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Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” – UNESP
Campus de Botucatu Faculdade de Medicina de Botucatu
LUCIANA CRISTINA PARENTI
Reorientando práticas de cuidado com o
diabetes mellitus: a construção partilhada
profissionais-usuários
BOTUCATU SP
2010
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LUCIANA CRISTINA PARENTI
Reorientando práticas de cuidado com o
diabetes mellitus: a construção partilhada
profissionais-usuários
Dissertação apresentada ao Programa de
Pós-graduação de Saúde Coletiva, área de
concentração Saúde Pública da Faculdade de
Medicina, Universidade Paulista “Julio de
Mesquita Filho”, Campus de Botucatu, para
obtenção do título de mestre.
Orientador: Prof. Dr. Antonio de Padua Pithon Cyrino
BOTUCATU SP
2010
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FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA SEÇÃO TÉC. AQUIS. E TRAT. DA INFORMAÇÃO
DIVISÃO TÉCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAÇÃO - CAMPUS DE BOTUCATU - UNESP
BIBLIOTECÁRIA RESPONSÁVEL: ROSEMEIRE APARECIDA VICENTE
Parenti, Luciana Cristina.
Reorientação práticas de cuidados com o diabetes mellitus: a
construção partilhada profissionais-usuários / Luciana Cristina Parenti.
Botucatu, 2010.
Dissertação (Mestrado) Universidade Estadual Paulista, Faculdade
de Medicina de Botucatu, 2010.
Orientador: Antonio de Pádua Pithon Cyrino
Assunto CAPES: 40602001
1. Saúde pública. 2. Diabetes. 3. Inteligência coletiva.
Palavras-chave: Cuidado em saúde; Inteligência coletiva; Modelo
assistencial; Organização de serviços de saúde; Participação do
paciente/tendências.
Dedicatória
Dedicatória
Ao meu Vinícius,
Por ser meu anjo da guarda, meu “porto seguro”,
minha família!
Por todas às vezes que vemos juntos “Cocoricó”,
acreditando que a vida é simples e ao mesmo
tempo mágica.
Por organizar a minha vida como ninguém jamais
conseguiu!
Agradecimentos
Agradecimentos
A Deus, pela vida.
Aos meus pais, por me ensinarem o valor da educação e por me apoiarem incondicionalmente
nos percalços da vida.
Ao meu orientador, Antonio de Padua Pithon Cyrino, por sua competência e, sobretudo, por
ter compartilhado comigo o “saber de sua experiência”.
Ao Vinícius, por me ajudar a exercitar o amor... Ensinando-me a ouvir e entender estrelas!
À Lucélia, que, carinhosamente, me ajuda a cuidar do Vinícius.
À minha amiga Cássia, por acreditar em mim, sempre.
À Estela, amiga e colega, por ter me ajudado na coleta de dados, com tamanha dedicação,
como se estivesse fazendo o seu próprio trabalho.
À equipe do Centro de Saúde Escola, por me mostrar diariamente, a complexidade e a beleza
do trabalho em saúde.
A todos os pacientes pela riqueza do encontro.
"Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!" E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...
E conversamos toda a noite, enquanto
A via láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.
Direis agora: "Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?"
E eu vos direi: "Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas.” ··
Olavo Bilac
Resumo
Resumo
Parenti L. C. Reorientando práticas de cuidado com o diabetes mellitus: a
construção partilhada profissionais-usuários. [dissertação]. Botucatu: Faculdade de
Medicina, Universidade Estadual Paulista; 2010.
RESUMO
A concepção que tradicionalmente orienta a organização de serviços está
fundamentada no saber técnico caracterizado pela centralização de sua formulação
e por um caráter autoritário, no qual o paciente é reconhecido a partir de sua doença
e dos órgãos nos quais está localizada, cabendo ao paciente um papel restrito no
seu tratamento. A inadequação desta perspectiva pode ser percebida dentre outros
motivos por sua incapacidade de responder a complexidade das prevalentes
condições de cronicidade, como a hipertensão arterial e o diabetes mellitus. Tais
morbidades alcançam um efetivo controle quando seus portadores desenvolvem
uma efetiva competência para realizar seu autocuidado de modo a adaptar a norma
médica ao seu cotidiano, com autonomia e preservação de sua qualidade de vida. O
desafio contemporâneo posto aos serviços de saúde é o de fornecer a seus usuários
os instrumentos adequados para que possam desenvolver criativamente suas
habilidades para o cuidado-de-si. Tal empreita pode ser mais bem sucedida quando
indivíduos e grupos interagem e, desta forma, partilham, utilizam e produzem
conhecimentos, conformando uma Inteligência Coletiva. Com esta concepção o
presente estudo buscou desenvolver processo de formulação de propostas de
reorientação da assistência ao diabetes mellitus mediante a mútua cooperação entre
profissionais de saúde e usuários de serviço de atenção primária à saúde. Para
tanto, estruturou-se pesquisa-ação de caráter exploratório sobre os obstáculos ao
autocuidado no diabetes mellitus tipo 2 produzidos por características de
organização do serviço: o intervalo longo entre as consultas, a descontinuidade do
cuidado e a dificuldade de comunicação entre profissional - paciente. Tais campos
problemáticos foram mais bem explorados mediante a análise de banco de dados
obtido por meio de entrevista estruturada com 275 diabéticos. Com base nestas
informações realizaram-se grupos focais com o objetivo de permitir que os diabéticos
pudessem discutir os campos problemáticos identificados e formular soluções a tais
obstáculos ao autocuidado. Tais propostas de enfrentamento foram posteriormente
apresentadas aos profissionais de saúde do serviço que as discutiram e sobre as
mesmas também construíram novas proposições. A análise das narrativas obtidas
nos grupos focais de diabéticos e profissionais de saúde mostrou a diversidade de
olhares dos sujeitos envolvidos, ainda que complementares, a adequação da
metodologia empregada, a riqueza do processo desenvolvido e do conteúdo das
discussões. O estudo contribui com a gestão de serviços e sistemas de saúde ao
buscar a construção partilhada de novos modos de organização das práticas de
atenção envolvendo gerência, neste caso, os próprios pesquisadores, equipe de
saúde e os seus usuários. Mostra, por fim, ser este um possível caminho para lidar
com a organização de algo tão complexo quanto o cuidado à saúde.
Palavras chave: Organização de Serviços de Saúde. Cuidado em Saúde.
Participação do Paciente/tendências. Modelo assistencial. Inteligência Coletiva.
Abstract
Abstract
Parenti L.C. Reorienting diabetes mellitus care practices: the construction shared by
professionals and users [dissertation]. Botucatu: Faculdade de Medicina,
Universidade Estadual Paulista; 2010.
ABSTRACT
The conceptualization that traditionally orients service organization is based on
technical knowledge characterized by the centralization of its formulation and by an
authoritarian character in which the patient is recognized from his disease and from
the organs where it is located, with the patient playing a restricted role in therapy.
The inadequacy of this perspective can be perceived, among other reasons, from its
incapacity to respond to the complexity of prevalent chronic conditions, such as
arterial hypertension and diabetes mellitus. Such morbidities can only be effectively
controlled when patients develop effective competence to engage in self-care so as
to adapt the medical norm to their daily lives with autonomy and preservation of their
quality of life. The contemporary challenge posed to health care services is that of
providing users with suitable instruments so that they can creatively develop self-care
skills. Such undertaking can be successful when individuals and groups interact and
thus share, use and produce knowledge, hence forming a Collective Intelligence.
With this conceptualization, the present study aimed at developing a process for
formulating proposals to reorient diabetes mellitus care provision based on mutual
cooperation between health care professionals and primary health care service
users. To that end, an exploratory action study was designed concerning the
obstacles to self-care in type-2 diabetes mellitus which are caused by characteristics
of service organization: the long interval between consultations, care discontinuity
and the difficulty of communication between professionals and patients. Such
problematic fields were better explored by analyzing a database obtained from
structured interviews with 275 diabetic individuals. Based on that information, focal
groups were performed so that the diabetic individuals could discuss the problematic
fields identified and formulate solutions to obstacles to self-care. Such coping
proposals were later presented to health care professionals in the service, who
discussed them and also designed new propositions. The analysis of the narratives
obtained in the focal groups of diabetic individuals and health care professionals
showed the diversity of the perspectives of the subjects involved, the adequacy of the
applied methodology, the richness of the process developed and of the content of
discussions. The study can contribute to the management of health care services
and systems by seeking for the shared construction of new methods for organizing
health care practices involving management, and in this case, the researchers
themselves, the health care team and service users. Finally, it shows that this is a
possible way to deal with the organization of something so complex such as health
care.
Key words: Health Care Service Organization. Health Care. Patient Participation/
Tendencies. Health Care Provision Model, Collective Intelligence.
Lista de Tabelas, Quadros e
Figura
Lista de Tabelas, Quadros e Figura
LISTA DE TABELAS
Tabela 1
Frequência das consultas médicas (agendadas e extras) da Área
de Saúde do Adulto, Centro de Saúde Escola, FMB-Unesp, 2009. .......
38
Tabela 2
Campos problemáticos da dimensão “o cotidiano, o cuidado de si e
os serviços de saúde”, 2008 ...................................................................
41
Tabela 3
Campos problemáticos, segundo frequência com que foram
reconhecidos pelos portadores e porcentagem (em relação ao total
de 275 participantes) ..............................................................................
103
Tabela 4
Características sócio-demográficas dos diabéticos entrevistados,
usuários do CSE, que identificaram como campos problemáticos a
“organização do serviço” ........................................................................
104
Tabela 5
Perfil de uso de serviços de saúde dos diabéticos entrevistados,
usuários do CSE, que identificaram como campos problemáticos a
“organização do serviço” ........................................................................
105
LISTA DE QUADROS
Categorias profissionais presentes no Centro de Saúde Escola (UVL
e UVF), 2010 ..........................................................................................
37
Caracterização dos grupos focais (etapa 3) segundo número de
participantes e tempo de duração, 2009. ...............................................
42
Caracterização dos grupos focais (etapa 4) segundo número de
participantes e tempo de duração, 2009. ...............................................
43
Caracterização do grupo focal segundo número de participantes por
categoria profissional, 2009. ...................................................................
43
Os campos problemáticos e as “soluções” propostas pelos
diabéticos. ..............................................................................................
56
Os campos problemáticos, as “soluções” propostas pelos diabéticos
e profissionais e as “zonas de tensão”. ..................................................
81
LISTA DE FIGURA
Figura 1
Síntese do percurso metodológico .........................................................
44
Lista de Abreviaturas
Lista de Abreviaturas
LISTA DE ABREVIATURAS
CSE
Centro de Saúde Escola
UNESP
Universidade Estadual Paulista
PSF
Programa de Saúde da Família
s.d
Sem data
SUS
Sistema Único de Saúde
I.C
Inteligência Coletiva
UVL
Unidade da Vila dos Lavradores
UVF
Unidade da Vila Ferroviária
FMB
Faculdade de Medicina de Botucatu
ABAD
Associação botucatuense de apoio aos diabéticos
DST
Doença sexualmente transmissível
AIDS
Síndrome da imunodeficiência adquirida
SIMIS
Sistema Municipal de Informação em Saúde
ECG
Eletrocardiograma
EE
Entrevista estruturada
GF
Grupo focal
GTT
Teste de tolerância à glicose
HGT
Hemoglicotest (glicemia capilar)
RX
Raio X (exame radiográfico)
US
Ultrassom
Sumário
Sumário
APRESENTAÇÃO .................................................................................................... 18
1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 20
2 OBJETIVOS ......................................................................................................... 32
2.1 Objetivo Geral ................................................................................................. 33
2.2 Objetivos Específicos ...................................................................................... 33
3 MATERIAL E MÉTODOS ..................................................................................... 34
3.1 Campo da pesquisa ........................................................................................ 36
3.2 Sujeitos pesquisados ...................................................................................... 39
3.3 Desenho do estudo ......................................................................................... 39
4 RESULTADOS ...................................................................................................... 45
4.1 Cartografia dos campos problemáticos relativos ao cotidiano de
autocuidado e o uso de serviço ...................................................................... 46
4.1.1 O intervalo longo entre as consultas .......................................................... 46
4.1.2 A dificuldade de comunicação profissional paciente ............................... 48
4.1.3 A descontinuidade do cuidado ................................................................... 52
4.1.4 A dificuldade de ser atendido quando não se está bem............................. 53
4.2 Dos campos problemáticos à construção partilhada profissionais-usuários:
A visão dos usuários ....................................................................................... 55
4.2.1 O intervalo longo entre as consultas .......................................................... 56
4.2.2 A dificuldade de comunicação profissional paciente ............................... 58
4.2.3 A dificuldade de ser atendido quando não se está bem............................. 61
4.2.4 O tempo longo de permanência no serviço ................................................ 63
4.2.5 A dificuldade de aceitar o diagnóstico do diabetes .................................... 63
4.2.6 Desarticulação entre a coleta de exames e o agendamento de consultas
médicas de retorno ..................................................................................... 64
4.3 Dos campos problemáticos à construção partilhada profissionais-usuários:
A visão dos profissionais de saúde ................................................................. 64
4.3.1 O intervalo longo entre as consultas .......................................................... 65
4.3.2 A descontinuidade do cuidado ................................................................... 71
4.3.3 A dificuldade de comunicação profissional paciente ............................... 73
4.3.4 A dificuldade de ser atendido quando se está doente ............................... 74
4.3.5 Tempo longo de permanência no serviço .................................................. 80
5 DISCUSSÃO ......................................................................................................... 82
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 92
REFERÊNCIAS .................................................................................................... 95
ANEXOS ............................................................................................................. 100
Apresentação
Apresentação
18
APRESENTAÇÃO
O recorte da realidade a ser pesquisada pode orientar-se por uma infinidade
de caminhos que, em parte, são delineados por nossa trajetória profissional e
concepções que possuímos acerca do trabalho. Assim, buscamos aqui introduzir o
leitor nas motivações que me levaram a tomar como objeto de estudo a construção
partilhada usuários profissionais na organização de um serviço de saúde, como
um percurso de reflexão e ação.
onze anos atuo como enfermeira do Centro de Saúde Escola da
Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP, dos quais oito se deram na assistência
e coordenação da área de Saúde do Adulto. Dentre inúmeras dificuldades
experimentadas em meu trabalho, destaco duas: a dificuldade dos clientes em lidar
com suas doenças, principalmente as crônicas, e a distância entre experiências
singulares e da assistência que lhes é prestada.
Sempre me pareceu que as soluções que dávamos aos problemas da
assistência estavam distantes da realidade dos pacientes, principalmente pelo longo
intervalo entre as consultas e crescente busca por consulta extra (fora da data
agendada). Tais fatos, além de não agradar aos usuários, deixavam os profissionais
fatigados, sem perspectiva de um bom acompanhamento. Desta forma,
continuamente ficava preocupada com a qualidade do serviço que estávamos
prestando e como poderíamos melhor responder as necessidades de nossos
clientes.
Em 2006, conversando com o diretor do Centro de Saúde Escola, pude
melhor delinear essas questões e pensar em alguns caminhos possíveis para lidar
com estes problemas. A oportunidade de iniciar uma pós-graduação era um caminho
possível. O diretor do Centro de Saúde Escola me apresentou uma proposta de
pesquisa, na qual poderia aprofundar alguns achados de sua pesquisa, e, ao mesmo
tempo, responder às minhas indagações como coordenadora da área de atenção ao
adulto do CSE. Assim, em 2007, iniciei o mestrado na área da Saúde Coletiva
decidida a desenvolver este projeto.
Esta pesquisa integra a linha de investigação “Construindo tecnologias de
atenção ao diabetes mellitus tipo 2: Dos campos problemáticos às estratégias de
apoio ao autocuidado” (Cyrino, 2007); iniciada com a pesquisa “As competências no
cuidado com o diabetes mellitus: contribuições à educação e comunicação em
saúde” (Cyrino, 2005).
Apresentação
19
O referido estudo (Cyrino, 2009), teve como objeto a cartografia das
competências desenvolvidas por portadores de diabetes em seu autocuidado
(“saberes da experiência”), bem como dos campos problemáticos que provocaram
sua criativa produção pelos diabéticos. Um dos subconjuntos de campos
problemáticos reconhecidos dizia respeito aos modos como o próprio serviço de
saúde se organizava. Ou seja, a “organização institucional do cuidado” produzindo
obstáculos ao autocuidado dos diabéticos.
Diante do esforço cotidiano empreendido pela equipe, da área de adulto do
CSE, na organização da atenção prestada, não poderia ficar indiferente a esses
resultados: produzíamos obstáculos ao autocuidado dos nossos clientes.
Reconhecendo todo o “saber da experiência” desenvolvido pelos usuários em
seu autocuidado e a complexidade tecnológica da atenção primária, este projeto
busca articular estes saberes: o da experiência cotidiana de autocuidado e o da
equipe de saúde na organização do cuidado.
Nossa aposta é a de que a participação dos usuários pode-se dar também em
outra esfera, para além daquela, mais formal, estabelecida nos conselhos de saúde
e conselhos de unidades de saúde. Assim, nos propomos a explorar as
possibilidades de mútua colaboração entre o “olhar técnico sanitário” com o “olhar da
experiência do usuário”, que recebe o cuidado prestado pelo serviço de saúde.
Com essas questões postas, a possibilidade de poder envolver usuários do
serviço na construção de soluções para os problemas relacionados à assistência,
me pareceu a principio instigante, que não é uma prática comum nos serviços de
saúde.
Durante a elaboração deste projeto, ao coordenar um grupo de pacientes
diabéticos, ouvi de alguns deles diversas sugestões para o aprimoramento desta
atividade, o que à época foi um reforço para o desenvolvimento deste trabalho. Hoje
refletindo a respeito desta vivência, me pergunto se o fato de -los escutado, não
significava um novo olhar provocado pelo projeto?
Neste sentido, talvez, uma das produções deste estudo seja a própria
transformação que este processo pode produzir naqueles que tiveram a
oportunidade de partilhar alguns destes ricos momentos de troca mútua, ainda que
tenhamos a grande expectativa de que nossa instituição possa também incorporar
seus resultados. Ao mesmo tempo, espero que o estudo possa contribuir com
alguns possíveis caminhos metodológicos para tal co-produção, estruturando um
espaço de inteligência coletiva, entre aqueles que estão envolvidos com o cuidado
de saúde, usuários e “cuidadores”.
Introdução
Introdução
21
1 INTRODUÇÃO
Segundo Paim (2003, p. 568), modelo de atenção ou modo de organização da
assistência (como preferimos chamar) é:
uma dada forma de combinar técnicas e tecnologias para
resolver problemas e atender necessidades de saúde
individuais e coletivas. É uma razão de ser, uma racionalidade,
uma espécie de lógica que orienta a ação.
Para este mesmo autor, modelo de atenção, não é uma forma de organizar
serviços de saúde, mas sim uma maneira de organizar os meios de trabalho,
utilizados nas práticas de saúde (Paim, 2002).
No entanto, a observação de nossos serviços de saúde, com base nesta
concepção, nos faz inquirir: que racionalidade tem orientado a organização das
práticas de atenção à saúde?
