Download PDF
ads:
P o n tifícia Un i v e r s i d a d e C a t ó l i c a de S ã o Pa u l o
P U C- S P
CRISTIANO NATAL TONÉIS
A LÓGICA DA DESCOBERTA
NOS JOGOS DIGITAIS
Mestrado em Tecnologias da Inteligência
e Design Digital
São Paulo
2010
ads:
Livros Grátis
http://www.livrosgratis.com.br
Milhares de livros grátis para download.
II
CRISTIANO NATAL TONÉIS
A LÓGICA DA DESCOBERTA
NOS JOGOS DIGITAIS
Dissertação apresentada à Banca
Examinadora da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo, como exigência
parcial para obtenção do título de Mestre
em Tecnologias da Inteligência e Design
Digital área de concentração
“Processos Cognitivos e Ambientes
Digitais”, linha de pesquisa “Inteligência
Coletiva e Ambientes Interativos” – sob a
orientação do Prof. Dr. Luís Carlos Petry.
São Paulo
Março 2010
ads:
III
Ba nc a E x a m i n ad o r a
fato, a minha concepção de professor e pesquis
IV
Esta jornada seria impossível sem a iluminação Divina apontando a direção e o
caminho que eu deveria seguir, mesmo sendo estes caminhos tortuosos, tenho certeza
que foi Deus quem me conduziu até o Prof. Luís Carlos Petry e o Mestrado em
Tecnologias da Inteligência e Design Digital da PUC-SP, por isso agradeço a Deus, que
conhece o mais profundo de minha existência e marca sua presença nela por meio de
inúmeras intervenções.
Agradeço a minha família, que mesmo estando distante, não se cansa em oferecer
todo carinho e apoio possíveis.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Luís Carlos Petry, pelos cafés filosóficos e
maravilhosas conversas regadas com boas doses da fenomenologia hermenêutica. Pelas
rodadas de pizza após as reuniões para a organização do Projeto Ilha Cabu e por toda
paciência em me instruir no caminho da pesquisa acadêmica. Também a amiga Arlete
dos Santos Petry, pelas brilhantes reflexões em sua tese que muito iluminaram minha
pesquisa.
A todos os professores do TIDD que realmente professaram e me ensinaram a
importância do constante movimento de pesquisa. Seus ensinamentos transformaram, de
ador em Educação e Matemática.
À Edna Conti, secretária do TIDD e uma verdadeira amiga, por todos os conselhos
e auxílios nos momentos de desencontros acadêmicos, particularmente na batalha pela
conquista da bolsa mestrado junto a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo.
Aos colegas de curso de mestrado, agradeço por toda comunicação oferecida e
pontos de vista tão singulares e ricos, especialmente as conversas com Lucas
Meneguette.
Ao amigo Francemilson Goulart, que pacientemente suportou minhas conversas a
respeito de áreas do conhecimento distantes da qual atua. Pelo exemplo e afinco aos
estudos e por dividir o micro computador comigo, mesmo nos momentos em que eu
monopolizei um pouco.
Na banca examinadora, além de meu orientador tive a honra de contar com a
presença de ilustres professores, Prof. Dr. Ubiratan D’Ambrósio e Prof. Drª. Lucia
Leão, os quais por meio de um olhar experiente contribuíram de forma marcante na
organização de minha pesquisa.
À Comissão Central da Bolsa Mestrado e ao Prof. Pedro Bernardes Magalhães,
pelo apoio, paciência e motivação para formação dos profissionais da educação. Por
meio do incentivo e olhar visionário de vocês a educação do Estado de São Paulo tem
motivos para se orgulhar do corpo docente que está nascendo.
Agradeço também a toda equipe gestora da E.E. Dna Ana Rosa de Araujo por
disponibilizar o espaço para o desenvolvimento de minha pesquisa.
Enfim, a todos que direta ou indiretamente contribuíram para a constituição e
realização de minha pesquisa. Minha gratidão a todos vocês!
conhecimento, tanto prático quanto científico, bem como para a consecução e promoção das
a humana, tanto no que diz respeito à
ento do raciocínio lógico-matemático A presente dissertação na perspectiva do desenvolvim
V
dentro das estruturas ontológicas presentes nos jogos digitais incide sobre uma modalidade
específica de jogos digitais nos quais se fazem presentes, tanto estruturas narrativas, bem como
o seu desenvolvimento estrutural na forma de puzzles lógicos, práticos e, relacionados com a
idéia grega de mathéma.
A metodologia utilizada combina os esforços conceituais presentes na filosofia do positivismo
lógico, da fenomenologia hermenêutica, da lógica pragmática, da epistemologia genética, da
etnomatemática e da teoria e prática dos jogos, mostrando que os puzzles presentes nos jogos
digitais se constituem em estruturas cognitivas de alto valor para a promoção e produção do
estruturas narrativas que culminam no desenrolar de uma história interativa.
A pesquisa toma como exemplo modelar o game Myst, estabelecendo-o como referência
histórico-conceitual que permite a integração de novas formas para incentivar e apoiar a
apreensão de conhecimentos lógico-matemáticos, assumindo e demonstrando que o raciocínio
lógico-matemático, organizado na forma de puzzles, se estrutura em um modo de ser ontológico
do pensamento. Neste sentido mostra a organização de novas e versáteis formas para a
modelagem, simbolização, análise, exploração, conjectura e demonstração do conhecimento,
inclusive matemático, na forma lúdico-cognitiva dos puzzles no interior de universos digitais
imersivos, mais recentemente designados como metaversos.
A partir daí, a pesquisa demonstra o valor teórico-pragmático da criação e organização de jogos
digitais que podem servir como promotores da cultur
promoção da subjetividade humana na cultura, bem como na estruturação e equilibração das
estruturas lógico-cognitivas dos sujeitos imersivos que realizam a aventura dos games por meio
de seus puzzles. Com isso indicamos o valor da utilização dos jogos digitais (metaversos) como
estrutura complementar para o desenvolvimento de habilidades críticas no sujeito humano em
um processo de educação contínua, tanto em seus aspectos de alargamento da compreensão
matemática como lógica e também cultural, a partir do pressuposto da universalização e
generalização da experiência dos puzzles no interior dos metaversos. Neste sentido mostramos
os resultados de uma experiência de campo com crianças em idade escolar na qual a utilização
do jogo modelo promoveu um incremento em suas habilidades gerais cognitivas e uma mudança
na forma de ver o mundo e colocar problemas que demandam uma atitude lógico-matemática.
A pesquisa culmina com a proposta de uma heurística para a resolução de problemas, na qual
tanto crianças como adultos se convertem em uma nova espécie de “epistemólogos” que, a
partir da experiência nos jogos digitais, se defrontam com a tarefa continuada e falibilista de
“pensar as formas do pensar” – mathéma – por meio da resolução dos puzzles.
Palavras-chave: games, puzzles, matemática, lógica, metaversos, conhecimento.
VI
The present study into the perspective of development the reasoning logical-
mathematical by means of the ontological structures in the digital games happens on a
specific modality of digital games that present many structures narratives, and its
structural development in the form of logical puzzles, practical, related with the idea
Greek of mathéma.
The methodology has used combines the conceptual efforts in philosophy of the logical
positivism, hermeneutic phenomenology, the pragmatic logic, the genetic epistemology,
Ethnomathematics and games’ practical theory, showing that puzzles in the digital
games constitute in cognitives structures of high value for the promotion and production
of the knowledge, practical and scientifical, as well as achievement and promotion of its
structures narratives that they culminate in uncurling of an interactive history.
The research takes as example shape the game Myst, establishing it as description-
conceptual reference that allows the integration of new forms to stimulate and to
support the apprehension of logical-mathematicians knowledge, being assumed and
demonstrating that to the reasoning logical-mathematician, organized in the form of
puzzles, structured in a way thought’ oncologic. Thus, it shows the organization of new
and versatile forms for the modeling, symbolization, analysis, exploration, conjecture
and demonstration of the knowledge mathematician, in the playful-cognitive form of
puzzles into the immersive digital universes, more recently assigned as metaverses.
From then on, the research demonstrates the theoretician-pragmatic value of creation
and organization of digital games that can serve to advancement human culture, in
reference the promotion of the human subjectivity in the culture, as well as in the
structuralization and equilibration of structures logical-cognitives in immersive
experience through the adventure games and by means its puzzles. Thus, we indicate the
value of use of the digital games (metaverses) as complementary structure for the
development of critical abilities in the citizen in a process of continuous education, as
well as in its aspects of widening of the mathematical understanding as logical as
cultural, where from universalisation and generalization the experience into the puzzles
in metaverses. We show the results of an experience with children in school age, which
the use of the game model promoted an increment in his general cognitives abilities and
change the form they see the world and solving problems that demand an attitude
logical-mathematics. Students not only must use multimedia to learn, but they can also
use it to communicate their understanding of the subject to those around them. Virtual
reality has the potential to move education from its reliance on books to experiential
learning in naturalistic settings.
The research culminates with the proposal of a heuristic for the resolution of problems,
which as children as adult chance over a new species of “epistemologists” that, from the
experience in the digital games, argue in “to think the forms of thinking”, or rethink,
look at problems in many different ways – mathéma – by the resolution of puzzles.
keywords: games, puzzles, mathematic, logic, metaverses, knowledge.
VII
IX
estas que se tornaram evidentes por meio de sua arqui
X
A matemática, historicamente, aparece como um dos fatores determinantes da
evolução de cada povo ou civilização. Notadamente as civilizações antigas tal como os
Babilônicos, Egípcios, Gregos, Romanos, Maias, Astecas, entre outros, se expandiram e
se desenvolveram demarcando além de seus territórios as suas conquistas intelectuais,
tetura, arte, estratégias bélicas e
organização social. A possibilidade para o desenvolvimento cultural ocorre
concomitantemente ao desenvolvimento cognitivo de cada povo, deixando suas marcas
evolutivas, algumas delas por vezes quase inexplicáveis, como no caso da construção
das Pirâmides no Egito, ou ainda dos aquedutos romanos, ou a Biblioteca de
Alexandria, e o Parthenon este entre milhares de outras heranças deixadas por nossos
ancestrais testemunhando suas habilidades inventivas. Ao contemplarmos tais marcas
nos resta, por vezes, apenas criarmos conjecturas do provável modo que foram
realizadas.
Da mesma forma o pensamento matemático se encontra no âmago do espírito
inventivo, por meio das incessantes buscas e da superação dos obstáculos. A reverência
pela matemática fica evidente na cultura grega, recordemos que nos umbrais da
academia de Platão encontramos a máxima "não entre quem não saiba geometria",
evidentemente que esta máxima pode conotar algum tipo de exclusão, obviamente de
cunho cultural e temporal, porém não diminui a importância dada pelos gregos ao
conhecimento da matemática, pois para Platão esta ciência é a chave para a
compreensão do universo. Indagado certa vez sobre a atividade de Demiurgo,
respondeu: “Ele geometriza eternamente”.
“Embora o próprio Platão não tenha dado contribuição específica
digna de nota a resultados matemáticos técnicos, ele era o centro da
atividade matemática da época e guiava e inspirava seu
desenvolvimento (...) considerava a logística adequada para
negociantes e guerreiros, que ‘precisam aprender a arte dos números,
ou não saberão dispor suas tropas’. O filósofo, de outro lado, deve
conhecer aritmética ‘porque deve subir acima do mar das mudanças e
captar o verdadeiro ser’. Além disso, diz Platão na República, “a
aritmética tem um efeito muito grande de elevar a mente, compelindo-
a a raciocinar sobre entidades abstratas” (Boyer, 1974, p. 64).
Para Platão a Matemática é o modelo de todo o processo de compreensão, pois se
a missão da filosofia está em descobrir a verdade para além da opinião e da aparência,
de todas as mudanças e ilusões que o mundo temporal oferece, a Matemática se torna
um exemplo notável de conhecimento das “verdades eternas” e necessária independente
da experiência dos sentidos. Como Platão defende em sua obra, A República, o filósofo
deve saber matemática, pois ela tem um efeito importante na elevação da mente
compelindo-a a raciocinar sobre entidades abstratas, este, fundamental no fazer
matemático. De Platão até os dias modernos, com seus computadores e consoles de
games, todo um percurso foi realizado, o qual, por mais apaixonante que seja não
teremos condições para contextualizar. Um apanhado muito interessante que referimos
ao nosso leitor como suporte de leitura, pode ser encontrado no trabalho desenvolvido
XI
por Cléuzio da Fonseca Filho, História da computação: o caminho do pensamento e da
tecnologia, o qual traça o caminho do pensamento lógico (e também do mathema) que
nos conduziu dos gregos aos modernos computadores, passando por Leibniz, Frege e
Boole, por exemplo
1
.
Foi a partir destes pressupostos e, situados em uma experiência educacional na
área da matemática, com crianças, adolescentes, jovens e adultos, que fomos assaltados
pela questão: Por que muitas pessoas não gostam de matemática? Visto que esta ciência
propicia a capacidade de raciocínio, e ainda prima pelo desenvolvimento de habilidades
nas mais diferentes áreas, desenvolvendo capacidades de análise, estas, fundamentais
para quaisquer ciências. Recordemos de outro grego, Arquimedes, cujas invenções
mirabolantes maravilham matemáticos até os dias de hoje, ou ainda de Leonardo Da
Vinci, frequentemente descrito como o arquétipo do homem do Renascimento, alguém
cuja curiosidade insaciável era igualada apenas pela sua capacidade de invenção.
Inventores, gênios, assim são nomeados aqueles que se aventuram na compreensão do
que o pensamento matemático pode criar e aproveitando-se dele evoluem e ultrapassam
as expectativas humanas de vida, sendo eternizados por suas ações ou obras. No
entanto, ao venerarmos um gênio, muitas vezes, esquecemos que ele é tão humano
quanto somos nós!
Neste sentido, observamos que o desejo pela matemática pode e deve ser
motivado, especialmente no ambiente escolar, o qual, por definição deve oferecer
maneiras diferentes para compreendermos o mundo. Ora, desde o início de nossa
graduação, em licenciatura plena em matemática, até nossas atividades docentes, nos
deparamos com a inquietante questão: Por que toda esta celeuma sobre a matemática?
Para alguns ela assemelha-se ao mito da Esfinge que devorava os viajantes que não
soubessem responder corretamente seu enigma. Constatamos no decorrer do processo
da constante construção do conhecimento e aprendizagem que tal questão necessitava
de uma reformulação com a finalidade de iluminar as sombras que pairavam sobre a
matemática escolar. Desta maneira ao reestruturarmos esta pergunta poderíamos
questionar: De qual matemática não gostamos? Esta pergunta atingiu nossos objetivos
como pesquisadores e, como professores na busca de uma paideia, produzindo em nós o
desejo de realizarmos uma pesquisa que apontasse para novas formas de se conhecer a
matemática, para desta maneira proporcionarmos momentos de reflexão e afinidade
com esta ciência que promoveu e sempre promoverá brilhantes descobertas no
desdobrar da construção de toda a história humana.
Atualmente, podemos observar que são inegáveis todas as contribuições de
inúmeros pesquisadores, tais como Polya (1995), Papert (1985), Shoenfeld (1992),
Brolezzi (2008), D’Ambrósio (2007) com o intuito de conduzir a novas possibilidades e
abordagens didáticas ou pedagógicas para a aprendizagem matemática, no entanto a
atividade docente deve se constituir em uma constante pesquisa, pois uma perspectiva
particular “de que algo nos escapa” nos coloca em um constante movimento, no devir
das descobertas. Tal foi o nosso caminho quando contemplamos a emoção e a
possibilidade para a ampliação do questionamento por meio da busca ontológica do
conhecimento matemático realizando um convite para “jogarmos um jogo”. Neste
convite apresentamos o game Myst, inesquecível para todos que o jogaram.
1
Fonseca Filho, Cléuzio. História da computação [recurso eletrônico] : O Caminho do Pensamento e
da Tecnologia / Cléuzio Fonseca Filho. Porto Alegre : EDIPUCRS, 2007. Disponível em
<http://www.scribd.com/doc/12934547/Historia-Da-Computacao>.
XII
Vislumbramos a possibilidade de experimentarmos da imersão digital com o propósito
de nos defrontarmos com desafios gicos estruturados puzzles a fim de
observarmos a forma como tais desafios ou experiências poderiam contribuir para a
construção do raciocínio lógico-matemático.
Com base em um levantamento que realizamos entre as comunidades Myst na
rede mundial de comunicação a internet escolhemos, entre as diversas versões de
Myst, o segundo jogo da série, Riven, pois este, entre os mais diversos fóruns, é
comentado como a versão que oferece os puzzles mais interessantes e “difíceis”.
Realmente Riven, diferentemente de seu antecessor, oferece a seu visitante uma gama
variada de desafios puzzles ao mesmo tempo em que procura estabelecer níveis de
dificuldade diferenciados objetivando o estímulo a exploração e motivando a solução
dos mistérios deste universo convencendo de que nenhum desafio é impossível se
dedicamos nosso tempo a reflexão visando sua superação, resolução. Mario Bunge,
brilhante filósofo, nos auxilia no caminho da descoberta científica, apontando uma
direção segura para o trabalho do pesquisador na construção do conhecimento,
“enquanto os animais inferiores somente estão no mundo, o homem tenta compreendê-
lo; e na base de sua inteligência imperfeita, mas perceptível do mundo, o homem tenta
dominá-lo para fazê-lo mais confortável. Neste processo, constrói um mundo artificial”.
(Bunge, 1976, p.6). A construção ou reconstrução de nossa realidade se dá, desta forma,
na leitura e interação que temos com este, com os signos que construímos, com a
interpretação destes e com as possíveis ligações existentes entre eles, ou seja, por meio
da pesquisa científica, o homem alcançou uma reconstrução conceptual do mundo e a
partir desta construção podemos ampliar o corpo de conhecimento ao qual a presente
pesquisa pertence.
Ao expressarmos a questão motriz de nossa pesquisa e suas hipóteses buscaremos
novos meios de se “experienciar” a matemática. Por meio do conceito de experiência
estética definimos nosso pensar matemático na resolução dos puzzles de Myst,
aproveitando-nos do poder imersivo deste game e com isto, questionamos de que
maneira os puzzles, resolvidos no ciberespaço em meio a uma história hipertextual,
podem contribuir para construção do raciocínio lógico-matemático e consequentemente
para resolução de problemas?
Ao nos tornamos capazes de abstrairmos uma realidade à outra, transformando-a
em situações problemas, esta capacidade pode, também, conduzir a formas de
abstrairmos conceitos matemáticos, sejam estes aritméticos, algébricos ou geométricos.
Por meio dos jogos digitais podemos alcançar níveis de generalização (compreensão de
padrões), e desta forma habilidades como: modelar e simbolizar, comunicar, analisar,
explorar, conjecturar e provar – ou seja, atividades com sentido matemático que envolve
organização e re-estruturação dos processos cognitivos para a criação de heurísticas
próprias na resolução de um problema que requerem certas habilidades da inteligência,
entendida aqui sob uma visão construtivista. Desta forma acreditamos que os puzzles de
Myst oferecem um espaço para a assimilação e organização de tais estruturas cognitivas,
pois apontam para atitudes de pesquisa (exploração), análise e reflexão, compreensão e
ação.
Nossa investigação enquadra-se, desta forma, segundo a linha de pesquisa em
Inteligência Coletiva e ambientes interativos, uma vez que nossa busca é intrínseca a
constituição e compreensão das estruturas cognitivas frente aos ambientes digitais
XIII
tridimensionais, segundo a proposta do Núcleo de Pesquisa em Hipermídia vinculada ao
projeto de Análise Comparativa dos Recursos Tridimensionais para produção de
Hipermídias Interativas”, elaborado e coordenado pelo Prof. Dr. Luís Carlos Petry.
Neste sentido o encontro com o curso de Tecnologias da Inteligência e Design Digital
inaugura uma nova forma de aprendizagem interdisciplinar e multidisciplinar, uma vez
que engloba as diversas áreas do conhecimento, tais como: Ciências Humanas,
Filosofia, Educação e Hipermídia. Certamente que neste ambiente profícuo a todo
desenvolvimento que permite visualizar de forma holística os processos complexos que
envolvem o próprio desenvolvimento humano, nossa pesquisa encontrou seu refúgio
para germinar.
No senso comum, ou ainda em seu uso rotineiro, uma tendência para tratarmos
os termos “jogo” e “trabalho” como sendo opostos e, correspondentemente, o trabalho é
visto como sendo algo sério e o jogo como frívolo. Retomamos o significado para
Platão, pois para ele, jogo e trabalho não são opostos um ao outro, na medida em que o
jogo pode ser sério e útil quando contribuindo para o processo educacional. O próprio
Platão emprega o termo "jogo" com intenção séria na educação dos filósofos em
potencial, quando ele faz uso de um mito imaginário para descrever a educação dos
jovens durante o processo no qual eles são conduzidos de uma condição não iluminada
para uma iluminada no Mito da Caverna.
O Elo entre Educação (Paideía) e Jogo (Paidiá).
O jogo educacional para as crianças tem sido, no decorrer do processo educativo,
uma constante referência para pesquisas, deste Piaget (1972), Singer (2007) até na
utilização dos personal computers com o inaugurado pela linguagem LOGO, por
Papert, e outros pesquisadores do MIT. Neste percurso histórico, e mais recentemente
temos contemplado uma grande gama de softwares, entre eles jogos, que se intitulam
“educativos”. O filósofo Huizinga (1990, prefácio) afirma a cerca da potencialidade do
jogo, este como um fator anterior a cultura, pois “é no jogo e pelo jogo que a civilização
surge e se desenvolve”. O jogo está presente na cultura ao passo que a gera ou modifica.
Desta forma torna-se impossível ignorarmos o elo existente entre a educação e o jogo.
Traçamos, em nossa pesquisa, uma possibilidade para a conexão entre jogo (paidiá) e
educação (paidéia), visando a utilização dos novos media como sendo um fator cultural
adjacente as novas gerações de alunos que se reúnem nas escolas – digital natives.
Santaella (2007, p.406) nos esclarece que “o lúdico é mais antigo do que a cultura.
Aliás, trata-se de um potencial que parece aumentar na medida mesma da inteligência”,
assim ao contemplarmos a possibilidade de construção do conhecimento, em uma
atividade livre, um jogo virtual Myst enredado por uma história cativante e repleto
de enigmas e mistério, com sonoridade digna da sétima arte cinema que promove
em seu interlocutor ou protagonista e ainda personagem, sentimentos e emoções que
emanam destes fatores imersivos, estamos de forma progressiva conectando, criando
ligações úteis entre os aspectos cognitivos, educativos e ainda sociais.
Sob o enfoque de Berger (2009), Riven resgata valores da cultura literária clássica
como o drama e o épico. Myst reúne características únicas que podem ser aproveitadas
para o desenvolvimento de uma Paidéia aberta para a utilização coerente das novas
possibilidades tecnológicas. Não procuramos reproduzir no meio digital o que um
professor desencadeia em sala de aula, mas sim provocamos o desejo pela busca e pela
descoberta e estes desejos podem ser transpostos para as atividades em sala de aula,
XIV
uma vez que o sujeito esteja envolvido no processo, não como “objeto”, mas como um
ser atuante e cheio de aspirações.
Em paralelo ao que observamos para a educação temos a pesquisa acadêmica, esta
que no Brasil tem avançado progressivamente no desenvolvimento de recursos
computacionais relacionados com os recursos 3D aplicados às estruturas narrativas
interativas na hipermídia e nos games. Torna-se, desta forma, uma necessidade no
campo atual do desenvolvimento de metodologias de pesquisa um levantamento das
possibilidades de utilização desses mesmos recursos de forma a organizar um panorama
de suas possibilidades técnicas, recursos e capacidades de utilização eficiente em
projetos, sejam eles relatórios científicos, modelos de simulação, bem como em projetos
de caráter educacional. Por outro lado, pesquisas recentes, do final dos anos 1990, têm
mostrado que a perspectiva de modelagem tridimensional produz narrativas digitais que
possuem forte apelo conceitual, emocional e subjetivo. As múltiplas possibilidades em
Myst abrem um espaço atraente para um interagir, de forma que, os leitores/jogadores se
caracterizem como agentes capazes de criar e de recriar a realidade que os cercam,
abrindo-se para a contemplação: a ação que toda obra de arte requer, pois é nisto que
consta a experiência estética, particularmente em um ambiente hipermídia, e será uma
constante em nossa pesquisa, promover este momento de reflexão e ek-stasis.
Desta forma, como sustenta Huizinga, jogo e cultura estão entrelaçados um com o
outro e o jogo puro, genuíno, é uma das principais bases da civilização, assim
pensarmos na melhor forma de utilizarmos este jogo genuíno Myst com a finalidade
de beneficiar o desenvolvimento espontâneo e consequentemente o desenvolvimento
global do sujeito nos conduz a este elo fundamental entre educação e os jogos.
O Portal para o Universo D’ni.
A sala de informática da Escola Estadual Dona Ana Rosa de Araujo transformou-
se em um portal para o mundo D’ni através de Myst. Semanalmente dois grupos de
alunos reuniam-se em horários opostos ao de suas atividades em sala de aula com a
finalidade de jogar Myst. Nenhum dos alunos foi escolhido, todos escolheram participar
do projeto, foi pura adesão. Com isto proporcionamos durante todo o ano letivo de 2009
encontros com o intuito de explorar Myst. O grupo contava com a participação de
alunos dos nonos anos oitavas séries e ensino médio, além disso, os participantes
apresentavam diferentes níveis de atividade matemática em sala de aula, alguns
inclusive com grandes dificuldades de aprendizagem.
Optamos por uma metodologia construtivista, assim como a definida por Papert
(1985) como construcionista, uma vez que buscamos a aplicação do construtivismo
proposto por Piaget por intermédio do microcomputador. Com base nas pesquisas
destes e outros pesquisadores, como Murray (2003) e Manovich (2005) encontramos
um modo para observarmos as possibilidades para o desenvolvimento cognitivo
espontâneo por meio desta interface – Myst.
As potencialidades de um jogo para o desenvolvimento humano têm uma ampla
fundamentação teórica, igualmente na filosofia, na psicologia, na matemática, por
intermédio de renomadas personalidades como Huizinga (1990), Gadamer (1999),
Piaget (1964), entre outros que contemplam os benefícios do lúdico e sua essencialidade
no desenvolvimento humano. “O jogar e o ser jogado”, como nos diz Gadamer, é neste
constante devir que contemplamos uma habilidade matemática de extrema relevância
XV
para o desenvolvimento em quaisquer outras áreas, a resolução de problemas. Oculto
nesta habilidade vislumbramos o raciocínio lógico-matemático, do qual nosso olhar não
se distanciará durante todo o trabalho de pesquisa. Neste intuito, personalidades como
Russell(2007), Polya(1995), Shoenfeld(1992) e D’Ambrósio(2003), matemáticos que
representam o vigor de uma matemática que ultrapassa os atuais currículos
educacionais.
Seus pressupostos teóricos e práticos nos guiaram para a compreensão dos
fenômenos observados durante os momentos de jogo, bem como as transformações
decorrentes em sala de aula. Ao repensarmos no papel da escola na vida de cada
indivíduo, Schoenfeld (1996, p. 11), por exemplo, afirma que “das artes à literatura, à
Física o que deveria ser aprendido são múltiplos caminhos de ver o mundo, e os
variados instrumentos interdisciplinares e perspectivas que nos ajudam a entendê-lo”.
Nesta perspectiva nosso caminho metodológico-teórico buscou na teoria dos games, na
filosofia, na educação e na psicologia as indicações propícias para uma experiência, no
sentido fenomenológico da palavra.
Desta forma no primeiro capítulo de nossa investigação, intitulado de
“Experiência Matemática e Universo Digital”, apresentamos e exploramos o conceito de
experiência estética, tal como o é formulado no interior da fenomenologia
hermenêutica, e sua relevância para o desenvolvimento e construção do conhecimento.
Indagamos se nossas crianças, hoje, são como as de outras gerações, perguntando
“quem são os digital natives?”.Apontamos também para a relação entre experiência
estética e estas novas gerações de alunos, os digital natives, e a seguiremos nossa
pesquisa ao resgatarmos as contribuições inauguradas pelo ambiente LOGO, pioneiro
na concepção de construção do conhecimento em ambiente digital. Apresentamos ainda
um exemplo de problema clássico, demonstrado na Torre de Hanói, com a finalidade de
exemplificar a relevância do processo de tomada da consciência para construção do
conhecimento. Oferecemos, também, uma reflexão conceitualizando nosso objeto de
pesquisa, Myst, por meio de seus pressupostos teóricos e indiscutíveis características
imersivas e direcionamos nossa reflexão para seus puzzles como profícuas inferências
para construções lógico-matemáticas. Para tanto, nossa opção metodológica nos
lconduziu a procedermos de forma a encontrarmos, a partir da experiência estética
alcançada mediante o universo digital nos múltiplos mundos de Myst e constatarmos
que a emoção, determinante na experiência imersiva, contribui como fator motivador na
busca de novos desafios em Myst e portanto pode também marcar nossa experiência
matemática no universo digital.
No segundo capítulo, “A temporalidade no universo transcendental dos games”,
desdobramos nosso trabalho em uma breve reflexão a respeito das implicações
temporais nos aspectos cognitivos no interior de Myst. Será possível que esta geração,
acostumada a velocidade e rapidez de informações se satisfaz ao jogar Myst? Na busca
de compreendermos o fenômeno tempo e algumas de suas implicações cognitivas para o
desenvolvimento do ser humano bem como sua ralação com o ambiente com o qual este
se relaciona, enfatizamos as possibilidades oferecidas em Myst para as construções
lógicas elementares, inclusive a temporalidade interna. Este aspecto, consideramos
como relevante para a nossa abordagem todo o tempo para construções individuais, ou
seja, toda sensibilidade a este tempo interior, único e diferente para cada individuo com
a finalidade de promover seu desenvolvimento espontâneo.
identificação dos e questões matemáticas. C
XVI
Para o terceiro capítulo, que teve por título “Os jogos eletrônicos como
paradigmas para a produção de conhecimento matemático”, reservamos um espaço para
uma profunda reflexão a respeito de questões referentes à imaginação e a abstração na
construção e constituição do pensamento e consequentemente suas relações na
construção do conhecimento, neste caso o conhecimento matemático. Sob a luz de obras
de Russel, Gadamer, Piaget, D’Ambrosio entre outros, desdobramos nosso trabalho no
intuito de alcançarmos algumas faces ocultas dos puzzles de Myst nas quais podemos
verificar as possíveis contribuições para a formação e constituição do raciocínio lógico-
matemático e assim o desenvolvimento de uma matemática anterior as formalizações
por meio do poder imersivo das brincadeiras com enredos ou histórias e estas aliadas
aos novos medias. Poderemos então pensar em uma etnocomputação, que colabora com
o processo de conceitualização por meio dos games bem como qual matemática emerge
atualmente nas escolas.
Afinal, o que são puzzles, nos perguntamos? Para a compreensão deste tema,
procuramos no quarto capítulo, O conceito de puzzle como estrutura lógica
fundamental nos jogos digitais”, referências que nos guiassem a uma forma de
om isto, reencontramos a
fundamentação teórica de nossa pesquisa com base nos jogos digitais, uma forma
divertida para conquistarmos o interesse pelo pensar matematicamente. Se o conceito de
puzzle pode ser considerado como alheio e estranho a nossa cultura, ele se justifica em
uma abordagem epistemológica dos games, como mostraremos, dado que possui seu
alicerce nas interrogações lógico-filosóficas de pensadores que nos antecederam.
Seguindo o caminho de pesquisa realizado até aqui, finalmente chegamos ao
nosso quinto capítulo, Puzzles e a construção do raciocínio lógico-matemático no
desenvolvimento psico-social”, recompomos nosso trabalho demonstrando as
potencialidades que um game pode ter para o processo de ensino e aprendizagem,
considerando o chamado novo paradigma da interface homem/máquina (Murray, 2003).
Apresentamos alguns dos resultados obtidos e observados com o trabalho realizado
junto aos alunos do ensino fundamental e ensino médio de uma escola pública, quanto
estes entraram no universo de Myst. A crescente habilidade para a resolução dos puzzles
e as heurísticas como frutos da imersão na história e desejo de ultrapassar os obstáculos
puzzles tal imersão como fator primordial das experiências estéticas no universo
digital e a importância para o desenvolvimento da etnocomputação a fim de nos
utilizarmos das potencialidades dos metaversos. Apresentamos alguns materiais de
apoio que se relacionam com os puzzles – OBMEP (Olimpíada Brasileira de Matemática
da Escola Pública) apontando para necessidade de se desenvolvermos habilidades de
resolução de problemas. Apresentamos ainda, a proposta feita por Myst para resgatar
valores clássicos, deixados de lado ou no esquecimento pela sociedade contemporânea
por meio do projeto Ilha Cabu como referência deste resgate na concepção de seus
puzzles para desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático.
Acreditamos que desta forma a escola realmente possa se tornar um lugar onde,
alunos e professores, aprendam a pensar. Desejamos gravar nos umbrais das escolas
“Entre e contribua para as descobertas matemáticas”, pois o melhor que temos a
oferecer somos nós mesmos, na ação de “ser com eles”, portanto traçamos os mapas, re-
inventamos o astrolábio e saímos para navegar no ciberespaço, escrevendo nossa
história, hipertextual e nos aventurando no desenvolvimento do raciocínio lógico-
matemático no mundo de Myst.
puzzles
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
17
“Ao sujeito do estímulo, da vivência pontual, tudo o
atravessa, tudo o excita, tudo o agita, tudo o choca, mas
nada lhe acontece. Por isso, a velocidade e o que ela
provoca, a falta de silêncio e de memória, são também
inimigas mortais da experiência.”
Jorge Larrosa Bondía
Iniciaremos a aventura de nossa pesquisa lúdico-cognitiva apresentando alguns
conceitos de experiência advindos de importantes trabalhos ligados a filosofia, psicologia e a
matemática. Neste caminho, realizaremos o uso do conceito de experiência estética
2
, o qual se
encontra amplamente demonstrado por Petry (2003) na perspectiva de uma fenomenologia
Heidegger-gadameriana, dentro da qual defende o ponto de vista de que a “experiência
estética é a forma fundamental do ser”. Tomando o enunciado que formula o conceito de
experiência estética, encaminharemos nossa reflexão na direção de seu encontro com o
conceito de experiência matemática, este último tomado na sua mais ampla e livre acepção
fenomenológica. Com base em pesquisadores que buscaram pensar o processo do aprender
por meio da perspectiva construtivista, procuraremos justificar a importância da experiência
no processo de ensino e aprendizagem e, ainda, direcionar nossa discussão no sentido de
pensar a experiência matemática
3
.
No intuito de melhor compreendermos do que trata o termo “experiência” em sua
concepção fenomenológica, vislumbramos um caminho para o entendimento necessário do
mesmo e, simultaneamente, considerando a vantagem de transportamos uma reflexão
2
O conceito de experiência estética possui uma grande amplitude. Ele está além da experiência empírica, mas
não procura negar esta última. Uma experiência estética pode se dar em uma experiência empírica ou formal.
Diante de uma obra de arte, ao ouvir uma música, ao escutar um sermão do pastor, ao ler um trecho de um
livro, ao imaginar ou abstrair uma curva senóide ou chegar a um número primo, ao descobrir o digo do
genoma, etc. e, ao navegar em uma hipermídia também. Nem sempre temos uma experiência estética, ela está
no corolário da Bildung, diz Gadamer, da formação e depende de um sujeito e de uma história. (Nota de
discussão via email com Prof. Luís Carlos Petry em 24 out 2008)
3
DAVIS, Philip J. & HERSH, Reuben. A experiência matemática. Tradução de João Bosco Pitombeira. Rio de
Janeiro: Francisco Alves, 2ª ed., 1985.
.” (Petry, 2003, p. 4).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
18
suportada nela para o pensar dentro e acerca do processo educativo. É neste sentido que nosso
propósito será o de direcionarmos a presente pesquisa para uma aplicação viável e proveitosa
da experiência por meio de jogos digitais
4
, do ciberespaço
5
e do que é definido como
realidade virtual
6
e/ou aumentada
7
. Assim, com tal perspectiva, refletiremos a respeito das
seguintes questões:
[01] Como a experiência estética na hipermídia
8
pode ser proveitosa para o aprendizado
matemático?
[02] Que habilidades estamos desenvolvendo quando, mergulhados no universo digital,
resolvemos problemas e procuramos soluções para situações problemas?
[03] Quando é que posso dizer que estou em uma situação que favorecerá aquisição de
experiência? Será possível não haver experiência em alguma situação da vida
humana?
Petry (2003) nos diz a respeito da atitude fenomenológica:
“No início, a divisa dos fenomenólogos da escola de Husserl e Heidegger
era: ‘vamos à questão’. Esta divisa encaminhava-os numa busca de irem às
coisas mesmas, que comportava uma série de significações, desde dar uma
chance ao real se mostrar, até reaprenderem o verdadeiro alfabeto da
percepção. Esta ‘reaprendizagem’ significa que é possível fazer falar as
várias estruturas do mundo que nos circunda e engloba, o que - dentro da
perspectiva tridimensional - significa levar em conta os arames (meshes)
tridimensionais que construo na organização de ambientes e objetos
tridimensionais interativos como dotados de sentido
4
O filósofo Huizinga, em 1938, escreveu seu livro Homo Ludens, no qual argumenta que o jogo é uma
categoria absolutamente primária da vida, tão essencial quando o raciocínio (Homo sapiens) e a fabricação de
objetos (Homo faber), então a denominação Homo ludens, quer dizer que o elemento lúdico está na base do
surgimento e desenvolvimento da civilização. Um jogo de computador é um programa de entretenimento
(jogo virtual ou jogo digital) onde a plataforma é um computador pessoal. Utiliza-se também a expressão
jogo eletrônico ou game. (Disponivel em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Jogos>. Acesso em 18 out 2008).
5
O termo ciberespaço foi cunhado em 1984 , por William Gibson, um escritor canadense, que usou o termo em
seu livro de ficção científica, Neuromancer. “Consiste de uma realidade multidirecional, artificial ou virtual
incorporada a uma rede global, sustentada por computadores que funcionam como meios de geração e
acesso. [...] deve ser concebido como um mundo virtual global coerente, independente de como se acede a ele
e como se navega nele.” (SANTAELLA, 2004, p.40) ou ainda, “ciberespaço é o espaço informacional das
conexões de computadores ao redor do globo, portanto um espaço que representa o conceito de rede e no
qual a geografia física não importa, pois qualquer lugar do mundo fica à distancia de um clique.”
(SANTAELLA, 2007, p. 178).
6
Realidade Virtual (RV), é antes de tudo, uma ‘interface avançada do usuário’ para acessar aplicações
executadas no computador, tendo como características a visualização de, e movimentação em, ambientes
tridimensionais em tempo real e a interação com elementos desse ambiente. Além da visualização em si a
experiência do usuário de RV pode ser enriquecida pela estimulação dos demais sentidos como tato e
audição.” (TORI, 2006, p. 6)
7
Realidade Aumentada (RA): “Diferentemente da realidade virtual, que transporta o usuário para o ambiente
virtual, a realidade aumentada mantém o usuário no seu ambiente físico e transporta o ambiente virtual para o
espaço do usuário, permitindo a interação com o mundo virtual, de maneira mais natural e sem necessidade
de treinamento ou adaptação. Novas interfaces multimodais estão sendo desenvolvidas para facilitar a
manipulação de objetos virtuais no espaço do usuário, usando as mãos ou dispositivos mais simples de
interação.” (TORI, 2006, p.22).
8
“De maneira mais precisa, fala-se de hipertexto quando os objectos polissémicos são elementos de texto e de
hipermedia quando se trata de objectos no sentido mais geral, por exemplo, imagens animadas a duas ou três
dimensões, sequências de imagens, sequências sonoras e, evidentemente, textos.” (Mourão, 2001, p. 34)
” (Gadamer, 1999, p.52).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
19
Desta forma, a fenomenologia entra na concepção da presente investigação como um
referencial de organização de mundo e produção de sentido.
Ora, nesta perspectiva, a experiência está intrinsecamente ligada à consciência.
Podemos dizer que ambas são indissociáveis uma vez que para garantirmos a produção do
sentido e o conhecimento especializado
9
necessitamos estar conscientes ou ainda ter
consciência da experiência em questão. Tal consciência pode ser expressa por meio de
generalizações ou verbalizações decorrentes de um evento. A linguagem
10
, como
manifestação e organização de idéias, serve de meio para constatarmos tais generalizações.
É neste sentido que Gadamer (1999, p.14), em sua obra, nos diz que sua intenção
verdadeira é uma intenção filosófica, ou seja, o que está em questão não é o que fazemos ou
ainda o que deveríamos fazer, mas o que, ultrapassando nosso querer e fazer, nos sobrevém,
ou nos acontece.
“(...) como Hegel se expressa: ao formar a coisa, forma-se a si mesmo. O que
ele quer dizer é o seguinte: enquanto o homem está adquirindo um ‘poder’
(können), uma habilidade, ganha ele, através disso, uma consciência de
senso próprio. O que pareceu ser-lhe negado no destituir-se do próprio, no
servir, na medida em que ele se submeteu totalmente a um sentido que lhe
era estranho, volta em seu proveito, na medida em que ele é uma consciência
laboriosa. Como tal encontra ele em si mesmo um sentido próprio, sendo
perfeitamente correto dizer do trabalho: ele forma.
A experiência estética descrita por Gadamer (1999) não descarta qualquer tipo de
metodologia, porém, nos guia a aspectos que escapam de qualquer metodologia métrica ou
matemática, ou seja, da ciência normal
11
. Como é o caso da experiência diante de uma obra de
arte, a experiência da arte não pode ser alcançada de nenhum outro meio senão diante da obra,
experimentando a obra. É isso que confere importância filosófica à arte e que se afirma para
além de qualquer raciocínio, “assim ao lado da experiência da filosofia, a experiência da arte é
a mais peremptória advertência à consciência científica, no sentido de reconhecer seus
limites” (Gadamer, 1999, p. 33). Com isso, tal experiência será alcançada deixando-se
tocar pela obra analisada. Neste contexto a reflexão, o parar para pensar, o permitir-se ser
tocado pelo que se é atravessado ocorre como fundamento para reconstruções e reavaliações
importantes para a formação do individuo.
Formar-se “a si mesmo” é ter consciência de si próprio, é caminhar ao lado,
compartilhando da experiência, realizando-a porque assim ela se realiza. Neste sentido a
9
Diferenciamos o conhecimento escolar do conhecimento científico e do conhecimento ordinário, ou senso
comum. O conhecimento especializado está na passagem do senso comum para um conhecimento construído
por meio das experiências do aluno. (Nota de aula Prof. Jorge em 10/11/2008).
10
“A linguagem favorece uma série de assimilações sucessivas que engendram outras tantas relações de
semelhanças e de diferenças em função dos obstáculos a essas assimilações” (Piaget, 1977, p.15).
11
A atividade da ciência normal, para Thomas S. Khun é uma atividade de rotina e extremamente
ultraconservadora, isto é, avessa à inovação: a ciência normal procura sempre resolver os seus problemas em
função das soluções estáveis fornecidas e garantidas pelo paradigma que ilumina a sua atividade diária.
(cyberphilosophy. Filosofia da ciência de Thomas S. Kuhn. Disponível em: <http://cyberself-
cyberphilosophy.blogspot.com/2009/03/filosofia-da-ciencia-de-thomas-s-kuhn.html>. Acesso em 10 abr.
2009).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
20
experiência estética muito se aproxima da concepção de universo digital, como tratamos
inicialmente
12
. A produção de conhecimento é neste sentido convergente com a idéia de
formar-se. Endendemos o conhecimento ao qual nos referimos como fruto de um processo, de
um trabalho, de um esforço intelectual, anterior a práxis, anterior ao tecnicismo. Este
conhecimento, que podemos tratar de especializado encontra-se exatamente na passagem do
senso comum para um conhecimento desenvolvido e reflexivo que, apesar de não ser
cientifico, tende em direção à este, pois afastando-se do senso comum aproxima-se de uma
espécie de investigação e na medida que progride, é capaz de corrigir-se ou até rejeitar
porções do conhecimento ordinário
13
, ou senso comum. Assim, se enriquece este último com
os resultados da ciência
14
. A construção do conhecimento pessoal permeia esse conhecimento
histórico científico, todavia parte do sentido comum de hoje muitas vezes é resultado da
investigação científica de outrora.
“Ser uma consciência, ou antes, ser uma experiência, é comunicar interiormente com o
mundo, com o corpo e com os outros, ser com eles em lugar de estar ao lado deles.”
(Merleau-Ponty, 2006, p. 142). Ser com eles, ou seja, conhecê-los conscientemente,
ultrapassando as fronteiras do já conhecido e, lançando-se ao desconhecido na busca de novas
experiências. Por este caminho é que a consciência, enquanto experiência, em um processo
reflexivo, imprime em nós um caráter de re-aprendizagem. Uma reavaliação dos
conhecimentos outrora chamados prévios para uma modelagem de novos conceitos baseados
na conexão com esse mundo e com “os outros mundos” auxiliados por nossos sentidos. Em
um processo de assimilações e acomodações tais experiências convertem-se em
conhecimento consciente para a possível resolução de novos desafios que venham surgir
15
.
Quando “somos”, oferecemos uma abertura para que algo nos ocorra, nos atravesse e nos
toque. Alcançamos, assim, mais um ponto de luz no esclarecimento do conceito de
experiência estética. Ela acontece em um mundo, seja na solidão de um observador
contemplativo, seja na participação entusiástica em meio a uma grande festa, na qual fornece
o elo entre a memória, à aprendizagem e a consciência. Ela nos toca e nos move indicando os
momentos de abertura do ser.
Desta forma, ao sermos uma consciência, ou antes, sermos uma experiência, justamente
neste ponto enfocamos o mundo real, vivido e o mundo virtual ou universo digital como
ethos
16
propício para sermos tal consciência, realmente não se trata de uma sugestão, mas
12
“O universo digital é como uma festa acontece porque está acontecendo” (nota de aula Teoria dos Signos,
Prof. Luís Carlos Petry, 2º sem/2008).
13
“Parte do conhecimento prévio do qual se inicia toda investigação é conhecimento ordinário, isto é,
conhecimento não especializado e parte dele é conhecimento científico” (Bunge, 1975, p. 1)
14
“[...] obtido mediante o método da ciência e pode ser submetido a prova, enriquecer-se e superar-se mediante
o próprio método.[...] a ciência cresce a partir do conhecimento comum e o ultrapassa com seu
conhecimento: de fato, a investigação científica começa no lugar em que a experiência e o conhecimento
ordinários deixam de resolver problemas ou até de formulá-los.” (Bunge, 1975, p.1)
15
Neste ponto, como os termos assimilação e acomodação deixam indicar, realizamos uma referência ao
construtivismo.
16
Ethos ética, em grego designa a morada humana. O ser humano separa uma parte do mundo para,
moldando-a ao seu jeito, construir um abrigo protetor e permanente. [...] como a morada humana, não é algo
pronto e construído de uma vez. O ser humano está sempre tornando habitável a casa que construiu para
si.” (Boff, 2003, p.26). Para a Sociologia, ethos é uma espécie de síntese dos costumes de um povo. Uma vez
processada mediante a atividade humana sob a forma de cultura, faz com que a regularidade própria aos
fenômenos naturais seja transposta para a dimensão dos costumes de uma determinada sociedade. O ethos de
um povo é o “tom”, o caráter e a qualidade de sua vida, seu estilo moral e estético,
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
21
antes uma constatação da condição humana. A partir daí, o ser humano determina para si uma
morada sensorial. Morada na qual se recolhe em segurança, buscando o conforto torna-se
ponto de partida para ampliações e novas experiências.
Ora, o “mundo informacional”
17
não oferece, à priori, a experiência a qual enfocamos,
ou seja, para que a informação receba um significado e se converta em conhecimento
constituindo conceitos é necessário que ocorra o processo de tomada da consciência. O que
temos, muitas vezes, é a informação sendo confundida com a experiência e o processo sendo
interrompido prematuramente e deste modo muitos acreditam que a informação é
conhecimento.
Neste momento a questão é a de alcançarmos uma compreensão a respeito da
informação, esta que muitas vezes se sobrepõe as ocasiões de experiência, e por isso, nem
sempre avançamos na direção da construção do conhecimento.
“Nós somos sujeitos ultra-informados, transbordantes de opiniões e
superestimulados, mas também sujeitos cheios de vontade e hiperativos. E
por isso, porque sempre estamos querendo o que não é, porque estamos
sempre em atividade, porque estamos sempre mobilizados, não podemos
parar. E, por não podermos parar, nada nos acontece. [...] A experiência, a
possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto de
interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer
parar para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar,
olhar mais devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais
devagar, demorar-se nos detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo,
suspender a vontade, suspender o automatismo da ação, cultivar a atenção e
a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos acontece,
aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar
muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.” (Bondia, 2002, p. 24).
Ora, o cidadão do mundo, ligado e conectado na maior parte de seu tempo não encontra
o tempo necessário para si, para refletir, para procurar meios de construir um novo olhar, para
olhar novamente e, enfim, pensar novamente. Um novo pensar sobre o mundo que o atravessa
e é atravessado por ele, “por que sempre estamos querendo o que não é”, buscamos, muitas
vezes no ter o ser e, desta forma, perdemos o verdadeiro significado do conhecimento, que
não se encontra em tê-lo, pois é fato que ninguém detém o conhecimento total das coisas. Ele,
o conhecimento, se constrói quando nos deixamos tocar pelas experiências que o mundo nos
oferece. Constrói-se em nosso próprio processo de construção, quase que de maneira
simbiótica este conhecimento e o ser ultrapassam as construções informacionais para
alcançarem a constituição do próprio sujeito.
Assim, a experiência abre-se para nós como um encontro e, como tal revelando-nos o
quão rara são as ocasiões desse encontro no mundo contemporâneo, onde a informação, a
17
Informação ou mundo informacional compreende este universo circulante, seja real ou virtual. Podemos dizer
que a informação sob nosso olhar pode ser a matéria prima do conhecimento. E assim como a biologia
molecular nos ensina a valorizarmos na informação seu potencial de capacidade para atualização do
conhecimento, de maneira análoga este universo, real ou virtual, nos oferece possibilidades de experiências,
sejam matemáticas ou não, capazes de atualizar nosso conhecimento. (Nota de aula Prof. Jorge, sem
2008).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
22
opinião própria, o tempo ou a falta de tempo, a busca por realização pessoal e a experiência
como práxis
18
, são valores que antecedem qualquer ocasião desta experiência que enfocamos.
Os filósofos nos alertam que estes valores sufocam a experiência e o processo de construção
do conhecimento a que nos referimos. Devido à ausência de um processo reflexivo, sem que
algo nos aconteça, nos toque, nos atravesse causando uma transformação não se faz possível a
experiência pessoal enquanto experiência estética.
Assim a importância da significação dos objetos por parte do individuo está em
considerarmos que sem esta ultima o processo de construção do conhecimento em sua
concepção mais ampla será prejudicado.
Prosseguiremos nossa pesquisa objetivando a primazia da experiência frente a
construção de tal conhecimento especializado. Para Piaget (1975) a compreensão baseia-se
em qualidades ou diferenças comuns e extensões seriam os indivíduos ou elementos desses
conjuntos. Desta maneira enquanto a compreensão fundamentada nas semelhanças é
assegurada a partir de assimilações sensoriais ou sensório-motoras, a extensão dos conceitos
estará acessível ao indivíduo por intermédio de um simbolismo preciso, lógico. O
indivíduo domina as extensões dos conceitos verbais e os conjuntos perceptivos,
reestruturando-se logicamente, portanto, partindo de suas próprias experiências, ações e
operações.
Observamos e testemunhamos a crescente conexão ao universo digital por parte de
nossos alunos, independente de classes socioeconômicas. Pesquisas, trabalhos,
entretenimento, cada dimensão de suas vidas está interligada digitalmente. Sejam os web
sites, Blogs, Flogs, Vlogs, wikis
19
, bem como as redes sociais mais conhecidas como Orkut
20
,
Facebook
21
, MySpace
22
e recentemente no Brasil o Twitter
23
. A cada momento uma nova
18
Do grego πράξις, é o processo pelo qual uma teoria, lição ou habilidade é executada ou praticada, se
convertendo em parte da experiência vivida. (Wikipédia. A enciclopédia livre. Disponivel em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Pr%C3%A1xis>. Acesso em 02 nov. 2008).
19
Um weblog, blog, blogue ou caderno digital
é uma página da Web, organizadas cronologicamente de forma
inversa como um diário. Um flog , fotolog, fotoblog ou fotoblogue é um registo publicado na World Wide
Web com fotos colocadas em ordem cronológica, ou apenas inseridas pelo autor sem ordem, de forma
parecida com um blog. Videoblog , Videolog ou Vlog é uma variante de weblogs que cujo conteúdo principal
consiste de vídeos. Com estrutura geralmente similar à de weblogs e fotologs. Wiki: tipo específico de
coleção de documentos em hipertexto (http://pt.wikipedia.org/wiki/Hipertexto), uma curiosidade é que o
termo Wiki wiki” significa “super-rápido” no idioma havaiano (Wikipédia. Disponível em
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Idioma_havaiano>. Acesso em 30 mar. 2008).
20
O Orkut é uma rede social filiada ao Google, criada em 24 de Janeiro de 2004 com o objetivo de ajudar seus
membros a criar novas amizades e manter relacionamentos. Seu nome é originado no projetista chefe, Orkut
Büyükkokten, engenheiro turco do Google. Tais sistemas, como esse adotado pelo projetista, também são
chamados de rede social.(Wikipédia. A enciclopédia Livre. Orkut. Disponivel em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Orkut>. Acesso em 14 nov. 2009).
21
Facebook é um website de relacionamento social lançado em 4 de fevereiro de 2004. Foi fundado por Mark
Zuckerberg, um ex-estudante de Harvard. Inicialmente, a adesão ao Facebook era restrita apenas aos
estudantes do Harvard College. (Wikipédia. A enciclopédia livre. Facebook. Disponivel em
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Facebook>. Acesso em 14 nov. 2009.)
22
MySpace é um serviço de rede social que utiliza a Internet para comunicação online através de uma rede
interativa de fotos, blogs e perfis de usuário. Foi criada em 2003. É a maior rede social dos Estados Unidos e
a 1º do mundo com mais de 110 milhões de usuários. Inclui um sistema interno de e-mail, fóruns e grupos. A
crescente popularidade do site e sua habilidade de hospedar MP3s fez com que muitas bandas e músicos se
registrassem, algumas vezes fazendo de suas páginas de perfil seu site oficial.(Wikipédia. A enciclopédia
livre. MySpace. Disponivel em <http://pt.wikipedia.org/wiki/MySpace>. Acesso em 14 nov 2009).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
23
“onda” movimenta a rede, o potencial destas tende a ser percebido como sendo ilimitado, no
que tange a criação, imaginação ou representação, no entanto, ao passo que esse enorme
potencial se abre diante destes indivíduos uma forte tendência pragmática
24
também cresce
entre nossas crianças, adolescentes e jovens. Mourão (2001) nos diz sobre esta inserção,
tomando como referência o hipertexto e a relação do individuo com objetos virtuais que
aceitando que um sistema vivente capaz de interagir consigo mesmo é um sistema fechado e
auto-poiético
25
, o individuo não pode ser manipulado de fora, regulado ou manobrado. Assim
as transformações necessárias decorrentes de uma efetiva experiência devem ultrapassar os
limites delimitados pela informação.
Esta referência indica um secreto parentesco com a epistemologia genética e sua
perspectiva da inteligência. Nesse caminho, encontramos o grande discípulo de Piaget, John
Flavell a nos dizer que:
“Todo ato inteligente pressupõe algum tipo de estrutura intelectual, algum
tipo de organização dentro da qual ocorre. A apreensão da realidade sempre
envolve relações múltiplas entre as ações cognitivas e os conceitos e os
significados que estas ações exprimem.” (Flavell, 1988, p.46).
Em outras palavras, significar o real é apreendê-lo cognitivamente, ou seja, quando
criamos signos que representam a realidade estamos transferindo a estes as propriedades dos
primeiros e, desta forma, estamos construindo um conhecimento partindo-se de informações
sensíveis aos nossos sentidos. Com isso, quando imersos no universo digital, é neste que
nossos sentidos buscarão significados e, assim contribuindo para o processo continuo, este
constante movimento da “roda” que é o conhecimento.
Ao ampliarmos nosso horizonte de referência de mundo e de aprendizagem, a
importância de possuirmos momentos de experiência e nos aproveitarmos deste encontro para
o desenvolvimento de uma matemática
26
, não puramente algébrica, geométrica ou aritmética,
mas antes de tudo, a matemática em sua concepção ontológica como ato do pensar, de
estruturas cognitivas, de raciocínio lógico matemático, nos deparamos com a interação
homem e universo digital, como um momento fundamental para esta reconstrução, para esta
reaprendizagem proposta por um processo imersivo nesse mundo digital. Nessa perspectiva,
23
Desde sua criação em 2006 por Jack Dorsey, o Twitter ganhou extensa notabilidade e popularidade por todo
mundo. Algumas vezes é descrito como o "SMS da Internet". Twitter é uma rede social e servidor para
microblogging que permite aos usuários que enviem e leiam atualizações pessoais de outros contatos na
própria Web, por SMS e por softwares específicos instalados em dispositivos portáteis (como celulares),
possui uma caracteristica marcante que é o máximo de 140 caracteres para mensagens. (Wikipédia. A
enciclopédia livre. Twitter. Disponivel em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Twitter#cite_note-alexa-0>. Acesso
em 14 nov 2009).
24
Este paradigma filosófico caracteriza-se, pois, pela ênfase dada às conseqüências – utilidade e sentido prático
como componentes vitais da verdade. (Disponivel em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Pragmatismo>. Acesso
em 16 out 2008).
25
Derivado da palavra Autopoiese (grego auto: próprio, poiesis: criação) é como os biólogos e filósofos
chilenos Francisco Varela e Humberto Maturana chamam a capacidade dos seres vivos de produzirem a si
próprios. Cunhado na década de 70, é a fusão de dois termos: “auto” que refere-se ao próprio objeto e
“poiese” que diz respeito à criação. Sugestão para leitura: MATURANA, Humberto e VARELA, Francisco
(1997). De máquinas e seres vivos. Autopoiese, a Organização do Vivo. Porto Alegre: Artes Médicas.
26
Matemática
do grego máthēma (µάθηµα): ciência, conhecimento, aprendizagem; mathēmatikós
(µαθηµατικός): apreciador do conhecimento é a ciência do raciocínio lógico.
(
Wikipédia: a enciclopédia
livre. Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Matematica>, Acesso em 17 mai 2008).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
24
atitude e possibilidade se constituem em um núcleo central do pensar topofilosófico em sua
abertura para o ser e o pensar.
Assim a topofilosofia
27
, nos abre e nos oferece um mundo dentro de nosso mundo. Um
universo a ser explorado e conhecido, e provavelmente uma gama infinita de saberes a serem
reaprendidos com a nossa imersão nesse novo mundo. Assim como nossos ancestrais se
empenharam em conquistar novos mundos e ampliar suas fronteiras, nós também somos
impulsionados, na era digital, a ampliarmos nossas fronteiras, conquistando novos horizontes.
Ao menos uma geração cresceu assistindo filmes ou programas para televisão em que os
computadores eram objetos de ficção e estavam associados a um futuro distante ou a viagens
espaciais
28
. Nesse universo fílmico as conquistas avançavam até a fronteira final”. O
computador, essa janela para o universo digital, deixou as telas de cinema e as séries
televisivas para se estabelecer e assim ocupar um lugar em nossa realidade. Para
compreendermos estaa dimensão, repercussão e influência do papel exercido pelo
computador, basta recordarmos o que significou o Bug do milênio
29
na transição do ano de
1999 para 2000 as instituições financeiras e grandes empresas haviam se preparado para
esse momento, muitos programas e sistemas haviam sido corrigidos, muito foi desenvolvido
para se previnir desse Bug, no entanto o pânico tomou conta de grande parte da população,
especialmente nos países em que os computadores estavam mais popularizados.
Essa “histeria coletiva” revelou-nos que o “universo digital” virtual encontrava-se
presente e estabelecido na sociedade contemporânea. Surpreendentemente, ocorreram poucas
falhas decorrentes do Bug do milênio, o qual se revelou quase inofensivo apesar de ter gerado
uma onda de pânico coletivo. O computador e consequentemente o universo digital
mostraram-se novamente seguros aos navegantes e o gigante Adamastor
30
adormecido. Nossa
busca poderia prosseguir para as conquistas de “novos mundos”.
Com a superação no desenvolvimento de softwares e hardwares mais velozes e com
maiores capacidades de armazenamento e processamento de dados, os problemas do mundo
digital, aparentemente, foram tornando-se escassos ou menos visíveis aos olhares dos
neófitos. As possibilidades de universos extremamente realistas oferecidos pela modelagem
27
A perspectiva da modelagem tridimensional de ambientes e objetos, designada como topofilosofia, está
detalhadamente apresentada ao longo do trabalho de Petry, e se constituirá na perspectiva temática de
trabalho que desenvolve em sua tese doutoral. A topofilosofia situa-se no interior de um diálogo produzido
pelo encontro reflexivo entre a fenomenologia hermenêutica de Heidegger e Gadamer, a psicanálise de Freud
e Lacan.
28
Star Trek (em Portugal O Caminho das Estrelas; no Brasil Jornada nas Estrelas) é uma marca de ficção
científica estadunidense criada pelo roteirista e produtor Gene Roddenberry na década de 1960 e
posteriormente desenvolvida por ele e por outros produtores. O universo ficcional de Star Trek é o cenário de
seis séries televisivas, dez filmes para o cinema, centenas de livros - romances, banda desenhada, desenho
animado, enciclopédias, dicionários, "manuais técnicos" e mesmo textos científicos e filosóficos, dúzias de
jogos para computador e consoles e um parque temático em Las Vegas. (Disponivel em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Star_Trek)
29
Bug é um jargão internacional usado por profissionais e conhecedores de programação, que significa um erro
de lógica na concepção de um determinado software.
30
O episódio do Gigante Adamastor é uma narrativa que reúne aspectos históricos, proféticos e mitológicos.
Situado nas estrofes de 37 a 60 da epopéia "Os Lusíadas". O que mais interessa, porém, é a conversão
literária da verdade histórica em profecia cujo ponto de partida é o mito do Adamastor, a personificação do
Cabo das Tormentas.
das ciências do espírito.” (Petry, 2003, p. 7).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
25
dos objetos digitais, ou nas palavras de Petry “na construção desses meta objetos
31
temos a
oportunidade de imergirmos e interagirmos e conquistarmos, talvez, essa “fronteira final”, em
um paradoxo oportuno da contemporaneidade, que tornou-se hoje a nossa própria
reconstrução diante do construído.
“[...] a partir dos desenvolvimentos técnicos das novas tecnologias, a
tradição intelectual do Ocidente recebe, na tecnologia, a primeira
oportunidade de se manifestar plenamente na abertura da possibilidade de
novas formas de enunciação. Na hipermídia ocorre um entrecruzamento
positivo entre ciência enquanto técnica e saber enquanto legado da tradição
Será a partir dos pressupostos e reflexões elencados acima que somos conduzidos a
pensarmos que a experiência se revela como a forma mais pura e objetiva de utilizando-se o
universo digital alcançarmos um método de tal forma a reaprendermos “antigos” conceitos
como a matemática de forma atualizada, com uma nova modelagem. Se a nova realidade
que se instala será melhor ou pior no processo de ensino/aprendizagem não será nossa
intenção discutirmos aqui, somente com o tempo poderemos ter uma visão holística das
contribuições reais dos novos medias
32
para formação do indivíduo. Entretanto, talvez
devamos cogitar que seja uma de nossas tarefas, no presente momento histórico que estamos a
atravessar, pensarmos nos limites das perspectivas e abordagens acerca do digital, e
igualmente seja nossa responsabilidade nos reencontrarmos diante dessas fronteiras e sermos
capazes de conquistá-las, expandindo-se e ampliando-se nossas formas de aprendizagem,
trabalhando ao máximo com as oportunidades que surgem nesta direção.
É notório que tais avanços tecnológicos não recuarão e, portanto, nossa capacidade de
aproveitamento é que deverá seguir adiante da própria tecnologia, somando forças à ela e não
degladiando-se com ela e lhe resistindo. Para tanto, o grande psicólogo e fomentador do
processo educativo, Jean Piaget, em suas obras poderá nos auxiliar na compreensão da relação
entre consciência e experiência e ainda na importância destas para o desenvolvimento da
capacidade de abstração e reflexão mediante processos de resolução de problemas. É o caso
da tomada da consciência para Piaget, e também o será para nós no presente trabalho,
compreendida como um processo de ação que transforma um esquema em um conceito, ou
seja, essencialmente tratamos aqui de uma conceituação.
Piaget busca um esclarecimento do
processo de construção entre um estado para outro - da desequilibração do inconsciente para
o de crescente equilibração do consciente. Para Piaget conhecer significa modificar e
transformar o objeto, compreender o processo desta transformação e, ainda, compreender
como o objeto é construído. Piaget refere-se ao objeto não apenas como algo material, mas
também como objeto de conhecimento, algo com o que o sujeito interage, podendo ser físico
ou não.
31
Com a finalidade de não ser confundido como um produto, Prof. Luís Carlos Petry utiliza-se da expressão
meta objeto para indicar a criação ou nascimento de um “ente” no mundo digital. (Nota de aula Prof. Luís
Carlos Petry 1º semestre de 2008).
32
A expressão Novos Media define um leque de media de base digital cujo output não se efectua habitualmente
em suporte papel, ou outro suporte tradicional, sendo caracterizados frequentemente pelo seu carácter
interactivo. Estes Novos Media, ou Media Interactivos, como preferimos designá-los, recorrem a um
conjunto de tecnologias que tornam possível a criação de novas experiências para o utilizador.
(Departamento de Matemàtica e Engenharias. (Licenciatura em Design de Media Interactivos: Disponível em
<http://www.labuse.org/ldmi>. Acesso em 26 out 2008).
9, p. 58).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
26
É a mudança de nível hierárquico, exigido nesse processo (de conceituação) que marca o
início da dedução operatória. Esta abstração refletidora, a que se refere Piaget, consiste em um
processo de tomada de consciência mediante a resolução do problema proposto e de possíveis
ampliações do problema original. Assim nesse processo o que se observa é o surgimento do
método como foco da experiência e não somente a determinação da solução do problema.
Consiste em uma retomada do que, para nós, é realmente importante para a aprendizagem,
não somente para a matemática, desenvolvendo-se a habilidade reflexiva nas ampliações do
problema original e suas generalizações estaremos então aptos para procurarmos soluções de
problemas ou aind m´rtodos para a problematização de situações em qualquer campo do
conhecimento
33
.
Outras definições de consciência se fazem necessárias para a continuidade de nosso
trabalho na medida em que avançamos discorrendo a respeito da importância da tomada de
consciência mediante a experiência do indivíduo. Por exemplo, Singer (2007, p.25) nos diz
que “a consciência humana, em sua forma mais simples, é simplesmente a consciência de
nosso ambiente e a capacidade de usar nossas percepções para tentar pilotar nosso aparelho
motor em uma dada situação física”. Esta forma de consciência descrita por Singer é
compreendida pela fenomenologia como a situação do homem básica, como “estar no
mundo”. No caso, a consciência faz parte do processo da compreensão do homem como um
“ser no mundo”Dasein
34
.
Logo mais, ele nos dirá também que “um segundo significado de consciência, que é
talvez particular dos seres humanos, envolve a atribuição de significado a experiência.
Fazemos isso associando novas cenas ou eventos a imagens previamente relacionadas”
(Singer, 2007, p.26). A tomada da consciência significa aqui situar-se na abertura do homem
diante e dentro do mundo. Aqui retomamos o caminho proposto por Gadamer e o
acompanhamos.
Este processo de tomada de consciência mediante uma experiência com resolução de
problemas, atribui um significado a informação e desta forma estamos em vel consciente
desenvolvendo novas habilidades que nos aproximarão cada vez mais da produção de
conhecimento e não somente a reprodução de informações.
“É assim que, de fato, a consciência formada tem mais o caráter de um
sentido. Pois todo sentido, p. ex., o sentido da visão, é, como tal,
universal, pois abrange sua esfera, abre-se para um campo e, no âmbito
daquilo que lhe é aberto, percebe as diferenças. A consciência formada
suplanta cada um dos sentidos naturais, somente na medida em que cada
qual esteja restrito a uma determinada esfera. Ela mesma ocupa-se em todas
as direções. É um sentido universal.” (Gadamer, 199
Compreendemos, desta forma, a consciência como o sentido responsável pela
significação do mundo vivido, sua esfera sendo universal abrange todos os demais sentidos
33
A capacidade de problematizar uma situação, a fim de analisá-la e assim buscar soluções, será útil em
qualquer momento de reflexão do individuo, ou ainda a respeito de qualquer situação de aprendizagem, seja
em Física, Química, Sociologia, História, Filosofia, etc.
34
Dasein é o ser-no-mundo ou ainda o ser-aí. No segndo capítulo, apresentaremos questões referentes a
temporalidade e suas implicações cognitivas, e então explicitaremos de forma clara o sentido deste termo na
fenomenologia heideggeriana.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
27
congregando-os, podemos então dizer que a consciência torna-se o sentido por excelência
responsável pela produção de conhecimento, uma vez que este se encontra nesta esfera. Cada
indivíduo, em contínuo desenvolvimento configura-se e reconfigura-se constantemente
regulado pela consciência, construindo e reconstruindo o que chamamos de conhecimento.
Com isso, não queremos descartar a figura do mestre, ou a necessidade de se “imitar o
mestre” a cópia, a reprodução. “Toda re-reprodução é imediatamente interpretação, e quer
ser correta enquanto tal. Nesse sentido, também ela é ‘compreensão’” (Gadamer, 1999, p.19).
Gadamer refere-se à interpretação como um jogo (espetáculo), assim descreve que a imitação
como arte e procura apontar a importância desta na experiência estética, uma vez que nos re-
conhecemos diante de uma obra. Ele ainda nos diz que “A imitação e a representação não são
apenas uma repetição figurativa, mas conhecimento da natureza.” (Gadamer, 1999, p.193),
chamando com isso a nossa atenção para o conhecimento reconhecível na imitação.
“O que é o reconhecimento, segundo a sua mais profunda natureza, não será
compreendido, se somente vermos no sentido de ali reconhecermos algo que
conhecemos, isto é, o fato de que o conhecido é reconhecido. A alegria do
reconhecimento reside, antes, no fato de identificarmos mais do que somente
o que é conhecido.” (Gadamer, 1999, p.192).
A partir deste conhecimento na alegria do reconhecimento, a experiência estética do ser
na obra nos transporta para essa dimensão do surpreender-se com a novidade no conhecido.
Avançamos assim para descoberta, para uma experiência única e pessoal. Nossa existência
depende, inclusive, desta capacidade de imitação. É imitando que uma criança aprende a falar,
a andar, a dançar, a pintar, a correr, etc., e é também imitando que aprende a pensar,
raciocinar. Porém este processo estaria inacabado se não ocorresse à individuação
35
.
A individuação, conforme descrita por Jung é um processo pelo qual o ser humano
evolui de um estado infantil de identificação para um estado de maior diferenciação, o que
implica uma ampliação da consciência. Neste processo, o indivíduo identifica-se menos com
as condutas e valores encorajados pelo meio no qual se encontra e mais com as orientações
emanadas do “Si-mesmo”, a totalidade
36
de sua personalidade individual. Jung entende que
alcançar a consciência dessa totalidade é a meta de desenvolvimento da psique.
“Personalidade é a realização máxima da índole inata e específica de um ser
vivo em particular. Personalidade é a obra a que se chega pela máxima
coragem de viver, pela afirmação absoluta do ser individual, e pela
adaptação, a mais perfeita possível, a tudo que existe de universal, e tudo
35
A personalidade como expressão da totalidade do homem foi circunscrita por C. G. Jung como sendo o ideal
do adulto, cuja realização consciente por meio da "individuação" representa o marco final do
desenvolvimento humano para o período situado além da metade da existência. Jung, em todas as suas
últimas obras, dedica atenção especial à compreensão e à descrição desse escopo. No entanto, é fato evidente
que o "eu" se forma e se fortalece na infância e na adolescência. Seria inconcebível ocupar-se alguém com o
"processo da individuação" sem considerar devidamente esta fase inicial do desenvolvimento. (C. G. Jung. O
desenvolvimento da personalidade. 1972, prefácio).
36
No adulto está oculta uma criança, uma criança eterna, algo ainda em formação e que jamais estará
terminado, algo que precisará de cuidado permanente, de atenção e de educação. Esta é a parte da
personalidade humana que deveria desenvolver-se até alcançar a totalidade. (C. G. Jung. O desenvolvimento
da personalidade. 1972, p.150).
internos ou externos.” (Jung, 1972, p.153).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
28
isso aliado à máxima liberdade de decisão própria. Educar alguém para que
seja assim não me parece coisa simples.” (Jung, 1972 p. 152).
Jung nos auxilia neste ponto no sentido de entendermos mais profundamente que a
personalidade, no sentido da realização total de nosso ser, é um ideal de certo modo
inatingível, porém o fato de não ser atingível não é uma razão para se opor a um ideal, pois os
ideais são os indicadores do caminho e não as metas visadas fatidicamente.
A psicologia analítica nos ensina que ninguém desenvolve sua personalidade porque
alguém lhe disse que seria bom e aconselhável fazê-lo, ou porque lemos em um livro, etc.
Nosso desenvolver-se é concomitante as experiências estéticas que vivenciamos no caminho
que percorremos e nas oportunidades que estes caminhos nos oferecem.
“A natureza jamais se deixa impressionar por conselhos dados com boa
intenção. Somente algo que obrigue atuando como causa é que move a
natureza, e também a natureza humana. Sem haver necessidade, nada muda e
menos ainda a personalidade humana. Ela é imensamente conservadora, para
não dizer inerte. a necessidade mais premente consegue ativá-la. Do
mesmo modo o desenvolvimento da personalidade não obedece a nenhum
desejo, a nenhuma ordem, a nenhuma consideração, mas somente à
necessidade; ela precisa ser motivada pela coação de acontecimentos
Compreendemos a importância e a dimensão da experiência estética, desse algo que nos
“toque”, que nos atravesse durante o constante processo de aprendizagem bem como na
individuação do sujeito. Esse “ser atravessado que nos transforma” é pensado, dentro da
fenomenologia por meio do termo Erfahrung, o qual, em uma tentativa de versão para o
português pode ser expresso na idéia de experiência transformadora.
Assim, a tomada da consciência, por meio das inúmeras experiências estéticas,
apresenta-se como um processo reflexivo e um indivíduo desta maneira será capaz de no
decorrer de sua história saber quando “imita seu mestre” ou quando se aventura na descoberta
de seu próprio caminho para “saída” de determinadas situações problemas ou diríamos ainda,
para problematização de situações.
