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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ARTES DA UNICAMP
Rovina, Márcia Regina Porto.
R769p A Poética Autobiográfica na Arte Contemporânea / Márcia
Regina Porto Rovina – Campinas, SP: [s.n.], 2008.
Orientador: Prof. Dr. Marco Antonio Alves doValle.
Dissertação(mestrado) - Universidade Estadual de
Campinas,
Instituto de Artes.
1. Autobiografia. 2.Desenho. 3. Processo criativo. 4.
Memória. 5. Ficção. I. Valle, Marco Antonio Alves do. II.
Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Artes. III.
Título.
(em/ia)
Título em inglês: “The Autobiography Poetic in the Contemporary Art.
Palavras-chave em inglês (Keywords): Autobiography ; Drawing ; Creative process ;
Memory ; Fiction.
Titulação: Mestre em Artes.
Banca examinadora:
Prof. Dr. Marco Antonio Alves do Valle.
Profª. Drª. Luise Weiss.
Profª. Drª. Maria Celeste de Almeida Wanner.
Prof. Dr. Carlos Roberto Fernandes (suplente)
Prof. Dr. Francisco Antônio Ferreira Tito Damazo (suplente)
Data da Defesa: 01-08-2008
Programa de Pós-Graduação: Artes.
iv
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v
À minha família e, sobretudo ao meu filho Pedro.
vii
Steidl and Staeck. Beuys in América, 1997, p.150.
Agradecimentos
Ao artista e orientador Professor Dr.
Marco Antonio Alves do Valle pelo
apoio, estímulo e pela pronta atenção
no decorrer da minha pesquisa e na
elaboração desta dissertação.
ix
RESUMO
Esta dissertação trata da relação da autobiografia como poética na arte
contemporânea, onde o artista é o narrador e sujeito de sua produção. Tendo
como ponto de partida a relação estreita que alguns artistas fazem entre sua
autobiografia e seu trabalho, o gênero autobiográfico na literatura moderna
propiciou uma reflexão sobre sua influência nas artes visuais na década de
setenta, seus procedimentos e construção de linguagem. Para análise dos
processos criativos foram escolhidos três artistas contemporâneos que
apresentam um caráter confessional em sua poética e usam a linguagem do
desenho em sua trajetória. As questões teóricas, processuais e poéticas
estudadas são relacionadas com meu processo artístico, resultando numa análise
reflexiva sobre a minha produção dos últimos dez anos.
Palavras-chave: Autobiografia, Desenho, Processo Criativo, Memória, Ficção.
xi
ABSTRACT
This dissertation is on the relation of autobiography as poetic in
contemporary art, where the artist is the narrator and subject of your production.
The starting point is the strait relation that some artists do between their
autobiographies and their works; the autobiographic literary gender propitiated a
reflection about its influence at the visual arts in the seventies, its procedures and
language construction. To analysis of creative process were chosen three
contemporary artists who show a confessional character in their poetic and use the
language of drawing in theirs trajectory. The theoretical questions, process and
poetics studied are associated with my artistic process, as a result a reflexive
analysis about my production at the last ten years.
Key words: Autobiography, Drawing, Creative Process, Memory, Fiction.
xiii
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÂO 1
2 CAPÍTULO I: A POÉTICA AUTOBIOGRÁFICA 4
2.1 Origem da Pesquisa 4
2.2 A Autoria e a Escrita de Si 11
2.3 Ficção e Realidade 18
2.4 O Narrador e o Leitor 33
3 CAPÍTULO II: ARTISTAS AUTOBIOGRÁFICOS CONTEMPORÂNEOS 41
3.1 Louise Bourgeois 47
3.2 Tracey Emin 57
3.3 Wonsook Kim 64
3.4 Semelhanças e Diferenças 71
3.4.1 Narrativa e texto 71
3.4.2 Memória e Infância 73
3.4.3 Poética Autobiográfica 75
4 PROCESSO CRIATIVO DE UMA AUTOBIOGRAFIA FICCIONAL 78
4.1 O Reencontro com Celeste 78
4.2 Os Sonhos e a Idéia 79
4.3 O Desenho e a Ambiência 104
4.4 Outras Referências 110
5 CONCLUSÃO 118
6 REFERÊNCIAS 120
xv
INTRODUÇÃO
Esta pesquisa de mestrado tem como objetivo relacionar a
autobiografia como poética nas artes visuais, especificamente na arte
contemporânea, apresentando paralelamente reflexões do meu trabalho que foi o
gerador desta busca de um “encontro” de uma produção intuitiva com um
discurso teórico.
Nesta poética o autor acumula as funções de narrador e sujeito. Ele
arquiva, seleciona e interpreta dados da memória. Com esta constante
construção de lembranças segue uma constante construção identitária. Pode o
autor ser objeto de seu próprio texto? Cultivar ou destruir rastros e vestígios faz o
autor lidar com o limite da vida real e fictícia. Interessa-me artistas que colocam
em dúvida a autenticidade de uma poética autobiográfica.
Sendo um tema de discussão teórica recente na História da Arte, se
fez necessário uma pesquisa no gênero autobiográfico na literatura moderna e
suas influências nas artes visuais na década de setenta. Discutindo as relações
entre narrador, sujeito, obra, e autoria.
Por ser uma narrativa em primeira pessoa, o processo de criação
autobiográfico faz do leitor parte fundamental da obra. Sem a presença e ou
participação deste não haverá trabalho. É nesta relação com o outro que
ocorrerão os desdobramentos necessários para que esta escrita do “eu”
1
perpasse a escrita de uma memória coletiva
1
. Portanto um aspecto discutido na
dissertação é a relação deste conjunto de obras visuais com o observador.
A dissertação se relaciona com o trabalho de três artistas que foram
escolhidas por terem em suas obras um caráter confessional independentemente
de assumirem o termo autobiografia em suas poéticas. Elas são Louise
Bourgeois, Tracey Emin e Woonsook Kim.
As análises biográficas, os próprios textos das artistas relatando suas
vidas, são costurados com seus procedimentos técnicos e poéticos visto que aqui
arte e vida
2
seguem amalgamadas seja questionando, priorizando, negociando,
alimentando ou negando fatos que resultarão numa rede de possibilidades
interpretativas.
Através desta poética arte e vida abordo a linguagem do desenho que,
por seu poder de incompletude e instabilidade, aproximou-me da poética
autobiográfica. Desenhar é um ato de intimidade. Através de anotações e
registros, o desenho traz a marca do dinamismo, segue o fluxo da vida. Relaciono
o potencial narrativo que o desenho me oferece aos desenhos das artistas
escolhidas, bem como o uso de textos em suas obras, formando uma linguagem
híbrida nesta combinação texto e imagem.
É a soma deste fazer cotidiano que torna o todo relevante. O desenho
indagando formas de arquivamento da memória. O volume de papéis
1
A expressão “memória coletiva” faz referência a Assmann Jan. Collective Memory and Cultural
Identity New German Critique, no 65, Cultural History/Cultural Studies - Spring – Summer, 1995.
p. 126.
2
O rompimento dos limites entre arte e vida foi uma atitude tomada pelo grupo Fluxus no início
dos anos sessenta. Utilizando-se de várias formas de arte, este grupo priorizava o processo ao
produto. Seu próprio nome denota seus objetivos em “escoar”, “fluir” experimentações que não se
limitavam ao objeto final, mas à atitude e presença de artista.
2
obsessivamente trabalhados como diários não cronológicos buscando justamente
em sua aparente incoerência temporal, a fragilidade das lembranças como seu
grande poder de reconstrução e resistência à ordem de uma memória coletiva.
O caráter confidencial de uma escrita de si
3
é arrombado,
abandonando seu aspecto de relato secreto dirigindo-se ao caminho oposto, que
torna uma soma de intimidades um grande e rico panorama de estudos da
coletividade. Portanto, aqui não há constrangimentos em relatos na primeira
pessoa, por certo eles são alicerçadores desta pesquisa.
3
Expressão utilizada por Foucault em: FOUCAULT, Michel. A Escrita de Si. In: Ditos e Escritos V,
p. 3-23. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006.
3
I - A POÉTICA AUTOBIOGRÁFICA.
Origem da pesquisa
O texto que apresento teve origem através da leitura do livro Joseph
Beuys de Alain Borer
4
quando o autor, tecendo um comentário sobre a construção
da “lenda Beuys”, argumenta sobre se os fatos de sua biografia são “verdadeiros”
ou “falsos” conclui que “a lenda tem o status temporário de verdade ou assume o
seu lugar; mas a lenda de Joseph Beuys deve ser tomada aqui por seu “efeito de
verdade’, indispensável a qualquer análise de sua obra, e como tal deve ser
louvada: ela é assim, “verdadeira”, da mesma forma que uma sociedade tradicional
admite a escolha daquele que se declara xamã”. Seguidamente o autor apresenta
um texto da primeira biografia de Beuys escrita pelo próprio artista em parceria
com Heiner Stachelhaus, na qual Beuys, a favor da criação da lenda, muda seu
local de nascimento.
Este ponto me chamou a atenção, pois Beuys põe a história de sua vida
a serviço desta arte ampliada. E, se para isso seja necessário reorganizá-la, recriá-
la cuidadosamente, ele o faz construindo e afirmando uma identidade.
Convém recordar o fato narrado por Beuys de sua experiência num
acidente aéreo sem pára-quedas sobre a Criméia como piloto alemão na Segunda
Guerra Mundial, em que ele é resgatado por nômades Tartãs que besuntam seu
corpo com gordura e o envolvem com feltro aquecendo-o e salvando sua vida. Este
fato, com sua materialidade simbólica e da aproximação do artista com a natureza,
passa a ser referência em seu trabalho.
4
BORER, Alain. Joseph Beuys. São Paulo: Cosac & Naif Edições, 2001, p. 12.
4
Os materiais refletem suas crenças e suas experiências vitais.
Poderíamos até chamá-los de materiais autobiográficos. Desde seu próprio cheiro
até papéis não comerciais, como guardanapos e jornais, os materiais passam pela
vida cotidiana, e não somente artística. Nas mãos de Beuys a crueza destes ganha
um valor ritualístico de retransmissão ao receptor; ele os decifra.
Borer compara a lenda Beuys a um xamã, um curador, um feiticeiro.
Aquele que é. O papel de guru foi cultivado pelo artista, tanto que sua obra, após
sua morte, tem sido vista mais como relicário do que arte.
Mas para Marco do
Valle:
Beuys não vive o caminho da fé porque no caminho
da fé, antes de tudo, eu acredito e sigo pela vida acreditando,
ou seja, é o fato de acreditar que valida o caminho. Beuys não
segue uma verdade, ele procura a verdade. Ele não é
verdadeiro, ele procura ser verdadeiro. Como sujeito e artista,
é um construtor de seu percurso, como se pudesse descobrir e
ensinar ao mesmo tempo enquanto vive. Não é um xamã, mas
se utiliza rituais simbólicos e perfomáticos no que é mais uma
apresentação do que uma representação. Beuys é menos ator
e mais atuador de si (Valle, 2008, entrevista)
5
.
Na colocação de Marco do Valle Beuys é um homem que pensa e atua
na construção de sua vida e, se sua história de vida é aceita como verdadeira será
mais por seu caráter fabuloso, do que por seu caráter divino.
A arte como redentora política da vida. Os desejos de Beuys com a
arte iam muito além da estética. Sua obra era a obra em ação. Ela exigia sua
presença, sua fala e a presença do outro. Para desenvolver esta comunicação
direta com o público, Beuys desenvolve uma pedagogia que resulta de sua
5
Entrevista dada pelo Prof. Dr. Marco Antonio Alves do Valle, em 09. 06.2008.
5
aproximação com o filósofo Rudolf Steiner, criador da Antroposofia, que em
grego quer dizer “conhecimento do ser humano”, uma visão holística do homem.
Esta doutrina vê a possibilidade de compreensão do homem nos seus
aspectos físico (biológico), anímico (psíquico) e espiritual no desenvolvimento
dos setênios, antiga concepção grega na qual a vida humana é dividida em
períodos de sete anos que Steiner aplica na pedagogia.
Para Steiner a verdadeira cura, a transformação do mal em bem,
dependerá da capacidade da verdadeira arte de fornecer às almas e corações
humanos um caminho espiritual.
1. Rudolf Steiner
O Reinode Angeloi 3, 1924
Pastel s/ papel preto
93 x 146 cm
Coleção de Rudolf Steiner,
Suíça
Beuys não fica somente impressionado com os textos criados por
Steiner, mas especialmente na sua forma didática em apresentar suas falas. Ele
usava uma lousa como suporte e, através de desenhos e esquemas, elucidava
seus pensamentos e falas sobre sua obra que buscava a transformação do
sujeito.
6
2. Performance de Joseph Beuys, 1978. 3. Performance de Joseph Beuys, 1978.
Deste forte impacto surgem trabalhos que foram expostos
recentemente na Austrália (2007) numa exposição intitulada Joseph Beuys &
Rudolf Steiner: Imaginação, Inspiração, Intuição na National Gallery of Victoria.
A exposição reúne trabalhos feitos a carvão sobre quadro-negro para
comunicar idéias ou mensagens transformadoras ao público. “Os desenhos de
Steiner são de 1920 para ilustrar suas leituras ao público, enquanto Beuys
adaptou o formato como um importante elemento em suas performances e
interações com as audiências a partir dos anos sessenta”.
6
Borer aproxima os quadros negros de Beuys “às Black Paintings de Ad
Reinhardt (de década de 60) ou ao Quadrado negro sobre fundo branco de
Malevitch (1915), como se começando do zero, Beuys estivesse voltando aos
limites extremos da pintura – o monocromo”.
7
Mas logo em seguida ele reforça o
caráter didático deste trabalho de Beuys que, através desta “pedagogia criativa”
apresenta-nos sua grande paixão em ser um mestre.
6
NATIONAL Gallery of Vitória. Joseph Beuys & Rudolf Steiner, Imagination,
Inspiration, Intuition. Austrália, 26 out. 2007. Disponível em: <
http://www.ngv.vic.org.au/beuysandsteiner/ >
7
BORER, Alain. Joseph Beuys. São Paulo: Cosac & Naif Edições, 2001, p. 13.
7
“Ser um professor é meu grande trabalho de arte”.
8
Neste ato sua voz
e seu corpo comunicam sua arte. Estes quadros negros apresentam-se agora
para nós como um diário gráfico, registros de pensamentos e trocas feitos em
tempo real com a audiência. Este tipo de desenho anotativo ecoa atualmente nos
desenhos contemporâneos criando uma linguagem híbrida de imagem e texto,
como nos trabalhos do artista londrino Simon Evans que participou da 27
a
Bienal
Internacional de São Paulo. Como foi escritor antes de se dedicar às artes
visuais, o artista faz referência à literatura através de seus desenhos e colagens
com materiais do dia-a-dia. Com irreverente senso de humor “seus trabalhos
fazem comentários sobre relacionamentos pessoais, saúde, carreira,
ansiedades”.
9
____
4. Simon Evans
Diagrama de uma interação com um corpo diferente, inquietação amarela, 2004.
Corretivo, nanquim e fita adesiva s/ papel
27.3 x 41.3 cm
8
SHARP, Willoughby. Beuys in Conversation with Willoughby Sharp. Artforum, 1969, no 4, p. 44.
9
SÃO PAULO, 27a Bienal Internacional de. Simon Evans. São Paulo, 2006. Disponível em:
<http://diversao.uol.com.br/27bienal/artistas/simon_evans.jhtm
8
Na obra Beuys a repetição de temas e materiais acaba por criar um
sistema simbólico de valor ritualístico de retransmissão ao receptor.
O antropólogo Aldo Natale Terrin (Terrin, 2004, p.12) diz que o rito
constitui o “verdadeiro ordenador da experiência do sentido”
e propõe uma
ampliação de seu significado em assumir diferentes leituras, entre elas, as das
performances do pós-moderno. Ele recorre ao conceito de performance dizendo
que a experiência ritualística se dá primeiramente através do corpo. A
possibilidade de se expressar inteiramente abre caminho para uma visão
holística que é também um desejo da pós-modernidade.
