta que diz: “eu sou Deus e Deus sou eu,” rias implicações, pois Deus é o
absoluto Imutável, e o homem é um ser transitório e mutável. Como pode então o homem ser
Deus se ele muda e Deus não muda? A dor para o panteísta é apenas fragmento de sua
imaginação.
O panteísmo também não consegue responder ao problema do mal de uma forma
adequada. Dizer que a dor e o sofrimento são uma ilusão pode até filosoficamente ser
possível, mas é inaceitável para quem está sendo visitado pela dor. Acreditamos que até
mesmo os panteístas gritam de dor quando um membro do corpo deles é amputado sem
anestesia. O fato de que o bem e o mal são ilusórios e não se distinguem também é
inadequado. Por que então os criminosos vão para a prisão se o conceito de bem e mal não
existe? Aqueles que estão vivendo dias difíceis não encontrarão consolo no berço dos
panteístas, pois suas dores estão longe de ser apenas uma ilusão.
64
SEVERA, Zacarias de Aguiar. Manual de Teologia Sistemática. Curitiba/PR: A.D. Santos, 2003. p. 138
65
FEINBERG. P. D. Panteísmo In ELWELL, 2009, v. 3, p. 90.
66
CHANDLER, Russel. Compreendendo a Nova Era. São Paulo: Bompastor, 1993. p. 30.
28
2.2.5 Budismo
Ao passo que o hinduísmo é uma multiplicidade de religiões politeistas e
filosofias panteistas o budismo é basicamente uma filosofia sem Deus. O budismo surgiu na
Índia cerca de quinhentos anos antes do nascimento de Cristo. Diferente do hinduísmo o
budismo pode ser identificado com um fundador específico: Siddhartha Gautama
67
. Buda é
um título que significa “iluminado”. Seu fundador desenvolveu a partir de um movimento de
reforma dentro do hinduísmo uma religião essencialmente ateísta. Suas crenças básicas
segundo Norman Geisler são resumidas em quatro verdades:
A vida é sofrimento;
O sofrimento é causado pelo desejo de prazer e prosperidade;
O sofrimento pode ser superado pela eliminação do desejo;
O desejo pode ser eliminado pela Trilha Óctupla
68
.
O budismo apresenta quatro verdades sagradas relativas ao sofrimento cuja suma é:
“viver é sofrer”. Não no budismo esperança em Deus ou no céu, pois não Deus no
ensinamento Gautama. O que buscam é o nirvana, a eliminação de todo sofrimento, desejo e
ilusão de autoexistência. Diz-se que, fundamental e inexoravelmente, viver é sofrer. Desse
ponto de partida a filosofia budista começou a elaborar a solução do problema para o
sofrimento. Segundo o budismo, o que poder para continuar no ciclo de renascimentos é o
desejo, pois dos desejos provêm as ações e estas mantêm o ciclo enfadonho de nascimento e
renascimento em que se colhem os seus frutos. Enquanto houver ações haverá o resultado
delas, eis a lei do carma. Esta assevera que é necessário retornar ao nascimento a fim de
completar o excedente da recompensa ou do castigo. “O budismo a vida apenas como
sofrimento”,
69
não na filosofia budista espaço para uma vida ser vivida em abundânica de
dias felizes, pois “viver é sofrer”. Para o budista estamos reféns do acaso, isto é, não um
comando divino.
O principal objetivo do budismo é levar o homem a libertar-se desta vida, tornar-se
um com o universo, e assim atingir o nirvana, o nada. Somente assim, disse Gautama, é que
seremos livres das aflições desta vida.
70
consolo numa filosofia religiosa que não crê que
exista um Deus pessoal, que se interessa por nós e apregoa que viver é sofrer? Para o budista
67
WILSON, Bill. Respostas Convincentes: O melhor de Josh McDowell. São Paulo: Hagnos, 2006. p.307
68
GEISLER, 2001, p.223.
69
GEISLER, 2001, p. 223.
70
PALAU, Luis. Deus é Essencial. Campinas/SP: United Press., 2001. p. 27.
29
“todos os 84.000 ensinamentos de Buda visam unicamente isto: libertar do sofrimento”.
71
“Buda ensinou a iluminação interior; não obstante, morreu buscando mais luz. Nunca
afirmou: “Eu sou a luz do mundo; quem me segue não andará em trevas, mas terá a luz da
vida” (Jo 8:12)”.
72
2.2.6 Hinduísmo
Josh McDowell ao traçar uma diferença entre o cristianismo e o hinduísmo apresenta
que o ser supremo do hinduísmo é indefinível, indiferente e impessoal. No hinduísmo não
nenhum pecado contra um Deus santo. O mal pode ser superado pelo esforço humano.
73
Só há
uma forma do hindu encontrar alívio para o sofrimento e segundo as palavras de Geisler a
“libertação é obtida quando o indivíduo expande seu ser e consciência a um nível infinito e
percebe que o eu é o mesmo que Brahman (o ser absoluto do qual toda multiplicidade se
origina)”
74
.
O hindu mantém uma atitude semelhante à do budista, pois ele também, ao analisar o
problema do sofrimento, estabelece uma prévia concepção de que seu nascimento originou
todos os sofrimentos e desigualdades. Os sofrimentos não provêm realmente do
relacionamento rompido com Deus, nem de satanás, do meio ambiente degradado pelo
homem, nem ainda dos nossos semelhantes, mas, diz ele, da nossa própria escolha, num
prévio nascimento.
O hindu baseia o sofrimento em dois fatos, quais sejam: o renascimento, que explica
as desigualdades e os sofrimentos desta vida, e o senso de separação do ser divino. No
hinduísmo as pessoas sofredoras devem ser abandonadas ao estado de sofrimento, porque esse
é seu destino determinado pelo carma.
O hinduísmo também apresenta uma possível explicação para o sofrimento e o mal
no mundo. De acordo com o hinduísmo, o sofrimento que qualquer um experimenta, seja
enfermidade, fome ou um desastre, é devido às próprias ações maléficas que a pessoa tenha
realizado, normalmente em vidas passadas. A alma é a única coisa que importa, pois um dia
71
SCHERER, Burkhard (Org.). As Grandes Religiões: temas centrais comparados. Petrópolis/RJ: Vozes, 2005.
p. 72.
72
LUTZER, Erwin. Cristo Entre Outros Deuses. Rio de Janeiro: CPAD, 2000. p. 125.
73
WILSON, Bill. Respostas Convincentes: O melhor de Josh McDowell. São Paulo: Hagnos, 2006. p. 305.
74
WILSON, 2006, p. 305.
30
será livre do ciclo da reencarnação e descansará. Para hinduístas e budistas está fora de
qualquer questionamento a máxima: a vida sempre está ligada ao sofrimento. A própria
condição passageira em si é sofrimento. O único alento para os que creem no budismo e
hinduísmo quanto ao sofrimento é que “o sofrimento pode ser visto como uma chance e como
purificação de um carma infeliz”
75
.
2.2.7 Islamismo
Maomé o fundador do islamismo nasceu em cerca de 570 d.C. na cidade de Meca, na
Arábia. Seu pai morreu antes de seu nascimento e sua mãe morreu quando ele tinha seis anos,
sendo criado primeiramente pelo avô e depois pelo tio
76
. A palavra islã é um substantivo
formado a partir do verbo árabe que significa “submeter-se”, resignar-se ou sujeitar-se”. Islã
quer dizer submissão ou resignação, e a sua derivação traz a ideia de ação, e não a de simples
imobilidade. O próprio ato da resignação obediente está no coração do Islã, mais do que uma
aceitação e sujeição passivas à doutrina. Muçulmanos, outra forma substantivada do mesmo
verbo, significa: “aquele que se submete”
77
. O ensinamento de Maomé o fundador do
Islamismo, segundo Geisler pode ser resumido em cinco doutrinas
78
:
Alá é o único Deus.
Alá enviou muitos profetas, inclusive Moisés e Jesus, porém Maomé, o
último deles, é o maior.
O Alcorão é o supremo livro religioso, tendo prioridade sobre a Lei, os
Salmos e o Injil (Evangelhos) de Jesus.
Existem muitos seres intermediários (anjos) entre Deus e nós, alguns deles
sendo bons e outros maus.
As obras de cada ser humano serão pesadas, a fim de se determinar quem
irá para o céu ou para o inferno, na ressurreição.
O Islamismo talvez seja a concepção religiosa mais simplória de enxergar o
sofrimento. O muçulmano se impressiona com a soberania de Deus. Tudo o que acontece é
sua vontade. Ele predeterminou e predestinou tudo o que acontece. Tanto o bem como o mal
75
SCHERER, 2005, p. 74.
76
WILSON, 2006, p. 336.
77
WILSON, 2006, p. 335.
78
WILSON, 2006, p. 335.
31
que nos advêm são a sua vontade. A atitude do fiel é submeter-se a ela. Muitas crenças
muçulmanas vêm da Bíblia, contudo, apesar da influência e semelhanças, as diferenças são
notáveis. O islamismo não crê num Deus pessoal e exclui completamente a Trindade,
conforme é ensinada na Bíblia. No islamismo Deus está divorciado de sua criação. Sua
transcendência o impede de ser pessoal. No islã, a pessoa e obra de Cristo não tem significado
nenhum em termos de fundamentos da fé, pois não acreditam que Cristo é o filho de Deus,
nem que ressuscitou dentre os mortos. “No islamismo o sofrimento não possui nenhum valor
religioso”
79
.
Que acréscimo uma religião que nega as principais balizas do cristianismo pode
representar na hora da dor? A Trindade, a divindade de Cristo, a ressurreição, a natureza
pecadora do homem e a salvação por graça de Deus são negadas. É certo o que alguém
disse: o islamismo foi criado por um profeta que morreu; o cristianismo, por um Salvador
ressurreto”.
80
A maior fonte de superação da dor vem daquele que o islamismo nega, Jesus. O
fiel ao islamismo não pode ser consolado com essas palavras: “Tenho-vos dito estas coisas,
para que em mim tenhais paz. No mundo tereis tribulações; mas tende bom ânimo, eu venci o
mundo”
81
. Erwin Lutzer ao apresentar os critérios pelos quais todas as cosmovisões podem se
julgadas, quando se refere ao islamismo diz: “Maomé falou que ele e suas tribos eram os
descendentes de Abraão através de Ismael, outro dos filhos de Abraão. Mas não declarou:
Antes que Abraão existisse eu sou (Jo 8:58)”
82
.
2.2.8 Judaísmo
Não se pode considerar a Bíblia como revelação divina sem também reconhecer o
lugar dado ao judaísmo histórico. Enquanto o cristianismo reconhece que a promessa de um
salvador pessoal e espiritual é o ápice da revelação blica, o judaísmo mesmo com suas
ramificações ortodoxas, conservadoras e reformadas tem se confundido quando ao seu
conceito do messiado. Apesar de haver diferenças marcantes em muitas áreas da crença e da
prática entre o judaísmo e o cristianismo, existe uma herança comum compartilhada,
conforme expõe o judeu Pinchas Lapide:
79
SCHERER, 2005, p. 73.
80
WILSON, 2006, p. 345.
81
Bíblia Sagrada. João 16:33.
82
LUTZER, 2000, p. 125.
32
Na crença em um só Deus, nosso Pai;
Na esperança da sua salvação;
Na ignorância sobre seus caminhos;
Na humildade diante de sua onipotência;
No conhecimento de que nós pertencemos a Ele, e Ele a nós;
No amor e na reverência dedicada a Ele;
Na dúvida sobre a nossa fidelidade inconstante;
No paradoxo de que nós somos pó e ainda assim imagem de Deus;
Na consciência de que Ele nos quer como companheiros na santificação do mundo;
Na condenação do chauvinismo religioso arrogante;
Na convicção de que o amor a Deus é inútil sem o amor ao próximo;
No conhecimento de que todo ato de falar sobre Deus deve continuar num balbucio
em nosso caminho a Ele
83
.
Notadamente no que diz respeito ao sofrimento, Pannenberg uma ótima
contribuição para elucidar a concepção do judaísmo com relação ao problema do mal quando
diz:
No judaísmo inicialmente não surgiu o problema da teodiceia apesar do monoteísmo
judaico, e precisamente não apenas por causa da submissão à vontade insondável de
Deus, mas igualmente pela circunstância de que se acreditava que Deus era causador
soberano tanto do mal quando do bem. Unicamente o sofrimento dos justos e a
felicidade dos ímpios tinha de ser percebidos como tribulação para a judaica,
porque ambos pareciam incompatíveis com a justiça de Deus
84
.
Ainda, segundo Pannenberg, a concepção judaica era a de que Deus consideraria
com graça o seu povo, livrá-lo-ia de todas as suas tribulações, não permitiria chegar à tenda
do justo nenhuma “enfermidade”, compensaria em dobro todas as suas perdas, e dar-lhe-ia
abundância de dias e prosperidade. No entanto, com as constantes derrotas que culminaram
com o cativeiro essa concepção teve que ser remetida para uma visão escatológica que se
desenvolveu no judaísmo pós-exílico. Aqui estava outra concepção mais elevada, destruindo a
crença superficial de que o justo prosperaria, teria vida longa e que seus olhos veriam somente
as tribulações sobrevirem aos outros.
Diante do exposto, pode-se indagar: qual concepção ou cosmovisão se “encaixa”
melhor na convicção de que Deus se encontra presente e ativo em meio ao sofrimento no
mundo? Esses vários modelos entre outros segundo MacGrath “provavelmente são vistos
mais como modelos que se complementam do que paradigmas rivais”
85
. Temos sérias
restrições quanto à complementariedade dessas concepções, visto que todas excluem a pessoa
bendita de Jesus como resposta ao problema do sofrimento. Cremos, porém, que MacGrath
exclui o cristianismo dessa sua afirmação.
83
WILSON, 2006, p. 333.
84
PANNENBERG, Wolfhart. Teologia Sistemática. Santo André/SP: Academia Cristã/ Paulos, 2009. v. III, p.
823.
85
MCGRATH, Alister. E. Teologia Sistemática, Histórica e Filosófica. São Paulo: Shedd Publicações, 2007. p.
336.
33
Quanto ao cristianismo nas palavras de Gustaf Aulén é bom que se diga que:
O cristianismo não é uma religião que tem no bolso do colete, explicação imediata
para tudo o que acontece. Ao contrário, ele se recusa a propor uma cosmovisão
racional ou, em outras palavras, a transformar a num sistema monista de
pensamento capaz de resolver todos os enigmas
86
.
O mesmo Gustaf ao explicar a relação da com o problema do mal diz que “se o
mal fosse invencível, a fé em Deus estaria morta”, pois segundo ele, “os olhos da fé veem não
só o mal em toda a sua fealdade, mas também, e acima de tudo, o Deus vitorioso”
87
.
É claro que essas “cosmovisões” acerca das causas do sofrimento sugeridas por
variados segmentos religiosos não satisfazem plenamente as indagações causadas pelas perdas
e dores e diferentemente do que entende MacGrath pouco se complementam, antes, se
chocam.
Larry Crabb salienta de maneira mais lúcida esta questão enfatizando que as pessoas
podem ser divididas em dois grupos: o das que acham que a vida dá certo (ou poderia dar se
certos princípios fossem seguidos) e o das que sabem que não certo. Não importa quão
escrupulosamente obedeçamos essas regras, a vida, eventualmente, nos lança numa esquina
que não esperávamos e não tínhamos como evitar. O segundo grupo sabe disso
88
.
86
AULÉN, Gustaf. A Fé Cristã. São Paulo: ASTE, 2002. p. 171.
87
AULÉN, 2002, p. 172.
88
CRABB, Larry. ALLENDER, Dan. Esperança No Sofrimento. São Paulo: Sepal, 2000. p.17.
34
3 DEUS E A RELAÇÃO COM O MAL
Se “Deus, poderíamos dizer, de modo nenhum é um princípio passivo ou uma
essência estática, mas eternamente existente como energia total, inexaurível, pessoal, um
Deus vivo, formando e ordenando tudo no seu mundo de maneira ativa”
89
, qual a relação
desse Deus com o mal? Se Deus não pode desejar o mal, antes sempre deseja o bem, então
surge uma indagação natural: qual é a sua causa?
