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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAIS
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
PADRES E BISPOS EMÉRITOS: Um Estudo Sobre os Processos da
Aposentadoria e da Velhice
Paula Vieira Pires
Belo Horizonte
2010
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1
Paula Vieira Pires
PADRES E BISPOS EMÉRITOS: Um Estudo Sobre os Processos da
Aposentadoria e da Velhice
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Psicologia.
Orientador: Drº. José Newton Garcia de Araújo
Belo Horizonte
2010
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FICHA CATALOGRÁFICA
Elaborada pela Biblioteca da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
Pires, Paula Vieira
P667p Padres e bispos eméritos: um estudo sobre os processos da
aposentadoria e da velhice / Paula Vieira Pires. Belo Horizonte,
2010.
93f. : il.
Orientador: José Newton Garcia de Araújo
Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais.
Programa de Pós-Graduação em Psicologia.
1. Sacerdotes - Aposentadoria. 2. Trabalho. 3. Velhice. I.
Araújo, José Newton Garcia de. II. Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. III.
Título.
CDU: 331.25:262.14
3
Paula Vieira Pires
PADRES E BISPOS EMÉRITOS: Um Estudo Sobre os Processos da
Aposentadoria e da Velhice
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação Stricto Sensu em Psicologia da Pontifícia
Universidade Católica de Minas Gerais como
requisito parcial para obtenção do título de Mestre
em Psicologia.
José Newton Garcia de Araújo (Orientador) – PUC Minas
Rosângela Dutra de Moraes - UFAM
Willian Cesar Castilho Pereira - PUC Minas
João Leite Ferreira Neto– PUC Minas
Belo Horizonte, 02 de Julho de 2010
4
“A maior recompensa do nosso trabalho não é o que nos pagam por ele, mas aquilo em
que ele nos transforma.”
(John Ruskin)
“Para além das perdas, a velhice adquire muito mais que a famosa aptidão à serenidade
e à lucidez; ela permite que se chegue a uma plenitude mais acabada” (Lou Salomé)
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AGRADECIMENTOS
Esta dissertação é uma conquista sonhada e compartilhada como muitas pessoas, às
quais, de forma especial, gostaria de agradecer imensamente o apoio, a ajuda e o incentivo.
Agradeço primeiramente a Deus pelo dom da vida e do entendimento que nos capacita
na construção de trabalhos como esse e na missão de buscar a cada dia um mundo melhor, por
me mostrar cada vez mais que a Fé e a Razão são duas asas que nos elevam ao Céu.
Agradeço a todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da
PUC Minas, a generosidade em compartilhar conosco seus conhecimentos e nos ajudarem a
trilhar os caminhos da produção acadêmica.
De forma especial agradeço a todos os Padres e Bispos que participaram desse estudo,
foi uma experiência única ouvir e aprender com cada um dos senhores, minha pesquisa, sem a
riqueza de suas experiências, não faria o menor sentido.
Agradeço também à Coordenação e aos colegas do curso de Psicologia da UNEC
Centro Universitário de Caratinga – o apoio e incentivo constantes. Aos amigos do Seminário
Diocesano Nossa Senhora do Rosário em Caratinga, agradeço a acolhida e por terem, por
vezes, diretamente, participado desta pesquisa. Em especial agradeço ao Monsenhor Levi que
infelizmente faleceu alguns meses e não pôde ver a versão final de um trabalho que ele
acompanhou de perto. Sou grata ao senhor, que deixou saudades!!!!
Em especial agradeço ao meu querido orientador Professor José Newton, que com sua
generosidade, sabedoria e gentileza soube me acompanhar nesta jornada, respeitando meu
tempo e me ajudando a assumir o meu jeito de ser pesquisadora. Obrigada, o senhor foi uma
ótima companhia nesse tempo. Também aos professores Willian Castilho e João Leite pelas
contribuições que enriqueceram e foram imprescindíveis para a construção deste estudo.
Ao Kleider, meu amor e companheiro de todas as horas, que me acompanhou em todas
as entrevistas que realizei, e que com toda a paciência soube me ajudar e estimular quando
estava desanimada e sem inspiração. Essa vitória não é minha, e sim nossa. Te amo!! À
minha família agradeço o amor incondicional, o respeito a minhas necessidades e a
compreensão de minhas ausências. Mãe, Pai e irmão, amos vocês.
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RESUMO
A investigação trata do estudo sobre os processos psicossociais advindos da entrada de Padres
e Bispos na emeritude, a partir de um corpus teórico ligado aos conceitos de trabalho,
atividade, aposentadoria, emeritude e velhice, além de uma pesquisa de campo. A emeritude
pode ser entendida como o processo de aposentadoria de Padres e Bispos Diocesanos após
completarem 75 anos de idade. A partir desse momento, eles ficam desabrigados de suas
funções enquanto Pároco e Bispo Diocesano. Os processos psicossociais envolvidos aqui
seguem uma lógica singularizada, uma vez que cada clérigo, a partir da maneira como entende
seu exercício sacerdotal, os novos projetos de vida possíveis após a emeritude, bem como os
desdobramentos advindos do seu processo de envelhecimento, constrói uma forma particular
de viver essa nova fase da vida. Diante disso, nota-se que alguns clérigos conseguiram
construir um significado social, afetivo e laboral mais satisfatório para a emeritude, enquanto
outros o fizeram de uma forma menos favorável. Discutem-se, ao longo dessa investigação, os
conceitos de trabalho e atividade segundo autores como Marx (1980), Clot (2006) e Viegas
(1989). A discussão sobre os processos de envelhecimento, aposentadoria e emeritude
norteou-se por autores como Santos (1990), Beauvouir (1990) e Bosi (2004). A pesquisa de
campo baseou-se na abordagem qualitativa com a utilização de uma entrevista semi-
estruturada. Participaram da pesquisa seis Padres e três Bispos. Os dados obtidos foram
trabalhados à luz da análise de conteúdo, metodologia mais favorável à discussão e
compreensão dos processos ligados à emeritude. Julgamos que os dados obtidos foram
essenciais para a compreensão dos processos psicossociais que envolvem a emeritude. Os
entrevistados demonstraram uma visão heterogênea do exercício das atividades ligadas ao
sacerdócio, bem como daquelas não-ligadas ao ministério as quais passam a ser mais
frequentes após se tornarem eméritos. A percepção do próprio processo de envelhecimento é
vivenciada de maneira particularizada. Muitas vezes, o outro aponta a velhice alheia, e esse
apontamento influencia o processo de construção do significado pessoal de ser velho e de
como ser visto na velhice. Por fim, aparecem também questões relacionadas ao
reconhecimento do trabalho e às novas possibilidades, para os clérigos, de após a emeritude
encontrarem possibilidade de atividades mais ligadas ao desejo e à realização.
Palavras-chaves: Clérigo, Trabalho, Emeritude e Velhice.
7
ABSTRACT
The research deals with the study of the psychosocial processes arising from the entry of
priests and bishops in emeritude, from a theoretical corpus on the concepts of work, activity,
retirement, emeritude and old age, and a survey. The emeritude can be understood as the
process of retirement of Priests and Bishops Diocesan after completing 75 years old.
Thereafter, they become homeless in their duties as parish priest and diocesan bishop. The
psychosocial processes involved here follow a logical singularized, since each cleric, from the
way we understand their exercise priestly, new life projects possible after emeritude as well as
the developments arising out of your aging process, build a form Personal live this new life
stage. Therefore, it is noted that some clerics were able to build a meaningful social,
emotional and work more satisfying for emeritude, while others did so in a manner less
favorable. Are discussed along this research, the concepts of work and activity according to
authors such as Marx (1980), Clot (2006) and Viegas (1989). The discussion about the
processes of aging, retirement and emeritude was guided by authors such as Santos (1990),
Beauvouir (1990) and Bosi (2004). The field research was based on a qualitative approach to
the use of a semi-structured interview. Participated in the survey six priests and three bishops.
The data obtained was the light of the content analysis methodology that is conducive to
discussion and understanding of the processes related to emeritude. We believe that the data
were essential for the understanding of psychosocial processes that involve emeritude.
Respondents showed a heterogeneous view of the pursuit of activities related to the
priesthood, and those from non-related to the ministry which will then be more frequent after
becoming emeritus. The perception of the aging process itself is experienced individualized.
Often, the other points the age of others, and this influences the appointment process of
constructing personal meaning of being old and how to be seen in old age. Finally, questions
also appear to recognize the work and new opportunities for the clergy, after emeritude the
possibility of finding more activities linked to the desire and fulfillment.
Keywords: Cleric, Work, Emeritude and old age.
8
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................9
2. METODOLOGIA........................................................................................................... 13
2.1 Participantes da pesquisa....................................................................................... 14
2.2 Procedimento de coleta dos dados das entrevistas ..............................................18
2.3 Descrição do instrumento ......................................................................................19
2.4 Metodologia de análise e interpretação dos dados ..............................................20
3. TRABALHO E APOSENTADORIA............................................................................22
3.1 Discussão da categoria trabalho............................................................................ 24
3.2 O trabalho do clérigo como produção .................................................................. 27
3.3 A função psicológica do trabalho .......................................................................... 37
3.4 O padre e o bispo emérito: Aposentadoria ou renúncia ao trabalho?............... 47
4. VELHICE E EMÉRITOS..............................................................................................61
4.1 O cenário do envelhecimento na contemporaneidade......................................... 61
4.2 O cenário do envelhecimento na igreja católica ..................................................65
4.3 Processos psicossociais da velhice .........................................................................69
4.4 Velhice e emeritude ................................................................................................79
5. CONCLUSÃO................................................................................................................. 85
6. BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................ 90
9
1. INTRODUÇÃO
O tema do presente estudo são os processos psicossociais desencadeados pela entrada
dos clérigos seculares ou diocesanos na emeritude e na velhice. Esse tema foi lapidado
durante um bom tempo, que, antes mesmo de pensar em pesquisá-lo como uma proposta
acadêmica, eu já havia trabalhado com um grupo com esse perfil. O meu interesse pelo
assunto uniu dois temas sempre recorrentes na minha vida acadêmica e pessoal, vou tentar
explicar.
Quando ainda estava na graduação de psicologia, em Juiz de Fora, participava de um
grupo de oração dentro da faculdade, Grupo de Oração Universitário (GOU), que faz parte da
Igreja Católica diretamente ligada ao movimento da Renovação Carismática. Participar do
GOU durante os cinco anos da graduação me colocou sempre em contato direto com o clero
da igreja, padre e bispos. Um bispo em especial, arcebispo auxiliar em Juiz de Fora na época,
e homem muito ligado a questões educacionais, sempre nos estimulou a pensar a unida à
razão. Nesta mesma época, tive os primeiros contatos com o lar sacerdotal, lugar que abriga
padres e bispos idosos, necessitados de auxílio, e me vi envolvida com a primeira questão:
quando um padre envelhece, o que acontece com ele dentro da igreja? Sabia que casas como
aquela eram poucas, então ficava me questionando sobre onde estariam os outros.
Na faculdade, eu era bolsista do CNPq em uma pesquisa que traçava o perfil do
envelhecimento saudável na cidade de Juiz de Fora. Nossa amostra era grande, mais de 900
idosos, que se tratava de uma pesquisa Survey, e eu aplicava os questionários que, em
média, duravam uma hora e meia com cada idoso. Conversei com cerca de 200 idosos, ao
longo de dois anos, e, realmente, fiquei muito interessada pela discussão sobre velhice, idosos
e envelhecimento.
Assim, acabei unindo as duas coisas neste estudo, que reflete, então, sobre as questões
relacionadas com a velhice dentro da igreja católica. Para tanto, restringi minha discussão aos
clérigos eméritos, ou seja, padres e bispos com mais de 75 anos que, perante a igreja, são
desobrigadas das funções de pároco e bispo diocesano. Ademais, decidi discutir a velhice e
seus desdobramentos após a entrada na emeritude, uma espécie de aposentadoria que será
explicitada mais adiante.
Discutir a velhice é assunto em voga algum tempo no meio científico. Por isso,
cada vez mais, o tema tem se tornado pauta nas discussões e projetos de políticas públicas, na
10
saúde e em vários outros segmentos da sociedade, tendo em vista o crescente e acelerado
processo de envelhecimento da população. A Igreja também é um desses segmentos e se
desafiada pela perspectiva de futuro de seus clérigos idosos. Assim como a sociedade em
geral, esta instituição não está totalmente preparada para receber o contingente de idosos da
atualidade.
Além disso, a igreja, por seu formato institucional e por seu modo particular de lidar
com as questões contemporâneas, está carente de estudos sobre o assunto, haja vista a
dificuldade em achar publicações sobre a temática, não sobre a velhice em si, mas
especificamente sobre a velhice dos clérigos.
Oficialmente, somente aos 75 anos, padres e bispos diocesanos são desobrigados das
funções que exercem dentro da diocese, enquanto párocos ou bispos, ou seja, muito tempo
depois do previsto em uma aposentadoria pela Previdência Social. Inclusive, muitos padres
se aposentam pelo INSS quando completam 65 anos, caso, evidentemnte, tenham recolhido
sua contribuição ao logo do tempo previsto pela Previdência. Porém, continuam a exercer
normalmente suas atividades dentro da diocese. Somente na emeritude os mesmos têm
autorização para deixar de exercê-las, autorização que precisa vir do bispo, no caso dos
padres, ou do papa, no caso dos bispos.
A aposentadoria é entendida, comumente, como um dos marcadores sociais de entrada
na velhice. Muitas vezes, ouve-se dizerem: “Estou me aposentando, já estou muito velho para
continuar trabalhando”. Portanto, nesse estudo, escolhemos os clérigos eméritos para discutir
e articular os conceitos de velhice, trabalho e aposentadoria.
O objetivo aqui é discutir, por meio do relato dos clérigos eméritos, os processos
psicossociais ligados e desencadeados pela entrada e vivência dos mesmos na emeritude e na
velhice e, dessa forma, contribuir para um melhor entendimento acerca destes mesmos
processos dentro da igreja católica.
Para isso, a pesquisa configura-se por uma revisão teórica e uma pesquisa de campo,
orientada por questões do tipo: como os clérigos se veem na emeritude e na velhice? Qual o
significado dessas palavras para cada um deles?
A revisão teórica parte de autores ligados a disciplinas como gerontologia, sociologia,
filosofia, psicossociologia, direito e teologia, tomadas como referências para as análises dos
dados coletados na pesquisa de campo.
Na pesquisa de campo, realizaram-se, como instrumento de coleta de dados,
entrevistas semi-estruturadas com cinco padres eméritos e dois bispos eméritos, e optou-se
pela análise de conteúdo, como método de análise e interpretação dos dados.
11
A maioria dos padres é da Diocese de Caratinga - MG e reside na mesma região. Um
dos bispos é emérito da diocese de Caratinga, porém reside em Juiz de Fora. Um padre e o
outro bispo são eméritos na Diocese de Coronel Fabriciano, cidade situada a 100 km de
Caratinga, também no leste de Minas Gerais.
A estrutura da dissertação está dividida em capítulos, sendo que o primeiro
corresponde a esta introdução e o segundo está dedicado à discussão dos procedimentos
metodológicos da pesquisa. Optou-se por usar a entrevista semi-estruturada que ela fornece
um direcionamento, mas, ao mesmo tempo, por abrir espaço para que os entrevistados possam
expressar-se livremente sobre os assuntos discutidos.
A metodologia de análise escolhida para tratamento dos dados coletados é a análise de
conteúdo, para a qual selecionamos as seguintes categorias: Envelhecimento, Emeritude,
Aposentadoria, Trabalho e “Não-Trabalho”, Relação Trabalho e Vida, Atividades Pastorais e
Atividades periféricas, Atividade Pastoral antes e depois do Concílio Vaticano II. A
discussão dessas categorias de análise não secolocada em um capítulo à parte, pois estará
sendo explicitada ao longo da dissertação, dentro da estrutura dos capítulos, ou seja,
apresenta-se o referencial teórico mesclado aos conteúdos das entrevistas, acompanhados das
devidas considerações e reflexões que se fazem necessárias. O terceiro capítulo se dedica à
discussão dos conceitos relacionados ao trabalho, tais como atividade, vocação, aposentadoria
e emeritude. Autores como Marx (1980), Clot (2006) e Viegas (1989) foram de fundamental
importância na discussão sobre trabalho e atividade.
No quarto capítulo, encontra-se a discussão dos conceitos em torno da velhice, tais
como idoso e envelhecimento, além dos desdobramentos psicossociais associados a essa
vivência, dentro do processo de desenvolvimento humano, contextualizados no cenário
religioso e institucional da Igreja Católica.
Por fim, no quinto capítulo, encontram-se as conclusões e considerações finais da
dissertação.
Sabe-se que a velhice é um tema rico e, por mais que esteja sendo amplamente
discutido, está longe de ser esgotado. Dentro do cenário religioso, percebe-se que apenas
recentemente começa a ser discutido. Associado especificamente à emeritude, pode-se até
dizer que vem sendo timidamente discutido. Ressalta-se, então, que, diante da escassez de
produção científica sobre a temática proposta nesta dissertação, o tema se faz relevante,
principalmente para a igreja e, em particular, seus clérigos eméritos. Espera-se que este estudo
possa ajudar na implementação das políticas e planos de ações desenvolvidos para esse grupo
em particular, dentro da igreja católica. Além da igreja, esta pesquisa pode, ainda, trazer
12
contribuições para a sociedade em geral, visto que, por mais que existam diferenças na
vivência da velhice e da aposentadoria por emeritude dos clérigos, em relação aos leigos,
existem aí muitas semelhanças que podem enriquecer a discussão de futuros estudos.
13
2. METODOLOGIA
A metodologia é um instrumento a serviço da pesquisa. Nela, toda questão técnica
implica uma discussão teórica. No presente estudo, ela é entendida como o conhecimento
crítico dos caminhos do processo científico, indagando e questionando acerca de seus limites
e possibilidades. Segundo Minayo (1993), a pesquisa é entendida da seguinte forma:
Atividade básica das ciências na sua indagação e descoberta da realidade. É uma
atitude e uma prática teórica de constante busca que define um processo
intrinsecamente inacabado e permanente. É uma atividade de aproximação sucessiva
da realidade que nunca se esgota, fazendo uma combinação particular entre teoria e
dados. (Minayo 1993, p.23).
De forma particular, o presente estudo faz uma tentativa na busca de sentido e
entendimento acerca da vivência dos processos psicossociais inerentes à emeritude de padres
e bispos da igreja católica, dentro da abordagem de pesquisa qualitativa.
A pesquisa qualitativa favorece um discurso aberto e livre. Da Matta (1991)
apresenta uma análise, na perspectiva da hermenêutica, da relação sujeito/objeto, que
considero interessante apresentar aqui. Segundo esse antropólogo, temos que considerar a
interação complexa entre o investigador e o sujeito investigadoque compartilham, mesmo
que muitas vezes não se comuniquem, de um mesmo universo de experiências humanas”. Já
o método de pesquisa quantitativo é um interessante instrumento de investigação, porém
limitado, quando se está na busca de conteúdos particularizados e subjetivos e a relação
sujeito e objeto normalmente ficam engessados, (Da Matta, 1991, p. 23).
O que permite superar nossos preconceitos em relação ao “outro”, ao diferente, é a
possibilidade de dialogar com o sujeito investigado. É nessa possibilidade de diálogo que
reside a principal diferença com os modelos de pesquisa experimental. Na pesquisa
qualitativa, o sujeito tem o seu ponto de vista, as suas interpretações muitas vezes refutam a
posição do pesquisador.
Por conseqüência, a variedade de material obtido qualitativamente exige do
pesquisador uma capacidade integrativa e analítica que, por sua vez, depende do
desenvolvimento de uma capacidade criadora e intuitiva.
A pesquisa qualitativa considera que uma relação dinâmica entre o mundo real e
o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade
do sujeito que não pode ser traduzida em números. A interpretação dos fenômenos e
14
a atribuição de significados são básicas, no processo de pesquisa qualitativa. Não
requer o uso de métodos e técnicas estatísticas. O ambiente natural é a fonte direta
para coleta de dados e o pesquisador é o instrumento-chave. É descritiva. Os
pesquisadores tendem a analisar seus dados indutivamente. O processo e seu
significado são os focos principais de abordagem. (Silva, 2001, p.21)
Obviamente, não se pretende aqui afirmar que uma metodologia é superior a outra.
Um cientista social não se forma enquanto tal, se não souber lidar tanto com o instrumental
qualitativo quanto com o quantitativo. O uso de uma metodologia ou de outra dependerá
muito do tipo de problema colocado e dos objetivos da pesquisa.
A questão básica desta dissertação se desenrola junto aos participantes da pesquisa,
padres e bispos eméritos da igreja católica, ela é pensada dentro do ponto de vista e da visão
particularizada de cada entrevistado, na tentativa de construir um entendimento acerca da
experiência da emeritude e da velhice. Neste sentido, a escolha pela investigação dentro da
abordagem qualitativa faz-se mais apropriada.
A Análise do Conteúdo é um tipo de metodologia privilegiada dentro das pesquisas
qualitativas, ela entende a linguagem como a representação de uma realidade a priori, como
um veículo de transmissão de uma mensagem subjacente, sendo o seu conteúdo aquilo a que
se pretende alcançar. Ou seja, encontrar o saber que está por trás da superfície de um texto
construído pelos nossos entrevistados. O pesquisador precisa desvendar o sentido escondido,
como um leitor privilegiado, por dispor de cnicas apropriadas para isso, entendendo que o
texto como aquilo que esconde o significado, a intenção do entrevistado, autor do texto.
2.1 Participantes da pesquisa
Os participantes da pesquisa são padres e bispos da igreja católica com idade acima de
75 anos e do sexo masculino, na emeritude, ou seja, padres e bispos eméritos. O título de
emérito é dado somente aos clérigos seculares ou diocesanos. Dentro da estrutura da Igreja
católica, existem os padres denominados diocesanos ou seculares, e os padres religiosos que
em algumas congregações são chamados frei.
As diferenças entre um padre diocesano e um padre religioso são várias e podem ser
abordadas sob diversos pontos de vista. Nesta primeira parte, serão abordadas algumas
diferenças sob esses pontos de vista resumidamente.
15
O padre diocesano, ordinariamente, serve à igreja dentro de uma área bem definida, a
diocese. Ele trabalha como padre da paróquia e pode também envolver-se em outras formas de
ministério, denominadas “atividades periféricas”, para efeito da seleção das categorias de
análise: ensino, capelão em hospitais, presídios, universidades, etc. O padre religioso, por sua
vez, é um membro de uma comunidade (congregação) que não se limita geograficamente a
uma diocese. A seguinte citação mostra como a igreja coloca a questão quando fala tanto dos
clérigos diocesanos quanto dos religiosos,
Can. 573 §2. Os fiéis cristão que livremente adotaram esta forma de vida nos
institutos de vida consagrada, canonicamente estabelecidas pela autoridade
competente da Igreja, os fiéis que, através de votos ou outros vínculos sagrados,
segundo as leis dos seus próprios institutos, professam os conselhos evangélicos de
castidade, pobreza e obediência e, pela caridade que eles levam participar de uma
forma especial para a Igreja e seu mistério. (CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO,
11ª ed, 1998, p.206)
.
Antes de ser padre, o religioso é um membro de uma comunidade religiosa
(congregação), por exemplo, redentorista, carmelita, franciscano. Os irmãos religiosos, como
são comumente chamados, normalmente são padres e vivem sua vida em uma comunidade.
Porém, é importante ressaltar que existe a categoria “irmão” para quem não é padre, ou seja, o
termo é usado também para os que têm uma formação inferior e executam trabalhos “não
ministeriais”; ajudantes enfim.
Assim, os padres religiosos vivem em comunidade. os padres diocesanos
administram uma paróquia normalmente de forma solitária. Um padre diocesano (chamado de
“secular”) está ligado mais diretamente à autoridade de um bispo local e trabalha dentro de
um território específico, a diocese. Um padre religioso (chamado de “regular”, por seguir uma
regra religiosa) está sob a autoridade de um superior e sua atuação não se restringe a uma
diocese particular: ele trabalha nos lugares onde a comunidade religiosa Ordem,
Congregação, etc – marca presença, seja nas cidades ou em áreas de missões.
Embora um padre religioso não pertença a uma diocese em particular, onde ele
estiver, estará exercendo suas funções ministeriais sob a jurisdição do bispo da diocese.
Porém, ele tem uma relação mais distanciada do bispo diocesano e mais estreita com o
superior da sua congregação, que, às vezes, pode estar a quilômetros de distância. É possível
para os padres diocesanos viver em comunidade, residindo fisicamente em uma mesma casa,
mas tal fato é antes uma escolha, uma opção. Em muitas dioceses, o padre diocesano mora
sozinho. Para os padres religiosos, morar sozinho não é uma possibilidade inerente à sua
16
inserção institucional, que, segundo eles, são “chamados” a viver e trabalhar na
comunidade.
Em poucas palavras, são três as principais referências presentes no ministério e na vida
do padre diocesano. O primeiro é a Igreja particular ou Diocese, o segundo é o Bispo
diocesano e a terceira é o presbitério. Estas definem a missão, a razão de ser do padre
diocesano, segundo a igreja.
Todos os clérigos desta pesquisa são diocesanos, ou seja, eram párocos ou bispos
diocesanos e esta seleção dos sujeitos foi intencionalmente planejada para que se pudesse
estudar uma realidade específica, ficando para futuros estudos as possíveis investigações da
velhice para os clérigos religiosos, bem como as possíveis comparações.