“Se a experiência é o que nos acontece e se o saber da experiência tem a ver
com a elaboração do sentido ou do sem-sentido do que nos acontece. [...]o
saber da experiência é um saber particular, subjetivo, relativo, contingente,
pessoal. Se a experiência não é o que acontece, mas o que nos acontece, duas
pessoas, ainda que enfrentem o mesmo acontecimento, não fazem a mesma
experiência. O acontecimento é comum, mas a experiência é para cada qual
sua, singular e de alguma maneira impossível de ser repetida. O saber da
experiência é um saber que não pode separar-se do indivíduo concreto em
quem encarna. Não está, como o conhecimento científico, fora de nós, mas
somente tem sentido no modo como configura uma personalidade, um
caráter, uma sensibilidade ou, em definitivo, uma forma humana singular de
estar no mundo, que é por sua vez uma ética (um modo de conduzir-se) e
uma estética (um estilo).” (Bondia, 2002, p.27).
Podemos observar que o expresso por Bondia acima converge no sentido do que Jung
chamou de individuação. Entretanto, salientando a importância da experiência neste processo
que se alia a nossa intenção deste o princípio de nosso trabalho somos assim levados a
abiologia.com/dicionario/simbiose.htm>. Acesso em 2
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
29
identificar a individuação como o vetor resultante, o télos
37
para o qual aponta e se encaminha
de forma produtiva e plástica o todo da experiência estética do humano. No caminho desse
processo encontram-se as experiências digitais, o sujeito, a máquina digital, o ciberespaço e a
efetivação do ciberespaço como o resultado da interação de ambos. Neste cruzamento
encontramos novamente nossos alunos.
Ora, somos então levados a considerar natural que nossos alunos se identifiquem mais
com o computador e o mundo virtual do que com a lousa ou retroprojetor ou outros meios não
eletrônicos oferecidos no atual paradigma escolar. Como apontamos anteriormente esta
geração nasce imersa no universo real e virtual em uma simbiose
38
, equilibrando-se e
buscando conhecer-se conhecendo os seus mundos e por isso poderíamos perguntar: não seria
este o papel da consciência, da experiência em ser com eles?
Enfatizamos, desta forma, a importância da experiência para tomada de consciência ou
conceituação. A reciprocidade destes conceitos está no âmbito fenomenológico que
descrevemos desde o inicio deste trabalho como forma fundamental do ser.
“[...] assim, o adquirido só está verdadeiramente adquirido se é retomado em
um novo movimento de pensamento, e um pensamento só está situado se ele
mesmo assume sua situação. A essência da consciência é dar-se um mundo
ou mundos, quer dizer, fazer existir diante dela mesma os seus próprios
pensamentos enquanto coisas e ela prova indivisivelmente seu vigor
desenhando essas paisagens e abandonando-as.” (Merleau-Ponty, 2006,
p.183).
Se, como diz Merleau-Ponty, a consciência emerge em meio a um mundo pleno de
sentidos, os “pensares” do sujeito desenham as suas paisagens que conversam. Aqui o ensino
e a aprendizagem são capturados como paisagens mutantes, paisagens que se transformam e
transformam seus sujeitos. Mudam-se os sujeitos, mudam-se as paisagens, em outras palavras,
mudam-se os diversos “teorizar do mundo e das coisas”, ou seja, crescem, e com isso cresce
igualmente o máthēma.
Como nos diz Davis (1985) que a definição de matemática muda. Cada geração e cada
matemático sério, em uma dada geração, formulam uma definição de acordo com seu
entendimento. Ora, nesse constante movimento do pensamento, em um processo de
reaprendizagem, encontramos o que chamamos de experiência matemática, e como já foi dito
não procuramos a matemática puramente aritmética, algébrica ou geométrica mas sua
ontologia no exercício do pensar, refletir, da descoberta do raciocínio lógico no descobrir, a
matemática representando assim um esforço intelectual, ou ainda nas palavras de Davis:
“O que é feito, criado, praticado, em um momento qualquer dado do tempo,
pode ser visto de duas maneiras distintas: como parte da consciência e do
ambiente cultural e intelectual mais amplo, imobilizado no tempo, ou como
parte de um fluxo mutável de consciência.” (Davis, 1985, p. 59)
37
Télos, transliteração do
τλοσ,
que significa: completude, fim, finalidade, abordando os fins últimos.
38
Simbiose é uma relação mutuamente vantajosa, na qual, dois ou mais organismos diferentes são beneficiados
por esta associação. (Disponível em <http://www.tod 6
out 2008). Empregamos este termo, pois concebemos o ciberespaço com a inclusão do individuo. “É como se
fosse uma festa, acontece porque está acontecendo” (Nota de aula Prof. Luís Carlos Petry Petry 2º sem 2008).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
30
Certamente o que estava na mente de grandes ícones e pesquisadores das ciências como
Arquimedes, Newton, Gauss, não era igual, tão pouco podemos afirmar quem possuiria
“mais” conhecimento matemático. Trata-se de outra parte de diferentes momentos históricos
com necessidades e descobertas distintas. Porém basta verificarmos os trabalhos
desenvolvidos por eles para concluirmos que algum conhecimento em comum, clássico, todos
partilhavam
39
.
“Conceitos são ampliados e têm suas possibilidades preenchidas. São criadas
novas teorias. Novos objetos matemáticos são delineados e trazidos para a
luz dos refletores. São encontradas novas relações e interconexões,
exprimindo assim novas unidades. São procuradas e encontradas novas
aplicações. Enquanto isso ocorre, o que é velho e verdadeiro é preservado
pelo menos em princípio. Tudo que uma vez foi matemática permanece
matemática” (Davis, 1985, p. 44).
A questão pode ser apresentada por meio de um exemplo, de forma mais simples, o
princípio da contagem baseado no conjunto dos números naturais. A contagem e a aritmética
podem ter sido efetuadas de diversas maneiras no decorrer de diferentes períodos históricos,
seja com pedras, com nós, ábacos, dedos, lápis e papel, com máquinas mecânicas de somar.
Cada uma destas maneiras imprimem ou imprimiam uma experiência pessoal, social,
historicamente diferenciada, e conseqüentemente uma consciência diferente do evento
“números inteiros” e do princípio da contagem. A experiência, assim determina o
relacionamento que o individuo terá desenvolvido com determinada conceituação por meio da
tomada de consciência.
Davis, em sua obra, remetendo-se a toda celeuma em se permitir ou não que crianças se
utilizem de calculadoras para efetuar operações elementares como a adição ou a subtração, irá
apontar para uma reflexão, necessária da parte dos educadores com a finalidade de abrirmos
novas possibilidades para a aprendizagem. Talvez na ocasião da invenção destes
dispositivos
40
para calcular estivesse o germen do verdadeiro significado de tais
“ferramentas” para o ser humano.
“[...] os que protestam estão certos quando afirmam que as coisas não serão
as mesmas como quando se lutava com a aritmética usando lápis e papel,
com todos os desagradáveis números ‘reservados’ ou ‘emprestados’. Estão
errados quando pensam que a aritmética do lápis e papel é o ideal, e que
aquilo que a substitui não é viável.” (Davis, 1985, p.60)
39
Todos eles sabiam que em um triângulo a soma dos ângulos perfaz 180°. Arquimedes conhecia isso como
um fenômeno da natureza e deduzido a partir dos axiomas de Euclides. Newton conhecia a afirmativa como
uma dedução e uma aplicação e Gauss sabia que a afirmativa era por vezes válida e outras inválidas,
dependendo da maneira de se iniciar as deduções e preocupava-se que outras contradições de Euclides
poderiam ser deduzidas de modo semelhante. (Nota livre feita a partir da leitura da obra de Davis(1985).
40
A primeira calculadora mecânica foi criada pelo alemão Wilhelm Schickard (1592-1635) em 1623. O
funcionamento da máquina era baseado em rodas dentadas e ela era capaz de efetuar adições e subtrações. A
invenção de Schickard, no entanto, não foi muito difundida e caiu rapidamente no esquecimento. Alguns
anos mais tarde, Blaise Pascal (1623-1662) inventa a pascalina, uma máquina de calcular mecânica, também
baseada em rodas dentadas, com o objetivo de livrar seu pai, coletor de impostos de Rouen (França), dos
fastidiosos cálculos que sua profissão lhe impunha. Essa máquina foi aperfeiçoada por Gottfried Wilhelm
von Leibniz (1646-1716), filósofo e matemático alemão. (Disponível em:
<http://www.das.ufsc.br/gia/computer/node9.html >. Acesso em 17 out 2008).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
31
O surgimento de uma nova ferramenta ou técnica não elimina ou degrada o uso e o
sentido das formas anteriores, sendo que em alguns casos, as potencializam. A degradação
somente principia quando tais ferramentas e seus usos associam-se a modos impróprios e
formas malogradas do Dasein.
O conhecimento humano não se constitui simplesmente em pura informação, como
discorríamos, tal construção deve ser tomada como um conhecimento intencional, ou seja,
sabemos o que de alguma maneira nos interessa ou nos interessaram o que atrai a nossa
atenção. Dasein é um verbo que significa existir e naturalmente é também o substantivo
"existência", Dasein, tal como Kant o formulou inicialmente. É nesse sentido que no fluxo
mutável da consciência, devemos cuidar para não parecermos retrógrados ou ainda
nostálgicos, pois como pesquisadores, professores, e cuidadores das almas do conhecimento,
temos também como meta estarmos sempre prontos para refletir sobre as possíveis mudanças
na prática do processo de ensino/aprendizagem. Se não devemos nos conduzir por
“modismos”, pela simples publicidade de algo, também não devemos permanecer alheios às
mudanças ocorridas nas últimas décadas
41
. Conscientes disto, estaremos um pouco mais
preparados para quaisquer experiências que o mundo vivido nos proporcione, incluindo neste,
o universo digital, numa palavra: sujeitos à experiência e imersos nela. Será nesse âmbito que,
a experiência matemática encontra pleno espaço para advir.
“A régua e o compasso fazem parte dos axiomas dos fundamentos da
geometria euclidiana. Esta geometria pode ser definida como a ciência das
construções por régua e compasso. A aritmética tem sido auxiliada por
muitos instrumentos e dispositivos. Três dos de maior sucesso têm sido o
ábaco, a régua de calculo
42
e o computador eletrônico moderno. E as
potencialidades lógicas do computador relegaram suas habilidades
aritméticas a uma posição de importância secundária” (Davis, 1985, p. 39).
Cada momento histórico vem acompanhado de inovações que visam auxiliar o ser
humano em suas atividades, incluindo nesta a atividade de desenvolver-se também
intelectualmente, ampliando horizontes e vislumbrando novas possibilidades para diálogos
com o mundo a sua volta ou ainda com o mundo vivido. É neste sentido que Davis procura
nos lembrar que o computador já não possui somente uma função aritmética, a qual se
propunha em princípio. Atualmente o computador ultrapassa nossas expectativas quando
pensamos em uma ferramenta nova e sedutora e ainda possível de facilitar o aprendizado de
alguns elementos matemáticos, como é o caso da construção de gráficos ou objetos
tridimensionais com seus cortes e superfícies. A topologia e, consequentemente, a
topofilosofia foi amplamente beneficiada com tal ferramenta. Resta-nos perguntar qual legado
para educação matemática esta ferramenta pode oferecer? Possivelmente estaremos
contemplando parcialmente seu valor se pensarmos somente nos aspectos educacionais de um
software, pois estaremos nos esquecendo que antes disto o micro computador encontra-se
como um protótipo de holodeck
43
que faz parte de nosso ambiente como uma extensão de
nosso mundo vivido.
41
Desde a invenção da máquina a vapor e da imprensa o mundo sofreu mudanças radiais e com o advento do
digital novas transformações movimentam nossa realidade.
42
Criada em 1638 por William Oughtred, um sacerdote Inglês. Baseava-se na Tábua de Logaritmos criada por
John Napier em 1614.
43
Baseado no livro de Janet Murray, Hamlet no Holodeck, podemos dizer que o holodeck é uma espécie de
“caverna digital“, uma das tecnologias futuristas apresentadas na série de ficção científica “Jornada nas
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
32
Flavell (1988, p.67), comentador da obra de Piaget, afirma que desde o primeiro dia de
vida, o desenvolvimento é, em grande parte, uma função do ambiente com o qual a criança
entra em contato e sabemos ainda que “todo ser vivo se adapta ao seu ambiente e possui
propriedades de organização que possibilitam a adaptação” (Flavell, 1988, p.43). Ora, no
período histórico que vivenciamos, identificamos diariamente a criação e venda de
brinquedos e objetos eletrônicos, em uma quantidade cada vez maior e sempre ao alcance das
crianças. A quantidade de “meu primeiro lap top
44
, celulares, câmeras digitais, vídeogames
45
,
denotam o grau de experiências estéticas em que nossas crianças, adolescentes e jovens estão
sujeitos – imersos – desde os primeiros anos de vida. O micro computador, o universo digital,
em toda sua esfera “mágica” envolve essa geração Digital natives
46
e parece-nos natural
que eles aproveitem desta imersão da melhor maneira possível para reconstruírem a partir das
suas experiências o que muito existe construído pelo pensamento humano. Neste sentido “os
fatos indicam que, no decorrer do desenvolvimento a importância da experiência aumenta à
medida que o sujeito se depara com os padrões da realidade e aproveita este encontro.”
(Flavell, 1988, p.68)
Em outras palavras, aproveitar-se deste encontro denota a experiência estética ocorrida
da imersão sensorial, seja esta a mais variável possível, “quanto mais bem resolvido o
ambiente de imersão, mais ativos desejamos ser dentro dele” (Murray, 2003, p. 127), assim há
diversidade de experiências devido o espectro da experiência estética. Quando o ambiente
imersivo oferece inúmeros atrativos sensoriais como em uma produção cinematográfica, o
expectador
47
pode desejar estar na história, deixando sua atitude externa para assumir uma
atitude interna, interagindo com o meio, com o ambiente, com o enredo da história. Murray
denomina como agência a esta “capacidade gratificante de realizar ações significativas e ver
os resultados de nossas decisões e escolhas” (Murray, 2003, p. 127).
“Devido ao uso vago e difundido do termo interatividade’, o prazer da
agência em ambientes eletrônicos é frequentemente confundido com a mera
habilidade de movimentar um joystick ou clicar com um mouse. Mas
atividade por si não é agencia. [...] agência vai além da participação e da
atividade. Como prazer estético, uma experiência a ser saboreada por si
Estrelas” na década de 60. Considerado por Murray como a mais poderosa tecnologia de ilusão sensorial
que se pode imaginar”, consiste de um cubo negro e vazio, coberto por uma grade de linhas brancas, sobre o
qual um computador pode projetar elaboradas simulações, combinando holografia com campos de força
magnéticos e conversão de energia em matéria. Dentro do holodeck, o usuário não a história, ele participa
dela. E diferentemente do distanciamento da tela do computador ou da ilusão óptica de um cinema 3D, ele
pode tocar e interagir materialmente com os personagens. Uma espécie de Second Life tátil e entre quatro
paredes.
44
Brinquedo que simula um lap top com atividades interativas, como por exemplo, gramática, inglês,
matemática (operações), músicas e jogos. Existem no mercado inúmeras marcas e modelos para crianças a
partir dos 3 anos de idade.
45
Como diz Santaella (2007, p.407), jogos eletrônicos ou simplesmente games. Estamos nos referindo não
somente aos games para PC (personal computer), mas também aos games produzidos para consoles como
Playstation, Wii, Xbox, entre muitos outros. Cf. Wikipédia, a enciclopédia livre. Console de videogame.
Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Console_de_videogame>. Acesso em 12 nov 2009.
46
Trataremos com maiores detalhes das características desta geração – digital natives em um momento
propício de nosso trabalho a fim de refletirmos, mesmo que não em sua totalidade, a respeito dos
pressupostos teóricos que fundamentam as diferenças que atualmente encontramos no ambiente escolar.
47
Do latim exspectator, aquele que tem ou está na expectativa. Logo é aquele que apresenta uma crença
emocional na possibilidade de resultados positivos relacionados com eventos e circunstâncias da vida
pessoal. (Wikcionário. Disponivel em <http://pt.wiktionary.org/wiki/expectador>.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
33
mesma, ela é oferecida de modo limitado nas formas de arte tradicionais,
mas é mais comumente encontrada nas atividades estruturadas a que
chamamos jogos.” (Murray, 2003, p.128).
Com isto, compreendemos que a agência como espectro da experiência estética
segue para além da ação e reação. Não tratamos aqui meramente de uma forma de reação a
ações pdeterminadas, mas sim de um problema cognitivo encontrar o caminho e um
padrão emocional simbólico – enfrentar o que é assustador e desconhecido – visto que
imersos em uma história cativante deixamos nossa atitude externa” para nos admitirmos no
próprio enredo, realmente somos com ele, vivenciamos este encontro e nos aproveitamos dele.
É exatamente no contexto dos jogos digitais que enfocamos nosso trabalho e desta forma
oferecemos uma alternativa para saborearmos os saberes lógico-matemáticos ocultos em um
game complexo e capaz de oferecer uma experiência fílmica ao seu visitante.
48
Santaella (2004) afirma que todo pensamento é indissociável da percepção e da ação
interatividade e que a inteligência pode ser dita como a capacidade para produzir e
manipular símbolos, tendo em vista a resolução de problemas. Convergentemente, o
raciocínio lógico-matemático desenvolvendo-se a partir das experiências matemáticas do
individuo, imersos em um game oferece a oportunidade plural para a construção desta
capacidade para produzir e manipular símbolos.
“Investigações e problemas, atividades investigativas e resolução de
problemas, embora empregados indistintamente, são conceitos
entendidos, por vezes, de formas diferenciadas. A similaridade entre os
dois conceitos estaria no fato de que, ambos os processos, se relacionam
com a inquirição matemática
49
e sua diferença, no fato de que a
resolução de problemas consiste num processo mais convergente, com
metas mais bem definidas à priori, se comparado com a investigação
matemática” (Frota, 2005, p.3).
Assim, a exposição de determinado conteúdo, mesmo que dentro dos limites delimitados
pela sala de aula, não garante que este seja dado como apropriado pelos alunos. Como a
própria designação indica, para que haja apropriação (por parte do outro, do aluno) deverá
existir igualmente um papel ativo por parte deles, que possuem a missão de significar a
informação recebida. Ora, é exatamente o que a nossa discussão pretende deste seu inicio, um
panorama para compreendermos a necessidade da experiência para construção do
conhecimento.
O processo desta construção, como discutimos, permeia o mundo informacional e
desta forma é admissível que na compreensão de determinado problema ou situação
problema, nos deparamos, por diversas vezes, com uma sentença fechada, ou seja, uma vez
entendido o problema a resolução será objetivada. Ao determinarmos a solução ou conjunto
verdade, intuitivamente somos conduzidos a entender a questão como resolvida e, assim, a
metodologia passará para um segundo plano e a solução enfatizada. Muito comum ainda seria
48
Nosso objeto de pesquisa é o game Myst, adiante trataremos detalhadamente de seus aspectos imersivos bem
como narrativos, coerentes com a definição de agência oferecida por Murray.
49
Tal discussão, embora alimentada pela contribuição inestimável de muitos pesquisadores, torna-se pertinente
não pela caracterização das similaridades, ou diferenciação dos conceitos, mas à medida que fortalece o
estudo dos vários métodos - descoberta guiada, resolução de problemas, abordagem investigativa. Tais
métodos fundamentam-se na inquirição para o ensino de matemática.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
34
o mecanicismo da solução onde o método vira rotina. No entanto, ao compreendermos tal
situação ou problema será a reflexão metodológica que deverá estar em evidência, pois a
solução passará, em um sentido filosófico, a representar um mero acidente diante das
inúmeras possibilidades que a compreensão abre, fornecendo assim abertura para futuras
conexões do pensar, uma vez que diferentes situações poderão ser compreendidas da mesma
forma e sua metodologia semelhante apesar de apresentarem conceitos distintos. Logo, o
desenvolvimento de um problema pode ser alcançado mediante reflexão baseada nas
compreensões desenvolvidas anteriormente.
Tais compreensões configuram-se no âmbito das experiências pessoais e assim no
desenvolvimento do conhecimento e não na aquisição de informações. O conhecimento
baseia-se nas experiências, na interação com o ambiente. Conhecer o real é também
configurá-lo e ser capaz de reconfigurá-lo. Essa reconfiguração do real pode ser realizada
partindo-se de experiências adquiridas por meio da imersão hipermidiática, pois os sentidos
que conduzem tal conhecimento podem fazer uso da imersão apropriando-se das info-
sensações
50
como inferência na experiência computacional para reorganização do real
utilizando-se da linguagem, seja essa matemática ou não, e assim desenvolver-se de forma
reflexiva.
Significar o real preservando a riqueza dos sentidos no real, como diria Merleau-Ponty,
os sentidos se relacionam uns com os outros antes da linguagem. A representação nasce da
necessidade de compreender esse real. Também no simbolismo matemático, a abstração são
frutos de uma adaptação – assimilação e acomodação – decorrentes de experiências.
As particularidades de cada um, durante o processo educacional, são esquecidas e as
informações são disponíveis para todos uniformemente e a partir das experiências de cada um
configuram-se as transformações dessa informação em conhecimento. No entanto, o que
ocorre quando as experiências anteriores não são suficientes para compreender as novas
situações?
Ora, os psicólogos nos ensinam que o pensamento é dinâmico, sistêmico, em rede.
Considerando este achado, podemos supor que o indivíduo encontra no computador seu
próprio tempo e lugar para viver suas experiências. Acoplando-se ao universo digital,
experimentando da “magia” do mundo virtual ele encontra nas info-sensações muitas das
experiências que serão necessárias para reconfigurar sua realidade. As informações, quando
não convertidas imediatamente em conhecimento, facilmente serão esquecidas enquanto que o
conhecimento configura-se como base sólida para a adaptação do individuo. Afinal foi
adaptando-se que o homem evoluiu, aprendeu a usar ferramentas, a se comunicar,
configurando-se e reconfigurando a realidade a sua volta.
“Na perspectiva evolucionista, o conceito de cognição tem de servir para
todas as atividades cognitivas, “quentes” ou frias”
51
, e não para algum
subconjunto de operações. Esta visão da perspectiva evolucionista abre
50
Efeito sinestésico em conseqüência do processo imersivo.
51
O cérebro foi projetado pela evolução para usar informações derivadas do ambiente e do próprio organismo a
fim de regular funcionalmente o comportamento e o próprio corpo, e isto reúne aspectos cognitivos e
emocionais. Como reunir aprendizagem com amor, ciúme e nojo? O termo cognição é às vezes usado para se
referir a um tipo de pensamento deliberado, voltado para uma solução de problema, como na matemática ou
no jogo de xadrez, um pensamento “frio”, isento de paixão.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
35
novas possibilidades de investigação obscurecidas por outros esquemas.
As emoções nessa perspectiva podem ser compreendidas como forças
impulsionadoras, moldadas pela seleção natural, que nos motivam à ação,
levando-nos a fazer uso de nossas capacidades cognitivas”. (Oliva et al.,
2006, p.57).
A emoção e a motivação influenciam os sistemas neurais que determinam quais
informações serão priorizadas para tal conceituação e assim armazenadas
52
. O fato de que
sentimentos exercem influência sobre a percepção e atenção é uma experiência que somos
capazes de ter ao ler um livro, ouvir uma música, uma história ou assistir um filme ou jogar
um game. Na verdade não existe percepção livre de alguma emoção. Então o educador, o
professor, pode reconfigurar-se como um facilitador dessas experiências e é evidentemente
necessário que ele também experimente. Como diz Piaget, em uma interpretação de Flavell
(1988), as coisas são apenas alimentos para aplicação do reflexo, em outras palavras, o
conhecimento não poderia ser uma cópia, pois é sempre uma relação entre objeto e o sujeito.
Se a mente avança na conquista das coisas, é porque ela organiza a experiência de maneira
cada vez mais ativa, ao invés de imitar, de fora, uma realidade pronta, o objeto não é uma
“quantidade conhecida”, mas uma construção realizada pelo sujeito a partir de suas
experiências pessoais.
Então “[...] a alegria do reconhecimento reside, antes, no fato de identificarmos mais do
que somente o que é conhecido” (Gadamer, 1999, p.192), com isso vemos na experiência
estética um caminho para construção e reconstrução do conhecimento, contemplamos este
raro encontro, este momento único nos deixando tocar, ao refletirmos sobre e ao tomarmos
consciência do vivido, do experimentado.
52
De acordo com Schmidt, A. (1979). Neurofisiologia. São Paulo. EPU. O sistema límbico corresponderia ao
inconsciente freudiano.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
36
A experiência estética no universo digital revela-se como uma profunda e nova forma
da experiência estética do mundo vivido, uma vez que compreendemos estes universos
paralelos como extensões de nosso próprio mundo, pois nosso desejo de ser com eles, realiza-
se na medida em que nos aventuramos e nos conectamos a estes novos mundos e desta forma,
como apontávamos anteriormente, no prazer da agência, tal como foi descrito, temos nestes
“mundos contidos em mundos” as oportunidades para novas descobertas, novas jornadas e
novas fronteiras a serem alcançadas e, compreendido que o prazer da agência vai além da
participação e da atividade, pois este se encontra em sua forma mais dinâmica e perceptível
em atividades estruturadas a que comumente denominamos jogos, games é neste ponto que o
universo de Myst
53
se abre para receber os novos nagevantes, a fim de oferecer-lhes tal prazer.
Flavell (1988) quando afirma que desde o primeiro dia de vida, o desenvolvimento é,
em grande parte, uma função do ambiente com o qual a criança entra em contato apresenta a
chave para compreendermos de forma mais clara as características particulares desta “geração
digital”. O termo “era digital
54
”, amplamente utilizado pelos meios de comunicação denota o
início de um período histórico que implicaria em mudanças e transformações neste mundo
vivido e consequentemente em nossa releitura dele. Papert (1997, p.206) diz que “o
computador trabalha depressa, evolui muito rapidamente e cedo originou algumas mudanças
em muitos sectores da actividade humana. Mas não na escola”, estas crescentes
transformações nos mais diversos setores da vida humana modificaram radicalmente
55
nossa
percepção do mundo.
O termo utilizado em uma tentativa de ampliar nossa compreensão a respeito desta
geração que desde os primeiros anos de vida depara-se com objetos e signos do universo
digital foi dado por Marc Prensky
56
(2001a) ao denominá-los como Digital Natives,
53
Myst Riven é nosso objeto de pesquisa e será amplamente apresentado durante todo nosso trabalho, em
suas mais diversas características sempre propondo ligações – links – com os temas abordados.
54
É o nome dado ao período que vem após a Era Industrial, mais especificamente após a década de 1980
embora suas bases tenham começado no princípio do século XX e, particularmente, na década de 1970, com
invenções tais como o microprocessador, a rede de computadores, a fibra óptica e o computador pessoal. A
passagem de uma Era importante para outra não acontece do dia para a noite. A transição se a partir da
sucessão de uma série de fatos que vão modificando a sociedade. A Era Digital ou Era da Informação está
sendo mais do que uma mudança social. Ela é uma mudança na condição humana. (Wikipédia. A
enciclopédia livre. Disponivel em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Era_Digital>. Acesso em 14 nov 2009).
55
Seymour Papert (1997) conta uma história sobre um cirurgião do século XIX que sendo transportado para
uma moderna sala de operação em nosso tempo presente não reconheceria coisa alguma, não saberia o que
fazer ou como ajudar, pois a tecnologia moderna transformou por completo a prática da medicina cirúrgica,
tornando este cirurgião incapaz de reconhecê-la. No entanto, se um professor de escola primária do mesmo
período, século XIX, fosse transportado pela mesma máquina do tempo para uma sala de aula atual, ele
poderia dar prosseguimento às aulas do ponto em que seu colega houvesse deixado, eventualmente por um ou
outro detalhe no conteúdo das matérias. Há poucas diferenças fundamentais entre a maneira como ensinamos
hoje e aquelas como o faziam há 150 anos.
56
Marc Prensky é escritor, consultor e game designer nas áreas de ensino/aprendizagem, autor de Digital Game-
Based Learning (McGraw-Hill, 2001), e fundador da The Digital Multiplier, uma organização dedicada à
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
37
considerando que estes são todos "falantes" da linguagem digital
57
dos computadores, jogos
de vídeo e Internet. Ora desta forma aqueles que não nasceram no mundo digital, mas em
algum momento posterior em suas vidas, tornaram-se fascinados por este mundo adaptando
suas ações em muitas ou na maioria dos aspectos a esta nova tecnologia chamou de Digital
Immigrants. Esta adaptação pode ocorrer em maior ou menor grau, por isso Prensky afirma
que muitas contradições encontradas no ambiente escolar se dão devido ao desconhecimento
desta linguagem e características dos natives, por parte dos immigrants
Prensky (2004, conclusões) afirma que “os estudantes não estão apenas usando uma
tecnologia diferente atualmente, mas seus procedimentos e suas atividades diárias estão
diferentes devido à tecnologia"
58
, desta forma os aspectos picognéticos apontados
anteriormente determinam que o desenvolvimento destes indivíduos se dará de uma forma
diferente ao desenvolvimento ocorrido nos Digital Immigrants, os aspectos motores e
cognitivos, por meio do processo de equilibração entre assimilações e acomodações
promoverá o desenvolvimento desta linguagem digital. No entando o que verificamos é a
atitude explorativa dos Digital natives e a possível abertura para experiências do tipo das
quais apresentamos.
É evidente que para os natives os aparelhos digitais são extensões suas, prolongamentos
digitais, virtuais, onde contemplam as possibilidades do ser com, esta importante
característica denota a alteração de seus procedimentos, e assim a predominância da technê
59
em relação à epistêmê
60
e com isto podemos imaginar a lacuna compreendida entre a
linguagem utilizada para “ensinar” nos atuais sistemas de educação e esta linguagem digital.
Não se trata de privelegiar uma em detrimento da outra, ou ainda afirmarmos a
importância da epistêmê em relação à technê, nosso intuito é exatamente comprender que os
natives necessitam conhecer uma e outra, pois se prosseguirem “sozinhos” nesta jornada
estarão sendo unilaterias e consequentemente também seu desenvolvimento. Isto não diminui
eliminação da exclusão digital na aprendizagem em todo o mundo. Seus trabalhos podem ser encontrados em
<www.marcprensky.com/writing/default.asp>. Email para contato: marc@games2train.com.
57
A linguagem digital de que nos fala Prensky trata-se da familiaridade que nossas crianças e jovens possuem
com o micro computador e aparelhos digitais, dispensando, muitas vezes, o uso dos manuais ou instruções.
Eles aparentemente conversam com estes objetos por meio de interações e experiências pessoais intensas.
Basta observarmos do que uma criança é capaz ao ganhar um aparelho de celular novo. Enquanto não
conhecer todas as capacidades do aparelho ela não cessará sua exploração.
58
Tradução livre do autor, texto original: Students are not just using technology differently today, but are
approaching their life and their daily activities differently because of the technology” (Prensky, 2004,
conclusions).
59
Technê se refere à capacidade de produzir um objeto por meios racionais. Muitos traduzem por artesanato ou
arte. Mas technê também está na raiz do que hoje chamamos de tecnologia. A idéia é que a construção de
artefatos é uma arte criativa dos homens, e realiza-se através de uma combinação de conhecimento, prática e
experimentação. (Livre interpretação do autor com base na Stanford Encyclopedia of Phylosophy. Disponível
em <http://plato.stanford.edu/entries/episteme-techne/>. Acesso em 14 nov 2009).
60
Este termo é nuclear na filosofia grega antiga que significa “saber”, “conhecimento”, e que interessa
particularmente à teoria literária contemporânea depois das reflexões de Michel Foucault sobre a constituição
do discurso. Foucault detém-se sobre o assunto em Les Mots et les choses. Une archaéologie des sciences
humaines (1966) e L'Archaéologie du savoir (1969), onde propõe que o termo diga respeito às formas que
nos permitem o acesso ao conhecimento num dado momento histórico, ou, por outras palavras, às condições
discursivas que constituem uma epistemologia. A episteme nunca é definida por Foucault como um termo
para uma forma particular de conhecimento, mas como o conjunto das relações epistemológicas entre as
ciências humanas. (E-Dicionário de termos literários. Ceia, Calos. Disponível em
<http://www2.fcsh.unl.pt/edtl/verbetes/E/episteme.htm>. Acesso em 14 nov 2009).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
38
a responsabilidade daqueles que são os “cuidadores do saber”, nossos estudantes mudaram
muito, pois os estudantes que temos hoje não são mais as pessoas para as quais nosso sistema
educacional foi projetado, e não importam as mudanças curriculares uma vez que o
diferencial está na linguagem e não no conteúdo para os natives. Para eles câmeras digitais,
computadores, players digitais, email´s, games, mensagens instantâneas e todo tipo de
brinquedo digital são parte integrante de suas vidas, este foi o ambiente que encontraram, no
qual se descobriram e onde desenvolveram-se.
“Digital Immigrants não acreditam que seus alunos possam aprender com
êxito e, ao mesmo tempo, assistir à TV ou ouvir música, porque eles
(immigrants) não conseguem. Naturalmente que não – eles não praticam esta
habilidade constantemente em todos os seus anos de formação. Digital
Immigrants acreditam que o aprendizado não é possível (ou não deveria) ser
divertido eles não gastaram anos de formação aprendendo com Sesame
Street
61
”. (Prensky, 2001a, p.3)
Stewart (2008, p.8) afirma que existem muitas “tentativas” para transformar a
matemática em algo divertido, porém a questão é reconhecermos nela que mesmo não sendo
sempre “divertida” podemos admirá-la. São nas surpresas nestes ek-stasis
62
que
encontramos o verdadeiro sentido de se aprender matemática, de se apaixonar pela sua beleza
e então se divertir com ela, seja em jogos, gamesne em uma concepção primária podemos
afirmamos que um puzzle é a matemática a brincar, a provocar seu interlocutor, e neste caso a
matemática assume seu propósito de promover a ação, o agir, criando um espaço para
ocuparmos como ser no mundo. Infelizmente a forma como muitas vezes a matemática foi
desenvolvida no processo de formação de professores pode não abrir tal espaço.
Indubitavelmente nos deparamos com as limitações humanas, limitações estas que
possivelmente sozinhos somos incapazes de superar. Então como poderemos colaborar para
construção do conhecimento com digital natives? A resposta aparentemente encontra-se a
nossa frente, diarimante, quando entramos em uma sala de aula, somos com eles e
necessitamos criar metodologias para todos os temas, utilizando-se de nossos estudantes como
nossos guias. Não existe outro modo de experienciarmos está criação senão criando, sendo
com eles e não apenas estando ao lado deles. Ora, isto converge com todo nosso trabalho, no
intuito de oferecer, a si e ao outro, oportunidades de encontros dos quais possamos
desenvolver gicas, métodos que colaborem para o desenvolvimento individual, em seu
tempo e de forma solidária, em rede.
61
Tradução livre do autor, texto original: Digital Immigrants don’t believe their students can learn successfully
while watching TV or listening to music, because they (the Immigrants) can’t. Of course not they didn’t
practice this skill constantly for all of their formative years. Digital Immigrants think learning can’t (or
shouldn’t) be fun. Why should they they didn’t spend their formative years learning with Sesame Street.
Sesame Street era um programa educacional de televisão para crianças, produzido nos EUA. Sua estréia deu-
se em 1969, pela rede pública NET (atual Public Broadcasting Service - PBS). Os principais protagonistas
eram bonecos animados, criados por Jim Henson, que acabaram por ter uma projeção além do programa,
conhecidos por Os Muppets”, pertencentes atualmente à The Walt Disney Company. Com cerca de 4.135
episódios produzidos em 37 temporadas, o que torna-o o programa infantil de televisão com maior duração
na história. Foi apresentado em 120 países, muitos com versões locais adaptadas, dentre os quais Portugal
(Rua samo), Brasil (Vila Sésamo), Canadá (Sesame Park), México (Plaza Sésamo) e Espanha (Barrio
Sésamo). (Wikipédia. A enciclopédia livre. Disponivel em < http://pt.wikipedia.org/wiki/Sesame_Street>.
Acesso em 14 nov 2009).
62
Termo grego para êxtase, adiante no segundo capitulo refletiremos mais pausadamente a relevância deste
fenômeno para a comstrução do conhecimento e tomada de consciência..
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
39
“Digital Natives estão acostumados a receber informações realmente
rápidas. Gostam de processos em paralelo e multitarefa. Eles preferem
gráficos em oposição a texto. Eles preferem acesso aleatório (randômico,
como o hipertexto). Eles funcionam melhor quando em rede. Eles prosperam
no prazer instantâneo e recompensas frequentes. Eles preferem games a
‘trabalho sério’ (isto nos soa familiar?)”
63
(Prensky, p.2, 2001a).
Esta é a belissima e, para alguns talvez, assustadora realidade que encontramos no
ambiente escolar. Este paradoxo entre o belo e o assutador deve nos mover a ações que gerem
ações, conhecimentos. Jung (1972) nos dizia que sem haver necessidade, nada muda e menos
ainda a personalidade humana. Ela é imensamente conservadora, para não dizer inerte.
Evidentemente que o que nossos natives consideram trabalho sério trata-se de nossa
insistência em querer que eles “aprendam como nós aprendemos”, sequencialmente, passo a
passo, devagar, lendo muito, etc. O paradoxo fica evidente uma vez que para eles esta forma
de pensar educação é frustante. Mas qual a seria a reação deles ao convite de jogar um jogo e
participarem de uma história? A resposta está em nossa pesquisa que em todo momento
manteve seu caráter de convite, de participação voluntária, de adesão própria dissossiada de
qualquer tipo de avaliação ou vigilância. Em Myst nossos natives encontrarão muitas
informações, devido toda a riquesa visual (gráfica), sonora e narrativa oferecida por este
game. Todos os aspectos de navegação no interior dos universos de Myst se dão em forma
hipertextual, onde cada descoberta impulsiona para uma nova cadeia de descobertas por meio
dos puzzles que para Mayer (1996) determinam o ritmo do jogo, desafiando o visitante e
oferecendo simultaneamente a continuidade da narrativa da história
64
.
Estamos perante um novo tempo, em que novos paradigmas emergem a fim de nos
colocarmos em processo, este o qual nunca deveríamos abandonar, somos chamados para
promovermos a contínua construção do conhecimento, pois, como veremos mais adiante, este
conhecimento é dinâmico, e possui uma historicidade. Jung (1972) nos dizia que sem haver
necessidade, nada muda e menos ainda a personalidade humana. Ela é imensamente
conservadora, para não dizer inerte. Os digital natives são uma necessidade premente da qual
Jung nos fala, nossa adaptção necessita ampliar-se e somente no ser com o outro é que a
possibilidade de romper com tal inércia parece-nos possível.
“Os ciberavestruzes que fazem a política escolar estão determinados a usar
computadores, mas conseguem imaginá-los na estrutura do sistema
escolar como eles o conhecem: crianças seguindo um currículo escolar
predeterminado, especificado ano a ano e lição a lição. Isto é algo perverso:
nova tecnologia sendo usada para fortalecer um método pobre de educação,
que foi inventado somente porque não havia computadores quando a escola
foi pensada” (Papert, 1997, p.25).
Brilhantemente Papert faz um alerta para o uso do computador, que como qualquer
outra ferramenta não postula pedagogias próprias, mas sim aguarda sua funcionalidade por
63
Tradução livre do autor, texto original: Digital Natives are used to receiving information really fast. They like
to parallel process and multi-task. They prefer their graphics before their text rather than the opposite. They
prefer random access (like hypertext). They function best when networked. They thrive on instant
gratification and frequent rewards. They prefer games to “serious” work. (Does any of this sound familiar?).
64
Estas questões referents a composição de Myst, seus aspectos teóricos, navegabilidade e muitas outras
características serão apresentadas em itens posteriores, a fim de não nos delongarmos neste item e assim
enfatizarmos as questões ligadas aos digital natives.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
40
parte daqueles que a procuram, que se inquietam e desejam ir além do que foi pensado. Este é
o chamado para descoberta, para pesquisa, em um processo de construção desta matemática
ontológica, na constituição do raciocínio lógico-matemático. Atualmente possuímos
computadores e digital natives, então nossa inquietação é justificável na ação de repensarmos
atitudes e métodos a fim de ultrapassarmos nossas limitações favorecendo o desenvolvimento
cognitivo de cada indivíduo. A máquina não pode ser entendida como simples material
didático, pois isto implicaria no uso da mesma pedagogia, da mesma linguagem sob uma
pretensa “modernização” ou ainda “inclusão digital”, o simples uso do computador não inclui;
o que inclui é a linguagem é a modificação na linguagem, é no ser com eles, na pedagogia que
a transformação deve estar fundamentada. Talvez assim possamos contribuir com esta e
outras gerações que estão por vir, na constituição da episteme para equlibração de todo
potencial exploratório dos Digital Natives.
O projeto completo pode ser encontrado em:<http:/
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
41
O LOGO
65
, desde sua criação na cada de 60 e ainda na década de 70 esteve restrito a
estudos e aplicações em laboratórios de pesquisas, tais como: Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT), o Departamento de Inteligência Artificial da Universidade de
Edimburgo e Instituto de Educação da Universidade de Londres. O foco destas pesquisas
estava em desenvolver hardware e software a fim de implementar o Interpretador LOGO e
com isto demonstrar as possibilidades deste recurso, principalmente junto a matemática.
As referências teóricas relacionam-se com a natureza da aprendizagem desenvolvida por
Piaget e reinterpretada por Seymour Papert
66
, com base nas teorias computacionais e
principalmente nas teorias da Inteligência Artificial. Com o projeto An Evaluative Study of
Modern Technology in Education
67
(Papert, 1976), cujo início ocorreu em 1977 na Escola
Pública de Brookline, utilizando a linguagem de programação LOGO em um micro-
computador 3500 (criado por Marvin Minsky
68
). Participaram deste projeto 16 alunos da
série, e com isso podemos afirmar que o LOGO havia além dos espaços dos laboratórios se
instalado também nas escolas. É imprescindível afirmarmos que o LOGO não é um
“brinquedo” e da mesma forma não foi pensado exclusivamente para crianças, foi planejado
para fornecer de forma fácil e agradável, mesmo para crianças pequenas, o acesso a
programação de computadores e da mesma forma a utilização por parte dos principiantes de
conhecimentos matemáticos, adquiridos anteriormente ou construídos com a utilização da
“tartaruga”.
Acrescentamos ainda que o LOGO ultrapassa sua própria denominação de linguagem de
programação, pois assume também uma filosofia que lhe é subjacente. Tal pensamento
65
Para as informações históricas acerca da linguagem de programação LOGO foram consultadas, além dos
títulos nas referências, também o banco de dados do Centro de Referência Educacional. Disponivel em
<http://www.centrorefeducacional.com.br/linlogo.html>.
66
Seymour Papert é um matemático e proeminente educador estadunidense nascido na África do Sul. Leciona
no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Ele é o teórico mais conhecido sobre o uso de
computadores na educação e é um dos pioneiros da inteligência artificial bem como inventor da linguagem de
programação LOGO (em 1968), quando os computadores eram ainda muito limitados, o existia a interface
gráfica nem a internet. (Wikipédia. A enciclopédia livre. Disponível em
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Seymour_Papert>. Acesso em 16 nov 2009).
67
/dspace.mit.edu/handle/1721.1/6248>. Resumo: Esta
proposta para a NSF (National Science Foundation) descreve uma nova fase de investigação prevista no
LOGO. Fases anteriores concentraram-se no desenvolvimento de uma superestrutura conceitual (teorias e
métodos de ensino) e um material infra-estrutural (hardware e software) para um novo estilo de uso de
computadores na educação. Agora queremos testar, provar e divulgar os resultados do nosso trabalho, que
será, naturalmente, continuar ao longo das linhas das primeiras fases. Parte 1 é uma visão geral de onde
estamos e o que temos de fazer a seguir no quadro histórico dos usos de computadores para a educação. As
partes 2 e 3 concentram-se em obter mais informações sobre o conteúdo específico do trabalho planejadas
para os próximos três anos (1976-79).
68
Marvin Minsky tem muitas contribuições para estudos sobre Inteligência Artificial (AI), psicologia cognitiva,
matemática, lingüística computacional, robótica e fibra ótica. Sua concepção de estrutura intelectual humana
e sua função é apresentada em dois livros: The Emotion Machine e The Society of Mind (que é também o
título do curso que ministra no MIT). Home page disponivel em < http://web.media.mit.edu/~minsky/>.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
42
filosófico nasce dos contatos de Papert com as obras e pesquisas de Piaget e dos estudos a
respeito do problema na inteligência artificial. A concepção de Papert a respeito do ser-
humano e do mundo situa-se numa perspectiva interacionista, sendo o conhecimento
entendido como o produto dessa interação, que se encontra centrada nas formas com que o
mundo cultural influencia as ações do sujeito em interação com os objetos, vista como
uma espécie de ciência da cognição, que para Papert também é uma metodologia de ensino-
aprendizagem, cujo objetivo é fazer com que as crianças pensem a respeito de si mesmas, pois
“pensar sobre modos de pensar faz a criança tornar-se um epistemólogo, uma experiência que
poucos adultos tiveram”
69
(Papert, 1985, p.35) e tal pensamento, tal desenvolvimento
cognitivo apresenta-se na avaliação dos resultados das ações pelas próprias crianças, ou seja,
no processo de descoberta. Aquilo que a criança aprendeu porque fez, após ter explorado,
investigado e descoberto por si própria, além de contribuir para o desenvolvimento de suas
estruturas cognitivas, reveste-se de um significado especial que colabora sob um olhar
psicogenético, para assimilação e consequentemente para construção das estruturas formais do
conhecimento, promovendo o que podemos chamar uma real auto-aprendizagem. Outro
aspecto importante nas concepções de Papert está em considerar-se o erro como um
importante fator de aprendizagem, o que oferece oportunidades para que o aluno, ou
aprendiz, entenda o porquê errou e busque desta forma uma nova maneira de encontrar a
solução para o problema, investigando, explorando, descobrindo por si próprio, ou seja, uma
aprendizagem pela descoberta. Os procedimentos
70
de análise e correção no processo de
aprendizagem pelo LOGO possibilitam a descoberta de diferentes caminhos na solução de
problemas, sendo que esses caminhos advêm de um contexto cultural onde não certo e
errado, pois as soluções são construídas a partir de caminhos pessoais. Na educação, Papert
cunhou o termo construcionismo
71
como sendo a abordagem do construtivismo que permite
ao educando construir o seu próprio conhecimento por intermédio de alguma ferramenta,
como o computador, por exemplo.
É com base nesta filosofia construcionista para formação dos indivíduos que a
linguagem LOGO abriu um espaço favorável para reflexão de sua filosofia e assim
repensarmos as situações de aprendizagem oferecidas ou ainda motivadas no ambiente escolar
pelo professor. Historicamente temos um marco no trabalho para utilização pedagógica do
computador com a finalidade de oferecer um “novo mundo” à aprendizagem, dita por Piaget,
como desenvolvimento cognitivo espontânio
72
, fundamnetal para o desenvolvimento escolar
69
Mindstorms: Children, Computers and Powerful Ideas. New York: Basic Books, 1980. No Brasil seu título
é Logo: Computadores e Educação. 1985.
70
Para Papert as idéias de Bug e Debugging são poderosas ao se tratar do fator erro (Papert, 1985, p.39). E de
suas potencialidades cognitivas, afirmamos nós.
71
Ele usou esse termo para mostrar outro nível de construção do conhecimento: a construção do conhecimento
que acontece quando o aluno constrói um objeto de seu interesse, como uma obra de arte, um relato de
experiência ou um programa de computador. Na noção de construcionismo de Papert existem duas idéias que
contribuem para que esse tipo de construção do conhecimento seja diferente do construtivismo de Piaget.
Primeiro, o aprendiz constrói alguma coisa, ou seja, é o aprendizado através do fazer, do "colocar a mão na
massa". Segundo, o fato de o aprendiz estar construindo algo do seu interesse e para o qual ele está bastante
motivado. O envolvimento afetivo torna a aprendizagem mais significativa. (Valente, 1995, p.12).
72
Piaget em sua obra “A noção do tempo na criança” refere-se ao desenvolvimento cognitivo espontâneo como
sendo o desenvolvimento em que o que a criança aprende por si mesma, é o que não lhe foi ensinado, mas o
que ela deve descobrir sozinha. Quando o aprendiz está interagindo com o computador ele está manipulando
conceitos e isso contribui para o seu desenvolvimento mental. Ele está adquirindo conceitos da mesma
maneira que ele adquire conceitos quando interage com objetos do mundo, como observou Piaget. Papert
denominou esse tipo de aprendizado de "aprendizado piagetiano" (Papert, 1985, p.188).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
43
ou formal. A partir de formas básicas o “aprendiz” poderia procurar formas mais complexas a
serem construídas, em virtude do conhecimento desenvolvido, em termos matemáticos e
igualmente computacionais – sintáticos – da linguagem LOGO.
Para construirmos um quadrado, por exemplo, poderiamos proceder ao menos de duas
maneiras
73
:
pf 100
pe 90
pf 100
pe 90
pf 100
pe 90
pf 100
Repita 4 [ pf 100 pe 90 ]
Fig. 1: Comandos para construção de um quadrado no LOGO
A figura a seguir foi construída utilizando-se os conceitos anteriores de forma bem
simples, ampliando os conceitos construídos ateriormente e construindo-se novos, no âmbito
da linguagem LOGO e matemática. Para tanto criamos uma rotina
74
chamada quadrado e a
utilizamos para desenhar 36 quadrados, rotacionando 10° para esquerda. Na construção de
cada um deles. Temos então a rotina:
Aprenda quadrado
Repita 4 [ pf 100 pe 90 ]
fim
Na janela de comando digitamos:
Repita 36 [quadrado pe 10].
Quando teclamos <enter> teremos o resultado como
observamos na figura ao lado:
73
Estas possibilidades denotam o grau de familiaridade com o “ente” que se deseja representar, além
evidentemente do conhecimento dos comandos da linguagem LOGO. No exemplo que se utilizado temos pf
(para frente <quantidade>), pe (para esquerda <ângulo>). O camando “Repita <n>repete por <n> vezes os
comandos internos aos colchetes “[ ]”, oferecendo o que denominados loop em computação.
74
Por meio do comando aprenda pode-se “ensinar” a tartaruga novos comandos, isto se resume na criação de
rotinas ou sub-rotinas de um programa principal, o qual “chama” por estas.
Fig. 2: Polígono estrelado construído a partir do quadrado.
Myst IV Revelation:
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
44
Esta é a filosofia LOGO, do construcionismo a qual continua presente em outras
aventuras no meio digital. E cônscios da natureza de toda contribuição de Papert e muitos
outros
75
que constribuiram para o avanço das pesquisas nesta área, encaminhamos nossa
reflexão para outro exemplo que se encontra em Tonéis e Petry (2008, p. 309) quando
apresentávamos as questões referentes à solução do puzzle do templo de Gehn, em Myst
Riven
76
. Aqui estão expressas tais questões:
[1] Como abrir a porta com a grade? (A entrada para o Domo)
[2] Será que existem outras portas?
[3] Para que serve o botão de madeira na entrada do Templo de Gehn?
Estas questões traduzem o problema encontrado diante do templo de Gehn. Para
respondê-las cada visitante poderá pesquisar, a seu tempo, explorar o quanto quiser todo o
espaço interno e externo do templo “ligando” as peças do enigma. Cada argonauta constrói
seu caminho, com o mesmo objetivo, abrir a porta do templo. A ordem destas questões
certamente não afetará o resultado final. O processo é fator de importancia, o método, a
episteme.
Em Myst o visitante também encontra a oportunidade de pensar em modos de pensar,
pois a fim de superar os obstáculos procura maneiras de compreender as relações de suas
ações neste universo em que está. Desta forma Myst, assim como a filosofia LOGO implica
na formação de um epistemólogo uma vez que todos os procedimentos implicam em
conhecer, em descobrir, da mesma maneira que os erros não são vistos como erros, mas sim
como tentativas, explorações, testes, e com isso o visitante não se retrai diante de um “erro”,
mas sim é desafiado pelo obstáculo puzzle dentro de Myst. E assim como o LOGO, havia
sido pensado desde o princípio para aplicações matemáticas, Myst sem estas premissas pode
alcançar o que chamamos de desenvolvimento lógico-matemático, uma vez que possui
diversos aspéctos que pormovem esta reflexão de si e a respeito dos próprios atos, além disso,
estimula à busca e a pesquisa, a exploração dos espaços e a construção de hipóteses para a
resolução de um puzzle. Em Tonéis e Petry (2008, p. 314) alcançamos níveis de formalização
de um problema apresentado para superar o templo de Gehn. Ora tais níveis de formalização
podem variar de um indivíduo a outro, no entando qualquer nível envolverá estratégias,
exploração, coleta de dados, testes, simulações, abstrações. Temos desta forma a oportunidade
de em um ambiente imersivo construir nosso caminho, assim como a tartaruga
77
, seja
mecânica ou no computador, que se movia no espaço ou na tela em resposta a comandos
fornecidos ao computador. Ao invés de comandos para navegação em Myst o estilo de
75
São inúmeras as personalidades que contribuiram para a utilização do computador como um caminho para
construção do conhecimento, no âmbito nacional e internacional, uma grande força de pesquisadores
moviam-se em pesquisas a respeito das potencialidades desta nova forma de interação com o mundo. Para
maiores detalhes Cf. VALENTE, José A. Informática na educação no Brasil: Análise e contextualização
histórica. In: Valente, J. A. (org.). O computador na sociedade do conhecimento. Campinas, SP:
UNICAMP/NIED, 1999.
76
Riven é o segundo de uma série fantástica criada pelos irmãos Rand e Robyn Miller, a série atualmente consta
dos seguintes tulos, em ordem cronológica: Myst (realMyst); Riven; Myst III Exile;
Myst V End of Age. Seguidos pela série multi-player do jogo: Uru Ages Beyond Myst (To D'ni e The Path of
the Shell); Uru Live; Myst Online Uru Live.
77
Cursor gráfico que se tornou símbolo do LOGO, na tela do computador tinha a forma de uma pequena
tartaruga e no espaço era um pequeno robô que se assemelhava a uma tartaruga.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
45
navegação é point and click aliado ao fato de ser um jogo em primeira pessoa
78
gera como
resultado um sentimento de realismo quando ao mundo digital, neste ponto não comandamos
algo, mas sim nos comandamos do interior do game.
Se o game Myst, como veremos mais adiante, revela-se como uma forma de resgate de
diversas formas de arte que por muito tempo se supunha obsoletas também está recuperando
toda a filosofia LOGO e atualisando a aplicabilidade da reflexão a respeito do
construcionismo defendido por Papert, pois para Valente (1993), tal construcionismo baseia-
se no uso do computador, pois este uso requer certas ações que são bastante efetivas no
processo de construção do conhecimento. Quando o indivíduo está interagindo com o
computador ele está manipulando conceitos e isso contribui para o seu desenvolvimento
mental. Ele está adquirindo conceitos da mesma maneira que ele adquire conceitos quando
interage com objetos do mundo vivido, como observou Piaget.
Para Piaget (1964), também a representação em atos, por meio do jogo simbólico, a
primeira possibilidade de pensamento propriamente dito, marcando a passagem de uma
inteligência sensório-motora para uma inteligência pré-operatória (material e intuitiva)
mediada por símbolos subjetivos, caminho para a construção da inteligência operatória,
mediada por signos históricos arbitrários. Imersos em uma história, repleta de desafios e
lugares a explorar, onde ainda não se comprende as dimensões dos atos e ações, pois “tal é o
jogo, que transforma o real por assimilação mais ou menos pura às necessidades do eu, ao
passo que a imitação é acomodação mais ou menos pura aos modelos exteriores e a
inteligência é o equilíbrio entre assimilação e acomodação (Piaget, 1964, p.37). Assim, na
criança, a imaginação criadora surge em forma de jogo, instrumento primeiro de pensamento
no enfrentamento da realidade. Jogo sensório-motor que se transforma em jogo simbólico,
ampliando as possibilidades de ação e compreensão do mundo. O conhecimento deixa de
estar vinculado ao momento único da ação para estar presente no pensamento, uma vez que é
possível “imaginá-lo”, representá-lo por meio dos símbolos, grande parte do conhecimento
construído pelo homem é fruto do seu esforço na busca da compreensão e da significação do
mundo.
78
O jogador é o personagem em si, na realidade o protagonista do jogo, consequentemente as emoções e
dificuldades enfrentadas pelo personagem serão refletidas pelo jogador, pois o fator imersão é decisivo neste
tipo de experiência. Neste caso, o jogador participa ativamente da história, suas ações, decisões, desafios e
experiências no interior do jogo confirmam o seu papel na história, simultaneamente oferece uma experiência
de personagem e espectador.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
46
A Torre de Hanói
79
constitui um dos experimentos realizados por Piaget e consiste em
uma combinação de uma espécie de transitividade das posições sucessivas e da mesma forma
de uma recorrência. Foi observado que por meio de tomadas de consciência, de ações e
coordenações inicialmente não ditadas por ela, o individuo foi capaz de construir, como diria
Piaget, por abstração refletidora um modelo geral, ou generalização, aproximando-se do que
inicialmente denominamos conceituação.
“Piaget teorizou que existem duas vias qualitativamente diferentes operando
no mundo externo, ele as descreveu como abstração empírica e abstração
pseudo-empírica. A primeira tem seu foco no objeto e suas propriedades, a
outra tem seu foco nas ações que temos com o objeto.
(Lima e Tall, 2008,
p. 4, tradução livre
80
).
Tal abstração ou generalização, descrita por Piaget, revela o método encontrado para
resolver o problema proposto utilizando-se do menor número possível de movimentos. Trata-
se aqui de um desdobramento do famoso método clínico da epistemologia genética, no qual,
por meio de entrevistas cuidadosas o epistemólogo ajuda ao sujeito tematizar os conceitos de
raciocínio de sua existência, crenças e assim extrair o modo particular com o qual ele
defronta-se com a experiência ou raciocínio apresentado e o conceitualiza, bem como o
elabora. A seguir, como o epistemólogo o descreve uma das crianças no trabalho de pesquisa:
“É o início que conta, o primeiro lance do início: é preciso prestar atenção, senão é
irreparável, ou então se deverá recorrer a muito mais lances” (Piaget, 1975, p.178).
Atualmente a Torre de Hanói é um jogo educativo que visa o desenvolvimento da
lógica espacial e dedutiva, adequada à faixa etária dos 10 anos até a idade adulta.
Demonstraremos, a seguir, a resolução desse problema com três discos e posteriormente
discutiremos o que afirmou Piaget.
As regras são muito simples:
[1] Movimentar uma só peça (disco) de cada vez.
[2] Uma peça maior não pode ficar acima de uma menor.
[3] Não é permitido movimentar uma peça que esteja abaixo de outra.
79
A Torre de Hanói, também conhecida por Torre do Bramanismo ou quebra cabeças do fim do mundo, foi
publicada em 1883 pelo matemático francês Édouard Lucas. “Três varas ou colunas finas A, B e C são
fixadas verticalmente numa tabua. Numa delas é enfiado um certo número de discos perfurados em seu
centro e de diâmetros visivelmente distintos, o maior é colocado na base da pirâmide assim formada.[...] o
problema consiste em transportar essa torre de A à C, deslocando uma peça de cada vez e não colocando-a
jamais sobre uma peça menor do que ela.” (Piaget, 1977, p. 172).
80
Texto original: Piaget theorized that there are two qualitatively different ways of operating on the external
world, which he described as empirical and pseudo-empirical abstraction: one focusing on the objects and
their properties, the other focusing on the actions on the objects.”
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
47
O conceito de função pode ser aplicado aqui, desde que seja compreendido no sentido
de sermos capazes de conseguir relacionar objetos de um conjunto com os de outro de
maneira que possamos obter uma “lei” que os relacione. O ideal matemático neste ponto está
em gerarmos um algoritmo
81
eficiente que possa dar conta da solução do problema, a saber,
que torne a atividade capaz de ser, ao mesmo tempo automática e um máthēma (µάθηµα). O
algoritmo pode ser atingido por meio da abstração abdutiva, mas também podemos alcançá-la
por meio da experiência de jogar o jogo. Optamos pelo segundo caminho, o que nos colocou
no centro da experiência estética imersiva do jogo no seu modo digital, em uma versão para
WEB da Torre de Hanói
82
. O processo foi formalizado e durante “o jogar” construímos uma
tabela
83
, desta forma observamos a relação existente entre o número de peças do jogo com o
número possível de jogadas, neste caso, na possibilidade de ser o menor número possível de
jogadas.
Torre de Hanói 1º movimento
2º movimento
3º movimento
81
O conceito de um algoritmo foi formalizado em 1936 pela Máquina de Turing de Alan Turing e pelo cálculo
lambda de Alonzo Church, que formaram as primeiras fundações da Ciência da Computação. Um algoritmo é
uma sequência finita de instruções bem definidas e não ambíguas, cada uma das quais pode ser executada
mecanicamente num período de tempo finito e com uma quantidade de esforço finita. O conceito de
algoritmo é freqüentemente ilustrado pelo exemplo de uma receita, embora muitos algoritmos sejam mais
complexos. Eles podem repetir passos (fazer iterações) ou necessitar de decisões (tais como comparações ou
lógica) até que a tarefa seja completada. Um algoritmo corretamente executado não irá resolver um problema
se estiver implementado incorretamente ou se não for apropriado ao problema. Um algoritmo não representa,
necessariamente, um programa de computador, e sim os passos necessários para realizar uma tarefa. Sua
implementação pode ser feita por um computador, por outro tipo de autômato ou mesmo por um ser humano.
(Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponivel em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Algoritmo>. Acesso em 20 mar
2009).
82
Games On. Disponível em <http://www.gameson.com.br/Jogos-Online/ClassicoPuzzle/Torre-de-
Hanoi.html>. Acesso em 10 out 2008.
83
A tabela foi construída com auxilio do jogo, utilizamos testes de jogadas, uma vez que um dos recursos do
jogo on line é registrar o número de jogadas utilizadas para a resolução do problema.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
48
4º movimento 5º movimento
6º movimento 7º movimento
Fig. 3: Representação dos passos para resolução da Torre de Hanói com 3 discos.
Se conseguirmos escrever uma “lei” para esta relação então seremos capazes de
propormos previsões para o número mínimo de movimentos necessários para resolvermos o
problema com qualquer quantidade de discos. Para isso, construimos a tabela abaixo e sendo
n o número de discos e m
n
o número de movimentos, temos:
n 1 2 3 4 5 6 ...
m
n
1 3 7 15 31 63 ...
Observando a segunda linha da tabela vemos que os seus números são:
m
1
= 1 = 2
1
– 1
m
2
= 3 = 2
2
– 1
m
3
= 7 = 2
3
– 1
m
4
= 15 = 2
4
– 1
m
5
= 31 = 2
5
– 1
m
6
= 63 = 2
6
– 1
Conjecturamos que: m
n
= 2
n
1. Verificamos que esta sentença é verdadeira para os
valores de n na tabela acima, mas será verdadeira sempre? Nosso objetivo é procurar
demonstrá-la por indução, ou seja, pelo principio de indução finita (P.I.F.)
84
:
84
“Deve-se a Giussepe Peano (1858-1932) a constatação de que se pode elaborar toda a teoria dos números
naturais a partir de quatro fatos básicos, conhecidos atualmente como os axiomas de Peano. Noutras
palavras, o conjunto N dos meros naturais possui quatro propriedades fundamentais, das quais resultam
como conseqüências lógicas, todas as afirmações verdadeiras que se podem fazer sobre esses números.”
(Lima, 1998, p. 26).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
49
Seguindo com nossa demonstração. Seja S o conjunto dos números naturais n tais que n
discos são movidos com 2
n
– 1 movimentos:
(1) 1Para n =
y = 2
n
1
y = 2
1
1
y = 1, ou seja, 1
S, pois para 1 disco
necessitamos de 2
1
– 1 = 1 movimento.
(2) Hipótese: Vamos supor que k
S, isto é, k discos são removidos com 2
k
1 movimentos,
assim temos m
k
= 2
k
– 1.
(3) Provar: que k + 1
S, isto é, que m
k +1
= 2
k + 1
– 1.
Para removermos k + 1 discos, compreendermos que temos os mesmos movimentos de
k discos mais 1 ou seja serão necessários m
k
movimentos mais um assim retiraremos o (k + 1)
ésimo disco de seu bastão e agora com mais m
k
movimentos, os k discos passam para o
bastão onde foi colocado o ultimo disco somando-se mais m
k
movimentos.
Portanto m
k+1
= m
k
+ 1 + m
k
, logo:
m
k+1
= 2
k
– 1
+ 1 + 2
k
– 1
m
k+1
= 2
k
+ 2
k
– 1
m
k+1
= 2.2
k
– 1
m
k +1
= 2
k + 1
– 1
Q.E.D
.
85
Provamos então que
1K S
+
e com isso concluímos que nossa “lei” funcionará para
quaisquer valores de n. Trata-se aqui de uma generalização, resultante de um processo de
formalização. Ora uma generalização pode ser construída de diferentes modos, em diferentes
etapas e por diferentes indivíduos. No entanto, na matemática, o raciocínio lógico está
presente em cada um deles modos, etapas e indivíduos por meio da tomada da
consciência, na experiência de um evento quando este nos toca.
Para compreendermos mais detidamente a relação existente entre o nosso problema
matemático da Torre de Hanói e o conceito, pensado por nós aqui como a experiência
estética, tomaremos a liberdade de seguir os passos franqueados pelo filósofo e lógico inglês
Bertrand Russel sobre este tema. Ora, Russel (2007, p.232) discute esta matéria que pode ser
chamada indiferentemente de matemática ou lógica. Apresentando-nos o modo de como
lidarmos formalmente com o que pode ser dito de qualquer coisa ou propriedade ele apresenta
uma perspectiva formalizante.
É evidente que, se nosso objetivo for alcançarmos o raciocínio formal, chegaremos
sempre em ultima instância a afirmações como as do tipo apresentadas para demonstrar a lei
da Torre de Hanói, pois nosso desejo foi demonstrarmos algo que é válido para todos e não
para um caso em particular.
85
Quod erat demonstrandum é uma expressão em Latim que significa "como se queria demonstrar". É usual
aparecer no final de uma demonstração matemática com a abreviatura Q.E.D. ou na versão portuguesa
C.Q.D.. Frequentemente é substituido por um dos símbolos ou . (Wikipédia, a enciclopédia livre.
Disponivel em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Quod_erat_demonstrandum>. Acesso em 01 mar 2009). Cabe
lembrar também que, para Nikolai Bourbaki, o quadrado é utilizado como expressão do conceito de lugar
(vide http://fr.wikipedia.org/wiki/Nicolas_Bourbaki).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
50
“Não perderemos, portanto, nosso tempo tomando como premissa ‘x é um homem’, mas
tomaremos ‘x é um α’” (Russel, 2007, p.234). Diz-nos o lógico explicando assim o porquê de
se utilizar de variáveis na demonstração de situações matemáticas. Em nenhum momento ele
descarta a linguagem primária da problematização, ou os exemplos, no entanto, na busca da
generalização não podemos utilizar termos específicos.
“A ‘forma’ de uma proposição é o que, nela, permanece inalterado quando todos os
constituintes da proposição são substituídos por outros” (Russel, 2007, p.236), com isto
Russel nos conduz com segurança no caminho para reflexão das formas estéticas de
aprendizagem matemática. Quando compreendemos a forma estamos no que Piaget chama de
tomada da consciência ou generalização. Evidentemente, que tais generalizações ultrapassam
os objetos experimentados e nos convidam a abstrações
86
. O pensamento abstrato bem como
seu uso encontra-se como mais um de nossos objetos neste caminho da experiência
matemática por meio da descoberta.
A pesquisa de Lima e Tall (2008) afirma que a matemática está repleta de expressões
determinadas por ações que podemos ter com o corpo em relação aos objetos – corporalidade
quando resolvemos equações lineares e na linguagem corrente “movemos” os números de
um membro ao outro. Sendo a entidade “número” um objeto matemático ele não poderia estar
relacionado com a ação “mover” – ação corporal. Isto é uma conotação inserida na linguagem
a fim de por meio de experiências corporais ou contato com a realidade a sua volta um
individuo compreenda os mecanismos
87
de funcionamento de resolução de equações lineares.
A linguagem matemática ponto necessitaria de conceitos próprios e pertinentes as operações
envolvidas, conceito de elemento neutro, quer seja aditivo ou multiplicativo e ainda o
conceito de operação inversa.
Após todas as operações e cálculos o que o individuo verá é um número que
“desaparece” de um membro da equação e “reaparece” no outro membro. Gostemos ou não
parece-nos que o número “foi movido” de um membro ao outro e esta muitas vezes é a
experiência que nossos alunos “sentem”, por mais que se ensine o contrário.
Ilustremos o que estamos afirmando resolvendo uma equação linear, atividade quase
rotineira no meio escolar. Seja, a equação 3x + 4 = 2x 6, utilizamos a seguir dois
artifícios matemáticos com a finalidade de ampliarmos nossa compreensão de alguns
equívocos que ocorrem com nossos alunos. No primeiro caso, utilizamos de opostos e
inversos com a finalidade de isolarmos a incógnita xe determinarmos seu valor numérico.
Enquanto no segundo caso omitimos algumas etapas, e deste ponto seguirá nossa reflexão.
Vejamos:
86
No terceiro capítulo trataremos das questões referentes a abstrações como ferramentas para o pemnsamento
matemático.
87
Utilizamos a palavra mecanismo como referência a forma mecânica que muitas vezes é utilizado no ensino da
matemática.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
51
5 10
10
5
2
x
x
x
=
=
= +
1º caso 2º caso
3x + 4 = – 2x – 6
3x + 4 – 4 = – 2x – 6 – 4
3x + 0 = – 2x – 10
3x = – 2x – 10
3x + 2x = – 2x – 10 + 2x
3x + 2x = – 10
5x = – 10
5 10
5 5
x
=
1x = – 2
x = – 2
3x + 4 = – 2x – 6
3x + 2x = – 6 – 4
5x = – 10
10
5
x
=
x = – 2
Analisando o segundo caso, muito comum no ambiente escolar, conjecturamos duas
hipóteses pertinentes quanto a sua resolução, isto é, as etapas omitidas foram entendidas e
preenchidas mentalmente por isso há redução da linguagem escrita; ou a equação foi resolvida
de forma “direta”, “movendo” os números como se fossem peças de um quebra-cabeça e deste
modo sua resolução decorre da corporalidade, de uma interpretação e experiência pessoal
adquirida pelo individuo ao observar ou efetuar otras resoluções semelhantes, criando uma
espécie de “regra” ou generalização.
O problema desta generalização corporalizada reside no que observamos com o decorrer
dos anos, se esta atitude generalizadora não estiver definida dentro da tomada de consciência,
poderá apresentar efeitos indesejáveis do ponto de vista reflexivo, ou seja, observamos a
seguinte alteração no processo de resolução:
Este erro, muito comum em turmas do ensino médio, revela a primazia da corporalidade
frente à tomada de consciência, pois ao indagarmos um aluno a respeito do porquê deste –5
no denominador à resposta é quase unânime: “Mas professor, se mudar de lado não tem que
trocar o sinal?”.
A experiência conduz a tomada de consciência e conseqüentemente a generalização.
Compreendermos a forma independente dos valores não é tarefa simples, partcularmente ao
neófito em ciências exatas. As experiências que proporcionamos somente serão suficientes
para nossos alunos quando eles forem capazes de criarem suas generalizações, aproveitando-
se do encontro e deixando-se tocar pelo que os atravessa e então compreenderem a forma e
não somente o conteúdo.
Assim a matemática – máth
ē
ma (
µάθηµα
) – no desenvolvimento do pensamento
matemático ultrapassa o que se realiza em cálculos e isto se evidencia na linguagem. Citamos,
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
52
ainda, outro exemplo dado por Lima e Tall (2008) referente a frações equivalentes
88
. As
frações
4
2
e
6
3
são ditas frações equivalentes, porém possivelmente representam diferentes
atividades, apesar de terem o mesmo efeito em termos quantitativos representam efeitos
diferentes no número de partes produzidas.
Quando afirmamos que tais frações são equivalentes estamos abstraindo seu significado
e apenas quantificando-o matematicamente. Porém tais frações surgiram da experiência de
dividir um inteiro em partes iguais, por exemplo, do ato de uma mãe que deseja dividir uma
maça entre seus filhos, ou crianças dividindo balas. Novamente encontramos a forma como a
linguagem está intimamente ligada à experiência matemática e consequentemente a forma
como tais informações são assimiladas.
A carência de tais abstrações explicaria a dificuldade de muitos estudantes para
utilizarem símbolos matemáticos abstrações. Devido esta dificuldade para se expressar em
linguagem matemática inúmeras vezes procuram meios alternativos para resolverem
problemas em uma tentativa de experiência estética, porém boa parte destas tentativas se
equivocam quanto a solução mesmo acertando ao identificarem a necessidade de informções e
experiências que possibilitem a construção de conhecimentos para eles. O universo virtual
pode nos auxiliar no processo de abstração a partir do momento que passamos a exercer um
processo reflexivo sobre o que se experimenta. Enfatizamos este aspécto a respeito da
experiência no universo digital com a finalidade de compreendermos que o processo reflexivo
é inerente ao ser humano e a sua constituição cognitiva.
O desenvolvimento humano em tal corporalidade revela-nos quão intensa foi e ainda é a
experiência matemática para a vida de um indivíduo. A necessidade do conhecimento
matemático, de uma capacidade gica transcende nossa própria consciência, talvez por este
motivo isto seja tão difícil para se expressar e admiti-la como necessária.
“(...) a lógica tornou-se mais matemática e a matemática tornou-se mais
lógica. A conseqüência é que agora se tornou impossível traçar uma linha
entre as duas; de fato, as duas são uma. Diferem como um menino e um
homem: a lógica é a juventude da matemática, e a matemática, a maturidade
da lógica.” (Russel, 2007, p. 230)
Uma parte do trabalho matemático situa-se na fronteira da lógica e uma parte da lógica é
simbólica e formal estreitando sua relação com a matemática. Sabemos que ambas possuem
sua identidade, isto é uma questão de detalhes particulares de cada uma, no entanto no
desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático esta estreita ligação entre elas, apesar de
óbvia para qualquer estudante instruído, passa despercebida para boa parte dos indivíduos,
uma vez que nem todos são ou serão matemáticos. Entendemos então que as particularidades
de cada uma podem ser alcançadas em uma ontologia comum, ou seja, no desenvolvimento
do ser, do raciocínio lógico-matemático.
88
Do latim aequivalente - igual em valor, medida, força, efeito, significado. (Wiktionary. Disponível em:
<http://pt.wiktionary.org/wiki/equivalente>. Acesso em 26 out. 2008).
ilosofia (e seus desdobramentos matemáticos), metaf
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
53
Parece-nos natural partirmos das experiências do indivíduo para construção de uma
lógica-matemática e assim seguirmos para um processo de formalização ou conceituação.
Nossa proposta aponta para a utilização dos novos media como meio de proporcionarmos
momentos de experiências individuais, ainda que estando em um processo coletivo como a
educação e em diversos outros momentos de nosso desenvolvimento. Dentre as contribuições
para o estudo dos jogos de computador e suas aplicações, destacamos alguns nomes que
colaboraram para o avanço nas reflexões das possibilidades e aplicações destes recursos
digitais, entre eles estão Miles (1999), Murray (2003) e Mayer (1996).
