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Claiton Marcio da Silva
SABER, SENTIR, SERVIR E SAÚDE:
A CONSTRUÇÃO DO NOVO JOVEM RURAL NOS CLUBES
4-S, SC (1970-1985)
Universidade Federal de Santa Catarina
verão de 2002
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Claiton Marcio da Silva
SABER, SENTIR, SERVIR E SAÚDE:
A CONSTRUÇÃO DO NOVO JOVEM RURAL NOS CLUBES
4-S, SC (1970-1985)
Dissertação apresentada como exigência
parcial para obtenção do Grau de Mestre em
História à Comissão Julgadora da
Universidade Federal de Santa Catarina, sob a
orientação da Prof. Dra. Cristina Sheibe
Wolff.
Universidade Federal de Santa Catarina
verão de 2002
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SILVA, Claiton Marcio Da. Saber, Sentir, Servir E Saúde:
A Construção Do Novo Jovem Rural Nos Clubes 4-S, SC (1970-1985).
Florianópolis: 2002. Dissertação (Mestrado em História) – Curso de Pós-
Graduação em História, Universidade Federal de Santa Catarina.
Orientadora: Cristina Sheibe Wolff
Análise dos Clubes 4-S (Saber, Sentir, Servir e Saúde), implantados pela
ACARESC (Associação de Crédito e Extensão Rural de Santa Catarina). Trata
dos discursos dirigidos aos jovens rurais que objetivaram a construção de um
novo agricultor, apto para lidar com técnicas e tecnologias “modernas” de
produção relacionada às atividades agropecuárias.
Palavras-chave: juventude rural; Clubes 4-S; extensão Rural;
Agradecimentos
Agradeço a Deus, por ter possibilitado vários milagres com minha bolsa de estudos ao
longo do mestrado.
A minha família, por ter auxiliado nos milagres através de depósitos urgentes.
Aos professores do CFH, pelo incentivo.
À Cristina, orientadora, pela paciência.
Aos professores do Curso de História da Unoesc – Chapecó, pelo incentivo. (Elison,
Monica, Alceu, etc.)
À Juçara Nair, pelas sugestões na escolha do tema e elaboração do projeto.
Ao CNPq, pela concessão de uma bolsa de estudos.
Aos amigos que me suportaram neste processo, especialmente Marcos e Josiane.
Ao George Harisson;
Ao pessoal das EPAGRI’s de Chapecó e Florianópolis, muito atenciosos.
Nazaré, que sempre salva a gente no final...
A todos personagens coadjuvantes de sua própria história.
Esta pesquisa foi desenvolvida ao som de:
The Byrds – Sweetheart of the Rodeo (1968);
The Byrds – Ballad of Easy Rider (1969);
Love – Forever Changes (1967);
Jefferson Airplane – Surrealistic Pillow (1967);
Left Banke – There’s Gonna be a Storm: the complete recordings (1966-1969);
Great Society – Collector’s Item (1966);
Beach Boys – Pet Sounds (1966);
Grateful Dead – American Beauty;
Walter Franco – ...Ou Não... (1972).
Todos os álbuns, de alguma forma estão ligados aos movimentos de juventude da década de
1960, e me auxiliaram em muito para suportar longos dias enquanto escrevia esta
dissertação.
Resumo
Este trabalho tem por objetivo analisar o programa de Clubes 4-S, implantado pela
ACARESC (Associação de Crédito e Extensão Rural de Santa Catarina), órgão responsável
pela implantação e desenvolvimento da Extensão Rural no estado a partir de 1957, e sua
preocupação com a constituição de um novo jovem rural em Santa Catarina.
Procurando evitar o êxodo rural e romper, através da tecnologia, com as técnicas de
produção tradicionais, uma série de discursos foi propagada pela ACARESC objetivando
intervir na formação de um novo (e jovem) agricultor. Através dos Clubes 4-S, entre outros
programas da Extensão Rural, procurou-se formar sujeitos que estivessem aptos para lidar
com estas técnicas e tecnologias “modernas” implantadas pela Extensão Rural.
Estes clubes de trabalho foram implantados pela ACARESC a partir de 1957 em
Santa Catarina, e no início da década de 1970 ganham ênfase no oeste catarinense. Naquele
momento, os olhares da Extensão Rural concentraram-se nesta região, procurando legitimá-
la enquanto lugar da “agricultura moderna” no estado, enquanto o “Celeiro Catarinense”.
Assim, delimito o objeto a partir da efetivação de ações governamentais que resultariam na
implantação dos Clubes 4-S em Chapecó (1970) e o processo de repensar sobre os trabalhos
com juventude rural (1985).
I Guess I just wasn’t made for these times.
(Beach Boys)
Sumário
Introdução ............................................................................................................................8
Primeiro capítulo – Quando os ventos da Extensão Rural sopram para o oeste .......24
1.1 O oeste de Santa Catarina enquanto lugar da agricultura moderna .....................24
1.2 “Os alquimistas estão chegando” ...............................................................................26
1.3 “Plante que o Governo Garante” ...............................................................................31
1.4 Os Clubes 4-H dos Estados Unidos ............................................................................35
1.6 Alguns debates sobre juventude ................................................................................39
Segundo Capítulo – Disciplina e Táticas: oposições de um mesmo processo ..............43
2.1 Os Clubes 4-S e sua proposta .....................................................................................46
2.2 Jovem 4-S: Sujeito que Sabe, Sente, Serve e tem Saúde .........................................54
2.3 Atividades dos Clubes 4-S ..........................................................................................57
2.4 Povo Desenvolvido É Povo Limpo .............................................................................60
2.5 A Horta Familiar “Racional” e a Saúde do Agricultor ...........................................64
2.6 As reuniões: espaço de controle, espaço de sociabilidade .......................................69
2.6.1 As festas, os namoros ...............................................................................................75
Capítulo 3: A Crise dos Clubes 4-S .................................................................................79
3.1 O contato com o espaço urbano e com outros lugares ............................................81
3.2 Crise da Extensão Rural, crise dos Clubes 4-S .........................................................91
Considerações Finais ........................................................................................................101
Fontes ................................................................................................................................103
Bibliografia .......................................................................................................................107
Introdução
“A Juventude Rural é semente
É a promessa que vamos cumprir,
Vamos todos em paz, vamos dar a mão,
Pois nós plantamos o progresso da nação,
Vamos todos em paz, sob o céu de anil,
Pois nós queremos a grandeza do Brasil!!!”
1
Neste trabalho, procuro analisar o programa de Clubes 4-S, implantado pela
ACARESC (Associação de Crédito e Extensão Rural de Santa Catarina), órgão responsável
pela implantação e desenvolvimento da Extensão Rural no estado a partir de 1957, e sua
preocupação com a constituição de um novo jovem rural em Santa Catarina, entre 1970 e
1985.
Este projeto surgiu num momento em que professores e acadêmicos da
Universidade do Oeste de Santa Catarina (Unoesc – Chapecó), na busca de “novos” objetos
de pesquisa, adentram pela discussão sobre os projetos modernizadores do município de
Chapecó (e do estado de Santa Catarina) na década de 1970. A CODEC (Conselho de
Desenvolvimento de Chapecó), entre outros projetos deste período, passou a ser discutida.
Porém, “desenvolvimento” e “modernização” não eram categorias dirigidas exclusivamente
ao espaço urbano. Neste sentido, o desenvolvimento rural foi muito enfatizado pela
imprensa chapecoense do período, incluindo aí os Clubes 4-S.
No ano em que escrevi meu projeto de pesquisa (1999), entrou em ação em Santa
Catarina o Programa Pró-Jovem, oficializado em 19 de agosto de 1999 pela Secretaria de
Estado do Desenvolvimento Rural e da Agricultura. Este programa tem por objetivo a
motivação dos jovens envolvidos em atividades rurais e pesqueiras no estado de Santa
Catarina. Trata-se de um programa diferenciado dos Clubes 4-S por seu caráter motivador,
em detrimento do sentido de produção enfatizado pelos trabalhos quatroessistas. Mesmo
assim, os programas de atuação com a juventude rural continuam em ação.
1
Trecho do Hino da Juventude Rural, de Luiz Lacerda e Concessa Lacerda. Lançado em compacto, o lado
“A” do disco trazia o Hino da Juventude Rural e no lado “B” consta o Hino do MOBRAL. Não consta o ano
da gravação. Este Hino foi criado pela Agência de Propaganda EMONÁ, e teve sua 1ª tiragem patrocinada
pela Companhia Industrial e Comercial de Produtos Alimentares – NESTLÉ, através da Assistência NESTLÉ
aos Produtores de Leite – ANPC, e pelo Banco Nacional de Crédito Cooperativo S.A. – BNCC.
Durante as décadas em que o processo de modernização da agricultura foi mais
intenso (entre 1960 e 1980), os olhares da Extensão Rural
2
também se dirigiram aos jovens
do campo. O jovem rural foi caracterizado enquanto a “semente” capaz de auxiliar na
construção da grandeza da agricultura brasileira, e por conseqüência, a grandeza do Brasil.
Mas, além de ser a semente, o jovem também se tornou sujeito deste processo: “nós
plantamos o progresso da Nação.” Estes jovens do campo passaram a ser assistidos cada
vez mais pela Extensão Rural, pois necessitavam capacitar-se para bem responder ao
processo que a agricultura adentrara. Segundo a justificativa do discurso extensionista, os
jovens encontravam-se em situação desfavorável:
Embora considerando o quadro sombrio da situação da juventude
rural, os extensionistas estão convencidos de que o programa de
Clubes 4-S muito poderá fazer em benefício da mesma,
especialmente se outros serviços responsáveis quiserem cooperar
nesta obra.
3
O espaço encontrado para o trabalho com juventude, dentro da Extensão Rural,
foram os Clubes 4-S. Estes clubes estiveram presentes em todas as regiões do estado de
Santa Catarina (e em muitas do Brasil), pretendendo desenvolver atividades de agricultura,
pecuária e educação para a Saúde. Vários projetos foram desenvolvidos pelos grupos 4-S,
divididos em Agropecuária, que envolvia o trabalho com milho, soja, gado leiteiro e
suinocultura, além da Educação Alimentar e Sanitária. Esta tinha por objetivo a produção
de hortaliças, de preparo “correto” dos alimentos e proteção à saúde dos agricultores
através de práticas de higiene pessoal, da casa e dos arredores.
Os Clubes 4-S estiveram inseridos nas estratégias de modernização da produção
agrícola brasileira
4
, e tiveram seu auge em Santa Catarina na década de 1970, através da
2
A Extensão Rural surgiu nos Estados Unidos por volta de 1900, com o objetivo de introduzir outras técnicas
e tecnologias aos agricultores. Está baseada no princípio de “aprender a fazer, fazendo” (learning by doing),
pois visa ao aumento da produção agrícola e à elevação da renda e nível de vida do produtor rural, entre
outros objetivos. Através da técnica, para os extensionistas, são possibilitadas as mudanças desejadas na
maneira de produzir dos agricultores.
3
ABCAR (Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural). Manual dos Clubes 4-S. Série E-nº 1. Rio
de Janeiro: Projeto nº 31 ETA – ABCAR, 1959. p. 7.
4
GONÇALVES NETO, Wenceslau. Estado e Agricultura no Brasil. Política agrícola e modernização
econômica brasileira (1960-1980). São Paulo: HUCITEC, 1997. Considero este um dos caminhos para
melhor visualizar os debates acadêmicos em relação à agricultura nos anos 60, 70 e 80 e suas formas
de aplicação através dos planejamentos governamentais.
ACARESC. A sigla 4-S significa “Saber, Sentir, Servir e Saúde”, ou seja, conforme o
juramento prestado pelos jovens que fizeram parte destes clubes, estas palavras adquirem a
seguinte tonalidade:
Minha cabeça para SABER claramente
Meu coração para SENTIR maior lealdade
Minhas mãos para SERVIR mais e melhor
Minha SAÚDE para uma vida mais sã
Com meu 4-S, meu lar, minha comunidade
e minha Pátria.
5
Estes Clubes são filhos adotivos da ACARESC, empresa responsável pela
implantação e desenvolvimento dos trabalhos de Extensão Rural no estado. A matriz destes
clubes é norte-americana (os Clubes 4-H’s, como veremos adiante) e, assim como a
Extensão Rural, pretenderam servir como um elo de ligação entre o conhecimento
científico e sua aplicação na agricultura “arcaica”.
O início dos trabalhos com Extensão Rural no Brasil data de 1948, através da
American International Association for Social Development (A.I.A.), de Nelson Rockfeller.
Mais tarde surgiu a Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural (ABCAR), em
1956, enquanto entidade nacional para uniformizar os trabalhos extensionistas. Já a
ACARESC, também fundada em 1956, surgiu em meio a um tempo em que as discussões
envolviam um dualismo entre campo e cidade, entre “arcaico” versus “moderno”. O meio
rural foi identificado enquanto o lugar responsável pelo atraso do desenvolvimento
nacional, sendo que a questão relativa ao subdesenvolvimento do país encontrava-se nos
obstáculos que o Brasil agrário impunha ao Brasil do progresso.
6
Visando uma definição
para os novos caminhos a serem percorridos pela indústria nacional, as discussões sobre a
agricultura brasileira giravam em torno da necessidade de profundas alterações no meio
rural, pois, sem que houvesse um rompimento com a estrutura “arcaica” do campo, não
poderia ser aprofundada a industrialização da sociedade brasileira. O discurso da Extensão
5
ACARESC. Juramento dos jovens quatroessistas. In: Relatório da II convenção inter-regional de Clubes
4-S. Palmitos: ACARESC, 1977.
6
LOHN, Reinaldo Lindolfo. Campos do atraso, campos modernos: discursos da extensão rural em Santa
Catarina (1956-1975). 1997. Dissertação de Mestrado - Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis. p. VI.
Rural procurou superar o que considerou atrasado, colocando em seu lugar um “novo”
produtor rural, através de mudanças culturais possibilitadas pela tecnologia.
7
Porém, como será visto no primeiro capítulo, os trabalhos de Extensão Rural trazem
consigo um elemento político embutido. Afinal, estamos falando de um momento em que o
Regime Militar passa a controlar as atividades sociais que julga serem relevantes. Embora a
ACARESC seja uma associação civil, sem fins lucrativos, o sucesso do regime instaurado
em 1964 também depende da agricultura. Portanto, as relações entre Extensão Rural e os
centros político-administrativos (estadual ou federal) são estreitas. Se tomarmos como base
a Ideologia da Segurança Nacional,
Se pode dizer que essa ideologia concebe o Estado como uma
entidade política que detém o monopólio da coerção, isto é, a
faculdade de impor, inclusive pelo emprego da força, as normas de
conduta a serem obedecidas por todos. Trata-se também de um
Estado que é percebido como o centro nevrálgico de todas as
atividades sociais relevantes em termos políticos, daí uma
preocupação constante com a questão da “integração nacional”.
Uma vez que a sociedade é formada por partes diferenciadas, é
necessário pensar uma instância que integre, a partir de um centro, a
diversidade social.
8
Assim, a agricultura foi acompanhada de perto pelo Estado, que encontrou nos
programas de extensão rural (como os Clubes 4-S) categorias que bem lhe interessavam,
como, por exemplo, modernização ou disciplina. Em 1961, com a retirada da A.I.A. da
direção da ABCAR, a intervenção do Estado sobre a Extensão Rural ampliou-se
gradativamente”,
9
pois estes serviços necessitavam de auxílio governamental para manter-
se. Após o golpe militar de 1964, o Estado se transformou em agente financiador do
processo de modernização da agricultura no Brasil.
Ao longo das décadas de 1950 e 1960, o trabalho de Extensão Rural procurou
legitimar-se enquanto a melhor maneira de levar tecnologia ao campo, e assim, contribuir
no desenvolvimento da nação. No campo, os agricultores estavam distantes daquilo que
seria necessário para impulsionar o Brasil ao progresso, segundo este discurso, e neste
7
Idem. p. 5-IV.
8
ORTIZ, Renato. A Moderna Tradição Brasileira. Cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo:
Brasiliense, 1988. p. 115.
sentido foi necessário, literalmente, levar os conhecimentos desenvolvidos através da
Revolução Verde ao campo. A Revolução Verde constituiu-se num
Programa internacional que visou desenvolver experiências em
genética vegetal, com o fim de criar e multiplicar sementes
eficientes, principalmente de trigo, arroz e milho, para diversos
solos e climas, bem como resistentes a doenças e pragas,
implicando transformações nas tecnologias e práticas de trabalho no
campo. O discurso dos patrocinadores procurava ressaltar uma
imagem humanitária, enfatizando a possibilidade de acabar com a
fome no planeta. Apesar disso, o que interessava a muitas
corporações eram os lucros que poderiam obter, já que a agricultura
estava se tornando um novo campo de valorização para a
indústria.
10
Não é difícil perceber que o processo de introdução de tais novidades não se deu
pela passividade de agricultores frente à ação da ACARESC, pois sobre a instalação dos
primeiros escritórios no estado surgem dificuldades:
Mas tudo precisava ser feito. [...] O grande obstáculo, porém, era a
mentalidade fortemente conservadora dos agricultores [...]. Na
agricultura ainda não se usavam os insumos modernos. Não se
conhecia semente de milho híbrido, não se usava adubo de forma
generalizada. Os agricultores tinham receio do extensionista.
11
Portanto, foi necessário, ao longo dos primeiros anos, legitimar-se junto aos
agricultores. Foi preciso demonstrar ao agricultor que uma prática “moderna” rendia mais
do que o costumeiro. Neste sentido, os Clubes 4-S são filhos de um tempo de
“modernização agrícola a qualquer custo”, e foram empregados pela Extensão Rural para,
desde cedo, fazer que os jovens produzam de acordo com a lógica do capital. Para
Mussoi,
12
os 4-S reuniram em torno de si jovens agricultores entre 14 e 25 anos com o
objetivo de difundir novos hábitos e costumes pessoais, e para trabalhar com técnicas que
modernizassem a produção agrícola. Os recursos utilizados neste processo foram os
9
LOHN, op. cit. p. 5.
10
Ibem. p. 37.
11
ACARESC. Extensão Rural: 25 anos com o pequeno agricultor. Florianópolis: ACARESC, 1982. p. 8.
12
MUSSOI, Eros Marion. Juventude Rural: em busca de um trabalho sob nova dinâmica. Florianópolis:
EPAGRI, 1993. p. 9.
concursos de produtividade e cultivos demonstrativos de competição. Ainda segundo o
mesmo autor, estes clubes são baseados em uma forte rigidez organizativa e pedagógica no
que diz respeito a seu modelo clássico.
Os Clubes 4-S dirigiram-se principalmente aos filhos de pequenos agricultores, e,
portanto, possuíam um espaço dentro das propriedades para colocar em prática seus
conhecimentos. No início da década de 1970, o êxodo rural atende aos interesses do
desenvolvimentismo, da agroindústria, com a industrialização e urbanização (além da
conseqüente oferta de emprego por um salário baixo). O que fundamenta as práticas
governamentais neste período, é que alguns jovens permaneçam no campo, o suficiente
para dirigir tratores, pulverizar as plantações de sementes híbridas com agrotóxicos e criar
animais selecionados para as agroindústrias. Estes são os jovens quatroessistas, ou seja,
sujeitos que foram preparados objetivando a permanência no campo e aumentando os
índices de produção.
Pode-se perceber que estes novos sujeitos tornam-se objeto das preocupações da
Extensão Rural já no início da década de 1960:
Os Serviços de Extensão vem ultimamente, dando especial destaque
às atividades com a juventude rural, convictos de que, assim,
estarão possibilitando o desenvolvimento de vocações agrícolas e
incentivando aquelas já evidenciadas, do que resultarão, em futuro
próximo, agricultores e donas de casa motivados e tecnicamente
aptos (grifo meu) a assumir as importantes funções que lhes cabem
em suas comunidades.
13
Procurou-se intervir diretamente no jovem rural, para constituí-lo enquanto sujeito
tecnicamente apto para lidar com as atividades do campo e liderar o processo de
modernização junto aos outros agricultores: “Acresce a esse benefício mediato um outro,
imediato, representado pela influência que, desde logo, os jovens exercem, pelo exemplo,
em relação aos seus pais, amigos e vizinhos adultos.
14
Este processo de constituição de um jovem rural “tecnicamente apto” teve seu
modelo no caso norte-americano, pois com os trabalhos desenvolvidos naquele país, após
13
ABCAR (Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural). Workshop: seleção, uso e treinamento de
líderes voluntários locais. Espírito Santo, 1962. p. 5.
14
Idem. Idem.
deixarem os Clubes 4-H “Esses ex-sócios trabalham em suas fazendas mais eficientemente,
devido à educação científica e técnica que receberam.”
15
O conhecimento racional é o que
interessa aos intelectuais da Extensão Rural, e neste sentido, o modelo norte-americano é
levado a sério. Assim, os Clubes 4-S poderão fornecer princípios técnicos válidos para
todos os jovens, todo o tempo e durante toda a vida.
Dentre os objetivos dos Clubes 4-S
16
, pode-se observar qual é o jovem que interessa
para os trabalhos com juventude rural no Brasil. O objetivo é:
Proporcionar conhecimentos modernos e práticos de agricultura e
economia doméstica; [...] tornar os jovens mais confiantes e
interessados no estudo, na pesquisa e nos métodos científicos;
infundir a apreciação inteligente da natureza e dos seus fenômenos;
[...] formar hábitos saldáveis de vida; [...] formar bons cidadãos,
despertando o interesse pelo civismo e amor à pátria; formar e
desenvolver hábitos metódicos de trabalho.
17
Portanto, a Extensão Rural (através da ACARESC em Santa Catarina) colocou em
ação um plano de trabalho que objetivou a formação de sujeitos tecnológicos (com
conhecimento científico) e para a tecnologia (aptos para lidar com as novidades que
adentram na produção agrícola). Foram várias as estratégias para tornar este jovem um
sujeito que atendesse à nova ordem que se estabelece no campo. Dentro dos Clubes,
existiam as reuniões, os concursos, as demonstrações, as excursões, juntamente com um
discurso articulado na imprensa e em materiais de divulgação, que ressaltaram a
necessidade de adaptação dos jovens agricultores ao “moderno”.
Para analisar este processo é necessário procurar caminhos. Um primeiro caminho é
explicitar que os Clubes 4-S tiveram uma grande preocupação com a disciplina, com o
controle dos jovens rurais durante o seu processo de formação. Porém, não entendo os
Clubes 4-S enquanto uma Instituição Total (no sentido de um colégio interno, do exército,
das prisões etc.) Os Clubes 4-S não eram cercados. Porém:
15
Ibidem. p. 53.
16
Na página 109 do Plano Diretor para a Extensão Rural em Santa Catarina, de 1973, a Cooperação
Interinstitucional aos Clubes 4-S seria feita por parte do BESC (Banco do Estado de Santa Catarina) e BRDE
(Banco Regional do Desenvolvimento), para financiamento de projetos, bem como haveria a participação do
UNICEF para obtenção de recursos financeiros e equipamentos, além das Prefeituras Municipais, Indústria e
Comércio, que apoiariam as atividades ligadas à Juventude Rural.
17
ABCAR. Manual dos Clubes 4-S, op cit. p. 11-12.
A disciplina às vezes exige a cerca, a especificação de um local
heterogêneo a todos os outros e fechado em si mesmo [...]. Mas o
princípio da “clausura” não é constante, nem indispensável,
nem suficiente nos aparelhos disciplinares (grifo meu). Estes
trabalham o espaço de maneira muito mais flexível e mais fina. E
em primeiro lugar segundo o princípio da localização imediata ou
do quadriculamento. Cada indivíduo em seu lugar; e em cada lugar
um indivíduo.
18
Assim, mesmo não se tratando de um espaço onde o princípio da “clausura” esteja
presente, a preocupação com a disciplina também orientou o discurso dirigido aos jovens
quatroessitas
19
. Para Foucault, a disciplina é a técnica de controle do indivíduo, que tanto
lhe acrescenta forças (pelo adestramento que aumenta a eficácia do gesto, do corpo e a
produtividade do trabalho) como lhe tira estas forças (pela sujeição, docilidade, pela
obediência que exige e que efetivamente produz). Esta disciplina objetiva tornar os corpos
“dóceis”. Neste sentido, este poder fabrica sujeitos, pois “é a técnica específica de um
poder que toma os indivíduos ao mesmo tempo como objetos e como instrumentos de seu
exercício.”
20
A disciplina, portanto, é diferente da escravidão ou da domesticidade, pois não
se fundamenta numa relação de apropriação dos corpos, ou ainda em uma relação de
dominação ilimitada e estabelecida sob a forma da vontade singular do patrão.
Assim, em todo o momento o discurso da ACARESC traz a necessidade de
controlar este jovem, fixá-lo no espaço rural, evitar o êxodo para as cidades, pois “o futuro
de qualquer nação está alicerçado na juventude. Mais de 60% da nossa população vive no
meio rural. Portanto, o trabalho em 4-S é uma grande esperança para o Brasil.”
21
18
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. Nascimento da Prisão. Trad. Lígia M. Pondé Vassallo. 15. ed.
Petrópolis: Vozes, 1987. p. 130-131.
19
Que também podem ser chamados de Sócios 4-S ou Sócios quatroessistas.
20
FOUCAULT, op. cit. p. 153.
21
ABCAR. Manual dos Clubes 4-S, op cit. p. 8.
Mas também é necessário fazer que se produza com novas técnicas e tecnologias
difundidas pela Extensão Rural. E para isto, indicam-se os caminhos que devem ser
seguidos:
Veja-se: o Maranhão, que em 1970 tinha aproximadamente 75% da
sua população em atividades agropecuárias era também o Estado
brasileiro que apresentava uma das menores rendas per capita e a
menor frota de tratores. Por outro lado, São Paulo, com apenas 19%
da população no campo, mostrava a maior renda per capita e a
maior frota de tratores. [...] Assim, evidencia-se que a mecanização
tem estreita ligação com o processo de desenvolvimento econômico
e, portanto, apesar de algumas dificuldades hoje existentes na
comercialização de tratores, colheitadeiras e implementos agrícolas,
o crescimento do setor, na medida em que o Brasil se desenvolve
para tornar-se uma grande potência, surge como fator que
contribuirá para possibilitar e impulsionar esse desenvolvimento.
22
A mecanização é um dos fatores decisivos no processo de modernização da
agricultura, dentro do discurso extensionista. Mas mecanizar não basta: foi necessário fazer
que o jovem rural se sentisse responsável pela produção de riquezas de uma nação. Esta
nação lhe fez um chamamento:
O Brasil depende de sua participação. Precisamos modernizar e
fortalecer cada vez mais a nossa agricultura. [...] Em 1974, o
Presidente (Ernesto) Geisel nos convocava para que fizéssemos
uma agricultura do tamanho do Brasil. Claro, ainda não chegamos a
tanto. Mas temos que chegar lá.
23
Evitar o êxodo, difundir maquinário agrícola (tecnologias), torná-lo responsável
pela produção (que gera o desenvolvimento de outros setores) são características de uma
política de coerção que procura intervir diretamente neste jovem rural para fazer dele um
sujeito diferente do nosso Jeca Tatu.
24
22
Mecanização Agrícola e Desenvolvimento Econômico. Jornal Folha D’Oeste. Chapecó, 22/04/1978.
23
Mensagem ao Produtor Rural. Jornal Oestão. Chapecó, 01/04/1978.
24
LOHN, op. cit. p. 48. O autor faz uma discussão interessante neste sentido. O discurso extensionista,
procurando legitimar-se frente aos agricultores, caracteriza o campo enquanto lugar de “atraso”, em
contraposição ao espaço urbano “moderno”. Assim, antes da Extensão Rural, o agricultor está mais para Jeca
Tatu (personagem do escritor Monteiro Lobato), ou seja, preguiçoso, não-higiênico e que é amparado pelo
serviço de Assistência Médica, que o cura da verminose (causadora da “preguiça”) através de conhecimentos
cientificamente comprovados.
Portanto, para que este jovem esteja preparado para tantas responsabilidades é
necessário discipliná-lo. O poder disciplinar não tem como objetivo simplesmente
apropriar-se dos corpos e se retirar; este poder tem como função maior o adestramento, ou,
como o próprio autor fala, “adestrar para retirar e se apropriar ainda mais e melhor.”
25
Este mecanismo não tem por objetivo amarrar as forças no sentido de reduzi-las, mas
procura ligá-las para multiplicá-las e utilizá-las num todo.
Porém, nem só de sucessos viveu a Extensão Rural em Santa Catarina. Afinal, não
entendo a história somente como um coral de vozes afinadas seguindo o mesmo compasso.
Gostaria também de perceber vozes dissonantes (ou desafinadas) neste processo. Assim, me
preocupei também em escrever sobre práticas que golpearam a rigidez disciplinadora
quatroessista. A astúcia, o improviso, o desvio de conduta, a desobediência dos jovens
agricultores fazem parte do processo sobre o qual escrevo. Para isto, utilizo-me de “A
Invenção do Cotidiano”, de Michel de Certeau.
