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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA
CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA
CURSO DE MESTRADO
A MEDIAÇÃO DA MÚSICA NO MST: um estudo em contextos e
eventos coletivos em Santa Catarina
FLORIANÓPOLIS
2010
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APOLIANA REGINA GROFF
A MEDIAÇÃO DA MÚSICA NO MST: um estudo em contextos e
eventos coletivos em Santa Catarina
Dissertação apresentada como requisito
parcial à obtenção do grau de Mestre em
Psicologia, Programa de Pós-Graduação
em Psicologia, Curso de Mestrado, Centro
de Filosofia e Ciências Humanas.
Orientadora: Prof.ª Dr.ª Kátia Maheirie
FLORIANÓPOLIS
2010
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TERMO DE APROVAÇÃO
4
Este trabalho é dedicado ao MST e aos Sem Terra de Santa Catarina
e, também, àqueles que lutam para construir uma sociedade mais
solidária e feliz, onde todos possam ser socialmente iguais e
humanamente diferentes.
5
Gostaria de agradecer...
Ao meu companheiro André por estar sempre ao meu lado e por
ter, com seu amor e cuidado, facilitado meus dias de criação em
frente ao computador.
Aos meus pais que sempre apóiam minhas decisões e fazem de seus
braços um porto seguro.
As amizades construídas na trajetória do mestrado, em especial, ao
Carlos, Gisele e Rodrigo.
A Kátia por acolher meu projeto, sinalizando caminhos,
compartilhando seus conhecimentos e por confiar na minha
capacidade em realizar este trabalho.
A todos os sujeitos Sem Terra que de alguma forma contribuíram
para que esta pesquisa acontecesse. Em especial aos que cuidam da
Secretaria do MST em Florianópolis.
A todos os Sem Terra que participaram deste estudo. Ao Dirceu,
Jaison, Ide, Paulista, Jhon, Irma, Juliano, Neli, Ezequiel e Leonel.
A Helena, pessoa atenciosa e prestativa, que trabalha na Secretaria
da Pós-Graduão em Psicologia.
A Capes pela bolsa de estudos concedida no segundo ano do
mestrado, o que me possibilitou dedicação especial à pesquisa.
6
Acreditar no mundo é o que mais nos falta; nós perdemos
completamente o mundo, nos desapossamos dele. Acreditar no mundo
significa principalmente suscitar acontecimentos, mesmo que
pequenos, que escapem ao controle, ou engendrar novos espaços-
tempo, mesmo que de superfície ou volume reduzidos.
É ao nível de cada tentativa que se avaliam a capacidade de
resistência ou, ao contrário, a submissão ao controle.
Necessita-se ao mesmo tempo de criação e povo.
Deleuze (1992, p. 218)
7
GROFF, Apoliana R. (2010). A MEDIAÇÃO DA MÚSICA NO MST:
um estudo em contextos e eventos coletivos em Santa Catarina.
Dissertação de Mestrado, Pós-Graduação em Psicologia, Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis, Brasil.
Resumo: Este trabalho teve como objetivo geral compreender a
mediação da música do cotidiano do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST), por meio de um estudo em contextos e
eventos coletivos em Santa Catarina. A metodologia utilizada se
fundamenta numa perspectiva dialógica na produção do conhecimento,
ancorada na matriz teórica da psicologia histórico-cultural de Vygotski e
seus interlocutores, dialogando tamm com autores como Bakhtin e
Vázquez. Foram realizadas entrevistas com dez sujeitos, mediadas pelo
roteiro norteador e pelo gravador de áudio. As entrevistas aconteceram
em dois eventos coletivos, quais sejam, a Comemoração dos 24 anos do
MST em SC e o Primeiro Encontro Regional de Violeiros, ambos
realizados na cidade de Abelardo Luz. Tamm foram realizadas
entrevistas com sujeitos Sem Terra no contexto do Acampamento Irmã
Jandira, localizado na região do planalto do estado. O estudo aponta que
a presença da música no MST teve como principal mediação a igreja
católica, por meio da CPT. Desde o surgimento do Movimento a igreja
criava canções com temas ligados a realidade do povo pobre que vivia
no contexto rural. No entanto, essas músicas sofreram transformações,
na medida em que foram apropriados às letras das canções, elementos
políticos e ideológicos do MST. O estudo tamm revela a intensa
atividade de criação musical dos Sem Terra, principalmente no contexto
dos acampamentos. Acerca da mediação da música, compreendemos
que ela anima e significa a luta dos Sem Terra, possibilita o aumento da
potência de ser e de agir deste movimento social, estetiza as práticas
cotidianas do Movimento, afeta os sujeitos e produz processos de
resistência e (re)criação.
Palavras-chave: música, MST, significados, atividade criadora, relação
estética.
8
GROFF, Apoliana R. (2010). MEDIATION OF MUSIC IN MST
(Landless Social Movement): a study in collective contexts and
events in Santa Catarina. Master's Thesis, Graduate Program in
Psychology, Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),
Florianopolis, Brazil.
Abstract: This study is aimed to understand the mediation of everyday
music in the Movement of Rural Landless Workers (MST), through a
study of collective contexts and events in Santa Catarina. The
methodology is based on a dialogical perspective of knowledge
production, anchored in the theoretical framework of Vygotsky's
cultural-historical psychology and his interlocutors, also discussing with
authors such as Bakhtin and Vázquez. Interviews with ten subjects were
conducted, mediated by a guiding script and an audio recorder. The
interviews took place in two collective events: the celebration of the
MST's 24 anniversary in SC and the First Regional Meeting of Country
Guitar Players, both held in the city of Abelardo Luz. Also, interviews
with landless in the context of Irmã Jandira Camp, situated in the
plateau region of the state, were conducted . The study indicates that the
presence of music in the MST was mainly mediated by the Catholic
Church, through the CPT. Since the emergence of the Movement,
church created songs with themes about the reality of poor people living
in rural settings. However, these songs have been changed , as political
and ideological elements of the MST were inserted in the lyrics of the
songs. The study also reveals the intense music creation of the landless
people, specially in the context of the camps. About the mediation of
music, we understand that it animates and signifies the struggle of the
landless, makes it possible the increase of the being and acting power of
this social movement, brings aesthetics to the everyday practices of the
movement, affects the subject and produces processes of resistance and
(re ) creation.
Keywords: music, MST (Landless Social Movement), meanings,
creative activity, aesthetical relations.
9
Sumário
APRESENTAÇÃO.......................................................................10
1. INTRODUÇÃO.............................................................................13
2. OLHARES TEÓRICOS.................................................................18
2.1 Constituição do sujeito.....................................................................18
2.2 Movimentos sociais e o MST...........................................................21
3. O PROCESSO DA PESQUISA (MÉTODO)................................32
3.1 Pesquisar e constituir-se pesquisador...............................................32
3.2 Os caminhos percorridos no processo da pesquisa...........................38
3.3 A construção das informações para a pesquisa................................46
3.4 Sujeitos participantes da pesquisa e seus contextos.........................49
4. DIÁLOGOS ENTRE SUJEITOS (ANÁLISES)...........................53
4.1 História e cotidiano da música no MST...........................................53
4.2 Atividade criadora no MST: o acampamento como “berço da
criatividade”...........................................................................................75
4.3 Significados compartilhados em torno da música no MST..............88
4.4 A música “mexe”: vivências estéticas no
MST......................................................................................................98
4.5 Acontecimentos no cotidiano do MST mediados pela música.......104
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................110
6. REFERÊNCIAS...........................................................................114
Apêndice: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido....................122
10
APRESENTAÇÃO
“... sou minha cara contra o vento, a contra-vento, e sou o vento que bate
em minha cara” (Galeano).
Realizei minha graduação e formação de psicóloga na
Universidade Regional de Blumenau (FURB) em Santa Catarina.
Durante toda a graduação participei do movimento estudantil do curso
de psicologia e de outros movimentos políticos da universidade, o que
contribuiu imensamente para minha formão acadêmica e profissional.
A realidade acadêmica que pude viver, seja dentro da sala de aula, na
universidade e, principalmente, nos corredores, na rua, nos encontros
informais com os colegas da psicologia, foi construindo um horizonte,
onde a possibilidade de me tornar professora universitária se projetava.
As relações estabelecidas na graduação me proporcionaram o contato
com saberes e fazeres outros e me disponibilizaram elementos para
compreender a realidade em sua diversidade e contradições, me fazendo
perceber que fazer ciência tamm é fazer política. Por isso, tenho
clareza que minha trajetória como militante não foi um fim em si
mesmo, pois me possibilitou novas inserções no espaço da universidade
e, tamm, fora dela, como a aproximação com a realidade de alguns
movimentos de luta que me afetaram, seja o estudantil, sindical,
comunitário ou pela terra, como é o caso do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).
Ser afetada pela realidade social e pelos movimentos de luta é
que me fez criar novos sentidos e me posicionar frente à própria
produção de conhecimento da psicologia. Foi, então, no processo de
formação acadêmica que pude conhecer melhor o MST, por meio de
pessoas que tinham um contato mais próximo com o Movimento
1
e, ao
conhecer seus objetivos, suas lutas, suas formas de ão coletiva, os
acampamentos
2
e os assentamentos
3
, questionava de que forma o
profissional da psicologia poderia contribuir com o MST. Foi com o
1
Quando estiver me referindo ao MST, escreverei Movimento com a inicial em maiúsculo.
2
O acampamento é o espaço-tempo onde os Sem Terra constroem seus barracos de lona preta,
em terras improdutivas e/ou públicas que não estão cumprindo sua função social. No
acampamento eles permanecem até que a terra seja desapropriada para fins da reforma agrária.
3
O assentamento se constitui no território que foi desapropriado para fins da reforma agrária,
onde as famílias Sem Terra vão construir suas moradias, trabalhar e produzir.
11
objetivo de conhecer ainda mais a realidade do Movimento, que no
trabalho da Monografia de Conclusão de Curso, realizei uma pesquisa
em um assentamento de reforma agrária do MST tendo como objetivo
estudar os sentidos e significados do singular e do coletivo neste
assentamento (GROFF, 2006). Este trabalho de pesquisa e a
participação em ações coletivas do MST contribuíram muito para minha
compreeno acerca do Movimento, ampliando meu olhar sobre ele,
demarcando sua complexidade e me instigando a dar continuidade à
pesquisas junto a este movimento social.
Quando decidi fazer o mestrado em psicologia na UFSC,
inicialmente procurei, por meio da gina eletrônica do programa de
pós-graduação (http://www.cfh.ufsc.br/~ppgp), conhecer as áreas e
linhas de pesquisa, com o objetivo de encontrar professores que
realizavam estudos junto a movimentos sociais. Para minha surpresa,
havia uma professora na época que relatava no site seu interesse em
estudos com movimentos sociais, a professora Kátia Maheirie. Pom,
seus estudos estavam voltados para as objetivações artísticas, a atividade
criadora e as relações estéticas e eu não tinha ainda clareza de meu tema
de pesquisa, pois a única certeza era a minha vontade afetiva e política
em continuar estudando o MST. Desta forma, ao entrar no mestrado sob
a orientação da Kátia, fomos delineando o tema da pesquisa. Na medida
em que eu apresentava meus interesses e contava a ela sobre as
experiências que tinha vivido junto ao MST, ela ia sinalizando
possibilidades de estudo e contava sobre as pesquisas que eram
desenvolvidas no NUPRA
4
.
Foi, então que, recordando uma vivência minha com o MST no
momento de uma ocupação
5
, que o tema de estudo desta dissertação foi
se construindo. De forma breve, conto esta vivência que aconteceu em
janeiro de 2008, onde vários movimentos sociais foram convidados para
participar de uma manifestação do MST
6
, em apoio às famílias que
4
Este é um núcleo de pesquisa intitulado Núcleo de Pesquisa em Práticas Sociais, Relações
Estéticas e Processos de Criação (NUPRA), coordenado pelas professoras Kátia Maheirie e
Andréa Zanella. Sobre este núcleo de pesquisa ver o artigo: ZANELLA, A, MAHEIRIE, K,
STRAPPAZZON, A.L, GROFF, A.R, SCHWEDE, G., MÁXIMO, C. E. (2010).
5
A ocupação é uma estratégia do Movimento para chamar atenção das autoridades quanto à
realidade dos latifúndios, ou seja, das grandes extensões de terra que não cumprem sua função
social, e exigir a desapropriação destas para fins da reforma agrária. Este acontecimento
consiste no ato de ocupar a terra e permanecer nela acampado.
6
Eu estava presente nesta manifestação enquanto representante do Centro de Defesa dos
Direitos Humanos de Blumenau.
12
haviam iniciado um processo de ocupação no município de Taió/SC, na
Fazenda Mato Queimado. Esta ocupação ocorreu com o objetivo de
acelerar a criação do assentamento, que a terra havia sido
desapropriada pelo Instituto Nacional de Reforma Agrária (INCRA).
Estavam na ocupação, aproximadamente, 150 famílias. No entanto,
quando chegamos ao local da manifestação, ficamos sabendo da
situação em que as famílias se encontravam, pois parte delas esteve
durante toda a noite incomunicável, sem alimento, sem dormir, dentro
dos ônibus. Isso aconteceu, pois no momento da ocupação no dia
anterior, os capangas da fazenda, armados, renderam os ônibus com as
famílias dentro. Somente no outro dia pela manhã, depois de muita
negociação, essas famílias foram liberadas. A ocupação gerou um
grande conflito e foi aí que outros movimentos foram convocados a
apoiar a luta do MST e a estar numa manifestação próximo a entrada da
fazenda. Neste local, havia diversos policiais a cavalo, outros no chão,
todos armados. No momento da manifestação estavam as famílias Sem
Terra, compostas por mulheres, homens e crianças e, tamm, diversas
pessoas que ali apoiavam o Movimento. Em meio a cena, e após terem
passado a noite em claro, com medo e sem comida, os Sem Terra
gritavam palavras de ordem e cantavam as músicas do MST com a ajuda
de três violeiros em uma grande roda, diante dos olhares da polícia e da
população da cidade. Foi uma experiência marcante para mim, pois a
teno era grande. Ao mesmo tempo em que a cavalaria da policia
militar estava organizada e homens com armas em punho guardavam a
entrada da fazenda, entre palavras de ordem, os integrantes do MST
cantavam e batiam palmas.
Foi por meio desse processo dialógico entre memória,
experiência e relações com pessoas do NUPRA, que o tema música e
MST se apresentou para nós como objeto de pesquisa. O que nos
interessou de icio como estudo foi o lugar que a música ocupava nas
ações coletivas do MST e em seu projeto político. Depois construímos o
atual tema de estudo que é a mediação da música no cotidiano do MST
em SC, por compreender que a música está presente nas ações coletivas,
mas tamm está presente nos acampamentos, assentamentos e eventos
do MST, sendo estes os contextos que constituem o cotidiano deste
movimento social, que comemora em 2010, 26 anos de existência.
13
1. INTRODUÇÃO
“... na arte de resistir às tentativas da destruão de nossos sonhos,
trincheira da criatividade se revela a rebeldia dos poetas e dos
cantadores filhos da terra...” (Bogo).
O surgimento do MST deve ser compreendido por meio de um
contexto de contradições sociais (VENDRAMINI, 2007), onde se
entrelaçam alguns fatores da realidade econômica e política do país.
Estão presentes neste contexto, principalmente a Comissão Pastoral da
Terra (CPT)
7
e igreja católica, os sindicatos rurais e os movimentos de
luta pela redemocratização do país, marcados nos anos de 1978 e 1979
pelas greves operárias (CALDART, 2004). No entanto, pode-se dizer
que o MST foi se constituindo entre os anos de 1979 a 1984, onde os
principais mediadores do Movimento estavam representados por duas
correntes de pensamento: a teologia da libertação, presente nos discursos
da CPT e da igreja, e as idéias da teoria marxista-leninista, presente na
formação de lideranças internas do Movimento (STRAPAZZON, 1998).
Em Santa Catarina, no ano de 1980, no município de Campo Erê,
ocorreu a primeira ocupação de terra organizada pelo movimento de sem
terras, antes ainda da fundação propriamente dita do MST
(MORISSAWA, 2001). A fundação do Movimento foi realizada no I
Encontro Nacional de Trabalhadores Sem Terra, que ocorreu em janeiro
de 1984, na cidade de Cascavel, no Paraná. Neste encontro se reuniram
mais de 1.500 trabalhadores rurais sem terra, onde foram definidos os
princípios, as formas de luta, a organização de uma direção e as pautas
de reivindicações do Movimento (CALDART, 2002, MORISSAWA,
2001).
Para o MST, seu papel como movimento social é organizar os
pobres do campo, conscientizando-os de seus direitos e mobilizando-os
para que lutem por mudanças. Nos 24 estados em que o Movimento atua
a luta não é pela reforma agrária, mas pela construção de um projeto
popular para o Brasil, baseado na justiça social e na dignidade humana
8
.
7
A Comissão Pastoral da Terra (CPT) é um órgão da Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil (CNBB). Foi fundada em plena ditadura militar em junho de 1975, como resposta à
grave situação dos trabalhadores rurais. Em Santa Cataria a CPT surge no ano de 1977, com
forte expressão na região oeste do estado.
8
Informações obtidas do site do MST http://www.mst.org.br, acesso em junho de 2008.
14
Atualmente, o MST possui 130 mil famílias acampadas e 370 mil
famílias assentadas que se vinculam ao Movimento. Em Santa Catarina,
o MST possui cinco mil famílias assentadas e 1.100 acampadas
9
.
Neste contexto, é preciso compreender o MST enquanto um
movimento social complexo, onde se encontram milhares de crianças,
jovens, adultos, idosos, homens e mulheres, em situação de acampados,
assentados, participando de ações coletivas de mobilização e protesto e,
ainda, realizando ocupações. É um movimento social que além de
possuir dirigentes nacionais e dirigentes estaduais que organizam o
Movimento, possui em sua base, milhares de Sem Terra
10
. Diferencia-se
de outros movimentos sociais por ter uma estrutura e investimento na
área da educação, com escolas de ensino fundamental e médio e, a
mesmo, cursos de ensino superior em parceria com universidades.
O MST possui, tamm, um investimento significativo na área da
cultura e arte por meio da realização de encontros de cultura, produção
de músicas e de CD‟s, grupos de teatro, entre outras expressões que são
mediadoras na constituição do Movimento. A música no MST tem sua
história junto com o surgimento do Movimento, influenciada,
principalmente, pela CPT que na época produzia músicas voltadas para
a situão do pobre e do homem do campo. Desta forma, a música
esteve sempre presente participando significativamente nos momentos
da mística
11
. A mística no MST foi sofrendo transformações ao longo de
sua trajetória, na medida em que ressignificou os elementos presentes na
mística religiosa, recriando esta prática e tornando-a a mística do MST.
Concordamos com Piana (2009) que definir o termo mística “é
tão complexo como querer explicar todos os sentidos de religião no
mundo(p. 76). No entanto, para introduzir a compreensão do que é a
mística do MST, esclarecemos que ela é um momento de celebração que
acontece no cotidiano do Movimento, onde sempre uma preparação
da temática e dos elementos que serão utilizados nela. Assim, a mística
é um acontecimento onde os sujeitos têm a possibilidade de vivenciar as
convicções do MST e reviver momentos da história de luta e de
conquista, por meio da música, do teatro, da poesia, das simbologias,
9
Informações obtidas do site do MST http://www.mst.org.br, acesso em março de 2009.
10
O termo Sem Terra será utilizado para tratar de todos os sujeitos que são a base do MST, ou
seja, os acampados, assentados, os que ocupam funções como dirigentes estaduais e nacionais,
enfim, todos os militantes do Movimento.
11
Sobre a mística ver o capítulo 4.1 História e cotidiano da música no MST.
15
dos discursos e dos signos do Movimento, entre outros elementos. É um
acontecimento que objetiva afetar os sujeitos no sentir e no pensar,
proporcionando uma experiência transformadora e preparando os
sujeitos para as ações do Movimento.
Quanto à música, o MST possui uma produção musical própria,
com alguns CD‟s como: Arte em Movimento (1998), com 19 músicas e
1 poema; Plantando Cirandas (2000), com 22 músicas; Cantares da
Educação do Campo (2006), com 16 músicas e um livro onde constam
77 letras de músicas do Movimento (MST, 1996). Mas, além das
músicas de luta dos CD‟s do Movimento, estão presentes ainda em seus
contextos e eventos coletivos outros gêneros musicais que falam em
suas letras da questão da terra, do homem do campo, do contexto rural e
da luta, dentre elas, por exemplo, as canções Cio da Terra” e
Assentamento”, ambas de Chico Buarque, ou Pra dizer que o falei
das Flores”, de Geraldo Vandré. Não é nosso foco neste estudo, discutir
as questões dos gêneros musicais presentes no MST em SC. Optamos
em expor os sentidos atribuídos pelos sujeitos entrevistados, quando
estes definem o gênero da música a que estão se referindo em suas falas.
Em relação à atividade criadora, esta é uma característica que
acompanha o Movimento nesses 26 anos, pois desde as primeiras
ocupações e acampamentos em Santa Catarina, havia Sem Terra
criando poesias e canções (CALDART, 1987). Não diferente das
músicas que estão gravadas em CD‟s, estes cantos que ainda ganham
pouca visibilidade e audição dentro do Movimento, também contam as
experiências vividas junto ao MST, falam da ocupação, do trato com a
terra, dos conflitos, das alegrias, enfim, músicas que registram a luta
pela reforma agrária e contam a história dos Sem Terra.
Compreendemos a música como uma linguagem psicossocial que
media relações entre sujeitos e contextos, constituindo-se como um
signo. Para Bakhtin (1992), os signos estão sempre carregados de
sentidos ideológicos, não são fixos e imutáveis, mas variam de acordo
com o contexto enunciativo. Para Vygotski, os sujeitos se constituem
nas relações semioticamente mediados, ou seja, por meio dos signos, o
que possibilita aos sujeitos processos de significação. Nesta perspectiva,
é que compreendemos a música como mediadora no cotidiano do MST,
pois ela possibilita aos sujeitos a produção de sentidos. Sentidos estes
que constituem este movimento social enquanto coletividade e
singularmente cada sujeito Sem Terra.
16
Segundo Maheirie (2008, p. 84), a objetivão musical é uma
forma de linguagem reflexivo-afetiva, uma vez que traz e cria novos
elementos cognitivos, expressando e produzindo uma determinada
racionalidade, ao mesmo tempo em que revela e cria sentimentos e
emoções”. A música tamm pode ser entendida como um fenômeno
sócio-cultural, pois segundo a mesma autora, a música pode localizar os
sujeitos num cenário político, apontando discussões importantes sobre a
transformão das estruturas sociais.
Diante disto o objetivo geral desta pesquisa foi compreender a
mediação da música no cotidiano do MST em Santa Catarina, por meio
de um estudo em contextos e eventos coletivos do Movimento neste
estado. Para alcançar tal objetivo, foram realizadas entrevistas e
observações em espaços diferentes do cotidiano do MST em SC.
Minha primeira participação ocorreu em um evento coletivo na
cidade de Abelardo Luz, localizada no oeste do estado, no mês de maio
de 2009. Este evento comemorava os 24 anos do MST em SC. Neste
dia, realizei duas entrevistas e tamm registrei o evento num diário de
campo. A segunda participação ocorreu nesta mesma cidade, no
Encontro Regional de Violeiros. Neste evento coletivo realizei mais três
entrevistas com quatro sujeitos. Por fim, estive durante cinco dias em
um acampamento do MST, localizado próximo à cidade de São José do
Cerrito, região do planalto do estado. No Acampamento Irmã Jandira,
realizei as últimas quatro entrevistas para este estudo e tamm fiz o
registro escrito deste contexto. Nos eventos coletivos e no contexto do
acampamento realizei filmagens, as quais foram transformadas em
imagens fotográficas, sendo que algumas serão apresentadas no decorrer
do trabalho.
O trabalho segue então com o capítulo 2. Olhares Teóricos. Estão
presentes nestes olhares, uma introdução sobre a Constituição do Sujeito
e um estudo sobre Movimentos Sociais e o MST. No item sobre a
constituição do sujeito o objetivo é situar, brevemente, o leitor acerca de
nossa escolha epistemológica dentro da ciência psicológica e
conseqüente concepção de sujeito, pois se tratam de idéias e
posicionamentos teóricos que acabam por atravessar todo o estudo.
Tamm há uma apreensão teórica, com olhares da psicologia e da
sociologia, sobre o MST e a categoria movimentos sociais.
no capítulo 3. O processo da Pesquisa (Método) logo no
primeiro item uma discussão sobre a dialogia presente no processo de
17
pesquisar e de constituir-se pesquisador. Esta discussão que inicia o
capítulo do método tem o objetivo de problematizar esse fazer e expor
nosso lugar enquanto pesquisadoras/autoras que entendem o pesquisar
como um agir/sentir/pensar que envolve posicionamentos políticos,
éticos e estéticos. Depois, apresento os caminhos que percorri no
processo da pesquisa, ou seja, conto como foi a trajetória do pesquisar e
falo sobre os lugares em que estive e os contatos que fui realizando
durante os dois anos em que me dediquei a esta pesquisa. Delineado os
caminhos, sigo apresentando como realizei a construção das
informações para pesquisa, quais procedimentos e instrumentos
mediadores foram utilizados. Para finalizar o capítulo do método, falo
sobre os sujeitos que participaram da pesquisa, localizando-os em seus
contextos.
O objetivo geral, a pesquisa de campo, as entrevistas, os diálogos
teóricos, entre outros elementos, constituíram então o capitulo 4.
Diálogos entre sujeitos (Análises), que possui cinco itens de análise e
que consiste em um tecido, construído por diversos discursos. Os cinco
grandes temas em análise o: História e cotidiano da música no MST;
Atividade criadora e o acampamento como berço da criação”;
Significados compartilhados em torno da música; Vivências estéticas no
MST; Acontecimentos no cotidiano do MST em SC.
Introduzido o trabalho, convido o leitor para que entre neste
estudo disposto a conhecer esse universo político-artístico do MST e
que, por meio da imaginação, possa participar dos acontecimentos
apresentados, possa vivenciar de certo modo a mística do Movimento e,
quem sabe, possa ouvir as músicas que aqui estão somente escritas.
18
2. OLHARES TEÓRICOS
2.1 Constituição do sujeito
“se a uva é feita de vinho, talvez a gente seja as palavras que
contam o que a gente é” (Galeano).
Introduzir o diálogo sobre a constituição do sujeito é apresentar
minha concepção de homem e de mundo, assim como em que lugar
dentro dos saberes e fazeres da psicologia eu me encontro e desencontro.
Parto do materialismo histórico dialético rumo ao diálogo com outros
teóricos possíveis que comigo vão construindo este olhar sobre a
constituição dialética entre sujeito e coletivo, demarcando meu
desencontro com teorias psicológicas que produzem dicotomias e que,
em sua maioria, naturalizam a constituição dos sujeitos.
Meu encontro parte, neste caso, da proposta teórica criada por
Vygotski e outros psicólogos russos que m como base epistemológica
o materialismo histórico e dialético. A teoria criada por Vygotski se
apresenta como uma proposta inovadora para a psicologia, pois (...)
afirma a síntese entre os aspectos fisiológicos e psicológicos e confere
ao ser humano uma existência ao mesmo tempo biológica, psicológica,
antropogica, histórica e essencialmente cultural (...) (ZANELLA,
2004, p.128).
Na perspectiva vygotskiana, o processo de constituição do sujeito
é social e histórico, marcado pelas conquistas do gênero humano e pelas
marcas singulares que são produzidas pelos sujeitos no mundo, mas que
não deixam de ser sociais (ZANELLA, 2005). Segundo Maheirie, que se
fundamenta tamm na teoria sartreana, este processo é um movimento
onde,
ao constituir-se num determinado sujeito, o homem interioriza
significações (com valores, idéias) e a própria ideologia presente nesta,
num movimento denominado de subjetivação. E ainda, exterioriza-se, de
uma forma peculiar, num movimento denominado de objetivação.
Portanto, se sujeito é ser, ao mesmo tempo, subjetividade e objetividade,
é ser objetividade que se subjetiva, subjetividade que se objetiva,
constantemente (MAHEIRIE, 2003a, pp. 63 e 64).