Analisando o jogo Myst, David Miles
89
se propõe a discutir questões mais gerais acerca
das possibilidades expressivas do ambiente multimídia. De acordo com o autor, as referências
de Myst incluem obras ou tradições artísticas tão diversas quanto a Odisséia de Homero, o
romance gótico, pinturas e filmes surrealistas, além, evidentemente, da ficção interativa
derivada de Borges
90
. Para Miles, Myst “representa tanto o início de uma nova forma de arte –
que sintetiza diferentes meios em novas combinações e, o que é igualmente importante,
recupera e reinventa formas de arte antigas que por muito tempo se supunha obsoletas”
(Miles, 1999, p. 309). Esta relação de recuperação constitui para Miles importante objeto de
pesquisa. Outro pesquisador, Mayer
91
(1996), Myst inaugura um novo paradigma de interface
homem/computador. O realismo e refinamento das imagens, os efeitos tridimensionais, as
texturas e as perspectivas dos cenários contribuem para uma experiência imersiva intensa.
Além disso, em Myst não existem perdedores, o jogo termina quando os enigmas são
resolvidos e revelados os segredos do livro de Myst – o livro de ligação.
“O visitante navega e faz escolhas no mundo de Myst por meio de uma
relação de point-and-click apontando e usando o mouse. O desafio de
resolver os enigmas fornece a motivação central para o jogo, não obstante
uma parcela do valor do entretenimento provém de experimentar o
mundo do jogo e o realismo de sua apresentação audiovisual.” (Mayer,
1996, p. 241).
Em Myst o visitante é livre para percorrer e explorar os espaços, este game foi criado
com uma produção audiovisual muito cuidadosa e refinada. A trilha sonora pode ser
comparada a músicas como os cantos gregorianos, ou com clássicos como o “Fortuna” em
Carmina Burana do alemão Carl Orff, ou ainda músicas misteriosas como o “The Mystery of
Bulgarian voices”, o coro das mulheres da Bulgária, enfim uma trilha sonora impecável na
89
David Miles é professor assistente no departamento de comunicação da Universidade de Seton Hall, New
Jersey. Leciona nos cursos de produção da televisão, tecnologias digitais, e projeto e produção dos
multimedias.
90
Sua obra se destaca por abordar temáticas como f ísica,
mitologia e teologia, em narrativas fantásticas onde figuram os "delírios do racional" (Bioy Casares),
expressos em labirintos lógicos e jogos de espelhos. (Wikipédia: a enciclopedia livre. Disponivel em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Jorge_Luis_Borges>. Acesso em 26 jan. 2009).
91
Paul A. Mayer leciona no departamento de comunicação da Universidade Seton Hall nas áreas de produção
da televisão, tecnologias digitais, e projeto e produção dos multimedia.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
54
qualidade e envolvente, misteriosa e sedutora. O caráter fílmico de Myst relega a este duas
vezes mais realismo, uma vez que além de sermos um dos protagonistas na história também
estamos jogando e a continuidade depende de nossas atitudes no jogo, ou seja, o prazer da
agência
92
.
Fig. 4: Ilha Templo – Interior do Templo de Gehn
Fig. 5: Ilha Templo – Panorânico da Ilha Selva
Fig. 6: Ilha Platô – Trilha na Entrada da Ilha
Fig. 7: Ilha Cratera – Diário de Gehn em seu
laboratório
Fig. 8: Era 233º - Era de Gehn – Fórmula de Gehn
Fig. 9: Ilha Platô – Pórtico para o Observatório
No clássico Hamlet no holodeck, Murray, uma profissional experiente no campo da
informática e PhD em Literatura, avança na questão da imersão e aspectos narrativos do jogo
quando escreve:
92
O conceito de agência proposto por Murray (2003) como sendo o prazer de interagir, em seu sentido mais
amplo que transcende a ação e reação, como já mencionamos anteriormente.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
55
Myst é um jogo raro que não envolve a aquisição de objetos ou o uso de
violência. A solução dos quebra-cabeças geralmente depende de sutis
pistas sonoras, aumentando a atenção do jogador para o meticuloso
projeto de som. Em suma, não quase nada em Myst para distraí-lo do
ambiente visual e sonoro densamente estruturado, mas essa intensa
imersão ao visitar o lugar ocorre à custa de uma imersão reduzida numa
história em desenvolvimento.” (Murray, 2003, p. 110)
Assim como apontamos anteriormente, neste jogo encontramos o tempo necessário para
analisarmos e retornarmos quantas vezes for necessário para um mesmo cenário a fim de
revermos uma pista, de repensarmos em algum detalhe e unirmos as peças do quebra-cabeça.
Em uma aventura comparada as vividas por Sherlock Homes
93
o visitante descobrirá os
enigmas e ajudará a Atrus a libertar sua esposa Catherine que está prisioneira em Riven. Um
jogo intenso e complexo, pois é quase impossível captar todos os detalhes na primeira vez que
o jogamos.
Ao entrarmos em um mundo novo temos a oportunidade de experiementá-lo, explorá-lo,
essa é a principal proposta feita por um game ao seu visitante e consequentemente é o que
ocorre em Myst. O diferencial neste game é sua proposta para exploração dos espaços,
superando obstáculos puzzles sendo personagem de uma história cativante e imersiva.
Trata-se neste caso da imersão na cena digital da narrativa “a fim de experimentar a imersão
multissensorial, uma forma mais simples para estruturar a participação é adotar o formato de
visita” (Murray, 2003, p. 108). Quando adotamos esta atitude, criamos a noção de limites ou
fronteiras entre o ciberespaço e a realidade, assim o indivíduo viaja por entre mundos
imersivos e desta forma a história é desenvolvida. Interagindo com os objetos virtuais
buscamos a ligação entre realidade e o universo virtual nos planos de representação.
Em Myst somos convidados a uma experiência imersiva ímpar. Ao entrarmos neste novo
mundo temos a oportunidade de experiementá-lo, explorá-lo. A entrada no mundo digital e
mágico de Myst é franqueada pela possibilidade da abertura da experiência estética ao
jogador, nos moldes como discutimos anteriormente. No inteior da experiência estética de
Myst temos acesso aos seus enigmas e assim um dos grandes diferenciais desse game é sua
proposta para exploração dos espaços, superando obstáculos puzzles sendo o visitante um
personagem de uma história cativante em um ambiente imersivo. Assim o visitante poderá
desvendar tais problemas seguindo suas próprias experiências em seu próprio ritmo no jogo.
Murray nos diz ainda que “por causa do nosso desejo de vivenciar a imersão,
concentramos nossa atenção no mundo em que nos envolve e usamos nossa inteligência mais
para reforçar do que para questionar a veracidade da experiência”. (Murray, 2003, p.111), isto
ocorre devido nosso desejo de nos adaptarmos ao novo meio, a nova experiência, ao novo
mundo vivido. E como diria Merleau-Ponty, nesta experiência de ser com eles nosso
organismo reforça por meio dos sentidos as infosenções recebidas o som, as imagens, as
texturas a fim de proporcionar a adaptação necessária. A visita torna-se uma experiência
única e marcante, pois foi vivenciada.
93
Sherlock Holmes é um personagem de ficção da literatura britânica criado pelo médico e escritor britânico
Sir Arthur Conan Doyle. Sherlock Holmes ficou famoso por utilizar, na resolução dos seus mistérios, o
método científico e a lógica dedutiva.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
56
Vivenciarmos um game, um filme, uma obra de arte, faz parte do processo imersivo,
“quando utilizamos um jogo de vídeo, transformamo-nos no Street Fighter ou no Sonic.
Quando vemos um filme, fazemos corpo com os protagonistas e inserimo-nos na narrativa”
(Mourão, 2001, p. 66). Este fato decorre da idéia de imersão, qualquer que seja seu nível. Ao
entrarmos por este portal somos conduzidos a novos mundos, novas realidades, somos outros
e nos empenhamos em manter esse papel uma vez que temos nosso lugar na história. A
história decorre do meu “fazer” na história, estou e sou nela assim como nossa própria
realidade depende de nós. Combinar a narrativa por meios distintos, como é o caso de Myst
94
,
temos uma história em que nós somos não somente “o leitor”, mas um “co-autor, um
personagem de teatro, um protagonista do filme, um visitante do museu e um jogador, tudo ao
mesmo tempo" (Miles, 1996, p. 4).
A fascinação por outras realidades de tempo e espaço sempre cativaram o ser humano.
O irreal pode ser tão real quanto desejarmos que seja. Lembremos do episódio ocorrido nos
Estados Unidos na década de trinta
95
. Na ocasião tratava-se de um trecho da dramatização
radiofônica de "A Guerra dos Mundos", uma adaptação da ficção de H. G. Wells, realizada na
rádio CBS por Orson Welles, no programa Radioteatro Mercury. O medo praticamente
paralisou cidades e localidades próximas a Nova Jersey, onde Welles situou a história.
Moradores de Newark e Nova York saíram às ruas para fugir do anunciado ataque. Somente
no final da transmissão o próprio Orson Welles avisou, mais uma vez, que tudo se tratava de
uma brincadeira. A pesquisadora Gisela Ortiwano
96
conta que, na época, o programa foi
ouvido por pelo menos seis milhões de pessoas. No entanto, metade delas passaram a
sintonizá-lo depois da introdução que informava tratar-se de obra de ficção. Calcula-se que
aproximadamente um milhão e duzentas mil pessoas tomaram a dramatização por fato, e pelo
menos meio milhão de ouvintes entraram em pânico e agiram de forma a confirmar os
eventos até então narrados apenas na ficção: “sobrecarga de linhas telefônicas interrompendo
realmente as comunicações, aglomerações nas ruas, congestionamentos de trânsito
provocados por ouvintes apavorados tentando fugir do perigo que lhes parecia real, etc.”.
No momento apoteótico da transmissão, ficção e realidade se encontraram. A história do
rádio foi transportada para realidade e podemos dizer que o poder imersivo do rádio até então
o grande meio de comunicação, manifestara sua dimensão. Utilizando este exemplo e
relacionando com os sentidos humanos somos capazes de imaginar a amplitude do poder
imersivo do cinema, da TV, e evidentemente do espaço virtual.
Particularmente o game Myst proporciona uma experiência fílmica, uma vez que o
visitante protagoniza a história, e com isso realmente está sendo com eles, imerso nesse
universo. O som, as imagens, cada efeito colabora para reforçar esta imersão, provavelmente
este é o motivo pelo qual não é incomum ouvirmos de seus visitantes expressões como “levei
um susto...” ou “fiquei bravo...”. Dado o elevado poder imersivo dessa hipermídia, muito do
94
A narrativa em Myst desenvolve-se em dois meios: o livro ou romance e a hipermídia. Apesar de não existir
uma dependência extrema entre estes meios para uma compreensão mais ampla da história dos personagens
de Myst o contato com os dois meios é fundamental.
95
Baseado no texto de Gisela Swetlana Ortriwano. A invasão dos marcianos: A Guerra dos Mundos que o
rádio venceu. Instituto Gutenberg, Boletim 24 Série eletrônica, Jan-Fev, 1999. (Disponível em
http://www.igutenberg.org/guerra124.html, acesso em 27/10/2008).
96
Gisela Swetlana Ortriwano é jornalista, doutora em Comunicação e Professora da Universidade de São
Paulo. Seu texto é parte do livro: MEDITSCH, Eduardo (org.). Rádio e Pânico: 60 anos depois da Guerra
dos Mundos. Editora Insular. 1998.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
57
que realizamos ocorre de forma tão sutil que não percebemos ou não temos plena consciência
de quanto nossos sentidos estão voltados para ela.
“[...] fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece, nos
alcança; que se apodera de nós, que nos tomba e nos transforma. Quando
falamos em ‘fazer’ uma experiência, isso não significa precisamente que nós
a façamos acontecer, ‘fazer’ significa aqui: sofrer, padecer, tomar o que nos
alcança receptivamente, aceitar, à medida que nos submetemos a algo. Fazer
uma experiência quer dizer, portanto, deixar-nos abordar em nós próprios
pelo que nos interpela, entrando e submetendo-nos a isso. Podemos ser assim
transformados por tais experiências, de um dia para o outro ou no transcurso
do tempo. (Heidegger, 1987, apud Bondia, 2002, p. 143).
A experiência é nossa aliada na construção do conhecimento. Com a experiência
construiremos um caminho seguro para nossa reaprendizagem, para a reformulação de nós
mesmos, visto que não somos seres acabados, prontos. Neste sentido o próprio conhecimento
científico denuncia nossa humanidade com superações de conceitos, correções, releituras.
Esteprovavelmente é seu propósito, elevar a dignidade de ser humano arriscando-se,
lançando-se à “fronteira final” que certamente não será a final, mas o ponto de partida para
inovadoras pesquisas.
Quando Heidegger nos diz que “podemos ser assim transformados por tais experiências,
de um dia para o outro ou no transcurso do tempo”, aceitamos então que somente o sujeito da
experiência está aberto à sua própria transformação, nem sempre cil, como ele mesmo
indica, porém edificante.
“Os jogos de representação são teatrais de um modo não convencional,
mas emocionante. Os jogadores são, ao mesmo tempo, atores e
expectadores uns para os outros, e os eventos que eles encenam
freqüentemente possuem o imediatismo das experiências pessoais.”
(Murray, 2003, p. 53).
Para Davis (1985) as potencialidades lógicas do computador relegaram suas
habilidades aritméticas a uma posição de importância secundária. Atualmente podemos
apontar para a imersão digital como uma nova potencialidade oferecida pelo computador para
propiciarmos novas experiências matemáticas. Neste constante “representar digital” temos a
oportunidade de desenvolvermos novas habilidades mediante novos papéis. Eis a chave para
abstração matemática, para conceituação ou generalização.
Gadamer (1999) nos diz que toda aquisição de formação conduz ao desenvolvimento de
interesses teóricos. Ora, nossa proposta deste seu iníciode nosso estudo foi enfocarmos a
experiência como fio condutor para formação na tomada de consciência e assim alcançarmos
valores teóricos adquiridos por esta experimentação e ampliamos nossos mundos imergindo
em universos virtuais aproveitando-se de experiências nestes universos, aproveitando-se deste
feliz encontro de nossa curiosidade, emoção com a utilidade da aprendizagem pessoal e a
constituição de novos saberes ou conhecimentos.
“A formação teórica conduz assim, além do que o homem sabe e vivencia
imediatamente. Consiste em aprender que também o diferente tem sua
validade e encontrar pontos de vistas universais a fim de apreender a coisa.”
(Gadamer, 1999, p. 53)
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
58
Sendo o ser humano uma obra inacabada, em contínuo fluxo e mudanças, necessitamos
ir além do que vivenciamos imediatamente, eis então a necessidade intrínseca ao ser humano,
a teorização, a universalização. Desta forma a experiência estética terá alcançado seu fim
ultimo na conversão de informações em conhecimento, este inesquecível, pois é produto do
sentido da consciência.
Somos convidados para imergirmos e assim emergirmos transformados e transformando
nossa realidade. Resta-nos a pergunta: aceitaremos o convite para navegar por estes novos
espaços desenvolvendo novos métodos para construção do conhecimento? O que sabemos é
que na experiência estética sempre encontraremos um porto seguro de partida.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
59
“O tempo é muito lento para os que esperam
Muito rápido para os que têm medo
Muito longo para os que lamentam
Muito curto para os que festejam
Mas, para os que amam, o tempo é eterno”.
(William Shakespeare)
O poema de Shakespeare nos revela o quão relativo pode ser nossa relação com o
tempo. Fenômeno enigmático, fugindo de nossa compreensão, tal como água escapando por
entre nossos dedos, este é o tempo. Mas nos perguntamos: o que é o tempo e quais as suas
formas de apreensão? Esatas são inquietantes questões que movimentaram e aqueceram o
pensamento e as idéias de poetas, filósofos, físicos, biólogos, psicólogos, enfim, cada qual
procurando apreender do tempo, seu significado, sua natureza.
Ao iniciarmos nossa reflexão a respeito do tempo, gostaríamos de trazer um exemplo,
igualmente instigador como o poema de Shakespeare. O exemplo pode ser encontrado no
pensamento do filósofo grego Zenon de Eléia
97
. Pensando profundamente por meio de
problemas e enigmas, o filósofo apresentou uma série de paradoxos a respeito do tempo, dos
quais o mais famoso é aquele que propõe uma corrida entre Aquiles e a tartaruga
98
. Nos
97
Zenon, Zeno ou Zenão de Eléia (505 a.C.) Um dos discípulos de Parmênides.
98
É narrado sob a forma de uma corrida entre Aquiles e uma tartaruga. Aquiles, o herói grego, e a tartaruga
decidem apostar uma corrida de 100m. Como a velocidade de Aquiles é 10 vezes a da tartaruga, esta recebe a
vantagem de começar a corrida 80m na frente da linha de largada. No intervalo de tempo em que Aquiles
percorre os 80m que o separam da tartaruga, esta percorre 8m e continua na frente de Aquiles. No intervalo
de tempo em que ele percorre mais 8m, a tartaruga já anda mais 0,8m; ele anda esses 0,8m, e a tartaruga terá
andando mais 0,08 metros. Esse raciocínio segue assim sucessivamente, levando á conclusão de que Aquiles
jamais poderá ultrapassar a tartaruga, uma vez que sempre que ele se aproximar dela, ela terá andado mais
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
60
paradoxos de Zenão o objetivo principal era questionar o conceito de tempo e neste caso
buscava demonstrar também a impossibilidade do movimento quando o tempo é reduzido a
intervalos indefinidamente menores
99
.
Estas questões referentes ao tempo, ou melhor, acerca da temporalidade tornan-se
pertinentes em nossa investigação, uma vez que refletimos a respeito da experiência (no
universo dos jogos digitais), pautados pelo ponto de vista fenomenológico, concebido como
um encontro, como um ser com. Desta forma nos defrontamos, neste caminho reflexivo, com
a problematização do tempo. Ora, tal reflexão, neste ponto de nossa pesquisa, não tem por
meta abranger a completude de tal tema; nosso esforço aqui apenas pauta-se no desejo de
apresentarmos um pequeno e modesto vislumbre da questão a respeito do tempo e,
consequentemente, de todas as suas implicações no processo de construção do conhecimento
(considerando a sua inserção dentro do universo digital dos games), este muitas vezes
indistintamente confundido como processo de ensino/aprendizagem. Consideraremos
inicialmente a perspectiva do desenvolvimento propriamente psicológico, desde a infância,
em oposição a seu desenvolvimento escolar ou a seu desenvolvimento familiar, ou seja,
enfatizando o aspecto espontâneo desse desenvolvimento limitando-nos ao desenvolvimento
propriamente intelectual ou cognitivo.
Tempo é uma palavra que possui diversos significados, e em alguns deles empregado
como sinônimo de passado, ciclos, duração, eras, fases, momentos ou mesmo história, o que
contribui para o obscurecimento das discussões conceituais sobre ele, gerando por vezes
alguma espécie de mal entendido quando na aplicação deste termo.
Do ponto de vista psicogenético, considerando aqui o pensamento de epistemologia
genética, o desenvolvimento da criança apresenta-se como um processo temporal por
excelência. Todo desenvolvimento tanto o psicológico como biológico - supõe uma
duração, e a infância, segundo Piaget
100
, apresenta-se com duração proporcional a espécie a
qual pertença. Quanto maior a estrutura cognitiva a ser produzida, referencialmente em uma
escala filogenética, maior será o período necessário para a infância. Por exemplo, a infância
de um gato possui um período de duração menor do que a infância de uma criança, pois esta,
para seu desenvolvimento cognitivo, necessitará de “particular tempo” a sua espécie e assim
“aprender”, desenvolver-se. A noção de tempo desdobra-se assim em suas inferências
cognitivo-físicas (como sucessões ou círculo circadiano), tais como, a abordada acerca da
epistemologia genética e, noções filosóficas
101
, às quais igualmente importantes, iremos
um pouco. (Wikipédia. Disponivel em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Paradoxo_de_Zeno>. Acesso em 07 nov
2009.
99
Em termos matemáticos, seria dizer que o limite, com o espaço entre a tartaruga e Aquiles tendendo a 0, do
espaço de Aquiles, é a tartaruga. Ou seja, ele virtualmente alcança a tartaruga, mas nessa linha de raciocínio,
não importa quanto tempo se passe, Aquiles nunca alcançará a tartaruga nem, portanto, poderá ultrapassá-la.
A solução clássica para esse paradoxo envolve a utilização do conceito de limite e convergência de séries
numéricas. O paradoxo surge ao supor intuitivamente que a soma de infinitos intervalos de tempo é infinita,
de tal forma que seria necessário passar um tempo infinito para Aquiles alcançar a tartaruga. No entanto, os
infinitos intervalos de tempo descritos no paradoxo formam uma progressão geométrica e sua soma converge
para um valor finito, em que Aquiles encontra a tartaruga.
100
Em obras como A noção do tempo na criança e O tempo e o desenvolvimento intelectual da criança Piaget
procurou caracterizar a importância do tempo no desenvolvimento cognitivo, desde a infância até a
adolescência.
101
Heráclito de Éfeso (535-475 a.C), afirma que o tempo é a intuição abstrata do processo; diz que ele é o
primeiro ser sensível. O tempo, portanto, é a essência verdadeira. Na medida em que Heráclito não parou na
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
61
discutir a seguir. Fecundas, ambas abordagens em muito contribuem para uma reflexão a
respeito dos conceitos de tempo ou temporalidade em nossa perspectiva de compreender um
pouco mais profundamente a questão dos jogos digitais e sua inserção na produção de
conhecimento.
A filosofia hermenêutica, a partir de Heidegger, nos ensina que toda reflexão a respeito
do tempo deve começar dialogando com Aristóteles
102
, uma vez que o filósofo grego foi o
primeiro a sistematizar o conceito de tempo, de tal modo que sua concepção corresponde ao
conceito natural de tempo
103
, tal como foi utilizado até o final da modernidade
104
. Uma
questão geral da física aristotélica, como filosofia da natureza, encontra-se na análise dos
diversos tipos de movimento Mudança, a passagem da potência ao ato a realização de
uma possibilidade. Outra especial e importantíssima questão da física aristotélica está na
reflexão concernente ao espaço e ao tempo, acerca dos quais foram realizadas profundas
investigações e, neste sentido, o espaço é compreendido como sendo o limite do corpo, isto é,
o limite imóvel do corpo "circundante" com respeito ao corpo circundado. O tempo seria
então definido como sendo o número - isto é, a medida - do movimento segundo a razão, o
aspecto, do "antes" e do "depois", neste movimento de passagem da potência para o ato.
Admitidas assim as precedentes concepções de espaço e de tempo como sendo relações de
substâncias, de fenômenos, torna-se evidente que fora do mundo não espaço nem tempo,
pois espaço e tempo vazios são impensáveis para Aristóteles. Podemos relacionar tal idéia de
tempo com o termo Khronos
105
, este tempo marcado pelo constante movimento “do relógio”,
que avança, na alternância dia e noite, nas marés, nas estações sazonais, na conjunção dos
astros
106
, na confecção de calendários
107
, tempo medido, tempo que busca a exatidão.
Nunes (2002, p.13), em uma abordagem hermenêutica, apresenta uma aproximação da
questão na qual mostra a interpretação heideggeriana da questão do tempo que segue uma
reflexão do pensamento grego antigo centrado em uma leitura crítica de Aristóteles. Nesta
expressão lógica do devir, mas deu a seu princípio a forma de um ente, deduz-se disto que primeiro tinha que
oferecer-se a forma do tempo; pois precisamente, no sensível, no que se pode ver, o tempo é o primeiro que
se oferece como o devir; é a primeira forma do devir. Enquanto intuído, o tempo é o puro devir. O tempo é
puro transformar-se, é o puro conceito, o simples, que é harmônico a partir de absolutamente opostos. Sua
essência é ser e não-ser, sem outra determinação - ser puro e abstrato não-ser. (Mundo dos Filósofos.
Disponivel em <http://www.mundodosfilosofos.com.br/heraclito.htm>. Acesso em 08 nov 2009).
102
Organon é o conjunto de textos lógicos de Aristóteles que integram o chamado Corpus aristotelicum.
103
Heidegger identifica como conceito de tempo natural ou vulgar ao tempo da física, este tempo que descreve o
movimento segundo o anterior e posterior, este tempo medido, regulado pelo mero do movimento
repetitivo.
104
A virada do século XIX para o século XX foi marcada pelo aparecimento de algumas inconsistências no
corpo teórico da física. Albert Einstein (1905) apresenta a sua teoria da relatividade restrita, onde conclui que
o tempo não é absoluto. Max Planck Em 1899 descobriu uma nova constante fundamental, chamada
posteriormente em sua homenagem Constante de Planck, e que é usada, por exemplo, para calcular a energia
do fóton. Um ano depois, descobriu a lei da radiação térmica, chamada Lei de Planck da Radiação. Essa foi a
base da teoria quântica, que surgiu dez anos depois com a colaboração de Albert Einstein e Niels Bohr.
105
“[...] a diversidade dos termos que exprimem o fenômeno temporal em Aristóteles (po, khrónos, kairós, nûn
etc.), bem como sua evidente correlação [...] impedem-nos pensá-los segundo uma simples relação de
sinonímia ou de homonímia meramente casual. Constataremos [...] que uma multiplicidade de termos
designando diferentes aspectos do tempo.” (PUENTE, Fernando Rey.
Os Sentidos do Tempo em Aristóteles.
Loyola/Fapesp, São Paulo 2001,
pp. 44-45.)
106
Fazemos referência às conjunções astronômicas que ocorrem em determinados períodos, como por exemplo,
os eclipses solares que dependem de um alinhamento entre os corpos celestes: Sol, Lua e Terra.
107
Cada povo, cada cultura em algum momento de sua evolução demonstrou a necessidade de algum registro
temporal, seja lunar ou solar, a medida do tempo era tomado da natureza, nos ciclos, nas fases.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
62
leitura o tempo deve ser pensado a partir de uma redescrição e reinterpretação
fenomenológica das essências aristotélicas, enquanto logos, phainomenon e alétheia.
Enquanto o primeiro, logos, designa o patente manifesto naquilo que se fala, figurado e
inscrito no discurso, o segundo, o phainomenon está presente naquilo que se mostra a si
mesmo quanto estrutura radical. Já o terceiro, a alétheia, mostrando-se como conceito
multifacetado, pode ser entendido aqui como o processo de não velamento (des-velamento)
ou não encobrimento (des-cobrimento). Com Nunes (2002, p.13), será na compreensão
cooperativa realizada entre o pensar de Heidegger e Aristóteles, o ser verdadeiro corresponde
à entelécheia aristotélica, ao ser em ato, coincidiria com aquilo que é (òn) e, portanto, com
a essência (ousía): mas não com o ser, e sim com o ser do ente enquanto presença
(Anwesenheit).
Ora, neste caminho, o mais íntimo da entelécheia corresponderia àquilo que quando
sempre em movimento, nos sucessivos estados de sua transformação permaneceria sendo em
essência o mesmo. Os medievais traduziram este movimento por meio do termo subiectum
que corresponde a uma leitura do Hypokeimenon
108
aristotélico: enquanto as nuvens passam
pelo céu transformam-se em múltiplas formas, em essência elas continuam guardando em si a
mesma idade de sua ousía. No conjunto total elas pertencem ao mesmo ser em ato
(entelécheia) que designa aquilo que é na sua presentificação da circularidade da physis
109
,
entendida na fenomenologia como Anwesenheit.
Será neste sentido que a fenomenologia nos auxiliará no intuito de alcançarmos uma
compreensão mais aberta e profunda do tempo como decorrência das experiências do ser com
este mundo vivido. Tal compreensão revela o tempo como temporalidade, pois o fenômeno do
tempo, considerado em um sentido primacial, está relacionado com o conceito de mundo e,
com isso, com a própria estrutura do “ser-aí” (Dasein
110
) ou também compreendido como o
“ser-no-mundo”. “Por certo, afirma Heidegger, enquanto o Dasein é, quer dizer, a
possibilidade ôntica da compreensão do ser, dá-se ser (gibt es Sein)
111
(Heidegger apud
Nunes, 2002, p.36). O ser encontra-se na realidade” para tudo o que se descortina por meio
da conduta pertinente ao conhecimento, é alétheia não ocultamento, não velamento em
outras palavras o ente
112
descoberto, o desvelamento, a revelação.
108
Hypokeimenon (Grego: ποκείµενον) é um termo utilizado na metafisica com o seguinte significado literal:
coisa abaixo, no Latim foi traduzido como subiectum.
109
A palavra grega Physis pode ser traduzida por natureza, mas seu significado é mais amplo. Refere-se também
à realidade, não aquela pronta e acabada, mas a que se encontra em movimento e transformação, a que nasce
e se desenvolve, o fundo eterno, perene, imortal e imperecível de onde tudo brota e para onde tudo retorna.
Nesse sentido, a palavra significa gênese, origem, manifestação.
110
Como entroncamento central de toda a sua fenomenologia encontra-se o conceito de Jeweiligkeit (ser-a-cada-
momento ou de-cada-vez ), respectividade. Esta noção é fundamental para se compreender a de Dasein - o
ser-aí ou o ser-no-mundo. (Wikipédia. A enciclopédia livre. Dasein, disponível em
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Martin_Heidegger >. Acesso em 07 nov 2009).
111
Gibt es Sein: o ser tomado, apreendido.
112
Heidegger foi um dos filósofos que mais se dedicou a questão do ser, depois de Aristóteles. Esclarecendo a
diferença entre ser (Sein) e ente (Seiende) corresponde à diferença entre o infinitivo e o particípio presente do
verbo ser. Ente indica o que se efetua tudo que é real e efetivo; ente é a realização do ser, o que é. Distinto do
efetivo que, assim, aparece como real, o ser, enquanto infinitivo verbal se dá na possibilidade de o ente
aparecer ele é o seu princípio original. O homem seria o ente aberto ao ser, que é o único ente que pode
compreender o ser (o ser-aí). De nenhum modo é um ente fixo tal como o sentido comum se representa o
ser da pedra ou de uma mesa. Ele se caracteriza por uma relação permanente de instabilidade que mantém em
si mesmo. O homem é a porta de entrada do ser. Esta questão é um terreno árduo de se percorrer, porque
ainda é bem inconclusiva; mas Hedegger contribuiu muito para esse questionamento do ser, da existência.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
63
Por esta via reflexiva que apreendemos que o conhecimento se em um determinado
tempo, este compreendido em um movimento extático
113
, pois “o Dasein só retrovém
(passado) advindo (futuro) a si; e porque retrovém ao advir, é que gera o presente. temos o
movimento extático o fora de si em si e para si mesmo da existência (grifo nosso) que se
chama de temporalidade” (Nunes, 2002, p.25). Podemos contemplar cada um destes
componentes como um êxtase, fundando um membro da estrutura do cuidado (Sorge)
114
: o
advir ao poder-ser; o retrovir ao ser lançado e o apresentar ao estar junto aos entes, o ser com
eles. Nesse movimento tríplice, ocorre um des-clausuramento da subjetividade e assim, as
êxtases (ek-stasis) da temporalidade que corrigem a compreensão vulgar do tempo
115
.
Temos desta forma na acepção de tempo que o passado ainda está presente, como
mostra a retroveniência, pois o Dasein ainda é o passado sem deixar de ser presente e no
presente está comprimido o passado da mesma forma como no passado antecipa-se ou
projeta-se no agora o futuro. O futuro, que impulsiona a cadeia dos êxtases, torna-se uma
antecipação; o passado, a retomada do que uma vez foi possível; e o presente, o instante da
decisão, da ação.
Desta configuração do tempo decorre sua importância na presentidade para a construção
do conhecimento, e a maneira como toda nossa historicidade, nosso passado continua presente
no ser no mundo, visto que Dasein é temporal, pois existe temporalizando-se e, com isso,
torna-se histórico, historiza-se como projeto. Portanto, “o Dasein não habita o espaço, ele
espacializa: abre o espaço que ocupa como ser no mundo. Preocupado em agir e fazer, e desta
forma ocupado com ações e obras” (Nunes, 2002, p. 17). Será nesta perspectiva que a
fenomenologia hermenêutica nos encaminha no sentido de compreendermos que o tempo é
mais crucial do que o espaço, uma vez que nos perguntamos “o que faremos agora?” - ou - “o
que faremos em seguida?Mas não nos perguntamos o que faremos aqui ou ali. E ainda que
113
Referente à ek-stasis. O sentido que nos interessa aqui esta na tradição grega, o estado de natureza é
representado basicamente pelos conceitos de stasis e metábole. Stasis como guerra ou conflito interno, todo o
gênero de discórdia interior e metábole está relacionado ao discurso da instabilidade política.
Etimologicamente, a palavra stasis significa o princípio o que dissolve, que desliga. Contudo esta palavra
também guarda uma característica interessante, a de ter sentidos opostos: diluição e reconciliação das partes.
A stasis ficaria entre o repouso e o movimento sem fim, assim o vocábulo guarda sentido paradoxal de
movimento e imobilidade. O verbo grego ex-istano (existao, existemi), de onde o nome ek-stasis, indica a
ação de deslocar, levar para fora, mudar alguma coisa ou um estado de coisas, e em seguida de sair, deixar, se
afastar, abandonar. O vasto campo semântico, neste caso, se refere à idéia de disjunção, com a implicação
psico-sociológica de "sair dos quadros da normalidade”, de avançar para além-se-si-mesmo enquanto
temporal.
114
O pensamento de Martin Heidegger (1889-1979) foi fruto de uma geração sacudida em seus valores
tradicionais e protagonista da Primeira Guerra Mundial, cenário no qual surgiram suas reflexões sobre a
questão do ser e a possibilidade de abordá-la em uma perspectiva fenomenológica. Neste sentido, questionar
o ser é, para Heidegger, evidenciar a experiência humana como ela é vivida à medida que o ser toma
consciência do mundo. Nessa busca, analisa a natureza e o núcleo do ser humano no seu estado básico de
cuidado, preocupação ou zelo. Para exemplificar a doutrina do cuidado Heidegger refere-se á fábula 220 de
Higino, que enfatiza que “como foi o Cuidado quem primeiro imaginou o homem, que fique com ele
enquanto ele existir” (Abbagnano, 1998, p.224). Nesta perspectiva, a fenomenologia do cuidado, em uma
perspectiva heideggeriana é um convite para testemunhar o que se manifesta no espaço compartilhado,
atentivamente pre-sente, para considerar o que passou e a tolerar o que está por vir.
115
Este tempo que possui no presente a sua fase axial: os momentos pretéritos ficariam para trás, e os por
vindouros passariam para frente, ainda por suceder, o tempo da física aristotélica.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
64
tais ações ou obras estão presentes nos aspectos físicos e cognitivos, por meio de nossas
experiências pessoais. Será esta linha do pensar que segue Inwood quando diz que:
“(...) um ser humano necessita de espaço para viver. Uma vida suportada em
imobilidade total é, embora concebível, totalmente insatisfatória. Mas uma
vida satisfatória não precisa envolver viagens distantes. Uma pessoa pode
viver bem sem nunca sair de sua cidade natal ou vila. Mas uma vida exige
um intervalo de tempo decente. Vida compreende as decisões e ações”
116
(Inwood, 1997, p.67).
É o caso de muitos pensadores que, apesar de nunca terem saído (ou pouco) de suas
cidades, muito contribuíram para a expansão do horizonte humano. Representantes notáveis
desta situação podem ser encontrados em Kant, Heidegger e ainda Peirce.
Compreendemos a importância do tempo na construção do conhecimento, de sua
temporalidade, porém, por vezes, tal importância nos escapa quando nos fixamos no tempo
medido, exato, de metas a cumprir, neste tempo “serial”
117
, limitado e limitante que não abre
espaço para o contínuo ser e sim apenas no estar. Será no tempo propício, o presente, o
agora, que nos encarregamos de conhecer e apreender do mundo o que em nosso mundo se
descortina para os sentidos. Será por meio de ações e decisões que avançamos rumo
compreensões e apreensões outras do mundo vivido. Assim podemos ter um tempo de vida
“decente”, pois nele o Dasein aberto e disposto a tomar decisões se desenvolve. Será neste
sentido que, ao relacionarmos o tempo com a construção do conhecimento, deparamos com a
necessidade de proporcionar este “tempo decente” para tomada de decisões, o pensar, o
deixar-se tocar, o ser com eles ao invés de somente estar com eles. Eis uma parte importante
da estrutura da temporalidade compreendida pela fenomenologia hermenêutica.
Pelo lado da epistemologia genética, encontramos Piaget abordando o tempo na
criança
118
quando trata do tempo das ações. Trata-se do tempo da ação vista nos resultados
das atividades executadas, ou seja, se uma criança faz vários desenhos tem a impressão de ter
ficado muito tempo desenhando, se fez poucos tem impressão que se passou pouco tempo,
mesmo que para ambas as ações tenham o mesmo tempo cronológico. De acordo com a
perspectiva da epistemologia genética a criança não possuiu uma memória cronológica como
possui o adulto, mas possui e está imersa em uma historicidade, em uma causalidade. Ela
produz causalidades, faz escolhas, toma decisões
119
. Assim quando estamos em um jogo,
precisamos “movimentar as peças”, precisamos decidir o que faremos: esse é o tempo
116
Tradução livre do autor. Texto original: A human being needs space in which to live. A life endured in total
immobility is, though conceivable, wholly unsatisfactory. But a satisfactory life need not involve extensive
travel. One may live as well without ever leaving one’s native town or village. But a life requires a decent
time-span. Life comprises decisions and activities.
117
Linha de produção pode ser entendida como uma forma de produção em série, onde vários operários, com
ajuda de máquinas, especializados em diversas funções específicas e repetitivas, trabalhando de forma
sequencial, chega-se a um produto semi-acabado ou acabado. A forma mais característica, a da montagem em
série, foi inventada por Henry Ford, empresário estadunidense do setor automobilístico.
118
Quando dizemos “criança” nos referimos a crianças de 2 a 5 anos, estas crianças não têm memória (no
sentido cultural), seus pais é que têm uma memória cultural graças à qual as crianças são cuidadas. (Notas da
Palestra do Prof. Lino de Macedo, Piaget: Einstein e a noção de tempo na criança, realizada no parque
Ibirapuera na Exposição Einstein em 22 nov 2008. A palestra foi publicada pela revista Pesquisa-fapesp e
está disponível em <http://www.revistapesquisa.fapesp.br/pdf/einstein/lino.pdf>).
119
Por exemplo, uma criança de 6 meses faz escolhas senão de que outra maneira ela coordenaria, regularia as
ações de pegar algo e colocar na boca?
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
65
ocupado, denso, pleno. O tempo que escapa a Kronos, para o desenvolvimento cognitivo de
uma lógica que não pode ser alcançada por meio de aprendizagens de resultados
120
. No pensar
de Piaget, existe uma diferença entre aprender um resultado e formar um instrumento
intelectual, formar uma lógica, necessária à construção de tal resultado”, com isto, “não
formamos um instrumento novo de raciocínio em alguns dias” (Piaget, 1983, p. 214). Desta
forma a epistemologia genética nos revela que o caminho para o desenvolvimento intelectual,
cognitivo não se encontra na compreensão dos resultados de um determinado problema, mas
sim em sua metodologia (nos seus passos e ações), em sua lógica de resolução e, para tal, o
tempo é fundamental uma vez que cada indivíduo apresenta suas particularidades, sua
historicidade, como observamos anteriormente. O desenvolvimento da criança se constitui
aqui em um processo temporal por excelência: em uma leitura hermenêutica poderemos dizer
que se trata do tempo das ações no qual não se encontra determinado no espaço, mas sim
espacializa-se no tempo (Dasein). Desta forma o tempo das ações para Piaget denotaria as
ações físicas e cognitivas, visto que o ato de pensar também se constitui em uma ação.
Convergentemente com o que nos dizia Heidegger quanto ao presente, como sendo o instante
da decisão, da ação.
Tal ação no tempo compreende ainda outros aspectos. O tempo é necessário ao humano
como duração
121
e, é necessário igualmente como ordem de sucessão
122
, “na medida que a
ação própria é refletida, e não mais apenas vivida intuitivamente [...] o sujeito ordena o seu
tempo próprio utilizando o tempo físico no qual integra as suas ações” (Piaget, 2002, p. 398).
Ora, será com esta percepção que somos capazes de identificar a equilibração entre o tempo
psicológico e o tempo exterior. Assim, na infância, esta ordem de sucessão é reveladora do
fato de que para que um novo instrumento gico se construa, são necessários instrumentos
lógicos preliminares, ou seja, tais construções, de novas noções, pressupõem a existência de
construções anteriores, em estágios, etapas sucessivas e isso por regressões indefinidas. “E
como as regulações perceptivas aumentam de precisão com a idade” (Piaget 2002, p.397)
apresentamos uma última etapa
123
, durante a qual a criança se toma capaz de raciocinar e de
deduzir, não somente sobre objetos manipuláveis como bastões a serem ordenados, mas se
torna capaz de compreender as estruturas da lógica e de raciocínios dedutivos, como
hipóteses, preposições. Esta etapa é marcada por uma nova habilidade cognitiva que podemos
chamar a lógica das proposições, visto que até então tudo se fazia passo a passo, por encaixes
sucessivos. Nesta nova etapa encontramos a combinatória como habilidade de conectar
qualquer elemento a outro qualquer elemento construído previamente. Na linguagem dos
120
Baseado em modelos ou exemplos resolvidos a fim de oferecer uma “receita” para resolução de algum
problema. Isto não garante a apreensão do método que gerou tal “receita”, pois a ênfase repousa sobre os
modelos e não na construção da lógica, do raciocínio para sair do problema.
121
Segundo a pesquisa de Piaget é necessário esperarmos até os 8 anos para a construirmos a noção de
conservação da substância; aos 10 anos para a do peso, e isso em 75% dos indivíduos. E nem todos os
adultos adquirirão a noção da conservação do peso. Spencer, no seu Tratado de Sociologia, conta a história
de uma senhora que viajava com mais mala comprida de preferência a uma mala quadrada, porque “pesava”
menos que os vestidos dobrados na mala quadrada. Quanto ao volume, é necessário esperarmos até aos 12
anos de idade.
122
Constatamos que a descoberta da noção de conservação da matéria precede de dois anos a do peso; e a do
peso precede dois anos a do volume. Essa ordem de sucessão foi encontrada em toda a parte; ela nunca foi
invertida, quer dizer que não encontramos um indivíduo que descubra a conservação do peso sem ter a noção
da substância.
123
Piaget (1983, p.220) nos apresenta as operações formais, por volta de 12 anos e tendo como etapa de
equilíbrio 14-15 anos.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
66
digital natives, a combinatória torna o individuo capaz de criar links e lexias com construções
anteriores, tendo sempre a equilibração como fator fundamental para este desenvolvimento.
Com isso avançamos em nossa reflexão no sentido de compreendermos que as
experiências do mundo vivido, contempladas por meio do prisma daqueles que chamamos de
digital natives, envolvem todo o universo digital e suas relações com o tempo ou
temporalidade, de forma a regular o tempo psicológico para cada etapa superada em uma
demonstração da ação do Dasein. Visto que suas ações representam durações e sucessões que
colaboram para construção deste tempo interiorizado. Este “mapa temporal
124
construído
com o desenvolvimento cognitivo propicia a organização e preparação para o presente
momento de desenvolvimento holístico no sentido de maturidade para criação de links entre
quaisquer construções anteriores. Com tal acontecer, a experiência estética alcança sua
configuração no Dasein também nos games – em Myst.
Será neste sentido de esclarecermos de uma forma mais prévia a ideia do tempo que
encontramos Lino de Macedo
125
utilizando três figuras para pensar o tempo, a saber, três
deuses do tempo: Kronos, Aeon
126
e Kairós. Utilizaremos estas personificações do tempo no
intuito de realizarmos uma reflexão da constituição do tempo no indivíduo, assim temos
Khronos como o tempo do relógio, da agenda, do que é esperado, controlável, quantificável,
mensurável, planejável, o tempo do deadline. Aeon é o tempo imemorial. A palavra Aeon é o
termo latino para Khaopa, que em sânscrito quer dizer ciclo universal, Era universal, período
de tempo incalculável, significa eternidade no sentido de um tempo aparentemente
interminável, mas que apesar de tudo tem limite. Este é o tempo da criança. Torna-se o nosso
tempo quando nos aventuramos em um processo de descobertas, de criação, quando nos
permitimos “ser criança”. Kairós, como oportunidade, no acontecer no agora, é o tempo da
atividade, do fazer, da ação. Relaciona-se com Aeon porque Aeon é o tempo do tempo.
Khronos é o que controla o tempo enquanto que o Kairós é a atividade no tempo, é o tempo
na atividade, é o tempo da ação. Dessa forma, quando uma criança está envolvida em uma
brincadeira está inteira, intensa, por isso remete para a alegria. Basta observarmos quando
alguém está pintando, desenhando, tocando um instrumento musical, cantando, jogando, etc.
Da tensão entre estes extremos surgem possibilidades para uma leitura da constituição
do indivíduo. Da tensão entre Kronos e Aeon o desenvolvimento psico-social, ou seja, tudo o
que a criança recebe do exterior, aprende por transmissão familiar, escolar, educativa em
geral, podemos imaginar este desenvolvimento com o predomínio dos roteiros, calendários,
bimestres, semestres e toda espécie de controle do tempo, sua principal marca estaria na
124
Piaget deixa claro em sua obra A noção do tempo na criança que as lembranças em uma criança nem sempre
possuem sentido de sucessão, pois está em desenvolvimento, então é comum para uma criança associar
características físicas, como a altura, com relação a idade, e neste caso ser mais alto implicaria em ser mais
velho, ter nascido primeiro.
125
Lino de Macedo é Professor Titular do Departamento de Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e
da Personalidade USP SP. Home page <http://www.usp.br/ip/professores/macedo-l.htm>. Apresentou
uma palestra em ocasião do centenário da relatividade na Exposição Einstein no parque do Ibirapuera em 22
nov 2008. Sua palestra foi transcrita e publicada pela revista Pesquisa Fapesp disponível em
<http://www.revistapesquisa.fapesp.br/pdf/einstein/lino.pdf> . Durante sua apresentação Macedo construiu
uma alegoria para falar a respeito do tempo, para o desenvolvimento (físico), para o ensino (atividade
docente) e para a aprendizagem (criança). Utilizaremos esta alegoria e faremos uma proposta interpretativa a
fim de construirmos um diagrama com base nas pesquisas de Piaget.
126
Aeon ( Æon ): O mesmo que Eon, Do grego antigo αών (ain), eternidade, período de tempo não-mensurável
(Wikcionario. Disponivel em <http://pt.wiktionary.org/wiki/%C3%A9on>. Acesso em 07 nov 2009.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
67
figura da escola. Da tensão entre Kairós e Aeon o desenvolvimento espontâneo ou psicológico
(cognitivo) que se no desenvolvimento da inteligência mesma: o que a criança aprende por
si mesma, o que não lhe foi ensinado, mas o que ela deve descobrir sozinha, isto muitas vezes
implica em “tempos particulares”
127
e, essencialmente é o que demanda tempo. O
desenvolvimento biológico naturalmente se dá entre este Kairós e Kronos.
Apresentamos a seguir este diagrama
128
construído a partir da alegoria apresentada por
Macedo bem como nossa compreensão dos trabalhos de Piaget.
Nossa percepção do tempo é relativa, ao executarmos algo que nos prazer o tempo
apresenta-se breve e rápido, no entanto em outros momentos pode apresentar-se longo e
vagaroso. Por exemplo, quando uma aula é prazerosa termina rapidamente ou ainda, todo
tempo não é suficiente diante do computador quando estamos em um jogo cativante. O tempo
de lermos um livro que nos atrai e o desejo de chegarmos ao fim nos mantém na ação, ou seja,
esta é uma relação com o tempo do prazer (tensão entre Aeon e Kairós). Torna-se claro, como
nos diz Piaget (2002, p.410) que o sentimento da duração depende das regulações afetivas da
ação. “O tempo da ação executada com interesse é por isso assimilável ao tempo da ação
rápida ou fácil, mesmo que esta ação não é senão um comportamento de atenção preceptiva”
(Piaget, 2002, p. 410). Piaget se perguntou também a respeito do movimento interno, o pensar
127
“Existem tantas series temporais quantos esquemas de ação sem que um tempo único os ligue uns aos outros,
pois este tempo único pressupõe o pensamento” (Piaget 2002, p425). Ora, Piaget expressa aqui à
individualidade de um tempo, propício para cada individuo visando seu desenvolvimento cognitivo. Mesmo
determinando uma média de idade para cada fase Piaget afirma em sua obra que existem diferenças quanto
ao tempo, mas não quanto à sequência de desenvolvimento, as idades podem variar de uma sociedade à outra,
mas a ordem de sucessão é constante.
128
O diagrama é uma livre interpretação do autor a partir da bibliografia e da palestra proferida pelo Prof. Lino
de Macedo.
Khronos
Aeon
Kairós
Desenvolvimento
Psico-social
Desenvolvimento Cognitivo
espontâneo
Desenvolvimento
Biológico
Fig. 10: Diagrama da “Tríade Temporal”
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
68
e observou que os resultados seriam os mesmos que foram para os resultados físicos, quando
o interesse diminui a impressão de duração do tempo aumentará e acrescenta que o tempo de
espera é comparável ao do trabalho difícil, ou seja, apresenta-se como longo e vagaroso.
Por meio do diagrama apresentamos uma forma figurativa do desenvolvimento total de
um indivíduo, “na realidade, o desenvolvimento é o processo essencial e cada elemento da
aprendizagem ocorre como uma fuão do desenvolvimento total, em lugar de ser um elemento que
explica o desenvolvimento (Piaget, 1972, p.1), pois consideramos que o desenvolvimento explica a
aprendizagem
129
e assim a construção do conhecimento possibilitará construções de aprendizagens por
mais diversificado que sejam os meios de aprendizagem – didática – pois uma vez que tais estruturas
do conhecimento já existam a aprendizagem será beneficiada por seus efeitos, como a constrão de
links com construções anteriores. A equilibração entre o novo e o antigo, entre o tempo presente , o
futuro e o passado e ainda o tempo interno e o tempo externo fundem-se no que chamamos de
desenvolvimento total, como a equilibrão na tensão dos três lados do triângulo que utilizamos como
representação.
Desta forma podemos perguntar se precisamos considerar "onde estamos quando
estamos fazendo o que de fato fazemos a maior parte do tempo, ou seja, desfrutando de nós
mesmos?" (Winnicott, 1975). Ao respondermos esta pergunta encontramos o meio pelo qual o
visitante em Myst será capaz de alcançar níveis de consciência quanto a si e quanto ao mundo.
A experiência do jogar em Myst nos convida ao diálogo com o nosso tempo interior, tempo da
ação, o Kairós, tempo ligado ao prazer e a fruição, que se sobressai em relação ao Khronos,
tempo lógico, cronometrado, certo e apressado. Tais figuras mitológicas, o deus Khronos
responsável pelo tempo, certeiro, exato, inflexível, autoritário, pré-determinado e seu filho
Kairós responsável por apresentar a fruição, o tempo incerto, flexível, aberto, interno,
determinado pela fome do prazer, garantem a contradição temporal apresentada em Myst, o
ek-stasis. Visto que neste jogo, neste universo paralelo a “pressa” a velocidade do jogar não
representa sinônimo de sucesso ou de satisfação, o jogador é convidado a um passeio, pois
não objetos a colecionar, não perigos que “ameacem sua vida” tampouco o tempo para
terminar e não se trata de uma corrida, o visitante sente-se livre para experimentar o espaço,
em seu próprio Kairós. Eis aqui uma das diferenças oferecidas para a formação do indivíduo,
uma vez que o tempo de aprendizagem, para construção do conhecimento não é único para
cada indivíduo. Neste universo, cada um segue seu próprio ritmo, desenvolvendo-se
livremente.
Myst favorece uma leitura expansiva sobre a construção do conhecimento, da identidade
e dos sentidos de quem o joga. É necessário enxergarmos as potencialidades do ambiente e os
desejos dos indivíduos, a fim de promovermos um sistema em constante mutação, um sistema
de fluxos contínuos, em que cada um possa agir expressando suas idéias, pois assim como
afirmamos o sujeito ordena o seu tempo próprio utilizando o tempo físico no qual integra as
suas ações. A construção do conhecimento cognitivo espontâneo decorre do interesse e
envolvimento do sujeito na ação, seja esta física ou psicológica, a noção do tempo está
intrinsecamente ligada ao desenvolvimento desta lógica que é possível ser apreendida
anteriormente a qualquer resultado. O sujeito envolvido em Myst, imerso em uma
contemplação, ek-stasis, encontra-se em posição favorável para formar este instrumento
129
Esta opinião é contrária a opinião amplamente sustentada de que o desenvolvimento é uma soma de unidades de
experiências de aprendizagem, e assim como Piaget, acreditamos que a aprendizagem ocorre em função do
desenvolvimento total.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
69
intelectual, formar uma lógica, necessária à construção de tal resultado, quando soluciona,
ultrapassa um puzzle, suas ações, internas e externas, implicam não somente no resultado
esperado, mas também na compreensão dos fundamentos do mundo em que se encontra, no
qual o sujeito “é”.
Nada sem razão
130
nihil est sine ratione (Leibniz) em latim razão e fundamento
se equivalem, esta propriedade etimológica nos serve de direção a fim de compreendermos o
comportamento dos visitantes em Myst, uma vez estando neste mundo, como visitantes,
buscamos a razão de “estarmos aí” (Dasein) e ao passo que avançamos nestas estruturas do
pensamento iremos adquirindo habilidades que ampliarão a formação deste instrumento a
lógica – e a forma de agirmos neste mundo Myst e qual o efeito de nossas ações, de nossa
intervenção neste universo paralelo. Conseqüentemente estes instrumentos desenvolvidos,
formados, por meio da dupla invariante de figuras, assimilação e acomodação prosseguirão no
desenvolvimento intelectual do sujeito em seu mundo vivido. A ação do Dasein no interior do
universo de Myst produz as estruturas que colaboram para a passagem no interior de cada
etapa de desenvolvimento, se desvelando mundos novos para novas ações e novas descobertas
que se colocam como aberturas de mundo para o Dasein.
Provavelmente o clímax de nossa pesquisa está na realização de experiências empíricas
tendo como base as palavras dos ilustres pensadores que nos guiaram até o pres-ente,
oferecendo todo subiectum a partir do qual erigimos os saberes decorrentes das oportunidades
desse encontro experiência neste mundo-vivido pelo Dasein e com isto deflagramos na
busca de compreensões deste fenômeno o tempo a fim de alcançarmos e oferecermos
oportunidades profícuas para tais desenvolvimentos.
Nossas observações ocorreram com os alunos de uma escola pública
131
que se
aventuraram em Myst observamos o desenvolvimento de uma auto-regulação quanto à
velocidade da navegação neste universo. Em locais explorados os jovens argonautas
passavam rapidamente, recordando um dos personagens da célebre obra de Lewis Carroll
Alice no país das maravilhas
132
na qual apresenta o Coelho Branco que não tem tempo, pois
está atrasado! Atrasado! Sempre apressado, correndo. Esta figura da “falta de tempo”
expressa como muitos dos digital natives comportam-se no mundo virtual e
consequentemente no mundo vivido. Este reflexo é nítido no pragmatismo predominante
desta geração.
130
Ratione em latim expressa tanto a palavra razão como fundamento.
131
E.E. Dna Ana Rosa de Araújo. Colégio público da rede estadual de ensino SEE-SP, vinculado a Diretoria
de Ensino Centro-Oeste.
132
Alice's Adventures in Wonderland (freqüentemente abreviado para "Alice in Wonderland"), é a obra mais
conhecida de Lewis Carroll e uma das mais célebres do gênero literário nonsense, sendo considerada obra
clássica da literatura inglesa. O livro conta a história de uma menina chamada Alice que cai em uma toca de
coelho e vai parar num lugar fantástico povoado por criaturas peculiares e antropomórficas. O livro faz
brincadeiras e enigmas lógicos, o que contribuiu para sua popularidade. Carroll também faz alusões a poemas
da era vitoriana e a alguns de seus conhecidos, o que torna a obra mais difícil de ser compreendida por
leitores contemporâneos. É uma das obras escritas da literatura inglesa que tiveram mais adaptações na
história do cinema, TV e teatro. (Wikipédia, a enciclopédia livre. Alice no País das Maravilhas. Disponivel
em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Alice_no_Pa%C3%ADs_das_Maravilhas>. Acesso em 1 nov 2009.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
70
Fig. 11: Coelho Branco
Em outros locais, “novos”, recém descobertos, os visitantes caminhavam mais
lentamente, mais reflexivamente, mesmo sem saber o que buscar, buscando, descobrindo,
aventurando-se em seu próprio tempo. Podemos traçar um novo paralelo com universo de
Alice:
Fig. 12: Encontro de Alice com
o Gato
Fig. 13: Ilha Selva – Trilhas
“-Podes dizer-me, por favor, que caminho devo seguir para sair daqui?
-Isso depende muito de para onde queres ir - respondeu o gato.
-Preocupa-me pouco aonde ir - disse Alice.
-Nesse caso, pouco importa o caminho que sigas - replicou o gato (Carroll, 1904, p.47).
A Imagem da Ilha Selva denota o mesmo sentimento de Alice ao estar em mundo novo
a ser explorado, a ser conhecido. A sutil diferença está no objetivo final, Alice não sabia qual
o propósito de sua presença naquele mundo. Em Myst Riven ao sermos convidados a
entrar, mesmo não conhecendo este universo, sabemos que Atrus pediu nossa ajuda para
encontrar Catherine. Mas para procurar precisamos explorar, não sabemos onde ela está, nem
se conseguiremos chegar até lá. A exploração torna-se o objetivo primeiro em decorrência do
“ser-no-mundo” (Dasein). Esta auto-regulação está intrinsecamente relacionada com a
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
71
autopoiese, ou ainda, confirma que o indivíduo está desenvolvendo-se de forma autopoiética
dentro de uma temporalização.
Ao caminharmos pela ilha selva todos os alunos, relatavam que estavam surpresos com
a quantidade de caminhos e que desta forma não seria possível verificar quem estava “na
frente”. Neste momento, nossos jovens viajantes, em um movimento de “tomada da
consciência” surpreendiam-se com a particularidade do jogo. Cada um pode seguir o caminho
que quiser! Nossa hipótese para tal comportamento de um digital native encontra-se na
relação com a quantidade de informações disponíveis no universo de Myst: gráficos
fantásticos, ambiente sonoro impecável, detalhes que complementam cada ambiente, efeitos
de luz e sombra e finalmente os puzzles. Sabemos quanto os digital natives prosperam por
meio de recompensas freqüentes, visto que estão acostumados a receber informações
realmente rápidas, gostam de processos em paralelo e multitarefa e preferem gráficos em
oposição a texto, ora a resolução de um puzzle oferece toda recompensa necessária. Será
possível que alguém não sinta prazer ao superar um obstáculo ou compreender o
funcionamento de um mecanismo? Dudeney133, brilhante criador de puzzles matemáticos
entre outros, nos guiará na resposta a esta questão. Ele descreve o quão extraordinário é o
fascínio que um enigma pode exercer sobre a maioria das pessoas, mesmo estando
conscientes de se tratar, por vezes, de um assunto trivial somos desafiados “e , quando o
conseguimos, inundam-nos um prazer e uma sensação de satisfação que são recompensa
suficiente para os nossos esforços” (Dudeney, 2008, p.15).
Este é o prazer da agência, da ação, e a possibilidade de visualizar os fatos decorrentes
desta ação ou ainda criar expectativas do que estará por vir futuro e confirmando desta
maneira o que afirmávamos anteriormente quanto ao futuro, que impulsiona a cadeia dos
êxtases, tornando-se uma antecipação; o passado, a retomada do que uma vez foi possível; e o
presente, o instante da decisão, da ação. Como forma de suplementar a velocidade da
informação temos a quantidade de informação, que são grandezas inversamente
proporcionais, transformando Myst em um espaço agradável para natives ou immigrants, pois
a ação em Myst contribui para constituição da auto-regulação134.
Neste desenvolvimento cognitivo espontâneo e, portanto particular, repousa o gérmen, a
semente, aguardando pelo momento certo de germinar. Nada sem razão, dizíamos
anteriormente quando nos referíamos a busca pela fundamentação de nosso mundo-vivido, se
a semente ainda não germinou, há uma razão; se a semente germinou e não encontrou “clima”
favorável para seu desenvolvimento pode ter perecido. O quanto deste processo foi
133
O inglês Henry E. Dudeney formou, com o também inglês Lewis Carroll, pseudônimo do reverendo Charles
Lutwidge Dodgson, e o norte-americano Samuel Loyd, o trio de personalidades do enigmismo no final do
século XIX. Henry Dudeney foi o mais notável criador de desafios matemáticos, sua dedicação aos quebra-
cabeças matemáticos serviu para projetar essa atividade, foi o último dos três enigmistas a entrar em
atividade, nascido em 1857, resolveu dedicar-se exclusivamente à criação de passatempos somente em 1890,
com 33 anos de idade. Sua principal trincheira foi a revista Strand (a mesma em que Conan Doyle
publicou as histórias de Sherlock Holmes), na qual foi o responsável pela coluna de passatempos
(Perplexities, tradução: "Perplexidades"), de maio de 1910 a junho de 1930. Tinha como especialidade a
Matemática, mas também atuou com sucesso nos jogos de palavras. Entre seus livros, destacam-se
Amusements in Mathematics (Divertimentos Matemáticos), de 1917; The World's Best Word Puzzles (Os
Melhores quebra-cabeças de Palavras do Mundo), publicado em 1925; e 536 Puzzles and Curious Problems
(536 Quebra-Cabeças e Problemas Curiosos), lançado postumamente em 1967 (Dudeney faleceu em 1930).
134
Observamos este fenêmeno durante as sessões de jogos e posteriormente nas respostas dos alunos ao
responderam um questionário (Modelo no anexo 4), questão de número seis.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
72
comprometido apenas à semente é capaz de responder. O que resta a nosso conhecimento e
nossa razão compreender é que o desenvolvimento cognitivo espontâneo é uma ferramenta
fundamental para o aprendizado escolar e não oferecer oportunidades para tal
desenvolvimento é gerar invernos rigorosos para educação. Necessitamos em nosso tempo,
em nosso mundo, de uma grande primavera para o desenvolvimento cognitivo espontâneo.
A utilização das novas tecnologias, de suas interfaces, como os games, como Myst,
podem nos oferecer um novo calore135 para o desenvolvimento de nossas sementes. Visto
que o assim como o tempo físico, o tempo psicológico se desenvolve por meio de
acontecimentos vividos, exteriores e interiores simultaneamente ou puramente interiores, a
diferença para o tempo físico está no grau da ação e não na natureza desta, pois “compreender
o tempo é então transcender o espaço mediante um esforço móvel. É essencialmente um
exercício de reversibilidade. Seguir o tempo na conformidade do curso dos acontecimentos
não é compreendê-lo é vivê-lo sem ter consciência disso” (Piaget, 2002, p.430). Para a forma
do Dasein, o qual nos acompanhou durante todo nosso percurso, não cabe a idéia de “viver
sem consciência”, o que apontamos é exatamente esta oposição em relação ao tempo o que
dizíamos no início deste trabalho em que consideramos o desenvolvimento propriamente
psicológico, desde a infância, em oposição a seu desenvolvimento escolar ou a seu
desenvolvimento familiar, ou seja, nossa ênfase foi e é o aspecto espontâneo desse
desenvolvimento, o desenvolvimento intelectual ou cognitivo. Com isso ao apontarmos as
experiências imersivas em Myst apontamos para uma ponte entre nossa fundamentação
teórica e nossa práxis.
Os universos de Myst permitem ao visitante o livre caminhar, a liberdade de tempo
necessário inclusive para compreender o próprio tempo. A liberdade da navegação no tempo
tem então como resultante a construção de uma historicidade para cada Dasein que se
aventura nos mundos de Myst. Os ambientes de Myst são construídos por contrastes, luz e
sombra. Não vemos o sol se mover e não sabemos se anoitece em Myst. No entanto o céu,
como uma pintura surreal pode nos surpreender com a beleza de um outono, repleto de tons
de vermelho, rosa e amarelo; ou com a claridade do verão com o azul confundindo-se com o
oceano que cercam as ilhas em um beijo no horizonte. A temporalidade em Myst se por
meio desses contrastes.
O tempo é indicado por signos, imagens, ou seja, pela physis de Myst. O visitante pode
percorrer um túnel escuro e ao longe avistar uma saída, à luz, o céu, um novo céu. Quanto
tempo terá se passado enquanto estávamos no túnel? Mas assim como Heidegger nos dizia da
primazia do tempo em relação ao espaço, pois mesmo percebendo que tal túnel nos conduziu
a outro local, nossa pergunta será “o que faremos agora?e não “o que faremos aqui?”. Tal
primazia nos revela a temporalidade gerada por Myst e consequentemente seus reflexos na
percepção, na duração e na sucessão dos eventos para objetivar a pergunta reguladora “o que
faremos agora?” e por meio de estados de equilibração alcançamos formas que nos
aproximam constantemente, em um processo expansivo em direção ao estado de desenvolver
os links para quaisquer “agora” e então estaremos vivenciando a combinação como nova
amplitude de conexões (internas e/ou externas). Recordamos o aprendido com Winnicott
(1975) quanto afirma que a criança que brinca habita uma área que não pode ser facilmente
abandonada, nem tampouco admite facilmente intrusões. Assim em Myst o explorador
135
Calore: expressão italiana que significa calor; entusiasmo; cordialidade; paixão; excitação; ardor; fervor;
animação; brilho; alma; espírito.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
73
encontra seu tempo particular e nele pode desfrutar de todo “tempo” que desejar, seja
passeando, correndo, resolvendo os puzzles ou procurando maneiras de passar por eles sem
resolvê-los (o que ao nosso exame também se assemelha a um puzzle).
Fig. 14: Visão Panorâmica Ilha Selva – Encosta
Fig. 15: Ilha Templo – Templo ao Wahrk
Fig. 16: Ilha Selva – Escadaria
Fig. 17: Ilha Selva – Escadaria na Caverna Azul.
Fig. 18: Ilha Selva – Área de Controle da Armadilha
para o Wahrk – Observatório.
Fig. 19: Ilha Platô – Corredor de Vidro
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
74
Fig. 20: Era Tay ou Moiety – Grande Árvore
Moiety
Fig. 21: Era 233º – Visão panorâmica da Era de
Gehn.
Fig. 22: Era Tay ou Moiety – Moradias no Interior
da Grande Árvore
Fig. 23: Era 233º – Era de Gehn – Escrivaninha de
Gehn
O referencial de Myst, objeto constante em nossa reflexão, está em apresentar-se como
um convite, como uma demanda. Ninguém se obriga a “brincar” ou a “jogar” ao aceitar o
convite entramos no jogo e estamos dispostos a ser Dasein no universo em que entramos.
A intencionalidade de Myst está na descoberta constante, dos detalhes, na superação de seus
puzzles que motivam o visitante, confrontando-o e colocando-se como marco de
temporalidade. Assim diríamos “agora que passei pelo templo de Gehn...” ou ainda “agora
descobri apara que servem tais alavancas...”, estas expressões denotam a assimilação de uma
temporalidade frente ao próprio obstáculo superado. Da mesma forma que as crianças
utilizavam referências externas no seu desenvolvimento e na interiorização do tempo
psicológico introduzem também figuras, signos que marcam tais sucessões. Então ao
perguntarmos para um visitante de Myst “quanto tempo você demorou para terminar o jogo?
Muitos responderão sugerindo que este tempo não importa, importa que “agora” superando
determinado puzzle pode-se continuar jogando. A satisfação não encontra-se em ser o mais
rápido, ou o mais ágil, mas sim em ser aquele que se descobre quanto “senhor de seu tempo”
em Myst.
Esta relação existente entre o tempo de jogar e o tempo de “pensar no jogo” torna-se
muito estreita uma vez que Myst é um jogo em primeira pessoa, assim decidimos, escolhemos
para onde ir e o que faremos, porém temos ainda uma escolha no mínimo interessante, uma
vez que podemos salvar o jogo, em determinado ponto, sair e depois retornar para o jogo
exatamente no ponto em que estávamos.
Jogadores ou usuários de microcomputador conhecem a importância de “salvar” seus
dados, e neste caso implica-se ainda mais esta atitude do jogador, pois no jogo, salvar, seria
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
75
um equivalente ao parar o tempo, congelar o movimento, cessar toda e qualquer atividade
neste universo. Diante de um desafio que aparentemente irá alterar muitos objetos e se acaso
nos embaralharmos demais em um dos puzzles podemos re-começar do ponto em que o jogo
foi salvo. No entanto, cognitivamente as sucessões continuam, não existe recomeço, o tempo
em suas sucessões e durações flui continuamente no pensar, pois se minha escolha levou-me
por um caminho que julguei “errado” e agora irei por outro, isto é fruto de uma reflexão,
classificação e sucessão com referência ao passo anterior em virtude de uma antecipação ou
método antecipatório visando um fim. Trata-se da própria definição de método sistemático
136
que possibilita a seriação como um processo pelo qual se comparam os objetos e se
estabelecem as diferenças entre eles.
Piaget referia-se a reversibilidade operacional como a habilidade ou capacidade da
criança de seguir um raciocínio de volta ao ponto de partida, é o ir e vir do pensamento. Em
Myst as ações de “salvar” e depois “abrir” e continuar a jogar são expressões desta
reversibilidade operacional. A relevância deste tipo de raciocínio está na possibilidade de
identificar quando estamos repetindo determinadas ações, propositadamente ou
acidentalmente, ora tal possibilidade de identificação decorre da própria tomada da
consciência ou generalizações provenientes da observação e reflexão de um determinado
problema.
Desta forma as implicações cognitivas derivadas da percepção temporal no interior de
Myst revelam a riqueza das possibilidades de tais construções, como as seriações e
classificações, estas que constituem estruturas cujas leis são definidas para o lógico e o
matemático e tendem a converter-se em estruturas lógico-matemáticas
137
.
Ao afirmarmos a necessidade do tempo quanto duração e sucessão estamos interligando
todo este processo de construção do conhecimento que é constante e intrínseco a própria
constituição da noção do tempo e, portanto não descrevemos as vantagens ou desvantagens
que existam ao se promover qualquer tipo de aceleração no desenvolvimento de uma criança,
a questão central é oferecer a oportunidade para seu desenvolvimento e isto implica em sua
própria leitura do mundo, pois desconhecendo as estruturas pré existentes qualquer que seja a
aceleração pode ter como conseqüência a não superação de alguma etapa (sucessão) e desta
forma rompendo com a sucessão romper o equilíbrio. O ideal da educação não é aprender ao
máximo, ou ainda ensinar com o objetivo de maximalizar os resultados
138
. É necessário antes
de tudo aprender a aprender. É aprender a se desenvolver e aprender a continuar a se
136
Método Sistemático consiste em identificar, primeiro, o elemento menor (ou maior) de todos, depois o menor
dos que restaram e assim sucessivamente, pois testemunha que um elemento qualquer x é, ao mesmo tempo,
maior do que os precedentes e menor do que os seguintes (numa ordem decrescente). É também um método
antecipatório, pois o sujeito sabe que ao procurar o menor elemento dos elementos restantes constituíra uma
série. Este é o caráter antecipatório do esquema de seriação.
137
Na teoria piagetiana, pode-se dizer que primeiro a ão/operação, depois a construção cognitiva. Em
outros termos, mas tomando o exemplo das classes no contexto das noções lógico-matemáticas, pode-se dizer
que uma “classe supõe classificação, e o fato primeiro é constituído por esta última, porque as operações de
classificação que engendram as classes particulares” (Piaget 1977, p. 44); antes de o ser uma classe como tal,
ela é uma coleção intuitiva (e o mesmo se verifica em outras situações, independentemente se envolvam
noções infralógicas ou de valores). Seriação se na adição de diferenças enquanto a classificação ocorre
em todos os níveis de desenvolvimento, pois são condutas em relação aos objetos.
138
Atualmente sofremos a influência de uma “filosofia dos resultados”, na qual muitas vezes os resultados
esperados são contemplados em gráficos de rendimento, onde tais resultados “positivos” justificam os fins
sublimando o processo em decorrência dos resultados.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
76
desenvolver depois da escola. Parafraseando Piaget, devemos recordar que compreender
sempre significa inventar ou reinventar e cada vez que o professor uma lição, ao invés de
possibilitar que a criança aja, impede que ela invente as respostas.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
77
Fale-me, e eu esquecerei.
Mostre-me, e eu poderei me lembrar.
Envolva-me, e eu compreenderei.
Confúcio - cerca de 450 a.C.
Neste capítulo procuraremos enfatizar a importância da imaginação e da abstração na
construção e constituição do pensamento e consequentemente na construção do conhecimento
matemático. Partindo-se da idéia de número e do poder imersivo das brincadeiras com
enredos ou histórias, buscaremos demonstrar como estes importantes eventos se unem em um
game e contribuem para o desenvolvimento de uma matemática anterior as formalizações.
Sob a luz de obras de Russel, Gadamer, Piaget, D’Ambrosio entre outros, desdobraremos
nosso trabalho no intuito de alcançarmos algumas faces ocultas dos puzzles de Myst que
podem contribuir significativamente para a formação e constituição do raciocínio lógico
matemático e da mesma forma a esta matemática que emerge dos jogos na resolução de
problemas.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
78
Para compreendermos a influência dos jogos eletrônicos no processo de aprendizagem
tomaremos como ponto de partida a importância da imaginação e da abstração para o
desenvolvimento do conhecimento matemático. Qual a criança que nunca viajou em sua
imaginação com brincadeiras e jogos fantasiosos? É impossível respondermos esta questão
uma vez que para nós parece inato a habilidade de imaginar, e nas brincadeiras infantis isto se
torna evidente. Singer (2007) afirma que a brincadeira simbólica inicia-se de forma mais
primitiva por volta dos 2 anos de idade e não é difícil verificar o animismo
139
nas brincadeiras
das crianças. Elas codificam a realidade em imagens, metáforas e narrativas concretas “como
seus pensamentos são integrados de forma mais grosseira, [...] crianças muito pequenas
apresentam confusão quanto ao tempo, ao espaço e aos números” (Singer, 2007, p.43), assim
conforme vão se desenvolvendo também suas habilidades para brincadeiras mais sofisticadas,
com regras e personagens mais definidos também se desenvolve, pois “as crianças
estabelecem as regras quando desenvolvem seus scripts para uma determinada brincadeira”
(Singer, 2007, p.43), logo o potencial imaginativo e simbólico torna-se uma fonte de
inspiração para apresentarmos novos desafios para as crianças em idade escolar
140
.
Singer (2007), em sua obra, nos diz que o processo imaginativo é mais amplo do que
simplesmente imaginar um estimulo concreto. A imaginação pode envolver sequências
verbais elaboradas conduzidas pela consciência ou ainda tomar forma semelhante a histórias
em virtude do que se deseja para o futuro. Imaginamos uma viagem, imaginamos como seria
se tivéssemos tomado outra atitude em determinados fatos, estamos sempre imaginando,
construindo diálogos interiores, de certa forma estamos realizando “testes virtuais” que
podem ou não se comprovar na realidade.
