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III
Camila Ferreira Silva
Processo de criação:
improvisação como caminho
para a composição coreográfica
Dissertação apresentada ao Instituto de Artes,
da Universidade Estadual de Campinas,
como parte dos requisitos necessários para
obtenção do Título de Mestre em Artes.
Orientadora: Profa. Dra. Antonieta Marília de Oswald de Andrade.
Campinas
2009
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IV
FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA
BIBLIOTECA DO INSTITUTO DE ARTES DA UNICAMP
Título em inglês: “Creative Process: improvisation as a path to coreographic
composition.”
Palavras-chave em inglês (Keywords): Dance; Creative process; Improvisation ;
Coreographic composition.
Titulação: Mestre em Artes.
Banca examinadora:
Profª. Drª. Antonieta
Profª. Drª. Verônica Fabrini Machado de Almeida.
Marília de Oswald de Andrade.
Profª. Drª. Juliana Schiel.
Prof. Dr. Jorge Luiz Schroeder.
Prof. Dr. Fernando Antonio Pinheiro Villar de Queiroz.
Data da Defesa: 28-08-2009
Programa de Pós-Graduação: Artes.
Silva, Camila Ferreira.
Si38p Processo de Criação: improvisação como caminho para a
composição coreográfica. / Camila Ferreira Silva. – Campinas,
SP: [s.n.], 2009.
Orientador: Profª. Dra. Antonieta
Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas,
Marília de Oswald de
Andrade.
Instituto de Artes.
1. Dança. 2. Processo de criação. 3. Improvisaçã
o.
4. Composição coreográfica. I. Andrade, Antonieta
(em/ia
)
Marília de
Oswald de. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de
Artes. III. Título.
ads:
V
VI
VII
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora, Professora Doutora Marília de Andrade;
Aos amigos e artistas, Dora de Andrade, Daniel Ruiz, Carla Stank,
Anik Meijer-Werner e Luiz Mendonça;
À Regina Miranda, pela parceria e confiança;
A toda a equipe do Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro;
À Maria Alice Poppe; generosidade e grandeza à primeira vista;
Ao Mario Sérgio Medeiros pela arte da direção e da educação;
A todos professores do Mestrado em Artes;
À Verônica Fabrini, pelos detalhes, pela poética;
Ao Renato Ferracinni pelas excelentes aulas e conversas, pela gentileza...
À Juliana Schiel, pelo carinho e atenção;
A todos os amigos de Barão Geraldo e companheiros do mestrado;
À Ariana Lorenzino, pela sensibilidade;
À Karla Wanderley, pela assessoria;
À Maria, Carol, pelo apoio técnico, produção, filmagem, hospedagem, pela amizade;
À Ana Clara Cabral Amaral, pela constante e consistente parceria de muito tempo...
por tudo...
Aos meus pais, Edith e Estevam;
Aos meus irmãos, Thalia e Tevico;
Ao super Esper.
IX
RESUMO
Esta dissertação observa, descreve e analisa o processo de criação do
espetáculo Acasos e suas transformações no período entre os anos de 2004 e 2009. A
estratégia para a criação deste trabalho foi a improvisação como exercício de
articulação de idéias-movimento, quebra de padrões mecânicos, re-locação de idéias
em outros contextos. Um recurso técnico, instigador e produtor de material cênico que a
posteriori é organizado em Composição Coreográfica.
Palavras-chave: Dança, Processo de Criação, Improvisação, Composição Coreográfica
X
XI
ABSTRACT
This research observes, describes and analyzes the process of creating the show
"Acasos" and its transformations in the period between 2004 and 2009. The strategy for
this work creation was the improvisation as a path of ideas-movement articulation,
breakdown of mechanical patterns, release of ideas in other contexts. A technical
resource, instigator and producer of theatrical material that is organized a posteriori in
Choreography Composition.
Key-words: dance, choreography composition, improvisation, choreography
composition.
XII
SUMÁRIO
Introdução ................................................................................................. 01
Capítulo I - Processo de Criação .............................................................. 05
1.1 - Alguns conceitos articulados durante o processo .............................. 05
1.2 - Incentivo para a produção de dança no Rio de Janeiro ..................... 11
Capítulo II Trabalho Corporal ................................................................ 17
2.1 Influências mais fortes ....................................................................... 17
2.2 Improvisação ...................................................................................... 24
Capítulo III Composição Coreográfica ................................................. 31
Capítulo IV Ferramentas para Análise .................................................. 39
4.1 - Sistema Laban de Movimento ............................................................. 39
4.2 - Coreologia Valerie Preston-Dunlop .................................................. 43
4.3 - Jacqueline Smith-Artaud .................................................................... 46
Capítulo V O Processo de Criação Acasos, análise descritiva ......... 51
5.1 Ao Acaso... O contexto 1 ................................................................ 51
5.1.a - Fases na construção coreográfica .................................................... 54
5.1.b - Observações ..................................................................................... 57
5.2 Desdobramentos em Acasos O contexto 2 ..................................... 58
5.2.a - Fases na reconstrução coreográfica ................................................. 59
5.2.b - Observações .................................................................................... 60
5.3 Descrição Analítica das cenas ........................................................... 62
5.4 Outros Arranjos .................................................................................. 71
5.4.a - Descrição de propostas de trabalho para as cenas e suas
respectivas interferências na composição ................................................. 73
5.4.bObservações .................................................................................... 76
Capítulo VI Análises e Considerações Finais........................................ 77
Bibliografia .................................................................................................. 85
1
INTRODUÇÃO
Uma pesquisa...
Tantos caminhos visitados
E o papel...
Ah! O papel...
ele e seu formato.
Esta dissertação observa, descreve e analisa o processo de criação do
espetáculo Acasos e suas transformações no período de quatro anos e meio, entre
2004 e 2009. A estratégia para a criação destes trabalhos foi a improvisação, como
exercício de articulação de idéias-movimento, quebra de padrões mecânicos, re-
locação de idéias em outros contextos, tudo isso sobre a hegemonia da poesia, no
corpo, na voz e no espaço.
A improvisação foi utilizada nesta pesquisa, como caminho para a composição
coreográfica, ou seja, durante o processo de criação fiz laboratórios de improvisação e
das muitas idéias-movimento que são produzidas, algumas se destacam. Estas são
deslocadas do fluxo em que acontece um improviso e trabalhadas separadamente sob
questões coreográficas: ritmos, espaço, velocidade, peso, etc. Assim, do trabalho com a
improvisação emergiu movimentos, textos, esboços de cenas que posteriormente,
foram elaborados para se formatarem em composição coreográfica.
Como linha de pesquisa, a improvisação possui muitas vertentes e procurei
trabalhar portanto, com as minhas referências no assunto, as adquiridas durante a
graduação em Dança na Universidade Estadual de Campinas, Unicamp, com os
professores Drs. Inaycira Falcão, Marília de Andrade, Holly Cavrel, Graziela Rodrigues,
entre outros, até a experiência com outros profissionais, no Rio de Janeiro, tais como:
Andrea Jabor, Denise Stutz, Cristina Moura, Regina Miranda, Luiz Mendonça e muitos
outros que estavam presentes durante o período de criação do espetáculo Acasos.
A pesquisa permeia também, os assuntos que circundam a criação de um
espetáculo: as fases do processo de criação (concepção, elaboração e repetição, estes
relacionados diretamente a prática do espetáculo) e os processos de produção básicos
2
necessários a circulação do espetáculo ( liberações de som e de texto, montagem
técnica, divulgação, espaço para apresentações, etc).
O contexto da cidade do Rio de Janeiro, a organização da classe artística, as
condições de trabalho, o trânsito e a geografia são entendidos também como estímulos
para a criação deste espetáculo e não como estruturas desconectadas do fazer
artístico. Percebo estes fatos como componentes do macro cenário onde o espetáculo
está inserido e por isso discorreremos no texto um pouco sobre a produção que
acontece concomitantemente a elaboração artistica da composição. Este texto foi
escrito como um roteiro de fatos, as vezes, não ligados diretamente ao espetáculo, mas
que ocorreram durante o processo.
Dentre os inúmeros estímulos que me influenciaram, houve um em especial,
achado por acaso em uma livraria, onde entrei também por acaso, que foi destacado e
muito inspirou a concepção da composição. Foi o livro ET EU TU de Arnaldo Antunes e
Márcia Xavier, um livro de poesia visual, constituído de fotografias e poemas concretos
feitos em momentos diferentes e por artistas de áreas distintas que nunca haviam
trabalhado junto. O processo foi feito por e-mail, Márcia mandou a primeira fotografia e
Arnaldo respondeu com 4 poemas, apresentando 4 possibilidades. Ela respondia, ele
reelaborava e assim, foram conversando até que chegaram ao formato final do livro.
O presente trabalho não é sobre o livro, nem tampouco, tenta fazer uma releitura
sobre tal, o livro funcionou como estímulo inicial para criações de movimentos e cenas
que foram desdobradas e reconstruídas por processos práticos e técnicos. Os
estímulos, como veremos na teoria de Smith-Artaud, podem nos atingir de várias
formas e até mesmo, provocar outro estímulo que passará a ser o principal. Como por
exemplo, uma imagem do livro estimula uma sensação, que gera um movimento e este
movimento passa a influenciar todos os outros movimentos que se seguem.
O processo foi iniciado em meados de 2004, no Rio de Janeiro, a partir de um
convite da diretora teatral chamada Ana Kfouri, que conheci durante um curso de dois
meses que se chamava “O Corpo em estado de Criação”, no Sesc Copacabana.
O convite era para participar da Mostra Experimentos promovida pelo Sesc
Tijuca. Neste momento, eu já era formada em Dança pela Unicamp e já morava no Rio
há um ano e meio. Estes dados descrevem um pouco do contexto em que a criação
3
estava inserida.
Em quatro meses então, eu teria que apresentar uma composição e isso definiria
um cronograma, digamos, corrido, para iniciar, experimentar, refinar e compor um
espetáculo. As fases do processo teriam datas para acontecer e prazos a serem
cumpridos, estas condições ditaram o processo e, conseqüentemente, estavam
implicadas no resultado estético construído neste contexto. No capítulo V, em que
proponho a descrição e análises das cenas nos aprofundaremos com mais detalhes
sobre esta idéia.
Destaco 3 estudos que propõem a análise da dança. São eles: os estudos de
Rudolf Laban, que chamaremos de Sistema Laban de Movimento, onde encontramos
fatores de movimento ( peso, fluência, tempo e espaço) que combinados, se desdobram
em ações e dinâmicas que causam as nuances à coreografia, seguido dos estudos de
uma de suas discípulas, a pesquisadora e coreógrafa, Valery Preston-Dunlop, que
aprofunda a pesquisa de seu mestre e se debruça sobre a Coreologia, propondo um
roteiro de análise coreográfica, e também, o que chamaremos de Arquitetura
Coreográfica, proposto por Jacqueline Smith-Artaud que , de outra forma, também
propõe um roteiro de perguntas para analizar coreografias. Por proporem uma análise
da dança, estes estudos tem em seu conteúdo os elementos que compoem a dança,
cada um a seu modo, destaca elementos como : ritmo, tempo, peso, velocidade espaço
e estes elementos, para mim, são parâmetros para se pensar e criar a composição
coreográfica.
Além dos estudos específicos sobre o assunto, encontramos alguns conceitos
de outras áreas do conhecimento que escolhemos para ilustrar o que de fato ocorre
num processo de criação. São eles: Rizoma, Liquidez e Unwelt que explicaremos
melhor no decorrer do texto. Estes conceitos foram discutidos durante as disciplinas
teóricas do mestrado e articulados durante as disciplinas práticas. Pela natureza deste
trabalho, de fazer poesia no corpo, na voz e no espaço; e de acordo com a teoria da
poesia concreta enunciada por Décio Pignatari (Jundiaí, SP, 1927), Haroldo de Campos
(São Paulo, 1929) e Augusto de Campos (São Paulo, 1931), estes conceitos foram
deslocados de seu signicado, para serem percebidos também, como ideogramas,
desenhos ou sonoridades no espaço. Procuro explicá-los e discutí-los, ciente de que,
4
para mim, eles funcionam como metáfora não só para a criação de movimentos, mas
também, para estruturação coreográfica.
O espetáculo foi montado, portanto, segundo muitos pontos de apoio e o que
pretendemos com a dissertação é expor nosso caminho de trabalho (técnica da
Improvisação), nossos estímulos por escolha (livro, poemas, imagens e músicas), a
combinação destes fatores em uma composição coreográfica e anali-la segundo os
estudos já citados.
5
Capítulo I – Processo de Criação
1.1 - Alguns conceitos articulados durante o processo
Considero que são muitas as referências que adquirimos em nosso corpo, no
decorrer do tempo, e que estas estão implicadas no nosso fazer artístico. Para perce-
las é preciso perceber também o ambiente, o contexto onde estamos inseridos.
Seria impossível elencar todas as informações que nos chegam a todo momento
e sinalizar como nos influenciaram. Isso, tampouco, é nosso objetivo. Apenas levanto a
questão da velocidade e da multiplicidade de informações visuais, sonoras e sensoriais
que nos é oferecida e que não passa tão superficialmente pelo corpo.
Muitos artistas escreveram e ainda escrevem sobre a influência do ambiente, do
contexto, nas obras artísticas. Fayga Ostrower, em 1977, na introdução de seu livro,
Criatividade e Processos de Criação, fala sobre sua preocupação com a alienação do
ser humano pelo excesso e superficialidade de informações . Na contemporaneidade
devemos exercer múltiplas funções, assimilar uma avalanche de informações, em
aceleração constante. Para a autora, por causa destes excessos, desenvolvemos um
mecanismo de defesa: para nos protegermos, adotamos a alienação, que nos leva a um
processo de desintegração (1977:8). É saudável então nos alienarmos um pouco para
vivermos melhor? Segundo o dicionário Aurélio, 2008, o termo se refere à falta de
ação ou, à falta de consciência em relação ao meio social, mas pensando bem, será
que nosso corpo consegue ter consciência sobre tudo ou agir sempre?
Penso que não. Acho que é neste ponto que podemos usar a criatividade,
articulada aos nossos objetivos e escolher o que é mais importante de ser lembrado e o
que pode ser esquecido. Realmente se não houver um foco ficamos apenas recebendo
estímulos e não conseguimos nos mover, nem assimilar, muito menos ter uma opinião
sobre algo. Neste processo, busquei observar sempre, o ambiente e suas informações,
tendo consciência de que não daria para assimilar tudo. As cenas tem abertura para
imprevistos e transições não programadas, que nem sempre precisam acontecer. Elas
também não se fecham em si mesmas, ao contrário, se entrelaçam em várias
combinações, assim como as conversas que que escutamos pela metade nas ruas, ou
6
as meias manchetes que lemos ao passar rapidamente por uma banca de jornal.
Dialogando com as mesmas questões, sob outro contexto, Regina Miranda
٭
(2008:11), em seu livro, Corpo-Espaço, discursa sobre os excessos da pós-
modernidade. A autora cita, da Sociologia, o autor Zigmunt Bauman
1
que diz que a
tarefa da modernidade era quebrar moldes e substit-los por outros e libertar as
pessoas de suas velhas prisões; e que vem sendo substituída por um novo processo de
contínua liquefação de moldes.
Estes moldes em estado de liquidez encontram-se em contínuas
transformações, nas quais sujeito, espaço e objeto se confundem e se
encharcam. Fluidez ou Liquidez, enquanto processos de contínua
transformação, tornam-se metáforas adequadas para captar a recente
fase da história da modernidade tardia, da pós modernidade, da
contemporaneidade, ou como preferirem denominar o momento em que
vivemos. (Miranda, 2008:11,12)
Este conceito de Liquidez é entendido, nesta pesquisa artística, como uma das
características do cenário onde se produz arte, no Brasil, em 2009. E por isso,
diretamente implicado na estética do espetáculo Acasos em que as cenas escorrem de
uma para a outra, ao mesmo tempo que se encharcam uma das outras; onde a fluidez
da movimentação não passa desapercebida. Portanto o conceito de liquidez, onde tudo
se torna líquido, é usado como imagem poética que inspira as ocorrências do processo
de criação.
Durante o mestrado, outro conceito foi bastante discutido e acredito que da
mesma forma que liquidez é entendido como imagem-poética, rizoma
2
O conceito rizoma
também
dialogou com questões do processo de criação e contribuiu muito para a reflexão do
trabalho artistico.
٭
٭
Diretora do Laban/Bartenieff Institute- LIMS® em Nova Iorque, fundadora do Centro Laban-Rio, analista de
Movimento, coreógrafa e autora de “O movimento Expressivo (1979)”, “Corpo-Espaço (2008)” e “Laban Lead
liderança como Arte (2009).”
foi desenvolvido pelos filósofos franceses Gilles Deleuze e
1
Bauman, Z. Amor quido. (2004).
2
DELUZE, G. GUATARRI, F. Mil Platôs Capitalismo e Esquizofrenia. Vol.1. 1996.
٭
Na Biologia, a noção de rizoma foi adotada da estrutura de algumas plantas cujos brotos podem ramificar-se em
qualquer ponto, assim como engrossar e transformar-se em um bulbo ou tubérculo; o rizoma da botânica, que tanto
pode funcionar como raiz, talo ou ramo, independente de sua localização na figura da planta, serve para exemplificar
um sistema epistemológico onde não há raízes - ou seja, proposições ou afirmações mais fundamentais do que outras
7
Félix Guattari (1996:15,16). Eles sustentam que a estrutura do conhecimento não
deriva, por meios lógicos, de um conjunto de princípios primeiros, mas sim, elabora-se
simultaneamente, a partir de todos os pontos, sob a influência de diferentes
observações e conceituações. Ou seja, por todos os lados, a qualquer momento e sem
ponto de início previsto, os pensamentos e criações podem se multiplicar. Enunciam
também, três características aproximativas do rizoma, são elas: Conexão e
Heterogeneidade qualquer ponto de um rizoma pode ser conectado a qualquer outro
e deve sê-lo; Multiplicidade tratada como substantivo, sem sujeito ou objeto, mas
somente determinações, grandezas, dimensões que não podem crescer sem que mude
de natureza.