O critério de idade determinado nesta pesquisa segue o mesmo critério adotado pela
igreja, ao estabelecer que, aos 75 anos, o pároco e o bispo diocesano renunciam às respectivas
funções e, mediante a aceitação do bispo e do papa, respectivamente, ficam desobrigados das
mesmas. No capítulo III, esse processo será mais extensamente descrito e discutido.
Os participantes aceitaram participar da pesquisa e concordaram com a gravação das
entrevistas. Para manter o sigilo de suas identidades, utilizaram-se números para cada um na
reprodução das entrevistas. Abaixo, segue uma tabela com alguns dados dos mesmos,
sabendo-se que houve dois clérigos que, apesar de convidados, não aceitaram participar do
presente estudo, sendo um padre e outro bispo. Ambos alegaram não gostar de falar do
assunto.
17
CLÉRIGO
EMÉRITO
Idade Diocese Tipo de
residência
Condição social de
moradia
Atualizações
Padre I
78 anos Caratinga Seminário
Diocesano
Mora sozinho em
um quarto do
seminário
Padre II
82 anos Caratinga Casa particular na
última paróquia
que trabalhou
Mora com a irmã
(também idosa)
Padre III
82 anos Coronel Fabriciano
e Itabira
Casa particular na
última paróquia
que trabalhou
Mora sozinho,
porém tem uma
ajudante que mora
com ele.
Padre IV
77 anos Caratinga Casa particular na
última paróquia
que trabalhou
Mora sozinho com
uma ajudante que
fica durante o dia, à
noite ele dorme
sozinho.
FALECEU em
Janeiro de 2010
Motivo:
Problemas
cárdio-
vasculares
Padre V
88 anos Caratinga Casa particular na
última paróquia
que trabalhou
Mora com um
sobrinho
Bispo I
94 Caratinga Casa paroquial
junto ao pároco e
outro padre
emérito
Mora com dois
outros padres,
sendo um deles
também emérito
FALECEU em
fevereiro de
2010. Motivo:
Problemas
respiratórios
Bispo II
78 Coronel Fabriciano
e Itabira
Convento
redentorista
Mora em um quarto
dentro do convento
Padre VI
(Recusou
participar)
82 Coronel Fabriciano
e Itabira
Casa particular na
última paróquia
onde trabalhou
Mora sozinho
Bispo III
(Recusou
participar)
75 Caratinga Ainda não
definida, no
momento, Palácio
do Bispo.
Quadro 1 : Perfil dos Entrevistados
Fonte: Dados da Pesquisa
18
2.2 Procedimento de coleta dos dados das entrevistas
No primeiro momento da coleta de dados desta pesquisa, buscou-se encontrar os
participantes dentro do perfil desejado, ou seja, padre e bispos eméritos. Para tanto, o banco
de dados da Cúria da Diocese de Caratinga foi consultado e identificaram-se todos os clérigos
diocesanos eméritos da mesma, encontrando quatro padres e dois bispos.
No segundo momento, fez-se contato, por telefone, com todos esses sujeitos, para uma
primeira apresentação da pesquisa e o convite à participação. Em seguida, realizou-se o
agendamento das entrevistas.
Naquele momento, quatro padres e um bispo aceitaram participar da entrevista e o
outro bispo não quis participar. São eles os Padres I, III, IV e V, além do Bispo I e III (vide
tabela I), respectivamente. A partir do início das entrevistas com os padres da diocese de
Caratinga, obteve-se a indicação de outros dois padres e um bispo que fazem parte da diocese
de Coronel Fabriciano e Itabira. Os Padres II e VI e o Bispo II foram convidados a participar.
O padre II e o bispo II aceitaram, já o padre VI preferiu não participar da pesquisa. Portanto,
ao final, totalizaram-se, nos participantes, seis padres e dois bispos eméritos, além de duas
recusas – um padre e um bispo.
A partir do agendamento das entrevistas, as mesmas foram sendo realizadas, sempre
nos locais indicados pelos participantes. Todos preferiram ser entrevistados em suas
respectivas residências atuais, o que foi um bom momento para fazer observações sobre como
vivem atualmente e onde moram. No momento do agendamento da entrevista, foi dito aos
participantes que o local da entrevista precisaria ser favorável à privacidade, que fosse um
ambiente tranqüilo, no qual não houvesse interrupções.
Durante a entrevista, fez-se uma breve descrição dos objetivos e motivações da
pesquisa. Em seguida, explicou-se o procedimento da mesma, com a solicitação de permissão
para a gravação em áudio da entrevista. Ademais, comunicaram-se o sigilo e o anonimato no
manuseio dos dados obtidos, o que garantiu o caráter confidencial das informações.
Explicada a necessidade do Termo de Consentimento Livre e esclarecido, submetido e
aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da PUC - Minas, conforme documentação
CAAE - 0057.0.213.000-09, seguia-se a leitura e assinatura do mesmo. Na sequência, a
entrevista era iniciada.
No final da coleta, os gravadores eram desligados e agradecia-se a participação. Todos
os entrevistados mostraram-se satisfeitos e receptivos a novos contatos, todos parabenizaram a
19
iniciativa e se sentiram gratos pelo interesse em abordar o presente tema de pesquisa. Alguns
fizeram questão de mostrar a casa em que moravam e algumas atividades que realizavam, tais
como pintura, textos produzidos e até músicas.
2.3 Descrição do instrumento
O instrumento utilizado na coleta de dados foi uma entrevista semi-estruturada,
realizada individualmente, baseada em 11 (onze) perguntas abertas pré-estabelecidas. As
questões foram construídas de forma a possibilitar a todos os entrevistados discorrer
livremente sobre o assunto, sem respostas ou condições pré-fixadas
A principal função do roteiro de entrevista é auxiliar o pesquisador a conduzir a
mesma para o objetivo pretendido, além de ter outras funções, tais como auxiliar o
pesquisador a se organizar, antes e no momento da entrevista, e auxiliar indiretamente o
entrevistado a fornecer as informações de forma mais precisa e com maior facilidade.
A entrevista tem relativa flexibilidade. As questões não precisam seguir a ordem
prevista no guia e poderão ser formuladas novas questões no decorrer da entrevista.
Mas, em geral, a entrevista seguirá o que se encontra planejado. (MATTOS e
LINCOLN, 2005, p. 824)
Desse modo, a entrevista semi-estruturada valoriza não somente a presença do
investigador, como também oferece todas as perspectivas possíveis para que o entrevistado
alcance a liberdade e a espontaneidade necessárias, fato que enriquece a investigação.
As questões começaram por uma investigação acerca do processo de escolha do
sacerdócio, passando pela história de vida e pelo trabalho dos sujeitos como clérigos. Em
seguida, os entrevistados eram questionados acerca do conceito de trabalho, aposentadoria e
emeritude, finalizando-se com questões sobre a velhice e o processo de envelhecimento. A
última pergunta da entrevista indagava se o entrevistado gostaria de complementar a discussão
com algum comentário, se o mesmo achava que poderia acrescentar à discussão algum
conteúdo não questionado até então. Foi interessante notar que alguns deles desencadearam
falas muito significativas que serão discutidas posteriormente.
O roteiro da entrevista pode ser visto, na íntegra, no anexo I.
20
2.4 Metodologia de análise e interpretação dos dados
A presente dissertação escolheu a Análise do Conteúdo como técnica de interpretação
dos dados obtidos a partir das entrevistas semi-estruturadas. A Análise do Conteúdo é definida
da seguinte forma:
A análise de conteúdo é uma técnica de investigação que tem por finalidade a
descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da
comunicação. (BARDIN, 1977, p.34)
Como os dados coletados da pesquisa empírica foram, na realidade, conteúdos de
mensagens, optou-se, nessa etapa, pela utilização de “uma técnica sensível à interpretação de
conteúdos de mensagens e às manifestações lingüísticas”, como propõe a análise de conteúdo
para tratamento dos dados (BARDIN, 1977, p.37).
Na verdade, a principal pretensão da Análise de Conteúdo é vislumbrada na
possibilidade de fornecer técnicas que sejam suficientes para garantir a descoberta do
significado. Nesse sentido, é importante reafirmar aqui a premissa de que haveria um sentido
a ser resgatado em algum lugar, e de que o texto seria seu esconderijo. Ao analista,
encaminhado pela ciência, caberia descobri-lo:
Embora a inovação da Análise de Conteúdo tenha consistido em contribuir com
procedimentos "científicos" de legitimação de uma dada técnica de leitura, algo
que permaneceu ao longo do tempo: o objetivo de atingir uma "significação
profunda" dos textos: "O que é passível de interpretação? Mensagens obscuras que
exigem uma interpretação, mensagens com duplo sentido, cuja significação profunda
(a que importa aqui) pode surgir depois de uma observação cuidadosa. (ROCHA
E DEUSDARÁ, 2005, p.307)
Entre as formas de interpretação da comunicação, Bardin (1977) apresenta seis
técnicas de análise de conteúdo: análise categorial, análise de avaliação, análise da
enunciação, análise da expressão, análise das relações e análise do discurso.
Nesta pesquisa, foi utilizada a técnica de Análise Categorial: a mais antiga das técnicas
e a mais utilizada. Funciona por desmembramento do texto em unidades, em categorias
segundo reagrupamentos analógicos (BARDIN, 1977, p. 153). Ou seja, na análise categorial,
o texto é desmembrado em unidades, que são as categorias, cada qual reunindo um grupo de
elementos com características em comum.
21
O critério de categorização adotado nesta pesquisa foi o semântico de categorias
temáticas, por exemplo, todos os temas relacionados à idade, velhice, tempo, foram agrupados
na categoria “processos de envelhecimento”. Pelo fato de que essa categorização não poderia
ser feita a priori, foi necessário ouvir e ler atentamente várias vezes a fala dos entrevistados e
fazer uma primeira interpretação para a escolha das categorias.
O sentido da categorização é fornecer uma representação simplificada dos dados
brutos para que, posteriormente, possam ser feitas as inferências finais, a partir do material
reconstruído. Na reconstrução do material, foram verificadas as relações entre as categorias e
suas interpretações, sempre com base nas falas dos sujeitos. Foi considerada também a
característica da diversidade encontrada no conjunto de entrevistas.
Na primeira etapa, as idéias foram organizadas e sistematizadas, os textos e alguns
documentos como o Código do Direito Canônico e as Encíclicas e revistas da igreja foram
analisados e selecionados, as hipóteses e os objetivos iniciais de pesquisa foram retomados
com base na revisão da literatura, as categorias foram definidas para que, por sua vez,
pudessem ser trabalhadas (ou testadas) na análise de conteúdo. Resumindo, a organização do
material decorreu de uma análise teórica prévia.
Num segundo momento, o processo de categorização empregado foi o procedimento
de análise temática. A análise temática consiste em aplicar uma teoria ao material coletado por
meio das entrevistas, e, na sequência, as categorias são agrupadas em famílias, conforme sua
identificação umas com as outras; é o que Bardin (1977) considera como “conjuntos
categoriais”. No caso desta pesquisa, as categorias foram definidas a partir das seguintes
dimensões.
CATEGORIAS DE ANÁLISE
Envelhecimento
Emeritude
Aposentadoria
Trabalho e “Não-trabalho”
Relação trabalho e vida
Atividade Pastoral e Atividades Periféricas
Atividade Pastoral antes e depois do Concílio Vaticano II
Quadro 2: Categorias de Análise
Fonte: Dados da Pesquisa
22
3. TRABALHO E APOSENTADORIA
O conceito de trabalho foi sofrendo alterações ao longo do tempo, por vezes entendido
como um sinal de opressão, de desprezo, de inferioridade. Com a evolução das sociedades, os
conceitos se alteraram. O discurso de trabalho-tortura, maldição; deu lugar a um discurso de
dignificação do trabalho, o que colocou o mesmo como fonte de realização pessoal e social.
Assim, o trabalhador passava a vender sua força de trabalho na troca pelo capital, manejo
necessário à manutenção do capitalismo. Cabe aqui ressaltar que essa mudança ocorre a partir
do discurso econômico do capitalismo, que o mesmo precisava de vasta mão de obra, o que
proporcionou uma nova moral social para convencer o homem a produzir, fazê-lo trabalhar. O
trabalho passa, no discurso capitalista, a ser colocado como fonte de dignificação do sujeito,
aqueles fora do trabalho passam a ser marginalizados, ou seja, não trabalhar é uma posição
pejorativa aos olhos do capitalismo. A citação abaixo ilustra essa visão sobre o sujeito fora do
trabalho como aquele que não é útil para a terra, assim como o não trabalhador não é útil para
o capitalismo.
Errantes são pessoas ociosas, que nada fazem, sem contrato, gente abandonada, sem
domicílio, sem profissão e sem ocupação (...) gente que serve como número (...)
que é o peso inútil da terra” (GEREMEK apud JACOB, 1995, p. 175).
Começamos por apresentar alguns significados da palavra trabalho, de acordo com o
que é definido pelo dicionário Priberam da língua portuguesa. Trabalho significa: exercício
de atividade humana, manual ou intelectual, produtiva”; “serviço”; “lida”; “produção”;
“labor”; “maneira como alguém trabalha”. na sua origem etimológica, significa
tripalium”, instrumento de tortura composto de três paus ou varas cruzadas, ao qual se
prendia o animal.
Na tradição judaico-cristã, o trabalho associa-se à noção de punição, de maldição,
como está registrado no Antigo Testamento (punição do pecado original). Na Bíblia, o
trabalho é apresentado como uma necessidade que leva à fadiga e que resulta de uma
maldição: "Comerás o pão com o suor de teu rosto" (Gn. 3,19). A partir desse princípio
bíblico, pode-se pensar que embora a saída do paraíso seja vista como maldição, deve-se
lembrar que o trabalho marca uma entrada na condição humana, que, diferentemente dos
outros animais, o homem é “condenado” a transformar a terra, por meio do seu labor e
também se transforma por meio do mesmo. Viegas (1989) coloca em sua conferência
23
intitulada “Trabalho e Vida” que o homem de alguma maneira entra na humanidade por meio
do ato de trabalhar:
O que se assiste hoje é exatamente o contrário do que se no texto bíblico. Nesse
texto, o que Deus, o Javé fazia com Adão era incorporar, colocar dentro da sua
condição de existência, intrínseca à sua existência, o ato do trabalho. E o que a
sociedade civil, a sociedade de pura ficção faz, é [capitalismo] separar o sujeito do
trabalho, fazer com que ele e seu próprio trabalho sejam coisas distintas. E é
exatamente nesse seccionamento que o trabalho se torna alguma coisa de fora que
incide sobre a pessoa, ou seja, uma canga, um instrumento de tortura, uma coisa
alheia, uma coisa em que a pessoa não se encontra. Ou, em suma, um trabalho
alienado, alienante. (VIEGAS, 1989, p. 2).
Como se pode notar, o ato de trabalhar é movimento intrínseco para a condição de
existência humana, de construção do ser. Por vezes, o que gera uma visão pejorativa sobre o
trabalho é o fato de que o capitalismo precisou separar o sujeito do seu trabalho, e este passou,
então, a ser visto como algo imposto, não-natural, localizado fora do trabalhador; como
mostra a autora no trecho acima citado. Esse processo de ruptura entre sujeito e trabalho foi
amplamente discutido por Karl Marx, principalmente no conceito de trabalho alienado, que
será retomado e discutido posteriormente nesta dissertação.
Sobre o tema da equiparação entre trabalho e sofrimento, é preciso colocar que esta
relação não se restringe ao simples cansaço; representa, também, uma condição social
(BUENO, 1988, p.25), notada antes mesmo do capitalismo. Os gregos utilizavam duas
palavras para designar trabalho: ponos, que faz referência a esforço e penalidade; e ergon, que
designa criação, obra de arte. Isso estabelece a diferença entre trabalhar, no sentido de penar –
ponein e trabalhar no sentido de criar ergazomai. Ao que tudo indica, a contradição
"trabalho-ponos" e "trabalho-ergon" permanece central na concepção moderna de trabalho.
Pode-se observar em diferentes línguas (grego, latim, francês, alemão, russo, português) que o
termo trabalho tem, em sua raiz, dois significados: esforço, fardo, sofrimento e criação, obra
de arte, recriação.
Na Antiguidade, distinguia-se trabalho de labor. Essas palavras têm etimologia
diferente para designar o que hoje se considera a mesma coisa. Porém, ambas conservam seu
sentido, a despeito de serem repetidamente usadas como sinônimos. O trabalho, além do labor
e da ação, é um dos elementos da vida ativa.
O “labor” é processo biológico necessário para a sobrevivência do indivíduo e da
espécie humana. O “trabalho” é atividade de transformar coisas naturais em coisas
artificias e a ação é a necessidade do homem em viver entre seus semelhantes, sua
natureza é eminentemente social. (ALBORNOZ, 1988, p.23).
24
Ao ampliar a discussão acerca do conceito de trabalho, outra palavra que ajuda a
pensá-lo de uma maneira mais positiva é cultura. A palavra labor está ligada, exatamente na
sua origem latina, às atividades agrícolas, à lavra, à laboração no campo; ou seja, trabalhar
significa cultivar. Cultivar é fazer cultura. A cultura é cultivada, é fruto de um processo de
enriquecimento, de um processo de transformação do mundo e de si mesmo. (VIEGAS,
1989).
Então, temos de um lado o sentido negativo, de tormento, de tortura mesmo, de
imobilidade, de condenação. E, de outro lado, temos um sentido altamente positivo,
que nos liga à palavra labor, lavra, elaboração, laborar, laborioso - um esforço
laborioso. É uma palavra extremamente sugestiva e que nos convida a imagens de
crescimento e não a imagens de degeneração ou exaustão. Temos então esses dois
aspectos. (Viegas, 1989, p. 2).
Ao pensar esta dicotomia na realidade atual, pode-se inferir que os dois sentidos de
trabalho estão sendo vivenciados por aqueles que o exercem. Essa dualidade tem sido palco
das experiências de muitos trabalhadores. Ao se considerarem as premissas da sociedade
capitalista, é cil observar que o trabalho é encarado como uma espécie de “mal necessário”,
como aquilo que torna limitados o lazer e o tempo, ou seja, que tem um sentido “anti-vida”.
Muitos trabalhadores, ao se aposentar, dizem frases do tipo: “agora posso aproveitar a vida,
não tenho mais que trabalhar.”
Para discutir melhor essa questão, é preciso passear pelo conceito de trabalho e
algumas de suas nuanças, a partir de orientação teórica de Karl Marx, Yves Clot e outros
autores.
3.1 Discussão da categoria trabalho
O termo trabalho se refere a uma atividade própria do homem. Também os animais
atuam dirigindo suas energias coordenadamente, mas o animal é determinado pelo instinto,
sua atividade não tem finalidade. Portanto, o trabalho propriamente dito, entendido como um
processo entre a natureza e o homem, é exclusivamente humano.
Nesse processo, o homem trabalha a natureza, nas palavras de Karl Marx, com a
matéria da natureza. A diferença entre a aranha que tece a sua teia e o homem é que este
25
realiza o seu fim na matéria, ou seja, o homem concebe antes de executar. Ao final do
processo do trabalho humano, surge um resultado que existia anteriormente na mente do
homem.
Uma aranha executa operações semelhantes às do tecelão, e a abelha envergonha
mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de sua colméia. Mas o
que distingue, de antemão, o pior arquiteto da melhor abelha é que ele construiu o
favo em sua cabeça, antes de construí-lo na cera. No fim do processo de trabalho,
obtêm um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador e,
portanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria
natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural o seu objetivo, que ele sabe que
determina como lei, a espécie e o modo de sua atividade e ao qual tem de subordinar
sua vontade. E essa subordinação não é um ato isolado. Além do esforço dos órgãos
que trabalham, é exigida a vontade orientada a um fim/.../ como jogo de suas
próprias forças físicas e espirituais. Os elementos simples do processo de trabalho
são a atividade orientada a um fim ou o trabalho mesmo, seu objeto e seus meios.
(MARX, 1980, p. 202).
Trabalho, em sentido amplo, é toda a atividade humana que transforma a natureza, a
partir de certa matéria dada, ou seja, um exercício sobre uma matéria prima, geralmente com a
ajuda de instrumentos, com a finalidade de produzir bens e serviços. Em outras palavras, a
categoria trabalho, uma vez compreendida na sua historicidade material e dialética, permite
uma definição de homem como sendo aquele ente que, para ser, necessita produzir os seus
próprios meios de subsistência material. Mas por que não pensar nesta relação homem e
natureza mediada pelo trabalho como um meio de vida, uma maneira de significar a própria
existência?
O homem, que se difere dos outros animais, produz para além da necessidade atrelada
aos instintos. O homem se diferencia desse padrão universal da natureza, pois, por meio de
sua produção, gera e constroi objetos para sua própria assimilação e consumo. Importante
colocar que, nos animais, o conceito de trabalho não existe, porque o que abelha e a formiga
fazem, por exemplo, é ditado pelo instinto e, portanto, o seu ser não se acrescenta, não se
desdobra.
O animal identifica-se imediatamente com sua atividade vital. Não se distingue dela.
Mas o homem faz da atividade vital, o objeto da vontade e da consciência. Possui
uma atividade vital consciente. Ela não é uma determinação com a qual ele se
confunde diretamente A atividade vital consciente distingue o homem da atividade
vital dos animais. Só por esta razão é que ele é um ser genérico. Ou melhor, só é um
ser consciente, quer dizer, a sua vida constitui para ele um objeto, precisamente
porque é um ser genérico. Unicamente por isso é que a sua atividade surge como
atividade livre. (MARX, 1980, p. 156).
26
Estamos diante de uma primeira concepção de trabalho para Marx, que percebe o
mesmo na sua essência como aquilo que transforma o mundo e o próprio trabalhador. Porém,
o trabalho pode ser entendido sob outro ângulo, dentro do que Marx (1980) chamou de
trabalho alienado, explorado, o trabalho assalariado.
O trabalho alienado, no sentido “anti-vida”, foi amplamente discutido por Karl Marx
em sua crítica ao modo de produção capitalista, que fez do trabalho uma atividade
desvinculada da produção humana, tornando-se apenas reprodução, apenas força de trabalho.
Os processos de produção em massa acabaram levando o sujeito a um estado de total
desvinculação com o produto, fruto de seu trabalho. O capitalismo concretiza o conceito de
trabalho alienado. Ele despersonaliza o processo de produção, o qual passa a obedecer ao
movimento próprio do capital. É por isso que o máximo de trabalho ocorre com a sua
máxima abstração, uma abstração fundamentalmente social. Gorender (1983), ao falar de
trabalho alienado, traz a seguinte definição:
Trabalho alienado é o processo por meio do qual a essência humana dos operários se
objetivava nos produtos do seu trabalho e se contrapunha a eles por serem produtos
alienados e convertidos em capital. (GORENDER, 1983, p. XI ).
Ainda pensando o conceito de trabalho alienado, Ranieri (2001) aponta a existência de
duas palavras alemãs usadas por Marx para expressar duas noções que, embora articuladas,
são distintas: a de alienação (Entäusserung) e a de estranhamento (Entfremdung). Numa
aproximação ainda inicial, o autor explica que:
Entäusserung tem o significado de remissão para fora, extrusão, passagem de um
estado a outro qualitativamente diferente, despojamento, realização de uma ação de
transferência. Nesse sentido, Entäusserung carrega o significado de exteriorização,
um dos momentos da objetivação do homem, que se realiza através do trabalho num
produto de sua criação. Por outro lado, Entfremdung tem o significado de real
objeção social à realização humana, na medida em que historicamente veio a
determinar o conteúdo das exteriorizações (Entäusserunge) por meio tanto da
apropriação do trabalho como da determinação desta apropriação pelo surgimento da
propriedade privada (RANIERI, 2001, p. 24).
foi visto que a objetividade do ser humano, enquanto ser de consciência e vontade,
no direcionamento de sua atividade sobre a natureza, coloca o trabalho na posição de
atividade essencial e central da vida humana, uma produção da própria vida material, seja na
produção dos meios de subsistência, ou na produção de meios de alcance e realização de
vontades que extrapolam as necessidades biológicas. Retomando Marx,
27
Os primeiros pressupostos de toda a existência humana e, portanto, de toda a
história, é que os homens devem estar em condições de viver para poder “fazer
história”. Mas, para viver, é preciso comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas
coisas mais. O primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios que
permitam a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material, e de
fato este é um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda
hoje, como milhares de anos, deve ser cumprido todos os dias e todas as horas,
simplesmente para manter os homens vivos. (MARX, 1984, p. 39).
O trabalho é mediação entre o homem e a natureza, determinado conscientemente,
realizado concretamente, tendo por objetivo a produção de meios de vida, ou seja, o homem
conseguiu criar meios materiais para satisfazer as necessidades básicas, desde a pedra lascada,
o fogo, os instrumentos, até as novas tecnologias da atualidade. Assim, o homem transforma o
mundo que ele construiu em termos materiais e culturais.
3.2 O trabalho do clérigo como produção
A partir desse primeiro apontamento sobre o conceito de trabalho, a discussão se
deslocada para o mundo do trabalho dos padres e bispos seculares da igreja católica.
