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Manto tupinambá
Caesalpinea Paraguairiensis. Árvore
conhecida popularmente como pau-ferro,
com ocorrência farta no Mato-Grosso do
Sul, Argentina, Paraguai e Bolívia. Produz
in orescências amareladas e fruto legume,
lenhoso, achatado, preto e brilhante
com grande número de sementes viáveis.
Produz uma madeira densa, de textura na
e homogênea e de grande durabilidade
natural, muito apreciada comercialmente e
comparada ao ébano.
Neste conjunto composto por quatro
módulos diferentes retorno aos exemplares do pau-
ferro que circundam o ateliê. As sementes, as quais já
me emprestaram sua forma, não são o alvo de meu
olhar neste momento, e sim as curiosas raízes, que
sob sua forma lenhosa, parecem possuir uma pele
acinzentada, túrgida e que ostenta as marcas do
tempo em sua superfície – marcas de crescimento
e de desgaste. A história contada pela superfície
destas raízes é a de sobrevivência e a de violência.
Sob as árvores recolho diretamente das raízes as
cicatrizes deixadas pelo tráfego do gado sobre as
projeções radiculares.
As cópias impressas são entintadas
com óxidos de cobre, manganês e cobalto em
base reagente e gotas de esmalte vermelho são
depositadas sobre as cicatrizes, exacerbando
a percepção das cicatrizes e sugerindo um
sangramento. A associação com o Manto Tupinambá
original, que está no Museu Nacional da Dinamarca,
duradouro de imagens e formas motiva, entre outros
exemplos, a moldagem das máscaras mortuárias, leva
os imperadores a imprimirem seus rostos cunhados em
moedas metálicas e culmina na invenção da prensa de
Gutemberg, com impacto revolucionário na sociedade,
seus sistemas e técnicas de registro. Marcas impressas
da vida cotidiana, da dimensão espiritual, política e
da sensibilidade artística manifestam-se de formas
diferentes, mas constantes em todas as épocas. A gravura
é, como o desenho e a escrita, um impulso ancestral
movido pela vontade de permanência. Este ato simples
– a transferência da forma de um substrato para outro,
está na origem dos painéis que apresento.
Quando este impulso de registro encontra uma
substância que aceita suas marcas, e que depois de
queimada tem uma estrutura molecular absolutamente
estável, uma substãncia praticamente eterna, que nos
conta a história dos primeiros homens, sinto que tenho
em minhas mãos uma chave do tempo. Uma relação
com a materialidade que é de se transformar o fugaz, o
cíclico e o transitório em registro perene. A associação
entre as superfícies que produzo e a superfície de fósseis
é inevitável – uma relação de contigüidade com a forma
orgânica que se vê suspensa no tempo, incrustada na
lentidão da existência mineral.