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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
Programa de Pós-Graduação em Educação
Dissertação
REPRESENTAÇÕES DA DOCÊNCIA EM ROMANCES DE
ERICO VERISSIMO: a personagem Clarissa
Roselusia Teresa Pereira de Morais
Pelotas, 2010
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2
ROSELUSIA TERESA PEREIRA DE MORAIS
REPRESENTAÇÕES DA DOCÊNCIA EM ROMANCES DE ERICO
VERISSIMO: a personagem Clarissa
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Educação da Universidade
Federal de Pelotas, como requisito parcial à
obtenção do título de Mestre em Educação.
Orientadora: Dra. Eliane Peres
Pelotas, 2010
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Dados de catalogação na fonte:
Aydê Andrade de Oliveira CRB - 10/864
M827r Morais, Roselusia Teresa Pereira de.
Representações de docência em romances de
Erico
Verissimo : a personagem Clarissa / Roselusia Teresa
Pereira de ; Orientador : Eliane Teresinha Peres.
Pelotas, 2010.
108f.
Dissertação (Mestrado em Educação) Faculdade
de
Educação. Universidade Federal de Pelotas.
1. Docência. 2. Representações. 3. Literatura. 4.
Erico
Verissimo. I. Peres, Eliane Teresinha, orient. II.
Título.
CDD 370.71
Banca examinadora
_________________________________________
Professora Dra. Eliane Teresinha Peres (orientadora)
_________________________________________
Profa. Dra. Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas (UFS)
_________________________________________
Profa. Dra. Maria Stephanou (UFRGS)
_________________________________________
Profa. Dra. Lúcia Maria Vaz Peres (UFPel)
Dedico este trabalho...
Aos aprendizes, formadores, pesquisadores, amantes da
Literatura e apaixonados por romances...
À minha família, preciosos diamantes em minha vida. Ao mano,
Antonelle e aos pais, Rosimar e Antônio Morais.
À Ana Maria Cardoso, eterna e contagiante professora de
Literatura, a ponte entre Aracaju e Pelotas.
Especialmente, dedico às inesquecíveis professoras -
orientadoras, Anamaria Freitas e Eliane Peres. Literalmente,
elas orientaram os meus passos na aventura de aprender e
pesquisar.
6
HISTÓRIA DE UM AMOR: AGRADECIMENTOS
Eu não entendia. Não sabia que ligações invisíveis se teciam entre nós. [...]
Pouco a pouco, compreenderei que experncia fundadora nos tornou
subitamente próximos um do outro. [...]
Mas nada disso dá conta da ligação invisível pela qual nós nos sentimos
unidos desde o início.
(GORZ, Carta a D.: História de um amor. 2008, p.8).
Ligações invisíveis são tecidas com um precioso fio de ouro, no dia-a-dia
que compõe cada história vivida. Em cada caminho escolhido são vivenciadas
experiências fundadoras do ser. E em cada passo dado me deparo diante da
grande aventura de descobrir-me através do outro.
Esta dissertação de mestrado em Educação não significa a realização de
apenas um sonho, mas a concretização de diversos sonhos construídos e
compartilhados. Este caminho foi permeado de escolhas, lutas, conquistas,
descobertas, esperanças, certezas, incertezas, dedicação e, principalmente, do meu
eterno reconhecimento às preciosas pessoas que o Amor perfeito, Deus, concedeu
que fizessem parte da minha vida.
Deus que me impulsiona para seguir adiante permitiu interligar vidas. A minha
eterna gratidão às inúmeras pessoas especiais que cruzaram o meu caminho, pois
foi durante o percurso de construção deste trabalho que tive a chance de viver
inúmeras histórias as quais me revelam o Amor.
Por isso, meus agradecimentos aos amados pais: Antonio e Rosimar Morais,
que compartilharam comigo diversos momentos decisivos e continuam me
encorajando para o encontro da realização. Eles foram os primeiros e grandes
entusiastas em busca do conhecimento. Obrigada pelo amor dedicado durante todo
o tempo.
Ao amor do meu queridíssimo irmão Antonelle que é contagiante e me faz
despertar em busca da aventura pela felicidade.
7
Aos grandes amigos e, especialmente, às amigas Ana Wládia Costa,
Andressa Delazeri, Brenda Arysia, Márcia Lucas, Marina Malta e Rafaela D´Ávila
que acompanharam este percurso e vibraram comigo cada momento.
À Ana Maria Cardoso e sua família que com amor me acolheu com carinho e
dedicação. Quantas lembranças alegres! Não teria palavras para retribuir os seus
incentivos e amparo.
À Lúcia e Bethânia Blois que me adotaram como parte de sua família. Juntas
vivemos a riqueza de estarmos unidas.
À Rosa Freitas, amiga que providencialmente foi uma fonte de edificação para
as minhas decisões.
À família Matschulat, inesquecíveis cruzaltenses, que graças a este trabalho
me recebeu em sua casa e em seus corações.
Aos diversos docentes que me seduziram pelos seus diferentes perfis, suas
práticas e relações estabelecidas. Eles me ensinaram lições valiosas para toda a
vida e, por isso, sou grata pelas diversas aprendizagens, vivências e emoções
compartilhadas.
À banca examinadora que muito contribuiu desde o exame de qualificação da
dissertação. À professora Anamaria Freitas que, durante o meu processo de
aprendizagem como graduanda do curso de Pedagogia da Universidade Federal de
Sergipe e bolsista de iniciação científica, me possibilitou a oportunidade de conhecer
sentidos para a carreira docente através da sua compencia. À professora Lúcia
Peres, o nosso girassol, que com sua alegria e carinho me conquistou desde o
primeiro instante. À professora Maria Stephanou, pela sua disponibilidade e
problematizações no trabalho.
À querida orientadora, Eliane Peres, que sempre instigou profundas e
pertinentes reflexões acerca do ofício de pesquisar. Com ela vivi momentos
fecundos. Agradeço pela sua presença marcante e amor constante. À sua família e,
especialmente, à Ana Flávia, que, literalmente, me conduziu ao mundo da fantasia
e à ilha da imaginação.
Ao Grupo de Pesquisa HISALES História da alfabetização, leitura, escrita e
dos livros escolares (CNPq), pelas contribuições no trabalho e alegrias
compartilhadas. Aos orientandos Annio Maurício, Darlene Silva, Darlise Ferreira
8
Gabriela Nogueira, Geisa Guterres, Gilceane Porto, Lisiane Manke, Mara Neitzke,
Patrícia Maciel, Renata Braz, Sylvia Barum e Vânia Thies.
À Joseline Durante que com carinho me recebeu em seu apartamento e
auxiliou na arte gráfica deste trabalho.
À CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior,
pela promoção da minha bolsa de estudos.
Enfim, à tantas outras pessoas que fizeram parte deste processo de
construção do trabalho. Com elas aprendi que uma das mais belas coisas da vida é
a possibilidade que temos de construir a nossa hisria compartilhando sonhos e
ousando modos de conceber a vida. Na certeza de que os caminhos trilhados foram
ricos, desejo demonstrar a minha gratidão e eterno reconhecimento às pessoas com
quem construí laços preciosos para toda a vida.
9
Desejei saber compor música para traduzir em melodia aquele momento
poético; ou eno pintar, para prender numa tela as imagens daquele minuto
milagroso. [...] Foi eno que me veio a sugestão de escrever a hisria
duma menina que amanhece para a vida [...]
(VERISSIMO. Clarissa. 1978, Precio).
Você sempre disse que esse livro foi me transformando à medida que eu o
escrevia. „Depois de terminá-lo, você não era mais o mesmo.‟ [...] Publicar
mudou a minha situação. Conferiu-me um lugar no mundo, conferiu
realidade ao que eu pensava, uma realidade que excedia minhas intenções;
que me obrigava a me redefinir e a me ultrapassar continuamente [...]
A magia da literatura [...]
Era precisamente o que eu tinha esperado, e que só a publicação permitiria
que eu obtivesse: ser engajado a me engajar am do que minha própria
vontade me permitiria; e me fazer perguntas, perseguir fins que eu não
havia definido sozinho.
Assim, o livro não se torna operante pelo trabalho da sua elaboração. Ele
vai se tornar progressivamente operante à medida que me confronte com
possibilidades e relações com os outros,
inicialmente imprevistas.
(GORZ, Carta a D.: História de um amor. 2008, p.43-44).
10
RESUMO
MORAIS, Roselusia Teresa Pereira de. Representações da docência em
romances de Erico Verissimo: a personagem Clarissa. 2010. 108f . Dissertação
(Mestrado) Programa de Pós Graduação em Educação. Universidade Federal de
Pelotas. Pelotas.
A presente dissertação de mestrado é um estudo das representações de docência
em Erico Verissimo (1905-1975) tomando a personagem Clarissa, nos quatro
romances em que a mesma aparece, como foco de análise. Os romances foram
produzidos no período de 1933 a 1940 - início da carreira do escritor e romancista.
Esse período compreende as publicações das seguintes obras selecionadas para
análise: Clarissa (1933), Música ao longe (1935), Um lugar ao sol (1936), e Saga
(1940). Neste conjunto de romances é possível identificar a presença da professora
Clarissa, personagem principal e recorrente. Construí uma análise a partir das
seguintes categorias: atributos físicos e traços de personalidade; atividades
escolares; práticas frequentes e atributos sociais Essas categorias fizeram parte do
processo de identificação das representações acerca da docência a partir da
personagem em queso. Os fundamentos teórico-metodológicos desta investigação
consistem em um conjunto de conceitos do campo da Educação, Literatura e
História da Educação que orientam as análises deste estudo. Para identificar as
imagens de professores e professoras veiculadas nos romances, compreendo a
noção de representação segundo Roger Chartier. As representações identificadas
indicam o perfil de uma professora leitora, escritora e questionadora do espaço
escolar. A criatividade do escritor potencializa a criação de um possívelretrato para
a sua personagem que ganha forma e sentido a cada trama. O amadurecimento
dela, uma jovem normalista no romance Clarissa (1933) que torna se professora
diplomada conduz a uma série de questionamentos sobre a política, economia,
educação e sociedade que se apresentam em contraste com os cenários vividos por
ela.
PALAVRAS - CHAVE: Docência. Representação. Literatura. Erico Verissimo.
11
ABSTRACT
MORAIS, Roselusia Teresa Pereira de. Representações da docência em
romances de Erico Verissimo: a personagem Clarissa. 2010. 108f. Dissertação
(Mestrado) Programa de Pós Graduação em Educação. Universidade Federal de
Pelotas. Pelotas.
The present thesis of master is a study of representations of teaching in Erico
Verissimo (1905-1975) Clarissa taking the character in four novels in which it
appears, as the focus of analysis. The novels were produced in the period 1933 to
1940 -beginning career of writer and novelist. This period includes the following
publications of the works selected for analysis: Clarissa (1933), Musica ao longe
(1935), Um lugar ao Sol (1936), and Saga (1940). In this set of novels is possible to
identify the presence of teacher Clarissa, the main character and the applicant. I
made an analysis from the following categories: physical and personality traits;
school activities, practices, and frequent social attributes these categories were part
of the process of identifying the representations of teaching from the character in
question. The theoretical foundations of this research methodology consist of a set of
concepts from the field of Education, Literature and History of Education to guide the
analysis of this study. To identify the images of male and female teachers conveyed
in the novels, I understand the concept of "representation" according to Roger
Chartier. The representations identified indicate the profile of a teacher reader, writer
and questioning of school space. The creativity of the writer potentiates the creation
of a possible "picture" for your character that takes the shape and meaning to each
plot. The maturing of her, a normal young in the novel Clarissa (1933) become a
teacher diploma leads to a series of questions about politics, economy, education
and society that are in contrast with the scenarios experienced by her.
KEYWORDS: Teaching. Representation, Literature. Erico Verissimo.
12
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1 ROMANCES DE ERICO VERISSIMO...................................................25
FIGURA 2 ESCRITOR ERICO VERISSIMO ..........................................................44
FIGURA 3 PRIMEIRA EDIÇÃO DO ROMANCE
CLARISSA..................................................................................................................50
13
LISTA DE QUADROS
QUADRO I ROMANCES DE ERICO VERISSIMO..................................................24
QUADRO II SISTEMATIZAÇÃO DO TRABALHO...................................................30
QUADRO III - ESQUEMA INTERPRETATIVO DE ANÁLISE DOS
DADOS.......................................................................................................................32
14
SUMÁRIO
1. O ANÚNCIO DE UMA MÚSICA AO LONGE:
INTRODUÇÃO...........................................................................................................15
2. SAGA, UMA NARRATIVA RICA DE EPISÓDIOS: PROCEDIMENTOS TEÓRICO
METODOLÓGICOS...................................................................................................21
2.1. Um percurso metodológico até o romance Clarissa ...........................................21
2.2. Operações de buscas e reflexões: um levantamento de dados
bibliográficos...............................................................................................................29
2.3. Representações em romances de Erico Verissimo: uma abordagem teórico-
metodológica a partir da História Cultural e da Literatura
....................................................................................................................................34
3. O CRIADOR DA PERSONAGEM CLARISSA: ERICO VERISSIMO (1905-
1975)..........................................................................................................................43
4. CLARISSA, A PERSONAGEM PROFESSORA:. REPRESENTAÇÕES DA
DOCÊNCIA.................................................................................................................56
4.1. Clarissa corrige com o creiom o traço das sobrancelhas, empoa de novo o rosto
moreno, dá dois passos à retaguarda e se mira outra
vez.............................................................................................................................56
4.2. Um possível retrato para Clarissa, a personagem
professora...................................................................................................................76
5. UM LUGAR AO SOL: CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................91
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................96
APÊNDICE..........................................................................................................103
ANEXOS.............................................................................................................108
15
O ANÚNCIO DE UMA MÚSICA AO LONGE: INTRODUÇÃO
O amor que ainda não se definiu é como uma melodia do desenho incerto.
Deixa o coração a um tempo alegre e perturbado e tem o encanto fugidio e
misterioso de uma música ao longe...
(VERISSIMO. Música ao Longe. 1981, p.35)
1
.
Assim como uma música ao longe, tenho recordações que remetem a
proposta deste trabalho. Tais lembranças me fazem pensar em muitas histórias que
se entrecruzam no processo de escolha do objeto de estudo e da construção desta
investigação.
Recordo que, quando criança, um dia o meu pai tentou explicar-me de várias
maneiras que eu iria passar as manhãs em um lugar chamado escola. Antes do
primeiro dia de aula, lembro-me de passear pela frente do prédio escolar com a
família, em um fusca verde. Durante esses passeios, o pai, sempre muito
entusiasmado, apontava em direção ao colégio e dizia: É ali, filha! Rosinha, você vai
estudar! Vai brincar! Vai conhecer coleguinhas! E vai ter uma professora!.
No verão de 1989, eu fui à escola pela primeira vez. Naquele dia e em
muitas outras manhãs, a mãe me vestia o uniforme vermelho e branco. Ela sempre
cuidou de todos os preparativos necessários para aquela viagem em busca de
descobertas e aprendizagens.
Preparada para ir à escola, pela primeira vez, e com uma lancheira vermelha
um tanto comprida e grande para o meu tamanho fui com a mãe conhecer
1
Neste trabalho inclui no corpo do texto trechos relevantes dos romances analisados, seguidos de
suas respectivas referências que correspondem a seguinte formatação: “citação em itálico.(AUTOR.
Título do romance. Ano, página). Apesar desta escolha não corresponder às normas vigentes do
Manual de teses, dissertações e trabalhos acadêmicos da Universidade Federal de Pelotas. (Versão
eletrônica em: www.ufpel.tche.br/prg/sisbi 2006), esta opção é meramente didática a fim de uma
melhor visualização para que o(a) leitor(a) possa se localizar nas obras citadas.
16
aquele lugar mencionado nos últimos dias. Eno, conheci a minha primeira
professora. Aquela figura estranha pouco a pouco conquistou a minha confiança.
Ela foi a primeira de inúmeras professoras e professores com quem aprendi
lições valiosas para toda a vida. Ao recordar momentos significativos acerca da
minha ligação com a docência reconheço diversas condutas, aprendizagens, perfis,
vivências e emoções compartilhadas que compõem uma espécie de galeria de
representações da docência, constituídas a partir de experiências dentro e fora do
cenário escolar.
Entre tantas aprendizagens no espaço escolar, especialmente no ensino
superior, no período dos anos de 2003 a 2007, busquei formas de compreender as
representações constituídas acerca da figura de professor, por isso me interessei
pela atividade de pesquisa. Durante a graduação, do curso de Pedagogia na
Universidade Federal de Sergipe (UFS), desenvolvi projetos de pesquisa como
bolsista de iniciação científica e, durante esse tempo, participei de um projeto
voltado para os estudos da História da Educação e a História da Profissão Docente,
sob a orientação da professora Dra. Anamaria Gonçalves Bueno de Freitas -
Professora Adjunta do Departamento de Educação da UFS.
Este trabalho desenvolvido na graduação teve o objetivo de investigar o
processo de formação e a prática docente de ex-normalistas do Instituto de
Educação Rui Barbosa, da cidade de Aracaju, que se formaram no período de 1960
a 1990. A pesquisa recorreu à abordagem biográfica que pretendeu conhecer as
vivências construídas no espaço da referida instituição, bem como as tendências
teórico-metodológicas que fundamentaram a formação dessas professoras. Esta
pesquisa teve a duração de dois anos e contou com o apoio financeiro do Conselho
Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de
Amparo à Pesquisa e à Inovação Tecnológica do Estado de Sergipe (FAPITEC- SE).
Assim, durante o ensino superior dediquei-me à produção de trabalhos
acadêmicos que envolviam essas temáticas. A possibilidade de participar de eventos
acadêmicos em nível local, nacional e internacional me possibilitaram a interlocução
com pesquisadores da área História da Educação e, assim, o alargamento de ideias
para estudos posteriores. Nesse sentido, este trabalho resulta de um processo de
aprendizagens e motivações pessoais vividas ao longo do tempo.
Essas, entre outras atividades de pesquisa, fortaleceram minha vinculação
com a temática sobre a docência como um objeto de estudo possível. Por isso,
17
procurei maneiras de compreender as representações constituídas acerca da figura
de professor, através do envolvimento em projetos de pesquisa, atividades de
extensão e trabalhos acadêmicos.
Além dessa temática, dediquei-me também a uma outra área de interesse,
que foi a Literatura. No ano de 2007, participei do curso: A Literatura como fonte
para os estudos em História da Educação, ministrado pela professora Anamaria
Freitas, na UFS, no qual conheci inúmeras possibilidades de investigações, com a
aproximação de duas áreas com as quais me identificava bastante: História da
Educação e Literatura. Esse curso foi um marco importante para a construção do
objeto de estudo para seleção de Mestrado, pois a partir dele defini um foco possível
e que me atraía significativamente.
Durante esse processo foram fundamentais as experncias de
aprendizagens no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de Pelotas (UFPel). Bem como as atividades construídas no Grupo de
Pesquisa HISALES História da alfabetização, leitura, escrita e dos livros escolares
(CNPq).
Preliminarmente, a minha intenção foi reunir as seguintes áreas de
interesse: Profissão Docente, História da Educação e Literatura que faziam parte do
projeto inicial. Estudando e dialogando com essas áreas de conhecimento é que
construí o projeto que resultou na presente dissertação que apresenta um estudo
das representações acerca da docência nos romances escritos por Erico Verissimo
2
,
enfatizando a personagem Clarissa que aparece nos romances Clarissa (1933);
Música ao longe (1935); Um lugar ao sol (1936); e Saga (1940), produzidos no
período de 1933 a 1940 - início da carreira do escritor e romancista.
Nesse conjunto de romances é possível identificar a presença da professora
Clarissa, personagem principal e recorrente, nas obras investigadas. Além dessa
2
O nome do escritor investigado não é acentuado, (VERISSIMO.1981). No entanto, se na prática os
nomes pprios das pessoas vivas têm sido grafados de acordo com a certidão de nascimento
ainda que em desacordo com as regras de ortografia , os nomes de pessoas falecidas (e famosas)
devem se ajustar às normas ortográficas vigentes, por exemplo: [...] Érico Veríssimo [Erico
Verissimo].” (PIACENTINI, Maria Tereza de Queiroz. Não tropece na Língua. 2008). Disponível em
:http://www.linguabrasil.com.br/sys_home/index.php# . Acesso em 20 de outubro de 2008. Apesar
dessa regra, optei por não acentuar o nome do escritor, com a finalidade de preservar a forma original
da certidão de nascimento.
18
personagem, existem outras professoras e professores que, nas histórias narradas,
revelam aspectos sobre a formação docente e práticas escolares.
Cheguei a esse dado após levantamento em todos os romances escritos por
Erico Verissimo, com a finalidade de identificar a presença de professores ou
professoras. Para isso, foi analisada a coleção: Obras completas de Erico Verissimo,
de capa dura, cor vermelha, editada pela Editora Globo, e publicada no período de
1978 a 1981, totalizando um conjunto de 11 obras
3
, ou seja, todos os romances
produzidos pelo escritor
4
.
A metodologia de investigação adotada foi a leitura e fichamento de todos
os romances e a identificação dos personagens professores e professoras das
histórias narradas. Ao identificar esses personagens, foi possível destacar diversas
temáticas que permeavam a figura dos docentes. Estas temáticas ressaltavam
alguns aspectos como a formação e atuação docente, as práticas e as exigências
escolares, a vestimenta do professor ou professora, o perfil e as condutas, as redes
de relações sociais estabelecidas, entre outros.
Identifiquei, com esse levantamento, a presença de professores e
professoras em todos os romances do autor. Diante dessa constatação, foi
elaborado um quadro descritivo com a finalidade de identificar a atuação desses
personagens (ver Apêndice A). As principais características selecionadas para
caracterizá-los foram transcritas da maneira em que são apresentadas nos
romances, ou seja, procurei ser fiel à descrição, utilizando as mesmas expressões
escritas por Erico Verissimo, seja pelo narrador ou através das falas dos
personagens. O quadro descritivo evidencia diferentes perfis e atuações das
professoras e professores identificados nos romances.
A organização e a sistematização desses dados possibilitaram verificar a
multiplicidade de representações de professores e professoras na obra de Erico
Verissimo. A riqueza das descrições das práticas escolares da jovem normalista, no
romance Clarissa (1933), o seu reaparecimento com um diploma de professora e a
sua atuação docente em Música ao Longe (1935), a atuação da mesma professora
3
O levantamento em todos os romances do escritor compreendeu as seguintes obras: Clarissa;
Caminhos cruzados; Música ao longe; Um lugar ao sol; Olhai os lírios do campo; Saga; O resto é
sincio; A trilogia O tempo e o vento; O senhor embaixador; O prisioneiro e Incidente em Antares.
4
Em seu primeiro livro Fantoches e outros contos (1932) também foram identificados outros
professores e professoras como personagens, nos seguintes contos: Fantoches. Como um Raio de
Sol, Chico e Sonata, mas não foram analisados no desenvolvimento desta dissertação.
19
que é transferida para outro colégio, por motivos de vingança política, em Um lugar
ao Sol (1936), e as atividades escolares dessa professora em uma colônia, no
romance Saga (1940), foram aspectos que motivaram a escolha em desenvolver um
estudo sobre as representações da professora Clarissa, ou seja, em estabelecer o
foco de estudo apenas nessa personagem.
Portanto, a questão deste estudo é a representação de docência em Erico
Verissimo tomando a personagem Clarissa, nos quatro romances em que a mesma
aparece, como foco de análise. Para isso, depois de ler e reler os romances, de
destacar aspectos e categorizar dados, procurei construir uma análise a partir das
seguintes categorias: atributos físicos e traços de personalidade; atividades
escolares; atributos sociais; e práticas frequentes. Essas categorias fizeram parte do
processo de identificação das representações acerca da docência a partir da
personagem em queso.
Auxiliam a compreensão do tempo e do espaço de construção dos
romances pesquisas sobre as obras e a vida do escritor Erico Verissimo,
desenvolvidas por estudiosos como, por exemplo, Antônio Hohlfeldt (1984; 2005),
Elizabeth Rochadel Torresini (2007), Flávio Loureiro Chaves (1972; 1981; 1991;
2001; 2006), Maria da Gria Bordini (1995), Regina Zilberman (1982; 1985; 2004) e
Sergius Gonzaga (1990).
Estudos sobre a Literatura como fonte para os estudos da História da
Educação e para a História da Profissão docente desenvolvidos por Ana Maria
Oliveira Galvão (1994), Denice Catani (2003), Diana Gonçalves Vidal (2003),
Elizabeth Rochadel Torresini (2007), Cynthia Pereira de Souza (2003), Guacira
Lopes Louro (2003), Heloisa de Villela (2003), Maria Elizabete Sampaio Prado
Xavier (2008), entre outros, foram uma possibilidade de compreensão do objeto de
estudo e indicadores de possíveis abordagens, análises teórico-metodológicas.
Apontam aspectos referentes à docência considerando que a História da formação
de professores no Brasil revela que a atividade de professor como profissional é
marcada por definições do seu tempo. Dessa maneira, a profissionalização do
ensino é compreendida a partir de uma dimensão da própria constituição da História
da profissão docente.
Também as análises feitas por Carlos Ginzburg (1989; 2007) sobre o
romance como fonte para a História contribuíram no desenvolvimento do estudo.
20
Além disso, a noção de representação foi fundamental para identificar as
imagens de professores e professoras veiculadas. Compreendo-a na perspectiva de
Roger Chartier (2009), que pressupõe a força das representações do passado
propostas pela literatura como fundamentais (CHARTIER, 2009, p. 25).
Compreender as representações da professora Clarissa e outros professores
e professoras que compõem a narrativa dos romances produzidos por Erico
Verissimo exigiu também um entendimento sobre gênero, ou seja, compreender a
condição feminina e masculina. Isso significa pensar as identidades de gênero
continuamente sendo construídas e transformando-se continuamente no espaço
social. Nessa perspectiva, os estudos sobre gênero de Guacira Lopes Louro (1998)
e Joan Scott (1995) são considerados na construção das análises deste trabalho.