Uma primeira questão estaria ligada aos conceitos de trabalho transformador e
trabalho alienado. Sob esta perspectiva, podemos dizer que os clérigos não fazem distinção
específica entre o trabalho transformador e alienado, tendo em vista que o ministério
sacerdotal pode ser entendido de formas distintas por cada clérigo, às vezes como trabalho que
está transformando o mundo humano e transformando a si mesmo, outras vezes, como um
trabalho burocrático e enfadonho. Portanto, é importante entender que mesmo tendo
atividades pré-determinadas, cada clérigo o faz a sua maneira, o que pode realizálo, ou não,
enquanto sujeito.
Viegas (1989) argumenta que trabalho, no seu sentido antropológico, é vida. Nota-se
que muitos clérigos não fazem distinção entre fazem e o que eles são. Porém se em alguns
momentos a separação entre trabalho e vida parece ser desnecessária; em outros, essa
separação faz muito sentido, já que, se a atividade pastoral de um clérigo não tem sentido para
ele, estamos diante de uma via de exercício laboral realizada por pura obrigação, ligada ao
sacrifício, o que deixa de ser vida. Como Sônia Viegas coloca:
28
Talvez a nossa cultura tenha se apropriado mais do sentido negativo da palavra. E
que a gente tenha que resgatar, dentro de condições especiais, ou seja, com um
esforço de sensibilidade, de reflexão especial, o sentido positivo. (Viegas, 1989, p.2)
Os sujeitos entrevistados nesta pesquisa possuem, em sua maioria, esta visão negativa
da palavra trabalho, pois eles a entendem somente no sentido de trabalho assalariado, o que
faz com que diferenciem suas tarefas do conceito de trabalho que possuem, como se não
pudessem dizer que o que fazem é trabalho.
O que faz um padre é um exercício de doação diária aos filhos, somos pastores, não
se encara como trabalho, mas sim como caridade, nossa recompensa está no reino
dos céus. Saber que tentei fazer o que devia segundo o meu chamado, não significa
que sempre fiz o certo, errei muitas vezes, mas sempre fiz com amor. (Padre II)
Na introdução deste capítulo, se falou acerca da origem da palavra trabalho e de
como ela ficou atrelada a uma versão “negativa”. Ao se entender o trabalho como uma
cetegoria que possui um sentido de vida e também de anti-vida, esta discussão se amplia,
principalmente dentro do cenário deste estudo.
O sacerdócio, em alguns casos, pode ser mais uma opção de vida do que uma escolha
profissional, se se entende que a oção de vida está relacionada a uma atividade ou trabalho
inerente ao exercício da vocação, no sentido de se fazer aquilo que se deseja fazer,
indiferentemente de se tratar de um trabalho ou uma atividade pastoral.
A limitação do tema trabalho a apenas o conceito de trabalho formal assalariado
empobrece os desdobramentos acerca do que se pode extrair do exercício ministerial de um
clérigo, pois a atividade pastoral é um trabalho e pode ser, às vezes, atividade que realiza o
sujeito.
Pode-se inferir, portanto, que a atividade do homem está ligada à consciência e à
vontade, ou seja, por meio da consciência de seu agir, o homem toma a sua vida como objeto
de sua vontade e consciência, e, neste caso, não se inclui o trabalho alienado. Diferentemente
dos outros animais, que produzem para si ou para sua cria o estritamente necessário para sua
existência, seguindo um padrão determinado biologicamente, o homem faz de seu trabalho um
meio para si, como objeto carregado de volição, como meio para satisfazer uma necessidade
gerada não mais por esse padrão, mas como um desdobramento de ações conscientemente
definidas, direcionadas a um fim.
Neste sentido, podemos entender como trabalho todas as atividades decorrentes do
projeto de vida. A atividade pastoral é trabalho, no sentido de realização de um projeto de
vida, de um sonho, o trabalho é o modo de vida. Isso não significa que todas as atividades
29
posteriores, ou o conjunto delas, terão necessariamente o sentido de realização. Quando se faz
uma escolha, não há como prever o que vai ocorrer depois, inclusive porque mudanças podem
ser feitas no decorrer da vida. Dentro do universo dos clérigos, existe um número significativo
de padres que decidem deixar o sacerdócio. Porém, é claro que, por meio da atividade, o
sujeito pode realizar-se, bem como conquistar seu desejo de reconhecimento. Dois dos
entrevistados fizeram as seguintes colocações:
Quando era pároco da catedral, meu maior desejo era ajudar as pessoas daquela
paróquia. Na verdade, sempre quis ser padre para isso, achava que seria a melhor
maneira, eu tinha vários projetos sociais, não consegui realizar todos, mas trabalhava
para isso. (padre I)
Quando eu era pequeno e minha mãe me levava na igreja, eu sempre via o padre
chegando e arrumando os paramentos no altar, com aquela roupa, e pensava comigo:
eu quero ser um padre. Achava bonito, mas na verdade eu queria muito conhecer
outros lugares, muitos lugares, e o padre estava sempre de um lugar a outro. (padre
II).
Como colocado acima, ter um projeto de vida não garante a realização do mesmo
como tal. O Padre I diz ter trabalhado para realizar seus projetos sociais, mas afirma que não
concretizou todos. Ou seja, uma coisa é o projeto outra é sua realização efetiva, ou não, ao
longo da vida. Essa dimensão da realização será fundamental para a construção singular dos
clérigos quanto à visão de trabalho, uma vez que aqueles que conseguiram realizar seu projeto
de vida tendem a ver o mesmo como trabalho-vida, aqueles que não se realizaram tendem a
vê-lo como trabalho anti-vida.
Ao se pensar na atividade pastoral dos clérigos como um fazer ligado à realização do
projeto de vida dos mesmos, uma categoria encontrada em sua fala precisa ser avaliada,
principalmente porque essa categoria é a justificativa, muitas vezes tida como fator
determinante na diferenciação do exercício sacerdotal em relação a outras categorias de
trabalho: a vocação.
A vocação pode ser entendida de um modo amplo ou restrito, por exemplo, a vocação
religiosa ao sacerdócio é usada em sentido restrito e titula homens de padres. Já a própria
Igreja católica também trata o conceito de vocação no sentido mais amplo, quando socializa a
idéia de que todos são “vocacionados”, e, ao mesmo tempo, utiliza o termo de forma restrita
para se referir à chamada ao cristianismo ou a um tipo de vida mais específico. Esse discurso
parece, por vezes, discriminatório, pois limita o conceito de vocação a um chamado ao
cristianismo, como se os não-cristãos não fossem “vocacionados”, ou seja, uns são chamados
e outros não.
30
Desse modo, quando se quer saber se o indivíduo deseja ser padre, pergunta-se, nos
meios católicos: "você não acha que tem vocação?" Ora, se a vocação é algo intrínseco a cada
ser humano, essa pergunta pode soar sem sentido, ou, pelo menos, redundante. É importante
observar, então, como a palavra vocação aparece nos documentos eclesiais quando referida ao
universo clerical. Sem pretender fazer uma vasta descrição, é possível indicar algumas
abordagens a partir de alguns documentos como: Concílio Vaticano II no Decreto
Presbyterorum Ordinis (Sobre o ministério e a vida dos presbíteros) (1966) e A Constituição
dogmática Lumen Gentium (1966). Também os Documentos da CNBB números 20 e 55, e Os
Estudos da CNBB, números 1 e 16.
Antes de colocar a maneira como a igreja católica, enquanto instituição define vocação
é importante dizer que o que a igreja chama de vocação, do padre ou dos batizados, é o
discurso da instituição. E toda instituição, igreja ou qualquer outra leiga, tem de se justificar,
discursivamente, por meio de um fundamento inquestionável, que no caso da igreja passa a
ser sagrado.
Uma primeira argumentação difundida nos documentos eclesiásticos é a de que a
vocação não indica uma função especial na Igreja, mas pode ser empregada para designar a
vocação cristã, entendida como algo inerente a todas as pessoas que receberam o Batismo.
Aqui, nota-se o que foi colocado, ou seja, a posição segregadora no que tange à vocação,
pois ela se limita aos “batizados”. Essa abordagem foi valorizada, sobretudo pelo Concílio
Vaticano II (1962-65), que deu destaque à chamada vocação cristã comum. Como é
concebida, portanto, a vocação religiosa pode ser vista como uma radicalização da vocação
cristã na qual se enfatiza a busca da perfeição enquanto uma atitude própria a todos os cristãos
e, de modo especial, uma condição necessária àqueles que optam pelo ministério hierárquico
(vocação sacerdotal). O que conduz a levantar uma questão intrigante: a busca da perfeição?
Essa meta vai ao encontro ou desencontro da natureza humana? Na visão do Magistério
1
, a
vocação sacerdotal não apenas exalta a vocação cristã comum como também a santifica e
serve.
1
Nos documentos do Concílio Vaticano II (1966) o Magistério da Igreja é apontado com as Seguintes
características: “tem a mesma extensão que o depósito da Revelação divina; não reconhece nenhuma nova
revelação pública, não está acima da Palavra de Deus, mas seu servo é intérprete autêntico da Bíblia e última
instância na interpretação da Bíblia; suas relações com a Tradição, não tem por missão ter de pronto soluções
concretas para todas as questões, mesmo graves, nem tem sempre de pronto respostas para todos os problemas,
deve ensinar e interpretar autenticamente os princípios de ordem moral que devem ser acatados nos assuntos
temporais, que enquanto conexos com a vocação celeste, estão sob seus cuidados”. Assim, observa-se que ao
Magistério da Igreja se atribui a própria constituição normativa da Igreja católica. (LIBANIO, 2006.)
31
No discurso oficial da Igreja também se enfatiza a condição de servos que é por
natureza, inseparável da vocação sacerdotal, ou seja, o padre não deve se distinguir
dos fiéis, arvorando para si uma condição superior, mas antes, deve assumir a
missão de serviço à comunidade orientando-a e promovendo a união entre as
pessoas. Estes preceitos valem também para a Vida Religiosa feminina e masculina
no que tange à concepção de vocação como busca da perfeição e santidade em um
estilo de vida no qual se exige dedicação exclusiva a Cristo e à Igreja.
(FERNANDES, 2004, p. 63)
A ideia que se passa de vocação continua sendo a de busca do “ideal” e da “perfeição”
que, muitas vezes, não são reconhecidas na dinâmica da igreja enquanto instituição ao longo
de sua história e da dos clérigos no manejo de suas atividades pastorais. É possível
exemplificar, aqui, inúmeros casos de condutas da instituição e de clérigos em particular que
demonstram o inverso do sentido de vocação defendido pela igreja.
Uma segunda argumentação dos documentos eclesiásticos é a associação da vocação à
vida sacerdotal e religiosa com a palavra "chamado". Esse chamado é uma espécie de
convocação a todos os que se dispõem a viver os preceitos evangélicos nas próprias vidas. Do
ponto de vista teológico, embora o chamado divino se estenda a todos os homens e mulheres,
apenas alguns são capazes de atender a tal apelo nos moldes do discurso da igreja, fato que
muitas vezes gerou, e gera, uma espécie de onipotência de pensamentos, como se aquele que
foi chamado fosse um escolhido de Deus e tivesse uma posição especial.
Outra questão a ser levantada é quanto aos critérios de discernimento com respeito a
quem é ou quem não é vocacionado. A noção de que poucos respondem ao apelo está
relacionada também com a idéia de eleição.
Ser vocacionado é ser eleito e, portanto, predestinado. Daí não ser simples o esforço
em compatibilizar a noção de eleição à de vocação especial, que é concomitantemente
constituída por uma premissa comum a outras vocações cristãs que a tornariam inferior. Aqui
reside uma tensão no discurso da Igreja que, ora destaca o caráter universal da vocação cristã,
ora privilegia a vocação sacerdotal e religiosa como uma espécie de estado de perfeição. A
resposta do eleito a esse apelo possui também um caráter sacrifical, de renúncia. O chamado
vocacional seria, desse modo, algo inato, desejado e efetuado por Deus ao homem.
Na perspectiva católica, o chamado vocacional se de forma diferenciada das
conversões a um determinado grupo cristão, pois se supõe pautado na tradição teológica, um
apelo divino desde o nascimento e uma tomada de consciência desse apelo em determinada
circunstância da vida. A salvação é gratuita e dada a todos, porém o cultivo do bem, a busca
da virtude e o amor ao outro funcionam como indicadores do sujeito que aceitou a graça de
Deus e deseja cultivá-la. Nesse caso, segundo a igreja, todos os homens são chamados, mas
32
apenas alguns são escolhidos para viver de forma mais radical a experiência de filhos de
Deus. É importante perceber que esse discurso é da igreja, mas acaba também se tornando o
discurso de alguns padres. Um padre emérito ilustra a questão desta forma:
A vocação é um dom de Deus, o seu chamado está dentro de nós desde o dia que
nascemos. Sempre quis ser padre, minha família é católica, fui coroinha e ajudava na
igreja, de repente fui parar no seminário, nem percebi direito, foi muito natural, a
sensação é de naturalidade, o que mais eu seria? me vi e me vejo nesta posição,
sendo padre. (Padre V)
Diante desse contexto complexo chamado vocações sacerdotais, os clérigos, ao
serem questionados sobre as aproximações e distanciamentos do exercício sacerdotal com a
palavra trabalho, ancoram-se no argumento de serem vocacionados, dizem ter sido
chamados ao ministério sacerdotal e concluem que, por isso, não são trabalhadores e sim,
eleitos. Porém, como perguntado anteriormente, quem é o responsável pelo chamado?
Como os vocacionados descobrem o seu chamado ao sacerdócio, até que ponto esse
“despertar” não pode vir de uma expectativa familiar, ou de uma expectativa de melhoria
sociocultural? Como dito anteriormente, o que a igreja espera de um vocacionado é um
desejo gratuito de “servir a Deus e aos Irmãos” e uma busca da perfeição. Assim, a
justificativa para o desejo de se tornar padre precisa ser compatível com esse discurso e
muitos padres precisam acreditar que se enquadram nesse modelo discursivo. Vejamos a
posição de um dos nossos entrevistados, que repete o discurso de vocação da igreja.
Jamais um padre pode ser considerado um trabalhador comum, no máximo pode ser
chamado de trabalhador do reino dos céus, nós não somos diferentes daqueles que
são chamados para, por exemplo, a vocação ao matrimônio, todos nós somos
vocacionados e cada um precisa seguir o seu chamado, o padre segue o chamado ao
sacramento da ordem e dedica sua vida aos filhos de Deus, não temos patrão nem
salário como os trabalhos comuns. Temos Jesus Cristo e a salvação. (Bispo I)
Ainda dentro da fala do entrevistado acima, nota-se que o conceito de trabalho
novamente é entendido somente na sua dimensão formal, assalarial. Na verdade, retorna a
sobreposição que os clérigos fazem dos conceitos de trabalho, profissão, vocação e atividade,
mesmo que com alguns equívocos.
Em relação à questão da atividade, se se analisam as categorias essenciais da atividade
vital do homem, percebe-se que Marx esclarece que, no trabalho, os homens produzem não
apenas os produtos materiais, mas uma determinada forma de existência, na qual encontram
os meios e objetos de sua existência. Esse argumento responde sobre a posição de escolha e
33
manutenção dos clérigos da atividade pastoral, quando os mesmos associam o exercício
sacerdotal com sua existência enquanto sujeitos sociais.
Não se deve considerar tal modo de produção de um único ponto de vista, a saber: a
reprodução da existência física dos indivíduos. Trata-se, muito mais, de uma
determinada forma de atividade dos indivíduos, determinada forma de manifestar
sua vida, determinado modo de vida dos mesmos. Tal como os indivíduos
manifestam sua vida, assim o eles. O que eles são coincide, portanto, com sua
produção, tanto com o que produzem, como com o modo como produzem, o que os
indivíduos são, portanto, depende das condições matérias de sua produção. (MARX,
1994, p. 27-28).
Dessa forma, as atividades sacerdotais podem ser entendidas como uma produção, ou
seja, trata-se de uma atividade, e, sendo assim, de uma forma de trabalho. Como essas
atividades são um modo de manifestação da vida de um padre, expresso por meio de sua
produção, todas podem ter algo peculiar, que cada padre produz a sua maneira. Assim,
inclusive uma atividade comum como celebrar uma missa pode ser realizada de modos
distintos conforme a particularidade de cada padre que a celebra.
A atividade material gera, além do produto-objeto, linguagem, arte, religião, enfim.
Para Marx, a atividade espiritual está ligada ao que essas manifestações podem lhe oferecer.
Já vimos que a objetividade do ser humano, enquanto ser de consciência e vontade, no
direcionamento de sua atividade sobre a natureza, coloca o trabalho na posição de atividade
essencial e central da vida humana, uma produção da própria vida material, seja em relação
aos meios de subsistência, ou aos meios de alcance e realização de vontades que extrapolam
as necessidades biológicas. Como afirma Marx,
Os primeiros pressupostos de toda a existência humana e, portanto, de toda a
história, é que os homens devem estar em condições de viver para poder “fazer
história”. Mas, para viver, é preciso comer, beber, ter habitação, vestir-se e algumas
coisas mais. O primeiro ato histórico é, portanto, a produção dos meios que
permitam a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material, e de
fato este é um ato histórico, uma condição fundamental de toda a história, que ainda
hoje, como a milhares de anos, deve ser cumprido todos os dias e todas as horas,
simplesmente para manter os homens vivos. (MARX, 1984, p. 39).
O trabalho é mediação entre o homem e a cultura, determinado conscientemente,
realizado concretamente, com o objetivo de produzir meios de vida, ou seja, o homem
conseguiu criar meios materiais para satisfazer as necessidades básicas, desde a pedra lascada,
o fogo, os instrumentos, até as novas tecnologias da atualidade. Assim, o homem transforma o
mundo que ele construiu em termos materiais e culturais. A natureza da consciência e a
produção de ideias emanam da atividade material.
34
A produção das idéias, de representações da consciência, está de início diretamente
entrelaçada com a atividade material e com o intercâmbio material dos homens, com
a linguagem da vida real. O representar, o pensar, o intercâmbio espiritual dos
homens, aparecem aqui como emanação direta de seu comportamento material... A
consciência jamais pode ser outra coisa do que o ser consciente, e o ser dos homens
é o seu processo de vida real.” (MARX, 1984, p. 36-37).
Em outras palavras, para que o homem pudesse, ao longo de séculos, alcançar o nível
de produção de ideias, a capacidade de pensar, a linguagem, a arte e até a religião, foi preciso,
num primeiro momento, criar objetos materiais e, a partir deles, surgiram outros, às vezes
muito mais simbólicos do que materiais.
Dentro dessa lógica, seria muito natural encarar qualquer tipo de atividade do homem
sobre a natureza como trabalho, resultando ou o na produção de objetos materiais, inclusive
as atividades culturais e religiosas.
No entanto, no contexto religioso, observamos, ainda, que falar de sacerdócio como
uma forma de trabalho causa uma sensação de estranheza, que a palavra “trabalho” está
associada muito mais ao contexto econômico, da atividade assalariada, de uma atividade
empregatícia, aquela de horas semanais e um salário no final do mês.
Nota-se isso na fala de um dos entrevistados:
Acho que não posso dizer que o sacerdócio é uma forma de trabalho, caso fosse
seria uma vida de trabalho, os trabalhos comuns têm hora de começar e terminar, o
padre exerce sacerdócio o tempo todo, é uma vida em tempo integral, uma questão
de vocação. (padre IV)
Mas quando se fala de trabalho como aquilo que define uma forma de existência,
como aquilo que identifica e caracteriza o que os sujeitos são para si e para os outros, fica
nítido que a posição de muitos clérigos diante de sua atividade pastoral é esclarecedora e
poderia ser tomada como um exemplo da perspectiva em que o trabalho é vida porque está
ligado à realização da existência humana.
Não se separa o que o padre faz daquilo que ele é, como falei, é uma questão de
vocação, é um chamado, diferente das profissões, em que o trabalhador é uma coisa
quando está trabalhando e outra quando, por exemplo, está em casa. Meu pai era
agricultor quando estava na roça, mas quando estava em casa ele era só pai, é
diferente com o padre, somos sempre padres, mesmo aposentado ainda sou padre, é
para vida inteira (Padre IV)
A citação acima ilustra a visão de “realização da vida humana” com o trabalho, mas
não podemos deixar de notar na fala a comparação da atividade de um padre com a de um
agricultor, pois mesmo estando em casa, o pai não é só um pai, ele carrega consigo a
35
identidade de agricultor. Dessa mesma maneira, um padre, quando está fazendo outras coisas
além da atividade sacerdotal, como, por exemplo, sendo um professor, pode ter identidade de
professor e não somente de sacerdote.
Assim, em alguns momentos o trabalho aparece como fonte de satisfação e realização
e em outros casos, como fonte de sofrimento e desprazer. Freud (1976) diz que ainda que o
sujeito veja o trabalho como uma possibilidade de satisfação, não se trata de uma via eleita
pelos sujeitos, que muitas vezes o encaram apenas como necessidade ou obrigatoriedade.
A atividade profissional constitui fonte de satisfação especial, se for livremente
escolhida, isto é, se, por meio de sublimação, tornar possível o uso de inclinações
existentes, de impulsos instintivos persistentes ou constitucionalmente reforçados.
No entanto, como caminho para a felicidade, o trabalho não é altamente prezado
pelos homens. Não se esforçam em relação a ele como o fazem diante de outras
possibilidades de satisfação. A grande maioria das pessoas trabalha sob a pressão
da necessidade e essa natural aversão do homem ao trabalho suscita problemas
sociais extremamente difíceis. (FREUD, 1976, p.99)
Marx com seu conceito de trabalho alienado vai discutir muito sobre o que se pode
colocar como causa dessa “aversão ao trabalho” tratada acima por Freud (1976), então ele
constata que pela dinâmica do capitalismo, o trabalho alienado separa trabalho e vida. Em
uma conferência de 1989, feita para os profissionais do Centro de Reabilitação Profissional do
INSS, Sônia Viegas colocou essa separação para depois trazer seu argumento de que não se
podem separá-los. O argumento pode ser lido na transcrição da conferência, que foi feita por
Ana Elizabeth:
Agora, imaginem que no trabalho alienado o objeto parece que é uma esponja que
bebe a significação. Então, ela absorve e torna pedra, torna coisa todo o gesto que
faço. Então não consigo me enxergar no meu trabalho. Em vez de me encontrar nele,
me perco nele. fala Marx: «a objetificação significa perda, e o trabalhador se
perverte». Perverte por quê? Porque de agente ele se torna paciente. De elemento
ativo ele se torna o passivo. E quando ele se apropria do objeto para tentar se
encontrar lá, se aliena nessa apropriação, se perde também, se aliena de si mesmo
nessa apropriação. (VIEGAS, 1989)
Como se trata de uma atividade que fornece sentido para a existência, não se pode
fazer essa separação. A atividade não-alienada, no caso ministerial, tem o significado de
manifestação do modo de ser desses sujeitos, pois ela revela a forma escolhida de manifestar
sua vida. Dessa maneira, ao realizar a atividade pastoral, os clérigos atualizam a sua essência,
por meio da exteriorização de sua força.
36
Nesse caso particular, pode-se inferir que a maneira com que os padres e bispos
eméritos lidam com a condição de aposentados vai ao encontro dessa perspectiva teórica,
quando os mesmos colocam que, tornando-se eméritos, deixam somente a obrigatoriedade de
administrar uma paróquia/diocese, ou qualquer posição formal dentro da estrutura
institucional da igreja, mas continuam exercendo a atividade típica de um sacerdote, ou outras
atividades que já realizavam ou que venham a realizar após a emeritude. Um dos entrevistados
conciliou, ao longo de uma vida inteira, a atividade de tipógrafo com o exercício sacerdotal.
Outro, por sua vez, após a emeritude, começou a pintar telas.
Esses casos remetem ao que Marx quis dizer com “atualiza no trabalho aquilo que está
na essência do existir”, ou seja, o trabalho do padre, enquanto exercício sacerdotal, é
considerado por ele como uma forma e um modo de existência, mas outras atividades também
podem dar aos mesmos esse modo de existência.
Assim, algumas questões podem começar a ser respondidas: Como poderiam
abandonar o ofício, se diante da igreja já estão desobrigados? Haveria outro modo de produzir
seus meios de vida? O que o sacerdote teria, a não ser aquilo que lhe ocupou a vida durante
tanto tempo?
O modo de vida material, no sentido de alimentação e moradia, na maioria dos casos
está minimamente garantido pela aposentadoria, o INSS e por alguma ajuda que a igreja
fornece, mas os meios de vida, no sentido de reconhecimento social, posição diante da própria
instituição, carinho e atenção, não estão necessariamente garantidos com a aposentadoria
clerical. O padre e o bispo não são retirados da igreja depois de aposentados, no entanto, a
partir desse momento, precisam achar um lugar, uma posição dentro desse contexto, ou de
outros, que lhes forneçam um sentido e atenda suas demandas pessoais para além das
necessidades materiais. Assim, eles precisam continuar produzindo simbolicamente de alguma
forma, nem que seja ainda por meio das mesmas atividades materiais concretas que os
acompanharam ao longo de toda uma vida como: celebrar missas, batizados, casamentos,
enfim.
A aposentadoria do trabalho formal-institucional, no meio religioso, possui uma
distinção particular do meio laico, é uma renúncia do ofício e não se pode tentar entender esta
questão antes de se pensar a maneira como este grupo social vivencia a sua atividade, o seu
modo de agir sobre a cultura, ou seja, o próprio ato laboral.
37
3.3 A função psicológica do trabalho
Até aqui, pensou-se o conceito de trabalho especialmente na perspectiva marxista, com
o intento de articular o mesmo à realidade do exercício sacerdotal, especialmente vista após o
processo de aposentadoria. Em seguida, a questão será abordada em seus aspectos
psicológicos.
