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II
Catalogação: [email protected]
Fonseca, Alberto de Freitas Castro.
F676a Controle e uso da água na Ouro Preto dos séculos XVIII e XIX
[manuscrito]. / Alberto de Freitas Castro. – 2004.
x, 127f. : il. color., tabs., mapas.
Documentário fotográfico de Chafarizes.
Orientador: Prof. Dr. José Francisco do Prado Filho.
Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal de Ouro Preto. Núcleo
de Pesquisa em Recursos Hídricos – Pró-Água. Programa de pós-graduação
em Engenharia Ambiental.
1.Recursos Hídricos - Teses. 2. Saneamento - Ouro Preto (MG) - Teses.
3. Fontes e chafarizes - Ouro Preto (MG) - Teses. 4. Meio Ambiente - Ouro
Preto (MG) - Teses 5. História - Ouro Preto (MG) - Teses. 6. Minas e
mineração - Técnicas - Teses. I Universidade Federal de Ouro Preto. Núcleo
de Pesquisa em Recursos Hídricos – Pró-Àgua. Programa de pós-graduação
em Engenharia Ambiental. II. Título.
CDU: 556.51(815.1)
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III
Ministério da Educação
Universidade Federal de Ouro Preto
Núcleo de Pesquisas em Recursos Hídricos - PROÁGUA
Programa de Pós-Graduação em Engenharia Ambiental
Campus – Morro do Cruzeiro – ICEB – CEP: 35.400-000
Fone: (031) 3559-1725
Controle e uso da água na Ouro Preto dos séculos XVIII e XIX
Autor: Alberto de Freitas Castro Fonseca
Esta dissertação foi aprovada pela banca examinadora constituída pelos
seguintes professores:
Ouro Preto, novembro de 2004
IV
AGRADECIMENTOS
Ao professor doutor José Francisco do Prado Filho, pelas boas conversas, pelas críticas,
pelo incentivo e pela confiança. Aos professores doutores Jorge Adílio, Andréa Lisly e
Léo Heller, pelas valiosas críticas. À professora doutora Regina Horta Duarte, pelas
dicas bibliográficas sobre História Ambiental. Aos funcionários do Departamento de
Águas e Esgotos da Prefeitura, pelas informações prestadas e pelas visitas guiadas. Aos
funcionários dos arquivos e das bibliotecas pesquisados, pela ajuda e pela paciência.
Aos cidadãos de Ouro Preto que abriram suas portas para mostrarem os chafarizes, pela
confiança. À Pro-reitoria de Pós-graduação da UFOP, pela bolsa concedida. Aos
professores e colegas do PROÁGUA, pela luta e pela boa companhia. Ao Departamento
de Engenharia Sanitária (DESA) da UFMG, por ter me feito enxergar ética e beleza na
engenharia. Aos meus amigos da LLL, por abrirem meu sorriso. Ao meu amigo
Ronaldo, pelas conversas e pelas corridas nas ruas poluídas de Belo Horizonte. À Aline,
pelo caráter e pela paciência. Aos meus irmãos, Paulinho e Lulu, pela amizade. Ao meu
pai, Cristiano, pelas leituras críticas e pelo imenso apoio. A minha mãe, Betinha, pelo
carinho e pelo imenso apoio. À Ana Ceci, por existir. À música e à palavra, por me
dispensarem Deus.
V
“E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.”
Alberto Caeiro
(Trecho do poema O rio da minha aldeia)
VI
RESUMO
Ouro Preto é uma cidade Patrimônio Cultural da Humanidade, cuja história
secular tem sido contada sob uma ótica que privilegia os aspectos sociais, culturais,
políticos e econômicos. Neste trabalho pioneiro, buscou-se estudar a história da cidade
através de um dos seus mais relevantes aspectos ambientais, qual seja, os recursos
hídricos. Tomando por base os métodos do incipiente campo da História Ambiental e
utilizando fontes de estudo primárias e secundárias, pesquisou-se a questão do controle
e do uso da água nos séculos XVIII e XIX da cidade. Foi observado que, devido à
natureza hidrogravimétrica dos métodos empregados nos trabalhos de mineração em
Vila Rica, a água tornou-se, desde os primórdios do século XVIII, um recurso natural
dotado de valor econômico, suscitando conflitos em torno da sua posse e do seu uso. A
Coroa procurou atenuar esses conflitos através da instituição de uma legislação
protecionista e de um sistema de licença de uso, mas foi ineficiente. No âmbito da vila,
a água foi utilizada, sobretudo, para o abastecimento doméstico. Cabia ao Senado da
Câmara construir e manter os chafarizes reclamados pela população e instituir posturas
que regulassem as questões suscitadas em torno da água. O esgotamento sanitário, no
entanto, era eminentemente individual, realizado, sobretudo, através de secretas ou de
valos que desaguavam nos córregos situados nos fundos dos quintais. O acesso à água
encanada dentro das residências foi freqüente entre os mais abastados que se dispunham
a “comprar” do poder público provisões de penas ou anéis de água. A partir de meados
do século XIX, tornaram-se comum discursos de cunho higienistas nas assembléias da
Província de Minas Gerais, o que incentivou, em fins da década de 1880, a construção
de um sistema de água e esgotos em Ouro Preto, que contemplava, inclusive, uma
Estação de Tratamento de Esgotos. Constatou-se que, de maneira geral, durante os
séculos XVIII e XIX, o controle sobre o uso da água foi reativo e burocrático. Apesar de
terem tido grande importância na formação da cidade, os recursos hídricos sobejam hoje
desrespeitados, recebendo o lixo e os esgotos in natura da população.
PALAVRAS-CHAVE: História Ambiental; Gerenciamento de Recursos Hídricos;
Saneamento Básico; Meio Ambiente; Ouro Preto.
VII
ABSTRACT
Ouro Preto is a World Cultural Heritage city, whose secular history has been
told under the perspective that favors the social, cultural, politic and economic aspects.
On this pioneering work, it was undertaken the study of the city’s history through one
among its more relevant environmental aspects, that is, the hydric resources. Basing on
the methods from the incipient area of the Environmental History, and utilizing primary
and secondary study sources, it was researched the issue of the water use and control at
the city on the XVIII and XIX centuries. It was observed that, due to the
hydrogravimetric nature of the methods employed on the mining jobs in Vila Rica,
water became, since the beginnings of the XVIII century, a natural resource endowed
with economic value, giving rise to conflicts concerning its ownership and utilization.
The Crown (Central Government) tried to lessen these conflicts by establishing
protectionist laws and a system of utilization license, but it didn’t succeed. Inside the
bounds of the village, the water was utilized chiefly for domestic purposes. It was
incumbent on the Senate of the Chamber to build and maintain the fountains required by
the population, as well as to establish attitudes that would regulate the questions that
could come up concerning the water. The sanitary sewage was however highly
individual, and was achieved through toilets or ditches that flew into brooklets that
existed at the back of the yards. The access to canalized water inside the houses was
frequent among the richest people, who were prepared to “buy” from public service
provisions of penas or anéis (rings) of water. From the middle of the XIX century on,
speeches of hygienist character became usual on the gatherings of Minas Gerais
Province, which stimulated at the end of the 1880 decade the construction of a water
and sewage system in Ouro Preto, which included a Sewage Treatment Station. It was
verified that, in a general way, during the XVIII and XIX centuries, the control over the
water use was reactive and bureaucratic. Even though the hydric resources had a great
relevance on the shaping of the city, they remain disregarded nowadays, receiving the
population’s garbage and sewage in natura.
KEY WORDS: Environmental History; Hydric Resources Management; Basic
Sanitation; Environment; Ouro Preto.
VIII
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 TORNEIRAS OURO-PRETANAS: COM E SEM ELEMENTO QUE DENOTA O SAGRADO ...................12
FIGURA
2 RUÍNAS DE UM AQUEDUTO ROMANO ......................................................................................13
FIGURA
3 TURISTAS VISITANDO A SAÍDA DA CLOACA MÁXIMA EM ROMA ............................................14
FIGURA
4 HIDROGRAFIA BRASILEIRA ANTES E DEPOIS DA DESCOBERTA DO OURO .................................24
FIGURA
5 ROSÁRIO ................................................................................................................................26
FIGURA
6 CERCOS D'ÁGUA.....................................................................................................................27
FIGURA
7 ESQUEMA DE UM MUNDÉU .....................................................................................................30
FIGURA
8 RUÍNAS DOS MUNDÉUS OURO-PRETANOS ...............................................................................31
FIGURA
9 ASPECTO ESQUEMÁTICO DAS CANOAS ...................................................................................33
FIGURA
10 ANTIGA LAGOA DA BARRA ..................................................................................................42
FIGURA
11 RESQUÍCIOS DOS ANTIGOS CANAIS DE ÁGUA UTILIZADOS NA MINERAÇÃO EM OURO PRETO 43
FIGURA
12 PLANTA DE UM DOS PRIMEIROS POVOADOS DE VILA RICA ...................................................46
FIGURA
13 PRIVADAS SETECENTISTAS DA CASA DOS CONTOS...............................................................48
FIGURA
14 CHAFARIZ PARTICULAR DE UMA CASA SETECENTISTA .........................................................49
FIGURA
15 BUSTO DA FONTE DO ALTO DO PADRE FARIA......................................................................51
FIGURA
16 ANTIGO CHAFARIZ DA PRAÇA TIRADENTES .........................................................................51
FIGURA
17 CARRANCAS COLONIAIS OURO-PRETANAS ...........................................................................54
FIGURA
18 CARRANCA DO CHAFARIZ DOS CONTOS ...............................................................................54
FIGURA
19 RESQUÍCIOS DA INSCRIÇÃO LATINA DO CHAFARIZ DOS CONTOS..........................................57
FIGURA
20 MANILHA, ANEL E PENA USADAS PARA MEDIR QUANTIDADE DE ÁGUA.............................58
FIGURA
21 CAIXAS D'ÁGUA DO PROJETO DE WURFFBAIN ......................................................................76
FIGURA
22 TIJOLO DO RIO DE JANEIRO NO TANQUE DE DESINFECÇÃO DA BARRA ................................78
FIGURA
23 RESERVATÓRIO 17 NO MUNDÉU DO VELOSO........................................................................79
FIGURA
24 TANQUES DE DESINFECÇÃO DA BARRA ...............................................................................80
FIGURA
25 INTERIOR DO RESERVATÓRIO III DE ÁGUA, CONSTRUÍDO EM 1890 E AINDA EM OPERAÇÃO.88
FIGURA
26 COMPORTAMENTO TEMPORAL DO ÍNDICE DE QUALIDADE DE ÁGUA NO RIO DO CARMO DE
2000 A 2003 ........................................................................................................................................92
FIGURA
27 RESIDÊNCIAS DE OURO PRETO LANÇANDO SEUS ESGOTOS DIRETAMENTE NO CÓRREGO......93
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – REFERÊNCIAS DE ANTIGOS PENSADORES DO SÉCULO V A.C. AO XI D.C. SOBRE QUALIDADE
DE ÁGUA
..............................................................................................................................................18
QUADRO
2 ELOGIOS DE VIAJANTES E ESTRANGEIROS À ÁGUA DE OURO PRETO NO SÉCULO XIX..........61
IX
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................................................1
1.1
A HISTÓRIA AMBIENTAL .....................................................................................................................2
1.2
OBJETIVOS...........................................................................................................................................4
1.3
JUSTIFICATIVAS...................................................................................................................................5
1.4
ASPECTOS METODOLÓGICOS...............................................................................................................6
2 O HOMEM E A ÁGUA NA HISTÓRIA..............................................................................................9
2.1
A ÁGUA COMO UM BEM SAGRADO ...................................................................................................10
2.2
OBRAS HIDRÁULICAS, CONTROLE E USO DA ÁGUA............................................................................12
2.3
O ENTENDIMENTO DO CICLO HIDROLÓGICO .....................................................................................16
2.4
A PREOCUPAÇÃO COM A QUALIDADE NA ÁGUA................................................................................17
2.5
A ÁGUA NA IDADE MÉDIA ................................................................................................................19
3 A ÁGUA NAS MINAS DE OURO COLONIAIS..............................................................................21
3.1
A DESCOBERTA DO OURO: UM LITERAL DIVISOR DE ÁGUAS ..........................................................23
3.2
OS TRABALHOS DE MINERAÇÃO NA REGIÃO DE VILA RICA..............................................................25
3.2.1 Nos leitos dos rios .....................................................................................................................27
3.2.2 Nas margens dos rios ................................................................................................................28
3.2.3 Nas encostas das montanhas.....................................................................................................29
3.2.4 Nos vales....................................................................................................................................32
3.2.5 No interior das montanhas ........................................................................................................32
3.3
TRATAMENTO DO MINÉRIO AURÍFERO ..............................................................................................32
3.4
O CONTROLE DA COROA SOBRE O USO DA ÁGUA NAS MINAS DE OURO...........................................34
3.5
ASSOREAMENTO E ALTERAÇÕES NA PAISAGEM ................................................................................40
4 O ABASTECIMENTO DE ÁGUA NO PERÍODO COLONIAL ....................................................44
4.1
PRIMEIROS TEMPOS FINS DO SÉCULO XVII AO PRIMEIRO QUARTEL DO SÉCULO XVIII...................45
4.2
A ÁGUA NAS RESIDÊNCIAS ................................................................................................................47
4.3
FONTES E CHAFARIZES PÚBLICOS .....................................................................................................50
4.3.1 Carrancas ou gárgulas..............................................................................................................53
4.5
PROBLEMAS NO ABASTECIMENTO DE ÁGUA E ASPECTOS GERENCIAIS EM VILA RICA......................55
5 O NOVO SISTEMA DE ÁGUA E ESGOTOS DA CAPITAL.........................................................62
5.1
A EMERGÊNCIA DA SAÚDE PÚBLICA E DAS POLÍTICAS DE SANEAMENTO..........................................64
5.2
O ESTADO DE DECADÊNCIA DA CAPITAL MINEIRA NO SÉCULO XIX ................................................66
5.2.1 A decepção dos viajantes e estrangeiros...................................................................................66
5.2.2 Problemas sanitários.................................................................................................................68
5.3
O NOVO SISTEMA DE ÁGUA E ESGOTOS DA CAPITAL........................................................................71
5.3.1 O primeiro projeto de abastecimento de água e esgotos...........................................................75
X
5.3.2 O projeto executado...................................................................................................................76
6 DISCUSSÕES.......................................................................................................................................81
6.1
UM EPISÓDIO ESQUECIDO NA HISTÓRIA DA GESTÃO DOS RECURSOS HÍDRICOS NO BRASIL .............82
6.2
A INFLUÊNCIA DA CULTURA COLONIAL NA ATUAL GESTÃO PÚBLICA DAS ÁGUAS DE
ABASTECIMENTO DE OURO PRETO..........................................................................................................87
6.3
CHAFARIZES OURO-PRETANOS: MONUMENTOS-SÍMBOLOS DESPREZADOS DE UMA ÉPOCA................90
6.4
O RETROCESSO SANITÁRIO EM OURO PRETO NO SÉCULO XX...........................................................91
7 CONCLUSÃO ......................................................................................................................................97
FONTES PRIMÁRIAS..........................................................................................................................100
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................................102
ANEXOS .................................................................................................................................................111
ANEXO
1: CAMINHO DO RIO DE JANEIRO PARA VILA RICA (S.D.) .........................................112
ANEXO
2: A ÁGUA NA LEGISLAÇÃO DAS MINAS DE OURO COLONIAIS .............................113
ANEXO
3: LOCAIS DOS CHAFARIZES PÚBLICOS NO FINAL DO SÉCULO XVIII...................116
ANEXO
4: CHAFARIZES PÚBLICOS...............................................................................................117
ANEXO
5: CHAFARIZES PARTICULARES ....................................................................................122
ANEXO
6: CHAFARIZES DEMOLIDOS OU ALTERADOS............................................................125
CRÉDITO DAS FIGURAS UTILIZADAS PARA ILUSTRAR ESTA DISSERTAÇÃO ...............127
ENCARTE: MAPA COM A LOCALIZAÇÃO DOS CHAFARIZES OURO-PRETANOS
1
1 INTRODUÇÃO
2
As tentativas de contar a história da cidade de Ouro Preto, embora numerosas e
diversificadas, apresentam todas uma característica em comum: a marginalização das questões
ambientais. Da análise das obras de autores como Lima Júnior (1957), Sales (1965),
Vasconcelos (1977), Bandeira (1963), Cabral (1969), Alcibiades (1955), Maltieira (1971),
Ruas (1964), Gustafson (1983) e muitos outros, percebe-se que a cidade é abordada como se
fosse um palco onde aconteceram, entre outros episódios, o conflito dos paulistas com os
emboabas, os trabalhos de mineração dos negros, a elevação do barroco de Aleijadinho, as
intervenções socioeconômicas da coroa, a revolta dos inconfidentes, ou seja, a cidade é
abordada como se fosse um palco para a evolução humana. A natureza, nesse contexto, é
esquecida ou tratada, simples e eventualmente, como um recurso.
Pouco falaram da importância que teve a destruição das matas virgens na
construção da cidade e, quase nada, a respeito de outras interferências ambientais como a
exploração dos recursos hídricos, as alterações climáticas e a inserção de plantas e de animais
exóticos. Reconstituíram a história sem levar em consideração a influência do meio ambiente
sobre a cidade e a influência da cidade, por sua vez, sobre o meio ambiente.
O presente trabalho, consciente desta lacuna, pretende dar um primeiro e
importante passo na inserção da variável ambiental na história de Ouro Preto, ao estudar a
questão do controle e do uso da água nos séculos XVIII e XIX da cidade. Pretende, ademais,
contribuir para o campo de estudos da História Ambiental, que ainda está em “sus inicios y
dista mucho de haber unanimidad en torno a qué es o que debe ser” (MOLINA, 1999, p.18),
principalmente no Brasil, onde muito pouco foi publicado nesse sentido.
1.1 A HISTÓRIA AMBIENTAL
A idéia de uma história ambiental ou história do meio ambiente começou a surgir
na década de 70, concomitantemente às conferências globais sobre meio ambiente, quando
cresciam os movimentos ambientalistas (WORSTER, 1991, p. 199). É, sem dúvida, uma
criação do mundo científico universitário americano, e “faz parte de um esforço revisionista
para tornar a disciplina da história muito mais inclusiva nas suas narrativas do que ela tem
tradicionalmente sido” (WORSTER 1991, p. 199).
É claro, entretanto, que, assim como a noção de ecologia já existia, muito antes da
palavra e da disciplina
1
, também existiam trabalhos de história ambiental muito antes da sua
1
Para se aprofundar no desenvolvimento da noção de ecologia, ver: WORSTER, Donald. Nature´s Economy: a
history of ecological ideas. Cambridge: Cambridge University Press, 1998.
3
institucionalização. Aqui mesmo no Brasil temos bons exemplos disso. É o caso de Nordeste
(FREYRE, 1951), uma obra magnífica, se considerados a época e o tom do discurso
empunhado pelo famoso sociólogo brasileiro.
2
Às histórias ambientais que estão sendo feitas por um grupo de norte-americanos
vindos de diferentes temas e especialidades – grupo este muito representativo do universo de
historiadores ambientais – atribuiu Drummond (1991) as seguintes características:
(...) quase todas as análises focalizam uma região com alguma
hemogeneidade (sic) ou indentidade natural: um território árido, o vale
de um rio, uma ilha, um trecho de terras florestadas, um litoral, (...);
[estabelecem um] (...) diálogo sistemático com quase todas as ciências
naturais – inclusive as aplicadas – pertinentes ao entendimento dos
quadros físicos e ecológicos das regiões estudadas;
[exploram](...) as interações entre o quadro de recursos naturais úteis e
inúteis e os diferentes estilos civilizatórios das sociedades humanas;
[usam] (...) grande variedade de fontes pertinentes ao estudo das relações
entre as sociedades e o seu ambiente;
[realizam] (...) trabalho de campo. (p. 181-184)
Gallini (2002, p. 9-11) dividiu essa variedade de fontes de estudo a que se refere
Drummond em duas categorias. A primeira delas seria a tradicional da historiografia.
Corresponde aos relatos de viajantes, exploradores e naturalistas, aos fundos dos arquivos
nacionais, estaduais e municipais, aos documentos legislativos, regulamentos e decretos. A
segunda categoria – diga-se, heterodoxa – corresponde às fontes que ficam fora das
bibliotecas e dos arquivos, pertencentes aos âmbitos da paleoecologia, da geografia histórica,
da arqueologia, da ecologia histórica, das ciências florestais, da agronomia, da palinologia.
Para conseguir lidar com essa variedade de informações, o historiador vê-se forçado a
trabalhar junto a outros profissionais num espírito transdisciplinar.
A história ambiental é, afinal de contas, um campo que precisa “passear” pelas
ciências naturais, sociais, econômicas, médicas e aplicadas. Nesse sentido é bastante
democrática, mas também muito perigosa. Em razão desse amplo espectro de disciplinas com
que lida, incorre freqüentemente no risco de estabelecer estapafúrdias generalizações e
simplificações.
As direções que tomou e vem tomando a história ambiental podem ser divididas
em três (GALLINI, 2002, p. 2-3). A primeira aponta para o estudo das interações de
2
De acordo com Duarte (2003), outros autores seminais da nossa historiografia, como Caio Prado Júnior e
Sérgio Buarque de Holanda, escreveram obras, como, por exemplo, Formação do Brasil Contemporâneo e
Monções, as quais analisam amplamente as relações entre o homem e o meio ambiente.
4
determinadas sociedades humanas com ecossistemas particulares e em contínua troca. A
segunda busca investigar as variadas noções culturais que há na relação homem-natureza, isto
é, as idéias que diferentes sociedades têm da natureza. Finalmente, uma terceira direção
aponta para a política ambiental – incluindo os movimentos ambientalistas e o ambientalismo
tout court. Sob esta perspectiva está a literatura que trata da história dos parques e reservas
naturais, como expressão de políticas conservacionistas.
O objetivo principal da história ambiental é aprofundar o nosso entendimento de
como os seres humanos foram, através dos tempos, afetados pelo seu ambiente natural e,
inversamente, como eles afetaram esses ambientes e com que resultados (WORSTER, 1991,
p. 199-200). Ela deve “cuestionar la naturalidad aparente de una relacion con el medio
ambiente e facilitar el desarrollo de nuestra capacidad para trabajar con el mundo, y no contra
él, en la solución de los problemas que plantea esa” crise ambiental (HERRERA, 2000, p. 55-
56)
3
.
1.2 OBJETIVOS
Esta dissertação, tomando a sério as considerações do renomado escritor italiano
Umberto Eco (1977, p. 10), segundo as quais “quanto mais se restringe o campo, melhor e
com mais segurança se trabalha”, objetiva estudar somente um dos aspectos ambientais de
Ouro Preto na sua história, qual seja, a água, e, ainda assim, somente nos séculos XVIII e
XIX.
Procura-se entender os problemas que existiram no uso da água e as ações que o
poder público tomou para regular esse uso. Para isso, foram levantadas inúmeras questões:
Quais eram os usos preponderantes da água? Faltava água? Havia conflito de uso? Havia a
crença no mito da inesgotabilidade dos recursos hídricos? Quais medidas legais foram
estabelecidas para regular o uso? Que critérios foram utilizados para estipular a propriedade
da água? O abastecimento de água deu-se somente nos chafarizes públicos? Por que o novo
sistema de abastecimento de água e esgotos foi criado somente no final do século XIX? Quem
o projetou? A estação de tratamento de esgotos é, afinal, a primeira construída no Brasil?
Respondidas estas questões, espera-se, ao final, que, a exemplo do objetivo da
história ambiental de Worster (1991, p. 199-200), fique aprofundado o nosso entendimento de
3
Além das referências bibliográficas citadas neste item, podem-se obter maiores informações sobre História
Ambiental nos sites da American Society for Environmental History (http://www.h-
net.org/~environ/ASEH/welcome_IE4.html. Acesso em: 22 mar 2004) e na European Society for Environmental
History (http://www.eseh.org/. Acesso em: 22 mar 2004)
5
como os ouro-pretanos foram, através dos tempos, afetados pela água e, inversamente, como
eles a afetaram. E que, a partir deste trabalho, as futuras “Histórias de Ouro Preto” possam
incorporar mais uma variável em suas narrativas. Mas, desta vez, de cunho ambiental.
1.3 JUSTIFICATIVAS
A escolha do tema e do recorte cronológico justifica-se em razão de cinco fatores
principais:
Carência de estudos similares no Brasil: As pesquisas historiográficas sobre a
água no Brasil são muitíssimo reduzidas. Geralmente realizadas por profissionais da
engenharia sanitária e da saúde pública, dificilmente incluem fontes primárias nos estudos
4
e,
ainda, concentram seus maiores esforços no entendimento do século XX. Exemplo disso é a
tese de doutorado de Silva (1998), sob o título O curso da água na história: simbologia,
moralidade e gestão de recursos hídricos, defendida na Escola Nacional de Saúde Pública;
Familiaridade do autor com o tema água: A formação do autor – engenheiro civil
sanitarista – legitima-o a estudar a água com propriedade, em razão do contato técnico e
gerencial que ele profissionalmente tem com o tema;
Relevância e evidência da água na atualidade: O ano de 2003 foi nomeado,
oficialmente, no final de 2002, em uma cerimônia nas Nações Unidas em Nova York, o Ano
Internacional da Água Doce. Num atualizado e importante relatório preparado pela UNESCO
(2003) para o III Fórum Mundial da Água, realizado em Kyoto nos dias 16 a 23 de março de
2003, por coincidir com o dia mundial da água – 22 de março –, ficou atestada a situação
emergencial em que se encontram os recursos hídricos do planeta. Aqui no Brasil, a lei das
águas 9.433 de 1997 foi muito elogiada e vem oferecendo respaldo jurídico para a
implementação de ações que beneficiem o uso sustentável dos recursos hídricos, como a
criação de comitês de bacias hidrográficas e suas respectivas agências de água;
Disponibilidade de fontes de pesquisa: As montanhas de Ouro Preto são
documentos vivos das obras hidráulicas dos antigos garimpeiros e seus chafarizes reluzem a
arte com que se abasteciam os antigos moradores. Nos arquivos municipais, estaduais e
federais se encontram importantes documentos sobre saneamento, saúde pública, urbanismo e
legislação em Ouro Preto. Dezenas de viajantes e naturalistas estrangeiros estiveram em Vila
Rica e relataram sobre temas ambientais, como clima, flora, fauna, devastação florestal,
4
Por fontes primárias entenda os manuscritos, mapas e documentos contidos nos arquivos públicos, além, é
claro, das obras e dos monumentos públicos, como as fontes e os chafarizes.
6
saneamento, etc. Importantes historiadores analisaram aspectos políticos, sociais, culturais e
econômicos da história de Ouro Preto. Enfim, há uma copiosa fonte de pesquisa: primária e
secundária;
Peculiaridades de Ouro Preto em relação à água: O serviço de abastecimento de
água e esgotamento sanitário de Ouro Preto é constituído de numerosas captações, em sua
maioria, adaptadas de antigas minas subterrâneas, e, além disso, é praticamente não tarifado.
O antigo sistema de abastecimento de água e esgotos da cidade, incluindo a estação de
tratamento de esgotos, é pouco conhecido
5
e desperta grande curiosidade na população. Em
Ouro Preto, ainda não se faz uso de hidrômetros nas residências.
1.4 ASPECTOS METODOLÓGICOS
A necessidade de se conhecer a evolução histórica de questões relacionadas à
engenharia levou alguns engenheiros do passado a se aventurarem na historiografia. A
maioria dessas aventuras, todavia, como a de Silva (1975), Ferreira (1966) e Azevedo Netto
(1959, 1991) não passaram de algumas páginas. Nesse cenário, destaca-se, portanto, a
dissertação de mestrado de Rezende (2000), que se ocupou por mais de uma centena de
páginas da evolução histórica do saneamento no Brasil, e que chegou inclusive a se
transformar em livro (REZENDE e HELLER, 2002). A maioria desses trabalhos, no entanto,
basearam-se sobretudo em fontes secundárias de estudo.
Para evitar essa situação, o autor do presente trabalho freqüentou aulas de
paleografia, aprendeu a ler os manuscritos setecentistas e oitocentistas, e pôde, com efeito,
enriquecer a pesquisa com dados originais e confiáveis.
Foram consultados diversos manuscritos do Arquivo Público Mineiro
(principalmente os pertencentes aos Fundos
6
da Câmara Municipal de Ouro Preto e da
Secretaria de Governo) e da Câmara Municipal de Ouro Preto, os relatos de estrangeiros
(Eschwege, Burton, Saint Hilaire, etc.) e uma vasta e fragmentada literatura do âmbito da
engenharia sanitária, da saúde pública, dos recursos hídricos, da história econômica, social,
5
Até mesmo aqueles que pesquisam sobre a água no município desconhecem a data de criação do serviço. O que
se comprova neste trecho da dissertação de mestrado defendida na UFOP por Barbosa (2003): “As primeiras
melhorias das condições de abastecimento de água [no Brasil] iniciaram-se em 1893 em São Paulo com a
encapação (sic) da Cia Cantareira, entidade particular e com a criação da antiga repartição de águas e esgotos de
São Paulo”. Antecipando o Capítulo VI, cumpre dizer que o novo sistema de abastecimento de água e de esgotos
de Ouro Preto foi inaugurado em 1890, portanto antes das mencionadas obras da Cia Cantareira.
6
Acervo de obras (de uma biblioteca, de um museu etc.)
7
etc. Também foi consultada a Internet – na qual, aliás, se encontraram diversos artigos de
grande valor para este trabalho – e efetuados trabalhos de campo
7
.
Para facilitar a leitura e, por conseguinte, a compreensão do texto, optou-se por
atualizar a ortografia e a gramática dos manuscritos e dos livros consultados, sem, todavia,
trair a intenção original do autor referenciado.
Foi dada ênfase no estudo dos usos dos recursos hídricos na mineração e no
saneamento básico por serem estes usos, do ponto de vista da demanda de água e da
regulação, os mais significativos na história da cidade.
Depois de avaliado o material pesquisado, optou-se pela organização de sete
capítulos. O primeiro é representado por esta introdução. O segundo faz uma análise da nossa
herança ética, isto é, analisa a relação do homem com a água desde a antiguidade até os
tempos modernos. O terceiro discorre sobre o uso da água nas minas de ouro. O quarto e o
quinto tratam, respectivamente, do abastecimento de água e do novo sistema de água e
esgotos de Ouro Preto. O sexto estabelece uma discussão e o sétimo, finalmente, conclui o
trabalho.
Os dois primeiros capítulos não apresentam, a bem da verdade, nada de novo,
constituem introduções e ressalvas indispensáveis para a absorção do que será apresentado
nos seguintes. É somente no terceiro, no quarto e no quinto, portanto, que se apresentarão
“novidades”, como, por exemplo, leis de proteção a nascentes no período colonial, conflitos
de uso, dezenas de chafarizes, falta de água, preço de porção d’água, Estação de Tratamento
de Esgotos no século XIX, etc. No sexto capítulo, é analisada a influência da cultura colonial
ouro-pretana na atual gestão pública das águas de abastecimento de Ouro Preto; é evidenciada
a existência de um episódio esquecido na “história da gestão dos recursos hídricos
brasileiros”; é discutida a importância dos chafarizes e a existência de um retrocesso sanitário
no século XX da cidade.
Espera-se que, ao final do sétimo capítulo, isto é, da conclusão, as perguntas
levantadas no item Objetivo tenham ficado suficientemente esclarecidas.
