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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO
PUC - SP
MARCOS VINÍCIO RAISER DA CRUZ
A MULTA DIÁRIA COMO MEIO DE COERÇÃO PARA A
EFETIVAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL QUE IMPÕE ÀS
PARTES OBRIGAÇÃO DE FAZER, NÃO FAZER OU ENTREGAR
COISA CERTA
MESTRADO EM DIREITO
SÃO PAULO
2010
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MARCOS VINÍCIO RAISER DA CRUZ
A MULTA DIÁRIA COMO MEIO DE COERÇÃO PARA A
EFETIVAÇÃO DA TUTELA JURISDICIONAL QUE IMPÕE ÀS
PARTES OBRIGAÇÃO DE FAZER, NÃO FAZER OU ENTREGAR
COISA CERTA
MESTRADO EM DIREITO
Dissertação apresentada à Banca Examinadora da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo,
como exigência parcial para obtenção do título de
Mestre em Direito, sob a orientação da Professora
Teresa Arruda Alvim Wambier.
SÃO PAULO
2010
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FOLHA DE APROVAÇÃO
Banca Examinadora
__________________________________________
__________________________________________
__________________________________________
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Antonio e Marina, à minha esposa
Daniela e aos meus filhos Rodrigo e Lívia, luzes
na minha vida.
Aos amigos Luis Cláudio Casanova,
Konstantinos Jean Andreopoulos e Luiz Eduardo
Caram Garcia, pela fraternal convivência nos
últimos dez anos.
AGRADECIMENTO
À Professora Teresa Arruda Alvim Wambier,
ilustre e incansável orientadora, meu sincero
agradecimento pelo apoio, incentivo e paciência
ao longo de todo o curso de Mestrado.
RESUMO
O presente trabalho tem por finalidade o estudo da utilização da multa diária
prevista no art. 461 do Código de Processo Civil Brasileiro astreintes imposta ao
réu como meio de conferir efetividade às decisões judiciais que determinam o
cumprimento de obrigação de fazer, não fazer e de dar. Não temos a pretensão de
exaurir o tema.
O tema chama a atenção em razão da constatação de que, no cotidiano
forense, não raras vezes, as cifras resultantes da imposição de multa periódica são
manifestamente desproporcionais ao bem da vida perseguido no processo, tornando
atraente para a parte beneficiária abandonar seu objetivo principal e mostrar-se mais
interessada no recebimento das astreintes.
As astreintes, em razão de sua indiscutível natureza cominatória, devem
pressionar o devedor a cumprir, de maneira célere e espontânea, a obrigação que lhe
foi imposta em decisão judicial e merecem ser arbitradas sem menosprezo ou
exagero. Apesar de haver certo consenso entre os doutrinadores de que não existe
limite de valor, com fundamento nos princípios da proporcionalidade e da equidade,
é importante que a multa fixada pelo Juiz seja compatível e que guarde certa relação
com a obrigação a ser exigida do devedor. O objetivo da multa não é, nem nunca foi,
o de proporcionar o enriquecimento ilícito a quem quer que seja, que ela reverte
para o autor da ação.
Demonstraremos, na conclusão, que tendo as astreintes natureza jurídica e
finalidade próprias, não devem ser utilizadas como instrumento ou como meio para a
punição do devedor renitente, que para esta finalidade o Código de Processo Civil
Brasileiro dispõe de ferramenta própria, ou seja, a multa por ato atentatório ao
exercício da jurisdição, multa esta que, além de possuir limite fixado em lei (20% do
valor da causa), o que não ocorre com as astreintes como dissemos acima, tem
destinatário diverso desta, ou seja, a União ou Estado.
Palavras-chave: astreintes; multa cominatória; contempt of court; ato atentatório à
dignidade da jurisdição.
ABSTRACT
The aim of this essay is to study the applicability of the daily fine stated
by article 461 of the Brazilian Civil Procedure Code – astreintes – that can be
imposed to a defendant, to assure the obedience of a court ruling regarding an
obligation to do something, to not do something, or to give something to someone.
We do not have the ambition of completely cover the subject.
The subject calls attention because in several occasions, most of the
parties, benefited by a daily fine, deviate from the main goal of the lawsuit to pursue
only the astreintes, because its value, timely increased, became so disproportional in
comparison to the value of the matter in discussion, that such matter is no longer
appealing.
The astreintes, considering its indubitable comminatory nature, shall
comply the debtor to fulfill, rapidly and willingly, the obligation imposed by the
court ruling and it has to have a daily value defined with no understatement or
exaggeration.
Despite the fact that the experts agree upon the non existence of a
maximum value, considering the law principles of proportionality and equitableness,
it is important that the fine fixed by the Judge be compatible with the case and
remains suitable with the obligation to be demanded from the debtor. The reason of
the fine is not, and never was, to grant a unjust enrichment to anyone, considering
that it benefits, mostly, the plaintiff.
We will show, in the conclusion, that the astreintes, having a judicial
nature and a specific goal, shall not be used as a way or an instrument to punish the
unwilling debtor, once the Brazilian Civil Procedure Code, to such purpose, already
has a more suitable alternative, which is the fine for contempt of court, that besides
having its value defined by law (20% of the case value), what does not apply to the
astreintes as above mentioned, has a different beneficiary, because the amount would
be paid to the State.
Keywords: astreintes - comminatory fine contempt of court act in disregard of
the Court’s dignity
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.....................................................................................................08
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O TEMA DESTA DISSERTAÇÃO E O
PLANO DE TRABALHO DO ESTUDO...................................................................08
1.2 METODOLOGIA ADOTADA............................................................................12
2. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA MULTA DIÁRIA MEDIDA
COERCITIVA, PUNITIVA OU RESSARCITÓRIA?.........................................13
3. A MULTA DIÁRIA NO DIREITO ESTRANGEIRO......................................17
4. A MULTA DIÁRIA NO DIREITO BRASILEIRO EVOLUÇÃO NO
NOSSO ORDENAMENTO JURIDICO.................................................................24
5. A PREOCUPAÇÃO COM A EFETIVIDADE DAS DECISÕES
JUDICIAIS................................................................................................................28
6. CAMPO DE APLICAÇÃO DA MULTA DIÁRIA...........................................34
6.1 OBRIGAÇÃO DE FAZER...................................................................................34
6.2 OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER.........................................................................37
6.3 OBRIGAÇÃO DE DAR.......................................................................................40
7. A INICIATIVA PARA IMPOSIÇÃO DA MULTA – DE OFÍCIO OU A
REQUERIMENTO DA PARTE?...........................................................................45
8. PESSOAS SUJEITAS À MULTA FAZENDA PÚBLICA, BENEFICIÁRIO
DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA E O TERCEIRO ESTRANHO AO
PROCESSO...............................................................................................................50
9. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DO VALOR DAS ASTREINTES................ 59
10. O PRAZO RAZOÁVEL PARA CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO E O
TERMO INICIAL DAS ASTREINTES..................................................................70
11. TERMO FINAL DAS ASTREINTES...............................................................76
12. MOMENTO DE SUA EXIGIBILIDADE........................................................78
13. PERIODICIDADE DE INCIDÊNCIA.............................................................85
14. A REVISÃO DO VALOR DA MULTA...........................................................89
15. A MULTA, EM CASO DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.....................92
16. O PROCEDIMENTO PARA A COBRANÇA DAS ASTREINTES..............98
17. CONCLUSÃO...................................................................................................104
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..................................................................109
8
1. INTRODUÇÃO
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE O TEMA DESTA DISSERTAÇÃO
E O PLANO DE TRABALHO DO ESTUDO
O presente trabalho tem por finalidade o estudo da utilização da multa
diária astreintes
1
– imposta às partes como meio de efetivação das decisões
judiciais que determinam o cumprimento de obrigação de fazer, não fazer e de dar.
O tema chama a atenção em razão da constatação de que, no cotidiano
forense, não raras vezes, as cifras resultantes da imposição de multa são
manifestamente desproporcionais ao bem da vida perseguido no processo, tornando
atraente para a parte beneficiária abandonar seu objetivo principal e mostrar-se mais
interessada no recebimento das astreintes.
É comum, também, a utilização do instituto das astreintes com a
finalidade precípua de punir o devedor renitente ao atendimento da ordem judicial,
ocorrendo assim o desvio de finalidade da multa coercitiva.
As astreintes, em razão de sua indiscutível natureza cominatória, devem
pressionar o devedor a cumprir, de maneira célere e espontânea, a obrigação que lhe
foi imposta em decisão judicial e merecem ser arbitradas sem menosprezo ou
exagero. Apesar de haver certo consenso entre os doutrinadores de que não existe
limite para o seu valor, com fundamento nos princípios da proporcionalidade e da
equidade, é importante que seja compatível e que guarde uma certa relação com a
obrigação exigida do devedor. O objetivo da multa não é, nem nunca foi, o de
proporcionar o enriquecimento ilícito a quem quer que seja e muito menos punir o
devedor renitente.
1
O vocábulo astreintes é de origem francesa e tem sido mantido nos outros idiomas porque “no es de
traducción cil; por outra parte, el uso de la misma se generalizado em nuestro léxico jurídico”,
como observa Santiago Cunchillios y Manterola, tradutor da obra de Josserand. Couture também não
conseguiu vocábulo na língua castelhana: Astreintes definición: Voz francesa que se usa como
sinônimo de compulsión, constricción” (cf OLIVEIRA, Francisco Antônio de. Das astreintes e seu
poder de persuasão. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, São Paulo,
n. 3, 1992, p. 24-31. Disponível em: <http://trt15.gov.br/escola_da_magistratura/Rev3Art5.pdf>).
9
Sempre buscando a efetividade, o legislador pátrio, por meio das Leis
8.952/1994 e 10.444/2002, realizou mudanças no instituto denominado astreintes.
Posteriormente, a Lei 11.232/2005 introduziu alterações no procedimento para a
execução da multa por descumprimento de obrigação de fazer, não fazer e dar, razão
pela qual seria impróprio fazer um resumo das mudanças nesta breve introdução.
Assim sendo, somente ao longo do desenvolvimento do trabalho detalhar-se-ão quais
as mudanças introduzidas por essas normas.
Este trabalho trata, portanto, da multa diária como meio de coerção para
efetivação da tutela jurisdicional. Não tem a intenção de esgotar o tema. Não é um
tratado. Todavia, de forma singela, se propõe a contribuir com uma análise crítica e
colaborar nos debates e discussões acerca do instituto, visando contribuir para o
aperfeiçoamento do Direito Processual Civil.
Em franca discussão acadêmica dá-se importância à busca de caminhos
que levem à celeridade e à efetividade do processo.
Processo efetivo nada mais é do que aquele que consegue não somente
reconhecer um direito material em tempo hábil, mas também proporcionar ao seu
titular o exercício de tal direito.
Sobre a exata noção de efetividade do processo, importante trazer à tona
os ensinamentos de Luiz Rodrigues Wambier e Teresa Arruda Alvim Wambier:
“O direito ao processo, portanto, com o tônus da efetividade,
pertence ao conjunto desses direitos, ditos fundamentais, que estão
ligados ao conceito de dignidade humana, princípio sobre o qual
está assentada a estrutura do Estado brasileiro (art. 1º, inc. III, da
Constituição Federal).
2
2
WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Anotações sobre a efetividade do
processo. Consulex, Brasília, DF, ano VII, n. 150, 2003, p. 54.
10
Assim sendo, se o processo não é efetivo, ou seja, se não se respeita a
máxima de que o processo deve proporcionar à parte exata e precisamente aquilo a
que ela tem direito, a “frustração” do sistema. Igualmente “frustração” do
sistema quando a parte se torna mais interessada em receber o valor da multa
cominatória do que em receber o próprio bem da vida perseguido no processo.
Portanto, a efetividade do processo decorre da sua própria natureza
instrumental sem perder de vista o fator temporal. Processo efetivo, pois, é aquele
que proporciona a rápida e integral satisfação da justa pretensão deduzida em juízo;
ou ainda, que possibilita a entrega da prestação jurisdicional em tempo hábil e de
forma justa.
Aliás, como adverte Paulo Henrique dos Santos Lucon:
“É sabido e ressabido que a prestação jurisdicional intempestiva de
nada ou pouco adianta para a parte que tem razão, constituindo
verdadeira denegação de justiça; como efeito secundário e reflexo,
a demora do processo desprestigia o Poder Judiciário e desvaloriza
todos os operadores do direito. O processo com duração excessiva
tem efeitos sociais graves, que as pessoas se vêem
desestimuladas a cumprir a lei, quando sabem que outras a
descumprem reiteradamente e obtêm manifestas vantagens, das
mais diversas naturezas”.
3
A morosidade da Justiça, longe de ser um problema exclusivamente
brasileiro, é uma realidade mundial.
4
É uma crítica dura, mas o autor gostaria que
não houvesse o que a doutrina denomina crise de efetividade”. É mais comum do
que se imagina e se deseja consultarmos processos judiciais onde após um longo
tempo de espera e batalha nos tribunais se constata a existência de decisões judiciais
não cumpridas de forma satisfatória.
3
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Embargos à execução. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 877.
4
“A morosidade processual não é um privilégio ou defeito do processo brasileiro. Antes de ser uma
mazela nacional, em verdade, trata-se de uma agrura quase universal. Com exceção dos países de
origem no sistema anglo-saxônico, mas no resto do mundo, todos sofrem com a demora na prestação
jurisdicional”. (GUERRA, Luiz Antonio. Novo Processo de Execução Brasileiro: alterações
introduzidas pela Lei 11.382, de 6.12.2006: a quase ordinarização do Processo de Execução.
Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br>, acesso em 21.11.2007)
11
O anseio pela efetividade da prestação jurisdicional existe em
decorrência de uma demanda da sociedade, que almeja o direito na prática e exige
mais celeridade do Poder Judiciário. Assim, os operadores do direito, motivando os
legisladores pátrios a realizar inúmeras reformas na legislação, fizeram com que a
“efetividade do processo” se tornasse “palavra de ordem no moderno processo
civil”
5
.
Entretanto, de nada adianta um Judiciário que decida com rapidez e
justiça e diga a quem pertence um direito, se não consegue transformar tal
pronunciamento em um bem da vida, recebido pela parte interessada no menor tempo
possível.
Essa é a análise crítica que se pretende fazer neste estudo: a imposição da
multa cominatória, de fato, auxilia no recebimento do bem da vida?
Como visto anteriormente, não se pretende aqui esgotar totalmente o
assunto. Certamente, hoje não se pode mais pensar o mundo do Direito de maneira
estática. Com efeito, a filosofia e a ciência jurídica contemporânea exigem essa
mudança de atitude por parte do pesquisador.
Feitas essas considerações iniciais, é indispensável delimitar o objeto
deste estudo e a forma de abordagem do tema.
O presente trabalho se inicia com o estudo do conceito e da natureza
jurídica da multa diária, seguido de um breve estudo do instituto no direito
estrangeiro, e, posteriormente, no direito brasileiro.
Após, enfrentar-se-á a questão da preocupação com a efetividade das
decisões judiciais nos dias atuais.
Serão objeto de estudo o campo de aplicação da multa diária, a iniciativa
para imposição da multa, as pessoas sujeitas à multa cominatória, a tormentosa
questão da fixação do valor da multa, sua possibilidade de revisão, seu termo inicial,
a periodicidade de sua aplicação, e, por fim, o procedimento para cobrança da multa
diária.
5
TESHEINER, José Maria Rosa. Limites da coerção judicial (limites do artigo 461 do CPC).
Disponível em: <http://www.tex.pro.br/wwwroot/curso/execucao/limitesdacoercaojudicial.htm>,
acesso em 10.11.2006.
12
O trabalho é encerrado com a necessária conclusão, onde se fará uma
breve análise dos resultados deste estudo, com a devida observação a respeito da
adequação ou não das modificações introduzidas pelas Leis 10.444/2002 e
11.232/2005 no que diz respeito à multa por descumprimento de obrigação de fazer,
não fazer e dar.
Com isso, se bem resultar a empreitada, estar-se-á trazendo para o Direito
Processual Civil uma pequena contribuição no sentido de estimular os debates
visando sempre à efetividade dos provimentos jurisdicionais, como forma de
respeitar a dignidade do cidadão que recorre ao Poder Judiciário para buscar a
justiça.
1.2 METODOLOGIA ADOTADA
Antes de expor a principal orientação metodológica que norteia este
trabalho, torna-se necessário reafirmar a primeira regra de todo método: não se pode
compreender o que se encontra se não se sabe o que se procura.
Com o intuito de facilitar o exame jurídico do instituto das astreintes,
realizar-se-á abordagem pautada nos mais diversos métodos científicos.
Como se observará da leitura deste trabalho, não se limitará o autor
apenas ao método dedutivo, uma vez que não somente uma maneira de raciocínio
capaz de dar conta do complexo mundo das investigações científicas. Com feito, será
utilizado o método indutivo, o dialético e, também, o fenomenológico.
6
6
Método dedutivo é método proposto pelos racionalistas Descartes, Spinoza e Leibniz, que pressupõe
que a razão é capaz de levar ao conhecimento verdadeiro. O raciocínio dedutivo tem o objetivo de
explicar o conteúdo das premissas. Por intermédio de uma cadeia de raciocínio em ordem descendente
de análise do geral para o particular, chega-se a uma conclusão. Método indutivo é o método proposto
pelos empiristas Bacon, Hobbes, Locke e Hume. Consideram que o conhecimento é fundamentado na
experiência, não levando em conta princípios preestabelecidos. No raciocínio indutivo, a
generalização deriva de observações de casos da realidade concreta. As constatações particulares
levam à elaboração de generalizações. O método dialético fundamenta-se na dialética proposta por
Hegel, na qual as contradições se transcendem, dando origem a novas contradições, que passam a
requerer solução. É um método de interpretação dinâmica e totalizante da realidade. Considera que os
fatos não podem ser considerados fora de um contexto social, político, econômico, etc. Método
fenomenológico, preconizado por Husserl, não é dedutivo e nem indutivo. Preocupa-se com a
descrição direta da experiência tal como ela é. A realidade é construída socialmente e entendida como
o compreendido, o interpretado, o comunicado. (GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de
pesquisa. São Paulo: Atlas, 1999)
13
2. CONCEITO E NATUREZA JURÍDICA DA MULTA DIÁRIA
MEDIDA COERCITIVA, PUNITIVA OU RESSARCITÓRIA?
A multa diária, ou astreintes, instituto originado no direito francês, é um
meio de coagir e pressionar o destinatário de uma ordem judicial para que a cumpra,
de maneira célere e por si mesmo, evitando a realização do ato por outra pessoa.
Caso contrário, sofrerá perda em seu patrimônio.
As astreintes, na doutrina de Sérgio Cruz Arenhart, lembrando o francês
Roger Perrot, “são um meio de pressão que consiste em condenar um devedor sujeito
a adimplir uma obrigação, resultante de uma decisão judicial, a pagar uma soma em
dinheiro, por vezes pequena, que pode aumentar a proporções bastante elevadas com
o passar do tempo e com o multiplicar-se das violações”.
7
Aqui cumpre, desde logo, esclarecer que Alexandre Freitas Câmara não
concorda com o termo multa diária. Para ele, o mais correto seria se falar em multa
periódica, visto que elas podem ser fixadas com periodicidade diversa da diária.
Confira-se:
“Denomina-se astreintes a multa periódica pelo atraso no
cumprimento de obrigação de fazer ou de não fazer, incidente em
processo executivo (ou na fase executiva de um processo misto),
fundada em título executivo judicial ou extrajudicial, e que cumpre
a função de pressionar psicologicamente o executado, para que
cumpra sua prestação”.
8
(grifo nosso)
Couture
9
lembra que as astreintes se originam do verbo francês
astreindere, que por sua vez deriva do latim astringere, que significa apertar,
obrigar, pressionar, compelir, constranger.
7
ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000, p. 192.
8
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2004,
v. 2, p. 261.
9
COUTURE, Eduardo. Vocabulário jurídico. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1976.
14
Por sua vez, Marcel Planiol e Georges Ripert lecionam que:
“Chamam-se de astreintes às condenações monetárias ditadas em
razão de determinada quantidade por dia de atraso (ou por qualquer
outra unidade de tempo apropriada às circunstâncias) e destinadas
a obter do devedor a execução de uma obrigação de fazer, pela
ameaça de uma pena considerável, suscetível de aumentar
indefinidamente. O que caracteriza esta medida de coerção é,
portanto, o exagero do montante da indenização, que de maneira
nenhuma representa o prejuízo causado ao credor por efeito do
atraso, e que nem sequer supõe a existência desse prejuízo. A soma
assim fixada é uma verdadeira pena, pronunciada a título
cominatório e em caso de que o devedor não cumpra sua
obrigação no prazo fixado pelo tribunal”.
10
Percebe-se que o objetivo principal das astreintes não é o de obrigar ou
condenar o devedor ao pagamento de multa, mas forçá-lo, constrangê-lo, ou compeli-
lo a cumprir a obrigação imposta de maneira espontânea, célere e exatamente na
forma como determinada pelo juiz.
Não são as astreintes uma pena imposta pelo juiz ou pelo Estado para
aquele que descumpriu ordem judicial ou não a cumpriu no prazo e forma fixados.
Luiz Guilherme Marinoni afirma:
“A multa não tem o objetivo de penalizar o réu que não cumpre a
ordem; o seu escopo é o de garantir a efetividade das ordens do
juiz. A imposição da multa para o cumprimento da ordem é
suficiente para realizar este escopo, pois a coerção está na ameaça
do pagamento e não na cobrança do valor da multa”.
11
10
Cf. CÂMARA, Alexandre Freitas. Direito Civil e Processo. In: Estudos em homenagem ao
Professor Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 1561.
11
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461 CPC e 84, CDC. ed. rev. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001, p. 110.
15
Também não têm, as astreintes, natureza reparatória, visto que não se
destinam a reparar ou a indenizar eventuais danos surgidos pelo descumprimento da
obrigação ou pelo atraso no cumprimento da ordem judicial.
Cândido Rangel Dinamarco
12
lembra que a multa que acompanha as
decisões judiciais impositivas de uma conduta ou da entrega de algo é um
mecanismo de coerção caracterizado pela pressão psicológica e financeira sobre o
devedor.
As astreintes, portanto, têm natureza – puramente – coercitiva, visto que
se destinam a forçar o cumprimento da obrigação de maneira espontânea e
diretamente pelo devedor, sem perseguirem ou estarem vinculadas a qualquer
questão reparatória ou indenizatória pelo atraso ou pelo descumprimento da ordem,
como prevê o § 2º do art. 461 do Código de Processo Civil.
Ou seja, se o devedor ultrapassou o prazo fixado pelo juiz para o
cumprimento da obrigação que lhe foi imposta com a fixação de multa e, por esta
razão (atraso), causou prejuízo ao credor, deverá arcar com o pagamento da multa e,
ainda, deverá suportar também o ônus de providenciar a integral reparação do dano
provocado diretamente por seu atraso ou demora.
O Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, em voto proferido no RESP
123.645-BA, observou que:
“As astreintes, originadas do direito francês, têm por objetivo
coagir o devedor, que foi condenado a praticar um ato ou a abster-
se da referida prática, a realizar o comando imposto pelo juiz. Elas
não correspondem a qualquer indenização por inadimplemento, e,
portanto, somente são incidíveis nas obrigações de fazer ou de não
fazer. Cuida-se, na verdade, de ‘meio coercitivo indireto’, para
usarmos de feliz expressão de Amaral Santos, podendo, inclusive,
levar o devedor à insolvência”.
13
12
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. ed. São Paulo:
Malheiros, 2009, v. IV, p. 471.
13
Superior Tribunal de Justiça, RESP 123.645-BA, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira,
julgamento em 23.09.1998, DJU 18.12.1998.
16
Barbosa Moreira bem explica a importância da multa para coagir o
devedor a cumprir a obrigação no tempo e modo como fixado pelo Juízo, ao afirmar
que:
“A ordem judicial de que o réu omita (ou cesse) a atividade ilícita,
a fim de ter eficiência prática, precisa ser assistida da cominação de
sanção (ou sanções) para o caso de descumprimento. A vontade do
réu é solicitada à ação pelo benefício que ele espera conseguir;
torna-se um contra-estímulo, que o induza à abstenção. O contra-
estímulo de consistir na ameaça de uma conseqüência
desvantajosa, e será suficientemente forte, em princípio, na medida
em que a desvantagem possa exceder o benefício visado. A
renúncia a este, vista naturalmente pelo réu como um mal, resultará
então do desejo de evitar mal maior.”