Em tempos de fragmentação a repetição simbólica cria um certo
ordenamento, um sistema organizado de sensações tão abstratas quanto
caóticas. A criação de um ritual, de performances cotidianas, de outras
realidades, tanto no que diz respeito ao objeto estético criado quanto ao uso do
próprio corpo do artista metamorfoseado, tem sido uma opção para localizar a
existência e produção da obra e do artista.
Esta leitura desdobrou-se em algumas perguntas tais como: como se
conceitua a autoria numa sociedade em que o sujeito está em crise? Quais as
relações entre a escrita de si e a pós-modernidade? Quando este sujeito é o
narrador de sua própria obra? Quais os limites entre realidade e ficção nas
poéticas autobiográficas? Qual o paralelo do “boom” de performances com as
poéticas autobiográficas na arte pós-moderna?
9
Não sei quantas almas tenho.
Não sei quantas almas tenho.
Cada momento mudei.
Continuamente me estranho.
Nunca me vi nem acabei.
De tanto ser, só tenho alma.
Quem tem alma não tem calma.
Quem vê é só o que vê,
Quem sente não é quem é,
Atento ao que sou e vejo,
Torno-me eles e não eu.
Cada meu sonho ou desejo
É do que nasce e não meu.
Sou minha própria paisagem;
Assisto à minha passagem
Diverso, móbil e só,
Não sei sentir-me onde estou.
Por isso, alheio, vou lendo
Como páginas, meu ser.
O que segue não prevendo,
O que passou a esquecer.
Noto à margem do que li
O que julguei que senti.
Releio e digo : "Fui eu ?"
Deus sabe, porque o escreveu
Fernando Pessoa
10
A Autoria na escrita de si.
O artista na modernidade rompe com padrões estabelecidos rumo a
uma pesquisa individual independente de regras e temas impostos por um único
estilo.
Gombrich (Gombrich, 1999, p.364) já aponta um rompimento na obra
de Parmigianino, Madona do colo longo (1534-40) onde o autor, contrariando
todas as regras renascentistas, “alongou as proporções do corpo humano de um
modo estranhamente caprichoso”, deixando claro que esta foi uma escolha e não
um “efeito por ignorância ou indiferença” (Gombrich, 1999, p.366). Esse
descontentamento com o padrão faz com que o artista percorra outros caminhos
solitariamente. Esta atitude amplia consideravelmente as possibilidades técnicas
de cada linguagem tanto quanto deposita nas mãos do artista uma liberdade
onde “ele é seu único juiz (ou quase) sobre o quê e como fazer (...) O subjetivo é,
agora, senhor. O singular predomina sobre o coletivo e aspira a tornar-se
universal”.
A noção de autor neste contexto ganha importância porque o artista
deseja uma unidade de si com seu objeto criado. O foco está no sujeito e no
desenvolvimento de seus processos de individuação.
A modernidade, caracterizada como uma ordem
pós-tradicional, ao romper com as práticas e preceitos pré-
estabelecidos, enfatiza o cultivo das potencialidades
individuais, oferecendo ao indivíduo uma identidade "móvel",
mutável. É, nesse sentido, que, na modernidade, o "eu"
torna-se, cada vez mais, um projeto reflexivo, pois aonde
não existe mais a referência da tradição, descortina-se, para
o indivíduo, um mundo de diversidade, de possibilidades
abertas, de escolhas. O indivíduo passa a ser responsável
11
por si mesmo e o planejamento estratégico da vida assume
especial importância (Paralva Dias, 2005, vol.17).
Esta responsabilidade em enfrentar a construção de si gera
insegurança colocando a noção de identidade em crise na pós-modernidade.
Joel Birman
(Birman, 1999, p.172)
diz que a crise da filosofia do sujeito se
encontra no “purgatório”, no “limbo da história” como algo ultrapassado, a favor
do novo sujeito “fora-de-si”, totalmente exposto, iluminado. Estamos no auge do
corpo exibido, do excesso de luz que Jean Baudrillard (Braudrillard, 1990, p.51)
chamou de “A brancura operacional” onde ou o homem perdeu a própria sombra
ou se tornou transparente. Muita fonte de luz neutralizando a forma.
Neste panorama a escrita de si não se remeteria ao discurso da vida
de seu autor rumo ao encontro de sua identidade, mas apresentaria seus
deslocamentos contínuos, suas fugas constantes tornando-o um ser múltiplo e
transitório, e seria, na incompletude de seu discurso fractal e contaminado, que
se iniciaria uma constante negociação consigo mesmo. Como fica a questão da
autoria neste processo em que o resultado é uma colagem de subjetividades?
Em seu texto “O que é um autor?”
10
Foucault comenta, sobre o
apagamento deste autor. A autoria não estaria relacionada somente ao nome
próprio. “A função autor é característica do modo de existência, de circulação e
de funcionamento de alguns discursos no interior de uma sociedade” (Foucault,
2000, p.46). E é esta maneira com que o discurso é apropriado numa
determinada cultura que ganhará status de autoria. Neste espaço vazio entre a
diluição do autor e este conjunto de obras criado por ele, que representaria a
própria autoria, Foucault sugere uma atenção “as funções livres que esse
desaparecimento deixa a descoberto” (Foucault, 2000, p.41). Penso essas
10
FOUCAULT, Michel. O que é um autor? Lisboa: Vega,2000.
12
funções como a idéia que este autor faz de si, de sua existência e da existência
de sua obra.
Poderíamos até pensar neste espaço de desaparecimento do autor
nas artes visuais, visto que Foucault amplia seu conceito de autor para além do
autor de um texto, que a experiência do sujeito artista na contemporaneidade
pode estar nessa ausência, nesta névoa de realidades superpostas. O
apagamento do autor se transformaria no espaço de existência de um trabalho
autobiográfico contemporâneo ficcional.
Este texto foi apresentado por Foucault em 1959 e, segundo Teixeira
Coelho, ele:
Recusava noções clássicas utilizadas pela
história das idéias que assumiam a tese da autoria e que
incluíam, entre outras o postulado da unidade da obra e da
originalidade criadora. A procura de unidade de uma obra,
de sua coerência interna, seria uma violência imposta do
exterior ao texto (literário, cinematográfico, etc.) – em outras
palavras, uma camisa de força vestida sobre um texto, e
sobre quem o gerou, com um intuito redutor e manipulador
ou magnificante e prestidigitador (Coelho, 2005, p.148).
Romper com a noção clássica de autor seria uma forma de resistência
contra a captura em relacionar o artista diretamente a seu texto. Coelho
pergunta, surpreendido, como esta morte do autor tenha se sustentado por tanto
tempo. Para um sujeito pós-moderno fragmentado, transferir a autoria para os
processos de linguagem (“função-autor”) é tentador. Pollock com sua pintura de
ação, de dripping, mostra que “sem acaso, não há existência” (Argan, 1996,
p.532). Ele se mantém motivado num processo, não de projetos totalmente
controlados, mas no efeito inesperado que sua técnica proporcionava, como o
fluxo da vida. Este fluxo e este acaso ocorriam em sua vida, ou melhor, foi sua
13
vida que o levou a este processo. Para Coelho “o autor volta à cena” nas
primeiras décadas de noventa.
A viagem seguirá agora, (...) mais livre dos
pesadelos com a unidade e coerência da obra e do autor e
sobre todo o cenário se poderá voltar um olhar mais
abrangente e vagabundo, mais divertido. Mas de um modo
ou de outro, com a visão de linhas paralelas ou não, a
viagem continuará a ser feita no trilho da autoria (Coelho,
2005, p.158).
Certamente o conceito de autoria passa por transformações neste
período de hipertexto e “second life”, mas é justamente este questionamento,
este desconforto da descontinuidade e liberdade que motiva o artista
autobiográfico.
Etimologicamente, o termo autor “reúne as acepções grega e latina de
criador”, “autoridade” e “aumentar” (aquele que traz alguma coisa a mais),
formando um sistema semântico onde a autoridade do autor se apóia sobre sua
qualidade de originalidade, concluindo-se então, que aquele que copia não é
autor.” Sendo o autor um criador e não um copista, o “eu” autobiográfico pode se
permitir a jogar neste lugar “descoberto” com outras infinitas possibilidades de
“se ter sido”.
A obra As Confissões do filósofo iluminista Jean Jacques Rousseau de
1770 é considerada fundadora do gênero autobiográfico literário.
A grande inovação de Confissões é sua tentativa
de oferecer ao leitor um eu transparente através do qual
fosse possível enxergar os conflitos internos e as
verdadeiras motivações de seu protagonista. Rousseau, por
um lado, não tentava esconder seus segredos mais vis, mas
por outro lado deixava claro que sua intenção de sinceridade
absoluta é inatingível. Rousseau é marcado também por um
individualismo que hostiliza o mundo em que vive, repleto de
14
hipocrisias, mas ao mesmo tempo se mostra como um
homem comum, que erra e sofre como todos os demais (Puc
Rio, Certificação Digital No 0519850/CA).
Toda esta certeza da auto-imagem encontrada em Rousseau está bem
distante do que apresenta o escritor argentino Jorge Luis Borges em seu conto
Borges e eu de 1985, em que narrador e autor se confundem. O
autoquestionamento substitui a afirmação da auto-imagem. Não há respostas
nem formação identitária coerente. A transparência aqui se faz na intuição e na
incerteza como se a auto-imagem soubesse que a busca de seu lugar de
existência é utópica ou pertence a um não-lugar.
Ao outro, a Borges, é que acontecem as coisas.
Eu caminho por Buenos Aires e demoro-me, talvez já
mecanicamente, na contemplação do arco de um saguão
e da cancela; de Borges tenho notícias pelo correio e vejo
o seu nome num trio de professores ou num dicionário
biográfico. Agradam-me os relógios de areia, os mapas, a
tipografia do século XVIII, as etimologias, o sabor do café
e a prosa de Stevenson; o outro comunga dessas
preferências, mas de um modo vaidoso que as converte
em atributos de um ator. Seria exagerado afirmar que a
nossa relação é hostil; eu vivo, eu deixo-me viver, para
que Borges possa urdir a sua literatura, e essa literatura
justifica-me. Não me custa confessar que conseguiu
certas páginas válidas, mas essas páginas não me podem
salvar, talvez porque o bom já não seja de alguém, nem
sequer do outro, mas da linguagem ou da tradição.
Quanto ao mais, estou destinado a perder-me
definitivamente, e só algum instante de mim poderá
sobreviver no outro. Pouco a pouco vou-lhe cedendo tudo,
ainda que me conste o seu perverso hábito de falsificar e
magnificar. Espinosa entendeu que todas as coisas
querem perseverar no seu ser; a pedra eternamente quer
ser pedra, e o tigre um tigre. Eu hei-de ficar em Borges,
não em mim (se é que sou alguém), mas reconheço-me
menos nos seus livros do que em muitos outros ou no
laborioso toque de uma viola. Há anos tratei de me livrar
dele e passei das mitologias do arrabalde aos jogos com o
tempo e com o infinito, mas esses jogos agora são de
15
Borges e terei de imaginar outras coisas. Assim, a minha
vida é uma fuga e tudo perco, tudo é do esquecimento ou
do outro. Não sei qual dos dois escreve esta página
(Borges, 2000, p.).
Há limite entre o espaço da existência do homem, do artista e o
espaço da obra? A questão não é mais o espelho, o reflexo, mas essa mescla
de vozes internas criando infinitos ecos inomináveis. O que poderia causar um
imenso desconforto, em Borges soa resignação. Questiona a autenticidade deste
autor e narrador, mas não responde.
A produção cultural contemporânea sofre a perda dos especialistas, “já
que eles estão subordinados atualmente a multidisciplinaridade, ou à interface.
Cocchiarale (Cocchiarale, 2006, p.18) diz que a identidade não pode ser mais
comparada com uma planta com sua raiz por estar em rede, aberta à múltiplas
possibilidades.
Pensando a autobiografia aberta em rede e constantemente
contaminada, cairemos, inevitavelmente naquele limite entre ficção e realidade.
16
“Uma autobiografia não é quando alguém diz a
verdade sobre a sua vida, mas quando diz que a diz”.
Philippe Lejeune
17
Ficção e Realidade
A escritora espanhola Rosa Montero em seu livro A Louca da Casa
11
,
no qual combina fatos de sua vida pessoal a ficções, diz que o leitor pode
escolher entre aquilo em que deseja acreditar e aquilo em que não quer
acreditar, porque a vida imaginária é tão real quanto a real.
A partir dos anos setenta há um crescimento entre artistas visuais que
priorizam as poéticas autobiográficas. Essa expansão da narrativa em primeira
pessoa segue paralelamente à crise que gerou modificações profundas no
gênero autobiográfico literário. Para além de uma autobiografia tradicional que se
documenta numa fechada e determinada classe social e política, a crítica literária
dos anos cinqüenta do século XX amplia seu foco para os grupos minoritários
cujos trabalhos apontavam necessidades de mudanças sociais onde o
protagonista está inserido nas questões identitárias de seu tempo.
Estes grupos deixam rastros de comportamentos que nos
impressionam por não apresentarem ou reforçarem generalizações antes tão
confortáveis.
Evidentemente o artista sempre falou de si através de suas escolhas,
mas fazendo uma relação mais estreita entre autobiografia e pós-modernidade
podemos observar que a autobiografia tradicional literária tinha o compromisso
de contar a “verdade”, ser coerente e una. A crise do sujeito na pós-
modernidade, sua fragmentação e assumida pluralidade colocam o discurso da
“verdade” autobiográfica em crise. As possibilidades de auto-representação são
11
MONTERO, Rosa. A Louca da Casa. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004
18
inúmeras. Não há reprodução de uma vida, mas um constante estado de
recriação desta, tornando o limite entre autobiografia e ficção quase indistinto.
19
5. Friedl Kubelka
Retrato do Primeiro Ano, 1972-1973
38 x 38 cm
Generali Foundation, Viena
O olhar agora pode
voltar-se ao doméstico. Este
mundo privado visto antes como
feminino, descontínuo e
puramente pessoal, permite que a
autobiografia se abra para outras
formas de expressão como as
artes plásticas.
A riqueza de conexões
possíveis da atualidade e a ida da
arte para o espaço da vida nos
abrem infinitos desdobramentos
poéticos.
A fotógrafa inglesa
Friedl Kubelka tira fotos de si
mesma por todo ano de 1972 num
processo que vem sendo repetido
a cada cinco anos. Neste ato
ritualístico ela questiona sua
própria identidade através do
tempo. Kubelka altera poses
incansavelmente construindo um
arquivo pessoal e uma
autobiografia visual.
6. Friedl Kubelka
Da Série 6, 1997-1998
38,5 x 52 cm
20
7. Friedl Kubelka
Retrato de Louise-Anna Kubelka
Um ano, 1972
50 x 63 cm
8. Friedl Kubelka
Retrato de Louise-Anna Kubelka
Onze anos,1972
50 x 63 cm
21
Antigamente as vitrines dos fotógrafos surtiam grande curiosidade nas
pessoas que caminhavam pelas ruas. Eram expostas festas de casamento,
cerimônias de batizados, noivados e registros dos familiares em toda sorte de
situação. Apesar destes momentos aparentemente serem de foro íntimo, a
exposição ocorria com orgulho, e funcionava como um encontro social, sem
contato físico, só imagem. Estas vitrines já estimularam sonhos, recriação de
enredos, cobiça e muitas emoções tanto quanto o número de suas imagens.
O trabalho de Kubelka apresentado didaticamente como um
arquivamento de vidas, nos retira este olhar do voyeur substituindo-o pelo olhar
do pesquisador diante de um registro obsessivo do tempo, o qual agregará um
novo significado. O trabalho fala de saturação, a repetição como estratégia, um
meio de criação. A reflexão se faz no ato desta disciplina em reafirmar uma
existência.
