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Universidade do Estado do Pará
Centro de Ciências Sociais e Educação
Programa de Pós-Graduação em Educação - Mestrado
Fernando Octavio Barbosa de Almeida
Alfabetização de Jovens e Adultos
Saberes docentes em uma escola municipal de Ananindeua-PA.
Belém
2010
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Fernando Octavio Barbosa de Almeida
Alfabetização de Jovens e Adultos
Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA.
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em
Educação no Programa de Pós-Graduação em
Educação – Mestrado da Universidade do
Estado do Pará.
Linha de Pesquisa: Saberes Culturais e
Educação na Amazônia
Orientadora: Profª. Drª.
Maria do Perpétuo
Socorro Gomes de Souza Avelino de França
Belém
2010
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Dados Internacionais de catalogação na publicação
Biblioteca do Centro de Ciências Sociais e Educação da UEPA
Almeida, Fernando Octavio Barbosa de
Alfabetização de jovens e adultos: saberes docentes em uma escola municipal
de Ananindeua/ Fernando Octavio Barbosa de Almeida; Orientador, Maria do
Perpétuo Socorro Gomes de Souza Avelino de França, Belém, 2010.
Dissertação (Mestrado em Educação) Universidade do Estado do Pará,
Belém, 2010.
1. Alfabetização de Adultos 2. Escolas Municipais I.Título.
CDD: 21 ed. 374.012
Fernando Octavio Barbosa de Almeida
Alfabetização de Jovens e Adultos
Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA.
Dissertação apresentada como requisito parcial
para obtenção do título de Mestre em
Educação no Programa de Pós-Graduação em
Educação – Mestrado da Universidade do
Estado do Pará.
Linha de Pesquisa: Saberes Culturais e
Educação na Amazônia
Data de aprovação: 19/02/2010
Banca Examinadora
____________________________________ Orientadora
Prof.ª Maria do Perpétuo Socorro Gomes de Souza Avelino de França
Drª. em Educação
Universidade Estadual de Campinas
____________________________________ Membro Interno
Ivanilde Apoluceno de Oliveira
Drª. em Educação
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
____________________________________ Membro Externo
Wilma de Nazaré Baia Coelho
Drª. em Educação
Universidade Federal do Rio Grande do Norte
Para minha querida esposa Rosemere Pinto Costa de Almeida
e meu amado Fernando Octavio Filho
Razões do meu viver
AGRADECIMENTOS
Em primeiro lugar a Deus, essa força superior que me ajudou principalmente
nos momentos mais difíceis desta árdua caminhada.
Aos meus queridos pais Sebastião e Antonia Almeida, os quais me
ensinaram que na vida é preciso ter educação e determinação.
Ao Prof. Carlos Adrião, meu amigo e ex-colega de trabalho, que muito
contribuiu para a minha aprovação na seleção do Mestrado em 2007.
A minha orientadora, Profª. Drª. Maria do Perpétuo Socorro Gomes de
Souza Avelino de França, por ter acreditado em meu trabalho desde o momento
em que me escolheu como orientando.
A minha banca de qualificação, Professoras Doutoras Wilma de Nazaré
Baia Coelho e Ivanilde Apoluceno de Oliveira, pelas competentes críticas que me
fizeram amadurecer.
A Secretaria Municipal de Educação de Belém pela licença curso concedida.
A Profª. Edilza Corrêa, Diretora do Departamento de Educação da Secretaria
Municipal de Educação de Ananindeua, por ter cedido gentilmente os documentos
que tratam da política educacional do município.
A Profª. Sonia Lima, diretora da Escola Municipal “São Judas Tadeu”, por ter
autorizado a realização da pesquisa no referido espaço.
As três professoras da Escola Municipal “São Judas Tadeu”, sujeitos desta
pesquisa e construtoras de saberes, por seus valiosos depoimentos nas entrevistas.
E a todos que direta ou indiretamente contribuíram para que este estudo se
tornasse realidade.
RESUMO
ALMEIDA, Fernando Octavio Barbosa de. Alfabetização de jovens e adultos:
saberes docentes em uma escola municipal de Ananindeua-PA. 122 f. Dissertação
(Mestrado em Educação) – Universidade do Estado do Pará. Belém, 2010.
O presente estudo é uma dissertação de Mestrado, que investiga o seguinte
problema: como as professoras da Escola Municipal “São Judas Tadeu” constroem
seus saberes de alfabetização de jovens e adultos para atuar em turmas deetapa
da EJA? Como referencial teórico, destaco as contribuições de Alves (2009),
Barbosa (2007), Barros (1999), Brasileiro (2007), Beisiegel (1997), Candau (1998),
Ferreiro (2001), Freire (2001), Haddad (2007a), Haddad (2007b), Leal (2007),
Mendes (2003), Maciel (1999), Moura (2007), Rosa (2007), Silva e Andrade (2007),
Soares (2002) e, sobretudo, Tardif (2007), que focaliza a problemática dos saberes
docentes, estabelecendo, simultaneamente, um diálogo horizontal com o campo
mais amplo das pesquisas sobre o ensino e um olhar aprofundado sobre o tema,
apoiado em estudos empíricos. Quanto à metodologia, esta dissertação constitui-se
como um Estudo de Caso que, segundo Lüdke e André (1986), tem a preocupação
central de compreender o objeto de estudo como uma representação singular da
realidade que é multidimensional e historicamente situada. Elegi como lócus de
pesquisa a Escola Municipal “São Judas Tadeu”, situada no Conjunto lia Seffer,
Município de Ananindeua, Estado do Pará devido a três razões: 1) trata-se de uma
escola que se destaca na Rede Municipal de Ensino de Ananindeua em razão de
seus projetos educacionais; 2) começou a ofertar a EJA desde 2002, ano de
expansão desta modalidade de ensino no Município de Ananindeua; 3) desde 2002
sempre recebe jovens e adultos alfabetizandos em suas turmas de 1ª etapa,
segundo dados da própria secretaria da escola. Os sujeitos desta pesquisa são três
professoras que atuaram em turmas de etapa, no período compreendido entre os
anos de 2004 e 2008. Com base nos depoimentos das três professoras, percebe-se
que elas constroem seus saberes sobre alfabetização de jovens e adultos a partir de
diversas fontes, sendo as principais: a aprendizagem inicial da leitura e escrita;
formação docente inicial e continuada; e experiência geral de trabalho no Magistério
e experiência específica na EJA. Dentre todas as fontes que compõem a construção
de seus saberes sobre alfabetização de jovens e adultos, certamente aquela que
contribuiu de maneira mais aprofundada e dinâmica foi a experiência de trabalho no
Magistério, sobretudo, a atuação específica na EJA.
Palavras-chave: Alfabetização. Educação de Jovens e Adultos. Saberes Docentes.
ABSTRACT
ALMEIDA, Fernando Octavio Barbosa de. Youth and adults Literacy: teacher's
knowledge in a municipal school of Ananindeua-PA. Thesis (Master Degree in
Education) - University of the State of Pará. Belém, 2010.
This study is a master degree's thesis, which investigates the following
problem: how women teachers of the Municipal School “São Judas Tadeu” build their
knowledge of literacy of youth and adults to work in groups of 1
st
stage of EJA?As
theoretical referential the contributions in highlights are from Alves (2009), Barbosa
(2007), Barros (1999), Brazil (2007), Beisiegel (1997), Candau (1998), Ferreiro
(2001), Freire (2001), Haddad (2007a), Haddad (2007b), Leal (2007), Mendes
(2003), Maciel (1999), Moura (2007), Rosa (2007), Silva and Andrade (2007), Smith
(2002) and, especially, Tardif (2007), which focuses on the problem of teachers
knowledge, establishing both a horizontal dialogue with the broader field of research
on teaching and a depth look about the theme, supported by empirical studies. The
method, this thesis is constituted as a case study, according Lüdke and Andrew
(1986); the main concern is to understand the object of study as a unique
representation of reality that is multidimensional and historically situated. I Elected as
a locus of research the Municipal School “São Judas Tadeu”, located in the set Julia
Seffer, municipality of Ananindeua, Pará State because of three reasons: 1) it is a
school that stands out in the Municipal School of Ananindeua because of their
educational projects; 2) began to offer EJA since 2002, the year of expansion of this
mode of education in the city of Ananindeu;3) since 2002 always receives young
learners and adults in their classes from Stage 1, according to data from the school
office. The subjects are three women teachers who worked in groups of 1
st
stage, in
the period between the years 2004 and 2008. Based on the testimony of three
women teachers, one realizes that they construct their knowledge about youth and
adults literacy from several sources, being the main ones are: the initial learning of
reading and writing; initial teacher training and continuous, and general experience
work in Teaching and specific experience in EJA. Among all the sources that build up
the construction of their knowledge about youth and adults literacy, one that certainly
contributed in a depth and dynamic perspective was the work experience in
Teaching, especially the specific acting on EJA.
Keywords: Literacy. Youth and Adults Education. Teachers’ knowledge.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
MAPA 1 Localização geográfica de Ananindeua na Região Metropolitana de
Belém 62
MAPA 2 Áreas do Município de Ananindeua 63
LISTA DE TABELAS
TABELA 1 Analfabetos – distribuição por regiões 26
TABELA 2 Taxas de rendimento escolar (2007 a 2008) - Ensino Fundamental –
modalidade EJA (RME – Ananindeua) 64
TABELA 3 Movimento escolar (2007 a 2008) - 1ª etapa da EJA - E. M. “São Judas
Tadeu” 65
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 10
CAPÍTULO 1: A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL: DIRETRIZES
NACIONAIS E MUNICIPAIS 25
1.1. DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS 25
1.2. DIRETRIZES DA EJA NO MUNICÍPIO DE ANANINDEUA 48
CAPÍTULO 2: CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO: O MUNICÍPIO, A ESCOLA E
A ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS 59
2.1. DO MUNICÍPIO DE ANANINDEUA 59
2.2. DA ESCOLA MUNICIPAL “SÃO JUDAS TADEU”: ORIGEM HISTÓRICA 66
2.3. DA ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: CONCEPÇÕES 69
CAPÍTULO 3: AS PROFESSORAS E SEUS SABERES SOBRE ALFABETIZAÇÃO
DE JOVENS E ADULTOS 76
3.1. HISTÓRIAS DE ALFABETIZAÇÃO E PRÁTICAS DE LEITURA 77
3.2. SABERES DOCENTES SOBRE ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS 88
CONSIDERAÇÕES FINAIS 107
REFERÊNCIAS 114
APÊNDICES 118
A – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido 119
B – Dados Pessoais e Profissionais das Professoras 120
C – Roteiro de Entrevista Semi-estruturada com Professoras de 1ª etapa 121
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 10
INTRODUÇÃO
O interesse em investigar saberes docentes sobre alfabetização de jovens e
adultos tem origem na minha própria história pessoal e profissional.
Em 1983, época em que eu morava em Macapá, capital do então Território
Federal do Amapá, fui alfabetizado em casa por minha irmã de criação, Maria José.
Lembro-me que meu suporte de leitura foram as revistas em quadrinhos da Turma
da Mônica
1
. A vontade de ler “com meus próprios olhos” aquelas histórias que eram
lidas quase todos os dias por minha irmã e a curiosidade de aprender como
“decifrar” o que estava escrito nos “balões” das falas dos personagens era tão
grandes, que comecei a aprender a ler e escrever aos cinco anos de idade. Por isso,
considero que minha experiência como alfabetizando foi tão espontânea e prazerosa
que a partir daí a leitura e a escrita, em seus sentidos mais amplos, assumiram uma
grande importância em minha vida pessoal.
Seis anos depois, em 1989, minha família e eu mudamos para Belém do
Pará, onde em 1999 concluí o Ensino Médio Habilitação Magistério pelo Núcleo
Pedagógico Integrado (NPI). No mesmo ano comecei a cursar a Licenciatura Plena
em Pedagogia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Concomitantemente,
ingressei na carreira do Magistério por meio de um concurso público da Prefeitura
Municipal de Belém no ano 2000, quando assumi uma turma de Educação Infantil.
Dois anos depois, em 2002, ingressei na Rede Municipal de Ensino de
Ananindeua também por concurso blico. A partir daí adquiri minha primeira
experiência na Educação de Jovens e Adultos (EJA) ao assumir uma turma de
etapa na Escola Municipal “São Judas Tadeu”
2
, situada no Conjunto Júlia Seffer,
Município de Ananindeua, Estado do Pará. Para trabalhar com essa turma enfrentei
vários desafios. O primeiro deles foi conquistar a confiança e aceitação dos alunos,
pois, na época, tinha apenas 23 anos de idade. Lembro-me ainda o que algumas
alunas adultas e idosas me disseram em nosso primeiro contato: “Você é que vai ser
o nosso professor!? Vo tem idade para ser nosso filho!” Provavelmente, no
imaginário dessas alunas, ainda era forte a idéia de que o professor deve ser o
detentor do saber e, portanto, precisa ser maduro e experiente. Após uma semana
de aula, entretanto, a turma já me aceitava como professor.
1
Personagem infantil dos quadrinhos do desenhista Maurício de Souza.
2
A divulgação do nome da escola foi autorizada pela própria diretora do estabelecimento de ensino.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 11
Vencido este primeiro desafio, outro ainda precisava ser superado: a falta de
preparação e orientação na minha formação inicial para atuar na EJA, pois tanto na
Habilitação em Magistério quanto na Graduação em Pedagogia, pouco ou quase
nada havia sido tratado sobre a referida modalidade de ensino, como se o professor
pedagógico estivesse designado para trabalhar apenas com crianças da Educação
Infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental. Para compensar essa lacuna em
minha formação inicial fui buscar na própria turma suas motivações e expectativas
em relação à escola e ao trabalho do professor.
Ao realizar esta busca, surgiu o terceiro desafio, o mais difícil de superar: lidar
com a heterogeneidade da turma, sobretudo no que se refere ao domínio da leitura e
escrita. Dentre os alunos, 60% sabiam ler e escrever. Muitos deles haviam
cursado a série do Ensino Fundamental, enquanto 40% eram alfabetizandos, pois
estavam em sua primeira experiência escolar ou vinham de situações mal-sucedidas
da rie, ocorridas em sua época de infância. Então, a saída que encontrei foi
criar situações de aprendizagem que atendessem tanto às expectativas e aos
interesses dos alunos alfabetizados quanto dos que ainda estavam em processo
de alfabetização.
A expectativa principal dos alunos alfabetizandos era que eu realizasse pelo
menos dois tipos de atividades consideradas por eles como adequadas para quem
está na condição de alfabetizando: “exercícios de coordenação motora”, nos quais
os alunos copiam diversas vezes a mesma letra ou palavra; e “exercícios de leitura”,
nos quais os alunos soletram palavras e juntam sílabas para decifrarem o que está
escrito.
Fundamentado em dois autores que desenvolveram estudos sobre as práticas
de leitura e escrita, Faria Filho et al (1999) e Freire (2001), comecei a criar outras
estratégias de alfabetização para essa turma de etapa. O primeiro autor, em seu
artigo Perspectiva Histórica do Ensino da Escrita, observa que os procedimentos
utilizados pela escola no processo ensino-aprendizagem nem sempre ocorrem de
forma positiva ou produtiva. Um desses procedimentos é a cópia que, antes da
invenção da imprensa, era indispensável para a reprodução dos artefatos escritos.
Ao longo da história social da escrita, a cópia sempre foi utilizada como mecanismo
de aperfeiçoamento da cnica de escrever. Mas, ao se transformar em exercício
escolar, a cópia passa a se vincular a outras expectativas, como a da aprendizagem
por meio da memorização. Sobre esta questão, Faria Filho et al (1999) afirmam que:
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 12
Destituída de seu significado e de sua importância social originais, a cópia
passou a constituir um exercício escolar sobre o qual se assentam, em boa
parte, as estratégias escolares de ensino da escrita, embora seja totalmente
sem sentido para seus praticantes.
Não é por acaso, portanto, que historicamente se tem observado que a
cópia escolar acabou por se transformar principalmente em um mecanismo
de castigo e de afastamento dos alunos em relação à escrita (p. 16).
Neste sentido, o que me impulsionou a o realizar um trabalho de
alfabetização baseado em exercícios de escrita como cópia e de leitura como
decifração de códigos, nos quais a memorização de letras ou palavras levaria à
aprendizagem, foi o estudo da obra A Importância do ato de ler, de Freire (2001),
cuja compreensão crítica sobre a leitura não se esgota na decodificação pura da
palavra escrita ou da linguagem escrita, mas se antecipa e se alonga na inteligência
do mundo. Por isso, o referido autor considera que:
A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura
desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e
realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser
alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o
texto e o contexto (p. 11).
Ao realizar um ensaio sobre a importância do ato de ler, Freire (2001) sente-
se levado a “reler” momentos fundamentais de sua prática, guardados na memória,
desde as experiências mais remotas de sua infância e adolescência até o período
em que começa a alfabetizar jovens e adultos, quando a compreensão crítica do ato
de ler vai se desenvolvendo no pensamento do referido autor.
A partir desses estudos comecei a compreender que o fundamental no
trabalho de alfabetização é incentivar os alunos a encontrarem sentido no que lêem,
para que possam estabelecer relações entre a leitura da palavra e a leitura de seu
mundo, entre texto e contexto. Para tanto, desenvolvi atividades com a turma de
etapa em que era possível “escrever mesmo sem saber escrever”: os alunos
contavam suas histórias de vida ou de alguém da sua família. Enquanto ouvia os
alunos, registrava suas histórias na lousa. Criei, também, situações de
aprendizagem em que eles podiam “ler mesmo sem saber ler”: primeiramente os
alunos falavam sobre textos que sabiam de cor, como a letra de uma sica de
Roberto Carlos, um poema de Carlos Drummond de Andrade ou um provérbio
popular, por exemplo. Depois, trazia para a sala de aula estes textos, que eram
“lidos” pelos alunos para que estes pudessem estabelecer a correspondência entre
código e fonema. E ainda havia atividades em que as falas dos alunos eram ouvidas
e respeitadas: debates sobre temas da atualidade, em que surgiam palavras
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 13
significativas da realidade de cada um, as quais se tornavam as palavras geradoras
para o trabalho de alfabetização.
A partir da realização destas atividades, tanto os alunos já alfabetizados
quanto os alfabetizandos da referida turma de etapa passaram a se interessar
mais pelas atividades realizadas em classe, principalmente as que eram
relacionadas à leitura e escrita. E ao rmino do ano letivo, obtiveram melhor
aproveitamento em suas aprendizagens.
Depois dessa primeira experiência como professor de etapa e de outras
que foram sendo acumuladas ao longo da minha trajetória como educador, concluí a
Licenciatura Plena em Pedagogia na UFPA em 2003. Quatro anos depois, em 2007,
ingressei na Turma de Mestrado em Educação da Universidade do Estado do
Pará (UEPA), Linha de Pesquisa Saberes Culturais e Educação na Amazônia, com o
objetivo de ampliar e aprofundar os estudos em relação à temática dos Saberes
Docentes sobre Alfabetização de Jovens e Adultos.
Neste sentido, este estudo investiga o seguinte problema:
Como as professoras da Escola Municipal “São Judas Tadeu” constroem seus
saberes sobre alfabetização de jovens e adultos para atuar em turmas de etapa
da EJA?
Diante do referido problema, três questões norteiam este estudo:
- Como as professoras aprenderam a ler e escrever?
- Quais as concepções de alfabetização que permeiam os saberes das professoras?
- Quais os desafios enfrentados pelas professoras para alfabetizarem jovens e
adultos?
Para elucidar o problema e as questões norteadoras propostas, a presente
dissertação tem como referencial teórico: os estudos de Beisiegel (1997) e Haddad
(2007b) sobre a política da União para a educação de jovens e adultos e de Haddad
(2007a) sobre a ação de governos locais na referida modalidade de ensino; as
pesquisas de Alves (2009) e Mendes (2003) sobre o município de Ananindeua; os
estudos de Barros (1999), Brasileiro (2007), Ferreiro (2001), Freire (2001), Maciel
(1999), Moura (2007), Rosa (2007) e Soares (2002) sobre alfabetização e leitura;
além de autores que abordam questões referentes à formação de professores para a
Educação de Jovens e Adultos: a construção cotidiana do Magistério (CANDAU,
1998), a construção da identidade de alfabetizadoras em formação (BARBOSA,
2007), a formação continuada das professoras alfabetizadoras de jovens e adultos
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 14
(BARROS, 2007), o planejamento como estratégia de formação de professores
(LEAL, 2007) e o diagnóstico como subsídio para a organização do trabalho
pedagógico do professor-alfabetizador (SILVA; ANDRADE, 2007).
Sobre o tema dos saberes docentes, Borges (2004) considera que este se
encontra no centro das reformas atuais da formação de professores da Educação
Básica. Fala-se em conhecimentos, competências ou saber-fazer, saberes que os
professores devem adquirir e que se encontram na base de sua profissão. Contudo,
o interesse atual sobre este tema insere-se em um contexto maior, no qual, duas
décadas, ele vem sendo tratado. Estando na base das reformas implementadas
na América do Norte e na Europa, a preocupação com os saberes dos professores
vem ocupando um lugar central nas pesquisas sobre o ensino e constituindo um
vasto e rico campo de estudos, que tem permeado o debate nacional e internacional
e mobilizado grupos de pesquisadores, formadores de professores e políticos
engajados na educação e nos sistemas de ensino.
Conforme a autora, diferentes abordagens teóricas em relação à
concepção dos saberes docentes. Dentre elas, Borges (2004) destaca as
contribuições de Tardif (2007), que considera essenciais pelo fato de se situarem em
amplos programas de pesquisa e por focalizarem a problemática dos saberes
docentes, estabelecendo, simultaneamente, um diálogo horizontal com o campo
mais amplo das pesquisas sobre o ensino e um olhar aprofundado sobre o tema,
apoiados em estudos empíricos.
Na visão de Tardif (2007), a questão dos saberes docentes não pode ser
separada das outras dimensões do ensino, nem do estudo do trabalho realizado
diariamente pelos professores de profissão, de maneira mais específica. Em todos
esses anos, o referido autor sempre situou a questão do saber profissional no
contexto mais amplo do estudo da profissão docente, de sua história recente e de
sua situação dentro da escola e da sociedade.
Na realidade, no âmbito dos ofícios e profissões, Tardif (2007) acredita que
não se pode falar do saber sem relacioná-lo com o contexto do trabalho: o saber é
sempre o saber de alguém que trabalha algo no intuito de realizar algum objetivo.
Além disso, o saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores
é intrínseco e está relacionado com a sua pessoa, sua identidade, sua experiência
de vida, sua história profissional e com as suas relações com os alunos em sala de
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 15
aula e com os outros atores escolares. Por isso, é necessário estudá-lo
relacionando-o com esses elementos constitutivos do trabalho docente.
Nesta perspectiva de Tardif (2007) acerca dos saberes docentes, ressalto que
este estudo não é sobre a EJA como um todo, mas somente sobre a etapa
porque, na condição de fase inicial desta modalidade de ensino, é a etapa que mais
recebe alunos em situação de alfabetização, inclusive nos quatro níveis da
psicogênese da escrita
3
. Por isso, a etapa acaba por assumir a função de
alfabetizar jovens e adultos, apesar de que, em geral, a expectativa dos professores
que nela atuam é a de receber alunos que dominem a leitura e a escrita para
cursar a 1ª e 2ª séries do Ensino Fundamental em apenas um ano letivo.
Sobre a questão da alfabetização de jovens e adultos, Freire (2001) é o
responsável pela construção de uma compreensão crítica do ato de ler. Na proposta
da alfabetização freireana, o movimento do mundo à palavra e da palavra ao mundo
está sempre presente. Movimento em que a palavra dita flui do mundo mesmo
através da leitura que dele fizemos. Porém, Freire (2001) afirma que a leitura da
palavra não é apenas precedida pela leitura do mundo, mas de uma certa forma de
“escrevê-lo” ou de “reescrevê-lo”, de transformá-lo através de uma prática
consciente. O esforço do autor nesse trabalho em torno da Importância do ato de ler
é o de explicitar como, em si mesmo, esta importância foi sendo destacada ao longo
de sua infância e adolescência até chegar a alguns aspectos centrais de sua
proposta no campo da alfabetização de adultos.
Neste sentido, Freire (2001) defende sua concepção de alfabetização de
jovens e adultos como um ato político e um ato de conhecimento, por isso mesmo
como um ato criador. Por isso, seria impossível que o referido autor se engajasse
em um trabalho de alfabetização mecânica dos ba-be-bi-bo-bu, o qual se reduz ao
ensino puro da palavra, das sílabas ou das letras, onde o alfabetizador vai
“enchendo” com suas palavras as cabeças supostamente “vazias” dos
alfabetizandos. Enquanto ato de conhecimento e ato criador, o processo de
alfabetização deve considerar o alfabetizando como sujeito, que necessita da ajuda
do educador. Segundo Freire (2001), isto não significa que tal ajuda deva anular a
3
Pesquisa de Emília Ferrero que tem o objetivo de evidenciar que o processo de alfabetização nada
tem de mecânico, do ponto de vista de quem aprende. Esse aprendiz, segundo a autora, se coloca
problemas, pensa, raciocina e inventa, por meio da construção de quatro sistemas interpretativos da
escrita: pré-silábico, silábico, silábico-alfabético e alfabético (FERRERO, 2001, p. 07).
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 16
criatividade e a responsabilidade do educando na construção de sua linguagem
escrita e na leitura desta linguagem.
Na verdade, tanto o alfabetizador quanto o alfabetizando, ao pegarem, por
exemplo, um objeto, [...] sentem o objeto, percebem o objeto sentido e são
capazes de expressar verbalmente o objeto sentido e percebido. Como eu,
o analfabeto é capaz de sentir a caneta, de perceber a caneta, de dizer
caneta, mas também de escrever caneta e, conseqüentemente, de ler
caneta. A alfabetização é a criação ou a montagem da expressão
escrita da expressão oral. Esta montagem não pode ser feita pelo
educador para ou sobre o alfabetizando. Aí tem ele um momento de
sua tarefa criadora (grifo nosso, p. 19).
Um estudo sobre os saberes docentes de alfabetização de jovens e adultos
tem sua relevância social, pois, atualmente, a EJA vivencia uma situação crítica. Os
dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), expressos
no Parecer CNE n. 11/2000 CEB, mostram que os déficits do atendimento no
Ensino Fundamental em nível nacional resultaram, ao longo dos anos, num grande
número de jovens e adultos que não tiveram acesso ou não lograram terminar o
referido nível de ensino. Embora tenha havido progresso com relação a esta
questão, o número de analfabetos é ainda excessivo no país. Todos os indicadores
apontam para a profunda desigualdade regional na oferta de oportunidades
educacionais e a concentração de população analfabeta ou insuficientemente
escolarizada nos bolsões de pobreza existentes no país.
De acordo com o Parecer CNE n. 11/2000 CEB, o desafio de proporcionar
acesso à escola presencial ou semi-presencial para este contingente humano é o
único modo de se atingir uma redução eficaz ou até mesmo a extinção do
analfabetismo. Resultados positivos implicam ações integradas, políticas
diferenciadas, consideração de dificuldades específicas e adequado estatuto de
formação de docentes para a EJA.
A Rede Municipal de Ensino de Ananindeua também se encontra em um
quadro crítico no que diz respeito ao rendimento escolar. Conforme dados do
Departamento de Administração e Logística Escolar (DALE) da Secretaria Municipal
de Educação de Ananindeua (SEMED), em 2008 apenas 43,4% dos alunos da EJA
foram aprovados, enquanto 12,8% foram reprovados e 43,8% evadiram. Com base
nos dados apresentados acima, percebe-se que o grande problema enfrentado pela
Rede Municipal de Ensino de Ananindeua na EJA ainda é a evasão, expressa por
um alto índice de 43,8%. Este número somado aos 12,8% de reprovação chega a
56,6%, índice bem superior ao da aprovação (43,4%).
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 17
Diante do exposto, este estudo tem como objetivo geral:
- Analisar como as professoras da Escola Municipal “São Judas Tadeu” constroem
seus saberes sobre alfabetização de jovens e adultos para atuar em turmas de
etapa da EJA.
E os objetivos específicos são:
- Analisar como as professoras aprenderam a ler e escrever;
- Identificar as concepções de alfabetização que permeiam os saberes das
professoras;
- Explicitar os desafios enfrentados pelas professoras para alfabetizarem jovens e
adultos.
No que se refere à metodologia, elegi como lócus de pesquisa a Escola
Municipal “São Judas Tadeudevido a quatro razões: 1) trata-se de uma escola na
qual atuei primeiramente como professor e depois como coordenador pedagógico; 2)
é uma instituição que se destaca na Rede Municipal de Ensino de Ananindeua em
razão dos projetos educacionais que desenvolve; 2) começou a ofertar a EJA desde
2002, ano de expansão desta modalidade de ensino no Município de Ananindeua; 3)
desde 2002 sempre recebe jovens e adultos alfabetizandos em suas turmas de
etapa, segundo dados da própria secretaria da escola.
Quanto ao método, a presente pesquisa constitui-se como um Estudo de
Caso, que tem a preocupação central de compreender o objeto de estudo como uma
representação singular da realidade que é multidimensional e historicamente
situada. Os estudos de caso buscam retratar a realidade de forma completa e
profunda. O pesquisador procura revelar a multiplicidade de dimensões presentes
numa determinada situação ou problema, focalizando-o como um todo. Esse tipo de
abordagem enfatiza a complexidade natural das situações, evidenciando a inter-
relação dos seus componentes (LÜDKE; ANDRÉ, 1986).
As características fundamentais desta metodologia de pesquisa estão
presentes no desenvolvimento deste estudo. Uma delas é a “interpretação em
contexto”. Na perspectiva de apreender o objeto de estudo de uma forma mais
completa, um dos princípios básicos do Estudo de Caso é levar em conta o contexto
em que ele se situa (LÜDKE; ANDRÉ, 1986). Neste sentido, considerei as seguintes
características particulares do lócus de desenvolvimento desta pesquisa, a Escola
Municipal “São Judas Tadeu”: infra-estrutura, projeto político pedagógico e situação
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 18
histórico-geográfica, a fim de melhor compreender o contexto no qual as professoras
que atuaram em turmas de 1ª etapa (sujeitos desta pesquisa) estão inseridas.
Triviños (1987) conceitua o Estudo de Caso como uma categoria de pesquisa
cujo objeto é uma unidade que se analisa aprofundadamente. No caso deste estudo
a unidade analisada são os saberes docentes. Não os saberes docentes como um
todo, mas apenas um aspecto dele: os saberes docentes sobre alfabetização de
jovens e adultos.
Nesta pesquisa, o Estudo de Caso foi desenvolvido a partir de duas técnicas:
Análise Documental e Entrevista Semi-estruturada.
No que se refere à primeira técnica, lancei mão de documentos como:
Anuário Estatístico de Ananindeua, Parecer CNE n. 11/2000 CEB, Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos, Plano Municipal de
Educação de Ananindeua, Programa “Escola Anani-Escola Cidadã” e o Projeto
Político-Pedagógico da Escola Municipal “São Judas Tadeu”, os quais possuem
informações relevantes para compreender a política educacional nacional e
municipal sobre a EJA. Segundo Lüdke e André (1986), uma série de vantagens
para o uso de documentos na pesquisa educacional. Aqui apresentarei apenas
duas. Em primeiro lugar, as autoras destacam o fato de que os documentos
constituem uma fonte estável e rica, que pode ser consultada várias vezes e
inclusive servir de base a diferentes estudos, o que mais estabilidade aos
resultados obtidos. Em segundo lugar, os documentos constituem também:
[...] uma fonte poderosa de onde podem ser retiradas evidências que
fundamentem afirmações e declarações do pesquisador. Representam
ainda uma fonte “natural” de informação. Não são apenas uma fonte de
informação contextualizada, mas surgem num determinado contexto e
fornecem informações sobre esses mesmo contexto (LÜDKE; ANDRÉ,
1986, p. 39).
No que se refere à Entrevista, esta técnica de pesquisa cria, segundo as
referidas autoras, uma relação de interação, havendo uma atmosfera de influência
recíproca entre quem pergunta e quem responde. Especialmente na Entrevista
Semi-estruturada, pois, de acordo com Triviños (1987), ao mesmo tempo em que
valoriza a presença do investigador, este tipo de entrevista oferece todas as
perspectivas possíveis para que o informante alcance a liberdade e a
espontaneidade necessárias, enriquecendo a investigação.
[...] as entrevistas semi-estruturadas mantém a presença consciente e
atuante do pesquisador e, ao mesmo tempo, permitem a relevância na
situação do ator. Este traço da entrevista semi-estruturada [...] favorece não
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 19
a descrição dos fenômenos sociais, mas também sua explicação e a
compreensão de sua totalidade, tanto dentro de sua situação específica
como de situações de dimensões maiores. [...] (TRIVIÑOS, 1987, p.152).
Nesta perspectiva, foram estabelecidos três critérios para a escolha dos
sujeitos desta pesquisa: 1) professores que tivessem atuado na Escola Municipal
“São Judas Tadeu”, em turmas de 1ª etapa, desde 2002 (ano de implantação da EJA
na referida escola); 2) professores que ainda estivessem atuando na Escola
Municipal “São Judas Tadeu”, ainda que não fosse mais na EJA; 3) que os
professores aceitassem participar da pesquisa.
Neste sentido, as professoras que atenderam a esses três critérios foram:
Beija-flor
4
, que atuou em turmas de etapa nos anos letivos de 2004, 2005 e
2007; Maria
5
, que ministrou aulas para a referida etapa em 2006; e Socorro
6
, que
atuou na 1ª etapa em 2008. Todas ainda trabalham na Escola Municipal “São Judas
Tadeu”, mas, em 2009, Beija-flor e Maria estavam atuando nos anos iniciais do
Ensino Fundamental regular. Apenas a Profª. Socorro permaneceu na EJA,
ministrando aulas para uma turma de 2ª etapa. As três professoras aceitaram
participar da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
(Apêndice A).
