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EUGÊNIO HIRSCH
Universidade Estadual de Campinas
Instituto de Artes
DISSERTAÇÃO DE MESTRADO
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Julio Cesar Giacomelli Nogueira
LETRA E IMAGEM: A TIPOGRAFIA NAS CAPAS DE LIVROS
DESENHADAS POR EUGÊNIO HIRSCH
Dissertação apresentada ao Instituto de Artes
da Universidade Estadual de Campinas, para
obtenção do Título de Mestre em Artes.
Área de concentração: Projeto e Linguagem.
Orientadora: Profa. Dra. Anna Paula Silva
Gouveia.
Campinas
2009
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Nogueira, Julio Cesar Giacomelli.
N689L Letra e Imagem: A tipografia nas capas de livros desenhadas
por Eugênio Hirsch. / Julio Cesar Giacomelli Nogueira –
Campinas, SP: [s.n.], 2009.
Orientador: Profª. Drª. Anna Paula Silva Gouveia.
Tese (doutorado) - Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Artes.
1. Hirsch, Eugênio. 2. Tipografia. 3. Design gráfico.
4. Artes. 5. Capas de livros. 6. História editorial. I. Gouveia,
Anna Paula Silva. II. Universidade Estadual de Campinas.
Instituto de Artes. III. Título.
(em/ia)
Título em inglês: “Letter and image: typography on book covers by Eugênio Hirsch.”
Palavras-chave em inglês (Keywords): Hirsch, Eugênio; Arts ; Typography ;
Graphic design ; Book covers ; Editorial history.
Titulação: Mestre em Artes.
Banca examinadora:
Profª. Drª. Anna Paula Silva Gouveia.
Profª. Drª. Priscilla Lena Farias.
Prof. Dr. Edson do Prado Pfützenreuter.
Profª. Drª. Paula Cristina Somenzari Almozara.
Profª. Drª. Lygia Arcuri Eluf.
Data da Defesa: 20-08-2009
Programa de Pós-Graduação: Artes.
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ARTES DA UNICAMP
A
Cesar (in memorian),
Iracema
e Camila.
À minha orientadora, Anna Paula Silva Gouveia;
Aos Profs. Drs. membros da banca, Priscila Farias,
Edson Pfützenreuter, Paula Almozara e Lygia Eluf.
Aos entrevistados neste trabalho, Henrique Malzone e
Clara Pechansky.
A João Antonio Buhrer, pela ajuda e por compartilhar
seu conhecimento acerca dos livros brasileiros e das
pessoas que os produziram.
A todos os donos de livrarias e sebos que me permitiram
fotografar muitas das capas de livros aqui apresentadas.
A Moema Cavalcanti, Cláudio Rocha, Rodolfo Capeto,
Chico Homem de Mello, pela atenção dispensada a
mim quando procurados.
Aos colegas que contribuíram na formação do acervo
estudado, Rafael, Ivan e Sérgio.
Aos amigos, por fazerem minha vida melhor.
À minha família (presente e futura).
Agradecimentos
Eugênio Hirsch (Viena, 1923 - Rio de Janeiro, 2001) é
mais conhecido por seu trabalho na editora Civilização
Brasileira na primeira metade da década de 1960. Sua
atuação na editora do Rio de Janeiro foi marcada pela
versatilidade de recursos visuais e pela ampla liberdade
concedida pelo editor Ênio Silveira. No mesmo período
produziu capas para a editora Globo, de Porto Alegre,
em quantidade muito inferior, mas com a mesma liber-
dade e qualidade.
Após passagem pelos EUA, Hirsch foi contratado
pela editora madrilenha Codex como diretor de arte da
Coleção Museus do Mundo, e retornou ao Brasil no final
dos anos 1960, passando a trabalhar para a Livraria José
Olympio Editora.
Esta dissertação tem como tema central a relação
entre o lettering e as imagens no trabalho de Hirsch. Essa
relação é estudada a partir da análise das capas de livros
produzidas por Hirsch entre 1959 e 1976. Dentro dessa
amostragem abrangente são identificadas as caracterís-
ticas mais marcantes e recorrentes do desenho de letras
nas capas do designer austríaco.
Também é apresentada uma pequena amostra da
produção de alguns capistas que atuaram no Brasil nas
décadas de 1930, 1940 e 1950, fornecendo uma visão
mais acurada da importância do trabalho de Eugênio
Hirsch.
Resumo
09
Eugênio Hirsch (Vienna, 1923 - Rio de Janeiro, 2001) is
best known by his work for the publishing house
Civilização Brasileira in the first half of the 1960s, wich
was marked by a large range of visual resources used with
great freedom granted to him by editor Ênio Silveira. In
the same period he made book covers for Globo, a
publishing house based on the city of Porto Alegre.
Although less expressive in number, these covers kept the
same quality and freedom.
After a short period in the USA, Hirsch was hired by
Madri based publishing house Codex as art director,
being responsible for El Mundo de los Museus collection.
When returning to Brazil in the end of the 1960s, he
begun to work for Livraria José Olympio Editora, in Rio
de Janeiro.
This research is centered in the relation between
letters and images in Hirsch’s book covers. This relation is
studied by analizing the book covers made by Hirsch
between 1959 and 1976. In this wide sampling, the most
relevant and recurring caractheristics related to lettering
and type in Hirsch’s work are identified.
Also presented is a sample of the graphic work done
by some cover artists that had worked in Brazil during the
1930s, 1940s and 1950s, allowing a more accurate
perception of the importance of Eugênio Hirsch’s work.
Abstract
11
INTRODUÇÃO 15
Capítulo 1 - CAPAS DE LIVROS NO BRASIL:
ALGUNS ANTECESSORES DE HIRSCH 25
1.1 - Santa Rosa e o design dos livros na José Olympio 29
1.2 - A Globo e sua Seção de Desenho 38
1.3 - As capas da Civilização Brasileira nos anos 1950 47
Capítulo 2 - EUGÊNIO HIRSCH, ÊNIO SILVEIRA E A "REVOLUÇÃO 53
2.1 - A chegada de Eugênio Hirsch 62
2.2 - O intenso uso das condensadas: as escolhas tipográficas 69
2.3 - Identidade visual e o design das coleções 74
2.4 - Hirsch na Editora Globo: A “revolução” se estende 87
Capítulo 3 - TIPOGRAFIA COMO IMAGEM NAS CAPAS DE HIRSCH 89
3.1 - Características recorrentes 99
3.2 - O diversificado uso da cor 105
3.3 - Intersecção texto e imagem na Coleção Museus do Mundo 117
Capítulo 4 - DE VOLTA AO BRASIL: JOSÉ OLYMPIO E CEA 125
4.1 - A ilustração perde espaço 129
4.2 - As capas para a Companhia Editora Americana 140
CONSIDERAÇÕES FINAIS 151
REFERÊNCIAS 155
BIBLIOGRAFIA 157
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Sumário
13
15
Introdução
O início do século XX foi um período de extrema movimentação
cultural na Europa, com o surgimento de muitos movimentos de
vanguarda, liderados por artistas contestadores, que buscavam a
revisão dos valores tradicionais da arte e da sociedade. A produção
gráfica atrelada a esses movimentos tornou-se um parâmetro da
libertação da tipografia dos métodos de diagramação convencionais.
Os poemas de Apollinaire e do futurista Marinetti, os cartazes dos
construtivistas russos e os manifestos impressos pelos dadaístas tiveram
grande impacto no imaginário dos designers do século vinte. Esse
design transgressor acabou se tornando uma ferramenta dentro de
veículos comerciais, principalmente com a chegada de mestres
europeus aos Estados Unidos da América.
A ascensão do nazismo e a iminência da Segunda Guerra fez com
que muitas famílias abandonassem a Europa, assim como havia
acontecido na Primeira Guerra. Os países da América que receberam
esses imigrantes muito se beneficiaram do contato com essas pessoas,
16
que traziam consigo além dos pertences que conseguiam reunir, uma
rica bagagem cultural. Nos Estados Unidos da América temos grandes
exemplos de imigrantes que fizeram carreiras de destaque nas artes
gráficas e em outros campos, como o cinema (Billy Wilder, saído da
Áustria, tornou-se um dos principais cineastas da hisria norte-
americana).
No Brasil, outro austríaco, que iniciou carreira na Argentina,
deixou seu nome gravado em nossa história editorial, criando centenas
de capas para duas das mais destacadas editoras brasileiras.
Eugen Aloysius Hirsch, nascido em fevereiro de 1923, em Viena,
mudou-se com a família para a Argentina, em 1938. Quando jovem,
teve aulas de desenho com Oskar Kokoschka (LEON, 1991, p. 111).
Kokoschka foi um dos principais nomes da pintura expressionista,
movimento que influenciou claramente sua produção. Apesar disso,
uma das características principais de Hirsch é o ser seguidor de
nenhuma “escola” específica, nem ter filiações ideológicas que
guiassem e uniformizassem sua produção. Se em muitos desenhos e no
uso das cores pode-se perceber traços expressionistas, também
fotografias em alto contraste, colagens e composições abstratas que ora
se aproximavam do geométrico, ora do lírico. Com versatilidade e
criatividade, Hirsch alargou os horizontes visuais da brochura voltada
para o público adulto no Brasil.
O design das brochuras vinha gradualmente conquistando
espaço e credibilidade, através de esforços pontuais a partir da década
de 1930, principalmente na Inglaterra e nos EUA.
A editora inglesa Penguin, que iniciou suas atividades em 1935,
tem nas brochuras seu carro-chefe, fiel à idéia de seu fundador, Allen
Lane, de produzir livros baratos, com qualidade literária. Um projeto
notório foi criado para a Penguin em 1946 pelo alemão Jan Tschichold.
O design extremamente simples de grade fixa, com duas faixas
coloridas cruzando o livro na horizontal, tornou seus livros imediata-
mente reconhecíveis.
17
Dentre as editoras americanas, pode-se destacar a New
Directions, a Noonday Press, a Meridian Books e a Vintage Books.
Alvin Lustig (1915-1955), ficou encarregado do design da maioria das
capas da Noonday e da Meridian, após ter introduzido, no fim dos
anos 1940, fotomontagens surreais nas sobrecapas dos livros da New
Directions (HELLER, 2007, p. 246-247). Esta última também enco-
mendou capas de brochuras a outros nomes importantes do design
norte-americano, como Ivan Chermayeff.
A Vintage Books teve em Paul Rand (1914-1996) um de seus
principais criadores, contando também com Ben Shann e Bradbury
Thompson.
À mesma época em que Hirsch desenvolvia seu trabalho para a
Civilização Brasileira, o designer americano Rudolph de Harak
(1924-2002) produzia seu conjunto de capas para a editora McGraw-
Hill. As brochuras da McGraw-Hill, destinadas a um público
intelectualizado, tratavam de temas como psicologia, antropologia,
filosofia e sociologia. Apesar de experimentar muitas técnicas, com
diferentes inspirações, suas capas eram construídas dentro de um
diagrama fixo de aparência neutra, unindo o estilo tipográfico
internacional à uma grande diversidade de soluções gráficas.
O mercado norte-americano se constituiu na maior influência
para o editor Ênio Silveira - uma das peças-chave desta dissertação -
que estagiou na editora de Alfred A. Knopf, para quem trabalhou um
dos mais célebres designers de livros do século passado, W. A.
Dwiggins.
Ênio, com sua visão aguda do processo editorial e disposição
para romper com as convenções desse meio, enxergou em Eugênio
Hirsch o parceiro ideal para seu projeto de renovação visual dos livros
brasileiros. Ele gostava de se referir a esse processo usando o termo
“revolução”, comum no contexto de agitação política dos anos 1960 e
sempre reproduzido nos poucos textos que se referem a Eugênio.
18
1. Objeto de estudo e objetivos da pesquisa
O objetivo desta pesquisa foi recuperar e analisar parte significativa
da obra gráfica de Eugênio Hirsch. Seu objeto de análise foram as
capas de livros produzidas entre 1959 e 1976. Os projetos gráficos de
miolo dos livros, de revistas, e as ilustrações internas produzidas
durante o período escolhido poderão ser mencionados durante o
texto, mas não serão apreciados em detalhe. Cabe dizer que tais
projetos constituem parte pequena da produção do artista nos anos
estudados.
Embora o período de atuação de Hirsch na Editora Civilização
Brasileira, de 1959 a 1965, seja o mais destacado pelos pesquisadores
estudados (Amaury Fernandes, Ana Sofia Mariz, Chico Homem de
Melo, Ethel Leon, Ruy Castro), o presente estudo engloba também
trabalhos posteriores (até 1976) realizados para as editoras Codex,
da Espanha, José Olympio, do Rio de Janeiro e Globo, de Porto
Alegre.
Este recorte temporal amplo permite identificar características
visuais que se mantiveram ao longo dos anos e comparar o trabalho
realizado em diferentes épocas, para diferentes clientes. Além disso,
é possível observar como se comporta a tipografia nas capas durante
as mudanças na tecnologia de reprodução de tipos. Dentro do
período analisado temos a consolidação, no Brasil, da impressão
offset, a entrada da fotocomposição, das fotoletras e das letras dry
1
transfer.
Sem nenhuma pretensão de biografar seu principal perso-
nagem, este estudo se baseia nos exemplares da obra de Hirsch
coletados ao longo da pesquisa. Usando as palavras do historiador
Rafael Cardoso:
1. O método de transferência direta tinha como maior fabricante a Letraset.
19
Parte-se aqui do pressuposto de que a história do design
precisa enfocar mais detidamente os objetos em si - ou seja,
a cultura material - a fim de contornar os impasses
decorrentes da relativa escassez de registros de outra ordem.
Historicamente, as atividades ligadas ao design têm sido
pouco contempladas com relatos verbais e nem sempre têm
sido consideradas dignas de preservação em arquivos (...).
(CARDOSO, 2005, p. 181)
O enfoque desta pesquisa, no entanto, não é histórico, baseia-se
na análise formal dos exemplares coletados, tendo como linha-guia
o desenho tipográfico e sua relação com a ilustração.
1.2 - Procedimentos Metodológicos
Para que tal análise formal fosse possível, fez-se necessário o levanta-
mento, digitalização e tratamento de imagem das capas produzidas
por Hirsch no período determinado. Por “levantamento” entenda-se
a busca pelos livros - iniciada antes que a pesquisa se transformasse em
projeto de Mestrado - em bibliotecas, livrarias (sebos) e coleções
particulares. Tais coleções e acervos não são organizados por nome
do capista. Este normalmente não consta na descrição dos volumes
2
nos bancos de dados dos sistemas de busca usados pelas bibliotecas.
Dessa maneira, era necessário percorrer as estantes, examinando cada
prateleira a fim de identificar, primeiramente pelas lombadas, os livros
com capa de Eugênio Hirsch. Com os exemplares em mãos, a autoria
da capa era confirmada através do crédito ao capista constante no
2. Após determinar, no decorrer da pesquisa, o período de atuação de Hirsch em cada editora,
passou a ser possível fazer a busca determinando o ano de publicação. Tal facilidade, porém,
esteve disponível no Sistema de Bibliotecas da Unicamp. em nosso país bibliotecas com bons
acervos, que se sustentam apenas graças ao empenho de seus idealizadores, sem contar com
recursos para implantar sistemas de busca aprimorados.
20
verso da folha de rosto. Alguns volumes foram coletados por colegas
cientes da pesquisa e gentilmente cedidos ao acervo. Dois outros
caminhos foram testados: a Biblioteca Nacional e o Museu da Imagem
e do Som de São Paulo.
Como informa o portal da Biblioteca Nacional, cada livro
editado no Brasil deveria ter uma cópia recolhida à Biblioteca
3
Nacional . Desse modo todos os livros que precisavam ser analisados
para a pesquisa estariam. Uma busca na base de dados da biblioteca
por livros editados pela Civilização Brasileira retornou cerca de 180
resultados. Desses, nem um terço se situava dentro do período alvo
deste estudo. Isso pode indicar pouco cumprimento da Lei de Reserva,
ou um banco de dados desatualizado ou uma grande quantidade de
livros fora de circulação (aguardando restauração, talvez).
Em artigo de Ethel Leon na Revista Design & Interiores, de
1991, é indicado que Hirsch teria doado seus trabalhos para o MIS
de São Paulo, por ocasião da exposição de design brasileiro ocorrida
naquele museu (LEON, 1991, p. 112). O nome de Hirsch, porém, não
aparece na listagem de obras do MIS. Em visita ao Museu em 2007,
foi-me mostrado um armário de ferro com largas gavetas lotadas de
capas soltas e numeradas, sem indicação de autor. Na prática, se
o museu possui uma coleção de capas de Eugênio Hirsch, elas não
estão realmente disponíveis para o público.
As capas apresentadas foram digitalizadas (fotografadas ou
escaneadas), que a versatilidade do meio digital facilitaria sua
indexação, armazenamento, recuperação quando necessário, divul-
gação e disponibilizão para outros pesquisadores. A recuperação
consistia no tratamento digital das imagens para remoção de manchas,
marcas de dobras, bordas e pontas amassadas e rasgos.
3. “O Depósito Legal é definido como exigência, por força de Lei N. 10.994, de 14/12/2004, que
revogou o Decreto-lei N. 1825, de 20/12/1907 de remessa à Biblioteca Nacional de um
exemplar de todas as publicações produzidas em território nacional” (Fundação Biblioteca
Nacional, 2006). Disponível em: http://www.bn.br/portal/?nu_pagina=22
21
Dentre os maiores desafios do tratamento das imagens do acervo
está a recuperação das lombadas dos livros. Da maneira como os livros
são comumente organizados em estantes, a lombada é sua parte mais
exposta, tanto ao manuseio quanto à ão do tempo e acúmulo de
sujeira, fatores que podem causar alteração de cor, rasgos, ou até a
perda de pedaços em raros casos. O próprio ato da leitura do livro
implica em dobrar a lombada, deixando marcas verticais que
removem a tinta de impressão. Em exemplares pertencentes a biblio-
tecas, é comum que as lombadas recebam adesivos contendo infor-
mações catalográficas ou fitas adesivas usadas para dar uma susten-
tação extra a livros em estado delicado. Por estes motivos, muitas
lombadas o são apresentadas junto às respectivas capas do acervo,
que sua recuperação estava além das condições desta pesquisa.