“A imaginação é uma forma de pensamento humano caracterizada pela
habilidade de o indivíduo reproduzir imagens ou conceitos originalmente
derivados dos sentidos básicos, mas agora refletidos em nossa consciência
como memórias, fantasias ou planos futuros” (Singer, 2007, p.27).
Assim é do mundo vivido que emerge a imaginação, pois esta decorre dos sentidos
básicos, porém refletidos, interpretados, conscientes, generalizados. Então a imaginação
apresenta-se como a primeira forma de resgatarmos antigos conceitos apreendidos do mundo,
no processo de assimilação e acomodação, no contínuo equilibrar-se e desequilibrar-se no
qual nos desenvolvemos. Desta forma esta habilidade de efetuar “testes” imaginativos é
semelhante ao processo de resolução de problemas. Quando nos envolvemos na resolução de
um problema, cabe a consciência dar significado a experiência que sofremos e quando
139
Utilizamos este termo com o mesmo significado atribuído por Singer (2007), ou seja, quando damos
características humanas ou propriedades fisiognômicas a objetos inanimados.
140
Recentemente, duas leis federais alteraram a lei de diretrizes e bases da educação nacional para instituir a
obrigatoriedade da matrícula no ensino fundamental aos seis anos de idade e a ampliação deste nível de
ensino para nove anos de duração. cf. ampliação do ensino fundamental para nove anos de duração e a
matrícula aos seis anos de idade. Jus Navigandi, Disponível em
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9238>. Acesso em 7 jan 2009.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
79
estamos neste processo podemos imaginar maneiras para solucionarmos o problema,
propormos soluções e assim abstrairmos elementos para determinar a possível solução.
Abstrair significa literalmente “pôr de lado”, “arrancar”. A “coisa” abstraída é “o abstrato” e o
ato de pôr de lado é uma abstração. Quando o pôr de lado é mental e não físico a abstração é
uma maneira de pensar por meio da qual nós separamos conceitualmente “algo de algo”.
Muitas separações deste tipo são possíveis, mas as filosoficamente importantes para nós são
aquelas em que a “coisa separada ou abstraída” é o elemento que chamamos de “geral” ou
“universal”. Exemplificando, existem inúmeras espécies, cores e tamanhos de flores, no
entanto quando dizemos “flor” estamos abstraindo o termo geral ou universal.
Inevitavelmente se dissermos a palavra “flor” em uma sala com 40 pessoas, será mínima a
chance de duas pessoas imaginarem a mesma flor, e que esta seja a flor a qual nos referimos.
O dicionário de filosofia Abbagnano apresenta a seguinte definição para o termo abstração:
“[...] É a operação mediante a qual alguma coisa é escolhida como objeto de
percepção, atenção, observação, consideração, pesquisa, estudo, etc., e
isolada de outras coisas com que está em uma relação qualquer.”
(Abbagnano, 1998, p.4).
Podemos caracterizar a abstração como um processo recorrente da imaginação e
igualmente fundamental na construção do conhecimento. Aristóteles defendia uma concepção
mais conceitual da abstração, “as idéias ou formas obtidas por abstração não eram
necessariamente, para ele, meros signos mentais, tais abstrações representavam a realidade
quanto objeto da ciência.”
141
(Mora, 1964, p.36). Assim temos uma convergência no que diz
respeito à abstração quanto representação da realidade, pois Merleau-Ponty nos dirá que:
“O movimento concreto é, portanto centrípeto, enquanto o movimento
abstrato é centrífugo; o primeiro ocorre no ser ou no atual, o segundo no
possível ou no não-ser; o primeiro adere a um fundo dado; o segundo
desdobra ele mesmo seu fundo. A função normal que torna possível o
movimento abstrato é uma função de ‘projeção’ pelo qual o sujeito do
movimento prepara diante de si um espaço livre onde aquilo que não existe
naturalmente possa adquirir um semblante de existência” (Merleau-Ponty,
2006, p.160)
Enquanto o movimento concreto tende ao interior o movimento abstrato tende ao
exterior, ou seja, a sua atualização no real. Atualizando o real o abstrato emerge como função,
como utilitário fundamental para o desenvolvimento da cognição humana, visto que esta
habilidade é essencial ao ser humano e para seu contínuo desenvolvimento. Um contínuo
atualizar-se, um devir pleno e constante. Esclarece-nos então que “o hábito exprime o poder
que temos de dilatar nosso ser no mundo ou de mudar de existência anexando a nós novos
instrumentos” (Merleau-Ponty, 2006, p.199), assim adquirimos o hábito de sermos com eles
ou invés de somente estarmos com eles, como diria Merleau-Ponty. As novas tecnologias
ampliaram nosso mundo e nosso campo visual não pode mais se limitar, e isto implica
também a educação quanto a não limitação as tradicionais
142
salas de aula.
141
Texto original: “Aristóteles se inclinó hacia uma concepción más conceptualista de La abstracción, pero las
ideas o formas obtenidas por abstracción no eran necesariamente para él meros signos mentales:
representaban la realidad en tanto que objeto de ciencia.”
142
Entende-se por tradicional sala de aula a uma estrutura ainda muito presente nas entidades educacionais, nas
quais o professor representa a “fonte do sabere dele “emana” o conhecimento para os alunos, ou ainda para
os alumni sem luz. “A linha tradicional de ensino teve a sua origem no século XVIII, a partir do
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
80
A imaginação quanto processo capaz de simular ações simulações ou ainda de
projetar construções mentais processa-se como impulso para a abstração no atualizar-se do
mundo ao nosso redor. É neste movimento para o exterior que temos a necessidade de
resgatarmos o valor da imaginação e da abstração para o trabalho educacional e
particularmente o trabalho matemático. Neste contexto apontamos a utilização dos games
como forma de valorizar o lúdico (atualizado as gerações digitais) bem como aceitar os novos
valores que emergem desta cultura cibernética globalizada e constantemente conectada, pois
um dos elementos diferenciais dos games é a sua possibilidade de introduzir no plano da ação
humana computadorizada, na relação homem-máquina-mundo, aquilo que podemos chamar a
lógica da descoberta.
Apesar de apresentar-se em diversas versões para este trabalho utilizaremos Myst II
Riven, a escolha desenvolveu-se tendo como base a quantidade e qualidade dos desafios
ofercidos por esta versão, divulgada entre as comunidades Myst na internet. Desde sua
primeira versão, Myst apresentava em sua proposta um espaço para introduzir o argonauta
digital em uma posição de abertura para uma progressiva apreensão de uma lógica da
descoberta e, com isso, assimilar, cada vez mais, esquemas de complexidade crescentes
dentro da narrativa básica do game e com isto “o movimento abstrato cava, no interior do
mundo pleno no qual se desenrola o movimento concreto, uma zona de reflexão e de
subjetividade, ele sobrepõe ao espaço físico um espaço virtual ou humano” (Merleau-Ponty,
2006, p.160). Myst oferece um abraço entre a imaginação e a abstração convidando seu
visitante para um passeio, uma “volta” pelos seus espaços e encantando-nos com sua história
enredo e qualidade gráfica e sonora. E nesta imersão sensorial tal movimento abstrato
germina e cresce, desdobrando-se em descobertas e reflexões sucessivas, bem como
reavaliações decorrentes deste processo de atualização.
Com esta habilidade de sobrepor ao espaço físico um espaço virtual nos conta a história
da matemática a respeito de Arquimedes que ao observar o deslocamento da água, causado
pela imersão de seu corpo na banheira, começou a repetir esse processo mentalmente,
imaginando que o mesmo ocorreria para outros corpos, em seguida ele passou a procurar uma
maneira de descrever tal evento, uma abstração. Ao conseguir uma relação matemática do
ocorrido sua emoção foi tamanha que saiu correndo nú pelas ruas de Siracusa gritando
“Eureka!”. A relevância neste episódio, quer seja real ou fictício com Arquimedes, está no
fato de partindo-se de uma experiência pessoal, sensível, ele abstraiu os elementos necessários
para resolução de seu problema. Em seu insight resolveu mentalmente o problema que o Rei
Hierão
143
teria colocado em suas mãos.
Iluminismo. O objetivo principal era universalizar o acesso do indivíduo ao conhecimento. Possui um
modelo firmado e certa resistência em aceitar inovações, e por isso foi considerada ultrapassada nas cadas
de 60 e 70. O professor é o guia do processo educativo e exerce uma espécie de ‘poder’. Tem como função
transmitir conhecimento e informações, mantendo certa distância dos alunos, que são ‘elementos passivos’,
em sala de aula”. (Só Pedagogia. Disponível em <http://www.pedagogia.com.br/conteudos/tradicional.php>.
Acesso em jun 2009).
143
“Conta-se que certa vez, Hierão, rei de Siracusa, no século III a.C. havia encomendado uma coroa de ouro,
para homenagear uma divindade que supostamente o protegera em suas conquistas, mas foi levantada a
acusação de que o ourives o enganara, misturando o ouro maciço com prata em sua confecção. Para
descobrir, sem danificar o objeto, se o seu interior continha uma parte feita de prata, Hierão pediu a ajuda de
Arquimedes. Ele pôs-se a procurar a solução para o problema, a qual lhe ocorreu durante um banho. A lenda
afirma que Arquimedes teria notado que uma quantidade de água correspondente ao seu próprio volume
transbordava da banheira quando ele entrava nela e que, utilizando um método semelhante, poderia comparar
o volume da coroa com os volumes de iguais pesos de prata e ouro: bastava colocá-los em um recipiente
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
81
Neste constante movimento da abstração e construção do real é que a consciência faz
existir diante dela mesma seus pensamentos enquanto coisas e no exercício de desenhar e
abandonar paisagens, por meio da imaginação e abstração, constrói e reconstrói o real.
“A ação gera conhecimento, gera a capacidade de explicar, de lidar, de
manejar, de entender a realidade, gera o matema. Essa capacidade transmite-
se e acumula-se horizontalmente, no convívio com outros, contemporâneos,
por meio de comunicações, e verticalmente, de cada individuo para si
mesmo (memória) e de cada geração para as próximas (memória histórica).
(D’Ambrósio, 2007, p.23).
Evidentemente todo conhecimento humano resulta de um processo inacabado e por
consequência infinito
144
. Ao utilizarmos, em nosso período histórico, os números e suas
representações, muitas vezes não percebemos essa herança que recebemos de nossos
ancestrais. Assim, quando “a ação gera conhecimento” refletimos o ocorrido com Arquimedes
no que resultou em seu "Tratado dos Corpos Flutuantes
145
", onde estabeleceu as leis
fundamentais da Estática e da Hidrostática. Esta ão ultrapassa o tempo e o espaço e faz
parte de nossa memória histórica. Toda construção naval e princípios hidraulicos, entre outras
tecnologias, devem seu valor a Arquimedes e com isso gerou-se uma capacidade para se
explicar os fenômenos hidrostáticos.
Dentre os objetos pertencentes à matemática o mais primitivo e provavelmente tão
antigo quanto à humanidade é o número
146
, ou a idéia de número. A necessidade de contar
está intrinsecamente ligada à vida e ao desenvolvimento humano e, portanto a sua
constituição e história. Questões a respeito da natureza dos números e suas representações
foram objeto de estudo de grandes pensadores, entre eles Russel, que procurou sintetizar,
reunir e resgatar tais reflexões. Procuraremos recorrer a tal conceito para desta forma
prosseguiremos com nosso trabalho enfatizando a relevância da imaginação e da abstração no
desenvolvimento do conhecimento matemático. Russel nos dirá que “número é o que é
característico dos números, como homem é o que é característico dos homens [...]. Um
número é algo que caracteriza certas coleções, a saber, aquelas que têm aquele número”
(Russell, 2007, p. 28), desta forma entendemos por coleção a idéia de classe e assim
verificamos que a “entidade número”, em termos aristotélicos, seria o substare – a essência ou
natureza, substância que permanece apesar de outras características acidentes. Assim,
cheio de água, e medir a quantidade de líquido derramado. Feliz com essa fantástica descoberta, Arquimedes
teria saído à rua nu, gritando ‘Eureka! Eureka!’ (Encontrei!Encontrei!)”. Wikipédia, a enciclopédia livre.
Disponivel em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Arquimedes#Hidrost.C3.A1tica:_.22Eureka.21_Eureka.21.22>.
Acesso em 05 de mai 2009.
144
Infinito, representado com o símbolo
, é uma noção quase-numérica empregada em proposições
matemáticas, filosóficas ou teológicas e que faz referência à falta de limite e falta de fronteira no tamanho,
quantidade ou extensão. (Wikipédia. Disponivel em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Infinito>. Acesso em 7 fev
2009).
145
Em Física, no seu "Tratado dos Corpos Flutuantes", estabeleceu as leis fundamentais da Estática e da
Hidrostática. Um dos princípios fundamentais da hidrostática é assim enunciado: "Todo corpo mergulhado
total ou parcialmente em um fluido sofre uma impulsão vertical, dirigido de baixo para cima, igual ao peso
do volume do fluido deslocado, e aplicado no centro de impulsão." (Wikipédia, a enciclopédia livre.
Arquimedes. Disponível em: <
http://pt.wikipedia.org/wiki/Arquimedes#Obras>. Acesso em 10 nov 2008).
146
“A pergunta ‘Que é um número? foi formulada muitas vezes, mas foi corretamente respondida em nosso
próprio tempo. A resposta foi dada por Frege em 1884, em seu Grundlagen der Arithmetik” (Russell, 2007,
p. 28). Será resgatando esta resposta que Russel desenvolve seu discurso, bem como será também o nosso.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
82
homem é homem independente de ser baixo ou alto; gordo ou magro. O número 3 é o número
3 independente de ser designado a 3 homens ou a 3 cavalos.
Entendemos que “a entidade número” é uma idéia e como tal encontra-se, como diria
Platão, no mundo das idéias, fora do que classificamos como realidade vivida. A natureza do
número é ideológica. “[...] o número 2, em qualquer outro sentido, é uma entidade metafísica
com relação a qual nunca teremos certeza de que existe ou de que a apreendemos.” (Russell,
2007, p.36). Talvez isto explique a necessidade que as antigas civilizações tiveram em criar
seus sistemas numéricos na tentativa de concretizar tal idéia, e com isto a tentativa de torná-la
sensível ou acessível, manipulável. A idéia de número foi fundamental para a criação de uma
matemática abstrata juntamente com suas aplicações. Imaginar problemas e propor soluções
tornou-se uma tarefa também matemática. Foi assim que muitas civilizações antigas deixaram
seu legado para gerações futuras.
“A matemática é um instrumento importantíssimo para a tomada de
decisões, pois apela para a criatividade. Ao mesmo tempo, a matemática
fornece os instrumentos necessários para uma avaliação das conseqüências
da decisão escolhida. A essência do comportamento ético resulta do
conhecimento das conseqüências das decisões que tomamos”. (D’Ambrosio,
2002, p.4)
A criatividade está ligada a imaginação e consequentemente a abstração e ao
movimento que transforma e atualiza a realidade, assim discorríamos e com isto
compreendemos que o desenvolvimento de habilidades matemáticas envolve muito mais do
que “o fazer contas”, o conhecimento matemático está associado ao desenvolvimento de um
povo, em seus aspectos mais diversos, incluindo o cultural, ético e o estético. Ao verificarmos
algumas civilizações antigas como os Mesopotâmicos, Egípcios, Gregos, Romanos, Maias,
entre outros, estaremos olhando para todas as formas de representações que estes povos
criaram para expressar “objetos abstratos” como os números. Deste modo torna-se inegável a
participação da criatividade destes povos objetivados a superarem seus obstáculos e
realizarem construções monumentais que marcaram de forma indelével a história da
humanidade.
Salientamos que tais civilizações não existiram em períodos históricos distintos, umas
após as outras, linearmente distintos, ao contrário, muitas coexistiram durante séculos e,
embora localizadas em regiões diferentes, mantiveram contato umas com as outras. Com a
exceção dos maias, que habitavam a América, as civilizações da Europa, Oriente e Oriente
Médio, trocavam mercadorias e conhecimentos e por meio de tais intercâmbios culturais, nos
quais também estavam envolvidos os conhecimentos matemáticos desenvolvidos por estes
povos, podemos contemplar a forma como este intercâmbio refletiu no desenvolvimento de
suas matemáticas, na forma de contar e de escrever os seus números. Assim a matemática,
enquanto atividade humana acompanha a própria história da humanidade e “essa capacidade
transmite-se e acumula-se horizontalmente, no convívio com outros” e, portanto procuramos
olhar a matemática fundamentalmente como um produto da sociedade histórica, pois assim
sua configuração torna-se incomensuravelmente mais rica ao compreendermos as culturas que
a produziram.
Os sumérios, a cerca de 3500 a.C. eram povos da região chamada de mesopotâmia,
recorreram a um sistema de numeração cuja base era 60. Foram, aliás, o único povo na
história, que temos notícia, a desenvolverem um sistema sexagesimal. Os símbolos numéricos
eram esculpidos em pequenas placas de argila, que serviam de base de “impressão” da escrita
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
83
cuneiforme, posteriormente os babilônicos, também povos da mesopotâmia, desenvolveriam
seu sistema baseados neste com pequenas variações. Eram usados os seguintes pictogramas:
• um pequeno “prego” vertical, , que representava a unidade.
• uma “cunha”, , para representar a dezena.
• para o sexagésimo número recorreram a um “prego” vertical de maior dimensão:
Encontraram-se também representações para 600 (60 ×10), para 3600 (602), para 36000
(602 × 10) e para 216000 (603). Todavia, essas representações eram conseguidas por meio de
composições recorrendo aos pictogramas anteriores:
• 600 unidades por um “prego” vertical associado a uma “cunha”:
• 3600 unidades por um polígono formado pela reunião de quatro “pregos”:
• 36000 unidades por um polígono do tipo precedente, munido de uma “cunha”:
216 000 unidades combinando o polígono de 3600 unidades com o prego das sessenta
unidades:
A seguir apresentamos uma tabela com a numeração suméria de 1 até 59 com o
propósito de observarmos a simbologia empregada na representação dos números.
Fig. 24: Tabela dos primeiros 59 “números” do sistema sexagesimal cuneiforme sumério. Imagem extraída de
<http://www-history.mcs.st-andrews.ac.uk/history/HistTopics/Babylonian_numerals.html>. Acesso em 09 jul
2009).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
84
Observamos ainda, em dois exemplos, a figura 23 (representação cuneiforme de
duzentas e vinte e uma unidades) e a figura 24 (representação cuneiforme de cento e dezessete
unidades). Ambas as imagens foram extraídas de: Ifrah, 1997, apud Almeida, 2007, p.18.
Fig. 25: Escrita cuneiforme – número 221
Fig. 26: Escrita cuneiforme – número 117
Outro povo que deixou marcas de seu poder cultural e sua matemática foram os
egípcios. A civilização Egípcia, a cerca de 3000 a.C., também se utilizou de pictogramas para
representar seus números, semelhante ao sistema de numeração de base dez (decimal), porém
com pictogramas.
Fig. 27: Pictograma Egípcio. Disponivel em: <http://img147.imageshack.us/img147/3766/jnil90ednumeros.jpg>
Fig. 28: Tabela com símbolos da numeração egípcia – hieróglifos. (Imagem extraída de <http://www-
history.mcs.st-andrews.ac.uk/history/HistTopics/Egyptian_numerals.html>. Acesso em 09 jul 2009).
Para escrevermos o número 322 utilizaríamos os seguintes símbolos:
, teremos desta forma, 100 + 100 + 100 + 10 + 10 + 1 + 1 = 322.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
85
Outros exemplos utilizando a leitura vertical, uma vez que para os egípcios a leitura de
um número poderia ocorrer em qualquer sentido, ou seja, da direita para esquerda ou da
esquerda para direita, de cima para baixo ou de baixo para cima.
Fig. 29: Hieróglifo para número 276
Fig. 30: Hieróglifo para número 4622
D’Ambrósio (2007, p.24) nos ensina que “[...] a descoberta do outro e de outros,
presencial ou historicamente, é essencial para o fenômeno vida”. Certamente o ambiente e o
período histórico bem como suas necessidades foram motivadores da criação de cada sistema
de numeração e da mesma forma podemos conluir que é inegável a presença da imaginação
na construção desses objetos. Diante da necessidade, cada civilização co-evoluindo carregou
consigo uma marca própria, contextualizada, com isto a construção de um pensamento
matemático destinado a resolução dos problemas e para isso os números foram fundamentais,
pois “se queremos perceber aquilo que subjaz à ‘função simbólica’, precisamos
primeiramente compreender que nem mesmo a inteligência se acomoda ao intelectualismo”
(Merleau-Ponty, 2006, p.179). A reflexão e o constante atualizar-se e atualizar a realidade
transfigura-se em um exercício abstrato e imaginativo, constituindo também parte da
habilidade evolutiva e transformadora do homem no mundo.
A imaginação assume um papel fundamental na construção intelectual e da própria
abstração. Os egípcios certamente sabiam que suas pinturas feitas nas paredes de seus templos
ou palácios representavam histórias, narravam acontecimentos ou ainda lembrava-os de seus
deuses. Como já foi dito a ação gera conhecimento, gera a capacidade de explicar, de lidar, de
manejar, de entender a realidade, gera o matema. A matemática é e permanecerá uma ciência
da demonstração, porém, não esqueçamos que são as épocas e os lugares que impõem o grau
e o rigor da formalização
Da mesma forma a abstração apresenta-se como uma ferramenta indispensável para o
pensamento, para o raciocínio, uma vez que compreendemos o real partindo de figuras ou
signos mentais imaginários ou abstratos e manipulando esses símbolos somos capazes de
reconstruir nossa realidade, assim nos diz Bunge referindo-se a ciência sistemática:
“Enquanto os animais inferiores somente estão no mundo, o homem tenta
compreendê-lo; e na base de sua inteligência imperfeita, mas perceptível do
mundo, o homem tenta dominá-lo para fazê-lo mais confortável. Neste
processo, constrói um mundo artificial: esse corpo crescente das idéias
chamou-se a ciência sistemática, exata, verificável’, que pode ser
caracterizada como o conhecimento racional, e conseqüentemente passível
de falhas. Por meio da pesquisa científica, o homem alcançou uma
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
86
reconstrução conceptual do mundo que é cada vez mais ampla, profunda e
exata”
147
(Bunge, 1976, p. 6).
A matemática, mesmo sendo conhecida como a maior de todas as ciências exatas, pelo
seu caráter formalista, quer seja dedutivo ou indutivo, revela-se como grande aliada da
criatividade ao fazer uso da imaginação e abstração para se estruturar quanto “ciência dos
números”. O desenvolvimento da matemática está inexoravelmente ligado a capacidade
imaginativa do homem. D’Ambrosio (2003, p.4) nos dirá que “o homem incursiona no
passado e no futuro. Indaga sobre o que e como foi, e sobre o que e como será. Procura
explicações sobre o passado e predições sobre o futuro, transcendendo espaço e tempo,
criando representações sobre o que não vê”. Assim da mesma forma que Bunge, D’ Ambrosio
caracteriza o homem ser humano como um ser que compreende o mundo a partir de suas
representações, de suas habilidades de idealizar o mundo vivido e atualizá-lo e isto em
movimento contínuo, pois a ciência continuará sempre buscando novas representações, novas
sistematizações, novas atualizações do mundo. Neste intuito parece-nos natural que a
educação e por consequência a matemática escolar
148
venha a se atualizar com o mundo
vivido e desta forma gerar novas idéias e abstrações neste movimento do pensar a matemática.
Vejamos um caso muito intrigante na história da matemática
149
. No culo XVI,
matemáticos como Cardano e Bombelli, entre outros, realizaram alguns progressos no estudo
das raízes quadradas de números negativos. A descoberta de que o Campo Real não é
suficiente para o estudo da Álgebra era evidente e desta forma era indispensável trabalhar-se
também com outros números que mais tarde seriam chamados de “números imaginários”.
Dois séculos depois, estes estudos foram ampliados por Wesses, Argand e Gauss. Estes
matemáticos são considerados os criadores da teoria dos Números Complexos que tem ampla
aplicação nos estudos mais avançados sobre a eletricidade. Quanto à simbologia, está também
evoluiu com o passar do tempo, o símbolo
1 , para representar a raiz quadrada de -1,
introduzido por Girard (1629) passou a ser representado pela letra i a partir de Euler (1777).
Descartes (1637) foi quem introduziu a terminologia termo real e termo imaginário para se
referir a um número complexo. A expressão números complexos foi usada pela primeira vez
por Gauss (1831).
O francês François Viète (1540 1601), talvez o maior matemático do século XVI, deu
importantes contribuições à Trigonometria e à Álgebra, modernizando sua simbologia e
difundindo o emprego de letras para representar genericamente números e incógnitas. A
simbologia da época era muito inadequada. Cardano, por exemplo, escrevia a equação:
147
Tradução livre do autor, texto original: Mientras los animales inferiores sólo están en el mundo, el hombre
trata de entenderlo; y sobre la base de su inteligencia imperfecta pero perfectible, del mundo, el hombre
intenta enseñorearse de él para hacerlo más confortable. En este proceso, construye un mundo artificial: ese
creciente cuerpo de ideas llamado "ciencia", que puede caracterizarse como conocimiento racional,
sistemático, exacto, verificable y por consiguiente falible. Por médio de la investigación científica, el hombre
ha alcanzado una reconstrucción conceptual Del mundo que es cada vez más amplia, profunda y exacta”.
148
De acordo com as idéias de Bunge o conhecimento desenvolvido na escola se enquadraria em um
conhecimento intermediário, não científico, porém que rompe com o senso comum, este então poderia ser
chamado de conhecimento especializado (Nota da aula do Prof. Jorge de Albuquerque no 2° sem 2008)
149
As informações a respeito dos matemáticos citados foram amplamente discutidas durante o “curso de verão”
sobre história da Matemática, realizado pela USP-SP no período de 12 jan 2009 a 16 jan 2009 sob a regência
do Prof. Gilberto Geraldo Garbi.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
87
2
2
x
x
³
³
+
+
5
5
x
x
=
=
1
1
7
7
c
c
o
o
m
m
o
o
2
2
c
c
u
u
b
b
´
´
p
p
:
:
5
5
r
r
e
e
b
b
´
´
a
a
e
e
q
q
u
u
a
a
l
l
i
i
s
s
1
1
7
7
René Descartes é considerado como o divulgador desta notação “atual”, pois foram
utilizadas em sua obra “Discurso sobre o Método
150
publicado em 1637. Evidentemente que
ao utilizarmos esta “notação moderna” no ambiente escolar estamos de mãos dados a essa
memória histórica resultante dos processos e avanços do conhecimento passados de geração a
geração. A educação abre-se desta forma como grande aliada e testemunha desta memória. É
por este motivo que “a familiaridade com os tratamentos aritméticos e geométricos de
representações do real concreto e do real imaginário é o principal objetivo da educação
matemática nas primeiras séries do ensino fundamental”. (D’Ambrosio, 2002, p.4). A criança
ao ser apresentada a este universo deve ser convidada a viajar por ele, utilizar sua imaginação,
desenvolver-se ampliar-se, abrir-se para o universo da matemática e participar da história da
qual, agora, ela é personagem em um fluxo contínuo.
Podemos compreender que assim como o pensamento humano evoluiu a sua forma de
representar o mundo, suas simbologias também evoluíram, pois é por meio desta
compreensão do real que somos capazes de modelá-lo ou ainda reconfigurá-lo.
150
O Discurso sobre o método, por vezes traduzido como Discurso do método, ou ainda Discurso sobre o
método para bem conduzir a razão na busca da verdade dentro da ciência (em francês, Discours de la
méthode pour bien conduire sa raison, et chercher la verité dans les sciences). Como anexos do livro,
exemplificando o uso de seu método, ele apresentou três trabalhos, um deles chamado La Géométrie”, que
é considerado a origem da Geometria Analítica. Ali Descartes mostrou, em 100 páginas, que a Álgebra
havia atingido um nível de desenvolvimento suficiente para que questões geométricas fossem resolvidas
por meio dela. A simbologia algébrica utilizada por Descartes em suas equações consagrou-se e é
basicamente a que utilizamos até hoje. Foi nessa parte da Géométrie que Descartes criou a expressão raízes
imaginárias”. Vários exemplos são dados por Descartes embora, ao contrário do que muitos acreditam, não
tenha usado as chamadas “coordenadas cartesianas”, estas somente passaram a ser utilizadas alguns anos
mais tarde, em especial por Newton. (Apresentação realizado pelo Prof. Gilberto Geraldo Gabi – IME USP
verão 2009. Disponivel em <http://www.icmc.usp.br/~sim/grandesmomentos.pps>).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
88
É muito comum ouvirmos dizer que “brincadeira é coisa de criança”, no entanto somos
inclinados a aceitar a noção do pesquisador em brincadeiras, Brian Vandenberg
151
, que
compara a brincadeira como “a maneira cultural de gozar de si mesmo” (Vandenberg, 1992,
p.16, apud Singer, 2007, p.37). Com isso podemos dizer que as brincadeiras são apenas
divertimentos, ou seja, a priori a brincadeira não possui finalidades adaptativas, no entanto
quando as brincadeiras se tornam simbólicas então, neste momento, elas podem ser uma
alternativa potencialmente adaptativa do pensar.
“Entre todas as brincadeiras codificadas, aquela que serve única e
exclusivamente para entreter, que não tem outra finalidade senão divertir,
recrear, distender, contentar, passar o tempo prazerosamente, é o jogo que,
em razão disso, é definido como brincadeira com regras.” (Santaella, 2007,
p. 406).
A brincadeira simbólica é uma manifestação rica da imaginação que combina elementos
de realidade e fantasia, em vez de distorcer a realidade. “A imaginação é uma nova formação
que não está presente na consciência da criança muito nova, está totalmente ausente em
animais e representa uma forma especificamente humana de atividade consciente. Como todas
as funções da consciência, ela originalmente surge da ação” (Vygotsky, 1976, p.537, apud
Singer, 2007, p.39). As pesquisas de Singer (2007, p.42) demonstraram que a brincadeira
simbólica de maneira mais primitiva surge por volta dos 2 anos, e continua durante toda a
vida do ser humano, nos interessa a brincadeira simbólica que surge por volta dos 3 a 6 anos
de idade quando atinge seu pico e as crianças, se observadas, envolvem-se em “jogos lúdicos
e as brincadeiras passam a ter regras em um mundo de “faz-de-conta” das crianças.
Estabelecidas as regras e enquanto desenvolvem seus scripts para determinada brincadeira,
aqueles que não seguem o combinado não podem jogar a essas brincadeiras simbólicas
podemos chamar também de jogos, como citatdo por Santaella e a respeito dessa natureza do
jogo Gadamer irá nos dizer:
“Somente então é que o jogar preenche a finalidade que tem, quando aquele
que joga entra no jogo. Não é a relação que, a partir do jogo, de dentro para
fora, aponta para a seriedade, mas é apenas a seriedade que no jogo que
permite que o jogo seja inteiramente um jogo. Quem não leva a sério o jogo
é um desmancha-prazeres” (Gadamer, 1999, p. 175).
Para Gadamer (1999) a natureza do jogo traduz-se nele próprio, ou seja, o jogo é a
expressão de um movimento de um “vai-e-vem” como nas expressões “jogar um jogo”, “o
que está em jogo”, “joga-se um jogo” assim para expressar o gênero da atividade de que se
trata, tem-se de repetir no verbo o conceito que o substantivo contém, ora, é neste movimento
constante de jogar, do ato e da potência, que jogamos e “o jogo nos joga”. Entrar no jogo, ou
ainda jogar o jogo é então uma relação que surge do jogo para o jogador, é um movimento de
151
Referência a obra: Vandenberg, B. (1988). “The Realities of Play.” In Delmont, C. Morrison (ed.) Organizing
Early Experience. Amityville, New York: Baywood, pp.198-208.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
89
“vai-e-vem” contínuo e neste movimento o jogador cria e recria suas experiências do jogo.
“Aquele que joga sabe muito bem o que é o jogo e o que está fazendo é apenas um jogo’,
mas não sabe o que ele ‘sabe’ nisso”. (Gadamer, 1999, p. 175). Estando no jogo as
experiências contribuirão para novas descobertas, pois é esse um dos objetivos de se jogar,
poder “viver outras vidas”, ou seja, é brincando e jogando que o ser humano expressa seus
anseios e sonhos, fantasias e porque não dizer que alguns jogos expressam suas aspirações
futuras. “É o jogo que é jogado ou que se desenrola como jogo (sich abspielt
152
) nisso não
um sujeito fixo que esteja jogando ali. O jogo é a consumação do movimento como tal.”
(Gadamer, 1999, p. 177).
Somos um com o jogo, ao entrarmos no jogo o jogador e o jogo se transmutam no
próprio jogo. É neste ponto que a imaginação e a criatividade afloram e retomamos nosso
potencial criativo, transformador. Enquanto nos mantemos no jogo abrimos um espaço para
incontáveis experiências. A criatividade e a imaginação podem caminhar lado a lado com o
jogador, nem tudo necessita de um sentido, pois o sentido maior é dado pelo jogo. O filósofo
Huizinga, em 1938, escreveu seu livro Homo Ludens, no qual argumenta que o jogo é uma
categoria absolutamente primária da vida, tão essencial quando o raciocínio (Homo sapiens) e
a fabricação de objetos (Homo faber), então a denominação Homo ludens, quer dizer que o
elemento lúdico está na base do surgimento e desenvolvimento da civilização
Huizinga (1990) afirma que o jogo é anterior ainda à cultura e esta surge a partir do
jogo. Ele explicita a noção de jogo “como um fator distinto e fundamental, presente em tudo o
que acontece no mundo [...] é no jogo e pelo jogo que a civilização surge e se desenvolve”
(Huizinga, 1990, prefácio). Para esse filósofo, o jogo faz parte da cultura e gera a própria
cultura. Existe algo de misterioso no jogo que o define como tal, algo difícil de explicar, um
encanto que nos envolve. Huizinga identifica uma atividade como sendo jogo, da seguinte
forma:
“Atividade livre, conscientemente tomada como ‘não-séria’ e exterior à vida
habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira
intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse
material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro dos
limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas
regras.” (Huizinga, 1990, p.16).
Partindo-se deste conceito, Huizinga pôde categorizar como jogo muitas manifestações
humanas, como por exemplo, qualquer tipo de competição, o Direito (competição judicial), a
produção do conhecimento (enigmas), a poesia (“jogos de palavras”), a arte, a filosofia e a
cultura. Na verdade, embasados na compreensão de jogo fornecida por Huizinga, poderíamos
categorizar quase tudo como sendo jogo.
É importante compreendermos o que significa o termo “não-séria”, a qual Huizinga faz
alusão, não se trata de algo trivial ou sem importância. Não obstante o uso desta expressão ele
se refere ao jogo como sendo uma atividade capaz de “seduzir” quem joga. Por isso diz
“atividade livre”, pois aderimos ao jogo conscientemente e por livre e espontânea vontade,
deixamo-nos absorver pelo jogo e “entramos nele”. Entendemos a seriedade como uma
suspensão da realidade onde os objetos possuem suas formas e finalidades, no jogo existe a
152
Sich próprio e abspielt jogo, ou seja, sich abspielt denota que jogador e jogo são o próprio jogo, em um
só movimento.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
90
fantasia, há imaginação e, portanto possibilita o espaço para o lúdico. Quando jogamos
certamente buscamos prazer na brincadeira, o jogo não é uma série de eventos pré-definidos,
possibilidades de fantásticas surpresas. O mesmo jogo nunca será o mesmo, ainda que seja
jogado pelas mesmas pessoas. Parafraseando Heráclito nunca nos banhamos nas mesmas
águas, tudo flui, tudo muda, e assim o jogo muda, o jogo flui. É esse o movimento de “vai-e-
vem” apresentado por Gadamer.
Gadamer (1999, p. 181) diria que “todo jogar é um ser-jogado”, ou seja, é no ato de ser
jogado que o jogo reflete seu comportamento lúdico e o jogador torna-se um com o jogo, não
como participante, mas sim como ser deste universo criativo e particular, onde as regras
indicam o caminho a seguir e manter “vivo” o jogo. Não significa que o jogo dependa do
jogador, é aqui que apreciamos o movimento fascinante no mundo dos jogos, pois o jogo
sempre estará e é o responsável por provocar, instigar o jogador a continuar tentando.
Jogamos o jogo e somos jogados por ele. “O verdadeiro sujeito do jogo [...] não é o jogador,
mas o próprio jogo. É o jogo que mantém o jogador no caminho, que o enreda no jogo, e que
o mantém em jogo.”(Gadamer, 1999, p. 181).
Com isso, Santaella (2007) em consonância a Huizinga e Gadamer nos dirá que:
“[...] o lúdico é mais antigo do que a cultura. Aliás, trata-se de um potencial
que parece aumentar na medida mesma da inteligência. Não é por acaso que
o humano, único animal que chora e ri, foi capaz de transmutar a brincadeira
em jogo, em arte, em música, todos eles brincadeiras codificadas e, por isso
mesmo, complexas, emblemas da dignidade humana e do orgulho que a
espécie pode ter de si mesma.” (Santaella, 2007, p.406)
Assim é no ser jogado que o jogo manifesta todo seu potencial lúdico, em sua forma
mais simples de construir e reconstruir conhecimentos e habilidades. Ao nos convidar a jogar
o jogo nos coloca a caminho da construção de conhecimentos por meio da descoberta.
Tangível as construções de conhecimentos anteriores estas novas ocasiões de experiência nos
oferecem a atualização do real em virtude das abstrações e reflexões a que o jogar nos
convida. Por reunir tais características o jogo torna-se um ambiente profícuo à educação.
Muito se fala atualmente em matemática aplicada ou softwares pedagógicos, no entanto
muitos destes reproduzem na tela do computador algo que outrora era realizado por meio de
outros materiais. Neste ponto é que um jogo virtual game surge como uma nova forma de
pensar sobre a aprendizagem, educação e também a matemática, apresenta-se como uma
atualização do real.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
91
Com o propósito de apontarmos as contribuições de MystRiven ao desenvolvimento
de um raciocínio lógico-matemático necessitamos conhecer um pouco a respeito da história
deste jogo bem como suas particularidades, visto que desde o início de nosso trabalho
enfocamos o paradigma inaugurado por Myst como fundamental para nossa pesquisa.
Myst ultrapassa a concepção usual de jogo digital, já que oferece uma narrativa imersiva
e diversificada nos formatos de CD-Rom e livro. Este universo foi criado pelos irmãos
153
Rand Miller e Robyn Miller, “o termo ‘Riven’ deriva do inglês antigo e significa, em
essência, ‘para dividir, separar’. O fato desse termo ser utilizado como o título do jogo sugere-
nos que o tema do jogo é uma divisão entre filho e pai, entre o bem e o mal”
154
(Berger,
2009, p.76).
O enredo de Riven é riquíssimo com referências a objetos da literatura clássica e no
resgate de figuras e mitos da tradição ocidental. Sob o enfoque de Berger (2009) a história em
Riven assemelha-se ao drama de Édipo, sem a figura materna, pois em seu lugar surge à figura
feminina da esposa, logo o triângulo se entre o filho, Atrus; sua esposa, Catherine; e o pai
de Atrus, Gehn. Ao iniciar Riven no primeiro encontro com Atrus, em sua biblioteca, o
visitante é convidado e assim enviado para uma missão, salvar Catherine que se encontra
aprisionada por Gehn no mundo de Riven. Somos responsáveis pela continuidade da história,
ao caminhar pelos mundos de Riven aprendemos mais a respeito da história e dos
personagens, eis o motivo pelo qual Drew Davidson
155
refere-se ao jogador de Myst como um
leitor/jogador, pois este ao entrar no mundo de Myst torna-se um personagem, torna-se o
protagonista e ao mesmo tempo leitor dos eventos que se sucedem. Berger associa esta figura
a dos heróis mitológicos, com suas “tarefas”, relacionando o protagonista/jogador com o
herói, “pode ser que Hércules seja um arquétipo para o herói dos jogos de aventura – ele deve
realizar muitas façanhas (que, em jogos de deo significa resolver muitos quebra-cabeças) a
fim obter o triunfo”
156
(Berger, 2009, p.76), desta forma assim como Miles aponta para esta
relação de recuperação como uma importante fonte de pesquisa, e escreve afirmando que
Myst está de acordo com a quarta lei dos meios de Marshall McLuhan; a saber, “que o
desenvolvimento inicial de um novo meio recuperará formas dos meios anteriores” (Miles,
1996, p. 4), os criadores de Myst estão recuperando convenções e formas da literatura, da
153
Por volta de 1987 eles abriram uma empresa chamada Cyan em Spokane uma cidadezinha nos arredores de
Washington, WA. O primeiro jogo da série foi lançado em 1993, dando início a uma nova forma de
entretenimento no mercado de jogos de computador. (DANNAN, Lorna. Grande caverna D’ni. Disponível
em: <http://www.grandecaverna.com/myst1.asp>. Acesso em 24 mai 2009).
154
Tradução livre do autor, texto original: The term “Riven” comes from the old English and means, in essence,
“to split apart”. The fact that this term is used for the title suggest what the theme of the game is a split
between son and father, between good and evil (Berger, 2009, p.76)
155
Drew Davidson é professor, produtor e jogador de meios interativos. Seu background inclui os meios
acadêmicos, indústria e o mundo professional. PhD em Estudos de Comunicação pela Universidade do Texas
em Austin. Web site: <http://waxebb.com>.
156
Tradução livre do autor, texto original: “It might be that Hercules is a archetypal figure for the hero of
adventure vídeo games – He must accomplish many feats (which in vídeo games means solve a many puzzles)
in order to triumph.”
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
92
música, do teatro, do cinema e do design gráfico e, com isso, estão re-combinando-os neste
novo meio multimídia-hipertextual, gerando “novas cores” a partir das matizes anteriores.
Este “novo” está longe de substituir seus antecessores, porém apresenta-se, atualmente, como
uma das melhores formas para proceder a este processo de resgate e valorização. E como
Heracles (Hércules) somos enviados em Riven para executar missões, feitos (puzzles) com o
intuito de salvar Catherine e ajudar os rivenenses
157
a se libertarem da tirania de Gehn.
As múltiplas possibilidades em Myst abrem espaço para um interagir, de forma que, os
leitores/jogadores se caracterizem como agentes capazes de criar e de recriar a realidade que
os cercam, abrindo-se para a contemplação: a ação que toda obra de arte requer, pois é nisto
que consta a experiência estética, particularmente em um ambiente hipermídia.
A dimensão aberta por Myst oferece ao visitante um novo conceito de RPG
158
, um
espaço para investigação, reflexão e experiência imersiva e também de aprendizagem
individual, ou ainda coletiva, considerando o grande número de comunidades virtuais e fóruns
destinados aos jogadores de Myst. Lev Manovich
afirma que
Myst destacou-se como um
novo paradigma para interface dos games. Realmente Myst e Doom
159
inauguraram uma nova
fase na concepção de jogos digitais. Myst apresenta uma característica imersiva fílmica, como
notas de Jon Carroll
160
indicam, Myst foi o “primeiro artefato interativo a sugerir que uma
nova forma de arte poderia ser plausível, tal como um tipo da ‘caixa de enigmas’ contido em
um romance, dentro de uma pintura acrescido de música, ou algo mais” (apud Davidson,
1999, p.2). Este mundo oferece ao seu visitante uma navegação “intuitiva” que ocorre em
meio a inúmeras experiências estéticas implicando em incontáveis oportunidades para
desenvolvermos nossas habilidades e potencialidades cognitivas.
Estas características de Myst, seu refinamento visual e sonoro, cuidados gráficos são
componentes inegáveis para um efeito imersivo consciente. Sabendo que estamos em um jogo
nos deixamos seduzir por este, somos transportados a este universo místico e surreal, onde
livros tornam-se passagens mágicas e nossa presença neste universo é sinal de uma história
que continua, fazemos parte desta história na medida em que caminhamos pelos universos de
Myst.
Nesse contexto, ao analisarmos este jogo podemos encontrar o que torna esse meio
capaz de potencializar um processo cognitivo contínuo e responsável por promover a
exteriorização de sentimentos e pensamentos de cada jogador. Professor Drew Davidson,
importante representante na análise da narrativa de Myst nos diz que a inovação apresentada
esta em colocar o visitante não somente como um personagem na história, mas também como
co-narrador desta história. Uma vez que é a intervenção no mundo de Myst que determina o
157
Nome dado aos habitantes (nativos) de Riven.
158
O Role-playing game (RPG, traduzido como "jogo de interpretação de Personagens") é um tipo de jogo em
que os jogadores assumem os papéis de personagens e criam narrativas colaborativamente. O progresso de
um jogo se de acordo com um sistema de regras predeterminado, dentro das quais os jogadores podem
improvisar livremente. As escolhas dos jogadores determinam a direção que o jogo irá tomar.(Wikipédia.
Disponivel em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Role-playing_game>. Acesso em 03 jun 2009)
159
Doom é um jogo de computador lançado em 1993 pela id Software, e um dos títulos seminais do gênero tiro
em primeira pessoa. Combinando gráficos 3D com violência gráfica, ele tornou-se tanto controverso quanto
imensamente popular. Doom tem um tema de ficção-de-horror, e um enredo bem simples Ele tornou-se uma
espécie de protótipo/arquétipo para os jogos de tiro em primeira pessoa.
160
Jon Carroll possui uma coluna diária no San Francisco Chronicle. Colunista do San Francisco Gate (edição
on-line do San Francisco Chronicle e San Francisco Examiner).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
93
caminho que o enredo seguirá, pois Myst possui “finais alternativos”. Não existe apenas uma
maneira de chegarmos ao fim de um capítulo. Dizemos capítulo, pois a história de Myst
prossegue, em novas aventuras incentivando uma inquietante busca de informações que nos
auxiliam a compreendermos a história da qual fazemos parte. Com isto compreendemos que
uma vez sendo protagonistas e co-narradores de uma história, nossas descobertas são também
determinantes para o fluxo do enredo. Combinando a narrativa por meios diferentes
161
(livro/hipermídia), temos uma história na qual não somos apenas um “leitor”, mas “um co-
autor, um personagem do teatro, um protagonista do filme, um visitante do museu e um
jogador: tudo ao mesmo tempo” (Miles, 1996, p. 4). Myst, desde seu primeiro CD-ROM
apresentou segmentos que deram continuidade a história do povo D’ni
162
, permeado por
mistérios e segredos de família... Cada novo livro ou CD-ROM oferece mais uma peça para o
grande quebra-cabeça, porém o princípio de Myst é mantido, cada exploração, para cada
puzzle superado novos mundos são oferecidos para novas explorações e assim
sucessivamente.
Educacionalmente, temos um jogo que não estimula a violência ou agressividade, ao
contrário, para se “vencer” em Myst é necessário aprender a “experiênciar” cada momento do
jogo. Não podemos ter pressa, não adianta corrermos pelos caminhos, isto inevitavelmente
culminaria em deixarmos pistas para trás ou não observarmos algum detalhe importante para
superação de um obstáculo. Por isso os visitantes revelam um conhecimento em ação e sobre
a ação, baseando-se em suas experiências, em virtude disso no ambiente escolar o aluno, tem
a possibilidade de aprender na prática e com a prática, encontrando problemas e buscando
solucioná-los. Assim, Myst passa a ser um meio virtual no qual reflexão do fazer, do
próprio pensar e, em fim, do ser nos diferentes mundos
A habilidade de resolver problemas envolve uma série de competências implícitas no
processo. Não resolvemos um problema que já conhecemos, o desafio está em procurarmos
resolver aquilo que desconhecemos.
“A resolução de problemas faz parte das formas de pensamento. Considerada
a mais complexa das funções intelectuais, ‘resolver problemas’ é o processo
cognitivo de mais alto nível que requer a modulação e o controle de várias
rotinas ou habilidades fundamentais” (Goldstein & Levin, 1987, apud
Wikipédia: Problem solving)
163
.
A natureza humana busca por desafios, assim narra nossa própria história evolutiva. O
desenvolvimento de culturas e consequentemente civilizações com suas especificidades
denotam a grandeza do pensamento humano para resolver problemas. O desenvolvimento das
habilidades de observação, abstração, generalização e simulação estão intrinsecamente ligados
a resolução de problemas. Assim, observamos que não basta dominarmos determinados
161
Cf. Davidson, Drew. A Jornada da Narrativa: A história de Myst contada em dois meios. Tradução de
Tonéis, Cristiano. (Anexo III).
162
O enredo de Myst envolve este povo, uma civilização misteriosa que apresenta características semelhantes as
nossas (visitantes), porém com algumas diferenças significantes, eles viviam em média 300 anos e alguns
desenvolveram poderes mágicos capazes de transformarem em realidade o que escreverem. Atrus,
personagem do primeiro Myst é descendente deste povo.
163
Goldstein F. C., & Levin H. S. (1987). Disorders of reasoning and problem-solving ability. In M. Meier, A.
Benton, & L. Diller (Eds.), Neuropsychological rehabilitation. London: Taylor & Francis Group. Wikipedia,
the free encyclopedia. Problem solving. Disponivel em
<http://en.wikipedia.org/wiki/Problem_solving#cite_ref-G.26L87_0-0>. Acesso em 08 nov 2008.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
94
“conteúdos
164
se não formos capazes de relacioná-los no momento da resolução de
problemas.
Sabemos que os jogos eletrônicos operam em um nível imaginativo muito intenso. Em
ambientes imersivos e com histórias emocionantes é impossível não entrar, não participar, não
querer ser nesse mundo, nessa jornada virtual.
“Necessitamos compreender que uma reflexão sobre educação, em particular
sobre educação matemática, depende, necessariamente, de analisar a
evolução das tecnologias de informação e de comunicação ao longo da
evolução da espécie humana” (D’Ambrósio, 2003, p.7).
Logo, se a estrutura de design de Myst se organiza como um espaço navegável
(Manovich, 2001) aberto a produção de uma narrativa cada vez mais variável (Murray, 2003),
isto quer dizer que, quanto mais avançamos nas várias versões de Myst, encontramos a
construção progressiva de uma lógica da descoberta (Tonéis & Petry, 2008) que assume
proporções incalculáveis ou impossíveis de se dimensionar. Uma vez que imersos no game
cada visitante poderá em sua investigação descobri-lo, conhecê-lo, e desta maneira, aprender
ou ainda apreender do jogo o método para resolver problemas, visto que esta é a forma
emergente de comunicação que estamos vivendo, pois em um jogo como Myst, nosso desafio
maior é superarmos nossas limitações quanto habilidades de observação e co-relações entre as
informações.
A fenomenologia hermenêutica nos ensina que toda e qualquer experiência deve ser
tomada como um encontro, como um acontecer que nos toca e nos convida a descobertas. A
experiência pessoal nasce de um processo reflexivo, quando algo nos acontece, nos toca, nos
atravessa resultando em uma transformação, pois entendemos que o ato reflexivo tem caráter
transformador e, conseqüentemente, nas ações que se seguirão. Ora, este tema da experiência
estética se constitui em um objeto de trabalho conceitual na fenomenologia (Gadamer, 1999;
Petry, 2003; Tonéis & Petry, 2008). Nesse caso, a secreta paixão entre experiência estética e a
organização de puzzles interativos fundados na lógica matemática se constitui em um dos
elementos fundamentais para resolução de problemas.
Uma descoberta cognitiva, uma solução para um problema que tomou toda a nossa
atenção, tende a generalizar para o todo de nossa vida o impacto de sua solução, tal
descoberta importa em uma experiência reflexiva, pois ao desenvolvermos um método para
“sairmos do problema”, para ultrapassarmos uma barreira ou dificuldade qualquer, este ato se
constitui, progressivamente, na forma de agir positivamente na construção do conhecimento
personalizado mesmo que em um ambiente cooperativo.
Os puzzles de Myst oferecem-nos diversos problemas, uma vez que quase tudo neste
universo está oculto e as possibilidades de escolhas são diversas. Podemos afirmar que Myst é
um puzzle em si composto evidentemente, como mencionamos anteriormente, de diferentes
características que se somam e contribuem para a construção do enredo, incluindo neste
próprio o leitor/jogador. Os puzzles no interior do game são como potentes motivadores para a
continuidade da história, pois esta se constrói com o caminhar do visitante e somente
164
Entendemos por conteúdo ao acervo de informações coletadas e apresentadas durante uma aula, muitas vezes
sem conexões ou links entre elas, pois os conteúdos seguem, muitas vezes, uma organização linear.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
95
saberemos mais a respeito de Myst ao ultrapassarmos os obstáculos colocados em nossos
caminhos, “estes ‘quebra-cabeças’ são semelhantes, em natureza, as tarefas dos heróis
mitológicos enfrentados na realização de suas tarefas e as diversas dificuldades que os heróis
enfrentam nos contos de fadas para realizarem suas missões”
165
(Berger, 2009, p.77). Ao
aceitarmos o convite e viajarmos para Riven temos uma missão sem muitos detalhes a respeito
de como completá-la, somos como exploradores/jogadores, com todas as implicações que o
jogar implica e simultaneamente que a exploração (leitura) nos apresenta. Shigeru
Miyamoto
166
, principal designer da Nintendo disse em uma entrevista:
“Jogos são um gatilho para adultos voltarem a ser primitivos, primários,
como uma maneira de pensar e lembrar. Um adulto é uma criança que tem
mais ética e moral, e só. Quando eu sou uma criança, criando, não estou
criando um jogo. Eu estou no jogo. O jogo não é para crianças, é para mim.
É para um adulto que ainda tem o caráter de uma criança”
167
.
É esta característica do jogo, em “ser para mim” e como diria Merleau-Ponty no “ser
com ele” que surge o encontro que mencionamos como sendo fundamental para a resolução
de problemas. O problema recebe o significado atribuído pelo jogador, ou seja, significamos o
real a partir de abstrações e reflexões, e neste movimento, de descoberta, de surpresa, de
encontro que desenvolvemos nosso raciocínio lógico matemático, na construção de
inferências e co-relações entre objetos aparentemente desconexos. Entramos no jogo e nos
arriscamos em uma atividade por escolha e adesão. Gadamer procura esclarecer essa
característica do jogo afirmando que “o atrativo que o jogo exerce sobre o jogador reside
exatamente nesse risco. Usufruímos com isso de uma liberdade de decisão que, ao mesmo
tempo, está correndo o risco e está sendo inapelavelmente restringida.” (Gadamer, 1999, p.
181). O “jogar” e o “ser jogado” a dupla invariante determinada pelo jogo apresenta a mais
antiga característica da humanidade, da produção de conhecimento, da possibilidade de
aprender aventurando-se, muitas das vezes errando e procurando maneiras de aperfeiçoar-se.
Provavelmente foi assim na história da humanidade e na intensa troca de informações e
aplicações dos conhecimentos desenvolvidos.
Como nos diz D’Ambrosio (2003, p.18), “mais que em qualquer outro setor da
atividade humana, a educação responde ao que o filósofo Hegel chamava zeitgeist
168
, o
espírito da época”. A educação e consequentemente a educação matemática deverá ser
profundamente afetada por essas novas concepções, e a insistência em ensinar uma
matemática, muitas vezes deslocada no tempo e no espaço torna-se insatisfatória para a
maioria dos alunos e é neste ponto que apontamos para utilização dos puzzles de Myst como
165
Tradução livre do autor, texto original: These “puzzles” are similar, in nature to the tasks mythological
heroes faced when pursuing their goals and the varius difficulties heroes in fairytales face when sento n some
mission (Berger, 2009, p.77).
166
Miyamoto Shigeru é uma das personalidades do mundo dos jogos. Como principal designer de jogos da
Nintendo, ele foi responsável pelo nascimento de vários personagens mundialmente conhecidos, entre eles
Mario, Donkey Kong, Link em The Legend Of Zelda e Yoshi. Disponivel em
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Shigeru_Miyamoto>. Acesso em 03 jan 2009.
167
Next Generation Magazine. Disponível em <http://pt.wikiquote.org/wiki/Videogame>. Acesso em 26 out.
2008).
168
É um termo alemão cuja tradução significa espírito da época, espírito do tempo ou sinal dos tempos. O
Zeitgeist significa, em suma, o conjunto do clima intelectual e cultural do mundo, numa certa época, ou as
características genéricas de um determinado período de tempo. (Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponivel
em < http://pt.wikipedia.org/wiki/Zeitgeist>. Acesso em 05 mar 2009.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
96
um resgate de formas clássicas do pensamento humano apresentados no contexto de um jogo
digital. George Polya
169
nos ensina, na arte de resolver problemas que:
"Uma grande descoberta resolve um grande problema, mas sempre uma
pitada de descoberta na resolução de qualquer problema. O Problema pode
ser modesto, mas se ele desafiar a curiosidade e puser em jogo as faculdades
inventivas, quem o resolver por seus meios, experimenta o sentimento da
autoconfiança e gozará o triunfo da descoberta. Experiências tais, numa
idade suscetível, poderão gerar o gosto pelo trabalho mental e deixar, por
toda a vida, a sua marca na mente e no caráter” (Polya, prefácio da 1. ed.).
A lógica da descoberta, título de nossa pesquisa busca precisamente inserir o indivíduo
em um contexto tal que suas habilidades sejam testadas, não por outro indivíduo, mas sim por
ele mesmo. No universo digital de Myst somos visitantes e escolhemos nosso caminho bem
como determinamos nossas estratégias de pesquisa do espaço, o que tem valor para alguns
pode passar despercebido para outros. Podemos retornar quantas vezes sejam necessárias a
um determinado local de Myst, podemos rever, podemos reavaliar a situação. Processo
criativo para resolução de problemas vislumbra mais um horizonte para o desenvolvimento de
uma matemática que corresponda ao “espírito de nossa época”. A matemática pode ser
“divertida” pela forma como abordamos o assunto, seja para nossa experiência pessoal ou
ainda para oferecermos esta oportunidade a outros.
No universo de Myst o aprendemos somente a resolver o enigma, mas resolvendo-o
apreendemos dele sua lógica e representatividade que por incontáveis vezes poderá se repetir,
sem que ocorra o mesmo com a solução. Sapere aude é um lema latino que significa "ouse
saber" ou "atreva-se a saber", por vezes traduzido como "tenha a coragem de usar teu próprio
entendimento". É este o movimento que a cibercultura promove, é este fluir, é este mudar
constantemente que nos envolve e motiva a ousar saber, evidentemente que nunca em sua
totalidade, mas sim, neste eterno devir somos capazes de nos desenvolvermos e nos
adptarmos para construirmos conhecimentos de forma dinâmica e simultaneamente sólidos,
consistentes.
Colocar em jogo as faculdades inventivas é arriscar-se, é entrar no jogo e assim
aceitarmos o convite e “jogar”. Novamente temos a oportunidade do encontro, da experiência
estética como forma de contemplação e reflexão diante do mundo digital, “além disso,
verdadeiramente uma utilidade prática na resolução de enigmas. Pressupõe-se que o exercício
regular é tão necessário para a mente como o é para o corpo, e em ambos os casos não é tanto
o que fazemos, mas o fato de o fazermos que nos beneficia” (Dudeney, 2008, p.16). Ao
resolvermos problemas buscamos este encontro a experiência – e desta forma somos
capazes de modificá-lo, moldá-lo, reconstruí-lo com o objetivo de resolvê-lo.
O enunciado de muitos problemas já é desafiador para boa parte dos indivíduos, isto foi
o que mostrou a clássica pesquisa internacional sobre os chamados “problemas do capitão”
169
George Pólya (1987-1985), trabalhou numa grande variedade de tópicos matemáticos, que incluíam séries,
teoria dos números, combinatória, e teoria das probabilidades. No fim da sua vida, tentou caracterizar o modo
como a maioria resolvia problemas de matemática, e tentou descrever como devia ser ensinada a resolução de
problemas. O título original de sua obra foi How to Solve It, sua referência em portugues é: POLYA, George.
A arte de resolver problemas. Rio de Janeiro: Interciencia, 1978.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
97
apresentada por Alan H. Schoenfeld
170
da Universidade da Califórnia (Berkley). A respeito
desta pesquisa nos diz Brolezzi:
“O fato é que esta pesquisa mostra como somos levados pela nossa cultura
escolar a tentar resolver um problema, ou algo que pareça um problema
(basta ter uns números e um ponto de interrogação no final) fazendo alguma
conta com os números e chegando a um resultado final” (Brolezzi, 2008,
p.68).
Para muitos resolver um problema matemático resume-se ao citado acima, entretanto,
estamos diante de uma questão que como afirmamos ultrapassa o raciocínio aritmético,
algébrico ou geométrico, necessitamos do momento de reflexão. Brolezzi ainda nos diz que
para irmos contra essa tendência é necessário criarmos situações que nos façam querer voltar
ao enunciado para tentar ver algo que não pudemos ver no inicio. E com isso a ênfase passa a
ser não o problema em si ou sua solução matemática, mas a maneira, o método de se proceder
para resolvê-lo. Deste procedimento surgem as heurísticas
171
, que procuram apontar
estratégias para situações que se apresentam como problemas. Citamos, a seguir, as principais
heurísticas propostas por Polya como referências para a resolução de problemas:
1. Procurar um exemplo
2. Desenhar uma figura
3. Formular um problema equivalente
4. Modificar o problema
5. Escolher a notação adequada
6. Explorar simetrias
7. Dividir em casos
8. Trabalhar de trás para frente
9. Raciocinar por contradição
10. Explorar paridades
11. Considerar casos extremos
12. Generalizar
Estas referências procuram traçar um caminho seguro na resolução de problemas
objetivando a construção dos saberes matemáticos, ou ainda como podemos chamar dos
“sabores” que tais saberes possuem para aqueles que os experimentam, uma vez que se torna
170
É importante mencionar que Schoenfeld é membro da equipe do NCTM (National Council of Teachers of
Mathematics) responsável pela elaboração dos Standards 2000 para os graus 9-12 (grades 9-12) que
correspondem ao período escolar equivalente ao nosso ensino médio. Disponível em <http://www-
gse.berkeley.edu:80/faculty/gsefaculty.ss.html#schoenfeld>. Acesso em 18 out. 2008. Sugestão para leitura:
Schoenfeld, A. H. (1983). Problem solving in the mathematics curriculum: A report, recommendations, and
an annotated bibliography. Washington, DC: Mathematical Association of America.
171
A heurística (do greco ευρίσκω, heurísko, literalmente "descubro" ou "acho") é uma parte da epistemologia e
do método científico. A etimologia da palavra heurística é a mesma que a palavra eureka, cuja exclamação se
atribui a Arquimedes no conhecido episódio da descoberta de como medir o volume de um objeto irregular
utilizando água. A palavra heurística aparece em mais de uma categoria gramatical. Quando usada como
substantivo, identifica a arte ou a ciência do descobrimento, uma disciplina suscetível de ser investigada
formalmente. Quando aparece como adjetivo, refere-se a coisas mais concretas, como estratégias heurísticas,
regras heurísticas ou silogismos e conclusões heurísticas. Naturalmente que estes usos estão intimamente
relacionados que a heurística usualmente propõe estratégias heurísticas, que guiam o descobrimento.
(Wikipédia, a enclicopédia livre. Heurística. Disponivel em
<http://pt.wikipedia.org/wiki/Heur%C3%ADstica>. Acesso em 08 ago. 2009).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
98
cada vez mais estreita a fronteira entre a lógica e a matemática, como apresentávamos no
primeiro capítulo. Para ilustrar o que estamos afirmando analisaremos etimologicamente a
palavra “insípido” que provém
do Latim, insipidus
172
que significa insosso, sem sabor, mas
também desinteressante. O termo designa tanto sem sabor, como sem saber, ou sem
sabedoria, capaz de despertar interesse. Muito embora atualmente a palavra seja mais usada
em relação ao paladar, portanto ao sabor, ela tem uma forte ligação com o saber. Por isso nos
referimos aos sabores que damos aos saberes, pois é neste ponto que contemplamos nosso
objetivo central no processo ensino/aprendizagem que é produção do conhecimento e para tal
produção, educadores e educandos necessitam “experimentar” experienciar este universo
que se descordina diante de nossos olhos, os mundos de Myst.
Na resolução de um puzzle temos uma experiência, uma oportunidade, uma ferramenta
para organização gica de eventos e ões, desenvolvemos ou descobrimos nossa heurística.
Tal organização pode ocorrer quase inconscientemente, quando se trata dos processos
cognitivos desenvolvidos, devido à facilidade e familiaridade com o mundo de Myst obtida
por cada visitante. O que esperamos neste ponto de nossa reflexão é a compreensão da
experiência matemática na resolução de um puzzle como sendo uma tentativa de formalizar
conceitos e ações tomadas durante tal resolução e assim conscientemente compreendermos
alguns conceitos que estão fundamentando tal resolução. Talvez seja neste aspecto de iniciar
com a práxis indefinida para alcançar a episthéme
173
que a atividade de solução de puzzles
possa ser comparada com a maiêutica socrática que, por meio da investigação encontramos as
respostas para as perguntas que formulamos e desta maneira reconhecemos os métodos
envolvidos em nossa investigação.
Assim apontamos para a formalização do problema não como objetivo final, pois
formalizar um problema não implica em resolvê-lo, outrossim, temos na formalização ou
sistematização de um problema o esclarecimento das dificuldades para sua resolução, e
estando em um game temos a oportunidade para descobrirmos tais heurísticas, devido à
necessidade de continuarmos no jogo, de continuarmos jogando.
172
Livre interpretação do autor a partir da etimologia da palavra insípido disponível em: MyEtmology, a
universal etymology dictionary. Disponivel em <http://www.myetymology.com/portuguese/insípido.html>.
Acesso em 10 jun. 2009.
173
O verdadeiro conhecimento, diferente da opinião. O conhecimento das causas que são necessariamente
verdadeiras. Mistura de ciência e de saber, pelo que difere das chamadas ciências empíricas. Um esforço
racional para substituir a opinião, doxa, o conhecimento acerca do contingente. Divide-se em praxis, technè,
e theoria.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
99
"Eu não posso ensinar nada a ninguém,
eu só posso fazê-lo pensar”
Sócrates
Neste capítulo contemplaremos as multiformas assumidas pela matemática uma vez que
se encontra associada a uma cultura e um período. Historicamente, a matemática nasce em sua
forma mais primitiva para a solução de problemas de ordem prática, do cotidiano e avança
para níveis de formalizações e idéias abstratas, com isto o crescente pensamento matemático e
de construção da matemática requer nossa inquirição cultural e histórica a fim de
encontrarmos um caminho seguro na constituição do pensar, do desenvolvimento cognitivo
intrinsecamente ligado a própria construção do conhecimento matemático. Seremos guiados
por respeitados autores nesta área, como Dudeney, Russell, Eastaway, Petitot
, D’Ambrósio
entre outros que marcaram de forma indelevel nossas experiências matemáticas.
Ao refletirmos a respeito da imaginação e criatividade para o desenvolvimento humano
e enfocarmos a relevância do fator cultural de uma civilização, vislumbrando a criatividade e
a imaginação destas culturas e a forma como se encontram indissociáveis de suas habilidades
matemáticas nos deparamos com o fator historicidade e como conseqüência as diferentes
maneiras encontradas com o objetivo de promover o conhecimento lógico-matemático e
transferi-lo as gerações futuras.
Registros sumérios revelam a escrita cuneiforme
174
de problemas com a finalidade de
instigar sua resolução, estes problemas envolvem trabalhos em construções de defesa, outros
são problemas envolvendo o ato de carregar tijolos ou ainda construir paredes e reparar canais
(usualmente envolvendo o cálculo de volumes); volumes de objetos cilíndricos; preços de
174
Cf. Robson, Eleanor. (2007). Mesopotamian mathematics, in V.J. Katz (ed.), The mathematics of Egypt,
Mesopotamia, China, India, and Islam: a sourcebook (pp. 57-186), Princeton: Princeton University Press.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
100
bens e comércio; heranças e divisões de propriedades; problemas envolvendo a clepsidra
175
.
Ora, “a curiosa tendência para propor enigmas não é peculiar a nenhuma raça nem a nenhum
período da história. É simplesmente inata a qualquer homem, mulher ou criança” (Dudeney,
2008, p.14). Por volta de três mil anos atrás os “professores” de matemática, por exemplo, na
antiga Babilônia introduziam enigmas em seus textos cuneiformes a fim de desafiar seus
dicípulos. Um exemplo encontra-se na tábua
176
YBC 4186 que data de 1800 a.C. a 1600
a.C. Contém apenas o seguinte problema sobre o volume de uma cisterna em forma de cubo e
a irrigação de campos. Problema :
Uma cisterna [com a forma de um cubo], tem 10 GAR
quadrados e 10 GAR de profundidade. Esvaziei a sua água, com a sua água que quantidade de
terreno irriguei com uma profundidade de 1 su-gi? Nota:
1 su-gi = 1/360 GAR
(aproximadamente 3,5 km
2
).
Os egípcios antigos faziam o mesmo. Podemos considerar os gregos, com sua forte
enfase em construir uma cultura elevada, como os responsáveis por inaugurarem a tradição de
apresentar a matemática sob uma forma mais solene, quase canônica e muito formal.
Recordamos de Euclides
177
pois é justo atribuirmos a ele e a seus seguidores esta direção
tomada pela matemática que ainda apresenta-se muito dissemidada e predominante
atualmente.
Esta tendência para propor enigmas, a que se refere Dudeney, abrange uma esfera maior
de habilidades desenvolvidas a partir da reflexão e contemplação de enigmas, podemos
afirmar ainda, de experiências estéticas diante de tais enigmas. Evidentemente que, como bom
matemático, Dudeney demonstrou com propriedade, a potencialidade dos enigmas (puzzle)
envolvendo conceitos matemáticos. Apresentando de uma forma “nova” o mesmo método
criado deste a antiguidade. Desta forma, os puzzles são um tipo de problema que possui a
finalidade de desenvolver a matemática em seus níveis ontológicos, cognitivos, como força
motriz para as mais diversas formas em que a matemática venha a se apresentar
É inestimavel toda esta construção histórica matemática apresentada pelas grandes
civilizações da antiguidade, no entando, com o intuito de ultrapassarmos a contemplação
histórica e alcançarmos um vislumbre de nossa cultura como consequência desta história
175
A palavra clepsidra vem do Grego κλεψύδρα (klepsydra), retomado no Latim clepsydra. Sua formação vem
de duas palavras gregas κλέπτειν (kleptein) ocultar, roubare δωρ, δατος (hydôr, hydatos), - água
assim a clepsidra ou relógio de água foi um dos primeiros sistemas criados pelo Homem para medir o tempo.
Trata-se de um dispositivo à água, que funciona por gravidade, no mesmo princípio da ampulheta (de areia).
A Clepsidra foi utilizada ao longo da história para medir períodos curtos de tempo, como trocas de guardas.
Na Grecia e Roma também eram utilizadas para medir tempo de discursos ou preleções.
176
YBC é o código do museu, no caso: Yale Babylonian Collection, Universidade de Yale, EUA e o número
4186 é referente à peça. Citado por Fauvell, John; Gray Jeremy. The history of Mathematics – A reader, The
Macmillan Pree ltd. 1992.
177
Os Elementos de Euclides têm uma importância excepcional na história das matemáticas. Com efeito, não
apresentam a geometria como um mero agrupamento de dados desconexos, mas antes como um sistema
lógico. As definições, os axiomas ou postulados (conceitos e proposições admitidos sem demonstração que
constituem os fundamentos especificamente geométricos e fixam a existência dos entes fundamentais: ponto,
recta e plano) e os teoremas não aparecem agrupados ao acaso, mas antes expostos numa ordem perfeita.
Cada teorema resulta das definições, dos axiomas e dos teoremas anteriores, de acordo com uma
demonstração rigorosa. Euclides foi o primeiro a utilizar este método, chamado axiomático. Desta maneira,
os seus Elementos constituem o primeiro e mais nobre exemplo de um sistema lógico, ideal que muitas outras
ciências imitaram e continuam a imitar.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
101
humana e compreendermos a etnomatemática
178
como uma forma segura de evolução do
pensamento matemático em decorrência da cultura na qual se desenvolve nos dirigimos para o
caminho que gerou toda esta história, ou seja a solução de problemas, ou ainda a criação de
problemas como forma de propor experiências a constituirem possiveis simulações com base
em problemas reais, como foi o caso dos babilônicos, egípicios, gregos, etc.
Recordemos o mito grego de Édipo e a Esfinge
179
. Narra o mito que existia uma esfinge
que aterrorizava Tebas e todo homem que a encontrava era desafiado por ela a desifrar um
enigma, caso errasse Ela estrangulava qualquer inábil a responder, dai a origem do nome
esfinge, que deriva do grego sphingo, querendo dizer estrangular. Ao se deparar com a
Esfinge esta perguntou a Édipo: “Que animal caminha de quatro patas de manhã, em duas ao
meio-dia e em três ao entardecer? O enigma foi decifrado por Édipo, que respondeu ser o
homem tal animal, pois o homem caminha sobre os pés e mãos na manhã da vida, ao meio dia
sobre os dois pés e ao entardecer da vida ou velhice, suporta seus pesares com auxílio de uma
bengala. Vendo-se derrotada por Édipo a Esfinge ficou furiosa e atirou-se em um precipício,
assim conta-nos uma das versões deste mito.
Fig. 31: Édipo e a Esfinge – Museu do Vaticano – Gregoriano. Disponível em <http://www.christusrex.org/>.
178
A palavra foi cunhada da junção dos termos tech, tema e etno. Ubiratan D'Ambrósio afirma que o
Programa Etnomatemática "tem seu comportamento alimentado pela aquisição de conhecimento, de fazer(es)
e de saber(es) que lhes permitam sobreviver e transcender, através de maneiras, de modos, de técnicas, de
artes (techné ou 'ticas') de explicar, de conhecer, de entender, de lidar com, de conviver com (mátema) a
realidade natural e sociocultural (etno) na qual ele, homem, está inserido." (D'AMBRÓSIO, Ubiratan.
Sociedade, cultura, matemática e seu ensino. Revista Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 31, p. 99-120,
2005.
) Temos então etnomatemática como a arte ou técnica de explicar, de conhecer a cultura, ou seja, cada
cultura desenvolve a sua maneira uma matemática capaz de resolver suas necessidades e problemas.