A presença do mal e do sofrimento no mundo coexistindo com a ideia de um Deus
bondoso que governa o universo, constitui-se num grande obstáculo a racionalidade. A grande
maioria dos teístas rejeita o dualismo
90
, isto é, o mal não é um princípio co-eterno separado de
Deus. Contudo, ao rejeitar o dualismo torna-se extremamente difícil explicar a realidade do
mal, pois se o mal não é algo separado de Deus e ao mesmo tempo não pode proceder de
Deus, então o que é? O problema pode ser exposto da seguinte forma:
Deus é o autor de tudo que existe;
O mal é algo que existe;
Portanto, Deus é o autor do mal.
Rejeitar a primeira premissa leva indubitavelmente ao dualismo. Negar a segunda
premissa leva a uma forma de panteísmo e ambas as concepções não são aceitas pelo teísmo
clássico. Por outro lado, negar que Deus não criou todas as coisas é minar a sua soberania,
porém afirmar que é o criador de tudo pode levar à conclusão que Deus é o autor do mal. Para
escapar dessa encruzilhada a formulação clássica do teísmo responde que o mal não é uma
coisa ou substância, antes é a falta ou privação de algo bom que Deus fez. Nas palavras de
Geisler o problema pode ser solucionado a partir das seguintes premissas
91
:
Deus criou toda substância;
O mal não é uma substância (mas uma privação numa substância);
Logo, Deus não criou o mal.
Concordar que Deus não criou todas as coisas é negar sua soberania e uma afronta
não apenas aos adeptos da teologia reformada, mas ao teísmo clássico. Por outro lado, admitir
89
KEELEY, Robin. Fundamentos da Teologia Cristã. São Paulo: Vida, 2000. p.86.
90
Dualismo é a teoria de interpretação que explica determinada situação em termos de dois fatores ou princípios
opostos entre si. De modo geral, os dualismos são classificações duplas que não admitem graus intermediários.
O dualismo ético-religioso afirma que no mundo, duas forças, sendo que uma delas é a origem do bem, e a
outra, a origem do mal e o universo se torna o campo de batalha para essas duas forças identificadas também
como luz e trevas. KUHN. H. B. Dualismo In ELWELL, 2009, v.1, p. 506.
91
GEISLER, p. 535.
35
que Deus causou todas as coisas e que o mal faz parte de um projeto pensado por ele é dar
munição para aqueles que asseveram que Deus causou o mal. Para minar esse entendimento
alguns se valem de argumentos filosóficos para responderem que o mal não é uma coisa ou
substância, antes, é a falta ou a privação de algo bom que Deus fez. Dizer que o mal não é
algo, mas uma falta nas coisas, não é o mesmo que afirmar que ele não é real. Temos de
entender que privação o é o mesmo que simples ausência. O mal não é uma entidade real,
mas a corrupção real em uma entidade real. É preciso tomar cuidado para não levar tão longe
esse entendimento filosófico a ponto de ofuscar a possibilidade de o homem pecar.
Não é fácil entender a relação de Deus com o mal na Bíblia, pois a Bíblia prevê
muitas imagens de Deus. Por um lado, Deus é o Todo-poderoso e controlador, inclusive do
mal: “Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu sou o Senhor, que faço
todas estas coisas”
92
. na conhecida história de José narrada no livro de Gênesis em alguns
textos fica evidente que Deus orquestrou desde a venda de José como escravo, sua prisão até
chegar ao governo do Egito e cumprir o plano redentor para com seu povo. Essa verdade não
poderia ser mais clara no seguinte texto:
Deus enviou-me adiante de vós, para conservar-vos descendência na terra, e para
guardar-vos em vida por um grande livramento. Assim não fostes s que me
enviastes para , senão Deus, que me tem posto por pai de Faraó, e por senhor de
toda a sua casa, e como governador sobre toda a terra do Egito
93
.
Fica claro para o autor de Gênesis que a ideia apesar de executada pelos irmãos de
José, foi meticulosamente planejada por Deus na vida de José. “Vós, na verdade, intentastes o
mal contra mim; Deus, porém, o intentou para o bem, para fazer o que se neste dia, isto é,
conservar muita gente com vida”
94
.
Por outro lado, nas palavras dos profetas, o Senhor repetidamente implora ao povo
para que se arrependam e voltem dos seus maus caminhos.
Vinde, pois, e arrazoemos, diz o Senhor: ainda que os vossos pecados são como a
escarlata, eles se tornarão brancos como a neve; ainda que são vermelhos como o
carmesim, tornar-se-ão como a lã. Se quiserdes, e me ouvirdes, comereis o bem
desta terra; mas se recusardes, e fordes rebeldes, sereis devorados à espada; pois a
boca do Senhor o disse
95
.
Esta mesma ideia de Deus apelando para mudança do comportamento humano está
patente no livro de Ezequiel: “Porque não tenho prazer na morte de ninguém, diz o Senhor
Deus; convertei-vos, pois, e vivei”
96
.
92
Bíblia Sagrada. Isaías 45:7
93
Bíblia Sagrada. Gênesis 45:7,8
94
Bíblia Sagrada. Gênesis 50:20
95
Bíblia Sagrada. Isaías 1:18-20
96
Bíblia Sagrada. Ezequiel 18:32
36
no Novo Testamento a mais sublime revelação de Deus se por meio da
encarnação de Jesus Cristo. Certamente essa encarnação é a chave hermenêutica para
compreensão das demais figuras de Deus na Bíblia. O Deus de Jesus Cristo é o Pai celestial,
amoroso que deseja a felicidade de todas as pessoas. Essa compreensão é sobeja nos
evangelhos e nas cartas. Para corroborar com essa figura de Deus um texto áureo se faz
oportuno: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigênito, para
que todo aquele que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna”
97
.
Reconciliar essas figuras entre outras de Deus é um grande desafio. Não menos
desafiador é entender o mal como pertencente ao projeto de Deus para a humanidade. Quando
a calamidade chega, muitos de nós somos tentados a considerá-la como puramente acidental,
mas os versos transcritos por Paul Billheimer mostram que há uma razão de ser para cada dor.
uma inteligência e um desígnio nas circunstâncias que envolvem a nossa vida. O poema
abaixo expressa essa verdade:
Para cada dor que devemos suportar,
Para cada tristeza, sim, para cada pesar,
Há um motivo.
Para cada falsidade proferida,
Para cada lágrima vertida,
Há um motivo.
Para cada tristeza e aflição,
Para cada milha percorrida em solidão,
Há um motivo.
Mas se confiarmos em Deus como convém,
Tudo cooperará para o nosso bem;
Deus conhece o motivo
98
.
Não acaso na vida do cristão, mas de fato Deus molda o nosso destino sem
considerar os esboços que dele traçamos”
99
. Porém, assumindo que Deus é a causa eficiente
de tudo que existe, muitos erroneamente ensinam que ele é o autor do pecado. Por certo, não é
fácil conciliar a soberania de Deus e a responsabilidade humana. Dar uma resposta para a
pergunta sobre a possibilidade de haver uma ordem por detrás de todos os acontecimentos
ruins ou se tudo acontece de forma aleatória é um desafio. Vivemos num tempo em que, por
um lado, as pessoas pensam que o acaso governa, ou, por outro, defendem uma espécie de
fatalismo. A Bíblia não concorda com nenhuma dessas crenças. Ela afirma o controle
soberano de Deus sobre todas as coisas através de sua providência. A doutrina da providência
nos mostra o quanto Deus é pessoal e está diretamente envolvido em tudo o que acontece
neste mundo. A Bíblia é taxativa quando diz: Deus não pode ser tentado pelo mal, e “Ele
97
Bíblia Sagrada. João 3:16.
98
BILLHEIMER, Paul. O Mistério da Providência de Deus. São Paulo: Vida, 2006. p. 21.
99
BILLHEIMER, 2006, p.22.
37
mesmo a ninguém tenta
100
. Logo, se depreende que Deus não é o autor do mal. Caso isso
fosse uma realidade caberia uma pergunta angustiante: Como poderia ser Deus o autor do
pecado e daí a condenar o homem ao inferno por aquilo que Deus mesmo induziu?
Entretanto, esse tipo de reflexão não deve nos distanciar de que as Escrituras nos
asseguram de que Deus não pode ser pego de surpresa. Assim, o sofrimento consta do decreto
de Deus. Grudem faz uma diferença interessante e elucidativa quanto ao que significam os
decretos de Deus e a providência. Alguns autores esboçam o assunto num mesmo segmento,
mas Grudem assim diferencia decretos de Deus e providência: “Os decretos de Deus são os
divinos desígnios eternos por meio dos quais, antes da criação do mundo, ele determinou
realizar tudo o que acontece”
101
. Os decretos nas palavras de Grudem se referem às decisões
divinas antes da fundação do mundo, anteriores à criação. Já a providência se refere a seus
atos providenciais no tempo, ou seja, “a efetivação dos decretos eternos que ele baixou
muito tempo”
102
. O salmista expressa essa compreensão quando diz: “[...] no teu livro foram
escritos os dias, sim, todos os dias que foram ordenados para mim, quando ainda não havia
nem um deles”
103
.
Também uma boa palavra a esse respeito é a de John Dagg quando afirma que Deus
“determina os eventos que se sucedem de tal modo que os seus propósitos encontram
cumprimento”. se antecipando como Deus faz isso sem ferir a liberdade humana, o mesmo
Dagg diz: “Deus o brotar de cada volição e, visto que seu poder pode ser exercido em
qualquer situação, mesmo enquanto a volição humana ainda está tomando forma, todos os
recursos de sua infinita sabedoria permitem-lhe harmonizar os seus planos”
104
.
D. James Kennedy, para explicar a relação de Deus com o mal no contexto de sua
providência, recorre às principais confissões de fé: Confissão de Belga, Catecismo de
Heidelberg, Confissão de Fé de Westminster e sintetiza o entendimento em três sentenças:
Deus criou e preserva todas as coisas;
Deus governa toda a criação e os fenômenos naturais;
Deus governa os pensamentos e ações humanas
105
.
100
Bíblia Sagrada. Tiago 1:13,14.
101
GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática: Atual e Exaustiva. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 262.
102
GRUDEM, 2006, p. 262.
103
Salmo 139:16.
104
DAGG, John. Manual de Teologia. São Jose dos Campos/SP: Fiel, 2003. p. 107.
105
KENNEDY, D. James. Como É Deus. Verdades Transformadoras Sobre O Deus Imutável. São Paulo:
Cultura Cristã, 2000. p. 146,147.
38
4 DEUS DIRIGE A HISTÓRIA
As principais Teologias Sistemáticas publicadas em português esboçam a
argumentação quanto à providência de Deus em três divisões básicas com pequenas variações
quanto à nomenclatura: Preservação, Concorrência e Governo. É o caso de Louis Berkhof,
Millard J. Erikson, Charles Hodge. Augustus Hopkins Strong, Waine Grudem. Lewis Sperry
Chafer. Exceção é Charles C. Ryrie que trata o assunto superficialmente na segunda parte de
sua teologia. Emil Brunner em sua dogmática, apesar de esboçar com precisão as nuances
relativas à providência, para atenuar o conflito gerado pela ideia de um Deus que decreta
todas as coisas sem ferir a liberdade do homem, simplesmente advoga que Deus se limitou.
É elucidativa a argumentação de Louis Berkhof para descrever como a providência
divina se manifesta: Preservação, Concorrência e Governo
106
. Escrevendo aos Efésios Paulo
afirma categoricamente que Deus "faz todas as coisas de acordo com o conselho da sua
vontade"
107
. Isto quer dizer que nada do que acontece neste mundo é à parte do cumprimento
da vontade de Deus e sem que ele esteja envolvido. A palavra grega que é traduzida como
"faz" é energeo
108
(de onde vem a palavra portuguesa energia, que é a comunicação de poder
ou o fato de Deus trabalhar, operar, efetuar), que indica o fato de Deus energizar cada obra na
qual ele participa. Sem a energia ou o poder divino, nenhum evento acontece e nenhuma obra
é feita. A vontade de Deus opera de modo que em todas as coisas tem participação. Nenhum
evento que acontece no mundo está fora da providência de Deus.
O mundo não está nas mãos de uma força impessoal. O mundo está nas mãos de um
Deus que trabalha. Quando os fariseus recriminaram Jesus por ter curado no sábado, Jesus
afirmou que o sétimo dia não significava o fim do trabalho divino. Jesus disse: “Meu Pai
trabalha até agora, e eu trabalho também”
109
. Deus continua trabalhando no mundo. A isto se
chama de providência. É oportuna a definição de providência dada por Paul Helm: “O
permanente exercício da energia divina, pelo qual o Criador preserva todas as suas criaturas,
opera em tudo que se passa no mundo e dirige todas as coisas para o seu determinado fim”. À
106
BERKHOF, Louis Berkhof. Teologia Sistemática. São Paulo: Cultura Cristã, 2007. p. 156-161.
107
Bíblia Sagrada. Efésios 1.11.
108
PINTO, Carlos Osvaldo Cardoso; METZGER, Bruce M. Estudos do Vocabulário do Novo Testamento. São
Paulo: Vida Nova, 1996. p. 82.
109
Bíblia Sagrada. João 5:17.
39
luz dessa compreensão o próprio Helm afirma que “nenhuma decisão humana pode mudar a
vontade divina sobre qualquer assunto”
110
.
Deus dirige a história, e os seres humanos são um dos seus agentes. Deus escreve a
história e os múltiplos agentes, inclusive os homens, a fazem. Mas essa última sentença
poderia levar ao conceito errôneo de que o homem faz a história sozinho. De modo algum!
Deus não está ausente dos eventos e dos atos que os homens praticam. Ele participa em tudo o
que se faz. Como disse Chefer: “Ele dirige todas as coisas perfeitamente, sem dúvida; todavia,
sem compelir a vontade humana”
111
.
Deus não apenas criou o mundo como também o sustenta. O texto de Hebreus diz
que o mundo foi criado através de Jesus, e que é sustentado igualmente através dEle “pela
palavra do seu poder”
112
. É este poder criador de Deus e que sustenta diretamente o mundo
que caracteriza o que se diz da doutrina da providência divina. Nas palavras de Emil Brunner:
A idéia de Providência Divina é também a absoluta negação da idéia de que o
universo não tem sentido, que as coisas apenas acontecem por acidente. Tudo o que
é, e tudo que acontece, ocorre dentro do conhecimento e da vontade de Deus. Assim
nada de casual na vida, nada acontece de qualquer maneira. Tudo o que acontece
tem seu fundamento último em Deus. Tudo o que acontece está relacionado com o
propósito divino; tudo está ordenado de acordo com, e em subordinação a, o plano
divino e o propósito divino último
113
.
Esta abordagem de Brunner é significativa, pois está relacionada diretamente com a
maneira de Deus agir para que os seus propósitos providenciais sejam devidamente realizados
no universo em geral e de suas criaturas em particular. Portanto, para que Deus preserve,
sustente, dirija o mundo torna-se necessária a sua participação em todos os eventos e decisões,
a fim de que todos os seus decretos sejam cumpridos.
Um Deus que criasse todas as coisas e as entregasse à sua própria sorte não seria um
Deus pessoal, mas distante, impessoal e despreocupado. A Escritura ensina que Deus se
envolve com tudo aquilo que Ele criou até nos mínimos detalhes. Se Deus cuida até dos
passarinhos, alimentando-os e sustentando-os durante toda a vida deles, se Deus sabe até o
número de cabelos que temos na cabeça, então é certo que o envolvimento de Deus com sua
criação é total desde as menores até as maiores coisas. O envolvimento de Deus conosco em
meio ao sofrimento é tão intenso que o salmista escreve estas palavras extraordinárias:
110
HELM, Paul. A providência de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2007. p. 122.
111
CHAFER, Lewis Sperry. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2008. v.7 e 8, p. 19.
112
Bíblia Sagrada. Hebreus 1:1-3
113
BRUNNER, Emil. Dogmática: Doutrina cristã da criação e redenção. São Paulo: Fonte editorial, 2006. v. 2.
p. 214.