O percurso de investigação trilhado, os objetivos pretendidos e as
conclusões encontradas são apresentadas neste trabalho.
5
Os procedimentos
teórico-metodológicos desenvolvidos na pesquisa, as opções, possibilidades e
escolhas realizadas durante o processo de investigação estão explicitadas no
capítulo 2, através da descrição do percurso metodológico e de uma discussão do
levantamento de dados bibliográficos. Em seguida, no capítulo 3, procurei descrever
o escritor a partir de uma perspectiva que o compreende como criador da
personagem Clarissa. No capítulo 4, identifiquei alguns aspectos sobre as
representações da docência em torno da professora Clarissa, reveladas nos
romances, foco principal desta investigação. Por fim, no capítulo 5, elaborei
considerações finais acerca do trabalho.
5
O suporte da versão impressa da dissertação entregue à banca examinadora e aprovada pela
mesma, aproximou-se da materialidade dos romances investigados. (Em formato A5, capa dura cor
vermelha e impressão frente e verso).
2. SAGA, UMA NARRATIVA RICA DE EPISÓDIOS: PROCEDIMENTOS TÉORICO
METODOLÓGICOS
2.1. Um percurso metodológico até o romance Clarissa
Clarissa abre o seu drio de capa verde e escreve:
Quero escrever neste drio tudo o que penso, tudo o que sinto. [...]
No drio é como se eu estivesse conversando comigo mesma. [...]
Que é que tenho pra contar?
(VERISSIMO. Música ao Longe. 1981, p.10).
Os fundamentos teórico-metodológicos desta investigação consistem em
um conjunto de conceitos do campo da Educação, Literatura e Hisria da Educação
que orientam as análises deste estudo. Esses fundamentos permitiram buscar um
método de recolher, coletar, reunir, organizar e analisar os dados de maneira
sistemática.
A construção teórico-metodológica deste trabalho implica considerar um
percurso de aprendizagens que foram constituídas a partir das incursões realizadas
durante o meu percurso de estudos. O primeiro contato com a produção de Erico
Verissimo foi durante o processo de construção do projeto de dissertação, período
anterior à seleção do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade
Federal de Pelotas. Na ocaso em que eu me preparava para essa seleção, ganhei
de presente o meu primeiro romance do autor, Música ao Longe, ofertado pela ex-
professora de Literatura do Ensino Médio, Ana Maria Cardoso.
De maneira significativa o presente, naquele momento, foi o primeiro acesso
as produções do escritor e anunciava um trabalho a ser desenvolvido, assimo amor
que ainda não se definiu é como uma melodia do desenho incerto. Deixa o coração
22
a um tempo alegre e perturbado e tem o encanto fugidio e misterioso de uma música
ao longe...” (VERISSIMO. Música ao Longe. 1981, p.35).
No início da pesquisa, os romances de Erico Verissimo eram para mim um
misrio a ser desvendado, revelavam um encantamento e, ao mesmo tempo,
incertezas, pois na medida em que considerava uma proposta de investigação
interessante, também sabia que ainda desconhecia as obras do autor. A ideia de
propor uma investigação dos romances do escritor foi uma sugeso da orientadora
do curso de graduação, a professora Dra. Anamaria Freitas.
Naquele momento, em 2008, esta proposta correspondia ao objetivo de
continuar desenvolvendo estudos nas áreas de conhecimento de meu interesse.
Além disso, estudar um gaúcho seria um oportuno objeto de estudo já que eu
prestaria seleção em um Programa de Pós-Graduação no Rio Grande do Sul.
O projeto foi construído, inicialmente, a partir de referenciais dos estudiosos
da Literatura. Nessa perspectiva, a primeira versão deste trabalho pretendia realizar
um estudo dos primeiros romances do escritor Erico Verissimo, produzidos entre os
anos de 1933 a 1943.
O critério adotado, para essa seleção, foi considerar alguns estudos da
História da Literatura Brasileira realizados por Antônio Cândido (2000), Alfredo Bosi
(1994), Afrânio Coutinho (1986), Massaud Moisés (2001) e Abdala Junior (1997),
que apontam traços e momentos marcantes na produção das obras de Erico
Verissimo e caracterizam esse período como uma primeira fase literária do escritor.
Segundo esses estudiosos, esse período, entre os anos de 1933 a 1943,
compreende a produção de romances urbanos com características intimistas ou
psicológicas e com a descrição de costumes.
Sendo assim, havia sido selecionada a primeira fase das produções de
Erico Verissimo que corresponde às primeiras publicações dos romances: Clarissa
(1933); Música ao longe (1935) e Caminhos cruzados (1935); Um lugar ao sol
(1936); Olhai os lírios do campo (1938); Saga (1940); e O resto é sincio (1943).
Esta seleção inicial desconsiderava e desconhecia a presença de professores ou
professoras em outras obras escritas pelo escritor gaúcho, tomando apenas um
cririo da História da Literatura.
No primeiro semestre do curso de Mestrado, após algumas reflexões
metodológicas acerca dos limites dessa seleção, realizei um levantamento em todos
os romances escritos por Erico Verissimo, com a finalidade de identificar a presença
23
de professores ou professoras nessas obras. Essa fase exploratória compreendeu
que:
[...] pesquisas qualitativas tipicamente geram um enorme volume de dados
que precisam ser organizados e compreendidos. Isto se faz através de um
processo continuado em que se procura identificar dimensões, categorias,
tendências, padrões, relações, desvendando-lhes o significado. Este é um
processo complexo, não-linear, que implica um trabalho de redução,
organização e interpretação dos dados que se inicia na fase exploraria
e acompanha toda a investigação [...] (ALVES-MAZZOTTI e
GEWANDSZNAJDER, 1998, p. 170).
Nessa perspectiva, o levantamento de todos os romances de Erico Verissimo
possibilitou o acesso a um volume de dados significativos, mas necessários para
chegar ao foco desta pesquisa. Por isso, o primeiro passo metodológico desta
pesquisa foi localizar todos os romances do escritor.
Em princípio, a ideia era recolher as primeiras edições dos romances a fim de
analisar também o suporte veiculado na época em que foram produzidos por Erico
Verissimo. No entanto, como não foi possível adquirir e localizar as primeiras
edições fiz a opção de identificar e adquirir uma coleção que reunisse todos os
romances. A busca pelos romances, em sebos, foi incansável. Deparei-me com o
desafio de encontrar coleções incompletas.
Diante dessa realidade o meu critério foi adquirir uma coleção em bom estado
de conservação e que reunisse boa parte das obras. O percurso de aquisição das
obras aconteceu da seguinte maneira: localizei e comprei parte dessa coleção em
um sebo, na cidade Pelotas, no primeiro semestre de 2008. Os romances que me
faltavam foram encontrados em um sebo, na cidade de Porto Alegre, no segundo
semestre desse mesmo ano.
Dessa forma, reuni e analisei a coleção: Obras completas de Erico Verissimo,
de capa dura, cor vermelha, editada pela Editora Globo, e publicada no período de
1978 a 1981. Segue abaixo a imagem e lista completa dos romances lidos e
categorizados, o ano de publicação da 1ª edição e o ano do exemplar utilizado:
24
QUADRO I ROMANCES DE ERICO VERISSIMO
ROMANCES DE ERICO VERISSIMO
Romance
Ano de
publicação/
Editora
Ano da obra analisada/
Editora
1
Clarissa
1933
Editora Globo
1978
Editora Globo
2
Caminhos
Cruzados
1935
Editora Globo
1981
Editora Globo
3
Música ao
Longe
1935
Editora
Nacional
1981
Editora Globo
4
Um lugar ao
Sol
1936
Editora Globo
1981
Editora Globo
5
Olhai os lírios
do campo
1938
Editora Globo
1981
Editora Globo
6
Saga
1940
Editora Globo
1981
Editora Globo
7
O resto é
silêncio
1943
Editora Globo
1981
Editora Globo
8
A trilogia O
Tempo e o
Vento
1961
Editora Globo
1978
Editora Globo
9
O senhor
embaixador
1965
Editora Globo
1980
Editora Globo
10
O prisioneiro
1967
Editora Globo
1978
Editora Globo
11
Incidente em
Antares
1971
Editora Globo
1978
Editora Globo
25
FIGURA 1 ROMANCES DE ERICO VERISSIMO
FONTE: Acervo particular. Romances em Obras completas de Erico Verissimo. Editora Globo,
Porto Alegre. Rio de Janeiro. Publicada no peodo de 1978 a 1981.
A seleção dos romances para análise deste estudo remete ao processo de
leituras e fichamentos. As leituras fizeram-me conhecer as narrativas e identificar,
assim, a presença e as características de professores e professoras, além de
conhecer o escritor e o seu estilo de escrita. Nesta etapa, também pude desvendar
as temáticas sobre a docência que evocavam nas tramas narradas. A partir disso
sentia-me fascinada com as leituras. A intensidade desse envolvimento possibilitou-
me identificar com alguns personagens das histórias narradas e a elaboração de
ideias, a busca de sentidos e significados das posteriores escolhas metodológicas.
Enquanto descobria o sentido das palavras em cada obra lida, imaginava as
tramas narradas e, consequentemente, o encanto ou desencanto no destino dado
pelo escritor a cada personagem. Em muitos momentos de leitura, escrevi nas
margens dos livros os meus protestos de indignação, descontentamento ou
contentamento. Dessa maneira, também estabeleci um diálogo ficcional com o autor.
Fiquei envolvida no clima de suspense e mistério dos romances. Tive muitos
momentos de uma leitura atenta e repleta de expectativas. Por muitas vezes me
peguei sorrindo e bastante comovida com as tramas. Expectativas em torno da
leitura eram o que me prendia e fazia querer ler mais e analisar o objeto de estudo
que havia proposto.
26
Nesse percurso de construção da dissertação e, em especial, durante as
primeiras leituras dos romances, muitas lembranças vieram à tona. Recordei
momentos significativos sobre a escolha do tema deste projeto, a presença de
professores e professoras marcantes em minha trajetória escolar, a escolha do curso
de Pedagogia para a minha carreira profissional, as experiências escolares, entre
outras lembranças de vida e de formação.
Isso implica considerar o princípio adotado por Chartier (2002) baseado
em Michel de Certeau , quando indica que a apropriação tal como entendemos
visa uma história social dos usos e das interpretações, relacionados às suas
determinações fundamentais e inscritas nas práticas específicas que os produzem.
(CHARTIER, 2002, p.68). Isso significa que ao ler e analisar os romances, fiz
inferências a partir das minhas perspectivas e de minhas vivências. Esse aspecto
compreende o desafio complexo de analisar as representações da docência através
do olhar de Erico Verissimo que produziu uma escrita ficcional do seu tempo. Por
isso, é relevante considerar alguns aspectos acerca do tempo em que foram
produzidos os romances analisados.
No entanto, não é objetivo deste estudo estabelecer relações entre a ficção
e fatos históricos. Esta relação seria perigosa e exige bastante cuidado, uma vez
que essa perspectiva implica uma relação direta do texto literário e a noção de
realidade vivida e, com isso, desconsidera as características próprias do texto
literário que se constitui uma linguagem específica. Dessa maneira, compreender
essa especificidade implica admitir que a ficção não é o reflexo da realidade vivida,
mas se constitui como uma forma ou modalidade discursiva que tem sempre como
referência o real, mesmo que seja para negá-lo, ultrapassá-lo ou transfigurá-lo.
(PESAVENTO, 1997).
Nessa perspectiva, utilizei a noção de representação, segundo Roger
Chartier, como um instrumento metodológico para compreensão do texto ficcional
selecionado para esta investigação. Esse conceito foi fundamental em todo o
processo de coleta, seleção, questionamentos, reflexões e análises dos dados.
Partindo dessa concepção, a fase inicial desta pesquisa privilegiou a leitura
de todos os romances produzidos pelo escritor e, em seguida, o recolhimento dos
dados, ou seja, a seleção dos trechos que remetem à docência, seguido da
transcrição dos mesmos. Portanto, a metodologia inicial de investigação adotada foi
a leitura, releitura e fichamento de todos os romances e a respectiva identificação
27
dos personagens professores e professoras.
Durante todo o processo exploratório identifiquei a presença de professores
e professoras nas hisrias narradas e elaborei um plano para a organização dos
dados. Neste sentido, recorri a um conjunto de instrumentos metodológicos em
constante aperfeiçoamento, que se aplicam a discursos (conteúdos e continentes)
extremamente diversificados, o que implicou verificar dados recorrentes e a
consequenteinferência dos mesmos (BARDIN, 1995, p.9).
A análise dos dados implica um trabalho exaustivo com as suas divisões,
cálculos e aperfeiçoamentos incessantes (BARDIN, 1995, p.28). Este tipo de
trabalho pode ser denominado por análise categorial, que pretende:
[...] considerar a totalidade do texto, passando-o pelo crivo da classificação
e do recenseamento, segundo a frequência de presença (ou de ausência)
de itens de sentido [...]. É o método das categorias, espécie de gavetas ou
rúbricas significativas que permitem classificação dos elementos de
significação constitutivas, da mensagem. É, portanto, um método
taxionómico bem concebido para satisfazer os coleccionadores
preocupados em introduzir uma ordem, segundo certos critérios, na
desordem aparente (BARDIN, 1995, p.37).
Dessa maneira, fiz uma exploração que considerou a natureza do texto
ficcional e as suas implicações no trato com a fonte, uma vez que os romances são
a fonte de estudo para identificar o objeto de investigação, ou seja, as
representações da docência. Para isso, foram elaboradas classificações próprias na
organização e categorização dos dados selecionados.
Depois da leitura e fichamento dos romances, elaborei temáticas ligadas
aos personagens, como, por exemplo, a formação e atuação docente, as práticas e
exigências escolares, a vestimenta do professor ou professora, o perfil e condutas,
as redes de relações sociais estabelecidas, entre outros aspectos. A partir de uma
lista de temáticas de cada romance, identifiquei os traços marcantes, as
características e os aspectos recorrentes vinculados à temática central, a docência.
A intenção foi a de identificar as expressões utilizadas para referir-se aos
professores ou às professoras. Compreendi a noção de docência ligada a aspectos
vinculados diretamente a esfera escolar e atuação do professor ou da professora
nas narrativas. Diante disso, criei categorias de análise com a finalidade de
organizar os dados para compreensão e apreensão dos textos de modo sistemático.
28
Desenvolvi, então, um sistema de codificação (BOGDAN; BIKLEN, 1994) à
medida que li, reli e transcrevi dados que se repetiam ou se destacavam nos trechos
dos romances. Isso implicou um processo que envolveu vários passos, desde
percorrer os dados na busca de regularidades e padrões, assim como picos
recorrentes ou não nos dados coletados. Estas temáticas se constituíram,
posteriormente, em categorias de codificação (BOGDAN; BIKLEN, 1994).
Tais categorias foram um meio de classificar os dados descritivos acerca da
docência que foram recolhidos. Portanto, ao identificar os personagens docentes, foi
possível destacar diversas temáticas que permeavam a figura do professor ou
professora. Diante desses dados, elaborei um quadro descritivo (ver apêndice A
Quadro descritivo I) com a finalidade de compreender a atuação desses
personagens.
Esta fase foi fundamental para a análise posterior dos dados, pois o
desenvolvimento de uma lista de categorias de codificação não foi somente um meio
de visualizar os dados, mas também de ordenar estruturas de percepção, seleção e
organização das obras investigadas. A elaboração do quadro descritivo significou
um esforço de interpretação metodológica (BARDIN, 1995).
Através da construção do quadro descritivo foi possível verificar a
multiplicidade de representações de professores e professoras, descritas nos
romances. No entanto, preliminarmente, desconsiderei que o período de produção
dos romances demarca temporalidades distintas e, consequentemente, evidencia
tempos e construções diferenciadas, uma vez que tal procedimento foi em nível de
identificação e levantamento inicial dos dados.
A constatação da presença de docentes em todos romances do escritor
Erico Verissimo possibilitou pelo menos duas opções de investigação: a primeira,
seria a de analisar a presença dos personagens de todos os romances, em uma
perspectiva de descrição das obras de modo a realizar uma análise que
considerasse os diferentes tempos de produção das obras, isso porque o intervalo
de produção de todos os romances do escritor compreende desde a década de 1930
até os anos de 1970. A segunda opção, adotada para esta investigação, foi realizar
um recorte a partir do conjunto de romances, através do estudo da(s)
representação(ões) de uma professora ou um professor. Essa escolha exigiu muitas
reflexões e diversos momentos mirando as listas de temáticas, o quadro descritivo e
29
os próprios romances, em alguns momentos, dispostos sob a mesa, estante e até
mesmo espalhados no chão, bem diante do meu campo de visão. Abandonar os
demais professores e professoras que aparecem nos outros romances, não foi uma
escolha fácil, mas o processo de pesquisa, de fato, implica efetuar escolhas,
constituir hierarquias, elaborar análises(VIDAL e FARIA FILHO, 2003, p.38).
Como já frisei, a riqueza de detalhes das práticas escolares da jovem
normalista Clarissa, no romance do mesmo nome (1933), o seu reaparecimento com
um diploma de professora e a sua atuação docente em Música ao Longe (1935), a
atuação da professora Clarissa que é transferida para outro colégio, por motivos de
vingança política em Um lugar ao Sol (1936), e suas as atividades escolares em uma
colônia, no romance Saga (1940), foram aspectos que motivaram a escolha em
desenvolver um estudo sobre as representações de professora em romances de
Erico Verissimo, centralizando na personagem Clarissa.
2.2. Operação de buscas e reflexões: Levantamento de dados bibliográficos
Clarissa fecha o livro, encosta a cabeça no respaldo da cadeira e, olhos
cerrados, começa a pensar.
(VERISSIMO. Música ao Longe. 1981, p.36-37).
No processo de construção desta investigação foi elaborado um cruzamento
de outros dados a partir das fontes principais que são os romances de Erico
Verissimo. Esse procedimento corresponde à consequente busca pornovos dados,
complementares ou mais específicos, que testem suas interpretações, num processo
de sintonia fina‟ que vai até a análise final [...] (MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER,
1998, p. 170).
Durante as primeiras leituras dos romances mobilizei contatos com o filho do
escritor, Luís Fernando Veríssimo, que prontamente se disponibilizou a me informar
alguns dados complementares ao trabalho a fim de auxiliar no processo de análise
das obras. O contato foi feito através do correio eletrônico com inúmeras trocas de e-
mails. Ele esclareceu algumas questões pertinentes ligadas à vida do seu pai.
Além desse contato, conversei pessoalmente com o amigo e especialista em
Erico Verissimo, professor Dr. Flávio Loureiro Chaves. Neste encontro, em seu local
30
de trabalho, na Universidade de Caxias do Sul, Chaves fez referência aos estudos
sobre as obras e vida de Erico Verissimo por meio de um levantamento publicado
em seu livro Erico Verissimo: o escritor e seu tempo (2001). Neste livro e em suas
pesquisas não foi localizado um trabalho que se aproxime da perspectiva e da
temática desta investigação. Assim como Chaves, Luís Veríssimo também
considerou esta investigação como inovadora e interessante, ao desconhecerem a
docência como um elemento recorrente nas obras do autor.
Além desses contatos, visitei o Centro Cultural Erico Verissimo, em Porto
Alegre e a Casa Museu Erico Verissimo, em Cruz Alta. Dessa maneira, estas ações
permitiram uma aproximação maior com a vida e a obra do autor, ampliando, assim
o campo de visão sobre o objeto de estudo.
Neste processo de aproximação, construção e sistematização dos dados,
percebi, na fase de escrita final da dissertação, quanto as etapas são dinâmicas e
estão interligadas entre si, isso porque, metodologicamente, o plano de leitura,
fichamento e categorização dos dados foi permeado por constantes leituras,
reflexões, estudos, questionamentos, (re)elaboração de hipóteses, dúvidas,
pesquisas bibliográficas, entre outras ações de investigação que fizeram parte de
todas as etapas de sistematização do trabalho. Portanto, uma dinamicidade no
processo investigativo es expresso no Quadro II que segue:
QUADRO II SISTEMATIZAÇÃO DO TRABALHO
Reflexões
Questionamentos
Hipóteses
Dúvidas
Pesquisa bibliográfica
Leituras e estudos
Leitura dos
romances
Fichamento dos
romances
Categorização dos
dados
31
Assim, a constituição desta investigação foi um processo de desvelamento do
objeto de estudo em várias etapas que se entrecruzaram recorrentemente. Aos
poucos, descobri, também, entre outras coisas, as inúmeras facetas do escritor e a
sua forma de escrever. E com isso, elaborei esquemas de interpretação e percepção
sobre as representações da docência presentes nos romances do autor a chegar à
configuração final deste trabalho.
A escrita permitiu o desenvolvimento da articulação das ideias a partir dos
dados e, consequentemente, dos referenciais teóricos. O desafio no processo de
escrita foi justamente encontrar uma estratégia de apresentar os resultados aos
leitores de maneira articulada e envolvente.
Desse modo, o desenvolvimento da escrita desta dissertação como princípio
da pesquisa conduziu a disciplina, organização e a promoção de várias
possibilidades no ato de investigar (MARQUES, 2001). A partir deste princípio,
houve um movimento triplo interrelacionado que acontece quando a pesquisa
permite a aprendizagem conduzida pela escrita. Este movimento permite
perspectivas diferenciadas de formulação de análises. Na medida em que o escrever
é uma interlocução, a construção da escrita define novos sentidos e significados a
partir do momento em que o escritor se sente dono do texto (MARQUES, 2001).
Na leitura de Clarissa, Música ao Longe, Um lugar ao Sol e Saga selecionei
os dados através do fichamento dos romances, seguido da transcrição literal dos
trechos sobre a docência. Essa seleção tinha como foco os trechos que remetiam à
personagem professora no espaço escolar e fora dele. Os dados coletados
indicavam temas e relações abrangentes que conduziam a um universo de
possibilidades de interpretações e novas queses.
Isso porque à medida que os dados vão sendo coletados, o pesquisador vai
procurando tentativamente identificar temas e relações, construindo interpretações e
gerando novas queses e/ ou aperfeiçoando as anteriores. (ALVES-MAZZOTTI e
GEWANDSZNAJDER, 1998, p. 170).
Diante desse princípio, elaborei um quadro interpretativo (Quadro II) com a
finalidade de orientar a escrita e análise de conteúdo do material selecionado. A
partir da noção de representação (CHARTIER, 2009) como categoria fundamental
foram articuladas quatro categorias de análise que são: I - atributos físicos e traços
32
de personalidade; II - atividades escolares; III - práticas frequentes; e IV - atributos
sociais, como pode ser visualizado no Quadro III que segue:
QUADRO III ESQUEMA INTERPRETATIVO PARA A ANÁLISE
O Quadro III revela a instigante preocupação com a articulação do material
coletado e suas respectivas análises a partir de uma lógica que pressupõe a
representação da docência através do texto de ficção, especificamente, os romances
de Erico Verissimo, como foco de análise. Em resumo, o esquema interpretativo
somente teve essa configuração depois de inúmeras tentativas de organização
sistemática através de rascunhos e apontamentos.
Neste processo de elaboração o princípio norteador foi percorrer os dados
para que eles evocassem modos de apreendê-los e, ao mesmo tempo, buscar um
referencial teórico que auxiliasse nas escolhas metodológicas e na operação de
análise do objeto de estudo.
I - ATRIBUTOS
FÍSICOS E
TRAÇOS DE
PERSONALIDADE
II - ATIVIDADES
ESCOLARES
III - PRÁTICAS
FREQUENTES
REPRESENTAÇÕES DA DOCÊNCIA
TEXTO DE FICÇÃO
ROMANCES PRODUZIDOS POR ERICO VERISSIMO
IV - ATRIBUTOS
SOCIAIS
CLARISSA, A PERSONAGEM
PROFESSORA
33
A construção deste quadro exigiu um esforço interpretativo e um modo de
ordenar os dados de maneira coerente e legível. A intenção foi a de sistematizar a
apresentação da personagem principal e as suas respectivas representações. As
categoriasatributos físicos e traços de personalidade,atividades escolares,
práticas freqüentes e atributos sociais remetem aos dados que foram recorrentes
nos quatro romances selecionados. Essas categorias pressupõem as seguintes
definições:
I - Atributos físicos e traços de personalidade Essa categoria descreve as
características físicas e de personalidade da personagem principal. Portanto, define
as especificidades do perfil da professora Clarissa;
II - Atividades escolares Constitui-se em uma categoria que compreende as
atividades, saberes, procedimentos e condutas da professora na esfera escolar. Está
relacionada às teorias, aos saberes e as práticas da personagem, no espaço
escolar. É o que a professora já conhece ou deve vir a conhecer, ou seja, é o que
deve ensinar e o que deve aprender. Portanto, também corresponde aos
conhecimentos que a professora deve ter na atuação profissional;
III - Práticas frequentes Trata-se da descrição das atividades desenvolvidas pela
personagem que aparecem com maior recorrência nas narrativas. Refere-se,
portanto ao modo e as suas ações da professora;
IV - Atributos sociais Define as atribuições e exigências feitas na esfera social.
Corresponde aos procedimentos da professora, através do conjunto de condutas
práticas e exigida socialmente. São representados a partir das suas atividades
desenvolvidas no contexto social.
A definição dessas categorias possibilitou procedimentos para a coleta e
ordenação dos dados. Através de um estudo sistemático foi classificado cada trecho
dos romances - a partir do fichamento prévio - numa categoria correspondente,
devidamente transcrito na íntegra.
Na fase final de escrita da dissertação, as categorias, que inevitavelmente
estão interligadas, ajudaram a visualizar os dados sobre a Clarissa e, dessa
maneira, identificar representações. A análise foi construída inicialmente, a partir da
categorização apresentada que identificou os atributos físicos e traços de
personalidade, as atividades escolares, os atributos sociais e as práticas frequentes
34
da personagem. No entanto, na escrita final os dados dessas categorias cruzaram
entre si. Por isso, não foram trabalhadas isoladamente no corpo do texto, mas
visando o conjunto de dados que representam Clarissa, a professora, e sem definir
isoladamente as suas respectivas representações para cada romance.