Realizadas em junho de 2009, nas dependências da Escola Municipal “São
Judas Tadeu”, as entrevistas foram compostas de um roteiro de 06 questões gerais
(Apêndice C), que se subdividiam em outras questões mais específicas. Todas as
entrevistas foram gravadas com o auxílio de aparelho MP4 e transcritas fielmente
pelo próprio pesquisador/entrevistador.
A seguir apresentarei a caracterização dos sujeitos da pesquisa.
A Profª. Maria
A Profª. Maria é natural de Marapanim, mas atualmente mora em Belém. Aos
59 anos de idade, está solteira e tem apenas 01filho.
4
Pseudônimo criado pela própria professora entrevistada desde quando aceitou participar da
pesquisa. Ela nunca revelou a origem deste pseudônimo, disse apenas que está relacionado a sua
história de vida.
5
Em virtude da professora não criar o seu próprio pseudônimo, o pesquisador criou este para
preservar a identidade dela.
6
IDEM.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 20
Maria ingressou no Magistério em 1986, por meio de um concurso público na
Rede Municipal de Ensino de Ananindeua, como Professora Regente, cargo que, na
época, não exigia ainda a Habilitação em Magistério.
Ela tem como maior nível de escolaridade o Ensino Médio - Habilitação em
Magistério, cursado no período de 1987 a 1989, em uma escola estadual situada no
Município de Belém. No depoimento abaixo, ela justifica o porquê de nunca ter
cursado uma graduação:
É porque teve muitas atribulações na minha família. [...] Eu morava com
meus pais. Depois, meu pai faleceu. eu fiquei com a minha mãe. Quem
cuidava da minha mãe era eu. Ela morava comigo. Aí eu vinha pra cá
[refere-se à Escola Municipal São Judas Tadeu] e o trabalhava
despreocupada. Trabalhava preocupada porque ia tocar o telefone. E
estava com a cabeça, não estava nem aqui. Estava lá. [...]
Hoje, com 24 anos de carreira e apenas 03 anos de atuação específica na
EJA, ela fala sobre a dúvida de cursar ou não uma graduação em Pedagogia:
[...] sabe que me vontade, mas ao mesmo tempo [...] eu digo: ”Meu
Deus, eu estou no fim da minha carreira já. vou me aposentar. E aí:
pra quê que eu vou fazer esta faculdade?”. [a atual diretora da Escola
Municipal São Judas Tadeu”] veio e me incentivou: “Vai lá, Maria. É
três anos. Pedagogia é três anos”. eu digo: “Ah, não. Eu não sei não”.
Então, está nesse pé, [...]. Eu não sei. Eu penso em fazer... Eu estou
pensando ainda. Que eu vou me aposentar, mas eu sei como é que se
uma aula, eu sei falar, eu conheço de lei. O dia que me der na cabeça,
vontade, eu vou me inscrever e faço, né?
Em 2009, Maria tinha uma jornada de trabalho de apenas 100h mensais, no
turno da tarde, como professora das ries iniciais do Ensino Fundamental, na
Escola Municipal “São Judas Tadeu”. No depoimento a seguir, ela conta que não
escolheu trabalhar na referida escola, simplesmente foi lotada pela SEMED, mas
depois criou um vínculo emocional com seu local de trabalho, onde atua desde
1986:
[...] eu fui lotada aqui [na Escola Municipal “São Judas Tadeu]. Não sabia
nem por onde que ficava essa escola. me lotaram pra cá. Então, eu amo
minha escola. Amo meu trabalho. Vou sair daqui porque já vai terminar o
meu tempo... [...] Aqui foi a primeira e única escola que eu trabalhei.
A Profª. Beija-flor
Nascida em Belém, Beija-flor mora atualmente em Ananindeua, Conjunto
Julia Seffer, na mesma rua em que está situada a Escola Municipal “São Judas
Tadeu”. Aos 55 anos de idade, está solteira e tem 03 filhos.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 21
Beija-flor ingressou no Magistério por indicação de um presidente de centro
comunitário para trabalhar em uma escolinha comunitária como professora leiga.
Anteriormente, ela acumulou experiência profissional fora da área da educação: foi
vendedora ambulante, balconista, feirante e caixa de supermercado.
Quanto à escolaridade, ela cursou primeiramente o Ensino Médio preparatório
para o vestibular em Ciências Biológicas (antigo grau Científico). Muitos anos
mais tarde, no período de 1992 a 1994, na condição de professora leiga, ela
cursou novamente o Ensino Médio, desta vez a Habilitação em Magistério, por meio
do Projeto Gavião II, específico para professores leigos, em caráter modular. De
1999 a 2001, cursou, também em caráter modular a Licenciatura Plena em
Pedagogia na UEPA. E, recentemente, em 2008, fez um curso de aperfeiçoamento
de 180h em Educação de Jovens e Adultos, no então Centro Federal de Educação
Tecnológica (CEFET), hoje Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Pará (IFPA).
Aos 16 anos de carreira como Professora Efetiva da Rede Municipal de
Ensino de Ananindeua (ingressou por concurso público em 1994) e apenas 05 anos
de atuação específica na EJA, ela cursa, desde 2009, a Especialização em
Psicopedagogia na Faculdade Ipiranga.
Em 2009, Beija-flor tinha uma jornada de trabalho de 200h como professora
das séries iniciais do Ensino Fundamental: 100h no turno da manhã como
temporária em uma escola estadual situada em Ananindeua; e, no turno da tarde,
100h como efetiva na Escola Municipal “São Judas Tadeu”. No depoimento a seguir,
Beija-flor fala sobre a sua relação com a referida escola, onde atua desde 1994:
[...] Eu não trabalho aqui por causa da escola. Eu sinto isso: que eu
tenho uma grande relação com a escola. E com a comunidade também. [...].
Eu sempre digo: “Olha, ‘São Judas Tadeu’, a gente se sente bem. As
pessoas chegam e elas vão se entrosando conosco”. O “São Judas Tadeu”
a gente percebe que é uma escola ampla, é uma escola limpa, uma escola
ventilada. E tudo isso é efeito de trabalho. que nós trabalhamos aqui pra
que hoje nós tivéssemos esse azulejo, essa lajota, esse quadro, esse
ventilador. E as pessoas passam, dão bom-dia, quem vai chegando, vai ali
na copa: “Oi, fulano. Oi, ciclano”. Então, isso é fruto de trabalho, de curso,
de diálogo, da administração, que de vez em quando para pra conversar
com os funcionários. Eu não tenho queixa do São Judas Tadeu” nesse
sentido, não. Eu sinto falta do “São Judas Tadeu”. Eu ando por aí, eu fico
olhando, eu procuro me relacionar, mas eu sinto falta daqui. Porque aqui
nós temos um conforto que muitas escolas não tem. E o “São Judas Tadeu”
tem.
A Profª. Socorro
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 22
Natural de Ananindeua, Socorro mora atualmente no Conjunto PAAR. Com 41
anos de idade, está solteira e não tem filhos.
Ela começou a trabalhar como professora da Rede Municipal de Ensino de
Ananindeua, em 1989, por meio da indicação de um vereador do município, a pedido
de sua irprofessora. Posteriormente, ela foi efetivada no cargo por meio de um
concurso público realizado em 1994. Paralelamente, ela também acumulou
experiência na rede particular de ensino.
Quanto à escolaridade, no período de 1986 a 1988, ela cursou o Ensino
Médio – Habilitação em Magistério em uma escola pública estadual situada no
Município de Ananindeua. Treze anos mais tarde, em 2001, ela cursou a
Licenciatura em Pedagogia na Universidade Estadual Vale do Acaraú (UVA),
concluída em 2003. E, recentemente, em 2008, fez um curso de aperfeiçoamento de
180h em Educação de Jovens e Adultos, no então Centro Federal de Educação
Tecnológica (CEFET), hoje Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do
Pará (IFPA).
Aos 21 anos de carreira no Magistério Público e apenas 06 de atuação
específica na EJA, ela concluiu recentemente a Especialização em “Gestão com
Pessoas” pelo Instituto de Ensino Superior da Amazônia (IESAM).
Em 2009, ela tinha uma jornada de trabalho extensa de 300h mensais como
professora. No turno da manhã, estava lotada com uma carga horária de 100h,
como temporária em uma escola estadual situada em Águas Lindas, Município de
Ananindeua. E na Escola Municipal “São Judas Tadeu” estava lotada com 200h,
sendo: 100h no Ensino Fundamental regular (turno da tarde) e outras 100h na EJA
(turno da noite). No depoimento a seguir, Socorro fala sobre as condições de
trabalho na referida escola, onde atua desde 1989:
[...] Então, hoje as condições de trabalho do “São Judas Tadeu”
é boa.
não trabalha, não faz um bom trabalho quem não quer, porque a escola
é toda aparelhada. Então, às vezes eu estou em outra escola, eu sinto. Eu
falo: “Poxa, na minha escola, na escola que eu trabalho tem isso, tem
aquilo”. Então, a gente sabe que a Escola Municipal “São Judas Tadeu”
é
uma escola aparelhada, é uma escola que tem bastantes recursos, é uma
escola que dá condições e o professor só fica estagnado se ele quiser.
A análise das entrevistas concedidas pelas professoras da Escola Municipal
“São Judas Tadeu” revelou questões recorrentes e relevantes para o objeto de
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 23
estudo desta pesquisa. Tais questões foram analisadas à luz da Análise de
Conteúdo que, segundo Bardin (1977), é um conjunto de técnicas de análise das
comunicações que visa obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de
descrição do conteúdo das mensagens, indicadores quantitativos ou não que
permitem a inferência de conhecimentos relativos às condições de
produção/recepção destas mensagens.
O conceito de Análise de Conteúdo apresentado por Bardin (1977) enfatiza,
segundo Triviños (1987), os aspectos quantitativos” devido a sua influência
positivista. No entanto, o referido autor recomenda o emprego deste método de
análise na pesquisa qualitativa porque ele se adéqua muito bem ao estudo das
motivações, atitudes, valores, crenças, tendências e também para o desvendamento
de ideologias que podem existir nos dispositivos legais, princípios, diretrizes que, à
primeira vista não se apresentam com a devida clareza.
Dentre as cnicas de análise de conteúdo optei pela análise categorial que,
de acordo com Bardin (1977), é processada a partir de um desmembramento do
texto em unidades, em categorias, segundo reagrupamentos analógicos. A autora
ressalta que dentre as diferentes possibilidades de categorização, ao se trabalhar
com discursos diretos, de significações manifestas, este trabalho pode ser
favorecido ao se optar pela investigação dos temas, ou análise temática e, neste
caso, sua aplicação oferece rapidez e eficácia. Neste sentido, as questões reveladas
pelas entrevistas concedidas pelas professoras da Escola Municipal “São Judas
Tadeu” foram reunidas em três categorias de análise: histórias de alfabetização e
práticas de leitura das professoras; concepções docentes de alfabetização; e
desafios docentes na alfabetização de jovens e adultos.
Quanto à estrutura, o presente estudo está organizado em três capítulos.
O primeiro capítulo, denominado “A Educação de Jovens e Adultos no Brasil:
diretrizes nacionais e municipais”, aborda a política educacional da EJA por meio da
análise de três documentos: primeiramente, o Parecer CNE n. 11/2000 CEB, que
contém a justificativa e histórica social da construção das Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, bem como a apresentação de seu
conteúdo; o Plano Municipal de Educação de Ananindeua e o Programa Escola
Anani-Escola Cidadã, que contêm a política educacional do referido município.
O segundo capítulo, Contextualização do Estudo: o Município, a Escola e a
Alfabetização de Jovens e Adultos”, situa este estudo a partir de dois breves
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 24
históricos: do Município de Ananindeua, bem como da Escola Municipal “São Judas
Tadeu”, lócus de desenvolvimento deste estudo, a partir das informações contidas
no projeto político pedagógico do referido estabelecimento de ensino, lançado em
2006. Ainda no mesmo capítulo, um debate sobre as transformações ocorridas
nas concepções de Alfabetização de Jovens e Adultos num período histórico
compreendido entre os anos de 1940 e 1980.
O terceiro capítulo, cujo título é: “As Professoras e seus Saberes sobre
Alfabetização de Jovens e Adultos”, trata da construção dos saberes docentes sobre
alfabetização de jovens e adultos. Para tanto, o referido capítulo está dividido em
duas partes distintas. A primeira parte analisa como as professoras aprenderam a ler
e escrever e quais as suas práticas de leitura. E a segunda aborda a construção dos
saberes docentes sobre alfabetização de jovens e adultos a partir da análise das
concepções de alfabetização das três professoras da Escola Municipal “São Judas
Tadeu” e dos desafios enfrentados por elas quando atuaram na alfabetização de
jovens e adultos.
E, por fim, nas considerações finais, retorno ao problema deste estudo e
indico os principais resultados encontrados a partir da realização da pesquisa.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 25
CAPÍTULO 1
A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL:
DIRETRIZES NACIONAIS E MUNICIPAIS
O presente capítulo tem como objetivo apresentar a política educacional da
EJA por meio da análise de três documentos: primeiramente, o Parecer CNE n.
11/2000 – CEB, que contém a justificativa histórica e social da construção das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, bem como a
apresentação de seu conteúdo; o Plano Municipal de Educação de Ananindeua e o
Programa Escola Anani-Escola Cidadã, que contêm a política educacional do
referido município.
A análise destes documentos seapresentada a partir das considerações de
Beisiegel (1997) e Haddad (2007b) sobre a política da União para a educação de
jovens e adultos e de Haddad (2007a) sobre a ação de governos locais na referida
modalidade de ensino.
Segundo Haddad (2007a), a EJA no Brasil vem gradativamente sendo
reconhecida como um direito para milhões de pessoas que não tiveram
oportunidade de realizar sua escolaridade desde meados do século passado. No
entanto, de acordo com o referido autor, esse direito foi formalizado em lei, como
dever de oferta obrigatória pelo Estado Brasileiro, a partir da Constituição de 1988, e
reafirmado pela Lei de Diretrizes e Bases de 1996. Mesmo assim, na ótica do
referido autor, não se implantou nacionalmente uma política para EJA, nem se
concretizou, como decorrência da conquista desse direito, um sistema nacional
articulado de atendimento que permita que todos os cidadãos e cidadãs acima de 14
anos possam, pela escolarização, enfrentar os desafios de uma sociedade como a
brasileira.
1.1. DIRETRIZES CURRICULARES NACIONAIS DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS
A Resolução CNE/CEB n. 1, de 05 de Julho de 2000 estabelece as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. Para
compreendê-la é necessário tomar como base o Parecer CNE n. 11/2000 CEB,
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 26
homologado pelo Ministério da Educação em 07 de Junho de 2000. O referido
parecer, cujo relator é Carlos Roberto Jamil Cury, contém a justificativa histórica e
social da construção da referida resolução, além de apresentar o conteúdo das
Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA. O Parecer está estruturado em dez
partes. Neste estudo, apresento apenas as principais: Alguns indicadores
estatísticos da situação da EJA; Fundamentos e funções da EJA; O direito à
educação; Bases legais das diretrizes curriculares nacionais para a EJA; Educação
de jovens e adultos no fim da década de 1990; Formação docente para a EJA; e as
Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos.
1.1.1. Alguns indicadores estatísticos da situação da EJA
Segundo o Parecer CNE n. 11/2000 CEB, os indicadores estatísticos o
capazes de propiciar um olhar aproximativo da situação da EJA. No entanto, não
são fáceis de serem obtidos devido a alguns fatores, tais como: a complexidade do
quadro em que se inserem e o envolvimento de inúmeros atores sociais e
instituições que se ocupam desta área. Além disso, também disparidades
regionais e intrarregionais, diferenças por faixas etárias ou entre zonas rurais e
urbanas, sem mencionar as dificuldades conceituais e metodológicas que dificultam
a captação e consolidação de dados referentes às ações realizadas pelas diferentes
agências promotoras destas atividades.
De acordo com o Parecer supracitado, em 1996, 14,7% da população
brasileira, com 15 anos de idade ou mais, era analfabeta. Ainda de acordo com
estes dados, em 1996, a distribuição de analfabetos por regiões era a seguinte:
TABELA 1: ANALFABETOS – DISTRIBUIÇÃO POR REGIÕES
REGIÃO ANALFABETOS
Norte (Urbana)
11,4%
Nordeste 28,7%
Sudeste 8,7%
Sul 8,9%
Centro – Oeste
11,6%
Fonte: Parecer CNE n. 11/2000 – CEB.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 27
Conforme a tabela apresentada anteriormente, constata-se que as regiões
com maior concentração de analfabetos são: o Nordeste, em primeiro lugar com
28,7%, seguido pelo Norte, com 11,4%. Entretanto, não é difícil compreender os
motivos que levam as referidas regiões a possuir o lamentável título de “campeãs
em analfabetismo”: problemas históricos do País como desemprego, concentração
de renda e má distribuição de investimentos em educação, saúde e segurança entre
as regiões comprometem o desenvolvimento daquelas que recebem menos
subsídios e, consequentemente, a qualidade de vida da população se torna precária,
sobretudo no que se refere à escolaridade.
Ainda segundo os mesmos dados do Parecer CNE n. 11/2000 CEB,
referentes ao ano de 1996, a percentagem de pessoas analfabetas cresce à medida
que avança a idade. Se na faixa etária de 15 a 19 anos a percentagem é de 6%, a
de 50 anos ou mais é de 31,5%.
Segundo o referido Parecer, as políticas que priorizam o atendimento à
educação escolar na faixa etária obrigatória estão promovendo uma queda mais
acelerada do analfabetismo entre a população mais jovem. Contudo, os percentuais
relativos às taxas de analfabetismo na população de 15 anos de idade ou mais vem
apresentando uma queda sistemática, se tomarmos como referência o período
compreendido entre 1920 e 1996.
Conforme o Parecer CNE n. 11/2000 CEB, em 1920, 64,9% da população
brasileira da faixa assinalada era analfabeta. Em 1940 o índice era de 56%. Em
1960 era 39,6%. Em 1980, 25,4% de pessoas, com 15 anos ou mais se
encontravam nesta condição. E, finalmente, em 1996, o percentual era de 14,1%.
Entretanto, segundo o Parecer supracitado, se somarmos o número dos analfabetos
ao dos jovens e adultos com menos de quatro anos de estudo, o índice semuito
maior. Ainda conforme os mesmos dados do Parecer, em 1999, os analfabetos
funcionais perfaziam 34,1% da população brasileira com 20 anos de idade ou mais e
até quatro anos de estudo formal.
O mero de alunos matriculados em cursos presenciais da EJA em salas de
alfabetização, de acordo com o Parecer CNE n. 11/200 CEB, era de 161.791, em
ensino fundamental: 2.109.992, em ensino médio: 656.572 e em cursos
profissionalizantes: 141.329. O número de estabelecimentos que ofertavam a EJA
no Brasil, de acordo com os mesmos dados, era de 17.234. Deste total, os Estados
ofertavam a EJA em 6.973 estabelecimentos, os Municípios em 8.171, a União em
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 28
15 e a rede privada em 2.075 estabelecimentos. Houve crescimento de número de
matrículas no âmbito municipal em comparação aos entes federativos: em 1997 os
Municípios possuíam 683.078 matrículas e em 1999 o número era de 821.321.
para os mesmos anos, o número de matrículas nos entes federativos passou de
1.808.161 para 1.871.620.
Segundo o Parecer CNE n. 11/2000 CEB, o desafio de proporcionar acesso
à escola presencial ou semi-presencial para este contingente humano é o único
modo de se atingir uma redução eficaz ou até mesmo a extinção do analfabetismo.
Resultados positivos implicam ações integradas, políticas diferenciadas,
consideração de dificuldades específicas e adequado estatuto de formação docente
para a EJA.
1.1.2. Fundamentos e funções da EJA
Com base em dados do Parecer CNE n. 11/2000 CEB apresentados
anteriormente, em 1996, 14,7% da população de 15 anos de idade era analfabeta. O
maior número de analfabetos se constituía, até então, de pessoas com mais idade
em regiões pobres, interioranas nas quais as taxas atingem mais os grupos afro-
brasileiros, os quais são os candidatos aos cursos e exames do antigo ensino
supletivo.
Diante do exposto, o Parecer supracitado considera que a EJA representa
uma dívida social com aqueles que não tiveram acesso à escrita e à leitura (ou o
domínio das mesmas) na escola ou fora dela e tenham sido a força de trabalho
empregada na constituição de riquezas e na elevação de obras públicas. O Parecer
considera que a privação deste acesso representa a perda de um instrumento
imprescindível para uma presença significativa na convivência social
contemporânea. A incorporação dos códigos relativos à leitura e à escrita por parte
dos alfabetizados e letrados, tornando-os quase que "naturais", e o caráter comum
da linguagem oral, impede a consideração do acesso a estes bens como um meio e
instrumento de poder. Somente aqueles que se encontram na condição de privação
desses bens podem compreender a falta que eles fazem e as conseqüências
materiais e simbólicas advindas da negação deste direito fundamental.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 29
Contrário à visão preconceituosa do adulto analfabeto ou iletrado como inculto
ou "vocacionado" para tarefas e funções "desqualificadas" nos segmentos de
mercado, o Parecer CNE n. 11/2000 CEB considera que estes adultos possuem
uma rica cultura baseada na oralidade como, por exemplo: a literatura de cordel, o
teatro popular, o cancioneiro regional, os registros de memória da cultura
afrobrasileira e indígena. De todo o modo, para analfabetos e para iletrados, o que
está em causa é a função reparadora de EJA, que pretende restaurar o direito a
uma escola de qualidade aos descendentes de negros escravizados, índios
reduzidos, caboclos migrantes e trabalhadores braçais, entre outros, os quais
constituem os grupos que ainda hoje sofrem as conseqüências da realidade histórica
brasileira. Neste sentido, reparar esta dívida é um imperativo e um dos fins da EJA.
O Parecer CNE n. 11/2000 CEB considera que, em toda a sociedade, a
alfabetização é uma habilidade primordial em si mesma e um dos pilares para o
desenvolvimento de outras habilidades. O desafio é oferecer esse direito. A
alfabetização tem também o papel de promover a participação em atividades sociais,
econômicas, políticas e culturais, além de ser um requisito básico para a educação
continuada durante a vida. Neste sentido, segundo o referido Parecer, a barreira
posta pela falta de alcance à leitura e à escrita prejudica sobremaneira a qualidade
de vida de jovens, adultos, inclusive idosos, exatamente no momento em que o
acesso ao saber e aos meios de obtê-lo representa uma divisão cada vez mais
significativa entre as pessoas. No milênio em que vivemos os saberes aliados a
competências tornar-se-ão indispensáveis para a vida cidadã e para o mundo do
trabalho. As novas competências exigidas pelas transformações da base econômica
do mundo contemporâneo requerem cada vez mais o acesso ao saber. Aqueles que
se virem privados do saber básico e das atualizações requeridas podem se ver
excluídos das antigas e novas oportunidades do mercado de trabalho. Se as
múltiplas modalidades de trabalho informal, o subemprego, o desemprego estrutural,
as mudanças no processo de produção e o aumento do setor de serviços geram
uma grande instabilidade e insegurança para todos os que estão na vida ativa,
afetam mais ainda os que se vêem desprovidos de bens tão básicos como a escrita
e a leitura.
Neste sentido, considero que o Parecer CNE n. 11/2000 CEB restringe a
validade da EJA às novas exigências do mercado. Por isso, concordo com Beisiegel
(1997) quando este afirma que a referência para a avaliação da validade da
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 30
educação do adulto analfabeto não pode ser remetida para o mercado, o trabalho ou
a economia. Segundo o referido autor, essa referência deve estar situada,
necessariamente, nas exigências da cidadania na sociedade contemporânea.
Obviamente, a participação plena do adulto na vida social de sua comunidade
abrange questões relativas ao trabalho, ao mercado e à economia. Mas enquanto
dimensões nas quais se expressam expectativas e necessidades de participação na
vida coletiva.
Segundo o Parecer CNE n. 11/2000 CEB, além da função reparadora, a
EJA responde também ao pleito postulado por inúmeras pessoas que não tiveram
uma adequada correlação idade/ano em seu itinerário escolar e nem a possibilidade
de prosseguimento de estudos. A reentrada no sistema escolar daqueles que
tiveram uma interrupção forçada, seja pela repetência ou pela evasão, seja pelas
desiguais oportunidades de permanência, deve ser saudada como uma reparação
corretiva, ainda que tardia, de estruturas arcaicas, possibilitando aos indivíduos
novas inserções no mundo do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e na
abertura dos canais de participação. Para tanto, são necessárias mais vagas para
estes "novos" alunos, demandantes de uma nova oportunidade de equalização. Esta
é a função equalizadora da EJA.
De acordo com o Parecer CNE n. 11/2000 CEB, a eqüidade é a forma pela
qual se distribuem os bens sociais de modo a garantir uma redistribuição e alocação
em vista de mais igualdade. Neste sentido, os desfavorecidos frente ao acesso e
permanência na escola devem receber proporcionalmente maiores oportunidades
que os outros. Por esta função, o indivíduo que teve sustada sua formação, qualquer
que tenha sido a razão, busca restabelecer sua trajetória escolar de modo a
readquirir um ponto igualitário no jogo da sociedade.
No entanto, a função equalizadora da EJA está comprometida desde a
aprovação da Lei n. 9.424/96, que dispõe sobre o Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério (FUNDEF).
Segundo Haddad (2007a), embora esta lei tenha sido aprovada por unanimidade do
Congresso, ela recebeu vetos do então Presidente da República, Fernando
Henrique Cardoso, um dos quais impediu que as matrículas registradas no ensino
fundamental presencial de jovens e adultos fossem computadas para efeito dos
cálculos dos fundos. Esta medida teve duas conseqüências: a focalização do
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 31
investimento público no ensino de crianças e adolescentes de 7 a 14 anos e o
desestímulo do setor público em expandir o ensino fundamental de jovens e adultos.
Neste sentido, conforme Haddad (2007a), o ensino de jovens e adultos
passou a concorrer pelos recursos públicos não utilizados pelo FUNDEF com a
educação infantil no âmbito municipal e com o ensino dio no âmbito estadual. De
acordo com o referido autor, o fato de a cobertura escolar nesses dois níveis de
ensino ser deficitária e a demanda social explícita por eles ser bem maior, contribuiu
para que a expansão do financiamento da educação básica de jovens e adultos,
condição para a expansão da matrícula e melhoria da qualidade, experimentasse
dificuldades ainda maiores que aquelas já observadas no passado.
Sobre a terceira função da EJA, o Parecer CNE n. 11/2000 CEB afirma que
a educação representa uma chave indispensável para a “sociedade do
conhecimento” e vai se impondo cada vez mais nestes tempos de grandes
mudanças e inovações nos processos produtivos. Ela possibilita ao indivíduo jovem
e adulto retomar seu potencial, desenvolver suas habilidades, confirmar
competências adquiridas na educação extra-escolar e na própria vida, possibilitar
um nível técnico e profissional mais qualificado.
Segundo o referido parecer, a EJA representa uma promessa de qualificação
de vida para todos. Neste sentido, adolescentes, jovens, adultos e idosos poderão
atualizar conhecimentos, mostrar habilidades, trocar experiências e ter acesso ao
mundo do trabalho e da cultura. Esta tarefa de propiciar a todos a atualização de
conhecimentos por toda a vida é a função permanente da EJA, que representa um
apelo para a educação permanente e criação de uma sociedade educada para a
eqüidade e diversidade.
De acordo com o Parecer CNE n. 11/2000 CEB, o poder de qualificar,
requalificar e descobrir novos campos de atuação do potencial humano é um dos
sentidos da EJA e uma promessa a ser realizada na conquista de conhecimentos
até então obstaculizados por uma sociedade onde o imperativo do sobreviver
comprime os espaços da estética, da igualdade e da liberdade. A promessa de um
mundo de trabalho, de vida social e de participação política segundo as “leis da
estética” está presente nas possibilidades de um mundo que se transforma em
grande sala de aula virtual. Nesta perspectiva, a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDB (BRASIL, 1996) apresenta em seu art. 1 um amplo
conceito de educação que abrange os processos formativos que se desenvolvem na
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 32
vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e
pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas
manifestações culturais.
Dentro deste caráter ampliado, o Parecer supracitado considera que os
termos “jovens e adultos” indicam que, em todas as idades e em todas as épocas da
vida, é possível se formar, se desenvolver e constituir conhecimentos, habilidades,
competências e valores que conduzam à realização de si e ao reconhecimento do
outro como sujeito.
No entanto, segundo Haddad (2007b), uma posição contrária a esta visão foi
exposta por Darcy Ribeiro no encerramento do Congresso Brasileiro organizado pelo
GETA (Grupo de Estudos e Trabalhos em Alfabetização), em 1990, Ano
Internacional da Alfabetização. Na ocasião, conforme o referido autor, Darcy
argumentava de maneira firme e incansável em uma mesa redonda realizada no
auditório da antiga Escola Caetano de Campos: “Deixem os velhinhos morrerem em
paz! Deixem os velhinhos morrerem em paz!”.
De acordo com Haddad (2007b), pode-se afirmar que a partir da ousadia
deste pronunciamento, Darcy inaugurava uma nova etapa de “desqualificação” da
educação de pessoas jovens e adultas no âmbito das políticas públicas, revertendo
um movimento inclusivo dos direitos por educação dos últimos cinquenta anos.
Ainda segundo o referido autor, a aprovação da Lei n. 9.394/96, que estabelece as
novas diretrizes e bases da educação nacional, e que toma por base o projeto do
mesmo Darcy, é um novo capítulo no caminho dessa desqualificação.
1.1.3. O direito à educação
De acordo com o Parecer CNE n. 11/2000 CEB, a EJA ainda é vista pela
sociedade brasileira como uma compensação e não como um direito. Esta tradição
foi alterada em nossos códigos legais à medida que a EJA, tornando-se um direito,
substitui a idéia de “compensação” pelas de “reparação” e “eqüidade”. No entanto o
referido Parecer considera que ainda um percurso muito extenso a seguir para
que a EJA se efetive como uma educação permanente a serviço do pleno
desenvolvimento do educando.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 33
O Parecer CNE n. 11/2000 CEB considera que a concepção pela qual
“ninguém deixa de ser um educando” necessita da “universalização completa do
ensino fundamental” de modo a combinar idade/ano escolar adequados com o fluxo
regularizado, com a progressiva universalização do ensino médio e o prolongamento
de sua obrigatoriedade, inclusive possibilitando aos interessados a opção de uma
educação profissionalizante. Conforme o referido Parecer, a EJA é um momento de
reflexão sobre o conceito de educação básica que preside a organização da
educação nacional em suas etapas. Neste sentido, a nova concepção da EJA e sua
forma de inserção no corpo legal indicam um caminho a seguir: a educação
permanente, apesar dos desafios de uma situação sócio-educacional arcaica no que
diz respeito ao acesso próprio, universal e adequado às crianças em idade escolar.
Os limites entre escolarização e idade, segundo o Parecer CNE n. 11/2000
CEB, ainda não conseguiram a melhor expressão legal, mas apontam para uma
democratização escolar em que o pronome “todos” tal como posto junto ao
substantivo “direito” seja uma realidade para cada um deste conjunto de crianças,
adolescentes, jovens e adultos. Esta efetivação, “direito de todos”, existirá se houver
escolas em número suficiente para acolher todos os cidadãos brasileiros e se desta
acessibilidade ninguém for excluído. Desta feita, teremos uma atenuação de
constrangimentos de qualquer espécie em favor de uma maior capacidade
qualitativa de escolha e de um reconhecimento do mérito de cada um num mundo
onde se fazem presentes transformações na organização do trabalho, nas novas
tecnologias, na rapidez da circulação das informações e na globalização das
atividades produtivas, para as quais uma resposta democrática representa um
desafio de qualidade.
Dessa forma, o Parecer CNE n. 11/2000 CEB considera que a superação
da discriminação de idade diante dos itinerários escolares é uma possibilidade para
que a EJA mostre plenamente seu potencial de educação permanente relativa ao
desenvolvimento da pessoa humana face à ética, à estética, à constituição de
identidade de si e do outro e ao direito ao saber. Neste momento, o País, ao invés
de mostrar apenas a sua face perversa e dualista oriunda de sua recente história,
poderá efetivar o princípio de igualdade de oportunidades de modo a revelar méritos
pessoais e riquezas insuspeitadas de um povo e de um Brasil uno em sua
multiplicidade, moderno e democrático.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 34
Para que se efetive o referido princípio é necessário refletir sobre as diretrizes
de uma política para a educação de jovens e adultos analfabetos. Segundo Beisiegel
(1997), duas orientações que oferecem importantes elementos para a reflexão
sobre estas diretrizes.
A primeira delas, conforme o referido autor, diz respeito a uma questão muito
debatida nos últimos tempos: qual seria o sentido do esforço de levar a educação
fundamental aos jovens e adultos analfabetos? A outra aparece na concepção mais
geral do empreendimento, principalmente na estrutura administrativa articulada entre
a União, os territórios e os estados para garantir a realização dos trabalhos em todo
o território nacional: qual seria, então, o sentido de investir recursos públicos
escassos na educação de jovens e adultos analfabetos?
De acordo com Beisiegel (1997), apesar da Constituição de 1988 ter ampliado
o reconhecimento do direito à educação básica, estendendo-o para todos os
habitantes, e incluído a obrigatoriedade de seu atendimento entre os deveres
indeclináveis dos podres públicos, alguns educadores, com posições de relevo na
administração federal ou na produção acadêmica sobre a educação brasileira, no
contexto do início dos anos de 1990, época do Governo Collor, procuraram
demonstrar que os investimentos de recursos materiais e humanos na educação de
adultos analfabetos não se justificavam.
Segundo o referido autor, o então Ministro da Educação, Professor
Goldemberg, assumiu explicitamente essa orientação em entrevista concedida ao
Jornal do Brasil, em 1991: “O adulto analfabeto encontrou o seu lugar na
sociedade. Pode não ser um bom lugar, mas é o seu lugar. Vai ser pedreiro, vigia de
prédio, lixeiro ou seguir outras profissões que não exigem alfabetização”.