Por se tratar de um tema novo e pouco trabalhado no Brasil, que, diga-se, não está
inserido em uma linha de pesquisa madura e consagrada, fez-se necessário despender um
7
Cumpre acrescentar que, infelizmente, a rica Biblioteca de Obras Raras da Escola de Minas da Universidade
Federal de Ouro Preto não ofereceu a mínima estrutura necessária para se efetuar as pesquisas: metade do seu
acervo não estava nem mesmo catalogada, e a outra metade, não bastasse, não pôde ser consultada porque
dependeu da presença da única funcionária do local, que, raramente, se fez disponível. Cumpre acrescentar,
ademais, que alguns mapas dos arquivos públicos não puderam ser consultados em razão do péssimo estado de
conservação em que se encontravam ou mesmo porque haviam, inexplicavelmente, desaparecido.
8
longo tempo nas pesquisas bibliográficas e documentais, uma vez que não se conhecia o
universo de fontes disponíveis para o estudo. Isso, se, por um lado, concorreu para tornar a
dissertação, relativamente, curta, por outro – conforme se constatará no decorrer da
dissertação –, contribuiu para que as informações aqui apresentadas trouxessem, efetivamente,
as novidades e as contribuições necessárias às publicações científicas.
9
2 O HOMEM E A ÁGUA NA HISTÓRIA
10
Embora a história da relação do homem com a água se inicie, obviamente, em
tempos muito remotos, com o surgimento dos primeiros seres humanos, é somente a partir da
invenção da escrita e da aglomeração humana em cidades que esta relação pode ser contada
sem o uso intenso da especulação. Nesse sentido, este capítulo não tratará da relação do
homem com a água na pré-história. Começará, em vez, na Antigüidade, e se estenderá até a
atingir os tempos modernos.
Deve-se enfatizar que, por se tratar de um recorte cronológico muito extenso, não
se tentará levantar teorias ou explicações generalizantes. Pretende-se aqui tão-somente
selecionar alguns fatos que acentuem a importância que a água teve na história, seu uso, seu
controle e os conceitos e as tecnologias vinculados a ela, de maneira que, ao dissertar sobre o
controle e o uso da água na Ouro Preto nos séculos XVIII e XIX, fiquem claras as heranças
éticas, conceituais e tecnológicas relativas à água que as antigas culturas legaram.
2.1 A ÁGUA COMO UM BEM SAGRADO
Uma das características mais marcantes das antigas relações do homem com a
água deve-se ao fato de que esta, em praticamente todas as culturas, era considerada um bem
sagrado.
No rio Eufrates foi encontrada uma lápide de pedra calcária, cerca de 2300 a.C.,
com a seguinte inscrição: “Ur – Namu foi quem ordenou que se realizassem as obras dos
canais; mas ele cede aos deuses a honra de fornecer a dádiva que é a água, abençoada, que dá
fertilidade.” (LIEBMANN, 1979, p. 86)
Entre os gregos e romanos da antiguidade, a água era ou o local de moradia de
deidades ou a própria deidade. De acordo com Ménard (1991, p. 192), na mitologia primitiva,
a terra é uma enorme planície ondulada, que apresenta a forma de um disco rodeado por todas
as partes pelo rio Oceano, esposo da Titânida Tétis, que personifica as profundezas do mar. O
rio Oceano, que não tem nem fonte, nem desembocadura, forma imenso círculo que alimenta
a si próprio e dá nascimento a todos os mares, a todos os rios e a todas as correntes. O que se
comprova na Teogonia
8
do antigo poeta grego Hesíodo (2003):
Tétis gerou de Oceano os rios rodopiantes: Nilo, Alfeu, Erídano de rodopios
profundos, Estrímon, Meandro, Istro de belo fluir, Fase, Reso, Aquelôo de
rodopios de prata, Nesso, Ródio, Haliácmon, Sete-bocas, Granico, Esepo,
8
Um dos principais livros da antiguidade, no qual se explicita a gênese dos deuses.
11
Simoente divino, Peneu, Hermo, Caico bem-fluente, Sangário grande,
Ládon, Partênio, Eveno, Ardesco e Escamandro divino. (p. 125)
Além dos rios, os gregos e romanos também personificavam as águas das fontes,
às quais davam o nome de ninfas. Essas ninfas, usualmente representadas nuas ou seminuas
pela arte, eram amigas do frescor da sombra misteriosa das florestas. Habitavam as grutas e
descansavam no musgo úmido (MÉNARD, 1991, p. 198).
Entre os deuses que habitavam as águas, o mais famoso é Netuno, filho de
Saturno e irmão de Júpiter. Netuno era muito invocado pelos navegantes e pelos negociantes
para que não agitasse os mares e não atrapalhasse o comércio. Um simples golpe do seu
tridente bastava para estremecer toda a terra.
Nas culturas orientais, a água, além de se constituir um elemento de purificação, é
um local de encontro com deuses e heróis míticos. Na cultura hindu, o Deus Brama nasceu no
lago sagrado de Pushkar. E Vishnu é identificada com uma divindade da água (BARROS,
2003, p. 118).
O caráter sagrado da água também fica evidenciado nas escrituras religiosas. Na
Bíblia, por exemplo, onde o tema da água é muito importante, estando presente em quase
2000 versículos (JIMENEZ, s.d.), são várias as passagens nas quais a água dá prova da
existência de Deus. Os Israelenses, depois de três dias caminhando pelo deserto sem água,
chegaram ao oásis Mara, mas não puderam beber porque a água era amarga. O povo
murmurou contra Moisés, dizendo: “Que havemos de beber?” E Moisés, então, clamou a
Iahweh
9
, e Iahweh lhe mostrou um pedaço de madeira. Moisés lançou o pedaço de madeira na
água e esta se tornou doce (Ex 15, 22-15).
No deserto de Sin, o povo voltou a murmurar contra Moisés: “Por que nos fizeste
subir do Egito para nos conduzir a este terrível lugar? É lugar impróprio para semeadura, sem
figueiras, nem vinhas, nem romanzeiras e até mesmo sem água para beber!” Mas Moisés
levantou a mão e, com um golpe de vara, feriu o rochedo por duas vezes, e a água jorrou
abundantemente, e a comunidade e os seus animais puderam beber (Nu 20, 1-11).
A partir, sobretudo, dos ditames da razão, do progresso e do tecnicismo, a água
perdeu substancialmente sua conotação sagrada no Ocidente. Esse precioso líquido passou a
ser enxergado, cada vez mais, sob o prisma da utilidade. Isso se evidencia, inclusive, nas
obras e instalações hidráulicas, as quais, antigamente, mesclavam nas suas formas
representações míticas e religiosas, e passaram, a partir de meados do século XIX, a ser
9
O Senhor
12
construídas sem rebuscamento ou qualquer intenção que não seja a funcionalidade. Duas
torneiras de Ouro Preto, uma do século XVIII pertencente à capela do Padre Faria e outra de
fins do século XIX ou começo do século XX pertencente ao Hotel Toffolo são um bom
exemplo desta afirmação (FIG. 01).
FIGURA 1 – Torneiras ouro-pretanas: com e sem elemento que denota o sagrado
À esquerda: torneira do lavatório da capela do Padre Faria. À direita: torneira do Hotel Toffolo.
Fotografias do autor (Dez/2003)
2.2 OBRAS HIDRÁULICAS, CONTROLE E USO DA ÁGUA
Ruínas e documentos antigos evidenciam que as primeiras grandes intervenções
do homem sobre os recursos hídricos deram-se na Mesopotâmia, no Vale do Indo e no Egito,
ou seja, à margem de grandes rios.
Para evitar os extremos do deserto e as inundações do Tigre e do Eufrates, os
habitantes da Mesopotâmia, começando provavelmente em vilas isoladas, construíram
represas, regos e canais de irrigação (HUGHES, 1996). Data dessa época a primeira regulação
escrita sobre uso dos recursos hídricos. De acordo com Liebmann (1979, p. 84), os
documentos escritos dos sumérios, por volta do ano 4000 a.C., continham instruções sobre a
irrigação de lavouras dispostas em forma de terraços, as quais, de certa forma, podem ser
consideras o primeiro código regulador do uso da água na história.
Especulam que camponeses sediados às margens do Nilo, além da irrigação,
tenham desenvolvido o uso da regularização da vazão natural do rio, através da construção de
barragens (LIEBMANN, 1979, p. 87).
E, no vale do Indo, em Mohenjo-Daro, por volta de 2500 a.C., já eram utilizadas
latrinas no interior das habitações, canais de drenagem e redes de esgoto (MUMFORD, 1966,
13
p. 88). De acordo com Azevedo Netto (1959), as redes de esgotos já eram utilizadas em Nipur
(Índia) por volta de 3750 a.C., e em Tell-Asmar (Bagdá), por volta de 2600 a.C.
Foi, entretanto, em Roma, onde as obras hidráulicas atingiram seu maior vulto.
Durante os primeiros quatro séculos da cidade de Roma, os habitantes se
satisfaziam com as águas que tiravam do rio Tibre, de poços ou de fontes. Mas, com o
crescimento da população e a conseqüente poluição da água, fez-se necessária a construção de
aquedutos que trouxessem água de regiões distantes. A FIG. 2 mostra um exemplo desses
aquedutos romanos.
FIGURA 2 – Ruínas de um aqueduto romano
Fonte: Liebmann (1979).
O primeiro desses aquedutos, o Appia, foi concluído no ano 313 a.C. Por volta de
90 a.C., com uma população de pouco mais de 1 milhão de habitantes, a cidade já contava
com nove.
No final desses aquedutos, construíam reservatórios de sedimentação e de
distribuição. A água era então conduzida para diversas estruturas, como fontes públicas e
particulares, banhos e lagos artificiais onde se realizavam batalhas. Nesses lagos artificiais,
conhecidos como naumachia (SANFILIPPO, 1996, p. 24), aconteciam grandiosos espetáculos
públicos, nos quais escravos e gladiadores combatiam-se até a morte.
14
Depois de servidas, as águas caíam na rede de esgotos mais conhecida do mundo,
a Cloaca Máxima, que, aliás, ainda está em operação e atrai grande número de turistas
10
(FIG.
03).
FIGURA 3 – Turistas visitando a saída da Cloaca Máxima em Roma
Fonte: http://tesoridiroma.altervista.org/galleria/tevere/foto/cloacamax01.jpg
Em seu relatório sobre as águas da cidade de Roma, o famoso DE AQVIS URBIS
ROMAE
11
, Sextus Julius Frontinus, que viveu até 103 ou 104 d.C, descreveu os problemas
que Roma enfrentava na administração dos seus recursos hídricos. Muitos desses problemas
ainda são pauta das preocupações dos encarregados dos sistemas públicos de abastecimento
de água de hoje.
De acordo com Frontinus (1983, p. 6), alguns aquedutos ficaram bastante
“abalados e envelhecidos” em razão das ações fraudulentas de pessoas que desviavam as
águas dos aquedutos para usos particulares. Um desses aquedutos, o Julia, fora vítima dessas
ações e não conseguia manter a vazão demandada, sobretudo durantes as secas. Para sanar a
situação, os antigos administradores do sistema reverteram as águas, chamadas Craba, de uma
bacia vizinha, para o Júlia, prejudicando os habitantes Tusculanos, os quais só dispunham do
Craba para suas necessidades. Frontinus, entretanto, quando esteve à frente da administração
10
Se se considera o serviço que esta cloaca vem prestando há mais de vinte e cinco séculos, entende-se que esta
obra se tornou uma das mais baratas já construídas pelo homem (MUMFORD, 1966, p. 250)
11
Este clássico foi traduzido para o português por Wolfgang G. Wiendl, numa obra de 1983 que, infelizmente,
está esgotada. Há, entretanto, uma versão em inglês disponível em: <http://www.ukans.edu/history/index/europe/
ancient_rome/E/Roman/Texts/Frontinus/De_Aquis/text*.html> Acesso em: 09 abr. 2004.
15
do sistema, removeu as tubulações clandestinas do Júlia, e este conseguiu manter a vazão
demandada mesmo durante as piores secas, salvaguardando, assim, a água dos Tusculanos.
Para controlar o uso da água entre os romanos, foram criadas diversas leis que,
diga-se de passagem, influenciaram a administração dos recursos hídricos de toda a cultura
ocidental, inclusive a ouro-pretana, conforme se verá no Capítulo 4. Dentre as disposições
constantes nessas leis, destacam-se as seguintes (FRONTINUS, 1983):
- Toda a água é destinada ao público. Quem quiser obter água para uso particular,
inclusive as chamadas perdidas, deve fazer uma solicitação, pagar taxa e apresentar a carta do
Soberano ao Comissário das águas. A concessão dessas licenças tem um número limitado;
- Quem conduz água para uso privado não pode tirá-la dos aquedutos públicos,
mas sim de reservatórios adequados
12
;
- Que ninguém, dentre os que receberam o direito de ter água pública, alargue os
tubos, falsificando-os;
- O direito sobre a água obtida por concessão não é transferível ao herdeiro, nem
ao comprador, nem a qualquer dono do prédio;
- Ninguém praticará o dolo pernicioso de sujar a água que escorre publicamente.
Se alguém sujá-la, a multa será de 10.000 sestércios
13
;
- Todo aquele que furar, quebrar ou danificar as estruturas do sistema de água com
a intenção de diminuir as águas será condenado a pagar 100.000 sestércios ao povo romano, e
será obrigado a reparar, refazer, restituir, reedificar ou repor o dano;
Os visitantes de Roma nos dias do imperador Augusto se maravilhariam com a
abundância de água na cidade. De acordo com Sanfilippo (1996, p. 21), naquela época, Roma
contava com cerca de 700 tanques, 500 fontes públicas e 130 reservatórios de serviço.
Essa abundância de água levou muitos estudiosos das águas da Roma antiga a
estimarem o consumo de água per capita da cidade, sobretudo no tempo de Frontinus, quando
se registraram os dados necessários para os cálculos. Para Costa
14
(apud SILVA, 1998, p. 30),
Roma, à época de Frontinus, contava com uma distribuição diária de água de cerca de 1000
litros por habitante. Wiendl, tradutor do De Aquis Vrbis Romae para o português
(FRONTINUS, 1983, p. 24), e Herschel
15
(apud HANSEN, s.d.) falam em cerca de 300 litros
12
Nesses reservatórios, as tubulações particulares ficavam nos níveis mais altos, e as públicas, nos mais baixos.
Dessa maneira, no caso de falta de água, os primeiros prejudicados eram os particulares e não o público.
13
Moeda de cobre dos antigos romanos.
14
COSTA, A. M. Análise Histórica do Saneamento no Brasil. 1994. Dissertação (Mestrado em Saúde Pública) –
Escola Nacional de Saúde Pública, FIOCRUZ, Rio de Janeiro, 1994.
15
HERSCHEL, Clemens. Frontinus and the Water Supply of Rome. New York: Longman, Green and Company,
1013.
16
por habitante ao dia
16
. Essas estimativas, todavia, não levam em consideração que o sistema
de abastecimento de água dos romanos, ao contrário dos sistemas contemporâneos, não era
feito sob demanda, isto é, com o uso de torneiras e dispositivos que cessem o fluxo da água.
Nesse sentido, entende-se que, embora curioso, comparar o consumo de água per capita da
Roma antiga com os padrões atuais não é muito apropriado.
2.3 O ENTENDIMENTO DO CICLO HIDROLÓGICO
Os fatos de o nível dos oceanos não se elevar, de os rios continuarem a fluir
depois das chuvas cessarem, de existirem nascentes de água, entre outros fenômenos
relacionados ao ciclo hidrológico, intrigaram por vários milênios diversos pensadores.
No verbete “Hidrologia” da consagrada Enciclopédia Britânica (1958, p. 985) é
afirmado que, até o século XV-XVI, com as publicações de Leonardo da Vinci (1452-1519) e
Bernard Palissy (1510-89), era geralmente assumido que as nascentes não poderiam se
originar das chuvas porque estas não seriam suficientes para abastecê-las e porque a água não
podia permear pelo solo até grandes profundidades. Nesse sentido, a noção de ciclo
hidrológico era baseada na crença dos antigos filósofos de que havia enormes e inexauríveis
reservatórios de água subterrâneos que alimentavam os rios.
Angelakis e Koutsoyiannis (2003), entretanto, argumentam que essa crença de que
os antigos filósofos não tinham conseguido entender o ciclo hidrológico deveu-se à adoção da
errônea teoria de Platão
17
no seu diálogo Fédon por diversos autores, de Sêneca (ca. a.C – 65
d.C.) a Descartes (1596-1650). Segundo Angelakis et al, vários filósofos gregos, na verdade,
conseguiram compreender o fenômeno do ciclo hidrológico. Entre eles, destaca Anximandro
(585-525 a.C.), Heródoto (480-430 a.C.), Aristóteles (ca. 493-433 a.C.) e Teofastro (372-287
a.C.).
Aqui no Brasil, um dos livros mais atuais e dignos de crédito que trata da
hidrologia, o “Hidrologia: Ciência e Aplicação” (TUCCI, 2001), infelizmente, assume que o
único pensador da antigüidade a compreender o correto mecanismo do ciclo hidrológico foi
16
De acordo com o Manual Consumo Sustentável: Água, publicado pela Secretaria de Recursos Hídricos do
Ministério do Meio Ambiente (SHR/MME, 2002, p. 5), “Cada pessoa gasta por dia, em média, 40 litros de água:
bebendo, tomando banho, escovando os dentes, lavando as mãos antes das refeições etc. Um europeu gasta de
140 a 200 litros de água por dia, enquanto um norte-americano gasta entre 200 e 250 litros.”
17
Em Fédon, Platão (2003, p. 182-184) explica, de forma genérica, que existiam “imensos caudais” subterrâneos
(de água quente, água fria, lama líquida), em movimentos de descida e subida, que originavam os rios.
17
Vitrúvio, o famoso autor dos “Dez Livros de Arquitetura”. Embora não tenha sido o único,
Vitrúvio (1955) demonstrou, de fato, ter entendido o fenômeno:
(...) os vapores que surgem da terra, ao sair o sol em qualquer parte do
céu, se elevam, se mesclam com o ar e, uma vez postos em
movimento, por causa do vazio que deixam para trás de si, provocam
correntes de ar que ali irrompem. O ar, por sua vez, que se irrompera
por qualquer lugar, produz pela sua violência rajadas de vento e
rápidas correntes que crescem sem cessar. Logo, por onde quer que
estes vapores úmidos recolhidos de fontes, rios, lagos e do mar,
arrastados pelos ventos, a medida que o sol os vai reaquecendo, se
agrupam e se condensam, e assim se formam nos altos as nuvens.
Depois, estas, impelidas pelos ventos, quando chegam nas montanhas,
ao chocarem com este obstáculo, se liqüefazem num aguaceiro, em
razão da sua plenitude e do seu peso, se dispersam e, neste estado, se
derramam pela terra. (p. 200)
Na Vila Rica setecentista, conforme se lerá no próximo capítulo, o
desconhecimento do correto funcionamento do ciclo hidrológico levou algumas autoridades
da coroa a cometerem abusos nas concessões de água aos mineradores.
2.4 A PREOCUPAÇÃO COM A QUALIDADE DA ÁGUA
Muito antes de 1855, ano da publicação do Mode of communication of cholera
18
de John Snow (1813-58) – que comprova, cientificamente, a existência de doenças de
veiculação hídrica e, dessa maneira, inaugura uma nova fase na epidemiologia e na Saúde
Pública –, já existia a preocupação com a qualidade da água.
Essa preocupação, obviamente, não estava relacionada, como hoje, à presença de
patógenos e às concentrações de matéria orgânica, metais pesados, etc., mas sim a aspectos de
cor, cheiro, paladar e, até mesmo, a questões religiosas.
Na Roma antiga, onde a demanda por água era grande, caso as águas disponíveis
não atendessem aos padrões de potabilidade
19
, elas eram empregadas em outros usos como
irrigação de jardins e hortas e na lavagem de ruas (FRONTINUS, 1983, p. 10).
Vitruvio (1955), na obra citada, dizia que, antes de se escolher um manancial de
água para abastecimento, era preciso tomar alguns cuidados:
18
Esta obra está disponível, na íntegra, no site: http://www.ph.ucla.edu/epi/snow/snowbook.html. Acesso em: 09
abr. 2004.
19
“Potabilidade” vem do verbo latino Póto cuja primeira acepção, de acordo com o Dicionário Básico Latino-
Português (1998), é beber.
18
Se se trata de águas correntes que vão descobertas, antes de começar a
conduzi-las, é preciso examinar com atenção os membros dos que
habitam os arredores das tais fontes, se são robustos e corpulentos, se
têm boas cores, se não padecem enfermidades nas pernas nem fluxos
nos olhos, será prova de que as águas não são muito boas. Quando se
tiver descoberto uma fonte nova, se sua água, vertida em um vaso
“corintio” ou de classe parecida, mas sempre de bom metal, não deixar
sedimento algum, a água será muito boa. Também a será aquela que,
depois de tê-la feito servir em uma caldeira, não deixar no fundo da
vasilha nem areia nem barro, logo que repousada e decantada. Assim
mesmo, se os legumes, postos a servir com esta água em uma vasilha,
se cozinharem rápido, eles indicarão que esta água é boa e saudável.
(p. 214)
Baker (1949), em estudo sobre a história da purificação da água, observou que, a
bem da verdade, praticamente todas as culturas antigas, fossem egípcia, grega, romana, persa,
desenvolveram práticas e conceitos que visavam à purificação da água, ou seja, sua qualidade.
Algumas informações reunidas por Baker foram adaptadas ao QUADRO 1.
QUADRO 1 – Referências de antigos pensadores do século V a.C. ao XI d.C. sobre qualidade de água
Autor Século Referências sobre purificação da água
Heródoto V a. C.
Ciro o Grande, rei da Pérsia no século 6 a.C., indo para a guerra, carregou seis
carros com garrafas de prata contendo água fervida.
Hipócrates V-IV a.C.
Deve-se considerar as águas que os habitantes usam, se elas são brandas, duras
e advêm de situações rochosas e elevadas, e depois se salgada e inapropriada
para cozinhar (...), para saber se são boas para a saúde.
Paxamus I d.C.
Para tirar o mau gosto da água, deve-se adicionar a ela um saco contendo coral
machucado ou cevada triturada.
Plínio I d.C.
Adicionar Polenta [farinha de cevada torrada] a águas amargas torna-as
potável.
Plutarco I-II d.C
Lycurgus, jurista e reformador do século 9 a. C., diz que não é bom o copo de
água que deixa barro em seus lados.
Ateneu de
Naucratis
II-III d.C. A água é fervida para torná-la durável.
Paladius IV-V d.C. Se a água de um poço se torna pegajosa, a lã a corrije.
Paulus
Aegineta
VII d.C.
Água contendo impurezas e com cheiro fétido pode se tornar apropriada para
beber através da fervura e misturando-a com vinhos judiciosamente
selecionados.
Geber VIII d.C.
O objeto da destilação é a purificação do líquido dos excrementos, e a
conservação dele da putrefação.
Avicena X-XI d.C.
A água acetosa adicionada à água da chuva corrige a putrefação e imuniza
seus possíveis efeitos adversos nos seres humanos.
Fonte: Adaptado e traduzido da obra de Baker (1949).
Todos ou quase todos esses conhecimentos somados a outros atravessaram os
séculos e se fizeram presentes na formação de Vila Rica. O vocábulo “agoa” do Vocabulário
19
Portuguez e Latino de 1712 – um dos primeiros dicionários da língua portuguesa – do Padre
Dom Raphael Bluteau não deixa dúvida: já havia a preocupação entre os portugueses do
século XVIII com a qualidade da água e, provavelmente, entre o povo de Vila Rica. Segundo
Bluteau (1712):
A água das fontes é a melhor por se haver purificado pelos meatos da terra,
ou por vir corrida por canos, contanto que não sejam de chumbo, por causa
da ferrugem branca que este metal cria. A água da chuva é a mais leve de
todas, mas contraiu as ruins qualidades das lagoas, dos mares e das
exalações de lugares infectos, porque o sol, que a atraiu convertida em
vapor, não consumiu senão as partes mais delgadas, e mais voláteis, e por
isso se corrompe mais depressa, que qualquer outra, e muitas vezes causa
tosse, e citilliicidio (sic). A água do rio depois de assentar, e deixar no fundo
da vasilha os limos, e imundices, que tomou, com a comunicação das
ribeiras, e torrentes, que nela se meteram, é boa, e mais digesta que a da
chuva. A água dos poços, por crua e pesada, é a menos sadia de todas,
exceto, se no poço houver algum manancial de água viva. Facilmente se
poderá conhecer qual de duas águas é a melhor. Basta molhar dois lenços do
mesmo pano e pô-los ao sol, a que mais depressa se secar, será, senão a
melhor, a mais delgada. (p. 171)
2.5 A ÁGUA NA IDADE MÉDIA
A queda do Império Romano, a partir das invasões bárbaras, é freqüentemente
tida, pelos modernos historiadores, como um divisor de águas na história: de um lado, a
Antiguidade; de outro, a Idade Média. À parte a controvérsia da periodização, o fato é que os
novos paradigmas políticos, econômicos e sociais, que se instalam por volta dos séculos IV-V
a.C. no mundo ocidental, influenciaram a relação do homem com a água.
Para Squatriti
20
(apud Hochstetler, 2002, p. 126), a propriedade sobre os recursos
hídricos na península italiana modificou-se radicalmente entre o período do Império Romano
e o início da Idade Média.” Na lei romana, as águas eram consideradas públicas no grosso dos
casos e, nesse sentido, cabia ao Estado garantir que o uso dos recursos hídricos estivessem à
disposição de todos os seus cidadãos. Mas, na Itália Medieval, as águas passaram a ser vistas
como patrimônio do detentor das terras pelas quais passava, o que abriu caminho para a
intensificação do uso desregulado da água.
Liebmann (1979) é ainda mais radical na identificação das mudanças advindas
com a Idade Média. Segundo ele (LIEBMANN, 1979, p. 142), a perfeição técnica e higiênica
do suprimento de água, com exceção de alguns resquícios, deixou de existir na Idade Média, o
20
Squatriti, P. Water and society in early medieval Italy: Ad 400-1000. Cambridge: Cambridge University Press,
1998.
20
que teria desencadeado diversas epidemias. Rezende (2000, p. 25-26) vai ao encontro a
Liebmann e deixa claro que o sistema feudal da Idade Média significou um retrocesso
sanitário.
O famoso historiador das técnicas e das cidades, entretanto, Lewis Mumford,
defende que um saneamento tosco não é necessariamente um saneamento ruim. Para ele
(MUMFORD, 1966, p. 334), não há evidenciais suficientes que comprovem que a incidência
de epidemias eram mais severas e freqüentes na Idade Média do que nas cidades americanas e
européias do princípio do século XIX. Castiglioni (1947, p. 73), estudando a história da
medicina, corrobora até certo ponto a especulação de Mumford, ao dizer que as mais graves
epidemias da história não teriam acontecido na Idade Média, mas sim no século XVII.
É de se supor, nesse contexto, que a famosa Peste Negra do século XIV tenha
predisposto os historiadores a olharem para a Idade Média como um período igualmente
negro do ponto de vista do saneamento e da gestão das águas.
21
3 A ÁGUA NAS MINAS DE OURO COLONIAIS
22
Poucos foram os autores que se ocuparam especificamente da relação existente
entre meio ambiente e mineração na história do Brasil. Na maioria das pesquisas sobre a
antiga mineração predominou a questão do quinto, da decadência, dos regimentos minerais,
das técnicas, das condições sociais, etc., restando a questão ambiental ou esquecida ou
diminuída. Nos últimos anos, porém, com o fortalecimento da temática ambiental, este fato
vem mudando.
No princípio da década de 90, Martins (1993) publicou um artigo que procura
esboçar um quadro da degradação ambiental provocada pelas atividades de mineração e de
agricultura em Minas Gerais nos séculos XVIII e XIX, utilizando para isso os relatos de
estrangeiros como Saint Hilaire e Eschwege. Nesse artigo é discutida a tecnologia predatória
da mineração, o desmatamento e a diminuição das águas no norte de Minas, o uso do
mercúrio e a possibilidade de ter havido uma catástrofe ecológica na capitania de Minas
Gerais. Conclui o autor (MARTINS, 1993, p. 118) que o arrolamento preliminar das formas
de degradação do meio ambiente que tiveram maior intensidade na Capitania de Minas Gerais
permite desfazer alguns equívocos das atuais discussões conservacionistas nas áreas de
mineração. Exemplificando, diz que a degradação do Médio Jequitinhonha, ao contrário do
que muitos pensam, não é um desdobramento do garimpo de dragas da década de 1970, mas
sim das antigas práticas mineratórias de meados do século XIX.
Em 1995, foi publicado With Broadax and Firebrand: The destruction of the
Brazilan Forest
21
de Dean Warrean, que, nas palavras de Drummond (1996b, p. 239), “trata-
se de um texto de qualidade excepcional que resiste ao crivo mais exigente”. Neste livro, o
quinto capítulo – Ouro e diamantes, formigas e gado – discute os impactos ambientais
decorrentes da mineração. De acordo com Warren (1996),
as necessidades da população da região mineradora em termos de
gêneros alimentícios, quase totalmente satisfeitas pela lavoura em
regime de derrubada e queimada, teriam exigido a destruição de
seiscentos quilômetros quadrados de floresta por ano, (...) exigindo
mais da Mata Atlântica que os primeiros dois séculos de lavoura de
subsistência e as plantações de trigo e açúcar (...). (p. 116)
Mais recentemente, a edição de janeiro de 2002 da revista “Varia História” do
departamento de história da Universidade Federal de Minas Gerais, cujo tema foi História e
Natureza, trouxe um artigo de José Augusto Drummond – Por que estudar a história
21
Traduzido para o português sob o títuto: A Ferro e Fogo: a história da devastação da Mata Atlântica.
23
ambiental do Brasil? Ensaio temático – no qual se preconiza a pesquisa dos impactos
ambientais decorrentes da corrida do ouro (DRUMMOND, 2002, p. 25).
Percebe-se, porém, que, nestas e noutras pioneiras publicações, a questão do
desmatamento é a mais discutida, dando-se pouca atenção aos recursos hídricos.
Neste capítulo, analisar-se a questão do uso da água na mineração ocorrida nos
morros da região de Vila Rica durante o período colonial. Para isso, são apresentadas as
técnicas de mineração e as medidas que a Coroa tomou para regular o uso da água entre os
mineiros. Ao final, serão discutidos os impactos ambientais que o ambiente e os cursos d’água
sofreram devido a essas atividades mineradoras.
3.1 A DESCOBERTA DO OURO: UM LITERAL DIVISOR DE ÁGUAS
A descoberta do ouro – ocorrida simultaneamente em diversas regiões da zona
que hoje é Minas Gerais, por diferentes grupos de paulistas nos anos entre 1693 e 1695
(BOXER, 2000, p. 61) – além de inaugurar um novo “ciclo econômico”
22
e concorrer para o
aumento do comércio interno, significou um literal divisor de águas na história da relação dos
colonos com as águas.
Antes da descoberta do ouro, predominava na colônia uma visão edênica da
natureza (HOLANDA, 2000), na qual os rios eram identificados com os rios do paraíso. Os
cronistas que aqui estiveram entre os séculos XVI e XVII, assim como fizera Pero Vaz de
Caminha em sua famosa carta
23
, exaltavam as águas da América Portuguesa, conferindo-lhas
o mito da inesgotabilidade. Exemplo disso pode ser lido no relato de Pero de Magalhâes de
Gândavo (2004), que esteve na América Portuguesa em meados do século XVI:
As fontes que há na terra são infinitas, cujas águas fazem crescer a
muitos e mui grandes rios que por esta costa, tanto da banda do norte
como do oriente, entram no mar oceano. Alguns deles nascem no
interior do sertão e vêm buscar, por longas e tortuosas vias, o oceano,
onde a força de suas correntezas afasta as águas marinhas, e entram
nele com tanto ímpeto, que com muita dificuldade e perigo se pode
por eles navegar. Um dos mais famosos e principais que há nestas
partes é o das Amazonas, o qual sai ao norte, meio grau da equinocial
para o sul, e tem mais ou menos trinta léguas de boca. Este rio tem na
entrada muitas ilhas que o dividem em diversas partes, e nasce de uma
22
As aspas aqui utilizadas prestam para alertar que o autor não concorda com a noção de ciclo econômico na
história do Brasil. Utiliza-a, não obstante, para efeito didático.