Imagem do livro Et Eu Tu
Esta noção de rizoma foi pensada enquanto processo em contínua evolução e
em relação ao seu meio ambiente. O pensamento, por exemplo, está inserido em um
contexto com certas referências, quando estamos desenvolvendo uma idéia, lidamos
com o nosso repertório de palavras, imagens e vivências; e por outro lado somos
- que se ramifiquem segundo dicotomias estritas. http://www.la2.com.br/textos/deleuze%20e%20guatarri.pdf/ acesso
em 12/07/2008.
8
pressionados pelo ambiente e época em que vivemos. Estamos comprometidos com o
pensamento desenvolvido e exercido hoje, com os meios de produção disponíveis e
com nossas próprias condições de desenvolver tal pensamento.
Neste processo artístico, pude verificar esta interferência de informações no
caminho para o ensaio. Trajetos de ônibus, metrô e barca eram as fases que eu tinha
que passar para chegar até Niterói para ensaiar. Muitas interferências notáveis e que eu
estava atenta, quase paranóica, prestando atenção em tudo e sabendo que tudo que
passava por mim era incorporado e poderia se refletir no trabalho artístico.
Acredito que a dança também está em contínua evolução e em relação ao seu
meio ambiente. Quando estamos compondo uma dança estamos lidando com nosso
repertório de movimentos, atitudes, emoções e também sofremos a pressão do
contexto em que estamos.
Assim se faz tamm a improvisação. No Improviso estão em jogo: idéias
movimento, padrões mecânicos, possibilidades anatômicas e características do
contexto que se articulam, se entrelaçam. Estes fatores se influenciam mutuamente
durante a criação, sob uma ordem não programada. Não temos controle sobre o que
exatamente influencia o que, nem quando.
Desta forma, um processo criativo, e segundo minha abordagem, rizomático,
mesmo tendo suas bases definidas, sejam elas técnicas ou sistemas de trabalho, está
exposto a muitos outros fatores externos que se somam aos fatores previstos e
programados.
Quando penso sobre os dois conceitos, liquidez e rizoma, dentro deste trabalho
artístico associo a liquidez, à qualidade da movimentação, às imagens que as cena
propõem; e rizoma , associo as conecções entre os movimentos, e entre canto, fala e
dança que dão dinâmica a composição. Metaforicamente, para mim, liquidez representa
o fluxo e rizoma, representa o percurso. Sendo os dois , fluxo e percurso, componentes
do movimento e da dança, constantemente trabalhados e refinados. Esta é uma
imagem recorrente durante os ensaios e motivadora do movimento também. A água
fluindo num percurso rizomático.
Deleuze (1996) também discorre sobre a idéia de pensamento e criação serem a
mesma coisa, idéia esta que parece obvia quando falamos de arte, em que os artistas
9
estão muito acostumados com este binômio, mas nos interessa refletir durante o
processo criativo como esta idéia acontece na prática.
Para ele, pensamento e criação são a mesma coisa, não existe criação sem
pensamento e nem o contrário. Pensamento/criação seria um mergulho no caos, e caos
uma zona de experimentação e potencialidades. Zona esta em que os artistas
mergulham sempre para criar suas obras. Neste sentido, o artista pensa e cria ao
mesmo tempo. As idéias que vão se formando em sua percepção, a partir das inúmeras
informações que recebe, têm como suporte a linguagem da dança para comunicar-se.
A dança expressa, de acordo com seus códigos, um pensamento.
Uma zona de experiência contém a idéia de limite ou, borda, entre uma coisa e
outra. Portanto, num processo de criação, quando o artista entra nesta zona de
experiência, através da improvisação, ele chega nestes limites que pode se transformar
em algo estético ou não. Estes limites podem ser experimentados de várias formas no
corpo: limite de cansaço, limite de velocidade, limite de alguma qualidade de
movimento, limite das articulações, da voz, entre outros.
Portanto, o artista mergulha nesta zona de experiência com o objetivo de chegar
a algum limite e para isso, improvisa, levantando o que seria uma base de dados, no
caso, uma base de movimentos, com que vai lidar para a construção de uma
composição. Esta base de dados é trabalhada em termos de espacialização, ritmo,
qualidade e dinâmica. Numa composição, tecemos os ritmos, a espacialização e o
encadeamento dos movimentos e cenas.
Não podemos deixar de refletir, também, sobre o contexto que o bailarino, nesta
pesquisa, intérprete e coreógrafo, carrega e que implica diretamente no modo como ele
vai lidar com os outros componentes do processo.
Pensando nisto, me esbarrei em mais um conceito que elucida questões de
participação e relações dentro do processo. O conceito de Unwelt
٭
que pode ser
traduzido como "universo particular" ou "mundo interior". E Vieira (2005:3) acrescenta:
٭
Este termo foi desenvolvido pelo biólogo estoniano Jakob Von Uexkull (1922). In VIEIRA (2005:3).
10
... a construção evolutiva de um determinado Unwelt nasce do embate
direto com a realidade. Ou seja, a sobrevivência ou permanência da vida
depende de uma construção sistêmica que envolve com eficiência a
coerência entre o sistema sujeito e os sistemas da realidade.
Imagem do livro Et EU TU
Cada sujeito possui o seu repertório de vivências e, com elas, as imagens e
informações sobre o mundo e a realidade. Este repertório tem a ver com o lugar onde
11
nascemos, nossa família, amigos, lugares que frequentamos, o que assistimos etc... e,
claro, nossa relação com tudo isso. Neste caso, minha formação como bailarina e
minhas referências artísticas até agora.
Então, cada corpo possui seus critérios e se relaciona com o mundo a partir
destes. Se eu vejo algo que nunca vi, que não encontro associação no meu repertório,
a tendência é jogar para o lado; até encontrar um conjunto de informações que possa
se associar àquela novidade.
É muito comum nos assustarmos com o desconhecido e geralmente não
sabemos o que fazer com ele, então, o descartamos. O novo não consegue se
"enturmar" facilmente com o repertório conhecido, cada vez que uma novidade
“chega”, o corpo tem que se reorganizar, criar uma nova configuração com o novo
elemento. Por outro lado , se tudo fica igual, não existe troca, não tem comunicação. O
corpo luta para não se equilibrar totalmente, nem receber novidade o tempo todo. Este
é um grande paradoxo por onde a improvisação transita.
O intérprete deve administrar a mistura de novas informações com as já
conhecidas, o que implica generosidade com o novo, seleção do que mais lhe interessa
e comprometimento com o objetivo do processo.
A metáfora que faço deste conceito no meu trabalho se torna , novamente, uma
imagem. Unwelt representa todas as referências (os desejos, possibilidades e
percepções de cada um), que fluem por um percurso rizomático.
1.2 - Incentivo para a Produção de dança no Rio de Janeiro.
Uma das disciplinas cursada durante o programa de mestrado da Unicamp,
Tópicos Especiais: Gestão e Produção de Espetáculos, teve como problema de fundo,
para o produtor (que neste caso, é também intérprete e coreógrafo), a arte como
mercadoria e os vários desdobramentos que dessa questão podem decorrer, tais como:
obra de arte é mercadoria? Como dar o seu valor? Onde vender? Se não vender, como
sobreviver? Se for mercadoria deixa de ser arte? Etc. Estas perguntas me fizeram
pensar sobre minha situação enquanto bailarina e neste caso, a pergunta seria: Como
12
posso sobreviver do trabalho artístico, sem estar vinculada a uma companhia de dança
ou teatro bem estabelecida?
De acordo com Walter Benjamim
3
O produtor deve viabilizar duas lógicas muito distintas: a lógica do mercado e a
lógica da arte. Por sua vez, o artista, também se encontra neste dilema e, precisa
sobreviver como artista no mercado. Além de ter que distribuir e vender sua arte, ele
precisa, principalmente, de condições para produzi-la. Condições estas que incluem:
local de trabalho, materiais, recursos financeiros para transporte, alimentação e tempo
para trabalhar.
(1934), nos textos: o “ O Autor como Produtor”
e “ A obra de arte na época de suas técnicas de reprodução”, o confronto entre a
industria intelectual e a industria de objetos é antigo, os artistas lutam contra o preço da
arte, fazem uma contraposição à utilidade das coisas e defendem a inutilidade da arte.
Para eles, o mercado subverte a obra. Perde o seu valor de culto e passa a ter valor de
compra.
Nosso contexto, dos dias de hoje, é bastante diferente, mas, ainda sim as
questões são relevantes. O sistema capitalista dita as relações entre quase tudo, mas
principalmente entre o produto e consumidor. Neste ambiente fica difícil se posicionar
como artista e apresentar sua obra como produto ou mercadoria sem perder seu valor
artístico.
O fenômeno da tecnologia altera radicalmente os modos de produção, recepção
e é claro, o fazer artístico. Altera o próprio conceito de arte. Ou seja, a medida que a
tecnologia evolui, os recursos técnicos cênicos também evoluem, os grupos ou
companhias com patrocínio e bem estabilizados incluem estes recursos no seu trabalho
e redimensionam o olhar para as artes, lançando novas formas de se fazer arte e de se
olhar para ela.
A partir destas questões, busquei refletir sobre a realidade da produção em
dança no Rio de Janeiro e apontar algumas estratégias que já são realizadas por
algumas instituições, mas neste caso, o Centro Coreográfico da cidade do Rio de
Janeiro, para manterem grupos independentes produzindo dança. Entendemos por
independentes aqueles grupos que não têm patrocínio, não têm lugar fixo de ensaio e
3
BENJAMIN, W. Sociologia São Paulo: Ed. Ática, 1985.
13
que, conseqüentemente, sua produção artística está comprometida com esta realidade
dos meios de produção.
Como alternativa para este quadro existe lugares que apóiam estes grupos de
várias formas e que permitem que os mesmos continuem produzindo dança.Algumas
instituições, do Rio de Janeiro, promovem esse apoio, entre elas está o Centro
Coreográfico, na Tijuca, sob a direção artística de Regina Miranda. As formas de apoio
variam de acordo com a instituição, o CCO
٭
As necessidades básicas para se ensaiar numa cidade como o Rio de Janeiro
são: lugar de ensaio, dinheiro para o transporte, tempo para ensaiar, dinheiro para a
alimentação, tempo para trabalhar e viver. Um dos itens que compõem as condições
para se produzir dança são as salas de ensaio, segue abaixo uma pesquisa (feita em
agosto de 2007) de preços de alguns destes lugares que alugam salas:
cede salas para ensaio, reciclagem
profissional através de oficinas e workshops gratuitos, pautas para apresentações,
divulgação básica (no local, internet e, as vezes, tijolinho no jornal) e, finalmente,
porcentagem na bilheteria.
Condomínio Cultural2x por semana, 4hr/dia= 250,00 reais
Café Cultural 2hr/dia = 100,00 reais
Tex Studiohr/dia = 80,00 reais
Stacatto 2x por semana, 3hr/dia = 400,00 reais
Baixo Santo do Alto Glóriahr/dia = 100,00 reais
Os gastos com transportes variam de acordo com o lugar onde os bailarinos
moram. Também os gastos com a alimentação variam muito. O básico não é tão pouco
assim. De que forma então esta instituição apóia grupos independentes, o que ela
oferece e como funciona?
O Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro foi concebido pelo secretário
٭
Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro.
14
das Culturas (até 2008) do Rio de Janeiro, Ricardo Macieiras, o projeto arquitetônico
manteve as características externas do prédio que abrigou a mais antiga cervejaria
carioca e reformou seu interior para adequá-lo à nova função. Foram necessários dois
anos para transformar parte da antiga fábrica desativada no maior complexo
arquitetônico voltado especialmente para a dança na América Latina.
Com exceção do México, onde há uma forte tradição em dança, nenhum outro
país latino- americano apresenta equipamento cultural tão adequado e servindo de
forma tão generosa às atividades de criação, pesquisa, formação de bailarinos e
difusão da Dança. São 4 mil metros quadrados o equivalente a meio campo do
Maracanã distribuídos em cinco pavimentos, com 3 salas grandes para ensaio, outra
para conferências, centro de documentação, espaço cênico com capacidade para 224
lugares, além de 3 apartamentos equipados para receber companhias e coreógrafos em
turnê pelo Rio.
Os projetos que apóiam diretamente a classe da dança são:
Ateliê Coreográfico
Espaço para artistas profissionais criarem um trabalho coreográfico juntos e
vivenciarem, por um ano, diversas práticas corporais e cênicas com coreógrafos,
bailarinos, professores e diretores do Rio e de fora também. Além de poderem usufruir
de todas as outras atividades que o Centro promove.
O projeto acontece no período de um ano, através de audições anuais. Este
projeto já acontece há 4 anos e foi se modificando conformes os problemas foram
aparecendo.
No quarto ano de sua existência ele já se modificou bastante e acontece hoje
como uma companhia de dança do Rio, formada por 12 integrantes. Os artistas
recebem uma bolsa de 700,00 reais + transporte + alimentação.
Pude participar durante 3 anos deste projeto como professora de improvisação,
dança contemporânea e composição coreográfica. Em todos os módulos pude também,
criar e co-dirigir trabalhos coreográficos, entre eles, Avessos (2008) e Cidades Furtivas
(2009).
15
Corpo Coletivo
Projeto de residência para artistas e companhias cariocas ensaiarem no Centro e
com isso criar um diálogo entre os profissionais. Possibilita ao público acesso
permanente a seus processos de pesquisa e criação. Para este projeto os editais são
semestrais e são contemplados de 12 a 15 companhias que ensaiam durante o
semestre e organizam uma Mostra de seus processos ao final de cada módulo. Estes
grupos contemplados devem oferecer oficinas gratuitas para a comunidade, entregar
relatórios de suas pesquisas e participar da Mostra do Corpo Coletivo como contra
partida.
O Projeto Acasos foi contemplado com salas de ensaio e pauta para
apresentações durante os anos de 2005 e 2006. Além de criar e ensaiar, pude ministrar
oficinas de criação e compartilhar minhas inquietações com outras pessoas.
Arte Viva
Espaço para instalações coreográficas, exposições, performances e outros
trabalhos de investigação de linguagem com enfoque multidisciplinar. Funciona através
de edital, junto com a ocupação do Espaço Cênico, mas estas apresentações não são
cobradas.
Espaço Cênico
Temporada de espetáculos voltada para a formação de platéia e difusão de
diferentes estilos de dança. Os editais são semestrais. O espaço possui equipamentos
de luz e som, equipe técnica e 85% da bilheteria. O Centro Coreográfico já recebeu
diversas companhias, grupos, artistas independentes brasileiros e estrangeiros, foram
mais de 500 apresentações (de agosto de 2004 até outubro de 2007).
16
Busquei refletir sobre estas questões, mostrar algumas estratégias que já são
realizadas e talvez, instigar outras iniciativas que apóiem grupos de dança a
continuarem produzindo.
Um próximo estudo pode ampliar as estratégias que já estão sendo
desenvolvidas como, por exemplo, incluir formas de apoio que orientem os artistas nas
questões de produção: como desenvolver um projeto, como enquad-lo na Lei Federal,
como conseguir apoios, etc.
Espaço Cênico do Centro Coreográfico do Rio
17
Capítulo II - Trabalho Corporal
2.1 - Influências mais fortes
O trabalho corporal que mais pratiquei no Rio de Janeiro, durante o processo
criativo de Acasos foram as aulas da professora e bailarina Maria Alice Poppe, na
Escola e Faculdade Angel Vianna, que freqüento desde quando me mudei para a
cidade em 2003. Conheci esta bailarina em um encontro na Unicamp “Pratica Reflexiva
na Dança Klauss Vianna” no ano 2000 e sua dança me arrebatou. Lembro-me de
pensar na época: “é assim que gostaria de dançar”, assim, fui conversar com ela e nas
férias posteriores ao evento eu fui para o Rio fazer um curso com ela, que foi altamente
inspirador e renovador.
Desde então, não parei mais de freqüentar suas aulas. Maria Alice é uma
bailarina bastante importante na cena carioca, anteriormente na Staccato Companhia
de Dança por 10 anos e nos últimos sete anos vem trabalhando com solos em parceria
com coreógrafos diferentes. Além de ser sua aluna há sete anos, tenho o prazer de ser
sua assistente e professora substituta, no curso livre de dança contemporânea.
O trabalho corporal é minucioso e ancorado fortemente aos princípios que Klauss
Vianna pesquisava e compartilhava com seus alunos, tais como:
1. Ter atenção, a atenção deixa o corpo num estado de prontidão, disponível
para agir a qualquer momento;
2. Auto-conhecimento e o auto-domínio, quanto mais consciência do corpo e de
suas possibilidades mais domínio para criação de movimentos e intenções;
3. Buscar novas musculaturas para acessar o novo, novas maneiras de executar
a movimentação, geram novos apoios e novos apoios requerem novas musculaturas e
diferentes tônus;
4. Das oposições nasce o movimento, a tensão entre extremidades opostas
18
sustenta o movimento, o movimento nunca é isolado está sempre em relação a outra
estrutura interligada, esta relação pode ter varias intensidades que geram diferentes
qualidades ao movimento;
5. A repetição deve ser consciente e sensível, repetir com algum interesse, com
algum foco, tentando entender melhor o caminho do movimento ou trabalhar alguma
intenção, a repetição não deve ser somente mecânica ela é um ótimo recurso para
aprofundar e transformar o movimento.
Não defendo nenhuma teoria sobre a existência ou não de uma técnica Klauss
Vianna, apenas ressalto aqui, a fonte de princípios muito presentes no meu trabalho
artístico, que vêem se infiltrando em mim desde a graduação, através das pessoas com
quem estudei. Naturalmente, só depois de muito tempo, já freqüentando a escola Angel
Vianna, fui perceber a proximidade dos conteúdos técnicos.
Portanto deixo destacado este grande mestre que a muitos inspirou e que, por
tantos mediadores, chegou até mim. A minha prática tem um pouco de tudo que
vivencio e certamente, a prática destes princípios, com uma mesma professora, torna-
se uma constante no ambiente que proponho, onde tudo está em movimento e muitas
informações vêm e vão o tempo todo.
Esta constante, ou seja, uma prática corporal definida e feita assiduamente
durante sete anos, permite o desenvolvimento de estratégias, metodologias, jogos que
são usados como estímulo para o movimento (no caso de uma criação), ou como
planos de aula. Estas estratégias, advindas da vertente Klauss Vianna, combinadas às
outras experiências vivenciadas, transformam-se em jogos base para a improvisação.