179
Havia uma única esfinge na mitologia grega, um demônio exclusivo de destruição e má sorte, de acordo com
Hesíodo uma filha da Quimera e de Ortro ou, de acordo com outros, de Tifão e de Equídina— todas destas
figuras ctônicas. Ela era representada em pintura de vaso e baixos-relevos mais freqüentemente assentada
ereta de preferência do que estendida, como um leão alado com uma cabeça de mulher; ou ela foi uma
mulher com as patas, garras e peitos de um leão, uma cauda de serpente e asas de águia. Hera ou Ares
mandaram a esfinge de sua casa na Etiópia (os gregos lembraram a origem estrangeira da esfinge) para Tebas
e, em Édipo Rei de Sófocles, pergunta a todos que passam o quebra-cabeça mais famoso da história,
conhecido como o enigma da esfinge, decifra-me ou devoro-te. (LOWELL, Edmunds. A esfinge na lenda de
Édipo. 1981.)
de obras como Herry Potter, O Senhor dos Anéis, As
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
102
A mitologia grega está repleta de aventuras e desafios, feitos heróicos e conquistas
fantásticas. Ora, recebemos esta herança cultural que durante milênios acumulou-se de
geração em geração na forma de memória histórica e com isso herdamos a mesma
curiosidade, inquietação. Da mesma forma que uma criança anseia descobrir e conhecer o
mundo a sua volta Dasein o mundo vivido que se revela nas mais diversas experiências
estéticas, nestes encontros do ser com, surge também o desejo para propor enigmas, quebra-
cabeças a fim de conduzir a novas experiências ou ainda torná-las enfaticamente marcantes e
proporcionar ou partilhar tais experiências, questões, reflexões e considerações. A criatividade
humana em busca da adaptação e construção reconstrução do mundo vivido evidencia-se
nas mais diversas formas de construção do conhecimento e o mesmo também ocorre com o
desenvolver ou fazer matemático.
O interesse pelas culturas antigas torna-se evidente ao analisarmos alguns dos maiores
sucessos no campo da literatura, arte e cinema envolvendo culturas ou civilizações antigas.
Estas histórias, muitas vezes, narram feitos entre deuses e homens, heróis e monstros e são
vívidos na contemporaneidade
180
. O místico o inexplicável e enigmático nos atrai, somos
desafiados. Tais dimensões são parte do desenvolvimento do conhecimento histórico, no
entanto “ao longo da história, o conhecimento originado nas culturas mediterrâneas foi,
gradativamente, eliminando as dimensões sensorial, intuitiva, emocional e stica”
(D’Ambrósio, 1999, p.6). Verificamos que o conhecimento com maior ênfase no intuitivo
passou a ser identificado com as artes, o místico e o emocional com as religiões e o sensorial
com empirismo e infelizmente suas conotações negativas. Impôs-se, como a característica por
excelência do ser humano, a dimensão racional do conhecimento por ele gerado. Os vários
corpos de conhecimento, estruturados segundo uma dimensão racional, passaram a ser
denominados como ciências. A dimensão racional passou a ser identificada com ciência, com
racionalidade enquanto as demais dimensões comparecem no que são chamadas as tradições.
Porém quando verificamos toda a riqueza do desenvolvimento do pensamento humano em sua
dimensão holística, contemplamos nitidamente o resgate da criatividade, do adaptativo, da
descoberta para construção do conhecimento.
Desta forma, poderíamos nos perguntar como funciona o pensamento criativo? Não nos
referimos à criatividade de uma forma geral
181
, mas ao pensamento criativo, inovador. Perkins
(2001, p.27) auxilia-nos na busca desta resposta afirmando que “analogias, conexões lógicas,
fazer a pergunta certa, busca sistemática movimentos assim constituem o método humano
de pensar criativa e inovadoramente”, assim focalizamos o pensamento criativo também como
uma forma de apresentação do raciocínio lógico-matemático, uma vez que o citado por
Perkins(2001) coincide com o que Polya (1995) propôs como um caminho para a criação de
heurísticas. Estas, por sua vez, nos servem para resolução de problemas de qualquer ordem ou
área. Com isto afirma De Giorgi
182
:
180
Observamos os sucessos de bilheteria de adaptações
Crônicas de Nárnia, entre outros que ilustram a paixão pelo épico, pelo supranatural em livros e na adaptação
para o cinema.
181
Na escala filogenética da natureza, as conquistas ocorrem por meio de ajustes e aprimoramentos a cada
espécie viva, de acordo com os princípios da seleção natural descobertos por Darwin. Assim ocorre com o ser
humano que adaptando-se evoluiu, ou seja a natureza é criativa ao desenvolver meios de adaptação.
182
Reflexões a respeito do que é criatividade matemática encontra-se na entrevista que Ennio De Giorgi, um dos
grandes matemáticos do século XX, concedeu a Michelle Emmer poucos meses antes de sua morte, em 1996.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
103
"Eu penso que a origem da criatividade em todos os campos é aquilo que eu
chamo a capacidade ou disposição de sonhar: imaginar mundos diferentes,
coisas diferentes, e procurar combiná-los de várias maneiras. A essa
habilidade muito semelhante em todas as disciplinas você deve
acrescentar a habilidade de comunicar esses sonhos sem ambigüidade, o que
requer conhecimento da linguagem e das regras internas a cada disciplina"
(De Giorgi, 1996 apud D’Ambrosio, 1999, p.2).
De fato desconhecemos a possibilidade de se aprender a ser criativo ou aprender a ter
criatividade, aprender a possuir um pensamento criativo e inovador. Entretanto podemos
somente oferecer oportunidades para tal desenvolvimento, este intrínseco ao desenvolvimento
espontâneo, o qual enfatizamos ao remeter a temporalidade e o desenvolvimento cognitivo. A
criatividade humana se revela a partir de associações e combinações inovadoras de planos,
modelos, sentimentos, experiências e fatos. O que realmente funciona é propiciar
oportunidades e incentivar os indivíduos a buscar novas experiências, testar hipóteses e,
principalmente, a estabelecer novas formas de diálogos. Apontamos para um puzzle como
uma forma de abertura de mundo, de possibilidades e desta forma constituimos esta
capacidade de sonhar, esta disposição de imaginar novos mundos, construí-los em nosso
interior mesmo antes de qualquer vislumbre sensível. Para aquele que se abre ao pensamento
criativo o sonho torna-se realidade no instante em que se sonha, pois começa a ser construído,
incorporado a suas atividades, combinados de todas as maneiras possiveis.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
104
Um dos conceitos primordiais em nossa pesquisa, senão o principal está na concepção
de puzzle. Nesta pequena palavra repousa o significado que buscamos afirmar como propósito
da inquirição matemática em nossa pesquisa. Porém, certamente que conceituar ou definir não
é uma tarefa fácil, pois ao conceituarmos estamos assumindo um conjunto fechado de
elementos e com isso limitado. Diante de tal dificuldade torna-se útil para nosso trabalho a
busca de características que determinam as sutis diferenças entre puzzles, problems
183
e
tasks
184
, visto que os criadores de Myst, os irmãos Rand e Robyn Miller utilizam do termo
puzzle como fator que impulsiona as descobertas em Myst e simultaneamente adicionam
maior mistério ao enredo enigmático do universo de Myst.
Desprovidos de qualquer pretensão de nos aprofundarmos na lingüística histórica da
palavra puzzle, cabe compreendermos a origem desta. Dada a circunstância, apresentamos a
seguir a etimologia
185
de puzzle e observamos que a palavra advém do Indo-Europeu
186
, que
gerou entre outras línguas o Latim, e o verbo sinere sinônimo de posinere ou ponere o
qual possui uma vasta gama de significados, entre eles: estabelecer, construir, edificar,
executar, resolver, fazer; expor; atribuir, considerar; empregar; aplicar; propor, oferecer;
dispor, arranjar; expor. Do latim o Francês antigo aposer que gerou no Inglês antigo pose,
pusle e por fim no Inglês moderno puzzle. A diversidade de significados desta palavra
denota o quão complexa foi e é sua utilização.
183
Problems ou problemas ou questões matemáticas, são utilizados por muitos autores com o objetivo de
denotar aplicações matemáticas, por diversas vezes, específicas ou ainda que representam “exercícios” ou
aplicações de determinados conceitos.
184
Termo muito utilizado pelos ludologistas com a finalidade de apresentar “o que se deve fazer” em um jogo ou
uma atividade. Task (thing to do): coisas para fazer; tarefa; trabalho.
185
A palavra etimologia, do grego étumos (real, verdadeiro) + logos (estudo, descrição, relato) e significa hoje o
estudo científico da origem e da história de palavras. Conhecer a evolução do significado de uma palavra
desde sua origem significa descobrir seu verdadeiro sentido e conhecê-la de forma mais completa. O estudo
etimológico de palavras, além do aspecto curioso, demonstra as origens comuns e as semelhanças
encontradas no plano de vocabulário entre as línguas européias, como é o caso do inglês e do português.
186
O Indo-Europeu é uma família (ou filo) composta por centenas de línguas e dialetos, que inclui as principais
línguas da Europa, Irã e do norte da Índia, além dos idiomas predominantes historicamente na Anatólia e na
Ásia Central. Atestado desde a Era do Bronze, na forma do grego micênico e das línguas anatólias, a família
tem considerável significância no campo da linguística histórica, na medida em que possui a mais longa
história registrada depois da família afro-asiática. As nguas do grupo indo-europeu são faladas por
aproximadamente três bilhões de falantes nativos, o maior número entre as famílias linguísticas reconhecida.
Das top 20 línguas contemporâneas em termos de falantes nativos de acordo com a SIL Ethnologue, 12 são
de origem Indo-Europeu: Espanhol, Inglês, Hindi, Português, Bengali, Russo, Alemão, Marathi, Francês,
Italiano, Punjabi e Urdu, representando mais de 1,6 bilhão de falantes nativos. (Wikipédia. A enciclopédia
livre. Disponível em <http://en.wikipedia.org/wiki/Indo-European_languages>. Acesso em 7 nov. 2009).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
105
Fig. 32: Etimologia da palavra puzzle, disponível em <http://www.archimedes-lab.org/puzzle_etymology.html>.
Sarcone
187
nos indica uma interessante relação existente no pensamento grego com a
finalidade de expressar um possível termo científico para o que chamamos de puzzle,
afirmando que na Grécia Antiga, existiam dois termos indicando a ação de enigmático:
ainigma
ανιγµα
do verbo grego ainissomai (falar com insinuações ou códigos, fazendo
jogo de palavras) e grîphos (pergunta desafiadora, enigma). O equivalente para palavra Latina
de grîphos é scirpus (nodum in scirpo quaerere que significa "para localizar problemas onde
realmente não existe algum"). Compreendemos desta forma, que desde a origem mais remota
da humanidade, como dito anteriormente na mesopotâmia até a Grécia e o pensamento
romano (latim) procurou-se traduzir, de alguma maneira, este paradigma de pensamento
baseado no enigmático, significando uma palavra, no intuito de propor quebra-cabeças
(puzzles).
David Miles (1996, p.6) em seu clássico artigo, representando um marco para o trabalho
acadêmico a respeito de Myst como objeto de pesquisa, afirma que Myst representa uma nova
forma de arte, mais compacta, pois reúne características de diferentes origens clássicas, ou
seja, reúne e combina formas e representações consideradas por alguns como obsoletas em
uma nova apresentação, uma mídia. Myst faz memória a jogos como Zork
188
e Dungeons and
Dragons
189
, além de remeter o jogador a uma aventura épica comparada a Odisséia de
187
Escritor, designer, com grande experiencia no campo da criatividade visual e educação, co-fundador do
Laboratório de Arquimedes (Archimedes' Laboratory™), uma rede de consultores experts em melhorar e
desenvolver a criatividade. Sua proposta está em promover os puzzles como forma de ajuda educacional, na
socialização e comunicação. Home Page: <http://www.archimedes-lab.org/>.
188
Zork foi um dos primeiros jogos de ficção interativa para computadores. A primeira versão do Zork foi escrita
em 1977–1979 em um computador DEC PDP-10 por Tim Anderson, Marc Blank, Bruce Daniels e Dave
Lebling e implementada na linguagem de programação MDL. Todos os quatro eram membros do grupo de
modelagem dinâmica do MIT. Zork foi originalmente o nome dado por um hacker do MIT para um programa
inacabado. Também foi adaptado para uma série de livros.
189
Dungeons & Dragons (abreviado como D&D ou DnD) é um RPG de fantasia medieval desenvolvido
originalmente por Gary Gygax e Dave Arneson, e publicado pela primeira vez em 1974 nos EUA pela TSR,
empresa de Gary Gygax. Hoje o jogo é publicado pela Wizards of the Coast. Suas origens são os wargames
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
106
Homero e ainda a ficção cientifica de Julio Verne, e tudo isto no interior de um “filme” de
uma pintura surrealista, motivado pela resolução e superação dos puzzles. Certamente Miles
vislumbrava todo potencial que um game pode oferecer a seu jogador.
“Existe um jogo real em Riven. quebra-cabeças (puzzles), muito mais
variados e mais numerosos que antes. ("As duas críticas a respeito de Myst,"
disse Rand, "alguns afirmavam que era muito difícil e outros muito fácil.
Estamos tentando fazer Riven melhor para ambos os tipos de jogadores"). Os
puzzles são exasperadores e específicos de forma que parecerão muito
familiar aos fãs de Myst. Mas os puzzles não são o mistério. Quem não gosta
de puzzles poderá vagar passeando em Myst. muito mais de Riven a
explorar (estão tentando trazê-lo em cinco CD-ROMs) e muito mais para ver
e muito mais para o espetáculo. mais variedades de escala, mais
complexidade da função. E tudo é uma pista. Riven não é despovoada. Existe
uma cultura, e a natureza da cultura é a natureza da base do mistério.
Resolvendo um, resolve-se o outro
190
” (Carroll, 1997, p.10).
Carroll escreve a respeito de Myst-Riven, após realizar uma entrevista com os irmãos
Millers, e afirma que Riven oferece a seus visitantes/jogadores uma gama muito maior de
puzzles que o jogo anterior, e que tais puzzles foram pensados para serem motivadores da
exploração e não somente obstáculos aos visitantes. Mesmo pessoas não familiarizadas, ou
não amantes de puzzles, sentem prazer ao caminhar por Myst, pois ele oferece ao visitante
muito para se ver e descobrir e desta forma o puzzle torna-se parte da história que se constrói
e que se descortina diante do jogador ao caminhar por Riven.
Diante de tais referências podemos admitir que um puzzle se difere das tasks uma vez
que não tratamos da resolução de tarefas, pois em Myst, não sabemos o que temos que fazer,
não conhecemos com clareza os objetivos e logo não sabemos que tarefas seriam estas. Tasks
refere-se a tarefas explicitas ou ações a serem tomadas com a finalidade de alcançar um
objetivo explícito. Ora, ela realiza-se ao passo que seja conhecido o que se deve fazer. Frasca
(1999) afirma que um puzzle no conceito ludológico equivale a ludus, ou seja, um problema
que necessita ser ultrapassado com a finalidade de prosseguir no jogo. Um puzzle nem
sempre se mostra como algo objetivo, esta é, provavelmente, a principal diferença para tasks,
uma vez que, para estas sabemos o que temos que fazer para vencer, como em diversos games
em que o jogador necessita recolher objetos e trocar por armas ou poderes e ainda vencer os
“chefões” com o objetivo de avançar de fase ou nível. Podemos supor que tasks relaciona-se
melhor com este tipo de game do que com Myst. Provavelmente encontraremos um problema
igualmente intrigante ao compararmos puzzle e math problem (questões matemáticas ou
problemas matemáticos).
de miniaturas (principalmente o Chainmail). A publicação do D&D é considerada como a origem dos RPGs
modernos e foi lançada no Brasil pela Grow. Jogadores de D&D criam personagens que embarcam em
aventuras imaginárias em que eles enfrentam monstros, reúnem tesouros, interagem entre si e ganham pontos
de experiência para se tornarem incrivelmente poderosos à medida que o jogo avança.
190
Tradução livre do autor, texto original: That's the real game in Riven. There are puzzles, much more varied
than before, and more numerous. ("The two complaints about Myst," said Rand, "was that it was too hard
and too easy. We're trying to make Riven better for both kinds of players.") The puzzles are maddening and
specific in a way that will seem very familiar to Myst fans. But the puzzles are not the Mystery. People who
do not like puzzles like to wander around Myst. There's a lot more of Riven to wander around (they're trying
to bring it in at five CD-ROMs), and a lot more to see, and a lot more operatic spectacle. There's more
variety of scale, more complexity of function. And everything is a clue. Riven is not unpopulated. There is a
culture there, and the nature of the culture is the nature of the basic mystery. Solve one, solve the other.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
107
Por incontáveis vezes, na tentativa de explicar algo, a matemática busca nos exemplos
uma forma de conduzir a compreensão do que outrora se mostrava difícil. É neste caminho
que seguiremos com o intuito de compreendermos as diferenças entre problemas matemáticos
e os puzzles – “quebra-cabeças”.
Utilizemos o seguinte exemplo: Uma pessoa montou uma tenda para dormir.
Subitamente, apareceu um urso que lhe desfez a tenda. A pessoa, pacientemente, reparou a
tenda e montou-a novamente. Entretanto, o urso andou um quilômetro para sul, um
quilômetro para Oeste e outro para Norte, voltando a passar pelo acampamento desfazendo
novamente a tenda. De que cor era o urso? A resposta, igualmente conhecida é que o urso
pode ser branco por se tratar de um urso polar, ora, o acampamento deveria estar no pólo
norte, pois, somente assim, um urso, andando de lá, 1 km para Sul, 1 km para Oeste e 1 km
para Norte, voltaria a passar pelo mesmo ponto. Caso contrário, passaria ao lado.
Este é um puzzle muito antigo e conhecido por muitas pessoas, trata-se de um puzzle
lógico. Um quebra-cabeça puzzle é um jogo onde o jogador deve resolver um problema
proposto sendo que neste jogar, o raciocínio é o importante, ou seja, puzzles definem uma
forma de jogar em que a primazia do raciocínio supera qualquer tipo de agilidade, força,
armas, poderes, missões, etc. Nem sempre é fácil diferenciar um puzzle de um problema, seja
ele matemático ou referente a outras ciências. No entanto a questão está na intencionalidade
do que é construído. Autores como Martin Gardner, Sam Loyd, Henry Dudeney, Ian Stwart
são exemplos formidáveis da inventabilidade matemática a serviço dos puzzles. Curiosamente
os maiores criadores de puzzles são matemáticos, entretanto podemos citar um personagem
enigmático, que se utilizava da lógica dedutiva para solucionar os problemas, trata-se de
Sherlock Homes, criado pelo médico e escritor britânico Sir Arthur Conan Doyle.
Porém, nossa proposta está em delinearmos com maior clareza estes conceitos e para
isto iremos utilizar inicialmente, um conceito apresentado por Scott Kim
191
com a finalidade
de diferenciarmos um puzzle de outros tipos de problemas. Kim afirma que em todo puzzle
devemos encontrar duas características marcantes:
[1] Um puzzle é divertido;
[2] Um puzzle tem uma resposta correta.
Na constituição de um puzzle atentamos para os aspectos que englobam sua tipologia e
grau de dificuldade. Podemos ter puzzles de palavras, números, visuais, sonoros e lógicos.
Evidentemente que tais puzzles são classificados desta maneira quando observados
isoladamente. Quando o assunto é Myst os puzzles podem assumir hibridismos. Como Rand
Miller afirmou, em Riven, os puzzles foram cuidadosamente dosados com a finalidade de
serem demasiadamente difíceis nem fáceis demais, pois sendo muito fáceis desapontam,
muito difíceis desencorajam.
Um puzzle lógico é (normalmente) resolvido por meio de estratégias mentais e por
vezes utilizamos de um mapeamento mental (ou desenhos) no qual classificamos e
interpretamos determinados dados apresentados, pesquisados ou coletados para o problema.
191
Criador de puzzles e ambigramas para jogos mentais e educação matemática. Home page
<http://www.scottkim.com/>.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
108
Russel (1960, p. 65) utilizou-se de um exemplo bastante simples para elucidar a teoria
dos tipos
192
. Utilizaremos seu exemplo com a finalidade ilustrar um puzzle lógico. Eis o
exemplo dado por ele:
Suponhamos que, terminado o jantar, a dona da casa nos ofereça três sobremesas
diferentes, insistindo conosco para que comamos uma, duas ou todas três, se assim o
desejarmos. De quantas maneiras poderemos agir, em tal caso?
Uma maneira bem razoavelmente simples para resolvermos este problema é
construirmos uma tabela de possibilidades, chamaremos de 0 (zero) não aceitar a sobremesa e
de 1 (um ) aceitar a sobremesa:
Situação Sobremesa 1 Sobremesa 2 Sobremesa 3
Recusar todas 0 0 0
Aceitar uma 0 0 1
Aceitar uma 0 1 0
Aceitar duas 0 1 1
Aceitar uma 1 0 0
Aceitar duas 1 0 1
Aceitar duas 1 1 0
Aceitar todas 1 1 1
Deste modo podemos visualizar toas às possibilidades decorrentes de se aceitar ou não
alguma sobremesa. Vejamos, podemos recusar todas ou aceitar todas. Caso aceitemos uma
delas teremos imediatamente três opções e se acaso aceitarmos duas teremos mais três opções,
totalizando as oito possibilidades traçadas na tabela acima. Caso contrário correríamos o
risco de pensar apenas em quatro possibilidades: não aceitar nenhuma, aceitar uma, aceitar
duas, aceitar todas, estaríamos nos esquecendo que cada sobremesa é classificada como um
tipo específico e dada importância dos tipos, determinadas todas as possibilidades verificamos
que totalizam 2
3
. É evidente que todo puzzle possui uma lógica, porém nem todo puzzle trata
da lógica. Neste caso a resolução do problema não envolve conhecimentos anteriores, pré-
formados ou ainda uma bagagem de informações. No entanto se o jogador os possuir isto
pode colaborar em sua resolução, afinal não somos “tabuas rasas”.
Dudeney (1917) em sua clássica obra Amusements in mathematcs
193
afirma que puzzles
aritméticos e puzzles algébricos são ordenados, por alguns autores, com a finalidade de
“setorizar” o livro, no entanto, em seu livro o autor afirma que o responsável pela decisão de
192
Os paradoxos de conjuntos podem ser eliminados através do estabelecimento de uma hierarquia infinita,
definindo que um conjunto o pode ser membro de si mesmo nem de qualquer conjunto de tipo inferior. A
esta hierarquização, Bertrand Russell chamou originalmente Teoria dos Tipos. De uma forma simplista, pode
dizer-se que a teoria de Russell ordena os conjuntos numa hierarquia de tipos de tal modo que não é
permissível dizer que um conjunto é membro de si mesmo, nem que o não é, o que elimina conjuntos
contraditórios. Os conjuntos potencialmente contraditórios são simplesmente riscados do sistema, pois não há
qualquer modo significativo de os definir enquanto se respeitarem as regras da teoria dos tipos.
193
Existem mais de 400 puzzles neste livro, organizados por temas, como: dinheiro; distancias; idades e tempo,
etc. Uma cópia deste livro faz parte do Projeto Gutenberg e está disponível em
<http://www.gutenberg.org/files/16713/16713-h/16713-h.htm>.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
109
usar um método ou outro deve ser do leitor. Dudeney está abrindo um novo horizonte para os
leitores e amantes de puzzles, pois não estão condicionados a um método de resolução. Se for
possível de se utilizar a álgebra e assim o leitor dominar, que seja! Sem menosprezar aqueles
que usam de outros métodos ou subterfúgios, no que ainda insistíamos em denominar
heurística e marcamos como a busca pelo método de cada indivíduo na resolução de um
puzzle.
Apresentamos, desta forma, um puzzle de Dudeney (1917, p.14):
(76) Um homem comprou um lote de barris de vinho e um barril contendo cerveja.
Eles são mostrados na ilustração, marcada com o número de galões que continham cada
barril. Ele vendeu uma quantidade de vinho a um homem e duas vezes a quantidade
para outro, mas manteve a cerveja para si. O quebra-cabeça está em assinalar qual o
barril que contém cerveja. Você pode dizer qual deles é? È claro que, o homem vendeu
os barris exatamente como ele os comprou, sem manipular o conteúdo de qualquer
maneira.
Resolveremos este puzzle de duas formas diferentes e uma terceira fornecida por
Dudeney em sua obra como solução. Afirmávamos anteriormente que na resolução de um
puzzle não é necessário possuir conhecimentos anteriores, porém se o jogador os possuir
poderá lhe ser útil.
Uma consideração geral a ser feita antes de apresentarmos qualquer método será a
questão relacionada à impossibilidade que existe neste puzzle, pois temos 6 barris, dos quais 5
são de vinho e 1 é de cerveja. Logo é impossível um comprador adquirir 1 barril e outro 4
barris, dados os valores de cada barril e o segundo ter comprado o dobro do primeiro. Disto
concluímos que necessariamente um comprador levou 2 barris e outro 3. Outra consideração
está em interpretarmos a quantidade de vinho vendida, foi uma parte para um e o dobro para
outro, então temos 3 partes de vinho e concluímos que a quantidade de vinho deve ser
divisível por três. Em termos algébricos, sendo x a quantidade de vinho e y a quantidade de
cerveja, temos o primeiro comprador adquirindo 1x e o segundo o dobro, ou seja, 2x.
Equacionando: 3x + y = 119 (onde 119 é o total de galões que o homem possuía sem
distinção entre vinho e cerveja)
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
110
1º Modo:
Podemos agrupar 6 barris em grupos de 5 sobrando sempre 1. Por meio de testes
verificamos em qual das situações encontra-se a resposta correta, ou seja, onde a soma dos
barris vendidos é múltiplo de 3.
Barris vendidos Barril com cerveja Soma dos barris
vendidos
Conclusão
20 16 18 31 19 15 170 Não
20 16 18 31 15 19 100 Não
20 16 18 15 19 31 88 Não
20 16 15 31 19 18 101 Não
20 15 18 31 19 16 103 Não
15 16 18 31 19 20 99 Sim
O barril de cerveja é o de 20 galões.
Se desejássemos poderíamos verificar ainda quais barris foram vendidos para cada
comprador, sabendo que o segundo comprou o dobro da quantidade do primeiro, ou seja:
Primeiro comprador: 15 + 18 = 33
Segundo comprador: 16 + 31 + 19 = 66
A solução está correta, e o total de possibilidades pode ser conferido a partir de um
cálculo de combinações:
6
!1!.5
!6
5
6
6
5
==
=C
2º Modo:
Utilizaremos a soma dos dígitos
194
dos seis barris que são 6, 4, 1, 2, 7, 9. Destes
somente dois são divisíveis por três: 6 e 9 logo os barris de 15 e 18 galões. (se estes foram
vendidos para um resta saber quais foram para o outro). Então seguindo o mesmo raciocínio
agruparemos os barris de forma que três barris juntos sejam múltiplos de três, para isto restam
4, 1, 2, 7. Logo só podem ser os de 4, 1 e 7, pois somam 12. Então o barril que possui cerveja
será o barril cuja soma é 2, ou seja, de 20 galões.
3º Modo –
Solução apresentada por Dudeney (1917, p.155):
A soma dos dígitos (digital roots) dos seis números são 6, 4, 1, 2, 7, 9, que soma junto a
29, cuja soma de dígitos é 2. Como nos barris vendidos o conteúdo deve ser um número que é
divisível por 3, pois um comprador adquiriu duas vezes mais do que o outro, temos de
encontrar um barril com raiz de 2, 5 ou 8 para definir os barris de vinho. Há apenas um barril,
que contendo 20 galões, satisfaz estas condições. Portanto, o homem deve ter mantido esses
194
Em algumas situações necessitamos saber apenas se um mero natural é divisível por outro número natural,
sem a necessidade de obtermos o resultado de uma divisão. Neste caso utilizamos as regras conhecidas como
critérios de divisibilidade. Neste caso a divisibilidade por 3, ou seja, um número é divisível por 3 se a soma
de seus algarismos é divisível por 3. Exemplos: 18 é divisível por 3, pois 1+8=9 que é divisível por 3; 576 é
divisível por 3 pois: 5+7+6=18 que é divisível por 3; agora 134 não é divisível por 3, pois 1+3+4=8 que não
é divisível por 3.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
111
20 galões de cerveja para uso próprio e vendido para um homem 33 galões (os barris de 18 e
15) e vendidos para o outro homem 66 galões (os barris de 16, 19 e 31).
Encaminharemos nosso trabalho, com a finalidade de apresentar uma categoria de
problema que foge a idéia de puzzle. Eastaway (1997) nos diz que quando utilizado na Grã-
Bretanha, o termo puzzle abrange um conjunto de desafios mentais, truques ou ainda
surpresas como encontrar lindos padrões. De modo geral puzzles são algo que realizamos para
“diversão”. Desta forma, ele nos apresenta um bom exemplo de uma questão de matemática,
extraído de uma avaliação, O-level
195
, de 1968:
(B10) Calcular a área entre a curva y = 12x
2
– 2x
3
, o eixo x e a linha x = 4.
Este problema propõe que determinemos a área de uma região delimitada pela função
y=12x
2
2x
3
, o eixo x e a linha x = 4, ou seja, graficamente
196
temos a seguinte região (em
destaque) do plano cartesiano:
Utilizando-nos do cálculo integral, por meio do intervalo definido, podemos resolver
numericamente a área delimitada pelo gráfico de f(x), o eixo das abscissas e a linha x = 4,
com isto teremos:
4
0
32
)212( dxxx =
4
0
4
3
2
4
x
x = 128
195
Ordinary Level paper era uma avaliação de cálculo considerada de nível secundário para matricula na
Universities of Manchester Liverpool. A questão B10 na pagina 5 apresenta esta questão de cálculo, no
entanto no paper original ocorreu um erro de digitação no qual a equação foi alterada. Cf. em Burton
Grammar School, disponível em <http://www.burtongrammar.co.uk/?cat=19>. Acesso em 12 nov. 2009.
196
Utilizamos o software Microsoft Math 3.0 para criação do esboço do gráfico modificando a escala usual com
a finalidade de melhorarmos a identificação da região do gráfico delimitada no problema.
4
0
Fig. 33: Região do gráfico da função y = 12x
2
– 2x
3
, o eixo x e a linha x = 4
l em Maria J. História da Matemática Medieval. (Disponíve
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
112
Neste caso torna-se óbvia a diferença entre o puzzle do urso, o das sobremesas e a
questão a respeito de área apresentada acima (fig. 33). Em algumas vezes esta diferença é
evidente, como foi neste caso, em outros a linha que os separa puzzles e questões
matemáticas passa a ser extremamente tênue. É o caso do nosso próximo exemplo, as
primeiras versões escritas do problema aparecem no manuscrito do inglês Alcuino de York
197
do séc. IX:
(12) Um certo pai morreu e deixou como herança para os seus três filhos 30
vasilhas de vidro, das quais 10 estavam cheias de óleo; outras 10 “meio cheias”,
enquanto que outras 10 estavam vazias. Deixe-o dividir, ao que pode, o óleo e os
frascos de tal forma que cada um dos três filhos receba uma parte igual dos bens, tanto
do óleo como das vasilhas.
Para solucionarmos este problema temos que analisá-lo, três filhos e 30 vasilhas de
vidro. No entanto, das vasilhas, 10 estão cheias (de óleo), 10 estão pela metade e 10 estão
vazias. À priori poderíamos pensar em dividir as 10 cheias nas dez vazias e então teríamos 30
“meio cheias”, porém não sabemos se os vidros são graduados, o que sabemos é que cada
grupo de 10 vidros encontram-se na mesma situação (no mesmo conjunto). Então, sabemos
que cada filho deve receber 10 vasilhas. Podemos proceder da seguinte maneira: Dividimos
em três porções, isto é, ao primeiro filho 10 vasilhas pela metade, ao segundo cinco cheias e
cinco vazias e repetimos a situação com o terceiro, e as porções de vidro e de óleo serão
iguais e não necessitamos nos preocupar se os vidros são graduados ou não, afinal podemos
deduzir que não sejam.
Outro puzzle muito interessante está nos quadrados mágicos. Os quadrados mágicos
mais antigos foram encontrados na China, onde existia uma fascinação por longo tempo
enraizado com os padrões numéricos e a análise combinatória associada a estes. Esta é uma
versão do problema
198
que aparece no século XIII, pela mão de um abade alemão Albert von
Strade:
Em Colónia havia três irmãos (monges), que tinham nove pipas de vinho. A
primeira pipa tinha apenas 1 “canada” de vinho, a segunda 2, a terceira 3, a quarta 4, a
quinta 5, a sexta 6, a sétima 7, a oitava 8 e a nona 9. Divide o vinho (e as pipas)
igualmente entre os três sem misturar o vinho das pipas.
Este problema apresenta como uma heurística o uso de um quadrado gico.
Resolvendo o problema temos: 1 + 2 + 3 + 4 + 5 + 6 + 7 + 8 + 9 = 45 que ao dividirmos por
3 resulta em 15 (que é a classe deste quadrado, ou seja, todas as colunas e linhas devem somar
15) e desta forma cada irmão receberá 15 “canadas” de vinho sem misturar o vinho das pipas.
Por meio do quadrado mágico teremos:
197
Alcuino de York (732 804) nasceu na Northumbria (Grã Bretanha). Estudou na escola catedral de York e,
provavelmente, também na Itália. Ensinou por cerca de 15 anos na escola da catedral de York, onde criou
uma das melhores bibliotecas da Europa Medieval. Em 781 foi convidado por Carlos Magno para tomar
conta das questões educacionais da sua corte. Autor de diversos manuais escolares que encorajavam o
diálogo no ensino. Atribui-se a ele a autoria de uma das mais antigas coletâneas de problemas de
Matemática, intitulada Propositiones ad Acuendos Juvenes (Problemas para Estimular os Jovens). (Lagarto,
<http://www.malhatlantica.pt/mathis/Europa/Medieval/Alcuin/Alcuino.htm>. Acesso em 18 jan. 2010).
198
Cf. Lagarto, Maria J. História da Matemática. (Disponível em
<http://www.malhatlantica.pt/mathis/problemas/Vinho/vinho.htm>. Acesso em 18 jan. 2010).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
113
8 1 6
3 5 7
4 9 2
Cada “irmão” deve receber uma fila do quadrado, pois desta forma a divisão estará feita,
cada irmão receberá 15 “canadas” de vinho sem misturar o vinho das pipas.
Em um quadrado mágico de ordem ímpar, as somas de cada um dos pares de números
dos lados opostos ao número central, somam o dobro deste número central. Estes quadrados
mágicos são chamados de quadrados mágicos regulares. Como foi o exemplo acima, em que
cada um dos pares (8,2), (1,9), (6,4) e (3,7) dos números dos lados opostos ao número central
(5) somam o dobro de 5, ou seja, 10.
Eastaway (1997) afirma que as diferenças entre puzzles e algumas questões matemáticas
são comparáveis a beleza, ou seja, está nos olhos de quem vê. E o que importa é que as
crianças – e os adultos – que são mais susceptíveis de estar interessado em matemática
quando ela se conecta a algo divertido, intrigante ou ainda que tenha ligação com o mundo
vivido. Podemos ampliar tal comparação de Eastaway considerando o mundo vivido também
no interior das histórias e consequentemente de um jogo, assim permitindo-nos o neologismo
“a fantasia está nos olhos de quem lê”, portanto os mundos nos quais vivemos podem nos
levar a milhares de descobertas. Enfim a tarefa de qualificar como puzzle repousa na
importância de reconhecer “o papel” de um puzzle no processo de construção do
conhecimento. Quanto maior contato com tais objetos, maior será nossa adaptação, nosso
desenvolvimento. Podemos escolher a forma divertida, provocante ou chamar de “problema”
o que pela própria palavra não é muito cativante.
Desta forma, afirmamos que um puzzle se constitui em uma estrutura lógica organizada
e aberta que encaminha um processo reflexivo que culmina na compreensão de um dado
problema que se constitui no próprio puzzle. De um modo, ao mesmo tempo direto e derivado,
o caminho da investigação e vivência de um puzzle, culmina em uma abertura de mundo, ou
seja, uma ampliação da experiência estética no sentido fenomenológico. O continuado
processo de resolução de puzzles indicará como efeito no sujeito da experiência, uma
ampliação da sua potência de formular e, consequentemente, resolver problemas. Aqui reside
o núcleo central da transposição
199
nos problemas que aliado a reversibilidade avança para
construções cognitivas mais complexas. A história da matemática nos releva que algumas
vezes devemos “pensar diferente” procurar um novo prisma para solucionarmos algum
problema. Certamente os puzzles oferecem uma gama rica em possibilidades.
199
Falaremos de transposição quando o transporte transfere, não somente a dimensão (ou direção) de um
elemento, mas um conjunto de relações, por exemplo, uma diferença entre dois elementos L
1
e L
2
transferido
sobre L
3
e L
4
” (Battro, 1978, p.235).
employed? What biological urge is being served?" Speculation is not just encouraged; speculation is
The player must
t does it do? Which physical principles are being view every artifact and ask, "What is that for? Wha
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
114
Percorrendo os espaços de Myst o visitante/jogador têm inúmeras possibilidades de
exploração, como afirmávamos, cada qual em seu tempo reconstrói a história de Myst. Em
Riven isto também acontece, e com maior intensidade que em seu predecessor, pois Rand
Miller afirmou que tudo é uma pista. Riven não é despovoada. Existe uma cultura, e a
natureza da cultura é a natureza da base do mistério, é a natureza da base dos puzzles.
Conhecendo e decifrando os puzzles assimilamos mais a respeito de tal cultura e
compreendemos a história de forma global.
“O jogador deve ser um talentoso arqueólogo amador. Deve observar cada
artefato e perguntar-se, "Para que é isso? O que ele faz? Que princípios
físicos estão sendo utilizados? Qual anseio biológico está envolvido?"
Especulações não são apenas encorajadas; especulação são necessárias”
200
(Carrol, 1997, p.10).
Tais especulações, hipóteses, estão na base da inquirição matemática visto que a partir
de uma pergunta construímos sua explicação, ou ainda, a partir de novas evidencias
reconstruímos a pergunta, neste processo de reversibilidade e transposição. Efetuando
ligações entre fatos, aparentemente distintos, ou seja, a partir de conclusões locais inferimos
hipóteses globais que serão verificadas a posteriore. É nesta relação entre o local e o global,
nesta oposição que pretendemos classificar os puzzles de Riven de forma a compreendermos
suas ligações e contrastes. Na busca de categorizar os puzzles de Riven utilizaremos o que
afirma Petitot (1985) em relação à oposição local/global quando esta vem articular-se com a
oposição objetivo/subjetivo.
“A linguagem é o instrumento natural dos sujeitos que todo item lexical
reagrupa e antecipa um conjunto aberto de colagens semânticas, e já que não
existe nenhuma colagem canônica dos códigos locais. Se o sujeito é sempre
singular, é porque Le encarna o lugar onde o semiótico descola do seu
código local para passar ao global através de identificações translocais
idiossincráticas” (Petitot, 1985, p.15).
A importância de se desenvolver uma intuição da passagem do local para o global, para
obter um inquérito matemático é essencial. Símbolos idiossincrásicos são símbolos que
podem significar alguma coisa para uma pessoa em particular, como uma espada pode
significar guerra para alguns, mas para outros ela poderia simbolizar o “sacramento de um
cavaleiro”. Pelo mesmo princípio, linguistas preconizam que palavras não são apenas
arbitrárias, mas também importantes sinais idiossincrásicos. Sabemos que pensamos segundo
um código, uma lingua e que nosso pensamento está associado ao meio e realidade em que
vivenciamos algum evento. Com isto, na tentaiva de compreendermos os sentidos dos objetos
200
Tradução livre do autor, texto original: The player must be a talented amateur archeologist.
necessary.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
115
e movimentos ao nosso redor somos impulsionados a olhar para além do objeto local em uma
tentativa de realizar conexões globais. Desta forma nos puzzles de Myst deparamo-nos com
esta constante oposição local/global articulando-se com a oposição objetivo/subjetivo.
Podemos ter como objetivo liberar uma porta que encontra-se trancada, Tonéis e Petry (2008,
p. 309), porém esta passagem local, objetiva para uns pode transporta-se para o subjetivo,
pois, enquanto para alguns a porta aberta simboliza passagem, para outros pode simbolizar
uma peça do quebra-cabeças resolvida, ou seja, o que antes era local agora remete-se para o
âmbito do global. Esta interpretação reforça-se no momento em que necessitamos retornar
por diversas vezes até o templo de Gehn, onde a porta estava fechada, e não poderíamos
passar se não estivesse com tal porta liberada.
Assim, ao solucionarmos um puzzle de Riven estamos translocando nossas suposições e
conjecturas, outrora possivelmente objetivas, para suposições subjetivas e então estas com
relação à história de Riven, então neste movimento do local/global encontramos o movimento
constante da criação do enredo no qual estamos imersos. E em algum momento necessitamos
nos afastar do objeto ao qual concentramos nossa reflexão para reconstruirmos sua
significação. É nesta oposição do local/global que em Myst temos a possibilidade de criando
nossa história, a partir de nossa exploração, reconstruirmos a história de Riven, solucionando
os puzzles como enigmas nesta jornada. Podemos, então, associar os puzzles de Riven com as
seguintes categorias:
[1] Puzzles locais: representam desafios cognitivos específicos objetivando a
continuidade da narrativa de Myst – o mistério, o proibido. Sua função cognitiva
estende-se desde sua resolução objetiva como puzzle até suas ligações com puzzles
globais. Podemos citar como exemplo o templo de Gehn (Tonéis e Petry, 2009, p.309),
pois a abertura da porta possibilitará ao visitante encontrar a válvula de vapor que
transporta energia ao telescópio – fundamental para o desfecho da história em Riven.
[2] Puzzles globais: Os puzzles globais formam-se a partir da inter-relação de puzzles
locais. Conectam e encaminham à narrativa como um todo lógico, conduzindo o game a
seu ponto de desenlace. Este é o caso do puzzle dos Totens que depende da
compreensão e resolução dos puzzles das esferas e este, do puzzle da numeração D’ni.
Sua função cognitiva encontra-se na articulação dos opostos objetivo/subjetivo, e desta
forma cada puzzle superado não é esquecido, mas sim enriquecido de significado.
Myst, em cada episódio se manifesta como um puzzle global, pois a história se estende a
cada volume do jogo. Sendo assim cada jogo sendo completo em si, ou seja, possui um
desfecho, carregam também em si uma parte da história da família de Atrus e sua relação com
esta misteriosa civilização, os D’ni. Compreendemos que esta categorização não encontra-se
cristalizada, nem deve ser interpretada como tal, pois da mesma forma que a oposição
local/global se articula com a oposição objetivo/subjetivo os puzzles locais se articulam com
os puzzles globais.
Schoenfeld (1992, p.4) afirma que a matemática é um assunto da vida que procura
compreender os padrões que permeiam tanto o mundo que nos rodeia quando o que somos
capazes de imaginar ou conjecturar. Embora a linguagem da matemática seja baseada em
regras que devem ser aprendidas, é importante para a motivação que estudantes tenham a
possibilidade de se mover além de regras para serem capazes de expressar “coisas” na
linguagem da matemática.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
116
Esta transformação sugere alterações no estilo pedagógico e didático. Para que isto seja
possível necessitamos promover um esforço renovado com a finalidade de focalizar
basicamente três aspectos, os quais estão amplamente arraigados ao processo cognitivo
resultante da resolução de puzzles, sejam eles:
[1] A criação de heurísticas, não apenas memorização de procedimentos;
[2] Exploração de padrões, não apenas o uso de fórmulas;
[3] Formulação de conjecturas, não apenas a repetição em forma de exercícios.
Com o processo de desenvolvimento cognitivo espontâneo e o desenvolvimento psico-
social refletindo essas tônicas, certamente nossos alunos terão oportunidades para estudar
matemática como uma disciplina exploratória, dinâmica, em constante evolução, ao contrário
de um corpo rígido, absoluta, fechada em regras e memorizações. Serão incentivados por uma
matemática dotada de espírito de ciência, em continuas buscas e contínuas descobertas e com
isto reconhecerão que a matemática trata realmente da beleza de padrões e não apenas
números ou letras.
“As pessoas tentam, por vezes, dar a idéia que ‘a matemática pode ser
divertida’. Penso que a ênfase não está correta. Para mim, a matemática é
divertida (...) para ver por que é que a matemática é divertida é preciso
encontrar a perspectiva certa. É necessário não se deixar intimidar pelos
símbolos e pelo calão e concentrar-se nas idéias; a matemática tem de ser
encarada como amiga, e não como adversária. Não digo que a matemática
seja sempre uma feira de diversões, mas qualquer pessoa deve ser capaz de
apreciá-la, qualquer que seja o nível a que opere” (Stewart, 2008, p.8).
A utilização dos puzzles e particularmente de Myst oferece uma perspectiva para
reavaliarmos a matemática e possivelmente adquirirmos a capacidade de admirá-la, apreciá-
la. Ao oferecemos veis diferentes de operações estamos ultrapassando à idéia de “conteúdo
fácil” ou “conteúdo difícil”, estamos buscando a idéia ontológica para apresentar a
matemática como impulsionadora de questionamentos e certamente todos temos algo a
perguntar quando o assunto é um puzzle, ou um game. Todos podem oferecer uma idéia, uma
sugestão, uma conjectura. Desenvolvendo-se o raciocínio lógico-matemático poderemos
encontrar na matemática e em suas simbologias significados para nossas questões. Desta
forma poderemos apreciá-la seja qual for o nível o qual estamos operando.
Riven oferece muitos puzzles, sejam eles locais ou globais, a seguir apresentamos alguns
destes objetos com a finalidade de exemplificarmos nossa proposta.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
117
No interior da ilha Selva existe uma pequena vila rivenense, e nesta vila uma escola
D’ni. Para se chegar até esta escola é necessário utilizarmos o submarino e resolvermos o
puzzle da sala de controle que libera as escadas nos permitindo desembarcar em qualquer
ponto no qual o submarino esteja na superfície do lago. Ao chegarmos à escola D’ni, em seu
interior encontraremos um ambiente muito familiar. De fato não indicações explícitas que
traduzam o local como uma escola, alguns signos universais, como a presence de quadros
negros, disposição dos assentos, ao redor da sala símbolos que remetem nossa memória para
as salas repletas de alfabetos e núemros noensino fundamental. Estes signos são responsáveis
por reconhecermos o lugar como uma escola.
Fig. 34: Vista frontal da escola D’ni
Quando entramos na escola, assim como todo ambiente em Myst, a música, as sombras,
tudo colabora para o mistério. A frente da sala, entre duas belíssimas luminárias um aparelho
estranho, que se acionado pelo visitante revela sua função. Trata-se de uma espécie de
gravador de imagens utilizado por Gehn para dar aulas aos rivenenses, o tom de voz e as
pausas utilizadas por ele remete nossa lembrança a uma palestra ou uma aula.
Fig. 35: Interior da escola – sala de aula D’ni
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
118
Explorando a sala encontramos sobre uma mesa um artefato muito interessante,
aparentemente um brinquedo D’ni. Um estranho aparelho, feito de madeira, que ao se girar
uma pequena manivela mostra, aleatoriamente, um símbolo na parte frontal e em seguida
uma peça suspensa por um fio começa a se movimentar para baixo, girando-se novamente a
manivela outro símbolo aparece e a outra peça se movimenta para baixo. Assemelha-se a um
jogo para duas pessoas, comparável a um jogo de tabuleiro em que cada competidor tem sua
vez de jogar e deve “andar” um número específico de “casas sorteadas”.
Fig. 36: Ilha Selva – Escola dos nativos – Brinquedo na escola D’ni
Não é difícil descobrir a utilidade deste engenhoso aparelho. Intuitivamente notamos
que em cada rodada o objeto na cordinha desce uma quantidade de vezes, assim concluímos
que cada símbolo, aparentemente, representa um número D’ni.
Fig. 37: Brinquedo em funcionamento “9”
Fig. 38: Brinquedo em funcionamento “5”
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
119
A cada “rodada” um dos bonequinhos aproxima-se mais da boca do “bichinho”, o jogo
termina quando um dos bonequinhos for engolido pelo “bichinhu”. Posteriormente
descobriremos que se trata também de uma forma de sacrifício ao Wahrk
201
realizada pelos
nativos e utilizada por Gehn como forma de manutenção do poder que exerce em Riven.
Apesar de ser apenas um brinquedo possui algo de terrível com a finalidade de lembrar, desde
a infância, que o senhor de Riven é Gehn.
Fig. 39: Brinquedo D’ni – Jogo do Wahrk – possui
dupla finalidade: ensinar a numeração D’ni e
simultaneamente a cultura de sacrifícios ao Wahrk.
Disponível em
<http://www.dnihall.com/faq/myst2_wahrkgame.asp>.
Fig. 40: Ilha Platô – O Grande Wahrk.
A descoberta de um símbolo para representação de um número, de um valor, remete-nos
ao perfil de um talentoso arqueólogo amador. Estamos descobrindo uma cultura, estamos
decodificando o povo D’ni. Realmente não seria a primeira vez que encontramos estes
símbolos, eles estão espalhados em esferas em algumas regiões da ilha Selva, provavelmente
estamos juntando peças de um quebra-cabeça, pois são cinco esferas
202
, são cinco encontros
com objetos semelhantes com símbolos diferentes.
Lorna Dannan
203
, criadora e organizadora de uma das maiores comunidades Myst na
internet, afirma que a matemática e a numeração D'ni tem como base o número 25. Isto pode
ser verificado em muitos dos jogos da série Myst, pois o jogador terá a necessidade de ao
menos ter alguma iniciação na numeração D'ni, especialmente em Myst II - Riven e Uru Ages
Beyond Myst. Em Riven o número cinco é uma constante. Já no Uru os números quatro, seis e
sete, estão sempre presentes nos enigmas que o explorador deve resolver. Abaixo você poderá
ver os símbolos que representam cada número:
201
O Wahrk é uma espécie de animal marinho, um peixe muito grande o qual é adorado pelos nativos como uma
deidade.
202
Por se tratar de puzzles relacionados entre si, o próximo tópico visará se aprofundar na utilidade destas esferas
bem como seus números.
203
Cf. DANNAN, Lorna. A grande caverna D’ni. Disponível em <http://www.grandecaverna.com/inicio.asp>.
Acesso em 26 jun. 2009
), desta adição provém do termo aditivo. e 3 unidades, ou ainda, (6 . 10
e um valor diferente ao número. Assim 63 é dito 6 dezenas
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
120
Fig. 41: Numeração D’ni – Disponível em <http://www.dnihall.com/relto_geral.asp>.
Observando a construção numérica D’ni, constatamos que a base de sua formação
encontra-se em 25 “algarismos”. E semelhante ao nosso sistema decimal, os demais símbolos
surgem por meio do princípio posicional
204
aditivo. Para criação dos 25 signos é utilizada
apenas o principio aditivo, vejamos alguns exemplos:
Algarismos Indo-arábico Simbologia D’ni
6 = 5 + 1
=
+
7 = 5 + 2
=
+
11 = 10 + 1
=
+
18 = 15 + 3
=
+
24 = 20 + 4
=
+
E assim sucessivamente para os 25 “algarismos”, isto nos conduz a imaginarmos qual
seria a forma dos próximos números, pois se continuassem a somar-se desta maneira os
símbolos ficariam ilegíveis a partir de algum momento. Pistas contidas no diário de Gehn, e
204
Posicional porque dependendo da posição atribui-s
1
) + (3. 10
0
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
121
de Catherine nos dão uma perspectiva da construção numérica para valores maiores que 25.
neste caso a formação passa a ser posicional aditiva Vejamos o caso do diário de Gehn,
encontrado em seu laboratório:
Fig. 42: Diário de Gehn – anotação sobre a Era 233.
Nesta página aparece um número D’ni, o qual Gehn utilizou para nomear uma Era
criada por ele. A priori este número pode ser entendido como uma “dezena” composta pelos
números 9 e 8, ou seja, 98. No entanto isto somente seria possível se a base do sistema
numérico fosse dez e assim realmente poderíamos chamá-la de Era Nonagésima Oitava.
Porém a base D’ni é 25, logo teremos: (9 . 25
1
) + (8 . 25
0
) = (9 . 25) + (8 . 1) = 225 + 8 = 233.
Então estamos nos referindo a Era Ducentésima Trigésima Terceira. Talvez na linguagem
D’ni isto se torne mais fácil de pronunciar, e esta Era também ficou conhecida como Era de
Gehn.
O caso está em compreendermos como construir os demais números D’ni, então para
escrever 26 necessitamos de (1 . 25
1
) + (1 . 25
0
) = 26, partindo-se deste principio e utilizando-
se da simbologia D’ni podemos construir novos números, entretanto apontamos para o uso do
zero, uma vez que este povo concebeu este valor certamente era utilizado em suas notações
para facilitar a escrita, então para escrever 50 poderíamos utilizar duas maneiras:
50 = (1. 25
1
) + (25 . 25
0
), teríamos como símbolo:
50 = (2 . 25
1
) + (0 . 25
0
), teríamos como símbolo:
Provavelmente esta segunda forma é a correta, pois a presença do símbolo para o zero
denuncia isto. A partir destes pressupostos teóricos construímos a seguinte tabela com
exemplos de construções de números maiores que 25:
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
122
Certamente podemos conduzir nossa pesquisa partindo-se do pressuposto teórico que a
compreensão do sistema numérico possibilitará que o visitante decifre os códigos contidos no
diário de Gehn e outro no diário de Catherine. Tais códigos se referem a dois puzzles globais.
O código contido no diário de Gehn permite ao explorador ter acesso aos livros de ligação que
se encontram lacrados em cúpulas giratórias, são cinco em todo o jogo. As cúpulas giratórias
possuem dois mecanismos de segurança, o primeiro que as fazem girar, chamado de
kinedoscópio, é necessário identificar a imagem em cada aparelho destes para parar a esfera.
O segundo é o código que mantém os livros trancafiados em seu interior, com a finalidade de
mantê-los longe das mãos dos rebeldes.
Fig. 44: Código das cúpulas giratórias e imagens das cúpulas – composição do autor.
Fig. 43: Construção dos números D’ni superiores a 25.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
123
.
Fig. 45: Página do diário de Catherine com anotações do código do telescópio
Catherine possui em seu diário o código para o funcionamento do telescópio que
enviará um sinal
205
para Atrus, e desta forma ele virá até Riven e trará consigo o livro de
ligação que permite a todos sair deste universo.
Recordemos que o primeiro encontro com os símbolos D’ni foi com a descoberta das
esferas que ao serem giradas revelam um som e um símbolo. A relevância desta construção
está na intuição do jogador ao encontrar as esferas. Este parece-nos um momento oportuno
para transcrevermos um episódio ocorrido durante a execução do nosso projeto na escola
pública. Enquanto os alunos do nono ano exploravam Riven, em determinado momento, uma
aluna deparando-se com uma das esferas anotou o símbolo em seu caderno. Verificamos que
haviam outros símbolos anotados denotando outros encontros. Quando perguntamos o motivo
da anotação ela prontamente respondeu:
Aluna1: “São números, não sei no que vou usar, mas podem ser um código ou alguma
coisa assim!”.
Professor: “Como você sabe que isto é um número?”
Aluna1: “Não sei... Acho que é um número, parece um número romano...”
Interrompidos por outra aluna que ouvia o diálogo, esta esclarece:
Aluna2: “É um número sim! Eu pesquisei na internet, os números deles são diferentes”.
Afirmando e apontando para seu caderno que continha uma tabela com os números
D’ni.
205
Ao iniciar Riven encontramos Atrus em sua biblioteca escrevendo, ao nos ver ele interrompe sua ação e nos
diz: “Graças a Deus você voltou. Eu preciso da sua ajuda. muito a ser feito [...] quando você encontrar
Catherine, mande-me um sinal e eu irei com meu livro de ligação e resgatarei vocês. Se tudo der certo
uma chance de eu conseguir te enviar de volta para seu local de origem”. Ele abre o livro de ligação e somos
transportados para Riven.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
124
É correto afirmarmos que na ocasião de seu lançamento, por volta do ano de 1998, os
primeiros aventureiros de Riven não possuíam muitos recursos
206
para pesquisa, no entanto
isto não os impossibilitou de avançar no universo do game. Neste pequeno trecho de diálogo
entre os participantes do projeto evidencia-se a forma como os digital natives se comunicam,
ou seja, em rede, em paralelo, estão conectados e desta forma avançam com muita rapidez.
Porém o encontro com um sistema numérico de base 25 somente seria possível em Myst. Em
sua maioria, nossos alunos em algum momento da vida escolar, se deparam com outros
sistemas numéricos, sejam eles romanos, mesopotâmicos, etc. A questão está em
ultrapassarmos o “conhecer outro sistema numérico”, para avançarmos na compreensão
numérica da idéia “número”. “Sozinhos” em um universo misterioso, esta busca e descoberta
contribui para gerar a capacidade de abstração, pois superando os signos, o explorador
compreende seu significado e desta forma por meio da reversibilidade reconstrói seu próprio
sistema numérico. Apesar da facilidade que o sistema numérico indo-arábico oferece a
questão central nesta descoberta repousa na concepção de número, sua natureza, e isto, como
afirmávamos, é fruto da criatividade humana de milênios de desenvolvimento e cabe a cada
indivíduo resgatar tal concepção.
206
Lorna Dannan narra, em seu site, como conheceu a série Myst: “Tomei conhecimento dos jogos da série Myst
em 1998 através de um anúncio vinculado em uma revista de informática. Fiquei impressionada com as fotos
que mostravam as paisagens de um jogo chamado MYST II Riven. Logo fui em busca de novas informações
sobre os jogos envolvendo Myst. Ao fazer uma busca na internet fiquei um tanto decepcionada, pois eram
poucos os sites que faziam referência a este magnífico jogo. Bem diferente de hoje em dia, onde existem
centenas de sites que divulgam ou ensinam como desvendar este universo fascinante”. Disponível em
<http://www.grandecaverna.com/inicio.asp>. Acesso em25 jan. 2010.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
125
As esferas são pistas essenciais para qualquer explorador chegar até a Era Moiety. Elas
possuem em um dos lados o desenho de uma espécie de olho estilizado e do outro lado um
número D'ni. Cada esfera está associada a um animal e para saber isso basta ouvir o som que
elas emitem. Mesmo não reconhecendo o som emitido é possível fazer a associação a partir
das figuras que estão próximas a cada esfera. Sabendo a ordem correta dos símbolos e dos
animais, você terá o código chave para chegar a Era secreta. Estas esferas estão espalhadas na
Ilha Selva e a mesmo Gehn e seus asseclas não entendem o seu significado, isto es
evidente em seus escritos. Na Era Moiety ou Era Rebelde ou Tay, estão os rivenenses
revoltosos contra o poder de Gehn e por este motivo eles a mantém esta Era em segredo.
Fig. 46: As cinco esferas encontradas em Riven são a chave para o puzzle dos Totens
A compreensão dos números D’ni é evidente, pois eles determinam a ordem em que os
Totens destes animais deverão ser tocados no portal para Era Moiety. Como ilustrado acima
(fig. 46), cada esfera está relacionada com um animal, sendo eles:
Esfera (1): Peixe, esta esfera é, no geral, a ultima a ser encontrada. Ela está
sobre uma mesa ao lado do diário de Gehn em seu laboratório. No diário Gehn menciona o
artefato e o local onde foi encontrado (no lago da vila dos nativos na Ilha Selva).
Esfera (2): Besouro está próximo a escada que acesso ao submarino, dentro
de um reservatório de água.
Esfera (3): Sapo, provavelmente é a primeira esfera a ser encontrada. Ao
deixarmos a Ilha templo com ajuda do teleférico e chegarmos à Ilha Selva, logo ao
desembarcarmos do teleférico avistamos a esfera.
Esfera (4): Sunny, esta esfera está no interior da Ilha Selva, possivelmente a
esfera mais difícil de ser encontrada, pois as pistas que levam a ela o muito sutis, uma
destas pistas está em seguirmos um besouro que insistentemente voa a nossa frente no
momento em que adentramos um bosque.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
126
Esfera (5): Wahrk, possivelmente a segunda esfera a ser encontrada na Ilha
Selva, descendo até a enseada.
Um detalhe importante a ser lembrado é que cada esfera relaciona-se com um animal,
como descrito acima, esta relação se dá por meio do som que a esfera emite ao ser girada e, ao
menos em três casos, por meio do local em que se encontra (detalhe da fig. 46, esferas 1, 2 e 3
o local tem a aparência do animal a que se refere). Temos a oportunidade de encontrar com
todos estes animais durante a exploração e tais encontros são dotados que muitos significados,
do ponto de vista cognitivo. Myst não é um mundo vazio, possui uma natureza diferente e
misteriosa, para superá-la teremos que compreendê-la. Em cada encontro podemos rever
nossas conjecturas e reavaliarmos nossa exploração, procurando possíveis ligações entre os
diferentes eventos aos quais estamos sujeitos. Devido seus estímulos sensoriais (sonoro,
visual, táteis texturas), Myst, projeta no sujeito da ação um contínuo processo de
reconstrução de mundo. Não é raro ouvirmos dos jogadores durante a navegação as
expressões: “entendi!”; “encontrei!” ou “descobri!”. Trata-se da “Eurekapedagogia
207
”.
“Quando se estuda a história da matemática constata-se quase
inevitavelmente que uma teoria coma por esforços para resolver um
problema muito particular... Uma situação... favorável é aquela em que,
aprofundando as técnicas utilizadas para resolver o problema inicial, se
chega a utilizá-las noutros problemas similares ou mais difíceis [...] pode-se
dizer que são os problemas que geram um método” (Dieudonné, 1977, p.12
apud Petitot, 1985, p.19)
Em Myst cada puzzle local apresenta relações com outros puzzles locais e outros
globais. Há conexões, há inter-relações, e estas, implicam na ampliação, no desdobramento do
problema resolvido com a finalidade de produzir generalizações ou ainda hipóteses que serão
devidamente testadas em novas situações. Desta forma, Myst colabora para o
desenvolvimento de métodos, que proporcionarão novas aberturas de mundo, novas tentativas
e consequentemente novas descobertas. Evidenciamos que tais métodos enquadram-se na
filosofia LOGO, ou seja, onde o indivíduo torna-se um epistemólogo por meio da
recursividade e transposições no movimento de pensar sobre modos de pensar. No puzzle dos
totens tais reflexões são inevitáveis, muito provavelmente retornemos a um mesmo local de
Riven com a intenção de revermos alguma informação, repensarmos alguma teoria. Esta
atividade é muito comum entre os jogadores de Myst.
Este puzzle ilustra o que afirmávamos com quanto a transportarmos conjecturas e
suposições locais para globais. Ao abrirmos o portal temos a certeza da importância dos
símbolos, seus significados e sua utilização. Nossa atitude diante do jogo se altera. Nossa
atitude investigativa sofre mudanças constantemente diante de cada constatação que nos
propomos, ou que nos é proposto. Seja com confirmação, afirmativa ou negativamente, esta
informação torna-se parte do quebra-cabeça. E desta forma não existe fracasso somente
tentativas e novas hipóteses a serem confrontadas.
207
A palavra Pedagogia tem origem na Grécia antiga, paidós (criança) e agogé (condução). Assim estamos nos
referindo a condução da criança por meio da descoberta.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
127
Fig. 47: Puzzle dos Totens, chave para abrir o portal para Era Moiety
Fig. 48: Totem do peixe
Fig. 49: Totem do besouro
Fig. 50: Totem do sapo
Fig. 51: Totem do Sunny
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
128
Fig. 52: Totem do Wahrk
Estando na Era Moiety teremos acesso ao diário de Catherine e consequentemente
novas informações. Este puzzle é determinante para os finais de Riven. Como sabemos neste
game existem diversos finais decorrentes dos puzzles que resolvemos e também dos caminhos
que escolhemos. Citaremos os finais possíveis
208
, assim em Riven podemos terminar:
[1] Presos no livro prisão para sempre;
[2] Capturados por Gehn e atrás das grades;
[3] Ajudando Gehn a destruir os rebeldes rivenenses, ou seja, a Era Moiety;
[4] Mortos por Gehn;
[5] Saindo de Riven sem aprisionarmos Gehn e sem resgatarmos Catherine;
[6] Aprisionarmos Gehn e não resgatamos Catherine e deixamos Riven;
[7] Salvando Catherine e não aprisionamos Gehn e deixamos Riven;
[8] Aprisionando Gehn, resgatando Catherine e saindo de Riven.
Esta variedade de possibilidades transforma Myst em uma incógnita para muitos
jogadores. Se o objetivo era somente chegar ao final podemos perguntar “em qual final?No
entanto se o objetivo era vivenciar uma experiência, em ser com ao invés de somente estar
com eles, então Myst oferece a seu visitante muitas horas, ou dias, de reflexão e novas teorias
para serem partilhadas com outros argonautas.
208
Finais alternativos para Riven. A ordem é meramente ilustrativa, pois como afirmamos cada final está ligado
as nossas ações no jogo.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
129
“Um bom enigma, tal como a virtude, é a sua própria recompensa”
Dudeney
No intuito de contemplarmos as possibilidades de abertura de mundo oferecidas pelo
contínuo estímulo oferecido pelos puzzles, dedicamos este capítulo ao momento do
desenvolvimento psico-social escolar com a finalidade de apontarmos na direção de
significativas mudanças na rotina escolar, em aulas de matemática, para um crescente
desenvolvimento espontâneo. Piaget, Schoenfeld, Papert, D’Ambrósio entre outros nos
auxiliarão neste processo de inclusão do desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático no
contexto escolar, como forma de re-descobrir na matemática uma aliada para o processo de
resolução e formulação de problemas.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
130
“Toda pessoa tem direito a educação e esta deve visar ao pleno desenvolvimento da
personalidade humana e ao fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas
liberdades fundamentais”
209
. Ao visarmos uma educação que favoreça ao pleno
desenvolvimento da personalidade humana nos recordamos da questão da individuação
210
,
conforme descrita por Jung, o qual referenciamos nas questões da experiência matemática no
universo digital e na qual tivemos a oportunidade de reconhecer este processo de individuação
como a evolução cognitiva do ser humano de um estado infantil de identificação do universo
ao nosso redor para um estado de maior diferenciação, o que implica uma ampliação da
consciência. A individuação
211
favorece a construção do indivíduo e nas sociedades
contemporâneas, uma vez que o indivíduo se constitui na relação com o outro e em função de
várias experiências e papéis sociais personas
212
e participando de vários mundos, a sua
personalidade não é um monolito, pois o indivíduo não é um, mas muitos, em função de suas
circunstâncias. Assim a circunstância escolar deve favorecer o desenvolvimento para a
coletividade visando o convívio social, promovendo o entendimento e consequentemente uma
saudável relação com os outros.
“Ensina-se a Matemática como se esta tratasse exclusivamente de verdades
acessíveis por meio de uma linguagem abstrata e mesmo daquela linguagem
especial que é a dos símbolos operacionais. A Matemática porém consiste
em primeiro lugar, e acima de tudo, em ações exercidas sobre as coisas, e as
próprias operações são também sempre ações, mas bem coordenadas entre si
e simplesmente imaginadas, ao invés de serem executadas materialmente.”
(Piaget, 1973, p.67)
A matemática consiste então em uma ação, independente do nível no qual ocorra seja
abstrato ou concreto a matemática implica na tomada de decisão para ação e
consequentemente na análise das conseqüências da ação tomada. Em sua primazia o
pensamento matemático deve contribuir para o questionamento antes do equacionamento.
Toda ação é dinâmica, pois toda ação envolve um movimento, seja ele no mundo real ou no
universo abstrato das idéias ou ainda nouniverso digital. Aqui está a importância de
observarmos que a matemática desenvolvida “ensinada” no decorrer da vida escolar
209
Declaração Universal dos Direitos do Homem, votada pelas Nações Unidas, artigo 26.
210
Esta questão foi explorada com maior ênfase no primeiro capítulo de nossa pesquisa. Aqui retomamos o tema
com a finalidade de conectar toda a relevância de nossa pesquisa na formação do indivíduo.
211
Não podemos confundir a individuação com o individualismo, pois enquanto a primeira é o processo de
construção do indivíduo, como ser único e original o individualismo, em princípio, coloca-se em oposição ao
coletivismo, no que concerne à propriedade. O individualista pode permanecer dentro da sociedade e de
organizações que tenham o indivíduo como valor básico - embora as organizações e as sociedades,
contraditoriamente, carreguem outros valores, não necessariamente individualistas, o que cria um estado de
permanente tensão entre o indivíduo e essas instâncias de vida social. Uma primeira dificuldade do
individualismo seria, portanto, a de definir o indivíduo, destacando-o da esfera do coletivo que, de certa
forma, o constitui e lhe dá sentido
212
Na psicologia analítica (Jung), é dado o nome de persona à função psíquica relacional voltada ao mundo
externo, na busca de adaptação social. No processo de individuação, a primeira etapa é, justamente, a
elaboração da persona desenvolvida, em termos de sua relatividade frente à personalidade como um todo.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
131
desde os primeiros anos do ensino fundamental até o final do ensino médio consta de uma
matemática entendida por muitos, pais e alunos e talvez alguns professores, como uma ciência
estática. Com freqüência encontramos pais que perguntam para seus filhos a respeito de
determinados conteúdos que eles por sua vez estudaram e atualmente continuam sendo
transmitidos da mesma forma, ou ainda enfatizados como insubstituíveis.
Não desejamos iniciar uma discussão a respeito do currículo escolar, ou ainda de
questionarmos algumas metodologias de ensino da matemática, nossa intenção é
esclarecermos que a matemática escolar não é a matemática como tal. Se perguntássemos para
uma centena de matemáticos o que é a matemática?”, colheríamos uma centena de
explicações. Para Garbi
213
a matemática é tão somente o que os matemáticos fazem. Esta
afirmação traz em si toda a variedade de repostas possíveis de serem encontradas, mas e a
matemática escolar? Papert nos auxiliará na busca de uma resposta que se aproxime de nossas
experiências escolares.
“Vejo a ‘matemática escolar’ como um constructo social, uma espécie de
QWERTY. Um conjunto de incidentes históricos determinou a escolha de
certos tópicos como a bagagem matemática que os cidadãos deveriam ter.
Como no caso da sequencia QWERTY das máquinas de escrever, a
matemática escolar teve sua razão de ser num certo contexto histórico. Mas,
assim como QWERTY, ela se tornou tão arraigada que as pessoas a
consideram inquestionável e inventam racionalizações para defendê-la
mesmo depois que as condições históricas que a justificaram deixaram de
existir.” (Papert, 1985, p.73)
Com esta afirmação, Papert nos recorda que toda construção de conhecimentos está
inevitavelmente vinculada a um contexto histórico e por este motivo tais construções para
serem compreendidas necessitam do mesmo contexto, quando este deixa de existir tal
conhecimento pode tornar-se aparentemente segmentado e estagnado. Provavelmente, muitos
das atividades escolares atualmente padecem de tal estagnação e diante do pragmatismo por
parte dos alunos, muitos professores, educadores, recorrem a invenções, em racionalizações
para defendê-las na tentativa de torná-las inquestionáveis. Não são raros estes episódios no
meio escolar. A formação escolar está intrinsecamente relacionada com a formação do
cidadão, e esta formação não é técnica, nem especializada, esta formação deve ser humana, ou
melhor, humanizadora
214
. Para que isto ocorra necessitamos olhar com mais carinho para a
constituição do raciocínio lógico-matemático. Como afirmávamos, a matemática escolar
difere da matemática como ciência, porém, em essência possuem a mesma natureza, pois
ambas movimentam-se sob o inquietante desejo pela investigação e descoberta.
Certamente que o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático não fornece todas
as soluções para os problemas educacionais. No entanto fornece um novo olhar para a
matemática, não como algo a se temer, como exclusivo para poucos e brilhantes indivíduos,
mas para aqueles que se dispõe e se expõe a experiências cognitivas na resolução de puzzles.
Poderíamos nos questionar se mentes brilhantes diferem de mentes “normais” de alguma
213
Apresentação realizado pelo Prof. Gilberto Geraldo Gabi IME USP verão 2009. Disponivel em
<http://www.icmc.usp.br/~sim/grandesmomentos.pps>.
214
De acordo com a LDB 9.394/96, a escola deve exercer um papel humanizador e socializador, além de
desenvolver habilidades que possibilitem a construção do conhecimento e dos valores necessários à conquista
da cidadania plena.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
132
maneira especial, a este respeito Minsky (1985, p.1) acredita “que não algo basicamente
diferente em um gênio, exceto por existir uma combinação incomum de habilidades, nada de
muito especial por si só”
215
. Mas por que razão nem todos adquirem tal combinação? Minsky
(1985, p.2) nos auxilia na busca de respostas afirmando que alguns possuem a habilidade
inata de olhar as coisas de uma forma diferente e que outros ainda podem apresentar tal
habilidade com nuanças diferenciadas, muitas vezes esta capacidade desenvolve-se
inconscientemente como forma de organização interna cognitiva dos eventos aos quais o
indivíduo esteve envolvido ou foi exposto. Com isto queremos demonstrar que todos temos
algo de brilhante a oferecer, todos temos um “olhar” único e singular que pode nos auxiliar na
construção de tais estruturas e combinações incomuns.
“Nossa hipótese é portanto a de que as supostas aptidões diferenciadas dos
‘bons alunos’ em Matemática ou Física etc., em igual vel de inteligência,
consistem principalmente na sua capacidade de adaptação ao tipo de ensino
que lhes é fornecido; os ‘maus alunos’ nessas matérias, que entretanto são
bem sucedidos em outras, estão na realidade perfeitamente aptos a dominar
os assuntos que parecem não compreender, contanto que estes lhes cheguem
através de outros caminhos” (Piaget, 1973, p.17)
Nossa pesquisa denota exatamente estes “outros caminhos” aos quais Piaget se refere.
Nem sempre a tarefa de construir diversos caminhos para um mesmo assunto é tida como
elementar. Ao contrário, para muitos, tais caminhos alternativos são esquecidos e as
dificuldades individuais de aprendizagem são relegadas ao educando. Ora, neste ponto é que
centramos nossa observação do desenvolvimento do raciocínio-lógico como “pedra
angular
216
na construção dos mais diversos conhecimentos. Ao ultrapassarmos esta visão
maniqueísta que por vezes distorce os nuances de cada indivíduo. Assim a constituição do
indivíduo está conectada a liberdade de “tentar resolver” de procurar meios próprios.
Cabe ressaltar, também, o crescimento da autoconfiança e da auto-estima do indivíduo,
à medida que ele desenvolve sua capacidade para resolução de problemas, por meio dos
puzzles, suas habilidades de análise e crítica, constantemente enfatizadas no estudo da
Matemática, criam uma nova disposição para o estudo e uma melhor apreensão de conceitos
de qualquer natureza. O que queremos é desenvolver a capacidade de lidar com situações
novas, que dão origem a problemas, como nos ensina D’Ambrósio (2002, p.3) “a formulação
de problemas pelos alunos, a partir de uma situação nova, é muitíssimo mais importante que a
resolução de problemas dados pelo professor”. Neste contexto que afirmávamos que um
puzzle se constitui em uma estrutura lógica organizada e aberta que encaminha um processo
reflexivo que culmina na compreensão de um dado problema que se constitui no próprio
puzzle, ou seja, uma ampliação da experiência estética no sentido fenomenológico e este
continuado processo de resolução de puzzles indicará como efeito no sujeito da experiência,
uma ampliação da sua potência de formular e, consequentemente, resolver problemas.
215
Tradução livre do autor. Texto original: Do outstanding minds differ from ordinary minds in any special way?
I don't believe that there is anything basically different in a genius, except for having an unusual combination
of abilities, none very special by itself.