23
“Águas são muitas; infinitas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por
bem das águas que tem.” Disponível no site: http://www.bibvirt.futuro.usp.br/index.html?principal.html&2.
Acesso em: 09 abr. 2004.
24
lagoa que está a cem léguas do mar do sul, ao pé de umas serras do
Quito, província do Peru (...). (p.52)
As palavras de Gândavo revelam, ademais, outro aspecto interessante na relação
dos antigos colonos com as águas. Até o século XVIII, o interior do Brasil fora pouco
explorado, e, nesse sentido, acreditavam que existia, na cabeceira de diversos rios que
desaguavam no oceano Atlântico, uma lagoa mágica, a qual, pondera Holanda (2000, p. 68),
“se deslocava freqüentemente segundo a caprichosa fantasia dos cronistas, cartógrafos,
viajantes ou conquistadores”. Essa lagoa, de nome também variável – Lagoa Dourada,
Eupana, Upavuçu (HOLANDA, 2000, p. 48) –, conteria enormes riquezas.
Se se comparara, entretanto, um mapa do Brasil elaborado antes dos setecentos
com outro elaborado durante as atividades mineradoras, como o faz a FIG. 04, percebe-se que
a descoberta do ouro e o progressivo avanço dos portugueses para além do que fora
estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas fizeram com que o conhecimento dos portugueses
acerca da hidrografia brasileira se ampliasse sobremaneira, e, com isso, ficasse evidenciada a
inexistência de tal lagoa.
FIGURA 4 – Hidrografia brasileira antes e depois da descoberta do ouro
Mapa da esquerda: Detalhe da Carta Atlântica e do Pacífico Oriental – ca 1681 – João Teixeira Albernaz L.
Catalogo della Mostra La Cartografia Europeia – 2003. Mapa da direita: Mapa das Cortes. Reprodução de
cópia de uma das duplicatas do Mapa Primitivo de Lisboa, de 1749. MI – Fotografia: Vicente Mello – CRCH.
Fonte: adaptado de Costa (2004).
25
A partir da mineração, o valor dos rios cresceu grandemente na medida em que
eles passaram a indicar o caminho das minas de ouro ou a significar o próprio ouro (para os
casos de ouro de aluvião). No ANEXO 1 há um mapa do caminho do Rio de Janeiro para Vila
Rica utilizado durante o século XVIII (conhecido como Caminho Novo), no qual os rios da
bacia do Rio Doce são as principais referências do mapa.
Antes do surgimento das vilas mineradoras, isto é, até o início dos setecentos, a
água era utilizada, principalmente, para a navegação marítima e o saneamento básico
24
das
poucas vilas litorâneas, além, é claro, de atender aos diversos usos da água que faziam as
comunidades indígenas do interior e do litoral. Já existia, por certo, como explicita Freyre
(1951, p. 57-91) em seu estudo ecológico sobre o Nordeste, uma degradação na qualidade dos
recursos hídricos, notadamente naqueles situados próximos aos engenhos de cana de açúcar
do Nordeste, mas nada que se compare à que estava por vir no século XVIII.
3.2 OS TRABALHOS DE MINERAÇÃO NA REGIÃO DE VILA RICA
A Coroa portuguesa tinha, desde cedo, a esperança de encontrar fabulosas
riquezas no Brasil, não sendo um mero acaso o fato de a instituição do governo geral da Bahia
de Todos os Santos – significando uma interferência mais direta nos negócios americanos –
ter ocorrido apenas quatro anos depois da descoberta das minas de prata de Potosi
25
. Os
primeiros portugueses que aqui se instalaram, no entanto, não detinham os conhecimentos
necessários à mineração. Foi preciso à Coroa portuguesa enviar especialistas para o Brasil, a
partir de 1590 e 91. Esses especialistas, embora não tenham dado resultados que satisfizessem
a Coroa, foram fundamentais para difundir as técnicas de mineração em uso na Europa,
sobretudo na Alemanha, que, devido a condições favoráveis, chegou a desenvolver
grandemente a mineração de metais preciosos. Foi na Alemanha, aliás, onde se publicou o
famoso tratado De re metallica de Georgius Agrícola (Georg Bauer, sem latinizar), no qual
vinham descritos os mais respeitados métodos de extração de metais da época. Tudo isso é o
que conta Hollanda (1977) no capítulo V – A Mineração: Antecedentes Luso-Brasileiros – da
História Geral da Civilização Brasileira.
As técnicas empregadas em Vila Rica, a partir da descoberta do ouro até o
princípio do século XIX, serão baseadas, em parte, nessas antigas técnicas de ultramar, no
conhecimento dos africanos, que teriam contribuído com as canoas e as bateias
24
Predominantemente individual, isto é, com pouca interferência do poder público.
25
Situada na Bolívia.
26
(ESCHWEGE, 1979, p.168), e, sobretudo, na própria experiência
26
, cabendo destacar que, em
vez de empregar o sistema corporativista da mineração alemã, aqui, em detrimento da
tecnologia, preferiram o sistema do minerador individual (RENGER, 1985, p.169).
As principais ferramentas utilizadas eram a bateia, a alavanca, o carumbé
27
e o
almocafre
28
. Quanto às máquinas, destacavam-se duas: o rosário (FIG. 5) e o pilão, ambas
movidas à força hidráulica. Em estudo sobre os engenhos de cana na comarca do Rio das
Velhas, Campos (1995, p. 224) observou que essas máquinas hidráulicas utilizadas na
mineração provavelmente foram adaptadas dos engenhos de cana, uma vez que estes vieram
antes do que aqueles.
FIGURA 5 Rosário
Modo como se estrai o ouro no Rio das Velhas e nas mais partes que á Rios. ca. 1780. Uma grande roda
d’água aciona um rosário hidráulico para tirar a água da cata no nível do rio, os escravos apanham o cascalho
aurífero na cata para ser lavado na canoa, vista no fundo à esquerda. IEB-USP (Col. Almeida Prado, cód. 23 –
Folha 18; 34,5 x 43,5 cm) – Fotografia: José Rafael.
Fonte: Costa (2004).
26
A esse respeito diz José João Teixeira Coelho em 1780: “Nunca passou em Minas um único engenheiro que
pudesse dirigir os mesmos serviços [de mineração]; a experiência é quem ensinou os mineiros, mas nunca o são
perfeitas por falta de princípios (COELHO, 1902, p. 506).
27
Recipiente de formato cônico em que se põe o cascalho a ser lavado para a procura do metal ou das pedras.
28
Pequena enxada que dispõe de uma peça pontiaguda ou bifurcada na parte superior do olho, usada para moldar
e escavar a terra. (HOUAISS, 2001)
27
A mão de obra era escrava e o tratamento do minério dava-se por processo
hidrogravimétrico, isto é, utilizando a água para separar as partículas mais pesadas (o ouro)
das mais leves (o rejeito).
Os trabalhos de mineração deram-se nos leitos dos rios, nas margens, nos vales e
no interior e nas encostas das montanhas.
3.2.1 Nos leitos dos rios
O ouro, desde a formação do continente, foi pouco a pouco se transportando das
ricas serras para o leito dos rios e córregos.
No princípio, os aventureiros extraíam esse ouro entrando na água e colocando
uma certa quantidade de cascalho rico e de água na bateia, que, movimentada circularmente,
concentrava no seu fundo, por ação da gravidade, o ouro, enquanto o material mais leve ia-se
pelas beiradas. Esse método conserva-se até hoje na figura dos faiscadores
29
.
Com o tempo, esse método foi se aperfeiçoando. Os mineradores perceberam que
o cascalho situado a uma profundidade maior, recoberto por uma camada de estéril no fundo
do leito do rio, também era rico em ouro. E, para acessá-lo, passaram a desviar o rio
inteiramente, fazendo uma barragem e abrindo um canal lateral em uma das margens. Caso as
margens do rio apresentassem dificuldades para se abrir um canal, os mineiros cercavam
apenas um pedaço do rio através de cercos (ANTONIL, 1982, p.189), com mostra a FIG. 6,
ou diques longitudinais (FERNAND, 1998, p. 103).
FIGURA 6 – Cercos d'água
Primeira iconografia da mineração do Brasil, ca. 1711. De acordo com o autor do desenho
(ANTONIL, 1982, p. 189): “(...) cercos feitos de paus mui direito, deitados uns sobre outros com estacas bem
amarrados, feito em forma de cano por uma e outra parte, para que se possa entupir de terra por dentro (...)”.
Fonte: Antonil (1982).
29
O termo faiscador deve-se ao fato de o ouro, na bateia, emitir faísca ou brilhar durante a apuração.
28
Em razão das infiltrações, o trecho do rio desviado, muitas vezes, era mantido
seco com a ajuda dos referidos rosários hidráulicos (LEME, 1896, p. 420). Sobre esses
rosários, diz Couto (1994), em sua Memória Histórica sobre a Capitania de Minas de 1799,
que é muito incômodo, pois em
dia que é preciso assentar ou mudar esta máquina, ocupam-se somente neste
serviço cinqüenta e mais escravos, e esta mudança, às vezes, se faz
indispensável fazê-la (sic) uma e muitas vezes em um só serviço. Achega-se
a isto, que o seu caixão, por onde sobre a água, nunca se pode pôr a prumo e
deve sempre fazer um ângulo mais ou menos agudo com o plano do
horizonte, por cuja causa um caixão muito comprido e pesado esgota a água
de uma pequena profundidade, atendendo a linha perpendicular ao mesmo
horizonte. Em lugar desta máquina, acho muito mais cômodo o uso de
bombas, que são muito maneiras e praticadas em semelhantes casos e, à
proporção da água que há para se esgotar, pode-se aumentar ou diminuir o
número delas; uma roda pode tocar dez e vinte e muito mais bombas por
banda. (p. 63)
Esses trabalhos eram realizados durante a estação seca, de abril a setembro, pois,
com as fortes chuvas, o rio se avolumava rapidamente, inundando os trabalhos, desfazendo a
barragem e destruindo em poucas horas os esforços de vários meses.
Quando os rios eram largos e não permitiam desvios, era utilizado um instrumento
de pesca do cascalho. Esse instrumento, que, segundo Brito (1732)
30
(apud RENGER, 1985,
p. 166) era chamado “pá de saco”, consistia de um aro de ferro fixado em uma vara
comprida, a que era preso um saco de couro. Os “pescadores” avançavam pelo rio e lançavam
a “pá de saco” no fundo; o saco se enchia de cascalho e seu conteúdo era despejado no barco.
Mantinham esse processo até o barco se encher.
3.2.2 Nas margens dos rios
O serviço realizado nas margens dos rios era conhecido como Serviço de
Tabuleiros. Por terem os cascalhos desses tabuleiros a mesma origem dos cascalhos dos rios,
era natural que os mineiros se voltassem para eles quando estes últimos se esgotassem. Não
sendo necessárias obras do porte de desvios de rio, o trabalho nos tabuleiros era considerado
relativamente mais fácil.
30
BRITO, Francisco Tavares de. Itinerário geográfico ... do Rio de Janeiro até as minas do ouro. – Sevilha
(Antonio da Silva), 1732, 26p. (reprodução fac-similar In: Barroco, vol. 4, 1972, p. 104-105; também
reproduzido em RIHGSP, vol. 2, p. 197-219, 1896/7.)
29
O principal método empregado era a cata, isto é, escavações de terra. Estas
escavações, que eram redondas na superfície e se aprofundavam em forma de funil, atingiam
10 a 15 metros de profundidade, onde se encontravam as areias ricas em ouro, que
posteriormente seriam apuradas.
Grande cuidado tinha que se tomar durante o período das chuvas, pois estas, não
raro, causavam desabamentos que, além de se desdobrarem na morte de negros, fechavam a
escavação. Durante o período de seca, todavia,
não era menor a luta contra as águas, devido às infiltrações; quando a
quantidade era pequena, era esgotada com carumbés que os negros
transportavam na cabeça, como faziam com a terra. O meio é simples, mas
bastante lento e incômodo; quando a água era abundante, tinham de recorrer
a seus rosários hidráulicos, e, quando este último recurso era insuficiente,
impotentes na luta, eram obrigados a abandonar os trabalhos. (FERRAND,
1998, p. 106)
Um outro método, o dos canais paralelos, em vez de “brigar” com as águas,
procurava tirar proveito delas. Abriam um canal em que faziam correr a água barrada do rio
em quantidade e velocidade capaz de arrastar as areias revolvidas pelos escravos. Estes
escravos se espaçavam no canal, revolvendo o fundo com o auxílio de um almocafre, de
maneira a permitir que as partículas mais leves fossem arrastadas enquanto o ouro depositasse
no fundo. Depois de uma hora desse trabalho, a areia do fundo do canal era recolhida e levada
para os depósitos de lavação. Depois de retirada esta camada, recomeçava-se o mesmo
processo. E assim se dava até que o canal ficasse completamente remexido e esgotado. Em
seguida, recomeçam os trabalhos em outro canal.
Nos locais de grande declividade de Vila Rica, esses canais atingiam uma
profundidade de dez a vinte palmos (ESCHWEGE, 1979, p. 171).
3.2.3 Nas encostas das montanhas
Os depósitos aluviões situados nos flancos das montanhas eram conhecidos como
grupiaras e recebiam um tratamento diverso dos precedentes.
Conduziam a água até o ponto mais elevado da grupiara por meio de canais
nivelados que, em razão da necessidade de captar grande quantidade de água, podiam se
estender por algumas léguas
31
(SAINT HILAIRE, 2000, p. 115; FERRAND, 1998, p. 108).
Onde havia vales, construíam andaimes de grandes madeiras e, sobre eles, canos de tábuas
30
para a corrente das águas “vencer e chegar à altura de outros montes sobre que a querem
levar” (FJP, 1999, p. 484). De acordo com o desembargador Tomé Gomes Moreira (FJP,
1999, p. 484), o preço do material empregado nessas obras era exorbitante e o serviço
chegava a durar de dois a três anos, conforme a distância que a água vinha. Não à toa Couto
(1994, p. 66) criticou esses canais. Dizia ele que tanto a construção quanto a manutenção
desses eram muito dispendiosos e aumentavam desnecessariamente a escravatura.
Uma vez acionado o fluxo de água sobre a grupiara, recolhia-se a terra rica
desagregada em outro canal, mais largo, de pequena inclinação, com sucessivas barragens,
que ficava ao pé do morro. Este canal, então, era revolvido sucessivamente pelos escravos,
analogamente às práticas dos tabuleiros, até que o material mais leve, estéril, fosse arrastado.
Caso o mineiro não tivesse quantidade suficiente de água, a terra arrastada da
grupiara era recolhida em um reservatório de acumulação, que só se abria em certos intervalos
para a apuração do ouro.
Quando esses depósitos aluviões começaram a se esgotar, os mineiros voltaram-se
para as rochas. E, por estarem habituados à mineração a céu aberto, utilizaram uma técnica
semelhante à empregada nas grupiaras. Conduziam a água, através de canais nivelados que
podiam chegar a quatro ou cinco léguas (ESCHWEGE, 1979, p. 174), até a parte mais elevada
do flanco aurífero e a armazenavam em um reservatório. Quando se abria a comporta desse
reservatório, a água descia com maior intensidade, de modo a decompor as rochas auríferas.
No pé da montanha, então, recolhiam a lama arrolada em reservatórios chamados mundéus
(FIG. 7).
FIGURA 7 – Esquema de um mundéu
Gemauerte in den Berg eingegrabene Sammelteiche oder die sogenannten Mondéos. Desenho de W.L. von
Eschwege, publicado no Pluto Brasiliensis (Berlim, 1833), prancha 6.
Fonte: Costa (2004).
31
Uma légua equivale a aproximadamente 6600 metros.
31
Esses mundéus eram retangulares, com profundidades que chegavam a 6 metros.
Suas paredes, que, internamente, podiam se estender por até 30 metros, tinham espessura de
quase 2 metros e eram formadas de blocos de pedra argamassados com uma mistura de argila
e areia.
Na sede urbana de Ouro Preto, ainda hoje, podem ser vistos vários desses
mundéus – ou pelo menos parte deles – principalmente nos bairros Veloso e Piedade, como se
observa na FIG. 08. Muitos edifícios particulares e até mesmo públicos, sobretudo a partir de
1950 foram construídos tirando proveito das robustas estruturas desses reservatórios.
FIGURA 8 – Ruínas dos mundéus ouro-pretanos
Mundéu de cima: Situado no bairro Veloso, foi ocupado e hoje é uma casa. Mundéu de baixo:
Situado no bairro Piedade, é um dos mais conservados da sede urbana.
Fotografia do autor (Dez/2003).
32
3.2.4 Nos vales
Nos vales, onde outrora corriam córregos, eram empregados os mesmos métodos
descritos no caso dos serviços de tabuleiros.
3.2.5 No interior das montanhas
A exploração das jazidas embutidas nas montanhas é o que constitui propriamente
o serviço de mineração. No caso aqui em questão, as técnicas aplicadas eram bem
rudimentares, resumindo-se em “perseguir” os veios auríferos montanha adentro através de
galerias. Essas galerias assemelhavam-se a um formigueiro, serpenteando pelo subsolo, por
vezes, dando passagem a apenas um homem deitado. Não utilizavam vagonetes, preferindo
retirar o minério e a água na cabeça dos negros. Quando essas galerias se prolongavam muito,
o ar faltava (mesmo quando faziam sarrilhos de ventilação) e, não raro, desabava o teto em
razão de escoramento mal feito ou carente. Luís Gomes Ferreira, um cirurgião que esteve em
Vila Rica no início do século XVIII, no seu livro Erário Mineral, faz um relato muito
ilustrativo desses desabamentos.
Este caso observei em um preto de Manuel Álvares, morador no arraial do
Padre Faria, junto à Vila Rica de Ouro Preto, o qual, andando em uma mina
ou estrada subterrânea junto com outros tirando ouro, lhe caiu em cima um
grande pedaço do teto da mesma mina, que a terra e pedras o cobriram quase
de todo, e, acudindo-lhe logo os companheiros, o livraram da morte e o
trouxeram em uma rede para casa de seu senhor. E sendo eu chamado para o
ver, a parte mais ofendida que lhe achei foi uma grande contusão no ombro
esquerdo e na espádua do mesmo ombro, com tão acérrimas dores e
inchação tão grande que o não deixavam sossegar (...). (FERREIRA, 2002,
p. 461)
3.3 TRATAMENTO DO MINÉRIO AURÍFERO
Depois de recolhido ou separado o minério aurífero nos locais acima
discriminados nos itens anteriores, ele passava por uma seqüência de lavações e, em seguida,
era apurado nas bateias. No caso das rochas duras, precedia a trituração. E, em alguns casos,
já no final do período colonial, empregavam a amalgamação com mercúrio.
As lavações ou lavagens eram realizadas principalmente em canoas (FIG. 9), isto
é, condutos abertos, inclinados e forçados por onde passavam uma corrente de água sobre as
areias auríferas destinadas à concentração que, por sua vez, ficavam sobre peles de animais ou
33
tecidos de lã. A água que era conduzida pela parte superior da canoa levava as partículas mais
leves, enquanto o ouro ficava retido nas peles ou na lã. Para obterem melhores resultados
dispunham várias canoas em forma de cascata.
FIGURA 9 – Aspecto esquemático das Canoas
Fonte: Eschwege (1979).
Também realizavam essas lavagens em bolinetes – uma espécie de caixa de
madeira, mais inclinada e profunda do que a canoa – onde até três homens trabalhavam ao
mesmo tempo, tendo produção superior à da canoa.
Após as canoas ou bolinetes, podiam dispor algumas mesas feitas de laje de pedra
para realizaram outra lavagem, onde finalmente se obtinha o minério pronto para ser apurado
nas bateias.
Por serem esses tratamentos realizados em locais descobertos, só podiam ser
realizados quando não estava chovendo.
A apuração na bateia dava-se, finalmente, da seguinte maneira:
O apurador se coloca na fossa, com água até os joelhos, e, tendo posto na
bateia alguns punhados do material já trabalhado nas canoas e bicas, começa
por ajuntar-lhe um pouco d’água e a amassá-lo com as mãos, de modo a
reduzi-lo a uma polpa muito fina. Em seguida, depois de nova adição de
água, movimenta a bateia, de maneira a imprimir, pouco a pouco, um
movimento circular a toda a massa. As partes mais leves ficam em suspensão
na água, enquanto as mais pesadas se acumulam com o ouro no fundo da
bateia.” (ESCHWEGE, 1979, p. 187)
O uso de amalgamação, apesar de raro, talvez devido ao seu alto custo (MAWE,
1978), tornou-se corrente sobretudo onde era difícil apurar conforme descrito acima. A
34
técnica utilizada era muito rudimentar. Segundo Eschwege (1979, p. 190), o minerador
amassava com as mãos o mercúrio junto à lama e depois lavava a mistura. O amálgama obtido
era então colocado num prato de cobre coberto com folhas e, então, levado ao fogo. O
mercúrio volatilizando se condensava sob a folha que, aos poucos, era substituída por outra. O
produto desta condensação, isto é, o ouro era finalmente recolhido em um vaso.
3.4 O CONTROLE DA COROA SOBRE O USO DA ÁGUA NAS MINAS DE OURO
Todos esses trabalhos de mineração, fossem realizados nos leitos dos rios, nos
tabuleiros, nos vales, nas encostas ou no interior das montanhas – como ficou visto –,
dependiam fundamentalmente da água. Era tanta essa dependência que se tornou comum na
época o seguinte axioma: “Sem água, de nada vale uma serra de ouro” (FERRAND, 1998, p.
109) ou, como disse Couto (1994, p. 18): “Um monte de ouro não vale nada se ele não tem
água”.
Mas, até o final da segunda década dos setecentos, quando foi criada a Capitania
de Minas Gerais, a regulamentação sobre o uso da água na mineração era praticamente
inexistente. Somente o artigo 46
o
da Carta Régia, de 15 de agosto de 1603, parece ter
esboçado uma tentativa de regulamentar esse uso, ao procurar conter o lançamento de entulho
e mato nas correntes d’água próximo às minas:
O entulho e mato que se tirar e cortar, para se lavrar a mina, se lançará em
parte onde a corrente da água, em que a mina se lavrar o não possa levar nem
impedir a lavar, e sempre será dentro da quadra da mina de quem a tirar.
Havendo nas ilhargas outras minas que defendam, far-se-ão reparos de
terras, ramos que recolham, e sustentem os ditos entulhos, em modo que a
corrente da água não o possa levar; e havendo entre as partes sobre isso
algumas dúvidas, o Provedor, tomando parecer de pessoas entendidas ou
práticas, o determinará. (ESCHWEGE, 1979, p. 90)
O Regimento dos superintendentes, guardas-mores e mais oficiais deputados para
as minas de ouro, de 19 de abril de 1702, principal documento normalizador nas minas, no
que se refere à água, era praticamente omisso, só estabelecendo no seu 23
o
artigo critério para
definir o descobridor de um rio. E, ainda assim, era muito vago:
Tem sucedido haver algumas dúvidas entre os descobridores que descobrem
o rio principal, e outros que descobrem alguns riachos que vêm dar no
primeiro que se descobriu, em tal caso, sendo os riachos pequenos,
pertencerão estes descobrimentos ao primeiro descobridor que descobriu o
35
rio principal, porém se os tais riachos forem grandes, posto que venham dar
no rio principal já descoberto, estes então pertencerá (sic) à pessoa, que os
descobrir, a data que se costuma dar aos descobridores dos ditos rios.”
(PINTO, 1896, p. 681)
Ora, “grande” e “pequeno” varia no juízo de cada um, não sendo, por isso, um
critério muito lógico e funcional para decidir tão importante assunto. É de se supor, portanto,
as confusões suscitadas em razão de tamanha imprecisão.
Nem mesmo o domínio jurídico das águas estava bem definido. As Ordenações
Filipinas, uma espécie de “Constituição Portuguesa” da época, era muito clara ao estipular
que o subsolo era um direito real. Mas, em relação à água, dava margem para muitas dúvidas.
No seu livro 2
o
, título 20
o
, parágrafo 8
o
, dizia que era um direito real:
(...) as estradas e ruas públicas, antigamente usadas, e os rios navegáveis, e
os de que se fazem os navegáveis, se são caudais, que corram em todo o
tempo. E posto que o uso das estradas e ruas publicas e os rios seja
igualmente comum a toda a gente, e ainda a todos os animais, sempre a
propriedade delas fica no Patrimônio Real. (ALMEIDA, 1870, p. 441)
Entende-se, baseado na primeira frase desse parágrafo, que ficava no patrimônio
real somente os grandes rios, navegáveis, caudais, perenes, e não os rios menores, isto é, os
córregos, filetes e nascentes d’água. Mas a segunda frase do parágrafo define como
patrimônio real os rios de maneira geral, não especificando se são caudais, perenes ou
grandes
32
. Esse parágrafo – à luz de hoje, estapafúrdio e gerador de dúvidas – não leva em
consideração que um rio perene, caudal não existiria sem a contribuição dos rios não perenes
e não caudais, e tampouco considera o caso, diga-se, controverso, no qual um rio é navegável
num trecho e não navegável noutro.
Sendo a água tão imprescindível à mineração, e levando-se em conta a explosão
demográfica na região das minas, sobretudo em Vila Rica, entende-se que esta falta de
regulamentação tenha proporcionado o surgimento de inúmeras contendas.
A água tornou-se motivo de cobiça e ganhou um valor econômico jamais
presenciado na América Portuguesa. Os mineiros mais poderosos se apoderavam delas e,
ainda que não tivessem terras para minerar, só as repartiam por preços abusivos. Como
conseqüência, muitos que deixaram suas regiões em busca do ouro das gerais, quando
32
Conforme se verá no capítulo seguinte, o senado da câmara de Vila Rica entendia que as águas podiam ser
públicas ou particulares, sendo estas nascidas em terrenos particulares ou intermitentes e aquelas os cursos
d’água perenes.
36
chegaram em Vila Rica, viram-se impossibilitados de retirar o minério por falta d’água. As
disputas surgiram numerosas, como a que se lê no relato deste anônimo:
Entrei em Vila Rica na era de 1712, tendo modernamente chegado por
ouvidor-geral e criador o desembargador Manuel da Costa Amorim, o qual
achei muito desassossegado por se ter sublevado contra ele esta Cidade, e
então vila. Porque havendo uma sociedade que tinha metido uma água no
Arraial de Cima dela para extração do ouro, desuniram-se os sócios e
quiseram apartar-se repartindo-se a água, e não podendo acabar esta partilha
entre si, por ser a água muito pouca, recorreu um deles, Timóteo Saraiva, ao
ouvidor, para vistoria, interessando na água que lhe coubesse ao padre trino
frei Jerônimo Sodré, conhecido por grande amigo do ouvidor, ao qual
acompanhou na vistoria com pouca dissimulação, porque juntamente trouxe
negros e bateias para entrarem logo a desfrutar a boa fama da lavra, ao que
se opuseram os mais sócios, não consentindo que se fizesse a vistoria; e
porque o escrivão instou que se fizesse, lhe apontou um dos sócios uma
pistola e lhe errou fogo, e indo-se os mais sócios alterando, se despediu o
ouvidor com os que o acompanhavam.” (FJP, 1999)
A falta de regulação sobre o uso da água, obviamente, concorria para diminuir os
impostos recolhidos pela Coroa. Nesse sentido, em 24 de fevereiro de 1720, o Conde de
Assumar, tentando dar um basta à situação, emitiu uma provisão, conhecida como provisão
das águas:
(...) havendo visto o que respondestes em Carta do 1
o
de julho do ano
próximo passado à ordem que vos foi sobre a representação que me fez o
guarda-mor das Minas Garcia Rodrigues Paes de que na repartição das águas
com que se lavram as mesmas Minas não havia até agora forma conveniente,
porque os mais poderosos se assenhoreavam delas, e as divertiam para as
suas lavras, e os que podiam menos as queriam também levar para as suas,
eram forçados a comprá-las por preços exorbitantes, ou a perder as datas que
tem em que não podiam lavrar sem ter água, e que desta desigualdade
resultavam contínuas bulhas, e ódios, e outros vários efeitos muito
prejudiciais ao meu Real Serviço, representando ser muito justo o
requerimento do guarda-mor, porque era sem questão que as desculpas
maiores desse país era sobre as águas com que precisamente se minera, e
sobre que havia pleitos gravíssimos o que precisamente se devia evitar,
fazendo-se causas sumárias pelo prejuízo que recebe não só o meu serviço
mas também os meus vassalos de estarem as terras instaladas por este
respeito e se não extrair o ouro delas por causa de apelações para a Bahia, e
talvez para este reino, e entendeis ser conveniente, e igualmente justo, que os
guardas-mores repartissem a água conforme a possibilidade dos que
mineravam, e que, sentindo-se agravadas as partes, recorressem ao
superintendente da comarca somente e que fosse sumária a causa, e proíbem
que sem licença dos guardas-mores por escrito ninguém se aproprie da água
dos córregos, e que não tendo terras para lavrar nem escravos competentes
aqueles a quem for concedida torne a dita água a entrar na repartição do
guarda-mor pelas pessoas que tiverem possibilidade de minerar pagando a
proporção do serviço que fez o 1
o
que conduziu a água no caso que se
37
aproveite o mesmo serviço, porque a experiência tinha mostrado que, logo
que aí tomava posse da água, lhe ficava, e ainda não tendo terras que lavrar
não deixa lavrar outros, senão vendendo-lhe a água por preço exorbitante.”
(PINTO, 1896, p. 692-693)
Dada a extensão territorial da região das minas e o pequeno número de fiscais, isto
é, de guardas-mores e seus substitutos, compreende-se que esta provisão não tenha sido, nem
de longe, suficiente para conter os abusos no uso da água entre os mineiros.
Em 13 de maio de 1736, um bando que fazia alguns aditamentos ao mencionado
Regimento dos superintendentes, guardas-mores e mais oficiais deputados para as minas de
ouro, de 19 de abril de 1702, procurou, entre outras coisas, aumentar o controle da Coroa
sobre o uso da água. Sete artigos – 13
o
, 14
o
, 15
o
,16
o
, 17
o
, 21
o
e 23
o
(Veja o texto completo
dos artigos no ANEXO 2: A água na legislação das minas de ouro coloniais) – foram
acrescentados no sentido de racionalizar esse uso.
Ficou estabelecido que os serviços das minas tinham preferência aos demais no
uso da água. Só se permitiria o divertimento da água para os engenhos ou para as “hortas”
caso não houvesse demanda entre os mineiros. Campos (1995), ao estudar as cartas de
sesmaria mineiras do setecentos na região do Rio das Velhas, observou que, nessas cartas, “as
terras doadas não incluíam as águas dentro de seus limites” (p. 221) e que a Coroa reservava
as margens dos rios navegáveis contidos nessas terras para o caso de haver descobrimento de
ouro algum dia. Ou seja, percebe-se que, durante a mineração, a Coroa procurou garantir a
produção aurífera em Minas Gerais através inclusive do controle da água.
Também ficou estabelecida uma série de medidas protecionistas. Proibiram o
desperdício das águas das lavagens e o corte de árvores em cabeceiras de córregos de pouca
água e em matas ciliares:
(...) e que os roceiros não possam roçar de novo nas cabeceiras dos córregos
de pouca água, de que usa para serviços minerais, e devam conservar o mato
em distância de quinhentos palmos para evitar o dano de falta de água que
por essa falta se experimenta. (PINTO, 1896, p. 710).