40
“contaste os meus passos quando sofri perseguições; recolheste as minhas lágrimas no teu
odre; não estão elas inscritas no teu livro?
114
.
Imaginar um Deus que criou o mundo, mas o abandonou à sua própria sorte é algo
absurdo, pois segundo a Bíblia, a providência de Deus é a causa do mundo ainda existir.
Millard Erickson parece ser bem didático quando apresenta o assunto em sua teologia
sistemática:
Pode-se pensar na providência sob dois aspectos. Um aspecto é a obra divina, para
preservar a existência de sua criação, mantendo-a e sustentando-a; isso em geral é
denominado preservação ou sustento. O outro é a atividade divina que guia e dirige
o curso dos acontecimentos para que cumpram o propósito que ele tem em mente.
Isso é denominado governo ou providência propriamente dita
115
.
Deus não apenas cria todas as coisas e preserva, mas age em todas as coisas que
acontecem. Os teólogos têm chamado isso de Concorrência ou a junção de duas forças. Não
significa necessariamente que sejam duas forças em de igualdade, mas, apenas que dois
lados cooperam de alguma forma. Quando se diz que Deus e o homem agem conjuntamente
não quer dizer que é 50% para cada lado.
A vontade de Deus é sempre superior à vontade humana. Este é um assunto difícil e
com entendimentos contrários, mas deve-se asseverar que o ensino da Palavra de Deus
converge para um governo absoluto de Deus, inclusive no que diz respeito ao sofrimento. No
livro de Provérbios três textos são verdadeiras pérolas para se compreender que o projeto de
Deus é executado em detalhes nas vidas humanas. “O coração do homem pode fazer planos;
mas a resposta certa dos lábios vem do Senhor [...] O coração do homem propõe o seu
caminho; mas o Senhor lhe dirige os passos [...] Muitos são os planos no coração do homem;
mas o desígnio do Senhor, esse prevalecerá”
116
. Eis algumas verdades supremas que se pode
formular a partir destes textos:
A palavra final em nossas vidas sempre é do Senhor.
Não há acasos em nossas vidas. O homem é guiado, dirigido pelo Senhor, não
pelas circunstâncias.
Não há outro plano, projeto que se estabelecerá senão o de Deus.
A tudo isso Berkhof define como sendo o governo de Deus ou como ele mesmo
disse: "a cooperação do poder divino com os poderes subordinados, de acordo com as leis pré-
estabelecidas para sua operação fazendo-as atuar, e que atuem precisamente como o
114
Bíblia Sagrada. Salmo 56:8
115
ERICKSON, Millard J. Introdução à Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 2005. p.170.
116
Bíblia Sagrada. Provérbios 16:1,9; 19:21.
41
fazem”
117
. Isto não significa que os poderes da natureza não atuem por si mesmos, isto é, por
seu próprio poder inerente, mas é Deus quem opera imediatamente em cada ato da criatura.
As causas secundárias são reais e devem ser consideradas também como o poder
operativo de Deus. Somente assim podemos entender a cooperação da primeira causa com as
causas secundárias. Deve insistir-se nisto em oposição à ideia panteísta de que Deus é o único
agente que opera no mundo. A atividade de Deus não exclui a participação humana no que diz
respeito às coisas santas e, de modo inverso, nas atividades ímpias dos homens não
exclusão da cooperação divina, em ambas tudo se move para cumprir os propósitos eternos de
Deus.
Todas as outras operações são efetuadas numa cooperação entre os agentes racionais
livres e Deus. Não atos onde elas ajam autonomamente. Todas as criaturas são energizadas
pelo poder presencial de Deus em todos os seus atos. Elas não poderiam existir nem atuar sem
esse poder energizador de Deus. É desse modo que Deus e os seres humanos participam na
consecução dos planos divinos.
Todas as boas ações deste mundo sofrem a ação do energeo de Deus. Tudo o que
acontece de bom, acontece porque duas coisas participaram: a vontade do homem e a vontade
de Deus. Em sua soberania, Deus não anula a vontade do homem. Aqui está a chave de
compreensão.
Não é difícil ver a atuação de Deus nas atitudes boas dos homens, afinal de contas
Deus é bom e fonte de todo bem. Mas, e com relação às coisas más que acontecem? Como
dissemos uma das coisas mais difíceis de se compreender e conciliar é a vontade soberana de
Deus e os atos maus das pessoas. Uma forma de responder à questão é dizer simplesmente
que Deus permite que as pessoas façam coisas más. Em parte esta resposta está certa. As
atitudes más dos homens seriam permitidas por Deus, embora ferissem sua vontade
preceptiva. Mas, como mencionado e nunca poderemos nos esquecer é que Deus tem uma
vontade decretiva. Então, cabe uma pergunta: Como os atos maus dos homens se relacionam
com os decretos de Deus?
Observam-se na Bíblia alguns casos que mostram que mesmo os atos maus das
pessoas não foram feitos independentemente de Deus. O concursus pode ser visto em
Provérbios 16.1, 9: "O coração do homem pode fazer planos, mas a resposta certa dos lábios
vem do Senhor... O coração do homem traça o seu caminho, mas o Senhor lhe dirige os
passos." Os dois versos acima mostram que os homens podem fazer planos, podem traçar os
117
BERKHOF, 2007, p. 202.
42
seus caminhos, mas nada é realizado sem a anuência concorrente de Deus. Em última análise,
a decisão é de Deus em todos os acontecimentos da história pessoal dos seres humanos. Ainda
no livro de provérbios, esta verdade é exposta nas seguintes palavras: "Como ribeiros de
águas, assim é o coração do rei na mão do Senhor; este, segundo o seu querer, o inclina" (Pv
21:1). Foi exatamente isso que aconteceu com o rei da Assíria que, tendo o coração mau, foi
inclinado por Deus a realizar o seu propósito. Assim Esdras registra esse fato: "Celebraram a
festa dos pães asmos por sete dias com regozijo, porque o Senhor os tinha alegrado, mudando
o coração do rei da Assíria a favor deles, para lhes fortalecer as mãos na obra da casa de Deus,
o Deus de Israel" (Ed 6.22). Até em um ato praticado acidentalmente enxergamos a ação de
Deus. A Escritura apresenta o exemplo de um evento contingente em Ex 21.12-13: "Quem
ferir a outro de modo que este morra, também se morto. Porém se não lhe armou ciladas,
mas Deus lhe permitiu caísse em suas mãos, então te designarei um lugar para onde ele
fugirá." O texto é elucidativo quanto à ação concursiva de Deus que fez com que um homem
caísse nas mãos de outro homem. Os textos são sobejos em demonstrar que Deus está
presente em todas as ações humanas, inclusive nos eventos contingentes.
Em sua vontade decretiva, Deus determinou tudo o que deve acontecer, inclusive os
atos maus dos homens. Porém, isso não faz de Deus o autor do pecado destes homens.
Embora certas coisas ruins estejam decretadas, os homens as fazem livremente e a culpa recai
somente sobre eles, pois suas inclinações más desejaram fazê-las.
Tudo o que acontece neste mundo, acontece debaixo do olhar e do comando eficaz
de Deus, nada foge ao Seu controle, porém, tudo o que o homem faz, faz porque sua vontade
deseja. Deus age neste mundo e também os homens agem. Há uma concorrência entre os dois,
porém, não uma junção de forças, como se o homem fizesse metade e Deus o resto. O fato é
que Deus age no homem, levando-o a fazer a vontade suprema, mas sem ferir a
responsabilidade pessoal do homem por cada ato seu, e sem ser o autor do pecado dos
homens. No caso do pecado, todo ato pecaminoso ocorre por ação do homem. Deus
estabeleceu como meio de execução do seu propósito as criaturas, entretanto elas têm os seus
movimentos nascidos nelas. As pessoas não são meros instrumentos passivos. As criaturas são
as causas secundárias ativas. Elas causam seus atos a partir de uma causa pensada e não alheio
a Deus.
Se os seres humanos fossem passivos em todos os seus movimentos, eles não
poderiam ser considerados como responsáveis. Por conseguinte, não poderiam ser punidos
pelos erros que cometeram nem apreciados pelos seus acertos. Todavia, as Escrituras são
abundantes em textos que tratam da responsabilidade humana em todos os seus atos, mesmo
43
que e embora esses atos tenham tido a cooperação divina, como a causa primária. Homens e
mulheres são punidos e recompensados pela justiça distributiva de Deus. A base disto está no
fato deles serem ativos e conscientes em todas as coisas que fazem.
Se os seres humanos fossem passivos nas suas ações, Deus então seria o culpado
direto e único dos males morais deste mundo, um praticante do mal e responsável por todos os
males físicos, sociais e espirituais do mundo. Não podemos admitir uma causa única dos atos
e eventos acontecidos neste mundo. Deus e os seus agentes secundários são ativos, de modo
que a ação de Deus nunca o torna um praticante do mal, nem o homem é isento de sua
responsabilidade.
Se os seres humanos fossem passivos diante da soberania divina, então não haveria
propósito em punir o pecado dos homens. Eles nunca poderiam ser acusados de serem
idólatras, assassinos, ladrões, desobedientes e coisas semelhantes a essas.
Não se pode atribuir as coisas boas e aos males deste mundo apenas a uma única
causa. Todos os eventos na história do mundo e dos indivíduos têm duas causas. A causa
primária, que é Deus, e a causa secundária, que são as suas criaturas. A resignação diante do
destino cego não se coaduna com a crença num Deus que planejou e está executando um
plano pensado antes da fundação do mundo. A isso faz bem as palavras de John Dagg:
“precisamos não apenas sentir a presença da mão de Deus em nossas aflições, mas também
precisamos entender que tudo é planejado para nosso benefício”.
118
4.1 Deus Governa Todas as Coisas
Charles Hodge propõe uma sequência muito interessante sobre o governo
providencial de Deus. Primeiramente ele é universal, pois inclui tudo e todos. Esse governo é
poderoso, visto que Deus avoca sua onipotência para reger minuciosamente a execução do seu
projeto. Esse governo também é sábio; o que significa que os fins e os meios se coadunam
para propósitos definidos. Esse governo é santo; nada do que ocorre no mundo visível e
invisível pode ser contraditório à santidade de Deus
119
.
A perspectiva do governo de Deus é mais uma forma de ver o decreto de Deus. A
Bíblia apresenta Deus como o Grande Rei que está assentado no trono e governa todas as
118
DAGG, 2003, p.113.
119
CHARLES, Hodge. Teologia Sistemática. São Paulo: Hagnos, 2001. p. 433.
44
coisas conforme sua vontade determina. O que seria do mundo se Deus não tivesse
propósitos? Se ele simplesmente deixasse a “coisa rolar”, seguindo o livre curso das decisões
dos homens? Que garantias haveria de que as promessas bíblicas se cumpririam? Como
poderíamos saber que de alguma forma, o homem não sabotaria o plano divino? Toda
expectativa de se tornaria muito efêmera se Deus não tivesse propósitos e poder para
realizá-los.
Deus tem propósitos. O entendimento relativo à providência de Deus permite afirmar
que Ele guia os eventos do mundo para um determinado fim. Esse fim é o “beneplácito de sua
vontade”
120
, é o seu supremo propósito para esse mundo que redunda em “louvor da Sua
glória”
121
. Nada acontece por acaso. Não existe a sorte ou o acaso. Nem mesmo o destino
cego. No caso específico do sofrimento, imaginar que o destino cego é que guia todas as
coisas não melhora as coisas.
Contudo, a Confissão de de Westminster, quando trata do decreto de Deus e da
sua providência, ensina que:
Desde toda eternidade, Deus, pelo seu mui sábio e santo conselho da sua própria
vontade, ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo que
nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada
a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas
122
.
Torna-se imperativo para entendimento dessa matéria que haja uma distinção entre as
duas causas, a primária e a secundária. O momento histórico da Confissão de Westminster foi
significativo, pois havia começado um descrédito nas obras providenciais de Deus por causa
da descoberta da lei natural. Hoje, mesmo respirando um clima filosófico diferente, se sofre
dos mesmos males onde persiste a dúvida da intervenção divina neste mundo. Segundo
Johanes Geerhardus Vos vários pontos que devem ser considerados a partir desse
entendimento de providência constante na Confissão de Fé de Westminster
123
:
Tudo o que acontece neste mundo é produto do decreto divino. Todas as
obras providenciais de Deus fazem parte do decreto.
Esses eventos acontecerão infalível e imutavelmente. Não como fugir
deles, mesmo os atos maus.
Deus nunca pode ser considerado o autor do pecado;
120
Bíblia Sagrada. Efésios 1:5.
121
Bíblia Sagrada. Efésios 1:12.
122
VOS, Johannes Geerhardus. Catecismo Maior de Westminster. São Paulo: Os Puritanos, 2002. p. 77.
123
VOS, 2002, p. 68.
45
O homem nunca perde a sua liberdade que consiste no fato de nunca ser
forçado no que faz. Ele sempre faz o que quer, conforme as disposições da
sua natureza interior.
Todas as causas secundárias agem livremente, conforme a natureza da
causa, seja essa causa física, animal, humana ou angélica.
Não ato humano que seja feito contra a vontade humana e nunca a liberdade
humana é tirada. Todavia, os atos do ser humano não são independentes, mas sempre
conectados a uma vontade maior que é a divina, a causa primeira. Sobre isso John Piper faz
uma pergunta: “se tudo o que ocorre, ocorre porque Deus assim o desejou antes do início dos
tempos, então como as ações humanas podem ser livres?
124
. Esta matéria também não é fácil
de ser digerida mesmo no meio cristão. razões para isso, especialmente por causa do
conceito vigente de liberdade que, quase sempre, possui a conotação de autonomia ou de
independência. A argumentação sempre é a que ressalta John Piper:
se a explicação final para as escolhas que faço encontra-se fora de mim, então não
sou realmente livre, e não posso ser responsabilizado pelo que escolho. E se não
posso ser responsabilizado, então não posso ser, com justiça, louvado ou culpado ou
premiado ou punido pelo modo como escolho
125
.
No nível da vida cotidiana, numa ambiência horizontal, isso parece fazer sentido. No
entanto, a Bíblia é clara e contundente em fazer menção à liberdade e responsabilidade do
homem. Isso não significa, porém, que se pode concluir que a liberdade humana anula a
soberania de Deus sobre os atos humanos ou que Deus não pode preordenar o que é feito.
Várias pessoas que estudam a matéria são sempre influenciadas por um liberalismo presente
em nosso tempo, mas que já é bastante antigo no imaginário teológico.
Muito frequentemente há certa confusão em conjugar a ideia da liberdade com
independência. Porque os homens são seres racionais e livres, eles são contados como seres
que realizam suas vontades autonomamente. Para eles, liberdade é sinônimo de autonomia.
Do contrário, não é liberdade. Não quem lhes incline para um ato. Mesmo que uma pessoa
seja inclinada para fazer algo, ela sempre poderá escolher de forma contrária, porque não
existe liberdade sem a capacidade de escolha contrária, segundo os libertários.
A esse respeito Piper é enfático ao concluir que nada pode excluir a responsabilidade
humana: “Portanto, não importa o que dizem os partidários da doutrina do livre-arbítrio, nem
a presciência de Deus, nem sua preordenação de todas as coisas, inclusive todos os atos e
124
PIPER, John. TAYLOR, Justin. O Sofrimento e a Soberania de Deus. São Paulo: Cultura Cristã, 2008. p. 42.
125
PIPER, John. TAYLOR, Justin, 2008, p. 43.
46
escolhas humanas, excluem a responsabilidade humana”
126
, A liberdade humana é matéria
irrefutável na Bíblia, mas longe de ferir a soberania de Deus ou anular o menor de seus
intentos.