19
No movimento de objetivação/subjetivação, o sujeito vai se
apropriando dos significados, como também produz sentidos a partir de
sua vivência no social. Vygotski (1992) esclarece que os significados
são como as generalizações, ou seja, uma palavra tem um significado
que é compartilhado socialmente, sendo um fenômeno do pensamento e
da palavra e que existe na medida em que o pensamento está
encarnado na palavra, formando assim seu significado. o sentido é
aquilo que singulariza o sujeito na experiência com os significados. A
produção do sentido carrega um conteúdo reflexivo e afetivo e demarca
a singularidade dos sujeitos no mundo, mas esses tamm são
socialmente produzidos (VYGOTSKI, 1992).
A título de exemplo, a palavra terra tem um significado
generalizado que possibilita a comunicação entre as pessoas e o
entendimento do que se está comunicando. Porém, a palavra terra
apropriada de forma singular, produz diferentes sentidos para os
sujeitos. Ou seja, a terra para um militante do MST possui um
significado construído tamm socialmente, porém o sentido desta
palavra para os sujeitos sem terra é singular, carregada de sentimentos,
emoções, pensamentos e vivências.
O processo de constituição do sujeito é sempre mediado, segundo
a teoria de Vygotski. Com base neste autor, Zanella (2005) explica que
as atividades humanas são caracterizadas pela utilização dos signos,
ferramentas mediadoras das relações entre os sujeitos e produzidas
socialmente. Os signos, segundo Bakhtin (1992), são objetos naturais,
tecnológicos, artísticos, de consumo, etc., que adquirem um significado
que ultrapassa suas próprias particularidades. Ou seja, um simples boné
pode ser visto como um adereço a ser usado para se proteger do sol,
porém, um boné vermelho do MST converte-se em um signo.
Convertido em signo ele está no campo do ideogico
12
, pois para
Bakhtin (1992), o domínio do ideológico coincide com o domínio dos
signos, eles são mutuamente correspondentes.
Em torno disso, Zanella (2005) ainda afirma que o encontro do
coletivo e do singular mediado pelos signos é a grande contribuição de
12
Para Bakhtin e seu Círculo, o conceito de ideologia parte do que já era aceito pelo marxismo
oficial, ou seja, a noção de ideologia como “falsa consciência” promovida pelas forças
dominantes. Porém, destroem e reconstroem parte dessa concepção, colocando ao lado da
ideologia dominante a ideologia do cotidiano. O conceito de ideologia deve ser compreendido
na perspectiva bakhtiniana, como o movimento de idéias relativamente instáveis (do cotidiano)
e idéias relativamente estáveis (as dominantes) (MIOTELLO, 2008).
20
Vygotski para a discussão sobre a alteridade. Desta forma, o estudo da
constituição do sujeito pode ser realizado a partir da alteridade, ou
seja, do axioma eu-outro, compreendendo que esta relação é sempre
mediada por signos ideológicos. Nessas relações, destacamos o
cotidiano como o lugar onde a vida acontece e onde os sujeitos se
encontram, se afetam e são afetados, (re)criam, experienciam
(in)felicidades, se movimentam e paralisam frente às realidades,
constroem sentidos. Deste modo, a afetividade cumpre uma função
nodal na constituição do sujeito, pois o afeto provoca transformações,
aumentando ou deprimindo sua potência de ser e viver.
Baseado em Espinosa, Pelbart (2009) nos fala que o sujeito é um
grau de potência, ou seja, cada um de nós tem um grau de potência
singular, o meu é um, o seu é outro. O autor ainda esclarece que
potência é o poder que temos de afetar e de sermos afetados, mas que
isso é sempre uma questão de experimentação, de relação, de alteridade.
É ao longo da existência e ao sabor dos encontros que vivenciamos o
poder que temos de afetar e de sermos afetados pelo outro e isso faz toda
diferença na nossa constituição, pois é na relação que nossa poncia de
vida, de ação e criatividade pode ser aumentada ou deprimida,
transformando nossa postura frente ao mundo e aos outros.
Sawaia (2006), inspirada em Espinosa e Vygotski, afirma que
tratar dos afetos na constituição do sujeito é refletir sobre os “poderosos
processos que determinam os sujeitos como livres ou submissos” (p.
87). Para a autora, a base da configuração do sujeito é a afetividade, a
estética e a imaginação. A estética indica uma forma de conhecer e ser
pela sensibilidade. A imaginação é a potência de criação e liberdade,
qualidades de todo sujeito. Segundo Sawaia (2006), essas três categorias
sustentam o que é irreduvel no homem, ou seja, sua capacidade de
superar as amarras do/no cotidiano, transformando o existente.
Destarte, a humanidade produz idéias, modelos de vida, de ser e
de agir, mas a maior riqueza do ser humano é ter a capacidade de reagir,
refletir, sentir, transformar, criar condições novas a partir daquilo que
está dado. E não faz isso sozinho, pois ser humano é ser em relação, é
estar no mundo com outros e, assim, constituir-se singular e
coletivamente. Desta forma, a máxima que se apresenta na constituição
do sujeito é a relação inexorável entre sujeito e sociedade, o sujeito e o
outro (alteridade), que se constituem dialeticamente. Todo sujeito é, ao
21
mesmo tempo singular e coletivo, e ele é singular justamente pela
pluralidade social que o constitui, diferenciando cada sujeito.
2.2 Movimentos sociais e o MST
“... assim a terra se converte em causa, a liberdade se converte em
sonho, o grito forte se converte em guerra e o povo todo segue um
só caminho na trilha estreita plantando o futuro...” (Bogo).
Segundo Vendramini (2007), para o estudo dos movimentos
sociais é necessária uma apreeno histórica destes, entendendoo só a
sua relação com o passado, mas tamm com o presente e com o futuro,
pois os movimentos o são experiências em si, mas produto e
produtores de um conjunto social e histórico. A autora esclarece que,
partindo deste tipo de análise dos movimentos sociais, não corremos o
risco de subestimá-los ou supervalorizá-los.
Uma breve apreensão histórica do passado-presente-futuro do
MST pode ser iniciada, então, com a problemática da terra no Brasil,
pois é ela que nos faz refletir sobre a questão agrária que é segundo
Fernandes (2001, p. 23), “(...) o movimento do conjunto de problemas
relativos ao desenvolvimento da agropecuária e das lutas de resistência
dos trabalhadores, que são inerentes ao processo desigual e contraditório
das relações capitalistas de produção”.
O Brasil se destaca neste caso, por ser o segundo país no mundo
em concentração de terra (MORISSAWA, 2001). Dados desta
concentração são apresentados pelo Atlas da Questão Agrária Brasileira
(GIRARDI, 2008)
13
, mostrando que em 2003 os municípios com médio
e baixo índice de Gini
14
, até 0,500 eram 924 (16,6% dos 5565
municípios) e compreendiam seis por cento da área total dos imóveis
rurais. Os valores do índice entre 0,501 e 0,800 eram verificados em
4.283 municípios (76,9%) e compreendiam 83,1% da área total dos
imóveis rurais, de forma que esta classe é predominante no território
brasileiro. Por fim, os municípios com grau de concentração acima de
13
Trabalho completo disponível em: http://www4.fct.unesp.br/nera/atlas/index.htm
14
Em 2003 o índice de Gini para o Brasil era 0,816, o que indica grande concentração, que
quanto mais próximo de 1, maior é o grau de concentração da terra. A evolução entre 1992 e
2003, de apenas 0,010, confirma que as políticas de reforma agrária não tocaram na
concentração geral da estrutura fundiária brasileira (GIRARDI, 2008).
22
0.800 eram 359 (6,4%) e detinham 10,8% da área total dos imóveis
rurais. O mapeamento do índice de Gini permite concluir que os médios
e altos graus de concentração fundiária o predominantes no território
brasileiro, de forma que a maior parte da área total dos imóveis rurais
está concentrada de forma média até alta.
Frente à concentração de terra no país, pode-se questionar se a
terra, enquanto um dos direitos de todo ser humano, está cumprindo sua
função social, pois, segundo a Constituição Federal de 1988, em seu
Artigo 186, a função social da terra só é atendida quando a terra é
aproveitada de forma racional e adequada; quando se utilizam de forma
adequada os recursos naturais; quando se preserva o meio ambiente;
quando se observa a regulamentação acerca das relações de trabalho; e
quando a exploração da terra favorece o bem-estar do proprierio e dos
trabalhadores. Caso esses requisitos não estejam sendo cumpridos, cabe
à União, Artigo 184 da Constituição, desapropriar por interesse social,
para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo
sua função social (...)” (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA
FEDERATIVA DO BRASIL, 1988/2004, p. 111).
No entanto, a desapropriação das terras que não cumprem sua
função social ainda é uma política precária, pois nos mais de quarenta
anos desde a criação da primeira Lei de reforma agrária, o Estatuto da
Terra, novas políticas agrárias e leis complementares foram criadas, mas
as mudanças que ocorreram não foram significativas no que diz respeito
à efetiva desapropriação das terras que não cumprem sua função social,
para fim de reforma agrária.
Dada esta realidade, os movimentos de luta pela terra foram
surgindo e se intensificando cada vez mais, principalmente nos anos 70.
Com o processo de modernização da agricultura, grandes contingentes
populacionais foram sendo expulsos do meio rural constituindo um
grande número de sem terras, principalmente no Sul do país. Tal
processo substituiu muitos trabalhadores do campo, pois a mecanização
da agricultura não favoreceu os pequenos agricultores, que acabaram
não conseguindo mais concorrer com os grandes produtores. Desta
forma, a alternativa foi, para muitos, migrar para as cidades atrás de
emprego e melhores condições de vida (CALDART, 2004,
MEDEIROS, 2003).
Como resultado de fatores econômicos, sociais e políticos, um
grande número de trabalhadores foi expropriado ou expulso da terra e,
23
ao mesmo tempo, excluído do trabalho urbano, formando um
contingente de pessoas dispostas a lutar pela terra. Piana (2009) destaca
a influencia da Igreja Católica no Brasil, sob a perspectiva da Teologia
da Libertação, como um aspecto significativo na constituição de
diversos movimentos sociais, especialmente no período da ditadura
militar e, entre eles, o surgimento do MST. A luta dos sem terra teve
como principal mediador as Comunidades Eclesiais de Base (CEB‟s),
que vinham desenvolvendo um trabalho junto à população do campo
desde o início dos anos 70 e, com a criação da CPT, este trabalho foi
fortalecido ainda mais a partir de 1975, contribuindo na organização dos
trabalhadores do campo e impulsionando as primeiras ocupações de
terra (CALDART, 2004, MORISSAWA, 2001, STRAPAZZON, 1997).
Com toda uma base de sem terras, ocorreu em 1984 a fundação
do MST e em 1985, o I Congresso Nacional do Movimento, onde a
palavra de ordem era Ocupar é a única solução”. Naquele momento não
se vislumbrava qualquer possibilidade de acordo com o governo vigente
em relação à reforma agrária, aparecendo como a única solução para a
construção da democratização da terra, as ocupões
15
e lutas de massa.
Logo após esse congresso, eclodiram ocupações em todo o país. Em
Santa Catarina, cinco mil famílias de mais de 40 municípios ocuparam
18 fazendas e, nesse contexto, o MST foi se expandido pelo Brasil
(MORISSAWA, 2001).
O processo de ocupação continuou em Santa Catarina em 1987,
nas cidades de Campo Erê, Irani, Campo Alegre, Ibirama, Palma Sola e
Garuva, resultando em vários assentamentos. Continuou na década de
90 com ocupações em Abelardo Luz, Chapecó, Curitibanos, entre
outros. Até 1990, em Santa Catarina, o MST tinha conquistado 50
assentamentos para 2.031 famílias. Após 1992, outros assentamentos
foram conquistados em Joaçaba, Matos Costa, Abelardo Luz,
Catanduvas, Fraiburgo, Passos Maia e em Joinville surgiram novos
focos de ocupação (MORISSAWA, 2001). Da mesma forma, no resto
do país, o MST foi se expandindo por meio de ocupações, de
acampamentos e assentamentos.
Desta forma, ontem e hoje, o MST define-se como um
movimento de massas de caráter popular e político que luta pela
democratização da terra através da reforma agrária, por mudanças no
15
A ocupação tem como objetivo gerar o fato político para chamar atenção e buscar uma
resposta rápida do governo por meio do tensionamento político (MORISSAWA, 2001).
24
modo de produção da vida e, tamm, busca acabar com os latifúndios e
com o acúmulo do capital (MORISSAWA, 2001). Alguns de seus
compromissos e lutas defendidas e reafirmadas no último Congresso
Nacional do Movimento em 2007
16
estão apresentados abaixo.
Nos comprometemos a seguir ajudando na organização do povo, para
que lute por seus direitos e contra a desigualdade e as injustiças sociais.
Por isso, assumimos os seguintes compromissos: Articular com todos os
setores sociais e suas formas de organização para construir um projeto
popular que enfrente o neoliberalismo, o imperialismo e as causas
estruturais dos problemas que afetam o povo brasileiro; Lutar para que
todos os latifúndios sejam desapropriados e prioritariamente as
propriedades do capital estrangeiro e dos bancos; Lutar por um limite
máximo do tamanho da propriedade da terra. Pela demarcação de todas
as terras indígenas e dos remanescentes quilombolas; Conclamamos o
povo brasileiro para que se organize e lute por uma sociedade justa e
igualitária, que somente será possível com a mobilização de todo o povo.
As grandes transformações são sempre obra do povo organizado; E, nós
do MST, nos comprometemos a jamais esmorecer e lutar sempre (MST,
2007).
Neste sentido, observamos que o MST o luta apenas por terra,
mas por outras bandeiras específicas e, tamm, por um projeto de
sociedade. Segundo Scherer-Warren (2000), na prática do Movimento,
os seus objetivos e lutas vêm sendo desdobradas em diversos tipos de
ações coletivas que vão das reivindicações para conquistas imediatas, à
luta por direitos de cidadania e transformações sócio-político-culturais a
médio prazo e à realização de um projeto utópico num tempo histórico
mais longo (p.42).
Scherer-Warren (2009) propõe um modelo de análise dos
movimentos sociais
17
a partir de elementos contemponeos que
circunscrevem os movimentos, sejam eles: 1) as demandas materiais,
simbólicas e políticas; 2) o formato organizacional; 3) os atores
estratégicos e, 4) as relações com o Estado e sociedade civil. Para a
análise específica do MST, destacamos a análise do elemento que diz
respeito às demandas materiais, simbólicas e políticas do Movimento,
16
Informações obtidas do site do MST http://www.mst.org.br em abril de 2009.
17
Modelo de análise apresentado pela Professora Ilse Scherer-Warren, na disciplina Teoria dos
Movimentos Sociais e Sociedade Civil, do Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política,
no dia 17 de abril de 2009.
25
pois são aspectos emergentes do cotidiano dos acampados e assentados,
como também, do cotidiano de outros movimentos.
As demandas materiais têm como referência objetiva as exclusões e
carências cotidianas dos sujeitos-base das lutas e são, portanto, histórica
e espacialmente referenciadas. (...) Essas demandas se tornam signos e
representações simbólicas através da tradução de seus significados em
políticas de cidadania. Portanto, quando necessidades materiais
transformam-se em representações simbólicas de carências de
determinados grupos e, conseqüentemente, eles constroem pautas
políticas reivindicativas ou para a transformação social dessa situação,
temos o nascimento de umaão coletiva ou de movimento social
específico (SCHERER-WARREN, 2008, p. 508).
No caso do MST, a demanda por terra tem um significado, mas
que traduzido para o campo simbólico é ressignificada como uma
demanda por cidadania e justiça social, provocando a criação de pautas
políticas reivindicativas que transcendem a luta pela terra, em direção à
luta por direitos humanos diversos. Porém, segundo a mesma autora, é
preciso ressaltar queo há uma relação de causa e efeito entre as
demandas materiais e o nascimento de uma ão coletiva, de um
movimento social ou da transformão de sujeitos em atores
politicamente ativos. Ou seja, é fundamental destacar que a carência
material não produz, por si só, movimentos sociais.
O movimento resulta do sentido coletivo atribuído a essa carência e da
possibilidade de identificação subjetiva em torno dela. Resulta também
da subsequente transformação dos sujeitos em atores políticos, da
respectiva transformação das carências em demandas, dessas demandas
em pautas políticas e das pautas políticas em ações de protestos. Além
disso, para se observar o surgimento de um movimento social
propriamente dito, esse deve ter a capacidade de auto-identificação
coletiva em torno de conflitos, de adversários centrais a serem
enfrentados e da construção de projetos e utopias de mudança
(SCHERER-WARREN, 2008, p.510 e 511).
Sobre a questão trazida por Scherer-Warren (2008) os
movimentos sociais não resultam do imperativo das demandas materiais,
mas tamm do sentido coletivo atribuído a essa demanda e da
possibilidade de identificação dos sujeitos em torno dela. A autora fala,
26
em outros termos, da necessidade de uma identidade coletiva e política
que una os sujeitos em torno de uma demanda que é compartilhada.
Em relação à identidade coletiva, Prado (2005) coloca que para
compreender a formação de uma identidade coletiva (Nós), é preciso
estabelecer a relação constitutiva com o Eles. No entanto, o autor define
identidade coletiva como processos psicossociais e políticos que se dão
nas relações intra e intergrupos, redefinindo lógicas de pertença e de
diferenciação e indiferenciação grupal” (PRADO, 2005, p. 53). Assim,
um coletivo que se define e se forma por questões de identidade, não
necessariamente possui antagonistas ou se encontra em condições de
subordinação e/ou opressão. Esta formão coletiva articula-se, então,
por meio de uma política identitária, ou seja, não constroem um espaço
político de oposição e enfrentamento, mas se unem e se consolidam por
compartilharem crenças e valores, pelo sentimento de pertença grupal,
por relações de reciprocidade, entre outros aspectos (PRADO, 2005).
Porém, a identidade coletiva no campo da
diferenciação/oposição, pode ser compreendida como uma identidade
politizada. As práticas sociais que constituem o processo de formão de
identidades políticas podem ser definidas, segundo Prado (2005), pelos
seguintes elementos: a formão da identidade coletiva grupal, que
encontra nas pticas coletivas e na criação do sentimento de pertença
grupal seu conteúdo, a subversão das relações de subordinação em
relações de opressão, ou seja, na conscientização do caráter político das
posições diferenciais dos agentes sociais e a delimitação das fronteiras
políticas mediante as relações intergrupais nos vínculos de
reciprocidade (p.54).
Desta forma, Prado e Lara (2003), em estudo sobre a construção
da identidade política do MST por meio da mística, consideram que as
identidades políticas o processos de criação e constituição necessários
para a continuidade dos movimentos sociais e das ações coletivas.
Citando Melucci, que diz que a identidade coletiva é um processo de
aprendizado o qual implica a forma e manutenção de um ator empírico
unificado que poderíamos chamar de movimento social‟”, os autores
afirmam que, além da identidade coletiva e política ser necessária para o
surgimento de um movimento, ela também é fundamental para a
manutenção do movimento social (PRADO e LARA, 2003, p. 22).
Sobre a manutenção dos movimentos sociais, Prado e Lara (2003,
p. 22) apontam que esta sempre foi uma questão nodal para os
27
militantes e estudiosos, pois normalmente o que se vê é um refluxo da
participação social a partir do ganho de algumas reivindicações. No
entanto, os aspectos simbólicos, ideológicos e culturais podem nos dar
uma nova pista de como encontrar processos coletivos que manm
grupos e ações em movimento”. Ou seja, não são só as demandas
materiais que produzem identificações e que fazem um movimento
surgir e permanecer, mas tamm, as construções simlicas,
ideogicas e culturais, que envolvem os sujeitos nas suas práticas
cotidianas.
Touraine (2006) define movimento social (MS) como um
coletivo organizado que possui uma identidade econômica, social ou
cultural, um adversário e um projeto de transformão social. Para este
autor, existe movimento social se existirem ações coletivas por parte
deste movimento. Distingue-se, então, movimento social de ação
coletiva, esclarecendo que não se pode aplicar a noção de movimento
social a qualquer tipo de ação coletiva, conflito ou iniciativa política,
mas sim, “reservar a idéia de movimento social a uma ação coletiva que
coloca em causa um modo de dominação social generalizada
18
(TOURAINE, 2006, p.18).
As definições de Touraine estão ancoradas principalmente na
noção dos movimentos sociais, característicos da sociedade industrial do
século XX. No entanto, ao questionar se ainda devemos utilizar o
conceito de movimento social no contexto contemporâneo, ou seja, na
sociedade dita pós-industrial, da informão ou da comunicação”, o
autor afirma que,
ainda que seja, provavelmente, mais fecundo partir da hipótese de que os
movimentos sociais propriamente ditos desapareceram e foram
substituídos, de um lado, por puros movimentos históricos e, de outro,
por movimentos culturais e sociais, parece-me indispensável recusar
essa conclusão perigosa e manter todos os mecanismos intermediários,
ainda que fracos, que impeçam uma completa separação entre
movimentos sociais propriamente ditos e movimentos nascidos da
18
Entendo que uma relação social de dominação pode suscitar uma ação que mereça o
nome de movimento social se atuar sobre o conjunto dos principais aspectos da vida social,
ultrapassando as condições de produção em um setor, de comércio ou de troca ou, ainda, a
influência exercida sobre sistemas de informação e de educação” (TOURAINE, 2006, p.18 e
19).
28
gestão dos processos de transformação histórica (TOURAINE, 2006,
p.27 e 28).
Os movimentos nascidos dos processos de transformão
histórica, ou seja, os chamados novos movimentos sociais (NMS),
ganharam ênfase nos estudos sociológicos na década de 80. Santos
(2001) esclarece que estes movimentos surgem de transformações
históricas das sociedades onde o definidas lutas específicas que
buscam a transformação do cotidiano das vítimas da opressão, aqui e
agora e não em um futuro distante, diferentemente das lutas mais
generalizadas que marcavam os velhos movimentos sociais no processo
histórico da sociedade industrial.
Maheirie (1997) articula essas concepções dizendo que a utopia
não deixa de existir, mas passa a ser vivida desde já, na práxis cotidiana,
e desde o plano individual, tomando a forma de NMS, reestruturando de
certa maneira o contexto mais amplo (p. 165). Assim, seriam
necessárias no contexto contemporâneo, estratégias poticas dialéticas
para os movimentos no que tange a busca por transformações no âmbito
mais generalizado da sociedade (TOURAINE, 2006) e transformões
específicas no cotidiano dos sujeitos (SANTOS, 2001).
Segundo Machado (2007), observam-se mudanças nas
características dos MS face às novas tecnologias de informão e
comunicação, sendo que as demandas dos movimentos sociais são
variadas, específicas e, tamm, peculiares aos contextos sociais,
históricos e culturais. Os MS, para este autor, têm como características a
multiplicidade de identidades e a circulação de militantes”. Essas
características tratam da circulação dos militantes nas redes de
movimentos sociais
19
e da possibilidade dos sujeitos estarem
comprometidos com várias causas e atores coletivos ao mesmo tempo,
conectados por questões identitárias (MACHADO, 2007). A articulação
dos movimentos e atores políticos em rede, característica
contemporânea de organização dos MS pressupõe eno, “a
identificação de sujeitos coletivos em torno de valores, objetivos ou
projetos em comum, os quais definem os atores ou situações sistêmicas
antagônicas que devem ser combatidas e transformadas” (SCHERER-
WARREN, 2006, p. 5).
19
Sobre redes de movimentos sociais vide Scherer-Warren (2002, 2005, 2006, 2008).
29
Neste sentido, Machado (2007) fala sobre o erro da teoria
marxista da ação social quando esta enfoca sua análise baseando-se nas
estruturas sociais de classe e, por conseqüência, trata pouco das questões
de identidade, valores e dos mecanismos e dinâmicas do sistema
político. É na direção contrária, então, que autores como Melucci (1999)
abandonam, no processo de suas reflexões, conceitos da teoria marxista,
por compreender que estes estão vinculados à sociedade industrial
capitalista.
Para este autor, há a necessidade de conceitos mais adequados,
considerando que os conflitos atualmente estão, de certa maneira,
desconectados do sistema econômico-industrial e estão mais ligados ao
âmbito cultural, centrando-se na identidade individual, no tempo e
espaço da vida, na motivação e nos códigos dos atos cotidianos; isso
implica uma cuidadosa redefinição sobre o que é um MS e suas formas
de ação (MELUCCI, 1999).
Para Santos (2001) a novidade dos novos movimentos sociais
está tanto na crítica à regulação capitalista, quanto na crítica à
emancipação socialista defendida pelo marxismo. Na opinião do autor,
os NMS denunciam com uma radicalidade sem precedentes as formas de
opressão do capitalismo, pois tais opressões alcançam não somente o
modo como se trabalha e se produz, mas tamm o modo como se
descansa e se vive. Ou seja, o modo de produção capitalista que por
meio da exploração do trabalho humano produz mais valia, tornou
possível que a mesma lógica fosse difundida em todos os setores da vida
social, pois a mais valia pode ser sexual, étnica, religiosa, geracional,
política, cultural (SANTOS, 2001).
Neste sentido é que o cotidiano se torna o palco de relações
concretas de opressão e controle, pois é tamm o lugar onde a vida
acontece em todas as suas dimensões. Lugar onde se pode viver e
reproduzir de maneira naturalizada todas as mais valias” possíveis ou
refratar essas realidades de modo a transformar essas relações. É no
cotidiano, então, que os sujeitos produzem e (re)criam o mundo, na
mesma medida em queo produzidos e (re)criados por ele.
Assim, Scherer-Warren (2000) conjectura que o objetivo material
imediato para o MST, ou seja, a terra, não é suficiente para
concretização do projeto de sociedade que o Movimento deseja. É neste
sentido que o Movimento inclui outras lutas sociais em busca do projeto
de uma sociedade socialista, como por exemplo, o combate à violência
30
sexista, a democratização da comunicação, a defesa da saúde pública,
defesa da educação pública gratuita e de qualidade, defesa da
diversidade étnica, defesa do acesso à cultura, entre outros
20
. A utopia
por esta sociedade adquire uma complexidade maior, segundo a autora,
pois é um processo que precisa ser incorporado na vida cotidiana dos
sujeitos.
Para Vendramini (2007), o MST se move, então, entre o velho e o
novo, em um movimento dinâmico e de contradições sociais, onde ele
incorpora temáticas atuais em suas lutas, como a questão ecológica, a
questão de gênero e outras, sem deixar de fazer a crítica ao modelo
social e econômico global. A autora enfatiza que as ações dos
movimentos sociais estão relacionadas com questões objetivas e
subjetivas, pois as lutas dos movimentos emergem em determinados
contextos sociais, os quais produzem e reproduzem um estágio das
foas produtivas e das relações sociais de produção.
Ao falar de movimentos seja na concepção dos velhos” ou dos
novos”, fala-se de relações entre sujeitos e coletivos que se constituem
dialeticamente, formando laços, identidades, valores, idéias, etc. Trata-
se tamm, de uma sociedade que não é una, mas diversificada em sua
geografia, cultura, economia e nas suas experiências históricas de
organização e mobilização social e política. Faz-se necessário, eno, ter
sempre como horizonte de análise, o processo de transformação
objetivo/subjetivo dos movimentos e das sociedades, na dialética
passado-presente-futuro. E ainda, como aponta Scherer-Warren (2006),
os movimentos podem ser contemporaneamente mais amplamente
compreendidos, quando analisados a partir da perspectiva de redes
sociais e organizacionais, ou melhor, a partir das redes de movimentos
sociais.
No caso do MST, este se articula a redes de movimentos sociais,
como é o caso da Via Campesina e, também, contribui na criação de
redes para a defesa e enfretamento de bandeiras que são específicas, mas
que agregam atores plurais. Na luta pela reforma agrária observamos
que, na atual conjuntura de luta dos movimentos sociais, uma união
dos movimentos do campo e da cidade. O MST, neste sentido, se
articula com diversos atores sociais e políticos como, por exemplo, os
Atingidos por Barragens, o movimento por Moradia Popular,
20
Informações obtidas do site do MST http://www.mst.org.br em abril de 2009.
31
Movimento Quilombola, os sindicatos, o movimento estudantil e tantos
outros, formando assim uma rede de atores políticos plurais, mas que se
unificam em torno de lutas específicas.
Desta forma, é que a noção de rede pressupõe a identificação de
sujeitos coletivos em torno de valores, objetivos ou projetos em comum,
os quais definem os atores ou situações sistêmicas antagônicas que
devem ser combatidas e transformadas” (SCHERER-WARREN, 2006,
p. 113). A articulação em rede de movimentos se dá, então, por meio das
identidades políticas (PRADO, 2005, SCHERER-WARREN, 2006). As
redes aproximam atores políticos diversificados, dos níveis locais aos
mais globais, com o objetivo de ganhar maior visibilidade, gerar maior
impacto na esfera pública e obter a manutenção e a conquista de direitos
que transversalizam diversos movimentos (SCHERER-WARREN,
2006).