Os serviços de saúde operam hegemonicamente no interior de uma
racionalidade biomédica que se caracteriza por: reducionismo e fragmentação das
práticas de atenção, a objetivação dos sujeitos e o enfoque na doença e na
intervenção curativa (Alves, 2005).
O modelo biomédico ou mecanicista, como citado por Koifman (2001) e
Barros (2002), concebe ao organismo humano, a idéia de máquina produtora de
doenças. Assim, mais importante do que o encontro entre o indivíduo e o médico, é
o papel deste em descobrir a doença, sendo o paciente visto apenas como o
portador de uma doença.
Partindo desta visão, os tratamentos médicos consistiriam em esforços para
reestruturar o funcionamento normal do corpo, para interromper processos
degenerativos, ou para destruir invasores. Desta forma a concepção mecanicista do
organismo humano levou a uma abordagem técnica da saúde, na qual a doença é
reduzida a uma avaria mecânica, e a terapia médica, à manipulação técnica
(Koifman, 2001; Barros, 2002).
Introdução
22
Em muitos casos, essa abordagem foi bem sucedida. A ciência e a tecnologia
médica desenvolveram métodos altamente sofisticados para remover ou consertar
diversas partes do corpo, porém, como diz Porto (1994, p. 20):
a incorporação tecnológica passou a produzir, em graus
variáveis, efeitos colaterais, como interferência na relação
médico-paciente, novos riscos; iatrogenia; níveis exagerados
de especialização; institucionalização dos cuidados de saúde,
aumento nos custos dos serviços; distorção na alocação de
recursos no sistema de saúde etc.”.
Historicamente, com o desenvolvimento da racionalidade científica moderna e
a conformação de uma ordem social capitalista, estruturaram-se dois modos
diversos de organização do trabalho em saúde para atender as necessidades
sociais de saúde: uma de caráter coletivo e outra de recuperação da força de
trabalho (Mendes-Gonçalvez, 1996). O primeiro correspondeu à Saúde Pública
tradicional, na qual os problemas de saúde da população eram enfrentados
mediante campanhas (vacinação, combate às epidemias, reidratação oral, etc.) e
programas especiais (controle de tuberculose e hanseníase, saúde da criança,
saúde da mulher, saúde mental, etc). O segundo, o modelo médico assistencial
privatista esteve centrado na chamada “demanda espontânea”, isto é, no
atendimento aos indivíduos que na dependência de seu grau de conhecimento e /ou
sofrimento procuravam por “livre iniciativa” os serviços de saúde. Desta forma,
indivíduos ou grupos populacionais que não percebiam a existência de algum agravo
à saúde não estariam sendo atendidos pelo sistema de saúde (Paim,1993).
Tais práticas, de Saúde Pública e Assistência Médica Individual, orientaram-
se pelos saberes, respectivamente, da Epidemiologia e da Clínica, embora
complementares no plano social concreto estruturaram-se em pólos opostos no
âmbito das práticas de saúde (Mendes-Gonçalvez, 1996).
Todavia, no século XX, especialmente após a segunda guerra, uma mútua
influência nestas práticas anteriormente polares, mediante a apropriação de
conceitos e instrumentos de trabalho. Assim, a Clínica incorpora o conceito
epidemiológico de risco em suas práticas de atenção, que resultaram, por exemplo,
na organização de protocolos clínicos, enquanto a consulta médica individual passou
Introdução
23
a compor as práticas de Saúde Pública, ainda que como medidas de controle, como
se estabeleceu na Programação em Saúde, dos anos 1970 e 1980
1
.
Tal tendência de “integração” vai se expressar, também, no “Movimento pela
Defesa da Vida no qual a epidemiologia embora seja reconhecida como ferramenta
útil para dimensionar e priorizar problemas, será redimensionada por referência à
Clínica, dado ser a tecnologia disponível para o cuidado individual. Contudo, os
limites desta Clínica são reconhecidos e propõe-se sua ampliação - Clínica
Ampliada - mediante o resgate de seu papel no cuidado (Campos, 1992; Merhy,
1997; Cecílio, 2001). A aposta aqui foi a de investir na produção de tecnologias
leves
2
, de modo a instrumentalizar os trabalhadores para lidarem com a
subjetividade e esferas de necessidades de saúde que usualmente não são objeto
do trabalho em saúde (Merhy et al, 2003).
No Brasil, mais recentemente, o Programa de Saúde da Família (PSF)
3
foi
pensado não só como iniciativa de extensão de cobertura, mas, também, para
alcançar um impacto epidemiológico na saúde das comunidades. Assim, em seu
modo de organização do trabalho, buscou-se articular a atenção à demanda
espontânea, modo dominante de prática assistencial na atenção básica no país, com
a oferta organizada de atenção a grupos populacionais e agravos à saúde (Chiesa,
2005).
Segundo Chiesa (2005), o PSF foge da concepção usual dos programas
tradicionais concebidos pelo Ministério da Saúde, pois tem como objetivo, não uma
ação pontual, paralela às práticas rotineiras dos serviços de saúde, mas a
reestruturação do modelo a partir da atenção básica.
Uma característica apontada por esta autora é que o PSF não deve estar
centrado na ação do médico, mas de uma equipe de saúde da família com
definições de competências e co - responsabilidades entre seus membros.
Alves (2005), por sua vez, reconhece que a expansão do PSF tem favorecido
a equidade e a universalidade da assistência que diversas unidades de saúde
1
Para um maior detalhamento a respeito deste processo ver: CYRINO, 1993.
2
Termo utilizado por Merhy (2000) para orientar as práticas em serviços de saúde, quais sejam, o
acolhimento, a produção de nculo, a autonomização e a gestão compartilhada de processos de
trabalho.
3
O termo Programa de Saúde da Família foi concebido a partir de 1994, pelo Ministério da Saúde
num processo de reorganização da atenção básica à saúde. Posteriormente a palavra “programa” foi
substituída por estratégia. Atualmente tem se usado o termo política de Saúde da Família. Em que
pese as diferenças utilizamos aqui o termo “programa” (Feuerwerker, 2005).
Introdução
24
da família implantadas em locais antes restritos ao acesso da população. Todavia,
aponta que não se pode admitir que por isso a integralidade das ações deixou de
ser um problema da atenção à saúde.
Isto supostamente se porque ao partirmos da definição de modelo
assistencial enquanto “uma dada forma de combinar (...) tecnologias para resolver
problemas e atender necessidades de saúde individuais e coletivas” (Paim, 2003,
p.568) concluímos que para a construção de um novo modelo é importante o
desenvolvimento de novas composições tecnológicas de cuidado.
E sobre isto, o trabalho em saúde sempre assumiu um caráter genérico e
restrito, uma vez que a leitura que se fez (e faz) das necessidades de saúde
“naturaliza” as mesmas, fazendo com que estas sejam sempre vistas como um
“cardápio” de ordem natural – biológica (Schraiber e Mendes- Gonçalves, 1996).
É evidente que se avançou no sentido de envolver outras práticas,
incorporando outros profissionais e alternando atividades clássicas como a consulta
médica, com consultas de enfermagem e atividades grupais. Mas, no que diz
respeito às relações profissionais-usuários, é ainda o caráter prescritivo e centrado
na transmissão de informações que domina a cena institucional na saúde, e o “não
cumprimento” da norma médica é usualmente tomado como “desobediência” do
paciente e, muitas vezes, este é julgado moralmente (Cyrino, 2009).
Enfim, trata-se da tradicional perspectiva da obediência ao médico, definida
como: “a medida do grau de concordância entre a recomendação médica e o
comportamento adotado pelo paciente quanto à tomada de medicação, adoção da
dieta ou realização das mudanças de estilo de vida(Vermeire et al; 2001, p 332).
Não é também novidade a inversão de meios e fins nos serviços de saúde.
Assim, a organização do trabalho e o horário de funcionamento das unidades de
saúde foram reconhecidos como obstáculos ao acesso dos usuários, bem como o
tempo de espera para as consultas (Martins, 2006; Ferri, 2007).
Por outro lado, no que diz respeito às dimensões comunicacionais é
expressivo o despreparo dos profissionais no atendimento, demonstrando,
sobretudo, comportamentos impessoais, caracterizados por falta de atenção, frieza e
rispidez no trato com as pessoas (Marcon, 2007).
A doença crônica exemplifica bem esta questão, pois exige tantas mudanças
no “estilo de vida”, sendo comum o paciente expressar vergonha ou culpa diante da
sua doença e da dificuldade em realizar os cuidados. O que acontece nesta situação
Introdução
25
é que as “prescrições” o bastam, pois o portador da doença irá se defrontar com
problemas novos, que vão lhe requerer o desenvolvimento de competências para
lidar com situações previstas, comunicadas, e aquelas imprevistas pelo saber
clínico. A compreensão destas vivências dos pacientes tem requerido novos aportes
teóricos, que vão além das abordagens “dominantes” citadas acima (Cyrino, 2009).
Assim, segundo Teixeira (2003), para que haja assimilação do princípio da
integralidade na relação entre profissionais de saúde e usuários é necessária a
superação da cisão “eu outro”, ou seja, do “monopólio do diagnóstico de
necessidades”, integrando a “voz do outro” neste processo (p.90).
Cyrino (2009) ao reconhecer as competências requeridas e efetivas para o
autocuidado do diabetes mellitus, cartografou inúmeros obstáculos enfrentados
pelos pacientes para lidar com a doença. Dentre os 25 campos problemáticos
identificados três deles diziam respeito às características da própria assistência
prestada: quando não há uma adequada comunicação com os profissionais de
saúde; quando uma descontinuidade no seguimento médico e quando o intervalo
entre as consultas médicas é muito longo. Esta última foi apontada como dificuldade
por 40 % dos diabéticos estudados, que agregada às duas anteriores foi referida por
metade dos sujeitos estudados
4
.
Por isso, nossa intenção neste estudo não foi a de demonstrar “mais uma
vez” os obstáculos produzidos pelo modo de organização da assistência, mas sim a
de explorar as possibilidades dos próprios usuários do serviço contribuírem com a
formulação de propostas para enfrentá-los.
Esta proposta busca explorar um caminho para lidar com a complexidade dos
problemas de saúde, pois, como afirma Merhy e Franco (2003, p. 317), “(só) é
possível resolvê-los, contando com a multiplicidade de saberes e fazeres”.
Diferentes autores têm discutido as possibilidades de articulação das
necessidades e demandas da própria população usuária como “matérias-primas”
essenciais para o planejamento e organização dos serviços (Tesser, 1994; Boltri,
2006; Kelly, 2006).
Percebemos que a participação de usuários na gestão pública, embora não
seja uma novidade na política de saúde brasileira, é bastante recente em termos
4
Dados inéditos de pesquisa realizada pelo mesmo autor com 275 diabéticos entrevistados.
Introdução
26
históricos. Como tal, nos últimos anos, esta participação estruturou-se sob distintos
matizes.
Para Morgan (2001), as definições de participação podem-se agrupar em dois
tipos: a participação como meio, na perspectiva utilitária e a participação como fim,
na perspectiva de empowerment
5
.
Como meio, a participação é utilizada para alcançar objetivos definidos pelas
instituições, com a finalidade de completar os seus recursos institucionais. Muitas
das experiências que temos visto nos sistemas de saúde podem ser consideradas
participação como meio.
Valla (s.d.) ilustra este tipo de participação com a idéia de que muitas vezes o
governo convida a população, especialmente para que realize, com seu próprio
trabalho e tempo de lazer, obras que são da responsabilidade dos governos,
expressos na idéia dos mutirões.
Em grande parte, os governos brasileiros, tanto o federal como
os estaduais e municipais, agem com a população de forma
bastante autoritária, decidindo unilateralmente sobre a
qualidade e quantidade de determinado problema (como o
dengue ou a cólera, por exemplo), e conclama a população a
participar do combate e erradicação do mal, através de mutirão.
Ao conclamar a população a combater o mosquito do dengue,
por exemplo, os governos individualizam a questão. O culpado
direto pela doença seria o mosquito transmissor, e o indireto, a
população, e não a falta de saneamento básico, de distribuição
de água e coleta de lixo (Valla, s.d.)
Ainda para Valla (s.d.) nesta concepção se a população vier a contrair a
doença, é porque não seguiu os conselhos de prevenção ditados pelos órgãos
competentes. É o que se chama "culpabilização da vítima", uma prática que permite
5
No idioma português, não existe uma tradução literal para este termo, isto fez com que aparecesse
no meio acadêmico, a utilização de duas “traduções”: empoderamento e apoderamento. No entanto,
o termo empoderamento, tem sido mais usado, visto que em português “a” ao ser utilizado como
prefixo pode significar tanto aproximação como afastamento, ao passo que “em” quando utilizada
como prefixo admite somente o significado de “movimento para dentro”, “incorporação de”,
“provimento de”. Neste caso específico, significando então incorporação ou provimento de poder
(Machado, 2006)
Introdução
27
esconder o mau funcionamento dos serviços públicos e o descompromisso dos
governos.
Com perspectiva distinta, a participação como fim é aquela que reconhece o
direito da população a decidir sobre temas que afetam sua vida cotidiana e as ações
produzidas por diferentes instituições da esfera pública. No Brasil, a partir da criação
do Sistema Único de Saúde (SUS), instituíram-se modificações nas relações entre
as três esferas de governo determinandose novas funções e transferências de
competências aos municípios. Estas instruções legais prevêem a organização do
SUS baseada nos princípios da universalidade, equidade e integralidade da
assistência à saúde, bem como da participação da sociedade na gestão do sistema
de saúde nas diferentes instâncias gerenciais de governo (Correia, 1995;
Carvalho,1996).
A esta participação institucionalizada da sociedade civil na política de saúde,
denominou-se controle social. Desta forma, a participação ganhou uma concepção
democrática significando a integração em parceria com o Estado dos diferentes
setores da sociedade na definição e monitoramento de políticas de saúde a serem
implementadas (Correia, 1995; Carvalho,1996)
Na prática, os mecanismos legais que garantem a participação
institucionalizada na área da saúde são os conselhos e conferências de saúde. No
entanto, Carvalho (1996), ao analisar esses conselhos, considera que eles “tem uma
representatividade muito mais política do que social, expressando uma coerência
entre a sua composição e o projeto político que o inspirou”. Para Correia (1995) o
espaço de participação popular nos conselhos é contraditório, servindo para
legitimar ou reverter o que está posto.
Para Vázquez et al. (2002) o desacerto entre o avanço e as conquistas
obtidas no plano legal e a prática cotidiana nos serviços é uma das características
da participação social na saúde, havendo poucas experiências de participação na
gestão dos serviços de saúde em nível local.
Sem negar os avanços da participação nos espaços institucionalizados na
Saúde, Teixeira (1997) critica o enfoque do “controle social” expresso na dualidade
técnico-usuário (elite-povo) que bem marca a história das práticas de educação em
saúde no Brasil. A ênfase dada ao “acesso à informação” como essencial para
assegurar a participação reforçam, muitas vezes, o caráter que assumem tais
práticas de educação para a participação se aproximando das velhas práticas de
Introdução
28
educação sanitária, num esforço por superar uma suposta falta ou atraso mediante
conhecimentos técnicos e científicos. Trata-se de ensinar os indivíduos a
participarem dos diferentes espaços de controle social constituídos na área da
saúde.
A este respeito, Valla (1998) reconhece a dificuldade que tem os profissionais
de saúde em reconhecerem a população usuária dos serviços como detentora de
um saber e cultura (saber popular), ou seja, com um conhecimento acumulado e
sistematizado, capaz de interpretar e explicar a realidade.
Consideramos que esta pesquisa é tributária desta história das práticas e
concepções de participação social no Brasil. Isto porque, partimos destas
referências histórico-políticas para ampliá-las, não na esfera do direito desta,
como também pelas possibilidades de melhor lidar com a complexidade das
questões da organização do cuidado, tendo por pressuposto a essencial presença
do ”saber da experiência” de que são portadores os usuários de nossos serviços.
Na última década, a Saúde Coletiva tem se preocupado mais fortemente com
as questões do sujeito e com a experiência dos indivíduos no processo saúde -
doença - cuidado. Isto tem se feito mediante uma aproximação com campos
disciplinares, tais como a antropologia, a comunicação e a educação, que permitem
uma abordagem deste outro, o paciente (Cyrino, 2009).
A Antropologia, especialmente, ao trabalhar, com a perspectiva de sujeitos
das práticas de saúde tem o propósito de romper com a idéia de que apenas os
profissionais detêm um saber legítimo (o técnico científico) enquanto o outro
precisa ser educado.
Diversos estudos têm valorizado o alto nível de conhecimento e perícia que
pessoas leigas adquirem ao experimentarem a vivência de serem portadores, por
exemplo, de uma doença crônica (Boltri et al; 2006; Kelly et al; 2006; Cyrino, 2009).
Estudo recente reconheceu uma enorme diversidade de “saberes da experiência”,
entre portadores de diabetes, desenvolvidos no enfrentamento cotidiano dos
obstáculos ao autocuidado (Cyrino, 2009).
É exatamente sobre esta possibilidade de incorporar o usuário na discussão e
formulação de projetos assistenciais que o presente estudo se ocupará.
Para isto buscamos contribuições no interdisciplinar campo de investigação
da “Inteligência Coletiva”.
Introdução
29
Segundo vy (1998, p. 28), a Inteligência Coletiva (IC) é uma inteligência
distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real,
que resulta em uma mobilização efetiva das competências”. Em outras palavras a
IC, é para vy (1998, p.48) “a valorização em grau máximo das qualidades
humanas, o aumento e a diversificação das potências do ser”.
Ao considerá-la sua presença em toda parte, quer com isto reconhecer que
ninguém sabe tudo, todos sabem alguma coisa” (Lévy, 1998, p.29). Ou seja, para
vy (1998, p.27), o outro, é sempre alguém que sabe, e que sabe as coisas que eu
não sei, assim o outro não é mais um ser assustador, ameaçador:
como eu, ele ignora bastante e domina alguns conhecimentos
Mas como nossas zonas de inexperiência não se justapõem ele
representa uma fonte possível de enriquecimento de meus
próprios saberes (Lévy, 1998. p. 27)
Lévy (1998) defende, no entanto, que o aprendizado é também um encontro
da incompreensibilidade, da irredutibilidade do mundo do outro. Assim mesmo que
se aprenda com o outro nunca haverá uma transparência total deste outro.
coisas deste outro que nunca serão aprendidas.
Outra idéia presente para este autor é que a inteligência é algo que deva ser
valorizado por tratar-se de uma riqueza humana.
A coordenação das inteligências em tempo real suscita a discussão que os
sistemas de comunicação deveriam oferecer aos indivíduos de uma comunidade
mecanismos para coordenar suas interações no mesmo universo virtual de
conhecimentos (Lévy, 1998, p.29).