14
Alexandre Freitas Câmara bem resumiu a questão:
“A astreinte é um meio de coerção. Dito de outro modo, trata-se de
um mecanismo destinado a operar uma pressão psicológica sobre o
devedor, de forma a fazê-lo sentir-se pressionado a cumprir a
decisão judicial. Pode-se considerar, então, que, quando uma
decisão estabelece que um dever jurídico (de dar, fazer ou não
fazer) seja cumprido em determinado prazo sob pena de multa, o
ideal é que a multa jamais incida. O que se pretende é promover
coerção sobre o espírito do devedor para que, constrangido,
pressionado, sinta-se levado a cumprir o comando contido na
decisão dentro do prazo”.
15
14
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A tutela específica do credor nas obrigações negativas.
Temas de direito processual. 2ª série. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 38.
15
CÂMARA, Alexandre Freitas. Redução do valor da astreinte e efetividade do processo. In: Estudos
em homenagem ao Professor Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p.1560/1561.
17
3. A MULTA DIÁRIA NO DIREITO ESTRANGEIRO
Darci Guimarães Ribeiro
16
, ao escrever sobre a origem das astreintes no
direito francês, refere-se ao fato de que “o primeiro exemplo de que nos notícia a
jurisprudência francesa remonta a uma sentença do Tribunal de Gray, de março de
1811
17
. A consagração definitiva chegou com a decisão de la Cour de Cassation, em
dezembro de 1825, que considerou meramente cominatória uma sentença do tribunal
de Metz”.
18
Atualmente, no direito francês, a Lei 91-650, de 9 de julho de 1991,
define com clareza as características e o campo de atuação das astreintes. No
primeiro artigo da Seção 6 do Capítulo II, da referida lei –, intitulada “L’astreinte”,
está definido que “todo juiz pode, mesmo de ofício, ordenar uma astreinte para
assegurar a execução de sua decisão” (art. 33).
19
No artigo seguinte, ou seja, no art. 34, está definido que a astreinte
existe independentemente da indenização”.
20
16
RIBEIRO, Darci Guimarães. A Realização da Tutela Específica no Direito Comparado. Disponível
em: <http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/180906h.pdf>.
17
PLANIOL, M.; RIPERT, G.; ESMEIN, P. Traité pratique de droit civil français. Paris: Librairie
Générale de Droit et de Jurisprudence, t. VII, parte, n. 787, 1931, p. 84. Nesta sentença, o tribunal
condenava o demandado “à faire une rétractation publique à peine de 3 francs par jour de retard”.
18
De acordo com a opinião de PLANIOL, RIPERT e ESMEIN: “En 1824 on considéra comme
purement comminatoire un jegement du tribunal de Metz qui avait ordonné une restitution de pièces à
peine de 10 francs par jour de retard; le débiteur, qui avait fini par les livrer, aurait eu à payer plus
de 11.000 francs pour son retard; cette somme fut réduit à 400 francs” (Traité pratique de droit civil
français. Paris: Librairie Générale de Droit et de Jurisprudence, t. VII, parte, n. 787, 1931, p. 84 e
85).
19
Art. 33. Tout juge peut, même d'office, ordonner une astreinte pour assurer l'exécution de sa
décision.
20
Art. 34. L'astreinte est indépendant des dommages-intérêts. L'astreinte est provisoire ou définitive.
L'astreinte doit être considérée comme provisoire, à moins que le juge n'ait précisé son caractère
définitif. Une astreinte définitive ne peut être ordonnée qu'après le prononcé d'une astreinte
provisoire et pour une durée que le juge détermine. Si l'une de ces conditions n'a pas été respectée,
l'astreinte est liquidée comme une astreinte provisoire.
18
O art. 34 mostra que o legislador francês teve grande preocupação em
deixar claro que as astreintes não se confundem com a indenização por danos e
prejuízos que pudessem ter sido provocados pelo descumprimento ou pela demora no
cumprimento da ordem, visto que tal discussão sempre foi bastante presente na
doutrina e jurisprudência daquele país. Não duvida, atualmente, de que as
astreintes podem ser cumuladas com eventual indenização por perdas e danos.
A legislação francesa, no art. 33 da referida lei, define as astreintes da
seguinte forma:
“Astreinte. Condenação a uma soma de dinheiro, em fração de dia
(ou semana ou mês) de atraso, pronunciada pelo juiz de found ou
référés, contra um devedor inadimplente, com vias a compelir a
execução in natura da obrigação. Em princípio provisória, isto é,
sujeita a revisão, a astreinte pode ser definitiva se o tribunal assim
expressamente o decidir. Mas uma astreinte definitiva apenas pode
ser ordenada depois de uma astreinte provisória e por uma duração
que o juiz determinar. Todo juiz pode, mesmo de ofício, ordenar a
astreinte para assegurar a execução de sua decisão. O juiz de
execução recebeu poderes especiais neste domínio”.
As astreintes, do direito francês, guardam alguma semelhança com o
instituto do contempt of court do direito inglês, mas com ele não se confundem.
As astreintes têm natureza puramente coercitiva e o valor da multa
beneficia o credor da obrigação descumprida, enquanto no contempt of court
beneficia o Estado. de se destacar também que (como foi dito) as astreintes têm
natureza puramente coercitiva, enquanto o contempt of court tem natureza mista,
preponderantemente punitiva, mas também reparatória e coercitiva. O importante
aqui é reafirmar que os institutos não se confundem. Mais adiante o estudo da
diferença entre os citados institutos será retomado.
Mas voltando ao instituto do contempt of court, no direito inglês, aquele
contra quem foi expedida determinada ordem contendo obrigação de fazer ou não
fazer deve cumprir a obrigação no tempo e forma que lhe fora determinado pelo juiz.
19
Caso contrário, estará desafiando a autoridade do Poder Judiciário, razão pela qual
deve reparar o dano causado à credibilidade do Estado e não ao particular.
A injuction é a medida utilizada pelo direito inglês para determinar o
cumprimento das obrigações de fazer ou não fazer. Pode ser definida, segundo Bean,
como “an order of a court requiring a party either to do a specific act or acts (a
‘mandatory’ or positive injunction) or to refrain from doing a specif act or acts (a
‘prohibitory’ or negative injuction)”.
21
Conforme se viu, a ordem judicial, segundo disciplina a legislação
inglesa, pode determinar a realização de um ato (positive injunction) ou pode exigir
que a parte se abstenha de praticar uma conduta (prohibitory or negative injuction).
Concedida a injunction pelo juiz ou pelo tribunal, a parte é compelida a
cumprir a ordem, caso contrário incorrerá na conduta do contempt of court.
22
O contempt of court constitui um ato de desprezo pelo tribunal ou de
desobediência a uma ordem judicial, que, por interferir “with the administration of
justice, it is punishable, usually by fine or imprisonment”.
Assim, no direito inglês, a técnica do contempt of court é utilizada como
um instrumento bastante eficaz para conferir efetividade às decisões judiciais que
impõem à parte uma conduta de fazer ou não fazer determinada obrigação, visto que,
em casos extremos, o devedor renitente pode, inclusive, ser encarcerado, não por
deixar de fazer ou não fazer determinada conduta, mas sim por enfrentar e desafiar a
autoridade de uma decisão judicial.
Por outro lado, segundo esclarece Alcides de Lima Mendonça, no direito
italiano “as astreintes são repelidas pela doutrina e pela jurisprudência, apesar de, em
algumas leis esparsas, se ter pretendido encontrar a adoção de medida constritiva”.
23
21
BEAN, David. Injunctions. 6ª ed. London: Longman, 1994, cap. I, n. 1.1, p. 3.
22
Definido por DANGEL como: “a disregard of, or desobedience to, the rules or orders of a
legislative or judicial body, or an interruption of its proceeding by disorderly behavior or insolent
language, in its presence or so near thereto as to disturb the proceedings or to impair the respect due
to such a body”.
23
MENDONÇA, Alcides de Lima. Astreintes [verbete]. In: Enciclopédia Saraiva do Direito. São
Paulo: Saraiva, 1978.
20
Não há, portanto, no direito italiano, instituto similar às astreintes da
forma como elas foram concebidas originalmente na França e como atualmente o
instituto é utilizado no Brasil.
Talamini lembra que “construção idêntica à jurisprudência francesa das
astreintes não vingou, porém, na doutrina e jurisprudência da Itália. O sistema
italiano ficou despido de medidas coercitivas de aplicabilidade geral, tendentes à
consecução de direitos impassíveis de execução mediante sub-rogação restando
nesses casos a mera reparação pecuniária”.
24
No modelo italiano, as regras vigentes prestigiam meios não coercitivos
para o cumprimento das obrigações de fazer e o fazer, de modo que se o devedor
renitente não cumprir determinada ordem judicial estará sujeito a perdas e danos,
bem como a reparar os prejuízos causados.
Entretanto, boa parte da doutrina italiana percebeu que não existe uma
forma eficaz de satisfazer os interesses dos credores de obrigações de fazer
infungíveis e, especialmente, as de não fazer.
25
Esta foi uma das razões que levaram o Ministério da Justiça Italiano, em
dezembro de 1994, a constituir uma comissão de juristas presidida por Giuseppe
Tarzia, encarregada de elaborar reformas no Código de Processo Civil italiano, para
torná-lo mais célere e conferir maior efetividade às decisões judiciais.
24
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e o fazer: CPC, art. 461; CDC art.
84. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 58.
25
COMOGLIO: “L’insufficienza del sistema è palese, ove si consideri che le situazioni costituzionali,
per la loro ‘insostituibilità’, esigono una ‘tutela differenziata e qualificata’ che ne consenta la
‘reintegrazione’, per cosí dire, ‘in forma specifica’. (...) Al riguardo, va ribadita la necessità di una
‘reintegrazione in forma specifica’ delle situazioni soggettive costituzionali, intendendosi con tale
espressione qualcosa di piú e di diverso dal mero <risarcimento per equivalente> della loro
violazione, cioè la <realizzazione> concreta dell’<interesse costituzionalmente tutelato> dalle
singole guarentigie” (COMOGLIO, Luigi Paolo. La garanzia costituzionale dell’azione ed il
processo civile. Padova: Cedam, 1970, n. 14, p. 88-89 e nota 151).
21
Luiz Guilherme Marinoni, ao deparar-se com o problema enfrentado pelo
direito italiano, assim se manifestou:
“Se é certo que a tese de Pisani não é a melhor solução para o
problema da efetividade da tutela dos direitos, é inegável que os
direitos que dependem do cumprimento de obrigações infungíveis
ainda permanecem sem tutela adequada na Itália. Alguns
doutrinadores (Vitório Denti, entre outros) incentivam a introdução
de uma figura similar às astreintes no Código de Processo Civil
italiano, embora exista discussão sobre a possibilidade de emprego
dos meios coercitivos, de forma generalizada, em relação a todas as
obrigações de fazer infungíveis”.
26
(destaques no original)
Andrea Proto Pisani, ciente do problema, escreveu:
“No que concerne à multa coercitiva, a atipicidade do direito de
ação impõe, me parece, uma introdução também no nosso
ordenamento de um sistema atípico de multa coercitiva
(possivelmente em concurso e não em alternativa ao recurso em
forma de execução forçada na forma específica, assim como, por
exemplo, hoje expressamente previsto, mas em via atípica, nos
arts. 66 e 86 da Lei de Marcas e Patentes) sobre o modelo francês
da astreinte (...) a reforçar o desejo de tutela específica na situação
com referência àquela que historicamente se manifesta de modo
mais intenso a exigência de satisfação in natura”.
27
26
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461 CPC e 84, CDC. ed. rev. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001.
27
PISANI, Andréa Proto apud MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461 CPC e 84,
CDC. 2ª ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001.
22
A legislação portuguesa também admite a utilização da astreinte para
conferir efetividade às decisões judiciais. Nesse sentido, o Código Civil lusitano, em
seu art. 829-A, dispõe:
“ARTIGO 829º-A (Sanção pecuniária compulsória) 1. Nas
obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo,
salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas
do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o
devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de
atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais
conveniente às circunstâncias do caso. 2. A sanção pecuniária
compulsória prevista no número anterior será fixada segundo
critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que
houver lugar. 3. O montante da sanção pecuniária compulsória
destina-se, em parte iguais, ao credor e ao Estado. 4. Quando for
estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em
dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5%
ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em
julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem
também devidos, ou à indenização a que houver lugar”.
O art. 829-A foi introduzido no Código de Processo Civil Português por
meio do Decreto-Lei 262, de 16 de junho de 1983. A exposição de motivos do
referido decreto assim justificou a alteração legislativa:
“A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla
finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a
soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio
da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução
específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção
infungíveis. Quando se trate de obrigações ou de simples
pagamentos a efectuar em dinheiro corrente, a sanção compulsória
no pressuposto de que possa versar sobre quantia certa e
determinada e, também, a partir de uma data exacta (a do trânsito
em julgado) poderá funcionar automaticamente. Adopta-se, pois,
23
um modelo diverso para esses casos, muito similar à presunção
adoptada pelo legislador em matéria de juros, inclusive
moratórios, das obrigações pecuniárias, com vantagens de
segurança e certeza para o comércio jurídico”.
Importante destacar que, diferentemente do que dispõe a legislação
brasileira, o valor da multa devida pelo devedor renitente, em Portugal, destina-se,
em partes iguais, para o credor e para o Estado.
No que se refere ao inciso 4 do art. 829-A, o legislador português, com o
objetivo de estimular o devedor a cumprir, de maneira célere, a obrigação de pagar
quantia certa, criou pena adicional de juros à taxa de 5% ao ano, que serão devidos
desde a data em que a sentença transitar em julgado até a data de seu efetivo
pagamento.
Ou seja, se o devedor não cumprir a sentença que o condenou ao
pagamento de quantia certa, imediatamente após o trânsito em julgado da decisão,
além dos juros moratórios, pagará também juros adicionais de 5% ao ano, que serão
devidos independentemente de pedido no processo de conhecimento ou de previsão
expressa na sentença.
24
4. A MULTA DIÁRIA NO DIREITO BRASILEIRO – EVOLUÇÃO
NO NOSSO ORDENAMENTO JURÍDICO
Conforme dissemos, as astreintes nasceram no direito francês, a fim de
conferir efetividade às decisões judiciais que impõem ao devedor o cumprimento de
uma obrigação de dar, fazer ou não fazer. O legislador francês, no início do século
XIX, fez incluir na lei a possibilidade de o Estado-Juiz impor ao devedor uma multa
periódica, como forma de coerção, a fim de garantir a plenitude e a efetividade da
jurisdição.
No Brasil, a possibilidade de o juiz fixar multa periódica para coagir o
devedor renitente a cumprir a obrigação é conhecida há bastante tempo.
As Ordenações Afonsinas, Manoelinas e Filipinas possibilitavam ao juiz
proferir decisão com preceito cominatório, fixando multa a ser garantida com o
patrimônio do devedor, a fim de que este fosse chamado a adimplir a obrigação
fixada em sentença de forma célere.
Com o Código de Processo Civil de 1939, revogaram-se os códigos de
processo civis estaduais e disciplinou-se a ação cominatória em seu corpo,
permitindo ao autor promovê-la para que o réu, sob pena de multa estabelecida no
contrato, ou em sua falta, aquela fixada pelo juiz, cumpra a obrigação de fazer ou não
fazer prevista em lei ou anteriormente ajustada pelas partes.
A ação cominatória no Código de Processo Civil de 1939 foi regulada
nos artigos 302 a 310.
Com a promulgação do Código de Processo Civil de 1973 e a
consequente revogação do Código de 1939, a ação cominatória foi extinta no direito
brasileiro.
Isso não quer dizer que teria desaparecido a possibilidade de o juiz
utilizar medidas coercitivas para conferir efetividade às obrigações de fazer e de não
fazer. As ações cautelares foram muito utilizadas com essa finalidade, mesmo que de
maneira desvirtuada e sem expressa previsão legal.
25
A preocupação com a efetividade das decisões judiciais e o exemplo da
legislação francesa
28
, que em meados de 1991 introduziu as astreintes no sistema
legal da forma como existem hoje no direito daquele país, fizeram surgir uma série
de reformas na legislação processual brasileira.
Antes mesmo das diversas reformas sofridas pelo Código de Processo
Civil Brasileiro, nos anos de 2001 e 2002, o referido diploma processual já previa em
seu art. 287 a possibilidade de aplicação de multa diária para cumprimento da
sentença, mas desde que houvesse expresso pedido do autor na petição inicial. Assim
dispunha o citado artigo:
“Art. 287. Se o autor pedir a condenação do réu a abster-se da
prática de algum ato, a tolerar alguma atividade, ou a prestar fato
que não possa ser realizado por terceiro, constará da petição inicial
a cominação de pena pecuniária para o caso de descumprimento da
sentença (arts. 644 e 645)”.
Em 13 de dezembro de 1994, foi promulgada a Lei 8.952, que deu nova
redação ao art. 461
29
do Código de Processo Civil e possibilitou ao juiz a imposição
de multa periódica ao réu, ainda que de forma liminar, a fim de coagi-lo ao
cumprimento célere de obrigação de fazer ou não fazer.
28
Lei 91-650, de 09 de julho de 1991.
29
Assim era a redação do dispositivo: “Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de
obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o
pedido, determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
§ A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a
tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.
§ 2º A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).
§ Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do
provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia,
citado o u. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão
fundamentada.
§ O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu,
independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe
prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ Para a efetivação da tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, pode
o juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a busca e apreensão,
remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras, impedimento de atividade nociva, além de
requisição de força policial.”
26
Guilherme Rizzo Amaral, comentando o citado dispositivo, observa com
muita propriedade que:
“Sem sombra de dúvida, a principal e mais importante previsão
legal para a medida passou a ser o artigo 461, § 4º, do Código de
Processo Civil brasileiro, que incorporou ao processo civil comum
a possibilidade de aplicação, independentemente de pedido do
autor, das astreintes, seja em sentença (como ocorria com o art. 287
do CPC), seja em antecipação da tutela, como já se previa no
Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90, artigo 84, § 4)”.
30
Por sua vez, os artigos
31
644 e 645 do Código de Processo Civil, também
com a redação dada pela Lei 8.953, de 13 de dezembro de 1994, previam a
possibilidade de fixação, modificação ou manutenção da multa diária em sede de
execução de título executivo judicial ou extrajudicial.
Prosseguindo com as reformas, a lei 10.444, de 07 de maio de 2002, deu
nova redação ao art. 461 e acrescentou o art. 461-A no Código de Processo Civil,
reafirmando no direito brasileiro a possibilidade de o juiz fixar multa periódica para
coagir o devedor renitente a cumprir obrigação, de fazer ou não fazer.
30
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: a multa do artigo 461 do
CPC e outras. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2004, p. 36.
31
Art. 644. Na execução em que o credor pedir o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer,
determinada em título judicial, o juiz, se omissa a sentença, fixará multa por dia de atraso e a data a
partir da qual ela será devida.
Parágrafo único. O valor da multa poderá ser modificado pelo juiz da execução, verificado que se
tornou insuficiente ou excessivo.
Art. 645. Na execução de obrigação de fazer ou não fazer, fundada em título extrajudicial, o juiz, ao
despachar a inicial, fixará multa por dia de atraso no cumprimento da obrigação e a data a partir da
qual será devida. Parágrafo único. Se o valor da multa estiver previsto no título, o juiz poderá reduzi-
lo se excessivo.
27
o art. 461-A
32
possibilitou ao juiz a fixação de multa para coagir o
devedor ao cumprimento de obrigação de dar.
Diversas e significativas foram as alterações introduzidas pela nova lei.
Dentre elas, destaca-se a previsão de multa por tempo de atraso, nova orientação
legislativa, visto que anteriormente só se previa a aplicação de multa diária.
Não se pode olvidar que a nova legislação também alterou a redação do
art. 287
33
do Código de Processo Civil, para o fim de permitir a cominação de multa
nas hipóteses de descumprimento de ordem que impõe ao réu tolerar, praticar ou
abster-se de determinado ato.
Por fim, houve alteração nas ações que têm por objeto a imposição de
obrigação de fazer, de não fazer ou de entrega de coisa, o que será objeto de estudo
mais adiante.
32
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz
concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que
assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.
§ A obrigação somente se converterá em perdas e danos se o autor o requerer ou se impossível a
tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.
§ 2º A indenização por perdas e danos dar-se-á sem prejuízo da multa (art. 287).
§ Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do
provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia,
citado o u. A medida liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão
fundamentada.
§ O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu,
independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe
prazo razoável para o cumprimento do preceito.
§ Para a efetivação da tutela específica ou a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o
juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como a imposição de multa
por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas, desfazimento de obras e
impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força policial.
§ O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se
tornou insuficiente ou excessiva.
33
Art. 287. Se o autor pedir que seja imposta ao réu a abstenção da prática de algum ato, tolerar
alguma atividade, prestar ato ou entregar coisa, poderá requerer cominação de pena pecuniária para o
caso de descumprimento da sentença ou da decisão antecipatória de tutela (arts. 461, § 4º, e 461-A).
28
5. A PREOCUPAÇÃO COM A EFETIVIDADE DAS DECISÕES
JUDICIAIS
Humberto Theodoro Júnior lembra que:
“O mundo civilizado, em seus principais países, assiste a um
clamor contra a pouca eficiência da justiça oficial para solucionar a
contento os litígios que lhe são submetidos. Conseqüência imediata
desse quadro de insatisfação social é a onda de reforma das leis
processuais da qual não escapa ninguém, nem mesmo aqueles
povos que se gabam de ter produzido, em campo da ciência
jurídica, monumentos gloriosos na edição de seus códigos. Por
mais que juristas e legisladores se esforcem por aperfeiçoar as leis
de processo, a censura da sociedade ao aparelhamento judiciário
parece sempre aumentar, dando a idéia de que o anseio de justiça
nas comunidades se esvai numa grande e generalizada
frustração.”
34
No Brasil, assistimos a esse mesmo clamor, a despeito de, no sentir do
autor deste trabalho, a situação ter melhorado bastante a partir de meados da década
de 1980.
Não se pode perder de vista que mais ou menos 40 anos, no Brasil, o
Presidente da República, Governadores e Prefeitos das capitais eram eleitos de
maneira indireta. Vivíamos no auge de uma ditadura militar.
O acesso ao Poder Judiciário era reservado a poucos. Alguns assuntos
sequer podiam ser levados ao conhecimento do Poder Judiciário. Eram épocas em
que o princípio da inafastabilidade da jurisdição não ecoava.
34
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Celeridade e Efetividade da Prestação Jurisdicional.
Insuficiência da Reforma das Leis Processuais. Revista Síntese de Direito Processual Civil, ano VI, n.
36, São Paulo, jul./ago. 2005, p. 19.
29
Para nossa sorte, depois de muito esforço, a situação mudou
significativamente. Hoje em dia vivemos em uma democracia, que se ainda não está
definitivamente consolidada, sem dúvida alguma passou por muitos e significativos
avanços. A situação econômica do povo brasileiro tem melhorado progressivamente,
a despeito de ainda verificarmos alguns grandes desafios, como o de diminuir a
imensa desigualdade social e o de universalizar educação de qualidade.
Mas, voltando ao tema central, da mesma forma, o acesso à justiça vem
se tornando cada vez mais uma realidade. O acesso à justiça a que nos referimos não
é aquele mediante o qual se ingressa com certa facilidade com uma demanda judicial,
mas sim aquele em que a prestação judicial cautelar e definitiva é entregue de
maneira célere, efetiva e com resultados individual e socialmente justos, pois é isso
que a população espera ao levar as lides para a solução do Estado-Juiz, que reservou
para si o poder de solucioná-las.
E a Constituição Federal de 1988 teve e tem um importante papel para
essas conquistas, visto que uma série de princípios de processo civil foram nela
esculpidos, com o objetivo de garantir a todos uma eficiente prestação jurisdicional.