Neves (2004: 7) enunciou algumas instruções (palavra usada pela pesquisadora) para
implementar estes mesmos princípios. Como já foi dito, no meu trabalho existe uma
mistura de influencias, desta forma, vale ressaltar que não uso as instruções tal como
foram enunciadas e também uso a palavras estratégias ao invés de instruções. Seguem
agora, algumas estratégias para aula e também para a criação de coreografias:
Apoios os apoios do corpo na sua relação com a gravidade. Estes apoios acontecem
em relação ao chão, ou objetos, no corpo.
19
Transferência de apoios
quando nos movemos, estamos sempre mudando os apoios
de lugar.
Resistência e oposição
- podemos nos relacionar com os apoios de maneiras
diferentes. Se os direcionamos a favor da gravidade, somos direcionados para cima.
Em todas as direções que empurramos, geraremos uma oposição que aumenta o tônus
muscular e transmite o movimento pela estrutura óssea.
Direções ósseas
- a posição de cada osso no corpo determina o trabalho da
musculatura.
Espaço Articular
estes espaços internos são conseqüência de forças que sustentam
nosso eixo corporal, com as direções ósseas adequadas para uma maior amplitude de
movimento articular.
As estratégias permitem o desbloqueio das tensões limitadoras do movimento,
gerando espaços internos, articulares e entre ossos e músculos. A prática aciona
músculos e intenções, que podem se desenvolver em movimentos coreográficos
ou não.
Este trabalho também e propulsor de criações de movimento a partir da
exploração do próprio movimento. Segundo Smith-Artaud (Capítulo III), explorar
profundamente as possibilidades do movimento pode funcionar como estímulo para o
próprio movimento. Seria um estímulo cinestésico.
Poderíamos perguntar como um trabalho pode ser utilizado para preparar o
corpo e também para criar movimentos coreográficos? Creio que a genialidade dos
ensinamentos de Klauss esteja justamente nesta abertura do trabalho e não na
implementação de uma técnica pronta. Está também, na filosofia do coreógrafo que
destaca as individualidades como o material mais importante de cada um.
Ele relutou em sistematizar seu trabalho e segundo Neves (2004:9) gostava de
afirmar que todos aqueles que estudassem com ele, transformariam o trabalho de
acordo com sua experiência, colocando sua individualidade em prática. Se cada corpo é
único, se cada corpo possui possibilidades de movimentos específicas, e entramos em
algum trabalho artístico de criação, acreditando nestas peculiaridades, podemos
explorar com consciência e domínio novos percursos e maneiras de dançar,
coerentemente ligadas a nossa anatomia, às nossas vivências e ao nosso
20
modo de relacionar tudo isso.
Por sermos diversos nossas produções artísticas também podem ser diversas.
Este tipo de trabalho faz com que cada bailarino se aproprie da proposta e a recheie
como quiser. O envolvimento é fundamental para que ocorram as transformações. De
acordo com isso, propus, durante o período de residência no Centro Coreográfico,
algumas oficinas a fim de abrir meu processo de criação e desdobrá-lo com a
participação de mais pessoas.
Elaborei algumas aulas a partir do processo de criação do espetáculo Acasos, a
fim de compartilhar com quem estivesse interessado as fases desta construção e suas
estratégias. Uma destas oficinas teve dois meses de duração e propus também que ao
termino da oficina apresentássemos uma composição do que foi trabalhado durante os
dois meses de trabalho. Como o processo que desenvolvi era aberto e se construia a
partir do material (referências) que eu mesma trazia, quando este, foi posto para outros
artistas, toda base de dados foi alterada. Os artistas rechearam as propostas com suas
referências e experiências, a composição
٭
seguiu os mesmos princípios da versão 1:
cenas independentes e qualidades de movimento e espacialização definidas.
As improvisações, desta oficina, seguiram as seguintes indicações:
A. Movimentação pelo chão, com tempo muito sustentado, sem acento;
Escolher alguem do grupo e mantrer uma equidistancia desta, no decorrer da
cena, sem que a outra saiba, em varias direções do espaço.
B. Trabalho de duplas, carregar o outro para pontos determinados do espaço com
urgência.
C. Partituras pessoais formadas por um gesto do cotidiano, um movimento para
cada nível do espaço, um giro, um deslocamento para um ponto oposto do
espaço e transições para combinar a sequencia, não necessariamente nesta
ordem descrita.
Foi um trabalho muito interessante de se fazer porque mantinha o conteúdo do
٭
A composição intitulou-se “ Um pouco de Nós”, o seu registro compõe o acervo do Setor de Memória e
Documentação, disponível no Centro Coreográfico da Cidade do Rio De Janeiro.
21
espetáculo muito atualizado. Eu pensava sobre a estrutura de cada cena e reelabora
propostas para que os alunos executassem a partir da sua anatomia, suas práticas
corporais e referências artisticas.
Influências de outros trabalhos na reconfiguração de Acasos: Éticas e
Shadow Load
A composição começou então a ser reelaborada, escolhi as cenas que gostaria
de me aprofundar. As condições eram bem diferentes do começo do processo.
As salas do Centro Coreográfico são imensas, limpas e com som de qualidade. A
vizinhança é variada e rotativa porque o espaço da dança se encontra no prédio anexo
ao Hipermercado Extra, na Tijuca. O acesso é relativamente fácil, com muitas opções
de ônibus, uma estação de metrô e integrações para o trem. Eu morava a cinco minutos
andando dali. Durante dois anos foi assim e acho que este ambiente seguro e tranqüilo
contribuiu para que meu trabalho com bailarina se ramificasse. Pude trabalhar com
muitos profissionais neste período, em trabalhos bem diferentes um dos outros.
Alguns deles foram muito importantes e intensos corporalmente. Um deles foi o
trabalho com o diretor de teatro Eduardo Wotzik, intitulado Éticas, patrocinado pelo
Banco do Brasil e com temporada no Centro Cultural do mesmo. Foi um trabalho muito
diferente do que eu já havia fazendo na dança, um trabalho bem agressivo e preciso na
movimentação, eu dividia a cena com a atriz e bailarina Carla Stank, minha parceira em
outros trabalhos posteriores, nos movimentávamos totalmente idênticas a maior parte
do tempo: as transferências de peso entre uma perna e outra numa caminhada, a
respiração, as pausas e os ataques; o restante eram brigas com pegadas e roladas pelo
chão. Os ensaios foram intensos e exigiam muita concentração, eram seis horas por dia
de segunda a sábado, durante quatro meses. Com o tempo, eu e minha parceira
fazíamos tudo junto, tudo mesmo, durante aquele período.
Acho este exemplo relevante porque refletindo sobre as apresentações de
Acasos paralelas a este trabalho notou-se um tom mais agressivo, mesmo nas cenas
mais delicadas, as pessoas que conheciam o trabalho e que trabalhavam comigo
perceberam essa mudança de abordagem que poderia ter passado desapercebida por
22
mim que estava mergulhada nos dois processos e sem um distanciamento para a
reflexão.
Outro trabalho muito importante foi a residência com a coreógrafa norte-
americana Leslie Satin, um trabalho mais leve corporalmente, no sentido de eu criar a
frase de movimentos com que iria trabalhar e não , como o anterior, uma proposta de
fora do meu universo conhecido, mas de uma profundidade conceitual incrível.
O trabalho se chamava Shadow Load, o processo foi a distância, ela mandou
umas fotos de movimentos pesquisados por ela, eram dezesseis. Participamos do
processo eu e mais 3 bailarinas . Havia algumas regras: escolheríamos um tempo de
duração das frases de movimento entre dois, três, quatro e seis minutos; as frases
deveriam conter os movimentos das fotos, não exatamente igual, mas que se
remetesse ao movimento original e para que tivesse uma ressonância entre as
movimentações das 4 interpretes já que o restante seria diferente; A maneira como o
movimento das fotos iria permear a frase eram totalmente livre; As frases tinham que
ser bem claras em relação ao espaço do palco em que se desenvolveriam, assim como
os deslocamentos e trajetórias, As bailarinas não poderiam ensaiar juntas nem
comentar sobre seu processo individual de criação entre si; As frases coreográficas
deveriam ser estudadas também partindo de pontos diferentes do espaço, ou seja, se
eu criei a frase começando no fundo do palco, no canto direito (de quem olha o palco),
a segunda vez teria que escolher outro ponto no espaço para começar o que,
consequentemente, alteraria todo o resto da frase.
As proporções numéricas para as repetições seguiriam uma lógica: o tempo total
da peça é de doze minutos, que se repetem de acordo com o público e o tipo de espaço
onde está sendo apresentado. Dentro destes doze minutos, eu que havia escolhido
criar uma frase de quatro minutos, repetiria a mesma três vezes e de três pontos
diferentes no espaço para completar os doze minutos e assim com as outras bailarinas:
dois minutos se repetiria seis vezes; três se repetia quatro vezes e seis se retira duas
vezes. E aí, começávamos tudo de novo.
Foi uma experiência muito interessante, Leslie é pesquisadora, bailarina/criadora
e professora da New York University onde estuda entre outras coisas a dança de Merce
Cunninghan. Ela só chegou ao Brasil na semana da estréia foi quando nos reunimos,
23
mostramos as frases umas para as outras, ela falou do figurino da musica da
iluminação e da ordem que entravamos em cena. Só deveríamos nos focar na nossa
frase e no espaço que agora tinha mais três pessoas que se movimentavam em seus
percursos assim como eu, e como não conhecíamos muito bem os deslocamentos
umas das outras as trombadas eram quase inevitáveis e faziam com que tivéssemos
que improvisar para resolver o problema e rapidamente voltar ao nosso percurso.
Esse trabalho é um bom exemplo para a questão que coloco no capitulo
Improvisação sobre as duas vertentes: imprevistos aparecendo nas coreografias
marcada e o contrario, condições anatômicas e possibilidades corporais definindo um
campo de improviso. As frases foram muito marcadas e eram muito precisas, como
havia sido solicitado pela coreógrafa, mas quando se colocava mais três bailarinas no
mesmo espaço, e não sabemos para onde elas vão se mover ou quanto tempo vão ficar
naquela posição, isso interfere diretamente na minha frase e na maneira que eu a
danço.
Essa proposta, baseada no movimento, sua qualidade, sua relação com o
espaço e sua repetição, também foi incorporada, de certa forma, no processo de
Acasos em que já nesta versão dois se mostrava bem segmentadas as partes e seus
espaço bem definidos. Mesmo assim, existia um momento que foi anexado as cena que
chamávamos de improviso, era iniciado pelo musico, Daniel Ruiz que improvisava sobre
os temas do espetáculo e eu , da mesma forma, também articulava movimentos do
espetáculo dialogando com a musica. Com o tempo, resolvemos cortar esta cena
porque ela estava se estabilizando, o improviso já estava com muitas marcações e
assim, não fazia mais sentido existir dentro da peça. Poderia citar muitos outros
trabalhos que notei, muito tempo depois, terem influenciados e vice versa pelo solo
Acasos, mas isso seria outro assunto.
24
2.2 - Improvisação
Durante estes seis anos de experiência arstica no Rio de Janeiro e também,
durante o período da graduação em dança na Unicamp, pude trabalhar com diversos
artistas que têm o improviso como parte do processo de criação. Como já foi dito, como
bailarina, cheguei com minhas referências corporificadas e me deparei com diversos
trabalhos de coreográfos e diretores, que novamente, inserem em seus trabalhos suas
referências e seus desejos em relação a arte.
Portanto, minha abordagem sobre a improvisação tem um pouco das várias
pessoas com quem pude trabalhar esta técnica. São pessoas muito importantes na
minha formação e que possuem trabalhos artísticos com os quais eu me identifico.
A prática da Improvisação trabalha o corpo para uma disponibilidade e rapidez de
lógicas para o movimento. Busca em qualquer tipo de movimento uma reconstrução e
uma evolução não prevista e atenta ao entorno onde está inserida.
É uma técnica que acontece como um desdobramento de um “tema”. Partimos
de algum ponto, ou de uma música, ou de um gesto, ou de um estímulo qualquer e
diverso. Este estímulo faz com que o corpo reaja. A partir daí, ocorrem sucessões de
reações em cadeia que não têm “rumo” definido, por isso não é estável. Um processo
que pode ser visto, segundo Gouvea (2004:63), como fluxo (contínuo) de idéias-
movimento.
Para mim, a improvisação pode ser vista como um processo de continuidade,
mas também como ruptura, mudança. Porque o que o improvisador cria, transformam-
no internamente e modifica também, o que está sendo criado. O que resta é o fluxo de
algo que não se esgota, mas que se nutre do próprio fluir.
Como a improvisação busca romper mecanismos de automatização dos
movimentos e criar o tempo todo, descontinuidade.Nada garante que as reações vão
continuar acontecendo naquele “rumo”, ou que as reações continuem sendo “sobre” o
1º estímulo. Elas podem se bifurcar no meio do caminho, ou ainda, o corpo começa a
manipular as reações e direcioná-las.
O aprendizado motor, por exemplo, se baseia na reprodução rápida das
conexões nervosas eficientes: quanto mais automatizado, menor a interferência
25
da vontade na realização do movimento. Este aspecto do aprendizado motor é
essencial para a realização de muitas dasões cotidianas, bem como para a
apreensão de determinadas técnicas repetitivas, porém, quando o assunto é
criação de movimentos de dança , ele se torna um limitante para o
improvisador. Romper este mecanismoé criar descontinuidade.
(Gouvea, 2004:68)
O improviso acontece portanto, com uma constante: a imprevisibilidade. Não
podemos prever uma cadeia de movimentos, as escolhas vão sendo feitas durante o
processo. Não se pode determinar como o movimento repercute no bailarino, bem
como não é possível saber qual será a ressonância de cada escolha, no todo da
improvisação.
Levar em conta as referências técnicas do bailarino para abordar a Improvisação,
limita um campo de vocabulário corporal que é acessado no improviso. Isso não quer
dizer que sempre os mesmos movimentos vão ser acessados, nem que não surjam
novos movimentos. Significa que existe um padrão mecânico construído ao longo dos
anos, que partimos deste repertório e seguimos construindo novos nexos de
movimento. Ou seja, é uma relação entre o padrão individual de movimento e as
possibilidades de transfor-lo.
Os movimentos que fluem formam um padrão que reflete a coerência
entre significantes corporais e significados. Os hábitos, os aprendizados,
as preferências pessoais assim como (...), a configuração anatômico-
fisiológica do improvisador (ontogênese), as restrições de ordem
filogênica e cultural são interferências (regularidades) que delimitam o
campo de possibilidades de criação para o improvisador. Assim, quando
se improvisa não se está criando tudo a partir do nada, mas também e
muito a partir da memória de movimentos aprendidos e atualizados pelo
próprio dançarino. (Gouvea, 2004:67)
Portanto, se a improvisação está ligada as nossas referências, as estratégias
para preparar o corpo para a cena, ou seja, mecanismos de aquecimento, alongamento,
tonificação, mobilidade, que disponibilizem o corpo para dançar com as conecções bem
ativadas, também estão ligados a estas referências.
Sensibilizar o corpo mobilizar os sistemas : ósseo, articular, muscular, linfático;
exercitar a respiração; usar sensações como estímulo para o movimento; disponibilizar
o corpo, afinar as conecções entre suas partes, são estratégias fundamentadas em
26
estudos corporais, como os estudos de Klauss Vianna
٭
Neste processo criativo busquei sempre criar um jogo, uma proposta, que tivesse
alguma regra, ou propósito. Durante os laboratórios de improvisação a estrategia era
sempre variar de tema ou estímulo a cada dia, como por exemplo: cena 1 Branca -
como tema para o improviso. Este tema limita um campo de informações que posso
articular durante a improvisação, a cena propõe vários elementos ( movimentação,
texto, canto) que podem ser desdobrados em outros signficados. Este campo de
informações estimula a criação de novas conecções entre os fatores e eu naquele
momento. Por isso, podem surgir novas cenas a partir da cena já existente.
, Angel Vianna e seus discípulos
que muito me influenciaram e influenciam até hoje na preparação do corpo que
improvisa.
É um exercio de criação de novas conecções, ou seja, um exercício de
perceber os estímulos ou temas como se fosse a primeira vez, tentando desfocar o que
é conhecido sobre o tema , com um olhar curioso e transformador. Praticamente
falando é reconhecer o tema, procurá-lo no corpo, em termos de qualidade, escolher a
maneira como vou trabalhar aquela proposta, naquele dia e definir quais são os focos,
seguindo ainda o exemplo acima, sendo o tema a cena 1 Branca, posso escolher um
foco ou mais mas, suponhamos que eu escolha o canto como foco, vou trabalhar tudo a
partir do canto: sensações do canto no corpo, estas sensações desencadeando
qualidades para o movimento e o movimento tranformando o próprio movimento e o
canto.
Este exercício é feito até que estabeleçam algumas células de movimentos
recorrentes durante os laboratórios. As recorrências tendem a ficar e a formarem
variações das células e posteriormente, frases coreográficas, já sob a ótica da
composição coreográfica.
٭
Outros profissionais como Feldenkrais, Alexander, Pilates, a Consciência Corporal de Therese Bertera, também se
aprofundaram na pratica corporal e respiração cada um a seu modo. Estes estudos também fizeram parte da minha
formação como bailarina e influenciam o meu olhar sobre qualquer técnica que eu estude, resolvi focar nos estudos
de Klauss, pois é o estudo mais recente e presente no meu percurso.
27
A existência do padrão é condição para a sobrevivência. Sem
padrões de comportamento e de movimento não poderíamos garantir a
aprendizagem e a manutenção das respostas adaptativas ao mundo.
Mas a abertura para o novo existe pela mesma razão. Só evoluimos
adaptativamente porque somos capazes de renovação, de
reestruturação. ( Neves, 2004: 41)
Penso que é neste espaço de abertura para a transformação que a improvisação
e, de forma diferente, a técnica Klauss Vianna trabalham. No espaço da mudança, da
instabilidade, da possibilidade de recombinação dos fatores componentes do
movimento, desde a sua criação.