A valorização do outro produz o desenvolvimento de sentimentos que
facilitarão a implicação de outras pessoas em projetos coletivos. Assim a IC, também
traz consigo uma dimensão ético-política (Lévy,1998)
A linguagem e a engenhosidade cooperativa do homem, segundo Lévy
(2002), lhe permitiram desenvolver um ritmo próprio de invenção, assim a IC é o
próprio significado da cultura. A humanidade “trabalha” para aumentar a potência
humana, ou seja, suas capacidades de IC. Ao aumentar sua inteligência, o ser
humano ganha liberdade (autonomia) e responsabilidades, que por sua vez
enriquecem mais sua capacidade cognitiva.
Introdução
30
Nesta perspectiva, um exemplo, não tão novo, são as “comunidades de
práticas” formadas por pessoas ligadas entre si por interesses e práticas comuns
tendo como motor o compartilhamento e a produção do conhecimento (Moura,
2003).
Lévy (1999), numa brilhante entrevista no final da década passada, faz uma
menção a estas “comunidades de práticas na área da saúde, tomando como
exemplo os encontros de pacientes com a mesma doença. Quando isto ocorre,
estes trocam informações uns com os outros, compartilham experiências e
conquistam autonomia. A autonomia, aqui colocada, não seria se fechar sobre si
mesmo, mas escutar uns aos outros, numa verdadeira idéia de ajuda mútua.
Por isso todos os seres humanos têm direito ao reconhecimento de uma
identidade de saber. o princípios éticos de valorização dos indivíduos por suas
competências. As diferenças são transformadas em riquezas coletivas de
integração, num processo de troca de saberes. Cada um é reconhecido como uma
pessoa inteira, criando-se desta forma espaços do saber (Levy, 1998).
Sobre isto Moura (2003) e Teixeira (2005) discutem IC em torno da idéia da
“potência de ação coletiva” dos grupos. Tal “potência” dependeria,
fundamentalmente, da capacidade de indivíduos e grupos, em sua interação,
“produzirem, trocarem e utilizarem conhecimentos” em processos de “aprendizagem
e criação nas coletividades locais”, por meio de distintas “tecnologias sociais”.
Leadbeater (2005) aplica estas concepções no desenho de tecnologias
materiais e imateriais que possam resolver problemas vividos por portadores de
diabetes buscando dar às pessoas as ferramentas e a sustentação para desenvolver
suas próprias soluções.
Outras experiências de envolvimento da comunidade (ou usuários de serviços
de saúde) no desenvolvimento de tecnologias de cuidado têm se realizado sob
distintas abordagens e para lidar com diferentes problemas, como a prevenção do
diabetes mellitus (Boltri et al; 2006) e o tratamento do câncer de mama (Kelly et al;
2006).
Ainda que poucos, tais estudos apontam um esforço crescente para envolver
os usuários na organização dos serviços de saúde. Esta prática tem sido valorizada,
visto que por muito tempo essas “vozes” foram excluídas dos processos decisórios.
Introdução
31
Até mesmo pesquisas aplicadas à saúde têm incorporado os pacientes nos
processos de investigação, seja atuando como agentes consultivos ou
compartilhando decisões com os pesquisadores (Rhodes, 2001).
É nesta perspectiva, da chamada Inteligência Coletiva, que desenvolvemos o
presente estudo exploratório, ao envolver uma comunidade de usuários de serviço
de atenção primária à saúde, portadores de diabetes, no apoio a formulação e
possível reorganização de programa assistencial; bem como os profissionais de
saúde responsáveis por esta assistência com a expectativa de uma co-produção de
soluções.
Esperamos com isto responder as seguintes perguntas: como se valer das
dificuldades e experiências vividas pelos próprios usuários dos serviços para apoiar
a reorganização dos serviços de saúde de modo a melhor satisfazer suas
necessidades? Em que medida, profissionais e usuários podem cooperar a este
respeito, na construção de processos e tecnologias de organização do trabalho?
Objetivos
Objetivos
33
2 OBJETIVOS
2.1 Objetivo Geral
Desenvolver processo de formulação de propostas de reorientação da
assistência ao diabetes mellitus mediante a mútua cooperação entre profissionais de
saúde e usuários de serviço de atenção primária à saúde.
2.2 Objetivos Específicos
Analisar os campos problemáticos ao autocuidado vividos por portadores de
diabetes tipo 2, que envolvem a assistência prestada;
Descrever e analisar o processo de formulação de propostas de reorientação
da assistência ao diabetes produzidas de forma colaborativa entre
profissionais de saúde e usuários.
Material e Métodos
Material e Métodos
35
3 MATERIAL E MÉTODOS
Este estudo é parte do programa de pesquisa “Construindo tecnologias de
atenção ao diabetes mellitus tipo 2: Dos campos problemáticos às estratégias de
apoio ao autocuidado” (Cyrino, 2007), que integra a linha de pesquisa “Avaliação e
desenvolvimento de tecnologias, programas e sistemas de saúde” do Programa de
Pós-Graduação em Saúde Coletiva da FMB-Unesp.
Dado o envolvimento desta pesquisadora como profissional de saúde (e ex-
coordenadora da área de saúde do adulto do Centro de Saúde Escola, local do
estudo, e ainda atuando na gerência da instituição), com papel certamente
destacado no processo de intervenção a ser proposto, pode-se caracterizar este
estudo como uma pesquisa qualitativa do tipo “pesquisa-ação”.
Na pesquisaação os investigadores pretendem desempenhar um papel ativo
na realidade a ser pesquisada, como foi o caso deste estudo, o qual não
necessariamente (como muitos confundem) será a resolução dos problemas, mas
sim o esclarecimento sobre a situação observada e consequentemente a “tomada de
consciência” para os grupos e pessoas envolvidas (Thiollent, 2007). Neste estudo,
em particular, pretendeu-se enfrentar os problemas, embora sua solução ainda
dependam da continuidade deste processo, como veremos à frente.
O principal objetivo da pesquisa-ação não é apenas o entrosamento da
pesquisa com a ação (o que existe em muitas pesquisas convencionais), mas a
possibilidade de torná-la útil aos cidadãos. Para que não se assuma apenas
objetivos práticos, Thiollent (2007) reforça que a pesquisa - ação, como qualquer
estratégia de pesquisa deve se comprometer também com a produção de
conhecimento. O essencial é que o trabalho realizado seja descrito de modo a expor
a riqueza de detalhes de seu contexto e devolvendo os achados aos participantes e
incorporando as novas respostas a seu conteúdo, como sugere Meyer (2006). Desta
maneira, a força da pesquisa ação reside na sua habilidade em influenciar
positivamente a prática no decorrer do estudo enquanto, ao mesmo tempo, coleta
dados sistematicamente para compartilhar com um público mais amplo.
Material e Métodos
36
3.1 Campo da pesquisa
Esta pesquisa foi realizada junto à área de “Atenção Integral à Saúde do
Adulto” do Centro de Saúde Escola “Achilles Luciano Dellevedove” (CSE) da
Faculdade de Medicina de Botucatu- UNESP (FMB).
O CSE é uma unidade auxiliar de estrutura complexa subordinada a
Faculdade de Medicina de Botucatu-UNESP, e como tal funciona como órgão de
integração docente-assistencial para atenção primária à saúde, destinada ao
desenvolvimento do ensino, pesquisa e extensão de serviços e assistência à
comunidade. Foi criado em 1972, mediante convênio entre a então Faculdade de
Ciências Médicas e Biológicas de Botucatu FCMBB (hoje Faculdade de Medicina
de Botucatu UNESP) e a Secretaria de Estado da Saúde SP.
Nestes 37 anos foi operado pelo Departamento de Saúde Pública da
Faculdade de Medicina de Botucatu UNESP, servindo de campo de estágio a
alunos de graduação e pós-graduação e ainda, para capacitação de recursos
humanos de outras instituições de saúde.
Com referência à pesquisa, consolida-se em um centro de investigação em
atenção primária à saúde, com o intuito de firmar os princípios do Sistema Único de
Saúde (SUS) e explorar novas tecnologias de organização do cuidado primário em
saúde.
Atualmente, também, mantém convênio com a Prefeitura Municipal de
Botucatu. Suas duas unidades, Unidade da Vila dos Lavradores (UVL) e Unidade da
Vila Ferroviária (UVF) integram a rede básica do Sistema Único de Saúde (SUS),
tendo como área de abrangência uma parte do subdistrito de Botucatu, urbano e
rural, com uma população aproximada de 30.000 habitantes.
A unidade-sede (da Vila dos Lavradores) que aqui chamaremos de Centro de
Saúde Escola UVL (CSE UVL), campo deste estudo, passou por diferentes
mudanças nas atividades desenvolvidas, sendo que atualmente presta assistência
às áreas de: Saúde da Criança, Mulher, Adulto, Mental, aos Programas de Controle
de Hanseníase, Tuberculose, Oftalmologia Sanitária, Saúde Bucal e DST/AIDS.
Assim, além de atender a sua área de abrangência, o CSE é referência para outros
serviços de saúde de Botucatu e mesmo para outros municípios da região. Para
tanto, conta com uma equipe de profissionais de saúde que o caracteriza como uma
unidade de atenção primária à saúde mais complexa (Quadro 1).
Material e Métodos
37
Quadro 1 Categorias profissionais presentes no Centro de Saúde Escola (UVL e
UVF), 2010.
Função
Quantidade
Agente de Vigilância e Recepção
1
Assistente Administrativo
7
Assistente Social
3
Auxiliar de Consultório Dentário
2
Auxiliar de Enfermagem
16
Auxiliar de Escritório
1
Auxiliar Processamento de Dados
2
Auxiliar de Serviços Gerais
1
Auxiliar Técnico Acadêmico
2
Auxiliar Técnico Sanitarista
4
Dentista
4
Enfermeiro
6
Escriturário
2
Farmacêutico
1
Fisioterapeuta
1
Fonoaudiólogo
1
Médico
21
Nutricionista
1
Oficial Administrativo
2
Psicólogo
1
Técnico de Enfermagem
5
Técnico de Farmácia
1
Terapeuta Ocupacional
1
Total
86
Fonte: Área administrativa- CSE
Material e Métodos
38
A área de “Atenção Integral à Saúde do Adulto”, campo deste estudo
caracteriza-se por atender a população na faixa etária de 15 anos ou mais
6
. Em
2009, 56%
7
dos usuários atendidos tinha idade superior a 60 anos, com expressiva
demanda de cuidado relativa ao controle de doenças crônicas.
A equipe atualmente é composta de: técnicos de enfermagem, enfermeiros,
médicos (sanitarista, geriatra, acupunturista, nutrólogo, pneumologista),
nutricionistas e fisioterapeuta.
Desta forma, a assistência na Área de Saúde do Adulto, é prestada mediante
atendimento individual ou em grupos (dislipidemia, hipertensão arterial, diabetes
mellitus, tabagismo e dor crônica). No entanto, esta área assistencial vem passando
por uma reorientação na organização do trabalho da equipe, mediante ações que
buscam ampliar a adscrição dos usuários, usualmente estabelecida com os médicos
e agora também com os técnicos de enfermagem, de modo a fortalecer o vínculo e a
responsabilização com o cuidado. Mais recentemente, para um melhor acolhimento
dos usuários foram criados grupos de recepção, direcionados, sobretudo aos
pacientes que possuam alguma queixa ou que estão chegando ao serviço.
Os atendimentos médicos, em geral, são organizados segundo a sua
natureza: casos novos, retornos e “extras”
8
. Na tabela 1, abaixo, apresentamos a
frequência desses atendimentos no ano de 2009, na qual se destaca a expressiva
diferença entre o percentual de consultas agendadas e “extras” realizadas nesta
área assistencial.
Tabela 1 Frequência das consultas médicas (agendadas e extras) da
Área de Saúde do Adulto, Centro de Saúde Escola, FMB-Unesp, 2009.
Consultas
n
%
Agendadas
8966
74,50
“Extras”
3068
25,50
TOTAL
12034
100,0
6
A população adscrita com idade superior (e igual) a 15 anos é de 11325 habitantes (81% da
população). Fonte: Botucatu em dados (2005).
7
Fonte: Sistema Municipal de Informação em Saúde (Simis), referente ao período de 01/01/2009 a
31/12/2009.
8
“Extra”: termo utilizado pelos profissionais de saúde do CSE para designar os pacientes que
procuram assistência com queixa e sem agendamento prévio ou fora da data agendada
Material e Métodos
39
Em relação aos pacientes portadores de diabetes, há uma concentração de
atendimentos individuais com um profissional específico, principalmente para
àqueles usuários de insulina, com retornos médicos geralmente a cada três meses,
embora não haja um cronograma de comparecimento definido na instituição.
Discussões recentes têm sido feitas para que a equipe trabalhe sob a
orientação de protocolos específicos direcionados às doenças crônicas não
transmissíveis.
3.2 Sujeitos pesquisados
Foram sujeitos deste estudo usuários do CSE-UVL portadores de diabetes
mellitus tipo 2 que freqüentam o serviço há mais de dois anos e os profissionais que
atuam na área de “Atenção à Saúde do Adulto”.
Dentre os diabéticos do estudo se incluiu grupo que participou da
investigação “As competências no cuidado com o diabetes mellitus: contribuições à
educação e comunicação em saúde” (Cyrino, 2005) e que apontaram como
obstáculos ao autocuidado determinadas características de organização deste
serviço de saúde.
Todos os sujeitos foram convidados a participar como voluntários dentro das
diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos
(Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde), representado pelo Comitê de
Ética em Pesquisa da FMB UNESP-Botucatu, cujo Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido encontra-se em anexo (Anexo 1).
3.3 Desenho do estudo
A pesquisa foi desenvolvida em cinco etapas com o objetivo de, numa
primeira fase, realizar um levantamento bibliográfico acerca do tema pesquisado;
num segundo momento, trabalhou-se com o banco de dados da pesquisa “as
competências no cuidado com o diabetes mellitus: contribuições à educação e
comunicação em saúde” a fim de aprofundar a caracterização dos campos
problemáticos relacionados à atenção recebida. Na terceira etapa, a partir dos dados
coletados na etapa anterior, buscou-se ampliar o conhecimento sobre este universo
de problemas produzidos pelo próprio serviço, mediante a realização de grupos
Material e Métodos
40
focais. Por fim, na quarta e quinta etapa, buscou-se explorar as possibilidades de
cooperação dos usuários e profissionais na abordagem destes campos
problemáticos e das possibilidades de enfrentamento destes problemas. A seguir,
encontram-se detalhadas cada uma dessas etapas.
Na primeira etapa foi realizado um levantamento bibliográfico que buscou
orientar-se em torno da temática da participação dos usuários, com especial
destaque para experiências e pesquisas nas quais estes fossem reconhecidos como
sujeitos portadores de saberes. Tratou-se também do campo da inteligência coletiva
na saúde.
Na segunda etapa foi possível trabalhar com o banco da pesquisa “As
competências no cuidado com o diabetes mellitus: contribuições à educação e
comunicação em saúde”, que dispõe dos campos problemáticos e competências de
275 portadores de diabetes entrevistados
9
. Na presente investigação procedeu-se a
análise da dimensão denominada: “o cotidiano, o cuidado de si e os serviços de
saúde”, que incluiu três campos problemáticos relacionados, como sugere o título, a
características da assistência recebida pelos sujeitos do estudo: “o intervalo longo
entre consultas”, “a descontinuidade do cuidado” e “a dificuldade de comunicação
profissional-paciente
Chamou à atenção a expressiva frequência destes obstáculos ao
autocuidado, como expresso na tabela 2, abaixo, uma vez que entre os 275 sujeitos
48% deles apresentavam um ou mais destes problemas que envolvem mais
diretamente a assistência recebida, destacando-se entre eles o “intervalo longo entre
as consultas” com cerca de 40% dos portadores que o indicaram como um
obstáculo.
9
As entrevistas foram realizadas por auxiliares de pesquisa mediante questionário, com campos
abertos que permitiram registrar comentários dos sujeitos. Os dados foram processados no software
SEE-K (“árvores de conhecimentos”)
Material e Métodos
41
Tabela 2 Campos problemáticos da dimensão “o cotidiano, o cuidado de si e
os serviços de saúde”, 2008.
Campo problemático
n
%
Intervalo longo entre as consultas
109
39,6
A descontinuidade do cuidado
39
14,2
A dificuldade de comunicação profissional- paciente
23
8,4
Total 1
171
100
Total 2
132
48
Observação:
Total 1: soma das respostas obtidas em cada campo.
Total 2: total de participantes que indicaram ao menos um dos campos problemáticos
Na tabela 3, anexo 2, apresenta-se o conjunto de campos problemáticos
reconhecidos com suas frequências, bem como as tabelas 4 e 5, que apresentam
respectivamente, o perfil cio - demográfico e de uso de serviços dos sujeitos
envolvidos na dimensão “o cotidiano, o cuidado de si e os serviços de saúde”.
Com base em análise preliminar destas informações elaborou-se roteiro para
condução dos grupos focais, conforme tratado à frente.
Na terceira etapa, buscou-se o detalhamento dos obstáculos ao autocuidado
relacionadas à assistência prestada pela instituição, mediante a realização de
grupos focais.
O grupo focal é uma técnica de coleta centrada numa discussão temática
específica junto a um grupo homogêneo de pessoas convidadas, em função de seu
objetivo. A idéia por trás desta técnica é que os “processos grupais” podem ajudar
as pessoas a explorar e clarear sua visão por meio de maneiras que seriam menos
facilmente acessíveis numa entrevista convencional (Kitzinger, 2006).
Os sujeitos convidados para fazerem parte destes grupos foram aqueles que
compuseram o banco de dados da pesquisa acima referida e outros diabéticos
usuários do serviço mais de dois anos. Os grupos foram conduzidos por meio de
roteiro (anexo 3), havendo em cada um deles a participação de um moderador e de
um relator. A fim de garantir maior fidelidade de registro toda a discussão foi
gravada. Os grupos foram realizados em salas do próprio CSE. O número de
participantes e o tempo de duração dos grupos estão especificados no quadro 2.
Material e Métodos
42
Quadro 2 Caracterização dos grupos focais (etapa 3) segundo número de
participantes e tempo de duração, 2009.
Grupo
Participantes
Tempo de duração
1
7
1h15min
2
6
51min
3
5
1h25min
TOTAL
18
3h31min
Houve algumas recusas ao convite para participação nos grupos focais,
alguns participantes alegaram que o serviço atendia muito bem e que nada tinham a
propor. Os grupos contaram em média com 6 participantes, número próximo do
limite inferior do que se considera adequado para esta técnica, embora tenham sido
convidados de 12 a 15 diabéticos por grupo.
Na expectativa de reconhecer e valorizar os diferentes saberes envolvidos,
na quarta etapa explorou-se as possibilidades de construção de soluções para os
campos problemáticos a partir da vivência dos diabéticos.
Para tanto, foram realizadas dois grupos focais, enquanto espaços de
produção e criação de soluções e respostas aos problemas identificados (obstáculos
ao autocuidado relacionadas à assistência) com os diabéticos, em espaço externo
ao CSE. Os convidados foram selecionados entre aqueles incluídos no banco de
dados, os que participaram dos grupos focais citados anteriormente e outros
diabéticos usuários do serviço há mais de dois anos.