33
33
A Coroa portuguesa já havia tomado medidas econômicas semelhantes a essas em outras colônias, como a
aplicada na Ilha da Madeira em 1562. O 4
o
artigo do Novo regimento das madeiras para a Ilha da Madeira,
dizia: “outrossim mando aos ditos Oficiais, que não dêem as ditas licenças para se cortarem as ditas madeiras em
parte que faça prejuízo às águas da dita ilha, nem as poderão dar para se cortarem a menos de cento e cinqüenta
passos em redor das Ribeiras e águas, pelo muito prejuízo que disso lhes vem, e as pessoas que cortarem as ditas
madeiras dentro dos ditos cento e cinqüenta passos incorrerão nas mesmas penas, dos que as cortam sem licença,
e para melhor guarda do sobredito: Mando aos ditos Oficiais, que logo nas licenças que derem, declarem Como
não hão de cortar as tais madeiras, se não arredados cento e cinqüenta passos das ditas águas.” (REGIMENTO...,
1920)
38
Há que se tomar cuidado, porém, com o anacronismo, e não interpretar esse
regulamento como uma medida de cunho ecológico. Àquela época, ações como essas de
proteger matas e nascentes tinham propósitos econômicos, e, como neste caso, objetivaram
simplesmente resguardar o desenvolvimento das minas de ouro.
Na região de Vila Rica, onde se focou esta pesquisa, o controle do uso da água era
ainda mais difícil, em razão das muitas terras “realengas e comuns a todos”. Essas terras, ao
contrário das datas minerais, não se submetiam às normas do regimento dos guardas-mores e,
por isso, suscitavam grande confusão. O ouvidor-geral da vila, Caetano da Costa Matoso,
compilou um códice, em meados do século XVIII, no qual, entre outros documentos, está uma
síntese de ditames jurídicos aplicáveis a essas terras: Modo e estilo que se tem observado e
parece se deve observar no uso de minerar nos morros e distrito de Vila Rica de Ouro Preto.
Embora o título sugira um tratado de técnicas de mineração, trata-se, “antes de mais nada, de
uma espécie de código de ética dos mineradores e uma regulamentação das leis de mineração
então em vigor nas lavras de Ouro Preto e Mariana.” (RENGER, 1985, p. 157).
No que se refere às águas, esse documento apresenta uma série de normas para o
caso de minas subterrâneas (Veja o texto completo dessas normas no ANEXO 02: A água na
legislação das minas de ouro coloniais):
(...) tem havido contendas a respeito de algumas minas que têm achado água
nativa em alguma contramina. E como não acham ouro, encanam a água
com pedras, para que esta, ainda que se abata a dita mina, lhes não impeça o
sair a água para fora. E indo outra mina atravessar o dito canal, lhe
encaminham pela sua mina a dita água, e faltando esta na primeira e
aparecendo em a outra mina de novo se contende para a tornar ao seu antigo
curso. E, fazendo-se exame na dita mina, achando-se que atravessou o canal
que o outro tinha feito, ainda que a mina esteja abatida – que pela mesma
razão tinha fabricado o canal - , se lhe manda encaminhar para o primeiro
possuidor. E quando este a tenha tirado em terra em ser onde o outro não
tinha chegado, ainda que se conheça ser a própria, se manda ficar com ela,
por não ter entrado serviço algum fabricado por outrem. (FJP, 1999, p. 766-
767)
Além de determinar alguns preceitos éticos no uso das águas nas minas na região
de Vila Rica, o documento 109 do referido códice traz uma informação interessante, que faz
acreditar que a falta de água para minerar na região de Vila Rica chegou a ser, de fato,
bastante crítica. De acordo com o documento, quando um mineiro, em vertentes de água de
chuva, quisesse passar seu rego de água acima do de outro mineiro, deveria o fazer “por cima
da terra, em bicas levantadas do chão e estas cobertas com tábuas, para que nem a que chover
39
em cima das bicas desencaminhe aos donos das tais vertentes” (FJP, 1999, p. 755). Se a chuva
que caía nessas estreitas bicas fazia falta, o que imaginar da demanda de água na época?
Apesar de todas essas medidas legais instituídas pela Coroa nos setecentos, o uso
da água entre os mineiros não deixou de ser um problema. A exemplo do que acontece hoje,
não havia fiscais suficientes para controlar tão grande área, faltavam meios de quantificar e,
portanto, administrar os recursos hídricos, e era grande a corrupção dos guardas-mores na
repartição das águas.
Em sua Instrução para o Governo da Capitania de Minas Gerais de 1780, o
desembargador da relação do Porto, José João Teixeira Coelho, chegou a incluir entre as
causas da falta de ouro “a ignorância e a cavilação” dos guardas-mores que concediam
“grandes porções” de água para pessoas que as não podiam lavrar
34
. Essas pessoas, em
desacordo com a legislação, utilizavam essa água para os seus moinhos e para “as plantas das
suas roças, ficando ao mesmo tempo alguns mineiros, por falta de águas, impossibilitados
para fazerem serviços úteis nas terras que possuem, e onde sabem que há pinta rica
35
(COELHO, 1902, p. 502). Ainda, de acordo com o desembargador,
os mesmos guardas-mores chegam a conceder por suas provisões as águas da
chuva, a que dão o nome de águas saudáveis (...), pela ambição dos salários,
que vencem, multiplicando-se as ditas concessões das mesmas águas, que já
foram essencialmente concedidas aos mineiros a quem se concederam os
córregos e lagrimais que se formão delas [das chuvas]. (COELHO, 1902, p.
502-503)
Sobre este fato, cumpre indagar, se não teria sido antes uma conseqüência da
ignorância dos guardas-mores de não saber que as águas das chuvas formavam os córregos ou
propriamente uma malícia ou uma irregularidade cometida com intuito de obter emolumentos.
O mais provável, pondera-se, é que essa prática de “vender” as águas das chuvas se dava tanto
pela ignorância quanto pela malícia
36
.
Com a decadência da mineração, sobretudo a partir do terceiro quartel do século
XVIII (BARBOSA, 1971, p. 18), a demanda por água nas minas de ouro deve ter entrado
34
Esse abuso dos guardas-mores devia ser maior ainda em Vila Rica, pois, segundo Coelho (2002, p. 505), tem
prevalecido [em Vila Rica] o costume de fazerem os mineiros, seus próprios, os interesses alheios, regulando-se
pelo maior poder, e introduzindo-se uns nas minas dos outros, que cortam nas cabeceiras, sem mais título que o
da ambição e o da injustiça.
35
Pinta Rica se dava quando era apurado um carumbé cheio de cascalho ou de terra de formação aurífera e este
dava mais de 1 vintém (ESCHWEGE, 2000, p. 178), ou seja, quando havia sinal de que a lavra daria bom
rendimento.
36
Cumpre lembrar que o Capítulo II esclarece, no seu item 2.4, que alguns pensadores antigos já conheciam o
funcionamento do ciclo hidrológico.
40
igualmente em decadência e, ao mesmo tempo, deve ter aumentado o consumo desta nos
engenhos, roças e, até mesmo, nos recém criados centros urbanos. Isso não significará,
entretanto, que as leis aplicáveis às minas de ouro deixarão de privilegiar o mineiro no uso das
águas. Como dá a entender o Alvará que trata da administração das minas de ouro e diamantes
do Brasil, de 13 de maio de 1803, no seu artigo 9
o
:
(...) hei por bem que na divisão dos terrenos o intendente procedam ao
mesmo tempo a fazer, ou mandar fazer inventário das águas, que puderem
ser conduzidas aos terrenos divididos: e o que se fará à custa dos
concessionários das datas que eles houverem de cobrir. Logo que forem
conduzidas, serão divididas pelos que tiverem recebido datas, segundo
houverem contribuído, ou deverem contribuir para a sua condução. Como,
porém, pode acontecer que algumas águas se achem em terras possuídas por
pessoas, que as tenham havido por sesmarias, hei por bem ordenar que, não
servido elas a fazer andar engenhos, ou moinhos já estabelecidos, sejam
todas afetas à mineração, enquanto para isso forem necessárias.
(FERREIRA, 1884, p. 68)
O controle que a Coroa exerceu sobre o uso da água nas minas de ouro teve o
propósito de preservar seu próprio interesse. Ela queria, na verdade, permitir ao máximo o
desenvolvimento da mineração e, por conseguinte, aumentar a arrecadação de impostos. O
controle não tinha um caráter preventivo, mas remediador. Nesse sentido, foi bastante
ineficiente, estabelecendo medidas depois que o problema já tinha se instalado, isto é, depois
que o povo se habituara a matar nascentes d’água, suprimir as matas ciliares, desviar
ilicitamente córregos, assorear pintas ricas, dentre mais.
3.5 ASSOREAMENTO E ALTERAÇÕES NA PAISAGEM
Caio Prado Júnior disse não sem razão em seu antológico Formação do Brasil
Contemporâneo que
a indústria mineradora no Brasil nunca foi além, na verdade, desta aventura
passageira que mal tocava um ponto para abandoná-lo logo em seguida e
passar adiante. E é esta a causa principal por que, apesar da riqueza
relativamente avultada que produziu drenada, aliás, toda para fora do país,
deixou tão poucos vestígios, a não ser a prodigiosa destruição dos recursos
naturais que semeou pelos distritos mineradores” (PRADO JÚNIOR, 1999,
p. 171)
No contexto dessa destruição de que Prado Júnior fala, a água foi tanto vítima
quanto responsável. Por um lado, foi ela quem desbarrancou os terrenos, sulcando cicatrizes e
41
levando consigo o que à frente encontrava; e, por outro, foi ela quem recebeu, morro abaixo,
em forma de rio, as areias e sedimentos, ficando, assim, assoreada.
A paisagem que vemos hoje em Ouro Preto não é a mesma que os Paulistas
encontraram no final do século XVII. As obras necessárias para captar as águas das lavagens
(e as próprias lavagens) transfiguraram a região. O poder destruidor dessas obras pode ser
observado, a título de exemplo, na Exposição sobre o estado de decadência da Capitania de
Minas Gerais e meios de remediá-lo do governador da província de Minas Gerais, D. Rodrigo
José de Menezes. Ao explicar as razões por que eram tão dispendiosos os serviços de
mineração, Menezes (1897) cita o caso de um mineiro,
que pelo seu grande coração merece ser animado. Este intentou nada menos
que romper uma montanha, de uma a outra parte, para ir buscar a água
necessária, e encaná-la para a veia de ouro que conhecia. Depois de ter
minado... palmos, achou rocha viva, que não o desanimou, antes continuou
com a mais laboriosa eficácia a sua obra. Como porém tinha feito grandes
despesas, os seus credores o perseguiam, e por falta de pagamentos se
achava com pouco credito; periclitava já este grande serviço e se inutilizaria
totalmente. Eu que disto fui informado sem que ele me recorresse, o mandei
chamar, e animando-o a continuar lhe ofereci algum socorro de pólvora e
ferro (...) (p. 312-313)
Durante o auge da mineração, no segundo quartel do século XVIII, o ribeirão do
Carmo – continuação do ribeirão do Ouro Preto ou, como é chamado hoje, do Funil, principal
curso d’água de Vila Rica – já se encontrava bastante assoreado, pois parte dos morros de
Vila Rica descera rio abaixo. Uma conseqüência disso foi que, na década de 1740, Vila do
Carmo, hoje Mariana, sofreu uma série de inundações que trouxeram grandes inconvenientes
à vila. Há vários documentos no Arquivo Histórico Ultramarino relatando as causas e os
meios de remediar essas sucessivas inundações. Dizia um desses documentos que
as inundações do rio chamado Ribeirão do Carmo tem alagado a maior parte
da melhor rua desta cidade, com grande prejuízo de seus habitadores, e se
não se atalhar a corrente do mesmo rio, o qual agora corre por grande parte
da dita rua, fazendo-se-lhe algum desvio, cerco ou outra obra, que parecer
conveniente, nas águas que proximamente se esperam, irá prosseguindo o
dano que faz aos edifícios, e nestes não se restaurará a nossa perda iminente
com oitenta, ou cem mil cruzados.
37
Propuseram então uma série de medidas para consertar a situação. Inclusive a
construção de “uma longa muralha de pedra e cal, e do comprimento de um quarto de
37
Manuscrito do Arquivo Histórico Ultramarino (AHU), de 1746, Caixa (CX) 47, Documento (DOC) 32.
42
légua”
38
. Mas parece ter-lhes escapado agirem na causa principal, qual seja, os métodos
predatórios de minerar que concorriam para o assoreamento dos rios.
As marcas deixadas nos rios e na paisagem impressionaram os vários viajantes
que estiveram em Vila Rica no século XIX. Saint Hilaire (2000, p. 112) reparou que os
trabalhos de mineração eram tão multiplicados que o cascalho do rio Ouro Preto ficou a mais
de cinqüenta palmos de profundidade, de maneira que não compensava alcançá-lo. Freyreiss
(1982, p. 46), na primeira vez que esteve em Minas Gerais, viu os rios turvados pelas lavras
de ouro e fantasiou que se tratava de grandes estabelecimentos, mas ficou surpreso quando se
deparou com dois negros nus utilizando tão-somente “uma enxada, uma gamela redonda de
madeira e uns pedaços de flanela”. E, ao subir o morro do Itacolomi de onde se via Vila Rica,
disse que a terra parecia ter saído do caos (FREYREISS, 1982, p. 77). Poucos anos depois,
outro viajante que subiu no pico também se assustou ao ver “em toda parte (...) terras
revolvidas e escavadas por causa do ouro” (POHL, 1976, p. 399).
Até o final do século XIX, as marcas ainda eram bastante visíveis na cidade. Um
detalhe de um mapa realizado por ocasião da instalação das redes de água e esgoto da cidade
de Ouro Preto (concluída em 1890) mostra, inclusive, os restos de uma antiga lagoa formada
na barra, próxima à Matriz do Pilar. Esta lagoa, que pode ser vista na FIG. 10, se originou do
assoreamento provocado pelas lavagens do minério.
FIGURA 10 – Antiga lagoa da Barra
Esta lagoa deve ser a Lagoa do Funil, que provavelmente deu o nome ao principal curso d’água da cidade,
antigamente, conhecido como ribeirão do Ouro Preto
Fotografia do autor (jul/2003)
Fonte: Mapa do APM (OP 014 – MAP 04/05 – ENV 2) de Victor Braga Melo.
38
AHU, 1746, CX 47, DOC 41.
43
Hoje, todavia, é preciso ter o olhar atento e não confundir o natural com as
intervenções do homem. As montanhas de Ouro Preto ainda conservam as marcas predatórias
do passado – como no caso dos antigos canais de água situados na entrada da cidade no
sentido Belo Horizonte/Ouro Preto (FIG. 11) e das antigas escavações perto da igreja São
Francisco de Paula, onde ficava a antiga ponte do Xavier –, mas essas marcas são ofuscadas
pelo fausto do barroco que, diga-se de passagem, não teria se erguido sem a ajuda das águas.
FIGURA 11 – Resquícios dos antigos canais de água utilizados na mineração em Ouro Preto
Fotografia do autor (Jun/2004)
44
4 O ABASTECIMENTO DE ÁGUA NO PERÍODO COLONIAL
45
Na edição de setembro de 1962, a Revista do Departamento de Água e Esgotos de
São Paulo
39
, trouxe um artigo intitulado Notas para a História da “Engenharia Sanitária” no
Brasil Colonial. Este trabalho, redigido pelo antigo Diretor da Divisão de Tratamento de
Água e Esgoto do DAE, José Capocchi, tratou do saneamento em Vila Rica, baseado
sobretudo no extenso livro de Francisco Antônio Lopes: Os Palácios de Vila Rica. Apesar das
falhas historiográficas constatadas, foi esta uma pioneira e importante publicação, que
contribuiu para o avivamento da memória do saneamento em Ouro Preto.
Passados mais de quarenta anos, pouco ou quase nada consistente foi publicado
no que se refere à história das questões sanitárias de Ouro Preto. O presente capítulo pretende
retomar esse tema, mas, desta vez, com mais rigor metodológico, isto é, sendo mais específico
– focalizando somente o abastecimento de água – e utilizando fontes primárias e secundárias
de estudo.
O abastecimento de água envolve vários aspectos técnicos, gerenciais e de saúde
pública, como, por exemplo, a escolha do manancial e do tipo de captação, o
dimensionamento da rede adutora, a estimativa do consumo, o tratamento da água, as ligações
domiciliares, a veiculação de doenças, a criação de leis punitivas e protecionistas, etc. Este
capítulo, consciente da amplidão do tema, não pretende esgotar o assunto, mas apenas fazer
uma caracterização geral do abastecimento de água em Vila Rica e identificar as medidas
gerenciais que o poder público tomou para resolver os eventuais problemas que surgiram.
Quanto ao recorte cronológico, optou-se por estudar somente o período colonial,
reservando ao próximo capítulo, qual seja, O Novo Sistema de Águas e Esgotos da Capital, a
função de apresentar as principais mudanças advindas com o Império.
4.1 PRIMEIROS TEMPOS FINS DO SÉCULO XVII AO PRIMEIRO QUARTEL DO
SÉCULO
XVIII
O surgimento de Vila Rica, embora difícil de se precisar, é usualmente atribuído
ao episódio narrado por Antonil em sua famosa obra de 1711
40
, Cultura e Opulência do Brasil.
De acordo com Antonil (1982), um mulato indo ao sertão com uns paulistas a buscar índios,
(...) chegando ao cerro Tripuí desceu abaixo com uma gamela para tirar água
do ribeiro que hoje chamam do Ouro Preto, e, metendo a gamela na
ribanceira para tomar água, e roçando-a pela margem do rio, viu depois que
39
Ano 23, No. 46.
40
É de se salientar que, embora o livro seja divulgado hodiernamente como sendo de 1711, não se conhece a
data precisa de sua redação. Taunay situou a obra entre os anos de 1708 e 1710.
46
nela havia granitos da cor do aço, sem saber o que eram, nem os
companheiros, aos quais mostrou os ditos granitos, não souberam conhecer e
estimar o que se tinha achado tão facilmente, e só cuidaram que aí haveria
algum metal não bem formado, e por isso não conhecido. Chegando, porém,
a Taubaté, não deixaram de perguntar que casta de metal seria aquele. E,
sem mais exame, venderam a Miguel de Souza alguns destes granitos, por
meia pataca de oitava, sem saberem eles o que vendiam, nem o comprador
que cousa comprava, até que se resolveram a mandar alguns dos granitos ao
governador do Rio de Janeiro, Artur de Sá; e, fazendo-se exame deles, se
achou que era ouro finíssimo. (p. 164)
Esta narrativa, lendária ou não, é bastante curiosa, pois atribui o descobrimento do
ouro no Vale do Tripuí ao fortuito abastecimento de água do mulato, e, nesse sentido,
simboliza a importância que a água terá na história de Ouro Preto.
Divulgada a notícia do ouro, milhares de pessoas – que, diga-se de passagem,
encaixam-se no tipo que Holanda (2002, p. 44) chamou de aventureira, cujo ideal será colher
o fruto sem plantar a árvore – rumaram para a região do vale do Tripuí, depois batizada de
Vila Rica, na esperança de se enriquecerem.
Organizaram, então, povoados em volta de capelas provisórias, cujos adros
tornam-se os primeiros logradouros públicos. Nessa época, as ações voltadas ao
abastecimento de água, foram eminentemente individuais, isto é, sem a interferência do poder
público. Para seus misteres, improvisaram diversos tanques ou bicas, como o que se observa
na seta indicadora da FIG. 12.
FIGURA 12 – Planta de um dos primeiros povoados de Vila Rica
Reparar no tanque de água indicado pela seta
Fonte: Adaptado de Vasconcelos (1977, p. 18).
47
A região dispunha de copiosos mananciais de água e, nesse sentido, é muito
provável que, nos primeiros anos, não tenha havido o problema da falta de água, sendo a
disponível mais do que suficiente para matar a sede dos mineradores e dos animais, para a
higiene, para os serviços de mineração, dentre outros usos.
Mas o fortíssimo crescimento populacional da vila, logo trouxe o problema da
fome. Como narra Salles (1965),
(...) os homens continuavam a chegar. De Taubaté ou Bahia, do norte, do sul
ou do centro, os homens chegavam. Buscavam ouro e mais ouro. Não havia
alimento, nem estradas para os mantimentos, nem casas para se dormir, nem
paz para se pensar (...) De noite, pela madrugada ou à tarde, os homens
chegavam. Os velhos descobridores do Ouro Preto não agüentaram, fugiram
da fome tanto o Padre Faria como Antônio Dias. Muitos se retiraram para
Taubaté e, mais tarde, vencida a fase aguda da tragédia coletiva, persistentes
– voltaram e até mesmo se enriqueceram” (p. 24-46)
Nesse cenário, é de se supor que tenha havido diversos conflitos em torno da
posse da água. O que, infelizmente, não se pode atestar em função da falta de documentos
referentes a esse período.
4.2 A ÁGUA NAS RESIDÊNCIAS
Comparada às cidades litorâneas da colônia, Vila Rica era bastante privilegiada.
Em função da sua topografia e dos seus numerosos mananciais de água, não eram necessárias
grandes obras de captação e condução das águas, e tampouco grandes esforços para se realizar
o esgotamento sanitário.
No Rio de Janeiro, até meados do século XIX
41
, os despejos sanitários – águas
servidas, conteúdo de urinóis e retretes – eram guardados em tinas “num canto do jardim ou
de pequeno pátio contíguo à casa, colocado atrás de uma cerca de trepadeiras, ou
simplesmente escondido por duas ou três tábuas apoiadas ao muro” (DEBRET, 1972, p. 133).
Ao anoitecer, os escravos, conhecidos como tigres
42
, iam despejá-las nas praias, rios e
terrenos baldios. Em muitas casas, porém, como afirma Castro (2003, p. 32), os despejos eram
feitos nas próprias ruas, trazendo grandes inconvenientes à população.
41
Quando foi assinado um contrato para a construção do sistema de esgotamento sanitário do Rio de Janeiro
(SILVA,1975, p. 222).
42
Também eram chamadas de tigres as tinas que esses escravos despejavam.
48
Em Vila Rica, entretanto, parece que não existiram esses tigres,
43
porque as águas
servidas podiam escoar facilmente, através de valos
44
, para os córregos que passavam nos
fundos dos quintais ou para as sarjetas das ruas
45
. Além disso, completa Castro (2003, p. 33),
no interior do país, o sistema de estocagem de detritos era pouco utilizado, uma vez que, no
grosso dos casos, a profundidade do lençol freático permitia a construção de sumidouros e
fossas.
É interessante notar que, até o final do século XIX e começo do século XX, era
rara a existência de cômodos nas residências reservados às atividades higiênicas, o que
significa que a água podia ser utilizada em todos os aposentos
46
. Exemplo precoce de um
espaço especializado para o desenrolar das atividades higiênicas pode, ainda hoje, ser
observado na Casa dos Contos, como mostra a FIG. 13.
FIGURA 13 – Privadas setecentistas da Casa dos Contos
Fotografia do autor (fev/2004).
Quanto aos objetos domésticos relacionados ao uso da água nas residências,
constam, na bibliografia e nos documentos pesquisados, vasos, tonéis, barris, gamelas, pias,
tanques, urinóis, bacias, jarros, dentre mais.
Observa-se também que algumas residências coloniais possuíam seus próprios
chafarizes. Isso se dava quando os proprietários possuíam nascentes d’água nos próprios
terrenos – porque, neste caso, as águas eram, juridicamente, consideradas de direito do dono
43
Nas pesquisas realizadas nos fundos dos arquivos públicos, não se observou referência sobre esses escravos.
44
Representação de moradores do bairro Padre Faria sobre problemas com valos de esgotos. Manuscrito do
Arquivo Público Mineiro (APM), fundo Câmara Municipal de Ouro Preto (CMOP), Caixa (CX) 19, Documento
(DOC) 52, de 1746.
45
A vila foi crescendo de maneira que as residências dessem os fundos para os córregos, fazendo-os de
“vergonhosos” canais de escoamento das águas servidas.
46
Alguns autores defendem que os dormitórios eram preferencialmente utilizados para as práticas higiênicas.
49
do terreno – ou quando os particulares solicitavam licença do Senado da Câmara
47
para “tirar”
água do encanamento público, à exemplo do que fez um capitão em 1782. Disse o capitão ao
Senado da Câmara que
“para melhor cômodo de suas casas que tem no Ouro Preto
48
, carece que
vosmecê lhe concedam um anel de água, tirada do encanamento público, que
passa na rua Nova do Sacramento, em pia assentada onde mais
conveniente(...)”, pagando para isso “(...) trinta e duas oitavas de ouro, com a
obrigação de que no caso que falte algum dia a dita água ao público não
duvidará o suplicante largar mão dela.”
49
Ao contrário dos chafarizes públicos, os chafarizes particulares foram muito
pouco estudados, de maneira que não se sabe ao certo se eles eram freqüentes nas residências.
É provável que eles tenham se multiplicado à medida que a mineração entrou em decadência,
isto é, à medida que a população decaiu e aumentou a disponibilidade de água na sede urbana.
Ainda hoje, pode-se observar, em diversas casas de Ouro Preto, esses chafarizes
privados, ou, pelo menos, resquícios deles
50
. Um exemplo bem conservado encontra-se em
uma casa perto da igreja São Francisco de Paula, onde antigamente funcionava o Hospício dos
Frades da Terra Santa (FIG. 14). Vários outros podem ser observados no ANEXO 05 –
Chafarizes Particulares.
FIGURA 14 – Chafariz particular de uma casa setecentista
Fotografia do autor (dez/2003).
47
No Rio de Janeiro a concessão do direito de canalizar as águas dos aquedutos públicos para as casas de
particulares só se deu em 1840 (OLIVEIRA, 1991, p. 45 apud CASTRO, 2003, p. 35),
48
Antigo bairro de Vila Rica.
49
Requerimento particular de porção de água. APM, CMOP, CX57, DOC12, 1782.
50
Uma dificuldade que se impôs às pesquisas desses chafarizes particulares foi a “desconfiança” dos moradores
de Ouro Preto de abrirem suas casas para que se tirassem fotos.
50
4.3 FONTES E CHAFARIZES PÚBLICOS
Os chafarizes
51
públicos coloniais de Ouro Preto, em sua maioria construídos
durante o governo de Gomes Freire de Andrade (1735-1763), são, como diz Mello (1985, p.
217), “do tipo parietal, à feição de frontispício de capela”. Dois ou mais motivos concorriam
na época para que se aplicassem aos chafarizes o “partido” frontal, à moda das fontes rústicas
italianas.
O primeiro motivo, era de caráter exclusivamente econômico. Os chafarizes
desenvolvidos em espaldar, à moda italiana, eram menos dispendiosos, do
que àqueles [sic] que se construíam no centro das praças. O segundo motivo,
era de ordem apenas urbanística. Sendo raras as praças – os “rocios” como
as nomeia o grave Monsenhor José Pizarro – nem sempre elas podiam vir a
ser aproveitadas para os chafarizes públicos. Aliás, outra razão de não
pequena importância, poderia ainda ser lembrada: a conveniência de
servirem, certos chafarizes, ou quase todos, de bebedouro às alimárias.
(MARIANO FILHO, 1943, p. 10)
No caso de Vila Rica, a falta de praças não se constituía um motivo relevante. O
verdadeiro motivo era mesmo de caráter econômico. Numa região onde água significava ouro,
não cabia desperdício com fontes suntuosas, nas quais o caráter artístico superasse o caráter
utilitário.
O aspecto econômico explica, ademais, a simplicidade e a falta de originalidade
dos riscos
52
. Em sua maioria coroados com cruzes, escudos, volutas e pinhas (MELLO, 1985,
p. 216), e adornados com carrancas, figuras mitológicas e elementos aquáticos, os chafarizes
não apresentam nada que rompa com os moldes em uso na época, nos quais o profano se
conforma com o sagrado. Nem mesmo o chafariz do Alto da Cruz, cujo busto à mostra (FIG.
15) ganhou fama depois de ter sido atribuído a Aleijadinho por Lúcio Costa e ser tão
valorizado por Sylvio de Vasconcelos (1979). Ainda assim, no modesto panorama das fontes
coloniais, Ouro Preto se destaca pela quantidade. Quanto à qualidade, só perde para o Rio de
Janeiro e os vetustos chafarizes do Mestre Valentim.
51
Fonte e Chafariz – pode-se inferir a partir do dicionário do Padre D. Raphael Bluteau (1712–1727) – são
sinônimos com etimologias distintas.
52
Fountains, Splash and Spectacle: Water and Design from the Renaissance to the Present, editado por Marilyn
Symmens, 1998, é uma importante leitura para aqueles que desejam afastar o bairrismo na análise desses
chafarizes.
51
FIGURA 15 – Busto da Fonte do Alto do Padre Faria
Fotografia do autor. (Dez/2003)
O morador ou turista, hoje, ao se deparar com os chafarizes coloniais sobejantes
de Ouro Preto, poderá incorrer no erro de acreditar que eles ainda conservam suas formas,
detalhes e local originais. A verdade, isto é, as fontes documentais, porém, mostram que parte
deles teve seus tanques e carrancas ou trocados ou suprimidos. Mostram também que, em
função das vicissitudes urbanas, muitos tiveram que mudar de lugar. Como no caso de um
antigo chafariz da Ponte do Ouro Preto que, em 1846, foi mandado para a Praça Tiradentes,
junto à Câmara e Cadeia, ficando em seu lugar um outro que restava enterrado no Padre Faria.
Nesta mesma praça, aliás, já existiu um outro chafariz, em frente de onde hoje se situa uma
sede regional do IPHAN, como mostra a FIG. 16. Também tiveram seus lugares alterados os
chafarizes Dos Contos (LIMA, 1981, p. 31), Do Rosário, Do Quartel, Do Alto das Cabeças,
dentre outros
53
.
FIGURA 16 – Antigo chafariz da Praça Tiradentes
Original Manuscrito do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo, ca. 1785-1790.
53
O ANEXO 5 – Chafarizes demolidos ou alterados – apresenta algumas fotos de chafarizes que foram
demolidos.
52
Um mapa de Vila Rica do final do século XVIII (constante no ANEXO 3) mostra
a localização original de grande parte deles, e mostra também que alguns, como o da rua dos
Paulistas
54
e o do Passa-Dez, não existem mais.
Dos autos de arrematação desses chafarizes – grande parte transcrita por Carvalho
(1936) –, depreende-se seus aspectos técnico-construtivos.
A água era captada em minas de propriedade do Senado, tendo-se o cuidado de
protegê-las com “porta de canela preta” e fechadura “forte e grossa”. O arrematante devia
seguir o risco a ele repassado pelo Senado da Câmara e terminar o serviço num tempo que, a
depender da complexidade da obra, variava de três a nove meses. Caso não cumprisse o
prazo, teria o pagamento descontado. O material preferencialmente empregado nos tanques,
ornatos, muro era a pedra do Itacolomy (da mais branca) ou a de Tapanhoacanga. Os
encanamentos, por sua vez, eram feitos de telha bem grossa, alcatruzes de barro vidrado ou de
pedra, betumados com azeite do reino. As carrancas, quando determinadas, seriam tantas
quantas fossem as bicas, feitas de bronze ou de pedra. O pagamento era feito em duas (início e
fim da obra) ou três parcelas (início, meio e fim da obra).
