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mesmo. Conforme expõe Edward W. Said (1935-2003)
54
: "Primeiro: a música como forma
artística não é como a língua; as notas não significam uma coisa fixa, como as palavras
'gato ou cavalo'" (Said, In: Said; Barenboim, 2003, p. 181). Mário de Andrade, por sua vez,
aponta que a música não nos prende a determinadas questões ou imagens, o que seria
produto da sensibilidade de cada um
55
. E, ao se referir ao poder sugestivo do som,
declara que “apesar de sua ininteligibilidade essencial, se torna símbolo e evocação das
mais altas idéias e dos mais delicados sentimentos” (Andrade, 1980, p. 26).
Assim, para Mario de Andrade:
“Na música, como os sons não são representação de coisa alguma, e as
melodias são puras imagens sonoras de sentido próprio, o ritmo se apresenta
puro, indisfarçado, não desviado, contendo a sua significação em si mesmo.
Daí poder ele manifestar toda a sua violenta força dinamogênica sobre o
indivíduo e sobre a multidão” (Andrade, 1980, p.14, grifo nosso).
A saudosa musicista, pesquisadora e educadora, Maria de Lourdes Sekeff Zamprogna
(1934-2008) observa que a qualidade polissêmica
56
da música - com seus sentidos plurais
e simbólicos - alcança múltiplos aspectos da dimensão humana, tais como o físico,
mental, espiritual, social e emocional. Ensina que a música não seria apenas uma
combinação de sons, ruído e silêncio, com fins estéticos, mas também recurso de
‘expressão’ (de sentimentos, idéias, valores, cultura, ideologia), de ‘comunicação’ (interna
e externa), de ‘gratificação’ (psíquica, emocional, artística), de ‘mobilização’ (física,
motora, afetiva, intelectual) e de ‘auto-realização'
57
. E, além de servir de recurso
educacional, a ciência contemporânea reconhece a atuação psicofisiológica da música e
sua importância no campo da saúde, agindo por meio de elementos como o ritmo,
melodia e harmonia que “tem sempre o poder de nos alcançar, e contra isso somos
relativamente indefesos” (Sekeff, 2007, p. 24).
54
SAID, Edward W.. Barenboim e o tabu Wagner. In: BARENBOIM, Daniel; SAID, Edward W.. Paralelos e
Paradoxos. Reflexões sobre música e sociedade. São Paulo: Companhia das Letras, 2003, p. 177-188.
55
ANDRADE, Mario de. Terapêutica Musical. In: _____ Namoros Com a Medicina. 4ª ed. São Paulo:
Martins Ed., 1980, p. 19-20 e 26.
56
Polissemia: trata-se de termo que diz respeito aos diversos sentidos de uma palavra, e bastante
utilizado para se referir à música. “Cada lexia pode possuir significados variáveis ou invariáveis,
segundo o seu sentido geral, conforme a visão do mundo de uma classe social pertencente a uma
determinada formação social e num momento histórico dado e consoante o vocabulário utilizado pelos
indivíduos componentes dos diversos grupos sócio-profissionais de uma formação social concreta.” Cf.
CONTIER, Arnaldo D.. Imprensa e Ideologia em São Paulo (1822-1842). Petrópolis: Vozes; Campinas:
Universidade Estadual de Campinas, 1979, p. 21.
57
SEKEFF, Maria de Lourdes. Da Música – Seus Usos e Recursos. 2ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Ed.
UNESP, 2007, p. 14, 18-9, 24, 32-35.