Sobre a questão do direito à educação, Haddad (2007b) corrobora com
Beisiegel (1997), ao considerar que a EJA ficou comprometida quando o Projeto de
Lei n. 92/96 retirou a obrigatoriedade de oferta dessa modalidade de ensino por
parte do Estado, desconsiderando-a como parte do Ensino Fundamental e
esvaziando o direito público subjetivo de acesso aos jovens e adultos, uma vez que
a Constituição é a lei maior. Segundo o referido autor, a contradição entre os dois
textos legais abre precedentes para uma dupla interpretação. Caberia uma consulta
jurídica e ainda uma esperança na pressão sobre o legislativo por uma interpretação
mais inclusiva do Ensino Fundamental.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 35
1.1.4. Bases Legais das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de
Jovens e Adultos.
Conforme o Parecer CNE n. 11/2000 CEB, as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos têm como bases legais a
Constituição Federal do Brasil de 1988 e a LDB 9.394/96.
A Constituição Federal do Brasil (BRASIL, 1988) apresenta como princípio, no
art. 205, que toda e qualquer educação visa o pleno desenvolvimento da pessoa,
seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Retomado pelo art. 2 da LDB (BRASIL, 1996), este princípio abrange o conjunto das
pessoas e dos educandos como um universo de referência sem limitações. Assim,
segundo o Parecer CNE n. 11/2000 – CEB, a EJA está relacionada a este princípio e
a partir deste deve ser considerada. Estas considerações adquirem substância não
por representarem uma dialética entre dívida social, abertura e promessa, mas
também por se tratarem de postulados gerais transformados em direito até mesmo
no âmbito constitucional, fruto de conquistas e de lutas sociais.
Neste sentido, a atual redação do inciso I, art. 208 da Constituição Federal do
Brasil de 1988 afirma que:
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de:
I ensino fundamental obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive sua
oferta gratuita para todos os que a ele não tiverem acesso na idade
própria [grifo nosso].
Antes da Emenda Constitucional n. 233, a redação era assim:
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a
garantia de:
I ensino fundamental obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele
não tiverem acesso na idade própria [grifo nosso].
O referido artigo é causador de duas posições antagônicas. A primeira
posição, expressa pelo Parecer CNE n. 11/2000 CEB, considera que a atual
redação do art. 208 da Constituição Federal pressupõe a educação básica para
todos e, em especial, o ensino fundamental como seu nível obrigatório não para
as crianças. A titularidade do direito público subjetivo face ao ensino fundamental
continua plena para todos os jovens, adultos e idosos, desde que queiram se valer
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 36
dele. Neste sentido, a redação deixa ao livre arbítrio do indivíduo maior de 15 anos o
exercício do seu direito blico subjetivo. Ao exercício deste direito corresponde o
dever do Estado na oferta desta modalidade de ensino dentro dos princípios e das
responsabilidades que lhes são concernentes.
No entanto, corroboro com a segunda posição, expressa por Haddad (2007b),
que compreende que a atual redação do artigo 208 da Constituição Federal
representa uma ruptura legal, que se iniciou no momento em que a proposta de
Emenda Constitucional n. 233, posteriormente transformada em Projeto de Lei n.
92/96, foi lançada pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso. Embalado
pelo discurso de desqualificação da educação de jovens e adultos contido nas
propostas e orientações de alguns educadores brasileiros e dos assessores do
Banco Mundial, a proposta de emenda constitucional introduziu uma novidade: a
destituição de direitos. Por meio de uma sutil alteração no inciso I do art. 208 da
Constituição, o governo manteve a gratuidade da educação blica de jovens e
adultos, mas suprimiu a obrigatoriedade de o poder público oferecê-la, restringindo o
direito público subjetivo de acesso ao ensino fundamental apenas à escola regular.
Por sua vez, o art. 214 da Constituição também é objeto de debate:
A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração plurianual,
visando à articulação e ao desenvolvimento do ensino em seus diversos
níveis e à integração das ações do poder público que conduzam à:
I – erradicação do analfabetismo;
II – universalização do atendimento escolar [...].
Conforme o Parecer CNE n. 11/2000 CEB, a redação do referido artigo
considera os termos “erradicar o analfabetismo” e “universalizar o atendimento
escolar” como desafios interdependentes que representam o acesso de todos os
cidadãos brasileiros, pelo menos, ao ensino fundamental.
Sobre esta questão, Haddad (2007b) compreende que é mais um ato de
ruptura legal no sentido de desqualificar a educação de jovens e adultos por meio da
Emenda Constitucional n. 233, que suprimiu das Disposições Transitórias o
compromisso de eliminação do analfabetismo no prazo de dez anos e o de
vinculação de 50% dos recursos para este fim e para universalizar o ensino
fundamental.
De acordo com o Parecer CNE n. 11/2000 CEB, a legislação educacional
existente hoje é bem mais complexa, pois compreende, além dos dispositivos de
caráter nacional, as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas dos Municípios.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 37
Dentro de nosso regime federativo, os Estados e os Municípios, de acordo com a
distribuição das competências estabelecidas na Constituição Federal, gozam de
autonomia e assim podem estabelecer uma normatividade própria, harmônica e
diferenciada. Sobre esta questão, a Constituição do Estado do Pará (PARÁ, 1989),
no § único do art. 272, afirma que:
O Poder Público estimulará e apoiará o desenvolvimento de propostas
educativas diferenciadas com base em novas experiências pedagógicas,
através de programas especiais destinados a adultos, crianças,
adolescentes e trabalhadores, bem como à capacitação e habilitação de
recursos humanos para a educação pré-escolar e de adultos.
1.1.5. Educação de Jovens e Adultos no fim da década de 1990
Conforme observação do Parecer CNE n. 11/2000 CEB, a Constituição
Federal de 1988 contribuiu para a construção de uma nova concepção de educação
de jovens e adultos durante o processo de redemocratização dos anos de 1980.
Segundo o referido Parecer, a LDB 9.394/96 acompanhou esta orientação ao
suprimir a expressão ensino supletivo, embora tenha mantido os termos cursos e
exames supletivos. Todavia, trata-se de uma manutenção nominal que tal
continuidade se no interior de uma nova concepção, o que significa vontade
expressa de uma outra orientação para a EJA a partir da nova concepção trazida
pela lei aprovada.
No entanto, segundo Haddad (2007b), além de manter o conceito sico da
legislação do regime militar o ensino supletivo –, a nova LBD, o empobreceu na
medida em que o descaracterizou como algo que deveria ter uma estrutura e um
modelo de preparação próprios. Assim, não foi considerada do projeto da Câmara a
ideia de professores especializados para este tipo de ensino e a menção explícita de
uma organização escolar flexível que permitisse um ensino não marcado pelo
modelo escolar regular. Deve-se considerar que a antiga legislação tomava o ensino
supletivo como algo que, mesmo tendo o ensino regular como modelo inicial,
ganhava a sua essência ao dele se afastar.
Contrário à visão de Haddad (2007b), o Parecer CNE n. 11/2000 – CEB
considera que a LDB n. 9.394/96 extingue a noção de Ensino Supletivo existente na
Lei n. 5.692/71 e em seu lugar apresenta no seu Título V (Dos Níveis e Modalidades
de Educação e Ensino), Capítulo II (Da Educação Básica), a Seção V (Da Educação
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 38
de Jovens e Adultos), composta pelos artigos 37 e 38, onde a EJA adquire status de
modalidade da educação básica.
Segundo o Parecer supracitado, o termo modalidade é diminutivo de modus
(modo, maneira) e expressa uma medida dentro de uma forma própria de ser. Neste
sentido é um perfil próprio, uma feição especial diante de um processo considerado
padrão e está relacionada ao princípio da proporcionalidade para que este modo
seja respeitado. A proporcionalidade, por sua vez, é uma dimensão da eqüidade que
tem a ver com a justiça, que impede o aprofundamento das diferenças quando estas
inferiorizam as pessoas. Respeitando-se o princípio de proporcionalidade, a
chegada ao patamar igualitário entre os cidadãos se louvaria no tratamento desigual
aos desiguais que, nesta medida, mereceriam uma prática política conseqüente.
Do ponto de vista conceitual, o Parecer CNE n. 11/2000 – CEB considera que
os artigos 37 e 38 da LDB em vigor proporcionam à EJA uma dignidade própria,
mais ampla, o que elimina uma visão de externalidade com relação ao regular.
Neste sentido, a LDB (BRASIL, 1996), art. 37, afirma que a EJA será
destinada àqueles que não tiveram acesso ou continuidade de estudos no ensino
fundamental e médio na idade própria. Segundo o Parecer CNE n. 11/2000 CEB,
este contingente plural e heterogêneo de jovens e adultos, predominantemente
marcado pelo trabalho, é o destinatário primeiro e maior desta modalidade de
ensino. Cabe aos sistemas de ensino assegurar a oferta adequada a este
contingente, que não teve acesso à escolarização na idade própria, por meio de
oportunidades educacionais apropriadas. Para tanto, os estabelecimentos públicos
dos respectivos sistemas deverão viabilizar e estimular a igualdade de
oportunidades e de acesso sob o princípio da gratuidade. Tais oportunidades se
viabilizarão, segundo a LBD, §1 do art. 37, por meio das tradicionais ofertas de
escolarização mediante cursos e exames. E conforme o §2 do mesmo artigo, o
poder público viabilizará e estimulará o acesso e permanência do trabalhador na
escola, mediante ações integradas e complementares entre si. A oferta desta
modalidade assevera, pois, que os estabelecimentos blicos não podem se
ausentar deste dever e eles devem ser os principais lugares de oferta.
Na visão de Haddad (2007b), o art. 37 reafirma o conceito de uma educação
de adultos voltada para a reposição de escolaridade, marcado pelo ensino regular,
seus conteúdos e seu modelo. As características do alunado devem ser
consideradas para facilitar a assimilação de tais conteúdos.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 39
Em uma análise comparativa com o Projeto de Lei Complementar n. 1.258/88,
apresentado originalmente à Câmara, o referido autor considera que este apontava
para um currículo centrado na prática social e no trabalho e metodologia de ensino-
aprendizagem adequado ao amadurecimento e experiência do aluno. Portanto, um
conceito bastante diferenciado do que é proposto no art. 37. A lei aprovada reafirma
o conceito de educação de adultos que o regime militar implantou com a LDB
anterior: o do ensino supletivo. No entanto, o termo “oportunidades educacionais
apropriadas, consideradas as características do alunado, seus interesses, condições
de vida e de trabalho” pode ser assumido, segundo Haddad (2007b), como uma
abertura para a reversão do conceito básico da lei e buscar constituir programas
voltados para os interesses dessa população.
Conforme o art. 38 da LDB (BRASIL, 1996), os sistemas de ensino manterão
cursos e exames supletivos. Ambos, de acordo com as diretrizes, deverão atender à
base comum nacional e possibilitar o prosseguimento de estudos em caráter regular.
Após a assinalação das novas faixas etárias, o § 2 do mesmo artigo prevê que as
práticas de vida, os conhecimentos e habilidades dos destinatários de EJA serão
aferidos e reconhecidos mediante exames supletivos.
No art. 38, segundo Haddad (2007b), ambos os parágrafos retomam a
nomenclatura “ensino supletivo” empregado pela LDB n. 5.692/71, colocando ênfase
nos exames, cuja idade mínima é substancialmente reduzida em comparação com a
antiga legislação.
Conforme o referido autor, a ênfase nos exames é coerente com a ideia de ir
diminuindo as responsabilidades do sistema público frente aos processos de
formação de jovens e adultos. Deslocando a ênfase dos cursos para os exames
abre-se mão daquilo que a pedagogia consagrou como bases necessárias para a
aquisição do conhecimento: os professores, o currículo, os materiais didáticos, as
metodologias; garantindo apenas a avaliação do produto, o Estado transfere para a
educação privada a responsabilidade pelo processo educacional. Ou seja, o Estado
se furta da sua responsabilidade de firmação, garantindo apenas os mecanismos de
creditação e certificação.
Por sua vez, o art. 4, VII, da LDB (BRASIL, 1996) afirma que:
O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a
garantia de:
[...]
VII oferta de educação regular para jovens e adultos, com características
e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades,
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 40
garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e
permanência na escola [...].
Com base no referido artigo da LDB, a EJA passa a fazer parte constitutiva da
lei de diretrizes, torna-se modalidade da educação básica e é reconhecida como
direito público subjetivo. Logo, ela é regular enquanto modalidade de exercício da
função reparadora. Mas, o importante a se considerar, conforme o Parecer CNE n.
11/2000 – CEB, é que os alunos da EJA são diferentes dos alunos em idade regular,
pois em sua maioria são trabalhadores, maduros e com larga experiência
profissional. Para eles, foi a ausência de uma escola ou a evasão da mesma que os
dirigiu para um retorno tardio à busca do direito ao saber. Logo, aos limites postos
pela vida, não se pode acrescentar outros que signifiquem uma nova discriminação
destes estudantes.
Neste sentido, a LDB (BRASIL, 1996) incentiva o aproveitamento de estudos
e sendo esta orientação válida para todo e qualquer aluno, ela vale mais para jovens
e adultos cujas práticas possibilitaram um saber em vários aspectos da vida ativa e
os tornaram capazes de tomar decisões ainda que, muitas vezes, não hajam
elaborado estas competências.
Sobre esta questão, Haddad (2007b) apresenta uma posição antagônica ao
Parecer CNE n. 11/2000 CEB. O referido autor afirma que o inciso VII, retirado do
projeto de Lei Complementar n. 1.258/88 e incorporado na nova LDB, procura dar
destaque ao fato de que parcela significativa dos que frequentam esses programas
são trabalhadores. No entanto, esse conceito, que deveria ser um dos eixos
norteadores dessa modalidade de educação, acabou se colocando à margem do
conceito de suplência que prevaleceu, e que remete à reposição de estudos do
ensino fundamental e médio.
Segundo o Parecer supracitado, a EJA é momento significativo de reconstruir
estas experiências da vida ativa e ressignificar conhecimentos de etapas anteriores
da escolarização articulando-os com os saberes escolares. A validação da
aprendizagem extra-escolar é uma das características da flexibilidade responsável
que pode aproveitar os "saberes" oriundos das práticas.
O Parecer CNE n. 11/2000 CEB recomenda que estes aspectos devem ser
considerados no momento da busca de uma ascensão qualitativa nos estudos. A
rigor, as escolas da EJA devem construir sua identidade como expressão de uma
cultura própria que considere as necessidades de seus alunos e seja incentivadora
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 41
das potencialidades dos que as procuram. As referidas escolas devem promover a
autonomia do jovem e adulto de modo que eles sejam sujeitos do aprender a
aprender em níveis crescentes de apropriação do mundo do fazer, do conhecer e do
agir.
Outro elemento importante a se considerar, conforme o Parecer, é que a
referida combinação da faixa etária e nível de conhecimentos exige professores com
carga horária conveniente e turmas adequadas para se aferir o progresso obtido,
propiciar a avaliação contínua, identificar insuficiências, carências, aproveitar outras
formas de socialização e buscar meios pedagógicos de superação dos problemas.
Neste sentido, segundo o art. 25 da LDB (BRASIL, 1996), o perfil do aluno da EJA e
suas situações reais devem se constituir em princípio da organização do projeto
pedagógico dos estabelecimentos.
1.1.6. Formação docente para a Educação de Jovens e Adultos
A formação dos docentes de qualquer nível ou modalidade deve considerar
como meta o disposto no art. 22 da LDB (BRASIL, 1996). Ela estipula que a
educação básica tem por finalidade desenvolver o educando, assegurar-lhe
formação comum indispensável para o exercício da cidadania e fornecer-lhe meios
para progredir no trabalho e em estudos posteriores. Este fim, voltado para todo e
qualquer estudante, seja para evitar discriminações, seja para atender o próprio art.
61 da LDB (BRASIL, 1996), é claro a este respeito: “a formação de profissionais da
educação, de modo a atender aos objetivos dos diferentes níveis e modalidades de
ensino e às características de cada fase de desenvolvimento do educando [...]”.
Conforme o Parecer CNE n. 11/2000 – CEB, o preparo de um docente voltado
para a EJA deve incluir, além das exigências formativas para todo e qualquer
professor, aquelas relativas à complexidade diferencial desta modalidade de ensino.
O objetivo não é preparar um professor de forma aligeirada e motivado apenas pela
boa vontade ou por um voluntariado idealista. O ideal é formar um docente que se
nutra do geral e também das especificidades que a habilitação como formação
sistemática requer.
Segundo o referido Parecer, os Institutos Superiores de Educação, que
incluem em si os Cursos Normais Superiores, poderão formar normalistas tanto para
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 42
a educação infantil quanto para o ensino fundamental, o qual compreende também a
preparação específica para a EJA equivalente aos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Entretanto, o Parecer ressalta que o se pode "infantilizar" a EJA em
relação a métodos, conteúdos e processos, pois os conteúdos curriculares
destinados aos anos iniciais do ensino fundamental devem ser tratados em níveis de
abrangência e complexidade necessários à ressignificação de conhecimentos e
valores nas situações em que são (des)construídos e (re)construídos por crianças,
jovens e adultos.
Conforme o Parecer CNE n. 11/2000 CEB, a legislação educacional vigente
pretende que a igualdade de oportunidades se exerça também por meio da
consideração de diferenças significativas para a constituição de saberes próprios da
educação escolar voltadas para jovens e adultos. Este apelo à consideração das
diferenças, baseadas sempre na igualdade, se apresenta insistentemente no corpo
da LDB 9.394/96. O art. 4, VII, da LDB (BRASIL, 1996), impõe:
[...]
a oferta de ensino regular noturno, adequado às condições do educando
com características e modalidades adequadas às suas necessidades e
disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições
de acesso e permanência na escola.
Neste sentido, o Parecer CNE n. 11/2000 CEB considera necessária a
exigência de uma formação específica para a EJA a fim de que se resguarde o
sentido primeiro do termo adequação como um colocar-se em consonância com os
termos de uma relação. Trata-se de uma formação em vista de uma relação
pedagógica com sujeitos, trabalhadores ou não, com marcadas experiências vitais
que não podem ser ignoradas. E esta adequação tem como finalidade o acesso e a
permanência na EJA por meio de um ensino com conteúdos trabalhados de modo
diferenciado do que é ministrado aos alunos com idade regular, com métodos
próprios e tempos adequados ao perfil deste estudante.
Desse modo, o Parecer supracitado considera que, se muitas universidades,
ao lado de Secretarias de Educação e outras instituições privadas sem fins
lucrativos, propõem programas de formação docente para a EJA, trata-se então
de um processo em via de consolidação e que depende de uma ação integrada de
oferta desta modalidade nos sistemas. E tratando-se de tarefa realizada em um País
enorme e variado como o Brasil, alcançar estes jovens e adultos implica saber que
muitos deles vivem em distantes lugares deste país, por vezes impossibilitados de
ter o acesso apropriado a uma escola. Por isso, ao lado de uma maior preocupação
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 43
com a profissionalização de docentes da EJA, a luta por esta escolarização sempre
esteve associada à Educação a Distância. A superação da distância sempre foi uma
tentativa de estabelecer um meio de presença virtual entre educadores e
educandos. Neste sentido, conforme o Parecer CNE n. 11/2000 CEB, a formação
de docentes de EJA deve propor a apropriação destes meios.
Mas o referido Parecer considera imprescindível que a formação docente
voltada para EJA seja completa nos estabelecimentos ofertantes por meio do curso
normal médio ou do curso normal superior ou de outros igualmente apropriados.
Desse modo, o Parecer CNE n. 11/2000 – CEB afirma que é necessário, em
qualquer nível formativo, haver a presença de correlações entre os conteúdos das
áreas de conhecimento e o universo de valores e modos de vida de seus alunos.
Neste sentido, o Brasil tem uma experiência significativa na área e um acúmulo de
conhecimentos voltado para métodos e cnicas alternativas de EJA, porém estas
experiências não conseguiram se traduzir em material didático específico voltado
para o ensino supletivo. As instituições de nível superior, sobretudo as
universidades, têm o dever de se integrar no resgate desta dívida social abrindo
espaços para a formação de professores, recuperando experiências significativas,
produzindo material didático e veiculando, em suas emissoras de rádio e de
televisão.
Conforme o Parecer CNE n. 11/2000 CEB, a garantia de padrão de
qualidade é um princípio que contempla a cidadania como forma de participação e
exigência da clientela a que se destina. Desse modo, a pior forma de presença é
aquela que se situa na mediocridade, que expressa a falta de critérios, exigência e,
consequentemente, qualidade. A formação adequada e a ação integrada implicam a
existência de um espaço próprio para os profissionais de EJA, nos sistemas, nas
universidades e em outras instituições formadoras.
1.1.7. As Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos.
De acordo com o Parecer CNE n. 11/2000 – CEB, a LDB 9.394/96 encaminha
para uma diferenciação entre o caráter obrigatório do ensino fundamental e o caráter
progressivamente obrigatório do ensino médio, à vista da necessidade de sua
universalização. Sendo a EJA uma modalidade da educação básica no interior das
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 44
etapas fundamental e média é lógico que deve se pautar pelos mesmos princípios
postos na referida LDB. E no que se refere aos componentes curriculares dos seus
cursos, são válidas para a EJA as diretrizes do ensino fundamental e médio.
Segundo o referido Parecer, a elaboração de outras diretrizes poderia se configurar
na criação de uma nova dualidade. Contudo, este caráter lógico não significa uma
igualdade direta quando pensada à luz da dinâmica sócio-cultural das fases da vida.
É neste momento em que a faixa etária se torna uma mediação significativa para a
ressignificação das diretrizes comuns assinaladas.
O Parecer CNE n. 11/2000 CEB considera que os princípios da
contextualização e do reconhecimento de identidades pessoais e das diversidades
coletivas constituem-se em diretrizes nacionais dos conteúdos curriculares. Isto
significa reconhecer que a maioria dos alunos da EJA tem origem em quadros de
desfavorecimento social e suas experiências familiares e sociais divergem das
expectativas, conhecimentos e aptidões que muitos docentes possuem com relação
a estes estudantes. Identificar, conhecer, distinguir e valorizar tal quadro é princípio
metodológico a fim de se produzir uma atuação pedagógica capaz de produzir
soluções justas, equânimes e eficazes.
A contextualização, segundo o Parecer supracitado, se refere aos modos
como estes estudantes podem dispor de seu tempo e de seu espaço. Por isso a
heterogeneidade do público da EJA merece consideração cuidadosa. A ela se
dirigem adolescentes, jovens e adultos, cujas faixas etárias são eloqüentes com
suas ltiplas experiências de trabalho, de vida e de situação social, o que abrange
as práticas culturais e valores constituídos.
De acordo com o Parecer CNE n. 11/2000 CEB, a regra metodológica é
descontextualizar o referido público da realidade do ensino regular para,
apreendendo e mantendo seus significados básicos, recontextualizá-los na EJA.
Mas para isto, o referido parecer considera que a diversidade da escola é necessária
para contemplar as desigualdades nos pontos de partida de seu alunado, que
requerem diferenças de tratamento como forma mais eficaz de garantir a todos um
patamar comum nos pontos de chegada. Uma destas diversidades se expressa nos
horários em que a EJA é oferecida, especialmente o noturno. Se cansaço e fadiga
não são exclusividade dos cursos da EJA, também métodos ativos não são
exclusividade de nenhum turno.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 45
Neste sentido, o referido Parecer considera que esta atenção não pode faltar
também a outros aspectos que se relacionam com o perfil do estudante jovem e
adulto. A flexibilidade curricular deve significar um momento de aproveitamento das
experiências diversas que estes alunos trazem consigo como, por exemplo, os
modos pelos quais eles trabalham seus tempos e seu cotidiano. A flexibilidade
poderá atender a esta tipificação do tempo através de dulos, de combinações
entre ensino presencial e não-presencial e de uma sintonia com temas da vida
cotidiana dos alunos, a fim de que possam se tornar elementos geradores de um
currículo pertinente. É preciso conhecer qual o impacto dos meios de comunicação
sobre os estudantes. Como exemplo a procedência migratória de muitos e seu
gosto pelas manifestações das culturas regionais, a partir dos quais derivam
elementos significativos para a constituição e sistematização de novos
conhecimentos.
Conforme o Parecer CNE n. 11/2000 – CEB, muitos estudantes de EJA
possuem de si uma imagem pouco positiva relativamente a suas experiências ou até
mesmo negativa no que se refere à escolarização, o que os torna inibidos em
determinados assuntos. Por isso, o referido parecer recomenda os componentes
curriculares ligados à Educação Artística e Educação Física como espaços
oportunos e privilegiados para trabalhar a desinibição e a baixa autoestima.
O Parecer supracitado ressalta ainda a importância de se estabelecer a
distinção entre as duas faixas etárias consignadas nesta modalidade de educação,
pois as expectativas e experiências de jovens e adultos freqüentemente não são
coincidentes, apesar de partilharem uma situação comum desvantajosa. Conforme o
referido parecer, zelar pela aprendizagem é uma forma de ressignificar esta
situação, tal como disposto no art. 13 da LDB (BRASIL, 1996). Desse modo, os
projetos pedagógicos devem considerar a conveniência de haver classes
homogêneas ou heterogêneas para atender esta distinção. Impróprio é não perceber
o perfil distinto destes estudantes e tratar pedagogicamente os mesmos conteúdos
como se tais alunos fossem crianças ou adolescentes.
Neste sentido, o Parecer CNE n. 11/2000 CEB considera que a elaboração
e execução dos projetos pedagógicos é um momento privilegiado à medida que
representa a expressão da autonomia de um estabelecimento e inclui o
planejamento das atividades. O projeto pedagógico resume em si o conjunto dos
princípios, objetivos das leis da educação, as diretrizes curriculares nacionais e a
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 46
pertinência à etapa e ao tipo de programa ofertado dentro de um curso,
considerados a qualificação do corpo docente instalado e os meios disponíveis para
pôr em execução o projeto.
Segundo o referido Parecer, o projeto torna-se, no momento da execução, um
currículo em ação, materializado em práticas diretamente referidas ao ato
pedagógico. Contudo, se muitos dos que buscam os cursos da EJA ou os cursos
regulares noturnos são prejudicados em seus itinerários escolares, não se pode
aumentar o prejuízo mediante uma via aligeirada que queira se desfazer da
obrigação da qualidade. Por isso, é fundamental uma formulação de projetos
pedagógicos próprios e específicos dos cursos regulares noturnos e dos cursos da
EJA.
Neste sentido, o Parecer CNE n. 11/2000 CEB considera que estas
diretrizes são favoráveis a uma política de qualidade dentro dos projetos
pedagógicos à medida que estes se associam ao prazer de fazer bem feito e à
insatisfação com o razoável, quando é possível realizar o bom, e com este, quando
o ótimo é factível. Para essa concepção estética, o ensino de má qualidade é uma
agressão à sensibilidade e, por isso, será também antidemocrático e antiético. Neste
sentido, a EJA não pode sucumbir ao imediatismo que sufoca a estética, comprime o
lúdico e impede a inventividade.
Um momento específico desta referência, segundo o referido parecer, é a
recontextualização que se impõe à transposição didática e metodológica das
diretrizes curriculares nacionais do ensino fundamental e médio para a EJA. Neste
sentido, a flexibilidade posta no art. 23 da LDB (BRASIL, 1996) aponta
especificamente para uma organização escolar que, baseada na idade, poderá
incluir a valorização da experiência extra-escolar dos estudantes. Desse modo as
experiências de vida do aluno da EJA se qualificam como componente significativo
da organização dos projetos pedagógicos.
Conforme o Parecer CNE n. 11/2000 CEB, as Diretrizes Curriculares
Nacionais da Educação de Jovens e Adultos se aplicam obrigatoriamente aos
estabelecimentos que oferecem cursos e aos conteúdos dos exames supletivos das
instituições credenciadas para ofertar esta modalidade de ensino.
O art. 38 da LDB (BRASIL, 1996) diz que os sistemas de ensino manterão
cursos e exames supletivos, que compreenderão a base nacional comum do
currículo, habilitando ao prosseguimento de estudos em caráter regular. Este artigo
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 47
apresenta a manutenção de cursos e exames supletivos como um dever dos
sistemas públicos de ensino, no entanto a prioridade é a oferta de cursos na idade
apropriada, sem desconsiderá-la no turno da noite.
Dessa forma, o referido Parecer considera que a oferta de cursos da EJA
deve ser um esforço constante e localizado dos poderes públicos com o objetivo de
tornar a função reparatória cada vez mais algo do passado e de superar a imposição
do “erradicar”
7
o analfabetismo. Segundo o Parecer, não se trata de “erradicar”, mas,
sim, de eliminar as condições gerais, que não permitem um mínimo de eqüidade, e
as específicas que, dentro dos cursos, não consideram o perfil do aluno em
adequação aos métodos e diretrizes, como ocorre tão frequëntemente com os
alunos da EJA.
De acordo com o Parecer CNE n. 11/2000 CEB, a base nacional comum
dos componentes curriculares deverá estar compreendida nos cursos da EJA. E o
zelar pela aprendizagem dos alunos (art. 13 da LDB) deverá ser de tal ordem que o
estudante deve estar apto a prosseguir seus estudos em caráter regular (art. 38 da
LDB). Logo, a oferta desta modalidade de ensino está sujeita tanto à Resolução
CEB n. 2 de 7/4/1998 para ensino fundamental, quanto à Resolução CEB n. 3 de
26/6/1998 para o ensino médio.
A primeira resolução, CEB/ 4/98, diz que a base nacional comum refere-se ao
conjunto dos conteúdos mínimos das áreas de conhecimento articulados aos
aspectos da vida cidadã de acordo com o art. 26 da LDB (BRASIL, 1996). Por outro
lado, a referida resolução entende que a parte diversificada não é um recurso
adicional a esta Base. Os conteúdos desta parte o integrados à Base Nacional
Comum.
A segunda resolução, CEB n. 15/98, está em sintonia com a resolução do
ensino fundamental no que se refere à questão apresentada acima. A nova missão
do ensino médio, seus fundamentos axiológicos e suas diretrizes pedagógicas se
aplicam para ambas as “partes”, tanto a nacional comum como a “diversificada”, pois
numa perspectiva de organicidade, integração e contextualização do conhecimento
não faz sentido que elas estejam fragmentadas. Dessa forma, o Parecer CNE n.
11/2000 CEB considera que a base de ambos os ensinos é tanto a nacional
comum” integrada com a “nacional diversificada”.
7
Segundo o Parecer CNE n. 11/2000 – CEB, erradicar” é tirar algo pela raiz.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 48
Portanto, de acordo com o Parecer CNE n. 11/2000 CEB, as Diretrizes
Curriculares Nacionais da Educação de Jovens e Adultos, quanto ao ensino
fundamental, contêm a Base Nacional Comum e sua Parte Diversificada que
deverão integrar-se em torno do paradigma curricular, que visa estabelecer a
relação entre a Educação Fundamental com a vida cidadã, com as áreas de
conhecimento. Quanto ao Ensino dio, o referido parecer assinala que a EJA
deverá atender aos Saberes das Áreas Curriculares de Linguagens e Códigos, de
Ciências da Natureza e Matemática, das Ciências Humanas e suas respectivas
Tecnologias.
1.2. DIRETRIZES DA EJA NO MUNICÍPIO DE ANANINDEUA
Segundo Haddad (2007a), o governo federal passou a desempenhar
importante ação indutora em relação aos governos estaduais e municipais, tanto
pela orientação pedagógica por meio de propostas curriculares, quanto por sua
política de indução à descentralização da EJA. Esse processo gerou quatro efeitos:
a ampliação pelo governo federal de sua responsabilidade por programas nacionais
de alfabetização; a atuação dos governos municipais nos quatro primeiros anos do
ensino fundamental; e a atuação dos governos estaduais nos quatro últimos anos do
fundamental, além do ensino médio.
Apesar dos efeitos perversos do FUNDEF, Haddad (2007a) afirma que houve
algum crescimento das matrículas e os municípios acabaram sendo os maiores
responsáveis pelo atendimento da demanda nos primeiros anos do ensino
fundamental da EJA. Isto se deve à pressão por novos cursos, vinda da população,
e à atitude de alguns governos municipais, sobretudo nas gestões do PT (Partido
dos Trabalhadores) que, na visão do referido autor, procuraram assumir a
responsabilidade social e o compromisso político, ao envolver entidades e
movimentos sociais que fortaleceram a demanda por EJA e novas experiências
educacionais nessa área. No entanto, Haddad (2007a) afirma que ainda estamos
muito distantes de um atendimento que possa ser considerado adequado ao desafio
da implementação do direito à educação de jovens e adultos.
Haddad (2007a) também considera que os três níveis de governo: municipal,
estadual e federal, sozinhos ou em regime de colaboração, não vêm conseguindo
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 49
cumprir com a responsabilidade de universalizar o ensino fundamental para aqueles
com mais de 15 anos de idade. Na perspectiva do autor, a descentralização de
responsabilidade, ao mesmo tempo em que aproxima os serviços blicos da
demanda e do controle da sociedade, podendo favorecer sua democratização ao
potencializar a participação social nas instâncias locais de poder, também é capaz
de reforçar as desigualdades no atendimento, ao abandonar aos gestores
municipais a tarefa de garantir a universalidade do acesso ao ensino fundamental
sem os recursos necessários para tanto.
É neste cenário de descentralização de responsabilidade e de abandono aos
gestores municipais que se encontra o Município de Ananindeua, cuja política
educacional para a EJA têm como base, além das Diretrizes Curriculares Nacionais
da Educação de Jovens e Adultos, o Plano Municipal de Educação, construído em
2003 e o Programa “Escola Anani-Escola Cidadã”, criado em 2005. As bases
principais destes dois documentos, no que se refere às diretrizes municipais para a
EJA, serão apresentadas e analisadas a seguir.
