podendo haver na exteriorização uma realização do ser‖. (ibid.) Todavia, esta afirmação de
Meneses em relação a Marx é absolutamente equivocada, e isto se poderá facilmente
perceber ao longo de nossa pesquisa, notadamente no terceiro capítulo. Entäusserung
tem em Marx um sentido predominantemente neutro, e por vezes se identifica à
objetivação (Vergegenständlichung), esta com sentido predominantemente positivo, mas
não sempre. Com efeito, Entäusserung pode indicar uma objetivação alienada, como a do
trabalho no valor, ou a da força de trabalho humana numa mercadoria. Neste sentido,
sendo a objetivação alienada, ela é Entfremdung. Jesus Ranieri propõe a seguinte
interpretação: ―na obra de Marx, diferentemente da forma trabalhada e consagrada pela
bibliografia que tratou do tema, existe uma distinção entre alienação (Entäusserung) e
estranhamento (Entfremdung): enquanto alienação tem o significado de algo ineliminável
do homem, uma exteriorização que o autoproduz e forma no interior de sua sociabilidade,
estranhamento é designação para as insuficiências de realização do gênero humano
decorrentes das formas históricas de apropriação do trabalho, incluindo a própria
personalidade humana, assim como as condições objetivas engendradas pela produção e
reprodução do homem. Em outras palavras, pode-se dizer que aquilo que Marx designa
por alienação (ou exteriorização, extrusão, Entäusserung) tem a ver com atividade,
objetivações do ser humano na história, ao mesmo tempo em que estranhamento, pelo
contrário, compõe-se dos obstáculos sociais que impedem que aquela atividade se realize
em conformidade com as potencialidades humanas, obstáculos que, dadas as formas
históricas de apropriação do trabalho e também de sua organização por meio da
propriedade privada, faz com que a alienação apareça como um fenômeno concêntrico ao
estranhamento‖. Alienação e estranhamento: a atualidade de Marx na crítica
contemporânea do capital, p. 1-2. Embora estejam corretas as definições de Ranieri, sua
proposta de tradução inverte as opções de Meneses e, parece-nos, contribui também para
aumentar a confusão terminológico-conceptual. Pois, como bem observa Meneses:
―Entfremdung vem de Fremd (alheio); traz a idéia de alienar, ou de alienar-se, tornar-se
estranho a si mesmo‖. Ibid., p. 28. De fato, em português, assim como nas outras línguas
neolatinas (neste caso, inclusive o inglês), o antepositivo alien provém do latim
ali nus,a,um, que denota ―que pertence a outrem, de outrem‖, conexo com o grego
allótrios,a,on. Deriva-se em ali no,as, vi, tum, re (―afastar, tornar estrangeiro‖),
alienat o, nis (―alienação, transmissão do direito de propriedade; separação, perturbação,
delírio‖) e alienig na,ae (―estrangeiro‖). Estrangeiro, por sua vez, provém do Francês
étranger (século XVI), que deriva de étrange (século XII), e este, do latim extran us,a,um,
que quer dizer ―o que é de fora (extra)‖. Ver Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa,
verbete alien(i)-. Com efeito, Entfremdung em Marx significa mesmo alienação ou
estranhamento, o que se torna não apenas exterior, mas se torna outro e estranho a si, o
que se perde de si. Ouça-se o oportuno comentário de M. A. OLIVEIRA: ―Uma ação é
alienada quando se faz em função de um fim que lhe é estranho: a subordinação a um fim
estranho reduz a ação a simples meio desse fim‖. Ética e Sociabilidade, p. 250. Uma
analise cuidadosa da complexa definição marxiana de alienação que aparece nos
Manuskripte de 1844 pode encontrar-se em R. DUARTE. Marx e a natureza em O Capital,
pp. 46-51, em que ela se desdobra em quatro subtipos: a) alienação das coisas; b)
alienação de si próprio (Selbstentfremdung) do trabalhador; c) alienação do gênero e d)
alienação dos outros homens. No Marx maduro, a forma culminante da alienação, o
capital e todos os níveis de relação-fetiche que ele desenvolve e implica, é, à luz da
História, legítimo e justificável, por lançar as bases da objetivação plena do ser humano,
como se a alienação fosse o trabalho do negativo na História, necessário e essencial, como
parte de uma Totalidade em processo de auto-realização no encontro consigo mesma.
Como se disse, a alienação é também, ainda, objetivação, mas objetivação alienada. Não
se trata, pois, de mera desrealização, mas de uma afirmação negativa, uma afirmação
invertida que, no entanto, é parte necessária da dialética da auto-realização plena do ser
humano como ser genérico ou como ser social. Marx opõe-se à identificação da objetivação
com a alienação em Hegel, mas, parece-nos, incorre a seu modo em algo semelhante. Em