216
Principal pedra em uma construção, principalmente noa arcos romanos, esta pedra colocada no ponto centrarl
do arco sustenta toda a estrutura exercendo uma pressão para os lados. Sua importância era tamanha que os
construtores homenageavam soberanos inscrevendo seus nomes nelas.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
133
Observemos um evento que vem agitando a educação brasileira a alguns anos. A
Olimpíada Brasileira de Matemática da Escola Pública OBMEP possui um nobre
propósito
217
, se apresenta como “um projeto que vem criando um ambiente estimulante para o
estudo da Matemática entre alunos e professores de todo o país”. Em uma tentativa de
estimular alunos e professores na busca de formas para o aprimoramento dos mais diversos
conceitos da matemática. Esta avaliação consta de 20 questões no formato de alternativas.
Fig. 53: Detalhe da Folha de questões da 5ª OBMEP – 2009 – Grifo nosso.
Na avaliação da OBMEP do ano de 2009 (Fig. 53), bem como para os demais níveis e
anos, a organização da olimpíada orienta os participantes a encararem as questões da prova
como sendo interessantes quebra-cabeças e desta forma divertir-se na busca das soluções. No
entanto é uma tarefa árdua compreender qual o significado, para a maioria dos alunos, de se
encarar uma prova de matemática como quebra-cabeça uma vez que desconhecemos as
experiências individuais e pessoais com quebra-cabeças (puzzles). Neste intuito é que
apontamos para Myst e seus puzzles como um primeiro e cativante modo de se introduzir os
aspectos positivos e únicos provenientes da experiência estética, amplamente discutida no
decorrer de nossa pesquisa. Uma vez que o visitante de Myst desenvolva habilidades como
observação, coleta e análise de informação, conjecturas, testes de hipóteses, este se encontra
aberto para novos encontros, ou seja, com puzzles propostos fora do universo de Myst.
Da mesma forma quando afirmamos a respeito de um puzzle como sendo uma estrutura
lógica organizada e aberta que encaminha um processo reflexivo afirmamos que a atividade
com puzzles em sala de aula deve ser sempre uma opção
218
, uma oportunidade de encontro.
D’Ambrósio (2007, p.23) afirma que “a ação gera conhecimento, gera a capacidade de
explicar, de lidar, de manejar, de entender a realidade, gera o matema”, este caminho de ação
em um game extremamente cativante, por sua história envolvente e qualidade gráfica e sonora
singular, desenvolvendo-se inicialmente neste universo o indivíduo experimentando do
sentimento de “vitória” de superação, certamente estará motivado para novas buscas e novos
desafios. Assim como afirmávamos em Tonéis e Petry (2008, p.305) o processo de construção
do conhecimento está interligado com uma série de outras construções e nesta
interdependência encontra-se a força motriz para nossa pesquisa, a emoção. A emoção de
217
Dentre as realizações da OBMEP destacam-se: o Programa de Iniciação Científica Jr. (PIC) para os
medalhistas da OBMEP estudarem Matemática por 1 ano, com bolsa de estudos do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); a produção e distribuição de material didático de
qualidade, disponível em seu site. (OBMEP. Disponível em <http://www.obmep.org.br/>. Acesso em 2 out.
2008).
218
O que é obrigatório para muitos que se sentem motivados a estarem na escola apresenta-se como algo
agradável e prazeroso, no entanto para uma parcela de indivíduos estigmatizados por “castigos” escolares o
que é obrigatório é penoso e desmotivador. No entanto o que é oferecido como um encontro, como uma
oportunidade gera em muitos a curiosidade e o prazer. Não importa quantos aderem a iniciativa, sendo algo
divertido aos poucos todos estarão dispostos a experimentar da tal oportunidade. Especialmente em se
tratando de adolescentes as oportunidades sempre serão mais convidativas do que o sentimento de obrigação.
È neste sentido que o início deve se dar pela oportunidade até alcançarmos a consciência da obrigação,
formando desta forma a consciência social de direitos e deveres.
ou não, ou seja, uma questão matemática.
lógico é a alternativa “D”.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
134
superar os obstáculos no jogo, a emoção de resolver um puzzle antes dos colegas. Não
melhor motivação para impulsionar qualquer indivíduo a se aventurar em novos desafios, pois
a recordação do sucesso será aliada diante dos desafios.
Esta ação que gera conhecimento nasce da emoção, deste desejo de superar as
dificuldades. Poderíamos indagar “Por que é que a dificuldade nos atrai?” A resposta parece-
nos evidente, pois nos prazer procurar a solução, todo prazer estava no procura e no
encontro, ou seja, na emoção. Assim como afirma Dudeney (2008, p.15) ao solucionarmos
um puzzle “inundam-nos um prazer e uma sensação de satisfação que são recompensa
suficiente para os nossos esforços”. Desprezamos qualquer dispêndio de tempo, pois o
prazer, a emoção é o foco na resolução do puzzle. O ato da busca, de procurar, transforma os
indivíduos em inventores, em descobridores, em artistas, em heróis!
Apresentamos a seguir algumas questões retiradas da OBMEP (nível 2) do ano de 2009,
em uma tentativa de avaliarmos como puzzle
Fig. 54: Prova OBMEP – 2009 – nível 2 – questão número 7
Esta questão (Fig. 54) interessantemente traz uma provocação de um dos paradoxos de
Zenão, o do mito da corrida travada entre Aquiles e a tartaruga, isto se evidencia na quinta
alternativa, porém este puzzle não se configura em um paradoxo, pois possui uma solução
lógica. Não é necessário apresentar conceitos anteriores desenvolvidos, como velocidade,
deslocamento, no entanto se o indivíduo os possuir podem ser úteis. A resposta para este
puzzle
Just as one child learns to re-arrange its building-blocks in clever Tradução livre do autor. Texto original:
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
135
Fig. 55: Prova OBMEP – 2009 – nível 2 – questão número 9
No caso da questão apresentada na Fig. 55 existe uma impossibilidade, pois qualquer
indivíduo que desconheça as propriedades de potenciação encontrará um grande problema
pela frente, enquanto para aqueles que possuam tal conhecimento a questão assemelha-se a
um exercício de potenciação. Isto não possui características de um puzzle, mas sim de uma
questão matemática. Pois temos:
2
100
x 5
103
= 2
100
x 5
100
x 5
3
= (2 x 5)
100
x 5
3
= 125 x 10
100
Soma dos algarismos 1 + 2 + 5 = 8
Fig. 56: Prova OBMEP – 2009 – nível 2 – questão número 12
Esta questão proporcionou-nos horas de discussão com os alunos dos nonos anos. A
principal queixa deles foi “não tem valor de nada, como eu vou calcular a área do triangulo?”.
Eles permaneciam presos a uma informação anterior, a rmula da área do triângulo e com
isso não foram capazes de visualizar o problema por outros prismas, de maneiras diferentes e
assim desenvolverem aquelas combinações de habilidades, pois “tal como uma criança
aprende a reorganizar seus blocos de forma inteligente, outra criança pode aprender a jogar,
dentro de sua cabeça, re-organizando como se aprende!”
219
(Minsky, 1985, p.2). Este é o
processo que desejamos incentivar por meio dos puzzles, este “jogo de re-organizar idéias”,
construindo hipóteses, o que chamamos de “modos diferentes de pensar”, ou ainda
“pensamento lateral”
220
. No mundo real, por exemplo, diante de muitos problemas não
trabalhamos com respostas exatas “com três casas decimais”, em outras palavras, na vida real
219
ways, another child might learn to play, inside its head, at Fe-arranging how it learns!
220
Lateral Thinking, ou Pensamento Lateral, termo criado por Edward de Bono para nomear a técnica de solução
de problemas por meio de uma abordagem indireta e criativa, que estimula o surgimento de ideias novas que
não se consegue alcançar utilizando-se apenas o “passo-a-passo” tradicional das etapas da lógica.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
136
quando resolvemos problemas estamos envolvidos em uma atividade frequentemente mais
semelhante ao que enfrentamos quando resolvemos um puzzle do que com a atividade que
enfrentamos quando resolvemos uma questão tradicional de matemática.
Os organizadores da OBMEP solucionaram
221
o problema correspondente a Fig 56 do
seguinte modo:
A figura à direita mostra como decompor o retângulo ABCD em oito triângulos
congruentes. Concluímos que a área do quadrilátero PQRS é metade da área do retângulo, ou
seja, 20 cm
2
. Voltamos agora para a figura do enunciado e traçamos uma paralela TU ao
segmento PS. Os triângulos PST e UTP são congruentes, bem como os triângulos UTQ e
RQT. Como o triângulo PQT é a união dos triângulos UTP e UTQ, segue que sua área é
metade da área do quadrilátero PQRS, ou seja, 10 cm
2
.
Ao analisarmos este “problema” como um puzzle, poderemos exercitar nosso
pensamento lateral, eis o modo como apresentamos a resolução aos alunos do nono ano:
Se o retângulo ABCD tem área de 40 cm
2
, então o dividindo em quatro partes iguais
teremos para cada parte com 10 cm
2
. Dividindo-se novamente construímos o losango SRQP e
teremos cada triângulo retângulo gerado com área igual a 5 cm
2
. Neste momento utilizaremos
um pensamento lateral para determinar a área do triangulo cinza. Conhecemos fórmula da
área de um triangulo
222
e sabemos que esta depende de sua altura e de sua base, se tais
medidas se mantém o mesmo ocorrerá com sua área. Ora, compreendendo que a altura do
221
Solução da prova da fase, OBMEP 2009 nível 2, página 3. Disponível em
<http://www.obmep.org.br/export/sites/default/provas/provas2009/1_fase/sol_1afase_n2_final.pdf>.
222
A área de qualquer triângulo é dada pela metade do produto da base pela altura deste triângulo.
Fig. 57: Proposta para solução – Divisão da figura em 8 partes iguais
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
137
triângulo cinza está definida por SP e que o segmento SR é o lugar geométrico
223
da altura
deste triângulo cinza, então podemos imaginar o ponto T como algo dinâmico
224
e podemos
“mover” este ponto até o ponto S pois a medida entre T e o segmento PQ não será alterada
(continua sendo SP), porém teremos reconstruído nosso triângulo cinza.
Fig. 58: Proposta para solução – Transladação do ponto T até o ponto S.
Desta forma a área do triângulo cinza será 2 . 5cm
2
= 10 cm
2
.
O nosso objetivo encontra-se em ilustrar como problemas puzzles bem escolhidos
podem ser utilizados como catalisadores em discussões, conduzindo os indivíduos a pensarem
matematicamente ampliando as possibilidades de resolução, pensando lateralmente, criando
sua heurística própria, tornando-se um epistemólogo, por meio do pensar em modos de
pensar. Desta forma torna-se evidente que “são as ‘lições’ oferecidas que lhe escapam à
compreensão, e não a matéria” (Piaget, 1973, p.17). Ao oferecermos “lições” nas quais cada
um tenha a oportunidade de explorar suas possibilidades estamos promovendo verdadeiros
momentos de inclusão, pois respeitar cada indivíduo em sua singularidade é também respeitar
sua forma de pensar. Quando recorremos as questões temporais oferecidas nos jogos digitais
buscávamos enfatizar inclusive a questão do tempo pessoal para a descoberta, pois “muitos
fracassos escolares se devem a passagem muito rápida do qualitativo (lógico) para o
quantitativo (numérico)” (Piaget, 1973, p.17), com isto avançamos para formalizações antes
mesmo que muitos compreendam os padrões e características de um fenômeno. Estamos
certos que ao respeitarmos o tempo interior de cada indivíduo oferecendo-lhe múltiplas
opções no mundo digital – por meio de Myst – e com a utilização de puzzles lógico-
matemáticos, como os que exemplificamos, estaremos atendendo aos aspectos qualitativos do
desenvolvimento psico-social e preparando-nos para avançar quantitativamente sem grandes
riscos de fracasso, afinal a linguagem matemática, como a linguagem materna deveria ser uma
constante em nosso desenvolvimento global.
O problema de desenhar uma figura, por exemplo, apela para mais do que a mera
compreensão da terminologia de plano cartesiano, isto apela para capacidade de comunicar-se
matematicamente para se expressar utilizando-se da linguagem Matemática. Isto é um recurso
importante e aparentemente simples. Contudo, a aparência pode ser enganadora. Existem
223
Um lugar geométrico é o conjunto de pontos que apresentam uma determinada propriedade: se um certo
ponto possui a propriedade X, então ele pertence ao lugar geométrico dos pontos que satisfazem esta
propriedade X. Alguns lugares geométricos são conhecidos como: circunferência; mediatriz; bissetriz interna
de um ângulo
224
Se utilizarmos um software de geometria dinâmica esta demonstração será visivelmente mais interessante e
possivelmente poderemos encontrar outras maneiras para determinar a área do triângulo cinza.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
138
muitos labirintos em nosso modo de racionalizar as coisas observe a seguinte questão: Qual é
a metade de 2
22
? A primeira imagem que virá em nossa mente será provavelmente 2
11
. Esta
foi à resposta que obtivemos de 100% dos alunos do nono ano. A ausência de um número
maior de conexões e relações traçadas entre suas habilidades conduzem a este erro. Um
pequeno exemplo poderia corrigir esta falha, vejamos, se desejássemos a metade de 2
6
, um
valor menor, possível de ser calculado por qualquer neófito em potências. A hipótese é de que
metade de 2
6
é 2
3
, verifiquemos: 2
6
= 2.2.2.2.2.2 = 64 enquanto que 2
3
= 2.2.2 = 8,
evidentemente que 8 não é metade de 64. Assim afastamos o erro inicial e nos abrimos para
verificar as falhas em nossas conexões, pois metade de 64 é 32 que equivale a 2
5
,
generalizando
225
:
1
2
2
2
=
n
n
Outro exemplo desta armadilha cognitiva encontra-se quando desejamos determinar o
valor de
...444,0
. Novamente em 100% dos casos os alunos afirmaram que o resultado seria
0,222... . Solicitamos então que realizassem esta operação com o uso da calculadora,
prontamente, a maioria, de posse de seus aparelhos celulares acionou a calculadora e para a
surpresa de todos a resposta correta foi 0,666... Novamente a aparente simplicidade da escrita
matemática esconde conceitos e fundamentos essenciais para compreensão desta questão.
Uma dízima periódica é um número racional “disfarçado de irracional” então
4,0
pode ser
escrito como a fração
9
4
, desta forma:
...444,0
=
9
4
=
3
2
= 0,666...
Constatamos desta forma que utilizar a linguagem matemática não é uma tarefa simples,
pois evoca diferentes habilidades conectadas.
“o homem cria novos fatos a partir de uma multiplicidade de informações
captadas da realidade e que o processamento dessas informações se
especificamente para cada indivíduo, dependendo de experiências prévias e
de memória individual e coletiva. O fato criado é inconcluso em si e se
realiza a partir da sua receptividade por outros indivíduos. (D’Ambrósio,
1999, p.8).
Identificamos nesta idéia que a questão da criatividade se coloca como fundamental,
pois como todo fato é criado, o fato matemático é, em si, inconcluso, ou seja, inacabado. O
desenvolvimento de habilidades matemáticas vai além do ato de realizar cálculos, o
conhecimento matemático está associado ao desenvolvimento da criatividade e
consequentemente as oportunidades e aberturas que oferecemos para que isto ocorra, pois
como afirmávamos a criatividade é intrínseca a imaginação e com isso a própria abstração e
este movimento que transforma e atualiza a realidade constantemente.
225
Esta é uma das propriedades de potenciação, a divisão de mesma base, onde se conserva a base e subtraem-se
os expoentes.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
139
Diante de tais compreensões temos a escolha de apresentarmos uma matemática viva e
dinâmica que se desenvolve constantemente por meio das relações cognitivas que desenvolve
ou nos ancorarmos na matemática “imutável de nossos pais”. A descoberta matemática é e
deveria ser sempre um convite a exploração, a construção de questões e não somente de
respostas e soluções. Pensar matematicamente significa desenvolver ligações, as mais
variadas possíveis, dos mais variados modos possíveis com a finalidade de desenvolver a
habilidade de “olhar” diferente para um mesmo problema, ou seja, o desenvolver o raciocínio
lógico-matemático. Nosso objetivo não está em somente “ensinar os alunos a resolver
problemas”, especialmente, problemas de outras pessoas, mas contribuir para que sejam
capazes de pensar matematicamente (utilizar o raciocínio lógico-matemático).
É evidente que a resolução de problemas é uma parte muito significativa do pensamento
matemático, porém buscamos uma perspectiva onde o raciocínio lógico-matemático
signifique também ver o mundo de um ponto de vista matemático, ou seja, possível de ser
modelado, simbolizado, abstraído. A construção matemática deve oferecer uma construção do
conhecimento de forma socializadora uma vez que estamos imersos em mundo de relações
sociais, um mundo econômico, e palavras ou termos como porcentagem, juros, taxas, estão
além das fórmulas matemáticas, pois envolvem mecanismos de tomada de decisão.
“Modelar e simbolizar, comunicar, analisar, explorar, conjecturar e provar
ou seja, atividades com sentido matemático, é aquilo que a Matemática
realmente é. Na verdade, fazer sentido deveria ser a principal atividade da
escola. Das artes à literatura, à Física o que deveria ser aprendido são
múltiplos caminhos de ver o mundo, e os variados instrumentos
interdisciplinares e perspectivas que nos ajudam a entendê-lo. Isto é, em
resumo, a minha esperança para a resolução de problemas. Se nós fizermos o
nosso trabalho corretamente, talvez as escolas se tornem lugares onde os
alunos realmente aprendam a pensar” (Schoenfeld, 1996, p. 11).
O que Schoenfeld afirma coincide com que afirmávamos a respeito da atividade
matemática quanto ciência e quanto matemática escolar. Quando somos capazes de modelar e
simbolizar, de analisar, explorar, criar hipóteses e testá-las, tudo é atividade matemática e
encontra-se no fazer matemática. Desta forma tanto o matemático quando o aluno que procura
uma solução para um puzzle, ambos fazem matemática. A matemática, então, não é algo
estático, não se encontra estagnada, do mesmo modo que os processos cognitivos sempre
avançam formando novas redes, novas ligações, a matemática, com suas mais ricas formas
contribui para estas ligações por meio do raciocínio lógico-matemático. Oferecendo assim
múltiplas formas de olharmos o mundo e sermos com ele, formando um indivíduo que pensa
sobre o pensar, ou seja, um epistemólogo, e como afirmou Papert (1985) poucos indivíduos
tiveram ou têm esta oportunidade. Podemos fazer a diferença fazendo diferente, repensando,
refletindo, reconhecendo as potencialidades dos outros, sendo com eles e não apenas estando
ao lado deles, pois “o segredo do significado de algo reside nas formas que tal significado se
conecta a todas as outras coisas que nós sabemos. Quanto mais ‘links’, mais esta coisa
significará para nós”
226
(Minsky, 1985, p.5).
226
Tradução livre do autor. Texto original: The secret of what something means lies in the ways that it connects
to all the other things we know. The more such links, the more a thing will mean to us.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
140
O projeto Ilha Cabu
227
é inspirador, por sua composição e seu “espaço para o pensar”.
No formato de uma aventura para a construção do conhecimento, a Ilha Cabu constitui-se
como o conhecimento no caminhar, no percorrer e no experienciar” dos espaços por seus
visitantes.
Fig. 59: Imagem produzida durante navegação na versão beta do Ilha Cabu.
A Ilha Cabu é repleta de rios que separam as diversas regiões que a compõe, assim
como as questões que constantemente nos conduzem a novos movimentos de descoberta e
neste fluir dos rios em Cabu, recordamos a necessidade de superações e constantes reflexões
para o processo de resolução de problemas.
Fig. 60: Mapa da Ilha Cabu – Ilhotas
227
O projeto Ilha Cabu é um projeto voltado a construção de um game acadêmico, ou seja um jogo que transpõe
uma tese de doutorado, no caso de Arlete Petry, atualmente em andamento, o tema de sua tese é “O jogo
como condição da autoria e da produção de conhecimento: Análise e produção em linguagem
hipermídia. Disponível em <http://www.ilhacabu.net/>. Acesso em jan. 2010.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
141
A equipe do roteiro
228
do jogo reunia-se semanalmente com a organizadora do projeto,
Arlete Petry, e durante estas reuniões, o grupo colaborativo, identificou na ideia de “lago sem
fundo
229
” bem como nas “pontes” que interligam as ilhotas como um importante aspecto a ser
explorado. Decidimos diversificar os tipos de tais “pontes”, de tais ligações com a finalidade
de construir objetos interessantes do ponto de vista metodológico para a construção do
conhecimento “e em um dado momento uma ponte pode ser uma árvore que se inclina sobre o
rio. A utilização de metáforas, por exemplo, tem sido por muitos a maneira de explicar e
conhecer o universo digital. Falamos em “sala de bate-papo”, em “mural de recados”, e desta
forma seguimos na concepção de um “novo mundo” enriquecido de sentidos, de nossos
sentidos a fim de caracterizarmos o que nos é expressivo.
Ao construirmos uma ponte, ao criarmos uma ligação, conectamos espaços, estamos
conectando idéias e ampliando horizontes. No entanto, quando uma árvore se inclina e torna-
se uma ponte, representam-se mais do que uma construção, pois a metáfora encontrada na
figura da árvore a qual com suas raízes foi capaz de beber das águas profundas no interior do
solo e estendeu seus galhos em direção ao céu, ao inclinar-se sua figura supera qualquer
construção do conhecimento, pois figura-se o resgate de conhecimentos construídos, em
que estes se inclinando estão se conectando aos novos conhecimentos, somando, renovando o
já construído sob a luz da nova descoberta, atualizando o conhecimento. A árvore que outrora
aparentemente era imóvel e inerte revela-se flexível, mutável para inclinar-se e servir-se de
ponte, transmutar-se em uma nova forma ser perder sua essência.
Neste constante movimento, neste fluir é que encontramos um caminho para enriquecer
a experiência nos metaversos
230
por meio de puzzles clássicos. Este percurso de transposição
colabora para um resgate histórico, como um fator cultural e ainda oferece “novos links” para
os processos criativos. Na constituição de um puzzle, remetendo-se a Myst como paradigma,
propomos uma reflexão a respeito do propósito de se transpor problemas em metaversos, ou
seja, na transposição de puzzles de um formato para outro, de uma linguagem para a outra. Se
outrora comentávamos da relevância em decifrar um puzzle neste momento torna-se nosso
desejo a partir da linguagem gico-matemática demonstrar algumas das possibilidades para
criação de metaversos com potencialidades cognitivas relevantes ao desenvolvimento
espontâneo do indivíduo.
228
Coordenada por Arlete dos Santos Petry, formavam a equipe de roteiro: Lucas Meneguete, Matheus
Meneguete e Cristiano Natal Tonéis.
229
O lago sem fundo tem relação com a noção de consciência em Peirce. Consciência é um lago sem fundo, onde
as ideias estão em movimento em diferentes profundidades. A superfície deste lago está continuamente
recebendo uma chuva de perceptos visuais, sonoros, olfativos, táteis etc. À superfície deste lago, está atada
nossa autoconsciência ou consciência individual (nosso Ego ou Eu). Estes perceptos que nos chegam a todo
momento, descem às camadas mais profundas do lago e, há elementos que, em tendo estado na superfície,
foram às profundezas e retornam. Essas ideias retornam devido a forças da mente que fazem com que uma
ideia puxe outra (por associação de similaridade e contiguidade). (Nota de conversa com Arlete Petry via
email em 8 fev. 2010).
230
Metaverso é a terminologia utilizada para indicar um tipo de mundo virtual, universos digitais e interativos
tridimensionais onde é possivel vivenciar situações e experiências análogas ou não a realidade, por meio de
avatares. Um exemplo recente e muito divulgado de metaverso é o Second Life. Myst Uru e posteriores
também apresentavam o conceito de metaverso com uma grande potencialidade para o desenvolvimento
cognitivo.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
142
Nosso objeto, paralelo a Myst é o projeto Ilha Cabu, o jogo como condição da autoria e
produção do conhecimento, desenvolvido por Arlete Petry de forma a ser uma criação
colaborativa, e neste jogo a presença de diversos desafios transpostos em metaversos.
A proposta em Cabu é também “provocar” o navegador, proporcionando este resgate de
valores anteriores que por sua vez fundamentam novos valores e pesquisas na busca da
originalidade. Uma provocação, por exemplo, está no uso de uma Torre de Hanói gigantesca,
em pedra no alto de uma montanha que tem por objetivo indicar que o jogo começou e
remetendo ao mito de sua criação a finitude do mundo.
Como David Miles (1996, p. 4) afirmou, Myst está de acordo com a quarta lei dos meios
de Marshall McLuhan; “o desenvolvimento inicial de um novo meio recuperará formas dos
meios anteriores”. Assim, os criadores de Myst estão promovendo a recuperação de
convenções e formas da literatura, do cinema e do design gráfico e, com isso, oferecem re-
combinações neste novo meio multimídia-hipertextual-CD-ROM
231
. Eventualmente, a
natureza original dos meios será desenvolvida, mas no momento estamos presenciando as
recuperações ressoando através dos meios emergentes. Ora o mesmo acontece com a Ilha
Cabu, idealizado como um game acadêmico on line monousuário, ou seja, busca recuperar
231
Na ocasião histórica do lançamento de Myst era o CD-ROM, que evoluiu para o DVD-ROM e ainda temos
atualmente outras formas de mídia e ainda o ciberespaço como um topos digital oferecendo diversos jogos
on line. Se analisarmos pelo ponto de vista da teoria da comunicação, especificamente a partir de MacLuhan,
podemos afirmar que os jogos on line são uma evolução quanto mídia e programação. (Notas de conversa
com Prof. Petry via email em 10 fev. 2010).
Fig.
61:
Imagens da To
r
re de Hanói “provocativa”
na Ilha Cabu.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
143
formas anteriores de construções cognitivas a fim de despertar novas formas e novas leituras –
releituras.
Citamos como exemplo de transposição para Ilha Cabu a utilização de um problema
232
retirado de uma aritmética portuguesa datada de 1555 do Tratado da Arte da Aritmética, de
Bento Fernandes
233
, o pomar de maçãs com três guardas:
Um gentil homem anda de amores com uma dama e não pode haver dela seu desejo. E
a dama lhe pede 9 maçãs do jardim del-Rei e que aceitará o seu serviço. E o gentil
homem se foi ao jardim e achou nele 3 portas e em cada porta está um porteiro e o
primeiro porteiro lhe disse que entrasse, porém, que lhe havia de dar a metade de todas
as maçãs que trouxesse e mais 2 maçãs. O segundo porteiro lhe disse que entrasse e
que lhe havia de dar a metade das maçãs que trouxesse e mais 3 maçãs. O terceiro
porteiro lhe disse também que entrasse e que lhe havia de dar a metade das maçãs que
trouxesse menos 4 maçãs. Pergunto: quantas maçãs de recolher este gentil homem
do jardim para que lhe fiquem as ditas 9 maçãs, nem mais nem menos, dando a cada
porteiro segundo o que cada um lhe pediu?
O equacionamento de problemas matemáticos serve como um modelo numérico
abstrato e funcional. Uma vez que depois de configurado, nos fornecerá qualquer valor y
associado a um x. Em outras palavras, estamos definindo funções. Onde x é o número de
maçãs. A questão central está em sairmos pela porta 1 com 9 maças a fim de dar à dama.
Sendo x o total de maças, teremos:
Porta 1: x – 0,5x – 2 = 9
0,5x = 11
x = 22
Então deverei sair pela segunda porta com 22 maças, analogamente:
Porta 2: x – 0,5x – 3 = 22
0,5x = 25
x = 50
E então deverei sair pela terceira porta com 50 maças, assim:
Porta 3: x – 0,5 x + 4 = 50
0,5x = 46
x = 92
Portanto deveremos possuir
92 maças
se quisermos ficar com
9
ao final.
Na busca de heurísticas para resolução do problema encontraremos diversas formas de
pensar, em uma delas encontramos o algoritmo recursivo, ou seja, por meio de um raciocínio
dedutivo podemos recorrer ao caminho inverso do proposto pelo problema, uma vez que ao
sair devo possuir nove maças é exatamente pelo fim que daremos início, pois para sair de
posse de 9 maçãs quantas deveremos recolher? A chegada a uma porta é a saída da anterior,
232
Lagarto, Maria J. História da Matemática Medieval. Disponível em
<http://www.malhatlantica.pt/mathis/Problemas/macas/macas.htm>. Acesso em 10 mar. 2009.
233
Bento Fernandes, na composição do seu Tratado da arte d'Arismetica, publicado em 1555, para uso dos
mercadores, livro que contém, como o de Gaspar Nicolas , as regras necessárias para executar as operações
numéricas e para resolver os problemas que apareciam naqueles tempos no exercício do comércio, e, além
disso, as doutrinas de Frei Lucas de Burgo para a resolução das equações do primeiro e do segundo grau.
(História da cultura das Matemáticas em Portugal no século XVI. Disponível em
<http://www.mat.uc.pt/~jaimecs/livrogt/2parte1.html>. Acesso em 15 fev. 2010).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
144
isto caracteriza o que chamamos de pensamento ou algoritmo recursivo, pois desta maneira
chegaremos até a ultima porta na entrada que, para a saída, será a primeira. Após alguns testes
o funcionamento de cada porta ficará mais explicito e desta forma poderemos solucionar o
problema como revela a Fig. 62:
Fig. 62: Representação da solução do problema por meio de desnehos e testes
O desejo central encontra-se em observarmos a construção do conhecimento como um
processo natural e mutável, atualizável, o conhecimento como fruto de uma dinâmica mental
que rompe com toda inércia do antigo frente ao novo. Deste forma nos utilizamos da metáfora
da árvore que se inclina como um ser, na figura mitológica do Ente para propormos o
mesmo problema na Ilha Cabu, porém agora quem pede as maças é o Ente, e o pomar
encontra-se no centro de um labirinto vigiado por três guardas. O problema não somente se
transpôs quanto linguagem, da escrita para verbal, mas também dos personagens, passando da
terceira para primeira pessoa, então na Ilha Cabu o problema não é “de um homem” e sim do
jogador.
Fig. 63: Cenas extraídas da versão beta da Ilha Cabu – Labirinto do puzzle do Ente, guardas e macieira
Sentido duplo para
testes da resolução
Pedido de cada sentinela
1. O total de maçãs que sobram no final é sempre cre
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
145
Na resolução do puzzle do Ente, outro tipo de resolução nos chamou a atenção. Mário
234
com mente orientada para a ciência da computação utilizou-se de uma planilha de cálculo
Excel para obter a resposta para todo e qualquer eventual pedido do Ente, desta forma
alcançou uma generalização no formato de uma função linear. Ele nos enviou a seguinte
reflexão:
scente e linear, veja os dados da
tabela em anexo;
2. A solução inteira da quantidade de maçãs ocorre a uma distância regular de 7;
3. Analisando os dados, a relação entre número de maçãs para o Ent(x) e o total de
maçãs a ser recolhido na Árvore(y), seria:
y = 8x + 20 ou f(x) = 8x + 20
Fig. 64: Planilha criada por Mario Fontes para analisar o puzzle do Ente
234
Mário Madureira Fontes é mestre pelo TIDD PUCSP, possui graduação em Ciências da Computação pela
PUC-SP e especialização em Computação Gráfica e Animação Digital pelo SENAC é analista de sistemas do
Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (IBOPE). Experiência na área de Ciência da Computação
em: visão computacional, coleta e tabulação de dados para pesquisa de mercado, sistemas embarcados como
Palm, desenvolvimento de programas de comunicação em redes, modelagem 3D para jogos e multimídia e
desenvolvimento de jogos.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
146
Se x = 3, então y = 8 . 3 + 20 = 24 + 20 = 44. Logo, para entregar 3 maçãs para o Ente,
teríamos que colher 44 maçãs na árvore. O mesmo se aplica ao problema original, se
desejamos entregar ao final 9 maças para dama teremos que colher y = 8 . 9 + 20 = 92 maças.
Comentávamos a respeito da potencialidade dos jogos para constituição do
conhecimento e ainda que a matemática figura-se como um instrumento de suma importância
para desenvolvermos e aprendermos a tomar decisões, pois ela fornece situações nas quais
podemos exercer nossa criatividade, e D’Ambrósio (2002, p.4) nos ensina que “ao mesmo
tempo, a matemática fornece os instrumentos necessários para uma avaliação das
conseqüências da decisão escolhida. A essência do comportamento ético resulta do
conhecimento das conseqüências das decisões que tomamos”. Construirmos um
conhecimento que se estruture por meio de re-avaliações, esta oportunidade deveria estar
presente a cada momento de nossa formação escolar, ou ainda, de nossa formação psico-
social, pois esta engloba mais do que a vivencia escolar estendendo-se para toda formação do
sujeito.
A formação de um cidadão crítico é transpassada por estas habilidades as quais a
matemática é uma grande colaboradora, como diria Dudeney (2008, p.14) “um bom enigma
deve exigir o exercício do nosso melhor engenho e habilidade”, pois ao nos debruçarmos
sobre uma situação e nos dedicarmos a sua resolução estaremos colocando a serviço de nossa
tomada de decisão toda habilidade em modelar e simbolizar, comunicar, analisar, explorar,
conjecturar e provar, tais ferramentas desenvolvendo-se em nosso ser com eles Dasein
alcança níveis cognitivos que marcarão de forma indelével toda nossa vivência.
Estamos propondo uma pedagogia da inteligência, a qual possui algumas condições
235
para ser desenvolvida e entre estas condições e talvez a mais importante esteja “o recurso aos
métodos ativos, conferindo-se especial relevo a pesquisa espontânea da criança ou do
adolescente e exigindo-se que toda verdade ao ser adquirida seja reinventada pelo aluno, ou
pelo menos reconstruída e não simplesmente transmitida” (Piaget, 1975, p.18). A experiência
estética, o deixar-se tocar, este método ativo pode ser expresso como “compreender é
inventar, ou reconstruir através da reinvenção” (Piaget, 1973, p.20). O educador assume o
papel de propiciar, oferecer as oportunidades para tais experiências, como um incentivador,
pois “a colaboração do experimentador psicogenético é, por conseguinte indispensável para a
prática eficaz dos métodos ativos”. (Piaget, 1973, p.18). Logo, não basta que o educador
realize “experiências” para os alunos ou ainda que eles mesmos realizem sob a coordenação
do professor, a questão está em que a experimentação consta da iniciativa própria à pesquisa,
na busca de técnicas para responder uma questão formulada elo próprio sujeito, pois como
afirmávamos é nisto que consta tornar-se um “epistemólogo”, e ainda a importância das
construções de hipóteses e questões e não apenas das respostas ou soluções. O verdadeiro
valor da educação está na iniciativa, no desejo de ir além, de tentar, de ousar saber Sapere
aude.
235
Piaget afirma que a aprendizagem necessita basicamente de dois tipos de experiências: experiência física -
comporta ações diferentes em função dos objetos e consiste no desenvolvimento de ações sobre esses objetos
para descobrir as propriedades que são abstraídas deles próprios, é o produto das ações do sujeito sobre o
objeto; e experiência lógico-matemática o sujeito age sobre os objetos de modo a descobrir propriedades e
relações que são abstraídas de suas próprias ações, ou seja, resulta da coordenação das ações que o sujeito
exerce sobre os objetos e da tomada de consciência dessa coordenação. Essas duas experiências estão inter-
relacionadas, uma é condição para o surgimento da outra. (Cf. FARIA, Anália Rodrigues. Desenvolvimento
da criança e do adolescente segundo Piaget. 4ª. ed. São Paulo : Ática, 1998. Capítulos 1 e 3).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
147
Myst em todos os aspectos e características que expomos nesta pesquisa atinge esta
pedagogia da inteligência, mesmo que na ocasião de sua produção não existisse este ideal, de
ser educativo. A Ilha Cabu, seguindo este game paradigmático apresenta uma forma nova de
se apresentar uma tese de doutorado e simultaneamente demonstra as potencialidades de um
game no formato divertido no boring para a educação e particularmente para construção
desta pedagogia da inteligência guiada pela aventura de seus interlocutores e não ditada por
um narrador onisciente.
Assim, toda vez que uma criança joga um jogo na realidade ela está jogando com as
possibilidades e desta forma significando seu mundo por meio de uma aventura, pois ao
iniciar o jogo as possibilidades “são lançadas” e cabe a ela prosseguir jogando e
desenvolvendo-se, pois neste jogo que se chama desenvolvimento somos eternamente
crianças em busca de novas aventuras.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
148
“Compreender é inventar ou reconstruir através da
reinvenção, e será preciso curvar-se ante tais necessidades
se o que se pretende, para o futuro, é termos indivíduos
capazes de produzir ou de criar, e não apenas de repetir.”
Piaget
Nossa pesquisa assumiu por um de seus objetos o encaminhamento de algumas
transformações no ambiente escolar provenientes da massiva e constante transformação de
nosso mundo vivido em decorrência do avanço nas tecnologias digitais, particularmente dos
computadores pessoais, bem como das tecnologias de softwares e programação orientada ao
conceito de objeto computacional, este que vislumbramos sob formato de um game,
denominado por seus autores como MystRiven: um maravilhoso exemplo de interatividade.
Foi assim que buscamos demonstrar as potencialidades deste meio digital, materializado no
universo dos games, para a educação e, particularmente, para o apoio no caminho da
construção do raciocínio lógico-matemático.
Aprendemos no exercício do magistério que o ambiente escolar deve exercer um papel
humanizador e socializador, além de proporcionar situações para o desenvolvimento de
habilidades que possibilitem a construção do conhecimento e dos valores necessários à
conquista da cidadania plena
236
. Foi neste sentido que enfatizamos, no decorrer de toda a
apresentação de nossa pesquisa, a importância da experiência estética como fator primordial
para a construção de qualquer conhecimento. Quando nos deixamos “tocar” estamos
elaborando os sentidos ou ainda os “não-sentidosdo que nos acontece, em outras palavras
este encontro possibilita a tomada da consciência.
O acontecimento pode ser algo comum, mas a experiência é para cada qual única e
singular e de alguma maneira impossível de ser repetida, por isso nosso interesse em criar
oportunidades para estas experiências pessoais, as quais marcarão o processo de
desenvolvimento global do indivíduo e desta forma contribuindo significativamente para a
constituição desta cidadania plena a qual a LDB faz referência. Em nosso mundo globalizado
e transbordante de informações e opiniões a singularidade e a individuação tornam-se
236
Conforme Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional (9.394/96).
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
149
processos, por alguns, sufocados ou ainda esquecidos em meio a massificação comumente
observado no século XXI. Paradoxalmente a criatividade e a originalidade resistem presente
no ser humano histórico na busca de maneiras para se superar tais níveis informacionais com
a finalidade de avançarmos para novas formas de construções cognitivas, mesmo quando isto
ocorre em níveis inconscientes.
Este gesto de interrupção provocado pela experiência estética nos encaminha para um
olhar mais devagar, um escutar mais devagar, uma reflexão que visa suspendermos o
automatismo da ação e com isso cultivarmos a arte do encontro, do ouvir e do falar, do se
expressar. Quando buscamos o referencial de “epistemólogo” temos a oportunidade para
desenvolvermos os valores que nos guiarão no convívio social e assim um desenvolvimento
humanizador.
Oferecemos um modo para a criação deste espaço por meio da utilização de um game
que por sua natureza contribui para a imersão sensorial e a descobertas, experiências pessoais
que constituirão formas de heurísticas para a resolução de problemas. Quando Polya (1995)
afirma que uma grande descoberta resolve um grande problema, mas que sempre uma
pitada de descoberta na resolução de qualquer problema presenciamos o valor das descobertas
quanto descobertas. Afastamos os referenciais quantitativos e observamos os qualitativos na
valorização do pensamento criativo, na concepção e construção de metodologias para a
resolução de um puzzle no interior de Myst. Ora este foi o percurso metodológico que
traçamos em nossa pesquisa. Uma forma de oferecer uma educação inclusiva, respeitando-se
o tempo individual para a construção e constituição do conhecimento. A utilização de um
game é sensível e “percebe” o sujeito em suas singularidades, tendo como objetivos o seu
crescimento e desenvolvimento, promovendo a satisfação pessoal e a inserção social,
promovendo a autoestima e demosntrando as habilidades de cada um.
Temos em um jogo emocionante o principio para produção de perguntas, da criação e
reconstrução das questões que nortearão a exploração dos espaços para as novas descobertas.
Sabemos que toda recordação que carrega consigo uma emoção é fortemente gravada em
nossa memória, enquanto outras muitas vezes caem no esquecimento. O que “nos toca”, nos
torna sensíveis e isto nos impulsiona para as inquirições que se seguirão por meio de
sucessivas descobertas, ou ainda, descobertas emocionantes nesta aventura oferecida em
Riven. Assim toda emoção pode tornar-se um gatilho para a motivação e a busca de respostas
geradas no processo de descoberta, ou seja, para que tenhamos a coragem de usarmos nosso
próprio entendimento, ousarmos criar respostas, criar caminhos para resolução de problemas,
ou ainda, para ousarmos questionar, criarmos perguntas e problematizarmos uma situação,
pois no ambiente virtual, não existem “problemas enunciados”, a constituição do problema é a
primazia de sua solução.
Em Myst, por meio de seus puzzles o argonauta experimenta esta emoção de investigar,
de criar hipóteses, de testar suas hipóteses, tudo em um ambiente estranhamente familiar e
novo. No universo de Myst somos protagonistas, em um roteiro a ser criado por meio de nossa
exploração e por isso nos sentimos “a vontade” para errar e tentar novamente, eis um grande
passo para o desenvolvimento da auto estima e particularmente para todo processo de
formação do raciocínio lógico-matemático.
Os referenciais teóricos contribuíram para deduzirmos que Myst seria bem aceito pelos
alunos, em uma análise a priori concluímos que a possibilidade de utilizarmos um game na
sala de informática da escola configuraria em um crédito na tentativa de oferecer uma
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
150
oportunidade diferenciada para o corpo discente e ainda uma prazerosa surpresa, pois a
qualidade gráfica e a jogabilidade de Myst são surpreendentes, especialmente entre aqueles
que amam os jogos digitais e apaixonantes para seus neófitos.
O caminho das questões de nossa pesquisa
“Nós somos sujeitos ultra-informados, transbordantes de opiniões e superestimulados,
mas também sujeitos cheios de vontade e hiperativos” (Bondia, 2002, p. 24), não dúvida
que Bondia está indicando o movimento acelerado da vida humana no século XXI, e
particularmente nas grandes cidades e capitais, este incessante transito de informações torna-
se evidente e passa de insustentável para imperceptível, devido nossa capacidade de
adaptação. Olhamos e não vemos, escutamos e não ouvimos, nossa percepção adaptou-se a
selecionar o que é estritamente necessário a nossa sobrevivência, Mourão (2001), afirma que
quando aceitamos que um sistema vivente capaz de interagir consigo mesmo é um sistema
fechado e auto-poiético, um indivíduo não pode ser manipulado de fora, regulado ou
manobrado. Assim as transformações necessárias decorrentes de uma efetiva experiência
devem ultrapassar os limites delimitados pela informação, deste modo verificamos que a
necessidade de proporcionarmos momentos de “suspensão” da opinião para uma reflexão, ou
seja, uma experiência estética frente a um fenômeno, aqui entendido como sendo um puzzle,
um enigma, um desafio, propomos uma forma semelhante à maiêutica socrática na busca da
construção do conhecimento no interior de Myst.
Verificamos que nossos alunos diante dos puzzles de Myst ao se auto regularem, quanto
à velocidade de navegação, também iniciaram um processo de observação e auto critica
quanto as “pistas” deixadas para trás. Desenvolvendo a habilidade da observação cada aluno
torna-se capaz de “perceber diferente” um mesmo ambiente, suas trocas de informações e
observações ocorreriam de forma constante durante a exploração de Riven.
Devido suas características não competitivas Myst nos coloca em posição de
colaboradores uns para os outros. Isto explica a solidariedade existente entre as comunidades
Myst na internet. Este “espírito” colaborativo é outra habilidade de suma importância para
nosso convívio social, pois necessitamos conviver e desta forma colaborarmos para o
desenvolvimento coletivo, pois neste também nos incluímos.
Abertos a novas experiências temos a oportunidade para suspensão de todo
automatismo da ação, este que por muitas vezes acarreta no automatismo do cálculo e na “não
reflexão” dos problemas. Temos a oportunidade para cultivarmos a atenção, não imposta ou
ainda obrigada, mas em sua forma necessária, adaptativa e, portanto fecunda e verdadeira.
Como afirma Bondia (2002, p.24) “abrir os olhos e os ouvidos, falar sobre o que nos
acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do encontro, calar muito, ter
paciência e dar-se tempo e espaço.”
A questão do tempo para o desenvolvimento individual sempre está em evidência no
ambiente escolar, como podemos proceder diante de tempos tão diferentes? No tempo
marcado, cronometrado, nem sempre todos m o mesmo tempo para desenvolver-se, a
necessidade da construção do tempo interno a partir do tempo externo torna-se evidente
durante as aplicações de avaliações como SARESP Sistema de Avaliação do Rendimento
Escolar de São Paulo no qual os alunos perdem-se no tempo, alguns correndo outros não
conseguindo no tempo de duração da prova. Esta falta de equilíbrio denuncia a falta de
desenvolvimento do tempo interno em nossas crianças e adolescentes. Apesar de se regularem
para períodos de tempo mais determinados como horas, dias, meses, anos, não conseguem co-
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
151
relacionar o tempo necessário para realizar uma avaliação mediante reflexão e atenção.
Muitos terminam por transformar estes momentos em verdadeiras “loterias
237
”. Não basta
regular o tempo para cada questão com a reflexão, mas também com a maior segurança
possível ao determinar uma resposta.
Valorizando a auto-correção que está disponível no ambiente de Myst, cada indivíduo
torna-se capaz de regular suas habilidades com o tempo medido. Ampliando sua capacidade
de observação e análise sua segurança e consequentemente número de acertos será maior. A
auto estima adquirida pela superação dos obstáculos no game torna-se aliada na insistência
pela busca de possíveis métodos para resolução do problema em uma tentativa de solucionar a
questão e não apenas “assinalar a alternativa correta”.
Nós, principalmente professores de matemática, temos nos ocupado em demasia em
“ensinar” e nos esquecemos que também necessitamos de um novo anima, um novo sopro,
um novo ânimo, uma alma renovada para o exercício de ensinar e aprender. “Conceitos são
ampliados e têm suas possibilidades preenchidas. [...] São procuradas e encontradas novas
aplicações. Enquanto isso ocorre, o que é velho e verdadeiro é preservado pelo menos em
princípio” (Davis, 1985, p. 44). De certo que tudo que uma vez foi matemática permanece
matemática, é neste sentido que Davis afirma que o verdadeira é preservado, desta forma
nossa atenção deve direcionar-se também para preencher espaços e lacunas que atualmente
estão sendo esquecidas, como a realidade dos digital natives e suas particularidades. Quando
alcançamos o desenvolvimento de um processo reflexivo diante de um objeto virtual
tridimensional que nos desafia e se impõe puzzle certamente estamos diante de uma
reflexão que se fundamente no pensamento matemático.
Os jogos e as brincadeiras ganham importância na sala de aula à medida que aproximam
a criança do conhecimento científico, propiciando a vivência de situações “reais” ou
“imaginárias” que colocam a criança diante de desafios e da necessidade de buscar soluções,
levando-a a raciocinar, a compartilhar ideias e a tomar decisões.
Os jogos e as brincadeiras, na educação matemática, favorecem: introdução da
linguagem matemática e, pouco a pouco, vão sendo incorporados aos conceitos matemáticos
formais, ao desenvolver a capacidade de lidar com informações e ao criar significados
culturais para os conceitos matemáticos e para o estudo de novos conceitos.
Merleau-Ponty nos ensina que o movimento concreto ocorre no ser ou no atual,
enquanto que o movimento abstrato ocorre no possível ou no “não ser”, desdobrando ele
mesmo seu fundo, ou seja, na habilidade de abstrair temos a possibilidade de criar e recriar
situações e simulações mentais, projetando e atualizando o concreto uma vez que “a função
normal que torna possível o movimento abstrato é uma função de ‘projeção’ pelo qual o
sujeito do movimento prepara diante de si um espaço livre onde aquilo que não existe
naturalmente possa adquirir um semblante de existência” (Merleau-Ponty, 2006, p.160). A
imaginação e a abstração são então fundamentais para o pensamento matemático. O
pensamento criativo é intrínseco as habilidades imaginativas e consequentemente abstrativas.
Neste contexto apontamos a utilização dos games como forma de valorizar o lúdico
237
Muitos alunos, dispondo de quatro ou cinco alternativas para a resposta correta de uma questão, devido a
“pressa” ou medo “de não dar tempo” acabam por assinalar de forma aleatória uma das alternativas e seguem
em frente, como se estivessem em uma competição de velocidade, uma corrida.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
152
(atualizado as gerações digitais) bem como aceitar os novos valores que emergem desta
cultura cibernética globalizada e constantemente conectada, pois um dos elementos
diferenciais dos games é a sua possibilidade de introduzir no plano da ação humana
computadorizada, na relação homem-máquina-mundo, aquilo que podemos chamar a gica
da descoberta.
“Necessitamos compreender que uma reflexão sobre educação, em particular sobre
educação matemática, depende, necessariamente, de analisar a evolução das tecnologias de
informação e de comunicação ao longo da evolução da espécie humana” (D’Ambrósio, 2003,
p.7), consonante com D’Ambrósio apresentamos a utilização de Myst como uma forma para,
construindo o raciocínio lógico matemático, ultrapassarmos as construções elementares e
avançarmos em direção a novas e mais complexas construções. Atualizando a maneira de
apresentar os puzzles, Myst disponibiliza uma abertura para o diálogo e reflexão de puzzles
clássicos de autores renomados como Dudeney, Stwart entre outros, com a finalidade de
aproximar as habilidades em desenvolvimento com as necessárias para a vida real. Como
afirmamos em nossa pesquisa, muitas vezes nos deparamos com situações na vida real que se
assemelham mais ao modo de pensar dos puzzles do que dos problemas ou questões
matemáticas.
Evidentemente não desejamos eleger este ou aquele material didático como ideal, mas
sim que a presença de todo recurso possível se faz necessário quando a questão é o
desenvolvimento matemático do sujeito, visto que nossos digital natives possuem
características que os diferenciam nitidamente das gerações que os antecederam, como o
pensamento em paralelo, velocidade de acesso as informações e ainda como decorrência de
tal velocidade a falta de profundidade e reflexão frente aos fenômenos.
Myst oferece uma “sobrecarga” de impulsos sinestésicos sonoros, táteis (texturas),
visuais e devido tais estímulos o indivíduo digital native encontra-se em posição de
diminuir seu ritmo com a finalidade de assimilar as informações e superar os obstáculos.
Regulando-se entre os momentos de reflexão e de exploração nossos argonautas passam da
desequilibração inconsciente para um estado de constante equilibração refletindo
conscientemente os fatores necessários para a resolução de um puzzle. Assim este, mostra-se
como uma forma de “filtro” cognitivo. Ou ainda como afirmamos em nossa pesquisa, um
puzzle se constitui em uma estrutura lógica organizada e aberta que encaminha um processo
reflexivo que culmina na compreensão de um dado problema que se constitui no próprio
puzzle. De um modo, ao mesmo tempo direto e derivado, o caminho da investigação e
vivência de um puzzle, culmina em uma abertura de mundo, ou seja, uma ampliação da
experiência estética no sentido fenomenológico. O continuado processo de resolução de
puzzles indicará como efeito no sujeito da experiência, uma ampliação da sua potência de
formular e, consequentemente, resolver problemas.
Piaget coloca que uma nova construção será sempre realizada sobre uma construção
anterior e que, com a desequilibração, é sempre possível o avanço das construções anteriores,
assim a dupla desequilibração e equilibração formam um constante devir para construção do
conhecimento. O indivíduo necessita de momentos de desequilibração para “impor” sua
reconstrução e equilibração. Neste sentido a presença dos puzzles servem como um intenso
catalisador deste fenômeno cognitivo, descrito por Piaget, pois faz com que o sujeito tome
decisões e assim tenha ações, e toda “a ação gera conhecimento, gera a capacidade de
explicar, de lidar, de manejar, de entender a realidade, gera o mathema” (D’Ambrósio, 2007,
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
153
p.23). Temos nos puzzles de Myst, desta forma, uma estrutura cognitiva que fomenta a
constituição do mathéma.
O papel do professor deve ser entendido basicamente como o de encorajador,
estimulador e apoiador de toda exploração, construção e invenção. Piaget em seu famoso livro
To Understand is to Invent (Compreender é inventar), afirma que:
“É óbvio que o professor enquanto organizador permanece indispensável no
sentido de criar as situações e de arquitetar os projetos iniciais que
introduzam os problemas significativos à criança. Em segundo lugar, ele é
necessário para proporcionar contra-exemplos que forcem a reflexão e a
reconsideração das soluções rápidas. O que é desejado é que o professor
deixe de ser um expositor satisfeito em transmitir soluções prontas; o seu
papel deveria ser aquele de um mentor, estimulando a iniciativa e a
pesquisa”. (Piaget 1972. p16).
Ultrapassarmos o papel de expositor com a finalidade de alcançarmos o papel de
instigadores. Quando estamos no jogo juntos, somos todos exploradores e mesmo surgindo
questões do tipo “onde você está professor?” temos como resposta “será que tomamos o
mesmo caminho?”. Com isto elaboramos uma relação dialógica baseada na reflexão e
questionamentos e não em respostas diretas, certo ou errado. Proporcionamos momentos de
verdadeira reflexão e exercício do pensar. Piaget (1972) ainda argumenta que quando um
estudante adquire um certo conhecimento da livre investigação e do esforço espontâneo este
estudante será capaz de retê-lo e no futuro, ele terá adquirido uma metodologia que pode
ajudá-lo o resto da vida por meio das transposições dos problemas. Uma vez que a ênfase do
descoberto não estava na solução mas na metodologia. È neste sentido que Myst com seus
puzzles revela-se como esta abertura de mundo oferecendo uma forma ontológica de pensar
matematicamente.
Projetos como os citados em nossa pesquisa – OBMEP e Ilha Cabu – são representantes
distintos em uma tentativa particular de promover o desenvolvimento do conhecimento. A
diferença encontra-se na abordagem e evidentemente no meio pelo qual é empregado. Assim
deixamos em aberto a questão, para futuras pesquisas, a respeito da eficiência de provas e
olimpíadas do conhecimento no âmbito escolar e nos direcionamos para o meio digital como
condição para uma verdadeira difusão do pensar e fazer matemática no meio escolar.
A posição do construcionismo e suas implicações no ambiente escolar
A pedagogia construcionista consta, como afirmamos em outros momentos de nossa
pesquisa, na aplicabilidade da metodologia construtivista descrita por Piaget por intermédio
do computador. Desta forma compreendemos esta abordagem, para construção do
conhecimento, como uma forma promissora para a aplicabilidade e uso coerente do
computador no meio educativo, pois devido o apelo construtivista envolvido, cada individuo
torna-se um explorador, um “pesquisador” no universo digital. Evidentemente que a seleção
de softwares deve ser pensada e planejada com a finalidade de, como o ambiente LOGO e os
universos de Myst, tais softwares favoreçam o despertar e o desenvolvimento destas
habilidades em cada individuo.
Por meio de tal desenvolvimento aprendemos que a matemática é um instrumento
importantíssimo para a tomada de decisões, pois apela para a criatividade e simultaneamente
fornece os instrumentos necessários para uma avaliação das conseqüências da decisão
escolhida. Nossas hipóteses de pesquisas são preditivas e nenhuma delas foi gerada por um
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
154
teste diagnóstico com os alunos. As hipóteses surgiram com a preocupação de dar sentido ao
processo de ensino-aprendizagem e no estudo dos referenciais teóricos, pois acreditamos que
ao gerarmos oportunidades para o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático, e com
ele todas as suas implicações, estamos oferecendo uma aprendizagem construcionista, assim
como foi proposto por Seymour Papert (1985), que consonante com Piaget afirma que a
criança é essencialmente um ‘'ser pensante'' e por isso construtora de suas próprias estruturas
cognitivas, mesmo sem ser ensinada, com isto procuramos uma maneira para responder as
condições para re-criar condições nas quais o conhecimento possa ser adquirido por esta
criança pensante epistemólogo, valorizando as construções mentais de cada indivíduos,
apoiadas em suas próprias construções do mundo.
Myst Riven, certamente pode ser oferecido para todos os alunos desde o ensino
fundamental bem como para os alunos do ensino médio. Podemos realizar multi-leituras deste
game, pois seu nível de dificuldade não está em pré requisitos teóricos, mas sim segundo o
desenvolvimento das habilidades de pesquisa, exploração, modelagem e resolução de
problemas, ou seja, todas estas habilidades podem estar envolvidas e sendo desenvolvidas
jogando. Gadamer (1999) nos disse que “o jogar é um ser jogado”, então talvez esta seja uma
da provas que temos da potencialidade encontrada em Myst, sua abrangência quanto os níveis
de dificuldade e resolubilidade. Cada visitante se defronta com suas potencialidades ao se
aventurar em Myst.
De um ponto de vista cognitivo, bem como lúdico, crianças que apresentam “defasagem
escolar”, ou ainda portadores de necessidades especiais se incluem na atividade do jogo. O ato
de entrarmos juntos no jogo, em um estar com o outro, dispostos, abertos no jogar o jogo e
por ele sermos jogados, transforma o que antes poderia ser entendido com sujeitos
independentes e solitários em parceiros no caminho: todos são incluídos. Cabe ressaltar,
também, todo o crescimento da autoconfiança e da auto-estima do sujeito humano (Dasein), à
medida que desenvolvemos nossa capacidade de resolução de problemas, por meio dos
puzzles, nossas habilidades de análise e crítica, constantemente enfatizadas no estudo da
Matemática, criam uma nova disposição para o estudo e uma melhor apreensão de conceitos
de qualquer natureza. O aluno que outrora julgava a matemática como algo inatingível passa a
senti-la mais próxima, mais possível. A liberdade de tentar, de poder falhar, de recomeçar de
poder pensar sobre modos de pensar – ser um epistemólogo em estado nascente – nos
transforma, e nos conduz a uma abertura para possibilidades do “pensar matematicamente”.
Os puzzles, compreendidos aqui como uma proposta “didático-pedagógica”, como
atividades livres, opcionais para os alunos, oferecidos no decorrer de uma aula como um
convite para a participação ou ainda ao se jogar Myst denota nosso objetivo em ilustrar a
forma que tais puzzles, somados a atividades especialmente elegidas podem se converter em
catalisadores para discussões, conduzindo-nos ao pensar matematicamente (a busca humana
do mathéma). Visto que diante de muitos problemas reais não trabalhamos com respostas
exatas, em outras palavras, quando resolvemos problemas da vida real estamos nos
aproximando da forma que pensamos ao resolvermos um puzzle.
Criamos e re-criamos novos fatos a partir de uma multiplicidade de informações
captadas da realidade e o processamento de tais informações ocorre em tempo e maneira
diferentes para cada indivíduo, reguladas por suas experiências prévias e de toda
receptividade na aceitação do outro em suas singularidades. Por isto, no ambiente imersivo do
game Myst cada um e todos, encontram o tempo para desenvolver-se e, no resultado de uma
re-configuração, avaliam-se e modificam-se suas ações.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
155
Conforme a conclusão da análise a posteriori, notamos que se processou uma marcada
evolução, contínua e progressiva na capacidade analítica dos envolvidos na experiência digital
de Myst. Foi assim que, no ambiente escolar, demonstraram maior envolvimento dialógico
com os colegas e com o professor responsável pelo projeto. Como afirmamos, somos todos
“jogadores”, exploradores, que vivenciando experiências singulares desejamos partilhar
coletivamente nossas reflexões e opiniões. Temos desta forma um ensaio para tais atitudes no
ambiente escolar e para todos os seguimentos da vida de cada sujeito.
Em conformidade, os problemas que vemos sejam em cursos para a resolução de
problemas ou em salas de aula (instrução regular) deveriam servir como introduções ao
pensamento matemático. Por este motivo vislumbramos em Myst uma garantia para um ponto
de partida seguro e atual para a introdução de novos meios no processo educacional. A
OBMEP tem demonstrado que elevar o conhecimento matemático de forma interessante é
possível nas escolas, quer pública ou privada, no entanto salientamos que provavelmente o
formato de “prova” o qual foi fixado pode representar um sentimento negativo aos olhos dos
menos familiarizados com a matemática e desta forma o que deveria ser um estímulo
transforma-se em mais uma “avaliação” a qual o aluno está sujeito. Esta afirmação em nada
desmerece a grandiosidade do projeto, mas emana uma possível questão para futuras
pesquisas.
Observamos ainda, que ao oferecermos a oportunidade para criação de suas heurísticas,
os jovens e adolescentes sentiram-se livres para explorar, para assumir seus erros e se auto-
regular, cada qual operando em seu nível, mas sempre de forma significativa. A matemática
pode ainda parecer-lhes misteriosa, porém na mais uma adversária.
E assim como D’Ambrosio (1999) afirma “como todo fato criado, o fato matemático é,
em si, inconcluso”. Temos muitos caminhos a percorrer, podemos fazê-los sozinhos, de forma
solitária ou escolhemos percorrê-los de mãos dadas com os outros “sendo com eles”.
Certamente que esta opção parece-nos muito mais agradável, confortante e concordante com o
próprio desenvolvimento histórico humano. O lúdico como atitude recebe, também em Tomás
de Aquino
238
, uma fundamentação filosófica, pois assim afirma em sua Suma Teológica:
Ludus est necessarius ad conversationem humanae vitae
O brincar é necessário (como
condição) para a vida humana.
Daí decorre importantes conseqüências para a educação: o ensino não pode ser
aborrecido e enfadonho, pois o fastidiu
239
é um grave obstáculo para a aprendizagem. A
tristeza e o fastio produzem um estreitamento, um bloqueio, ou, para usar a metáfora de
Tomás, um “peso” aggravatio animi
240
eis a razão pela qual recomenda o uso didático de
brincadeiras e jogos para “descanso” dos ouvintes ou alunos e, tratando do
relacionamento humano, ainda afirma que ninguém suporta um dia sequer com uma pessoa
aborrecida e desagradável. Com isto, esclarecemos que na atitude de oferecermos, em
horários alternados as aulas como opção para os alunos, momentos para o uso da sala de
informática como um portal para o universo digital, com jogos que ofereçam e comportem
238
São Tomás de Aquino (1225-1274). Cf. LAUAND, Luiz Jean. Bom humor e brincar em S. Tomás de
Aquino. Disponível em <http://orbita.starmedia.com/~oadamastor/aquinas.htm>. Acesso em 20 jan. 2010.
239
Aborrecimento, tédio.
240
Literalmente “peso da alma”, pode ser entendido como sobrecarga, ou ainda opressão.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
156
potencialidades cognitivas, como é o caso da série Myst, estamos transformando o ambiente
escolar em um ambiente “menos pesado”, ou seja, sem abandonar a seriedade necessária ao
processo traçamos e construímos pontes para a construção de novos conceitos, uma vez que
para estas construções o desenvolvimento do raciocínio lógico-matemático, além de
fundamental deve ser primordial.
Temos a esperança de que nossa pesquisa ofereça para educação um pouco mais “de
oxigênio” para que possamos aproveitar melhor as oportunidades de experiências estéticas
que ocorrem diariamente em nossa atividade docente.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
157
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Tradução Alfredo Bosi. 21. ed. São Paulo :
Martins Fontes, 1998.
ALMEIDA, Fernando Manuel Mendes de Brito.
Sistemas de Numeração Precursores do
Sistema Indo-Árabe. Faculdade de Ciências da Universidade do Porto -
Departamento de Matemática Pura. Agosto de 2007. (Tese de Mestrado disponível
em: <http://www.fc.up.pt/fcup/contactos/teses/t_000369009.pdf>, acesso em jun
2009).
BATTRO, Antonio M. Dicionário terminológico de Jean Piaget. Trad. Lino de Macedo. São
Paulo: Pioneira, 1978.
BERGER, Arthur Asa. Video Games: A Popular Culture Phenomenon. 3 ed. New Jersey:
Transaction Publishers, pp. 73-83, 2009.
BOFF,
Leonardo . A Águia e a Galinha: Uma metáfora da condição humana
.
40. ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2003. (E-book
<http://www.4shared.com/file/35401032/6b43bdad/Leonardo_Boff_-
_a_aguia_e_a_galinha.html>).
BONDÍA, Jorge Larrosa. NOTAS SOBRE A EXPERIÊNCIA E O SABER DE
EXPERIÊNCIA. Revista Brasileira de Educação, (19), jan-abr, 2002.
BOYER, Carl Benjamin. História da Matemática. Tradução de Elza F. Gomide. São Paulo,
Edgard Blücher, 1974, 488 p.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei 9394 de 20 de dezembro de
1.996.
BROLEZZI, Carlos Antonio. Problemas e criatividade: uma breve introdução. São Paulo:
Factash Editora, 2008.
BUNGE, Mario. La ciencia. Su método y su filosofia. 1976. E-Book Disponível em:
<http://www.dcc.uchile.cl/~cgutierr/cursos/INV/bunge_ciencia.pdf>.
BUNGE, Mario. La investigacion cientifica: su estrategia y su filosofia. Barcelona: Editorial
Ariel, 1975.
CARROLL, Jon. (D) Riven. Wired Digital. 5. ed. 1997. (Disponivel em
<http://www.wired.com/wired/archive/5.09/riven.html>. Acesso em jun. 2009)
CARROLL, Jon. Guerrillas in the Myst. Wired Digital. 2. ed. 1994. (Disponivel em
<http://www.wired.com/wired/archive/2.08/myst_pr.html>. Acesso em jun. 2009)
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
158
CARROL, Lewis. Alice’s adventures in Wonderland. 3 ed. 1904. (E-book, Projeto
Gutemberg disponivel em <http://www.promo.net/pg>).
CONSALVO, Mia. Zelda 64 and Video Game Fans: A Walkthrough of Games,
Intertextuality, and Narrative. Television & New Media (4) 3, (pp.321–334) August
2003 (Sage Publications).
D’AMBROSIO, Ubiratan. Educação Matemática: da teoria à prática. 15 ed. Campinas:
Papirus, 2007. (Coleção Perspectivas em Educação Matemática).
D’AMBROSIO, Ubiratan. O fazer matemático: Um perspectiva histórica. III Seminário
Nacionalde História da Matemática, Vitória, ES, 28-31 de março de 1999.
Disponível em <http://vello.sites.uol.com.br/vitoria.htm>. Acesso em 06 nov. 2009.
D’AMBROSIO, Ubiratan. Que matemática deve ser aprendida nas escolas hoje?
Teleconferência no Programa PEC Formação Universitária, patrocinado pela
Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, 27 jul 2002. Disponível em
<http://vello.sites.uol.com.br/aprendida.htm>. Acesso em 06 mai 2009.
D’AMBROSIO, Ubiratan. Tecnologias de informação e comunicação: reflexos na
matemática e no seu ensino. Palestra de encerramento na Conferência de 10 anos do
GPIMEM - Grupo de Pesquisa em Informática, outras dias e Educação
Matemática, Departamento de Matemática, UNESP, Rio Claro, SP, 05-06 de
dezembro de 2003. Disponível em <http://vello.sites.uol.com.br/reflexos.htm>.
Acesso em 06 mai 2009.
DAVIDSON, Drew. The Journey of Narrative: The story of Myst across two mediums.
National Communication Association Convention, Chicago, IL. 1999. (Disponível
em: <http://waxebb.com/writings/journey.html>).
DAVIS, Philip J. & HERSH, Reuben. A experiência matemática. Tradução de João Bosco
Pitombeira. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1985.
DUDENEY, Henry E. Amusements in Mathematics. New York: Dover, 1917.
DUDENEY, Henry E. Os Enigmas de Canterbury. Espanha: RBA editora, 2008. (Desafios
Matemáticos).
EASTAWAY, Robert and argues that the subject of recreational mathematic. What is the
Difference Between a Puzzle and a Maths Question?
TEACHING
MATHEMATICS APPLICATIONS (16) pp.1-4,1997.
EGENFELDT-NIELSEN, Simon. Beyond Edutainment: Exploring the Educational Potential
of Computer Games. 2005.
FLAVELL, John H. A Psicologia do Desenvolvimento de Jean Piaget. Tradução de Maria
Helena Souza Patto. 3. ed. São Paulo: Livraria Pioneira Editora,1988.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
159
FRASCA, Gonzalo. Ludology meets narratology: similitude and differences between
(video)games and narrative.1999. Disponível em
<http://www.ludology.org/articles/ludology.htm>. Acesso em 12 jan 2010.
FROTA, Maria Clara R. Experiência Matemática e Investigação Matemática. Em: V
Congresso Íbero-americano de Educação Matemática, Porto. Anais, V Cibem (pp.1-
10). Porto, 2005.
GADAMER, Hans-Georg. Verdade e método: traços fundamentais de uma hermenêutica
filosófica. Tradução de Flávio Paulo Meurer. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
GARDNER, Martin. Ah! Apanhei-te: Paradoxos de pensar e chorar por mais. Tradução Jorge
Lima. Espanha: RBA editora, 2008. (Desafios matemáticos).
HUIZINGA, J. Homo Ludens
:
o jogo como elemento da cultura. Tradução João Paulo
Monteiro. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1990. 236p.
INWOOD, Michael. Heidegger: A Very Short Introduction. New York: Oxford University
Press, pp. 64- 76, 1997.
JUNG, Carl Gustav. O desenvolvimento da personalidade. Petrópolis: Editora Vozes, 1972.
LEÃO, Lucia. A estética do labirinto. São Paulo: Anhembi Morumbi, 2002
LIMA, Elon Lages. O princípio da indução. Revista Eureka! n. 03, pp. 26-42, 1998.
(Sociedade Brasileira de Matemática).
LIMA, Rosana N.; TALL, David. Procedural Embodiment and Magic in Linear Equations.
Educational Studies in Mathematics, 67, pp. 3-18, 2008.
MANOVICH. Lev. Espaço Navevel. In: Revista Comunicação e Linguagens, Lisboa
Universidade Livre de Lisboa, 34. pp. 109-141, 2005.
MAYER, Paul. Representation and action in the reception of Myst: a social semiotic approach
to computer media, Nordicon Review of Nordic Popular Culture, 1(1), pp. 237-254,
1996.
MERLEAU-PONTY, Maurice. A Prosa do Mundo
.
Editora Cosac & Naify: São Paulo, pp.
147-161, 2002.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. Tradução de Carlos Alberto
Ribeiro de Moura. São Paulo: Martins Fontes, 3. ed. 2006. (Coleção Tópicos).
MILES, David. The CD-ROM Novel Myst and McLuhan’s Fourth Law of Media: Myst and
its “Retrievals”. Em: Mayer, Paul (org.). Computer Media and Communication: a
Reader. Oxford (NY): Oxford University Press, pp. 307-319, 1999.
MINSKY, Marvin. Why People Think Computers Can't. First published in AI Magazine, vol.
3 n. 4, 1982. Reprinted in Technology Review, Nov/Dec 1983, and in The Computer
Culture, (Donnelly Ed.), Cranbury NJ: Associated University Presses, 1985.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
160
MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. 5.ed. Buenos Aires: Editorial Sudamericana,
1964.
MOURÃO, José Augusto. Para uma poética do hipertexto: A ficção interativa. Edições
Universitárias Lusófonas, 1. ed. N.6, 2001. (Estudos de Comunicação, Cultura e
Tecnologias).
MURRAY, Janet H. Hamlet no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. Tradução
Elissa Khoury Daher, Marcelo Fernandez Cuzziol. São Paulo: Itau Cultural: UNESP,
2003.
NUNES, Benedito. Heidegger & Ser e Tempo. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2002. (Passo-
a-passo)
OLIVA, A. D.; OTTA, E.; RIBEIRO, F. L.; BUSSAB, V. S. R.; LOPES, F. A.;
YAMAMOTO, M. E.; MOURA, M. L. S. Razão, Emoção e Ação em Cena: A Mente
Humana sob um Olhar Evolucionista. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 22 (1), pp. 53-
62. 2006. Disponível em <http://www.scielo.br/ptp>. Acesso em 15 mai 2008.
PAPERT, Seymour. Proposal to NSF: An Evaluative Study of Modern Technology in
Education. In DSpace@MIT. 1976. Disponível em:
<http://dspace.mit.edu/handle/1721.1/6248>. Acesso em: 15 nov. 2009.
PAPERT, Seymour. LOGO: Computadores e Educação. São Paulo: Brasiliente, 1985
PAPERT, Seymour. A Família em Rede. Lisboa: Relógio D'água Editores. pp. 205-239, 1997.
PAPERT, Seymour. A Máquina das Crianças: Repensando a Escola na Era da Informática.
Porto alegre. Artes Médicas, 2002.
PEARCE. Célia. Productive Play: Game Culture From the Bottom Up. Games and Culture
(1) 1, pp.17-24, 2006 (Sage Publications).
PERKINS, David. A Banheira de Arquimedes: como os grandes cientistas usaram a
criatividade e como você pode desenvolver a sua. Tradução de Beatriz Sidou. Rio de
Janeiro: Ediouro, 2001.
PETITOT, Jean. Local/Global. Enciclopédia Einaudi, vol. 4, pp. 11-75. Lisboa: Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, 1985.
PETRY, Luís C. Aspectos fenomenológicos da produção de mundos e objetos tridimensionais
na hipermídia. Tese de doutorado em Comunicação e Semiótica, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo: São Paulo, 2003.
PETRY, Luís C. As Novas Tecnologias e a Hipermídia como uma Nova Forma de
Pensamento. Cibertextualidades, Porto - Portugal, v. 01, n. 01, pp. 110-125, 2006.
PIAGET, Jean. A formação do símbolo na criança: imitação, jogo e sonho imagem e
representação. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1964.
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
161
PIAGET, Jean. Development and learning. in LAVATELLY, C. S. e STENDLER, F.
Reading in child behavior and development. New York: Hartcourt Brace Janovich,
1972. Reimpressão das páginas 7-19 de: RIPPLE, R. e ROCKCASTLE, V. Piaget
rediscovered. Cornell University, 1964. (TAVARO, Mara. Tradução de Paulo
Francisco Slomp. Disponível em:
<http://livrosdamara.pbworks.com/f/desenvolvimento_aprendizagem.pdf>. Acesso
em 17 dez. 2009).
PIAGET, Jean. To Understand Is To Invent . New York: The Viking Press Inc. 1972
PIAGET, Jean. Para onde vai a Educação? Tradução Ivette Braga. Rio de Janeiro: José
Olympio, 1973.
PIAGET, Jean; INHELDER, Bärbel. Gênese das Estruturas Lógicas Elementares. Tradução
Álvaro Cabral. 2. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975.
PIAGET, Jean; INHELDER, Bärbel. Da Lógica da Criança a Lógica do Adolescente.
São
Paulo: Pioneira, 1976.
PIAGET, Jean. A tomada de consciência. Tradução de Edson Braga de Souza. São Paulo:
Melhoramentos, Ed. Da Universidade de São Paulo, 1977.
PIAGET, Jean. O Tempo e o Desenvolvimento Intelectual da Criança. In: Piaget. São Paulo:
Abril Cultural 2. ed. , pp. 210-255, 1983. (Os Pensadores).
PIAGET, Jean. A Noção de tempo na criança. Tradução de Rubens Fiúza. 2. ed. Rio de
Janeiro: Record, 2002.
