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2.2.2 – Mário de Andrade
Além de ter sido o grande guru da música nacionalista no Brasil, Mário de
Andrade foi, segundo Kiefer (1983), o verdadeiro mentor intelectual de Francisco Mignone,
pois o ajudou a fixar-se dentro dessa nova corrente musical.
Mignone conheceu Mário de Andrade no Conservatório Dramático e Musical
de São Paulo, onde eram companheiros de classe e formaram-se juntos em piano no ano de
1917. Em depoimento ao Museu da Imagem e do Som (1991), Mignone conta sobre o
contato inicial entre os dois:
Conhecia o Mário de vista, mesmo moço, já incipientemente calvo. Não sabia
quem era esse rapaz que estava em toda parte: eu ia a uma reunião, estava o
Mário; a um teatro, estava o Mário; a um cinema, estava o Mário. Ele chegava
com aquela cara muito característica de saxofone. Numa ocasião, o João Gomes
de Araújo apresentou uma ária da ópera, Carmosina, cantada por um tenor, e
quem era o tenor? Mário de Andrade. A ária começava com a expressão italiana
Nessuno è qui, ele ficou com esse apelido; minha mãe, que estava na audição,
disse: ‘esse rapaz é um Nessuno è qui.’ Noutra ocasião no Bijou Teatro – um
cinema – o Mário de Andrade assistia a uma sessão, boquiaberto, e esqueceu o
chapéu do lado. Mal ele saiu, vi o chapéu e corri atrás para entregar-lhe. Aquela
figura me interessava, mas eu não sabia que era o Mário. Nessa época, eu ia a um
colégio e virava na esquina da rua Visconde do Rio Branco com o Largo do
Paissandu, onde morava o Mário, e eu ouvia sempre alguém tocar piano, fazendo
umas escalas rapidíssimas. Ficava ouvindo esse piano, sem saber quem era.
Finalmente, antes de fazer minhas provas no Conservatório, meu pai disse-me
que eu deveria estudar Estética e Física com o Mário de Andrade e me deu o
endereço. Eu fui, então, com um bilhete de apresentação escrito por meu pai.
Cheguei lá, bati na porta, demoraram para abrir mas finalmente veio uma
velhinha e me perguntou o que eu queria. Entrei e esperei numa sala até que o
Mário apareceu, com um roupão muito engraçado. ‘Então, esse é o Mário de
Andrade, o cantor, o tal do chapéu’, pensei. Ele me deu um livro sobre estética, e
disse para eu estudar e aparecer na próxima vez. Tive umas sete ou oito aulas Um
dia ele me chamou para tocar piano e ficou admirado com as coisas que eu
mostrei. Perguntou se eram minhas, como eu fazia para compor. Eu falei que
sentava no piano e começava a tocar. Ele chamou meu pai e disse: ‘seu filho tem
muito talento para composição, ele tem que estudar composição.’.
Em 1929, quando voltou da Europa, Francisco Mignone retomou a amizade
com Mário. Então começou um longo conflito entre o compositor, influenciado pela música
italiana, e Mário de Andrade, defensor de uma música brasileira e inimigo do italianismo na
vida musical de São Paulo.