O grupo foi orientado por roteiro previamente definido (anexo 4), no qual
buscou-se inicialmente abordar os campos problemáticos e a seguir os participantes
foram estimulados a apresentarem propostas para seu enfrentamento. Os grupos
foram organizados mediante participação de um moderador (a própria pesquisadora)
e de um relator, este com um papel bastante ativo, fazendo anotações em flip-chart
e compartilhando-as com os participantes. Para garantir a fidelidade do conteúdo
dos grupos houve o registro mediante o uso do gravador. O número de participantes
e o tempo de duração dos grupos estão dispostos no quadro 3, abaixo.
Material e Métodos
43
Quadro 3 Caracterização dos grupos focais (etapa 4) segundo número de
participantes e tempo de duração, 2009.
Grupo
Participantes (n)
Tempo de duração
1
10
1h30min
2
9
1h15min
TOTAL
19
2h45min
Na quinta etapa, com as contribuições dos grupos focais com os
diabéticos, realizou-se grupo focal com os profissionais da área de “Saúde do
Adulto”. Neste foi apresentado uma ntese dos problemas identificados e as
correspondentes “soluções” propostas nos grupos realizados na quarta etapa. Deste
modo, foi possível compartilhar os diferentes olhares e saberes de diabéticos e
profissionais, tendo os pesquisadores atuado como mediadores deste processo. O
grupo foi coordenado por esta pesquisadora com apoio do orientador, que também
atuou na condição de dirigente. Para assegurar a fidelidade do conteúdo das
narrativas dos sujeitos participantes do grupo focal houve o registro mediante o uso
do gravador. O número de participantes por categoria profissional está especificado
no quadro abaixo.
Quadro 4 Caracterização do grupo focal segundo número de
participantes por categoria profissional, 2009.
Categoria profissional
Participantes (n)
Médico
5
Enfermeiro
1
Nutricionista
1
Técnicos de enfermagem
2
TOTAL
9
Para uma melhor compreensão do leitor, abaixo apresentamos um
fluxograma das etapas do campo desta pesquisa enquanto uma síntese do desenho
deste estudo. Após, cada etapa, procedíamos a transcrição e análise do material
coletado.
Material e Métodos
44
Figura 1 Síntese do percurso metodológico.
ETAPA 2
Banco de dados
ETAPA 3
Grupo Focal
Campos
problemáticos
(pacientes)
Análise
Perspectiva
metodológica
ETAPA 4
Grupo Focal
Propostas
(pacientes)
ETAPA 5
Grupo Focal
Propostas
(profissionais)
Resultados
Resultados
46
4 RESULTADOS
4.1 Cartografia dos campos problemáticos relativos ao cotidiano de auto
cuidado e o uso de serviço
Os resultados alcançados neste estudo, a seguir apresentados, foram obtidos
mediante diferentes técnicas de coleta, como tratado no capítulo anterior. Para
que o leitor possa identificar como cada narrativa foi apreendida, quanto à técnica de
coleta empregada entrevista estruturada ou grupo focal , utilizou-se uma
codificação específica para tanto
10
Inicialmente, apresentaremos os três campos identificados mediante
entrevistas estruturadas - “o intervalo longo entre consultas”. “a dificuldade de
comunicação profissional-paciente e “a descontinuidade do cuidado” e aquele obtido
por meio de grupos focais: a dificuldade de ser atendido quando não se está bem.
Para maior riqueza de exposição destes campos, integramos as narrativas
das diferentes técnicas na apresentação de cada campo problemático.
4.1.1 O intervalo longo entre as consultas
O intervalo longo entre as consultas é apontado por diversos sujeitos do
estudo como um obstáculo ao autocuidado ao interferir diretamente no autocontrole
do diabetes:
“se o intervalo entre as consultas fosse mais perto conseguiria
controlar mais o diabetes [...] a gente que tem diabetes e
pressão alta seria bom vir de três em três meses, pra gente ter
um acompanhamento melhor, né?”. X (F, GF 1)
10
Utilizou-se letras do alfabeto, diferenciando cada participante. seguidos de M (masculino) ou F
(feminino) e Grupo focal (GF); 1,2,3,4 e 5 para identificar a seqüência de cada grupo. EX: K (F, GF
1). Para as entrevistas estruturadas utilizou-se “E.E”.
Resultados
47
Foi possível identificar, em alguns relatos, uma grande variação nos intervalos
de aprazamentos das consultas:
“Eu venho a cada um mês e meio a dois meses”. W ( M, GF 1)
“O meu intervalo está sendo de 4 meses. que na última
vez... quando eu tirei sangue tava 130 (a glicemia). Depois tem
aquele exame de 3 meses ( hemoglobina glicada) que deu dez.
Se eu tivesse consultado antes saberia o que tava
acontecendo, por isso gostaria de vir a cada dois meses no
máximo. (Assim,) a gente tem mais controle”. Z (F, GF 2)
“(o longo intervalo entre as consultas) (...) é um problema sério.
Eu tive duas consultas por ano. Eu acho pouco pra quem
tem diabetes. Desde que eu comecei aqui foram duas
consultas por ano. É por isso que a gente procura o particular”.
X (F, GF 3)
“Vim no final do ano, em dezembro de 2007: marcaram em
julho (de 2008). Eu tive uma consulta (até agora agosto de
2008). Agora disseram que só o ano que vem, não sei porquê”.
K (F, GF 2)
Outras dimensões identificadas neste campo problemático apontaram sua
repercussão sobre a relação com o profissional que o acompanha: “se a consulta é
mais perto tem mais diálogo (EE).”
O intervalo longo entre as consultas requer dos diabéticos, conforme relatos,
um esforço para buscarem atendimento fora da data do agendamento, o que é
chamado de consulta eventual ou extra.
“A minha consulta ficou pra novembro (última consulta em
março), e daí eu tive que vir de extra. Eu vim pedir pro médico
11
daqui me encaminhar pro médico de rim, lá da faculdade. O Dr.
11
A palavra “médico” será sempre apresentada no masculino para assegurar a não identificação dos
profissionais.
Resultados
48
[...] pediu exame de urina 24 horas e daqui 15 dias eu vou
voltar pra ver o resultado, daí o doutor vai me encaminhar pra
faculdade, nesse caso não pra esperar a consulta, mas
bom, né?” X (F, GF 1)
4.1.2 A dificuldade de comunicação profissional paciente
Este campo problemático foi bastante destacado pelos participantes do
estudo, com grande expressividade e diversidade nos discursos, especialmente nos
comentários registrados durante as entrevistas e em um dos grupos focais.
Em diversos comentários registrados nas entrevistas individuais com os
diabéticos estes expuseram o modo como as complicações crônicas da doença e a
introdução da insulina lhe são lembradas pelos profissionais e o tom de “ameaça”
que este assume no discurso médico.
“A senhora quer amputar a perna? Precisa se cuidar”. (EE)
“Eu tenho medo de vir na consulta, toda vez ele me fala que vai
dar insulina eu tento falar (para o médico) que o meu diabetes
é de nervosismo [...]. Mas ele insiste: se o diabetes continuar
subindo, não vai ter jeito vou ter que dar insulina”. Z (F, GF 3)
A “orientação médica baseada na ameaça”, nestes casos, assumiria um papel
“pedagógico” de “alertar” o paciente para os “perigos” da doença, todavia produzindo
medo, insegurança e desconfiança, ao invés de apoio, cuidado e confiança no
profissional.
“Tem um médico que me causa medo! Tudo o que ele fala é
para ameaçar, ele não encoraja, não inspira confiança” (EE).
A orientação médica foi, também, reconhecida pelos participantes do estudo
enquanto uma dimensão esquecida ou não valorizada pelos médicos e, assim, por
sua ausência ou desvalorização, reconhecida como parte relevante da assistência e
de apoio ao autocuidado:
Resultados
49
“O médico deveria explicar melhor para dar mais segurança ao
paciente” (EE).
“A conversa nunca foi boa. Os médicos não explicam direito,
não é?"(EE).
Para outros sujeitos, a orientação médica é insuficiente ou não seria dirigida
àqueles mais esclarecidos sobre a doença e seu cuidado:
“No [serviço] é o básico. O médico fala da dieta e passa a
receita. Quando eu era criança ia [...] com o Dr. [...], era
diferente. Ele explicava bem. Sinto muita falta” (EE).
“Quando o paciente tem noção, é esclarecido, o médico não
muita atenção” (EE).
Diversos participantes, em seus depoimentos, trataram de dificuldades
pessoais em se comunicar com o profissional médico, atribuindo para si, parte das
dificuldades enfrentadas no processo de comunicação médico-paciente.
“Às vezes tenho dificuldade de me expressar com o médico.
Mas é o meu jeito” (EE).
“Sou muito quietona e às vezes, fico com vergonha do médico
(EE).
“Tenho muita vergonha do médico”. (EE).
Para outros sujeitos, todavia, a falta de atenção e carinho por parte do
profissional enfraquece a relação médico-paciente e esvazia as possibilidades de
uma conversa neste encontro, pois como afirma um dos entrevistados “o diálogo é o
mais importante para o tratamento”. (EE)
Resultados
50
“Os médicos (...) não são muitos carinhosos... depende do
médico... Quando acontece, conto o essencial e acabou”.
(EE)
“Quando o médico não atenção, acabo esquecendo de
esclarecer minhas dúvidas. Procuro fazer o que acho que está
correto no que se refere a dieta alimentar”. (EE)
“Tem médico que não atenção. Quando isso acontece não
falo tudo que tenho que falar”. (EE)
“Dia 8 eu tive consulta com o Dr.[...], eu precisava fazer de
novo o RX, o US dos dois ombros e um ECG. Ele pediu o
RX do ombro direito. O ECG, ele fez pouco caso de mim, não
deu. Quando eu insisti, ele respondeu: o senhor precisava ir no
ortopedista. Eu respondi: mas o senhor me encaminhou, faz
2 anos, que ainda estou esperando. Daí ele falou vou
encaminhar então pra fisioterapia. Eu nem sabia que tinha
aqui! Não legal, vou falar a verdade não legal! Tem vez
que ele trata bem, tem vez que não um sorriso, é fechado.
Ele ganhando pra atender todo mundo bem. Se ele com
problema na casa não pode trazer pro paciente. Tem que ser
alegre. Eu mesmo tenho que estar alegre. Ele sendo pago
pra atender bem. Não vou dizer que tá ruim 100%, mas ele tem
bastante defeito. Tem mais gente que reclamou, mas tem medo
de falar. Bastante gente reclamou dele pra mim, que as
pessoas têm medo. Não pode ter medo. Se soubesse como eu
cheguei em casa aquele dia.Eu cheguei chorando. Eu acho
que o médico tem que ser mais dado, mais alegre, não tão
fechado como ele é. Às vezes ele melhora, mas as vezes ele tá
esquisito. Eu to desabafando porque eu não me senti bem.
Outro dia eu vim num outro médico, nota mil pra ele. Eu acho
que o médico tem que ser mais aberto, ser mais dado, porque
quem tem diabetes às vezes meio frustrado, meio triste. Eu
quis pedir pra ele exames, e ele ficou bravo, não quis me dar.
Eu não podia vir hoje, mas eu quis vir pra poder falar. Sobre as
outras coisas eu não tenho o que falar, é esse problema.
Resultados
51
[...], parece que ele aqui forçado. a gente que fala. B (M,
GF 5)
Outra dimensão abordada, é que muitas vezes a falha não está diretamente
vinculada à comunicação, mas, por exemplo, a gestos do médico que desagradam o
paciente. No relato abaixo se observa isso dada à falta de privacidade a que o
profissional expôs o paciente.
“Eu venho ver os resultados dos exames com o médico na
recepção. Ali é lugar? Eu gostaria que fosse no consultório”.E
(F, GF 4)
Um dos sujeitos relata a dificuldade que alguns médicos têm para aceitar
seus campos problemáticos, como o “medo da insulina” e a eventual falta a uma
consulta médica:
E também ele me encaminhou para a ABAD (Associação
Botucatuense de Apoio aos Diabéticos), pois eu tenho medo de
usar a insulina. Ele não valorizou o meu medo. Dessa forma,
não tenho mais confiança no médico. O outro médico ficou
bravo porque eu perdi uma consulta... tá difícil.” E (F, GF 4)
As reações dos pacientes às dificuldades de comunicação no encontro
médico-paciente foram expressas no debate que se deu em um dos grupos focais:
“No começo parece que ele [o médico] era um doce. Pra falar a
verdade, eu tava acostumada com o outro médico, mas o dia
que eu mais precisei ele me deu um “tabefe”, eu fiquei tão
nervosa que se eu não rasgo a receita e saio da sala, eu dava
na cara dele. Por isso eu mudei. Mas esse não é atencioso
também e a atenção faz a diferença no controle do diabetes
[...]. Não sei, mas parece que falta diálogo com os médicos.” Z
(F, GF 3)
Resultados
52
“O atendimento não está sendo bom para quem tem diabetes e
quando a gente vem aqui (sem consulta agendada) eles acham
ruim. Tem profissional que me atenção, tem gente que é
muito mais que o médico. O meu irmão abandonou o
tratamento, porque ele é simples e humilde, e um minutinho
que ele se atrasou fizeram a maior baixaria com ele. Ele não
quer nem saber. Dependendo da pessoa ela é tratada como
um pão - de - ló. Por que morre de câncer, morre disso, morre
daquilo? A pessoa vem uma vez e não é bem tratada, ela
abandona. Eu sou chata, eu falo o que tenho, o que eu quero,
eu só sou bem tratada aqui porque eu sou bocuda”. Z (F,GF 3)
4.1.3 A descontinuidade do cuidado
A recorrente mudança do médico ao longo do atendimento recebido foi outro
campo problemático identificado, com freqüência, nos discursos dos sujeitos do
estudo, marcado, muitas vezes, pela necessidade de constantes repetições da
“história da minha diabetes”.
“Fui atendido por mais de sete médicos diferentes e toda vez
tenho que contar minha história. Eles poderiam ao menos
escrever nos prontuários para que o próximo a atender já saiba
do caso”.(EE)
“Fico muito brava quando vou ao (serviço) e o médico não é o
mesmo. Tenho que perder tempo tentando relembrar a história
da minha diabetes”.(EE)
Essa mudança, para parte expressiva dos diabéticos, compromete a relação
médico- paciente ao enfraquecer o vínculo nesta díade e dificultar o seguimento dos
problemas médicos e/ou psicosociais:
“Acho importante ser o mesmo médico. Tem que haver um
vínculo entre médico e paciente”.
Resultados
53
“Cinco médicos [...] isso é ruim, eles não sabem os problemas
da gente. No final do ano meu marido faleceu, o médico até
marcou consultas mais próximas, eu tava depressiva, mas o
outro que ficou no lugar não sabia disso”.R (F, GF 2)
4.1.4 A dificuldade de ser atendido quando não se está bem
A dificuldade de ser atendido quando se está com alguma queixa aguda, seja
por uma intercorrência ou uma descompensação de alguma condição de cronicidade
(do próprio diabetes), foi apontada por inúmeros sujeitos como um dos campos
problemáticos ao autocuidado com o diabetes. Trata-se para estes sujeitos de
conseguir uma consulta médica “extra”, como é chamada na instituição de saúde
campo deste estudo.
“Já passei mal. Fui ao CSE e não fui atendida”. (EE)
“Esperei até o final do atendimento. E daí, eles me mandaram
embora e não me atenderam”. (EE)
“Tem que vir cedinho, né? Se a gente tá com problema tem que
vir cedinho, pra vê se a gente consegue”. Z (F, GF 1)
Cabe reconhecer que este novo campo problemático foi o que ganhou maior
destaque nas narrativas dos sujeitos dentre todos os obstáculos ao autocuidado
apontados nos diferentes grupos focais. Por sua vez, nas entrevistas estruturadas
dos sujeitos que tinham como campo problemático o “intervalo longo entre as
consultas” esta foi a temática mais referida: a dificuldade de ser atendido como
extra.
Curiosamente, muitos sujeitos apontaram que, dada a dificuldade de ser
atendido, como “extra”, quando se está com a diabetes descompensada, procuram
fazer um “melhor” autocontrole para não precisarem do serviço. Tal problema foi
expresso por diferentes sujeitos, em variados contextos, que apontaram o intervalo
longo entre as consultas como um obstáculo:
“o jeito é fazer a dieta certa para não precisar do (serviço).”
(EE)
Resultados
54
“procuro não fugir da rotina da dieta alimentar para não precisar
de consultas [extras]”. (EE)
“se não estiver suportando mais, procuro o (serviço). Sei que
fora do dia marcado, tenho que esperar muito”. (EE)
“nunca precisei [de consulta extra] pelo fato de não deixar de
seguir a dieta e as orientações médicas”.(EE)
Alguns participantes dos grupos focais apresentaram em suas narrativas as
justificativas que recebem dos profissionais para não serem atendidos no momento
em que procuram o serviço: não vaga, pois o médico ultrapassou o seu limite
atendimento; não é dia de atendimento dos diabéticos; o horário está inadequado.
“Eu quando é meio dia e meio eu tô aqui, pego a fichinha e
fico esperando, mas mesmo assim às vezes não dá, né? É que
ele atende bastante, e às vezes não dá. Daí a gente vai
embora, espera a hora que der uma outra oportunidade, daí a
gente volta. Na feira eu vim a pressão tava 16 por 10, mas
mostrei a receita pro medico e ele disse que é por causa do
remédio que eu tomando, o Marevan®, né? Por seis meses
eu vou tomar, né? Depois o médico vai ver , né? Eu um
pouco chateada, com medo que a minha pressão dispare.
Eu também passei muito nervoso no começo do ano, os
médicos falam que é o próprio nervoso. Eu perdi uma filha de
40 anos, isso me abalou demais, agora eu tô tratando com a
psicóloga também, vamos ver, né? X (F, GF1)
“Eu também não fui bem atendida, eu fui falar com o médico
porque eu não tava bem e ele me respondeu que não era dia
de me atender, daí eu fui procurar na farmácia. Depois pedi pra
trocar dele, então marcaram uma consulta de enfermagem e
uma consulta (com o outro médico) pro final do ano. Se eu
tivesse que morrer eu já teria morrido”. K (F,GF 3)
Resultados
55
“Comigo aconteceu de ficar até as 4 da tarde e o médico ir
embora sem me atender, e não foi uma vez, não. A gente
que tem problema de pressão também é que a coisa pega”.
X (F, GF 1)
4.2 Dos campos problemáticos à construção partilhada profissionais-usuários:
A visão dos usuários
Os resultados, a seguir, foram alcançados por meio de dois grupos focais com
os usuários diabéticos, conforme detalhado em Material e Métodos. A condução
de tais grupos foi orientada com o objetivo de construir soluções aos problemas
identificados a partir de núcleos temáticos relevantes, identificados em etapas
anteriores desta pesquisa.
Nesses grupos focais com os diabéticos a apresentação de cada um dos
campos problemáticos foi feita de modo a funcionar como disparador do processo de
discussão. Assim, cada um dos obstáculos ao autocuidado no diabetes foi discutido
separadamente.