32
3. O PROCESSO DA PESQUISA (MÉTODO)
3.1 Pesquisar e constituir-se pesquisador
“se a uva é feita de vinho, talvez a gente seja as palavras que
contam o que a gente é” (Galeano).
Inicio o método propondo algumas reflexões sobre o processo de
constituição do (a) pesquisador (a), dessa pessoa que lê, relê, escreve,
apaga, cria e recria, questiona, questiona o outro, questiona a si mesmo,
dialoga, emaranha-se nos textos que produz e reproduz para responder
às suas inquietações e às demandas sociais que necessitam de aportes
teórico-práticos. Em foco, falo do sujeito que se permite a autoria de
discursos sobre a vida dos (as) homens/mulheres em contextos sociais e
que, muitas vezes, não se conta da produção do conhecimento como
processo dialógico, ou seja, como processo que envolve a relação e
transformões recíprocas. Em síntese, um sujeito que, ao mesmo tempo
em que produz conhecimento, vai se constituindo enquanto pesquisador,
na relação de autoria/alteridade.
Faz-se necessário explicitar que, ao problematizar a constituição
do pesquisador, problematizo também meu próprio fazer enquanto
pesquisadora e o movimento em que me construo enquanto tal. Porém,
entendo que este processo de olhar o pesquisador como outro e, ao
mesmo tempo, compreender que falo de um outro, o qual tamm sou,
complexifica o posicionamento exotópico, ou seja, dificulta a
possibilidade de que eu possa desdobrar olhares a partir de um lugar
exterior ao que me proponho a discutir (AMORIN, 2003). No entanto,
Sobral (2008b) ressalta que essa posição exotópica é um estar fora
relativo, pois é uma posição de fronteira, móvel e que não ultrapassa o
mundo, mas o vê com certa distância com o objetivo de transfigu-lo na
construção de uma obra, seja ela estética ou não.
De certo modo, o presente texto, caracteriza-se assim, como todo
e qualquer discurso, como dialógico e ideológico. Ideológico, pois a
palavra escrita está em relação ao outro como um signo, sempre e
necessariamente posicionado em relação a um leitor pressuposto e ao
próprio foco do discurso. A palavra escrita, nesse sentido, assim como
todo e qualquer signo, existe em relação, ou seja, entre os sujeitos.
Para Bakhtin (1992, p.36), “a palavra é o fenômeno ideogico por
33
excelência. (...) A palavra é o modo mais puro e sensível de relação
social”. A palavra/signo, portanto, caracteriza-se por uma tensão entre
seus variados sentidos coletivos/singulares e, uma vez proferida,
caracteriza cada discurso como acontecimento em que sentidos outros
podem ser produzidos. Desta forma, a escrita, além de seu caráter
ideológico, tamm é dialógica, pois objetiva um (in)tenso debate com
palavras outras, com vozes sociais que são apropriadas e com as quais o
sujeito que escreve estabelece relações de acolhimento, oposição,
indiferença, resistência.
A dialogia no processo de produção de um texto levanta, desde
já, a questão da autoria, pois não escrevemos nem pensamos sozinhos:
afirma Bakhtin (1992) que toda palavra própria é palavra alheia tornada
própria, em consonância com a afirmão de Vygotski (1987, p.162) de
que cada sujeito, ainda que “(...) a sós consigo mesmo, segue
funcionando em comunicação
21
. Estamos, portanto, sempre em relação
com um outro, presente/ausente, sendo a produção do conhecimento em
sua forma escrita sempre compartilhada e articulada com outros saberes
e fazeres. A palavra escrita pode ser compreendida, então, como
objetivação de um processo dialógico não necessariamente harmonioso,
processo onde variadas vozes sociais estão em relação e podem vir a ser
modificadas no próprio processo de produção de conhecimentos.
Para Faraco (2006, 2008), assumir uma autoria é se colocar numa
posição axiológica, ou seja, numa posição atravessada por valores e
deslocar-se para outras vozes sociais. Ao assumir uma posição
axiológica, todo sujeito pesquisador responde, refuta, cria e confirma
algo, sendo que para Bakhtin (1926, 1976, p.2), todos os produtos da
criatividade humana nascem na e para sociedade humana”.
Nesta perspectiva, produzir conhecimentos requer assumir uma
posição de responsabilidade e responsividade pelo que se produz, como
tamm problematizar o pprio lugar social de onde se fala. O
pesquisador, nessa perspectiva, é sujeito agente que produz discursos no
diálogo com discursos outros, sendo responsável pelo que profere ou
deixa de proferir. Sua posição é de “responsibilidade”, ou seja, a
unificação de responder pelos próprios atos e de responder a alguém ou
alguma coisa (SOBRAL, 2008a).
21
Reflexões sobre a dimensão da alteridade, característica da atividade psicológica segundo o
enfoque histórico-cultural em psicologia, encontram-se em Zanella (2005).
34
Essa unificação possibilita refletir sobre a relação intrínseca entre
o pesquisador e as condições de produção do conhecimento, como sua
relação com os muitos outros com os quais dialoga. Parece algo
simples, partindo da consideração do axioma outro-eu/eu-outro, ou seja,
da alteridade. Esta é entendida como relação constante com um outro,
pois a existência de um sujeito só é possível por meio de relações sociais
sempre marcadas pelos muitos outros que caracterizam as culturas
(ZANELLA, 2005). A ciência, neste caso, não trata da realidade
propriamente dita, mas de uma construção possível de uma época,
possível a um sujeito e à cultura que o constitui, com as variadas vozes
que participam desse diálogo. Tanto o sujeito que pesquisa como o
produto de sua pesquisa são, neste caso, datados e sujeito de devires.
Faz-se necessário, então, produzir conhecimentos que não
pretendam ser universalizantes. Ao contrário, é preciso afirmar uma
ciência dos acontecimentos. Isso quer dizer, produzir uma ciência
humana que problematize as condições em que se vive, locais, situadas
historicamente, (re)produzidas por sujeitos que são complexos,
heterogêneos e que estão em movimento, constituindo-se como únicos.
Para Bakhtin e seu Círculo, o acontecimento, evento ou ato,
conceitos trabalhados como tessitura em uníssono, é um estar sendo
num tempo-espaço, onde o recorte do evento é o acontecimento. No
acontecimento, os sujeitos atuam, ou pode-se dizer que os atos
constituem eventos
22
. Segundo Sobral (2008a, p. 27), o evento é um ato
abarcador que inclui os vários atos da atividade do homem ao longo
desse diálogo permanente que é a vida”. Bakhtin (2003, p. 128)
esclarece que o homem vivente se estabelece ativamente de dentro de
si mesmo no mundo, sua vida conscientizável é a cada momento um
agir: eu ajo através do ato, da palavra, do pensamento, do sentimento; eu
vivo, eu me torno um ato [...]”.
A partir deste olhar, para Bakhtin (2003, p. 395), o objeto das
ciências humanas é o ser expressivo e falante. Esse ser nunca coincide
consigo mesmo e por isso é inesgotável em seu sentido e significado”.
Neste foco, tanto o processo como o conteúdo dos diálogos dos sujeitos
com a vida, produtor de acontecimentos, constituem-se como objeto de
estudos do(a) pesquisador(a). Para Sobral (2008b), há um esforço em
22
As idéias sobre evento-acontecimento-ato foram retiradas das anotações do “Seminário sobre
Bakhtin”, promovido pelos Programas de Pós-Graduação em Psicologia e pelo Programa em
Educação da UFSC em 2008, proferido pelo professor João Wanderley Geraldi.
35
toda obra de Bakhtin e de seu Círculo de identificar a arquitetônica de
seus objetos de estudo, sempre a partir do agir de um sujeito situado,
responsivamente ativo e que se define na relação com os outros na
sociedade e na história” (p. 110), o que não é diferente do enfoque
assumido neste trabalho a partir do olhar da psicologia.
Nessa perspectiva, a produção de conhecimentos em ciências
humanas compromete-se com as relações entre geral e particular,
coletivo e singular, entre produto e processo; ou seja, considera as
dimensões ética, estética e teórica da existência humana, dando ênfase
ao aspecto processual dos sujeitos na relação com os muitos outros com
os quais está em permanente diálogo, enfim, com a vida (SOBRAL,
2008b). Decorre dessa compreensão a premissa de que o sujeito como
tal não pode ser percebido e estudado como coisa porque, como sujeito e
permanecendo sujeito, não pode tornar-se mudo; conseqüentemente, o
conhecimento que se tem dele só pode ser dialógico” (BAKHTIN, 2003,
p. 400).
Problematizar o lugar social de pesquisador(a) que procura
conhecer e produz conhecimentos sobre algo é, então, uma questão
ética
23
, pois acreditar que o valor do conhecimento é o conhecimento em
si, acaba por responder a coisa alguma e, desta forma, não teria razão
para existir a pesquisa (Sobral, 2008b). Essa problematização, por sua
vez, dialetiza o campo da ética e da ciência, na medida em que o
pesquisador está no campo da “responsibilidade”, entendendo que a
produção de todo e qualquer conhecimento é histórico e socialmente
situado.
No campo da ciência, toda pesquisa precisa ter um
empreendimento teórico que leve em conta a especificidade do estudo,
como também, a particular inserção do sujeito pesquisador em relação
ao campo investigado, ciente de que toda pesquisa necessita de um
conhecimento e um desconhecimento. Isso significa que aspectos do
objeto que ele poderá conhecer a posteriori. O pesquisador precisa,
neste sentido, considerar como mote para sua atividade o que quer
conhecer, para que e porque quer conhecer, porém tendo sempre como
23
Bakhtin leva em consideração, ao avaliar os princípios éticos, sua aplicabilidade no plano
concreto da vida, da realização concreta de atos pelos quais o indivíduo, ao neles deixar sua
„assinatura‟, se responsabiliza pessoalmente, mas perante a coletividade, e em termos
específicos“ (SOBRAL, 2008, p. 25).
36
horizonte a possibilidade de a pesquisa levá-lo ao insuspeitado
(SOBRAL, 2008b).
No campo do ético, extremamente relacionado com o dito no
campo da ciência, é ético por parte do pesquisador reconhecer seu lugar
na pesquisa e seu lugar enquanto sujeito no mundo, e manter uma
relação exopica com o objeto de estudo. É ético por parte do
pesquisador reconhecer a fragilidade de seu método ou teoria em relação
ao objeto da pesquisa e, reconhecendo isso, investir em revisões teóricas
e metodológicas e até mesmo, abandonar e recorrer a outros aportes para
dar conta do estudo (SOBRAL, 2008b), pois “não existe a primeira nem
a última palavra, e não limites para o contexto dialógico”
(BAKHTIN, 2003, p. 410).
Além da relação entre o campo da ética e da ciência, tamm
podemos incluir o campo da estética, pois segundo Sobral (2008b, p.
115), “o caráter de construção arquitetônica de toda pesquisa, que
envolve a criação de uma totalidade orgânica que permite à pesquisa ir
além de uma construção mecânica e constituir-se em totalidade dotada
de sentido, [é] que constitui o plano do estético”.
O campo da estética articula-se então, com o da ciência e da ética,
construindo um novo objeto, ou seja, o texto da pesquisa. A construção
do texto, segundo Sobral (2008b), é um campo perigoso que beira o
delírio, pois ele sempre pede mais, exige mais do pesquisador que
escreve. No entanto, indica a necessidade de que o todo do texto de
ser articulado autoralmente, o que envolve a relação com o outro e com
o objeto; o outro é o objeto, são os sujeitos da pesquisa, são os membros
da comunidade acadêmica etc.” (SOBRAL, 2008b, p.117).
O processo da pesquisa se constitui como uma totalização
analítica e está implicado em uma postura ético-estética, a partir da
atividade do conhecer, onde pesquisador e sujeito da pesquisa se
constituem mutuamente, em relações dialógicas e alteritárias. Por meio
do processo que envolve tais relações, o pesquisador desconstrói
significados fossilizados do saber psicológico para (re)constr-los a
partir do discurso contextualizado do sujeito. Ao produzir o olhar
analítico, o pesquisador se posiciona “dentro e ao mesmo tempo “fora
do contexto para, então, produzir um novo olhar que se faça estético.
Este é um olhar outro, estrangeiro”, daqueles que podem produzir um
excedente de visão (BAKHTIN, 2003), suporte para que o sujeito
amplie seu olhar em relação ao contexto investigado e em relação a si
37
mesmo. A análise aponta para as relações dialógicas e o processo de
constituição dos sujeitos em relação, onde o pesquisar envolve uma
saída, um afastamento, um movimento exotópico (BAKHTIN, 2003) em
relação à inteligibilidade daquele que analisamos e, principalmente, em
relação a nós mesmos.
A postura ético-estética, o pesquisar, a problematização teórico-
metodológica, a produção do texto, os vários outros, a
“responsibilidade”. Condições e relações que constituem o sujeito
pesquisador e ao mesmo tempo o contexto e os sujeitos com o quais
pesquisa. Estes se constituem com e pelos vários outros que
caracterizam a cultura, no diálogo (in)tenso com múltiplas vozes que
ecoam nas palavras próprias/alheias e que caracterizam o psiquismo
humano como semioticamente mediado. Ou seja, a relação é de
alteridade, pois há um eu em relação a um outro, e são os signos que
mediam o processo de interação eu-outro, refletindo uma dada realidade
e ao mesmo tempo possibilitando aos sujeitos refratá-la (BAKHTIN,
1992).
Refratar significa, na concepção bakhtiniana, que por meio dos
signos os sujeitos, am de descreverem o mundo, tamm o
(re)produzem no decorrer da história e das múltiplas e diversas
experiências dos grupos humanos com os quais se relacionam
(FARACO, 2006). Há então, um processo de relação no refletir e
refratar a realidade, que pode ser compreendido por meio do movimento
de subjetivação/objetivação, onde os sujeitos produzem e (re)criam o
mundo, na mesma medida em que são produzidos e (re)criados por ele.
O (a) pesquisador (a) é, portanto, um sujeito que se constitui
como todos os outros, ou seja, na relação de alteridade mediada
semioticamente. No entanto, problematizo o processo de constituição
do(a) pesquisador(a), pois seu agir produz discursos sobre outros
sujeitos e, muitas vezes, propõe intervenções voltadas à vida de
diferentes pessoas, em variados contextos e condições. Neste sentido, é
preciso que o(a) pesquisador(a) leve em conta as possibilidades e
impossibilidades de reflexão criativa sobre as realidades em que atua e
que com sua pesquisa, necessariamente irá modificar, tendo sempre
como perspectiva, uma postura ético-estética na produção do
conhecimento.
38
3.2 Os caminhos percorridos no processo da pesquisa
“Quando chegar na terra, lembre de quem quer chegar. Quando chegar
na terra, lembre que tem outros passos pra dar” (Bogo).
Pensando o método como a escolha de um caminho a percorrer e
construir no pesquisar, os primeiros passos foram dados por meio do
diálogo com dois dirigentes estaduais do MST em Santa Catarina, em
novembro de 2008, com o objetivo de apresentar algumas idéias da
pesquisa e para que os representantes do Movimento também pudessem
contribuir com esse caminho, apontando possibilidades e
impossibilidades da pesquisa dentro do MST. O contato telefônico de
alguns dirigentes do MST no estado havia sido obtido em 2006, quando
na pesquisa para a monografia.
Num primeiro contato com um dos dirigentes, obtive a
informação de que o Movimento vem investindo na área da cultura,
tanto em relação à música, como com o teatro e que realmente ainda
falta uma sistematização de como isto vem acontecendo dentro do MST.
Tamm fui informada que no final do mês de dezembro de 2008
haveria um Encontro Estadual do MST em Santa Catarina do qual eu
poderia participar e tamm conversar com o coletivo de cultura do
Movimento. No entanto não consegui contato na época para saber a
data, e por fim, não participei do encontro.
Por meio do contato com outro sujeito em fevereiro de 2009, falei
para o mesmo que ainda não tinha qualificado o projeto de pesquisa e
que gostaria de poder dialogar mais com Movimento para juntos, a
partir do tema da música, definir o campo e os sujeitos de pesquisa.
Nesta conversa por telefone, o mesmo relatou que no Instituto de
Educação Josué de Castro (IEJC), escola de formão técnica de ensino
médio que o Movimento possui no Rio Grande do Sul, na cidade de
Veranópolis, as turmas possuem oficinas de música. A partir dessa
informação e mediada por um dos dirigentes, entrei em contato com o
IEJC para agendar uma visita à instituição com o objetivo de conhecer a
escola, obter mais informações sobre as oficinas de música e ver as
possibilidades da escola ser um espaço de diálogo com a pesquisa.
No primeiro contato telefônico com a escola, realizado em 09 de
março, me foi solicitado que eu mandasse um e-mail para a pessoa
responsável pelas visitas na instituição. Em contato com a responsável,
39
esta abriu a possibilidade para que eu fosse fazer a visita para conhecer a
escola nos dias 16, 17 e 18 de março. No dia 17 de março, estive então
na cidade de Veranópolis, no IEJC. Durante este dia, conheci todos os
espaços físicos da escola e um pouco sobre o funcionamento da mesma.
Em conversa com os sujeitos da escola, um deles que é da área de
cultura do Movimento e outro que é um monitor das oficinas de música,
obtive diversas informações sobre as oficinas que são desenvolvidas na
escola. As oficinas de música fazem parte da disciplina de Educação
Artística que todas as turmas possuem, onde am da música o
realizadas oficinas de teatro e de artes plásticas. Quanto às oficinas de
música, elas têm como modalidade a composição coletiva, tanto da letra
quanto da melodia.
Nas oficinas de música acontece o seguinte processo: escolha
coletiva de um tema pela turma; estudo teórico do tema escolhido;
criação coletiva da música (letra e melodia). Os educandos aprendem na
oficina a tocar basicamente violão, mas há o objetivo de ampliar o
aprendizado para outros instrumentos musicais. Um dos sujeitos
destacou a diversidade cultural existente nas turmas onde acontecem as
oficinas de música, o que faz com que as oficinas sejam espaços de
diversidade, mas que conseguem congregar certa unificação através das
produções.
Saí da escola com diversas informações e com a possibilidade de
realizar a pesquisa de campo na escola. No entanto, naquela mesma
semana, ainda seria exposto para a direção da escola a proposta de
minha pesquisa no IEJC. Recebi então, um e-mail comunicando que
neste peodo a escola não abriria campo para pesquisas devido à
conjuntura no estado do RS. Quanto à questão da conjuntura, diz
respeito aos problemas que o MST teve com o fechamento das Escolas
Itinerantes do Movimento no RS. As escolas foram fechadas, na época,
por meio de uma liminar do Executivo e Ministério Público Estadual.
Como a escola não era meu tema de pesquisa, mas um dos espaços onde
a música acontece no MST, segui por outros caminhos.
Depois de um novo contato com um dirigente do Movimento, no
início de maio, obtive a informação de que haveria um encontro para
comemorar os 24 anos do MST no estado de Santa Catarina. Recebi o
convite por email, com as informações sobre a comemoração. Esta foi
realizada no dia 24 de maio de 2009, na cidade de Abelardo Luz, cidade
localizada no oeste do estado. O convite contava que:
40
No dia 25 de Maio de 1985, em torno de 800 famílias de
agricultores sem terra ocuparam a Fazenda Papuã. Foi a chegada
do MST em Abelardo Luz. Numa madrugada gelada, o ronco dos
motores dos caminhões e dos ônibus faziam eco junto ao canto
dos pássaros, que como uma orquestra afinada, anunciavam a
chegada de uma nova aurora. Para chegar à fazenda Papuã, era
preciso atravessar a ponte sobre o rio Chapecó. A fazenda Papuã
estava sendo vigiada por pistoleiros pagos pelo proprietário. Para
impedir o acesso dos Sem Terra, os pistoleiros ateiam fogo à
ponte, mas, antes que ele se alastre, as mulheres descem dos
caminhões e dos ônibus, e conseguem apagar o incêndio. Por
alguns instantes, o ronco dos motores e o canto dos pássaros
foram superados pelos gritos de ordem: “reforma agrária já,
terra para quem nela trabalha!.
Monumento Lembre-se de 25 de Maio!
24
Esta comemoração foi o primeiro evento coletivo que participei
para fins da pesquisa. Fui para Abelardo Luz com a expectativa de
realizar entrevistas com os participantes do evento e aberta às
informações que o dia poderia proporcionar para a pesquisa. Trago para
este texto recortes do registro de campo para contar que: Chegamos à
ponte sobre o rio Chapecó, local marcado para relembrar a ocupação, às
24
O Monumento Lembre-se de 25 de Maio, inspirado na história da fazenda Papuã foi
construído pelos Sem Terra dos assentamentos de Abelardo Luz, em 1999, por meio de uma
intervenção pedagógica de arteducação (BARON, 2004).
41
09:30 horas. A stica ainda não havia iniciado. Estavam no local
diversas pessoas dos assentamentos de Abelardo Luz, dirigentes
estaduais, a imprensa local, e apoiadores do MST. na ponte, antes de
iniciar a mística, havia um carro de som tocando músicas do MST.
Tamm havia um grupo de rapazes sendo que um deles estava com um
violão na mão.
Algumas pessoas carregavam galhos de árvores que seriam
utilizados na mística. Depois da mística
25
, as pessoas foram se
dispersando para ir ao local do almoço. Os assentados vieram em dois
ônibus escolares e em carros. Todos os presentes foram à comemoração.
O carro de som puxou a fila de carros, com o som ligado tocando
músicas do Movimento. Chegando ao Assentamento Papuã, local do
almoço e comemoração, estavam diversas pessoas. O local possui
um campo de futebol onde foi realizada a celebração, que durou
aproximadamente uma hora e meia.
“Altar” da Celebração
Na celebração a música esteve bastante presente, sendo utilizadas
neste momento, principalmente músicas da igreja que falam da situação
dos pobres, dos camponeses. Durante a celebração se intercalaram os
símbolos como a bandeira, o facão e a cruz, as músicas, a leitura de
25
A descrição desta mística foi feita no capítulo História e cotidiano da música no MST,
páginas 57 a 59.
42
trechos da bíblia, falas de cunho religioso e as falas de convidados do
Movimento em forma de depoimentos sobre o MST. No momento da
comunhão, foram passados para todos os presentes os produtos que o
produzidos nos assentamentos, como o pão, a batata doce, frutas,
pinhão.
Durante a celebração, Irma, que é dirigente estadual do
Movimento, falou de uma música que foi escrita na época do
acampamento por uma acampada e que foi então cantada. Na celebração
havia dois violeiros, Ezequiel e Dirceu. Irma disse durante a celebração
que a música que não poderia faltar era a Classe Roceira, que então foi
cantada ao final da celebração. Todos foram convidados para o almoço e
depois a música continuou embalada pela dança daquele coletivo.
Neste dia fui informada que a rádio comunitária do assentamento
25 de maio localizado em Abelardo Luz estava organizando um
Encontro de Violeiros. Assim, peguei o telefone e email da rádio para
poder entrar em contato e saber maiores informações sobre o Encontro
para poder participar.
O Primeiro Encontro Regional de Violeiros e Gaiteiros do MST
ocorreu no dia 16 de agosto de 2009, organizado pela Rádio Terra Livre.
Estive presente neste dia e tamm conto por meio do registro de campo
um pouco sobre o encontro. Este iniciou às 10:30 horas da manhã com a
apresentação de uma dupla de violeiros. Todo encontro foi transmitido
ao vivo pela dio, até as 15 horas da tarde. As apresentações foram
sendo feitas individualmente, em dupla e em trios. Os instrumentos
utilizados foram a gaita, o cavaquinho, a viola e o violão. Algumas das
canções tocadas eram de autoria dos próprios assentados e outras eram
composições de artistas que tem como gênero a música caipira e
sertaneja
26
. Tamm foram intercaladas entre as apresentações musicais,
as contações de piadas. Todo encontro ocorreu em frente à rádio,
incluindo o almoço. Depois das apresentações dentro do estúdio da rádio
comunitária do MST, foi feita uma roda de violeiros na parte externa.
26
A diferença entre a sica caipira e a sica sertaneja é que a caipira canta
predominantemente temas sobre a vida no campo, incluindo a história de bichos, chegando
muitas vezes a ser fábula musicada. a música sertaneja é a estilização de ritmos rurais, feita
por não-caipiras nos centros urbanos (ENCICLOPÉDIA DA MÚSICA BRASILEIRA, 1998).
43
Roda de Violeiros
Ao final, foram entregues medalhas a todos os participantes.
Como lembrança, foi entregue a todos os presentes um cartão com as
frases: Cada violeiro é um soldado! Fazemos da viola uma carabina e
do nosso peito um trem blindado!.
A partir das entrevistas realizadas nos eventos coletivos é que
elegemos o contexto do acampamento como campo de pesquisa. As
entrevistas e conversas realizadas nesses eventos apontavam o
acampamento como um contexto onde a música se faz presente de
forma marcante no cotidiano do MST e onde os processos de criação
das letras acontecem. Com essas informões, procurei à Secretaria do
MST em Florianópolis para conversar sobre o projeto de pesquisa e
sobre a possibilidade de estar visitando um acampamento.
Na primeira visita a Secretaria, tive a indicação de um
acampamento em São José do Cerrito. No entanto, fiquei de retornar
para poder falar com um dos coordenadores do Movimento no estado
para definir melhor as datas e local da visita. Num segundo momento,
agendei a conversa com este coordenador. No dia marcado, estava
ocorrendo, em Florianópolis, uma Jornada de luta do MST
27
, com a
presença de aproximadamente 300 acampados e assentados do
Movimento. Acabei indo a o local onde eles almoçaram e então
conversei com os próprios acampados e assentados que vieram para a
27
A Jornada durou dois dias e consistiu em manifestações, conversas com deputados estaduais
e a entrega de produtos da reforma agrária a uma entidade educacional da cidade.
44
Jornada, inclusive pessoas do acampamento indicado anteriormente e
outras de um assentamento que fica em Correia Pinto.
Assim, o coordenador do MST falou para que eu conversasse
diretamente com o pessoal que estava ali, visando agendar a visita ao
acampamento. Em conversa com um dos assentados falei da intenção da
pesquisa e que gostaria de estar visitando um acampamento. Então, ele
falou para que eu fosse até o assentamento em Correia Pinto que fica
próximo ao acampamento em São José do Cerrito, perto da cidade de
Lages/SC, que ele me levaria do assentamento até o acampamento.
Acertamos que eu ligaria para ele para comunicar a data em que
eu estaria indo ao seu encontro, para depois irmos ao acampamento. No
entanto, devido à realização da Feira Sustentável 2009, que ocorreu em
Florianópolis com a presença do MST como expositor de produtos da
reforma agrária, peguei uma carona” com o ônibus que veio do
Acampamento Irmã Jandira, localizado em o José do Cerrito,
retornando junto aos Sem Terra para este acampamento.
Visitei o Acampamento Irmã Jandira no início do mês de
novembro, permanecendo naquele contexto por 5 dias. Estar no
acampamento foi uma experiência bastante marcante, devido às
dificuldades que são enfrentadas pelas pessoas em seu cotidiano. Este
acampamento estava organizado oito meses, com aproximadamente
200 pessoas acampadas, que se dividem em 14 núcleos.
Acampamento Irmã Jandira
45
Para ir ao acampamento na noite em que chegamos de ônibus,
caminhamos oito quilômetros em estrada de chão. Dormi todos os dias
em um barraco, pertencente a um grupo de familiares. O barraco era
grande, dividido em espaço para as camas e outro espaço amplo para a
cozinha. No acampamento, todos os dias é preciso buscar água com
baldes em uma fonte próxima, tanto para beber, como para cozinhar e
tomar banho. A maioria dos barracos possui fogão a lenha, sendo
tamm necessário buscar lenha.
Nos dias que fiquei no acampamento, o calor foi uma das maiores
dificuldades durante o dia, pois debaixo das lonas pretas, o calor era
ainda maior. Outro fator dificultoso da vida nos barracos é a falta de
eletricidade. Logo que começa a anoitecer, começa a ficar mais difícil
de se fazer qualquer coisa, pois se consegue enxergar com lanternas
ou lampiões. Para conseguir se manter no acampamento, os Sem Terra
saem 15 dias para trabalhar em roças, colheitas, plantações e depois
retornam ao acampamento permanecendo mais 15 dias. Para as crianças
que cursam de a série, aulas dentro do próprio acampamento,
sendo que da 5ª série em diante eles (as) estudam em o José do
Cerrito.