João Batista Lopes lembra que:
“A constitucionalização do processo civil não é fenômeno de
nossos dias. Em recente estudo, Maria Elizabeth de Castro Lopes,
apoiada em Joan Pico I Junot, mostra que, já na primeira metade do
século passado, em países da Europa que experimentaram regimes
autoritários, houve a preocupação em constitucionalizar as
garantias mínimas do processo para impedir violações por parte de
legisladores futuros”.
35
35
LOPES, João Batista. Efetividade da Tutela Jurisdicional à Luz da Constitucionalização do
Processo Civil. Revista de Processo, n. 116, São Paulo, jul./ago. 2004, p. 31.
30
Por sua vez, Barbosa Moreira, redigiu um programa básico em favor da
efetividade do processo, assim constituído:
“a) (...) o processo deve dispor de instrumentos de tutela
adequados, na medida do possível, a todos os direitos (e outras
disposições jurídicas de vantagem) contemplados no ordenamento,
que resultam de expressa previsão normativa, que se possam inferir
no sistema;
b) esses instrumentos devem ser praticamente utilizáveis, ao menos
em princípio, sejam quais forem os supostos titulares dos direitos
(e das outras posições jurídicas de vantagem), de cuja preservação
ou reintegração se cogita, inclusive quando indeterminado ou
indeterminável o círculo dos eventuais sujeitos;
c) impende assegurar condições propícias à exata e completa
reconstituição dos fatos relevantes, a fim de que o convencimento
do julgador corresponda, tanto quanto puder, à realidade;
d) em toda a extensão da possibilidade prática, o resultado do
processo de ser tal que assegure à parte vitoriosa o gozo pleno
da específica utilidade a que faz jus segundo o ordenamento;
e) cumpre que se possa atingir semelhante resultado com o mínimo
dispêndio de tempo e energias”
36
A efetividade, segundo Moniz Aragão, surge no verbo latino efficere
(produzir, realizar) e “relacionado ao processo, o vocábulo traduz a preocupação com
a eficácia da lei processual, com a aptidão para gerar efeitos que dela é normal
esperar”.
37
36
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Notas sobre o problema da efetividade do processo. Revista
de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.
37
ARAGÃO, Monis. Efetividade do processo de execução. O processo de execução: Estudos em
homenagem ao Professor Alcides de Mendonça Lima. Porto Alegre: Fabris, 1995, p. 127.
31
Portanto, a efetividade do processo está intimamente ligada à clássica
lição de Chiovenda, para quem o processo deve dar a quem tem um direito tudo
aquilo e precisamente aquilo a que ele faz jus.
E firme nessa linha de raciocínio Humberto Theodoro Júnior entende
que:
a criação da antecipação de tutela genérica, do art. 273 do CPC, e
das medidas de apoio ao cumprimento das obrigações de fazer
e não fazer, do art. 461 do mesmo Código, representou, sem
dúvida, ao lado da maior largueza na configuração do título
executivo extrajudicial (art. 585, II), o maior passo dado pela
reforma de nosso direito processual civil em busca do ideal da
efetividade da prestação jurisdicional”.
38
(destacamos)
Não dúvida, portanto, de que as astreintes são um importante
instrumento para conferir efetividade ao processo civil moderno, ao procurar dobrar
e coagir o devedor, por meio da ameaça de confisco patrimonial, para que ele próprio
cumpra a obrigação de fazer, não fazer ou de dar, de maneira célere, possibilitando o
menor desgaste possível para a máquina do judiciário. Como bem percebeu
Chiovenda, a coação como aquela proporcionada por meio das astreintes
possibilita “influir sobre a vontade do obrigado para que se determine a prestar o que
deve de modo a conseguir para o credor o bem a que tem direito com a participação
do obrigado”.
39
Convém destacar, a seguir, importante manifestação do Ministro Teori
Albino Zavascki
40
, reconhecendo a importância da utilização das astreintes no direito
brasileiro para conferir efetividade às decisões judiciais, além de constatar ser
possível a sua utilização, em determinadas situações, para obrigar o devedor a
cumprir obrigações diversas daquelas para as quais o instituto foi originalmente
concebido, ou seja, de fazer, não fazer e dar.
38
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Execução Rumos Atuais do Processo Civil em Face da Busca
de Efetividade na Prestação Jurisdicional, RePro n. 93, janeiro-março de 1999, p. 31.
39
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução de Paolo Capitanio.
Campinas: Bookseller, 1998, v. 1, p. 349.
40
ZAVASCKI, Teori Albino. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, v. 8, p. 501/502.
32
Ressalta-se, apenas, que tal entendimento foi manifestado antes da
reforma de 2002, de modo que naquela oportunidade ainda não havia permissão legal
para a imposição de multa nas obrigações de dar ou entregar coisa certa.
“Restrições à utilização da coerção patrimonial – Em nosso sistema
codificado, as astreintes são meio de coerção exclusivo das ações
para o cumprimento de obrigação de fazer e de não fazer. É o que
decorre do disposto nos arts. 287, 461, § 4º, 644 e 645. Não se
prevê sua utilização para obter prestações de pagar quantia, nem de
entregar coisa. É significativa, todavia, a tendência jurisprudencial
no sentido de ampliar, para efeito de cominação de astreintes, o
conceito das obrigações de fazer, nelas incluindo, em determinadas
circunstâncias, espécies obrigacionais melhor enquadráveis
tecnicamente em outra classificação. Registra-se, no Superior
Tribunal de Justiça, precedente em que se considerou adequado o
procedimento executivo de obrigação de fazer (ensejando, em tese,
a adoção de astreintes) para demanda destinada a compelir empresa
a devolver notas promissórias pagas ao seu emitente. A rigor, o
que interessava ao demandante era o resultado (entrega das
cártulas) e não a atividade do devedor, de modo que a espécie
caracterizaria a obrigação de dar (entregar, restituir) e não de fazer.
Em outro precedente julgou-se como obrigação de fazer, sujeita a
aplicação de multa diária pelo atraso, aquela em que o demandado,
órgão da Previdência Social, fora compelido a corrigir o valor e a
proceder a correta implantação de benefício previdenciário devido
ao demandante. O que, a rigor, se pretendia, era, não a implantação
do benefício em si, mas o pagamento dos correspondentes
proventos mensais devidos. Obrigação de pagar, portanto, não de
fazer. Essa tendência jurisprudencial é reveladora das virtudes que
a multa diária tem como meio de coerção para a aplicação do
direito e abre caminho para a ampliação de seu campo de
incidência. Aliás, a Lei 9.099, de 26.09.1995, deu significativo
passo nesse sentido, ao ampliar o domínio das astreintes nas
execuções perante os Juizados Especiais, admitindo sua adoção
também para cumprimento de obrigação de dar (art. 52, v)”.
33
De qualquer forma, apesar da autoridade da decisão referida acima, de
autoria do Ministro Teori Zavascki, é sempre bom lembrar José Carlos Barbosa
Moreira
41
, para quem “as regras que autorizam o emprego de medidas coercitivas
não comportam aplicações em hipóteses não previstas em lei”.
41
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A tutela específica do credor nas obrigações negativas.
Temas de direito processual. 2ª série. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 43.
34
6. CAMPO DE APLICAÇÃO DA MULTA DIÁRIA
6.1 OBRIGAÇÃO DE FAZER
A obrigação de fazer, obligatio faciendi, é positiva, como a obrigação de
dar. Por ela, o devedor compromete-se a prestar uma atividade qualquer, lícita e
vantajosa, ao seu credor.
Segundo Arnaldo Rizzardo:
“O sentido de ‘fazer’ compreende a idéia de prestação, de trabalho,
de ação. um ato do devedor que deve ser feito. Está ele preso a
um compromisso. Cumpre-lhe que preste um serviço. E, assim,
combinam-se trabalhos a serem executados, seja de ordem física,
artística, científica ou intelectual”.
42
As obrigações de fazer envolvem ação humana conforme o limite físico e
psíquico de uma pessoa, ou até onde o direito permita. Consiste em uma realização
pessoal, de cunho material ou imaterial.
43
O compromisso de construção de uma casa
ou de um muro constitui uma obrigação de fazer no campo material. Contudo,
observa-se uma obrigação imaterial na contratação dos serviços de um renomado
médico para fazer uma importante cirurgia.
A obrigação pode ser chamada de intuitu personae quando leva em conta
as condições pessoais do devedor, seja por tratar-se de um técnico, ou por possuir
qualidades essenciais para cumprimento da obrigação. Exemplificando: quando
alguém contrata um intelectual (professor, escritor, pintor) observa-se que o credor
confia nas qualidades pessoais e nas aptidões do devedor.
42
RIZZARDO, Arnaldo. Direito das obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 1999, p. 119.
43
AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações. 10ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2004, p. 71.
35
Trata exatamente dessa questão Caio Mário da Silva Pereira: “Quando
alguém encomenda um quadro a um artista de nomeada, não pretende adquirir uma
tela qualquer, mas o trabalho executado por aquele artista, cujo nome, prestígio e
valor pessoal foram particularmente ponderados”.
44
Denomina-se obrigação de prestação infungível (insubstituível) quando
convencionado que só o devedor execute a prestação. Sendo assim, não está o credor
obrigado a aceitá-la de terceiros. Nesse caso, não se leva em conta somente o
resultado decorrente da execução, mas principalmente a pessoa que executa a
prestação.
Distinta, portanto, das obrigações de fazer fungíveis (substituíveis), onde
a prestação pode ser executada por terceiro. Entende-se a impossibilidade da
substituição do executor desde o momento em que o trabalho ou obra não possam ser
executados com as mesmas virtudes ou qualidades que se teria se a execução se
fizesse com a pessoa com quem se contratou.
A questão vem regulada no art. 247 do Novo Código Civil: “Incorre na
obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele
imposta, ou só por ele exeqüível”.
45
O artigo a impressão de que a regra, no direito brasileiro, é a de que,
se a obrigação for personalíssima, converte-se automaticamente a recusa do devedor
em perdas e danos. Contudo, não se reconhece na recusa do devedor a criação de
uma obrigação alternativa. Inexistindo no sistema a faculdade da recusa, deve a
prestação em espécie ser cumprida e para assegurá-la impõe-se a multa, da qual o
devedor somente se livrará se providenciar a execução daquilo a que se obrigou. “Só
em relação às obrigações de fazer naturalmente infungíveis não se poderá pensar em
seu cumprimento forçado e a única saída será a das astreintes ou da indenização por
perdas e danos”.
46
44
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Teoria Geral das Obrigações. 20ª. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 59.
45
Lei 10.406, publicada no D.O.U. em 11 de janeiro de 2002.
46
GRINOVER, Ada Pellegrini. A inafastabilidade do controle jurisdicional e uma nova modalidade
de autotutela. Revista Brasileira de Direito Constitucional RBDC, n. 10, São Paulo, jul./dez. 2007,
p. 16.
36
O art. 248, do mesmo diploma legal, disciplina que, impossibilitada a
prestação, sem culpa do devedor, resolve-se a obrigação. Mas a impossibilidade
deverá ser total, não se confundindo com dificuldade ou obstáculo, como, por
exemplo, uma doença do devedor ou a proibição da atividade contratada por ato
normativo do Poder Público.
Entretanto, se restar demonstrado que a impossibilidade decorreu
diretamente da ação ou omissão do devedor, ele responderá por perdas e danos. São
situações de omissão ou descumprimento. Uma vez consumada a recusa, verificada
também pelo decurso do prazo estabelecido para a execução da prestação, abre-se ao
credor a solução de procurar a execução do fato por terceiro, à custa do devedor, sem
prejuízo da indenização cabível.
Luís Fernando Rabelo Chacon bem esclarece a questão ao enfatizar que:
“Por isso, não se pode aceitar que a recusa fique como possível
alternativa do devedor de obrigação de fazer infungível.
Realmente, com isso se estaria permitindo que nestas obrigações
ficasse inserida cláusula de arrependimento unilateral em favor do
devedor, funcionando as perdas e danos como verdadeira
penalidade pré-determinada (a exemplo do que percebemos nas
arras com função penitencial). A recusa sempre será dolorosa, fruto
da vontade do devedor e não pode ser confundida com a
impossibilidade sem culpa que se resolveria com a extinção da
obrigação (art. 248, do Código Civil - primeira parte)”.
47
No art. 249, o Código Civil inova ao autorizar o credor a executar pessoal
e diretamente a prestação, desde que haja urgência.
47
CHACON, Luís Fernando Rabelo. A liberdade Pessoal do Devedor e a Execução da Obrigação de
Fazer Infungível. Revista Direito e Paz, ano 6, n. 10, São Paulo, Centro Universitário Salesiano de
São Paulo, 2004, p. 204.
37
Caio Mário da Silva Pereira reitera:
“Naquelas obrigações em que somente o devedor pode realizar a
prestação, sua recusa terá como conseqüência sujeitá-lo a indenizar
ao credor, perdas e danos. Nas demais, de prestação fungível, a
regra é que ou o credor é autorizado a mandá-la executar a
expensas do devedor ou fica sub-rogado nas perdas e danos”.
48
Mesmo que opte, o credor, pela prestação ou confecção do bem por
terceira pessoa, não está impedido de buscar as perdas e danos decorrentes da recusa
imotivada ou sem justa razão.
6.2 OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER
A obrigação de não fazer, também chamada de obrigação negativa,
impõe ao devedor um dever de abstenção: o de não realizar o ato que poderia
livremente fazer, se não houvesse se obrigado.
Importante consignar que a doutrina trata majoritariamente como termos
sinônimos a obrigação de não fazer e a obrigação negativa. É o caso de Clóvis
Bevilaqua
49
, Agostinho Alvim
50
, Tito Fulgêncio
51
e Pontes de Miranda
52
.
No mesmo sentido, Orlando Gomes assinala que “as prestações negativas
constituem objeto das obrigações de não fazer”.
53
48
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil, Teoria Geral das Obrigações. 20ª. ed.
Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 61.
49
BEVILAQUA, Clóvis. Direito das obrigações. 4ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1936, p. 67.
50
ALVIM, Agostinho. Da inexecução das obrigações e suas conseqüências. São Paulo. Saraiva,
1980, p. 133.
51
FULGÊNCIO, Tito. Do direito das obrigações. Das modalidades das obrigações. (atualizado por
José de Aguiar Dias). Rio de Janeiro: Forense, 1958, p. 34 e 137.
52
MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de direito privado. Parte Geral, tomo V.
ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 441.
53
GOMES, Orlando. Direito das obrigações. 12ª ed. (atualizada por Humberto Theodoro Júnior). Rio
de Janeiro: Forense, 1999, p. 40.
38
Diverge dessa posição Washington de Barros Monteiro, que expressava o
seguinte entendimento:
“Cumpre, todavia, não confundir a obrigação de não fazer, de
natureza especial, com a obrigação negativa, de caráter geral,
correlata aos direitos reais. Pela primeira, o próprio devedor
diminui sponte propria sua liberdade e atividade. O direito surge
da relação obrigacional estabelecida entre credor e devedor;
obriga-se este, especificamente, a não praticar certo ato, que, de
outra forma, poderia realizar, não fora o vínculo a que
deliberadamente se submeteu. Pela segunda, ao inverso, ninguém
vê particularmente delimitado seu campo de ação; apenas se impõe
a todos os membros da coletividade, abstratamente considerados, o
dever de respeitar o direito alheio, posição que constitui
normalidade para a vida jurídica (...). Os traços distintivos são,
pois, característicos: a obrigação de o fazer é de natureza
particular ou especial, a obrigação negativa inerente aos direitos
reais, geral e abstrata. Pela primeira, compromete-se o devedor,
especificamente, a abster-se da prática de determinado ato, pela
segunda, a obrigação é vaga e indeterminada - não prejudicar o
direito alheio. A primeira constitui relação de direito pessoal,
vincula o próprio devedor; a segunda configura direito real,
atingindo todos os seres da comunidade, indistintamente, oponível
‘erga omnes’”.
54
Para o autor citado, a proibição geral seria caso de obrigação negativa,
dirigida a toda sociedade, enquanto obrigação de não fazer é aquela assumida
voluntariamente pelo devedor, privando-se por vontade própria de seu direito.
Neste trabalho, acompanhando o entendimento majoritário na doutrina,
tratar-se-ão obrigações negativas e obrigações de não fazer como expressões
sinônimas.
54
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. São Paulo: Saraiva, 1996, v. 4, p. 49.
39
Após essas considerações iniciais, importa observar que as obrigações
negativas constituem modalidade obrigacional comum no Direito pátrio, perceptível
em um sem-número de ocasiões cotidianas, resultante das regras que disciplinam a
vida em sociedade, v.g., não revelar um segredo comercial, não construir um novo
armazém em área residencial, não jogar lixo em um terreno baldio, não fazer barulho
em unidade de condomínio de apartamentos após as 22:00 horas, etc.
Ao contrário da obrigação positiva, que exige um comportamento
comissivo do devedor obrigado, na obrigação negativa o comportamento que se lhe
impõe é de inércia, de não fazer, logo, omissivo. Portanto, na obrigação negativa a
omissão revela obediência.
As obrigações negativas, consistentes no não fazer ou não agir,
apresentam solução diferente das obrigações do tipo positiva. Enquanto estas se
extinguem com o cumprimento
55
, as obrigações negativas têm seu cumprimento
continuado. Em outras palavras, perpetuam-se no tempo e se renovam a cada
momento, enquanto o devedor continuar fazendo aquilo que se obrigou, ou lhe foi
determinado, a não fazer.
Importante consignar que há, também, a hipótese de cessação do dever de
abstenção prevista no art. 250 do CC
56
, quando, sem culpa do devedor, se lhe torne
impossível abster-se do fato, que se obrigou a não praticar.
O inadimplemento nas obrigações de não fazer ocorre quando é praticado
o ato que o sujeito se obrigou a não praticar, podendo o credor exigir, com base no
art. 251 do Código Civil, o desfazimento do que foi realizado, “sob pena de se
desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado perdas e danos”.
57
55
Por exemplo: pagamento, novação, compensação, transação, compromisso, confusão, remissão, etc.
56
Art. 250. Extingue-se a obrigação de não fazer, desde que, sem culpa do devedor, se lhe torne
impossível abster-se do ato, que se obrigou a não praticar.
57
Art. 251. Praticado pelo devedor o ato, a cuja abstenção se obrigara, o credor pode exigir dele que o
desfaça, sob pena de se desfazer à sua custa, ressarcindo o culpado perdas e danos.
Parágrafo único. Em caso de urgência, poderá o credor desfazer ou mandar desfazer,
independentemente de autorização judicial, sem prejuízo do ressarcimento devido.
40
Por conseguinte, ou o devedor desfaz o ato pessoalmente, ou poderá vê-
lo desfeito por terceiro, por determinação judicial ou não, pagando, em quaisquer
hipóteses, perdas e danos.
É certo que hipóteses em que somente resta ao credor requerer perdas
e danos, como, por exemplo, quando alguém divulga um segredo industrial que
prometera não revelar. Feita a divulgação, não há como voltar ao statu quo ante.
6.3 OBRIGAÇÃO DE DAR
Como visto anteriormente, quanto ao objeto, as obrigações se classificam
em: fazer, não fazer e obrigações de dar.
As obrigações de dar se traduzem em obrigações positivas, em que o
devedor tem o dever de entregar algo ao credor, transferindo, dessa forma, a
propriedade do objeto devido, que antes se encontrava no patrimônio do devedor.
Por sua vez, as obrigações de dar se subdividem em: obrigações de dar
coisa certa, de restituir ou de dar coisa incerta, cada qual com suas peculiaridades.
Na lição de Sílvio de Salvo Venosa: “Obrigação de dar é aquela em que o
devedor compromete-se a entregar uma coisa móvel ou imóvel ao credor, quer para
constituir um novo direito, quer para restituir a mesma coisa a seu titular”.
58
Maria Helena Diniz, citando lição de Rubens Limongi França, assevera
que obrigação de dar “é aquela em virtude da qual o devedor fica jungido a
promover, em benefício do credor, a tradição da coisa (móvel ou imóvel), com o
fim de outorgar um novo direito”.
59
58
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos.
8ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 58.
59
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro Teoria Geral das Obrigações. 23ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2008, v. 2, p. 71, v.2.
41
A obrigação, então, liga-se diretamente a um objeto específico que não
pode ser trocado por outro (art. 313 do CC)
60
. Somente será satisfeita a obrigação
caso seja entregue o que foi ajustado entre as partes, não podendo o credor ser
forçado a aceitar outra coisa, ainda que mais valiosa.
61
O referido dispositivo afasta a possibilidade de compensação nos casos
de comodato e depósito (art. 373, II, do CC), porque o credor tem direito à restituição
da própria coisa emprestada ou depositada.
62
Um dos princípios que regem a obrigação de dar coisa certa está
esculpido no art. 233 do Código Civil: “A obrigação de dar coisa certa abrange os
acessórios dela, embora não mencionados, salvo se o contrário resultar do título, ou
das circunstâncias do caso”.
Pela leitura do dispositivo em tela, vê-se que a regra é que os acessórios
também são abrangidos pela coisa. Entretanto, convém lembrar que as partes poderão
convencionar, de forma expressa, a exclusão dos acessórios.
A distinção entre o acessório e o principal se encontra no art. 92 do
Código Civil: “Principal é o bem que existe sobre si, abstrata ou concretamente;
acessória, aquele cuja existência supõe a do principal”.
Se a coisa a ser entregue, sem culpa do devedor, se deteriorar, caberá ao
credor escolher se considera extinta a relação obrigacional ou se aceita o bem no
estado em que se encontra, abatido no seu preço o valor do estrago.
Já, perecendo a coisa, por culpa do devedor, ele deverá responder pelo
equivalente, isto é, pelo valor que a coisa tinha no momento em que pereceu, mais as
perdas e danos, que compreendem a perda efetivamente sofrida pelo credor (dano
emergente) e o lucro que deixou de auferir (lucro cessante); deteriorando-se o objeto,
poderá o credor exigir o equivalente, ou aceitar a coisa no estado em que se achar,
com direito de reclamar, em um ou em outro caso, indenização de perdas e danos.
60
Art. 313. O credor não é obrigado a receber prestação diversa da que lhe é devida, ainda que mais
valiosa.
61
O credor poderá, entretanto, concordar em receber uma coisa por outra como é o caso da dação em
pagamento (artigo 356).
62
Art. 373. A diferença de causa nas dívidas não impede a compensação, exceto:
(...) II - se uma se originar de comodato, depósito ou alimentos; (...).
42
Por sua vez, “a obrigação de restituir, englobada pela lei dentro das
obrigações de dar coisa certa, é aquela que tem por objeto uma devolução de coisa
certa, por parte do devedor, coisa essa que, por qualquer título, encontra-se em poder
do devedor, como ocorre, por exemplo, no comodato (empréstimo de coisa
infungível), na locação e no depósito”.
63
Na lição de Maria Helena Diniz:
“A obrigação de restituir se caracteriza por envolver uma
devolução, p. ex., a que incide sobre o locatário, o mutuário, o
comodatário, o depositário, o mandatário, uma vez findo o
contrato, dado que o devedor deverá devolver coisa a que o credor
tem direito de propriedade por título anterior à relação
obrigacional”.
64
Nas obrigações de restituir, o devedor devolve coisa certa, recebendo o
credor o que já lhe pertencia.
Na hipótese de perda da coisa sem culpa do devedor na obrigação de
restituir: se, antes da entrega da coisa, ou seja, antes da restituição da mesma coisa ao
credor, a coisa se perca, seja por caso fortuito ou por força maior, tendo em vista que
na obrigação de restituir o dono da coisa é o credor, é também este quem sofre a
perda fortuita da coisa. Portanto, o devedor fica liberado da obrigação de restituir.
65
E em ocorrendo a perda da coisa por culpa do devedor: se, antes da
entrega da coisa, ou seja, antes da restituição da mesma coisa ao credor, a coisa se
perca por culpa do devedor, valerá o que disciplina o art. 239 do Código Civil: “Se a
coisa se perder por culpa do devedor, responderá este pelo equivalente, mais as
perdas e danos”.
63
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: teoria geral das obrigações e teoria geral dos contratos.
8ª ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 64/65.
64
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro Teoria Geral das Obrigações. 23ª ed.
São Paulo: Saraiva, 2008, v. 2, p. 71.
65
Arts. 234, 1ª parte, e 238 do Código Civil.