A personagem professora Clarissa aparece e se desenvolve de maneira
contínua nos romances em questão. Apresento, na estrutura de escrita desta
dissertação, as análises agrupadas às categorias prévias. Portanto, recusei a opção
de desenvolver as análises das representações em cada romance, separadamente,
pois creio que seria um modo de apresentar linearmente as ideias, dificultando,
assim, a visualização e compreensão da personagem no desenrolar das tramas
criadas por Erico Verissimo.
Em pesquisa, qualquer escolha metodológica implica riscos e queses sobre
o modo de compreensão e apresentação das análises. Por isso, assumo todos os
riscos, consciente da autonomia enquanto pesquisadora e, portanto, da
possibilidade de operar e interferir nos dados de pesquisa.
2.3. Representações em romances de Erico Verissimo: uma abordagem
teórico-metodológica a partir da História Cultural e da Literatura
Clarissa abre então o drio e começa a conversar consigo mesma.[...]
Não posso acreditar que a vida seja tão diferente dos romances.
(VERISSIMO. Música ao Longe. 1981, p.48).
A ficção permite observar e identificar realidades múltiplas sobre a instância
cultural (PESAVENTO, 2005) em que é ou foi produzida. Significa, portanto, situá-la
para além do verdadeiro e do falso, mas admitir a capacidade humana originária
possível de recriar o mundo e identificar uma expressão da linguagem e
pensamento de tudo o que existe e é identificado, percebido, nomeado, qualificado e
expresso pelo escritor (PESAVENTO, 2003, p.35).
Essa abordagem auxilia a compreensão da Literatura produzida por Erico
Verissimo e as suas respectivas representações do mundo expresso por nele.
Representação é uma categoria central da História Cultural que foi incorporada pelos
historiadores a partir das formulações de Marcel Mauss e Émile Durkheim, no início
35
do século XX. Eles estudaram formas integradoras da vida social, construídas pelos
homens para manter a coesão do grupo e que propõem como representação do
mundo (PESAVENTO, 2005).
Embora a noção de representação seja comumente usada e (re) formulada
em diversas áreas do conhecimento, e, em especial, para os historiadores, não há
consenso formal e universal para o conceito. A noção de representação, segundo
Pesavento (2005), é assumida por vários autores, como Roger Chartier, Robert
Darnton e Carlo Ginzburg, mas não de modo formal e claro por esses autores. No
entanto, a autora afirma que, de uma maneira geral, todos trabalham com a mesma
ideia do resgate de sentidos conferidos ao mundo, e que se manifestam em
palavras, discursos, imagens, coisas, práticas. (PESAVENTO, 2005, p.17).
Nesse sentido, significa admitir a existência de representações que são
expressas por normas, instituições, discursos, imagens e ritos. Ainda segundo a
autora, a representação é conceito ambíguo [...] A representação não é uma cópia
do real, sua imagem perfeita, espécie de reflexo, mas uma construção feita a partir
dele.” (PESAVENTO, 2005, p. 40).
Discutir a noção de representação como conceito fundamental de análise,
neste estudo, implicou considerar a perspectiva adotada por Roger Chartier (2009)
quando afirma que a noção de representação não nos afasta do real nem do social.
Segundo o autor:
Ajuda os historiadores a se desfazerem da „ideia muito magra do real‟, como
escrevia Foucault, que durante longo tempo foi a sua, insistindo na força
das representações, sejam elas interiorizadas ou objetivadas. As
representações não são simples imagens, verdadeiras ou falsas de uma
realidade que lhes seria externa; elas possuem uma energia própria que
leva a crer que o mundo ou o passado é, efetivamente, o que dizem que é.
Nesse sentido, produzem as brechas que rompem às sociedades e as
incorporam nos indivíduos (CHARTIER, 2009, p.51 - 52).
Esse conceito permite vincular as posições e as relações sociais com a
maneira como os indivíduos e os grupos se percebem e percebem os demais.
Segundo Chartier, as representações coletivas, na maneira como são definidas pela
sociologia de Durkheim e Mauss, incorporam nos indivíduos, sob a forma de
esquemas de classificação e juízo, as próprias divisões do mundo social.
(CHARTIER, (2009, p.50).
Portanto, através desse entendimento, o autor afirma que, ao conduzir a
história dando-lhe como pedra fundamental à história das representações significa
36
vincular o poder dos escritos ao das imagens que permitem lê-los, escutá-los ou vê-
los, como as categorias mentais, socialmente diferenciadas, que são as matrizes das
classificações e julgamentos (CHARTIER, 2009, p.52).
Compartilhar dessa afirmação demarcou a busca pelo paradigma
alternativo, definido por Carlo Ginzburg (1979) como método indiciário que
pressupõe o reconhecimento de sinais com a garantia de uma legítima pluralidade
das interpretações. Assim, o autor afirma que é justamente graças à literatura de
imaginação que o paradigma indiciário permite uma atitude orientada para a análise
de casos individuais, reconstruíveis somente através de pistas, sintomas, indícios..
(GINZBURG, 1989, p.154), o que implica operações de análise, comparações e
classificações.
Essa discussão teórica e metodológica é baseada, sobretudo, nas
contribuições da corrente historiográfica denominada Nova História Cultural. Essa
posição interpretativa significou a crítica ou contestação de certas posturas
historiográficas presentes nessa ruptura dos paradigmas das últimas décadas do
século XX (PESAVENTO, 2005, p.9).
Nesse sentido, a pesquisa na área da Hisria da Educação, nas duas
últimas décadas, com o advento da Nova Hisria Cultural, ampliou as possibilidades
de estudo a partir da definição de novos temas e problemas de pesquisa e,
consequentemente, a utilização de documentos e fontes não tradicionais. Dessa
forma, os pressupostos teóricos e metodológicos foram revisados e questionados.
Ao abordar a constituição da História da Educação no Brasil, Vidal e Faria
Filho (2003) identificam os trabalhos realizados, nos últimos 20 anos, apontando
temas e períodos de interesses e abordagens mais recorrentes. A produção de
trabalhos nesse campo vem demonstrando uma vitalidade e um alargamento da
interlocução com uma variada gama de disciplinas acadêmicas Sociologia,
Lingüística, Política, Antropologia, Geografia, Psicologia, Literatura, entre outros.
Nesse sentido, a História da Educação como campo de pesquisa, vem
ampliando a noção e a utilização de fontes e documentos sobre um objeto de estudo
(NASCIMENTO, 2003). No campo das pesquisas educacionais, a partir da década
de 1980, instauraram-se mudanças no fazer hisrico, com o advento da Nova
História Cultural.
37
Dessa maneira, as recentes pesquisas vêm ampliando as possibilidades de
estudo e de fontes, na medida em que são utilizados diversos documentos de
distintas origens e gêneros. É possível perceber uma revolução documental que:
[...] também tenha atingido e marcado profundamente o campo da História
da Educação, os pesquisadores m insistido na necessidade de, mesmo
para aqueles que abordam novos temas e que se utilizam de fontes não-
tradicionais, de recorrerem aos arquivos propriamente ditos. Mas, em vez de
fetichizarem o documento acreditando que eles possam falar toda a
verdade, os historiadores têm se esforçado para problematizar essas fontes
(LOPES E GALVÃO, 2001, p.81).
A possibilidade do uso de memórias, diários, cartas, biografias, fotografias,
literatura, música, pintura, hisrias de vida, depoimentos, anúncios e relatos de
festas escolares publicados em jornais e revistas, entre outros, permite acessar as
práticas e os saberes difundidos, assim como os discursos e os dispositivos
produzidos em torno dos temas de investigações. Nesse sentido, as pesquisas vêm
procurando analisar além da legislação educacional, dos relatórios oficiais,
regulamentos, programas de ensino, dados estatísticos, entre outros registros.
Como advertem Lopes e Galvão (2001), o passado em sua inteireza e
completude nunca será plenamente conhecido e compreendido, no limite é possível
entender os fragmentos e as incertezas do passado. Os traços, as marcas e os
vestígios não apagados e deixados pelas sociedades passadas possibilitam acessar
as representações difundidas e o significado destas nos seus espaços e tempos
específicos.
No âmbito da História da Educação e de outros campos do conhecimento,
como nos aponta Nascimento (2006), o desenvolvimento de pesquisas com fontes
menos tradicionais vem adquirindo um novo estatuto metodológico. Nesse universo
amplo de fontes para os estudos da Hisria da Educação, encontramos a Literatura.
Essa é ainda pouco usada pela História em geral e tem sido submetida a
determinadas regras que são tanto da Hisria quanto da própria Literatura. Analisar
a Literatura nos permitir:
[...] a descoberta de mundos completamente diferentes daqueles exibidos
por outro tipo de texto escrito. Atualmente a escola, as relações escolares,
as brincadeiras e o mundo infantil são objetos das cncias sociais, fazem-
se dissertações e teses; no entanto, durante muitos anos essa realidade foi
trazida por outro tipo de texto, os literios: romances, novelas, pequenos
contos para crianças, literatura religiosa e moral, até mesmo a poesia. Em
História da Educação, essa fonte começa a ser mais bem aproveitada [...]
(LOPES e GALVÃO, 2001, p.85).
38
Nesse sentido, Le Goff (2003) aponta a possibilidade de identificar
representações a partir da Literatura, ao considerar [...] o documento literário e o
artístico como plenamente históricos, sob a condição de ser respeitada a sua
especificidade (LE GOFF, 2003, p. 11). Portanto, o romance, em sua especificidade
de gênero literário, evoca um universo repleto de representações, situado em seus
contexto próprios de produção e circulação (LOPES; GALVÃO, 2001 p.85).
Para Lopes e Galvão (2001), compreender as representações literárias
pressupõe que:
[...] cada fonte, cada documento, tem um valor relativo estabelecido a partir
da possibilidade de coerência com os outros, conforme o trabalho a que é
submetido, e das relações (em maior número possível) que o pesquisador
consegue estabelecer com informações trazidas por outros estudos sobre o
tema, sobre a metodologia e teoria da Hisria. Uma palavra, uma
expressão, uma categoria, um estilo de escrita encontrados em um
documento só adquirem sentido se não se quer cometer anacronismos,
quando colocadas em seus contextos próprios de produção e circulação.
Esses contextos são dados ao pesquisador a partir de um maior número
possível de relações/ associações que conseguir estabelecer entre o que o
documento traz e o que não está nele. Um trabalho de compreensão é o
que se pede (LOPES e GALVÃO, 2001 p.93).
O ofício do historiador em seus objetos e métodos de estudo implica
considerar elementos essenciais no processo de constituição do objeto a ser
investigado. Le Goff (2003) indica a imporncia de reconhecer uma análise crítica
diante de uma fonte documental, isso porque o caráter hisrico do conhecimento é
provisório, incompleto, seletivo e limitado a partir dos questionamentos feitos pelo
historiador às evidências apresentadas.
Para Vidal e Faria Filho (2003), debruçar-se sobre a História (ou hisrias)
significa:
no desenho de vertentes que a compõem, não é tarefa simples. Implica
efetuar escolhas, constituir hierarquias, elaborar análises que, ao mesmo
tempo que conferem uma inteligibilidade à narrativa, instituem um passado
(portanto, exigem uma memória) para o campo (VIDAL e FARIA FILHO,
2003, p.38).
Assim, o trabalho de investigação realizado, “exige que se persigam o sujeito
da produção, as injunções na produção, as intervenções, isto é, as modificações
sofridas e o destino e destinatário desse material (LOPES; GALVÃO, 2001, p.81).
39
Um objeto de estudo, em História da Educação, nunca es suficientemente
explorado. Isso porque a história é sempre reescrita na medida em que depende do
problema proposto a ser enfrentado [...]. Esta, por sua vez, é sempre resultado de
um olhar que, do presente o pesquisador (a) lança ao passado.” (LOPES; GALVÃO,
2001, p.92).
O romance, como um gênero literário, é uma possibilidade de apreensão de
aspectos sobre a imagem de professor e professora. Os diversos textos literários
podem nos auxiliar na compreensão de ideais ou imagens representadas e
divulgadas, como opção para fazer mediações entre a ficção e a reinterpretação
construídas pelo autor. Uma vez que:
As fronteiras entre ficção e verdade são consideradas cada vez mais tênues
no âmbito das cncias humanas, e tende-se a concordar que a obra literária
não reflete a realidade: a fração do real que revela é resultado de uma
reinterpretação e de uma reelaboração. Ainda que condicionada
socialmente, o seu domínio é sobretudo estico. No entanto, a verdade que
ficção pode trazer importa mais do que uma suposta „realidade. Uma
verdade que escapa, às vezes, à pesquisa histórica ou à pesquisa
considerada cienfica. Os autores não são somente testemunhas da escola
de sua infância ou da idade adulta, mas são intérpretes sensíveis e
apaixonados dos processos familiares, escolares e socais. As relações
entre literatura e hisria são caracterizadas pela tensão e não pelo reflexo
ou correspondência direta (LOPES e GALVÃO, 2001 p.85).
A escrita literária pode ser compreendida como uma prática humana situada
em um contexto e que tem formas, modos e estruturas próprias. A narrativa, a
poesia, o conto, o romance, a crônica, entre outros textos literários, nos permite
acessar ideias, ideais, representações, símbolos, costumes vistos através da
perspectiva de um autor.
No que se refere à ficção no Brasil, Zilberman (2004), em seu artigo intitulado
Literatura e história da educação: representações de professor na ficção brasileira,
publicado na Revista História da Educação, indica professores e professoras como
personagens recorrentes nas obras de Manuel Antônio de Almeida, Machado de
Assis, José de Alencar, Adolfo Caminha, Mário de Andrade, Cyro dos Anjos,
Graciliano Ramos e Monteiro Lobato. A representação da figura do professor
identificada nessas obras aponta o modo como a sociedade entende e idealiza o
docente, tanto no masculino como no feminino.
40
Durante os estudos para a pesquisa o Portal eletrônico de Periódicos da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES/MEC
6
, qual
foi feito um levantamento dos estudos disponíveis em nível de Mestrado e
Doutorado, em julho de 2008. A finalidade desse levantamento foi apenas
reconhecer e identificar algum estudo que se aproximasse do meu objeto de
investigação, uma vez que não é objetivo deste trabalho desenvolver uma análise
detalhada sobre os aspectos recorrentes de toda a produção. Nesse material, não
foi localizado um estudo que trate, exclusivamente, das representações da docência
em romances publicados por Erico Verissimo a partir da abordagem adotada para
esta investigação.
O Banco de dados de teses e dissertações da CAPES apresenta um
conjunto de 86 trabalhos defendidos sobre o escritor Erico Verissimo, durante o
período de 1987 a 2006 (Ver Anexos 1). As dissertações localizadas abordam as
obras de Erico Verissimo sob uma perspectiva literária, uma vez que a maioria foi
produzida no Campo da Literatura e da Sociologia, com apenas alguns aspectos
históricos.
Nesse banco de dados, há um grande volume de trabalhos sobre a trilogia O
tempo e o vento, um dos maiores sucessos do escritor. Embora existam trabalhos
desenvolvidos acerca das obras literárias de Erico Verissimo e, em sua maioria, sob
uma perspectiva literária, é importante destacar que os procedimentos teórico-
metodológicos distintos permitem abordagens e perspectivas diferenciadas.
Estabeleci um critério de seleção para leitura desse material através da
palavra-chave: docência e literatura. Dessa maneira, identifiquei a existência de três
dissertações de Mestrado, localizadas no portal da CAPES, que analisam a
profissão docente a partir da Literatura e, por sua vez, citam algumas obras de Erico
Verissimo.
A primeira dissertação
7
intitula-se Atuações docentes em romances
brasileiros: uma análise à luz das transformações históricas, e foi defendida em
2004, por Virginia Luchetta Di Nallo, sob a orientação de Silvina Rosa, da
Universidade Estadual de Maringá. Essa dissertação teve como objetivo refletir a
6
Disponível em: <http://servicos.capes.gov.br/capesdw/>.Acesso em: 15 de julho de 2008.
7
O Banco de dissertações e teses da Capes, durante o peodo da pesquisa, encontrava-se com
falhas e dificuldades de acesso integral dos trabalhos. Apenas tive acesso ao resumo do trabalho,
pois o trabalho completo está indisponível no portal da CAPES. (último acesso em julho de 2009). Na
tentativa de localizar a dissertação fiz contato por e-mail com a autora, mas não obtive resposta.
41
profissão docente e o gradativo afastamento do homem nessa profissão,
principalmente nas séries iniciais do ensino, através dos romances: Memórias de um
sargento de milícias, de Manuel Antônio de Almeida; Clarissa e Música ao Longe, de
Erico Verissimo; e São Bernardo, de Graciliano Ramos.
A segunda dissertação
8
é intitulada: Identidade e representação da profissão
docente: uma análise a partir de um professor-personagem da literatura brasileira,
defendida em 2005, por Wania Cecília Sacco, sob a orientação de José Rubens de
Lima Jardilino, do Centro Universitário Nove de Julho. Essa investigação buscou
identificar a identidade e representação do profissional professor, no romance
Caminhos Cruzados, de Erico Verissimo. Baseado nas teorias de Erving Goffman,
Mikhail Bakthin e Jürgen Habermas, foram utilizadas as categorias de ação e de
linguagem para o desenvolvimento do estudo.
Também tive acesso à cópia impressa da dissertação de mestrado Escola e
cotidiano: uma hisria da educação a partir da obra de José Lins do Rego (1890
1920), defendida em 1994, por Ana Maria Oliveira Galvão, sob a orientação da
professora Eliane Marta Teixeira Lopes, da Universidade Federal de Minas Gerais.
Esse trabalho teve como objetivo (re)construir o cotidiano da escola primária no final
do século XIX e início do século XX, na região açucareira da Paraíba. A principal
fonte para desenvolver esse objeto foram as obras do escritor paraibano José Lins
do Rego. Diante desse entendimento, são apontados imagens e símbolos
constituídos e veiculados, a partir da obra literária de José Lins do Rego, sobre o
objeto de estudo investigado a escola e o cotidiano escolar.
O suporte teórico metodológico dessas dissertações selecionadas e de
recentes estudos desenvolvidos por Lopes (2005), Mendonça e Alves (2008),
Moraes (2008), Pesavento (2008), e Zechlinski (2008) pressupõem as relações entre
história, narrativa, ficção, literatura, memória e a produção literária. Esses estudos
revelam uma tendência que busca identificar representações na Literatura a partir de
pressupostos da História e Educação que permitem reconhecer processos
educacionais revelados nos textos literários.
8
Tive acesso ao resumo e um artigo referente ao trabalho, pois o trabalho completo também está
indisponível no portal da CAPES. (último acesso em julho de 2009). Fiz contato por e-mail com a
autora da dissertação que se disponibilizou enviar, por correio, uma cópia do trabalho, mas não
houve o recebimento a o fechamento desta dissertação.
42
Nesse aspecto difere e distancia da proposta desta dissertação de Mestrado,
uma vez que apresento, exclusivamente, uma análise da escrita de Erico Verissimo
acerca da docência a partir dos romances Clarissa (1933), Música ao Longe (1935),
Um Lugar ao Sol (1936) e Saga (1940), que permitem perceber representações
sobre professoras construídas pelo escritor.
43
3. ERICO VERISSIMO: O CRIADOR DA PERSONAGEM CLARISSA
Desejei saber compor música para traduzir em melodia aquele momento
poético; ou eno pintar, para prender numa tela as imagens daquele minuto
milagroso. [...] Foi eno que me veio a sugestão de escrever a hisria
duma menina que amanhece para a vida, pois talvez dessa forma eu
pudesse prolongar o sortigio daquele momento.
(VERISSIMO. Clarissa. 1978, Prefácio).
Erico Verissimo é um dos escritores mais reconhecidos nacionalmente e o
criador da personagem Clarissa que aparece no conjunto de romances: Clarissa,
Música ao Longe, Um lugar ao sol e Saga. Apresen-lo implica considerar o
processo de criação literária e a autoria ligada à produção de sentidos e motivações
para a escrita.
Erico Verissimo nasceu em Cruz Alta, Rio Grande do Sul, no dia 17 de
dezembro de 1905, filho de Sebastião Veríssimo da Fonseca e Abegahy Lopes
Veríssimo. Era descendente, pelo lado paterno, de emigrantes portugueses da
Freguesia do Ervedal, na Beira Alta e, pelo lado materno, de tropeiros de Sorocaba
(VERISSIMO, 1981). Morreu de enfarte, em 1975.
44
FIGURA 2 O ESCRITOR ERICO VERISSIMO
FONTE: Acervo particular. Caro postal patrocinado pelo Banco do Rio Grande do Sul (Banrisul) e
Governo do Rio Grande do Sul. ALEV/PUCRS 06ª0782 -1966.
O escritor referencia em suas memórias, Solo de Clarineta I, publicado em
1973, um repertório de familiares entre eles: tios, tias, avós, pais, entre outros, e
menciona a relação dessas pessoas tão próximas do seu convívio. Essas descrições
indicam a presença de leitores e escritores na família dos Veríssimo. Esses são
referenciados como amigos dos livros, leitor e leitora voraz, algunsdevotos de
determinados gêneros literários, leitores e leitoras de textos em voz alta, contadores
de histórias, leitores de textos em língua estrangeira, escritores dos mais variados
gêneros literários. Ele ainda cita o seu pai, Sebastião Veríssimo, como
intelectualmente a mais brilhante figura da família, epicurista, fundador de um
jornal humorístico, e entre outras características que evidenciam um homem de
leituras variadas, oidealista, o pensador (VERISSIMO, 1981, p.18).
Em dezembro de 1930, Erico Verissimo resolveu mudar de vida e tomou a
decisão de morar em Porto Alegre. Embora ele reconhecesse as dificuldades de um
escritor no Brasil, a sua ideia inicial era arranjar emprego num jornal, traduzir livros,
colaborar em revistas e assim tentar ganhar a vida como escritor.” (VERISSIMO,
1981, p. 233).
Inicialmente, o escritor trabalhou intensamente na redação da Revista do
Globo, traduzindo livros do inglês para o português. A carreira do escritor começou
45
em princípios de 1932 quando decidiu publicar, em forma de livro, os seus contos,
em sua obra Fantoches (VERISSIMO, 1981).
A geração de escritores de 1930, segundo Bordini (2005), foi marcada por
uma tendência ficcional forte e abrangente que descrevia realidades regionais e
urbanas. A estrutura econômica do país é definida como atrasada, baseada no
latifúndio, na exclusão e nas consequentes injustiças sociais. Essa tendência em
apresentar nas obras de ficção tais aspectos foi produzida por escritores do
Nordeste brasileiro. Nesse período, também surgiu uma nova literatura urbana, entre
os autores, a escrita de Erico Verissimo é identificada como pioneira no país.
Na época em que ele produziu os romances, já estava casado com Mafalda e
tinha dois filhos pequenos, Clarissa
9
e Luís Fernando. Ele lutava para melhorar de
vida, trabalhava em tempo integral na Revista do Globo e na seção Editora da
Livraria do Globo, fazia traduções nas horas vagas e dedicava-se a sua literatura
nos fins de semana (VERISSIMO, 1981).
Além dos romances, Erico Verissimo dedicou-se à ficção histórica, à literatura
infantil e infanto juvenil, a livros de viagem, biografias, ensaios, artigos e crônicas.
Seus livros eso traduzidos em diversas línguas e publicados em nível nacional e
internacional. Várias das suas obras foram adaptadas para a televisão e cinema
(COUTINHO, 1986). Esteve diversas vezes nos Estados Unidos, onde lecionou
Literatura Brasileira em universidades americanas. Em 1944, O Mills College, de
Oakland, na Califórnia, onde dava aulas de Literatura e História do Brasil, confere-
lhe o tulo de doutor Honoris Causa (BOSI, 1994).
Alguns estudiosos da História da Literatura Brasileira como, por exemplo,
Antônio Cândido (2000), Alfredo Bosi (1994), Afrânio Coutinho (1986), Massaud
Moisés (2001) e Abdala Junior (1997) apontam traços e momentos marcantes na
produção das obras do escritor. Esses estudiosos apontam-no como sendo um
9
Dois anos após a publicação do romance Clarissa, em 1935, nasceu a filha do escritor, Clarissa
Verissimo Jaffe.
No ano de 2005, em entrevista concedida ao documenrio de comemoração ao centenário de Erico
Verissimo, realizada pela RBS TV Porto Alegre, a filha do escritor revela que leu várias vezes o
romance Clarissa. Ela disse: Ah! Clarissa eu li várias vezes quantas eu não sei te dizer porque...eu
acho que eu queria me identificar... e todo mundo dizia: „Ah! Ela é parecida contigo!Daí, ela também
tem olhos escuros, cabelos escuros. Então eu achava que eu era a Clarissa. Quando eu comecei a
ler os livros do pai, o primeiro foi Clarissa e só depois de muitos anos que eu fui ler o segundo...[...]
Mas mesmo em Clarissa eu me surpreendia porque o meu pai entendia de certas coisas que eu
achava que não, o pai não entende disso, né!? Não está sabendo.... Então, era uma descoberta, as
coisas que ele sabia sobre uma adolescente. (JAFFE, Clarissa Verissimo em entrevista concedida a
RBS TV Porto Alegre em 2005).
46
escritor da era modernista que se caracteriza em suas obras pela ênfase na análise
psicológica dos personagens e de costumes da época em que foram produzidas.
