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riqueza indizível dos meios e, de outro, a pobreza do resultado perseguido e obtido,
então nos impele a admissão de que a vida é um negócio cujos lucros não cobrem, nem
de longe, os gastos”
13
. A vida do homem também não se apresenta de forma alguma
como uma dádiva, mas sim como uma tarefa, como uma dívida da qual devemos nos
livrar. No todo ou em detalhe, o que vemos não é senão miséria universal, fadiga sem
trégua, atividades forçadas, lutas sem fim, mas a finalidade de tudo isso consiste apenas
em assegurar durante um curto espaço de tempo a existência de indivíduos efêmeros e
atormentados.
14
Diante de tal quadro a afirmação da vida seria a aceitação desse espetáculo,
“belo de se ver” é verdade; “mas ser é bem outra coisa”
15
. Já a negação da vontade tem
o sentido de uma recusa e por isso é uma atitude moral. Aquele que nega é aquele que
ao tomar para si todas as dores do mundo, não pode mais afirmar o sofrimento essencial
à vida. Dessa forma, não basta negar o fenômeno, mas a própria essência – a ética dá
lugar a uma teoria da negação da vontade. Para entender o processo de negação,
entretanto, falta qualquer conceito, resta apenas a linguagem simbólica das religiões.
Schopenhauer opõe o homem natural ao santo, o reino da natureza, regido pela
necessidade, ao reino da graça, o reino da liberdade
16
. A identidade de todos os seres só
pode se dar no domínio da negação da vontade (Nirvana), pois no domínio da afirmação
(Samsara), só há multiplicidade
17
. Segundo a teologia cristã interpretada por
13
WWV, Complementos, Cap. 28, SW, vol. III, p. 403.
14
WWV, Complementos, Cap. 28, (SW, III, p. 407).
15
WWV, Complementos, Cap. 46, (SW II, 665).
16
Cf. WWV, § 70, SW, II, p. 478.
17
Cf. WWV, E., Cap. 48, SW, III, p. 700. Isso não nos deve levar a ver a negação da vontade como uma
reabsorção do indivíduo no todo do mundo, como se bastasse restabelecer a unidade que a multiplicidade
do mundo fenomênico desfez para alcançar a redenção. Essa interpretação, porém, está presente em uma
série de comentadores da obra de Schopenhauer e mesmo Horkheimer parece interpretá-lo assim num
texto dos Notizen (que permaneceu póstumo) entitulado “Schopenhauer als Optimist”. Segundo
Horkheimer, mesmo Schopenhauer, com a teoria da negação da vontade de viver, recairia no dogmatismo
otimista, ao considerar a possibilidade do fim do sofrimento como uma realidade metafísica. Para ele,
ainda que Schopenhauer não argumente contra a realidade da miséria, como fazem os outros sistemas,
ainda assim ele incorreria no erro de considerar possível uma reconciliação da vontade consigo mesma.
Essa se daria com o retorno da vontade individual à vontade una: “no fundo, [ele] pensa que a dor e o
tédio só correspondem à vontade individual, não à vontade lisa e plana”. Disso se segue, para
Horkheimer, que Schopenhauer expressaria um otimismo metafísico ainda mais decisivo ao aceitar o mito
da transmigração das almas, que estaria pressuposto na idéia de que apenas alguns indivíduos podem
alcançar uma saída redentora do mundo como vontade. Assim, conclui Horkheimer, “a boa infinitude é
um consolo duvidosamente filosófico. Dessa maneira, em última instância, Schopenhauer conserva a
razão contra si mesmo. O quarto livro de sua obra principal se revela como um descarrilamento, como um
lapsus que os outros três conseguem refutar”. Max Horkheimer, Notizen. In:______ Gesammelte Werke,
ed. Cit., vol. 6, p. 388. Já na conferência Pessimismus Heute (1969), essa mesma interpretação de
Schopenhauer é o ponto de partida para vincular o pessimismo teórico com uma “práxis não não otimista”
(nicht unoptmistische Praxis), pois representaria uma via de superação do pessimismo por meio de uma
solidariedade que contém em si momentos teológicos. Essa interpretação recupera a positividade pois