Através do estudo de Ana Sofia Mariz (2005) desenvolvido para
seu mestrado, foi possível saber o mero de capas produzidas por
Hirsch para a Civilização entre 1959 e 1965. Mariz analisou docu-
mentos contábeis da editora e verificou que 380 capas foram enco-
mendadas a Hirsch nesse período. Desse montante foram levantadas
200 capas na presente pesquisa, mais de 50% do total.
Não encontrando estudo do mesmo porte que se dedicasse à
produção de design gráfico para a editora José Olympio, fica difícil
definir a quantidade exata de capas produzidas por Hirsch no período
de 1970 a 1975. Durante a pesquisa foram digitalizadas 74 capas da
ed. José Olympio, incluindo 4 exemplares da década de 60, quando
Hirsch fazia esporadicamente capas para essa editora.
A produção entre 1965 e 1969, período em que Hirsch esteve na
Espanha, é medida pelo número de volumes da coleção Museus do
Mundo. Das 36 capas da coleção (LEON, 1991), foram analisadas 18.
Paralelamente ao trabalho da Civilização Brasileira, Hirsch
desenvolveu as capas para a Biblioteca Universal Popular - BUP,
também coordenada por Ênio Silveira. Na falta de acesso aos
22
números oficiais da editora, considerou-se a numeração presente na
lombada de cada volume coletado. O livro de data mais avançada, de
1965, é o volume 52, o que pode indicar que Hirsch produziu pouco
menos de 60 capas para a BUP, das quais 25 foram analisadas nesta
pesquisa.
O fato do levantamento das imagens não ter sido efetuado em
um acervo pré-montado, específico, influenciou positivamente o re-
sultado da pesquisa. Apesar da maior demora em conseguir um corpo
de imagens considerável para análise, o ato de percorrer as estantes
vasculhando exemplares proporcionou a descoberta de outros capis-
tas e a formação de um panorama mais amplo da produção de capas
de livros nas décadas de 1960 e 1970. Espera-se que esse acervo
“paralelo” possa servir de base para futuras pesquisas, ampliando
a recuperação da memória gráfica brasileira.
O maior benefício da maneira como se deu a busca pelas capas
foi a descoberta do conjunto de trabalhos realizados para a Editora
Globo de Porto Alegre. Essa parte da produção de Hirsch quase não é
mencionada na bibliografia sobre o capista, e apesar de pequena em
número, mostra-se relevante pela qualidade e pela proximidade, em
termos visuais, com sua produção mais famosa, realizada para a
Editora Civilização Brasileira, como será mostrado no capítulo 3.
Após (e também em paralelo) o levantamento das imagens
necessárias, o passo seguinte foi a identificação das características
visuais da obra de Eugênio Hirsch, principalmente as relacionadas ao
desenho de letras e a relação entre tipografia e imagem.
Foram observados a posição dos tipos dentro da página e em
relação à ilustração principal; a escolha dos tipos e o lettering;
a aplicação da cor na tipografia; os espaçamentos entre letras, pala-
vras e linhas, e o uso de títulos em diagonal. A partir da análise compa-
rativa e sistemática do conjunto de capas, separou-se alguns procedi-
mentos gráficos significativos pela particularidade e recorrência na
23
obra estudada. Estas características são apresentadas com detalhes nos
capítulos 2, 3 e 4.
Para apoiar a análise do desenho tipográfico foram buscados
catálogos de tipos editados no Brasil, que pudessem dar pistas sobre
referências usadas nos letterings e ajudar a identificar os tipos utilizados.
Catálogos foram encontrados, mas pouquíssimos editados dentro do
período estudado.
Como referência dos processos de criação de capas de livros e
outras peças gráficas nos anos 1960 e 1970, do layout à impressão,
foram usadas outras pesquisas acadêmicas e entrevistas e depoi-
mentos de designers e artistas gráficos que trabalharam no período,
como Clara Pechansky, capista da Globo nos anos 1960.
Hirsch faleceu em 2001, aparentemente sem herdeiros, mas
deixando um legado para muitos criadores que admiram seu trabalho
e por ele foram influenciados. Seu trabalho ampliou os horizontes da
criação de capas de livros e enriqueceu o repertório imagético de
designers e dos leitores brasileiros.
1
Capas de livros no Brasil:
ALGUNS ANTECESSORES
DE HIRSCH
1. Capa de Santa Rosa
1933
Livraria Editora Schimdt
2. Versão da Futura como aparece
em livreto editado pela Bauer Typefoundry
1927
Imagem: Ellen McFadden
3. Capa de Santa Rosa
1934
Ariel Editora
Afim de se ter uma medida mais apurada do impacto do tra-
balho de Eugênio Hirsch no cenário editorial brasileiro,
convém trar um pequeno panorama do desenho de capas
1
de livros no Brasil nas décadas de 1930 a 1950 .
As editoras analisadas mais detidamente neste catulo
são a Livraria José Olympio Editora, do Rio de Janeiro,
a Livraria Editora do Globo, de Porto Alegre e a Civilização
Brasileira, também do Rio de Janeiro. Estas foram escolhidas
tanto pela qualidade gráfica de suas publicações quanto por
serem editoras onde Hirsch trabalharia em anos posteriores.
A indústria editorial brasileira teve alguns picos de cres-
cimento durante a primeira metade do século passado, ligados
a situações ecomicas mais favoráveis e ao empenho isolado
de alguns empreendedores. Em São Paulo, a década de 1920
começa após grande crescimento das indústrias locais.
1. Para conhecer mais sobre a história editorial brasileira recomenda-se a leitura de “O Livro no
Brasil: sua História” de Laurence Hallewell, reeditado em 2005 pela Editora da Universidade
de São Paulo.
27
O setor editorial também se expandiu, e a capital
tornou-se o centro editorial da cada. Em 1920
funcionavam na cidade cerca de vinte editoras, com
uma produção de duzentos tulos anuais e uma
tiragem total de 1,9 milhão de exemplares
(PAIXÃO, 1996, p. 46).
Neste cenário destaca-se o escritor, editor e empresário
Monteiro Lobato, que colaborou intensamente para o desen-
volvimento do livro nacional. Inclusive no aspecto gráfico,
que por iniciativa dele foi montado um parque gráfico avançado
dedicado à impressão de livros. Esse investimento levaria
2
Lobato à falência, anos depois .
Lobato também foi um dos primeiros a investir no visual
dos livros para melhorar seu desempenho nas vendas.
(...) desde então passou a cuidar com carinho da
apresentação de seus livros, com capas coloridas e
ilustrações grandes e bem-feitas. Além disso, os tipos
(letras) que importou para suas máquinas tipográ-
ficas lhe permitiriam melhores soluções visuais, com
diagramação mais ousada (PAIXÃO, 1996, p. 49).
Na cada de 1930, em ambiente favorável ao crescimento
industrial e com alterações no câmbio que dificultavam as im-
portações devido a desvalorização do mil-réis, o livro brasileiro
passou a custar menos que o importado. “O mero de edi-
toras em atividade no país cresceu quase 50% entre os anos de
1936 e 1944. O número de títulos e de exemplares quadru-
2. “Em 1926, os livros deixaram de se beneficiar da isenção de taxas de importação de papel,
mantidas apenas para os jornais e revistas, e a indústria nacional ainda não estava preparada
para fabricá-lo, por depender de máquinas e celulose importadas. O negócio de Lobato,
próspero a princípio, não sobreviveu ao seu idealismo e às dificuldades econômicas que se
seguiram” (PAIXÃO, 1996, p. 47).
28
plicou entre 1930 e 1950” (PAIXÃO, 1996, p. 47). Neste período
despontaram duas figuras importantes para o livro brasileiro:
o artista Tomás Santa Rosa e o editor José Olympio.
1.1 - Santa Rosa e o design dos livros na José Olympio
O paraibano Santa Rosa (1909-1956), mudou-se para o Rio
de Janeiro em 1932. “Santa”, como também era chamado, era
muito versátil, de formação basicamente autodidata. Transi-
tava por quase todos os campos artísticos, tendo fundado um
grupo de teatro amador, além de dedicar-se à pintura, crítica
de arte e literatura.
Chegando ao Rio, Santa Rosa fez algumas capas para
a Livraria Editora Schmidt, pioneira na publicação de impor-
tantes nomes da geração modernista, como Marques Rebelo,
Jorge Amado, Gilberto Freyre, Rachel de Queiroz e Graciliano
Ramos (CUNHA LIMA e FERREIRA, 2005, p. 204). O livro
de estréia de Graciliano, Cahetés (fig. 1), foi o primeiro projeto
de Santa Rosa para a Schmidt, em 1933. A capa une ilustração
vibrante, uma cor quente saturada e tipografia desenhada à
mão. O título é composto por grandes letras minúsculas sem
serifa e sem modulação de traço, tendo como particularidade
a rotação do “c” e das duas letras “e” em contraposição
à inclinação da haste vertical do “a” e da haste menor do “h”.
O nome do autor tem tipos cujo desenho lembra a primeira
versão da Futura, criação do alemão Paul Renner de 1927
(fig. 2). O “r” minúsculo é reduzido a dois componentes geomé-
tricos básicos, um retângulo e um rculo.
29
Um lettering muito parecido com o título de Cahetés aparece
em Cacáu, (fig. 3) de Jorge Amado. Este romance foi publicado
pela Ariel Editora, pertencente aos escritores Agripino Grieco e
Gastão Cruls e teve sua primeira edição rapidamente esgotada.
“Se esse êxito lançou definitivamente o escritor, o mesmo
aconteceu com Santa Rosa, que daí por diante se faria cada vez
mais presente no setor editorial.(CUNHA LIMA e FERREIRA,
2005, p. 205)
Fica claro pelas capas que Santa Rosa também estava em
sintonia com a produção modernista, tanto a dos pintores
brasileiros (Santa foi assistente de ndido Portinari) quanto
a dos tipógrafos estrangeiros, como demonstra o uso dos tipos
sem serifa geométricos.
O trabalho de Santa Rosa chamou a atenção do editor José
Olympio, também recém instalado no Rio de Janeiro, que
o contratou a partir de 1935, para realizar o projeto gfico dos
livros da sua editora.
As atividades da Livraria José Olympio Editora come-
çaram no início da cada de 1930, quando seu fundador
tinha apenas 28 anos. Nascido a 10 de dezembro de 1902 na
cidade de Batatais, no oeste paulista, José Olympio Pereira
Filho teve seu primeiro contato com o negócio dos livros em
1918, quando se empregou na Casa Garraux, em São Paulo.
aprendeu muito sobre livros e travou contato com muitos
membros da elite intelectual e política, que freqüentavam
a loja. Em 1930 morreu o escritor Alfredo Pujol, dono da então
maior biblioteca particular de São Paulo, com dez mil livros.
José Olympio, animado (e financiado) por amigos, comprou
a biblioteca, abrindo com esse acervo sua própria livraria,
fundada em novembro de 1931. E já a partir de 1932 começa
30
a editar livros. Em 1934 mudou-se para o Rio de Janeiro,
abrindo livraria na Rua do Ouvidor. O mero de títulos
publicados aumenta e logo se torna o maior editor do Brasil
(VILLAÇA, 2001, p.78).
A colaboração entre a José Olympio e Santa Rosa duraria
por muitos anos, até a morte do artista, em 1956. Durante esse
período Santa Rosa mantém layouts padrões que estruturam
as capas e dão unidade visual aos livros da editora. Curiango
(fig. 4), de Affonso Schmidt, é um exemplo do padrão adotado
de 1935 a 1939. Sobre uma área de cor chapada eram impressos
o nome do autor, o título do livro com grande destaque e uma
ilustração contida em um quadrado de um pouco mais que
um terço da largura da página. “A vinheta, invariavelmente em
preto sobre fundo branco, era um desenho de linhas grossas,
a bico de pena, muitas vezes se aproximando da linguagem
da xilogravura, tão apropriada para os temas tratados pela
literatura regionalista” (CUNHA LIMA e FERREIRA, 2005, p. 212).
Abaixo dessa vinheta ficava o nome da editora. Outro exemplo é
Mana Maria (fig. 5), de 1936. As letras eram desenhadas com
grande contraste entre as hastes e com serifas lineares, como
3
os tipos de Bodoni e Didot.
Em 1939 houve uma alteração no projeto dos livros, como
demonstra a capa do romance Sul, de Guilhermino Cesar (fig. 6).
As letras sem serifa compõem o tulo do livro, que tem extrema
visibilidade, contrastando com o fundo escuro em marrom
e a ilustração com densas áreas de preto. Assim como a luz no
3. O francês Firmin Didot e o italiano Giambattista Bodoni criaram, em fins do século XVIII, tipos
caracterizados pelo extremado contraste entre traços grossos e finos e eixo vertical. Baynes & Haslam
(2002) chamam esse modelo de Modernos de inspiração européia continental. Vox (1954) os
classifica como Didones.
31
capacete do mineiro desenhado, o nome da obra se “ilumina”,
chamando a atenção do leitor. O quadrado reservado à ilus-
tração é bastante ampliado em relação ao projeto anterior e
ocupa a metade superior da página, precedendo todas as infor-
mações textuais.
Nos livros desenhados dentro desse projeto os letterings tem
mais diversidade de estilos de letras, englobando as sem serifa,
as de serifas lineares ou triangulares e também letras cursivas,
como em A Vida Continúa (fig. 7), também de 1939, com título
impresso em vermelho sobre fundo claro amarelado.
Nos anos 1940 houve novamente uma mudança nos livros
projetados por Santa Rosa, passando a predominar, nas capas,
os fundos brancos e vinhetas em geral mais delicadas (CUNHA
LIMA e FERREIRA, 2005, p. 212).
No início da década de 1950 Santa Rosa passa a uma fase
em que as cores se fazem mais presentes e a dimensão dos de-
senhos se amplia, como em Lampião (fig. 8), de 1952, em que
a ilustração ocupa quase todo o espaço da página.
Uma característica comum a todos os projetos é o alinha-
mento centralizado para todos os elementos, aspecto que muda-
ria nas capas do curitibano Napoleon Potyguara Lazzarotto
(1924-1998), mais conhecido como Poty.
Poty começou sua carreira de ilustrador aos 14 anos,
no Diário da Tarde de Curitiba. Mudou-se para o Rio de Janeiro
em 1942, onde estudou na Escola Nacional de Belas Artes,
partindo em seguida para a Europa, premiado com bolsa
de estudos. Durante este período, colaborou à distância com
4. As letras da primeira edão, de 1958, tem desenho diferente e o preenchidas apenas
com o amarelo.
32
o escritor Dalton Trevisan na revista de vanguarda Joaquim.
Foi no interior do campo literário e editorial que seu
capital simbólico adquirido nos salões e galerias
de arte, levou-o à ilustração, momento a partir do qual
essa atividade assegurou-lhe um reconhecimento que
até então estava restrito aos rculos dos artistas
modernos (LOURENÇO, 2001).
Ao contrário da estrutura fixa implementada por Santa
Rosa, Poty dispunha os elementos mais livremente na página.
A divisão entre imagem e texto torna-se mais tênue, não só pela
divisão espacial menos gida mas também pelo desenho das
letras mais irregular, mais distante dos tipos de composição
mecânica.
Um exemplo dessa composição mais dinâmica está na capa
de Catavento (fig. 9), livro de crônicas de Vivaldo Coaracy.
O nome do autor e título estão deslocados à direita enquanto
a assinatura da editora está quase centralizada. Boa parte das
letras não se apoia sobre uma linha de base contínua e retilínea,
acrescentando movimento à gina.
As capas mais notórias de Poty são as produzidas para
a obra de João Guimarães Rosa, com destaque para Sagarana
(fig. 10), livro para o qual também fez as ilustrações e uma série de
vinhetas. Sobre o fundo preto da capa e da contra capa destacam-
se as xilogravuras que representam o universo do livro, proje-
tados à frente pelos círculos amarelos nos quais se inserem. Aqui
foi analisada a 12ª edição, em que o lettering do título recebe um
tratamento especial, com traços movimentados preenchendo
o interior das letras brancas e retas, criando uma textura que
aproxima visualmente o título dos outros elementos da capa.
As figuras 11 e 12 mostram mais duas obras de Guimarães
33
Rosa com capas de Poty: Grande Sertão: Veredas e Corpo de Baile. Esta
5
última foi dividida em três volumes lançados separadamente,
com o mesmo desenho de capa. Eram impressos em duas cores,
mantendo-se o preto e alterando a segunda cor de cada volume.
Um retângulo preto posicionado ao centro na metade superior
da capa separava a informação textual do restante dos elementos,
proporcionando fácil mudança do título de cada livro. Em Grande
Sertão: Veredas também há uma área chapada de cor que protege
o texto e garante a ele certo destaque. Outra semelhança entre
as duas capas é a composição da ilustração. Assim como em
Sagarana, não foi representada uma cena única. Como assinala
Paula Ramos: “No caso de Poty, as imagens funcionam como
sugestões, como lampejos entre o texto, dialogando com ele,
sobretudo com sua cadência solta e de tom conversado” (RAMOS,
2007, p. 87). Assim, as capas apresentadas compõem-se de um
conjunto desses “lampejos”, dando uma idéia geral do universo
da obra, ao invés de tentar sintetizar o livro por meio da trans-
crição visual de apenas uma de suas passagens.