26
Esta obra nasceu, segundo o autor, de uma interrogação sobre as operações dos
usuários de políticas culturais, supostamente entregues à passividade e à disciplina.
27
Luce
Giard, que participou e apresentou esta pesquisa, observa que em Michel de Certeau são
sempre perceptíveis “um elã otimista, uma generosidade da inteligência e uma confiança
depositada no outro, de sorte que nenhuma situação lhe parece a priori desesperadora.”
28
Procura demonstrar que através de práticas cotidianas, os “dominantes”, se assim
podemos chamá-los, poderiam não ter obtido o “sucesso” planejado ou propagado, como é
o caso dos colonizadores espanhóis em seu trabalho de “conquista” para com as etnias
indígenas: “submetidos e mesmo consentindo na dominação, muitas vezes esses indígenas
faziam das ações rituais, representações ou leis que lhes eram impostas outra coisa que
não aquela que o conquistador julgava obter por elas.”
29
Isto deu-se pelo fato de que os
indígenas subvertiam estas leis, não rejeitando-as diretamente ou modificando-as, mas pela
sua maneira de usá-las para fins e em função de referências estranhas ao sistema do qual
não podiam fugir. Procuro discutir categorias como “tática” e “estratégia”.
25
FOUCAULT, op. cit. p. 153.
26
CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. 1. Artes de Fazer. Petrópolis: Vozes, 1994.
27
Idem. p. 37.
28
Ibidem. p. 18.
29
Ibidem. p. 39.
O autor entende por “estratégia” algo como o “cálculo das relações de forças que se
torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder é isolável de um
‘ambiente”,
30
ou seja, é onde se torna possível articular a partir de um lugar próprio, para
agir na exterioridade. A estratégia “postula um lugar capaz de ser circunscrito como um
próprio e portanto capaz de servir de base a uma gestão de suas relações com uma
exterioridade distinta. A nacionalidade política, econômica ou científica foi construída
segundo esse modelo estratégico.”
31
Posso exemplificar “estratégia” através do discurso
extensionista, ou seja, algo que em determinado momento foi articulado e produzido
pensando em sua exterioridade, em formas de conduzir algumas ações. A ACARESC, por
exemplo, é um “próprio”, e articula seu discurso para agir numa exterioridade (junto aos
agricultores).
Outro exemplo pode ser a relação entre Senhor e Escravo: o primeiro está num
espaço de ação que lhe é legítimo (sua propriedade), e, por exemplo, de acordo com sua
tradição religiosa, impõe ou tenta impor práticas religiosas aos escravos. Ele é o “próprio”.
Já no caso do escravo, este não possui um “próprio”, exceto se constituir um Quilombo. Em
se tratando das “táticas”, o autor as considera “um cálculo que não pode contar com um
próprio, nem portanto com uma fronteira que distingue o outro como totalidade visível. A
tática só tem por lugar o do outro”, ou seja, difere da estratégia, que tem um sentido
“autônomo”. A tática
Depende do tempo, vigiando para “captar no vôo” possibilidade de
ganho. O que ela ganha, não o guarda. Tem constantemente que
jogar com os acontecimentos para os transformar em “ocasiões”.
Sem cessar, o fraco deve tirar partido das forças que lhe são
estranhas. Ele o consegue em momentos oportunos onde combina
elementos heterogêneos [...], mas a sua síntese intelectual tem por
forma não um discurso, mas a própria decisão, ato e maneira de
aproveitar a “ocasião”.
32
Retornando ao caso do Senhor e do Escravo, e supondo que este escravo não tenha
constituído seu Quilombo (seu próprio), mas tenha permanecido na propriedade e esteja
desenvolvendo as práticas religiosas impostas pelo Senhor, ele pode orar para a imagem de
30
Ibidem. p. 46.
31
Ibidem. Idem.
32
Ibidem. Ibidem.
São Jorge associando-o a Ogum. Isto é difícil de se impedir, e constitui-se numa tática, ou
seja, algo que não conta com um próprio, mas tem por lugar o do outro (as práticas
empreendidas pelo Senhor ou pela Igreja Católica).
Muitas práticas cotidianas (falar, ler, circular, fazer compras ou preparar refeições
etc.) são do tipo tático. Um desses exemplos que posso descrever é o ato de caminhar na
cidade.
33
O espaço urbano é construído a partir de um pensamento científico (que o autor
chama de “estratégia científica unívoca”), como forma de adequar as formas e os espaços
de andar. Este espaço possui, por exemplo, as calçadas, os muros, como formas de se
limitar o espaço de quem por ela anda. Mas as calçadas podem não se constituir enquanto o
único espaço de caminhar. Neste espaço de circulação permitido (ou mesmo fora dele) é
onde as táticas têm lugar: pode-se pular o muro, andar fora da calçada etc., enfim, pode-se
procurar espaços que não aqueles projetados para a circulação. Afinal, nem tudo que se
passa na cidade está em seus projetos. E, apesar de feita para andar, circular, a calçada
muitas vezes transforma-se em lugar de sociabilidade: espaço para o footing, por exemplo,
em algumas ruas, e, em outras as pessoas colocam suas cadeiras e ficam conversando com
os vizinhos, tomando chimarrão, bebendo um cafezinho, uma cerveja, fazendo tricô... É
também espaço para a pichação, para o grafite, para o skate, enfim, muito além daquilo que
passa pelos projetos urbanos.
Assim, fomentando a competitividade dentro dos próprios Clubes 4-S, estes jovens
utilizavam-se de táticas para burlar as regras. Um caso
34
aconteceu num dos concursos de
produtividade de lavouras individuais (de milho, neste caso), quando um dos jovens
participantes retirou vários pés de milho “adultos” de outra plantação e colocou-os em sua
plantação. Mas foi descoberto e desclassificado... Mesmo assim torna-se importante relatar
casos que golpeiam de dentro para fora o “sucesso” extensionista e a sua preocupação tão
evidente com a disciplina.
Por outro lado, se eram espaços para a produtividade, para fomentar a competição,
para saber, servir, sentir e saúde, enfim, os Clubes 4-S também foram muitas vezes espaço
para namoros, para sair da rotina, para conquistar prestígio individual como líder, para
entrar em contato com “outros mundos”. Apropriando-se do espaço da produtividade, a
33
Esta discussão encontra-se em CERTEAU, entre as p. 181-191.
34
BALERINI, Anacleto. Entrevista concedida a Claiton Marcio da Silva. Chapecó, setembro de 2000.
conversa ou o namoro podem ser reprimidos pelo líder ou pelo extensionista, mas o fato é
que estes jovens se utilizam do espaço do outro para seus próprios propósitos.
Portanto, é importante ter presente que o poder não é exclusividade do Estado,
35
ou
neste caso, da ACARESC. O poder não tem propriedade, mas é algo que se exerce a partir
de inúmeros pontos e em meio a relações desiguais e móveis. O poder não pode ser
procurado num ponto central, único, mas este é móvel e devido à sua desigualdade,
induzem continuamente estados de poder, mas sempre localizados e instáveis.”
36
Neste
sentido, as proposições de Foucault
37
podem ser, grosso modo, resumidas:
a) O poder não se adquire, mas se exerce;
b) O poder não é exterior a outros tipos de relações (processos econômicos, de
conhecimento etc.), mas é imanente a estas relações;
c) Este vem de baixo, ou seja, as forças que atuam nos aparelhos de produção,
família, grupos restritos e instituições também fazem parte do corpo social;
d) As relações de poder são, ao mesmo tempo, intencionais e não subjetivas (não
há poder que se exerça sem uma série de miras e objetivos);
e) Onde há poder, há resistência.
Tendo presente que o poder não é propriedade, mas se exerce, poderíamos dizer que
ele está “pulverizado” na sociedade, que está presente nas relações estabelecidas entre os
sujeitos. Portanto, procurei concentrar a análise deste processo no discurso da Extensão
Rural dirigida aos Clubes 4-S, objetivando a elaboração de um “novo” jovem rural, e as
práticas não-discursivas, ou seja, as táticas utilizadas por estes jovens para utilizar-se de
outras formas destes clubes (sociabilidade, por exemplo).
Os desvios de conduta dos jovens quatroessistas, os improvisos diante do discurso
da Extensão Rural devem fazer parte do processo. Neste sentido, procurei ir além das fontes
que trazem apenas o discurso extensionista, pois tive acesso a atas, relatórios de
convenções, enfim, fontes de pesquisa que me possibilitaram perceber que o discurso da
ACARESC teve outras interpretações, outras utilizações por parte dos jovens rurais.
35
FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
36
Idem. p. 89.
37
Ibidem. O eixo principal desta discussão encontra-se entre as p. 88 e 97.
Para desenvolver esta pesquisa, utilizei-me de material produzido pela Extensão
Rural em nível de Estado (ACARESC) e União (ABCAR, EMATER). Neste material pude
analisar como as preocupações com o jovem do campo estão fermentando já em fins da
década de 1950, e o discurso que vai ser dirigido a este jovem. Porém, o número de títulos
não é muito extenso, pois a própria ACARESC já não existe mais.
38
O restante de seu
acervo encontra-se na biblioteca da EPAGRI (pesquisei tanto em Florianópolis quanto
Chapecó), e, portanto, não se trata de um arquivo para historiadores. Mas pelo menos está
bem conservado. Parece-me que a preocupação que estas empresas de extensão têm com a
pesquisa facilita o acesso ao material (todos nós já enfrentamos algum funcionário não
muito simpático em bibliotecas e arquivos para historiadores).
Tive acesso a vários periódicos do momento abordado no Centro de Memória
Sócio-Cultural do Oeste Catarinense (CEOM – Unochapecó). São Jornais (Oestão, Correio
do Sul, Folha D’Oeste, entre outros) e a Revista Celeiro Catarinense, fundamentais para o
desenvolvimento desta pesquisa. Aqui, interessei-me na difusão do discurso extensionista
pela imprensa oestina, e tive um prato cheio neste sentido.
Utilizei-me também da História Oral. Neste sentido, a contribuição que Alessandro
Portelli
39
traz é interessante para se ter presente como podemos nos apoiar neste recurso,
numa relação ética com o entrevistado. Para o autor, a História Oral visa aprofundar
discussões sobre os padrões culturais, as estruturas sociais e processos históricos por meio
de conversas com pessoas sobre a experiência e a memória e ainda por meio do impacto
que estas tiveram na vida de cada uma.
Assim, sabe-se que não se conta “a verdade” como
ela “realmente aconteceu”, mas durante a entrevista construímos, junto com o entrevistado,
uma versão do passado.
Não existe uma receita de como se deve agir no momento da entrevista, da
interpretação, ou das narrativas. Nesse processo de repensar sobre o próprio fazer-se de sua
pesquisa, o entrevistado constrói um conhecimento que nos atinge e nos incita a refletir
constantemente sobre nossa forma de aproximação e tratamento da problemática como
parte fundamental na construção da narrativa historiográfica. Enfim, nada está pronto,
38
Hoje está integrada a Empresa de Pesquisa e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI).
39
PORTELLI, Alessandro. Tentando aprender um pouquinho. Algumas reflexões sobre a ética na
História Oral. Projeto História, São Paulo, n. 15, 1997.
dado, acabado e o conhecimento só pode advir do exercício crítico em que nos
estabelecemos.
Com os entrevistados, procurei entender sobre a recepção do discurso, e como estes
sujeitos podem ter-se constituído no processo. Vasculhei a memória dos entrevistados para
procurar aquilo que fugiu aos objetivos extensionistas (as táticas). Com eles, encontrei um
livro de atas, o qual registra algumas reuniões de sócios 4-S durante a década de 1970 em
Chapecó. Porém, sobre algumas questões mais delicadas (como as críticas da Igreja em
relação aos 4-S, por exemplo) não obtive relatos registrados, pois alguns entrevistados não
quiseram gravar entrevista. Mas mesmo assim, utilizo-me destes relatos ocultando o nome
dos depoentes por uma questão ética.
Em relação a outras obras, especificamente sobre os Clubes 4-S e os trabalhos com
juventude rural, tive acesso ao trabalho de Édio Nagel, intitulado “Participação em Clubes
4-S e Migração Rural-Urbana no Sul de Santa Catarina (1974/1984)”. Trata-se de uma
pesquisa quantitativa sobre a situação dos jovens quatroessistas na região sul do Estado de
Santa Catarina. O autor procura enfocar as causas do êxodo rural, procurando sugerir ao
Serviço de Extensão Rural possíveis soluções para que os jovens permaneçam no campo.
Semelhante ao estudo anterior, tive acesso ao trabalho de Eros Mussoi, “Juventude
Rural: em busca de um trabalho sob nova dinâmica”. Este estudo, publicado em 1993, traz
várias críticas ao modelo tradicional de trabalhos com juventude rural, ou seja, aos Clubes
4-S. Também discute a necessidade de ações que visem conter o êxodo rural,
principalmente dos jovens, procurando uma nova perspectiva para o trabalho com
juventude rural. Estes trabalhos procuraram apontar novas saídas para o trabalho com
jovens, e neste ponto minha pesquisa se diferencia. Um dos pontos que procurei enfatizar
na pesquisa é que nestes clubes ocorreram outros usos do espaço (a sociabilidade) além
daquele pretendido pelo trabalho de Extensão Rural.
Em relação à ACARESC e à Extensão Rural em Santa Catarina, há o trabalho
intitulado “Campos do atraso, campos modernos: discursos da Extensão Rural em Santa
Catarina (1956-1975)”, de Reinaldo Lindolfo Lohn. Em linhas gerais, o autor discute como
foi construído historicamente um discurso que propugnava uma necessidade de superar o
que era considerado o agricultor atrasado, tendo em vista a criação de um “novo”
agricultor, mais preparado, através de mudanças culturais possibilitadas pela tecnologia.
Meu enfoque está nos Clubes 4-S, enquanto uma das estratégias do processo de
modernização da agricultura. A delimitação do meu objeto de pesquisa adentra pela década
de 1980, quando ocorre a revisão de seu próprio discurso por parte da ACARESC, visando
à continuidade dos trabalhos com juventude rural.
Procurei estruturar a pesquisa em três capítulos. No primeiro capítulo, discuto sobre
o momento em que os olhares do Estado e da ACARESC se dirigiram ao oeste catarinense
procurando incentivar o processo de modernização da agricultura. Como o discurso
governamental procura intervir em favor da utilização de técnicas e tecnologias “modernas”
para o campo? Quais as estratégias de ação da Extensão Rural? Um exemplo é o clube de
trabalho 4-S. Foi no oeste do Estado de Santa Catarina que se concentraram as atenções
para estes clubes. Para se ter uma idéia, no ano de 1978, das dezesseis equipes de
extensionistas de Juventude Rural da ACARESC responsáveis pela organização dos Clubes
4-S, doze delas atuavam na região oeste do Estado. Procurei trazer a discussão sobre a
região oeste enquanto lugar da agricultura moderna. Mas o trabalho de pesquisa não se
delimita apenas na região oeste, pois dispus de fontes que permitiram trazer outros
exemplos.
Procuro discutir, no segundo capítulo, sobre a proposta dos Clubes 4-S, sobre o seu
discurso. Que modelo de agricultor a ACARESC pretendeu formar e quais suas estratégias
para alcançar estes objetivos? No terceiro capítulo a discussão se inverte: que usos dos
Clubes 4-S podem ser analisados? Procurando analisar, também, estes Clubes enquanto um
espaço de sociabilidade, sendo que as discussões tomam outros rumos. Procuro ainda
mostrar de que maneira a crise destes Clubes, juntamente com a crise da Extensão Rural,
trouxe outros caminhos para o trabalho com juventude rural.
Ao longo do terceiro capítulo, procurei demonstrar como a Extensão Rural e os
intelectuais do campo procuraram constituir um discurso sobre a crise dos Clubes 4-S
(aliada à crise do discurso extensionista). Escrevo sobre práticas incentivadas pela Extensão
Rural ao longo da década de 1970 (como as excursões, os encontros de juventude) e que na
década seguinte foram caracterizadas como elementos que contribuíram para o êxodo rural
e, conseqüentemente, para a crise dos clubes 4-S.
Primeiro capítulo – Quando os ventos da Extensão Rural sopram para o oeste
Procuro analisar neste primeiro capítulo o momento em que os olhares
governamentais (ACARESC, Governo Federal, por exemplo) se dirigiram ao oeste
catarinense, objetivando incentivar o processo de modernização da agricultura. Minha
preocupação está em como o discurso governamental intervém em favor da utilização de
técnicas e tecnologias “modernas” para o campo, tornando-se possível através de
estratégias de ação da Extensão Rural (como os clubes 4-S, por exemplo).
Os Clubes 4-S foram difundidos pelo oeste catarinense devido a toda uma série de
ações governamentais (incluindo a ACARESC), que procuraram legitimar a agricultura
enquanto base da economia (sua funcionalidade no desenvolvimento econômico do país) e
a região oeste enquanto Celeiro Catarinense, sendo o campo um espaço privilegiado para
propiciar desenvolvimento ao país, sua mola propulsora.
1.1 O oeste de Santa Catarina enquanto lugar da agricultura moderna
Pretendo falar sobre discursos que circularam na Chapecó do início da década de
1970, tendo em vista que, dentro daquilo que foi propagado, o espaço urbano não podia
perder alguns laços com o meio rural, afinal, o campo é caracterizado enquanto um lugar de
“atraso” tecnológico, em oposição ao espaço urbano (lugar de desenvolvimento). Os
discursos procuravam ressaltar a necessidade de sincronia entre campo e cidade:
transformando, modernizando as técnicas de produção do campo brasileiro, o
desenvolvimento alcançaria outros espaços.
Depois de um período de vida política institucional conturbada (que culminou na
cassação dos direitos políticos do então prefeito Sadi de Marco,
40
por força do AI-5, em
maio de 1969), Chapecó não queria perder a centelha do desenvolvimento. Centelha acesa,
principalmente, a partir dos festejos do cinqüentenário do município (1967), período em
que o remodelamento urbano começou a ser expresso nas práticas do poder público local, e
40
SILVA, Claiton Marcio da. As Eleições de 1969 em Chapecó no contexto da Ditadura Militar. 1999.
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em História - Universidade do Oeste de Santa Catarina/CNPq,
Chapecó.
o município de Chapecó começa a ser desenhado mais intensamente enquanto um pólo
regional.
É neste momento, adentrando na década de 1970, mais especificamente que
A região oeste [...] passa a ser considerada o “celeiro catarinense”,
devido à grande quantidade de grãos produzidos, sendo a principal
produtora de feijão, milho, soja, trigo, batata, mandioca, bovinos de
leite, suínos e aves do Estado, representando mais de 50% do Valor
Bruto da Produção Agropecuária Catarinense.
41
A agroindústria se instala na década de 1970, e com ela a região recebe incentivos
da política agrícola governamental do período:
O principal instrumento de política agrícola, de 1964 até meados da
década de 80, foi o crédito rural subsidiado vinculado às grandes
propriedades, sendo que em Santa Catarina os estímulos do crédito
foram destinados principalmente às agroindústrias de aves e suínos.
Em 1970, o grupo Sadia implanta no Oeste catarinense o sistema de
integração para produzir aves através da parceria com os
produtores, o qual foi posteriormente utilizado pelas demais
empresas ali instaladas na década de 70, não só para a produção de
aves, mas também de suínos.
42
Neste contexto de incentivos ao desenvolvimento rural, considero a Revista Celeiro
Catarinense enquanto um espaço privilegiado para expressão do pensamento de uma elite
local. Tal revista pretendeu ao longo de sua existência focalizar assuntos de interesse
regional, destacando, segundo suas próprias palavras, a produção agrícola e a indústria e
o comércio e a pecuária e a agricultura e o cooperativismo e o sindicalismo.
43
A revista
teve Gabriel Dezen como diretor-proprietário, que também dirigiu nas décadas de 1960 e
1970 o Jornal Folha do Oeste. Para dar conta de seus objetivos, a Celeiro possuía um
grande time de orientação técnica, composto essencialmente por engenheiros agrônomos,
41
ESPÍRITO SANTO, Evelise. A Agricultura no Estado de Santa Catarina. Chapecó: Grifos, 1999. p. 88.
42
Idem. p. 87-88.
43
Revista Celeiro Catarinense. Chapecó, out. 1970, n. 5.
médicos veterinários, bioquímicos, além de contar ainda com a assessoria de economistas
domésticos.
44
Qual o discurso apropriado pela elite chapecoense em relação ao campo? De que
forma este discurso foi construído, em que se apoiou e de que forma ele serviu para esta
elite, que procurou difundi-lo? Como caminho principal para entender estas questões, em
um nível local, utilizarei a Revista Celeiro Catarinense, porém procurarei estabelecer um
diálogo maior com o material produzido pela ACARESC
45
ou por quem dela fez parte (seus
“pensadores”).
Em alguns momentos posso perceber que o(s) discurso(s) da revista se
aproxima(m), clamando pela modernização do campo, fruto de um tempo em que os
desejos de desenvolvimento de nossas elites afloravam. O discurso da revista, logicamente,
não foi o mesmo ao longo de sua existência. Porém, nos primeiros anos da década de 1970,
algumas regularidades deste discurso me chamaram a atenção, e é nisso que pretendo me
ater, pelo menos inicialmente.
1.2 “Os alquimistas estão chegando”
Eles são discretos e silenciosos. Moram bem
longe dos homens. Escolhem com carinho a
hora e o tempo do seu precioso trabalho.
São pacientes, pacientes e perseverantes.
Executam segundo as regras herméticas
desde a trituração, a fixação, a destilação e
a coagulação.
46
Bem, nem tão discretos são os alquimistas de que falo, muito menos silenciosos. O
tempo? Não é o tempo do relógio que estou metaforizando, mas o início da década de 1970.
Ora, paciência e perseverança são dois adjetivos próprios para quem pensa a questão da
agricultura no Brasil depois da segunda metade do século XX. Foi preciso paciência para
executar, colocar em prática as regras herméticas, para produzir, vingar o ouro verde do
44
No quinto número da revista, por exemplo, constituíam a orientação técnica da revista seis engenheiros
agrônomos, quatro médicos veterinários, entre outros.
45
O Escritório Regional da ACARESC instalou-se no município de Chapecó no ano de 1964, com trabalhos
abrangendo os municípios de Chapecó, Xaxim, Xanxerê, Fachinal dos Guedes, Vargeão, Coronel Freitas e
Ponte Serrada. Já o Escritório Local iniciou suas atividades no município em 1961.
nosso solo. Desculpem, mas é assim que penso a agricultura (que não está de maneira
alguma isolada das outras questões nacionais) deste período: é preciso destilar o campo,
triturar a pedra do saber costumeiro; para que tudo se transforme em ouro, para que o
Brasil alcance um padrão de desenvolvimento desejado é preciso utilizar uma outra regra
hermética, que é a fixação: posso pensá-la enquanto fixação de um discurso que procura
legitimar-se. Enfim, tudo que o discurso da Extensão Rural toca, procura transformar em
ouro, capitalizar, inserir no mercado.
Está certo, nem tudo. Afinal, deve-se partir de um ponto crucial para entender o
processo: nem tudo é ouro, e somente por isso pode transformar-se em tal. O que estou
tentando dizer é que, primeiramente, foi preciso mostrar aos órgãos competentes que o
oeste catarinense precisava ser transformado, que ainda não era totalmente um literal
“Celeiro Catarinense”. Podemos perceber, por exemplo, que ao traçar um panorama da
situação da agricultura no Estado de Santa Catarina, o engenheiro agrônomo Glauco
Olinger
47
caracteriza a região do meio oeste e parte do oeste catarinense como de: “[...]
Difícil mecanização dos cultivos. Maiores possibilidades para tração animal e micro-
tratores. [...] Sua estrutura fundiária começa a apresentar o problema do minifúndio. [...]
A topografia recomenda intenso trabalho de conservação do solo, em toda a área, dado
que a terra é muito sujeita a erosão.”
48
Ora, neste momento tudo é difícil, na lógica que vai se construindo. Ainda mais
quando o problema número um da agricultura catarinense é a baixa produtividade do
trabalho humano, resultante do baixo nível de conhecimentos da tecnologia de produção e
comercialização das safras. Ainda hoje é pouco expressivo o número de agricultores que
estão modernizando suas empresas rurais e comercializando com sucesso.”
49
Bem, na
verdade, tudo vai mal: “Os levantamentos sobre os índices de sanidade das populações
46
BEN, Jorge. Os alquimistas estão chegando. In: A Tábua de Esmeralda. Rio de Janeiro: Polygram, 1974.
Utilizei a metáfora dos alquimistas a partir da letra do autor.
47
Glauco Olinger é Engenheiro Agrônomo e exerceu funções como: Conselheiro do IBRA no Governo
Castelo Branco; Ex-Administrador da Colônia Agrícola Nacional General Osório; Fundador do Serviço de
Extensão Rural de Santa Catarina; Fundador do Centro de Ciências Agrárias da UFSC; Secretário da
Agricultura nos Governos Ivo Silveira e Colombo Sales (em Santa Catarina); Presidente da EMBRATER;
Consultor da FAO e Pró-Reitor de Planejamento da UFSC.
48
OLINGER, Glauco. Panorama da Economia de Santa Catarina. In: Ciclo de estudos sobre segurança e
desenvolvimento. Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra (ADESG), 1970. p. 20-
21.
49
Idem. p. 19.
rurais catarinenses têm demonstrado alta incidência de verminose, decorrente da falta de
hábitos de higiene adequados.”
50
O que este idealizador (ou um deles) da ACARESC
pulveriza em sua palestra, está amparado por mecanismos de reforço de autoridade:
pesquisas. A ACARESC diagnostica as várias regiões do Estado, com embasamento
empírico, demonstrando percentagens, fazendo crer que sobre sua constatação em relação
ao campo não pairem dúvidas. Olinger discursa para a Escola Superior de Guerra
preocupado com a Segurança Nacional, muito antes de a região oeste assistir ao surgimento
de movimentos sociais como o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), o
MMA (Movimento das Mulheres Agricultoras), Movimentos de Oposição Sindical e o
MAB (Movimento dos Atingidos por Barragens).
51
Mas a preocupação com o oeste não é novidade ou fruto apenas do início da década
de 1970. Já em 1929, com a viagem do Governador Adolfo Konder à região oeste de Santa
Catarina, procurou-se “marchar para o oeste”, procurou-se “legitimar o reconhecimento do
poder emanado do centro político-administrativo”. Este foi um momento no qual , além da
busca de construção de uma identidade na região com o povoamento de origem européia,
houve intervenção no sentido de implantar a civilização no oeste catarinense”.
52
A
própria criação da Secretaria dos Negócios do Oeste (SNO, a única no Brasil) na década de
1950 envolveu a legitimação do Governo Estadual sobre uma região “descontente” com a
atuação de seus governantes.
53
Sendo o oeste catarinense objeto de preocupação das
autoridades do estado em outros momentos, também se tornou efetivamente objeto do olhar
extensionista na década de 1970.
Pode-se entender este processo de “diagnóstico empírico” da região enquanto a
“institucionalização do atraso.”
54
Está “comprovado cientificamente” que a agricultura é
“atrasada”, é “arcaica”. Bem, o segundo passo (e maior) é modernizar esta agricultura. Mas
não se trata apenas de investir na mecanização, nos insumos... É necessário legitimar as
50
Ibidem. p. 20.
51
Sobre o surgimento destes movimentos na região oeste ver: POLI, Odilon. Leituras em Movimentos
Sociais. Chapecó: Grifos, 1998.
52
RAMOS FLORES, Maria Bernardete; SERPA, Elio Cantalício. A hermenêutica do vazio: fronteira, região
e brasilidade na viagem do governador ao oeste de Santa Catarina. Projeto História, São Paulo, n.
18, maio 1999. p. 215.
53
Este é o período em que se discutiu o desmembramento da região oeste de Santa Catarina, objetivando a
formação do Estado do Iguaçu. Ver HASS, Monica. Os Partidos Políticos e a Elite Chapecoense: um estudo
de poder local (1945-1965). Chapecó: Argos, 2001.
54
LOHN, op. cit. p. 16-35.
“vocações”: da região oeste enquanto “celeiro” e do agricultor enquanto o “sujeito”
responsável por este processo. É necessário difundir estas representações sobre a
agricultura (enquanto lugar de “atraso”), e procurar um outro viés, outras formas de
propagar um discurso no qual a agricultura não será mais sinônimo de “arcaico”, e sim de
“modernidade”. Pode-se entender representações, de acordo com Roger Chartier, enquanto
mecanismo pelo qual “os indivíduos e os grupos dão sentido ao mundo que é deles.”.
55
As
representações do mundo social – “que à revelia dos seus actores sociais, traduzem as suas
posições e interesses objectivamente confrontados e que, paralelamente, descrevem a
sociedade tal como pensam que ela é, ou como gostariam que fosse.”