1.2.1 Plano Municipal de Educação
O Plano Municipal de Educação de Ananindeua (PME, 2005) é um
documento que contém informações importantes sobre a situação educacional do
município de Ananindeua no ano de 2003. Segundo informações deste documento,
a Rede Municipal de Ensino do referido município era até então composta de 45
escolas e 04 Unidades de Educação Infantil, com atendimento aos seguintes níveis
da Educação Básica: Educação Infantil e Ensino Fundamental, além das
modalidades de Educação Especial e EJA. Cerca de 80% destas escolas estavam
localizadas na zona urbana e 20% na zona rural.
Existem duas escolas na zona rural, uma delas situada na região das Ilhas
do município, [...] que atende à população ribeirinha das 14 ilhas (de
Ananindeua) e possui cinco salas de aula, com atendimento a alunos da
Educação Infantil e Ensino Fundamental de 1ª. a 8ª. séries, com turmas
regulares e multisseriadas. [...].
A outra escola rural é situada na colônia do Abacatal, povoado
remanescente de quilombos, possui duas salas de aula e atende [...] a
alunos do Ensino Fundamental e Educação Infantil (ANANINDEUA, 2005a,
p. 20).
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 50
Até 2003, segundo o referido plano, a média de atendimento por salas de aula
era a seguinte: 31% das escolas possuíam apenas 04 salas, 20% entre 05 e 06
salas, 9% possuíam 07 salas e 4% entre 09 e 10 salas.
No que se refere à matrícula inicial do ano letivo de 2003, o PME (2005)
informa que houve um número de 28.808 alunos, distribuídos em 856 turmas no
atendimento à Educação Infantil, Ensino Fundamental, EJA e Educação Especial
8
.
Sobre o rendimento escolar do ano letivo de 2002, ressalta o plano que as
turmas de 1ª. a 4ª. séries apresentaram 20,3% de reprovação e de 9,2% de evasão;
nas de 5ª a séries a reprovação foi de 12,8% e a evasão 10,6%. as turmas de
EJA apresentaram 12% de reprovação e um índice expressivo de 41% de evasão.
Quanto à Educação Especial, o PME (2005) prevê a necessidade de
implantação de um Centro de Referência em Atendimento Especializado, com o
objetivo de proporcionar um melhor atendimento em Fonoaudiologia, Avaliação
Pedagógica na escola e Ensino Itinerante.
No que se refere à situação funcional docente, de acordo com o plano, dos
854 professores que integravam a rede municipal de ensino até 2003, 69%
possuíam vínculo efetivo com a rede e apenas 31% eram temporários.
Quanto à formação inicial dos docentes de Educação Infantil, 1ª a 4ª séries do
Ensino Fundamental e e etapas da EJA, 42% possuíam somente o ensino
médio habilitação Magistério, 33% possuíam licenciatura plena completa, 16%
estavam cursando uma graduação e somente 9% atuavam em turmas de 5ª e
séries do Ensino Fundamental sem licenciatura, apenas habilitação Magistério com
Estudos Adicionais. É necessário ressaltar que, nessa condição, os profissionais
atuavam com a devida autorização da Secretaria de Estado de Educação (SEDUC),
órgão responsável até então pelo sistema educacional de Ananindeua que, na
época, ainda não dispunha de uma lei própria para o seu sistema de ensino.
Sobre formação em serviço, no período de 1997 a 2003, o PME (2005)
informa que os professores da rede municipal receberam cursos de capacitação
através do Programa de Formação Continuada ofertado pela SEMED em todos os
níveis de ensino. Até 2003, 165 professores possuíam apenas o nível médio,
habilitação Magistério, mas estavam em processo de qualificação na Universidade
da Amazônia (UNAMA), por meio de um convênio estabelecido com a Prefeitura
8
O PME não apresenta o total de matrículas por níveis e modalidades de ensino.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 51
Municipal de Ananindeua. Estes professores estavam divididos em três turmas no
Programa de Demanda dirigida para a interiorização das Licenciaturas para
Formação de Professores Leigos em nível de Graduação em Pedagogia
Magistério da Educação Infantil, 1ª. a 4ª. séries do Ensino Fundamental e Gestão
Escolar.
O PME (2005) foi elaborado a partir dos seguintes eixos estabelecidos pelo
Plano Nacional de Educação, datado de 2001: Acesso e permanência com sucesso
e qualidade na educação pública municipal; Financiamento da Educação Pública;
Gestão Participativa da Educação Pública Municipal; e Formação e Valorização dos
Profissionais de Educação.
O primeiro eixo, Acesso e permanência com sucesso e qualidade na
educação pública municipal, defende o princípio de que é necessário combater o
fracasso escolar no ensino fundamental e propiciar o acesso de crianças e jovens na
escola com sucesso e qualidade através da aprendizagem de conhecimentos
significativos para a vida em sociedade. Este eixo apresenta cinco diretrizes, mas
apenas uma contempla especificamente a EJA: “c) aumentar o nível de escolaridade
da população adulta por meio da ampliação de cursos de alfabetização de adultos,
de supletivos e de ensino fundamental regular noturno” (ANANINDEUA, 2005a, p.
21).
Os demais eixos do PME (2005), que estão voltados ao Financiamento da
Educação Pública, Gestão Participativa da Educação Pública Municipal e Formação
e Valorização dos Profissionais de Educação, não contemplam de forma específica
a modalidade EJA, em suas diretrizes. Por isso, é possível afirmar que a referida
modalidade de ensino talvez não seja prioridade na política educacional do
município de Ananindeua, em comparação com a Educação Infantil e o Ensino
Fundamental, que apresentam demandas bem maiores.
O referido plano também apresenta metas e estratégias do Plano Decenal de
Educação do Município (2003-2013), por modalidade de ensino e eixos temáticos.
No que se refere à modalidade EJA, o PME apresenta apenas seis metas, a saber:
Garantir a criação de um programa de alfabetização de jovens e adultos, na
perspectiva da EJA, de acordo com a demanda apresentada nas diversas áreas do
município;
Garantir a inclusão e a permanência com sucesso de alunos portadores de
necessidades especiais na EJA;
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 52
Assegurar a implantação da EJA nos vários horários de funcionamento das escolas,
de acordo com as demandas apresentadas nas diversas áreas do município, haja
vista que todas as unidades escolares da rede municipal ofertam a referida
modalidade de ensino apenas no turno da noite;
Implementar a formação de alunos da EJA, através da educação a distância, para
beneficiar aqueles que trabalham em regime de escala de serviço;
Estabelecer a obrigatoriedade entre empresas e escolas da rede municipal de
ensino, a fim de garantir a permanência do aluno da EJA com sucesso na escola;
E, por fim, garantir a formação continuada do profissional especializado para que
este possa acompanhar os alunos portadores de necessidades especiais da EJA.
Dos quatro eixos do PME (2005), apenas dois apresentam metas e
estratégias para a EJA: Gestão participativa na educação e Formação e valorização
dos profissionais da educação. O primeiro eixo citado defende, conforme o referido
plano, uma gestão democrática e participativa, capaz de desenvolver uma política
educacional de qualidade voltada para a cidadania, com a garantia de transparência
do gerenciamento dos recursos, assim como o exercício do controle social, a fim de
oportunizar atitudes democráticas entre os envolvidos e fortalecer princípios de
autonomia. Neste sentido, esse eixo apresenta 16 metas, mas apenas 01 contempla
especificamente a modalidade EJA:
[Meta n. 4.] Viabilizar junto às empresas de transportes urbanos que atuam
no Município, aumento [do número] das frotas dos veículos, bem como
regularização dos horários dos mesmos para atendimentos dos alunos do
ensino noturno (ANANINDEUA, 2005a, p. 23-4).
Quanto ao eixo Formação e valorização dos profissionais da educação, este
busca instrumentos e recursos que impliquem na qualificação do profissional da
educação, e conseqüentemente, uma melhor formação dos educandos. Dessa
forma, este eixo aponta para todas as questões ou situações que envolvam a
melhoria do ensino e da aprendizagem no contexto educacional do município. Neste
sentido, apresenta 18 metas, no entanto apenas 01 contempla especificamente a
EJA: “[Meta n. 10] Fazer convênios com as instituições públicas (Universidades,
ONGs etc.), para formação de professores para a EJA”.
Diante do exposto, dentre as seis metas e dois eixos propostos pelo PME
(2005) para a EJA, é possível destacar somente a criação de um programa de
alfabetização de jovens e adultos, que foi concretizada com a implantação do
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 53
Programa Brasil Alfabetizado (BRALF), a partir de 2004, numa parceria com o
Governo Federal. Atualmente, o referido programa já está em sua sexta edição.
Em relação às outras cinco metas e dois eixos, estes ainda se configuram
como utopias, pois é necessário um conjunto de fatores para concretizá-los, dentre
eles, principalmente, a vontade política.
O PME (2005) e seus eixos de sustentação, princípios, diretrizes, metas e
estratégias traçados em 2003 serviram de base para nortear a atual política
educacional do referido município, que está expressa no Programa “Escola Anani-
Escola Cidadã”, que será apresentado a seguir.
1.2.2. Programa Escola Anani-Escola Cidadã
O Programa “Escola Anani-Escola Cidadã” (2005) contém a atual política
educacional do município em relação à Educação Infantil, Ensino Fundamental e
EJA. O programa apresenta a filosofia educacional, os princípios pedagógicos,
metas, eixos temáticos e o conjunto de ações pedagógicas e administrativas da
atual gestão municipal para o período de 2005 a 2008.
O referido programa está sustentado em seis princípios básicos, os quais são
norteadores da política educacional do município.
O primeiro princípio do Programa “Escola Anani-Escola Cidadã” (2005) refere-
se ao resgate e/ou construção, por meio da educação escolar, da Identidade Anani
9
da população que constitui a clientela educacional do município.
A construção de um modelo educacional respaldado nos princípios de uma
Escola Cidaorientada por valores culturais, éticos, morais e sociais é o segundo
princípio do referido programa. Nessa concepção de educação, a democratização do
poder, a autonomia pessoal e intelectual e a participação coletiva, são fundamentos
constituintes da formação do cidadão no ambiente escolar, de acordo com o
Programa “Escola Anani-Escola Cidadã” (2005).
O terceiro princípio é a ampliação da oferta e (re)qualificação da educação
infantil e fundamental na rede municipal de ensino, o que, segundo o programa,
requer o combate a todas as formas de analfabetismo que ainda rondam as classes
9
Sentimento de pertencimento da população de Ananindeua ao município como um todo e não
apenas ao bairro ou área em que moram.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 54
menos favorecidas: o analfabetismo total, o funcional, o institucional e o digital, os
quais serão explicitados posteriormente.
O respeito à diversidade e a garantia de acesso a todos por meio da
Educação Inclusiva e do Atendimento Especializado aos alunos e servidores que
possuem necessidades educativas especais, é o quarto princípio do Programa
“Escola Anani-Escola Cidadã”.
O quinto é a garantia, por meio da educação escolar formal e educação não
formal, à inclusão social e tecnológica para todo cidadão ananindeuense.
E, por fim, o sexto princípio refere-se à valorização do servidor público, no
sentido de reconhecê-los como os principais agentes de transformação da política
educacional. Essa valorização se materializa tanto na questão salarial como na
criação de ações de incentivo à formação inicial e continuada.
Dentre esses princípios que explicitam e/ou justificam as ações pedagógicas
e administrativas propostas no programa citado anteriormente, irei me deter no
terceiro princípio: a ampliação da oferta e (re)qualificação da educação básica,
haja vista que este se refere mais especificamente à EJA.
Segundo o Programa “Escola Anani- Escola Cidadã” (2005), a construção de
uma escola pública municipal de qualidade que (re)qualifique a educação básica,
resgatando a autoconfiança e elevando a auto-estima dos profissionais, alunos e
alunas e suas famílias, precisa levar em conta a busca de uma educação com
qualidade social. Para garantir essa qualidade social o programa afirma que é
preciso, entre outras ações, combater com certa urgência todas as formas de
analfabetismo ainda presentes na sociedade e na escola pública do século XXI.
A primeira forma apresentada pelo referido programa é o analfabetismo
total, que afeta a juventude maior de 15 anos, assim como os adultos que não
aprenderam a ler e escrever na idade regular. É o analfabetismo adulto que ainda
atinge uma considerável parcela da população do país e do município de
Ananindeua.
No que se refere ao analfabetismo funcional, o Programa “Escola Anani-
Escola Cidadã” (2005) considera-o como um dos mais graves porque diz respeito
àqueles alunos que ingressaram na escola, aprenderam a ler e escrever, mas
derrotados por inúmeros problemas, entres eles os fantasmas da reprovação e
evasão, paralisaram seus estudos em alguma série do ensino fundamental. Para
estes é necessário um programa de aceleração de estudos que lhes garanta a
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 55
conclusão do ensino fundamental e a inclusão no ensino médio e mercado de
trabalho.
O analfabetismo institucional é a terceira forma apresentada pelo programa
e representa outro rio problema das escolas públicas, porque é gerado na própria
sala de aula, nas turmas de 1ª a séries, mais exatamente nas e 2ª séries, e
seus efeitos nefastos, repercutem por toda a educação básica. O grande entrave é a
dificuldade dos alunos em se apropriarem do código lingüístico (leitura e escrita), o
que resulta nos altos índices de reprovação e evasão escolar nas séries iniciais,
além da distorção idade-série. Combater esse problema é condição fundamental
para a construção de uma educação com qualidade social.
O analfabetismo digital é a quarta forma, a qual se refere, segundo o
Programa “Escola Anani-Escola Cidadã” (2005), à falta de domínio e uso pela
maioria da população jovem e adulta da tecnologia da informação. Na sociedade
moderna e tecnológica não usar os recursos que a informatização oferece ao
cidadão, por falta de domínio dessa linguagem, é considerado um sério problema de
analfabetismo digital.
Dentre estas formas de analfabetismo, a primeira é a que está mais
diretamente relacionada à EJA porque se refere a uma situação muito presente
nesta modalidade de ensino: o desafio de alfabetizar jovens e adultos, enfrentado
principalmente na 1ª etapa.
Conforme o Programa “Escola Anani-Escola Cidadã” (2005), uma escola que
pretende ser cidadã precisa combater todas as formas de analfabetismo, oferecendo
aos alunos, pais e comunidade cursos de aceleração de estudos, programas de
alfabetização de adultos, projetos de reforço de aprendizagem em contra-turno
10
para os alunos das séries iniciais e acesso à tecnologia da informação, tanto na
educação formal (informática educativa) como em forma de cursos e de acesso à
internet para a comunidade.
O programa ainda apresenta vinte desafios/metas para a educação do
município. Dentre estes, apenas quatro contemplam especificamente a EJA:
O desafio/meta nº. 01: universalizar o Ensino Fundamental e ampliar vagas na
EJA;
O desafio/meta nº. 05: erradicar o analfabetismo de jovens e adultos;
10
Turno diferente ao que o aluno estuda. Por exemplo: Para o aluno que estuda de manhã, o reforço
de aprendizagem deve ser oferecido à tarde.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 56
O desafio/meta nº. 19: criar uma política de inclusão educacional e profissional
para os jovens maiores de 15 anos que não concluíram o ensino fundamental;
E, por fim, o desafio/meta nº. 20: criar uma política de inclusão social,
profissionalização e geração de renda para alunos da EJA e pais de alunos do
Ensino Fundamental ofertado pela rede municipal de ensino.
Para superar esses desafios, o Programa “Escola Anani-Escola Cidadã”
(2005) apresenta objetivos e metas para a Educação Básica. No que se refere à
EJA, esta modalidade de ensino deve assegurar gratuitamente, aos jovens e aos
adultos que não puderam efetuar os estudos na idade regular, oportunidades
educacionais apropriadas, que estimulem a construção de sua autonomia, cultivando
valores essenciais como a solidariedade e o respeito às diversidades.
No sentido de atingir o objetivo apresentado acima, o referido programa
atribui cinco finalidades para a EJA:
Propiciar situações de aprendizagem que tornem os alunos sujeitos ativos e
participativos, capazes de crescerem cultural, social e economicamente;
Valorizar os saberes que os alunos e alunas trazem para a sala de aula,
fomentando o encontro dos saberes da vida com os saberes escolares;
Estimular os alunos a agirem de forma autônoma e independente, reagindo a
imposições a fim de tornarem-se cidadãos plenos e conscientes de seus direitos
e deveres;
Promover o diálogo entre educador e educandos, desafiando-os a refletir sobre o
mundo em que vivem e incentivando-os a atuar enquanto transformadores de
suas realidades, lutando por direitos básicos que possam promover a integração
dos vários campos do conhecimento entre si e o mundo do trabalho.
E, por fim, a quinta finalidade da EJA é oferecer, quando necessário,
oportunidades de discussões e reflexões sobre profissionalização, que possibilite
a integração do aluno no mundo do trabalho.
Diante do exposto, o Programa “Escola Anani-Escola Cidadã” (2005)
apresenta uma proposta de intervenção na política educacional do município de
Ananindeua por meio de ações que possam atender às reais necessidades da
educação municipal.
No sentido de seguir os princípios, superar os desafios e atingir os objetivos e
metas aqui apresentados, o referido programa atribui à SEMED, a missão de
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 57
assegurar a formação cidadã como meio de inclusão social, mediante a
democratização do ensino, qualidade social da educação e o acesso a novas
tecnologias.
Para cumprir esta missão, a SEMED desenvolve desde 2005 diversas ações
de caráter pedagógico através do Departamento de Educação (DEED), cujo
organograma é composto por cinco divisões, cada uma responsável por um nível ou
modalidade de ensino. A Divisão de Educação de Jovens e Adultos (DEJA), criada
em 2005, é composta, por uma equipe de 04 pedagogos, sendo 01 coordenador e
três técnicos. Essa equipe realiza atividades internas de elaboração de planos,
projetos e programas para a EJA; e atividades externas de assessoramento e
acompanhamento do trabalho desenvolvido nas 28 escolas da rede municipal de
ensino de Ananindeua que ofertam a EJA.
Diante do exposto sobre o Plano Municipal de Educação de Ananindeua e o
Programa Escola Anani-Escola Cidadã, documentos que norteiam a política
educacional para a EJA no município de Ananindeua, recorro a Haddad (2007a),
autor que estuda e pesquisa a ação de governos municipais na Educação de Jovens
e Adultos com o objetivo de analisar como o poder local atende a demanda potencial
de EJA ante a hipótese inicial de que haveria uma expansão do atendimento em
função do seu reconhecimento como um direito pela Constituição de 1988. O
referido autor considera que, na sua unanimidade, os governos municipais atendem
apenas uma pequena parte dessa demanda.
Neste sentido, Haddad (2007a) afirma que a conquista do direito à EJA, assim
como a mobilização por sua implementação, inseridas no processo de
redemocratização do sistema político nas décadas de 1980 e 1990, foram marcadas
pela forte presença da sociedade civil na reivindicação de direitos e pressão por
mais participação nos rumos da gestão pública. O autor avalia que esse movimento,
principalmente por meio de pressões municipais, runs estaduais e encontros
nacionais, resultou em novas ofertas de serviços de atendimento e em novas formas
de pensar e fazer a EJA, assim como a necessidade de buscar regulamentá-lo.
Entre os vários subsídios para esse debate, Haddad (2007a) cita o Parecer CNE n.
11/2000, que incorporou a nova concepção de EJA às normas e diretrizes nacionais
da educação básica.
Para o autor, o processo de municipalização das responsabilidades pelos
primeiros anos do ensino fundamental vem sendo crescente, mas nem sempre
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 58
acompanhado pelos recursos necessários para o se suporte, particularmente para a
EJA. Neste contexto, os serviços blicos municipais de atendimento da EJA
acabam realizando-se em função da dinâmica entre o compromisso político do poder
público, a disponibilidade de recursos financeiros e a pressão social. Por isso,
Haddad (2007a) afirma que não um atendimento que garanta a continuidade de
estudos para os jovens e adultos, nem um padrão nacional, apesar da crescente
institucionalização da EJA nas redes de ensino nos últimos anos.
Na visão do referido autor essa “regularização” da EJA indica que uma
forte tensão entre uma concepção mais flexível de currículo, que a aproxima da
tradição da educação popular e a tradição escolar dos sistemas regulares de ensino.
Neste sentido, Haddad (2007a) considera importante que os governos municipais
procurem levar a inspiração e a prática da educação popular para os sistemas
públicos de atendimento, o que constitui sinal importante de uma nova forma de
fazer e pensar a EJA, influenciando currículos escolares e contribuindo para a
superação da concepção e prática do ensino supletivo vigente desde o regime militar
com a Lei n. 5.692/71.
Após a apresentação e análise das diretrizes nacionais e municipais da
política educacional da EJA, é necessário caracterizar o contexto em que esta
pesquisa está situada. Por isso, no capítulo seguinte, apresento um breve histórico
do Município de Ananindeua, bem como da Escola Municipal “São Judas Tadeu”,
além das Concepções sobre a Alfabetização de Jovens e Adultos.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 59
CAPÍTULO 2
CONTEXTUALIZAÇÃO DO ESTUDO:
O MUNICÍPIO, A ESCOLA E A ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
O presente capítulo tem como objetivo apresentar a contextualização desta
pesquisa por meio de três partes distintas, mas interligadas.
A primeira apresenta o Município de Ananindeua por meio de três tópicos:
primeiramente um breve histórico, no qual a intenção não é desenvolver um tratado,
mas apenas expor os principais aspectos históricos do referido município a partir das
pesquisas de Mendes (2003). Em seguida, serão apresentados os dados principais
sobre a caracterização do município com base em seu Anuário Estatístico (2007). E,
por fim, apresentarei um breve diagnóstico de sua realidade educacional a partir dos
estudos de Alves (2009).
Na segunda parte, este capítulo apresenta a partir de informações contidas no
Projeto Político Pedagógico da Escola Municipal “São Judas Tadeu” (2006), a
origem histórica desta escola, que é o lócus de desenvolvimento desta pesquisa,
bem como da comunidade no seu entorno, situada no Conjunto Júlia Seffer,
Município de Ananindeua.
Por fim, a terceira parte expõe as mudanças, avanços e ampliações nas
concepções de alfabetização propostas pela United Nations Educational, Scientific
and Cultural Organization (UNESCO) num período histórico compreendido entre
1948 a 1980, conforme os estudos de Maciel (1999), bem como as suas implicações
para a Educação e Alfabetização de Jovens e Adultos, a partir das pesquisas de
Moura (2007).
2.1. DO MUNICÍPIO DE ANANINDEUA
2.1.1. Um breve histórico
A palavra Ananindeua, segundo Mendes (2003), tem origem na língua tupi-
guarani. O referido município recebeu este nome (Ananin – deua) em decorrência da
abundância de árvores de médio porte chamadas Ananin ou Anamim, que produzem
uma resina, conhecida como cerol, cuja utilidade vai desde propriedades medicinais
até o uso industrial, além de servir para calafetar embarcações, ensebar cordas e
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 60
feitura de tochas. Quanto ao termo deua, este pode ter significados diferentes,
conforme três versões populares pesquisadas pela referida autora. A primeira
versão afirma que o termo correto seria teua, que significa abundância quando é
acrescido de qualquer palavra. A expressão correta, então, seria Ananinteua. A
segunda versão, por sua vez, acredita que o termo deua teria sido acrescido do
verbo dar, ou seja, faz referência ao surgimento de qualquer coisa, Ananin-deu,
Deu-ananin, que em linguagem popular diz-se Ananindeua, seguido da letra A.
Entretanto, o termo deua, segundo a terceira versão, teria sido usado de forma
incorreta devido ao som semelhante das letras T e D, ocorrendo uma mudança de
linguagem. Por isso, a adoção do deua e não teua, versão mais aceita atualmente.
Quanto às origens históricas, o desenvolvimento urbano de Ananindeua está
relacionado, de acordo com Mendes (2003), à criação de uma parada, que servia de
estação de embarque e desembarque de passageiros de trem da extinta Estrada de
Ferro Bragança, construída no período de 1883 a 1908. Neste sentido, a sede do
referido município foi construída na área territorial onde estava situada a Estação
Ferroviária.
A Estrada de Ferro Bragança, cujo primeiro trecho, entre Belém e Benevides,
foi inaugurado em 1884, possuía, conforme a autora, uma extensão de 293
quilômetros de trilhos e foi de grande importância para o desenvolvimento de
Ananindeua. Suas operações foram encerradas em 1964.
O processo de colonização do referido município foi iniciado lenta e
gradativamente, sendo que os primeiros colonizadores, segundo Mendes (2003),
foram os ribeirinhos e caboclos que se estabeleceram na localidade do rio Maguary,
na época do Movimento Revolucionário da Cabanagem, procedentes de várias
localidades do Estado do Pará. O rio Maguary é, portanto, o núcleo urbano mais
antigo de Ananindeua e onde estão sedimentadas suas raízes históricas e culturais.
Devido à facilidade de acesso pela Estrada de Ferro Bragança, a colonização,
de acordo com a autora, também se processou por retirantes nordestinos em busca
de oportunidade de trabalho nos engenhos, o que resultou no povoamento onde
hoje é a sede do referido município e os arredores circunvizinhos. A partir da
Estrada de Ferro Bragança até a instalação de um curtume chamado Maguary, em
referência ao nome do rio citado anteriormente, criou-se um eixo de interligação com
a cidade de Belém. A implantação desse
curtume, conforme Mendes (2003), marca
o início de um desenvolvimento lento e contínuo em Ananindeua, que culminou em
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 61
um processo de emancipação iniciado em 1938, quando o referido município passou
a ser distrito de Santa Izabel, por Ato do Governo do Estado do Pará.
Apenas cinco anos depois, em dezembro de 1943, o então Interventor
Estadual Joaquim Cardoso de Magalhães Barata promulgou o Decreto-Lei nº. 4.505,
que instituiu o município de Ananindeua, cuja instalação ocorreu em 03 de janeiro de
1944, tendo sido nomeado, na época, como primeiro prefeito, o Sr. Claudomiro
Belém de Nazaré. No período de 1947 a 1956, o referido município contava com os
seguintes distritos: Benevides, Benfica e Engenho do Arari. Contudo, atualmente,
Ananindeua é constituída apenas do Distrito-Sede, uma vez que os outros, de
acordo com o disposto na Lei nº. 2.460, de 24 de dezembro de 1961, passaram a
constituir o município de Benevides.
2.1.2. Caracterização do Município
Segundo o Anuário Estatístico do Município de Ananindeua (2007), o referido
município pertence à Mesorregião Metropolitana de Belém e ocupa uma posição
privilegiada no setor viário devido a duas situações: em razão da proximidade com a
capital do Estado e também por situar-se na área de influência de algumas
importantes rodovias, como é o caso de Belém-Brasília. Neste sentido, Ananindeua
está ligada à cidade de Belém e às sedes limítrofes pela rodovia federal BR-010
(Belém-Brasília) e pelas rodovias estaduais: PA-16, PA-17 e PA-5. Também é
cortada por várias estradas municipais que dão acesso ao seu interior.
O Município de Ananindeua, conforme o referido documento, situa-se no
nordeste paraense, sendo constituído de uma parte continental ao sul, onde está
localizada a Sede Municipal e uma parte insular, ao norte, formada por igarapés e
ilhas. É parte integrante da Região Metropolitana de Belém, crida pela Lei
Complementar Federal n. 14, de 08 de Junho de 1973, composta dos municípios de
Belém e Ananindeua e com a Lei Complementar Estadual n. 027, de 1995, que a
ampliou com a integração dos municípios de Benevides, Santa Bárbara e Marituba.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 62
Mapa 1 – Localização geográfica de Ananindeua na Região Metropolitana de Belém
Fonte: Anuário Estatístico do Município de Ananindeua (2007)
O Mapa 1 apresenta os limites do Município de Ananindeua: ao Norte e a
Oeste com o município de Belém; ao Sul com o Rio Guamá; e, a Leste, com os
municípios de Benevides e Marituba.
Segundo Alves (2009), o Município de Ananindeua possui uma área total
correspondente a 185,06 km². Com 450.950 habitantes, o referido município tem sua
população dividida em duas áreas: rural e urbana. A população rural do município é
de 0,25% que, por sua vez, estão localizados em duas áreas: no arquipélago do rio
Maguary, constituído por 13 ilhas, e na comunidade quilombola do Abacatal.
Na área urbana, estão localizados 99,75% da população de Ananindeua, cuja
maior concentração situa-se nas áreas de ocupação, loteamentos e conjuntos
habitacionais. Estes se distribuem nas 22 áreas em que está dividido
geograficamente o município: Águas Brancas, Águas Lindas, Atalaia, Aurá, Centro,
Cidade Nova, Coqueiro, Curuçambá, Distrito Industrial, Geraldo Palmeira, Guajará,
Guanabara, Heliolândia, Icuí-Guajará, Icuí-Laranjeira, Jaderlândia, Jibóia Branca,
Júlia Seffer (onde está situada a Escola Municipal “São Judas Tadeu”), Maguari,
PAAR, Providência e 40 horas, conforme apresenta o mapa a seguir:
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 63
Mapa 2 – Áreas do Município de Ananindeua
Fonte: Anuário Estatístico do Município de Ananindeua (2007)
Segundo Mendes (2003), Ananindeua tem recebido em sua composição,
desde sua origem até os tempos atuais, influência direta da capital Belém e área
metropolitana. O seu crescimento desordenado tem provocado o aumento
significativo das ocupações conhecidas como “invasões” que desestruturam seu
sistema de saneamento básico, o que se torna uma questão inerente à realidade
social.
Conforme a referida autora, o crescimento desordenado de Ananindeua tem
sido gerado, principalmente, pelas ocupações em áreas totalmente desprovidas de
condições para assentamento de contingente populacional, surgindo vários
problemas sociais como: desemprego, baixo poder aquisitivo, analfabetismo,
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 64
violência, etc. Intensificam-se, assim, nessas áreas, os indicadores de nível de
pobreza que influenciam na situação educacional do município.
Neste sentido, os indicadores sociais e demográficos do Município de
Ananindeua, conforme estimativa do IBGE/2004 e o Censo de 2000 mostram que a
maior parte da população do município está na faixa etária de 20 a 49 anos. E entre
10 a 19 anos, Ananindeua possui uma população de 22,34% de adolescentes e de
45% de crianças de 0 a 9 anos de idade. Portanto, o referido município tem uma
população urbana constituída de 48% de crianças e adolescentes e 49% de jovens e
adultos. Dessa população, 5,43% são analfabetos, constituída por jovens e adultos a
partir de 15 anos de idade ou mais.
2.1.3. Diagnóstico da Realidade Educacional
De acordo com Alves (2009), a Rede Municipal de Ensino de Ananindeua
(RME), em 2009, está constituída por 90 unidades de ensino sendo: 51 na zona
urbana, 2 na zona rural e 37 anexos. No que tange às formas de atendimento às
áreas específicas, registra-se 1 escola na zona rural de comunidade quilombola, a
Escola Municipal de Ensino Fundamental do Abacatal e de 1 escola na área rural de
comunidade ribeirinha da Ilha de Igarapé Grande, Escola Municipal de Ensino
Fundamental Domiciano de Farias.
No que se refere ao Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB),
nos anos de 2005 e 2007, o Município de Ananindeua atingiu as metas propostas,
mas precisa garantir a proposta da meta de 2009, que está prevista para 3,8.
A tabela a seguir apresenta dados comparativos entre os anos de 2007 e
2008 especificamente sobre o rendimento escolar da EJA:
TABELA 2: TAXAS DE RENDIMENTO ESCOLAR (2007 A 2008)
ENSINO FUNDAMENTAL – MODALIDADE EJA (RME – ANANINDEUA)
Ensino
Fundamental
(Modalidade EJA)
1ª a 4ª etapas
Aprovação Reprovação Abandono
2007 2008 2007 2008 2007 2008
43,2 43,4 14,4 12,8 42,4 43,8
Fonte: Alves (2009).
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 65
A partir da tabela acima constata-se que entre os anos de 2007 e 2008, o
rendimento escolar da EJA no Município de Ananindeua praticamente não obteve
melhoras. As taxas de aprovação da EJA aumentaram timidamente de 43,2% para
43,4%. As taxas de reprovação obtiveram uma pequena, mas notável queda de
14,4% para 12,8%. Quanto ao abandono, percebe-se que este ainda é o grande
da EJA na Rede Municipal de Ensino de Ananindeua: aumentou de 43,4% para
43,8%.
Com o objetivo de diminuir principalmente as taxas de abandono que
atingiram a média de 43,8% em 2008, conforme apresentou a tabela 2, Alves (2009)
afirma que a SEMED vem desenvolvendo ações como formação continuada para
coordenadores pedagógicos e professores, seminários para socialização de
experiências e assessoramento in loco nas 28 unidades da RME que atendem o
Ensino Fundamental na modalidade EJA.
A Escola Municipal “São Judas Tadeu”, lócus de desenvolvimento desta
pesquisa, é uma dessas 28 unidades de ensino. A tabela a seguir apresenta o
movimento escolar de etapa da EJA (foco específico deste estudo), na referida
escola, entre os anos de 2007 e 2008.
TABELA 3:
MOVIMENTO ESCOLAR (2007 a 2008)
1ª ETAPA DA EJA - E. M. SÃO JUDAS TADEU
Ano letivo Matrícula Inicial Matrícula Final
2007 18 09
2008 34 25
Fonte: Secretaria da Escola Municipal “São Judas Tadeu”, 2009.
Com base nos dados da referida tabela, é possível estabelecer algumas
considerações sobre o movimento escolar da etapa da EJA na Escola Municipal
“São Judas Tadeu”. Em 2007, houve uma diferença de exatamente 50% entre
matrícula final (09) e inicial (18), o que se configura como dados extremamente
críticos. No entanto, em 2008, houve um crescimento significativo de matrícula
inicial: 34 alunos, em comparação a 2007 (18). Em relação à matrícula final (25)
houve uma diferença de apenas 09 alunos na comparação com a matrícula inicial
(34), o que representou uma evidente melhora em comparação a 2007.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 66
Diante desses dados sobre rendimento e movimento escolar, é possível
afirmar que existe “fracasso escolar” na modalidade EJA ofertada na rede municipal
de ensino de Ananindeua?