Essas edições dos livros de Guimarães Rosa receberam
cuidado especial da editora de José Olympio, de modo que Poty
pôde trabalhar, além da capa, a contracapa dos livros (algo
incomum, já que esse espaço era normalmente reservado à
propaganda de outros lançamentos da casa editora).
Luís Jardim (1901-1987) possivelmente é mais conhecido
como escritor. Seu romance Maria Perigosa foi vencedor do prêmio
Humberto de Campos em 1939. Iniciou a carreira de desenhista
na Revista do Norte, em Recife. Em 1936 mudou-se para o Rio
de Janeiro. Era produtor gráfico da José Olympio, cuidando
34
5. No Urubuquaquá, no Pinhém, Manuelzão e Miguilim e Noites do Sertão.
4. Capa de Santa Rosa
1935 - 18,5 x 12,5cm
Livraria José Olympio Editora
5. Capa de Santa Rosa
1936 - 18,5 x 12,5cm
Livraria José Olympio Editora
6. Capa de Santa Rosa
1939 - 18,5 x 12,5cm
Livraria José Olympio Editora
7. Capa de Santa Rosa
1939 - 18,5 x 12,5cm
Livraria José Olympio Editora
8. Capa de Santa Rosa
1952
Livraria José Olympio Editora
Imagem: Cunha Lima e Ferreira
principalmente do miolo dos livros e das ilustrações internas (fez
também muitos retratos a bico de pena), mas também desenhava
capas.
Um exemplo é a capa do livro de poemas de Lêdo Ivo,
de 1955, onde alterna formas abstratas com imagens ilustrativas
dos títulos Um Brasileiro em Paris e O Rei da Europa (figura 13). Assim
como nas capas de Poty, a relação das letras com a imagem é mais
próxima. O preenchimento do título com a tinta não é uniforme,
deixando algumas “falhas” em branco, exatamente como o pre-
enchimento da forma curvilínea abstrata ao fundo.
Podemos observar neste exemplo que a assinatura da editora
segue um modelo muito utilizado por Santa Rosa, diferenciando
as palavras “Livraria” e “Editora” do nome de José Olympio.
Segundo a apresentação da quarta edição de Primeiras
Estórias (fig. 14), de Guimarães Rosa, de 1962, Jardim fez,
a pedido do Autor, desenhos-miniaturas, com paciência chinesa,
6
para cada uma das estórias” . Vemos aqui, assim como nas capas
de Poty descritas acima, uma capa composta por um conjunto de
desenhos dispostos sobre um fundo sem cenário, como pequenos
flashes do livro. Dessa forma mantêm-se uma coerência com
as outras edições de Guimarães Rosa ilustradas por Poty.
37
6. Apresentação da quarta edição de Primeiras Estórias, de Guimarães Rosa. Livraria José
Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1968.
1.2 - A Globo e sua Seção de Desenho
Outra editora com presença notável nas décadas de 1930, 1940
e 1950 era a Livraria Editora do Globo, de Porto Alegre. Notável
não só pelos títulos publicados, mas pela qualidade gráfica
do trabalho de seus ilustradores e capistas.
A Livraria foi fundada em 1883 por Laudelino Pinheiro
Barcellos, na rua da Praia, centro de Porto Alegre. Publicou
o primeiro livro em 1899, e em 1918 trocou de proprietário, após
a morte de seu fundador. Seu novo dono passou a ser José Bertaso,
que trabalhava desde 1890 e cujo filho Henrique posterior-
mente assumiria a direção editorial da livraria.
Em 1929 começa a circular a Revista do Globo, publicada
até 1967. As capas da revista eram modernas e impactantes.
A Globo sempre teve em seu “elenco” artistas marcantes, estando
as capas produzidas para a editora entre o melhor da produção
gráfica da primeira metade do século passado. Em seu estudo
sobre o imaginário de modernidade nas capas da Revista do Globo,
a jornalista Paula Ramos comenta:
O fato é que a publicação era um estrondoso sucesso,
conquistando leitores Rio Grande afora e estabelecendo
padrões para jornalistas, fotógrafos e artistas gráficos
por continuados anos (RAMOS, 2002).
E mais adiante, fala sobre a Secção de Desenho da editora,
coordenada por Ernst Zeuner:
De fato, assim como a Secção Editora poderia ser
encarada como uma “Faculdade de letras”, a Secção
de Desenho bem que passava por uma Escola de Artes.
Muitos artistas tiveram nela uma espécie de curso
completo. Ali eles aprendiam a desenhar, compor
38
9. Capa de Poty
1956 - 15 x 23cm
Livraria José Olympio Editora
10. Capa e quarta capa de Poty
1956 - 13 x 18cm
Livraria José Olympio Editora
11. Capa e quarta capa de Poty
1967 (5. ed) - 14 x 21cm
Livraria José Olympio Editora
41
páginas, finalizar capas, fazer gravuras e litografias,
utilizar convenientemente os meios de reprodução de
imagem a fim de alcançar os melhores resultados.
(RAMOS, 2002)
No final dos anos 30, a Revista do Globo passa por grandes
mudanças após a saída de Érico Veríssimo (diretor do quinze-
nário até 1939), entre elas a predominância da fotografia sobre
a ilustração. Com menor demanda por seus desenhos dentro
da Revista, os ilustradores da Globo passaram a se dedicar mais
aos livros da editora (RAMOS, 2002). Entre estes destacam-se,
além de Ernst Zeuner, Nelson Boeira Faedrich, Edgar Koetz
e João Fahrion.
A importância de Ernst Zeuner é abordada em estudo
de Leonardo Menna Barreto Gomes (2005). Algumas das consi-
derações do artigo dão detalhes sobre o trabalho com o desenho
tipográfico dentro da oficina da editora de Porto Alegre, desta-
cando a contribuição significativa dos ensinamentos de Zeuner:
Zeuner não se restringiu aos catálogos tipográficos
adotados pelas oficinas da Globo: estimulou seu pessoal
a diversificar, pelo desenho, o traçado das fontes padrão.
Contudo, exigiu da equipe conhecimento acurado dos
estilos tradicionais. Para tanto, pedia aos desenhistas
que traçassem os padrões conhecidos a título de exercício,
para que se conscientizassem das características estrutu-
rais e da aparência expressiva dos tipos. Na composição
dos textos, chamava a atenção de seus aprendizes para
espaçamentos entre as letras e entre as linhas de compo-
sição, mostrando que o ritmo, a seu ver, era mais visual
que métrico. Para a complementação desse aprendizado,
Zeuner pedia à sua equipe que copiasse em cadernos de
caligrafia os alfabetos-padrão e incluíssem variações
com desenhos de gosto pessoal. (GOMES, 2005, p. 252)
42
Um exemplo do resultado deste cuidado com os tipos é
a edição de 1937 de As Aventuras de Tibicuera (fig. 15), onde
a precisão e beleza do desenho de Zeuner para as letras do título
impressionam. Ele consegue “decorar” as letras prolongando
as hastes das iniciais de cada palavra, sem perder a coerência
no desenho e encaixando perfeitamente as palavras em seu invó-
lucro, um quadrado rotacionado que divide as duas cenas anta-
gônicas da capa. Cenas estas representadas em ilustração rica
em cores.
Outra importante capa de Zeuner é a do primeiro romance
de Érico Veríssimo, Fantoches (fig. 16). Nela as letras do título
se empilham e caem como blocos de brinquedo, envolvendo
os bonecos aos quais o título faz menção. É o texto tomando parte
da ação e não da informação.
A figura 17 mostra duas capas para o mesmo romance
de Érico Veríssimo, aproveitando a oportunidade de colocar lado
a lado um desenho de Zeuner, de 1939, e outro de Eugênio
Hirsch, de 1963. A semelhança entre as duas fica por conta do
dinossauro ilustrado (provavelmente Hirsch teve como referência
a primeira edição). Em relação às cores, porém, o contraste
é grande, que Zeuner compõe seu cenário com matizes quentes
predominando enquanto a capa de Hirsch é um tanto sombria,
dominada por preto e azul. Também é grande a diferença nas
soluções tipográficas adotadas. Hirsch coloca todo o peso no
sobrenome do autor, compondo-o em um lettering confuso para
leitura, mas de grande impacto. É neste tipo de desenho tipo-
gráfico, em que a visualidade se sobrepõe à legibilidade, que esta
pesquisa concentrará a maior parte de sua atenção.
Um desenhista que se destacou no grupo de Zeuner, pela
atenção que deu aos exercícios de tipografia, foi Edgar Koetz,
12. Capas e quarta capa de Poty
1965 (3a ed) - 13 x 18cm
Livraria José Olympio Editora
13. Capa de Luís Jardim
1955 - 15 x 23cm
Livraria José Olympio Editora
14. Quarta capa, lombada e capa de Luís Jardim
1962 - 15 x 23cm
Livraria José Olympio Editora
16. Capa de Ernst Zeuner
1932
Livraria Editora do Globo
Imagem: Menna Barreto Gomes
15. Capa de Ernst Zeuner
1932
Livraria Editora do Globo
Imagem: Paula Ramos
17. Capas de Ernst Zeuner (à esquerda) e Eugênio Hirsch
Livraria Editora do Globo
Imagem (Zeuner): Menna Barreto Gomes
- 1939 - 1963
18. Capas de Edgar Koetz
1940 (esq.) e 1953 (dir.)
Livraria Editora do Globo
19. Capa de Nelson Boeira Faedrich
1936
Livraria Editora do Globo
Imagem: Paula Ramos
20. Capa de Nelson Boeira Faedrich
1938
Livraria Editora do Globo
47
que chegou inclusive a ministrar o curso Anatomia da Letra na
Escola de Propaganda do Masp, em São Paulo, para onde se
mudou em 1952 (GOMES, 2005, p. 253).
É possível observar a habilidade de Koetz no desenho de
letras nas duas capas da figura 18. Enquanto as formas
caligráficas tem destaque na edição de 1953 de Dom Quixote,
as letras de Casamentos na Tormenta Vermelha remetem, por seu
desenho e pela composição em diagonal, aos cartazes do cons-
trutivismo russo.
Outro ilustrador que se destacou no grupo de Zeuner foi
Nelson Boeira Faedrich (1912-1994). Faedrich foi um dos princi-
pais capistas da Revista do Globo. O número 168, de 1935
(fig. 19), fornece um ótimo exemplo de interação entre ilustração
e tipografia, onde uma dançarina “pisa” na palavra Revista,
desmontando-a. Graças a um desenho cuidadoso, a palavra
mantém ao mesmo tempo integridade visual e movimento
caótico.
Em Rosa Maria no Castelo Encantado (fig. 20), Faedrich desenha
letras de terminações arredondadas e sem variação de espessura
nas hastes, que se sobrepõem ao fundo com certo efeito de trans-
parência graças à variação tonal na intersecção das letras com
os anéis de cor que compõem o fundo. Iniciais e outras letras têm
suas formas exacerbadas, tornando-se também ilustradas.
1.3 - As capas da Civilização Brasileira nos anos 1950
A Editora Civilização Brasileira foi fundada em 1932 pelo poeta
Ribeiro Couto, pelo escritor Gustavo Barroso e pelo livreiro
48
carioca Getúlio Costa. Ribeiro Couto vendeu sua parte da
editora a Octalles Marcondes Ferreira, dono da Companhia
Editora Nacional, e posteriormente Barroso vendeu sua parte
ao banqueiro Fenício Marcondes Ferreira, irmão de Octalles.
Na Companhia Editora Nacional trabalhou Ênio Silveira, que
posteriormente receberia de Octalles a incumbência de admi-
nistrar a Civilização Brasileira. O início dessa trajetória de Ênio
será contemplada no capítulo seguinte, que narra parte da for-
mação profissional do editor até o momento em que contrata
Eugênio Hirsch como seu principal capista.
No decorrer dos anos 1950, antes de iniciar a parceria com
Hirsch, Ênio Silveira encomenda capas a diversos artistas, sendo os
mais frequentes Poty, Nora Rónai, Manoel Segalá e Walter Lewy.
Além deles, atenderam a demanda da Civilização Brasileira, com
menor frequência, artistas gráficos como Bea Feitler, Ivan Serpa,
Aluísio Carvão, Jaguar e Athos Bulcão. (MARIZ, 2005, p. 119)
O alemão Walter Levy (1905-1998) desenhou a capa de
O Fabuloso Patrocínio Filho (fig. 21), em 1957. Sobre um fundo
vermelho vivo, chapéu, bengala, luvas e piteira aparecem como
se vestissem um homem invisível. A fumaça do cigarro se prolonga
até o fundo branco que envolve o título do livro, dando a entender
que as letras estão sobre uma nuvem de fumaça. No rodapé do
livro um interessante lettering com letras serifadas alongadas for-
mando o nome da editora. Diferente do que acontece com o nome
do autor no topo da capa, as letras “I” são rebaixadas de modo que
seu pingo fica alinhado ao topo das letras vizinhas, e os dois “o”s
são reduzidos a um terço de sua altura. Embora sirvam como
elemento gráfico decorativo nessa situação, a presença dos pingos
pode indicar falta de treinamento formal em desenho de letras,
que a princípio eles não fazem parte do desenho do I maiúsculo.
21. Capa de Walter Levy
1957 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
24. Capa e de Athos Bulcão
1957 - 13,5 x 20,5cm (refilado na encadernação)
Editora Civilização Brasileira
quarta capa
22. Capa de Poty(?)
1957
Editora Civilização Brasileira
23. Capa de Nora Rónai
1957 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
51
Curiosamente, durante minha busca por livros da
Civilização Brasileira na década de 1950, foram encontrados dois
volumes que usam a mesma figura básica: a do guerreiro com
escudo e lança (ou espada). As soluções gráficas adotadas em
cada um, porém, diferem bastante, de acordo com o conteúdo
da obra. A Destruição de Numância (fig. 22), de 1957, tem maior
carga dramática, com texto em vermelho sobreposto à gravura
em água-forte de um guerreiro mascarado pronto para atacar,
envolto no fundo preto e nas texturas típicas desta técnica de
gravura em metal (corrosão do cobre por meio do ácido).
Embora este volume não traga crédito ao capista, pode-se supor
a autoria de Poty, comparando o estilo dos traços e as proporções
das figuras humanas na capa (e também nas ilustrações do miolo)
com outros desenhos do artista paranaense. Já a capa de Nora
Rónai para A Comédia Literária (fig. 23) tem um toque de humor,
áreas chapadas e cores claras. O guerreiro em posição de ataque
tem em seu escudo o teclado da máquina de escrever, e sua lança
é outro instrumento de escrita: uma pena. No lugar de uma
máscara ou capacete, ele usa óculos e uma coroa de louros.
Athos Bulcão (1918-2008) desenhou a capa de Um Encontro
Marcado, em 1959 (fig. 24), compondo um mosaico de fotogra-
fias (ou pedaços de fotografias). A ele foram sobrepostas tiras de
fundo branco trazendo em si o nome do autor e título do livro,
impressos em tipos sem serifa geométricos (Futura negrito itá-
lico). Bulcão se antecipa a Eugênio Hirsch no uso da fotografia
e de imagens que tendem ao abstracionismo. Hirsch faria uso
desses recursos principalmente a partir de 1963.
Vê-se pelos exemplos que os livros da Civilização Brasi-
leira dos anos 1950 ainda buscavam uma identidade bem
definida. Apesar de alguns ilustradores serem frequentes, como
52
Lewy, Poty e Nora Rónai, seus estilos diferiam entre si e
alguns deles tinham seu trabalho previamente associado à
outras editoras, como a Companhia Editora Nacional (Lewy) e
José Olympio (Poty). Ênio Silveira encontraria a identidade que
buscava a partir da colaborão frequente com Eugênio Hirsch,
cujo trabalho se tornaria uma espécie de tradão visual do
projeto editorial de Ênio, versátil e ousado. Quase todas as capas
da Civilização de 1959 a 1965 levam a assinatura de Hirsch.
Poucas foram as exceções encontradas durante a pesquisa.
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26.
Capa de Eugênio Hirsch
1959 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
25.
Brochuras sem e com refile.
O presente estudo o tem seu foco voltado à história editorial
brasileira, mas tem o livro como uma peça-chave, sendo este
o suporte no qual se desenrola a “ação” que será narrada daqui
em diante. A tipografia esteve desde sua gênese inten-samente
ligada ao objeto livro. Enquanto técnica de composição de textos
para reprodução impressa, foi uma força propulsora
da disseminão da leitura pelo mundo. Seu desenvolvimento,
principalmente em seus primeiros 300 anos de vida, esteve
sempre ligado a seu desempenho na impressão de livros e na
leitura deles.
No Brasil do culo 20, muitas foram as figuras que se desta-
caram pela dedicação aos livros, atuando como editores, diagra-
madores, designers. Uma dessas figuras, fundamental na traje-
tória de Eugênio Hirsch como capista, foi o editor Ênio Silveira,
que no início dos anos 1950 tomou a frente da editora
Civilização Brasileira, um marco na história editorial brasileira.
Ênio Silveira nasceu em 1925, na capital São Paulo, numa
família de classe média com tradição intelectual, que lhe propi-
ciou uma rica formação cultural.
55
Quando cursava a Escola Livre de Sociologia e Política de
São Paulo (ELSP), Ênio resolveu procurar um emprego que lhe
ajudasse a se tornar financeiramente independente da família.
Através de uma amiga, Leonor Aguiar, foi apresentado ao
escritor e editor Monteiro Lobato, fundador da Companhia
Editora Nacional (C.E.N.) junto a Octalles Marcondes Ferreira.
Lobato, que editava os livros de Waldomiro Silveira, avô de
Ênio, deu ao rapaz uma carta de recomendação a Octalles.