56
Trata-se, portanto,
de um momento em que estão sendo construídas outras representações sobre a agricultura
brasileira, como estes grupos “gostariam que a agricultura fosse” (moderna).
O que há de novo neste momento é um pensamento que a todo o momento tenta se
legitimar. Trata-se de um viés racionalista desenvolvimentista,
57
que procura deslegitimar
outras possíveis formas de ver o mundo, e implantar um novo sentido, racionalmente
planejado. Semelhante ao processo de modernização da agricultura, a sociedade brasileira e
a sua modernidade empreendida pelo Estado têm na racionalidade uma forma de
constituição de uma “nova personalidade”:
A modernização da sociedade brasileira, sua nova posição no
concerto das nações, são indícios de que ela passou por um ritual de
iniciação (mesmo se incompleto) que consagra uma outra ordem,
não religiosa como habitualmente encontramos na literatura
antropológica que trata dos rituais, mas secular, racionalizada. Rito
de passagem que prescinde das velhas fórmulas de consagração,
dispensando a água como elemento simbólico, preferindo a técnica,
a energia atômica, o armamento, o mercado, como traços de sua
nova personalidade.
58
Então, qual a saída proposta por nossos alquimistas de plantão? Transformar,
esquadrinhar, rearticular, (re)compor técnicas, tecnologias, e fazer do campo um lugar
55
CHARTIER, Roger. O mundo como representação. Estudos Avançados, São Paulo, v. 5, n. 11, jan.-abr.
1991. p. 177.
56
CHARTIER, Roger. A história cultural: entre práticas e representações. Lisboa: Difel, 1990. p. 19.
57
Ver CAMPIGOTO, José Adilçon. Roças, empresas e sonhos: jogos e discursos (A CPT em Santa
Catarina). 1996. Dissertação de Mestrado em História – Universidade Federal de Santa Catarina,
Florianópolis.
moderno. Neste sentido, um dos pensadores mais influentes no âmbito estadual, Glauco
Olinger, ressalta frente aos problemas levantados:
[...] estabelecemos como objetivo da política governamental, com
vistas ao desenvolvimento da agropecuária, a elevação contínua da
produtividade do trabalho do agricultor. E definimos a
produtividade, envolvendo o aumento da produção, da renda e a
aplicação desta, de forma a elevar o nível de vida da família rural.
Tal objetivo só é alcançado pela mudança de hábitos, atitudes e
habilidades dos agricultores ou seja, pela transformação de uma
agricultura tradicional em uma agricultura moderna.
59
Posso perceber nas falas de Olinger até agora vistas, que há uma aproximação,
embora não mecânica, com discussões que fizeram parte da academia na década de 1960
em relação à economia e agricultura. Num primeiro momento, a visão do campo enquanto
lugar de “atraso” está ligada ao pensamento que trata a agricultura enquanto “entrave” do
desenvolvimento, e um dos seus principais defensores é Celso Furtado. Este foi responsável
pela elaboração do “Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social (1963-1965)”,
que procurava recuperar o “vigor desenvolvimentista da economia brasileira”. Num outro
momento, posso vislumbrar uma outra vertente (veremos isto mais adiante), chamada de
“funcionalidade da agricultura”. Este pensamento distancia-se do primeiro, pois defende
que a agricultura sempre cumpriu seu papel econômico.
60
Um de seus defensores é Antônio
Delfim Neto.
61
E este é um ponto importante para a compreensão da pesquisa que me proponho
investigar: as discussões acerca dos rumos da economia brasileira (inclui-se aqui a
agricultura) não fazem parte apenas do cenário acadêmico. Muitos dos debatedores e
defensores de determinada corrente de pensamento participaram da elaboração dos planos
de desenvolvimento tão presentes nas décadas de 1960 e 1970. Com isso pretendo
58
ORTIZ, op. cit. p. 211.
59
OLINGER, op. cit. p. 25.
60
GONÇALVES NETO, op. cit., p. 123 e 66.
61
Para dar conta das diversas teses e autores que tratam sobre a questão da agricultura entre 1960 e 1980,
Gonçalves Neto procura trabalhar as tendências dentro de grandes linhas: “a dos que vêem na agricultura um
entrave ao desenvolvimento econômico brasileiro, e a que demonstra a funcionalidade da agricultura no
processo de desenvolvimento. Ressalte-se o surgimento de uma terceira, esta já nos anos 70, que procurará
superar esta dicotomização rural/urbano, e centrar sua análise na racionalidade do capital [...].” Ibidem. p.
52-53.
demonstrar que estas discussões não estiveram atreladas unicamente à academia, mas que
ecoaram pelo campo.
Embora neste momento as ações efetivas para a modernização do campo não se
constituam enquanto objetivo do meu trabalho, o discurso neste período esteve aliado a
práticas efetivas em nível nacional, estadual e municipal para alcançar os objetivos que se
propunham. E uma das práticas foi a criação dos Clubes 4-S. É tempo dos Planos
Nacionais de Desenvolvimento (PND’s), e mesmo em Chapecó a partir de 1973, do
Projeto Chapecoense de Desenvolvimento. Mesmo tendo um cunho “urbano”, este
planejamento previa para a agricultura, dentre outras coisas, a criação de um Fundo de
mecanização agrícola. Junto ao Projeto Chapecoense de Desenvolvimento surgiu o
FUNDEPRO – Fundo do Desenvolvimento da Produtividade, com o objetivo de estimular
a produtividade no município. Estes programas foram criados tendo-se em vista a
necessidade de alcançar os índices de produtividade preconizados para o período.”
62
Assim, as preocupações com o campo, enquanto mola propulsora do desenvolvimento, não
foram deixadas de lado.
1.3 “Plante que o Governo Garante”
[...] Tem um crédito fácil que o governo dá
Hoje tem adubo pra planta crescer
Tem inseticida pra planta vingar
Tem irrigação pra ela se animar
Tem facilidade para o trator
Só Falta o Amor!!!
[...] Plante mais que o governo garante.”
63
É preciso entender que no discurso acerca do campo a “economia nacional poderá
falhar se o agricultor não reagir.
64
É necessário sincronizar o passo entre a agricultura e a
indústria no país. Para o então Ministro da Fazenda, Delfim Neto, “Uma agricultura forte
multiplicará as oportunidades que este país tem para alcançar, com rapidez, o seu
desenvolvimento pleno.”
65
Palavras estas proferidas no lançamento nacional do programa
62
PREFEITURA MUNICIPAL DE CHAPECÓ. Boletim oficial do município. Chapecó: [s.n.], a. 1, n. 9, 1ª
quinzena set. 1973.
63
REVISTA CELEIRO CATARINENSE. Hino da Terra. Chapecó, n. 5, out. 1970. Não consta o autor do
hino.
64
REVISTA CELEIRO CATARINENSE, Chapecó, n. 9, out. 1972.
65
Idem. p.17.
“Plante que o Governo Garante”, do qual Chapecó foi palco no início dos anos setenta. Isso
significa, segundo Delfim Neto, que “nós precisamos crescer estimulando ao mesmo tempo
a expansão industrial e o fortalecimento da agricultura.”
66
Pode-se observar que a participação do Estado neste contexto deu-se enquanto
agente financiador da modernização da agricultura, (...) através do sistema de crédito
rural subsidiado, que (...) estimulou a modernização e, por outro lado, foi considerado o
elemento central para explicar as desigualdades na modernização”.
67
Ou seja, os
agricultores que tiveram acesso a crédito farto e barato estiveram “incluídos” no processo
de modernização da agricultura. Os outros foram excluídos, ou mantiveram-se “atrasados”
frente a este processo. Assim, temos nos trabalhos com extensão rural um elemento político
embutido, que procura formar novos sujeitos “técnicos” e discipliná-los a produzir e viver
no campo, objetivando que a “economia nacional não falhe”. Como se pode observar, o
Estado (através de seus representantes ou intelectuais) acompanhou de perto os trabalhos de
Extensão Rural.
Estes representantes do Governo Militar que se instaurou no Brasil a partir de 1964
trouxeram uma maneira de alcançar os objetivos propostos de desenvolvimento. Afinal, “É
por isso que estamos aqui, os Ministros da Agricultura e da Fazenda, para dizer aos
senhores que plantem mais. Que o façam buscando melhoria de produtividade, através do
uso de fertilizantes, de equipamento agrícola, de semente selecionada.”
68
Temos então
relações que se cruzam e que não podem ser entendidas separadamente: a agricultura é a
base do desenvolvimento; o meio para melhor firmar-se é através do uso de técnicas e
tecnologias tidas como “modernas”. Este é um pensamento que está no bojo dos trabalhos
com Extensão Rural em Santa Catarina, ou seja, que é através da utilização dos modernos
insumos, da mecanização do campo aliada a uma mudança de hábito por parte dos
agricultores que seria consolidada a evolução tão desejada. Digo evolução por tratar-se de
um pensamento que busca alcançar um objetivo final, um lugar ou um resultado desejado,
idealizado.
A representação da agricultura enquanto base do progresso nacional (a
“funcionalidade da agricultura” em contraposição ao “entrave” de Furtado) é apenas uma
66
REVISTA CELEIRO CATARINENSE, n. 5, 1970. p. 17.
67
ESPÍRITO SANTO, op. cit. p. 101.
68
REVISTA CELEIRO CATARINENSE, n. 5, 1970. p. 18.
entre muitas sobre o campo brasileiro, e que circulou pelas academias nas décadas de
sessenta e setenta. Mas o que me interessa especialmente nesta tese é que ela chegou de
forma contundente ao oeste catarinense, sendo um de seus principais defensores um
pensador influente no regime que se instaurou no Brasil a partir de 1964: Antônio Delfim
Neto. Segundo o ex-presidente Ernesto Geisel, Delfim Neto “era muito centralizador dos
assuntos relativos à economia. Tomava conta de tudo, conversava com o Médici, e este
concordava com o que ele queria fazer.
69
Delfim Neto, Ministro da Fazenda de Médici, é
considerado um dos “três grandes” daquele governo, juntamente com Leitão de Abreu e
Orlando Geisel.
Pretendia-se, através dos discursos, garantir a produção com incentivos financeiros
e técnicos, e, portanto, colocava-se o direito de cobrança. Pretendia-se impor aos
agricultores responsabilidades quanto ao seu trabalho; pretendia-se regular a vida coletiva,
definir os lugares e os deveres, estabelecer formas de controle dessa mesma vida coletiva.
Isto é ressaltado logo adiante por Delfim Neto:
Nós queremos que a mensagem do governo do Presidente Médici
seja bem entendida: as comunidades dos agricultores têm uma
responsabilidade imensa no esforço de toda a Nação pelo seu
desenvolvimento. O governo dá apoio e segurança e deseja em troca
o aumento da produção e a melhoria dos padrões de
produtividade.
70
No discurso estava presente um agricultor que receberia incentivos, e por isso havia
de ser um dos responsáveis pela sustentação da economia do país. Não se pode perder de
vista que a região oeste de Santa Catarina é representada neste momento (aliás, não apenas
neste momento) enquanto “Celeiro Catarinense”, portanto lugar propício para o
desenvolvimento da agricultura, uma importante fonte para o desenvolvimento da Nação
(logicamente, tendo em vista o pensamento que estou trazendo à tona).
É a partir da idéia de desenvolvimento que se procura elaborar estratégias
discursivas, difundir a idéia de que é no campo que um determinado modelo de jovem
agricultor deve permanecer, mas não de forma estática: deve se modernizar, sempre no
69
D´ARAÚJO, Maria Celina; CASTRO, Celso (Orgs). Ernesto Geisel. Rio de Janeiro: FGV, 1997. p. 221.
70
REVISTA CELEIRO CATARINENSE, n. 5, 1970. p. 18.
sentido de alcançar algo ideal. É o momento de consolidação da ACARESC na região, que
chama para si a responsabilidade de chegar até o mais longínquo agricultor, na mais
afastada comunidade para lhe dizer que “é preciso ser moderno”.
Estou tentando mostrar como a partir de um discurso surgiu uma “necessidade” de
fixar o agricultor ao campo. Trata-se de um discurso que pretende definir os espaços e
formas de atuação dos agricultores, fazendo-os sentir-se responsáveis não mais pela própria
subsistência, mas por algo mais amplo, o nacional. Neste sentido, os Clubes 4-S enquanto
programa de educação, difusão de técnicas e tecnologias ao jovem agricultor, vêm para dar
conta de algumas necessidades. Mas os Clubes 4-S não são uma “evolução” do discurso
desenvolvimentista, no sentido de que primeiro cria-se um discurso para depois alcançar
um objetivo. Os clubes já existiam naquele momento, mas ganharam força para suprir uma
necessidade de modernização. Este programa trouxe consigo estratégias capazes de obter
um certo tipo de controle sobre a população rural, de fixar o jovem ao campo. É um
programa que, pelo menos de longe, aponta para a idéia proposta: a agricultura enquanto
sustentáculo do processo de industrialização do país. E é frente a esse contexto que os
clubes se disseminaram na região oeste. No período desenvolvimentista, os 4-S vêm ao
encontro de tal pensamento, desse discurso que a elite chapecoense (mas também um
discurso da elite catarinense, que se direciona para o oeste) se apropria e faz seu. Trata-se
de um programa para jovens com vistas ao moderno.
Os Clubes 4-S não foram disseminados em nome do atraso. A ACARESC
representa o campo (principalmente na década de sessenta) enquanto lugar de entrave ao
desenvolvimento, e tal disseminação não teria a motivação que teve se representassem o
“atraso”. Um jovem rural, certamente, não seria um militante do atraso. Quando falo em
jovem rural, não se deve perder de vista que é o jovem 4-S, ligado ao programa da
Extensão Rural, que vai militar em nome do moderno, do desenvolvimento.
O discurso oficial, institucional, propagado neste caso por representantes dos
Governos Federal e Estadual, é aceito e reproduzido por esta elite, que usa e abusa do
mesmo. O desenvolvimento é a questão: a modernização do campo é um meio para
alcançá-lo. A revista Celeiro Catarinense fez suas as palavras dos representantes da ordem,
aqueles a quem chamo de nomeadores de uma realidade. A todo o momento são citadas as
falas “engrandecedoras” de um grupo com influência nos rumos da Economia do País, que
vem ao encontro dos interesses desta elite local, ávida pela consolidação de Chapecó
enquanto uma cidade moderna. Ora, como falei no início, sem perder de vista os laços com
o campo.
1.4 Os Clubes 4-H dos Estados Unidos
Educando a juventude rural
salvaremos o mundo.
71
Se observarmos que os incentivos para os Clubes 4-S em Santa Catarina deram-se
mais intensamente na segunda metade da década de 1970, podemos pensar que também
houve dificuldades no processo de modernização da agricultura no Estado:
[...] os estudos envolvendo o Brasil colocaram este Estado (Santa
Catarina), de uma maneira geral, para os dados do Censo
Agropecuário de 1975 e do Censo Demográfico de 1980, como um
dos Estados que apresentavam menor grau de modernização da
agricultura, com um grau de intensidade de exploração da terra
relativamente alto e um grau relativamente baixo de mecanização e
de modernização das relações de trabalho [...].
72
Este quadro de “atraso” fez que a ACARESC investisse em ações modernizadoras
de forma mais contundente, e os Clubes 4-S fazem parte desta estratégia de ação. Mas
como estes clubes foram eleitos enquanto “arautos da modernidade” no campo brasileiro?
Como chegaram os Clubes 4-H no Brasil, ou seja, sua tradução: os Clubes 4-S? Penso que
esta questão não serve apenas para situar o objeto, mas pode me trazer alguns elos
importantes na compreensão do processo. Portanto, se me for permitido, far-se-á um breve
passeio pelos Clubes 4-H.
Os clubes 4-H norte-americanos, que chamarei de 4-H Clubs, iniciaram suas
atividades por volta do ano de 1900, sendo que este tipo de trabalho ainda permanece nos
Estados Unidos. Os 4-H têm por significado Head, Heart, Hands e Health, ou seja
Cabeça, Coração, Mãos, e Saúde, respectivamente. Para um melhor entendimento, posso
dizer que “Cabeça” (HEAD) é para Saber; seu jovem “Coração” (HEART), para Sentir; as
71
ACARESC. Relatório da II Convenção Inter-Regional de Clubes 4-S. Palmitos (Ilha Redonda): [s.n.], 15 nov. 1977.
72
ESPÍRITO SANTO, op. cit. p. 54.
“Mãos” (HANDS) para Servir; mas para que tudo possa ser executado, é necessário ter
Saúde (HEALTH).
73
Em relatos feitos por parte da ACARESC sobre a organização dos clubes 4-H no
Estado de Virgínia (EUA), o que compreende o ano de 1982 concluiu que os bons
resultados obtidos pela agricultura norte-americana são devidos ao alto uso da
tecnologia”, ou seja, que “tecnologia que está sendo utilizada nas propriedades rurais se
constituiu num dos fatores importantes para a produção quantitativa e qualitativa de
alimentos, proporcionando às famílias rurais um melhor padrão de vida.”
74
Não seria esta
forma de trabalho um bom exemplo para nossa juventude rural?
Na década de cinqüenta, os jornais do município de Chapecó já noticiavam sobre os
4-H Clubs, pois dois jovens fazendeiros norte-americanos (Donald e Elfego) iniciaram um
intercâmbio nos Estados de Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e Minas Gerais. Neste
momento, os Estados Unidos mantinham intercâmbio com jovens rurais de vinte e dois
países, e no Brasil conheceram algo fora da teoria, segundo Donald: “Em Campos (RJ), por
exemplo, descobri métodos de trabalho [...] que nós nos Estados Unidos, com a nossa
mecanização intensiva, não tivemos oportunidade de aprender, mas que possuem um valor
inegável para países menos mecanizados.”
75
Muito antes do surgimento dos Clubes 4-S no
Brasil e no Estado de Santa Catarina, uma certa simpatia por parte da imprensa oestina já
era demonstrada por este tipo de trabalho relacionado ao campo, que bem utiliza
conhecimentos técnicos e tecnologia. Vale lembrar que naquele momento o oeste é
considerado o “Celeiro Catarinense”, portanto, espaço legítimo para sonhar com este tipo
de programa.
Introduzindo rapidamente os 4-H Clubs, vou falar sobre um artigo produzido por
Roberto Waldyr Schmidt, em que encontrei dados de grande valia sobre a Extensão Rural e
os 4-S no Brasil e em Santa Catarina, que espero utilizar da melhor forma possível. Em
1955, Roberto exercia a função de Secretário Geral da Federação das Associações Rurais
do Estado de Santa Catarina. Este, juntamente com o Engenheiro Agrônomo João Demaria
73
EMATER S.C./ACARESC. II Seminário Regional de Juventude Rural 4-S. São Miguel do Oeste: [s.n.], 24-26 set.
1982.
74
FAÉ, Euclides. Os Clubes 4-H. Idem. [s.d].
75
JORNAL A VOZ DE CHAPECÓ. Chapecó, 27 out. 1951.
Cavalazzi
76
, participaram de uma feira municipal, a de Marion Country, em Marion,
Indiana, Estados Unidos. Tal feira promoveu o “progresso no setor agrícola”, segundo o
autor, e em especial procurou “encorajar os rapazes e moças de Marion ‘Country’ em
promover por eles mesmos, o alcance do desenvolvimento, através do ‘4-H Clubs’.”
77
Penso que este relato é rico em seus detalhes técnicos, e num plano de memórias, o
considero importantíssimo. Convém atentar para o seguinte trecho, tratando de um desfile e
exposição dos 4-H:
Quando aqueles jovens iniciaram o processo de desfile e exposição
daqueles animais, frutos de seus esforços e especial cuidado,
Cavalazzi e eu nos entreolhamos, ocasião em que nos conferimos
estarem nossos olhos cheios d’água, talvez por respeito, por
estupefação ou grande emoção. Nossos corações acabavam de
disparar. Ao sairmos dali, não deu outra, firmamos um pacto de
tudo fazer para nos inteirarmos mais e mais, sobre o processo
educativo que acabamos de conferir, e mais tudo fazer para adaptar
aquele procedimento ao nosso país, especialmente em nosso estado,
e, porque não, dando início na nossa cidade de Florianópolis.
78
Um programa tão bem organizado e apoiado pelo Governo norte-americano e
diversas organizações deixou nossos intelectuais rurais estupefatos. Criou-se, literalmente,
uma necessidade naquele momento: a de adaptar tal programa aos jovens brasileiros.
Afinal, os 4-H Clubs são entendidos enquanto um espaço educativo para jovens do campo,
e sendo a agricultura brasileira um lugar de “atraso” como era vista naquele período pelos
intelectuais, é o mesmo que unir o útil ao agradável. E mais, é importante perceber que a
criação dos Clubes 4-S no Brasil está inteiramente ligada ao Estado de Santa Catarina. O
Estado, em se tratando da Extensão Rural, foi pioneiro, não constituiu um mero reflexo da
política de Extensão implantada no Brasil, mas “agente” deste processo.
Em contato com o sistema de estudos dos “Land Grant Colleges”, a equipe de
brasileiros entrou com afinco no “mundo da Extensão Rural” norte-americana, de como os
76
Na época exercia o cargo de diretor da Usina de Beneficiamento de Leite em Florianópolis, e de 1º Vice-
Presidente da referida associação. Depois também exerceu o cargo de Secretário da Agricultura do Estado de
Santa Catarina.
77
SCHMIDT, Roberto Waldyr. A implantação do serviço de extenção rural em Santa Catarina – Os Clubes 4-
S. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, Florianópolis, 3. fase, n. 13,
1994. p. 278.
78
Idem. p. 279.
agricultores (ou fazendeiros, neste caso) promoviam os trabalhos de Extensão Rural,
através das famílias. Ao entrar em contato com Clodorico Moreira, então Presidente da
Federação das Associações Rurais do Estado de Santa Catarina (FARESC), este solicitou
que a equipe estabelecesse diálogo com a Fundação Rockfeller
79
, objetivando implantar um
sistema similar à ACAR (Associação de Crédito e Assistência Rural, de Minas Gerais). Em
Nova York tiveram uma audiência marcada com a fundação Rockfeller. O sinal verde foi
dado e, de volta ao Brasil, foi preparado um “volumoso” documentário constando a
relação nominal dos associados de cada Associação Rural, acompanhado de um estudo e
análise da produção nomeada, bem como de um estudo sócio-econômico ao nosso
alcance.”
80
A viabilização do projeto foi acompanhada de perto por norte-americanos. Um
deles era Raub Snyder, Diretor do Escritório Técnico de Agricultura Brasil - Estados
Unidos, o ETA, com sede no Rio de Janeiro. Outro era Ralp E. Hansen, que veio então a
Santa Catarina, “numa manhã ensolarada”, segundo o autor, para adentrar no interior do
Estado, com permissão do então Secretário de Agricultura Mário Orestes Brusa,
procurando observar se tal projeto de implantação de Extensão Rural seria viável. O
contrato foi firmado entre ETA, FARESC e Secretaria de Agricultura, com facilidade de
abrangência para subscrição também por outros órgãos ou entidades, públicas ou civis.
No caso da região sul do estado de Santa Catarina, por exemplo, podemos citar
como um dos fatores que teriam facilitado a modernização deste local (caracteristicamente
do produtor de fumo) o acesso ao crédito bancário, principalmente o destinado aos
produtores ligados às agroindústrias de fumo. Porém, outro fator muito importante
apontado foi a ação da ACARESC, prestando assessoria e serviços de extensão aos
agricultores, e colocando em ação os Clubes 4-S. Assim, estes jovens tiveram acesso a
pequenos créditos, com juros baixos, oriundos do BESC com a finalidade de, juntamente
com os técnicos, fazerem experiências nas propriedades dos pais.
81
Portanto, a ACARESC
procurou intensificar as ações modernizadoras da agricultura em todo o Estado, e o trabalho
com a juventude rural tornou-se um espaço privilegiado para colocar em prática novas
79
A Fundação Rockefeller, do empresário norte-americano Nelson Rockfeller, foi a grande difusora da
Revolução Verde em sua fase pioneira. Esta fundação participou diretamente da primeira experiência com
extensionismo rural no Brasil, em 1948. LOHN, op. cit. p. 38.
80
Idem. p. 281.
81
PAOLILO, Maria Inês. Produtor e agroindústria: consensos e dissensos – o caso de Santa Catarina.
Florianópolis: UFSC, 1990. p. 56.
experiências. Isto envolve uma relação de poder, que pode ser “maléfico” quando estes
jovens não estão sob os cuidados do Estado (ou de seus “apoiadores”), mas benéfico
quando estão sob a tutela destes.
Os 4-H Clubs não são uma unanimidade, e seus trabalhos também são criticados. O
modelo de Clube 4-S trazido dos Estados Unidos (4-H), tende a
[...] infantilizar o jovem rural e a usar o jovem como forma de
implementar idéias, sustentar programas (superados pela própria
realidade), reproduzir condutas, induzir comportamentos, não lhes
dando (ou minimizando) a condição de se desenvolverem como
seres capazes de encarar a realidade com espírito crítico e clareza, e
de se libertarem de situações opressivas, buscando alternativas de
soluções aos seus reais problemas de forma conjunta.
82
Todavia, o grande passo para o surgimento dos clubes 4-S no estado de Santa
Catarina já estava dado, através do contato com empresas norte-americanas de extensão.
Mas talvez seja hora de mostrar um pouco sobre os adolescentes que não foram
encontrados nos desfiles 4-H pela equipe catarinense nos Estados Unidos.
1.6 Alguns debates sobre juventude
Penso que é interessante, para se falar dos clubes 4-S, discorrer um pouco sobre os
debates, ações envolvendo juventude no caso norte-americano, pois como se sabe, os 4-S
possuíam estreitas relações com sua matriz, os 4-H Clubs, e no Brasil tiveram apoio do
USAID, nas famosas parcerias MEC/USAID, além de várias outras parcerias norte-
americanas (Fundação Rockfeller, Fundação Ford etc.).
Em contraposição à Itália fascista, onde foram atribuídos aos jovens os poderes de
uma missão salvadora em relação ao Partido e ao Estado fascista, escreve Luisa Passerini
que os Estados Unidos da década de 1950 enxergavam a adolescência enquanto a
capacidade de ser a força obscura e estranha que ameaça a corrida rumo ao progresso
82
RECK, 1951 apud MUSSOI, op. cit. p. 12.
da sociedade americana.”
83
No século XX, o debate sobre a adolescência e a juventude nos
Estados Unidos moveu-se entre dois pólos: de um lado estava a exigência de garantir
liberdade e possibilidades de autogoverno e, por outro, a de uniformizar, coletivizar,
restituir ao social os impulsos criativos juvenis.
84
A autora aponta que a década de 1950 foi importante no sentido em que “surgiram”
os “teenagers”, adolescentes diferentes daqueles das gerações que os antecederam pelo
número (quantidade), riqueza e autoconsciência. Constituiu-se na primeira geração
[...] de adolescentes americanos privilegiados, mas sobretudo da
primeira geração que apresentava uma coesão tão acentuada, um
auto-reconhecimento enquanto comunidade especial com interesses
comuns. A figura do adolescente que de tal modo emergia era
associada sobretudo à vida urbana e encontrava seu hábitat na high
school.
85
A adolescência tornou-se objeto de estudo, um novo sujeito que surgia e precisava
ter suas possibilidades controladas:
[...] o caráter principal da condição juvenil fugia constantemente
das análises dos especialistas: a percepção social nunca tinha
expresso o polimorfismo que é o elemento mais marcante da
experiência social dos jovens. (...) Mas o polimorfismo é algo mais
que multiplicidade: é a disponibilidade para assumir diversas
configurações, incluindo aquelas que a própria cultura define como
irremediavelmente outras.
86
O historiador Eric Hobsbawm
87
escreveu sobre as mudanças culturais
(convencionadas enquanto revoluções culturais) que se efetivaram a partir da segunda
metade do século XX, principalmente nos países ocidentais “desenvolvidos”, onde a
categoria “juventude” passou a ser vista não como um estágio preparatório para a vida
83
PASSERINI, Luisa. A juventude, metáfora de mudança social. Dois debates sobre os jovens: a Itália
fascista e os Estados Unidos da década de 1950. In: LEVI, Giovanni; SCHMITT, Claude (Orgs.).
História dos jovens: 2. A época contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p. 320.
84
Idem. p. 352.
85
Ibidem. p. 354.
86
Ibidem. p. 367.
87
HOBSBAWM, Eric. A Era dos extremos: o breve século XX (1914-1991). São Paulo: Companhia das
Letras, 1995. p. 315.
adulta, mas, em certo sentido, como estágio final do pleno desenvolvimento humano. A
“autonomia” da juventude como uma camada social separada foi simbolizada pelos seus
“heróis”, cuja vida e juventude acabavam juntas (como por exemplo, o ator James Dean, a
cantora Janis Joplin, o guitarrista Jimi Hendrix, entre outros). É interessante pensar que o
jovem era um sujeito que estava sendo constituído enquanto categoria e, portanto, não
estava pronto. De forma semelhante, pode-se pensar que o jovem rural também estava
sendo constituído neste período no Brasil.
