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2
Ficha catalográ ca elaborada pela
Biblioteca do Instituto de Artes da Unicamp
Título em inglês: “Ceramic Prints The unpredictible meeting of ceramics, printmaking and  re.
Palavras-chave em inglês (Keywords): Ceramics ; Printmaking ; Imprints ; Landscape. Titulação:
Doutor em Artes.
Banca examinadora:
Profa. Drª. Lygia Arcuri Eluf
Prof. Dr. Marco Francesco Buti
Profa. Drª. Luise Weiss
Profa. Drª. Maria Geralda Mendes Ferreira da Silva Dalglish
Profa. Drª. Cláudia Valladão de Mattos
Prof. Dr. Ivanir Cozeniosque
Profa. Drª. Helena Freddi
Data da defesa:13-02-2008
Programa de Pós-Graduação: Artes.
Miranda, Zandra Coelho de.
M672i Impressões em cerâmica Convite ao encontro caótico entre a cerâmica, a
gravura e o fogo. / Zandra Coelho de Miranda. – Campinas, SP: [s.n.], 2008.
Orientador: Lygia Arcuri Eluf.
Tese(doutorado) – Universidade Estadual de Campinas,
Instituto de Artes.
1. Cerâmica. 2. Gravura. 3. Impressões. 4. Paisagem.
I. Eluf, Lygia Arcuri. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de
Artes. III. Título.
(em/ia)
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3
Instituto de Artes
Comissão de Pós-Graduação
Defesa de Tese de Doutorado em Artes, apresentada pela Doutoranda
Zandra Coelho de Miranda – RA 891214, como parte dos requisitos para obtenção
do título de Doutor em Artes, apresentada perante a Comissão Julgadora:
Profa. Dra. Lygia Arcuri Eluf – DAP/IA – Unicamp
Presidente/Orientador
Prof. Dr. Marco Francesco Buti – ECA – USP
Membro Titular
Profa. Dra. Maria GeralLalada Dalglish – Unesp
Membro Titular
Profa. Dra. Cláudia Valladão de Mattos – DAP/IA – Unicamp
Membro Titular
Profa. Dra. Luise Weiss – DAP/IA – Unicamp
Membro Titular
5
Resumo
Este trabalho de pesquisa em Arte surge a partir da experiência da
gravura, seu pensamento construtivo e seus processos; somando-se a este fazer
o repertório visual, material e técnico da cerâmica. A moldagem através da
impressão de placas de argila e do despejo de barbotina, permite a criação de
séries de módulos múltiplos que uma vez entintados revelam a imagem impressa
em relevo. A submissão da terra à multiplos processos de queima aponta para
uma dimensão ritualística e intrínsecamente metafísica, a qual, tradicionalmente,
acompanha a trans guração do barro em matéria cerâmica. A temática de todas
as séries apresentadas é a paisagem local, tendo o ateliê como ponto de partida
– e através de fragmentos vegetais e minerais esta paisagem é poéticamente
reconstruída.
Abstract
This Art research work has roots in the experience of printmaking, its
processes and constructive thinking, adding to it ceramics visual references,
techniques and materials. Molding through slip casting and imprints in clay
slabs allows to create series of multiple modular shapes that once tinted with
pigments reveal the image in relief. Clays submission to multiple processes of
ring points towards an intrinsec, ritualistic and metaphysical dimension wich
traditionally follows the transformation of clay matter into ceramics. The subject
of all series presented is the local landscape, having the art studio as starting
point – and trough vegetal and mineral fragments this landscape is poetically
reconstructed.
7
Sumário
13 Introdução
17 Ciclos
63 Ritmos e Fluxos
87 Linhas e pontos – A natureza do desenho
114 Bibliogra a
117 Anexo I – Gravura em metal
121 Anexo II – Antecedentes
131 Anexo III – Técnicas e Processos
9
Dedicatória
Ao Glauco e à Tereza
pelo tempo cedido a este trabalho.
11
Agradecimentos
Aos parceiros preciosos e amigos queridos
Flávia Fábio, Fabiana Grassano,
João André Garboggini, Cláudio Garcia,
Joana Mostafa, Priscila Ru noni, Ana Lúcia Calzavara,
Cristina Rocha, Jean Jackes Vidal, Geni Phillips,
Fábio de Bittencourt, Carusto Camargo,
Ynaiá Barros, Walkyria Pompermayer,
Luciana Mourão, Vani Burg, Helena Freddi,
Sálua Guimarães e Raquell Catharino.
À Lygia Eluf, pelo comprometimento e pelos valiosos insights.
À Silmara Watari, pela fagulha.
À Dulce Diniz, pelo revezamento.
À minha família, pelo apoio, sempre.
12
13
Introdução
14
o sentido do meu fazer e o signi cado que construo
para a paisagem em si. Vinhetas fotográ cas registram
frestas das paisagens geradoras das matrizes.
No desenvolvimento destes relevos gravados a
paisagem é reconstruída como um registro matérico. A
matéria é testemunha da paisagem, reduto da memória
local e o acúmulo de substâncias das coisas vivas e inertes,
em sucessivas camadas, testemunha os ciclos naturais.
O olhar artístico captura estes fragmentos matéricos, de
origem vegetal, animal e mineral e os transforma através
de diversos processos de apropriação, transferência e
nalmente de transmutação nos processos de queima.
Esta prática é regida por uma lógica intrínseca que
combina o pensamento racional e o intuitivo – duas
formas complementares de saber. Este conhecimento
é marcado por um experimentalismo muitas vezes
tateante e errático, mas que não falha em reconhecer os
resultados desejados quando os alcança.
É sabido que o fazer artístico dentro da
Universidade vê-se confrontado com demandas que
podem comprometer sua natureza, buscando traduzir a
linguagem visual e sensível para a linguagem escrita, com
critérios ciêntí cos e um pretenso rigor metodológico.
Este trabalho inicia-se com a prática artística e por isso
A pesquisa plástica abordada neste trabalho
de doutoramento engloba um período de dez anos,
documentados a partir do trabalho atual: índices
da paisagem registrados em painéis modulares de
cerâmica. A apropriação direta das formas naturais
marca um momento de transição em minha
investigação artística e representa o início da produção
que compõe a exposição realizada para a obtenção
do título de doutor. Este projeto poético está em
constante desenvolvimento e não se esgota no recorte
aqui apresentado, por isso registros do processo criativo
buscam explicitar o caráter de continuidade do trabalho.
Documentadas nos anexos estão duas fases anteriores
diretamente relacionadas às gravações em cerâmica, um
dos anexos registra a gravura em metal e as monotipias
desenvolvidas no mestrado e o segundo anexo expõe
uma parte dos relevos em cerãmica, séries de relevos
modelados em argila e as primeiras experiências com a
moldagem. O trabalho que proponho como processo e
resultado da pesquisa realizada é apresentado em três
capítulos; a documentação fotográ ca é justaposta ao
texto do memorial descritivo, onde a origem dos moldes
e os processos são descritos. As matrizes originadas,
a partir de fragmentos vegetais, terâo sua espécie de
origem identi cada. Em um texto paralelo, apresento
questionamentos, re exões e referências que pontuam
15
minha resposta a estas demandas acadêmicas parte da
práxis e só pode ser poética: as referências são outros
artistas, outros universos criativos, outras construções
visuais movidas por pulsões semelhantes às que me
movem. Este mapeamento inclui ainda as referências
que norteiam a parte re exiva – que se expressa através
da linguagem escrita – referências oriundas da literatura
e mais especí camente da crítica de arte, da  loso a,
da história, da poesia, da antropologia e dos escritos
deixados por outros artistas. A parte dissertativa do
trabalho é necessáriamente uma outra criação, em
muitos aspectos independente da prática.
16
17
Ciclos
18
19
Sobre a paisagem
Nossa paisagem materna é um elemento
fundamental de nossa identidade. A idéia de que somos
formados pelo que nos cerca, por nossa paisagem, busca
raízes na de nição grega de destino resgatada por Fayga
Ostrower, em seu livro Acasos e Criação Artística
1
. A autora
apresenta-nos a palavra grega MOIRA, que se refere ao
destino humano, como tendo originalmente um sentido
espacial. Esta palavra refere-se ao espaço que uma pessoa
ocupa durante a sua encarnação: sua origem, a trajetória
de sua vida, as fronteiras conquistadas, sua inserção em
um panorama mais amplo. O tipo de apropriação que
faz e a percepção que tem do espaço de nem o destino
desta pessoa.
As séries de gravuras em cerâmica que apresento
partem da forma encontrada na paisagem, de origem
mineral , vegetal e animal, e da terra que é a própria carne
do lugar, portanto, são completamente determinadas
pela geogra a local. Parece-me uma decorrência natural
assumir a paisagem como campo de pesquisa. O ateliê
representa o epicentro das atividades plásticas como o
1
OSTROWER, F. Acasos e criação Artística. Rio de Janeiro, Ed. Campus.
1990.
Ciranda de Sementes
Flamboaiã [do francês  amboyant]
Árvore Cesalpinoídea (Poinciana Regia),
ornamental, originária da África tropical e
de Madagascar, da família das leguminosas
– cesalpináceas, de porte superior a 10 m,
com ramagem alta e engalhada. Folhas
grandes com dez a vinte pares de pinas
e estas com numerosos folíolos ovais,
pequenos. Flores em corimbos racemosos
e grande vagem escura e pendente. Perde
as folhas na fruti cação.
Nestes conjuntos, quatro módulos
semicirculares compõem uma mandala em que
relevos alongados alinham-se em um movimento
espiral. Estes quatro módulos não são regulares,
seus encaixes não são precisos, mas seu movimento
é incisivo. O redemoinho formado pelos relevos,
entrecortado por fragmentos de linhas transversais
nos direciona o olhar em círculos e nos embala nesta
ciranda de fragmentos da paisagem. As longas vagens
pontuam meu caminho quando estou chegando no
ateliê em algumas épocas do ano; em outras, um
tapete vermelho estende-se com  ores derrubadas
pela chuva, em determinadas épocas a árvore se
despe das folhas, e se iluminam as poderosas raízes.
A cada ano, este ciclo se reinventa inexorável, mas
sempre com suas próprias particularidades.
As sementes dos Flamboaiâs dançam em
uma ciranda de fragmentos minerais e biológicos
recolhidos diretamente do solo embaixo das árvores.
20
21
umbigo desta geogra a. Esta delimitação espacial está
relacionada a uma escolha metodológica.
Uma ação de deslocamento na paisagem
como o ato de caminhar pode assumir o duplo sentido
de reconhecimento do espaço: externo e interno. A
presença humana e a ocupação de um espaço mudam
seu caráter, e o que era apenas espaço passa a ser
considerado lugar, cenário da experiência (YUAN, 1983).
A forma como as pessoas percebem e caracterizam o
espaço as individualiza. O mapeamento do lugar, através
do que posso apreender pelos sentidos, ajuda-me a
entender minha própria posição no mundo e minha
postura em relação a ele. O fascínio exercido pelo lugar
e sua posição central na existência humana é iluminado
por Lucy Lippard no seguinte trecho:
The lure of the local is the pull of the place that
operates on each of us, exposing our politics and our
spiritual legacies.
It is the geographical component of the psychological
need to belong somewhere, one antidote to a prevailing
alienation.
(LIPPARD, 1997)
A elaboração interna das informações sobre
o espaço local constrói e reconstrói minhas paisagens
e minha própria natureza. O meu corpo, inserido no
espaço e compartilhando com ele a materialidade,
Percebemos na superfície das cópias a impressão
deixada por folhas vivas em primeiro plano e folhas
mortas nas camadas de baixo. Percebemos também
o relevo de pedras, além da imponente presença
da grande semente, impregnada de seu poder de
fecundidade, remetendo-nos aos grandes ciclos
naturais de renovação. O movimento das vagens
suga nosso o olhar em direção a algum ponto em seu
centro, que tem a leitura visual de um orifício que
traga este redemoinho.
O registro deste momento no ciclo desta
alameda de Flamboaiâs em meu caminho é fornecido
pela matéria acumulada no chão sob seus galhos. A
partir do momento em que me aproprio da superfície
deste recorte da paisagem posso começar a observar
sua impressão, ou seja, a superfície negativada no
molde revela-se novamente nas impressões com
a visualidade que lhe foi capturada. Esta matriz foi
pensada para ser impressa com grandes placas de
argila, que captam sua ampla superfície em arco
(cerca de 60 cm). O processo de impressão iniciou-
se com várias cópias perdidas, pois no processo de
secagem as placas sofrem uma retração signi cativa
e trincam próximo aos relevos mais retentivos. Algum
estudo me revelou o ponto de secagem ideal para
a desmoldagem das placas e adaptações na matriz
viabilizaram as primeiras tiragens.
A primeira seqüência de cópias desta
matriz está identi cada como conjunto n
o
1, em
que experimento meus primeiros procedimentos
de entintagem, realizada aqui com óxidos de ferro
e manganês. Nesta seqüência, resolvo também os
22
23
problemas de articulação entre os módulos, que
eram inicialmente amarrados entre si e ganharam
com a experiência uma montagem como módulos
independentes, compondo o conjunto diretamente
na parede.
1
No conjunto n
o
2 experimento um
procedimento que passa a ser recorrente a partir
deste ponto: a terceira queima. Queimados em baixa
temperatura os módulos são alinhados e submetidos
à queima primitiva em fogueira. A superfície da argila
ganha manchas irregulares de fuligem e os esmaltes
de baixa temperatura, à base de chumbo, volatilizam-
se produzindo fantasmas brancos nos contornos que
favorecem a leitura das formas. Um dos módulos é
entintado com a inversão das cores, o que gera um
deslocamento visual deste quarto do círculo. Este
procedimento de inversão foi realizado também no
conjunto n
o
3, que mesmo estando queimado em alta
temperatura, foi submetido à queima de fogueira. Sua
superfície densa guardou menos marcas da queima
do que no conjunto n
o
2. Experimento um esmalte
transparente no arco identi cado como conjunto
n
o
4, para obter um registro mais claro do movimento
do fogo, mas considero que meu melhor resultado
está no contraste obtido pelo conjunto n
o
5. Neste,
a queima de fogueira  ca fortemente marcada na
superfície porosa e os relevos entintados com um
esmalte transparente  cam impermeabilizados,
mantendo-se brancos.
1
Este primeiro conjunto foi agraciado com o prêmio aquisição
no 38 Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba em 2006, e
hoje integra o acervo da Pinacoteca Municipal Miguel Dutra.
fornece a mediação e as medidas: peso, volume, pés,
palmos, passos e até mesmo o crânio – a escala humana
relaciona-se diretamente com o tamanho e o formato
dos módulos. Para compreender seu lugar, o homem
sempre foi produtor de medidas e mapas tanto de
espaços externos quanto internos. O corpo humano
tem papel determinante para estabelecer parâmetros e
medidas para o tempo e o espaço. Lucy Lippard sintetiza
bem esta percepção.
Time may be  nally inseparable from place, even when
it´s symbolyzed as an abstraction or independence
from place/body, but the historical conjunction of the
two has come to mean possession or domination of
nature. Time as a line and space as a circle have been
interpreted as male and female.
(LIPPARD, 1983. pg121)
O ato de caminhar representa o ato fundador
neste trabalho: da percepção direta da paisagem surgem
elaborações mentais e formais que buscam conhecê-la
em todas as suas camadas de profundidade. O mergulho
no caos do mundo, através da experiência de uma deriva,
24
Ciranda de Sementes
Pg.17 Conjunto 3. Cerâmica de baixa
temperatura, entintagem com esmaltes
alcalinos em queima primitiva.
Pg.18 Conjunto 5. Cerâmica de baixa
temperatura, entintagem com esmaltes
alcalinos em queima primitiva.
Pg. 20 Conjunto 1 . Cerâmica de baixa
temperatura, entintagem com óxidos
metálicos.
Pg. 22 Conjunto 4, com duas peças. Cerâmica
de baixa temperatura, entintagem com
esmaltes alcalinos em queima primitiva.
Pg. 23 Registro fotográ co de uma alameda
de Flamboiâs.