O acampamento possui coordenações gerais organizadas por
setores: coord. saúde, coord. educação, coord. trabalho, coord.
segurança, coord. higiene, coord. alimentação e coord. animação. Além
de cada coordenador geral do acampamento por setor, tamm um
representante para cada setor dentro de cada um dos 14 núcleos de
famílias. As discussões e decisões que envolvem o coletivo dos
acampados são realizadas em reuniões e assembléias. A coordenação de
animão e/ou o coletivo de animadores que se formam a partir dos
núcleos, são fundamentais nas reuniões e assembléias, pois abrem as
atividades tocando e cantando o Hino do MST, como tamm encerram
o encontro com música. Aos domingos, um horário específico para o
coletivo de animadores se reunirem para tocar músicas em geral e,
tamm, para ensaiar e aprender as músicas do MST. Neste momento,
todos do acampamento que tiverem interesse podem estar participando.
Estes foram os caminhos percorridos durante todo o processo da
pesquisa. Alguns caminhos desencontrados, outros melhor sinalizados,
mas que delinearam o método e coloriram essa caminhada, pois todas as
experiências, contextos, eventos e conversas com os Sem Terra,
contribuíram para a construção das informações presentes neste estudo.
46
As imagens aqui apresentadas visam mediar a leitura desta dissertação,
que elas tamm falam dos lugares por onde passei e dos Sem Terra
com quem dialoguei.
3.3 A construção das informações para a pesquisa
“E vamos entrar naquela terra e não vamos sair. Nosso lema é
ocupar, resistir e produzir...” (Zé Pinto).
O processo da pesquisa é um movimento onde as investigações e
os estudos estão necessariamente pautados pela relação entre a ciência e
a vida. Neste sentido, esta pesquisa assume uma perspectiva dialética e
histórica na produção do conhecimento, mediado por diversas
linguagens e contextos que procuram dialogar. As informações
presentes na pesquisa são tecidas por uma construção dialógica, onde
estão presentes as observações no acampamento e nos dois eventos
coletivos de que participei: os registros de campo, as entrevistas, as
conversas informais sobre o tema da pesquisa, os debates teóricos e
tantos outros elementos que escapam.
Diário de campo, entrevistas, filmagens
No caso do registro de campo, este foi realizado após minha
participação nos dois eventos coletivos e no Acampamento Irma
Jandira, por meio do relato das observações realizadas. Tais
participações possibilitaram a realização de entrevistas que, sob a
perspectiva bakhtiniana, é entendida como um processo dialógico entre
e com os sujeitos, onde se confrontam múltiplos discursos e onde, tanto
o discurso do sujeito entrevistado quanto o do pesquisador, produz uma
gama de sentidos que o contraditórios e conflituosos (AMORIN,
2003).
A entrevista é um acontecimento único e irrepetível, onde se
encontram dois sujeitos em diálogo. O que se produz desse diálogo é
objeto de reflexão, sendo que o trabalho de dissertar é uma resposta a
esse objeto, criação que envolve contrapalavras, co-autoria, uma gama
de sentidos (BAKHTIN, 2003). Desta forma, as entrevistas foram
abertas e seguiram um roteiro que norteava as questões no diálogo entre
mim e os sujeitos da pesquisa. As questões do roteiro eram: A música
47
está presente no seu cotidiano, como? O que é a música para vo?
Como ela lhe afeta no seu cotidiano? Me fala qual é o lugar da música
para você, aqui no acampamento ou aqui neste evento. Ela tem o mesmo
lugar em outros contextos da tua vida? O que de diferente da música
aqui no acampamento ou aqui neste evento de outros lugares? O que
tem de igual? Quais os significados que você acha que a música tem
para o MST? Como seria no Movimento músicas sem letra,
instrumental? Tem uma cena significativa da sua história no MST onde
a música esteve presente? Qual?.
O critério de escolha dos participantes foi o envolvimento destes
com a música nos espaços em que estive presente. Neste sentido,
procurei convidar para participar da pesquisa, sujeitos de várias faixas
etárias com experiências históricas de relação com a música
diferenciada no MST. Assim, há participantes de ambos os sexos, dentre
eles jovens, adultos e idosos. No primeiro evento coletivo que participei,
ou seja, na Comemoração dos 24 anos do MST em SC, realizei duas
entrevistas. No Encontro de Violeiros, realizei mais três entrevistas e
pude rever uma das entrevistas feita no evento de Comemoração, já que
pude encontrar novamente o entrevistado. Neste caso, levei a entrevista
transcrita para poder dialogar novamente com ele e tirar algumas
dúvidas quanto a palavras que não pude identificar durante a transcrição
da gravação. E, no contexto do acampamento, realizei as últimas quatro
entrevistas.
Assim, todas as entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas
para fins de análise. Os sujeitos entrevistados foram esclarecidos sobre
os objetivos da pesquisa por meio do Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido (TCLE)
28
e concordaram em participar do estudo. Todos os
sujeitos entrevistados concordaram também que eu utilizasse seus
nomes verdadeiros ou seus apelidos nesta dissertação. O número de
entrevistados foi se definindo no processo da pesquisa, totalizando dez
sujeitos e nove entrevistas. Umas das entrevistas eu realizei com dois
sujeitos, um casal, Juliano e Neli.
Como recurso complementar às entrevistas, utilizei a filmadora
para a apreeno das músicas utilizadas no MST e para a edição de
imagens. No acampamento utilizei a filmadora somente como recurso
para a edição de fotografias. Já no evento de Comemoração, foram
28
Apêndice.
48
realizadas filmagens que tinham o objetivo de apreender em áudio as
músicas que foram tocadas e cantadas durante o dia. As filmagens foram
feitas por uma pessoa que foi comigo ao evento, este tamm era
pesquisador, e podia auxiliar nas filmagens para que eu não precisasse
ficar presa à filmadora. As filmagens em áudio e vídeo foram gravadas
em DVD, como forma de registro do evento. Através da filmagem,
tamm foram produzidas algumas fotografias. No Encontro de
Violeiros, utilizei a filmadora apenas como recurso para a edição de
fotografias, pois a gravação das músicas não foi possível. O evento
ocorreu ao vivo na programação da Rádio, ou seja, para poder gravar as
músicas teria que ser pela transmissão do aparelho que tínhamos para
ouvir no lado de fora e, neste caso, o áudio não era de boa qualidade. A
única filmagem em áudio e vídeo possível neste evento foi ao final da
transmissão, quando os violeiros fizeram uma roda de viola.
Processos da Análise
O processo de análise foi sendo construído ao longo da pesquisa
nos momentos de reflexão singular/coletivo. No entanto, a análise
propriamente dita das informações construídas (filmagens, entrevistas,
diário de campo) iniciou pela leitura do diário de campo, seguida do
olhar sobre as filmagens e por fim a leitura e releitura das entrevistas.
Com a leitura das entrevistas, fui destacando com canetinhas coloridas
no texto, algumas categorias que saltavam aos meus olhos” como
significativas para serem trabalhadas, por exemplo: criação musical,
música no acampamento, música no assentamento, relação entre a
música e mística, etc. Assim, listei as categorias e comecei a tecer
dentro delas diálogos e tensões entre a fala dos sujeitos e o arcabouço
teórico construído durante o mestrado e que se encontravam em sua
maioria fichados no computador. O próximo passo foi trabalhar as
categorias, estabelecendo articulações entre elas por meio de seus temas.
Estas articulações constituíram, então, os cinco capítulos de análise.
Desta forma, a análise se deu num processo de criação, pois não
possuía algo definido a priori. Ela foi realizada por meio da teoria da
psicologia sócio-histórica com as contribuições de Vygotski e seus
interlocutores, com algumas contribuições conceituais trabalhadas por
Bakhtin e seus interlocutores, com as contribuições de Vázquez, dentre
outros autores e, tamm, por meio de todas as informões produzidas
49
no decorrer da pesquisa e seus atravessamentos. Nesse tipo de análise, o
pesquisador faz uma leitura compreensiva do material produzido,
considerando o lugar de onde ele lê, num processo de entrada e saída no
universo axiológico do outro. A partir do lugar onde ele se situa e na
relação com o sujeito da pesquisa, é que o pesquisador constrói uma
compreeno da realidade investigada transformando-a e sendo por ela
transformado” (FREITAS, 2003, p. 37).
A análise do discurso, não é apenas a análise da fala dos
entrevistados, mas de todo o contexto e relações que envolvem os
sujeitos que endereçam a fala, como para quem eles a endereçam. Este
tipo de análise busca a compreensão dos fios que tecem o sujeito e os
sentidos que ele produz na relação com o mundo. Assim, a preteno na
análise foi lançar diversos olhares sobre as informões construídas no
campo, procurando compreender as mediações realizadas pela música
no cotidiano do MST em Santa Catarina.
3.4 Sujeitos participantes da pesquisa e seus contextos
Aí cantaremos segredos e todos os medos serão alegrias, veremos
que o passo só cansa quando não alcança sua rebeldia(Bogo).
Como dito, foram realizadas nove entrevistas, com dez sujeitos
em contextos e eventos coletivos diferentes. Abaixo, trago um quadro
ntese e algumas informações sobre os sujeitos participantes da
pesquisa:
Sujeitos
Idade
Contextos e Eventos Coletivos
Irma
49 anos
Comemoração dos 24 anos do MST
Ezequiel
20 anos
Comemoração dos 24 anos do MST
Encontro Regional de Violeiros do MST
Dirceu
38 anos
Encontro Regional de Violeiros do MST
Leonel
25 anos
Encontro Regional de Violeiros do MST
Juliano
66 anos
Encontro Regional de Violeiros do MST
Neli
57 anos
Encontro Regional de Violeiros do MST
Jhon
19 anos
Acampamento Irmã Jandira
Paulista
40 anos
Acampamento Irmã Jandira
Ide
34 anos
Acampamento Irmã Jandira
Jaison
38 anos
Acampamento Irmã Jandira
50
Irma: realizei a entrevista com Irma no evento de Comemoração
dos 24 anos do MST em Santa Catarina. Ela possui 49 anos, e conta que
no início da sua relação com o Movimento, ela era influenciada pelas
pastorais da igreja católica e que cantavam muitas músicas de igreja
naquela época. Irma esteve na primeira ocupação do MST no estado,
tamm esteve acampada naquela época e hoje é assentada no município
de Dionísio Cerqueira/SC e dirigente estadual do Movimento. No
evento de comemoração, Irma participou ativamente tanto na
organização do evento quanto na sua execução. Fez as falas no início da
mística na ponte em Abelardo Luz e, durante a celebração, era ela quem
puxava os cantos, organizava as falas e as leituras da bíblia.
Ezequiel: possui 20 anos e é assentado no município de Passos
Maia. No evento de comemoração, Ezequiel estava sempre com o violão
nas mãos, participando de todos os momentos onde a música se fazia
presente, tocando e cantando. Ezequiel está no Movimento há mais de
10 anos, sendo que foi criado em um assentamento. Junto com alguns
colegas, eles m o objetivo de montar um grupo para tocar nas diversas
atividades do MST; estão começando a compor letras de músicas para o
Movimento e tamm desejam gravar um CD. Ezequiel tamm estava
presente no Encontro de Violeiros como eu havia previsto e, então, levei
a entrevista dele transcrita para podermos conversar sobre algumas
vidas que tive em suas falas, como, por exemplo, palavras que tive
dificuldades em transcrever devido a barulhos no momento da gravação
da entrevista e falas que necessitavam ser mais bem exploradas. Neste
dia ele se apresentou junto com seu irmão e outros colegas.
Dirceu: entrevistei Dirceu no Primeiro Encontro Regional de
Violeiros e Gaiteiros do MST. Ele possui 38 anos, mora em Abelardo
Luz e está efetivamente no MST desde 1991, mas acompanhava o
Movimento desde pequeno por causa de seu pai que é um dos
fundadores do MST em Santa Catarina. Dirceu foi do setor de
comunicação, já foi responsável pela frente de rádios do MST, foi
responsável tamm pela área áudio-visual e de jornal escrito e ainda é
correspondente do Jornal Sem Terra. Atualmente, ajuda na coordenação
de uma brigada de 1500 famílias assentadas na cidade de Abelardo Luz
e contribui no IEJC, em Veranópolis, lecionando a disciplina de
Economia Política para turmas de ensino médio. Dirceu se apresentou
no Encontro e, segundo ele, quando vai para uma atividade do MST tem
que estar sempre com o violão do lado para tocar e cantar.
51
Leonel: 25 anos, assentado no município de Passos Maia. Leonel
é irmão de Ezequiel e foi entrevistado no Encontro de Violeiros.
Segundo ele, a música é algo implícito na sua vida. Começou tocando
na igreja, músicas religiosas. Atualmente se dedica mais a tocar no
Movimento e junto com seu irmão também tem o desejo de formar um
grupo e gravar um CD com músicas para o Movimento. Leonel diz
gostar de moda de viola
29
, de música gauchesca e tamm de rap.
Juliano e Neli: Seu Juliano possui 66 anos e Neli possui 57. Eles
são casados 40 anos e estiveram na primeira ocupação no município,
sendo uma das primeiras famílias do MST a serem assentadas em SC, na
cidade de Abelardo Luz. Quando convidei seu Juliano para participar da
pesquisa, por meio da entrevista, ele disse que precisava chamar a
esposa, pois eles iriam cantar uma música para mim. Assim, realizei a
entrevista com os dois juntos e, durante esta, o casal cantou
acompanhado do violão de Juliano, uma música composta por ele 24
anos que conta a história da chegada deles na ocupação de uma fazenda
em Abelardo Luz. No Encontro, Juliano se apresentou tocando e
cantando uma música de sua composição chamada “A festa dos Santos”.
Jhon: foi entrevistado no Acampamento Irmã Jandira. Ele possui
19 anos e teve contato com o Movimento quando criança por meio de
seu pai que participava do MST, mas está no Movimento oito meses,
desde o início deste acampamento. Segundo ele, cresceu com um
pensamento mais socialista e apoiador do Movimento, tendo também
participado do movimento de atingidos por barragem. Jhon tem uma
trajetória pessoal com a música que é anterior à sua participação no
MST. Já teve uma banda na época do colégio e tamm tocou em
uma banda na cidade de Jaraguá do Sul/SC. Atualmente está com uma
banda própria, realizando ensaios para poder começar a tocar. esteve
tamm tocando em atividades do MST e contribui, quando está no
acampamento, participando do grupo de animão.
Paulista: possui 40 anos e iniciou sua participação no Movimento
quando morava em São Paulo. Depois se afastou um tempo e agora está
no acampamento sete meses. Em São Paulo ele tocou em grupo de
pagode e de forró e tamm tocava na igreja que freentava. Ele toca
timba, bateria, birimbau, pandero, reco-reco e tamm compõe músicas
29
A moda de viola: poesia cantada com acompanhamento especialmente de viola e às vezes do
violão. Diferencia-se por ser um reconto dum caso qualquer mais ou menos sensacional, ou
dum fenômeno importante da vida cotidiana, historiado (ANDRADE, 1999).
52
com temas diversos. Gosta de fazer paródias e está iniciando uma
composição que fala do Acampamento Irmã Jandira. Paulista é um dos
coordenadores gerais de animação do acampamento.
Ide: possui 34 anos, tem uma trajetória no MST desde sua
juventude. Acompanhou seu irmão em um acampamento em Fraiburgo
que hoje é o Assentamento Contestado. Depois, com 23 anos, ele foi
para uma ocupação sozinho, lutando agora por sua terra. Ficou
acampado por três anos, participou de uma caminhada de três dias de
Ponte Serrada/SC a Chapecó/SC e tamm participou da Marcha
Nacional por Reforma Agrária, Emprego e Justiça em 1997. Por
motivos pessoais ele acabou desistindo da participação no Movimento
por um tempo. Trabalhou como empregado, casou e acabou retornando
ao MST, estando no acampamento Irmã Jandira desde o início de sua
criação, aproximadamente, oito meses. Ide, junto com Paulista, compõe
a coordenação geral de animação do acampamento.
Jaison: 38 anos, está no Movimento pouco tempo. Há seis
meses está no acampamento Irmã Jandira. Sua história com a música,
segundo ele, vem de berço. Seu pai tocava em bares e ele sempre
acompanhava. Quando jovem fez parte de uma banda na sua cidade
natal, o Rio de Janeiro. Depois foi crescendo e tocando e correndo os
estados até chegar a Santa Catarina. Parou um tempo com a música;
casou e trabalhou com outras diversas atividades adecidir entrar no
MST e ficar acampado. Jaison participou de sete faixas de um CD
chamado Raízes Sertanejas”, com a dupla Marquinho da Viola &
Antônio Gonçalves.
53
4. DIÁLOGOS ENTRE SUJEITOS (ANÁLISES)
4.1 História e cotidiano da música no MST
“que o som dos nossos hinos anime nossas consciências e que a
luta redima nossa pobreza, que o amanhecer nos encontre
sorridentes, festejando a nossa liberdade” (Bogo).
Nos anos 60, 70 e 80 vivemos um período de ditadura militar
onde a música ganhou certa visibilidade enquanto mediadora nas
discussões sobre questões sociais, políticas, culturais e econômicas no
país, realizando diálogos entre posições diferentes por meio das canções
tanto dos movimentos musicais como das músicas dos movimentos
sociais. A música se fez presente neste cenário, atingindo o plano
político propriamente dito (Menezes Bastos, 1995).
Desta forma, Eyerman (1998) fala que a arte e a música podem
ser consideradas recursos idôneos que os movimentos sociais podem
utilizar para mobilizar e organizar a proposta e, a um nível mais
profundo ainda, converter-se no fundamento de uma redefinição de uma
situação. Como mensageiros e veículos de tradição, a música e a arte
transmitem imagens e símbolos que provocam emoção, alentam a
interpretação e podem se converter no suporte que faça possível a ação,
incluída a que se define estritamente como ação política.
No caso da música no MST, sua presença caminha junto com a
história do surgimento deste movimento social, influenciada
principalmente pela mediação da igreja católica, quando na utilização de
elementos artísticos nos momentos da mística e pelas músicas utilizadas
nas Romarias da Terra
30
. A mística é uma herança da relação do
Movimento com a igreja, sendo que a mística do MST deve ser
compreendida como resultado de um processo histórico conflituoso,
onde a forma de se compreender elementos como a e a política são
ressignificados. Surgem novas formas de se viver a fé, assim como
30
Romaria é se fazer e estar a caminho. Faz parte da religiosidade popular este gesto que
exprime a do povo e cuja prática vem desde os tempos bíblicos: Abraão deixou sua terra e
foi em busca da Terra Prometida. O povo de Israel, libertado do Egito, também caminhou pelo
deserto rumo à terra onde corre leite e mel”. Em Santa Catarina, organizada pela CPT, a
primeira Romaria da Terra ocorreu no ano de 1986. Obtido de
http://cnbbsul4.org.br/sites/cpt/romaria/ em 22 de março de 2010.
54
novas relações entre a instituição religiosa e a política (CALDART,
2004, PIANA, 2001, 2009).
Segundo Piana (2009), as músicas utilizadas nas Romarias da
Terra de Santa Catarina, são as principais marcas de influência da
música religiosa no MST, sendo a principal delas “A Classe Roceira”,
por aparecer em todas as Romarias da Terra e nas folhas de canto de
encontros e congressos do Movimento. Esta música “é considerada um
marco no início do MST, por ter ajudado no processo de
conscientização da luta pela terra, estando muito presente no Movimento
até os dias de hoje” (PIANA, 2009, p.116).
Irma, que na época de surgimento do MST era da CPT, conta
sobre a influência dos cantos de igreja dentro do Movimento e da
criação de músicas por parte da igreja voltadas especificamente para as
situações do pobre, da classe trabalhadora, sobre as questões da terra e
sobre os cantos que vão mostrar que Deus” caminha com o povo. Ela
tamm aponta a influência da música sertaneja na escuta musical do
povo que vive no campo, por meio do rádio.
Então assim, quando a gente comou o movimento e tal, a gente
cantava mais as músicas de igreja né? Na verdade o pessoal que
vive no campo ele é mais ligado à música porque, principalmente,
se identifica mais com o rádio né? Com o rádio, escuta mais
rádio, enfim. E ele é muito apegado à música sertaneja, mas
quando a gente veio para essa ocupação a gente era muito, assim,
como a Maria e eu viemos das pastorais, então a gente era
influenciada pela igreja. A gente cantava muito canto de igreja. Já
nessa época a igreja tamm escrevia música voltada à nossa
situação, da classe trabalhadora, dos pobres, dum deus que
caminha com o povo né? Da terra, dos conflitos e, então, a gente
se identificava muito né? A gente cantava mais os cantos de
igreja, mas, assim, na época um canto bem forte eraA Classe
Roceira”. Foi uma música muito marcante (Irma).
Irma destaca que na época do surgimento do MST mediado pela
igreja, um canto significativo era A Classe Roceira”. Segundo Caldart
(1987), esta música foi escrita dias depois do Golpe de 1964 e no ano de
1967 foi proibida pelos militares. Para a autora, o contexto de criação e
a sua proibição foi o que transformou a canção em um símbolo de luta
55
pela terra, sendo esta música o primeiro hino oficial do MST.
Observamos que esta canção, primeiro hino do MST, combinava em sua
letra a luta pela reforma agrária, a crítica ao sistema capitalista e
tamm a presença de Jesus” como aquele que guia o povo na luta. A
letra da música “A Classe Roceira”, segundo Caldart (1987), é de
criação de Lázaro e a melodia de Goiá.
A classe roceira e a classe operária
Ansiosa espera a Reforma Agrária
Sabendo que ela dará a solução
Para a situação que está precária
Saindo o projeto do chão brasileiro
De cada roceiro plantar sua área
Sei que na miséria ninguém viveria
E a produção já aumentaria
Quinhentos por cento até na pecuária.
Esta grande crise que há pouco surgiu
Maltrata o caboclo, ferindo o seu brio
Dentro de um país rico e altaneiro
Morrem brasileiros de fome e de frio
Em nossas manchesters ricas em imóveis
Milhões de automóveis já se produziu
Enquanto o coitado do pobre operário
Vive apertado ganhando um salário
Que sobe depois que tudo subiu.
Nosso lavrador que vive do chão
Só tem a metade de sua produção
Porque a semente que ele semeia
Tem que ser à meia com o seu patrão
Os nossos roceiros vivem num dilema
E o seu problema não tem solução
Porque o ricaço que vive folgado
Acha que o projeto se for assinado
Estará ferindo a Constituição.
A grande esperança que o povo conduz
Pedindo a Jesus pela oração
Pra guiar o pobre por onde ele trilha
E a cada família não faltar o pão
56
Que ele não deixe o Capitalismo
Levar ao abismo a nossa nação
A desigualdade que existe é tamanha
Enquanto o ricaço não sabe o que ganha
O pobre do pobre vive de tostão.
Seguindo a história sobre a influência da igreja no surgimento
do Movimento, Dirceu explica ainda que:
O Movimento teve sua origem, raízes na igreja né? Nas romarias
da terra, nas lutas das comunidades eclesiais de base, na pastoral
da terra e, a partir das ocupações isoladas que teve, a música
sempre foi um motivador através da mística (Dirceu).
Sobre a mística do MST, esta tem sempre uma preparação prévia
e uma intencionalidade de acordo com cada momento onde ela será
realizada, ou seja, em encontros do Movimento, inauguração de alguma
cooperativa, nas romarias, nas datas comemorativas, etc. É um
acontecimento onde,
se evoca a materialização (geralmente simbólica) desse sentimento de
beleza da ambientação dos encontros, nas celebrações, na animação
proporcionada pelo canto, pela dança, pelas encenações de vivências que
devem ser perpetuadas na memória, pelos gestos fortes, pelas
homenagens solenes que se prestam a combatentes do povo; lembra os
símbolos do Movimento, seus instrumentos de trabalho e de resistência,
seus gritos de ordem, sua agitação, sua arte (CALDART, 2004, pp. 209
e 210).
Na mística, como em outras celebrações e rituais, os objetos
físicos se convertem em signos sem deixar de fazer parte da realidade
material, no entanto, podem passar a refletir e refratar outra realidade
Bakhtin (1992). A título de exemplo, na mística a presença do facão é
mais do que um objeto físico, mais do que um instrumento de trabalho,
pois convertido em signo ideológico ele tem para o Movimento e seus
militantes, significados que por eles são compartilhados como o de
resistência, de luta e trabalho. Desta forma, a mística é carregada de
simbologias do MST (bandeira, boné, alimentos, terra, etc.) e de
diversos signos que se constituem de acordo com a temática da mística.
57
Mas a mística como um todo também se converte em signo e é um dos
símbolos do MST.
A imagem abaixo foi capturada na Comemoração dos 24 anos do
MST em SC e estava localizada no espaço onde foram servidas as
refeões. Segundo o MST, produções como esta, representam a beleza
da ambientação dos encontros. Nesta imagem, estão presentes diversos
símbolos que expressam o Movimento como os alimentos que o
produzidos no meio rural, a carroça que foi e, por vezes, ainda é um
dos meios de transporte do homem do campo, a bandeira do MST, o
chapéu de palha, a cesta de vime e alguns desenhos produzidos por
crianças Sem Terra. Compreendemos que os materiais e mbolos
utilizados no embelezamento dos espaços onde o realizados os
encontros e eventos do MST, se convertem em signos do Movimento,
devido ao contexto deste movimento social. Assim, eles refletem a
realidade dos Sem Terra e criam a possibilidade de sentidos outros,
que os signos refletem, mas tamm podem refratar outras realidades.
Símbolos do MST
A mística realizada no Encontro de Comemoração dos 24 anos do
MST em SC foi um exemplo de mística marcada pela encenação de
vivências que precisam ser recordadas, como nos diz Caldart (2004). Ao
iniciar o momento da mística, com um microfone ligado ao carro de
som, Irma iniciou a falação contando um pouco da história da ocupação
em Abelardo Luz 24 anos, como tamm, enumerou as cidades das
famílias que participaram da ocupação. Falou das conquistas dos
58
assentamentos, sendo que hoje são 19 na região de Abelardo Luz. No
momento da mística foi reproduzida a situação pela qual os Sem Terra
passaram na época da ocupação, ou seja, foi ateado fogo na ponte e as
pessoas com galhos de árvore nas mãos caminham até o meio da ponte e
apagam o fogo, como mostram as imagens abaixo.
Momentos da mística na ponte
Depois do momento da stica, todos os presentes atravessaram a
ponte e, em um grande círculo, cantavam, batiam palmas e gritavam
palavras de ordem com os punhos erguidos, como forma de comemorar
a vitória da ocupão e dos 24 anos em que o MST está em SC.
Ezequiel estava com o violão no centro do círculo tocando músicas do
Movimento junto com o carro de som.
59
Atravessando a ponte
Grande círculo
Para Bogo (2002, p.89) “a mística que resgata a memória apruma
a prática do militante para que ele o entorte a parede da construção do
edifício da dignidade, erguida pelos antepassados e que nunca pára de
subir”. Este autor ainda nos diz que é o vir a ser que move e alimenta a
mística; ela é uma surpresa querendo se revelar. Na mística a vontade se
transforma em força que entusiasma o fazedor e a força do fazer se
entrelaça com a força do pensar e este processo é que move a política
60
como arte de combinar idéias com a prática, carregada pelos braços dos
sentimentos (BOGO, 2002).
A partir das idéias deste autor e por meio de experiências junto ao
MST onde tive a oportunidade de observar alguns momentos da mística
acontecendo, é que pude construir a compreensão desta como um
momento especial do cotidiano do Movimento, onde por meio das
objetivações artísticas, como o teatro, a poesia, os símbolos, a música,
são expressos valores, utopias, sentimentos, compromissos éticos e
políticos. É um acontecimento que trata da memória, da imaginação, do
presente e do devir. A mística é um fazer sentir pensar. É momento
de viver as convicções e utopias. É possibilidade de vivências estéticas.
A música está sempre presente na mística e ocupa um lugar
central, muitas vezes estabelecendo a relação entre os mbolos e os
gestos, dando-lhes um sentido próprio” (PIANA, 2001, p.57). Para
melhor entender o papel da música na mística do MST, Irma explica
que:
a música é um dos elementos mais fortes da stica. Tamm
como é a bandeira, os símbolos, a poesia, as ferramentas, a
produção, tudo isso faz parte e é a mística, vamos dizer. É a
simbologia e, tamm, aquilo que não é simbologia. Aquilo que é
demonstrações artísticas, enfim. Tudo isso faz parte da mística do
MST, mas a música ela é, eu diria que ela joga o papel mais
importante (Irma).