POLYA, George. A arte de resolver problemas: Um novo aspecto do método matemático. 2.
ed. Rio de Janeiro: Interciência, 1995.
PRENSKY, Marc. Digital Natives, Digital Immigrants. From On the Horizon: NCB
University Press, V. 9 n. 5, October 2001a.
PRENSKY, Marc. Digital Natives, Digital Immigrants, Part II: Do They Really Think
Differently? From On the Horizon: NCB University Press, V. 9 n.6, December
2001b.
PRENSKY, Marc. The Emerging Online Life of the Digital Native: What they do differently
because of technology, and how they do it, 2004.
RUSSELL, Bertrand. Meu pensamento filosófico. Tradução de Brenno Silveira. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1960.
RUSSELL, Bertrand. Introdução a filosofia matemática. Tradução Maria Luiza Borges. Rio
de Janeiro: Zahar Editores, 2007.
SANTAELLA, Lucia. Navegar no ciberespaço: o perfil cognitivo do leitor imersivo. São
Paulo: Paulus, 2004. (Coleção Comunicação)
A Lógica da Descoberta | Cristiano Natal Tonéis |
162
SANTAELLA, Lucia. Linguagens líquidas na era da modernidade. São Paulo: Paulus, 2007.
(Coleção Comunicação).
SCHOENFELD, Alan. Learning to think mathematically: Problem solving, metacognition,
and sense-making in mathematics. In D. Grouws (Ed.), Handbook for research on
mathematics teaching and learning. New York, NY: Macmillan, pp. 334-370, 1992.
SCHOENFELD, Alan. Por que toda esta agitação acerca da resolução de problemas? In P.
Abrantes, L. C. Leal, & J. P. Ponte (Eds.), Investigar para aprender matemática.
Lisboa: APM e Projecto MPT, pp. 61-72, 1996.
SINGER, Dorothy G. SINGER, Jerome L. Imaginação e jogos na era eletrônica. Tradução de
Gisele Klein. Porto alegre: Artmed, 2007.
STEWART, Ian. Jogos, Conjuntos e Matemática. Espanha: RBA editora, 2008. (Desafios
Matemáticos).
TONÉIS, Cristiano; PETRY Luís. Experiências matemáticas no contexto de jogos
eletrônicos. Ciências & Cognição. Vol. 13 (3), pp. 300-317, 2008. Disponível em:
<http://www.cienciasecognicao.org/pdf/v13_3/m318317.pdf>.
TORI, Romero; KIRNER, Claudio; SISCOUTTO, Robson (editores). Fundamentos e
Tecnologia de Realidade Virtual e Aumentada. VIII Symposium on Virtual Reality.
Editora SBC – Sociedade Brasileira de Computação: Porto Alegre, 2006.
VALENTE, José Armando. FREIRE, Fernanda Maria Pereira (orgs). Aprendendo para a
vida: os computadores na sala de aula. São Paulo: Cortez, 1994.
VALENTE, José Armando. Por Quê o Computador na Educação? In: Valente, J. A. (org.).
Computadores e Conhecimento: repensando a educação. Campinas/SP: Gráfica
Central da UNICAMP. 1993. Disponível em:
<http://nied.unicamp.br/publicacoes/separatas/Sep2.pdf>.
VALENTE, José Armando (org.). O computador na sociedade do conhecimento. Campinas,
SP: UNICAMP/NIED, 1999.
WINNICOTT, Donald Woods. O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago Editora,
1975.
300
Experiências matemáticas no contexto de jogos eletrônicos
Mathematics experiences in the context of electronic games
Cristiano N. Tonéis
e Luis Carlos Petry
a
Programa de Pós Graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, São Paulo, Brasil
Resumo
O presente trabalho aborda o desenvolvimento lógico-matemático de experiências imersivas
em um ambiente digital oferecido dentro do game conceitual Myst Riven e argumenta que
atividades investigativas desenvolvidas com os “puzzles” de Myst podem incentivar uma
atitude especulativa em matemática, capaz de fomentar uma concepção mais dinâmica da
matemática e de sua produção do conhecimento. É postulado ainda o desenvolvimento de
ambientes profícuos para aprendizagem matemática no qual o professor tem o papel de
agenciador de experiências. © Cien. Cogn. 2008; Vol. 13 (3): 300-317.
Palavras-chave: experiência; conceitos matemáticos; jogos eletrônicos;
puzzles.
Abstract
The present work approaches the development inside logical-mathematician of imersives
experiences in an offered digital environment of the conceptual game Myst Riven, and it
argues that developed investigatives activities with Myst’puzzles can stimulate a speculative
attitude in mathematics, able to foment a more dynamic conception of the mathematics and its
production of the knowledge. It is also postulated the development of productive environments
for mathematics learning in which the teacher has a role of agencies of experience..© Cien.
Cogn. 2008; Vol. 13 (3): 300-317.
keywords: experience; mathematics concepts; electronic games; puzzles
.
O avanço tecnológico cresce exponencialmente enquanto algumas tarefas como em
muitos casos ministrar uma aula, podem estar sendo realizadas sem considerar tais mudanças
tecnológicas pelas quais somos atravessados. Atravessados ou não pela contribuição
tecnológica, as tarefas humanas podem ser pensadas, antes de mais nada, como experiências
dentro das quais o homem se encontra imerso. O conceito de experiência aqui é central, ainda
que, para o presente texto, não alcancemos oferecer-lhe uma mais completa e digna
apresentação e problematização.
Aprendemos na pesquisa acadêmica que a importância da pergunta sempre é revestida
de uma mais profunda significação do que a sua tão desejada pura e simples resposta. Nossa
investigação se organiza a partir de um questionamento que caminha dentro do conceito de
Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3): 300-317
<
http://www.cienciasecognicao.org> © Ciências & Cognição
Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008
Ensaio
ANEXO 1
301
experiência. Se o conceito de experiência estética encontra-se amplamente demonstrado por
Petry (2003) em sua tese doutoral, na qual o autor atesta de acordo com a fenomenologia
Heidegger-gadameriana, que a “experiência estética é a forma fundamental do ser”, será a
partir deste enunciado que nós, dentro de um caminho de pesquisa no mestrado em
Tecnologias da Inteligência e Design Digital, nos encaminhamos, ainda que inicialmente, para
um encontro com o conceito de experiência matemática, na sua mais ampla e livre acepção
fenomenológica.
Toda reflexão, embasada neste conceito filosófico, aprendemos que deve começar
então com a capacidade de realizarmos perguntas sinceras e nos deixar trabalhar por elas. No
momento de nossa experiência de pesquisa as perguntas teriam de ser: o que é experiência? O
que é jogo? O que é um puzzle? Como eles podem estar juntos? Qual o sentido que eles
podem ter em minha vida, como professor, como pesquisador, como sujeito? No lugar em que
tais perguntas abrem, podemos nós encontrar um caminho para a atividade docente?
Perguntas de difícil resposta, difícil reflexão e, de difícil compreensão. Mas apesar da
dificuldade e do sentimento de impotência que muitas vezes pode nos atravessar e que, muitas
vezes nos transpassou durante as exposições vivenciadas nas aulas do Prof. Basbaum
1
, isto
quando esse nos descortinava um novo mundo na fenomenologia e na cognição, somos
forçados pelo imperativo ético do pensar a registrar aqui as nossas indagações...
inconclusivas. Começamos com a mais difícil e quase insuportada: a experiência.
Qual o sentido da experiência a experiência enquanto experiência
na atividade
docente mediante tal contribuição tecnológica?
Toda experiência docente se constitui em uma experiência que comporta uma grande
carga de entendimento, sendo este em grande parte comprometido na construção do
ordenamento da própria experiência. Aprendemos com Kant que o estudo do entendimento
ligado à experiência se constitui numa importante tarefa metodológica da razão. Assim, o
entendimento constitui-se uma estrutura necessária e impossível de ser evitada. No entanto,
buscaremos avançar pra além de tais estruturas do entendimento para alcançarmos estruturas
de compreensão.
Ainda que não possamos delinear aqui o que sejam, em seu estado geral, as estruturas
de compreensão, vivenciadas no interior do processo da “experiência da solução de um
puzzle”, nos conduziremos guiados pela mão firme da fenomenologia que constrói estes
conceitos de compreensão e experiência, a saber, na palavra cuidadosa de Meleau-Ponty.
“O corpo surpreende-se a si mesmo do exterior prestes a exercer uma função de
conhecimento, ele tenta tocar-se tocando, ele esboça um tipo de reflexão, e bastaria isso
para distingui-lo dos objetos, dos quais posso dizer tocam meu corpo, mas apenas
quando ele está inerte, e portanto sem que eles o surpreendam em sua função
exploradora.” (Merleau-Ponty, 2006: 137)
“Compreender é experimentar o acordo entre aquilo que visamos e aquilo que é dado,
entre a intenção e a efetuação e o corpo é nosso ancoradouro em um mundo”. (Merleau-
Ponty, 2006: 200). Neste sentido, visamos uma retomada da condição de educador diante da
necessidade do constante desenvolver-se do raciocínio e pensamento humano.
De acordo com Perius (2008) a fenomenologia tem por objetivo descobrir o mundo
antes do saber e do conceito a partir do “ser bruto” e por isso esse é um processo de
“deslumbramento”. Concordando com esta visão da experiência, encontramos Zuben nos
dizendo que: “fenomenologia, para Merleau-Ponty, é a tentativa de uma descrição direta de
nossa experiência tal como é, sem levar em conta a sua nese psicológica e as explicações
causais do cientista” (Zuben, 1984: 3). É o retorno ao mundo anterior à reflexão, volta ao
Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3):
300
-
317
<
http://www.cienciasecognicao.org>
© Ciências & Cognição
Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008
302
irrefletido, ao mundo vivido, sobre o qual o universo da ciência é construído. Deslumbrar-se,
encantar-se é o momento de espanto diante da descoberta por meio da experiência sensível.
Estas experiências sensíveis nos conduzem à origem da razão nos sentidos, antes de
racionalizá-los. Estas experiências de retorno se constituem em uma importante tarefa, tal
como nos indicam as sugestões de Perius e Zuben, a partir da leitura crítica que realizam de
Merleau-Ponty. Desta forma, a experiência de um objeto matemático representaria, em um
sentido mais amplo, retomar sua construção cognitiva, simbólica, a partir do real, retornar,
enfim, aos contextos de sua fundação.
“Ser uma consciência, ou antes ser uma experiência, é comunicar interiormente com o
mundo, com o corpo e com os outros, ser com eles em lugar de estar ao lado deles.”
(Merleau-Ponty, 2006: 142). Ser com eles, ou seja, conhecê-los conscientemente
ultrapassando as fronteiras do conhecido e lançando-se ao desconhecido na busca de novas
experiências. Estas através de um processo reflexivo imprimem em nós um caráter de
reaprendizagem. Uma reavaliação dos conhecimentos outrora chamados prévios para uma
modelagem de novos conceitos baseados na conexão com esse mundo e com os outros
auxiliado por nossos sentidos. Em um processo de assimilações e acomodações tais
experiências convertem-se em conhecimento consciente e eficiente para resolução de novos
desafios que venham surgir. Quando “somos” oferecemos uma abertura para que algo nos
ocorra, nos atravesse e nos toque.
Temos que ser uma consciência ou antes ser uma experiência, é neste ponto que
enfocamos o mundo real, vivido e o mundo virtual ou universo digital como ethos – morada –
propício para sermos tal consciência, realmente não se trata de uma sugestão mas antes uma
constatação da condição humana. Todo ser humano determina para si uma morada sensorial
onde se recolhe em segurança, busca conforto e torna-se ponto de partida para ampliações e
novas experiências.. O ser humano está sempre tornando habitável a casa que construiu para
si, moldando-a ao seu jeito, para que possa construir um abrigo. E assim, o homem, como a
morada humana, não é algo pronto e construído de uma só vez.
“A experiência, a possibilidade de que algo nos aconteça ou nos toque, requer um gesto
de interrupção, um gesto que é quase impossível nos tempos que correm: requer parar
para pensar, parar para olhar, parar para escutar, pensar mais devagar, olhar mais
devagar, e escutar mais devagar; parar para sentir, sentir mais devagar, demorar-se nos
detalhes, suspender a opinião, suspender o juízo, suspender a vontade, suspender o
automatismo da ação, cultivar a atenção e a delicadeza, abrir os olhos e os ouvidos, falar
sobre o que nos acontece, aprender a lentidão, escutar aos outros, cultivar a arte do
encontro, calar muito, ter paciência e dar-se tempo e espaço.” (Bondia, 2002: 24)
A experiência é um encontro e tal compreensão revela-nos o quão rara são as ocasiões
desse encontro no mundo contemporâneo, onde a informação, a opinião própria, o tempo ou a
falta de tempo, a busca por realização pessoal e a experiência como práxis são valores que
antecedem qualquer ocasião desta experiência que enfocamos. Inclusive podemos afirmar que
estes valores sufocam a experiência e o processo de conhecimento a que nos referimos. Sem
um processo reflexivo, sem que algo nos aconteça, nos toque, nos atravesse causando uma
transformação não há experiência pessoal.
A importância da significação dos objetos por parte do individuo está em
considerarmos que sem esta ultima o processo de construção do conhecimento em sua
concepção mais ampla será prejudicado.
Neste sentido que o fazer matemática exige o investigar, ou seja, o desenvolver e
vivenciar um conjunto de processos característicos da própria atividade matemática. Na sua
Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3):
300
-
317
<
http://www.cienciasecognicao.org>
© Ciências & Cognição
Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008
303
essência, a atividade matemática é definida como resolução de problemas, tendo sido este um
objeto de estudo na educação
2.
Incentivando tal encontro a experiência o docente estará
oferecendo e criando oportunidades criativas para seus alunos. Estes, nascidos em um mundo
tecnológico e tecnicista evidentemente, identificam-se mais com o micro computador e o
universo digital do que com a lousa e o giz.
“Investigações e problemas, atividades investigativas e resolução de problemas, embora
empregados indistintamente, são conceitos entendidos, por vezes, de formas
diferenciadas. A similaridade entre os dois conceitos estaria no fato de que, ambos os
processos, se relacionam com a inquirição matemática
3
e sua diferença, no fato de que a
resolução de problemas consiste num processo mais convergente, com metas mais bem
definidas à priori, se comparado com a investigação matemática.” (Frota, 2005: 3).
Assim, a exposição de determinado conteúdo, mesmo que dentro dos limites
infringidos pela sala de aula, não garante que este seja dado como apropriado pelos alunos.
Como a própria designação indica, para que haja apropriação (por parte do outro, do aluno)
deverá existir igualmente um papel ativo por parte deles, que possuem a missão de significar a
informação recebida. Ora, é exatamente o que a nossa discussão apresenta deste seu inicio,
um panorama para compreendermos a necessidade da experiência para construção do
conhecimento e essa atitude ativa por meio dos jogos eletrônicos, mais especificamente Myst.
Para inserirmos a idéia de experiência estética, questão explorada neste trabalho, no
contexto dos jogos digitais, necessitamos objetivar o que denominamos de jogos e o que são
em nossa concepção os jogos digitais.
O filósofo Huizinga, em 1938, escreveu seu livro Homo Ludens, no qual argumenta
que o jogo é uma categoria absolutamente primária da vida, tão essencial quando o raciocínio
(Homo sapiens) e a fabricação de objetos (Homo faber), então a denominação Homo ludens,
quer dizer que o elemento lúdico está na base do surgimento e desenvolvimento da civilização
(Wikipédia, a enciclopédia livre. Disponivel em:, http://pt.wikipedia.org/wiki/Jogo).
Para Huizinga (1990), o jogo é anterior ainda à cultura e esta surge a partir do jogo.
Ele explicita a noção de jogo “como um fator distinto e fundamental, presente em tudo o que
acontece no mundo (...) é no jogo e pelo jogo que a civilização surge e se desenvolve”
(Huizinga,1990: prefácio). Para esse filósofo, o jogo faz parte da cultura e gera a própria
cultura. Huizinga identifica uma atividade como sendo jogo, da seguinte forma:
“Atividade livre, conscientemente tomada como não-séria e exterior à vida habitual,
mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma
atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter
qualquer lucro, praticada dentro dos limites espaciais e temporais próprios, segundo
uma certa ordem e certas regras.” (Huizinga,1990: 16)
Partindo desta definição, ele pôde categorizar, como jogo, muitas manifestações
humanas, como por exemplo, qualquer tipo de competição, o Direito (competição judicial), a
produção do conhecimento (enigmas), a poesia (“jogos de palavras”), a arte, a filosofia e a
cultura. Na verdade, embasados na compreensão de jogo fornecida por Huizinga, poderíamos
categorizar quase tudo como sendo jogo.
No âmbito deste trabalho o interesse se volta para o jogo de computador e suas
potencialidades no ensino de matemática. Um jogo de computador é um programa de
entretenimento (jogo virtual ou jogo digital) onde a plataforma é um
computador pessoal.
Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3):
300
-
317
<
http://www.cienciasecognicao.org>
© Ciências & Cognição
Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008
304
Utiliza-se também a expressão jogo eletrônico ou game. (Wikipédia, a enciclopédia livre.
Disponivel em http://pt.wikipedia.org/wiki/Jogos).
Piaget (1975a) propõe um redimensionamento na metodologia de ensino a ser
desenvolvida pelo professor. Buscando estabelecer formas que levem o ensino intelectual
matemático a cumprir seu objetivo, que é, aprender por si próprio a conquista do verdadeiro,
correndo o risco de despender tempo nisso e de passar por todos os rodeios que uma atividade
real pressupõe. Piaget propõe que se estabeleça um contexto de atividade autônoma em que o
aluno seja solicitado a descobrir por si mesmo as correlações e as noções, recriando-as.
Para Piaget (1975b) a compreensão baseia-se em qualidades ou diferenças comuns e
extensões seriam os indivíduos ou elementos desses conjuntos. Desta maneira enquanto a
compreensão fundamentada nas semelhanças é assegurada a partir de assimilações sensoriais
ou sensório-motoras, a extensão dos conceitos só estará acessível ao indivíduo por intermédio
de um simbolismo preciso, lógico. O indivíduo domina as extensões dos conceitos verbais e
os conjuntos perceptivos, reestruturando-se logicamente, portanto, partindo de suas próprias
experiências, ações e operações.
“Todo ato inteligente pressupõe algum tipo de estrutura intelectual, algum tipo de
organização dentro da qual ocorre. A apreensão da realidade sempre envolve relações
múltiplas entre as ações cognitivas e os conceitos e os significados que estas ações
exprimem.” (Flavell, 1988: 46)
É admissível que na compreensão de determinado problema ou situação problema, por
inúmeras vezes, nos deparamos com uma sentença fechada, ou seja, uma vez entendido o
problema a resolução será objetivada. Intuitivamente somos levados a dar a questão como
resolvida e, assim, sua metodologia passará a ter um segundo plano e a solução será
enfatizada. Muito comum ainda seria o mecanicismo da solução em que o método torna-se
uma rotina. No entanto, ao compreendermos tal situação ou problema é a reflexão
metodológica que estará em evidência, pois a solução será, em um sentido filosófico, mero
acidente diante das inúmeras possibilidades que a compreensão abrirá, fornecendo assim
abertura para futuras conexões do pensar, uma vez que diferentes situações poderão ser
compreendidas da mesma forma e sua metodologia semelhante apesar de apresentarem
conceitos distintos. Logo o desenvolvimento de um problema pode ser alcançado mediante
reflexão baseada nas compreensões desenvolvidas anteriormente.
Tais compreensões configuram-se no âmbito das experiências pessoais e assim no
desenvolvimento do conhecimento e não na aquisição de informações.
O conhecimento baseia-se nas experiências, na interação com o ambiente. Conhecer o
real é também configurá-lo e ser capaz de reconfigurá-lo.
Essa reconfiguração do real pode vir a ser realizada a partir de experiências adquiridas
por meio da imersão hipermidiática, pois os sentidos que conduzem tal conhecimento podem
fazer uso da imersão apropriando-se das info-sensações como inferência na experiência
computacional para reorganização do real através da linguagem, seja essa matemática ou não,
e assim desenvolver-se de forma reflexiva.
Significar o real preservando a riqueza dos sentidos no real, como diria Merleau-
Ponty, os sentidos se relacionam uns com os outros antes da linguagem. A representação
nasce da necessidade de compreender esse real. Também o simbolismo matemático e a
abstração são frutos de uma adaptação assimilação e acomodação decorrentes de
experiências.
As particularidades de cada um, durante o processo educacional, são esquecidas e as
informações são disponíveis para todos uniformemente e a partir das experiências de cada um
Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3):
300
-
317
<
http://www.cienciasecognicao.org>
© Ciências & Cognição
Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008
305
configuram-se as transformações dessa informação em conhecimento. No entanto, o que
ocorre quando as experiências anteriores não o suficientes para compreender as novas
situações?
O pensamento é dinâmico, sistêmico, em rede. O indivíduo encontra no computador
seu próprio tempo para viver suas experiências. Acoplando-se ao universo digital,
experimentando da “magia do mundo virtual encontram nas info-sensações muitas das
experiências que serão necessárias para reconfigurar sua realidade.
As informações facilmente serão esquecidas enquanto que o conhecimento configura-
se como base sólida para a adaptação do individuo. Afinal foi adaptando-se que o homem
evoluiu, aprendeu a usar ferramentas, a se comunicar, configurando-se e reconfigurando a
realidade a sua volta.
“Na perspectiva evolucionista, o conceito de cognição tem de servir para todas as
atividades cognitivas, “quentes” ou “frias”
4
, e não para algum subconjunto de
operações. Esta visão da perspectiva evolucionista abre novas possibilidades de
investigação obscurecidas por outros esquemas. As emoções nessa perspectiva podem
ser compreendidas como forças impulsionadoras, moldadas pela seleção natural, que
nos motivam à ação, levando-nos a fazer uso de nossas capacidades cognitivas”. (Oliva
et al., 2006: 57)
A emoção e a motivação influenciam os sistemas neurais que determinam quais
informações serão armazenadas.
Que sentimentos exercem influência sobre a percepção e a atenção é um fato que todos
somos capazes de experimentar ao ler um livro, ouvir uma música, uma história ou assistir um
filme. Realmente não existe percepção livre de alguma emoção.
Então o educador, o professor, deve propiciar um redimensionamento na metodologia
de ensino, reconfigurar-se como um facilitador dessas experiências. Aproveitando-se da
curiosidade podemos motivar tais experiências e consequentemente novas aprendizagens.
Podemos por meio de uma história emocionante apresentar conceitos e processos que seriam,
em outras situações, áridos e simplesmente formulativos.
Utilizando-se do meio digital, de um jogo eletrônico, por exemplo, podemos
apresentar uma história cativante e atraente o suficiente para conduzir, para proporcionar ao
individuo a busca por métodos para superar os obstáculos e, assim, prosseguir na história.
Deste modo, construímos o seguinte diagrama para compreendermos o processo de
constituição do conhecimento por meio de uma história que explore as info-sensações.
Emoção
curiosidade
motivação
aprendizagem
adaptação
comunicação
conhecimento
Muitos saberes dissipam-se com o passar do tempo, no entanto, as emoções perduram,
pois estão na via dos sentidos.
“As mudanças evolutivas na natureza dos contatos com a experiência levam Piaget à
seguinte conclusão central: a apreensão da realidade é sempre, simultaneamente, uma
construção assimilativa, realizada pelo sujeito e uma acomodação do sujeito”. (Flavell,
1988: 68)
Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3):
300
-
317
<
http://www.cienciasecognicao.org>
© Ciências & Cognição
Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008
306
Esta é a formulação epistemológica da idéia de que a dupla de invariantes
assimilação e acomodação está indissoluvelmente presentes em todos os contatos com a
realidade e experiências que esta propicie.
Como diz Piaget, segundo Flavell (1988), as coisas são apenas alimentos para
aplicação do reflexo. Em outras palavras, o conhecimento não poderia ser uma cópia, pois é
sempre uma relação entre objeto e o sujeito. Se a mente avança na conquista das coisas, é
porque ela organiza a experiência de maneira cada vez mais ativa, em vez de imitar, de fora,
uma realidade pronta, o objeto não é uma “quantidade conhecida”, mas uma construção
realizada pelo sujeito a partir de suas experiências pessoais.
“Piaget teorizou que existem duas vias qualitativamente diferentes operando no mundo
externo, ele as descreveu como abstração emrica e abstração pseudo-empírica. A
primeira tem seu foco no objeto e suas propriedades, a outra tem seu foco nas ações que
temos com o objeto
5
.” (Lima e Tall, 2008: 4)
Piaget (1975a) propõe um redimensionamento na metodologia de ensino a ser
desenvolvida pelo professor. Buscando estabelecer formas que levem o ensino intelectual
matemático a cumprir seu objetivo, que é, segundo o autor, aprender por si próprio a
conquista do verdadeiro, correndo o risco de despender tempo nisso e de passar por todos os
rodeios que uma atividade real pressupõe. Piaget propõe que se estabeleça um contexto de
atividade autônoma em que o aluno seja solicitado a descobrir por si mesmo as correlações e
as noções, recriando-as.
O trabalho matemático desenvolvido na resolução de um puzzle torna-se desta forma
uma chance para esse recriar. Para correr o risco e deixar-se tocar pelo jogo. Essa experiência
emocionante marcará o momento de aprendizagem entre professor e aluno.
Segundo Lima e Tall (2008), a matemática está repleta de expressões determinadas
por ações que podemos ter com o corpo em relação aos objetos. Quando resolvemos equações
lineares “movemos” os números de um membro ao outro. Sendo a entidade “número” um
objeto matemático ele não poderia estar relacionado com a ação “mover” – ação corporal. Isto
demonstra como a matemática em sua origem se expressa a partir de experiências e contato
com a realidade a sua volta.
A matemática não é somente lculo. “Matemática do grego máthēma (µάθηµα):
ciência, conhecimento, aprendizagem; mathēmatikós (µαθηµατικός): apreciador do
conhecimento – é a ciência do raciocínio lógico.” (Wikipédia: a enciclopédia livre. Disponível
em http://pt.wikipedia.org/wiki/Matematica)
O pensamento matemático vai muito além do que se realiza em cálculos e isto torna-se
evidende na linguagem desta ciência..
Outro exemplo citado por Lima e Tall (2008) são questões referentes à frações
equivalentes. A fração 2/4 e 3/6 possivelmente representam diferentes atividades, apesar de
terem o mesmo efeito em termos de quantidade representam efeitos diferentes no número de
partes produzidas.
Ao dizermos que tais frações são equivalentes estamos abstraindo seu significado e
apenas quantificando-o matematicamente. Porém, essas frações surgiram da experiência de
dividir um inteiro em partes iguais, como, por exemplo, uma mãe que divide uma maça para
seus filhos, ou crianças dividindo balas. Novamente, vemos como a linguagem está
intimamente ligada à experiência matemática e consequentemente à forma como tais
informações foram assimiladas.
A carência de tais abstrações explicaria a dificuldade de muitos estudantes para
trabalharem com os simbolismos abstrações. Por possuirem dificuldades para expressar tais
Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3):
300
-
317
<
http://www.cienciasecognicao.org>
© Ciências & Cognição
Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008
307
soluções em linguagem matemática inúmeras vezes procuram meios alternativos para
resolverem problemas em uma tentativa de experienciarem a matemática. No universo digital,
por meio desse mundo virtual, o aluno tem uma oportunidade para esse encontro, para uma
experiência que o auxiliará no processo de abstração. A experiência consta como uma forma
reflexiva de aprendermos e assim desenvolvermos a habilidade para a abstração.
O estudo dos jogos de computador e suas aplicações tem sido objeto de poucos
estudos sistemáticos. Dentre eles, podemos destacar as contribuições de Miles (1999), Murray
(2003) e Mayer (1996).
Analisando o jogo Myst, David Miles se propõe a discutir questões mais gerais acerca
das possibilidades expressivas do ambiente multimídia. De acordo com o autor, as referências
de Myst incluem obras ou tradições artísticas tão diversas quanto a Odisséia de Homero, o
romance gótico, pinturas e filmes surrealistas, além, evidentemente, da ficção interativa
derivada de Borges. Para Miles, Myst “representa tanto o início de uma nova forma de arte
que sintetiza diferentes meios em novas combinações e, o que é igualmente importante,
recupera e reinventa formas de arte antigas que por muito tempo se supunha obsoletas” (1999:
309). Esta relação de recuperação constitui para Miles importante objeto de pesquisa.
Para Mayer (1996), Myst inaugura um novo paradigma de interface
homem/computador. O realismo e refinamento das imagens, os efeitos tridimensionais, as
texturas e as perspectivas dos cenários contribuem para uma experiência imersiva intensa.
Além disso, em Myst não existem perdedores, o jogo termina quando os enigmas são
resolvidos e revelados os segredos do livro de Myst – o livro de ligação.
“O visitante navega e faz escolhas no mundo de Myst por meio de uma relação de point-
and-click apontando e usando o mouse. O desafio de resolver os enigmas fornece a
motivação central para o jogo, não obstante uma parcela do valor do entretenimento
provém de experimentar o mundo do jogo e o realismo de sua apresentação
audiovisual.” (Mayer, 1996: 241)
Murray, profissional experiente no campo da informática e PhD em Literatura, avança
na questão da imersão e aspectos narrativos do jogo.
“Myst é um jogo raro que não envolve a aquisição de objetos ou o uso de violência. A
solução dos quebra-cabeças geralmente depende de sutis pistas sonoras, aumentando a
atenção do jogador para o meticuloso projeto de som. Em suma, não quase nada em
Myst para distraí-lo do ambiente visual e sonoro densamente estruturado, mas essa
intensa imersão ao visitar o lugar ocorre à custa de uma imersão reduzida numa história
em desenvolvimento.” (Murray, 2003: 110)
“A fim de experimentar a imersão multissensorial, uma forma mais simples para
estruturar a participação é adotar o formato de visita” (Murray, 2003: 108). Adotando-se essa
atitude, cria-se a noção de limites ou fronteiras entre o ciberespaço e a realidade. O indivíduo
viaja por entre mundos imersivos e desta forma a história é desenvolvida. Interagindo com os
objetos virtuais, busca-se ligar realidade e virtual.
Em Myst somos convidados a uma experiência imersiva. Ao entrarmos em um mundo
novo temos a oportunidade de experiementá-lo, explorá-lo. Essa é a principal proposta feita
por um game ao seu visitante. Não poderia ser diferente com Myst. O diferencial desse game
é sua proposta para exploração dos espaços, superando obstáculos – puzzles sendo o
visitante um personagem de uma história cativante em um ambiente imersivo. Assim o
Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3):
300
-
317
<
http://www.cienciasecognicao.org>
© Ciências & Cognição
Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008
308
visitante poderá desvendar tais problemas seguindo suas próprias experiências em seu próprio
ritmo no jogo.
“Por causa do nosso desejo de vivenciar a imersão, concentramos nossa atenção no
mundo em que nos envolve e usamos nossa inteligência mais para reforçar do que para
questionar a veracidade da experiência.” (Murray, 2003: 111)
“Quando utilizamos um jogo de vídeo, transformamo-nos no Street Fighter ou no Sonic.
Quando vemos um filme, fazemos corpo com os protagonistas e inserimo-nos na
narrativa.” (Mourão, 2001: 66)
O poder imersivo dessa hipermídia é tão sutil que muito do que fazemos conectados não
percebemos ou não temos consciência de quanto nossos sentidos estão voltados para ela.
Particularmente o game Myst proporciona uma experiência fílmica, uma vez que o visitante
protagoniza a história, realmente esta sendo com eles, imerso nesse universo. O som, as
imagens, cada efeito colabora para reforçar esta imersão. E por isso não é incomum ouvir de
seus visitantes expressões como “levei um susto...” ou “fiquei bravo...”.
“[...] fazer uma experiência com algo significa que algo nos acontece, nos alcança; que
se apodera de nós, que nos tomba e nos transforma. Quando falamos em ‘fazer’ uma
experiência, isso não significa precisamente que nós a façamos acontecer, ‘fazer’
significa aqui: sofrer, padecer, tomar o que nos alcança receptivamente, aceitar, à
medida que nos submetemos a algo. Fazer uma experiência quer dizer, portanto, deixar-
nos abordar em nós próprios pelo que nos interpela, entrando e submetendo-nos a isso.
Podemos ser assim transformados por tais experiências, de um dia para o outro ou no
transcurso do tempo. (Heidegger, 1987 apud Bondia, 2002: 143)
A experiência é nossa aliada na construção do conhecimento. Com a experiência
construiremos um caminho seguro para nossa reaprendizagem, para a reformulação de nós
mesmos, visto que não somos seres acabados, prontos. Neste sentido o próprio conhecimento
científico denuncia nossa humanidade com superações de conceitos, correções, releituras.
Este é seu propósito, elevar a dignidade de ser humano arriscando-se, lançando-se às novas
experiências e assim desenvolvendo inovadoras pesquisas.
Quando Heidegger nos diz que “podemos ser assim transformados por tais experiências,
de um dia para o outro ou no transcurso do tempo”, aceitamos então que somente o sujeito da
experiência está aberto à sua própria transformação, nem sempre fácil, como ele mesmo
indica, porém edificante.
“Os jogos de representação são teatrais de um modo não convencional, mas
emocionante. Os jogadores são, ao mesmo tempo, atores e expectadores uns para os
outros, e os eventos que eles encenam freqüentemente possuem o imediatismo das
experiências pessoais.” (Murray, 2003: 53)
Segundo Davis (1985) as potencialidades lógicas do computador relegaram suas
habilidades aritméticas a uma posição de importância secundária. Atualmente podemos
apontar para a imersão digital como uma nova potencialidade oferecida pelo computador para
propiciar novas experiências matemáticas. Neste constante representar digital temos a
oportunidade de desenvolvermos novas habilidades mediante novos papéis. Eis a chave para
abstração matemática, para conceituação ou generalização.
Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3):
300
-
317
<
http://www.cienciasecognicao.org>
© Ciências & Cognição
Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008
309
Na tentativa de apontar como o conhecimento matemático pode ser desenvolvido com
o auxilio de uma experiencia virtual na resolução de um puzzle em Myst , descreveremos
um obstáculo e sua possivel resolução, seguindo a proposta de Piaget (1975a)
estabeleceremos um contexto de atividade autônoma em que o aluno seja solicitado a
descobrir por si mesmo as correlações e as noções, recriando-as.
A questão a seguir traduz um momento do jogo em que o visitante se depara com uma
estrutura arquitetonica semelhante a uma sala, porém pentagonal. A entrata está aberta no
entanto a saída depende de um porta que esta fechada por uma grade. E esta porta com grade
conduz a uma ponte que por sua vez conduz a um Domo.
Posteriormente o visitante saberá que esta sala é um templo construido por Gehn – um
dos personagens de Myst. O puzzle do templo de Gehn se traduz nas sequintes questões:
Como abrir a porta com a grade? (A entrada para o Domo)
Será que existem outras portas?
Para que serve o botão de madeira na entrada do Templo de Gehn?
Figura 1 - Entrada Principal para o Templo de Gehn.
Ao visitarmos o Templo de Gehn observamos alguns pontos elucidativos, a sala tem
cinco lados como uma estrela de cinco pontas. Ela parece ter várias saídas e entradas e deve
se mover de alguma forma. O botão de madeira que fica a direita na porta da entrada servirá
para acionar o dispositivo que movimenta a sala em sentido horário.
Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3):
300
-
317
<
http://www.cienciasecognicao.org>
© Ciências & Cognição
Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008
310
Figura 2 - Interior do Templo de Gehn.
Resolução do puzzle (DANNAN, Lorna. Manual de Myst II. Disponível em
http://www.dnihall.com).
1º - 1. Entrada Principal - Girar sala quatro vezes.
2º - 5. Entrada da Caverna Inferior - Acesso a Entrada da Válvula de Vapor.
3º - 2. Entrada Válvula de Vapor - Girar sala duas vezes e acionar manivela.
4º - 4. Entrada da Porta Lacrada - Girar sala duas vezes e acionar manivela.
5º - 1. Voltar para Entrada Principal - Girar sala duas vezes.
6º - 3. Entrada do Grande Domo - Acesso liberado.
Figura 3 - Esquema do Templo de Gehn.
Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3):
300
-
317
<
http://www.cienciasecognicao.org>
© Ciências & Cognição
Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008
311
Para respondermos as questões levantadas e resolver o puzzle o visitante necessitará de
um levantamento dos dados que o problema oferece.
Como a utilização do botão de madeira na entrada principal, que aparecerá novamente
em outras ocasiões. Por meio de tentativas e erros o visitante descobrirá que as entradas para
templo de Gehn são duas, a principal e a entrada da caverna inferior, o templo está disposto
de tal forma que rotacionando-o tem-se acesso sempre através de uma das entradas e que o
botão de madeira serve exatamente para mover a sala no sentido horário e desta forma será
possível mover a porta da entrada principal até a entrada da caverna inferior.
Figura 4 - Passagem para o Domo, fechada.
Descobrimos então que na verdade existem duas aberturas no interior do templo e que
por esse motivo a sala é giratória, pois as duas aberturas oferecem acesso para entrada
principal, válvula de vapor, entrada para o domo, uma porta lacrada e caverna inferior, ou
seja, cada parede do templo possui uma porta que será disponível ao girar a sala do templo.
Na sala da válvula de vapor existe também um botão de madeira idêntico ao da
entrada logo deverá girar a sala e no canto esquerdo uma manivela. Acionando-se esta
manivela ouve-se um barulho de portão, grade, sendo aberto. Girando-se duas vezes a sala o
visitante verá que era a grade para a porta lacrada, em sua ante-sala um botão e uma manivela,
novamente a manivela acionada o mesmo barulho ouvido anteriormente. Acionando-se o
botão de madeira duas vezes a saída principal está novamente liberada.
Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3):
300
-
317
<
http://www.cienciasecognicao.org>
© Ciências & Cognição
Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008
312
Figura 5 - Ante-sala disponível na sala da válvula de vapor e na porta lacrada.
Retornando-se para a Entrada Principal e acionando-se o botão da entrada duas vezes
a abertura deverá mover-se para a porta que leva ao Domo. É exatamente o que acontece e o
problema foi resolvido, pois as grades já haviam sido liberadas.
Figura 6 - Passagem para o Domo liberada.
Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3):
300
-
317
<
http://www.cienciasecognicao.org>
© Ciências & Cognição
Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008
313
A compreensão geométrica do lugar, cinco lados e duas aberturas, uma sala dinâmica
que gira e, portanto dispensa a necessidade de mais portas. Duas entradas, uma principal e
uma secundária, quando a principal esta fechada, teremos a secundaria disponível. A
experimentação desse ambiente em Myst é fundamental para compreensão do problema e
assim o visitante saberá que não poderá ficar ao mero sabor da sorte para abrir a porta que
leva ao Domo.
Como nos filmes de investigação, onde detetives solucionam os mais complexos
enigmas, o visitante é o Sherlock Holmes
6
de Myst e suas descobertas conduzirão ao
desenrrolar da história.
A resolução de um puzzle revela-se como uma ferramenta para organização lógica de
eventos e ações. Tal organização pode ocorrer quase inconscientemente, quando se trata dos
processos cognitivos desenvolvidos, devido a facilidade e familiaridade com o mundo de
Myst obtida por cada visitante. O que esperamos neste ponto de nossa reflexão é a
compreensão da experiência matemática na resolução de um puzzle. Uma tentativa de
formalizar conceitos e ações tomadas durante tal resolução e assim conscientemente
compreendermos alguns conceitos que estão fundamentando nossa resolução.
A tomada da consciência para Piaget (1977), e também o será para nós no presente
trabalho, trata de um processo de ação que transforma um esquema em um conceito, ou seja,
essencialmente tratamos aqui de uma conceituação.
Piaget busca um esclarecimento do
processo de construção entre um estado para outro - da desequilibração do inconsciente para
o de crescente equilibração do consciente. Piaget não partilha da idéia de intuição.
“[...] precisamente na medida em que se desejar marcar e conservar as diferenças entre
inconsciente e consciência, é sem dúvida indispensável que a passagem de uma ao outro
exija construções e reconstruções e não se reduza simplesmente a um processo de
iluminação.” (Piaget, 1977: 197)
Este processo de tomada de consciência mediante uma experiência com resolução de
problemas, atribui um significado a informação e desta forma estamos em um nível
consciente desenvolvendo novas habilidades que nos aproximarão cada vez mais da produção
de conhecimento e não somente a reprodução de informações.
É a mudança de nível hierárquico, exigido nesse processo (de conceituação) que marca
o início da dedução operatória. Esta abstração refletidora, a que se refere Piaget, consiste em
um processo de tomada de consciência mediante a resolução do problema proposto e de
possíveis ampliações do problema original. Assim nesse processo o que se observa é o
surgimento do método como foco da experiência e não somente a determinação da solução do
problema. Consiste em uma retomada do que, para nós, é realmente importante para a
aprendizagem, não somente para matemática, pois desenvolvendo-se a habilidade reflexiva
nas ampliações do problema original generalizações estaremos aptos para procurar
soluções de problemas ou problematização de situações em qualquer campo do conhecimento.
Enfatizamos, desta forma, a importância da experiência para tomada de consciência ou
conceituação. A reciprocidade desses conceitos está no âmbito fenomenológico que
descrevemos desde o inicio deste trabalho como forma fundamental do ser.
“[...] assim, o adquirido está verdadeiramente adquirido se é retomado em um novo
movimento de pensamento, e um pensamento está situado se ele mesmo assume sua
situação. A essência da consciência é dar-se um mundo ou mundos, quer dizer, fazer
existir diante dela mesma os seus próprios pensamentos enquanto coisas e ela prova
Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3):
300
-
317
<
http://www.cienciasecognicao.org>
© Ciências & Cognição
Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008
314
indivisivelmente seu vigor desenhando essas paisagens e abandonando-as.” (Merleau-
Ponty, 2006: 183)
Como no exemplo do templo de Gehn, as constantes envolvidas, botões que fazem a
sala girar e manivelas que abrem portões (grades). Ora, invariavelmente esperamos que ao
encontrar uma manivela, no futuro, ela irá liberar alguma grade e que os botões façam a sala
girar.
O problema também supõe o uso de variáveis, digamos que a variável envolvida seja a
posição das aberturas dependendo da quantidade de giros que se dão na sala.
Por meio da definição de funções podemos determinar a posição da abertura principal
a partir do número de giros.
Seja a função f: N N definida por:
Figura 7 - função f: N N.
É importante lembrarmos que a operação de divisão módulo dois (:
2
) é definida como
sendo o resto da divisão inteira entre dois valores, assim como exemplo podemos efetuar 13 :
2
5 = 3 (treze divisão módulo dois por cinco é igual a três). Visto que na divisão (usual) de treze
por cinco temos o quociente dois e resto três.
Utilizando-se da função teremos f(4) = 5, girando a sala quatro vezes a abertura
principal estará na posição cinco – passagem pela caverna inferior. Com isso podemos
compreender a matemática utilizada na resolução.
Observamos também que os números das aberturas foram colocados no sentido
horário, o sentido de rotação da sala.
Apresentar um problema envolvendo funções definida matematicamente como foi
acima pode ser para uma maioria de estudantes uma experiência pobre do ponto de vista
filosófico, seria quase assustador para um individuo que não estivesse na área de matemática
ou ao menos tivesse familiaridade com esses conceitos. Entretanto, no game, com certa
facilidade o visitante conseguirá abrir a porta do templo para seguir em direção ao Domo.
Piaget (1975a) tece várias críticas quanto à forma com que o processo
ensino/aprendizagem da Matemática é desencadeado nas escolas tradicionais. Dentre muitas
das críticas, destacamos: a passividade dos alunos, o acúmulo de informações, a pouca
experimentação, os altos índices de reprovação em Matemática e a grande dificuldade dos
alunos em estabelecer relações lógicas nas aulas de Matemática. A crítica é estabelecida até
mesmo quanto à Matemática Moderna que constituiu, de certa forma, um progresso com
relação aos métodos tradicionais de ensino. Piaget afirma que:
“...embora seja ‘moderno’ o conteúdo ensinado, a maneira de o apresentar permanece às
vezes arcaica do ponto de vista psicológico, enquanto fundamentada na simples
transmissão de conhecimentos, mesmo que se tente adotar (e bastante precocemente, do
Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3):
300
-
317
<
http://www.cienciasecognicao.org>
© Ciências & Cognição
Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008
315
ponto de vista da maneira de raciocinar dos alunos) uma forma axiomática.”
(Piaget,1975a: 19)
Analisando o funcionamento do mecanismo do templo de Gehn, podemos, na
satisfação de superar o obstáculo, encontrar a experiência necessária para se iniciar os estudos
das funções, Este mecanismo revela uma função linear e como toda função, une dois
conjuntos distintos, o conjunto de voltas domínio da função ao conjunto de posições das
aberturas imagem da função. Este puzzle de forma atraente trabalha experimentalmente a
teoria dos conjuntos numéricos, funções, operações, geometria, coleta de dados e análise de
resultados – acertos e erros.
Trabalharmos com os erros em sala de aula muitas vezes pode ser uma tarefa árdua,
pois “ninguém quer errar”. Analisar erros, observando suas causas e conseqüências, são hoje
em muitos casos, tarefas esquecidas por muitos alunos e professores em sala de aula.
Observando o caderno de um estudante, constataríamos que poucos deixam um
exercício errado no caderno como um exemplo do que não se deve fazer. No entanto no game
errar e tentar novamente são ações pertinentes e admissíveis pelo visitante, ele sabe que pode
voltar e recomeçar por outro caminho. Realmente cada erro é convertido em motivação para
lutar e superar o obstáculo. É como se a “máquina” o desafiasse, e ele aceitando o desafio
prossegue na história. Lidar com erros em um game é algo natural pois para quem joga
“acerta-se errando”.
Ao analisarmos um puzzle depois de resolvido como acabamos de fazer estamos
verificando o que inconscientemente o visitante foi capaz de superar. Tais conceitos estão em
seu interior ou foram desenvolvidos ao decorrer do processo e a pergunta agora é se tais
conceitos precisam ser expressos em forma de linguagem para se tornarem conhecimento
prático e aplicável em outras áreas.
Comparável a maiêutica socrática, por meio da investigação o individuo encontrará as
respostas para as perguntas formuladas e desta maneira reconheceos métodos envolvidos
em sua investigação.
Piaget, defendendo uma atividade de interação entre os alunos e entre professor-aluno,
em que se desencadeiam situações que assegurem a autonomia intelectual dos alunos,
preconiza que "somente essa atividade, orientada e incessantemente estimulada pelo
professor, mas permanecendo livre nas experiências, tentativas e até erros, pode conduzir à
autonomia intelectual" (Piaget, 1975a: 68).
O papel do docente como agenciador de experiências está repleto de construções e
reconstruções das descobertas.
“O mundo, afirma Ricoeur, não é mais a unidade de um objetivo abstrato, de uma forma
da razão, mas o horizonte mais concreto de nossa existência. Pode-se tornar isso
sensível de maneira muito elementar: é ao nível da percepção que se destaca esse
horizonte único de nossa vida de homem. A percepção é a matriz comum de todas as
atitudes.” (Zuben, 1984: 10)
Vislumbramos, desta forma, as novas possibilidades que surgem da imersão no mundo
virtual, particularmente os games e neste caso Myst como uma ferramenta na construção de
abstrações e conceitos matemáticos que estão presentes no universo digital e assim transportá-
los para a linguagem matemática e uma possível formalização.
“À medida que o mundo virtual ganhar uma expressividade crescente, nós nos
acostumaremos lentamente a viver num ambiente imaginário que, por enquanto,
Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3):
300
-
317
<
http://www.cienciasecognicao.org>
© Ciências & Cognição
Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008
316
achamos assustadoramente real. Mas, em algum momento, perceberemos que estamos
olhando ´através` do meio, em vez de ´para` ele.” (Murray, 2003: 252)
O conceito de experiência matemática deveria ser recuperado em seus fundamentos e
novamente iluminar o ambiente educacional, pois, apesar de tanta tecnologia, vivemos
educacionalmente numa condição de penúria, dentro das quais as apreensões do pensar
matemático e lógico se encontram lançados ao sabor de uma verve burocrática.
Quando uma criança brinca com tampinhas jogadas ao chão, as recolhe, as coloca uma
sobre a outra na palma de sua mão, justamente aqui, de mãos dadas, renasce a possibilidade
de uma experiência lógico-matemática.
Referências bibliográficas
Bondía, J.L. (2002). Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de
Educação, 19, 20-28.
Davis, P.J.; Hersh, R. (1985). A experiência matemática (Pitombeira, J.B. Trad.). Rio de
Janeiro: Francisco Alves.
Flavell, J.H. (1988). A Psicologia do Desenvolvimento de Jean Piaget (Patto, M.H., Trad.).
São Paulo: Livraria Pioneira Editora. (Original publicado em 1965).
Frota, M.C.R. (2005). Experiência Matemática e Investigação Matemática. Em: V Congresso
Íbero-americano de Educação Matemática, Porto. Anais, V Cibem (pp.1-10).
Huizinga, J.(1990). Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. (Monteiro, J.P. Trad.).
São Paulo: Perspectiva.
Lima, R.N. e Tall, D. (2008). Procedural Embodiment and Magic in Linear Equations.
Educational Studies Math., 67, 3-18.
Mayer, P. (1996). Representation and action in the reception of Myst: a social semiotic
approach to computer media. Nordicon Rev. Nordic Pop. Cul., 1, 237-254.
Merleau-Ponty, M. (2006). Fenomenologia da percepção (Moura, C.A.R., Trad.). o Paulo:
Livraria Martins Fontes Editora. (Original publicado em 1945).
Miles, D. (1999).“The CD-ROM Novel Myst and McLuhan’s Fourth Law of Media: Myst and
its “Retrievals”. Em: Mayer, P. (org.) Computer Media and Communication: a Reader. (pp.
307-319). Oxford (NY). Oxford University Press.
Mourão, J.A.(2001). Para uma poética do hipertexto: A ficção interativa. Lisboa: Edições
Universitárias Lusófonas.
Murray, J.H. (2003). Hamlet no Holodeck: o futuro da narrativa no ciberespaço. (Daher, E.K.;
Cuzziol, M. F., Trad.). São Paulo: Itau Cultural: Unesp.
Oliva, A.D.; Otta, E.; Ribeiro, F.L.; Bussab, V.S.R.; Lopes, F.A.; Yamamoto, M.E. e Moura,
M.L.S. (2006). Razão, Emoção e Ação em Cena: A Mente Humana sob um Olhar
Evolucionista. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 22 (1), 53-62.
Perius, C. (2008, abril). Dossiê Merleau-Ponty: Fenomenologia e Estética. Cult, 123, 62-64.
Petry, L.C. (2003). Aspectos fenomenológicos da produção de mundos e objetos
tridimensionais na hipermídia. Tese de doutorado em Comunicação e Semiótica, Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, SP.
Piaget, J. (1975a). Para onde vai a Educação?(Braga, I. Trad.). Rio de Janeiro: José Olympio.
Piaget, J. e Inhelder, B. (1975b). Gênese das Estruturas Lógicas Elementares. (Cabral, A.
Trad.). Rio de Janeiro: Zahar Editores.
Piaget, J. (1977). A tomada de consciência (Souza, E.B., Trad.). São Paulo: Melhoramentos,
Editora da Universidade de São Paulo.
Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3):
300
-
317
<
http://www.cienciasecognicao.org>
© Ciências & Cognição
Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008
317
Zuben, N.A.V.(1984). Fenomenologia e Existência: uma leitura de Merleau-Ponty. Em:
Martins, J. e Dichtchekenian , M.F.S.F.B. (Org.). Temas Fundamentais de Fenomenologia
(pp. 55-68). São Paulo: Editora Moraes
.
Notas
(1) S.R. Basbaum é professor Doutor em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo. Desenvolve trabalhos ligados a questões ligadas à
percepção, à tecnologia, à estese e cognição no mundo digital. Hipermídia, percepção,
consciência e linguagem tratadas a partir da matriz fenomenológica, em diálogo com autores
contemporâneos. O embate entre corpo e mundo mediado pela percepção.
(2) Data de 1945 a primeira edição do texto de George Polya, How to solve it”, traduzido, no
Brasil, como “A arte de resolver problemas”.
(3) Tal discussão, embora alimentada pela contribuição inestimável de muitos pesquisadores,
torna-se pertinente não pela caracterização das similaridades, ou diferenciação dos conceitos,
mas à medida que fortalece o estudo dos vários métodos - descoberta guiada, resolução de
problemas, abordagem investigativa. Tais métodos fundamentam-se na inquirição para o
ensino de matemática, constituindo o que Ernest chama de uma pedagogia da inquirição.
(4) O cérebro foi projetado pela evolução para usar informações derivadas do ambiente e do
próprio organismo afim de regular funcionalmente o comportamento e o próprio corpo, e isto
reúne aspectos cognitivos e emocionais. Como reunir aprendizagem com amor, ciúme e nojo?
O termo cognição é às vezes usado para se referir a um tipo de pensamento deliberado,
voltado para uma solução de problema, como na matemática ou no jogo de xadrez, um
pensamento “frio”, isento de paixão.
(5) Texto original: Piaget theorized that there are two qualitatively different ways of
operating on the external world, which he described as empirical and pseudo-empirical
abstraction: one focusing on the objects and their properties, the other focusing on the
actions on the objects.”
(6) Sherlock Holmes é um personagem de ficção da literatura britânica criado pelo médico e
escritor britânico Sir Arthur Conan Doyle. Sherlock Holmes ficou famoso por utilizar, na
resolução dos seus mistérios, o método científico e a lógica dedutiva.
- C.N. Tonéis é Graduado em Matemática (Licenciatura Plena, UNESP-Bauru) e
Mestrando (Programa de Pós-graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital,
PUC-SP), sendo orientando do Prof. Dr. Luis Carlos Petry. E-mail para correspondência:
[email protected]. L.C. Petry é Psicólogo (Universidade do Vale do Rio dos Sinos)
e Doutor em Comunicação e Semiótica (PUC-SP). Atualmente é Professor Assistente (PUC-
SP). Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Novas Tecnologias, atuando
principalmente nos seguintes temas: Hipermídia, Topofilosofia, Hermenêutica, Comunicação,
Arte e Semiótica. Site pessoal: http://www.telepoesis.net/alletsator.
Ciências & Cognição 2008; Vol 13 (3):
300
-
317
<
http://www.cienciasecognicao.org>
© Ciências & Cognição
Submetido em 1º/10/2008 | Aceito em 21/11/2008 | ISSN 1806-5821 – Publicado on line em 10 de dezembro de 2008
The Ontological Aspects of Puzzles into Metaverses
Cristiano Natal Tonéis
A graduate course for attainment of a master's degree in Intelligence Technologies and Digital Design
PUCSP SP Brazil and yours educational guidance is responsibility of Professor Dr. Luís Carlos
Petry. Email: profcris_mat@hotmail.com
Luís Carlos Petry
PhD in Communication and Semiotics by PUCSP-SP-Brazil, Professor and researcher in PUCSP-
Department of Computer Science and Master Technology Intelligence and Digital Design. Email:
[email protected]r or alletsator@gmail.com
Abstract: The present text talks about the
substantiation and usage of logic-mathematical
puzzles inside the metaverses and its incidences
as cognitive objects. Starting from the evolving
path of hypermedia to the metaverses, it is
introduced some formal criteria to reflect on the
interactive context of the metaverses exemplified
in the presentation and solution of logic-
mathematical puzzles, taking as a paradigm
example the metaverse experience of Myst online.
It is concluded by the importance of the
collaboration between the digital narrative and
interactive problematical formulation for the
research, production, knowledge and teaching-
learning processes.
Keywords: metaverse, ontology, matematical
logic, games, topophilosophy, etnocomputation.
Introduction: from the hypermedia to
metaverses
Since the initial moments of computer history and
personal computers
1
, we can identify the existence of a
whole development and cooperation path that connects
collaboratively computer science and the narrative
structures of western tradition. Amongst many and
excellent reviews that were produced, we would like to
enhance the ones accomplished by Murray (2003) and
Manovich (2001), which points out by the hypermedia
concept and accomplish a discussion of this concept in
relation to the western tradition legacies of arts, literature,
cinema and design. From the transposition of tradition
content, like literature pieces, to the computational
environment in the shape of regained text blocks capable of
receiving search fields by words, until we reach the concept
of cyberdrama postulated by Murray (2003) we have a rich
path, which certainly will not be possible to contextualize
completely in the present article’s space. However, we let
indicate the importance of the historical reference.
It is, however, the indication of the importance of the
historical references that lead of the original experiments in
the form of hypertexts, passing for interactive environments
to the way point and click of the games Zork (release in
1980) and Myst (release in 1994), to arrive, in the turn of
the third millennium, to the concept of metaverse, with
games and highly complex interactive three-dimensional
worlds digital, inside of which, problems logical-
mathematicians (in the form of puzzles) they can be
introduced and if to place as a cognitive space to player
reach higher periods of training of understanding and
rationality. The present paper focuses this problematic one
of metaverse URU, in the series of the game Myst showing
its relevance as logical-cognitive structure. For in such a
way, we to trace a passage that, before description, must be
taken as a way of the experience of thinking understood
here inside the phenomenology.
The inaugurate paradigms of the experience
with metaverses
In order to we context the importance of the origins this
problematic of the metaverses in the context of the
experience in cyberspace and the immersion the human
being in the resolution of logical problems, teletransport
ourselves them for the quarrel of hypermedia
2
in the
context of cyberspace emergent, namely, breaking of the
work of Lev Manovich (2001) in The Language of New
Media.
As Manovich has indicated, the occurred mutations in the
cyberspace, since the beginning of the 1990s were neither
free, nor planned
3
. Not only its springing out, but also its
progressive mutation is related to the emerging of digital
paradigms
4
that determine the personal computer evolution
means and its incorporation in human life and culture. As
so, far from being an ordinary phenomena, the digital
phenomenon, in this case having in mind its designation
under the hypermedia field, has produced new cultural
forms that has resituated themselves and continue to
transform the western culture. These paradigms can be
better understood when we have in mind their participation
in games, and furthermore, in cyberspace with the emerge
of metaverses.
Proceedings of the SLACTIONS 2009 International Conference
Life, imagination, and work using metaverse platforms
Berkeley, Austin, São Leopoldo, São Paulo, Braga, Manchester, Tel-Aviv, Hong Kong 153
ANEXO 2
Besides, according to Manovich, the 1990s were the years
of the so called new media, in which we have the rising of
numberless cultural objects that exemplify the new media
potential, in the perspective of the computer usage, in the
revealing of aesthetic shapes genuinely original and
historically without any predecessors. Among these objects,
two special ways are featured: they are two computer
games, Doom
5
and Myst
6
. These two cultural and digital
objects pass by their accomplishers and fans community,
producing a series of elements that have added a new
meaning to the idea that we had about concepts such as
authors, communication and expressive languages
potential.
As paradigms, they opened specific digital economy
types inside the post-modern era. Inside each one of these
paradigms we have special economies producing and
determining its social, cultural, technological and
conceptual effects (Pinto, 2005). These new type of
economies, which are opened by the new ways of interfaces
of both games are designed by Manovich (2001) as
“cultural economies” that structure new ways of digital life.
One of the examples of this turn produced by the new
paradigms can be visualized when J. C. Herz says the
following: “It was an idea that stipulated a new time. To
release a thinner and free version (of the game) through the
shareware sources, Internet and online services, followed
by a complete, registered and for sale version of the
software”
7
.
And with this procedure, it is formally initiated the Demo
Plays policy, the playable version of softwares, in which
we show the product
8
potential. The Manovich analysis is
supported by the studies of Michel de Certeau (1999), when
he says that: the producers define the basic structure of an
object, and release some examples and tools to allow
consumers to create their own versions, sharing it with
other consumers”.
From this type of economical politics, opens the path to
establish new digital objects: the open source software, the
free software and all the production and licenses group that
it is reachable in the cyberspace. It will be this emphasis on
this type of perspective of facing things that has allowed, in
a short period of time that Internet converted into
cyberspace or else, in a surfable and interactive space, as it
was the project of the Web creator, Tim-Burnes Lee.
According to this perspective, one of the consequences
that we have is that cyberspace has become progressively a
place in which is made available an infinity of paths that
are visualized mentally by the user as “environments to be
visited”. This was the idea presented by Robin Miller
9
,
when he said that they were creating environments to be
briefly followed” lacking a better term, many have called
this a game and the authors themselves called it like that
because they lacked a better concept. With Manovich
studies (2001) and Murray (2003), the fulminating light of
the narrative concept is released on the cyberspace
landscape. Games such as Doom, and above all Myst,
constitute themselves as digital narrative, in navigable and
interactive digital environment and, in particular, make
public specific and powerful “cultural forms” sufficiently
able to reshape a series of aspects of human life and
culture.
Such as cyberspace navigation allows the introduction of
the new cultural forms perspective and its respective
economical policies, the navigable space in cyberspace
(especially structured games over narratives), opens the
possibility of understanding the digital universe and its
revolution, not as opposite ruptures of the development of
the western tradition of Gutenberg’s culture, but as an
extension of the human world, of being in a world and
share with your similar being the living in narrative
processes as powerful cultural forms, in which we identify
here as metaverses.
According to Dannam
10
, the Myst universe was created
by the brothers Rand and Robyn Miller around 1987. Six
years after hard working, in 1993, Myst was released, the
first of a series of “serious games”, quoted as an elegant
scripting structure, concept design, and mystical ideas
blended with an Art Noveau aesthetic, in a New Age
reading and pictured in the interior of an extraordinary
audio design. Certainly we can imagine that it was just a
young game producers’ dream, of accomplishing a project
that materializes all its ideas and put in front of the user a
digital narrative more likely to be the Shakespearian
11
method. We should now observe that the digital universe,
not only the entertainment one, but fundamentally what it
refers to the interaction protocols of machine men were
pointed out by Myst, as digital aesthetic was by Apple.
Meanwhile, in Doom, another game pointed out by
Manovich as paradigmatic, the rhythm is fast, whereas in
Myst, it is slow, rhythmic by a expressive new age
soundtrack. In the world of Myst, and we speak here
mainly of Myst Original in 1993, “the player moves in the
world literally step by step, discovering the narrative along
the route”. In this discovery the user soon verifies that the
worlds of Myst I, full of landscapes and sound
constructions were complete and profoundly empty. At the
time (1993) it was about lonely worlds, in with the user was
unleashed in a digital adventure in pursue of its puzzle. In
Myst there aren’t game levels, but complete and
differentiated environments that offer a variety of
situations, in which they present themselves as enigma to
be solved.
From the resolution action of the puzzles, new faces of
the narrative emerge. At them, the user accomplishes a tour
in the pursuit of worlds and the solution of its mysteries.
The essence of the game, in which resides in a terrific
architecture and the navigation possibility inside it, making
available the intervention of its paths, its destination. As in
an anticipated dream by Schopenhauer (2007), the digital
Argonaut mingles inside the navigable worlds of Doom and
Must, and there their avatars live intensively in systematic
conditions of proto-metaverses.
Proceedings of the SLACTIONS 2009 International Conference
Life, imagination, and work using metaverse platforms
Berkeley, Austin, São Leopoldo, São Paulo, Braga, Manchester, Tel-Aviv, Hong Kong
154
Characteristics of the navigable space in the
metaverses from an experience with games
One of the differentiable game elements is its possibility
of introducing into the plan of computerized human action,
in the relation man-machine-world, that we can call the
Discovery logic. Since its first version, Myst already
initiates the proposal of introduction the digital Argonaut in
the position of opening itself to the progressive
apprehension of a logical discovery and, with that,
assimilate more and more increasing complexity schemes
inside a basic narrative of the game. With a delicate
intellectual property, Manovich tells us that “the player
moves in the world literally step by step, discovering the
narrative along the route”. This is a structure in which the
logic of the discovery is necessary”. Each enigma or puzzle
presented in Myst contributes to a resolution of a part of a
mystery and allows you to advance in the understanding of
the game, in the narrative comprehension and even in its
navigation. In this process the subject of the navigation is
persuaded to dedicate itself hours in front of the game and
through the schemes accomplished inside the game,
reinforces its “elementary logical structures”, according to
the ideas of Piaget (1970).
Another important aspect consists in the navigation
structure. Myst organizes itself as a universe commanded
by a navigation aesthetic that proposes a freedom of
movement. The user can remain as long as he/she wants in
each of the various worlds and, if that is the case, for the
simple pleasure of walking through it, appreciating its
landscapes, or even, accomplishing an intimate contact
with the local cultures of the game. The authors themselves
have declared that if they have not reached the status of the
game, they would be simply satisfied by producing worlds
in which we could just go by. This is one of the great
qualities of Myst (Murray, 2003), the free navigation
around digital worlds that the metaverse of Myst unleashes.
Along with an aesthetic of free navigation, we have an
extremely generous and detailed exploration economy of
the environment. This type of economy has as a result the
development of the environment observation, of its details
and characteristics. As a result, the analytical potential of
the cybernaut is motivated inside the richness of the
world’s details and its objects that were abandoned to
solitude: labs, libraries, galleries, refineries and a number
of equipment are put to be explored. Many of them, already
interactive in the first version of the game in 1993, in which
will become more and more complete, complex and
functional, each time the narrative in incremented with a
new episode (the various versions of the game). In this
case, the technological evolution of the computers and its
processing capacity are followed by the interactive
resources that are made available to the cybernaut agency
and the transformation of the digital universe. Thus, to
define a game based on the exploration economy is to
define the knowledge progression of the man.
If the game characterizes itself for being based on an
exploration aesthetic and an economy of exploration of its
environment and objects, that does not mean that it does
not introduces, from the narrative point of view, elements
that put, even in a disguised way, obstacles to the user. The
situation proposed to the cybernaut, expressed by the help
request of the character Athrus to release him and his wife
from prison, and yet discover which of his sons was the
crazy responsible for such action, it updates dynamically
the problematic of the hidden opponent in which you have
to deal with. The logic, the solution for the enigmas and the
cybernaut behavior are the only weapons that are available.
Murray (2003) relates this script structure of Myst with the
script structure produced by Shakespeare in theatrical
plays.
Finally, our synthetic analysis allows us to situate
ourselves in this metaverse inside a constructive
perspective. There isn’t a pre-data: the secrets and enigmas
need to be found and solved so that we have the sequence
of the central and tragic story. Inside this universe, in which
today works in a open narrative in the WEB (URU live),
the structure of the solution of the narrative, even better, its
outcome, tends to offer multiple possibilities, including
different endings, all of which are linked with the
interactive behavior of the user. The strong factor that
boosts the constructive fundament resides in the
organization of the puzzles and in the independence of its
solutions, not having a linear order to their resolution, but
leaving the possibility of the manifestation of various
player styles.
Mathematical Logic and Interactive Puzzles
If the design structure of Myst organizes itself as a
navigable space (Manovich, 2001) opened in the
production of a even more variable narrative (Murray,
2003), this means that the more we advance in the various
versions of Myst, the more we find the progressive
construction of a discovery logic (Tonéis & Petry, 2008)
that assumes Wagnerians proportions. At one point we
have here emergent phenomenon that become more and
more evident if we are to be taken to suppose that they
organize themselves from a fundamental structure of this
world, we can say here, the metaverse that can be designed
as the aesthetic experience of metaverses. At another point,
this theme of aesthetic experience constitutes in a
conceptual work object in the phenomenology (Gadamer,
1999; Petry, 2003; Tonéis & Petry, 2008). In this case the
secret passion between the aesthetic and organization of
interactive puzzles founded in the mathematical logic
constitutes in one of the fundamental metaverse elements,
such as our model example here, Myst. It is in this aspect
that we think that the modern science game, not only
allows the technical digital world but also reserves many
surprises to the man. Regarding navigable and interactive
adventures that we can allow in the numberless metaverses,
they can open the possibility of challenges in which both
Proceedings of the SLACTIONS 2009 International Conference
Life, imagination, and work using metaverse platforms
Berkeley, Austin, São Leopoldo, São Paulo, Braga, Manchester, Tel-Aviv, Hong Kong
155
the logical and mathematical reasoning can be inextricably
connected.
In Tonéis & Petry (2008), the central theme of the
analysis is taken inside the question of the aesthetic
experience, identified as the first form of constitution and
reckoning of the living world. We have learnt with the
hermeneutics phenomenology that each and every
experience must be taken as an encounter: like a happening
that touches us and invites us to discoveries. The personal
experience is born from a reflexive process, when
something happens to us, touches us, passes by us resulting
in a transformation, because we understand that the
reflexive act has a transformer character, and consequently,
the actions to be followed. A cognitive discovery, a
solution to a problem that has taken all of our attention,
tends to generalize to our whole life the impact of its
solution: therefore, the entire discovery matters in a
reflective experience. Inside it we can observe that the
importance of the significance of the objects by the
individual is in considering that without this last one the
process of the knowledge construction, in its wider
conception, will be harmed. It will be in this sense that the
doing math demands the emergency of investigating each
Argonaut that really enters the means of the metaverse, or
else, the process of developing and experience a group of
characteristic processes of the math activity itself. The
math activity is defined as a resolution of problems. In the
usage of the digital universe, in the navigable space, in a
metaverse, for example, we can invite the Argonauts to
participate in the immersive narratives so that those story
protagonists wish to proceed in their script overcoming
challenges puzzles and in this way developing, in
several levels, an ontological math, before calculation and
algebra. It will be in this sense that this ontological opening
in math or even in logic will be in the origin of the problem
resolution, in reflective process application and action,
etc… Such dynamism is, unquestionably, offered by Myst
to its visitors
12
.
It will be in these aspects that Myst is more than a dense
and sophisticated game. When you understand the meaning
that a game contains, the player has the responsibility to
discover and take advantage of the several logical
possibilities hidden in it. Development possibilities,
mathematical logic reasoning that are capable to project its
experience beyond mere leisure and/or pleasure.
While the Argonaut explores the spaces offered in the
landscapes and environments of the metaverse, inside its
alternate universe, it will be living unique experiences that
will be able to be converted in the future in high level
logic-mathematical structures. The experiences in the
metaverse help the structuring of the capacity of problem
solving. It is like this that, when developing a method to
“escape the problem”, to overcome this barrier or any
other, that constitutes, progressively, in the way of acting
positively in the construction of a mathematical reasoning,
of a discovery logic (in which can have structural incidents
in practical life).
Dominating the extension of verbal concepts and
perceptive groups, restructuring itself logically, so, coming
from its own experiences, actions and operations, the
metaverse proposes its traveler an activity that establishes
itself as a context of an autonomous activity, place in which
it is demanded to discover itself (by the initiative of its
actions) the relations and the notions of a complex network
of meanings that constitutes its plot on the narrative,
recreating them. When they are recreated, it is produced a
new and personal knowledge! This is now founded in its
own experiences, in the interaction with the environment,
private and public in the community. To know the real is
also to configure it and to be able to reconfigure it.
As such, this means that, in other words, to mean the real
preserving the richness of the senses in the real. Like
Merleau-Ponty (2006) used to say, the senses relate
themselves before the language. The representation is born
in the necessity of understanding this real
13
. At the same
time, not only in the mathematical symbolism, but also in
the logical abstraction can be understood as the delicate
fruits of an adaptation process (Piaget, 1970) assimilation
and accommodation arising from singular experiences of
a subject of experience (aesthetic).
It will be on this line of thought that the computer game
studies and its applications have been object of systematic
investigation inside this area of cultural and scientific
examination. In this aspect, among many authors that
currently have dedicated themselves to this new region of
human thought and life, we remember here of the
contributions of Mayer (1996), Miles (1999), Manovich
(2001) and Murray (2003), among many others. It is like
this that, by analyzing the game Myst, Miles proposes to
discuss questions that are more general regarding the
expressive possibilities of the multimedia environment. The
present references in Myst include artistic works or
traditions as diverse and rich as the Odyssey by Homer, the
gothic romance, the painting tradition, the filmic
surrealism, besides the, clearly, interactive fiction
derivative from Borges
14
. To Miles, Myst represents the
beginning of a new form of art that synthesizes different
means in new combinations and, what is equally
important, recovers and reinvents different ancient art
forms that for long have been claimed obsolete” (1999:
309). This relation of recovery and rescue constitutes to
Miles the most important research object.
It is on this sense that Myst opens a new paradigm of
interface man/computer (Mayer, 1996). The conceptual
hyper-realist proposal and the image refinery, the
tridimensional effects, the textures and the perspectives of
the scenery contribute to an intense immersive experience.
But it will be in the introduction and the emphasis given
in the solution of the enigmas (puzzles) that will transform
the metaverse of Myst into something absolutely
differentiated and putting it, as an experience that simulates
the difficulties and progresses that the individual faces in
Proceedings of the SLACTIONS 2009 International Conference
Life, imagination, and work using metaverse platforms
Berkeley, Austin, São Leopoldo, São Paulo, Braga, Manchester, Tel-Aviv, Hong Kong
156
its representations of the real world. And Murray (2003)
reminds us that the “solution of the puzzles usually depends
on subtle sound clues, rising the attention of the player to
the meticulous sound project”. The complete Myst project
conspires to produce an essential connection between its
visitor and the presented virtual world. When entering this
holodeck the Argonaut converts himself in another element
in the big puzzle that Myst is. Its first mission is to discover
what to do and where to go. The clues will lead him to the
discovery, in the virtual world, of its own potentialities in
the resolution of problems and constructions of
methodologies. The geometrical comprehensions of the
spaces as well as the mental maps built while exploring are
evidences of the creative potential existing in this parallel
universe, Myst.
In the resolution of a puzzle we find an experience, and
opportunity, a tool to logical organization of events and
actions. Such organization can occur almost unconsciously,
when it is about developed cognitive processes, due to the
ease and familiarity with the world of Myst obtained by
each visitor. What we expect at this point of out reflection
is the comprehension of the mathematical experience in the
resolution of a puzzle as being an attempt to formalize
concept and actions taken during such resolution and so
consciously understanding some concepts that are
supporting such resolution.
As so in a comprehensive approach, we can say that here
between a game the so called conscious takeover (Piaget,
1977), in which it focus on the action process that
transforms an scheme into a concept, or else, going from
the behavior of the resolution of the puzzle, to arrive at
stages of generalization that get wider and more universal.
Maybe that is the aspect to be initiated with the undefined
practice to reach the episthéme
15
that the activity of solving
puzzles can be compared to a Maieutics Socratic that, by
means of investigation, the person will find the answers to
the question that has been formulated and like this it will be
reckoned the methods involved in its investigation. From
the arguments presented, we cannot fail to glimpse in Myst
new possibilities that emerge from the immersion in the
virtual world, in the constriction of the abstractions and
mathematical concepts that are present in the digital
universe, and so, transport them to the mathematical
language and a possible formalization or conceptualization:
elements that can habituate the aesthetic experience inside
the metaverses.