Cabe comentar, no entanto, que parte relevante do tempo dos grupos focais
envolveu a discussão dos próprios campos problemáticos por parte dos
participantes, o que mostra a relevância destes para os mesmos. Todavia, no
primeiro grupo focal tal desenrolar limitou o tempo de discussão de todos os campos
problemáticos. De modo que no segundo exploramos os campos ainda não
discutidos.
Nestes grupos identificaram-se três novos campos problemáticos: o tempo
longo de permanência no serviço, a dificuldade em aceitar o diagnóstico do
diabetes e a “desarticulação entre coleta de exames e agendamento de consultas
médicas de retorno”.
Para melhor entendimento do leitor segue, no quadro 5, uma sintetize das
“soluções” propostas para cada um dos campos problemáticos, conjunto este que
será detalhado à frente.
Resultados
56
Quadro 5 Os campos problemáticos e as soluções propostas pelos diabéticos.
Os campos
problemáticos
Propostas de soluções
O intervalo longo entre as
consultas
- Intervalos mais breves entre as consultas;
- agendamento contínuo de um ano para outro;
- ampliação do acesso ao controle do diabetes
mellitus.
A dificuldade de
comunicação profissional-
paciente
- O paciente deve ser menos passivo com o médico;
- a instituição deve trabalhar com os médicos para
melhorar o atendimento;
- o médico deve cuidar de outros problemas além do
diabetes.
A descontinuidade do
cuidado
_____
A dificuldade de ser
atendido quando não se
está bem
- Atendimento “mais pronto” das intercorrências;
- adequado acesso às informações sobre os recursos
assistenciais disponíveis.
Tempo longo de
permanência no serviço
- Agendamento de coleta de exames por horário;
- coleta de exames em dia e horário específico para os
diabéticos.
Dificuldade em aceitar o
diagnóstico do diabetes
- Atividade de grupo para os pacientes recém
diagnosticados.
Desarticulação entre
coleta de exames e
agendamento de
consultas médicas de
retorno
- Adequado aprazamento da coleta de exames e
consulta de retorno.
Os sujeitos foram identificados por letras, de modo a preservar suas
identidades, agregados de informação quanto ao sexo do sujeito (M para masculino
e F para feminino) e grupo focal (GF) do qual participou.
4.2.1 O intervalo longo entre as consultas
Intervalos mais breves entre as consultas
A discussão sobre o intervalo longo entre as consultas ocupou grande parte
da discussão. Muitos participantes mencionaram intervalos entre as consultas
Resultados
57
médicas superiores a cinco meses, reconhecendo ser mais adequado intervalos
menores, de dois ou três meses.
“A minha consulta foi em maio, e o médico marcou o retorno só
em dezembro. Eu acho muito tempo. Eu até vim aqui pra tentar
uma consulta, mas não consegui. Me orientaram a voltar no dia
seguinte. Mas eu não voltei. Tomei um chazinho. Tem hora que
o chá resolve, tem hora que não. E (F, GF5)
“Eu finalizei o grupo de DM em novembro de 2008 e depois foi
agendado consulta em julho de 2009. Intervalo de 8 meses é
muito longo. Acho que o intervalo deveria ser de 3 meses”.A
(M, GF 4)
“Eu gostaria de vir a cada 2 meses. Meu intervalo tem sido de
5 meses.” G (F, GF4)
Agendamento contínuo de um ano para o outro
Um participante destacou que ao não agendar consultas de um ano para o
outro e solicitar-lhes o comparecimento no início do ano, para um novo
agendamento, o serviço faz com que o intervalo entre as consultas médicas fique
superior àquele desejável. Deste modo, sugeriram que não houvesse tal
descontinuidade e que não tivessem que retornar para o agendamento de uma nova
consulta, pois nesta condição “concorrem” com todos os que estão buscando
agendar suas consultas no início do ano.
“Eu sugiro não interromper o agendamento para o ano
seguinte, isto sempre acontece e é muito complicado”. D (M,
GF 4)
“Eu tive consulta em junho, o médico pediu exames para 6
meses e não foi agendado retorno, pediram para que eu
voltasse em 2010. F (M, GF 4)
Resultados
58
Ampliação do acesso ao controle do diabetes
Alguns diabéticos apontaram que o intervalo longo entre as consultas pode
ser menos inconveniente se puderem ter mais acesso aos instrumentos de controle
do diabetes, dentre os quais destacaram o controle da glicemia, especialmente a
glicemia capilar. Ao discutirem esta questão reconheceram que o acesso ao HGT
(glicemia capilar) é restrito. Assim, sugeriram que o seja um procedimento que
requeira prescrição médica, mas que possa também ser solicitado por outros
profissionais ou que os pacientes tenham autonomia para solicitar tal procedimento
sempre que julgarem necessário saber sua condição de controle. Como, a propósito,
é feito no apoio aos portadores de hipertensão arterial, mediante períodos no qual
sem prévio agendamento é possível aferir sua pressão arterial:
“É possível realizar o HGT entre os intervalos de consulta?” A
(M, GF 4)
“Eu nunca consegui realizar o HGT”! E (F,GF 4)
“Sem a receita (HGT) não se faz”. G (F, GF 4)
“Como existe um dia para a realização da PA (pressão arterial),
sugiro ter um dia para se fazer o HGT, com algum
encaminhamento, caso o exame esteja alterado”. A (M, GF4)
4.2.2 A dificuldade de comunicação profissional paciente
O paciente deve ser menos passivo com o médico
Alguns participantes reconheceram que quando o relacionamento ou a
comunicação com o médico não está boa vêem como necessário discutir com o
mesmo a respeito ou então mudar de profissional.
Sabe o que é, eu conheço esse médico ele é meio quieto
mesmo. Eu vim aqui com uma queixa, e ele não me falava
Resultados
59
nada. Daí eu perguntei, se não, sabe como a gente é, a
cabeça vai a mil por hora. A ( F, GF5)
“Eu nunca tive problema, mas se (...) tiver eu discuto com o
médico”. F (M, GF 4)
“Eu tive um problema com a prescrição do cardiologista,
precisei mudar a receita e tive um desentendimento com o
médico daqui por causa disso. D eu pedi para mudar de
médico. D (M, GF 4)
O que estas narrativas sugerem é um reconhecimento de que os diabéticos
devem ser menos passivos diante do médico, ou seja, devem assumir uma postura
mais ativa para resolver suas dificuldades na assistência recebida.
A instituição deve “trabalhar” com os dicos para melhorar o
atendimento
Após longa discussão a respeito da dificuldade vivida por um dos
participantes em um encontro com seu médico, um dos diabéticos reconhecendo ser
aquele um espaço no qual seriam aceitas propostas para melhor se enfrentar este
problema, propôs que a instituição organizasse reuniões com os médicos para lidar
com tal questão, exposto como segue:
“Sobre o mau atendimento dos médicos, poderia se fazer uma
reunião com eles, como essa daqui, para que eles exponham
os problemas deles também” D (F, GF 5)
No entanto, tal idéia não foi aceita por todos os participantes, pois um dos
deles acredita que este problema não seja comum a todos os médicos. Outro
sujeito, por sua vez, intercedeu observando que tal dificuldade do profissional possa
ter decorrido de algum problema pessoal:
Eu não concordo com essa idéia da reunião, porque o
problema é com ele. Pra falar a verdade parece que esse
médico com uma tapadeira no rosto, uma máscara (faz o
Resultados
60
gesto, demonstrando). Ele vê você na frente, mas nem olha pra
você. Por isso eu acho que a reunião tem que ser com ele.
Sem falar no tempo da consulta, foram 5 minutos, parece que
com pressa, sei lá! Parece que ele aqui forçado. a
gente que fala. B (M, GF 5)
“Mas ele [o médico] pode ter o problema dele também? D (F,
GF 5)
A relação estabelecida entre o mau atendimento em decorrência de
dificuldades pessoais do médico foi questionada, a seguir, no desenrolar do debate.
Como argumento usou de exemplo o atendimento recebido num estabelecimento
comercial, quando o cliente tem outras opções caso o mesmo não lhe agrade, opção
esta não ser possível quando se trata do “consumo” à saúde, em sua visão:
Mas vem descontar na gente? No comércio hoje, eu tenho
problema e vou descontar no freguês, não pode! No comércio
se não tratar bem, o freguês não volta mais. Bom... mais
vender peixe, por exemplo, é diferente de atender gente, não
é? Eu o tô com vontade de voltar mais, eu chateado.
Agora aqui eu não tenho outra opção. Bom, mais eu quero
mesmo que ele melhore. Eu até queria falar com ele sobre
esse assunto, mas acho que pra ter resultado ter que ser
alguma “autoridade” pra falar com ele.” B (M, GF 5)
O médico deve cuidar de outros problemas além do diabetes.
Foi também reconhecido pelos participantes que quando o relacionamento
com o médico não está bom, o paciente não tem “espaço” para discutir outros
problemas, o que faz com que se procurem médicos “diferentes” para problemas
“diferentes”.
“Os médicos não dão espaço para discutir outros problemas.
Temos que procurar médicos diferentes para cada problema.
B (F, GF 4)
Resultados
61
Assim, passa a ser uma descoberta para o paciente quando o médico “que
cuida do seu diabetes” também cuida de outros problemas de saúde, tornando-se
como diz o participante abaixo “uma espécie de clinico geral”.
“O que eu percebo, é que sempre eu consultei por causa do
diabetes, mas às vezes não é diabetes. Eu levantava com
dor, travado. Não tava certo. Eu tinha que levantar legal. Ele
(o médico) pediu um RX e de repente descobriu um bico de
papagaio. Então quer dizer, fugiu totalmente do diabetes, ele (o
médico) foi mais um clínico geral. Eu concluo então que o
médico não pode ver o diabetes. Tem que ser uma espécie
de clinico geral”. C (M, GF 5)
4.2.3 A dificuldade de ser atendido quando não se está bem
Atendimento mais pronto das intercorrências
Diante de um intervalo longo entre as consultas médicas e da dificuldade de
ser assistido quando não se está bem, diversos sujeitos, reconheceram ser
necessária, a instituição do que chamaram de plantão médico”, pois talvez expresse
bem a imagem de um dispositivo para o atendimento às queixas “urgentes”. Esta
opção pode ter sido influenciada pelo funcionamento em tempos recentes da figura
do “médico do dia”, ou seja, aquele profissional que em um determinado dia da
semana responde por todo o pronto-atendimento. Enfim, de uma maneira geral o
que se caracteriza nos discursos é a necessidade de certa racionalidade para
atender aqueles cujo problema não pode esperar uma consulta agendada, e teriam
suas queixas avaliadas adequadamente, dando prioridades às intercorrências mais
“graves”:
“Eu acho o intervalo muito longo, então, eu sugiro
atendimento de emergência para quem tem o diabetes.
Porque pra mim é difícil controlar a glicemia. C (M, GF 4)
“Eu sei que o posto não tem dinheiro para contratar médico,
mas eu acho que pro extra, não pro diabético, mas no geral
Resultados
62
deveria ter um plantão no posto de saúde pra esses casos”
B (M, GF5).
“Eu acho que se tiver um plantão com um clinico geral
resolve o problema. Esse médico poderia atender no geral, não
os diabéticos. Poderia até dar certa preferência para o
diabético, mas é claro se aparecesse uma “urgência maior”
poderia dar prioridade. Passariam na frente os casos mais
“graves”. Sei lá, às vezes o paciente precisa de um exame,
então esse médico poderia pegar o prontuário e pedir o exame.
Sei lá, assim o paciente não sofreria tanto”. B (M, GF5).
Acesso à informação sobre os recursos assistências disponíveis
Com muita proximidade com os problemas tratados em tópicos anteriores,
mas melhor caracterizado no campo problemático a dificuldade de ser atendido
quando não se está bem”, um dos participantes expressou seu desconhecimento
quanto a que serviços buscar diante de diferentes demandas por assistência. Assim,
reconhece ser necessário que os usuários tenham acesso a este tipo de informação,
especialmente a que diz respeito ao atendimento de consulta não agendada:
“Eu insisto na informação, o que falta é a informação. Às vezes
você vai à UNESP e falam que você tem que procurar o posto
perto de sua casa. Você procura o posto, e não consegue
atendimento. Então não sei. E se eu venho aqui, quem eu
procuro? Eu não sei. Eu nunca precisei vir em consulta extra,
mas parentes meus já precisaram, e foi difícil”. C(M, GF5)
4.2.4 O tempo longo de permanência no serviço
Reduzir o tempo de permanência do diabético no serviço
A proposta apresentada por um dos participantes embora se centrasse no
agendamento por horário para a coleta de exames para os diabéticos, a mesma
remete a necessidade de facilitar o acesso destes usuários a este serviço, mediante
Resultados
63
a redução do tempo de permanência do mesmo na unidade. Isto pode ser mais bem
entendido ao verificar-se que a unidade de coleta funciona diariamente no período
das 7:00 as 9:00 horas e o atendimento é feito mediante a retirada de senha, o que
organiza a fila pela ordem de chegada. Outros participantes referiram que o longo
tempo de espera para a coleta, faz com que muitos passem mal na sala de espera.
Deste modo, a proposta apresentada visa propor outra racionalidade de
organização do acesso a este serviço diferente da estabelecida e com um critério
que facilite o acesso aos portadores de diabetes reduzindo o tempo de espera. A
proposição é interessante por problematizar a racionalidade atualmente adotada de
ordem de chegada dos pacientes e introduzir a necessidade de repensar sua
organização reconhecendo que os pacientes têm necessidades e condições físicas
diversas.
“Sugiro agendamento por horário. Eu acho que os pacientes
com diabetes deveriam ter prioridade na coleta. Poderia ter
horários diferentes ou um ou dois dias para a coleta de
exames, só para os diabéticos.” I (F, GF4 )
4.2.5 A dificuldade de aceitar o diagnóstico do diabetes
Atividade de grupo para os pacientes recém diagnosticados.
O momento do diagnóstico do diabetes, segundo um dos sujeitos é muito
difícil ou, como diz, “parece que o mundo acabou”. Assim, sugere para lhe apoiarem
alguma atividade na qual possa se conversar a respeito, que mais se assemelha a
um grupo de vivência.
“Quem recebe o diagnóstico de diabetes, no começo é
difícil parece que o mundo acabou. Então seria
importante conversarmos sobre isto. Como isso que a
gente ta fazendo hoje”. D(F, GF 5)
Resultados
64
4.2.6 Desarticulação entre a coleta de exames e o agendamento de consultas
médicas de retorno
Adequado aprazamento da coleta de exames e consulta de retorno.
Outro novo campo problemático identificado foi a desarticulação entre a coleta
de exames e o agendamento de consultas médicas de retorno, o qual foi identificado
a partir da própria solução proposta para o mesmo. Muitas vezes, o paciente vem à
consulta e os exames não estão prontos ou a coleta foi muito antes da data
aprazada para consulta médica, como apontando por um dos sujeitos:
“Eu fiz os exames em julho e a consulta é em setembro.
Gostaria que o intervalo fosse menor entre a coleta e a
consulta, porque eu acho que daí quando a gente vem não
adianta nada. Porque o diabetes é igual a pressão alta, de
manhã pode estar boa, mas depois pode piorar”. F (F, GF 5)
“Eu tive problema, mas com o resultado do exame. Vim para
a consulta e ainda não estava pronto. Tive que fazer o exame
de novo. D(F, GF5)
4.3 Dos campos problemáticos à construção partilhada profissionais-usuários:
A visão dos profissionais de saúde
Os resultados apresentados, a seguir, foram obtidos por meio de grupo focal
com os profissionais da área de Saúde do Adulto. Este encontro foi orientado a partir
da análise das narrativas dos diabéticos, mediante o uso de diferentes técnicas de
coleta (entrevistas estruturadas e grupos focais). Contribuíram mais
destacadamente, a análise de grupos focais realizados com os diabéticos nos quais
se buscou reconhecer possibilidades de enfrentamento destes problemas.
O grupo focal com os profissionais teve como objetivo explorar as
possibilidades de construção coletiva de soluções aos problemas identificados,
orientado pelos resultados alcançados com diabéticos.
Para melhor compreensão do leitor optou-se por apresentar os campos
problemáticos junto com as soluções propostas para seu enfrentamento dadas pelos
Resultados
65
usuários diabéticos, em um quadro semelhante ao que foi utilizado na exposição aos
profissionais de saúde.
Em cada um destes tópicos dispuseram-se os discursos dos profissionais
reconhecidos como mais relevantes à discussão do tema.
Para a preservação da identidade dos participantes, seus nomes foram
trocados por letras do alfabeto, não coincidentes com as iniciais dos mesmos. As
referências aos médicos foram dispostas no masculino. Por haver apenas um
profissional enfermeiro, este será apresentado integrando a equipe de enfermagem
juntamente com os técnicos de enfermagem. Também foram incorporadas as
narrativas dos pesquisadores.
4.3.1 O intervalo longo entre as consultas
“Se o intervalo entre as consultas fosse mais perto conseguiria controlar mais o
diabetes [...] a gente que tem diabetes e pressão alta seria bom vir de três em três
meses, pra gente ter um acompanhamento melhor, né?”. (GF 1 FX)
Propostas dos usuários
Agendamento a cada dois ou três meses
Não haver bloqueio do agendamento no final do ano, pois prejudica quem precisa
de um acompanhamento regular
Maior acesso à realização do HGT, não só através de pedido médico
É curioso que os primeiros comentários dos profissionais após a exposição dos
objetivos da pesquisa, da metodologia, dos procedimentos éticos e, por fim, do
quadro acima, foram de questionamento de seus resultados
12
ou manifestações de
que aquele não era um problema que ocorresse com seus pacientes ou que não
12
Novamente esta pesquisadora explicou como foram coletados os dados e o valor que o mesmo
assumiu nesta pesquisa.
Resultados
66
ocorreria mais com a introdução da consulta de enfermagem, como expresso nos
discursos de médicos e equipe de enfermagem:
“Foi feito um levantamento nos prontuários de quanto é esse
intervalo? Não digo vocês, mas em outras pesquisas? É
comum a todos os médicos? Houve uma quantificação? O que
eu tendo achar é que os pacientes mais antigos tinham um
intervalo mais longo do que os mais novos. Foi feita esta
relação?” (médico A)
“Eu não posso falar nada, porque pela minha agenda não
passa de três meses”. (médico B)
“O que eu vejo é que para [os retornos...] mais longos, os
médicos pedem para o paciente vir em consultas de
enfermagem, mas não sei se isso é para 100 % dos casos.”
(enfermagem A)
“O que eu vejo é que hoje os pacientes são encaminhados
mais para as consultas de enfermagem... [os pacientes] estão
acreditando mais... [na consulta de enfermagem], mas tem
um enfermeiro para fazer.” (enfermagem B).
Todavia, ao longo da discussão os profissionais médicos presentes reconheceram
que o intervalo entre as consultas médicas eram longos.
“É, o meu retorno deve estar pra 6 meses” (médico A)
Dentre as proposições dos diabéticos para o enfrentamento deste campo
problemático, conforme quadro anterior, a que gerou mais discussão foi o “maior
acesso à realização do HGT...” O debate entre os profissionais, a este respeito, foi
bastante rico ao buscarem compreender o sentido que tal “demanda” assumiria para
os pacientes.