Neste espetáculo uso a improvisação como estratégia para levantamento de
material cênico que a posteriori é elaborado em composição coreográfica e, em menor
escala, uso a técnica como proposta estética em si. Essas duas possibilidades que
apresento, têm em comum alguns pontos e se diferem em outros. Para refletir sobre
isso teremos como base os estudos de Cleide Martins
4
A autora faz uma breve introdução do seu pensamento sobre dança para chegar
até o ponto de distinguir as duas situações que podem ocorrer na improvisação. Ela
coloca que o sistema dança troca com o meio ambiente. Essa troca é uma porta de vai-
e-vem que modifica continuamente dança e ambiente, num processo de mão dupla
permanente. Não se pensa em um sem o outro, pois a dança depende de um corpo e
esse corpo existe e se relaciona com o mundo.
.
Desta forma, dentro do sistema dança, um corpo que dança recebe essas
informações do ambiente, informações estas que passam a ser internalizadas pelo
corpo que dança. Esse corpo continua a trocar as informações internalizadas, e que se
modificaram, com o mundo. As trocas são permanentes entre o interno e o externo e é
a isso que se chama de co-evolução sistêmica, segundo a autora.
Aqui, faz-se necessário distinguir duas situações que podem ocorrer quanto à
organização do Sistema Dança:
4
http://idanca.net/2003/01/01/improvisacao-em-danca-sistemas-e-evolucao/ acesso em 9/07/2008
28
a) Coreografia - os movimentos realizados pelo corpo que dança são organizados
previamente. Nesta situação, os movimentos são escolhidos, codificados, planejados
por um coreógrafo e executados por um bailarino. Em geral, cabe ao coreógrafo a
seleção e a reunião das informações que constituirão a coreografia e ao bailarino, a sua
execução. Na contemporaneidade, proliferam os bailarinos/coreógrafos, intérpretes de
suas próprias criações, ou seja, situações onde os dois papéis são desempenhados
num mesmo corpo. É o caso desta pesquisa.
b) Improvisação - os movimentos são realizados pelo corpo que dança no momento de
sua execução, mas sem obedecer a nenhuma seleção prévia de frases ou seqüências
de movimento. Neste caso, podemos acrescentar que o tempo para a aprendizagem da
programação de movimento é substituído por um tempo para a aprendizagem da
técnica de usar as informações do corpo em combinações que buscam evitar a
repetição. A forma dessa dança deve emergir no momento da ação. Chamamos esta
forma de organização de dança não planejada de improvisação em dança.
No caso da dança coreografada, apesar dos movimentos serem planejados
anteriormente, existem, na execução pelo bailarino, nuances de cunho pessoal,
incertezas, pequenas falhas, dificuldades de execução, ou seja, há presença de fatores
não programados. Afinal, a dança acontece em tempo real. Estes fatores não
programados estão presentes, podendo acontecer ou não, em qualquer coreografia.
Constituem assim, um ponto em comum com a lógica da improvisação como propostas
artística: fluxo de idéias-movimento não programadas.
No caso da improvisação, apesar de não existir um planejamento a obedecer
desde o primeiro até o último movimento, o determinismo aparece em vários fatores,
tais como: condições anatômicas e fisiológicas dos vocabulários já existentes no corpo;
estilo pessoal do bailarino e hábitos, principalmente os criados pela repetição da técnica
em improvisação. Estes fatores são determinantes de um campo de possibilidades de
execução em qualquer improvisação e variam de pessoa a pessoa. Desta forma,
constituem um ponto em comum com a lógica da coreografia.
Portanto a improvisação lida com uma dosagem de liberdade e com uma
29
dosagem de determinação. Onde está a liberdade num corpo que carrega a história,
restrições e hábitos de todos os corpos? As restrições, além de serem selecionadas por
trajetórias biológicas evolutivas, podem ser identificadas também nas trajetórias
culturais. Então, de que liberdade estamos falando?
A liberdade da qual estamos falando é a de combinações de movimentos entre
restrições e não-restrições. O número de tais arranjos é muito grande. A improvisação
desestabiliza o sistema corpo e dialoga com as determinações lá existentes. A cada
nova combinação de movimentos o corpo se reorganiza, tenta estabilizar a mudança e
luta para não se desestabilizar.
Para tanto, precisam usar os mecanismos de sobrevivência, ou seja, impor seus
hábitos aos elementos novos que chegam e combinar hábitos.
Quanto à reprodução de movimentos, acredito que dentro desta estrutura, eles
nunca são uma repetição e sim uma reconstrução, em um novo contexto. Neste jogo de
reconstruções, os resultados são movimentos que carregam novas informações e
estados corporais diferentes e de acordo com Neves (2004: 47), é isso que os mantém
vivos, pois falam de um momento presente, apesar de contaminados pelo passado e
abertos para o futuro.
A metáfora do Rizoma se faz valer novamente. O bailarino, quando chega para
trabalhar, está presente com todas as suas referências já corporificadas, adquiridas ao
longo do tempo e vulnerável a todas as outras informações que o espaço naquele
momento emite. Ele tem que combinar e administrar tudo isso, com o tema proposto
para a improvisação. Assim um grande rizoma que vai se formando, no momento em
que a improvisação acontece, de um emaranhado de informações, sem programação
prévia. A imagem de uma raiz, talo ou ramo que se entrelaça em tudo que está ao redor
dialoga com estruturas improvisatórias. Numa improvisação, o pensamento/criação vai
se entrelaçando, agarrando o que passa perto até que não se reconheça na estrutura,
seu ponto de partida ou seu paradeiro. As incidências brotam sem hierarquia.
Percebo a improvisação de Dança como um processo onde a cada instante,
possibilidades de movimentos tornam-se disponíveis, cabendo ao improvisador a
seleção e organização dos movimentos que comporão sua improvisação. Quando o
improvisador dança mecanicamente, ou seja, quando reproduz a relação estímulo-
30
resposta continuamente, sem nela interferir, o resultado é condicionamento, porque não
há autoconsciência, não há escolha, não há descontinuidade, mas apenas repetição,
regularidade.
Termino este capítulo ressaltando que o improvisador pode escolher entre
inúmeras possibilidades condicionadas, pode saltar para fora das determinações e de
fato, interferir nas probabilidades das ocorrências em dança.
31
Capítulo III – Composição Coreográfica
Diário de Criação coreográfica
... não se pode observar uma onda sem levar em conta os aspectos
complexos que concorrem para formá-la e aqueles também complexos a
que essa dá ensejo. Tais aspectos variam continuamente, (...) enfim,
são formas e seqüências que se repetem, ainda que distribuídas de
modo irregular no espaço e no tempo. Ítalo Calvino
32
O que mais me atrai na citação é o trecho : “sequências que se repetem, ainda
que distribuidas de modo irregular no espaço e no tempo”. Reconheço nestas palavras
um jeito de se pensar composição coreografica. Diria até um motivo coreográfico (que
veremos a definição mais adiante).
Uma cena está sempre em relação a outra, não importando a ordem mas sim, a
mudança de dinâmica entre elas. As cena foram elaboradas separadamente, cada
estrutura foi construída sobre qualidade, intenção, ritmo e intensidade específicas,
corporalmente diferenciadas. Quando colocadas lado a lado, as diferenças entre as
estruturas ficam mais perceptíveis e a cada ordem, que as cenas são dispostas, outras
diferenças podem ser notadas.
O termo coreografia vem da língua grega e quer dizer: grafia das danças corais,
danças de grupo. Com o passar do tempo, o termo foi sendo usado para nomear
quaisquer grafias ou escritas do movimento e não somente as que se referem às
danças coletivas.
Usaremos como instrumental teórico específico sobre Composição Coreográfica
os estudos da coreógrafa e pesquisadora Jacqueline M. Smith-Artaud (1992), não
pensando em uma ferramenta para aprender a coreografar, mas para compreender
quais procedimentos estão sendo estudados e sistematizados.
A autora faz um convite ao estudo da natureza da composição coreográfica, dos
elementos materiais e dos métodos de construção de uma dança onde o conhecimento
das diretrizes para a composição coreográfica é parte fundamental do aprendizado
daquele que quer fazer dança. E tem como propósito responder à seguinte questão:
“... quais são as diretrizes ou regras assimiladas e refletidas nos trabalhos daqueles que
alcançaram um domínio de sua arte?” (Smith-Artaud, 1992: 6)
5
A autora propõe um quadro
6
5
In COSTAS, A. Corpo veste cor : um processo de criação coreográfica. (1997:48).
para observação de um processo criativo em dança
com amplitude e dentro de uma noção de evolução no tempo. Trabalha ainda com a
perspectiva de ver a evolução da criação começando com um momento mais aberto e
intuitivo que caminha para outro mais consciente, intermediado por avaliações
6
SMITH-ARTAUD, J. Dance Composition: a pratical guide for teachers. London: A &C Black Publischers,
1992.
33
constantes do criador. Resgata ainda a abordagem de análise do movimento formulada
por Laban integrando a perspectiva coreológica. O quadro que apresento abaixo está
adaptado para a reflexão do processo Acasos:
O início Imaginação e Intuição
Momento da inquietação com alguma idéia. Naquele momento eu me sentia
completamente estrangeira na cidade, tudo era tão difícil que aquele convite, o livro,
os artistas que trabalharam juntos no projeto, a residência no Centro Coreográfico,
surgiram dos acasos da vida.
Estímulo (auditivo, visual, tátil, sinestésico)
Em primeiro lugar o ambiente, claro. Não dá para não ter atenção com o espaço ao
redor onde se habita ou se ensaia.Neste caso foram muitos lugares: Niterói IACS-
UFF, Condomínio Cultural Centro/Saara, Tex Studio - Ipanema, Centro
Coreográfico- Tijuca , Campinas Barão Geraldo Unicamp.
Depois, o livro Et Eu Tu. Seus poemas e suas imagens. E a partir destes outros
poemas e outras imagens e as palavras, todas as palavras em todos os lugares.
Mais a frente, depois de já existir uma estrutura de cena, os movimentos passam a
ser o maior estímulo, cada vez se torna mais elaborado e refinado.
Improvisação inicial e depois dentro de uma estrutura de motivos para
exploração de possíveis desenvolvimentos e variações para levantamento de
novos motivos.
A improvisação inicial já contava com os estímulos descritos acima e rapidamente
levantei motivos coreográficos para serem trabalhados. A exploração destes motivos
é o momento onde o movimento se torna mais complexo, tomamos consciência do
seu fluxo, entendemos seu trajeto e começamos a alterá-lo e adeq-lo ao que
queremos.
Avaliação da Improvisação buscada em critérios com os quais julgam a
validade do material, em termos de originalidade, bem como de sua adequação
34
para expressar idéias, tendo semelhança com a linguagem básica do movimento.
Este momento se repete inúmeras vezes no processo por vários motivos: pela
coreografia em si, pelos detalhes, pela música, pela luz, não tem jeito, avaliações
constantes vão lapidando nossa composição.
Avaliação Intelectual/Sensível do processo até o momento para abandono ou
continuidade.
É interessante pensar que neste estágio o trabalho pode não continuar, mudar
completamente de rumo. Com Acasos tive essa sensação algumas vezes, uma
sensação de que tinha que mudar tudo, que nada estava bom. Aí, converso com
alguém, volto nos poemas, nas imagens e logo enxergo o fio condutor de novo.
Seleção e Refinamento do material da improvisação para criar motivos.
A seleção de células que iriam ser trabalhadas no espetáculo Acasos foi bem
objetiva e rápida, até porque eu não tinha tempo para escolher com calma. No
primeiro ensaio, quando fiz a primeira improvisação, eu já sabia as células que iriam
ser trabalhadas.
O refinamento, para mim, acontece junto com a elaboração porque, depois da
seleção, tenho células simples de movimento que precisam ser elaboradas e
experimentadas de algumas formas no espaço. Não foi tão objetivo porque existem
tantas formas de distribuir uma célula no espaço e no tempo que me dava vontade
de ficar o tempo todo criando variações e nunca decidir por nenhuma.Nesta fase,
vario e desenvolvo os motivos, já pensando nos trajetos no espaço.
Desenvolvendo e variando motivos para a repetição.
As variações se desenvolvem e posso trabalhar com a repetição para deixar a
composição bem precisa e bem trabalhada.
A composição conhecimento do material do movimento: avaliação, alteração e
refinamento.
Quanto mais repetição mais refinamento na execução da dança. Quando o período
35
é muito longo de ensaios e repetições pode haver muitas avaliações e ocorrerem
alterações. Mas é preciso ter atenção, retornar aos estímulos iniciais e continuar o
trabalho.
Resultado da Dança influenciado através da inter-relação de todos estes
elementos.
Composição Coreográfica pronta para apresentações e embate com o público.
Diário de Criação Coreográfica
36
Como podemos perceber, a composição vai se estruturando a partir da
orquestração de vários dados como ritmo, velocidade, uso do espaço, qualidade de
movimento. Esse entrelaçamento de componentes é que gera uma tessitura de
volumes, tamanhos, cores e ritmo da composição cênica.
Neste território movediço da contemporaneidade podemos falar também, em
mestiçagem nas linguagens. Mestiçagem de códigos nos processos criativos
contemporâneos. Fato que define uma caracteristica estética para a época. Desta
forma, a Dança Contemporânea permite essa contaminação de códigos sem lugar certo
e aproveita códigos muito fortes para deslocá-los de seus contextos triviais. E portanto,
todas estas misturas estão implicadas nos processos criativos contemporaneos. Os
códigos se misturam, não costuma-se usar somente uma técnica fechada. Como
proposta estética, forma-se um jeito de criar a partir de recortes, cenas isoladas, muitas
coisas acontecendo ao mesmo tempo, intervenções, entre outros, que não impõem uma
possibilidade, mas ao contrário, abrem inúmeras.
Estas ideias vêm sendo trabalhadas ao longo da história por muitos artistas,
desde os anos 60 muitos dançarinos e coreógrafos norte-americanos reagiam então a
técnicas de dança moderna e juntavam-se a artistas plásticos e músicos na produção
de trabalhos colaborativos, expressando preocupações sócio-políticas sobre os direitos
humanos, o meio ambiente e o feminismo, questionando o conceito de arte .
Pretendiam derrubar a separação entre arte e a vida cotidiana, entre dançarinos-atores
e platéia. As peças colaborativas envolviam movimentos e trajes da vida cotidiana,
contra uma representação teatral formal e artificial. (Fernandes, 2000:17).
Somos influenciados por este cenário dos anos 60 e ele perdura até os dias de
hoje com outras situações culturais, políticas e financeiras gerando outras produções
artísticas.
Se no mundo newtoniano e do balé estava tudo sob controle, a perspectiva era
hierarquica, o centro do palco é mais importante, tudo é simétrico e equidistante e, tudo
é previsível, a linha de pensamento está muito clara e definida. Existe um pensamento
sobre a dança, sobre como ela é, o que ela contém e quem deve e pode dança-la. A
dança estava em sintonia com a época. Os critérios estão claros e funcionam para
37
aquele objetivo.
Na cena contemporânea a estrutura é outra, assim como a época, seus
acontecimentos e suas descobertas. O artista, cada vez mais, transita por várias
experiências de fronteira, usando a multimídia, as instalações, o teatro, a dança e as
artes plásticas como operadores de uma prospecção mais profunda,e segundo Cohen
7
(2004:12) feita em direção aos abismos do inconsciente ou às lonjuras da metafisica.
... uma arte em progresso, onde a fala disforme, o gesto avesso, a cena
assimétrica e disjuntiva, a colagem estranha talvez componham as
vicissitudes necessárias de uma arte que recusa a forma acabada e faz
sua ontologia no território obscuro da subjetividade. ( Cohen, 2004:12)
As misturas de cores, materiais, tipos humanos, sons, gêneros e texturas estão
no mundo em quantidades absurdas e com circulação muito rápida. É claro que tudo
isso está se relacionando com as criações que estão sendo feitas hoje. O campo da
cena contemporânea, com seus vários nomes de batismo parateatro, performance,
dança-teatro, instalação, dança contemporânea resulta desse turbilhão.
Ensaio na Casa do Alto 2009
7
COHEN, R. Work in Progress na cena contemporânea. 2004.
38
Diário de Criação Coreográfica
39
Capítulo IV – Ferramentas para análise em Dança
4.1 - Sistema Laban de Movimento
Faço um breve recorte neste sistema de movimento para situar as origens da
Coreologia e as definições de alguns termos. Estudos mais aprofundados podem ser
encontrados em Preston-Dunlop (1998), Goldman (1994) e Miranda(2008, 1979).
Durante a primeira metade do século XX, o bailarino, filósofo, pesquisador e
coreógrafo Rudolf Laban (1879-1958) formulou um sistema de observação,
experimentação e análise do movimento teoricamente complexo e poético,
posteriormente chamado de Sistema Laban de Movimento.
Neste sistema, o corpo é visto como parte de uma relação estrutural em
movimento, que inclui Corpo, Esforço, Forma e Espaço, categorias inter-
relacionadas que se informam mútua e continuamente. (Miranda,
2008:17)
Laban deixou para a História da Dança e do Estudo do Movimento um legado
com muitas possibilidades de uso. Sua teoria é um rico e denso instrumental para a
análise de movimentos. Ele, “fundamentalmente, teorizou “como” acontece o
movimento” (Rengel
8
Na criação de seu sistema, Laban presumiu o corpo como mídia primária da
cultura, ou seja, como o primeiro meio de comunicação do homem em seu processo e
contexto evolutivo, e propôs que, como tal, este corpo possuia uma linguagem, que
poderia ser articulada de diversas maneiras e assim produzir diversos significados,
sempre reunidos sob a hegemonia do movimento. (Miranda, 2008: 17)
, 2006:121), com sua metodologia é possível descrever
peculiaridades do movimento, tais como: peso, ritmo, forma, postura, caminho,
qualidade, direção, dimensão, nível espacial, por exemplo.
Este Sistema cria referências para que possamos pensar o movimento em
movimento, em ações artísticas e/ou cotidianas. Assim, Laban desvincula o espaço
cênico do cenário, da história e de seus personagens, da música, e o que permanece é
8
RENGEL, L. Dicionário Laban. 2003.