Na Editora Nacional, que na época tinha como carro-chefe
os livros didáticos, Ênio iniciou sua carreira, em 1944, conheceu
muitos escritores, como Fernando de Azevedo e Anísio Teixeira,
e percebeu que seu destino estava em meio aos livros (FERREIRA,
1992, p. 37).
Ênio foi para os Estados Unidos, em 1946, estabelecendo-se
em Nova Iorque, onde trabalhou na editora Alfred A. Knopf e
estudou na Universidade de Columbia. Esse período de experi-
ência foi decisivo na vida profissional de Ênio, que além de fazer
contato direto com escritores que futuramente editaria no Brasil,
pôde acompanhar de perto como o livro era tratado dentro do
universo comercial norte-americano.
Aprendi com Alfred A. Knopf algumas técnicas de
divulgação do livro, a modernização dos contatos.
Isso eu aproveitei muito em sua editora. Eu ia a todos
os setores, via, acompanhava os departamentos, obser-
vava o funcionamento do departamento comercial,
o tipo de promoção que se fazia. Daí, voltei para
o Brasil com uma visão bastante profunda da ativi-
dade editorial. (FERREIRA, 1992, p. 37)
Este contato sem dúvida moldou parte da face adminis-
trativa da Civilização Brasileira, influenciando os processos de
divulgação e inclusive o aspecto visual dos livros, como veremos
adiante.
56
Além do aspecto profissional, a estadia nos EUA também
acrescentou à vivência política de Ênio, que através dos escri-
tores Richard Wright e Howard Fast, passou a frequentar
o Partido Comunista norte-americano. Antes disso, Ênio
participou de muitas atividades no Partido Comunista do Brasil.
Sua ideologia e sua personalidade forte seriam decisivos para
o futuro da editora que viria a comandar. A Civilização
Brasileira sofreu todo tipo de perseguição durante o regime
militar, inclusive um atentado a bomba em sua livraria na rua
Sete de Setembro, na cidade do Rio de Janeiro.
Poucos meses após a volta de Ênio Silveira ao Brasil, em
1948, Octalles, então seu sogro, deu-lhe a incumbência de
administrar a Civilização Brasileira (caso contrário a editora
carioca, que não estava indo bem, e em cuja administração havia
suspeita de desvios, seria fechada). Mesmo casado e com um
filho pequeno, Ênio mudou-se para o Rio para um período
de experiência de seis meses, e percebeu grandes possibilidades
de desenvolvimento para a Civilização, que na época tinha
alguns poucos sucessos comerciais, como o Pequeno Dicionário
Brasileiro da ngua Portuguesa.
Ao chegar ao Rio de Janeiro, descobri que havia um
grande vazio porque, embora a figura de José Olympio
fosse uma figura extremamente respeitável e
fundamental para a história do livro no Brasil, havia
uma panela da editora José Olympio, alguns autores
entravam, outros o entravam na José Olympio.
Senti que aquela era uma vasta área de manobra que
me permitiria trabalhar como editor, trazendo autores
brasileiros, o que comecei a fazer muito rapidamente.
(FERREIRA, 1992, p. 52)
Em 1952 Ênio Silveira assumiu a direção executiva da
editora, e a fim de conquistar maior independência nas decisões
57
editoriais e administrativas, passou a comprar, aos poucos,
as ões da Civilização, até tornar-se independente da C.E.N.,
em 1963.
Segundo o próprio Ênio, ele teria introduzido no Brasil
a brochura aparada, algo que os editores mais tradicionais
lamentavam. Até meados do século passado, a maioria dos livros
não eram refilados, sendo que o leitor devia abri-los com uma
espátula.
Outra inovação de Ênio foi o investimento em propaganda,
reflexo da visão adquirida em sua estadia na editora norte-
americana. O livro nos EUA era encarado também como um
produto industrial, portanto deveria ter grande circulação.
Fui também introdutor no Brasil de propaganda de
livros. Pela primeira vez se fez propaganda agressiva
de livros. Usei outdoor, que naquela época ainda era
muito incipiente aqui. E as pessoas ficavam muito
chocadas. O José Olympio me dizia: - Mas você está
transformando o livro num objeto vulgar.
(FERREIRA, 1992)
A reação dos editores mais tradicionais estaria ligada
à adoção, pela intelectualidade brasileira, de modelos culturais
franceses, inclusive no que se referia ao livro. “O livro brasileiro
era igual a um livro frans, igual. A capa era tipográfica, não era
ilustrada, o livro não tinha orelhas, o livro era de brochura o
aparada.(FERREIRA, 1992, p. 156)
uma generalização por parte de Ênio Silveira quando
afirma que as capas brasileiras eram unicamente tipogficas,
sem ilustração. Embora o modelo francês se fizesse presente, já
havia muito tempo que se produziam capas ilustradas no meio
editorial brasileiro. A Globo, de Porto Alegre, destaca-se na
história do livro brasileiro, entre outras coisas, pela intensa
58
27.
Capa de Eugênio Hirsch
1959 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
28. Capas de Eugênio Hirsch
1960 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
29. Capa de Eugênio Hirsch
1961 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
30. Capa de Eugênio Hirsch
1960 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
31. Capa de Eugênio Hirsch
1964 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
produção de seus ilustradores, não reservada apenas ao miolo
das publicações, mas também tomando a frente delas, conforme
comentado no capítulo anterior. Nos anos 1930 até 1950, as
ilustrações estavam sempre presentes nas capas de Santa Rosa
para a José Olympio e para a Pongetti, embora confinadas à
estrutura clássica da capa de livro (nome do autor, título do livro e
nome da editora no rodapé, geralmente centralizados).
Mesmo na França, o modelo de capas tipográficas já convi-
via com a brochura refilada de capas totalmente ilustradas, como
pode ser visto comparando Les Hommes de la Route, de 1957, com
a edição do romance de L. F. Celine, pela editora Gallimard, de
apenas dois anos antes (fig. 25).
As mudanças no mercado brasileiro o contemporâneas
de novos procedimentos da indústria editorial norte-americana,
que passava a investir mais nas brochuras, reeditando clássicos
da literatura em livros de bolso, formato bastante procurado por
estudantes universitários. Alguns editores investiram também
em lançamentos no formato de brochuras, “o que fez com que
design e tipografia inovadores fossem ainda mais valorizados.”
(HELLER, 2007, p. 247)
Essas constatações não diminuem a relevância da reno-
vação gráfica promovida nos livros da Civilização. A brochura,
formato relegado à edições baratas, muitas vezes associado a lite-
ratura descartável, seria o meio base de todo o catálogo da edi-
tora carioca. Como comenta Hallewell:
Com isso, deu início a uma revolução que, desde
então, se estendeu à indústria editorial brasileira como
um todo. O aspecto do moderno livro brasileiro, de
qualquer editora, ajusta-se basicamente ao estilo
adotado pela Civilização Brasileira em meados da
década de sessenta. As capas passaram a ser desenhos
ocupando toda a altura e largura do volume, em tista
61
quatro cores, quase sempre com o devido crédito ao
artista no verso da gina de rosto. (...) De muitas
maneiras, as inovações representaram um rompimento
final com padrões e práticas oriundos da França e a
adoção de todos norteamericanos. (HALLEWELL,
1985:454)
Além das margens refiladas e da impressão colorida offset,
um dos motores da reforma visual da Civilização foi Eugênio
Hirsch, como lembra o próprio Ênio Silveira: “Suas capas eram
muito vigorosas. Ele dizia assim: ‘Não vim para agradar, vim
para agredir’. Agredir no sentido visual. Ele era um criador e
chamou muita atenção.” (FERREIRA, 1992, p. 156)
2.1 - A chegada de Eugênio Hirsch
A história do livro no Brasil deve muito a Monteiro Lobato. Além
de grande escritor, ele foi um empreendedor ousado, que nos
anos 1920 e 1930 renovou o mercado editorial, e deixou, além do
legado cultural, maquinário que modernizou parte da indústria
gráfica brasileira.
Não bastasse tudo isso, Lobato foi ainda responsável
indireto por um encontro que viria renovar o aspecto gráfico de
nossos livros. Como dito no início deste capítulo, foi ele quem
recomendou Ênio Silveira a Octalles Marcondes Ferreira, o que
ajudou o rapaz a iniciar sua carreira na Companhia Editora
Nacional, através da qual chegou à Civilização Brasileira. E foi
Lobato, também, quem iniciou esforços para trazer ao Brasil um
certo desenhista que trabalhava na Argentina, e chamou sua
atenção ao ilustrar edições de sua obra pela Editorial Codex. Este
ilustrador era Eugênio Hirsch.
62
Minha idéia é lançar um livro-álbum com o libreto e
a música, desenhos das principais cenas pelo Hirsch, um
maravilhoso desenhista austríaco da Argentina, com o
qual a Brasiliense”contratou uma série de mil desenhos
e que este ano vem para o Brasil a fim de executá-los.
(Lobato apud Mariz, 2005, p. 258)
Este trecho de uma carta de Lobato mostra que havia
negociações adiantadas para a vinda de Hirsch ao Brasil. O
acordo, porém, não se concretizou por causa da morte do
escritor, em 1948.
Em entrevista a Ethel Leon, o artista comenta uma reunião
com Monteiro Lobato:
Eu viajei para São Paulo e Monteiro Lobato me
recebeu em seu apartamento, de peignoir vermelho até os
pés (...) Ele me disse que homens sérios fazem
organogramas. Pois bem, nós fizemos muitos e muitos,
mas nada saiu disso. O que aconteceu foi que me
apaixonei pelo Brasil e voltei para a Argentina disposto
a me mudar para cá.
(LEON, 1991, p. 111)
As fontes estudadas divergem um pouco em relação à data do
primeiro contato de Hirsch com o escritor brasileiro. Mariz
o posiciona em 1946, em visita de Monteiro Lobato a Buenos
Aires. Segundo o texto de Ethel Leon, o encontro teria sido em
uma exposição de artes plásticas, em 1955. Esta data prova-
velmente resulta de uma confusão da memória do ilustrador
e designer, ou de um erro de digitação, que em 1955 Lobato
havia falecido. Na segunda hipótese, pode-se imaginar que
a exposição aconteceu em 1945, data mais plausível, e próxima
da indicada por Mariz.
Chegando ao Brasil em 1957, o austríaco mudou-se para o
63
Rio de Janeiro em um período de efervescência cultural. As artes
plásticas absorviam o impacto do Concretismo e do Neo
Concretismo, e o Rio logo deixaria de ser a capital federal, lugar
destinado a Brasília, cuja construção mexia com o país e
provocava debates também no campo da arquitetura. Fernando
Paixão, organizador de Momentos do Livro no Brasil, resume o
panorama de agitação no campo político e cultural na passagem
dos anos 1950 para os 1960:
Todos concordavam que o desenvolvimento era pri-
mordial, mas divergiam quanto aos caminhos para
atingi-lo. No início dos anos 60, as críticas ao modelo
econômico adotado pelo governo Juscelino, as reivin-
dicações populares e as denúncias da “invasão estran-
geira” se manifestavam vivamente. Havia um clima de
contestação no ar, uma efervescência política e cultural
nunca vista, uma valorização da cultura brasileira e a
crença num projeto nacional revolucionário como, talvez,
nunca mais se veria. (PAIXÃO, 1996, p. 109)
Após um período em agências de publicidade, Hirsch
iniciou sua parceria com a Civilização Brasileira, a partir de
1959, e encontrou as condições ideais para desenvolver um
trabalho marcante. A primeira edição brasileira de Lolita, o
polêmico romance de Vladimir Nabokov, se constituiria num
marco do design gráfico brasileiro. O livro, que recebeu grande
investimento publicitário para seu lançamento, fez grande
sucesso e apresentava uma capa de extremo contraste (fig. 26).
O título do livro ocupava toda a largura do volume, unindo-se
às margens laterais. O desenho das letras do título se assemelha à
Futura Black, de Paul Renner, pelas formas estêncil geome-
trizadas. Mas as letras de Hirsch são mais condensadas, e seu “A
tem formas curvas no topo, ao contrário do formato triangular
64
32. Capas de Eugênio Hirsch
1964 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
33. Fotografia em capas de Eugênio Hirsch
1963, 1964 e 1965 respectivamente.
Editora Civilização Brasileira
34. Capas de Eugênio Hirsch
1965 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
1
usado por Renner. Posicionado bem ao topo, o título deixava
abaixo de si um enorme espaço em branco, que a ilustração,
uma figura de menina, de cores contrastantes e desenho angu-
loso, se fundia ao desenho das letras I e T de Lolita. O nome do
autor invade o branco, ou sobe por este em direção ao título
e à figura da menina, composto em inclinação que se alinha
à diagonal da parte inferior da letra L.
A capa de Lolita se assemelha a um cartaz publicitário,
estabelecendo a nova e vigorosa linguagem gráfica dos livros da
Civilização Brasileira. Essa linguagem se apóia inicialmente nos
expressivos desenhos de Hirsch, como em Um Ramo para Luíza,
de 1959 (fig. 27). Nas capas de 1960 é recorrente a representação
da figura humana, com o rosto ocupando a maior parte do espaço
disponível, ou projetado para frente até que extrapole
os limites da página (fig. 28). A partir do ano seguinte passam
a marcar presença também as composições abstratas, como em
Coração, Cabeça e Estômago (fig. 29). Nesta mesma capa pode ser
observado o gosto de Hirsch pelas cores fortes, combinando
matizes vibrantes, contrastando complementares como amarelo e
violeta e ainda adicionando o vermelho. Sobre esta questão
é preciso realçar o suporte dado a Hirsch pela editora em relação
ao investimento em produção gráfica. Afinal, o número de cores
tem, ainda hoje, influência direta no custo de produção de uma
capa de livro. O designer Henrique Malzone, que iniciou sua
carreira em 1959, relembra o processo de impressão offset em
cores nas décadas de 1960 e 1970:
1. Conforme apontado pela Prof. Dra. Priscila Farias durante Exame de Qualificação
67
Antigamente (anos 1960, 1970), se não me engano a
melhor máquina de impressão era uma Holland
bicolor. Folha inteira, 66 x 96cm. Era o supra-sumo
das impressoras. De resto, acho que a maioria era a
Solna 125 Super, que rodava uma cor por vez. (...)No
caso de uma impressão de cinco cores, eram necessárias
cinco entradas de máquina. E nas cinco vezes era
preciso desmontar a máquina para lavar as peças e
2
então poder trocar de cor.
Desse modo pode-se imaginar a complexidade da produção
de uma capa como a do livro Quem Perde Ganha, de Graham
Greene, editado em 1960 (fig. 30).
Ainda sobre as cores, é interessante notar como Hirsch
as usava para destacar certos elementos da composição, como
o rosto de um personagem, por exemplo. Na capa de O Barco da
Morte, de 1963 (fig. 31), um rosto se sobressai do fundo escuro e frio
por meio de uma faixa de cor laranja que ilumina sua feição
apreensiva. Os rostos também eram realçados pela ausência da
cor, como em A Personalidade Neurótica do Nosso Tempo, de Karen
Horney, e É um Campo de Batalha, de Graham Greene, ambos de
1964 (fig. 32).
A fotografia passa a ser usada com maior freqüência, e quase
sempre em alto contraste, a partir de 1963 (fig. 33). No ano
seguinte torna-se frequente o uso de molduras ou fios que per-
correm as laterais da capa, ou de uma área da capa, destacando
ou delimitando melhor certos elementos (título e nome de autor,
por exemplo). A figura 34 agrupa alguns exemplos. Texturas com
riscos de lápis ou giz coloridos aparecem em certos volumes de
1965 (fig. 35).
2. Entrevista ao autor, março de 2009
68
2.2 - O intenso uso das condensadas: as escolhas tipográficas
Os tipos condensados são presença constante no conjunto aqui
analisado. Sua forma mais alongada tem proporções semelhan-
tes ao formato mais comum para os livros, permitindo a inserção
de mais texto em uma única linha, e oferecendo ao designer am-
plas possibilidades de composição. Permite inclusive que o texto
seja composto em seu sentido normal (horizontal) nas lombadas
dos livros mais volumosos. Nesse caso a leitura se torna mais con-
fortável, mas há uma perda em termos de visibilidade na estante,
que as letras precisam ter corpo pequeno para se ajustarem
à largura limitada. A vantagem, novamente, fica por conta da
ampliação das possibilidades de composição, bastante explora-
das por Hirsch nas lombadas e capas que desenhou (fig. 36).
Os tipos condensados aparecem na produção de Hirsch
tanto em corpos grandes, como títulos, como em textos pequenos
(geralmente a assinatura da editora). Olhando atentamente
algumas capas é possível notar que as letras em corpos maiores
tem formas mais irregulares, com variações no desenho, prova-
velmente decorrentes do desenho à mão. O depoimento de Clara
3
Pechansky , capista da Editora Globo nos anos 1960, ajuda
a compreender o processo de letreiramento da capa:
Eu desenhava o lettering sobre uma máscara feita com
chapa de raio-x (ficava azulada depois de limpa),
separada do original da capa, que já era apresentado
a 4 cores. As letras desenhadas à mão eram reprodu-
zidas em arte-final no departamento de desenho. Eles
tinham uma grande equipe para isso. O resto era
linotipo e depois fotolito.
3. Depoimento de Clara Pechansky ao autor, agosto de 2008.
69
O overlay era usado para retocar o título (eu, por
exemplo, criava o lettering do título à mão e enviava na
cor final, tudo pintado em guache. Indicava todas as
fontes menores, usando o catálogo de fontes da Livraria
do Globo).
O designer Henrique Malzone explica um pouco mais sobre
o trabalho com tipografia nos layouts da época, a partir da
escolha de uma fonte em um catálogo produzido pelos fornece-
dores de tipos:
Comprávamos uma folha de papel manteiga, íamos
para o catálogo de tipos e marcávamos a palavra toda.