Com o tempo, esses chafarizes sofriam estragos – “devido aos barris que nelles se
collocavam para colher a agua” (CARVALHO, 1936, p. 120), às vicissitudes urbanas ou às
inevitáveis intempéries. O conserto ficava a cargo do arrematante do serviço de conservação
de fontes, pontes e calçadas da vila:
(...) será obrigado o dito arrematante a conservar, reparar e reedificar todas
as fontes que pertencem ao senado em tudo o que for necessário em seus
encanamentos, fazendo socalcos aonde forem necessários, e tudo o mais que
necessário for que corram as águas desembaraçadas para as fontes deste
Senado, visitando os registros e alimpando os tanques e concertá-los aonde
for necessário e desembaraçando tudo em modo que não haja faltas de água
nas ditas fontes nem disso sequer nem os povos e aonde houver bicas as
cobrira com tábuas de canelas pretas.
55
“Os chafarizes de Ouro Preto acompanharam o esvaziamento do lugar. (...)
Sofreram concorrência direta dos encanamentos que irromperam pelo casario adentro”
(FONTES E..., 1991, p. 93), sobretudo, a partir de 1890, quando foi inaugurado o novo
sistema de água e esgotos da cidade. Hoje, poucos deles derramam água nos seus tanques.
Perderam em funcionalidade, mas ganharam em monumentalidade. E ganhariam muito mais,
54
Não é de se descartar a possibilidade de este chafariz estar soterrado no seu antigo lugar.
55
Termo de arrematação do serviço de conservação de fontes e calçadas. APM, CMOP, CX. 32, DOC. 50,
1750.
53
se ainda vertessem o precioso líquido, pois como diz Symmens (1998, p. 21): “Without the
enlivening movement of water, fountains become inert and lose their sense of magic”
56
.
4.4.1 Carrancas ou gárgulas
Quanto às carrancas, embora elas, originalmente, significassem a “representação
de uma cara ridícula e deforme que se põe nos tanques e bota água“ (BLUTEAU, 1712), eram
empregadas para designar qualquer ornato que se colocasse na bica, fosse “cara ridícula”,
detalhe geométrico, ser fantástico, animal, ou seja, eram empregadas confusamente no sentido
de “gárgula”: termo da arquitetura que primitivamente designava a abertura ou o orifício por
onde se escoava a água (principalmente do telhado), e que, com o tempo, passou a significar
também os ornatos utilizados nessas aberturas.
Se se toma as carrancas no sentido de gárgula, portanto, como o faz Laterza
(1983) no seu ensaio sobre a gárgula barroca mineira, torna-se mais fácil “vasculhar” o uso
desse elemento na história da arquitetura e da arte, e, com isso, apreender seu significado. De
acordo com Steger (1999), as gárgulas aparecem em toda a história da arquitetura, a começar
pelos antigos gregos e egípcios, sendo objeto de destaque sobretudo na arte românica e gótica.
Entre suas funções não arquitetônicas, isto é, de proteger os edifícios da erosão da água, estão:
educação religiosa da população iletrada, afastar os espíritos e proteger o edifício (tradição
grega), representar os medos humanos, etc.
Os motivos escolhidos para se construir as gárgulas eram muito variados e de
diferentes origens. Encontram-se temas bíblicos (como o utilizado no lavatório da sacristia da
igreja São Francisco de Assis de Ouro Preto), pagãos, gregos, egípcios e da mitologia oriental.
Entre esses, destacam-se: bestas, cães, leões, seres marinhos, humanos bizarros e quimeras.
No caso de Ouro Preto, predominou o uso de faces carrancudas, como as que se
vê nos chafarizes do Passo, do Bonfim, do Vira-Saia (FIG. 17a) e de Marília de Dirceu, mas
também havia animais (FIG. 17b), seres fantásticos (FIG. 17c).e figuras mitológicas.
Maltieria (1971, p. 108), ao descrever os chafarizes ouro-pretanos, confiou nas
palavras de Alberto Pimentel (um arqueólogo português), segundo as quais, a água
esguichada pelas bochechas das carrancas relembra o rito pagão de Céres, no qual os
sacerdotes benziam as terras, borrifando-as, para se obter uma boa colheita.
56
Possível tradução: Sem o movimento vitalizador da água, as fontes se tornam inertes e perdem seu aspecto
mágico.
54
FIGURA 17 – Carrancas coloniais ouro-pretanas
a) Carranca do chafariz do Vira-Saia; b) Carranca do chafariz do Quartel; c) Carranca do chafariz da escadaria
do Museu da Inconfidência (Esta última carranca pertencia a um antigo chafariz da Ponte do Ouro Preto).
Fotografias do autor (2003).
Interpretar, porém, o real significado ou até mesmo a real forma das carrancas
ouro-pretanas não é tarefa fácil, uma vez que os riscos ou projetos dessas se perderam e não
há, até o momento, fontes documentais que explicitem seu real significado. Tome, por
exemplo, a carranca do chafariz dos Contos (FIG. 18) a qual não se sabe nem mesmo se se
trata de um pelicano, de uma águia ou outro animal.
FIGURA 18 – Carranca do chafariz dos Contos
Fotografia do autor (Dez/2003).
Nesse sentido, compete evitar interpretações unívocas e manter uma postura
interrogativa diante dessas ornamentações. O mais provável é que o uso de gárgulas ou
55
carrancas deu-se em Ouro Preto, assim como em outras cidades mineiras, mais por
necessidade de ornamentar do que de se expressar simbolicamente. E, com efeito, não caberia
atribuir aos moradores de Vila Rica uma consciência mítica diante da água, pelo simples fato
de terem construído essas carrancas.
4.5 PROBLEMAS NO ABASTECIMENTO DE ÁGUA E ASPECTOS GERENCIAIS EM
VILA RICA
Como apresentado no capítulo anterior (p. 35), o regime jurídico da água não
estava bem definido nas Ordenações Filipinas ou em outros dispositivos jurídicos. De acordo
com Moreira (1920, p. 32), era reduzidíssimo o número das disposições legislativas sobre esta
matéria, de modo que os praxistas se viam obrigados a aplicar os princípios do direito
romano.
Embora dissessem as Ordenações Filipinas em seu livro 2
o
, título 20
o
, §8
o
, que
estavam incluídos nos direitos reais “os rios navegáveis, e os de que se fazem os navegáveis,
se não caudais, que corram em todo tempo” e que, “(...) o uso das estradas e ruas públicas e os
rios seja igualmente comum a toda a gente” (ALMEIDA, 1870, p. 441), ou seja, embora as
Ordenações dessem a entender que a água era um bem de domínio público, o que se
observava na prática era que, em certos casos (rios intermitentes, nascentes em terrenos
particulares), a água era considerada um bem particular, conforme os princípios do direito
romano (MOREIRA, 1920).
Nos casos de contendas pela posse de regos d’água ou nascentes utilizadas no
abastecimento de água doméstico, competia ao Senado da Câmara da vila interceder. Quando
essas águas, porém, eram empregadas na mineração – conforme ficou visto no capítulo
anterior – o julgamento ficava sob a competência dos guardas-mores.
Na Vila Rica colonial, não ocorreu “planejamento”, como hoje se entende, para o
abastecimento de água, isto é, não se fez previsão do crescimento populacional, cálculo da
taxa de consumo, etc. O sistema de abastecimento de água cresceu sob demanda. Quando o
povo reclamava, o Senado da Câmara procurava atendê-lo.
Dentre as reclamações do povo, destacavam-se:
A da falta de fontes, como a que se lê na representação dos moradores do bairro Rosário:
Dizem os Moradores do bairro do Rosário desta Vila abaixo assinados, que
eles suplicantes padecem grave detrimento na falta de água para suas casas
56
por lhes ser preciso conduzi-la de longe, e desejando remediar tão urgente
necessidade determinam fazer uma fonte à sua custa, detrás do quintal da
Igreja do Rosário, por ser parte cômodas (sic) para toda a vizinhança sem
prejuízo de algum nem deste senado; e para isso carecem que o mesmo
Senado lhes conceda uma suficiente porção de água, da que vem pela mesma
parte para os moradores do Ouro Preto
57
; como também se permita aos
suplicantes mudarem para a mesma parte o tanque da fonte velha do
Caquende; por estar ali inútil e não haver esperanças de que possa servir, por
entulhado; e porque os suplicantes se querem empregar nesta obra tão útil ao
bem comum, sem despesa deste Senado; só imploram a concessão da dita
água por não fazer falta à que vem para o ouro preto como a vosmecês é
notório nestes termos.
58
A da falta de água nos chafarizes públicos, como a que se lê na representação dos
moradores do Piçarrão e do Alto da Cruz
59
:
Dizem os moradores do Piçarrão e Alto da Cruzes do Padre Faria que eles,
suplicantes, experimentam muita falta de água para o seu ministério (sic),
por causa desta faltar a um chafariz que se acha na dita paragem feito por
este Senado, em cujos termos lhe é preciso aos ditos moradores recorrerem a
vosmecê para que se dignem de lhe mandar meter água (...)
60
A do estado de conservação das fontes, como a que se lê na representação dos moradores
da freguesia de Antônio Dias:
Dizem os moradores de Antônio Dias desta Vila, que havendo na rua Direita
um chafariz posto pelo Senado da Câmara e uma fonte firmada sobre uma
bica de madeira no fundo dos quintais, que serve a sua água para o uso de se
beber, muito úteis e necessárias ambas as aguada (sic) para o mister dos
povos daquela freguesia, sucede que ambas elas, por se acharem arruinados
os encanamentos e podre a dita bica de pau e entulhadas as minas onde tem o
seu nascimento corre muita pouca ou nenhuma água daquela que lhe foi
concedia pelo mesmo Senado. E por este tão justo motivo, recorrem a vossa
excelência para que se digne ordenar ao Procurador deste Senado da Câmara
faça alimpar as ditas minas e seus encanamentos, e reformar a nova bica que
se acha banida, para melhor expedição das ditas águas, visto que os mesmos
moradores pagão foros das suas propriedades ao nobre Senado(...)
61
57
Antigo bairro de Vila Rica.
58
Representação de moradores do bairro Rosário sobre a necessidade de uma fonte. APM, CMOP, CX 16, DOC
44, 1745.
59
Antigos bairros de Vila Rica.
60
Representação de moradores dos bairros Piçarrão e Alto da Cruz sobre falta de água em chafariz. APM,
CMOP, CX 16, DOC 72, 1745.
61
Representação de moradores do bairro Antônio Dias sobre o estado de conservação de fontes. APM, CMOP,
CX77, DC85, 1804.
57
A do extravio de águas públicas para particulares, como a que se lê nesta representação
dos moradores do morro do Pau Doce:
Dizem os moradores do Morro do Pau Doce desta vila que eles [ilegível]
desta parte se acham na pacifica posse da quarta parte da água que sai da
mina do mesmo morro para seus usos, além da extração do ouro, seguindo as
mais partes para os moradores da rua das Cabeças até os da ponte do
Rosário; e porque desta mesma se tem extraviado grande parte para casas
particulares, necessariamente se há de experimentar falta no publico (...) e
porque não é da intenção deste Senado lesar a uns para utilizar a outros; e
como é constantemente sabido terem os suplicantes aquela porção de água; a
vosmecê pertence a conservação dela.
62
O Senado da Câmara orgulhava-se de atender às solicitações do povo, o que, aliás,
fica claro na inscrição latina que vai no alto do chafariz dos Contos: IS QUAE POTATU
COLE GENS PLENO ORE SENATUM SECURI UT SITIS NAM FACIT ILLE SITIS, ou seja,
“Povo que vais beber, louva de boca cheia o Senado porque tens sede e ele a faz cessar”
63
(FIG. 19).
FIGURA 19 – Resquícios da inscrição latina do Chafariz dos Contos
Fotografia do autor (Dez/2003).
A respeito desta inscrição, o viajante britânico Richard Burton emitiu um curioso
comentário: “A água é melhor que o latim” (BURTON, 1977, p. 301).
Uma dificuldade que se impunha ao Senado da Câmara, pode-se conjeturar,
deveu-se ao desconhecimento da disponibilidade hídrica dos mananciais existentes, dentre
outros vários dados hidrológicos imprescindíveis ao gerenciamento dos recursos hídricos –
62
Representação de moradores do morro do Pau Doce sobre extravio de águas públicas. APM, CMOP, CX79,
DC37, 1806.
63
Tradução de Lima (1981, p. 31). Outro chafariz setecentista (do Bonfim) possui uma inscrição latina que
contém teores de propaganda política similares a do chafariz dos Contos.: CURIA CURAT, AMAT,
FABRICAT, PROPINAT, ABHORRET, NOS LIBERTATEM, STAQUA, FLU (...) SETIM, ou seja, “O Senado
(cúria) cuida de nós, ama a abundância, fabrica os tanques, dá a beber as águas correntes, aborrece a sede”
(LIMA, 1981, p. 43).
58
como se sabe nos dias de hoje e já se sabia nos dias de Frontinus na Roma antiga. Nas
pesquisas realizadas no Arquivo Público Mineiro – fundos da Câmara Municipal de Ouro
Preto e Seção Colonial – não foi observado qualquer documento, ou menção a documento,
que trate de medições dos mananciais, do consumo per capita, dentre mais.
Não se pode dizer, entretanto, que não havia a preocupação do poder público com
o consumo da água da população, pois a concessão de água a particulares dependia da
quantidade requerida pelo mesmo.
É curioso notar, porém, que o critério estabelecido para a concessão da água a
particulares – além do pagamento de uma quantia que variava entre 10 e 40 oitavas de ouro
64
– não era a vazão “tirada” do encanamento público, mas a seção circular do cano que chegava
na residência
65
. As seções, em geral, pedidas eram o “anel” e a “pena” de água, as quais, em
meados do século XIX em Portugal, correspondiam às dimensões expressas na FIG. 20.
FIGURA 20 – Manilha, anel e pena usadas para “medir” quantidade de água.
Fora de escala.
Fonte: Andrade (1851).
64
Valores baseados em documentos do fundo da Câmara Municipal de Ouro Preto do período colonial.
65
Como a velocidade da água nessas seções variava, entende-se que este critério era injusto e ineficiente.
59
É difícil atualizar o valor dessas seções para centímetros quadrados pois as
medidas variavam de lugar para lugar e de época para época. Se se dá ao palmo, porém, o
valor que ele hoje possui, isto é, 22 cm, entende-se que um anel de água correspondia a 2,41
cm
2
, e a pena, a 0,30 cm
2
de diâmetro.
66
As medidas, em geral, utilizadas para os líquidos eram o almude, que contém doze
canadas, que, por sua vez, contém quatro quatrilhos. Cumpre observar, porém, que, de acordo
com Bluteau (1712), “o quatrilho da Bahia no Brasil é uma canada de Lisboa”.
Outra dificuldade que se impunha ao Senado da Câmara de Vila Rica era a de
conciliar os interesses dos mineradores com os interesses de abastecimento doméstico da vila.
A forte dependência que a mineração tinha da água, conforme ficou visto no capítulo anterior,
fez com que surgissem diversos conflitos de uso da água na sede urbana. Dentre esses
conflitos, um merece ser contado pelo que tem de pitoresco.
Disseram uns moradores do bairro Ouro Podre e seus vizinhos, posseiros de uma
fonte há mais de trinta e seis anos, que uns mineradores, dentre eles Manoel Francisco
Lisboa
67
, se instalaram nas imediações da dita fonte, entulhando o caminho com os desmontes
das minas e, assim, atrapalhando os escravos a irem pegar a água. Como se não bastasse –
disseram os moradores – os mineradores colocaram um cachorro, o qual estava mordendo os
escravos que por ali passavam
68
.
Outros muitos problemas, por certo, aconteceram, embora não tenham recebido o
tratamento necessário da Coroa ou do Senado da Câmara. Um dos mais relevantes, é de se
supor, foi a questão da transmissão de doenças pela ingestão de água contaminada nas minas.
Luís Gomes Ferreira, um cirurgião que esteve em Vila Rica no princípio do século
XVIII – já mencionado na página 32 – afirma que as doenças mais comuns entres os negros
de Vila Rica eram as “pontadas pleurísticas”, isto é, verminoses
69
, ou, nas palavras do próprio
Ferreira (2002, p. 234), “enchimento de estômago, lombrigas, corrupção do bicho e alguma
obstrução”. Entre as causas dessas “pontadas”, ele atribuiu, como principal, a condição de
trabalho dos negros. Pois
66
O autor do presente trabalho mediu a área circular de uma pena de água – ainda em uso em Ouro Preto – e
obteve: 0,35 cm
2
.
67
Ou o pai de Aleijadinho ou alguém com o nome idêntico.
68
Representação de moradores do bairro Ouro Podre sobre conflitos com mineradores pela posse de uma fonte
de água. APM, CMOP, CX 18, DOC 20, 1746.
69
Um dos principais mecanismos de transmissão das verminoses é justamente a ingestão de água e alimentos
contaminados com esgotos domésticos.
60
uns habitam dentro da água, como são os mineiros que mineram nas partes
baixas da terra e veios dela, outros feitos toupeiras, minerando por baixo da
terra, uns em altura, de fundo, cinqüenta, oitenta e mais de cem palmos,
outros pelo comprimento em estradas subterrâneas muitos mais, que muitas
vezes chegam a seiscentos e a setecentos; lá trabalham, lá comem e lá
dormem muitas vezes (...) (FERREIRA, 2002, p. 229-230)
É difícil de acreditar que os negros, nessas minas, bebiam outra água que não
fosse a que se lhes aparecia pelos meatos da terra e que servia ao mesmo tempo de escoadouro
para os excrementos, vômitos
70
e demais dejetos. A ingestão de água contaminada, muito
provavelmente, foi crítica e determinou o adoecimento e a morte de muitos escravos. Nesta
pesquisa, porém, não foi detectado qualquer documento que atestasse a preocupação do
Senado ou da Coroa em mitigar ou, ao menos, tratar dessa questão
71
.
Com o intuito de coibir as irregularidades e conflitos no abastecimento de água, o
Senado da Câmara incluía nas posturas municipais diversos artigos regulando a questão do
uso da água. Algumas destas, referentes ao ano de 1795, foram transcritas por Lopes (1955):
Os moradores nesta Vila são obrigados a limpar as suas
testadas, e lhes ordenamos que não lancem coisas imundas nas ruas ou
becos públicos, nem nos canos que deságuam para elas debaixo da
pena de meia oitava de ouro de condenação que se aumentará
conforme a reincidência na culpa, paga da cadeia.
Toda a pessoa que se achar lavando roupas, ou outra
qualquer coisa nos tanques dos chafarizes desta vila, onde bebem as
cavalgaduras, com gravíssimo prejuízo delas, será condenada em uma
oitava de ouro. (p. 161-163)
Quem não atendesse ao disposto nessas e noutras posturas, não raro, ia preso ou
punido conforme o determinado.
Assim aconteceu com Veríssimo Dias Corrêa em 1746, que, depois de encanar
indevidamente, isto é, sem licença do Senado, uma água defronte da Casa da Ópera, foi
mandado para a cadeia pública, só saindo depois de 8 dias, sob a justificativa de que
desconhecia a lei
72
.
70
Cumpre lembrar que um dos principais sintomas das verminoses é o vômito.
71
Não é excessivo lembrar que, desde a antiguidade, conforme visto no segundo capítulo, era conhecida a
importância de se escolher um bom manancial de água e de afastar os esgotos para preservar a saúde da povo.
72
Solicitação de Veríssimo Dis Corrêa para sair da cadeia, por não conhecer a lei. APM, CMOP, CX 18, DOC
59, 1746.
61
E também com João de Sá Bernardes, “por ter sido desobediente ao que por este
Senado se lhe mandou em vários despachos sobre o Registro de uma porção de água deste
Senado de que se estava utilizando para o seu quintal”
73
.
Apesar de todos esses problemas, que, aliás, podem ser considerados inerentes às
vicissitudes urbanas, seja de uma cidade contemporânea ou de uma vila colonial, a água de
Vila Rica obteve uma relativa fama a partir do século XIX, sendo bastante elogiada, fosse no
seu aspecto qualitativo ou quantitativo. O QUADRO 2 explicita alguns desses elogios
prestados à água da vila por alguns estrangeiros e viajantes do século XIX.
QUADRO 2 – Elogios de estrangeiros e viajantes à água de Ouro Preto no século XIX
Saint Hilaire (2000, p. 73)
Vila Rica goza de uma vantagem inapreciável. Por todos os lados uma
água excelente brota dos morros em que foi construída essa vila.
Luccock (1975, p. 332)
As fontes públicas, catorze ao todo, acham-se dispersas pela cidade; são
geralmente belas construções e providas abundantemente de água pura.
Langsdorff (1997, p. 124) Em toda a cidade, há água potável e um grande número de fontes.
Gardner (1975, p. 229)
A cidade é abundantemente suprida de água de excelente qualidade,
havendo uma fonte quase em cada rua.
Halfeld (1998, p. 139)
(...) há chafarizes públicos em bom número (dos quais o mais belo fica
nesse mesmo largo), que fornece água de boa qualidade para a cidade
Mais expressiva, todavia, do que todos esses elogios era a sentença repetida pelos
mineiros, que Burton (1977, p. 302) lembrou: “(...) em Ouro Preto, só há duas coisas boas: a
cadeia e a água”.
73
Reclamação sobre mandado de prisão pelo uso ilícito de água pública. APM, CMOP, CX19, DOC 46,1746.
62
5 O NOVO SISTEMA DE ÁGUA E ESGOTOS DA CAPITAL
63
Um dos acontecimentos mais significativos na história do controle e do uso da
água em Ouro Preto é, não há dúvida, a construção, no final do século XIX, de um novo
sistema de abastecimento de água e de esgotamento sanitário. Infelizmente, muito pouco é
conhecido sobre esse sistema, tanto no meio acadêmico quanto pela população e pelo próprio
Departamento de Águas e Esgotos da Prefeitura.
Algumas publicações, como o artigo de Azevedo Neto (1959), Cronologia dos
Serviços de Esgotos, com especial menção ao Brasil, parecem ter “se esquecido” de incluir
esse sistema no rol das primeiras ações sanitárias de grande vulto no Brasil. E outras, não
bastasse, como o Relatório Técnico e Preliminar de Esgotos de Ouro Preto (FJP, 1975) têm
divulgado informações equivocadas a respeito da autoria e da data de construção do mesmo.
O sistema de esgotamento sanitário da cidade de Ouro Preto foi construído
em 1896, sendo o projeto de autoria do engenheiro Saturnino de Brito. É do
tipo “separador absoluto” e vem sendo operado regularmente, desde a sua
execução. (FJP, 1975, sem página)
74
Uma importante característica desse sistema, os Tanques de Desinfecção, situados
à jusante da cidade, têm sido apontados, informalmente, por alguns habitantes de Ouro Preto,
como a primeira estação de tratamento de esgotos do Brasil. Uma monografia de graduação
em engenharia sanitária, apresentada na Universidade Federal de Santa Catarina, chegou,
inclusive, a afirmar que esses tanques seriam, na verdade, a primeira estação de tratamento de
esgotos da América Latina.
(...) É justamente neste ponto que se localiza a primeira estação de
tratamento de esgoto da América Latina, construída ainda no século XIX, no
reinado de Dom Pedro II e que atualmente se encontra desativada.
(DAMASCENO, 2001, p. 28-29)
75
O presente capítulo espera desfazer esses equívocos, ao estudar os motivos que
concorreram para a construção desse sistema, sua autoria, sua data de construção, seus
desdobramentos, dentre mais. Os fatos aqui apresentados, não é ocioso reiterar, basearam-se
em fontes primárias constantes nos arquivos públicos, uma vez que não fora encontrada
bibliografia capaz de esclarecer as dúvidas relativas a esse novo sistema de água e esgotos.
74
Saturnino de Brito (1864-1929) iniciou sua carreira de sanitarista em 1892 em Piracicaba, São Paulo
(REVISTA D.A.E., 1964, p. 12), na construção da rede de esgotos do município e, portanto, jamais poderia estar
a cargo do novo sistema de água e esgotos de Ouro Preto, uma vez que este foi projetado em 1887 e concluído
em 1890, conforme se constatará neste capítulo.
75
No Rio de Janeiro, na década de 1860, foram construídos tanques de tratamento químico das águas residuárias
em alguns trechos da rede de esgotos, conforme se constatará neste capítulo.
64
5.1 A EMERGÊNCIA DA SAÚDE PÚBLICA E DAS POLÍTICAS DE SANEAMENTO
Com a chegada da família real em 1808, substituiram-se no Brasil alguns
institutos de caráter colonial, como os monopólios e as restrições industriais e comerciais.
Órgãos portugueses foram transferidos para o Rio de Janeiro, determinando estruturas típicas
de uma capital, com bibliotecas, jornal, instituões de fomento, dentre mais. Dois importantes
tratados foram assinados com a Inglaterra: um de Aliança e Amizade, e outro, em 1810, de
Comércio e Navegação.
Todos esses acontecimentos, somados a outras alterações jurídico-institucionais
advindas com o império, concorreram para favorecer a disseminação da cultura européia no
Brasil
76
, em especial, a questão das políticas de saúde pública e saneamento, que fez com que
o poder público se empenhasse mais em controlar o uso da água em seu território.
De acordo com Rosen (1994, p. 113), autor de um dos mais renomados livros
sobre a história da saúde pública, foi entre os anos 1750 e 1830 quando se lançaram as
fundações do movimento sanitário do século XIX: um desdobramento de outros dois
movimentos, o Iluminismo e a Revolução Industrial.
Em diversas cidades européias, o número de habitantes começou a crescer
rapidamente. A introdução da força a vapor e de máquinas na produção atraiu a população do
campo para a cidade, suscitando diversos problemas como a pobreza, o desemprego, a
disseminação de epidemias, o trabalho infantil e feminino e a mortalidade infantil.
O estado, nesse contexto, viu-se obrigado que a saúde das pessoas não podia
continuar como uma questão particular, e começou agir no sentido de sanear as cidades,
livrando-as dos inconvenientes dos esgotos, do lixo e de outros problemas sanitários. Na
Alemanha, em fins do século XVIII, foi criado o conceito de polícia médica, ou seja, a criação
de uma política médica pelo governo e sua efetivação por meio da regulação administrativa
(ROSEN, 1994, p. 134). Diversas nações criaram leis sanitárias, como a Poor Law
Commision, que se instituiu, na Inglaterra, em 1834, procurando enfrentar a questão da saúde
da população.
No Brasil, uma das primeiras ações do Império com relação aos problemas de
saúde pública ocorreu com a criação do cargo de “provedor-mor de saúde da Corte e do
Estado do Brasil”. Posteriormente, com o crescente movimento dos portos, estabeleceram um
serviço de inspeção sanitária entregue ao controle das cidades portuárias. Até meados do
século XIX, porém, as atividades de saúde pública ficavam sob responsabilidade das juntas
65
municipais, das autoridades vacinadoras contra a varíola e do controle de saúde nos navios e
nos portos (SILVA, 1998, p. 51).
De maneira geral, a organização dos serviços de saúde no Brasil
era extremamente precária e a prática sanitária baseava-se em conhecimentos
científicos tradicionais de origem européia, na teoria dos miasmas. (...) O
tema da sujeira e o correlato de zelar pela limpeza da cidade predominou na
literatura sanitária. Para combater as doenças pestilenciais, a medicina
preocupou-se em aterrar águas estagnadas, limpar ruas e casas, construir
canteiros, purificar o ar. Igualmente no século XIX, desenvolveu-se uma
medicina essencialmente voltada para o espaço urbano e preocupada com a
boa circulação do ar e da água para que não se tornassem perigosos e
nefastos à saúde. (COSTA, 1985, p. 34)
Com o surgimento dos primeiros casos de febre amarela no Rio de Janeiro, ficou
evidenciada a fragilidade das organizações sanitárias municipais e, em 1850, foi criada a Junta
de Higiene Pública, visando a unificar os serviços sanitários do Império.
Foi no Rio de Janeiro, aliás, onde se desenvolveram as maiores intervenções
sanitárias do Império. Com o crescimento urbano desordenado, as ruas cariocas se alongaram
estreitas, sinuosas e mal iluminadas. Havia muitos pântanos, de maneira que era quase
impraticável a drenagem do subsolo e o escoamento das águas servidas e pluviais. Era comum
o transbordamento de detritos das valas e galerias, que poluíam as ruas, com quaisquer
chuvas. O resultado disso tudo era um intenso mau cheiro, na época, conhecido como
Miasma
77
, ao qual, muitas vezes, atribuíam os males de saúde da população.
O Governo de D. Pedro II sentiu a gravidade do problema sanitário da época e
procurou resolvê-lo, contratando o “serviço de limpeza das casas da cidade do Rio de Janeiro,
e do esgoto das águas pluviais, com o João Frederico Russel ou outro qualquer”
78
. O sistema
de esgotos a construir, de acordo com Silva (1975, p. 222), era o misto ou separador parcial
inglês, adotado na cidade de Leicester e outras da Inglaterra, que compreendia duas redes
distintas: uma para águas pluviais e outra para os esgotos sanitários e a contribuição pluvial
dos pátios internos e telhados.
76
Principalmente a inglesa.
77
Até a última parte do século XIX, de acordo com Rosen (1994, p. 223), a teoria miasmática predominava
sobre a contagionista, ou seja, acreditavam que as doenças eram causadas pelo estado da atmosfera.
78
É o que consta na Lei N. 719 – 28 de Setembro de 1853 – Fixando Despesa e orçando a Receita para o
exercício de 1854, no capitulo III, Art. 11, §.3: Contractar (...) com João Frederico Russel, ou com outro
qualquer, o serviço da limpeza das casas da Cidade do Rio de Janeiro, e do esgoto das águas pluviais, obrigando-
se o empresário a fazer os trabalhos por distritos designados.
66
O contrato, entretanto, acabou se celebrando com Eduardo Gotto, que constituiu a
The Rio de Janeiro City Improvements Company Limited e inaugurou as obras em fevereiro
de 1864, com a presença do Imperador D. Pedro II. No sistema construído pela City,
destacam as Estações de Tratamento de Esgotos do Arsenal, Gamboa, Glória, São Cristóvão,
Botafogo e Alegria, que, “nada mais eram do que grandes tanques de ferro, abertos, que
recebiam o efluente sanitário através de grades de barras, de limpeza manual” (SILVA, 1975,
p. 224)
79
.
Rezende (2000), ao dissertar sobre a evolução histórica do saneamento no Brasil,
detectou que, a partir de meados no século XIX, diversos estados brasileiros – Ceará, São
Paulo, Pernambuco, Bahia – foram vítimas de epidemias como varíola, cólera, febre amarela,
e que, no grosso dos casos, as medidas sanitárias tomadas pelo poder público foram frágeis,
obrigando a população a enfrentar sozinha as epidemias e a morte. Segundo Rezende (2000,
p. 60), muitos pobres recorreram aos curandeiros negros e índios, que desde o período
colonial eram os responsáveis pelo tratamento dos que não tinham como pagar.
Na Ouro Preto do século XIX, as ações voltadas à saúde pública também
surgiram, em grande parte, como resposta a problemas sanitários, embora estes não fossem
tão graves quanto nas cidades litorâneas. Essas ações tiveram caráter reativo e refletiram,
sobretudo, a necessidade de modernizar uma cidade que se encontrava em franca decadência e
ameaçava perder o título de Capital.
5.2 O ESTADO DE DECADÊNCIA DA CAPITAL MINEIRA NO SÉCULO XIX
5.2.1 A decepção dos viajantes e estrangeiros
Após a chegada da Família Real Portuguesa em 1808, o Brasil se abriu aos
viajantes estrangeiros, inaugurando um período de incentivo à ciência e promovendo uma
ampla exploração do território brasileiro. Embora o principal objeto de pesquisa desses
viajantes fosse a exuberante natureza, não deixaram de descrever as cidades por onde
passavam, contemplando não apenas os aspectos físicos, mas tamm os sociais, políticos e
econômicos. Muitos desses viajantes estiveram em Ouro Preto e escreveram suas impressões,
nas quais, não há dúvida, predominou a decepção.