40
o dançarino e sua arte do movimento. “É o primeiro a perceber que o conteúdo da
dança é o movimento” (Lacava
9
Seus estudos foram subdivididos em três grandes áreas: o estudo das
dinâmicas, (“eukinetics”), o estudo do espaço ( corêutica ou “coreutics”) e da escrita da
dança (notação Laban ou “kinetographie”, “labanotation”). Encontramos em Rengel
(2005) todo o vocabulário utilizado no Sistema e para melhor entendimento, seguem
abaixo alguns deles:
, 2006:162).
Ação
é uma seqüência de movimentos que requer do bailarino uma atitude interna
que resulta num esforço definido, o qual, por sua vez, dá uma qualidade ao movimento.
Esforço
é a pulsão de atitudes que se expressa em movimentos visível. Laban usou o
termo antrieb = propulsão, impulso, ímpeto pela primeira vez em 1910. Durante a II
Guerra Mundial, antrieb foi traduzido por Laban para o inglês como effort e empregado
por ele para nomear as mudanças de qualidades que os trabalhadores aplicavam ao
movimento.(Rengel:2005,60)
Movimento e trabalho é uma das ramificações dos estudos labanianos
٭
. Ele destaca
que o sujeito usa as mesmas formas de movimentação no trabalho, na dança ou em
qualquer atividade, apenas as dispõe de modos diferentes. Assim ele segue definindo
outros tipos de movimento.
... Se se ouve uma gargalhada ou um grito de desespero, pode-se
visualizar, na imaginação, o movimento que acompanha o esforço
audível. O fato de o esforço e suas várias modalidades não apenas
poderem ser vistos e ouvidos, mas também imaginados, é de muita
importância para sua representação tanto visível como audível, pelo
ator-dançarino. Este se inspira nas descrições de movimentos que
despertam sua imaginação. Laban in Andraus
10
(2004:67).
9
MOMMENSON, M. e PETRELLA, P. Reflexões sobre Laban, o Mestre do Movimento. 2006.
٭
Termo usado segundo Regina Miranda.
10
ANDRAUS, M. “A poesia da luta: um olhar voltado para a gestualidade do estilo de Gong Fu, louva-a-deus,
como estímulo para uma criação coreográfica.” 2004.
41
O esforço se manifesta nas ações corporais através dos fatores de movimento:
Peso, Tempo, Espaço e Fluência. Nem sempre todos os fatores são significativos em
um movimento e suas combinações produzem ações e qualidades diferentes.
De acordo com os estudos sobre a escrita da dança, ou labanotation, podemos
representar estes fatores em um gráfico onde o Peso indica um eixo vertical; a Fluência,
um eixo horizontal; o Espaço, os eixos adicionais e o Tempo, os traços descontínuos:
É preciso ressaltar que a classificação do movimento através dos fatores será
sempre aproximada, assim, as qualidades podem estar nas fases intermediarias dos
eixos e não em suas extremidades.
Uma ação corporal é um acontecimento físico, intelectual e emocional que
produz alteração na posição corporal ou em partes do corpo. “Ato que dura um tempo,
ocorre de uma determinada maneira no espaço, emprega algum peso e determinada
fluência.” (Rengel, 2006:127).
P
Leve
Firme
T
Sustentado
Súbito
F
Livre
Controlada
E
Flexível
Direto
42
Para Laban (in Andraus 2004:67), a ação é um tipo de impulso particular de
movimento do ser humano e é caracterizado pela realização de uma função de efeito
concreto no espaço e no tempo que é mediado pela força muscular ou o uso da
energia. As ações possuem gradações particulares e poderão variar em termos de:
Espaço: do Flexível ao Direto
Peso: do Leve ao Firme
Tempo: do Sustentado ao Súbito
Fluência: da livre à Controlada
Laban discriminou oito ações básicas de esforço, também chamadas de “oito
dinâmicas de movimento” e as considera matrizes de todas as outras, como acontece
com as cores ou as sete notas musicais.
Abaixo segue a tabela com as oito ações:
Ações
Espaço
Peso
Tempo
Deslisar
Flutuar
Pontuar
Sacudir
Pressionar
Torcer
Socar
Chicotear
Direto
Flevel
Direto
Flevel
Direto
Flevel
Direto
Flevel
Leve
Leve
Leve
Leve
Firme
Firme
Firme
Firme
Lento
Lento
Rápido
Rápido
Lento
Lento
Rápido
Rápido
Estas ações representam a ordenação dentre as possíveis combinações das
qualidades dos fatores de movimento. Portanto, as noções de movimento e seus
fatores, de esforços e ações, foram incorporadas para criar movimentos e refiná-los e,
43
posteriormente, utilizadas para analisar os dados do processo.
Para o trabalho Acasos usei muito a idéia colocada por Laban sobre as
dinâmicas do movimento (pág.39): matrizes de movimentos que podem variar em
termos de fluência, peso, espaço e tempo. Outra colocação (pág. 37) que permeia todo
o trabalho é o fato de que, para ele, o sujeito usa as mesmas formas de movimentação
no trabalho, na dança ou em qualquer atividade, apenas as dispõe de modos diferentes.
Neste caso, o corpo que dança é o mesmo que pega a barca, anda pelas ruas, percebe
o ambiente e realiza inúmeras atividades. Por isso a importância de descrever neste
texto os percursos, os lugares e os preços que envolveram esta peça.
4.2 - Coreologia Valerie Preston-Dunlop
A Coreologia
11
Valerie Preston-Dunlop é pesquisadora do Laban Centre for Movement and
Dance, originado por Rudolf LAban, e que funciona em Londres como uma instituição
de ensino e pesquisa. Ela é uma das principais responsáveis pela ampliação e
solidificação dos estudos coreológicos e dedica uma atenção especial ao processo de
educação dos dançarinos e coreógrafos.
foi o termo resgatado por seguidores de Rudolf Laban para
descrever os estudos estruturais da Dança. Desde 1987, o Laban Centre Academic
Board adotou o termo estudos coreológicos, compreendendo o estudo do movimento, a
análise e notação da dança.
Segundo o paradigma da Coreologia, os componentes seguem uma hierarquia,
onde o movimento é o elemento principal. Preston-Dunlop afirma que o mesmo pode
ser subdividido e visualizado em uma estrela.
11
Preston-Dunlop, V. Choreology. 1989.
44
Para a autora o estudo da Dança envolve um contexto. O objeto de estudo da
Dança e o que ela chama de medium
٭
Os elementos estruturais do medium da dança apresentados por Preston-Dunlop
são definidos como os componentes da dança, são eles:
. Assim, para Preston-Dunlop, é preciso: o
movimento, o bailarino num contexto, e a presença de algum som ou silêncio para que
a dança exista. Estes elementos compõem o medium da dança. E de acordo com
Costas (1997:14), bailarino, movimento, espaço geral e som são elementos estruturais
da dança.
1. Movimento
2.
: Relacionamentos, dinâmicas, partes do corpo, ações, espaço.
Entorno Visual
3.
: Espaço Geral área da performance, cenários, ambiente.
Elementos aurais
4.
: Som, silêncio, música, palavra falada.
Dançarino
٭
A tradução da palavra inglesa medium para o português é meio. Entre os coreógrafos, na linguagem corrente, é
comum o uso da terminologia “ o meio da dança”, quando alguém quer se referir ao meio como ambiente de
convivência artística. Preferimos usar a terminologia inglesa, conforme acepção de Valerie Preston-Dunlop, que não
discute o termo medium em si, mas sim o significado do conceito dance medium.. Esses esclarecimentos tornan-se
importantes pois as terminologias “mídia”, “meio”, oriundas da Teoria da Comunicação, vêm se incorporando como
metalinguagem verbal das artes. (in COSTAS, 1997).
: número, sexo, função.
Relacionamentos
Espaço
Partes do Corpo
Ações
Dinâmicas
45
A proposta de Preston-Dunlop nos permite uma observação geral dos
componentes de nosso próprio processo criativo. A adoção da Coreologia como
instrumento de análise da dança, ampliou e reestruturou nosso olhar para observar os
ingredientes do processo, reconhecendo-os como parte integrante do medium da
dança. Costas (1997:41) propõe que o olhar analítico envolve a soma da
experimentação com a observação consciente e dirigida, assim, cada uma das nossas
experiências práticas poderia ser considerada uma tentativa de análise do nexo
estabelecido entre movimento e elementos cênicos na criação coreográfica. O
coreógrafo ou o bailarino pode focalizar uma estrutura ou subestrutura da dança e
segundo Preston-Dunlop, análises podem ocorrer a partir de diversos níveis de
desconstrução do nexo estabelecido entre os elementos de uma dança.
... movimento no espaço, criado pelas ações corporais, que por sua vez
adquirem qualidades através das dinâmicas, que são visíveis em partes
específicas do corpo e que envolvem relacionamentos entre dançarinos
e destes com o espaço, objetos, etc. Costas (1997:38)
Segundo a autora, através do método Coreológico, podemos formular eixos para
uma análise e com estes elaborar perguntas relacionadas às pontas da estrela. Sobre
estes parâmetros analisaremos as características do movimento nas cenas através de
perguntas amplas e gerais.
1- Como o espaço é organizado, como são dispostos os elementos da cena?
2- Quais são as qualidades das movimentações?
3- Quais são as dinâmicas?
4 Como os elementos se relacionam?
5 Quais são as ações?
Estas perguntas podem direcionar tanto um roteiro para experimentação, como
um roteiro para observação de uma experiência já realizada. No caso específico desta
46
pesquisa o material foi criado e elaborado para, posteriormente, serem analisados.
Porém, como a composição mantém uma característica de improviso, onde o que está
elaborado pode sofrer variações, as análises, consequentemente, redirecionam a
movimentação.
Segundo Andraus (2004:70), o ponto de vista analítico, uma vez que permite um
olhar sobre a experiência depois de realizada, serve como ponto de partida para
reflexões que podem reformular o que já estava formatado.
Considero possível também que um pesquisador inicie respaldado em um
determinado método e, no decorrer do processo, descubra um caminho diferente,
inusitado e, no entanto, eficaz, uma espécie de alternativa ao caminho previamente
escolhido. Podemos afazer um paralelo com o fenômeno colocado por Bauman
12
,
citado anteriormente sobre a liquidez, onde os elementos se infiltram e possibilitam
análises sobre vários ângulos.
4.3 - Jacqueline Smith-Artaud
Faremos também, uma análise segundo os estudos de Smith-Artaud (1992)
13
. A
autora define os tipos de estímulos para a improvisação e o motivo coreográfico que se
desenvolve a partir destes estímulos. Seus estudos apontam algumas maneiras de se
trabalhar a dança como se fosse uma arquitetura coreográfica. Relaciona as
seqüências de dança às frases musicais e traça estratégias de construção coreográfica
muito interessante para reflexão de obras prontas ou para criação de novas peças.
Seguem abaixo, algumas estratégias estudadas pela a autora e que utilizei, nesta
pesquisa, para analisar as cenas já construídas.
Estímulos para a improvisação: Tomaremos como estímulo tudo o que possa incitar a
atividade criativa. Segundo Smith-Artaud os estímulos podem ser:
12
IN MIRANDA, R. Corpo-Espaço Aspectos de uma geofilosofia do corpo em movimento. 2008.
13
IN COSTAS, A. Corpo veste cor: um processo de criação coreográfica. 1997.
47
Auditivos: a música e qualquer evento auditivo podem funcionar como estímulo tais
como: vozes, ruídos e sons. Estes sons evocam uma série de sensações, lembranças,
posturas ou idéias que são exteriorizadas como ações, propostas coreográficas,
imagens para as cenas, etc.
Visuais: pinturas, filmes, esculturas, objetos, fotografias e todos os recortes que nosso
olho pode fazer do cotidiano.
Kinestéticos: É o movimento estimulando movimento. A agitação dos grandes centros
urbanos, o movimento das ondas do mar, a movimentação dos animais, uma
coreografia, tudo pode ser usado para a criação de uma dança.
Táteis: A textura de determinados matérias, o contato com elementos de diferentes
temperaturas como o gelo e a água quente, por exemplo, podem provocar respostas
em termos de movimento.
Ideacionais: O movimento surge com a intenção de representar uma idéia ou uma
história. Por exemplo: fome, guerra, alegria, diversão, etc.
Segundo a autora, quando o estimulo está formalmente elaborado passa a ser o
motivo coreográfico de onde se desenvolvem células de movimento. E ela cita algumas
maneiras de desenvolver estas idéias coreográficas:
Trabalhando sobre as ações o motivo pode ser repetido exatamente como foi
elaborado originalmente ou com pequenas diferenças, como alternância entre as partes
do corpo que estão sendo utilizadas, inversão da ação, mudança nos acentos e ênfases
da estrutura, modificar os silêncios, etc.
Trabalhando sobre o tempo: Com a finalidade de desenvolver o motivo a partir do
tempo, ele pode ser manipulado em sua velocidade ( rápido, devagar, acelerando,
desacelerando) ou duração, fazendo com que se mantenha por mais ou menos tempo.
48
Trabalhando sobre o espaço: As variações sobre o elemento espaço são elaboradas
nos termos da direção, foco, planos (porta, mesa, roda), níveis (baixo, médio e alto),
caminhos no chão, relações espaciais entre os corpo, etc.
A partir disso, é possível desenvolver seqüências de movimento ou frases. As
frases são pequenas seqüências de movimento com começo, meio e fim, comparáveis
às frases musicais, ou às da Língua falada. Utilizando a organização tradicional da
música, podemos relatar algumas formas básicas de organização das seções
coreográficas:
Forma binária (AB): é caracterizada por uma seção A seguida por uma seção B
contrastante. Cada seção está composta por elementos também contrastantes entre si,
mas que possuem algum fator de aglutinação, como por exemplo, o andamento
(velocidade) do movimento. Se em A o andamento é lento, em B, por contraste, pode
ser muito rápido.
Forma Ternária (ABA): Uma seção A seguida de uma B contrastante e em seguida
tem-se a repetição de A; o início e o final são bastante semelhantes dando especial
destaque para B.
Forma Rondó (ABACADA): A progressão de várias seções ocorre em seqüência,
intercalada por A; aqui existem muitas possibilidades de variações e de
desenvolvimento de idéias coreográficas.
Tema e Variações: Forma mais livre, onde o tema é a base para o desenvolvimento da
coreografia. As variações podem ser infinitas em termos de ação, tempo e/ou espaço.
Cânon ou fuga: Acontece quando um ou mais temas ou motivos coreográficos o
repetidos por um ou mais dançarinos. Esta repetição pode ser tanto harmoniosa, no
sentido da organização dos movimentos, ou uma repetição menos organizada, não tão
exata, como se cada bailarino se apropriasse do movimento e o fizesse do seu modo.
49
Forma Narrativa: Algo assim como contar uma história. As seções fluem naturalmente
de uma para a outra e são arranjadas como A, B, C, D, E, assim, sucessivamente.
Encontramos finalmente em Smith-Artaud as seguintes estratégias de construção
coreográfica:
Repetição: É uma das principais estratégias coreográficas. Pode ser realizada de
forma exata, variada, em cânon, contraponto, invertida, parcial, e assim por diante.
Variação e Contraste: A variação de uma idéia coreográfica já cristalizada seria a
repetição desta idéia de uma maneira diferente. Já o contraste envolveria o ingresso de
elementos novos como um motivo diferente, por exemplo.
Clímax: Definida como o ponto culminante. Uma coreografia pode não ter nenhum
ponto culminante. Pode ter um, ficando toda a coreografia armada para realçá-lo. Ou
pode ter vários dissolvidos pela dança.
Proporção e equilíbrio: A proporção refere-se ao tamanho e magnitude de cada parte,
em relação ao todo. O equilíbrio refere-se à proporção de cada parte.
Transição: Elemento da composição que tem a função de ligar as diferentes partes, em
função da coreografia como um todo.
Desenvolvimento Lógico: O desenvolvimento lógico da dança assegura a unificação
pela qual cada parte está ligada a uma idéia comum por meio da interpretação do
compositor. Se os elementos de construção de motivos, desenvolvimentos, variações,
contrastes, clímax ou momentos de brilho, sobretudo, todas as transições forem
realizadas com sucesso, então a dança parecerá ter um desenvolvimento lógico, o que
produzirá a unidade.
Unidade: É o elemento fundamental da construção. A unidade é a forma final da
50
coreografia, que a faz ser reconhecida como tal.
Aqui termina a exposição dos parâmetros teóricos que me baseei para pensar a
composição coreográfica e sua análise. Seguiremos agora refletindo sobre a estrutura
do espetáculo Acasos e suas variações.
Ensaio na Casa do Alto - 2009
51
Capítulo V O Processo de Criação Acasos, análise
descritiva
5.1.Ao Acaso... O contexto 1
Estréia de Acasos no Sesc-Tijuca, outubro de 2004.
52
Este processo de criação iniciou-se por uma série de acasos que possibilitaram
sua realização e permearam sua trajetória. As condições para produzir o trabalho
foram acontecendo por vários motivos, sem que fosse programada uma estratégia.
Como foi dito, eu estava no Rio de Janeiro há mais de um ano e fazia muitas
aulas, mas não conseguia emprego algum e começava a me preocupar com o cenário
que minha profissão apresentava: muitas turmas de dança contemporânea já formadas,
com professores conhecidos e seu público cativo; e as companhias que me
interessavam na época, tais como Lia Rodrigues Cia de Danças, DaniLima e Staccato
não precisavam de bailarinos naquele momento ou, eu não apresentava o perfil que
eles queriam.
Foi quando decidi fazer um curso de Pilates para dar aulas. Havia muita
demanda para esta atividade, a cada semana um novo estúdio se abria. Antes mesmo
de terminar o curso os professores me convidaram para substituir algumas aulas e logo
depois já fazia parte do quadro permanente de professores. Este emprego foi
fundamental para que eu pudesse realizar o projeto Acasos.
Com uma imensa energia de recém-formada, querendo usar os conteúdos da
graduação, fazendo aulas com diversos profissionais
٭
O convite foi aceito sem pestanejar e ela me perguntou subtamente:
, surge um convite da diretora de
Teatro, Ana Kfouri, com quem eu estava fazendo um curso, para apresentar um solo no
Sesc Tijuca – mostra Experimentos.
Qual o nome do seu trabalho?, ao que eu respondi mais subtamente ainda: -
Acasos. Estava batizado o trabalho que ainda não existia.