Resultados
67
“[o paciente...] querendo ficar tranqüilo sobre o seu
problema. Talvez não precise do HGT, mas de um contato com
o serviço de outra maneira. É isso que me vem.” (médico C)
“O paciente quer se sentir cuidado de alguma maneira. E o
HGT pode ser para ele algo mais concreto.” (médico D)
Para alguns profissionais esta proposta causou estranheza e não reconhecem
que o paciente deva ter tal autonomia de decisão sobre a aferição da glicemia,
condicionando-a à consulta médica ou à atividade em grupo ou consulta de
enfermagem:
“Hoje a maioria dos diabéticos tem o aparelho, por isso não
estou entendendo essa necessidade [de se fazer o HGT].
(enfermagem. B)
[...] agora sobre o HGT, eles pedem muito e às vezes não tem
necessidade. Por isso fico preocupado com a proposta
apontada por eles. Pode até ter um maior acesso, mas tem que
ter uma recomendação bem certa, pra não se perder o
controle. „Faça o HGT, mas em 3 semanas venha com o
médico para checar isso aí‟.” (médico E)
“Então nós podíamos ver o que eles estão precisando porque,
às vezes, a gente facilita também. Ele quer o HGT e a gente dá
o HGT. Sei lá, então vou marcar um grupo [...]?” (enfermagem
A)
“Eu acho que deveria juntar o acesso ao HGT, a consulta de
enfermagem. Assim, implantar de verdade a consulta de
enfermagem. E o HGT seria parte dela. Como tem também
esse problema com as consultas, poderíamos pensar numa
consulta de enfermagem coletiva? (nutricionista)
Resultados
68
Frente a tais observações um dos pesquisadores deste estudo interviu, bem
como outro profissional:
“Eu acho que para o cuidado do diabetes: o HGT é uma
conquista! É uma ferramenta útil para seu autocuidado, mas o
acesso a ele está restrito, sim!” (pesquisador 2)
Eu acho que deveria ser assim: na oportunidade de não estar
bem, o paciente deveria ter a possibilidade de vir fazer um
HGT, não, é? (médico C)
A outra proposta apresentada pelos usuários discutida pelos profissionais foi
a de “não haver bloqueio do agendamento no final do ano, pois prejudica quem
precisa de um acompanhamento regular”. O não bloqueio do agendamento no final
do ano foi apontada pelos profissionais como uma experiência piloto que tinha se
iniciado no final de 2009. No entanto, alguns participantes questionaram a
implantação desta prática por acharem que não terão como assegurar retornos
regulares aos pacientes, pois há o risco das vagas para consulta médica esgotarem-
se já nos primeiros meses do ano.
“Nesse final de ano tivemos a experiência de não bloquear a
agenda do doutor X. Foi muito bom, não deu problema.
Estamos também, olhando os faltosos, dependendo do caso. O
que ajudou também é que a médica tem um controle da
agenda, ela pede os retornos.” (enfermagem B)
“Eu tenho dúvida sobre esse agendamento, eu acho que a
agenda do doutor X, funcionou, pois é um número mais
reduzido de pacientes, é um numero mais controlado. Agora se
um paciente chega para marcar uma consulta para o clinico
geral ele não consegue marcar em dois/três meses. Então eu
não sei se não funcionou pelo número reduzido de pacientes
que participam desse ambulatório.”. (enfermagem C)
“Ah, eu tenho esse medo...! que se não parar em dezembro,
lota cedo!.(médico A)
Resultados
69
Outra preocupação exposta a respeito da continuidade do agendamento diz
respeito a perda da regularidade dos retornos. Isto porque, quando o agendamento
é feito no ano seguinte não se dispõe de informação a respeito do intervalo
solicitado pelo médico, podendo-se, assim, agendar em período menor ou maior que
o proposto:
“Eu atendi uma paciente hoje, que eu tinha pedido um retorno
para março, mas que eu acabei atendendo hoje (janeiro). Ela
veio em dezembro e agendou para hoje. Então também se
agenda consultas que não tem tanta urgência e outras vão
ficando. Acho que se tivesse agendado quando ela veio no
retorno não teria esse problema, pois ela estaria com o
prontuário.” (médico D)
“Eu me lembro de um caso que o paciente perdeu a consulta,
daí veio no final do ano, a agenda estava bloqueada, e ela
ficou quase um ano sem se consultar. Isso também pode estar
por trás desse pedido de HGT.” (pesquisador 2)
A ampliação do atendimento em grupo foi sugerida, por outro profissional,
como uma estratégia para aumentar o acesso dos pacientes ao serviço e a oferta de
outras práticas de atenção, de modo a que a consulta médica não seja o único
recurso disponível, dado seus limites para lidar com diferentes problemas dos
pacientes:
“Eu fiquei pensando, que essa fala dos pacientes me bate
assim: “a dificuldade de chegar ao serviço”. Eu trabalhei em
outro lugar, e a minha experiência é que quanto mais o
paciente participa do serviço, menos ele sente isso.
tínhamos o grupo de caminhadas, de homens, mulheres, etc.
Esses pacientes diabéticos, hipertensos, mais assíduos
em consultas, quando encaminhados para essas outras
formas de atendimento eles diminuem a ansiedade que a
princípio parece ser por consulta médica. Mas, depois vai
se tranquilizando, eles vão se sentindo próximos,
confiantes. E daí realmente eles vão precisar da consulta
Resultados
70
quando precisa da consulta. E claro que não é imediato, mas
com o tempo você vai conseguindo que os pacientes se sintam
confiantes no serviço. Então, eu acho que pode ser uma
estratégia para os pacientes com essa necessidade de maior
freqüência. E aqui nós temos começado com essas outras
opções, temos vários tipos de grupos. [...] Eu acho também
que muitos pacientes vem muito em consultas, por suas
comorbidades. Ele tem diabetes, hipertensão,dor na coluna. E
às vezes a dor da coluna, por exemplo, não vai ser resolvida
em consulta médica. Você não tem o que fazer. Às vezes eles
vem nem tanto pela descompensação do diabetes, mas por
esses outros problemas. E daí eu vejo que mesmo que o
intervalo fosse próximo não resolveria o problema deles.
Precisaria de outros atendimentos, com outros profissionais,
um grupo de atividade física, por exemplo.” (médico C)
A reprodução da consulta médica em grupo foi relata como algo a ser temido.
Assim, algumas estratégias são adotadas para os pacientes não “confundirem”
grupos com consultas médicas.
“É, mais [os pacientes] não obtinham [...] nessas atividades as
mesmas coisas que eles tinham na consulta. É grupo, então
[não se] prescreve, [nem se pede] exames. Eu acho que é um
processo educativo. [...] nos tivemos uma paciente que queria
que [...] pedisse um exame, foi difícil para ela entender que não
era ali, não era a minha atribuição naquele momento. Mas é
um trabalho que vai se dando aos poucos. Na verdade ela não
foi no grupo pelo grupo, mas para pedir o exame. Por isso a
importância [...] do médico ter essa percepção que ali o
papel dele é diferente. (médico C)
Resultados
71
4.3.2 A descontinuidade do cuidado
“Cinco médicos [...] isso é ruim, eles não sabem os problemas da gente. No final do
ano meu marido faleceu, o médico até marcou consultas mais próximas, eu tava
depressiva, mas o outro que ficou no lugar não sabia disso”. (GF 2 FR)
Propostas dos usuários
Não houve
Inicialmente os participantes entenderam o problema da descontinuidade do
cuidado, somente pela questão das mudanças frequentes em relação ao corpo de
médicos da área de Saúde do Adulto.
“Isso não é nossa competência. Podemos propor aumento
de salário, porque daí a gente fica até morrer.” [risos] (médico
C)
Provocados, por esta pesquisadora, a pensar nesta problemática pelo ângulo
do cuidado, os relatos fomentaram uma discussão acerca dos problemas relativos
ao registro em prontuário, destacando-se sua escassez e qualidade:
“Sobre isso eu acho que deveríamos melhorar a anotação nos
prontuários. O que anotar, de que forma. Para que as
informações importantes sejam úteis para o colega. Não
também a qualidade da anotação, mas a visualização dela.
(médico C)
“Tem pacientes que passam [por determinado atendimento] e a
única anotação que aparece é: passou pelo [atendimento X].
Deveria ter uma anotação melhor também, dos outros
profissionais.” (enfermagem A)
Resultados
72
Tal discussão inicial sob outra perspectiva estimulou os participantes a
apresentarem propostas para aprimorar a qualidade do registro em prontuário:
“Podíamos ter alguns tópicos que utilizaríamos para a
abordagem dos pacientes. Porque às vezes também eles não
querem se abrir.” (médico E)
“E se na pós-consulta aquilo que nós ouvimos do paciente,
também pudéssemos anotar. Por exemplo, aquela paciente
que estava morrendo de medo de tomar a insulina. Ela me
explicou que a vida dela está horrível, ela tem que cuidar da
casa, dos netos e não é a insulina que vai resolver o problema
dela. Ela disse que se ela morrer vai ser melhor. Eu não
consegui convencê-la a tomar a insulina, mas a gente agora
sabe qual é problema dela.” (enfermagem B)
O excesso de informação em alguns prontuários e a dificuldade do médico
para um rápido acesso ao que é mais relevante foi também objeto de preocupação e
de algumas sugestões:
“Às vezes fica difícil pro médico ver o prontuário inteiro do
paciente, de 4 anos atrás, por exemplo [...] ”(enfermagem C)
“É, e aqui tem vários prontuários que tem volume 1 e 2, então
poderíamos implantar isso. De repente utilizar uma folha de cor
diferente.” (enfermagem B)
“Eu tenho uma experiência importante. Eu ia num medico
hematologista, e aquilo que eu falava para ele na consulta, os
resultados de exames, ele colocava numa folha a parte. Dentro
do prontuário ele fazia anotações mais completas. Mais nessa
folha ele chamava atenção para alguns tópicos.(enfermagem
C)
“Sugiro também que toda a primeira consulta tenha uma folha a
parte, de cor diferente. Bom, mas também pode ser que
Resultados
73
ninguém leia. Podíamos então fazer um estudo de quais
informações são essenciais e por naquela folha a parte”.
(médico C)
Outro profissional lembrou que por se tratar de um Centro de Saúde Escola
seria necessário dar ciência ao paciente a este respeito e da eventual participação
do aluno em seu atendimento, pois esta característica institucional também pode
explicar o problema da “descontinuidade do cuidado”.
“Como temos muitos alunos aqui, deveríamos informar o
paciente a todo momento que é um centro de saúde escola.
Antes tínhamos um “mosquitinho” que colocávamos no cartão,
informando isto ao paciente.” (enfermagem C)
4.3.3 A dificuldade de comunicação profissional paciente
“A senhora quer amputar a perna? Precisa se cuidar”. (EE)
Propostas dos usuários
Reuniões com os profissionais
Este tema foi pouco discutido entre os participantes. Um dos aspectos
levantados tratou da dificuldade que os pacientes encontram para reportar ao
médico suas dificuldades para cumprir o que lhe foi prescrito por receio quanto a
possível resposta do médico a respeito:
“Às vezes com a prescrição você acha que o paciente
fazendo tudo certinho e não tá. Ele não diz pro médico, porque
tem medo da reação do médico.” (médico C)
Resultados
74
Alguns participantes reconheceram a proposta apresentada pelos pacientes
para que a instituição realizasse “reuniões com os profissionais” como relevante e
um dos profissionais apontou algumas possibilidades de operacionalização mediante
técnicas de entrevista:
“Ah, essa idéia de reuniões é ótima. Eu acho que reunião com
os profissionais, com o tema relacionamento profissional-
paciente, seria uma boa.” (enfermagem B)
“Uma capacitação também de como fazer determinadas
perguntas para o paciente. Por que existem técnicas para isso.
Para conversar, por exemplo, com pacientes que são mais
tímidos. Palavras chaves, perguntas mais certeira, sei lá, deve
ter isso. Às vezes a gente propõe coisas para o paciente e não
pergunta: mas o senhor acha que isso é possível? Eu tenho
feito isso: o senhor acha que isso é possível?” (médico E)
4.3.4 A dificuldade de ser atendido quando não se está bem
“Eu também não fui bem atendida, eu fui falar com o médico porque eu não tava
bem e ele me respondeu que não era dia de me atender, daí eu fui procurar na
farmácia. Depois pedi pra trocar dele, então marcaram uma consulta de enfermagem
e uma consulta (com o outro médico) pro final do ano, se eu tivesse que morrer eu já
teria morrido”. (GF 3 FK)
Propostas dos usuários
Informações sobre o acesso às consultas extras.
“Plantão” médico para atendimento dos “extras”.
Os participantes ficaram surpresos com a dificuldade apontada e duvidaram
de falta de conhecimento dos pacientes sobre a possibilidade de obter consulta não
Resultados
75
agendada ou “extra” quando têm alguma intercorrência, com expressa uma
profissional de enfermagem:
“Eu acho que os pacientes tão muito bem informados sobre o
extra. Eles vêm mesmo. E não saem sem resposta. A gente
se conscientizou que o tem jeito mesmo, que isso (o “extra”)
faz parte do serviço e não tem jeito” (enfermagem B)
Para outros membros da equipe casos de consultas “extras” que são
difíceis de serem atendidos, sobretudo quando se trata de pacientes que não tem
um acompanhamento regular no serviço.
“O extra que causa mal estar é aquele novo no serviço ou
aquele que vem em consulta extra. O que está em
acompanhamento é tranqüilo resolver o problema dele”.
(enfermagem A)
“Às vezes o paciente abriu o prontuário e quer passar por
uma consulta para levar a declaração para a perícia.”
(enfermagem A)
Outra dificuldade apontada quanto ao atendimento de pacientes que buscam
consulta médica “extra” é a ausência de uma queixa aguda que a justifique.
“Hoje veio um paciente que tinha passado por consulta médica
no inicio da semana, e hoje ele queria um encaminhamento. O
problema dele é tão importante, que se esqueceu de falar na
consulta médica. Mas isso é frequente. E chegam os
descompensados e a gente fica lutando pra ver o que fazer.
Bom, mas os pacientes que tem alguma problemática -
hipertensão ou diabetes - sempre saem com alguma resposta,
às vezes uma antecipação de consulta, ou uma conversa com
o médico.” (enfermagem A)
“Essa semana uma paciente falou que o problema era a
pressão que tava subindo. Eu verifiquei e estava normal. Então
Resultados
76
comecei a orientar que o extra é para fornecer a vaga para
uma queixa aguda. Daí ela me falou que o problema era uma
dor que ela estava sentindo na veia da perna. Eu ia passar o
caso para a enfermeira, mas ela não queria ser atendida pela
enfermeira.” (enfermagem C)
Algumas estratégias são utilizadas pelos pacientes para lidar em seu
cotidiano de uso do serviço com esta dificuldade de acesso e os profissionais a
percebem diferentemente:
“Ele (o paciente) também aproveita o gancho pra ver se
consegue uma consulta de rotina. Vem com uma lombalgia e
quer um monte de coisas, exames.” (médico E)
“Isso é bem frequente, eles tem estratégias para conseguir a
consulta. O que eles falam pra gente é bem diferente do que
eles falam pro médico.” (enfermagem C)
“Ah, eu vejo caso a caso, às vezes atendendo um extra que
faz muitos anos que não vem e daí eu peço também exames
de rotina.” (médico A)
É, essa semana aconteceu isso, lá no final apareceu uma
agendada, daí eu pensei: não, ela é agendada, então merece
toda a atenção.” (médico E)
Em diversos comentários a criação de um grupo de recepção na Saúde do
Adulto tem ajudado bastante na avaliação dos atendimentos, como um espaço de
acolhimento à demanda para os casos novos e para os pacientes que tem uma
queixa fora da data do agendamento. Também se discutiu que quando uma
abordagem em grupo queixas tida como superficiais podem revelar problemas mais
complexos de saúde.
“Uma coisa que facilitou é que tem o grupo de recepção, então
vai pro grupo. Ouvir a queixa na [nova recepção de adulto]
também ajudou, melhorou a escuta.” (enfermagem B)
Resultados
77
“(...) a dona [...] precisava muito do grupo, ela com o marido
doente, uma filha deprimida, tem um tumor no e
consegue dormir 2 horas por noite. E ela veio no extra porque
estava com uma coceirinha no rosto. A queixa era a coisa mais
superficial possível. Teve uma paciente que entrou no grupo e
não falou. No final ela quis conversar comigo e daí ela falou do
problema do alcoolismo.” (médico C)
Alguns sujeitos sugeriram até mesmo uma seqüência de “retornos” em grupo
para pacientes que procuram a consulta “extra” como mais um recurso assistencial e
maior aproveitamento do espaço grupal, com encaminhamentos a partir da
marcação de consultas, o que produziu uma pequena discussão e o reconhecimento
do grupo como um espaço possível para a atenção.
“Também tem aquelas pacientes que tem muita somatização
que não é a consulta médica que vai resolver. Sei acho que
essas poderiam ir umas 6 vezes no grupo antes da consulta
médica, até cair a ficha delas. Por que não adianta elas ficarem
voltando em consulta médica, não vai resolver o problema
delas.” (médico C)
“Se marca uma consulta e daí o paciente reclama que a
consulta longe, ao invés de falar do extra. Porque daí a
gente fala: se não estiver bem, pode vir antes da sua consulta.
Deveríamos então falar do grupo.” (enfermagem C)
“Eu notei que a palavra convite não muito certo. Por que
convite parece que é para uma festa. Então tem que ser uma
recomendação, faz parte do atendimento dele vir no grupo. Eu
fiz muito convite e não deu certo. quando a gente agenda é
que eles vêm.” (médico C)
Percebemos, no entanto, que para muitos profissionais não está claro o
objetivo do grupo de recepção, pois diversos questionamentos foram feitos, a
mesmo, sobre prejuízos ao se encaminhar erroneamente. O que de certa forma
Resultados
78
estimulou os participantes a pensarem: quais os sujeitos que mais se beneficiariam
deste tipo de assistência?
“Você acha que estamos encaminhando bem para o grupo a
partir do extra”? (enfermagem C)
“Mas se chegar pro grupo e for uma coisa que não tem nada a
ver?” (médico A)
“E que eu acho que o grupo não é pra todo mundo, poderia ser
para aqueles que vêm muito em extra, por exemplo.” (médico
C)
Diversos relatos enfatizaram que a presença de um recepcionista na Área de
Saúde do Adulto também tem ajudado no atendimento à demanda espontânea,
sobretudo, para a organização interna do serviço, ao diminuir embates com a equipe
de enfermagem ou médica. Desta forma, muitos foram os discursos que ressaltaram
a figura do recepcionista como uma forma de “barreira” entre os pacientes e
profissionais, provocando assim situações de stress entre este recepcionista e a
população atendida.
“Bom, mas diminuiu bastante o stress para a enfermagem.”
(enfermagem A)
“A figura do recepcionista também ajudou porque antes eles
entravam e ficavam na porta do médico.” (enfermagem A)
“Ele é um profissional que merece atenção (o recepcionista).