79
Ainda, segundo Silva (1975, p. 224), antes de alcançar esses tanque de decantação, o efluente sanitário recebia
soluções de cal – Ca(OH)
2
e sulfato de alumínio – Al
2
(SO
4
)
3
– dosados empiricamente. O tempo de retenção dos
esgotos nos tanques, quando inaugurados, variava de 1 hora e 28 minutos em Botafogo e 47 minutos em São
Cristóvão. Após esse tratamento, primário, os esgotos eram, finalmente, lançados no mar.
67
Freyreiss (1982), que esteve na vila na segunda década do século XIX, criticou
tanto os problemas urbanísticos, quantos os sociais:
A Vila Rica, que hoje não merece mais esse nome, não impressiona bem.
Por causa de ser lugar muito montanhoso, onde cada um edificava onde
queria, é este lugar o mais irregular possível. As edificações são mal feitas,
exceto o palácio e algumas igrejas, que se distinguem agradavelmente. (...) A
permanência em Vila Rica tem muito de desagradável para o estrangeiro.
Nenhuma sociabilidade aí se encontra e nenhum lugar talvez haja onde
exista mais a calúnia do que aqui (...).Não se pode afastar da Vila sem se
estar bem armado por causa dos negros fugidos, que praticam os seus
assaltos até ao pé da vila, e as minhas excursões botânicas fiz sempre bem
armado. (p.44)
D’Orbigny (1976, p. 149), quase uma década depois de Freyreiss, generalizou:
“Tudo, na cidade, no meio dos outeiros nus e severos que a cercam, reflete a decadência e o
abandono; tudo é triste, sombrio e melancólico”.
Pohl (1976, p. 395-396) não pensava muito diferente: “a situação da cidade não
oferece vista atraente, antes apresenta um aspecto tristonho pela peculiaridade das formas em
derredor”, e tampouco Saint Hilaire (2000) que, sobre sua chegada em Vila Rica, escreveu:
O tempo estava sombrio quando chegamos, e contribuía para aumentar o
semblante melancólico da região. Montanhas que, por todos os lados,
dominam a cidade, casas antigas e em mau estado, ruas que descem e sobem,
eis o que se nos apresentou aos olhos (...) (p. 69)
A decepção e as duras críticas desses e de vários outros viajantes, pondera
Fonseca (1998), deveram-se ao fato de que eles esperavam encontrar a lenda do século XVIII
e não a realidade do XIX. “Na inexistência do preestabelecido, nega-se o existente,
conotando-o como ruína.” (FONSECA, 1998, p. 11).
Alguns viajantes, no entanto, como Burmeister (1980), que esteve em Ouro Preto
nos anos de 1850, perceberam que ainda restava alguma importância na cidade, pois esta,
afinal, era a Capital da Província Mineira:
Ao tempo de seu apogeu, a cidade contava, segundo dizem, 20.000
habitantes e é bem possível ter havido tamanha população, mas hoje uma
grande parte das casas está em semi-ruína e a população não chega a 8000
almas. O lugar perdeu muito de sua antiga importância e nele haveria ainda
menos animação e riqueza se não fosse sede do governo da província e de
todo o aparelhamento administrativo e jurídico e se não contasse ainda com
um quartel para uma força de 500 homens (um batalhão). (p.200)
68
Para o já citado Burton (1977), entretanto, o privilégio de Capital não deveria
durar muito tempo: “Quanto mais cedo for encontrado novo lugar para a capital, tanto
melhor”. Burton (1977, p. 296) achava que faltava a Ouro Preto toda a graça e grandeza de
uma cidade, e anteviu as dificuldades que teriam na modernização dos seus serviços de água e
esgotos.
Ouro Preto apresenta tanta curvatura mal feita e tanta estreiteza quanto se
poderia desejar. Haverá todas as pitorescas dificuldades para a construção da
rede de esgotos e de gás – um preço um tanto alto para pagar tanta
curvatura.” (p.294)
5.2.2 Problemas sanitários
Buarque de Holanda (1995), ao tratar das cidades que os portugueses construíram
na América, disse que elas não eram um produto mental. Segundo ele, não havia
nenhum rigor, nenhum método, nenhuma providência, sempre esse
significativo abandono que exprime a palavra “desleixo” – palavra que o
escritor Aubrey Bell considerou tão tipicamente portuguesa como “saudade”
e que, no seu entender, implica menos falta de energia do que uma íntima
convicção de que “não vale a pena.”. (p. 110)
Desde a ereção de Ouro Preto, entretanto, como comprovam os estudos de
Vasconcellos (1979), houve, por certo, uma série de medidas premeditadas, as quais visavam
os melhoramentos das condições urbanísticas e sanitárias da cidade. Essas medidas, no
entanto, só se multiplicaram e ganharam vulto ao longo do século XIX, como um
desdobramento do abandono em que se encontrava a cidade e da necessidade “importada” de
saneá-la.
Em 1827, a Câmara reformou as posturas e consignou que os almotacés
80
deviam
trazer as ruas da cidade
limpas e direitas, obrigando os moradores para que calcem e limpem suas
testadas e o que faltar condenarem nas penas estabelecidas nas ditas posturas
(CABRAL, 1969, p. 92)
Na limpeza das ruas, era utilizada uma turma de galés
81
da cadeia pública, os
quais se deslocavam com correntes pelas pernas e passavam o dia varrendo e fazendo capina.
80
Antigo funcionário do Senado da Câmara encarregado da inspeção dos pesos e medidas, den, dentre mais.
81
Prisioneiros que executavam trabalhos forçados.
69
Esse serviço era, no entanto, ineficiente, de modo que foram constantes os problemas
relacionados ao lixo e aos “focos de infecções”.
Por volta de 1875, para se ter uma idéia, era tão grande o volume de lixo
depositado sob a ponte dos Contos, que poderia obstruir completamente o canal e desviar as
águas de seu leito natural, causando ruínas na propriedade vizinha
82
.
Em 1886, a Câmara Municipal de Ouro Preto, procurando atenuar a situação,
decretou um artigo obrigando os proprietários de prédios da cidade a:
1)fazerem encanamentos de tubos de barro vidrados ou pedras inteiramente
cimentadas e cobertas para escoamento das águas servidas e de latrina em
seus terrenos e à conservarem as latrinas devidamente limpas. 2) manter seus
pátios, quintais ou cercados, limpos e livres de qualquer espécie de
extrumeiro ou lixos (...). (Livro de atas n
o
98, p. 47 apud NATAL, 2003, p.
35)
E, em 3 de abril de 1891, a Diretoria Geral de Obras Públicas assinou contrato
com o Capitão Fortunato Pereira, para saneamento e limpeza da cidade. Ficou estipulado que
o armazenamento do lixo seria feito em caixotes a serem colocados durante a noite nas portas
dos prédios para serem recolhidos durante a madrugada e que haveria uma multa de 5$000
réis para os infratores e 10$000 réis para os reincidentes. (FONSECA, 1998, p. 55).
Outro problema bastante reclamado era a questão do mau cheiro que se emanava
dos cemitérios eclesiásticos. O presidente da Província de Minas, Dr. Barão de Ibituruna, em
3 de agosto de 1889, quando mandara uma carta para o Inspetor de Higiene da província, fez
um relato bastante conciso e esclarecedor sobre esse problema.
Disse o presidente:
Desagradavelmente impressionado, desde que aqui cheguei,
pela falta de limpeza das ruas, praças e rios desta Capital, pelo desprezo que
se nota nos mais rudimentares preceitos de higiene pública, quer da parte dos
habitantes, quer da das autoridades que permitem depósitos de lixo e de
detritos amimais e vegetais expostos às influências atmosféricas, eu me
dirigi a V. S
a
. aconselhando que solicitem da Câmara Municipal as
convenientes providências para melhorar as condições higiênicas urbanas, e
remover esses focos públicos de infecções, descobertos, que, reunidos aos
sumidouros das latrinas das habitações particulares, constituem poderosos
elementos para o desenvolvimento de moléstias epidêmicas graves, para o
mau estado sanitário que atualmente já se nota, acentuado-se pelo aumento
da mortalidade, pela gravidade insólita das moléstias endêmicas e
82
Ofício de 31 de março de 1875 da Diretoria Geral de Obras Públicas sobre exame realizado na ponte dos
Contos.
APM, Secretaria de Governo (SG), CX 03, 1875.
70
especialmente pelo crescido e variado numero de pirexias e moléstias agudas
ao aparelho respiratório de que são acometias as crianças.
Quando chamei a atenção de V. S
a
. para o estado imundo da
Capital de nossa importante província e para os males, mais ou menos
remotos, que teriam de afligir seus habitantes se providencias não fossem
tomadas, eu não conhecia ainda as grandes fabricas de emanações [ilegível]
espalhadas por toda a cidade, constituídas pela putrefação de grande numero
de cadáveres sepultados nos cemitérios das igrejas, alguns deles quase à
superfície da terra, próximos às habitações, aos templos, aonde se reúnem os
fieis, e aos passeios mais freqüentados; não conhecia ainda o sistema de
enterramento aqui adotado e que consiste na abertura de covas ou sepulturas
no solo dos cemitérios, tão próximos de outras recentemente fechadas que se
observam as emanações cadavéricas se desprendendo aos lados da sepultura
que tem de receber nosso cadáver.
Nos arredores dos cemitérios, nas ruas e nas casas que lhe ficam
próximas sente-se a certas horas do dia um cheiro especial de matérias
animais em putrefação.
Poderá, S
nr
. Inspetor de Higiene, continuar em desgraçado
estado de causas? Se o excelente clima desta província e desta cidade tem até
aqui neutralizado esses venenos, esparsos pela atmosfera, que apenas
perturbam periodicamente seu estado sanitário, tempo virá em que eles,
rompendo o equilíbrio que anima a indolência das autoridades sanitárias e
municipais, produzirão efeitos desastrosos como temos observado em
Vassouras, na província do Rio de Janeiro, em Campinas, na de S. Paulo, e
atualmente em Cataguazes.
É preciso, é mesmo urgente que tomemos providências para
colocarmos a população desta cidade ao abrigo de futuras e certas
calamidades.
O principal, o mais horroroso foco de infecção, os cemitérios
precisam ser removidos das igrejas quanto antes.
O presidente continua, repetindo algumas informações que aqui não se fazem
necessárias, e finaliza:
Deve também merecer séria atenção da Inspetoria de Higiene a
limpeza das ruas e praças e a remoção e incineração do lixo. A este respeito,
V. S
a
oficiará à Câmara Municipal propondo os meios a empregar-se para a
execução desse serviço municipal. Deus Guarde a V. S
a
. Dr. Barão de
Ibituruna.
83
Ouro Preto se encontrava, de fato, carente de um serviço de saneamento que
resolvesse – ou, ao menos, diminuísse – a questão do mau cheiro e do lixo que comprometia a
saúde da cidade.
Mas o mais curioso disso tudo, é que, ao contrário de outras cidades como o Rio
de Janeiro, Recife, São Paulo, Londres e Paris, a capital da província mineira não tinha sido
83
Carta do presidente da província, Dr. Barão de Ibirituna, ao Inspetor de Higiene, condenado as condições
sanitárias de Ouro Preto. APM, Presidência da Província (PP), CX 2 (1874-1889).
71
grassada por nenhuma epidemia de maior vulto e tampouco apresentara problemas de
crescimento populacional
84
.
Embora não haja dados oficiais a respeito da evolução demográfica de Ouro Preto
nas décadas de 1880-90, pode-se afirmar, confrontando diversas fontes documentais, que a
população não ultrapassou os 15.000. Quanto às epidemias, apenas uma de varíola em 1875
parece ter sido significativa na cidade, consumindo, segundo Castro (2003, p. 42), um quinto
da verba da Santa Casa de Misericórdia.
Essas demandas de ações perante os miasmas, os esgotos, o lixo, isto é, às
questões sanitárias, tão recorrentes nas assembléias da Câmara Municipal ouro-pretana,
foram, é certo, reativas, pois se opuseram a um inconveniente que já tinha se instalado, isto é,
o mau cheiro e a poluição visual. Entretanto, esses inconvenientes não eram tão significativos
quando comparados a outras capitais e, provavelmente, só se fizeram merecedores de
respostas em razão de que a cidade, havia tempo, corria o risco de perder o título de Capital
da província. Melhorar as condições higiênicas da sede urbana, nesse contexto, significava
contribuir para a modernização de Ouro Preto, e mantê-la digna do título de Capital de Minas
Gerais.
5.3 O Novo Sistema de Água e Esgotos da Capital
Durante o Império, a maioria das questões relacionadas à água ainda estava
subordinada aos ditames do § 8
o
, título 20
o
, livro 2
o
das Ordenações Filipinas – conforme
ficou visto no capítulo precedente – e das posturas promulgadas pelo município: de acordo
com o artigo 66 da lei de 1
o
de outubro de 1828, tinham as câmaras municipais a seu cargo
tudo quanto dizia respeito à polícia e economia das povoações, e seus termos, pelo que
tomariam deliberações, e proveriam por suas posturas os objetos seguintes:
§ 1: Alinhamento, limpeza, iluminação e despachamento (sic) das ruas, cais
e praças, conservação (sic) e reparos de muralhas feitas para as seguranças
dos edifícios e prisões públicas, calçadas, pontes, fontes, aquedutos e
chafarizes, poços, tanques e quaisquer outras construções (...)
§ 2: (...) sobre esgotamento de pântanos e qualquer estagnação de águas
infectas; (...). (TORRES, 19--, p. 931)
84
Na década de 1890, quando foi ampliado e melhorado o sistema de água e esgotos de São Paulo, a capital
paulista contava com mais de 70 mil habitantes (REVISTA DAE, v. 50, no 158, 1990, Edição Especial sobre o
Curso d`água em São Paulo)
72
Para os casos de danos nos chafarizes, tubulações e demais obras hidráulicas
públicas, havia, a mais, o Código Criminal do Império do Brasil de 1830, que, no seu artigo
178, estabelecia multas e penas para aquele que “destruir, abater, mutilar ou danificar
monumentos, edifícios, bens públicos, ou quaisquer outros objetos destinados à utilidade,
decoração ou recreio público”.
Em pesquisas realizadas no Arquivo Público da Câmara Municipal de Ouro Preto,
ficou constatado que durante todo o oitocentos ainda era utilizado o sistema de concessão de
porções d’água a particulares.
Numa provisão de “porção de agoa” de 24 de outubro de 1832, passada ao
cidadão Francisco de Assis de Azevedo Coutinho, a Câmara Municipal da Imperial Cidade do
Ouro Preto fez saber
aos que esta sua Provisão virem que tendo-lhe (sic) requerido em sua petição
o cidadão Francisco de Assis de Azevedo Coutinho que para o uso e misteres
de sua Chácara que possuía no caminho das Lages precisava de uma porção
de água que arrebentava ao lado de uma mina, atrás da chácara do finado
José das S
a
Amorim, assim como também das sobras de água de uma fonte
que existe no poente da chácara do dito Amorim para as conduzir para a dita
sua chácara para onde mais cômodo lhe for e que para a ajuda das despesas
desta Câmara oferecia por uma só vez a quantia de doze mil e oitocentos
réis, e sendo ouvido a este respeito o Senhor Fiscal, que não duvidou na
concessão requerida, resolveu a Câmara na sessão de 8 do corrente conceder
as ditas águas ao referido cidadão pela quantia de vinte mil réis, salvo (sic)
os prejuízos de terceiro e do publico.
85
O preço a ser pago por essas porções de água no século XIX variaram segundo
critérios que não puderam ser identificados, mas pode-se conjecturar que, no final do século,
eram mais caros do que no início. Em 14 de outubro de 1878, o Capitão Manoel da Costa
Fonseca, morador da casa número 12 da rua Tiradentes, chegou a pagar 200$000 réis por uma
pena de água tirada do chafariz, pela qual o fiscal
resolveu por despacho de dez do corrente mês conceder-lhe a dita pena de
água pela referida quantia de duzentos mil réis com a clausula de cedê-la
para o uso público quando houver falta.
86
85
Registro da provisão passada ao cidadão Franco de Assis de Azevedo Coutinho da porção de água tirada nas
Lages. ACMOP, Livro de registro de provisão de patentes e vendas de águas (LRPPVA), CX 5, Registro (RG)
0474, p. 4, 1832.
86
Registro de provisão de pena de água concedida ao capitão Manoel da Costa Fonseca. ACMOP, LRPPVA, CX
5, RG 0474, p. 132, 1878.
73
O grosso da população, no entanto, continuava se abastecendo nos chafarizes.
Henrique Cabral, morador de Ouro Preto no final do século XIX e autor de um livro já citado
aqui outras vezes, explica o cotidiano dos moradores do final do século nesses chafarizes.
Desde cedo, antes mesmo do dia clarear, já um grande bando de
mulheres, rapazes e meninotes se dirigia a esses logradouros públicos com
ancarotes ou tinas. Os ancarotes eram pequenos barris vindos de Portugal
com vinho branco especial. Comportavam 25 litros. As tinas eram feitas de
décimos partidos ao meio, de preferência dos que eram importados com cana
do Reino ou vinho branco.
Para que a água não extravasasse com o caminhar da pessoa,
tinham os portadores o cuidado de prender uma cuia ou cabaça às bordas da
tina, de modo que, boiando, essa cuia ou cabaça, estabelecia certo equilíbrio,
contendo a água dentro da vasilha.
Grupos e grupos dessa gente, em verdadeira charola
87
,
transitavam pelas ruas, em grande faina. Reunidos junto aos chafarizes, à
espera de sua vez para apanhar água, punham-se a palestrar sobre a vida da
casa a que pertenciam. Quase sempre se referiam aos senhores ou patrões
com palavras do mais baixo calão.
(...) Das grandes bicas dos referidos chafarizes jorrava água em
abundância dentro de amplos tanques, feitos de lages. Acontecia, então, que
animais, principalmente os de estimação, íam para aí beber água ou ser
lavados, o que não deixava de dar outro aspecto interessante à vida da
cidade. Na hora em que os cavalos eram lavados, geralmente pela manhã,
formavam-se, ao redor, vários grupos de homens e meninos para apreciá-los
(CABRAL, 1969, p. 100)
Em 1857, foi criada a Repartição de Obras Públicas da Província de Minas Gerais,
cuja função era dirigir e inspecionar todas as obras públicas, inclusive as municipais. A
Repartição era diretamente subordinada ao Presidente da Província e contava com uma equipe
de técnicos, composta de engenheiros, encarregados de obras, ajudantes e desenhistas e ainda
uma parte burocrática encarregada do expediente. Em 1866, no entanto, esta repartição foi
substituída pela Diretoria Geral das Obras Públicas da Província, ficando também
subordinada ao Presidente da Província que nomeava e demitia os empregados.
Esta Diretoria Geral de Obras Públicas, conforme constatado em pesquisas no
Arquivo Público Mineiro, ocupou-se, freqüentemente, dos problemas relacionados à
manutenção dos chafarizes e encanamentos públicos de Ouro Preto, utilizando para isso a
mão-de-obra que lhe fosse preciso:
Nesta data [29/01/1868], determina os almoxarifes provinciais
que passe à disposição de V. S
as
todos os galés que se acham empregados
nas obras públicas da Capital, a fim de fazerem os reparos de que necessita o
87
O ato de transportar as imagens sacras nas procissões.
74
encanamento público da Praia do Hospício, que com a chuva de ontem
sofreu consideráveis estragos, evitando-se assim que uma parte da Freguesia
do Ouro Preto fique privada d’água potável.
Do Comandante do Corpo Policial requisito também o maior
número de praças que for possível a fim de escoltar os mesmos galés.
O que comunico a V. S
as
em observância da ordem da E
xma
Presidência.
88
Quando não agia por si na manutenção, a Diretoria repassava aos municípios os
meios necessários. Ouro Preto foi, não há dúvida, a cidade mais beneficiada, uma vez que era
capital e sediava a Diretoria:
Reconhecendo a necessidade de melhorar-se o estado dos chafarizes
públicos desta Capital, muitos dos quais carecem não só de ser limpos como
providos de água, e que V. S
as
, apesar do empenho que têm de realizar estes
benefícios, encontram embaraços, que não podem ser vencidos, por faltarem
os precisos meios, no desejo de também cooperar para esses melhoramentos,
tomei a deliberação de pôr a disposição de V. S
as
os auxílios que dependerem
desta Diretoria, quer em relação à força do [ilegível], quer a materiais. Deos
Guarde a V. Sas. Luís Antônio de Souza Pitanga (Diretor).
89
A partir do fortalecimento das políticas de saúde pública e saneamento, conforme
mencionado no item antecedente, aumentou a preocupação com os esgotos e o estado dos
córregos de Ouro Preto.
As autoridades começaram a criticar os focos de infecções e miasmas que se
identificavam nos córregos da cidade.
Peço a V. Sa solicitar da Câmara Municipal ou Inspectoria de Higiene desta
Capital as necessárias medidas para que se evite lançar no rio Funil, próximo
à ponte da Barra, animais mortos, pois que além do perigo que correm os
habitantes desta parte da cidade, ameaça atacar de moléstias devidas ao
estado de putrefação desses animais, ao pessoal que ora tenho em serviço
naquele lugar e que será em breve de cerca de 80 pessoas. Atualmente
existem quatro animais mortos dentro do rio. Deus Guarde a V. Sa. Álvaro
Bhering.
90
Fez-se urgir, portanto, um sistema de abastecimento de água e esgotos, mais
eficiente, que conferisse a Ouro Preto a saúde urbana e o cômodo necessários a uma capital
moderna:
88
Ofício de 29 de janeiro de 1868 da Diretoria Geral das Obras Públicas comunicando aos senadores da comarca
de Ouro Preto a necessidade de mão-de-obra para obras em encanamento público. APM, SG, CX 03, p. 50, 1868.
89
Ofício de 18 de janeiro de 1873 da Diretoria de Obras Públicas sobre o estado de conservação de chafarizes e
encanamentos de Ouro Preto. APM, SG, CX 03.
75
No intuito de promover os meios necessários a ser melhorada esta capital,
convoquei a Câmara Municipal, vários chefes de repartições e a imprensa
(...) mostrei-lhes que há de serem reformados diversos serviços e levadas a
efeito algumas medidas de reconhecida utilidade. Assim é que tratei do
modo por que atualmente é abastecida a água potável; da conveniência de
serem aproveitados alguns mananciais dispersos; da canalização desta água;
do serviço de esgotos, como é feito, que me parece nocivo à saúde pública;
da fundação de um cemitério em lugar apropriado, que satisfaça os preceitos
higiênicos (...) Assim promovida a realização dos melhoramentos apontados,
e que me parecem urgentes, é de esperar que em breve estará esta capital
elevada a nível superior, que lhe dão direito à beleza do seu território e à
salubridade pública.
91
5.3.1 O primeiro projeto de abastecimento de água e esgotos
No princípio da década de 1880, o governo provincial contratou o Engenheiro
Gustavo Adolpho Wurffbain para levantar estudos sobre os trabalhos necessários para um
bom sistema de canalização de água potável e de esgotos.
A Diretoria Geral de Obras Públicas subsidiou os estudos de Wurffbain,
entregando-lhe o que fosse necessário, como, por exemplo, nível e outros instrumentos
92
. Em
13 de agosto de 1884, os estudos estavam terminados:
Tenho a honra de passar às mãos de V. Ex.
cia
a planta
topográfica e tudo mais relativo aos projetos de encanamento d’água potável
e canos de esgotos desta Capital, de cujo serviço dignou-se V. Ex.
cia
de
incumbir-me.
Creia V. Ex.
cia
que esmerei-me o mais possível para apresentar
um trabalho que estivesse na altura de tão importante melhoramento; pelo
que espero que tudo quanto fiz merecerá a aprovação de V. Ex.
cia
a quem
Deus Guarde. Gustavo A. Wurffbain.
93
No Arquivo Público Mineiro pode-se observar a planta topográfica a que se refere
Wurffbain – Projecto de Abastecimento d’água da cidade de Ouro Preto de 13 de Agosto de
1884,
94
–, e constatar que se tratava de um sistema moderno, à moda dos que se construíam
90
Ofício de 12 de agosto de 1890 do Escriptorio do Engenheiro do 1
o
Distrito de Obras Públicas da Província de
Minas Gerais sobre risco de moléstias no rio Funil. APM, SG, CX03.
91
Medidas prementes em 1886, segundo o ex-presidente da província de Minas Gerais, Dr. Manuel do
Nascimento Machado Portela, a serem tomadas no tocante à reestruturação de Ouro Preto (Relatórios da
Assembléia Provincial, p. 137 apud Natal, 2003, p. 31).
92
Ofício da Diretoria de Obras Públicas sobre o andamento do projeto de Wurffbain. APM, SG, CX 1085.
93
Carta de Gustavo A. Wurffbain de 13 de agosto de 1884 ao Presidente da Província de Minas Gerais
comunicando o término dos estudos referentes ao sistema de águas e esgotos de Ouro Preto. APM, SG, 1095,
1884.
94
Mapa do APM (OP-24 – Enrolado sobre mapoteca 6).
76
na Europa, contemplando, inclusive, Estações de Tratamento de Água
95
. Esse sistema
abrangia a maior parte da cidade, do bairro das Cabeças, passando pelo morro São João, até o
Padre Faria.
No Arquivo da Câmara Municipal e Ouro Preto, há algumas aquarelas do autor
96
,
dando detalhes do projeto, de tubulações, caixas d’água (FIG. 21).
FIGURA 21 – Caixas d'água do projeto de Wurffbain
Fotografia do autor (Jul/2003)
Fonte: Arquivo da Câmara Municipal de Ouro Preto (Sem referência).
O projeto de Wurffbain, entretanto, não foi aceito. Embora não tenha sido possível
encontrar no Arquivo Público Mineiro e no Arquivo da Câmara Municipal de Ouro Preto as
causas pelas quais se recusou o projeto, é de se aventar a hipótese de que ele tenha ficado
muito caro diante das verbas disponíveis.
5.3.2 O projeto executado
Lourenço Baeta Neves, um antigo e renomado engenheiro mineiro
97
, nascido em
Ouro Preto, dedicou seu mais famoso livro, Hygiene das Cidades, à memória do Dr. Antônio
Teixeira de Sousa Magalhães, o
95
Que, de acordo com os desenhos da planta, pareciam se constituir basicamente de tanques de sedimentação.
96
Estas aquarelas, infelizmente, estão muito mal conservadas.
97
Professor da Escola Livre de Engenharia de Minas Gerais.
77
mineiro que, como Vice-Presidente da antiga Província, tratou em Minas
Gerais do primeiro plano de saneamento sob moldes da engenharia moderna,
promovendo as obras de abastecimento d’água e esgotos, realizadas em Ouro
Preto, ex-capital do Estado. (NEVES, 1913)
De acordo com Neves, foi Magalhães – o segundo Barão de Camargos – quem
ideou e planejou essas obras, promovendo, através do seu prestígio na assembléia, os recursos
necessários para tão vultoso empreendimento: mil e duzentos contos (NEVES, 1913, p.128).
Em abril de 1887, o Diretor Geral das Obras Públicas da Província de Minas
Gerais, José de Castro Teixeira de Gouvêa, esteve em Niterói para convidar o engenheiro
Victor Francisco Braga Mello, profissional especialista em construções de obras para
abastecimento d’água e esgotos, e engenheiro chefe da Companhia de Melhoramentos
Urbanos da Cidade de Niterói, para dirigir novos estudos acerca de um novo sistema de
abastecimento de água e esgotos de Ouro Preto. Esses estudos, disse Gouvêa
98
, deveriam se
estender por no máximo 4 meses e consumir da província a quantia de 16:208$000. Embora
estivesse muito atarefado, Braga Mello aceitou o convite.
Conquanto muito atarefado, por estar à testa da construção das obras de
abastecimento d’água à Cidade de Niterói, como engenheiro-chefe deste
trabalho, aceito a comissão, assegurando a V. Exa. que não pouparei
sacrifícios para corresponder à honrosa confiança que V. Exa. dignou-se
demonstrar-me (...).
99
Braga Mello viajou para Ouro Preto e fez seus estudos juntamente com o corpo
técnico da Diretoria Geral de Obras Públicas, terminando-o no final deste mesmo ano. No dia
15 de dezembro, enviou uma carta ao presidente da Província, Dr. Luiz Eugenio Horta
Barboza, despedindo-se:
Tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Exa. que,
estando concluído a organização dos projetos de abastecimento d’água e
esgotos desta Capital, feita conjuntamente pelo Dr. José de Castro Teixeira
de Gouvêa e por mim e para cujos estudos fui convidado por oficio do
antecessor de Va. Exa., por indicação daquele Diretor, retiro-me para a Corte
no dia 22 do corrente mês.
(...) só tenho em vista dar uma prova de agradecimento a esta
M. Digna Presidência pela honrosa confiança que me foi dispensada e
98
Carta de 16 de abril de 1887 de José de Castro Teixeira de Gouvêa ao Presidente da Província de Minas Gerais
informando sobre a contratação de Victor Francisco Braga Mello. APM, SG, CX 1101.
99
Carta de 30 de abril de 1887 do engenheiro Victor Francisco Braga Mello informando ao Presidente da
Província de Minas Gerais que aceita o convite para dirigir os estudos do novo sistema de águas e esgotos de
Ouro Preto. APM, SG, CX 1101.
78
contribui com o meu fraco contigente para o progresso desta Província,
bastando tão somente uma ordem de Va. Exa., ou sua transmissão pela
Diretoria de Obras, para que venha a esta Capital ou à qualquer ponto da
Província desempenhar, desinteressadamente como a primeira, outra
comissão que me seja confiada. Deus Guarde á Va. Exa. Victor Francisco
Braga Mello.
100
No ano seguinte, foi publicado edital no jornal oficial para contratação das obras
do abastecimento de águas e esgotos da Capital, e, em 6 de dezembro, foi aceita a proposta do
engenheiro Quitiliano Neri Ribeiro (CABRAL, 1969, p. 97).
As obras se iniciaram no mês seguinte, em janeiro de 1889
101
, e terminaram em
setembro de 1890
102
.
Durante esses 20 meses, foram muitos os problemas enfrentados pelos
engenheiros. Imaginaram que, até o início das obras, haveria duas novas olarias em Ouro
Preto, mas, uma por falta de meios e outra por falta completa de lenha e água, não puderam
ser construídas, obrigando, assim, a Diretoria Geral de Obras Públicas a mandar trazer tijolos
do Rio de Janeiro – 800 milheiros, segundo o engenheiro encarregado das obras
103
. Esses
tijolos podem ser vistos ainda hoje em algumas construções de Ouro Preto, conforme se
observa na FIG. 22.
FIGURA 22 – Tijolo do Rio de Janeiro no Tanque de Desinfecção da Barra
Reparar no selo do império à esquerda.
Fotografia do autor. (Dez/2003)
100
Carta de 15 de dezembro de 1887 do engenheiro Victor Francisco Braga Mello informando ao Presidente da
Província de Minas Gerais que concluiu os estudos referentes ao novo sistema de águas e esgotos de Ouro Preto.
APM, SG, CX 1102.
101
Relatório de 21 de maio de 1889 sobre os “trabalhos e ocorrências” da Diretoria Geral de Obras Públicas a
partir do dia 14 de dezembro de 1888. APM, SG, CX1104.
102
Carta de Quitiliano Neri Ribeiro comunicando que terminou as obras. APM, SG, 1105. 1890.
103
Ofício de 20 de julho de 1889 do Escriptorio do Engenheiro do 1
o
Distrito de Obras Públicas da Província de
Minas Gerais sobre problemas na aquisição de tijolos para as obras do novo sistema de águas e esgotos da
capital
. APM, SG, CX 1104, 1889.