Assim, a música é um dos signos mais fortes no Movimento, que
enlaça os outros signos e simbologias dando contornos ao
acontecimento da mística. A música tamm incorpora a mística e tem o
papel de resgatá-la toda vez que a música é tocada e cantada durante o
decorrer das atividades do Movimento. Vejamos o que nos conta Dirceu
sobre isso:
A mística tem o papel de trazer o nosso sonho futuro para o
presente pra gente vivenciar e nos alimentar desse sonho, naquele
momento. Por isso que aparecem as encenões, aí entra o teatro,
a poesia e a música ajuda, ela incorpora a mística no momento,
eno a partir do momento da mística inicial, a pessoa está
preparada. Aí durante o encontro, quando as pessoas tamm
61
começam a cansar um pouco, a música entra de novo, daí ela
entra como um animador e pra relembrar aquela mística. Ela tem
esse papel de ajudar sempre a alimentar esse sonho e animar,
porque a luta tem que ser alegre, não pode ser triste, nós estamos
querendo um mundo melhor e esse mundo melhor é alegre, ele
não é triste, nós temos que começar a vivenciar na prática, por
isso ela é um instrumento fundamental e indispensável pra nossa
luta (Dirceu).
Ou seja, a música unifica todas as simbologias, idéias,
sentimentos presentes na mística do MST. Ela cumpre desta forma, um
papel fundamental na stica, mas também na luta como um todo do
Movimento. Como nos falam os entrevistados, ela é um elemento que
nutre e resgata os sonhos e faz a luta deste movimento social ser alegre e
animada. A música transforma os momentos cansativos das reuniões e
dos encontros, reanimando as pessoas para as discussões e, assim,
contribui com a participação e o envolvimento destas.
Para Irma,
a mística mais forte do movimento é a música, então em todos
nossos encontros ahoje, tem 25 anos (entrevista realizada em
2009) o MST, em congressos, em encontros, em reuniões, a gente
canta, se a gente não canta não é reunião. Nós tivemos a reunião
da coordenação estadual e a gente canta na entrada, canta no
meio quando o pessoal meio cansado, canta no encerramento.
Então, cantar pra nós é um hábito, se tornou um hábito, se tornou
uma cultura cantar e, tal né?
Quando Irma fala que a música é a mística mais forte do
Movimento, compreendemos que a música consegue sintetizar todos os
elementos que compõe a mística. Ela por si representa o
acontecimento da mística, na medida em que por meio do som, das
letras e do movimento dos corpos, faz com que os sujeitos vivenciem as
convicções e os sonhos do Movimento. Bogo (2002) nos ajuda dizendo
que a música se torna mística quando ela trata da existência dos sujeitos
e quando estes se sentem dentro da criação musical. Desta forma,
tornando-a mística, a música estetiza o Movimento, afeta os sujeitos e
62
faz com que a experiência junto ao MST mediada por ela seja um
encontro pela via do senvel.
A música tamm é, segundo a fala de Irma, um hábito. Sem
música não é reunião do MST. Desta forma, a música está no cotidiano
do MST e contribui para definir o Movimento enquanto tal. As reuniões,
por exemplo, assim como toda reunião, tem suas burocracias e seus
momentos cansativos”, ou seja, quando se burocratiza demais, perde-
se a criatividade e a mística e o veio dágua não verte da terra dura e
seca” (BOGO, 2002, p. 84). A música faz das reuniões um lugar
tamm de criatividade e alegria e onde a possibilidade de alegria e
animão, há a possibilidade das pessoas terem experiências onde sua
potência de vida é aumentada, que, como nos diz Pelbart (2009), a
alegria é uma paixão que aumenta nossa poncia de agir, ao contrário
da tristeza que implica uma diminuição. Neste sentido, a música ganha
tamm uma dimensão política e ética, pois não sabemos
completamente o poder de afetação da música, é sempre uma questão de
experimentação. Cada sujeito é afetado de forma singular, ou seja, o que
pode proporcionar alegria para um, pode proporcionar sentimentos de
tristeza para outro.
Além da presença da música nas reuniões do Movimento, sejam
elas locais, regionais, estaduais ou nacionais, a música tamm está
presente nas assembléias dentro dos acampamentos e assentamentos,
nos encontros estaduais e nacionais, nas marchas, nas ocupações, ou
seja, na vida cotidiana do MST. Por isso, segundo Piana (2009), a
música no MST é um fio condutor que tem feito diferença em relação a
outros movimentos sociais na atualidade, pois, as produções musicais do
Movimento e as demais músicas utilizadas por ele,
vão contando histórias de diferentes momentos por que m passado o
MST, num processo constante de formação tanto dos militantes quanto
das lideranças, para que os princípios do Movimento não sejam
esquecidos. (...) Há, nesse sentido, um novo estilo musical aparecendo
onde o mais importante é a letra, o que ela está querendo dizer. Porém, o
ritmo também precisa estar de acordo com as especificidades de cada
região do Brasil, marcada por diversidades culturais. É a música
„caipira‟, também a „sertaneja‟, a de „romaria‟, a „religiosa‟, a
„revolucionária‟, de protesto, de sonho e utopia (PIANA, 2009, p.100).
63
A música no MST, não se define então por um gênero único,
que precisa atender as especificidades de cada região onde o Movimento
está presente. No entanto, as letras precisam ser consangüíneas” do
Movimento, ou seja, precisam estar identificadas com a luta, com a
história, com a vida do povo Sem Terra, do camponês, do nordestino ao
gaúcho. Da mesma forma, os ritmos tamm precisam estar de acordo
com as características dos momentos, por exemplo: músicas para a ação
coletiva, para a comemoração, para a celebração, para a romaria. Então,
uma preocupação tanto com os ritmos musicais quanto com as letras
das canções presentes nas atividades do MST.
Aliás a gente vai montar uma atividade, assim né? Então nós
vamos ver qual a música que mais se adaptaria pra este momento,
que mexe mais, a gente sempre leva em conta isso né? Então ela
faz parte da nossa organização (Irma).
Dependendo do encontro ou da atividade, as músicas são
selecionadas para cada momento. Então, para o evento de
Comemoração, por exemplo, Irma contou que tinham selecionado as
músicas que estariam no acontecimento da mística, que foram
especialmente as músicas do MST; na celebração foram utilizadas
predominantemente músicas da igreja relacionadas ao povo pobre e do
campo e, no resto do dia foi utilizada a música caipira e gauchesca.
Então, apesar do Movimento utilizar vários tipos de arte, a
música é uma das mais importantes, vamos dizer, uma das mais
valorizadas sabe? É distribuída assim, aquela coisa que tem em todos os
lugares, você em Santa Catarina, você no Paraná, você em
todos os estados” (Leonel). Porém, cada um com suas especificidades
culturais. Em Santa Catarina, as músicas que estão presentes no MST
são predominantemente as músicas que são produzidas especificamente
para o Movimento, “as músicas da luta” (Irma), os cantos religiosos e as
músicas caipiras. São canções com ritmos diferentes, mas que
convergem principalmente em relação aos temas das letras. E, como
aponta Piana (2009), o mais importante para o Movimento é a letra e o
que ela está querendo dizer.
Um dos entrevistados nos mostra como a música caipira está
identificada com a realidade dos Sem Terra e, por isso, tamm está
presente no MST.
64
Aqui no movimento já vai ser uma letra que coloca a importância
da terra, vai colocar a importância da terra, da plantação, já é uma
coisa assim como nosso CD que nós gravamos em um trio, que
foi feito mais como caipira, isso já envolve mais a terra, porque é
um negócio assim bem sertanejo, tipo viola coisas assim, é bem
sertanejo e é um negócio que funciona bem para o movimento. E
as letras, pode notar que as letras, não sei se voescuta música
de viola, mas a música de viola vai contar a história de vida, vai
contar a história da maneira de um filho ser criado ou como os
filhos o tratados, como a gente cresceu no dia a dia, não do
antepassado, mais da antiguidade, das pessoas mais antigas, que
já é a diferença da criação de agora né? A história já conta
diferente, porque todas as músicas tem que ter uma letra que
tenha significado né? E é isso que nós queremos fazer aqui
(Jaison).
Segundo a fala de Jaison, a música caipira está identificada com
as questões do Movimento, pois é um tipo de música que fala da terra,
que conta histórias de vida. A maioria das músicas produzidas para o
MST tamm m essas características. Vejamos parte de uma das
músicas do CD Arte em Movimento (1998), faixa número 13, título:
Causa Nobre. Esta música trás em sua letra a história de muitas das
famílias Sem Terra, ou seja, falias que não possuem terra para plantar,
mas que vendem sua força de trabalho plantando e colhendo em terras
alheias e que ao final do mês, o valor recebido por seu trabalho é ínfimo
em relação ao que o dono recebe. Assim, surge a necessidade de se
organizar em torno de um movimento social, em busca de
transformões.
Partindo na necessidade
de ter um pedaço de chão
pra dar sustento aos filhos
aos filhos de nossa nação
Cansado de pôr a enxada
nas terras apenas do patrão
e ver chegar o fim do ano
tantos desenganos sem nenhum tostão
Sem Terra estão se organizando
65
de norte a sul deste país
pra derrubar o latifúndio
que deixa o povo sem raiz
(...)
(Composição: Zé Pinto)
Porém, devido a minha presença em algumas atividades e
contextos do Movimento, pude observar que outros gêneros musicais
tamm estão presentes no MST. Dentre as que recordo ter escutado
dentro do movimento, destaco a presença de canções de Chico Buarque,
como por exemplo, a música “Assentamento e a músicaCio da
Terra”, ambas de autoria deste compositor. Canções de Geraldo Vandré
como Pra dizer que não falei das Flores”. Canções da cantora argentina
Mercedes Sosa, dos cubanos Sílvio Rodrigues e Pablo Milanéz, entre
outros. Desta forma, são músicas que de alguma maneira se aproximam
da realidade do Movimento, de suas lutas, seus ideais, etc.
São músicas que:
Tem a finalidade de mostrar cantando a vida social, a vida de
quase todo mundo né? E dentro da música que fala dos lamentos,
da pessoa que vive naquilo, se é pobre ou vive na miséria, ele vai
as vezes ao fim né? o sei se eu estou me expondo, mas eu
vejo assim, a música fala do nosso cotidiano né? Então é uma
coisa que ela fala daquilo que vive as pessoas (Ide).
Porque a maioria das músicas que o feitas não é o solo, não é,
até a composição faz parte, mas não é o solo, não é um estribilho,
não é nada que faça a diferença, é a letra né? Se a letra é bem
feita, ela é aceita. No movimento ela pode contar a história do
Brasil, ela pode contar a história de uma pessoa sofrida. Pode
notar que uma música mexe com várias pessoas, porque tem
várias pessoas que tem a mesma história de vida (Jaison).
Leonel complementa dizendo:
Então, as músicas dentro da organização, elas tem que pegar
elementos de dentro da organização né? Que fale da vida do
camponês, que fale da vida da juventude camponesa, mas que
66
fale de uma maneira, assim, envolvendo certas questões históricas
(Leonel).
Observamos, então, que a música está no cotidiano do MST, mas
tamm são músicas que falam deste cotidiano ou que contam a história
do povo, do camponês, do Sem Terra. Neste sentido, não é qualquer
música que o MST utiliza como mediadora no seu dia a dia, porém cabe
questionar sobre: até que ponto, a exigência de conteúdos definidos para
compor as letras das canções do e no MST, não restringem a produção
de sentidos e as possibilidades e condições da própria luta?
O Movimento privilegia canções que m em suas letras temas
comuns que atravessam e constituem tanto o Movimento quanto a
sociedade. São músicas que cantam a vida do Sem Terra, do povo pobre,
que falam do trabalho na terra, que falam da exploração dos
trabalhadores no Brasil e na América Latina, que contam histórias de
luta e de conquistas. Desta forma, Maheirie (2001, p. 105) contribui
dizendo que ao falar de situações simples e aparentemente íntimas do
cotidiano, uma canção pode estar falando do que acontece com as
pessoas de uma forma geral, mas que elas não conseguem definir com
suas próprias palavras”, como é o caso da maioria das canções utilizadas
pelo MST.
No intuito de resgatar e valorizar a música raiz dentro do
Movimento é que foi organizado o Primeiro Encontro Regional de
Violeiros e Gaiteiros em Santa Catarina no ano de 2009. Apesar do
Encontro Nacional de Violeiros e Violeiras possuir cinco edições, em
SC ainda não havia ocorrido nenhum evento com essa característica.
As imagens abaixo foram capturadas no Encontro de Violeiros e
mostram uma produção que foi elaborada pelos organizadores deste
evento e que estava localizada no espaço externo da Rádio Terra Livre.
Assim como a imagem apresentada anteriormente que mostrava a
produção constituída de símbolos do MST no evento de Comemoração,
esta cumpre a mesma função, ou seja, de embelezar o espaço do
encontro.
Para o MST, esta produção tamm é uma mística e neste
sentido, ela tem como objetivo resgatar e apresentar elementos da
realidade dos sujeitos Sem Terra e representar o próprio Encontro.
Observamos nas imagens a presença de diversos símbolos como: o
67
violão, a gaita, os alimentos, o chapéu com o nome da rádio, os
instrumentos de trabalho, o cesto de vime e livros.
Dirceu fala sobre o Encontro de Violeiros e nos mostra a
importância dessas músicas para a vida das pessoas que vivem no
campo e que se constituem numa trajetória sofrida na luta pela terra.
Aqui em Santa Catarina essa é uma das iniciativas mais
interessantes. Nós temos várias pessoas que compuseram
músicas, mas que apresentam simplesmente nos encontros que
68
tem a oportunidade das pessoas apresentarem e, o encontro, trazer
os violeiros a partir da iniciativa da Rádio Terra Livre é o
primeiro que teve. Mas a idéia é nós fazermos um encontro que
abranja o estado inteiro, um encontro de todos os músicos, as
pessoas que tem essas manifestações culturais, não só a música, a
poesia também, causos, tem gente que conta causos, importante a
gente trazer tudo isso, mas essa é uma iniciativa, por que a luta se
não tivesse a música ela ficaria muito triste. Eno, a música
sempre fez parte da luta dos trabalhadores e nós temos que fazer
ela ser alegre. Então, a música é muito importante e o fato de
recuperar a música raiz, a história, que pra nós tem músicas que
falam da história do camponês, da história do boi, da história da
roça e elas ficam gravadas na memória. Antigamente as rádios
AM‟s tocavam no Brasil inteiro né? Então isso mexe com as
pessoas, mexe com o passado e isso com certeza ajuda a elevar a
auto-estima das pessoas que vivem nos assentamentos e é
importante recuperar esse gênero da música e, tamm, mostrar
que ela é viva. E as pessoas acabam compondo músicas nesse
mesmo nero e colocando pra fora seus sentimentos, sua vida,
seu desejo de mudança, o que ele quer pra vida. Então, muito
importante fazer isso, porque nós estamos melhorando,
qualificando as pessoas, melhorando a qualidade de vida
(Dirceu).
Percebemos na fala de Dirceu que, para ele, mexer com o passado
das pessoas por meio da música é tamm transformar o presente delas,
pois as músicas contam a história dessas pessoas e isso faz com que elas
tamm se sintam valorizadas, com auto-estima” e se sintam vivas,
assim como as músicas. Em outras palavras, a música tem a função de
estabelecer uma relação diferenciada com o tempo, trazendo o passado,
antecipando o futuro, eternizando o presente, construindo e
reorganizando nossa memória singular e coletiva” (MAHEIRIE, 2008,
p. 81) e tamm tem a função de (res)significar a história e o devir.
Maheirie esclarece que a experiência de escutar uma música,
pode definir melhor nossos pensamentos, despertar novas reflexões e
trazer presente um objeto que estava ausente. Ela também é capaz de
cumprir a função de dar forma aos sentimentos e emoções, posto que os
transforma em um todo organizado e inteligível. No entanto, é preciso
69
deixar a música agir sobre nós para que qualquer um destes aspectos
possa se realizar, seja a partir do som e das letras, seja do movimento da
dança e/ou do cenário onde os shows musicais acontecem
(MAHEIRIE, 2003b, p. 151).
Este Encontro tamm apresenta a música no MST como
possibilidade de mediar espaços de lazer, de encontro entre as pessoas e
descontração dos Sem Terra.
É o primeiro Encontro de Violeiros, eno nunca teve assim,
vamos dizer, um dia pra que todas as pessoas viessem pra cantar,
gostar dessa animão, pudessem se reunir, é o primeiro dia hoje
e todo mundo aqui tá comentando que foi uma coisa, assim,
muito importante e muito boa, assim, de estar acontecendo sabe?
Porque é o momento das pessoas se conhecerem. Tem muita
gente que a gente nem conhecia aqui, nem sabia que tocava,
eno, é um momento pra gente se conhecendo,
conversando, tá criando coisas assim, cantando junto, fazendo
essa animação, essa alegria, um momento de descontração né?
(Leonel).
A música, os violeiros, gaiteiros e tamm os contadores de
piadas, ocuparam a cena neste dia, e transformaram este espaço num
momento especial e único de encontro e arte para o MST em SC. Este
acontecimento, promovido pelos Sem Terra, tamm mostra as
possibilidades que este movimento social possui em produzir o novo,
em criar um espaço de encontro que valoriza as produções musicais dos
Sem Terra, e tamm potencializa esses sujeitos para vida.
Dirceu comenta sobre a importância de se registrar um evento
como o Encontro de Violeiros, pois são muitos os Sem Terra que criam
músicas, mas que na maioria das vezes não tem a oportunidade de
apresen-las. Exemplo disso é a canção criada e cantada por Juliano
neste Encontro e que veremos mais adiante neste trabalho. Então, o
MST:
vem tentando trabalhar para levantar o acervo, isso aqui teve
uma pequena demonstração de tantas músicas, pessoas que
produziram e ainda são desconhecidas, eno, essas atividades
como a de hoje elas precisam ser. Nós vamos potencializar ela e
registrar ela porque elas, tamm, vão qualificar a luta e mostrar
70
a riqueza que é a luta pela terra, que as pessoas pensam pela
televisão que é simplesmente aquele enfrentamento de uma
manifestação, de uma ocupação e é diferente (Dirceu).
Neste sentido, o registro dessas músicas mostra que no processo
de luta pela terra tamm processos de criação artística e esta
característica no MST, ainda é pouco reconhecida pelas pessoas em
geral. Então, no processo da luta, há diversas pessoas que criam músicas
e que muitas vezes não tem a oportunidade de mostrar. São composições
que contam experiências de vida anteriores à participação no
Movimento e, tamm, são músicas sobre e para o MST.
Percebemos que a questão do contar por meio do cantar é algo
característico das músicas no MST e que reaparece a todo o momento na
fala dos sujeitos que participaram da pesquisa. Assim, outra pergunta
que foi surgindo neste processo foi: a possibilidade da presença de
músicas sem letras no MST?
Dirceu nos conta que:
Nós não temos ainda, quer dizer, tem no estado de o Paulo.
Tem alguns artistas que estão começando a trabalhar. Tem uma
artista muito nova que toca violino e flauta e toca instrumental,
mas a gente não tem nada registrado ainda e gravado, mas é
muito importante o instrumental tamm. Inclusive, nós
acreditamos que a música erudita, a música clássica, ela não é
para cultura de uma classe social alta, que o povo mais humilde, o
povo da roça, tamm pode fazer música erudita. Hoje (Encontro
de Violeiros) nós apresentamos uma música solada, um solo de
viola com cavaquinho, que os meninos de Passos Maia
apresentaram, pra valorizar, tamm, a música erudita, que ela é
importante, que ela é o clássico da música. A música tem isso, os
instrumentos falam, que nem a voz, eles repetem os sons que o
homem criou através da interpretação que ele fez da natureza,
eno é importante. Mas essa recuperação da música tem no
Encontro Nacional de Violeiros, em Ribeirão Preto (Dirceu).
Compreendo que a opinião deste participante, se diferencia dos
outros entrevistados, como veremos a seguir, pois Dirceu possui irmãos
que são músicos profissionais e trabalham com música instrumental. Ele
71
tamm esteve mais envolvido nas discussões sobre música e arte em
geral, por ter sido dirigente estadual do Movimento por bastante tempo.
No entanto, penso que a música instrumental ainda foi pouco
desenvolvida dentro do MST. Seria devido à grande valorização
conferida às letras?
Não é que fique estranho, mas pra quem dentro do
movimento, é bom colocar um pouco do movimento no meio.
Porque a vida da gente na verdade vai ser aqui dentro, é
importante colocar o movimento no meio, tem que colocar
alguma coisa do movimento no meio (Jaison).
Jaison foi entrevistado no Acampamento Irma Jandira e quando
ele fala que para as pessoas que vivem o dia a dia naquele espaço, seria
importante colocar nas músicas letras que falem do Movimento,
compreendo que essa opinião conflui com as idéias do Coletivo de
Animação do Acampamento, do qual ele faz parte. Mas, também,
porque na condição de acampado, ele está iniciando sua experiência
junto ao MST, em constante contato com as músicas que mediam este
espaço. No acampamento é que as pessoas começam a conhecer os
valores, as idéias e os objetivos do MST e a música tem um papel
importante aí, pois é por meio dela que muitas idéias o transmitidas
para os Sem Terra. O hino, por exemplo, é uma das canções mais
tocadas no Acampamento Irma Jandira, estando presente no início e no
final de todas as reuniões e assembléias.
Então, a música do movimento é, assim, meio que tem que puxar
as pessoas, assim, porque no começo eles o têm muito
interesse. Eles cantam, assim, mas a gente tem que tentar colocar,
por exemplo, mostrar o conteúdo definido, assim, pra turma. A
música fala disso, disso, então é a realidade da parte que nós
fazemos da luta né? E daí tem o hino, o hino nós cantamos
sempre agora (no Acampamento), até mesmo para as pessoas
pegar, que o hino tem uns que tem vergonha de levantar o braço
né? De se soltar, então é o que nós estamos sempre tocando e
cantando e sempre na posição de hora né? Porque, por causa da
bandeira que nós carregamos né? Então sempre que nós tocamos
72
o hino, a bandeira tem que estar presente porque o hino já fala na
bandeira né? “Hasteemos a bandeira colorida” (Ide).
Ide mostra que a música tamm é utilizada como meio para
formação de idéias e a construção do posicionamento político dos
sujeitos no acampamento. Isto porque, são músicas engajadas” na luta
deste movimento social e desta forma, cumprem tamm papel
ideológico na medida em que o Movimento m a intencionalidade de
direcionar as reflexões e a formão política dos sujeitos Sem Terra por
meio delas tamm.
O hino do MST cantado no cotidiano do Acampamento Irmã
Jandira é este:
Vem, teçamos a nossa liberdade
braços fortes que rasgam o chão
sob a sombra de nossa valentia
desfraldemos a nossa rebeldia
e plantemos nesta terra como irmãos!
Vem, lutemos punho erguido
nossa força nos leva a edificar
nossa pátria livre e forte
construída pelo poder popular.
Braço erguido, ditemos nossa história
sufocando com força os opressores
hasteemos a bandeira colorida
despertemos esta pátria adormecida
o amanhã pertence a nós trabalhadores!
Nossa força resgatada pela chama
da esperança no triunfo que virá
forjaremos desta luta com certeza
pátria livre operária camponesa
nossa estrela enfim triunfará!
(Letra: Ademar Bogo)
Observamos que no atual hino do Movimento, não mais
elementos religiosos, o que o difere da canção A Classe Roceira” que
foi o primeiro hino do Movimento. Nesse processo histórico de
transformão do MST ao longo de seus 26 anos, o conteúdo das
músicas tamm foram se transformando, como é o caso do hino.
73
Tamm é o caso da mística que foi perdendo os elementos da tradição
religiosa e foi se transformando na mística do MST. Porém, o
podemos dizer que em SC os elementos religiosos foram excluídos
totalmente, pois eles ainda estão presentes em vários momentos do
cotidiano no Movimento, como foi o caso da Celebração na
Comemoração dos 24 anos do MST, ou a exemplo das Romarias da
Terra que acontecem no estado.
Retomando a discussão sobre a música com letra, música sem
letra, Jhon fala da necessidade de músicas com letras no MST, e diz que:
Assim, pra aquilo que a gente busca, o instrumental não vai
transmitir nada mais que emoção, então a letra vai transmitir a
nossa luta, vai transmitir o que a gente buscando, que a gente
pretende buscar daqui pra frente, o que a gente conquistou,
eno, a letra tá complementando a melodia (Jhon).
Jhon faz uma divisão entre o som e a letra, dizendo que o som
dos instrumentos transmite a emoção e a letra estaria presente para
transmitir as idéias, os valores do Movimento. Entendemos que a
música enquanto objeto estético, não é constituído apenas pelas
palavras, mas pelo som, pelo ritmo, pela entonação (BAKHTIN, 1997),
ou seja, como um todo concreto-sensível que se oferece a nossos
sentidos (VÁZQUEZ, 1987). Assim, a relação com uma música
instrumental pode tamm produzir processos reflexivos via as emoções
produzidas por meio dela. Mas para transmitir, por exemplo, os
objetivos e as conquistas do MST sem a letra, seriam necessárias outras
mediações, pois os possíveis sentidos produzidos por uma música
instrumental estarão sempre ancorados em nossas experiências. Ou seja,
não é possível transmitir os signos ideogicos do MST sem que o
sujeito signifique a estes por meio de alguma experiência, ancorando o
som ao significado, o qual, difundido pelos meios de comunicação em
geral, possam ser apropriados pelos sujeitos. A fala de Jhon reafirma a
importância fundamental que para eles tem as letras das canções.
Hinkel (2008), que estuda o processo de apropriação musical da
música Rap, contribui com esta discussão na medida em que tamm
encontra em sua pesquisa o destaque dado por seus entrevistados às
letras das músicas. Este autor, além de reconhecer a necessidade do
objeto estético com um todo para que seja possível acessar o mundo por
74
uma via sensível, tamm reconhece que “a letra das canções permite
aos entrevistados realizar processos de significação enquanto se
apropriam de determinada música” (p.117). Isto o levou a considerar a
letra como um canal de acesso privilegiado ao universo de significação
da canção, que a partir dela o sujeito realiza a produção de sentidos
constitutiva do processo de apropriação da obra sonora” (idem). No
entanto, o autor alerta que ao olharmos somente para o discurso político
da música não somos capazes de nos apropriar das demais dimensões
constituintes deste objeto (harmonia, ritmo, melodia, enredo, voz do
cantor, etc.) e de vivenciarmos uma relação estética
31
com ele
(HINKEL, 2008, p. 134 e 135). Isso vale para a apropriação do Rap,
tanto quanto para as músicas presentes no MST.
Ainda sobre a questão da apropriação musical, Eyerman (1998)
fala que as músicas utilizadas por movimentos sociais são mais do que
textos que carregam idéias, são tamm representações teatrais, um tipo
de conduta ritualizada dentro da qual e, por meio da qual, se integra o
significado e a significação, ou seja, a produção de novos sentidos. Ela
pode fortalecer o movimento social, ajudar a construir identidade
coletiva e o sentido de ser do próprio movimento.
Para Frith (1987), a experiência musical produz identificações,
pois ao se apropriar de uma canção, as pessoas são levadas a fazer
alianças afetivas, e a música é especialmente importante para este
processo devido a essa função específica que é a sua intensidade
emocional direta. Sobre isso, Vygotski (1998) ainda esclarece que a
música não suscita emoções, mas antes, estabelece um “equilíbrio” entre
o sujeito e o contexto onde a música está presente. Ele afirma que a
música é uma técnica social do sentimento, um instrumento da
sociedade através do qual incorpora ao ciclo da vida social os aspectos
mais íntimos e pessoais do nosso ser” (1998, p.315).
A música toca em pontos de ligação afetivos do mental e do
corporal, do intelectual e do afetivo. Por isso mesmo é capaz de
provocar as mais apaixonadas adesões e as mais violentas recusas”
(WISNIK, 1989, p. 28). Nesta perspectiva, é que Frith (1987) alerta que
a música não é revolucionária nem reacionária por si só, ou seja, ela não
define automaticamente ações e pensamentos, pois cada sujeito pode
refratá-la, produzindo sentidos outros.