No estudo sobre o trabalho, mais especificamente dentro da psicologia do trabalho,
encontram-se enfoques teóricos distintos. Alguns norteiam os estudos numa perspectiva
cognitiva, já outros tomam o trabalho à luz de uma ótica subjetiva, com o argumento de que o
trabalho, para além de seus aspectos formais, tem uma função psicológica na vida dos
sujeitos:
A subjetividade na ação profissional não é um ornamento ou uma decoração da
atividade. Ela está no princípio de seu desenvolvimento, configura-se como um
recurso interno deste último. (CLOT, 2006, p.18)
A tentativa de definir o que seria o trabalho de um clérigo, ou melhor, de um pároco
ou de um bispo diocesano, principalmente na lógica do ofício paroquial, será feita no viés da
função psicológica subjetiva do trabalho. Como ficariam, nesse caso, evidenciados os
aspectos psicológicos do exercício dessas atividades? E, além disso, como ficaria essa relação
diante do processo de aposentadoria?
Yves Clot oferece uma oportunidade de pensar o campo do trabalho, ao visualizar
aspectos que ultrapassam a dimensão do simples fazer laboral adaptado às exigências do
mercado e, principalmente, da produção. Assim, ele fornece uma perspectiva mais próxima
das necessidades subjetivas com o argumento de que o trabalho ocupa uma posição de
destaque, principalmente por sua função psicológica.
Não se podem separar as questões formais e objetivas do trabalho das questões
psicológicas, mas trata-se, aqui, de uma escolha por um viés teórico norteador, pois acredita-
se que, para além da tarefa executada em si, como pensar que a mesma não teria sentido
algum caso não visasse a uma realização particular, pessoal.
Eu, na verdade, não abandonei meu ofício preferido, apenas consegui juntar as duas
coisas, sou padre e trabalho com a tipografia até hoje, só que agora dentro da
38
religião. Na verdade, jamais deixei de exercer essa atividade. Amo a tipografia,
sempre gostei de escrever, corrigir, publicar, fazer jornal, revista, enfim. (Padre I)
Como se pode notar na fala de um padre entrevistado, o sentido de uma atividade
qualquer extrapola o simples ato de executá-la. A atividade não é definida somente pelos
aspectos prescritos, ordenados, mas também pelos aspectos investidos, inventados, desejados
pelo sujeito que a executa. Nesse caso, em especial, o entrevistado poderia se limitar às
atividades pastorais típicas, como presidir cerimônias religiosas, atender confissões, entre
outras, ou seja, ele não precisaria necessariamente trabalhar com a tipografia. Porém, ele se
refere a esta atividade de maneira afetuosa, com sentido de realização pessoal. As aspirações
pessoais particulares são os fatores determinantes na condução das atividades.
Entretanto, cabe ressaltar que um funcionamento coletivo de trabalho tampouco
poderia funcionar sem um mínimo de formalização do mesmo como, por exemplo, uma
determinação dos procedimentos e das tarefas, em outras palavras, da maneira pela qual o
trabalho se estrutura. Porém o sujeito imprimiu nas atividades que executa os investimentos e
expectativas pessoais, e, por vezes, esse investimento pessoal gera renovação e alterações até
das próprias estruturas formalizadas do trabalho em questão. Pode-se dizer, então, que a
tipografia para o padre acima citado é um meio que extrapola e amplia a atividade pastoral,
que os conteúdos trabalhados na mesma são de cunho religioso.
O trabalho de formalização profissional pelo qual são renovadas eventualmente as
regras dos ofícios, depois que, por meio de tentativas e erros, um coletivo chegou a
filtrar a experiência. Uma reavaliação da cultura profissional destinada a ser testada.
(CLOT, 2006, p. 40)
Por que não pensar que um processo parecido com o citado acima por Clot (2006)
poderia ter gerado as inúmeras alterações que impactaram a atividade sacerdotal, após o
Concílio Vaticano II, já que este alterou radicalmente o dia-a-dia laboral dos clérigos e até dos
leigos? Abriu-se espaço para maior participação dos mesmos, incluindo as mulheres, na vida
eclesial.
Os concílios são reuniões de eclesiásticos e de teólogos, são um esforço comum da
Igreja, ou parte da Igreja, para a sua própria preservação e defesa, ou para a guarda de clareza
de sua e da doutrina. No caso do Concílio Vaticano II, a necessidade de defesa se fez de
modo universal, porque as situações contemporâneas de proporções globais abalaram a Igreja,
que se viu fechada dentro de seu conservadorismo. Assim, diante daquele momento, a
mudança era uma necessidade de adaptação:
39
O objectivo do Concílio é discutir a acção da Igreja nos tempos actuais, ou seja, a
sua finalidade é "promover o incremento da católica e uma saudável renovação
dos costumes do povo cristão, e adaptar a disciplina eclesiástica às condições do
nosso tempo" e do mundo moderno. Por outras palavras, o Concílio pretende o
aggiornamento (actualização e abertura) da Igreja. ( LIBANIO, 2006, p. 67)
Como foi colocado anteriormente, Yves Clot traz uma discussão sobre o trabalho para
além de seus aspectos formalizados, ao dizer que, mesmo na padronização, na atividade rígida
e repetitiva, o sujeito pode e faz investimentos pessoais e tem demandas e desejos que, em um
primeiro momento, ficam na esfera do não-dito, do imaginário. Esse fato, porém, não exclui a
possibilidade de que se promovam renovação, transformação e movimento.
No caso da igreja, essa possibilidade de renovação que gerou o Concílio Vaticano II.
Além disso, essa instituição seguiu promovendo uma série de mudanças e atualizações no
formato da atividade e do exercício sacerdotal. Cabe ressaltar que Yves Clot fala de atividade
e não de instituição, ou seja, a aproximação que se fez na análise da igreja, enquanto
instituição, é delicada que se trata de campos de análise diferenciados. Porém, pode-se
considerar que antes dos desdobramentos institucionais um movimento no vel de
atividade, aqui, de exercício sacerdotal.
Dessa maneira, entende-se que cada modelo de sociedade vai criar um modelo de
instituição e que o modelo da instituição igreja católica medieval não mais cabia na sociedade
moderna já que esta implicou novas demandas. Porém, nota-se que as inovações do concílio
Vaticano II e o novo formato proposto foram mudanças necessárias para que a instituição
igreja católica mantivesse sua importância na modernidade.
O grupo de padres e bispos que o presente estudo entrevistou possui a experiência de
exercício sacerdotal marcada pelas alterações desse concílio. Pode-se dizer que eles
vivenciaram os dois modelos formais, o anterior e o posterior ao concílio, alguns deles
chegam a trazer a questão em suas falas:
O concílio vaticano II foi um momento de renovação para os padres que
efetivamente viviam a fé, as mudanças que ele trouxe eram desejadas por muitos
de nós, porém foi um momento muito difícil para a igreja, muitos padres deixaram o
ministério, não conseguiam se adaptar as essas mudanças. (padre I)
Foi difícil se adaptar, escolhi ser padre exatamente porque gostava do que eu via o
padre fazer, e agora alguém que não era padre poderia fazer também, que diferença
existia então? Mas isso durou pouco, a igreja não viveria sem o leigo, hoje acho
muito bom. (Padre IV)
40
Ainda estamos longe de experimentarmos na pratica o que o Concílio Vaticano II
propôs. Vivemos muito mais seus aspectos técnicos, mas a mudança no pensamento,
na crença dos padres ainda está longe de ser real. (Bispo I)
Portanto é importante ressaltar que, nos padres eméritos, a memória, assim como os
desdobramentos psicossociais advindos desta, estão marcados pela vivência desse momento
histórico da igreja católica que alterou os modos de vida, de trabalho e de produção desses
sujeitos.
Ao se referir, ainda, aos sujeitos que imprimem seus projetos de vida na atividade,
Yves Clot traz uma discussão interessante sobre o que chamamos de estilo individual, quando
coloca que:
O estilo individual torna-se por sua vez a transformação dos gêneros, por um sujeito,
em recursos para agir em suas atividades reais. Em outros termos, o movimento
mediante o qual esse sujeito se liberta do curso das atividades esperadas, não as
negando, mas através do desenvolvimento delas. (CLOT, 2006, p. 50)
Cabe ressaltar que a menção ao termo gênero” se refere ao gênero profissional, ou
seja, aquilo que define as fronteiras móveis do aceitável e do inaceitável no trabalho, um
conjunto de regras impessoais não escritas que define o uso de regras e as relações entre as
pessoas. É preciso considerar que apesar de o conceito de gênero não poder ser tomado como
individual, o trabalhador, enquanto indivíduo, identifica-se, por vezes, com a classe de
trabalhadores da qual fazem parte. Portanto, isso faz com que se sintam inseridos, fato que
possibilita a construção de uma identidade ligada ao estilo coletivo.
Ainda que o trabalhador esteja sobre influência do gênero profissional, ou seja, ainda
que possua traços assimilados do estilo coletivo, ele é capaz de imprimir um estilo pessoal
dentro do que é esperado pelo gênero profissional. Por exemplo, espera-se que um padre
celebre batizado, porém cada padre pode fazê-lo de forma diferente. Dentro dessa lógica, é
necessário entender o estilo individual não como uma espécie de perversão das atividades
prescritas, formalizadas, mas, sim, como um movimento subjetivo que, para além de fornecer
um sentido pessoal àquela atividade, pode levar à sua ampliação, seu desenvolvimento.
Algumas falas já ilustraram esta questão, como o padre que também era tipógrafo. De
qualquer forma, pode-se destacar outra citação que, mesmo sendo o relato da experiência de
outro padre, é de certa forma assimilada pelo bispo em questão:
Uma vez eu fui a uma missa na igreja da Glória convidado a concelebrar e daí
percebi aquela igreja lotada e o padre era uma redentorista novinho que tinha um
jeito particular de celebrar ele alterava alguns momentos da missa, por exemplo, o
41
ato penitencial era realizado depois da Homilia. Sabe por quê? Ele acreditava que
depois da reflexão os fiéis faziam um ato de contrição mais bem feito. Ele tinha
razão, era o jeito dele, muita gente discordava, pois fugia do padrão, mas eu gostei,
não achei que ele estivesse fazendo nada de errado, era o jeito dele e passei a
fazer isso algumas vezes. (bispo I)
O trabalho, ou melhor dizendo, o sentido do trabalho é medido a partir do vel de
comprometimento que o sujeito possui com a atividade em questão. Além disso, é preciso
saber o quanto essa atividade faz sentido em outros domínios de sua vida.
Quando se fala da atividade sacerdotal, a expressão “outros domínios da vida” fica,
por vezes, restrita, sendo entendida por eles como diferente dos tipos de trabalho do mundo
laico. Porém, é preciso considerar que mesmo um trabalhador do mundo laico carrega dentro
de si uma identidade diretamente ligada à atividade que exerce, mesmo que esteja fora do seu
“horário de trabalho”.
Com os clérigos acontece o mesmo, por exemplo, um padre que exerce outra atividade
além do sacerdócio carrega a identidade de padre com ele. Então nota-se que na fala dos
clérigos uma tentativa de valorização da sua atividade seja pela dimensão vocacional,
seja pela conotação espiritual quando tentam diferenciar a atividade que exercem das outras
atividades laicas. Os clérigos tentam colocar sua atividade, ou escolha profissional, dentro de
um discurso carregado de espiritualidade, quando falam de “chamado”, de “escolhido por
Deus”, de “vocação” e, dessa forma, dizem que exercem uma atividade para a vida toda e em
tempo integral. Porém, na verdade, um clérigo faz coisas para além do esperado para sua
classe de trabalhador, não é padre o tempo todo, no sentido de atividade. Todavia, nota-se que
a fala dos mesmos tenta considerar a dimensão santificadora da sua escolha profissional, o que
proporciona um teórico distanciamento das outras atividades do mundo laico. A seguinte fala
de um dos entrevistados ilustra o fato:
É, mas é um trabalho que tem por trás uma motivação diferente, ele vem de um
chamado vocacional, na verdade somos escolhidos e temos a chance de aceitar ou
não esse chamado. (bispo I)
Os sujeitos realizam ações imediatas sobre o ambiente, sobre o mundo que os cerca,
porém essas atividades não deixam de ter uma atuação sobre si mesmos, e é esse tipo de
atividade que constitue os sujeitos enquanto pessoas. Esse conceito é facilmente percebido
quando se faz, por exemplo, uma descrição de alguém, pois sempre se diz: “fulano é aquele
que faz bonecas”, “é um professor”, “é um padre”. Assim, o que define alguém enquanto
sujeito é, em grande parte, o seu fazer enquanto atividade, seja aquela atrelada ao ofício,
42
sejam as inúmeras outras atividades que se podem realizar. Ou seja, o trabalho está
diretamente associado à constituição do sujeito.
O trabalho é uma atividade que engaja o sujeito num processo sem sujeito. Cabe a
ele identificar-se com essa atividade, individual e coletivamente, “reapropriando-se”
dessa parte não intencional de sua existência, fundo indivisível e pressuposto
simbólico de toda ação de trabalho. (GODELIER, 1984, 1996 apud CLOT, 2006, p.
82)
Antes de uma atividade pessoal, o trabalho pode ser definido, segundo Meyerson, da
seguinte maneira: “O trabalho transforma a natureza e, portanto, usa-a, agrega-se a ela, opõe-
se a ela, cria um mundo mediato de objetos humanos que estão entre o homem e a natureza.
(MEYERSON apud CLOT, 2006, p. 76). Assim, pode-se concluir que trabalho é toda
atividade que o homem exerce sobre a natureza, a fim de modificá-la, sendo que, nesse
processo, enquanto sujeito, ele também é definido e representado, enquanto tal, pelos
desdobramentos dessa mesma atividade, desse mesmo trabalho. Note-se que essa formulação
aproxima-se muito da formulação marxista colocada anteriormente. Dessa maneira, Yves
Clot comunga da mesma posição, ou seja, do trabalho associado à constituição do sujeito,
bem como da cultura.
Quanto ao trabalho em seu contexto histórico-cultural, percebe-se que o homem tem
seu modo de trabalhar, sua atividade é direcionada por modelos previamente conhecidos ao
longo da história. As atividades, em coletividade, dos homens sobre a natureza são
asseguradas pela conservação e transmissão das mesmas ao longo do tempo, de geração a
geração, com suas formas e instrumentos que definem o modo de construção da realidade, ou
seja, a construção do mundo atual.
Esse processo de transmissão e conservação é muito comum nos relatos de memórias,
sejam nos relatos orais, nos livros, entre outras; sendo que, na velhice, o sujeito possui ainda
mais essa necessidade de transmissão de conhecimentos e habilidades para as gerações que os
seguem. É interessante relatar que, dos sete sacerdotes entrevistados, quatro, após a
aposentadoria, escreveram romances sobre suas vidas enquanto clérigos. Esses romances
garantem, de certa forma, a transmissão da atividade enquanto trabalho de ser padre, de
exercer o ministério. Mais interessante ainda é que cada um escolheu um gênero literário que
diz, da maneira particular, da forma como viveu e como enxerga o exercício clerical ou
episcopal. Por exemplo, um deles escreveu contos, ou melhor, “causos” de sua vida; outro
escreveu sobre a história local da cidade em que residia há 35 anos, tendo como foco a
43
religiosidade e suas impressões particulares sobre o local; outro ainda está terminando um
livro sobre a história de sua família.
Portanto, os padres e bispos que se aposentam necessitam marcar uma determinada
posição diante do campo social, visto que a posição vinculada à atividade de trabalho se torna
fragilizada na maioria dos casos, que eles ficam desobrigados das funções paroquiais ou
diocesanas, as quais durante anos constituíam sua atividade diária de trabalho. Esses padres e
bispos aposentados desejam ser reconhecidos pelos outros. O outro fornece atribuição de
valor, valores diversos fortemente ligados às atividades que esses sujeitos desenvolveram ou
permanecem desenvolvendo. Quanto a essa necessidade de reconhecimento, Clot (2006) faz
uma colocação interessante,
Dessa maneira, eles recuperam uma atividade que é uma réplica à atividade dos
outros, um lugar na estrutura social, uma função num gênero, e não apenas – o que é
elementar – um reconhecimento psicológico de seu drama. (CLOT, 2006, p. 79)
O reconhecimento do trabalho é colocado pelos entrevistados de uma maneira
diversificada, relatos de reconhecimento e não-reconhecimento, como fica claro nos
fragmentos abaixo exemplificados:
Hoje eu sinto que ainda cuido de muitos, porém, consigo perceber que também sou
cuidado, principalmente depois que a idade foi chegando, você sabe, não é, mas
graças a Deus eu sempre tive boas pessoas perto de mim e até hoje é assim, o mais
interessante é que mesmo hoje eu sou reconhecido pelo que fiz e ainda faço muitos,
ainda me pedem orientação e eu fico muito feliz, na semana passada mesmo, eu fui
convidado para celebrar um casamento de uma menina que eu batizei e ela faz
questão que seja eu, olha para você ver!! (Padre IV)
Meu processo de aposentadoria foi normal, como o de qualquer outro, tenho uma
mágoa, ahoje o meu bispo não me disse muito obrigado, quem sabe Deus o fez.
Paula, eu deixei minha comunidade religiosa, pois, a diocese precisa de ajuda, eu
peguei um abacaxi enorme para descascar, e nem um muito obrigado eu recebi.
(Padre V)
Yves Clot argumenta que os desdobramentos do sofrimento psíquico, por vezes
vivenciados pelos sujeitos que estão “privados de emprego”, desempregados, guardadas as
devidas proporções, também são vivenciados pelos sujeitos que se aposentam, ou seja,
aposentados não estão totalmente imunes às vivências deste sofrimento. O sujeito aposentado
pode se sentir como o sujeito desempregado, sofrer pela ausência de uma atividade que lhe
fornece uma identidade social. Assim, ser aposentado está ligado à ausência de atividade, o
que, culturalmente, possui uma conotação pejorativa.
44
Em uma nota de rodapé do Mal estar na civilização, Freud (1976) faz uma colocação
sobre a relação dos sujeitos com o trabalho, que é interessante para esse momento da
discussão. Trata-se da passagem na qual ele infere que, de certa forma, o trabalho fornece um
lugar seguro dentro da comunidade. Freud diz,
Não é possível, dentro dos limites de um levantamento sucinto, examinar
adequadamente a significação do trabalho para a economia da libido. Nenhuma
outra técnica para a conduta da vida prende o indivíduo tão firmemente à realidade
quanto a ênfase concedida ao trabalho, pois este, pelo menos, fornece-lhe um lugar
seguro numa parte da realidade, na comunidade humana. (FREUD, 1976, p. 99)
Ou seja, o sujeito vinculado a uma atividade de trabalho possui um lugar apontado
pela comunidade, dessa forma, se se pensa na posição do sujeito aposentado, nota-se, em
alguns casos, essa ruptura com o que Freud (1976) chamou de “lugar seguro”. Porém, quando
um aposentado se envolve com alguma atividade e é reconhecido novamente pelo social como
aquele sujeito ativo que realiza algo, ele resgata e recebe do outro o mesmo apontamento que
lhe confere uma nova marca social, uma identidade de quem faz algo e é ativo, produtivo. Isso
pode trazer satisfação e minimizar a condição geradora de sofrimento colocada por Yves Clot
acima. Alguns relatos podem ilustrar essa mudança após a aposentadoria.
Eu parei de ter aquelas obrigações administrativas paroquiais, hoje acabo
trabalhando mais do que antes, sou administrador da diocese, responsável por um
museu, por uma revista quinzenal, estou escrevo dois livros, enfim, não consigo me
enxergar como aposentado. (padre I)
Hoje faço o que eu gosto de fazer enquanto sacerdote. Se for pensar, em alguns
momentos trabalho mais do que na época que eu era bispo diocesano, sou capelão do
hospital, celebro missa todos os dias às seis da manhã, vou a minha cidade natal
todas as semanas atender confissão, celebrar casamentos, enfim, posso dizer que
vivo minha melhor fase, enquanto sacerdote. (Padre II)
Aprendi a pintar depois de aposentado, pintei até a catedral de Caratinga, que está no
seminário, dentro do quarto do Reitor. (Padre V).
O sujeito aposentado, especialmente os padres e bispos eméritos, têm a possibilidade
de fazer rearranjos das atividades de trabalho (e, por que não, de vida?), que, como dito
anteriormente, a atividade pastoral segue uma lógica distinta das outras atividades de trabalho,
pois os padres e bispos têm a sensação de exercê-la em tempo integral.
Dessa forma, não se pode pensar em deixar totalmente o exercício sacerdotal quando
se aposenta caso contrário, o que restaria? Nota-se que os sujeitos fazem rearranjos dentro do
mesmo universo, o espiritual/institucional, ao agregar outras atividades, ambientes. A
45
atividade possui sentido, quando o sujeito lhe confere valor, apropria-se dela, sendo
importante colocar que é um trabalho árduo fazer com que o mesmo se torne “trabalho para
si”.
Um entrevistado fez uma colocação que diz um pouco desse processo de rearranjo, de
ressignificação, quando falava dos primeiros momentos após o Concílio Vaticano II.
Em um momento muito difícil para a igreja, na verdade mais difícil para os padres
do que para a própria igreja, muitos padres foram obrigados a rever suas
expectativas e intenções quanto a ser padre e, neste momento, muitos deixaram o
ministério, nós que ficamos passamos por momentos tumultuados e foi difícil
adaptar. (padre I)
Enfim, pode-se destacar que Yves Clot traz uma discussão que, de maneira particular,
fornece um crivo teórico na orientação da interpretação desse grupo religioso particular
padres aposentados quando discute o trabalho para além de seus aspectos formais, ou seja,
quando discute a dimensão subjetiva do mesmo. O autor constrói o conceito de “real da
atividade” para contrapô-lo ao trabalho puramente observável, isto é, ele leva sua perspectiva
teórica para além do trabalho que se executa, e agrega a esse as vivências internas do sujeito.
Como ele mesmo diz:
Ainda aqui, o real da atividade é também aquilo que não se faz, aquilo que não se
pode fazer, aquilo que se busca fazer sem conseguir os fracassos-, aquilo que se
teria querido fazer ou podido fazer, aquilo que se pensa ou que se sonha poder fazer
alhures. É preciso acrescentar a isso o que é um paradoxo freqüente aquilo que
se faz para não fazer aquilo que se faz sem querer fazer. Sem contar aquilo que se
tem a fazer. (CLOT, 2006, p. 116).
Quase todos os entrevistados trouxeram contextos dos quais podemos inferir o que
Clot quis dizer como “real da atividade”, para além daquilo que se pode fazer.
Essa vivência do “real da atividade” pode ser notada em outras falas principalmente
quando eram perguntados sobre o que realizavam no momento atual, sobre o que estavam
fazendo depois de se aposentar.
Eu não paro, e gosto de trabalhar com tipografia, gostaria me dedicar mais ainda à
escrita dos livros que estou mexendo, mas como ainda sou administrador da diocese,
não posso me dedicar totalmente, até pedi ao bispo que me liberasse dessa tarefa,
mas ele achou melhor eu continuar mais alguns anos, então não posso fazer muito
para além daquilo que já faço. (padre I)
Na fala acima, temos ainda algumas variantes do “real da atividade”, o padre afirma
que gostaria mesmo é de escrever mais, ele se dedica a escrever, mas não tanto quanto
46
gostaria, devido a obrigações enquanto administrador da paróquia (atividade que exerce
mesmo sendo emérito). Nesse caso, o clérigo exerce a atividade de escritor, não como
gostaria, mas a elege como a real atividade, ou seja, como aquilo que não se faz por não poder
fazer, inclusive porque está limitada pela outra atividade que exerce sem desejar exercer
(administrador da paróquia). No trecho abaixo, também se percebe a mesma lógica, porém,
como aquilo que se teria querido ou podido fazer, aquilo que se pensou ou que se sonhou
poder fazer:
Eu queria ter feito mais pela paróquia da catedral, eu tinha um projeto de assistência
social muito interessante, mas veio a danada da reforma da catedral que levou anos,
eu nunca pensei em mexer com construção, mas infelizmente a catedral precisava e
tive que mudar meus planos, mas até hoje penso em como teria sido bom se eu
tivesse conseguido levar o projeto adiante. (Padre I)
Pode-se extrair das elaborações teóricas de Yves Clot que o trabalho, além de merecer
um lugar essencial naquilo que constitui a natureza do ser humano, assume uma função
psicológica quando vincula as vivências, os desejos pessoais do sujeito, às suas posições no
campo social, jamais poderíamos estar desvinculados totalmente de algum tipo de atividade,
já que o trabalho exerce uma função vital diante daquilo que somos.
Sônia Viegas dizia que “trabalho é uma forma de fazer jus à vida”. (Viegas, 1989, p.
4). O trabalho é a forma humana de produzir significações e não somente objetos
automatizados. Para a autora, o trabalho está ligado à construção do ser humano, à criação, à
criatividade.
Quanto mais conseguir me colocar no mundo e conseguir estabelecer, nessa
colocação, uma linha que me permita um encontro, uma confraternização com os
outros homens, seja através do meu imaginário pregresso, da minha memória, da
memória de meu povo, do imaginário do meu povo, que eu canto, ou através das
obras que eu faço, ou das coisas que eu transmito, seja de que maneira for que cada
homem faça este trabalho de significação, ele está criando. Está criando fora dele e,
quanto mais cria fora dele, mais constrói dentro dele próprio. (VIEGAS, 1989, p. 3).