No início da década de 1960, a Casa Branca promoveu um grande seminário sobre
crianças e juventude, com a participação de 7.600 delegados, sendo que 1.200 tinham de
dezesseis a vinte e um anos. Esses atos governamentais refletem um modo de perceber os
jovens como indivíduos perigosos para a sociedade e para si próprios e, ao mesmo tempo,
necessitados de proteção e de ajuda particulares.
88
Dentro disso, posso pensar na possibilidade de que os Estados Unidos tinham nos
4-H Clubs uma interessante estratégia de controle de parte de sua juventude (a do campo).
Afinal, é importante observar que nossa equipe de intelectuais não se emocionou vendo um
grupo de adolescentes vestindo camisa de flanela, ouvindo Elvis Presley, ou “azarando”
uma menina por aí (ou vice-versa).
89
Os olhos d’água da equipe surgiram no momento de
um desfile, onde disciplina e organização e resultados foram vistos por quem os viu passar.
Foi este o modelo de jovem eleito, foi este modelo de jovem que se pretendia construir.
Não se quer mais que reine a indisciplina e o atraso no campo, mas sim jovens bem
asseados, capazes de produzir muito mais que seus pais, de fazer de Santa Catarina e do
Brasil um bom lugar para se investir e plantar.
Assim, mesmo vivendo no campo, o jovem que se pretendeu constituir através das
ações da Extensão Rural necessitava de tecnologia, diferentemente de outros movimentos
do período.
90
Procurou-se propagar um discurso na região oeste de Santa Catarina (mais
especificamente) que vinha ao encontro dos objetivos de implantação desta forma de
88
PASSERINI, op. cit. p. 353.
89
Sobre a discussão referente à autonomia e escapismo dos movimentos juvenis, ver também ORTIZ, op. cit.
p. 159
90
Um exemplo interessante neste sentido é o festival de Woodstock (1969). Ao reunir mais de 500 mil jovens
sob o slogan de “três dias de paz e amor”, muitas das bandas de rock direcionavam seu olhar para o campo,
como, por exemplo, os norte-americanos do Canned Heat (Going for the Country). Provavelmente sentindo a
influência do álbum “Sweetheart of the Rodeo” (The Byrds – 1968), um estilo “simples” de vida é cada vez
trabalho com juventude rural. Necessitava-se constituir um agricultor que produzisse dentro
de uma nova ordem (tanto técnica quanto tecnológica) e que se sentisse responsável
também pelo desenvolvimento de seu país. Os Clubes 4-S tornaram-se para os intelectuais
da agricultura brasileira (com influência dos trabalhos desenvolvidos pela Extensão Rural
norte-americana) um instrumento importante para mudar concepções de produção: a
subsistência já não interessava tanto quanto a produção em grande escala, incentivada
financeira e discursivamente por meio dos setores responsáveis pela Extensão Rural.
mais valorizado na música norte-americana, e o campo tornou-se o lugar ideal para isto (em contraposição ao
espaço urbano, cada vez mais “tecnológico”).
Segundo Capítulo – Disciplina e Táticas:
oposições de um mesmo processo
[...] A teletela recebia e transmitia simultaneamente. Qualquer
barulho que Winston fizesse, mais alto que um cochicho, seria
captado pelo aparelho; além do mais, enquanto permanecesse no
campo de visão da placa, poderia ser visto também. Naturalmente,
não havia jeito de determinar se, num dado momento, o cidadão
estava sendo vigiado ou não. Impossível saber com que freqüência,
ou que periodicidade, a Polícia do Pensamento ligava para a casa
deste ou daquele indivíduo. Era concebível, mesmo, que observasse
todo mundo ao mesmo tempo. A realidade é que podia ligar
determinada linha no momento que desejasse. Tinha-se que viver –
e vivia-se por hábito transformado em instinto – na suposição de
que cada som era ouvido e cada movimento examinado, salvo
quando feito no escuro. (George Orwell, 1984)
No regime político imaginado (?) por Orwell, na década de cinqüenta, a sombra do
panóptico de Bentham encobria Londres. Pela “teletela”, a Polícia do Pensamento poderia
vigiar sem ser vista, tal como imaginado pela arquitetura do panóptico. Para Orwell, o
cidadão – cada vez com menor privacidade – sentia-se vigiado a todo o momento e em todo
lugar, inclusive em sua própria casa. Tornou-se hábito para Winston (o personagem
principal desta “ficção”) esquivar-se do olhar do Grande Irmão (o responsável pela
permanência do regime) espalhado em grandes cartazes ao longo da cidade, e que
acompanhava as pessoas em todo lugar; tornou-se hábito esquivar-se do aparato de
vigilância para cometer “crimes” de questionamento do regime; tornou-se hábito ser astuto
e não deixar vestígios que o pudessem comprometer; enfim, tornou-se hábito, para este
desviante, tentar permanecer vivo.
Embora não pretenda discutir profundamente “1984”, é importante perceber que
aqui são tratadas questões interessantes para o estudo da história: vigilância, disciplina,
táticas, (des)obediência. O Grande Irmão e todo o seu aparato vigiam os “indivíduos”, de
forma a controlar as ações, discipliná-los. Mas mesmo neste sistema ocorrem “desvios” de
conduta ao longo do processo. Porém, se detectado algum desvio de comportamento, ocorre
a punição (ou melhor, a pulverização) do “indivíduo”. A punição nesta sociedade vigilante,
que procura corrigir (talvez eliminar neste caso) os comportamentos desviantes, é um
discurso vampirizado do panóptico de Bentham por vários segmentos (instituições) da
sociedade moderna. Mas, mesmo na sociedade moderna, a conduta “errônea”, o desvio
também fez parte de sua história.
Neste capítulo pretendo discutir sobre a proposta dos Clubes 4-S, ou seja, sobre seu
discurso (aliado ao da Extensão Rural) e os mecanismos e estratégias utilizados para a
tentativa de formação e controle de um novo agricultor através destes trabalhos. Mas ao
considerar que as normas podem ser burladas de alguma forma, é minha preocupação
enfocar também os desvios neste processo. É importante observar que estas propostas estão
envoltas em uma preocupação com a disciplina. Neste sentido, procurei dialogar com
autores como Michel Foucault
91
e Michel de Certeau
92
(a “antidisciplina”) que podem vir a
me auxiliar na leitura das fontes.
Primeiramente, gostaria de colocar que os Clubes 4-S não se constituíram numa
instituição disciplinar tal qual as prisões de “Vigiar e Punir”, ou mesmo num simples
espaço de lazer. E essa é uma das dificuldades desta investigação: construir meu objeto.
Certa vez tive contato com uma colega de Pós-Graduação, que em seu trabalho sobre o
Movimento dos Sem Terra (MST) também me colocou a dificuldade de se trabalhar com
algo tão complexo, que possui variações díspares em nível de Brasil. Por conta disso, penso
ser coerente perceber os discursos e os sujeitos produzidos neste processo, pois não poderei
dar conta da complexidade e variedade dos 4-S.
Os Clubes 4-S não se constituíram apenas em um espaço de reunião, tal qual uma
sala de aula; o seu ambiente podia ser a sede da igreja, o campo de futebol, a própria casa
do agricultor, entre outros espaços. Essa foi a grande estratégia da ACARESC: fazer do 4-S
o cotidiano do jovem agricultor. Afinal, as reuniões aconteciam uma vez por mês,
normalmente, e por isso não posso me fixar apenas nestas reuniões e entendê-las como o
único espaço privilegiado de ação quatroessista. Porém, o trabalho se estendeu para o
cotidiano do agricultor, no sentido da produção da horta ou da roça, da higiene, das
atividades coletivas, tais como bailes, embelezamento da comunidade, o futebol, entre
outros. Na utilização dos autores citados, poderei desenvolver questões relacionadas ao
91
FOUCAULT, Vigiar e Punir, op. cit.
92
CERTEAU, A invenção do cotidiano, op. cit.
discurso: sua produção, propagação, e se possível, sua recepção. É de meu interesse
trabalhar com a idéia de “estratégia” e “tática”, para escrever como os agricultores
improvisaram frente à ação extensionista.
Disponho de material institucional (produzido pela ACARESC) em maior
quantidade do que uma produção que eu chamaria de “cotidiana” dos extensionistas, da
comunidade e dos próprios jovens (atas de reuniões, por exemplo). Assim, penso que é
preciso astúcia para romper com o discurso oficial da ACARESC e faz-se necessário valer-
se de um certo tato para construir o próprio discurso do historiador.
* * *
Para levar a bom termo esta pesquisa, gostaria de colocar algumas questões que
considero importantes. A primeira questão é não considerar a Extensão Rural e, por
conseqüência, os Clubes 4-S como um único discurso, e sim vários discursos que permeiam
este instrumento extensionista. Posso focalizar em vários momentos o discurso
modernizador, mas muitos outros discursos se relacionam na formação destes jovens.
Aliados a práticas discursivas (o moderno, a higiene, por exemplo), estão as práticas “não-
discursivas” (como, por exemplo, as instituições, os processos econômicos e sociais, as
formas de comportamento, os sistemas de normas etc.), para buscar as “condições de
emergência” de um discurso. Afinal, ao analisar o discurso extensionista, não posso
considerá-lo como uma totalidade, como um centro que determina seu funcionamento e o
funcionamento de outros discursos e práticas não-discursivas.
93
O discurso da Extensão
Rural se apropria do significado de vários outros discursos como uma de suas condições de
existência.
Ao longo da pesquisa, procurei selecionar o material produzido pela ACARESC e
outras instituições dirigidas exclusivamente aos jovens quatroessistas. Porém, é interessante
pensar de forma semelhante aos estudos recentes sobre gênero, que consideram
problemático pensar uma “história das mulheres” (ou somente dos homens) separada,
compartimentada, sem levar em conta o papel masculino (ou feminino), as divisões, as
93
COSTA, Eleonora apud ORLANDI, Eni. Sobre o acontecimento discursivo. In: SWAIN, Tânia Navarro
(Org.). História no plural. Brasília: EdUnB, 1994. p. 192-193.
disputas, os conflitos, enfim, as relações estabelecidas.
94
Considero importante não abstrair
os jovens rurais de seu espaço social, sob o risco de avaliar apenas os discursos produzidos
e dirigidos diretamente a eles. Os 4-S constituíram-se também numa estratégia de envolver
toda a família, e muito do discurso voltado aos agricultores adultos também ecoou nos
jovens (e vice-versa). Portanto, procuro não dicotomizar o discurso dirigido ao agricultor
“jovem” e discurso para agricultor “adulto”: procuro focalizar o jovem num processo de
constituição de um novo sujeito (no olhar da ACARESC, um agricultor moderno) que se
relaciona com os extensionistas, com a família, com a cidade, com sua comunidade etc.
Os discursos relacionados aos Clubes 4-S de forma alguma estão desvinculados do
discurso da Extensão Rural, discurso este que procurou envolver toda a família, o que
amplia meu campo de discussão e análise. É também necessário colocar que, embora o foco
da discussão se concentre mais no discurso produzido pela ACARESC, o poder não se
afigurou como propriedade exclusiva desta instituição:
Uma das idéias essenciais de Vigiar e Punir é que as sociedades
modernas podem ser definidas como sociedades ‘disciplinares’, mas
a disciplina não pode ser identificada como uma instituição nem
como um aparelho, exatamente porque ela é um tipo de poder, uma
tecnologia, que atravessa todas as espécies de aparelhos e de
instituições para reuni-los, prolongá-los, fazê-los convergir, fazer
com que se apliquem de um novo modo.
95
É mister ter em mente que a disciplina é um tipo de poder, mas também se deve
pensar que o poder não é propriedade apenas dos extensionistas ou da ACARESC, mas que
está presente nas relações estabelecidas entre os sujeitos.
2.1 Os Clubes 4-S e sua proposta
O Clube de Trabalho 4-S foi o instrumento extensionista que objetivava o trabalho
com a juventude rural. Agrupava os jovens rurais de ambos os sexos, os quais anualmente
escolhiam uma diretoria. Enfim, constituiu-se num agrupamento onde os jovens
encontravam oportunidades para desenvolverem suas personalidades”, através de
94
Um texto interessante dentro desta proposta é o de SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise
histórica. In: Educação e realidade, Porto Alegre, v. 16, n. 2, jul-dez. 1990.
atividades sociais (palestras, demonstrações, exposições, excursões, festas etc.) e pela
aquisição de “conhecimentos agro-pastorís e de economia doméstica”.
96
Em julho de 1952,
na localidade de Igrejinha, município de Rio Pomba (MG) foi organizado o primeiro Clube
4-S no Brasil, e esta data (quinze de julho) passou a ser comemorada como o Dia Nacional
dos Clubes de Trabalho 4-S.
A ABCAR (Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural), no mês de julho
de 1959, procurou controlar as experiências até então realizadas com Clubes 4-S no Brasil.
Esta não era a única forma de trabalho com juventude do campo no Brasil, e, portanto, para
constituir-se enquanto legítimo “tutor” destes, necessitava homogeneizar suas ações. Neste
período, além dos Clubes 4-S, eram realizados trabalhos com Clubes sob orientação do
Serviço de Informação Agrícola do Ministério da Agricultura. Estas agremiações
distinguiam-se dos 4-S por serem vinculadas aos estabelecimentos de ensino rural,
enquanto que estes eram ligados aos Serviços de Extensão Rural e desenvolviam projetos
nas propriedades onde viviam.
Dentro das experiências realizadas com os clubes ao longo da década de cinqüenta,
exigiu-se a elaboração de um manual, de forma a orientar e uniformizar os trabalhos com a
juventude rural. Como coloquei anteriormente, este material foi impresso em julho de 1959,
e trouxe muito daquilo que procurou ser realizado com os Clubes 4-S. Este manual
procurou definir uma “filosofia” e os objetivos do trabalho, bem como sua justificativa. A
base “filosófica” deste primeiro material produzido foi mantida no caso catarinense, como
se pode observar na reedição do ano de 1973, em que os textos foram modificados, porém o
conteúdo continuou fiel ao original de 1959.
Na introdução, o manual se colocou enquanto “um guia geral e suas recomendações
(devem ser) adaptadas às condições locais específicas de cada Estado.”
97
Ao produzir um
material em escala nacional (no caso da ABCAR) ou estadual (no caso da ACARESC),
como forma de orientar os trabalhos quatroessistas, surgiu a necessidade de normatizar as
atividades relacionadas aos Clubes 4-S, objetivando o mínimo possível de improviso.
Também se buscou qualificar os locutores do discurso:
95
DELEUZE, Gilles. Foucault. São Paulo: Brasiliense, 1988. p. 35.
96
ACARESC. Manual dos clubes de trabalho 4-S. Florianópolis: ACARESC, julho de 1973. p. 2.
(reimpressão)
97
Idem. op. cit. Introdução.
Desde 1953, quando se iniciou no Brasil o movimento de Clubes 4-
S (Saber, Sentir, Servir e Saúde), não foi possível difundir, em
escala nacional, sobre os princípios fundamentais, a filosofia e as
normas desse trabalho. Os técnicos que, nas Filiadas à ABCAR, se
dedicam a estas atividades, tem sentido tal lacuna e manifestado
interesse em dispor de elementos seguros de orientação que
facilitem a expansão dos programas relativos à juventude rural.
98
Assim segue o manual, orientando as ações que se baseiam na experiência
brasileira até agora adquirida [...]
99
. Porém, com todos os relatos sobre a influência e o
interesse norte-americano nos trabalhos com juventude rural (Fundações Rockfeller e Ford,
dentre outros), no início da década de 1960 pode-se observar que a experiência brasileira
“necessitava” ser acompanhada de perto. Assim, as orientações da Extensão Rural,
esboçando caminhos para a modernidade no campo, traziam consigo a característica e a
necessidade de homogeneidade:
Terão, assim, todas as Filiadas o mesmo instrumento básico para o
trabalho de Clubes 4-S. É lícito esperar que, adotando princípios e
diretrizes idênticos, os programas tenham desenvolvimento
uniforme, se tornem mais fortes, recebam mais rapidamente novas
idéias, obtendo assim, em menos tempo, o necessário
conhecimento, respeito e cooperação do público.
100
O trabalho de Clubes 4-S constituiu-se como parte integrante de um Serviço de
Extensão Rural, visando preparar a juventude para “cumprir os seus deveres para com a
família, a comunidade e a pátria.”
101
Uniformizar (primeiramente as ações),
responsabilizar os jovens para cumprir seus “deveres” eram apenas duas das características
iniciais deste tipo de trabalho.
Enquanto “Filosofia” dos Clubes 4-S, este define: “Fundamenta-se no princípio de
ajudar o homem a ajudar-se a si mesmo, a desenvolver-se integralmente, capacitando-o a
arcar com a parcela de responsabilidade que lhe caberá no futuro, como membro de uma
98
ABCAR. Manual dos Clubes 4-S. Rio de Janeiro: Série E, n. 1, p. 5.
99
Idem. p. 5.
100
Ibidem.
101
Ibidem.
comunidade democrática.”
102
Jovem, autônomo, democrático, capacitado... Estas eram
outras características do discurso quatroessista, que num processo de formação de novos
sujeitos primeiramente procurou fixá-los ao campo, dar-lhes autonomia em relação a seu
próprio conhecimento (questionar os saberes costumeiros), fazê-los responsáveis para
produzir o suficiente para que a agricultura deslanchasse frente ao processo de
industrialização. Mas também era necessário tornar-se legítimo, afinal, a democracia
(conforme a concepção da Extensão Rural) podia servir como uma estratégia para legitimar
um trabalho, sem a obrigatoriedade, por exemplo, do exército e da escola.
Este instrumento da Extensão Rural não esteve vinculado à escola, e não se
constituiu enquanto prática curricular, mas sim numa atividade extra-classe. O trabalho em
Clubes 4-S proporcionava, segundo o manual, uma modalidade prática e objetiva de
educação, que vem complementar a instrução recebida na escola e a educação tradicional
da família.”
103
Mas este tipo de saber tratado pela Extensão Rural tentou, através de seu
discurso, deslegitimar a escola (e o professor) e a família enquanto instituições
responsáveis pelo ensino do jovem do campo, e procurou colocar-se como responsável pelo
desenvolvimento de outras noções de saber:
A efetividade do extensionista como agente de mudanças na
agricultura é considerada como um fato comprovado. A do
professor rural é posta em dúvida por alguns investigadores. Alers
Montalvo, em investigação que realizou em Turrialba, Costa Rica,
concluiu que a comunidade formava uma imagem negativa do
professor como pessoa que lhe pudesse ensinar agricultura.
104
Já no início da década de setenta esta idéia pôde ser percebida, num plano que
norteava os trabalhos de Extensão Rural no Estado de Santa Catarina:
No Estado, a função educativa da juventude não atingiu a índices
desejados. No meio rural, especialmente, os pais são os instrutores
na primeira fase da vida do jovem. Transmitem as experiências
adquiridas e seus próprios padrões culturais, muitas vezes
conflitantes com os valores que se pretende introduzir. Na
agropecuária e nas tarefas domésticas os conhecimentos
102
Ibidem. p. 09.
103
Ibidem. p. 05.
104
ABCAR. Workshop: seleção, uso e treinamento de líderes voluntários locais. Espírito Santo, 1962. p. 40.
transmitidos pelos pais conservam sua importância constituindo
barreiras à introdução de uma nova tecnologia. Todavia, à medida
que evolui o meio, há mudanças desta situação e os pais se
apercebem da necessidade de confiar seus filhos a orientadores mais
competentes, como forma de complementação indispensável à
educação do lar.
105
Para a Extensão Rural, a educação do jovem pelos pais não vinha ao encontro das
necessidades do estágio em que a agricultura adentrou. O choque cultural entre aquilo que o
saber costumeiro contém e os valores que se pretendeu introduzir precisou ser amenizado.
Primeiramente na estratégia da ACARESC, tornou-se necessário desqualificar tal saber
costumeiro para, em seguida, legitimar-se enquanto responsável pelo ensino dos jovens
rurais. Aqui poderíamos discutir sobre a idéia de des-envolvimento”.
106
Desenvolver
significa tirar do invólucro, desligar-se, ultrapassar os limites impostos pela natureza. O
conhecimento tradicional é marcado por um grande respeito a esses limites. Com a ajuda
dos agrotóxicos, adubos químicos e maquinário, acreditavam os arautos da Revolução
Verde que estes limites poderiam ser ultrapassados. Assim, também se tornou preciso “des-
envolver” o jovem de sua cultura tradicional.
Os Clubes 4-S constituíram-se, enfim, enquanto “trabalho educativo, realizado em
grupos mistos, que dá aos jovens a oportunidade de aprender fazendo, através dos projetos
individuais e de atividades em conjunto.
107
Dentro das atividades desenvolvidas pela
Extensão Rural, o grupo misto, que reunia meninos e meninas, também compartimentava
os saberes. Afinal, os meninos têm noções sobre o trabalho na lavoura, aprendem a lidar
com os fertilizantes, entre outras atividades “masculinas”, tal como o trabalho “pesado” na
roça. Já com as meninas, além da lida com a roça, as hortas, também recebem uma
educação voltada ao lar, relacionada, por exemplo, a modos de preparar tortas, doces,
compotas, além de cuidar de ferimentos. Faz-se necessário informar que, apesar de meninos
e meninas participarem das reuniões, as atividades práticas dos meninos eram orientadas
pelo extensionista rural, e com as meninas, a orientação dava-se por parte da
extensionista social. A equipe de trabalho da Extensão Rural era constituída por um
105
ESTADO DE SANTA CATARINA. Plano diretor de extensão rural. 1970. p. 72.
106
Ver SACHS, Ignacy. O desenvolvimento enquanto apropriação dos direitos humanos. Estudos
Avançados, São Paulo, v. 12, n. 33, p. 149-156, 1998, e SHIVA, Vandana. Abrazar la vida. Mujer,
ecología y supervivencia. Madrid: Horas y Horas, 1995.
técnico de nível superior ou médio (veterinário, técnico agrícola etc.) enquanto
extensionista rural; uma economista doméstica de nível médio (magistério) para o cargo de
extensionista social; uma secretária e um jipe (automóvel que facilitava o acesso às
comunidades rurais). O técnico realizava atividades com agricultores e filhos de
agricultores enquanto a economista doméstica trabalhava com senhoras e moças. Enquanto
os homens recebiam orientação em relação ao trabalho com sementes e adubos, por
exemplo, a economista doméstica realizava os seguintes trabalhos: Educação Sanitária
(para o lar, propriedade e pessoas), proteção de nascentes e poços (para obter água potável),
uso do filtro e água fervida, construção de privadas, buraco para o lixo. Observa-se abaixo a
divisão entre lavoura (atividade masculina) e horta (atividade feminina):
O sócio Normelio Bonadiman, contou como iniciou, fez e está a sua
lavoura demonstrando estar satisfeitíssimo. Mais a sócia Inês
Gasparetto contou como está a sua horta. Diz (sic) estar dando
resultados positivos. E também está contente com o seu trabalho.
108
Neste sentido, a lavoura significa o mesmo que “atividades masculinas”, sendo que a
horta, a higiene e outras atividades relacionadas ao lar estão ligadas à idéia de “atividades
femininas”. Enfim, o discurso extensionista se coloca enquanto um espaço de educação,
que pretende estabelecer uma noção de conhecimento diferente de seus pais e dos jovens
não-quatroessistas”; conhecimento este demonstrado pelos resultados atingidos (através
dos concursos de produtividade, das lavouras coletivas de demonstração). Entretanto,
apesar de “inovador”, este discurso mantém as tradicionais diferenciações de gênero,
presentes na agricultura familiar, segundo as quais a lavoura é o espaço masculino, e a
horta é o espaço feminino. Também se baseia no “praticar a agricultura”, pois a realização
de uma lavoura individual e outra coletiva é o espaço que o jovem tem para colocar em
ação seus conhecimentos. A própria lavoura individual pode constituir uma forma de
incentivar a responsabilidade do jovem sobre a produção, controlar não somente o que este
cultiva ou deixa de cultivar, mas também coibir sua ociosidade.
O Manual dos Clubes 4-S foi reeditado várias vezes, sofrendo algumas alterações,
mas o seu conteúdo, sua “filosofia” e seus objetivos permaneceram fiéis ao manual
107
ABCAR . Manual dos clubes 4-S. Rio de Janeiro: Série E, n. 1, p. 5.
original, da década de 1950. Como aspectos vantajosos do trabalho com a juventude, o
manual destaca alguns pontos:
1) É mais fácil moldar a mentalidade ainda em formação dos
jovens, do que mudar as idéias já sedimentadas dos adultos. 2)
Podemos conseguir mudanças de atitudes de adultos através do
trabalho com jovens. 3) Quando se trabalha com um jovem,
prepara-se um elemento que tem, praticamente, toda uma vida
produtiva a serviço de uma nova idéia. Com adultos, o tempo é
mais limitado. 4) O trabalho bem orientado, a partir da juventude,
no sentido de tornar a vida do campo mais aprazível, gera o amor às
lides agrícolas, fixando as populações rurais e reduzindo o êxodo.
109
A meu ver, a principal finalidade de trabalhar a juventude rural não se constituiu em
simplesmente controlar ou manter o jovem no campo (mantê-lo “alienado” politicamente
ou evitar o êxodo), mas o discurso estava fundamentado de forma muito clara na
constituição de um novo sujeito. É este novo sujeito que deveria ser responsável para com
sua família, pátria, comunidade, clube etc. É um sujeito cujas características principais
assinalam que “é mais fácil moldar sua mentalidade”. Nesta constituição de um novo
sujeito pode-se pensar em fixá-lo no campo, utilizar-se de estratégias para atingir outros
objetivos. Mas, primeiramente, é necessário constituir um sujeito apto para lidar com a
modernização que adentra pelo campo. É necessário, conforme o discurso da Extensão
Rural, “moldar” um novo jovem, para que seu conhecimento chegue até sua propriedade e
seja expandido para a comunidade, e assim por diante. Conforme visto anteriormente, este
jovem deve combater o conhecimento tradicional herdado dos pais, e mudá-lo ao longo de
sua vida produtiva.
O trabalho com a juventude rural não escapou das práticas disciplinares. Tendo em
vista que a disciplina é a técnica de controle do indivíduo, bastou à Extensão Rural
empreender uma organização (os Clubes 4-S) que pudesse controlar os detalhes, ou seja,
controlar desde o corpo do agricultor até suas maneiras de lidar com a agricultura. Assim, a
articulação de um discurso procurou gerar práticas de controle destes indivíduos, o que
auxiliou na constituição do novo jovem. O discurso procurou formar um jovem
108
CLUBE 4-S ALIANÇA JUVENIL. Atas 1972-1977. Ata 03. 02 de dez. 1972.
109
ABCAR. Manual dos clubes 4-S. Rio de Janeiro: Série E - nº 1, p. 08.
“autônomo” em relação à sua produtividade, mas que era acompanhado, vigiado, que tem
controladas suas atividades, sua ociosidade, seu lazer e seu relacionamento com os outros
jovens.
A ACARESC, no caso catarinense, constitui-se como o sujeito do discurso, como
agente capaz de levar o desenvolvimento ao campo, de ensinar aos jovens as técnicas
moderna de cultivo e produção. Era a voz da verdade frente ao contexto desenvolvimentista
que procurava romper com o “atraso”. Constituiu-se enquanto legítimo, enquanto
autoridade neste assunto. É necessário, também, garantir a legitimidade do discurso pela
autoridade ausente, ou seja, aquilo que se fala não é conhecimento apenas do sujeito falante
(conhecimento do extensionista, por exemplo), mas da instituição que ele representa (a
ACARESC). O extensionista falava em nome da ACARESC, e não por si próprio.
Uma outra questão é que as concepções que constituíram os Clubes de Trabalho 4-S
são colocadas enquanto pedagógicas:
A juventude rural geralmente não conta com as vantagens que
gozam seus irmãos da cidade. Dispõe de menos lugares de reunião,
possuem menos atividades sociais. Portanto, qualquer programa que
os reúna com a finalidade de ensinar-lhes coisas úteis, para fazerem
amizades ou para que divirtam-se de forma sadia, cumpre uma
necessidade vital em nossas vidas. Os especialistas da Extensão,
asseguram que a juventude rural corresponde aos ensinamentos.
Aprecia a atenção que se lhe dispende. Não quer conformar-se
com o medíocre, como geralmente sucedia com seus
antecessores (grifo meu). Quando se lhe oferece esperança, aceita a
oferta com entusiasmo e com fé.