Recebeu inúmeras premiações, entre elas: o Prêmio Machado de Assis, da
Companhia Editora Nacional (com Música ao Longe), em 1934, Prêmio pela
Fundação Graça Aranha da Academia Brasileira de Letras (com Caminhos
Cruzados), em 1935, os Prêmios Jabuti, da União Brasileira de Escritores, em 1966
e o Prêmio Juca Pato (como Intelectual do Ano), em 1967, Personalidade Literária
do Ano, Pen Clube em 1972, Prêmio Literário da Fundação Moinhos Santista, em
1973, para o conjunto da sua obra (MASSAUD, 2001).
No Brasil, as publicações da década de 1930 fomentaram o mercado editorial.
Esse movimento prosseguiu tanto que as casas editoras, estimuladas pela procura
do livro e pela quantidade dos originais que lhes são oferecidos (...) disputam os
autores, aumentam suas tiragens e o movimento editorial prospera formidavelmente
(HALLEWELL, 1985, p.338). Dentre os autores nacionais, o mais procurado foi o
escritor Erico Verissimo.
Luís Fernando Veríssimo (2009), em um contato realizado por e-mails, (ver
anexos 2), revelou que seu pai sempre leu muito sobre o ofício de escritor,cnicas
de narrativa e teoria do romance, o que lhe garantia uma informação teórica
incomum entre os escritores brasileiros.
Erico Verissimo inaugurou a sua carreira como romancista com a produção do
romance Clarissa, que foi escrito em quinze tardes de sábado e uma boa dúzia de
domingos, feriados e dias santos (VERISSIMO, 2005, p. 12). Nessa época, para
aumentar a renda mensal, o autor trabalhou como secretário da Revista do Globo,
redigiu uma página feminina para o Correio do Povo e traduziu novelas policiais
inglesas para a Livraria do Globo. O livro apareceu, em novembro de 1933, numa
coleção de volumes de pequeno formato (VERISSIMO, 2005).
Em um prefácio do escritor, da reedição do primeiro romance produzido, ele
descreveu como construiu a personagem Clarissa:
Sob os jacarandás floridos da velha praça da Matriz de Porto Alegre,
caminhava uma rapariguita metida no seu uniforme de normalista. Teria
quando muito treze anos, seu andar era uma dança, seu rosto uma fruta
madura e seus olhos, que imaginei escuros, deviam estar sorvendo com
aridez a graça luminosa e também adolescente daquela manhã de
primavera. De minha janela eu a contemplava com a sensação de estar
ouvindo, uma sonata matinal e ao mesmo tempo vendo uma pintura
animada. [...] Foi eno que me veio a sugeso de escrever a hisria duma
47
menina que amanhece para a vida, pois talvez dessa forma eu pudesse
prolongar o sortilégio daquele momento (VERISSIMO, 2005, p. 12).
Baseado em uma cena do dia, o escritor, descreve a construção da
personagem Clarissa, a partir de um desejo de saber compor música para traduzir
em melodia aquele momento poético; ou então pintar, para prender numa tela as
imagens daquele minuto milagroso [...] (VERISSIMO. Clarissa.1978, Prefácio).
Apesar de afirmar que a sugestão de escrever a história dumamenina que
amanhece para a vida através da figura duma adolescente que aos poucos ia
tomando corpo, feições, alma, muito pouco tinha a ver com a da vida real, que a
inspirava (VERISSIMO. Clarissa. 1978, Prefácio).
Ele afirma, em suas memórias, Solo de Clarineta I
10
, que a primeira coisa feita
foi nomear sua personagem. Para o criadorcomo o clima da novela se anunciasse
claro e matinal, o nome que logo me ocorreu foi o de Clara, que rejeitei. Veio-me
depois o de Clarice, também repelido, e finalmente o de Clarissa, que ficou.
(VERISSIMO. Clarissa. 1978, Precio).
Inicialmente, o escritor escreveu e constituiu a Clarissa sem um plano
preestabelecido. A construção da história de uma menina-moça foi uma
oportunidade que o criador procurava de se aproximar mais da vida, fugindo aos
fantoches e ao seu universo de papel pintado conforme ele mesmo afirma no
prefácio reeditado do romance Música ao Longe. (VERISSIMO, 1981, Precio.).
Erico Verissimo afirma que as coisas do mundo da ficção, entretanto, são
muito mais complexas do que parecem (VERISSIMO, 1981, p.14). Em suas
memórias, o escritor revela, em vários momentos, a produção de personagens e diz,
por exemplo, que a família Cambará, da obra O tempo e o Vento, não é
positivamente uma projeção dos Verissimo no domínio da ficção, assim como Santa
Fé não é a cópia de papel carbono de Cruz Alta (VERISSIMO, 1981, p.14).
Um outro exemplo que o autor referencia é o personagem Toríbio Cambará,
da obra O tempo e o Vento, e as semelhanças com o seu tio Nestor Veríssimo. No
entanto, Erico Verissimo revela que:
10
Todos os trechos que se referem às memórias de Erico Verissimo correspondem a obra Solo de
Clarineta I.
48
Infelizmente tive pouquíssimo quase nenhum! convívio com esse
prodigioso tio, que sempre andava longe de nós em suas intermináveis
andanças de guerra ou paz. O que fiz no caso da personagem foi combinar
minhas vagas recordações dessa invulgar figura humana com esrias que
me contavam dela. Desse amálgama ressultou “uma outra pessoa”, que
acabou ganhando vida própria (VERISSIMO, 1981, p.14).
Não pretendo estabelecer uma relação direta da vida de Erico Verissimo com
a criação dos personagens em sua obra até porque existe um limite entre a memória
descrita pelo escritor e a criação de personagens em obras de ficção. Como ele
mesmo indica, é possível admitir que há uma correspondência que es imbricada
no ato de criar e escrever e a consequente produção de sentidos do que é vivido,
experimentado e sentido em sua vida.
O primeiro romance de Erico Verissimo trata das descobertas da jovem
Clarissa Albuquerque, de quatorze anos de idade, [...] morena, olhos pretos e
levemente oblíquos, rosto oval, cabelo repartido no meio e muito lambido.
(VERISSIMO, 1978, p.165). A personagem é natural de Jacarecanga, e mudou-se
para a capital do Estado, Porto Alegre, para estudar na Escola Normal.
Em seu livro de memórias e nos prefácios das reedições dos romances
analisados neste estudo, Erico Verissimo descreveu Clarissa como se ela fosse
real, como uma criatura de carne e osso, dessa forma atribuindo adjetivos à
personagem. Desde a inncia ele gostava de desenhar e em sua prática como
escritor esboçava seus personagens e cidades fictícias que criava quando escrevia
seus romances para tornar visível sua criação.
11
Significativamente, esses
aspectos ressaltam o sentido atribuído pelo escritor na produção de um personagem
e a maneira como criava e percebia, enxergava a sua ficção.
Erico Verissimo (1978) afirmou que o romance Clarissa marca uma nova fase
na sua carreira literária do escritor. A escrita foi realizada a partir uma necessidade
de poesia. Ele reconheceu que:
11
Tentei localizar os manuscritos dos romances investigados, mas a o fechamento desta
dissertação não foi possível porque a instituão que organiza o acervo Erico Verissimo, o Instituto
Moreira Salles, está em processamento cnico e, portanto, não disponível para consulta (ver anexos
3).
49
Em matéria de linguagem notam-se nela muitos dos defeitos do primeiro
livro
12
: o estilo picado, o emprego leviano de palavras grandes como
infinito, imenso‟, „enorme, etc. As personagens, conquanto já se pareçam
mais com as criaturas de carne e osso que nos cercam no mundo real, não
perderam de todo o cheiro de tinta e o caráter linear dos teres que povoam
os meus primeiros contos. Clarissa, porém, se destaca dessa comparsaria
com uma vida mais quente e polpuda. Acredito que ela tenha a dimensão
que falta às outras personagens. Considero o retrato dessa adolescente dos
melhores de toda a minha galeria de ficcionista (VERISSIMO. Clarissa.
1978, Prefácio).
O escritor considera que a influência de algumas leituras na construção dessa
história urbana. Ele recordou que em princípios de 1933, leu o Dusty Answer de
Rosamond Lehmann, o qual deixou certas ressonâncias poéticas responsáveis pelo
estado de espírito que levou a escrever Clarissa. Para ele, se cavoucarmos mais
fundo nos alicerces desta novela, talvez encontremos, na sua base, doces
lembranças da Clara d´Ellebeuse, de Francis Jammes (VERISSIMO. 1978,
Precio).
O romance Clarissa não foi o seu primeiro sucesso, mas sim a obra Olhai os
Lírios do Campo, em 1938, que chamou a atenção do público para os romances
publicados anteriores que foram: Clarissa, Caminhos Cruzados, Música ao Longe e
Um lugar ao Sol. Com isso, Clarissa foi reeditado em volume de formato maior e a
um preço cinco vezes mais alto que o da edição inicial, o que não impediu que
tiragens de três mil exemplares passassem a esgotar-se em menos de um ano
(VERISSIMO. 1978, Prefácio).
Durante a pesquisa foi possível identificar na Fundação Erico Verissimo, em
Cruz Alta, e nas bibliotecas e livrarias em Pelotas e Porto Alegre, diferentes imagens
da personagem nas capas das inúmeras reimpressões e reedições do romance
Clarissa. Esse dado é instigante e indica a possibilidade de um trabalho futuro
acerca das representações da personagem através das imagens projetadas nas
obras produzidas. Um exemplo dessas imagens pode ser visto na Figura 3 que
corresponde a nona reimpressão publicada em 1958, da primeira edição do romance
Clarissa.
12
O escritor refere o primeiro livro à coletânea de contos, Fantoches, publicado em 1932.
50
FIGURA 3 PRIMEIRA EDÃO DO ROMANCE CLARISSA
Fonte: Acervo particular de Rosa Freitas. VERISSIMO, Erico. Clarissa. Rio de
Janeiro Porto Alegre São Paulo. 1958. 1º ed. 9º reimpressão.
Depois da produção do romance Clarissa, o autor escreveu o romance
Caminhos Cruzados, em 1935, romance um tanto frio e cínico, como diz o próprio
Verissimo, no prefácio do livro Música ao Longe (1983). Com o término de Caminhos
Cruzados, Erico Verissimo pensou com saudade em Clarissa e tratou de saber que
era feito dela, agora que, de posse dum diploma de professora, a menina voltara a
Jacarecanga, sua cidade natal (VERISSIMO,1983, Prefácio). Nos romances:
51
Música ao Longe produzido em 1935, Um lugar ao sol, produzido em 1936, e Saga,
produzido em 1940, a personagem Clarissa reaparece e desenvolve o ofício de
professora.
A figura de professores e professoras parece ter sido bastante importante na
vida de Erico Verissimo. O autor relembra alguns de seus docentes no livro de
memórias. A sua obra autobiográfica, revela, inicialmente, que o escritor sentiu a
curiosidade de descobrir as origens da família Veríssimo. Com a ajuda de um amigo
dedicado a pesquisas genealógicas, o escritor mapeou as suas origens, tanto
paternas, quanto maternas. Também são descritas imagens e sensações vividas em
sua história de vida, ou seja, a memória como um elemento que se constitui nas
relações humanas, em seus mais diferentes tempos e espaços (LE GOFF, 2003).
O estudo (auto)biográfico permite o diálogo entre o individual e o
sociocultural, uma vez que põe em evidência o modo como cada pessoa mobiliza
seus conhecimentos, os seus valores, as suas energias, para ir dando forma à sua
identidade, num diálogo com os seus contextos (MOITA, 1995, p.113).
Ao analisar as memórias do escritor é preciso considerar o caráter específico
da narrativa autobiográfica e o contexto em que foi produzida. Nessa perspectiva,
vale ressaltar que a produção de um livro de memórias, Solo de Clarineta I, nos
remete a um momento em que o escritor Erico Verissimo estava consagrado e
reconhecido socialmente.
Sobre o processo de escolarização descrito por Erico Verissimo (1981), é
possível identificar em seu livro, dois momentos importantes de suas experiências
escolares: a experiência como aluno no Colégio Elementar Venâncio Aires e no
Colégio Cruzeiro do Sul. Ao rememorar os seus processos de aprendizagens, Erico
Verissimo descreve sucessos e dificuldades no ambiente escolar.
Além das atividades no Colégio Elementar, em Cruz Alta, o escritor também
freqüentou a Aula Mista Particular da professora D. Margarida Pardelhas. O autor
referencia essa professora como uma grande educadora e detentora de uma
poderosa presença. A admiração por essa professora pode ser identificada no
seguinte trecho:
52
[...] Sempre tive por essa grande educadora uma certa afeão tingida de
temeroso respeito. [...] Recordo-me freqüentemente dessa minha professora
sentada atrás de sua mesa, em cima do estrado, tomando notas num
caderno. Quando se ouviam murmúrios na aula, erguia a cabeça seus
óculos relampejavam, e ela exclamava: „Ai! Ai! Ai!‟. E os ruídos morriam
instantaneamente [...] (VERISSIMO, 1981, p. 87- 88).
Posteriormente à experiência no Colégio Elementar Venâncio Aires, o autor
faz um relato dos momentos vividos no internato Cruzeiro do Sul, em Porto Alegre,
capital do Estado do Rio Grande do Sul, que era situado num verde vale, no
arrabalde de Teresópolis e era mantido por pastores norte-americanos da Igreja
Episcopal.
Erico Verissimo foi enviado para o internato Cruzeiro do Sul logo após ter sido
reprovado nos exames escolares. Ele ingressou nesse colégio, no ano de 1920, e
retornou à cidade de Cruz Alta, em 1922. O trabalho da mãe como costureira
manteve o filho por três anos no colégio interno (VERISSIMO, 1981).
Erico Verissimo, em suas memórias, descreve alguns professores, além de
recordar a professora Margarida Pardelhas. Ele referencia docentes como, por
exemplo: Miguel Maia; Alberto de Brito e Cunha; Lindau Ferreira; Américo da Gama
(pseudônimo); M. Carré; e o aluno-mestre, Orlando Batista.
No período em que Erico Verissimo freqüentou a Aula Mista Particular da
professora D. Margarida Pardelhas, Miguel Maia foi o seu professor particular de
Matemática. Na ocasião, foi contratado por Sebastião Veríssimo, pois temia que seu
filho fosse reprovado por causa da Aritmética (VERISSIMO, 1981). Esse professor,
sob o olhar do escritor, era franzino, tinha no rosto chupado, de um amarelo citrino,
uma permanente expressão de azedume. Homem inteligente, lia Nietzsche e
Schopenhauer. Era pessimista, achava a vida um fardo absurdo.[...] Aprendi com ele
em duas horas a fazer conta de dividir. Recebi dele o maior dos elogios. [...]”
(VERISSIMO, 1981, p.36- 37).
Como interno do Colégio Cruzeiro do Sul, Erico Verissimo conheceu Alberto
de Brito e Cunha foi professor de Matemática, Desenho, Química e Física, e
conviveu com outros professores. Segundo Erico Verissimo,
[...] homem mais ativos e trabalhadores que conheci na vida. Possuía esse
dom raro de saber aproveitar retalhos do tempo. No bonde que o levava da
cidade ao ginásio em mais ou menos meia hora de viagem, aproveitava
para corrigir provas ou ler romances policiais. (VERISSIMO, 1981, p.136-
137).
53
Lindau Ferreira foi o primeiro professor de Língua Inglesa do escritor. Ao
descrever Lindau Ferreira o escritor revela gratidão e reconhece a imporncia deste
professor em sua vida, como é possível identificar na seguinte descrição:
[...] Era um homem de cabelos negros, quase quareno, a saliência da
arcada denria superior aumentada pelo grosso bigode negro. [...] Bastava,
porém, um certo convívio com ele para a gente ver sua bondade e firmeza
de caráter. [...] Tinha ele feito um curso numa universidade dos Estados
Unidos e seu hobby era a carpintaria. Vivia no internato e era ele quem,
metido num roupão de banho, as pernas finas e cabeludas à mostra, os pés
enfiados em chinelos, saía às seis da manhã pelo dormitório a acordar os
estudantes [...] Excelente Lindau! Devo-lhe em boa parte a minha aplicação
ao estudo da língua inglesa [...] (VERISSIMO, 1981, p.137-138).
Outro professor de Inglês inesquecível foi o Américo da Gama (pseudônimo
atribuído por Erico Verissimo):Américo era irritadiço, esquentado, pugnaz. [...] podia
ser também excelente companheiro, fora das horas de aula ou estudo, contando que
ninguém o provocasse com alusões irônicas ou dissesse algo que lhe
desagradasse. Acabamos amigos (VERISSIMO, 1981, p.139-140).
O professor M. Carré ensinava Francês, tinha um rosto redondo, cheio e
corado, uma boquinha miúda que parecia um botão de rosa, um caminhar ligeirinho
e leve. (VERISSIMO, 1981, p.141). Esse professor sugeriu à Erico Verissimo que
fizesse os exames prepararios de Francês, perante a banca oficial do Colégio Júlio
de Castilhos com a finalidade de ingressar em alguma faculdade de Porto Alegre. No
entanto, o escritor não prestou esses exames e nem outros, pois a situação
financeira dos seus pais não viabilizou o prosseguimento dos estudos através de
ingresso em um curso superior (VERISSIMO, 1981).
O aluno-mestre Orlando Batista lecionava no ginásio e estudava no seminário
para se tornar ministro episcopal. Em um momento como interno do Colégio
Cruzeiro do Sul, Erico Verissimo sofria de insônias e este aluno-mestre, para
resolver o problema do interno, todas as noites contava anedotas, estórias e sempre
deixava um castiçal com vela e fósforos para iluminar o quarto (VERISSIMO, 1981).
Há, portanto, na obra memorialística, Solo de Clarineta I, a figura de muitos
professores que permitem aproximações com um tempo e espaço da docência, da
escola e das aprendizagens escolares do próprio autor. Nesse repertório de
54
docentes, são evidenciadas representações acerca do universo escolar e
professores que interferem na produção do escritor Erico Verissimo.
Outro aspecto ligado à docência na vida do escritor foi a sua experiência
como professor em Cruz Alta e no exterior. Em Cruz Alta, por volta dos anos de
1927 a situação financeira da família dos Veríssimo estava em decadência. Diante
dessa situação, Erico resolveu não só trabalhar em uma farmácia, mas dar aulas
particulares de Inglês e Literatura. Ele menciona em Solo de Clarineta I que recorria
ao velho método de aprender errando (VERISSIMO, 1981, p.198). Do exterior, o
filho do escritor, Luís Fernando Veríssimo, revelou-me, através de uma entrevista
feita por e-mails, que quando o seu pai lecionou na Universidade da Califórnia havia
umainformalidade das suas aulas, que eram mais conversas do que aulas
(VERÍSSIMO, Luís Fernando. 2009).
Esses dados são relevantes na compreensão das representações da
docência em romances do escritor, pois indicam os cenários vividos por ele. Embora
não seja possível afirmar que as experiências escolares de Erico Verissimo e suas
atividades como professor tenham sido definidoras na criação dos professores e
professoras ficcionais, também não há como negar essa relação, uma vez que para
Vargas Llosa (2008):
a raiz de todas as hisrias es na experiência de quem as inventa; o que
se viveu é a fonte que irriga a ficção. Isso não significa é claro, que um
romance seja sempre uma biografia dissimulada do seu autor, mas, sim,
que em toda ficção, mesmo na mais livremente concebida, é possível
rastrear um ponto de partida, uma semente íntima, visceralmente ligado à
soma das vivências de quem a forjou (LLOSA, 2008, p.19-20).
Isso não significa afirmar que há uma relação direta entre o vivido e as
representações na ficção escrita pelo escritor, mas é significativo considerar esses
dados como relevantes no processo de criação literária. O próprio escritor atribui às
pessoas do seu convívio e às experiências sociais a possibilidade de oferecer ao
romancista elementos para uma variada e colorida galeria de personagens
(VERISSIMO, 1981, p. 91).
Essa abordagem admite, portanto, que a representação na ficção é uma
construção feita a partir do real. Dessa forma, é uma exposição, uma
reapresentação de algo ou alguém que se coloca no lugar de um outro.
(PESAVENTO, 2005, p. 40). Nessa perspectiva, a seguir apresento representações
55
ficcionais da docência através da personagem de Erico Verissimo, a professora
Clarissa.
56
4. CLARISSA, A PERSONAGEM PROFESSORA: REPRESENTAÇÕES DA
DOCÊNCIA
4.1.Clarissa corrige com o creiom o traço das sobrancelhas, empoa de novo
o rosto moreno, dá dois passos à retaguarda e se mira outra vez
13
.
Clarissa Albuquerque aparece pela primeira vez no romance Clarissa, em
1933, com treze anos de idade e no desenrolar da narrativa completa quatorze anos.
A jovem é [...] morena, olhos pretos e levemente oblíquos, rosto oval, cabelo
repartido no meio e muito lambido. (VERISSIMO, Clarissa. 1978, p.165).
Neste
romance a protagonista sai da sua cidade natal e mora na pensão da tia Zina em
Porto Alegre, capital do Estado, para completar os seus estudos na Escola Normal.
Nesta narrativa a própria personagem conta a história da escolha do seu
nome. Antes dela nascer já tinham escolhido um nome, seria Henriqueta que era o
nome da avó. No entanto, essa ideia foi abandonada, isso porque o seu pai andava
entusiasmado com um romance que tinha uma personagem referenciada como
muito simpática chamada Lady Clarissa. Segundo a definição do pai, João de
Deus Albuquerque, a escolha estava ligada a lembrança de uma alma angélica num
corpo de fada. [...] Pois Lady Clarissa protegia os pobres e dava-lhes de comer às
ocultas do marido um senhor feudal de bigodões enormes e ar feroz.”.
(VERISSIMO. Clarissa. 1978, p.77-78).
Clarissa é natural de Jacarecanga, interior do Rio Grande do Sul. De
normalista à professora, a personagem de ficção de Erico Verissimo exerce a
docência nos três romances posteriores à Clarissa que são: Música ao Longe
(1935), Um lugar ao Sol (1936) e Saga (1940). Essas narrativas, embora sejam
feitas na terceira pessoa, são praticamente vistas do ângulo de Clarissa, a
professora.
13
(VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.73).
57
No romance Música ao Longe ela é a professora recém formada que leciona
em sua terra natal. Com dezesseis anos de idade, ela volta para a sua família que é
de origem rica e está em declínio. Nessa obra, há trechos do seu diário em que
descreve o seu mundo interior repleto de emoções e inquietações, em oposição ao
mundo que ela enxerga exteriormente.
Na obra Um Lugar ao Sol, a heroína
14
de Erico Verissimo exerce a docência
com as suas expectativas, dificuldades, frustações e críticas às tradições políticas do
interior do Rio Grande do Sul. A professora Clarissa é transferida para uma outra
cidade por motivos de vingança política. Apesar de suas lutas ela temfé,
esperanças e coragem em Deus. (VERISSIMO. Um lugar ao sol, 1978, p.327).
A sua trajeria continua quando ela reaparece em Saga, romance narrado
através do diário de Vasco, seu primo, que depois de lutar em uma guerra na
Espanha, retorna ao Brasil e casa-se com a professora. Nessa trama ela é mais
mulher, está mais amadurecida. Ela continua com os mesmos olhos pretos
lustrosos e levemente oblíquos. A velha expressão de ansiosa ternura diante do
primo maluco de quem está sempre a esperar um gesto áspero que para ela
signifique inquietação, cuidado, sofrimento.” (VERISSIMO. Saga, 1981, p.173).
Nesse romance, a sua atuação é pertinente, uma vez que o seu ofício de professora
continua quando ela vai morar e trabalhar na colônia Águas Claras.
Clarissa vê a vida de sua cidade. Vê, sente, analisa, esmiúça e imagina o
que essa vida poderia ser.” (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.53). Ações e
ideias como essas estão presentes de maneira recorrente em todos os romances
trabalhados e descrições detalhadas da personagem são feitas.
Ela faz parte da família dos Albuquerques, antigo e poderoso clã de donos de
terras e gado da região. Este nome remetia a lendas de coragem, bondade, retidão
de caráter e tradição gaúcha.(VERISSIMO. Saga, 1981, p.271). Eram senhores de
latifúndios, de milhares de cabeça de gado e de muitas casas, ninguém tinha mais
prestígio e fortuna que eles no município de Jacarecanga. (VERISSIMO. Saga,
1981, p.271).
Quando o avô da jovem morreu tudo o que eles possuíam foi aos poucos
sendo perdido. Os conflitos e dificuldades familiares são descritos sob o olhar da
14
O escritor identifica Clarissa como asuave heroína de sua novela. (VERISSIMO, Clarissa. 1978,
Prefácio).
58
jovem ao retornar para casa, no interior do Estado, em Música ao Longe. Ela vê com
descontentamento a decadência dessa família, o seu empobrecimento, e, com isso,
a consequente perda de terras e casas para os imigrantes italianos, a família dos
Gambas.
Inicialmente, no primeiro romance publicado, são definidos traços no perfil da
personagem que demarcam características ligadas à inocência e enfatizam de
maneira múltipla o amadurecimento dela no desenrolar dos romances. Dessa
maneira, a personagem cresce em idade, comportamento e maturidade conforme
cada romance é escrito e publicado. Nessa perspectiva, ela se modifica no
desenrolar das tramas, e, portanto, indicam representações de normalista à
professora.
Enquanto, na condição de normalista, ela sai de casa para escola [...] vestida
de verde, boina branca na cabeça, pasta debaixo do braço. (VERISSIMO. Clarissa.
1978, p.8). É uma jovem que vê a escola como uma obrigação, como é possível
identificar no trecho, do primeiro romance de Erico Verissimo, que segue:
[...] Clarissa segue num encantamento. Sua sombra se espicha na calçada.
Como a vida é boa! E como seria mil vezes melhor se não houvesse esta
necessidade (necessidade não: obrigação) de ir para o cogio, de ficar
horas e horas curvada sobre a classe, rabiscando números, escrevendo
frases e palavras, aprendendo onde fica o cabo da Boa Esperança, quem
foi Tomé de Souza, em quantas partes se divide o corpo humano, como é
que se acha a área de um triângulo.... Os olhos de Clarissa dançam de cá
para lá examinando tudo [...] (VERISSIMO. Clarissa, 1978, p.12).