O trabalho enquanto atividade de criação que não somente cria os bens de produção,
mas também a pessoa que o produz, ou seja, o trabalho em sua função psicológica, constitui o
próprio sujeito, fomenta os processos de subjetivação e integra a subjetividade. No caso dos
padres e bispos da igreja católica, percebe-se que o ofício pastoral, seja como pároco ou como
bispo, é importante e constrói a identidade laboral, social, espiritual e institucional de cada
um. De maneira especial, quando renunciam ao ofício, ainda são padres e bispos, pois a
relação com a atividade que exercem não é uma relação temporária, mais, sim, um estado
47
permanente, como falou um dos entrevistados: “padre é sempre padre, serei um padre até o
dia que eu morrer” (Padre IV)
Até o presente momento, discutiram-se questões conceituais, em Marx e em Clot,
acerca do que seria trabalho, com o intento de relacionar tais reflexões ao exercício de um
clérigo. Na sequência deste capítulo, haverá uma ênfase na discussão do trabalho associado ao
momento da aposentadoria dos sacerdotes.
3.4 O padre e o bispo emérito: Aposentadoria ou renúncia ao trabalho?
A aposentadoria normalmente está ligada à saída de um trabalho regular quando se
atinge um determinado limite de idade. Entretanto, ser jovem ou velho para o trabalho não diz
respeito apenas a uma avaliação da capacidade física ou psicológica para uma atividade, uma
vez que tal capacidade depende de contextos históricos, socioculturais, demográficos e
institucionais nos quais o trabalhador está inserido. Existem situações nas quais os
trabalhadores se aposentam bem jovens e outros falecem antes de se aposentarem, alguns têm
possibilidade de escolher e até a desejam, outros temem esse momento e suas
consequências no futuro.
Aposentadoria é um fato social novo, instituído, no Brasil, no começo do século XX.
De acordo com a legislação brasileira, a aposentadoria é definida como:
O direito que tem o segurado de retirar-se da atividade profissional, na ocorrência de
certos riscos ou preenchimento de tempo de serviço, passando a fazer jus a um
pagamento periódico, por conta da instituição previdenciária (SCHONS & PALMA,
2000, p.156).
A lei prevê, de forma geral, duas condições para que os trabalhadores contribuintes
possam se aposentar: a primeira ligada à idade e a segunda, ao tempo de contribuição. Na
aposentadoria por idade, têm direito ao benefício os trabalhadores urbanos do sexo masculino,
a partir dos 65 anos e do sexo feminino, a partir dos 60 anos de idade. Os trabalhadores rurais
podem pedir aposentadoria por idade, com redução de cinco anos, a partir dos 60, no caso dos
homens, e a partir dos 55, para as mulheres. Já na aposentadoria por tempo de contribuição, o
trabalhador homem deve comprovar pelo menos 35 anos de contribuição e a trabalhadora
48
mulher, 30 anos. Para requerer a aposentadoria proporcional, o trabalhador tem que combinar
dois requisitos: tempo de contribuição e a idade mínima.
Os homens podem requerer aposentadoria proporcional aos 53 anos de idade e 30 anos
de contribuição (mais um adicional de 40% sobre o tempo que faltava, em 16 de dezembro de
1998, para completar 30 anos de contribuição). As mulheres têm direito proporcional aos 48
anos de idade e 25 de contribuição (mais um adicional de 40% sobre o tempo que faltava, em
16 de dezembro de 1998, para completar 25 anos de contribuição). (Ministério da Previdência
Social, 1998)
Existem outros tipos de aposentadoria não ligados ao fator idade, como, por exemplo,
a aposentadoria por invalidez, que acontece por duas vias. A primeira é o benefício concedido
aos trabalhadores que, por doença ou acidente, forem considerados, pela perícia médica da
Previdência Social, incapacitados para exercer suas atividades ou outro tipo de serviço que
lhes garanta o sustento e a aposentadoria especial. A segunda é o benefício concedido ao
segurado que tenha trabalhado em condições prejudiciais à saúde ou à integridade física
Para ter direito à aposentadoria especial, o trabalhador deverá comprovar, além do
tempo de trabalho, efetiva exposição aos agentes físicos, biológicos, ou associação de agentes
prejudiciais pelo período exigido para a concessão do benefício (15, 20 ou 25 anos).
(Ministério da Previdência Social, 1991)
No Brasil, a Previdência foi instituída em 1923, quando o Congresso Nacional criou a
Caixa de Aposentadoria e Pensões para os empregados de empresas ferroviárias. Junto com os
familiares, eles passam a ter direito à assistência médica, remédios subsidiados, aposentadoria
e pensões.
O Decreto n° 4.682, de 24 de janeiro de 1923, na verdade é a conhecida Lei Elói
Chaves (o autor do projeto respectivo), determinou a criação de uma Caixa de
Aposentadoria e Pensões para os empregados de cada empresa ferroviária. É
considerada o ponto de partida, no Brasil, da Previdência Social propriamente dita.
(Ministério da Previdencia social, 1991)
Nos anos 30, Getúlio Vargas reestrutura a Previdência Social com a incorporação de
praticamente todas as categorias de trabalhadores urbanos. São criados seis grandes institutos
nacionais de previdência, e o financiamento dos benefícios é repartido entre os trabalhadores,
os empregadores e o governo federal. No mesmo período, surgiu a expressão "seguridade
social", inspirada na legislação previdenciária social dos Estados Unidos, como uma nova
concepção de seguro social total, que procura abranger toda a população, na luta contra a
miséria e as necessidades.
49
Com a promulgação da Lei Orgânica da Previdência Social, em 1960, a previdência
social, organizada em cinco grandes institutos e uma caixa, elevada também à condição de
instituto, passou a abranger a quase totalidade dos trabalhadores urbanos brasileiros.
Em 1966, todas as instituições previdenciárias foram unificadas no Instituto Nacional
de Previdência Social (INPS), inclusive a instituição de contribuição específica para padres da
igreja católica (IPREC). Sendo assim, o recolhimento dos sacerdotes ficaria a cargo dos
mesmos, diante do INPS. O padre passa a recolher sua contribuição na categoria de
profissional autônomo. Assim, sua atividade ministerial passou a ser identificada como uma
atividade de trabalho qualquer, com os mesmos direitos que outros trabalhadores, tanto que os
padres que optam por recolher sua contribuição junto ao INPS se aposentam normalmente
quando completam 60 anos e passam a receber a aposentadoria proporcional à sua
contribuição. Em 1974, o Ministério do Trabalho e Previdência Social foi desdobrado e criou-
se o Ministério da Previdência e Assistência Social, que passou a ter todas as atribuições
referentes à previdência social. O INPS ficou responsável pela concessão de benefícios, assim
como pela readaptação profissional e amparo aos idosos.
A extensão dos benefícios da previdência a todos os trabalhadores se com a
Constituição de 1988, que passou a garantir renda mensal vitalícia a idosos e portadores de
deficiência, desde que comprovada a baixa renda e que tenham qualidade de segurado.
Em 1990, o INPS mudou de nome, passando a ser chamado de INSS - Instituto
Nacional de Seguridade Social. Em dezembro de 1998, o governo mudou as regras da
previdência ao exigir uma idade mínima para a aposentadoria, que, no caso das mulheres, é de
55 anos e dos homens, 60 anos. Anteriormente, a aposentadoria valia para quem contribuísse
por 25 a 30 anos, no caso das mulheres, e 30 a 35 anos, no caso dos homens, não existindo
limite mínimo de idade.
A partir daquele momento, algumas alterações foram sendo incorporadas às leis que
regem a vida do trabalhador, bem como a sua aposentadoria, como fica claro nos artigos da
constituição federal de 1988 citados abaixo.
Lei nº 8.212/1991 - Art. 3º
Art. 3. A Previdência Social tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios
indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, idade avançada,
desemprego involuntário, encargos de família e reclusão ou morte daqueles de quem
dependiam economicamente. (Constituição Federal de 1988)
Art. 194. (*) A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos
relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
50
Parágrafo único. Compete ao poder público, nos termos da lei, organizar a
seguridade social, com base nos seguintes objetivos:
I - universalidade da cobertura e do atendimento;
II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e
rurais;
III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;
V - eqüidade na forma de participação no custeio;
VI - diversidade da base de financiamento;
VII - caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a
participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e
aposentados. (Constituição Federal de 1988)
No Brasil, a exemplo dos países europeus e dos Estados Unidos, foi a classe operária
que liderou, no início do século XX até por volta dos anos 20, à luta pela criação das Caixas e
Institutos e da legislação previdenciária. A previdência social, quando instituída inicialmente,
possuía duas características marcantes: a inclusão dos direitos sociais, mediante a inserção no
mercado de trabalho formal, e a sua expansão, de acordo com a importância estratégica, da
capacidade de mobilização e reivindicação de determinadas categorias de trabalhadores. Ou
seja, não havia um compromisso com os mais carentes, quanto ao acesso aos meios de
sobrevivência. Destaca-se aqui que o sistema acabava diferenciando e estratificando os
trabalhadores entre “incluídos” aquelas categorias com acesso a maiores e melhores
benefícios e serviços – e os “excluídos”- que ficavam aos cuidados da filantropia e do
assistencialismo (S
CHONS
&
P
ALMA
, 2000).
Desde sua implantação, o sistema previdenciário brasileiro passou por diversas
reformas. Em 1988, a Constituição trouxe benefícios e serviços da Previdência Social e a
assistência social, particularmente aos idosos. Alguns exemplos foram o estabelecimento da
uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais e o
beneficio de um salário mensal ao idoso que não dispunha de meios para sua própria
manutenção, independentemente de contribuições prévias de qualquer natureza (SIMÕES,
apud NERI, 1999).
Embora no plano econômico e governamental ainda existam desafios a serem
vencidos, a questão da aposentadoria não se esgota nesse aspecto. No plano social, um
paradoxo gerado pela própria sociedade capitalista: ao mesmo tempo em que ela concede a
aposentadoria ao indivíduo como um direito, ela retira do mesmo seu valor social, ao exaltar
apenas o indivíduo que produz. Assim, a posição do aposentado, no cenário social, está
carregada de estereótipos pejorativos. (SCHONS & PALMA, 2000).
51
Porém, quando se estende a discussão sobre a aposentadoria para o cenário religioso,
depara-se com diversas questões. Primeiramente, é necessário esclarecer que os clérigos da
igreja católica podem se aposentar pela previdência social desde que fique comprovado o
recolhimento, como previsto em lei, pois, perante o INSS, os clérigos são profissionais
autônomos. O reconhecimento se nesta categoria, ou seja, a Instituição Igreja Católica não
é vista como empregadora e, portanto, não é responsabilizada pelo recolhimento de seus
clérigos. Nesse ponto, tanto podem-se encontrar padres e bispos eméritos aposentados, ou
seja, clérigos que além da emeritude são aposentados pelo INSS, quanto outros apenas
eméritos.
Uma pesquisa realizada na Arquidiocese de Belo Horizonte levantou o percentual
aproximado de clérigos que recolhem contribuição para o INSS e daqueles que não o fazem.
Segue o gráfico 1 como ilustração.
Gráfico 1: Presbíteros que contribuem ou não com o INSS
Fonte: PEREIRA, 2009. Relatório da Pesquisa de Opinião dos Presbíteros da Arquidiocese de Belo Horizonte.
Outra questão importante que necessita ser esclarecida são as aproximações e
distanciamentos entre o emérito e o aposentado. Como colocado neste capítulo, a
aposentadoria está diretamente ligada a um benefício de seguridade social, à qual qualquer
52
cidadão trabalhador, que preencha as determinações legais, tem direito, ou seja, um clérigo
que recolhe sua contribuição ao INSS pode se aposentar aos 65 anos e passa a receber
mensalmente sua aposentadoria como qualquer trabalhador.
Mas a posição de emérito é diferente. A palavra emérito provém do latim emeritude,
que significa, como colocado no Dicionário Aurélio (versão on line): aposentado, jubilado,
professor emérito que tem longa prática de uma ciência ou arte, insigne, sábio”. Assim, nota-
se que emérito significa aposentado, mas não necessariamente ligado ao INSS, pois trata-se de
aposentadoria no sentido de finalização de um ciclo específico de atividade de trabalho. Na
igreja, o clérigo obtém o título de emérito muitos anos após o título oficial de aposentado
ligado ao INSS, sendo que alguns clérigos eméritos nem chegaram a se aposentar, devido à
ausência de recolhimento junto ao mesmo órgão.
O presente estudo investigou o universo dos clérigos da igreja católica, em especial os
padres e bispos idosos que foram afastados ou pediram afastamento de suas obrigações como
administradores de uma paróquia ou de uma diocese. Afastamento este entendido como
emeritude.
O Código do Direito Canônico especifica algumas das questões importantes que
nortearam o presente estudo na tentativa de pensar a vivência da emeritude dentro do cenário
religioso. Porém, é importante dizer que os artigos do código canônico que serão discutidos
foram acrescentados ao código na última revisão do mesmo em 1983. A primeira versão do
mesmo, datada de 1917, não trazia nenhuma discussão sobre o clérigo emérito. Assim, nota-se
o quanto a questão é recente nas discussões institucionais da igreja católica, que, como a
sociedade contemporânea, vê-se muito desafiada no que tange à velhice dos seus.
Cân. 401 - § 1. O Bispo diocesano, que tiver completado setenta e cinco anos de
idade, é solicitado a apresentar a renúncia do ofício ao Sumo Pontífice, que,
ponderando todas as circunstâncias, tomará previdências. (CÓDIGO DE DIREITO
CANÔNICO, 11ª ed, 1998, p.191)
Segundo o artigo citado acima, aos setenta e cinco anos, os Bispos precisam apresentar
uma carta de renúncia ao sumo pontífice, que avalia o pedido e decide pela aceitação ou não
do mesmo. Caso seja aceito o pedido de renúncia das atividades de episcopado, o bispo recebe
o título de Emérito.
No caso dos padres, acontece um processo muito similar, o padre que é pároco de uma
determinada paróquia, ao completar 75 anos, pede ao seu respectivo bispo diocesano a sua
53
desobrigação das atividades e responsabilidades paroquiais, como especificado no parágrafo
terceiro do artigo abaixo:
Cân. 538 - § 1. O pároco cessa de seu ofício por destituição ou por transferência,
dadas pelo bispo diocesano, de acordo com o diretor; por renúncia apresentada pelo
próprio pároco por justa causa e, para ter valor, aceita pelo Bispo; peça conclusão do
tempo se tiver sido constituído por tempo determinado, de acordo com a prescrição
do direito particular, mencionado no cân. 522.
§ 2. O pároco, membro de um instituto religioso ou incardinado numa sociedade de
vida apostólica, é destituído de acordo com o cân 682, § 2.
§ 3. Tendo completado setenta e cinco anos de idade, o pároco é solicitado a
apresentar ao próprio Bispo diocesano sua renúncia ao ofício; o Bispo, considerando
todas as circunstâncias da pessoa e do lugar, decida se aceita ou adia; o Bispo
diocesano deve assegurar o conveniente sustento e moradia do renunciante, levando
em conta as normas estatuídas pela conferencia dos Bispos. (CÓDIGO DE
DIREITO CANÔNICO, 11ª ed, 1998, p.523).
Cabe ao Bispo diocesano, mediante a formalização do pedido, aceitar ou não o mesmo.
Em muitos casos, o bispo, por diversos motivos, pode não aceitar o pedido de renúncia do
pároco e solicita que o mesmo permaneça na posição de pároco por mais algum tempo, fato
que aconteceu com um dos nossos entrevistados.
Na verdade, antes um pouco de completar 75 anos, o Bispo me chamou para um
conversa e me perguntou se eu não poderia ficar mais um tempo como pároco, eu
disse que tudo bem, eu me sentia bem, disposto, mas há pouco tempo atrás eu mudei
de ideia e pedi o afastamento da paróquia, acho que agora contribui com o que
podia me sinto cansado. (Padre IV)
Além de receber o título de emérito, o bispo e o padre passam a receber auxílio para o
seu sustento. No caso do bispo, o auxílio vem da diocese à qual serviu, os padres recebem
da paróquia em que trabalharam.
Cân. 402 - § 1. O Bispo, cuja renúncia do ofício tiver sido aceita, conservará o título
de Bispo emérito de sua diocese e, se o quiser, pode conservar sua residência na
própria diocese, a não ser que, por circunstâncias especiais, em determinados casos,
a Santa Sé determine o contrário.
§ 2. A Conferência dos Bispos deve cuidar que se assegure o digno sustento do
Bispo renunciante, tendo-se em conta a obrigação primária que incumbe à diocese à
qual ele serviu. (CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO, 11ª ed, 1998, p.191)
Também é especificado no código de Direto Canônico que cada diocese ou
arquidiocese precisa possuir, na sua estrutura, um instituto com a responsabilidade de prover
os recursos necessários para o sustento dos clérigos, após a renúncia ao ofício:
54
Cân. 1274 - § 1. Cada diocese precisa ter um instituto especial que consiste em
recolher produtos ou ofertas com finalidade de fornecer apoio aos clérigos. De
acordo com a norma da can. 281 esse apoio aos clérigos é oferecido àqueles que
trabalharam para o benefício da diocese.
§ 2. Se a prestação social para o benefício do clero não foi ainda devidamente
organizada, a conferência dos bispos deve cuidar para que haja um instituto que
ofereça o soficiente para a asegurnaça social dos clérigos.(CÓDIGO DE DIREITO
CANÔNICO, 11ª ed, 199, p.402)
Pode-se pensar que a igreja precisa prover um modo de garantir a seguridade social de
seus clérigos, pois o código afirma a necessidade de criação, ema cada diocese de um instituto
especial para cuidar destas questões. Porém na realidade este instituto especial quase não
existe. A dinâmica mais vista é que o padre e o bispo diocesano decidem se irão ou não fazer
o recolhimento o INSS por conta própria. Assim alguns não recolhem e muito conseguem
fazê-lo com dizimo paroquial ou com o recurso que por direito recebem da igreja,
especificado no código abaixo:
Cân. 281 - § 1. Desde que os clérigos se dediquem ao ministério eclesiástico,
merecem uma remuneração que seja compatível com sua condição, tendo em conta a
natureza da sua função e as condições dos lugares e tempo e pelo que eles podem
fornecer para as necessidades de sua vida, bem como para o pagamento equitativo
dos serviços que precisem.
§ 2. Deve ser feito de modo que eles possuam assistência social necessária para as
suas necessidades adequadamente, caso sofram de doença, incapacidade ou idade
avançada. (CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO, 11ª ed, 1998, p.86)
Um padre e um bispo não deixam, pois, de ser sacerdotes mediante seu processo de
emeritude. Na verdade, a aposentadoria com o título de emérito se limita ao pároco e ao bispo
diocesano, ou seja, um padre que não é pároco não se torna emérito. Além disso, só se tornam
eméritos párocos e bispos seculares, essa regra não se estende aos clérigos religiosos.
Resumidamente, as diferenças entre um padre diocesano e um padre religioso já foram
expostas no capítulo anterior desta dissertação. Em poucas palavras, são três grandes
realidades que se sobressaem no ministério e na vida do clérigo diocesano. A primeira é a
Igreja particular ou Diocese, a segunda é o Bispo diocesano e a terceira é o presbitério, ou
seja, os padres que receberão o sacramento da ordem. Portanto, são essas três realidades que
definem a atividade do clérigo diocesano.
Voltando à questão da emeritude, para além de ser um processo de aposentadoria, ou
não, trata-se, aqui, de um momento especial que vai impactar esses padres e bispos, em sua
subjetividade, das mais diversas formas. Existe uma carta de renúncia, no período da velhice,
55
renúncia de uma atividade que o sujeito ocupou em tempo integral, durante grande parte de
sua vida.
Segundo um bispo emérito, doutor em direito canônico, algumas questões jurídicas
sobre a posição do Bispo emérito precisam ser discutidas. Como ele mesmo coloca em um
texto publicado pela editora da CNBB (Congregação Nacional dos Bispos do Brasil):
A respeito da situação jurídica do Bispo Emérito, Pe. Teófilo, em minha opinião,
seria oportuno fazer uma revisão da legislação canônica. Segundo a legislação atual,
o Bispo Emérito se torna um “simples” fiel. Ele não pertence mais ao clero da
diocese onde ele foi o bispo. Se for membro de um instituto religioso, mesmo se
voltar a residir em alguma casa deste instituto, não goza de voz ativa, nem passiva e,
sem um indulto especial não pode ser superior e não é membro mais da
conferência dos Bispos, podendo apenas ser “convidado para assembléias. Não
pode fazer parte de nenhuma comissão episcopal, podendo apenas ser convidado a
fazer parte de alguma comissão de trabalho, como perito ou assessor. (LARA, 2006,
p. 20)
O contexto apontado acima também é vivenciado pelos párocos de uma diocese, eles
podem participar das atividades da diocese enquanto convidados, porém, na posição de
eméritos, estão desobrigados dessa participação, não podem assumir nenhuma função de
caráter administrativo dentro da paróquia, ficando somente com o exercício de atividade em
caráter de auxílio, quando oferecido ou solicitado, mas cabe ressaltar que eles não têm a
obrigatoriedade de atender a mesma.
Outra questão interessante nesse processo diz respeito à residência do Padre e do
Bispo Emérito. Segundo a legislação atual, os mesmos podem residir onde lhes aprouver ou
na diocese onde serviram como Bispo. Nesse caso, porém, é recomendado que o bispo saia da
diocese para que o novo bispo fique mais à vontade, no exercício de seu episcopado. O padre
pode permanecer na paróquia em que foi pároco, em residência particular, ou em casas
mantidas pela igreja para acolher os padres idosos. No caso dos padres e bispos que antes de
assumir uma paróquia ou uma diocese pertenciam a uma congregação religiosa, ao se
aposentarem, podem voltar a morar em alguma residência de seu instituto religioso ou em
qualquer outro lugar que preferirem. Por fim, alguns Padres e Bispos têm a opção de retornar
para suas cidades de origem e moram perto de familiares, quando ainda os têm.
Dom Lélis Lara, Bispo emérito, em publicação sobre o estatuto do Bispo emérito,
coloca alguns pontos, acerca da questão da residência, que são interessantes para essa
discussão:
Nesta questão interferem vários fatores e a decisão do Bispo Emérito de escolher a
sua residência, deve ser tomada em base da lei, interpretada com bom senso e amor.
56
Diversas situações devem ser consideradas sobre o Bispo religioso emérito, por
exemplo, suponhamos que exista uma casa de seu instituto na diocese à qual serviu
como Bispo diocesano durante anos, neste contexto pode ser que não conheça mais
seus confrades de outras casas, não tenha mais familiares próximos... Onde vai
morar? Provavelmente na casa de seu instituto que fica na diocese a que serviu
enquanto bispo diocesano secular. Se o Bispo emérito não tem raízes em outro lugar,
a não ser a diocese a que serviu por último, ele pode permanecer nesta diocese, se
ele tiver servido pouco tempo na mesma, o mais provável é que ele retorne para
outras cidades em que permaneceu por mais tempo ou até mesmo para sua cidade de
origem. Se o bispo decidir por residir na diocese a que serviu, que ele seja discreto,
não se imiscua nos negócios da diocese e se lembre sempre que já não é bispo
diocesano. (LARA, 2006, p. 20)
Um dos entrevistados apontou a questão acima relatada em sua entrevista:
Eu mesmo poderia ter ido morar até em Roma se eu desejasse, mas, pensa comigo,
eu moro aqui mais de 35 anos, morei em Juiz de Fora por 19 anos, tenho amigos
lá, mas minha vida está aqui, minha família são os amigos que fiz e que também
foram as minhas ovelhas, no tempo que eu tinha a responsabilidade de ser pastor,
não faz sentido deixar um lugar que chamo de casa, aqui é minha casa, onde me
senti amado, querido e ainda necessário, até pelo bispo que me sucedeu, somos
amigos e minha presença nunca o incomodou, sendo assim, por que eu deveria sair
daqui? (Bispo II)
Ainda assim, existem questões importantes a serem discutidas, para além daquelas
relacionandas à moradia, como por exemplo, a questão financeira, sobre como os padres e
bispos eméritos se mantêm após a emeritude. Ademais, por mais que o ofício sacerdotal tenha
diferenças, se comparado a outros trabalhos do mundo laico, nesse aspecto, a posição da igreja
é muito similar à deste. A própria Conferência Nacional dos Bispos do Brasil se pronunciou
sobre o assunto da seguinte forma:
Durante o exercício de seu múnus pastoral, o Bispo receberá da Diocese uma
remuneração que lhe garanta não uma honesta sustentação, mas também a
contribuição ao Instituto de Previdência, de acordo com uma escala progressiva,
capaz de assegurar-lhe uma aposentadoria suficiente. (CÓDIGO DE DIREITO
CANÔNICO, 11ª ed, 1998, p.756).
Existe uma carência de pesquisas sobre o assunto na literatura científica, fato que não
causa estranheza, visto que a própria velhice e os estudos sobre ela também são relativamente
recentes. uma carência de referenciais teóricos específicos para construir um estudo sobre
aposentadoria de padres e bispos idosos, mas, ao mesmo tempo, existe a oportunidade de abrir
caminho para que os sujeitos que experimentam esse processo possam ser escutados e, a partir
dela, seja construída uma discussão teórico-científica.