Segundo Charlot (2000), o “fracasso escolar” não existe. Em sua obra Da
relação com o saber: elementos para uma teoria, o referido autor admite que os
fenômenos designados sob a denominação de fracasso escolar são mesmo reais.
No entanto, considera que o existe um objeto fracasso escolar”, analisável como
tal, pois esse não passa de um nome genérico, um modo cômodo para designar um
conjunto de fenômenos que têm algum parentesco. O problema é que se tem pouco
a pouco reificado esse nome genérico, como se existisse uma coisa chamada
“fracasso escolar”. Afirmar que o “fracasso escolar” o existe é recusar esse modo
de pensar sob o qual se insinuam as idéias de doença, tara congênita, contágio,
evento fatal. Ao escutar tais discursos, o referido autor tem amiúde o sentimento de
que hoje somos “vítimas” do fracasso escolar, assim como outrora éramos da peste.
O fracasso escolar não é um monstro escondido no fundo das escolas e
que se joga sobre os mais frágeis, um monstro que a pesquisa deveria
desemboscar, domesticar, abater. O fracasso escolar” não existe; o que
existe são alunos fracassados, situações de fracasso, histórias escolares
que terminaram mal. Esses alunos, essas situações, essas histórias é que
devem ser analisados, e não algum objeto misterioso, ou algum vírus
resistente, chamado “fracasso escolar” (p. 16, grifo meu).
Portanto, corroboro com Charlot (2000) quando este considera que não existe
fracasso escolar, na verdade o que ocorre são histórias escolares mal-sucedidas,
que envolvem alunos jovens e adultos em uma situação de fracasso. A investigação
acerca das razões que tem ocasionado esta situação não é objeto específico deste
estudo, mas é importante, ao menos, ressaltar que a EJA ainda vivencia esta
situação crítica no Município de Ananindeua.
2.2. DA ESCOLA MUNICIPAL “SÃO JUDAS TADEU”: ORIGEM HISTÓRICA
Como foi citado anteriormente, a Escola Municipal “São Judas Tadeu
é uma
das 28 unidades de ensino da RME de Ananindeua que ofertam a modalidade EJA.
Segundo o Projeto Político Pedagógico da referida escola (2006) documento que
se constitui como um conjunto articulado de propostas, programas e ações e que
contêm informações relevantes sobre a origem histórica desta escola, bem como da
comunidade no seu entorno – esta foi construída na gestão do Prefeito Paulo Afonso
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 67
de Oliveira Falcão (1983-1989), sendo inaugurada em 22 de Abril de 1986. Nesse
ano, a matrícula inicial foi de 300 alunos distribuídos em dois níveis de ensino:
Educação Infantil (Pré I, II e III) e Ensino Fundamental (1ª a séries), que eram
ofertados nos turnos da manhã e tarde. Seu quadro funcional contava com apenas
23 funcionários.
Localizada na Rua São Judas Tadeu S/N, na entrada do Conjunto Júlia
Seffer, Rodovia BR 316 km 07, Município de Ananindeua, essa escola atende a
moradores da Comunidade São Sebastião, que foi fundada no início da década de
1980 por um grupo de pessoas que necessitava de um espaço para morar. Liderado
por três homens: Florentino Ramos, Sebastião Souza e Messias Assunção
Gonçalves, esse grupo ocupou a área inativa de um sítio loteado com 132 m2 de
frente e 1.100 m2 de fundos. O objetivo foi garantir a cada família de ocupadores um
terreno para que pudessem construir sua moradia. Desde então, esse grupo luta
para adquirir a posse definitiva dessa área ocupada.
Nomeada de São Sebastião em homenagem ao líder comunitário Sebastião
Souza, a comunidade, atualmente, é composta por aproximadamente 800 famílias
distribuídas em 560 casas. Neste sentido, em cada residência, moram duas ou mais
famílias. Este quadro se justifica pela situação econômica dos moradores, cuja
maioria desenvolve atividades autônomas, sendo que apenas uma pequena parcela
dispõe de emprego com carteira assinada.
Quanto às atividades cio-culturais, cerca de 80% dos moradores da
Comunidade São Sebastião participam das atividades desenvolvidas pelo Centro
Comunitário de mesmo nome, fundado em 1984, além dos eventos promovidos
pelas igrejas e escolas existentes em seu entorno. As atividades sócio-culturais dos
moradores se restringem à participação nestas instituições, por conta da ausência
de espaços públicos de lazer na comunidade, tais como: praças, campo de futebol e
quadra de esportes.
As ruas habitadas por essa comunidade são asfaltadas e possuem esgoto,
mas ainda não dispõem de água tratada. Por isso, a maioria dos moradores utiliza
água de poço.
Contudo, o acesso da Comunidade São Sebastião à saúde pública é precário,
pois o posto de saúde mais próximo fica localizado no interior do Conjunto Júlia
Seffer, distante 500 metros da referida comunidade. A inauguração deste posto
deve-se à luta da comunidade durante o período de ocupação. Entretanto, as
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 68
condições de funcionamento são insuficientes para realizar um atendimento de
qualidade à população.
Outro problema existente é a segurança pública, que atende apenas a
solicitações especificas de moradores. No entanto, o índice de criminalidade é baixo
devido à parceria entre igrejas, Centro Comunitário e Escola Municipal “São Judas
Tadeu”, que juntos promovem anualmente, desde 1998, a Caminhada Ecumênica
pela Paz na época da Semana Santa.
Reinaugurada em 25 de Fevereiro de 2005, por conta da revitalização
realizada no início da primeira gestão do Prefeito Helder Zahluth Barbalho, a Escola
Municipal “São Judas Tadeu” possui estrutura em alvenaria distribuída em três
blocos. O bloco administrativo, que é constituído por seis espaços: 01 sala de
professores, 01 secretaria, 01 diretoria, 01 espaço interação
11
, 01 copa e 01
despensa. O bloco de banheiros, que é constituído por três unidades: um para
funcionários e dois para alunos, sendo um masculino e outro feminino. E, por fim, o
bloco de salas de aula possui sete unidades: três com capacidade para 40 alunos e
quatro com capacidade para 30.
Além desses blocos, a escola ainda dispõe de:
01 salão coberto, que serve no dia-dia como área de refeitório e, ocasionalmente,
como espaço para realização de eventos escolares;
01 área de bicicletário;
01 quadra de esportes com alambrado, trave de futebol, rede de vôlei e cesta de
basquete.
Quanto à gestão, a escola conta atualmente com uma equipe gestora
composta por 06 pedagogas: 01 gestora, 01 secretária, 01 administradora escolar e
03 coordenadoras pedagógicas (sendo 01 para o turno da manhã, 01 para o turno
da noite e 01 para o Anexo da escola).
No que se refere ao ensino, a escola oferta atualmente: Educação Infantil no
Anexo “São Sebastião” e Ensino Fundamental e EJA em sua própria sede. A
Educação Infantil (Pré I, II e III) é ofertada em dois turnos: manhã e tarde, no Anexo
“São Sebastião”, que funciona no espaço do Centro Comunitário São Sebastião,
11
O Espaço InterAção, segundo o Programa Escola Anani-Escola Cidadã” (2005, p.31), é um local
equipado com computadores e impressora onde funciona o Laboratório de Informática Educativa, que
deve ser um ambiente estimulante para práticas pedagógicas inovadoras, onde alunos e professores
possam vivenciar experiências de ensino e aprendizagem significativas com o uso da tecnologia da
informação como ferramenta pedagógica.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 69
através de um convênio com a Prefeitura de Ananindeua, estabelecido desde 2005.
o Ensino Fundamental é ofertado na própria sede da escola por meio de turmas
de a 8ª séries no horário da manhã e a séries à tarde. Quanto à EJA, a
escola oferta turmas de 1ª, 2ª, e etapas desde 2002, mas apenas no turno da
noite.
Após a apresentação do lócus de desenvolvimento desta pesquisa (a Escola
Municipal “São Judas Tadeu”), bem como do Município em que está situado,
apresentarei a seguir as mudanças ocorridas nas concepções de alfabetização, no
período compreendido entre 1948 e 1980, a partir dos estudos de Maciel (1999)
sobre as concepções de alfabetização propostas pela UNESCO, e de Moura (2007)
acerca das implicações destas concepções para a Educação e Alfabetização de
Jovens e Adultos, especificamente.
2.3. DA ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: CONCEPÇÕES
Maciel (1999), em seu artigo “Ser alfabetizado, estar alfabetizado: eis a
questão”, faz uma breve análise histórica sobre as concepções de alfabetização
propostas pela UNESCO no período compreendido entre 1948 a 1980. De acordo
com a autora esse é um período curto do ponto de vista histórico, mas é muito
significativo devido às evidentes modificações ocorridas na aprendizagem da leitura
e da escrita na sociedade brasileira.
Neste sentido, Moura (2007) considera que uma análise da história das ideias
relativas à alfabetização possibilita identificar alguns períodos fundamentais, para
neles caracterizar as concepções anunciadas e assumidas pelos formadores de
políticas e ações e pelos estudiosos e pesquisadores da área. As concepções de
alfabetização analisadas pela referida autora ao longo do processo histórico da
Educação de Jovens e Adultos no Brasil foram apropriadas pelos formuladores de
políticas e programas governamentais e não-governamentais. Essa apropriação
explícita ou implicitamente passa a nortear as ações de escolarização das redes
públicas, dos programas, campanhas e projetos de alfabetização, chegando às
práticas pedagógicas desenvolvidas pelos professores. As práticas se sustentam,
também, de forma clara ou veladamente, em teorias pedagógicas que direcionam a
escolha e utilização das metodologias de ensino.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 70
Em seu artigo “Alfabetização e Letramento na formação de alfabetizadores de
jovens e adultos”, Moura (2007) tem como marco inicial de sua análise o período
que se inicia com a colonização e alonga-se até a segunda metade da década de
1950, época em que a alfabetização de adultos era considerada como um processo
de aquisição de um sistema de código alfabético, tendo como único objetivo
instrumentalizar a população com os rudimentos de leitura e escrita.
O que é ser e o que é estar alfabetizado? Segundo os estudos de Maciel
(1999), até o início da década de 1940, estas questões não preocupavam a
sociedade e, de certo modo, também não preocupavam a escola, que estava voltada
fundamentalmente para a metodologia utilizada no processo ensino-aprendizagem
da leitura e escrita.
Segundo Maciel (1999), até a referida década a população brasileira era
predominantemente rural, vivendo em função de uma economia baseada no modelo
agrário exportador; o que justificava a pequena demanda do aprendizado de leitura e
escrita. A população considerada alfabetizada detinha apenas rudimentos de leitura
e escrita; para a maioria, a assinatura do nome era o que bastava. Segundo a
autora, em 1948, a UNESCO definia o alfabetismo “como a capacidade de ler e
escrever um texto em alguma língua” (p. 20). Na análise de Maciel (1999), isto
significa que ser alfabetizado, naquela época, se restringia às habilidades de
codificar e decodificar a leitura e a escrita.
Na visão de Moura (2007), as experiências desse período não surgem nem
provocam formulações teórico-metodológicas que possibilitem mudanças nas formas
de conceber e desenvolver a alfabetização e muito menos nas formas de conceber
os analfabetos e os alfabetizadores. As práticas de alfabetização de adultos
constituíam-se numa reprodução das práticas desenvolvidas com as crianças.
Maciel (1999), porém, considera que ainda na década de 1950 a concepção
de alfabetização proposta pela UNESCO começa a se ampliar: “o alfabetizado é
uma pessoa capaz de ler e escrever, com compreensão, uma breve e simples
exposição de fatos relativos à vida cotidiana” (p. 20). Segundo a autora, esta
concepção ultrapassa a ideia de codificar e decodificar. A expectativa passa a ser de
que, em seu cotidiano, o alfabetizando compreenda o que lê e escreve.
Conforme os estudos de Moura (2007), esta ampliação se inicia no período a
partir do final dos anos 1950 até meados de 1960, quando se vive no país uma
verdadeira efervescência no campo da educação de adultos e da alfabetização,
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 71
principalmente por parte da sociedade civil. Segundo a autora, Paulo Freire
introduzia no cenário brasileiro reflexões e propostas para a educação de adultos
que estimulavam a colaboração, a decisão, a participação e a responsabilidade
social e política, a partir da seguinte concepção de alfabetização, apresentada
anteriormente na introdução deste estudo: “a alfabetização é a criação ou a
montagem da expressão escrita da expressão oral. Esta montagem não pode ser
feita pelo educador para ou sobre o alfabetizando. tem ele um momento de sua
tarefa criadora” (FREIRE, 2001, p. 19).
Paralelamente à concepção de Freire (2001), nos anos de 1960, segundo
Maciel (1999), a UNESCO propõe a seguinte concepção de alfabetização:
Longe de se constituir um fim em si mesma, a alfabetização deve ser
concebida com a finalidade de preparar o homem para desempenhar um
papel social, vico e econômico que transcenda os limites de uma
alfabetização rudimentar reduzida ao ensino da leitura e da escrita. (p.20)
E, em 1975, segundo a referida autora, a UNESCO propõe outra concepção
de alfabetização “[...] o é só um processo que leva ao aprendizado das
habilidades de leitura, escrita e aritmética, mas sim uma contribuição para liberação
do homem e para seu pleno desenvolvimento” (p. 20).
Neste sentido, Maciel (1999) considera que nos anos de 1960 e 1970, as
concepções de alfabetização propostas pela UNESCO avançam no sentido de
abranger, além de leitura, escrita e interpretação, a preparação do homem para
desempenhar seus papéis social, cívico e econômico e, assim, contribuir para sua
liberação e seu pleno desenvolvimento.
Na perspectiva de Moura (2007), esse “avanço” na forma de conceber a
alfabetização, exemplificada através dos conceitos definidos pela UNESCO e,
mundialmente adotados nas décadas de 1960 e 1970, passa a ser desenvolvido
como estratégia de despolitização, de suavização das tensões sociais e como
instrumento fundamental de preparação de mão-de-obra para colaborar com os
mecanismos de desenvolvimento econômico, principalmente durante a época mais
forte da ditadura militar brasileira – 1964 ao final dos anos 1970.
A alfabetização um processo global e integrado, de formação técnica e
profissional do adulto em sua forma inicial – feito em função da vida e das
necessidades do trabalho; um processo educativo diversificado, que tem por
objetivo converter os alfabetizados em elementos conscientes, ativos e
eficazes na produção e no desenvolvimento em geral (p. 13).
Neste sentido, a referida autora afirma que esta concepção de alfabetização
de adultos defendida pela UNESCO nas décadas de 1960 e 1970, fundamenta-se
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 72
em uma concepção filosófica positivista de caráter pragmático características dos
modelos econômicos liberal e neoliberal; em uma concepção psicológica empirista-
associacionista que considera o adulto analfabeto como um ser inferior do ponto de
vista das capacidades superiores de inteligência; e uma visão antropológica de um
indivíduo pobre culturalmente, devendo ser “instruído” para adquirir conhecimentos
instrumentais e utilizá-los a serviço do mercado.
Do início dos anos 1960 até o início dos anos 1980, Moura (2007) considera
que é possível identificar na história da alfabetização de adultos um confronto de
ideias entre as duas formulações predominantes: a de Freire (2001), considerada
como a única concepção organicamente voltada para a alfabetização de adultos, e a
forma tradicional pragmática de conceber a alfabetização: um processo de aquisição
de uma técnica de decodificação oral (para escrever) e decodificação escrita (para
ler).
Para a autora, a efervescência política do início dos anos 1980 trouxe
significativas contribuições e conquistas para a área da educação e,
consequentemente, para a alfabetização de adultos. Moura (2007) afirma que a
partir da década de 1980, pesquisadores e educadores, ao avaliarem as propostas e
práticas em desenvolvimento, anunciam a inclusão de novos referenciais.
Segundo Maciel (1999), a partir dos anos de 1980, o grande desafio da
alfabetização não está mais nas mudanças de técnicas e métodos. “Como
alfabetizar?” e “qual método utilizar?” não são mais os principais questionamentos.
Surge uma nova perspectiva na concepção de alfabetização.
Conforme a autora, ao mesmo tempo em que a concepção de alfabetização
proposta pela UNESCO, na década de 1980, se torna mais abrangente: “a
aprendizagem da leitura e escrita deve se vincular o máximo possível a realidades
concretas seja de ordem cotidiana, técnica, econômica, política ou cultural dos
alfabetizandos” (p. 20); o processo de aprendizagem da leitura e da escrita passa a
ser objeto de pesquisa de várias estudiosos, como Ferreiro (2001).
Segundo Moura (2007), as formulações e indicações da Psicogênese da
Língua Escrita propostas por Ferreiro contribuem para essa mudança de enfoque à
medida que concebem a alfabetização como um processo de apropriação de um
sistema de representação da realidade: a linguagem escrita, cuja função primordial e
original é – no caso das escritas alfabéticas – representar as diferenças entre
significados.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 73
O referencial teórico produzido por Ferreiro (2001) proporciona o
entendimento de que a alfabetização consiste num processo pedagógico e
epistemológico que deve possibilitar ao sujeito a apropriação do sistema de
representação da linguagem escrita e a sua conseqüente reconstrução e utilização
para si com o objeto possibilitador da apropriação de novos conhecimentos e de
intervenção em diferentes situações sociais.
Neste sentido, a partir das pesquisas de Ferreiro (2001), a escrita passa a ser
concebida como representação da linguagem e não mais como um código de
transcrição gráfica de unidades sonoras.
A distinção que estabelecemos entre sistema de codificação e sistema de
representação não é apenas terminológica. Suas conseqüências para a
ação alfabetizadora marcam uma nítida linha divisória. Ao concebermos a
escrita como um código de transcrição que converte as unidades sonoras
em unidades gráficas, coloca-se em primeiro plano a discriminação
perceptiva nas modalidades […] visual e auditiva. Os programas de
preparação para a leitura e a escrita que derivam desta concepção centram-
se, assim, na exercitação da discriminação, sem se questionar jamais sobre
a natureza das unidades utilizadas […] Mas se se concebe a aprendizagem
da língua escrita como a compreensão do modo de construção de um
sistema de representação, o problema se coloca em termos completamente
diferentes. Embora se saiba falar adequadamente, e se façam todas as
discriminações perceptivas […], isso não resolve o problema central:
compreender a natureza desse sistema de representação (2001, p.15).
Neste sentido, de acordo com Silva e Andrade (2007), os estudos sobre a
psicogênese da escrita contribuíram para elucidar o fato de que os adultos não-
alfabetizados, tanto quanto as crianças, através de um complexo processo mental
de construção, percorrem um longo caminho até atingirem o nível alfabético de
escrita, percurso esse que inclui conflitos e uma constante formulação e
reformulação de hipóteses acerca dos princípios que regem o nosso sistema de
escrita.
Desse modo, na visão dos referidos autores, promover um ensino baseado
nos conhecimentos prévios dos educandos é, sem dúvida, uma tarefa cuja
importância é inquestionável. No caso da Educação de Jovens e Adultos, esse
aspecto deve considerar no mundo letrado (trabalho e organizações sociais
diversas), situação esta que parece justificar o imediatismo apresentado pelo jovem
ou adulto em aprender a assinar seu nome, escrever nomes de parentes, ler nomes
de linhas de ônibus, cartas, entre outros.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 74
Segundo Maciel (1999), ao associar a concepção de alfabetização aos usos
sociais que o alfabetizado fará em seu cotidiano significa que não se pode mais falar
em alfabetização sem falar em letramento.
Sobre a definição de letramento, Soares (2002), em seu artigo Novas práticas
de leitura e escrita: letramento na cibercultura, explica que tal definição ainda é
marcada pela imprecisão na literatura educacional brasileira, o que é compreensível
se considerarmos que o termo foi introduzido nas áreas das letras e da educação a
partir dos anos de 1980. A autora ressalta que não há, entretanto, uma diversidade
de conceitos, mas de ênfases na caracterização do fenômeno. A seguir ela
apresenta pelo menos dois conceitos.
Letramento, segundo Soares (2002), se refere a alfabetismo, que é o estado
ou condição de quem não é analfabeto. Ela explica que a própria formação da
palavra letramento contém a idéia de estado devido à presença do sufixo mento,
que forma substantivos de verbos, acrescentando a estes o sentido de “estado
resultante de uma ação”. Assim, de um verbo letrar, forma-se a palavra letramento:
estado resultante da ação de letrar, a qual desenvolve o uso de práticas sociais de
leitura e de escrita para além de apenas ensinar a ler e escrever.
Ainda na percepção da autora letramento é o estado ou a condição de quem
exerce as práticas sociais de leitura e escrita, de quem participa de eventos em que
a escrita é parte integrante da interação entre pessoas e do processo de
interpretação dessa interação. Segundo a autora tal definição tem como pressuposto
o fato de que indivíduos ou grupos sociais que dominam o uso da leitura e da escrita
e, portanto, têm as habilidades e atitudes necessárias para uma participação ativa e
competente em situações em que práticas de leitura e/ou de escrita têm uma função
essencial, mantêm com os outros e com o mundo que os cerca formas de interação,
atitudes, competências discursivas e cognitivas que lhes conferem um determinado
e diferenciado estado ou condição de inserção em uma sociedade letrada.
Neste sentido, Moura (2007) considera que as abordagens sobre a questão
do letramento, levando em conta os conceitos propostos por Soares (2002), a
heterogeneidade das sociedades e das atividades que os sujeitos desenvolvem,
impossibilitam a formulação de um conceito único de letramento que abranja toda a
estrutura social.
Apesar disso, a autora considera que a introdução do conceito de letramento,
na Educação de Jovens e Adultos, possibilitou uma outra dimensão teórico-
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 75
metodológica para a área a partir do final dos anos 1990. Para a referida autora está
evidente nas discussões apresentadas pelo Relatório-Síntese do II Encontro
Nacional de Jovens e Adultos, realizado no ano 2000, em Campina Grande, na
Paraíba, que a preocupação com a qualificação da EJA não se restringia apenas a
de ampliação do conceito de alfabetização, como as pesquisas demonstravam.
Era necessário incluir a perspectiva de alfabetismo ou letramento considerado em
duas dimensões: individual, compreendendo os aspectos relativos ao processo de
apropriação de base alfabética da língua escrita; e sociocultural, referindo-se às
possibilidades e variedades de uso da leitura e da escrita.
Segundo Maciel (1999), trabalhar a concepção de alfabetização em seu
sentido mais amplo, incluindo o conceito de letramento, significa que os professores
precisam modificar sua postura perante os alunos. É necessário que criem situações
de aprendizagem que tenham como recurso objetos de leitura de uso cotidiano:
jornais, panfletos, manuais de instrução, questionários, entre outros.
Portanto, concordo com a referida autora quando considera que a seguinte
concepção de alfabetização não pode ser invalidada, pois corresponde a exigência
dos tempos atuais:
Não basta ser alfabetizado ou ter adquirido o código escrito e as habilidades
de leitura. É preciso estar alfabetizado, isto é, saber fazer usos sociais dos
diferentes tipos de material escrito, compreendê-los, interpretá-los e extrair
deles informações. É preciso ser e estar alfabetizado (p. 23).
No próximo capítulo, apresentarei a caracterização das três professoras que
atuaram em turmas de etapa na Escola Municipal “São Judas Tadeu”, bem como
suas concepções de alfabetização e os desafios enfrentados por elas para
alfabetizarem jovens e adultos.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 76
CAPÍTULO 3
AS PROFESSORAS
E SEUS SABERES SOBRE ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
O que se deve entender por “saber” quando essa noção é empregada em
expressões como o “saber dos professores” ou o “saber docente”? Esta questão
proposta por Tardif (2007), que tem como foco os saberes experiências, diz respeito
a uma realidade muito complexa e evidencia uma noção central da cultura intelectual
da modernidade. O mínimo que se pode dizer, conforme o autor, é que essa noção
de saber não é clara, ainda que quase todo mundo a utilize indiscriminadamente. O
que entendemos exatamente por “saber”? Os profissionais do ensino desenvolvem
e/ou produzem realmente “saberes” oriundos de sua prática? Se a resposta é
positiva, por que, quando, como, de que forma? Tardif (2007) propõe estas
questões, mas afirma não ter respostas prontas para elas. Apesar disto, considera
que elas merecem ser feitas.
Diante dessa imprecisão e dessa equivocidade que caracterizam a noção de
“saber”, o autor reconhece que não sabemos quase nada a respeito da construção
dos saberes docentes do ponto de vista dos próprios professores. Seguindo essa
compreensão, ele propõe algumas ferramentas conceituais e metodológicas a fim de
precisar e restringir o uso e o sentido da noção de saber no âmbito da pesquisa
sobre o “saber docente”. Neste sentido, Tardif (2007) associa o saber a exigências
de racionalidade: ao ressaltar a dimensão “argumentativa” e social do saber dos
professores, propõe que se considere esse saber como a expressão de uma razão
prática, a qual pertence muito mais ao campo da argumentação e do julgamento do
que ao campo da cognição e da informação.
Na visão de Tardif (2007), o saber docente é um saber que se desenvolve no
espaço do outro e para o outro. Segundo essa concepção, pode-se chamar de saber
a atividade discursiva que consiste em tentar validar, por meio de argumentos e de
operações discursivas (lógicas, retóricas, dialéticas, empíricas) e lingüísticas, uma
proposição ou uma ação. Para este autor, a argumentação é, portanto, o “lugar” do
saber. Saber alguma coisa é não somente emitir um juízo verdadeiro a respeito de
algo (um fato ou uma ação), mas também ser capaz de determinar por que razões
esse juízo é verdadeiro. Essa capacidade de argumentar em favor de alguma coisa
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 77
remete à dimensão intersubjetiva do saber. Essa dimensão compreende que o saber
não se reduz a uma representação subjetiva nem a asserções teóricas de base
empírica, ele implica sempre o outro, isto é, uma dimensão social fundamental, na
medida em que o saber é justamente uma construção coletiva, de natureza
lingüística, oriunda de discussões, de trocas discursivas entre seres sociais.
Com base na abordagem “argumentativa” ou discursiva do saber, defendida
por Tardif (2007), o presente capítulo tem como objetivo apresentar a construção
dos saberes sobre alfabetização de jovens e adultos pelas três professoras da
Escola Municipal “São Judas Tadeu”.
Para tanto, este capítulo está dividido em duas partes.
A primeira parte trata especificamente das “Histórias de alfabetização e
leitura” das professoras a fim de mostrar como elas aprenderam a ler e escrever e
quais as suas práticas de leitura.
E a segunda parte, denominada “Saberes docentes sobre alfabetização”,
aborda as seguintes questões: a formação das professoras para atuar na EJA; as
concepções de alfabetização que permeiam os saberes dessas professoras; e os
desafios enfrentados por elas para alfabetizar jovens e adultos.
3.1. HISTÓRIAS DE ALFABETIZAÇÃO E PRÁTICAS DE LEITURA
Segundo Brasileiro (2007), a história da leitura está intimamente relacionada
às possibilidades de ler, que foram intensificadas com as atividades escolares. Sua
circulação possibilitou a aceitação da leitura como um bem cultural, constituindo-se
durante todo o percurso histórico desenvolvido pelas sociedades, e, de forma mais
evidente, na atual sociedade capitalista, pois a leitura é fator de libertação e
ascensão social.
Dessa forma, conforme a referida autora, ler não significa apenas decodificar
aquilo que está escrito. A leitura é um processo que envolve muitas práticas e
experiências para que haja a sua realização. Ela ultrapassa a visão tradicionalista de
“boas leituras”, que considera apenas os livros e os clássicos literários como leituras
permitidas.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 78
Assim, Brasileiro (2007), considera que a leitura é constituída, historicamente,
a partir da inserção de cada sujeito no mundo letrado, que possui suas
especificidades culturais, possibilitando diversas formas de apropriação desse bem
social (a leitura), a partir de práticas vivenciadas no cotidiano.
Nessa perspectiva, segundo Rosa (2007), o que importa não é tanto o que
vivemos e sim o que recordamos desse processo de inserção no mundo letrado e
como conseguimos relatar aquilo que compõe a nossa memória porque, ao contar
histórias sobre si mesmas, as pessoas não apenas resgatam fatos ocorridos, mas
também delineiam uma auto-imagem, situam-na em continuidade com o mundo
cultural ao qual pertencem e, desse modo, constroem formas de compreender a vida
a partir de uma dimensão temporal e circunstancial.
De acordo com a referida autora, as histórias de alfabetização e práticas de
leitura passam a pertencer ao fluxo de conhecimentos do qual a pessoa se tornou
parte e modelam formas de pensamento que ajudam a conferir sentido tanto às
experiências passadas quanto às presentes. Para quem relata e compartilha
histórias pessoais, essa é uma oportunidade para elaborar conhecimento sobre si
mesmo e pode se tornar um recurso para rever conceitos e preconceitos que foram
apropriados ao longo da vida. Quando se trata especificamente de professores, as
histórias de alfabetização e leitura contribuem para o estabelecimento de relações
entre a história de vida docente e disposições para o ensino e prática profissional.
3.1.1. Como as professoras aprenderam a ler e escrever?
Neste tópico, serão abordadas duas questões principais: como as três
professoras da Escola Municipal “São Judas Tadeu” aprenderam a ler e escrever e
como avaliam esse processo de aprendizagem.
A Profª. Maria aprendeu a ler e escrever em casa com seu pai, antes de
entrar na 1ª série. O recurso usado foi:
[...] uma cartilha que tinha o abecedê todinho. [...] Foi que eu aprendi,
mas pra mim aprender eu rasguei umas cinco daquelas. Tanto apagar. Meu
pai marcava com “x”. apagava até rasgar. ele comprava outra. Eu
precisei de umas cinco pra mim aprender. Mas aprendi naquela cartilha.
Antes de entrar na 1ª série, a Profª. Socorro também:
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 79
[...] já sabia ler e escrever porque a minha irmã mais velha é professora. [...]
ela se formou em 1975, [...] pelo IEEP. [...], ela me ajudava muito e eu muito
curiosa fui tentando fazer sozinha. Então, quando eu entrei na primeira série
eu sabia escrever meu nome, eu sabia ler palavras soltas, eu sabia
escrever, né, então com sete anos completos eu já sabia fazer tudo isso...
A Profª. Beija-flor também aprendeu a ler e escrever em casa a partir dos
cinco anos de idade, mas explica porque só entrou para a escola aos nove anos.
[...] Eu sempre tive muita vontade de aprender ler e escrever [...] O meu pai
não queria me colocar pra estudar. Ele tinha medo que eu pegasse uma
tuberculose. Eu era muito magrinha. Vivia sempre gripada. [...] Até que um
dia meu irmão [...] me deu um dinheiro. eu disse: Hoje eu vou comprar
uma cartilha”. [...] E a minha irmã me ensinava: A, B, C, D”. [...] eu fui
desenvolvendo a minha alfabetização. Depois comprei uma tabuada.
Quando o meu irmão chegava do quartel ele dizia assim: “Bora, vai buscar a
tua tabuada. [...] É, na cartilha tu estás boa, falta a tabuada”. meu
irmão casou. Eu já estava com nove anos. a minha cunhada ficou
admirada de eu não estudar: “Ela tem que estudar. Olhe, vamos ver se tem
vaga [...] pra fazer a matrícula dela. [...]”. ela falou pra minha irmã. A
minha irmã foi e conseguiu me matricular.
Considero que há três aspectos em comum nos relatos das professoras sobre
o processo de aprendizagem da leitura e escrita. 1) o lócus de aprendizagem: todas
iniciaram tal processo em casa antes de entrar para a escola na 1ª série. 2) o
mediador da aprendizagem: todas aprenderam a ler e escrever com a ajuda de
algum membro de sua própria família: o pai, no caso de Maria; a irmã, no caso de
Socorro e dois irmãos, no caso de Beija-flor. 3) o instrumento ou recurso de
aprendizagem. Todas aprenderam a ler e escrever por meio da cartilha.
A partir da identificação destes três pontos convergentes nas histórias de
alfabetização das professoras, é possível fazer algumas considerações com base
nos estudos de Ferreiro (2001).
A referida autora afirma que a leitura e a escrita tem sido tradicionalmente
relacionadas às seguintes ideias: são consideradas como objeto de uma instrução
sistemática, algo que deva ser “ensinado” e cuja “aprendizagem” suporia o exercício
de uma série de habilidades específicas. As pesquisas de Ferreiro (2001) sobre os
processos de compreensão da linguagem escrita contribuíram para que psicólogos e
educadores abandonassem estas ideias e começassem a compreender que as
atividades de interpretação e de produção de escrita começam antes da
escolarização, como parte da atividade própria da idade pré-escolar; e que a
aprendizagem se insere, embora não se separe dele, em um sistema de concepções
previamente elaboradas, e não pode ser reduzido a um conjunto de técnicas
perceptivo-motoras.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 80
Neste sentido, a autora afirma que a escrita não é um produto escolar, mas
sim um objeto cultural, resultado do esforço coletivo da humanidade. Como objeto
cultural, a escrita cumpre diversas funções sociais e tem meios concretos de
existência (especialmente nas concentrações urbanas). Depois de uma série de
pesquisas realizadas, Ferreiro (2001) chegou à conclusão de que existe um
processo de aquisição da linguagem escrita que precede e excede os limites
escolares. Precede-os na origem; e os excede em natureza, ao diferir de maneira
notável do que tem sido considerado até agora como o caminho “normal” da
aprendizagem (e, portanto, do ensino).
Segundo a autora, para os educadores que ainda estão acostumados a
considerar a aprendizagem da leitura e escrita como um processo exclusivamente
escolar torna-se difícil reconhecer que o desenvolvimento da leitura e escrita
começa muito antes da escolarização. A ideia subjacente ao modo de raciocinar
desses educadores é a seguinte: “é necessário controlar o processo de
aprendizagem, pois, caso contrário, algo de mau vai ocorrer”. Segundo essa ideia,
ainda muito difundida, a instituição social criada para controlar o processo de
aprendizagem é a escola. Logo, tal processo deve realizar-se nela.