43
Na hipótese de deterioração da coisa sem culpa do devedor, o credor
deverá recebê-la, como ela se encontra, sem direito a indenização alguma consoante
prevê o art. 240 do Código Civil.
66
Por fim, importante ainda estudar a obrigação de dar coisa incerta.
A obrigação de dar coisa incerta se baseia na entrega de uma coisa,
que há uma especificidade: o objeto da obrigação não é certo e determinado; a
obrigação é genérica pela indeterminação do objeto.
As obrigações de dar coisa incerta são determinadas apenas pelo gênero
(v.g. um cavalo, um carro, um computador, etc.) e pela quantidade.
A obrigação de dar coisa incerta, porém, torna-se obrigação de dar coisa
certa no momento em que é feita a escolha. A escolha é o ato de seleção das coisas
constantes da espécie, isto é, a identificação quanto à qualidade da coisa a ser
entregue.
Ensina Caio Mário
67
que cessará a indeterminação da obrigação com a
escolha, a qual se verifica e se reputa consumada, tanto no momento em que o
devedor efetiva a entrega real da coisa, como ainda quando diligencia praticar o ato
necessário à prestação.
Em regra, ela é feita pelo devedor, que deve escolher dentro de uma
média: não pode escolher a pior, mas também não está obrigado a dar a melhor,
conforme determinada o art. 244
68
do Código Civil.
66
Art. 240. Se a coisa restituível se deteriorar sem culpa do devedor, recebê-la-á o credor, tal qual se
ache, sem direito a indenização; se por culpa do devedor, observar-se-á o disposto no art. 239.
67
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense, 2005, v. 2, p.
56.
68
Art. 244. Nas coisas determinadas pelo gênero e pela quantidade, a escolha pertence ao devedor, se
o contrário não resultar do título da obrigação; mas não poderá dar a coisa pior, nem será obrigado a
prestar a melhor.
44
Disso decorre que o devedor não poderá alegar perda ou deterioração da
coisa antes da escolha, ainda que por força maior ou caso fortuito, pois, como a coisa
não foi escolhida, outra pode ser dada em seu lugar (art. 246 do Código Civil).
69
Trata-se da regra genus nuquam perit
70
, que deve ser respeitada.
Depois de feita a escolha, segundo o art. 245 do Código Civil, vigorará
todo o disposto sobre as obrigações de dar coisa certa.
69
Art. 246. Antes da escolha, não poderá o devedor alegar perda ou deterioração da coisa, ainda que
por força maior ou caso fortuito.
70
O gênero nunca perece.
45
7. A INICIATIVA PARA IMPOSIÇÃO DA MULTA DE OFÍCIO
OU A REQUERIMENTO DA PARTE?
consenso na doutrina e na jurisprudência de que a imposição e a
fixação do quantum das astreintes podem ser determinadas de ofício pelo juiz, ou
seja, ainda que não haja provocação da parte prejudicada.
Essa é a inteligência do contido no art. 461, § do CPC, que possibilita
ao juiz, independentemente de pedido da parte, fixar multa diária para compelir o réu
ao cumprimento da obrigação.
Teresa Arruda Alvim Wambier
71
bem esclarece a questão, ao chamar a
atenção para o fato de que a multa pode ser fixada de ofício pelo juiz, pois ela não é
um pedido da parte-autora. É uma ferramenta, uma técnica de tutela que a parte-
autora pode sugerir ou não. Há, no art. 461, uma aproximação do direito substancial
em relação ao direito processual. Vale dizer, através de sanção pecuniária, possível
initio litis, verifica-se finalisticamente que se deseja obter o mais rapidamente
possível a satisfação do direito substancial.
Nelson Nery Júnior, ao comentar o art. 461 do Código de Processo Civil,
na mesma linha de raciocínio, esclarece:
“(...) deve ser imposta a multa, de ofício ou a requerimento da
parte. O valor deve ser significativamente alto, justamente porque
tem natureza inibitória. O juiz não deve ficar com receio de fixar o
valor em quantia alta, pensando no pagamento. O objetivo das
astreintes não é obrigar o réu a pagar o valor da multa, mas obrigá-
lo a cumprir a obrigação na forma específica. A multa é apenas
inibitória. Deve ser alta para que o devedor desista de seu intento
de não cumprir obrigação específica. Vale dizer, o devedor deve
71
WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Anotações sobre a efetividade do
processo. Revista dos Tribunais, ano 92, n. 814, São Paulo, ago. 2003, p. 63-70.
46
sentir preferível cumprir a obrigação na forma específica a pagar o
alto valor da multa fixada pelo juiz”.
72
J. J. Calmon de Passos
73
lembra que o interesse diretamente tutelado pela
imposição das astreintes é do Estado, pois é dele a responsabilidade de assegurar aos
jurisdicionados a eficácia de suas decisões. Assim, mesmo que não haja
requerimento do beneficiário, é o Estado-Juiz o maior interessado em ver cumpridas,
com celeridade e eficácia, suas determinações, de modo que a imposição da multa sai
da esfera de interesse do beneficiário da obrigação e ingressa na esfera de interesse
do Estado, razão pela qual é possível a imposição de ofício.
Joaquim Felipe Spadoni afirma que:
“Em análise um pouco mais detida desta questão, observa-se que,
na realidade, o pedido expresso de aplicação de medidas
coercitivas nada mais faz do que explicitar parte do pedido
imediato formulado. A providência jurisdicional solicitada,
consistente em ordem a ser dirigida ao réu, traz em si implícita a
adoção dos meios coercitivos e executivos necessários à sua
satisfação. Dessa forma, quando a parte autora requer a adoção
desses meios em momento posterior à petição inicial, nada mais
faz do que reiterar, agora de forma explícita, o pedido imediato
anteriormente formulado. Por essa razão é que tal pedido pode ser
veiculado tanto na petição inicial, como também em momento
posterior a ela, mesmo depois de realizada a citação do réu, não
implicando este ato violação ao preceito do art. 294 do CPC”.
74
Por essa razão, não é necessário a parte requerer ao juízo, na petição
inicial, a imposição de multa ao devedor que porventura venha a ser recalcitrante. Da
mesma forma, mesmo diante da ausência de pedido expresso na inicial, é lícito à
parte formular e ao juiz deferir pedido de imposição de multa após a citação do
réu, sem que se possa falar em alteração ou modificação do pedido.
72
Código de Processo Civil Comentado – Art. 461.
73
CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Inovações do código de processo civil. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1995, p. 68.
74
SPADONI, Joaquim Felipe. Fungibilidade das Tutelas de Urgência. Revista de Processo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 72-94.
47
Mas a despeito de ser consenso que as astreintes podem ser fixadas de
ofício pelo juiz, é importante destacar que, se a medida que se espera do devedor
recalcitrante puder ser tomada de ofício e diretamente pelo juiz, não que se falar
na fixação de multa.
As determinações judiciais para a baixa do nome do autor de cadastros de
proteção ao crédito ou a baixa de protesto de títulos, por exemplo, podem ser
ordenadas diretamente pelo juiz ao órgão responsável por cumprir tal obrigação
75
,
sem qualquer interferência do réu, de modo que é absolutamente desnecessário e
contraproducente que o juiz determine ao réu que tome essa providência, sob pena de
multa.
Nesta hipótese, o próprio juiz deve oficiar diretamente ao destinatário da
ordem (cartório), determinando a baixa do protesto considerado indevido, sem a
necessidade de qualquer interferência ou providência da parte recalcitrante. O que
não pode o juiz, em tais hipóteses, é fixar, desde logo, astreintes para o terceiro
(cartório de protestos ou SERASA, p.ex.), visto que este não é parte no processo.
Nessa linha de pensamento, Rizzato Nunes esclarece que,
“Se o juiz puder tomar medida ou determinar ação direta ou
indireta que possa substituir a parte devedora relutante na
obrigação de fazer ou não fazer, basta que ele emita a ordem que a
questão será eficazmente resolvida. Não sequer necessidade de
fixação de astreintes. É o caso de determinação de retirada de
nome dos chamados serviços de proteção ao crédito. Basta a
emissão de ofício ao órgão anotador para a obtenção do resultado
querido (...). Assim, repita-se, podendo a obrigação de fazer ou não
fazer ser satisfeita sem a participação da parte devedora e omissa,
deve o juiz executá-la diretamente. Não há que fixar astreintes”.
76
75
SERASA, Cartórios de Protesto, Banco Central do Brasil, dentre outros.
76
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. As astreintes: limites e possibilidades de aplicação e liquidação.
Revista Eletrônica SaraivaJur. Disponível em:
<www.saraivajur.com.br/menuEsquerdo/doutrinaArtigosDetalhe.aspx?Doutrina=904>.
48
O referido autor cita ainda outros exemplos, que tornam a questão mais
clara, a saber:
“A rigor, a fixação da multa cominatória tem sentido quando o
magistrado não pode tomar a medida diretamente e/ou quando o
próprio credor também não (com ou sem o auxílio ou autorização
do juiz) ou, ainda, quando um terceiro não possa fazê-lo. Numa
ação para busca e apreensão de menor, por exemplo, não tem
cabimento que o juiz fixe multa para sua não entrega. Ele
simplesmente determinará que o Oficial de Justiça (com o auxílio
de força policial, se necessário) recolha a criança e entregue a
quem de direito. O mesmo se dá quando, por exemplo, o juiz
determina a reintegração de posse num imóvel que foi bloqueado
por um cadeado. Ora, basta mandar quebrar o cadeado e permitir a
entrada no imóvel. Fixar astreintes em casos que tais não atende
aos objetivos das normas vigentes. A questão é, portanto, de básica
lógica jurídica: se o juiz pode substituir a parte recalcitrante, deve
fazê-lo”.
Athos Gusmão Carneiro, citando Barbosa Moreira, no mesmo sentido,
lembra que:
“O campo de aplicação por excelência dos meios de coerção é o
das obrigações com prestação infungível. Realmente, quando se
mostra possível proporcionar ao credor, sem a colaboração do
devedor, o resultado prático que lhe interessa, não tanta
necessidade de exercer pressão sobre a vontade do segundo, para
que cumpra ele mesmo a obrigação. Aí, os meios de sub-rogação
em regra funcionam a contento e bastam para atingir-se o fim a que
se tem em vista”.
77
77
CARNEIRO, Athos Gusmão. Das astreintes nas obrigações de fazer fungíveis. Ajuris, n. 14, Porto
Alegre, 1978, p. 127.
49
Assim, a despeito de ser perfeitamente possível que o juiz, de ofício,
imponha multa ao devedor recalcitrante para o caso de descumprimento de ordem,
seria prudente que, antes disso, verificasse se a providência que se pretende pode ser
alcançada por outro meio mais célere e eficiente. Em caso positivo, a ordem deve ser
dirigida diretamente pelo juiz ao destinatário, evitando-se a imposição de multa
frente ao devedor da obrigação.
Também não que se falar na fixação de astreintes, na ação onde o
autor pretende a exibição de documento comum que esteja em poder do réu.
Isso porque a própria lei prevê penalidade específica para o caso de
descumprimento da ordem judicial, ou seja, a recusa em exibir o documento
pretendido pelo autor. É o que se extrai da inteligência do art. 359,I do Código de
Processo Civil. Não atendida à determinação judicial de exibição, não há razão
alguma para se insistir na busca dos documentos que estão em poder do réu,
buscando dobrar sua vontade com a imposição da multa cominatória. A
conseqüência direta do descumprimento, nesta hipótese, está prevista em lei, ou
seja, serão admitidos como verdadeiros os fatos que o autor pretendia provar. Nesse
sentido a Súmula 372 do Superior Tribunal de Justiça, cujo inteiro teor é:
“Na ação de exibição de documentos, não cabe a aplicação de
multa cominatória.”
50
8. PESSOAS SUJEITAS À MULTA FAZENDA PÚBLICA,
BENEFICIÁRIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA E O
TERCEIRO ESTRANHO AO PROCESSO
Como se disse, as astreintes têm natureza coercitiva, ou seja,
objetivam pressionar, coagir ou constranger o devedor da obrigação a cumprir
diretamente e de maneira célere a ordem judicial proferida em seu desfavor.
É certo também que as astreintes não são o único meio de que o juiz
dispõe para conferir efetividade às decisões que profere. Assim, diante do arsenal de
ferramentas e de meios de que o juiz se serve para fazer cumprir suas ordens, é
lógico e coerente afirmar que deve sempre utilizar aquele menos oneroso para o réu e
mais eficaz para a concretização de suas decisões.
Feitas essas considerações, no que se refere ao beneficiário da assistência
judiciária, ou seja, aquele que a lei
78
define como pobre e que insiste em não cumprir
ordem judicial, parece pouco provável que as astreintes representem, de maneira
plena, uma ameaça que possa forçá-lo a mudar de ideia, visto que, se não tem
recursos para arcar com o pagamento de custas processuais e honorários de seu
próprio advogado, é pouco provável que tenha condições de arcar com o pagamento
de multa pecuniária.
Se o devedor de uma determinada obrigação, pobre, nos termos da lei, de
antemão, sabe que não disporá de meios ou condições de realizar o pagamento da
multa pecuniária que lhe foi imposta pelo Estado-Juiz, a ameaça representada por
essa multa astreintes pouco, ou quase nada, representará para a alteração do
comportamento recalcitrante. Vale dizer, a simples fixação de astreintes pelo juiz
não tem a aptidão para mudar a vontade do devedor recalcitrante ou forçá-lo ao
cumprimento da obrigação, visto que este não reúne condições de pagar qualquer
quantia a título de multa, estando “imune” a ela.
78
Lei 1060/1950, Art. 2º, Parágrafo Único.
51
Nesta hipótese, de todo recomendável que o juiz se valha de outros
meios, v.g., sub-rogação, a realização do ato por terceiro, etc., para conferir
efetividade à sua decisão, visto que as astreintes, nesta hipótese, pouco, ou quase
nada, significarão para dobrar o comportamento do devedor recalcitrante sem
condições de suportar, diante da ausência de patrimônio, o pagamento de multa.
Por outro lado, é majoritário o entendimento doutrinário acerca da
possibilidade de fixação das astreintes contra a Fazenda Pública.
Fernão Borba Franco lembra que:
“As disposições do art. 461 do CPC têm grande importância.
Fazem elas com que os poderes do juiz no processo, mormente na
execução dos julgados das obrigações de fazer ou não fazer,
aumentem em enorme medida, ao possibilitar a utilização de
qualquer meio – legalmente permitido, obedecidos os princípios da
finalidade e proporcionalidade para impor ao executado o
cumprimento da obrigação, ou entregar o resultado prático
equivalente. Essa possibilidade, que se aplica integralmente à
Fazenda Pública, quando devedora, torna possível uma atitude
efetiva, positiva do juiz da execução, que estará perfeitamente
lastreado na lei; afinal, não se pode esquecer que a lei conforma a
atividade e o modo da atividade judicial, impondo-lhe claros
limites”.
79
(destacamos)
Nos tribunais, inclusive nos Superiores, também é majoritário o
entendimento de que é admissível a imposição de astreintes contra a Fazenda
Pública. O Superior Tribunal de Justiça tem, reiteradamente, decidido nesse sentido.
Confira-se o que restou decidido no RESP 987.280
80
, julgado em 16 de abril de
2009, Relator o Ministro Luiz Fux.
79
FRANCO, Fernão Borba. A execução de sentença “mandamental” e de obrigação de fazer:
possibilidade de prisão como meio coercitivo. In: Aspectos polêmicos e atuais do mandado de
segurança 51 anos depois (Coordenadores: Cássio Scarpinella Bueno, Eduardo Arruda Alvim e
Teresa Arruda Alvim Wambier). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 365.
80
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. OBRAS DE
ADEQUAÇÃO DO PRÉDIO DO FÓRUM DE SANTA DO SUL. ELIMINAÇÃO DE
BARREIRAS ARQUITETÔNICAS. ACESSIBILIDADE DE DEFICIENTES FÍSICOS.
ANTECIPAÇÃO DE TUTELA COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA. ASTREINTES.
52
O Supremo Tribunal Federal, nessa mesma linha de raciocínio, também
tem admitido a fixação de astreintes em face da Fazenda Pública, mas, por inúmeras
vezes, preocupado com a proteção ao erário público e com a coletividade, tem
restringido a sua utilização, como se verá a seguir:
“(...) a fixação de multa em valor elevado e sem limitação máxima
constitui ônus excessivo ao Poder Público e à coletividade, pois
impõe remanejamento financeiro das contas estaduais, em
detrimento de outras políticas públicas estaduais de alta prioridade.
Dessa forma, remanesce íntegra a decisão, quanto à possibilidade
de multa por abrigar adolescentes infratores em cadeias comuns,
em detrimento de abrigá-los em outras unidades especializadas
existentes no Estado. Destaco, contudo, que não se impede a
fixação de multa por descumprimento de decisão judicial. O que
não se pode perder de vista é a possibilidade de vultoso prejuízo à
coletividade, por multa fixada em decisão liminar baseada em juízo
cognitivo sumário (...). Diante do exposto, defiro parcialmente o
pedido de suspensão, tão-somente quanto a fixação de multa diária
por descumprimento da ordem judicial de construção de unidade
especializada, em doze meses, na Comarca de Araguaína-TO”.
(Suspensão de Liminar 235, Relator Ministro Gilmar Mendes,
decisão proferida em 08.07.2008)
Mas apesar da vontade a ser dobrada pertencer, em última análise, ao
agente público responsável pelo cumprimento da ordem pessoa física também
prevalece o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que a ordem não pode
ultrapassar a pessoa jurídica de direito público contra a qual foi expedida, de modo
que o agente público recalcitrante, pelo menos no que se refere às astreintes, não
pode ser alcançado ou responsabilizado – diretamente – pelo pagamento da multa.
OBRIGAÇÃO DE FAZER. INCIDÊNCIA DO MEIO DE COERÇÃO. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO
DO ART. 461, § 4, DO CPC. PREQUESTIONAMENTO. SÚMULAS 282 E 356/STF.
1. É cabível a cominação de multa diária (astreintes) em face da Fazenda Pública, como meio de
vencer a obstinação quanto ao cumprimento da obrigação de fazer (fungível ou infungível) ou entregar
coisa, incidindo a partir da ciência do obrigado e da sua recalcitrância. Precedentes do STJ: AgRg no
Ag 1025234/SP, DJ de 11/09/2008; AgRg no Ag 1040411/RS, DJ de 19/12/2008; REsp 1067211/RS,
DJ de 23/10/2008; REsp 973.647/RS, DJ de 29/10/2007; REsp 689.038/RJ, DJ de 03/08/2007; REsp
719.344/PE, DJ de 05/12/2006; e REsp 869.106/RS, DJ de 30/11/2006.
53
A esse respeito, Eduardo Talamini esclarece:
“Admitindo-se o emprego da multa coercitiva no mandado de
segurança, surge a necessidade de definir sobre quem o encargo
recairá: o agente posto na condição de autoridade coatora ou a
pessoa jurídica exercitadora de função pública, à qual ele está
vinculado? A resposta passa pela consideração da legitimidade
passiva no mandado de segurança. Reconhecendo-se que o pólo
passivo da demanda é ocupado pela pessoa de direito público ou de
direito privado no exercício da função pública, de quem o agente
funciona apenas como especial representante (rectius: presentante),
de concluir-se que o custo da coerção patrimonial, em princípio,
recai sobre aquela como, de resto, recairão as demais
decorrências patrimoniais da concessão da segurança”.
81
Evidente que a pessoa jurídica de direito público terá direito de regresso,
do valor integral da multa mais juros legais e correção monetária, contra o agente
responsável pelo descumprimento da ordem judicial, nos termos do que dispõe a
Constituição Federal em seu art. 37.
82
Por outro lado, no que se refere ao terceiro estranho ao processo,
verifica-se que, muitas vezes, não apenas o réu pode ser compelido a cumprir uma
determinação judicial. Esta pode – e muitas vezes o é – expedida contra outros atores
do processo, como terceiros, o próprio autor da ação, o perito judicial, etc.
Por exemplo, se disse anteriormente que a ordem judicial pode ser
dirigida diretamente a pessoas que não são parte no processo judicial, como os
cartórios de protestos de títulos e documentos, SERASA, dentre muitos outros.
81
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e o fazer: CPC, art. 461; CDC art.
84. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 453
82
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados,
do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: § 6º As pessoas jurídicas de direito
público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus
agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável
nos casos de dolo ou culpa.
54
Por essa razão, Sérgio Cruz Arenhart afirmou que o réu não é o único
destinatário das astreintes:
“Na verdade, todo aquele que estiver sujeito a receber uma ordem
judicial também pode incidir na multa coercitiva. Assim, podem
também ser ameaçados com a multa o terceiro que tenha alguma
relação com o processo ou que deva cumprir alguma determinação
judicial ou mesmo o autor quando lhe for imposto algum dever
pelo Poder Judiciário (v.g. art. 340 do CPC)”.
83
Defendendo posição similar, ou seja, a de que as astreintes podem ser
impostas contra pessoa distinta da do réu, Joaquim Felipe Spadoni manifestou seu
entendimento no sentido de que é possível a fixação de multa diária contra o autor da
ação:
“De fato, devemos reconhecer que, diante da lacuna existente em
nosso sistema processual, o posicionamento que encontra respaldo
suficiente seja o que atribui à parte contrária os valores decorrentes
da multa. Referimo-nos à parte contrária, e não apenas ao autor,
porque entendemos que qualquer uma das partes, inclusive o autor,
pode ser, no curso do processo, submetida a uma ordem judicial,
tendo o dever de seu cumprimento incondicionado”.
84
Entretanto, discorda-se dos entendimentos transcritos acima. Antes de
prosseguir, é necessário lembrar que o escopo deste trabalho não é o de estudar
profundamente as figuras de parte e de terceiro no âmbito de um processo judicial.
Parte-se do pressuposto de que parte é aquele que ocupa um dos polos da demanda e
que terceiro é aquele totalmente estranho a ela.
83
ARENHART, Sérgio Cruz. A Doutrina Brasileira da Multa Coercitiva – Três questões ainda
polêmicas. Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais – Estudos em homenagem à
Professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
84
SPADONI, Joaquim Felipe. A multa na atuação das ordens judiciais. In: SHIMURA, Sérgio;
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Processo de execução. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001, p. 504.
55
Conforme se disse, Barbosa Moreira lembra que “as regras que
autorizam o emprego de medidas coercitivas não comportam aplicação em hipóteses
não previstas”.
85
Também já se disse que as astreintes têm natureza coercitiva e o objetivo
precípuo de exercer pressão psicológica e financeira sobre o devedor para que
cumpra a obrigação de maneira completa e célere.
Feitas essas considerações iniciais, ou seja, de que as astreintes têm
natureza coercitiva e de que a utilização de medidas coercitivas, segundo o
ordenamento jurídico brasileiro, necessita de expressa disposição legal, lembramos
que o art. 461, § do Código de Processo Civil
86
, onde repousa o fundamento legal
para a fixação das astreintes, dispõe expressamente que ela somente pode ser
imposta contra o réu.
De modo que, no direito processual civil brasileiro, não existe a
possibilidade de fixação de astreintes contra pessoa distinta da do réu, visto que em
assim procedendo, estar-se-ia diante de flagrante violação aos mais basilares
princípios constitucionais de processo civil, como o do devido processo legal
87
, do
contraditório e o da ampla defesa
88
.
A fixação de multa contra pessoa diversa da do réu implicaria também
em expressa violação ao art. 472
89
do Código de Processo Civil, já que a sentença,
aqui no sentido mais amplo da expressão, pois a decisão judicial que fixa astreintes
enquadra-se perfeitamente no referido conceito, somente obriga às partes entre as
quais é proferida.
85
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. A tutela específica do credor nas obrigações negativas.
Temas de direito processual. 2ª série. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 43.
86
Art. 461, § 4º. O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária
ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação,
fixando-lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito.
87
Constituição Federal, LIV. Ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido
processo legal; (...).
88
Constituição Federal, LV. Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em
geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; (...).
89
Código de Processo Civil - Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada,
não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem
sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa
julgada em relação a terceiros.
56
Lastreados em tais razões, especialmente nas graves violações aos
princípios constitucionais de direito processual civil que a situação pode provocar,
concluímos somente caber a fixação de astreintes contra o réu.