Claro que não são todos que corroboram com essa sistemática teológica no que diz
respeito ao decreto de Deus. Por exemplo: Carl E. Braaten e Robert W. Jenson quando tratam
da questão do sofrimento são enfáticos em refutar a possibilidade de o sofrimento constar de
um ato de Deus, pois isso afronta a liberdade do homem. A refutação deles está expressa
assim:
Existem três respostas teológicas que geralmente são oferecidas, e as quais é preciso
resistir de forma peremptória [...] Primeira: tudo o que Deus faz é certo e, por
conseguinte, o sofrimento deve ser aceito sem queixa [...] Uma segunda resposta
teológica inadequada afirma que o diabo causa os eventos específicos do sofrimento
[...] Uma terceira resposta inadequada sugere que sofrimentos específicos são
enviados por Deus a determinados indivíduos com propósito específicos: punição,
educação, etc
127
.
Carl E. Braaten e Robert W. Jenson oferecem como solução a posição arminiana com
uma roupagem a que chamam de “metafísica da liberdade”
128
. Contudo, eles mesmos
elucidam quando dizem: “Deus oferece aquilo de que a liberdade precisa para ser liberdade, e
parte do que é preciso é a consequência”
129
.
Já Emil Brunner para coadunar os conceitos de um Deus Todo-poderoso e onisciente,
mas que não afronta a liberdade humana oferece uma proposta que sofre muita resistência,
inclusive a nossa:
Aqui não somos confrontados por problema intelectual, nem por paradoxo, mas pelo
impenetrável mistério da ão divina da Onipotência, a ação do Deus Todo-
poderoso, que limita-se a si mesmo, a fim de que possa produzir um espaço para sua
criaturas, embora, porque Ele limita-se a Si mesmo, não deixa de ser o Senhor de
tudo o que acontece
130
.
126
PIPER, John. TAYLOR, Justin, 2008. p. 45
127
BRAATEN, Carl E. & JESSON, Robert W. Dogmática Cristã. São Leopoldo/RS: IEPG/Sinodal, 2005, v.1,
p.431,432.
128
BRAATEN, Carl E. & JENSON, Robert W., 2005, v.1. p. 432.
129
BRAATEN, Carl E. & JENSON, Robert W., 2005, v.1. p. 432.
130
BRUNNER, 2006, v.2. p. 240.
47
A declaração de Brunner encontra eco no teísmo aberto
131
, mas não naqueles que
creem na vontade soberana de Deus sobre todas as coisas, não como permitir tão estranho
conceito. Cremos na lei da causa e efeito, não por causa da lei em si mesma, mas porque Deus
é a causa primeira de todos os fenômenos que acontecem neste universo. O universo é dEle
porque foi Deus quem o criou e o sustenta. Mas também o universo é do homem porque Deus
o colocou aqui e ordenou que cuidasse dele, como agente secundário na execução da sua
vontade.
Em qualquer evento ou ação das criaturas neste mundo criado Deus sempre deve ser
considerado como a causa primária e os seres racionais as causas secundárias. Não existe
nenhum caso onde um ser humano ou angélico age independentemente de uma ação divina.
Não existe nenhum ser autônomo, exceto Deus, porque este pode agir imediatamente em
qualquer coisa, sem depender de ninguém.
algumas verdades que não podem ser esqueccidas quando se estuda a relação
entre Deus, a causa primária, e os seres racionais, como as causas secundárias.
Todas as criaturas racionais agem espontaneamente, sem que sejam
coagidas nas suas ações. Elas possuem um poder de ação e de decisão,
todavia, não poderes autônomos.
As criaturas são sempre instrumentos de Deus para a execução das obras
dele. Portanto, as causas secundárias são sempre subordinadas à causa
primária.
Deus é sempre o energizador e o iniciador de uma ação nas criaturas. Estas
sempre dependem dele para executarem uma ação, porque não
movimento da criatura que não seja iniciado por ela, todavia, não significa
um movimento independente da ação primeira, Deus.
131
O Teísmo Aberto constitui-se num movimento que nasceu no evangelicalismo norte-americano, é uma
corrente de pensamento que coloca em cheque um dos principais aspectos da fé cristã histórica. Esse arrazoado
teológico-filosófico apresenta um “Deus” que, por amor, dotou o homem de completa autonomia e se abriu
para novas experiências, dentre elas, a de conhecer progressivamente os acontecimentos históricos, à medida
que eles se processam, colocando em cheque atributos divinos essenciais, tais como sua soberania, onisciência,
providência e imutabilidade, dentre outros. “É crucial compreender que o teísmo aberto não é simplesmente
outra batalha intramuros entre os evangélicos. o é um debate sobre doutrinas de segunda categoria,
minúcias ou assuntos periféricos. Ao contrário, é um debate sobre Deus e as características centrais da
cristã”. “Como pastor que deseja fundamentar a vida e o ministério na Bíblia e que quer exaltar Cristo e ser
eternamente útil ao meu povo, vejo o teísmo aberto como teologicamente nocivo, desonroso a Deus,
depreciativo a Cristo e pastoralmente pernicioso”. PIPER, John; TAYLOR, Justin; HELSETH, Paul K. Teísmo
Aberto: Uma teologia além dos limites bíblicos. São Paulo: Vida, 2001. p. 17,470.
48
Quando Deus age nos seres humanos, ele o faz numa esfera em que eles
não têm acesso, que é o próprio coração deles. As suas vontades sempre
haverão de obedecer aos impulsos do coração deles, onde Deus trabalha.
Tem-se que entender que o homem é aquilo que é o seu coração. Quando o
homem age, ele está obedecendo aquilo que ele próprio é.
Por essa razão, as criaturas, como as causas secundárias de uma ação, são
sempre responsáveis pelo que fazem, porque elas nunca as fazem levadas
ou inclinadas por coisas que não sejam delas próprias.
Com este entendimento, fica mais inteligível fazer distinção entre a primeira causa e
as causas secundárias. As asseverações acima ajudam a explicar as relações entre a ação de
Deus como causa primeira e as ações dos seres criados como causas secundárias. A causa
secundária diz respeito força comunicada para as criaturas físicas. A causalidade primária
refere-se ao poder causal exercido por Deus no curso dos eventos tangíveis e intangíveis. As
causas secundárias realmente existem. Todavia, admite-se que nenhuma força é exercida neste
mundo sem depender do poder da causa primária, que é Deus.
Paulo ensinou a respeito da relação entre as duas causas, a primária e a secundária.
Ele disse que em Deus "vivemos, nos movemos e existimos"
132
. Os efeitos dessas duas causas
neste mundo têm o seu movimento primeiro em Deus e, depois, no homem. Então, o resultado
da ão cooperadora das duas causas aparece. Deus é a causa primeira e última de tudo o que
acontece. Essa causa é independente. A causa secundária e derivada, é a dos seres criados,
sendo dependente da primeira. Deus não é apenas uma causa, antes é a fonte de todas as
causas e de todas as séries causais. Nenhuma causa precede ou está acima dEle. A ação do
homem é porque Deus o move a agir. Deus é a causa primeira; os homens são a causa
secundária, que resulta num ato ou evento neste mundo. Por isso pode-se dizer que todas as
causas fora de Deus e sua causação não são meramente parciais, mas absolutamente
condicionadas por Deus. Deus é o iniciador, ou a causa última de toda ação.
Não se pode esquecer que a criatura é também uma causa, ainda que secundária. A
criatura é pressuposta por Deus. Sem Deus ela não poderia nem existir nem ser uma causa.
Como uma causa secundária a criatura é tanto condicionada por outras causas assim como é
condicionadora de outras coisas. Nessa matéria de primeira causa e causas secundárias têm
132
Bíblia Sagrada. At 17.28.
49
que ser resguardas a soberania absoluta de Deus nos seus decretos e a nossa liberdade
condicionada à nossa própria natureza.
Contudo, é preciso lembrar que o modo como essa relação entre a causa primária e as
causas secundárias se processam estão além da compreensão da mente humana. Os teólogos
chamam concursus, mas não se sabe com muita propriedade o modus operandi de Deus. Não
é possível explicar o âmago dessa relação, mas ela é um fato que não se pode negar. Deus é
soberano, o homem é livre. O decreto de Deus é cumprido à risca sem, contudo, a liberdade
do homem ser violentada. De fato, conjugar esse entendimento constitui-se num mistério para
a mente finita do homem.
Por causa dessa dificuldade é comum pessoas confundirem a doutrina da soberania
de Deus com o fatalismo. O muçulmano, por exemplo, quando se depara com um
acontecimento imprevisto costuma dizer “maktub”, que significa “está escrito”. O fatalismo
diz: “o que tiver que ser será”. uma grande diferença entre dizer que Deus dirige a história
para seus propósitos e dizer que o destino a dirige. O destino não tem sentimentos nem
vontade, ele é cego, surdo e mudo. Nosso Deus tem sentimentos e propósitos, ele fala, ouve e
age.
O rabino Harold Kushner chega a uma conclusão extremamente incoerente no seu
livro campeão de vendas quando diz que afinal de contas Deus não é Todo-poderoso, visto
que Ele gostaria de ajudar as pessoas em seus sofrimentos, contudo não pode resolver todos
os problemas do mundo. Assim sumariza Kushner em sua tese: “Até Deus tem dificuldades
em manter o caos sob controle”.
133
É uma pena uma conclusão tão contrária à crença judaica
de um Deus Todo-poderoso. Semelhantemente não são poucos os cristãos que também fazem
coro com Kushner no que diz respeito à impotência de Deus em resolver seus problemas.
133
STROBEL, 2002, p. 48.
50
5 EM BUSCA DE UM ENTENDIMENTO
Não é fácil chegar a uma completa solução do problema do sofrimento humano.
Dostoiewski expressou sua angústia com as seguintes palavras: “se me disserem que o
sofrimento das crianças inocentes tem recompensa em um céu, não me convidem. Devolvo o
ingresso já”
134
. As palavras de Dostoiewski soam como uma afronta, mas o certo é que muitos
aspectos da questão vão além da capacidade de argumentação. Sabe-se que não será possível
esgotar o tema neste simples trabalho. Todavia, à luz do decreto de Deus e de sua providência,
acredita-se que alguns dos pensamentos sugeridos aqui lancem luz sobre essa difícil questão
relacionada ao sofrimento. As pessoas que têm dificuldade em conciliar fé e sofrimento fazem
eco com o filósofo Epicuro e exprimem o dilema desta maneira: “Se Deus fosse bom, Ele
desejaria fazer os homens felizes; e se Ele fosse Todo-poderoso, seria poderoso para fazer o
que Ele desejou. Como suas criaturas são infelizes, Deus não deve possuir poder, nem
bondade”. A isso cabem algumas considerações sobre as causas do sofrimento que certamente
eram desconhecidas do filósofo, senão ignoradas.
Não se pode marchar na busca de um entendimento para a questão do sofrimento à
margem do conceito de soberania de Deus. “A soberania de Deus é a pedra que tem
sustentado muitos santos através dos séculos”
135
. A Escritura ensina que a vontade de Deus
determina todas as coisas. Nada existe ou acontece sem Deus, não meramente permitindo,
mas ativamente desejando que exista ou aconteça. Eis um pequeno resumo nas palavras de
Isaías do que as Escrituras dizem acerca da soberania de Deus e a confiança que gera naqueles
que estão envoltos ao sofrimento: “Eu anuncio o fim desde o princípio, e desde a antiguidade
as coisas que ainda não sucederam; Eu digo: O meu conselho será firme, e farei toda a minha
vontade”
136
. Nada nem ninguém poderão impedir o propósito de Deus. O sofrimento não pode
impedir a vontade de Deus, ao contrário, contribui para o seu comprimento. Novamente Isaías
é enfático ao anunciar: Ainda antes que houvesse dia, eu sou; e ninguém que possa fazer
escapar das minhas mãos; agindo eu, quem o impedirá?”
137
.
A Bíblia é sobeja em afirmar que Deus controla tudo o que existe e tudo o que
acontece. Nas palavras de R.T. Kendall, a soberania de Deus “é o direito e o poder para fazer
134
SOBRINO, Jon. Onde está Deus? São Leopoldo/RS: Sinodal, 2007. p.191.
135
KIZZIAR, Dennis. Vencendo as Crises. Uma abordagem bíblica e objetiva diante das adversidades. Brasília:
Palavra, 2006. p. 51.
136
Bíblia Sagrada. Isaías 46:10.
137
Bíblia Sagrada. Isaías 43:13.
51
tudo o que lhe agrada com todo mundo a qualquer hora”
138
. As palavras de Kendall ecoam nas
páginas da Bíblia. O salmista expressa isso quando diz: “o nosso Deus está nos céus; ele faz
tudo o que lhe apraz”
139
. O decreto de Deus, fruto de sua sabedoria e soberania não permite
outra constatação senão a de que não nada que aconteça no mundo que Ele não tenha sido
ativamente decretado. Mas qual a relação disso com o sofrimento? Ora, visto que isso é
verdadeiro, segue-se que o sofrimento não é obra do acaso. Deus não o permitiu meramente,
como se algo pudesse se originar e acontecer à parte de sua vontade e do seu poder. O mal e o
sofrimento nunca poderiam ter começado sem o decreto ativo de Deus, e não poderiam
continuar nem por um momento alheio à vontade de Deus. Deus fez constar o mal em seu
decreto, embora essa teodiceia pareça inacessível à mente humana.
Todavia, aqueles que veem que é completamente impossível dissociar Deus da
origem e continuação do mal, tentam distanciar Deus do mal dizendo que Deus meramente
“permitiu” o mal, e que Ele não causou nada dele. Contudo, visto que a própria Escritura
declara que Deus ativamente decretou tudo, e que nada pode acontecer longe de sua vontade e
do Seu poder. Não faz sentido dizer que Deus meramente permite algo ou que tudo o que
acontece é por mera permissão de Deus.
Como, então, o mal pode ser tramado e cometido em total independência dEle?
Como alguém pode ao menos pensar o sofrimento alheio à vontade e ao propósito de Deus? A
propósito, ao invés de tentar “proteger” Deus de algo que Ele não precisa ser protegido,
deveria-se reconhecer alegremente com a Bíblia que Deus decretou ativamente o mal e o
sofrimento, e então, tratar o assunto sobre esta base. Assim sendo, quem reconhece a mão
invisível de Deus quando no enfrentamento do problema ou do mal sabe que o Senhor acabará
convergindo todas as circunstâncias para o bem de seus filhos e para o fim primeiro de todas
as coisas, isto é, a glória de Deus.
Caso uma pessoa tenha dificuldade em aceitar que Deus decretou a existência do mal
implica dizer que ele encontrou algo “errado” em Deus. Pensemos: Qual é o padrão de certo e
errado pelo qual esta pessoa julga as ações de Deus? Se um padrão moral superior a Deus
pelo qual o próprio Deus é julgado, então, esse “Deus” não é Deus de forma alguma; antes,
este padrão maior seria Deus. Contudo, o conceito cristão de Deus refere-se ao mais alto ser e
padrão, assim, não há, por definição, nenhum mais alto. Em outras palavras, se algo mais
alto do que o “Deus” que uma pessoa está argumentando contra, então, esta pessoa não está
realmente se referindo ao Deus dos cristãos. Visto que este é o caso, não padrão mais alto
138
KENDALL, R.T. Esboços de Teologia, Doutrina e Sermões. São Paulo: Candeia, 2007. p. 67.
139
Bíblia Sagrada. Salmo 115:3
52
do que Deus, ao qual o próprio Deus seja responsável e pelo qual o próprio Deus seja julgado.
Portanto, é logicamente impossível acusar Deus de fazer algo moralmente errado.
Visto que o próprio conceito e definição de bondade humana é derivada a partir de
Deus, acusá-lo de maldade seria como dizer que o bom é mal, o que é uma contradição. Por
outro lado, ignorar que o mal e o sofrimento estão alheios ao decreto de Deus é uma afronta à
Palavra de Deus e ao invés de contribuir para atenuar os conflitos relativos à questão do
sofrimento só se projeta mais angústia naqueles que sofrem. É oportuna a citação de Dennis
Kizziar: “Um palestrante exortou-nos a ver a mão de Deus em tudo que nos ocorre. Tirem do
seu vocabulário palavras como destino, azar, sorte. Lembrem-se, vocês são filhos do Rei, não
filhos do acaso. Devemos aprender a, em tudo, vermos as mãos do Pai”
140
. Deus é soberano e
tem o direito e o poder de fazer tudo o que lhe agrada. Ele está no controle de tudo o que
acontece e aconteceu, tanto com nações quanto com indivíduos. Pode-se e deve-se confiar que
Deus fará as coisas bem, ainda que elas permaneçam inalcansáveis a nossa compreensão, dada
a nossa finitude. Cabe recordar as palavras de Isaías:
Porque os meus pensamentos não são os vossos pensamentos, nem os vossos
caminhos os meus caminhos, diz o Senhor. Porque, assim como o u é mais alto do
que a terra, assim são os meus caminhos mais altos do que os vossos caminhos, e os
meus pensamentos mais altos do que os vossos pensamentos
141
.