Nesse trecho, o escritor indica uma representação de escola como um espaço
maçante com muitos conteúdos sem sentido. A escola é, nessa perspectiva, criada
como um lugar sem alegria, sem contentamento, uma cansativa obrigação.
Sobre esse ambiente, uma das imagens da normalista, descrita na obra
Clarissa, revela: [...] O colégio... Livros, mapas, Ouviram do Ipiranga as margens
plácidas... classes, cabeças curvadas sobre cadernos, cochichos, murmúrios e uma
vontade doida de sair para o sol, de correr, ver a rua, as pessoas, as casas, o céu,
os bondes, os automóveis [...] (VERISSIMO. Clarissa, 1978, p.2). Esta descrição
indica objetos e elementos que representam, na visão do autor, o universo escolar,
além da relação de Clarissa com as atividades escolares.
Ainda no romance Clarissa, o ambiente escolar é assim descrito: na escola,
sempre o mesmo quadro cansativo. Um mar agitado de cabeças que nunca se
59
aquietam. Cochichos. Cicios. Na parede, os mapas. [...] Em outro quadro há um
esqueleto em tamanho natural [...]. (VERISSIMO. Clarissa, 1978, p.188). O seu
rosto ensombrece. A descrição do espaço e das atividades escolares define uma
espécie de prisão para a jovem que se sente obrigada a freqüentar as aulas, pois
é preciso estar às oito no colégio. Raio de obrigação! E com uma sombra de
contrariedade no semblante caminha para o quarto. (VERISSIMO. Clarissa. 1978,
p.7-8).
Os momentos de recreação são narrados pela marca de uma algazarra
ensurdecedora. Clarissa entra nos jogos. Canta, grita e corre, quando está contente.
Mas logo cansa, vai para um canto e fica pensando [...] (VERISSIMO. Clarissa.
1978, p.180).
O espaço físico da instituição que a normalista estuda pode ser identificado
quando elaavista a fachada amarelenta do colégio, com as suas sacadas de ferro,
o seu ar de casarão assombrado. [...] O saguão do colégio tem um bafio de porão,
um cheiro de velhice. (VERISSIMO. Clarissa, 1978, p.14).
As práticas escolares referenciadas na obra indicam atividades como: exames
e provas, leituras de livros de maneira coletiva e silenciosa -, argüição, cântico do
hino da pátria, chamada do nome dos alunos, horário definido para as aulas, a
atuação e o perfil da professora de Clarissa, entre outros. Essas atividades, em
muitos momentos, são questionadas e refletidas pela personagem principal, quando
por exemplo:
[...] Em cima da mesa, sob os olhos, Clarissa tem livros e cadernos abertos.
[...]
D. Eufrasina ordena:
- Não perca tempo, menina. Estude.
Clarissa baixa os olhos:
Geografia. Maria cacete. Decorar, decorar, decorar... e uma noite tão
bonita lá fora!
O maco montanhoso do leste é formado de terras antiqüíssimas que os
agentes naturais têm nivelado ao estado de planaltos.
Clarissa lê e re o período. Fecha o livro e os olhos e procura repetir de cor
o trecho lido. [...]
Dem-se. E depois? Abre o livro:
O maco montanhoso do leste é formado de terras antiqüíssima... Mas por
que antiqüíssimas e não antiguíssimas? Que as agentes naturais... Mas que
agentes naturais são esses? Eu conheço o agente do correio de
Jacarecanga, que é o seu Moreira. Agentes naturais... Que é isso? A gente
nem entende nada, como é que vai aprender? [...](VERISSIMO, Clarissa,
1978, p.58).
O escritor (re)cria através da sua ficção a escola como lugar de decorar e
repetir, conteúdos incompreensíveis e desnecessários, e, embora, Clarissa seja
60
questionadora, reflexiva e esteja sempre pensativa, na escola não há espaço para
isso. Em suas práticas escolares, a narrativa evidencia os pecados da personagem
quando ela pensa Colei na sabatina de História.”. (VERISSIMO. Clarissa. 1978,
p.92).
Em Noite sem lua. Céu escuro. Clarissa folheia os livros com preguiça.
(VERISSIMO. Clarissa. 1978, p.142). Eufrasina, tia da jovem, cuida das atividades
escolares da sobrinha. Sempre vigilante, a tia age diretamente na vida da normalista
através de permissões, licença, cobranças e ordens (VERISSIMO. Clarissa. 1978).
Isso porque quando normalista Clarissa é [...] uma menina do sítio, que veio estudar
na capital e que mora na pensão da tia. Uma menina que não tem com quem
conversar. Uma menina boba, como diz a titia. Uma menina que não tem licença de
sair a passear, nem ir ao cinema, nem de nada... (VERISSIMO. Clarissa. 1978, 44).
Sob o olhar de D. Zina, tia da jovem, ela está uma moça. Bonita como o pai.
E comportadinha, graças a Deus. Inocente, bobinha que a dá vontade de rir. Mas
antes assim, porque estas meninas de hoje são umas sabidas... (VERISSIMO.
Clarissa. 1978, p.175).
A sua descoberta do mundo foi realizada pouco a pouco através das leituras,
vivências e experiências. Nos romance Clarissa e Música ao Longe, os personagens
que fazem parte da convivência de Clarissa a identificam comoingênua, santinha
ouboba. Atribuem características à adolescente que ganha maturidade aos
poucos, ao longo dos romances.
Contrária a essa visão ingênua e bobinha que a tia da personagem tem
acerca da sobrinha, especialmente no romance Clarissa, a jovem se apresenta a
partir de atividades reflexivas e críticas sobre a realidade vivida. Elaentra nos jogos.
Canta, grita e corre, quando está contente. Mas logo cansa, vai para um canto e fica
pensando...” (VERISSIMO. Clarissa. 1978, p.180). Ela enxerga a vida e os fatos
com encantamento: os olhos de Clarissa dançam de cá para examinando tudo
[...] (VERISSIMO. Clarissa. 1978, p.12).
As suas frequentes atividades de examinar o que lhe acontece persistem
mesmo quando professora, por exemplo, no romance Música ao Longe, Clarissa
risca com giz no quadro-negro a paisagem que os alunos devem copiar.[...]. Clarissa
recua um pouco para olhar. O zunzum das conversas abafadas aumenta e diminui,
como a música dum órgão. Estrala um banco. Explode uma risadinha. - Quietos!
61
exclama a professora, voltando a cabeça para os alunos (VERISSIMO. Música ao
Longe. 1981, p.1). Este trecho indica representações da sala de aula como um
espaço onde os alunos sempre estão em movimento, mas a presença e as ações da
professora exigem silêncio, atenção e cumprimento das atividades sugeridas por ela.
Diante dessa tarefa sugerida por Clarissa, se estabelece um diálogo com os
alunos, pois na medida em que ela desenha uma paisagem no quadro os seus
alunos fazem sugestões. Assim, a professora auxilia os alunos no desempenho das
atividades tirando dúvidas individualmente (VERISSIMO. Música ao Longe. 1981,
p.4). Quando por exemplo, Pedrinho diz:
- Fessora, não sei fazer o sol... A bola fica torta.
Clarissa senta-se na carteira, ao lado de Pedrinho e, tirando-lhe opis da
mão, desenha no caderno um sol bem redondo sobre o céu de papel
quadriculado. (VERISSIMO. Música ao Longe. 1981, p.4).
Nesse e em muitos trechos, Erico Verissimo narra o cenário escolar e as
práticas da professora. Ao falar sobre o seu trabalho ela revela que - Ensinar é uma
tarefa assaz árdua. Isto é frase estudada pensa.” (VERISSIMO. Música ao Longe,
1981, p.77).
As suas primeiras atividades escolares foram desafiadores. Quando falava,
punha-se vermelha. Aquelas carinhas miúdas umas sérias, outras maliciosas, não
poucas dissimuladas e todas dum certo modo misteriosas mantinham-na num
estado permanente de alarma. (VERISSIMO. Música ao Longe. 1981, p.2).
Porém, com o desenrolar de práticas escolares tudo aos poucos foi mudando.
A protagonista temia que algum maroto lhe dissesse um nome feio ou que todos se
recusassem a obedecer-lhe as ordens. Chegava a temer que rompessem em vaias.
Tudo, porém, foi mudando aos poucos.” (VERISSIMO. Música ao Longe. 1981,
p.3).
Enquanto os alunos realizam a tarefa em aula, “Clarissa desce do estrado e
começa a passear por entre as classes, com as mãos trançadas às costas. Já se vai
habituando aos pequenos, agora. Nos primeiros dias ficou meio atordoada: nunca se
tinha visto a sós diante duma classe: tinha constrangimento até de falar alto.”
(VERISSIMO. Música ao Longe. 1981, p.2). As representações neste trecho
indicam que o fato dela ser formada na Escola Normal não lhe garante estarpronta
para ensinar. Neste sentido, Erico Verissimo apresenta uma personagem que vai se
fazendo professora, ou seja, paulatinamente ela aprende a ser docente.
62
Através das experiências no cenário escolar, ela torna-se senhora da
situação. (Nem sempre claro...) Já sabe os nomes da maioria dos alunos, já lhes
quer bem, como se eles lhe pertencessem, fossem seus irmãos, seus filhos...
(VERISSIMO. Música ao Longe. 1981, p.3).
Para a professora, o colégio é como um dragão enorme que vomita pela
boca da porta central a criançada que sai a correr aos gritos, numa festa de roupas
coloridas. Bem como os bichos dos contos de fadas... (VERISSIMO. Música ao
Longe. 1981, p.4). A professora sempre atenta percebe os seus alunos e vê [...] os
coitadinhos dos meninos estavam encolhidos nas classes, com os lábios roxos.
(VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.97).
No inverno rigoroso ela se depara com as carinhas congestionadas, os lábios
arroxeados, as vozes trêmulas, os dedos duros que mal podem escrever. Maldito
inverno! Começou ontem. Parece que já dura um século.” (VERISSIMO. Música ao
Longe, 1981, p.110).
Nas atividades escolares, D. Ermelinda, a diretora do colégio em que
trabalha, era implicante. Ela diz para a professora: Clarissa, precisas fazer umas
preleções cívicas aos teus alunos.” (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.97).
Diante das exigências escolares, e, em especial, da diretora do colégio, Clarissa
afirma que os coitadinhos não entendem nada desses assuntos de pátria, de
bandeira, de civismo. O que eles querem é brincar. (VERISSIMO. Música ao
Longe, 1981, p.97).
Clarissa defende que nas práticas escolares não deviam meter nas
cabecinhas deles essas histórias de guerras. Porque eles vão aprendendo que
matar e ser valente é muito bonito e muito bom. Quando ficarem grandes acabam
degoladores como muitos que conheço aqui na minha terra. (Contam, eu não vi.)
(VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.97). Desse modo, ela analisa de maneira
crítica as atividades escolares e as possíveis repercussões sociais.
Ao enxergar o edifício do colégio lá no alto da coxilha, a professora vê o
pavilhão grande, cor de cimento, com o telhado dum vermelho-alaranjado. Ela
imagina sua manhã. Primeiro a cara da diretora, os óculos brilhantes, a voz seca, os
gestos duros. (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.110). A figura da diretora da
escola é apresentada como uma mulher sempre mal humorada e exigente no
63
cumprimento das normas da instituição. Ela é a responsável, entre outras coisas, por
fiscalizar em cada sala o andamento das aulas.
Ao adentrar a escola, Clarissa caminha para a porta central, negra,
escancarada, larga: a menina do chapelinho vermelho caminhando para a boca do
lobo. [...] Agora ela vai ser devorada... Sobe os quatro degraus, entra... A boca do
lobo de cimento é fria, fria... Mas o lobo de verdade está ali na secretaria. Usa óculos
e se chama Ermelinda Rasgado Borges.” (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981,
p.110). A mefora do Chapeuzinho Vermelho e do Lobo é usada por Erico
Verissimo para representar a escola e, em especial, a diretora como uma figura
enérgica, brava e exigente.
Os corredores do colégio são calçados de mosaico, longos e frios. A
impressão de Clarissa a respeito da escola é de que mora num convento, quando
de sua aula ouve as passadas militares de D. Ermelinda soando e ecoando no
corredor.” (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.172). Essas impressões da
personagem demonstram as representações da escola ligadas a um convento
dirigido por uma diretora com características de militar.
Quando Clarissa entra na aula. Leva cinco minutos para conseguir silêncio.
Bate na mesa freneticamente com a régua de madeira. Quando as crianças se
aquietam ela fala, excitada. - Vamos cantar o Hino Nacional.”(VERISSIMO. Música
ao Longe, 1981, p.198-200). A professora em seu cenário escolar olha a turma e
reflete trechos do hino nacional:
As crianças se levantam. As classes rangem. Clarissa começa:
Ouviram do Ipiranga as margens plácidas.
Todos cantam. [...]
Clarissa também canta. Sua comoção é tamanha que seu coração bate,
bate, como na expectativa dum grande acontecimento. Olha as carinhas dos
alunos: umas são amarelas, outras rosadas. Há morenos e claros. E os
olhos! Quarenta pares de olhos fitos nela.[...] Os alunos cantam com
entusiasmo. [...] (O pensamento de Clarissa trabalha, as imagens pulam, as
idéias saltam...) [...]
Os meninos cantam com entusiasmo, desfiando a ppria morte. Morrer
pela pátria! Todos sonham com guerras e heroísmo. Todos querem ser
heróis [...](VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.198-200).
Porém, na mente de Clarissa os pensamentos se amontoam. Os
pensamentos são também um bando de crianças de todos os tamanhos, as mais
variadas caras, vestidos de todas as cores, feios, bonitos, bons e maus. Os
64
pensamentos são como alunos: sempre conversando em voz alta, sempre fazendo
algazarra.” (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.200). Nas atividades escolares
Clarissa se perde num labirinto de datas e nomes. Enreda-se nos fatos e ao cabo
de alguns instantes tem a consciência dolorosa de que ainda não disse nada de
compreensível (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.220).
Perguntas como por que não ensina exemplos mais bonitos, por que não diz
que matar é feio, seja pelo que for? Por que não ensina que na vida há coisas belas
e nobres para a gente fazer? Não vê que essas pobres crianças não tem culpa do
que aconteceu em 1835 e depois de 1835? (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981,
p.220).A professora olha para os alunos, imagina e projeta o futuro deles:
Hoje eles são meninos. Amanhã serão homens e mulheres adultos,
esquecidos de que estiveram juntos sob o mesmo teto, no cogio, alguns
sentados no mesmo banco. Seo namorados e namoradas, maridos e
mulheres, amigos ou inimigos. Uns irão embora para terras distantes e
nunca mais voltao. E não teo estas caras contentes e lisas. Haverá
rostos enrugados, bocas retorcidas e palavras feias e amargas saindo
delas. Novas revoluções virão (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981,
p.220).
Esta previsão deixa a professora transtornada quando questiona sobre a sua
prática. Ela se vê como uma professora inconsciente, pois ensinou que matar é
bonito quando se mata pela Pátria, que morrer pela sua bandeira é a coisa mais
sublime, a suprema glória da vida. (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.221). A
partir disso, Erico Verissimo põe em questão os trabalhos de nacionalização em sala
de aula através da sua personagem.
A professora se questiona sobre os conteúdos discutidos e a sua consciência
a respeito do sentido de tais práticas escolares na vida dos seus alunos e,
consequentemente, a repercussão na vida social deles. Clarissa pensa num mundo
de palavras de amor e solidariedade para dizer, em vez da preleção patriótica que
preparou em casa com cuidado, exaltando os heróis, frisando bem as datas, falando
em patriotismo, coragem, ideal e sacrifício.” (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981,
p.221).
A professora pensa em desistir da preleção patriótica. Ela deseja falar e
despejar uma torrente de amor e ternura. Mas na porta aparece o vulto de D.
65
Ermelinda, fiscalizando. (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.221). Com voz
apagada” Clarissa retoma a atividade programada e diz:
- Então, não esqueçam. Vinte de setembro, data duma das maiores
revoluções brasileiras: a Revolução dos Farrapos.
Os óculos de D. Ermelinda fuzilam. Ela continua na sua peregrinação
através das aulas.
Ouve-se o som duma sineta. A colméia fica assanhada.
- Vamos cantar o Hino Rio-Grandense, - diz Clarissa.
Os meninos se levantam. As classes rangem. A professora começa [...]
(VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.220-222).
Deparar se com a diretora Ermelinda implica ouvir: Recomendações.
Conselhos. Vocês, professorinhas de primeira viagem...Vocês professorinhas
recém-saídas dos cueiros... Façam isto, façam aquilo.... (VERISSIMO. Música ao
Longe, 1981, p.110). - Clarissa, mais energia com esses meninos. Fala sibilado,
rápido!” (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.172). Cenas como essas se
repetem no cotidiano da professora que se questiona sobre as normas e as ordens
escolares. Os romances revelam uma representação de escola e de práticas que
são questionadas por Clarissa, em especial a figura da diretora que aparece apenas
como uma inspetora do trabalho da professora. A diretora é representada como
alguém que está na escola para vigiar, criticar, exigir e punir.
A personagem também denuncia questões políticas e sociais quando
menciona que o prefeito prometeu calçar a estradinha que leva a a porta do
colégio. Mas não mandou. Quando chove, a gente fica com os pés sujos de barro.”
(VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.110). Um outro exemplo é quando, por
motivos de vingança política, no romance Um Lugar ao Sol, o pai da jovem é
assassinado pelos capangas do prefeito e, com isso, a professora assume
definitivamente as despesas da casa.
Antes da morte do seu pai era Clarissa que com o seu ordenado de
professora fazia a maior parte das despesas da casa, ajudada pela mãe, que
costurava para fora.” (VERISSIMO. Um lugar ao sol, 1978, p.25). Por sua vez, João
de Deus, seu pai, sentia-se humilhado. Um homem grande e forte e ali inerte, como
um índio vadio, enquanto a mulher e a filha mourejavam... (VERISSIMO. Um lugar
ao sol, 1978, p.25).
Pelas mesmas razões políticas da morte do pai, a professora é transferida
para o grupo escolar de Santa Clara, distante de sua cidade natal. (VERISSIMO. Um
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lugar ao sol, 1978, p.27). Diante disso, Clarissa, D. Clemência, sua mãe, e Vasco,
seu primo, mobilizam contatos políticos com a finalidade de obter a transferência da
professora para a cidade de Porto Alegre.
Sua trajeria como professora continua no romance Saga (1940), onde se
casa com Vasco e passa a lecionar durante as manhãs na escola da colônia Águas
Claras, próxima da cidade de Porto Alegre, Às sete da manhã, Vasco leva a
professora a a escola, ela vai para a escola montada num burrico. Parece uma
colona. (VERISSIMO. Saga, 1981, p.333). E a tarde cuida da casa, das roupas, das
linhas, dos patos, dos pintos e do seu marido.
Vasco observa com curiosidade a sala de aula que Clarissa ensina e vê as
crianças reunidas em uma sala acanhada e pobre.” Os alunos da professora são
meninos e meninas de sete a quinze anos, filhos de brasileiros e de colonos
italianos, alemães e polacos.[...].Clarissa, entusiasmada no seu trabalho de
nacionalização, faz que todas as manhãs esse pequeno bando, que lembra a
Brigada Internacional, se ponha de pé e cante o Hino Brasileiro. São vozes
desafinadas e comoventes. (VERISSIMO. Saga, 1981, p.338-339).
Em vários trechos, do conjunto dos romances selecionados, ela tenta estudar
ou trabalhar, mas a sua imaginação muitas vezes não permite desenvolver com
eficácia suas atividades. Clarissa fica olhando para o livro que tem aberto sob os
olhos. Por cima das letras negras agora dança uma figura. Uma figura de homem,
olhos ternos, gestos mansos, dedos magros, acariciando a aba do chapéu.
(VERISSIMO. Clarissa. 1978, p.145).
Para ela [...] todas as pessoas que passam pela sua frente, ao alcance de
sua vista, m dois aspectos. O real e o que ela lhes empresta ao cabo de uma série
de reflexões.” (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.53). Esses aspectos
demonstram, em vários trechos dos romances, como a personagem percebe as
situações vividas e sentidas. Em cada circunstância, Clarissa procura dar uma cor
nova, diferente da habitual, uma cor que é sempre mais brilhante e mais bonita do
que os olhos comuns podem ver [...] (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.54).
Ela é pensativa e se diverte com as suas próprias imaginações. Em diversos
trechos Erico Verissimo constitui uma jovem que fica a imaginar... (VERISSIMO.
Música ao Longe. 1981, p.36). No dia a dia e, inclusive em sua atividade como
professora, Clarissa baixa a cabeça e fica sorrindo para seus pensamentos. Ainda
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não pôde vencer esse hábito de ficar pensando, imaginando, investigando
romances. Na escola às vezes se esquece dos alunos em meio da lição. Quando cai
em si a gritaria es formada. (VERISSIMO. Música ao Longe. 1981, p.36-37).
Quando as experiências narradas demonstram que ao seu redor existem
tristezas e alegria misturadas, ela abre o diário e escreve: Meu Deus! Eu tenho
esperança em Ti. E enquanto tiver essa esperança não me faltará coragem. A minha
vida agora é dura. Eu mesma sinto que mudei um pouco.” (VERISSIMO. Um lugar
ao sol, 1978, p.327). Para ela as dificuldades vividas possibilitam olhar os outros
com mais bondade e com mais tolerância. (VERISSIMO. Um lugar ao sol, 1978,
p.328).
Para Vasco, ela fala com doçura, sempre pronunciabelas palavras, grandes
palavras. [...] coisas simples e próximas da terra e da paz (VERISSIMO. Saga,
1981, p.181). Nas cenas do cotidiano, ela brinca imaginando a sua vida como um
conto de fadas. Os olhos de Clarissa dançam dum lado para outro, brilhantes,
atentos, ansiosos. Ela tem no rosto um resplendor de felicidade. (VERISSIMO.
Saga, 1981, p.186).
Esses, entre outros aspectos ligados às características físicas e de
personalidade da personagem, são evidenciados em inúmeros trechos dos
romances em queso. Algumas de suas características, como a capacidade de
imaginar, pensar, refletir, sonhar, ler e escrever, eso presentes no enredo de todos
os romances selecionados. Erico Verissimo cria portanto uma professora com essas
características: menina moça que se transforma em mulher. Inquieta, sensível,
questionadora, uma pessoa atenta às queses vividas em seu tempo e uma
professora que reflete as suas práticas.
Durante as tramas, a protagonista define como ela própria se vê através da
escrita no diário e como se sente quando lê um livro. As atividades de leitura e
escrita demonstram suas preferências, sensações, gostos e expectativas. Assim,
nos enredos das histórias, as representações estão intimamente ligadas às suas
práticas cotidianas escolares e como os outros personagens a enxergam na
condição de professora.
Em muitos trechos dos romances a sua descoberta do mundo está atrelada
às práticas de leitura e convivências sociais. Ela afirma que aos poucos foi:
compreendendo, lendo os jornais, ouvindo conversas. Um dia achei um livro de
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nome muito engraçado, comecei a ler e descobri umas histórias horríveis.
(VERISSIMO. Música ao Longe. 1981, p.43-44).
Ao ganhar um pouco mais de maturidade, a partir das experiências no mundo
social, ela percebe que agora tudo mudou. A gente vai crescendo, vai estudando,
vai observando e compreende que as coisas não são como pensávamos.
(VERISSIMO. Música ao Longe. 1981, p.45). Mesmo diante de tal compreensão do
mundo ela tenta negar as agruras da vida:Não posso acreditar que a vida seja tão
diferente dos romances. (VERISSIMO. Música ao Longe. 1981, p.48).
Essa ligação o íntima com a leitura de romances é perceptível,
principalmente, em Música ao Longe, na qual são indicadas características ligadas a
sua capacidade imaginativa e ao seu olhar romântico diante da vida. Na obra
Clarissa e, também, nos outros romances, as leituras realizadas pela personagem
são apresentadas de modo reflexivo sobre o que é lido e, consequentemente,
também sobre o sentido da aprendizagem escolar.
Além da atividade de leitura, a prática de escrita de um diário também revela
traços da personalidade de Clarissa. Assim, ela escreve em seu diário: Olhem, eu
estou ficando romântica. Escrever é muito bom, faz passar o tempo e deixa a gente
mais alegre.” (VERISSIMO. Música ao Longe. 1981, p.51). O próprio ato de
escrever é representado como uma atividade de prazer e satisfação.
Ela se depara diante da vida social e se questiona sobre as suas relações:
[...] nos fins dos serões ela sobe para o quarto, fecha a porta e mergulha no seu
mundo. Aqui tudo é diferente. Os móveis são novos, a pintura é rútila. Até o cheiro é
outro: tinta fresca, de flor. [...] (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.110). Nesse
ambiente, a personagem faz atividades que aprecia, como leituras, escrita ou
divagações em seus próprios sonhos: além disso, ela navega pela imaginação, o
olhar atento através da janela. Quando a luz está apagada e a noite é de lua, o luar
escorre pela janela.” (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.110).
Para Clarissa [...] o meu quarto é o lugar melhor do mundo. Aqui tudo é meu,
aqui ninguém se mete, aqui não há caras tristes. Na prateleira eso os meus livros,
os meus romances. Quando leio, gosto de imaginar que sou a mocinha da história.
(VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.155).
Entre tantas atividades narradas, Clarissa se constitui como uma leitora.
Segundo a protagonista: Ler é muito bom. Se não fosse a leitura eu era muito
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infeliz. Lendo, parece que fujo de Jacarecanga. Bobagem, não é mesmo? Pode ser.
Mas eu sou assim. Já ouvi o padre dizer:São Paulo disse: Eu sou o que sou. Pois
eu também. Para que fingir que a gente é de outro jeito? Não adianta. (VERISSIMO.