Entretanto, isto não implica dizer que o juiz está impedido de expedir
ordem para o cumprimento do autor ou de terceiro estranho ao processo judicial.
Conforme citamos anteriormente, é prática comum no foro a expedição de ordem
judicial para a baixa de títulos em cartórios de protestos, a expedição de ofícios ao
SERASA para a retirada do nome de supostos devedores dos cadastros de proteção
ao crédito, dentre outros.
Nestas hipóteses, se não houver o cumprimento da ordem pelo
destinatário, não que se falar na fixação de astreintes. Poder-se-ia falar, sim, em
eventual crime de desobediência
90
. Em isto ocorrendo, deve o juiz da causa
determinar a instauração de inquérito policial, que pode resultar na deflagração de
ação penal, onde a lei assegura ao devedor renitente amplo direito ao contraditório e
à ampla defesa.
Pode-se estar, também, diante da conduta prevista no art. 14 do CPC, ou
seja, o contempt of court.
Guilherme Rizzo Amaral, em uma das poucas obras dedicadas
exclusivamente ao estudo das astreintes no direito brasileiro, muito bem aborda a
questão, ao esclarecer que:
“De fato, o autor pode ser submetido a ordens judiciais no decorrer
do processo. Assim como o podem pessoas que não fazem parte da
lide, tal qual testemunhas, informantes, peritos, oficiais de justiça e
outros partícipes do processo. Quem seria, no caso desses
partícipes, a parte contrária a receber o crédito resultante da
incidência da multa? A parte a quem interessa a ordem a ser
cumprida? Parece claro que o simples fato de alguém poder se
submeter a ordem judicial não implica, necessariamente, a
possibilidade de aplicação das astreintes como meio coercitivo.
90
Art. 330 do Código Penal - Desobedecer a ordem legal de funcionário público: Pena - detenção de
15 (quinze) dias a 6 (seis) meses e multa.
57
Mais uma vez, parece estar-se diante da confusão entre as
astreintes e o chamado contempt of court ou, ainda, entre medida
coercitiva destinada a proporcionar a tutela específica ao autor e
medida de caráter punitivo, destinada a assegurar a autoridade e a
dignidade do poder Judiciário contra qualquer indivíduo”.
91
E que acima nos referimos a certa confusão entre os institutos do
contempt of court e das astreintes, cumpre-nos fazer algumas considerações a esse
respeito.
É bem possível que essa confusão decorra do fato de que ambos os
institutos permitem ao magistrado a fixação de multa em face do réu que descumpre
ordem judicial, razão pela qual alguns magistrados e doutrinadores
92
se refiram às
astreintes como um instrumento moralizador, capaz de conferir maior dignidade aos
comandos judiciais e de punir o devedor renitente.
Entretanto, esse não é o papel reservado para as astreintes. Conforme
se disse, a natureza jurídica das astreintes é eminentemente cominatória, ou seja,
objetivam pressionar psicologicamente o réu, por meio de ataque direto ao seu
patrimônio, para que, espontaneamente e de forma célere, cumpra a determinação
judicial.
Luiz Guilherme Marinoni resume bem a questão da natureza jurídica das
astreintes: “Sua função é eminentemente coercitiva, isto é, o seu objetivo é
convencer o réu a cumprir a decisão judicial”.
93
91
AMARAL, Guilherme Rizzo. As astreintes e o processo civil brasileiro: a multa do artigo 461 do
CPC e outras. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2010, p. 131.
92
“A multa não tem por escopo acautelar o interesse do credor, mas tornar efetiva a prestação
jurisdicional que o Estado deve ao indivíduo” (OLIVEIRA, Francisco Antonio de. As astreintes e sua
eficácia moralizadora. Revista do Tribunais, v. 508, São Paulo, fev. 1978, p. 36).
“A astreinte não protege apenas os credores: ela é um instrumento da dignidade do Poder Judiciário” (
CHABAS, François. L’astriente en Droit Français. Revista de Direito Civil, n. 69. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1994, p. 56).
93
MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 397.
58
O comtemp of court, cujo fundamento legal, no direito brasileiro, repousa
no art. 14
94
do Código de Processo Civil, ao contrário, tem natureza mista, ou seja,
punitiva, reparatória e coercitiva, na medida em que configura verdadeira pena para
aquele ator do processo (e não apenas o réu como no caso das astreintes) que obstrui
a jurisdição ou exerce ato atentatório a ela.
Outras particularidades importantes diferenciam esses dois institutos.
No caso das astreintes o destinatário do crédito decorrente da multa
imposta ao réu é o autor da demanda, enquanto no contempt of court, no direito
brasileiro, o destinatário da multa é o Estado; não limite preestabelecido em lei
para a fixação do valor das astreintes, podendo elas, inclusive, serem fixadas em
valor superior ao da obrigação, enquanto no contempt of court a multa não pode
ultrapassar 20% do valor da causa.
De todo o exposto, conclui-se que as astreintes somente podem ser
fixadas contra o réu, aquele que ocupa o polo passivo da demanda judicial, sob pena
de literal violação de lei e dos princípios do devido processo legal, contraditório e
ampla defesa. Contra todos os demais atores do processo (autor, perito, testemunha,
escrivão, escreventes, etc.) excluídos os advogados, cuja violação disciplinar é regida
por regime próprio, o correto, em caso de afronta ou descumprimento de ordem
judicial, é a imposição da multa prevista no art. 14 do Código de Processo Civil
(contempt of court).
94
Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: I -
expor os fatos em juízo conforme a verdade; II - proceder com lealdade e boa-fé; III - não formular
pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento; IV - não produzir provas,
nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito; V - cumprir com
exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais,
de natureza antecipatória ou final. Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam
exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato
atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e
processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a
gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo
estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre
como dívida ativa da União ou do Estado.
59
9. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DO VALOR DAS ASTREINTES
Questão tormentosa diz respeito ao estabelecimento do valor da multa. O
assunto é amplo e polêmico, uma vez que a legislação oferece poucas diretrizes para
o assunto.
Com efeito, a legislação processual pátria estabelece que o juiz poderá,
de ofício, impor e modificar a periodicidade da multa e o seu valor, caso verifique
que esta se tornou excessiva ou defasada.
95
Ademais, sem impor qualquer limite para a fixação do valor, o § do
art. 461, do Código de Processo Civil, outorgou poderes ao juiz para que este arbitre
a multa em valor suficiente ou compatível com a obrigação.
96
Como se observa, o legislador utilizou-se, na redação do dispositivo
legal, de conceitos jurídicos indeterminados, também denominados conceitos
vagos
97
, provavelmente objetivando permitir ao intérprete um juízo de valor mais
adequado à situação fática concreta.
95
Art. 461. Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz
concederá a tutela específica da obrigação ou, se procedente o pedido, determinará providências que
assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento. (Redação dada pela Lei 8.952, de
13.12.1994)
(...)
§ 6
o
O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso verifique que se
tornou insuficiente ou excessiva. (Incluído pela Lei nº 10.444, de 7.5.2002)
96
Art. 461. (...)
§ 4
o
O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na sentença, impor multa diária ao réu,
independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-lhe
prazo razoável para o cumprimento do preceito. (Incluído pela Lei nº 8.952, de 13.12.1994)
97
Técnica utilizada pelo legislador para, ao fornecer algumas indicações genéricas, fazer com que o
juiz, ou o intérprete, ao aplicar a regra jurídica, possa dentro do sistema positivo e codificado
determinar em cada caso o perímetro e o contorno das determinações legais.
60
Outra não é a observação de Luiz Guilherme Aidar Bondioli:
“Ainda dentro da terminologia empregada na regulação da multa,
deve ser consignado que o legislador se vale de conceitos jurídicos
indeterminados na disciplina do instituto. É o caso dos termos
‘suficiente’, ‘compatível e ‘razoável’. Esses conceitos têm uma
parte nuclear de seu conteúdo fixa e outra parte fluida, a ser
preenchida de acordo com as nuanças do caso concreto, à luz das
noções de proporcionalidade e de razoabilidade. Aqui acertou o
legislador, pois as medidas de coerção não comportariam regulação
abstrata e fechada, descolada das peculiaridades da situação
fática”.
98
Portanto, nesse cenário, é inevitável recorrer à doutrina e à jurisprudência
para o estabelecimento dos critérios de fixação do valor das astreintes. Sobre o
significado das expressões utilizadas no § do art. 461, do Código de Processo
Civil, Thereza Alvim esclarece:
“Suficiente ou compatível diz a lei, logo quer dizer o suficiente ou
compatível com a obrigação. Todavia, essa suficiência ou
compatibilidade nada mais é do que a adequação, ou seja, que haja
a possibilidade, com a fixação da multa, de a obrigação vir a ser
cumprida, de acordo com a visão do juiz da causa. Na concreção
desse conceito vago não está o juiz adstrito ao valor da obrigação
ou a qualquer limite, objetivando, exclusivamente a adequação
para obtenção da tutela específica, podendo, ainda, cumulá-la com
medidas de apoio, ou quando do processo de execução, com perdas
e danos (pelo não cumprimento ou cumprimento da obrigação,
atrasado, desde que pedidas)”.
99
98
BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar. A multa atrelada à tutela específica no CPC (arts. 461 e afins).
Revista Jurídica, ano 54, n. 350, Porto Alegre, dez. 2006, p. 131.
99
ALVIM, Thereza. A tutela específica do artigo 461 do Código de Processo Civil. Revista de
Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 80, out./dez. 1995, p. 109.
61
Lívia Cipriano Dal Piaz afirma que “o vocábulo suficiente deve ser
entendido como eficaz para convencer o devedor a adimplir, enquanto compatível,
segundo a melhor doutrina, com a capacidade econômica do réu”.
100
Rafael de Oliveira Guimarães, interpretando o dispositivo legal, defende
que:
“O valor da obrigação pode até ser estimado, que normalmente
uma obrigação envolve um bem (seja contrato, coisa, etc.) em que
um benefício financeiro. Ocorre que isso em nada guarda
relação com o descumprimento da ordem judicial que deve ter
como valor de multa por descumprimento o suficiente para o
adimplemento da obrigação. A lei faz referência a ‘suficiência’ e
‘compatibilidade’ da multa com a obrigação’ (art. 461, § 4º). Tais
parâmetros prestam-se não a indicar as hipóteses de cabimento
da multa, como ainda definem os seus limites quantitativos. Mas
não se trata de limitação do valor da multa ao da ‘obrigação’. A
multa que guarda relação com a obrigação é clausula penal (art.
412 do CC), daí a necessária distinção desta com a multa
cominatória processual”.
101
Neste aspecto, com inteiro acerto a ponderação de Arruda Alvim:
“O ‘quantum’ da multa deve ser fixado de molde a que o réu não
possa optar entre o cumprimento da obrigação e o pagamento da
multa, pois seu objetivo é o de proporcionar ao credor o
cumprimento da obrigação in natura’, é o de criar condições para
que o processo seja efetivo”.
102
100
DAL PIAZ, Lívia Cipriano. Os limites da atuação do juiz na aplicação das astreintes. Revista
Jurídica, n. 383, Porto Alegre, fev. 2005, p. 72.
101
GUIMARÃES, Rafael de Oliveira. Rediscussão do valor da multa fixada em liminar e confirmada
na sentença, quando da apresentação da impugnação à execução (art. 475-L). In: WAMBIER, Teresa
Arruda Alvim (coord.) Aspectos polêmicos da nova execução, v. 3. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006.
102
ALVIM NETO, José Manoel de Arruda. Parecer: Interpretação da sentença liquidanda fidelidade
ao seu sentido original multa convencional e astreintes diferenças e limites. Revista de Processo,
ano 20, n. 77, São Paulo, jan./mar. 1995, p. 182/183.
62
Conclui-se, pois, que, à evidência, a multa deve ser alta o bastante para
coagir o devedor a adimplir a obrigação, mas não pode ser excessiva, a ponto de
levar o devedor a insolvência civil e/ou provocar o enriquecimento injusto do credor,
porque, em isso ocorrendo, ela perderá seu sentido e eficácia.
Assim sendo, o patrimônio do devedor deve ser considerado no seu todo
para a valoração da multa, de modo que a medida coercitiva tenha força suficiente
para o estímulo ao adimplemento, mas sem significar confisco, e, tampouco,
enriquecimento ilícito do credor.
A propósito, oportuna é a observação de Luciano Marinho de Barros e
Souza Filho:
“(...) deve o juiz, sempre, sopesar os valores a serem indicados às
multas cominatórias tendo em mente dois princípios: o de intimidar
o devedor ao cumprimento da obrigação (e da própria ordem
judicial emanada) sem divorciar-se de sua viabilidade executiva
posterior, para que numa eventual desobediência evitem injustiças,
constrangimentos e anarquizações (sentimento de descrédito e
impotência do credor e do magistrado diante de um sistema
inoperante)”.
103
Com efeito, a fixação de valor excessivo à multa pode retirar dela a
natureza coercitiva, pois se o réu sabe, de antemão, que não é capaz de pagar a multa
e que não tem bens suficientes para honrar o pagamento, não surtirá nele qualquer
pressão psicológica capaz de compeli-lo ao cumprimento da ordem.
103
SOUZA FILHO, Luciano Marinho de Barros. Multas Astreintes: um instituto controvertido.
Revista da Esmape, v. 7, n. 16/17, Recife, mai. 2003, p. 503.
63
Sustenta Alexandre Freitas Câmara:
“É claro que a astreinte tem um limite de crescimento, mas este
limite é a sua própria capacidade de pressionar psicologicamente o
devedor a cumprir a obrigação. Dito de outro modo: a astreinte
pode incidir e aumentar até um valor que ultrapasse o valor da
obrigação a ser cumprida. Deve, porém, parar de aumentar um
centavo antes da insolvência do devedor. Afinal, insolvente este, a
multa perderá toda a sua eficácia, que não constrangerá mais o
devedor a cumprir a decisão”.
104
Importante ressaltar que parcela significativa da doutrina entende que as
astreintes não se confundem com as perdas e danos devidas em razão dos prejuízos
sofridos pelo credor
105
, e, igualmente, não ficam limitadas ao valor da obrigação.
Aliás, inquestionável é a inaplicabilidade do disposto no art. 412 do
Código Civil
106
à hipótese da fixação das astreintes. Isto porque o dispositivo impõe
limitação à multa prevista em cláusula penal, e, como estudado anteriormente, as
astreintes têm natureza jurídica diversa da cláusula penal.
A propósito, no âmbito da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça,
há pacificação desse entendimento.
107
104
CÂMARA, Alexandre Freitas. Redução do valor da astreinte e efetividade do processo. In:
Estudos em homenagem ao Professor Arruda Alvim. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 1563.
105
Essa questão restou pacificada depois da reforma dodigo de Processo Civil, uma vez que o §
do art. 461 dispõe que a multa é inconfundível com perdas e danos, podendo inclusive ser cumulada
com a referida indenização.
106
CC. Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação
principal.
107
Multa. Cláusula penal. Multa compensatória. Limitação do art. 920 do Código Civil. Precedente da
Corte. 1. diferença nítida entre a cláusula penal, pouco importando seja a multa nela prevista
moratória ou compensatória, e a multa cominatória, própria para garantir o processo por meio do qual
pretende a parte a execução de uma obrigação de fazer ou não fazer. E a diferença é, exatamente, a
incidência das regras jurídicas específicas para cada qual. Se o Juiz condena a parte ao pagamento
de multa prevista na cláusula penal avençada pelas partes, está presente a limitação contida no art. 920
do Código Civil. Se, ao contrário, cuida-se de multa cominatória em obrigação de fazer ou não fazer,
decorrente de título judicial, para garantir a efetividade do processo, ou seja, o cumprimento da
obrigação, está presente o art. 644 do Código de Processo Civil, com o que não há teto para o valor da
cominação.
2. Recurso especial conhecido e provido. STJ, Turma, Resp. 196262/RJ, Relator Ministro Carlos
Alberto Menezes Direito, DJ 11/09/2000.
64
Em suma, não dúvida de que, conforme a finalidade da multa, é que
será fixado seu valor. Mas isto não significa dizer que o valor da multa esteja
limitado ao da obrigação, nem mesmo aos danos decorrentes da inadimplência.
Como defendido neste trabalho, a multa deverá ser arbitrada de forma a
efetivamente influir na vontade do devedor, fato este que, dependendo da sua
situação econômica, pode resultar num quantum que exceda ao valor atribuído ao
bem jurídico protegido pela obrigação de fazer ou não fazer.
Porém, em hipótese alguma, deve ser excessiva a ponto de levar o
devedor a insolvência civil e, tampouco, a ponto de causar enriquecimento sem causa
do credor, pois o valor das astreintes reverte em seu benefício.
Nesse cenário, oportuno trazer a lição de Luis Guilherme Aidar Bondioli:
“O patrimônio do devedor deve ser considerado no seu todo para a
valoração da multa, de modo que a medida coercitiva cause
impacto suficiente para o estímulo ao adimplemento, mas sem
significar absoluto confisco. Os direitos atrelados ao dever por
adimplir também têm papel de relevo na atividade valorativa.
Casos envolvendo deveres infungíveis autorizam a incidência de
multa de maior monta, na medida em que a satisfação não pode se
dar por meios alternativos; somente a vontade do devedor é apta a
satisfazer de forma específica o credor. Por isso, é curial que a
pressão psicológica e financeira a ser exercida sobre o devedor seja
maior nesses casos. Nesse contexto de maior pressão, não fica
afastada a estipulação de multa com valor progressivo”.
108
108
BONDIOLI, Luis Guilherme Aidar. A multa atrelada à tutela específica no CPC (arts. 461 e afins).
Revista Jurídica, ano 54, n. 350, Porto Alegre, dez. 2006. Nesse mesmo sentido, Clito Fornaciari
Júnior assevera que: “Sua função é tão-só persuasiva, buscando conduzir o devedor a atender o que
dele se reclama. É certo que na fixação da multa o juiz até poderá levar em conta a obrigação em si, de
vez que deverá dosá-la de modo a não fazer insignificante, a ponto de tornar mais interessante pagar a
multa e não cumprir a obrigação, e nem exagerada, de modo a suprimir por completo a vontade do
devedor, transformando-se em uma autêntica coação (FORNACIARI JÚNIOR, Clito. Processo
Civil: verso e reverso. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005, p. 177).
65
Opinião singular possuem Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade
Nery. Segundo os autores, a multa diária deve ser imposta de ofício ou a
requerimento da parte (CPC art. 287; art. 461) e seu valor deve ser expressivamente
alto, precisamente porque possui natureza inibitória.
“O juiz não deve ficar com receio de fixar o valor em quantia alta,
pensando no pagamento. O objetivo das astreintes não é o de
obrigar o réu a pagar o valor da multa, mas compeli-lo a cumprir a
obrigação na forma específica. A multa é apenas inibitória. Deve
ser alta para que o devedor desista de seu intento de não cumprir a
obrigação específica. Vale dizer, o devedor deve sentir ser
preferível cumprir a obrigação na forma específica a pagar o alto
valor da multa fixada pelo juiz”.
109
Sob esse ponto de vista, a ausência de limitação do valor da multa nada
tem a ver com o enriquecimento ilícito do credor. Ao contrário, possui a finalidade
de obtenção de obrigações pactuadas e/ou determinadas legal e judicialmente.
Portanto, preservaria e valorizaria a estabilidade, a eficácia e o caráter cogente do
ordenamento jurídico.
Esse raciocínio, apesar de justificável do ponto de vista do interesse
público, respeitosamente, não parece ser o mais acertado.
Com efeito, inevitavelmente, a multa demasiadamente alta e exagerada,
que não guarda qualquer relação ou proporcionalidade com a obrigação a ser
cumprida, ou levará o devedor à insolvência civil, tornando inútil a fixação de
astreintes, ou levará o credor ao enriquecimento ilícito, visto que ele, nos termos da
legislação pátria, é o destinatário da multa.
109
NERY JÚNIOR, Nelson; ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de Processo Civil Comentado.
4ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 899, 2ª coluna, nota 15 ao art. 461.
66
E mais, a fixação de astreintes em valor elevado, sem guardar qualquer
proporcionalidade com o bem da vida perseguido no processo judicial, muito
provavelmente estimulará o credor, no curso da demanda, a desistir de seus
propósitos ao tempo da propositura da ação, levando-o a perseguir, única e
exclusivamente, o valor da multa. Infelizmente, essa prática não tem sido rara no
cotidiano forense, sempre que nos deparamos com astreintes fixadas em valores
exagerados.
Parece-nos mais correta e acertada a conclusão de Vicente Greco Filho,
que esclarece:
“A multa estipulada em favor do credor não se confunde com
perdas e danos e pode até mesmo ultrapassar o valor da obrigação,
mas o juiz deve fixá-la tendo em vista a sua finalidade de meio
compulsivo para forçar o cumprimento da obrigação, de modo que
seu valor não seja exagerado, a ponto de provocar a insolvência do
obrigado, pois, neste caso, sua função teria sido desvirtuada”.
110
Não se pode olvidar que, seja qual for o valor fixado pelo magistrado a
título de multa, no caso concreto, o mesmo deve ser justificado, pois em nosso
ordenamento jurídico não há espaço para arbitrariedade.
111
110
GRECO FILHO, Vicente. Direito processual civil brasileiro. 10ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, v.
3, p. 69 .
111
Consoante Gilberto Antonio Medeiros: “Mas, ainda que se reconheça a inexistência de critérios
objetivos para sua fixação, o valor da multa não é ato discricionário do juiz, podendo ser reexaminada
pela instância superior, quando claramente insuficiente para coação do devedor, ou incompatível com
sua situação financeira (MEDEIROS, Gilberto Antonio. A multa prevista no artigo 461 do Código de
Processo Civil: limites quantitativos e momento de sua exigibilidade. Disponível em:
<http://www.advocaciamedeiros.com.br/artigo3.html>, acesso em 13.08.2009).
67
Em outras palavras, o juiz deve revelar os elementos informadores do
valor atribuído, em estrita obediência ao dever de motivação, consagrado
constitucionalmente no art. 93, inciso IX, da Constituição
112
, e na legislação
infraconstitucional nos artigos 131
113
e 458, inc. II,
114
do Código de Processo Civil.
Mas retornando ao ponto da fixação de astreintes em quantia exagerada e
sem qualquer proporção com o bem da vida perseguido no processo, J. J. Calmon de
Passos, antes mesmo das reformas processuais, já lecionava que:
“Diante de tantas perguntas sem respostas ou de difícil resposta,
inclino-me por entender que a multa precisa ser suficiente e
compatível. Suficiente para induzir o devedor a adimplir, pelo que
variará em função da capacidade econômica do devedor, mais do
que em função da natureza da obrigação, mas essa correlação não
pode alcançar o excesso, devendo cingir-se ao compatível. Assim,
dois são os critérios a ponderar: condição financeira do devedor e
expressão econômica da obrigação ou algo de caráter não-
econômico que importe também em valor”.
115
112
Art. 93. (...)
IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as
decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias
partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à
intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação; (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
113
CPC, Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes
dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe
formaram o convencimento. (Redação dada pela Lei nº 5.925, de 1º.10.1973)
114
CPC, Art. 458. São requisitos essenciais da sentença:
(...)
I - os fundamentos, em que o juiz analisará as questões de fato e de direito;
115
CALMON DE PASSOS, José Joaquim. Inovações do código de processo civil. ed. Rio de
Janeiro: Forense, 1995, p. 62.
68
Humberto Theodoro Júnior, também preocupado com o exagero na
fixação das astreintes, lembra que:
“(...) de evitar-se o abuso, obviamente, que possa transformar o
meio legítimo de constrangimento executivo em fonte de
locupletamento indevido ou enriquecimento sem causa”.
116
A esse respeito veja-se a ementa de acórdão
117
do Tribunal de Justiça de
São Paulo, no qual se traçaram alguns parâmetros que o magistrado deve levar em
consideração para a fixação de astreintes:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO AÇÃO DECLARATÓRIA
COMINAÇÃO DE MULTA DIÁRIA REDUÇÃO DO VALOR
POSSIBILIDADE INCIDÊNCIA DO ARTIGO 461, § 6, DO
CPC – A multa constitui meio de coerção processual e desempenha
papel intimidatório, a fim de compelir o devedor ao adimplemento
da determinação judicial. Portanto, ela deve ser estipulada em
expressão que não implique em valor insuficiente e que, de igual
forma, não se revele excessiva, para se evitar o locupletamento sem
causa e, ainda, resguardar os princípios da equidade e da
razoabilidade. A questão não é pacífica, o tema continuará sendo
muito debatido e discutido enquanto não houver critérios mais
específicos definidos em lei para fixação do valor da astreinte”.