79
Além dos tijolos, vieram de fora, do Rio de Janeiro e da Inglaterra, registros,
tubulações e outros tantos materiais, os quais, se não fosse pela recém inaugurada Estrada de
Ferro Dom Pedro II, jamais teriam chegado a tempo e em preços acessíveis a Ouro Preto.
Para obter a vazão necessária de água para os reservatórios, foi necessário tirar a
posse de porções de água de alguns particulares, os quais se sentiram lesados e entraram com
pedido de indenização.
Um desses reservatórios, o de número 16, foi construído tirando proveito das
paredes de um antigo mundéu do bairro Veloso
104
, conforme se vê na FIG. 23.
FIGURA 23 – Reservatório 17 no mundéu do Veloso
Fotografia do autor de um detalhe da Planta do Sistema de Água e Esgotos de Ouro Preto do Arquivo da Câmara
Municipal de Ouro Preto (Jul/2003)
Todo o esgotamento sanitário era realizado por gravidade e conduzido para os
“Tanques de Desinfecção” da Barra, os quais podem ser considerados a primeira Estação de
Tratamento de Esgotos de Minas Gerais. Esses tanques de desinfecção foram construídos no
local do antigo Matadouro da Cidade e podem ser vistos ainda hoje em completo estado de
abandono no final do beco da Mãe Chica, em área da prefeitura, como se observa na FIG. 24.
Nos Relatórios do Serviço de Águas e Esgotos, constante no Arquivo da Câmara Municipal
de Ouro Preto, percebe-se que esses tanques eram “lavados” ou “desinfeccionados”
diariamente. No século seguinte, por razão ainda desconhecida, abandonaram essas lavagens,
de maneira que esses tanques passaram a funcionar tão-somente como enormes caixas de
passagem.
104
Relatório de 21 de maio de 1889 sobre os “trabalhos e ocorrências” da Diretoria Geral de Obras Públicas a
partir do dia 14 de dezembro de 1888. APM, SG, CX1104.
80
FIGURA 24 – Tanques de Desinfecção da Barra
Fotografia de Damasceno (2001).
O sistema de tratamento - pelo que se depreende das estruturas que ainda restam
no local - incluía gradeamento, caixa de mitura/desinfecção e 3 câmaras de sedimentação.
O projeto – memorial descritivo, cálculos, plantas, desenhos – infelizmente não
foi encontrado no Arquivo Público Mineiro ou no Arquivo da Câmara Municipal de Ouro
Preto
105
, de maneira que não se pôde conhecer informações importantes, como, por exemplo,
a cota per capita de consumo adotada, o sistema de funcionamento e de manutenção, dentre
mais.
105
Alguns funcionários do Departamento de Águas e Esgotos da prefeitura informaram que já existiu no
departamento diversas plantas e documentos antigos os quais, provavelmente, incluíam a descrição técnica
desses tanques. Mas, hoje, esses documentos encontram-se desaparecidos.
81
6 DISCUSSÕES
82
6.1 UM EPISÓDIO ESQUECIDO NA HISTÓRIA DA GESTÃO DOS RECURSOS
HÍDRICOS NO BRASIL
Nas últimas décadas, o sistema de gerenciamento de recursos hídricos no Brasil
passou por uma série de inovações, as quais culminaram com a instituição da Política
Nacional de Recursos Hídricos – através da Lei 9.433, de 9 de janeiro de 1997 – e da criação
da Agência Nacional de Águas, a ANA – através da Lei 9.984, de 17 de julho de 2000. Essas
inovações foram fruto de um longo e profícuo debate que se intensificou entre a comunidade
brasileira de recursos hídricos ao longo da década de 1980, após o surgimento dos
movimentos ambientalistas. Essa comunidade era representada, principalmente, pelo
Departamento Nacional de Águas e Energia do Ministério de Minas e Energia
(DNAE/MME), pela Associação Brasileira de Recursos Hídricos (ABRH), pela Associação
Brasileira de Engenharia Sanitária (ABES), pela Associação Brasileira de Águas Subterrâneas
(ABAS) e por diversos setores governamentais de âmbito estadual.
Era sentida a necessidade de reformar o sistema de gestão das águas no Brasil, até
então, baseado no antigo Código de Águas de 1934. Este código, apesar de ser considerado
um importante marco jurídico, privilegiava os usos de aproveitamento hidrelétrico da água e
não era eficaz no combate aos problemas que intensificaram no século XX a partir do
crescimento econômico/populacional e da forte urbanização: poluição dos corpos d’água,
enchentes, aumento da demanda de água na indústria e na agricultura, conflitos de uso, secas,
etc.
Após o confronto de diversas experiências estatais e internacionais bem-
sucedidas, foi implementada, finalmente, em 1997, uma política de recursos hídricos, no
Brasil, moderna, avançada e, ao que tudo indica, factível. Baseada em seis fundamentos – (1)
a água é um bem de domínio público; (2) a água é um recurso natural limitado, dotado de
valor econômico; (3) em situação de escassez, o uso prioritário dos recursos hídricos é o
consumo humano e a dessedentação de animais; (4) a gestão dos recursos hídricos deve
sempre proporcionar os usos múltiplos da água; (5) a bacia hidrográfica é a unidade territorial
para implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos e atuação do Sistema Nacional
de Gerenciamento de Recursos Hídricos; (6) a gestão dos recursos hídricos deve ser
descentralizada e contar com a participação do Poder Público, dos usuários e das
comunidades (BRASIL, Lei 9.433/97) –, baseada em seis fundamentos, esta política vem
sendo elogiada pelos especialistas por privilegiar um sistema integrado, descentralizado e
participativo.
83
Todo esse recente processo de alterações jurídicas e institucionais, porém, vem
sendo tratado por diversos autores e instituições como “a” história da gestão dos recursos
hídricos no Brasil, sem levar em consideração a evolução dos aspectos de controle do uso da
água – óbvia e igualmente históricos – constantes nos períodos Imperial e Colonial.
Em março de 2002, a Agência Nacional de Águas publicou o livro A Evolução da
Gestão dos Recursos Hídricos no Brasil (ANA, 2002), que não utilizou sequer um parágrafo
das suas 68 páginas para tratar dos aspectos gerenciais da água no Brasil de antes do século
XX. O livro é muito claro e objetivo ao descrever minuciosamente as inovações por quais
passou o sistema de gerenciamento de recursos hídricos no Brasil nas últimas décadas, mas
sugere, tacitamente, que o gerenciamento das águas no Brasil é um fenômeno recente, que
surgiu ao longo do século XX.
Tratamento semelhante ocorre no livro Gestão de recursos hídricos: aspectos
legais, econômicos, administrativos e sociais (SILVA, 2000), que no seu item 2.1 – Evolução
da administração das águas no Brasil – aborda os fatos ocorridos somente a partir da criação
do INEMET em 1909. Scare (2003), baseado neste mesmo livro, disse, descuidadamente, em
sua dissertação de mestrado, que
o processo de gerenciamento dos recursos hídricos no Brasil teve início em
1904 com a criação da Comissão de Açudes e Irrigação de Estudos e Obras
Contra os Efeitos das Secas e da Comissão de Perfuração de Poços. (p. 72)
O livro Gestão da Água no Brasil (TUCCI, 2002), no seu item 4.1 (Histórico),
aborda o desenvolvimento do setor de gestão de recursos hídricos somente a partir da segunda
guerra mundial:
O desenvolvimento do setor de gestão dos recursos hídricos, em
Países em desenvolvimento como os da América do Sul, passou por estágios
semelhantes aos dos Países desenvolvidos, mas em períodos diferentes. Após
a segunda guerra mundial, houve um grande desenvolvimento econômico e a
construção de muitas obras hidráulicas, principalmente de geração de
energia elétrica. Nessa época, Países em desenvolvimento como o Brasil
estavam na fase de inventariar seus recursos, desenvolvendo a construção de
obras hidráulicas de menor porte (Tabela 4.1).
Na etapa seguinte, observou-se o início da pressão ambiental nos
Países desenvolvidos devido, principalmente, à degradação das águas
superficiais, resultando nas primeiras legislações restritivas quanto ao
despejo de efluentes (...) (p. 147).
84
Nem mesmo importantes nomes do setor de recursos hídricos do Brasil como
Flávio Terra Barths
106
e Jerson Kelman
107
levaram em consideração os aspectos gerenciais
dos recursos hídricos constantes nos séculos passados. Isso se evidencia no artigo de Barth –
Evolução nos Aspectos Institucionais e no Gerenciamento de Recursos Hídricos no Brasil
(BARTH, 2002)
108
– e de Kelman – Evolution of Brazil’s Water Resources Management
System (KELMAN, 2000).
Exceções, entretanto, aparecem nos trabalhos acadêmicos já citados aqui de Silva
(1998) e Rezende (2000) e na publicação Avaliação das Águas no Brasil (MMA/SRH, 2002),
que no seu capítulo 2 – Histórico da Gestão das Águas no Brasil – explicita:
A preocupação do governo brasileiro com as águas, em relação ao uso
racional e a proteção desse rico manancial, vem desde a legislação colonial,
principalmente as Ordenações Filipinas, decretadas em 11 de janeiro de 1603
e vigentes por mais de três séculos (...) (p. 10).
Contudo, em toda a bibliografia consultada que aborda a evolução do
gerenciamento dos recursos hídricos no Brasil não foi observada qualquer referência sobre o
controle do uso da água nas minas de ouro coloniais: um episódio efetivamente significativo,
que merece destaque na “História da Gestão dos Recursos Hídricos no Brasil”.
Embora não fosse utilizada a palavra “Gestão” ou “Gerenciamento” no período
colonial
109
, já existia na época, por certo, diversas atividades – desempenhadas tanto pelo
poder público, no caso, a Coroa Portuguesa ou o Senado da Câmara, quanto pelos usuários –
que faziam parte do processo de gerir. Isto é, já existia a criação e a efetivação de regras, leis
e procedimentos que visavam à racionalização e à otimização do uso da água.
A descoberta do ouro, conforme explicitado no Capítulo 3, significou um aumento
vertiginoso no valor econômico dos recursos hídricos na região das minas. Afinal, as águas
eram ou o local onde se encontrava o metal ou o instrumento necessário para descobri-lo.
Após a migração de milhares de pessoas para as “serras de ouro”, tornou-se
necessário à Coroa compatibilizar as demandas de água nas minas e evitar os abusos
106
Um artigo de Raimundo Garrido sobre a importância de Barths encontra-se disponível em: <http://www.
ana.gov.br/AcoesAdministrativas/CDOC/docs/Folha.htm>. Acesso em: 15 de abril de 2004.
107
O currículo lates de Kelman – o atual presidente da ANA – encontra-se disponível em: http://genos.
cnpq.br:12010/dwlattes/owa/prc_imp_cv_int?f_cod=K4780210D2>. Acesso em: 15 de abril de 2004.
108
Este mesmo artigo foi publicado em língua inglesa em: Associação Brasileira de Recursos Hídricos. Water
Resources Management: brazilian and european trends and approaches. Porto Alegre: ABRH, 2000.
109
De acordo com Houaiss (2001), a primeira vez que palavra “Gestão” foi registrada na língua portuguesa foi
em 1858 na 6
a
edição do Diccionario da Língua Portugueza de Antônio de Moraes Silva. Ainda de acordo com
Houaiss (2001), a palavra “gerenciamento” só apareceu em língua portuguesa no século XX.
85
cometidos pelos usuários. Para isso, instituiu um processo de licença de uso, o qual,
guardadas as devidas proporções, assemelha-se ao 3
o
instrumento da atual Política Nacional
de Recursos Hídricos: a outorga dos direitos de uso dos recursos hídricos
110
.
Essa licença – instituída através da “Provisão das Águas” de 24 de fevereiro de
1720
111
, provisão que pode ser considerada um marco na legislação sobre recursos hídricos no
Brasil – deveria ser adquirida mediante o pagamento de um valor que variava, na prática,
segundo a disponibilidade da água e a “força política do requerente”. Os responsáveis por este
controle de “venda” de água e cadastro de usuários eram os guardas-mores, quem deveriam
repassar, por escrito, as licenças aos requerentes.
Muitos desses guardas-mores sucumbiram à ganância e revelarem-se corruptos,
antepondo seus emolumentos aos do povo. Passaram a vender as águas das chuvas e a
permitir o uso da água em roças e moinhos, em desacordo com a hierarquia de usos da água
estabelecida no 15
o
artigo de um Bando que fazia aditamentos no regimento mineral
112
de
1702.
Esse 15
o
artigo, aliás, já é em si um instrumento de gestão que traduzia muito bem
o interesse da Coroa de manter o monopólio da produção aurífera na região das minas através
do controle da água e que, provavelmente, influenciou sobremaneira as relações de posse e
uso do solo entre os mineiros.
A água tornou-se um recurso natural escasso em algumas partes, de modo que a
Coroa viu-se forçada a estabelecer algumas medidas legais que visavam a proteger os cursos
d’água e mananciais que abasteciam não somente os serviços de mineração, mas também a
vila. Dentre essas medidas, destacam-se:
Proibição de degradar a qualidade das águas;
Proibição de corte de “matos” nas origens dos córregos de pouca água;
Instituição da conservação de uma faixa de quinhentos palmos de “mato” – ou da
vigésima parte do “mato” existente no terreno – nas margens dos córregos;
110
“A outorga de direito de uso da água (bem de domínio público) é um beneplácito, um consentimento aos
vários interesses públicos, individuais e coletivos, cujo estabelecimento cabe àqueles que detêm o respectivo
domínio (União ou Estados), para utilização de específica quantidade de água, em determinada localização, para
específica finalidade. A outorga garante ao usuário o direito de uso da água, condicionado à disponibilidade
hídrica. Cabe ao poder outorgante (Governo Federal, dos Estados ou do Distrito Federal) examinar cada pedido
de outorga e verificar a existência de suficiente água, considerando os aspectos quantitativos e qualitativos, para
que o pedido possa ser atendido. Uma vez concedida, a outorga de direito de uso da água protege o usuário
contra o uso predador de outros usuários que não possuam outorga.” (IGAM, 2002, p. 49).
111
Ver texto completo desta provisão no Anexo 2.
112
Ver texto completo deste artigo no Anexo 2.
86
Proibição de desperdício das águas destinadas à mineração;
Instituição da obrigação de construir pontes ou outras infra-estruturas, no caso de haver o
risco de se conspurcar os córregos de água limpa;
As pesquisas efetivadas nesta dissertação, no entanto, restringiram-se ao espaço
geográfico da região de Vila Rica. Por isso, é bastante provável que, em futuros trabalhos,
sejam identificados outros mecanismos gerenciais utilizados nos serviços de mineração – não
apenas de ouro, mas também de diamantes e outros metais preciosos – que se deram em
outros locais, como Diamantina e Goiás.
Não obstante, as pesquisas aqui realizadas já são suficientes para concluir que
existia no Brasil Colonial, sobretudo durante o período auge da mineração, um emaranhado de
dispositivos legais que atestam que a “História da Gestão dos Recursos Hídricos no Brasil”
começou muito antes do século XX. Que, a bem da verdade, o controle sobre o uso da água
foi inerente ao processo colonizador dos portugueses, variando conforme as conjunturas
ambientais, econômicas e sociais.
Em Vila Rica estavam largamente presentes a ganância, o ouro e água necessária
para extraí-lo
113
. Esta confluência permitiu um desenvolvimento urbano, econômico e
demográfico, que, para se sustentar, demandou um controle sobre o uso da água jamais
presenciado na América Portuguesa. A Coroa instituiu leis, aplicou multas, penas, procurando
remediar uma situação que se antepunha ao desenvolvimento da mineração e, por
conseguinte, à arrecadação de impostos. Esse controle, no entanto, foi ineficiente, pois se
impôs tardiamente – quando uma cultura perdulária e predatória já havia se instalado – e
fracamente – com poucos guardas-mores e meios de controlar tão vasto território.
Rios desviados, córregos secos, barras multiplicadas, nascentes mortas: foram
essas algumas das “externalidades” do empreendimento português nas minas de Vila Rica. A
hidrografia que hoje escorre pelas serras não é, por certo, a mesma que os bandeirantes
encontraram em fins do século XVII. O homem a transformou, em nome da Coroa, de Deus,
do Barroco e de nós.
113
Ouro Preto possui uma precipitação média anual de 1.723,6 mm e um clima que, na classificação de C.W.
Thornthwaith, é do tipo ArB'2a' – super-úmido, com reduzido ou nenhum déficit de água, mesotérmico e com
pouca variação de calor ao longo do ano – (IGA, 1994), isto é, possui bastante disponibilidade hídrica para a
exploração do ouro.
87
6.2 A INFLUÊNCIA DA CULTURA COLONIAL NA ATUAL GESTÃO PÚBLICA DAS
ÁGUAS DE ABASTECIMENTO DE OURO PRETO
Em novembro de 2002, um jornal ouro-pretano – O Inconfidente, edição n
o
81 –
publicou uma matéria extensa sobre o abastecimento de água em Ouro Preto, na qual, em
entrevista, dois professores da UFOP alertam sobre a necessidade de se efetuar melhorias
técnicas e gerenciais no sistema de abastecimento de água da cidade.
Nesta mesma época, diversos setores da imprensa divulgaram os resultados de
uma tese de doutorado defendida na UNICAMP pelo engenheiro geólogo Ricardo Perobelli
Borba (2002), que detectou a presença de arsênio – um elemento químico que em
concentrações elevadas pode causar danos à saúde do homem, como, por exemplo, câncer –
em mananciais das bacias do rio das Velhas, rio Conceição e rio do Carmo. De acordo com a
tese, alguns mananciais de Ouro Preto poderiam conter altas concentrações de arsênio: um
passivo ambiental da mineração que ocorreu nos morros da cidade nos últimos 300 anos. Essa
notícia teve grande repercussão e se desdobrou em uma parceria da Prefeitura de Ouro Preto
com o Laboratório de Geoquímica Ambiental do Departamento de Geologia da UFOP, na
qual se estabeleceu o objetivo de realizar análises sistemáticas da qualidade da água dos
principais mananciais da cidade.
A qualidade da água de alguns desses mananciais, no entanto, já vinha sendo
estudada em Linhas de Pesquisas que se iniciaram, em 2001, no Núcleo de Pesquisa em
Recursos Hídricos da UFOP – o PROÁGUA, de onde, aliás, este trabalho é oriundo.
Percebe-se que, nos últimos anos, tornou-se patente – tanto para a imprensa,
quanto para o meio acadêmico e a população em geral – a necessidade de se efetuar melhorias
no serviço público de abastecimento de água de Ouro Preto.
Tal necessidade pôde ser constatada em visitas realizadas, conjuntamente com
alguns funcionários do Departamento de Água e Esgotos da Prefeitura, a diversas captações,
reservatórios e trechos da rede de água da cidade. Durante essas visitas, foram evidenciados
os seguintes problemas:
Inexistência de um controle laboratorial sistemático e efetivo da qualidade físico-química
e biológica da água captada, da água em tratamento e da água distribuída à população;
Na maioria das captações, o tratamento químico realizado na água – cloração – não passa
por nenhum controle de qualidade;
Não há um programa efetivo de proteção dos mananciais que abastecem a cidade;
88
Não há hidrômetros instalados nas residências ou em estabelecimentos comercias, o que
incentiva o uso perdulário da água;
A tarifação sofre o serviço de água e esgotos é praticamente irrisória, o que também
incentiva o uso perdulário da água;
Diversos chafarizes
114
, reservatórios (FIG. 25) e trechos da rede de abastecimento de água
encontram-se mal conservados e carentes de reparos;
O serviço de abastecimento de água é gerenciado por um Departamento da Prefeitura que
não possuiu recursos físicos, humanos e financeiros adequados. Os projetos e programas
deste Departamento, segundo informações prestadas por funcionários da Prefeitura, são
muitas vezes comprometidos após mudanças políticas na diretoria.
FIGURA 25 – Interior do Reservatório III de Água, construído em 1890 e ainda em operação
Reparar que os diversos pontos de luz vêm do telhado que se encontra, praticamente, arruinado.
Fotografia do autor (Out/2003).
Tudo isso reflete o descaso do poder público e a postura passiva da população que
não atua o quanto deveria no sentido de reclamar os melhoramentos necessários a tão
fundamental serviço.
Apesar de o arcabouço jurídico e conceitual relativo aos recursos hídricos ter
mudado intensamente nas últimas décadas
115
, – não seria um exagero dizer – o poder público
e a população de Ouro Preto ainda guardam muito da cultura dos tempos coloniais, quando a
114
Muitos ainda em utilização.
115
Diga-se, para melhor.
89
gestão das águas de abastecimento era reativa, não participativa e escassamente
tecnologizada.
Como ficou visto no capítulo 4, durante o período colonial, as ações públicas
voltadas ao abastecimento de água aconteceram sob demanda, isto é, procurando dar resposta
a um problema já instalado ou a uma reclamação da população. E as reclamações não foram
poucas: falta de água e de chafariz, mal estado de conservação das fontes e encanamentos,
desvio ilícito de água pública, etc. À medida que a população crescia, multiplicavam-se as
obras e as ações que procuravam atender a essas demandas. Passados séculos, pouca coisa
mudou nesse sentido. A Prefeitura, atualmente, ainda atende reativamente às questões do
abastecimento de água, procurando consertar uma adutora que se quebrou, ampliando o
atendimento para uma região recentemente urbanizada, etc. Raras são as ações proativas, isto
é, que objetivam prognosticar uma situação futura indesejável, de maneira a evitá-la ou, ao
menos, mitigá-la.
Embora a Vila Rica colonial dispusesse de uma quantidade expressiva de
mananciais, a água raramente foi empregada como elemento decorativo ou paisagístico. O
fato de a vila estar voltada à exploração aurífera e, portanto, ser dependente da água para seus
trabalhos de mineração, além, é claro, do fato de a economia estar voltada, a priori, para o
enriquecimento de ultramar e, nesse sentido, viver sob a lógica do provisório, acentuou
sobremaneira o caráter utilitário das águas da vila. Ao contrário do que acontecia nas
metrópoles européias da época, os chafarizes coloniais de Vila Rica elevaram-se simples e,
até mesmo, toscos, prescindindo do fausto e da ostentação. Tampouco foram construídas
piscinas ou represas balneáveis na vila. Ainda hoje, Ouro Preto apresenta poucas obras que
propiciam entretenimento ou cultura à população através da água. Nem mesmo os antigos
chafarizes que poderiam se constituir verdadeiros engodos turísticos prestam a tal serviço. A
maior parte se encontra seca e abandonada, simbolizando mais o descaso do poder público
diante dos seus monumentos do que a história da relação do ouro-pretano com a água.
Na Vila Rica colonial, a grande maioria das águas era captada em minas e
nascentes e conduzida, sem tratamento, para os chafarizes, sendo todo esse processo não
tarifado. Aqueles que quisessem conduzir as águas para suas próprias residências deveriam
requerer uma “porção de água” ao Senado da Câmara – cuja pena custava, no mais das vezes,
algumas dezenas de oitavas de ouro –, e se comprometer a “largar mão” desta, caso um dia o
público sofresse falta d’água. Ainda hoje, a maior parte das captações provém de antigas
minas e nascentes. Mas, em vez de conduzidas para os chafarizes, vão para os reservatórios e,
90
mais adiante, para as residências, sem tratamento ou tarifação significativos
116
. Aqueles que
querem receber água em suas próprias residências, ainda devem fazer um requerimento de
pena d’água ao poder público atual – o Departamento de Águas e Esgotos – e pagar uma taxa
inexpressiva
117
. Ouro Preto ainda não faz uso de medidores de vazão nas casas ou nos
estabelecimentos comerciais.
Cabia ao antigo Senado da Câmara de Vila Rica legislar e decidir sobre as
questões suscitadas em torno dos problemas de abastecimento de água. Para isso, estabelecia
posturas e aplicava sanções (multas e cadeia) para quem as descumprisse. O povo, nesse
contexto, reclamava suas necessidades, na esperança de que o procurador do Senado da
Câmara as acatasse. Hoje – apesar de a unidade de gerenciamento mater das águas, a bacia
hidrográfica, estabelecer a participação dos usuários das águas nos seus respectivos Comitês,
e, dessa forma, permitir tomadas de decisão mais condizentes com a realidade da bacia – a
população, de maneira geral, permanece inerte, como se não lha coubesse agir nesse sentido.
Os usuários das águas de Ouro Preto poderiam estar atuando junto aos comitês de Bacia
Hidrográfica do Rio Doce e do Rio das Velhas, ou, melhor ainda, incentivando a criação de
um Comitê para a micro-bacia do Rio Funil, e desta forma proporem, durante as deliberações
dos Comitês, melhorias no sistema de abastecimento de água do município. Mas, em vez
disso, permanecem passivos, aguardando as providenciais intervenções do poder público.
E assim poder-se-ia continuar comparando o abastecimento de água colonial ao
contemporâneo, se os exemplos citados acima já não fossem suficientes para afirmar que a
cultura predominante hoje na gestão das águas de abastecimento de Ouro Preto ainda é –
reitera-se – reativa, não participativa e escassamente tecnologizada.
6.3 CHAFARIZES OURO-PRETANOS: MONUMENTOS-SÍMBOLOS DESPREZADOS
DE UMA ÉPOCA
Durante os períodos colonial e imperial, foram construídos diversos chafarizes
públicos e particulares em Ouro Preto, os quais simbolizam a vivacidade da história da
relação do ouro-pretano com a água. Nas pesquisas realizadas para esta dissertação, foram
116
O único sistema que realiza um tratamento convencional de tratamento (coagulação, floculação, decantação,
filtração e cloração) é o do Itacolomi, cujas águas provêm de uma cachoeira conhecida como “Geladeira”.
117
Durante a redação desta dissertação, segundo informações obtidas junto ao Departamento de Águas e
Esgotos, a taxa a ser paga pelo requerimento de uma (1) pena custava cerca de R$ 16,00. Anualmente, paga-se
outra taxa que custa por volta deste mesmo valor. Para volumes maiores, isto é, para maior quantidade de penas
d`água, paga-se pro rata.
91
identificados 48 que se conservaram até hoje
118
. Esse montante basta para afirmar que Ouro
Preto é a cidade brasileira que conserva a maior quantidade dessas obras – isso sem falar dos
lavatórios das igrejas e da hipótese de que haja muitos outros chafarizes por serem
inventariados, ou nos distritos ou em residências particulares.
Esses monumentos, no entanto, vêm sendo desprezados tanto pelos poderes
públicos (municipal, estadual e federal), que não os conservam adequadamente, quanto pelo
meio acadêmico, que não os estuda em todo seu potencial temático. A maioria não verte mais
água em suas bicas, e, quando verte, o faz com uma água de qualidade duvidosa. Outros
tantos encontram-se desprotegidos, sujos, com fungos e ervas ocupando suas formas. O do
Jardim Botânico
119
, de tão degradado, é hoje uma ruína. Apenas os mais expressivos, como o
da Praça Marília de Dirceu e o Dos Contos, recebem uma manutenção mais efetiva, mas,
mesmo assim, não satisfatória.
Seria importante que algumas instituições – Prefeitura, Iphan, Ufop, etc. – se
empenhassem em promover as melhorias necessárias à restauração, à conservação e à
valorização desses monumentos.
Seria importante, ademais, que futuros trabalhos se ocupassem desses chafarizes,
buscando identificar, entre outras informações, as datas de construção, as autorias, a
semiologia, os aspectos construtivos, etc., de maneira a valorizar e facilitar sua preservação.
Trata-se, efetivamente, de um tema prolífico e interessante, que renderia boas publicações.
6.4 O RETROCESSO SANITÁRIO EM OURO PRETO NO SÉCULO XX
O Instituto Mineiro de Gestão das Águas (IGAM), órgão estadual responsável pela
gestão das águas pertencentes ao estado de Minas Gerais, vem coordenando o “Projeto Águas
de Minas”, que, desde 1997,
busca conhecer a qualidade da água, suas tendências ao longo do tempo e o
comprometimento dos corpos d`água mineiros pela presença de poluentes,
com a finalidade de fornecer uma ferramenta básica para a gestão integrada
dos recursos hídricos, vindo a fundamentar também as decisões dos comitês
de bacia no gerenciamento das águas. (IGAM, 2002)
Dentre os pontos monitorados nesse projeto, é de grande relevância para Ouro
Preto o RD009. Situado no Rio do Carmo em Monsenhor Horta (Distrito de Mariana), este
118
Ver Anexos 4 e 5.
119
Ver Anexo 4, PU-29.
92
ponto reflete, sobremaneira, o estado de degradação das águas do alto do rio, que drena a
maior parte da sede urbana de Ouro Preto.
Desde 15 de fevereiro de 2000, quando começou a ser monitorado, diversos
parâmetros ultrapassaram o limite da Deliberação Normativa do COPAM 10/86 para corpos
d’água classe 2. É o caso do alumínio, do manganês, dos sulfetos, dos fenóis, da turbidez, da
cor e dos óleos e graxas. Três parâmetros, não bastasse, apresentaram-se fora deste limite em
todas as campanhas de amostragem realizadas: coliformes totais, coliformes fecais e fosfato
total.
Esses resultados demonstram que, de maneira geral, o alto Rio do Carmo tem
recebido efluentes domésticos e industriais com elevada carga tóxica e orgânica, e que suas
águas, embora estejam classificadas como classe 2, atendem somente aos usos menos
exigentes previstos para os corpos d’água classe 4 (DN COPAM 10/86), como a navegação e
a harmonia paisagística. Corrobora esta afirmação o comportamento do Índice de Qualidade
Água (IQA)
120
no rio do Carmo, que tem variado de ruim a médio (FIG. 26).
FIGURA 26 – Comportamento temporal do Índice de Qualidade de Água no Rio do Carmo de 2000 a 2003
Fonte: Adaptado do Projeto Águas de Minas (ponto RD009)
120
Índice desenvolvido pela National Sanitation Foundation dos Estados Unidos, que sintetiza em um valor os
resultados obtidos de OD, coliformes fecais, pH, DBO, nitrato, fosfato total, temperatura da água, turbidez e
sólidos totais. Esses parâmetros, constituintes do IQA, referem-se principalmente à contribuição da poluição
orgânica e cada um deles apresenta um determinado peso estabelecido.
93
Cumpre ressaltar, no entanto, que esses resultados não refletem a qualidade da
água do trecho do curso do rio do Carmo situado logo a jusante de Ouro Preto
121
, mas sim a
de um ponto situado a cerca de 20 km
122
a jusante de Mariana (Monsenhor Horta), que passou
por um processo de autodepuração e que provavelmente teve sua qualidade melhorada. Esses
resultados, ademais, são influenciados pelos esgotos da sede urbana de Mariana.
Um ponto do rio do Carmo, situado próximo à fábrica de tecidos, à jusante de
Ouro Preto, no entanto, teve sua qualidade avaliada em agosto de 1993, em função de um
Diagnóstico Hidrogeológico elaborado para a publicação Desenvolvimento Ambiental de
Ouro Preto – Microbacia do Ribeirão do Funil – MG (IGA, 1994). De acordo com aquele
diagnóstico, a Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) no ponto era de 9,80 mg O
2
/L. Este
resultado é superior ao maior valor de DBO já registrado, desde 2000, no ponto RD009 do
projeto “Águas de Minas” – 5,0 mg O
2
/L – e sugere que a qualidade da água logo à jusante de
Ouro Preto seja ainda pior do que a presente no ponto RD009.
O turista ou o morador, porém, não precisa desses números para atestar que a
situação dos córregos é alarmante: as diversas tubulações que se arremessam sobre os
córregos da cidade (FIG. 27) e o mau cheiro que emana destes são a maior prova.