Langston ao tratar dos atributos de Deus especialmente a onipotência lança luz sobre
o assunto quando apresenta duas formas de onipotência: “onipotência moral, que se refere a
Ele próprio, e física, que se relaciona com a criação”. No que se refere à onipotência moral
Langston expõe seu entendimento afirmando que “Deus é tão poderoso que não pode praticar
o mal, nem sequer pode ser tentado”.
142
Devido a sua onipotência moral Deus não pode
praticar qualquer ato que discorde da sua natureza. Praticar o mal é carência de poder moral.
140
KIZZIAR, 2006, p. 5.
141
Bíblia Sagrada. Isaías 55:8,9.
142
LANGSTON, A.B. Esboços de Teologia Sistemática. Rio de Janeiro: Juerp, 1999. p. 53.
53
6 CAUSAS DO SOFRIMENTO
Em seu livro “Como Encarar o Sofrimento” Alaid Schiavone Schimidt atribui a
origem do sofrimento a Satanás e ao livre arbítrio do homem. “O mal se originou na rebelião
dos anjos”, mas “teve seu início no jardim do édem” diz ela
143
. Não entendemos assim. A
origem do mal e do sofrimento está no decreto e na providência de Deus, contudo as causas
do sofrimento é que parecem causar espanto. Paul Helm disse que “o fato de que nós não
conhecermos a razão pela qual Deus permite o mal não deve nos fazer pensar que não haja
razão”
144
. Isso não pode ser entendido, por um lado, como sendo causado pelo próprio Deus e,
por outro, como sendo obra de Satanás. Essa aparente luta entre o bem e o mal parece
favorecer a corrente religiosa dualista. Novamente Gerstenberger ajuda a elucidar esse
questionamento quando reitera que mesmo quando o diabo está agindo para afligir
sofrimento, Deus está agindo para que, por meio do sofrimento, a vontade do Senhor seja
cumprida e a ação maligna torne-se apenas um instrumento de Deus.
145
Deus pode ser o causador do sofrimento? Nas palavras de Charles Stanley “eis uma
sentença difícil de escrever, e ainda mais difícil de ser aceita”
146
. A seguir, dois textos
elucidam este assunto:
E passando Jesus, viu um homem cego de nascença. Perguntaram-lhe os seus
discípulos: Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para que nascesse cego? Respondeu
Jesus: Nem ele pecou nem seus pais; mas foi para que nele se manifestem as obras
de Deus
147
.
A indagação dos discípulos suscitava uma dúvida: O sofrimento era castigo divino?
Ao responder aos discípulos Jesus também desfaz um erro teológico da época, mas que ecoa
ainda nos dias atuais. A resposta de Jesus vai alargar as fronteiras dos discípulos para a
compreensão da dor, pois a expressão “para que” denota propósito, isto é, a dor daquele
homem tinha propósito. Não será esse um princípio de que toda dor tem um propósito
estabelecido por Deus? Os discípulos viam a cegueira daquele homem como resultado do
pecado dele ou de seus pais, mas Jesus vai lançar luzes sobre algo mais profundo. A cegueira
daquele homem não era de causa aparente, mas parecia vir do próprio Deus. Na resposta de
143
SCHIMIDT, Alaid Schiavone. Como Encarar o Sofrimento: As cosmovisões existentes e a teologia do
controle de Deus. São Paulo: Arte Editorial, 2008. p. 99.
144
HELM, 2007, p. 180.
145
GERSTENBERGER, 2007, p.186,187.
146
STANLEY, Charles. Como lidar Com o Sofrimento. Belo Horizonte: Betânia, 1995. p. 12.
147
Bíblia Sagrada. Jo 9:1-3.
54
Jesus uma constatação: A cegueira do homem não era fruto do seu pecado, nem tampouco
de seus pais.
Mas, o caso desse cego não é único. Assim, pode-se observar a experiência de Paulo
“E, para que me não exaltasse demais pela excelência das revelações, foi-me dado um espinho
na carne, a saber, um mensageiro de Satanás para me esbofetear, a fim de que eu não me
exalte demais”
148
. Este texto é extremamente elucidativo, pois se vê com clareza que a ideia, o
propósito do sofrimento nesse particular na vida de Paulo veio de Deus, contudo o meio foi o
próprio Satanás. Embora para muitos a ideia de Deus ser o idealizador do sofrimento causa
perplexidade, mas a Bíblia favorece essa constatação. Ambos os textos têm algo em comum:
propósitos bem definidos. Alaid Schiavone Schimidt condensa o entendimento de uma da
teologia que assevera que “Deus não quer o sofrimento de nenhuma de suas criaturas, mas ele
permite o sofrimento mediante propósitos definidos em sua presciência”
149
. Ela usa o conceito
de presciência e não o de providência. A providência reza que o sofrimento não é obra do
acaso. Satanás não idealizou o mal alheio à soberania de Deus. Por certo, as causas são
variáveis, mas um só está na direção e controle do sofrimento: Deus. Dentre os vários livros e
teologias sistemáticas que fazem parte do acervo desta pesquisa algumas causas consideradas
do sofrimento são comuns, quais sejam:
6.1 Nossa própria culpa
Parece paradoxal falar de própria culpa e ao mesmo tempo defender a existência do
mal como constante do decreto de Deus. Contudo, não é paradoxal ou mesmo contraditório,
pois segundo Thiessen é a “autodeterminada revolta da criatura contra a vontade e o
mandamento de Deus, permitida por Deus, que leva o homem a agir conforme bem entender.
Às vezes Deus impede o que o homem, em sua liberdade, poderia vir a fazer. Entretanto,
sempre a vontade de Deus prevalece sobre o homem”
150
.
Conjugando os conceitos de Thiessen pode-se afirmar que com muita frequência a
gente é responsável pelo próprio sofrimento, porque não se ajusta às leis naturais
estabelecidas pelo próprio Deus ou às que se relacionam com o próximo. A despeito de Carl
148
Bíblia Sagrada. II Coríntios 12:7.
149
SCHIMIDT, 2008, p. 103.
150
THIESSEN, 2006, p. 101.
55
achar que a conexão entre sofrimento e pecado parece inadequada”
151
, o que para nós parece
muito estranho e escapa a uma visão holística da Bíblia, as Escrituras são sobejas em
apresentar o pecado como sendo e sempre será causa de miséria e sofrimento. Nesse
particular, entender o sofrimento como resultado do erro e pecado não é nada fácil, mas ainda
que fosse fácil de compreender é muito mais difícil suportar.
Ainda hoje se vê, na vida de indivíduos e nações, cumprir-se a lei irrefutável da
semeadura, isto é, a inexorável lei de causa e efeito: “tudo que o homem semear, isso também
ceifará”
152
. Aos primeiros pais o pecado da desobediência custou nada menos do que a
expulsão de seu lar edênico e como bem disse Luiz Waldvogel o pecado continua marcando
vidas com o sofrimento:
É assim que vagam pelo mundo legiões de criaturas que devem a sua desdita ao
próprio pecado, por elas mesmas cultivado com zelo digno de melhor causa. E
cegos, e surdos-mudos, e coxos, e paralíticos, e tuberculosos, e morféticos, e
sifílicos, e cardíacos, e cancerosos, e sofredores de toda gama de padecimentos, que
ao pecado deles mesmos devem todas as suas dores
153
.
Ter-se-á muita dificuldade em resolver o problema do sofrimento, se não se dispor a
reconhecer sinceramente que grande parte dos males e sofrimentos da vida, muitas decepções
e amarguras teriam sido poupadas, a nós e aos demais, se tivesse sido outra a conduta. Peca-se
e por isso se sofre, mas até esses pecados estão registrados no propósito de Deus para as vidas
humanas. Assim entendeu o salmista quando disse: “Os teus olhos viram a minha substância
ainda informe, e no teu livro foram escritos os dias, sim, todos os dias que foram ordenados
para mim, quando ainda não havia nem um deles”
154
.
6.2 Calamidades naturais
No âmbito do decreto e da providência de Deus, o Senhor estabeleceu um conjunto
de leis naturais que haveriam de reger o mundo. Essas balizas naturais quando violadas, seja
por ignorância ou deliberadamente, causam sofrimento. Construir uma casa com alicerces
comprometidos é prenúncio de sofrimento. Ignorar algumas leis de segurança certamente
compromete a saúde e consequentemente o sofrimento aparecerá. Mas se tudo consta do
151
BRAATEN, Carl E. & JENSON, Robert W., 2005. v.1. p. 435.
152
Bíblia Sagrada. Gálatas 6:7.
153
WALDVOGEL, Luiz. Por Que Tanta Gente Sofre? Belo Horizonte/MG: Betânia, 1983. p.8.
154
Bíblia Sagrada. Salmo 139:16
56
decreto de Deus e tudo será executado por meio de sua providência, por que Deus permite
terremotos, tornados, ciclones, tsunamis, furacões, deslizamentos e outros desastres naturais?
O tsunami ocorrido no final de 2004 na Ásia, o furacão Katrina em 2005 na região
sudeste dos EUA e os deslizamentos de 2006 nas Filipinas fizeram com que muitas pessoas
questionassem a bondade de Deus. É, no mínimo, angustiante quando pessoas se referem a
desastres naturais como "atos de Deus". O que muitos esquecem é que a maioria dos desastres
naturais são o resultado da inobservância das leis naturais. Ciclones, furacões e tornados são
resultados do estado atmosférico afetado pelo descontrole humano em busca de riqueza.
Terremotos são o resultado da estrutura da base da terra se deslocando. Um tsunami é causado
por um terremoto debaixo d’água. Ainda que absolutamente sob o controle de Deus o
sofrimento também pode ser causado por essas calamidades. Estes estão além de nosso
controle, mas no controle do Altíssimo. Observe o que diz Jesus: "Ou cuidais que aqueles
dezoito", explicou Jesus, "sobre os quais desabou a torre de Siloé e os matou, eram mais
culpados que todos os outros habitantes de Jerusalém? Não eram, Eu vo-lo afirmo”
155
. Os
judeus eram inclinados a acreditar que a boa sorte vinha automaticamente para justos, e o
sofrimento era sinal de pecado. Segundo Tom Carter este texto elucida dois conceitos errados
nos dias de Jesus, mas que continuam ecoando em pleno século 21. Primeiro, não se pode
julgar pessoas pelo sofrimento que elas estão enfrentando. Segundo, não se mensura a
espiritualidade das pessoas pelo grau de conforto que elas desfrutam
156
. “Se o sofrimento
incomum sempre remetesse a pecado grave, Jesus teria sido o pior pecador da história”
157
.
Da mesma forma que Deus permite que pessoas más cometam atos de maldade, Deus
permite que a natureza demonstre as consequências do pecado. um texto bíblico que
demonstra claramente esta verdade:
A ardente expectativa da criação aguarda a revelação dos filhos de Deus. Pois a
criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a
sujeitou, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da
corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus
158
.
A degradação da humanidade por causa do pecado e do distanciamento de Deus
afetou não só as relações sociais, mas a própria natureza sentiu e sente os efeitos. Isso também
consta do decreto de Deus.
155
Bíblia Sagrada. Lucas 13:4, 5.
156
CARTER, Tom. 13 Perguntas Cruciais Que Jesus Quer Fazer A você. São Paulo: Vida, 1999. p. 96.
157
CARTER, 1999, p.102.
158
Bíblia Sagrada. Romanos 8:19-21
57
6.3 Forças demoníacas
As forças demoníacas também são responsabilizadas pelo sofrimento humano. No
livro de Apocalipse uma indicação contundente sobre isso. “não tenha medo do que vo
está prestes a sofrer. O Diabo lançará alguns de vocês na prisão para prová-los, e vocês
sofrerão perseguição durante dez dias”
159
. O envolvimento de Satanás com o sofrimento não
ficou no jardim do Éden ele ainda está vivo e atuante no planeta terra. Vários textos das
Sagradas Escrituras servem para apontar para Satanás, o instigador do mal. Por certo, Satanás
tem papel fundamental no sofrimento humano, mas em hipótese alguma isso pegou Deus de
surpresa.
O caso clássico que ilustra essa verdade pode ser visto na vida de Jó. Nos primeiros
dois capítulos do livro têm-se essas verdades: A permissão para o sofrimento de veio da
parte de Deus. Contudo, o agente implementador do seu sofrimento veio de Satanás. Satanás
opera por meio de elementos naturais. A prova disso é que quando recebeu autorização para
afligir Satanás usou elementos da natureza e pessoas para tentar destruir àquele que Deus
mesmo elogiou.
À luz do livro de 1 Pedro pode-se inferir que o diabo ronda pessoas à procura de
ocasião para causar sofrimento
160
. O Novo Testamento retrata bem essa verdade quando
aponta para satanás em pessoa agindo e causando sofrimento. A “ronda” de Satanás é a
procura de “fraquezas de caráter como o de nossos adquiridos defeitos de atitudes e
comportamentos que dão testemunho de relacionamentos e falhas do nosso passado”.
161
À
medida que o diabo encontra estas frestas, ele mesmo encontra ocasião para infligir
sofrimento.
Em Lucas é narrada a história de uma mulher que por dezoito anos foi acometida de
uma enfermidade cuja causa era um demônio
162
. O diabo causa sofrimento. Ele aprisiona.
Contudo, há, uma notável diferença entre permitir o sofrimento e infligi-lo, e isso afeta a
nossa relação com Deus por pelo menos algumas razões: Primeira, que nenhum sofrimento
nos sobrevém sem autorização do nosso Deus e se autorização, também, por certo, tem
propósitos divinos. Segunda, satanás é o agente mais interessado em causar males e o pecado
159
Bíblia Sagrada. Apocalipse 2:10.
160
Bíblia Sagrada. I Pedro 5:8,9.
161
PACKER, James I. NYSTROM, Carolyn. Nunca Perca a Esperança. São Paulo: Cultura Cristã, 2002. p.16.
162
Bíblia Sagrada. Lucas 13:10-17.
58
é a porta de entrada para esse agente do mal. Logo, odiar o pecado e reconhecer que satanás
se interessa muito por nos causar dor deve nos levar para mais perto do Senhor. Terceiro,
como bem observa Gerstenberger o sofrimento causado pelo Diabo tem tempo limitado de
“dez dias”, “dezoito anos”. “O próprio Deus continua, apesar das intrigas do Diabo, com as
rédeas da história em suas mãos e continua seguindo seu próprio plano”
163
. Contudo, segundo
o Dr. James Dobson “o grande perigo para as pessoas que passaram por esse tipo de tragédia é
que Satanás usará o sofrimento delas para que se sintam vitimadas por Deus”
164
. De fato, esse
perigo é real.
6.4 Desejos maus
A doutrina budista relativa ao sofrimento é baseada nas chamadas "Quatro Verdades
Nobres", sendo que duas se referem aos desejos, quais sejam:
O sofrimento é causado pelo desejo;
Eliminar o sofrimento é descartar o desejo.
Neste particular, o budismo acerta quanto ao diagnóstico, mas não quanto ao
antídoto. Grande parte do sofrimento é causado pelos desejos nocivos de uma vida marcada
pela desenfreada expectativa de embriagar a alma.
Em sua Epístola Tiago traz uma palavra a esse respeito:
Donde m as guerras e contendas entre s? Porventura o m disto, dos vossos
deleites, que nos vossos membros guerreiam? Cobiçais e nada tendes; logo matais.
Invejais, e não podeis alcançar; logo combateis e fazeis guerras. Nada tendes, porque
não pedis. Pedis e não recebeis, porque pedis mal, para o gastardes em vossos
deleites
165
.