Pg. 24 Conjunto 3 (acima): Cerâmica de baixa
temperatura, entintagem com esmaltes
alcalinos em queima primitiva; conjunto
2 (abaixo): Cerâmica de alta temperatura,
esmaltes e óxidos.
Pg. 25 Detalhes das superfícies das
impressões em três tiragens com entintagens
e queimas diferentes.
Módulos de aprox. 60 cm de largura.
2006
25
como uma caminhada ou um trajeto realizado em um
automóvel, gera um estado de consciência particular. A
atenção difusa neste deslocamento favorece insights e o
olhar é direcionado de modo especial em momentos que
são registrados e passam a integrar a obra artística. Como
explicar estes raros e preciosos momentos de epifania?
De que forma poderíamos descrever a inesperada
atração exercida por um broto de caeté que se ergue da
lama ou a delicada construção de um casulo de lagarta
sobre nossa sensibilidade? Estes encontros fortuitos
com lugares, com objetos, plantas e outros recortes da
natureza parecem algo que acontece ao acaso, mas são
na verdade o que Fayga Ostrower chama de acasos
signi cativos. Aquilo que percebemos visualmente é a
resposta súbita para um potencial latente especí co, que
engloba todo um repertório de perguntas e questões que
já carregávamos e que de repente entram em perspectiva.
Nossa necessidade interna de poesia encontra eco nestas
estruturas exteriores.
A paisagem que percebo e registro é um
laboratório que potencialmente contém respostas para
muitas de minhas perguntas e meu dever é investigar
com o maior grau de profundidade possível todos os
seus elementos – vegetais, minerais e animais, incluindo-
se a nossa própria espécie e o impacto que exerce em
26
Impressões da fertilidade
27
Impressões da fertilidade
Jacarandá Árvore leguminosa
(Machaerium Villosum) comum no Brasil,
de folhas penadas,  ores pequeninas,
violáceas, legume alado e lenhoso e que
fornece mui apreciada madeira de lei, de
cor escura e desenhos variados.
Esta gravura em cerâmica foi desenvolvida
a partir da impressão direta dos cachos de sementes
do jacarandá arranjados no chão, à sombra destas
árvores. O formato da matriz é pensado como um
eco da forma da vagem, inclusive pela ondulação
que a superfície desenvolve em seu centro, que se
assemelha à da superfície das sementes. As formas
e texturas captadas na superfície da matriz de gesso
reconstroem o local de onde foram capturadas. O
solo local, resíduos orgânicos e restos de folhas são
pontuados pelos planos ondulantes das sementes
arredondadas, gerando uma leitura do trabalho
que independe de sua posição, uma leitura all
over, como a da superfície de um action painting”.
As peças foram executadas em argila branca e
queimadas em alta temperatura, com um esmalte
transparente  xando a entintagem realizada com
óxidos de manganês e de cobre.
O formato sintético do módulo mostrou-
se fácil de copiar e apropriado para diversos tipos
de montagens – e me possibilitou perceber que a
nalização dos módulos, sua queima e esmaltação,
não representam o  nal do processo. É o início de
uma outra etapa da pesquisa: aquela que investiga as
seu habitat. Um de meus mais valiosos instrumentos
de pesquisa é a representação, suas possibilidades
e repertório histórico, assim como os diferentes
instrumentos de registro – em particular o desenho,
a fotogra a, a modelagem e a moldagem direta. A
reconstrução da paisagem através de suas formas e
sua materialidade identi ca e analiza os fragmentos
signi cativos e a atuação que exercem um sobre o outro,
além de sua relação com o todo. As características
cíclicas e de interdependência destes componentes é
explicitada em muitos momentos do trabalho e a mão
do homem na natureza transparece implacável.
Fragmentos da Paisagem
Desde as primeiras gravuras em metal, até as
peças em cerâmica, as formas e elementos naturais são a
inspiração para a construção de imagens bidimensionais
e objetos tridimensionais. Na série Ouriços e Cactos ( vide
anexo II) temos um conjunto de peças com inspiração
vegetal, em que já estavam incorporados elementos
da paisagem que precedem em muito o atual viés de
trabalho. Uma outra tentativa de traduzir a visualidade
de uma área de mananciais com  uxos de água para
o vocabulário da cerâmica está representada na série
Fio D’água, uma seqüência de módulos cerâmicos com
28
À esquerda:
Semente do Jacarandá mimoso encontrado nas
imediações do ateliê.
À direita:
Friso I
Gravura em Cerâmica de Alta Temperatura.
Série com 23 peças.
Entintagem com óxidos metálicos.
30 X 23 cm cada módulo. 2005
29
possibilidades de combinação das peças modulares.
Desenhos circulares, vários tipos de mandalas e frisos
com ritmos ondulantes são indícios desta riqueza de
variações combinatórias. As primeiras investigações
de montagem privilegiavam a leitura de frisos
horizontais. Investigo e registro também algumas
montagens compondo mandalas, que tem uma
a nidade intrínseca com as características cíclicas
evocadas por estes fragmentos. As possibilidades de
combinações desta forma curva em mandalas são
bastante amplas e quanto mais as manipulo mais
desdobramentos encontro.
vidro fundido. Em ambos os casos, um elemento da
paisagem é isolado e retrabalhado, em uma pesquisa
muito experimental do ponto de vista dos materiais.
Provoco os processos naturais: oxidações, queimas e
fusões, para recolher no  nal um objeto que incorpora
o acaso e o caos. Estes são processos inicialmente
induzidos, mas  nalmente autoconduzidos, regidos
somente pelas suas leis dinâmicas internas.
O ato de isolar aspectos da paisagem ganha
um sentido particular na série de gravuras em cerâmica
que compõem o corpo mais recente de trabalhos. Nesta
série a representação da paisagem é produzida através
da moldagem direta de elementos naturais e depois
reproduzidas em módulos cerâmicos que podem compor
grandes painéis, os quais reinventam a paisagem. O
processo de elaboração é longo e muitas vezes o
resultado  nal distancia-se bastante em termos formais
do fragmento da paisagem que o gerou. A seleção do
que irá fazer parte do trabalho é o momento crucial da
criação. Dentro do universo espacial em que o ateliê está
inserido o meu olhar procura indícios materiais onde
os elementos da paisagem aparecem em sua essência,
de modo que o fragmento selecionado possa manter
uma relação estreita com o todo, representando-o com
propriedade. O ato de se isolar partes de um todo mais
30
amplo guarda uma relação intrínseca com um momento
peculiar na História da Arte associado com o nascimento
do que hoje chamamos de paisagem.
A paisagem como gênero artístico está de nida
da seguinte forma no dicionário de termos artísticos
organizado por Marcondes:
Quadro em que o tema principal é uma
representação de formas naturais, de lugares
campestres, seja parque ou  oresta, freqüentemente
abarcando uma grande área e distâncias, podem
incluir  guras, para dar uma sensação de escala,
mas é inteiramente subordinada à vista como um
todo. A data da mais antiga paisagem é discutível,
embora reproduzi-la artísticamente como pano de
fundo seja do tempo da civilização grega. Através da
Idade Média a paisagem permaneceu como pano
de fundo para outros temas ainda que Leonardo
tenha dado grande importância ao estudo dos
aspectos naturais e à perspectiva aérea, não foi
antes dos paisagistas holandeses do séc. XVII que
ela realmente emergiu como tema independente.
(MARCONDES, 2003)
A questão do recorte compositivo pode ser
associada a um momento especí co da paisagem
amenga em que o gênero paisagem está ganhando
autonomia. Nesta sociedade e neste momento histórico
particular surgiu uma classe burguesa forte e cada vez
mais laica e, com isto, uma demanda por temas que não
Mandala I
Gravura em Cerâmica de Alta Temperatura
Série com 23 peças.
Entintagem com óxidos metálicos.
30 X 23 cm cada módulo. 2005.
31
Mandala II e III
Gravura em Cerâmica de Alta Temperatura
Série com 23 peças.
Entintagem com óxidos metálicos.
30 X 23 cm cada módulo. 2005
fossem sacros. Enquanto na Idade Média o ambiente
natural e a representação do lugar não oferecia interesse,
esta conjunção especial de fatores na Holanda no séc.
XVI acaba por catalizar o nascimento da paisagem
ocidental. O ambiente doméstico e o contexto do
interior burguês favorecem um tipo muito especí co
de olhar, diretamente ligado à janela como elemento
determinante do recorte compositivo, do interior para o
exterior. No primeiro Colóquio Internacional de História
da Arte
2
o texto La Naissance du Paysage en Ocident,
de Alain Roger aponta para o fato de que a janela é um
dos fatores decisivos para o nascimento da paisagem
ocidental:
“Mais l’ èvénement décisif ést certainment l’ aparition
de la fênetre, cette veduta intérieure au tableau, mais
qui l’ouvre sur l’exterieur. Cette trouvaille  amande est,
tout simplement, l’invention du paysage occidental.
Une telle soustraction – extraire le monde profane
de la scéne sacrée – est, en realité, une addition: le
age sájoutant au pays; et il est vraisemblable que la
premiére occurrence occidentale du mot “paysage – a
désigné cette portion déspace, délimitée par la fenêtre
picturale
(SALGUEIRO, 2000. p. 35)
2
Este colóquio teve seus textos reunidos na seguinte publicação:
SALGUEIRO, H. A. (org.) Paisagem e Arte – A Invenção da Natureza, a
Evolução do Olhar. São Paulo: Ed. Fapesp , 2000.
32
A fragmentação da visão panorâmica e a
seleção de recortes é central em minha proposta, já que
trabalho muitas vezes com indícios bastante pequenos
deste universo. Quando faço a seleção do recorte
compositivo em meus estudos, o que eu busco dentro
do contexto natural-geográ co em que estou inserida
são os fragmentos matéricos que guardam, em seus
ritmos formais, os  uxos e os ciclos naturais e até as
alteraçõs causadas pela interferência humana. Muros
que contém e limitam a exuberância da paisagem, a
geometria do traçado das ruas, os volumes construídos
de casas, lajes e portais oferecem um certo padrão da
atuação da vontade humana com impacto irreversível na
paisagem. A presença humana também acaba coletada
pelo gesso das matrizes. Quero registrar os instantes
que expressem a vitalidade visceral da paisagem:
busco, preferencialmente, as áreas de mananciais,
brejos e as sementes e fragmentos de espécies nativas
Mandala IV
Gravura em Cerâmica de Alta Temperatura
Série com 23 peças.
Entintagem com óxidos metálicos.
30 X 23 cm cada módulo. 2005
33
(representativas da história local), busco o ritmo
vertical de matas e bambuzais, as marcas do tempo nas
superfícies, a riqueza e a precisão do desenho natural dos
seres, seus percursos, seu crescimento, suas cicatrizes.
O grau de fragmentação da paisagem do que
seleciono difere bastante da aproximação tradicional da
paisagem, principalmente daquela paisagem panorãmica
ou documental que pretende apreender grandes
espaços. Descrente na capacidade da percepção humana
de apreender a essência do espaço natural em que está
inserido, busco com meus fragmentos uma aproximação
maior, em um esforço por maior profundidade. Para
ilustrar e explicar melhor minha postura seleciono uma
das pranchas do livro Iconogra a e Paisagem
3
: “Floresta
virgem perto de Mangaratiba” , pintura produzida por
Rugendas, entre 1826 e 1835.
A seção de iconogra a reúne aquelas obras cujas
características estéticas pronunciadamente referem-
se à representação  el e detalhada de elementos
topográ cos, urbanísticos, da  ora ou da fauna, dos
costumes e de todos os aspectos, en m, que tiveram
como origem o comentário da natureza, do povo, e da
sociedade do país.(PEIXOTO, 2003. pg.13)
3
PEIXOTO, M. E. S.(org) Iconogra a e Paisagem. Rio de Janeiro: Edições
Pinacothéke, 1994.
34
Observamos nesta imagem um panorama em
que à representação dos aspectos geográ cos somam-
se verdadeiros tratados de botânica e minuciosas
descrições das espécies vegetais locais e dos exemplares
típicos da fauna. A riqueza de detalhes almeja o rigor
cientí co e de fato pode ser vista como uma espécie
de enciclopédia da geogra a e da botânica local. Esta
postura positivista e generalista, na comparação que
proponho, representa o oposto plástico da fragmentação
que procuro em meus procedimentos. Meu ponto de
vista é assumidamente parcial e pessoal e através deste
caleidoscópio de detalhes e resíduos matéricos construo
um panorama rizomático e fragmentário de meu objeto
de estudo.
Meu projeto poético identi ca-se com
fragmentos que têm signi cado latente há muitos
séculos. A valorização da terra, de sementes e todos
os ciclos naturais que são evocados pela sua simples
presença fazem reverberar ecos de cultos primitivos à
Deusa-mãe. Meu objeto é tratado com um sentido de
reverência pelo espaço em si, e por sua própria substância.
À direita:
Friso III
Gravura em Cerâmica de Alta Temperatura
Série com 23 peças.
Entintagem com óxidos metálicos.
30 X 23 cm cada módulo. 2005
Abaixo:
Friso II
Gravura em Cerâmica de Alta Temperatura
Série com 23 peças.
Entintagem com óxidos metálicos.
30 X 23 cm cada módulo. 2005
35
Mircea Eliade, em seu “Tratado de história das religiões”
4
aborda este tipo de aproximação à paisagem, que é
movida por uma certa intuição do sagrado. Este mesmo
movimento gerou uma multiplicidade de ritos e cultos à
terra em povos ditos primitivos.
A terra, para uma consciência religiosa primitiva é
um dado imediato: a sua extensão, a sua solidez, a
variedade de seu relevo e da vegetação que nela
cresce constituem uma unidade cósmica viva e
ativa. A primeira valorização religiosa da terra foi
“indistintaou seja, ela não localizava o sagrado
numa camada telúrica propriamente dita, mas
confundia numa única unidade todas as hierofanias
que se tinham realizado num meio cósmico
envolvente – terra, pedras, árvores, águas, sombras,
etc. A intuição primária da terra como forma religiosa
pode ser reduzida à fórmula: cosmos – receptáculo
das forças sagradas difusas.
(ELIADE, 1993, pg.196.)
Em vários módulos que compõem o capítulo
Ciclos, as matrizes foram realizadas diretamente sobre
a terra, captando-se todos os seus ruídos visuais e
aspectos de contaminação. Sobre a terra encontro um
símbolo poderoso de regeneração e fertilidade – a
semente. Esta incrível estrutura que se desprende das
formas vivas de uma árvore tem contornos sintéticos
e formatos reduzidos. Parece morta em seu invólucro
4
ELIADE, M. Tratado de História das Religiões. Lisboa: Cosmos, 1993.
36
37
lenhoso, mas sua forma é provisória e traz latente e
concentrada em seu interior uma nova vida e imensas
árvores. A árvore e suas sementes são elementos da
paisagem com um potencial simbólico festejado através
dos tempos. Ao lançar mão de signos vegetais como
estas sementes, as árvores, que estão latentes em sua
estrutura, folhas, galhos e outros resíduos vegetais,
sintonizo meu trabalho com uma postura identi cada
por Mircea Eliade nos cultos à vegetação de diversas
etnias:
Através da vegetação, é a vida inteira, é a natureza
que se regenera por múltiplos ritmos, que é honrada,
promovida, solicitada. As formas vegetativas são
uma epifania da vida cósmica. Na medida em que
o homem está integrado à natureza e crê poder
manipular essa vida para os seus próprios  ns, ele
manipula os sinais vegetais, ou venera-os.
(ELIADE, 1993, pg.196.)
As tendências compositivas e escolhas que
vão sendo feitas no percurso de um processo criativo
estabelecem uma tendência na obra e no projeto poético
de um artista. As opções apontadas e as a nidades
esboçadas sinalizam na direção de minhas tendências,
mas não podemos ignorar o fato de que o trabalho está
em mutação e maturação constantes, e conta o tempo
todo com a in uência do imponderável.
Ao lado:
Vista aproximada de um módulo. da série Impressões da
fertilidade.
Gravura em Cerâmica de Alta Temperatura
Série com 23 peças.
Entintagem com óxidos metálicos.