Este projeto da artista se estendeu num formato semanal com fotos de
sua filha e de sua mãe. Em 1998 ela completa o trabalho de sua filha Louise Anna
do nascimento até a idade adulta (dezoito anos).
Kubelka cria uma estrutura do tempo com este grande volume de fotos,
porém a artista diz que esta estrutura dá a forma para a informação mais que
enfatizar sua autenticidade. A fotografia questiona este registro físico e formal do
tempo mostrando que sua aparência não dá conta de autenticar uma vida. Com
isto a artista questiona a veracidade de seu trabalho autobiográfico tencionando e
ampliando as relações destas mulheres em constante transformação. O assunto
não é mais sobre esta família de mulheres, mas sobre a mulher e seu documento,
o documento e a “verdade”, a imagem e o tempo, o tempo e a lembrança de se ter
sido.
22
Relacionar o tempo com a própria vida e com o uso do próprio corpo
tem sido um tema freqüente na arte contemporânea. O artista francês Roman
Opalka decide em 1965 iniciar um processo de contagem do um ao infinito através
da pintura.
Ele pinta uma seqüência de números para representar a passagem do
tempo. Ele já passou mais que a metade de sua vida neste processo que só
terminará com sua morte. As telas são sempre do mesmo formato variando
apenas o tom de cinza que cobre o fundo o qual ele iniciou com um tom mais
baixo que vem clareando com 1% de branco a cada mudança de tela. Ele grava
sua voz contando os números e ao final se fotografa em frente da tela. Tanto sua
tela quanto sua própria imagem vão embranquecendo com o tempo,
apresentando a vida como um esfumato.
9. Roman Opalka
Dos anos setenta aos noventa
23
Cinza é preto e branco.
Cinza expressa a unidade entre movimento e cores.
Cinza exclui dualismos e faz com que o todo se manifeste.
Cinza é universal.
Carrega todas as cores e a imagem do espectro de cores em movimento.
Mas cinza é neutro: eu o preencho com o
conteúdo da minha vida.
Cinza não é uma cor simbólica, tem se
tornado pra mim a cor do movimento
invisível.
Contra esse fundo cinza está minha vida: o
oposto das cores frias e indiferentes.
É a cor do meu sacrifício pictórico,
demonstrando o conceito que se desdobra,
seu movimento e tempo.
Nos pólos opostos, nos limites extremos,
do preto no primeiro quadro ao branco
sobre branco existe o “sfumato” da
existência: cores podem se tornar
mortalmente emocionais.
O esfumato criado nas telas de Opalka, chamado por ele de “esfumato
da existência”, acompanha o passar do tempo de sua vida. Este tempo é
relacionado com a elevação do tom do cinza. A cor anunciando o fim de uma vida,
gradativa e lentamente, com apenas 1% de clareamento a cada tela. O registro do
seu “sacrifício pictórico” é feito com suas fotos diante das telas onde sua imagem,
inicialmente contrastando com o fundo, vai se dissolvendo com o
embranquecimento de ambos. A perda do drama da luz e sombra, a perda de seu
volume, a perda do espaço entre o objeto criado e seu criador contrasta com os
últimos trabalhos em que ambos se confundem com a fluidez de seus limites.
24
10. Roman Opalka 11. Roman Opalka
Opalka pintando um dos primeiros Detalhes Detalhe, 1965
Sobre este processo de apagamento na modernidade, Marco do Valle
diz:
Podemos observar que os processos de
apagamento estão direta ou indiretamente envolvidos em
proporcionar estes questionamentos específicos sobre nossa
visão, dissolvendo-a e denunciando sua fragilidade (Valle,
1991, p.141).
Neste momento Marco do Valle está se referindo aos processos de
apagamento na modernidade, mas que aqui, num trabalho contemporâneo, a
dissolução da imagem do artista com o fundo da tela, faz referência à fragilidade
da vida.
25
Porém, sobre o “limite entre o moderno e o contemporâneo” no
processo de apagamento, Marco do Valle coloca:
Alguns trabalhos contemporâneos ao se debaterem
com processos de apagamento modernos produziram uma
reflexão sobre estes processos quando de sua utilização e
estabeleceram suas diferenças com este, separando pela
reflexão a negatividade dos trabalhos modernos (Valle, 1991,
p.163).
Em Opalka não há negação de si em relação à transformação física
do tempo, ao contrário, seu trabalho abre reflexões sobre o inevitável. Ele nos
apresenta o que todos nós sabemos, e, a nós cabe a perplexidade ou a
resignação.
Com a saída da arte do sistema institucionalizado dos museus para o
espaço público nos anos 50 surge a arte integrativa da performance.
Apesar de usar seu próprio corpo, o performer não representa a si
mesmo. Segundo Renato Cohen a performance se aproxima daqueles trabalhos
que se relacionam diretamente com a vida, a arte vida. Sendo seu ato natural, sua
relação com a ambiência não se dá nos lugares onde sua apresentação exigiria
um processo de rigoroso preparo, mas em lugares antes impensáveis para uma
apresentação artística. A performance deposita a importância da obra no
processo criativo.
Em 1972 a fotógrafa americana Eleanor Antin apresenta o trabalho
Entalhe: uma tradição escultórica. Ela faz uma dieta de 37 dias e registra este
processo de seu corpo tirando 148 fotos. Antin questiona o modelo de aprovação
social do corpo feminino.
26
12. Eleanor Antin
Entalhe: uma tradição escultórica, 1972
Fotografia
27
13. Eleanor Antin
Pocahontas da série Minha vida com
Diaghlev 1919-1929, 1977-1978
Fotografia, 27.5 x 20 cm
Ronald Feldman Fine Arts, New York
14- Eleanor Antin
Retrato do Rei, 1972
Fotografia 32.5 x 22.5 cm
Ronald Feldman Fine Arts, New York
Demonstrando ser um camaleão
cultural, Antin assume diversas personas
em suas performances, fotografias,
vídeos e instalações nos anos 70. Estes
personagens comentavam o imaginário
feminino e masculino. Da famosa
bailarina esquecida pela história Elianora
Antinova à figura masculina poderosa O
Rei, Antin trabalhava detalhadamente
cada persona desenvolvendo suas
necessidades físicas, emocionais e
documentais, pois também escrevia suas
biografias.
Interpretar para ela era “como se
sentisse que não tivesse um self. E não que
o houvesse perdido como uma pessoa
patética sem um self. Eu o emprestava de
outras pessoas ou as inventava. E é algo
que continuo fazendo sempre que começo a
trabalhar com personas porque foi um jeito
bom de lidar com temas como política e
sociedade que interessavam a mim. E
também por um interesse intelectual
particular que eu tinha, como o teatro e a
auto-representação”.
Antin também cria memórias
históricas fictícias. Ela diz que sempre
sonhava, quando criança, em ser como as
28
grandes personalidades, admirava os heróis, a vitória e o poder. Ela sentia inveja
do passado e pensava: “Como isto ousou existir sem mim?”
Em 2001 criou uma seqüência fotográfica com o título “Os Últimos Dias
de Pompéia” onde demonstra sua paixão pelo passado.
Após uma longa pesquisa sobre o tema, a série de fotografias retrata
cenas possíveis um dia antes da tragédia da erupção. São cenas teatrais onde a
artista coloca-se agora atrás da máquina fotográfica recriando cenários ricos em
referências à mitologia e história da arte.
15. Eleanor Antin
O banquete – O ultimo dia de Pompéia, 2001
Fotografia
87.5 x 145 cm
Ronald Feldman Fine Arts, New York
As cenas demonstram uma vida mergulhada no prazer, idealizada. São
imagens com cores vibrantes que pulsam com a representação de uma sociedade
hedonista muito distante do que está por vir. A artista fala que esta representação
teatral diz muito sobre seu pensamento a respeito de nossa sociedade atual.
29
Estranhamente após apenas alguns dias dela ter finalizado esta série,
ocorre a tragédia com as Torres Gêmeas em Nova Iorque. A relação entre os
Estados Unidos e Roma fica implícita neste trabalho. Ambas como uma grande
potência colonialista.
16. Eleanor Antin
O Último dia, 2001
Fotografia
150 x 120 cm
30
17. Eleanor Antin
O estúdio do artista,2001
Fotografia
115 x 145 cm
18. Eleanor Antin
O Banquete, 2001
Fotografia
121,9 x 203,2 cm
31
O uso da narrativa ficcional no trabalho de Eleanor Antin promove
rituais. Suas personas ganham vida em seu corpo e em seu texto que as autentica
originando, neste embate entre ficção e realidade, o que Wolfang Iser chamou de
relação triádica.
Como o texto ficcional contém elementos do real,
sem que se esgote na descrição deste real, então o seu
componente fictício não tem o caráter de uma finalidade em si
mesma, mas é, enquanto fingida, a preparação de um
imaginário (...) Decorre daí que a relação triádica do real com
o fictício e o imaginário apresenta uma propriedade
fundamental do texto ficcional. Ao mesmo tempo, fica claro o
que caracteriza o ato de fingir e, assim, o fictício do texto
ficcional. Quando a realidade repetida no fingir se transforma
em signo, ocorre forçosamente uma transgressão de sua
determinação correspondente. O ato de fingir é, portanto,
uma transgressão de limites. Nisso se expressa sua aliança
com o imaginário ( Lima, 1983, p.386).
Podemos pensar assim que uso poético da ficção oferece uma forma de
resistência aos padrões de qualquer gênero, tendo como cúmplice o imaginário
que “permite que tal acontecimento seja experimentado”. Comportando-se assim
como uma “transgressão de limites” que rompe com a “oposição entre ficção e
realidade”.
Antin tem o início de seu trabalho marcado pela formação do WAR
(Artistas Mulheres em Revolução) em 1969, que seria o grande detonador da
presença de mulheres em performances de caráter social e político. A artista
afirmou a respeito destes alter egos que “as usuais referências para a
autodefinição – sexo, idade, talento, tempo e espaço – são apenas limitações
tirânicas à minha liberdade de escolha” (Archer, 2001, p.137) Este deslocamento
de identidades procura escapar da subordinação e opressão. A filósofa
deleuzeana Rosi Braidotti propõe a figura dos sujeitos nômades como forma de
32
resistência à noção de identidade. A identidade de um nômade é um mapa de
subjetividades.
O narrador e o leitor
O narrador transmite experiências dos antepassados, não como
dono da verdade, mas incorpora sua própria experiência modificando a
narrativa. A entrega do narrador e do ouvinte é fundamental para que ocorra a
transmissão e, conseqüentemente, lhe dê crédito, conservando-a na memória.
De acordo com Nietzsche, enquanto o mundo
geneticamente programado dos animais garante a
sobrevivência da espécie, os humanos precisam encontrar
um significado para manter sua natureza consistente através
das gerações. A solução para este problema é oferecida pela
memória cultural (Assmann, 1995 , p.126).
Num momento de grandes velocidades e avanços tecnológicos o
cultivo desta memória poderia ficar comprometido. Mas o que se apresenta no
panorama artístico é justamente o oposto. Márcio Seligmann Silva (Silva, 2002,
p.101) diz que não podemos nos esquecer que “essa cultura da memória nasce
da resistência ao esquecimento “oficial” e a uma cultura da amnésia, do
apagamento do passado, que caracteriza nossa sociedade globalizada pós-
industrial”.
33
Com forte caráter histórico e político, a arte e memória cultiva, dentro
de um leque de qualidades, a sobrevivência da narrativa. Sobre a
sobrevivência da narrativa Benjamin declara que:
Narrar histórias é sempre a arte de as continuar
contando, e esta se perde quando as histórias já não são
mais retidas. Perde-se porque já não se tece e fia enquanto
elas são escutadas. Quanto mais esquecido de si mesmo
está quem escuta, tanto mais fundo se grava nele a coisa
escutada. No momento em que o ritmo do trabalho o
capturou, ele escuta as histórias de tal maneira que o dom de
narrar lhe advém espontaneamente. Assim, portanto, está
constituída a rede em que se assenta o dom de narrar. Hoje
em dia ela se desfaz em todas as extremidades, depois de ter
sido atada há milênios no âmbito das mais antigas formas de
trabalho artesanal (Benjamin, 1969, p.62).
Benjamin compara o narrador a um artesão que grava seu modo de
narrar contando a história através de suas experiências, contaminando com
sua versão pessoal o fato narrado que se desdobrará na interpretação do
ouvinte atento.
Algo envolve o leitor de Chardin: é o silêncio.
Chardin é um virtuoso do silêncio. Ele faz do silêncio uma
presença quase táctil, algo que se manifesta inequivocamente
pela qualidade da luz, pela textura da composição. (...) Uma
leitura genuína requer silêncio. A leitura, como Chardin a
representa, é um ato silencioso e solitário. Trata-se de um
silêncio vibrante de emoção e de uma solidão abarrotada de
vida. Mas a pesada cortina separa o leitor do resto do mundo
— do que é mundano ( Steiner ,2001, p. ).
34
George Steiner analisa o leitor a
partir de uma obra do pintor barroco
francês Chardin, Lê Philosophe Lisant,
de 1734. A leitura se faz na
cumplicidade do silêncio entre obra e
leitor. Gostaria de retornar à questão de
Foucault sobre a diluição do autor que
cria com seu desaparecimento,
lacunas, espaços a serem investigados.
Este imprescindível silêncio entre
obra e autor, obra e apreciador, vejo
como o lugar onde os envolvidos
tecerão a existência da obra.
19. Jean-Baptiste-Siméon Chardin
O Filósofo lendo, 1734
Óleo s/ tela
O apreciador cultivará, como um leitor,
a possibilidade de transpor sua
vida a outras. O tempo de permanência neste “lugar” dependerá da intensidade
estabelecida e na rede de seus desdobramentos. Já na relação autor e obra, esta
lacuna, que poderia soar como um eco eterno, vem apresentada em ruídos, vozes
que exigem uma atenção poliglota. Possibilitando a criação de enredos
“preenchendo” momentaneamente aquela lacuna. É quase uma redenção.
Ameniza a desconfortável sensação de estar só.
Para a crítica literária Nora Catelli:
O espaço autobiográfico seria equivalente à
câmara de ar que se forma entre o rosto e a máscara: não
existiria completamente neste “eu” que narra sua história, nem
na moldura que usa para narrá-la. A máscara que cobre o
35
rosto estaria submetida a um regime de não correspondência,
pois não mantém uma relação de semelhança com o que está
oculto. A partir deste vazio deformado impõe-se a ordem do
relato que, no máximo, só mantém com a realidade vivida uma
presunção de semelhança ou analogia (Catelli, 1991, p.17).
A metáfora da “câmara de ar” de Nora Catelli encontra eco na história
da arte na dissertação de mestrado de Marco do Valle, onde o autor analisa o
ready-made de Marcel Duchamp: “Capa de máquina de escrever” (1916, ed.
1964).
O Ready-made de Marcel Duchamp é composto por
uma “Capa de máquina de escrever em couro” própria para
revestir uma máquina de marca “Underwood” de tal forma que
ao cobri-la teria todo seu volume preenchido pela sua forma
de “paralelepípido”. Porem, Marcel Duchamp utiliza apenas a
capa, que apesar de possuir um desenho apropriado para
cobrir o volume da máquina de escrever, sozinha, não teria
nem forma nem volume fixos (...) Existe no trabalho um
ocultamento da estrutura interior, porém, esta só produz o
volume na interação com a estrutura da própria capa
costurada em forma de paralelepípedo e pela ação da
gravidade sobre esta. Portanto, não temos um volume anterior
que pudesse ter sido apagado pela capa e sim uma
interdependência interativa entre estrutura interior a capa para
produzir o volume (Valle, 1991, ps. 145 e 146).
Podemos comparar esta “estrutura interior” (máquina de escrever) e sua
relação de “interdependência interativa” com a capa, com o rosto, sua máscara e
a câmera de ar. Elas podem manter uma relação de interdependência, porém, não
de semelhança. O que permite uma rica experiência nessas trocas ocorridas neste
espaço “vazio” entre o externo e interno. Nesta lacuna estaria o atrito para
impulsionar processos de criação.
