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Para ingressar no terreno da tese da admissão de entidades
fictícias em sua ontologia, Thomasson resgata o conceito de parcimônia
ontológica, que ela afirma ficar por trás de muitas decisões ontológicas,
principalmente na tradicional rejeição a objetos ficcionais. Muitos
filósofos acham que assumir objetos ficcionais leva a uma ontologia
super-povoada, que admite um carnaval de entidades sem critérios de
identidade claros. Por isso, com vistas a uma ontologia mais lúcida, a
uma paisagem filosófica mais deserta, simplesmente eliminam certas
entidades ambíguas. Thomasson mostra que seres fictícios não
apresentam problemas graves em relação à referencialidade
108
ou a
condições de identidade
109
, o que já refuta os argumentos mais comuns
108
Thomasson oferece uma solução para o problema da referencialidade de seres
ficcionais através de um alargamento da Teoria de Referência Direta, em discussão
principalmente com Kripke, que usava essa teoria para afirmar a inexistência de entes fictícios
devido a sua impossibilidade de ser referidos por um nome. Pois, de acordo com sua versão da
teoria, nomes funcionam através de referência direta ao objeto que denominam, portanto,
circunstâncias causais e históricas são essenciais. O modelo de Kripke defende que a referência
de um nome se determina pelo batismo de um objeto e a proliferação do uso desse nome para
designar esse objeto. O ponto é que os personagens fictícios não poderiam ser batizados em
uma circunstância causal e histórica porque não têm localização espaço-temporal, não podem
ser apontados. De acordo com Thomasson, a intuição fundamental da teoria de Kripke, de que
a referência tem a ver com circunstâncias causais e históricas pode e deve ser mantida, mas o
―batismo‖ pode ser alargado conceitualmente, isto é, pode ser concebido de modo diferente
para objetos abstratos. O batismo de um personagem é feito ao se nomear a descrição de um
personagem, por exemplo, e o texto concreto e espaço-temporal fornece um vínculo público
que possibilita a referencialidade nesse sentido (algo para se apontar). Ou seja, deve-se admitir
que, apesar de essenciais, essas correntes causais e históricas não são as únicas coisas
envolvidas na nomeação: a dependência também deve ser incluída, o que permite a nomeação
de entes não espaço-temporais, como ficções, leis, teorias, entes matemáticos, etc. Ou seja, a
referência viaja não apenas através de cadeias de causalidade entre o nome e a coisa, mas
através de cadeias de dependência ontológica. É desse modo que Thomasson consegue
preservar a teoria da referencialidade direta histórica, mas estendê-la de modo que possa incluir
também referência a entes fictícios e outros tipos de entes abstratos que preservam vínculo de
dependência ontológica com entes reais. Cf. THOMASSON, A. Fiction and Metaphysics.
Cambridge: Cambridge University Press, 1999.
109
A pensadora começa a esclarecer as condições de identidade dos objetos ficcionais
através de uma refutação das teorias meinongianas, que afirmam que as condições de
identidade da ficção assemelham-se às condições de identidade de outros seres abstratos, como
conjuntos e tipos lógicos. Esse modelo defende que objetos ficcionais são idênticos apenas se
possuem as mesmas propriedades. O problema mais grave dessa teoria está em reedições,
traduções, continuações, etc., nas quais um personagem pode alterar algumas de suas
propriedades. Esta teoria levaria à conclusão de que não se trata mais do mesmo personagem, o
que vai contra a prática comum de identificar personagens. Isso se dá porque as condições de
identidade da teoria meinongiana ignoram o vínculo histórico e a questão da origem histórica,
que está presente na prática lingüística de identificar personagens ficcionais, porque que ele os
pensa como entes abstratos independentes. Como alternativa, Thomasson busca as condições
de identidade de um personagem ao longo de uma mesma obra, o que é mais simples, e ao