30 X 23 cm cada módulo. 2005
38
39
Ritmo de Sementes
Caesalpinea Paraguairiensis. Árvore
conhecida popularmente como pau-ferro,
com ocorrência farta no Mato-Grosso do
Sul, Argentina, Paraguai e Bolívia. Produz
in orescências amareladas e fruto legume,
lenhoso, achatado, preto e brilhante
com grande número de sementes viáveis.
Produz uma madeira densa, de textura  na
e homogênea e de grande durabilidade
natural, muito apreciada comercialmente e
comparada ao ébano.
Série elaborada a partir de um arranjo
das sementes de um exemplar do pau-ferro que
está defronte ao ateliê. Os legumes lenhosos são
organizados de forma a dividir a matriz ao meio
com uma faixa de relevos mais altos e outra área
em que as marcas do chão produzem uma textura
regular. Esta matriz, que foi a primeira a trabalhar a
apropriação direta dos vestígios do chão, carrega
em sua seqüência de impressões as marcas de sua
origem na gravura. O seu formato retangular seria
o primeiro indício de um pensamento construtivo
e compositivo comprometido com o formato do
papel, além das tendências compositivas ortogonais
observadas em gravuras como Noite Fria I e II ( vide
anexo I) O fato de uma placa de argila , que é aberta
em formas arredondadas e irregulares, ostentar
margens retangulares que limitam seus contornos
vincula-se à tradição de impressão de gravuras e às
margens do registro. Foram executadas séries em
argila branca com aproximadamente 50 módulos,
os quais, combinados horizontalmente em minha
Sobre a impressão
Tendo os processos construtivos da gravura
como marcos muito fortes em minha formação percebo
que o desenvolvimento do trabalho em cerâmica que
proponho tem aí seu ponto de partida. Ao voltar o olhar
para a paisagem e seu repertório de imagens e lançar mão
de um processo que me permite imprimí-la na matéria
argilosa gerando um múltiplo, tenho que reconhecer
que meu procedimento busca raízes em linguagens
diferentes, cada uma com suas especi cidades: a gravura
e a cerâmica. Percebo, em comum, nestas linguagens a
importância da dimensão histórica de ambas através de
sua ancestralidade, já que são técnicas ou linguagens
muito tradicionais e que têm seu desenvolvimento, seu
repertório de formas e seu papel junto à sociedade bem
documentados na história da arte. Ambas compartilham
uma certa vocação para o atendimento de necessidades
utilitárias – de transmissão do conhecimento pela
multiplicação da imagem no caso da gravura, e o
suprimento de objetos de uso cotidiano no caso da
cerâmica. Sendo o barro tão dócil e preciso na captação
de marcas, a impressão de imagens e relevos em sua
superfície torna-se viável e surge aqui a oportunidade
de uma ponte entre os dois universos processuais – o da
gravura e o da cerâmica. Acrescento minha proposta de
40
Ao lado:
Ritmo de Sementes
Tiragem em terracota sem molduras.
Gravura em cerâmica de alta temperatura.
Entintagem com óxidos metálicos.
Módulos medindo 20 x 30 cm aproximadamente. 2005
Pg. 38
Ritmo de Sementes
Gravura em cerâmica de alta temperatura.
Entintagem com óxidos metálicos.
Módulos medindo 20 x 30 cm aproximadamente. 2005
41
montagem inicial, formavam um grande painel
alongado em que a horizontalidade dos ritmos de
texturas e relevos e de tonalidades contrastantes
expande-se como um amplo panorama.
2
Nas
diferentes montagens, a justaposição das cópias
salienta as pequenas diferenças que individualizam
cada uma delas: ondulações na placa de argila
causadas pelas tensões da retração no processo de
secagem, trincas, acúmulos de óxidos, variações
da massa. O procedimento da gravura, que
almeja gerar múltiplos idênticos, combina-se com
procedimentos da cerâmica, que tem na própria
matéria e no encontro com o fogo momentos de
total imprevisibilidade. Além disto os processos
de entintagem não foram uniformes – as áreas de
contraste alternavam-se, sempre na horizontal.
Foram utilizados óxidos de manganês e cobre,
entintando-se a cópia úmida e fazendo-se depois
uma limpeza dos relevos (veja a descrição do
processo de entintagem no anexo III).
Com o tempo de convívio com a matriz
e as cópias produzidas, começo a questionar a
necessidade das margens. Na ùltima tiragem,
realizada em argila vermelha ou terracota, sem a
presença da margem de argila que se espelhava
nas margens do papel. O corte da placa em que
é impressa a cópia é feito rente ao molde, o que
deu independência à superfície e uma presença
do elemento material mais forte. Esta tiragem foi
pesquisa às investigações plásticas das duas áreas, em
toda sua riqueza de possibilidades em termos de forma,
função e signi cado.
Com o intuito de esclarecer a origem da
pesquisa atual, retrocedo cerca de dez anos para rever
as gravuras e monotipias realizadas durante o período
de desenvolvimento do mestrado. Estas gravuras estão
compiladas no anexo I deste volume e representam o
ponto de origem do trabalho atual. Nestas paisagens
eu dirigia meu olhar a recantos prosaicos – cantos de
espaços internos, prédios de dormitórios, galerias de
escoamento de água, trilhas de pedestres através dos
parques – sempre com um olhar geometrizante. Esta
escolha compositiva era interpretada por mim, na época,
como uma busca do que é humano na natureza ou
seja, da ação humana sobre ela, cercando, construindo
estruturas, impondo sua lógica ortogonal.
Em imagens como as do díptico “Noite Fria”(vide
anexo I), a representação de recortes da paisagem do
campus da Universidade de Illinois é associada a um
trabalho em camadas com o verniz mole, que raspado
em diferentes áreas e associado a banhos sucessivos em
ácido tornam a atmosfera daquela paisagem noturna
densa e enevoada e já con guram uma resposta a uma
2
No Salão Paulista, realizado no Mac-Usp do pavilhão da Bienal
foi executada uma montagem vertical, que se acomodou no
espaço exíguo que lhe cabia, espremido como um edifício.
42
À direita:
Ritmo de Sementes
Gravura em cerâmica de alta temperatura.
Entintagem com óxidos metálicos.
Módulos medindo 20 x 30 cm aproximadamente. 2005
queimada em alta, com esmaltes bem fundentes
à base de cinzas, para obter uma acumulação nas
texturas e nos pontos baixos do relevo. Nas sementes
que se projetam na superfície o esmalte escorre e
mostra o corpo da argila.
Esta foi a primeira matriz que copiei até o
limite de exaustão do molde de gesso, que já com
sua de nição comprometida, acabou por quebrar-
se ao meio, determinando o  m da série. Esta série,
porém, aponta caminhos poéticos e eu voltaria
mais tarde a investigar as sementes do pau ferro
em uma nova formulação do ritmo das sementes.
Busco, nesta nova abordagem, o formato circular
em diferentes diâmetros e o alinhamento das
vagens é espiral. Não deixo, como na série original,
espaços vazios, para criar este ritmo, mas nas formas
pontuais estes intervalos são dados pela superfície
de apoio. Fica claro neste movimento de pesquisa
que a investigação artística não se esgota em cada
uma das séries, mas que estas têm a capacidade de
gerar novas formas e agregar novas idéias.
À esquerda:
Matriz da série Ritmo de Sementes, perdida devido ao
processo contínuo de tiragem das impressões.
Acima:
Local de onde foram captados os registros e fragmentos
capturados pela matriz da série Ritmo de sementes.
43
certa necessidade de adensar camadas e trazer para a
representação uma qualidade de superfície que evoque
a materialidade. A sucessão de quadrados e retângulos
dos últimos planos contrasta com o emaranhado vegetal
no primeiro plano e reforça a dialética de con ito entre o
caos natural e a racionalidade humana.
Uma sensibilidade especial à
luz
e aos efeitos
dramáticos produzidos por ela na leitura de uma imagem
também permanecem uma constante nesta pesquisa.
Certos matizes psicológicos vêm à tona quando lançamos
mão de determinadas situações de iluminação, como
nas gravuras “Rasgo de luz” e “Herança”. Em “Rasgo de
Luz, o observador é posicionado em um espaço interno
e vê a paisagem através do recorte limitador de uma
moldura de porta – de novo a exuberância vegetal  ca
contida dentro de um enquadramento rígido. A luz que
chega a este ambiente fechado lança suas diagonais pelo
chão, criando uma atmosfera carregada de suspense.
Na gravura “Herança”, a antiga prensa surge como uma
aparição fantasmagórica na penumbra do ateliê, com
sua geometria peculiar dividindo o espaço grá co em
cinco vetores. Só o primeiro plano recebe um facho de
luz, conduzindo nosso olhar para a profundidade. Esta
preocupação com a luz assumirá novos desdobramentos
quando começo a trabalhar com relevos em cerâmica.
44
Ritmo de Sementes
45
À esquerda:
Montagem provisória de uma derivação da série Ritmo de
Sementes
Módulos medindoentre 10 e 25 cm de diâmetro, 2007
Abaixo:
Impressões em diferentes pontos de secagem.
Derivação da série Ritmo de Sementes.
Módulos medindoentre 10 e 25 cm de diâmetro, 2007
Nos primeiros trabalhos em gravura a paisagem
já era uma grande preocupação: a elucidação do
espaço, seus planos em profundidade, seus elementos
constitutivos e sua organização em relação aos limites
do suporte.
Nas últimas gravuras em metal trabalhadas
neste momento, a necessidade de incluir na imagem
os elementos materiais que constituem o que é
representado me conduz ao próximo passo.
Com o
desenvolvimento da exploração artística, os elementos
materiais da paisagem, como folhas e gravetos
começaram a se insinuar nas gravuras através do uso
do verniz mole, e hoje tenho clareza de que este foi o
embrião das séries de relevos gravados em cerâmica que
apresento neste volume.
A seqüência de monotipias que inicio neste
momento permite-me representar a paisagem mais
rapidamente, explorando a densidade da tinta de
gravura de uma forma que hoje me parece muito próxima
ao modelado empregado nos primeiros relevos em
argila. A imediatez desta técnica me permitiu explorar
a observação imediata da paisagem, que era então
elaborada diretamente na chapa de cobre, sem passar
por esboços iniciais. É desta época ainda a exploração
de temas oníricos, que se insinuavam no ateliê nas
46
Unidade Tripartida
47
Unidade Tripartida
Costus Spiralis. Conhecida popularmente
como cana branca ou cana de macaco,
herbácea rizomatoza, entouceirada,
nativa da América do Sul e do Brasil, possui
hastes semelhantes à cana, folhagem e
orescimentos ornamentais.
Este conjunto explora relações de
simetria em um módulo repartido em três pelas
in orescências da cana-branca. Folhas e hastes
compõem o restante das informações impressas na
superfície ogival do módulo. O nome do trabalho
invoca Max Bill, e sua forma faz referência às inúmeras
estruturas trinas encontradas na natureza.
O pensamento formal, que partiu da
gravura, neste módulo, ganha um desprendimento
em relação as suas origens que o afasta da leitura
bidimensional de uma matriz como ritmo de
sementes. Os módulos elevam-se da superfície
projetando-se até 25 cm de altura e adquirem
um status que os aproximam mais da escultura e
da instalação do que da gravura tradicional. Esta
matriz foi composta a partir de um relevo ogival
elaborado no torno mecânico que serve de suporte
para os fragmentos recolhidos da espécie vegetal,
no processo de moldagem. As in orescências do
pendão são pressionadas nesta base tensionando
a superfície que ondula túrgida debaixo dos
fragmentos selecionados. As pontas dos pendões
quase se tocam ao centro do relevo, gerando um
ponto de concentração ou foco que reúne as
primeiras horas de trabalho do dia, bene ciando-se
ainda do frescor das impressões da noite. Uma variação
de cores e particularmente os tons terrosos também se
insinuam nas sequências de paisagens representadas.
A verticalidade dos formatos passa a predominar e a
associação com o sagrado na leitura da paisagem  ca
evidente.
O Ciclo da gravura
Volta à gravura através da cerâmica.
Qualquer proposta ou projeto artístico tem
obrigatoriamente como cerne o entendimento do meio
ou da linguagem através da qual operam. O projeto de
pesquisa que apresento parte de uma prática fronteiriça
entre linguagens, onde procedimentos de gravação e
entintagem, que têm suas raízes na gravura são usados
sobre os materiais próprios da cerâmica. Assim se faz
presente a necessidade de voltar minha atenção para
as características destas linguagens em suas relações
materiais e simbólicas.
Documento no anexo II alguns exemplos desta
etapa fundamental da investigação – a elaboração de
relevos em peças únicas, geralmente compondo séries
48
49
de aproximadamente dez peças com o mesmo formato.
Estas séries me propiciaram um excelente laboratório
de pesquisa de possibilidades para a modulação
da superfície e seu comportamento em diferentes
queimas. Investigo então a reprodutibilidade destes
relevos e veri co que vários processos de moldagem
me permitem copiar estes contornos e ganhar escala
com a repetição da imagem. Ao justapor os resultados
das impressões explicito a semelhança das reproduções,
mas exponho também as diferenças e as particularidades
de cada cópia da tiragem. A série é então entintada de
uma forma muito semelhante à entintagem da gravura
em metal, só que com óxidos e esmaltes, que ao serem
limpos revelam o relevo impresso na superfície e geram
contraste grá co e modulações de cor, sugerindo
variações de iluminação na paisagem descrita pela
superfície. A repetição do módulo gera uma leitura em
que a reiteração da imagem torna o conjunto coeso.
Apesar de cada cópia da tiragem ser diferente das
outras, permanece em quem a vê, a presença da escala
industrial.
Percebo, na análise destes conjunto, o fato de
que a multiplicidade demonstra o quanto o fogo interfere
na qualidade da superfície e da matéria. A multiplicidade
de imagens que se repetem demonstra que o encontro
partes pressionadas. Este ponto da extremidade
do módulo assume o per l de um mamilo túrgido
de leite, pressionado por três grandes dedos. Devo
observar, também, que os conjuntos têm o per l
de montanhas, com diferentes alturas e a sensual
superfície ondulante dos morros.
A reprodução pelo método de despejo
(veja anexo III) permite variações na altura do
módulo, e a instalação de conjuntos, nos quais
os módulos parecem sair da parede e afundar
novamente em sua superfície. A relação destas peças
com a superfície da parede ou do chão sugere, para
quem as observa, uma relação de penetração – a
parede parece absorver parte desta peça gerando
uma leitura ritmada das alturas projetadas no
espaço. Os conjuntos são montados em arranjos
circulares na parede ou no chão, com os módulos
mais altos ao centro e os módulos mais baixos nos
limites da composição. Os módulos, como grandes
in orescências brancas, parecem brotar como
colônias de cogumelos da superfície de suporte.
O alinhamento das divisões e relevos também
determina a leitura  nal do trabalho, propondo
relações de continuidade e simetria entre estes
elementos, como ilustro nas imagens ao lado.
Nas primeiras tiragens experimentei
uma entintagem com óxidos metálicos e esmaltes
de cinzas. Estas cópias foram submetidas a uma
queima de alta temperatura, a 1240°C, e em seguida
submetidas a uma queima primitiva, ou queima de
fogueira – com a intenção de tensionar a matéria
ao máximo, e a porcelana que utilizo provou ser
50
Gravura em cerâmica de alta temperatura.
Módulos medindo aproximadamente
18 cm de altura por 15 de diâmetro.
Entintagem com óxidos metálicos e
esmaltes de cinzas.
Gravura em cerâmica de alta temperatura.
Módulos medindo aproximadamente
18 cm de altura por 15 de diâmetro.
Entintagem com óxidos metálicos e
esmaltes de cinzas.
51
com o elemento que representa o caos por excelência
– o fogo- tornou cada peça singular, e o processo de
transmutação revela uma nova materialidade, esta
perene. As superfícies cerâmicas adquirem trincas, os
esmaltes escorrem e formam acúmulos que distinguem
e particularizam certas áreas, manchas e torções de
retração acontecem durante a queima e tornam cada
cópia única, mesmo em sua multiplicidade serial. O
molde de gesso é o que se mostrou mais adequado para
os processos que desenvolvi, e as tiragens são feitas
em placas de argila e com barbotina, ou argila líquida.
É interessante perceber que o molde de gesso tem
durabilidade limitada, assim como as matrizes da gravura
tradicional, porém, são ainda mais frágeis que estas, o
que torna as séries  nitas e não muito numerosas.