Por isso, o evento da aposentadoria, e por consequência da emeritude, tem sido ligado
à representação de inutilidade social, fim da capacidade produtiva, velhice, proximidade da
57
morte, ou apenas concebido como um período de descanso ou lazer, numa concepção antiga,
ainda ligada ao declínio biológico. (SANTOS, 1990).
As aproximações conceituais da aposentadoria com a emeritude se fazem pertinentes,
haja vista que os próprios clérigos reconhecem esse momento como a real aposentadoria para
eles. A aposentadoria do INSS acontece em um momento no qual as atividades paroquiais e
diocesanas permanecem inalteradas. quando chegam aos 75 anos e precisam passar pelo
processo da emeritude, renúncia ao oficio paroquial e diocesano, sentem-se aposentados e
vivenciam processos similares àqueles que são vivenciados pelos trabalhadores laicos.
Ser emérito é aposentado, é o momento que a igreja nos libera da obrigação de
cuidar de uma paróquia, e a gente fica mais a vontade para celebrar se a gente
quiser. Somente depois dos 75 anos, e se o bispo autorizar, é que a gente se
aposenta. Na verdade, aposentado pelo INSS eu sou faz muito tempo, mas parar
mesmo só parei depois de me tornar emérito. (padre IV)
No plano científico, é recente a atenção sobre o tema da aposentadoria. No Brasil,
segundo Santos (1990), existe um bom número de estudos sobre a aposentadoria na medicina
e na sociologia. Todavia, são ainda insatisfatórios, que abordam a aposentadoria em termos
de adaptação individual ou apenas de ajuste a uma nova realidade social. A abordagem
médica é centrada na idade como determinante de todas as mudanças individuais, sendo então
a aposentadoria um evento necessário diante das limitações biológicas do corpo, ou seja,
justificada apenas por variáveis biológicas. As limitações desses estudos estão justamente na
desconsideração dos contextos socioculturais e das características psicológicas individuais.
Assim, nota-se que o biológico é que determina as transformações.
A sociologia, por sua vez, enfatiza exclusivamente os aspectos do contexto social, ao
explicar o comportamento do aposentado sob a ótica da boa ou adaptação à perda do papel
profissional e sua recolocação na estrutura social. “Esses estudos sociológicos negligenciam,
assim, as características individuais, emocionais e os aspectos biológicos envolvidos.”
(SANTOS, 1990, p.98).
As teorias clássicas acerca da aposentadoria e do envelhecimento, por vezes serviram
de reforço às concepções de aposentadoria como inutilidade social, isolamento, perdas ou
apenas um período de lazer. Nesse momento, destacam-se dois estudos clássicos que focaram
a aposentadoria em termos de perda de status e papéis sociais: Os estudos de Towsend (1957)
e a Teoria do desengajamento de Cumming e Henry (1961).
A abordagem de Towsend tem como objetivo analisar as transformações ocorridas
com os aposentados, no que diz respeito às suas relações sociais. Para ele, a vida do sujeito
58
está basicamente fundamentada em duas fontes de equilíbrio: o mundo familiar e o mundo do
trabalho, apesar de essa posição ser questionada por outros autores, como veremos mais
adiante, que vão dizer que não são só o trabalho e a família os grupos ou instituições de
pertencimento do sujeito, mas que existem muitos outros.
A visão de Towsend (1957) é fundamentada no pressuposto de que o equilíbrio
pessoal e a adaptação social são possíveis por meio de certa qualidade e quantidade de
comunicação na família. Como o próprio autor coloca:
Isso significa que a aposentadoria acarreta uma diminuição do status social e
modificação no sistema de papéis, que é compensado pela acentuação de novos
papéis dentro da família. (TOWSEND apud SANTOS, 1990, p.6)
Como a aposentadoria diminuiria o status social e modificaria o sistema de papéis
desempenhados pelo sujeito, existiriam duas saídas possíveis: assumir novos papéis dentro
da família ou o isolamento.
Santos (1990) ressalta que a abordagem de Towsend acaba sendo simplista e
reducionista. Entre sua crítica, ele ressalta que Towsend deixa de lado a multiplicidade de
soluções encontradas pelos aposentados, soluções estas que não implicam apenas uma volta à
família ou o isolamento.
Ao se pensar sobre o contexto vivenciado pelos clérigos que se aposentam, uma
pergunta aparece: como fica a questão familiar, se o padre não constitui família? E qundo
irmãos e parentes próximos ou morreram ou também estão idosos? Um dos entrevistados
reflete sobre essa questão:
Não é que tenha, mas normalmente o idoso fica amparado por familiares e o padre,
normalmente, não tem mais parentes próximos, ou eles também são idosos. Eu
mesmo tenho alguns sobrinhos em Ipatinga e um irmão lá, mas eu não gostaria de
morar com eles, acho que acabei tendo mais vínculo aqui em São João, prefiro ficar
aqui, já que tenho pessoas que me ajudam, prefiro continuar só visitando meus
parentes está de bom tamanho, acho que ficar com família se fosse mulher e
filhos, mas essa não foi minha escolha. (padre IV)
a “teoria do desengajamento” de Cumming e Henry (1961) pressupõe que a
estrutura de personalidade se desenvolve nas relações instituídas entre o sujeito e o sistema
social. Portanto, mudanças no social corresponderiam a mudanças na personalidade. Então, o
desengajamento seria um processo inevitável e recíproco, resultante da diminuição da
interação entre o indivíduo e os outros membros do sistema social. No envelhecimento, o
processo do desengajamento se iniciaria no momento de uma maior percepção dos declínios
59
da capacidade física e consciência da aproximação da morte, o que resultaria num afastamento
inevitável dos papéis sociais.
As pessoas idosas estão menos envolvidas na vida ao seu redor do que quando elas
eram mais jovens. O envelhecimento é um acontecimento mútuo e inevitável de
retirada ou desengajamento, resultando em diminuição nas interações entre a pessoa
que está envelhecendo e os membros que compõem seu sistema social. (CUMMING
e HENRY, 1961, apud SANTOS, 1990, pág 8).
O que se sugere ser o desengajamento, em culturas tradicionais, pode ser entendido
apenas como uma mudança de papel ativo da meia-idade para um papel mais passivo e
espiritual, na velhice, e que ocorreria um “real desengajamento” em sociedades que não
oferecem funções e alternativas aos idosos (PAPALIA & OLDS, 2000). Se se pensa no que
seriam essas funções alternativas, percebe-se que cada idoso, na sua singularidade, pode
romper com o desengajamento, que, por vezes, o que se notam são sujeitos que após
envelhecer e se aposentar continuam ativos, produtivos e engajados, às vezes, em atividades
novas, iniciadas exatamente após a aposentadoria. Por exemplo, um dos entrevistados, o padre
VI começou a pintar telas após a emeritude e, segundo ele, passa horas diariamente pintando.
Ele diz: “Quanto mais eu pinto, mais eu aprendo e fico melhor, se pudesse eu pintaria todo o
tempo” (Padre VI).
A questão aqui é localizar até que ponto o processo de emeritude vivenciado pelos
clérigos pode ser visto ou não nessa perspectiva, ou seja, podemos falar de desengajamento
pela formalização de um afastamento que não se efetiva na prática, pois muitos padres e
bispos continuam exercendo quase que as mesmas atividades, às vezes, passam a exercer
outras atividades, como exemplificado acima, ou seja, o desengajamento ligado à velhice e à
aposentadoria pode ser questionado.
Um padre colocou a questão da seguinte maneira:
Mesmo depois de aposentado, como o próprio nome já diz, eu sou um padre emérito,
não deixei de ser padre, celebro missa todos os dias, atendo confissão e tudo mais,
não tenho mais a obrigatoriedade de uma paróquia com seus horários e a parte
administrativa. (padre III)
Estamos diante de uma tentativa de entendimento dos mecanismos pelos quais, no
contexto sócio-histórico, papéis sociais podem influenciar nas múltiplas trajetórias
individuais, no curso da vida de padres e bispos seculares da igreja católica, diante dos
processos psicossociais advindos da experiência individual de sua emeritude.
60
Como este trabalho também parte da concepção de aposentadoria e emeritude como
período de transição, cabe ressaltar que os períodos de transição trazem inúmeras
possibilidades como “pontos de virada”. É justamente nesses pontos que se aumenta a
variabilidade entre os indivíduos, bem como as múltiplas possibilidades que se abrem e em
sua maioria são vias de acesso ao engajamento e uma ruptura da representação de inutilidade
social ligada à velhice, à aposentadoria e à emeritude.
Quando passei dos 75 anos, pensei que não teria muita coisa mais a fazer e que iria
descansar, e realmente estava muito cansado, mas quando veio a ideia do livro,
fiquei muito empolgado e até agora não parei mais de escrever, a minha visão já não
me ajuda muito, mas ainda estou conseguindo, então continuo e é uma ótima
sensação. (Padre II).
A aposentadoria é, certamente, um período crucial, um momento sensível para o
sujeito nas várias dimensões de sua vida. Santos (1990) defende a questão dos diferentes
significados que a aposentadoria pode ter para diferentes indivíduos. Portanto, a aposentadoria
pode propiciar múltiplas direções para as trajetórias individuais.
O aposentar-se é uma etapa de vida na qual eclodem áreas de conflito e desacertos,
precipitadas pelo processo de mudanças significativas, pela ambivalência de afetos e emoções.
O processo subjetivo depende, basicamente, da capacidade do sujeito de adaptação de sua
existência presente e passada, bem como das condições da realidade que o cerca, sem deixar
de dizer que essa existência passada é marcada por uma atividade, um trabalho, seja este
formal ou não, atividade que permeou e envolveu esse sujeito durante muitos anos e que agora
precisa ser ressignificada.
Como qualquer estudo que se propõe a pesquisar alguma realidade ou contexto, é
necessário fazer escolhas, recortar um pequeno pedaço de um todo, para que algo possa ser
dito do mesmo com algum rigor. O que foi colocado até aqui se aplica a diferentes recortes.
Pode-se pensar a aposentadoria e sua relação com o trabalho em diferentes contextos, por
exemplo, a aposentadoria de profissionais da educação, médicos, psicólogos, vendedores
ambulantes, entre outros.
Como não seria diferente, delimitou-se um universo, um campo mais restrito a ser
pesquisado, um campo carente de pesquisas, ou seja, o dos sujeitos que estão passando pelo
processo do envelhecimento populacional.
61
4. VELHICE E EMÉRITOS
Nas sociedades contemporâneas, verifica-se um aumento da expectativa de vida e
crescimento da população idosa em vários países. Assim, a sociedade contemporânea viu-se
desafiada, em suas diversas instâncias, a responder aos anseios e demandas advindas desse
grupo.
Além disso, o termo velhice comporta uma diversidade de noções biológicas, bem
como diferentes sentidos históricos e sociais, significados particularizados, singularizados, o
que justifica a noção amplamente discutida e levantada de que a velhice está ligada à
multiplicidade, a vivências heterogêneas.
Portanto, neste capítulo, trabalharam-se os termos envelhecimento, velhice, velho e
idoso, começando por envelhecimento enquanto evento demográfico até seus desdobramentos
psicossociais na vida dos clérigos.
4.1 O cenário do envelhecimento na contemporaneidade
Atualmente, observa-se um aumento significativo no número de idosos da população
mundial. Por isso, as pesquisas na área também têm crescido. Por volta da década de 1950,
notou-se um aumento considerável de pesquisas na área. De acordo com Neri (1991), entre
1969 e 1979 o aumento foi de 270%. É relativamente recente o interesse da psicologia sobre
os estudos do envelhecimento humano. O cenário brasileiro pede urgência quanto ao mesmo.
O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial. No século XX, o aumento da
proporção de idosos foi mais acentuado nos países em desenvolvimento. No caso do Brasil, o
processo encontra-se em suas etapas iniciais, a participação de idosos no total da população
passou de 4% em 1940 para 8,6% em 2000, o que corresponde a 14.536.029 idosos (IBGE,
2000). Segundo projeções da ONU, hoje encontram-se 8% da população com mais de 60
anos. Entre 2015 e 2020 , serão, em média, 13%. Com isso, o Brasil, que hoje ocupa o 16º
lugar em número absoluto de idosos no mundo, saltará para o lugar no final de 2025, com
aproximadamente 34 milhões de idosos (STOPPE JUNIOR & NETO, 1999).
62
A população idosa do Brasil terá acumulado o maior crescimento entre os países do
mundo, o envelhecimento da população brasileira será em ritmo maior do que o ocorrido nos
países de primeiro mundo, em virtude, principalmente, da acentuada queda de fecundidade
observada no país e do aumento considerável da expectativa de vida.
Historicamente, falar sobre envelhecimento populacional restringia-se aos países
europeus e norte-americanos, onde, geralmente, o número de sujeitos idosos era mais alto.
Entretanto, esse fenômeno demográfico tem se estendido a todo o mundo, com o aumento da
proporção de idosos e com a longevidade, principalmente nos países em desenvolvimento,
que, até recentemente, eram considerados países essencialmente jovens, como no caso do
Brasil.
A projeção de população das Nações Unidas de 1994 permite identificar a evolução
comparativa do envelhecimento da população brasileira, tanto no confronto com os
envelhecidos países da Europa e os atuais países desenvolvidos, como em relação ao
conjunto de países que experimentam a queda da fecundidade, assim como aqueles
que ainda não iniciaram o processo de redução dos níveis de reprodução e apresentam,
inclusive, rejuvenescimento de suas populações. As projeções atribuídas ao Brasil cada
vez mais estão ligadas ao processo de envelhecimento da sua população (Nações
Unidas, 2003, p. 45).
Nota-se, então, que o envelhecimento da população está atrelado à diminuição das
taxas de fertilidade, paralelamente à diminuição da mortalidade nas idades anteriores aos 60
anos, o que resulta num envelhecimento populacional sem precedentes na história. Estudos
sobre essa transição demográfica projetam, para um futuro próximo, uma “retangularização”
na estrutura de distribuição etária, em muitos países. Segundo dados da Organização Mundial
de Saúde (1997), em 2025, o continente americano será composto, na sua totalidade, por mais
de 15% de sua população com mais de 60 anos. No Brasil, esse processo de retangularização é
notável, como mostra a distribuição etária prevista para 2050, comparada ao contexto do ano
de 2000. Visualmente, é possível notar as diferenças na distribuição populacional e o avanço
significativo do número de idosos. (KELLER et al., 2002, p. 513).
63
Gráfico 2: Distribuição etária no Brasil – 1980
Fonte: censo 2000.
Gráfico 3: Distribuição etária no Brasil – 2000
Fonte: censo 2000
Ao contrário do processo gradual dos países desenvolvidos, o fenômeno do
envelhecimento populacional nos países em desenvolvimento e, notadamente no Brasil, é
recente e acontece num ritmo acelerado. Umas das justificativas para essa mudança abrupta na
distribuição etária seriam os avanços médicos e tecnológicos recentes como vacinas,
antibióticos e assepsia. Uma segunda variável está na urbanização, saneamento básico,
melhoria das condições de trabalho e a universalização da seguridade social. (CAMARGO,
1989). Como em outros países, o envelhecimento populacional do Brasil é um fenômeno
64
predominantemente urbano, que, neste país, sofreu grande influência dos movimentos
migratórios iniciados em 1960, como se pode ver na citação abaixo:
Projeções para esse início de século indicam que 82% dos idosos estarão nas áreas
urbanas O mais elevado crescimento da população urbana vis-à-vis o incremento da
população rural resulta em um processo de urbanização do envelhecimento
populacional. O processo de concentração dos idosos nas áreas urbanas é mais
visível em termos absolutos, pois acompanha o movimento geral de urbanização da
população. Em termos relativos, a urbanização do envelhecimento é amortecida pelo
fato de que as populações rurais apresentam veis de fecundidade mais elevados do
que as populações urbanas e, conseqüentemente, estruturas etárias mais jovens, que
são exportadas para as áreas urbanas através da migração, retendo os contingentes
mais idosos, apresentando, assim, populações relativamente envelhecidas.
(CAMARANO, 1989, p. 223).
Existem pesquisas sobre a condição de saúde física da população idosa no país, porém,
as informações sobre sua saúde mental e psicológica é proporcionalmente menor. Conclui-se,
portanto, que, se por um lado uma realidade social de aumento da expectativa de vida, por
outro, existe um descompasso na qualidade de vida desses anos a mais, no que tange à saúde
física e, por vezes, psicológica.
Além da transição epidemiológica, o ritmo desse crescimento espantoso afeta
diretamente as questões sociais, políticas e econômicas de um país como o Brasil. Devido ao
agravamento de condições problemáticas da vida dos idosos, é notável a necessidade de
mudanças urgentes que busquem qualidade de vida para essa parcela agora significativa da
população.
Beltrão (2002) destacou o aumento significativo da população aposentada desde 1998,
devido à diminuição de cinco anos na idade para a aposentadoria do trabalhador rural. Além
disso, Beltrão apresentou uma relação direta entre idade e importância da renda proveniente
da aposentadoria, o que reflete a dependência das famílias pela provisão do Estado. No meio
urbano, a renda do idoso da classe baixa representa 15% do total da renda familiar. Na
população rica, a renda do idoso não apresentou mudança significativa,
Entre 1991 e 1998, houve maior concentração de renda nas mãos de pessoas idosas,
tanto do meio rural quanto do urbano, sendo que essa renda, em 1998, foi maior que
a renda média da população, porém relativamente justificada pelo momento
econômico da época, marcado por uma diminuição na renda dos outros segmentos
etários, aumento do desemprego, principalmente nos seguimentos mais jovens da
população, além da concessão de maiores benefícios para idosos (BELTRÃO, 2002,
p.123).
Frente ao novo panorama demográfico de envelhecimento populacional, as projeções
indicam um maior número de pessoas que vivem, aproximadamente, um terço ou mais de suas
65
vidas na condição de aposentadas (IBGE, 2000). Assim, a aposentadoria é associada à retirada
do indivíduo do mercado de trabalho e ainda à perda do papel social do trabalho. Cabe
compreender em que circunstâncias ela também se torna uma perda subjetiva ou não.
4.2 O cenário do envelhecimento na igreja católica
O cenário dentro da igreja não é muito diferente. Uma pesquisa realizada na
arquidiocese de Belo Horizonte – MG
2
apontou que a maioria dos clérigos possui idade média
entre 40 e 60 anos (GRAF. 4).
4,44%
20,74%
31,85%
21,48%
11,85%
7,40%
2,22%
20 a 30 anos
31 a 40 anos
41 a 50 anos
51 a 60 anos
61 a 70 amos
Acima de 71 anos
NDA
Gráfico 4: Idade do clérigos – Arquidiocese de Belo Horizonte
Fonte: PEREIRA, 2009. Relatório da Pesquisa de Opinião dos Presbíteros da Arquidiocese de
Belo Horizonte.
Pode-se pensar que, em breve, esse contingente de padres na meia idade estará na
velhice, o que facom que o número de padres e bispos idosos aumente significativamente.
Ou seja, a Igreja também é convocada a discutir as questões pertinentes e urgentes acerca do
processo de envelhecimento dos seus clérigos.
A partir das primeiras explanações sobre o envelhecimento da população, o presente
estudo tentou responder a algumas demandas sobre a velhice dentro do universo dos padres e
bispos seculares, principalmente a ligação da velhice com a posição de Emérito, ou seja,
párocos e bispos diocesanos com mais de 75 anos.
2
O universo dos padres diocesanos da Arquidiocese de Belo Horizonte é de 268 que atuam nas quatro Regiões
Episcopais (Região Esperança - RENSE, Região Aparecida – RENSA, Região Piedade – RENSP e Região
Conceição – RENSC) sendo que 135 responderam a presente pesquisa, representando 51% do total. (Pereira,
2009)
66
Portanto, cabe perguntar: o que acontece com um padre quando envelhece e se torna
emérito? Como ele se sente? Onde ele mora? Ele precisa de algum tipo de assistência? E
quem cuida dele?
No aspecto da organização familiar, as famílias estão diminuindo, porém o percentual
de idosos dentro das mesmas tem aumentado, principalmente na zona rural. Na população
urbana, houve um aumento de idosos que moram sozinhos, fato notável entre os padres e
bispos idosos seculares da igreja católica.
Com a diminuição do número de sacerdotes no mundo e, ainda, com o aumento da
média de idade dos padres ativos entre 50 e 60 anos percebe-se que os padres estão
vivendo mais tempo, as dioceses em todo o mundo estão enfrentando a questão de como
cuidar de seus sacerdotes idosos.
Após a sua emeritude, muitos padres continuam a viver em suas paróquias e, muitas
vezes, ainda ajudam nas atividades paroquiais. Outros moram em casas próprias, na mesma
paróquia ou voltam para suas cidades de origem. Há também os que possuem poucos vínculos
pessoais e familiares e se encontram fragilizados e com opções limitadas. Enfim, trata-se de
uma problemática interessante e desafiadora.
Dentro da Arquidiocese de Belo Horizonte, onde foi realizada uma pesquisa sob a
orientação do Doutor William Castilho, a questão da moradia do clérigo idoso foi bem
discutida e os dados obtidos ilustram bem essa problemática. O gráfico abaixo demonstra o
fato, mas, para melhor entendê-lo, é importante dizer que o universo dos padres diocesanos da
Arquidiocese de Belo Horizonte é de 268 clérigos que atuam em quatro Regiões Episcopais
(Região Esperança - RENSE, Região Aparecida – RENSA, Região Piedade – RENSP e
Região Conceição RENSC), sendo que 135 clérigos responderam à pesquisa, o que
representa 51% do total. O gráfico 5 mostra os dados obtidos quando questionou-se sobre a
concordância, ou não, de casas específicas para padres e bispos idosos.
67
Gráfico 5: Você é a favor de que a Arquidiocese possua uma casa para a residência dos padres Idosos?
Fonte: PEREIRA, 2009.
Mas quando os mesmos foram questionados sobre o futuro, sobre se iriam morar
nessas casas, os gráficos se alteraram, mostrando que quando se trata da própria subjetividade,
sobre pensar o próprio processo de envelhecimento, outras variáveis o acionadas, como
mostra o gráfico 6 abaixo:
Gráfico 6: Caso isso se concretize, você iria, no futuro, lá residir?
Fonte: PEREIRA, 2009.
68
As instituições que normalmente abrigam pessoas idosas são classicamente chamadas
de asilos ou albergues. Os idosos são neles recolhidos por não terem parentes que os assistam
ou porque seus familiares não podem ou não querem cuidar dos mesmos.
Por sua conotação pejorativa de abandono, de pobreza ou rejeição familiar, as
denominações de asilo e albergue têm sido substituídas por outras mais eufêmicas, como
Casa dos idosos”, Lar dos idosos", etc. Dentro de algumas dioceses e arquidioceses,
existem algumas casas para abrigar clérigos idosos. (PEREIRA, 2009, p. 26)
Na verdade, a maioria dos residentes são clérigos que necessitam de ajuda para manter
as atividades diárias, na maioria dos casos, estão doentes. Os clérigos idosos saudáveis
preferem outras opções de moradia. Um dos bispos entrevistados, que mora em Juiz de Fora,
chegou a relatar um pouco sobre essa opção de moradia:
Aqui na cidade existe uma casa para nós que estamos velhos, eles me convidaram
inúmeras vezes para ir morar lá, mas eu prefiro ficar aqui, se estivesse doente eu a
iria para evitar amolação aqui na casa paroquial, mas eu tenho saúde, aqui eu tenho
utilidade e posso ajudar eu fico olhando o tempo, não que o lugar seja ruim, é
muito bonito aconchegante, gosto de ir para visitar, mas é só isso. (bispo I)
Ou seja, o modelo de moradia coletiva, no qual vários idosos, nesse caso clérigos
idosos, dividem um mesmo espaço, ainda é uma opção carregada de estereótipos pejorativos,
não é a escolha preferencial desses sujeitos.
Segundo Born (1996), muitos idosos encaram o processo de institucionalização como
perda de liberdade, abandono dos filhos, aproximação da morte, além da ansiedade quanto à
condução do tratamento pelos funcionários.
Como foi colocado, o fenômeno do envelhecimento populacional é também
percebido dentro da igreja católica, segundo dados do CERIS. (Centro de Estatística Religiosa
e Investigações Sociais). A cúpula da Igreja Católica, no Brasil, envelheceu mais de nove anos
de 1960 a 2003. A média de idade dos bispos passou de 53,8 para 63 anos. A média de idade
dos padres também subiu, em média, 3,7 anos, passando de 46 anos, em 1960, para 49,7 anos,
em 2000.
Segundo uma pesquisa realizada por Vallely (2009), nos Estados Unidos, a igreja
católica tem perdido cerca de 130 padres por ano. Destes, a maioria se torna emérito ou morre
e um quinto deixa a igreja por motivos particulares. A média de idade dos padres atuantes é de
60 anos.
69
Diante do processo de envelhecimento dos padres da Igreja católica, associado à
diminuição do número de jovens interessados na vocação religiosa, muitos países europeus e
estados americanos sofrem com a escassez de sacerdotes. Assim, muitos padres, na
emeritude, são convidados a permanecer em suas funções, por não terem substitutos. Cabe
ressaltar que não se encontraram registros desse processo no Brasil, o que pode estar
associado ao fato de este ser, no momento, o maior país católico do mundo, mesmo diante do
avanço dos movimentos protestantes pentecostais.