A partir deste convite, foram 4 meses para estruturar uma apresentação. Tempo
muito curto para um processo de criação e hoje, resgatando este processo e
escrevendo sobre ele, isso se confirma uma vez que, o que foi apresentado naquela
mostra foi apenas um esboço do que seria trabalhado durante o próximo ano..
Convidei dois amigos para trabalhar comigo, um músico, Daniel Ruiz e uma
bailarina, Dora de Andrade. Ambos integravam o Acaso um Grupo?, coletivo de
artistas que fundei ao lado deles, da artista plástica Anik Meijer-Werner e de outros
٭
Esther Weitzman, Denise Stutz, Maria Alice Poppe, João Saldanha, Cristina Moura, Andrea Jabor, Paulo Marques,
Paulo Caldas, Ana Kfouri e Luiz Mendonça.
53
bailarinos itinerantes. A partir do trabalho Acasos, neste coletivo participei de um
intenso trabalho de criação coletiva, realizando projetos em diversos formatos como
performances, espetáculos, vídeos e instalações, e que muito contribuiu para que eu
experimentasse o diálogo com diferentes linguagens artísticas.
No processo do espetáculo Acasos, Daniel Ruiz ficou então responsável pela
trilha sonora original e a executava ao vivo e Dora de Andrade responsável por
acompanhar os ensaios e manter o que se pretendia na concepção do espetáculo. Anik
entraria mais adiante assinando o figurino do espetáculo. Como os dois faziam parte da
UFF, Universidade Federal Fluminense, ela como professora e ele como aluno, foi fácil
conseguir uma sala para ensaiar na universidade, mas pela distância não era viável
ensaiar lá todos os dias. Por isso, precisávamos de outra sala para complementar os
ensaios. Como naquele momento eu estava dando aulas de Pilates de segunda a
sexta, sete aulas por dia, pude alugar uma sala, duas vezes por semana, 4h por dia, no
centro do Rio, por 250,00 reais por mês.
A sala da UFF tinha o chão de madeira corrida, com grandes frestas entre elas, o
que não é ideal para a dança. Como era uma sala de aula, quando chegávamos, nosso
aquecimento era tirar as mais de 50 cadeiras, com braços, do centro da sala e empilhá-
las nos cantos. Evidentemente, ao final do ensaio, colocávamos tudo em seu devido
lugar. Havia 3 portas grandes e antigas que deixavam a sala bem arejada. Era possível
deixá-las abertas porque no horário que ensaiávamos não havia muitas pessoas
transitando e o barulho não incomodava. O caminho da Tijuca, onde eu morava, até a
Universidade (UFF) era longo. Quinze minutos andando até o metrô, mais 15 minutos
até a estação Uruguaiana, mais dez minutos andando até a Praça Quinze, onde eu
pegava a barca que leva mais 20 minutos para atravessar a Baía de Guanabara até
Niterói. Do outro lado, já em Niterói, mais quinze minutos andando até o Departamento
de Artes e Cinema da UFF onde eu ensaiava.
A outra sala, que aluguei no centro do Rio, era dentro de um espaço chamado
Condomínio Cultural, sede da Cia Mistérios e Novidades, onde outros grupos alugam
para ensaio. Tais como: Lia Rodrigues Cia de Danças, Arquitetura do
Movimento/Andrea Jabor, Denise Stutz, entre outros.
O espaço é lindo mas, abandonado. Merecia uma grande restauração, um
54
casarão antigo, enorme, com dois andares; na parte de cima ficava um tablado de
madeira com linóleo
٭
Era uma região com muitos moradores de rua e que depois das seis da tarde,
quando o comércio fechava, ficava pouco iluminada e não era aconselhável andar
sozinha. O trajeto até lá era menor, somente os quinze minutos andando e mais quinze
de metrô, que ficava um pouco tenso na hora da saída porque já estava escuro e
geralmente estávamos com equipamentos de som e, às vezes, com câmera filmadora.
e uma grande área com chão de tacos ao redor. O teto era
precário e, muitas vezes, vimos pedaços de concreto cair e um grande buraco ia
crescendo. Os ratos eram companhias frequentes e andavam pelas vigas de madeira
do grande casarão. O barulho era uma mistura de muitas pessoas na rua, auto-falantes
anunciando produtos, os sinos da igreja e muita música do camelódromo ao lado.
5.1.a Fases na criação coreográfica:
Fase 1 :
Estávamos em julho de 2004 e o processo criativo da primeira versão de
Acasos começou com data marcada para estréia e me obrigou a traçar um cronograma
ideal para que o projeto fosse realizado, mas irreal no sentido de impor um tempo
exato para as fases se desenvolverem.
Criar um esboço de cenas, imaginar o que se tem a dizer sobre Acasos, a partir
das minhas histórias e minhas referências artísticas como eu poderia fazer este
espetáculo? Imaginei tudo isso em 20 minutos, o tempo que durava o trajeto do Rio a
Niteroi onde eu iria me encontrar com minha parceira Dora de Andrade que convidei
para co-dirigir o trabalho. Então, durante o trajeto da barca comecei a estruturar
mentalmente tudo que pensava fazer. Eu havia escolhido, algumas fotos que tinham,
para mim, um encadeamento. Estas imagens me causavam sensações sobre que
qualidades de movimento que eu poderia trabalhar. A elas, fui acrescentando alguns
poemas que eu mesma criei, depois, as qualidades de movimento que elas me
٭
O linóleo só existia porque a Lia Rodrigues Cia de Danças, que é uma Cia bem estabelecida, estava ensaiando lá
porque, teve que sair do local onde ensaiava, o Teatro Villa Lobos, que sofreu uma inundação em 2004 que acabou
com suas 3 salas de ensaio no subsolo.
55
inspiravam e a disposição deste esboço no espaço.
Algumas imagens e alguns poemas eram muito fortes para mim e o que fiz foi
internalizá-los e procurar formas, sensações e vozes que dialogassem com estas que
tanto me inspiravam. Eu não as representava mas procurava um pouco de mim
naquelas páginas e buscava o que me chamava atenção, as vezes uma cor, um ângulo,
uma palavra, para criar outra coisa, uma cena com muitas outras associações. Hoje,
refletindo sobre este primeiro momento, percebo uma ansiedade enorme da minha
parte, eu praticamente cheguei com tudo pronto e em seus devidos lugares.
No ensaio, propriamente dito, experimentei a estrutura, que acabara de criar, e
apresentei uma composição, com base nestas características e na técnica da
improvisação com duração de aproximadamente 40 minutos. A presença da Dora,
minha parceira desde os tempos da graduação, foi fundamental para a continuação do
trabalho e resgate do que eu havia mostrado, ela foi muito generosa no olhar e apontou
na estrutura as partes mais fortes e que mereciam trabalhar mais. Uma câmera
filmadora teria ajudado muito também e seria muito bom comparar aquele primeiro dia e
a composição de hoje mas não fazia parte das nossas condições de produção.
Dora observou, anotou e destacou coisas a serem desenvolvidas. Tivemos uma
longa conversa. Falamos do roteiro que havia se estabelecido já no primeiro dia e
distrinchamos cena a cena o que seria trabalhado. Optamos por abraçar o roteiro
apresentado e por isso, não tivemos uma fase que fosse de criar cenas e deixar que
surgisse uma ordem para elas, fomos diretamente esmiuçar o roteiro estabelecido.
Fase 2:
Parti então, da estrutura que havia concebido nas barcas, Etapa importante para
conhecer a composição que já havia criado e principalmente, para perceber suas
partes, onde estavam as mudanças de dinâmica e tônus e também, para traçar as
melhorias que poderiam acontecer. Durante esta fase, Daniel, que acompanhava
alguns ensaios, ia compondo a trilha, sugerindo sons, idéias e textos para a peça.
Então, trabalhei cena por cena pensando, para cada uma delas, uma dinâmica e
uma espacialização, deixando bem claras suas características rítmicas, espaciais e sua
intenção em relação ao que se pretendia comunicar. O desenvolvimento do trabalho
56
seguia mais para o da composição coreográfica do que para a improvisação. Somente
uma cena lidava mais com a improvisação mas, mesmo assim, a partir de movimentos
e palavras já definidos, o encadeamento dos movimentos e a sonoridade das palavras
eram o espaço para o improviso.
A improvisação, como instrumento poderoso de transformação, foi muito usada e
como eu ja tinha uma estrutura de movimentos, a improvisação era sempre sobre
possíveis variações sobre aquele material. Ou seja, o estímulo, ou motivo, para o
improviso era o próprio movimento, o que foi nomeado, por Smith-Artaud, de estímulo
Kinestésico.
Os ensaios foram evoluindo, as cenas ficavam cada vez mais claras. Inspirados pelo
livro, pensávamos em um figurino feito de papel, pela delicadeza de algumas páginas e
pela fragilidade que o papel apresenta. Chamei então uma amiga, artista plástica, Anik
Meyjer Werner, Venezuelana, que produziu uma linda saia, bem complicada de montar
e costurar e por isso só poderia ser usada no dia da apresentação porque
provavelmente ela se rasgaria e nos faltaria tempo e dinheiro para fazer outra.
O uso da voz era frequente nas cenas e para me ajudar neste trabalho chamei o
ator e cantor Max Costa que havia conhecido durante a graduação, na Unicamp, e
estava morando no Rio naquele momento. Mostrei a ele o que já havia construído e ele
preparou algumas aulas para potencializar o uso da voz.
A iluminação só foi pensada e feita no ensaio geral, já no teatro do Sesc, com o
técnico da casa. Como havia uma peça teatral em cartaz na mesma sala, na mesma
época, tínhamos que aproveitar o que já estava montado e mais dois refletores que não
foram usados. A partir destas limitações, desenhamos nossa luz. Certamente, se
tivéssemos mais opções o desenho seria outro.
Fase 3:
O tempo passava e eu não podia experimentar tudo que gostaria então, até meados
de setembro fechei, com o material levantado durante os laboratórios, a primeira
composição do espetáculo Acasos. Esta composição manteve a ordem da estrutura
que eu havia proposto no primeiro ensaio. Penso que esta ordem de cenas já havia se
estabelecido nas barcas, com as fotos e poemas. Não foi programado manter a ordem
57
das cenas, mas ao término do trabalho, aquele encadeamento primeiro me parecia o
melhor naquele momento.
Esta fase inaugura a época de ensaios. Afinação entre os elementos que
compoem a cena; entre as cenas e entre a composição com a trilha. Muitas repetições.
Esta fase é bastante dificil porque tem que se assumir uma conclusão para o trabalho,
mesmo que seja só para uma apresentação. Aí começam varias crises, naturais, onde a
incerteza sobre o que está pronto invade o ambiente e deixa a todos inseguros.
Fazendo um paralelo sobre os conceitos já citados, nesta fase, o pensamento
rizomático começa a se estabilizar como lógica arbórea, uma vez que a estrutura
coreográfica se firma e a abertura para variações cessa.
Fase 4:
O dia da apresentação. Todos os colaboradores estavam no teatro desde cedo,
montamos a luz, o equipamento de som, ensaiamos, descansamos, ensaiamos e já
estava na hora do público entrar. Todos os nossos convidados compareceram.
Enchemos a casa, que não era muito grande, mas este fato foi muito importante para o
grupo e trouxe muitas, opiniões e contribuições para a continuidade do trabalho.
5.1.b - Observações:
Podemos observar, que o processo era composto por várias partes, assim como o
livro, como o caminho para o ensaio e como as contribuições que vinham de pessoas
diferentes que tentavam convergir para um contexto. O que hoje podemos verificar, de
acordo com nossa hipótese, a maneira como o trabalho se iniciava já apontava uma
estética para o espetáculo. Um livro, uma estrutura de movimentos, a improvisação e as
milhares de referências que já citamos, eram as partes, que a partir daquele momento,
iriam se entrelaçar para criar a tessitura da Composição. Fechamos este primeiro ciclo
no dia 29 de Outubro com um espetáculo de 50 minutos. Ao final deste ciclo chegamos
a algumas verificações:
58
O limite, que tentei trabalhar durante os laboratórios, foi trabalhado através da
repetição, o que gerava cansaço e rápida codificação dos detalhes do
movimento.
O cansaço leva à transformação da respiração e do tônus corporal; solicita do
corpo uma reorganização para se adaptar à proposta.
Com a repetição das estruturas ou de apenas um movimento, a mecânica fica
clara e podemos trabalhar nas sutiliezas, o que acarreta as vezes, na
modificação da estrutura.
Nesta primeira fase do trabalho a ansiedade de definir logo todas as cenas,
como se já soubessemos tudo sobre aquele material, é inevitável. Assim, a
investigação tem ciclos de eficácia ( que variam de processo a processo), ora
estamos encantados com as possibilidades que o material nos apresenta e ora
não enxergamos nem uma sequer. Recentemente, conheci um termo que é bem
pertinente para estes momentos: ciclos crísicos. Um processo de criação passa
por diversos ciclos crísicos
٭
.
5.2 Desdobramentos em Acasos O contexto 2
“... reconstruir de outra maneira, substituindo ingredientes, deslocando-os, invertendo-os”
Ítalo Calvino
Após a primeira apresentação pública, com a composição recém-formada,
muitas questões foram apontadas, tanto pelo público, quanto por mim que executava o
roteiro. As dúvidas eram em relação ao tempo de algumas cenas, transições entre elas
e sobre o uso da voz. A próxima versão começaria a ser trabalhada a partir destes
pontos.
O próximo problema para a continuidade do trabalho era o local de ensaio. A sala
da UFF era muito longe e os horários disponíveis não eram os melhores; a sala do
Condôminio Cultural era muito cara e eu precisava de uma estratégia rápida para voltar
a trabalhar e não ter que pagar por isso.
Foi quando eu e o coletivo Acaso um Grupo? fomos contemplados com o Projeto
٭
Termo usado pelo
professor Jorge Vieira Albuquerque nas aulas do Programa de Especialização “Estudos
Contemporâneos em Dança” UFBA, 2006 que define as fases de um evento e que dentre estas fases, os eventos
sempre passam por uma crise onde o desenvolvimento é desacelerado.
59
Corpo Coletivo do Centro Coreográfico da Cidade do Rio de Janeiro. O projeto consiste
em ceder salas de ensaios para Companhias ou Grupos, durante 6 meses e como
contra-partida pede que o grupo ministre uma oficina à comunidade, além dos relatórios
de ensaios e apresentação na Mostra do Corpo Coletivo.
Acasos, Centro Coreográfico do Rio, 2006.
5.2.a - Fases na re-construção coreográfica
Definidas as condições iniciais, o trabalho de re-estruturação seguiu a partir de
pontos claros levantados a partir da estréia do trabalho.
Fase 1:
Como a primeira versão do trabalho deveria atender ao formato da Mostra e
assim, deveria ter 50 minutos, cheguei a conclusão de que, de fato, algumas cenas
poderiam ser mais enxutas, algumas transições eram desnecessárias e que a síntese
era um bom objetivo para esta nova etapa. Concordamos que o primeiro ponto a ser
trabalhado seria o tempo das cenas e criamos algumas propostas para trabalhar isto:
60
a partir da estrutura existente, improvisar novas combinações com tempo (minutagem
da cena) diminuindo gradativamente até que restasse apenas o mais importante para
aquela parte. Neste exercício as escolhas são feitas muito rápidas, o corpo vai
resolvendo o melhor caminho para ligar uma idéia a outra e aqueles movimentos que
faziam tanto sentido dentro da estrutura são descartados e uma nova combinação se
forma. Aqui foi constrda uma nova base de dados, ou movimentos.
Fase 2:
Com a nova base de dados formada, o próximo trabalho é de Refinamento deste
material com foco em: Espacialização - dispor de outra maneira os elementos (células
de movimentos e ações) no espaço; Cortar transições entre as cenas afirmando suas
partes e valorizando a mudança rápida e seca de uma cena para outra. Ampliar e
transformar o uso da voz, experimentar em outros momentos e explorar mais
tonalidades. Pensar a iluminação foi fundamental nesta fase porque definiu, de fato,
cortes secos nas cenas que antes não aconteciam, isso fez com que as cenas ficassem
mais divididas e se mostrassem mais fortemente como pedaços sem ligação.
Fase 3:
Uma nova estrutura foi montada e fechamos um trabalho mais enxuto de 25
minutos. O trabalho agora era de ensaio, repetição e incorporação da nova composição.
5.2.b Observações
Considero esta nova composição, a estrutura de movimentos e cenas, a matriz
que pode ser desdobrada, como já foi dito, em termos de dinâmica, espaço e tempo. No
próximo tópico descrevo as cenas que perduram na peça e que são combinadas de
várias formas. Estas cenas podem ser vistas no vídeo em anexo.
As combinações coreográficas dentro da cena e entre elas são inúmeras. Optar
pelo sorteio da ordem das cenas, antes do espetáculo foi optar também, por uma
estrutura coreográfica maleável, e que se modificasse com o passar do tempo.
As mudanças a partir daquele momento seriam constanstes, por mais que eu
61
ensaiasse as cenas separadamente ou em alguma sequencia aleatória, a cada sorteio
um novo roteiro seria dançado. As condições de trabalho mudaram muito desde o
começo da pesquisa, em termos de espaço, tempo. Isso consequentemente modificou
a estrutura da Composição:
Versão 1
Versão 2
•Palco: Arena
•Duração:50’
•Cenas ligadas por transições
•Iluminação como ambientação sem
efetiva influência na composição.
•Espacialização: em todas as direções
o tempo todo
•Encadeamento fixo de cenas
•Palco: Italiano
•Duração: 25’
•Sem Transições - Corte seco de uma
cena para outra
•Iluminação recortando o espaço e
marcando o fim e inicio de cada cena.
•Espacialização: mais frontal uso
ainda das
direções, porém, para ser
visto de uma frente.
•Encadeamento aleatório de cenas.
Foi muito difícil assumir todas estas mudanças, primeiramente por causa dos
cortes, algumas cenas sumiram, outras se juntaram e trocaram de nome e todas elas
eram independentes não precisavam de determinada cena antes ou depois; como se
fossem micro-histórias contadas pela mesma pessoa. A questão do encadeamento
aleatório das cenas reforçava a idéia de que muitas possibilidades são possiveis e que
cada combinação de cenas redimensionava o significado do trabalho, ao mesmo tempo
que me fazia pensar que algumas junções funcionavam melhor que outras e a vontade
de fixá-las de novo era persistente.