A interface entre a cerâmica e a gravura
Por mais especí cas que possam parecer,
encontro nas duas áreas muitas a nidades e o
favorecimento deste encontro, na minha investigação
artística, tem produzido formas e imagens gravadas que
questionam as diferenças e multiplicam os repertórios
simbólicos intrínsecos destas duas linguagens. Meu
interesse é a fronteira entre a gravura e a cerâmica e
busco compreender o que cada meio oferece à poética
52
Gravura em cerâmica de alta
temperatura.
Módulos medindo
aproximadamente 18 cm de altura
por 15 de diâmetro. Entintagem
com óxidos metálicos e esmaltes
de cinzas.
53
da forma resultante. Para isto combino o desenho através
da leitura grá ca da linha e dos contornos dos volumes
com a superfície do barro. Sobre este, a ação do fogo:
o barro e o fogo são as contribuições da poética que
caracteriza a cerâmica. De ambas as tradições – tanto
da gravura quanto da cerâmica herdo a possibilidade de
geração do múltiplo.
O repertório de imagens gravadas remonta à
pré-história, assim como o extenso repertório de formas
da cerâmica, portanto é inegável que compartilhem a
ancestralidade. A gravura tem suas raízes na necessidade
do homem de documentar e de transmitir saber. É
uma linguagem exigente em termos técnicos, assim
como a cerâmica, e que tem em seu procedimento
técnico a própria de nição. Estas características reúnem
um conjunto de leituras que torna estas gravuras em
cerâmica um conjunto de obras com uma presença
poética muito peculiar.
Não se pode exaurir o conceito de gravura como
um enunciado que considera somente o ato técnico,
mas sim o entender como um processo dotado de uma
importante dimensão histórica e antropológica. Sendo
um procedimento técnico, fruto da engenhosidade que
nos distingue enquanto espécie humana, a gravura
resistente mesmo ostentando trincas. A montagem
que proponho para a exposição de Doutoramento
terá seus módulos executados com esta mistura
de porcelana, e será queimado apenas até o ponto
de biscoito, ou seja, a 900°C, e não será submetido
a nenhum processo de queima posterior. Estes
módulos serão expostos ao tempo pelo período de
três meses, colocados diretamente sobre o chão.
O que gostaria de observar, nesta devolução do
trabalho à natureza, é como ele se reintegra a ela.
Minha expectativa é a de observar o nascimento
de musgo, fungos e outras formas de vida na
superfície do módulo, concentrando-se na base
e nas reentrâncias das cópias, e de que a peça vá
adquirir uma pátina orgânica, geralmente bastante
interessante.
54
solicita em quem a vê uma empatia imediata. Isto
porque a própria técnica nos identi ca e nos une em sua
humanidade.
“Faire une empreinte: produire une marque par la
pression dún corps sur une surface. On emploie lê
verbe empeidre pour dire que lón obtient une forme
par pression sur ou dans qualque chose. On dite aussi
“ empeidre de qualque chose” (par example – une
visage empreint de gravite. Une connotation freqüente
de lémpreinte – par di erence avec la trace, peut être,
mais il faudra y revenir plus em detail – est que sont
resultat perdure, que son geste donne lieu a une marque
durable.
( HUBERMAN, 1997)
O princípio da impressão de uma marca
em uma superfície que a aceite e passe a exibir os
registros que lhe foram imputados é central em meu
procedimento. A superfície da matéria captada em
gesso é transferida por contato para a argila, que
transmutada em cerâmica pode então ser submetida
ao processo de entintagem.
Através destas marcas chegam até nós as
impressões pré históricas do contorno de mãos
humanas na parede das cavernas. A gravura cumpre
seu papel de registro e permanência no decorrer da
história da arte onde é possível veri car que ela segue
cumprindo esta função. A vontade de deixar um legado
Abaixo:
Investigar as relações de simetria
encontradas nas formas naturais é uma
ambição deste módulo. Justaponho, nesta
imagem, o primeiro módulo queimado
de Unidade Tripartida a uma semente
de Tingui, árvore encontrada no Pará. A
intimidade entre as formas destes objetos
motivou-me a moldar a semente de Tingui,
e, possivelmente agregar este segundo
módulo na montagem do conjunto.
À direita:
Tingui
Cópias da semente executadas em
porcelana e queimadas em alta
temperatura com esmaltes à base de
cinzas. Módulos medindo 5 cm de
diâmetro aproximadamente.
55
56
Manto tupinambá
57
Manto tupinambá
Caesalpinea Paraguairiensis. Árvore
conhecida popularmente como pau-ferro,
com ocorrência farta no Mato-Grosso do
Sul, Argentina, Paraguai e Bolívia. Produz
in orescências amareladas e fruto legume,
lenhoso, achatado, preto e brilhante
com grande número de sementes viáveis.
Produz uma madeira densa, de textura  na
e homogênea e de grande durabilidade
natural, muito apreciada comercialmente e
comparada ao ébano.
Neste conjunto composto por quatro
módulos diferentes retorno aos exemplares do pau-
ferro que circundam o ateliê. As sementes, as quais já
me emprestaram sua forma, não são o alvo de meu
olhar neste momento, e sim as curiosas raízes, que
sob sua forma lenhosa, parecem possuir uma pele
acinzentada, túrgida e que ostenta as marcas do
tempo em sua superfície – marcas de crescimento
e de desgaste. A história contada pela superfície
destas raízes é a de sobrevivência e a de violência.
Sob as árvores recolho diretamente das raízes as
cicatrizes deixadas pelo tráfego do gado sobre as
projeções radiculares.
As cópias impressas são entintadas
com óxidos de cobre, manganês e cobalto em
base reagente e gotas de esmalte vermelho são
depositadas sobre as cicatrizes, exacerbando
a percepção das cicatrizes e sugerindo um
sangramento. A associação com o Manto Tupinambá
original, que está no Museu Nacional da Dinamarca,
duradouro de imagens e formas motiva, entre outros
exemplos, a moldagem das máscaras mortuárias, leva
os imperadores a imprimirem seus rostos cunhados em
moedas metálicas e culmina na invenção da prensa de
Gutemberg, com impacto revolucionário na sociedade,
seus sistemas e técnicas de registro. Marcas impressas
da vida cotidiana, da dimensão espiritual, política e
da sensibilidade artística manifestam-se de formas
diferentes, mas constantes em todas as épocas. A gravura
é, como o desenho e a escrita, um impulso ancestral
movido pela vontade de permanência. Este ato simples
– a transferência da forma de um substrato para outro,
está na origem dos painéis que apresento.
Quando este impulso de registro encontra uma
substância que aceita suas marcas, e que depois de
queimada tem uma estrutura molecular absolutamente
estável, uma substãncia praticamente eterna, que nos
conta a história dos primeiros homens, sinto que tenho
em minhas mãos uma chave do tempo. Uma relação
com a materialidade que é de se transformar o fugaz, o
cíclico e o transitório em registro perene. A associação
entre as superfícies que produzo e a superfície de fósseis
é inevitável – uma relação de contigüidade com a forma
orgânica que se vê suspensa no tempo, incrustada na
lentidão da existência mineral.
58
59
parece-me pertinente pelo fato de que esta
tribo antropófaga, a um tempo, tornou-se um
elemento de identi cação ou identidade das
novas terras e ao mesmo tempo foi alvo dos
conquistadores, que passam a restringir a
população a reservas e, por  m, praticamente
levam a tribo à extinção. O Pau-ferro também
se tornou uma das espécies que identi cou a
região, e sua madeira de lei, muito apreciada,
o tornou alvo da extração que acabou por
praticamente extinguir sua ocorrência natural.
Alvo dos conquistadores de diferentes formas,
os Tupinambá e os exemplares do Pau-
ferro, carregam em sua história as marcas
da violência. O uso do vermelho reforça esta
leitura da superfície como contendo feridas. Os
módulos são montados sobre uma superfície
horizontal e assumem um contorno circular com
aproximadamente 1, 20 metros de diãmetro.
Devo acrescentar que estes
fragmentos moldados a partir das formas
vegetais, têm uma relação tão estreita e
orgânica com a paisagem que as imagens de
sua superfície ampliada podem ser associadas
a mapas e vistas aéreas de cordilheiras e vales
– em alguns destes módulos a cor esverdeada
sugere uma cobertura de vegetação, em outros,
o acinzentado denota uma superfície rochosa,
e os pontos avermelhados parecem crateras
incandescentes de vulcões.
O tempo e a matéria
Reconstituir a história local através da
apropriação de seus resíduos matéricos é um
procedimento que tem precedentes na história da
Arte. Ricardo Fabbrini, em sua publicação A Arte depois
das Vanguardas” reúne alguns exemplos no capítulo
intitulado “O signo matérico:
Artistas de vários quadrantes, o americano Julian
Schnabel, o alemão Anselm Kiefer ou o brasileiro
Nuno Ramos investigam se é possível retirar da
acumulação de materiais novas soluções formais.
Buscam extrair da matéria acumulada um campo
de possibilidades para a arte atual.A matéria é
considerada por eles o reduto da memória, uma
usina de imagens acumulada a ser pacientemente
escavada.
(FABBRINI, 2002, pg. 105.)
Esta forma de se perceber a matéria já se
manifestava em alguns de meus primeiros contatos
com a obra de Dubu et e o pensamento do movimento
que se convencionou denominar de Art Brüt. Autor de
uma série de monotipias em que a superfície entintada
recolhia resíduos do chão de seu ateliê, o artista abre
uma nova forma de pensar o registro do espaço e abre
caminho para a idéia de um registro matérico do lugar.
Para o artista, o problema da matéria havia surgido no
exato momento em que a forma artística deixa de ser
60
Quando as necessidades impostas pela seqüencia do
trabalho começam a  car sem resposta dentro do âmbito
da gravura, passo a explorar, então, outras linguagens e
técnicas que me permitem trabalhar melhor com a matéria
e pesquisar uma variedade de substâncias.
uma representação da realidade
5
para representar-se
como realidade autônoma em si. A matéria, para Dubu et,
é feita de humanidade vivida como certos aglomerados
rochosos são feitos de conchas. Para ele é a matéria que
deve contar a verdadeira história dos homens.
Este trabalho leva-me a percorrer duas linhas de
pesquisa: a representação da paisagem e investigações
sobre a natureza mais profunda da matéria. Revendo
meus antigos cadernos de desenho encontro desenhos
feitos com terra de formigueiro, pesquisas com  bras
variadas na confecção do papel artesanal, pinturas
executadas com massas e emulsões naturais, pedras,
etc. Percebo que a atração exercida pela materialidade
das coisas sempre foi constante. Nas séries anteriores
a matéria também esteve presente, tanto nas
pinturas executadas com toda sorte de materiais não
convencionais, quanto na cerâmica e nas gravuras onde
o verniz mole me permitia imprimir folhas e tramas.
Pg. 58
Manto Tupinambá.
Montagem circular.
Gravura em cerâmica de baixa temperatura.
Módulos produzidos a partir de quatro matrizes em formatos irregulares,
medindo entre 10 e 25 cm de largura.
Entintagem com óxidos metálicos e esmaltes à base de chumbo, queima
em forno elétrico e terceira queima realizada em fogueira.
5
CHALUMEAU, J. L. Dubu et : Lárt doit naitre du materiau. Paris, Cercle
Dárt, 1996.
61
Abaixo:
Vista aproximada dos módulos do conjunto Manto Tupinambá.
Gravura em cerâmica de baixa temperatura.
Módulos produzidos a partir de quatro matrizes em formatos irregulares,
medindo entre 10 e 25 cm de largura.
Entintagem com óxidos metálicos e esmaltes à base de chumbo, queima
em forno elétrico e terceira queima realizada em fogueira.
62
63
Ritmos e Fluxos
64
Manancial Negro
65
Manancial Negro
Bambu. Gramínea (Bambusa Vulgaris e
Bambusa Arudinácea) cujo colmo alcança
muitos metros.
O friso Manancial Negro recria o ritmo
vertical das matas de bambu que envolvem as
nascentes. A matriz de gesso foi desenvolvida a
partir da apropriação direta de taquaras de bambu
seccionadas em composição montada sobre blocos
de argila – as interferências horizontais sugerem o
uxo de água por trás da trama de bambus.
O friso composto por módulos
independentes tem a leitura grá ca de uma linha
preta quando visto a distancia, e se revela em uma
variedade de mutações inesperadas quando nos
aproximamos para observar. Vejo esta montagem
como um desdobramento ou uma expansão de
minha percepção do desenho, em que a linha negra,
traçando sua trajetória horizontal no espaço é um
desenho que contêm em si uma multiplicidade de
outros desenhos internos, com um ritmo vertical que
se contrapõe ao primiro movimento da linha. Além
destes movimentos opostos das linhas percebemos
também as marcas do embate da superfície com o
Sobre a argila
A matéria mineral se impõe neste trabalho
como entidade autônoma exigindo ser reconhecida
como algo que carrega signi cado em si. As argilas se
originam a partir da decomposição de rochas ígneas
ou metamór cas, com ocorrência em toda a crosta
terrestre (GABBAI, 90)
1
.
Grandes blocos de rocha
formados a partir do resfriamento do magma líquido
que alcança a superfície sofrem a ação dos elementos
decompondo-se em partículas pequenas, que tendem
a formar depósitos próximo a rios e lagos, pela ação
das chuvas. As melhores argilas são as que sofrem mais
tempo a ação dos elementos erosivos, as mais antigas.
Este material abundante e comum em todos os locais da
terra parece ter uma história de aliança com a existência
humana. Crianças do mundo inteiro se deixam seduzir
pela sua plasticidade e pela doçura de seu toque. A
argila nos deu abrigo em construções de taipa, já nos
deu comida em recipientes cálidos, transportou nossa
água, azeite e vinho. É receptiva e aceita como nenhuma
outra superfície a impressão das marcas que recolho.
1
GABBAI, M. Cerâmica – Arte da Terra. São Paulo, Callis Editora, 1990.
66
fogo. O  uxo do ar e do fogo determinam as manchas
de redução deixadas na composição do óxido de
cobre, que registra em minúcias e na profundidade
do corpo da argila este encontro caótico. A linha
descrita pelo friso pode percorrer uma trajetória
reta ou se adequar aos planos propostos pela
arquitetura, dobrando o ângulo de paredes, traçando
o contorno de colunas e desenvolvendo no espaço
suas possibilidades grá cas. Em uma exposição de
professores realizada na galeria Vicente DiGrado e no
39 Salão de Arte Contemporânea de Piracicaba o friso
Manancial Negro foi mostrado de uma outra forma.
Foi executado um suporte para exibí-lo em uma
superfície horizontal, o que reforçou a leitura dos
módulos como objetos tridimensionais, uma linha
portadora de uma materialidade tátil que  cou mais
explícita do que em montagens de parede.
A matriz é obtida a partir tanto da
modelagem manual quanto da apropriação direta
dos elementos naturais. As cópias, impressões
obtidas em argila, passam por uma primeira queima
a 960 graus e depois são entintadas com óxido de
cobre em bases reagentes e estão prontas para
serem submetidas à ancestral queima de Raku.
Raku é um termo que já nomeou uma dinastia de
67
Manancial Negro
Pg. 64 Montagem horizontal
Pg. 66-67 Vista aproximada da superfície obtida pela queima
de Raku em duas peças da série.
Pg. 68 Arranjo das peças em bloco
Gravura em Cerâmica Raku – 2006
Entintagem com esmaltes alcalinos e óxido de cobre
28 X 17cm cada módulo
A escolha do barro, substância por excelência
do próprio chão para ser a carne do trabalho é carregada
de ancestralidade: os exemplares que testemunham o
fazer humano desde a pré história nos alcançam devido
às qualidades deste material. Há referências a este fazer
em praticamente todas as culturas e, na China, estes
exemplos remontam a 5000 anos a.c. As qualidades do
barro e suas possibilidades plásticas são abordadas no
texto Bíblico do Gênesis, que descreve o ato divino de
modelar o homem a partir do barro, e esta associação
entre a argila e a carne humana permanece, sendo uma
das imagens mais poderosas do repertório da cerâmica.