4.3 Processos psicossociais da velhice
Antes da discussão sobre o processo de envelhecimento associado à emeritude, faz-se
necessário começar pelo próprio conceito de envelhecimento e velhice. Tornar-se velho, o
que seria isso? Um corpo transpassado pelo tempo, que incide sobre ele suas marcas? Um
acumular de memórias, de experiências? Uma espera pela morte? Melhor Idade? Um
recomeço ou um fim? Esses questionamentos demonstram o envelhecer é um processo de
subjetivação.
Papáleo Netto (2002) organiza a noção de envelhecimento perpassada por fatores que
ultrapassam a dimensão genética ou biológica. A gerontologia pressupõe o envelhecimento
com uma base genética, na qual atuam com intensidades variadas os fatores extrínsecos
(estilos de vida), psicossociais (culturais, sociais, psíquicos e econômicos) e ambientais. Esses
três fatores determinam o envelhecimento orgânico que, por sua vez, causa alterações
funcionais, celulares e moleculares, que diminuem a capacidade de homeostasia, o que
predispõe o corpo ao adoecimento.
O mesmo autor define o envelhecimento como processo e a velhice como fase da vida,
e idoso ou velho como o resultado final, ou seja, idoso ou velho é o resultado do
envelhecimento ou da velhice. Nessa perspectiva, a morte pode ser entendida como o
resultado final do envelhecimento, entendendo que o mesmo começa na concepção. Desta
forma, o envelhecimento, às vezes, é entendido como um contínuo, em outras, é momento de
declínio do corpo.
Cabe ressaltar que, para demonstrar uma visão menos estereotipada da velhice, o
termo “idoso” foi adotado para caracterizar tanto a população envelhecida em geral, como
70
aquela mais favorecida. A partir de então, os “problemas dos velhos” passaram a ser vistos
como “necessidades dos idosos” (Peixoto, 1998). Por outro lado, Neri & Freire (2000)
colocam que a substituição dos termos velhos ou velhice por idosos e melhor idade indica
preconceito, pois, caso contrário, essa troca de palavras não seria necessária. Sem falar do
termo “terceira idade”, cunhado nos anos 60, para designar a idade em que as pessoas se
apresentariam entre a vida adulta e a velhice (NERI & FREIRE, 2000, p. 13). Esta distinção
também traz uma dose de conotação negativa ao termo velhice, porque se compreende que
quem está na “terceira idade” ainda não é velho. Porém, ao mesmo tempo, fornece uma visão
mais benéfica para as pessoas que se encontram com 60 anos ou mais. Essa é a idade que a
ONU (Organização das Nações Unidas) define como o início da velhice nos países em
desenvolvimento, elevada aos 65 anos nos países desenvolvidos.
Em face desses preconceitos, estabeleceram-se conceitos sobre os termos velho, idoso
e terceira idade. “Velho” ou “idoso” referem-se a pessoas idosas, na média de 60 anos;
“velhice” seria a última fase da existência humana e “envelhecimento” atrelado às mudanças
físicas, psicológicas e sociais (NERI & FREIRE, 2000).
ainda outras metáforas acerca do envelhecimento como, por exemplo,
“amadurecer” e “maturidade”, que significam a sucessão de mudanças ocorridas no
organismo e a obtenção de papéis sociais, respectivamente (NERI & FREIRE, 2000).
Como os conceitos são criados para operacionalizar a realidade, eles então são uma
espécie de ferramenta social e cultural:
Em seu movimento de intercessão os conceitos são imediatamente ferramentas,
porque se constroem num certo regime de forças. o são abstratos, não são
dados, não são preexistentes. Eles compõem, o tempo todo, um sistema aberto
relacionado a circunstâncias, e não mais a essências. É por isso que dizemos
que precisamos inventar conceitos, criar conceitos que tenham necessidade.
Cada conceito se relaciona a um determinado conjunto de forças, ele é parte de
um plano onde fluxos diversos se atravessam. (PASSOS e BARROS, 2000,
p.77).
Assim, todos os conceitos atrelados à velhice precisam ser analisados de forma
contextualizada, desde a sua formulação e utilização social. Por exemplo, quando se fala
velho ou idoso, qual o valor atribuído a cada um desses conceitos para cada sujeito, na sua
singularidade?
Cabe ressaltar que idade cronológica é somente uma forma de periodização do curso
da vida, não é um dado natural, não corresponde à estrutura biológica, é uma categoria
71
construída historicamente e flexível, muitas vezes criada para estabelecer uma espécie de
marcação social.
Quando se fala de processos de envelhecimento, existem variáveis que são comuns a
todos os idosos. Por vezes, são aquelas restritas ao campo fisiológico, os cabelos brancos, a
pele que perde a sua viscosidade, movimentos calmos, entre outros. Mas existem outras
varáveis da velhice que são vivenciadas das mais distintas formas por diferentes sujeitos, ou
mesmo pelos mesmos sujeitos, em distintos momentos da sua trajetória de vida.
Portanto, quanto aos aspectos psicossociais da velhice, pode-se desdobrá-la em
diversas variáveis associadas a modificações afetivas e cognitivas, tais como: os efeitos
fisiológicos do envelhecimento; consciência da aproximação do fim da vida; suspensão da
atividade profissional pela aposentadoria: sensação de inutilidade; solidão; afastamento de
pessoas de outras faixas etárias; segregação familiar; dificuldade econômica; declínio no
prestígio social; e outras. Ou seja, o envelhecimento é um processo multifatorial e
heterogêneo. Assim, nota-se que existe não uma velhice, mas várias velhices.
A Psicanálise, por exemplo, vai dizer que o tempo cronológico não existe para o
inconsciente, pois este é atemporal, uma realidade não material sustentada pelo desejo e pela
fantasia. Freud (1976) coloca a questão em seu texto sobre o inconsciente de 1915.
Os Processos do sistema Ics. são intehporais; isto é, não são ordenados
temporalmente, não se alteram com a passagem do tempo; não têm absolutamente
qualquer referência ao tempo. A referência ao tempo vincula-se, mais uma vez, ao
trabalho do sistema Cs. (FREUD, 1976, p. 214)
Dessa forma, quando se aborda a questão do tempo ligado à velhice e aos processos de
envelhecimento, à luz da psicanálise, também se pode inferir que cada sujeito envelhece a seu
modo e que esse processo está relacionado a questões que ultrapassam as variáveis biológicas.
Enquanto a concepção gerontológica social se atém simplesmente ao real do corpo
biológico ou ao real do tempo cronológico, a psicanálise permite dizer que não
existe uma velhice natural cada um envelhece apenas de seu próprio modo.
Mesmo que exista um corpo que envelhece e uma pessoa que se torna idosa, esse
“destino pessoal” traçado na velhice é completamente singular. (DIAS, 2005, p.195).
Segundo a psicanalista Ângela Mucida, o envelhecimento é um processo que impõe
uma alteração na posição do sujeito e cada um responderá a essa alteração segundo sua
capacidade de reserva nas suas dimensões físicas e psicossociais, sendo que o envelhecimento
não é visto como um evento restrito ao idoso e à velhice, o envelhecimento é o tempo que
avança, fato sentido desde o recém-nascido até o ancião. Porém, por vezes, se atribui o
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envelhecer ao período da vida denominado velhice, ou seja, o velho é sempre o outro,
negligenciam-se a temporalidade, as perdas.
A velhice apenas atualiza a problemática da castração, a partir do luto do que se foi e
do que se é. E na seqüência ela inscreveria uma alteração significativa do
narcisismo: luta entre o investimento em si mesmo e o desinvestimentos que se abre
à morte. (MUCIDA, 2004, p.97)
Quando perguntado sobre como enxerga o próprio processo de velhice, um dos
entrevistados ilustra na sua fala o que a psicanálise coloca, quando afirma que o sujeito do
inconsciente é atemporal e não envelhece.
Na verdade, esse negócio de velhice é uma coisa muito complicada. Teve um
momento na minha vida que eu estava bem mais novo e me sentia velho, eu estava
desgostoso e não via graça em quase nada, parecia que eu tinha 90 anos, o engraçado
é que estou quase chegando aos noventa e, às vezes, me lembro que estou velho,
quando tento me abaixar e dói a minha coluna. (Padre II).
Para além do seu aspecto múltiplo, a velhice é, como já foi dito anteriormente, um
conceito socialmente construído. Segundo Beauvoir (1990), atualmente, não se pode
caracterizar a velhice como uma idade privilegiada e/ou prestigiada desta época, mas, mesmo
assim, percebe-se que os sentimentos em relação às pessoas nessa fase da vida foram também
se modificando durante os séculos. Entre os séculos XVI e XVIII, havia a noção do ancião em
decrepitude, no século XIX a noção era do ancião respeitado, prudente e portador de
experiências para manifestar sábios conselhos. Na segunda metade do século XIX, a velhice
passa a ser objeto de discurso das ciências biológicas e adquire os locais para seu tratamento,
como algo disfuncional. (DEPRERT, 1999).
Desde o nascimento, a vida se desenvolve de tal forma que a idade cronológica passa a
se definir pelo tempo que avança. O homem e o tempo se influenciam mutuamente e
produzem profundas mudanças nas subjetividades e diferentes representações que lhe
permitam lidar com a questão temporal (GOLDFARB, 1998).
As limitações corporais e a consciência da temporalidade passam a ser problemáticas
fundamentais no processo do envelhecimento humano, e aparecem de forma reiterada no
discurso dos idosos, embora possam adquirir diferentes nuanças e intensidades, dependendo
da sua situação social e da própria estrutura psíquica (GOLDFARB, 1998). Corpo e tempo se
entrecruzam no devir do envelhecimento e, como consequência disso, nascem as diversas
velhices e suas respectivas múltiplas representações singulares.
Entretanto, se cada pessoa tem a sua velhice particular, a velhice passa a ser incontável
e a definição do próprio termo torna-se um impasse. Afinal, uma pessoa é velha, tendo como
73
referencial algum tipo de declínio orgânico, ou são as maneiras pelas quais as outras pessoas
passam a encará-las que as confinam num reduto denominado “terceira idade”? E quando uma
pessoa se torna velha? uma idade ou um intervalo específico para a “terceira idade”? O
que se percebe, então, é a impossibilidade de se estabelecer uma definição ampla e aceitável
em relação ao envelhecimento (VERAS, 1994). Percebe-se atualmente que os referenciais
sobre a terceira idade e tudo o que se supunha saber são insuficientes para definir o que
atualmente se concebe como velhice ou, como preferem alguns, “terceira idade”, discussão
cada vez mais notada no cenário mundial e brasileiro. Debert (1999) coloca a questão da
seguinte maneira:
As novas imagens e as formas contemporâneas de gestão da velhice, no contexto
brasileiro, são ativas na revisão dos estereótipos pelos quais o envelhecimento é
tratado, desestabilizando imagens culturais tradicionais. As novas imagens oferecem
um quadro mais positivo do envelhecimento que passa a ser concebido como uma
experiência heterogênea em que a doença física e o declínio mental, considerados
fenômenos naturais neste estágio de vida, são redefinidos como quadros gerais que
afetam todas as fases do desenvolvimento humano, possibilitando a abertura de
espaços para que novas experiências de envelhecimento pudessem ser vividas
coletivamente. Neles é possível buscar a auto-expressão e explorar identidades de
um modo que antes era exclusivo da juventude. Esses espaços estão sendo ocupados
rapidamente pelos mais velhos. (DEBERT, 1999, p.66)
Ainda sobre a velhice, além do termo envelhecimento, existe outro termo cunhado por
Berlinck (2000), usado para se discutir o envelhecimento para além dos limites fisiológicos e
estatísticos, que é o termo envelhescência.
A envelhescência é um significante como o ato falho, o sonho ou o dito espirituoso.
Talvez seja até mais do que isso, pois supõe necessariamente um trabalho do eu,
enquanto o sonho, o ato falho, o dito espirituoso, podem se resumir num sintoma
que se repete interminavelmente sem produzir um efeito de subjetivação, a
envelhescência é um ato de subjetivação. (BERLINNCK, 2000, p. 278).
Percebe-se, mais uma vez então, que se pode enxergar a velhice não somente como
uma fase do desenvolvimento do sujeito, mas também como um período em que o sujeito
pode criar e recriar a sua vida e a própria velhice, a sua relação com tempo e suas memórias, o
que possibilita tornar a mesma ou numa experiência enriquecedora da subjetividade ou em
algo destruidor, alienante.
No caso do conceito de envelhescência, a velhice é entendida como um processo que
vai para além do processo de envelhecer, visto como um fato universal estabelecido por um
dado biológico elementar, ela é vivida por cada sujeito de maneira particular. É o que se vê na
fala de um dos bispos:
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Quando me aposentei, pensei que teria muito tempo livre e na verdade acabei não
tendo. Na idade que tenho, eu não consigo fazer muitas coisas e nem com tanta
rapidez, porém, eu tenho a liberdade de usar esse tempo da maneira que eu quero.
Hoje, por exemplo, eu trabalho tanto quanto outros padres e até mais, mas tudo que
eu faço eu escolho por fazer, faço por gostar de fazer, sabendo que, no dia que eu
não mais quiser fazer, eu posso parar ou mudar. (Bispo II)
Quando se pensa o envelhecimento dentro de um recorte específico, que no presente
estudo são os padres e bispos eméritos, a dimensão multifatorial da velhice fica ainda mais
complexa. Os autores abaixo colocam a situação da seguinte forma:
Durante a velhice, as pessoas em geral têm um tempo livre aumentado, quando
comparado com outras fases da vida. Este tempo livre deve ser ocupado por
atividades de lazer benéficas e saudáveis. Indivíduos idosos com vida dedicada à
religião são, em sua maioria, originária da zona rural e da classe média baixa.
Durante a sua formação religiosa, os padres residem ao menos quatro anos no
Seminário, onde ocorre um restrito contato com a sociedade em geral. Sabe-se que
eles possuem hábitos da vida bem peculiares, pois dedicam grande parte do seu dia à
comunidade, à meditação e à oração. Sabe-se também que indivíduos que optam
pela vida religiosa devem ser disciplinados, desprovidos de vaidade, evitar o
individualismo, a competição, o consumismo, aceitar a vida longe da família e as
privações que os votos lhe impõem. Porém, pouco se conhece sobre o perfil do estilo
de vida desta população, sobre a sua relação com hábitos saudáveis de vida, com
exercício físico e o próprio envelhecimento. (MIRANDA & GUIMARÃES, 2007,
p.34)
Segundo a religiosa e psicanalista Irmã Maruzania Soares Dias, existem religiosos
idosos que, na velhice, administram seus conflitos, suas perdas e a realidade do
envelhecimento do corpo com tranquilidade, enquanto outros têm nessa fase a erupção de
conflitos adormecidos, muitas vezes movidos pela pulsão de morte. A mesma autora chega a
ilustrar, com falas de religiosas, a questão exposta acima. A seguinte fala de uma irmã idosa a
sua co-irma demonstra o fato:
“Já não tenho mais pais e nem irmãos, então posso morrer.”... “Eu digo mesmo para
toda formanda que vem aqui: saia dessa vida enquanto você é nova, case. Eu
estou aqui por que estou velha, essa vida não vale a pena”. É a frustração em sua
forma crua, a pulsão de morte em ação. (DIAS, 2005, p. 198)
Segundo a mesma autora, existem outros religiosos que, diante da velhice, deixam
transparecer as manifestações da pulsão de vida. Normalmente são religiosos que viveram seu
compromisso com a escolha de vida de uma forma bem elaborada, atualizada sempre. Este
outro fragmento pode ilustrar:
75
Uma ir de 101 anos é um exemplo vivo do quanto se pode desejar e manter
projetos, construir uma vida mais integrada independente da idade “Nos últimos
anos minhas pernas não tem mais força, mas tenho forças nos braços, minha cabeça
está boa, posso criar muitas coisas”. (DIAS, 2005, p. 199)
Por fim, segundo a autora, existem nas comunidades religiosas exemplos diversos de
idosos que regridem porque estão desanimados e não encontram criatividade para reinventar
suas vidas com as possibilidades de que dispõem. Mas também idosos que conseguem
administrar essa etapa de vida com criatividade. Se não conseguem mais trabalhar como antes,
fazem aquilo que é possível.
No caso dos entrevistados por esta pesquisa, todos têm mais de 75 anos, ou seja, são
todos padres e bispos idosos, com um bom tempo de experiência diante da velhice, e se nota a
multiplicidade dessa vivência enquanto processo singular, ao qual a autora citada acima se
refere.
Os desdobramentos psicossociais da velhice com todos os seus estereótipos e
particularidades também são percebidos entre os padres e bispos eméritos. A palavra velho,
por exemplo, normalmente é empregada com preconceito, sendo considerada, por vezes,
pejorativa. Um dos nossos entrevistados colocou a seguinte posição, quando questionado
sobre sua velhice.
“... Por isso, me considero um jovem, cheio de vida e entusiasmo, apesar de saber
que sou velho, eu sei que estou velho, me olho no espelho, mas não é assim que eu
me sinto” (Padre II)
Qual conotação está por trás do uso da palavra jovem e velho para esse padre que
atribuiu o sentido de velho ao conjunto de modificações do corpo, e jovem ao “estado de
espírito”, tal como se percebe afetivamente? As oposições entre o “Jovem velho” e o “Velho
jovem” podem ser entendidas com uma forma simbólica de fazer laço entre indivíduos, o que
cria uma distinção em um mundo cada vez mais sem fronteiras e, dessa forma, favorece o viés
heterogêneo da velhice. O padre acima poderia dizer que, mesmo sabendo que é velho, atribui
a si mesmo a posição de jovem, na tentativa que distinguir sua velhice (bem sucedida) do
conceito de velhice estereotipada negativamente.
Às vezes, a velhice é encarada como um momento de aceitação e espera, momento de
quietude, como se pode ver na fala de um dos entrevistados:
Eu me vejo realizado, sou realizado, não tenho muitas pretensões, a idade também
não ajuda mais, não é fase de desejar muita coisa a mais, a gente tem muitas
limitações, limitação de força física, a saúde, às vezes, não ajuda muito, vai se
76
envelhecendo, como se diz, ficando mais fraco. A realização eu tenho, porque minha
vocação era essa mesmo, então sou realizado, cumpri minha missão, tenho muita
amizade, graças a Deus, mais esse trabalho todo que eu tenho por aí afora, agora é só
descansar e esperar. (padre II)
Outros entendem a velhice como uma possibilidade de reinvenção, principalmente
após a aposentadoria, pois na desobrigação das atividades diocesanas e paroquiais encontram
inspiração e campo fecundo para novas posições. A fala a seguir ilustra o fato:
Não, velhice é muito subjetiva, por que a vida continua. Mesmo quando idoso, eu,
por exemplo, aprendi a pintar depois de aposentado, pintei até a catedral de
Caratinga. O quadro fica no seminário. Dizem que nosso mundo interior é como
um jardim florido, mas essas flores são a graça de Deus, eu ainda preciso colher
muitas flores e ajudar os outros a encontrar a graça de Deus em seus corações, seja
como padre ou como pintor, na verdade padre pintor, por que não? (padre V).
Entre os clérigos, também observamos a heterogeneidade da experiência de velhice.
Alguns sujeitos encaram a mesma de forma natural e adaptativa, como se pode ver na
colocação de uma dos entrevistados:
A velhice é uma fase como outra qualquer, natural, e que deveria ser vista dessa
forma, e não de forma preconceituosa e temível. Percebo que hoje existe um medo
de envelhecer, como se fosse algo anormal, penso que a velhice tem suas vantagens
e desvantagens como qualquer outra fase da vida, o pulo do gato é aproveitar as
vantagens e tentar dar uma volta nas desvantagens. (Padre IV).
Outros encaram a velhice como um processo patológico, disfuncional. De acordo com
Britto da Motta (2004), encarar a velhice com preconceito é uma posição relativamente
naturalizada, culturalmente disseminada, normalmente atrelada a características do tipo:
ultrapassado, inútil, com idade avançada, enrugado, de aparência asquerosa e de movimentos
lentos.
Ao ser questionado sobre a velhice, um dos padres colocou:
Não me considero um velho, dizem que velho é um trapo inútil, então para mim é
apenas uma etapa da vida que devemos ter coragem para aceita-la. No meu
envelhecimento, não gosto dessa palavra, passa uma idéia de acabamento, de
destruição. (padre V)
Outro padre fala da sua visão acerca da velhice e em especial da sua velhice, com uma
conotação esperançosa e otimista, levantando traços compensatórios e gratificantes, como se
pode notar na fala recortada abaixo:
77
Então envelhecer traz algumas coisas interessantes. Hoje, por ter cultivado amigos,
eu não me sinto sozinho, às vezes, quando eu era mais jovem, ficava imaginando
como seria quando ficasse idoso, com quem eu moraria, se precisasse de ajuda,
quem estaria comigo, mas hoje, vejo que estou bem, muito bem amparado. Além
disso, a gente adquire uma certa experiência e isso acaba te dando uma prática que
compensa o fato de você não conseguir fazer as coisas de forma pida como antes.
(padre IV)
Pode-se constatar uma face relativamente positiva do modo de vida pós-moderno, um
lado gratificante que não permite, mas estimula a variabilidade e a diferença entre os
sujeitos. Por que não os sujeitos velhos, padres e eméritos? Um bispo, ao falar sobre a
velhice, expressou bem essa idéia:
Olha como disse, se eu não me lembrar e não olhar no espelho, não lembraria que
sou velho. Nesta fase da minha vida, minha cabeça está pensando maravilhosamente
bem. Eu sou músico e minhas composições nunca foram tão belas como agora, nem
tive tanto prazer em trabalhá-las como hoje. A velhice seja o que isso signifique,
de alguma forma apurou meus sentidos e hoje sou capaz de transmitir isso nas
canções, eu posso ser tudo ao mesmo tempo, músico, poeta, canoísta, bispo, é uma
maravilha chegar a esse ponto da vida sabendo manejar tudo isso com saúde e
disposição. (Bispo II)
Ao longo desse capítulo, se mencionou a necessidade dos idosos em transmitir suas
experiências e conhecimentos. Na vivência dos padres e bispos eméritos, também se
percebem as mesmas necessidades.
Quanto à questão da transmissão, um dos padres colocou,
Eu acumulei muitas experiências, principalmente com a tipografia, ao longo dos
anos. O trabalho burocrático da cúria e da gráfica, graças a Deus, não ficará
comigo, tem um seminarista que se interessou pela coisa e com ele estou tendo a
possibilidade de transmitir tudo, me sinto aliviado, seria muito ruim levar tudo
comigo e não deixar nada acho que isso impede que eu tenha a sensação de estar
parado, não me sinto assim, momento algum. (Padre I)
Então, infere-se que, nessa perspectiva, o idoso, ao relatar uma experiência por meio
da memória ativada, divulga a sua própria imagem e relaciona o tempo da experiência vivida
com o tempo da experiência da transmissão:
Após me aposentar, eu publiquei um livro contando os meus “causos”, é de morrer
de rir. Ao longo da minha vida, eu sempre carregava um caderninho que servia de
diário e anotava tudo que era interessante. Depois de velho, veja só, acabei
publicando, no final acabei gostando, não deixa de ser uma forma de ser lembrado,
eu vou passar, mas o livro permanece. (Padre II).
Para Beauvoir (1990), a velhice se numa relação entre o que se é para o outro e a
consciência de si mesmo que advém por intermédio do outro, é aquilo que se é para o outro,
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um processo que pode ser entendido como tornar-se velho a partir do reconhecimento do
outro como tal. Argumento pertinente que também se encontra no discurso dos entrevistados.
Tenho, por onde eu passei, deixei muita amizade. Uma das provas é que existem
quase trezentas crianças com o meu nome, na região toda por onde eu passei. As
crianças que os pais gostavam de mim, do meu nome talvez, depois colocavam, o
pai conhece o padre, até hoje existe isso, pessoas vêm e me falam: “coloquei o nome
por causa de você”, sinal de amizade, homenagem, eu fico satisfeito porque
encontrar alguém que valorizou o trabalho da gente acho que é importante isso.
(padre II)
Beauvoir (1990) faz outra colocação quanto à realidade humana. Segundo ela, “O
existir para a realidade humana é temporalizar-se, porque o tempo para o idoso é o passado,
o velho solidariza-se com o passado.” (BEAUVOIR, 1990, p.122). Isso é fácil de perceber no
discurso de um idoso, pelo uso de frases como “No meu tempo...”. Normalmente, esse tempo
reportado pelo idoso é o tempo da produção, tempo do corpo animado por projetos, por
atividades, aquele em que se sentia mais produtivo e adaptado.
Foi bom, porque me descansou bastante, minha paróquia é muito grande, eu cuidava
de 30 capelas, viajava a cavalo, daqui até no Rio Doce, passava por Ipaba, na ponte
metálica, Quartel do Sacramento, era muito difícil porque era a cavalo, hoje tem
mais facilidade, hoje o padre está em um mar de rosas, porque tem muita facilidade,
ordena com um carro na porta da casa paroquial, eu tinha que celebrar a pé, a
cavalo, com chuva, sem chuva. Era muito mais difícil, a gente andava a cavalo de
batina, guarda-pó, muita coisa, hoje está tudo tranqüilo, o padre possui conforto e
liberdade, queria ver ser padre no meu tempo. (Padre II)
Para o entendimento desse estudo, a velhice não se dá numa lógica determinada
somente pelo viés do desenvolvimento humano, mas pelo viés de um processo de
subjetivação, dado na singularidade de cada idoso. É a vivência subjetiva que fornece o
conceito de velhice a cada sujeito, o ser, ou não, velho, uma velhice auto-percebida. Uma fala
interessante de um dos bispos eméritos cabe muito bem neste momento:
Às vezes, eu me vejo fazendo algumas coisas e logo pesando: “meu Deus eu tenho
84 anos”, e começo a rir, pois sinceramente se não me lembrar, eu não me vejo com
a idade que tenho, eu corro, acordo 6:00 e vou dormir as 23:00, não durmo durante o
dia, não tomo remédio algum, não tenho restrição alimentar, então, se distrair, eu
nem me lembro que já passou tanto tempo assim. (Bispo II)
Apesar do avanço de pesquisas acerca dos processos de envelhecimento, falar de
velhice ainda incomoda muitos pesquisadores e leigos, porque expõe o limite aos quais todos
nós somos submetidos, a constatação de que a vida é transitória, de que temos um tempo para
existir. Falar da velhice desacomoda a ideia de imutabilidade, desacomoda as ideias e as
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certezas nas quais todo sujeito se reconhece. A velhice é um momento marcado pela vivência
da finitude, em que a fantasia de eternidade encontra um limite.