Como intérprete da composição posso afirmar que minha abordagem dos
trabalhos e quase sempre visando uma composição, de escolher o melhor espaço, as
quebras de ritmo e o encadeamento. Até mesmo quando improviso tenho no corpo
estes parâmetros de organização coreográfica. Desta forma, pra mim o desafio maior
foi encarar o sorteio da ordem das cenas, que aconteciam um pouco antes da
apresentação, justamente, para não dar tempo de e pensar em outra possibilidade de
62
encadeamento para composição. A partir daí eu trabalharia variações sobre a
composição.
5.3 Descrição analítica das cenas
Seguiremos agora descrevendo as cenas da composição e traçando suas
características, enfocando os estímulos visuais trazidos para o trabalho, os textos e a
movimentação.
Cena 1: Branca
O poema do Livro ET EU TU
٭
:
Tão bran
ca quan
to trans
parente
tão fria
que fos
for
ecente
transpira
quanto
transpar
ece?
parece
dis
sol
ver-se
num
esp
elho
quente
٭
O livro não possui numeração de páginas.
63
O poema criado para Acasos:
Branca, Fria, Transparente
Transparente transparece
Branca Fria Transparece
Fria Fria Transparente
Transpira Quanto
Transparece Quando
Lá lá lá lá
Este texto foi criado durante as improvisações desta parte, busquei destacar as
palavras que mais me atingiam e brincar com os significados e a sonoridade delas.
Gostei mais das experimentações com as sonoridades e resolvi não pensar nos
significados para unir uma à outra. É claro que o significado continuava ali, mas não foi
a linha condutora da composição desta parte. A investigação da sonoridade que cada
palavra escolhida trazia me encantava bem mais.
A Movimentação:
Tudo começou com um gesto das mãos juntas em ondulação como se estivesse
manipulando delicadamente o ar. De tanto repetir, meu corpo começava a variar algum
aspecto daquele gesto, estas variações iam complementando o gesto inicial.
Durante os ensaios, algumas características iam se definindo: O andamento ou a
cadência dos movimentos era sempre contínua, não possuía acelerações e
desacelerações. Os movimentos eram dançados num tempo contínuo, sustentado e
com qualidade ondulada.
Este procedimento se repetiu muitas vezes sempre a partir da técnica da
Improvisação. Com a repetição, alguns gestos, movimentos ou transições voltavam a
ocorrer, sem que eu programasse conscientemente, mas talvez, os escolhesse
inconscientemente durante o improviso e os guardasse em algum lugar no corpo para
serem usados de novo.
Portanto as escolhas feitas para a composição se estabeleceram e definiram o
64
lugar no espaço que a cena ocupava. A cena Branca ocupava a linha da frente do
palco, quase no procênio, paralelo à platéia; vel espacial utilizado foi o médio.
Cena 2: Lilás
Esta cena é formada por perguntas. Perguntas que não são respondidas, assim
como várias questões que nos aparecem durante o dia-a-dia e que, da mesma maneira
que surgem, desaparecem, pelo frenesi do cotidiano.
Os poemas do Livro ET EU TU:
Aonde a porta pensa que vai?
O que a janela está olhando?
Por que o teto não cai?
O que a parede está esperando?
Repara no lilás
da teta
e no verde escuro
da parte interna
da boceta
o bojo das nádegas
de azul redondo,
vê?
O poema criado para Acasos:
O texto foi livremente inspirado em dois poemas do livro que questionam coisas
sobre a foto, mas que não estão de fato na imagem. As perguntas incitam o leitor a
imaginar tais coisas.
Resolvi criar então um texto e uma cena que causasse isso. Criar uma cena que
mostra uma coisa, mas se refere à outra que não está ali.
A primeira versão da cena era bem simples com um movimento apenas, ou uma
postura, eu apontava um lugar da platéia e perguntava se eles enxergavam tal coisa.
Depois de apresentar algumas vezes fui sentindo que a cena trava da questão
65
muito obviamente, entregava o jogo de uma só vez e talvez, como era muito rápida e
objetiva, nem conseguia estabelecer o jogo.
Comecei a reelaborá-la nos ensaios. Retomei as improvisações e outros
movimentos foram surgindo para a mesma pergunta até que, o músico que assistia
todos os ensaios para criar a trilha de acordo com o desenvolvimento das cenas,
escreveu um poema.
Gostei muito do texto e para trabalhá-lo usei procedimentos de repetição,
inversão e segmentação da ordem proposta pelo músico, e combinei com as novas
variações de movimento que havia construído com estes mesmos procedimentos na
improvisação.
Algumas junções foram recorrentes e estas permaneceram para formar a
composição da cena. Assim, o texto que foi usado ficou assim:
Repara no azul turquesa da pele
No amarelo ovo dos olhos
No peso da tua voz
No Lilás do cabelo
No grito do sovaco
No vão entre nós
A movimentação:
A estrutura de movimentos, como já foi dito acima, foi se estruturando a partir
dos procedimentos de desconstrução do movimento da primeira versão e sua
reelaboração; a partir disso, o uso das estratégias da repetição, inversão e
segmentação da frase coreográfica usando a técnica da improvisação. Daí então, a
composição se formou com as estruturas que mais ocorreram durante o improviso.
É composta por apenas cinco movimentos que acompanham as perguntas. A
execução é bem gestual e econômica. O espaço utilizado é o canto direito do palco
perpendicular à platéia.
66
Cena 3: Atras
Esta cena é um jogo entre palavras soltas, escolhidas do livro, investigação da
sua sonoridade trabalhada na voz/corpo e brincadeira com os significados destas
palavras isoladamente e quando postas em cadeia numa cena.
A cena trabalha com várias palavras soltas e um movimento para cada uma
delas. O primeiro trabalho foi criar formas de movimento para cada palavra, não
necessariamente correspondente ao seu significado. Algumas formas eram livres
associações com a palavra ou formas criadas através da sensação que a sonoridade
causava no corpo.
O Poema: neste caso, As Palavras: Casa Caso Casual Trave Trato Contrato
Atraso Atrasou Verso Susto Assusto Cangaço Inchaço - Devasso Aço -
Através Atravesso Algo Atrás
A Movimentação:
Através da improvisação fui experimentando criar formas para as palavras que ia
dizendo. Criei muitas formas para uma só palavra e trabalhava algum tempo nestas
formas dizendo a mesma palavra com vários timbres e tons. Depois, escolhia o
movimento que mais me interessava com sua respectiva palavra correspondente. A
maneira como a palavra seria dita ficou em aberto, deixando aí um espaço para o
improviso na fala que poderia ou não modificar o movimento.
Esta é a cena mais aberta da composição, tanto pelo uso do espaço, quanto por
sua estrutura coreográfica. A iluminação nesta parte propõe um ambiente sem recorte,
todos os corredores estão ligados o que provoca algumas sombras no chão no espaço
entre eles.
Como a cena é um jogo entre palavras e movimentos correspondentes, o
deslocamento e percurso variam de apresentação a apresentação.
A movimentação tem como característica a precisão das formas com o uso do
fator peso mais forte, mas não tanto. O espaço direto, a fluência controlada e o tempo
súbito, usando os termos labanianos. O jogo fica mais rápido e as formas ficam mais
súbitas e menos formais até não se reconhecer mais nenhum movimento do inicio da
cena, a voz acompanha o processo até ficar só um som fino e espaçado.
67
Cena 4: História
Esta cena é uma proposta de quebra nas estruturas de luz, som. Criar uma cena
com o mínimo de recursos possível.
A idéia é contar uma história, uma situação cotidiana, de forma descontraída,
sem iluminação específica, sem som e bem perto do público.
A história trata da situação do bailarino independente, que tenta sobreviver da
sua arte, que tem que se atualizar, ver espetáculos e fazer aulas. Não é sobre nenhum
bailarino específico, mas sobre muitos que tentam todos os dias um lugar ao sol.
Esta questão foi levantada durante o processo de criação do espetáculo
justamente por suas condições de trabalho e foi fundamental refletirmos sobre como as
produções artísticas estão comprometidas com os meios de produção.
Se a hipótese da pesquisa sugere que os componentes do processo já apontam
para um resultado estético, temos que considerar as condições de trabalho como
fatores extremamente importantes no desenvolvimento da Composição Cênica.
Portanto, como era um assunto recorrente no meu dia-a-dia de trabalho, achei que
poderia abordá-lo artisticamente na composição.
O poema: Não existe um texto fixo, apenas o assunto de querer sobreviver do trabalho
com arte.
Esta cena não tem referência de fotos do Livro ET EU TU, mas às ruas do centro
do Rio, estreitas, lotadas e sujas são o ambiente que incitaram a história. Não existe
uma movimentação apenas gestos bem conhecidos do cotidiano.
A Movimentação:
Como a cena não possui uma movimentação, podemos falar aqui sobre posturas
e gestos que orquestram os diálogos do cotidiano. Ellen Goldman é uma das estudiosas
das pesquisas realizadas por Laban. Ela aplica estes estudos a empresários -
executivos, para abordar as lideranças no corpo; e também à bebês que estão
formando seus primeiros movimentos. Segundo Goldman (1994:7) os gestos se
diferenciam das posturas. Os gestos são realizados com partes do corpo e são
68
sustentados pela postura que é uma ação do corpo todo.
A presente cena é composta de uma postura comum. Apoiada nas duas pernas,
mas com peso maior em uma delas; e vários gestos com as mãos que tentam ilustrar a
narrativa.
Cena 5: Casa
O poema criado para Acasos:
Constroi, constroi, constroi
dispara
constroi, dispara
Para!
Foi a primeira vez que a casa caiu
achei que não fosse agüentar...
até que a gente percebe
que do chão não passa
não passa, não tem jeito,
não passa.
A Movimentação:
Para esta cena os motivos coreográficos foram as idéias de construção e
desconstrução. Primeiramente pensei nas palavras e seus significados e, a partir daí,
comecei a explorar movimentos que pudessem representar essa idéia. As explorações
foram caminhando pela estrutura anatômica do corpo, ou melhor, pelas articulações e
suas possibilidades. Este estudo a partir das articulações permitiu um aprofundamento
das idéias, uma vez que, concretamente se construía uma forma, e imediatamente,
iniciava-se sua desconstrução, ora pelo caminho inverso ao da construção, ora por
outros.
A desconstrução nada mais é que outra construção, diferente da primeira e não,
necessariamente, oposta a ela. As variações de movimento podem ser feitas através do
recurso da oposição, criando movimentações contrastantes e se distribuindo no espaço
69
de forma semelhante.
O espaço é recortado pela iluminação formando um quadrado no chão, do lado
direito (para quem olha o palco), no meio ( em relação à profundidade). O deslocamento
acontece em linhas retas, em varias direções dentro do quadrado.
A movimentação não é fluida, é segmentada e precisa, com peso forte; fluência
controlada, tempo súbito e espaço direto.
Cena 6: Morto
O poema criado para Acasos:
Não morra mas se morrer
Não se mova, se mover
Não se vire de costas,
Se virar, se vira
se vira
Não morre não
Não se mova
Não se mexa
Não se vire,
de lado,
de costas,
não, não
Move
Mexe, mexe
Corre, mova, morre
Mexe
Morre
Corre
Mexe, mexe, mexe
A Movimentação:
A movimentação desta cena começou a ser construída a partir do texto recriado.
O texto trata da morte, mas com certa ironia, ou chiste. Ou, pelo menos, foi a
70
abordagem que gostaria de dar a ele. Portanto, a movimentação é um pouco exagerada
e dramática. O texto é falado como se fossem instruções a um morto, o que ele deve
fazer quando estiver no caixão, assim, a movimentação acata às instruções e depois
se apropria delas e brinca com o tema, abstraindo-o, recortando-o.
A iluminação propõe um retângulo pequeno, parecendo um caixão no lado
esquerdo, no meio do palco. Depois os corredores vão se abrindo e o espaço fica um
pouco mais aberto.
A Movimentação tem como qualidade a segmentação das partes e os diversos
apoios das partes do corpo no chão. O tempo é sustentado; a fluência, controlada; o
espaço, direto e o peso leve.
Cena 7: A diferença no Lilás
O poema criado para Acasos:
Percebe quando explodo?
Para onde te conduzo?
Quando te uso?
Vê?
Vê?
Nota a diferença?
A movimentação:
Esta cena é um resgate da cena 2 Lilás. A necessidade veio do texto, que
insistia em volta nas improvisações e senti que faltava uma parte, mas que não estaria
junto com a primeira parte. A movimentação é também uma continuação, com mais
fluência e em tom de fim, deixando rastros, reminiscência, reticências.
A disposição da cena é igual a cena 2 Lilás: espaço recortado pela luz, com o
corte no canto esquerdo (para quem olha o palco) em um grande retângulo que vai da
frente até o fundo do espaço cênico. O bailarino transita pelo nível alto e médio e o
71
deslocamento é da frente para o fundo do palco em linha reta.
A movimentação é fluida e com acelerações e desacelerações, menos constante.
O espaço é direto e a fluência, um pouco mais livre.
5.4 Outros Arranjos...
Ensaio na Casa do Alto - 2009
Gostaria de ressaltar que esta divisão da composição em versões, serve apenas
para sinalizar o contexto em que o espetáculo se modificava. Com a entrada no
mestrado, o contato com a orientação e os vários trabalhos que iam se construindo
paralelamente a este. Senti que poderia desenvolver estruturas improvisatórias a partir
das cenas do espetáculo, que poderiam ser usadas em aulas de dança ou como estudo
de variações das cenas.
72
A questão com que a composição lida são as inúmeras maneiras de um evento
acontecer, e durante o processo vamos escolhendo um, dentre os muitos caminhos que
podemos seguir. Por exemplo, posso variar na composição, o tempo das cenas e sua
disposição no espaço. A cena 5: Casa, que começa com uma tentativa de se agarrar
nas paredes e ir escorregando, a idéia de não agüentar e ir para o chão. Isso pode
acontecer repetidas vezes, de vários jeitos, em muitas velocidades, ou, de uma vez só,
bem lento. Enfim, escolho, dentre várias possibilidades, uma maneira de fazer.
Neste trabalho vim exercitando o desdobramento das cenas, perce-las sob
pontos de vista diferentes e propor dinâmicas diferentes, transformando a cena em
algum aspecto. Ou seja, como na frase de Calvino, “são formas e seqüências que se
repetem, ainda que distribuídas de modo irregular no tempo e no espaço”, foi desta
forma que tratei o material cênico levantado no começo do processo, em 2004 e que
venho todo este tempo redistribuindo de modo bem irregular no tempo e no espaço.
E como acontece esta reconfiguração? Como já falamos anteriormente, através
da improvisação, o bailarino pode trabalhar com seus limites para transformar seu fazer
artístico. Transformação de tudo, cada respiração, cada movimento do corpo, cada
intenção, emoção que for percebida, com todos os sentidos, é transformada e recriada
em algum dos seus aspectos.
Tenho a sensação de que, pela natureza do trabalho, dar muita atenção ao
ambiente e aos estímulos que ele apresenta deixa o trabalho muito vivo e em constante
transformação e vai de encontro com a necessidade deste processo acadêmico de
pesquisa com inicio meio e fim. A composição se opõe ao fim, ao formato.
Decidi então, expor esse argumento de que a natureza do trabalho é ir se
atualizando com seu ambiente e se transformando em cada lugar que é apresentado.
Portanto, a composição que apresento (anexo DVD), como parte desta dissertação, é
uma das possibilidades de arranjo que a estrutura de Acasos possibilita. Podem
modificar esta estrutura: outras propostas, outro intérprete, outro figurino, etc.
No trabalho, com minha orientadora, sobre a estrutura , ela fez algumas
propostas e fomos experimentando as interferências destas modificações na
composição.
73
5.4.a - Descrição de outras propostas de trabalho para as cenas e suas
respectivas interferências na composição:
Cena 1 Branca
Propostas:
• Incluir pausas na frase coreográfica e no canto.
• Levar alguns movimentos, e seu acompanhamento vocal, ao seu extremo em termos
de tamanho e direções no espaço.
• Acelerar a frase e retornar ao tempo de inicio.
Interferências na composição:
Esta cena era executada em tempo constante, sem acento algum. As novas
propostas mudaram a dinâmica da cena com a inclusão de pausas; proporcionaram
uma variação de velocidade na movimentação, com acentos em alguns movimentos;
manteve-se a frase coreográfica original, ampliando em alguns momentos, o tamanho
do movimento ou mudando sua direção no espaço.
Cena 2 Casa
Propostas:
• Ir construindo o texto aos poucos na cena, soltando pedaços desconectados das
palavras.
• Engasgar em algumas sílabas e em alguns movimentos criando repetições e
aproveitando para mudar de lugar para sair da repetição.
• Neste segundo lugar , dizer o poema todo. Seguir a movimentações com pequenas
intervenções da musica ( alternância de volume).
• Com o auxilio da iluminação, criar mais 3 quadrados de luz ( a composição anterior
acontecia em um quadrado de luz) e brincar um pouco com a saída da luz, dançar no
escuro, errar a luz, etc.; até que estejam todos os quadrados acesos, incluir uma
corrida, um lapso de alegria, de inocência , com saltos antes de parar e dizer que a
casa caiu.
74
Interferências na composição:
Esta cena era mais curta e mais direta, o texto era dito de uma vez, as propostas
proporcionaram uma desconstrução no texto, nas palavras e na movimentação, como
se o ambiente desta cena fosse montado aos poucos; A iluminação também está em
jogo para recortar a cena, assim como as palavras e o movimento estão cortados.
Quando o texto aparece inteiro, a iluminação já esta estabelecida e a coreografia ganha
o espaço todo e não fica mais localizada dentro do quadrado.
Cena 3Lilás
• Nenhuma sugestão para esta cena.
Refletindo sobre o que já havia escrito sobre esta cena, me parece que ela tem
sua lógica própria, e sua repetição dentro do espetáculo da mesma forma, não sofreu
alteração.
Cena 4 Atras
Propostas:
Experimentar de outras formas o texto e a movimentação, para alterná-las dentro da
cena: 1° normal (versão antiga); 2° mais lento; 3° pedaços de palavras e movimentos e
uso dos níveis.