Mas, assim como ocorreu nas histórias de alfabetização dos sujeitos desta
pesquisa, conforme demonstra os seus próprios relatos anteriormente apresentados,
a autora afirma que as crianças de todas as épocas e de todos os países nunca
esperaram completar a idade escolar e ter uma professora à sua frente para
começarem a aprender a ler e a escrever.
Segundo Ferreiro (2001), isto ocorre porque, desde que nascem, as crianças
são construtoras de conhecimento. No esforço de compreender o mundo que as
rodeia, levantam problemas muito difíceis e abstratos e tratam, por si próprias, de
descobrir respostas para eles.
Neste sentido, a autora suscita a seguinte questão: se a compreensão da
escrita começa a se desenvolver antes de ser ensinada, qual é o papel dos
professores no que se refere à aprendizagem? Ferreiro (2001) esclarece que não
subestima a importância da escola, mas ao contrário, acredita que ela pode cumprir
um papel importante e insubstituível: o de criar condições para que o alfabetizando
descubra por si mesmo as chaves secretas do sistema alfabético.
Sobre como as professoras avaliam o seu processo inicial de aprendizagem
da leitura e escrita, as professoras responderam o seguinte:
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 81
Foi prazerosa pra mim porque a criação que eu tive [...] era ali só: da Igreja
pra Escola, da Escola pra casa. Eu digo, dizia pro meu pai que eu não tive
infância na minha vida. Nunca tive infância porque eu não brincava com
ninguém. Eu era, ele não deixava, ele não tinha confiança de mandar a
gente brincar com alguém. era estudar: “Vai pra escola, vem te embora
pra casa”. Não vai pra casa de ninguém. [...] a nossa criação era uma
criação ríspida. Mas não me arrependo. Estou feliz da vida. Aprendi muita
coisa com meu pai. (Profª. Maria)
Eu considerei assim muito importante o que eu já levei, entendeu? [...] eu
achei que foi fácil pra mim, foi melhor pra mim já ir [para a escola] com uma
idéia de casa. Então, quando a gente, nós professores, quando a gente
pega um aluno na série, a gente sente uma certa dificuldade, né, porque
tem muito aluno que ele vem assim “cru”. A gente não pode dizer que um
aluno é uma folha de papel em branco porque não é... Então isso, eu sou
uma prova porque eu já levei muita coisa de casa [...]. (Profª. Socorro)
Ah, foi prazeroso! Eu tinha muita vontade. Eu achava bonito, sabe. Era a
minha irmã que arrumava pra mim essas coisas. Eu ficava pelo quintal,
riscava tudo lá. Escrevia o nome do sol, da lua, fazia aquele desenho, né?
[...]. (Profª. Beija-flor)
A partir dos depoimentos acima é possível afirmar que todas as professoras
tem lembranças positivas da época em que aprenderam a ler e escrever em casa
por meio do uso da cartilha, pois elas avaliam tal experiência por meio de frases
como: “Foi prazerosa pra mim [...]”, “[...] eu achei que foi fácil pra mim, foi melhor pra
mim [...]” e “Ah, foi prazeroso! [...]”. Essas frases que denotam lembranças positivas
podem ser justificadas devido à atenção individualizada que, certamente, elas
receberam de seus primeiros “professores”, que foram os seus próprios parentes, o
que deve ter contribuído para minimizar a artificialidade da cartilha, recurso
pedagógico mais utilizado até então por pais e escolas, hoje conhecido por propor
situações mecânicas de leitura.
Sobre esta questão, a Profª. Socorro comenta:
Hoje a gente comparando bem diferente porque a gente utiliza várias
formas de alfabetizar uma criança: com poema, com música, com
parlendas, aquilo que ela conhece. Mas [na minha época] não era. Era
aquilo: o abecedê... Às vezes o papel era de embrulho... E eu ia fazendo, eu
ia copiando e ia gostando, fazia e ia aprendendo a fazer as letras, tranqüilo.
[...] Mas assim em casa mesmo era aquela repetição, né. Ela [refere-se a
sua irmã] fazia, eu repetia, eu ia procurando fazer, eu ia procurando juntar
[as letras e as sílabas].
Neste sentido, considero que hoje, ao invés de utilizar a cartilha ou qualquer
outro recurso pedagógico que torne artificial a aprendizagem da leitura, é
imprescindível considerar as seguintes recomendações de Barros (1999):
É fundamental desde o início do processo de aprendizagem da leitura,
propor atividades que tenham a maior similaridade possível com as práticas
sociais de leitura.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 82
Deve-se proporcionar aos alfabetizandos oportunidade de interagir com
uma grande variedade de textos impressos e de escritos sociais.
Apresentar os textos no contexto em que eles efetivamente aparecem
favorece a coordenação necessária, em todo ato de leitura, entre a escrita e
o contexto (p. 62)
Após a apresentação das histórias de alfabetização das professoras, veremos
o que elas dizem sobre suas práticas de leitura.
3.1.2. O que dizem as professoras sobre suas práticas de leitura
No presente tópico, as professoras falam sobre as suas práticas de leitura a
partir de quatro questões centrais: o gosto pela leitura, as leituras preferidas,
contribuição das leituras para a prática profissional e material de leitura utilizado em
sala de aula. A análise destas questões será apresentada com base nos estudos de
duas autoras: Rosa (2007), que realizou pesquisas sobre relatos docentes de leitura
e alfabetização; e Brasileiro (2007), autora de um estudo de caso sobre o
professor/leitor.
As professoras gostam de ler? Sobre a primeira questão, a Profª. Maria foi
bem direta ao responder simplesmente: “Gosto”.
As Professoras Beija-flor e Socorro, por sua vez, responderam a pergunta
apresentando justificativas para o fato de que, atualmente, não lêem tanto quanto
gostariam:
[...] Eu lia muito. Eu lia lenda, eu lia verso. Eu sempre gostei muito de ler.
Ultimamente, eu comecei a parar mais a leitura foi por causa do óculos,
sabe. Eu gosto de ler deitada e isso me incomoda. E a gente começa a
suar. Isso me atrapalhou um bocado, o problema da vista. [...] às vezes
eu sinto essa dificuldade. Me uma agonia. Ah, meu Deus! Quando eu
não tinha óculos, eu lia tão bem! (Profª. Beija-flor)
Eu gosto de ler. Infelizmente, né, a gente o tem muitas condições de
estar lendo muito livro, mas eu sinto que até peco às vezes por falta de
leitura. Não que eu não goste, mas talvez o tempo porque a gente peca
nisso. A gente abre um livro aqui, não termina ali, vai terminar muito depois.
[...] mas desde pequena que eu gosto de ler [...] (Profª. Socorro)
Os depoimentos acima apresentam questões que podem ser analisados com
base nos estudos de Rosa (2007). Segundo esta autora, no contexto brasileiro,
professores de ries iniciais do ensino fundamental representam, muitas vezes, a
primeira geração com acesso a uma escolarização longa e participam de um
conjunto de práticas de leitura, durante suas trajetórias de vida, que se distanciam
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 83
daquelas referendadas pela instituição escolar porque são identificadas com valores
e práticas que caracterizam as camadas mais pobres da população, têm sua origem
no meio rural ou são próprios da cultura de massa. Por isso, é comum ouvir
professores, como Beija-flor e Socorro, dizerem que não têm hábitos de leitura, que
lêem menos do que deveriam ou que se consideram leitores precários.
No depoimento da Profª. Socorro, especificamente, também é possível
perceber uma clara diferença no que se refere ao que pode ser considerado material
de leitura. Em sua fala, ela demonstra restringir o hábito de ler apenas à leitura de
livros. Como se o livro em si fosse o único material de leitura que existisse. Segundo
os estudos de Brasileiro (2007), isto se deve ao fato de que ainda perpassa a ideia
entre professores de que apenas o livro pode ser considerado leitura, não
legitimando as leituras de outros materiais que não estão vinculados à prática
escolar.
Quais são as leituras preferidas das professoras? Sobre a segunda questão,
a Profª. Maria respondeu:
Olha, de primeira eu não me concentrava em ler jornal. Agora não. Eu leio
jornal. Eu gosto de ler [...] coisas de casa, anúncios! Classificados. Eu gosto
muito de ler classificados. É aonde estão pedindo pra empregos, né? Eu
gosto de ler essa parte também. Eu já me ligo muito em jornal. Eu gosto de
ler revistas [...] revistas boas, não é aquelas revistas que tem assuntos que
não interessa pra gente. [...]
A Profª. Socorro, por sua vez, afirma:
Eu gosto de ler revistas, essa parte, dou uma lida assim nas revistas de
novelas (muito rapidamente), gosto de ler jornal. E como eu estou fazendo
especialização, eu tenho que ler alguns livros sobre gestão, que hoje eu
estou lendo. [...] gosto de Paulo Freire. Leio sempre que posso. Depois que
eu entrei no EJA, então! Como ele tem um trabalho todo em cima do
trabalhador, eu passei mais a apreciar. Leio alguns trechos de alguns livros
dele. [...]
Em seu depoimento, a Profª. Beija-flor diz o seguinte:
[...] além de coisas que falam do amor, [...], eu gosto [...] de ler poesia, tanto
de ler como de escrever, sabe. Essas coisas que eu gosto. Aí teve uma fase
assim que eu li muito, li muito faroeste, li muita espionagem. Esses
suspenses, eles mexem comigo, sabe. Eu gosto disso. E agora, depois de
uma certa instrução, a gente começa a ter uma nova visão, e eu começo
a gostar muito de ler coisas de autores que falam mesmo sobre a sexologia,
gosto de ler alguma coisa sobre Freud [...]. Quando eu comecei a estudar
eu tive conhecimento do Piaget, que ele é pedagogo. A gente sempre vê em
Psicologia. Eu gosto, essas coisas assim que se relacionam com a
Humanidade, eu gosto.
Nos depoimentos acima, é possível apresentar duas considerações acerca
das leituras preferidas das professoras. A primeira consideração se refere às
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 84
semelhanças e diferenças entre essas preferências. As professoras Maria e Socorro
demonstram ter algo em comum: o gosto pela leitura de revistas e jornais. Mas com
uma pequena, mas importante ressalva: Maria diz gostar apenas de “revistas boas”
e não daquelas “que tem assuntos que não interessa pra gente”. Se estiver se
referindo às revistas de entretenimento, Maria se distancia de Socorro, que admite
ler, mesmo que “muito rapidamente”, revistas que tratam de notícias sobre novelas
de televisão. Neste ponto, Socorro se aproxima de Beija-flor, que coloca as leituras
de lazer entre suas preferidas: poesia e romances de faroeste, espionagem e
suspense.
De acordo com Rosa (2007), as leituras de lazer e aquelas que atendem a
necessidades subjetivas continuam a existir na vida dos professores. Mas, como não
correspondem ao cânone introduzido pela escola, acabam, muitas vezes, omitidas
nos relatos docentes, o sendo reconhecidas positivamente, nem em termos do
que era lido nem das formas que adquiriam.
Brasileiro (2007) explica que isto se deve ao fato de que ao longo da história
da humanidade, muitas práticas de leitura foram realizadas, algumas de forma
permitida e outras não. Assim, surgiram as leituras clandestinas, originadas da
maneira particular de ler de cada sujeito, sendo estas consideradas não-escolares.
Segundo a referida autora, também é possível defini-las como leituras o-
autorizadas porque fogem as normas impostas hierarquicamente pela escola e pelas
concepções literárias (livros de bolso, almanaques, revistas femininas, literatura de
cordel, romances “açucarados”, best-sellers).
Neste sentido, de acordo com a referida autora, leituras autorizadas seriam
aquelas que circulam livremente sendo permitidas pela escola ou outro grupo que
possui o poder sobre essas práticas, como a Igreja Católica o foi durante séculos.
Enquanto a leitura dos clássicos era considerada legítima, as leituras populares
eram consideradas clandestinas, inadequadas e vazias.
Nesse contexto, Brasileiro (2007) afirma que o professor, durante todo o seu
processo de formação, vem se deparando com práticas de leitura autorizadas e
clandestinas. A escola desconsidera toda experiência adquirida pelos sujeitos
durante sua vida, dificultando assim que os professores se autorizem enquanto
leitores e reorganizem suas ideias acerca da leitura.
A segunda consideração a ser apresentada a partir do depoimento das
professoras em relação às suas leituras preferidas, se refere ao fato de que Socorro
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 85
e Beija-flor apresentam outro ponto em comum, além da preferência por leituras de
lazer: a necessidade de realizar leituras que a profissão de professor exige, as
leituras profissionais. Socorro cita basicamente dois tipos de leituras profissionais: os
livros sobre gestão, que atualmente devido ao seu curso de Especialização em
Gestão Escolar e trechos de livros de Paulo Freire por causa do trabalho
desenvolvido na EJA. Beija-flor, por sua vez, fala sobre a leitura de autores que
abordam assuntos relacionados à Psicologia: Freud e Piaget, certamente devido ao
fato de estar cursando Especialização em Psicopedagogia. A Profª. Maria,
provavelmente, devido ao fato de ter parado seus estudos 21 anos, quando se
formou em Magistério no Ensino Médio, não citou nenhuma leitura profissional.
Sobre a questão das leituras profissionais, é possível estabelecer algumas
considerações com base nos estudos de Rosa (2007). A autora afirma que, em seus
estudos, aparecem relatos docentes sobre situações de leitura que começam na
vida adulta e que estão associadas a opções políticas, religiosas ou profissionais,
diversificando os materiais de leitura a que os professores têm acesso e também as
razões que levam à busca de textos escritos. Essa ocorrência evidencia que a
formação desses leitores é contínua e vai se renovando com o tempo, inclusive com
as escolhas do próprio leitor.
Neste sentido, Rosa (2007) considera que, ao contarem suas histórias de
leitura, os professores evidenciam o papel mediador das relações sociais na vida
adulta no delineamento de novas identidades e de novas formas de inserção em
práticas de leitura. Confrontando histórias da infância e juventude com as
lembranças mais recentes, eles descreveram mudanças em seus modos de ler,
principalmente devido a sua identidade de professor. Para eles, ler na vida adulta
passou a ser progressivamente um ato voltado prioritariamente para a busca de
informação e para as finalidades de estudo, construindo, assim, uma identificação
com o modelo escolar de leitura, posteriormente reforçado na função docente.
Segundo Brasileiro (2007), estando o professor inserido no conflito entre o
que deve ser considerado “modelo escolar de leitura” ou “leitura autorizada”, cabe a
ele realizar leituras profissionais, que se mostra como uma outra maneira de
considerar as leituras praticadas. Para a autora, as leituras profissionais seriam uma
das formas de atualização e acompanhamento da produção teórica relativa à área
em que os professores trabalham, seria todo material que possa auxiliá-lo na sua
prática pedagógica.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 86
De acordo com Rosa (2007), na vida adulta, o exercício profissional destaca-
se pelas oportunidades que inaugura tanto em termos do acesso a novos textos
quanto das expectativas e repercussões que a leitura passa a ter na vida como um
todo. Quando as professoras se referem ao exercício do magistério, a leitura ganha
relevo como uma característica central da identidade profissional, mesmo quando
eles não conseguem corresponder ao modelo idealizado de leitor.
As leituras preferidas das professoras contribuíram para o desenvolvimento
de sua prática pedagógica? Sobre esta questão, as professoras Maria e Socorro
responderam o seguinte:
Quando eu pego um livro assim ou revista (que eu pego aquela revista,
revista educativa, não aquela revista), [...] eu leio assim um pedaço, que
tem uma leitura boa, eu prego num pedaço de papel e trago aqui pra sala
pra mim ler com eles, contar aquela história que está no papel.[...] Coisas
interessantes que eu leio na história eu trago pra sala de aula. Eu falo
com os alunos. Leio pra eles, eu conto a história que eu li. Eu conto pra
eles. Pra eles não darem uma cabeçada mais tarde, né? (Profª. Maria)
[...] Na EJA eu acho que eu nem posso fugir. Sempre trago pra sala de aula
alguns textos informativos. Trago jornal, trago revista... até quando eu estou
dando aula, eles perguntam: “Professora, a Sra. viu aquela reportagem?
Que coisa legal e tal!” [...] Então, o tempo que eles tem, eles [...] traz[em]
pra sala de aula uma notícia de jornal, uma notícia de revista... Então, a
gente está sempre fazendo esse trabalho... (Profª. Socorro)
A Prof.ª Beija-flor, por sua vez, afirma o seguinte:
[...] quando eu li os [romances de] faroestes [e espionagem] a minha irmã
ela ralhava comigo: [...] “Isso não presta pra nada, menina. Por que tu ficas
lendo isso? Tem tanta leitura boa”. Eu dizia: “Por que será que ela fala que
não presta pra nada? Olha, a Brigite é uma espiã e é rapidinho que ela se
arruma pra sair. Ela pensa rápido nas coisas que ela vai fazer”. E isso
ajudou muito o meu cérebro [...]. Eu acho que eu fiquei mais veloz. De
repente eu pegava uma coisa e olhava e eu me lembrava da Brigite:
“Égua, vou já pensar em cima disso igual como a Brigite faz”. E isso me
ajudou [...].
A partir do depoimento das professoras é possível estabelecer três
considerações. A primeira se refere ao fato de que as professoras Maria e Socorro
consideram que, ao levar suas leituras preferidas para a sala de aula, podem
contribuir para a formação de novos leitores, sejam enfocando os aspectos morais,
como faz a Profª. Maria, ou abordando os aspectos informativos, como a Profª.
Socorro.
Sobre esta questão, Rosa (2007) afirma que, mesmo que não se consideram
leitores plenos, os professores convivem, ao mesmo tempo, com a expectativa de
serem formadores de novas gerações de leitores, e com o sentimento de
inadequação para o desempenho dessa função.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 87
A segunda consideração se refere à concepções de leitura expressas pelas
professoras Maria e Beija-flor. Em seu depoimento, a Profª. Maria afirma que
existem leituras “boas”, como, por exemplo, as revistas educativas que leva para a
sala de aula. Então, subentende-se a partir de sua fala que existem outras leituras
que “não seriam boas”.
A seguir, a Profª. Beija-flor expressa seu pensamento em relação a esta
questão:
[...] eu penso assim: toda leitura ela tem um lado muito bom, que você tem
que saber aproveitar. Aqueles reflexos da Brigite Monfort [romance de
espionagem] me ajudou muito. Eu fiquei com o cérebro mais veloz. Eu
observei muito isso em mim, sabe.
A partir do depoimento acima, Beija-flor, que prefere ler as chamadas leituras
de lazer, demonstra considerar que todos os tipos de material de leitura podem ser
aproveitados de maneira positiva pelo leitor, não existindo, portanto, leituras “boas” e
outras que “não são boas”.
Neste sentido, Rosa (2007) considera que as práticas de leituras de lazer e
aquelas que atendem a necessidades subjetivas possuem algumas qualidades
como, por exemplo, o fato de que estas práticas se originam de escolhas voluntárias
dos leitores, que envolvem a participação em uma rede de trocas com outras
pessoas que compartilham gostos similares; e, ainda, são atividades prazerosas,
despretensiosas e lúdicas, embora também possam ser “educativas”.
Por fim, a terceira consideração refere-se à Profª. Beija-flor, especificamente.
Em seu relato, ela demonstra acreditar que as suas leituras preferidas na infância
contribuíram tão somente para a construção de sua própria história de vida, ao
deixá-la com o raciocínio mais ágil. Uma possível contribuição para a sua própria
prática pedagógica foi silenciada.
Em relação a esta questão, Rosa (2007) afirma que práticas de leitura que
se distanciam do modelo escolar, o que faz com que a entrada na escola constitua
uma ruptura com formas familiares e comunitárias de ler. O distanciamento entre as
práticas de leitura escolares e não-escolares acaba persistindo ao longo da vida dos
professores, haja vista que esta questão geralmente não se torna objeto de reflexão
durante o seu processo de formação nem ao longo de seu exercício profissional.
Assim, o que aprenderam com a leitura em casa e na comunidade acaba não sendo
aproveitado de forma sistemática e consciente na organização de suas práticas de
ensino da leitura.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 88
Que material de leitura as professoras utilizavam em suas aulas na etapa
da EJA? Vejamos o que dizem as professoras acerca desta questão:
Eu pegava livros de e de [séries], vários livros pra formar, pra fazer o
[planejamento] [...] essas coleções já nem existem mais. [...] foram doadas
pra comunidade. [...] Depois que veio aqueles livros do EJA, que tinha [...] o
“Curupira” [refere-se ao nome da coleção]. Tinha outros, aqueles que era
até de arame. Aí depois que veio já esses livros (Profª. Maria)
[...] sempre nós temos ajuda do livro didático. Sempre a gente tem essa
ajuda do livro, embora pras turmas [de etapa] mesmo parece que só uma
vez que apareceu um livrinho. Apareceram uns “curupiras” [refere-se ao
nome da coleção] por e aquele “livro da mão” [refere-se à figura que
aparece na capa do livro didático]. Aquele livro ele é ótimo pra alfabetizar!
Não sei como é o nome daquele livro. Porque os textos são pequenos. Ele
fala de comunidade, ele fala de família [...] (Profª. Beija-flor).
No primeiro ano [de trabalho com a EJA] eu ainda trabalhei com um livro
que eu encontrei aqui na sala de aula. Não que eu me prendesse a ele,
porque eu dei pra eles [os alunos] mais pra pesquisa. Era um livro até bom
que trabalha a realidade, que trabalha as profissões, então é em cima disso.
Mas a maioria eram livros que eu tenho, que eu seleciono... eu não uso
um. Eu sempre vou selecionando um trabalho de uns e de outros pra
trabalhar... sempre, sempre, na teoria do construtivismo... (Profª. Socorro)
Em seus depoimentos, as professoras são unânimes em afirmar que
privilegiavam o uso de livros didáticos como materiais de leitura em suas aulas para
as turmas de 1ª etapa, seja aproveitando a própria coleção enviada pela SEMED, no
caso, a Coleção Curupira, ou selecionando outros livros de seu próprio acervo
pessoal ou do acervo da escola.
No que se refere ao uso recorrente do livro didático, Brasileiro (2007), após a
realização de vários estudos, chegou à conclusão de que grande parte dos
professores apresenta uma “leitura interditada” devido às limitações que
impossibilitam a prática de outras leituras que não sejam aquelas estabelecidas pela
escola e pelos livros didáticos ou que tratam especificamente de assuntos
educacionais. Devido à situação socioeconômica e à sobrecarga de horas/aulas, o
professor restringe suas práticas de leitura aos materiais utilizados em suas aulas
e/ou em sua formação continuada, reduzindo ainda mais as suas leituras a apenas
um tipo de material: o livro didático.
3.2. SABERES DOCENTES SOBRE ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
Após a apresentação das histórias de alfabetização e práticas de leitura das
professoras, mostrarei a seguir como elas constroem seus saberes sobre
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 89
alfabetização de jovens e adultos a partir de três questões centrais: a formação de
professores para atuar na EJA; as concepções docentes de alfabetização; e os
desafios enfrentados para alfabetizarem jovens e adultos.
3.2.1.A formação de professores para a Educação de Jovens e Adultos
Como se deu a escolha da profissão de professor? Veremos o que dizem as
professoras acerca desta questão.
Maria conta que veio de Marapanim para Belém, aos 35 anos de idade, com o
objetivo de realizar um sonho:
[...] a minha vontade era fazer magistério pra ser professora. Que eu não
queria ser outra coisa na vida. Que eu achava muito bonito, sabe. Eu digo:
“Não, um dia eu vou estudar, eu vou pra Belém, eu vou estudar e eu vou
fazer aquilo que eu quero”. [...].
a Profª. Socorro relata que uma pessoa em especial lhe serviu de
referência para a escolha de sua profissão:
[...] a minha irmã foi uma das grandes colaboradoras [...] eu [era] pequena
e ela se formando como professora [...]. Então, [...] colocava o anel dela no
dedo. Então, aquilo desde pequena, [...] eu falava: “Quando eu crescer eu
vou ser professora!”. [...] Talvez tenha sido até inconsciente por parte dela
porque eu sempre fui uma menina muito tímida [...]. Então, [...] ninguém
achava que eu ia conseguir ser uma professora, estar enfrentando assim o
público pela minha timidez. Mas ela foi me levando... Eu ia com ela pro
IEEP, ia pros encontros. eu fui criando aquela vontade: “Não, quando eu
crescer, eu vou me formar e vou entrar no ramo da educação”.
E a Profª. Beija-flor confessa que queria seguir outra profissão na vida:
[...] Quando eu estava em sala de aula e via aquela professora muito
ocupada, sabe, com aquele monte de criança, aquele monte de prova e
aqueles meninos falavam e aqueles meninos brincavam. eu dizia assim:
“Ai, meu Deus! Eu nunca quero ser professora, não”. A minha vontade
mesmo era ser doutora. “Eu quero ser doutora. Eu quero ser pediatra. Eu
vou ser pediatra, que eu quero viajar. Eu quero olhar aquelas crianças
infectadas. Eu quero cuidar delas. Às vezes, as mães o tem dinheiro pra
pagar um médico. Eu quero ir e cuidar dessas crianças. Mas, professora
eu não quero ser”. [...]
A partir dos depoimentos das professoras, constata-se que tanto Maria quanto
Socorro sempre sonharam em ser professoras desde a infância. Cresceram e
realizaram esse sonho. Beija-flor, por sua vez, é a única que afirmou que nunca quis
ser professora. Ao contrário, tinha vontade de ser pediatra. Certamente, por isso,
cursou o Ensino Médio pela primeira vez em Ciências Biológicas. Mas, Beija-flor
acabou se tornando professora: primeiramente, ela vivenciou a prática da profissão
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 90
ao ministrar aulas particulares em sua própria casa, por não ter com quem deixar os
filhos para trabalhar. Em seguida foi trabalhar como professora voluntária em uma
escolinha de centro comunitário. E, por fim, na condição de professora leiga e,
decidida a seguir carreira no Magistério, habilitou-se no exercício da profissão por
meio do Projeto Gavião II.
O que mudou em relação à visão da sociedade sobre a profissão de
professor?
Sobre esta questão, a Profª. Maria ressalta a dificuldade do trabalho do
professor em relação à avaliação:
[...] em relação ao professor, eu achei que mudou muita coisa sim [...]
Porque naquela época [refere-se à sua época de estudante] não tinha
trabalho nenhum pra ajudar o aluno. Tu tinha que estudar [...] não tinha
nada de trabalho. [...] Tinha que decorar [...] pra você responder na sua
prova. E hoje não. [...] está facilitado muito. E o aluno não se dedica. Então,
por isso que [...] o estudo antigo valeu mais, que hoje tem tanta regalia e o
aluno não se esforça. Por que [...] tanta repetência? É por causa da
mudança que houve, [...] Eu fui de castigo várias vezes. [...] E hoje a gente
pode fazer isso? [...] se eu fizer isso com um aluno dentro de sala o que é
que vai acontecer comigo? [...] Eu vou perder o meu emprego. [...] Por que
[...] muitas mães quando vem aqui que que o filho fica reprovado, [...],
vem diz assim: “[...] Eu não troco o meu estudo antigo por esse agora e o
meu filho está tendo tudo isso e não sabe valorizar aquilo que tem”. [...]
Agora mudou muita coisa, [...], mas esses alunos [...] tem preguiça de ler,
[...], eles querem que o professor a prova pra eles engolirem. [...]
Eles [...] não sabem aproveitar a nova metodologia de ensino que estão
dando. [...].
No depoimento a seguir, a Profª. Socorro destaca a questão do (des)respeito
do aluno e da sociedade em geral para com o professor:
Eu até acho que era até mais valorizada, na época em que eu entrei, sabe.
Eu vejo assim: o aluno respeitava mais o professor. O que a gente falava
pra eles [...] às vezes era até lei [...]. A gente sabe que hoje está mudado,
que eles estão mais questionadores [...] Mas, eu vejo assim: a gente era
mais valorizado até pela própria comunidade, pelos próprios pais, pelos
próprios alunos. Ah, ser professor, na época que eu entrei, ainda era
maravilhoso! Hoje, a gente sabe que a nossa profissão é difícil, que hoje
não sei se vai chegar algum dia que alguém vai querer ser professor por
tudo isso que está acontecendo [...].
A Profª. Beija-flor, por sua vez, afirma que:
[...] Antes, a gente sentia que o professor em termos de tratamento pessoal
e até em termos também de obediência de aluno, o professor, ele era mais
valorizado. [...] Ainda tinha assim um certo respeito do aluno com o
professor. [...] Hoje, o professor, ele não é mais visto assim. “É
professor?” [...] Ninguém liga pra isso. Mas, por outro lado, [...] se nós
comparamos a situação do professor hoje com aquela época você que
em relação a salário, apesar das dificuldades, apesar da indiferença de
padrão de vida que tem hoje praquela época também, mas hoje eu sinto
que o professor, ele é um pouco mais valorizado. Posso até estar
enganada, mas a minha visão é essa [...] Hoje, surgem novas
oportunidades pra ele. Professor querendo hoje ele faz um curso superior.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 91
Ele luta, mas ele consegue fazer uma pós-graduação. Ele sente [...] a
necessidade de estudar, de crescer, de ampliar seus conhecimentos, sabe,
de globalizar esse aprendizado. [...].
A partir destes depoimentos é possível fazer duas considerações.
Primeiro, percebe-se que Maria e Socorro que, anteriormente, afirmaram que
sempre tiveram o sonho de ser professora, hoje estão “desencantadas” com o
Magistério: Maria, devido à dificuldade com o processo de avaliação, e Socorro, pela
falta de respeito do aluno e da sociedade em geral em relação à profissão de
professor.
Em segundo lugar, o depoimento de Beija-flor, que concorda que hoje
desrespeito e desvalorização para com o professor. No entanto, mesmo que nunca
tenha sonhado em ingressar no Magistério, como revelou anteriormente, consegue
reconhecer pelo menos algum aspecto positivo, atualmente, para o professor em
comparação com tempos passados: a melhoria em aspectos financeiros e as novas
perspectivas de crescimento profissional.
O que a formação inicial representou para as professoras? A respeito desta
questão, as professoras responderam o seguinte:
[...] A primeira diretora [da Escola Municipal “São Sebastião”] me incentivou
muito. Ela disse: “Olha, na escola que eu trabalho [...] tem o Magistério”.
[...] Aí eu me matriculei, estudei. [...] Foi proveitoso pra mim. Foi muita coisa
boa. Tanto prova que quando eu fui pra lá, que ela me incentivou muito, eu
agradeci muito ela por ter me incentivado. Ela é uma pessoa que me
incentivou bastante a continuar meus estudos, [...]. (Profª. Maria)
Eu estava [...] com dezesseis anos [...]. eu era a filha mais nova e tinha
aquele problema de me mandar lá pro centro [de Belém], então eu escolhi
[uma Escola Estadual na Cidade Nova] não que eu quisesse ir pra lá, mas
foi a alternativa que eu tive por ser um colégio mais perto [de casa]. Mas [...]
quando eu cheguei lá, [...] eu fiquei surpreendida com o ensino do colégio
porque [...] lá tinha excelentes professores. Eu tive uma boa prática
dentro, tive um bom conhecimento, [...]. O que eu aprendi mesmo eu
consegui aprender n[a Escola Estadual na Cidade Nova]. (Profª. Socorro)
[...] o [Projeto] Gavião, ele foi um curso em que ele tinha assim uma
essência muito grande em termos de orientação mesmo sobre como você
trabalhar e também como desenvolver a tua própria leitura, sabe, a sua
própria Matemática. Eram bons textos que a Professora de Português nos
passava. Ela relacionava muito com a realidade. [...] O Gavião foi muito bom
mesmo! Tanto que nós saímos do Gavião e muitas pessoas fizeram o
vestibular e foram passando. Eu gostei muito do Gavião. Foi um bom
projeto! Foi um bom curso! Eu aproveitei o que eu pude, do Gavião [...] Eu
estudava mesmo. [...] (Profª. Beija-flor)
Diante destes relatos, é possível constatar também que, apesar de o terem
escolhido o lócus de sua formação inicial - Maria estudou Magistério em uma escola
por indicação da primeira diretora da Escola Municipal “São Judas Tadeu”; Socorro
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 92
foi estudar em uma escola porque era próxima de sua casa; e Beija-flor se formou
por meio de um projeto específico para professores leigos que era itinerante -, houve
unanimidade entre as professores ao afirmarem, cada uma a sua maneira, que a
Habilitação em Magistério contribuiu significativamente para a sua formação como
profissional da educação. Todas reconhecem que aprenderam e construíram
conhecimentos fundamentais para a carreira do magistério nas instituições escolares
e projetos onde cursaram a sua formação inicial.
Os relatos das professoras podem ser analisados a partir dos estudos de
Barros (2007) e Candau (1998). A primeira autora considera que pensar a educação
oferecida nas instituições escolares, hoje, é também ter um olhar voltado para
práticas educativas historicamente oferecidas pela escola, como também perceber,
observar e avaliar o fazer pedagógico, através das relações sociais, de que a prática
educativa não é apenas uma exigência da vida em sociedade, mas também o
processo de prover os indivíduos de conhecimentos e experiências culturais que os
tornem aptos a atuar no meio social e a transformá-los.
Neste sentido, Candau (1998) afirma que o processo de ensino é uma prática
social, não porque acontece na interação professor-aluno, mas, sobretudo,
porque reflete a cultura e os contextos sociais dos professores e dos alunos, que
são complexos e ao mesmo tempo diversificados, evidenciando que é importante o
reconhecimento do ciclo de vida dos professores, na perspectiva de entender que o
processo de formação docente não pode dispensar uma reflexão sobre esta
realidade, diante dos desafios, necessidades e problemas que envolvem as
diferentes etapas do desenvolvimento profissional do professor. Isso vem
confirmar a compreensão da importância que deve ser dada ao saber produzido na
prática pelos saberes experienciais dos professores alfabetizadores.