Às vezes não era preciso escrever a palavra, mas íamos
marcando o tamanho da letra, para sabermos quanto
ia caber. Aí podíamos encomendar o tipo no tamanho
correto. Depois recebíamos uma prova impressa num
papel couchê de alta qualidade. Vinham sempre duas
cópias. (...) Depois você colocava um overlay,
uma folha de papel vegetal, onde se fazia todas as
observações, como a cor do título, por exemplo.
Marcava tudo direitinho e isso ia para o fotolito, que
fotografava essa arte, depois fazia a seleção de cores.
Na falta de originais das capas de Hirsch para serem
analisados, buscou-se depoimentos de profissionais atuantes no
mesmo período para se ter um parâmetro dos procedimentos
técnicos aos quais Hirsch poderia recorrer.
Em linhas de texto menores uma pequena variação nos
tipos sem serifa usados. Como exemplo temos uma versão con-
densada da Futura, um outro tipo de desenho bastante estreito,
muito próximo à Hanseatic, e uma News Gothic extra conden-
sada, como podemos ver nos detalhes apresentados nas figuras
37a, b e c, respectivamente.
70
35. Capas de Eugênio Hirsch
1965 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
36. Lombadas de livros. Eugênio Hirsch
1963 e 1964
Editora Civilização Brasileira
Dentre os tipos sem serifa, um foi largamente utilizado por
Hirsch, de 1962 a 1965 (identificado em 42 capas deste período).
Não tinha formas estreitas, como os outros. Pelo contrário, era
um tipo de largura expandida (extended), usado normalmente em
seu peso light, ou seja, de espessura reduzida. Um dos muitos
exemplos está em Filho do Homem, livro de Augusto Roa Bastos,
de 1965 (fig. 38).
Vale mencionar que a escolha dos tipos também era influ-
enciada por fatores práticos, como pela disponibilidade deles na
gráfica, por exemplo. A partir de 1964, quando a Companhia
Gráfica Lux era a principal impressora dos livros da Civilização,
começou a aparecer nas capas o tipo Futura Display (fig. 39).
Pode-se presumir, que o tipo o aparecia nos anos anteriores,
que tratava-se de uma fonte que não estava no catálogo dos
outros fornecedores.
Considerando a escolha de um tipo e seu uso em relação
ao conteúdo da obra, um dos melhores exemplos encontrados
na pesquisa é o do romance de Thomas G. Buchanan intitulado
Quem matou Kennedy?, de 1964 (fig. 40). Dentro de uma capa que
reúne luto e enigma em seu fundo negro predominante figura uma
imagem quase abstrata, lembrando um rosto humano desprovido
de traços de identificação, estabelecendo relação com o mistério
que envolveu os E.U.A. O texto se amolda ao clima enigmático.
Composto em tipos de máquinas de escrever, como se fosse
extraído dos arquivos de uma investigação, reserva-se ao rodapé
da capa, em tamanho discreto. O título da obra está quase oculto,
assim como continua oculta, para muitos, a identidade do assas-
sino do ex-presidente norte-americano. A colorização dos tipos
é pontual e precisa. A única aplicação do vermelho em toda
a capa está sobre a palavra “Quem”, reforçando a questão pro-
posta pela obra.
73
O modo como Hirsch utiliza a cor associada à tipografia
será analisada em mais detalhes no capítulo seguinte.
2.3 - Identidade visual e o design das coleções
Ao mesmo tempo em que o trabalho de Hirsch se guiava pela
busca do impacto visual, mais do que pelo conteúdo de cada livro
(HOMEM DE MELO, 2006, p. 62), seu amplo leque de recursos
visuais dava ao catálogo da Civilização a diversidade plástica de
que ele necessitava.
O nível de sistematização das capas criadas por Hirsch na
primeira metade da década de 1960 era pequeno, se o com-
pararmos, por exemplo, às capas da editora inglesa Penguin
Books produzidas no mesmo período. Tomemos como exemplo
três capas do designer Romek Marber para a série Penguin
Crime (fig. 41). O logotipo da editora está sempre posicionado
no canto superior direito da página. A cor predominante é
sempre o verde, cobrindo todo o fundo da capa, permitindo assim
que o branco do papel seja usado como uma terceira cor.
A segunda é o preto, usado para as fotos ou ilustrações, título do
livro e nome da editora. A cada elemento era atribuída uma área
fixa, seguindo o padrão estabelecido pela editora, o que tor-
nava suas publicações facilmente reconhecíveis.
Durante todo o período de Hirsch na Civilização, a assi-
natura da editora não seguiu um padrão único, alternando
posição na página, sentido de leitura e tipografia (fig. 42). Em
muitos casos seu nome nem sequer aparecia na capa. O logotipo
da editora foi criado apenas em 1966, pelo sucessor de Hirsch,
Marius Lauritzen Bern. Mesmo assim as capas da Civilização
74
37a, b e c. Alguns dos tipos condensados utilizados
por Hirsch no início dos anos 60
38.
1965 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
Capa de Eugênio Hirsch
b
a
c
39.
1965 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
Capa de Eugênio Hirsch
40.
Capa de Eugênio Hirsch
1965 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
41. Capas de Romek Marber,
1962,1963, 1964
Penguin Books
tinham uma identificação forte, e se destacavam nas prateleiras,
inclusive pelo fato das lombadas das publicações acompanharem
o design das capas, em vez de seguirem um padrão único (fig. 43).
O mérito da formação da identidade visual da Civilização
Brasileira é exatamente o sucesso em obter caráter único sem
recorrer apenas à padronização dos elementos. Era guiada pela
postura de enfrentamento e pela disposição do editor e do
designer de repensar os padrões. Assim como um diretor de arte
escolhe um fotógrafo ou ilustrador com estilo adequado à peça
que vai veicular, Ênio soube escolher um designer que traduzisse
a essência subjetiva de seu empreendimento. “Se o editor era o
catalisador da produção literária da esquerda brasileira, Eugênio
era a principal substância gráfica dela.” (FERNANDES, 2002, p. 02)
Para Chico Homem de Melo, “seria mais preciso incluir
Hirsch na estirpe dos artistas gráficos do que na dos designers”
(HOMEM DE MELO, 2006, p. 62). Mas, como veremos a seguir, há
uma parcela da produção de Hirsch que inclui a prática projetual
característica do design. Aliando conhecimento sensível ao
técnico, o designer precisa conciliar uma série de fatores envolvidos
na concepção de um produto ou peça gráfica: identidade visual,
função, adequação aos processos de fabricação ou de reprodução
seriada. Pode-se acrescentar à esta equação o gosto pessoal do
cliente que, como financiador do projeto, quer ver um resultado
que esteja a seu contento. No caso específico do “produto” livro,
sua função primordial é ser lido, mas também é preciso que ele
seja visto nas prateleiras das livrarias, e depois na estante da casa
do leitor. Cabe ao designer prever as situações de uso do objeto e
preparar seu desenho para que atravesse de modo eficiente as
4
etapas de impressão e acabamento, exposição e utilização .
77
4. Para compreender melhor a relação entre design e indústria editorial brasileira no período
aqui estudado é indicada a leitura de “Brochura Brasileira: Objeto sem Projeto”, de Ana
Luísa Escorel, publicado pela José Olympio em 1972.
O projeto editorial de Ênio Silveira compreendia a edição
de novos autores da literatura brasileira, da literatura estrangeira,
de pensadores destacados na área de sociologia, história e polí-
tica, além de teatro e poesia. Para organizar tal catálogo, dar uni-
dade e identidade que facilite a vida do público leitor, os títulos
com afinidade de gênero, estilo, assunto, podem ser agrupados
em coleções, algo comum no meio editorial. Este é um caso em
que o planejamento gráfico ajuda a equilibrar semelhança e indi-
vidualidade de maneira satisfatória. Em muitas coleções é neces-
sário que o primeiro volume já seja criado levando-se em consi-
deração os volumes subsequentes, de modo que todos formem
um conjunto coeso. Ao mesmo tempo é necessário um certo nível
de diferenciação entre cada livro.
Para algumas das coleções editadas pela Civilização Brasileira
foram criados layouts estruturais sobre os quais variavam-se os ele-
mentos necessários. No início dos anos 60 circulava a coleção
Aventura e Romance, na qual figuraram livros de Rafael Sabatini,
H. G. Wells e Edgar Wallace. A estrutura das capas era convenci-
onal, reservando um espaço fixo para a ilustração, contida em uma
moldura de formas geotricas (que se repetia no centro do roda
com o nome da coleção). Logo abaixo o título da obra em tipografia
sem serifa condensada e o nome do autor em uma didone bold
itálica (fig. 44).
Para a coleção Novelas Brasileiras (fig. 45), em 1964, Hirsch
utiliza um layout com destaque para a tipografia, criando uma
espécie de logotipo/ilustração, unindo as iniciais N e B em um
desenho que lembra uma marca de carimbo.
Em cada volume da coleção Novelas Brasileiras, a marca era
aplicada sobre um fundo colorido, vazado por uma área em
branco reservada ao número do volume dentro da coleção e à uma
78
43. Lombadas de livros
da Civilização Brasileira
42. Detalhes de capas da Civilização Brasileira
com diferentes assinaturas da editora.
44. Capas e lombadas de Eugênio Hirsch
1962 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
45. Capa de Eugênio Hirsch,
1964. 13x17cm
Editora Civilização Brasileira
46. Capa de Eugênio Hirsch, 1963.
Abaixo: capa, lombada e contra-capa.
Editora Civilização Brasileira
48. Contracapa de livro da Civilização Brasileira (esq.)
e de livro da BUP.
1963-64.
47. Capas de Eugênio Hirsch
1963
Editora Civilização Brasileira
ilustração relativa ao livro, além do nome da editora e do autor.
Logo abaixo se compunha o título da obra.
As coleções com estrutura mais fixa eram provavelmente
Poesia Hoje e Cadernos do Povo Brasileiro. Poesia Hoje tinha as grandes
iniciais “PH” ao topo, cruzadas pelo vôo de uma pomba, vazada
em branco, formando o logotipo da coleção. Os espaços para
as informações cambiantes eram bem delimitados e reduzidos,
o que talvez explique o destaque para o número do volume (fig. 46).
Os Cadernos, lançados em 1962, são outro sinal do compro-
metimento político de Ênio Silveira. Cada volume (foram 24 mais
4 edições extras), em formato de bolso com capa não plastificada,
trazia um ensaio sobre temas econômicos atuais e polêmicos.
Por essa coleção saíram, por exemplo, Que são as Ligas Camponesas?,
de Francisco Julião, que inaugurou a série; Como seria o Brasil
Socialista?, de Nestor de Holanda; O que é Reforma Agrária, de Paulo
R. Schilling; Por que os ricos não fazem greve?, de Álvaro Vieira Pinto,
que colaborou com Ênio na organização da coleção. No design
dos Cadernos predominava o lettering, com destaque para o nome
da coleção desenhada em letras de caráter simples, combinando
com o material editado (fig. 47). Cada capa indicava o número
do volume dentro de um círculo posicionado dentro da letra V,
mas o que mais diferenciava cada edição era a mudança das cores
na metade inferior dos livros.
A partir de 1963 Hirsch passa a fazer capas para edições
de bolso, no formato 10,5x17cm, em cujo topo lia-se BUP, abrevi-
atura de Biblioteca Universal Popular. As edições não levavam a assi-
natura da Civilização Brasileira na capa, nem na página de rosto,
mas em alguns volumes podia-se ver que os direitos de publica-
ção da obra pertenciam à editora de Ênio. O parentesco visual
também era perceptível, já que a coleção tinha o mesmo capista
83
e o mesmo estilo de diagramação da contracapa utilizados na
Civilização (fig. 48). Também eram impressos no mesmo lugar,
a Companhia Gráfica Lux.
A coleção era financiada pelo banqueiro José Luiz de
Magalhães Lins, creditado em todas edições. Na página de internet
oficial do banqueiro, encontra-se a confirmação da ligação entre
a BUP e a Civilização: “Ênio Silveira, dono da Editora Civilização
Brasileira, criou, em meados de 1963, uma coleção chamada
BUP (Biblioteca Universal Popular), financiada por José Luiz de
5
Magalhães Lins.” Os livros da coleção eram facilmente identi-
ficáveis, com um diagrama fixo, lombadas padronizadas e o logo-
tipo no topo, ocupando aproximadamente um quarto da altura
da capa. As três letras do logotipo foram desenhadas em um traço
contínuo e modulado. Dentro da letra “P”, um círculo indicava
à qual linha da coleção pertence o livro - Ficção Estrangeira,
Policial, Divulgação Científica, entre outros (fig. 49.1). Essa indi-
cação se mantinha nas lombadas, acima de outro círculo vazado
em branco contendo o número do volume dentro de cada linha
da coleção (fig. 49.2). Apesar das características permanentes
as capas da Biblioteca Universal Popular não eram repetitivas,
que a maior parte do espaço ficava livre para as experimentações
de Hirsch com tipografia, colagem e desenho.
84
Curiosidades - BUP - Biblioteca Universal Popular - disponível em
http://www.joseluizdemagalhaeslins.com.br/curiosidades/bup.htm - acesso em 21 de
setembro de 2008.
5.
49.2 Lombadas de algumas
edições da BUP, 1963.
Editora Civilização Brasileira
49.1 Edições da BUP
1963-64 - 10,5 x 17cm
Editora Civilização Brasileira
51. Capa de Eugênio Hirsch
1962 - 12 x 18cm
Editora Globo
52. Capa de Eugênio Hirsch
1961 - 12 x 18cm
Editora Globo
50. Capas de Clara Pechansky
1964 - 12 x 18cm
Editora Globo
2.4 - Hirsch na Editora Globo: A “revolução” se extende
Hirsch fez algumas capas para a Editora Globo, começando em
1961, quando a editora gaúcha havia ultrapassado a marca
de 2.000 títulos. A maioria dos trabalhos encontrados durante
esta pesquisa faz parte da Coleção Catavento, na qual foram
publicados mais de 75 títulos até 1964.
A principal capista dessa coleção era Clara Pechansky, que
fez cerca de sessenta capas para a Globo como freelancer. Clara
foi influenciada pelo estilo de Hirsch (fig. 50), mesmo sem saber,
à época, que ele também fez capas para a Globo. “Para mim, que
era uma guria de 20 anos na época, cada capa dele era uma fonte
6
de novidade.”
É interessante notar que Hirsch desfrutava na Globo da
mesma liberdade que lhe concedia Ênio Silveira na Civilização
Brasileira, que as características visuais de seu trabalho se
mantêm inalteradas. Estão os desenhos expressivos, a colagem
misturada ao desenho e, claro, a tipografia distorcida, recortada e
recriada, tendo como principal exemplo a capa do livro
de W. Somerset Maugham, O Mágico, de 1962 (fig. 51). Além do
desenho das letras bastante característico e mistura de cores e
pesos, vale notar a relação espacial do lettering com a ilustração
da capa. O sobrenome do autor serve de apoio para a figura femi-
nina, que abraça a letra “g”, projetando-a para frente e criando
uma vaga sensação de tridimensionalidade. Encontramos este
mesmo procedimento, menos evidente, em O Ministro da Morte,
de 1961, em que um policial aparece atrás da palavra “Ministro”,
mas seu cacetete se projeta à frente das letras (fig. 52).
6. Depoimento de Clara Pechansky ao autor, agosto de 2008.
87
As capas da Globo do início dos anos 60 demonstram que
o novo estilo de Hirsch foi absorvido com certa rapidez por parte
do mercado editorial. Pelo menos pelas editoras que tinham
tradição de qualidade gráfica nas capas. Podem ser também
o indicador de que o trabalho do austríaco possuía um apelo
comercial no qual valia a pena investir.
88
GEM
3
TI
POG
R
A
F
IA
CO
MO
IM
NAS CAPAS DE HIRSCH
53. Capa de Eugênio Hirsch
1963 - 10,5 x 17cm
Editora Civilização Brasileira
54. Capas de Eugênio Hirsch
1961 e 1963 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
Em um texto de 1932 intitulado The Cristal Globet, Beatrice Warde
defende que a tipografia jamais deveria se interpor entre o leitor
e o conteúdo do texto. “Type well used is invisible as type, just
as the perfect talking voice is the unnoticed vehicle for the
transmission of words, ideas” (WARDE, 1932, in McLEAN, 1995, p.
75). Os princípios que Warde defende para uma tipografia
“transparente” são muito relevantes para o texto no interior
de um livro, em que é necessária a imersão do leitor no conteúdo
apresentado. Nesta dissertação a tipografia é analisada dentro
de outra situação de leitura, que precede àquela do texto
principal, e onde a neutralidade dos tipos não é imprescindível.
Na concepção da capa do livro é preciso considerar fatores
externos ao conteúdo da obra, como por exemplo a necessidade
de atrair os leitores que percorrem uma livraria, influenciando-
os em sua decisão de compra. Para Chico Homem de Melo, um
dos motivos da busca de Hirsch pelo impacto visual é o empenho
na venda do livro. “Se pensarmos no tripé obra-design-público,
91
veremos que o trabalho de Hirsch hipertrofia o design para atin-
gir o público. Dos três, o menos contemplado é a obra. A capa
era concebida como um cartaz no ponto de venda” (HOMEM DE
MELO, 2006, p. 62). Neste contexto, o desenho tipográfico as-
sume novas funções. Além de legível, passa a ser visível. A seguir
são apresentadas diversas capas de Eugênio Hirsch onde as pro-
priedades visuais das letras são explicitadas.