Música ao Longe, 1981, p.155). Para ela, a leitura é fonte de felicidade. Dessa
maneira, Erico Verissimo constrói Clarissa, uma professora leitora e escritora que se
realiza nessas atividades.
Hoje Vasco me trouxe um livro em francês. Ora, o francês que eu sei ainda
não me permite ler romances. Fiquei com vergonha de dizer que não sabia,
me atrapalhei toda e por fim resolvi ser franca. Contei a verdade,
encabulada. Vasco respondeu que não fazia mal, porque ele podia me
contar o enredo do romance. Sentamos na escada e ele contou. Gostei
muito da hisria, mas achei que não acabava bem, porque não saía
casamento. Vasco riu muito e disse que não tem graça livro que acaba em
casamento. Quando ele disse isso me senti muito boba, muito atrasada,
muito criançola. Mas aqui eu posso confessar que, quando um livro não
termina em casamento, fico triste, pensando nos namorados que não
conseguiram ser felizes. Parece que a história aconteceu de verdade e não
consigo me convencer de que aquilo tudo é invenção do escritor.
(VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.203-204).
Essa aproximação entre ficção e realidade é apresentada quando em muitos
trechos ela estabelece relações entre os fatos da vida e as leituras feitas. Quando
Clarissa pega dum livro. O Romance de Laura. Relê uma página. Chora, com pena
de Pomme d´Anis. Pode existir uma criatura boa como esta? Não. Só nos livros.
(VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.225).
Em suas práticas, ela estabelece constantes diálogos com os livros que lê,
como pode ser visto no trecho seguinte:
Clarissa fecha o livro e começa a conversar com Laura. Conta-lhe a sua
vida, as suas mágoas. Pomme d´Anis escuta sorrindo. Diz-lhe palavras de
consolo e engraçado! a voz dela é parecida com uma voz que Clarissa
conhece. Voz familiar. A voz daquela mesma menina que agora com os
olhos cheios de lágrimas está ali dentro do espelho, esperando que
aconteça... (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.225).
O fragmento demonstra o quanto a sua relação com os livros é intensa e a
define como uma leitora apaixonada. Para ela, um romance. Tem de ler às
escondidas.” (VERISSIMO. Clarissa. 1978, p.77). Isso porque a tia de Clarissa não
gosta de livros que não sejam os do colégio. Diz que os romances prejudicam a
cabeça duma menina que estuda. O nome do livro é: A que Morreu de Amor...
[...].(VERISSIMO. Clarissa. 1978, p.77). A sua tia tem uma representação da leitura
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de romance associada a possíveis prejuízos mentais, portanto, nem todas as leituras
são permitidas à menina Clarissa.
Práticas de leitura e imaginação são frequentes no cotidiano de Clarissa.
Clarissa está tão absorta na leitura que nem ouve os ruídos da pensão. [...] Clarissa
enxerga o quadro, com uma nitidez surpreendente, como se tudo estivesse
acontecendo ali no quarto. (VERISSIMO. Clarissa. 1978, p.77-78).
Além dessas atividades, ela também desenvolve o gosto pela escrita em seu
diário. No romance Música ao Longe, há vários trechos do seu Diário.Clarissa abre
o seu diário de capa verde e escreve:
Quero escrever neste diário tudo o que penso, tudo o que sinto. Mas a
gente nunca escreve tudo o que pensa, tudo o que sente. Por que se que
só somos sinceros pensando?
Preciso ter um diário porque não tenho com quem conversar. As minha
colegas do Elementar não gostam de mim. (Não sei por quê!). A única que
me procura é a Dolores. (VERISSIMO. Música ao Longe. 1981, p.10-11).
Através do diário a professora também descreve o seu dia-a-dia e aspectos
sobre o seu perfil e atuação docente.
No drio é como se eu estivesse conversando comigo mesma. Assim,
tenho a impressão de que sou menos só.
Que é que tenho para contar? O dia es lindo. Estamos no outono. No
pátio de minha casa tem uma paineira florida. Bonito! Uma professora
formada dizendo „tem uma paineira‟. O direito é „há uma paineira. Mas fica
tão pedante... Por que será que a gente nunca escreve como fala? Bom,
mas a verdade é que ninguém vai ler o meu drio. (VERISSIMO. Música
ao Longe. 1981, p.10-11).
Nessa narrativa de Clarissa na escrita do seu diário, Erico Verissimo dá
indícios de mais um aspecto da representação da docência, a professora é alguém
que escreve corretamente. Em outros momentos dos romances esses aspectos
aparecem e demonstram a professora que fala corretamente, veste se e comporta
se sempre com decência e discrição.
Quando professora enxerga os seus alunos e também se questiona sobre
temas pertinentes acerca da pobreza e injustiças sociais. A partir disso ela escreve
em seu diário:
71
Tenho vontade de ficar comunista quando vejo coisas destas. Mas quando
leio que na Rússia vivem fuzilando gente, fico arrependida e desisto do meu
comunismo. No fim de contas eu nem sei a quantas ando. Só sei que o
mundo está errado. Melhor é eu continuar a ser simplesmente Clarissa e a
ter pena dos meninos pobres como o Moisés. Mas será que a gente não
pode fazer mais do que ter pena? (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981,
p.121).
Perguntas como essa sobre uma possível solução para a pobreza são
escritas por ela em seu diário íntimo no qual ela afirma: Se todos tivessem boa
vontade, acho que o mundo melhorava sem comunismo nem essas outras histórias
que os jornais falam todos os dias. Mas infelizmente por toda a parte eu só encontro
gente com disposição de brigar e prejudicar o próximo.” (VERISSIMO. Música ao
Longe, 1981, p.121).
Temas de cunho social estão presentes nos fragmentos do seu diário. As
narrativas permitem enxergar os seus encantos e desencantos. Um exemplo disso é
o seguinte trecho do diário que diz: Li um escrito sobre Gandhi, numa revista. Gosto
muito de Gandhi, apesar de ele ser muito feio. [...] Mas ele é bom, muito bom. Se é
pecado gostar dele, que Deus tenha piedade de mim. As idéias de Gandhi são muito
bonitas e se todos os homens fossem do partido dele, não havia guerras nem
perseguições nem brigas. (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.121).
Na medida em que ela revela através da escrita as suas confidências
pessoais e íntimas, ela mesma afirma: Nunca vi diário tão bobo como o meu. Tudo
vai misturado e eu falo de gato e de sapato ao mesmo tempo. Não faz mal. Escrevo
o que sinto. Vai saindo da pena... Não tenho culpa. E depois este livro não é para
ninguém ler.” (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.121).
Embora Clarissa tenha muitas vezes o sentimento de vergonha diante do
diário pelas suas confidências que jamais poderiam ser ditas a outras pessoas, ela
faz projeções para o futuro e diz que poderá mostrar o diário apenas para os seus
netos. Os fragmentos do diário nos romances Música ao Longe e Um lugar ao Sol
permitem ter acesso às suas ideias, emoções e perspectivas, ou seja, como ela se
vê e enxerga o mundo em que vive.
Nas horas vagas ela apanha um livro querido e lê. Através do registro que
faz em seu diário, é possível localizar registros que revelam o hábito de leitura e
escrita da professora. Dessa maneira, as suas atividades se configuram a partir de
um perfil de leitora e escritora. No diário de Clarissa:”
72
O inverno continua. Todos os domingos há vesperais no Recreio. Não tenho
ido. Não vale a pena. Para dançar com o Dr. Penteado e para o Vasco me
chamar de toupeira? Não. Melhor é ficar em casa, lendo. [...]
Estão me chamando para jantar. Amanhã escrevo mais. (VERISSIMO.
Música ao Longe, 1981, p.119).
As suas leituras demarcam o tipo de relação que ela estabelece com os livros
e os seus conteúdos. Clarissa lê Paulo Madrigal, seu poeta favorito. [...] O livro
chama-se Poemas Escritos n´Água. Como são lindos!” (VERISSIMO. Música ao
Longe. 1981, p.29). Embora haja coisas incompreensíveis para a personagem,
assim mesmo ela aprecia a beleza dos versos. Paulo Madrigal não dá resposta às
suas perguntas inquietas. Clarissa abre eno o diário e começa a conversar consigo
mesma.” (VERISSIMO. Música ao Longe. 1981, p.42).
Ler romances, escrever no diário e corrigir cadernos dos alunos são
atividades da professora, especialmente, em Música ao Longe. Mesmo em sala de
aula quando os alunos conversam, a professora corrige os cadernos ou lê um
romance (VERISSIMO. Música ao Longe. 1981, p.12).
A alegria é uma das marcas de Clarissa em vários trechos das obras. É tão
marcante essa característica que ela se surpreende ao aparecer em frente do
espelho redondo do penteador um pensamento triste lhe entra na cabeça e lhe
escurece o rosto. (VERISSIMO. Música ao Longe. 1981, p.34). Ela se reconhece
da seguinte maneira: Estou ficando feia. Antigamente andava sempre sorrindo.
Agora não. Cara amarrada, rugas na testa, mais magra. Professora Clarissa! Sim
senhora!” (VERISSIMO. Música ao Longe. 1981, p.34). Nesse trecho cabe a
seguinte problematização: seria a condição de professora que a tornava mais feia,
de cara amarrada, mais magra e com rugas?
Questionamentos sobre a vida e a complexidade do mundo são evidenciadas
quando Clarissa pensa...” e percebe com perplexidade como tudo aquilo é horrível,
feio, sujo, assustador. Que quadro brutal: um cavalo correndo, espumando, levando
no lombo um homem de cara de demônio com a lança estendida, estendida para
destripar o inimigo [...] (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.56).
Em muitos momentos narrados falta a coragem que tanto Clarissa almeja.
Quando a personagem escreve em seu drio: Papai sempre diz que meu bisavô, o
general do retrato gostava de escrever. Será hereditariedade? Mas meu bisavô era
corajoso e eu tenho medo até de ratos. (VERISSIMO. Música ao Longe. 1981,
p.51).
73
Nas narrativas quando solteira os dias passam. Clarissa vai à escola, vem da
escola, cruza pelas mesmas ruas, vê as mesmas casas, as mesmas caras, conversa
com as mesmas pessoas, ouve as mesmas conversas, com ligeiras variantes, chega
à casa, [...], vai para o quarto, escreve, lê, deita, pensa, dorme, sonha ou não sonha
e no outro dia acorda de novo para recomeçar o mesmo programa de vida.
(VERISSIMO. Música ao Longe. 1981, p.52). Aos sábados, ela vai ao baile do
Recreio com as suas amigas Lia e Léa e aos domingos vai participar da missa na
igreja.
Os romances analisados narram o processo de transição de uma menina
adolescente que se torna adulta. Quando a personagem está conhecendo o mundo,
especialmente em Música ao Longe e em Um lugar ao Sol, ela questiona com
desencanto as injustiças sociais, o relacionamento das pessoas, os conflitos
humanos. Diante dessa perplexidade, Clarissa se pergunta: “Esta gente não saberá
fazer mais nada senão matar? Onde fica o amor? Onde a delicadeza?
(VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.56).
Clarissa fica deitada, olhando as estrelas que piscam no céu, pensa no que
passou, no que está acontecendo e no que ainda pode vir. Infeliz? Quase. Não é
esta vida com que ela sonhou. (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.110). Ela
fica frustrada diante da vida e dos conflitos que tomam forma através dos fatos
sociais narrados no entorno da personagem. O seu olhar inquieto e decepcionado
para tudo o que lhe acontece a permite questionar o tipo de vida que ela desejaria
viver com mais amor, emoção, solidariedade e paz.
Nas relações sociais e familiares, Clarissa sente-se isolada. Que é que ia
dizer? Com quem vai conversar? Por mais que escarafunche no cérebro não
encontra nada a dizer a não ser coisas do cogio: fulano fez isto, fulana disse
aquilo, os alunos estavam conversando muito, não prestavam atenção....
(VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.110-111).
De alguma forma, Erico Verissimo indica a professora como uma pessoa
solitária, incapaz de uma interação maior, apenas com a capacidade para falar sobre
questões ligadas à vida profissional. Por exemplo, nas festas ela vai ficar a um
canto sem dançar. Os rapazes não a procuram muito. Pensam que pelo fato de ela
ser professora prefere falar em Literatura, em Pedagogia e não em cinemas, bailes,
namoros e futebol, como as outras. (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.73).
74
Ela busca alguém interessante, conforme a sua confidência, que diz: quando
Lia ou Léa está contando uma história, no princípio eu presto atenção, mas depois
começo a pensar em outras coisas, a me distrair e não ouço mais o que ela está
dizendo. Faço assim com todos. Ainda não encontrei nenhuma pessoa interessante
de verdade. Só nos romances...” (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.155).
Em contrapartida, mesmo não encontrando alguma pessoa interessante, ela
afirma: não preciso de ninguém. Se todos me abandonam, tenho o meu quarto, os
meus livros e o meu outro eu que conversa comigo.” (VERISSIMO. Música ao
Longe, 1981, p.156).
A capacidade de pensar em tudo o que acontece e imaginar um possível
romance para tudo o que vive é marcante em sua trajetória, seja como normalista ou
como professora: Clarissa pensa: parece um romance. Parece uma personagem de
romance contando uma história.” (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.180). E
se pergunta: Mas, por que é que a vida não pode ser como nos livros que acabam
bem? Debalde escrevo estas palavras, porque cá dentro, bem no fundo do meu eu,
tenho uma voz me dizendo que é possível na vida acontecer coisas boas como nos
romances.” (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.204).
Sobre as suas práticas cotidianas também é possível identificar através da
escrita do diário, alguns aspectos como: atitudes e atividades da professora em sala
de aula, a relação entre ela e seus alunos no ambiente escolar, as exigências do
colégio no ocio da docência, a configuração e disposição de alguns elementos no
espaço escolar, entre outros aspectos.
Diante das desilusões, a sensação dela é de desânimo, de perda irreparável,
de desalento. (VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.135). Ela afirma em seu
diário que tem culpa de viver imaginando romances para todas as pessoas.”
(VERISSIMO. Música ao Longe, 1981, p.141).
E, assim, em suas práticas ela busca o desafio de enxergar se em sua
relações pessoais e sociais. O exercício de pensar em queses existenciais é
comum nas narrações.Clarissa imagina... Aproxima-se mais do espelho. Examina-
se com cuidado. Se ela pudesse escrever o que sente, o que pensa, o que se passa
com a sua alma. Abre o diário, pega a pena. (VERISSIMO. Um lugar ao sol, 1978,
p.14). Elaexamina tudo e em muitos momentos Clarissa se refugiaria no quarto,
iria escrever no seu diário, ler os seus livros, ou talvez procurar desabafo no choro.
(VERISSIMO. Um lugar ao sol, 1978, p.14).
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Nas narrações são apresentadas atribuições sociais através das normas de
conduta e comportamentos permitidos e proibidos nos espaços de sociabilidade
nos quais a professora Clarissa transita. Exigências de conduta revelados na figura
da professora, como, por exemplo, no seguinte acontecimento:
[...] Um cupim ergue-se à beira da estrada, como uma montanha vermelha
em miniatura
Clarissa senta-se em cima dele. D. Clemência grita:
- Saia daí, menina, tenha modos, nem parece uma professora! [...]
(VERISSIMO. Clarissa, 1983, p.62).
Erico Verissimo constrói a professora de seu mundo ficcional talvez
influenciado pela imagem social da docência no período da produção dos romances:
professora era aquela que tudo sabia e que deveria ter um comportamento
exemplar, em especial, nos modos de ser e portar-se.
Entre tantas exigências sociais narradas acerca do comportamento da
professora personagem, em Música ao Longe, ela também deve lidar com um
repertório de saberes. Afinal, sobre os conteúdos diversos A Clarissa naturalmente
sabe, é professora [...] (VERISSIMO, 1983, p.104).
Nos cenários em que a personagem transita ela é comumente identificada
como aquela que estudou na capital do Estado e, portanto, detem saberes que
foram aprendidos para o exercício da docência. Ela sabe línguas estrangeiras,
exerce a atividade de ensinar assuntos diversos e por isso tem um reconhecimento
social legitimado através de sua profissão. Isso implica um perfil imaginado para a
professora com atribuições sociais que definem preferências, gostos,
comportamentos e modos de ser.
Nesse e em outros trechos a personagem encontra-se inteiramente vinculada
às ações como professora, ou seja, ela se reconhece e é reconhecida através dos
outros personagens no contexto familiar e social como a professora Clarissa. O seu
ofício de professora está inteiramente vinculado as suas atividades corriqueiras,
desde a sua formação como normalista, no romance Clarissa, a o seu exercício
como profissional nos romances que seguem: Música ao Longe, Um lugar ao Sol e
Saga.
4.2. Um possível retrato para Clarissa, a personagem professora
76
Descrever Clarissa significou tomá-la na sua natureza ficcional. Portanto, ela
é representada através de uma linguagem e estrutura próprias da escrita literária.
Reconhecer tais aspectos foi fundamental no processo de compreensão da
personagem imaginada e criada pelo escritor. Nessa perspectiva, a personagem
está intrinsecamente ligada ao enredo criado e aos respectivos significados
atribuídos nesta relação.
Essa abordagem pode ser compreendida a partir do entendimento de Antonio
Candido (2007) que define o enredo, a personagem e as suas ideias como os três
elementos centrais e inseparáveis na análise de romances. Isso porque é oenredo
e a personagem, que representam a matéria; as „idéias, que representam o seu
significado e que são no conjunto elaborado pela técnica.” (CANDIDO, 2007, p.
54).
Por isso, enredo e personagem exprimem, ligados, os intuitos do romance, a
visão da vida que decorre dele, os significados e valores que o animam. (CANDIDO,
2007, p. 53-54). Nesse sentido, a leitura dos romances em questão provoca a
impressão de uma série de fatos, organizados em enredo, e de personagens que
vivem estes fatos. Esses aspectos estão ligados uma vez que, quando pensamos no
enredo, pensamos ao mesmo tempo nas personagens, e quando pensamos nestas,
pensamos na vida que vivem, nos problemas em que se enredam, na linha de seu
destino - traçada conforme uma certa duração temporal, e a partir das determinadas
condições do ambiente (CANDIDO, 2007).
Erico Verissimo assumiu que uma vez que o novelista põe de pé uma
personagem, esta começa a distanciar-se cada vez mais a criatura da vida real que
a sugeriu (VERISSIMO, 1981, p. 294). Candido (2007) admite que a personagem
vive o enredo e as ideias, e isso permite torná-lo vivo. Nesse aspecto, comovia Erico
Verissimo as perguntas que seus leitores faziam sobre as personagens de seus
romances, como se tratassem de pessoas da vida real. (VERISSIMO, 1981).
Quando , por exemplo, perguntavam por Clarissa e o seu destino depois da escrita
dos romances.
Erico Verissimo (1981), em suas memórias, afirmou estar convencido de que
o inconsciente representa um papel muito importante mais do que o escritor
geralmente quer admitir no ato de criação literária.” (VERISSIMO, 1981, p. 293).
Comparou o nosso inconsciente com um prodigioso computador cuja memória
77
durante os anos de vida é alimentada, programada com imagens, conhecimentos,
vozes, ideias, melodias, impressões de leitura, etc... (VERISSIMO, 1981, p. 293).
Para ele, no processo de criação de um personagem, este computador
emite mensagens, sendo alguns pedaços físicos ou psicológicos de pessoas
conhecidas que se misturam com recordações de livros lidos e esquecidos. Cabe ao
consciente fazer uma seleção, repelir ou aceitar essas mensagens (VERISSIMO,
1981, p. 293). Nesse sentido, é possível refletir sobre quais memórias, leituras,
recordações são acionadas em Erico Verissimo na construção da personagem
Clarissa. Isso porque ao escrever um romance o escritor acredita que nada do que
os vem à mente é gratuito. Não é possível nem creio que seja aconselhável tentar
criar do nada, esquecer as nossas vivências, obliterar a memória.” (VERISSIMO,
1981, p. 293).
Leitores do romancista perguntavam verbalmente ou por cartas se os seus
romances eram tirados da vida real, fotografando a vida. Para ele o processo de
copiar a vida é barato e de certo modo indigno, por isso a sua resposta para
essas questões sempre foi negativa. (VERISSIMO, 1981, p. 293).
O escritor reconhecia a sua produção literária como um ato de representação
quando escreveu o seguinte trecho de suas memórias: Lembro-me sempre do
conselho sobre a arte de representar que, num romance de Somerset Maugham, um
homem do mundo dá a uma atriz: Não seja natural: pareça.‟ (VERISSIMO, 1981, p.
293). Portanto, ele tinha consciência que a sua ficção estava vinculada ao ato de
representar.
A produção dos romances e as suas respectivas representações sobre a
docência traz para a escrita a compreensão do real, bem como o projeto de
realidade pretendida. Ela representa, portanto, a realidade, tendo a linguagem
literária como signo.
15
(GOUVÊA; FARIA FILHO; ZICA. 2007, p. 44).
Nesse sentido, pode-se dizer que a representação ficcional é uma construção
feita a partir do real. É uma exposição, uma reapresentação de algo ou alguém que
se coloca no lugar de um outro (PESAVENTO, 2005, p. 40). Isso requer entender
que as representações da personagem Clarissa e o seu entorno não reproduzem o
real, mas reconstroem novos modos de conceber o mundo e as coisas. Analisar
15
Compreende se signo com base em uma reflexão antropológica, como expressões propriamente
humanas que medeiam nossa relação com o mundo. [...] Eles informam e expressam, comunicam,
constituindo dimensão da singularidade humana.(GOUVÊA; FARIA FILHO; ZICA. 2007, p. 44).
78
essas representações implica a tarefa de verificar o texto que dá sentido à realidade
construída.
Nessa perspectiva,as representações não são simples imagens, verdadeiras
ou falsas, de uma realidade que lhes seria externa; elas possuem uma energia
própria que leva a crer que o mundo ou o passado é efetivamente o que dizem que
é. (CHARTIER, 2005, p. 50-51), mesmo que seja pelo universo ficcional.
A noção de tempo e espaço são, recorrentemente, descritos e narrados nos
romances investigados e, dessa maneira, demonstram um estilo próprio do escritor
situar o leitor nas narrativas. As cenas são expressivas e constituem cenários.
Paisagens, ambientes, cores, sensações e impressões são algumas das
preocupações na escrita. Esses aspectos definem um modo de conceber o mundo e
transpor para o papel o modo de enxergá-lo através das representações.
Compreender as representações criadas e impressas nas obras investigadas
é uma atividade complexa, uma vez que implica inúmeros aspectos que deveriam
ser considerados na análise do texto literário. Esses aspectos eso ligados a um
conjunto de normas que regulam a forma e o conteúdo do texto, e eso imersos no
momento sócio-histórico em que foram construídas.
Nesse aspecto, Elizabeth Torresini (2003), afirma quea percepção do
escritor, sua interpretação e a expressão dos fatos sociais e históricos recebem a
marca da cultura, da história, da contingência, do imaginário e das linguagens
disponíveis.” (TORRESINI, 2003, p.23). Portanto, para ela o escritor é um agente do
ato de reapresentação. Sua percepção e linguagem estão historicamente datadas. O
sentido da obra está ligado ao significado que se dá ao real e histórico.
Isso é perceptível também, para o caso da construção da personagem
Clarissa. As situações vividas pela professora, os seus atributos, características,
condutas e comportamentos expressam um determinado tempo e momento histórico
específico.
Para Torresini (2003), o romancista depende de depoimentos, documentos,
arquivos e de bagagem histórica e cultural próprias. O acontecimento acontecido e
acontecendo (história), é sua matéria-prima. Por isso, o resultado do
entrelaçamento do olhar do ficcionista com a história gera uma enunciação particular
do real, uma produção de sentidos, matéria comunicante entre autor, leitor e
sociedade." (TORRESINI, 2003, p.23).
79
Nessa perspectiva, Erico Verissimo anuncia de modo particular o real, e
assim produz sentidos para cada personagem criado, incluindo, desse modo, o perfil
docente descritivo e narrado através da personagem em queso. Elementos
narrativos que demarcam o ambiente criado pelo escritor situam o leitor em um
cenário. Descrevem a modernidade no espaço urbano e conduzem uma leitura que
evoca os sentidos através da descrição de imagens, sons e sensações suscitam a
composição de cenários.
Um dos pontos relevantes na escrita desses romances são as cenas
expressivas de um cenário social. Através delas, ele caracteriza o social e em uma
situação específica define comportamentos e expõe ideais.
Clarissa enxerga outros personagens com seus conflitos, alegrias, tristezas,
ilusões e desilusões. Ao transitar pelas ruas da cidade ela vai à escola, vê o avo
no céu, os bondes, automóveis, as casas, ouve falar da ascensão de nazistas e
fascistas na Europa e de conflitos instaurados que ameaçam a paz. Ela contempla o
espaço urbano e as modificações do mundo. Alegria, encantos, expectativas,
sonhos, desencantos, desilusões, angústias e visão crítica são elementos que
compõem a personagem. Nesse cenário, ela se questiona sobre as contradições da
vida. Os mistérios percebidos por ela também são motivos para pensar sobre o
mundo e as relações sociais estabelecidas, portanto, demonstram representações
do urbano da vida cotidiana e das transformações sociais.
As representações literárias do urbano demonstram a potencialidade da
literatura, [...] capaz de conferir sentidos e resgatar sensibilidades aos cenários
citadinos, às suas ruas e formas arquitetônicas, aos seus personagens e às
sociabilidades que nesse espaço tem lugar.” (PESAVENTO, 2002, p. 10).
Aliado às representações do urbano existe uma filiação cultural
16
garantida na
escrita de Erico Verissimo que explica em grande parte o fato de que, à medida que
se ampliou sua capacidade de erguer personagens de carne e osso, ampliou-se
igualmente a percepção do mecanismo social (CHAVES, 2001, p.58).