110
O programa 4-S ensina, pratica, demonstra, instrui os jovens. Assim, o discurso
recebeu o atributo de inquestionabilidade, garantida por sua função pedagógica.
111
Mas esta
pedagogia pretendeu romper com os saberes costumeiros, “medíocres”, conforme a citação,
e que não interessam mais neste processo de modernização. O discurso extensionista
pretendeu impor aos agricultores responsabilidades quanto ao seu trabalho; pretendeu
regular a vida coletiva destes, definindo os espaços e os deveres. E para estabelecer formas
110
FUNDAÇÃO FORD. Anuário para a juventude rural das Américas. S.l. 1960. p. 9.
111
COSTA, op. cit. p. 197.
de controle dessa mesma vida coletiva, procurou, enfim, formar uma nova “mentalidade”, e
para isto o jovem rural foi um dos objetos desta investida.
2.2 Jovem 4-S: Sujeito que Sabe, Sente, Serve e tem Saúde
Sócio 4-S, entre 1.000.000 jovens existentes em
nosso Estado, tu te destacas, porque o convite que
recebemos para fazer um Brasil mais forte é aceito
por ti e te permitirá já nos primeiros passos que dás,
entrar com coragem, na fila dos que ombro a ombro,
decidiram-se a construir um Brasil Grande e Unido.
(Trecho da EXORTAÇÃO 4-S)
Neste momento de discussões sobre os rumos da agricultura brasileira, é construído
um espaço para que um novo sujeito entre em cena: o jovem. É ele quem tem a missão de
construir um Brasil Grande e Unido (conforme a epígrafe). Não “qualquer” jovem do
campo, mas o jovem 4-S. É ele quem Sabe. É ele quem Sente. Quem Serve. Quem tem
Saúde para tudo realizar (conforme a sigla 4-S). A partir das representações produzidas
sobre o campo catarinense e sobre o elemento produtivo – o agricultor –, a ACARESC pôs
em prática uma série de ações no sentido de “modernizar”, de transformar este meio rural, e
dentre suas estratégias podem citar-se os Clubes 4-S.
A formação de um novo agricultor constituiu-se no objetivo da ACARESC durante
sua existência. O discurso foi utilizado como um importante mecanismo de impor práticas
aos jovens agricultores. E quem era esse jovem elaborado discursivamente pelo Serviço de
Extensão Rural da ACARESC? Ora, esse era um jovem que precisava SABER, ou seja,
Aprender a usar métodos racionais em Agricultura, Pecuária e Economia Doméstica.”
112
O conhecimento racional foi valorizado em detrimento de conhecimentos repassados de
geração a geração, herdados do saber costumeiro. Aqui ocorre uma incompatibilidade de
saberes que entram em choque, onde um (o “científico”) seria legitimado como o único
possível de tirar o Brasil e sua agricultura do “atraso”. Através dos saberes adquiridos
através dos Clubes 4-S, os jovens “tornam-se assim, capazes de atuar com valor no meio
em que vivem discutindo e encontrando soluções próprias para suas dificuldades.”
113
O
112
ACARESC. Manual dos clubes de trabalho 4-S, op. cit. p. 3.
113
Idem. p. 6.
Saber foi traduzido, de certa forma, como as práticas necessárias para a permanência do
jovem no campo.
O agricultor que se utiliza de conhecimentos modernos necessita, além de saber,
SENTIR. Isso significa, no olhar da ACARESC, que
os jovens rurais aprendam a olhar a vida com otimismo e realismo.
Aprendem a sentir no trabalho que fazem, uma contribuição para o
desenvolvimento de sua comunidade e da Pátria. O constante
sentimento de lealdade, a atitude correta no pensar e agir, fazem-
nos sentir que seus esforços não buscam unicamente o bem-estar
particular, mas também o de seus semelhantes.
114
O sentir está aliado ao saber, ao conhecer, ao construir. É construído o sentir. Sentir
é também “[...] habilitar os jovens a arcar com a parcela de responsabilidade que lhes
caberá no futuro, como membros de uma comunidade democrática”, ou ainda, dar
oportunidade para que os sócios aprendam a sentir responsabilidades.”
115
Sentir-se jovem
e responsável pelo engrandecimento da pátria.
Mas para que Saber, Sentir? Não apenas para si, mas o jovem precisa SERVIR,
afinal, “servindo, os jovens aprendem a ser úteis a sua comunidade, pois participam de
atividades e empreendimentos que venham em benefício do lugar onde moram.”
116
Servir
era atrair os olhos da comunidade, chamar sua atenção. Para esse novo saber legitimar-se, a
utilização da força não é aconselhável. Fizeram-se necessárias estratégias de
convencimento. O discurso necessitou fazer-se diferente e novo, naquele momento, para ser
legítimo. É preciso ter SAÚDE para desenvolver os trabalhos, as atividades da melhor
forma. Mas a saúde propagada pelos Clubes 4-S baseava-se em uma série de
conhecimentos para sanar (ou tentar) os problemas pela raiz. Por exemplo, de nada
adiantava acabar com as moscas dentro de casa, era preciso ir mais longe: “O importante é
combatê-las, e para isto devemos ter hábitos como: Guardar os alimentos em latas e
armários e não deixá-los na mesa descobertos, pois as substâncias açucaradas atraem
moscas.” Deve-se ir à raiz do problema, ser radical: “Combater, de preferência as moscas
no lugar onde se criam, ou seja, nas sujeiras. Por isso, o estrume animal não deve ser
114
Ibidem. p. 3.
115
Ibidem. p. 2.
jogado livremente aos campos. Deve ser recolhido numa estrumeira cujas tampas tornem
perfeitamente fechadas até que o esterco fique bem curtido.”
117
A saúde é o princípio do
trabalho. Um agricultor doente não trabalha, não produz, não engrandece a comunidade ou
a nação, e de nada adiantariam os saberes se eles não fossem aplicados diretamente no
próprio agricultor, em sua saúde, de forma racional.
Um agricultor “atrasado”, “arcaico” não poderia fazer frente aos projetos
pretendidos pelos que tentavam impulsionar o Brasil para o “progresso”. Assim, pode-se
perceber que o discurso da ACARESC foi muito articulado, não pretendendo apenas
romper a estrutura tida como “arcaica”, mas, sobretudo, criar um novo agricultor. Nesta
perspectiva, as atividades junto à juventude rural forneceram elementos para a atração dos
jovens para estes clubes, mas o uso da coerção explícita, a obrigatoriedade de ingressar nos
Clubes 4-S não foi utilizada. Eram, sim, utilizadas estratégias para chamar a atenção dos
jovens, pois ser um quatroessista significava ter respaldo em relação ao saber, ao
conhecimento. Tratava-se de pensar que, através destes clubes, eram desenvolvidas
atividades que realçavam uma diferenciação entre os jovens agricultores (os
quatroessistas” e os “não-quatroessitas”), grosso modo, através do saber. Aqueles eram
jovens que se diferenciavam dos demais agricultores, tanto jovens quanto adultos, porque
eram jovens que “sabiam”, ou seja, eram jovens que tinham acesso ao conhecimento
científico.
Pode-se pensar que o agricultor que não se identificava com o discurso
modernizador da Extensão Rural, que tinha como instrumento privilegiado de ação os
Clubes 4-S, era defensor do “atraso”. O(s) sujeito(s) produzido(s) pelo discurso
modernizador era o sujeito moderno, que, utilizando conhecimentos racionais e
cientificamente comprovados (os fertilizantes, as técnicas empreendidas no campo que
chegaram com a Extensão Rural), tornava-se capaz de implementar as mudanças
necessárias para o desenvolvimento da agricultura no Brasil.
O discurso da Extensão Rural procurou formar um (jovem e) novo agricultor, um
novo sujeito. Tanto para os extensionistas quanto para os jovens quatroessistas, os
conhecimentos tornavam-se uma importante forma de poder, de imposição de práticas e
116
Ibidem. p. 6.
117
BERGER, Elaine B. Combate às moscas. Jornal Oestão. Página da ACARESC. Chapecó, 26 nov. 1978.
(A autora do artigo foi extensionista social no município de Faxinal dos Guedes, SC).
concepções. “Saber é Poder” para o extensionista que orientava os jovens dentro do
discurso da Extensão Rural; mas também para o jovem em relação aos agricultores adultos
e aos jovens que não faziam parte dos Clubes 4-S, pois desempenhavam práticas amparadas
por um discurso de utilização racional dos espaços. Porém, não considero as relações de
poder enquanto unilaterais, e elas podem ter outras configurações, afinal, o jovem
quatroessista podia de alguma forma zombar do discurso extensionista, assim como os
jovens que não faziam parte dos Clubes 4-S podiam desempenhar algo semelhante.
2.3 Atividades dos Clubes 4-S
A agricultura representou, a partir da década de 1950, como se vê ao longo do
trabalho, um “entrave ao progresso”. Dentro desta lógica, foi necessário investir em
tecnologias, foi preciso modernizar... mas, sobretudo, criou-se a necessidade de formar um
novo sujeito, um outro agricultor, apto para a lida com as novas técnicas e tecnologias. No
discurso da ACARESC se fez presente a idéia de que é o jovem que leva a modernidade ao
campo. Verdadeiros slogans circulavam no discurso que tratava do jovem rural, como por
exemplo, “os jovens aprendem mais fácil e rapidamente”, ou que “a juventude deseja
mudar e está disposta a provar as coisas novas”, ou ainda que “os jovens tem à sua frente
muitos anos produtivos
118
Esse era o discurso articulado e autorizado no início da década
de sessenta e que perpassou esta década, propagado por sujeitos que tiveram como meta
levar adiante idéias de que o jovem rural é o sujeito capaz de saber, de aprender e intervir
para mudar a realidade do campo. Não apenas o teenager norte-americano, ou o jovem
italiano do regime fascista, mas a juventude rural brasileira também se constituía enquanto
metáfora de mudança:
Dada a evolução dos anos 60, dentro da família o jovem assume um
lugar de destaque, fazendo com que suas idéias sejam aceitas.
Chegando a mudança no meio rural facilita a inovação dentro do
trabalho dos pais pelas mensagens que o filho leva a família, devido
a sua voz ativa dentro de sua organização primária. Preocupando-se
com o futuro da humanidade, no Brasil desenvolve-se uma
118
JONES, Earl. Princípios em que se baseia o trabalho de clubes de jovens. In: Workshop: seleção, uso e
treinamento de líderes voluntários locais. Domingos Martins (ES): 23-30 set. 1962. p. 52.
campanha global de evolução. Dentro do estado, sem dúvida pode-
se incluir entre os trabalhos educativos o trabalho com juventude
rural.
119
Para o discurso extensionista, o jovem possuia “voz ativa” dentro da organização
familiar, e desta forma, podia constituir instrumento privilegiado para difundir novas
técnicas e tecnologias. O discurso caracterizava a figura do jovem a partir de
acontecimentos que marcaram a década de 1960 (maio de 68, festival de Woodstock, por
exemplo), ou seja, o jovem era uma figura que estava se transformando, que estava
“evoluindo”, sendo aceito (incluído nos debates familiares pelas suas idéias), e por isto
passou a ser caracterizado enquanto agente de mudança pela Extensão Rural.
Tenho como paradigma o Clube 4-S de Sede Figueira, em Chapecó. Este foi o
primeiro clube do município, e o que teve maior tempo de existência (entre 1972 e 1994).
Tornou-se comum o surgimento de vários clubes em diferentes comunidades,
principalmente no final da década de 1970; muitos, porém, não duravam mais do que uma
colheita. Não pretendo fazer o estudo de um caso específico, mas neste clube tive acesso a
atas e entrevistas. O Clube chamou-se “Aliança Juvenil”, e obtive material que
compreendeu as datas de 01/11/1972 e 02/01/1977. Ao longo de cinco anos, somente
dezenove atas foram registradas pelos sócios. Tive acesso apenas a este período, que contou
com sessenta e nove sócios e seis líderes.
Elegi este clube porque fui informado sobre ele ter sido o único que conseguiu se
fixar no município de Chapecó (os outros eram fundados e pouco tempo depois encerravam
as atividades), e, portanto, aquele que dispõe de maior material de pesquisa. Para os
entrevistados de Sede Figueira, a comunidade sempre foi “destaque” no município, tanto na
produção como na organização. Para Milton Sgarbossa, o pessoal daqui é mais
organizado
120
. Voltando à fala de Milton, este conta que um dos prováveis motivos da
instalação de um Clube 4-S na comunidade poderia ser a prática da policultura: “Nós
trabalhava tempo com vários tipos de produto: era porco, milho, soja, feijão. Mais era
milho, soja e porco”, enquanto as outras comunidades, segundo o entrevistado,
desenvolviam trabalhos com monocultura.
119
ACARESC. Relatório da II convenção inter-regional de Clubes 4-S. Palmitos (Ilha Redonda), 15 de
nov. de 1977.
120
SGARBOSSA, Milton e ZANELLA, José. Chapecó, 03 mar. 2001.
Segundo os entrevistados, a ACARESC entrou em contato com lideranças de Sede
Figueira objetivando formar um Clube 4-S. Conta José Zanela que a iniciativa e o
incentivo veio da, na época ACARESC, hoje EPAGRI, os técnicos vieram com esse, com
esse projeto de montar os Clubes 4-S e prá nós era novidade.”
121
Talvez a ACARESC
tivesse nessa comunidade de pequenos proprietários um bom espaço para iniciar suas
atividades e experimentações.
Que trabalhos eram desenvolvidos nestes clubes? O trabalho comunitário era um
dos pontos que faziam parte do programa quatroessista: “Já tinha alguma coisa, a gente já
aprendia alguma coisa, técnicas agrícolas e tal, trabalhos comunitários. O clube 4-S não
foi só técnicas agrícolas. Mais era trabalho comunitário, ensinava como trabalhar em
grupo, como trabalharem junto.”
122
Mas o trabalho coletivo desenvolvido por estes jovens
não era tudo, e o cultivo individual também se tornou uma das marcas quatroessistas, pois o
trabalho
tanto pela comunidade como fora da comunidade, particular, né, aí
ajudava nós... em todo sentido. E daí, tanto eu fazia lavoura em casa
pra mim como eu aprendia como zelar a comunidade, enfeitar, e
aprender como, caprichar, aí vai abrir uma corrente, né? E a
experiência fora também né, que o cara fazia cursos, né.
123
Os jovens confeccionavam placas de sinalização e localização para a própria
comunidade, o que auxiliava na organização de bailes e festas. Eles organizavam seus
próprios bailes, torneios, mas o embelezamento da comunidade procurou fixar a idéia de
que a “modernidade”, o “novo” havia chegado. Seja por desconfiança por parte dos
agricultores adultos, ou qualquer outro motivo, tornou-se parte da estratégia quatroessista
ser vista. Afinal, no plano individual, os trabalhos dentro da propriedade não legitimavam
todo um programa modernizador, e para isso procuraram-se várias formas de se fazer
legítimo, e ser notado é uma delas.
121
Idem.
122
Ibidem.
123
Ibidem.
A lavoura coletiva era uma das atividades priorizadas, pois se mostrava aos olhares
atentos da comunidade:
Toda vez que, todo ano que a gente fazia lavoura demonstrativa,
coletiva, né. Essa o lucro que vinha era dividido, ou fazia uma festa,
né, dividido em lazer, né, então o cara aprendia, aprendia na lavoura
coletiva, as técnicas, e aplicava em casa. Tanto com plantação de
milho, feijão, soja, como também na criação de suínos, o que a
gente aprendia aplicava em casa. Foi uma época boa, bah, acho que
hoje ainda a agricultura tem saudades da época. Eu pelo menos
sinto saudades daquela época ainda. Eram tempos bons. Nós
aprendia bastante.
124
É bom deixar claro que os entrevistados, Milton Sgarbossa e José Zanella, foram
líderes quatroessistas, portanto, vozes autorizadas ao comando e exemplos de trabalho a
serem seguidos. Recebiam treinamento da ACARESC, sujeitos que estiveram à frente dos
trabalhos, tanto individuais quanto coletivos, e deveriam “caprichar” naquilo de que faziam
parte.
As atividades empreendidas pelos jovens tiveram, basicamente, dois níveis:
individual e coletivo. No primeiro, o jovem desenvolvia uma lavoura individual, espaço
onde colocava em prática seus “novos” conhecimentos. Mas o coletivo também fez parte
das ações extensionistas, desenvolvendo uma lavoura coletiva e auxiliando nos trabalhos
comunitários. Estes serviços comunitários serviram, de certa forma, para evitar qualquer
desconfiança por parte dos agricultores adultos sobre as atividades quatroessistas, e
legitimar o trabalho de Extensão com a juventude rural.
2.4 Povo Desenvolvido É Povo Limpo
Lembro vagamente que no ano de 1983 (eu contava então cinco anos de idade)
minha professora do pré-escolar falou-nos algo sobre um menino, e isto atraiu a minha
atenção. Tratava-se do Sugismundo, personagem criado pela AERP (Assessoria Especial de
Relações Públicas – 1968-1973),
125
órgão da Presidência da República responsável pela
124
Ibidem.
125
Um estudo interessante que discute a AERP é o de FICO, Carlos. Reinventando o Otimismo: ditadura,
propaganda e imaginário social no Brasil. Rio de Janeiro: FGV, 1997.
propaganda na época. Através de um menino, discutia-se sobre os maus hábitos de higiene.
Naquele dia, em minha escola, Sugismundo ganhou um nome (não me lembro qual) para se
tornar mais “real”, e para mim ganhou vida. Aquele garoto excluído por todos por sua falta
de higiene, contava-se, recebeu uma toalha e um sabonete e banhou-se. Assim sendo, todos
o abraçaram. Enfim, Sugismundo foi aceito pelo grupo. Mas, como é sabido, higiene não
foi assunto tratado apenas no meu jardim de infância...
Outros discursos perpassam o discurso que enfoco, ou seja, o modernizador. Um
deles é o discurso relacionado à higiene e saúde. Este discurso, quando relacionado aos
jovens rurais quatroessistas, não deixa de ser pedagógico. Tem por objetivo “ensinar”, ou
seja, levar conhecimento embasado cientificamente.
A necessidade de um jovem limpo, organizado e saudável, enfim, este processo de
higienização do agricultor, está ligada ao projeto quatroessista em práticas que pretendem
normatizar hábitos e controlar o corpo dos pequenos agricultores. Uma agricultura “nova” e
produtiva começa pelo próprio sujeito, pelo próprio agricultor. Afinal, a higiene ao redor da
casa e da propriedade não basta. É preciso interferir direto no sujeito. Mas como
determinados saberes num discurso podem produzir novos sujeitos?
Durante os anos de 1977 e 1978, principalmente, a imprensa chapecoense foi
bombardeada por artigos relacionados à higiene e saúde do agricultor. Os jornais possuíam
espaços destinados exclusivamente a notícias dirigidas para homens e mulheres do campo.
Embora muitos dos artigos não fossem diretamente produzidos para os jovens, eram
formulados e lidos pelos próprios jovens em suas reuniões.
126
Por isso, a preocupação da
higiene era algo que deveria importar aos quatroessistas.
A formação de novos agricultores deu-se através da ordem, disciplina e métodos
definidos de trabalho; segundo descrito pela ACARESC,
127
estes princípios acompanharam
a formação dos extensionistas – o principal elo de ligação entre discurso e sujeito, afinal, o
extensionista era quem levava o conhecimento técnico, os saberes sistemáticos ao campo.
Mas é importante também ressaltar que essa ordenação e rigidez presentes na formação dos
técnicos se estenderia aos trabalhos empreendidos com os agricultores catarinenses. No
período que compreendeu a década de 60 em Santa Catarina,
126
MASSON, Ivanete. Chapecó, 06 jun. 1999.
127
ACARESC. Extensão Rural: 25 anos com o pequeno agricultor, op. cit. p. 7.
o governo do Estado e as entidades de representação dos grandes
produtores rurais passaram a produzir uma série de discursos nos
quais evidencia-se que a difusão de técnicas agrícolas modernas
através da Extensão Rural, seria um mecanismo eficaz para alterar
as condições de produção, adequando-as à modernização e
elaborando discursivamente um agricultor sob controle, adestrando
e disciplinando um ‘novo’ homem.
128
Foi preciso utilizar-se de várias estratégias para trazer o agricultor para perto dos
trabalhos da extensão. E uma valiosa estratégia constituiu-se em pensar os 4-S enquanto um
espaço educativo, onde o jovem seria capaz de obter conhecimentos legítimos diferenciados
de seus pais. Os Clubes 4-S e seus Extesnsionistas são mais ou menos aquilo que o Plano
Diretor de Extensão Rural chama de “orientadores mais competentes”:
129
Persiste, todavia, a situação de que os pais pressionados pela
necessidade de afazeres do campo e do lar afastam seus filhos dos
bancos escolares agravando a situação do baixo nível de
escolaridade. As oportunidades educativas para a juventude rural
são reduzidas.
130
O discurso varia de acordo com a situação: primeiro desqualifica o saber
costumeiro, como já foi visto, e em outro momento ataca a agricultura não-mecanizada,
auto-sustentada, que representa um entrave à educação dos jovens agricultores, pois os pais
necessitam de sua força de trabalho na produção. O Estado mostra-se cada vez mais
preocupado em oferecer uma educação com vistas à modernidade tecnológica, e se utiliza
de várias estratégias para obter a “tutela” dos jovens rurais.
128
LOHN, op. cit. p. 9-10.
129
ESTADO DE SANTA CATARINA. Plano Diretor de Extensão Rural. 1970. p. 72. Lembrem-se da
passagem citada anteriormente: “Todavia, à medida que evolui o meio, há mudanças desta situação e os pais
se apercebem da necessidade de confiar seus filhos a orientadores mais competentes, como forma de
complementação indispensável à educação do lar.”
130
ESTADO DE SANTA CATARINA. op. cit. . p. 72.
A “tutela” sobre a formação “correta” do jovem rural não pertence mais à família ou
à educação tradicional da escola, mas à Extensão Rural, que, com seu discurso articulado a
uma forma de conhecimento científico, procura legitimar-se como a instituição capaz de
levar o conhecimento necessário ao jovem produtor do campo.
A imprensa constituiu-se numa estratégia interessante para propagação do discurso
da Extensão Rural no oeste catarinense. A partir do momento em que um jovem de
determinada comunidade produzia um texto para a página destinada ao trabalhador do
campo, a leitura deste texto pelos companheiros quatroessistas tornava-se indispensável.
Além disso, a própria ACARESC produzia textos com vistas à mudança de hábitos,
normatização de condutas, implementação de outras formas de trabalho. Por isso,
procurarei trazer um pouco daquilo que foi destinado ao processo educativo dos
agricultores, especialmente quando relacionado aos jovens rurais.
Certa vez o Escritório Regional da ACARESC, localizado em Chapecó, publicou
uma matéria informativa sobre pediculose. Procurarei discuti-la e, quem sabe, poderemos
aprender um pouco mais sobre o assunto: “O piolho se transmite, passando de cabeça à
cabeça, (daí ser mais fácil de ser transmitido nas escolas), e em condições favoráveis os
ovos germinam numa semana e os piolhos ficam adultos em duas semanas.”
131
Primeiramente, é necessário que o jovem não utilize sua cabeça apenas para transmitir
piolhos. A cabeça do jovem deve ser utilizada para o conhecimento, ou de acordo com a
própria sigla do 4-S, para Saber. Saber o que é pediculose, onde age, em que condições, etc.
Portanto, tem caráter educativo, e é um saber que obedece aos objetivos dos 4-S. Outra
história é como combater os piolhos. Combate-se os piolhos através do
Asseio corporal, com o uso de Neocid, água quente e muito sabão,
da seguinte forma; pulverizar Neocid nos cabelos, depois cobrir os
cabelos com uma toalha ou gorro, por várias horas, pentear o cabelo
com pente fino e depois lavar a cabeça com água quente e sabão.
[...] MANTENHA RIGOROSO CONTROLE DA PEDICULOSE
(piolhos) tomando banho diariamente e troque com freqüência as
roupas de uso pessoal e de cama.
132
131
O que é pediculose? Jornal Correio do Sul. Chapecó, 05 jul. 1978.
132
Ibidem.
Ora, o asseio corporal é sinônimo de higiene, tecla repetida no discurso da
ACARESC. Os cuidados para a saúde começam no próprio corpo do agricultor, e é aí que o
discurso pretende agir. É orientando para o que se deve fazer e como se deve fazer. Deve-se
manter limpo, deve-se tomar banho diariamente, trocar a roupa, cuidar do que se veste e até
de onde se dorme (roupas de cama). Deve-se orientar a fim de normatizar os hábitos a
serem seguidos pelos jovens. É mais que isso: é pedir auxílio às tecnologias, aos produtos
modernos, tais como Neocid, um inseticida (veneno) para pequenos insetos, que teve seu
uso bastante difundido no combate à pediculose. Deve-se evitar a pediculose, mas se não
for evitada, a tecnologia está aí para auxiliar. Como tentei demostrar, o discurso procurou,
em todo momento, impor regras de exame de si mesmo.
133
Mas a proteção do corpo do agricultor não se dá apenas no banho. É preciso cuidar
da propriedade, evitar que ela seja lugar propício para as moscas, que podem trazer algum
mal à saúde. “Após ter-se abastecido na sujeira, ela (a mosca) voa para dentro de casa.
Pousa nos alimentos, no bico e na mamadeira do neném, na louça e nas pessoas, e não
esquece de doar aquilo que tem: doenças.
134
O roteiro é parecido com o anterior, pois tem
um caráter educativo, pretende mostrar que a mosca age no cotidiano do agricultor. E a
moral da história é que alguns hábitos devem ser mudados: Use as seguintes armas:
higiene, limpeza, acabe com o lixo, queime-o, enterre-o, conserve as latas de lixo fechadas,
a porta da privada também.”
135
Posso dizer que há, em todo momento, um “como fazer”
orientando as ações dos agricultores. A imprensa, de certa forma, pode servir como uma
forma de normatização, pois, não são levadas em consideração as diferentes condições em
que estes agricultores vivem e aquilo que têm acesso para possibilitar tal processo de
higienização pretendido. No discurso, é preciso que todos sigam as regras estabelecidas
para não haver mais moscas, pediculose, etc. E mais: “Guarde bem os alimentos, cubra-os
pois.... A SAÚDE É O MAIOR BEM QUE POSSUÍMOS. Estamos entendidos?
136
Parece-
me um tanto óbvio, mas não posso deixar de dizer que um agricultor sem saúde não
trabalha. Estamos entendidos?
133
FOUCAULT, História da sexualidade I, op. cit. p. 23
134
SEIDEL, Clarisse Maria. Jornal Correio do Sul. Chapecó, 12 de nov. de 1977.
135
Ibidem.
136
Ibidem.
A preocupação com a higiene, e por conseqüência, a saúde do agricultor, remete a
uma questão importante: são saberes sistemáticos que procuram interferir num sujeito que
está se constituindo. Em outras palavras, a utilização de Neocid, a construção de privadas,
fossas sépticas, latas de lixo, remetem aos saberes sistemáticos que adentram na vida de um
agricultor (jovem) que deve ser higiênico, ser saudável e construir seu espaço de forma
limpa. Estes saberes fazem parte do processo de constituição de novos sujeitos.
2.5 A Horta Familiar “Racional” e a Saúde do Agricultor
O Jornal Oestão, em seu curto tempo de existência, destinou um espaço à
ACARESC, onde esta informava, discutia, propagava seu discurso. Um assunto
interessante tratado naquele jornal, e em outros periódicos, foi a horta. A horta, segundo os
entrevistados, tinha uma importância relativamente pequena, pois era o espaço onde se
cultivava o tempero, a salsa, cebolinha, tomate comum, almeirão (radicci, para os
entrevistados), ou seja, o complemento da alimentação diária.
Procurei saber qual era o tratamento dado a esta horta antes dos trabalhos
desenvolvidos com os 4-S. Um entrevistado me respondeu o seguinte: “Ah, antes plantava,
deixava, dava uma capinada e deixava ali a Deus-dará. Se dava, se podia colher, colhia,
senão...
137
Parece-me, segundo o entrevistado, que se não se produzisse na horta, não
haveria tanta importância. O espaço, geralmente próximo a casa, servia para o consumo
próprio, e como falei anteriormente, para o complemento de uma alimentação “pesada”,
capaz de sustentar o agricultor para seu trabalho diário. Não havia, segundo os
entrevistados, uma preocupação de cultivar técnica, e racionalmente neste espaço, até
meados da década de 1970, não havia pelo menos uma preocupação mais sistemática. Vale
lembrar que o entrevistado foi sócio-fundador e líder do primeiro Clube 4-S de Chapecó
(1972), localizado em Sede Figueira (interior do município de Chapecó), e, portanto,
acompanhou o “dantes” da chegada do programa.