36
A narrativa da própria vida relaciona a memória com a “verdade”. Há um
processo de coleta e arquivamento desta memória que seleciona, organiza e
arranja esses dados.
A grande qualidade de uma narrativa autobiográfica é a de nos
transformar em voyeur do narrador/sujeito. Dando-nos a impressão de estarmos
diante da apresentação de uma vida real. Como num jogo somos atraídos por sua
versão, e nossa leitura lhe atribui várias versões.
Há artistas plásticos contemporâneos que, na busca de ordenamento
da memória cultural, apresentam seu trabalho em forma de arquivo, livraria. Mas
há artistas que colocam em cheque a segurança desta memória. Na instalação:
“Na cara do silêncio”, a artista Sigrid Sigurdsson apresenta uma série de
prateleiras com 72 escaninhos onde ela, inicialmente, depositou coleções de todo
tipo de materiais e documentos próprios, cartas, fotos, cartões postais, mapas,
etc, arranjados em textos ou desenhos organizados em livros e balcões de vidro.
Após quatro anos da fase de compilação (1989-1993), a instalação conta com 380
compartimentos, com cerca de 30.000 documentos, desenhos e objetos que são
usados pelos visitantes, que podem depositá-los em mesas, examiná-los e
recolocá-los em qualquer compartimento. Esta interatividade interfere no
ordenamento da memória, no saber arquivado.
O trabalho autobiográfico não oferece segurança neste ordenamento de
suas memórias, pois a escrita do “eu” perpassa a escrita de uma memória
coletiva. Portanto a presença do espectador (leitor) é essencial para que a obra
ocorra. Sem esta cumplicidade, todo este material simbólico apresentado por
Sigurdsson ganharia status de “verdade”.
37
A impossibilidade de uma coerência nos estudos das narrativas
autobiográficas pode ser o fator de escolha deste processo poético.
20. Sigrid Sigurdsson
Na cara do silêncio, 1989 -1993
Instalação
38
21. Márcia Porto
Série poços rasos, 2006
nanquim s/ papel
10 x 15 cm
Lembro-me muito bem de não ter planos.
Valia o
dia vivido lentamente.
Uma longa existência era certa e
segura.
A menina com babados e sua estranheza
com sua
própria voz naquele corpo,
escondia-se ao toque da
campainha.
Era preciso acreditar de imediato nas vozes.
Toda
aquela gritaria deveria ter uma razão de ser.
Celeste
39
Freqüentemente me pergunto, para ver, quem
sou eu – e quem sou eu no momento em que, surpreendido
nu, em silêncio, pelo olhar de um animal, por exemplo, pelos
olhos de um gato, tenho dificuldade, sim, dificuldade de
vencer um incômodo.
12
Jacques Derrida
22. Márcia Porto
Série as gêmeas, 2000
nanquim s/ papel
25 x 35 cm
12
DERRIDA, Jacques. O animal que logo sou. Trad. Maria Beatriz M. N.da Silva. São Paulo:
Perspectiva, 2002.
40
II ARTISTAS AUTOBIOGRÁFICOS CONTEMPORÂNEOS
Escolhas
A grande qualidade da memória é sua capacidade de reconstrução.
Quando perguntamos aos pais fatos ocorridos em nossa infância, muitas vezes não
nos identificamos com aquele personagem narrado. Essa falta de correspondência
sempre me inquietou rendendo dúvidas sobre a existência de certos momentos
vividos que vinham à mente como um vácuo.
Esta sensação não nos abandona após a infância. Já adulta comecei a
ter dúvida do objeto da minha saudade. Ela era enorme e ocupava o lugar mais
especial para mim, meu trabalho como artista. Era saudade de um espaço, de um
silêncio, de experiências de vidas que não a minha.
Esta memória nunca foi clara, muito menos linear. Percebi que ela vinha
acompanhada de outras histórias mescladas com as minhas, de coisas que ouvi,
li, imaginei. Um trabalho feito a partir das colagens de minhas partes com a de
outras mulheres.
Num certo momento fui tomada por um desconforto por realizar um
trabalho que estava intimamente ligado à minha própria vida, ou a idéia desta, e a
dúvida da veracidade desta memória visto que sempre se apresentava contaminada
pelas experiências alheias.
Após o contato com o livro de Alan Borer sobre a obra de Joseph Beuys,
comecei a pesquisar artistas que continham um tom confessional e lançavam mão
da metalingüística em sua poética, usassem o desenho como linguagem narrativa
e, fundamentalmente, fossem referências ao meu trabalho como artista.
41
As três artistas escolhidas são Louise Bourgeois, Tracey Emin e Wonsook
Kim. Os trabalhos e as três frases que se seguem pertencem a cada uma
respectivamente.
42
“Minha infância jamais perdeu sua magia, jamais
perdeu seu mistério e jamais perdeu seu drama”.
Louise Bourgeois
23. Louise Bourgeois
A criança tecida (detalhe), 2002
Tecido, madeira, vidro e aço
175 x 87.5 x 52.5 cm
Worcester Art Museum
43
“Não posso continuar a viver com todas as coisas
que tenho em mim”.
Tracey Emin
24. Tracey Emin
Eu consegui isso tudo, 2000
Performance
44
“Minha arte é sempre sobre a vida e sobre a
importância das experiências vividas”.
Wonsook Kim
25. Wonsook Kim
Moça Rio, 2001
Acrílico s/ tela, 1997
120 x 150 cm
45
Uma grande força expressiva une as três frases destas artistas. Seus
depoimentos professam a importância da lembrança na vida e, como veremos
adiante, em seus processos poéticos.
Bourgeois fala da vida do passado que se mantém latente no presente.
Para Emin narrar não é uma opção, mas uma necessidade. Kim fala de
experiências vividas, da poesia do cotidiano. Todas apresentam uma narrativa em
primeira pessoa em seus trabalhos e para realizá-los se voltarão à memória. Mas
o ponto de partida aqui é o que Sheila Dias Maciel fala sobre o gênero
confessional na literatura:
Muitos teóricos se perguntam se há realmente um
traço formal que separe a narração de acontecimentos
verificáveis da narração produzida pelo imaginário. Ninguém
nega, no entanto, que, tanto os gêneros confessionais,
quanto as outras formas literárias sejam duas maneiras
expressivas de se contar a experiência humana. Além disso,
existem diversas obras dentro do universo confessional que
são puramente ficcionais e se utilizam da forma
autobiográfica como um recurso a mais dentro da aventura
da linguagem ( Maciel, 2004, p. 2).
paralelo com as artes visuais, nos deparamos com artistas
onfessionais que, necessariamente não utilizam o termo autobiografia quando
lam de seu trabalho, e outros que não só o adotam, mas colocam em dúvida sua
eracidade colando estórias do imaginário pelas possibilidades transgressoras que
este lugar
autobiográfica, os dados biográficos bem
omo textos escritos pelas próprias artistas serão apresentados e relacionados
simultaneamente aos dados históricos e poéticos, pois separá-los seria incoerente
Fazendo um
c
fa
v
oferece.
Por se tratar de uma poética
c
46
com a co
A artista francesa Louise Bourgeois nasceu em 1911 e começou a
trabalhar como artista
da arte Robert Goldw
contato com a cena
movimento.
Park, Seattle
nstrução deste processo criativo onde não há limites definidos entre a
vida e a obra. Também por esta razão, as imagens vêm ladeando o texto,
desdobrando novas interpretações que, certamente, ocorrerão a cada leitura.
Louise Bourgeois
em 1930. Casa-se com o professor americano de história
ater, e passa a morar em Nova Iorque, o que a coloca em
artística do século XX, sem, porém, aderir a qualquer
26. Louise Bourgeois
Pai e filho, 2004
Estudo para a fonte do Olympic Sculpture
47
Bourgeois transita entre os temas da
infância, sexualidade, medo e trauma. O livro
Destruição do Pai e Reconstrução do Pai
(Marie e Hans, 2000, p.1), apresenta o
27. Louise Bourgeois
Topiaria, IV, 1999
Aço, tecido, contas e madei
68.5 x 53.5 x 43 cm
ra
28. Louise Bourgeois
Aranha, 1996
Aço
326 x 757 x 706 cm
percurso de sua obra plástica a partir de seus
diários e entrevistas desde 1923 até 1997. Já
na primeira página ela afirma que toda sua
obra nos últimos cinqüenta anos fora inspirada
em sua infância. Este livro-diári lue
escritos, desenhos e a palavra falada da
artista, nos oferece um enredo autobiográfico
em processo; suas discretas lacunas são
preenchidas por nossa interpretação e, quase
que inevitavelmente nos coloca como
coadjuvantes e cúmp es de suas íntimas
anotações.
Mas o uso das memórias pessoais em
seu trabalho transcende o relato em primeira
pessoa levantando questionamentos sobre as
extremidades dos nossos sentimentos,
do tensões e abrindo espaços. Os
contrastes materiais e formais, o aspecto
teatral de suas instalações nos conduz a
experiências únicas. Meu primeiro contato com
sua obra foi na 23
a
Bienal (1996) em São
Paulo. O primeiro choque foi a dimensão do
trabalho “Aranha”.
o, que inc
lic
geran
48
Caminhar por debaixo dela, me fa
encantamento. Ela representava poder e controle.
Em 1995 Bourgeois pub a
série de nove gravuras em ponta-seca intitulada “Ode à minha mãe”. Ele começa
ssim:
zia sentir um misto de medo e
29. Louise Bourgeois
Ode a minha mãe, 1995
Ponta seca
30.4 x 30.4 cm
30. Louise Bourgeois
Ode a minha mãe, 1995
Ponta seca
30.4 x 30.4 cm
lica pela primeira vez um texto referente a um
a
49
A amiga (a aranha – por que a aranha) porque minha melhor amiga era
minha mãe e ela era decidida, inteligente, paciente, tranqüilizadora, racional,
encantadora, sutil, indispensável, arr uma aranha. Ela também
sabia se defender, e a mim, recus rguntas pessoais
“idiotas”, inquis osas.
Jamais me cansarei de representá-la.
Eu quero: comer, dormir, discutir, magoar, destruir...
_ Por quê?
- Meus motivos pertencem exclusivamente a mim.
O tratamento do Medo.
Para meu gosto, a aranha é um pouco fastidiosa demais. Tem esse lado
francês de detalhista, polemista, tricoteira, de cerzimento cada vez mais perfeito e
limpo, nunca termina de cortar os fios de cabelo em quatro. Essa análise
interminável é fatigante e visualmente pode ser redutora. Tenho vontade de fugir
para a rua e respirar a plenos pulmões. Não terminam nunca as análises,
questões dentro de questões – esmiuçando.
. Apóia-se na parede
da porta, contra a porta dos
anos).
Analisar e esmiuçar é uma coisa, mas tomar uma decisão é outra (uma
opção, um julgamento de valor).
Apanhada numa teia de medo.
umada e útil como
ando-se a responder pe
itivas e embaraç
Por uma vez essa aranha admite que está cansada
(como a prostituta que espia o cliente, à sombra
A teia de aranha.
A mulher carente (Marie e Hans, 2000, p.326).
50
o
ap e
m
rela m
tomam, coloca-nos de mas alcançamos um
grau de angústia de prota
Esta força simbólica está pr todas as linguagens de que a
artista lança mão. apenas o
essencial, onde o foco se faz na tensão das linhas que indicarão rapidamente a
emoção narrada. Suas esculturas têm a qualidade de ampliar o espaço em torno,
como que exigindo seu lugar de existência no mundo. Elas nos atraem (por
semelha
trâns aço
d
tem
por a
mãe. Mas o grande mistério para ela aceitação da mãe. O que leva uma
mulher d
A artista diz: “minh viver no presente, e
quero que elas sobrevivam (Marie e Hans, 2000, p.362)”.
Em 1982 ela publica na revista Artforum a obra Abuso Infantil, que
presenta fotos de sua infância e trabalhos acompanhados de texto em forma de
O texto segue questionando a verdade da mãe sobre o cotidian
arente de sua família, pois a aranha poderosa que se esquiva dos fatos qu
uitas vezes massacram um relacionamento familiar. O assunto aparenta ser a
ção entre Bourgeois e sua mãe, mas a dimensão que seu texto e image
ntro da cena não como coadjuvantes,
gonistas.
esente em
Seus desenhos feitos como registros diários contêm
nças ou diferenças) para este campo onde a vida parece pulsar num ritmo
mais acelerado que o normal. Suas instalações criam ambiências tanto de livre
ito quanto grandes gaiolas completamente isoladas definindo tempo e esp
iferentes o qual nós, como voyers, contemplamos a cena onde a materialidade
função simbólica.
Na infância a família de Bourgeois contrata para ela uma tutora que fica
dez anos. A tutora na realidade era amante de seu pai, com a conivência d
seria a
ividir marido, filhos e casa com outra?
as reminiscências me ajudam a
a
51
diário. Neste momento Bourgeois está com 71 anos de
texto nos faz sentir que o fato ocorrido era recente.
idade e a excitação de seu
31. Louise de Bourgeois
vo que ninguém consegue
truir algo do passado para
Abuso Infantil, 1982
Bourgeois inicia o texto dizendo:
Alguns de nós somos tão obcecados pelo
passado que morremos disso. É a atitude do poeta que nunca
encontra o paraíso perdido e é de fato a situação dos artistas
que
apr
trabalham por um moti
eender. Talvez queiram recons
exorciza-lo. É que, para certas pessoas, o passado tem tal
atração e tal beleza... Tudo o que eu faço é inspirado no início
de minha vida (Marie e Hans, 2000, p.133).
32- Louise de Bourgeois
Abuso Infantil,1982
52
Alimentar, arquivar fotografias, escrever. A artista torna-se uma
colecionadora de materiais de sua história.
Os outros ambientes de sua expo
roupas penduradas em cabides. Perco
intensificava naquele silêncio de ausentes, me conduz
silêncio.
Sobre o uso de roupas em suas escult
contraste da passividade e atividade. Roupas serão se
sição na Bienal traziam peças de
rrendo o trabalho, seu mistério se
indo ao meu próprio
uras Bourgeois diz focar o
mpre algo mais do que
ores.
33. Louise Bourgeois
ssional que
sua poética se apresenta,
seus temas abrangem a
memória do observador.
Richard Serra comentando
sobre a origem das
poderosas formas de
Bourgeois diz:
apenas algo para se vestir. Há a sedução, os cheiros, as c
Sem título, 1996
Aço, tecido
300.3 x 208.2 x 195.5 cm
Por mais confe
53
parece ser somente parte da história (...) A origem da dor, o
Quanto mais a artista retoma sua própria história, mais seu trabalho nos
conduz a
as vezes estão
los autobiográficos que se apresentam como detonadores do
trabalho.
A memória alimentando um trabalho de mais de cinqüenta anos é uma
memória cultivada obsessivamente. A cada trabalho esta memória não se
apresenta arquivada como um álbum de recordações que abrimos quando
necessitamos de nostalgia, mas cada referência ao passado reabre dores que
parecem inflar com o tempo, ganhar nitidez de significações e desdobramentos.
Como que, sem ela a artista não teria voz e nem o que dizer. Este cultivo passa a
ser também uma questão de sobrevivência poética e
amenizá-lo, muito menos libertá-lo já que a liberdade
encontra na sua permanência. A perda da inocência
numa mulher de noventa e cinco anos.
