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Ora, se em virtude do fim se determina o valor, duas questões se colocam: qual é a
essência dos fins buscados nas coisas? E qual é o valor desses próprios fins? A primeira
dirige-se aos fins (foco do capítulo III, discutido no presente tópico) e a segunda, aos
valores (foco do capítulo IV, discutido no tópico seguinte).
Jonas destaca o duplo sentido da expressão “ter um fim”. No primeiro,
o fim faz
parte do conceito da coisa,
conceito que precede sua existência e é a causa
440
de seu
devir. Isso significa que o conceito é subjacente
441
ao objeto e não o objeto ao conceito.
O conceito é a razão de ser de todas as coisas que têm o fim como sua real determinação
e sua essência que é, ao mesmo tempo, idêntica ao seu fim e sem o que não teriam
existência. Há, porém, outro tipo de relação, no qual ‘o fim não reside na coisa’
442
. Caso
em que o fim não se origina dos próprios objetos, nem exclusivamente de seus
conceitos, mas é determinado por quem os produz e em função do quê ele os produz.
Nesse segundo sentido, portanto, o fim dos objetos não se encontra neles mesmos,
mas advém de seu produtor ou do usuário que os detém. Isso se aplica a todos os
objetos inanimados, enquanto artefatos produzidos pelo homem, com vistas a
desempenhar um determinado fim. O que Jonas exemplifica com o martelo e o relógio.
440. Cabe notar que esse primeiro sentido faz lembrar a causa final aristotélica. No original, Ursache:
causa, razão.
441. No original, zugrunde. Mas, é impossível não fazer nova menção a Aristóteles, quando tal vocábulo
sugere uma proximidade com a importante noção de substância, mas, não no sentido original expresso
pelo termo ousía, que significa primeiramente “os bens, a fortuna de alguém ou as propriedades de algo”
e sim em sua versão latina, sub-stantia, que chegou até nós significando “o que está debaixo, o que está
de pé, debaixo, aquilo que subjaz.” Para esse segundo sentido, existem duas palavras gregas, hypostasis e
hipokeimenon. Na verdade, a palavra substância é a tradução latina de hipostasis, “o que está de pé,
embaixo”. E Aristóteles utiliza a palavra hipokeimenon, para se referir ao que sub-jaz. Portanto, há a
substância e o que é subjacente. Pode-se, então, perguntar: “Subjacente a que? Ao que ocorre, ao que
acontece, ao que sobrevém, ao que Aristóteles chama simbebekos, do verbo symbainein, isto é, os
acidentes”. Assim, segundo Aristóteles, a substância ou hipokeimenon subjaz a seus acidentes. Cabe
acrescentar que a tradução latina predominante, provavelmente, se deve a Cícero e naturalmente foi
transmitida às línguas modernas, enfraquecendo, assim, o sentido original do termo ousía. Isso é relevante
para uma reabilitação fundamental na história da filosofia, já que prevaleceu a tendência a considerar “a
substância como o ‘substrato’, o que está debaixo de, o que é suporte de acidentes ou propriedades”,
eliminado, assim o seu sentido primordial e mais radical. Mas, voltando ao termo empregado por Jonas,
pode-se pensar que, nesse caso, o conceito subjaz àquilo que “sobrevém”, ao “acidente”, que é o objeto
propriamente dito. Fonte: http://www.hottopos.com/harvard3/jmarist.htm - Acesso em 25/06/08.
442. Discutido no segundo item do tópico 1, do capítulo III de PR, p. 110: “O fim não reside na coisa”.