Os romances de Erico Verissimo são realistas no sentido do seu apreço a
fidelidade ao real, pelo detalhismo descritivo, mas o é também devido à fórmula
empregada na gênese das personagens e na explicação do seu destino (CHAVES,
2001, p.58). Nesse sentido, o realismo mistura a revelação da sociedade e a
16
Termo utilizado por Fvio Loureiro Chaves (2001) que indica as raízes e os mecanismos sociais
explicitados nos romances de Erico Verissimo.
80
criação imaginária, contaminando o puramente literário com a discussão da
realidade factual que o originou (CHAVES, 2001, p.59). É por essa razão, também,
que estudar as representações da docência nesses romances ganha força e sentido.
A construção de um mundo específico, nos romances analisados, demonstra
uma visão abrangente do urbano, da cidade de Porto Alegre e de mudanças que
atingiam esses espaços, e também do retorno temporário da professora à cidade do
interior, em Música ao Longe. Neste aspecto, Flávio Aguiar (2005) situa os romances
Clarissa e Música ao Longe como integrantes do chamado ciclo de Porto Alegre,
no qual focalizam as transformações do Brasil e do espaço rural e urbano durante a
década de 1930.
A Literatura compreendida comoprática simbólica configura-se como a
formulação de uma outra realidade que, embora tenha como referente constante o
real no qual o autor e leitor se inserem, guarda com a realidade uma relação não de
transparência, mas de opacidade própria da reconstrução (GOUVÊA; FARIA
FILHO; ZICA. 2007, p. 44).
Essa perspectiva indica que na especificidade do texto literário, entendida por
Antonio Candido (2000), encontra-se uma relação arbitrária e deformante que o
trabalho artístico estabelece com a realidade. Isso pressupõe uma liberdade usada
pelo escritor no seu trabalho literário, o que garante a sua eficácia como
representação do mundo.
Através do seu primeiro romance, Clarissa, Erico Verissimo inaugurou um
elenco de personagens que reapareceram nas produções posteriores a esta e, a
partir daí, criou um mundo específico. Nessa produção inicial definiu traços, marcas
e características para as suas criaturas ficcionais, fazendo de Clarissa uma
personagem única, apresentando-as nas suas contradições, anseios, alegrias e
descobertas.
Compreender as representações de Clarissa exigiu o entendimento sobre a
estratégia textual nas narrativas. Segundo Umberto Eco (1994), o escritor utiliza-se
de uma série de compencias para gerar o seu texto. Essas compencias estão
ligadas às expectativas constituídas e localizadas em um universo cultural, ou seja,
em uma sociedade específica e em um determinado tempo.
81
No que se refere a esse universo cultural, a época de produção dos romances
investigados foi marcada por profundas mudanças no cenário urbano brasileiro e
mundial. O período que compreende a década de 1930 foi marcado pelo fim de uma
guerra mundial e a posterior guerra que estava começando a se configurar. Foi,
portanto, um momento hisrico de transição. Nas tramas narradas pelo escritor, ele
constrói uma Clarissa que vive, enxerga e questiona constantemente essas
transformações.
No Brasil, depois da revolução modernista da década de 1920 nas artes
brasileiras, o país viveu um período de investimentos das políticas culturais. Durante
a década de 1930, houve uma intensa produção das artes, da literatura e do ensaio
que tratavam sobre a origem da cultura, sociedade, política e economia brasileira.
Nesse momento, contestava-se o liberalismo econômico e as suas consequentes
crises financeiras, principalmente com a crise do ano de 1929. (BORDINI, 2005).
A geração de escritores de 1930 foi marcada por uma tendência ficcional e
abrangente que descrevia realidades regionais e injustiças sociais. A estrutura
econômica do país, naquele momento, é, hoje, definida como atrasada, baseada no
latifúndio e na exclusão, no qual pouco a pouco é modificada na mesma medida em
que o país importava o modelo econômico norte-americano do liberalismo e
insinuada em manifestações culturais de grande sucesso popular, como o cinema,
se contrapunha aos movimentos de caráter socialista.” (BORDINI, 2005, p.50).
O público de leitores se ampliava através da proliferação de publicações no
país. O mercado editorial encontrava-se em ascensão e assim definia a circulação
de produções nacionais e estrangeiras. Por sua vez, a fundação de Universidades
alavancava a formação de bacharéis e licenciados. O Brasil redescobria-se e
integrava-se através da literatura. (BORDINI, 2005, p.50).
E, com isso, os autores emergentes desse período produziram uma tendência
ficcional que descrevia e questionava essas realidades. Então, formaram a geração
de 1930, como a cearense Rachel de Queiroz, o paraibano José Lins do Rego, os
alagoanos Graciliano Ramos e Jorge Lima, o baiano Jorge Amado, os mineiros Cyro
dos Anjos, Murilo Mendes e Carlos Drummond de Andrade, a carioca Cecília
Meireles, e os gaúchos Mario Quintana e Erico Verissimo. (BORDINI, 2005).
Portanto, Erico Verissimo esteve inserido em um universo cultural, em uma
82
configuração e uma rede de relações estabelecidas onde:
[...] os homens singulares não perdem, como às vezes tendemos a
considerar, o seu cater e valor enquanto homens singulares. Porém, eles
não aparecem mais como indivíduos isolados, cada um totalmente
independente dos demais, existindo por si mesmo [...]. Na análise das
figurações, os indivíduos singulares são apresentados da maneira como
podem ser observados: como sistemas próprios, abertos, orientados para a
reciprocidade, ligados por interdependências dos mais variados tipos e que
formam entre si figurações específicas, em virtude de suas
interdependências. (ELIAS, 2001, p.50-51).
Essas reflexões sobre a geração de 1930 permitem buscar o entendimento
das figurações (configurações) e as relações de interdependências do escritor. E,
desse modo, estabelecer aproximações no processo de possíveis interpretações de
suas produções. O tempo e espaço vividos por Erico Verissimo não podem ser,
portanto, desconsiderados na compreensão da construção da personagem Clarissa.
O período que compreende o início do século XX, por volta dos anos de 1920
e 1930, é configurado por um discurso que renova a escola brasileira, o Movimento
da Escola Nova. Esse momento marcou o processo de instauração de um novo
modelo escolar. Neste momento, estruturou-se, no Brasil, um entusiasmo pela
educação, a instauração da Escola Nova. Surgiu com os intelectuais deste
movimento uma crítica ao modelo de escola existente, o qual eles chamam de
modelo tradicional. À época, foram feitas propostas e uma reforma no modo de
ensinar e aprender. E, desse modo, foi instituída a crença de que a educação
resolveria todos os problemas do país (VIDAL, 2002).
No início dos anos de 1930, é travado um crescente interesse pelas questões
educacionais baseado na ideia de que era indispensável à modernização do Brasil a
montagem de um Estado nacional com um amparo de reformas no ensino. Embora
essas ideias já tivessem sido discutidas nos anos anteriores e na história da
educação brasileira, nesse momento ganhava uma importância e força entre vários
intelectuais e políticos da época. Nesse sentido, todos valorizavam o papel que a
educação deveria cumprir para a sua realização, coerentemente com o seu
horizonte ideológico (EVANGELISTA; MORAES; SHIROMA, 2001, p.17).
As possibilidades de intervenção no processo educativo tinham a intenção de
solucionar os problemas sociais, econômicos e políticos do país. Assim sendouma
concepção francamente salvacionista convencia-se de que a reforma da sociedade
83
pressuporia, como uma de suas condições fundamentais, a reforma da educação e
do ensino.” (EVANGELISTA; MORAES; SHIROMA, 2001, p.7).
O objetivo era o de criar um ensino mais adequado à modernização que se
almejava para o país e que, dessa forma, se constituísse em complemento da obra
revolucionária, orientando e organizando a nova nacionalidade e identidade a ser
construída. Esse movimento propunha uma mudança nos aspectos da forma e da
cultura em voga nas escolas e operava resignificações nos materiais e métodos
utilizados no espaço escolar. Essa ruptura entre o discurso tradicional não carregava
consigo uma mudança nos enunciados pregados anteriormente, mas uma alteração
em seus significados. A partir de uma escola renovada pretendia servir:
[...] de base à disseminação de valores e normas sociais em sintonia com os
apelos da nova sociedade moderna, constituída a partir dos preceitos do
trabalho produtivo e eficiente, da velocidade das transformações, da
interiorização de normas de comportamentos otimizados em termos de
tempos e movimentos e da valorização da perspectiva da psicologia
experimental na compreensão científica do humano, tomando na
dimensão individual. (VIDAL, 2000, p.498).
A educação foi concebida em uma esfera política, uma forma de educar os
cidadãos. Era servir para ensinar como compreender, explicar, realizar a convivência
humana e a tolerância. As mudanças operadas nas práticas escolares, nesse
período, ocorriam em função de um conjunto de aspectos econômicos, políticos e
sociais construídos no terririo nacional.
No início do século XX, período de produção dos romances analisados,
demarcavam-se, enfim, os termos de uma política educacional que reconhecia o
lugar e a finalidade da educação na escola. Também foi investido na ordenação
moral e cívica, da obediência, do adestramento, da formação da cidadania e do
trabalho necessário à modernização administrativa. A construção da ideia de nação
esteve ligada aos objetivos do Estado para fins da nacionalidade. (EVANGELISTA;
MORAES; SHIROMA, 2001, p.7).
Considerando o contexto histórico configurado, no Brasil, no início do século XX,
por volta dos anos vinte, o Movimento da Educação Nova ilustra a conjugação de
propostas culturais, científicas e profissionais no âmbito da educação escolar. Nessa
perspectiva, tal movimento foi a conseqüência de um universo cultural que discutia
socialmente a idéia de escola e o produto da afirmação das „novas Ciências Sociais
84
e Humanas (nomeadamente as Ciências da Educação), o que consequentemente
representou a configuração do modelo de professor.
Os defensores e propagadores das teses da Educação Nova no Brasil
assinaram o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova em 1932, e apontaram os
problemas educacionais brasileiros como urgentes diante da configuração de uma
sociedade em vias de modernização. A proposta defendida em linhas gerais era de
uma política nacional de educação, que apresentava a questão da formação de
professores como sendo de fundamental imporncia, principalmente para os
quadros da escola secundária.
Imerso neste universo cultural, Erico Verissimo representa ficcionalmente uma
jovem professora diplomada que enxerga e questiona de maneira crítica o espaço
escolar. Em seu tempo e sociedade específica ele cria esteticamente uma
personagem professora. Isso não significa considerar se as representações da
Clarissa correspondem aos dados hisricos ou não, mas perceber como o autor,
mergulhado em um universo cultural e educacional, descreve a personagem em
questão.
A escola, nos romances em que aparecem Clarissa, é, primeiramente, o
espaço de convivência para ela, que lhe permite sair da pequena cidade que morava
para descobrir um outro universo, na capital do Estado. E, posteriormente, a escola
torna-se o espaço de atuação como professora. É o lugar de pensar o mundo,
pensar sobre si mesma e sobre o destino de seus alunos. É, também, um lugar de
questionar as práticas, normas e condutas escolares e sociais.
Erico Verissimo como um escritor atento ao seu tempo criou um cenário, em
Saga, onde a personagem Clarissa leciona e desenvolve trabalhos de
nacionalização para alunos que são filhos de imigrantes e brasileiros em uma escola
da colônia. No período em que esse romance foi produzido, segundo Quadros
(2009), a partir da segunda metade da década de 1930, o sistema educacional
tornou-se objeto de reforma no Estado do Rio Grande do Sul. Nesse momento, o
Estado viveu um processo :
de aparecimento a partir da nacionalização do ensino, movimento político
que produziu espaços nos quais foi possível que o discurso da
modernização e do aparelhamento do Estado se estabelecesse para a
execução de uma reforma educacional que se instalou de forma ampla,
intensa e profunda. (QUADROS, 2009, p. 204).
85
Nessa perspectiva, Quadros (2009) afirma que esta reforma fez parte de um
contexto de reorganização e racionalização dos serviços de instrução pública, as
quais a população e a educação emergiram como um problema de governo.
O momento histórico do início do século XX, período de ascensão literária do
escritor Erico Verissimo e de produção dos romances analisados, é marcado por
uma concepção que começava a vigorar entre os intelectuais da educação. Essa
concepção era de que para formar professores não bastava um sólido domínio dos
saberes da tradição filosófica, científica e religiosa. Era preciso outros saberes que
se referissem à transmissão e apropriação de conhecimentos, o que passou a exigir
novas formas de organização e atuação do professor frente a seus alunos.
Nesse aspecto, o escritor não menciona em nenhum momento que a
personagem é vocacionada à profissão de professora. Isso é curioso e instigante
pois os estudos sobre a história da profissão docente, como, por exemplo, o
realizado por Campos (2002), apontam que em fins do século XIX e início do século
XX, o exercício do magistério não se constituía numa profissão e sim
verdadeiramente numa vocação. Segundo toda a tradição cris, o trabalho e
especialmente o ensino eram encarados não como uma combinação de realizações
específicas ou capacidades e habilidades para se atingirem essas realizações, mas
uma vocação que deveria ser seguida de acordo com a inclinação e talento de cada
indivíduo, em resposta a um chamado interior de origem divina (CAMPOS, 2002).
As representações da docência nas obras demonstram justamente o
contrário, pois ultrapassam a noção de um ser vocacionado. Apontam os seus
desafios das primeiras experiências em sala de aula e o exercício da docência como
carreira profissional legitimada pelo reconhecimento social através da formação na
capital do Estado, das práticas na instituição escolar e dos saberes necessários e
específicos para a profissão.
No ambiente escolar ela, seja como estudante e professora, sente
dificuldades de lidar com os padrões rígidos e comportamentos autoritários da
escola. De normalista a professora, formada na capital do Estado, o escritor, na
década de 1930, criou situações ficcionais que indicam costumes, demonstram a
complexidade do mundo, das relações sociais e econômicas através da personagem
professora a partir dos seus questionamentos sobre os costumes, as normas e
condutas sociais.
86
A normalista que obm o título de professora exerce de maneira crítica a sua
profissão na escola em que foi nomeada. As suas questões giram em torno das
convenções escolares, das práticas autoritárias, das atividades decorativas, do
relacionamento entre as pessoas e a natureza. Esses questionamentos são
narrados, principalmente, a partir dos pensamentos e dos fragmentos do diário da
personagem. Por isso, fazem parte de uma percepção social presente em cada
romance.
O diário é um elemento instigante nas narrativas de Erico Verissimo, pois é
um material associado às práticas cotidianas da memória feminina desde os finais
do século XVIII (CUNHA, 2002), uma prática recorrente entre as jovens, em especial
as normalistas, segundo estudos de Cunha (2002). No caso específico dos
romances, o escritor se utiliza do diário de Clarissa em Música ao Longe e Um Lugar
ao Sol para caracterizar um universo íntimo e a visão de uma sociedade na sua
condição de normalista e professora. Ele afirmou que o diário vale pelo seu tom de
autenticidade, que lhe vem do fato de o autor haver procurado um tal ou qual
verismo no reproduzir a linguagem da professorinha nas suas confidências íntimas.
(VERISSIMO. Música ao Longe. 1981, Prefácio).
É possível localizar, nos trechos do diário, relatos da personagem que
apresentam extensão variada, desde os mais breves e até os extensos. Eles são
registros escritos no tempo verbal que remete para o presente sobre fatos vividos no
passado e demonstram questões, dúvidas, idealizações e projeções para o futuro.
Através do diário, a professora Clarissa registra na escrita o mundo social e escolar,
questiona e reflete a sua condição humana e profissional.
A cultura escolar descrita nos romances é rica e demonstra um conjunto de
aspectos institucionalizados que caracterizam a escola como organização.
(FRAGO, 1998, p.12). Não envolvem apenas os ritos, as normas, os valores, mas
também os materiais, as práticas e os significados do ensinar e do aprender.
Desse modo, inclui condutas, práticas, hábitos, ritos, hisria cotidiana do
fazer escolar como o uso de objetos materiais, espaço escolar, materialidade física,
símbolos, modos de pensar e agir (FRAGO, 1998). Indicam cenas escolares que
exigem da personagem uma determinada postura, seja como estudante ou como
professora. Quando normalista e professora vai para a escola e se depara com
diversos materiais e práticas que indicam um lugar específico e instituído. Algumas
disciplinas, como Geografia, exigem decorar. Em seus estudos, alguns conteúdos
87
são difíceis de compreender e, assim, ela se questiona sobre os modos de ensinar e
aprender. Também a sua vestimenta indica que ela faz parte de uma cultura escolar,
a posição que ocupa socialmente.
Os materiais escolares citados são diversos como cadernos, livros, caneta,
lápis, pastas, esqueleto, mapas, giz, quadro negro, calendário, papel quadriculado,
carteira, régua de madeira e mesa. Funcionários escolares como inspetor escolar,
secreria, professoras, zeladora e diretora também são mencionados nos
romances. Portanto, há um universo e uma cultura escolar ricamente explicitada e
explorada pelo autor.
A cultura escolar pode ser traduzida porum conjunto de normas que definem
os saberes a ensinar e as condutas a inculcar e um conjunto de práticas que
permitem a transmissão desses saberes [...] (JULIA, 2001, p.15). Nessa
perspectiva, Dominique Julia (2001) afirma que a incorporação desses
comportamentos, saberes e práticas estão ordenadas de acordo com as finalidades
que podem variar segundo as épocas. No que diz respeito as normas e práticas,
Julia (2001) salienta que elas não podem ser analisadas sem se levar em conta o
corpo profissional, os agentes, ou seja, os professores quesão obrigados a
obedecer a essas normas, e, portanto, a pôr em obra os dispositivos pedagógicos
encarregados de facilitar a sua aplicação. (p.15).
Essas concepções sobre a cultura escolar remetem a própria compreensão
da professora personagem que se depara e questiona as exigências escolares e a
presença da diretora sempre fiscalizando tudo. No entanto, ela não subverte as leis
ou normas da escola, mas enxerga de modo reflexivo e crítico as cenas vividas.
Compreender a professora Clarissa e outros professores e professoras que
compõem os romances produzidos por Erico Verissimo exige um entendimento
sobre gênero, ou seja, requer compreender a sua condição feminina nas tramas
narradas. Isso significa pensar as identidades de gênero continuamente construindo-
se e transformando-se no espaço social, ou seja, em relações sociais permeadas
por diferentes discursos, símbolos, representações e práticas, os sujeitos vão se
construindo como masculinos e femininos, arranjando e desarranjando seus lugares
sociais, suas disposições, suas formas de ser e estar no mundo. (LOURO, 1998,
p.28).
88
Embora o conceito de gênero seja complexo e transitório, pois envolve
diversas articulações sociais e históricas que devem ser considerados nos
processos de construções de identidades, este entendimento, para Scott (1995), nos
possibilita identificar as representações simbólicas que são invocadas em seus
contextos.
Sobre as contribuições do conceito de gênero para a análise da feminização
do magistério no Brasil, Vianna (2002) afirma que o uso deste conceito enquanto
categoria explicativa de análise é extremamente útil para a compreensão dos
aspectos sobre a docência para além da mera composição sexual da categoria,
permitindo análises das relações escolares e da atuação docente, embora, para
essa autora, esse conceito seja controverso, ou seja, não haja consenso sobre o
que é gênero, como as relações de gênero se ligam a outros tipos de relações
sociais e de geração. Admite se, no entanto, que os usos do gênero têm em comum
a afirmativa da construção social das distinções sexuais.
Adotar essa perspectiva na Literatura nos remete à possibilidade de enxergar
a personagem Clarissa inserida socialmente em uma narrativa que a situa na
condição feminina de mulher e professora. Por isso, as vestimentas, as falas, o que
é ou não permitido, os lugares de sociabilidade, a sua profissão a definem e
expressam também essa condição. Portanto, ocupa modos que correspondem a sua
posição social que implica ações narradas que a constituem no seu espaço privado
e público. Ela é, também, a professora que escreve diariamente e também leitora.
Clarissa supõe que a leitura é o ato de ler para além das letras e palavras, o que
implica divagações, sonhos, reflexões e imaginação.
As suas leituras permitem desvendar um universo desconhecido ou
redescobrir o que já conhecia. A leitura para ela se traduz por uma riqueza de
detalhes e oferece a possibilidade de constituir novos significados e sentidos para a
sua existência, com os quais os olhos da personagem sempre se surpreendem a
cada leitura. Os gêneros literários são diversos e vão desde poemas, poesias, livros
de ficção e jornais. Para ela, ler significa não apenas compreender os diversos
códigos e elementos que constituem o objeto de leitura, mas situam os códigos
sociais, as relações estabelecidas nos seus espaços de convívio. Por isso, algumas
leituras são censuradas, mas mesmo assim ela lê às escondidas.
89
As relações de Clarissa com os livros remetem ao entendimento de Chartier
(2002), quando afirma que o processo de ler envolve diversos elementos que
antecedem a prática efetiva do ato de ler. A constituição de materiais específicos
para a leitura provoca e desperta os sentidos na leitora. A materialidade dos objetos
de leitura desde o aspecto sico, imagens, disposição do texto, impressão e formato
constituem o apreço da personagem em seus momentos de leitura, como, por
exemplo, quando ela olha com surpresa o lindo livro que ganha de presente,Os
Contos de Grimm, e descreve a capa, as gravuras e histórias narradas.
Em Clarissa, Música ao Longe, Um Lugar ao Sol e Saga, Erico inicia a sua
carreira como romancista através da personagem, jovem normalista que se torna
professora diplomada e em suas atividades posiciona-se de modo reflexivo e crítico
sobre os problemas sociais. As falas, as ações e pensamentos dela anunciam e
denunciam ideias e ideais sobre a sociedade. Os enredos tratam de questões éticas
a partir das escolhas da protagonista.
Os romances selecionados contam com a mesma personagem, Clarissa, mas
as narrativas passam-se em lugares diferentes e também o modo de narrar é
modificado pelo escritor. Essa diversidade no processo de produção literária evoca
novas questões ligadas à composição dos cenários descritos que suscitam
costumes, o modo de vida contemporâneo, a modernidade, a situação social e a
instabilidade econômica.
É possível admitir que em cada romance o escritor reapresenta a personagem
Clarissa dando-lhe forma a partir dos seus pensamentos, ações e relações com
outros personagens. Em torno disso, configura-se um cenário social e escolar que
permite à personagem transitar por eles e também questioná-los.
A criatividade do escritor potencializa a criação de um possívelretrato
17
para
a sua personagem que ganha forma e sentido a cada trama. O amadurecimento
dela, uma menina que se torna professora diplomada conduz a uma série de
questionamentos sobre a política, economia, educação e sociedade que se
apresentam em contraste com os cenários vividos por ela.
Seu olhar inquieto e surpreso diante da vida é um aspecto que a define em
suas ações. Além disso, ela, ao apreciar o sonho e a imaginação, projeta em seu
entorno, um mundo específico. Nesse movimento entre o subjetivo e o mundo que a
17
Termo usado por Erico Verissimo que define a personagem Clarissa. (VERISSIMO, 1978).
90
circunda, ela entra em conflito com seu próprio modo de enxergar as coisas, os seus
valores e as suas práticas. É demonstrado nos romances que a professora
considera a sua formação nos diversos espaços e isso envolve as suas
observações, descobertas, a apreensões e a compreensões de várias situações
vividas.
Por isso, ela projeta, prevê, imagina e define modos de compreender este
mundo. Nesse processo, ela ganha formas de conceber um universo retratado pelo
seu criador. Ela é definida com traços poéticos, riqueza de adjetivações e o desejo
inicial que o criador teve como ponto de partida: a ideia de escrever a história de
uma menina normalista queamanhece para a vida.
Esse projeto inicial procurava aproximar da vida através da ficção
(VERISSIMO, 2005), e, assim, representar um modo de conceber o mundo. A sua
criação põe em questão a ordem social, econômica e política através das ações e
ideias da professora Clarissa. Eis aí a fonte potencial, neste estudo, que é olhar a
educação e a docência pelos olhos de Clarissa, a personagem professora, Clarissa.
UM LUGAR AO SOL: CONSIDERAÇÕES FINAIS
Desde que, adulto, comecei a escrever romances, tem-me animado a hoje
a idéia de que o menos que um escritor pode fazer, numa época de
atrocidades e injustas como a nossa, é acender a sua mpada, fazer luz
sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão,
91
propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada,
a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma mpada etrica,
acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos sforos
repetidamente, como um sinal de que não desertamos nosso posto.
(VERISSIMO. Solo de Clarineta I. 1981, p.45).
Tentar olhar a escola e a docência através da literatura é uma tarefa
complexa e dicil. Primeiro, é preciso admitir a especificidade da escrita literária, da
criação ficcional; segundo, é preciso perceber os nexos entre a realidade e a ficção.
Isso, porque a ficção é informada do real, como afirma o próprio Chartier (2009), a
ficção não é o real revelado, mas tem nele uma base importante.
O escritor é aquele que, atento ao mundo em que vive, transporta para o
universo ficcional uma forma específica e particularde ver e dizer esse mundo. Ele
inventa seu mundo ficcional e, ao fazê-lo, carrega experiências vividas.
Conforme afirma Cândido (2004), a literatura é uma manifestação universal
de todos os homens em todos os tempos, pois cada sociedade cria as suas
manifestações ficcionais, poéticas e dramáticas de acordo com os seus impulsos, as
suas crenças, os seus sentimentos, as suas normas. (CANDIDO, 2004, p.175).
Dessa maneira, a ficção é (re) construção, problematização da vida social, sob a
percepção de um autor. Daí a força e a possibilidade de tomar a conceituação de
representação do mundo através da literatura. Considerando que o escritor é alguém
que vê e registra o mundo real com a lente do sensível, da imaginação, da
criatividade e, muitas vezes, da indignação e da denúncia, por isso, a literatura
coloca-se como uma possibilidade ímpar para os estudos educacionais.