FIGURA 27 – Residências de Ouro Preto lançando seus esgotos diretamente no córrego
Fotografia de Damasceno (2001).
121
O trecho do rio do Carmo que percorre Ouro Preto é conhecido como rio Funil.
122
Medido pelo leito do rio.
94
Tudo isso atesta a necessidade de se construir um sistema de coleta de esgotos –
mais abrangente e eficiente do que o que já existe – e um sistema de tratamento de esgotos na
sede urbana de Ouro Preto que, somado a outras ações de educação ambiental, devolva ao Rio
do Carmo a qualidade necessária para os usos da água previstos na bacia.
Embora inspirada em outras “ideologias”, uma ação sanitária como esta já foi
efetivada há mais de um século pela antiga Diretoria Geral das Obras Públicas de Minas
Gerais.
Como ficou visto no Capítulo 5, ao longo do século XIX, com a divulgação das
políticas de saúde pública e saneamento “em voga” nas principais capitais européias, tornou-
se comum em Ouro Preto discursos de cunho higienistas, nos quais se alertava sobre os
perigos dos maus odores dos cemitérios eclesiásticos, dos focos de infecção miasmáticos
constantes nos becos imundos, do mal estado sanitário dos córregos e da necessidade de se
construir um sistema de abastecimento de água e esgotos moderno, nos moldes dos que se
produziam na Europa. O fato de Ouro Preto estar ameaçada de perder o título de Capital da
Província de Minas Gerais corroborou ainda mais esses discursos (sobretudo por parte
daqueles que eram contra a mudança da Capital: os não-mudancistas), uma vez que estas
melhorias concorreriam para modernizar a cidade e mantê-la digna do título de Capital.
A Diretoria Geral das Obras Públicas de Minas Gerais contratou, então, em 1887,
Victor Francisco Braga Mello – engenheiro chefe da Companhia de Melhoramentos Urbanos
da Cidade de Niterói e especialista em construções de obras para abastecimento d’água e
esgotos – para dirigir os estudos acerca deste novo sistema. Depois de concluídos os estudos,
em dezembro do mesmo ano, passaram-se aproximadamente três anos até que as obras
estivessem terminadas. Nos alvores da república, portanto, recebeu Ouro Preto um sistema de
água e esgotos moderno, que contemplava inclusive o tratamento do esgoto doméstico
coletado.
Esse tratamento era realizado nos “Tanques de desinfecção da Barra”
123
, os quais
constituem a primeira Estação de Tratamento de Esgotos de Minas Gerais e uma das
primeiras do Brasil e da América do Sul. Muitos moradores de Ouro Preto e estudiosos da
evolução do saneamento no Brasil desconhecem esses tanques, os quais sobejam hoje
desativados
124
e em completo estado de abandono em uma área da Prefeitura que foi invadida
por indigentes há décadas. Antes das pesquisas realizadas para esta dissertação, presumia-se
123
Barra é um dos bairros de menor altitude situado à jusante da cidade.
124
Na verdade, esses tanques ainda recebem parte dos efluentes da cidade, funcionando, no entanto, como uma
grande caixa de passagem.
95
que esses tanques, bem como todo o sistema de esgotamento sanitário de Ouro Preto, fossem
de autoria do renomado sanitarista Saturnino de Brito, uma vez que uma importante e
conceituada instituição pública mineira publicara – equivocadamente – tal informação (vide p.
63).
Apesar, infelizmente, de não terem sido encontrados nos arquivos pesquisados as
plantas e os detalhes de funcionamento, pode-se inferir que os tanques funcionavam como
caixas de sedimentação e de tratamento químico, à exemplo dos sistemas de tratamento de
esgoto que foram construídos no Rio de Janeiro na década de 1860.
Seria importante que futuros trabalhos se ocupassem especificamente desse
sistema de tratamento de esgotos, no sentido de o caracterizar, histórica e tecnicamente, em
detalhes. Embora não seja capaz de tratar com eficiência os esgotos domésticos de Ouro
Preto, ele poderia ser recuperado e funcionar, concomitantemente, como um pré-tratamento
de uma futura ETE e como um monumento da engenharia sanitária brasileira: antes que, a
exemplo do que vem ocorrendo com as ruínas do Morro da Queimada, alguém se aproprie
ilegalmente de seus materiais e o destrua por completo.
Por motivos ainda não identificados, esta “primeira estação de tratamento de
esgotos de Minas Gerais” deixou de ser operada nas primeiras décadas do século XX
125
. É
como se, depois de perdida a batalha pela posse do título de Capital, não mais justificasse a
manutenção “onerosa” de um sistema que trazia benefícios muito mais evidentes para os
municípios situados a jusante da cidade do que para o próprio povo.
No século XX, Ouro Preto entrou em uma espécie de “Idade Média”, relegando ao
ostracismo a importância das ações sanitárias. A identidade da cidade se alterou
drasticamente, passando da condição de Capital decadente para patrimônio histórico e
cultural
126
. A população urbana se multiplicou algumas vezes, sobretudo a partir da década de
60, e uma vasta área periférica foi urbanizada descuidadamente
127
. Como desdobramento
dessa expansão teve-se o aumento da contribuição (pontual e difusa) de esgotos domésticos e
industriais, o qual, é forçoso dizer, tem trazido enormes prejuízos para a saúde pública e o
bem estar da população, além, é claro, de conspurcar o valor do patrimônio arquitetônico e
paisagístico da cidade.
125
Até ano de 1911, foi observado nos Relatórios do Serviço de Águas e Esgotos constantes no Arquivo da
Câmara Municipal de Ouro Preto que esses tanques eram utilizados.
126
Não é ocioso relembrar que, em 1933, Ouro Preto foi decretada “Monumento Nacional” e, em 1981, foi
considerada, pela UNESCO, “Patrimônio Cultural da Humanidade”.
127
Em 1960, Ouro Preto contava com uma população urbana de menos de 20000 habitantes (IGA, 1994, p. IX-
5). No último senso do IBGE (2000), a população urbana era de 56.292 habitantes.
96
Os córregos que antigamente foram utilizados nos serviços de mineração e que,
em grande medida, foram responsáveis pelo desenvolvimento econômico e social da vila,
recebem hoje o lixo e os esgotos in natura da população. Encontram-se fétidos, escondidos
em canais ou nos fundos das residências. Esses córregos – perdoe-se a falta de cientificidade –
estão recebendo a cusparada daqueles que comeram em seu bojo durante séculos.
97
7 CONCLUSÃO
98
Durante os séculos XVIII e XIX, a água, em Ouro Preto, foi utilizada na
agricultura, na dessedentação de animais, nos serviços de mineração, no abastecimento
doméstico, no esgotamento sanitário, dentre mais. Nesta dissertação, foi dada ênfase no
estudo do uso da água na mineração e no saneamento, uma vez que estes usos eram os mais
significativos, do ponto de vista da demanda e da regulação.
Foi observado que, desde os primórdios da vila, a água foi tratada como um bem
dotado de valor econômico. A forte demanda deste recurso nos serviços de mineração e nos
misteres da vila determinou o surgimento de vários conflitos em torno da sua posse e do seu
uso. Diversos mineiros se assenhoraram de córregos, só os repartindo por preços abusivos.
Rios secaram, nascentes morreram, pequenos conflitos armados se instalaram. No âmbito da
vila, faltou chafariz e água na bica para atender ao vertiginoso crescimento demográfico.
O poder público, nesse contexto, interveio reativamente – sem participação
popular – através da criação de uma legislação reguladora do uso da água e da construção de
obras civis. Em razão do reduzido número de dispositivos legais relacionados ao controle da
água na legislação portuguesa, foi necessária a instituição de novos bandos, alvarás, posturas
e aditamentos em regimentos, nos quais predominaram medidas protecionistas, restritivas e
punitivas. Também foi instituído um sistema de licença de uso da água nas datas minerais. Na
sede urbana, foram construídas dezenas de chafarizes e concedidos, mediante pagamento,
anéis e penas de águas a particulares.
A vivacidade dessa relação uso/controle da água foi mais acentuada durante o
período auge da mineração, obviamente, porque, nessas décadas, foi muito grande a demanda
por água.
No princípio do século XIX, após a decadência da mineração, a população urbana
já se encontrava bastante reduzida. Os muitos chafarizes que se altearam para calar a
reclamação dos moradores tornaram-se excessivos. Diminuíram também as contaminações
com rejeitos nos córregos e nos mananciais, de modo que os viajantes estrangeiros, quando
estiveram na cidade, foram repetitivos ao afirmar que a água de Ouro Preto era farta e de boa
qualidade.
Com a divulgação das políticas de saúde pública e de saneamento em prática nas
principais capitais européias e brasileiras, principiaram em Ouro Preto, sobretudo nas últimas
décadas do século XIX, discursos de cunho higienistas. Era necessário acabar com os focos
miasmáticos decorrentes da disposição inadequada dos esgotos, ou seja, era necessário efetuar
melhoramentos no sistema de água e esgotos da cidade. O fato de Ouro Preto estar ameaçada
de perder o título de Capital corroborou ainda mais esses discursos, uma vez que essas
99
melhorias higiênicas poderiam concorrer para a adequação da decadente e pitoresca Ouro
Preto aos moldes de uma capital moderna e progressista.
Nos alvores da república (1890), portanto, foi inaugurado um sistema de água e
esgotos moderno – projetado pelo engenheiro Victor Francisco Braga Mello conjuntamente
com o corpo técnico da Diretoria Geral de Obras Públicas da Província de Minas Gerais – que
contemplava, inclusive, uma Estação de Tratamento de Esgotos. Esta estação, não há dúvida,
foi a primeira construída em Minas Gerais e uma das primeiras do Brasil e da América Latina.
Sugere-se que futuros trabalhos se ocupem, especificamente, desse novo sistema,
caracterizando-o, técnica e historicamente, e procurando entender as mudanças sociais e
econômicas que, a partir dele, advieram. Futuros trabalhos tamm poderiam se ocupar dos
chafarizes que foram construídos nos séculos XVIII e XIX, os quais apresentam um grande
potencial temático, tanto no campo das artes, quanto no campo das ciências exatas.
A partir das pesquisas efetuadas para esta dissertação, pôde-se constatar que o
gerenciamento de recursos hídricos no Brasil não é um fenômeno recente, que surgiu ao longo
do século XX – como sugerem ou divulgam equivocadamente algumas publicações do setor –
mas sim um processo que foi inerente à colonização portuguesa, variando conforme as
conjunturas sociais, políticas, econômicas e ambientais. Constatou-se também que muito da
cultura colonial de gestão das águas de abastecimento ainda se fazem presentes hoje em Ouro
Preto.
É importante dizer que não se pode atribuir aos ouro-pretanos dos dois primeiros
séculos a crença no mito da inesgotabilidade dos recursos hídricos. A possibilidade de a água
vir a faltar no futuro, o cuidado e a parcimônia perante seu uso fizeram-se patentes nas
cláusulas contratuais de concessão de anéis e penas d’água – “com a obrigação de largar desta
quando houver falta no público(...)” –, no sistema de licença de uso das águas nas datas
minerais, na construção de um sistema precoce de tratamento de esgotos, etc. Nesse sentido,
não seria equivocado afirmar que, a bem da verdade, Ouro Preto é uma das primeiras cidades
brasileiras onde se fez sentir, copiosa, a necessidade do uso racional e econômico dos recursos
hídricos. E que merece ser lembrada não apenas por suas igrejas, casarios, inconfidentes e
gênios barrocos, mas também pela importância e pela história das suas águas.
100
FONTES PRIMÁRIAS
Aquarelas de Wurffbain referentes ao projeto de abastecimento de água de Ouro Preto,
constantes do Arquivo da Câmara Municipal de Ouro Preto.
Carta de 13 de agosto de 1884 do engenheiro Gustavo A. Wurffbain ao Presidente da
Província de Minas Gerais comunicando o término dos estudos referentes ao sistema de água
e esgotos de Ouro Preto. APM, SG, CX 1095.
Carta de 15 de dezembro de 1887 do engenheiro Victor Francisco Braga Mello informando ao
Presidente da Província de Minas Gerais que concluiu os estudos referentes ao novo sistema
de água e esgotos de Ouro Preto. APM, SG, CX 1102.
Carta de 16 de abril de 1887 de José de Castro Teixeira de Gouvêa ao Presidente da Província
de Minas Gerais informando sobre a contratação de Victor Francisco Braga mello. APM, SG,
CX 1101.
Carta de 30 de abril de 1887 do engenheiro Victor Francisco Braga Mello informando ao
Presidente da Província de Minas Gerais que aceita o convite para dirigir os estudos do novo
sistema de água e esgotos de Ouro Preto. APM, SG, CX 1101.
Carta de Gustavo A. Wurffbain de 13 de agosto de 1884 ao Presidente da Província de Minas
Gerais comunicando o término dos estudos referentes ao sistema de água e esgotos de Ouro
Preto. APM, SG, 1095, 1884.
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de chafarizes e encanamentos de Ouro Preto. APM, SG, CX 03.
Ofício de 20 de julho de 1889 do Escriptorio do Engenheiro do 1
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Distrito de Obras Públicas
da Província de Minas Gerais sobre problemas na aquisição de tijolos para as obras do novo
sistema de água e esgotos da capital. APM, SG, CX 1104.
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senadores da comarca de Ouro Preto a necessidade de mão-de-obra para obras em
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______. Vida e Obra de Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho. São Paulo: Cia. Ed.
Nacional; Brasília, INL-MEC, 1979.
VIGARELLO, Georges. O limpo e o sujo: uma história de higiene corporal. Tradução
Monica Stahel. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
VITRUVIO, Marco Lucio. Los diez libros de arquitectura. Traducción directa del latin,
prólogo y notas por Agustín Blánquez. Barcelona: Obras Maestras, 1955. [Há uma versão em
inglês desta obra disponível em: <http://www.perseus.tufts.edu/cgi-bin/ptext?doc=Perseus
%3Atext%3A1999.02.0073& query=head%3D%2385>. Acesso em: 22 mar. 2004]
WARREN, Dean. A Ferro e Fogo: a história da devastação da Mata Atlântica. São Paulo:
Companhia das Letras, 2000.
WORSTER, Donald. Para fazer história ambiental. Revista Estudos Históricos, Rio de
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85.pdf>. Acesso em: 22 mar. 2004
______. Nature´s Economy: a history of ecological ideas. Cambridge: Cambridge University
Press, 1998
111
ANEXOS
112
ANEXO 1: CAMINHO DO RIO DE JANEIRO PARA VILA RICA (s.d.)
Fonte: APM MAP 2/4 – ENV2 (SC-014)
113
ANEXO 2: A ÁGUA NA LEGISLAÇÃO DAS MINAS DE OURO COLONIAIS
A ÁGUA NA LEGISLAÇÃO DAS MINAS DE OURO COLONIAIS
Data
Dispositivo
Legal
Artigo Texto Caráter
15/08/1603 Carta Régia 46
o
O entulho e mato que se tirar e cortar, para se lavrar a mina, se lançará em parte onde a corrente da água, em
que a mina se lavrar o não possa levar nem impedir a lavar, e sempre será dentro da quadra da mina de quem a
tirar. Havendo nas ilhargas outras minas que defendam, far-se-ão reparos de terras, ramos que recolham, e
sustentem os ditos entulhos, em modo que a corrente da água não o possa levar; e havendo entre as partes
sobre isso algumas dúvidas, o Provedor, tomando parecer de pessoas entendidas ou práticas, o determinará.
Estabelece medida contra
poluição em córregos usados na
mineração
19/04/1702
Regimento dos
superintendentes,
guardas-mores e
mais oficiais,
deputados para as
minas de ouro
23
o
Tem sucedido haver algumas dúvidas entre os descobridores que descobrem o rio principal, e outros que
descobrem alguns riachos que vêm dar no primeiro que se descobriu, em tal caso, sendo os riachos pequenos,
pertencerão estes descobrimentos ao primeiro descobridor que descobriu o rio principal, porém se os tais
riachos forem grandes, posto que venham dar no rio principal já descoberto, estes então pertencerá à pessoa,
que os descobrir, a data que se costuma dar aos descobridores dos ditos rios.
Estabelece critério para resolver
posse em descobrimento de
curso d'água
24/02/1720
Provisão "das
águas"
-
(...) havendo visto o que respondestes em Carta do 1o de julho do ano próximo passado à ordem que vos foi
sobre a representação que me fez o guarda-mor das Minas Garcia Rodrigues Paes de que na repartição das
águas com que se lavram as mesmas Minas não havia até agora forma conveniente, porque os mais poderosos
se assenhoreavam delas, e as divertiam para as suas lavras, e os que podiam menos as queriam também levar
para as suas, eram forçados a comprá-las por preços exorbitantes, ou a perder as datas que tem em que não
podiam lavrar sem ter água, e que desta desigualdade resultavam contínuas bulhas, e ódios, e outros vários
efeitos muito prejudiciais ao meu Real Serviço, representando ser muito justo o requerimento do guarda-mor,
porque era sem questão que as desculpas maiores desse país era sobre as águas com que precisamente se
minera, e sobre que havia pleitos gravíssimos o que precisamente se devia evitar, fazendo-se causas sumárias
pelo prejuízo que recebe não só o meu serviço mas também os meus vassalos de estarem as terras instaladas
por este respeito e se não extrair o ouro delas por causa de apelações para a Bahia, e talvez para este reino, e
entendeis ser conveniente, e igualmente justo, que os guardas-mores repartissem a água conforme a
possibilidade dos que mineravam, e que, sentindo-se agravadas as partes, recorressem ao superintendente da
comarca somente e que fosse sumária a causa, e proíbem que sem licença dos guardas-mores por escrito
ninguém se aproprie da água dos córregos, e que não tendo terras para lavrar nem escravos competentes
aqueles a quem for concedida torne a dita água a entrar na repartição do guarda-mor pelas pessoas que tiverem
possibilidade de minerar pagando a proporção do serviço que fez o 1o que conduziu a água no caso que se
aproveite o mesmo serviço, porque a experiência tinha mostrado que, logo que aí tomava posse da água, lhe
ficava, e ainda não tendo terras que lavrar não deixa lavrar outros, senão vendendo-lhe a água por preço
exorbitante.
Estabelece medida para conter
abuso no uso das águas entre
os mineiros
13/05/1736
Bando que faz
aditamentos ao
Regimento mineral
13
o
E se não possam degradar as águas, divertindo-as de sua origem e vertentes, sendo todas necessárias ao
serviço para que foram determinadas, e, sendo supérfluas e excessivas, se possam repartir as que sobrarem
sem prejuízo do tal serviço, da mesma sorte e pelos meios que se declarou a respeito das terras minerais.
Estabelece medidas para
otimizar uso da água
114
“ “ 14
o
E que não seja reputada água de ponto de labanca (sic), e própria de quem fez mina ou buraco aquela que
remanescer se transcolar (sic) de algum olho de água de que outro estiver apropriado dentro de distância de
duzentos palmos (44 metros) para a parte superior, e quarenta (8,8 metros) para os lados, e neste caso não terá
o dono da mina mais uso que de uma lavagem de sete palmos (1,54 metros) de comprido, e quatro (0,88
metros) de largo, como de uso e costume, e se encaminhará a dita água logo para o serviço do antigo
possuidor a quem se divertiu pela vizinhança da mina ou buraco.
Estabelece critérios para
resolver conflito no uso da água
em minas
“ “ 15
o
E que suposto que as águas dos distritos minerais sejam destinadas a estes e suas lavagens, e que este uso
deva preferir a qualquer outro que se lhe entenda dar, contudo quando alguém tiver ocupadas as águas para
engenhos ou hortas, se não possam divertir com pretexto afetado de minerar para outro diferente uso, e que
desta preferência só se haja de usar enquanto atualmente houver trabalho em que se empregue.
Estabelece preferência da
mineração no uso da água
“ “ 16
o
E que se não entulhem ou danifiquem os regos de água limpa que corre com pouca decida, metendo-lhe outra
de desmontes ou lavagens, porque neste caso se devem fazer pontes, canis ou bicas à custa de quem intentar
o despejo, e sem prejuízo algum dos regos antigos.
Estabelece medida para
proteger e controlar a qualidade
de águas limpas
“ “ 17
o
E que os roceiros não possam roçar de novo nas cabeceiras dos córregos de pouca água de que se usa para
serviços minerais, e devam conservar o mato em distância de quinhentos palmos (110 metros), para evitar o
dano da falta de água que por essa causa se experimenta.
Estabelece medida para
proteger nascentes e matas
ciliares
“ “ 21
o
E em virtude de outra ordem de Sua Majestade firmada de Sua Real Mão, em que manda dar providência sobre
os matos das minas; ordeno que se observe o despacho do meu antecessor D. Lourenço de Almeida de 12 de
j
ulho de 1726, registrado na Secretaria deste governo, e outro semelhante de 16 de janeiro de 1731 registrado
na ouvidoria desta vila, e que conforme a ele se não impeça o uso das madeiras, como também que se não
rocem matos nas origens dos córregos de pouca água, como atrás fica declarado.
Estabelece medida para
proteger as matas e as
nascentes
“ “ 23
o
Em todas as roças, terras, sítios, ou vertentes que se concedessem, ou de alguma sorte se ocupassem depois
do dia 30 de outubro de 1733, ou ocupam em terras de mato virgem, serão obrigados a conservar a décima
parte por roçar da mesma sorte e debaixo das mesmas penas que atrás se declarou acerca das lindas, ou
extremas das demarcações além destas que igualmente devem conservar, e a metade desta décima parte se
conservará junto dos córregos, ou rios que por elas correrem (...)
Estabelece medida para
conservar matas, inclusive
ciliares
ca. 1750
Modo e estilo de
minerar nos morros
de Vila Rica e de
Mariana –
Documento 109 do
Códice Costa
Matoso
-
(...) nestes serviços de minas sucede darem com água nas veias da terra e alguns em fundões que lhes
impedem o trabalhar, de que se valem procurar caminho pelo tom de outras alavancas de outras minas
inferiores para lançar, de que tem havido várias contendas, em cujos termos se lhes manda que sendo em parte
que não faça prejuízo a recebam, em forma que corra sempre por um teor, não trazendo areias nem outra
qualidade de terras que cause prejuízo, para o que se lhes manda que ponham uma tábua com um furo, para
esta vir por este registro, para evitar o dano que causa de outra sorte, que comumente se lança esta para o
esgoto com bateias. E sendo esta em parte que cause grande dano, não deve lançar, ainda que não tenha outro
recurso, que parece não pode haver conveniência própria com prejuízo alheio, o que é pelo contrário, que indo o
do serviço inferior com algum serviço furar nos tais fundões do serviço superior em parte que [a] água corra
naturalmente para este a deve receber, ainda que lhe cause algum dano por esta o ir procurar.
Estabelece critério para resolver
contendas sobre água em minas
de terras realengas e comum a
todos
115
“ “
(...) tem havido contendas a respeito de algumas minas que têm achado água nativa em alguma contramina. E
como não acham ouro, encanam a água com pedras, para que esta, ainda que se abata a dita mina, lhes não
impeça o sair a água para fora. E indo outra mina atravessar o dito canal, lhe encaminham pela sua mina a dita
água, e faltando esta na primeira e aparecendo em a outra mina de novo se contende para a tornar ao seu
antigo curso. E, fazendo-se exame na dita mina, achando-se que atravessou o canal que o outro tinha feito,
ainda que a mina esteja abatida – que pela mesma razão tinha fabricado o canal - , se lhe manda encaminhar
para o primeiro possuidor. E quando este a tenha tirado em terra em ser onde o outro não tinha chegado, ainda
que se conheça ser a própria, se manda ficar com ela, por não ter entrado serviço algum fabricado por outrem.
“ “
Nas vertentes de águas da chuva, a posse que nesta se adquire é fazendo regos e tanques nas terras
desimpedidas que ficam destes para cima. E nesta distância que verte para estes regos e tanques fabricados se
não podem outros introduzir a fazer outros que lhes diminuam a tal vertente, ainda que dentro desta vertente
façam algum serviço de mina ou buraco, que a estes tão-somente se lhes permite fazer algumas lavagens para
lavar as terras com bateias e lançar-lhes água com barris. Como também, ainda que outros tenham água para
passar por dentro das tais vertentes, o não podem fazer contra a vontade de seu dono; só sendo por cima da
terra, em bicas levantadas do chão e estas cobertas com tábuas, para que nem a que chover em cima das bicas
desencaminhe aos donos das tais vertentes, que assim se observou em uma vistoria que se fez no morro de
Santana do Ribeirão, no tempo do doutor Caetano Furtado de Mendonça.
Regula o uso da água em
vertentes de terras realengas e
comum a todos
“ “
Nas posses de canoas e tanques que se acham pelos córregos para onde naturalmente pendem estas águas e
areias que correm de cima dos serviços superiores, esta se adquiriu de antigamente se arrimarem a faiscar
alguns pretos, e pela conta que lhe achavam os senhores destes entraram a fazer tanques, uns mais pequenos
e outros maiores, a que chamam mundéus, e nesta posse tem passado, por venda, de uns a outros
possuidores.
Regula posse de canoas, tanque
e mundéus em terras realengas
e comum a todos
13/05/1803
Alvará que trata da
administração das
minas de ouro e
diamantes do Brasil
9
o
, 2
(...) hei por bem que na divisão dos terrenos o intendente procedam ao mesmo tempo a fazer, ou mandar fazer
inventário das águas, que puderem ser conduzidas aos terrenos divididos: e o que se fará à custa dos
concessionários das datas que eles houverem de cobrir. Logo que forem conduzidas, serão divididas pelos que
tiverem recebido datas, segundo houverem contribuído, ou deverem contribuir para a sua condução. Como
porém pode acontecer que algumas águas se achem em terras possuídas por pessoas, que as tenham havido
por sesmarias, hei por bem ordenar que, não servido elas a fazer andar engenhos, ou moinhos já estabelecidos,
sejam todas afetas à mineração, enquanto para isso forem necessárias.
Regula o uso da água,
estabelece inventário das águas,
atenua preferência da mineração
no uso da água.
116
ANEXO 3: LOCAIS DOS CHAFARIZES PÚBLICOS NO FINAL DO SÉCULO XVIII
Detalhe do “Mappa de Villa Rica” (ca. 1785-1800, original do Arquivo do Exército) no qual foram acrescentadas setas indicadoras dos locais dos chafarizes públicos
117
ANEXO 4: CHAFARIZES PÚBLICOS
PU-1: Chafariz da Coluna
PU-2: Chafariz de Ferro do Alto das Cabeças
PU-3: Chafariz de Ferro do adro da Igreja do Senhor Bom Jesus e São Miguel e Almas
PU-4: Chafariz do Alto das Cabeças
PU-5: Chafariz do Caquende
PU-6: Chafariz da rua Alvarenga
PU-7: Chafariz da Água Limpa
PU-8: Chafariz do Rosário
PU-9: Chafariz de Ferro do Morro São Sebastião
PU-10: Chafariz de Ferro em um beco da rua Henrique Gorceix
PU-11: Chafariz do Bonfim ou da Glória
PU-12: Chafariz do Pilar
PU-13: Chafariz dos Contos ou de São José
PU-14: Chafariz do Quartel ou dos Cavalos
PU-15: Chafariz da Escadaria do Museu da Inconfidência
PU-16: Bica do Largo do Coimbra
PU-17: Chafariz do Passo ou de Antônio Dias
PU-18: Chafariz oitocentista do Caminho das Lages, hoje rua Conselheiro Quintilhano
PU-19: Chafariz setecentista do Caminho das Lages, hoje rua Conselheiro Quintilhano
PU-20: Chafariz das Águas Férreas
PU-21: Chafariz da Estação Ferroviária
PU-22: Chafariz da Barra
PU-23: Chafariz do Largo de Frei Vicente Botelho
PU-24: Chafariz da Parede Externa da Igreja Nossa Senhora da Conceição
PU-25: Chafariz do Final do Beco da Padaria
PU-26: Chafariz de Marília de Dirceu
PU-27: Chafariz do rua Barão de Ouro Branco ou do Vira-Sai
PU-28: Chafariz do Alto da Cruz
PU-29: Ruínas do Chafariz do Jardim Botânico
PU-30: Chafariz de Ferro de São Bartolomeu I
PU-31: Chafariz de Ferro de São Bartolomeu II
PU-32: Chafariz da Estrada Real em São Bartolomeu
118
119
120
121
122
ANEXO 5: CHAFARIZES PARTICULARES
PA-1: Chafariz da casa onde funcionava o Hospício dos Frades da Terra Santa
PA-2: Chafariz de uma casa na rua Henrique Gorceix
PA-3: Chafariz de uma casa na rua do Pilar
PA-4: Chafariz da casa onde funciona a Fundação Gorceix na rua Direita
PA-5: Chafariz da casa onde funciona o museu Guinard na rua Direita
PA-6: Chafariz do antigo Palácio dos Governadores, hoje Escola de Minas
PA-7: Chafariz do antigo Palácio dos Governadores, hoje Escola de Minas
PA-8: Chafariz da Escola de Farmácia
PA-9: Chafariz de um restaurante situado na Praça Tiradentes
PA-10: Chafariz da casa do Ouvidor
PA-11: Chafariz da Pousada Mondego (foi alterado de lugar, mas a carranca é original)
PA-12: Chafariz da Pousada Vila Rica
PA-13: Chafariz da Pousada Luxor
PA-14: Chafariz do clube XV, o antigo “Solar da Família Ferrão”
128
PA-15: Chafariz Maçônico de uma residência
129
PA-16: Chafariz de um residência na rua Glória
130
128
Somente o tanque é original.
129
A foto referente a este chafariz foi retirada de Alencar (1987).
130
Este chafariz não foi plotado no mapa, pois não se obteve informações a respeito do seu local.
123
124
125
ANEXO 6: CHAFARIZES DEMOLIDOS OU ALTERADOS
IN-1: Chafariz da Igreja do Senhor Bom Jesus e São Miguel e Almas
131
IN-2: Chafariz setecentista da praça Tiradentes
IN-3: Chafariz oitocentista da praça Tiradentes
132
IN-4: Chafariz do mercado (em frente à Igreja São Francisco de Assis)
IN-5: Chafariz da Ponte do Ouro Preto
133
IN-6: Chafariz do jardim de uma antiga residência que ficava ao lado da Casa dos Contos
134
131
A foto referente a este chafariz foi obtida no IFAC/UFOP.
132
A foto referente a este chafariz foi obtida no Arquivo Público Mineiro.
133
A foto referente a este chafariz foi obtida no Arquivo do Museu da Inconfidência.
134
O desenho referente a este chafariz foi obtido na obra de Rodrigues (1979, p. 125).
126
127
CRÉDITO DAS FIGURAS
UTILIZADAS PARA ILUSTRAR
ESTA DISSERTAÇÃO
As fotografias das carrancas utilizadas
para ilustrar o início dos capítulos 1, 2,
3, 4, 5, 6 e 7 desta dissertação foram
tiradas pelo autor e pertencem,
respectivamente, aos seguintes
chafarizes: Do Bonfim, Da Praça
Marília de Dirceu, Do Passo, Do Museu
Guinard, Da Pousada Vila Rica, Do
Vira-Saia, Da Pousada Mondego.
A fotografia da carranca constante na
capa também foi tirada pelo autor e
pertence ao chafariz que se encontra no
adro da Igreja do Senhor Bom Jesus e
São Miguel e Almas.
Quanto à imagem da capa, trata-se de
um detalhe da litogravura de João
Maurício Rugendas: LAVAGE DU
MINEIRAI D’OR: près de la montagne
Itacolumi (Lavagem do minério de
ouro, proximidades da montanha de
Itacolomi). Casa litográfica Thierry
Frères, succ.rs de Engelmann et Cie,
Paris. Original 30,5 x 26,2 cm.
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