No senso comum, vemos que a vivência da juventude é marcada pela ilusão de um
tempo indefinido para se obterem e realizar projetos e sonhos, porém, tal ilusão altera-se com
a velhice. A constatação surge diante do encontro com o irremediável, que, por vezes, é
vivenciado em contextos tais como: menopausa, mudanças corporais e também emeritude.
4.4 Velhice e emeritude
Por mais que a aposentadoria tenha sido atrelada a contextos negativos, sempre
associada a perdas, pode-se entender a questão sobre outro ponto de vista. A aposentadoria
tem sido repensada como um possível marco de ampliação das trajetórias de vida. Por seu
potencial desafiador dos recursos atuais ou latentes de adaptação, a aposentadoria, no cenário
dos leigos, significaria um ponto de transição para um desenvolvimento positivo de outros
domínios da vida, tais como o social, o familiar, cognitivo ou mesmo emocional
(LACHMAN, 1996). Para os clérigos, o que eles entendem por aposentadoria é, na verdade, a
chamada emeritude, a renúncia ao ofício de pároco ou bispo diocesano. Porém, identificam-se
processos semelhantes aos que acontecem com os leigos na aposentadoria convencional.
A velhice, em seus diferentes desdobramentos, está também intimamente ligada aos
conceitos de trabalho e aposentadoria ou, no caso estudado, emeritude. Esses últimos
conceitos foram discutidos no capítulo II desta dissertação, momento do texto dedicado a
explanações da vivência afetiva e psicológica da emeritude dos clérigos seculares, relacionada
à experiência da velhice.
Para melhor compreender esses estudos, é relevante explicitar que a ruptura com o
mercado do trabalho está conectada ao avanço da idade, mas também a uma forma de
estrutura social dos meios de produção, especialmente nos rearranjos advindos da demanda e
distribuição de postos de trabalho. A velhice não possui um marco inicial claro como
encontramos, por exemplo, na adolescência, nesta fase o marco inicial é a puberdade. Na
velhice, culturalmente, podemos enxergar a emeritude como um dos marcadores sociais de
confirmação da velhice para a igreja frente aos seus clérigos.
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A aposentadoria decreta funcionalmente a velhice, ainda que o indivíduo não seja
velho sob o ponto de vista biológico (...) é uma forma de produzir a rotatividade de
mão-de-obra no trabalho, pela troca de gerações. (SALGADO, 1997, p.297).
No caso dos clérigos, quando eles chegam à idade de 75 anos e passam à posição de
Eméritos, esta questão está normalmente acomodada subjetivamente, que, pelo INSS, os
mesmos já são aposentados pelo menos 10 anos. Porém, no momento da aposentadoria dos
padres e bispos, os mesmos continuam trabalhando, ou seja, a saída do mercado de trabalho,
por vezes, sentida negativamente pelos trabalhadores leigos, passa como que despercebida
pelos clérigos. quando se aproxima a entrada na emeritude, pode-se perceber certa
confirmação da velhice, anunciada anos atrás, por meio da vivência formal da renúncia a um
ofício de uma responsabilidade institucional.
No extremo, a emeritude é vista como uma interrupção da vida na instituição e frente à
sociedade, porém posições mais brandas passam a enxerga-lá como um momento de
reposicionamento na estrutura social, que em alguns casos reduz o sujeito a posições mais
desfavoráveis e, em outro, eleva o mesmo a posições confortáveis e prazerosas.
A melhor fase da vida como sacerdote é agora, com os meus mais de 90 anos, na
verdade desde que me tornei bispo emérito. As obrigações institucionais e
burocráticas de uma diocese enrijecem o espírito. Muitas vezes, redescobri o prazer
de ser padre justamente na hora que a igreja me isentava da obrigação, engraçado
não é? E pior, acho que, em alguns dias trabalho até mais que antes e com muita
satisfação. (bispo I)
Ecléa Bosi (2005) traz a discussão sobre a relevância e a valorização da capacidade de
trabalho, de ser trabalhador, no contexto social contemporâneo, e chama a atenção para a
reflexão sobre o papel do velho, nesse contexto, como não-trabalhador, não-produtor de bens
e serviços. Ela introduz a idéia de aposentadoria disseminada como ausência de trabalho, fase
não-produtiva e com implicações nas trajetórias particulares dos sujeitos, que as propostas
teóricas de discussão sobre o assunto, por vezes, não levam em consideração as implicações
subjetivas sobre o assunto.
A memória do trabalho é o sentido, é a justificativa de toda uma biografia. Quando o
senhor Amadeo fecha a história de sua vida, que conselho ele dá? De tolerância pra
os velhos, tolerância até para os mesmos que se transviaram na juventude, pois eles
também trabalharam. (BOSI, 2005, p.399).
Nessa perspectiva, algumas investigações preocupam-se em situar o lugar dos idosos
na estrutura social produtiva, centrando as análises na questão da ruptura com o mundo
81
produtivo do mercado de trabalho, especificamente, na questão da aposentadoria. Nesse
momento, a velhice passa a ser delimitada não mais pelas transformações fisiológicas, mas
por um advento social, a aposentadoria, na qual o indivíduo passa pela transposição da
categoria de trabalhador para ex-trabalhador; de produtivo para improdutivo; de cidadão ativo
para inativo. Observa-se um processo de generalização da aposentadoria, que, de acordo com
Salgado (1997, p. 234), (...) cria um princípio de identidade para a velhice, definindo esse
tempo da vida pela inatividade”. Apesar de o tema ser a aposentadoria, a discussão pode ser
pensada também no caso dos eméritos.
Todavia, inatividade, aqui, pode ser entendida como o afastamento das atividades
formais, institucionalizadas. Não se pode extrapolar o mesmo raciocínio para a atividade
entendida como todo processo de transformação da natureza e de si mesmo, trabalhada no
capítulo II. A atividade é vida, o trabalho é vida. Um dos bispos entrevistados colocou a
seguinte fala: Quero trabalhar até a morte. Atividade é vida e quem tem vida trabalha
(Bispo I).
A ausência de um conceito fechado e definido sobre o trabalho permite que diferentes
atividades sejam classificadas como tais, e são as experiências subjetivas ancoradas nas
representações coletivas do contexto sócio-cultural que determinam estas qualificações.
Portanto, ao evocar o trabalho para qualificar uma diversidade de atividades realizadas, em
oposição ao ócio, pode-se pensar que o trabalho continua, mesmo diante da aposentadoria,
configurando um sentido de utilidade e inserção social.
O que se constata é a ocorrência de uma "dupla aposentadoria" no plano subjetivo: a
primeira legal, por tempo de serviço, e a segunda, nem sempre com reconhecimento oficial,
mas determinada, em geral, pelos limites impostos pelo corpo (doença e/ou idade). E é aqui
que entram as variáveis ligadas à velhice, além do processo de exclusão do mundo do
trabalho.
A emeritude muitas vezes se configura como um espaço de preparação subjetiva para
o afastamento formal das obrigações de roco ou de bispo diocesano. Ela tem valor
simbólico, pois coloca para o clérigo a possibilidade real de um mundo do não-trabalho
institucional, ou seja, o clérigo pode não mais se envolver com as atividades típicas de um
padre e se envolver com atividades semelhantes às dos leigos, como, por exemplo, dedicar-se
ao magistério. Essa preparação consiste em uma reorganização da vida familiar, novas
relações afetivas, novos espaços de convívio e de relacionamento fora do mundo do trabalho,
novas rotinas e até a diminuição gradativa da jornada laboral. Surgem os trabalhos
alternativos, os hobbies, as experiências em artes, que implicam autonomia com relação à
82
organização do trabalho. A emeritude ganha, concretamente, o significado de ausência da
obrigação institucional, à medida que aumenta a idade cronológica e quando o fator doença se
apresenta associado. Ou seja, quando o trabalho se faz presente, mesmo sobre tais
circunstâncias, o atributo de valor que lhe é associada ganha em representatividade e garante
inserção social.
A velhice bem sucedida acontece para aquele que no amanhã a continuidade do
trabalho de hoje, aquele que não fica à espera do descanso eterno, que vai à luta, que
busca preencher os espaços da vida, que se como elemento útil da sociedade.
Enfim, aquele que acredita e demonstra que tem experiências a serem relatadas e
que, acima de tudo, é ainda capaz de grandes realizações. (GIUBILEI, 1993, p.47)
No entanto, o vínculo simbólico com o trabalho permanece através da identidade de
trabalhador que se mantém como referência, pois não se rompem os modelos de identificação
preservados pela memória e expressos pelo sufixo "ex" quando da identificação para dizer
quem é, o que se faz. No caso dos clérigos, isso fica mais evidente ainda, já que, sendo
emérito, o padre ou bispo ainda são padres e bispos. Nesse caso, em particular, não existe ex-
padre ou ex-bispo, no máximo ex-pároco.
O espaço de trabalho e as categorias profissionais, em geral associados a prestígio
ou desprestígio social, proporcionam atributos de qualificação e desqualificação do
eu. Nos casos em que a qualificação é de tal forma representativa, o prefixo ex é
evocado para dar conta da identidade, quando da aposentadoria. (SANTOS, 1990,
p.78).
Na vida religiosa, esse afastamento do trabalho ocorre de maneira muito peculiar,
primeiro porque ele não é total, como já foi mencionado. O exercício sacerdotal é uma
atividade para a vida toda, pode ser entendida como um modo de existência para estes
sujeitos. Quando o clérigo se torna Emérito, abandona os aspectos administrativos e
institucionais das posições de Pároco ou Bispo diocesano, e não a posição de sacerdote. Os
clérigos continuam sendo padres e bispos, como já anunciados anteriormente.
no mundo laico, normalmente uma ruptura mais totalizante. Se o sujeito
trabalhava no banco, era um bancário e, de um dia para o outro, deixa de sê-lo. Ele pode até se
tornar professor de matemática, aproveitando suas habilidades desenvolvidas ao longo de
anos, mas bancário ele não é mais.
Quando o grupo de clérigos da arquidiocese de Belo Horizonte foi questionado sobre
se é a favor ou contra a aposentadoria compulsória, os resultados foram paradoxais, como
mostra o gráfico 7 abaixo:
83
Gráfico 7: Caso Você é a favor do afastamento compulsório dos párocos e vigários idosos das suas
funções pastorais?
Fonte: PEREIRA, 2009.
Segundo o coordenador da pesquisa, podem-se levantar algumas possibilidades, na
tentativa de entender a falta de consenso sobre o assunto. A primeira está ligada ao medo de
decidir, à experiência da finitude, à inatividade e até mesmo pode estar evidenciando uma
necessidade de discutir o assunto.
Após a emeritude, os padres e bispos experimentam vivências distintas. Em muitos
casos, certo alívio advindo do processo de desobrigação institucional, não é comum a
sensação de perda, que facilmente é visualizada nos leigos, que os padres e bispos
continuam sendo sacerdotes sem, no entanto, o peso da obrigação de uma paróquia ou de uma
diocese. O que se nota como sofrimento fica mais restrito aos desdobramentos da velhice, em
detrimento dos aspectos da emeritude.
Muitas vezes, o aumento abrupto do tempo livre decorrente da desobrigação do
trabalho formal faz crescerem, diretamente, as preocupações com a qualidade de vida desse
tempo livre, no sentido do desvio dos estereótipos sociais que afligem muitos idosos e os
rotulam como improdutivos e decadentes, no avanço da idade cronológica. Uma dessas
tentativas de desvio é ilustrada na fala abaixo:
84
Eu hoje sou muito solicitado para fazer palestras, principalmente em retiros para
religiosos, sou muito solicitado como consultor em direito canônico, além de todas
as outras atividades típicas de um bispo. Na verdade, eu sou bispo normalmente,
não sou o responsável pelo pastoreio da diocese, isso já não me cabe, mas o resto
continua igualzinho. (Bispo II)
Com maior acesso à informação e à participação ativa em diferentes contextos da
sociedade globalizada, o idoso vem tendo oportunidades, nos mais diversos âmbitos, de
ressignificar sua existência, sua aprendizagem, sua importância como cidadão detentor de
direitos e garantias legais, seu envelhecimento, sua própria velhice e os níveis de sua efetiva
participação na sociedade.
Com isso, os estereótipos ligados à inércia, sedentarismo, acomodação, tristeza,
indisposição, fadiga, dores sem fim, isolamento, depressão e falta de perspectivas diante da
velhice, paulatinamente, estão perdendo espaço para a crescente participação e adesão às
inúmeras oportunidades que são oferecidas ao segmento idoso, seja nos espaços públicos e/ou
privados, formal e/ou informal, mas principalmente pelo próprio movimento subjetivo da cada
um.
85
5. CONCLUSÃO
O tema do presente estudo foi os processos psicossociais desencadeados pela entrada
dos clérigos seculares ou diocesanos na emeritude e na velhice. Nesse sentido, quando o
assunto começou a ser explorado, algumas variáveis relacionadas a esses processos foram
sendo colocadas pelos próprios clérigos participantes e foram ouvidas e observadas dentro
deste estudo, não só por meio dos conceitos teóricos abarcados, mas também no ritmo e no
formato que a presente investigação acabou configurando.
A questão da emeritude, no início, foi pensada em relação com o processo de
aposentadoria, com a ideia de afastamento das atividades sacerdotais. Mas, ao ouvir os
entrevistados, observou-se que alguns elementos precisam ser esclarecidos e contextualizados,
como por exemplo, a aposentadoria formal, ligada ao INSS (Instituto Nacional de Previdência
Social), situação incorporada à vida dos padres eméritos pelo menos 10 anos antes da
entrada na emeritude, que ocorre, normalmente, após os 75 anos de idade. É importante
colocar que nem todos os clérigos recolhem contribuição junto ao INSS, ou seja, nem todos
são aposentados pelo INSS, mas neste estudo em particular, todos os participantes estavam
aposentados por meio desta instituição.
A questão interessante desse processo é que os desdobramentos psicossociais,
normalmente vivenciados durante e após o processo de aposentadoria, não foram
reconhecidos nem descritos pelos entrevistados como inerentes à aposentadoria pelo INSS,
pois a ideia de ser aposentado surge para os clérigos somente a partir da entrada na emeritude.
É nesse momento que eles começam a situar as questões que foram mais interessantes para o
presente estudo. Como disse um dos bispos entrevistados:
Quando eu aposentei pelo INSS, foi até muito bom, agora eu tinha uma rendinha a
mais no orçamento, mas aposentado mesmo a gente é depois de velho mesmo,
quando passa dos 75 anos e a igreja libera a gente para descansar, mais que
merecido não é? (Bispo II)
Durante todo o processo de construção desta dissertação, tentou-se acompanhar o
relato dos entrevistados e construir um entendimento sobre o mesmo. A emeritude é, para os
padres e bispos seculares, o verdadeiro momento associado à aposentadoria, ela está
diretamente ligada a um momento de grandes possibilidades para o sujeito que, a partir daí,
tem a oportunidade de fazer novas escolhas ligadas ou não às atividades típicas de um clérigo.
86
Percebe-se que essa escolha é sempre singularizada e que, para alguns dos sujeitos da
pesquisa, ela pode ser entendida como um momento de virada na trajetória de vida. Veja-se o
exemplo do padre V que, após a entrada na emeritude, começou a pintar telas e até a
comercializá-las, ou seja, inicia uma nova “profissão” aos 75 anos. Hoje, com 82, continua a
pintar e diz que, se pudesse, dedicar-se-ia integralmente a essa atividade. Esse padre, em
especial, quase não participa de atividades ligadas ao exercício sacerdotal, atualmente, na
diocese, limitando-se a exercer mais a nova atividade do que as antigas, ligadas à paróquia.
outros sacerdotes, como o Bispo I, após a emeritude, começam a se envolver de
forma mais implicada em atividades típicas de sacerdote, o que o levou a relatar que sua
melhor fase como Bispo começou após a emeritude. Sua justificativa era que, desobrigado das
atividades formais, ele poderia se dedicar àquelas de que ele mais gostava. Esse Bispo veio a
falecer no início deste ano, ainda atuante dentro da igreja, como ele mesmo afirmava, Ainda
me dedico a coisas de igreja, a diferença é que não faço obrigado, faço porque quero.”
(Bispo I)
Observe-se que as atividades que chamamos de trabalho estão muito além das tarefas
formais, pois se referem ao fazer eminentemente humano, que configura o ser como social,
criador de cultura e de história. Como colocado nos capítulos teóricos deste estudo,
principalmente nas contribuições de autores como Marx: “trabalho é todos atividade do
homem sobre a natureza(MARX, 1989), não se identificando, pois, em sua essência, com a
atividade assalariada. Ou seja, mesmo após a emeritude, mesmo diante de uma atividade
desvinculada daquilo que se fez durante anos, mesmo que o produto dessa atividade não seja
gerador de capital e renda, não se pode deixar de considerar que se está diante de uma
atividade definida como trabalho.
Clot (2006) coloca que o sentido de uma atividade qualquer extrapola o simples ato de
executá-la. Por meio do relato dos entrevistados, percebeu-se que o sentido de uma atividade
é dado verdadeiramente por quem a faz e que, quando existe a possibilidade de fazê-la
desobrigado, formalmente, diante da igreja, das atividades de pároco e de bispo diocesano,
cada clérigo se diante da possibilidade, ora de novas escolhas, ora de permanecer nas
mesmas atividades que o acompanharam durante toda uma vida como sacerdote. Em outros
casos, justamente quando existe dificuldade de novas escolhas, isto é, de novos trabalhos,
acontece a resignação, que leva a um processo depressivo, dado o sentimento de inutilidade,
solidão e não-reconhecimento.
Algumas questões, como a discussão acerca das mudanças que ocorreram dentro da
igreja, após o Concílio Vaticano II, influenciaram diretamente a posição e o exercício
87
sacerdotal. Muitos dos entrevistados relataram esse período da igreja como crucial para rever
até mesmo a escolha pelo sacerdócio. A impressão que ficou foi de que esses clérigos fazem
parte de um grupo que resistiu e permaneceu dentro da igreja, ao contrário de muitos que não
conseguiram se adaptar às novas formas de exercício do sacerdócio.
Outro elemento que surge, ao longo do texto, é a questão da moradia dos Padres e
Bispos Eméritos, que, após a emeritude, veem-se no dilema de escolher onde morar. Entre os
entrevistados deste estudo, a maioria preferiu permanecer na última paróquia em que
trabalhou. A justificativa mais recorrente, dada por eles, é que nesses locais construíram
vínculos afetivos e sociais importantes e, neste momento de suas vidas, tornam-se essenciais
no processo da ruptura com a atividade formal de pároco ou bispo diocesano, bem como para
lidar com os processos de envelhecimento.
Quanto a essa outra categoria importante desta dissertação, ou seja, a velhice, pode-se
concluir que, assim como a aposentadoria somente é sentida após o processo de entrada na
emeritude, a velhice, enquanto processo reconhecido pelo sujeito, é também muito associada a
esse momento da vida. Ilustra-se essa afirmação com a fala de um dos entrevistados que,
quando questionado sobre como se vê na velhice, afirma:
Para falar a verdade, quando a gente ainda tem saúde e coisas para fazer, você pode
ter cabelos brancos e rugas que, mesmo assim, não se sente idoso. A pior coisa da
velhice é se sentir inútil é não ter com o que ocupar a cabeça. Eu, graças a Deus, não
passei por essa tristeza, ainda faço um monte de coisas. (Padre IV).
Assim, nota-se que, diante da velhice, os entrevistados buscam se sentir ativos, por
meio do trabalho, seja ele ainda ligado às atividades de sacerdote ou a outras atividades em
que o sujeito se reconhece útil e que lhe fornecem certo prazer.
A velhice é vista de forma singular e os processos de envelhecimento são
heterogêneos. Cada padre e bispo se como velho ou não, de forma contextualizada. O
Bispo II relata que se não se olhar no espelho e lembrar da idade, ele quase esquece que é um
idoso. Já outros clérigos idosos se enxergam dentro da velhice, muitas vezes, pelas marcas de
fragilidade do corpo cansado e às vezes doente. O importante é perceber que a velhice é um
processo para além da dimensão biológica ou cronológica, ou seja, um processo sócio-
histórico e subjetivo.
Ao fazer a leitura do texto desta dissertação e das entrevistas realizadas, tendo como
referencial o desdobramento teórico associado ao relato dos participantes, pode-se, em alguns
momentos, ter a falsa impressão de que as questões relacionadas à emeritude e à velhice são,
88
de certa forma, bem resolvidas e bem equacionadas pelos padres e bispos seculares. Porém, é
importante colocar que os resultados alcançados dizem respeito a um recorte muito específico
do vasto universo da Igreja Católica.
Trata-se de um recorte de seis Padres e três Bispos do interior de Minas Gerais, sendo
que um Padre e um destes Bispos não aceitaram participar do estudo. Esse Bispo, em especial,
quando convidado, declarou: Eu não quero falar dessas coisas, não fica bem falar sobre
isso(BISPO III). Mesmo não tendo ele participado, sua recusa pode sugerir algum mal-estar
não mencionado pelos demais sujeitos. De fato, não houve muitos relatos da dimensão
sofrível da emeritude e da velhice, embora não se possa afirmar que eles seriam explicitados
pelo padre e pelo bispo que recusaram ser entrevistados. Ao mesmo tempo, não se pode
generalizar, por meio dos dados levantados, que todos os clérigos passam por essa fase de
forma saudável e adaptada. Aliás, até mesmo os participantes deste estudo, que relatavam
passar bem pela emeritude e pela velhice, deixaram, em alguns momentos, escapar essa
dimensão do sofrimento em suas respostas.
O que mais meu doeu foi ter saído sem ouvir um muito obrigado do Bispo, eu deixei
a vida religiosa para poder ajudá-lo na diocese no momento mais difícil e nem um
obrigado recebi quando deixei de ser pároco, isso me dói até hoje. (Padre V)
Outra questão que precisa ser colocada é que as conclusões deste estudo dizem
respeito exclusivamente ao contexto dos padres e bispos seculares. Não podemos extrapolar
sobre os processos advindos da emeritude entre clérigos religiosos e mesmo entre religiosas.
Essa questão pode ser objeto de futuras pesquisas dentro da temática aqui abordada.
Ao concluir esse trabalho, é preciso dizer que muitas hipóteses consideradas, antes,
sobre os processos psicossociais advindos da emeritude foram refutadas. Ao mesmo tempo, os
dados levantados revelaram elementos não pensados anteriormente. Assim, a heterogeneidade
e o campo de possibilidades que se vislumbraram, a partir da emeritude e da velhice,
surpreendem e fazem acreditar que esses elementos não explorados constituem fonte
inspiradora para novos estudos. Se a presente pesquisa buscou centrar-se na suposta ruptura
ou nos impactos provocados pela emeritude, caberia aprofundar um estudo do período
posterior a essa ruptura, ou seja, da caracterização da vida de sacerdotes e bispos, após o
afastamento das atividades formais, ou seja, após assimilarem o novo status de eméritos.
Outra questão que surgiu foi pensar como a emeritude é vista pelos jovens que estão
em formação nos seminários. Vale perguntar-se se e como esse tema é abordado neste
período de vida, ou seja, como os jovens veem esta questão.
89
Conclui-se dizendo que, mesmo não conseguindo abarcar todo o material teórico e
empírico sobre a emeritude, a melhor fonte de orientação desta dissertação, antes e durante
todo o processo de sua construção, foi o relato dos entrevistados. Muitas lacunas surgiram e
experimentou-se muita ansiedade para tentar cobri-las. Todavia, é preciso reconhecer que um
estudo é um recorte e que todo recorte é, justamente, uma pequena parcela de um todo que
jamais será desvendado em suas múltiplas manifestações. Nesse sentido, poderia mesmo
considerar que um dos objetivos alcançados no presente estudo foi sua capacidade de suscitar
novos questionamentos e possibilitar que se abram horizontes para novas pesquisas.
90
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94
APÊNDICE
ROTEIRO PARA A ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA
O que te levou a pensar em ser um padre?
Como foi a sua escolha pelo sacerdócio?
Quando você decidiu realmente se tornar um padre?
Conte-me um pouco como foi a sua vida como sacerdote?
Você considera o sacerdócio uma forma de trabalho?
Como foi o seu afastamento?
O que você tem feito desde então?
Diante disso, o que você pensa acerca da aposentadoria de padres?
Você se sente um aposentado? Por quê?
Em sua opinião, existe diferença entre a aposentadoria (emeritude) dos padres e dos leigos?
Como você vê a igreja diante do envelhecimento de seus padres?
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