Dividir os grupos de palavras que são utilizadas nesta cena nos três grupos descritos
acima.
Interferências na composição:
O jogo com as palavras e os movimentos ganhou mais velocidade e variações.
Trazer o significado da palavra para a fala, por exemplo, “inchaço”, buscar a sensação
de inchaço e coloca-la na voz e na maneira que se fala a palavra, deu mais qualidade a
cena; Dividir os grupos de palavras a serem ditos também criou na cena, três
momentos de jogo com as palavras, com dinâmicas diferentes.
75
Cena 5 História
Propostas:
Respirar, caminhar até os ingressos, pegá-los e ir dispondo-os no espaço criando
algumas das situações presentes na historia xixi, a rua, as pessoas, lembranças de
algum espetáculo.
• Depois que os ingressos estão todos espacializados, vai até o público e começa o
texto.
• Descoordenar a narrativa, propor as situações e as emoções correspondentes.
Ressaltar mais as emoções do que a história em si. As emoções são: angustia, choro,
disposição...
Interferências na composição:
Esta cena começava diretamente com o texto, já falando com o publico. Com as
novas propostas, sem texto algum, começo a espalhar os ingressos (que uso nesta
cena) pelo palco, como se delimitasse pequenos espaços; Depois começo a dizer
trechos do texto, não em ordem narrativa, e a dançar a sensação que aquele trecho me
causa. Dividimos as sensações que o texto expressava e as dividimos na cena. Ao final,
as partes do texto começam a se encaixar e a história pode ser entendida.
Cena 6 – Morto
Propostas:
Fazer muito lento o meio da coreografia.
Interferências na composição:
Esta cena também não sofreu muita modificação desde a primeira versão do
espetáculo. Sua estrutura continua igual. Apenas um trecho da coreografia, onde se
repetem 2 vezes um conjunto de quatro movimentos, usamos o tempo bem sustentado,
muito lento, para se diferenciar do restante da movimentação que tem uma qualidade
de desabar.
76
Cena 7A diferença no Lilás
• Nenhuma alteração
Não consigo explicar exatamente o motivo, mas a repetição desta cena, com o
poema diferente, movimentação igual, mas na direção contrária, para mim, faz muito
sentido. Muitas pessoas que já viram o espetáculo comentam esta cena que se repete,
como se ela unificasse todas as outras. Acho que por serem oito cenas cortadas,
diferentes uma das outras, a repetição de uma delas já traz uma sensação de
reconhecer algo em meio às diferenças, trás uma segurança para quem assiste.
5.4.b - Observações:
Pensando em fases de construção, este trabalho, uniu duas fases que são:
experimentação e escolha. Enquanto ia experimentando e ouvindo as novas indicações
já ia articulando a composição e escolhendo o que mais gostava.
Acho que isso só foi possível por eu já conhecia muito bem todas as cenas e por
isso as modificações, as novas indicações, eram novidade e a atenção se dobrava
sobre estas. Isso facilitava a assimilação e decodificação dos movimentos.
O espetáculo está em transformação até hoje, de acordo com o que se pretendia.
Uma peça com várias cenas cortadas, cada uma com suas qualidades e possíveis
significados, onde não existe uma única ordem entre as partes. A cada apresentação
uma combinação é proposta, o que re-significa o espetáculo como um todo. A maneira
como são encadeadas as cenas define um resultado, outra combinação acarreta em
resultado diferente e assim por diante. Como se eu quisesse falar de um assunto sob
diversas perspectivas.
“...a perspectiva transforma aquilo que é visto.”
(Miranda, 2008:18)
77
Capítulo VI – Outras Análises e Considerações Finais:
Elegi os componentes da dança, enunciados por Preston-Dunlop, para
desenvolver a análise do espetáculo. Discorro sobre a verificação de cada um deles na
composição de Acasos. São eles:
1. Movimento
2.
: Relacionamentos, dinâmicas, partes do corpo, ações, espaço.
Entorno Visual
3.
: Espaço Geral área da performance, cenários, ambiente.
Elementos aurais
4.
: Som, silêncio, música, palavra falada.
Dançarino
: número, sexo, função.
1-
Movimento
1.a Relacionamentos
O que não está em relação? Não consigo imaginar um só momento da
composição que não esteja cheio de relações. Penso que em primeiro lugar, os
movimentos estão em relação com o espaço nas ações de perfurar, deslizar, cortar,
pontuar, empurrar, apoiar, sustentar e revirar, presentes nas frases de movimento.
Desta forma, as frases se dispõem no espaço e cria linhas, oposições,
profundidade e deslocamentos em relação ao lugar onde é apresentado ou ensaiado.
Os movimentos se relacionam também com o figurino que é feito, em sua maior
parte, de papel e requer cuidado especial em passagens pelo chão ou em subidas
bruscas para o plano vertical.
Assim, também existe relação com o objeto cênico utilizado ( bilhetes, convites,
ingressos) que são manipulados durante a cena.
Todos os elementos interagem entre si para que o roteiro do espetáculo se
complete. Não existe uma relação mais importante que a outra, a falta de qualquer uma
delas, prejudica a composição. Quando o trabalho é apresentado ao publico, estas
relações se potencializam para que haja comunicação.
78
1.b Dinâmicas
Para perceber as dinâmicas da movimentação, segundo Laban, temos que
decompor a movimentação em unidades menores, que são os fatores de movimento (
peso, espaço, tempo e fluência).
No entanto, conforme se vai aprofundando nos detalhes da pesquisa, essa
classificação passa a ficar confusa e inapropriada, apontando características
aparentemente antagônicas, o que faz com que um movimento possa ser classificado,
por exemplo, como direto e flexível em relação ao espaço. Por exemplo, um movimento
de salto com giro ( tour en lair), na direção vertical, com os dois pés, é evidentemente
direto no espaço, pois a intenção é atingir um ponto acima da cabeça, porém, a
trajetória interna do movimento, obedece uma espiral que se inicia na musculatura das
pernas e reverbera pela coluna até a cabeça. Além disso, existe também uma torção no
eixo coluna-cabeça para que o movimento aconteça. Ou seja, aparentemente
percebemos apenas o componente direto do fator e não o componente flexível do fator,
esquecendo-se que a dinâmica do salto esta justamente na combinação dos dois
componentes do fator. Isso sem falar ainda dos outros fatores que elaboram ainda mais
o movimento.
Portanto, a movimentação desta composição brinca com esta tensão entre os
componentes de cada fator para criar a dinâmica de ritmos, intensidades e velocidades
no todo da composição. Por exemplo, movimentos flexíveis que precedem movimentos
diretos, ou movimentos pesados que precedem movimentos leves.
1.c – Partes do Corpo
A idéia de pensar sobre a estrutura corporal da movimentação, como se o
movimento de uma parte possa ser analisado isoladamente não é do meu interesse e
acredito que tampouco Laban se interessaria, uma vez que para ele, cada fase do
movimento, cada mínima transferência de peso, cada simples gesto é sustentado pelo
corpo todo , ou seja, o movimento engloba todo o corpo, e verifica-se em suas partes.
A movimentação presente na composição Acasos é cheia de detalhes. Por ter
trabalhado com alguns coreógrafos formados pelos princípios labanianos, penso que
desenvolvi também este olhar minucioso para os movimentos e seus detalhes, sem,
79
contudo, perder a sensação de que o corpo todo está envolvido em qualquer gesto que
seja.
Por isto, podemos falar da coluna e do cento do corpo, que a meu ver,
desencadeiam todos os movimentos das pernas, dos braços e da cabeça. Identifico na
movimentação lideranças, ênfases em determinadas partes do corpo, como por
exemplo, as mãos, como é o caso da primeira cena. Mas se olharmos minuciosamente
perceberemos que o movimento se inicia nas escapulas, percorre todo o braço até as
falanges.
1.d Ações
Considero que esta composição contenha ações de movimento, já enunciadas
por Laban, tais como: perfurar, deslizar, cortar, pontuar, empurrar, apoiar e sustentar
que estão dissolvidas nas frases de movimento e existe também as ações de contar
uma história, espalhar os ingressos pelo palco, cantar e brincar com as formas dos
movimentos e das palavras.
Ação é um termo muito utilizado também no teatro, definida por vários diretores
de acordo com o que eles entendem sobre isso.
Penso a ação como uma junção de várias pequenas forças no corpo, mais a
vontade ou intenção de realizar algo e as condições dadas pelo ambiente onde estamos
inseridos. Esta união de forças originam as ações, quando escrevo um roteiro
coreográfico é quase uma lista de instruções ou de ações a serem desenvolvidas, por
exemplo, andar até a frente do palco, respirar e começar a espalhar os ingressos é uma
ação muito importante na peça e pode ser entendida como 3 ações diferentes também
mas ao meu ver, o objetivo da cena é compor o espaço com ingressos e andar a te a
frente e respirar fazem parte da dinâmica que quero dar a cena.
1.e – Espaço
O espaço pode ser analisado por três ângulos pelo menos, um é o espaço
interno, dentro do corpo, entre os músculos e os ossos. Um espaço constantemente
pesquisado em aulas de dança que desenvolve todo o alinhamento corporal e
consequentemente as possibilidades de movimento do corpo. O outro é o espaço ao
80
redor do corpo, denominado por Laban de Cinesfera e que trabalha o movimento em
seus diversos ângulos, o que foi muito utilizado na criação de acasos porque o primeiro
espaço que nos apresentaríamos seria uma arena e, portanto a criação dos
movimentos já contava com publico de todos os lados. O terceiro ângulo é o espaço
onde a composição está sendo apresentada influenciando a composição. É claro que
eu poderia fazer a mesma coreografia numa arena ou em um palco italiano sem
considerar a mudança de visão do espectador, o que até poderia gerar outros pontos de
vista sobre a dança, mas optei por perceber o espaço e o que de novo ele poderia
trazer para a composão, afinal, não estávamos ali por acaso.
Acasos foi trabalhado com cada novo espaço onde foi apresentado, inclusive
para a apresentação do mestrado como não tínhamos uma sala adequada para a
apresentação mais uma vez escolhemos o que poderia ser mostrado e como. O vídeo
foi a melhor opção por trazer outro olhar para a composição e se relacionar com as
condições que nos foram apresentadas.
2
Entorno Visual
2.a Espaço Geral
área da performance, cenários, ambiente.
O Entrono Visual desta composição foi pensado como espaço físico de
disposição da peça, ou seja, não havia cenário.
O ambiente nos dava as coordenadas de como utiliza-lo, como a dança ficaria
mais bem disposta naquele espaço, sem alterá-lo.
Na primeira montagem, usamos umas garrafas com água gelada espalhadas
pelo espaço, foi um espaço para testar a idéia de Anik, que assinava a direção de arte.
A imagem era linda e pode ser conferida em algumas fotos daquela estréia.
Percebemos que a produção das garrafas com água gelada era um pouco difícil e
resolvemos deixa-las de lado. Anik estava começando a afirmar sua tendência clean e,
portanto o cenário não fazia a menor falta. Mas tarde ela queria tirar o figurino também,
mas nós resistimos e ele perdura até hoje.
81
3 -
Elementos Aurais
3.a som
Sobre estes três itens, gostaria de refleti-los juntos porque não fazem sentido
para esta composição estarem separados. Tudo era tratado como som neste
espetáculo, a música, o som, a palavra e até o silencio.
O intuito, como diz o release do espetáculo, era fazer poesia com os
movimentos, com a voz e com a música. O primeiro som que surgiu foi o canto, um
sussurro que ficava se repetindo e que originou melodia da cena 1 (Branca), durante a
improvisação desta cena produzi vários barulhos e sons, mas o que perdurou foi o
canto. Já em outra cena Através a brincadeira era com as palavras e seus pedaços.
Portanto, não saberia dividir estes elementos tão importantes nesta composição.
Alguns sons foram bastante emblemáticos para mim na época do processo de
criação. Os que me vêm à cabeça são: as músicas do camelódromo, que quando
sobrepostas se tornam um barulho que não consigo identificar; os sinos da igreja, que
soavam exatamente na hora do ensaio, pessoas andando e falando na rua, ambulantes
vendendo coisas. Uma grande mistura de todos elementos intitulados por Preston-
Dunlop, presente na rua, como estímulos que nos chegam a todo momento. Eram a
musica e as palavras formando sons.
3.b silêncio
O silêncio... este sim não era possível ouvir, pelo menos no centro da cidade, no
horário comercial. Acho que de certa forma minha dança procura este silencio, uma
calma.
Já nas salas do Centro Coreográfico do Rio o silencio era enorme, do tamanho
da sala. Ensaiar sozinha lá era preciso muito foco porque era muito fácil se perder no
espaço e no silencio que a sala proporciona e que as vezes precisamos.
3.c – palavra falada
As palavras estão em toda parte e com muitos sotaques e intenções. De certa
82
forma, eu tentava ouvir nas ruas as palavras do meu interesse, as palavras que
estavam no meu livro-estímulo e que eram tão comuns. Vendedores por exemplo,
alguns são gentis e outros não, as palavras são ditas de formas completamente
diferentes e eu queria juntá-las. Foi assim que trabalhei a cena da história, inspirada
por estas tantas formas de se falar e desta forma, porque não repetir a sentença O que
é que eu estou fazendo aqui?” de vários jeitos, deslocando um pouco seu significado
dentro da história contada e projetando para outras tantas que não foram contadas.
4
Dançarino
4.a mero e sexo
A composição conta com uma bailarina, do sexo feminino. Por ser um solo, que
foi trabalhado em conjunto, conversávamos muito sobre estar em cena sozinha. Por
mais que ensaiássemos em equipe, com todos opinando sobre a composição; por mais
que estivéssemos todos juntos na montagem de luz e som, no ensaio geral, quando se
instalava o black-out e tocava o terceiro sinal do teatro era somente eu no palco. Se
desse algum problema com o som, ou com a luz eu tinha resolver e improvisar até
encontrar de novo uma sincronia com o entorno da dança. Até brincamos que o texto
dito na cena 7 Morto, era pra ser lembrado se algo desse errado: Se vira!
Quando a luz vai se abrindo, a imagem é de uma mulher de saia, e talvez neste
primeiro momento, a questão feminina fique em evidência, mas nunca foi uma questão
para mim. Acredito que com o decorrer da dança, esta imagem vá se diluindo, com a
estranheza da saia feita de papel (que já não é tão feminina) e também, com a
movimentação que não foi trabalhada na questão do gênero. A questão das dinâmicas
para mim eram as mais importantes.
4.b - função
Nesta parte podemos refletir sobre a questão da bailarina coreógrafa. Desde a
graduação em dança na Unicamp, fui estimulada a criar e executar coreografias. Esta é
uma situação comum para mim e acredito que para pequenos grupos independentes.
83
No meu processo inicial até a segunda versão, pude contar com o olhar da
bailarina Dora que estava de fora do trabalho. Este olhar redimensionava a minha
percepção da dança e alterava a sua execução. Mesmo assim, era um olhar sob o que
eu havia criado e dançado, ou seja, a função bailarina-coreógrafa já havia sido
cumprida. Na versão 3, trabalhei mais sozinha e o peso de escolher e decidir tudo sobre
a composição foi um pouco mais pesado, mas nada que já não tivesse feito antes, em
outros trabalhos.
Apresentei então uma análise da estrutura geral do espetáculo Acasos
dialogando com os estudos sobre a Coreologia e com isso, a pesquisa colabora para a
evolução das ações investigativas e criativas, por meio de processos reflexivos e
criativos.
A importância de estudos de criação artística contribui para a área das artes
cênicas como um todo. Estas pesquisas, além de promoverem a reflexão e
transformação, são uma forma de documentar a produção em dança, construindo assim
um acervo de pesquisas que podem auxiliar outras pesquisas posteriores.
Achei relevante resgatar esta composição Com este trabalho, pretendo distribuir
o trabalho, vender o trabalho, oferecer junto da apresentação uma oficina prática, e
dependendo das condições, concluir a oficina com uma composição criada pelos
participantes. Circular, procurar as frestas, os espaços vazios e preenchê-lo.
Depois que comecei a fazer esta pesquisa tive contato com estudos sobre a
poesia concreta e fiquei surpresa do quanto reconhecia meu trabalho coreográfico nos
poemas, manifestos e textos críticos escritos por Décio Pignatari (Jundiaí, SP, 1927),
Haroldo de Campos (São Paulo, 1929) e Augusto de Campos (São Paulo, 1931) e
logo pensei: “Porque eu não conheci isto antes?”. Bom não foi antes, mas eu conheci e
não posso deixar de fora desta dissertação um pouco sobre o que escreveram e que
encontro diálogo com as minhas questões sobre dança.
Escolhi esta parte para fechar o texto para exaltar, novamente, a poesia. Os
trechos que escolhi são os que, para mim, mais espelham minhas questões sobre
dança e composição.
84
A palavra começou a descolar-se do objeto a que se referia,
Alienou-se, tornou-se objeto qualitativamente diferente,
Quis ser a palavra §flor§ sem a flor.
E desintegrou-se ela mesma, atomizou-se
Décio Pignatari (1987: 47,48,49)
15
POESIA CONCRETA: TENSÃO DE PALAVRAS-COISAS NO
ESPAÇO-TEMPO.
Eu identifico meu trabalho mais com estas poesias....encontro dialogo nestes
autores.palavras...
Augusto de Campos (1987:50, 51)
16
A palavra tem uma dimensão GRÁFICO-ESPACIAL
uma dimensão ACÚSTICO-ORAL
uma dimensão CONTEUDÍSTICA
agindo sobre os comandos da palavra nessas
3 dimensões 3
PROGRAMA:
o POEMA CONCRETO aspira a ser: composição de elementos básicos da
linguagem, organizados ótico-acusticamente no espaço gráfico por fatores de
proximidade e semelhança, como uma espécie de ideograma para uma dada
emoção, visando à apresentação direta – presentificação – do objeto
Haroldo de Campos (1987: 52,53)
17
15
Trecho extraído do artigo Nova Poesia: Concreta, publicado originalmente em 1956.
16
Trecho extraído do artigo Poesia Concreta, publicado originalmente em 1956.
17
Trecho extraído do artigo Olho por olho a olho nu, publicado originalmente em 1956.
85
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