Comentando este texto Hernandes Dias Lopes diz que “a fonte de todas as guerras
está dentro de nosso coração”
166
. Desejos maus são uma realidade. Eles certamente existem e
são causadores de muitos males. Os desejos revelam os movimentos da vida, pois como bem
disse Agostinho Guillerand “nossos desejos nos definem: somos mais ou menos o que
desejamos”.
163
GERSTENBERGER, Erhard S. SCHRAGE, Wolfgang. Por Que Sofrer? O sofrimento na perspectiva bíblica.
3ª Ed. São Leopoldo/RS: Sinodal/EST/Cebi, 2007. p. 185.
164
DOBSON, James. Quando Deus Não Faz Sentido. São Paulo: Bompastor, 2000. p. 27.
165
Tiago 4:1-3.
166
LOPES, Hernandes Dias. Tiago: Transformando provas em triunfo. São Paulo; Hagnos, 2006. p. 84.
59
Deus muitas vezes nos deixa avançar em desejos que em nada servirão, senão para
demonstrar pequenez quanto aos ideais que conduzirão a infames tribulações. Os desejos
podem revelar a corrupção de nossos corações e consequentemente nos expor a perigos e
sofrimentos. “O nosso coração é o laboratório onde as guerras são criadas, a estufa onde elas
germinam e crescem, o campo onde elas dão o seu fruto maldito”
167
.
As Causas do sofrimento são variadas e, por certo, o assunto não foi esgotado. Seja
qual for a causa do sofrimento concorda-se com o que diz John Flavel:
o sapientíssimo Deus está providencialmente guiando tudo ao porto do seu louvor e
à felicidade do seu povo, mesmo quando o mundo todo está muito ocupado em
manobar as velas e manejar os remos em sentido oposto. Quão grande prazer é ver
como o mundo realiza os propósitos de Deus mesmo opondo-se a eles
168
.
As causas do sofrimento são variadas, mas o propósito de Deus é único!
167
LOPES, 2006, p.85.
168
FLAVEL, John. Se Deus Quiser. São Paulo: PES, 1987. p.7.
60
7 O PROPÓSITO DIVINO ACERCA DO SOFRIMENTO
À semelhança do ferreiro que tem um bom propósito para colocar o ferro no fogo e
depois de amolecido na bigorna formar algo bom sem que nenhuma faísca seja sem propósito,
a dor e o sofrimento podem ser a manifestação da bondade de Deus em forma de advertência
para livrar de desastres morais e com consequências eternas. Deus não desperdiça sofrimento.
A resposta aos propósitos de Deus quanto ao problema do mal sob a ótica da teologia
reformada e parte do entendimento da teologia chamada arminiana podem ser sumarizados
em quatro premissas:
Deus tem um bom propósito para tudo;
Nenhum sofrimento é em vão;
Parte do mal é produto do bem;
Deus é capaz de tirar coisas boas do mal.
Em um de seus livros o Pastor Lécio Dornas ao abordar o sofrimento na vida de Jó
apresenta quatro terríveis dores experimentadas por ele: material, física, emocional ou afetiva
e espiritual
169
. Apesar do próprio Deus fazer questão de dizer duas vezes que “cumpria as
regras” seu sofrimento não foi impedido. Não apenas no caso específico de Jó, cremos que:
Deus tem um bom propósito para tudo; Nenhum sofrimento é em vão; Parte do mal é produto
do bem; Deus é capaz de tirar coisas boas do mal.
O que não parece muito fácil de entender é que Deus não precisa pedir licença ao
homem para agir. Agir sem ser instado por nenhuma causa primária ou secundária é uma
prerrogativa divina. Sendo assim, por que Deus permite o sofrimento? Nenhum mal é bom,
mas serve a um propósito. O fato de o homem ser finito e não enxergar o bem em situações
adversas e conflitantes, não significa que Deus não esteja agindo e produzindo o bem a partir
do mal aos nossos olhos. A incapacidade humana de ver propósitos no mal que sobrevém
apenas revela a limitação e por que não dizer incapacidade do homem de enxergar Deus,
mesmo nos piores momentos. O fato é que segundo a Palavra de Deus propósitos no
sofrimento. Nas palavras de C.S. Lewis “a dor é o megafone de Deus”
170
para advertir uma
sociedade moralmente surda e uma igreja amoldada a este sistema.
À luz dessa compreensão pretende-se apresentar como essas premissas podem ser
verdade naqueles que estão sofrendo, assim como foi na vida de Jó. Parafraseando Feinberg
169
DORNAS, Lécio. Ganhe Com Perdas. Rio de Janeiro: MK, 2003. p. 11-12.
170
LEWIS, C. S. O Problema do Sofrimento. São Paulo: Vida, 2001. p.105,106.
61
ouso dizer que boa parte dos conflitos pessoais e o agravamento da relação com Deus se
devem à busca em tentar compreender como Deus age, especialmente em tempos de dor.
Contudo, o grande exercício não é tentar entender Deus na hora do sofrimento, mas enxergar
os benefícios da dor.
Em outras palavras, a pergunta não é por que Deus permite que soframos, mas quais
os propósitos santos e sábios que o levaram a decretar esse sofrimento e mover sua execução?
Com muita propriedade Feinberg trata num capítulo do seu livro “como não ajudar os aflitos”.
Ele apresenta um alerta aos aspirantes a consoladores. Eis algumas coisas que consideramos, a
partir do entendimento de Feinberg, inadequadas para serem ditas àqueles que estão sofrendo
e ainda não enxergaram os porquês da dor
171
:
“Você deve ter cometido pecado”, caso contrário não estaria sofrendo. Deve ter sido
duro para Jó ouvir isso. Contudo, essa prática tem sido recorrente entre aqueles que querem
levar consolo. Como no caso de Jó, nem sempre o sofrimento é causado por pecado praticado
pela pessoa que está sofrendo. É preciso ter cuidado em não enxergar pecado em todo
sofrimento;
“Enfocar a perda de coisas em vez de perdas relacionadas à pessoa do ser humano”.
Lembrei-me do acontecido com um velho amigo ao tomar conhecimento que seu filho havia
caído de sua moto novinha a pergunta quase que instantânea foi: “como está a moto? Estragou
muito?” Lamentavelmente pessoas têm sido preteridas. Coisas têm sido mais importantes do
que pessoas. Os dias atuais são marcados por uma incoerência: “coisificamos gente” e
“personificamos coisas”;
“Isto provavelmente poupou você de problemas maiores”. Como dizer para uma mãe
que acabou de perder seu filho de forma trágica que isso a privou de coisas piores? Este tipo
de “consolo” faz recair sobre a pessoa uma angústia ainda mais cruel do que a que está
sofrendo;
“Sei como você se sente”. O problema com este tipo de tentativa de consolo é que ele
gera um problema duplo. De um lado a afirmação não é verdadeira e ela soa falsa. Mesmo que
algo semelhante nos tenha acontecido, as pessoas são diferentes;
“Deus sabe todas as coisas”. Ele sabe, mas o homem não. Tentar inculcar numa
pessoa que está em extremo desespero conceitos teológicos de muita profundidade é no
mínimo incoerente. Não se trata uma questão emocional como se fosse apenas de cunho
intelectual;
171
FEINBERG, John. Apesar do Sofrimento. Quando Parece que Deus nos enganou. São Paulo: Eclesia,1998. p.
31-48.
62
“Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus”. Receber um golpe doloroso e
abrir a boca em júbilo parece uma afronta ao bom senso. Na hora da dor isso não conforta,
maltrata. A ordem de Paulo é verdadeira e um dia o júbilo virá à boca daquele que foi
acometido pela dor, mas isso pode demorar alguns dias, meses, quem sabe até alguns anos.
Mas, algo bom no sofrimento? Em se tratando de Deus é absolutamente
impossível identificar com razoável endosso de referenciais teóricos e bíblicos todas as razões
e motivos que levam Deus a decretar o sofrimento. Considerando o que disse Waldvogel que
“Deus se serve das duras contingências da vida humana para ensinar aos homens grandes
lições”
172
, nos aventuramos a considerar algumas razões por que Deus permite o sofrimento,
pois como bem disse Ron Dun “o sofrimento nos prepara para a revelação de Deus”
173
. O
sofrimento é a estrada que Deus pavimenta para chegar as nossas vidas e firmar o seu
propósito. O sofrimento é tão inevitável quanto crescer e morrer. Mais cedo ou mais tarde ele
chega e não polpa ninguém, por mais e poderoso que seja. Faz-se oportunas as palavras de
Jerry Sittser: “devemos orar pelos bons efeitos produzidos pelo sofrimento, todos recebidos
pela graça de Deus. Se existir outra maneira, que assim seja. Se não, que venha o
sofrimento”
174
. Que bons efeitos podem produzir o sofrimento? Para que serve o sofrimento?
7.1 Para pôr à prova o caráter
Com muita propriedade John Wenham expressou uma grande verdade ao dizer que
este mundo é o vale onde se forja o caráter”
175
. O sofrimento desempenha papel fundamental
nesse processo de formação de caráter. A esse respeito Ray Pritchard acertou quando disse:
“A maneira como um homem reage em momentos de crise revela muito do seu caráter”
176
.
Esta é uma razão por que Deus permite com que causas secundárias possam causar-nos
sofrimentos. Reportamo-nos, mais uma vez, ao exemplo de Jó. A despeito de todas as
calamidades que sobrevieram a Jó serem maquinadas por Satanás, Deus as permitiu para
provar a fidelidade do seu servo. Os malaios do sul da Índia têm um provérbio que diz:
172
Waldvogel, 1983, p.11.
173
DUNN, Ron. Por Que Deus Não Me Cura? São Paulo: Mundo Cristão, 1999. p. 207.
174
SITTSER, Jerry. Quando Deus Não Responde À Sua Oração. São Paulo: Vida, 2006. p.144.
175
WENHAM, John W. O Enigma do mal. Podemos Crer na Bondade de Deus? São Paulo: Vida Nova, 1989. p.
83.
176
PRITCHARD, Ray. Creia Sempre. Experimentando a presença de Deus em todos os momentos. São Paulo:
Vida, 2000. p. 89.
63
“Aquele que nasceu no fogo não definhará no sol”
177
. Se Deus nos faz muitas vezes nascer no
fogo da adversidade pode-se, por certo, acreditar que Ele não permitirá que sucumbamos na
fornalha da aflição. Assim, como os diamantes são formados sob pressão, o mesmo acontece
com o caráter. Sem dor não aperfeiçoamento. Esta é a constatação de Paulo escrevendo aos
Romanos quando diz:
E não somente isso, mas também gloriemo-nos nas tribulações; sabendo que a
tribulação produz a perseverança, e a perseverança a experiência, e a experiência a
esperança; e a esperança não desaponta, porquanto o amor de Deus está derramado
em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado
178
.
Neste texto, Paulo afirma que o sofrimento é um meio que Deus usa para aperfeiçoar
o caráter dos cristãos. Na Nova Versão Internacional da Bíblia a palavra “experiência” é
traduzida como “caráter provado”
179
. Assim, o texto bíblico afirma que os sofrimentos
produzem um caráter aprovado. A ideia é a de alguém que foi testado e saiu vitorioso no teste,
tendo desenvolvido um caráter amadurecido pelos sofrimentos.
Nesta mesma direção, depois de ter o caráter provado o patriarca Jó, por meio dos
sofrimentos que lhe sobrevieram, conseguiu calar o próprio Satanás, sua mulher e seus
amigos. Contudo o mais surpreendente é a sua própria constatação do que significou ter
perdido suas riquezas, filhos, saúde, amigos, e reputação:
Então respondeu Jó ao Senhor: Bem sei eu que tudo podes, e que nenhum dos teus
propósitos pode ser impedido. Quem é este que sem conhecimento obscurece o
conselho? por isso falei do que não entendia; coisas que para mim eram demasiado
maravilhosas, e que eu não conhecia. Ouve, pois, e eu falarei; eu te perguntarei, e tu
me responderas. Com os ouvidos eu ouvira falar de ti; mas agora te veem os meus
olhos. Pelo que me abomino, e me arrependo no pó e na cinza
180
.
A maior de todas as bênçãos de Deus sobre a vida de não foi duplicar sua riqueza,
mas aperfeiçoar o seu caráter como ele mesmo diz: “Com os ouvidos eu ouvira falar de ti;
mas agora te veem os meus olhos”. Como disse Marcelo Aguiar “Deus não quis recompensar
Jó, Deus quis abençoar Jó
181
. Mike Wells diz que “o sofrimento torna alguns amargos e outros
doces. O que importa não é o que nos acontece, mas o que fazemos com o que nos
aconteceu”
182
. Em várias circunstâncias da vida não podemos sequer imaginar o que irá nos
177
JONES, Stanley. Cristo e o Sofrimento Humano. São Paulo: Vida, 2006. p. 132
178
Bíblia Sagrada. Romanos 5:3-5.
179
Bíblia de Estudos NVI. São Paulo: Vida. 2003.
180
Bíblia Sagrada. Jó 42:1-6.
181
AGUIAR, Marcelo. O Enigma de Jó: Por que o justo sofre? Belo Horizonte/MG: Betânia, 2005. p. 117.
182
WELLS, Mike. Problemas, Presença de Deus e Oração. Como sentir o amor de Deus em meio as aflições da
vida. São Paulo: Abba Press, 2001. p. 152.
64
acontecer, mas podemos que crer, no mínimo, que Deus está “forjando nosso caráter na
bigorna das duras experiências que enfrentamos”
183
.
7.2 Para ajudar os outros em situações assemelhadas
Jon Sobrino ao tratar da teodiceia faz a seguinte pergunta: “o sofrimento do outro nos
faz sofrer?”
184
. Ninguém consegue entender a dor do próximo tão bem como aquele que
sofreu algo igual ou semelhante.
O texto bíblico abaixo expressa de maneira magistral essa verdade:
Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai das misericórdias e
Deus de toda a consolação, que nos consola em toda a nossa tribulação, para que
também possamos consolar os que estiverem em alguma tribulação, pela consolação
com que nós mesmos somos consolados por Deus. Porque, como as aflições de
Cristo transbordam para conosco, assim também por meio de Cristo transborda a
nossa consolação. Mas, se somos atribulados, é para vossa consolação e salvação;
ou, se somos consolados, para vossa consolação é a qual se opera suportando com
paciência as mesmas aflições que nós também padecemos; e a nossa esperança
acerca de vós é firme, sabendo que, como sois participantes das aflições, assim o
sereis também da consolação
185
.
Este texto ensina algumas verdades preciosas acerca do sofrimento. Primeira, é que
não sofrimento que não possa ser alvo da misericórdia de Deus. Deus é chamado pelo o
Apóstolo de “Pai das Misericórdias” e “Deus de toda consolação”. Segunda, é que Deus não
escolhe o nível de tribulação para consolar. Ele nos consola “em toda a tribulação”. Terceira,
Deus espera que nós possamos consolar as pessoas que estejam sofrendo dores semelhantes às
que sofremos. Quarta, quando sofremos Deus tem em mente alguém que será abençoado
com o nosso testemunho do consolo de Deus.
O sofrimento é uma excelente escola, onde se aprende a consolar e confortar as
pessoas da mesma maneira como Deus o consolou. Nunca se aprenderá a confortar pessoas a
menos que se passe pelo sofrimento e receba o conforto divino.
Como recebemos a capacidade de consolar, temos de aprender a glorificar a Cristo,
porque toda a nossa capacidade de confortar é transbordada por meio de Cristo. O nível de
sofrimento e consolo que obtivemos da parte de Deus nos possibilita a compreender melhor
aqueles que enfrentam níveis assemelhados de sofrimento. uma maior e melhor
183
FOSTER, George. Paz Interior Em Tempos de Crise. Belo Horizonte/BH: Betânia, 2004. p. 20.
184
SOBRINO, 2007, p. 193.
185
Bíblia Sagrada. II Coríntios 1:3-7.
65
identificação quando nossa tribulação se assemelha com a do próximo. Também é verdade
que o consolo que recebemos nos ajuda a consolar os que estiverem em alguma tribulação,
pela consolação com que nós mesmos somos consolados por Deus.