Antigas hierofanias de diversas ascendências consideram
a matéria mineral viva e em constante desenvolvimento
(ELIADE, 99)
2
.
Sobre a natureza da matéria mineral que
constitui o cerne da atividade do ceramista, Bachelard
devaneia:
“Como então não se encontrariam nessa indústria
permeável às lendas os antigos devaneios da vida
mineral, vida mais lenta que todas, vida que quer
a lentidão, vida que não devemos apressar, se
quisermos recolher-lhe toda a sua fecundidade?
Em sua jazida o Caulim trabalha, o Caulim vive um
sonho de brancura e homogeneidade, leva o tempo
que for preciso para inserir tão grande sonho em
sua realidade material. A matéria pura vive, sonha,
pensa e se esforça como um bom operário. O sonho
da amassadura eleva-se assim ao nível cósmico: o
2
ELIADE, M. Herreros y alquimistas. Madrid: Alianza Editorial, 1999.
68
69
sonho do ceramista é uma imensa masseira onde
as terras diversas se amalgamam e se misturam aos
fermentos.
(BACHELARD, 2001.pg 72)
De posse desta substancia natural, a matéria
terrestre, o ceramista pode conformar sua vontade
forçando a matéria a se moldar ao seu sonho. Sob
seus dedos e artifícios a massa impregnada de sua
longevidade mineral mobiliza-se para satisfazer o
trabalhador. Diligentemente a argila recolhe as marcas
que lhe imponho e passam a exibir os fragmentos e
resíduos da paisagem que recolho. Os relevos somam
à representação do lugar a própria matéria que o
compõem. Esta vertente de incorporação da matéria na
representação, iniciada com as pinturas feitas com terra
da série ‘Caminhos da terra(veja anexo 2), deriva da busca
de identidade: da identidade do lugar. Nestas pinturas
a imagem mostra-se impregnada da matéria presente
no espaço que a originou e a sua substância representa
e corpori ca o lugar. No trabalho atual, a matéria lama
trans gurada em matéria cerâmica domina a leitura  nal
da obra, impregnada da imponente sabedoria que paira
sobre algo que sobreviveu à provação do fogo.
Os artesãos que trabalham com o fogo são
herdeiros de um repertório secular de tradições e
ceramistas Japoneses, com herdeiros que carregam
a tradição até hoje. O procedimento tradicional
envolvia a abertura do forno de carvão quando os
esmaltes atingiam a fusão completa e o resfriamento
súbito da peça. Os ceramistas ocidentais adaptaram
a técnica introduzindo a câmera de redução, onde
são colocados materiais como serragem, folhas secas
e palha para conferir ao corpo da argila a coloração
enegrecida que acabou por caracterizar a técnica.
Nesta queima, as peças são retiradas do forno ainda
incandescentes, assim que atingem 1000 graus e
os esmaltes atingem uma fusão perfeita. Com o
auxílio de pinças são colocadas em uma câmara de
redução cobertas por serragem e  cam impregnadas
de fumaça e fuligem, adquirindo a cor negra
característica deste procedimento. As manchas e
a forma como os óxidos reagem aos processos de
redução geram variações de cor surpreendentes, que
vão do azul claro ao vermelho intenso, e registram a
marca do caos em suas superfícies.
70
71
À esquerda:
Manancial Negro
Tiragem em porcelana
Queimada em alta temperatura com esmaltes e óxidos.
Gravura em Cerâmica
28 X 17cm cada módulo
Abaixo:
Manancial Negro
Montagem realizada na Galeria Vicente Di Grado pelos alunos
do bacharelado em artes.
Gravura em Cerâmica Raku – 2006
Entintagem com esmaltes alcalinos e óxido de cobre
28 X 17cm cada módulo
crenças sobre a matéria mineral, sua origem e seus
processos de transformação. Os ferreiros consideram as
fontes, cavernas e as galerias de minas que lhes provêm
matéria prima, análogas ao útero da mãe terra: dentro
deles os minerais seriam análogos aos embriões – se
lhes concedemos tempo para amadurecerem (ao ritmo
geológico) serão substâncias puras, perfeitas, maduras.
Jazidas minerais, veios metálicos e gemas são  lhos
da terra que se desenvolvem silenciosamente em seu
âmago. Trabalhadores comprometidos com os ofícios
do fogo acreditavam, assim como os alquimistas, que
a responsabilidade do artesão é a de intervir no ritmo
de crescimento mineral. A qualidade da matéria terrosa
pode ser acelerada, levada pela vontade do artesão a
temperaturas em que o mineral que a conforma retorna
ao estado de lava vulcânica, tão mais densa e cristalina
quanto mais tensionada e exigida pelo elemento
fogo. Nesta substância trans gurada o alinhamento
das partículas e as terminações moleculares são
absolutamente estáveis: obtém-se o corpo de uma
matéria que almeja a eternidade.
A matéria trabalhada pelo artesão pode ser
responsável por trazer à tona sua própria natureza, já que
a carne do mundo compartilha com nossa própria carne:
o peso, a consistência, os volumes e os deslocamentos
72
Sentinelas do Brejo
Taboa: (Typha domingensis) Planta
hidró ta (aquática), típica de brejos,
manguezais, várzeas e outros espelhos
d’água. Mede cerca de dois metros e na
época da reprodução apresenta espigas
cor de café contendo milhões de sementes
que se espalham com o vento. Depuradora
de águas poluídas, absorvendo metais
pesados.
Este conjunto gravado em cerâmica foi
realizado a partir da moldagem direta dos gomos
da taboa. Esta forração protetora dos alagados
tem vasta utilização no artesanato, através da
utilização de sua palha em trançados e cestos.
Minha avó mineira recolhia sua paina para rechear
travesseiros e esta planta sempre foi intrigante para
mim de diversas formas. Os gomos e hastes foram
alinhados sobre um relevo convexo preparado
diretamente no chão e moldados em gesso. Os
módulos resultantes tem a curvatura e o formato
semelhantes às telhas antigas, feitas nas coxas,
e produzem um ritmo de ondulações verticais
nas séries alinhadas horizontalmente. Tanto os
gomos quanto as hastes têm uma verticalidade
marcante, e o suporte alongado e convexo reforça
esta visualidade. A associação com a forma fálica,
o ritmo vertical marcante, quase marcial, e o papel
de proteção que exercem reforçam a identi cação
desta peça com características masculinas e viris.
Nas primeiras cópias, o processo de
desmoldagem ainda estava sofrendo ajustes e as
73
no espaço. Os ritmos do trabalho podem ser repetitivos
e silenciosos, ritualísticos em muitos aspectos, e estes
fazeres já foram considerados práticas meditativas
por muitas tradições entre elas a zen-budista. O que
fazemos nos constrói e o que moldamos nos molda
inevitavelmente. Bachelard,  lósofo da poesia nos coloca
esta questão de forma muito precisa:
... torna-se evidente que é no trabalho excitado de
modo tão diferente pelas matérias duras e pelas
matérias moles que tomamos consciência de nossas
próprias potências dinâmicas, de suas variedades,
de suas contradições. Através do duro e do mole
aprendemos a pluralidade dos devires, recebendo
provas bem diferentes da e cácia do tempo. A
dureza e a moleza das coisas nos conduzem – à força
– a tipos de vidas dinâmicas bem diferentes.
(BACHELARD, G. 2001, pg70)
Percebemos, na postura de alguns ceramistas
notáveis como Shoji Hamada (1894-1978) no Japão e
Bernard Leach (1887-1979) na Inglaterra, uma atitude
em relação à prática artística extremamente re exiva e
que considera a relação com a matéria uma forma de
auto aperfeiçoamento e aprendizado espiritual. Algumas
vertentes zen-budistas consideram a prática do torno
como um instrumento poderoso e processos como
centrar a massa no prato do instrumento mecânico um
74
75
primeiras impressões foram meu laboratório. As duas
primeiras cópias tiveram sua curvatura aplainada
do processo de desmoldagem e receberam uma
entintagem experimental, feita com terra colorida
– amarelo e vermelho escuro. Após alguns ajustes,
as próximas tiragens tiveram mais sucesso e foram
produzidas séries numerosas, entintadas de várias
formas e compondo painéis de até 4m de largura.
1
As fotogra as registram a cobertura vegetal
de taboa sobre o  uxo d’água que circunda meu ateliê
em um momento em que os gomos desmancham-
se e enchem o ar de pequenas sementes aladas. O
ritmo vertical das hastes, seus curiosos gomos e o
poder fertilizador e protetor que tem sobre a área
dos mananciais exerce em mim uma forte atração,
fazendo com que volte a este tema de forma
recorrente.
1
Uma montagem desta série recebeu o prêmio aquisição no
Salão de Arte contemporânea de Piracicaba em 2006 e hoje
integra o acervo da Pinacoteca Municipal Miguel Dutra.
movimento equivalente ao necessário para se atingir o
equilíbrio interior.
Diferentes materiais misturados ou justapostos
à argila a tornam impregnada de suas características
e formas e a contaminam com suas próprias relações
simbólicas. Neste embate caótico catalizado pelo fogo
onde alguns materiais se fundem, outros se expandem,
pigmentam a massa, ou tornam-se porosos, alguns
desaparecem – favorecer e conduzir a relação entre
eles é minha função como ceramista. A matéria tem
comportamento autônomo e nos ensina muito sobre si.
Observá-la, documentá-la e aprender com ela é minha
preocupação constante. Este momento de contato com
o caos, exerce um grande fascínio sobre os ceramistas de
todos os tempos: o fogo. Eu lanço mão dos processos de
queima, procedimento alquímico, para pôr os elementos
da natureza à prova. Sobre este momento crucial da
queima o  lósofo da poesia comenta:
“Ela é uma contextura de sonho e habilidade. Uma
convergência de forças naturais. O que nasceu na
água acaba-se no fogo. A terra, a água e o fogo
vem cooperar para produzir um objeto usual.
Paralelamente, grandes sonhos elementares vem
unir-se numa alma simples e dar – lhe uma grandeza
de demiurgo. Retire os sonhos e você abaterá o
operário. (BACHELARD, 2001. pg.75)
76
À esquerda:
Sentinelas do Brejo
Gravura em cerâmica de baixa temperatura.
Módulos convexos medindo aprox. 20 cm por 58 cm
de altura.
Entintagem com terras coloridas.
Fotogra as:
Pg. 75 Registro fotográ co do ateliê visto através do
brejo de taboa.
Pg.77 Um gomo de taboa maduro, lançando suas
sementes.
Sentinelas do Brejo
Gravura em cerâmica de baixa temperatura seguida de
queima em fogueira.
Módulos convexos medindo aprox. 20 cm por 58 cm
de altura.
Entintagem com óxidos metálicos e esmaltes
fundentes.
Pg. 72 Vista frontal de um módulo.
Pg. 73 Vistas oblíquas dos relevos.
Pg. 74 Vista frontal de uma série com cinco módulos.
Pág. 77 Vista oblíqua da série.
77
A capacidade de sobreviver às altas temperaturas
destila a essência da materialidade do mundo e as
substâncias capazes de resistir à queima trans guram-
se em compostos revestidos de um enorme potencial
de permanência. As substâncias orgânicas vegetais e
animais desaparecem, porém deixam suas impressões
na superfície cerâmica assim como os fósseis  cam
registrados no magma transformado em pedra, os
minerais se combinam, os metais se fundem, e os
fragmentos da paisagem registrados na matéria cerâmica
poderiam alcançar as gerações daqui a muitos anos como
testemunhas de nosso tempo e de um olhar especí co
que o capta. Este aspecto do processo do fazer em
cerâmica aproxima-se de algo metafísico e toda a carga
de espiritualidade tradicionalmente associada a este
fazer nas sociedades orientais encontra ecos no trabalho
aqui apresentado.
78
Ciliares
79
Ciliares
Ciliares: refere-se às matas ciliares,
de nidas pelo Código Florestal Brasileiro
como qualquer formação  orestal em
margens de cursos d‘água. O nome vem
do fato de serem tão importantes para a
proteção destes  uxos d’água quanto são
os cílios para os nossos olhos.
Estes módulos gravados em cerâmica
perseguem a visualidade de uma paisagem muito
especí ca, combinando a verticalidade da série
Manancial Negro e o sentido militar de Ritmo das
Sentinelas do Brejo. A série Ciliares deriva diretamente
das primeiras experiências de frotagem direta
de superfícies naturais. Para proceder a escolha
e captação destas superfícies naturais busquei e
organizei elementos em superfícies de terra criando
planos superpostos e ritmos verticais a partir de
linhas de espessuras diversas. Esta série não deriva
de uma única espécie vegetal, mas de gravetos de
diversas árvores recolhidas nas matas ciliares. Os
módulos tem formas irregulares e o encaixe entre
elas, na montagem dos frisos, produz um ritmo de
desenhos negativos, formados nos intervalos entre
as peças.
As primeiras tiragens em cerâmica
creme foram entintadas com esmaltes e óxidos, e
queimados em alta temperatura, resultando em
cinzas profundos e brilhantes. A documentação
fotográ ca dos frisos registra a seqüência rítmica
ondulante a partir de encaixes e inversões da gravura
original. Linhas horizontais cruzam o centro do
Mircea Eliade descreve as origens da mística
relação dos humanos com o fogo como iestritamente
relacionadas à queda das chamadas pedras de raio, ou
meteoritos, e o primeiro contato com o ferro como tendo
sido através deste ferro meteórico. A manipulação deste
material caído diretamente do céu através de processos
relacionados ao mais destrutivo dos elementos, o fogo,
motivou as primeiras regulamentações de ofício e seus
ritos.
“El alquimista, como el herrero, e antes que ellos el
alfarero, es un senõr del fuego, pues mediante el
fuego es como se opera el paso de una sustancia a
otra. El primer alfarero que consiguió gracias a las
brasas endurecer considerablemente las formas que
había dado a la arcilla debió sentir la embriaguez
del demiurgo: acababa de descubrir un agente de
transmutación. Lo que el calor natural”- el del sol o
el vientre de la Tierra – hacía madurar lentamiente,
lo hacia el fuego en un tiempo insospechado.
(ELIADE, 1999. pg.71.)
Destes processos dinâmicos surgem as gravuras
que proponho. Os  uxos imprevisíveis das chamas
cam marcados de forma indelével em sua superfície
e sua matéria, como um registro deste momento de
encontro com forças elementais, entrópicas e em
grande medida caóticas. Vejo trincas, empenamentos,
rupturas e distorções não com a decepção de não haver
conseguido a perfeição, mas com reverência e aceitação
das marcas do processo.
80
Paisagens frotadas
Cerâmica de alta temperatura entintada com
óxidos metálicos.
Nestas monotipias em cerâmica a superfície
carrega informações diretas e resíduos da
composição frotada como areia e pedras.
Medidas: 43 X 35 cm, 25 X 23 cm.
e 15 X 25 cm.
2005
Pg. 81 Registro fotográ co do vertedouro da
histórica Usina Jaguari, em Sousas.
81
Sobre a apropriação
O recorte atual do trabalho representa uma
ruptura em minha representação. Até aqui eu assumia
um rígido controle na composição da imagem. A
representação ainda estava amarrada à minha mão,
que tinha plenos direitos autorais sobre a composição,
os contornos, a linha incisa e os relevos modelados. O
único momento de contato com o que chamo de caos
até aqui era o momento da queima. A partir daqui as
formas recolhidas da natureza falam por si só. A deriva
na paisagem, de onde elas são coletadas, e a inclusão
de todos os seus aspectos de ruído visual e resíduos
de diversos materiais representam a aceitação das
especi cidades da história e da identidade locais.
A seleção dentro de um panorama de
possibilidades está no cerne da fotogra a como
procedimento artístico, e não somente técnico. A forma
como o fotógrafo foca e compõe a imagem de dentro de
um universo de escolhas possíveis caracteriza seu olhar
pessoal e denuncia suas intenções e heranças artísticas,
políticas, sociais, entre outras. O que a fotogra a realiza
através do registro de luz em sua película de  lme eu busco
através do registro direto das superfícies matéricas.
relevo e sugerem um relance do  o d’água visto
através do emaranhado de galhos. Esta primeira
tiragem  cou muito escura, o que acarretou
grande perda de sutilezas e detalhes dos relevos,
e ainda me incomodava a uniformidade da
esmaltação.