Eu vejo que tem paciente que briga muito com ele. Eles falam,
mas eu vendo o médico aqui, como ele não atendendo?”
(médico A)
“Agora nas férias dele, (a recepcionista que estava no seu
lugar) recebeu uma ameaça por telefone, que se não
conseguisse a consulta ela pegaria ela pela orelha.”
(enfermagem C)
Resultados
79
Em meio a brincadeiras, os profissionais relataram que a solução possível
para diminuir esta tensão seria a de colocar uma proteção de “blindex” (vidro
temperado) com o intuito de proteger a recepção dos pacientes.
“Ah, é sim...e ele está muito exposto ali.” (enfermagem B)
Podíamos fazer um box pra ele (risos).” (médico C)
“Acho que tem que por um blindex ali (risos).” (médico C)
Quando indagados sobre a proposta dos pacientes em relação ao “plantão
médico” para atendimento dos extras, os participantes contestaram a idéia,
sobretudo por experiência passada mal sucedida. Na opinião dos participantes
ainda a questão de que a figura do médico plantonista interfere no acompanhamento
dos pacientes, já que, estes preferirão vir em consultas não agendadas.
“Sobre essa proposta do médico do dia, nós tivemos e não
deu certo. Eles com o tempo queriam vir de extra.”
(enfermagem B)
“É se você abre o acesso pro extra ele não vem nas
agendadas, isso é óbvio. Até nós faríamos isso. Daí você não
faz um bom trabalho. E eles não têm idéia de um
acompanhamento.” (médico C)
“E também você tira um dia do médico para ele participar do
extra, e daí você lota a agenda dele mais rápido. Ah, essa é
uma experiência que eu não gostei.” (enfermagem B)
Resultados
80
4.3.5 O tempo longo de permanência no serviço
Propostas dos usuários
Estipular um dia para a coleta de exames ou horários diferentes para os
diabéticos
Agendamento de consulta por horário para diminuir o tempo na sala de espera
A proposta de estipular um dia para a coleta de exames dos diabéticos não foi
aceita pelos participantes, pois também outros grupos com necessidades
especiais.
“(...) Não dá pra priorizar só para os diabéticos, porque tem os
idosos também.” (enfermagem A)
No entanto, a idéia de agendamento por horário foi debatida como algo a ser
experimentado, embora haja, na visão dos profissionais algumas dificuldades
operacionais para que tal prática possa ser implementada.
“Podíamos tentar o agendamento por horário, mas é difícil, não
é como na consulta. A coleta tem que ser mais ágil.”
(enfermagem A)
“E alguns exames tem que ser agendado logo às 07h00min,
cultura de urina, por exemplo, GTT.” (enfermagem C)
No quadro 6, a seguir, apresentamos uma síntese dos campos
problemáticos, propostas de “solução” feitas por pacientes e dos profissionais e
aquilo que consideramos como “zonas de tensão” identificadas nas opiniões de
ambos.
Resultados
81
Quadro 6 Os campos problemáticos, as “soluções” propostas pelos diabéticos e
profissionais e as “zonas de tensão”.
Os campos
problemáticos
Propostas de soluções
pacientes
Propostas de soluções
profissionais
O intervalo longo
entre as consultas
- Intervalos mais breves entre
as consultas;
-Agendamento contínuo de um
ano para outro;
- Ampliação do acesso ao
controle do diabetes mellitus.
- Ampliar atendimento em grupo
- Implantar consulta de enfermagem
“coletiva”
- Zona de tensão: Receio em perder
o “controle” sobre o agendamento;
- Zona de tensão: Receio em perder
o “controle” sobre os pedidos dos
exames;
- Ampliar o acesso ao controle do
diabetes em todos os possíveis
espaços da assistência.
A dificuldade de
comunicação
profissional-
paciente
- O paciente deve ser menos
passivo com o médico;
- A instituição deve trabalhar
com os médicos para melhorar
o atendimento;
- O médico deve cuidar de
outros problemas além do
diabetes.
- Capacitação sobre relacionamento
profissional- paciente e em técnicas
de entrevista.
A descontinuidade
do cuidado
_____
- Melhorar anotação nos prontuários
- Elaborar tópicos para facilitar
abordagem com o paciente
- Elaborar impresso para caso novo
e resumo de atendimento, com
anotações consideradas essenciais.
Este último impresso deverá ser
colocado no início do prontuário.
- Anotar as informações obtidas dos
pacientes na pós-consulta.
A dificuldade de ser
atendido quando
não se está bem
- Atendimento “mais pronto”
das intercorrências;
- Adequado acesso às
informações sobre os recursos
assistenciais disponíveis.
- Aumentar o acesso aos grupos.
- Criar “retornos” em grupo.
- Zona de tensão: Não
dificuldade para o acesso.
Tempo longo de
permanência no
serviço
- Agendamento de coleta de
exames por horário;
- Coleta de exames em dia e
horário específico para os
diabéticos.
- Promover tentativa de
agendamento dos exames por
horário.
-Zona de tensão: Impedimentos
técnicos
-Zona de tensão: Existência no
serviço de mais grupos prioritários,
por exemplo: os idosos.
Dificuldade em
aceitar o diagnóstico
do diabetes
- Atividade de grupo para os
pacientes recém
diagnosticados.
Problemas não discutidos, pois
foram inseridos posteriormente,
após última análise.
Desarticulação entre
coleta de exames e
agendamento de
consultas médicas
de retorno
- Adequado aprazamento da
coleta de exames e consulta
de retorno.
Discussão
Discussão
83
5 DISCUSSÃO
“Cuidar é entrar em sintonia com, auscultar-lhes o
ritmo e afinar-se com ele”.
(Leonardo Boff,1999)
Embora, o objetivo deste estudo não tenha sido o de “mergulharmos
novamente nos campos problemáticos presentes na organização do serviço,
devemos reconhecer que o desenho proposto com o objetivo de uma co-produção
de soluções para os mesmos, permitiu-nos um aprofundamento no conhecimento
destes problemas e também a identificação de novos campos problemáticos que
perturbam” o autocuidado de diabéticos.
Foi possível por meio dos resultados confirmar a presença dos campos
problemáticos: intervalo longo entre as consultas, a descontinuidade do cuidado e a
dificuldade de comunicação entre profissional- paciente. Bem como, a identificação
de novos campos problemáticos: a dificuldade de ser atendido quando não se está
bem, o longo tempo de permanência do diabético no serviço, a dificuldade de
aceitação pelo paciente do diagnóstico do diabetes e a desarticulação entre coleta de
exames e agendamento de consultas médicas de retorno.
Alguns desses problemas estiveram presentes em outros estudos. Num
estudo realizado por Schoenberg e Drungle (2001): a falta de continuidade do
cuidado, a baixa qualidade de atenção, a dificuldade de agendar consultas e
intervalos longos entre as consultas médicas foram apontados como problemas,
dificultando o acesso à uma assistência de qualidade.
Para Martins (2006), a forma de organização do trabalho e o horário de
funcionamento das unidades de atenção primária à saúde foram identificados como
obstáculos organizacionais por dificultarem o acesso das pessoas ao serviço. A
baixa vinculação entre usuários e profissionais de saúde também foi abordada por
este autor, expressa numa incipiente utilização das unidades de referência como
fonte regular de atenção ao longo do tempo e, sobretudo em relação à capacidade
de usuários e profissionais de saúde de se identificarem pelo nome.
Discussão
84
Porém, a julgar pela intensidade com que esses campos problemáticos foram
discutidos e pelas proposições feitas por usuários e profissionais, não podemos
deixar de discutir que questões trazidas sobre a estrutura organizacional (ou
desestrutura) que se estabeleceram para o atendimento dos pacientes diabéticos no
serviço nos remeteram ao universo do Cuidado à Saúde.
Trata-se aqui do Cuidado à Saúde denominado por Ayres (2004, p.74), como
um:
constructo filosófico, uma categoria com a qual se quer
designar simultaneamente, uma compreensão filosófica e uma
atitude prática frente ao sentido que as ações de saúde
adquirem nas diversas situações em que se reclama uma ação
terapêutica, isto é, uma interação entre dois ou mais sujeitos
visando o alívio de um sofrimento ou o alcance de um bem-
estar, sempre mediada por saberes especificamente voltados
para essa finalidade.”
É evidente que técnicas corretas utilizadas para os diversos tratamentos de
saúde são importantes para o êxito do mesmo, mas este trabalho levou-nos à
discussão das relações que se estabelecem nos serviços de saúde, principalmente
àquelas entre médico paciente.
Por isso, acreditamos que a definição acima, sobre cuidado à saúde, é
pertinente para se trabalhar os diversos achados deste estudo.
Chegamos a tal conclusão ao analisarmos que os campos problemáticos
identificados pelo estudo “conversam” o tempo todo entre si, formando uma rede
organizacional “enrijecida não geradora de satisfação às necessidades dos
usuários.
Assim, o intervalo entre as consultas, levou-nos duas constatações: a
primeira é que estes não fazem parte de um protocolo definido pela unidade para
atendimentos aos crônicos, pois, são muito espaçados (intervalos longos) e não
condizentes às necessidades individuais. Pareceu-nos que o que determina o
intervalo é a presença ou não de vagas nas agendas, mesmo quando uma
orientação médica para a sua redução ou espaçamento mais longo.
Discussão
85
A segunda constatação, é que os usuários que mais procuram por consultas
extras são aqueles que possuem, de certa forma, intervalos mais longos ou àqueles
que não se sentem “cuidados” pelos profissionais médicos. Ou porque acabam
tendo uma atitude mais ativa, ao discordar de alguma conduta médica ou porque
vêm dificuldades no diálogo com os médicos.
No trabalho em questão, embora a dificuldade de comunicação entre
profissional paciente tenha sido atribuída, por alguns usuários, devido a sua
própria característica pessoal, o que ao invés de nos tranqüilizar, nos preocupou,
sobretudo, pela possibilidade de tal posição expressar o poder ocupado pelo médico
na sociedade (Tesser, 2009). Diversos participantes, em seus depoimentos, trataram
de dificuldades cotidianas, como falta de atenção e carinho por parte dos médicos.
Pareceu-nos um tanto estranho, os pacientes se queixarem de “falta de
carinho” na relação com o seu médico (o estranhamento aqui, reforça como está
presente o modelo biomédico), que segundo Tesser (2009), ajudou a veicular uma
tradição de “arrogância e etnocentrismo” científicos presentes na prática dos
profissionais médicos. De modo a atribuir aos médicos o papel de curadores
legítimos, representantes da Ciência e portadores da verdade.
No entanto (Boff,1999 apud Ferri, 2007, p.517) define o cuidar como uma
“atitude de ocupação, preocupação, de responsabilização e de envolvimento afetivo
com o outro”. Desta maneira, a falta de carinho, argüida pelos participantes fez-se
considerar que nas práticas de saúde, o cuidado deveria sempre estar implícito no
atendimento as pessoas.
Ferri (2007, p. 517), diz que é por isso que temos que:
“incorporar nas práticas de cuidado “o acolhimento, as relações
de responsabilidade, a autonomia dos sujeitos envolvidos, o
social, o econômico, as políticas publicas, enfim, a
integralidade”, como finalidade no processo de trabalho em
saúde.
No entanto, a falta de atenção por parte dos profissionais, como citado pelos
usuários, desestimula o diálogo, fazendo com que deixem de colocar questões
importantes sobre o seu cuidado, o que de certa forma faz com que se estabeleçam
planos de cuidados irreais, distantes da realidade dos pacientes. O que reforça o
Discussão
86
poder médico, pois como relatado por Gazzinelli et al. (2005) a falta de participação
ativa do cliente na elaboração do seu plano terapêutico o deixa dependente do
profissional, estabelecendo o seguinte círculo vicioso: ouvir do médico, conservar o
que lhe é conveniente, para em seguida fazer como pode no seu cotidiano. Sem
saber (ou sabendo, mas sem “conseguir” dizer) o médico acredita que o cliente faz o
que lhe foi “determinado” e este para não confrontar com o profissional, omite as
dificuldades que enfrenta no seu dia- a - dia para o cumprimento do plano
terapêutico.
Quando há uma quebra neste círculo vicioso, quer seja por que houve
mudança de médico (também expresso neste trabalho) ou porque o paciente
“piorou”, os problemas tendem a vir à tona.
Por isso, que se considerar que boa parte dos comentários feitos pelos
usuários nos grupos focais apontaram à “dificuldade de ser atendido quando não se
está bem”. E, não é por acaso que os profissionais discutiram este campo
problemático como sendo aquele que traz um alto nível de estresse ao trabalho
diário.
Na visão dos profissionais o paciente que procura por uma consulta “extra” ou
é aquele que falta às consultas agendadas ou é o que se disfarça de extra” para ver
se consegue uma consulta de rotina, como ilustrado na frase a seguir: “Ele (o
paciente) também aproveita o gancho pra ver se consegue uma consulta de rotina.
Vem com uma lombalgia e já quer um monte de coisas, exames.”
No entanto, consideram que a maior dificuldade está nos pacientes que não
tem uma queixa aguda, ou seja, que estão com problemas de saúde há mais tempo.
Provavelmente isto decorre das queixas agudas serem de mais fácil
identificação e desta forma resolvidas. Ao passo que queixas crônicas exigem um
projeto terapêutico que inclui diversas dimensões, especialmente a educação para o
autocuidado, a qual deve ser partilhada com o paciente, o que pode demandar
tempo maior de consulta ou até mesmo retornos recorrentes.
Podemos também inquirir que as queixas agudas vão mais ao encontro do
reducionismo imposto pelo modelo biomédico, pois o individuo quando a traz, se
apresenta em forma de “pedaços”. Assim, como diz Barros (2002) fica mais fácil
“patologizá-las”.
Como demonstraram os dados, parece que quando o paciente procura o
serviço fora da data agendada uma quebra na ordem estabelecida, fazendo
Discussão
87
com que o acesso ao serviço se restrinja a aspectos organizacionais, como a falta
de pacientes agendados. Ou seja, será possível ouvir (de verdade) a queixa do
paciente que vem fora da data de sua consulta se o paciente que estava agendado
faltar. Discutiu-se também que é ruim o médico ser surpreendido com uma consulta
extra no meio de suas consultas, pois os agendados deverão ter prioridade no
atendimento. Porque, como disse um profissional: (...) no final apareceu uma
agendada, daí eu pensei: não, ela é agendada, então merece toda a atenção”. Isto
dificulta extremamente o acesso dos pacientes ao serviço, como expresso em falas
do tipo “o jeito é fazer a dieta certa para não precisar do (serviço)”. O que ainda,
a idéia de certa “culpabilização” por parte dos pacientes se por ventura procuram o
serviço fora da data agendada. Os mais “ativos” procuram outros recursos
terapêuticos, como por exemplo: farmácia ou tentativas de mudança de profissional.
Ou se utilizam de medidas mais caseiras, como por exemplo, tomar um chá para
baixar a pressão, mas como relatado por um paciente: “tem hora que o chá resolve,
tem hora que não”.
Para Campos (1992) é necessário ampliar a capacidade de escuta dos
profissionais, instrumentando-os em aspectos humanitários e em intervenções mais
integradoras. Isto por que, para este autor a Clínica deve se aproximar de disciplinas
oriundas da psicanálise, recuperando conteúdos e estratégias educacionais que
permitam contemplar o conhecimento de tecnologias relacionais.
No entanto, o que o trabalho mostrou é que há questões anteriores às
tecnologias relacionais, talvez uma “falta de intenção” em se produzir “Cuidados à
Saúde”.
Ayres (2004) reconhece que qualquer indivíduo ao adentrar num serviço de
saúde é portador de uma demanda de saúde, e assim potencial “objeto de
conhecimento e intervenção” (p.84).
Com isto queremos tratar da dificuldade de acesso ao serviço de saúde, ou
melhor, da dificuldade que os serviços têm para cumprir aquilo que se espera deles:
a produção de saúde.
Para aqueles que adentram ao serviço e são capturados como “objeto de
intervenção” a questão primordial que se apresentou está no campo das tecnologias
relacionais. Os pacientes não fizeram críticas aos aspectos técnicos em si, mas da
falta de diálogo entre profissionais e pacientes. Assim, o trabalho mostrou a seguinte
situação: pacientes clamando para uma relação mais afetiva e os profissionais, por
Discussão
88
outro lado, “pressionados por não conseguirem dar “ouvidos” as demandas dos
pacientes.
Se há um reconhecimento de que falta um contato mais próximo com o
profissional e se este percebe que demandas dos usuários não satisfeitas pelo
serviço, por que as coisas não mudam?
Talvez, uma pista para esta questão possa ser encontrada na proposta feita
pelos pacientes para o autocontrole mediante a aferição da glicemia capilar com
maior autonomia no acesso a este recurso. O que parecia simples produziu uma
arrastada discussão entre os profissionais de saúde sobre tal proposta.
Para os pacientes, um maior acesso ao HGT lhes mais segurança no
controle de seu diabetes, pois lhes permite perceber melhor a prática de
autocuidado que realizam. Todavia, esta maior autonomia do paciente não foi bem
aceita pelos profissionais, pois para estes só é possível o uso de tal procedimento se
vinculado às consultas médicas ou de enfermagem e/ou a procedimentos grupais
como modo de melhor controlar a demanda de pacientes. Isto ficou bem expresso
no comentário de um dos profissionais: pode até ter um maior acesso, mas tem que
ter uma recomendação bem certa, pra não se perder o controle”.
Como diz Ayres (2004, p.118) ninguém pode subtrair dos indivíduos o poder
de juízo sobre suas necessidades. Reconhecer tal assertiva, obviamente não anula
o diálogo entre profissional e paciente, mas o anima se reconhecermos que a
substância do trabalho em saúde está na “conversa” (Teixeira, 2003, p.95). A
forma desta conversa é claro que é importante, mas:
“Nosso pressuposto mais geral é de que as formas decorrem
das forças que trabalham a substância, que podem ser ou
provir dos próprios atores em presença no encontro e que
constroem, juntos, a conversa: trabalhadores e usuários”.
(Teixeira, 2003, p. 96).
Cabe, todavia, reconhecer que a unidade tem se valido de diversos
dispositivos para garantir um melhor encontro/conversa com os usuários.
Recentemente implantou-se grupo de recepção para os casos novos e pacientes
sem consulta agendada. Ao mesmo tempo houve uma intervenção que procurou
promover a ambiência desta área (Brasil, 2004), mediante um novo espaço de
Discussão
89
recepção aos pacientes, com a presença de recepcionista e readequação da planta
física de modo a assegurar a privacidade no acolhimento do paciente realizado pela
equipe de enfermagem.
Por fim, mas não menos importante, cabe apontar que o caminho
metodológico proposto e percorrido neste estudo mostrou-se adequado aos
objetivos propostos, sem a pretensão de reconhecê-lo como único.