31
As discussões sobre estética e relação estética estão presentes nos capítulos 4.2 e 4.4.
75
A afirmão de Frith nos leva a refletir sobre o que torna uma
música revolucionária ou reacionária?
Se por si ela não define pensamentos e ões, é necessário
pensar a música sempre em relação com os sujeitos ouvintes, com o
autor da canção, com o contexto onde ela é reproduzida enquanto
sonoridade, pois entendemos que é nesta relação com o outro que a
música possibilita a produção de sentidos e significados. Deste modo,
ela é mediadora no cotidiano do Movimento e, neste espaço onde a vida
do MST acontece, ela se torna uma forma de expressão dos sujeitos, ao
mesmo tempo singular e coletiva, tendo de ser compreendida para am
de seu fenômeno sonoro, pois o encontro entre o sujeito e a música é um
campo fértil, onde brota a possibilidade de relações estéticas e o
aumento da potência de vida dos Sem Terra.
O processo histórico e político da música no MST, como tamm
a sua mediação no cotidiano dos Sem Terra, pautam que:
A música pra nós vai sempre conter e ter e existir e, a gente vai
sempre criando. Dependendo a história que vai se procedendo, a
linha que a organização vai seguindo, enfim, tamm vai se
colocando na música (Leonel).
4.2 Atividade criadora no MST: o acampamento como
“berço da criatividade”
Um movimento que incorpora poesia e música será invencível. O MST
nos dá sinais de que outra humanidade quer emergir” (Leonardo Boff).
A concepção de criação neste trabalho, sustentada no
materialismo histórico dialético, compreende que é a atividade criadora
do ser humano que faz dele um ser projetado para o futuro, um ser que
cria e transforma seu cotidiano (VÁZQUEZ, 1978, VYGOTSKI, 1999).
Na vida cotidiana, a criação é condição indispensável para a existência e
tudo o que ultrapassa o marco da rotina, ainda que seja apenas uma
pincelada de algo novo, guarda relação com o processo de criação do
homem (VYGOTSKI, 1999).
Neste sentido, Vázquez (1978) diz que se o homem é atividade
criadora, não poderia deixar de estetizar o mundo” (p. 52). Entende-se
eno, que a criação não é qualidade de alguns, mas condição ontológica
76
que implica a apropriação da realidade, sua desconstrução e
reconstrução; criação de algo novo.
Estamos falando aqui de todas as formas de criação do homem,
não nos restringindo à criação artística, pois o homem já é criador
desde que produz objetos que satisfazem necessidades humanas, isto é,
desde que emerge de seu trabalho um produto novo” (VÁZQUEZ, 1978,
p. 53 e 54). Desta forma, a atividade criadora é o fundamento do homem
como ser histórico e social, que transforma e cria o mundo de acordo
com suas necessidades. É a atividade significativa que faz do homem
um ser criador, pois desde a transformão dos objetos em instrumentos
de trabalho, o homem expressa sua condão criadora. O trabalho,
segundo Vázquez (1978) é histórica e socialmente a condição necessária
para o surgimento da atividade artística, bem como a relação estética.
Um elemento fundamental que compõe a atividade criadora é a
imaginação. Para Vygotski (1999), a atividade de criação está
fundamentada na imaginação, pois tudo o que nos rodeia e que tenha
sido produzido e transformado pelo homem é produto da imaginação e
criação humana, baseada nessa imaginação. Para o autor, todos os
objetos da vida cotidiana, desde os mais simples, são por assim dizer, “a
imaginação cristalizada”.
Vygotski (1999) esclarece a relação entre a imaginação e
atividade criadora, dizendo que toda criação da imaginação se
fundamenta em elementos tomados da realidade e que se conserva de
experiências anteriores do homem. Ou seja, a atividade criadora da
imaginação depende diretamente da riqueza e diversidade das
experiências vividas. E, se num primeiro momento a imaginação se
apóia na experiência, a experiência tamm se apóia na imaginação.
Maheirie exemplifica dizendo que:
Neste movimento de vinculação, o sujeito pode enriquecer sua
experiência sem ter que vivenciá-la no concreto. É possível vislumbrar
este processo quando, por exemplo, se escuta uma história contada por
meio de uma música, ou quando esta nos descreve um lugar ou uma
coletividade que não conhecemos no âmbito do real. Este tipo de
vinculação nos permite compreender experiências sociais diversas das
nossas, ampliando nosso horizonte compreensivo graças à nossa
capacidade imaginativa (MAHEIRIE, 2003b, p. 151).
77
tamm na relação entre a atividade da imaginação e a
realidade, o aspecto emocional. Acerca disso, Vygotski (1999) esclarece
que a condição emocional do ser humano, tem a capacidade de
selecionar impressões, idéias e imagens, estando presentes também
neste processo, as experiências passadas, ou seja, a memória.
Baseada em Vygotski e Sartre, Maheirie (2006) nos fala que a
memória é um processo psicológico que indica uma relação que se
estabelece com a temporalidade e que está necessariamente ligada à
imaginação. Desta forma, por meio de uma relação emocional, podemos
trazer presente, numa atitude reflexiva, a memória de algo que
significamos como prazeroso, sofrido, feliz ou triste.
Neste sentido,
a imaginação é a base para toda e qualquer forma de criatividade, seja
ela artística, cotidiana, científica ou cnica, na qual o sujeito realiza
uma negação do passado, de suas experiências concretas, em função de
um porvir, de suas projeções futuras. Portanto, o processo de criação é
uma articulação temporal realizada pela subjetividade, numa postura
afetiva, como negação da objetividade, com vista a transformar esta
objetividade numa nova objetividade, deixando nela a marca da
subjetividade (MAHEIRIE, 2003b, p. 152).
Vygotski (1999) destaca que todo criador é fruto de seu tempo e
de suas relações. Sua criação parte de necessidades que são cunhadas
antes dele e se apóia nas possibilidades que estão dadas na realidade,
pois nenhuma criação ou descobrimento novo aparece antes que se
criem as condições objetivas e subjetivas necessárias para seu
surgimento. A criação segundo o psicólogo russo é um processo
articulado historicamente, onde por mais individual que seja qualquer
criação, sempre está presente o social, ou seja, nenhuma invenção é
unicamente pessoal, sempre há algo de colaboração anônima.
É neste sentido que,
o processo de criatividade do músico precisa ser compreendido, por sua
vez, sempre como um produto histórico-social, completamente inserido
no tempo/espaço no qual se dá, a partir das condições objetivas do
contexto, sempre mediado por um processo intersubjetivo. Nesta
perspectiva, toda obra é domínio da atividade de todos os homens,
destacando um caráter coletivo em qualquer invenção singular
(MAHEIRIE, 2003b, p. 152).
78
É no entrelace da realidade-imaginação-afetação-memória-
criação (VYGOTSKI, 1999) que as músicas do MST foram sendo
criadas. O processo de criação de músicas no MST segue o movimento
histórico e dialético de constituição dos sujeitos, das suas vidas
cotidianas no Movimento, atravessados pela realidade social e política
que vem marcando o surgimento e a formação deste movimento social e
dos sujeitos Sem Terra. Assim,
a partir das primeiras ocupações várias pessoas foram compondo
suas próprias músicas no acampamento, relacionavam a luta com
a vida diária do acampamento e, tamm, a idéia da
transformão da sociedade, as músicas relacionadas ao sistema
capitalista e como contrapor isso. Depois vieram as composições
relacionadas à terra, o desafio depois do assentamento
conquistado, na educação e assim por diante (Dirceu).
O processo de criação de músicas no MST esteve muito presente
no surgimento do Movimento, principalmente dentro dos
acampamentos. Isso porque, segundo Irma, o acampamento é um
contexto onde estão presentes alguns elementos que proporcionam tanto
a presença da música como a criação destas.
O acampamento ele te proporciona a tu meditar e a escrever, quer
dizer, como a gente tem mais tempo, a gente fica, escuta aquele
radinho, canta muito nos acampamentos. Como tu não vai
trabalhar, tu fica ali. Então, a pessoa pega a viola e, né? Porque o
clima te favorece a cantar, o espaço te favorece. Eu digo, se nós
não tivesse acampamento, talvez, claro nós não seria o
movimento sem terra, mas nós não teria esta identidade tão
grande em escrever, em cantar, então eu acho que o acampamento
é o berço dessa criatividade (Irma).
Uma das características que Irma nos mostra é que nos
acampamentos as pessoas ficam mais tempo sem atividades a realizar.
No entanto essa realidade é a referência que ela tem da época em que
ficou acampada, 24 anos. Naquela época, dificilmente os acampados
conseguiam algum trabalho. Então, eles ficavam muito tempo dentro do
79
acampamento, vivendo um cotidiano reservado a relações entre a
própria família e entre os outros companheiros do acampamento.
Hoje essa realidade se apresenta diferente, pois no
Acampamento Irmã Jandira que visitei para fins da pesquisa, os
acampados podem sair 15 dias para trabalhar e depois voltam e
permanecem outros 15 dias no acampamento. Muitos conseguem
trabalho pelos arredores do acampamento, nas cidades próximas ou na
região. Os trabalhos envolvem atividades com a terra como roçar,
atividades em plantações seja na colheita ou plantação de frutas e
legumes, entre outros. Neste sentido, o cotidiano dos acampamentos em
SC tamm foi se transformando no decorrer da história do MST,
devido a diversos fatores que nos últimos anos permitem que os sujeitos
consigam trabalho mesmo na condição de acampados Sem Terra.
No Acampamento Irmã Jandira os sujeitos criam e recriam
músicas, como é o caso de um dos entrevistados naquele contexto, o
Paulista. Ele, junto com seu cunhado que toca violão, vem dentro do
acampamento compondo diversas paródias com temas variados. Junto
com Jaison, outro acampado, Paulista tamm pretende produzir
músicas para o MST.
Em relação às paródias Paulista canta um exemplo:
Nós mudamos a letra do hino (canção). agora nós estamos
fazendo, ao invés de falar é o amor”, a gente fala “é jesus, que
mexe com meu coração e me deixa assim, faz eu esquecer do
mundo e o mundo de mim, eu o sei viver sem Jesus”.
Conforme ele (cunhado) canta com o violão eu componho a
música, então, ele está tocando música que não tem nada a ver eu
faço um hino, ele gosta, assim vai, a mesma coisa que nós
estamos tentando fazer no Movimento (Paulista).
Nesta (re)criação musical, observamos a abertura de sentidos para
além dos conteúdos ideogicos do Movimento. Paulista criou uma letra
com conteúdo religioso, devido as suas crenças e também está criando
uma música para o Movimento.
(Música) do movimento nós começamos uma e não terminamos
ainda, é que nós estamos falando sobre a morte da Irmã Jandira,
assim né? E estamos pedindo que o INCRA ajude mais o
80
movimento e estamos fazendo ainda. É que tava fazendo eu e o
outro Paulista, mas ele foi embora (Paulista).
Então perguntei: qual o objetivo de vocês com esta música?
Nós vamos compor a música para cantar dentro do movimento
né? Eu mesmo quero compor a música pra gente cantar no
movimento mesmo, que ela foi uma guerreira. Que foi uma
guerreira pelos sem terra. Aí tem a Irmã Dulce né? Aí nós
queremos colocar a Irmã Dulce. O índio , o Galdino. Então nós
queremos, assim, colocar para que as pessoas enxerguem que eles
foram lutadores, foram guerreiros pelo movimento (Paulista).
Segundo Maheirie (2003b, p. 153) compor é objetivar uma
subjetividade singular que se acha inserida num determinado contexto.
Nesta perspectiva, o produto da criação deve ser compreendido como
uma totalização em curso, contendo toda a humanidade na interioridade
de seu produto”. Desta forma, a vontade de mostrar para outras pessoas
a importância destes “guerreiros” envolve então a criação de uma
música que conta e canta a realidade deste acampamento, como também,
a participão histórica de outras figuras importantes na luta dos Sem
Terra, e que precisam ser mostradas aos outros, à humanidade.
Assim, o acampamento é um espaço de criação, no entanto, a
intensidade dessa atividade talvez esteja diferente atualmente, pelas
próprias transformações dos elementos destacados por Irma. Segundo
ela,
esse convívio que tu tem, quer dizer, por exemplo, nós no nosso
barraco, mas não tinha uma noite que nós não cantava, a
proximidade das pessoas, tu tá junto, tu tá fazendo um serão que
a gente diz né? Ela te proporciona a você a cantar ou escutar
música ou cantar. Duvido, de noite, qual é o camponês que
antigamente não escutava música. Eu me lembro o tempo de
infância, nós escutava música até umas horas ou levantar de
madrugada e escutar música né?
Em relação ao serão” que Irma fala, ou seja, àqueles momentos
onde todos se reúnem à noite para tocar e cantar, não foi uma realidade
apresentada no Acampamento Irmã Jandira. Mais um exemplo que
81
retrata algumas mudanças nos contextos que atravessam o tempo-espaço
do acampamento. No Acampamento Irmã Jandira, às 22 horas é o
momento em que o acampamento silencia. Então, a possibilidade de um
“serão”, é restringida como questão de organização deste acampamento.
No entanto, durante o dia e tamm à noite, muitos foram os barracos
pelos quais passei e que pude ouvir músicas saindo dos rádios a pilha.
As pessoas não deixam de ouvir músicas, mas o fazem mais
reservadas ao espaço do seu barraco. Apesar de este acampamento
possuir um Coletivo de Animação, ele tamm se limita mais aos
momentos pré-instituídos para a presença da música, ou seja, nas
reuniões e assembléias e aos domingos em um horário determinado para
o Coletivo se reunir.
Mas tu pode crer, a maioria das músicas do MST elas nasceram,
foram escritas, dentro dos acampamentos. A militância que
escreveu foi a partir daí (Irma).
Ao encontro da afirmão de Irma, acreditamos que o
acampamento além de ter sido um dos espaços mais significativos da
criação musical do MST ao longo da história, ele ainda é o contexto
onde os sujeitos vivenciam as experiências que os constituem como Sem
Terra. Ou seja, o acampamento também transforma e cria novos
sujeitos, não necessariamente em artistas, mas em homens e mulheres
esperançosos, sonhadores. Sujeitos que resistem à arte de viver. E, para
Deleuze (1992, p.215), quando um povo se cria, é por seus próprios
meios, mas de maneira a reencontrar algo da arte (...) ou de maneira que
a arte reencontre o que lhe faltava”. Arte-Resistência, traço que
permanece no espaço-tempo dos acampamentos e que constitui o que o
MST é hoje.
Então, assim, as pessoas se desafiavam a escrever, quando via
noutro dia numa assembléia o pessoal cantando uma música
que ele tinha escrito. Então, eu acho que o ambiente nosso do
acampamento, ele proporciona a você criar e a você se identificar
com essa questão. E tamm, da questão assim, tu vai politizando
as pessoas, por exemplo, você fala do latifúndio, tu fala da
situação de opressão, tu fala nisso, e as pessoas, tu vê essa música
que a Teresa escreveu ela pego tudo aquilo que se falava em
82
assembléia, em discussão, e ela pego, é uma paródia né? Ela pego
a melodia de outra música e quantos que fizeram assim. Pegavam
a melodia de outras músicas e escreviam (Irma).
Ou seja, como foi dito, a atividade criadora se apóia na
imaginação e na memória, sendo estes processos de apreeno da
realidade transformados pelo sujeito e marcadas pela sua afetação e suas
reflexões. Assim, nenhuma criação surge antes que se criem as
condões objetivas e subjetivas necessárias para seu nascimento
(VYGOTSKI, 1999). Neste sentido, é que a música criada por Teresa
32
retrata sua atividade criadora e também as condições que possibilitaram
tal processo mostrando que este é um trabalho altamente elaborado, no
qual o conhecimento dos elementos acústicos se alia à criatividade com
que o sujeito articula, processa e elabora os elementos da percepção,
imaginação e reflexão, de maneira afetiva” (MAHEIRIE, 2003b, p.
152). Desta forma, a criação de uma música, segundo Maheirie (2003b),
nasce carregada de sentido e pode ser compreendida como uma forma
de linguagem afetivo-reflexiva.
A música criada por Teresa foi cantada no dia da Comemoração
dos 24 anos do MST em SC. Quando Irma anunciou o canto dessa
música, ela disse:
Vamos cantar uma música que muita gente esqueceu. Que foi
escrito por uma companheira, não está mais aqui né? Mas uma
grande batalhadora, a Teresa. Então ela escreveu, faz anos que
viemos acampar, já faz anos que a gente está sofrendo. Então, nós
vamos cantar esse canto que marcou muito a nossa história
(Irma).
Já faz anos que viemos acampar
Pra uma terra conseguir para plantar
Pois nós todos precisamos é lutar
Para o governo bem depressa nossas terras demarcar (bis)
Nossas lonas já estão todas rasgadas
Sem dinheiro para uma nova se comprar
Quando chove dá tristeza de se olhar
32
Gravada no dia da Comemoração dos 24 anos do MST em SC e transcrita.
83
As crianças tiritando sem casaco pra botar (bis)
Nossa luta é para o povo enxergar
Que os grandes nada fazem pra ajudar
Eles querem o seu nome perfilar
Não se importam se nós vamos ou não vamos chegar lá (bis)
Nossa luta por aqui não vai parar
Nos ponhamos a pedir e a gritar
Para o pequeno se unir e vir lutar
Pela terra que é direito e nós vamos conquistar (bis)
Ao final do canto, Irma chamou um grito de ordem com o punho
levantado: Reforma agrária quando?
Todos respondem com o mesmo gesto:
Já!
Enfatiza:
Quando?
Respondem:
Já!
E foi nesse processo de criar o novo que outros tamm
escreveram músicas dentro do acampamento, como é o caso de Juliano.
Durante nossa entrevista no Encontro de Violeiros, Juliano fez questão
da presença de sua esposa, Dona Neli, para que cantassem para mim a
música que ele fez no ano de 1985.
Ele conta para nós um pouco sobre a época em que estavam
acampados em Abelardo Luz:
Nós quando tinha tempo nós se reunia, tocava violão. Eu não sou
um violeiro, mas sempre gosto e a gente que está na terra, eu
sempre gostei da música sertaneja e daí eu fiz uma música
quando nós viemos pra né? Quando nós chegamos, na chegada
tudo, daí a gente fez uma música lá (Juliano).
Perguntei: mas quando vocês estavam acampados?
Acampado, é. (Juliano).
Vamos cantar. Nunca lembramos bem (Neli).
Você que é nova, tivesse um dos 85 sabia, mas é mais ou menos
assim a música (Juliano).
84
Juliano tocou vioo e ambos cantaram a música.
25 de maio nós fizemos o que devia
No que essa noite linda nenhum de nós dormia
O nosso motorista era o santo dos guias
Um dava sinal para o outro que era por aqui que ía
O povo dentro da lona eles vinham bem quietinho
Ninguém precisa saber do destino que eles vinham
Nós sabia que a luta não tinha facilidade
Por isso saímos firme pra não dar a mancada
Quando foi de madrugada perto de clarear o dia
Cuidei o mensageiro que até nós não conhecia
E os tal de pistolero que vieram atrapalhar
Fizeram fogo na ponte que tivemos que apagar
Depois que passamos a ponte demos grito de vitória
Por isso saiu a história que muitos sabem contar
Passamos duas semanas naquela tribulação
Governo e Comissão faziam a negociação
O povo lá do barraco fazia a sua oração
Pra que tudo desse certo entre Governo e Comissão
Nosso estado deu um balanço Santa Catarina viu
O valor do povo unido numa luta juvenil
Já contei a minha história que é para o povo relembrar
Reforma Agria na terra e nunca mais vai parar.
Os dois cantaram toda a música sem hesitar na letra. Durante a
música a história cantada pelo casal foi emocionante. Então exclamei: e
falaram que não iriam lembrar! E curiosa: E vocês escreveram juntos
como foi?
Ele escreveu e eu acompanhei. Eu ajudei tamm umas idéias
(Neli).
Agora a gente meio, a gente vai ficando velho, vai ficando
pouca idéia, mas eu compus muitas músicas e não me lembro
mais né? Essa música aí quando nós chegamos aqui eu fiz a
música, chegamos aqui em 85 eu fiz a música. A música é a
chegada nossa, foi a música da chegada. E agente previa né? Que
85
nem eu digo no último que, Reforma agrária na terra nunca mais
vai parar e na realidade quando eu fiz a música eu pensava que
parava, mas não paro, deu certo a música. Eu disse reforma
agrária na terra nunca mais vai parar, mas eu achei que não ía,
que ía parar né? Em vez não parou mesmo, tinha um sentido
(Juliano).
Percebe-se que a música criada por Juliano, conta a realidade
vivida por ele e seus companheiros Sem Terra na época da ocupação.
Independente de considerarmos Juliano e Neli artistas ou não, é possível
concordar com Vázquez (1978) ao afirmar que quando o artista entra
em contato com a realidade, não a toma para cop-la, mas para se
apropriar dela, convertendo-a em suporte de uma significação humana”
(p. 114). Juliano e Neli apropriam-se esteticamente da realidade,
fazendo com que esta fosse transformada, tornando-a uma realidade
humanizada, ou seja, transformou aquela realidade em canção, objeto
artístico concreto-sensível. Nesse sentido, a relação estética do homem
com a realidade, enquanto relação social, não cria apenas o objeto, mas
tamm o sujeito” (VÁZQUEZ, 1978, p.96).
Na relação estética, o homem satisfaz a necessidade de expressão e
afirmação que não pode satisfazer, ou que satisfaz de modo limitado,
em outras relações com o mundo. Na criação artística, ou na relação
estética criadora do homem com a realidade, o subjetivo se torna
objetivo (objeto), e o objeto se torna sujeito, mas um sujeito cuja
expressão objetivada não só supera o marco da subjetividade,
sobrevivendo a seu criador, como pode ser compartilhada, quando
fixada no objeto, por outros sujeitos (VÁZQUEZ, 1978, p. 56).
Desta forma, a música criada Juliano objetivou sua experiência
fazendo com que esta pudesse ser compartilhada por outros sujeitos em
espaços e tempos históricos distintos. Também foi o que aconteceu com
a mística no dia da Comemoração dos 24 anos do MST em SC, pois
passados 24 anos, o acontecimento vivido pelos Sem Terra no processo
de ocupação em Abelardo Luz, pode ser revivido e compartilhado com
os presentes. Os acontecimentos e experiências revividos e recordados
por meio da música ou da mística podem proporcionar aos sujeitos
criadores e tamm aos espectadores, uma relação sensível com a
realidade, com o tempo, com o outro, ou seja, pode proporcionar
86
relações estéticas. Estas compreendem um modo específico de se
relacionar com os objetos, uma relação peculiar, sensível, única e
irrepetível (VÁZQUEZ, 1978, 1999).
Juliano identifica a sua música com a própria continuidade da luta
pela reforma agrária do MST, ou seja, a luta e a música tinham um
sentido. Passado tantos anos da criação da música, Juliano ao relembrar
sua produção a ressignifica, pois ele agrega um novo sentido à sua
música, baseado na própria história do MST que não deixou a reforma
agrária parar, ao contrário do que ele previa.
Por isso, o produto da criação, seja ela cotidiana, científica, técnica ou
artística, sempre dialetiza a relação objetividade/subjetividade na medida
em que possibilita aos sujeitos produzirem constantemente novas
significações, construindo, desconstruindo e reconstruindo sentidos
singulares e coletivos em contextos concretos (MAHEIRIE, 2003b, p.
153).
Este olhar se fez possível, devido ao excedente de visão
produzido por Juliano, pois ele consegue estabelecer uma nova relação
de entrada e saída em sua obra. Consegue observá-la em sua totalidade,
compreendendo não a música como o contexto de sua criação, de
outro lugar (BAKHTIN, 1997). Neste sentido, tanto a arte como a vida,
possui sempre um sentido porvir e, (...) para viver, devo estar
inacabado, aberto para mim mesmo pelo menos no que constitui o
essencial da minha vida -, devo ser para mim mesmo um valor ainda
por-vir, devo não coincidir com a minha própria atualidade
(BAKHTIN, 1997, p.33).
Ancorada na perspectiva bakhtiniana, compreendemos que
Juliano, ao produzir esse novo olhar sobre sua música, realiza um
movimento de ir ao encontro de sua criação e, depois, volta ao seu lugar
na atualidade, carregando consigo tudo o que emoldurou sua música
durante os 24 anos que se passaram. Ele criou um novo acabamento
mediante o excedente de sua visão, de seu saber, de seus sentimentos e
convicções.
Continuando a entrevista, perguntei a Juliano se ele conhecia os
CD‟s do Movimento. Ele disse que não tinha nenhum e afirmou:
Mas tem muita música boa, música que conta a história até, eu
ouvi uma música esses dias que, é uma coisa certa né? Eu acho
87
que pegô da idéia das minhas músicas, da minha história né?
Então, é isso aí (Juliano).
Nessas palavras observamos que Juliano se reconhece nas
músicas do MST ao ponto de pensar que essas músicas foram escritas
com a contribuição das suas idéias e da sua história. Juliano nos mostra
nessa sua fala, como os sentidos podem ser coletivamente
compartilhados por meio das canções do Movimento e como os sujeitos
podem realmente se identificar com elas. Inspiradas em Bakhtin,
podemos apontar que relacionar o que se viveu ao outro - neste caso a
música do MST é condição necessária tanto para a identificação, quanto
para a relação estética e ética. A questão ética é incluída aqui, pois a
música pode oferecer ao sujeito uma experiência imediata de identidade
coletiva por meio da identificação de valores e orgulhos comuns, mas,
sobretudo, porque somente a música pode fazer você senti-los, devido
sua intensidade emocional (FRITH, 1987).
Juliano se identifica com as músicas do MST, pois são músicas
que falam de histórias de vida como a sua. Da mesma forma, a música
criada por ele, é uma canção que conta a história do MST, mais
especificamente, a história de uma das primeiras ocupações do
Movimento em SC. São músicas que cantam a história, e são histórias
que contam a vida dos Sem Terra, a vida do MST. A música de Juliano
cantava, naquela época, o devir do Movimento. Hoje concretizado pela
continuidade da luta pela reforma agrária, o devir na música de Juliano é
uma síntese que se abre mais uma vez à alteridade.
E, como o pessoal se estimula a escrever, é como assim, parece
que é uma necessidade de escrever” (Irma), as criações continuam sendo
embaladas pelo berço dos acampamentos, pois, criar no MST e para o
MST é valorizar a própria condição de Sem Terra, que, seu único
capital sendo sua vida, em seu estado de resistência e muitas vezes de
sobrevida, é que eles fazem da criação um vetor para a existência
(PELBART, 2009).
Aqui foram apresentados alguns dos sujeitos do Movimento Sem
Terra de SC e algumas de suas criações. No entanto, há inúmeros desses
criadores espalhados pelo Brasil e tantos outros queescondem” sua arte
ou ainda estão para serem encontrados.
88
4.3 Significados compartilhados em torno da música no MST
América Latina de sangue e suor. Eu quero pra ti um dia melhor. Este
povo que sofre pela mesma razão. Grita por liberdade numa nova
canção” (Milico).
A música no MST possui significados que são coletivamente
compartilhados. Significados que dizem da função da música no
Movimento e que expressam o olhar singular dos sujeitos sobre como a
música afeta o MST no seu cotidiano de luta. Com a pergunta: que
significados você acha que a música tem para o MST?” os sujeitos
foram apresentando estes significados e mostrando o quanto eles
compartilham olhares.
Eu diria que a música é fundamental pra luta, ela faz a luta ser
mais completa. A luta sem a música não seria completa. A luta
pela terra, na primeira ocupação, a gente anima a primeira
assembléia, não adianta fazer uma assembléia no ato primário da
luta pela terra, que é a luta contra o latifúndio, a ocupação da
terra, se fica dois três falando, não, você puxa uma gaita, um
violão, o povo começa contagiar e, ali, é questão na segunda,
terceira assembléia todo mundo já aprendeu as músicas (Dirceu).
Falar da luta do MST sem a música é quase como falar de uma
luta burocratizada, com vozes secas e olhares rios. Desde a primeira
ocupação, quando muitos iniciam sua luta no MST, a música tem de
estar presente para animar as pessoas. A ocupação é um dos momentos
mais importantes da luta e das futuras conquistas do MST, no entanto,
“se fica dois três falando”, não é a luta do MST, é preciso a música para
mostrar que apesar do sofrimento vivido neste processo, a luta pela terra
é alegre e criativa.