Meu objetivo, com o trabalho que ora concluo, foi justamente o de analisar,
por essa via singular, que é a literatura, representações da docência. Na realização
do trabalho, li, inicialmente, todos os onze romances produzidos por Erico Verissimo,
além de seus contos. Fui uma leitora apaixonada das obras do escritor, uma vez que
o processo de significação a partir da leitura, segundo Chartier (2002), pressupõe
entre outros aspectos, uma interação dinâmica entre o texto e seu leitor.
(CHARTIER, 2002, p.255).
Ao mesmo tempo, procurei sempre ser uma aprendiz de pesquisadora atenta
e cuidadosa, em especial no trato com os dados, dando atenção especial às
armadilhas que poderiam surgir na análise da relação entre literatura e hisria. Não
buscava, nas obras analisadas, verdades ou realidades da docência. Interessou-
92
me, sempre, como um importante e reconhecido autor como Erico Verissimo, que
criou personagens professores e professoras em todos os seus romances,
representava essa profissão, no sentido de como ele percebeu, apresentou,
problematizou a atividade docente no período em que produziu as obras.
Li e reli muitas vezes os romances selecionados, Clarissa, Música ao Longe,
Um Lugar ao Sol e Saga, sublinhei partes, copiei, agrupei e reagrupei, categorizei,
em um esforço constante de organização de dados para análise. Fui, pouco a
pouco, criando estratégias metodológicas para apresentar a personagem e suas
variadas atividades e práticas, para enfim tentar identificar representações que Erico
Veríssimo construiu sobre a docência, nos anos 30 e 40 do século XX, momento de
produção das obras.
Os romances analisados narram o processo de transição de uma adolescente
normalista na capital do Estado que, ao longo das tramas, torna se a mulher-
professora. Quando a personagem está conhecendo o mundo questiona com
desencanto as injustiças sociais, o relacionamento das pessoas, os conflitos
humanos. Muitas vezes, seu olhar inquieto e indignado para tudo o que a cerca faz
com que questione a vida e projete um futuro diferente. Ela reflete, constantemente,
as contradições e os mistériosda vida. Alegria, encantos, expectativas, sonhos,
desencantos, desilusões, angústias e visão crítica são elementos que compõem a
personagem.
A personagem es, em todos os romances, inteiramente vinculada às ações
como professora, ou seja, ela se reconhece e é reconhecida através dos outros
personagens no contexto familiar e social como a professora Clarissa. Ela, na
condição de aluna normalista e depois de professora, contempla e analisa o espaço
urbano, as modificações do mundo e o cotidiano.
As representações de professora nas obras demonstram os desafios das
primeiras experiências em sala de aula e o exercício da docência como carreira
profissional legitimada pelo reconhecimento social, especialmente em razão de sua
formação na capital do Estado e, posteriormente, pela prática profissional.
No ambiente escolar ela, seja como estudante ou professora se vê em uma
espécie de aprisionamento e sente dificuldades de lidar com os padrões rígidos e
comportamentos autoritários vigentes. A figura da diretora, na escola em que atua,
aparece como uma figura autoritária, controladora e disciplinadora. A escola é lugar
de silêncio, obediência, repetição, aprendizagem de conteúdos sem sentidos. Os
93
alunos, no entanto, aparecem nos romances como figuras, sempre, em movimento e
repletas de energia para correr, conversar, brincar e viver o mundo que existe fora
da sala de aula.
A professora Clarissa procura exercer sua profissão de maneira crítica nas
diferentes escolas em que passa a atuar depois de formada. As suas queses giram
em torno das convenções escolares, das práticas autoririas, das atividades de
decorar os conteúdos, do relacionamento entre as pessoas e da natureza. Esses
questionamentos são narrados, principalmente, a partir dos pensamentos e dos
fragmentos do diário da personagem.
Um dos recursos utilizados pelo escritor é justamente o uso do diário de
Clarissa para caracterizar um universo pessoal e íntimo e a visão de uma sociedade
na sua condição de normalista e professora. Ela é uma professora que escreve
diariamente e também uma leitora voraz. Clarissa supõe que a leitura é uma
atividade que vai além das letras e das palavras, que implica também sentidos
próprios, divagações, sonhos, reflexões e imaginação. As suas leituras também
permitem desvendar um universo desconhecido ou redescobrir o que já conhecia. A
leitura se traduz, para a personagem, como possibilidade de constituir novos
significados e sentidos para a sua existência, como forma de se surpreender
sempre.
Em síntese, as diversas representações da personagem Clarissa, a partir dos
romances indicam o perfil de uma professora leitora, escritora, reflexiva e atenta ao
mundo social e questionadora do universo escolar. Em uma aparente contradição
ela é, ao mesmo tempo, a menina bobinha, ingênua, romântica e a mulher reflexiva,
questionadora, atenta ao seu tempo, à história e à vida cotidiana. Isso se deve
também ao fato de que a personagem amadurece ao longo dos romances. Em
Clarissa, ela, normalista de treze anos que estuda na Escola Normal da capital do
Estado; em Música ao Longe retorna a sua cidade natal e exerce as primeiras
experiências na docência; em Um Lugar ao Sol a professora é transferida para
trabalhar em outra cidade; e em Saga a professora é umamulher feita, casada com
o primo ela se divide entre as tarefas da escola e da casa. Pensar nessa
personagem requer, portanto, considerar que há mudanças substanciais em cada
romance, na medida em que Clarissa se modifica no desenrolar das tramas
narradas. Diante das constatações, é possível admitir a potencialidade de múltiplas
representações da personagem.
94
Assim, para concluir pode-se perguntar qual a contribuição efetiva desse
estudo. Em resumo, se reconhecemos que a literatura é outra forma de ver e dizer o
mundo a partir do que o escritor constrói, ele se utiliza desse meio como um ato de
acender uma lâmpada, ou um toco de vela, ou ainda através de repetidos riscos
de sforos na tentativa de evitar a escuridão, como afirmou o próprio Erico
Verissimo (1981). Então, trabalhos dessa natureza podem ajudar a entender como
homens e mulheres de um determinado tempo percebem os docentes e a docência.
A literatura deixa comoherança a percepção de um determinado tempo sobre essa
atividade profissional e, também, sobre a instituição escolar. Se olharmos a história
da docência e da escola com a lente da literatura talvez sejamos mais sensíveis e
atentos a esse universo.
Para de fato concluir, é preciso registrar que considero este trabalho um
marco na minha carreira profissional, na medida em que me conduziu à
questionamentos pertinentes sobre o processo de construção de um objeto de
pesquisa, mecanismos e estratégias de análise, organização das ideias e
sistematização dos dados coletados. Aliado a isso, a leitura e o conhecimento da
obra do Erico Verissimo foi, ao longo desses dois anos, um imenso prazer.
O desejo é pela continuidade deste trabalho. Para isso, algumas
possibilidades se colocam como:
1. A análise das imagens da personagem Clarissa nas capas das inúmeras
reimpressões e reedições dos romances;
2. O estudo das representações dos outros professores e professoras na obra de
Erico Verissimo;
3. As representações de Clarissa a partir dos seus leitores e leitoras.
Por último, é preciso considerar que quando tudo tiver sido dito, tudo ainda
ficará por dizer, sempre restará tudo a dizer. (GORZ, Carta a D.: História de um
amor. 2008, p.8).
95
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Entrevistas concedidas
Flávio Loureiro Chaves em julho de 2008.
Luís Fernando Veríssimo em julho de 2008.
Documentário
Documentário 5X Erico Verissimo promovido pela RBS TV. Porto Alegre: 2005.
Direção Geral: Gilberto Perin. (meio digital).
103
APÊNDICE
104
APÊNDICE A
A DOCÊNCIA NOS ROMANCES DE ERICO VERISSIMO
APÊNDICE A QUADRO DESCRITIVO I
105
Nº
Romance
Ano de
publicação
/Editora
Professor(a)
Principais características
Ano da obra
analisada/
Editora
1
Clarissa
1933
Editora
Globo
Clarissa
Albuquerque
Jovem de quatorze anos de idade.
Natural de Jacarecanga mudou-se
para capital do Estado, Porto Alegre,
para estudar na Escola Normal.
Leitora. Não gosta de ir à escola.
Sente-se obrigada à freqüentar as
aulas. Considera inútil o
conhecimento aprendido na escola
1978
Editora
Globo
2
Caminhos
Cruzados
1935
Editora
Globo
Clarimundo
Roxo
Professor particular e de um curso
noturno. Leitor, escritor, sábio, pon-
tual, exigente, contempla o mundo
real, desconfia das tecnologias,
homem decente e instruído, chato,
incompreendido por alunos e pelas
pessoas do seu meio social e
representante da moral. Deseja
escrever um livro científico-literio.
1981
Editora
Globo
Fernanda
Recém-formada não consegue uma
nomeação para atuar como
professora. Atua taquigrafando
cartas, faturas, duplicatas e guias.
Eufrásia
Roo
Professora de Fernanda. Era uma
senhora de voz masculinamente
grossa, óculos escuros e gestos
decididos. Era temida pelos seus
alunos.
4
Um lugar
ao Sol
1936
Editora
Globo
Clarissa
Albuquer-
que
É transferida para o grupo escolar de
Santa Clara, por motivos de
Vingança potica do prefeito de
Jacarecanga. Clarissa assume
definitivamente a despesas da casa,
depois do assassinato do pai.
Questionadora das atividades e
conteúdos escolares.
1981
Editora
Globo
Amaro Terra
Competente professor de piano.
Sente-se atraído por Clarissa desde
os tempos de normalista. Quando
adolescente sonhou com a
popularidade, conduzindo uma
grande orquestra, concerto ou teatro.
Oskar
Conde e estrangeiro. Professor de
línguas. Muito preparado. Homem
fino, instruído, elegante, exigente,
enigmático.
Fernanda
Amiga de Clarissa. Leitora.
Incentivadora, mediadora das
relações familiares e entre amigos,
otimista, impetuosa. Sensível e
inteligente. Admiradora da arte.
5
Olhai os
lírios do
campo
1938
Editora
Globo
Mr. Tearle
Professor estrangeiro e mais jovem
do internato “Columbia College.
Veio dos Estados Unidos. Foi para a
guerra na Europa com as primeiras
tropas americanas. Homem
desarvorado que não encontrava
sossego, tinha gestos bruscos.
1981
Editora
Globo
106
5
Mr. Tearle
Costumava caminhar só e sem rumo,
com ar de louco. Conhecido por
Pancada.
Mota Leme
Professor de Anatomia. Mostrava
através da perfeão do corpo
humano, maneiras de provar a
exisncia de Deus.
6
Saga
1940
Editora
Globo
Clarissa
Albuquerque
Clarissa casa-se, fica grávida e
continua a dar aulas em uma escola
na conia. Nessa escola realiza
trabalhos de nacionalização.
1981
Editora
Globo
Fernanda
A família da professora recebe uma
herança e ela investe em produção
literária e ações sociais. Intercessora
em favor dos amigos e de Clarissa.
Mulher forte e cheia de vida.
7
O resto é
sincio
1943
Editora
Globo
Dr. Ximeno
Lustosa
Desembargador aposentado, solteiro
e professor. Um eremita. Vaidoso,
presumido, esquisitão. Cultivava a
virtude da sobriedade. Apreciador
das grandes obras da humanidade e
da música. Leitor de grandes
biografias. Autor de livros
reconhecidos internacionalmente.
Contribuía regularmente com uma
quantia mensal para várias
instituões de caridade.
1981
Editora
Globo
8
O Tempo e
o Vento 3º
parte - O
Arquipélago
1961
Editora
Globo
Floriano
Homem simples. Escritor. Intelectual.
Professor universitário de Literatura
Brasileira.
1978
Editora
Globo
Sylvia
Jovem professora, de 25 anos.
Escreve em um diário suas
desilusões, cticas a realidade vivida
e memórias de seu tempo de
normalista.
9
O senhor
embaixa-
dor
1965
Editora
Globo
Leonardo
Gris
Professor intelectual, conferencista e
revolucionário. É referenciado por
sua posão moral e material. Foi
professor de Literatura na
Universidade Federal, em Cerro
Hermoso. Adotara seus estudantes,
am dum interesse de mestre, uma
afeão de pai. É admirado pelos
alunos. Apreciador da Biblioteca do
Congresso, galerias de arte,
concertos e teatro.
1980
Editora
Globo
Pablo
Ortega
Intelectual. Solteiro. Homem de
natureza reservada. Filho de ricos
senhores de terra, plantações e
usinas de açúcar. Pintor. Publicou
um livro de poesias e ensaios.
Considera-se frustrado como escritor
e pintor. Descontente com o governo
que considera corrupto.
107
10
O
prisioneiro
1967
Editora
Globo
A
professora
(nome não
identificado)
Parecia um sargento. Uma mulher
inteligente e corajosa, que mantinha
por conta ppria, um internato para
as meninas órs. Revelava ter
muitas e boas leituras. Professora
estrangeira. Estudou em uma
universidade do oeste e realizou
muitas conferências.
1978
Editora
Globo
11
Incidente
em
Antares
1971
Editora
Globo
O professor
(nome não
identificado)
É escolhido pelo intendente para
falar em nome da municipalidade e
saudar o século XX como a era da
Luz e do Progresso. Discute as
invenções e as descobertas do saber
humano.
1978
Editora
Globo
Martim
Francisco
Terra
Professor universitário. Humanista. É
acusado anonimamente de
comunista militante às autoridades
policiais do Rio Grande do Sul.
Discute sobre tecnologia, filosofia,
sociedade, ciência...
108
ANEXOS
109
ANEXO 1
LEVANTAMENTO
110
Através do levantamento do Banco de teses e dissertações do portal da CAPES
usando a seguinte palavra-chave de busca:Erico Verissimo foram localizados os
seguintes trabalhos:
- As respectivas referências correspondem a seguinte formatação: (Autoria. Título da
dissertação/ tese - Ano de defesa), conforme a citação exibida no site pesquisado do
Banco de dados de teses e dissertações da CAPES:
1 - Ana Leticia Fauri. Erico Verissimo: a epistola como expressão do literário
01/08/2001;
2 - Ana Letícia Fauri. O pensamento político de Erico Verissimo: queses de
identidade e ideologia 01/01/2006;
3 - Ana Ramona Castilho Villamil. As personagens femininas no romance latino-
americano: uma análise comparativa entre cem anos de solidão de G. Garcia
Marquez e O Tempo e o Vento de Erico Verissimo 01/03/1987;
4 - Anabel Lorenzi. Clarissa, Fernanda e Olívia: três caminhos que se cruzam
01/09/2004;
5 - Anita de Moraes. Os olhos do gato: o narrador de viagens de Erico Verissimo
01/09/2005;
6 - Anna Maria Gado. A Literatura Brasileira Moderna Regional e a telesserie -O
Tempo e o Vento 01/02/1990;
7 - Bianca de Vit Begrow. As mães e seus filhos (Uma leitura d´O Tempo e o Vento,
de Erico Verissimo 01/10/2006.
8 - Carine Fick Brentano. Erico Verissimo e a Literatura Portuguesa:
Intertextualidade e a Recepção 01/01/2003.
9 - Celia Doris Becker. Erico Verissimo e a urdidura da ficção com a história em O
Retrato 01/12/2006;
10 - Cibele Imaculada da Silva. O Tempo e o Vento: literatura, hisria, memória
01/05/2003;
11 - Claudia Elisa Borges. A pluralidade de vozes em O prisioneiro de Erico
Verissimo 01/12/2002;
12 - Claudio Celso Alano da Cruz. A cidade moderna no romance sul-riograndense
o Ano-chave de 1935 01/05/1993;
13 - Daniela Borja Bessa. O discurso religioso em Olhai os lírios do campo
01/03/2000;
14 - Daniela Luiza Muller Bevilaqua. Símbolos em rotação: história de amor e guerra
em O Tempo e o Vento 01/04/1999;
15 - Denise Campos e Silva Kuhn. A tradução da prosa poética: Bliss de Katherine
Mansfield em português 01/02/2003;
16 - Denise de Castro Ananias. Literatura de Viagem: Trajetórias e Percursos
Análise em A volta do gato preto e México, de Erico Veríssimo 01/12/2006;
17 - Eliana Inge Pritsch. As vidas de Sepé 01/12/2004;
18 - Eliana Pibernat Antonini. Incidente em Antares: Leitura da História em Erico
Verissimo 01/07/ 1994;
19 - Elizabeth Wendhausen Rochadel Torresini. Modernidade e exercício da
medicina no romance Olhai os lírios do campo (1938) de Erico Veríssimo
26/09/2002;
111
20 - Elza Elizabeth Maran Queiroz da Silva. Pensando as fronteiras e as identidades
na obra de Erico Veríssimo: O continente (1949) 01/04/2003;
21 - Enildo de Moura Carvalho. Formação cultural brasileira e norte-americana na
ótica de Erico Verissimo e Vianna Moog 01/05/2006;
22 - Eoná Moro. Hisria e literatura em O Continente de Erico Verissimo
01/09/2001;
23 - Evandro Fedossi Hernandes. O riso da morte Manifestações do humor na
publicidade e na literatura 01/02/2005;
24 - Ewerton de Freitas Ignácio. Entre a sombra e o anonimato: uma leitura de Woite
(1954) de Erico Verissimo 01/08/2003;
25 - Fabiana Merola Marcellino. As estragias de Erico Verissimo na construção do
tema da identidade em Caminhos Cruzados 01/05/2003;
26 - Fabio Augusto Steyer. A estrada perdida de Telmo Vargara 01/08/2006;
27 - Fernanda Daudt Kókot. O histórico e o ficcional na literatura juvenil de Erico
Verissimo 01/12/1997;
28 - Flaviana Fontoura Espinosa. De ficção e de heróis: romances políticos de Erico
Verissimo 01/ 09/ 2004;
29 - Francisco Carlos da Silva Ribeiro. Cinema e literatura: um estudo estrutural
comparativo na adaptação de Um certo capitão Rodrigo 01/03/2004;
30 - Gilmar de Azevedo. O mito do gaúcho em O Tempo e O Vento - 01/11/1992;
31 - Ginia Maria de Oliveira Gomes. Loucura e Lucidez no Continente de Erico
Veríssimo 01/11/1992;
32 - Ian Alexander. Novos continentes: relações coloniais em O Continente e Voss
01/01/2006;
33 - Idene Mariano Godois Erico Verissimo e a importância da mulher na formação
social do Rio Grande do Sul: uma introdução 01/08/2002;
34 - Ione Tereza Luft Meirelles. Para que a História do Tempo não se perca no
vento: o lugar do negro escravo a Mui Leal Aldeia do Divino Espírito Santo da Cruz
Alta 01/08/2002;
35 - Isabel Cristina Farias de Lima. Uma terra, dois olhares: o Rio Grande do Sul na
visão de Fróis e Winter 01/02/2000;
36 - Ivan Marcos Ribeiro. Sob a égide da vaidade e da arte: aproximações entre
Erico Veríssimo e Oscar e Wilde 01/10/2004;
37 - Jairo Perin. O Tempo e o Vento adaptado: A Literatura que se vê 01/04/2000;
38 - Joaquim de Oliveira Gomes. Jornal de Tímon e Incidentes em Antares:
perspectivas históricas, sociais e políticas em dois momentos da Literatura Brasileira
01/03/2003;
39 - Karina Ribeiro Batista. Caso Fritzen: a polêmica em torno de O resto é silêncio,
de Erico Verisimo 01/01/2005;
40 - Laurenir Lucas da Silveira. O existencialismo na obra Noite de Erico
Veríssimo: uma introdução - 01/05/1998;
41 - Leila Couto Almeida. A sombra e a chama (uma interpretação da personagem
feminina n´O Tempo e o Vento de Erico Veríssimo 01/12/1992;
42 - Liane Bonato. O Grande diálogo em Incidente em Antares e alegres memórias
de um cadáver 01/05/1996;
43 - Lúcia Regina da Rosa Milbradt. Poder e morte: uma leitura de Erico Verissimo e
Josué Guimarães 01/08/1996;
44 - Luciana Boose Pinheiro. A recepção crítica de O resto é silêncio de Erico
Verissimo 01/02/2002;
112
45 - Luciana Kuhn Viégas de Medeiros. Lições de pesquisa literária o legado
crítico de Lucia Miguel Pereira 01/06/2005;
46 - Luciana Regina Pomari. Erico Verissimo: entre a Literatura e a História (Anos
1930/40) 01/02/1996;
47 - Luiz Fernando França. Personagens negras na literatura infantil brasileira da
manutenção à desconstrução do estereótipo 01/02/2006;
48 - Luiza Nanko Hanai Akashi. A poética do Haicai na Literatura Brasileira
01/12/1999;
49 - Luzi Lene Flores Prompt. O espaço em O Continente de Erico Veríssimo
01/01/2004;
50 - Mara Lúcia Barbosa da Silva. A representação racial em O Prisioneiro:
preconceito e guerra 01/02/2000;
51 - Márcia de Borba Alves. Tratados da Gentes d´O Continente por uma definição
da identidade gaúcha 01/08/2005;
52 - Márcia Ivana de Lima e Silva. A polifonia em O Senhor Embaixador
01/05/1991;
53 - Márcia Ivana de Lima e Silva. O processo criativo em Incidente em Antares:
uma análise genética 01/01/1996;
54 - Maria Aracy Bonfim Serra Pinto. Linha na Roca, linha na pauta: O tecer da
memória na obra O Tempo e o Vento de Erico Verissimo 01/10/2005;
55 - Maria Célia da Silva Lustosa. Do Continente ao Arquipélago: o espaço da
construção e da descontrução familiar 01/02/1992;
56 - Maria conceição Nunes Dornelles. Rumo ao Sol: a fortuna crítica sobre Erico
Veríssimo 01/01/2005;
57 - Maria da Glória Bordini. Criação literária em Erico Verissimo 01/09/1991;
58 - Maria das Graças Gomes Vila da Silva. O Horror antigo e o horror moderno em
O Tempo e o Vento e Noite de Erico Verissimo 01/10/1998;
59 - Maria Luiza de Arruda. Vento em tempo de solidão: a saga dos Buendia e dos
Terra-Cambará um estudo comparativo entre Verissimo e Garcia Marquez
01/05/2005;
60 - Maria Valeska Rodrigues Barbosa. As expressões anafóricas marcadoras de
acessibilidade nas línguas portuguesa e inglesa: um estudo de caso 01/01/2003;
61 - Marília Araújo Barcellos. As relações do campo literário: o caso Erico Verissimo
(entre 1930 1950) 0 01/12/2000;
62 - Maurício Claudio Gutiérrez. Mate amargo: a representação literária e
cinematográfica da região dos pampas na Argentina e no Brasil. As obras de Horacio
Quiroga e Erico Verissimo levadas ao cinema por Mario Soffici e Anselmo Duarte
01/02/2004;
63 - Myrian Estellita Lins Barbosa. Floriano Cambará, um escritor em construção
01/09/1999;
64 - Nei Rodrigues da Silva. O Continente de Erico Verissimo 01/05/2002;
65 - Nivaldo Pereira da Silva. Deus morto no Pampa: a religiosidade gaúcha no mito
fundador proposto por Erico Verissimo 01/07/2006;
66 - Odiombar do Amaral Rodrigues. O tempo e o vento: uma leitura do gênero
01/10/1998;
Paula Godói Arbex. Erico Verissimo: tradutor 01/02/2003;
67 - Raquel Cima Benvenutti. A máscara e o fantoche: a presença da temática
pirandelliana em Erico Veríssimo e Ernani Fornari 01/06/1999;
68 - Regina Zilberman. Do mito ao romance: tipologia da ficção brasileira
contemporânea 01/11/1976;
113
69 - Rejane Vecchia da Rocha e Silva. Ficção e História: um estudo comparativo
entre Incidente em Antares de Erico Veríssimo e levantado do chão de José
Saramago 01/12/1994;
70 - Ronaldo Silva Machado. Romance e História: a revolução de trinta em O Tempo
e o Vento 01/03/2000;
71 - Rosana Romy Hartmann de Sousa. Incidente em Antares: uma sátira brasileira
01/09/2005;
72 - Silvana Maria de Jesus. Representação do discurso e tradução: padrões de
textualização em corpo paralelo e comparável 01/02/2004;
73 - Silvia Maria Contaldo de Lara. A tapeçaria do tempo uma análise de Ana Terra
01/05/1999;
74 - Simone de Souza Braga. Tempo de Bibiana: a representação da velhice em O
Tempo e o Vento de Erico Verissimo 01/08/2002;
75 - Simone Gonzales Sagrilo. A recepção de Olhai os lírios do Campo de Erico
Verissimo por leitores da bíblia 01/ 08/ 2005;
76 - Tanara Mantovani Sfalcin. Entrelaçamento da História com a Literatura em Ana
Terra de Erico Verissimo 01/05/2002;
77 - Tania Regina Oliveira Ramos. Memória: uma oportunidade poética
01/04/1990;
78 - Tatiana Maria Demori. Cultura e poder: o Guarani no discurso do outro
01/09/2005;
79 - Tenisa Zanoto Boeira. Erico Veríssimo: literatura e filosofia 01/08/2006;
80 - Teófilo Otoni Vasconce Torronteguy. O limite do social no território sul-rio-
grandense 01/12/1992;
81 - Tereza Copetti Dalmaso. Educação e trabalho no contexto da escola pública de
Ensino Médio, em tempo de crise civilizatória: um estudo de caso autora
01/042005;
82 - Valdnei Martins Ferreira. A Ana Terra na literatura e no cinema 01/08/2000;
83 - Valéria Mourales Cavalheiro. Melopoética de Erico Verissimo: a fuga romanesca
de Clarissa a Saga;
84 - Vergínia Luchetta Di Nallo. Atuações docentes em romances brasileiros: uma
análise à luz das transformações hisricas 01/04/2004;
85 - Wania Cecília Sacco. Identidade e representações da profissão docente: uma
análise a partir de um professor-personagem da literatura brasileira 01/06/2005;
86 - Xavier Silvia Niederauer. Gaúchos e castelhanos sem linha divisória(a imagem
do castelhano na literatura sul-riograndese) 01/04/1993.
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