Outro jovem do Clube 4-S da Comunidade de Sede Figueira, Milton Sgarbossa,
líder do Clube no início da década de oitenta, fala do tratamento dado à horta já se
137
ZANELLA, José. Chapecó, 03 mar. 2001.
utilizando de técnicas adotadas pelos jovens participantes do programa sob orientação dos
extensionistas da ACARESC:
[...] plantava só um tipo, era só radiche, alface, essas coisa ali,
tomate vinha esses comum aí que tu jogava a semente vinha igual.
Daí na época, eu lembro, um pouco que daí fazia os canteiro, já ia
prá Chapecó (na sede do município) e comprava tela, fazia, né, o
quadradinho, os canteiro, daí puxava prá cima fazia de tábua, né,
prá poder deixar bem caprichado, daí adubava, precisava, daí
começou a aparecer outros tipos de verdura que o cara nem sabia
que, que existia, né, na época.
138
Através do trabalho com Clubes 4-S, a construção de hortas foi incentivada, com
saberes sistemáticos. Educar, racionalizar as atividades do jovem, sem perder de vista o
agricultor adulto, foi uma estratégia de ação utilizada pela ACARESC. Conforme o
engenheiro agrônomo Eros Marion Mussoi, chegar aos pais através dos jovens, também era
um dos objetivos dos clubes 4-S: “seja através das pessoas ‘adultas’, seja através de uma
nova geração de agricultores, os clubes 4-S sempre foram considerados uma forma de
chegar aos agricultores adultos através dos jovens.”
139
O jovem poderia ser um elo de
ligação entre o saber sistemático e seus pais, considerados mais resistentes à mudança,
segundo o discurso da instituição. Por isso a necessidade de envolver a família também nos
Clubes 4-S:
Que eu lembro que na época lá, daí o pai veio nas reuniões também.
Daí ele já começou, né, daí tinha verdura meio à vontade, né. Eu sei
que as, as primeiras vez, tinha um paiolzinho lá na roça, era ali do
lado, tu olhava aqueles radiche ‘duri’ (almeirão duro), era só
aqueles e deu, né. Tinha salada, (apenas) era aquilo. E tomate,
plantava aqueles tomatinho comum, né, que aquele dá em qualquer
lugarzinho, no meio do inço (erva daninha), no meio da capoeira
vem embora, né. E outros tipos não tinha.
140
138
SGARBOSSA, Milton. Chapecó, 03 mar. 2001.
139
MUSSOI, Eros Marion. Integracion entre investigacion y extension agraria en un contexto de
descentralizacion de desarrolo: el caso de Santa Catarina / Brasil. 1998. Tese de Doutorado –
Universidad de Córdoba, Córdoba (Espanha). p. 216 (tradução minha).
140
SGARBOSSA, op. cit.
A figura do pai carrega em muitas comunidades o poder de decisão sobre
determinadas culturas a serem produzidas. Para a ACARESC, o jovem era uma importante
instância para difundir o conhecimento técnico, porém não constituiu a única forma. Daí a
necessidade de envolver a família como um todo. Faz-se necessário dizer que em Chapecó
e na região oeste surgiram vários Clubes de Mães de Jovens 4-S, onde eram desenvolvidas
atividades, por exemplo, de costura e de culinária.
Em determinado momento, mais precisamente na segunda metade da década de
1970, na região oeste, passou a haver um cuidado maior com a alimentação do agricultor,
uma importante fonte de saúde, e por esta razão a horta familiar passou a ser vista de outra
forma. Tanto Milton Sgarbossa quanto José Zanella evidenciaram que as sementes eram
“arremessadas” sem a menor técnica dentro de um espaço de terra para produzir algum tipo
de alimento. Então, através do discurso que, de certa forma, tratou de uma nova maneira de
lidar com a horta familiar, criou-se uma necessidade, e com ela veio a curiosidade dos
jovens agricultores: “Daí sempre me alembro dos pé de tomate, aqueles couve rabano,
quantas vez que nós ia na horta roubar prá comer, porque era bom comer puro, chegar lá
e vê aqueles canteiro bonito, né, comprido.
141
Os radiche (almeirão) no meio do inço (erva
daninha) não era cobiçado pelos jovens, mas por um tomate ou rabanete ousou-se “invadir”
a horta. Os novos hábitos alimentares e as técnicas de produção utilizadas despertaram a
curiosidade de muitos jovens em experimentar tais novidades. Daí talvez a prática de
romper barreiras (a cerca da horta, neste exemplo) para saciar a curiosidade pelos novos
produtos cultivados. As “apropriações” dos produtos cultivados na horta são uma prática no
sentido de tática, afinal, o que esta ganha, não guarda. O que vale é o momento, a ocasião:
deve-se tirar partido das forças que lhe são estranhas. Ele, o fraco, conforme Michel de
Certeau, o consegue “em momentos oportunos onde combina elementos heterogêneos (...),
mas a sua síntese intelectual tem por forma não um discurso, mas a própria decisão, ato e
maneira de aproveitar a ‘ocasião”.
142
Foi preciso muita astúcia para “invadir” a horta.
Também faz parte deste processo de constituição da “nova horta familiar” a própria
ordenação do espaço. Já não basta que o canteiro seja um lugar cheio de falhas, onde as
culturas estão misturadas entre si. É necessário haver a delimitação dos espaços para cada
141
Ibidem.
142
CERTEAU, op. cit. p.46.
cultura, a racionalização daquilo que vai ser cultivado; muitas vezes o cercamento para
evitar a depredação por parte dos animais domésticos (uma ave constitui verdadeiro terror
para uma horta), a capina, de modo a emparelhar e acabar com as ervas daninhas e as
diferenças de nível do terreno. Enfim, é necessário ordenar, racionalizar também este
espaço de cultivo. Mas vale lembrar que a horta configura um espaço feminino, afinal é a
mulher quem planta e colhe, é ela quem transforma estas verduras em alimento para a
família. Nos trabalhos desenvolvidos pelos Clubes 4-S, o preparo e o cultivo da horta ficou
a cargo das extensionistas sociais que, por sua vez, trabalhavam com as meninas.
Estou tentando demonstrar que se tornou necessária uma nova educação alimentar
ao sujeito que estava sendo constituído naquele processo, e por este motivo se fez
importante produzir “hortaliças durante todos os períodos do ano objetivando modificar
os hábitos alimentares das famílias rurais”,
143
conforme a orientação da ACARESC. É
dentro desta nova educação alimentar que a horta entra como espaço de cultivo de parte da
alimentação de um novo e saudável sujeito, um oposto ao Jeca Tatu, doente e preguiçoso.
Daí a preocupação em desenvolver um projeto relacionado ao tema, no qual “o objetivo das
Extensionistas da ACARESC no projeto de Educação Alimentar é orientar o consumo (por
exemplo) da soja pelas famílias rurais, visto que na região (oeste de Santa Catarina) existe
grande produção.”
144
A própria equipe da Extensão Rural desenvolveu os trabalhos, que
envolvem diretamente não apenas o jovem, mas a mulher adulta: “[...] devido ao seu alto
valor nutritivo na alimentação humana, estão sendo desenvolvidos treinamentos
comunitários com as donas de casa, com a finalidade de incentivar e ensinar a fazer
diversos pratos diferentes e nutritivos oriundos da soja.”
145
A horta, fazendo parte de uma
“moderna educação alimentar”, ingressava na constituição do moderno agricultor.
Mas para a boa saúde do agricultor era necessário que a água fosse potável.
Primeiro passo: “A água para tomar e usar em casa deve ser pura.” Correto? Óbvio. Bem,
o segundo passo: “Para que seja pura devemos ter certos cuidados, como: construir o poço
15 metros longe da privada; longe do chiqueiro; num lugar mais alto que a privada e o
143
TREINAMENTOS visam modificar os hábitos alimentares das famílias rurais (município de São Carlos –
SC). Jornal Oestão. Página da ACARESC. Chapecó, 15 dez. 1978.
144
KIST, Dalva. A Soja “forte como a carne, mas custa muito menos”. Jornal Oestão. Página da ACARESC.
Chapecó, 14 set. 1978. (Extensionista Social da ACARESC de Quilombo).
145
Idem.
chiqueiro; num lugar livre de enchentes; perto de casa.”
146
Manter a água longe da
contaminação para garantir a saúde do agricultor pressupõe também a racionalização destes
espaços.
Procurei evidenciar ao longo deste capítulo alguns saberes que trazem consigo uma
forma de poder disciplinar, criados e propagados através do discurso da Extensão Rural. Os
conhecimentos técnicos, numa perspectiva foucaultiana, disciplinam, normatizam, regulam,
estabelecem práticas a serem seguidas pelos sujeitos que estão se constituindo. Enfim, o
discurso procurou controlar o cotidiano do jovem, envolver a família, seja através da horta,
dos conhecimentos sobre higiene, etc. Neste momento, preocupei-me em explicitar o
discurso da Extensão Rural e seus procedimentos de ação. Mas a questão das táticas,
embora não esteja separada, merece ser focalizada num outro momento.
2.6 As reuniões: espaço de controle, espaço de sociabilidade
(A Fazenda) podia ser boa e bonita. Mas
dava prejuízo. E tem mais: a indisciplina
reinava, imperava o mal. Campeavam as
libertinagens. Elogiava-se a loucura. As
hierarquias eram revertidas, a higiene, o
recato. Um quadro nada modelar. Portanto
já era tempo de impor ordem à comunidade
vacum.
147
O cantor, compositor e escritor Chico Buarque utiliza alegorias em vários momentos
de sua obra para criticar algo ou alguém. Nesta pequena citação, uma possibilidade de
interpretação é considerar que a fazenda é o Brasil do início da década de 1970: um lugar
onde tudo está de cabeça para baixo, e, portanto, necessita de ordem. Num outro plano,
tratando do meu objeto de pesquisa, posso pensar que neste mesmo momento tornou-se
necessário que as hierarquias não fossem revertidas com os jovens do campo, assim como
foi necessária a imposição de uma ordem (de uma disciplina). Neste sentido, procuro
discutir, juntamente com as estratégias de controle, sobre práticas que não se deram de
forma sistemática, regular, como a improvisação (uma “antidisciplina”) dos jovens frente à
146
SUDBRACK, Enar Elaine. Importância da água para a nossa saúde. Jornal Oestão. Página da ACARESC.
Chapecó, 14 jun. 1978. (extensionista social de Xanxerê).
ação extensionista. Mas procuro não perder de vista que as práticas estão aliadas à
necessidade de imposição de uma disciplina por parte dos extensionistas.
Na organização interna do Clube Aliança Juvenil, foi necessário inicialmente
classificar os associados e estabelecer dispositivos de punição para quem não cumprisse as
leis do Clube:
Art. 1º Todo aquele que tem cartão de associado devidamente
assinado e contendo assinatura dos pais, ou responsável (sic) e do
líder (sic) geral conforme regulamentos deste clube, é sócio e, está
em obrigação de participar das reuniões ordinárias (sic) de projetos
e serviços de qualquer espécie. (2º) Faltando a 3 reuniões
consecutivas sem justificar a falta, não será mais considerado sócio,
e terá multa [...] (3º) Não pagará multa o sócio que se desligar do
clube alegando um motivo justo.
148
Deve-se ter o apoio dos pais (comprovado pela sua assinatura) e do líder, para ser
classificado enquanto “sócio 4-S”. Neste sentido, poderá usufruir de tudo o que o clube tem
a oferecer. Porém, se não cumprir com as obrigações (neste caso, estar presente nas
reuniões), será punido (com desligamento do clube e multa em dinheiro).
Os conhecimentos e as discussões também foram dirigidos ao corpo do sócio 4-S,
neste caso, mais específico, à sua sexualidade:
O irmão Edvino falou sobre ‘sexo e vida’ foi uma palestra de 2
horas de duração o público presente gostou muito e demonstraram
interesse (sic) pelo que o irmão falou. Esteve presente sócios 4-S,
juventude e muitos pais. Quando o palestrante deu por encerrada a
sua palestra os presentes demonstrando seu agradecimento não
podendo apertar sua mão porque o número de pessoas era bastante o
saudaram com uma bonita salva de palmas.
149
Exercer controle sobre o jovem é também controlar sua sexualidade (através do
discurso católico, neste caso). É preciso falar de sexualidade aos jovens e falar diante de
seus pais, procurar envolver a família. Em vários momentos a família deve-se fazer
presente para que obtenha conhecimento. A constituição de novos sujeitos está relacionada
147
BUARQUE, Chico. Fazenda modelo. Novela Pecuária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1989. p. 6.
148
CLUBE 4-S ALIANÇA JUVENIL. Atas 1972-1977. Ata 02, 03 de nov. 1972.
149
Idem. Ata 07, 10 ago. 1974.
neste caso ao conhecimento, porém, não tive acesso ao conteúdo da palestra. Mas é
importante observar que esta palestra foi acompanhada por familiares de jovens
quatroessistas, também responsáveis pelo controle da sexualidade destes jovens.
As reuniões, no caso de Sede Figueira (Aliança Juvenil) foram realizadas,
inicialmente, no primeiro sábado de cada mês, às 14 horas. Este horário de reunião aos
sábados se alterou ao longo dos anos, alternando tardes e noites, dependendo das
necessidades dos jovens. Com a instalação do Clube 4-S na comunidade, e com o início das
reuniões, procurou-se colocar a necessidade de que é preciso que o jovem organize suas
atividades para que possa freqüentar o espaço. Deve racionalizar seu tempo, controlar as
atividades: procura-se também garantir a qualidade do tempo empregado: controle
ininterrupto, pressão dos fiscais, anulação de tudo o que possa perturbar e distrair; trata-
se de constituir um tempo integralmente útil.”
150
Na lavoura familiar, em sua lavoura
individual, nas reuniões e outras atividades dos clubes 4-S é onde deve-se “construir um
tempo integralmente útil”, sempre ressaltado pelos líderes, pelos extensionistas, pelos
colegas e por seus pais. Ao desenvolver suas atividades, um sócio 4-S deve procurar um
tempo de boa qualidade, pois “o tempo medido e pago deve ser também um tempo sem
impureza nem defeito” e “durante todo o seu transcurso o corpo deve ficar aplicado a seu
exercício. A exatidão e a aplicação são, com a regularidade, as virtudes fundamentais do
tempo disciplinar.
151
Deve-se participar das atividades visando o embelezamento da comunidade para
legitimar o trabalho. Exemplos de projetos e serviços de ajuda à comunidade pelo Clube 4-
S:
Roçado e limpeza nas proximidades da gruta da S. F. (Sede
Figueira). Ajuda a comunidade: sinalização de estrada e sinalização
das sessões de vendas de alimentos da festa do dia 10 de dezembro
de 72. Projeto coletivo: plantio do milho.
152
Ou ainda que “lavoura coletiva: preparar o terreno (lavragem semear o adubo,
etc.) e fazer o plantio do milho, quarta feira dia 8 de novembro de 1972 na parte da tarde
150
FOUCAULT, Vigiar e punir, op. cit.. p. 137.
151
CLUBE 4-S ALIANÇA JUVENIL. Atas 1972-1977. Ata 07, 10 ago. 1974.
152
Idem. Ata 02-03 nov. 1972.
[...] para todos os sócios.”
153
Tornou-se necessário legitimar-se para a comunidade, frente
aos agricultores “ariscos”, e neste sentido os jovens quatroessistas precisaram organizar
suas atividades, racionalizar o tempo gasto nas atividades para contabilizar um tempo
disponível para realizá-las. Devia-se efetuar as atividades individuais para que o coletivo
também fosse contemplado. Enfim, devia-se estabelecer uma economia de tempo própria a
um processo disciplinador, no qual o ócio fosse deixado de lado o máximo possível. Os
Clubes 4-S, interferindo nos horários dos jovens quatroessistas, procuraram estabelecer
uma nova economia do tempo.
Porém, as práticas disciplinares não ocorrem, todavia, com o sucesso desejado.
Pode-se perceber que no horário das reuniões os jovens em questão, talvez timidamente (ou
não), burlaram as regras. “O intensionista (extensionista) quer saber o porquê das pessoas
que não participam das reuniões deverão participar mais. Para ter uma comunidade mais
unida. O motivo é simples ser mais pontual (chegar) na hora.”
154
Cumprir o horário é
importante para um jovem disciplinado. Cumprindo o horário haveria maior participação
nas reuniões (segundo o relatado), e com isso, maior aproveitamento dos esforços dos
sócios 4-S. Devia-se ser pontual, e também se deve comparecer às reuniões: “O (sócio X)
deverá cumprir mais com seu trabalho 4-S: os problemas (sic) que surgiu com o (sócio X)
foi resolvido os motivos dos seus não comparecimento.”
155
Chegar atrasado, ou mesmo não
comparecer às reuniões, eram comportamentos que vinham de encontro à formação dos
jovens. Por este motivo, os líderes, ou mesmo os extensionistas, deviam cobrar uma outra
postura, para tentar corrigir os comportamentos que desviavam a rota. Neste sentido, pode-
se entender que os processos não são unilaterais: um discurso (da Extensão Rural, dos
Clubes 4-S) pretende difundir modelos de comportamento; percebe-se, no entanto, que
ocorrem desvios de comportamento; mas também ocorrem tentativas de correção dos
desvios.
Assim sendo, a “micro-resistência”, o comportamento desviante do sócio 4-S não
encerra a história: procurou-se intervir novamente junto ao associado, objetivando sua
adaptação (era necessário que este comparecesse às reuniões). Em muitos casos, ao assumir
uma postura crítica, as resistências, as táticas, enfim, aquilo que foge dos projetos
153
Ibidem. Ata 01, 01 nov. 1972.
154
Ibidem. Ata 16, 01 set. 1976.
155
Ibidem. Ata 17, 12 out. 1976.
homogeneizantes, é tido como a palavra final das análises. Se o escravo utilizou-se de
táticas para escapar das imposições (sejam elas religiosas, laboriosas ou não) do senhor, a
história acaba aqui. Se o operário resistiu ao patrão, é o que importa. Porém, às vezes se faz
necessário perceber se o “rolo compressor” continuou a rodar, ou seja, como o senhor ou o
patrão (e o extensionista) agiram diante das situações, quando perceberam estes desvios.
Na ata das reuniões deveria ser descrita a forma de recreação desenvolvida pelos
jovens quatroessistas: “o sócio (Z) contou a piada do ‘cachaceiro e a égua velha’. O irmão
Edvino contou uma do bêbado.”
156
A recreação objetivou distrair os sócios durante as
reuniões. Para isto, contou-se piadas, que foram registradas pela secretária. Outra vez, o
mesmo sócio Z contou a piada “o Santo.”.
157
Porém, é interessante perceber que as
recreações foram pouco utilizadas (ou pouco registradas, talvez) durante as reuniões do
Clube Aliança Juvenil, pois somente duas vezes (num total de dezenove) contaram-se
piadas. Talvez as discussões tomassem este espaço de tempo: “Não houve (sic) por estar
atrasados (sic) na hora (sic).”
158
Talvez as conversas paralelas tenham atrasado as
discussões da pauta.
Se o comportamento individual é tratado nas reuniões, o coletivo não deixa de ser
citado: Conversa nas reunião. Os sócios não devem conversar nas reuniões
principalmente quando é o intensionista (extensionista) para não [...] atrapalhá.”
159
Percebendo os Clubes 4-S de uma outra ótica que não a do puro e simples aprendizado, este
pode ser considerado um espaço de sociabilidade. É onde os jovens se encontram fora dos
espaços habituais (futebol, missa, bailes etc.). A procura por estes clubes também pode ter
ocorrido para encontrar e fazer amigos, ter acesso a conhecimentos, namorar. As fontes de
pesquisa apontam que houve socialização de palavras nas reuniões. Houve o contato entre
os jovens e, portanto, a discussão pode tomar outro rumo. Sugiro que estes jovens não
permaneceram enfileirados e em silêncio como um projeto gostaria; utilizaram-se desses
espaços de diferentes maneiras, e em algumas vezes mudando o andamento da reunião por
causa das conversas.
156
Ibidem. Ata 08, 08 abr. 1975.
157
Ibidem, idem.
158
Ibidem. Ata 03, 02 dez. 1972.
159
Ibidem. Ata 11, 01 dez. 1975.
A atividade da agricultura depende de outro fator: o clima. Neste caso, como
programar as atividades se poderá chover? Neste sentido, é necessário usar o tato para que
as regras não deixem espaços para improvisação: “Foi também convocado os sócios para
fazer a colheita do milho na lavoura coletiva (se não chover) no dia 22 de junho, sexta
feira o dia todo.”
160
Para realizar a maioria de suas atividades relacionadas à lavoura, um
agricultor necessita de tempo bom, necessita de sol. É necessário contar com todas as
possibilidades: “Capina no coletivo esta Sexta (sic) dia 4 se chover será sábado de
manhã.”
161
Mas também é necessário estabelecer um ponto de entendimento comum entre
os sócios 4-S (se chover, será amanhã).
Chovendo ou não, o extensionista rural ficou encarregado de introduzir novas
formas de lidar com a produção. Para isto, as reuniões constituíram espaço de orientação
das tecnologias modernas: uma palestra importante que a comunidade necessita. A
palestra vai ser com o intencionista (extensionista) Vili, sobre herbicida e nova fórmula do
adubo. Nova fórmula vai ser pro sócio se ele comparecer.”
162
No ano de 1976 foi autorizada pela Prefeitura Municipal de Chapecó, através da
Secretaria de Agricultura do município, a aquisição de 2.500 quilos de veneno para o
combate da formiga saúva. A distribuição do veneno ficaria a cargo da ACARESC,
juntamente com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais, cabendo à primeira a orientação
para a aplicação do veneno.
163
Esta instituição possuía respaldo, trabalhava com diversas
instituições públicas e privadas e, para os jovens rurais, introduzia insumos “modernos”. A
participação do extensionista da ACARESC se fazia “necessária” para orientar novas
formas de produzir. Neste caso citado, seriam utilizados adubos químicos, valendo
mencionar que muitas das marcas de insumos agrícolas financiavam encontros, congressos,
e eram introduzidos pelos extensionistas. Porém, as novidades de produção da década de
setenta são hoje deixadas de lado pelos próprios ex-quatroessistas: “[...] naquela época a
gente usava quase só produtos químicos, adubos. Hoje não, hoje nós usamos só orgânicos,
naturais.”
164
160
Ibidem. Ata Sem Número, 17 jun. 1973.
161
Ibidem. Ata 16, 01 set. 1976.
162
Ibidem. Ata 10, 02 out. 1975.
163
PREFEITURA MUNICIPAL DE CHAPECÓ. Boletim oficial do município. Chapecó: a. 4, n. 40. 1ª e 2ª
quinzena jul. 1976.
164
ZANELLA, 2001.
Pode-se considerar como aspectos do clube: classificar, controlar, punir,
racionalizar o tempo etc. Mas não há como desconsiderar que neste processo outras práticas
também estiveram presentes, e de forma alguma podem ser isoladas. As táticas de que falei
dependem de um “próprio” oposto para tomarem forma. As formas de improvisação diante
das práticas disciplinares são importantes para a compreensão do processo. Procurei
analisar os mecanismos de vigilância e de controle, que tencionaram corrigir os
comportamentos desviantes. Todavia, tentei demonstrar que o desvio também fez parte de
uma história dos Clubes 4-S e da Extensão Rural.
2.6.1 As festas, os namoros
Em 1982, na convenção de Florianópolis, teve-se o seguinte depoimento:
Eu também fui líder 4-S, e foi demais trabalhoso para criar o Clube
4-S na comunidade. A gente enfrentou ‘barras’ pesadas, tentou
reunir, foi quase que extinto, porque ele foi criado [...] em cima de
uma convenção, a de Chapecó.
165
Com a proximidade de uma grande convenção, como a realizada em Chapecó
(1978), era possível que se incentivasse o surgimento de novos clubes. Mas esta não era a
única questão tratada pelo sujeito que discursa:
Então, de cima disso, o pessoal, o jovem que hoje em dia está
incutido dentro dele, a diversão. Quem sabe dentro da própria
família, dos próprios pais, eles não dão mais, ou nós não recebemos
de nossos pais e não estamos dando para os nossos filhos, aquilo
que os nossos, no passado, deram – o compromisso. (...) Hoje
nossos filhos não sabem mais fazer nada. Então, sei o porquê que
estão sendo criados dessa forma, que eles não querem mais
compromisso; só diversão e diversão.
166
As dificuldades de se levar adiante o trabalho com Clubes 4-S existiam: pelo menos
é o que relata uma ex-liderança quatroessista do extremo oeste catarinense. Havendo
165
MUSSOI, 1993. p. 9.
166
Idem.
convenção ou encontros (em Chapecó, no caso relatado), poderia haver também a fundação
de novos Clubes 4-S, utilizados pelos jovens como uma forma de diversão.
Oficialmente, os clubes desenvolviam atividades nas quais sócios de várias
comunidades se reuniam. Assim: “tinha vários, [...], encontro que era tipo, um domingo de
lazer, daí torneio, bola, essas coisa aí, daí um domingo cada, cada, cada ano, né, fazia um
domingo prá daí se reunia todo mundo junto, né. Que daí os 4-S ficava tipo, reunido.”
167
O
futebol aos domingos, entre outras atividades, era organizado pelas lideranças
quatroessistas para reunir os sócios de várias comunidades. Como no caso relatado, uma
vez por ano em cada comunidade. Mas a recreação poderia ir além do instituído pelas
lideranças, como é o caso dos encontros.
Neste sentido, é possível pensar que os Clubes 4-S foram além de um espaço
“educativo” para o jovem rural: sua utilização podia ser também um “mecanismo” de
sociabilidade, um espaço que possibilitava o encontro entre os jovens, os bailes, a diversão,
os namoros... Enfim, o projeto que existia era de um clube com discurso pedagógico, que
pretendia ensinar, modernizar o jovem rural; sua utilização (recepção?) podia ser também a
sociabilidade. Essas condutas que procuravam algo além da educação quatroessista, ou seja,
jovens que possivelmente participassem dos clubes apenas em períodos de festas e de
convenções, dificultavam o trabalho de quem procurava organizar os trabalhos. Em 1982
discursou-se que o jovem apenas procurava a diversão. Porém, é interessante perceber que
alguns jovens utilizavam-se dos Clubes 4-S com propósitos que iam além da proposta
quatroessista.
Uma atividade para arrecadar fundos para os projetos do clube eram os bailes nas
comunidades do interior. Os bailes dirigiam-se à comunidade em geral, bem como aos
sócios 4-S de outras comunidades. Os bailes eram um importante espaço de sociabilidade
para as famílias de agricultores, que dançavam e divertiam-se conforme seus valores.
Porém, para um jovem quatroessista, o baile não tinha o mesmo significado: “A escalação
do baile dos sócios (sic) que tinha que trabalhar no baile no dia 26 de abril sendo que
todos os sócios (sic) tinha que trabalhar.”
168
A convocação dos jovens ao trabalho
“voluntário”, ou melhor, à atividade não remunerada impedia, para os entrevistados, a
167
SGARBOSSA, 2001.
168
CLUBE 4-S ALIANÇA JUVENIL. Atas 1972-1977. Ata 08, 08 abr. 1975.
oportunidade de “arrumar namorada(o)”. Os Clubes 4-S podiam significar uma forma de
conhecer a namorada(o)? Sim. Mas e o baile? Também. Mais era a comunidade, na
comunidade praticamente (o sócio 4-S) não participava (da dança.), porque tinha que tá
organizando, trabalhando, .”
169
Organizar, convidar toda a comunidade, realizar, cuidar para que nada falte neste
espaço: mas também eleger a Rainha. Uma prática dos bailes era a escolha da Rainha 4-S:
por que na época o município de Chapecó também, na minha época ali, daí era concurso
dos baile da Rainha, né. Daí cada grupo escolhia uma Rainha, daí era um ano aqui, um
ano na outra comunidade, assim fazia rodízio.”
170
Também eram realizadas gincanas, brincadeiras entre os sócios, mas que não
deixavam de lado a questão dos resultados: a gincana “contou com a participação de 60
pessoas do Clube Aliança Juvenil. Na oportunidade os quatroessistas mostraram o
resultado do trabalho organizado e executado no período de 1977/78, envolvendo toda a
comunidade.”
171
E ao participar desses clubes, os jovens poderiam ir além das amizades: “Na minha
época não [...] dava namoro, né (risos).”
172
Mas poderia ser o contrário: “Ah, tinha um
namorisco. Quando se encontrava num grupão assim sempre [...] mas não é que nem
hoje.”
173
Uma das táticas para a conquista de um parceiro(a) poderia ser a utilização de seu
status, de sua liderança no grupo: “Mais era nos encontro, nas reuniões e tal, daí quem se
destacava, falava mais, que sabia um pouco era mais perseguido (risos), né, eu lembro da
minha época.