A música, nas letras das músicas representam a luta, a nossa luta,
muitas letras falam da nossa luta né? Então na minha visão é o
primeiro ponto é isso, divulgar aquilo que a gente realmente
busca né? E segundo a própria animão porque onde tem música
não tem tristeza é alegria né? Então o esses dois pontos
principais (Jhon).
89
Os dois pontos destacados por Jhon acerca da música no MST
são de que a música representa a própria luta e por meio dela o MST é
divulgado, e segundo, a animação proporcionada por sua presença. A
música no Movimento cumpre então o papel de representar e divulgar a
luta do MST e tamm de alegrar e animar a luta. Por se constituir como
uma linguagem afetivo-reflexiva, a música envolve um processo de
reflexão que é possível por meio da afetividade, sendo que a
afetividade em relação à música se faz possível devido a determinado
processo reflexivo (MAHEIRIE, 2001).
Irma que caminha com o MST desde o surgimento do Movimento
em SC, fala que a música possui um papel importante, pois ela anima os
Sem Terra para a luta.
Quem canta seus males espanta, então, é um pouco o que a
gente quer dizer que vose anima pra luta. Então, às vezes a
gente tá meio desanimado e tal, já puxa um grito de ordem, canta
umas músicas e tal né? Pro momento tu te um pouco de gás né?
Então é assim, eu acho assim, que ela joga um papel importante
(Irma).
Vygotski (1999, 2001) alerta sobre o poder que a arte possui em
transformar os sentimentos por meio da catarse. Ou seja, na relação
estética do sujeito com uma obra de arte, não uma liberação dos
sentimentos, mas sim, a superação e transformação destes. Desta forma,
Irma sinaliza, em sua fala, que a música tem essa capacidade de
transformar os sentimentos ruins, por meio do canto, em ânimo para a
luta.
Juliano diz que as músicas que ele criou para o Movimento,
tamm m o objetivo de incentivar, que, em sua opino, as outras
músicas presentes no MST dão força e entendimento. Elas contam
histórias, causos, e assim mostram aos Sem Terra o caminho da luta.
O papel da música no Movimento, que nem essas que eu fiz aí,
ela tamm incentivo, mas essas músicas novas, que nem tem
muitas músicas dos seguidores do Movimento, ela dá mais uma
força e entendimento. Então, as pessoas vão entendendo que é por
que as coisas tem que ir, o que cem por cento, mas que
90
indo. A música é uma coisa, assim, que conta uma história, conta
um causo, conta as coisas assim (Juliano).
Leonel que é um jovem Sem Terra, nos diz que a música
acompanha os acontecimentos do MST e desta forma, sua especificidade
é passar sentimento e relatar as coisas boas e ruins por que tem passado
o Movimento ao longo de sua história. Ele tamm destaca esse valor
que a música tem de poder contar fatos históricos, resumidos na letra de
uma canção.
Só que a música, eu vejo essa coisa assim, a especificidade dela é
de passar sentimento, passar valores, sabe? Conquistas, todo esse
processo histórico né? Porque como você passa bastante coisa
assim tamm vivida, coisas boas sabe? Que é produzir, é
conquistar a terra, é escolas, enfim, essas coisas, então, são tudo
coisas boas sabe? Como tamm tem coisas chocantes que as
vezes acontece durante o processo sabe? Então, tanto coisas boas
quanto coisas ruins relatam nas músicas, tem nas músicas sabe?
Então é uma coisa assim que vem acompanhando a história,
vamos dizer, muitas coisas as vezes, se tu procurar num livro de
história né? As vezes um livro inteiro de história ali e aí numa
música só, as vezes, conta uma boa parte daquele período sabe?
Então essa que é eu acho a diferença e o valor da música
(Leonel).
Na fala de Leonel, observamos que a música é como um texto
ritmado que tem a capacidade de falar o que muitas vezes nós não
conseguimos. Neste sentido, a música não substitui nossos diálogos e
discursos, mas torna nossos sentimentos e saberes mais ricos e
convincentes do que poderíamos fazê-los parecer com nossas próprias
palavras (FRITH, 1987).
Para Ide, que foi entrevistado no Acampamento, a música anima
o cotidiano do MST, sendo o hino do Movimento uma das músicas mais
marcantes, pois ela faz mediação no aumento da força e da potência de
ação dos Sem Terra.
Ela tem o papel de animar na hora da assembléia, daqui a pouco
uma reunião, às vezes está meio desanimado ali, então, porque as
91
vezes a reuno está animada, tem um ponto ali outro aqui, uma
discussão, um debate, então, as vezes, puxa ali, canta uma
música, no caso o hino pra mim é o mais forte né? Claro que é
senão, não ia ser o hino né? (Ide).
Ezequiel destaca a letra da música como fazendo parte da luta dos
Sem Terra, pois ela expressa essa luta e contribui com os processos de
transformão dentro do Movimento.
A letra da música é interessante, faz parte da nossa luta, que traz
muito, ajuda no processo de transformação e coisas assim,
expressa um sentimento de luta e busca por uma transformação
de vida (Ezequiel).
Estas entrevistas foram realizadas nos três contextos onde a
pesquisa aconteceu, mas com sujeitos diferentes que compartilham
significados e nos mostram que as músicas no MST - sejam elas
produzidas pelo pprio Movimento, criada por um Sem Terra, a música
caipira ou as músicas dos seguidores” do Movimento, são músicas que
animam e dão incentivos para a continuidade da luta, contam histórias e
causos, dão força e entendimento quando o pessoal está desanimado,
expressam sentimentos de luta e ajudam no processo de transformação,
produzindo novos valores e sentimentos.
Compartilhando as falas e integrando-as, a música no MST anima
e significa a luta do Movimento. Significa, pois, a noção trazida pelos
sujeitos de passar valores, entendimento, contar histórias, etc.,
possibilita um processo de significação mediado pela música. A música
no MST e suas letras possuem significados que são compartilhados
coletivamente, pois são produzidas e experienciadas em um determinado
contexto, porém elas possibilitam um processo de (re)criação na medida
em que a música é sentida e apropriada por cada sujeito de forma
singular. Desta forma, a música possibilita a circulação de significados e
os sentidos de ser do próprio MST.
Entendida desta maneira, a música é um fenômeno ideológico por
excelência, pois a palavra não comporta nada que não esteja ligado a
essa função ideológica, ela é toda absorvida por sua função de signo
(BAKHTIN, 1992). No entanto, Vázquez (1978) nos alerta que “(...) as
relações entre arte e ideologia apresentam um caráter sumamente
92
complexo e contraditório e que, ao abordá-las, devemos rechaçar
como dois extremos igualmente nocivos tanto sua identificação quanto
sua oposição radical” (p.28). Este autor faz uma definição que me
parece muito coerente sobre este tema, dizendo que a arte é meio de
conhecimento e pode ser meio de conhecimento quando é criação do
novo e não cópia da realidade. Deste modo, a música não define
automaticamente nossas ações e pensamentos por ser um fenômeno
ideológico, pois mesmo trazendo um „sentido‟ em si mesma, que pode
ser identificado na objetividade de suas letras, nenhuma canção trás um
significado „a priori‟, marcado na sua interioridade e imposto aos
sujeitos que escutam (MAHEIRIE, 2002, p. 51). A arte é sempre
mediada por um contexto mais amplo da realidade, mas tamm pela
vida cotidiana dos sujeitos e, desta forma, está no processo dialético de
produção da vida, mediada pela realidade material, pela história e pelo
sujeito que a produz e reproduz.
Mas a música tamm anima a luta. Sobre esse poder de animar,
alegrar e de dar um gás para o momento da luta, Vygotski (1998),
esclarece que o efeito da música nos sujeitos nunca é imediato, pois
entre o homem e o mundo está ainda o meio social, que a seu modo
refrata e direciona qualquer excitação que age de fora sobre o homem, e
qualquer reação que parte do homem para fora” (pp. 319 e 320). O
efeito da música é imensuravelmente sutil, complexo e se produz através
de abalos e deformações subterrâneas no posicionamento dos sujeitos,
pois ela pode motivar para alguma coisa e pode agir de modo excitante,
porém de forma indefinida, explodindo para a vida novas
potencialidades (VYGOTSKI, 1998).
(...) A arte é antes uma orientação para o futuro, uma exigência que
talvez nunca venha a concretizar-se, mas que nos leva a aspirar acima da
nossa vida o que está por trás dela (VYGOTSKI, 1998, p. 320).
Bogo (2002) diz que a arte no MST tem o papel de interpretar a
realidade e, ao mesmo tempo, de destapar” o que não aparece desta
realidade. Mas admite que este destapar” por meio da arte não realiza
mudanças imediatas, como a produção de uma consciência social e
política”, mas acredita que ela pode alimentar a utopia de realizações
futuras e projetar o mundo que o Movimento deseja. Nesta perspectiva é
que Sawaia (1999) substitui a noção de conscientizar por potencializar,
pois produzir potencialidades é unir o que estava cindido: razão,
93
afetividade, corpo e desejo. É possibilitar aos sujeitos por meio da arte,
da música, o aumento da potência de vida. É potencializar a criação de
projetos de vir a ser enquanto singularidade e coletividade. Como diria
Bakhtin (1997), é criar memórias de futuro que orientem o cotidiano.
E, segundo Irma,
Todo mundo gosta, assim nossa, todo mundo se identifica, é
difícil quem não se identifica com as músicas da luta, a gente diz
música da luta né? (Irma).
Por meio da presença da música no cotidiano do MST, tamm é
possível criar e fortalecer identidades, pois nos movimentos sociais, as
músicas surgem como expressão na construção de raízes” e desta
forma, mais do que um elemento expressivo, a música é um elemento
construtor de identidades (MENEZES BASTOS, 1993). Desta forma,
carregadas de significações coletivas, as músicas provocam
experiências emocionais intensas queo vividas no singular como
respostas àquilo que não se consegue, somente pela linguagem escrita,
expressar com propriedade (MAHEIRIE, 2008, p. 80 e 81)”.
Esta capacidade de, por meio de uma música, criar e/ou fortalecer
identidades é uma das funções da música apontadas por Frith (1987),
segundo ele a música tem a capacidade de criar um tipo de identidade
coletiva que tamm é sentido individualmente. A música produz
identificações e insere os sujeitos em grupos e movimentos sociais,
como é o exemplo das músicas de grupos afro-descendentes, músicas de
grupos punks e, neste caso, as músicas no MST.
Assim, a música pode formar laços que se unificam na construção
do coletivo, e tamm, se faz mediação para a abertura à alteridade
(MAHEIRIE, 2008). Esta concepção no processo de identificação é
possível, pois a noção de identidade aqui trabalhada se pauta na tensão
entre dois sentidos presentes na identidade, ou seja, o de permanência e
o de transformão. Estes são como pares dialéticos no processo de
identificação em curso, através do qual um modo de ser e de se
relacionar, repõe-se, abrindo-se ao outro” (SAWAIA, 1999, p.24).
A música, segundo Jhon, tamm pode contribuir com a mudança
do olhar que as pessoas m sobre o MST. Assim, as músicas utilizadas
no MST, também podem cumprir um papel para fora do Movimento,
94
chegando aos ouvidos daqueles que criminalizam o Movimento,
possibilitando quem sabe, novos olhares, novas opiniões.
O movimento mudou um pouco o estilo de luta, que antigamente,
o governo pegava mais em cima, o negócio era mais violento,
agora não, a mais calmo, o pessoal conhecendo o
movimento, acabando um pouco daquela discriminação que
tem: ah você é sem terra então você fica de lado. Então acho que
tá acabando isso um pouco e a música ajuda né? A própria
música ajuda isso, se você divulgando a música, quem escuta e
realmente entende a letra, presta atenção na letra ela vai tirar um
pouco daquilo e vai ver que realmente não é aquele bando de
arruaceiros que vão roubar as terras dos outros. Então acho que a
música ajuda muito nesse ponto, de ajudar a divulgar a
consciência do movimento, pra tirar um pouco dessa imagem que
principalmente a mídia passa né? Que é um bando de arruaceiro
que não tem o que fazer e vão pra lá, então acho que música
ajuda nessa parte aí (Jhon).
No entanto, a divulgação das músicas do próprio Movimento, ou
seja, os CD‟s produzidos pelo MST, não são comercializados ou
divulgados pela indústria cultural brasileira. As pessoas em geral podem
comprar o CD Arte em Movimento, por exemplo, pelo site do MST
na internet, no entanto, não é uma informação do conhecimento da
sociedade em geral. A música produzida pelo MST poderia, eno,
cumprir esse papel político apontado por Jhon, caso fosse de interesse
do MST, da mídia, de outros coletivos ou indivíduos.
Outro entrevistado acaba partilhando essa noção trazida por Jhon,
mas faz uma relação complementar ao dizer que:
Então, a música ela trás pra saber que o dia a dia não é o que eles
falam fora do movimento. O movimento é uma coisa que nós
estamos trabalhando. A maioria das músicas fala dos
latifundiários. Essa terra era nossa, era da nossa
descendência antes, então, aí a música fala muito nisso aí, da
foa para a luta, no meu pensar, ela dá força na luta para o
movimento (Paulista).
95
Paulista acredita que a música pode fazer um contraponto com o
que é dito fora” sobre o MST, mas que pode fazer isso para os
próprios Sem Terra, como forma de reafirmar e dar força ao MST na
luta. Desta forma, com essas falas, vamos compreendendo o olhar dos
sujeitos entrevistados sobre como a música afeta o MST. Eles
reconhecem a mediação da música no Movimento e nos mostram os
significados que ela possui na luta pela reforma agrária.
Neste sentido, Dirceu ainda reafirma a importância da música
para o MST, dizendo que, dentre as outras objetivações artísticas
utilizadas pelo Movimento, a música é fundamental e necessária.
Olha, a gente pode imaginar o encontro até sem poesia, eu
consigo imaginar. Até consegue imaginar um encontro sem
teatro, mas imaginar um encontro sem música é difícil, não é a
cara do Movimento (Dirceu).
Ou seja, não é o modo MST de fazer política se a música não
estiver presente.
Então todos os encontros que a gente faz, a música chama
atenção. No inicio, você deve ter participado de vários
encontros, você percebe no inicio quando começa bem animado,
tem uma música animada, o povo entra, começa a contagiar
as pessoas, o pessoal bate palmas, canta junto, então, a música
tem esse chamativo. Ela é única, então, o encontro com música
ele é muito mais animado. Quando você começa um encontro
animado, quando a pessoa cansada, você para, vamos levantar,
esticar, vamos cantar uma música, o pessoal se envolve de volta
(Dirceu).
Num encontro estadual que participei anos atrás em
Fraiburgo/SC, a música esteve presente no evento inteiro. Na recepção
das pessoas, no momento da mística, nas homenagens aos apoiadores e,
tamm, entre um discurso e outro. Nos encontros há momentos de
discussão, onde as pessoas são convidadas para falar, fazer análise de
conjuntura, discutir temas específicos e a música entra pra fazer os
participantes levantarem das cadeiras, mexerem o corpo, cantar, bater
palmas. Neste momento, quando as discussões vão deixando as pessoas
96
cansadas, a música cumpre esse papel de envolver de volta”, e como
diz Dirceu, é importante porque ela melhora a participão das
pessoas”.
A participação das pessoas é de extrema importância para um
movimento social e no MST, não é diferente. Mas a música é um
mediador que potencializa esta participação, pois prepara as pessoas
para as discussões e tamm, contribui para que elas permaneçam
ativas, ouvindo e falando. Sobre isso, Maheirie (2003b) contribui ao
refletir sobre como a música afeta e transforma tanto o sujeito quanto o
contexto em que está inserido.
Acontece que o impacto causado pela música não é sentido somente na
singularidade psicofísica do sujeito. Justamente por criar e despertar a
afetividade, a música parece alterar a forma como o sujeito significa o
mundo que o cerca. Quando se está “tomado” pela emoção de uma
música, os objetos à nossa volta ganham sentido e, o que parecia ser
indiferente, passa a ser vivido como “necessário”. Isto é, os objetos,
entendidos enquanto “materialidade”, realidade física, passam a ficar
repletos de sentido e marcados pela subjetividade humana. Neste
instante, tudo ao redor parece dançar ao mesmo compasso da música, e
esta organização sonora passa a dar musicalidade ao mundo como um
todo (MAHEIRIE, 2003b, p.148).
Neste sentido, a convivência com a música no cotidiano do MST
é uma experiência constante que ritmo às atividades políticas, sendo
um mediador que faz a diferença neste movimento social.
Então, ela tem uma particularidade acho que a música, que o
teatro o tem. A expressão corporal do teatro é maravilhoso, é
uma frente que nós temos que investir muito mais. A poesia
tamm, porque ela em poucas palavras ela consegue expressar
algo que é muito importante, algo que é muito amplo. E a música,
através da palavra, é uma mistura da palavra, da poesia, do teatro,
do som, então, ela traz o som junto, isso que é formidável na
música e ela é única, e a voz, as vozes que se fazem é muito
importante, sem a música acho que o Movimento não existiria
(Dirceu).
97
Segundo Wisnik (1989), a música é um objeto diferenciado, pois
se constitui de sons. Para ele “o som é um objeto subjetivo, que está
dentro e fora, não pode ser tocado diretamente, mas nos toca com uma
enorme precisão” (p. 28), e por mais nítida que ela possa ser, a música é
invisível, impalpável e tem um poder mediador hermético. Neste
sentido, a música é uma objetivação artística única que possibilita o
encontro do coletivo de vozes, de instrumentos e de corpos em
movimento. Sua característica fundamental é de se constituir de sons,
mas também podem estar presente nela a poesia e as performances
teatrais. No MST a música pode estar compondo a mística, onde outras
formas de arte estão presentes, mas tamm pode estar sozinha”, como
no acontecimento de uma ocupação.
A música no MST é apresentada por Dirceu, como fundamental
para a própria existência do Movimento. A afirmação trazida por este
entrevistado é significativa, pois ele tem como base uma experiência
forte com o Movimento, uma trajetória que o faz conhecer o MST em
todas as suas faces e que o faz olhar para a presença da música no
Movimento como uma necessidade para a própria existência deste. Não
sabemos como este movimento social seria sem a mediação da música,
pois sua trajetória é toda marcada por sua presença. No entanto,
refletimos que o sentido de ser do MST é a luta pela reforma agrária e
este é seu projeto, sua “estrela” no horizonte.
Desta forma, arrisco dizer que o significado da música para o
MST não é o de existência, mas o de resistência. Sem a música, talvez o
MST tivesse sua potência de criar e resistir diminuída, pois “resistir não
é simplesmente se opor. É algo muito mais difícil e complexo: é criar, é
produzir rupturas, é afirmar outras lógicas, outras realidades”
(COIMBRA, 2008, p. 16). Neste sentido, “criar e resistir, arte e vida,
supostas distâncias que se esvaem na luta diária e que fazem do existir
uma prática constante de reinvenção de si e das próprias condições de
emergência da vida” (ZANELLA, 2008, p. 70).
A música no MST é então uma objetivação potico-artística que
afeta o MST no campo político, ético e estético. Ao animar e significar a
luta, ela produz resistências, engendra processos de criação, aumenta a
potência de ser deste movimento social e contribui para que a luta pela
reforma agrária seja um combate intenso, porém menos duro, e mais
alegre. Neste sentido, a música cumpre mais do que uma função
ideológica, social e/ou educativa. A música amplia a potência de ser do
98
MST e supera a possibilidade de seu emprego somente como
instrumento ideogico, pois carregada de significação humana, a
música estetiza o Movimento e, desta forma, enriquece e aprofunda a
relação dos Sem Terra com a realidade.
4.4 A música “mexe”: vivências estéticas no MST
Durante a noite dentro do barraco feito de lona preta, há somente a
escuridão. Pela manhã, ainda deitada, o céu é uma lona estrelada.
A música afeta os sujeitos Sem Terra que estão construindo
cotidianamente o Movimento. São os Sem Terra que estão nas
ocupações, nos acampamentos, nos assentamentos, nas escolas, nas
cooperativas, nas rádios, nas secretarias do MST. Mas o que falar sobre
o afeto? Pelbart (2009), inspirado em Deleuze e Espinosa, disserta que
o sujeito é um grau de potência. Todo mundo tem um grau de potência,
um poder de afetar e se afetado pelo outro, mas que para compreender
essa potência é necessário experienciarmos os encontros. Somente por
meio dos encontros é que aprendemos a selecionar o que convém para
com o nosso corpo e aquilo que não convém, o que com ele se compõe
e o que tende a decompô-lo, o que aumenta sua força de existir e o que
a diminui, o que aumenta sua poncia de agir e o que a diminui.
Existir, segundo o autor, é variar em nossa potência de agir, entre esses
dois pólos, essas subidas e descidas, elevações e quedas.
Afetações que são vivenciadas nos encontros cotidianos do MST
e, que neste caso, são mediados pela música. Que composições a música
pode provocar nesses corpos que se encontram? Compreendemos que
ela afeta os Sem Terra e pode aumentar ou diminuir a potência de agir,
de existir e de criar desses sujeitos. Mas para Pelbart (2009), para
reconhecer um bom encontro é preciso saber se ele aumenta nossa
alegria, aumenta a potência de vida, de ação, de expansão.
Desta forma, a qualidade dos encontros no MST, mediados pela
música, será trabalhada por meio da fala de sujeitos que expressam os
sentidos produzidos em torno da música nesses encontros. São recortes
de falas que dizem desse poder que a música tem de afetar o sujeito, de
produzir relações estéticas e éticas na medida em que tocam na potência
de ser dos Sem Terra, e “mexe” com estes sujeitos no sentir e no pensar.
99
Pergunto de que forma a música te afeta?” Com uma das mãos
pressionando o peito, parecendo tirar a resposta de dentro, Irma
responde:
É, a música é uma coisa assim que, que ela te arrepia sempre, por
que é uma forma de tu cantar a tua situação, de tu falar da tua
situação em forma de música né? Quer dizer, eu quando canto
aquele canto que a gente cantou ali, tu lembra da história, é uma
coisa que, eu não sei nem explicar, mas assim ela te promove
uma emoção grande assim né? (Irma).
O que significa para um Sem Terra poder cantar a sua situação?
Ver a sua condição de vida musicada e cantada por diversas pessoas, em
uma ocupação, por exemplo? É de arrepiar, segundo Irma, e para quem
vivenciou algo parecido, sabe que arrepia mesmo. Neste caso, a
afetividade é condição para o sujeito musical, pois ela se objetiva no
corpo, possibilita a seleção de pensamentos, e também excita a
imaginação. São dimensões que se unificam e se processam por meio da
afetividade e que dão sentido à música para o sujeito (MAHEIRIE,
2003b).
Ou seja, o sentido da música, em decorrência dos processos que
ela produz é sempre permeado pela afetividade. No processo de
apropriação de uma música,
em primeiro lugar, percebemos sua sonoridade, depois degradamos um
saber anterior que tenha uma relação com os elementos percebidos
deste som para, em seguida, transformarmos este saber e constituirmos
um sentido àquela música. Posteriormente, estabelecemos, de forma
singular, um significado para a música, compactuando ou não com seu
significado coletivo. As características daquela sonoridade surgem como
um complexo representativo que aparece determinado pela consciência
afetiva, a qual, por sua vez, lhes dá nova significação (MAHEIRIE,
2003b, p. 150).
Desta forma, significamos a música de forma singular e isso nos
permite pensá-la como uma forma de linguagem que constitui os
sujeitos no sentir e no pensar, tornando-se, como diz Maheirie (2001),
uma linguagem afetivo-reflexiva. Esta compreensão da música como
forma de linguagem afetivo-reflexiva, rompe com a dicotomia rao-
100
emoção. As emoções passam a ser um fenômeno importante no campo
das experiências singulares, pois “emocionar-se é, de acordo com uma
visão o dicotomizada do sujeito, uma possibilidade concreta capaz de
proporcionar transformações na história singular e coletiva dos homens”
(MAHEIRIE, 2001, p. 35).
Assim, Irma conta que sua experiência com a música promove
uma emoção grande” e também a faz lembrar da história”. A música a
afeta e produz transformações no sentir e no pensar, pois é tamm
expressão de um pensamento afetivo. Desta forma, Irma recorda fatos de
sua história de vida e, como diz Galeano (2003), recordar é tornar a
passar pelo coração. Vygotski (1998), da mesma forma, diz que a
música tem esse aspecto particular que é fazer o sujeito compreender
pelo coração”.
E, ao tornar a passar pelo coração,
as pessoas choram as vezes, porque assim, a gente canta Classe
Roceira, te vem, ela te faz passar um filme na tua cabeça, eno
não é cantar o momento, tu se lembra das assembléias, tu se
lembra do passado né? (Irma).
Segundo Frith (1987), a música forma memória popular e
organiza nosso conceito de tempo, no sentido de que a música
intensifica nossa experiência com o presente em relação com o passado
e com o futuro. A música tem a habilidade deparar‟ o tempo e é aí que
entra o impacto corporal da música, pois a batida, o pulsar, o ritmo
envolve fisicamente e de forma imediata os sujeitos em uma
organização temporal que a própria música controla (FRITH, 1987).
Imaginemos tudo o que passa pela cabeça de Irma, que está no
Movimento tanto tempo. Ela vivenciou toda trajetória do MST no
estado, passou por diversas situações, boas e ruins. De quantas reuniões
e assembléias ela participou? Quantas ocupações e despejos? Com
quantas conquistas ela pode se alegrar? São muitas as imagens que
participam de sua memória e que, por meio da música no MST, ela as
intensifica como presença, carregada com as emoções e sentimentos que
todas essas experiências produziram em sua vida.
Desta forma, a música não canta somente o presente, canta o
passado e o futuro. Por meio da afetação produzida pela música,
pensamentos dessa história são selecionados e a imaginação produz um
101
filme que passa pela cabeça” como imagens desse tempo que foi, mas
que é recordado e paralisado pela experiência com a música. E, neste
processo, as pessoas choram as vezes”. Ou seja, as músicas provocam
reações fisiogicas e podem, a partir daí, nos remeter a estados
emocionais intensos, em que as ações poderão lhes dar uma
significação (MAHEIRIE, 2003b). No entanto, esta não está
estabelecida a priori na música, como tamm não o é nas emoções,
posto que o que emociona um sujeito, não emocionará necessariamente
os outros (MAHEIRIE, 2003b).
Vygotski (1998) traz uma contribuição importante no
entendimento desta questão. O autor alerta que, apesar da arte possuir
efeitos complexos e diversos, ela nunca gera de si mesma uma ação
prática” (p. 314). Ou seja, a arte não tem a função de contágio, como se
seu conteúdo lançasse os sujeitos de forma direta a umaão. “A
música, por si mesma e de forma imediata, está mais isolada do nosso
comportamento cotidiano, não nos leva diretamente a nada, mas cria
tão-somente uma necessidade imensa e vaga de agir, abre caminho e dá
livre acesso a forças que mais profundamente subjazem em nós, age
como um terremoto, desnudando novas camadas” (VYGOTSKI, 1998,
p. 320).
A fala de Irma sobre como a música a afeta, mostra que a relação
dela com a música no MST produz o que chamamos de vivência
estética. Esta exige a relação entre sujeito e objeto (Música), já que, por
si só, não podem ter uma existência estética. O sujeito encontra-se na (e
não antes da) relação estética com os objetos, sendo que o objeto
necessita do sujeito para existir e o sujeito necessita do objeto para
encontrar-se em um estado estético (VÁZQUEZ, 1999).
A relação estética é uma das diversas formas de relação do sujeito
com a realidade, mas é na relação estética, sobretudo, que o sujeito
entra em contato com o objeto mediante a totalidade de sua riqueza
humana não apenas sensivelmente, mas tamm intelectiva e
afetivamente” (VÁZQUEZ, 1978, p. 87). O objeto, por sua vez,
apresenta-se como um todo concreto-sensível aos nossos sentidos, com
uma significação ideológica e afetiva, ou seja, como realidade concreta
humana (VÁZQUEZ, 1978).
A relação estética é, sobretudo, uma relação social dialética entre
sujeito e objeto, é concreta, singular, situada histórica e socialmente. É
uma relação aberta onde sujeito e objeto, estão por inteiro, se
102
transformando e superando a função unicamente prático-utilitária
presente em outras formas de relação (VÁZQUEZ, 1999). É na relação
estética que o ser humano vive sua potência de ser, de (re)criar e de
produzir novas significações singulares e, tamm, coletivas.