7.3 Para ensinar acerca da obediência
Um letreiro na parede de uma sala de aula de ensino fundamental dizia: “A vida é a
professora mais implacável. Primeiro a prova e depois a lição”
186
. Esta verdade parece ter
sido experimentada pelo salmista quando diz: “Antes de ser afligido, eu me extraviava; mas
agora guardo a tua palavra. Foi-me bom ter sido afligido, para que aprendesse os teus
estatutos”
187
. O sofrimento é um grande mestre. Nesta mesma direção no livro de Hebreus
alguns textos que remetem a níveis agudos de reflexão. São eles:
Porque convinha que aquele, para quem são todas as coisas, e por meio de quem
tudo existe, em trazendo muitos filhos à glória, aperfeiçoasse pelos sofrimentos o
autor da salvação deles. [...] Pelo que convinha que em tudo fosse feito semelhante a
seus irmãos, para se tornar um sumo sacerdote misericordioso e fiel nas coisas
concernentes a Deus, a fim de fazer propiciação pelos pecados do povo. [...] Porque
naquilo que ele mesmo, sendo tentado, padeceu, pode socorrer aos que são tentados
[...] ainda que era Filho, aprendeu a obediência por meio daquilo que sofreu; [...] e,
tendo sido aperfeiçoado, veio a ser autor de eterna salvação para todos os que lhe
obedecem
188
.
Se o próprio Jesus teve que aprender a obedecer pelas coisas que sofreu, tendo de
experimentar o sofrimento e a tentação para poder socorrer os que são tentados, quanto mais
nós temos de aprender na escola do sofrimento a obedecer a Deus. Certamente Jesus tinha
disposição para a obediência desde o princípio. Todavia, como observa William Fitch “foi na
escola do sofrimento que Ele aprendeu a prática da obediência. Através de um longo curso de
provação e sofrimento Ele aprendeu a obediência”
189
.
Contada por Charles Stanley, um pequeno conto fala de um fazendeiro que tinha uma
mula à venda. Ele afirmava que aquela mula obedeceria a qualquer ordem que lhe fosse dada.
Um possível cliente estava um tanto desconfiado de sua afirmação, e decidiu colocar o
fazendeiro e a mula à prova. E assim disse à mula: “sente-se”. Mas a mula ficou parada.
“Sente-se”, gritou o cliente. Porém, nada aconteceu. Então, se voltou para o fazendeiro e lhe
186
MACARTHUR, John, Jr. O Poder do Sofrimento: O propósito das provações na vida do crente. Rio de
Janeiro: CPAD, 2003. p. 115.
187
Bíblia Sagrada. Salmo 119:67,71.
188
Bíblia Sagrada. Hebreus 2:10,17,18; 5:8,9.
189
FITCH, William. Deus e o Mal. São Paulo: PES, 1984. p. 60.
66
disse: “você afirmou que esta mula faria tudo o que lhe dissessem, mas não consigo nem
mesmo fazer com que ela se sente. O fazendeiro apenas sorriu. A seguir, abaixou-se e
apanhou uma régua de medir madeira, andou até a mula e deu com ela na cabeça da mula.
“Senta”, mandou ele. E a mula sentou-se imediatamente. Voltando-se ao surpreso cliente,
explicou: “Primeiro você precisa obter a atenção dela”.
190
É possível que alguns de nós sejamos como essa mula. Às vezes, Deus permite que
adversidades cheguem às nossas vidas para conseguir a nossa atenção. Mas, às vezes, também
são as adversidades que nos conduzem a uma vida de obediência.
7.4 Para provar o valor da fé
O sofrimento é um meio que Deus usa para fazer o cristão crescer na sua fé. O texto
bíblico abaixo explicita essa verdade:
Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que, segundo a sua grande
misericórdia, nos regenerou para uma viva esperança, pela ressurreição de Jesus
Cristo dentre os mortos, para uma herança incorruptível, incontaminável e
imarcescível, reservada nos céus para vós, que pelo poder de Deus sois guardados,
mediante a fé, para a salvação que está preparada para se revelar no último tempo;
na qual exultais, ainda que agora por um pouco de tempo, sendo necessário, estejais
contristados por várias provações, para que a prova da vossa fé, mais preciosa do
que o ouro que perece, embora provado pelo fogo, redunde para louvor, glória e
honra na revelação de Jesus Cristo; a quem, sem o terdes visto, amais; no qual, sem
agora o verdes, mas crendo, exultais com gozo inefável e cheio de glória,
alcançando o fim da vossa fé, a salvação das vossas almas.
191
O Apóstolo Pedro diz que o sofrimento é comparado à ação do fogo. Ser queimado
não parece ser o divertimento predileto das pessoas, mas a partir da compreensão da ação
múltipla do fogo pode-se compreender que Pedro estava se referindo ao sofrimento. O fogo
destrói, consome, aniquila, mas fogo constitui-se num elemento purificador. O fogo põe à
prova o ouro. Da mesma forma o processo de confirmação da vida em é comparado ao
processo da depuração do ouro pelo fogo. “O ouro, mesmo o mais puro, simplesmente não
passa na prova da eternidade. Mas a nossa fé passa”
192
.
O sofrimento é para nos provar e não para nos destruir. É o cadinho onde o metal é
purificado. O fogo destrói a escória, enquanto purifica mais o metal. É esta a imagem que
190
STANLEY, Charles. A Arte de Superar Problemas. Uma solução espiritual para vencer as grandes
adversidades da vida. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2007. p. 93.
191
Bíblia Sagrada. I Pedro 1.6-7.
192
MACARTHUR, John, Jr. O Poder do Sofrimento: O propósito das provações na vida do crente. Rio de
Janeiro: CPAD, 2003. p. 120.
67
vem à mente do salmista quando diz: “Pois tu, ó Deus, nos provaste; tu nos afinaste como se
afina a prata”
193
. À semelhança de um forno para fundição de minérios, no qual o metal era
derretido para ser purgado dos elementos estranhos, Deus por meio do sofrimento realiza a
mesma purificação em algumas pessoas.
7.5 Para conduzir à dependência de Deus
E, para que não me exaltasse pela excelência das revelações, foi-me dado um
espinho na carne, a saber, um mensageiro de Satanás para me esbofetear, a fim de
não me exaltar. Acerca do qual três vezes orei ao Senhor para que se desviasse de
mim. E disse-me: A minha graça te basta, porque o meu poder se aperfeiçoa na
fraqueza. De boa vontade, pois, me gloriarei nas minhas fraquezas, para que em mim
habite o poder de Cristo. Por isso sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas
necessidades, nas perseguições, nas angústias por amor de Cristo. Porque quando
estou fraco então sou forte
194
.
Paulo é o Apóstolo que mais fala da graça de Deus no Novo Testamento. Isso não
acontece por acaso, visto que também foi um dos que mais experimentou a graça de Deus. De
perseguidor se tornou perseguido, pela que antes perseguia. Foi no momento das lutas, das
privações, das tribulações, das perdas, que Paulo mais aprendeu a depender de Deus e da sua
graça. Paulo, como ele próprio se refere em Filipenses 3, tinha muito que se gloriar na carne:
era da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreu, quanto à lei fariseu,
mestre em Israel, cidadão romano, intelectual, justo e irrepreensível no proceder, um religioso
por excelência; criado aos pés de Gamaliel, um mestre muito reputado pelos religiosos judeus.
Na defesa de seu ministério apostólico aos irmãos de Corinto, Paulo fala de visões,
revelações, e arrebatamentos que tivera na experiência transcendental com Deus. Revelações
estas, que poderiam deixá-lo ensoberbecido, envaidecido. Deus, porém, na sua excelsa
sabedoria, permitiu que um espinho de Satanás, o tocasse, para que a grandeza das revelações
não o envaidecesse, e o tirasse da bênção e da obra que Deus iria realizar através dele. Paulo
nos deixou um legado precioso que aprendeu com o sofrimento.
O texto fala de um mensageiro de Satanás, mas com um propósito bem definido por
Deus “a fim de que não me exalte”. Aquele sofrimento foi infligido por Satanás, mas servindo
a um propósito de Deus. O propósito de Deus era mantê-lo na mais absoluta dependência do
Senhor. O texto traz um princípio maravilhoso: Num contexto de perdas, fraquezas,
193
Bíblia Sagrada. Salmo 66:10.
194
Bíblia Sagrada. II Coríntios 12:7-10.
68
dificuldades, o que se vislumbra não é a aproximação da derrota, mas do aprendizado, da
dependência de Deus. Aquele espinho na carne acompanhou Paulo pelo resto de sua vida. O
sofrimento pode ter vida longa, mas serve a um propósito de Deus. Muitas vezes o sofrimento
é o caminho para a depedência de Deus.
“Famintos e sedentos, desfalecia neles a alma. Então, na sua angústia, clamaram ao
Senhor e Ele os livrou das suas tribulações”
195
. O sofrimento é a porta de entrada para
aprendermos a depender de Deus. O homem que sempre confiou no dinheiro, talvez nunca
sinta necessidade de Deus até que sua fortuna se vá. Em meio ao sofrimento Deus faz ecoar a
sua voz no coração de Paulo quando diz “a minha graça te basta”.
7.6 Para a glória de Deus
Ao abordar o papel da dor na vida das pessoas Charles Stanley diz:
O sofrimento é o meio pelo qual Deus traz glória a si mesmo e a seu filho. Embora
geralmente seja a última coisa a ser considerada como tal, o sofrimento é a
ferramenta mais útil de Deus. Nada se compara quando se trata de glorificar a Deus,
porque nada mais põe em destaque a nossa dependência, nossa fraqueza e a nossa
insegurança quanto o sofrimento.
196
Veja-se o texto do Evangelho de João 9:1-3: “E passando Jesus, viu um homem cego
de nascença. Perguntaram-lhe os seus discípulos: Rabi, quem pecou, este ou seus pais, para
que nascesse cego? Respondeu Jesus: Nem ele pecou nem seus pais; mas foi para que nele se
manifestem as obras de Deus”. O texto demonstra claramente que o sofrimento daquele
homem tinha um propósito bem definido: A glória de Deus! O texto também ajuda a elucidar
uma inverdade que paira sobre muitos. Nem todo sofrimento representa um castigo por algum
pecado específico. A resposta de Jesus aos discípulos chocou e continua chocando a muitos.
“Nem ele pecou nem seus pais; mas foi para que nele se manifestem as obras de Deus”.
Parece absurdo, mas o sofrimento pode ser para a glória de Deus. Não são poucos os casos em
que o sofrimento resultou em glória para Deus.
O sofrimento pode ser:
195
Bíblia Sagrada. Salmo 107:5, 6.
196
STANLEY, Charles. A Arte de Superar Problemas. Uma solução espiritual para vencer as grandes
adversidades da vida. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2007. p. 47.
69
PREVENTIVO ( 2Cor 12:1-10); cf. Rm 8:34;
CORRETIVO (Hb 12:3-15), pois tem como resultados possíveis tanto a santidade
quanto o fruto pacífico da justiça (cf. também Jo 15:2; 1 Co 11:29-32; 1 Jo 5:16).
EDUCATIVO. Os cristãos podem ser ampliados em sua vida espiritual pelo
sofrimento. Ainda que Filho, Cristo aprendeu a obediência pelas coisas que Ele
sofreu (Hb 5:8).
197
Ao tratar do porquê do sofrimento Chafer sumariza acima seu entendimento em três
propósitos pelos quais Deus permite que se sofra.
197
CHAFER, 2008, v.7 e 8, p. 261.
70
8 CONCLUSÃO, DOIS APÊNDICES E UMA PERGUNTA
Sabe-se que o sofrimento não faz acepção de pessoas. Assim como a graça comum
vem sobre todos e o sol brilha sobre justos e injustos e assim como a chuva cai sobre bons e
maus, todos estão sujeitos a enfrentar os dilemas do sofrimento.
“A dor é inevitável, mas o tormento é opcional”
198
, ou seja, a dor não precisa
necessariamente se tornar algo tormentoso. Pode-se evitar que a dor acenda fogueiras de
ressentimentos e amarguras. A vida cristã não é uma apólice de seguros contra o sofrimento,
ao contrário, a Bíblia é sobeja em apontar para o cristão um sofrimento diferenciado e mais
agudo. Citado por Kendall, Charles Coulson traduziu bem essas verdades ao dizer: “Jesus não
promete que nos tirará do fogo; promete entrar no fogo conosco”
199
.
Em qualquer evento ou ação das criaturas neste mundo criado Deus sempre deve ser
considerado como a causa primária e os seres racionais as causas secundárias. Não existe
nenhum caso onde um ser humano ou angélico age independentemente de uma ação divina.
Não existe nenhum ser autônomo, exceto Deus, porque este pode agir imediatamente em
qualquer coisa, sem depender de ninguém.
Sabe-se bem que nem todos aceitam a autoridade da Bíblia, e por causa disso, outros
sistemas de verdades o utilizados. Ora, o que se entende é que o ceticismo em relação à
Bíblia pode se tornar um sistema de verdade, por conseguinte todas as cosmovisões não
cristãs buscam fundamentação em outras fontes para endossar suas pressuposições.
Apresentatamos ao longo desta exposição várias concepções filosóficas e religiosas
que buscam entender o sofrimento. Na ambiência teísta apresentamos as várias correntes
teológicas e suas contribuições na busca de um entendimento sobre o mal. Contudo,
enxergamos na teologia reformada os argumentos mais palusíveis sobre o assunto que norteou
esta dissertação. A Bíblia, segundo essa corrente teológica, não apresenta apenas um sistema
de verdades acerca do sofrimento, mas gira em torno do maior sofredor que já existiu.
198
RICHARDS, James B. Como Parar a Dor. Belo Horizonte/BH: Motivar, 2005. p. 141.
199
KENDALL, R.T. Esboços de Teologia, Doutrina e Sermões. São Paulo: Candeia, 2007. p. 537.
71
8.1 O maior sofredor que existiu: Jesus
James Long ao se referir ao início do ministério de Jesus com o pronunciamento das
bem-aventuranças se impressiona com “a maneira ímpar de começar um sermão e uma
carreira. Oito pronunciamentos delineando a alegria coexistindo com a dor”
200
. Jesus começa
seu ministério fazendo alusão à dor e ao sofrimento, mas também da possibilidade de
experimentar uma alegria sobrenatural se o pior da vida sobrevier. Jesus fala do sofrimento e
o experimenta numa dimensão que foge à compreensão humana.
No livro de Ervin Lutzer “As Dez Mentiras sobre Deus” um capítulo nos
impressiona. Deus sofre
201
! Deus não é indiferente ao sofrimento. Jesus é a melhor resposta
de todas ao problema do mal. O Deus-homem suportou tudo o que nós suportamos, mas numa
dimensão muito mais elevada. Ao experimentar o sofrimento Jesus mostrou ao mundo que
ninguém entende o sofrimento ou o problema do mal tão bem quanto o próprio Deus. Em
plena tragédia da Segunda Guerra Mundial, dizia Dietrich Bonhoeffer: “somente um Deus que
sofre pode nos ajudar”
202
.
O sofrimento de Deus em Cristo foi necessário para a redenção da humanidade, pois
não poderia haver perdão sem a cruz. Que exemplo tremendo Cristo forneceu quando Ele
resistiu à dor, humilhação e vergonha diante da aparente vitória do mal! “Deus estava em
Cristo reconciliando consigo o mundo”
203
. Pannenberg também entende assim que “a própria
mensagem da reconciliação do mundo pela morte de Cristo representa uma resposta à
existência do mal e dos males no mundo”
204
. Que vitória plena o Filho de Deus obteve na sua
ressurreição, vencendo a morte e os poderes do mal e garantindo a vitória final dos redimidos!