Uma transformação dos tipos em imagem pode ser vista na
capa de Os Sete Enforcados, de L. N. Andreiev (fig. 53), feita em 1963
para a Biblioteca Universal Popular (BUP). O desenho da capa
mostra seis pessoas penduradas em um grande galho de árvore.
O sétimo enforcado é o título do livro, com o primeiro “O”
pendendo para o lado como a cabeça de um homem, e as letras
subsequentes formando seu tronco e membros. Neste caso o texto
é parte indissociável da ilustração. Este seria um dos exemplos
mais completos de integração texto e ilustração nas capas estu-
dadas. Porém, ao usar os tipos impressos para construção do
“título enforcado”, Hirsch provoca um distanciamento visual
entre os elementos. Os tipos sem serifa utilizados, com seu traçado
extremamente regular e contornos nítidos, guardam pouca rela-
ção com os traços rápidos e espontâneos que compõem a árvore
e os corpos vizinhos ao título. Outro estranhamento é provocado
pela dupla presença do título na capa.
Em outras capas, como as duas da figura 54, o desenho
particular de algumas letras ou o modo como uma palavra é
composta faz menção direta ao conteúdo do livro. Na primeira,
Duas Arquiteturas no Brasil, de Benjamin de Carvalho, de 1961,
a referência ao tema do livro se por meio de duas letras bastante
decoradas, contrapostas a duas letras de linha retas, sem orna-
1
mentos, em alusão às arquiteturas barroca e moderna .
92
1. Temas centrais da obra, como explica o texto de apresentação na orelha do livro.
A segunda capa, do livro Inflação e Monopólio no Brasil, de 1963, faz
alusão à subida dos preços causada pela inflação, compondo
a palavra em um movimento ascendente.
A Cidade de Cada Um (fig. 55), de 1963, alia ritmo e contraste
mesclando no mesmo título fontes de desenhos e tamanhos dife-
rentes, chamando atenção para a forma das letras. A fonte
ornamentada retorna, desta vez acompanhada por letras som-
breadas, uma serifada, outras de serifas quadradas e tipos estêncil.
É possível que essa diversidade tipográfica tenha sido motivada
pela quantidade de autores da obra, remetendo à multiplicidade
de visões de um mesmo tema. Ou pode ter tido como inspiração
a paisagem urbana da cidade do Rio de Janeiro, onde as edifica-
ções de diferentes épocas e se misturam aos morros e favelas, com-
pondo uma paisagem nada uniforme.
Em dois livros da escritora Adalgisa Nery editados pela José
Olympio (fig. 56), o desenho tipográfico chama atenção por
reafirmar visualmente o título do livro. No primeiro deles, o
título Neblina é cortado diversas vezes em toda sua extensão
horizontal e as tiras resultantes deslocadas de modo que a pala-
vra não seja vista com clareza. No segundo, pequenos frag-
mentos das letras que formam a palavra Erosão se desprendem,
como se sofressem o efeito daquilo que significam. Dessa forma
a imagem das letras, “transformada em ‘substância’ subcons-
ciente para o leitor, é elevada ao campo da consciência e do pic-
tórico (FRUTIGER, 2001, p. 162)”. É interessante notar que
as letras de Erosão precedem em duas décadas as fontes digitais
com esta aparência, denominadas por FARIAS como grunge, em
FARIAS, P.L. & PIQUEIRA, G. (org.), 2003.
Considerando que existe uma hierarquia dos elementos
presentes nas capas de Hirsch para a Civilização Brasileira e ente
93
Globo, percebe-se que o desenho ou fotografia normalmente
predominavam. Pelo espaço ocupado, posição na página e apli-
cação de cores, as fotos detinham o foco da atenção dentro da
capa. O mesmo foi observado nos diversos exemplares conce-
bidos por outros capistas e coletados durante a pesquisa. Este
capítulo se concentra na série de exceções em que a tipografia
toma da ilustração o lugar de destaque dentro da capa ou estabe-
lece uma relação de igualdade com ela. Na ausência de foto-
grafias ou desenhos na capa de O Ato e o Fato (fig. 57), de Carlos
Heitor Cony, os tipos se encarregam de criar impacto visual, por
suas grandes proporções e pela alternância de famílias e corpos
diferentes.
No entanto, mesmo com uma ilustração presente, a tipo-
grafia se sobrepõe pela dimensão e pelo tratamento gráfico dife-
renciado nas capas da coleção Novelas Brasileiras (fig. 58), par-
cialmente descritas no capítulo anterior. Ao desenho foram
reservados poucos centímetros, enquanto o logotipo da coleção
ocupa toda a metade superior da capa. Esse logotipo, em que
o N e o B dividem a mesma haste, lembra uma marca de carimbo
bastante ampliada, expondo as falhas no preenchimento das
letras. Este tipo de desenho tipográfico, em que os ruídos são
bem-vindos e adotados conscientemente como parte constitutiva
de uma linguagem plástica, se popularizaria durante a década de
1990, em meio a ascensão da tipografia digital. As formas
irregulares de cantos arredondados das letras de Hirsch lembram
levemente duas fontes representativas dos anos 1990: a Template
Gothic, 1990, criada por Barry Deck com base em uma placa de
lavanderia, e a Blur, 1992, de Neville Brody. (fig. 59).
No livro Os Tempos de Dillinger, (fig. 60) os tipos dominam
a composição. É interessante notar que os grandes tipos
94
55. Capa de Eugênio Hirsch
1963 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
57. Capa de Eugênio Hirsch
1964 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
56. Capas de Eugênio Hirsch
1972 - 14 x 21cm
Livraria José Olympio Editora
60. Capa de Eugênio Hirsch
1963 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
58. Capa de Eugênio Hirsch
1963 - 13 x 18cm
Biblioteca Universal Popular
59. As fontes Template Gothic,de Barry Deck
e Blur, de Neville Brody.
62. Capa de Eugênio Hirsch
1962 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
61. Capas de Eugênio Hirsch
1961 (esq.) e 1974 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira e Livraria José Olympio Editora
desconstruídos e inclinados em vários ângulos, que saltam aos
olhos, não são nem o título do livro nem o nome do autor. São
palavras típicas dos cartazes que ofereciam recompensas pela
captura de bandidos muito procurados, como Dillinger. Palavras
que nesta capa foram usadas primariamente como ilustração.
Em capas como Memórias de Lázaro, de 1961 e O Homem de
Macacão, 1974 (fig. 61) os caracteres chamam atenção pela
textura diferenciada que apresentam.
Em A Pele (fig. 62), de Curzio Malaparte, de 1962, nome do
livro e do autor serviram, em um primeiro momento, como base
geradora de uma outra imagem, mais pictórica que tipográfica.
Essa imagem evidencia a gestualidade e explora a plasticidade
do pincel e da tinta, levando a legibilidade ao limite e criando um
parentesco com o expressionismo abstrato. As informações se
repetem na base da página, desta vez em tipos legíveis, quase
como uma legenda para a imagem principal.
3. 1 - Características recorrentes
3.1.1 - O lettering pictórico
Assim como a capa de A Pele (fig. 62) está mais próxima da pintura
que da caligrafia, uma série de capas de Hirsch nas quais
o desenho das letras está mais para a escrita que para a tipografia.
Embora menos distorcidas que as do exemplo acima citado,
o interesse dessas letras reside na espontaneidade e não no vir-
tuosismo. São formas irregulares, que enfatizam o movimento
rápido da mão (fig. 63).
99
100
A forma manuscrita permite a Hirsch trabalhar com
liberdade o espaço entre as letras. Em O Grande Gatsby (fig. 64), de
1965, temos duas ocorrências interessantes no desenho do nome
do autor. No fim da primeira linha o segundo “T” de Scott se
abriga abaixo do primeiro T. O espaço vazio acima do “L
abriga a letra “D”. Em Cais, Saudade em Pedra (fig. 65), de Moacyr
C. Lopes, o “C.” ocupa o olhoda letra “R”.
Embora não tão expressivas em quantidade, as ocorrências
deste lettering pincelado são relevantes, já que foram raros
os paralelos encontrados no trabalho de outros capistas contem-
porâneos, como Clara Pechansky, Alceu Saldanha Coutinho,
Marianne Peretti e Marius Lauritzen Bern.
Além dos tipos pincelados, outros procedimentos relacio-
nados à tipografia são observados constantemente nas capas de
Hirsch. Eles estão mais relacionados a fatores externos à forma
dos caracteres, como o espaço entre letras e entre linhas, o sentido
de leitura e a posição dos tipos na página. Estes fatores também
são definidores da experiência do leitor e o modo como Hirsch
lidava com eles mostra como ele tratava os tipos com a mesma
importância que a ilustração.
3.1.2 - Posição dos tipos na página
Em O Gênio e a Deusa (fig. 66), a palavra “Gênio” se apóia sobre
as cabeças das duas figuras desenhadas na metade inferior
da composição. De encontro a elas vai também o nome do autor,
deixando vazia a metade superior da capa. O Fiel e a Pedra,
(fig. 67), segue a mesma solução, com o lettering sobreposto à
ilustração, concentrando os elementos principais em um mesmo
núcleo. Usando a mesma paleta de cores para as letras e para
a imagem, Hirsch amplia a integração desses elementos. Outra
composição com grande área livre e com o texto que se une ao
ponto focal da capa é a da capa de Os Desgarrados, (fig. 68) de
William Faulkner. Em O Colecionador (fig. 69), os caracteres
tipográficos seguem a ilustração em seu movimento para fora
do centro da página. O rosto atormentado de um personagem
masculino pintado de vermelho dirige o olhar para o canto
inferior esquerdo da capa, graças ao seu contraste intenso com
o fundo em azul e preto. Dessa forma, título e nome do autor,
apesar de compostos em corpos pequenos e colocados à mar-
gem esquerda da página, ocupam um ponto privilegiado da
composição.
3.1.3 O texto rotacionado
Talvez a mais recorrente característica da tipografia nas capas
de Hirsch, as linhas de texto ou palavras inclinadas o muito
presentes nas capas da Civilização Brasileira (40 ocorrências
dentro dos 170 exemplares analisados). A maior parte das capas
de 1959 e 1960 apresenta o nome do autor ou título do livro em
diagonal, como a da edição de 1960 de O Crepúsculo de um Romance
(fig. 70).
Em certos casos esse recurso provocava uma sensação de
quebra, pela inclinação de uma única linha ou palavra dentro
de um bloco de texto apoiado horizontalmente. Como em
Revolução e Contra-Revolução no Brasil (fig. 71).
Também há exemplos de múltiplas diagonais em uma
mesma capa, como em Industrialização e Desenvolvimento Social no
Brasil (fig. 72), em que cada linha tem um ângulo de rotação
diferente.
101
3.1.4 (Des)alinhamento
Em blocos de texto, o alinhamento é um modo de ordenação
tipográfica que auxilia o leitor a passar de uma linha à outra
de modo confortável para a leitura, ou ajuda o designer a conferir
harmonia a uma página. Nas capas de Santa Rosa vistas no
capítulo 1, por exemplo, as informações textuais eram dispostas
simetricamente ao eixo vertical. na capa de Hirsch para
As Portas da Percepção/O Céu e o Inferno (fig. 73), de Aldous Huxley,
desenhada por Hirsch em 1961, o logotipo da coleção Biblioteca
do Leitor Moderno está centralizado em relação à largura da
página, mas todas as linhas abaixo dele estão deslocadas para
a esquerda ou direita.
Em Breve História do Fascismo (fig. 74), título e nome do autor
são dispostos próximos à margem esquerda da página, mas cada
uma das cinco linhas mantém uma distância diferente em relação
à essa margem. A terceira linha, inclusive, composta apenas pela
preposição “do”, parece estar se deslocando em direção à margem
contrária.
Em Forno Engenho Cananéia (fig. 75), todos os elementos
principais estão centralizados entre si, porém deslocados do eixo
central da capa, criando uma tensão entre simetria e assimetria.
Em alguns casos o que determina a posição desalinhada
das palavras são os limites da figura central, como em Êste Lado
do Paraíso (fig. 76), em que os tipos contornam a cabeça e ombro
do personagem desenhado.
102
64. Capa de Eugênio Hirsch
1965 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
65. Capa de Eugênio Hirsch
1963 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
63. Capas de Eugênio Hirsch
1963 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
68. Capa de Eugênio Hirsch
1963 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
66. Capa de Eugênio Hirsch
1962 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
67. Capa de Eugênio Hirsch
1961 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
69. Capa de Eugênio Hirsch
1964 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
3.1.5 Combinação de famílias tipográficas diferentes
Revendo as figuras 66 e 75 percebe-se que o título do livro
e o nome do autor são compostos em fontes tipográficas bem
diferentes entre si. Essa mistura, comum no trabalho de Hirsch,
é acentuada em Berlim Ocidental: Ponta de Lança do Imperialismo
(fig. 77), em que os tipos variam muito em cada uma das três
linhas em que o título foi dividido. Os tipos sem serifa conden-
sados da primeira linha são seguidos por letras serifadas de eixo
vertical, na segunda linha, e por tipos bastante largos e espessos,
de serifas triangulares, na terceira linha.
3.1.6 - Sobreposição de caracteres.
Três capas do ano de 1965 (fig. 78) apresentam uma mesma
solução gráfica: a redução do espaço entre letras da mesma
palavra faz com que alguns caracteres se sobreponham. Nota-se
nos três exemplos que o espaçamento não é homogêneo, sendo
alguns caracteres escolhidos para se unirem a outros. No caso das
letras sobrepostas impressas em vermelho, criou-se um jogo de
profundidade e transparência, que, embora intercalados,
os caracteres continuam integralmente visíveis.
3.2 - O diversificado uso da cor
As capas analisadas a seguir foram impressas pelo sistema offset
(MARIZ, 2005), que tem como pigmentos básicos o ciano,
o magenta e o amarelo, adicionados do preto, que na indústria
105
gráfica se torna cor chave, melhorando o contraste de claridade
das imagens e compensando as impurezas dos pigmentos indus-
trializados (GUIMARÃES, 2004, p.75).
Em tipografia, quando nos referimos à “cor do texto”,
muitas vezes pretende-se falar sobre a qualidade da mancha
do bloco de texto na página. Isso porque a cor, ao contrário
da forma, não constitui um elemento estrutural de uma família
tipográfica, como a forma das serifas, a espessura das hastes,
as proporções entre altura e largura e o contraste grosso/fino,
por exemplo. O caractere Ade uma fonte Bodoni, impresso em
preto, continuará sendo um Bodoni se impresso em outra cor.
Mas, se forem alteradas suas serifas, tornando a espessura delas
igual à das hastes, ele perde sua identidade. Quando desenha
e projeta um alfabeto para reprodução, o type designer não o faz
para que ele seja, por exemplo, azul. A escolha das cores apli-
cadas às letras varia de acordo com cada projeto, e essa decisão
fica a cargo do designer gráfico que utilizará a fonte. Embora
possamos presumir que uma fonte tipográfica criada para com-
por textos em jornais será impressa com maior frequência em
preto sobre o papel branco, nada impede que o designer a use
em outros contextos cromáticos.
Nesta pesquisa foram identificadas diferentes situações
de utilização da cor relacionadas à tipografia. Para melhor orde-
nar a apresentação dos exemplos, estes foram agrupados em duas
categorias, descritas a seguir.
3.2.1 - A cor como invólucro do texto.
A tipografia pode se diferenciar através de áreas de cor que en-
volvem o texto (ou uma parte dele), destacando-o e separando-o
106
70. Capa de Eugênio Hirsch
1960 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
71. Capa de Eugênio Hirsch
1962 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
72. Capa de Eugênio Hirsch
1963 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
73. Capa de Eugênio Hirsch
1961 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
74. Capa de Eugênio Hirsch
1963 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
75. Capa de Eugênio Hirsch
1964 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
76. Capa de Eugênio Hirsch
1965 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
77. Capa de Eugênio Hirsch
1963 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
78. Capas de Eugênio Hirsch
1965 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
79. Capa de Eugênio Hirsch
1965 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
80. Capa de Eugênio Hirsch
1963. 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
82. Capa de Eugênio Hirsch
1965 - 14x21cm
Editora Civilização Brasileira
83. Capas de Eugênio Hirsch
1960 - 14x21cm
Editora Civilização Brasileira
81. Capas de Eugênio Hirsch
década de 1960 - 14x21cm
Editora Civilização Brasileira
do seu entorno. Em Lugar Público (fig. 79), de 1965, um retângulo
de cantos arredondados agrupa o título do livro e o nome do
autor, isolando-os do resto do conjunto. A vibração e lumino-
sidade do matiz vermelho, em contraposição ao fundo cinza e
roxo, traz o conjunto para a frente da composição e dirige o olhar
para este grupo de informação.
Situação semelhante vemos em Bela e Querida Inglaterra
(fig. 80), onde três áreas retangulares dividem cada grupo de
informação, destacando o nome do autor pelo contraste entre
o violeta e o fundo verde.
3.2.2 - A letra como invólucro da cor
Podemos considerar que uma capa de livro contém quase
sempre as seguintes informações em forma de texto: nome do
autor, título da obra, editora, número da edição e, eventual-
mente, uma chamada publicitária ou comentário sobre a obra.
Ao considerar-se, por exemplo, o “nome do autor” como um
grupo de informação, é possível dividí-lo no sub grupo “palavra”,
que por sua vez pode ser dividido em caracteres.
Normalmente a colorização das letras se aplica a um grupo
de informação completo. Por exemplo, se no grupo “nome de
autor”, temos três palavras, as três tendem a apresentar a mesma
cor (ou um mesmo tom acromático), reforçando assim o sentido
de grupo. A figura 81 traz dois exemplos.
Em alguns momentos, esses grupos são ligeiramente frag-
mentados através da cor, como em Balé Branco (fig. 82), onde cada
palavra do nome do autor, Carlos Heitor Cony, apresenta um
matiz diferente, assim como o título de Escritores Brasileiros
Contemporâneos (fig. 83).