Com suas sucessivas traições matrimoniais
ela como uma pessoa não confiável e inconsistente
em várias de suas obras. Uma instalação de proporç titulada: I Do
– I Undo – I Redo confirma o trauma já em sua estrutura em forma espiral. Para a
Estou ciente dos traumas de infância, mas isto
centro da inquietude permanece indecifrável, e ainda estas
esculturas desencadeiam em mim a memória de experiências
que eu gostaria muito de esquecer. (Kotik, Sultan e Leigt,
1994, p.80).
nós mesmos, mais impactante ele se torna. Com a capacidade de
dominar o espaço em torno, nos colocando dentro dele, a artista altera o tempo
desdobrando relações sutis com a história da arte que, muit
camufladas em títu
não haverá terapia capaz de
criativa, paradoxalmente, se
da infância se faz presente
, a figura paterna é vista por
. Este assunto apresenta-se
ão gigantesca in
54
artista a espiral representa a metáfora da consistência em seu trabalho. Sua
estrutura sugere confiança. “Eu sou consistente” (Storr, 2004, p.14).
A artista c
que ela sugere em s
humana dos pais.
ento de Jean-Louis no mesmo ano é para ela o evento mais importante
de sua vida.
Reorganizando e reconstruindo uma história, se reinventando,
Bourgeois
onstrói uma imagem de si que se sustenta na dor da traição,
eus escritos, estar em oposição às posturas de fraqueza
Seu assistente, Jerry Gorovoy diz que há seis eventos chave para seu
processo criativo: o primeiro foi à vinda de Sadie, tutora das crianças e amante de
seu pai, que ficou no convívio familiar por dez anos. O segundo é a morte de sua
mãe em 1932. O terceiro, seu casamento com Robert Goldwater em 1938; o
quarto, a mudança deles para Nova Iorque. A adoção de Michel em 1940 seguido
do nascim
Para Bourgeois trabalhar com a memória é importante para controlar o
passado e até alterá-lo. Esta viagem à memória não só alimenta sua arte, mas lhe
dá o poder de recriar sua própria história. Ela diz dar significado e forma para a
frustração e o sofrimento. Reorganizar e reconstruir uma identidade.
Expondo sua história em seus desenhos e esculturas, Bourgeois nos
transforma em leitores acompanhando cada cena, cada capítulo. Mesmo sem
linearidade somos tomados pelo enredo de suas metáforas de coragem e medo.
reinventa também a nós.
Pergunto se estas memórias, que funcionam como disparadores em
seu processo criativo, entrariam em negociação com a mulher, a criança e a
55
artista Bourgeois, onde esta última, com ares de vencedora, cultiva esta memória
diariamente, tendo plena certeza do rico alimento de emoções que lhe será
izar
zar. Esse processo num moto contínuo na obra da artista
de, que com sua inteligência e beleza
o Sultão Shariman narrando suas lindas histórias de amor.
servido.
,
ni
pode ser ilustrado com o mito de Sheraza
onquistou o coração d
34. Louise Bourgeois
Rejeição,
Tecido,
Esquecer para Bourgeois seria perdoar? Armazenar e reorgan
armazenar e reorga
c
2001
chumbo e
aço
56
Louise nos mostra uma relação mais complexa entre o tempo e o
esquecimento. Percorre trilhas novas em traumas antigos. Sua poética está
estruturada na repetição, na doença eterna. Buscar a “cura” seria proclamar o fim
de sua art
Tracey Emin
Lendo o livro Arte Atual (Riemschneider e Grosenick, 2001, p.45)
encontrei uma imagem que me chamou muita atenção. É uma barraca azul tipo
ado com costura as datas 1963-1995. E
pos de letras e estampas. O
trabalho é da artista Tracey Emin que
s, mais parentes com quem ela dormiu
crianças que ela abortou,
35. Tracey Emin
Todos com quem eu dormi 1963-1995
(detalhe),1995
Tenda com aplicações, colchão e
iluminação
122 x 245 x 215 cm
e?
Vejo as “lacunas” da artista preenchidas pelas recordações tantas vezes lidas e
relidas e com total capacidade de promover novas transformações formais.
iglu que do lado de fora apresenta aplic
por dentro uma lista de nomes aplicados com vários ti
título: “Todos com quem eu dormi”. Este
borda os nomes de seus parceiros sexuai
junto quando criança, seu irmão gêmeo e de duas
somando 102 nomes ao total.
57
O que me levou a Beuys foi sua atitude de interferir em seu texto
biográfico. À Louise Bourgeois sua obsess o à infância. Agora sou pega por uma
imagem que, depois do impacto causado p
tão íntimos conduziu-me a outra questão stes
acontecimentos.
Após refletir sobre minha própria juventude, passei a pensar neste
corpo exibindo suas “experiências”, através de um outro objeto, e no efeito que
isso nos causa. Interessou-me a forma como ela conduzia a narrativa disparando
36. Tracey Emin
Todos com quem eu dormi 1963-1995, 1995
Tenda com aplicações, colchão e iluminação
122 x 245 x 215 cm
ã
or ela compartilhar e revelar momentos
que é questionar a veracidade de
58
na imaginação do espectador estórias particulares a partir daqueles nomes. Foi
m misto de atração e repulsão.
uso destes nomes fez-me lembrar dos nomes próprios de ruas que
funcionam como um registro de personalidades históricas, que uniformizam um
sistema de linguagem ao mesmo tempo em que esta nomeação ativa a memória
e identidade cultural de uma cidade.
la coleciona, organiza e arranja este material num objeto que remete
ao mesmo tempo à juventude e suas aventuras, bem como a uma sensação forte
de nomadismo. Uma nômade que carrega consigo suas histórias e as exibe em
público. A filósofa Rosi Braidotti (Braidotti. 2002,12-21) usa do mito do sujeito
nômade mo possibilidade de criação de novas formas de subjetividade
feminista. Não mais a noção de identidade, mas o nomadismo como devir, com
deslocamentos contínuos propiciando rupturas dos papéis. Contrário ao
pensamento essencialista, onde o mundo começa consigo, o nômade lê mapas
invisíveis e cria vínculos descontínuos.
a artista americana Amy Cutler
temas com ar de conto de fadas às avessas.
resenta sua vivência, sua instabilidade. Na mulher em primeiro
plano podemos ver a sombra de outra segurando uma bolsinha dentro de sua
tenda. Se
u
O
E
co
Este trabalho lembrou-me um desenho d
(1974), que desenvolve alguns
Este trabalho apresenta três mulheres deitadas no chão formando três
grandes tendas com seus vestidos mágicos. Elas demonstram uma grande
capacidade de adaptação, pois duas dormem tranqüilamente. Cada qual tem
consigo sua própria trouxa de roupa, como aquelas que se faz quando se foge,
que para mim rep
rá ela mesma já partindo? Ou uma “enraizada” que na ausência de uma
trouxa de roupa quer estar ali para aprender alguma coisa, para se proteger no
sono profundo da outra? E de costas para nós uma mulher que veste um avental
59
doméstico e uma bolsinha banal que parece ter o destino de trilhar sozinha um
percurso já sabido, um caminho sem aventura.
ística
nômade, já que “sua vida é um objeto ready –made” (,Riemschneider e Grosenick,
2002, p. 140) seu ponto de partida é sua vida. Mas devemos nos lembrar que ela
“quer” que acreditemos que seu trabalho
37. Amy Cutler
Acampamento, 2002
Gouache s/ papel
118.1 x 120.7 cm
Soa contraditório dizer que a poética de Emin tenha caracter
apresenta sua vida e, justamente
aqueles momentos que, negociando com a memória, desejamos reconstruir,
simular outras versões ou simplesmente apagar.
Tracey é uma figura polêmica. Suas aparições públicas costumam vir
recheadas com um comportamento e declarações bombásticas paralelamente a
trabalhos que a mostram vulnerável. Sentimentos de frustração, dor e compaixão
se mesclam a um inflamado discurso feminista contemporâneo.
60
Tracey Emin (1963) é uma jovem artista britânica do chamado YBAs, e
da “Sensation Generation”. Seu trabalho narra uma juventude conturbada,
somada ao abandono da família pelo pai por outra mulher.
O texto em seu trabalho se entrelaça à forma arquivando sua história
pessoal em processos catárticos. Numa clareza e determinação em explorar sua
intimidade ela gera uma tensão no espectador que vai da incredulidade ao
fascínio voyeurístico.
Como Bourgeois, Emin tem uma “perícia em ilustrar o não retratável em
suas instalações, histórias, desenhos, esculturas, bordados e filmes”
iemschneider e Grosenick, 2002, p.140). E como Bourgeois, sua infância é um
ma recorrente.
Ao observar seu trabalho lidamos com nossas partes que estão
do filósofo Jean Baudrillard, o jornal Folha de São
aulo
13
, apresentou-o como o “último iconoclasta”. Mas constata que nessa sua
mpeza ele encontrou, atrás das máscaras, apenas o vazio. Fiquei pensando
essa limpeza das máscaras e no susto que aquele ser dá, escondido há tanto
tempo, qu
Edvard Munch e Egon Schiele.
Artistas que desenharam e pintaram seus trabalhos como um diário íntimo que
possibilita
(R
te
sempre camufladas.
Quando da morte
P
li
n
ando vem à luz. “Se o olhar é atraído pela “face do monstro”, é porque
ele já espera sofrer seus efeitos sobre seu próprio corpo (Jeudy, 2002,p.125). Foi
exatamente o que senti ao ver a barraca de Emin pela primeira vez.
Tracey diz se interessar pela obra de
discutir a representação do self.
13
Caderno Mais Folha de São Paulo, 2007.
61
A obra de Schiele é marcada por uma forte intensidade emocional. Ele
explora a sexualidade e sua produção é tão obsessiva quanto sua
existencialista. A influência expressionista está presente nes
busca
tes “auto-retratos” de
38. Egon Schiele
Homem nu ajoelhado auto-retrato,1910
Aquarela, guache e lápis preto s/ papel
60 x 42.5 cm
Tracey.
Tracey diz se interessar pela obra de Edvard Munch e Egon Schiele.
Artistas que desenharam e pintaram seus trabalhos como um diário íntimo que
possibilita discutir a representação do self.
A obra de Schiele é marcada por uma forte intensidade emocional. Ele
explora a sexualidade e sua produção é tão obsessiva quanto sua busca
existencialista. A influência expressionista está presente nestes “auto-retratos” de
62
Como se cada imagem
produzida oferecesse uma indicação
63
Minha cama, 1998
Colchão, linho, travesseiros, objetos
79 x
Turner de 1999,
mas não ganhou. Ela produz arte
autobiográfica – arte que é sobre si
mesma.
Em 1999 para o Prêmio
Turner ela expõe a instalação Minha
cama na Tate Gallery. A cama em
total desordem doméstica de um
período de dias em que a artista
passou doente sobre ela, foi levada
comida, toalhas e peças íntimas
usados naquele período.
marcas e aromas de ritos cotidianos
precisos. A vida vivida num enredo
que, bem montado, alimenta a
poesia criativa. A minha pergunta é
nesta trilha de construção identitária.
Em seu site oficial a artista
é apresentada como uma conhecida
que deveria terartista moderna
ganhado o Prêmio
39. Tracey Emin
Banho triste, 1995
Monotipia s/ papel
42 x 59.4 cm
40. Tracey Emin
de sua casa à galeria com o mesmo
jogo de lençol e restos de bebida e
211 x 234 cm
A força da materialidade
apresentada como “cena real”, o
lençol não lavado, por exemplo, traz
quem chega antes, o movimento “natural” dos fatos da vida ou a simulação de
fatos para serem vividos e elevados ao statu
Wonsook Kim
O trabalho de Wonsook Kim não s
ter
eias palavras. O tempo deste trabalho é o tempo da vida.
te é um grande mergulho na alma
bertas e claras, fluem. A simplicidade do
agens contrasta com a intensidade emotiv
Seu repertório encontra inspiraçã
om um tom autobiográfico.
Denise B. Sant’Anna termina se
s os seres que nos
a eles nigmas,
ssim como nós, por delicadeza, não os d mos
morrer” (Sant’ Anna, 2001, p.127).
A força de cada palavra aí coloc
que insiste em buscar o caminho contrário, o da superexpos
alarde. Denise nos propõe o respeito ao mist
s de arte?
eduz pela virtuosidade, pelo conceito
pessoal intenso, onde não há espaço ou pela materialidade, mas por seu cará
para adornos e m
Sua ar feminina. Suas pinceladas são
tratamento e da representação das
a.
o em poemas e estórias que mescla
u livro Corpos de Passagem com a
cercam (e mesmo as coisas) são
não nos revelam os seus e
li
im
c
seguinte frase: “Todo
esfinges; mas como ardis da sutilez
a eciframos. Apenas não os deixa
ada nos põe dentro da vida corrente
ição sem limites, do
ério e o zelo por sua manutenção.
64
O mistério do trabalho de Kim está justamente na apare
despretensão. E é este o ponto aqui que me faz debru
nte
çar sobre o trabalho desta
rtista, as estratégias desenvolvidas na arte contemporânea que zelam pelo
istério e por sua manutenção. O mistério em Kim está na opção da ternura, da
ontemplação quase melancólica.
nas duas artistas anteriores, a infância é determinante no
trabalho de Kim. Ela nasce na Coréia em 1953 e muda-se para os Estados
Unidos em 1970 para estudar
agens
da Coréia naquela cultura, na sua relação com a mãe, o
budismo e
A ponte entre estas culturas forneceu um rico e
abundante material de inspiração (...) Eu acredito que a
versal desejo de beleza, esperança e alegria. Sou
r esse maravilhoso chamando para testemunhar a
vida(Lowly, Tim, 2000).
a
m
c
Como
na Universidade de Illinois.
Ela deixa um forte traço autobiográfico nas lembranças das pais
, das roupas usadas
o cristianismo. Esta conexão entre as duas culturas foi determinante
em sua poética.
verdade humana transcende a cultura e o tempo, resultando
num uni
grata po
65
41. Wonsoo
Com esta
ela é uma missão o outro. Voltando à frase de Denise
sobre não decifrarmos o enigma que é o outro, mas não o deixarmos morrer, o
abalho de Kim e suas declarações, celebra o desejo da alteridade, do encontro
ro. Ela parte de si para alcançar o outro. Um outro visto com um
uidado, ternura, generosidade e compaixão. Suas imagens consolam e seu zelo
maternal.
Na obra “A moça rio” vemos uma donzela em forma de rio que
emonstra dúvida em lançar o barco para sua grande aventura que, pelo título,
remete à sua vida sexual. A busca do conhecimento de si, destas reflexões e
k Kim 42. Wonsook Kim
Árvore curiosa, Menino com ramo
Óleo s/ tela Acrílico s/ tela
17.5 x 17.5 cm 165 x 120 cm
frase, quase messiânica, a artista mostra que fazer arte para
de construção de si e d
tr
com o out
c
é
d
66
43. Wonsook Kim
A moça rio ,1997
Acrílico s/ tela
177 x 250 cm
ráticas da subjetividade. Este trabalho de Wonsook nos remete aos pensamentos
de Fouca
obra “Atravessando o rio” não vemos seu rosto, não sabemos sua
expressão, apenas de que ela vai atravessar aquele rio e ir à outra margem. A
imagem c
p
ult e a metáfora da navegação, onde o barco é um “pedaço de espaço
flutuante, um lugar sem lugar, que vive por si mesmo, que é fechado em si e ao
mesmo tempo lançado ao infinito do mar” (Foucault, 2001, p.421) afirmando que
nas civilizações sem barcos “os sonhos se esgotam, a espionagem substitui a
aventura e a polícia, os corsários”.
Na
ondensa um misto de sensações numa simplicidade de tratamento. A
falta de detalhamento amplia a leitura sempre intimista.
67
Há uma gama de processos artísticos que foram sendo construídos e
adaptados do modernismo para nossa realidade contemporânea e que se recriam
numa rede infinita de desdobramentos.
44. Wonsook Kim
Atravessando o rio,1997
Acrílico s/ tela
177 x 250 cm
68
A crítica apresenta os artistas Magritte e Chagall como referências na
obra de Kim. Magritte é meticuloso nas imagens que trabalha. Desenvolveu uma
profunda pesquisa “da ambiguidade alegórica das imagens” (Argan, 1996, p. 364),
tudo pode ser qualquer coisa. Ele questiona tudo, “desvenda o absurdo do banal”
da obra de Magritte
de Kim, vemos que na obra da coreana o assunto segue para a figura humana.
ma psicológico da imagem da pessoa. Em Magritte o
o. A diferença do tratamento técnico oferece a Kim um tom mais
mocional e intimista do que conceitual.