Ao refletir sobre a experiência estética, Vygotski (2001) fala que
ao vivenciar uma obra de arte, esta pode efetivamente levar-nos a ver
com novos olhos, generalizar e unificar fatos amiúde inteiramente
dispersos. Am disso, o autor destaca que, como qualquer vivência
intensa, a experiência estética cria uma atitude sensível para nossos atos
posteriores e nunca passa sem deixar vestígios nos nossos
comportamentos.
Desta forma, a vivência estética “mexe” com os sujeitos. “Mexe”
com os sentimentos, pensamentos, com o corpo. Afeta o sujeito por
inteiro e cria possibilidades novas para agir, para sentir e para pensar.
Ide fala de como a música o afeta, nas suas experiências junto ao MST e
diz que:
Eu encaro a luta e a música como uma coisa que não pode ficar
de fora, e tem música que mexe sim, claro. Tem música que você
canta a realidade, você está cantando ali, música de lamento, da
opressão, do oprimido, então, tem música assim que mexe. No
caso, tem os momentos assim que você canta a música e quando
você está pensando na coisa que é consoante com aquela música
da luta né? Mexe com os sentimentos da gente, da gente que é
apegado assim. Falando na Marcha Nacional, que teve a
finalização, o encerramento que os caras do Movimento, o João
Pedro Stédile e todos os caras da direção nacional fizeram os
discursos e daí soltaram umas músicas lá, então, nossa, mexe
com o coração, com a alma da gente, acho que mexe com a alma
mesmo né? (Ide).
A música “mexe. Mexe com o coração, com a alma, nos diz este
sujeito. Em outras palavras, o encontro de Ide com a música, é um
encontro estético. Neste sentido, Vygotski (1998) aponta que a arte é o
social em nós e o social existe onde há apenas um sujeito e suas
emoções singulares. Por isto, quando a arte realiza a catarse e arrasta
para esse fogo purificador as comoções mais íntimas e mais vitalmente
103
importantes de uma alma individual, o seu efeito é um efeito social”
(VYGOTSKI, 1998, p. 315).
O autor russo fala que na relação estética mediada pela arte, a
reconstrução do comportamento e por isso, sempre significa uma
atividade sumamente complexa de luta afetiva e reflexiva, que se
conclui na catarse (VYGOTSKI, 1999, 2001). A catarse é um processo
de superação dos sentimentos, e não uma descarga destes. Por isso, ela
não gera de si mesma uma ação prática, mas prepara o sujeito para tal.
Sawaia (2006) esclarece ainda que a catarse é uma experiência estética
que transforma o pensamento e a sensibilidade. A catarse desloca o
sujeito do seu cotidiano e o potencializa para a vida, transformando sua
existência. Para ela “a arte é recurso para se atingir a liberdade e as
mudanças pessoais e sociais por sua qualidade educativa e de cnica
das emoções, uma vez que a experiência estética pode reorganizar
sentimentos e vontades” (SAWAIA, 2006, p. 92).
A música produz esse movimento quase inexplicável pelos
sujeitos participantes da entrevista, que é de mexer” de modo afetivo e
reflexivo. Durante as entrevistas, senti a minha dificuldade em formular
a questão, bem como, percebi a dificuldade dos sujeitos em expressarem
a resposta em palavras. Talvez por ser algo que realmente é muito mais
sentido do que falado. De qualquer forma, a fala desses dois sujeitos foi
selecionada para esta discussão, por terem sido os que melhor
conseguiram expressar, no discurso verbal, essa afetação produzida pela
música no cotidiano do MST.
Neste sentido, na relação dos sujeitos com a música, novas
composições o criadas, pois se constitui de encontros estéticos que
podem aumentar ou diminuir a potência de agir, de existir e de criar
desses sujeitos, pois existir, como diz Pelbart (2009), é variar em nossa
potência. Às vezes os sujeitos ouvem músicas que os emocionam de
forma triste e tamm de forma alegre. Os bons encontros o aqueles
que nos tocam de alegria ou de tristeza, porque o aqueles que
aumentam nossa potência de vida.
No MST as músicas são predominantemente de animão e de
alegria e procuram dar força aos sujeitos para seguirem em frente na luta
pela reforma agrária. Compreendemos que as canções que possibilitam
uma afetividade na tristeza tamm podem aumentar a potência de ão,
desde que possibilitem a ampliação dos sentidos na direção de um
fortalecimento para a luta. Assim, o encontro dos sujeitos com a música
104
é sempre uma questão de experimentação, pois o que emociona uma
pessoa pode não emocionar outra, o que afeta uma pessoa de forma
alegre, pode afetar outra de forma triste. São vivências singulares,
concretas, condicionadas histórica e socialmente. Mas por meio dos
significados compartilhados em torno da música e das experiências
singulares travadas nesta discussão, compreendo que a música no MST -
objetivação político-artística - compõe o aumento de potência dos
sujeitos através da relação estética proporcionada pelo encontro entre
sujeito e música, e neste sentido, contribui com o aumento da potência
de ser e agir do Movimento.
4.5 Acontecimentos no cotidiano do MST mediados pela música
A classe trabalhadora, sem terra para trabalhar, é mesmo que
andorinha, não ter asa para voar...” (Zé Pinto).
MST, violão, bandeira, facão, bovermelho, enxada. Homens,
mulheres e crianças. Famílias Sem Terra na luta pela reforma agrária.
Em um domingo pela manhã, no mês de abril de 2007, 500 famílias Sem
Terra e diversos apoiadores do Movimento ocupam uma área de mais de
10 mil hectares pertencente ao Exército Brasileiro. A terra fica na cidade
de Papanduva, planalto norte do estado de Santa Catarina. Terra
improdutiva, utilizada para manobras do exército e tamm arrendadas
para fazendeiros da região. Este acontecimento é retratado por dois
participantes da pesquisa que estiveram na ocupação. Os irmãos Leonel
e Ezequiel estiveram na ocupação e eram responsáveis, junto com outros
violeiros, de fazerem a mediação do acontecimento por meio de suas
músicas.
Tem momentos que o bastante marcantes na nossa
reivindicação, a gente já participou em vários lugares com a
música, mas o que me marcou mais foi a nossa grande batalha
num acampamento que a gente fez, uma grande luta que foi
Papanduva, no norte de Santa Catarina, onde a gente fez uma
grande ocupação e a música foi marcante naquele momento. Teve
um grande conflito, uma batalha que a gente pelejou, o
conseguiu ficar lá, mas foi marcante para gente, a gente utilizou a
música, foi muito marcante naquele dia (Ezequiel).
105
Elaine Tavares (2007)
33
nos conta que o exército cercou as
famílias Sem Terra e diversos apoiadores de outros movimentos sociais,
com armas nas mãos e os tanques do exército no chão, criando uma cena
de guerra. A ocupação não durou muito tempo, pois todos foram
obrigados a sair da terra, sob ameaças do uso da força, contra todos que
ali estavam.
Ao exército, não bastou cercar o acampamento com os tanques. Precisou
passar a noite toda gerando tensão e terror. Pelos auto-falantes soavam,
em alto som, hinos patrióticos. Volta e meia, um texto gravado dizia:
Vocês estão isolados! Vocês estão cercados! Rendam-se! E as gentes,
acocoradas em volta da fogueira, esperavam. Os meninos dormiam,
apesar do barulhão. os adultos vigiavam. Fora da área, lideranças do
MST negociavam, com políticos e gente de outros movimentos
(TAVARES, 2007).
Em meio à cena de guerra, as músicas faziam coro para contrapor
a situação de medo, fazendo o povo resistir naquele momento de luta.
Era eu e meu irmão assim, outros colegas que levaram
instrumentos assim, e a música foi bem aceita , a gente utilizou
a música como ferramenta mesmo na hora difícil a gente não
deixou da música, das músicas, é muito importante assim pra
gente, trás ânimo novo pra gente (Ezequiel).
Mesmo nas horas difíceis a música, esta objetivação que se faz
político-artística no MST, permaneceu estetizando a luta, resistindo e
fazendo resistir. Neste acontecimento, política, luta e música se
atravessam e criam contradições entre a alegria provocada pela
animão das canções e o medo frente a tamanho poder. A música nesta
ocupação ofereceu potência para resistência, fazendo com que as
pessoas ali presentes, não desanimassem, transformando o sentimento
de medo em coragem.
Como fala Ezequiel, “a música nos reanima ao deixar de lutar,
por isso ela é bastante marcante na nossa luta”.
33
Elaine Tavares é jornalista e escreveu uma matéria sobre este acontecimento. Camponeses
sem-terra de Santa Catarina vivem abril vermelho, 19 de abril de 2007. Obtido de
http://www.mst.org.br/node/4015 em primeiro de fevereiro de 2010.
106
Então, nós estava juntamente com meu irmão animando,
cantando sabe? E o que me chamou bastante atenção, que é uma
música, tem uma música que fala da organização, que o povo,
por exemplo, tem aquela que nós cantamos, este povo não tem
onde ir, é a terra para o povo planta, os sem terra precisa morar,
ele não quer matar, ele quer trabalhar”. Então isso me chamou
bastante atenção, porque comoveu assim, nós cantando, acho que
o lado da força dominante que eu digo que é outro lado, enfim,
acho que teve certo momento que chamou atenção aquilo, eles
fizeram uma reflexão creio eu assim, por isso que me chamou
bastante atenção assim, nós cantando, tinha o exército
(Leonel).
O acontecimento foi marcado por um misto de sensações,
emoções e cenas. Os sujeitos rodeados por tanques de guerra. Os
sujeitos se vêem rodeados por pessoas que lutam com eles por uma terra
que poderia ser compartilhada, produtiva e fonte de vida. E a música
canta o que, talvez, muitos queriam dizer: este povo não tem onde ir, é
a terra para o povo planta, os sem terra precisa morar, ele não quer
matar, ele quer só trabalhar”. E aí, comove, emociona.
Então, a música chamou bastante atenção, comoveu certas
pessoas e tal né? Porque ela também fala, ela é uma coisa assim,
a música não é uma coisa assim, vamos dizer, comentada em
diálogo, assim, em conversa, mas é aquela coisa que faz a pessoa
fazer um reflexão em si sabe? Depois a música cantada, da
melodia que se cria, que faz, então as pessoas fazem uma
reflexão. Então foi um exemplo bastante comovente, assim, que
chamou a atenção, que eu vi que a música tem um grande valor
(Leonel).
Mas, o despejo aconteceu. As famílias recolhiam suas tralhas e
carregavam pela estrada, pois não deixaram os caminhões chegarem até
as famílias. E, a trilha de gente carregando coisas seguiu pela estrada,
ladeada por soldados, em mais uma tentativa de humilhação”
(TAVARES, 2007).
107
E aconteceu o tal despejo. E pelas leis criadas e pelas
autoridades né? E por um certo ponto assim, eles não vêem a
realidade do movimento, porque que o movimento faz isso, então
foram fazer o tal despejo, o exército, foi o exército (Leonel).
A mesma lei que criou a situação do despejo, diz que terras
improdutivas devem ser desapropriadas para fim da reforma agrária.
Contradições que vemos todos os dias acontecendo por aí. Porém, a
ocupação cumprira seu objetivo: fazer com que o governo voltasse os
olhos para a área de Papanduva. As coisas vão ter de mudar por ali,
dizem as lideranças do MST” (TAVARES, 2007). E este acontecimento
relatado por Ezequiel e Leonel, marcou não somente o cotidiano destes
sujeitos, mas com certeza marcou a vida de todos os apoiadores do MST
que estavam presentes neste dia e quem sabe até, o exército.
Desta forma, a música no acontecimento das ocupações, não pode
faltar, pois como diz Dirceu, no momento primordial da luta que é a
ocupação do latifúndio, tem que ter a música para mediar a atuação dos
Sem Terra. A luta pela reforma agrária possui acontecimentos marcantes
como este, onde os Sem Terra sofrem e passam por situações
humilhantes e amedrontadoras, produzindo denimo e o sentimento de
imponcia. Neste sentido, a música está presente para mediar estas
situações e aumentar a potência desses sujeitos para agir, para lutar e
resistir.
Porém, a música tamm media acontecimentos de conquista da
terra, pois a luta do MST que inicia pela ocupação, tamm termina, ou
melhor, reinicia, com uma festa que comemora a concretização da
reforma agrária; como a inauguração de um assentamento do MST.
Digo que a luta reinicia após a conquista da terra, pois todo um
processo de luta para que o assentamento possa começar a produzir, para
que possa abrigar todas as famílias em casas e não mais em barracos,
para que todos possam ter luz elétrica, água encanada, transporte para
levar as crianças à escola, etc.
Assim, a inauguração da Luz no Assentamento Pátria Livre em
Correia Pinto foi relatada por Jhon como o fato na sua história com o
MST que, mediado pela música, foi o mais significativo a então. Jhon,
que é músico e possui a experiência de tocar com bandas em festas e
bailes, tamm fez um apontamento importante sobre a diferença que
ele sentiu em tocar no MST e em outros contextos.
108
Então a gente chegou e chegou meio assim né? Báh e agora? A
primeira vez, não tinha ensaiado, meio só no grito, né?(Jhon).
Como ele está no Movimento pouco tempo, ou seja, somente
desde o início do Acampamento Irmã Jandira, este acontecimento foi o
primeiro de que ele participou com a música em uma atividade do MST,
junto com mais dois colegas Sem Terra. Segundo sua fala, eles estavam
preocupados com o desempenho do grupo, porém ele disse que:
Na verdade é uma família né? O pessoal reconheceu, quando a
gente se saiu bem, as nossas falhas, assim sabe? Então aquilo ali
foi uma sensação muito boa, uma sensação inexplicável, aquele
dia ali, um dia que tava inaugurando a luz para eles, uma data
muito importante pra eles. Imagina viver quanto tempo sem
energia elétrica, então era uma festa pra eles e pra gente acabou
sendo uma grande festa, a gente acabou dividindo alegria com
eles e eles com a gente, e foi simplesmente sensacional este dia
(Jhon).
Jhon e seus colegas, por meio da música, compartilharam suas
alegrias com os Sem Terra do Assentamento Pátria Livre. E estes,
mediante a conquista de luz elétrica, partilharam esta conquista e,
conseqüentemente, a alegria com o grupo de músicos. Para Jhon, a
relação que se estabeleceu neste acontecimento foi simplesmente
sensacional”. Para ele a relação entre os Sem Terra é como se fosse uma
família, pois houve o reconhecimento do trabalho do grupo com a
música, sem críticas, fazendo com que eles se sentissem acolhidos em
suas falhas como músicos.
Então, sabe, é uma coisa que a gente não sente quando a gente
toca em bailão pra povo assim, nunca tinha sentido aquilo que a
gente sente ali quando é o pessoal que tem a mesma ideologia que
você sabe? Que admira teu trabalho. É uma sensação inexplicável
sabe, porque ali, você fazendo um trabalho, o povo reconhece
teu trabalho, sabe de onde tu vem, onde tu quer chegar, então,
eles dão um apoio assim bem maior de quando tu vai tocar um
baile, por exemplo, num clube. O que que é, o pessoal paga, ele
109
quer entrar e quer ver uma música de qualidade e na verdade
não olha pra pessoa né? Eles querem saber da música né? E
dentro do MST, essas saídas que a gente sai pra tocar, eles vem,
conversam com você, então eles procuram olhar além da música,
você. Então acho que tem um diferencial bem grande, pode sair
tocar o mundo inteiro que tu não vai sentir isso sabe? Mas, como
aquilo que te falei, é uma família (Jhon).
Este acontecimento possibilitou a Jhon uma relação estética junto
ao cotidiano do MST, pois a vivência da relação músico-público foi uma
experiência nova, com sensações novas e inexplicáveis”. Se
estabeleceu uma relação diferente daquela relação produzida quando ele
toca em bailes ou em festas. Nestes contextos, uma relação
comercial, onde o que importa para aqueles que pagam para ouvir a
música é a sua qualidade. no cotidiano do MST, segundo a
experiência de Jhon, os Sem Terra procuram olhar para além da
sonoridade e qualidade da música, olhando para o sujeito e para o
projeto político que está ali. Desta forma, Jhon sente a especificidade do
tocar no MST, sensação que para ele não se vive em outros lugares.
Sobre isso, Vázquez (1978) esclarece que existem diferentes
relações do homem com o mundo que foram se forjando e refinando nos
processos de desenvolvimento histórico, político, cultural e social.
Relações prático-utilitárias, relações teóricas, relações estéticas, etc.
Mas cada tipo de relação modifica a atitude do sujeito com o mundo,
pois modifica a necessidade que a determina e o objeto que a satisfaz.
Nessa luta do MST se vive muita coisa. E a música está sempre
presente mediando acontecimentos cotidianos. Vivências e
acontecimentos que agenciam a superação da utilização da música como
instrumento e/ou ferramenta prático-utilitária. Neste sentido, é possível
afirmar, por meio da fala dos sujeitos Sem Terra e de seus relatos, que a
música estetiza o Movimento e produz relações estéticas. Da ocupação à
conquista da terra, a música caminha junto com o MST e proporciona a
esse processo longo e árduo, cotidianos processos de humanização
mediados pela sensibilidade dos Sem Terra.
110
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
não existe a primeira nem a última palavra, e não há limites
para o contexto dialógico” (Bakhtin, 2003, p. 410).
Nesta pesquisa, objetivamos compreender a mediação da música
no cotidiano do MST em SC. Tal objetivo nos levou a construir uma
trajetória singular enquanto pesquisadora, mas construída com a
contribuição de diversos outros, o que tornou este processo uma
experiência tamm coletiva e de transformações mútuas. Foram outros
com quem dialoguei, troquei informações, idéias, angústias e
descobertas. Outros que me abriram possibilidades e caminharam junto,
contribuindo com os contornos desta pesquisa.
No processo do pesquisar, me deparei algumas vezes com a
pergunta: O que você está pesquisando no mestrado? Eu respondia
resumidamente: Estou estudando a mediação da música no MST. E, as
reações das pessoas sempre apresentavam uma surpresa acompanhada
de um descrédito. Aí elas falavam: música? No MST tem música?
Então, eu precisava de alguns minutos para poder explicar e contar um
pouco mais sobre o Movimento e sobre minha pesquisa. Essas
experiências foram muito importantes para mim, pois cada vez que eu
tinha que saciar as dúvidas dessas pessoas, reafirmava a importância que
a pesquisa poderia vir a ter, pois ao final das conversas, percebia que as
pessoas acabavam construindo outro olhar acerca do Movimento.
Olhares menos carregados de preconceito e criminalização e mais
abertos a esse outro que é o MST.
Passado este processo, chego à compreensão de que as escolhas
teóricas e a postura política, ética e estética adotadas neste estudo,
contribuíram para que a pesquisa fosse realizada de forma dialógica com
os sujeitos participantes e, tamm, possibilitaram olhares de “dentro” e
ao mesmo tempo de fora dos contextos, eventos e lugares em que
estive. Apesar de esse estar “fora/dentro” ser um movimento difícil para
alguém que se identifica com a luta do MST, ele me possibilitou a
desconstrução de significados e o estabelecimento de novos olhares a
partir do discurso contextualizado dos sujeitos.
A escolha da entrevista como mediadora do diálogo, contribuiu
de forma significativa para a construção das informações, pois foi uma
ferramenta mediadora que abriu brecha para que os sujeitos falassem
111
para além do que estava previsto no roteiro. Além disso, a experiência
de entrevistar pessoas em tempo e espaços distintos possibilitou o
aprimoramento do roteiro e a busca por novas informações que em
entrevistas anteriores não haviam sido pensadas e, tamm, caracterizou
a pesquisa como um processo de avanços e recuos, construídos no
caminhar.
O estudo sobre a mediação da música no cotidiano do MST nos
possibilitou compreender aspectos desta mediação e, a construção de
algumas considerações. A música, como linguagem reflexivo-afetiva,
precisa ser compreendida no paradoxo que a coloca, desde que a
abordemos em forma de canção. As canções articulam a linguagem
musical com a linguagem verbal e, assim, estabelecem o entrelaçamento
entre o que o é possível significar a priori e o significado que é
estabelecido coletivamente. A mediação que a música engendra no MST
é, desde esta perspectiva, paradoxal. Ela ocupa o lugar polissêmico do
sentido das objetivações artísticas, produtos de movimentos de
subjetivações abertas e inacabadas que caracterizam o humano. Ao
mesmo tempo, elas buscam dizer alguma coisa, elas intencionam falar,
na linguagem verbal, o que acontece e o que precisa acontecer, o
ocorrido e o presumido.
Neste sentido, compreendemos que a música no MST
potencializa os sujeitos Sem Terra, que em relação com a música, os
sujeitos se sentem animados para a luta. A música no MST tamm
media processos de significação, principalmente, pela apropriação das
letras das canções, o que permite aos sujeitos Sem Terra realizar a
produção de sentidos. Consideramos, tamm, que a música contribui
com a manutenção do MST, pois os sujeitos entrevistados apontam,
claramente, que a música dá força e coragem nos momentos de ação
coletiva e faz importante mediação no aumento da potência de ser e de
agir deste movimento social. Neste sentido, a música afeta o Movimento
no campo político, ético e estético.
Entendemos que a música no MST media a constituição dos
sujeitos Sem Terra e tece processos de identificação coletiva e, quando
tocamos na questão da identidade, sobretudo na identidade coletiva,
estamos necessariamente no campo da política (SAWAIA, 1999). Deste
modo, as músicas utilizadas no cotidiano do MST, o objetivações
112
político-artísticas, pois expressam e compõem a luta deste movimento
social, possibilitam vivência estética e processos de criação.
A criação de poesias e canções no MST configura o que
Vygotski (2001) aponta como o irredutível humano, sua possibilidade
de criar o que até eno não existia. Tal processo faz do humano um ser
sempre voltado ao futuro, ao que ele ainda não é e, assim, pode-se
afirmar que a possibilidade de criação é, antes de tudo, criação e
recriação da própria existência.
A maioria das letras das canções no MST possui como
característica o engajamento político e, neste sentido, levantamos
algumas questões como: a música no MST não se constituiria como a
reposição do mesmo? Qual a intenção do Movimento com essas
músicas? A música é capaz ou não de transmitir ideologia? A
priorização temática nas letras das canções utilizadas pelo MST, o
gera tamm, limitações quanto à produção de sentidos?
Compreendemos que estas canções se constituem como processos
de criação do novo e, tamm, como legitimadoras do universo
simbólico do Movimento. Nesta perspectiva, elas também possibilitam,
por meio de suas letras, a manutenção dos valores, idéias e projetos do
MST, podem produzir sentimentos de coletividade, união e engajamento
político, sendo utilizada como uma estratégia de atuação do MST. Por
outro lado, mesmo como instrumento ideológico, a música é uma
invenção momentânea de novas estratégias de engajamento político
neste movimento social.
O Encontro de Violeiros do MST se destaca como um espaço
onde a música mediou à produção de sentidos outros, pois este encontro
tinha como objetivo o resgate e a valorização da música caipira, ou seja,
a música que, segundo os Sem Terra entrevistados, é a música do
homem rural, a música raiz. Neste Encontro, o foco não eram os valores
somente do Movimento que estavam em jogo, mas os modos de ser e
viver destes sujeitos que se constituem em sua maioria, mediados pelo
contexto histórico e cultural com características do meio rural do sul do
país.
Consideramos que apesar da presença significativa da música no
cotidiano do MST, o registro e arquivamento das criações musicais dos
Sem Terra, pelo menos em SC, ainda é um desafio para a organização
do Movimento. Acreditamos que, a partir do primeiro Encontro de
Violeiros no estado, esta tarefa de organização da história cultural do
113
MST será cada vez mais resgatada e registrada, pois são nesses
encontros que muitos criadores anônimos Sem Terra irão apresentar
suas canções.
A idéia nestas considerações finais não é realizar um
fechamento do estudo, mas abrir novas possibilidades de pesquisas,
novas reflexões e contrapalavras, pois muito ainda o que investigar e
aprofundar. Vislumbramos então, a importância de novos estudos acerca
das objetivações artísticas mediadoras dos movimentos sociais, pois fica
a curiosidade em saber se em outros movimentos este processo de
criação artística? E ainda, como se dá no MST o processo de criação,
tamm do teatro e da poesia? Como acontecem as oficinas de música,
teatro e artes plásticas no IEJC e, de que forma essas oficinas mediam os
processos educacionais? Tamm cabem novas investigações sobre o
que seriam das músicas no MST se elas não fossem configuradas em
canções, ou seja, se elas não tivessem uma letra, se elas não se
articulassem a linguagem verbal?
É certo que as possibilidades de novos engajamentos
investigativos ultrapassam estas considerações, pois no campo das
ciências humanas diversos olhares teórico-metodogicos e inúmeros
focos possíveis de estudo.
Chego ao final deste processo contente pelo que foi produzido e
motivada a continuar pesquisando a interface entre os movimentos
sociais e as objetivações artísticas, a política e a arte. Estou motivada,
tamm, a ampliar o leque teórico, a partir do utilizado neste estudo,
para qualificar ainda mais tais discussões. Por fim, vivenciei nesta
pesquisa relações que dialetizaram o campo da ciência e da vida,
tornando este trabalho um processo dotado de sentido. Trabalho que
agora se conclui formalmente, mas que continuará “caminhando e
cantando e seguindo a canção”.
114
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Ciudad de La Habana, Cuba: Editorial Pueblo y Educación.
VYGOTSKI, L.S. (2001). A educação estética. In Psicologia
Pedagógica. Tradução de Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes.
ZANELLA, A. V. (2004). Atividade, significação e constituição do
sujeito: considerações à luz da psicologia histórico-cultural. In
Psicologia em Estudo, Maringá, v.9, n.1(p.127-135)
ZANELLA, A. V. (2005). Sujeito e Alteridade: Reflexões a partir da
Psicologia Histórico-Cultural. In Psicologia & Sociedade, v. 17, n. 2,
(99-104).
ZANELLA, A. V. (2008). Arte, resistência, criação, práticas em
Psicologia Social: alguns diálogos. In BONAMIGO, I. S., TONDIN, C.
F. e BRUXEL, K. (orgs). As práticas da psicologia social com (o)
movimentos de resistência e criação. Porto Alegre: Abrapso Sul.
ZANELLA, A, MAHEIRIE, K, STRAPPAZZON, A.L, GROFF, A.R,
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muitas voltas do coração: as pesquisas do NUPRA. In Zanella e
Maheirei (orgs.). Diálogos em Psicologia Social e Arte. Curitiba:
Editora CRV.
WISNIK, J. M. (1989). O som e o sentido. São Paulo: Companhia das
Letras.
122
Apêndice: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Universidade Federal de Santa Catarina
Centro de Filosofia e Ciências Humanas
Programa de Pós-Graduação em Psicologia
Meu nome é Apoliana Regina Groff e estou realizando uma pesquisa sobre o
lugar da música no cotidiano do MST. Este estudo está sendo desenvolvido
juntamente com o Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade
Federal de Santa Catarina, sob a orientação da professora Dra. Kátia Maheirie.
Eu, ______________________________________confirmo que a pesquisadora
Apoliana Regina Groff conversou comigo sobre o trabalho de pesquisa que a
mesma está desenvolvendo sob orientação da professora Kátia Maheirie e que o
objetivo da pesquisa é estudar o lugar da música no cotidiano do MST. Sendo
assim, fui convidada (o) a participar da pesquisa, por meio de uma entrevista,
aceitando a gravação em áudio da mesma e concordando com a utilização da
gravação de minha entrevista para fins da pesquisa. Compreendi que não se
trata de uma pesquisa a serviço de finalidades políticas ou legislativas, mas que
se trata de um estudo psicossocial. Compreendi que participando desta pesquisa
estarei contribuindo para a produção de conhecimento no campo da psicologia
social, em especial, na relação desta com os movimentos sociais. Fui esclarecida
(o) pela pesquisadora que a qualquer momento que eu tiver dúvidas a respeito
da pesquisa, ou quiser retirar o meu consentimento para a utilização das
entrevistas, posso contatar a pesquisadora Apoliana pelos telefones (48) 3304-
1929 ou (48) 8466-7672 e pelo correio eletrônico: poligroff@gmail.com.
Quanto à utilização de meu nome para fins da pesquisa:
( ) autorizo a utilização de meu nome
( ) não autorizo a utilizão do meu nome, mas gostaria que a pesquisadora
utilizasse como nome fictício o seguinte: ______________________________.
Por fim, concordo em participar deste estudo.
___________________________
Participante
Data de Nascimento: ___/___/_____
RG: ______________
_________________________
Apoliana Regina Groff
Data: ___/___/____
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