Em suma, o magistrado deverá se valer, para fixação do valor da multa,
dos conceitos de suficiência, equidade, compatibilidade, razoabilidade,
proporcionalidade, eficiência e da perspectiva da eficácia da multa, bem como das
peculiaridades do caso e da observância do princípio que veda o enriquecimento
ilícito.
116
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução e cumprimento de sentença. 24ª ed. São
Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2007, p. 222.
117
TJ/SP - Agravo de Instrumento 7.167.774-0, 2mara de Direito Privado, Relator Des. Roberto
Mac Cracken, j. 18.10.2007.
69
Deverá ter em vista, também, a condição econômica do devedor e,
primordialmente, a expressão econômica da obrigação a ser cumprida, a fim de evitar
que o credor se revele mais interessado no recebimento da multa que no
cumprimento da obrigação.
Finalmente, mas não menos importante, cumpre lembrar que o próprio
magistrado que a fixou ou os tribunais pátrios, de ofício ou mediante provocação,
poderão rever o valor das astreintes sempre que a multa se revelar excessiva ou
insuficiente.
70
10. O PRAZO RAZOÁVEL PARA CUMPRIMENTO DA
OBRIGAÇÃO E O TERMO INICIAL DAS ASTREINTES
A definição do termo inicial e final da contagem da multa cominatória é
de suma importância, pois imprecisões na definição desses momentos podem trazer
consequências desastrosas não ao processo, mas à própria eficácia do instituto
como meio de coerção ao cumprimento das decisões que impõem obrigação de fazer,
não fazer ou de dar.
Primeiramente, cumpre distinguir o momento de incidência das astreintes
do momento de sua exigibilidade. A incidência constitui a data a partir da qual será
calculada a multa. Por sua vez, a exigibilidade é o momento a partir do qual o credor
pode cobrá-la.
Estudar-se-á neste tópico o momento inicial da incidência das astreintes.
Quanto ao termo inicial de incidência das astreintes, encontram-se na
doutrina três correntes bastante expressivas. A primeira delas defende a incidência da
multa desde a intimação do réu. Aliás, tal corrente, apesar de minoritária, foi
seguida por julgados do STJ.
118
A segunda corrente prega pela incidência da multa a partir do decurso do
prazo estabelecido pelo magistrado para o cumprimento da ordem judicial, ou seja, o
termo a quo da multa é o instante seguinte ao descumprimento do preceito judicial.
São defensores desta corrente, dentre outros, Luiz Rodrigues Wambier
119
, Humberto
Theodoro Júnior, Marcelo Lima Guerra e Eduardo Talamini.
118
“Concedido o provimento liminar, é da ciência do mesmo que se caracteriza a resistência ao
cumprimento do julgado, incidindo a multa até que se desfaça (facere) o que foi feito em transgressão
ao preceito.” (STJ, Turma, REsp 518.155-RS, Relator Ministro Luiz Fux, j. 17.02.2004, DJU
28.04.2004, p. 232)
119
Cf. WAMBIER, Luis Rodrigues et al. Curso avançado de processo civil. ed. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2000, v. 2, p. 280.
71
Eduardo Talamini resumidamente afirma que: “decorrido o prazo
concedido para cumprimento do preceito ou não havendo a pronta obediência,
quando se exige cumprimento imediato –, passa a incidir a multa”.
120
No mesmo sentido, Teresa Arruda Alvim Wambier e José Manoel
Arruda Alvim Netto lecionam que “a multa passa a incidir depois de decorrido
‘tempo razoável’ dentro do qual a decisão deve ser cumprida”.
121
Por sua vez, Marcelo Lima Guerra assevera que “não se afigura razoável
a determinação de outra data que não a do transcurso do período que se concede ao
devedor para adimplir”.
122
No mesmo sentido é a lição de Humberto Theodoro Júnior: “A multa
vigorará a partir do momento fixado pela decisão, o qual se dará quando expirar o
prazo assinado pelo juiz para o cumprimento voluntário da obrigação”.
123
Por fim, a terceira e última corrente de pensamento, embora semelhante à
segunda, descreve o termo a quo das astreintes de forma substancialmente diferente
da defendida pelos juristas acima.
Com efeito, para esta terceira corrente o termo inicial da incidência da
multa será o dia seguinte ao do término do prazo fixado para que a prestação seja
entregue espontaneamente.
120
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: CPC, art. 461; CDC art.
84. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 248.
121
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. O grau de coerção
das decisões proferidas com base em prova sumária: especialmente a multa. Revista de Processo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, ano 31, n. 142, dez. 2006, p. 16.
122
GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.
205.
123
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Tutela específica das obrigações de fazer e não fazer. Revista
de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 105, jan./mar. 2002, p. 27.
72
Nesse sentido a lição de Carlyle Popp: “o termo inicial para incidência da
sanção pecuniária é o primeiro dia útil após o vencimento do prazo fixado pelo
juiz”.
124
Semelhante definição do termo a quo é partilhada por Araken de Assis
125
e
Teori Albino Zavascki
126
.
Importante salientar, de qualquer forma, que as duas últimas correntes
defendem a necessidade de se fixar um prazo razoável para o cumprimento da
obrigação.
E em sendo as astreintes medida de apoio para cumprimento da
determinação judicial, é essencial que se estabeleça um prazo para cumprimento
desta, para que, sim, depois de transcorrido este prazo, seja o réu penalizado por
descumpri-la.
Todavia, não na legislação brasileira qualquer previsão acerca de qual
seria o prazo razoável para o cumprimento da ordem, até porque o legislador nem
teria como abarcar todas as possibilidades que envolvem os diversos e possíveis tipos
de obrigações de fazer, não fazer e dar. Por conseguinte, fica a critério do juiz a
fixação desse prazo.
De qualquer maneira, é certo que este prazo deve ser compatível não
com a natureza da obrigação, como também com a urgência da tutela pretendida,
conforme se depreende da leitura do disposto no art. 461, § 4º, in fine: “fixando-lhe
prazo razoável para cumprimento do preceito”.
Como se observa na técnica da redação, novamente o legislador pátrio
optou por utilizar conceito jurídico indeterminado
127
, para que busque o intérprete,
no caso, o magistrado, maior perfeição na valoração do significado da expressão
“prazo razoável”.
124
POPP, Carlyle. Execução de obrigação de fazer. Curitiba: Juruá, 1995, p. 128.
125
ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001, p. 498.
126
ZAVASCKI, Teori Albino. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, v. 8, p. 503.
127
A vaguidade semântica existente na norma tem a finalidade de que ela, a norma, permaneça, ao ser
aplicada, sempre atual e correspondente aos anseios da sociedade nos vários momentos históricos em
que a lei é interpretada e aplicada.
73
Interpretando a expressão acima, Eduardo Talamini assevera que:
“O lapso de tempo concedido ao réu não poderá ser curto em
demasia, de modo que o impeça de cumprir a ordem
tempestivamente, ainda que queira; nem longo a ponto de ser
inócua a tutela que se concedeu ao autor. Mais uma vez, as
circunstâncias concretas é que terão de ser consideradas”.
128
Considerando a finalidade do dispositivo legal, qual seja, atribuir ao
devedor um espaço de tempo apropriado para permitir o adimplemento da obrigação,
bem como a importância da necessidade de o devedor ter conhecimento deste prazo,
recentemente o Superior Tribunal de Justiça, através de sua Turma, declarou nula
a penalidade e respectiva cobrança pela via executiva. Confira-se:
“EMENTA: CIVIL E PROCESSUAL. EMBARGOS À
EXECUÇÃO DE ASTREINTES. AÇÃO CAUTELAR.
REINCLUSÃO DO AUTOR-EMBARGADO EM PLANO DE
SEGURO. MULTA IMPOSTA. CARÊNCIA QUE NÃO
CONSTOU DO MANDADO. PRAZO EXÍGUO. PENALIDADE
ELEVADA. NULIDADE DO ATO. PROVIMENTO.
I. Imposta multa à parte como forma de impor o cumprimento de
medida liminar, deve obrigatoriamente constar do mandado o
prazo assinalado para o atendimento da ordem, mormente quando
extremamente exíguo e elevado o valor da astreinte diária. CPC,
arts. 225, VI, e 247.
II. Omissão que torna nula a penalidade e a sua cobrança pela via
executiva.
III. Recurso especial conhecido e provido. Embargos à execução
procedentes”.
129
128
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: CPC, art. 461; CDC art.
84. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 248.
129
STJ, 4ª Turma, REsp 620.106-RS, Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, j. 18.08.2009, DJ de
28.09.2009.
74
O precedente jurisprudencial acima, certamente, decorreu do evidente
prestígio à necessidade de fixação de prazo razoável para cumprimento da obrigação
pelo devedor e da ciência deste com relação à carência, como se observa da
fundamentação dada pelo Ministro Aldir Passarinho Júnior, verbis:
“Apesar da elevada astreinte (R$ 1.000,00 diários, em agosto de
1999) e do exíguo lapso de apenas 24 horas para o cumprimento da
cautelar, considerando a óbvia necessidade de um tempo mínimo
razoável para a execução de providências de caráter administrativo,
não constou do mandado o prazo a partir de cujo termo teria início
a penalidade. A imposição de astreinte, que, registre-se, vem sendo
comumente aplicada de forma tão onerosa a ponto de em inúmeros
casos passar a ser mais vantajoso para a parte ver o seu pedido não
atendido para fruir de valores crescentes, deve, por isso mesmo, ser
precisa na sua definição. Daí porque, entendo que, na espécie, o
mandado que não advertiu sequer sobre o prazo de carência, que
era mínimo, reveste-se de nulidade, ao teor das normas legais
acima”.
130
Após todas as considerações acima, conclui-se que o termo inicial da
incidência da astreinte é marcado pelo final natural do prazo razoável para
cumprimento da obrigação (CPC, art. 461, § 4º, in fine), sem que ocorra o
adimplemento por parte do devedor. Antes desse interregno, não que se falar em
resistência ou desobediência ao mandamento judicial, e, portanto, de incidência da
multa cominatória.
Deveras, não nos parece apropriado, como defende a primeira corrente
acima mencionada, que a multa incida desde a intimação do réu para o cumprimento
da obrigação, pois o magistrado lhe outorgou um prazo para cumprir a ordem
judicial, de modo que não que se falar de descumprimento da ordem antes de
transcorrido tal prazo, a contar da intimação do réu.
130
STJ, 4ª Turma, REsp 620.106-RS, Relator Ministro Aldir Passarinho Júnior, j. 18.08.2009, DJ de
28.09.2009.
75
Do mesmo modo, não nos parece ter razão aqueles que defendem que o
termo inicial da multa consiste no dia seguinte ao término do prazo para que a
prestação seja cumprida espontaneamente eis que, conforme será visto a seguir, a
periodicidade da multa pode não ser diária, mas sim por hora, minutos ou até
segundos, dependendo do tipo de obrigação a ser cumprida pelo réu.
E, se fosse aplicada a terceira corrente, o réu contra o qual foi imposta
uma multa por hora ou por minuto deixaria de pagá-la no dia do término do prazo
para cumprimento da obrigação espontânea, já que ela somente incidiria no dia
seguinte.
Por essa razão, nos parece correto o entendimento de que o termo inicial
da incidência das astreintes consiste no momento imediatamente após esgotado o
final do prazo fixado pelo Juízo para o cumprimento da obrigação.
Finalmente, mas não menos importante, cumpre destacar que,
recentemente
131
, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 410, firmando o
entendimento de que é imprescindível a prévia intimação pessoal do devedor para
que se possa falar em multa cominatória, de modo que a simples intimação do
advogado não é suficiente para configurar o termo inicial da obrigação. É
indispensável a intimação pessoal do devedor.
A Súmula 410 do Superior Tribunal de Justiça tem a seguinte redação:
“A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição
necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de
obrigação de fazer ou não fazer”.
131
Novembro de 2009.
76
11. TERMO FINAL DAS ASTREINTES
Questão não menos controversa se relaciona ao termo final das
astreintes.
No entendimento de Eduardo Talamini, “a multa incidirá até o
cumprimento da ordem ou, se não cumprida, enquanto houver possibilidade de sê-
lo”.
132
Por razões óbvias, a opinião unívoca entre os doutrinadores é que o
cumprimento da obrigação implica a cessação da incidência das astreintes.
Mas e quando não é possível o cumprimento desta?
Araken de Assis afirma que:
“Não dies ad quem, a multa é infinda, vencerá dia a dia e seu
curso somente se interromperá na ocasião do cumprimento e,
querendo-o o credor, com pedido de liquidação das perdas e danos
(...). Tornada impossível a obrigação ‘in natura’, com ou sem culpa
do obrigado, a pena restará inexigível desde este momento, porque
igualmente inviável seu escopo, que é a execução específica”.
133
Em outras palavras, o termo final da multa está estritamente relacionado
com suas características: coercitividade e acessoriedade.
Enquanto houver obrigação a ser cumprida e enquanto esta puder ser
cumprida pelo obrigado, persistirá a multa.
Assim sendo, se o credor optar pela conversão em perdas e danos, a
multa deixará de ser exigível a partir deste momento.
132
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: CPC, art. 461; CDC art.
84. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 254-257.
133
ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2001, p. 499.
77
Nesse sentido, a precisa lição de Barbosa Moreira:
“Não existe limite para incidência: a cada dia que passa, eleva-se o
montante da multa, até que seja praticado o ato, ou cesse de o ser,
ou se desfaça o que foi feito, conforme o caso; ou então, se
resolvida a obrigação em perdas e danos, até que o credor embolse
o respectivo quantum, como equivalente pecuniário da prestação
originalmente devida”.
134
Entretanto, resta evidente que a opção pela execução das perdas e danos
não implica desistência do crédito resultante da astreinte. Confira-se a esse respeito a
lição de Teori Zavascki:
“As astreintes incidem, em princípio, enquanto o devedor se negar
a cumprir a obrigação. Pode ocorrer, todavia, que o credor, no
interregno, desista da prestação in natura e opte por receber o
equivalente em perdas e danos, ou, ainda, prefira utilizar o
procedimento do art. 634 (contratação de terceiro para realizar a
obra). A desistência da prestação importará, também, na
desistência de seu meio executivo típico. Portanto, formalizada a
opção por perdas e danos, deixará de incidir a multa. O rito
procedimental, daí em diante, será o da liquidação e execução de
quantia, não sendo cabível, em seu transcurso, a aplicação de
astreintes. Será devido, entretanto, o pagamento do montante
relativo ao período pretérito, durante o qual ocorreu a
incidência”.
135
134
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro: exposição sistemática do
procedimento. 19ª ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 220.
135
ZAVASCKI, Teori Albino. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2000, v. 8, p. 505.
78
12. MOMENTO DE SUA EXIGIBILIDADE
Definidos os termos inicial e final da incidência das astreintes, necessário
definir também o momento de exigibilidade da multa judicial. Não é mansa e
pacífica a questão, conforme se verá.
A primeira observação importante a ser feita é que a doutrina é
majoritária no que diz respeito à multa fixada em sentença, afirmando que esta
somente se exigível a partir do trânsito em julgado da decisão judicial, salvo,
logicamente, se houver decisão, na própria sentença, determinando ao réu o imediato
cumprimento de ordem, sob pena de astreintes.
Em consonância com o afirmado, leciona Cândido Rangel Dinamarco
136
que, ao ser fixada a multa diária na sentença, não seria legítimo impor ao vencido o
desembolso do valor da multa, quando ele, havendo recorrido, ainda pode ser
eximido de cumprir a obrigação principal, e, consequentemente, também de pagar
astreintes.
Posta assim a questão, é de se dizer que a multa poderá ser executada
quando a sentença for questionada por meio de recurso recebido somente no efeito
devolutivo.
A polêmica surge quanto à possibilidade de se exigir imediatamente a
multa fixada em decisão interlocutória, seja em antecipação de tutela, seja em
liminar.
Cumpre observar, preliminarmente, que, em se tratando de multa fixada
liminarmente em Ação Civil Pública, esta será exigível após o trânsito em julgado
da decisão favorável ao autor, nos exatos termos do art. 12, § 2º, da Lei
7.347/1985.
137
Sobre isso a divergência é pequena.
136
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 239.
137
LACP, art. 12, § . A multa cominada liminarmente será exigível do réu após o trânsito em
julgado da decisão favorável ao autor, mas será devida desde o dia em que se houver configurado o
descumprimento.
79
Isso não ocorre, no entanto, em relação ao momento da cobrança das
astreintes em outros tipos de ação, uma vez que a lei silencia a respeito.
Parte da doutrina representada por Eduardo Talamini, Marcelo Lima
Guerra, Paulo Henrique dos Santos Lucon, José Carlos Barbosa Moreira, José
Roberto dos Santos Bedaque, dentre outros, defende a exigibilidade imediata, ou
seja, a possibilidade de execução assim que for descumprida a liminar ou tutela
antecipada.
Eduardo Talamini assim fundamenta sua opinião:
“A inexeqüibilidade imediata da multa que acompanha a tutela
antecipada retira boa parte da eficiência concreta do meio
coercitivo e, conseqüentemente, das próprias chances de sucesso da
antecipação. A ameaça de pronta afetação do patrimônio do réu
através da execução do crédito da multa é o mais forte fator de
influência psicológica. A perspectiva remota e distante da
execução depois do trânsito em julgado nada ou muito pouco
impressiona”.
138
Por sua vez, Marcelo Lima Guerra, que também adota essa linha de
pensamento, preconiza:
“Realmente, não razão para negar a possibilidade de se
promoverem execuções parciais da multa diária, enquanto ela
ainda está incidindo. É que nessas situações a determinação do
valor a ser cobrado não precisa mais do que uma simples operação
aritmética”.
139
138
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: CPC, art. 461; CDC art.
84. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 254.
139
GUERRA, Marcelo Lima. Execução indireta. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p.
212.
80
Inadequado seria esquecer que na hipótese acima a execução será
necessariamente provisória. Nesse sentido, a afirmação de Marcelo José Magalhães
Bonicio:
“Tudo aquilo que for decidido em sede de antecipação de tutela,
inclusive a respeito da multa, será sempre provisório, sujeito a
alterações no curso do processo, até a decisão final. Motivo pelo
qual a execução que se fará das multas, neste caso, será sempre
provisória”.
140
Igualmente respeitável, a segunda corrente doutrinária defende que a
multa cominatória somente será exigível após o trânsito em julgado da sentença que
confirmou a liminar, muito embora ela passe a incidir e a ser calculada desde o
inadimplemento da obrigação imposta na decisão interlocutória.
São defensores deste posicionamento, dentre outros, Cândido Rangel
Dinamarco e Luiz Guilherme Marinoni.
No dizer de Cândido Rangel Dinamarco:
“Enquanto houver incertezas quanto à palavra final do Poder
Judiciário sobre a obrigação principal, a própria antecipação
poderá ser revogada e, com ela, as astreintes. A provisioriedade das
antecipações (art. 461, § 3º, parte final) é reflexo não da
sumariedade da cognição com base na qual são concedidas, mas
também de seu caráter auxiliar em relação à efetividade da tutela
jurisdicional donde se infere a ilegitimidade do impor o
desembolso a um sujeito que, no pronunciamento final de mérito,
seja liberado da própria obrigação principal”.
141
140
BONICIO, Marcelo José Magalhães. Análise do sistema das multas previstas no Código de
Processo Civil. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 118, nov./dez. 2004.
141
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 138.
81
Luiz Guilherme Marinoni, por sua vez, assim aborda a problemática:
“Por outro lado, não parece correto admitir que aquele que resultou
vitorioso no processo deva pagar por não ter cumprido decisão que
ao final não prevaleceu, já que o processo não pode prejudicar a
parte que tem razão (seja ela autora ou ré). A multa não tem o
objetivo de penalizar o réu que não cumpre a ordem; o seu escopo
é o de garantir a efetividade das ordens do juiz. A imposição da
multa para o cumprimento da ordem é suficiente para realizar este
escopo, pois a coerção está na ameaça do pagamento e não na
cobrança do valor da multa. Ora, se a coerção está na ameaça, e
ninguém pode se dizer não ameaçado por uma multa imposta na
tutela antecipatória ou na sentença de procedência – ao menos
quando entendimento do tribunal não é radicalmente oposto ao do
juiz de primeiro grau –, não por que se penalizar o réu que,
descumprindo a ordem, resulta vitorioso no processo. Perceba-se,
ademais, que dentro do sistema brasileiro o valor da multa reverte
em benefício do autor, razão pela qual, a prevalecer a tese de que o
réu deve pagar a multa ainda quando tem razão, chegar-se-ia à
solução de que o processo pode prejudicar o réu que tem razão para
beneficiar o autor que não a tem. O autor estaria sendo beneficiado
apenas por ter obtido uma decisão que afirmou um direito que ao
final não prevaleceu”.
142
Os tribunais pátrios igualmente têm divergido sobre o assunto.
diversos acórdãos dos Tribunais de Justiça de São Paulo e do Rio Grande do Sul
defendendo a primeira corrente e determinando a execução provisória, por quantia
certa, da multa cominatória fixada em tutela antecipada. Confira-se:
“A multa que é aplicada para cumprimento de antecipação de tutela
ressarcitória deverá ser imediatamente executada, sob pena de
desrespeito à função jurisdicional (arts. 461, § 4º, e 273 do CPC e
5º, XXXV, da CF), ressalvado que, pela sua natural provisoriedade
142
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461 CPC e 84, CDC. ed. rev. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001, p. 110.
82
(risco de reversibilidade), deverá o autor restituir o seu valor em
caso de perder a ação no final”.
143
“(...) Execução provisória. O descumprimento da decisão proferida
em sede de antecipação de tutela em que se prevê o pagamento de
multa, enseja a exigibilidade na forma da execução provisória,
conforme disposto no art. 273, § 3º, CPC, sendo cabível o
oferecimento de caução idônea”.
144
no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro é possível encontrar acórdãos
em sentido oposto. Confira-se:
“Direito Processual. Execução provisória da pena pecuniária
cominada em antecipação de tutela de obrigação de fazer:
impossibilidade sem a cognição definitiva da causa. Os poderes
que a ordem jurídica concede ao Juiz para a antecipação de tutela
nas obrigações de fazer e não fazer não abrangem os poderes
admitidos para execução provisória das obrigações de dar quantia
certa. A multa na obrigação de fazer se destina a coagir o devedor
da obrigação ao cumprimento, mas não se reveste de caráter perene
para que não se transmude em fonte inesgotável de ganho sem
causa justa, tanto mais quando não tem natureza reparatória. A
decisão incidental provisória de condenação a pagar vultosa
quantia implica, sem a cognição definitiva do mérito da causa, em
submeter o devedor aos efeitos devastadores do seu crédito na
praça, bem como a imobilizar capital suficiente para garantir
eventual penhora na antes mencionada execução provisória”.
145
143
Agravo de Instrumento 238.113-4/1, TJSP, 3ª Câmara de Direito Privado. Relator Des. Ênio
Santarelli Zuliani, j. 23.04.2002.
144
Agravo de Instrumento 70000864256, TJRS, 12ª Câmara Cível, Relator Des. Cézar Tasso Gomes,
j. 08.06.2000.
145
Agravo de Instrumento 1998.002.08609, TJRJ, 3ª Câmara Cível, Relator Des. Nagib Slaibi Filho, j.
01.12.1998.
83
Como visto, a questão não é de fácil solução e diversos posicionamentos
podem ser encontrados na doutrina e na jurisprudência, não havendo consenso
quanto à matéria.
De qualquer forma, pensamos que se o objetivo das astreintes é o de
compelir o devedor a cumprir a obrigação, não razão para se impedir que a multa
seja executada provisoriamente. Em isso ocorrendo, ou seja, se fosse permitida a
execução da multa apenas após o trânsito em julgado da sentença, pensamos que o
caráter coercitivo da multa perderia, em muito, a sua força.