45. Wonsook Kim 46. René Magritte
Na praia, 1992 O sedutor, 1950
Óleo s/ linho Óleo s/ tela
122 x 122 cm 38.2 x 46.3 cm
O trabalho de Chagal funde várias
fauvismo, cubismo e surrealismo. Sua cultura e vida, como o grande amor pela
sua esposa, são temas recorrentes que Argan chama de “fabulaç
(Argan, 19
através de combinações excludentes. Observando as imagens
e
O entorno prepara o cli
assunto é o tod
e
referências, expressionismo,
ão visual”
lore russo e judaico”. 96,p.473) que demonstra seu interesse pelo “folc
Em Kim esta influência existe, porém diluída.
69
47. Wonsook Kim
Primavera
mágica
Acrílico s/ cartão
37.5 x 60 cm
48. Marc Chagall
Promenade, 1917
Óleo s/ tela
170 x 163.5 cm
70
Semelhanças e diferenças
arrativa e texto
A marca de uma narrativa autobiográfica comum nas obras das três
rtistas está no uso do texto como processo de construção poética e conceitual do
trabalho. Bougeois trabalha com diários os quais ela chama de “compulsões
arinhosas”.
Escrevi diários durante toda a vida, desde que era
criança, desde que pude olhar alguém no rosto – e captar
emoções visuais e lembrar das minhas próprias (...) Mantenho
três tipos de diário: o escrito, o falado (num gravador) e meu
iário de desenhos, que é o mais importante (Marie e Hans,
2000, p.304).
Ela diz que com esta prática ela organiza sua vida, “mantém registros”.
Bourgeois arquiva a própria vida construindo uma imagem de si que pode não
Do fragmento à tentativa de se chegar a
m todo, o exercício sistematizado do diário torna-se uma estratégia no processo
criativo autobiográfico.
Faço os desenhos à noite, quando me reclino na
cama, apoiada em travesseiros. Pode haver um pouco de
música, ou simplesmente escuto o zumbido do tráfego na rua.
Mantenho preciosamente meus “diários” de desenhos. Eles
me descontraem e me ajudam a dormir. (...) Silenciosamente,
preparo minhas imagens. As imagens são pessoais: a árvore,
us galhos, uma espécie de paisagem que sobe e desce, cai
e gira e redemoinha em espirais. Especialmente lembro-me
N
a
c
d
corresponder a já existente socialmente.
u
se
71
da vida que l
Nova York (Marie e H
evei perto da água, tanto na França como em
ans, 2000, p.305).
intimidade descrita por Bourgeois quando da feitura destes
iários nos passa a sensação de clareza em relação aos seus sentimentos
descritos através das imagens. O diário torna-se um espelho. Como cada desenho
acompanh
pertório imagético e poético que servirá de alimento aos seus
abalhos.
Tracey es
em entrevistas em v
o texto está contido na composição, mas seus pronunciamentos são os alicerces
ue a tornaram uma celebridade.
ém do que viajando, ou aprendendo outra língua (Gargett,
2001).
Cada dec
representação de s
transitam entre a sim
seu “diário íntimo”,
O grau de
d
a o passar do tempo, ela diz poder vislumbrar um panorama de como
está se saindo. Atrás de cada desenho, ela escreve um texto que comenta aquele
momento. Este processo obsessivo cria um ritual cotidiano que irá oferecer à
artista um re
tr
creve diretamente nas obras e faz pronunciamentos públicos
árias mídias. Sendo uma artista que utiliza muitas linguagens,
q
Eu disse que eu sinto que se você quer aprender
sobre o mundo você não se senta por aí lendo mapas todos
os dias. Eu tinha essa atitude que em vez de ir para outro
país, você simplesmente dorme com alguém. Você terá
aprendido mais sobre lugares diferentes dormindo com
algu
laração ou texto colocado pela artista não parece ser uma
ua vida, mas uma interpretação. Seus polêmicos discursos
ulação e ingenuidade. A construção de sua imagem de si, o
é o veículo público. Ela declara ter uma vida ready-made. A
72
argumentação de
conceitual?
Na contra-mão de Tracey está Wonsook Kim, que mantém na vida um
silêncio e discrição oriental. O tex
Todas as artistas relatam a importância da infância em suas poéticas.
as cada uma negocia diferentemente com sua memória, com seu passado.
Bourgeois
cultivo destas record
o medo da amnésia
esquecer é parte da nossa sobrevivência. E que um dos mecanismos do
eu isso pela primeira vez há mais de
um texto pode sustentar um desejo em ser uma artista
to em seu trabalho se localiza nos títulos
aparentemente simples. Para uma artista do essencial, as palavras poucas são
fortemente poéticas e, às vezes, impactantes. O título nos conduz a um mundo
quase espiritual. Nada soa a simulação, antes, é a simplicidade da apresentação
que carrega o lirismo poético. Esta simplicidade é muitas vezes comparada à
sensibilidade infantil, quase ingênua. Mas logo se nota que a ingenuidade pode
ser substituída pela palavra esperança, tão em desuso em nossos dias.
Memória e infância
M
alimenta a permanência de seu passado no presente. O
ações lhe serve para reparar danos do passado. Portanto há
. O neurocientista Ivan Izquierdo (Grecco, 2004,D6) diz que
esquecimento “é a repressão. Freud descrev
cem anos dizendo que estas memórias não desejadas são excluídas da
consciência (...) A outra é a extinção (..) que consiste na diminuição gradativa de
uma resposta condicionada a um estímulo. (...) Esse fenômeno foi muito estudado
na Turquia por causa dos terremotos”. O mesmo ele diz sobre a infância que
73
exigiria muito esforço para evocar suas lembranças. “Podemos dizer que há algo
de seletivo e proposital no nosso esquecimento”.
a questão
ão é o acreditar, mas o efeito da interpretação destes fatos ditos, verídicos.
Kim usa o tempo para celebrar a vida, resgatar o ser humano. O que
wa-Young Kim chamou de “pintor interior”. “Nosso encantamento diante das
m na sua habilidade de acordar o pintor latente em todos
ós. E nós as observamos a partir de um vínculo tão forte que nosso pintor
esperto parece pintar diante de nossos olhos” (Kim Hwa-Young, 2001, p.2).
da
pintura e à nossa memória cultural, que ela chama de “o retorno de nossa
espontane
Com esta análise concluímos o quanto o grupo de diários de Bourgeois
foi peça fundamental na manutenção destas lembranças em uma mulher de 97
anos.
Tracey parece questionar a cada instante a autenticidade de suas
lembranças. Sua memória transita entre a realidade e a simulação. Seu próprio
status de celebridade cultural pós-moderna lhe permite representar este
personagem sem a menor preocupação com sua autenticidade. Aqui
n
H
pinturas de Kim tem orige
n
d
Esta memória coletiva dita por Hwa-Young nos remete à história
idade”. Independentemente das referências culturais coreanas somadas
às americanas, sua poética parte de sua memória pessoal para nossa
necessidade de expressão humana.
74
Poética autobiográfica
ia cronológica.
início
e, por ter
valor
simbólico.
na vivida por ela. É como se a sua poética
ica fosse essa interpretação através de um alter-ego alimentado em
O trabalho de Kim parece vir ao mundo para cumprir uma missão, a da
utileza. Em sua poética autobiográfica falar de si é construir
s para disseminar a esperança humana.
suas pinceladas fluídas valorizam o desenho na narrativa,
Um trabalho autobiográfico nunca se amarra, nunca se completa. São
tantas conexões que envolvem um pequeno fato que seria reducionista uma
coerênc
Bourgeois usa a auto-representação como o ponto de atrito em seus
processos criativos. Sua poética autobiográfica é confessional. Seus diários
tornaram-se públicos quando sua obra tornou-se internacionalmente conhecida
nos anos 80. Talvez seja este um dos fatores para que sua obra não tenha sido
classificada em nenhum estilo. Por não ter seu trabalho reconhecido logo de
tido a oportunidade de conviver com muitos expoentes do modernismo,
seu processo centrou-se cada vez mais numa trilha particular, onde as exigências
de público e de mercado foram suavizadas. Descoberta internacionalmente já com
idade avançada, um conjunto de trabalhos se apresentava perpassando sua vida
com uma sedutora honestidade e de grande força matérica carregada de
Tracey transporta objetos pessoais do cotidiano para as instituições
dando status de arte ao banal, mas não qualquer objeto banal, e sim, aqueles que
fizeram parte de sua vida e hábitos. Mas a pura exposição destes objetos não nos
garante estarmos diante de uma ce
autobiográf
seus discursos, instalações e performances.
transformação pela s
com o outro. Não para criar um duplo, ma
Longe de ser piegas,
75
optando por encerrar o trabalho num tempo que permite uma comunicação direta
om o apreciador para um encontro de sua busca de intensidade pessoal. O
ouco uso das cores nos prende no enredo existencialista. Sua ambiência é
bidimensio
c
p
nal, lírica e tem um tempo em suspensão que identificamos como
aquele lugar tão complicado de encontrar em nossos dias.
76
49. Márcia Porto
As Gêm s,2000
Aguada e nanquim s/
papel
15 x 10 cm
Diante de uma imagem – por mais antiga que seja
-, o presente jamais cessa de se reconfigurar (...). Diante de
uma imagem – por mais recente, por mais contemporânea
que seja - o passado, ao mesmo tempo, jamais cessa de se
reconfigurar, porque essa imagem só se torna pensável em
uma construção da memória
14
.
Didi Huberman
ea
d
14
DIDI-HUBERMAN, George. L’Image Survivant. Histoire de L’Art et Teps de
ntômes selon Aby Warburg, Paris: Lês “Editions de Minuit”, 2002.
Fa
77
III- PROCESSO CRIATIVO DE UMA AUTOBIOGRAFIA FICCIONAL
O Reencontro com Celeste
z anos minha produção começou a ser compulsiva como
unca havia sido. Foquei a linguagem do desenho por ele ter um caráter dinâmico
ue acompanhava um fazer obsessivo. Recordo-me da sensação de ansiedade e
razer que corria paralelamente à necessidade em viver a vida intensamente.
Neste processo o fazer ganhou da reflexão. Eram papéis por todos os
dos, engavetados desordenadamente.
Apresento neste capítulo o processo destes dez anos de produção e o
omento deste reencontro que tive com meu trabalho, como se, após sair de um
ésia, começasse a acreditar naquelas imagens feitas com tanta
de a arte é feita no abandono.
Na seqüência, como resultado da busca de uma fundamentação
teórica, comento os questionam
recordações que elas
a poética.
Para mim, imagem e texto formam um só corpo e é des
le deve ser visto.
Nos últimos de
n
q
p
la
m
estado de amn
paixão e intensidade, on
entos surgidos no embate com as imagens, as
promoveram e o paralelo entre os procedimentos técnicos e
ta maneira que
e
78
Os sonhos e a idéia
Há oito anos eu estava grávida de um menino e, durante a gestação,
uas meninas gêmeas. Eram cenas de um
otidiano mágico, um banho de banheira embaixo de uma jabuticabeira num dia
chuvoso, comer amoras numa cena em branco e preto onde só o carmim das
amoras ex
ma
interpretação específica.
esariana. Seu pescoço vinha com as
arcas do cordão umbilical. Seria meu primeiro sufocante abraço de mãe?
momentos diferentes surgiam diante de mim. Elas estavam o tempo
todo ali, esperando que eu recordasse e as reconhecesse.
a olhá-las como se pela primeira vez e fiquei surpresa em ver
quantos pontos em comum as imagens traziam.
sonhava constantemente com d
c
plodia seu matiz. Mas a cada sonho as meninas apareciam em épocas
diferentes, ora crianças, ora adultas, ora adolescentes. Neste período realizei uma
série de trabalhos em pequeno formato deste duplo. Minha atitude diante deste
sonho foi somente liberar um processo de fruição intuitivo, sem lhe atribuir u
Meu menino nasceu numa c
m
Após o nascimento de meu filho, como sempre fazemos quando
vislumbramos o final de um ciclo, abri todas as gavetas e pastas de desenhos do
ateliê para apreciar o panorama dos últimos anos.
Encontrei diários de mais de dez anos e observei o quanto aquelas
imagens se assemelhavam às mais recentes. Inúmeras representações de
mulheres em
Comecei
79
50. Márcia Porto
Série La
Aguada
vanda, 2007
de nanquim s/ papel
20 x 30 cm
80
Vendo os desenhos comecei a perceber que a imagem de uma mulher
que, àquela época, me parecia pertencer a um grupo grande de mulheres, era a
mesma.
Procurei pelas fotos dos meus modelos e notei as semelhanças
tinham o mesmo biotipo: cabelos longos e encaracolados e corpo longilíneo.
Estavam sempre de vestidos esvoaçantes denotando um discreto, porém
freqüente, movimento. Era uma imagem recorrente.
ou para fotos, sempre foi um
es se cruzam, desencadeia um
51. Márcia Porto
Fotografias de modelos: 1992 – 2005 – 1998, respectivamente
. Todas
Trabalhar com modelo vivo para esboços
olharritual. No momento da pose, quando os
81
processo
ose. E este instante para mim é sagrado: a representação da imagem de
i mesmo, ou melhor, dizendo, da idéia que se faz de si. O sutil e fugaz momento
de passag
me fascinou. Era uma mulher colhendo flores
tão delica
que ela flutuava. Sua veste solta e leve
seguia como uma segunda pele harmônica.
Seu mundo decididamente não se parecia
com o meu, mas meu desejo era ir para
aquele lugar silencioso e tão cheio de
possibilidades. A imagem deste afresco
chamado de Stabiae foi minha primeira
referência na história da arte provocando
uma necessidade em criar uma vida secreta
para aquela mulher, tornando-nos íntimas e
cúmplices daquele passeio. Dando-lhe nome
e características eu me divertia pensando
sobre quem a havia pintado e por quê.
52. Donzela Colhendo Flores
século I d. C.
Detalhe de pintura mural de Stabiae
Archeologico Nazionale,
s
de interpretação, um teatro para quem vê e para quem é visto. O modelo
já traz uma, ou várias imagens de si e, na hora da pose, inicia sua exibição, sua
metamorf
s
em de uma persona à outra é pleno de possibilidades e enigmas.
Lembro-me de que aos doze anos de idade, visitando uma prima nas
férias, encontrei uma imagem num livro que
das quanto ela. Seu movimento
discreto e suave dava-me a impressão de
Museo
Nápole
82
to em que eu te conheci, sua
xtraordinária influência sobre mim.
encarnação visível daquele ideal invisível
cuja memória nos obceca a nós artistas como um sonho
..).
15
53. Márcia Porto
Série Poços Rasos, 2006
Aguada de nanquim s/ papel
15 x 20 cm
Do momen
personalidade teve a mais e
Fui dominado, alma, cérebro, e poder, por você. Você se
tornou para mim a
perfeito (...) Eu mesmo quase não compreendi isso (.
Oscar Wilde
15
WILD , Oscar. The Piicture of Dorian Gray, 2004. Peguin Popular Editora.
E
83
O historiador alemão de arte Aby Warburg adota o termo Nachleben
ara tratar do fenômeno de sobrevida da imagem. Através da noção de
Pathosformel, essa herança imagética se manifesta na necessidade psíquica de
uma época agregada à forma. Essa identificação cultural tem como base
conceitos históricos específicos e não se apresenta na individualidade do artista,
mas como fenômeno coletivo da memória. Ele põe em discussão o elemento
cultural com o elemento histórico.
Meu primeiro contato com o modelo Warburg se deu na leitura do texto
“Sandro Botticelli’s Birth of Vênus and Spring” de Ernst Gombrich
16
, onde o autor
comenta o quanto Warburg analisa à exaustão detalhes de obras mitológicas,
como gestos do corpo, cabelos e vestes, que contêm uma força expressiva não
naturalista, indo na contra-mão da tese progressista do período do renascimento.