Em sua formação inicial as professoras estudaram sobre os temas
“Alfabetização” e “EJA”?
A Profª. Maria, que tem como maior nível de escolaridade o Ensino Médio
Habilitação em Magistério, admite que nunca estudou nenhum desses temas em sua
formação inicial. Veio participar de discussões sobre um dos temas, a Alfabetização,
a partir de 2007, com a implantação do Projeto Letramento, Programa de Formação
Continuada para professores das séries iniciais do Ensino Fundamental da Rede
Municipal de Ensino de Ananindeua.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 93
a Profª. Socorro fala sobre a importância de estudar e debater sobre o
tema Alfabetização:
Uma das preocupações que a gente tem quando a gente começa a estudar,
a ser professor [...]: é como alfabetizar [...]. Eu acho que passei três anos
discutindo isso na UVA. E eu chego na faculdade [refere-se ao IESAM] hoje,
que eu estou fazendo especialização, e é um assunto que a gente não
deixa de debater. [...] Então, a gente fica sempre estudando. Houve sempre
uma preocupação, tanto quando eu fiz o Magistério quando eu fiz a UVA, de
como chegar a uma fórmula (infelizmente não tem, né?), de como
alfabetizar, de como trabalhar, de como conseguir fazer com que o nosso
aluno goste de estudar através do que a gente passa pra ele. [...]. Então, a
gente sempre discutiu uma forma de como alfabetizar melhor porque isso
ainda é um grande nó, [...].
A Profª. Beija-for, por sua vez, reconhece que a sua formação inicial lhe
deixou uma lacuna:
[...] na época do [Projeto] Gavião, nós não tivemos esse espaço pra falar
sobre o Supletivo. Nós falamos muito sobre a questão da pré-escola, a
questão de a séries. Mas esse trabalho, nós não tivemos. É uma
lacuna. Isso eu vim ouvir comentários, ter algumas informações, [...] foi
na UEPA.
[...] foi falado um pouco. Não assim como disciplina pra você estudar,
mas como orientações. sim, sabe, já peguei esse espaço, essas
orientações, que nós somos pra trabalhar com as crianças, mas nós
poderíamos também nos deparar com os adultos, né, com a alfabetização.
[...] Então, nós tivemos muito pouco, mas nós já tivemos.
Ela admite que recebeu uma orientação mais aprofundada sobre
Alfabetização de Jovens e Adultos em um curso específico sobre o tema do qual ela
participou por engano.
[...] eu participei aí de um cursinho sobre Alfabetização de Adultos [...], onde
nós recebemos algumas orientações sobre essa diferença de trabalhar com
a criança e trabalhar com o adulto. Que com o adulto nós já poderíamos
trabalhar com alguns temas que fizessem parte da vivência dele e não
trabalhar como a gente trabalha com certos brinquedos cantados, sabe, de
uma forma mais lenta, de uma forma mais prazerosa, como trabalha com a
criança. Com o adulto nós teríamos que agir de uma forma mais séria
porque a vivência dele é uma outra vivência. Ele tem um certo
conhecimento. Eu achei muito bom esse curso que nós fizemos[...]
A partir destes depoimentos, é possível fazer duas considerações.
Primeiro: tanto Maria quanto Beija-flor o tiveram a oportunidade de estudar
sobre os temas Alfabetização e EJA em sua formação inicial. Apenas Socorro teve a
oportunidade de estudar pelo menos a questão da Alfabetização na Habilitação em
Magistério.
Segundo: somente a partir da Graduação em Pedagogia que as professoras
Beija-flor e Socorro vieram participar de discussões mais aprofundadas sobre a
Alfabetização e, pela primeira vez sobre a EJA, ainda que de maneira superficial. E
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 94
quando fizeram o curso de aperfeiçoamento em EJA, ambas as professoras já
estavam atuando nesta modalidade de ensino há cerca de quatro anos.
Esses depoimentos trazem também a seguinte constatação: as professoras
da Escola Municipal “São Judas Tadeu” não foram orientadas, nem devidamente
preparadas para atuar na EJA, sobretudo nas etapas iniciais, onde se encontra um
maior número de alunos para alfabetizar.
Tal constatação contraria o que recomenda o Parecer CNE n. 11/2000 – CEB,
analisado no primeiro capítulo deste estudo, que considera necessária a exigência
de uma formação específica para a EJA, que tenha em vista uma relação
pedagógica com sujeitos, trabalhadores ou não, com marcadas experiências vitais
que não podem ser ignoradas. Esta adequação, segundo o parecer, tem como
finalidade o acesso e a permanência na EJA por meio de um ensino com conteúdos
trabalhados de modo diferenciado do que é ministrado aos alunos com idade
regular, com métodos próprios e tempos adequados ao perfil deste estudante.
Apesar desta recomendação, pode-se afirmar, com base nos estudos de
Candau (1998), que realmente uma grande parte dos docentes sai das
universidades com uma formação predominantemente científica, não pedagógica e
não orientada para o ensino, ou seja, despreparados, principalmente para atuar na
educação de jovens e adultos. Deixando de ser uma formação para a ação e uma
ação para a formação.
Por isso, segundo a autora, é fundamental ressaltar a importância do
reconhecimento e da valorização do saber docente no âmbito das práticas de
formação continuada, especialmente, os saberes oriundos da experiência,
considerada como núcleo vital do saber docente. Será a partir desses saberes
experienciais que as professoras poderão dialogar com os saberes disciplinares e os
saberes curriculares.
Se as professoras da Escola Municipal “São Judas Tadeu” não receberam
orientações, nem foram devidamente preparadas para atuar com Alfabetização de
Jovens e Adultos, como elas constroem os saberes que permeiam suas práticas
como alfabetizadoras? É a questão que se debatida a seguir por meio da
apresentação das concepções docentes de alfabetização e dos desafios enfrentados
pelas professoras para alfabetizarem jovens e adultos.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 95
3.3.2.Concepções Docentes de Alfabetização
Neste tópico serão abordadas três questões centrais: como as professoras
elaboravam o planejamento das aulas de etapa, como avaliavam seus alunos e,
por fim, quais as suas concepções de alfabetização.
De acordo com Barros (2007), no cotidiano da prática educativa, percebe-se a
necessidade de desencadear um processo de planejamento para a organização e
articulação das ações a serem desenvolvidas no contexto escolar, através da
partilha e socialização dos saberes. Diante desta afirmação, procurei identificar
como era o processo de planejamento das professoras alfabetizadoras quando
atuaram em turmas de 1ª etapa da EJA.
Em seu depoimento, a Profª. Maria relata que em 2006:
Foi a primeira vez que eu trabalhei [com etapa]. O meu planejamento,
porque é e séries, eu pegava um livro de [série] e pegava um livro
de [série]. Os conteúdos, né, de série e de série. Isso de acordo
com o nível da turma, né?
Sobre esta questão, a Profª. Beija-flor afirma que:
A ideia do curso [de aperfeiçoamento em EJA] veio tirar uma dúvida minha:
essa questão de e séries porque ficou bem claro [...] que a
alfabetização de jovens e adultos não é juntar 1ª e 2ª séries. Isso me
agoniava, [...]: “Como é que eu vou juntar e ries pra esse povo?”.
Então, é um curso diferente sim. E eu digo: “Ah, então, escerto! Eu não
estava tão errada!”. Porque se a gente for juntar tudo, não pra juntar tudo
pra esse pessoal. Tem que ser algo em que eles tenham uma base pra vida
mesmo.
Em seu depoimento, Beija-flor demonstra não concordar com a ideia de
Maria, que acredita que o planejamento de etapa se restringe à aglutinação de
conteúdos de e séries do Ensino Fundamental regular. A seguir, Beija-flor
relata como conseguiu realizar o seu processo de planejamento para a EJA:
[...] no início eu cheguei pra Diretora [da Escola Municipal “São Judas
Tadeu”] e perguntei: “Existe planejamento pra trabalhar com a etapa?”.
Ela disse: “Não”. Eu disse: Como é que eu vou trabalhar com os adultos,
que eu sempre trabalhei com criança?”. Ela disse: Eu vou ser sincera, mas
eu não sei”. [...] E eu disse: “É, sendo assim, eu vou ter que enfrentar a
etapa”. [...] E eu fui e procurei conversar com eles [os alunos]. [...]: “Nós
todos aqui somos adultos. Todos nós temos uma história. Eu não estou aqui
porque eu sei mais do que vocês, não. E nem vocês porque sabem mais do
que eu. Nossos caminhos foram diferentes. Cada um de vocês tem a sua
prioridade. Eu estou aqui pra trabalhar com vocês essa prioridade. Por isso,
vocês tem que mostrar o que vocês sabem pra que a gente possa só
ampliar isso aí. Vamos conversar. Vocês vão fazer as colocações. Eu vou
fazer uma atividade pra daí começar a me planejar”. E assim eu fiz.
Comecei a dialogar e eles também falaram da vivência deles, onde eles
trabalhavam, com o que eles trabalhavam, o que eles precisavam do
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 96
trabalho deles. [...] Então, partindo daí eu sentei e montei um planejamento
buscando a leitura e a escrita numa visão mais pro adulto. Mas realmente
eu também dei uma olhada no planejamento que eu tinha. [...] Então, foi
assim: baseada no planejamento que tinha das crianças, aproveitei o
conteúdo e fui só aperfeiçoando as atividades para os adultos dentro
daquilo que ele sabia.
Em seu depoimento, a Profª. Beija-flor admite que antes de sua primeira
experiência com etapa não sabia como era o processo de planejamento para a
EJA, mas buscou na própria turma os saberes necessários para o referido processo,
além de adaptar o planejamento que utilizava com as crianças à realidade dos
adultos.
Duas considerações podem ser feitas a partir do depoimento da Profª. Beija-
flor, com base em Candau (1998) e Leal (2007). A primeira autora considera que
uma qualidade indispensável a um bom professor e, sobretudo, um professor
alfabetizador, é ter a capacidade de começar sempre, ou seja, de fazer, de
reconstruir, de não se entregar, de recusar a burocratizar-se mentalmente, de
entender e de viver como processo. Por isso, segundo a autora, o professor
precisará reviver, de renascer a cada momento de sua prática docente. Foi o que
demonstrou a Profª. Beija-flor em seu relato.
O depoimento da referida professora também confirma a seguinte afirmação
de Leal (2007): o planejamento é uma estratégia de formação por propiciar a
explicitação de princípios didáticos fundamentais, articulando-os aos saberes
práticos que são gerados no cotidiano da experiência docente. A referida autora
ressalta ainda que o planejamento, embora seja visto como um momento rico para
ajudar o professor a transpor para a prática os modelos teóricos que estão sendo
apropriados, não pode, no entanto, ser visto como um meio de uniformizar as
práticas docentes, levando os professores a homogeneizar suas ações em sala de
aula. Dessa forma, Leal (2007) propõe que a teorização da prática “na prática” é um
caminho para que os professores possam desenvolver uma ação mais consistente,
levando-nos a um planejamento mais elaborado e refletido. A autora propõe, ainda,
que a formação do professor é um momento privilegiado para que isso aconteça.
Ao adotar esse pressuposto, Leal (2007) considera que é necessário garantir
não apenas o estímulo às estratégias de refletir sobre a prática cotidiana, mas
também às estratégias de registrar e teorizar sobre essa prática. Dessa forma, no
processo de formação, é imprescindível propiciar situações de modo a recuperar a
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 97
prática cotidiana e articular a reflexão que os professores fazem sobre ela às
reflexões de outros agentes e dos autores com os quais dialoga.
Sobre a questão do planejamento, a Profª. Socorro afirma que:
[...] às vezes a gente planeja uma coisa... Por exemplo, eu planejava uma
aula pra EJA. Eu ia pro planejamento da aula de hoje. Mas às vezes quando
chega na sala de aula, [...], a aula fica pela metade, entendeu? Porque
aquilo que a gente quer colocar, na hora eles [os alunos] conseguem ter
várias direções, indicar várias direções. Então, eu sempre aproveitei. o
que eu deixasse meu planejamento de lado. Eu tentava pegar o
planejamento que eu fiz e colocar dentro da realidade deles. Às vezes eu
deixava o planejamento e a aula girava só em torno de um assunto que eles
trouxeram, viram na televisão, viram no jornal, tinham curiosidade, queriam
debater, mas escolhiam desta forma. [...] os alunos da EJA, eles vêm pra
sala de aula procurando melhorar aquilo que vai ser bom pra eles no
cotidiano. Ele não vem simplesmente por vir. O aluno da EJA é assim: ele
vem tentando melhorar alguma coisa. Ou ele quer aprender a ler melhor
porque num período ele está precisando ou porque ele vai ser promovido se
ele não souber ler, escrever direitinho, ele não vai conseguir. Então, eles
vem muito atrás disso, entendeu, de melhorar no trabalho.
Em sua reflexão, a Profª. Socorro apresenta as motivações e expectativas dos
alunos jovens e adultos em relação à escola como um aspecto que pode ser
aproveitado como ponto de partida para o processo de planejamento na EJA.
Neste sentido, Silva e Andrade (2007) consideram que a prática docente
necessita ser constantemente planejada. O planejamento irá contribuir para
intervenções didáticas adequadas e o conseqüente avanço dos alunos, pois, ao
planejar, tornamos possível o que queremos a curto, dio ou longo prazo,
possibilitando a previsão de situações, a organização e gradação das atividades,
entre outros aspectos.
De acordo com os referidos autores, no esforço de uma prática docente
planejada, o professor vive um processo constante de tomada de decisões de
naturezas variadas, entre elas, decisões sobre o tipo de atividade e de agrupamento
a ser proposto aos alunos, o encaminhamento das tarefas e as intervenções a
serem realizadas durante a aula.
Assim, os depoimentos das professoras Socorro e Beija-flor sobre o
planejamento da EJA podem ser relacionados à seguinte afirmação de Barros
(2007): a prática pedagógica necessitaser bem articulada e planejada, para que
todos os processos e ações a serem desenvolvidas no cotidiano da escola e,
principalmente, da sala de aula, sejam coerentes com o contexto e possam atender
às demandas sociais. Partindo desta compreensão, buscou-se junto às professoras
alfabetizadoras, identificar como avaliavam os alunos jovens e adultos, haja vista
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 98
que a avaliação é um processo complexo, que aponta para a necessidade de uma
ação refletida e planejada.
Em seu depoimento, a Profª. Maria afirma que o utilizava a prova como
instrumento de avaliação dos alunos da EJA:
[...] Eu não faço a avaliação dos meus alunos através de prova. Eu não
fazia. Tudo eu avaliava eles: no comportamento deles, avaliação do
trabalho que eu passava, do trabalho, comportamento, a leitura, o livro que
eles pegassem, o que eles pegassem. Tudo eu avaliava eles. Não era
época de avaliação, não. Eu não avalio o meu aluno só por prova...
A Profª. Maria, na tentativa de superar a concepção que restringe a avaliação
somente a um único tipo de instrumento, a prova, acaba demonstrando uma visão
ainda ingênua quando afirma, por duas vezes, que inclui o comportamento como um
dos aspectos avaliativos dos alunos, algo demasiado infantil para a EJA.
Neste sentido, ela contraria o que recomenda o Parecer CNE n. 11/2000
CEB, analisado no primeiro capítulo deste estudo. O referido parecer ressalta que
não se pode "infantilizar" a EJA em relação a métodos, conteúdos e processos, pois
os conteúdos curriculares destinados aos anos iniciais do ensino fundamental
devem ser tratados em níveis de abrangência e complexidade necessários à
ressignificação de conhecimentos e valores nas situações em que são
(des)construídos e (re)construídos por crianças, jovens e adultos.
A Profª. Socorro, por sua vez, admite que utilizava a prova como instrumento
avaliativo, mas denominando-o de outra maneira para não assustar os alunos:
[...] A nossa avaliação aqui da escola ela é predeterminada o tipo de
pontuação. O quê que acontece? Você não pode fazer mais em lugar
nenhum, graças a Deus, uma avaliação valendo dez. Então, o quê que
acontecia: [...] na maioria era cinco de trabalho e cinco para atividade
avaliativa, que eu não costumo chamar prova pra eles porque como
acontecia comigo [...], a maioria, algumas vezes, falou em prova: “Olha,
prova!”. A gente sempre procura colocar ‘atividade avaliativa’. E eles
também quando o pra sala de aula, logo no começo da aula, eu procurei
dizer pra eles: “Gente, a nossa atividade é desta forma no “São Judas
Tadeu”. É participação nas aulas, é trabalhos. O que menos vocês vão fazer
aqui é prova, prova, prova”. Então, tem umas aqui que valem até três. O
cinco às vezes eu distribuía dois, três. Às vezes eu fazia dois trabalhos com
cinco e uma ‘atividade avaliativa’ valendo cinco, que era o período das
provas.
Com este depoimento, a Profª. Socorro demonstra uma preocupação em
retirar o “peso histórico” que a prova carrega como instrumento de punição dos
alunos em dois aspectos: quando afirma que se preocupa em denominar a prova
como “atividade avaliativa” para não assustar os alunos e quando procura redistribuir
a pontuação entre outros instrumentos avaliativos para que a prova não valha dez
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 99
pontos. Em relação à primeira preocupação, a professora denota uma visão
romântica ao acreditar que a atribuição de um simples eufemismo ao instrumento
“prova” irá melhorá-lo do ponto de vista pedagógico. Com isso, ela demonstra não
compreender que a atitude do professor e a forma como ele encaminha o
instrumento avaliativo, é que podem torná-lo mais adequado para o processo de
ensino-aprendizagem. Quanto à redistribuição de pontos, a professora demonstra
índicios de uma concepção construtivista de avaliação quando se preocupa em
diversificar os instrumentos avaliativos para não avaliar os alunos somente por meio
da prova. Porém, ao mesmo tempo também demonstra ter uma concepção
quantitativa de avaliação, muito mais voltada para a quantificação em notas do que
com a sua real função: a de diagnosticar a situação do aluno a fim de planejar e
realizar uma intervenção para ajudá-lo a avançar em seu processo de
aprendizagem.
Neste sentido, concebendo o ensino como fator fundamental de contribuição
ao processo de construção de conhecimento realizado pelos educandos, Silva e
Andrade (2007) consideram que a avaliação das aprendizagens realizadas pelos
alunos proporciona ao professor informações insubstituíveis para ir ajustando
progressivamente a ajuda que lhes presta no processo de construção de
significados. É esta, portanto, a essência da avaliação da aprendizagem: um
instrumento de compreensão do estágio em que os alunos se encontram, tendo em
vista tomar decisões para que estes possam avançar em seu processo de
aprendizagem.
A Profª. Beija-flor, por sua vez, explica que o processo de avaliação dos
alunos:
[...] é em cima dos testes [...], é em cima da apresentação que eles [os
alunos] fazem aqui na frente. Eles vem e eles fazem apresentação, eles
fazem dramatização, [...]. No como, eles não querem. Eles não estão
acostumados... Tem um que reclamava mesmo: “Ah, no tempo que eu
estudei não era assim. Não tinha esse negócio de ir pra frente, não”.
[Beija-flor]: “Sim, mas agora mudou, rapaz”. [...]. Mas depois eles gostam.
Eles vão ali pro salão [da escola], quando eles voltam, eles dizem: Ah, a
melhor turma foi a nossa, a senhora viu?”. [Beija-flor]: “Pra ver que vocês
tem que melhorar. Vocês são artistas. Cada um de nós tem a arte aqui
dentro, olha. Tem a arte, tem o seu lado criança, tem muito valor que
precisa botar pra fora. [...] Mete na cabeça de vocês que aula não é
caderno, caneta e quadro. Quando nós estamos conversando, vocês estão
perguntando, você está ali na frente, todo mundo está te olhando falar sobre
o trabalho e não aprendeu? Aprendeu. Vocês viram a história da
comunidade que nós aprendemos aqui”. Foi uma coisa assim que eles
aprenderam [...]
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 100
Em seu depoimento, a Profª. Beija-flor demonstra que se preocupa em
diversificar os instrumentos de avaliação, não para diminuir o valor quantitativo ou
moral da prova, mas, sobretudo, para avaliar outras habilidades dos alunos, como
por exemplo a expressão oral e artística, muitas vezes preterida na prática avaliativa
docente, a fim de ampliar a avaliação para além da habilidade tradicionalmente
valorizada: a escrita.
Quando afirma que seu objetivo é avaliar para conhecer o aluno e, assim,
ajustar o processo ensino-aprendizagem, a Profª. Beija-flor se aproxima da
concepção de avaliação de Silva e Andrade (2007): uma prática de avaliação
formativa requer estudo e dedicação profissional, pois é necessário refletir sobre
intervenções didáticas realizadas e sobre outras passíveis de realização
(adequação dos desafios). Nesse processo de aprender sobre o aluno e reorganizar
o ensino que oferece, o docente vai construindo conhecimentos e contribuindo com
a sua própria formação, inserindo-se em uma abordagem de prática pedagógica em
constante construção.
Neste sentido, após apresentar as concepções de planejamento e avaliação,
buscou-se junto às professoras identificar finalmente quais as suas concepções de
alfabetização, um dos focos centrais deste estudo.
A Profª. Maria afirma que, em sua opinião, a alfabetização:
[...] em primeiro lugar, [...] é uma pessoa assim, chama analfabeto, né, uma
pessoa que não sabe conversar com a outra, não sabe falar, fala palavras
erradas e as pessoas reparam. [...] Tanto prova que essas pessoas são
pessoas tão humildes. Por que elas são assim? Estão precisando da tua
ajuda, da minha ajuda. Tanto prova que eu assisto televisão, eu assisto
jornal, eu vejo nos programas essas pessoas em sala de aula, em plena
fazenda, em plena casa assim que o vizinho vai ensinar. [...] Nunca tiveram
uma coisa na vida. Então, uma chance é agora que elas estão tendo. Se
sentem feliz da vida porque são analfabetos e estão sendo alfabetizados
através do nome, saber escrever o nome. Pessoas vai, pegam um caderno,
um pedaço de papel e passam pra ela os alfabetos todinhos, as letras do
alfabeto todinho, como eu aprendi. E através daquelas cartilhas. Então, é
isso, né [...]. Eu entendo assim.
A Profª. Maria apresenta os alfabetizandos jovens e adultos como pessoas
desprovidas de tudo por não saberem ler e escrever, negando sua capacidade de
aprender, como se não fossem capazes de superar suas limitações, sem a ajuda de
um bem-feitor, seja ele um vizinho ou o próprio professor.
Com base nos estudos de Barros (2007), é possível afirmar que a concepção
de alfabetização da Profª. Maria está relacionada à visão que caracteriza a pessoa
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 101
do alfabetizando da EJA pela sua humildade, evidenciando que são carentes de
ajuda e que, consequentemente, apresentam uma baixa auto-estima.
A Profª. Beija-flor, por sua vez, compreende que a alfabetização:
[...] é você conseguir se relacionar dentro do ambiente e também você
conseguir refletir e resolver alguns problemas que possam atrapalhar a sua
vida, sabe. E pra isso você precisa não saber ler e escrever, mas você
precisa saber pensar e refletir. [...] Eu acho que isso que é ser alfabetizado.
E eu sempre digo pra essa turma de adultos [...]: “Vocês sabem coisas que
vocês nem imaginam que sabem. [...] E depois você vem me dizer que você
é um analfabeto. Você o é um analfabeto. Você tem uma vivência, você
viajou, você trabalhou, você já entrou em contato com o material, você
conhece peças e peças de um carro. [...] Então, eu não aceito que uma
pessoa dessa chegue e diga: ‘Ah, eu sou analfabeto!’. Não, simplesmente
você ainda o entendeu esses símbolos chamados letras e esse chamado
número e esse som que nós trabalhamos para que você entenda o que eu
falo. Só isso. [...]
A Profª. Beija-flor foi enfática em sua resposta quanto à capacidade de os
alfabetizandos aprenderem a ler e a escrever. Certamente, deseja marcar a sua
discordância em relação às visões estereotipadas dos aprendizes.
A partir dos estudos de Barbosa (2007), é possível afirmar que as concepções
preconceituosas sobre indivíduos não alfabetizados, como a apresentada
anteriormente pela Profª. Maria, o mais recorrentes em nossa sociedade do que a
concepção apresentada por Beija-flor, que demonstra ter uma concepção de
alfabetização marcada pela compreensão do educando jovem e adulto como alguém
que fez várias leituras da realidade e que, portanto, não pode ser minimizado
quanto às suas capacidades intelectuais, uma vez que a escrita não confere a seus
usuários superioridade cognitiva.
Ainda é possível afirmar que a concepção de alfabetização da Profª. Beija-flor
se aproxima tanto do que é proposto no Parecer CNE n. 11/2000 CEB, quanto no
Programa Escola Anani-Escola Cidadã, documentos que tratam, respectivamente,
da política nacional e municipal da EJA, analisados no primeiro capítulo deste
estudo.
É possível perceber que o depoimento de Beija-flor relaciona-se com a
função reparadora da EJA, proposta pelo Parecer CNE n. 11/2000 CEB.
Contrário à visão preconceituosa do adulto analfabeto como inculto ou
"vocacionado" para tarefas e funções "desqualificadas" nos segmentos de mercado,
o parecer considera que estes adultos possuem uma rica cultura baseada na
oralidade como, por exemplo: a literatura de cordel, o teatro popular, o cancioneiro
regional, os registros de memória da cultura afrobrasileira e indígena. De todo o
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 102
modo, para os analfabetos o que está em causa é a função reparadora de EJA,
que pretende restaurar o direito a uma escola de qualidade aos descendentes de
negros escravizados, índios reduzidos, caboclos migrantes e trabalhadores braçais,
entre outros, os quais constituem os grupos que ainda hoje sofrem as
conseqüências da realidade histórica brasileira. Neste sentido, reparar esta dívida é
um imperativo e um dos fins da EJA.
O depoimento de Beija-flor também pode ser associado às duas primeiras
finalidades da EJA, propostas no Programa “Escola Anani-Escola Cidadã”: propiciar
situações de aprendizagem que tornem os alunos sujeitos ativos e participativos,
capazes de crescerem cultural, social e economicamente; valorizar os saberes que
os alunos e alunas trazem para a sala de aula, fomentando o encontro dos saberes
da vida com os saberes escolares.
Por sua vez, a Profª. Socorro revela a seguir a sua concepção de
alfabetização:
[...] Hoje amesmo pela experiência que eu estou tendo, pelos cursos que
eu estou fazendo, ela [a alfabetização] está muito junta com o letramento.
Então, por isso que a gente diz: às vezes a pessoa é alfabetizada, sabe ler
e escrever, mas não é letrada. o sabe como utilizar aquilo que aprendeu,
aqueles gráficos, aqueles símbolos, gráficos, para o seu cotidiano. Então,
alfabetizar pra mim hoje é muito mais do que aprender a ler e escrever
simplesmente, a decodificar símbolos. É você poder pegar aquela sua
experiência e levar pro seu cotidiano, saber como aproveitar... Então,
alfabetizar pra mim é isso: é você mostrar a realidade pro teu aluno, mostrar
como ele sabendo ler e escrever ele pode seguir no mundo fora. Então,
pra mim, alfabetização é isso: é você dar uma visão de mundo pro teu
aluno. Não dizendo que alfabetizar não é importante. Sim. Elas devem
andar juntas: alfabetização e letramento. Elas devem se somar.
A partir dos estudos de Barros (2007), é possível afirmar que a Profª. Socorro
demonstra ter um conhecimento, mesmo que ainda não muito aprofundado, sobre a
complexidade do processo de alfabetização. Denota indícios de uma concepção
construtivista, que aponta para a necessidade de uma revisão dos objetivos da
alfabetização de jovens e adultos, que não é simplesmente decodificação de letras,
mas, sobretudo, ensinar o valor social da linguagem e como fazer uso dela.
De acordo com a referida autora, o professor que define a alfabetização como
um processo muito mais amplo e complexo do que o simples ato de ensinar a ler,
escrever e contar, e ao mesmo tempo o ponto de partida para aprendizagem de
novos conhecimentos, rompe com a visão mecanicista de alfabetização. Demonstra
uma ampliação da visão do alfabetizando para a leitura do mundo, da realidade e
reconhece também a importância do processo de alfabetização para a formação do
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 103
sujeito enquanto cidadão ao perceber a necessidade de o alfabetizando fazer uso da
leitura e da escrita para ultrapassar o rudimentar uso do código escrito,
experimentando e experienciando um amplo campo de práticas de leitura e escrita
na perspectiva e na concepção da alfabetização como letramento.
Depois de apresentar e analisar as concepções de alfabetização das
professoras, veremos, a seguir, quais foram os desafios enfrentados por elas em
relação à alfabetização de jovens e adultos e quais foram as estratégias utilizadas
com vistas a solucionar esses desafios suscitados no cotidiano da sala de aula.
3.2.3.Desafios da Alfabetização de Jovens e Adultos
Ao iniciar seu trabalho na 1ª etapa da EJA, a Profª. Maria procurou:
[...] saber o nível da turma [...] Eu não sabia. [...] tinha alunos que sabiam ler
corretamente e escrever e tinha alunos que não, que ainda tinha que
alfabetizar [...] Eram três alunos [para alfabetizar]. Quer dizer que com eles
três eu fiz um trabalho separado. Eu passava no caderno deles. Os outros
sabiam ler e escrever e eu passava no quadro, [mas] eles [os
alfabetizados] ficavam xingando muito elas [as alfabetizandas]. E eu não
gostava. [...] tanto prova que uma [alfabetizanda], até saiu [da escola].
Para a Profª. Socorro, trabalhar na 1ª etapa:
[...] Foi um desafio. Em princípio, né, fiquei muito apreensiva, perguntava
pra um [colega de trabalho], perguntava pra outro. [...] E tentando buscar
algumas alternativas. E uma das alternativas que eu encontrei foi, que
conseguiu a gente levar até o final do ano, foi a ajuda dos meus próprios
alunos. Então, uma estratégia que eu usei foi escolher um ajudante pra
cada um que tivesse dificuldade... [...] Aluno-monitor. Foi alguém que me
deu essa idéia, agora eu não estou lembrada, né. Mas alguém falou:
”Procura utilizar os teus próprios alunos”. Porque eu buscava muito. Então,
essa solução, acho que foi primordial pro trabalho funcionar. Então, eles
começavam, eu tinha mais tranqüilidade pra trabalhar com os que
estavam em fase de aprender a ler e escrever. E eles [os alunos
alfabetizados] iam me ajudando com os alunos que tinham as
dificuldades, as deficiências. Então, essa foi uma forma, a melhor que eu
encontrei pra levar o trabalho até o final.
A partir desses depoimentos, é possível apontar uma semelhança e uma
diferença entre as professoras Maria e Socorro. A semelhança se refere ao fato de
que tanto Maria quanto Socorro demonstram que o maior desafio que enfrentaram
na etapa da EJA foi o de lidar com a heterogeneidade, caracterizada pelo fato de
haver alunos alfabetizados e outros não-alfabetizados em suas turmas. Segundo
Silva e Andrade (2007), o professor-alfabetizador de jovens e adultos, objetivando
um ensino significativo, tem a tarefa de contemplar os interesses imediatos dos
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 104
educandos no contexto de um ensino sistemático e gradual que respeite a
heterogeneidade comum em grupos de alunos. Essa heterogeneidade é percebida
pelos docentes tanto em suas observações cotidianas quanto em momentos de uso
de instrumentos de diagnóstico.
A diferença entre as duas professoras está na escolha da estratégia para
enfrentar este desafio. Quando Maria afirma: “[...] Eram três alunos [para alfabetizar].
Quer dizer que com eles três eu fiz um trabalho separado. [...]”, seu depoimento
demonstra que ela dividiu a turma em dois grupos: um composto de alunos
alfabetizados e outro de não-alfabetizados. Certamente, ela utilizou esta estratégia
com a expectativa de conseguir dar mais atenção para o segundo grupo. Mas a
consequência foi o estabelecimento de um conflito na turma: a intolerância dos
alunos alfabetizados em relação aos não-alfabetizados, pois, segundo o relato da
própria professora, “[os alfabetizados] ficavam xingando muito elas [as
alfabetizandas]”. Então, é possível afirmar que, ao dividir a turma, Maria conseguiu
mais segregar os alfabetizandos do que ajudá-los, o que fica evidente quando a
professora afirma que “[...] tanto prova que uma [alfabetizanda] até saiu [da escola]”.
A estratégia de dividir a turma em alfabetizados e não-alfabetizados foi pouco eficaz
para a Profª Maria e bastante constrangedora para os alunos alfabetizandos.
A Profª. Socorro, por sua vez, escolheu uma estratégia mais eficaz e
harmoniosa porque, em vez de segregar os alunos por níveis de conhecimento,
como o fez a Profª. Maria, ela buscou a ajuda da própria turma, envolvendo os
alunos alfabetizados na tarefa de auxiliar os alfabetizandos. Uma estratégia eficaz
para o professor à medida que ele, ao dividir o desafio com a turma, pode
contemplar os interesses de todos; e harmoniosa porque une e solidariza os colegas
de classe.
Neste sentido, Candau (1998) afirma que o professor deverá ser capaz de
tornar-se um ser de comunicação, de estar no grupo, de criar espaços para que este
grupo possa se expressar integralmente, transformando os espaços pedagógicos,
dentro e fora da sala de aula, em espaços de descoberta, espaços de prazer, de
busca, de criatividade e, sobretudo, de troca e de partilha.