Uma segunda tiragem foi realizada e
queimada com um esmalte reagente de baixa
temperatura, e as características fundentes
deste esmalte causaram o acúmulo de pigmento
nos sulcos da imagem gravada em cerâmica.
Tonalidades mais claras, com tendências para
a cor mel, e a superfície porosa,  zeram destes
módulos superfícies ideais para registrar o  uxo
do fogo. No preparo da queima de fogueira a
madeira foi arranjada em uma primeira camada,
galhos  nos e papel em outra e as peças
dispostas em círculo, metade da série virada
para cima e metade da série virada para baixo.
Com isto intencionava registrar um padrão
de escurecimento pelo fogo (no que tive a sua
colaboração) que se concentrasse na faixa central
da montagem. Estes desenhos serpenteantes e
esfumaçados testemunham a parceria do artesão
com o fogo.
82
Ciliares
À direita: Vista oblíqua.
À esquerda: Vista aproximada do
desenho negativo do vão entre as
peças.
Pg. 78: Vista da série de um ângulo
inferior.
Gravura em cerâmica de baixa
temperatura.
Entintagem com óxidos metálicos e
esmaltes reagentes.
Queima primitiva.
22 X 13 cm cada módulo
2007
83
Se a paisagem autoral é construída pelo artista
através de ferramentas e linguagens como a fotogra a
e a pintura, talvez possamos considerar este corpo de
trabalhos um auto-retrato do lugar, a exposição de suas
formas autônomas, em grande medida independentes
da vontade e do controle do artista. Desenvolvo uma
série de experimentos pesquisando a melhor forma
de capturar os elementos da paisagem e com eles,
reconstruí-la.
Inicialmente executei algumas placas de argila
e levei comigo em um percurso onde recolhi os relevos
diretamente da natureza, da forma como os encontrei,
ao acaso. Os próximos experimentos foram também
frotados diretamente nas placas de argila – mas desta
vez eu recolho os elementos e os organizo para compor
minhas paisagens (Paisagens Frotadas, pg. 80). Parto de
relevos construídos no chão arenoso do ateliê, para criar
a curvatura que manteria as placas com as paisagens de
pé, e posiciono os elementos que serão frotados sobre
este suporte. Sobreponho, então, as placas de argila e
pressiono para recolher as impressões na massa úmida.
Gostaria de introduzir aqui a idéia de um outro
registro, que se soma aos acima citados: o matérico. A
apropriação direta das formas naturais, dos fragmentos
84
85
materiais desta paisagem gera uma outra chave de
leituras possíveis, em que o trabalho criativo abre mão da
representação  gurativa e passa a aceitar que a natureza
componha sua própria representação. A série Sentinelas
do Brejo representa esta nova etapa e a somatória de
todos estes registros.
Abrir mão deste controle ofereceu diversos
momentos de relutância, onde achei que poderia estar
perdendo parte da capacidade de expressão da imagem,
e das nuances que eu intencionava especí camente.
Achei que perderia, em relação ao meu interlocutor
visual, elementos que possibilitassem a identi cação da
intenção do artista na forma material. Percebi, porém,
que abrir mão do controle direto também signi cava
abrir mão de certo virtuosismo que me espreita. Além
disso, as formas que a natureza me cede para que eu
fale através delas parecem me fornecer um desenho tão
preciso, uma simetria genial, uma riqueza de detalhes
e variações inusitadas que eu nunca seria capaz de
produzir sozinha.
Ciliares
Pg. 84
Acima: vista aproximada de dois
módulos da série preparada em alta
temperatura.
Abaixo: vista frontal do conjunto.
Gravura em Cerâmica de Alta
Temperatura
Entintagem com óxidos metálicos.
22 X 13 cm cada módulo
2007
86
87
Linhas e Pontos
88
89
Vinhas do Brejo
As gravuras que exponho a seguir
representam um ponto de in exão na produção
pela radicalização dos relevos. Este grande módulo
côncavo alinha-se mais com o repertório da
cerâmica do que com o da gravura, pois guarda
uma semelhança com grandes pratos, bacias,
tachos ou travessas fundas, vistas do avesso.
Carregam a impressão de uma planta do brejo
não identi cada, que tem lindas folhas aveludadas,
verde-acinzentadas com recortes muito parecidos
com os da folha da uva, por isto a associação com
as vinhas e vinhedos. A superfície aveludada desta
folha foi muito bem captada pelo gesso, e na
entintagem se revela uma textura delicada e que
capta bem o pigmento, como a superfície de uma
maneira negra.
Experimento diversos tipos de montagens.
Percebo que os módulos funcionam como pontos e
que seu alinhamento é lido como uma linha. Estes
conjuntos formam manchas de relevos circulares
e sua montagem pode ser pensada para lugares
com características peculiares – vãos estreitos e
alongados, corredores paredões e muros.
Opto por montagens ascendentes e
verticais, ao perceber no conjunto de impressão
das vinhas o movimento ascendente da planta.
O alinhamento entre os módulos não pode ser
regular, e sim errático, como o seu crescimento. É
uma composição rizomática, que se espalha em
Sobre a natureza do desenho.
O desenho e seus fundamentos são centrais ao
pensamento construtivo do trabalho aqui apresentado.
Trabalhado, inicialmente, com os meios tradicionais
do desenho – lápis e papel, com o tempo ganhou
profundidade e relevo em xilogravuras e chapas de cobre,
enveredou por diferentes substâncias e viu sua linha
assumir vários estilos e tonalidades dramáticas. En m,
chego a um ponto em que o desenho ganhou uma carne
de terra e  nalmente deixou de ser feito pela minha mão.
Neste percurso, o que busquei foi aquela mão sem amarras
descrita por Kandinsky (KANDINSKY,1982)
1
, produtora
de uma linha sincera,  el a in exões de pensamento
e emoção, e livre de gestos mecânicos e maneirismos.
Chego, porém, a um ponto onde renuncio a esta mão tão
cultivada. Fui percebendo o desenho para além de minha
escrita, para além de meus diários de imagens, no rastro
da cadeira no chão, na trilha que percorro, no recorte das
folhas, nas hastes que se elevam da superfície da água,
nos espinhos do tronco da paineira. Este desenho foi aos
poucos se aproximando tanto da natureza que hoje é
recolhido diretamente dela. Superfícies, linhas e pontos
são os elementos determinantes das composições
recolhidas em meus percursos.
1
KANDINSKY, W. Complete Writings on Art. London: Faber & Faber, 1982.
90
várias direções, dando aos conjuntos uma dinâmica
de continuidade. As ramagens parecem entrair e
sair do plano da parede, rebrotando de um módulo
para o próximo, perpassando superfícies mais ou
menos manchadas pela ação direta da chama.
Os módulos biscoitados foram entintados
com esmaltes reagentes à base de chumbo, que
gera uma camada de brilho metalizado, e efeitos
de halo formados pela volatilização de seus gases.
Instalação em paredes através de  xação com pinos
ou pregos, em montagens alongadas verticais ou
diagonais.
91
A linha passa a assumir possibilidades
insuspeitadas. Richard Long (1945), por exemplo, usa
o corpo em deslocamento para compor sua obra. Uma
linha traçada em um campo representa um percurso
repetido muitas vezes, quase que ritualisticamente. O
corpo inserido no espaço é desa ado pelo que Jung
descreve como uma guerra entre corpo e alma, a
redescobrir os fatos elementares da condição humana,
os aspectos positivos da corporeidade. Eu busco a
essência do lugar na história contada pela matéria deste
percurso, para melhor compreendê-lo.
O trabalho passa a ser cada vez mais de
responsabilidade do olho. Benjamin, no texto A obra de
arte na época de sua reprodutibilidade técnica
2
descreve
o momento histórico preciso em que a mão pôde ser
liberada de suas funções: o advento da fotogra a.
Partindo dos primeiros procedimentos que permitiram
a obra de arte ser reproduzida, Benjamin cita a
xilogravura, anterior à imprensa, seguida da estampa
em chapa de cobre a água forte e a litogra a, que foi
então rapidamente ultrapassada pela fotogra a.
2
BENJAMIN, W. Obras escolhidas – magia e técnica, arte e política. A obra de
arte na época de sua reprodutibilidade técnica. São Paulo: Brasiliense, 1989.
Vinhas do Brejo
Pg.88 Vista aproximada da superfície do módulo.
Pg. 90 Montagens das séries em composições alongadas e ascendentes.
Pg. 91 Detalhes da superfície com variações de efeitos de redução e halos
dos esmaltes e óxidos. À direita: montagem circular.
Gravura em cerâmica de baixa temperatura.
Entintagem com óxidos metálicos e esmaltes reagentes.
Módulos com aproximadamente 40 cm de diâmetro, queimados em forno
elétrico e em queima primitiva.
92
93
Rami cações do desenho
94
Rami cações do Desenho
Kalanchoe Tubi ora. Também conhecida
como cacto de abissínia. Herbácea
perene, suculenta ereta,  orífera de folhas
cilíndricas, cerozas, verde-azuladas com
manchas arroxeado-escuras transversais
em cujos ápices formam-se aglomerados
de mudinhas.
Neste trabalho a artista explora as
possibilidades do desenho expandido para além de
seus procedimentos tradicionais. Os ramos desta
suculenta ondulam e se retorcem em busca da luz
quando são colocados em espaços domésticos. O
interesse pela linha descrita surge da observação
das graciosas curvas desenhadas pela haste e das
rami cações que brotam dela, acompanhando
e expandindo o alcance da linha principal. Este
desenho capturado é tensionado para se adaptar
à forma arredondada de seu suporte durante o
processo de confecção do molde. Os desenhos
espiralados formados pelos relevos têm um visual
dançante e que talvez Kandinsky classi casse de
allegro .
Depois de fazer algumas experiências com
os módulos esmaltados com bases de cinzas em alta
temperatura, decido buscar um contraste entre os
desenhos e o plano mais radical, e uma leitura mais
grá ca. Assim nasce a série entintada com esmaltes
alcalinos, depois de aplicado o esmalte transparente
limpo apenas as hastes em relevo. Assim, quando
a série é submetida à queima primitiva, as áreas
95
“Neste ponto a mão é liberada de suas funções
artísticas mais importantes, que agora cabiam
unicamente ao olho.
(BENJAMIN, 1994. Pg.167.)
No momento em que me aproprio de formas
da paisagem ao invés de modelá-la me encontro na
posição do fotógrafo que registra uma imagem. Assim
meu processo pessoal converge com os impasses
deste momento histórico. Seria a fotogra a capaz de
apresentar a sensibilidade humana da forma como a
percebemos em uma linha de Goya? Por outro lado,
seria a mão capaz de captar a variação e a riqueza de
detalhes presente na natureza? Qual é o signi cado de
uma linha que registra o percurso da mão pressionando
o instrumento sobre o papel e como compará-la à linha
que descreve o crescimento tateante de uma planta se
alçando sobre o muro? Minha resposta, neste momento
é plástica, solicito que os percursos da mão e da natureza
se aliem para cumprir os desígnios do olho. O que me
atrai nos elementos plásticos recolhidos diretamente
da natureza é algo que minha mão não seria capaz
de recriar – uma profusão de detalhes e uma enorme
precisão nas proporções.
96
Rami cações do Desenho
Pg. 92 e 93. Vistas frontal e oblíqua das séries .
Pg. 94 Vista aproximada da montagem.
Pg. 95 Vista lateral.
Pg. 96 Vista aproximada de dois módulos da série.
Pg. 97 Módulo experimental entintado com esmaltes e óxidos e
queimado em alta temperatura.
Gravura em cerâmica.
Entintagem com esmaltes alcalinos de baixa temperatura.
Os módulos medem aproximadamente 15 cm de diâmetro por
7 de altura.
2007
97
Os conceitos do desenho: plano, linha e ponto
identi cam e determinam o que será buscado na
natureza e também determinam em grande medida o
contorno dos módulos em si, assim como a montagem
ou instalação que dará a conformação  nal ao conjunto
de peças. Neste capítulo, mesmo as peças que têm a
linha trabalhada como elemento prioritário sobre sua
superfície tem um formato pontual, e suas montagens
pensam o desenvolvimento destes pontos no espaço.
Os conjuntos Vinhas do Brejo, Gra smos Vegetais,
Rami cações do Desenho, Ponto-Espinho, e também
o conjunto Unidade Tripartida têm módulos com um
formato e impacto ótico essencialmente pontual.
Nestes, o alinhamento dos conjuntos é determinante
para a geração de linhas de força, que parecem ligar os
pontos criando percursos no espaço ou formas fechadas,
onde predominam os círculos e quadrados.
A nal, o que é o ponto? Enquanto entidade
geométrica o ponto é uma abstração invisível. Quando
trazido para a esfera da experiência humana o ponto
não pode ser desvinculado de sua função lingüística.
Kandinsky a rma ser o ponto uma ponte entre a
palavra e o silêncio, entre o emudecer de uma idéia e
o ressurgir da linguagem na próxima frase encadeada.
Independente de suas funções práticas e rodeado de
limpas revelam-se em negro. Ao lado destas linhas
principais, percebemos uma outra trama formada
pelo craquelado do esmalte. Esta camada super cial
enfrentou choques térmicos signi cativos já no
momento de sair do forno e depois volta para o
fogo, que no caso da queima primitiva tem um  uxo
de temperaturas bastante irregular. Estas brechas
seriam imperceptíveis na superfície do esmalte
transparente sobre a base branca da porcelana se
não tivessem saído impregnados de fuligem. Nesta
série posso a rmar que o fogo é o responsável pela
entintagem, determinando as áreas de contraste e o
peso que ganham as linhas. Os desenhos e padrões
formados são imprevisíveis.
A base convexa que acolhe o desenho
remete-nos de volta à história da cerâmica e às
suas formas arcaicas e tradicionais. Os pontos
intumescidos elevam-se do plano em curvaturas
que podem ter diferentes alturas, através do
despejo de quantidades diferentes de barbotina
no molde. A forma e as medidas deste módulo
encontram ecos nas medidas humanas, e pode-se
associá-lo ao crânio. A montagem dos conjuntos
descreve manchas ondulantes na parede, manchas
que neste caso tem ímpeto predominantemente
horizontal.
98
99
Gra smos vegetais
100
101
Gra smos Vegetais
Singonium Angustatum - singônio.
Semi-herbácea ascendente, originária
da Nicarágua de folhagem decorativa. As
folhas tem vária divisões na fase adulta
e na fase jovem variegação branca e
enervação estriada. In orescências sem
valor ornamental.
Este conjunto é composto de dois
módulos, um baixo e largo, em que as hastes de
um singônio adulto desenham um gra smo curvo
principal e lançam inúmeras linhas transversais, em
enervações rizomáticas. O outro módulo eleva-se
no espaço, alçando também as formas alongadas
das in orescências da planta, que dividem em
duas partes o suporte ogival. Este módulo do
conjunto Gra smos Vegetais é o único em toda a
seqüência de trabalhos apresentada que exige
um planejamento do molde em duas partes (ou
tacelos), ou  caria inviabilizada a retirada das cópias
de seu interior. Esta variação de alturas dos dois
módulos, combinada ao procedimento de despejo
de quantidades variadas de barbotina enriquece
a leitura da série, dando ritmo às elevações dos
conjuntos. As linhas formadas pela ramagem
da planta ondulam em graciosos arabescos que
parecem passear no plano, subindo e descendo
dos módulos, encontrando uma  nalização vertical
nos módulos ogivais.
Os primeiros módulos de porcelana
foram inicialmente entintados e queimados com
esmaltes de alta temperatura e óxidos metálicos, e
algum espaço em branco o ponto aumenta em nitidez
e força, e se torna sujeito a muitas variáveis em relação
às formas ideais. Esta entidade plástica independente
parece ser um intumescimento que fecunda o plano
e o tensiona, túrgido em sua imobilidade. O ponto
pode assumir diversas formas – em sua aproximação,
as formas pontuais podem ser extremamente variadas
e ricas, assim como podem ser variadas as relações de
força e proporção entre o ponto e o plano e o ponto e
outros elementos sobre o plano. Kandinsky coloca as
seguintes observações sobre o ponto em seu “Punto e
Linea sobre el Plano
3
:
“Considerado en abstracto (geométricamente), el
punto es idealmente pequeño, idealmente redondo.