Enfatiza a influência da Antiguidade Clássica não somente idealizada, mas, como
coloca Gombrich, perguntando quais as razões que levaram Botticelli a
representar um tema específico de modo específico. O que ele, o humanista e
) imaginavam da Antiguidade? Warburg encontrou eco nas
ireta do poeta humanista Poliziano, construindo
período. Também como nas imagens de Ninfas desenhadas
em sarcófagos greco-romanos como referência de representações do movimento.
Warburg indaga como
imagens da Antigu
cultura ao uso do
Antiguidade Italiana
Pathosformel.
p
seus patrões (a tríade
poesias de Ovídio e na influência d
uma imagem deste
se daria esse processo de transmissão destas
idade para o Renascimento Italiano. O que motivava uma
que ele chamou em 1905 - no ensaio sobre “Durer e a
- de “mímica intensificada”? Essa obsessão nas fórmulas
as de representar a vida em movimento ele chamou genuinamente antig de
16
GOMBRICH, E. H. Aby Warburg. An Intellectual Biography, Chicago: Chicago University Press,
1986.
84
Quando saí da faculdade eu não sabia se a minha paixão pelo modelo
humano era decorrente de uma influência didática e curricular, ou era minha
poética já me chamando, como diz Nietzsche, um aprendizado para pensar com o
corpo. Mas eu via o que se produzia nos anos 80 e me sentia completamente à
margem, fora de meu tempo, e me faltou coragem e maturidade de investir e
assumir a delicadeza, a feminilidade. Atualmente, não quero dizer que, apesar de
ter me assumido tenha mais coragem. Apego-me àquela frase de Sartre que a
coragem não é a ausência do desespero, mas a capacidade de seguir em frente,
apesar do
formações, dentre elas os sintomas.
na significância paradoxal do símbolo de acordo com
icância de um sintoma.
desespero. Portanto, este conceito de memória imagética, sendo
apresentado justamente com a figura de um corpo feminino em estado de
suspensão e discreto movimento, abriu novas discussões e reflexões, me
conduzindo a voltar cada vez mais às recordações.
Warburg cita, num seminário apresentado em Hamburg em 1925, uma
frase atribuída por Gombrich a Gustave Flaubert: “O bom Deus se aninha no
detalhe”. Esta frase é adotada literalmente em seu método através do mergulho no
objeto, nos seus detalhes aparentemente insignificantes, como Freud, em “A
Interpretação dos Sonhos”, onde, o que passa despercebido pode ser a “chave”
interpretativa de uma forma de defesa de um processo traumático. A interpretação
dos sonhos é a via de acesso ao conhecimento do inconsciente, que produz suas
Didi Huberman
17
justifica a escolha do termo sintoma dizendo que o
que se visa na temporalidade paradoxal de Nachleben (traduzido por ele como
sobrevivência da imagem), não é outra que a temporalidade do sintoma. O que se
visa na corporeidade paradoxal do pathosformel não é outra que a corporeidade
do sintoma. O que se visa
Warburg não é outra que a signif
es selon Aby Warburg, Paris: Lês “Editions de Minuit”, 2002.
17
DIDI-HUBERMAN, George. L’Image Survivant. Histoire de L’Art et Teps de
Fantôm
85
Para Didi Huberman a história das imagens não segue uma
temporalidade cronológica e progressista, ao contrário, sua temporalidade é tão
complexa quanto à temporalidade dos sintomas de Freud. As imagens não
respondem simplesmente às demandas sociais, elas as transformam. Elas têm o
poder de legitimar. A história das imagens é uma história de rompimento e de
significações transformadas. Tal como um sintoma freudiano, um signo pode se
tornar incompreensível, graças ao trabalho da fantasia, transgredindo os limites
de seu próprio campo semiótico e acumulando sentidos.
Vejo a recorrência da imagem feminina em meu trabalho como uma
imagem sintomática. A tensão da repetição visual se desdobrando, gera em mim
uma tensão física. Prazer e desprazer. A dualidade se encontra entre a aparência
da delicadeza e a negação desta. Este exercício do discurso da obra está em
onstante “negociação” com a produção plástica.
a imagem de uma ou várias cadeiras na
composição. Havia um diálogo entre as duas imagens com o espaço em branco,
uma negociação a favor da síntese.
c
Lembro-me claramente da minha primeira aula de modelo vivo em
movimento na faculdade com o professor Álvaro de Bautista, e o prazer em ver
aquela bailarina dançando e o desafio de expressá-la rapidamente e em poucos
traços. Mas também me lembro de encapsulá-la no limite do papel ou cortar-lhe
um membro para ver como reagiria. Estes recortes formais criavam uma tensão
entre partes do corpo e espaços vazios. Comecei a analisar os desenhos mais
antigos. Eles apresentavam sempre
86
54. Márcia Porto
S/ Título, 1996
Acrílico s/ papel
30 x 35 cm
55. Márcia Porto
S/ Título, 1996
Grafite s/ papel
40 x 20 cm
Um desejo latente de sanar uma saudade que me acompanha desde a
infância é
tativas, de trocas tão raras em nossos dias.
O que havia atrás daquela imagem? A expressão de autoridade dos homens e de
aceitação das mulheres. Os adornos, a roupa nova, a produção idealizada. A foto
“surpresa”, o registro dos bens, os desastrosos encontros familiares envernizados
nos sorrisos, o tempo em que os velhos eram crianças, a transferência dos
poderes matriarcais. Mas, formalmente, o que mais me chamava atenção
naquelas fotos eram as meninas com seus vestidos e babados, seus cabelos,
suas tranças. Aquelas meninas pareciam sair de um livro infantil, silenciosa e
cuidadosamente. Eram personagens que eu não decifrava.
que me move a trabalhar. Álbuns antigos de fotografia, de qualquer
família, me interessam muito e vejo a história da arte como um imenso álbum de
recordação. Lembro-me quando o desenho começou a apoiar essa memória,
invertendo muitas vezes esse papel onde, hoje, a memória apóia o desenho.
Desde pequena esta transformação me fascina. As velhas caixas de fotos de
família abertas após o almoço de domingo eram tesouros. As dedicatórias
carinhosas como rituais obrigatórios a padrinhos, avós e tios distantes, vêm
carregadas de possibilidades interpre
87
Em seu texto Os Ritos da Vida Privada Burguesa, Anne Martin-Fugier
fala que:
O cotidiano, por essência banal, assume um valor
positivo se as ninharias que o compõem são convertidas em
ritos dotados de uma significação sentimental (...) No espaço
burguês, a repetição não é rotina. Ela ritualiza, e o ritual dilata
o momento: antes, ele é aguardado e fazem-se os
preparativos; depois ele é objeto de comentários e reflexões.
O prazer está na espera dos momentos que pontuam o dia. A
ritualização confere seu valor de felicidad nto
destinado a se transformar em lembrança (Martin-Fugier,
1991,p.193 ).
uardo as lembranças daqueles almoços de domingo e de toda
e ao acontecime
G
ritualização doméstica delegada às mulheres.
56. Márcia Porto
S/ Título, 2007
Nanquim s/ papel
8 x 12 cm
88
Quando eu era criança morávamos à beira da linha do trem e nos
condiciona
por sua velocidade. A velocidade que não vivíamos. Aquelas imagens
velozes das pessoas e seus destinos misteriosos. O trem das duas da tarde
passava sempre que os lençóis eram pendurados no varal. Eram todos brancos e
o som de seus movi
As bacias
assepsia, da ordem
doméstica será sem
sabem onde guarda
nquim sobre papel. Seus papéis
mantêm uma imensidão branca em contraste com grupos de mulheres
remendando, lavando, passando. O que poderia ser uma cena banal de afazeres
domésticos, em sua narrativa, ganha ares de conto de fadas às avessas.
Como neste desenho chamado Ironing (2003) em que vemos duas
mulheres “passando” tranqüilamente uma terceira que já perde em volume. Pelas
peças de roupas no chão se vê que outras já foram “passadas”. A imagem é muito
estranha, essas mulheres usam roupas do dia a dia, uma é mais velha, o que dá a
sensação de que este seja um ritual feminino por gerações. Elas portam dois
ferros de passar cada uma, como armas. A cena é extremamente cruel e
melancólica. Um extermínio promovido pelos conflitos da rotina.
mos a seus horários e apitos. Subíamos no muro para sentir o vento
provocado
mentos se confundia nas estórias contadas por Nazareth.
de alumínio brilhante lutavam contra o encardido a favor da
doméstica. A certeza do lugar das coisas. Manter essa ordem
pre um mistério. Onde guardar as coisas? Todas as mulheres
r as coisas. Eu nunca soube onde guardar as coisas.
A artista americana Amy Cutler discute também estes rituais
domésticos. Ela trabalha com guache e na
89
rente ao fato de
ue, as que estão construindo o muro estão deixando seus vestidos presos,
urados com os tijolos. Uma cumplicidade silenciosa.
57. Amy Cutler
Passando, 2003
Guache s/ papel
40 x 55 cm
Num outro trabalho não menos misterioso, a artista apresenta um grupo
de mulheres com roupa de luto construindo um muro de tijolos, num terreno onde
árvores foram destruídas, enquanto outro grupo empina pipas no céu com
grandes carretéis de linhas. Este segundo grupo parece indife
q
m
90
Por mais que as imagens nos apresentem mulheres que aparentam
nascer de séculos passados, a artista confirma encontrar inspiração desde fatos
s, como Guerra do Iraque, até em programas de reality show na
58. Amy Cutler
Ensaio, 2004
Guache s/ papel
76.7 x 104.8 cm
o, visto por muito tempo
como um lugar masculino, com o universo doméstico, feminino. Metáforas de
construção e destruição que o próprio tema trava historicamente, são
re
políticos atuai
televisão.
Tracey mescla muito bem o universo públic
91
apresenta
resente sem a necessidade da repet
nte presente na exau
esso, como num
sego, ordená-lo e silenc
59. Márcia Porto
dos aqui através da delicadeza da linguagem e com uma sutileza sobre
o mundo feminino, que o faz universal.
Apesar de seus trabalhos serem imagens únicas, o poder narrativo est
ição. Para mim, o repisar cotidiano, precisa
stão da repetição. Como se eu só me
oro de vozes dissonantes onde, caberia a
iá-lo.
á
c
A partida, 2008.
Aguada de nanquim s/ papel
série de 17 desenhos de 25 x 15 cm
p
estar fisicame
percebesse no exc
mim, para meu sos
92
93
94
95
95
96
Com esta saudade, esta incompletude que sentia na infância, criei um
mecanismo extremamente confortável e lúdico. Despertou-me um interesse pelo
outro e suas histórias. Inconscientemente, fui assumindo personalidades dos
meus colegas, das estórias que lia, filme a que assistia e de tudo que passava
uperior às minhas próprias e naturais
os em frente ao espelho
desenhar iniciou um processo de
uma só, criando
se chama Celeste. Seu
mentar sobre tudo. Fui armazenando as
eu álbum de memórias não
onal, abstrata e obsessiva. Um desejo
de construir uma vida.
60. Márcia Porto
Série O diário de Celeste,
2006.
Nanquim s/ papel
20 x 30 cm cada
s
ao redor e fosse, para mim, enormemente s
reações e fatos do fluxo da vida. Tecia iálogos infinit
imitando aquelas tão admiradas pessoas.
Após rever aqueles papéis, o ato de
pensamento e aquele grupo de mulheres foi se resumindo em
vida própria a ponto de hoje ter nome e moradia. Ela
trânsito é livre. Ela vai a lugares a que eu não iria, tem pensamentos que eu nunca
teria. Através de Celeste eu posso co
imagens desta mulher em mim, como se eu fosse s
cronológicas. Um arquivo de memória ficci
d
97
e trabalhos em pequeno formato que
apresenta seu diário desde sua concepção.
Ele é elaborado sem ordem cronológica, mas
suas lembranças, o que não garante que todas as anotações se refiram
exclusivamente à sua própria vida.
Um elemento essencial para “equilibrar” essa obsessão eu encontrei na
repetição e quantidade de trabalhos. Tenho um volume grande de trabalhos e é
na repetição da mesma personagem que construo um estado de tensão entre a
minha presença e a dela.
Este processo se desdobrou em algumas frentes de trabalhos que são
realizados simultaneamente. Há a série d
61. Márcia Porto
Série O diário de Celeste, 2006.
Nanquim s/ papel
20 x 30 cm cada
segue somente o fluxo de
98
Uma outra série é a apresentação de seu mundo, sua rotina e seus
discretos
50 x 70 cm cada
A terceira série é a presença de Celeste em nosso mundo. Nesta série
a mudança de linguagem veio naturalmente como se acompanhasse a sua
própria reação perante a relação do interior com o exterior. São plotagens de
jornais ilustrados com suas imagens em pequenas telas a óleo.
e freqüentes conflitos.
62. Márcia Porto
Série O mundo de Celeste, 2006.
Nanquim s/ papel
99
63. Márcia Porto
Série Celeste no mundo, 2005.
Plotagem s/ papel
Medidas variáveis
100
64. Márcia Porto
S/ título, 2007.
Nanquim s/ papel
15 x 10 cm cada
Na quarta série ela assume uma narrativa em primeira pessoa e cria
enredos que nunca encontram um final.
A gravidez, o filho que vem com suas partes e as partes de outro. Um
filho que nasce gerando um desejo de ser múltipla. Subjetividades que v m do
aparecimento de outro ser. Uma passagem para um clima claro de incertezas. O
olhar do filho. Alguém que te olha, segue e vigia. Este encontro faz com que você
se olhe, siga e vigie.
e
101
Desenhos são, na maioria das vezes, objetos de
papel e alguns acreditam que desenhar é a tarefa mais rápida
da arte. Mas a arte deve muito ao “quase nada” e desenhos
permanecem como sorrisos indo, desprevenidos, em direção
ao esquecimento (...) As linhas deveriam tocar o papel sem
perturbar o silêncio branco e permanecer o tempo suficiente
para marcar o gesto que torna possível a imagem. Só assim,
tempo, imagem e superfície podem ser recíprocos e ao
mesmo tempo transparentes (Caldas, 2007, p. 31).
5. Márcia Porto
Série As Gêmeas, 2000.
6
Nanquim s/ papel
20 x 30 cm
102
103
Imagem do ateliê
2007
66. árcia Porto M
Desenho e a Ambiência
Após este reencontro com meus desenhos, o diário serviu como uma
rma de ordenamento. Eles não são vistos como trampolins para um futuro
abalho, mas uma ferramenta fundamental de exercício poético.
Paralelo aos diários, as paredes do ateliê funcionavam como grandes
lbuns de recordação, estimulando a reflexão e oferecendo uma orientação sobre
o tempo do olhar. A transparência da sala dando fluidez e luminosidade. A
sob o de imagens com as paredes tomadas de memória visual,
desdobrando infinitos enredos.
Meu trabalho ganha força no conjunto de obras. São grupos de
trabalhos e não a obra única. E a soma deste fazer cotidiano que é relevante. Os
desenhos seguem o fluxo da vida. A pergunta que surgiu foi como colocá-los na
vida, visto que o limite entre o espaço da arte e o espaço da vida fica cada vez
mais tênue. Passei a refletir que neste processo a ambiência é fundamental, ou
seja, meu trabalho não é uma folha de papel, mas este lugar. Comecei por olhar o
espaço do ateliê e sua construção diária somando significados.
fo
tr
á
reposiçã
104
67. Márcia Porto
Imagens do ateliê
2007
105
106
O desenho possibilita ver o outro lado do mundo.
Ver o que já esteve lá desde o começo.
Ver o que não se mostra.
Ver o que se oculta no opaco das superfícies.
Desenhar é de alguma forma vencer a opacidade.
O desenho, assim como a pintura, é artifício de
que o mundo dispõe para falar de si
(Fingermann,2007,p.93).