Quando se reconhece que Aquele que foi pregado na cruz é o mesmo que disse:
“Quem me a mim o Pai”
205
, sabe-se que nenhuma angústia ou sofrimento humano está
além do seu conhecimento ou entendimento. Antes, o apóstolo Pedro adverte com as
seguintes palavras:
Pois que glória há, se, pecando e sendo esbofeteados por isso, o suportais com
paciência? Se, entretanto, quando praticais o bem, sois igualmente afligidos e o
suportais com paciência, isto é grato a Deus. Porquanto para isto mesmo fostes
200
LONG, James. Por Que Deus Fica Em Silêncio Quando Mais Precisamos Dele? Rio de janeiro: CPAD,
2005. p. 122.
201
LUTZER, Erwin. 10 Mentiras sobre Deus. São Paulo: Vida, 2003. p. 83.
202
BONHOEFFER, Dietrich. Resistência e Submissão. Castas e anotações escritas na prisão. São Leopoldo/RS:
Sinodal/EST, 2003. p. 638.
203
Bíblia Sagrada. II Coríntios 5:19a
204
PANNENBERG, 2009, p. 822.
205
Bíblia Sagrada. João 14:9
72
chamados, pois que também Cristo sofreu em vosso lugar, deixando-vos exemplo
para seguirdes os seus passos, o qual não cometeu pecado, nem dolo algum se achou
em sua boca; pois ele, quando ultrajado, não revidava com ultraje; quando
maltratado, não fazia ameaças, mas entregava- se àquele que julga retamente
206
.
Nenhum homem pode seguir os passos de Jesus e esperar escapar do sofrimento.
Deus e o Seu Filho sofreram muito para redimir o homem dos seus pecados. Se Deus pode
transformar a vergonha da cruz em glória e vitória, Ele pode ajudar a transformar as cruzes de
tristeza e adversidade em coroas de glória e formosura.
Essas assertivas contradizem os “apóstolos” da prosperidade que “profetizam” uma
vida alheia e a margem do sofrimento. É pouco provável que Deus possa usar grandemente
qualquer homem até que Ele o tenha experimentado no sofrimento.
Ainda sobre o exemplo de Cristo, Kendal identifica 10 veis da dimensão da dor de
Jesus à luz do Evangelho de Mateus:
1. Relacionamentos na família (João 7:1-5);
2. Condições de vida (Mateus 8:20);
3. Ser mal compreendido (2:18,19);
4. Ser ridicularizado (Mateus 9:24);
5. Solidão (Mateus 26:45);
6. Humilhação (Mateus 27:28 ss);
7. Julgamento injusto (Mateus 27);
8. Tormento emocional (Mateus 27:40);
9. Dor física (Mateus 27:32-25);
10. Dor espiritual (Mateus 27:46)
207
.
Não há dor que Jesus não tenha experimentado e a cruz de Cristo nos oferece grandes
respostas para o problema do sofrimento. Ravi Zacharias sumariza em três:
208
A Cruz simboliza a ira do homem contra Deus. Não limites para onde qualquer
um de nós pode chegar longe de Deus. Não foi a quantidade de mal que levou Cristo à cruz,
mas a sua realidade. A cruz é o retrato da suprema rebelião do homem contra Deus.
Assim como a cruz simboliza a degradação do homem e o mal que ele pode produzir
em seu estado de rebelião contra Deus, a cruz de Cristo retrata o alcance do amor de Deus
pelo homem falido de qualquer inclinação para bem. O perdão de Deus na cruz nos possibilita
enxergar um novo começo.
206
Bíblia Sagrada. I Pedro 2:20-23.
207
KENDALL, 2007, p.541
208
ZACARIAS, Ravi. Pode o Homem Viver Sem Deus? São Paulo: Mundo Cristão, 1997. p. 223.
73
A cruz de Cristo é a mais contundente voz de que Deus não está longe do sofrimento,
antes Ele o experimentou na sua maior extensão. Deus fez algo a respeito do sofrimento,
mostrou toda a sua malignidade e sua abrangência na cruz, mas também extraiu desse maior
mal a cura para todas as dores: o perdão eterno. “Os apóstolos consideravam a morte de Cristo
como símbolo da soberania de Deus sobre o sofrimento”
209
. E como evidência da operação da
soberania de Deus sobre as forças do mal disseram: “Porque verdadeiramente se ajuntaram,
nesta cidade, contra o teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, não Herodes, mas também
Pôncio Pilatos com os gentios e os povos de Israel; para fazerem tudo o que a tua mão e o teu
conselho predeterminaram que se fizesse”.
210
Antes da fundação do mundo Deus planejara
transformar a morte de seu Filho amado, que parecia ser uma derrota trágica, em a mais
extraordinária vitória da humanidade. Como disseram Karin Wondracek e Carlos Hernández
o paradoxo da cruz serve para expressar a tensão entre realidades conflitantes, pois “na cruz
está colocado o autêntico problema da humanidade: a miséria do mundo e a vitória sobre o
mesmo”
211
.
8.2 O céu como parte da resposta
Não respostas simples para a questão do sofrimento. O calvário apresenta a mais
contundente resposta ao sofrimento. Uma resposta prevista antes da fundação do mundo. No
calvário havia três cruzes. Uma para um justo e duas para dois malfeitores. Um inocente e
dois culpados. Sobre o sofrimento essas três cruzes trazem uma realidade: neste mundo
sofrem justos e culpados. Gente inocente e gente inescrupulosa estão sujeitas as mazelas e à
dor. Todos sofrem, inclusive o filho de Deus sofreu.
Muitas das respostas relativas ao sofrimento não serão obtidas aqui na terra. é um
exemplo claro de que das suas dezesseis perguntas alçadas ao céu nenhuma foi respondida.
Contudo uma palavra final precisa ser dita em relação ao sofrimento humano: essa palavra é
“céu”. “Porque a nossa leve e momentânea tribulação produz para nós eterno peso de glória,
209
FERNANDO, Ajith. A Supremacia de Cristo. Conhecendo o único caminho. São Paulo: Shedd Publicações,
2002. p. 213.
210
Bíblia Sagrada. Atos 4:27,28.
211
WONDRACEK, Karin. HERNÁNDEZ, Carlos. Aprendendo a Lidar Com Crises. São Leopoldo/RS: Sinodal,
2008. p, 75.
74
acima de toda comparação”
212
. Nesta vida, mesmo com o auxílio da filosofia e teologia ,
assim como ciências afins perguntas ficarão sem respostas, portanto não poderemos elucidar
em detalhes cada sofrimento humano. Mas além desta vida existe uma resposta para toda a
dor. Um lar preparado pelo próprio Deus. Lá, todas as lágrimas serão extintas dos olhos.
Nesse mundo além da dor não haverá tristeza, só alegria.
Enquanto isso, nas palavras de Ron Dunn: “Alegria não é a ausência de dor, mas a
presença de Deus”
213
. Jesus carregou o fardo da cruz para que o homem tenha acesso a essa
alegria nesta vida. Os apóstolos e os mártires enfrentaram cárceres e perseguições para
preservar as boas novas da vida eterna. Enquanto viaja-se rumo a essa morada, fitando os
olhos na direção da cidade cujo construtor e idealizador é Deus, descobre-se que o fardo fica
mais leve. Pode-se olhar além das lutas e frustrações desta vida e fazer eco com o autor do
livro de Eclesiastes de que o melhor ainda está por vir.
No sofrimento a última palavra é de Deus. Para aqueles que confiam no Senhor
mesmo nas circunstâncias mais terríveis, o plano de Deus se cumprirá cabalmente e então
serão experimentadas a promessa que todas as coisas “concorrem para o bem daqueles que
amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito”
214
. Enquanto o céu não
chega bem tem razão o pastor Marcelo Aguiar ao dizer “que o canto mais bonito que existe é
o do rouxinol, um pássaro que canta de noite. Da mesma forma, o louvor mais belo é
aquele prestado ao Senhor nas horas escuras da tribulação”
215
. Não noite tão escura que
Deus não possa inspirar “canções durante a noite”
216
.
Sofrer sempre será um desafio à mente humana até que se chegue ao céu. Porém,
pode-se encontrar algum significado no sofrimento à medida que afirma e confia na
providência de Deus mesmo em momentos em que não se entende o que está acontecendo.
São oportunas as palavras de Millard Erickson a esse respeito:
Se esta vida fosse única, com certeza o problema do mal seria insolúvel. Mas a
doutrina cristã da vida futura ensina que haverá um grande tempo de julgamento.
Cada pecado será reconhecido e os fiéis também serão revelados. O julgamento será
totalmente justo. A punição para o mal será ministrada, e a dimensão final da vida
eterna será assegurada para os que tiverem atendido à oferta amorosa de Deus.
217
Enquanto esse dia não chega o sofrimento pode ser a voz mais audível de Deus para
aqueles que estão anestesiados seja pela dor, seja pelo distanciamento de Deus. De novo as
212
Bíblia Sagrada. II Coríntios 4:17.
213
DUNN, Ron. Por Que Deus Não Me Cura? São Paulo: Mundo Cristão, 1999. p. 213.
214
Bíblia Sagrada. Romanos 8:28.
215
AGUIAR, Marcelo. Nos Desertos da Vida. Belo Horizonte: Betânia, 2000. p. 85
216
Bíblia Sagrada. Jó 35:11.
217
ERICKSON, 2005, p. 191.
75
palavras de Lewis são oportunas: “Deus nos sussurra em nossos prazeres, fala em nossa
consciência, mas brada em nosso sofrimento: o sofrimento é o megafone de Deus para
despertar um mundo surdo”
218
. Mas, um dia estaremos no céu e como disse John Flavel “quão
belo será ver, de uma vez, todo o plano da providência e a razão exata para cada ato de
Deus”
219
.
8.3 Sua cabana está em chamas?
Em desespero, mas orando fervorosamente para Deus o salvar o único sobrevivente
de um naufrágio conseguiu chegar a uma pequena ilha desértica. Diariamente o náufrago
olhava atentamente o horizonte à espera de ajuda, mas a esperança ia desaparecendo à medida
que os dias se estendiam. Em meio à desesperança ele resolveu construir uma pequena cabana
de madeira e palhas para se proteger e guardar os poucos pertences que lhe serviram de salva-
vidas. Um dia após retornar a sua cabana depois de uma enfadonha procura de algo para
comer, para sua surpresa e apreensão, chocou-se a terrível cena de sua cabana em chamas cuja
fumaça alcançava os céus. O pior tinha acontecido. Tudo que restava se tornou em cinzas. O
náufrago ficou atordoado e bradou aos céus: "Deus, como pôde fazer isso comigo! Tudo que
me restava virou cinzas." Silêncio! Porém, cedo do dia seguinte ele foi despertado pelo som
de um navio que estava chegando à ilha. O navio havia chegado para salvá-lo. Num misto de
euforia, lágrimas e sorrisos ele pergunta: "Como vocês sabiam que eu estava aqui?" "Nós
vimos o sinal da fumaça", responderam os tripulantes.
Esta pequena explica porque Robert K. Hudnut em seu livro Encontrando Deus na
Escuridão repete com tanta frequência e expressão “a esperança nasce no desespero”. A
esperança nasce do desespero, termo que cuja raiz significa “sem esperança”. A esperança
começa onde nós terminamos”
220
.
A pequena história também pode refletir o pensamento de Eckhart Tolle de que o
sofrimento deseja sobreviver, mas para isso precisa conseguir que nos identifiquemos
inconscientemente com ele. “Sofrimento só se alimenta de sofrimento. Não consegue se
218
LEWIS, 2001, p. 105.
219
FLAVEL, 1987, p. 8.
220
HUDNUT, Robert k. Encontrando Deus na escuridão. São Paulo: Candeia, 1996. p. 235.
76
alimentar de alegria. Acha-a indigesta”
221
. Não se alimente de sofrimento. Faça uma dieta
contra o sofrimento, pois como bem disse alguém: “no precipício nós mudamos”
222
.
Deus está trabalhando em nossas vidas, até mesmo em meio à dor e o sofrimento.
Lembre-se, da próxima vez em que sua cabana estiver em chamas, aquilo que pode ser apenas
cinzas pode também ser um sinal em forma de fumaça da providência de Deus
223
. Ainda que
se esteja como náufragos nas ilhas do sofrimento é preciso fazer ecoar essas palavras no
coração: “nosso futuro não depende das circunstâncias. Nosso futuro não está em nossas
mãos. Nosso futuro não depende de governos e governantes. Nosso futuro não está à deriva.
Nosso futuro está nas mãos do Senhor”
224
.
Diante da certeza de que o mal e o sofrimento constam do decreto de Deus e o
profeta Amós sabia disso quando diz acerca do Senhor: “Ocorre alguma desgraça na cidade,
sem que o Senhor a tenha mandado? Temamos ao Deus que tudo controla, inclusive o seu, o
meu, o nosso sofrimento. O sofrimento não é obra do acaso. O mal e o sofrimento fazem parte
do plano de Deus antes da fundação do mundo. O sofrimento serve a propósitos de Deus. O
profeta Jeremias expressa essa certeza quando diz:
Embora entristeça a alguém, contudo terá compaixão segundo a grandeza da sua
misericórdia. Porque não aflige nem entristece de bom grado os filhos dos homens...
Quem é aquele que manda, e assim acontece, sem que o Senhor o tenha ordenado?
Não sai da boca do Altíssimo tanto o mal como o bem?
225
Aos que sofrem, o lenitivo das Escrituras Sagradas é expresso em simples sentenças
proferidas por Hernandes Dias Lopes:
Deus não nos poupa do sofrimento, mas caminha conosco pelo sofrimento Is 43:1-3;
Sl 23:4;
Deus trabalha as circunstâncias dolorosas da nossa vida e as canaliza para o nosso
bem (Gn 50:20; Rm 8:28);
Deus transforma as circunstâncias adversas em benefício para nós (Sl 84:5-7);
Mesmo que as circunstâncias não mudem, Deus mesmo é a razão da nossa alegria
Hc 3:17-18);
Podemos nos alegrar nas próprias tribulações (Rm 5:3-5; Tg 1:2)
226
.
Bem disse A. W. Pink que não devemos ter qualquer hesitação em dizer:
221
TOLLE, Eckhart Tolle. O Poder do Agora. Um guia para a iluminação espiritual. Rio de Janeiro: Sextante,
2002. p. 40.
222
NETO, Manoel. Quando Tudo Falha: As Crises Revelam Quem Verdadeiramente Somos. São Leopoldo/RS:
CEBI, 2009. p. 47.
223
Extraído e adaptado a partir de uma ilustração disponível em:
<http://www.hermeneutica.com/ilustracoes/necessidade.html>. Acesso em: 28 mar. 2008.
224
NETO, Manoel. Esperança: Certezas Para Tempos de Incertezas. São Leopoldo/RS: CEBI, 2009. p. 94.
225
Bíblia Sagrada. Lamentações 3:32-33, 37-38:
226
LOPES, Hernandes Dias Lopes. Como Enfrentar o Sofrimento Vitoriosamente. São Paulo: Arte Editorial,
2009. p. 21.
77
O mal que Ele abençoa é nosso bem,
E o bem que Ele não abençoa é o nosso mal,
Se for da terna vontade de Deus,
Tudo é certo, por mais errado que pareça
227
.
A palavra final sobre o sofrimento que insiste em querer ser um desafio à e um
obstáculo à teologia que refuta o fato de Deus haver decretado o mal é a de Pannenberg:
Enquanto permanecer sólida a em Deus, o Criador, a questão da teodiceia não
pode realmente ameaçá-la, porque faz parte de uma fé dessas sempre a convicção da
superioridade de Deus e de seus desígnios sobre todo o entendimento das criaturas.
É somente quando a existência do Criador é tratada como suposição problemática,
carente de fundamentação, que o problema da teodiceia adquire importância, sendo
facilmente o motivo do ateísmo
228
.
Finalmente a última palavra acerca da dor e do sofrimento é a que faz coro com Ruth
Tucker: “Não sei por que algumas pessoas se afligem mais que outras com uma sensação de
ausência de Deus, mas quanto a mim, procurarei ser fiel a Deus mesmo se meu único habitat
for na paisagem ao lado de pessoas que viram Deus excluído de seus horizontes”
229
.
227
PINK, A.W. A Soberania de Deus. São Paulo: Fiel, 2002. p. 168.
228
PANNENBERG, 2009, p. 825.
229
TUCKER, 2008, p. 171.
78
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