Desde que se materializa, su tamaño y sus limites
se vuelven relativos. El punto real puede tomar
in nitas  guras: el circulo perfecto es suceptible de
adquirir pequeños cuernos, o tender a otras fornas
geometricas, o  nalmente desarrolar formas libres.
Puede ser puntiagudo, derivar de un triangulo: o por
una exigencia de relativa imovilidad, transformarse
en un quadrado.
(KANDINSKY, 1971.)
A linha origina-se no ponto. Parte de um deles
e se torna uma seqüência de pontos em deslocamento
no plano. Algo fundamental no entendimento da
3
KANDINSKY, W. Punto e Linea sobre el Plano: Contribuición al analisis de
los elementos pictóricos. Barcelona: Barral Editores, 1971.
102
103
linha é reconhecer a seu movimento no espaço e suas
variações de intensidade. Este movimento normalmente
é associado com o da mão portando um instrumento
grá co em deslocamento sobre o plano, registrando
neste as diferentes tonalidades de seu pensamento
e sua sensibilidade. Kandinsky classi ca as linhas de
acordo com o efeito em quem a vê: alegre, sombria,
séria, trágica, sorrateira, teimosa, fraca, potente ou
as dota da associação com termos normalmente
atribuídos à música: allegro, grave, serioso, scherzando,
porém, não deixa de observar que todos os esforços
para a classi car serão tentativas rudimentares diante
da simplicidade e complexa elaboração das linhas
independentes, ou linhas produzidas pela mão sem
amarras (KANDINSKY,1982)
4
.
Nos relevos apresentados neste documento a
linha propõe outras associações e signi cados, apesar
de também fazer parte de um esforço de representar.
Acredito que esta linha possa ser entendida como as
linhas dos movimentos naturais, como o crescimento
das plantas – estas linhas são testemunhas do desenrolar
das extensões tateantes de um ser vivo em busca
de apoio para alçar-se sobre a cerca. O movimento
destas linhas lentas registra a busca por luz, como na
em um segundo momento preparados para a baixa
temperatura com óxido de cobre , esmaltes alcalinos
e queimados em fogueira. O melhor resultado,
porém, foi obtido com a entintagem direta dos
gra smos com óxidos em um procedimento onde,
sobre o desenho descrito pela planta, outro gra smo
manual era pintado, sobrepondo-se, assim, a linha
feita pela mão humana à linha vegetal. A esmaltação
foi feita com um Celadon (derivação da famosa
fórmula chinesa), que em sua rica transparência
semi leitosa revela os relevos.
4
KANDINSKY, W. Complete Writings on Art. London: Faber & Faber, 1982.
104
105
determinada verticalidade das linhas retas e densas
do bambu, a busca pelo alimento, registrada em sub-
linhas radiculares, ou a capacidade de adaptação
expressa naquelas linhas que parecem indecisas e
ondulantes, como nos arabescos formados pelas
hastes do singônio. As composições que proponho
solicitam uma curiosidade do interlocutor, um olhar
o qual, ao perscrutar esta linha, esteja atento ao
movimento e ao tempo vegetal e mineral. Outra
coisa a observar, quando se trata de uma linha que
foge ao universo conceitual materializando-se é que
a profundidade literal desta linha tem impacto muito
variado se vista sob diferentes qualidades de luz ou
de pontos de luz em posições diferentes. O contraste
com o plano depende destas variáveis. Nas imagens
da série Grafismos Vegetais, em ponto de biscoito,
percebemos, no módulo branco fotografado sobre
o fundo branco, a importância da luz na percepção
geral do trabalho.
Resta um esforço de conceituação do plano
neste trabalho. Se o plano básico onde se desenvolvem
as artes grá cas é normalmente o papel liso, uniforme e
branco, neste caso o plano encolntra desdobramentos.
Embora pensado na maior parte das séries que
proponho em relação ao plano da parede, também
Gra smos Vegetais
Pg. 98/99 Gravura em cerâmica de alta temperatura.
Entintagem com óxidos metálicos e esmaltes Celadon.
Pg. 100 Gravura em cerâmica de alta temperatura.
Entintagem com óxidos metálicos e esmaltes á base de cinzas.
Pg. 102 À esquerda: Gravura em cerâmica de alta temperatura.
Entintagem com óxidos metálicos e esmaltes Celadon.
À direita: Detalhes da superf[icie de porcelana em ponto de
biscoito.
Pg. 103 Panorâmica da composição em Celadon.
Pg. 104 Gravura em cerâmica de baixa temperatura.
Entintagem com óxidos metálicos e queima primitiva.
Pg. 105. Composição com módulos da in orescência e detalhe
do módulo em ponto de biscoito.
Os módulos medem aproximadamente 13 cm de diâmetro por
22 de altura.
106
107
Ponto Espinho
108
Ponto Espinho
Paineira: Chorisia bombacea, também
conhecida como samaúma ou barriguda
pela silhueta pouco elegante. Esta árvore
atinge 20 m de altura, tem madeira leve
e pouco resistente, tronco cinzento
esverdeado com estrias fotossintéticas e
acúleos (espinhos) rombudos. As  ores
são grandes, de cor rosada, com pintas
vermelhas e bordas brancas. O seu fruto,
a paina, que  utua pelo ar de agosto a
setembro já foi muito utilizado para encher
colchões e travesseiros.
Este conjunto representa um resultado da
busca do ponto abstrato na natureza. O ponto ideal
está presente na percepção da ponta do espinho:
uma entidade desmaterializada e abstrata. O corpo
do espinho é o suporte do ponto ideal, é o ponto que
ganha matéria e espessura e passa a compartilhar
conosco a realidade prática. Os espinhos da paineira
foram moldados em três pequenos blocos de formas
pontuais – um arredondado e dois retangulares. As
alturas dos blocos podem variar com o enchimento
do molde com níveis diferentes de barbotina.
Conjuntos destes blocos vistos de lado lembram
o per l de grandes cordilheiras, com seus picos
pontiagudos.
Os blocos foram esmaltados com um
esmalte marrom à base de cinzas, que promoveu
padrões de acúmulo e escorrimento, efeitos
cristalizados e contrastantes nos relevos entintados.
Em alguns módulos a aplicação foi feita em camadas
109
branco, liso e uniforme, a superfície de apoio dos
módulos pode ser o chão, ou mesmo estender-se do
chão em direção à parede. A superfície que contém o
desenho formado pelos módulos é versátil e cheia de
possibilidades.
Nos conjuntos deste capítulo e no trabalho Ponto
Espinho em especial as articulações dos módulos em
relação à superfície da parede multiplicam-se e podem
assumir desenhos muito variados. Os pequenos blocos
favorecem um montar e desmontar extremamente
lúdico, e uma experimentação das possibilidades como
as de um jogo. Creio que jamais teremos montagens
absolutamente idênticas deste trabalho, mesmo que
mantenhamos os contornos  xos.
Temos que atentar também para a placa de
argila ou de barbotina moldada, que representa em si
uma outra superfície. Nas grandes placas das Cirandas
de Sementes, por exemplo,  ca claro que a superfície do
módulo e a superfície de apoio podem não coincidir –
ondulações geradas na placa durante os processos de
queima e de secagem levantam-na do plano da parede
e criam vãos e espaços entre as placas e o suporte.
110
111
grossas e, em outros, a aplicação mais rala gerou uma
cor de mel mais clara e uniforme. A variação tonal
deu uma leitura mais dinâmica para os conjuntos.
A característica mais marcante deste
conjunto, no entanto, é a de ter um potencial
variadíssimo de montagens. Os módulos podem ser
en leirados formando linhas compridas, percursos
sinuosos, com ou em intervalos e espessamentos.
Podem ganhar contornos fechados, como nas
montagens retangulares e quadradas, que considero
as mais a nadas com o formato dos próprios módulos
e ângulos de inclinação diversos. As características
lúdicas destes blocos são registradas nos estudos da
página 108, onde fotografo minha  lha posicionando
as peças em uma montagem linear. Cada peça da
série é suspensa individualmente na parede, para
viabilizar as diversas montagens.
112
113
Ponto Espinho
Pg. 106. Montagem retangular.
Pg. 107 Montagem quadrada, vista oblíqua.
Pgs. 108 e 109. Imagens dos processos de
montagem, das peças cruas, à direita, com a
colaboração de Tereza, e das peças queimadas à
esquerda.
Pg.110. Vista lateral da montagem.
Pg. 111. Vista obíqua da montagem e registro
fotográ co do tronco original de paineira que
empresta seus espinhos aos módulos.
Pg. 112. Vista lateral da montagem a partir do
ângulo inferior da composição.
Gravura em cerâmica de alta temperatura.
Módulos medindo entre 5 e 12 cm
aproximadamente.
Entintagem com esmaltes à base de cinzas.
2007.
Considerações  nais
Ao  nal deste memorial, sinto-me impelida a
esboçar uma conclusão, e não posso deixar de comparar
o processo de pesquisa em Artes com os processos
das demais áreas do saber. É impossível chegar a uma
conclusão, já que, como observa Cecília Almeida Salles
5
o trabalho em arte, assim como a obra de arte são uma
cadeia in nita de agregação de signi cados. O que
determina o  nal desta pesquisa é um ato voluntário
de recorte metodológico. A pesquisa continua se
transformando e crescendo em seus múltiplos
desdobramentos.
Entendo, portanto, o  nal deste esforço de
organizar e sistematizar minha experiência como o
fechamento de mais um ciclo, enraizado na necessidade
pessoal constante de aprendizado e aprofundamento e
também na vontade de troca.
5
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117
Anexo I
Gravuras em Metal
118
Noite fria I
Gravura em metal,
50 X 33 cm,1996.
Noite fria I
Gravura em metal,
50 X 33 cm,1996
.
Gravuras em Metal
Seleciono, neste anexo, algumas imagens
das gravuras em metal e monotipias realizadas entre
1996 e 1997 as quais têm como tema a paisagem.
Nas primeiras chapas em metal as ruas e parques
das cidades de Champaign e Urbana (Illinois, EUA)
são observadas em sua geometria e em sua solitária
vastidão. A atmosfera sombria predomina nas cenas
noturnas e em interiores como o da imagem da
velha prensa registrada em Herança.
As monotipias do período têm como
característica um forte viés onírico e tendências
surrealistas. Algumas foram realizadas nas primeiras
horas de trabalho do dia, ainda sob o impacto das
impressões dos sonhos experimentados à noite. A
paisagem que se revela aqui é vertiginosa em seus
pontos de vista e a intervenção da  gura humana
reforça o estranhamento dos pontos de vista.
Além dos procedimentos técnicos, que
estão diretamente relacionados com a construção
dos conjuntos de gravuras em cerâmica, a
abordagem do tema e as escolhas compositivas
ajudam a ilustrar e esclarecer os rumos tomados
posteriomente pela pesquisa artística.
119
Noite no Parque
Gravura em metal
60,5 X 22,5 cm. 1996
Noite no Parque
Gravura em metal
60,5 X 22,5 cm. 1996
Rasgo de Luz
Gravura em metal
17 X 45 cm.1996
Herança
Gravura em metal
13 X 45 cm.1996
Paisagem em sépia I
Monotipia
60,5 X 22,5 cm. 1996
Paisagem em sépia II
Monotipia
60,5 X 22,5 cm. 1996
121
Anexo II
Antecedentes
122
123
Pg. 122 Da direita para a esquerda
e de cima para baixo:
Fio d´água
Terra, areia, pedras e pigmentos.
80 X 80 cm. 2005
Caetés do Brejo
Pintura com terra e pigmentos.
80 X 80 cm. 2004
Paisagem com Pedras
Pintura com terra e pigmentos. 80 X 80 cm.
2003
Brejo I
Pintura com terra e pigmentos.
80 X 80 cm. 2004
Brejo II
Pintura com terra e pigmentos.
80 X 80 cm. 2004
Manancial
Terra, areia, argila e pigmentos.
80 X 80 cm. 2005
Antecedentes
Este anexo documenta um longo período
de trabalho, iniciado em 1999 e que se estende até
2005, onde a relação com a materialidade é abordada
nas obras através de diversas aproximações. As
pinturas com terra da série Caminhos da Terra
representam o início deste movimento.
Apesar de lidar com a linguagem pictórica,
o caráter grá co da representação nestas paisagens
e suas origens na prática do desenho permanecem
constantes (todas as paisagens foram registradas
primeiro através do desenho observado no local,
e depois levadas para as telas). Percebemos uma
necessidade intrínseca de contraste na estruturação
destas imagens. A geometria marcante organiza a
composição e seus ritmos visuais.
A série Caminhos da Terra é composta
por nove pinturas quadradas, com uma geometria
ortogonal que se evidencia em transparências
cromáticas. Os pigmentos utilizados na pintura
são, em sua maioria, naturais, ressaltando-se as
diveras tonalidades de terra colorida que eram
sempre recolhidas no local, onde as imagens
foram registradas em meus cadernos de desenho.
A paisagem da região de Sousas e Joaquim
Egídio fornece a inspiração com suas formas e
espaços exuberantes e surpreendentes em sua
simplicidade.
124
125
Pg. 124
Acima: Paisagens Verticais
Placas de argila modeladas e queimadas em
forno Anagama. As placas sofreram retorções
tão fortes com as altas temperaturas que
tiveram que ser quebradas e remontadas
nestes mosaicos.
Aprox. 10X40 cm.
2003.
Abaixo: Paisagens Anagama
As peças tem aprox. 35 cm de diâmetro.
Esmaltação com cinzas naturais. 2003.
Pg. 125
Bambuzal
Relevo modelado em argila e  nalizado em
queima primitiva de fogueira.
Série com 3 módulos.
Medidas aprox. : 60X25 cm. e 20X20 cm.2005.
Subida da Penha
Relevo modelado em argila e  nalizado em
queima primitiva de fogueira.
Medidas aprox. : 20X20 cm. 2005.
126
Primeiras gravuras em cerâmica
Mangueira e Biri
Estas matrizes foram produzidas com
procedimentos e materiais da Xilogravura. Os
moldes convexos de pratos foram escavados com
goivas para se obter o baixo-relevo representando
árvores solitárias que se impõem em minha
paisagem: uma mangueira no alto do morro e um
biri em  or que se eleva no contraluz. Esta etapa da
pesquisa foi fundamental para a compreensão dos
processos de moldagem por impressão de placas
de argila e por despejo de barbotina, assim como
dos procedimentos de desmoldagem. Cada módulo
tem aproximadamente 18 cm de diâmetro e uma
conformação convexa que se eleva cerca de 2,5 cm
do plano de base.
A série foi o primeiro laboratório de
entintagem, fundamental para o entendimento
das possibilidades de superfície das gravuras
posteriores. O procedimento de aplicação das
misturas de pigmentos e fundentes e a posterior
limpeza dos relevos que se projetam começa a
ser explorado neste ponto. Em uma segunda
tiragem de 24 cópias, as duas matrizes (mangueira
e biri) receberam uma cobertura de esmalte verde
reagente de baixa temperatura. Este tipo de esmalte,
à base de chumbo, tem seu ponto de fusão bastante
baixo e tende a formar depósitos e poças, revelando
as projeções de relevo. Com o decorrer da pesquisa
127
descobriria os esmaltes à base de cinzas, para a alta
temperatura.
Re etindo sobre a fotogra a e o tipo de
seleção que é possível fazer-se através das lentes de
uma câmera fotográ ca, realizo a terceira tiragem
desta série de gravuras com 15 peças. Os dois
módulos recebem uma entintagem com óxidos e
esmaltes formando círculos concêntricos, os quais
tem o efeito visual de se realçar algumas áreas da
superfície gravada e pode ser comparado ao do foco.
Este se alterna entre o centro e as bordas, dirigindo
o olhar para diferentes áreas e dando à leitura do
friso uma certa fragmentação perceptiva que tem
analogia com nossa própria forma de perceber:
alternamos o olhar entre detalhes e a visão do
conjunto, sem apreender tudo de uma só vez. A
imagem geral é construída a partir dos fragmentos
perceptivos.