Importante, aqui, lembrar o que escreveu Sérgio Shimura:
“No que tange à execução da multa diária, para a efetivação da
tutela específica ou obtenção do resultado prático equivalente, o §
do art. 461 autoriza o juiz a impor multa diária por tempo de
atraso. Não atendida a ordem judicial, passa a incidir a respectiva
sanção, cuja execução de seguir o procedimento previsto nos
arts. 646 e seguintes. Isto é, cabe execução provisória da multa
diária, sob pena de não atingir a sua finalidade específica. Portanto,
atualmente, a multa pode ser aplicada e exigida para a efetivação
da tutela específica, independentemente do trânsito em julgado. O
disposto nos arts. 461, CPC, e 84, CDC, harmoniza-se quanto à
imediata exigibilidade da multa diária”.
146
Portanto, segundo o que pensamos, a execução que fixa a multa
cominatória em sede de tutela antecipada será sempre provisória, visto que provisória
é a própria tutela antecipada.
Entendemos ainda que, mesmo que o réu não interponha recurso em face
da decisão que concedeu a tutela antecipada e incorra, desde logo, em multa
pecuniária, ainda assim a execução da multa será provisória, visto que ela dependerá
de confirmação posterior.
146
SHIMURA, Sérgio. Tutela coletiva e sua efetividade. São Paulo: Método, 2006, p. 109.
84
Outro importante motivo para justificar a defesa da tese de que a
execução deve ser provisória foi apontado em linhas anteriores, e consiste no fato
de que o autor da ação não será o beneficiário da multa caso a ação, ao final, seja
julgada improcedente.
Nos dizeres de Teresa Arruda Alvim Wambier e José Manoel Arruda
Alvim Netto:
“A existência desse problema, porém, deve ser levada em conta
para que se tome uma posição. Por isso é que nos parece mais
correta a posição intermediária: a multa é realmente devida desde o
momento em que se pode desconsiderar descumprida a ordem
judicial, devendo, todavia, a execução ser provisória (art. 588 do
CPC), para que a situação se reverta caso o autor perca a ação”.
147
Lastreados em tais motivos, concordamos com a posição transcrita acima
e compartilhamos o entendimento de que cabe a execução da multa cominatória
antes do trânsito em julgado do processo, devendo tal execução, contudo, ser sempre
provisória, a fim de possibilitar o retorno ao status quo ante, no caso de
improcedência da demanda.
147
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. O grau de coerção
das decisões proferidas com base em prova sumária: especialmente a multa. Revista de Processo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, ano 31, n. 142, dez. 2006, p. 17.
85
13. PERIODICIDADE DE INCIDÊNCIA
Inicialmente, é preciso lembrar que o juiz, ao determinar a prática ou
abstenção de determinado ato, sob pena de incidência de astreintes, deverá
estabelecer um prazo razoável para o cumprimento do preceito.
Após o decurso desse prazo, começa a incidência da multa que,
dependendo da natureza da obrigação, pode ser diária, fixada em horas, minutos ou
até em segundos. Ela pode ainda ser fixa ou progressiva.
Antes do advento da Lei 10.444/2002, a redação do art. 461 do Código
de Processo Civil, e, igualmente, a de todos os demais dispositivos legais que
previam as astreintes, apontavam para a adoção do “dia” como unidade de tempo na
qual incidiria a multa no Direito pátrio.
Com efeito, essa era a redação primitiva do § 4º do art. 461 do CPC:
“Art.461. (...)
§ - O juiz poderá, na hipótese do parágrafo anterior ou na
sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido
do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando-
lhe prazo razoável para o cumprimento do preceito”. (destacamos)
Essa unidade de tempo, entretanto, não era adequada para todos os tipos
de obrigações de fazer, não fazer ou dar coisa certa.
Nesse sentido, a opinião externada por Eduardo Talamini:
“A cominação de multa de periodicidade diária só é adequada
quando se está diante de deveres de fazer e de não fazer cuja
violação não se exaure em um único momento”.
148
148
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: CPC, art. 461; CDC art.
84. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 236.
86
Assim sendo, o legislador pátrio, através da Lei 10.444/2002, introduziu
modificações nos §§ e do art. 461 do Código de Processo Civil, possibilitando
incidência de multa em unidade de tempo outra, que não a diária.
149
Convém notar que a cominação de multa por dia de atraso, mês, hora, ou
qualquer outra unidade que o juiz venha fixar é cabível dependendo do caso
concreto.
Sobre o tema, oportunos são os ensinamentos de Teresa Arruda Alvim
Wambier e José Manoel Arruda Alvim Netto:
“Quando o legislador mencionou multa diária, disse mais do que
queria. A multa não precisa ser diária, pode ser fixa, com um
momento específico de incidência e isto ocorre quando a violação à
ordem do juiz se concretiza por um ato. Assim como pode incidir
por minuto, por exemplo. Basta pensar-se na violação de uma
decisão que proíba a veiculação de certa propaganda na TV”.
150
Eduardo Talamini e Asdrúbal Franco Nascimbeni defendem que a multa
diária é a mais adequada para os casos de ilícitos continuados, que não se exaurem
em ato único, e que são violadores de obrigações positivas ou negativas.
151
Por sua vez, a multa fixa é mais adequada para os casos de ilícitos
instantâneos, em que a multa diária revela-se incompatível e imprópria.
149
CPC. Art. 461, § 5º. Para efetivação da tutela específica ou a abstenção do resultado prático
equivalente, podeo juiz, de ofício ou a requerimento, determinar as medidas necessárias, tais como
a imposição de multa por tempo de atraso, busca e apreensão, remoção de pessoas e coisas,
desfazimento de obras e impedimento de atividade nociva, se necessário com requisição de força
policial. [redação dada pela Lei 10.444, de 07.05.2002 – grifo nosso]
CPC. Art. 461, § 6º. O juiz poderá, de ofício, modificar o valor ou a periodicidade da multa, caso
verifique que se tornou insuficiente ou excessiva. [redação dada pela Lei 10.444, de 07.05.2002
grifos nossos]
150
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; ARRUDA ALVIM NETTO, José Manoel. O grau de coerção
das decisões proferidas com base em prova sumária: especialmente a multa. Revista de Processo. São
Paulo: Revista dos Tribunais, ano 31, n. 142, dez. 2006, p. 15/16.
151
TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: CPC, art. 461; CDC art.
84. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 236; NASCIMBENI, Asdrúbal Franco. Multa e prisão
civil como meios coercitivos para a obtenção da tutela específica. Curitiba: Juruá, 2005, p. 156-157.
87
Nesse sentido a lição de Luiz Guilherme Marinoni:
“A multa na forma diária não é adequada para evitar violações de
natureza instantânea; quando se teme, por exemplo, que alguém
pratique um ato ilícito ou mesmo volte a praticá-lo, não é adequado
pensar em uma multa que passará a ter o seu valor aumentado após
a prática do ato contrário ao direito”.
152
O mesmo autor, em outra obra, assevera que “quando se deseja impedir a
prática ou a repetição de um ato ilícito, não outra saída que não a imposição da
multa em valor fixo”.
153
Sem dúvida alguma, a multa fixa é diferente da multa diária, pois se
aplicam em situações absolutamente distintas. Teori Zavascki assim distingue as
duas:
“A multa diária é mecanismo que induz a prestação de obrigação já
violada; a multa fixa, ao contrário, supõe obrigação apenas
ameaçada pela violação. Embora se tratem, ambas, de meio de
coerção patrimonial, as duas espécies de multa são instrumentos
executórios substancialmente diferentes, seja quanto ao valor, seja
quanto ao modo de atuar. Figure-se com exemplo, a hipótese de
atleta obrigado a não participar de determinada competição
esportiva e que ameaça fazê-lo. A multa adequada a induzir o
comportamento devido será, não a multa diária, mas a de valor
fixo, que, em caso de antecipação de tutela, de ser cominada
invocando-se o § 5º, do art. 461, e não o § 4º”.
154
152
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461 CPC e 84, CDC. ed. rev. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001, p. 107.
153
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória (individual e coletiva). São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998, p. 177.
154
ZAVASCKI, Teori Albino. A antecipação da tutela. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2000,
p. 144.
88
Por fim, não se pode olvidar da possibilidade de fixação de multa
progressiva, segundo autoriza o sistema processual vigente. A multa progressiva
nada mais é do que a combinação da majoração do valor das astreintes com o
transcurso de um lapso temporal.
Luiz Guilherme Marinoni defende essa possibilidade, assinalando:
“O fluir do tempo sem o adimplemento do réu evidencia sua
capacidade de resistência, e se o objetivo da multa é justamente
quebrar esse poder de resistir, nada mais natural do que sua fixação
em caráter progressivo”.
155
Ou seja, na hipótese da fixação de multa com valor progressivo, quanto
mais resistir o réu ao cumprimento da ordem, mais crescerá o valor da multa, com o
firme propósito de dobrar a vontade daquele réu que se mostra renitente ao
cumprimento da determinação judicial.
155
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela inibitória (individual e coletiva). São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1998, p. 177.
89
14. A REVISÃO DO VALOR DA MULTA
Cumpre observar, preliminarmente, que em todos os atos praticados pelo
juiz devem ser observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade;
portanto, deve haver moderação e equilíbrio no momento da fixação das astreintes,
de modo que a multa não seja irrisória a ponto de não coagir o réu, nem tão excessiva
que seja inviável seu cumprimento.
Embora a legislação pátria, como visto anteriormente, não nos
nenhum parâmetro para fixação da multa e tampouco imponha qualquer limite a esta,
isso não quer dizer, entretanto, que não exista a possibilidade de correção de
distorções.
Com efeito, o § do art. 461 do Código de Processo Civil prevê a
possibilidade de redução ou aumento do valor da multa fixada diante da
possibilidade de verificação posterior pelo juiz ou tribunal de que esta se tornou
excessiva ou insuficiente.
Vale dizer, a decisão que fixa a multa prevista no art. 461 do CPC não
transita em julgado, podendo, a qualquer tempo, por iniciativa da parte ou mesmo de
ofício pelo juiz, ser revista, sempre que se mostrar insuficiente ou excessiva.
Importante destacar que mesmo na hipótese da multa estar inserida no
corpo de sentença ou acórdão transitado em julgado, ainda assim pode ela ser revista,
ou mesmo inteiramente revogada, no momento da execução do valor devido, se o
juiz ou tribunal entender que ela se mostrou excessiva ou mesmo que era incabível.
Humberto Theodoro Júnior leciona que “essa modificabilidade não
ofende a coisa julgada, porque a multa, na espécie, não é compensatória e, portanto,
não integra a obrigação exeqüenda propriamente dita. Trata-se de medida de coação,
simples ato do processo de execução, como a busca e apreensão, a penhora e outros
meios coercitivos de que dispõe o credor”.
156
156
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Processo de execução e cumprimento de sentença. 24ª ed. São
Paulo: Livraria e Editora Universitária de Direito, 2007, p. 282.
90
Araken de Assis, por sua vez, admite, inclusive, a desoneração do
devedor do valor total da multa se a obrigação, ao final, veio por este a ser cumprida,
mesmo que a destempo, pois: “de acordo com os art. 461, § 6º, 621 parágrafo único e
art. 645, os dois primeiros com a redação da Lei 10.444/2002, o juiz poderá reduzir
ou aumentar o valor e a periodicidade da multa, se insuficiente ou excessiva. Seus
poderes compreendem as mudanças no valor diário e no montante geral, após a
fluência da astreinte. Por tal motivo, concebe-se que, a despeito da fluência da multa,
o executado dela seja exonerado posteriormente, haja vista seu adimplemento
tardio”.
157
Entretanto, como vimos, apesar de ser bastante amplo o poder conferido
aos juízes para rever (aumentar, reduzir ou cancelar) o valor da multa, com
fundamento no disposto no art. 461, § 6º, do Código de Processo Civil, é importante
lembrar que o valor e a periodicidade da multa não podem ser majorados com efeito
retroativo.
Obviamente, eventual alteração do valor da multa, para elevá-la, somente
valerá a partir do momento em que o réu for intimado pessoalmente de tal decisão.
Vale lembrar ainda que na hipótese de descumprimento de ordem judicial
onde, expressamente, foram impostas astreintes, não que se falar em crime de
desobediência, segundo jurisprudência consolidada no Superior Tribunal de Justiça.
É o que se extrai da leitura da ementa do acórdão proferido no Habeas Corpus
92655/ES, Relator o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho (publicado no DJ
25/02/2008, p. 352).
158
157
ASSIS, Araken de. Manual do processo de execução. 11ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2006/2007, p. 562.
158
HABEAS CORPUS. PREFEITO MUNICIPAL. CRIME DE DESOBEDIÊNCIA DE ORDEM
JUDICIAL PROFERIDA EM MANDADO DE SEGURANÇA COM PREVISÃO DE MULTA
DIÁRIA PELO SEU EVENTUAL DESCUMPRIMENTO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
ATIPICIDADE DA CONDUTA. PRECEDENTES DO STJ. ORDEM CONCEDIDA.
1. Consoante firme jurisprudência desta Corte, para a configuração do delito de desobediência de
ordem judicial é indispensável que inexista a previsão de sanção de natureza civil, processual civil ou
administrativa, salvo quando a norma admitir expressamente a referida cumulação.
2. Se a decisão proferida nos autos do Mandado de Segurança, cujo descumprimento justificou o
oferecimento da denúncia, previu multa diária pelo seu descumprimento, não que se falar em
crime, merecendo ser trancada a Ação Penal, por atipicidade da conduta. Precedentes do STJ.
3. Parecer do MPF pela denegação da ordem.
4. Ordem concedida, para determinar o trancamento da Ação Penal 1000.6004.2056, ajuizada contra o
paciente.
91
Uma importante causa de revisão da multa, que merece ser destacada
neste estudo, decorre da hipótese de o próprio beneficiário com o valor da multa
contribuir para o seu crescimento.
Tem sido comum no cotidiano forense depararmos com situações em que
ocorreu a fixação da multa e o beneficiário do crédito nada faz. Aguarda por meses,
muitas vezes por anos, sem promover qualquer movimentação no processo, firme no
objetivo de ver a multa crescer e acreditando beneficiar-se, a cada dia transcorrido,
de quantia cada vez maior.
Entretanto, não se pode esquecer que os sujeitos do processo devem se
comportar com boa-fé e não nos parece que o beneficiário da multa cominatória que
se comporta da forma como referido acima possa se aproveitar da omissão do réu
para auferir vantagem.
Estar-se-ia aqui diante do instituto originário no direito alemão da
Verwirkung, que no direito português se chamou de supressio, ou seja, “a perda de
poderes processuais em razão do seu não exercício por tempo suficiente para incutir
no outro sujeito a confiança legítima de que esse poder não mais seria exercido”.
159
Nessa hipótese, tendo o próprio autor contribuído para o agravamento da
multa cominatória imposta ao réu, o valor da multa deve ser revisto, com a
moderação e o equilíbrio necessários, a fim de não provocar o enriquecimento sem
causa do beneficiário do crédito.
159
DIDIER JR., Fredie. Editorial 45. Disponível em: <http://www.frediedidier.com.br>, acesso em
12.08.2008.
92
15. A MULTA, EM CASO DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO
Disse-se acima que é possível a cobrança da multa em sede de execução
provisória, ou seja, antes do trânsito em julgado, pois se o objetivo da multa é coagir
o devedor a cumprir a obrigação, seria esvaziar-se a natureza coercitiva da multa se a
execução desta somente pudesse ser iniciada após o trânsito em julgado.
Barbosa Moreira, nessa linha de pensamento, leciona que “a multa pode
ser exigida a qualquer tempo pelo interessado, não havendo dependência do que vai
ser decidido ao final”.
160
Ocorre que a decisão proferida ao final da ação pode ser contrária àquela
que fixou astreintes em benefício do autor, ou seja, ao encerramento do processo
pode-se verificar que a obrigação exigida do réu era indevida. Nessa hipótese, seriam
as astreintes devidas?
Há uma importante divisão da doutrina na resposta a esta pergunta.
Luiz Manoel Gomes Júnior assim se manifestou sobre o tema:
“Tenha ou não o autor o direito, quanto ao cerne da controvérsia, o
certo é que o fundamento que autoriza a exigência da multa é a
desobediência a uma decisão judicial. Se o réu o concorda deve
recorrer, não apresentada qualquer irresignação ou não sendo esta
provida, o direito ao recebimento da multa, ao nosso ver,
independe do resultado final do processo. Nem poderia ser
diferente, pois atuaria como um incentivo para que a parte não
cumprisse a decisão, justamente contando com a possibilidade de
sagrar-se vencedora”.
161
160
MOREIRA, José Carlos Barbosa. O novo processo civil brasileiro. Rio de janeiro: Forense, 2000,
p. 220.
161
GOMES JÚNIOR, Luiz Manoel. Execução de multa: art. 461, § 4º, do CPC e a sentença de
improcedência do pedido. In: SHIMURA, Sérgio; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.).
Processo de execução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, v. 2.
93
Nessa mesma linha de raciocínio, Sérgio Cruz Arenhart defende que “A
função, portanto, da multa é garantir a obediência à ordem judicial. Pouco importa se
a ordem se justificava ou não; após a sua preclusão temporal ou, eventualmente, a
análise do recurso contra ela interposto junto ao Tribunal, resta o seu
cumprimento, sem qualquer ulterior questionamento”.
162
Há, inclusive, quem defenda
163
a tese de que deve ocorrer o pagamento
integral da multa, mesmo em caso de improcedência da ação, fundado na consagrada
frase popular: “Ordem judicial não se discute. Cumpre-se.”.
Joaquim Felipe Spadoni defende haver forte ligação entre a autoridade da
decisão judicial e as astreintes, ao manifestar o entendimento de que:
“A constatação de que o u não possuía qualquer obrigação
perante o autor é irrelevante para a exigibilidade da multa
pecuniária, justamente porque esta não leva em consideração
eventual violação de direito material, mas de uma obrigação
processual, de todo independente daquela”.
164
Entretanto, discorda-se dos entendimentos transcritos acima. No caso de
improcedência da ão o valor eventualmente despendido a título de astreintes deve
retornar integralmente ao patrimônio do réu, devidamente acrescido dos consectários
legais.
Conforme já se teve a oportunidade de esclarecer ao longo deste trabalho,
as astreintes têm natureza puramente coercitiva, o que equivale a dizer que elas não
se destinam a punir o devedor pelo descumprimento de ordem nem tampouco servem
para conferir maior autoridade ou legitimidade às decisões judiciais.
162
ARENHART, Sérgio Cruz. A tutela inibitória da vida privada. São Paulo: Revista dos Tribunais,
2000, p. 200.
163
GARCIA, Marco Túlio Murano. Da Execução da astreinte prevista no CPC Brevíssimas
considerações. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, ago. 2005.
164
SPADONI, Joaquim Felipe. Ação inibitória: a ação preventiva prevista no art. 461 do CPC. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 184.
94
Disse-se também que a execução provisória das astreintes é sempre
possível, seja ela de sentença impugnada por recurso ou seja ela de decisão
antecipatória de tutela.
E como qualquer execução provisória de sentença, se esta não for
confirmada ao final do processo, o devedor terá o direito à reposição ao status quo
ante, devendo o valor eventualmente recebido pelo então credor ser inteiramente
restituído, acrescido de juros e correção monetária.
Mas mesmo que assim não fosse, admitindo-se que a execução da multa
por descumprimento de ordem judicial é autônoma, não se pode perder de vista que
ela é um instrumento colocado à disposição do juiz para tornar efetiva a tutela
jurisdicional, de modo que não tem fim em si própria.
Nessa linha de raciocínio Cândido Rangel Dinamarco lembra que
“enquanto houver incertezas quanto à palavra final do Poder Judiciário sobre a
obrigação principal, a própria antecipação poderá ser revogada, com ela, as
‘astreintes’”.
165
Marinoni
166
bem esclarece a questão, ao lembrar que no sistema
brasileiro a multa reverte em favor do autor. Defender a tese de que a multa pode
subsistir, mesmo em caso de improcedência da ação, seria admitir que o processo
pode prejudicar o réu que tem razão em benefício do autor que não a tem.
Da mesma forma, Fredie Didier Jr., Paula Sarno e Rafael Oliveira
lembram que:
“Efetivamente, somente quando o beneficiário da multa se tornar,
ao fim do processo, o vencedor da demanda é que fará jus à
cobrança do montante. Assim o é porque a multa é apenas um
meio, um instrumento que serve para garantir à parte a tutela
antecipada do seu provável direito; dessa forma, se ao cabo do
processo se observa que esse direito não é digno de tutela
(proteção) jurisdicional, não faz sentido que o jurisdicionado, que
165
DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 240.
166
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica: arts. 461 CPC e 84, CDC. ed. rev. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2001, p. 109.
95
não é merecedor da proteção jurisdicional (fim), seja beneficiado
com o valor da multa (meio)”.
167
Aqui cai como uma luva a clássica lição de Chiovenda: “o processo deve
dar, quando for possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e
exatamente aquilo que ele tenha direito de conseguir”.
168
Ou seja, se aquele beneficiado, por uma decisão antecipatória de tutela ou
por uma sentença ainda sujeita a recurso, vier a receber algo em razão da fixação de
astreintes e a decisão proferida ao final do processo for contrária a ele, não
qualquer razão para que seja beneficiado por quantia decorrente de multa fixada pelo
descumprimento de ordem que, repita-se por oportuno, ao final do processo mostrou-
se ilegal e incabível.
Pode-se imaginar diversas situações para ilustrar o entendimento de que a
multa é cabível quando o autor se sagrar vitorioso na demanda e a multa for
confirmada por superior instância, caso haja recurso.
Um exemplo simples: O autor de determinada ação judicial busca frente
ao réu tutela de obrigação de fazer e utiliza como prova documento falso, obtendo
provimento liminar a seu favor com a imposição de multa. Esse mesmo autor,
sabendo que o documento utilizado é falso, ingressa, desde logo, com execução
provisória e obtém quantia significativa do réu.
Partindo desse exemplo, pergunta-se: Seria justo que ao final do
processo, reconhecida a utilização de documento falso e transitada em julgado
decisão de improcedência da demanda, o réu fosse impedido de ser ressarcido
daquilo que desembolsou a título de astreintes, sob o argumento de que houve o
descumprimento de ordem judicial e deve ele pagar por isso? Parece-nos que aqui
somente cabe uma resposta, qual seja, não.
167
BRAGA, Paula Sarno; DIDIER JR., Fredie; OLIVEIRA, Rafael. Curso de direito processual civil.
Salvador: Podivm, 2007, v. 2, p. 360.
168
CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. Tradução de Paolo Capitanio.
Campinas: Bookseller, 1998, v. 1, p. 67.
96
Por oportuno, vale aqui lembrar a clássica lição de Cândido Rangel
Dinamarco:
“A eliminação de litígios sem o critério de justiça equivaleria a
uma sucessão de brutalidades arbitrárias que, em vez de apagar os
estados anímicos de insatisfação, acabaria por acumular decepções
definitivas no seio da sociedade”.
169
Rizzato Nunes bem analisou a questão de ser ou não devida a multa em
caso de improcedência da demanda. No artigo citado restou concluído que:
“A função da multa cominatória, como exposto, é a de forçar o
devedor a cumprir obrigação de fazer ou não fazer. Todavia, a
certo momento (o do trânsito em julgado da sentença na ação
principal) não se poderá afirmar que havia mesmo essa obrigação.
Digamos que se trate, por exemplo, de determinação para que um
comerciante faça a retirada do nome do autor da ação de um
cadastro de inadimplentes, sob pena de pagamento de multa diária,
fundada no argumento de que esse autor quitara a dívida. Suponha-
se que o comerciante não cumpra a determinação e, depois de
alguns meses, a ação principal seja julgada improcedente porque o
Juiz verificou que ele continuava devendo. Como é que o autor
poderia executar a multa? Qual o sentido? Se ele não tinha nenhum
direito desde o início, não que se falar em qualquer execução de
astreintes pelo descumprimento de obrigação inexistente. Aliás,
poderia reconhecer que, inclusive, o autor da demanda estivesse da
má-fé. Ele, então, sairia vencido na demanda, seria condenado
como litigante de má-fé, mas receberia polpuda importância
advinda da multa cominatória gerada pela obrigação não
cumprida? É um non sense: seria como o Juiz condenar e,
simultaneamente, absolver um réu”.