174
A “perseguição” pode ser sinônimo de paquera. Quando um membro se
destacava através de suas falas ou ações diante dos colegas quatroessistas, segundo o
entrevistado, o interesse poderia crescer por parte dos outros sócios:
Até lembro um dia (que me perguntaram) - Mas é casado ou é
solteiro? (respondi que sou) Casado. [...] Daí eu aprendi, né, o
técnico disse, o que eu acho que é certo e que tenho certeza, eu
brigo por isso, né. Agora, se eu não tenho certeza eu fico quieto, né.
Daí cada vez que eu ia numa reunião, se eu tinha certeza de uma
169
ZANELLA, 2001.
170
SGARBOSSA, 2001.
171
CLUBE 4-S de Sede Figueira faz Gincana. Jornal Oestão. Chapecó, 26 jul. 1978.
172
SGARBOSSA, 2001.
173
ZANELLA, 2001.
174
SGARBOSSA, 2001.
coisa, eu batia em cima disso. Muita gente também achava, né, (e
pensavam) ‘É, ele tá certo.’
175
Para o entrevistado, pelo fato de exercer liderança no clube, por ter acesso aos
treinamentos exclusivos para os líderes, procurar ter certeza daquilo que fala mas,
sobretudo, ter autoridade na fala, poderia tornar-se numa tática interessante para a
conquista, para as paqueras. Nas convenções também existiam bailes e estas práticas eram
incentivadas pelo serviço de Extensão Rural da ACARESC. Porém, é necessário entender
que a utilização deste espaço por parte dos jovens poderia ser outra (estou falando de
namoro, paquera!). Porém, por que proibir, por exemplo, o namoro entre jovens
quatroessistas? Tornou-se necessário aos extensionistas exercer controle sobre o namoro
dos jovens, sobre a forma como namoravam diante dos companheiros e onde namoravam,
por exemplo. Talvez a palestra sobre sexualidade (provinda de um sujeito religioso que
discursa) ou mesmo as atividades diferenciadas desenvolvidas por meninos e meninas em
espaços diferentes (a lavoura e a horta, por exemplo) sejam formas de controlar a paquera.
Mas ao mesmo tempo, um relacionamento entre dois jovens quatroessistas poderia
significar um relacionamento de sujeitos que tiveram acesso a informações sobre como se
portar, palestras sobre sexualidade, enfim, tudo dentro daquilo que a extensão pretendeu.
Busquei, ao longo deste capítulo, observar a proposta da Extensão Rural para os
Clubes 4-S, e como este discurso procurou interferir diretamente nos jovens rurais, visando
constituir um agricultor com vistas ao moderno. Porém, procurei demonstrar também o que
o discurso extensionista não comportou, ou seja, as táticas dos praticantes. A ACARESC,
neste processo, procurou disciplinar, exercer controle sobre os jovens que participavam do
programa, mas ao mesmo tempo este controle, esta disciplina, não foi tão perfeita como se
pôde imaginar. Estiveram os jovens entregues simplesmente à passividade e à disciplina?
Nas práticas cotidianas, os jovens, de alguma forma, utilizaram-se de outras formas dos
Clubes 4-S, foram além da proposta. Improvisaram, transformaram-no em um espaço de
encontro. Viu-se que nem sempre os jovens chegaram no horário; que nem sempre
cumpriram com seus deveres. Enfim, os jovens quatroessistas também se utilizaram destes
espaços para uma função estranha ao sistema do qual fizeram parte.
175
Idem.
Terceiro Capítulo: A Crise dos Clubes 4-S.
O discurso da ACARESC, segundo Lohn,
176
entrou em crise em meados da década
de 1970, quando ocorre a criação de outras empresas de extensão (a exemplo da
EMBRATER, em 1974). Assim, a Extensão Rural passou de uma associação civil
(ACARESC) para uma empresa pública (EMBRATER). Porém, neste período posterior ao
início da crise é quando os Clubes 4-S se desenvolveram efetivamente no oeste catarinense
em outras regiões do estado, momento em que o discurso procurou intervir com mais força
junto aos agricultores, utilizando-se de congressos, da imprensa, e outros meios para chegar
até o jovem rural. Observo que a crise do discurso extensionista, dirigida ao jovem rural, foi
contundente no início da década de 1980. Foi neste momento que as discussões
aconteceram, e que a Extensão Rural e os demais interessados resolveram questionar-se
sobre as experiências de trabalhos com a juventude rural. Foi também um período em que
os movimentos sociais afloraram no campo, principalmente no oeste catarinense, com a
organização das oposições sindicais, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), do Movimento das Mulheres Agricultoras (MMA) e mesmo do Movimento dos
Atingidos por Barragens (MAB).
O surgimento desses movimentos sociais também esteve ligado aos impactos
econômicos e sociais trazidos pelo processo de modernização da agricultura no oeste
catarinense. Isto ocorreu porque
A introdução de variedades melhoradas de sementes, exigentes em
insumos modernos, importados e de alto custo, resultou também em
benefícios para as propriedades de maior tamanho, marginalizando,
e não raras vezes, forçando, pequenos agricultores a abandonar a
atividade.
177
No processo de mobilização dos agricultores excluídos pelo processo modernizador,
as pastorais ligadas à Igreja Católica entraram em ação, procurando reunir e discutir sobre a
situação desfavorável dos pequenos lavradores. Este foi, possivelmente, um dos momentos
176
LOHN, op. cit. p. 74-79.
177
ESPÍRITO SANTO, op. cit. p. 99.
de questionamento sobre a Extensão Rural (agente do processo de modernização da
agricultura).
Em uma das conversas informais de que me utilizo, um ex-quatroessista relatou-
me algo relevante para o entendimento dos conflitos e da crise dos Clubes 4-S. A região
oeste, como se sabe, constituiu espaço importante para a as práticas modernizadoras da
Extensão Rural, mas também para fermentação de movimentos sociais ligados ao campo. A
região também foi lugar onde a Esquerda Católica
178
se fez presente e, neste sentido,
aponta-se uma rivalidade entre grupos de jovens (da Igreja Católica) e os Clubes 4-S. Uma
das estratégias utilizadas pelos grupos de jovens para impor sua forma de trabalhar com a
juventude rural, no início da década de oitenta, foi eleger uma pessoa do grupo de jovens,
ou ligada a este, para assumir a Diretoria de um Clube 4-S. Assim sendo, quando a diretoria
era assumida, o grupo implodia” o Clube 4-S, ou seja, encerrava suas atividades.
Logicamente, uma pessoa não poderia ser eleita sem o apoio de um grupo, ou seja, foi
necessária a participação de várias pessoas do grupo de jovens nos Clubes 4-S. O que me
cabe assinalar é que neste momento ocorreu a “perda do encanto” por parte dos agricultores
em relação à Extensão Rural.
Num contexto de críticas à Extensão Rural e aos Clubes 4-S, produziram-se no
início da década de 1980 relatórios apontando para possíveis soluções da crise em
encontros da ACARESC. Neste momento, também surgiram trabalhos acadêmicos tratando
do tema. Procurou-se discutir a evasão do jovem rural, assim como foram avaliadas
também as próprias experiências extensionistas. Se o jovem tornou-se objeto de estudo nos
Estados Unidos da década de 1950 e objetivo das ações extensionistas no início da década
de 1970 (em Santa Catarina), uma década após, a Extensão Rural tornou-se objeto de
estudo de si mesma. O primeiro Encontro sobre Extensão Rural, realizado entre 17 a 20 de
maio de 1982,
Teve a participação efetiva de agricultores, mulheres e jovens
rurais, sindicalistas, cooperativistas e empresários, além de todo
corpo dirigente da ex-ACARESC. O objetivo foi o de promover,
através de debates, depoimentos e reflexões, o entendimento
178
Para CAMPIGOTTO, a esquerda católica é a ala da Igreja Católica ligada à Teologia da Libertação. Reúne
leigos, padres, religiosos e bispos que assumiram uma postura teológica em torno da opção preferencial pelos
pobres.
comum dos participantes sobre extensão rural, visando aprimorar a
eficácia da ação extensionista em Santa Catarina. Um dos pontos
positivos deste Encontro foi a participação dos agricultores, que
procederam uma análise crítica da extensão rural, apontando, já
naquela época, inúmeros pontos que, lastimavelmente, foram pouco
considerados, e que, pelo contrário, agravaram-se.
179
Assim, procurarei demonstrar ao longo deste capítulo como a Extensão Rural e os
intelectuais que tratam deste tema procuraram constituir um discurso sobre esta crise. Mas,
para iniciar a discussão, gostaria de discorrer sobre práticas incentivadas pela Extensão
Rural ao longo da década de 1970 e que foram apontadas como elementos que contribuíram
para a crise.
3.1 O contato com o espaço urbano e com outros lugares
O contato dos jovens rurais quatroessistas com o espaço urbano, como será visto
adiante, foi apontado no início da década de 1980 como um dos fatores responsáveis pelo
êxodo rural. Porém, esta prática foi incentivada pela própria Extensão Rural ao longo dos
trabalhos com Clubes 4-S. De que forma se deu este contato? Aponto, grosso modo, duas
maneiras: as excursões e os congressos. Ao longo da década de 1970 e início da década de
1980, tornou-se comum praticar turismo para jovens rurais quatroessistas. Já os congressos
objetivaram difundir conhecimento e mostrar para a sociedade o trabalho desenvolvido
pelos clubes.
A riqueza dos detalhes das conversas que tive ao longo do desenvolvimento do
projeto nem sempre foi gravadas, documentada, e assim sendo, gostaria de narrar as falas
de meus entrevistados, e também as conversas informais. Certa vez, no ano de 1999, no
Arquivo Público Estadual (Florianópolis), minha ex-namorada e eu procurávamos qualquer
material sobre tais Clubes 4-S, pois pretendia construir um projeto de pesquisa e ingressar
no mestrado. Ao folhear um antigo álbum de fotografias, e observar vários jovens
enfileirados com uma camiseta trazendo um trevo de quatro folhas no peito, ela disse algo
como “minha mãe tem umas fotos assim...”, referindo-se às camisetas que víamos. Ora,
como pude estar tão próximo de uma fonte sem perceber!
179
MUSSOI, Juventude rural, op. cit. p. 9.
De volta a Chapecó, pude conversar com a mãe dela, e, embora não tendo gravado o
depoimento, gostaria de narrá-lo assim mesmo. Contava-me, esta ex-quatroessista, sobre
uma excursão de juventude rural 4-S do município de Tangará (localizado no meio oeste
catarinense) a Florianópolis, em meados dos anos setenta. Esta viagem objetivou a troca de
experiências e a aquisição de novos conhecimentos técnicos (numa linguagem
acaresquiana”). No entanto, o mais interessante na fala da entrevistada é justamente
quando os jovens concluíram as atividades relacionadas aos clubes de trabalho, e foram,
então, conhecer o mar. Seja por curiosidade, seja pela excitação de uma nova experiência,
quando na praia, os extensionistas não conseguiram manter o grupo sob controle, e parte
adentrou na água mesmo com roupa “não apropriada”. Relatou-me envergonhada este fato,
naquilo que classificaria como um “fiasco”, como algo que não deveria ser feito. Para a
grande maioria, foi a primeira visita à capital de Santa Catarina, e o primeiro contato com o
mar.
180
É preciso entender que as práticas nem sempre são obedientes ao discurso
disciplinador, sendo possível chamar esta “escapada” de tática, no sentido de que não teve
um caráter planejado, articulado. Foi necessário jogar com as condições, foi necessário
improvisar diante da situação.
Considero que os extensionistas, por terem sido representantes legítimos do discurso
da ACARESC junto aos jovens rurais, não se constituíram apenas em seres reprodutores
das estratégias elaboradas por parte desta instituição. No contato com os agricultores, eles
também procuraram formas de aproximação, legitimação e controle. Vale salientar que, no
episódio do mar, os extensionistas não saíram correndo e dizendo aos jovens o que não
deveria ser feito. Esta negociação silenciosa também pode ser entendida como uma tática,
pois surgiu em determinada ocasião e não estava em nenhum manual. Afinal, o prazer que
os jovens tiveram pelo banho de mar e pela quebra de algumas regras, só se deu graças aos
extensionistas, que os levaram até aquele lugar. Posso inverter um pouco a questão que se
refere à astúcia, às atividades de caça. Esta não é uma prática exclusiva dos “fracos”, dos
“dominados”, mas, no trabalho de campo, os próprios extensionistas da ACARESC
180
Cada vez mais coagido e sempre menos envolvido por esses amplos enquadramentos, o indivíduo se
destaca deles sem poder escapar-lhes, e só lhe resta a astúcia no relacionamento com eles, ‘dar golpes’,
encontrar na megalópole eletrotecnicizada e informatizada (ou quem sabe no campo ‘moderno’) a ‘arte’ dos
caçadores ou dos rurícolas antigos”. CERTEAU, op. cit.. p. 52.
depararam com situações que os levaram ao improviso, à utilização de táticas diante de
determinadas situações.
Nas décadas de setenta e oitenta, vários encontros, congressos, enfim, alguma forma
de reunião dos jovens (ou pelo menos de parte destes) acontecia, como foi o caso de
Chapecó, que em 1978 reuniu, segundo dados oficiais, mais de 8.000 jovens rurais de todo
o Estado de Santa Catarina.
181
Houve encontros em Florianópolis, principalmente reunindo
lideranças. Muito do que foi feito naquele período permanece na memória dos
entrevistados, como os casos que se tornaram verdadeiras anedotas. Estes casos pretendem
realçar as diferenças entre campo e cidade, das pessoas que vivem num espaço (rural ou
urbano) e, quando em contato com o outro, não o utilizam de acordo com o “padrão”.
As lideranças de juventude rural tinham, geralmente, maior contato fora da
comunidade, sendo que eram estes indivíduos que pregavam peças ou contavam sobre o
“fiasco” dos companheiros de primeira viagem. Um exemplo é o que conta Milton
Sgarbossa (ex-líder quatroessista) quando, em Florianópolis pela segunda vez, após a
votação de um projeto tratando dos Clubes 4-S na Assembléia Legislativa, os jovens foram
levados para conhecer o mar. Segundo o entrevistado, um dos jovens comentou que nunca
havia visto o mar. E então Milton lhe disse: “Olha, eu já fui lá umas duas vez. Vamos lá
.” E, por algum motivo, avisou para o colega “novato”: “Mas é uma água salgada.”
Caminharam até a praia, o outro jovem observou, pegou um pouco de água do mar com as
mãos, “ponhou a mão na boca... (e exclamou:) Mas porcaria, é salgada (risos).”
182
O
primeiro contato de um jovem rural com outros lugares pode trazer surpresas, e algumas
delas tornam-se “causos”, motivo de gozação por parte dos colegas, que podem tanto
causar conflitos quanto inclusive realçar laços de amizade (ou pertença) em um grupo: “Eu
sei que foi uma gozação.”
183
Mais do que uma simples curiosidade, estes “causos”
demonstram algumas práticas difundidas pelo trabalho com Clubes 4-S, principalmente a
partir da segunda metade da década de setenta, como é o caso das viagens para Congressos
e, aliado a estas viagens, o turismo.
Com a realização destes congressos, ou mesmo nas viagens de passeio, pode-se
observar que a prática do “turismo” foi difundida entre os jovens rurais que, ao terminar as
181
Juventude Rural em Evidência Máxima. Jornal Oestão. Chapecó, 05 out. 1978.
182
SGARBOSSA, 2001.
183
Idem.
atividades relacionadas aos trabalhos com Clubes 4-S, conheciam novos lugares. Como na
capital de Santa Catarina (Florianópolis), viu-se que a praia tornava-se um lugar
indispensável para os jovens que viviam na zona rural.
Conhecer o mar pode ser um sonho para um jovem rural, porém sua realização em
uma excursão “turística” dá-se pelo fato de a praia constituir espaço gratuito, que não tem
custo (não é cobrada uma entrada ou algo relativo ao tempo de permanência neste local).
Pode-se pensar que, se houvesse algum custo nisto, talvez esses lugares seriam evitados
pelas “excursões”. Tive acesso ao relato dos jovens do Clube Aliança Juvenil, de da
comunidade de Sede Figueira (Chapecó), que procuraram realizar uma excursão a
Florianópolis. Porém, “Os sócios decidirão (sic) que não ir. Achamos (sic) melhor fazer
uma excursão mais perto.”
184
O custo da viagem era um dos motivos, mas também há
possibilidade de pensar que os pais não gostavam muito de deixar os filhos sozinhos por
aí.
185
Porém, para os quatroessistas da Aliança Juvenil, não era fácil suportar o calor do mês
de janeiro, e os passeios não eram deixados de lado: “Quanto uma excursão (sic) até Águas
das Pratas, em São Carlos, iremos se os sócios concordar se vamos com ônibus (sic) da
Prefeitura não se paga passagem e se vamos com ônibus (sic) da firma cada um se
paga.”
186
Dentro das possibilidades financeiras e do controle dos pais, as práticas dos
passeios turísticos permaneceram.
Pensando em uma forma “normal” de utilização da praia, em sua forma de
utilização dominante, os jovens deveriam descer calmamente do ônibus, trajando
vestimentas adequadas ao local, dirigir-se à praia, bronzear-se, tomar uma bebida, ou então
nadar no mar. Porém, está se falando de sujeitos que, ao conhecer este lugar, e estando em
um grupo de mesma idade, entre outros motivos que não me cabe explicar, possivelmente a
euforia tenha tomado conta deles, a ponto de romperem com a regra de “etiqueta” de
utilização do espaço da praia. No primeiro caso, em que os jovens correm em direção ao
mar, pode-se perceber que eles se utilizam da praia a sua maneira, que não fazem um
reconhecimento prévio das normas sociais que dominam o espaço, possivelmente por
184
CLUBE 4-S ALIANÇA JUVENIL. Atas 1972-1977. Ata 11, 01 dez. 1975.
185
Numa das conversas informais, uma entrevistada relata que a mãe não lhe deixava viajar com os sócios 4-
S, pois o namorado também fazia parte do clube.
186
CLUBE 4-S ALIANÇA JUVENIL. Atas 1972-1977. Ata 19, 02 jan. 1977.
estarem em grupo, o que dificulta uma coerção individual por parte dos extensionistas ou
mesmo dos freqüentadores do espaço.
Nos dois casos (o primeiro, da corrida em direção ao mar; o segundo, da
constatação de que a água do mar é mesmo salgada), os narradores pensam naqueles
episódios enquanto um “fiasco” ou motivo de gozação, enfim, algo pejorativo, que
demonstra a falta de familiaridade dos jovens rurais com os novos espaços:
A heterogeneidade de grupos sociais que se encontram assim
juntos, neste lugar (a praia), impõe a comparação entre as classes e
cria uma situação própria a suscitar sobretudo um sentimento de
vergonha cultural entre os camponeses, pouco familiarizados com
as técnicas dominantes de utilização da praia [...]
187
Porém, correr em direção ao mar significa muito mais do que um ato pejorativo, se
for entendido que a tática, conforme Michel de Certeau,, “depende do tempo, vigiando para
‘captar no vôo’ a possibilidade de ganho. O que ela ganha, não o guarda.”
188
Os jovens
aproveitaram-se de uma ocasião para divertir-se além do que fora planejado (o passeio
“normal”). Aproveitaram-se de uma situação para fazer as coisas de sua maneira, e talvez,
por um instante, utilizaram-se da astúcia para escapar ao controle de quem organiza o grupo
(neste caso, os extensionistas).
No mês de outubro de 1974, na cidade de Chapecó, as equipes 4-S do estado
reuniram-se para analisar e debater sobre a situação dos Clubes 4-S, ficando estabelecidas
convenções inter-regionais, sendo que participariam os clubes 4-S de regiões
administrativas da ACARESC próximas umas as outras. Em 15/11/1977 ocorreu, no
Balneário de Ilha Redonda, no município de Palmitos (SC), a II Reunião Inter-Regional de
Clubes 4-S, que contou com a presença de autoridades municipais regionais, estaduais e
federais.
A participação estimada de jovens foi de 5.000, sendo que o público total foi de
aproximadamente 10.000 pessoas.
189
No oeste catarinense, naquele momento, havia 23
(vinte e três) municípios desenvolvendo atividades com juventude rural 4-S, com 7 (sete)
187
CHAMPAGNE, Patrick. Os Camponeses na Praia. Chapecó: Grifos, 1996. p. 8.
188
CERTEAU, op. cit.. p. 46.
189
ACARESC. Relatório da II Convenção Inter-Regional de Clubes 4-S. Palmitos (Ilha Redonda), 15
nov. 1977.
equipes de trabalho. Na região, ao todo, existiam 90 (noventa) Clubes 4-S, com 3.500
sócios. Os objetivos da II Reunião Inter-Regional de Clubes 4-S,
190
oficialmente, eram:
Confraternização, integração dos jovens quatroessistas do oeste e
extremo oeste catarinense; Divulgação da existência da qualidade e
importância do trabalho com os clubes 4-S; Conscientizar o jovem
rural da necessidade e importância do seu trabalho para a sua
formação.
191
Dentre os objetivos oficiais dos encontros, foi possível observar que era necessário
tornar-se visto pela comunidade, pelas autoridades, atrair recursos, mas também se
legitimar enquanto o instrumento técnico capaz de levar conhecimento aos jovens do
campo, e neste sentido, contribuir para que o jovem rural não escapasse de suas
“responsabilidades” frente ao desenvolvimento da nação. Mas também aquele era um
espaço privilegiado para a sociabilidade entre os jovens de vários municípios da região.
Porém, a confraternização foi apenas um entre vários aspectos tratados nas reuniões e
encontros, pois o discurso não era abandonado e visava impor-se em todas as situações
possíveis:
Dado o grande número de jovens no meio rural e a importância do
trabalho agrícola, fator básico no desenvolvimento de todas as
civilizações, surge a necessidade de levar inovações aos
trabalhadores para resultados de maior qualidade. O clube de
trabalho 4-S reunindo, organizando e dinamizando os jovens de
comunidades rurais, torna-se o maior meio de desenvolvimento.
192
O discurso procurava aglutinar as categorias “juventude” e “agricultura”, para
significá-las enquanto sinônimo de modernização. Sendo necessário produzir alimentos
para o mundo, a agricultura devia dar conta disso, levando em consideração os melhores
190
Municípios participantes da II reunião (Ilha Redonda, Palmitos): São Miguel do Oeste, Guaraciaba,
Dionísio Cerqueira, Descanso, Anchieta, Guarujá do Sul, São José do Cedro, Maravilha, Pinhalzinho,
Modelo, Saudades, Romelândia, Itapiranga, Caxambu do Sul, São Carlos, Águas de Chapecó, Cunha Porã,
Palmitos , Mondaí, Caibi, Xanxerê, Xaxim, Fachinal dos Guedes.
191
ACARESC. Relatório da II Convenção Inter-Regional de Clubes 4-S. Palmitos (Ilha Redonda), 15 de
nov. 1977.
192
Idem.
meios para alcançar uma boa produtividade. O jovem rural era legitimado enquanto o
agente social apto a lidar com as novas tecnologias, procurando melhorar a produtividade.
Investir no jovem era também entender que o agricultor adulto não era apto para
aceitar e manusear as novas técnicas e tecnologias. Procurava-se o jovem para adentrar na
família do produtor rural. Porém, mesmo os trabalhos com a juventude rural não receberam
o apoio dos pais inicialmente, fazendo que a ACARESC procurasse novas estratégias para
legitimar-se perante toda a comunidade.
Em 1978 foi a vez de Chapecó realizar a 2ª Convenção Estadual de Clubes 4-S (de
30/09 a 01/10/1978). Números astronômicos foram registrados naquele evento, no auge do
desenvolvimentismo
193
no município. Todas as regiões de Santa Catarina tiveram seus
representantes na Convenção, que contou cerca de 8.500 sócios 4-S, que chegaram em 32
(trinta e dois) ônibus. Para dar um ar de “espetáculo” ao evento, às 10 horas do sábado
todos os ônibus desfilaram pelo principal logradouro do município (Av. Getúlio Vargas), e
depois se dirigiram ao parque de Exposições da EFAPI. Entre sábado e domingo, foram
consumidas 12 toneladas de carne, 22 mil pães e 7 mil cabeças de repolho. As refeições
foram preparadas por 100 churrasqueiros.
194
Nos trabalhos de Extensão Rural tudo
precisava ser grandioso, e Chapecó foi um excelente palco para isso.
Os encontros propiciaram o conhecimento de novos espaços e idéias para os jovens
rurais e são apontados como uma das causas do êxodo rural. Mas também incentivaram, de
certa forma, o surgimento de novos clubes. No ano de 1979, 71 municípios catarinenses,
dos 197 existentes, realizavam trabalhos com essas equipes. Naquele período, a Extensão
Rural em Santa Catarina atingiu um número recorde de agricultores, comparando com
dados de até meados da década de 1980: 104.633 famílias assistidas. Os clubes 4-S surgiam
dia a dia, sendo que, em 1982, formaram-se 348 Clubes 4-S espalhados por todo o estado,
com cerca de 12.500 sócios.
195
Comparando com 1978, havia 267 clubes 4-S no estado,
com cerca de 8.400 sócios.
193
Refiro-me ao processo de urbanização de Chapecó, na primeira administração de Milton Sander (1977-
1980), quando Chapecó “pisa no progresso”.
194
JUVENTUDE RURAL em evidência máxima. Jornal Oestão. Chapecó, 05 de out. 1978.
195
ACARESC. Extensão Rural: 25 anos com o pequeno agricultor. Florianópolis, dez. 1981-jan. 1982. p. 9.
Alguns estudos apontam o contato dos jovens rurais com o espaço urbano como
fator importante para o êxodo rural. Conforme Nagel,
196
uma das causas da saída do jovem
do campo foi o contato que este teve com o urbano, através dos Clubes 4-S. Para o autor, os
treinamentos oferecidos pela ACARESC para a juventude rural, e principalmente para suas
lideranças, “exerceram uma atração de comunicação, agindo como força impulsora à
evasão rural”.
197
Mas esta não é a única causa apontada por Nagel, que no seu estudo
afirma que os jovens fixados no campo estão mais satisfeitos do que os jovens que
evadiram para o meio urbano.
198
As conclusões de Nagel,
199
ao estudar o caso da migração
de jovens agricultores quatroessistas no sul do Estado de Santa Catarina, são:
1 - A renda dos egressos evadidos é maior que aqueles que permaneceram na
atividade agrícola;
2 – A aspiração educacional e aspiração profissional são, para o autor, os aspectos
pessoais que mais influenciaram na decisão de procurar novos espaços. Neste sentido, o
autor procura argumentar que os Clubes 4-S constituíram-se numa alternativa procurada
pelos jovens para que pudessem melhorar seu nível educacional e ocupacional;
3 – A associação entre tamanho da propriedade e nível de escolaridade: as
propriedades pequenas oferecem limitações que impedem a ascensão do jovem
economicamente (sic) e socialmente, desistimulando a permanência do jovem na atividade
agrícola”;
200
4 – A escolaridade da mãe apresenta associação significativa com a evasão, pois
mesmo a mãe tendo uma baixa escolaridade procura orientar o filho dando-lhe uma visão
de futuro, não preocupada com a permanência do jovem no campo. Isto porque a mulher é
mais humanista que econômica.”
201
Não me cabe perguntar sobre as “verdadeiras” causas da evasão de jovens que
fizeram parte dos Clubes 4-S para o meio urbano. Procuro perceber como o discurso de um
intelectual que trata do campo em meados da década de oitenta, como é o caso de Nagel,
196
NAGEL, Édio. Participação em clubes 4-S e migração rural-urbana no sul de Santa Catarina
1974/84. 1986. Dissertação de Mestrado em Extensão Rural – Universidade Federal de Santa Maria,
Santa Maria.
197
Idem. p. 84.
198
Ibidem. p. 83.
199
Ibidem. As conclusões de seu estudo estão entre as páginas 82 e 86.
200
Ibidem. p. 83.
201
Ibidem. Idem.
continua semelhante às décadas anteriores, mesmo em meio à crise vivenciada pela
ACARESC; os intelectuais ainda procuram “naturalizar” o jovem no campo. Por isto, deve-
se alertar os órgãos competentes: “[...] é um alerta para a Extensão Rural, que [...] levem
em consideração a influência que a mãe exerce no filho, o que implica em elaborar
programas de trabalho de acordo com idéias lançadas pelas mães.”
202
O tempo passa, a
ACARESC entra em crise, mas o discurso que agora não é mais somente dela (da
ACARESC), mas que por ela foi difundido, continua: deve-se envolver a família. A
influência da mulher-mãe pode ser importante para a permanência do jovem no campo.
Ainda é preciso que as práticas adentrem na família rural. Neste sentido, as pesquisas (que
são uma herança da Extensão Rural) permanecem: os intelectuais do meio rural escrevem
teses que trazem uma idéia presente na “gênese” da ACARESC, ou seja, de que é
necessário que o jovem rural permaneça no campo, pois é ali que ele está, segundo a
pesquisa, “satisfeito”.