Biri e Mangueira
Pg. 126
Acima: Módulo Mangueira da primeira tiragem.
20 cópias. Vista frontal.
Alta temperatura. 2005.
Abaixo: Duas cópias da segunda tiragem. 24 cópias.
As duas matrizes (mangueira e biri) receberam uma cobertura
de esmalte verde reagente de baixa temperatura. 2005.
Pg.127
À esquerda: Primeira tiragem. Composição com cinco peças
oriundas da mesma matriz – Mangueira, e entintada com
diversas misturas de óxidos metálicos. Da esquerda para a
direita: Óxido de ferro vermelho, óxido de manganês, óxido
de ferro em alta temperatura , óxido de cobalto e óxido de
cobrecom cobalto. Alta e baixa temperaturas.Entintagem com
óxidos metálicos e esmaltes reagentes.
23 cm de diâmetro. 2004.
Abaixo: Terceira tiragem. 15 peças. Os dois módulos recebem
uma entintagem com óxidos e esmaltes formando círculos
concêntricos. Alta temperatura. 2005.
128
Bambuzal
Este módulo é uma das primeiras
paisagens modeladas em argila a serem moldadas
e guarda as marcas da mão que constrói a imagem.
Nesta série, a representação do ritmo vertical das
hastes dos bambus é feita com instrumentos como
a esteca de madeira e palitos, além de interferências
diretas da mão. As inclinações diagonais dos colmos
dão um equilíbrio dinâmico à composição e tornam
mais interessantes as possibiidades de encaixe dos
módulos.
O relevo deste módulo revelou-se
especialmente difícil de moldar e me ensinou
que as matrizes precisam de um período de
amadurecimento, e que muitas vezes é necessário se
fazer ajustes no molde, raspando as áreas retentivas
e favorecendo a desmoldagem das cópias. Trincas
que se desenvolvem no processo de secagem junto
às áreas mais altas começaram a receber especial
atenção e retoques quando atingem o dito ponto
de couro – em que a argila ainda está úmida, mas já
segura sua forma.
A primeira tiragem foi feita com cinco
cópias, duas foram entintadas com óxido de ferro e
três com óxido de manganês. A queima foi feita em
alta temperatura, a 1240ºC. Este conjunto também
abriu um leque grande de experimentações no que
diz respeito à montagem, e esta alternância de tons
foi testada em simulações no computador com a em
montagens como de tabuleiros de xadrez e frisos.
Em uma segunda tiragem preparada para
a alta temperatura um esmalte a base de cinzas foi
utilizado, por ser bastante fundente e formar estes
acúmulos nas depressões. Este tipo de entintagem
tem resultados imprevisíveis e representam um
outro ponto de contato com o caos dentro do
processo. Nos módulos originados os resultados
favoreceram a leitura de contrastes dos relevos
enquanto oferece uma camada de variações com
brilho entre o translúcido e o leitoso.
Bambuzal
Tiragem em cerâmica
de alta temperatura.
Cópias em argila
branca, entintadas
com esmaltes à base
de cinzas.
25 X 27 cm.
2005.
129
Acima: Primeira tiragem. Conjuntos executados com três módulos
diferentes, compondo painéis com até 40 peças.
Entintagem com óxidos metálicos.
Queima em baixa temperatura.
Peças com aproximadamente 12 cm de lado, 2004.
Abaixo: Segunda tiragem. Nesta eu experimento as possibilidades da
queima de Raku, que tem por característica o escurecimento da áreas de
argila que não têm cobertura de esmaltes. Os óxidos utilizados sofrem o
efeito da redução durante a queima e ganham áreas de brilho e aspecto
metalizado. Peças com aproximadamente 12 cm de lado, 2004.
Brejo
Este conjunto representa um primeiro
olhar para o ritmo da forração de taboa, que protege
o córrego fronteiriço ao ateliê. Cubos de argila foram
preparados como suporte e depois modelados com
estecas e pontas. Busquei uma fragmentação interna
do quadrado, desdobrado em quadrados internos,
trabalhando com outra geometria a idéia de foco da
imagem. Estes deslocamentos de relevo gerariam
áreas de contraste na entintagem que reforçariam
esta leitura fragmentária.
Executei em gesso os três moldes com
aproximadamente 10 centímetros de altura no vão
interno. Quando iniciei a tiragem com barbotina,
percebi que seria possivel trabalhar com alturas
variadas e nos painéis resultantes isto teria a leitura
de módulos que entram no plano da parede, como
que submergindo no brejo
1
. Esta mobilidade visual
pareceu-me um dado bastante interessante que
exploro também nos moldes mais recentes.
1
As primeiras séries  guraram no 13º Salão Paulista de
Arte Contemporânea, que teve sua coletiva organizada no
Ibirapuera, no segundo andar do pavilhão da Bienal.
131
Anexo III
Técnicas e Processos
132
Técnicas e Processos
Apresento, a seguir, um complemento
das informações sobre algumas técnicas e
processos empregados nesta pesquisa e que não
foram discutidos anteriormente. A documentação
fotográ ca visa a esclarecer e ilustrar estes
procedimentos e aprofundar a compreensão das
questões abordadas.
Confecção das matrizes
As matrizes são produzidas através
de diversos procedimentos, sempre com gesso
estuque. O protótipo é preparado em uma base de
argila ou sobre arranjos compositivos de elementos
recolhidos diretamente da paisagem. Em alguns
casos, desloco-me com os materiais para recolher
matrizes na paisagem em questão (muitas vezes,
em locais bastante curiosos). Crio paredes de
contenção e despejo a mistura de gesso e água.
Desmoldo o protótipo e limpo o molde o melhor
possível, mas a limpeza de nitiva do molde é feita
com as primeiras cópias – elas limpam os resíduos
de argila e os fragmentos que  cam incrustrados.
Estas vão determinar também se o molde é viável
ou não. Se o protótipo tem partes retentivas, ou
seja, que seguram a retirada do protótipo ou das
cópias. Às vezes, as matrizes podem ser escavadas
e adequadas e às vezes, as primeiras cópias já
sinalizam que a matriz não vai funcionar. Eu trabalho
com uma porcentagem de perda considerável
nesta etapa, pois muitos moldes interessantes não
chegam a gerar impressões viáveis.
Acima: Molde utilizado para composição da série Gra smo
Vegetal. Este molde foi registrado nesta imagem junto à
sua primeira cópia ao lado, e a segunda cópia, abaixo. A
primeira foi fotografada depois de ter passado pela primeira
queima, quando dizemos que está em ponto de biscoito – a
argila adquire uma coloração clara e rosada e mostra em
sua superfície os resíduos da argila vermelha utilizada como
suporte para o fragmento de raiz aérea do singônio durante
a confecção da matriz. A peça logo abaixo é a segunda cópia,
em ponto de osso, onde a argila completamente seca tem
coloração cinza escuro.
133
Moldagem
A reprodução das copias é feita de
duas formas: por prensagem e por despejo. No
procedimento de moldagem por prensagem são
abertas placas de argila de aproximadamente 1 cm.
de espessura com a ajuda do rolo ou da plaqueira
mecânica. Esta placa é colocada sobre o molde e com
uma boneca de pano e pressão moderada é forçada
a entrar nos sulcos e relevos da matriz. Quando a
cópia impressa atinge o ponto de couro é retirada
da matriz com repetidas batidas. Se a desmoldagem
não ocorre no ponto correto de secagem a cópia é
perdida. É preciso ter em mente que a argila perde
uma porcentagem considerável de água no processo
de secagem (em torno de 8 a 15 por cento), e encolhe
proporcionalmente a este volume. O fato de o gesso
ser absorvente, e favorecer a secagem da peça de
argila, favorece também a desmoldagem, pois faz
com que as cópias descolem-se do molde. Porém,
se os relevos internos impedem este movimento de
retração a peça trinca e muitas vezes quebra dentro
do molde.
O outro processo utilizado para fazer as
cópias é o processo de despejo. Uma argila líquida
é preparada a partir da argila branca e da porcelana
em pó, contendo também uma porcentagem de
uma substância de oculante – o silicato de sódio.
Este tem a função de liquefazer a argila pastosa,
tornando -a  uida e homogênea, com o mínimo
conteúdo de água possível, para agilizar o processo
de moldagem, diminuir a retração das peças dentro
Etapas do processo de
confecção de uma matriz.
134
do molde, facilitar o despejo do excesso de barbotina
e garantir uma boa densidade das paredes. As
primeiras cópias têm a função de limpar o molde e
remover resíduos dos materiais que compunham o
protótipo. Os moldes com paredes altas e detalhes
muito sutis de superfície mostraram-se apropriados
para este tipo de tiragem. As cópias são preparadas
para secar de nitivamente com apoio para as partes
curvas e relevos com vãos livres. Até que atinjam o
ponto de osso as peças não podem ser empilhadas
ou acondicionadas com encaixes nas prateleiras.
Em ponto de osso, as peças já bem secas, podem
ser levadas para a primeira queima, a queima de
biscoito, e estarão prontas para a entintagem e a
queima  nal.
Entintagem
Diversos processos de entintagem foram
pesquisados em meu percurso. Um dos mais
utilizados foi o processo de entintagem com uma
base fundente pigmentada com uma porcentagem
alta de óxidos metálicos – geralmente o óxido
de cobre e o óxido de manganês, que produzem
marrons profundos e negros metálicos. As bases
para baixa temperatura são transparentes alcalinos
(CMF090) e fundentes (CMF 1787) à base de chumbo,
que produzem fantasmas brancos nos contornos
devido a sua volatilização em baixas temperaturas.
As bases de alta temperatura mais utilizadas eram
formuladas no ateliê com porcentagens altas de
cinza natural e feldspato potássico, ambos fundentes
fortes.
Moldes de prensagem cheios.
Abaixo: Moldes de despejo vazios.
135
A entintagem da cerâmica é um processo
à base de água – primeiro a peça é encharcada
da mesma forma que se encharca o papel para
impressão. Estando saturada de água a tinta
excedente é mais facilmente removida, revelando-
se então por contraste a pigmentação retida nas
reentrâncias e os detalhes do relevo.
Esmaltes reagentes de baixa temperatura
e esmaltes bem fundentes na alta temperatura
também foram utilizados cobrindo a peça toda em
camadas grossas. Este procedimento favorece o
acúmulo nas depressões e a exposição dos relevos,
o que também se mostrou uma forma de revelar
a imagem. Finalmente descubro que o fogo, em
queimas como a de Raku, ou a queima primitiva,
pode ser meu parceiro na entintagem. A capacidade
de enegrecer a superfície que não está selada pelo
esmalte é explorada nas séries  nais de Gra smos
Vegetais, em que limpo o esmalte somente dos
desenhos em relevo. Durante a queima em fogueira
estes pontos expostos  cam impregnados de
fuligem, enegrescendo.
Abaixo: Etapas do processo de entintagem de uma peça com óxidos
metálicos e bases fundentes para alta temperatura.
À direita: Balança de precisão utilizada na formulação de esmaltes e
bases para entintagem.
136
Queima
A pesquisa em cerâmica tem como centro
a queima, que é determinante das diferentes
qualidades de superfície obtidas. Pesquisar
queimas e fornos diferentes gerou um repertório
de possibilidades bastante interessante. As queimas
de biscoito e parte das queimas de esmalte são
realizadas em fornos elétricos ou à gás no ateliê da
artista. As queimas de biscoito são feitas a 900°C. As
queimas de esmalte em baixa temperatura chegam
a 980°C e em alta temperatura a 1260°C. O processo
de queima de biscoito deve respeitar sempre
patamares em alguns pontos críticos: por volta de
100°C – perda da água física, por volta de 300°C –
início da perda de água química, 500°C – inversão da
sílica e volatilização dos últimos resíduos orgânicos.
Os processos de queima mais fascinantes,
no meu entender, são aqueles que oferecem o maior
grau de imprevisibilidade, seja pelo  uxo do fogo e
de suas marcas, seja pelos processos químicos que
ele solicita, como os processos de redução, seja pelo
efeito de seus combustíveis na superfície das peças.
Ao longo de minhas pesquisas percebo que com
poucos recursos é possível obter resultados bastante
interessantes. Com o ceramista Jean Jackes Vidal
investigo as possibilidades de um forno construído
a partir de um cupinzeiro (que se mostrou, aliás, uma
opção valiosa para ceramistas iniciantes), a queima
em buraco (também conhecida por pit  ring) ou
a queima primitiva. Fornos tradicionais no Japão
também oferecem resultados surpreendentes. A
Pg. 136 Imagens da confecção
e queima de um forno a
partir de um cupinzeiro.
Imagens captadas em
workshop realizado no Centro
Universitário Belas Artes de
São Paulo, com a participação
determinante de Sérgio
Barreiro.
Pg. 137 Queima em Anagama.
Dinâmica do processo
conduzido por uma equipe
de quase 20 ceramistas
durante quatro dias. A retirada
de amostras determina se
a quantidade de esmalte
produzido pelas cinzas
depositadas é satisfatório.
137
queima de um forno Anagama é uma queima em
que a madeira queimada para elevar a temperatura
do forno produz cinzas que são esparramadas sobre
as peças segundo o  uxo do fogo e que se fundem
na fase  nal da queima (que chega a atingir 1300°C)
depois de quatro dias de queima. Estas cinzas
esmaltam as peças.
Nas imagens ao lado documento a
primeira queima do forno construído pela colega
ceramista Cristina Rocha, em Arthur Nogueira. O
projeto do forno e as orientações para a realização
da primeira queima foram enviados por Peter Callas,
um pesquisador deste tradicional formato de forno.
A primeira montagem das peças, o fechamento da
porta com tijolos e os orifícios para alimentação
podem ser vistos nas primeiras imagens. Durante os
vários dias e noites de queima equipes se revezam
até que o fogo adquira uma cor esbranquiçada e
uma língua de fogo constante possa ser observada
na chaminé. Nesta fase, o fogo é alimentado pelos
orifícios laterais e  nalmente lacrado para resfriar
lentamente. Os resultados só serão conhecidos
na semana seguinte. A esmaltação resultante das
cinzas obtidas na queima tem aparência brilhante
e a sua cor depende da composição da argila. Sua
ocorrência é irregular e demonstra os  uxos internos
do fogo e das cinzas.
Outra modalidade de queima muito
interessante pela sua imprevisibilidade e variações
de resultados é a queima de Raku. Na sequência
de imagens ao lado registro uma queima de Raku
138
realizada com uma turma do Centro Universitário
Belas Artes de São Paulo. Nesta queima também
precisamos trabalhar em equipe, para atender à
dinâmica dos processos, Inicialmente, as peças
são montadas no interior de um forno feito em
um latão e revestido de manta refratária. Com um
maçarico a gás, a temperatura da queima é levada
a aproximadamente 980°C a 1000°C. O forno então
é aberto e as peças são rapidamente retiradas,
com a ajuda de pinças de metal, e colocadas em
um recipiente com serragem. A cada peça que
entra neste recipiente, que chamamos de câmara
de redução, mais serragem é jogada para cobrir
completamente a superfície das cerâmicas. Este
recipiente então é fechado com placas metálicas e
os processos que ocorrem dentro desta câmara é
que produzem as característica típicas da queima
de Raku – argila enegrecida pela fuligem, o esmalte
trinca com os choques térmicos e sua composição
química é alterada pelos processos de redução.
Este processo físico-químico consiste em impedir a
entrada de ar durante a queima  nal, o que acarreta
a queima de oxigênio molecular, modi cando as
cores e superfícies dos esmaltes. Os óxidos metálicos
são os ingredientes dos esmaltes mais afetados por
estes processos, o óxido de cobre, por exemplo, é
verde na oxidação e na redução pode produzir
superfícies metálicas de cor prateada, acobreada,
vermelhos intensos e azuis surpreendentes. A
irregularidade e o fator surpresa nestes resultados
é para mim motivo de profunda fascinação e eu
interpreto este resultado como um registro da ação
do imponderável durante a queima.
Queima de Raku.
Dinâmica do processo
de queima. Imagens
captadas durante
uma aula, com a
participação de Yuuki
Nakatani e dos alunos
do quarto semestre
em 2006.
139
Um forno de cupim ao atingir 900°c
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