Tal caminho permitiu dar voz aos usuários para que não só apresentassem as
dificuldades que experimentam no cotidiano de autocuidado ao diabetes,
aprofundando aqueles mais diretamente ligados aos problemas gerados pela
organização do serviço, como também permitir-lhes criar “soluções” para melhor
lidar com tais dificuldades. A possibilidade aberta para tal exercício de discussão
entre pares (os usuários), ainda que com a presença dos facilitadores do grupo focal
(profissionais e direção do CSE), os estimulou a apresentar outros problemas ainda
não expostos nos grupos focais da etapa 3. Neste sentido, avaliamos não ser
necessária a realização de grupos focais apenas para discussão dos campos
problemáticos. Isto porque, num mesmo espaço pode-se trabalhar os problemas e,
ao mesmo tempo, estimular e acolher a proposição de “sugestões” como legítimas
expressões de suas necessidades.
Outra etapa desenvolvida neste processo de formulação que consideramos
exitosa foi o grupo focal desenvolvido com os profissionais de saúde. Esta atividade
conseguiu a partir da discussão dos campos problemáticos e das “soluções”
propostas realizar uma aproximação ao modo como a assistência está organizada e
produz obstáculos para os usuários. Com isto foi possível explicitar modos de
pensar a assistência, debatê-la e formular possíveis estratégias de enfrentamento
para alguns dos problemas apresentados e outros que emergiram no debate.
Cabe ressaltar que os campos problemáticos e as propostas apresentadas
pelos pacientes a estes campos, foi o ponto de partida para a discussão com os
profissionais, gerando algumas vezes tensões inerentes a um processo avaliativo,
embora não fosse este o objetivo, assim foi visto. Todavia, a partir dos diferentes
olhares dos atores envolvidos foi possível produzir-se reflexão e reposicionamento
sobre a prática cotidiana, com a proposição de “soluções” bastante criativas e
viáveis de serem implantadas.
A reorganização de práticas nos serviços não é uma das tarefas mais fáceis.
E aqui, podemos lembrar as inúmeras vezes que, em reuniões de equipe, alguns
Discussão
90
desses problemas haviam sido discutidos, embora o resolvidos. A inovação
proposta por esta metodologia está exatamente na aproximação dos saberes
(pacientes profissionais), de modo que gerentes e gestores assumam papéis de
facilitadores do processo, sobretudo ao “aproximar” esses atores.
O desafio que se coloca é o da continuidade deste processo articulando-o ao
planejamento institucional, tomando esta iniciativa não como mais um instrumento
para a “caixa de ferramentas” do planejamento, mas, sobretudo, como uma
possibilidade concreta de construção de “saberes” em co-produção instituição-
usuário.
Assim, ao listar as diversas “soluções” para questões do cotidiano de nosso
serviço, como apresentado no capítulo “resultados”, o estudo permitiu experimentar
o poder dos coletivos - profissionais e usuários - na produção de saberes essenciais
à gestão cotidiana do serviço. Dentre tais saberes identificados destacamos dois
deles: aquele traduzido em soluções “concretas” e o que tem o potencial de
transformar-se em ação.
Um exemplo do primeiro conhecimento pode ser reconhecido na proposição
dos usuários para a criação de atividades grupais para os diabéticos que estão
vivendo o período do adoecer (com diagnóstico recente). O adoecer é tomado
como problema por aqueles que o vivem, pois mesmos os especialistas em diabetes
tem dificuldade de reconhecer este como um período delicado na vida do portador
Cyrino (2009).
Quanto ao conhecimento que tem o potencial de se transformar em ação,
escolhemos como exemplo algumas das indagações feitas pelos profissionais
acerca do seu próprio processo de trabalho, bem expresso no discurso que segue:
“Eu atendi uma paciente hoje, que eu tinha pedido um retorno
para março, mas que eu acabei atendendo hoje (janeiro). Ela
veio em dezembro e agendou para hoje. Então também se
agenda consultas que não tem tanta urgência e outras vão
ficando”.
Discussão
91
Embora não se tenha tratado de “soluções” percebe-se no discurso sua
potencia para tratar expor campos problemáticos e, assim, permitir sua abordagem
criativa pela equipe, como por exemplo, do intervalo longo entre as consultas
médicas, que limita a capacidade do paciente realizar seu autocuidado.
Enfim, profissionais de saúde e gestores devem atentar para o
reconhecimento das necessidades da população, para conformar nos serviços de
saúde uma rede produtora de cuidado”, “atualizada” pelos saberes da experiência
daqueles que buscam a atenção à saúde.
Considerações Finais
Considerações Finais
93
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente estudo ao revisitar aqueles campos problemáticos ao autocuidado
no diabetes produzidos pela própria organização dos serviços pode não
aprofundar o conhecimento a respeito dos conhecidos, como também reconhecer
novos problemas.
A frequência destes foi de certa forma resultado da dificuldade que se tem
nos serviços de saúde de se produzir “Cuidado”, embora este seja a razão da
existência destas instituições. Assim, nesta pesquisa podemos apreender como
alguns campos problemáticos são fruto da estrutura organizacional muitas vezes
rígida e orientada ainda pelo modelo biomédico.
Mas essas considerações o são um convite ao imobilismo, pois
conseguimos com este trabalho construir uma metodologia de conversação entre
usuários e profissionais.
Algumas das soluções encontradas, co-produzidas por usuários e
profissionais têm enorme potencial para serem implantadas e, como tal, expressa a
inteligência coletiva que esta pesquisa-ação promoveu e registrou.
No encontro, com os profissionais conseguiu-se corroborar muitas das
soluções sugeridas pelos pacientes e também se descobriu outras, além de produzir
questionamentos sobre o processo de trabalho, permitindo que os participantes se
sentissem à vontade para questionar suas práticas e também para problematizar
modos de pensar o processo saúde-doença-cuidado em suas ações cotidianas.
Aqui cabe citar a contribuição da pesquisa-ação, como aquela que
desempenha um papel ativo na própria realidade dos fatos observados. Assim, não
foi por acaso que, ao final dos grupos focais, houve algumas manifestações de
usuários de “que (aquelas reuniões) deveriam acontecer com frequência” e também
de profissionais de “que [aquela havia sido] uma das reuniões mais produtivas do
serviço”.
Por isso, ao fazer um paralelo de que a escuta atenta pelo profissional resulta
em mudanças importantes no cotidiano dos pacientes. Também, é verdade que esta
escuta, possa, resguardando é claro a devida proporção, constituir em um campo
promissor na reorganização dos serviços de saúde.
Considerações Finais
94
Não somos ingênuos ao falarmos de reorientação da assistência. Sabemos o
quanto é difícil isto acontecer. E quantas questões estão implícitas para de fato se
efetivar esta reorganização. No entanto, podemos dizer que metodologicamente um
caminho se abriu. E certamente o serviço se utilizará dele, como instrumento de
gestão. No entanto, isto já é outro trabalho. Trabalho vivo, diríamos.
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Anexos
Anexos
101
ANEXOS
Anexo 1
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Você está sendo convidado(a) para participar, como voluntário, em uma pesquisa.
Após ser esclarecido(a) sobre as informações a seguir, no caso de aceitar fazer parte
do estudo, assine ao final deste documento, que esem duas vias. Uma delas é
sua e a outra é do pesquisador responsável.
INFORMAÇÕES SOBRE A PESQUISA:
Título do Projeto: Reorientando práticas de cuidado com o diabetes mellitus:
a construção partilhada profissionais-usuários.
Pesquisador Responsável: Luciana Cristina Parenti.
Orientador Responsável: Prof. Dr. Antonio de Padua Pithon Cyrino
A pesquisa pretende desenvolver ações para reorientar o cuidado prestado a
portadores de diabetes mellitus, usuários do Centro de Saúde Escola, com
base no envolvimento e colaboração mútua de pacientes e profissionais de
saúde
Serão realizadas reuniões com pacientes e profissionais para identificar
problemas relativos a organização deste serviço que dificultam a assistência
dirigida aos diabéticos e para sugerir possíveis soluções para esses
problemas. Não risco ou qualquer prejuízo aos que participam da
pesquisa e será garantido o sigilo das informações prestadas. Você tem o
direito de retirar o consentimento a qualquer tempo, sem qualquer prejuízo
da continuidade do acompanhamento e de seu tratamento usual no serviço.
Anexos
102
Com esta pesquisa espera-se contribuir para melhorar a qualidade da
assistência prestada pela equipe de saúde aos pacientes portadores de
diabetes.
I. Declaro estar ciente sobre os objetivos do estudo sob responsabilidade da
Pesquisadora Luciana Cristina Parenti.
II. Estou ciente de que as informações que fornecerei serão utilizadas para
este estudo, sendo preservada a minha identificação pessoal.
III. Declaro concordar em participar deste estudo e que estou ciente que a
Pesquisadora Luciana estará disponível para responder a quaisquer
perguntas e de que posso retirar este meu consentimento a qualquer
tempo, sem prejuízo da assistência a minha saúde.
IV. Caso tenha algum problema ou dúvida relacionada a este estudo, estou
ciente de que poderei entrar em contato com o Diretor do Centro de
Saúde Escola (Dr. Antonio de Padua Pithon Cyrino Fone: 3882.52.22),
ou com o Chefe do Departamento de Saúde Pública da Faculdade de
Medicina de Botucatu (Prof.Dr. Ildeberto Muniz de Almeida Fone:
3882.33.09).
Botucatu, de de 2009.
Sujeito da pesquisa: (Nome)___________________________________________
(Assinatura) _________________________________________________________
Pesquisador responsável: Luciana Cristina Parenti
(Assinatura) __________________________________________________________
Luciana Cristina Parenti
Rua Antonio Amando de Barros, 241.
Bloco 3 Apto 64 - Vila Jardim
Botucatu SP
Fone: (14) 3813. 76.31
E-mail: lparenti@terra.com.br
Antonio de Padua Pithon Cyrino
Rua Rev. Franscisco Lotufo, 695.
Botucatu SP
Fone: (14) 3882.38.64
E-mail: acyrino@fmb.unesp.br
Anexos
103
Anexo 2
Tabela 3 Campos problemáticos, segundo frequência com que foram reconhecidos
pelos portadores e porcentagem (em relação ao total de 275 participantes)
Dimensões
Campos problemáticos
Freq.
%
I. Adoecer
O adoecer provocou tristeza
112
40,7
O incomodo provocado pelo ônus do
cuidado no adoecer
94
34,2
O adoecer provocou medo da
insulina
88
32,0
II. Cotidiano e o
cuidado - de - si
Diabetes silencioso
100
36,4
O incomodo provocado pela insulina
99
36,0
O medo da insulina
97
35,2
A dificuldade de perceber a
hiperglicemia
88
32,0
III. Cotidiano,
cuidado- de -si e o
outro
Cozinhar para a família
24
8,7
IV. Cotidiano,
cuidado - de - si e
o rede social
Quando há conflito familiar
18
6,5
V. Cotidiano,
cuidado- de -si e os
serviços
Intervalo longo entre as consultas
109
39,6
A descontinuidade do cuidado
39
14,2
A dificuldade de comunicação
profissional- paciente
23
8,4
TOTAL
132
48,0
Anexos
104
Tabela 4 Características sócio - demográficas dos diabéticos entrevistados,
usuários do CSE, que identificaram como campos problemáticos a “organização do
serviço”
Características
Freqüência
Percentual
Sexo
Feminino
101
76,6
Masculino
31
23,4
Cor
amarela
0
0,00
branca
118
89,40
indígena
0
0,00
parda
08
6,06
preta
06
4,54
Religião
Católico
87
65,90
Evangélico
29
21,96
Espírita
10
7,60
Outra
06
4,54
Maior a 1,51
Participou de cuidados com
outras pessoas com DM
Sim
33
25,0
Não
99
75,0
Atividade física
Sim
87
66,0
Não
45
34,0
Total
132
100
Anexos
105
Tabela 5 Perfil de uso de serviços de saúde dos diabéticos entrevistados, usuários
do CSE, que identificaram como campos problemáticos a “organização do serviço”.
Características
Freqüência
Percentual
Tipo de consulta
Médica
130
67,00
(já recebida)
Nutricionista
42
32,00
Enfermagem
20
10,00
Outros profissionais
2
1,00
Consulta médica
1 vez
6
5,00
(no último ano)
2 a 3 vezes
51
41,45
4 vezes
66
53,64
Consulta de enfermagem
1 vez
0
0,0
(no último ano)
2 a 3 vezes
0
0,0
4 vezes
2
100,0
Consulta nutricionista
1 vez
2
50,0
(no último ano)
2 a 3 vezes
1
25,0
4 vezes
1
25,0
Consultas
Somente agendadas
88
70,40
Agendadas e “extras”
36
28,80
Outros
01
0,80
Participação em grupos
Diabetes
27
62,80
Outros grupos
16
37,20
Utilização de outros
serviços para o cuidado
do DM
Sim
40
30,30
Não
92
69,70
Total
132
100
Anexos
106
Anexo 3
ROTEIRO DO GRUPO FOCAL
1. Apresentação e introdução
1.1. Apresentação do pesquisador, moderador e colaboradores
1.2. Agradecer a presença dos convidados
1.3. Apresentação dos objetivos da pesquisa e da reunião pela
pesquisadora
Sou Luciana, enfermeira do Centro de Saúde Escola, porém hoje estou
aqui também como pesquisadora. Estou desenvolvendo uma pesquisa sobre
diabetes, através do programa de pós graduação do Depto. de Saúde
Pública da FMB - UNESP. Para vocês entenderem, do que se trata esta
pesquisa vou fazer um breve relato.
Em 2005, foi realizado um estudo sobre as dificuldades que o diabético
vive em seu dia-a-dia, o que mostrou dentre uma serie de problemas, que o
modo como o serviço se organiza, também, traz muitas dificuldades para
vocês. Portanto, o que queremos nesta reunião, é ouvir vocês sobre a
assistência que vocês estão recebendo, ou melhor, sobre as dificuldades que
vocês enfrentam em nosso serviço. Nós entendemos que é levantando os
problemas que podemos enfrentá-los e acreditamos que vocês percebem
alguns problemas melhor do que nós, que estamos do lado de cá da mesa.
Essa é uma conversa informal que esperamos a participação de todos
vocês. Não resposta certa ou errada, porque queremos saber a opinião de
Anexos
107
vocês a respeito e a experiência de cada um de vocês. Antes, vamos ler um
documento, que é chamado de consentimento livre e esclarecido. Para toda a
pesquisa, é necessário que as pessoas que participarão estejam bem
esclarecidas. Caso concordem, com o que estiver escrito no documento
gostaríamos de obter o consentimento de vocês para participação neste
estudo. Essa reunião será gravada para posterior análise, mas será
garantido o sigilo da identidade dos participantes.
Apresentação dos participantes
Em círculo, os participantes se apresentam falando o nome e a origem do
nome.
2. Questões para discussão com os participantes
2.1. Como vocês descobriram a diabetes e desde então, até hoje, quais
foram as maiores dificuldades enfrentadas? Onde encontram apoio para
estas dificuldades?
2.4. Vocês tiveram/tem o apoio de familiares, amigos, vizinhos, colegas de
trabalho, etc? Dessa rede, quem ajuda? Quem atrapalha?
2.2.Onde trataram desde que descobriram?
2.3.Outros recursos que utilizam, como por exemplo: ABAD, laboratórios
particulares, etc
2.5.Em que momentos vocês procuram outros serviços para o
tratamento?Que serviços são estes?
Anexos
108
2.6. Já participaram de grupo de diabetes. Como foi?
2.7. Campos problemáticos
- Com que freqüência vocês vêm ao CSE-UVL. É suficiente ou não?
- Qual é a maior dificuldade que vocês identificam no nosso atendimento? (Por
exemplo, tem falta de remédios, demora para ser atendido etc.?)
- O que vocês fazem quando não conseguem o atendimento? Vocês freqüentam
outro serviço tamm?
- Desde que iniciaram o tratamento no CSE estão com o mesmo profissional?
Isto ajuda ou atrapalha?
- Como tem sido o atendimento de vocês no CSE? O que vocês sentem falta?
Quais são as facilidades e dificuldades?
- No relacionamento com os profissionais ( médico, enfermeiro, auxiliares de
enfermagem), há alguma dificuldade que vocês queiram comentar?
- Quando adoecem e não tem consulta marcada próxima como é para
conseguir uma vaga. Conte-nos como foi para vocês tal situação.
- Diante de todos estes problemas e dificuldades que sugestões vocês tem
para melhorarmos o tipo de atendimento que é prestado no CSE?
3. Considerações finais
Faremos uma reunião para discutirmos mais estas sugestões que
vocês têm. Há interesse em participar?
O que acharam desta reunião?
Agradecemos a presença e a participação de todos. Entraremos em
contato assim que organizarmos o próximo encontro.
Anexos
109
Anexo 4
ROTEIRO DO GRUPO FOCAL
Sou Luciana, enfermeira do Centro de Saúde Escola, porém hoje estou
aqui também como pesquisadora. Estou desenvolvendo uma pesquisa sobre
diabetes, através do programa de pós graduação do Depto. de Saúde
Pública da FMB - UNESP. Para vocês entenderem, do que se trata esta
pesquisa vou fazer um breve relato.
Em 2005, foi realizado um estudo sobre as dificuldades que os diabéticos
vivem em seu dia-a-dia, e o interessante é que dentre uma serie de
problemas levantados, o modo como o serviço se organiza traz muitas
dificuldades para vocês. Interessada nestes problemas relacionados ao
serviço, fiz alguns grupos, que alguns de vocês participaram para ver se
esses problemas se confirmavam. O resultado foi que além de se
confirmarem, outros surgiram. Portanto, o que queremos nesta reunião, é
apresentar esses problemas e tentar construir junto com vocês possíveis
soluções. O objetivo final deste estudo é aprimorarmos a qualidade de nosso
serviço, a fim de melhorarmos o atendimento às pessoas.
Essa é uma conversa informal que esperamos a participação de todos
vocês. Antes, vamos ler um documento, que é chamado de consentimento
livre e esclarecido. Para toda a pesquisa, é necessário que as pessoas que
participarão estejam bem esclarecidas. Caso concordem, com o que estiver
escrito no documento gostaríamos de obter o consentimento de vocês para
participação neste estudo. Essa reunião será gravada para posterior análise,
Anexos
110
mas será garantido o sigilo das informações e não haverá a identificação das
pessoas.
O primeiro problema apresentado é o intervalo longo entre as
consultas. Vocês acham que isto tem ocorrido. Como está o intervalo de
vocês? Quais são às possíveis soluções?
O segundo problema é a descontinuidade da assistência. Muitos
pacientes citaram que muita mudança de profissional médico, e que isto
atrapalha o tratamento. Isso tem ocorrido? Quais são às possíveis soluções?
O terceiro problema é a dificuldade na comunicação com o profissional
médico. Alguns pacientes citaram que o médico às vezes é muito calado,
não deixa o paciente à vontade, etc. Como tem sido essa comunicação? O
que poderia ser feito para melhorar?
O quarto problema é a dificuldade em ser atendido fora do dia
agendado, ou seja, conseguir uma consulta extra. Isso aconteceu com
vocês? O que poderia ser feito?
Tem algum outro problema que vocês gostariam de citar?
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