The context of the puzzles inside the
metaverse experience in Myst online: URU
With the growing development of software and hardware
in a way of always overcoming its predecessors, in
processing speed, space for data storage, the digital
universe became fundamental part of our living world
16
. It
is almost impossible to designate how much we denominate
in the virtual world to different people constituting in
absolutely live experiences. We are connected beings; we
keep in touch with the real time with the help of a virtual
world, instant messages, chats, forums, etc. It will be in this
path that Petry (2009) looks to present the emergency of the
metaverse, from ontological elements, in which enable the
structure of ubiquitous aesthetic-digital experience. From
that point, “in an expansion of the concept of hypermedia
by Manovich (2001), the metaverse can be thought as a
collocation in a piece of the Wagnerian concept of Total
Opera, with the difference that its characters identify with
their audience.” In this metacontext, the evolution and
transformation suffered by the interface concept, at the
metaverse we are taken to consider it as digital life forms
17
(Petry 2009). From that perspective, the digital universe
can be thought in one continuous line with the daily life,
like an extension or prolongation or, in a word, a
metaverse. In fact, the continuous transformation that
enables this process in the interior of digital life is one of
the main denotative that there is “life in the digital
universe” and that we can refer ourselves in the metaverses
as new ways of man/machine interface.
The importance of an ontological look over the objects
that conduct a more refined attention to the world that
constitutes the metaverse conducts us in the direction of
understanding the opening to this aesthetic experience, or
else to a metaverse experience in its total, in this world of
infinite worlds (Merleau-Ponty, 2006). This occurs in Myst,
in various versions, in different levels of experience.
Teletransporting evolutionally to its online version, Myst
opens opportunities to the phenomenological sense of
sharing with the other the experience: the “being-with”.
Being an experience with them, communicating internally
with the world, with the body and with the others (Merleau-
Ponty, 2006), designates the necessity of engaging in
transforming attitudes and activities, of being in movement
being with them instead of just being next to them. Like
Heraclitus would say, “everything flows, everything
changes”; so occurs with the digital universe, in constant
metamorphosis. With that we can say that the metaverses
constitute themselves in our projections of something more
fundamental, something unique, something singular, in
other words, transcending the material reality to the digital
representation plane, we are equally taken in Myst to face
our fundamental incompleteness and, from this finding, put
ourselves in the condition of being capable of accomplish
our transforming experiences. To reach a differentiated link
to conscious, in which reciprocity is beyond the mere
exchange, the simple feedback. In the online version of the
game the Argonaut has the opportunity to broaden his
experiences sharing the story with other protagonists.
Online Myst, URU
18
, is a game in the multiplayer line, a
game in which the explorers, like in other types of
metaverses, have the possibility of creating their own
avatars, selecting its characteristics that provides them a
digital presence (Digital Anwesenheit). When, aside with
their digital partners, the Argonaut from the metaverse
enters in the great restoration council D’ni. Among other
Proceedings of the SLACTIONS 2009 International Conference
Life, imagination, and work using metaverse platforms
Berkeley, Austin, São Leopoldo, São Paulo, Braga, Manchester, Tel-Aviv, Hong Kong
157
adventures, we are invited to rediscover, restore and rebuild
the ancient D’ni civilization and learn their story. The
planned metaverse in URU live presents new surprises to
the member of the Myst community. In function of the used
engine characteristics and its planning for a communitarian
environmental, at the real time multiuser style, the
environment of URU live allows the possibility of your
modification as time goes by. The Myst community
analysts organize a list of characteristics of the URU live
metaverse. The first consists in the fact that the metaverse
organizes itself in navigation worlds with surreal
environments that encourage the exploration. In second
place, the high level of gameplay, due to the fact that there
aren’t any rules at first, levels, maps to be memorizes
only the navigation and the encounter with the community
members that are inserted as data. The third element is the
non-violence and the impossibility of having a user dying
or being killed by another player. The fourth element is,
and maybe here the most important one, the possibility of
volunteer interaction with other players, different from the
offline versions, in which solitude was the game’s
trademark. In fifth place e less important, we find the
progressive introduction to the puzzles; to a group of them
is reserved the task of supplying the necessary information
to the digital inhabitants of the metaverse about the
mysterious civilization D’ni; to another group of puzzles is
reserved the role of inserting enigmas that must be solved
so that the Argonaut deciphers the functioning of the
worlds, its structures and mechanisms, enables passages to
places in other Eras not yet explored. It will be at this fifth
group, the puzzle group that we aim here, in which we will
be questioning around its ontological constitution.
We will initially see that they are capable to be worked on
by the new inhabitants of the D’ni civilization from
communitarian strategies of multiplayer collaborative
relation. As so, the possibility of the group solution of a
problem puzzle opens new possibilities for discussion
about problem solving shared in communities, once that in
the experience we are more than one, we simple are. Here,
inside the metaverse, the idea of the body, the unit moves
to a collectivity sense, so we are. Myst online put us in a
kind of a new never-ending story
19
, with the story being
continuously being renewed, with new possibilities in the
story being inserted, by new members, by modifications in
the environments, in new plots that are the product of
collaboration the essence of a new kind of digital
economy that is powered with the advent of the metaverses:
the online cooperation economy. It is the group of digital
inhabitants that discuss and examine together the handling
possibilities of the puzzles (in the following image) to give
access to a superior installation tread.
It is in the aesthetic communitarian experience context,
committed to the online puzzle resolution that emerges in
the collective construction of the D’ni metaverse, going by
the individual consideration and looking for dialogues with
others and with the digital source. By being capable of
exposing its line of thought, before it used to be inner and
blurred, the Argonaut finds in the metaverse the possibility
of sharing its ideas and theories with its journey fellows.
This team united by the same ideal, to live the story,
compromises with the ending of this very same, deepening
in the processes of conceptualization, enriching the logic-
mathematical thought in the encounter with the puzzle
solving. In the interior of the metaverse experience they are
the link, the connection to overcome the obstacle and
initiate the walking towards the other. These are
demonstration of ontological character of logic-
mathematical structures present in the metaverses. The path
is not ready, is not defined, they are created by walking,
rising up along our course. Paradoxically, in a multiple and
cooperative way, the adventures become much more
singular, as the more people are involved in the experience,
the more singular this one becomes.
Proceedings of the SLACTIONS 2009 International Conference
Life, imagination, and work using metaverse platforms
Berkeley, Austin, São Leopoldo, São Paulo, Braga, Manchester, Tel-Aviv, Hong Kong
158
A brave new World of educational
metaverses: the narrative and the discovery
context
The enigmas of Kadish Tolesa are among the most
difficult ones in URU. Not only we have to imagine how to
solve them, but we should also imagine how to interpret the
clues. All the evidences are in this gallery Kadish Tolesa
the question is, then, to study the panels, make detailed
notes and sketches or even to examine the possible relation
between them.
Something that is always present in Myst is to be always
prepared to return to a determined spot to look once more
at some details and to revisit some strategies. Something
important to bare in mind to all the enigmas of Kadish is
the fact that the master Guild Kadish knew how to omit
information to seem more powerful to others.
Consequently, the base to solve the enigmas is to preferably
discover what is missing to our point of view. Here, the
ontological investigation strategy indicates that at the
phenomenal observation lets the Argonauts community fill
the blank spaces in the proposed narrative. If we think that
the blank spaces in the narrative must be completed, for
example an X element, which will have a function of
structure the sense deeply and profoundly, we can refer this
narrative strategy ontologically to the developed tradition
from, at least two developments: while Frege’s logic
teaches us that an empty space in a proposition comes to be
filled by a logical object or a function to consequently
obtain a sense and a denotation, on the other hand the
hermeneutics phenomenology shows us that this very same
process of logic meets its function of an reversed blackout
that was submitted to the sealing of organization conditions
of the world. In this case, it is cooperative in the making the
narrative regular and unconscious by the accomplished
processes that are revealed in its fundamental structures by
the academic research of metaverse. It will be on this
specific sense that we will introduce and discuss here the
three telescopes puzzle in the Kadish metaverse.
See the
image representation below:
As the word telescope says in its usual sense, we have in
Kadish three devices that have a double purpose: firstly to
provide a proximate vision of a distant point and at the
same time adjust them through concentric circles fired by
buttons to align them among themselves, having as a final
result of the alignment the triggering of doors with its
correspondent passages. The three telescopes are close to
each other. After an analysis, we turn the telescope device
on and we look through an aim again. This is the first of
three telescopes devices alike in Kadish, which altogether
makes the puzzle reachable for our sight. Call it telescope
one. The second telescope is located in a pavilion that is
reached by taking the way from the connection that passes
by the ascendant arch. The third telescope is situated next
to the second one at a clearing on the floor.
Each telescope has three buttons in its base and each
click in a specific button rotates the device rings. Each
click in one of the buttons rotates the associated parts in the
telescope – rings about 1/8 of the circle circumference.
With the objective of establishing properly each circuit,
you need only to push the buttons you have the
correspondent configuration in one of the panels (see the
image above): Telescope 1 is situated on the top of the
panel, telescope 2 in the middle of the panel and telescope
three in the inferior part of the panel. In case there
weren’t any alteration in the device configuration
(telescope 1), the correct alignment is reached, pressing the
left button 4 times, the central button once, the right button
five times, according to the table below:
Proceedings of the SLACTIONS 2009 International Conference
Life, imagination, and work using metaverse platforms
Berkeley, Austin, São Leopoldo, São Paulo, Braga, Manchester, Tel-Aviv, Hong Kong
159
Left Center Right
Telescope 1 4 1 5
And resulting in the configuration exemplified by the
following image:
On the second telescope, look through the scope display
to see three keys that control the rotation of the device.
From the initial state, press the right key three times for the
correct alignment of this device. You do not have to touch
the other keys. The behavior structure is diagramed in the
following table:
Left Center Right
Telescope 2 0 0 3
And according to the following image:
Now being at Telescope three, look through your display.
From the initial state, the proper adjustment is reached by
pressing the left key three times, the central key seven
times and the right key three times, as shown in the next
table:
Left Center Right
Telescope 3 3 7 3
And according to the following image:
If telescopes 1 and 2 are adjusted correctly, we can see
the movement in the back when this when this third
telescope is adjusted and, when we step behind the display
we can see that the door in the tree ahead was opened: the
three telescopes puzzle is solved.
At first we identified combinations that involved three
possible movements with buttons right, central, left and
we have also verified the Kadish Tolesa gallery, finding
many clues that could be useful in the resolution, the most
evident one is the drawings in the wall, once that it
represents the telescopes solutions, so what is left to the
visitors is to be able to translate these images by looking at
the scope display, hence the drawings are not that obvious.
The key to the images is in the exploration of the blank
spaces of the scope. So when visualizing the image in the
gallery, we should relate to the telescope, however
considering only linear formations. That is the reason why
we advice to make notes or draw whatever is necessary
from the gallery, or else, to return there as many times as
necessary. Summing up, we will have the following
combinations:
Left Center Right
Telescope 1 4 1 5
Telescope 2 0 0 3
Telescope 3 3 7 3
The three Telescopes puzzle of Master Kadish can be
analyzed, not only in logic but also mathematically. The
analysis, on the other hand, has incidences and ontological
basis and, from the metaverse point of view, it allows the
organization of the take over of the epistemological
conscious, allowing that the knowledge acquired inside the
aesthetic-logical experience in the metaverse, obtains more
global potentials in the lives of the members of the D’ni
community. Such as a preparation for a resolution to other
problems inside the metaverse, and also as ostentation of
the groups’ own personal reflexive abilities. Even that no
member of the group comes to accomplish a logical-
mathematical formalization of the puzzle, the developed
steps in the problem resolution takes them to the situation
that Piaget (1977) designs as the conscious take over: to
know how to do something is just like knowing how to
explain something to someone else or else, in a
wittgensteinian language, I know how to play this game, so
I understand this game.
From the table above, at the mathematical point of view,
we have verified that this can be compared to a square
matrix of an order of three, and with that we focus on the
particularities of the mathematical structure involved in the
resolution of this puzzle. The values of the table, that
represent the circular movements present themselves as odd
Proceedings of the SLACTIONS 2009 International Conference
Life, imagination, and work using metaverse platforms
Berkeley, Austin, São Leopoldo, São Paulo, Braga, Manchester, Tel-Aviv, Hong Kong
160
prime numbers even between 3 and 7, in other words, just
the figure 4, compound number derivative from the only
even prime, the number two, occurred only once. This
reveals the nature of the movements in this game, the
movements as being primary, movements that generate
movements, like in this case, the opening of the door, as
action and reaction.
Elements of the Fibonacci sequence are also revealed as
present in the table (1, 1, 2, 3, 5, 8, 13...) what values even
more the question of natural movement. Another relation
that becomes the focus of our observation is the sum of the
lines and columns of this table, because adding lines and
columns, in the intersection we will have the same value,
26, which is composed by 13 multiplied by 2, in other
words, two prime numbers between themselves.
Conclusion
The mathematical characterization of a puzzle is not only
about the number conversion of the events, but in its
ontology it constitutes exactly in the thinking exercise.
It is due to these characteristics that the frontiers between
mathematics and logic become tenuous. According to
Russel (1960) such separation became too delicate due to
the nature of the logical demonstration with the usage of
algebra and algebra resolutions from the conception of
initial assumptions or even deductive structures. It is on this
sense that he has created between 1900 and 1905 its famous
Types Theory that sought to handle problems coming from
the sets theory. If from one side, there exist classes more
than things, what results in a paradox, the logical
organization of a puzzle (as referred), tends to structure the
analysis and the reasoning centered in formal conditions
and procedural actions. In the sayings of Putnam (1988) the
formalization does no have as a task the solution of the real
problems or other things, but the task to serve as a sound
instrument to enlighten the difficulties that can become
clearer and operative from its systematic.
In this sense we can understand each button that works as
logical positions (0 or 1) and so we would have a new
binary table of the three telescopes situation.
The topological alignment of the three telescopes results
in the opening of the door, the missing on this puzzle, can
be compared to the interdimensional portal in Stargate
20
.
Here we have the dialogue between the Web’s digital
metaverses with the filming metaverses. If through the
portals of Stargate we can reach new worlds also by
metaverses, we can teletransport ourselves to new
metaverses. The procedural schemes that are functioning,
not only in the Kadish telescope but also in the Stargate
portal are formally identical: solar rotations around a
central axis determine the conjunctions (alignments) of
symbols (logical positions) that determine the triggering of
unrevealed mechanisms at first.
From the metaverse experiencing point of view, the
puzzle resolution implies in cognitive processes that result
in comprehensive schemes. From the formal and
phenomenological point of view the understanding
precedes the explanation (Von Wright, 1979). Even that
thematically situated in different philosophical traditions,
we can observe that in the metaverse aesthetic experience
both formal schemes can converge in a community. If the
comprehension generally comes by means of a leap in the
total vision of things and of the world, the relating,
introducing and letting registers to the society movement is
accomplished inside the explanation scheme. Our purpose
in the present article sought the valorization of the
aesthetic-ontological experience inside the metaverses and,
by accomplishing the presentation and analysis of the URU
metaverse in a modular puzzle. Our intellectual action does
not have as a purpose to give the last word on the proposed
theme. On the contrary, it seeks to route of questions that
are situated in the range of our academic research. It occurs
that, however, with the present article we could reach to
demonstrate some elements of the logic-mathematical
structure resident and alive in the play the metaverse game,
having as a result the opening of a line of dialogue between
new worlds and new possibilities.
Bibliographical References:
Barbosa, P. (1977). A literatura cibernética, 1: autopoemas
gerados por computador. Porto. Edições Árvore.
Barbosa, P. (1996). A Ciberliteratura criação literária e
computador. Lisboa, Edições Cosmos.
Bairon, S. (2002). Interdisciplinaridade: educação, história da
cultura e hipermídia. São Paulo. Futura.
Carmona, A. (1976). Poemas V2: poesía compuesta por una
computadora. Barcelona. Producciones Editoriales.
Certeau, M. (1999). A invenção do cotidiano. Petrópolis. Vozes.
David, K. (2003): Masters of Doom: How Two Guys Created an
Empire and Transformed Pop Culture, Random House
Publishing Group.
Dilthey, W. (1910) Der Aufbau der geschichtlichen Welt in den
Geisteswissenschaften (1910). Leipzig. B.G. Teubner.
Domingues, D. (2000). A humanização das tecnologias pela arte.
from http://artecno.ucs.br/coordenacao/secxxi1.htm.
Feenberg. A. (1999). Questioning Technology. Kentucky.
Routledge. Feenberg. From: <http://www-
rohan.sdsu.edu/faculty/feenberg/>.
Flusser, V. (1983). A Filosofia da Caixa Preta. Rio de Janeiro.
Relume Dumará Editora (Ed. 2000).
Fraga, T. (2007). Artes interativas e método relacional para
criação de obras [1]. Por: Tania Fraga em: Ter 07 of Aug, 2007.
from <http://www.cibercultura.org.br/tikiwiki/tiki-
read_article.php?articleId=53>.
Freud, S. (1914). Sobre o Narcisismo: Uma Introdução. Vol. XIV
das Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro. Imago.
Gadamer, H. G.. (1999). Verdade e método: traços fundamentais
de uma hermenêutica filosófica. Tradução de Flávio Paulo
Meurer. Petrópolis: Vozes, 3. ed..
Heidegger. M. (1969). O que é metafísica. (1929). From
http://personales.ciudad.com.ar/M_Heidegger/index.htm.
Heim, M. (1993). The Metaphysics of Virtual Reality. New York.
Oxford University Press.
Huizinga, J.(1990). Homo Ludens: o jogo como elemento da
cultura. São Paulo. Perspectiva.
Proceedings of the SLACTIONS 2009 International Conference
Life, imagination, and work using metaverse platforms
Berkeley, Austin, São Leopoldo, São Paulo, Braga, Manchester, Tel-Aviv, Hong Kong
161
Kuhn, T. (1978). A Estrutura das revoluções científicas. SP.
Perspectiva.
Lacan, J. (1953). Os escritos técnicos de Freud. Rio de Janeiro.
Editora Jorge Zahar.
Leão, L. (2005). Hermenetka Zona de Intercâmbio. Instalação
Digital Web from http://www.lucialeao.pro.br/hermenetka/
Manovich, L. (2001). The Language of New Media.
Massachusetts: The MIT Press.
Marcuse, H. (1964). One-Dimensional Man: Studies in the
Ideology of Advanced Industrial Society. Boston. Beacon. Full
text from:
<http://www.marcuse.org/herbert/pubs/64onedim/odmcontents.
html>.
Mayer, P. (1996). Representation and action in the reception of
Myst: a social semiotic approach to computer media. Nordicon
Rev. Nordic Pop. Cul., 1, 237-254.
McLuhan. M. (1964). Understanding Media: The Extensions of
Man. Massachusetts. The MIT Press (Ed. 1994)
Merleau-Ponty, M. (2006). Fenomenologia da percepção. São
Paulo: Livraria Martins Fontes Editora. (Original publicado em
1945).
Miles, D. (1999).“The CD-ROM Novel Myst and McLuhan’s
Fourth Law of Media: Myst and its “Retrievals”. Em: Mayer, P.
(org.) Computer Media and Communication: a Reader. (pp.
307-319). Oxford (NY). Oxford University Press.
Murray, J. (2003). Hamlet no holodeck: o futuro da narrativa no
ciberespaço. São Paulo. UNESP.
Petry, L. C. (2003). Topofilosofia: o pensamento tridimensional
na hipermídia. Tese de Doutorado, São Paulo, PUC-SP.
Petry, L. C. (2006a). O conceito de novas tecnologias e a
hipermídia como uma nova forma de pesamento. In:
Cibertextualidades, 1(1), pp. 110-125.
Petry, L. C. (2006b). Aspectos fenomenológicos da produção de
mundos e objetos tridimensionais na hipermídia. In: Anais do
15º Encontro Nacional da ANPAP.
Petry, L. C. (2007). O ciborgue e a arte da hipermídia. In: Anais
do 16º Encontro Nacional da ANPAP.
Piaget, J. (1970). A Gênese das Estruturas Lógicas Elementares.
Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro. Zahar.
Piaget, J. (1977). A tomada de consciência. São Paulo:
Melhoramentos/Editora da Universidade de São Paulo.
Putnam, H. (1988) Lógica. In Enciclopédia EINAUDI, Vol. 13.
Lógica, combinatória. Lisboa. Imprensa nacional - Casa da
Moeda.
Prado. G. (2007). Cozinheiro das Almas: apontamentos para o
game (com Grupo Poéticas Digitais) in: Suzete Venturelli.
(Org.). Arte e Tecnologia: intersecções entre arte e pesquisas
tecno-científicas. 1 ed. Brasília: IdA / UnB, 2007, v. 1, p. 127-
130. from http://www.cap.eca.usp.br/poeticas/wp-
content/uploads/2008/07/cozinheiro-das-almas_unb.doc
Russell, B. (1960). Meu pensamento filosófico. São Paulo.
Companhia Editora Nacional.
Santaella, Lucia.
A trama estética da textura conceitual,
Apresentação
digital ao Labirinto Bairon, Sérgio
(Coordenador) & Petry, Luís Carlos, Hipermídia. Psicanálise e
história da cultura, Caxias/São Paulo, EDUCS/Mackenzie,
2000, hipertexto p. 0017.
Schopenhauer. A. (2007). O mundo como vontade e
representação. São Paulo. UNESP.
Stein, E. J. (1992). Os paradigmas filosóficos no limiar de um
novo milênio. Estudos Leopoldenses. Série História, v. 28, p.
47-58.
Tonéis, C. N. & Petry. L.C. (2008). Experiências matemáticas no
contexto de jogos eletrônicos. Ciências & Cognição 2008; Vol
13 (3): 300-317. from :
<http://www.cienciasecognicao.org/pdf/v13_3/m318317.pdf>.
Vattimo. G. (2002). O fim da modernidade (1985). São Paulo.
Martins Fontes.
Von Wright. G. H. (1979). Explicación y compreensión. Madrid.
Alianza Editorial.
Whitehead. A. N. & Russell. B. Principia Mathematica to *56.
Cambridge. Cambridge University Press.
Wiener, N. (1965). Cybernetics, Second Edition: or the Control
and Communication in the Animal and the Machine.
Massachusetts. The MIT Press; 2 edition.
Wittgenstein, L. (1994). Tractatus Logico-Philosophicus. São
Paulo: Edusp;
Notes:
(1) To see, for example, the work of Cléuzio Fonseca Filho, C.
(2000). História da computação: teoria e tecnologia. São Paulo.
LTR Editora. E-Book in
<http://professores.faccat.br/assis/hcomp/hcomp.html>.
(2) The hypermedia concept has many definitions, since its
context inside the computer science, going through the Design,
and arriving at the culture and information theory. In a general
aspect “les hypermédias, dans lesquels les informations ne sont
pas seulement de type texte, mais également de type image, son,
vidéo ou encore multimédia, ont vocation à présenter
l'information . Dans les applications basées sur le Web,
l'information est présentée selon une approche hypermédia, mais
de plus, il est possible d'effectuer des traitements à travers
l'interface Web. Dès lors, il n'est pas surprenant de constater que
beaucoup de travaux de recherches sur les hypermédias ont été
réalisés ou sont en cours de développement” (Hypermédias:
<http://fr.wikipedia.org/wiki/Hypermédias>. On the side of
culture and semiotics theory, we have Santaella (2000) telling us
that: “far from being just a new technique, a new mean of
preexisting content transmission, the hypermedia is, in reality, a
new language in pursuit of itself”.
(3) Not free means that those mutations are supported by a
historicity that is revealing from a dialogue that crosses and
trespasses a number or regions. Not planned points to the fact that
they do not constitutes in the result of a unique and monolithically
program of work and research, but they could be seen previously
as an phenomena in which we have the multi determination of
forces that reciprocally feed themselves. As so, they are related to
discussions that binds in an intense dialogue and mutual influence
in the multidisciplinary areas and internal crisis, to know, in the
emergent computer science (Fonseca Filho, 2000), in the plastic
arts that shows themselves as digital (Domingues, 2000), in the
literature that recognizes as cyberliterate (Carmonam 1976;
Barbosa, 1977) in the technical philosophy (Feenberg, 1999), in
the cybernetic (Wiener, 1965), in the critical theory (Marcuse,
1964), in the communication (MacLuhan, 1964; Flusser, 1983), in
the semiotics (Santaella, 2001; 2004), for example, in the
mentalities history (Certeau, 1999 and Bairon, 2002) and in the
hermeneutics philosophy (Heidegger, 1929 and Vattimo, 1985).
(4) The term digital paradigms is used by Manovich (2003)
himself and it derives from its reading of science philosopher
research, Thomas B. Khun, initiated in its paper Khun, T. (1978)
The structure of the scientific revolutions. SP. Perspectiva.
Wikipedia presents a very adequate definition of the concept:
“The word paradigm (Greek: παράδειγµα (paradeigma),
Proceedings of the SLACTIONS 2009 International Conference
Life, imagination, and work using metaverse platforms
Berkeley, Austin, São Leopoldo, São Paulo, Braga, Manchester, Tel-Aviv, Hong Kong
162
composite from para- and the verb δείκνυµι "to show", as a whole
-roughly- meaning "example")”
[http://en.wikipedia.org/wiki/Paradigm]. From its concept
formulation in the science philosophy, the term paradigm crosses
today the human knowledge field, and in men’s sciences, it is
used by Manovich in the sense of a guiding model (of design), a
type of a concept-object that stimulates and determines socio-
cultural and technical developments. A study that shows the
incidence of Khun’s paradigm concept in human sciences and
philosophy can be found in Stein, E.J. (1992). “The philosophical
paradigms on the threshold of a new millennium”. Estudos
Leopoldenses. Série História, v. 28, p. 47-58.
(5) Link to Doom. See also: David, K. (2003): Masters of Doom:
How Two Guys Created an Empire and Transformed Pop Culture.
At Wikipedia we have a very interesting description: “Doom is a
computer game released in 1993 by id Software, and one of the
seminal titles of the first person shooter genre. Combining 3D
graphics with graphical violence, it has become as controversial as
hugely popular, with a shareware version release that is estimated
to be played by 15 million people. Besides defining many first
person shooter game elements, Doom has established a sub-
culture by making games popular in networks and allowing
expansions created by players (WADs). The game success has
influenced the games boom in the 90s up to the point that these
games were sometimes called Doom clones.” The Doom franchise
continued with Doom II: Hell on Earth (1994) and a number of
patches as Ultimate Doom (1995), Master Levels for Doom II
(1995), and Final Doom (1996). From:
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Doom).
(6) Nowadays, the base site for the worlds or metaverses of Myst
is: <http://www.mystworlds.com/us/>. At Wikipedia we have a
summary of the game: “Myst is a computer game of the adventure
genre developed by Cyan and distributed by Brøderbund in 1993.”
It was originally developed by the Macintosh computers, but one
year later it gained a Windows version. The game creation was
directed by the Rand and Robyn Miller brothers. This game was
one of the most famous among the adventure games, helping to
disseminate the genre. Myst was considered a model to the game
industry at the time by its attractive graphics at a time in which
computer graphics resources were limited. It was between the
most sold computer games during the whole 90s, encouraging the
sequels productions: Riven, Exile, Revelation and End of Ages.
Besides that, the game was reprinted twice in Myst Masterpiece
Edition with better graphics and better sound and in Real Myst
with 3D effects and other news. This game led also to book
publication based on the game story, a MMORPG game called
URU: Ages Beyond Myst and comic books”
(http://pt.wikipedia.org/wiki/Myst).
(7) J.C. Herz is the author of Joystick Nation: How Videogames
Ate Our Quarters, Won Our Hearts, and Rewired Our Minds
(1977). Brown. Little. and of Surfando na Internet uma
Aventura On-line (1996). São Paulo. Domínio Público.
(8) The results of this new cultural economy politics: fifteen
million copies of Doom were downloaded.
(9) Robin Miller, one of the brothers of the pair of authors of
Myst, musician and writer, has published along with Rand Miller
and David Wingrove, the compendium The Myst Reader (2004).
New York. Hyperion, which contains a series of diary writing of
Athrus about the Myst plot.
(10) Lorna Dannan is the nickname of an autonomous researcher
of games and ciberliterature that maintains the biggest reference
site about the Myst themes, the D’niHall, available at the
electronic address: <http://www.dnihall.com>. The D’niHall
space not only fights with a giant text-based, images and audio
data bank, but it is also the basis of an international community of
fans and researchers of the Myst saga.
(11) According to the legend that occurs in the international fan
community, the game success wasn’t predicted by its authors. In
interviews years later, they have commented that they wanted to
do something in which they would really be compromised, even if
it was successful or not. Precise information around the immediate
success of Myst is not precise. But in any case it appears that this
digital product has arrived at the right time and that the CD-Rom
users were just waiting for something like this. This impression,
discussed in the specializes magazines and by literature seems to
be confirmed by the fact that the first game’s Christmas, in 1993,
estimates that it got to 20 million dollars sale. Until today,
according to information from another game student, Paulo
Monteiro, the creator of the free expansion of the Myst Universe,
called Ilathid (www.ilathid.com), the Myst success was eventually
overcome in values, but not exceeded as a cultural phenomenon.
(12) It is at this aspect that, from Huizinga (1938), the own game
conception is redirected to its fundamental aspects. According to
the thinker, the game and the play constitutes themselves into
absolutely primary life categories and, in this sense, as essential as
reasoning Homo sapiens and the objects factoring Homo
fabermaking it appear the denomination Homo ludens
, in which
means before any
other hypothesis that the playful element that is
present in the basis of the civilization appearance and
development. This point of view tells us that the game is even
previous of this culture and it rises from the game: “as a distinct
and fundamental factor, present in everything that happens in the
world (…) it is in the game and by the game that the civilization
springs up and develops” (Huizinga,1990: preface). Game and
culture constitutes in a cycle that is not possible to determine the
beginning and the end.
(13) It is equally the case of Freud (1914) and Lacan (1953)
studies that have identified the pre-linguistically stages in the
anticipation of the human subjectivity.
(14) The Janos Biro Blog: “Jorge Luis Borges when writing, in
1941, a tale called El jardin de senderos que se bifurca’, marked
the idea of interactive fiction twenty years before the first fiction
interactive work was written. (In:
<http://infoblarg.blogspot.com/2008/03/fico-interativa.html).
Victor Vasarely Zettm configuring another textualization also
refers to Borges, but giving enphasis at the Biblioteca de Babel
tale, referring other contributions, such as, Barthes, Joyce,
Landow, etc.” In:(http://www.unicamp.br/~hans/mh/config.html).
Interactive science fiction at Wikipedia in:
(http://en.wikipedia.org/wiki/Interactive_fiction).
(15) The real knowledge, different from opinion. The knowledge
of causes that is necessarily true. A mixture of science and
knowledge, by what it differs from the so called empirical
sciences. A rational effort to substitute the opinion, lets, the
knowledge around the quota. It is divided into praxis, technè, e
theoria.
(16) It is our modest understanding that Dilthey could glimpse
our days today and the metaverses that emerge at the horizon of
human life, certainly would add an extra volume in its
Diltheyniana, probably with the title: Teoria do mundo digital
(2009) in complement with its Der Aufbau der geschichtlichen
Welt in den Geisteswissenschaften (The building of the historical
world in its spiritual science) (1910).
(17) Taking also, for example, at Manovich’s path (2006), this
Proceedings of the SLACTIONS 2009 International Conference
Life, imagination, and work using metaverse platforms
Berkeley, Austin, São Leopoldo, São Paulo, Braga, Manchester, Tel-Aviv, Hong Kong
163
idea has constituted in an extrapolation of Wittgenstein (1994)
game languages formulations ways of life. Such production
context of several ways of digital lives can be found in Leão
(2005), Fraga (2007) and Prado (2007), for example.
(18) According to the esD’ni portal information (from:
http://www.coolwind.ws/esdni/htmls/esuru.html), the users that
had the opportunity of navigating through the preliminary version
of URU live have commented that the visual-graphic sensation is
similar to waking inside a film.
(19) The Neverending Story is a cinema adaptation, of 1984, from
the homonym book of Michael Ende. (Wikipedia, available at
<http://pt.wikipedia.org/wiki/The_Neverending_Story>. Accessed
in April 2nd 2009).
(20) The term Stargate refers to the American science fiction
productions (of the “Space Opera” genre) that started with the
motion picture Stargate, in 1994. The plot in all the productions
goes around the Stargate premise, a superconductor device that
allows time travel through the “subspace”. (Wikipedia, available
at <http://pt.wikipedia.org/wiki/Stargate>).
Proceedings of the SLACTIONS 2009 International Conference
Life, imagination, and work using metaverse platforms
Berkeley, Austin, São Leopoldo, São Paulo, Braga, Manchester, Tel-Aviv, Hong Kong
164
Página 116
A JORNADA DA NARRATIVA:
A HISTÓRIA
1
DE MYST CONTADA EM DOIS MEIOS.
Drew Davidson
2
Histórias são contadas através de uma variedade de meios. Uma narrativa não
necessita ter um único meio, pode ser conectada e continuada entre outros meios. Um
bom exemplo de uma narrativa carregada por meios diferentes é o jogo/história do CD-
ROM Myst por Rand e Robyn Miller. A história inicia-se em um jogo de CD-ROM e
prossegue em três aventuras – romances
3
– subseqüentes e, então, novamente em outro
1
As palavras “estória” e “história” são aceitas por diversos autores, com significados distintos: estória para a exposição
romanceada de fatos imaginários, narrativas, contos, bulas; história para dados históricos, que se baseiam em documentos
ou testemunhos. Estas duas palavras constam do Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de
Letras, e o Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa recomenda simplesmente a grafia história, nos dois sentidos. E o
dicionário de Caldas Aulete refere-se à forma estória como um brasileirismo, isto é, apenas um “aportuguesamento” da forma
inglesa “story”.
2
Drew Davidson é professor, produtor e jogador de meios interativos. Seu background inclui os meios acadêmicos, indústria
e o mundo profissional, seu interesse está voltado para as histórias através dos textos, dos comics, dos jogos (games) e dos
outros meios. Ph.D. em Estudos de Comunicação pela Universidade do Texas em Austin. Antes daquele, recebeu titulo de
B.A. e M.A. em Estudos das Comunicações pela Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill. É professor de Game
Art & Design and Interactive Media Design no Instituto de Arte de Pittsburgh e no Instituto de Arte Online além de ensino e
pesquisa em diversas universidades. Web site: <
http://waxebb.com/>.
3
O Romance é o gênero mais conhecido da literatura. Herdeiro da epopéia, é tipicamente um gênero do modo narrativo,
assim como a novela e o conto. A diferença entre romance e novela não é clara, mas costuma-se definir que no romance
um paralelo de várias ações, enquanto na novela há uma concatenação de ações individualizadas. No romance uma
personagem pode surgir em meio a história e desaparecer depois de cumprir sua função. Outra distinção importante é que no
romance o final é um enfraquecimento de uma combinação e ligação de elementos heterogêneos, não o clímax. de notar
que o romance tornou-se gênero preferencial a partir do Romantismo, por isso ficando o termo romance associado a estes.
(Wikipedia. Disponivel em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Romance>. Acesso em 28 mai 2009).
ANEXO 3
Página 117
CD-ROM, Riven
4
. Nosso interesse está em explorarmos como a narrativa é desenvolvida
nestes dois meios diferentes (o CD-ROM e os romances). Facilmente percebemos que se
trata de uma experiência diferente, o ato de ler um livro do ato de jogar um jogo de
computador, hipertextual, multimídia. O que nos parece interessante é observarmos as
diferenças e as similaridades de ambas as experiências e, em como o significado é
desenvolvido nelas. Se pudermos compreender melhor como uma mensagem é
transmitida por diferentes meios então poderemos nos valer de diferentes meios, um
como complemento do outro, isto a fim de melhor transmitirmos as mensagens,
examinando dessa forma as vantagens destes meios, suas forças e fraquezas.
Neste artigo queremos estender nosso olhar para compreendemos como a narrativa
em Myst e Riven desenvolveram-se por dois meios, do romance história e do CD-
ROM. Para focalizarmos nossa discussão utilizaremos as três classes das determinações
de Gerard Gennette (Tempo, Modos de Narrativa e Voz). O tempo refere-se aos aspectos
da narrativa, aqueles que referem as relações temporais entre a narrativa e a história. O
modo consiste em uma consulta aos aspectos que tratam das modalidades (formas do
verbo e as graduações de distância) da “representação narrativa”. E, finalmente, a voz
refere-se aos aspectos que tratam da maneira que o narrar implica a narração, ou seja,
da situação narrativa ou as instâncias e seus dois protagonistas: o narrador e suas
audiências, reais ou implícitas.
Queremos explorar e definir o que é narrativo e como é construído em maneiras
similares e diferentes por meio de um romance e de um CD-ROM. Compararemos e
contrastaremos esta discussão do desenvolvimento da narrativa em Myst e Riven com
um olhar na narrativa progressiva de A Guerra dos mundos, romance de H.G. Wells, bem
como da sua transmissão de rádio por Orson Welles e, subseqüente, a sua re-
transmissão em uma versão atualizada pela WKBW. Durante todo este artigo, listaremos
diversos teóricos para ajudar-nos de forma adicional a nossa premissa, a qual se insere
na possibilidade de nos utilizarmos de múltiplos meios a fim de ampliarmos a forma de
expressar as várias narrativas quanto ao que temos a dizer.
A narrativa permite que o leitor, ou o ouvinte, estabeleçam uma relação com a
informação localizando-a no tempo e no espaço. É com a narrativa que nós construímos
nossos significados no fluxo de nossas vidas. Usamos histórias para contextualizar o que
estamos dizendo e, assim, o ouvinte ou leitor estabelece um sentido de tempo, de lugar
que ocupamos na história. Ao verificarmos as narrativas de Myst e A Guerra dos mundos,
utilizaremos três aspectos da narrativa de Gennette: História, narrativa e narração,
4
Nota do Revisor: maiores informações sobre os episódios da epopéia Myst (1994) e Riven (1988) em:
http://www.grandecaverna.com
. vocêncontrará informações sobre toda a Ópera Myst completa, até os dias de hoje: MYST
I, Real MYST, MYST II Riven, MYST III Exile,MYST IV Revelation, MYST V End of Ages, URU Ages Beyond MYST, URU to
D'ni e URU The Path of the Shell
Página
118
juntamente com suas determinações do tempo, do modo e da voz. História é o
significado ou conteúdo da narrativa. Narrativa é o significante ou sentença. A narração,
ou narrar algo, é a produção da ação narrativa, a situação em que a ação ocorre.
Em ambos os exemplos Myst e A guerra dos mundos os meios envolvidos são o
romance e um novo meio tecnológico (a hipermídia, o hipertexto e rádio,
respectivamente). Nossa questão está no âmbito em que a experiência e os significados
da narrativa estão modificados, isto porque os novos meios enfatizam a relação entre
eles. Ambos, o rádio e o jogo hipertextual fazem do leitor ou ouvinte parte da narrativa,
embora de diferentes modos, os quais exploraremos mais adiante em nosso texto.
O Fenômeno Myst
Myst foi lançado em 1994 e imediatamente se tornou um sensacional sucesso no
mundo dos jogos para computadores. É atualmente o jogo mais-vendido dos últimos
tempos
5
. Em função de sua imediata popularidade, Myst inaugura um novo modo de
“contar histórias”. Como muito bem observou Jon Carroll, Myst foi o “primeiro artefato
interativo a sugerir que uma nova forma de arte poderia ser plausível, tal como um tipo
da ‘caixa de enigmas’ contido em um romance, dentro de uma pintura crescido de
música, ou algo mais” (Carrol, 1993: 1). Um aspecto ao mesmo tempo divertido e
5
Nota do revisor: o texto do Professor Miles data de 1996. Após esta data alguns jogos para computadores e consoles
atingiram marcas de vendas realmente notáveis. Entretanto, do ponto de vista global, considerando a série Myst, que possui
ao menos sete partes ou episódios, ainda pode ser considerada como um dos maiores sucessos de vendas no campo dos
games.
Página
119
frustrante de Myst consiste no entrelaçamento entre a história e o jogo. Para ler a
história você precisa resolver o jogo: os dois são concomitantes. Para aqueles que
desejam tomar Myst como um romance multimídia, os enigmas (puzzles) são partes
singulares que ajudam ao leitor manter-se na leitura. Se você quiser tratá-lo como jogo,
a história ajudá-lo, permitindo ao jogador concluir os puzzles e terminar o jogo.
A narrativa continuou além do CD-ROM em mais três romances, lançados em 1995,
em 1996 e em 1997. O grande ímpeto para ler o romance seria o leitor encontrar na
história do CD-ROM atração suficiente para querer saber mais. Acrescentam-se detalhes
à história, e amplia-se o seu contexto a partir da história do CD-ROM Myst. Após ter lido
os romances, chegamos até Riven, lançado no final de 1997, acoplando-se à história
novamente. O termo, “ambiente imersivo” é, como alguns descrevem atualmente a mídia
ou CD-ROM Myst e Riven (Carroll, 1997: 3). Estes ambientes imersivos como são
descritos e se apresentam como algo que simplesmente vai além de um jogo e de um
romance. São mundos nos quais o leitor pode entrar e se perder.
Para entrar nestes mundos, necessitamos de um computador com potencialidades
para executar os gráficos (imagens), o som e o deo do ambiente imersivo. Por meio do
computador, exploramos, com auxilio do mouse (point and click), os caminhos e mundos
ao nosso redor. Ao iniciarmos Myst, assistimos a animação de um homem que cai em
direção a uma fenda. A figura desaparece, mas um livro continua caindo na escuridão.
Enquanto cai, uma voz diz:
Eu me dei conta no momento que eu caia dentro da fissura junto com aquele livro...
Ele não foi destruído como eu pensava que iria acontecer.
Ele continuou caindo até uma área expandida cheia de estrelas...
a qual me deu o vislumbre de uma teoria.
Eu tentei especular onde ele poderia aterrissar.
Mas eu devo admitir que esta conjectura era inútil na ocasião.
Ainda assim, as questões sobre quem, um dia poderia encontrar o meu Livro MYST
aos poucos tornaram-se irrelevantes para mim. Eu conheço minhas apreensões,
elas nunca poderão ser aplacadas, e eu estou tão perto. Então lembrei que o final
talvez não esteja escrito ainda.
Quando a voz termina, o livro aterrissa e podemos apanhá-lo. Somos o novo início
deste capítulo, o livro Myst caiu em nossas mãos. Ao abrirmos o livro vemos a figura de
uma ilha. Ao clicar com o mouse sobre a figura somos transportados para esta ilha.
Estando em uma pier e próximos da água, novamente, a narrativa começou.
A partir desta pequena introdução o leitor/jogador é deixado com os enigmas como
aspectos da narrativa da história. Essencialmente, é um mistério. Estamos tentando
imaginar o que aconteceu a Atrus e Catherine, e seus dois filhos, Sirrus e Achenar. Como
Página
120
leitores, somos como um investigador nesta aventura. O aspecto narrativo de Myst é a
multimídia, um discurso hipertextual em si mesmo. Somos uma parte ativa das ligações
hipertextuais, a história o continua até que solucionemos o próximo puzzle (enigma).
A narrativa surge com nossa navegação (point and click), com nossa maneira de
ultrapassar os mundos misteriosos no qual caímos.
O tempo desta narrativa é duplicado, temos a história imediata na qual nós, como
leitor/jogador, tentamos resolver no jogo e, por outro lado, temos a história de Atrus, a
qual ocorreu no passado e, assim mesmo, estamos trabalhando no presente com ela. O
modo da narrativa apresenta-se como uma introspecção visual e acústica. É um
hipertexto multimídia com as paisagens e sons abundantes. Passamos a maior parte de
seu tempo perambulando ao redor dos mundos “vazios” e “assombrados”. Vemos e
ouvimos fenômenos atmosféricos, porém dispendemos parte de nosso tempo sozinhos,
tentando “resolver” a história. A voz é completamente atraente porque, tanto o narrador
como o ouvinte, de certo modo, colapsam-se. Ou, para ser mais específico, somos a
principal peça da descoberta atual da história passada narrada por Atrus e seus filhos. A
história não avança, a menos que resolvamos os enigmas (puzzles). Ao contrário de um
livro, no qual podemos continuar lendo até chegar ao seu final, o “jogo Myst somente
progride com a resolução de seus puzzles. Somos nós, o leitor, o impulso para a narração.
Após “vencermos” o jogo (pois 3-4 finais possíveis dependendo das decisões do
jogador), a narrativa se desloca do hipertexto interativo de Myst para a narrativa linear
dos três romances de Myst; O livro de Atrus, O livro de Ti'ana, e O livro de D'ni
6
. Cada
um dos romances se estrutura como uma etapa para trás no tempo em consideração à
estória narrada. Assim, no final de O livro de Atrus, início de Myst, ao final de O livro de
Ti'ana o início de O livro de Atrus e assim por diante. Nos romances, dois dos aspectos
narrativos destacam-se. A estória permanece a mesma. Agora estamos aprendendo mais
sobre a aventura de Atrus e a história por trás do jogo. De fato, os romances servem
como uma espécie de backstoryde Myst. Os irmãos Millers desenvolveram o backstory
ao trabalhar sobre Myst para acrescentar detalhes e, assim, compor as ligações entre os
mundos que os jogadores exploraram (Carroll, 1997: 2). O aspecto narrativo mudifica-
se e assume o formato padrão dos romances sci-fi/fantasy
7
. No decorrer da história do
livro os personagens revelam mais aspectos acerca dos personagens do game (muitos
dos personagens aparecem em ambos os meios). A mudança mais significativa reside no
aspecto narrativo. Em vez de um narrador/jogador/leitor hipertextual, a narração decorre
de um narrador onisciente limitado que possui as informações a respeito de todos os
6
Nota do revisor: Os três livros, O livro de Atrus, O livro de Ti'ana, e O livro de D'ni, foram reunidos em um único
volumeintitulado The Myst reader, no qual reúne os irmãos Miller, Rand e Roby, juntamente com um de seus maiores
comentadores, David Wingrove, classificado com o ISBN: 1-4013-0781-7.
7
Science Fiction and Fantasy: Ficção científica e fantasia.
Página
121
pensamentos dos personagens de determinado capitulo que está focalizando. Agora
estamos prontos para o passeio, lendo para ver o que acontece em seguida.
O tempo dos livros é diferente daquele dos jogos. A história é desdobrada enquanto
é contada. Existem pequenos sinais, “ganchos” e suspense. Ambos, personagens e leitor
descobrem o que está acontecendo juntos. O modo é a representação textual com o
conhecimento limitado dos desenhos colocados aqui e acolá durante todos os livros. As
palavras suscitam as imagens, mas os Millers também incluem imagens junto ao texto
para ampliar a experiência da leitura. A voz é menos problematizada nos romances. O
leitor é a audiência implicada e suposta do narrador. Como um leitor, você está sendo
mencionado na aventura pelo narrador, e apenas senta-se e escuta sua leitura.
A história da narrativa prossegue novamente no interior de Riven. O leitor
transforma-se em jogador, um participante da narrativa, por meio dos enigmas da história
segue na descoberta de novos mundos. Um novo desvio para a mídia é adicionada. Em
Myst,
basicamente utilizamos quase o tempo todo do jogo na solidão, em uma busca
solitária para descobrir o que aconteceu. Em Riven, há personagens com quem podemos
“falar”, fazer perguntas, e lhe responderão, alguns sinceramente, alguns não. Parte do
enigma é integrada ainda mais na história, você decide se acredita em determinado
personagem baseado em seu conhecimento da história. Assim, a história enigmática é
ainda mais uma parte da experiência. Uma vez que, novamente, somos uma parte ativa
no desenvolvimento da história. A narrativa está esperando-nos para figurá-la.
Imagem by czarnyrobert, in http://www.renderosity.com/mod/gallery/index.php?image_id=1179882&member
Página
122
O Fenônemo “A Guerra dos mundos”
H.G. Wells escreveu A guerra dos mundosem 1898. Tratava-se de um romance
de ficção científica, cujo tema principal era uma invasão extraterrestre. Primeiramente,
crença de Wells no “gigantismo mental”, tal como imaginado para os Marcianos. Em
outras palavras, quanto mais esperto ou inteligente você é, maior será sua cabeça. Um
segundo ponto: ele estava interessado na psicologia. Em saber como os povos reagiriam
a idéia do apocalipse. Terceiro ponto. Ele ilustrou seu problema pessoal com as
hierarquias institucionalizadas, mostrando como estas desmoronam sob o stress do
ataque. O romance é notável por sua representação imaginativa de uma invasão (Hughes
e Geduld, 1993: 1-10).
Em 30 de Outubro de 1938, o teatro Mercury de Orson Welles adaptou e transmitiu
uma versão da história por meio do rádio. Uma adaptação de rádio de um trabalho
literário não é nenhum feito original, porém o pânico público que se seguiu a esta
adaptação foi notório. Mesmo com intervalos comerciais durante a transmissão, os quais
lembravam aos ouvintes que se tratava somente uma peça teatral uma novela as
pessoas acreditaram realmente no que estavam ouvindo no rádio, acreditaram que era
realmente verdadeiro. Uma parte dos ouvintes pensou que estava ocorrendo uma
invasão marciana e, assim, tomaram as ruas para fugir do perigo (Hughes e Geduld,
1993: 245).
Desde o livro original e a transmissão inicial, a história da Guerra dos mundos foi
atualizada em diversas ocasiões. Temos uma versão de Hollywood em 1954
8
. A película
teve pouco a ver com a história da novela e mais com os efeitos especiais, mostrando
uma invasão (Hughes e Geduld, 1993: 247). WKBW, uma pequena estação de rádio em
Búfalo, New York, realizou uma transmissão mais moderna no Halloween de 1968. Uma
vez que sempre com o amplo aviso que a mostra radiofônica era apenas um drama,
causou um pânico menor (Hughes e Geduld, 1993: 171). William Rushton escreveu uma
sátira, uma parte dois da farsa, intitulada, Último caso de W.G. Grace”. Este livro não
era realmente sobre a história de H.G. Wells, em vez disso foi inspirada por ela. E
finalmente (atualmente), um comic book foi lançado em 1996 que apresenta a estória de
H.G. Wells, explorando somente a narração da invasão marciana. Os Marcianos teriam
aprendido o que necessitavam saber para assegurar sua vitória e, agora, retornavam
para conquistar a Terra, mas desta vez, pacificamente.
algo importante a ser observado a respeito de todas as versões atualizadas.
Cada uma das versões, incluindo a versão de Orson Welles, reajustou a história ao dia
8
Nota do revisor: muitas foram as re-edições e versões de Guerra dos mundos, como por exemplo, o filme Marte ataca
(1996) e, mais recentemente, em 2005, dirigido por Steven Spielberg, War of Worlds. Para maiores detalhes, bem como sobre
a complexidade do tema, veja o verbete da Wikipédia: http://en.wikipedia.org/wiki/The_War_of_the_Worlds.
Página
123
atual e à região local na qual era realizada. Desta maneira, a invasão sempre ocorreu
próximo do ouvinte, ou da audiência. Como o propósito deste texto é ser breve, isto
limitar-se-á a reflexão da narrativa de A guerra dos mundos de H.G. Wells e as duas
transmissões de rádio por Orson Welles pela WKBW.
A narrativa de H.G. Wells, A Guerra dos mundos, é similar nos aspectos aos livros
de Myst. A história é aquela de uma invasão Marciana da Terra. Wells acrescentou
detalhes ao cenário de uma invasão de Marcianos, examinando os veis de pânico e da
destruição de uma guerra alienígena. A narrativa é formada por meio do romance
(história). Lemos e acompanhamos assim o progresso da história. O aspecto narrativo é
em primeira pessoa com trocas para a terceira pessoa onisciente. Wells valeu-se destas
trocas a fim de proporcionar o suspense. Nós vislumbramos o que está ocorrendo nas
seções de terceira pessoa, mas como narrador em primeira pessoa, nós não sabemos
realmente o que está acontecendo. Descobrimos lentamente a história da invasão
juntamente com o narrador.
O tempo da narrativa é um, no qual a história ocorreu e o narrador está
relacionando os eventos passados para nós no presente. Geralmente esta é a estrutura
da narrativa que se realiza em um tempo atual, no qual nós aprendemos junto com o
narrador sobre algo do passado. O modo é aquele de um romance de suspense contendo
uma lição de como o planeta Terra é vulnerável a uma invasão alienígena. O romance
serve como um aviso, mostrando ao leitor o terror que poderia suceder-se. A voz é
aquela que proporciona a conversação entre o narrador e o leitor. Ela está dizendo para a
audiência de sua aventura, a fim de ajudar-nos a aprender como melhor preparar-nos
para uma outra potencial invasão Marciana.
Orson Welles adaptou então a história de H.G. Wells de A guerra dos mundos para
uma transmissão de rádio. Existe um sentido progressivo na narrativa, como o que existe
em Myst por meio dos livros e dos CD-ROMs, mas existem as mudanças feitas à
narrativa que ajudam a adaptar para o tempo e lugar da transmissão. Welles tornou a
história mais contemporânea para seus ouvintes, ele trouxe a história até sua morada. A
história foi ajustada a Europa, a transmissão foi ajustada aos Estados Unidos. A história
foi convencionalmente atualizada a 1938; a linguagem foi modernizada, e a narração é
aquela de uma transmissão de rádio (Hughes e Geduld, 1993: 243).
Assim, enquanto o conteúdo básico é o mesmo, o formato é atualizado. A história é
essencialmente a mesma que a que ocorre no livro. A terra está sendo invadida outra vez
pelos Marcianos. A narrativa é uma transmissão de rádio. Os ouvintes ficam confusos e
apavorados quando um cientista anuncia que a Terra está sob ataque. A narração segue
do ponto da vista dos personagens enquanto estes tentam descobrir o que está
Página
124
acontecendo. Os ouvintes descobrem junto com os personagens o que realmente está
acontecendo.
A transmissão de rádio aumenta o suspense da história e reforça seu realismo. Os
eventos estão ocorrendo no momento presente para os personagens da história e para
os ouvintes. O modo é a maneira pela qual se constitui o formato da transmissão. Os
ouvintes fazem parte do terror dos personagens que entram em pânico pelo que ouvem.
A voz neste momento é o cientista que tenta explicar a história para as ouvintes. Isto
tem como efeito o posicionamento dos ouvintes como participantes na história. Os
ouvintes quiseram saber de onde, e para onde, devem evacuar a fim evitar os invasores
de Marte.
A transmissão de rádio da WKBW em aspectos e em determinações narrativas é
similar à transmissão de Welles, mas ligeiramente diferente no design do projeto. Assim
enquanto mantém a mesma história que o romance e a transmissão original, atualizam
novamente o local, a época e o formato da narrativa. A história é modernizada outra vez,
o “jogo” agora é em falo, New York em 1968. Uma característica interessante da
modernização é o uso de novas rotinas de rádio que haviam sido desenvolvidas desde a
versão de Welles (Hughes e Geduld, 1993: 171). WKBW usou estruturas do rádio como
os anúncios do tempo, as rupturas para relatos dos esportes e a música regular
programando, junto com as últimas notícias de forma rápida e “quebrando” os eventos
para relacionar a invasão (174). Em vez de ser uma amostra de rádio teatro, como a
produção de Welles, a WKBW a relizou à parte, em um “pedaço” de sua transmissão
normal, aumentando novamente o suspense da história. Os personagens eram os
radialistas regulares da estação de rádio, assim os ouvintes estavam escutando vozes
familiares. A história da invasão foi sendo transmitida lentamente e sem costura, filtrada
em um dia normal. A programação do rádio era regularmente interrompida para um
boletim urgente a respeito da invasão da Terra. Assim, a voz possui um formato
diferente da versão utilizada por Welles onde, ao invés de um cientista, o ouvinte tinha
um repórter de rádio tentando cobrir os eventos, a notícia do dia, a Terra sendo invadida.
Página
125
Myst e A guerra dos mundos
O fenômeno destas duas narrativas compartilha de algumas similaridades e
diferenças. Ambos partem da forma romance como parte do fluxo narrativo total. A
guerra dos mundos iniciando-se como romance, sendo posteriormente adaptada para o
rádio. Myst iniciando-se e prosseguindo no formato de CD-ROM tendo, entretanto, um
intervalo em três romances. Ambas as narrativas são desenvolvidas por meio do formato
do romance. E ambas narrativas souberam tirar vantagem de um novo e diferente meio
a fim de prosseguir a narrativa. Orson Welles e a WKBW utilizaram o imediatismo do
rádio para inserir seus ouvintes no drama. Os ouvintes eram uma parte da história,
escutando os eventos reais” e suas conseqüencias. Myst explora as potencialidades do
hipertexto para permitir uma experiência de “leitura” não-linear e interativa. O visitante
é uma parte integrante da história, pois a menos que o leitor/jogador resolva os puzzles,
a história não se desenrola. O visitante é o responsável pelo ímpeto e pelo o progresso
da narrativa.
A principal diferença entre os dois fenômenos se na progressão das narrativas.
As versões de rádio adaptadas de A guerra dos mundos eram a mesma história que a do
romance. A diferença estava em atualizar no tempo e no lugar. Ambas as transmissões
ajustaram a história ao local e ao tempo atual. Isto fez com que, por meio do
imediatismo do rádio, as transmissões, teatrais, adquirissem a aparência de eventos
reais. Assim, enquanto a história de uma invasão de marcianos permanece a mesma, o
momento e o lugar foram alterados com o intuito de fazer com que a sua audiência se
tornasse parte da história em andamento. Em contraste Myst, na forma de seu romance,
Página
126
promoveu o desenvolvimento de uma história que as leitores/jogadores conheceram no
CD-ROM. Assim, a história não era a mesma através de diferentes meios, ela continuou a
crescer e a mutacionar-se. Os romances adicionais e o CD-ROM original ajudarão os
visitantes a compreender Riven. Por certo que não necessitamos ler os romances “para
poder jogar” Riven, mas eles nos ajudam a compreendermos melhor o contexto da nova
história e seus enigmas.
Uma similaridade interessante entre esses dois fenômenos deve-se ao fato como as
novas tecnologias são utilizadas para incluir ativamente as audiências dentro da
narrativa. Welles e a WKBW usaram o imediatismo do rádio para conseguirem esta
inclusão, dentro do qual o ouvinte ouvia a reportagem com o relatório dos eventos atuais
que têm conseqüências reais. Assim verificamos que o pânico blico como sendo o
como as pessoas cumprem com as implicações de seu papel participante na narrativa. Os
ouvintes eram uma parte da história em andamento. O CD-ROM é uma parte do todo que
forma a narrativa de Myst e conta igualmente com o leitor/jogador. O visitante necessita
imergir no ambiente e, por meio de suas explorações, a história continua. Somos um
habitante desta história que não progride a menos que tivermos progredido na solução
dos puzzles.
Myst como uma nova narrativa
Página
127
O formato hipertextual do CD-ROM Myst torna manifesta uma teoria pós-
estruturalista da leitura na qual o leitor é visto como um criador ativo do significado do
texto, juntamente com o autor. Enquanto leitor hipertextual, começamos a escolher a
maneira pela qual a narrativa deverá prosseguir. Entretanto, todas as escolhas foram
escritas e determinadas pelo autor. Assim, a interativamente apresentada não é
ilimitada, como que sem estrutura alguma. Mas isso não reposiciona a voz da narrativa
para leitor/jogador. Não é o narrador, mas o leitor/jogador que se constitui na força
motriz da progressão da história.
Uma pergunta justa a se fazer a partir da manifestação desta teoria é a seguinte: é
melhor ou pior podermos agora fazer e experienciar o que a teoria pós-estruturalista
descreve como um processo de leitura? Ou, em outras palavras, até que ponto
realizamos a teoria? A questão não se traduz em ser melhor ou pior, e sim em saber
mais e melhor sobre como utilizar este meio hipertextual. A questão inicial é a qualidade
do conteúdo. Assim, enquanto Myst não representa nenhuma grande obra prima da
literatura ou arte, é o melhor representante deste novo meio (new medium). O objetivo
deve ser o de explorarmos os modos de melhorar o conteúdo deste novo meio, a fim de
um dia nós tenhamos uma obra prima do hipertexto, comparável àquelas da literatura e
da arte.
Um dos pontos fracos de Myst consiste no fato de que ele utiliza demasiadas
referências dos meios da literatura e do design gráfico. Os criadores têm a tarefa de
descobrir uma forma para utilizar melhor as vantagens deste meio. Como David Miles
escreveu, Myst está de acordo com a quarta lei dos meios de Marshall McLuhan; o
desenvolvimento inicial de um novo meio recuperará formas dos meios anteriores (Miles,
1996: 4). Assim, os criadores de Myst estão recuperando convenções e formas da
literatura, do cinema e do design gráfico e, com isso, estão re-combinando-os neste novo
meio multimídia-hipertextual-CD-ROM. Eventualmente, a natureza original dos meios
será desenvolvida, mas no momento estamos presenciando as recuperações ressoando
através dos CD-ROMs.
A realização desta teoria estrutural da leitura não se constitui no “prego final no
caixão do autor”. Ao contrario, o papel do autor foi reposicionado igualmente. O autor é
um diretor, um escritor, um pintor, um coreógrafo, um curador
9
, um artista, um
programador e um designer, tudo de uma vez. Ao se utilizar de meios múltiplos, o
criador tem que se certificar para múltiplas e abertas possibilidades que o hipertexto
reserva, de modo que o leitor tenha mais escolhas e se torne mais implicado na narrativa
e mais imerso no ambiente.
9
Referente a curador de museu.
Página
128
Em Riven, os criadores tentaram utilizar a narrativa a fim de criar a ilusão da
vontade livre para o “leitor” (Carroll, 1997: 2). Mas era difícil misturar a história do leitor
e a história da narrativa. No hipertexto é difícil contar uma história. Devido a não
linearidade do CD-ROM torna-se difícil para que os criadores construírem realmente uma
narrativa que possa evocar respostas emocionais de seus leitores (Carroll, 1997: 4).
Quanto mais estruturamos uma narrativa, mais limitadas ficam as possibilidades.
Entretanto, os romances servem como uma maneira de se estruturar a narrativa
que os CD-ROMs, interativos e hipertextuais não permitem. A força do CD-ROM se
constitui também em sua fraqueza. Sendo o leitor ser uma parte integrante da história,
torna-se difícil determinarmos as suas interações com a peça. Assim, a história deve ser
aberta e fluida, em vez de fixa e dirigida. Um novo caminho para a “escrita” e a
“leitura” certamente.
O meio da hipermídia hipertextual, no formato CD-ROM abre novas possibilidades
para a narrativa. Segundo George Landow, o hipertexto é composto por palavras,
imagens, sons ligados por múltiplos trajetos formados por infindáveis caminhos de finais
abertos (Landow, 1992: 3). É permitido ao “leitor” explorar a escala das possibilidades
dentro da narrativa de Myst (novamente, existem alguns finais possíveis para Myst e
Riven). Acreditamos que esta declarada multiplicidade introduz uma nova dimensão de
temporalidade no game. A experiência do “leitor” proporciona uma presença no tempo e
espaço, sendo a sua leitura que sentido à história. Podemos confundi-lo tão
rapidamente ou tão cuidadosamente quanto pudermos ou desejarmos. Enquanto
possam existir por aí, talvez, uns milhões de cópias de Myst, a sua leitura particular tem
um sentido original no tempo e no espaço. Podemos resolver a narrativa à nossa
maneira, sozinhos; podemos resolvê-la com o auxílio de um livro que nos forneça os
indícios dos enigmas ou, ainda, falar com os amigos sobre como “estão jogando” com a
história ou como a resolveram. Presumimos assim que a aura temporal do jogador não é
fixa, tal como Benjamin (1968) o compreendeu. Ao contrário, trata-se de uma
performance que ocorre e ressoa com a experiência do “leitor”, dentro da exploração da
narrativa.
A natureza performativa deste meio computacional conduziu Brenda Laurel ao olhar
para os computadores como o teatro. Para Laurel, computadores m a “capacidade de
representar uma ação na qual os seres humanos pode [interagir] participar” (Laurel,
1993: 1). O “leitor” é um ator dentro da narrativa hipertextual, moldando as ações e
resultados por meio das escolhas que realiza. Atuamos na história participando da
Página
129
narrativa, nos misturamos” ao processo. Será atuando, no sentido de Derrida
10,
que
estaremos encenando dentro de um contexto “codificado” ou “repetido” (aqueles
obstáculos impostos pelo autor as nossas escolhas). Assim, quando vopode fazer algo
diferente, de um instante para o outro, dentro da história, o será também dentro de um
contexto do qual a nossa atuação se repete.
Os aspectos hipertextuais são uma incorporação do paradoxo deleuziano do puro
devir. O significado é fixo, mas está aberto. Você tem a noção do potencial da “infinita
identidade de ambas as direções e sentidos ao mesmo tempo” (Deleuze, 1969: 2). A
audiência possui um “demasiado e o o bastante” (Deleuze, 1969: 2). Este meio
permite uma miríade de possibilidades mas, ao mesmo tempo, torna-se difícil construir
uma narrativa que possa evocar todas as respostas. Ao mesmo tempo, o “leitor”
desenvolve-se dentro da história enquanto prossegue nela. Entretanto, as inúmeras
possibilidades podem deixar abertas algumas lacunas na narrativa, uma vez que é difícil
a um autor adivinhar cada ação possível que o seu público pode tomar.
Hayden White afirma que uma característica geral da narrativa consiste no
preenchimento das aberturas e das descontinuidades dos eventos (White, 1987: 9). Aqui
temos uma fraqueza do hipertexto, pois as aberturas são abundantes, sempre correndo o
risco de interromper a história. Mesmo os criadores de Myst admitem que nem tudo faz
sentido às vezes (Carroll, 1997: 2). Outra característica da narrativa é o desejo de uma
conclusão. Myst e Riven possuem diversos finais mas, como Landow indica, o hipertexto
pode ser uma “perpétua incompletude sem fim perpétuo” (Landow, 1992: 3). Mesmo
assim, para que o leitor siga a história, ele deve esperar um “ponto final” ou algo
conclusivo (Landow, 1992: 110). Existem diversas maneiras de tratarmos isto. Primeiro,
o hipertexto, como a WEB, pode ser “infinito”, risomaticamente aberto. Segundo, pode
oferecer diversos finais. Terceiro, a narrativa pode ser multilinear na medida em que
suas ações do começo da interação com a história ao final, todas determinarão o como a
história terminará.
A segunda opção é a maneira fácil de se usar. Adiciona-se, por exemplo, um final
em se perdendo e, outro, em se ganhando ao jogo. O primeiro é a realização mais pura
da teoria estrutural da leitura, mas cresce (e amplia-se) infinitamente. O terceiro é o
mais interessante, e é esse usado parcialmente dentro de Myst e, mais inteiramente
dentro Riven. Com esta opção, o autor constrói uma variedade de trajetos narrativos que
são trançados juntos, cruzando-se, divergindo-se e influenciando todos os outros
trajetos. Assim, todas as escolhas do “leitor” são pré-escritas, mas cada escolha ajuda a
10
Jacques Derrida (El Biar, Argélia, 15 de julho de 1930 — Paris, 8 de outubro de 2004) foi um importante filósofo francês
de origem argelina, conhecido principalmente como criador da desconstrução. Seu trabalho (frequentemente associado com o
pós-estruturalismo e o pós-modernismo), teve um profundo impacto sobre a teoria da literatura e a filosofia continental.
(Wikipédia. Disponivel em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Jacques_Derrida>. Acesso em 6 jun 2009).
Página
130
construir a narrativa para uma conclusão. Desta maneira, o “jogador” não é prejudicado
caso perca uma pista, a história ainda progride, apenas que por meio de um trajeto
diferente. Por meio de suas escolhas, o leitor/jogador pode viajar por uma variedade de
trajetos e resolver toda a história. Assim, na realidade, uma leitura pode ser diferente de
outra, e podemos alcançar um “fim” sem “ter lido” toda a história.
O “leitor” de Myst está constantemente ciente do meio hipertextual. A história não
progride a menos que a resolvamos seus puzzles. E as partes da história nem sempre
fazem sentido. Então, a única maneira de lhes dar sentido é lermos os livros. Como
Richard Shiff escreveu, “os significados dos meios evoluem em conseqüência de suas
interações” (Shiff, 1996: 8). Myst pode não ser um bom exemplo do “realismo de baixa
definição”, mas do significado da história em associação a interação dos dois meios. A
justaposição dos meios (hipertexto e romance) com a narrativa mostrou as
potencialidades e as fraquezas de um CD-ROM multimídia hipertextual. Para
experimentar a totalidade da história de Myst, a o leitor-jogador deverá acoplar-se a
ambos os meios (o digital e os livros).
O fenômeno narrativo de Myst é hipertextual. Este fenômeno consiste nos
ambientes imersivos dos CD-ROMs, bem como na história linear nos romances. Lendo os
romances e acoplando-se aos CD-ROMs teremos o todo da história de Myst. O que falta
ao hipertexto é compensado nos romances. A narrativa é associada entre os meios (o
digital e os livros). Uma crítica justa desse fenômeno pode ser dada pelo fato de uma
história de qualidade deve ser capaz de existir por si própria em qualquer suporte.
Atualmente, aqueles que trabalham com os recursos do hipertexto e e da multimídia não
alcançaram ainda o desenvolvimento de uma obra-prima comparável à da literatura e da
arte. Mas, como o meio ainda encontra-se em sua infância, ainda está ocupado com a
recuperação das velhas dias. Com o passar do tempo, uma obra-prima pode ser
desenvolvida, a qual utilizará totalmente as capacidades únicas do hipertexto e da
multimídia, não tendo mais a necessidade de contar romances complementares. A
questão é saber se as pessoas irão ou não continuar trabalhando e desenvolvendo neste
novo meio de comunicação que promove a reificação da função do público-leitor-jogador
na criação efetiva da história, ou se irão decidir pela idéia de que realizar a teoria da
leitura se constitui em um processo demasiado auto-recursivo, em detrimento do uso ou
do interesse. Somente o tempo e a experiência irá demonstrar esta questão.
Eu continuo a pensar que ainda é útil para analisar como uma narrativa pode se
desenvolver através de meios diversos. A história que é relatada em Myst não poderia
ser desenvolvida em um único meio. Se assim fosse, perderíamos as qualidades únicas e
originais de qualquer um dos médiuns, se usássemos somente um ou outro. Os
romances nos fornecem a estrutura linear para “contarmos histórias”. Por outro lado, os
Página
131
CD-ROMs nos atiram para dentro da própria história, misturando-nos com a narrativa.
Combinando a narrativa através de dois meios, temos uma história na qual não somos
apenas um “leitor”, mas “um co-autor, um personagem do teatro, um protagonista do
filme, um visitante do museu e um jogador: tudo ao mesmo tempo” (Miles, 1996: 4).
Referências:
BENJAMIN, Walter. Illuminations. Schocken Books, New York, 1968.
CARROLL, Jon. (D)Riven. http://wwww.wired.com/wired/5.09/riven.html.
@22 pages. September, 1997. (*)
______. Guerillas in the Myst. http://wwww.wired.com/wired/2.08/features/myst.html. @10
pages. 1993. (*)
DELEUZE, Gilles. First Series of Paradoxes of Pure Becoming. 1969.
DERRIDA, Jacques. Margins of Philosophy. U of Chicago P, 1982.
GENNETTE, Gerard. Narrative Discourse. Cornell UP, New York, 1980.
HUGHES, David Y., and Harry M. Geduld. A Critical Edition of The War of The Worlds. Indiana UP,
Indianapolis, 1993.
LANDOW, George P. Hypertext. John Hopkins UP, Baltimore, 1992.
LAUREL, Brenda. Computers as Theatre. Addison-Wesley, New York, 1993.
MILES, David. The CD-ROM Novel Myst and McLuhan's Fourth Law of Media: Myst and Its
'Retrievals.' Journal of Communication, 46(2), Spring, 4-17. 1996.
Shiff, Richard. Realism of low resolution. Apollo. 144 (November 1996): 3-8.
WHITE, Hayden. The Content of the Form. Johns Hopkins UP, Baltimore, 1987.
*Nota do autor: Os dois artigos de Jon Carroll foram publicados na Wired Magazine e compilados para os sites
mencionados. Os artigos estão no formato web, sem o uso de páginas, foi utilizado o sistema de quartos de
página para citar estes artigos, ou seja, todo o documento dividido em 4 partes.
Nota do tradutor: originalmente o texto não possui notas de rodapé, no entanto por se tratar de um texto que
se utiliza de autores e referências pouco conhecidas na América Latina, este recurso tornou-se necessário a
fim de manter a integridade do texto original
Tradução: Cristiano Natal Tonéis: Graduado em Matemática pela Universidade Estadual Paulista UNESP
Bauru e mestrando do Programa de Pós-graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital da
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP – Brasil, sob orientação do Prof. Dr. Luís Carlos Petry.
E-mail:
Revisão da Tradução: Luís Carlos Petry: Doutor em Comunicação e Semiótica, Pesquisador e Professor no
Departamento de Computação da PUC-SP e no Programa de Pós-graduação em Tecnologias da Inteligência e
Design Digital da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP. E-mail: petry@pucsp.br
1) O que você achou que era o jogo em primeiro lugar quando começou a jogar?
2) Diga o que você mais você gostou no jogo? Comente.
3) O que você sentiu ao jogar Myst?
4) Foi fácil ou difícil jogar o jogo? Explique.
5)Havia alguma coisa que você não percebeu na primeira vez, que somente viu depois que
passou pelo lugar a segunda ou terceira vez?
6) Sua velocidade ao “caminhar” no jogo manteve-se sempre a mesma desde o início?
7) Você leu o diário de Atrus?
8) Ao jogar Myst você fez anotações?
9) Myst tem vários puzzles, você se lembra de algum que tenha passado com facilidade? Conte
como foi. Houve algum momento difícil para passar que você não conseguiu? Comente esse
momento. Existe algum puzzle que um colega o ajudou a resolver? Qual foi e como ele o
ajudou?
10) Você gostaria de jogar um jogo como Myst no horário das aulas? Explique.
ANEXO 4
Livros Grátis
( http://www.livrosgratis.com.br )
Milhares de Livros para Download:
Baixar livros de Administração
Baixar livros de Agronomia
Baixar livros de Arquitetura
Baixar livros de Artes
Baixar livros de Astronomia
Baixar livros de Biologia Geral
Baixar livros de Ciência da Computação
Baixar livros de Ciência da Informação
Baixar livros de Ciência Política
Baixar livros de Ciências da Saúde
Baixar livros de Comunicação
Baixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNE
Baixar livros de Defesa civil
Baixar livros de Direito
Baixar livros de Direitos humanos
Baixar livros de Economia
Baixar livros de Economia Doméstica
Baixar livros de Educação
Baixar livros de Educação - Trânsito
Baixar livros de Educação Física
Baixar livros de Engenharia Aeroespacial
Baixar livros de Farmácia
Baixar livros de Filosofia
Baixar livros de Física
Baixar livros de Geociências
Baixar livros de Geografia
Baixar livros de História
Baixar livros de Línguas
Baixar livros de Literatura
Baixar livros de Literatura de Cordel
Baixar livros de Literatura Infantil
Baixar livros de Matemática
Baixar livros de Medicina
Baixar livros de Medicina Veterinária
Baixar livros de Meio Ambiente
Baixar livros de Meteorologia
Baixar Monografias e TCC
Baixar livros Multidisciplinar
Baixar livros de Música
Baixar livros de Psicologia
Baixar livros de Química
Baixar livros de Saúde Coletiva
Baixar livros de Serviço Social
Baixar livros de Sociologia
Baixar livros de Teologia
Baixar livros de Trabalho
Baixar livros de Turismo