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um processo que pode ser entendido como tornar-se velho a partir do reconhecimento do
outro como tal. Argumento pertinente que também se encontra no discurso dos entrevistados.
Tenho, por onde eu passei, deixei muita amizade. Uma das provas é que existem
quase trezentas crianças com o meu nome, na região toda por onde eu passei. As
crianças que os pais gostavam de mim, do meu nome talvez, depois colocavam, o
pai conhece o padre, até hoje existe isso, pessoas vêm e me falam: “coloquei o nome
por causa de você”, sinal de amizade, homenagem, eu fico satisfeito porque
encontrar alguém que valorizou o trabalho da gente acho que é importante isso.
(padre II)
Beauvoir (1990) faz outra colocação quanto à realidade humana. Segundo ela, “O
existir para a realidade humana é temporalizar-se, porque o tempo para o idoso é o passado,
o velho solidariza-se com o passado.” (BEAUVOIR, 1990, p.122). Isso é fácil de perceber no
discurso de um idoso, pelo uso de frases como “No meu tempo...”. Normalmente, esse tempo
reportado pelo idoso é o tempo da produção, tempo do corpo animado por projetos, por
atividades, aquele em que se sentia mais produtivo e adaptado.
Foi bom, porque me descansou bastante, minha paróquia é muito grande, eu cuidava
de 30 capelas, viajava a cavalo, daqui até no Rio Doce, passava por Ipaba, na ponte
metálica, Quartel do Sacramento, era muito difícil porque era a cavalo, hoje tem
mais facilidade, hoje o padre está em um mar de rosas, porque tem muita facilidade,
já ordena com um carro na porta da casa paroquial, eu tinha que celebrar a pé, a
cavalo, com chuva, sem chuva. Era muito mais difícil, a gente andava a cavalo de
batina, guarda-pó, muita coisa, hoje está tudo tranqüilo, o padre possui conforto e
liberdade, queria ver ser padre no meu tempo. (Padre II)
Para o entendimento desse estudo, a velhice não se dá numa lógica determinada
somente pelo viés do desenvolvimento humano, mas pelo viés de um processo de
subjetivação, dado na singularidade de cada idoso. É a vivência subjetiva que fornece o
conceito de velhice a cada sujeito, o ser, ou não, velho, uma velhice auto-percebida. Uma fala
interessante de um dos bispos eméritos cabe muito bem neste momento:
Às vezes, eu me vejo fazendo algumas coisas e logo pesando: “meu Deus eu tenho
84 anos”, e começo a rir, pois sinceramente se não me lembrar, eu não me vejo com
a idade que tenho, eu corro, acordo 6:00 e vou dormir as 23:00, não durmo durante o
dia, não tomo remédio algum, não tenho restrição alimentar, então, se distrair, eu
nem me lembro que já passou tanto tempo assim. (Bispo II)
Apesar do avanço de pesquisas acerca dos processos de envelhecimento, falar de
velhice ainda incomoda muitos pesquisadores e leigos, porque expõe o limite aos quais todos
nós somos submetidos, a constatação de que a vida é transitória, de que temos um tempo para
existir. Falar da velhice desacomoda a ideia de imutabilidade, desacomoda as ideias e as