111
Essa fragmentação dos grupos de informação é levada ao
extremo por Hirsch, ao colorir individualmente algumas letras
dentro de uma palavra ou frase, chamando atenção para um de-
talhe isolado dentro do grupo. Essa utilização da cor não tem
uma função evidente de auxílio à legibilidade ou criação de uma
hierarquia útil para o leitor. Aqui a cor se apropria dos tipos
como forma, evidenciando a si mesma e não a um conteúdo
textual. Uma série destas ocorrências é apresentada pela figura
84. Esta forma de uso da cor na tipografia foi considerada muito
relevante nesta pesquisa, também por sua raridade no trabalho
dos capistas contemporâneos a Hirsch. Dentre as centenas
de capas analisadas durante esta pesquisa, em apenas uma foi
encontrado procedimento idêntico: a capa de Maria Luiza
Campelo para Martim Lutero, da editora Vecchi. Nela vemos
a letra “T” em azul esverdeado, contrastando com o preto
das outras letras do título. O espaço entre o “T” e o “M” é trans-
formado em letra “I” ao ser preenchido com a cor marrom.
Esta capa é semelhante à de Hirsch para Os caminhos de casa,
de Odorico Tavares, como mostra a figura 85.
mais casos em que a aplicação de cor nos tipos não visa
a clareza de informação, mas é usada principalmente como
recurso visual ou simbólico. Em O Sinal Semafórico, de Lêdo
Ivo (figura 86), a aplicação de magenta no pingo do “i” do nome
Ivo cria um diálogo entre texto e ilustração através da cor,
trazendo parte do desenho da letra para o primeiro plano,
criando um contraponto e um equilíbrio com a massa de cor na
base da composição, também magenta. Tal colorização pode ser
lida como uma referência sutil ao título da obra, já que o ponto
do “i” se transforma em uma espécie de sinal luminoso sobre um
retângulo preto, algo próximo de um semáforo de trânsito
indicando “pare”, ou de um farol.
112
84. Acima, capas de Eugênio Hirsch
década de 1960 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
À esquerda: 1963 - 12 x 17,8cm
Editora Globo
85. Capas de
e Eugênio Hirsch (dir.)
década de 1960 - 14 x 21cm
Maria Luíza Campelo (esq.)
87. Capa de Eugênio Hirsch
1964 - 14 x 21cm
Editora Civilização Brasileira
86. Capa de Eugênio Hirsch
1972 - 14 x 21cm
Livraria José Olympio Editora
89. Capa de Eugênio Hirsch
1965. 14 x 21 cm
Editora Civilização Brasileira
88. Páginas internas da coleção
Museus do Mundo
Editora Codex
90. Capa de Eugênio Hirsch
1968. 24,5 x 31,2 cm
Editora Codex
Há situações em que o espaço vazio, ou “negativo”, de uma
letra delimita a área de cor. No livro do ensaísta Álvaro Lins,
O Relógio e o Quadrante (fig. 87), Hirsch cria uma composição
colorida utilizando a contraforma das letras e palavras. Espaços
que seriam vazios são preenchidos com cores, transformando-a
numa espécie de pintura abstrata geométrica e planificando a área
que seria ocupada por figura (texto) e fundo (branco do papel).
Essa planificação, porém, é relativa, já que a variação dos matizes
cria a sensação de distâncias diferentes.
3.3 - Intersecção texto e imagem na Coleção Museus do Mundo
Em 1965, após colaborações para a revista Playboy americana,
e um ano após ter realizado o projeto gráfico da revista Pif-Paf,
de Millôr Fernandes, Hirsch foi convidado pela editora Codex
para organizar uma coleção sobre os grandes museus do mundo.
Mudou-se então para Madri, onde ficou de 1965 a 1969, como
diretor artístico da coleção El Mundo de los Museos, que teve 36
volumes. Assessorado pelo crítico José Maria Moreno Galván e
pelo fotógrafo Mario Carrieri, Hirsch não criava apenas as capas
dos volumes, mas também todo seu interior.
As capas e documentos em cor eram impressas em papéis
especialmente fabricados para a coleção, como indicado na pá-
gina de créditos de cada fascículo. Precedendo as reproduções
das principais obras de cada acervo, via-se uma apresentação da
instituição, com sua história, uma reportagem fotográfica e um
quadro comparativo. Este mostrava o tamanho de uma pessoa
em relação à algumas das pinturas do acervo do museu em
questão. Havia também um índice de quadros, impresso em
117
papel rugoso, diferente do resto do miolo. Esse índice fornecia
uma visão geral do fascículo, com pequenas reproduções das
obras em tons de cinza e um comentário sobre cada uma (fig. 88).
Verifica-se nessa coleção um constante uso de uma quinta
cor de impressão, o pigmento dourado” ou “prata”. “Impres-
sionante que naquela época o Hirsch pesquisava materiais
como a tinta fosforecente”, comenta o designer João Baptista da
Costa Aguiar (cit. in LEON, 1991, p. 113). O uso desse recurso
confere um forte valor simbólico a capas de uma coleção dedi-
cada a apresentar preciosidades da história da arte mundial,
enfatizando a aura de nobreza que envolve os grandes museus.
Mas as experncias de Hirsch com as tintas especiais não se
iniciaram na Espanha e sim no Brasil, em 1965, como pode ser
constatado na capa de O Ventre (fig. 89), de Carlos Heitor Cony,
que possui impreso em tinta prata.
2
Para as capas de O Mundo dos Museus estavam disponíveis
imagens de boa qualidade de muitas das maiores obras de arte
de nossa história. Mas em diversas ocasiões não são elas que
ganham maior destaque nas capas, e sim o nome do museu ou da
cidade em que este se encontra. Ou seja, a tipografia é privilegiada
e comanda a composição. As pinturas estão sempre presentes,
mas constantemente recortadas, às vezes subjugadas pelas letras.
Na capa de Antiga Pinacoteca de Munique (fig. 90), o nome da
cidade ocupa toda a altura da capa, em enormes letras recortadas
e douradas, rotacionadas em 90°. A letra “Q” (curiosamente
desenhada sem cauda, parecendo um “O”) serve de moldura
para um detalhe da pintura A Batalha de Alexandre, de Albrecht
Altdorfer.
118
2. Os fascículos aqui descritos são da edição brasileira da coleção.
91. Capa de Eugênio Hirsch
1967. 24,5 x 31,2 cm
Editora Codex
92. Capa de Eugênio Hirsch
1967. 24,5 x 31,2 cm
Editora Codex
93. Capa de Eugênio Hirsch
1968. 24,5 x 31,2 cm
Editora Codex
94. Capa de Eugênio Hirsch
1968 - 24,5 x 31,2 cm
Editora Codex
95.
Capa de Eugênio Hirsch
1968 - 24,5 x 31,2 cm
Editora Codex
123
No volume dedicado ao Museu de Arte de Basiléia (fig. 91),
o retrato Hyeronimus Tschekkenbürlim é cortado ao meio de
maneira que o “S” de Basiléia se forma entre suas duas metades
afastadas. As demais letras foram construídas usando formas
geometrizadas, porém irregulares. As larguras das hastes variam,
e o primeiro “Item serifa enquanto o segundo não, sendo dese-
nhado junto ao “E numa espécie de ligadura. Assim como
o exemplo anterior, nesta capa o sentido de leitura da palavra foi
alterado para vertical.
Galeria da Academia de Veneza (fig. 92) mostra o nome da cidade
em letras bastante alongadas ocupando quase toda metade
superior da capa. As primeiras letras (V, E, N) se ligam umas
às outras, compar-tilhando serifas, enquanto o “N” divide sua
haste direita com a do segundo “E”. A pintura que ilustra a capa
aparece recortada entre a contraforma da letra “E”. Espelhado
vertical e horizontalmente, o detalhe da pintura se repete abaixo
de si, lembrando o reflexo de uma paisagem na água.
Para a Galeria Nacional de Londres (fig. 93), que ocupa dois
fascículos, Hirsch explora o limite da legibilidade. Um enorme
lettering toma conta da capa, deixando entrever no espaço interno
do “O”, detalhes de uma das pinturas do acervo. A referência
ao estilo psicodélico no desenho das letras distorcidas, sinuosas
e quase ilegíveis uniu em uma única peça a faceta mais institu-
cionalizada da cultura, preservada em museus, com uma pro-
dução visual underground da época, que corria à margem das
instituições.
A capa onde a tipografia tem maior peso, visualmente, é
a da Galeria de Pintura Dahlem (fig. 94). Não só pelo tamanho das
letras de hastes super espessas que compõem a palavra “Berlim”,
mas pela cor vermelha que as projeta à frente do fundo preto.
Um detalhe da pintura O Homem do Capacete Dourado, de
Rembrant van Rijn foi cuidadosamente posicionado entre as
letras “Le “I”, de modo que o guerreiro parece nos espiar através
da penumbra, por trás das letras.
Merece menção, por ser muito diferente dos exemplos
anteriores, a capa do volume dedicado ao Museu de Arte do Vaticano
(fig. 95). As interferências no espaço branco da capa são poucas,
reduzindo a quantidade de estímulos visuais ao mínimo neces-
sário. Além dos tipos serifados dourados que compõem o nome do
museu, apenas um brasão em relevo, sem aplicação de cor.
O conjunto é centralizado em relação aos eixos vertical e hori-
zontal. Assim como quem entra em uma igreja católica tende a agir
de maneira discreta, evitando ruídos que chamem atenção para si,
esta capa de Hirsch denota uma serenidade e solenidade incomuns
em seu trabalho, mas pertinentes ao livro em questão.
124
De volta ao Brasil:
JOSÉ OLYMPIO
e
C ompanhia
Editor a
Americana
4
96. Capas de Gian Calvi
1968 - 13 x 18cm
Livraria José Olympio Editora
97. Capas de Gian Calvi
1967 e 1968 - 14 x 21cm
Livraria José Olympio Editora
De volta ao Brasil, em 1970, Hirsch passa a trabalhar como
diretor de arte para a Livraria Editora José Olympio, para
a qual havia feito alguns trabalhos a partir de 1963. A José
Olympio a essa época se constituía como uma espécie de
patrimônio cultural do país. É reconhecida como editora que
sempre investiu nos autores nacionais, revelando muitos novos
talentos e dando suporte a outros consagrados. Em 1972,
de seus 146 títulos já lançados, 110 eram de autores brasileiros
(PAIXÃO, 1996, p. 84).
Sobre o aspecto gráfico de suas publicões, Mariz (2005)
escreve: “José Olympio foi um dos primeiros a investir de
maneira cuidadosa no acabamento de seus livros, contratando
o artista gráfico Tomás Santa Rosa para desenvolver projetos
gráficos e ilustrações.” Como visto no primeiro capítulo, Santa
Rosa é dono de um trabalho que marcou época, sendo até hoje
lembrado como um dos maiores capistas que nosso país já teve,
contribuindo para a renovação estética do livro nacional.
127
Hirsch, alguns anos depois, também protagonizaria uma
renovação, ainda mais radical, na editora Civilização Brasi-
leira, como vimos. Quando chegou à José Olympio, a “Casa”
(como a editora era chamada pelos escritores) já tinha con-
quistado sua sede própria, no bairro de Botafogo, na cidade
do Rio de Janeiro, inaugurada em novembro de 1964.
Um dos principais capistas da Casa, a partir de 1967
(quando Hirsch estava na Espanha), foi Gian Calvi, ilustrador
e designer, cio de Marius Lauritzen Bern no Estúdio Gráfico.
Calvi nasceu na Itália, em Bérgamo, e radicou-se no Brasil em
1949. O trabalho de Gian como capista esentre os mais inte-
ressantes da década de 1960, e em alguns momentos se difere
do trabalho de Hirsch, utilizando-se de uma construção mais
organizada e de uma composição tipogfica mais discreta.
Como exemplos desse tratamento temos o projeto gráfico para
algumas edições do autor escocês A. J. Cronin e para a Coleção
Cadeira de Balanço, composta por romances de crime e suspense
(figuras 96 e 97). Nessas últimas a tipografia varia pouquíssimo,
deixando o destaque para as colagens e fotos em alto contraste
que, aliadas a cores fortes em matizes saturados, garantem
o impacto visual.
Em matéria da revista Realidade, em 1967, o editor Geraldo
Pereira, filho de José Olympio, credita Gian como um dos res-
ponsáveis pelo sucesso de dois lançamentos da José Olympio
naquele ano, e afirma que “uma boa capa o promove, mas
uma capa ruim encalha um livro”. Ainda segundo a revista,
Pereira também achava que Eugênio Hirsch foi um marco na
indústria editorial brasileira. Entretanto, explica que a José
Olympio “não faz questão de marcar a editora, mas sim o livro,
individualmente(REALIDADE, 1967, p. 12).
Embora não fizesse queso de marcar um estilo único,
128
a editora acaba aproximando-se do visual estabelecido pela
Civilização Brasileira, já que, além de contratar Hirsch como
principal capista na primeira metade da década de 1970,
muitas capas de Gian Calvi tinham semelhaa com o trabalho
de Hirsch, como é visível em Verão dos Infiéis (fig. 98), de 1971 e
O Ôlho Vigilante (fig. 99), de 1967.
No romance de Dinah Silveira de Queiroz, temos uma
ilustração pintada junto a grandes tipos display compostos em
diagonal. o livro de Nabokov apresenta um grande olho
pairando acima da cabeça de um personagem, emoldurado
pela tipografia que percorre as laterais da capa. Os matizes
saturados e o intenso contraste se encarregam de ampliar o
impacto visual da pa. Como já visto, Hirsch era especialista
nesse tipo de impacto, esforçando-se para que suas imagens
atraíssem a atenção dos leitores nas livrarias. A seguir observa-
remos as caractesticas de seu trabalho na primeira metade da
década de 1970.
4.1 - A ilustração perde espaço
Muitas das capas que Hirsch desenhou para a Civilização
Brasileira tinham como caractestica compositiva uma grande
área “vazia”, não preenchida por texto nem desenhos, apenas
por uma cor predominante. Mas poucas vezes essa cor era
o branco. Dentro do conjunto de capas da Civilização Brasileira
analisados nesta pesquisa, apenas 10 volumes (de um universo
de 200) tem como fundo predominante o branco. Na maioria
eram usadas cores fortes como fundo. Já no período de 1970 a
1975, ocorre uma redução da paleta de cores nas capas. Pode-se
129
argumentar que isso resultou de restrições de investimento por
parte da editora, visto que o número de cores interfere dire-
tamente no custo de prodão da capa. Mas lembrando que
uma única cor basta para preencher a página por completo,
esse argumento o é suficiente para explicar outro detalhe:
a redução do número de cores vem acompanhada da redução
da área ocupada pelo pigmento. Comparando em números,
de uma amostragem de 74 livros da José Olympio, 19 possuem
o fundo branco. Em relação à utilização das cores, nota-se um
abrandamento, ou um amadurecimento, no próprio estilo de
Hirsch.
Enquanto o início do período na Civilização Brasileira foi
rico em desenhos, a estada de Hirsch na José Olympio nos anos
1970 gerou poucas ilustrações dele próprio.
Na capa de João Miguel (fig. 100), de 1973, o desenho que
aparece em detalhe é assinado por Penna, feito para a capa
da primeira edição do livro, de 1932 (pela Livraria Schmidt
Editora). Mais do que o desenho, os tipos ganham destaque
sobre o fundo branco, principalmente as letras do nome da
autora, alternando cores vibrantes num dinamismo cromático
que acompanha o ritmo de mudança de tamanho dos caracteres.
No projeto gráfico para a reedição das obras de José Lins
do Rego, que utiliza vasto espaço em branco, vemos uma mon-
tagem utilizando desenhos produzidos por Santa Rosa para
as edições anteriores das mesmas obras (fig. 101). Esses desenhos
são recortados e gradativamente ampliados dentro de três mol-
duras, lembrando um storyboard que simula enquadramentos
cinematográficos e movimentos de câmera.
Na capa de O Santo e a Porca e O Casamento Suspeitoso (fig. 102),
de 1974, peças de teatro escritas por Ariano Suassuna, o desenho
130
rodeado pelo texto é de Zélia Suassuna, cujo estilo se relaciona
com o universo regionalista presente no livro.
Nos livros da Civilização Brasileira Hirsch explicitava mais
sua habilidade de pintor e ilustrador. O que vemos nos exemplos
acima é um Hirsch mais próximo de um designer ou diretor de
arte, concatenando imagens cuja coesão não é dada pelo fato de
serem criadas pela mesma mão, mas por terem sido organizadas
pelo mesmo pensamento e pela mesma sensibilidade.
Voltando ao uso do branco, desta vez junto a grande
número de cores, temos a capa de Ninguém mata o arco-íris, de
1972, de José Cândido de Carvalho (fig. 103), que pode ser vista
de duas maneiras, ou em dois momentos. Com o livro fechado,
temos o nome do autor, sem o título, e a imagem principal na
horizontal. Se abrirmos o livro com as capas voltadas para nós,
o fundo colorido de arco-íris se transforma em um círculo, em
cujo centro, na lombada, está o tulo do livro. Ao redor do arco-
íris desfilam caricaturas de personalidades brasileiras – de
autoria de Appe – que partem da máquina de escrever de Jo
Cândido. Rotacionando noventa graus o livro aberto, a capa se
transforma em um pequeno cartaz em cuja base está a foto
do autor, sobre a qual se apoiam os demais elementos da com-
posição, com o título no topo, composto de maneira a acom-
panhar o movimento circular do arco-íris.