107
Meus trabalhos são em pequeno formato. Uso aguada a nanquim e
pena sobre papel. O papel é uma pele branca. Seu espaço se apresenta pleno de
possibilidades. A composição foi meu primeiro instrumento de descoberta poética.
Na realidade foi a possibilidade da permanência do vazio e sua expansão que me
atraiu.
Aquela imensidão é um grande estímulo, uma sensação de poder criar
mundos novos. A própria materialidade sugere profundidade e esconderijos.
Poder manifestar um estado de contraste entre letargia e movimento, criar um
constante estado de vida em suspensão é converter um gesto em significado, em
expressão.
Cada marca de nanquim soando como uma confirmação, não de
certezas, mas de buscas, dúvidas e inseguranças. Traçar é confirmar a
perplexidade diante da vida e do tempo.
rópria linguagem da aquarela está intrínsica a questão do
movimento da água sobre o papel. A água vista a partir do conceito de água
feminina de Bachelard
18
onde a
de mulher paisagem. Sua i mamente
atraente.
Tecnicamente parece ex
um tem total consciên ia de que a ceder, se deparar com
seus limites e desfrutar do acaso. Há uma discreta dramaticidade na aquarela que
é o fato de não haver retorno. Portanto, muita observação e pouca ação. E este
discreto movimento, o tempo do desenho com o tempo da água, vem como
Na p
mulher é projetada na natureza, tomando o lugar
ia de donzela dissolvida me é extre
istir um acordo entre a água e o artista, onde cada
vai entrar neste jogo parc
BACHELARD, Gaston. A Água e os Sonhos. São Paulo, Editora Martins Fontes, 1989.
18
108
contrapon
A composição se resolve no diálogo: figura x água x espaço. O
pensamen o não é aonde colocar a forma, mas qual a extensão do espaço ficará
vazio, im
linguagem do desenho na contemporaneidade extrapola os limites da
bidimensio
usada para produzir uma linha baseada
numa composição (...) o desenho hoje oscila do monumental ao micro, do
conceitua
, 2006, p. 6) faz a introdução do livro. Ela apresenta dois aspectos
principais para o desenho hoje: o conceitual, “discurso teórico do desenho”, que
tem um
romântico”. E é este aspecto do desenho que diz respeito a esta pesquisa.
to como que dizendo: aqui, neste limite, você vai imaginar como seria
poder se movimentar, ir e vir. A água direciona, carrega e assenta deixando uma
marca de seu trajeto, uma mancha de memória.
t
aculado, um silêncio dos ausentes, em contraste com outro ponto
pequeno da folha, com uma pequena forma que se impõe pelo detalhe, sem
rumor. É esse espaço vazio que tenta “cavar” um movimento para a figuração fixa
da mulher.
A
nalidade do papel. A apresentação do livro Vitamin D – New
Perspectives in Drawing, anuncia que desenho para aquela edição é “definido
como um processo de fazer uma marca
l ao tridimensional, do branco e preto ao colorido (Vitamin D, 2006, p.5).”
A curadora de Arte Contemporânea do Tate Modern, Emma Dexter
(Vitamin D
a marca abstrata que se relaciona com o poder simbólico das origens
primitivas. Ela chama este aspecto de “pós-conceitual”. O outro aspecto não
baseia o desenho com “um entendimento filosófico ou teórico”, mas “nas áreas da
experiência humana, associando o desenho com: intimidade, informalidade,
autenticidade (ou pelo menos com autêntica inautenticidade), imediatismo,
subjetividade, história, memória, narrativa”. Ela chama este aspecto de “novo-
109
As três artistas escolhidas como referência no segundo capítulo
trabalham associando à linguagem do desenho uma forte narrativa. O “aspecto
novo-romântico” citado por Dexter se aproxima das questões que essas artistas
levantam.
Outras Referências
e mais
me impressiona é como Shakespeare permite desdobramentos, interpretações
extremamente intimistas e ao mesmo tempo universais.
Todas se entendem na imagem, no trabalho anotativo e na sua
elaboração visual.
“Isso não é nada, e é mais que tudo” (Shakespeare, 1997,p.107)
A literatura e o cinema são grandes referências em meu trabalho.
Apresento a seguir dois exemplos e suas conseqüências na vida de Celeste.
Quando li Hamlet, a personagem Ofélia gerou um poderoso fascínio em
mim. O desejo se encontra colado à pele da personagem. Quanto mais leio e
mais desenhos faço, mais indecifrável Ofélia se torna. É uma atração não do que
vejo, mas do que eu não vejo, do que eu não sei. Como se ela fosse velada em
certos momentos, camuflada.
Comecei a pesquisar e me deparei com uma enorme quantidade de
artigos, teses, poesias, músicas e imagens inspiradas em Ofélia na atualidade. Os
argumentos são dos mais variados tais como: sua feminilidade, sua obediência e
sujeição, sua virgindade e vida sexual, a música e sua loucura, etc. O qu
110
O artista americano
Gregory Crewdson (1962) faz
fotografias de contrastes
impactantes. Sua série chamada
Twilight faz alusão à morte de
Ofélia em Hamlet e à famosa
pintura do artista pré-Rafaelita
John Everett Millais.
Para Crewdson Ofélia representa “um evento catártico, algo triste e
bonito ao mesmo tempo”.
A Ofélia de Crewdson se “afoga” na rotina doméstica. Sua palidez nos
mostra o
e a grande magia da obra de Shakespeare: sua
atualidade por amor ou como sugere a Ofélia
contempo
abandono da morte e a indiferença vista numa silenciosa cena da vida
doméstica.
Elaine Showalter
19
em seu artigo “Uma perspectiva feminista de Ofélia’
pergunta se a loucura da personagem deriva da opressão das mulheres na
sociedade como na tragédia. E vai além: Ofélia representa o textual arquétipo da
mulher como louca ou a loucura como mulher? Claro que estamos falando de
épocas distintas, mas aí resid
. Uma mulher moderna morre
rânea de Crewdson, de solidão?”.
19
Showalter, Elaine. The New Feminist Criticism. Essays on women, literature a
New York, NY, Pantheon Books, 1985.
nd theory.
111
68. Márcia
cada
Porto
Série Ofélia, 2006
Nanquim s/ papel
15 x 10 cm
112
Atualmente meu filme obsessivo é na realidade uma trilogia do cineasta
dinamarquês Lars Von Trier. Ele foi criador em 1995 do estilo Dogma, que
apresentava um manifesto com rigor estético onde o cinema deveria ser mais
simples e natural, sem efeitos mirabolantes, ausência de trilhas sonoras
esfuziantes e uma câmera impessoal. Todo esse rigor já não se apresenta por
completo em suas últimas obras, mas não deixou de nortear sua poética.
Tendo como base a análise processual e a organização das idéias
relativas ao meu trabalho, comentarei a seguir pontos do filme que façam
paralelos aos desenhos.
O filme “Dogville” se passa na época da Grande Recessão Americana,
chamado Dogville. Grace, uma bela
ece no lugar ao tentar fugir de gângsters. Com o apoio de
nado porta-voz da pequena comunidade, Grace é escondida
pela pequena cidade e, em troca, trabalhará para eles. Fica acertado que após
duas semanas ocorrerá uma votação para decidir se ela fica. Após este “período
de testes” Grace é aprovada por unanimidade, mas quando a procura por ela se
intensifica os moradores exigem algo mais em troca do risco de escondê-la. É
quando ela descobre de modo duro que nesta cidade a bondade é algo bem
relativo. No desfecho da trama Grace muda sua atitude e revela seu segredo.
A clareza do texto e a apresentação de um leque de relações humanas,
de um estudo de personagens é inspirador. Lá está a misericordiosa, o bandido, o
hipocondríaco, a beata, o arrogante, a presunçosa, etc. O povo deste lugarejo é
bom, honesto, trabalhador. Mas quando recebe o poder de comandar a vida de
uma pessoa, as grandes e boas intenções se corrompem. Esta fragilidade
humana que, sob pressão, comanda as atitudes da protagonista para lugares
num lugarejo nas Montanhas Rochosas
desconhecida, apar
Tom, o auto-desig
113
desconhecidos, me interessa muito. Pois quase que inevitavelmente, quando não
há satisfa
a, uma
topografia humana da tradição daquele lugarejo.
strando os personagens em seus afazeres domésticos, o
que nos dá a falsa sensação de conhecermos estas pessoas, sua intimidade. Mas
este olhar
da
história. Sem a sedução cromática, as expressões ganham destaque e foco. Não
há dia ou
ção, essas atitudes transbordam em crueldades, ameaças e castigos.
O cenário apresentado como um planta-baixa é um desenho e o chão
marrom remete a uma folha de papel. Lars Von Trier fala da influência de Bertold
Brecht neste filme, o que justifica seu aspecto teatral. Os nomes dos moradores
se encontram escritos na planta em suas respectivas casas. Um map
Como não há paredes vemos a cena principal ocorrendo e outras
secundárias ao fundo mo
para por aí. Não há horizontes em Dogville, as estradas e saídas são
comentadas, mas não vistas. Todo este “apagamento” isola ainda mais aquele
universo. Nada é supérfluo ou superficial. Aqui as ausências fazem parte de uma
estratégia que é nos prender na trama.
A monocromia os identifica como grupo e também os padroniza.
Mantém um ritmo de matizes de tons de terra. Ela enfatiza o volume num cenário
de poucos objetos.
A luz acompanha a revelação de cada personagem no andamento
noite em Dogville. A monocromia indica um não-lugar, uma hora sem
hora.
O filme contém um prólogo, que nos apresenta a cidade e seus
habitantes, mais nove capítulos. Tudo narrado num ritmo uniforme, a voz não se
altera. Esse corte no andamento dos intertítulos nos dá a mesma sensação de
114
quando assistimos a uma novela ou quando lemos um livro e queremos já saber o
que está por vir. Ao mesmo tempo o narrador nos aproxima mais de uma ficção,
os põe no trilho e nos prende na trama. Poderíamos pensar que esse recurso
nos condi
liberdade, que apesar de todos
os tormentos que sofre em Dogville continua a saga no segundo filme da trilogia.
Ela diz que quer fazer um mundo melhor, nem que o “seu” melhor seja exterminar
uma cida
ser alcançado individualmente. Engraçado
porque talvez isto justifique sua aparência de pureza com uma dependência de ter
sempre uma grande causa para viver. Basta dizer que em Manderlay ela tentará
libertar e c
“sua bondade”.
s recursos técnicos. Foram 250 desenhos feitos a nanquim no formato de
16x25 cm, resultando em quatro movimentos por segundo o que enfatiza seu
caráter ar
n
cionaria a uma leitura fechada, mas não é o que ocorre. O texto, por
mais diretivo que pareça, nos abre várias questões de reflexão das relações
humanas.
Grace é uma heroína, um apóstolo da
de inteira. Grace é doce, porém, absolutista. Sua compaixão é
ingenuamente prepotente. O diálogo final que ela trava com seu pai gângster é
intenso. Eles discutem sobre o grau de arrogância de ambos.
Grace, na língua inglesa também é uma expressão cristã que significa
um “presente de Deus” e que não pode
onverter uma comunidade negra que, apesar da abolição, continua
escrava. Mas como em Dogville, seu destino ainda é fugir, correr deste mundo
que não compreende
Essas fugas de Grace em função de sua busca do que é “justo” e
“correto”, me levou a dar movimento à Celeste. Foi um processo artesanal sem
grande
tesanal.
115
É claro que o resultado não tem a pretensão de alcançar a linguagem
de um desenho animado. A possibilidade de trabalhar repouso e movimento me
encantou e abriu uma nova frente de trabalho.
Minhas fontes reproduzem minhas experiências pessoais tanto quanto
referências de outras linguagens artísticas que comentem sobre as relações
interpessoais, disparando conexões visuais.
116
através da imagem.
Quando penso em por que desenho, vem-me em mente simplesmente
porque o desenho me conduz à auto-reflexão. Eu também procuro me entender
117
CONCLUSÃO
contemporânea, expôs questões que demonstram a ligação
tênue entre o espaço da arte e o espaço da vida. Porém, este fato não será
uficiente para oferecer à obra um caráter de veracidade. Num constante estado
e recriação a autobiografia e a ficção são quase indistintas.
Iniciei esta pesquisa a partir do que parecia ser um “incômodo poético”.
A falta de clareza entre falar de si e centrar de forma narcisista o discurso artístico
m minha vida, foi o que moveu esta busca de uma “família” para que eu pudesse
ialog as questões que tanto me afligiam. Entendi que falar de si é a condição
umana, porém este discurso deverá estar inserido na reflexão do outro.
Baudrillard diz que “o outro é que me dá a possibilidade de não me repetir ao
finito”. O conhecimento de si perpassa os encontros e desencontros com o outro.
Os estudos teóricos calcados na autoria, narrativa, ficção e história da
rte, proporcionaram, paralelamente, reflexões sobre o meu fazer e minhas
nduziu-me de volta à infância. Fez-me
mbrar fatos e sensações que concluí serem o cerne de meu trabalho. Ficou claro
omo a arte da Antiguidade é uma importante referência, tendo como exemplos
esde a imagem da Donzela Colhendo Flores (pg. 71), vista aos doze anos de
ade até às imagens das ninfas de Botticelli e, também das sessões com modelo
ivo da faculdade.
Observei, através das artistas pesquisadas, que existem vários
esdobramentos quando se trata de uma poética autobiográfica. Em Tracey
revalece o questionamento da veracidade dos fatos narrados por ela. Como se
la própria duvidasse de suas lembranças. Wonsook Kim apresenta uma memória
íbrida. Sua narrativa transita entre duas culturas distintas que tentam dialogar
A proposta desta dissertação em relacionar a autobiografia como
poética na arte visual
s
d
e
d ar
h
in
a
escolhas. Todo o tempo da pesquisa co
le
c
d
id
v
d
p
e
h
118
pela permanência ou não de ambas no mesmo espaço. Louise Bourgeois assume
ue o passado a ajuda a viver o presente. Uma construção autobiográfica como
instrumen
tezas e inseguranças
ue a vida apresenta. Concluí que foi esta sensação que certamente me levou ao
desenho e
alavras que associo a esta produção: medo e perplexidade. Na realidade, uma
autobiogra
urso nestes últimos quatro anos tem em seu início a marca de
m grande desejo, o de colecionar mapas visuais, como aqueles dos velhos
piratas. M
q
to de auto-reflexão. Comecei a pensar sobre o que me levou a realizar
uma poética autobiográfica e como se dá esta relação com minha produção. Até
este momento penso que meu caminho em direção à autobiografia já não é mais
uma tentativa em decifrar um enigma, mas, ao contrário, entrar em contato com
esta ausência de respostas, com este campo infinito de incer
q
à aquarela. Esta linguagem tem um caráter dinâmico e direto que me
conecta com a vida. O desenho permite registros cotidianos em gestos de uma
aparência utópica, de trechos de instantes, de verdade. Um controle, remoto, em
dar significação ao tempo. Já a vaidosa água da aquarela transfere toda essa
sensação a um lugar, no qual ela reina e dirige os acasos. Suas névoas e
indefinições são metáforas que vêem ao encontro do meu olhar opaco, que vê,
mas não atua, apenas apresenta, não comenta. Esta reflexão levou-me a duas
p
fia ficcional é um conforto. Posso, naquele momento, identificar a
personagem, lhe dar créditos seguros. Num outro instante tudo se transforma,
tudo renasce com a grande diferença que, por não se tratar de vida dita “real”, a
atuação do outro se faz num contato físico com a obra e não com seu autor. Nesta
experiência de representação de novas realidades, o “fingir” ganhou status de
processo.
Meu perc
u
uitas vezes indecifráveis, simuladores. Mas também enigmáticos em
suas pistas fazendo com que eu me perdesse, me abandonasse. Como resultado,
aceitei me aventurar por águas novas, contemplando a topografia estrangeira ou
sendo tragada pela imensidão do meu medo.
119
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