170
169
DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo. 10ª ed. São Paulo: Malheiros,
2002, p. 359.
170
NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. As astreintes: limites e possibilidades de aplicação e liquidação.
Revista Eletrônica SaraivaJur. Disponível em:
<www.saraivajur.com.br/menuEsquerdo/doutrinaArtigosDetalhe.aspx?Doutrina=904>.
97
Entretanto, apesar dos sólidos argumentos a favor da tese de que as
astreintes não são devidas em caso de improcedência da demanda, a tese ainda não é
pacífica nos tribunais.
No Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, decisões em sentido
oposto.
Na linha de que as astreintes podem ser executadas independentemente
do resultado final da demanda estão as proferidas nos Agravos Regimentais
1.072.560, Relator Ministro Massami Uyeda e 724.160, Relator Ministro Ari
Pargendler.
171
Na linha de que a execução definitiva das astreintes depende do resultado
final do processo e que, portanto, em caso de improcedência da demanda nada é
devido, está a proferida no Recurso Especial 507.580.
172
171
PROCESSO CIVIL. OBRIGAÇÃO DE FAZER. EXECUÇÃO ART. 461 DO CPC. MULTA
DIÁRIA (ASTREINTES). MOMENTO DE INCIDÊNCIA. RECURSO ESPECIAL.
PREQUESTIONAMENTO.
NECESSIDADE. SÚMULAS 282 E 356/STF. - Na tutela das obrigações de fazer e de não fazer do
art. 461 do CPC, concedeu-se ao juiz a faculdade de exarar decisões de eficácia auto-executiva,
caracterizadas por um procedimento híbrido no qual o juiz, prescindindo da instauração do processo
de execução e formação de nova relação jurídico-processual, exercita, em processo único, as funções
cognitiva e executiva, dizendo o direito e satisfazendo o autor no plano dos fatos. - Fixada multa
diária antecipadamente ou na sentença, consoante o § e do art. 461, e não cumprido o preceito
dentro do prazo estipulado, passam a incidir de imediato e nos próprios autos as astreintes.
“PROCESSO CIVIL. MULTA COMINADA EM DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. EXECUÇÃO. A
decisão interlocutória que fixa multa diária por descumprimento de obrigação de fazer é título
executivo hábil para a execução definitiva. Agravo regimental não provido.”
172
PROCESSUAL CIVIL. PROCESSO CAUTELAR. SENTENÇA. MULTA (ASTREINTE).
IMPOSIÇÃO. EXECUÇÃO. PROCESSO PRINCIPAL. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO.
EXTINÇÃO. TRÂNSITO EM JULGADO. INSUBSISTÊNCIA DO PROCESSO CONSTRITIVO. 1
- Extinto o processo principal, com julgamento de mérito (trânsito em julgado), não subsiste a
sentença cautelar e muito menos a execução de multa (astreinte) dela decorrente, pois, apesar de
autônomo, o processo cautelar tem como único escopo assegurar a eficácia útil do provimento
jurisdicional do feito principal. 2 - A satisfatividade invocada pelo julgado recorrido, na verdade elide
a sua própria fundamentação, pois trata-se de equívoco manifesto, que vai de encontro à natureza
jurídica da tutela cautelar e, por isso mesmo, não se sobrepõe à letra expressa do art. 808, III do CPC.
3 - Recurso conhecido e provido.
98
16. O PROCEDIMENTO PARA A COBRANÇA DAS
ASTREINTES
Havendo a incidência das astreintes, tem o autor o direito de cobrar do
réu determinada quantia em dinheiro. Por consequência, o procedimento para o autor
cobrar tal quantia é o cumprimento de sentença, nos termos do que dispõem os
artigos 475-J e seguintes, do Código de Processo Civil.
Sobre o tema, leciona Humberto Theodoro Júnior:
“A astreinte consiste numa condenação pecuniária proferida em
razão de tanto por dia de atraso (ou por qualquer unidade de tempo,
conforme as circunstâncias), destinada a obter do devedor o
cumprimento da obrigação de fazer’ (...). Uma vez, porém, que se
cuida de condenação de natureza pecuniária, a forma obrigatória de
sua execução é a da execução por quantia certa ou, como dizem os
italianos, a execução por ‘expropriação forçada’”.
173
Deveras, mesmo sendo cominada em uma decisão para obrigar o réu a
fazer, não fazer, ou entregar alguma coisa, as astreintes, uma vez incidindo,
transformam-se em uma obrigação pecuniária imposta ao réu.
E trata-se não de uma execução de tulo extrajudicial, mas sim judicial,
pois será fundada na decisão que determinou ao réu que cumprisse a tutela
específica, sob pena de multa diária.
Quando as astreintes estão previstas na sentença, ou mesmo no acórdão
que a substitui, não dúvida de que a multa é fundada em título executivo judicial,
nos termos do que estabelece o art. 475-N, inciso I, do Código de Processo Civil.
174
173
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Medida cautelar. Multa diária. Exeqüibilidade. Parecer
publicado na Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, n. 96, out./dez. 1999, p. 211.
174
Art. 475-N. São títulos executivos judiciais:
I – a sentença proferida no processo civil, que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer,
entregar coisa ou pagar quantia; (...).
99
O problema nasce quando a multa cominatória não é prevista nesses
títulos, mas sim na decisão que concede a tutela antecipada, ou mesmo no despacho
inicial da ação de execução de título executivo extrajudicial (CPC, art. 645).
Poderiam tais decisões serem consideradas título executivo judicial?
Para uma corrente doutrinária, o rol que estabelece os títulos executivos é
taxativo e, não estando a tutela antecipada ou a decisão que fixou as astreintes
prevista no art. 645 do CPC nesse rol, não há que se falar que tais decisões são títulos
executivos.
Neste sentido, José Miguel Garcia Medina pondera:
“Além disso, os títulos executivos são taxativamente estabelecidos
pela norma jurídica (numerus clausus), e ‘em nenhuma hipótese é
lícito ao intérprete acrescer, sob pena de ilegítima violação da
esfera do (suposto) devedor’. Considerando que a decisão que
antecipa os efeitos da tutela não é dotada de tal abstração (cf. art.
273, § 4º, do CPC), e tendo em vista, ainda, que as hipóteses em
que se permite a antecipação dos efeitos da tutela não são
estabelecidas taxativamente pela norma jurídica, parece-nos que
este instituto não se amolda ao conceito tradicional de título
executivo”.
175
Entretanto, discordamos, respeitosamente, dessa opinião. Se é certo que a
decisão antecipatória dos efeitos da tutela não é tulo executivo, a tutela em si o é,
nos termos do que estabelece o art. 475-N, inciso I, do Código de Processo Civil,
assim como o é a obrigação para efeitos de aplicação do art. 645, do CPC.
Portanto, pode-se concluir que a antecipação de tutela nada mais é do que
a antecipação dos efeitos do próprio título (sentença judicial). Da mesma forma, o
art. 645 do CPC nada mais fez do que determinar ao réu que, neste momento,
cumpra a tutela requerida pelo autor.
175
MEDINA, José Miguel Garcia. Execução civil: princípios fundamentais. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 2004, p. 95/96.
100
Nessa linha de pensamento, concordamos com a tese defendida por
Luana Pedrosa de Figueiredo Cruz, que leciona:
“Também é oportuna a discussão sobre a possibilidade de haver
execução sem título. O que temos a analisar é se o nosso
ordenamento jurídico possui figuras processuais que acabam por
confirmar a existência de execução sem título. Sabemos que a
execução é a satisfação de uma pretensão e, assim, até poderíamos,
de certo modo, imaginar que a satisfação de uma decisão
antecipatória de tutela seria um exemplo do que poderia ser uma
execução sem tulo. Isso porque, mesmo antes da decisão de
mérito, seja de conhecimento ou recursal, o credor tem, nesses
casos, a pretensão satisfeita, ainda que de forma provisória e com a
obrigatoriedade de prestação de caução para levantamento dos
valores. Neste sentido, também o argumento de que a decisão
antecipatória de tutela não está no rol dos títulos executivos
judiciais apresentados pelo Código de Processo Civil.
Mas é importante que tenhamos em mente que, quando
execução de uma decisão antecipatória de tutela, essa execução
ocorre com base em uma decisão jurisdicional que, mesmo o
sendo definitiva, é título executivo suficiente, e que, muitas vezes,
tem o seu conteúdo confirmado quando da decisão definitiva.
Também compartilha do mesmo pensamento Araken de Assis,
quando, ao lembrar que o provimento antecipatório ‘antecipa o
título’, inclusive, afirma que não considerar a decisão antecipatória
como título executivo seria o mesmo que afirmar que a execução
provisória, por exemplo, ocorre sem título, mesmo nos casos de
execução de sentença. Os efeitos que se pretendem executar com a
decisão antecipatória já existem. O que lhes falta é certeza que vem
com a declaração na sentença, e é exatamente por essa razão que a
execução é somente provisória.
Também não deve haver problema algum em afirmar que a decisão
antecipatória de tutela é título até porque, a sua efetivação antecipa
101
a produção de efeito no mundo dos fatos, de forma provisória, a
satisfação que pode vir a ocorrer como conseqüência dessa decisão
não é necessariamente definitiva, repetimos, é provisória, por mais
que seja completa e que, posteriormente, venha a se tornar
definitiva”.
176
Sendo assim, o título executivo que aparelha a execução das astreintes é
a própria decisão que fixou a multa diária, mesmo que se trate de decisão
antecipatória de tutela.
Essa questão, inclusive, já foi decidida pelo Superior Tribunal de
Justiça
177
, que acolhendo a hipótese de que a decisão antecipatória de tutela que fixa
astreintes é título executivo judicial, decidiu:
“FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA.
INTERRUPÇÃO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA.
RELIGAMENTO. DESCUMPRIMENTO. ASTREINTES.
EXECUÇÃO. POSSIBILIDADE.
I - Trata-se de recurso especial interposto contra o acórdão que
manteve decisão interlocutória que determina a imediata execução
de multa diária pelo descumprimento da ordem Judicial.
II - Considerando-se que a (...) função das astreintes é vencer a
obstinação do devedor ao cumprimento da obrigação de fazer ou de
não fazer, incidindo a partir da ciência do obrigado e da sua
recalcitrância’ (REsp 699.495/RS, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de
05.09.05), é possível sua execução de imediato, sem que tal se
configure infringência ao artigo 475-N, do então vigente Código de
Processo Civil.
176
CRUZ, Luana Pedrosa de Figueiredo. As modificações no conceito de sentença à luz dos princípios
do sincretismo e da nulla executio sine titulo Alterações em face da Lei 11.232/2005. In: Execução
civil: estudos em homenagem ao professor Humberto Theodoro Júnior. Coordenação: Ernane Fidélis
dos Santos [et. al.]. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 199.
177
REsp 885.737/SE, Relator Ministro Francisco Falcão, 1ª Turma, julgado em 27/02/2007, DJ
12/04/2007, p. 246.
102
III um título executivo judicial que não se insere no rol do
CPC 475-N, mas que pode dar ensejo à execução provisória (CPC
475-O). É a denominada decisão ou sentença liminar extraída dos
processos em que se permite a antecipação da tutela jurisdicional,
dos processos cautelares, ou das ações constitucionais (CPC
comentado, Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery,
São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 9ª ed., p. 654).
IV - A hipótese em tela se coaduna com o que disposto no artigo
461, § 4º, do CPC, tendo em vista o pleno controle da recorrente
sobre a execução da ordem judicial.
V - Recurso especial improvido.”
(REsp 885.737/SE, Relator Ministro Francisco Falcão, 1ª TURMA,
julgado em 27/02/2007, DJ 12/04/2007 p. 246, g.n.)
Portanto, tratando-se de execução de título executivo judicial, o
procedimento para a execução da multa diária, mesmo aquela fixada em sede de
tutela antecipada, é o procedimento do cumprimento de sentença.
Como o valor devido depende de simples cálculos aritméticos, não é
preciso liquidar o título executivo, bastando que o autor demonstre o termo inicial e
final de sua incidência, se já houver este.
Sérgio Shimura leciona que:
“A forma de execução da multa diária, como já salientado, segue a
regra prevista para a execução por quantia certa contra devedor
solvente.
Como depende de simples cálculo aritmético, o credor pode
requerer o cumprimento da decisão, intimando-se o devedor, na
pessoa de seu advogado, para que pague a quantia devida, sob pena
de multa de 10%. Não havendo pagamento, expede-se, a
requerimento do credor, mandado de penhora e avaliação, além da
possibilidade de indicação de bens à penhora, consoante art. 475-J,
CPC”.
178
178
SHIMURA, Sérgio. Tutela coletiva e sua efetividade. São Paulo: Método, 2006, p. 109-110.
103
Intimado a pagar o débito, o réu poderá oferecer impugnação. A
impugnação ao cumprimento de sentença, ao contrário do que ocorre nos embargos à
execução de título executivo extrajudicial, não pode versar sobre qualquer matéria,
mas sim somente aquelas descritas no art. 475-L do Código de Processo Civil.
Entretanto, o réu poderá impugnar o incidente de cumprimento de
sentença demonstrando, por exemplo, que o título é inexigível, pois teria cumprido a
obrigação no prazo estabelecido pelo juiz, ou também que excesso de execução
em razão do elevado valor da multa.
Conforme dissemos, a questão do exagero da multa pode também ser
enfrentada em sede de cumprimento de sentença, por meio de impugnação, mesmo
que o réu não tenha dela recorrido no momento oportuno, pois nos termos do que
dispõe o art. 461, § 6º, o juiz poderá, de ofício ou a requerimento da parte, modificar
o valor das astreintes, sempre que entender que este se tornou excessivo ou
insuficiente.
E mais. Se o magistrado, ao analisar os argumentos oferecidos em
impugnação ao cumprimento de sentença, mesmo que o réu não tenha recorrido
contra a fixação de astreintes durante todo o curso do processo, entender que a multa
revelou-se inoportuna ou inoperante, poderá suprimi-la por completo, conforme
decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
179
179
“Descumprida a liminar, sem qualquer iniciativa do autor para vê-la realizada, no plano prático,
frustrou-se sua finalidade. E cabe ao órgão judiciário, conforme resulta do art. 644, parágrafo único,
do Código de Processo Civil, à semelhança do que ocorreu no sistema jurídico francês (René Savatier,
Traité de La responsabilité civile em droit français, v. 2, n. 598, p. 173, ed., Paris, LGDJ, 1951)
diminuir e suprimir a multa”. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, 4ª Câmara Cível, Reexame
Necessário nº 70003274230, Relator Des. Araken de Assis.
104
17. CONCLUSÃO
A busca pela efetividade do processo é desejo antigo dos operadores do
direito e da sociedade. Uma das formas encontradas na França, no início do século
XIX, para tornar o processo civil efetivo foi a utilização da multa cominatória,
astreintes, imposta em face do réu, a fim de que ele próprio, de maneira célere e
eficaz, cumprisse a determinação que lhe fora ordenada pelo Estado-Juiz, sob pena
de, não o fazendo, pagar quantia em dinheiro ao autor da ação.
As astreintes, portanto, têm natureza puramente coercitiva, visto que
objetivam dobrar a vontade do devedor renitente, a fim de que se sinta estimulado a
cumprir o comando judicial de forma célere, para evitar prejuízos que a
desobediência, ou o descumprimento parcial da ordem, podem lhe acarretar.
A multa cominatória não se confunde com perdas e danos, com multa
moratória, com juros legais ou contratuais, com as multas decorrentes da litigância
de má-fé ou do ato atentatório à dignidade da Justiça, nem mesmo com qualquer
outro tipo de sanção de direito material ou processual.
No Brasil as astreintes foram introduzidas pelo Código de Processo Civil
de 1973, que conferiu ao magistrado o poder de, se houvesse requerimento da parte
contrária, determinar o cumprimento de obrigações de fazer ou não fazer sob pena de
multa por atraso no cumprimento da obrigação.
Após as diversas reformas do processo civil brasileiro, especialmente a
ocorrida em 1994, permitiu-se ao magistrado a fixação da multa cominatória de
ofício, bem como foi ampliada sua utilização para as obrigações de entregar coisa
certa. Apenas as obrigações de pagar quantia certa e as de prestar declaração de
vontade não podem ser objeto de multa cominatória, visto que não encontram
previsão legal em nosso ordenamento jurídico.
A periodicidade da multa coercitiva pode variar de acordo com a
finalidade da ordem expedida pelo magistrado. Ela pode ser diária, mensal, em horas
ou até mesmo em segundos. Pode também ser fixa, periódica ou progressiva.
Naqueles casos em que se pretende impedir a realização de um ato ilícito (por
105
exemplo, a participação em determinado evento com data fixa para ocorrer), é mais
apropriado falar-se na imposição de multa cominatória com valor fixo, a fim de
impedir que o devedor pratique a conduta não admitida pelo Estado-Juiz.
Quando a conduta que se busca impedir tem natureza continuada ou pode
se repetir por mais de uma vez, o mais apropriado é a fixação de multa periódica, ou
seja, a multa incidirá por cada ato de descumprimento da ordem ou, até mesmo,
multa periódica de valor progressivo, aquela em que quanto mais o réu praticar a
conduta inquinada de ilegal, maior o valor da multa.
Não limite legal para a fixação do valor da multa pelo magistrado, o
que implica dizer que não teto nem piso para a fixação das astreintes. Entretanto,
isso não significa que o juiz é absolutamente livre para a fixação do quantum das
astreintes, pois não é permitido o arbítrio no direito brasileiro.
O valor da multa deve ser fixado levando-se em consideração os
princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. O valor das astreintes deve ser
alto o suficiente para influir na vontade do devedor e dobrá-lo a cumprir, de maneira
célere e com seus próprios meios, a obrigação que lhe fora determinada pelo juiz,
mas não pode ser alto em demasia, capaz de levá-lo à insolvência, proporcionar o
enriquecimento sem causa da parte contrária ou mesmo estimulá-la a abandonar o
objeto principal da demanda e perseguir apenas o valor da multa.
Em se verificando alguma dessas hipóteses o valor da multa cominatória
deverá ser revisto pelo próprio juiz ou pelos tribunais, mesmo que ela tenha sido
fixada no corpo de sentença definitiva, visto que o montante da multa não transita em
julgado.
O magistrado deve também justificar as razões que o levaram a fixar o
valor da multa, a fim de que seja prestigiado o princípio constitucional da motivação
das decisões judiciais.
Por outro lado, de acordo com o sistema adotado pela legislação
brasileira, mesmo sistema adotado pela legislação francesa atual, o beneficiário e
legitimado para a execução das astreintes é o autor da demanda. No direito
português, de forma diversa, o valor arrecadado com a execução da multa
cominatória é repartido em partes iguais entre o autor da ação e o Estado. Na Itália,
106
por sua vez, as medidas cominatórias não são permitidas, a despeito de haver um
forte desejo da comunidade jurídica de introduzir tais medidas no ordenamento
jurídico italiano.
A multa cominatória tem como destinatário apenas o réu, ou seja,
somente pode ser fixada contra aquele que ocupa o polo passivo da demanda Nem o
autor da ação, nem qualquer outro sujeito do processo, estão sujeitos a ela.
Isso porque o art. 461, § do Código de Processo Civil admite apenas a
imposição de multa cominatória em face do réu. E como se teve a oportunidade de
esclarecer no corpo deste trabalho, firme na doutrina de José Carlos Barbosa
Moreira, as regras que autorizam o emprego de medidas coercitivas não comportam
aplicações em hipóteses não previstas em lei.
Situação frequente no cotidiano forense, e mesmo em parte da doutrina, é
a constatação de que existe certa confusão entre as astreintes e o contempt of court.
Conforme dissemos, as astreintes têm natureza puramente cominatória e buscam
dobrar a vontade do réu para que ele próprio cumpra a ordem que lhe fora
determinada pelo juiz.
O contempt of court, por sua vez, tem natureza mista, ou seja, punitiva e
cominatória e, primordialmente, objetiva punir aquele que praticou ato atentatório à
dignidade da jurisdição, aquele que violou o dever de boa-fé no processo ou aquele
que abusou do seu direito.
Muitas vezes, entretanto, a multa cominatória tem sido utilizada com o
claro objetivo de punir o devedor renitente, com o propósito de vingança ou mesmo
como um castigo imposto pelo juiz que teve sua ordem desafiada pelo réu,
desvirtuando a finalidade das astreintes, em latente ilegalidade.
Tal prática deve ser sempre rechaçada, pois o emprego das astreintes
para o fim de punir o devedor renitente pode causar consequências desastrosas. Não
limite legal para a fixação do valor das astreintes, enquanto o limite do valor da
multa por ato atentatório à dignidade da jurisdição é de 20% do valor da causa. A
aplicação de pena sem limite preestabelecido em lei anterior é inaceitável em nosso
sistema constitucional.
107
Além disso, o destinatário do valor da multa decorrente de ato atentatório
à jurisdição é o Estado, enquanto que o destinatário do valor das astreintes é o autor
da ação. Assim, quando as astreintes são indevidamente utilizadas com propósito
punitivo ou de vingança, estar-se-ia premiando o autor da demanda, que irá
enriquecer ilicitamente. É preciso estar atento, pois, para evitar que situações como
essa ocorram. O propósito de conferir efetividade às decisões judiciais não pode
servir de desculpa ou de justificativa para a criação de situações injustas e de
manifesta ilegalidade.
No que tange ao termo inicial da multa, a despeito de existir certa
discussão na doutrina, nos parece mais apropriado o entendimento de que ele ocorre
imediatamente após esgotado o prazo fixado pelo juiz para o cumprimento da
obrigação, desde que, logicamente, tenha sido o devedor pessoalmente intimado para
o cumprimento da ordem, na linha do que dispõe a Súmula 410 do Superior Tribunal
de Justiça.
O termo final das astreintes ocorrerá no exato momento de cumprimento
da ordem ou quando resolvida a obrigação em perdas e danos. A resolução da
obrigação em perdas e danos, obviamente, não faz desaparecer o crédito decorrente
das astreintes.
É certo também que as astreintes podem ser exigidas pelo credor desde o
momento inicial do descumprimento da ordem por parte do réu. Entretanto, a
execução da multa cominatória deve ser sempre provisória, a fim de que possa ser
revertida se, ao final do processo, o autor perder a ação. A pesquisa jurisprudencial
realizada sobre o tema, entretanto, revelou que a questão se mostra dividida nos
tribunais. decisões, inclusive no Superior Tribunal de Justiça, admitindo a
cobrança da multa cominatória imposta ao réu, mesmo que, ao final do processo, a
ação tenha sido julgada improcedente. decisões, no mesmo Tribunal, em sentido
inverso, ou seja, declarando que em caso de improcedência da demanda o crédito
decorrente das astreintes desaparece por completo.
Com base na clássica lição de Chiovenda, de que o processo deve dar,
quando possível praticamente, a quem tenha um direito, tudo aquilo e exatamente
aquilo que ele tenha direito de conseguir, nos parece mais acertada a corrente
108
doutrinária e jurisprudencial que defende a tese de que, em caso de improcedência da
ação, extinto está o crédito decorrente da multa pelo descumprimento de ordem
judicial.
Fixada a multa, multiplica-se seu valor pelo número de unidades
temporais desde o descumprimento (a multa cominatória pode ser fixada em dias,
horas, meses, minutos, etc.), para encontrar o quantum. Feito isso, deve o autor
requerer a intimação do réu para proceder ao pagamento do débito, na forma do que
dispõem o art. 475-J e seguintes do Código de Processo Civil. A multa cominatória,
portanto, deve ser cobrada obedecendo-se ao rito do cumprimento de sentença,
apesar de sentença não ser. O réu poderá opor-se apresentando impugnação, na qual,
inclusive, pode requerer a revisão do valor das astreintes, se este se revelou, ao final,
exagerado ou manifestamente desproporcional ao bem da vida que era perseguido no
processo.
Enfim, ao longo deste trabalho procurou-se demonstrar que, apesar de
secular, o instituto da multa cominatória provoca reflexões atuais e significativas na
doutrina e na jurisprudência. Concluiu-se que a multa cominatória é instrumento
importante e eficaz para conferir efetividade ao processo, mas deve ser utilizada com
habilidade e naquelas situações estritamente previstas em lei, pois a utilização
incorreta do instituto pode provocar situações de manifesta injustiça e ilegalidade.
109
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