Nessa perspectiva, Barros (2007) afirma que a prática docente não se
restringe apenas às ações do professor no contexto da sala de aula, e a sua
sistematização poderá acontecer em vários contextos da sala de aula, imbricados
uns nos outros.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 105
Ainda sobre a questão dos desafios enfrentados na etapa, a Profª Beija-flor
afirma que:
A maior dificuldade que eu enfrentei com eles foi a questão do trabalho
deles. Essa coisa de trabalho, sabe. Eles faltavam. Às vezes, eles tem um
bico pra fazer. Tem que trabalhar à noite, não sei o quê. eu dizia: Puxa
vida, não pra ficar faltando assim”. eles diziam: “Não, professora, o
pra evitar...”. É porque muitos, eles não tem trabalho fixo durante o dia
pra sair às seis horas e vir direto pra escola. Isso aí é complicado. Ou então,
quando eles mudavam. Muitos eram de invasão em Ananindeua. muitos
foram pra fazer casa, sabe. ia pra cá. Passaram um tempo pra lá.
Depois voltaram. É um pouco complicado a situação deles. [...] Eu sempre
dizia pra eles: “Olha, aqui na sala eu sou a autoridade porque eu sou a
professora, mas eu também sou colega de vocês, sou amiga de vocês. [...]
A hora que eu precisar de você quero que você esteja disposto a me ajudar.
E a hora que você precisar de mim eu estou aqui disponível pra lhe ajudar”.
E tudo isso eu soube trabalhar dentro de todo um respeito, de toda uma
compreensão entre os que são os seres humanos, sabe.
Em seu depoimento, a Profª. Beija-flor considera a freqüência irregular e o
problema de moradia dos alunos trabalhadores como as principais dificuldades
enfrentadas por ela na EJA. Ela também demonstra reconhecer os alfabetizandos
jovens e adultos enquanto pessoas trabalhadoras que tiveram seu processo de
escolarização interrompido pelas necessidades de sobrevivência. Segundo seu
depoimento a estratégia que ela utilizou para superar o desafio da freqüência
irregular foi o diálogo, para saber as razões que levavam os alunos a se ausentarem
das aulas e, assim, tentar ajudá-los.
O desafio enfrentado pela Profª. Beija-flor pode ser relacionado à quarta e
quinta finalidades atribuídas a EJA pelo Programa Escola Anani-Escola Cidadã,
documento analisado no primeiro capítulo deste estudo.
A quarta finalidade propõe que a EJA deve promover o diálogo entre
educador e educandos, desafiando-os a refletir sobre o mundo em que vivem e
incentivando-os a atuar enquanto transformadores de suas realidades, lutando por
direitos básicos que possam promover a integração dos vários campos do
conhecimento entre si e o mundo do trabalho. E a quinta finalidade é oferecer,
quando necessário, oportunidades de discussões e reflexões sobre
profissionalização, que possibilite a integração do aluno no mundo do trabalho.
De acordo com Barros (2007), é fundamental para o alfabetizador de jovens e
adultos compreender o alfabetizando como sujeito trabalhador que luta pela
superação da sua condição de excluído, alguém cujos direitos subjetivos garantidos
constitucionalmente são negados. Segundo a referida autora, essas pessoas são
excluídas dos bens sociais, como a escola, o trabalho, o lazer, a cultura, dentre
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outros. Neste sentido, o professor alfabetizador de jovens e adultos precisa
reconhecer a necessidade de atenção e de tratamento específico para os seus
alunos adquirirem mecanismos para a superação de suas reais condições de vida,
buscando novas possibilidades como agentes de transformação da realidade.
A partir dos estudos de Barbosa (2007), é possível afirmar que as professoras
vivenciaram experiências semelhantes no processo de ensino-aprendizagem da
alfabetização de jovens e adultos, bem como se defrontaram com desafios
parecidos, mas demonstrou também que, para cada uma delas, a experiência de
ensinar adultos tornou-se única porque exigiu a construção e a reconstrução de seus
saberes conjuntamente à construção dos saberes dos alfabetizandos. Segundo a
autora, essa construção ocorre com base em processos interacionais vivenciados
entre professores e alunos, de forma desafiadora e até conflitante para ambos.
A seguir, nas considerações finais, apresentarei os principais resultados deste
estudo a partir do problema proposto e analisá-lo com base nos estudos de Tardif
(2007) sobre os saberes docentes.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 107
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo buscou compreender: como as professoras da Escola
Municipal “São Judas Tadeu” constroem seus saberes sobre alfabetização de jovens
e adultos para atuar em turmas de 1ª etapa da EJA?
Para elucidar o referido problema, foram propostas três questões norteadoras.
A primeira questão foi analisar onde e como as professoras aprenderam a ler e
escrever. Com base em seus relatos, pude destacar quatro aspectos em comum em
seu processo inicial de aprendizagem da leitura e escrita: 1) o lócus de
aprendizagem, pois todas as professoras iniciaram tal processo em casa antes de
entrar para a escola na série; 2) o mediador da aprendizagem: todas aprenderam
a ler e escrever com a ajuda de algum membro de sua própria família: o pai, no caso
de Maria; a irmã, no caso de Socorro e dois irmãos, no caso de Beija-flor; 3) o
instrumento ou recurso de aprendizagem. Todas aprenderam a ler e escrever por
meio da cartilha; 4) avaliação da experiência: as professoras foram unânimes em
afirmar que tem somente lembranças positivas da época em que aprenderam a ler e
escrever, tendo sido uma experiência prazerosa.
Neste estudo, também foi investigado o que a formação inicial representou
para as professoras? Diante de seus relatos, foi possível constatar que, apesar de
não terem escolhido o lócus de sua formação inicial - Maria estudou Magistério em
uma escola por indicação da primeira diretora da Escola Municipal “São Judas
Tadeu”; Socorro foi estudar em uma escola porque era próxima de sua casa; e
Beija-flor se formou por meio de um projeto específico para professores leigos que
era itinerante -, houve unanimidade entre as professores ao afirmarem, cada uma a
sua maneira, que a Habilitação em Magistério contribuiu significativamente para a
sua formação como profissional da educação. Todas reconhecem que aprenderam e
construíram saberes fundamentais para a carreira do magistério nas instituições
escolares e projetos onde cursaram a sua formação inicial.
Tais resultados encontrados a partir dos depoimentos das professoras podem
ser relacionados à perspectiva de Tardif (2007), que procura situar o saber do
professor na interface entre o individual e o social, entre o ator e o sistema, a fim de
captar a sua natureza social e individual como um todo. Esta perspectiva se baseia
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 108
em quatro fios condutores: temporalidade do saber, saber e trabalho, diversidade do
saber e a experiência de trabalho enquanto fundamento do saber.
Sobre o primeiro fio condutor, o autor explica que o saber dos professores é
temporal, uma vez que é adquirido no contexto de uma história de vida e de uma
carreira profissional. Dizer que o saber dos professores é temporal significa dizer,
inicialmente, que ensinar supõe aprender a ensinar, ou seja, aprender a dominar
progressivamente os saberes necessários à realização do trabalho docente. É
evidente a importância das experiências familiares e escolares anteriores à
formação inicial na aquisição do saber-ensinar. Antes mesmo de ensinarem, os
futuros professores vivem nas salas de aula e nas escolas e, portanto, em seu futuro
local de trabalho, durante aproximadamente 16 anos, se considerarmos a atual
formação docente mínima exigida para atuar na Educação Infantil, anos iniciais do
Ensino Fundamental e e etapas da EJA (09 anos de ensino fundamental, mais
03 de ensino médio e 04 de graduação). Ora, tal imersão, é necessariamente
formadora, pois leva os futuros professores a adquirirem crenças, representações e
certezas sobre a prática do ofício de professor, bem como sobre o que é ser aluno.
Em suma, antes mesmo de começarem a ensinar oficialmente, os professores
sabem, de muitas maneiras, o que é o ensino por causa de toda a sua história
escolar anterior. Além disso, os estudos de Tardif (2007) mostram que esse saber
herdado da experiência escolar anterior é muito forte, que ele persiste através do
tempo e que a formação universitária não consegue transformá-lo nem muito menos
abalá-lo.
A ideia de temporalidade, porém, não se limita à história escolar ou familiar
dos professores. Ela também se aplica diretamente à sua carreira, que é
compreendida como um processo temporal marcado pela construção do saber
profissional. Esse tema da carreira profissional, por sua vez, incide sobre temas
conexos como a socialização profissional, a consolidação da experiência de trabalho
inicial, as fases de transformação, de continuidade e de ruptura que marcam a
trajetória profissional, as inúmeras mudanças (de classe, de escola, de nível de
ensino, de bairro), que ocorrem também no decorrer da carreira profissional e,
finalmente, toda a questão da identidade e subjetividade dos professores, que se
tornam o que são de tanto fazer o que fazem.
A segunda questão norteadora desta pesquisa foi: quais as concepções de
alfabetização que permeiam os saberes das professoras? E a terceira: quais os
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 109
desafios enfrentados pelas professoras para alfabetizarem jovens e adultos? Para
elucidar estas duas questões, vou estabelecer cinco considerações acerca dos
saberes necessários ao trabalho docente na EJA, partindo da formação inicial das
professoras até chegar aos desafios enfrentados na experiência de atuar na
alfabetização de jovens e adultos.
A primeira consideração se refere ao fato de que todas as professoras da
Escola Municipal “São Judas Tadeu”, em sua formação inicial, não foram orientadas,
nem devidamente preparadas para atuar na EJA, sobretudo nas etapas iniciais,
onde se encontra um maior número de alunos para alfabetizar.
Segundo: sem referências em sua formação inicial, duas (Beija-flor e Socorro)
das três professoras buscaram em suas próprias turmas de etapa os saberes
necessários para o processo de planejamento na EJA. Neste sentido, elas
construíram um saber muito importante: as motivações e expectativas dos alunos
jovens e adultos em relação ao ensino e à escola em geral podem ser aproveitadas
como ponto de partida para o processo de planejamento na EJA.
Terceiro: em relação à avaliação, as três professoras foram unânimes em
responder que o restringem seu processo avaliativo a realização de provas.
Assim, todas revelaram a preocupação em diversificar os instrumentos de avaliação,
mas baseadas em justificativas diferentes: da mais ingênua expressa por Maria:
“comportamento do aluno como critério de avaliação”; passando pela quantitativa
detectada em Socorro: “diversificar os instrumentos para a prova não valer dez”; até
à formativa revelada por Beija-flor: “diversificar os instrumentos para avaliar outras
habilidades dos alunos, como por exemplo, a expressão oral e artística”.
Quarto: a respeito da concepção de alfabetização, novamente, duas das três
professoras, Beija-flor e Socorro, demonstraram ter um conhecimento, mesmo que
ainda não muito aprofundado, sobre a complexidade do processo de alfabetização.
Denotam indícios de uma concepção construtivista, que aponta para a necessidade
de uma revisão dos objetivos da alfabetização de jovens e adultos, que não é
simplesmente decodificação de letras, mas, sobretudo, ensinar o valor social da
linguagem e como fazer uso dela. Demonstram uma ampliação da visão do
alfabetizando para a leitura do mundo, da realidade e reconhecem também a
importância do processo de alfabetização para a formação do sujeito enquanto
cidadão ao perceber a necessidade de o alfabetizando fazer o uso da leitura e da
escrita para ultrapassar o rudimentar uso do código escrito e experienciar um amplo
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 110
campo de práticas de leitura e escrita na perspectiva e na concepção da
alfabetização como letramento.
E, por fim, sobre a questão dos desafios enfrentados para alfabetizar jovens e
adultos, duas das três professoras, desta vez Maria e Socorro, apresentaram
semelhanças em seus depoimentos: ambas demonstraram que o maior desafio que
enfrentaram na 1ª etapa da EJA foi o de lidar com a heterogeneidade, caracterizada
pelo fato de haver alunos alfabetizados e outros não-alfabetizados em suas turmas.
No entanto, elas se distanciam na escolha da estratégia para enfrentar este desafio.
Maria dividiu a turma em dois grupos: um composto de alunos alfabetizados e outro
de não-alfabetizados, esperando, assim, conseguir dar mais atenção para o
segundo grupo, mas, ao contrário, conseguiu segregar os alfabetizandos ao invés de
ajudá-los. A Profª. Socorro, por sua vez, buscou a ajuda da própria turma,
envolvendo os alunos alfabetizados na tarefa de auxiliar os alfabetizandos. Uma
estratégia eficaz para o professor à medida que ele, ao dividir o desafio com a
turma, pode contemplar os interesses de todos; e harmoniosa porque une e
solidariza os colegas de classe.
Todo esse percurso, da formação inicial até os desafios docentes, serviu para
mostra que mesmo não tendo sido devidamente orientadas, nem preparadas para
atuar na EJA, as três professoras foram em busca de construir os saberes
necessários para trabalhar nesta modalidade de ensino: saberes sobre
planejamento, avaliação e, sobretudo, alfabetização para enfrentar os desafios que
lhes foram postos.
É possível relacionar o percurso vivido pelas professoras, sujeitos desta
pesquisa, ao segundo fio condutor de Tardif (2007): saber e trabalho. Conforme o
autor, o saber dos professores deve ser compreendido em íntima relação com o
trabalho deles na escola e na sala de aula, isto é, embora os professores utilizem
diferentes saberes, essa utilização se dá em função do seu trabalho e das situações,
condicionamentos e recursos ligados a esse trabalho. Em suma, o saber está a
serviço do trabalho. Isso significa que as relações dos professores com os saberes
nunca o relações estritamente cognitivas: são relações medidas pelo trabalho que
lhes fornece princípios para enfrentar e solucionar situações cotidianas.
Para Tardif (2007), essa ideia possui duas funções conceituais: em primeiro
lugar, visa a relacionar organicamente o saber à pessoa do trabalhador e ao seu
trabalho, àquilo que ele é e faz, mas também o que foi e fez, a fim de evitar desvios
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 111
em direção a concepções que não levem em conta sua incorporação num processo
de trabalho, dando ênfase à socialização na profissão docente e ao domínio
contextualizado da atividade de ensinar. Em segundo lugar, ela indica que o saber
do professor traz em si mesmo as marcas de seu trabalho, que ele não é somente
utilizado como um meio no trabalho, mas é produzido e modelado no e pelo
trabalho.
O autor ressalta que se trata, portanto, de um trabalho multidimensional que
incorpora elementos relativos à identidade pessoal e profissional do professor, à sua
situação socioprofissional, ao seu trabalho diário na escola e na sala de aula. Por
fim, compreende-se que o saber do trabalho o é um saber sobre o trabalho, mas
realmente do trabalho, com o qual ele faz corpo de acordo com formas múltiplas de
simbolização e de operacionalização dos gestos e das palavras necessárias à
realização concreta do trabalho. Estabelecer a distinção entre saber e trabalho é
uma operação analítica de pesquisador ou de engenheiro do trabalho, mas, para um
grande número de ofícios e profissões, essa distinção não é tão clara nem tão fácil
no processo dinâmico de trabalho.
Com base nos depoimentos das três professoras, percebe-se que elas
constroem seus saberes sobre alfabetização de jovens e adultos a partir de diversas
fontes: aprendizagem inicial da leitura e escrita, formação inicial e continuada e
experiência geral de trabalho no Magistério e experiência específica na EJA.
Essa consideração pode ser relacionada ao terceiro fio condutor de Tardif
(2007): diversidade do saber. De acordo com os estudos do autor, os professores,
quando questionados sobre seu saber referem-se a conhecimentos e um saber-
fazer pessoais, falam dos saberes curriculares, dos programas e dos livros didáticos,
apóiam-se em conhecimentos disciplinares relativos às matérias ensinadas, fiam-se
em sua própria experiência e apontam certos elementos de sua formação
profissional. Em suma, o saber dos professores é plural, compósito, heterogêneo,
porque envolve, no próprio exercício do trabalho, conhecimentos e um saber-fazer
bastante diversos, provenientes de fontes variadas e, provavelmente, de natureza
diferente.
Na visão de Tardif (2007), esse fio condutor relativo à diversidade do saber
dos professores permite também assinalar a natureza social desse mesmo saber.
De fato, os diversos saberes e o saber-fazer dos professores estão longe de serem
produzidos por eles mesmos ou de se originarem do seu trabalho cotidiano. Ao
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 112
contrário, o saber dos professores contém conhecimentos e um saber-fazer cuja
origem social é patente: provêm da família do professor, da escola que o formou e
de sua cultura pessoal; outros vêm das universidades ou das escolas normais;
outros estão ligados à instituição (programas, regras, princípios pedagógicos,
objetivos, finalidades); outros, ainda, provêm dos pares, dos cursos de formação
continuada. Nesse sentido, o saber profissional está, de um certo modo, na
confluência de vários saberes oriundos da sociedade, da instituição escolar, dos
outros atores educacionais, das universidades.
Segundo o referido autor, a consequência disso é que as relações que os
professores estabelecem com esses saberes geram, ao mesmo tempo, relações
sociais com os grupos, organizações e atores que os produzem. No tocante à
profissão docente, a relação cognitiva com o trabalho é acompanhada de uma
relação social: os professores não usam o “saber em si”, mas sim saberes
produzidos por esse ou por aquele grupo, oriundos dessa ou daquela instituição,
incorporados ao trabalho por meio desse ou daquele mecanismo social (formação,
currículos, instrumentos de trabalho). Por isso, ao se falar dos saberes dos
professores é necessário levar em consideração o que eles nos dizem a respeito de
suas relações sociais com esses grupos, instâncias, organizações. Os juízos
cognitivos que expressam no tocante aos seus diferentes saberes são, ao mesmo
tempo, juízos sociais. Eles consideram que o seu saber não pode ser separado de
uma definição do seu saber-ensinar, definição essa que consideram distinta ou
oposta às outras concepções do saber-ensinar atribuídas a esses grupos.
A partir do depoimento das professoras da Escola Municipal “São Judas
Tadeu”, é possível destacar que, dentre todas as fontes que compõem a construção
de seus saberes sobre alfabetização de jovens e adultos: experiência de
aprendizagem inicial da leitura e escrita, formação inicial e continuada e experiência
geral no Magistério e específica na EJA, certamente aquele que contribuiu de
maneira mais aprofundada e dinâmica foi a experiência de trabalho no Magistério,
sobretudo, a atuação específica na EJA.
Sobre esta questão, Candau (1998) compreende que é fundamental
considerar a importância do reconhecimento e valorização do saber docente no
âmbito das práticas de formação continuada, principalmente os saberes que se
fundam no trabalho cotidiano e no conhecimento de seu meio, ou seja, ressalta-se a
importância dos saberes construídos na prática.
ALMEIDA F. O. B Alfabetização de Jovens e Adultos Saberes Docentes em uma Escola Municipal de Ananindeua-PA 113
Conforme a referida autora, a diversificação do processo formativo dos
professores se funda principalmente nos saberes da experiência, da prática
cotidiana e do conhecimento do meio. São esses os saberes que surgem da
experiência e que poderão ser incorporados à vivência individual e coletiva, sob a
forma de hábitos e de habilidades, de saber fazer e de saber ser. Estes saberes
proporcionarão aos professores julgar a formação adquirida ao longo da vida
profissional, a sua pertinência ou o realismo dos planos e das propostas de reforma
que lhes são apresentadas, concebendo os modelos de excelência profissional.
Esses saberes experienciais constituem hoje a cultura docente em ação, que não
deve ser reduzida apenas no nível cognitivo.
Ao chegar à conclusão de que as três professoras da Escola Municipal “São
Judas Tadeu” constroem seus saberes sobre alfabetização de jovens e adultos,
fundamentalmente, por meio da experiência de trabalho, é possível estabelecer uma
relação com o quarto e último fio condutor de Tardif (2007). De acordo com o autor,
o fato de admitirmos que o saber dos professores não provém de uma fonte única,
mas de várias fontes e de diferentes momentos da história de vida e da carreira
profissional faz com que essa própria diversidade levante o problema da
hierarquização efetuada pelos professores. Por isso, o autor propõe as seguintes
questões: se que os professores se servem de todos esses saberes da mesma
maneira? Será que privilegiam certos saberes e consideram outros periféricos,
secundários, acessórios? Será que valorizam alguns saberes e desvalorizam
outros? Que princípios regem essas hierarquizações?
Segundo os estudos de Tardif (2007), os professores não colocam todos os
seus saberes em de igualdade, mas tendem a hierarquizá-los em função de sua
utilidade no ensino. Quanto menos utilizável no trabalho é um saber, menos valor
profissional parece ter. Nessa ótica, os saberes oriundos da experiência de trabalho
cotidiana parecem constituir o alicerce da prática e da competência profissionais,
pois essa experiência é, para o professor, a condição para a aquisição e produção
de seus próprios saberes profissionais. Ensinar é mobilizar uma ampla variedade de
saberes, reutilizando-os no trabalho para adaptá-los e transformá-los pelo e para o
trabalho. A experiência de trabalho, portanto, é apenas um espaço onde o professor
aplica saberes, sendo ela mesma saber do trabalho sobre saberes, em suma:
reflexividade, retomada, reprodução, reiteração daquilo que se sabe naquilo que se
sabe fazer, a fim de produzir sua própria prática profissional.
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Educação a Distância, 1999. p. 13 – 16.
FERREIRO, Emilia. Reflexões sobre alfabetização. Tradução: Horácio Gonzáles.
et al. 24. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
FREIRE, Paulo. A Importância do ato de ler. 12. ed. São Paulo: Cortez, 2001.
HADDAD, Sergio. A ação de governos locais na educação de jovens e adultos. In:
Revista Brasileira de Educação. São Paulo, v.12, n.35, p. 197-211, mai/ago.2007a.
______. A educação de pessoas jovens e adultas e a nova LDB. In: BRZEZINSKI,
Iria (Org.) LDB Interpretada: diversos olhares se entrecruzam. 10ª ed. São Paulo:
Cortez, 2007b. p.111-127.
LEAL, Telma Ferraz. O planejamento como estratégia de formação de professores:
organização e reflexão sobre o cotidiano da sala de aula. In: LEAL, Telma Ferraz;
ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia de (org.). Desafios da educação de
jovens e adultos: construindo práticas de alfabetização. 1 ed. Belo Horizonte:
Autêntica, 2007. p. 109-130.
LÜDKE, Menga; ANDRÉ, Marli. Pesquisa em educação: abordagens qualitativas.
São Paulo: EPU, 1986.
MACIEL, Francisca Izabel Pereira. Ser alfabetizado, estar alfabetizado: eis a
questão. In: Cadernos da TV Escola – Português. Vol. 1. Brasília: MEC, Secretaria
de Educação a Distancia, 1999. p. 17-25.
MENDES, Gilene Alves. Ananindeua: dos trilhos ao asfalto. Ananindeua: Gráfica
Salesianos, 2003.
MOURA, Tania Maria de Melo. Alfabetização e Letramento na formação de
alfabetizadores de jovens e adultos. In: MOURA, Tania Maria de Melo (org). A
formação de professores para a EJA: dilemas atuais. Belo Horizonte: Autêntica,
2007. p. 11-38.
ROSA, Ester Calland de Sousa. Relatos autobiográficos de leitura e alfabetização:
ouvindo professores para entender como pensam sobre o que ensinam. In: LEAL,
Telma Ferraz; ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia de (org.). Desafios da
educação de jovens e adultos: construindo práticas de alfabetização. 1 ed. Belo
Horizonte: Autêntica, 2007. p. 15-48.
SILVA, Alexsandro da; ANDRADE, Eliane Nascimento Souza de. O diagnóstico
como instrumento de acompanhamento das aprendizagens dos alunos e como
subsídio para a organização do trabalho pedagógico do professor-alfabetizador. In:
LEAL, Telma Ferraz; ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia de (org.). Desafios da
educação de jovens e adultos: construindo práticas de alfabetização. 1 ed. Belo
Horizonte: Autêntica, 2007. p. 131-150.
SOARES, Magda. Novas práticas de leitura e escrita: letramento na cibercultura. In:
Educação e Sociedade: Revista de Ciência da Educação. Vol.23. nº. 81. São
Paulo: Cortez, dez. de 2002. p.143-160
TARDIFF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 8. ed. Petrópolis,
RJ: Vozes, 2007.
TRIVIÑOS, Augusto Nibaldo da Silva. Introdução à Pesquisa em Ciências
Sociais. São Paulo: Atlas, 1987.
APÊNDICES
APÊNDICE A
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ÀS PROFESSORAS QUE
ATUARAM EM TURMAS DE 1ª ETAPA NA E. M. ‘SÃO JUDAS TADEU’
Título da Dissertação: ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: SABERES
DOCENTES EM UMA ESCOLA MUNICIPAL DE ANANINDEUA-PA
Pesquisador: FERNANDO OCTAVIO BARBOSA DE ALMEIDA
Orientadora: MARIA DO PERPÉTUO SOCORRO AVELINO DE FRANÇA
A presente pesquisa é uma dissertação de Mestrado que tem como objetivo analisar
como as professoras da Escola Municipal “São Judas Tadeu” constroem seus saberes sobre
alfabetização de jovens e adultos para atuar em turmas de 1ª etapa da EJA.
Convidamos você, professora, a participar desta pesquisa respondendo um conjunto
de perguntas, na forma de um questionário e uma entrevista semi-estruturada, que poderá
ser gravada ou registrada em um caderno pelo pesquisador, conforme sua autorização. As
perguntas são referentes a informações sobre seus hábitos como leitora, sua trajetória
profissional, sua atuação na Escola Municipal São Judas Tadeu” e seus saberes docentes
sobre alfabetização de jovens e adultos. Após a realização da entrevista e análise das
respostas, o pesquisador promoverá um encontro com você e os demais professores
entrevistados para que todos possam autorizar os trechos da entrevista que serão incluídos
no texto final da dissertação.
Para evitar a preocupação sobre a divulgação de seus dados, deixamos claro que as
informações obtidas têm como única finalidade a pesquisa e que os resultados obtidos
poderão ser apresentados em eventos científicos e publicados em revistas da área
acadêmica, não sendo divulgada qualquer informação que possa levar à sua identificação.
Neste sentido, você poderá escolher um pseudônimo para ocultar a sua identidade.
Com a participação nesta pesquisa, você poderá ampliar seus conhecimentos sobre
o tema da Alfabetização de Jovens e Adultos e, consequentemente, melhorar a qualidade
do seu trabalho como educador junto à comunidade em que atua. Não haverá despesas
pessoais para você, nem qualquer pagamento por sua participação durante a realização
desta pesquisa. Este trabalho será realizado com recursos do próprio pesquisador. A
qualquer momento você poderá optar por afastar-se da pesquisa e todo material gravado
e/ou anotado lhe será devolvido pelo pesquisador.
Se você tiver dúvidas e desejar esclarecimentos sobre esta pesquisa poderá entrar
em contato com o pesquisador: Professor Pedagogo Fernando Almeida, fones: 3247-5698
ou 8833-2946, nandoctavio@yahoo.com.br.
_____________________________________________________________________
Declaro que compreendi as informações que li ou que me foram explicadas sobre a
Pesquisa de Dissertação “Alfabetização de Jovens e Adultos: Saberes Docentes em uma
Escola Municipal de Ananindeua-Pa”. Estão claros para mim: quais são os objetivos desta
pesquisa, os procedimentos a serem realizados, as garantias de confidencialidade e de
esclarecimento permanente. Portanto, concordo em participar voluntariamente desta
pesquisa, sabendo que minha participação não acarretará despesas e nenhum tipo de
pagamento para mim e que posso retirar meu consentimento a qualquer momento, sem
penalidades ou prejuízos.
Belém, ________ de ___________ de 2009.
___________________________________________
Assinatura da Participante
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – MESTRADO
APÊNDICE – B: DADOS PESSOAIS E PROFISSIONAIS DAS PROFESSORAS
Nome completo: _______________________________________________________
Local e data de nascimento: ______________________________________________
Se não nasceu em Belém, com quantos anos veio para cá?
_____________________________________________________________________
Endereço: ____________________________________________________________
Estado civil: ___________________________________________________________
Tem filhos? Quantos? E netos? ___________________________________________
Formação:
Ensino Médio
( ) Habilitação Magistério
( ) Educação geral
Graduação
( ) Licenciatura em Pedagogia
( ) outra licenciatura: ___________________________________________________
Pós-graduação
( ) Especialização
( ) Mestrado
( ) Doutorado
Tempo de atuação no magistério: __________________________________________
Tempo de atuação na EJA: _______________________________________________
Período em que atuou na Escola Municipal “São Sebastião”: ____________________
Experiência profissional:
( ) Escola pública
( ) Escola privada
Além de professor (a), exerceu outra profissão? Qual(is)? Onde?
_____________________________________________________________________
Em quais redes de ensino você trabalha atualmente:
( ) Estadual
Cargo/função: ___________________________________ Carga horária: __________
Municipal
( ) Belém ( ) Ananindeua ( ) Marituba ( ) Outro ___________________
Cargo/função: ___________________________________ Carga horária: __________
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO PARÁ
PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO – MESTRADO
Título da Dissertação: “ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: SABERES
DOCENTES EM UMA ESCOLA MUNICIPAL DE ANANINDEUA-PA”
APÊNDICE – C: ROTEIRO DE ENTREVISTA SEMI-ESTRUTURADA
COM PROFESSORAS QUE ATUARAM EM TURMAS DE 1ª ETAPA DA EJA
I - A PROFESSORA COMO ALUNA
Fale sobre como você foi alfabetizada:
Como e com quem você aprendeu a ler e escrever? Com quantos anos?
Como era vista a alfabetização na época em que você aprendeu a ler e escrever?
Como eram as aulas? E o método de ensino, avaliação/prova?
Como era o/a seu/sua professor/a?
Você tinha aulas de leitura? Como eram? O que liam? Com que materiais trabalhavam?
O que se lia na época em que você era aluno/a?
Você gostava de ler? Quais as suas leituras preferidas?
Como se dava o acesso a essas leituras? (biblioteca, livraria, banca de revista)
E a escrita? Como era trabalhada?
Você gostava de escrever? O que escrevia quando era aluna?
II - A PROFESSORA COMO LEITORA
Fale sobre seus hábitos de leitura e escrita:
E hoje? Você gosta de ler? Por quê?
O que você lê? Onde você encontra este material? Que livros você já leu?
Como tem acesso à leitura (por meio de: bibliotecas públicas e/ou particulares, livrarias,
bancas de revista, salas de leitura, outros, etc.)?
Você gosta de escrever? O que você escreve?
III - A PROFESSORA COMO PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO
Fale sobre sua formação inicial e continuada:
Onde, quando e por que fez o curso de formação de professores?
Como foi a sua formação inicial?
E formação continuada? Você tem participado de alguma? Por quê? Quem promoveu?
Como essa formação tem contribuído para o seu trabalho pedagógico?
Como ingressou na carreira do magistério? Concurso público? Contrato? Indicação?
Como eram os salários? O exercício da profissão proporcionava sua subsistência?
Como era vista a profissão de professor na época em que você começou a trabalhar?
Sofria ou sofreu preconceitos no exercício da profissão? Por quê? Como?
IV - A PROFESSORA E A ESCOLA MUNICIPAL “SÃO JUDAS TADEU”:
Fale sobre como é trabalhar nesta escola:
Como surgiu a Escola Municipal “São Judas Tadeu”? Você sabe qual a sua origem?
Há quanto tempo e por que trabalha ou trabalhou nesta escola?
Quando você ingressou nesta escola como eram as condições de trabalho?
A estrutura física e os equipamentos existentes possibilitavam desenvolver satisfatoriamente
seu trabalho pedagógico? Comente.
Como você organizava o espaço escolar para desenvolver o seu trabalho?
Você recebia algum tipo de apoio para desenvolver o seu trabalho? De quem? Qual?
Como você vê esta escola atualmente?
Como esta escola interage com a realidade social local?
Qual a proposta pedagógica adotada na Escola Municipal “São Judas Tadeu”?
Existe ou existia algum projeto pedagógico na época em que você trabalhava com a EJA?
Você conhece o conteúdo desse projeto? Qual foi a sua participação na construção dele?
Como ele orienta(va) a sua prática pedagógica?
V - A PROFESSORA E SEUS SABERES SOBRE ALFABETIZAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS
Fale sobre como você alfabetiza(va):
Você planejava as atividades docentes para atender a(s) turma(s) de etapa? Como era o
seu planejamento?
Havia alunos dessas turmas que precisavam aprender a ler e escrever?
Você conseguiu alfabetizar esses alunos? Como?
Para você o que é Alfabetização? Como você utiliza essa forma de pensar na sua pratica
pedagógica?
Como você selecionava o conteúdo trabalhado nas disciplinas de 1ª etapa?
O que mais você priorizava no seu trabalho além dos conteúdos?
As experiências dos alunos eram aproveitadas em sala de aula? De que forma?
Que tipos de leitura trazia para a sala de aula?
Você utilizava livros em suas aulas? Que tipo de livros? Como você trabalhava com este
livro?
Qual a recepção dos alunos em relação aos livros ou textos adotados em sala?
Havia biblioteca ou sala de leitura na escola? Você e sua turma freqüentavam esse espaço?
Em que momento?
Além dos livros, você utilizava outros recursos? Que recursos didáticos você utilizava?
E a escrita? Como trabalhava com os alunos?
Como fazia para avaliar o nível de aprendizagem dos alunos?
VI - A PROFESSORA E OS ALUNOS DE 1ª ETAPA:
Fale sobre sua relação com os alunos da(s) turma(s) de 1ª etapa:
Qual a faixa etária dos alunos da(s) turma(s) de 1ª etapa da EJA?
Qual era a média de alunos quando você dava aulas para a turma de 1ª etapa?
Que critérios foram utilizados para enturmação?
Como era a relação professor-aluno na(s) turma(s) de etapa em que você atuou na
Escola Municipal “São Judas Tadeu”? E a relação aluno-aluno?
Que tipo de relações eram mais freqüentes em sala de aula: professor - aluno, aluno - aluno
e/ou aluno - professor?
Como era o perfil sócio-econômico dos seus alunos da turma de 1ª etapa? Descreva.
Como você via seus alunos? O que achava deles?
Como eram a freqüência, interesse e participação desses alunos nas atividades escolares?
O que eles achavam do seu trabalho como professor?
Havia alunos com necessidades especiais na sua turma? Como você trabalhou com esses
alunos? Quais as dificuldades enfrentadas nesse trabalho?
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