É um caso raro em que capa, contracapa e lombada são
desenhadas em conjunto. A relação entre as capas e as lom-
badas, um dos destaques no período de Hirsch na Civilizão
Brasileira, o era muito rica na LJOE, já que as lombadas
costumavam seguir uma composição tipográfica uniforme em
quase todos os livros da editora e a quarta capa destinava-se
a apresentação do livro ou a algum tipo de informe da editora.
131
Em 1972, a José Olympio adquire a editora Sabiá, criada
em 1966 pelos escritores Fernando Sabino e Rubem Braga.
Para a Sabiá, Hirsch teve algumas oportunidades de explorar
todo o espaço da capa, como em Cidade Sitiada (fig. 104), de
Clarice Lispector. Em uma foto de altíssimo contraste que
lembra um tipo de tela/grade com orifícios circulares, peque-
nos rostos aparecem de maneira difusa. Próximo a alguns dos
rostos há uma composição com triângulos coloridos, cuja
transparência leveza aos elementos. Título e nome da autora
integram-se aos trngulos não só através da cor, mas também
por conter o mesmo peso, em raro momento em que a tipogra-
fia de Hirsch se vale da discrição, dentro de uma capa que
chama ateão pela riqueza tmica.
A identificação dos tipos utilizados nas capas da José
Olympio foi facilitado graças à análise de um catálogo da em-
presa Letraset, editado em 1973. A Letraset Limited foi fun-
dada pelo inglês Dai Davies, que em 1961 patenteou o sistema
de letras transferíveis a seco. “No sistema Letraset, o próprio
designer decalcava as letras diretamente sobre o papel, com
a possibilidade de editar espaçamentos e alinhamentos, sem
as restrões dos sistemas convencionais.” (ROCHA, 2003, p. 32)
Segundo texto do catálogo: A Letraset do Brasil estabele-
ceu-se em 1968 com a finalidade de facilitar o acesso de
Letraset ‘Caracteres Instantâneos’ aos artistas, desenhistas,
engenheiros, arquitetos, designers, impressores e educadores
brasileiros(LETRASET, 1973, p. 5).
A Letraset oferecia tipos em corpos grandes, de modo que
o designer podia compor tulos sem ter que desenhá-los à mão.
Outro reflexo da penetração da Letraset no mercado é observa-
do na maior frequência de utilização de tipos display, o que fica
132
nítido nas capas de Hirsch a partir de 1971. Além da Futura
Display, que Hirsch usava nas capas da Civilização Brasileira
e que lhe serviu de base para o design das capas de José Lins do
Rego, outros dois tipos caem nas gras de Eugênio. A Stop, de
Aldo Novarese e a Zipper, de Phillip Kelly (fig. 105).
Ao contrário das fontes mais usadas na Civilização, mais
neutras, estas duas tem desenho muito caractestico e podem
concorrer com a imagem principal ou com outra família tipo-
gráfica presente na mesma página. Tendo sido muito usadas no
período de seu lançamento, hoje podem parecer datadas, como
se a simples presença delas remetesse aos anos 1970 ou co-
meço dos anos 1980.
Olhando atentamente a capa de O Retrato na Gaveta (1974),
de Otto Lara Resende, pode causar um certo estranhamento
a mistura do desenho irregular, de traço vibrante e caricatural,
com as formas retilíneas do tipo Stop (fig. 106). Este mesmo
contraste aparece anteriormente em Antes do Baile Verde (fig.
107), de 1971. O compromisso com o impacto visual, nessas
duas edições, parece suplantar a adequação ao tema da obra ou
estilo do autor, pelo menos no que diz respeito à escolha
tipogfica.
Os tipos display tornam mais complicada a mistura de
tipos, prática constante no trabalho de Hirsch. Em capas com
desenho mais carregado, unir dois tipos display diferentes pode
provocar um excesso de estímulos visuais conflitantes. Em
O Ser Assassino (fig. 108), de 1973, a Futura Display e a Zipper
concorrem com um magenta luminoso, diagonais abundantes,
retículas e uma ilustração rica em cores e detalhes mas pobre
em desenvoltura de traço. Não fosse o tamanho dos caracteres
do tulo, elemento com hierarquia melhor definida, nosso
133
olhar poderia vagar pela página sem se fixar em ponto algum,
sem conseguir “lera capa.
Além do acesso aos tipos display, o sistema Letraset
também facilitava alguns efeitos especiais. Na página 7 (fig. 14)
do catálogo mencionado acima é descrito um método em que
os tulos foram “transferidos sobre um acetato o qual foi ondu-
lado antes de ser fotografado(LETRASET, 1973, p. 07).
Em Casa Grande & Senzala 1975, vemos um
efeito semelhante, em que a manipulação dos caracteres pro-
jeta o título para a frente, causando a sensação de expansão,
ampliada pelo uso do vermelho.
Apesar das mudanças mencionadas, há muitas carac-
terísticas do uso dos tipos por Hirsch que se mantém vivas nas
capas da José Olympio. A sobreposição de caracteres, frequente
a partir de 1965, pode ser vista em Finisterra (fig. 111), de 1972,
e no título de A Bagaceira, também de 1972, de maneira bem
evidente nos pares “CEe “RA(fig. 112). A Bagaceira mostra
também a desconstrução da sequência de leitura, presente em
outros poucos trabalhos de Eugênio, com o tulo do livro se
interpondo entre nome e sobrenome do autor, embaralhando
as informações textuais, que precisam ser decifradas posteri-
ormente à leitura inicial. O que torna a composição inteligível é
a diferencião das informações através da cor, graças à apli-
cação do ciano no nome do autor. Este é também o único
exemplar da José Olympio, dentre os coletados na pesquisa, em
que aparece ao fundo a textura “rabiscada”, muito usada na
Civilização Brasileira nos anos de 1964 e 1965.
Outra caractestica mantida é a rotação da linha de base,
como em Ciranda de Pedra (fig. 113), de 1974, em que as linhas se
inclinam em três ângulos diferentes. Tanto em Ciranda de Pedra
(fig. 110), de
134
98. Capa de Gian Calvi
1971 - 14 x 21cm
Livraria José Olympio Editora
99. Capa de Gian Calvi
1967 - 14 x 21cm
Livraria José Olympio Editora
100. Capa de Eugênio Hirsch
1974 - 13 x 18cm
Livraria José Olympio Editora
101. Capas de Eugênio Hirsch
década de 1970 - 13 x 18cm
Livraria José Olympio Editora
102. Capa de Eugênio Hirsch
1974 - 13 x 18cm
Livraria José Olympio Editora
103. Quarta capa, lombada e capa de Eugênio Hirsch
1972 - 14 x 21cm
Livraria José Olympio Editora
104. Quarta capa, lombada e capa de Eugênio Hirsch
1972 - 14 x 21cm
Livraria José Olympio Editora
quanto em Finisterra temos também a colorização diferenciada
de letras dentro de uma mesma palavra, procedimento bastante
caractestico do trabalho de Hirsch, detalhado no capítulo
anterior.
O lettering pictórico, gestual, mais presente nos anos 60,
quase some na década de 70. O único exemplo presente no
conjunto analisado es em Castro Alves (fig. 114), biografia escrita
por Pedro Calmon para a Coleção Documentos Brasileiros.
A dimensão das letras e seu aspecto irregular dão a elas o
mesmo (ou maior) impacto que as imagens da metade inferior
da capa, mesmo coloridas.
Nesta mesma capa, observamos também a continuidade
de outro aspecto da tipografia no trabalho de Hirsch. O alinha-
mento entre as linhas de texto e a ilustração não é uniforme.
Em uma capa com simetria um tanto fora do comum no tra-
balho obra estudado, quase todos os elementos eso alinhados
ao centro. O nome do autor porém, desloca-se à direita, adi-
cionando um pequeno ruído à composição.
Esse tipo de ruído é constante na obra de Hirsch, que usava
composições assimétricas com linhas de texto desalinhadas
entre si. Eram raros os casos em que texto e imagem eram
dispostos simetricamente ao eixo vertical da gina. Nesse
sentido vale notar duas exceções, caracterizadas pela simetria:
Outra Terra, Outro Mar e Ninho de Cobras (fig. 115). Na primeira
nota-se que mesmo as pinceladas coloridas ao fundo do título
são simétricas. Na segunda, além do texto centralizado temos
também uma imagem com lado esquerdo e direito quase
idênticos, espelhados. A bria capa de As Impurezas do Branco, de
Carlos Drummond de Andrade, de 1973 (fig. 116), é a mais
evidente exceção em meio ao conjunto da obra estudada.
139
Tipografia e “ilustração” se sucedem centralizados, sem
rotação nem efeitos visuais, contrapondo-se à menção de
“impurezas” no tulo.
Em 1974, a editora, que já alguns anos vinha enfren-
tando problemas financeiros, tem seu controle acionário pas-
sado para o BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico. O único reflexo direto de tal mudaa percebido
durante a pesquisa foi a redão de formato e a supreso
das orelhas dos livros, em algumas reedições por cerca de 1975.
4.2 - As capas para a Companhia Editora Americana
Nos trabalhos para a JoOlympio, uma das caractesticas
do trabalho de Hirsch foi suprimida. Os nus femininos que ele
tanto gostava de desenhar eram vetados pelo editor (LEON,
1991, p. 113). Os nus retornam em 1974, em algumas capas para
a Companhia Editora Americana (CEA), de o Paulo.
Boy (fig. 117), de Christine de Ryvoire, retoma um proce-
dimento utilizado em capas para a Civilização Brasileira e
Globo, dez anos antes: a interação direta da figura humana
com a tipografia. Através de montagem fotográfica, uma jovem
nua deita-se sobre o título do livro, “abraçando” um pedo da
letra “Y”. Sobre a foto da garota se aia o nome da autora, em
diagonal que se harmoniza com a linha da perna direita. Todo
esse conjunto se apóia sobre outra montagem, desta vez uma
figura masculina com estranhos óculos, cujas lentes o
iluminadas pelo branco, chamando atenção para um detalhe
ao mesmo tempo cômico e perturbador.
140
105. Os tipos Futura Display e Zipper, como aparecem
no catálogo da Letraset, 1973.
106 e 107. Capas de Eugênio Hirsch usando o tipo Stop
1974 e 1971 - 14x21cm
108. Capa de Eugênio Hirsch
1973 - 14x21cm
Livraria José Olympio Editora
109. Detalhe de Catálogo da Letraset
1973
110.
1975 - 14x21cm
Livraria José Olympio Editora
Capa de Eugênio Hirsch
111. Capa de Eugênio Hirsch
1972 - 14x21cm
Livraria José Olympio Editora
112. Capa de Eugênio Hirsch
1972 - 13x18 cm
Livraria José Olympio Editora
113.
1974 - 13x18cm
Livraria José Olympio Editora
Capa de Eugênio Hirsch
114. Capa de Eugênio Hirsch
1973 - 14x21cm
Livraria José Olympio Editora
116.
1973 - 14x21cm
Livraria José Olympio Editora
Capas de Eugênio Hirsch
115. Capas de Eugênio Hirsch
1974 e 1973 - 14x21cm
Livraria José Olympio Editora
1. Identificada no catálogo da Letraset sob o nome Prisma.
145
Todos os elementos principais se agrupam num único
núcleo visual, uma espécie de totem, deixando livre quase toda
a metade superior da capa. Desta vez o tipo Stop es bem
integrado ao conjunto, até pela aplicação nas letras da mesma
textura granulada das fotos.
Projeto para uma Revolução em Nova-Iorque (fig. 118), de 1974,
mantém o mesmo fundo laranja de Boy, com o título em tipo
1
display extremamente gráfico , com entreletra negativa, mais
visível na palavra “Nova”. A imagem central é novamente uma
mulher nua, cuja foto se mescla com os arranha-céus e a figura
masculina em uma montagem fotográfica.
Biografia de um Louco (fig. 119), de José Alcides Pinto, traz
o nome de Eugênio Hirsch entre as dedicatórias. Como as outras
capas da CEA, esta também usa fotografia como imagem prin-
cipal, mas inclui traços feitos à mão, tanto nos riscos coloridos
sobre a imagem da mulher, gigante em relação ao homem,
como nas letras manuscritas no tulo da obra. Nota-se que
o acento no nome do autor é desenhado à parte, como feito
muitas vezes anteriormente, em traço fino e retilíneo sem rela-
ção com a espessura dos caracteres, em tamanho exagerado,
tornando-se mais um elemento gráfico do que ortogfico.
As capas da CEA mostram uma maior penetração da foto-
grafia, que gradativamente foi ocupando mais espaço nas capas
de Hirsch. Se na década de 1960 as fotos eram usadas em alto
contraste, de maneira próxima de um desenho, nos anos 1970
ela é “assumida” como fotografia, ainda em preto e branco mas
com mais gradações tonais nos cinzas e eventualmente repro-
duzidas em cores.
Essas capas (e também aquelas feitas para a JoOlympio)
demonstram também que, mesmo trabalhando para clientes
com linhas editoriais distintas, em condições econômicas diver-
sas, existe uma continuidade no estilo de Hirsch.
146
117. Capa de Eugênio Hirsch
1975 - 14x21cm
Companhia Editora Americana
119. Capa de Eugênio Hirsch
1974 - 14x21cm
Companhia Editora Americana
118. Capa de Eugênio Hirsch
1975 - 14x21cm
Companhia Editora Americana
Considerações finais
As capas desenhadas por Eugênio Hirsch refletem sua busca pelo
impacto visual, numa abordagem ousada e autoral. Quase todos os
elementos das capas foram explorados por ele. Entre as ilustrações,
encontramos desde caricaturas e desenhos de nus até pinturas
abstratas. No caso das fotos, algumas eram usadas em contraste
máximo, perdendo quase toda sua referência ao modelo original,
outras eram cortadas e remontadas, alterando seu efeito e ganhando
um novo significado, ou ainda, misturavam-se a um desenho feito à
mão, gerando uma forma híbrida.
É preciso também mencionar a quebra do diagrama típico das
capas de livros, constituído pelas informações dispostas em sequên-
cia, centralizadas em relação ao eixo vertical da página. A quebra
desse diagrama ocorria antes da chegada de Hirsch ao Brasil. Mas,
foi na Civilização Brasileira que Ênio Silveira e Eugênio Hirsch
pavimentaram o caminho aberto anteriormente por outros
151
capistas, fazendo com que as capas totalmente ilustradas fossem
a regra e não a exceção na editora. Essa atitude, contestadora a prin-
cípio, agradou o crescente público universitário e, ao tornar-se co-
mercialmente interessante, foi absorvida por outras editoras no
decorrer da década de 1960. Isso foi constatado durante a pesquisa,
por exemplo, nas brochuras de editoras como Fulgor, Edameris,
Record e Vecchi. Editoras com maior tradição na apresentação grá-
fica de seus livros, como a José Olympio e a Globo, também enco-
mendaram alguns trabalhos a Hirsch (ainda no começo dos anos
1960), atestando o valor da linguagem visual desenvolvida pelo
austríaco. A real influência dessa linguagem no trabalho de outros
capistas do período ainda precisa ser estudada em maior profun-
didade, podendo servir de base para futuras pesquisas.
A análise das capas posteriores ao primeiro período de Hirsch
na Civilização Brasileira (ele volta a trabalhar para a Editora de Ênio
Silveira a partir de 1978), confirma que existe uma continuidade em
seu estilo, perceptível principalmente pelo modo como ele utilizava
e posicionava as letras na página. Ainda que em muitos casos não
se perceba relação entre a escolha dos tipos e o conteúdo do livro, é
possível observar que eles se integravam com a ilustração, num
esforço para que a capa fosse resolvida como um todo.
Hirsch tratava os tipos como imagem e portanto não via pro-
blemas em manipulá-los livremente, como a uma fotografia. Nas
mãos de Hirsch, a tipografia sofreu quase todo tipo de alteração
possível nos diversos aspectos de sua estrutura, como o desenho dos
caracteres, entrelinha e entreletra, alinhamento, linha de base, além
da alternância de tipos diferentes em uma mesma frase. Além de tudo
isso temos a peculiar cromatização das letras, característica muito
particular do trabalho de Hirsch.
Fica claro que o foco de Hirsch ao usar os tipos não era a legibi-
lidade. Seria insuficiente julgar seu trabalho por parâmetros de efici-
ência na transmissão do conteúdo textual. Para considerar a tipo-
152
grafia importante em suas capas, é preciso considerar que a letra
desenhada, se reconhecida como forma, tem seu próprio conteúdo
objetivo e subjetivo. A própria negação de alguns cânones de legibili-
dade estabelece por si mesma, como atitude, um tipo de comuni-
cação, não ligada à ordenação dos signos verbais.
Embora também se utilizasse dos tipos de maneira até certo
ponto convencional em alguns casos, é a independência em relação
aos padrões e a abertura de novas possibilidades que torna o trabalho
de Hirsch relevante para a história do design gráfico brasileiro.
153
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ROCHA, Claudio. Projeto Tipográfico: Análise e produção de
fontes digitais. 2 ed. São Paulo: Edições Rosari, 2003b.
O formato deste volume partiu da iniciativa de acres-
centar à dissertação uma experiência prática rele-
vante e coerente com o tema abordado. Assim, foram
produzidas brochuras no formato 14 x 21cm, simu-
lando os livros para os quais foi criada a maior parte
das capas de Eugênio Hirsch.
Foi desenhada uma capa diferente para cada membro
da banca. Todas reproduzem algumas das caracterís-
ticas da utilização dos tipos no trabalho de Eugênio
Hirsch, como apontadas no texto. O mesmo proce-
dimento foi utilizado nas páginas que abrem cada
capítulo desta dissertação.
A diagramação do texto teve como referência um dos
livros estudados, A Outra América: Pobreza nos Estados
Unidos, editado em 1965 pela Civilização Brasileira.
Mestrado em Artes
Julio Giacomelli
INSTITUTO DE ARTES DA UNICAMP
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