203
Neste sentido, procurando uma outra maneira de pensar, a contribuição se dá por
parte de Arlene Renk
204
, que ao estudar o êxodo rural critica formas mecanicistas de
explicação. Para a autora, são utilizadas formas de explicação únicas, que ora podem ser “o
avanço do capitalismo no campo”, “a concentração fundiária” ou mesmo “o fascínio que a
cidade exerce sobre o homem rural”. Sem ignorar essas teses, a autora procura deslocar a
questão para a dinâmica interna do campesinato.
205
Uma das características do campesinato, conforme a autora, é o trabalho familiar,
pela unidade indivisível de consumo e produção, sob o comando do chefe do grupo
doméstico.”
206
A manutenção e sobrevivência dos camponeses só é possível pela auto-
exploração das forças plenas (adultos em plena capacidade laborativa) e marginais (velhos,
crianças etc.), sob a gerência do chefe da família.
Na responsabilidade do chefe do grupo doméstico entra em jogo o
cálculo social, onde cabe ao colono (chefe de família) além de
202
Ibidem. Ibidem.
203
Na página 83 de sua obra, Naguel afirma, conforme suas pesquisas, que o jovem do campo está mais
satisfeito do que o jovem que partiu para a vida urbana.
204
RENK, Arlene. Questões sobre a migração urbana e o êxodo rural em Chapecó. Revista Grifos, Chapecó,
n. 01, 1994.
205
Idem. p. 1.
206
Ibidem. p. 2.
prover e prever o sustento familiar, ‘garantir o futuro dos filhos’,
isto é, assegurar a reprodução da geração seguinte, no mínimo, na
mesma condição [...]
207
Há também uma outra questão referente à cultura camponesa, segundo a autora: o
conjunto de atividades em relação ao tempo. Este é contabilizado em termos de ganho e
perda. O tempo livre é considerado tempo perdido e, neste sentido, as atividades devem ser
controladas para tirar o melhor proveito do tempo, em termos de ganho. Sendo priorizada a
lavoura, outras atividades são desenvolvidas à noite, ou em dias chuvosos. “Neste conjunto
de atitudes em relação ao tempo se insere a questão de garantir o futuro da prole,
principalmente no momento da constituição de novas unidades familiares (casamentos).”
Estes acontecem “preferencialmente no momento em que é assegurada a terra ou outra
ocupação rentável, ao filho do colono.”
208
Um outro aspecto é que, fora da colônia, os colonos são representados por pessoas a
quem delegam responsabilidade, seja no sindicato ou na cooperativa, ao comerciante,
prefeito etc. O colono ocupa uma posição subalterna, ou seja, necessita que alguém fale
por ele em determinados momentos (fora da colônia).
A questão da pequena propriedade no oeste catarinense também interessa para a
discussão: o fracionamento da propriedade pelo excesso de partilha, “inviabilizando a
reprodução de todos os elementos da geração seguinte na condição de colono.”
209
Assim, a
área rural acaba expulsando sistemática e principalmente as unidades familiares recém-
constituídas e as mulheres. Procurando manter a propriedade viável, “os deserdados das
pequenas propriedades, são impelidos à busca de novas frentes de expansão ou de novo
ramo de trabalho para a manutenção das famílias.
210
Enfim, podem ser várias as causas do êxodo: modernização da agricultura,
empréstimos, as safras malsucedidas, intempéries, o esgotamento dos solos, a falta de
política agrícola adequada (do ponto de vista do produtor), os negócios malogrados, as
doenças que atingem os colonos etc.
211
Na discussão deste texto, procurei adentrar também
207
Ibidem. p. 2-3.
208
Ibidem. p. 03.
209
Ibidem. p. 06.
210
Ibidem. Idem.
211
Ibidem. Ibidem.
na questão cultural do colono, conforme Renk, para questionar o discurso científico que
procura demonstrar quantitativamente que é no campo que o jovem deve permanecer.
Portanto, é importante perceber que o urbano pode exercer um fascínio sobre o
colono, mas este não deve ser tratado como um determinante, como algo único. No caso do
oeste catarinense, o que pode remeter a semelhanças com outras regiões, são várias as
hipóteses para a evasão do jovem. O importante desta questão não é a “verdadeira causa da
evasão”, mas entender que os discursos dos intelectuais do campo se dirigem ao jovem
procurando delimitar seus espaços, e procurando demonstrar, através de métodos
científicos, que eles devem evitar contato com o “mundo exterior”.
Procurei demonstrar como a Extensão Rural incentivou o contato dos jovens rurais
com o urbano ao longo dos anos. Em seguida, como este contato passou a ser considerado
um elemento de evasão de jovens do campo. Assim, a Extensão Rural começou a olhar para
si mesma, procurou estabelecer uma autocrítica, procurou discursar sobre si mesma e
mudar o próprio discurso.
3.2 Crise da Extensão Rural, crise dos Clubes 4-S
A imprensa oestina da década de oitenta foi silenciosa quando tratava dos Clubes
4-S. Mas este é um silêncio que me fala muito. Já não era tão interessante o trabalho com
Clubes 4-S naquele momento, pois várias críticas haviam sido levantadas sobre esta forma
de organização. Além disso, os movimentos sociais, que de certa forma têm sua
constituição ligada às pastorais, estavam em pleno vapor.
Pretendo escrever sobre o discurso da crise dos Clubes 4-S na primeira metade dos
anos oitenta. Não trabalho com a hipótese de “fim dos Clubes 4-S”, pois esta atividade
ainda permanece.
212
Esta crise do discurso da Extensão Rural trouxe críticas severas ao
modelo tradicional de ação (calcado no modelo norte-americano 4-H) e possibilitou outras
concepções de trabalho com a juventude rural. Já eram apontadas, durante os anos setenta,
algumas dificuldades de se levar o trabalho com a juventude rural adiante, pelo menos desta
forma ou nestas concepções. A ACARESC iniciou sua crise em meados da década de
212
Oficialmente, os clubes 4-S não fazem parte da EPAGRI, sucessora da ACARESC. Porém, existem clubes,
como por exemplo nos municípios de São Carlos e Joaçaba (ambos em Santa Catarina) que recebem apoio do
Executivo Municipal. Minha análise, portanto, está dirigida aos Clubes 4-S ligados à ACARESC.
setenta, quando o Governo Federal extingue a ABCAR (Associação Brasileira de Crédito e
Assistência Rural), criando a EMBRATER (Empresa Brasileira de Assistência Técnica e
Extensão Rural) e EMATER (Empresa Brasileira de Reforma Agrária e Extensão Rural).
Com isso, a ACARESC e outras empresas de Extensão estaduais perderam muito de sua
autonomia, tornando-se apenas mais uma empresa submetida às determinações federais.
213
Mas a resposta, em termos de adesão, de pessoas que ingressaram nestes clubes, de
certa forma apagou um pouco da crise no discurso da ACARESC. Assim foi no Encontro
de Juventude Rural em Chapecó em 1978, que reuniu cerca de 8.500 sócios 4-S de todo o
Estado de Santa Catarina. Neste sentido, conseguia-se inaugurar novos clubes, fazer que
novos jovens aderissem aos clubes.
Porém, no início dos anos oitenta, a história foi diferente. O Encontro de Extensão
Rural de 1982, realizado em Morro das Pedras (Florianópolis), apontou sobre a situação
dos trabalhos de Extensão Rural no Estado, incluindo os Clubes 4-S. Contando com a
participação de pessoas interessadas no trabalho de Extensão Rural, incluindo jovens rurais,
o panorama apresentado no encontro foi diferente do discurso que adentrou no campo com
a ação extensionista. Naquele momento, a Extensão Rural e os Clubes 4-S voltaram o olhar
para si e começava-se a constituir um discurso sobre as dificuldades:
Chegou um momento em que o agricultor ficou até arisco quando
vinha uma pessoa de fora. Quer dizer que, temos um dado aí
quando o cachorro apanha água quente, depois atira nele água fria
ele também já corre. Então, de tanta coisa que apareceu, o agricultor
ficou arisco. Acreditou no trabalho da extensão rural, mas nela
também havia algumas falhas e, hoje, numa maneira diferente de
educação popular que muitas entidades também estão
desenvolvendo, eles estão abrindo os horizontes e o pessoal começa
a falar, a se abrir, discutir, analisar os fatos, tomar soluções, quer
tomar parte das decisões. Isto favorece e hoje, eles comentam esses
erros que estão influenciando.
214
Poderíamos utilizar uma metáfora (nada convencional, talvez) para explicar este
processo: um sonho. Durante sua constituição e nas primeiras décadas de ação, a Extensão
Rural promoveu uma verdadeira festa de magia para legitimar-se, para colocar em ação
213
LOHN, op. cit. p. 74-79.
suas concepções junto aos agricultores catarinenses. Mas nos anos oitenta a “magia”, o
“encantamento”, foi arrefecendo no mesmo momento em que a sociedade civil “acordava”
para reivindicar a anistia ou, mais tarde, eleições diretas. O início da década de oitenta já
permitiu que outras discussões fizessem parte da sociedade, momento em que o olhar
repressor militar sutilmente relaxava (relaxava, mas não desaparecia).
Sobre o “desencantamento” com a ACARESC e a Extensão Rural, legítimos
representantes do processo de modernização da agricultura, um episódio paradigmático foi
o caso da Peste Suína Africana: surgido em 1978, supostos focos da doença foram
identificados na região sul do país, inclusive no oeste catarinense, e
Diante da suspeita de existência da peste, a propriedade era
interditada e os suínos eram exterminados a tiros de fuzil por
pelotões do exército [...]. Também eram exterminados os suínos das
propriedades mais próximas.
215
Com o passar do tempo, a partir de um suposto foco da doença, as propriedades
eram acompanhadas de perto por dois agentes da Pastoral
216
destacados pela Diocese de
Chapecó. Neste sentido, os agentes procuraram organizar “os camponeses para protestar e
resistir”, pois havia indícios, segundo estes agentes, de que a “suposta peste foi uma
estratégia para a eliminação definitiva da produção autônoma de suínos na região.
217
Formavam-se movimentos de protesto no momento que se divulgava a localização
de um foco ou uma determinação de extermínio:
Aos poucos, as ações do exército foram praticamente inviabilizadas
devido à onda de protestos que desencadearam [...] Paralelamente, a
igreja procurou fazer um trabalho de informação e conscientização
dos camponeses da região, orientando-os a protestar e resistir.
218
Mesmo não sendo apontado como uma crítica direta à Extensão Rural, este episódio
foi decisivo para a organização dos agricultores, como é o relato de um agente de pastoral:
214
EMATER/ACARESC. I Encontro sobre a Extensão Rural em Santa Catarina. 17 a 20 de maio de
1982. Florianópolis: 1982.
215
POLI, Odilon. Leituras em Movimentos Sociais. Chapecó: Grifos, 1999. p. 68.
216
Um ligado à CPT (Comissão Pastoral da Terra) e outro ao CIMI (Conselho Indigenista Missionário).
217
POLI, op. cit. p. 69.
218
Idem.
Eu acho que foi decisivo na luta aqui. Que o processo de
mobilização de 78 e 79 é que deu fôlego para que as outras
organizações avançassem, deslanchassem. Fortaleceu o trabalho
que a igreja tava fazendo, fortaleceu o trabalho de oposições
sindicais, de renovação dos sindicatos que estavam surgindo.
219
Deve-se considerar que este foi um processo que envolveu muitas discussões sobre
a situação desfavorável dos pequenos agricultores na região oeste de Santa Catarina frente
às conseqüências do processo de modernização da agricultura, e sempre contando com a
Diocese de Chapecó na organização dos debates. Assim, os colonos foram chamados ao
debate, sobre sua situação de expropriação ou de endividamento, e como procurei ressaltar
anteriormente, a ACARESC era representante legítima da Extensão Rural no Estado, e
portanto, alvo de críticas.
Neste período, outros olhares dirigiram-se à Extensão Rural por parte de seus
integrantes:
Numa reunião que fizemos numa comunidade, num comitê 4-S,
convidados que fomos para participar da reunião, perguntamos por
que os agricultores não participavam mais, e um agricultor disse:
‘porque a ACARESC não queria a verdade, tempo atrás’, e explicou
porque – é que foi feita uma lavoura demonstrativa na propriedade
dele, de soja, e quando estava pronto só para colher, o extensionista
foi lá medir a área e o resultado foi de 44 sacas por hectare. Depois
o agricultor colheu o resto do hectare e ensacou e foi vender e só
deu 33 bolsas. Então já houve uma coisa contrária, aí. Naquela vez
que o extensionista tirou a medida para saber quando dava por
hectare, numa pequena área, deu uma diferença de 11 sacos, - o
extensionista tirou 44 e o agricultor, quando foi vender, só deu 33.
Então o agricultor denunciou para o extensionista – olha lá, eu
vendi o meu soja e só deu 33 bolsas. E então, o extensionista bateu
nas costas do agricultor e falou: – olha, você fica bem quietinho e
diga que deu 44. O agricultor ficou calado um tempo, mas depois
denunciou para os companheiros, dizendo: eu não posso ficar
calado, deixar os companheiros na mentira, vou ter que dizer a
verdade. 33 e não 44. Então, foi um fato que se comentou e se
219
Ibidem. p. 69.
alastrou. Às vezes, um pequeno fato dificulta muito a participação
do agricultor.
220
Não procuro, com isto, a veracidade de fatos relatados, mas demonstrar sobre a
perda da credibilidade por parte da ACARESC e do extensionismo no estado de Santa
Catarina. Por um momento, conforme o relato, os agricultores podiam ocultar tais fatos.
Mas a partir de um determinado período, estas críticas passaram a circular nos debates
envolvendo a ação extensionista e os Clubes 4-S. A Extensão Rural estava abalada já no
início dos anos oitenta, como nos mostram os relatórios do período: não são apenas os
Grupos de Jovens da Igreja que concorriam com os Clubes 4-S. A ACARESC estava
perdendo a legitimidade nos trabalhos com a juventude rural, afinal, no exemplo de Lages,
a prefeitura implantou os Clubes 5-L, em oposição aos 4-S ligados à ACARESC.
221
Pretendo colocar algumas questões para deixar mais claras as posturas contrárias
aos trabalhos quatroessistas naquele período: a utilização “político-eleitoral” da
ACARESC, segundo o discurso antagonista (que pode ser de cooperativistas, pessoas
ligadas à esquerda católica, entre outros).
[...] estão fazendo do Clube 4-S de Campos Novos, um meio de
arrumar votos para o PDS, e que as lideranças da comunidade, que
tem clube 4-S está inclusive se voltando contra a Cooperativa, não
sei por que motivo, e inaugurações que eu fui do Clube 4-S que é
hoje, ouvi mais um coquetel político, do que juventude e
Cooperativismo, de colaboração de Associativismo, dentro do
sistema eu não fui na última, mas recebi informações, mas que foi
uma coisa. Eu não concordo que se misture, o jovem com o político
partidário, não concordo com isso, não aceito [...], vou dizer na
frente do supervisor, não vou mais em nenhuma fundação de Clube
4-S, eu pessoalmente não vou, e os técnicos da Cooperativa
possivelmente não irão, se existir esse carnaval político, toda a vez
que existir uma fundação de clube 4-S.
222
O PDS (Partido Democrático Social) foi fundado em torno de membros
oriundos principalmente da antiga ARENA (Aliança Renovadora Nacional), partido de
220
EMATER/ACARESC. I Encontro sobre a Extensão Rural em Santa Catarina. 17 a 20 de maio de
1982. Florianópolis: 1982.
221
EMATER/ACARESC. Depoimentos e proposições do Encontro de Extensão Rural. Região de Lages.
Set. 1982. p. 71.
sustentação do Governo Militar entre 1964 e 1979. A utilização político-eleitoral da
ACARESC começou a ser denunciada, e constituiu-se em um novo discurso que atingiu a
instituição: novo discurso, pois eram discussões negligenciadas durante boa parte da década
de setenta nos encontros, e a crítica à ACARESC passou a ser entendida enquanto
“necessária” para repensar as suas concepções. Basta perceber que a realização do primeiro
encontro sobre Extensão Rural (Morro das Pedras, Florianópolis), buscando rever suas
atividades de forma crítica, aconteceu apenas na década de 1980, vinte e cinco anos após o
início dos trabalhos no Estado.
Neste sentido, o bombardeio não cessou no encontro de Lages:
Só sei dizer quando tem uma fundação, Santa Terezinha, Santa
Lúcia do Clube 4-S fui convidado, estava lá até o coletor do distrito,
e o presidente da associação dos engenheiros agrônomos não foi
convidado, para a mesa, isso aí é discriminação, acho que estava lá
como num cargo de classe, não como político, e todos do PDS
foram convidados, só porque ele é do outro lado, agora presidente
da Associação do Núcleo dos Engenheiros Agrônomos não foi
convidado.
223
Aponta-se que o cerne da questão eleitoreira da instituição estava na submissão às
imposições federais. A relativa autonomia que a ACARESC antes possuíra já não mais
existia, e a abertura democrática permitiu que o discurso se direcionasse para outros eixos,
e de forma nada simpática:
É um defeito da ACARESC, mas não é ela que origina, é uma
conseqüência lógica, como eu disse primeiro, EMBRATER que é
federal, diz que as EMATER’s, tem certas EMATER’s que têm que
fazer campanha, para sobreviver, e eu acho que essa independência
nunca vai existir porque é uma empresa estatal, é uma empresa
pública, é uma empresa que vai depender de recursos, verbas do
governo, da secretaria, e quer queira quer não queira, vai ter
conotação política, só que eu lastimo, acho uma falha, grossa
política, dos nossos governantes mas o que se vai fazer; estamos
vivendo numa democracia, a abertura originou isso.
224
222
Ibidem. p 48.
223
Ibidem. Idem.
224
Ibidem. p. 49.
Neste sentido, caso um candidato de oposição (cujo nome não foi citado naquele
momento) assumisse tanto o Governo do Estado como uma Prefeitura, “[...] vai criar sérios
problemas, devido a esse tipo de trabalho, esta conotação, que a ACARESC está dando,
politicamente.”
225
Ao ser representada enquanto uma instituição de fins eleitorais, a
ACARESC ganhou adversários político-eleitorais.
Dentro das críticas apontadas no Encontro de Lages, soluções deviam ser
propostas, inclusive de procurar uma autonomia para os trabalhos com a juventude,
especialmente em relação à própria ACARESC. Posso colocar outras críticas:
Falta de capacitação técnica dos extensionistas. O pré-serviço das
ES’s foge totalmente da realidade do trabalho a nível de campo,
normalmente as donas de casa são colocadas abaixo do nível que
realmente estão. As extensionistas são preparadas para enfrentar um
tipo de situação, e na realidade encontram uma situação bem
diferente.
226
Ou que há
Paternalismo no trabalho realizado com Clubes 4-S; as metas são
pré-estabelecidas no Escritório Central, sendo impostas; morosidade
na comunicação Central, Regional, Local; que o trabalho deveria
envolver todos os níveis da comunidade e não somente os
Clubes.
227
As ações das Extensionistas Sociais (ES´s) estavam escapando do controle
institucional: “falta de estratégia de ação das ES’s na região. Deve haver um planejamento
conjunto entre todas as ES’s e pelo menos um representante de cada Escritório Local para
que todos fiquem inteirados (sic) do trabalho.”
228
Tanto o trabalho como as metas
estabelecidas para a inauguração de clubes estavam fora de controle. Foi fixada como meta
o surgimento de 21 clubes, na região de Lages; no momento da realização da reunião,
225
Ibidem. Idem.
226
Ibidem. p. 72.
227
Ibidem. p. 71.
228
Ibidem. p. 73
existiam apenas quatro clubes. A causa era, segundo os debatedores, a “imposição de
metas
229
a serem alcançadas.
Mas os eixos de discussão, mesmo que críticos em relação à ACARESC,
circulavam no âmbito de suas próprias lideranças ou de “concorrentes” (como, por
exemplo, o cooperativismo, que desejava que os Clubes 4-S estivessem voltados para suas
necessidades). Era mínima a participação dos agricultores nos debates, o que demonstra que
as noções de representação de interesses, através de lideranças, desenvolvidas pela
ACARESC, ainda estavam presentes.
Na década de 1980, até mesmo o discurso de intelectuais da Extensão Rural se
alterou:
Quanto às técnicas de trabalho e produção a serem empregadas,
sabe-se que, durante muito tempo, principalmente nos últimos 30
anos, a tecnologia que os órgãos de pesquisa vinham recomendando
para ser difundida entre os agricultores centrava-se no uso intensivo
dos chamados insumos modernos, principalmente o uso de
corretivos, fertilizantes, agrotóxicos e máquinas agrícolas. Era essa
a diretriz para se racionalizar a agricultura e isto foi feito,
honestamente, pela maioria dos técnicos envolvidos na pesquisa e
na extensão rural.
230
Racionalizar o emprego de técnicas e tecnologias na agricultura catarinense: este
objetivo foi alcançado. Porém, as coisas mudam:
A tecnologia que se vinha usando está sendo alterada. Já existe
muito controle de doenças e pragas que reduzem o uso de
agrotóxicos. Por exemplo, o combate da lagarta de cana-de-açúcar,
com uma mosca, que é o inimigo natural da praga, hoje é
largamente utilizado nos grandes canaviais de São Paulo.
231
A modernidade do campo naquele momento (meados da década de 1980) não era a
mesma das décadas anteriores, pois os produtos químicos já não representavam mais aquilo
que havia de mais moderno: A agricultura biológica é altamente moderna, e não
229
Ibidem. p. 75.
230
OLINGER, Glauco. Capacitação técnica para a Reforma Agrária. In: A questão agrária e o
desenvolvimento nacional. Florianópolis: UFSC/Sudesul, 1987. p. 69.
231
Idem. p. 69.
atrasada. Quando se volta a usar o esterco orgânico, a fazer o composto, não se trata de
voltar a uma prática antiga, mas sim de racionalizar a agricultura.”
232
A adoção de uma
prática deslegitimada pela Extensão Rural ao longo de décadas (o uso de esterco para a
adubação, por exemplo) não equivale ao retorno dessa mesma prática, mas a sua
reelaboração, a sua racionalização. É necessário que esta prática “arcaica” seja testada,
comprovada, para que seja legitimada enquanto uma prática moderna. E também se pode
pensar que a dualidade “campo versus cidade”, “moderno versus arcaico” permanece nos
discursos, mesmo que práticas consideradas modernas, na década de 1970, representassem
sua oposição na década de 1980.
A Extensão Rural também procurou reelaborar seu discurso: os produtos químicos,
por exemplo, que por muito tempo significaram modernidade para o agricultor, foram
substituídos pelos orgânicos. Deste modo, “na hora de se orientar o agricultor, deve-se dar
preferência à adoção de processos biológicos no controle das doenças e pragas da
lavoura, sempre que possível. O mesmo vale quanto ao uso de adubo orgânico, em relação
aos produtos químicos.”
233
Mas muito permaneceu:
Eles (os técnicos) precisam conhecer a filosofia do trabalho de
extensão, isto é, quais os princípios que devem presidir as ações de
um agente de extensão. Um deles, talvez o mais importante, é o
‘ensinar a fazer, fazendo’. [...] É permanecer junto ao agricultor, o
maior tempo possível, convivendo e fazendo as demonstrações com
ele, fazendo com que ele repita e corrija o que precisar ser
corrigido. Esta é a filosofia que deve presidir a ação
extensionista.
234
A filosofia da Extensão não foi abandonada, qual seja: encarregar-se de levar
conhecimento ao agricultor. Procurou constituir-se enquanto a “ponte” que leva
conhecimento comprovado ao agricultor. Porém, dentro de um contexto de crise, de revisão
de métodos, fez-se necessário aos intelectuais da Extensão Rural reelaborar o discurso.
Entretanto, porém a dualidade entre “arcaico” e “moderno” não abandonou os princípios da
ação extensionista, bem como seus princípios de racionalização de técnicas e tecnologias.
232
Ibidem. p. 70.
233
Ibidem Idem.
234
Ibidem. Ibidem.
No primeiro capítulo escrevi que, nos Estados Unidos da década de 1950, a
adolescência tornou-se objeto de estudo, um novo sujeito que surgia e precisava ter suas
possibilidades controladas A Extensão Rural no Brasil (1952) e, por conseqüência, a
ACARESC (1957) dirigiram seus olhares ao jovem rural, objetivando a constituição de um
sujeito apto a lidar com modernas técnicas e tecnologias para o campo. Com o passar do
tempo, tendo o espaço de ação da ACARESC diminuído com o surgimento da EMATER e
seu discurso criticado, além de dirigir seu olhar para o agricultor, a empresa passa a olhar
para si mesma, passa a fazer um autoquestionamento. Neste momento, os Clubes 4-S
também são questionados e já não conseguem mais o mesmo potencial de mobilização de
juventude. Assim, sendo a ACARESC uma instância de produção de saberes sobre os
agricultores ao longo dos anos, foram necessários aproximadamente 25 (vinte e cinco) anos
de trabalhos no Estado de Santa Catarina para rever algumas concepções. E mesmo
passando por crises, a ação extensionista deixou marcas profundas, constituiu novos
sujeitos sociais que olharam de forma diferente para a agricultura. Porém, é importante
salientar: os sujeitos sociais que foram excluídos pelo processo de modernização da
agricultura, ao organizar os movimentos sociais também contribuíram para a crítica (e
crise) da Extensão Rural.
Considerações Finais
A Extensão Rural trouxe consigo a idéia de mudança, seja ela de hábito,
comportamento, tecnologia etc. A principal finalidade em direcionar ações extensionistas
para a juventude rural, através dos Clubes 4-S, não se constituiu simplesmente em evitar o
êxodo: o discurso da Extensão Rural fundamentou-se de forma muito clara na constituição
de um novo sujeito. Um sujeito que deveria estar atento para as novas técnicas e
tecnologias de produção destinadas ao campo.
O Estado, através de seus colaboradores (aqui coloco a ACARESC), procurou
incentivar a formação de novos sujeitos no (e para o) campo brasileiro. Se no final da
década de 1960 foi visto que o jovem (o teenager norte-americano) constituiu-se num
“problema”, em uma categoria diferenciada que foge ao controle de pais, educadores e
autoridades, convém destacar que é no início da década de 1970 que surgem práticas
efetivas para a formação de Clubes 4-S no Estado de Santa Catarina. Este jovem precisou
ser controlado para garantir o sucesso das ações extensionistas.
A Extensão Rural, ao investir seu olhar neste projeto de Clubes 4-S, tornou o
jovem rural em objeto a ser estudado: (1) precisou-se saber sobre ele, e (2) para que ele
soubesse. Tornou-se necessário investigar seus hábitos, seu comportamento, e assim
investir em ações para “conquistá-lo” (legitimar o trabalho da Extensão Rural com
juventude). Num outro momento, procurou-se introduzir conhecimentos “modernos” para
os jovens. Pretendeu-se fixá-los ao campo, torná-los responsáveis pelo sucesso (ou
fracasso) da agricultura brasileira. Bastaria plantar, segundo o discurso oficial, que o
governo garantiria o que mais fosse necessário. Porém, plantar naquele momento significou
utilizar-se de sementes selecionadas, adubação química, tratores, colheitadeiras, enfim,
“novidades” que demandaram ao jovem preparo técnico para lidar com estas tecnologias
que adentram no campo.
Porém, longe de serem agricultores dóceis como as práticas disciplinares
pretendem formar os sujeitos, os jovens desviaram seus comportamentos, improvisaram no
espaço. Assim, vimos que dentro da “rigidez” quatroessista, os jovens burlaram os
concursos, pularam a cerca para “apropriar-se” dos produtos da horta, conversaram durante
as reuniões, chegaram atrasados nestas reuniões, correram em direção ao mar, entre outras
atividades que não estavam previstas nos projetos da Extensão Rural.
Estas oposições (disciplina e táticas) não são incompatíveis. Elas fazem parte de
um mesmo processo. Onde estiver o poder, a resistência (ou mesmo a “micro-resistência”)
estará presente. É importante entender que os desvios de comportamento fizeram parte do
universo quatroessista e que, se a Extensão Rural objetivou a elaboração de um novo
agricultor através da disciplina, não constou em seus projetos que outras formas de utilizar
os Clubes 4-S fossem possíveis (a sociabilidade).
Ainda existem clubes 4-S no Estado de Santa Catarina, porém, oficialmente não
fazem parte da EPAGRI, embora recebam assistência técnica desta instituição. A força que
esta forma de organização teve em alguns municípios mostra que estes jovens e outras
entidades procuraram se organizar para levar adiante seus projetos. Hoje, a EPAGRI
desenvolve o projeto Pró-Jovem (rural e pesqueiro), como disse anteriormente, com caráter
motivador.
Assim, a idéia de que a juventude rural é a semente que planta, sob o céu anil, o
progresso da nação
235
transforma-se, mas resiste ao tempo.
235
Hino da Juventude Rural, de Luiz Lacerda e Concessa Lacerda.
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